Você está na página 1de 32

ISSN 2358-3223

Revista Nacional de
Direito de Família e Sucessões
Ano VII – Nº 41
Mar-Abr 2021

Classificação Qualis/Capes: B4

Editor
Fábio Paixão

Coordenador
Mário Luiz Delgado

Conselho Científico
Álvaro Villaça Azevedo
Águida Arruda Barbosa
Cibele Pinheiro Marçal Tucci
Débora Brandão
Débora Gozzo
Fernanda Tartuce
Gilberto Fachetti Silvestre
Jones Figueirêdo Alves
Luis Felipe Salomão
Marília Xavier
Paula Victor (Portugal)
Rodolfo Pamplona Filho
Rodrigo Toscano de Brito
Rui Portanova
Ursula Basset (Argentina)

Colaboradores deste Volume


Adriane Medianeira Toaldo – Bruno Andreoli Vargas de Almeida Braga
Carine Volz Zaiosc – Carolina Gontijo Alves – Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas
Deborah Azevedo Freire – Dinah Silva Lima – Eleonora G. Saltão de Q. Mattos
José Eduardo Coelho Dias – Leonardo de Faria Beraldo – Maria Clara Souza Alencar
Mario Godoy – Renato Horta Rezende – Rodrigo Mazzei – Silvia Felipe Marzagão
Taisa Maria Macena de Lima – Thiago Aguiar de Pádua
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões
Publicação bimestral da LexMagister à qual se reservam todos os direitos, sendo vedada a
reprodução total ou parcial sem a citação expressa da fonte.

A responsabilidade quanto aos conceitos emitidos nos artigos publicados é de seus autores.

Artigos podem ser encaminhados via site (http://www.lexmagister.com.br/EnviarArtigos.aspx).


Não devolvemos os originais recebidos, publicados ou não.

As íntegras dos acórdãos aqui publicadas correspondem aos seus originais, obtidos junto ao
órgão competente do respectivo Tribunal.

Esta publicação conta com distribuição em todo o território nacional.

A editoração eletrônica foi realizada pela LexMagister, para uma tiragem de 5.000 exemplares.

Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões


v. 1 (jul./ago. 2014)-.– Porto Alegre: LexMagister, 2014-
Bimestral. Coordenação: Mário Luiz Delgado.

v. 41 (mar./abr. 2021)
ISSN 2358-3223

1. Direito de Família – Periódico. 2. Direito de Sucessão – Periódico.

CDU 347.6(05)
CDU 347.65(05)

Ficha catalográfica: Leandro Lima – CRB 10/1273


Capa: Apollo 13

LEXMAGISTER
Diretor: Fábio Paixão.

IASP – INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO


Presidente: Renato de Mello Jorge Silveira
Vice-Presidente: Vitorino Francisco Antunes Neto
Diretor Administrativo: Diogo Leonardo Machado de Melo
Diretor Financeiro: Jairo Saddi
Diretora Cultural: Ana Luiza Nery
Diretora de Comunicação: Fabiana Lopes Pinto Santello

Comissão de Estudos de Direito de Família e das Sucessões: Águida Arruda Barbosa, Álvaro Villaça Azevedo, Caetano Lagrasta,
Carolina Scatena do Valle, Cassio Sabbagh Namur, Cibele Pinheiro Marçal Tucci, Clarissa Bernardo, Cláudia Stein Vieira, Débora
Brandão, Débora Gozzo, Fernanda Tartuce, Flávio Murilo Tartuce Silva, Gabriele Tusa, Jones Figueirêdo Alves, José Fernando Simão,
Marco Antonio Fanucchi, Maria Fernanda Vaiano S. Chammas, Mário Luiz Delgado, Natalia Imparato, Renata Mei Hsu Guimarães,
Renata Silva Ferrara, Silvano Andrade do Bonfim, Valeria Lagrasta Luchiari.

LexMagister IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo


Rua 18 de Novembro, 423 Avenida Paulista, 1636 – 15º andar – Cj. 1509 – Bela Vista
Porto Alegre – RS – 90.240-040 São Paulo – SP – 01310-200
magister@editoramagister.com iasp@iasp.org.br
www.lexmagister.com.br www.iasp.org.br
Adeus, Zeno!

No dia 18 de março de 2021, no final de uma tarde chuvosa de verão,


na capital do Estado de São Paulo, o Direito brasileiro perdeu um dos seus
mais expressivos e admirados juristas, verdadeiro ícone para os que trabalham
com o Direito de Família e das Sucessões. Um homem à frente do seu tempo
e que contribuiu para grandes mudanças na sociedade brasileira, operadas pela
legislação e pela jurisprudência.
Da Constituição de 1988 ao Código Civil de 2002, eis que trabalhou na
Assembleia Nacional Constituinte e assessorou a relatoria do projeto de Có-
digo, é possível identificar a sua presença como doutrinador e marco teórico.
Sua doutrina também influenciou mudanças paradigmáticas na jurisprudência,
como é o caso da possibilidade jurídica da união estável e do casamento de pes-
soas do mesmo sexo e da equiparação entre cônjuges e companheiros no que
tange à concorrência sucessória. José Fernando Simão, em bela homenagem
feita ao mestre, lembra que ele foi o grande artífice da declaração do Supremo
Tribunal Federal na Repercussão Geral nº 809 e que, apenas no voto do relator
Ministro Barroso, foi citado dez vezes. Simão ainda localizou 41 menções ao
seu nome em acórdãos do STF, de sua obra Controle Jurisdicional de Constitucio-
nalidade, em diversas decisões. No STJ, são 15 acórdãos e 36 decisões mono-
cráticas, citando sua obra Invalidade do Negócio Jurídico, suas colunas do Jornal O
Liberal, o livro Condição, Termo e Encargo, além da já citada obra de controle de
constitucionalidade. Flávio Tartuce, em texto recente, também destacou a sua
defesa pela aplicação da Súmula nº 377 do STF, com fundamento da vedação
do enriquecimento sem causa de um dos consortes frente ao outro, bem como
a possibilidade do seu afastamento por pacto antenupcial, e que veio a inspirar
decisões de vários tribunais.
Refiro-me, por óbvio, a ZENO AUGUSTO BASTOS VELOSO.
Conhecemo-nos, pessoalmente, nos idos de 1999 quando eu assessorava
o saudoso Deputado Ricardo Fiuza, então Relator-Geral do Projeto de Código
Civil na Câmara Federal. Eu estava no Recife, no escritório de advocacia que
mantinha em sociedade com aquele parlamentar, quando avisa-me a secretária
de um telefonema. Nessa época, ainda principiava meus estudos de Direito
Civil, mas o nome de quem me chamava do outro lado da linha não poderia
ser-me indiferente, até porque já ouvira referências ao jurista de reputação
internacional.
Ao telefone apresentou-se com excessiva simplicidade, própria das pes-
soas de grande saber. Disse-me que havia oferecido sugestões de emendas ao
projeto de Código Civil durante o início da tramitação legislativa, na década de
1980, e colocava-se à disposição para tornar a colaborar. Com o seu jeito bem-
humorado de ser logo perguntou se poderia nos visitar na semana seguinte,
ocasião em que viria a Pernambuco proferir palestra. Almoçamos juntos, eu,
Zeno e Ricardo Fiuza e fomos instantaneamente conquistados pela simpatia
de boa-praça, incapaz, no entanto, de esconder a profundidade de sua cultura
jurídica.
A partir dali, tivemos no professor não apenas um consultor da relatoria,
mas um verdadeiro baluarte e ardoroso defensor do futuro Código Civil brasi-
leiro, a cerrar trincheiras pela aprovação do projeto e subsequente sanção da lei.
Lembro-me de todos os telefonemas que trocamos, nos quais Zeno ma-
nifestava, ora a sua preocupação com a redação de determinados dispositivos,
ora com as manifestações contrárias à aprovação do projeto de emanadas de
tantos colegas seus de academia.
Quando o Código Civil foi finalmente sancionado no dia 10 de janeiro
de 2002, estávamos lado a lado naquela solenidade histórica realizada no Palácio
do Planalto, com a presença dos mais altos dignitários da República.
Estivemos juntos desde então. Foi o grande incentivador da minha car-
reira acadêmica. Fez a apresentação do meu primeiro livro e depois prefaciou
outros tantos. Introduziu-me no meio acadêmico, apresentando-me a grandes
juristas no Brasil e no exterior.
Meu querido amigo Zeno Veloso, não tenho palavras para externar a dor
por tua partida tão precoce, com tanto ainda por nos ensinar. Também não tenho
como agradecer todo o afeto, o apoio, o estímulo, os conselhos, os sorrisos e o
crescimento pessoal e intelectual que generosamente me proporcionaste nesses
mais de 20 anos de amizade. Não conheci ninguém mais generoso.
Vai ser muito difícil não poder mais te ligar e ouvir a tua opinião sobre
temas e teses, dos mais prosaicos aos mais difíceis. Foram tantos encontros,
tantos congressos, tantas palestras, tantos livros, tanta coisa que fizemos juntos,
que perdemos nós teus amigos um pedaço de nossas vidas.
Foi um enorme privilégio ter estado ao teu lado nessa jornada que se
encerrou junto com o verão de 2021.

MÁRIO LUIZ DELGADO


Doutor em Direito Civil (USP)
Mestre em Direito Civil Comparado (PUC-SP)
Presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões do IASP
Sumário
Doutrina
1. Nomeação do Inventariante: Critérios para (Interpretar) e Aplicar o Art.
617 do CPC
Rodrigo Mazzei e Deborah Azevedo Freire.................................................................. 7
2. A Fase Pré-Instrumental do Planejamento Sucessório como Elemento
Garantidor de sua Eficiência
Eleonora G. Saltão de Q. Mattos e Silvia Felipe Marzagão........................................ 32
3. Dever Legal de Fidelidade Recíproca dos Cônjuges: entre os Alimentos
Naturais e a Exoneração por Procedimento Indigno
Renato Horta Rezende.............................................................................................. 52
4. Notas em Torno da Desconsideração da Personalidade Jurídica na
Execução do Débito Alimentar
Mario Godoy........................................................................................................... 71
5. O Uso da Violência na Educação de Crianças: Assunto Público ou
Convenção Privada?
Bruno Andreoli Vargas de Almeida Braga.................................................................. 85
6. Divórcio Decretado Após a Morte: a Valorização da Autonomia Privada
em Caso de Falecimento do Cônjuge ao Longo do Processo de Divórcio
Carolina Gontijo Alves, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas e
Maria Clara Souza Alencar.................................................................................... 107
7. A Multiparentalidade Socioafetiva e suas Implicações no Direito
Sucessório, Previdenciário e de Família
Carine Volz Zaiosc e Adriane Medianeira Toaldo..................................................... 119
8. Uma Crítica do Divórcio em Cartório com a Presença de Incapazes:
uma Visão Protetiva e Preventiva desde o “Espelho da Rainha Má”
Preconizado por Rita Segato
Dinah Silva Lima e Thiago Aguiar de Pádua......................................................... 132
9. Planos de Parentalidade
José Eduardo Coelho Dias...................................................................................... 144

Opinião Legal
1. Alimentos: os Principais Julgamentos Ocorridos no Segundo Semestre
do Ano de 2020 no Superior Tribunal de Justiça
Leonardo de Faria Beraldo e Taisa Maria Macena de Lima...................................... 160
Jurisprudência
1. Superior Tribunal de Justiça – Habeas Corpus. Execução. Prisão Civil por
Alimentos. Regime de Cumprimento da Prisão Civil do Devedor de
Alimentos Durante a Pandemia Causada pelo Coronavírus Após a Perda
de Eficácia do Art. 15 da Lei nº 14.010/2020. Imediato Cumprimento
da Prisão em Regime Fechado. Impossibilidade. Substituição da
Prisão em Regime Fechado pelo Regime Domiciliar ou Diferimento
do Cumprimento em Regime Fechado. Impossibilidade de Fixação
Apriorística e Rígida do Regime sem Considerar as Circunstâncias
Específicas de Cada Hipótese. Escolha a Critério do Credor dos
Alimentos que, em Tese, Poderá Indicar a Medida Potencialmente
mais Eficaz Diante das Especificidades da Causa e do Devedor. Adoção
pelo Juiz, de Ofício ou a Requerimento, de Outras Medidas Indutivas,
Coercitivas, Mandamentais ou Sub-Rogatórias, Inclusive Cumulativas
ou Combinadas. Possibilidade
Relª Minª Nancy Andrighi..................................................................................... 170
2. Superior Tribunal de Justiça – Ação de Extinção de Condomínio
c/c Cobrança de Aluguéis. Direito Real de Habitação. Companheira
Supérstite. Negativa de Prestação Jurisdicional. Não Configuração.
Extinção de Condomínio e Alienação de Imóvel Comum. Inviabilidade.
Aluguéis. Descabimento. Julgamento: CPC/2015
Relª Minª Nancy Andrighi..................................................................................... 176
3. Tribunal de Justiça do Distrito Federal – Recurso Adesivo. Arbitramento
de Aluguel. Direito Real de Habitação. Cônjuge Sobrevivente.
Imóvel Destinado à Residência. Outros Imóveis de Natureza Diversa.
Possibilidade. Ressalva para Constituição de Nova Família. Lei nº
9.278/96. Termo Inicial. Citação
Rel. Des. Mario-Zam Belmiro................................................................................ 187
4. Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do
Sul – Ação de Reparação de Danos. Envio de Mensagens Ofensivas e
Perturbadoras por Celular e e-Mail de Forma Anônima Durante Longo
Período de Tempo
Rel. Juiz Cleber Augusto Tonial.............................................................................. 198
Doutrina

Nomeação do Inventariante: Critérios para


(Interpretar) e Aplicar o Art. 617 do CPC
Rodrigo Mazzei
Mestre (PUC-SP); Doutor (FADISP) e Pós-Doutoramento
(UFES); Líder do Núcleo de Estudos em Processo e
Tratamento de Conflitos (NEAPI – UFES); Professor da
UFES (Graduação e PPGDir); Advogado e Consultor
Jurídico; e-mail: reismazzei@gmail.com.

Deborah Azevedo Freire


Mestranda (UFES) e Advogada; e-mail: deborahazfr@gmail.com.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo identificar os critérios objetivos


para a correta aplicação do art. 617 do Código de Processo Civil, que dispõe de
rol de referência para a nomeação do inventariante. Para tanto, inicialmente,
será realizada uma breve análise do perfil do inventariante, identificando-se as
funções que serão por ele exercidas no processo de inventário. Em um segundo
plano, demonstrar-se-á a necessidade do enquadramento do art. 617 ao atual
direito sucessório, que tem engendrado o aumento das áreas de conflitos de
interesses entre legitimados ao exercício da inventariança e da complexidade
da administração do espólio. Por fim, serão ponderados os critérios objetivos
fundamentais para a administração da herança que devem ser sopesados no caso
concreto para a correta aplicação do art. 617 pelo julgador.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Sucessório. Inventário Causa Mortis. Nomeação.


Inventariante. Administração. Herança.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Perfil do Inventariante: Análise para Preenchi-


mento do Art. 617. 2 O Aumento das Áreas de Conflitos de Interesses entre
os Legitimados à Inventariança como Decorrência do Direito Material Atual.
3 A Indispensável Análise da Capacidade do Inventariante para o Exercício
da Administração do Patrimônio Hereditário. 4 A Natureza Residual do Rol
de Referência do Art. 617. 5 Rol de Referência para a Nomeação Adjudicada
do Inventariante. 6 A Importância da Inventariança Dativa no Quadro Atual.
Conclusão. Referências.

Introdução
O presente trabalho tem como foco principal efetuar a análise do texto
do art. 617 do Código de Processo Civil atual (CPC/2015) e busca trazer
contribuição efetiva acerca de tema nervoso que envolve o inventário causa
mortis, qual seja a nomeação judicial do protagonista da inventariança.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
8

A análise do texto do art. 617 do CPC/20151 não revela a existência de


qualquer controvérsia na aplicação do dispositivo, tendo em vista que firme
dicção do seu caput prevê que a nomeação do inventariante segue uma ordem,
cujo comando se reflete em rol de oito incisos, inexistindo abertura para a
aplicação do dispositivo senão a designação na sequência determinada. Mais
ainda, a leitura isolada no art. 617 cria a (falsa) impressão de que o diploma
em vigor corrigiu falha contida no diploma revogado (CPC/73), na medida
em que o artigo correspondente na legislação superada (art. 9902) não trazia a
explicitação cravada na cabeça do dispositivo atual, omissão também presente
na primeira codificação processual civil (CPC/1939, art. 4693) e no primitivo
Código Civil de 1916 (art. 1.5744), textos legais também superados e que
chegaram a tratar por algum tempo do tema (= designação do inventariante).

1 “Art. 617. O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem: I – o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que
estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste; II – o herdeiro que se achar na posse e na administração
do espólio, se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados; III – qual-
quer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na administração do espólio; IV – o herdeiro menor, por seu
representante legal; V – o testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração do espólio ou se toda a herança
estiver distribuída em legados; VI – o cessionário do herdeiro ou do legatário; VII – o inventariante judicial, se houver;
VIII – pessoa estranha idônea, quando não houver inventariante judicial. Parágrafo único. O inventariante, intimado
da nomeação, prestará, dentro de 5 (cinco) dias, o compromisso de bem e fielmente desempenhar a função.”
2 A redação original do CPC/73 era a seguinte: “Art. 990. O juiz nomeará inventariante: I – o cônjuge sobrevivente
casado sob o regime de comunhão, desde que estivesse convivendo com outro ao tempo da morte deste; II – o
herdeiro que se achar na posse ou administração do espólio, se não houver cônjuge supérstite ou este não puder ser
nomeado; III – qualquer herdeiro, nenhum estando na posse e administração do espólio; IV – o testamenteiro, se lhe
foi confiada a administração do espólio ou toda a herança estiver distribuída em legados; V – o inventariante judicial,
se houver; VI – pessoa estranha idônea, onde não houver inventariante judicial. Parágrafo único. O inventariante,
intimado da nomeação, prestará, dentro de 5 (cinco) dias, o compromisso de bem e fielmente desempenhar o car-
go”. Por meio da Lei nº 12.195/2010, alteraram-se os incisos I e II do art. 990, que passaram a ostentar os seguintes
textos, respectivamente: “I – o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro
ao tempo da morte deste; II – o herdeiro que se achar na posse e administração do espólio, se não houver cônjuge
ou companheiro sobrevivente ou estes não puderem ser nomeados”.
3 O texto original sobre a nomeação do inventariante no CPC/1939 era o seguinte: “Art. 469. A nomeação de inventariante
recairá: I – no cônjuge sobrevivente, quando de comunhão o regime do casamento, salvo si, sendo a mulher, não estivesse
convivendo com o marido ao tempo da morte deste; II – no herdeiro que se achar na posse e administração dos bens, na
falta de cônjuge sobrevivente ou quando este não puder ser nomeado; III – no herdeiro mais idôneo, si nenhum estiver
na posse dos bens; IV – no testamenteiro, quando não houver cônjuge ou herdeiro, ou quando o testador lhe conceder
a posse e a administração da herança por não haver cônjuge ou herdeiro necessário; V – em pessoa estranha, idônea, na
falta de cônjuge, herdeiro ou testamenteiro, onde não houver inventariante judicial”. O referido texto sofreu alteração
na década de 1960, por meio da Lei nº 4.121/62, passando a ter a seguinte redação: “Art. 469. A nomeação de inventa-
riante recairá: I – No cônjuge sobrevivente quando da comunhão o regime do casamento, salvo se, sendo a mulher não
estivesse, por culpa sua, convivendo com o marido ao tempo da morte dêste; II – No herdeiro que se acha, na posse
de administração dos bens, na falta de cônjuge sobrevivente ou quando êste não puder ser nomeado; III – No herdeiro
mais idôneo, se nenhum estiver na posse dos bens; IV – No testamenteiro quando não houver cônjuge ou herdeiro,
ou quando o testador lhe conceder a posse e a administração da herança por não haver cônjuge ou herdeiro necessário;
V – Em pessoa estranha na falta de cônjuge, herdeiro ou testamenteiro onde não houver inventariante judicial”.
4 O texto inicial do CC/1916 era o seguinte: “Art. 1.579. Ao cônjuge sobrevivente, no casamento por comunhão de
bens, cabe continuar, até a partilha, na posse da herança, com cargo de cabeça do casal. § 1º Se, porém, o cônjuge
sobrevivo for a mulher, será mister, para isso, que estivesse vivendo com o marido, ao tempo de sua morte. § 2º Na
falta de cônjuge sobrevivente, a nomeação de inventariante recairá no co-herdeiro que se achar na posse corporal e
na administração dos bens. Entre co-herdeiros, a preferência se graduará pela idoneidade. § 3º Na falta de cônjuge
ou de herdeiros, será inventariante o testamenteiro”. A redação em voga foi alterada pela Lei nº 4.121/62, inserindo-
se nova redação, a saber: “Art. 1.579. Ao cônjuge sobrevivente, celebrado sôbre regime da comunhão de bens cabe
continuar até a partilha na posse da herança com o cargo de cabeça do casal. § 1º Se porém o cônjuge sobrevivo fôr
a mulher, será mister, para isso que estivesse vivendo com o marido ao tempo de sua morte, salvo prova de que essa
convivência se tornou impossível sem culpa dela. § 2º Na falta de cônjuge sobrevivente, a nomeação de inventariante,
recairá no co-herdeiro que se achar na posse corporal e na administração dos bens. Entre co-herdeiros a preferência
se graduará pela idoneidade. § 3º Na falta de cônjuge ou de herdeiro, será inventariante o testamenteiro”.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 9

A análise da questão, todavia, não é puramente de leitura e aplicação


gramatical, tendo em vista que assuntos variados envolvem a nomeação do
inventariante. Vale dizer, no ponto, que é necessário que se compreenda a
dimensão da própria figura, identificando corretamente a função no inventário
sucessório, assim como as relações decorrentes do exercício da inventariança.
Demais disso, há forte influxo de direito material sobre o assunto que não pode
ser desprezado, evidenciando-se que a designação do inventariante judicial
nos dias atuais está sob cenário de conflitos que não se alinham com os que
ordinariamente eram projetados no século 20, seja a época da promulgação dos
códigos primeiros (CC/1916 e CPC/1939), seja quando da edição do CPC/73.
Com a apresentação e abordagem em cenário amplo, será investigada
não só a natureza da listagem do art. 617 (tratada adiante como rol de referência),
mas também (e em especial) apresentar critérios para que, quando necessário,
o juízo sucessório promova a designação do inventariante.

1 Perfil do Inventariante: Análise para Preenchimento do Art. 617


Para compreensão (e aplicação) do art. 617 do CPC/2015, faz-se ne-
cessário fixar as balizas sobre a figura do inventariante, missão que será feita
a partir da análise do perfil consolidado ao longo dos tempos, da constatação
de existência de pontos comuns com outros personagens e da identificação
de particularidades que não estão inseridas na redação dos dispositivos legais.
Sem dúvida, a compreensão dos efeitos da morte da pessoa natural pela ótica
do direito sucessório é de grande apoio para a compreensão da função que
será exercida pelo inventariante.
De um modo geral, faz-se a alusão ao inventariante como a pessoa que
ocupará a função do administrador provisório (arts. 613-615 do CPC/2015 e
arts. 1.797 e 1.991 do CC/02), no sentido de representar extrajudicialmente
o espólio, administrando-o e zelando pelos bens que o integram. Todavia,
ainda que tais atribuições sejam inerentes à inventariança, é capital observar
que não se trata de atividade que visa apenas à conservação do patrimônio de
pessoa falecida, ainda que no interesse de grupo de interessados, postura que
marca a administração provisória. Há de se compreender que o exercício da
inventariança envolve missão mais ampla e com finalidade específica que não
está fixada nas atribuições do administrador provisório.
Com efeito, a atuação do inventariante é exigida em razão dos (possíveis)
efeitos patrimoniais que a morte da pessoa natural gera, tendo em vista que
com o óbito há uma mudança no contexto das relações que o falecido possuía
em vida. O inventariante será o responsável pela regularização da situação,
atuando para que formalmente seja fechado o ciclo de relações jurídicas do
falecido, notadamente as de natureza patrimonial. Note-se, no entanto, a sua
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
10

finalidade precípua é o desfecho do condomínio hereditário presumivelmente


formado (arts. 1.784 e 1.791 do CC/02), encerrando-se os efeitos da sucessão,
se possível, com a distribuição de patrimônio aos beneficiários e atraídos pela
herança. Não é, pois, ocasional o dueto “do inventário e da partilha”, presente
tanto no CPC/2015 quanto no CC/02.
Diante da própria expectativa criada na legislação de que o desfecho
do inventário será positivo e de que aquele que morre deixará mais de um
herdeiro, projeta-se a partilha como o ato final do labor do inventariante. No
sentido, a letra da lei é clara ao dispor que o inventariante assume a admi-
nistração da herança após gestão precária do administrador provisório (arts.
613-614 do CPC/2015) e permanece em tal função até a “homologação da
partilha” (art. 1.991 do CC/02 c/c o art. 647 do CPC/2015). Às claras, trata-se
de função temporária e com atribuições que são detalhadas a partir da dinâmica
que envolve a administração da herança e o seu fim presumível (partilha)5.
O quadro posto acima é ratificado quando se nota que as incumbências
do inventariante (arts. 618 e 619 do CPC/2015) têm como objetivo dar fim
ao condomínio patrimonial que se pressupõe será formado com a morte de
pessoa natural, não sendo ocasional a aplicação das regras condominiais para
o inventário (art. 1.791, parágrafo único, do CC/02), remetendo-se, em ciclo
inverso, disposições sobre partilha para o direito condominial (art. 1.321 do
CC/02)6.
Prestado o compromisso, terá o inventariante a função de identificar os
participantes do condomínio hereditário (cada qual em sua posição jurídica
particular, por exemplo: herdeiro legal e herdeiro testamentário), assim como
os demais interessados no seu desfazimento (por exemplo: “meeiro”, legatário
e credor), a fim de que sejam todos acomodados no inventário, permitindo
a participação destes ao longo do procedimento, na sequência de fases que
lhe compõe.
A tarefa de encerramento de condomínio patrimonial pressupõe, no
entanto, que exista massa patrimonial, razão pela qual a arrecadação é medida
que faz parte das atribuições do inventariante7. Caso a empreitada seja positiva,
sendo localizado patrimônio que foi alcançado pela abertura da sucessão, o
inventariante terá que distribuí-lo a partir dos blocos patrimoniais que po-

5 Próximo: ARAÚJO, Luciano Vianna. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 539-925. Coord. Cassio Scarpinella
Bueno. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 2. p. 191.
6 As regras de partilha do inventário podem ser aplicadas para dar fim a toda forma de condomínio. No sentido, o art.
731 do CPC/2015, parágrafo único, faz alusão aos arts. 647-658 do mesmo diploma, para os casos de cônjuges não
acordarem sobre a partilha dos bens.
7 A leitura quanto ao teor das primeiras declarações (art. 626 do CPC/2015) demonstra que a primeira tarefa do inven-
tariante está em dimensionar o condomínio hereditário, com a identificação dos seus condôminos (e interessados),
assim como a massa de bens que é formada.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 11

dem ter se formado, já que é ilusório pensar que no modelo atual do direito
sucessório, haverá sempre apenas relação condominial unitária8.
Avaliado o patrimônio e confrontado às obrigações que vinculam o
espólio, será feita a liquidação, dando-se fim ao “grande condomínio” for-
mado com a abertura da sucessão, procedimento este que admitirá variações
de desfecho.
As premissas trazidas permitem absorver as nuances sobre os efeitos da
sucessão e as funções que serão exercidas pelo inventariante. Fica evidenciado,
portanto, que a titularidade da herança será dos herdeiros, mas o inventariante
que será o administrador pela direção do patrimônio até que seja individu-
alizado9, processo este que não é simples e passará por diversas fases. Por tal
passo, diante do feixe de atribuições que lhe são dirigidas, é natural que as
funções do inventariante devam ser exercidas de forma transparente, fato que
reclama não apenas a necessidade de prestação de contas, mas da busca de
consenso junto aos interessados, o que reclamará a oitiva constante destes10.
Diante desse quadro, a inexistência de conflito de interesses é um dos pon-
tos nervosos na escolha do inventariante, pois é perfeitamente normal que
as pessoas indicadas no rol do art. 617 tenham que lidar com os “interesses
condominiais” em confronto aos seus interesses pessoais. Tirando-se como
exemplo a arrecadação, o cônjuge/companheiro sobrevivente (se nomeado
inventariante – art. 617, I) terá que definir se determinado bem está na titula-
ridade pessoal (bem particular) ou se foi alcançado pela comunhão patrimonial
em vida com o falecido, sendo que a opção levada a cabo poderá diminuir a
massa patrimonial do espólio. Em outra ilustração, o herdeiro (art. 617, II)
que recebeu doação em vida terá que efetuar a colação, procedimento este
que também afeta seu direito individual e o monte hereditário, não apenas em
relação à colocação do bem dentro ou fora do espectro do espólio, mas também

8 No sentido, em exemplificação, quando a abertura da sucessão contiver descendentes diretos do falecido e a presença
de cônjuge/companheiro sobrevivente que contraiu o regime da comunhão parcial com o falecido (art. 1.829, I, do
CC/02), será necessária a análise sobre a possível formação de dois blocos patrimoniais distintos, a saber: (a) bens
particulares e (b) bens em comunhão. Na ilustração, em relação aos bens em comunhão o cônjuge/companheiro
sobrevivente não terá tratado como herdeiro, estando fora da relação condominial gerada pelos arts. 1.784 e 1.791
do CC/02, mas não deixa de ser tratado como condômino patrimonial, diante da colagem externa da meação ao
condomínio hereditário. De forma diversa, em relação aos bens particulares, forma-se condomínio único, pois
em tal bloco o cônjuge/companheiro sobrevivente é tratado como herdeiro. Sobre a dinâmica formação de blocos
patrimoniais distintos, confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 610 a 673. Coord.
José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Bondioli e José Francisco Naves da Fonseca. São Paulo: Saraiva, no
prelo. v. XXII.
9 No sentido: GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume único. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 1.444-1.445.
10 É fundamental que o contraditório seja pleno no inventário causa mortis. Apenas como exemplo da sua importância,
no ambiente da Lei nº 11.101/05, o contraditório qualificado enseja à formação de Comitê de Credores (art. 27) e
permite que falido fiscalize a administração da falência e postule para em prol da conservação de seus direitos ou
dos bens arrecadados (art. 103, parágrafo único). Sobre o transporte de técnicas iterativo do inventário sucessório
com a Lei nº 11.101/05, confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 610 a 673. Coord.
José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Bondioli e José Francisco Naves da Fonseca. São Paulo: Saraiva, no
prelo. v. XXII.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
12

no valor que será trazido em caso de resposta positiva, tendo em vista que o
parágrafo único do art. 639 do CPC/2015 remete à avaliação contemporânea
à abertura da sucessão.
Registre-se que o conflito de interesses que surge em razão da inventa-
riança com os interesses pessoais do nomeado (como interessado na herança)
tem sido analisado, na maioria das vezes, a partir de visão retrospectiva, ou seja,
para decidir acerca da remoção de inventariante11, quando deveria ser feita
de forma prospectiva, isto é, levando-se em conta os problemas que a eleição
pode causar no plano abstrato pela projeção da conflituosidade, em vez de
concretamente aguardar a ocorrência de ilícito na administração na herança.
Assim, a “colisão de interesses” é utilizada como motivação para a remoção do
inventariante, mas, contraditoriamente, não é levada em consideração quando
se faz a designação judicial do protagonista da inventariança, abrindo espaço
para que quadro de alta conflituosidade se instale.
Não suficiente, diante da quantidade e da própria complexidade de me-
didas que deverão ser adotadas pelo inventariante, cujo quadro será flutuante
a partir das particularidades da herança (seja no plano objetivo dos bens, seja
no contexto subjetivo dos atores), é fundamental que o eleito tenha atributos
que permitam desenvolver as atividades a ele incumbidas. Com variações que
serão intrínsecas aos atores e ao próprio acervo que fará parte da abertura da
sucessão, o policentrismo12 e a multipolaridade13 que marcam o inventário

11 No sentido: “(...) a remoção do inventariante foi justificada pelo intenso dissenso entre a maioria dos herdeiros e
explícito conflito de interesses entre o inventariante e o espólio (o inventariante é sócio das empresas cujas cotas são
objeto de partilha), mencionando também desídia na condução do inventário (andamento lento sem perspectiva de
solução) e acusações de condutas graves na condução do cargo (utilização do acervo patrimonial para se enriquecer
ilicitamente). (...) O magistrado tem a prerrogativa legal de promover a remoção do inventariante caso verifique a
existência de vícios aptos, a seu juízo, a amparar a medida, mesmo que não inseridos no rol do art. 995 do Código
de Processo Civil de 1973. 4. Justifica-se a aplicação da medida de remoção quando o julgador atesta a ocorrência de
situação de fato excepcional, como, por exemplo, a existência de animosidade entre as partes, fatos ou condutas que
denotam desídia, má administração do espólio e mau exercício do múnus da inventariança. 5. A ordem de nomeação
de inventariante, prevista no art. 990 do Código de Processo Civil de 1973, não apresenta caráter absoluto, podendo
ser alterada em situação excepcional, quando tiver o juiz fundadas razões para tanto, sendo possível a flexibilização
e alteração da ordem de legitimados, inclusive com a nomeação de inventariante dativo, para se atender às peculia-
ridades do caso concreto. (...)” (STJ, AgInt no REsp 1.294.831/MG, 4ª Turma, DJe 20.06.2017)
12 O conceito de policentrismo foi introduzido na ciência jurídica por Lon Fuller. Para o autor, as situações policêntricas
são aquelas que possuem diversos pontos de influência com diferente distribuição de tensões. Para exemplificar,
Fuller utiliza a metáfora de uma teia de aranha. Um puxão em um dos fios distribuirá tensões com padrões com-
plexos por toda a teia. Dobrar o puxão original não apenas duplicará as tensões anteriores, mas implicará em uma
nova distribuição de tensões, com novos padrões complexos. Trata-se de uma situação policêntrica por existirem
“muitos centros”, na medida em que cada intersecção de fios é um centro de distribuição de tensões diferente. (The
forms and limits of adjudication. Harvard Law Review, v. 92, n. 2, p. 353-409, dez. 1978, p. 395). Veja-se, ainda, sobre
o tema: FLETCHER, William. The discretionary Constitucion: institucional remedies and judicial legitimacy. The
Yale Law Journal, vol. 91, n. 4, p. 635-697; VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios
coletivos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 584.
13 Em síntese, a multipolaridade pode ser identificada em sentido amplo (ainda que sob o aspecto processual) como a
existência de múltiplos interesses sobre o objeto tutelado, os quais podem se relacionar ou não, isto é, podem con-
vergir em relação a determinados pontos e divergir em relação a outros, ou sempre divergir. Sobre o tema, conferir:
DIDIER Jr., Fredie; ZANETI Jr., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 14. ed. Salvador: Juspodivm,
2020. p. 581; TEMER, Sofia. Participação no processo civil: repensando litisconsórcio, intervenção de terceiros e outras
formas de atuação. Salvador: Juspodivm, 2020; e EID, Elie Pierre. Multilateralidade no processo civil: divergência
de interesses em posições jurídicas. Revista de Processo, vol. 297, nov. 2019, p. 39-77.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 13

causa mortis projetam para o inventariante o desempenho de função que incluirá


a consecução de tarefas diversas, que se encadeariam em etapas lógicas (mas
com independência, ainda que relativa), em que a litigiosidade pode eclodir
a qualquer momento14.
Ao longo do seu trabalho (que, repita-se, terá por finalidade extinguir
o condomínio criado pela abertura da sucessão), caberá ao inventariante não
apenas as tarefas indicadas na legislação (em que se destaca a identificação da
posição jurídica dos interessados, a arrecadação, administração patrimonial e
a liquidação), mas também a prevenção e o equacionamento de conflitos15.
Por tal passo, apesar de não estar explicitado no art. 617, é imperioso que o
inventariante tenha vocação administrativa, já que suas funções reclamam tal
predicado, ficando essa situação mais evidenciada quando as relações patri-
moniais da herança forem mais complexas.
De toda sorte, é interessante notar que o art. 617, de certa forma, tenta
trabalhar com as duas questões acima postas, ou seja, nomeação de inventa-
riante que esteja afastado das áreas de colisão de interesses e que tenha aptidão
para capitanear o processo de liquidação, mas o seu apego estrutural ao art.
990 do CPC/73 foi uma opção absolutamente equivocada, não notando a mu-
dança do status de determinadas figuras que postou no seu rol, muito menos a
alteração do nível de complexidade em relação às titularidades na atualidade.

2 O Aumento das Áreas de Conflitos de Interesses entre os Legitimados


à Inventariança como Decorrência do Direito Material Atual
Conforme aduzido no tópico anterior, o rol do art. 617 possui franca
inspiração no elenco do art. 990 do CPC/73, seguindo a mesma linha estrutu-
ral. Note-se, por sua vez, que buscando raízes mais antigas, não há afastamento
completo do dispositivo comentado em relação aos arts. 469 do CPC/1939 e
1.579 do CC/02. Dessa forma, é capital compreender as mudanças no direito
de família no século XX, fazendo-se, no sentido, corte a partir da década de
1970, especialmente tendo como marco legal o CPC/73.
Com efeito, a nomeação de inventariante no CPC/73 tinha como pano
de fundo quadrante de direito material que não mais se mantém. Dentre as

14 Sobre o assunto, confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 610 a 673. Coord. José
Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Bondioli e José Francisco Naves da Fonseca. São Paulo: Saraiva, no prelo.
v. XXII. O assunto está abordado com mais vagar e detalhes pelo mesmo autor em estudo escrito especialmente para
homenagear o Professor Cândido Rangel Dinamarco: MAZZEI, Rodrigo. Ensaio sobre a multipolaridade e o policentrismo
(com projeção aos conflitos internos do inventário causa mortis), no prelo.
15 No tema, o inventariante também é um sujeito processual, aplicando-se sobre este o disposto no art. 3º do CPC/2015,
que prevê a necessidade de estimulação à resolução consensual dos conflitos e o uso de todos os métodos para tanto.
No tema, em análise ampla: MAZZEI, Rodrigo; CHAGAS, Bárbara Seccato Ruis. Métodos ou tratamentos adequados
de conflitos. In: JAYME, Fernando Gonzaga et al. (Org.). Inovações e modificações do Código de Processo Civil: avanços,
desafios e perspectivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2017. v. 1. p. 113-128.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
14

diferenças mais pulsantes, vale destacar que na entrada em vigor do CPC/73:


(a) o casamento era indissolúvel, (b) a comunhão universal era o regime legal
do casamento, (c) o cônjuge se posicionava como herdeiro concorrente de
descendentes ou ascendentes, (d) os efeitos patrimoniais do casamento só
seriam cessados após o desquite, não servindo a separação de fato para tanto, (e)
a união estável não era reconhecida, mantendo-se o casamento como única
forma de constituição de família16 e (f) o elenco da descendência sucessória
era reduzido em decorrência da discriminação na filiação. Os pontos acima
destacados não podem ser desprezados, pois estão fixados na legislação que
foi editada entre o CPC/73 e o CPC/2015, destacando-se: (I) Lei nº 6.515/77
(Lei de Divórcio), (II) a CF/88, (III) Leis ns. 8.971/94 e 9.278/96 (leis de
regulamentação da união estável) e (IV) CC/02.
Afora a mutação deflagrada pelo contexto legal, a visão acerca do patri-
mônio na década de 1970 era bem diversa do que se tem nos dias atuais, pois,
além de seguir uma cultura da acumulação patrimonial (que se aglomerava
durante gerações nas famílias), a propriedade era tida como espécie pratica-
mente única de titularidade, projetando-se para os bens de natureza duráveis.
O contexto fazia com que a administração do patrimônio da herança se fixasse
basicamente na conservação de bens duráveis, sendo que tais bens, na maioria
das vezes, eram provenientes de herança ou de aquisição com recursos pró-
prios, pois as linhas de crédito bancárias (e financiamentos respectivos) não
se colocavam em grande escala para a população.
Não há como se negar que as alterações legislativas, em que se desta-
cam – em dois pilares – a radical mudança da modulação de casamento e a
fragmentação da “família legítima”, abriram espaço para criação de áreas de
conflito no inventário causa mortis que eram inexistentes ou de rara ocorrência
quando da entrada em vigor do CPC/73. Apenas em rápidos exemplos, com a
eleição da comunhão parcial como regime legal pela Lei nº 6.515/77, aberta a
sucessão há a necessidade de apuração dinâmica do patrimônio do casal e do
individual de cada partícipe, sendo que para a aferição não se levará em conta
apenas curva temporal que se inicia com a relação conjugal (ou de convivên-
cia), mas também a natureza de cada uma das aquisições, pois algumas não
se comunicam (art. 1.660 do CC/02) enquanto outras são automaticamente
incorporadas em comunhão (art. 1.659 do CC/02), ainda que não formalizadas
com titularidade comum.
Perceba-se, pois, a grande diferença para o início da década de 1970,
quando se aplicava a comunhão universal como regime geral do casamen-
to, porquanto não era feita divisão de linha do tempo e as aquisições, salvo

16 A comunhão de fato, reconhecida na Súmula nº 380 do STF, não teve forma para ensejar regulação legal, fixando-se
seus efeitos apenas no plano patrimonial em decisões judiciais.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 15

exceções legais (art. 263 do CC/1916), eram projetadas para uma grande
massa, a ser dividida em dois após a sucessão. Considerando que a partir do
CC/02 o cônjuge e o companheiro passaram a ser tratados como herdeiros
concorrentes17, a análise da linha de comunicação de bens durante a relação,
notadamente no caso do regime de comunhão parcial, passou a ter colorido
mais pulsante. Isso, porque os bens particulares do falecido são tratados como
herança em favor do cônjuge/companheiro sobrevivo, que concorrerá com
os descendentes e ascendentes do autor da herança em tal parcela patrimonial
(art. 1.829, I, do CC/02).
A ilustração acima demonstra a importância do labor do inventariante
para a definição da massa hereditária, com tarefa muito mais complexa do que
a que era efetuada na época da entrada em vigor do CPC/73. O resultado da
empreitada alcançará não só os herdeiros (e seus eventuais cessionários), mas
a todos para os quais a análise das “forças da herança” é relevante, como é o
caso do legatário e dos credores em geral.
A complexidade e as áreas de conflito podem se tornar mais agudas
nos casos de falecimento de pessoa que teve relacionamento conjugal ou de
convivência anterior, sem que tenha se formalizado a partilha respectiva, ou
seja, houve o início de nova relação, sem que de forma antecedente a preté-
rita tivesse formalmente se encerrado no plano patrimonial18. Em tais casos,
seguindo-se a ideia de que todos adotaram o regime legal da comunhão parcial,
o cônjuge/companheiro que convivia com o falecido terá que apurar não o
contexto de bens particulares da sua relação, mas também da pretérita que já
se findou (seja por separação de fato, seja por decisão judicial), mas que não
houve a partilha de bens. Há análise de estado de mancomunhão19 para o inven-
tário sucessório, algo inimaginável quando da entrada em vigor do CPC/73.
Agrega-se mais complexidade quando se verifica, a partir da ilustração,
que o falecido deixou descendentes diversos, sendo que alguns não são comuns
com aquele que convivia no momento do óbito. A conjugação do art. 620, IV,
do CPC/2015 com o art. 2.002 fará com que o cônjuge/companheiro sobrevivo
tenha que apurar a necessidade de colação em relação aos descendentes do
falecido, sendo que no grupo há pessoas com quem possui laços familiares
(os de origem comum) e outras com as quais não possui vínculo no sentido
e, em certos casos, a relação pessoal nem sempre é amistosa.

17 E, posteriormente, igualando-se companheiro e cônjuge na posição de concorrência, por meio de equiparação pelo
STF (RE 646.721 e RE 878.694).
18 A própria legislação admite tais situações, consoante pode se aferir do texto dos arts. 1.562, 1.581, 1.723, § 1º, do
CC/02.
19 Finda a relação que escora o casamento ou a união estável, caso não seja efetuada a partilha, os bens e direitos dos
ex-consortes se reunirão sob o status mancomunhão, formando uma “massa juridicamente indivisível, indistintamente
pertencente a ambos” (STJ, REsp 1.274.639/SP, 4ª Turma, DJe 23.10.2017).
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
16

Seguindo-se no exemplo e partindo para situação mais nervosa, em


caso do falecido deixar descendentes diversos e que sejam provenientes de
relacionamentos que não o derradeiro do autor da herança, sendo um deles
nomeado inventariante, terá o eleito que exigir a colação de outros descenden-
tes, nada obstante ele próprio se postar na posição passiva de igual “obrigação
sucessória”, ou seja, estará administrando inventário em que hipoteticamente
poderá estar descumprindo o preceito legal do art. 2.002 do CC/02, que está
a exigir dos demais descendentes.
Os desenhos exemplificativos acima traçados demonstram que a arqui-
tetura legal do direito de família atual, muito além do projetado para a década
de 1970, permite que se forme clima conflituoso que se extrai de presumido
conflito de interesses. Em tais casos, as opções prioritárias do rol de referência do
art. 617 ficarão em segundo plano e a eleição deve ser efetuada em nome de
consenso entre os interessados e, caso assim não seja possível, será hipótese
de nomeação adjudicada, isto é, feita pelo juiz, conforme previsto nos incisos
VII (o inventariante judicial) ou VIII (pessoa estranha idônea, quando não
houver inventariante judicial).

3 A Indispensável Análise da Capacidade do Inventariante para o


Exercício da Administração do Patrimônio Hereditário
No que se refere à capacidade de administrar, o art. 990 do CPC/73
desde a sua redação original até sua revogação sempre exigiu para a inven-
tariança que o cônjuge sobrevivente “estivesse convivendo com o outro ao
tempo da morte deste” (inciso I), reclamando em relação ao herdeiro para tal
função, de forma prioritária, que se achasse “na posse e na administração do
espólio” (inciso II). As exigências inseridas nos incisos do topo do dispositivo
em análise, como se percebe, estão intimamente ligadas à existência de atos de
administração pretérita já exercida, o fazendo em relação ao cônjuge sobrevivo
pela presunção de que todos os bens se colocam em condomínio na relação
conjugal (daí a exigência, do regime de comunhão universal) e, no que se
refere aos herdeiros, pela posse de bens da herança (postura que projeta atos
de administração respectiva, como exercício em nome próprio de faculdade
inerente ao direito de propriedade – arts. 1.196, 1.204 e 1.228 do CC/02).
Ademais, como – até entrada em vigor do CC/02 – o art. 990 do CPC/73
dividia área de regulação sobre a nomeação do inventariante com o CC/1916
(art. 1.579), a análise da “idoneidade” era um fator de relevância na escolha
do inventariante quando esta recaía sobre algum coerdeiro (art. 1.579, § 2º),
extraindo-se daí não apenas interpretação em busca de encaixe com o predicado
da honestidade, mas de análise que permitisse aferir a pessoa (herdeiro, dentro
da família “legítima”, diante da bússola seguida pelo CC/1916) que estivesse
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 17

mais talhada para administrar a herança, levando-se em conta, inclusive, os


conflitos de interesse.
No sentido, a redação do inciso III do art. 469 do CPC/1939 aponta-
va que se nenhum herdeiro estivesse na posse dos bens, teria preferência o
“mais idôneo”, ou seja, a legislação processual anterior também se utilizou
de expressão fluída da qual se extraía não apenas a probidade do ator, mas o
conjunto de elementos que aconselhavam que a administração do patrimônio
hereditário fosse dirigida para determinado herdeiro20.
No entanto, as titularidades atuais são muito diversas daquelas que eram
habituais no século XX (incluindo a década de 70), em que vigia grande foco
nos bens físicos (móveis, semoventes e imóveis, com destaque para os de raiz).
Sem ir muito longe, basta pensar na quantidade de sucessões que em tempos
atuais envolvem cotas de sociedade, pois figurar como sócio de empresa ou
empresário individual (nas modalidades permitidas em lei) é uma realidade
pulsante, inclusive para as atividades de labor diário, formando-se grande
cartel de empresas de prestação de serviços (muitos de natureza personalís-
sima). Enfim, as relações patrimoniais contemporâneas não são as mesmas
do século passado, não podendo se presumir que a simples convivência ou
o exercício da posse (muitas vezes inviável para determinadas titularidades)
sejam as principais estampas que permitam aferir capacidade de administrar.
Portanto, é importante observar que a escultura do rol do art. 617 foi
talhada com base no art. 990 do CPC/73, que, por sua vez, espelhava as re-
lações jurídicas da década de 1970 (e com raízes do começo do século XX21),
que não mais se repetem (seja no plano do direito material, seja no aspecto
fático). Dessa forma, é de grande ingenuidade pensar que o rol do art. 617 é
perfeito ou completo. A sua aplicação para nomeação de inventariante reclama,
em verdade, análise de elementos outros (alguns passíveis até de se extrair da
norma), como é o caso da verificação de conflito de interesses e capacidade
concreta de administração do eleito, pressupostos que já estão devidamente
plasmados no art. 21 da Lei nº 11.101/0522, para efeito de nomeação do admi-

20 Tratando da idoneidade como fator relevante para a escolha do inventariante, Clóvis do Couto e Silva, em comentários
ao art. 990, III, do CPC/73, consignou que: “No anterior CPC (art. 469, III), determinava-se que o juiz deveria
escolher o herdeiro mais idôneo, condição esta que não se reproduziu no art. 990, III, do atual CPC. Todavia, é óbvio
que entre os herdeiros há de escolher o juiz aquele que lhe parecer mais indicado para o cargo, o mais idôneo, embora
esse pressuposto não esteja expresso no atual CPC. Não há arbítrio por parte do juiz na escolha de inventariante,
mas há discrição, ou seja, autonomia vinculada a uma finalidade, à melhor administração do acervo hereditário”
(SILVA, Clóvis do Couto e. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 890 a 1.045. São Paulo: RT, 1977. v. XI. t. I.
p. 295).
21 Basta notar a aproximação aos arts. 469 do CPC/1939 e 1.579 do CC/1916.
22 “Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador
de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada. Parágrafo único. Se o administrador judicial nomeado
for pessoa jurídica, declarar-se-á, no termo de que trata o art. 33 desta Lei, o nome de profissional responsável pela
condução do processo de falência ou de recuperação judicial, que não poderá ser substituído sem autorização do
juiz.”
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
18

nistrador judicial da falência, assim como, ainda que com colorido diverso,
nos arts. 1.73523 e 1.73624 do CC/02, em relação à designação de tutor.
Merece ficar consignado que a jurisprudência já deu sinais de que o art.
617 reclama interpretação mais ampla do que simples aferição da sequência
do seu rol, considerando como premissas importantes para a nomeação do
inventariante a análise dos conflitos de interesse (o fazendo a partir da ani-
mosidade que será deflagrada25), assim como do exame da pessoa com mais
aptidão para a inventariança26.
A exposição que segue nos itens seguintes reforça as balizas aqui posta-
das, em relação ao rol de legitimados ao exercício da inventariança previsto no
art. 617 do CPC/2017, em que se destaca a necessidade do seu enquadramento
dentro do direito material e processual atualmente em vigor. Tais diálogos são
fundamentais e visam trazer ao art. 617 para a contemporaneidade, retirando-o
da dimensão ultrapassada do século XX.

4 A Natureza Residual do Rol de Referência do Art. 617


A leitura do art. 617 efetuada de forma desapegada a outros dispositivos
legais pode levar à incorreta compreensão de que a nomeação do inventariante
será feita prioritariamente pelo juiz sucessório, quando, em verdade, trata-se
de procedimento residual, isto é, a designação somente ocorrerá por designação
judicial se as partes não apresentarem previamente um eleito para a função.
Como se trata de eleição para administração de condomínio, ainda
que com suas especificidades, não se pode afastar a aplicação do art. 1.323 do
CC/02, que prevê, inclusive, a possibilidade de escolha de pessoa estranha aos
condôminos para a função, em semelhança ao que está previsto, em sentido
amplo, no art. 617, em seus incisos VII e VIII. Note-se que a regra citada

23 “Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam: I – aqueles que não tiverem a livre
administração de seus bens; II – aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem constituídos em
obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges
tiverem demanda contra o menor; III – os inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expres-
samente excluídos da tutela; IV – os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família
ou os costumes, tenham ou não cumprido pena; V – as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e
as culpadas de abuso em tutorias anteriores; VI – aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa
administração da tutela.”
24 “Art. 1.736. Podem escusar-se da tutela: I – mulheres casadas; II – maiores de sessenta anos; III – aqueles que tiverem
sob sua autoridade mais de três filhos; IV – os impossibilitados por enfermidade; V – aqueles que habitarem longe do
lugar onde se haja de exercer a tutela; VI – aqueles que já exercerem tutela ou curatela; VII – militares em serviço.”
25 No sentido: “A remoção do inventariante, substituindo-o por outro, dativo, pode ocorrer quando constatada a
inviabilização do inventário pela animosidade manifestada pelas partes” (STJ, REsp 988.527/RS, 4ª Turma, DJe
11.05.09). “Se o Tribunal de origem atesta a ocorrência de situação de fato excepcional consubstanciada na existência
de animosidade entre as partes, admite-se o temperamento da ordem legal de nomeação de inventariança, conforme
firme convicção do Juiz que repousa na ponderada análise dos elementos fáticos do processo” (STJ, REsp 1.055.633/
SP, 3ª Turma, DJe 16.06.09).
26 No sentido: “A norma que se extrai do art. 990 do CPC não veda que o órgão jurisdicional nomeie como inventariante
aquele que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, reúna as melhores condições para o desempenho
dessa função, ainda que não expressamente incluído no rol de legitimados. Precedentes” (STJ, AREsp 688.767/SP,
3ª Turma, DJe 24.08.2015). Igualmente: STJ, AgInt no AREsp 1.002.793/MG, 4ª Turma, DJe 21.02.2017).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 19

condominial deveria ser aplicada antes mesmo da vigência do CPC/2015,


mas que agora, a partir do renovado diploma processual, toma mais força,
diante da previsão da cláusula geral do art. 190, que prevê a possibilidade de
negócios processuais atípicos27.
Não resta embargo que no espectro das convenções processuais ad-
mitidas pelo art. 190 está a eleição consensual de determinados auxiliares da
justiça e, tanto é assim, que de forma expressa o CPC/2015 admite a escolha
do mediador ou do conciliador (art. 16828), assim como do perito (art. 47129).
Observe-se, com olhar mais vertical, que a exemplo do previsto no § 2º do
art. 168 do CPC/2015, a nomeação judicial quanto ao inventariante deverá
aguardar o quanto seja possível a escolha consensual da pessoa que irá exercer
a atividade no âmbito do processo judicial.
Portanto, o cardápio do art. 617 – como esteio para decisão judicial que
imporá às partes um inventariante nomeado por decisão judicial – somente
terá valia se for verificada a falta de negócio jurídico processual que delibere
acerca da pessoa que funcionará como inventariante30. Trata-se, sob tal aná-
lise, de rol de natureza residual, aplicável tão somente se não houver acordo de
vontades acerca da designação do inventariante.

5 Rol de Referência para a Nomeação Adjudicada do Inventariante


Seguindo-se a balada do item anterior, em que se demonstrou que o foco
do art. 617 é a nomeação judicial do inventariante, de forma residual, desloca-se o
debate para a compreensão da utilidade do rol que é traçado no artigo em debate.
Inicialmente, o foco da discussão – diferente do que ocorre em relação ao
art. 616 – não está na análise de taxatividade ou não do rol do art. 617, até mes-
mo diante da própria redação do dispositivo que prevê não apenas a nomeação
de inventariante entre pessoas interessadas na herança (incisos I-VI) – grupo

27 Bem próximo: NEVARES, Ana Luiza Maia. As inovações do Código de Processo Civil de 2015 no direito das
sucessões. Revista IBDFAM: Família e Sucessões, Belo Horizonte, IBDFAM, v. 13, jan./fev. 2016, p. 67).
28 “Art. 168. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara privada de conciliação
e de mediação. § 1º O conciliador ou mediador escolhido pelas partes poderá ou não estar cadastrado no tribunal.
§ 2º Inexistindo acordo quanto à escolha do mediador ou conciliador, haverá distribuição entre aqueles cadastrados
no registro do tribunal, observada a respectiva formação. § 3º Sempre que recomendável, haverá a designação de
mais de um mediador ou conciliador.”
29 “Art. 471. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que:
I – sejam plenamente capazes; II – a causa possa ser resolvida por autocomposição. § 1º As partes, ao escolher o
perito, já devem indicar os respectivos assistentes técnicos para acompanhar a realização da perícia, que se realizará
em data e local previamente anunciados. § 2º O perito e os assistentes técnicos devem entregar, respectivamente,
laudo e pareceres em prazo fixado pelo juiz. § 3º A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria
realizada por perito nomeado pelo juiz.”
30 Próximo: ARAÚJO, Luciano Vianna. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 539-925. Coord. Cassio Scarpinella
Bueno. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 2. p. 195. Parecendo concordar: ROSA, Conrado Paulino da; RODRIGUES,
Marco Antônio. Inventário e partilha. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 352; e CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro.
Inventário e partilha judicial e extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 62.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
20

fechado de atores, como também de pessoas estranhas a esta (incisos VII-VIII)


– aglomeração infinita de protagonistas. Assim, se é possível nomear pessoas
não interessadas na herança para a inventariança, ainda que essa designação se
faça com algum critério (= pessoa idônea), o rol passa a ficar imensurável.
A questão nodal do art. 617 está em definir se o dispositivo cria obriga-
toriedade na escolha sequencial das opções posta em cardápio, entendimento
este que pode ser efetuado a partir da interpretação do caput do artigo de lei
que dita que o juiz deve seguir a “seguinte ordem”. O citado comando do art.
617 está replicado no texto do art. 626, § 2º, pois em caso de acolhimento da
impugnação quanto à nomeação do inventariante, segundo a letra da lei, a
nova designação deve observar a “preferência legal”, caminho este que também
deverá ser seguido em caso de remoção do inventariante, consoante prevê o
art. 624, parágrafo único.
Diferente do que ocorre em relação à tutela, em que o art. 1.735 do
CC/02 traz hipóteses de proibição de nomeação de tutor, a legislação pro-
cessual não se preocupou em elencar as pessoas que não poderão exercer a
inventariança. O quadro faz com que se instale a (equivocada) presunção de
que os legitimados do art. 617 podem exercer a inventariança sem análise
outra do que a presença do candidato no citado rol que, repita-se, não possui
filtro específico de controle às designações. No entanto, a referida omissão
não pode servir de alvará para que a designação recaia em pessoa que, embora
legitimada, coloque em risco a administração da herança (como ocorre no caso
de colisão de interesses). Assim, o disposto no art. 1.735 do CC/02, apesar
de desenhado para a nomeação do tutor, deve ser transportado – com suas
adequações – para a nomeação do inventariante, tendo em vista a existência
de alguns pontos de contato entre as figuras.
Com efeito, a breve depuração do art. 1.735 do CC/02 demonstra que a
vedação de nomeação do tutor está fincada, basicamente, em duas premissas:
(a) motivos para afastamento de administração de patrimônio alheio (incisos I, IV, V e
VI) e (b) existência de conflitos de interesses entre o pretenso tutor e o tutelado (incisos
II e III). O dispositivo em voga é, de certa forma, completado pelo art. 1.736,
pois este, embora não traga proibições para designação, elenca hipóteses que
o nomeado para a função de tutor poderá apresentar pedido de escusa do
encargo, ao trazer na letra legal situações indicativas de que a designação é pre-
sumidamente desaconselhável. Nada obstante, a redação do dispositivo tenha
técnica reprovável31, a partir do cardápio do art. 1.736 do CC/02, percebe-se a

31 Basta observar o inciso I do art. 1.736 que, com raízes no art. 414, I, do CC/1916, parece trazer uma presunção de que
a mulher casada não pode priorizar o exercício da tutela em razão de ser a responsável pelos cuidados do lar. Pior ainda, em
discriminação, o mesmo inciso (diante da especificidade subjetiva) afasta igual escusa ao homem casado que, se assim
o desejar fazer, terá que procurar encaixe em outro inciso do art. 1.736. No sentido: TARTUCE, Flávio. Código Civil
Comentado: doutrina e jurisprudência. SCHREIBER, Anderson et al. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 1.378; CARVA-
LHO FILHO, Milton Paulo de. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Manole, 2010. p. 2.023.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 21

preocupação quanto à nomeação de determinadas pessoas, extraindo-se que


há designações que são desaconselhadas para o exercício da função, seja em
razão de fatores pessoais que impedem a dedicação ao encargo (incisos I, III,
VI e VII), seja por questões que podem inviabilizar a incumbência (incisos
II, IV e V).
É de todo ingênua a visão de que o art. 617 possui pujança suficiente
para escorar a designação do inventariante. Ora, mesmo que respeitada a
ordem preferencial do art. 617 do CPC/2015, é perfeitamente possível que a
designação recaia sobre pessoa que está proibida ou que não deve administrar
o patrimônio alheio (art. 1.735, incisos I, IV, V e VI) e/ou que se encontre
em posição de colisão de interesses com um ou mais interessados diretos do
patrimônio a ser administrado (art. 1.735, incisos II e III). Não suficiente, há
espaço também para que ocorra designação que siga a ordem do cardápio do
art. 617, mas que no caso concreto a nomeação se torna nociva para a função,
tendo em vista que o escolhido não pode priorizar o exercício da função,
diante da existência de fatores pessoais que impedem a dedicação ao encargo
(art. 1.736, incisos I, III, VI e VII) e/ou questões que podem inviabilizar a
incumbência (art. 1.736, incisos II, IV e V). Em ilustração, aplicando os filtros
trazidos em empréstimo, o cônjuge/companheiro sobrevivente que convivia
com o falecido à época do óbito está postado como a pessoa preferencial para
exercer a inventariança, a partir da leitura seca do art. 617 do CPC/2015,
mas não poderá ser nomeado inventariante se contra ele tiver sido decretada
a insolvência civil (art. 1.735, inciso I, do CC/02), sendo desaconselhável a
designação se o sobrevivo for pessoa com grave enfermidade (art. 1.736, IV,
do CC/02).
Portanto, o simples transporte dos arts. 1.735 e 1.736 do CC/02 para
a designação do inventariante demonstra que é inviável se considerar o rol
do art. 617 como vetor único para a escolha32. A conclusão indica, por outro
viés, que se o dispositivo comentado não pode ser tido como fonte solteira
para a nomeação da inventariança, por óbvio, não deve ser tratado como de
respeito rígido ou de que sua textura é inflexível33.

32 Tratando do transporte de técnicas (tendo como pano de fundo o direito material) confira-se: MAZZEI, Rodrigo;
GONÇALVES, Tiago Figueiredo. Ensaio sobre o processo de execução e o cumprimento da sentença como bases de
importação e exportação no transporte de técnicas processuais. In: ASSIS, Araken de; BRUSCHI, Gilberto Gomes
(Coord.). Processo de execução e cumprimento da sentença: temas atuais e controvertidos. São Paulo: RT, 2020. p. 27-32.
33 Na busca dentro do direito sucessório de regras que possam se alvo de conexão com os arts. 1.735 e 1.736 do CC/02,
extrai-se apenas a preocupação acerca do conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal. Com efeito,
o art. 671, II, do CPC/2015 prevê a possibilidade de nomeação de curador especial ao incapaz quando este concorre
com seu representante legal na partilha, ao reconhecer que se trata de hipótese de presumida “colisão de interesses”.
Apesar da limitação temática, o art. 671, II, desnuda que o “conflito de interesses” é um problema que precisa ser
enfrentado no processo sucessório, sendo que o exercício da inventariança é um dos palcos de análise do assunto. A
nomeação do inventariante não pode ficar imune a tal aferição, pois a eleição de pessoa com “conflito de interesses”
pode colocar em jogo não apenas a lisura da administração, como também abre espaço para que se instale ambiência
de litigiosidade, fato que prejudica a fluidez de avanço das etapas do inventário causa mortis.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
22

Note-se que a doutrina que sustenta que o rol do art. 617 possui caráter
obrigatório, com cronologia preferencial, admite que a sequência ditada em
lei se sujeita a temperamentos, isto é, pode ceder em razão de circunstâncias
fáticas34. Aliás, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que a ordem
ditada pelo art. 617 fica fragilizada quando se verifica que a nomeação recairá
sobre pessoa inapta à administração da herança e/ou que a sua designação cria
agudo ambiente de animosidade35.
A partir dos fatos que fundamentam o desvio à ordem do dispositivo
em comento (incapacidade de administração e/ou conflito de interesses),
extrai-se por interpretação contrario sensu, quais são os pilares que sustentam
o rol do art. 617 do CPC/2015. Com efeito, presume-se que as pessoas postas
no referido cardápio sequencial são as que possuem não só as melhores con-
dições para administrar o monte hereditário, como também são aquelas que
a designação provocará menor insurgência dos demais interessados, a fim de
não criar espaço para as animosidades.
Dessa forma, os atores do art. 617 foram escolhidos em razão de pre-
sunções de que sua designação seria positiva para o inventário causa mortis, pois,
repita-se, são pessoas que, além de estarem em posições que facilitariam a
administração do espólio, não provocariam insurgências agudas dos demais
interessados na sucessão. A assertiva aqui efetuada só tem razão de ser se o
intérprete identificar que o art. 617 do CPC/2015 mantém, com pequenas
modificações, a estrutura e comandos de dispositivos do século XX, a saber: (I)
art. 1.579 do CC/1916, (II) art. 469 do CPC/1939, e (III) art. 990 do CPC/73.
Com tal alerta, é de fácil observância que os elencos legais que servem
de inspiração para o art. 617 do CPC/2015 trabalhavam com direito material
muito diferente daquele em vigência quando da promulgação do CPC/2015,
com alterações de tamanha monta que afetaram as presunções que até então
militavam em favor dos principais personagens trazidos no rol de legitimados
para a inventariança. Ora, os arts. 1.579 do CC/1916, 469 do CPC/1939 e art.
990 do CPC/73 (na sua redação original) traziam – sem exceção – premissas
de direito material que desapareceram, dentre as quais se destacam: (a) regime
legal da comunhão universal, (b) casamento indissolúvel, (c) o cônjuge não

34 No sentido: SILVA, Ricardo Alexandre da; LAMY, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 539-673.
São Paulo: RT, 2017. v. IX. p. 508; ROSA, Conrado Paulino da; RODRIGUES, Marco Antônio. Inventário e partilha.
Salvador: Juspodivm, 2019. p. 351-352; CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Inventário e partilha judicial e extrajudicial.
Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 59; ARAÚJO, Luciano Vianna. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 539-925.
Coord. Cassio Scarpinella Bueno. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 2. p. 191; TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito
das sucessões. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 593; BARROS, Hamilton de Moraes. Comentários ao Código
de Processo Civil: arts. 946-1.102. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. v. IX. p. 213; CARVALHO, Dimas Messias
de. Direito das sucessões: inventário e partilha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 390-391; e OLIVEIRA, Euclides de;
AMORIM, Sebastião. Inventário e partilha: teoria e prática. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 320.
35 Posição adotada pelo STJ no REsp 283.994/SP e REsp 1.055.633/SP.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 23

se posicionava como herdeiro em concorrência e (d) somente os herdeiros


legítimos tinham aptidão para receber a herança.
O contexto pretérito, às claras, levava à conclusão de que cônjuge so-
brevivente era a pessoa mais recomendada para a inventariança, pois não havia
colisão de interesses com os herdeiros (em regra descendentes comuns, diante
do esquadro fechado do casamento, da sucessão legítima e da baixa expectativa
de vida, não sendo comuns os casos de sucessão com ascendentes). Assim, de
modo geral, bastava que se efetuasse o corte da meação, fixando-se o monte
hereditário, para em seguida se efetuar a partilha (nos casos de apuração posi-
tiva), cujos beneficiários eram pessoas do mesmo grupo familiar (de natureza
legítima e protegida em célula). O nível de animosidade era baixíssimo, pois,
além de não existirem áreas de disputa na herança, a administração, comu-
mente, era exercida por pessoa que os herdeiros possuíam temor referencial,
ou seja, um dos seus genitores36.
Em relação à aptidão para administrar, o cônjuge sobrevivente se posi-
cionava como o melhor gestor não só pelo fato de ser condômino externo da
herança (“meeiro”), mas também pelo posicionamento social que se colocava
perante os demais herdeiros (diante da centralização de poder patrimonial na
família). Ademais, em razão da expectativa de vida do século passado, proje-
tava-se o óbito das pessoas enquanto estas ainda estavam em linha produtiva.
Logo, o cônjuge sobrevivente normalmente não tinha idade elevada quando
do falecimento de seu par, tendo plena capacidade de gerir o patrimônio,
até mesmo diante da simplicidade das relações de titularidade que estavam
presentes no século XX (ao menos até a década de 70), resumindo-se estas,
basicamente, aos bens duráveis e ao dinheiro em espécie.
Na falta de cônjuge sobrevivente, a função da inventariança recaia
sobre o descendente do autor da herança que já tinha, de alguma maneira, a
posse da herança ou dos bens do espólio, consoante está expresso no texto do
arts. 1.579, § 2º, do CC/1916, 469, II, do CPC/1939, e 990, II, do CPC/73.
No particular, o uso da expressão “posse da herança”, ainda que com variações
de redação, é indicativa de que o acervo seria composto de bens duráveis e
projeta uma ideia de patrimônio sem cisão do falecido, como se todo este
estivesse no abrigo familiar. As disputas entre herdeiros para a inventariança
não eram, portanto, complexas, até porque se fixavam em grupos fechados
(já que os dispositivos acima seguiam a dimensão do casamento indissolúvel
e da herança apenas beneficiar os herdeiros legítimos). Não havia, dentro do
quadro supra, justificativa para que fosse nomeado inventariante uma terceira
pessoa que não o cônjuge ou herdeiro (em regra, descendente), pois, a priori,

36 Veja-se sobre o tema: MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 610 a 673. Coord. José Roberto
Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Bondioli e José Francisco Naves da Fonseca. São Paulo: Saraiva, no prelo. v. XXII.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
24

estes teriam não só aptidão para administrar a herança, não só pela capacidade
no sentido, mas também por não despertarem quadro de animosidade entre
outros atingidos pela abertura da sucessão37.
Ainda que em breve resenha, não pode ficar dúvida que foi o direito
material (já em muito superado) que talhou o rol dos arts. 1.579, § 2º, do
CC/1916, 469, II, do CPC/1939, 990, II, do CPC/73, pois a posição refletida
na sequência legal estava escorada em presunções que militavam em favor
dos seus atores. Entretanto, a partir de novos balizamentos do direito ma-
terial, as presunções que inspiraram o art. 617 não mais se aplicam, pois há
aguda mudança em relação ao direito material38. Tanto assim que a figura
do cônjuge/companheiro sobrevivo se posta em posição, muitas vezes, de
grande conflito patrimonial, já que com a adoção da comunhão parcial como
regime legal, não só é necessária a depuração de bens particulares próprios do
falecido daqueles alcançados pela meação, como também, a partir do CC/02
(art. 1.829, I), passou a se postar como herdeiro concorrente na parte dos
bens de titularidade individual do autor da herança. Reportando-se ao que
já foi antecipado nos itens anteriores, para não ser repetitivo, as presunções
favoráveis aos personagens do rol do art. 617 estão sobremaneira abaladas e,
muitas das vezes, o que se tem é o inverso, pois, ainda que de atos concretos,
é possível se extrair projeções abstratas de áreas de conflito.
No que se refere à capacidade de administração, o estremecimento da
presunção da boa gestão dos atores sequenciados no rol do art. 617 decorre
de fatores que advêm da sociedade atual, em que as titularidades estão muito
longe de se fixarem apenas em bens duráveis, não sendo raro, em ilustração,
a dualidade da figura da pessoa natural com a pessoa jurídica, quadro este
que se apresenta em diversas atividades. Fatores outros como a mudança da
expectativa de vida e dos arranjos familiares podem afetar a natural vocação
dos protagonistas “preferenciais” referenciados no rol do art. 617 para a in-
ventariança, pois, em ilustração, não se justificará a nomeação de inventariante
de cônjuge/companheiro supérstite de avançada idade e que se submete a
cuidados especiais, ou, ainda, de descendente de relacionamento anterior do

37 Há uma presunção tão forte no sentido de se blindar a inventariança para o cônjuge e os descendentes (na qualidade
de herdeiros necessários preferenciais) que a legislação até hoje não considera como de valor exponencial a vontade
do testador para a nomeação do inventariante. No particular, basta observar que o testamenteiro está colocado em
posição de desprestígio no rol dos arts. 1.579, § 2º, do CC/1916, 469, II, do CPC/1939, 990, II, do CPC/73 e 617 do
CPC/2015, postura que é perfilada pelo CC/02, já que, segundo o texto do art. 1.977 (em reprodução ao disposto no
art. 1.754 do CC/1916), o testador somente pode conceder ao testamenteiro a posse e a administração da herança, ou
de parte dela, se não deixar cônjuge/companheiro sobrevivente ou outros herdeiros necessários. Com outras palavras,
militava uma presunção tão forte em favor do cônjuge e dos herdeiros para a posse da herança, que a legislação criou
restrição para designação de inventariante pelo testador.
38 Sobre a análise da densidade do direito material para o transporte e formatação de técnicas processuais, confira-se:
MAZZEI, Rodrigo; GONÇALVES, Tiago Figueiredo. Ensaio sobre o processo de execução e o cumprimento
da sentença como bases de importação e exportação no transporte de técnicas processuais. In: ASSIS, Araken de;
BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução e cumprimento da sentença: temas atuais e controvertidos.
São Paulo: RT, 2020. p. 27-32.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 25

falecido que vive em pé de guerra com outros da mesma classe de vínculo


contemporâneo ao falecimento.
Com flutuações que devem ser observadas em casos concretos, é inegá-
vel que determinados inventários causa mortis reclamarão a presença de inven-
tariante que tenha conhecimentos mais profundos de gerenciamento patrimonial,
que pode ser variante em relação às titularidades que estejam alcançadas pela
herança. Basta pensar que o gestor para propriedades rurais, provavelmente,
não terá a mesma aptidão para administrar titularidades mais fluídas, como
as participações sociais e acionárias em pessoas jurídicas. A exemplificação
sobre algumas das atribuições do inventariante, que estão moldadas nos arts.
618-619, demonstra que a designação deve recair sobre pessoa organizada e
que preste contas da sua atuação. Tais predicados serão fundamentais para que
o condomínio hereditário seja dissolvido no prazo do art. 611 do CPC/2015,
em caso de resultado positivo. A boa administração, a partir da colheita de
dados e informações, poderá levar o inventário para outros desfechos, de
acordo com a realidade patrimonial deixada pelo falecido, não se afastando,
inclusive, a apresentação de pedido de insolência, tal qual previsto no art. 618,
VIII, do CPC/2015.
As premissas acima indicadas (e que não estão postas de forma expressa
no corpo do art. 617 do CPC/2015) fazem parte da escolha do administrador
judicial da falência, tendo em vista que o art. 21 da Lei nº 11.101/05 prevê que
a nomeação deve se voltar para profissional idôneo, preferencialmente advogado,
economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.
Projetando-se o dispositivo em voga – que é ínsito à liquidação falimentar,
procedimento que possui inegável semelhança ao do inventário causa mortis –,
ratifica-se, mais uma vez, a importância de que a eleição leve em conta dois
fatores: (a) administração da massa por pessoa com aptidão para a função e
(b) afastamento de áreas de conflitos39-40.
Sem rebuços, ao fazer alusão ao “profissional idôneo”, o art. 21 fixou
a noção de que o administrador deve estar fora de qualquer tipo de suspeita,
fato que não ocorrerá se houver algum tipo de conflito de interesses41. De

39 Não é ocasional a anotação de Hamilton de Moraes Barros que, mesmo sob a égide do CPC/73, ainda com nomen-
clatura diversa, já projetava o dueto como a base de atributos do inventariante, ao concluir sobre a inventariança:
“(..) dois requisitos influem na escolha entre os herdeiros: a sua probidade e as suas qualificações para o encargo”
(Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 946-1.102. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. v. IX. p. 217).
40 Há grande fluxo de troca iterativa de técnicas entre o inventário sucessório e a Lei nº 11.101/05. Não se trata de
comunicação isolada, nem de fluxo único da Lei nº 11.101/05, pois técnicas do inventário também são exportadas
para o processo concursal falimentar, como é o caso do incidente de remoção de inventariante (aplicável ao adminis-
trador judicial), diante da omissão de regramento do assunto na referida legislação extravagante. No tema, confira-se:
MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 610 a 673. Coord. José Roberto Ferreira Gouvêa,
Luis Guilherme Bondioli e José Francisco Naves da Fonseca. São Paulo: Saraiva, no prelo. v. XXII.
41 No sentido, além do previsto no art. 30 da Lei nº 11.101/05 (que traz impedimentos ao exercício da administração
judicial), o texto do art. 21 da Lei nº 11.101/05 se distancia do que estava disposto no art. 60 do Decreto-Lei nº
7.661/1945 (revogada Lei de Falências), em que a opção prioritária se dava entre os credores da falência, fato que
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
26

outra banda, ao se efetuar a escolha a partir de profissionais de áreas especí-


ficas (advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica
especializada), o legislador deixou evidenciado que o eleito terá que ter aptidão
para a função.
De tudo exposto, o que se percebe é que o art. 617 contempla rol com
inspiração em legislação revogada, a qual, durante boa parte de sua vigência,
tinha estrutura mais firme, pois era coerente com o direito material e a socie-
dade da época. Diante das radicais mudanças, é inviável dizer que se trata de
rol de observância obrigatória, até porque as presunções que o erigiram não
se perfilam mais com a mesma potência.

6 A Importância da Inventariança Dativa no Quadro Atual


A doutrina costuma dividir o rol de legitimados à função de inventariante
em dois grandes grupos, a saber: (a) inventariança legítima (ou legal) e (b) inven-
tariança dativa42. A classificação acima é feita por meio da depuração do rol do
art. 617, apartando os personagens dos incisos I a VI em relação aos atores dos
incisos VII e VIII, a fim de considerar como legítimos os primeiros e dativos os
últimos. A sistematização está escorada basicamente na ideia que os legitimados
dos incisos I-VI possuem, de alguma forma, interesse direto no desfecho do
inventário, ao passo que na inventariança dativa o nomeado pelo juiz, como
pessoa estranha ao inventário, está isento de qualquer tipo de interesse.
A nomenclatura utilizada e a própria divisão dos grupos, contudo, não se
afigura a melhor. Com efeito, ao se usar a expressão “inventariança legítima”
há o risco não só de qualificar a inventariança dativa, em contraponto, como
“ilegítima”, mas também de criar o falso alinhamento de todas as figuras dos

propiciava não só “conflitos de interesses”, mas possível aumento de litigiosidade em relação aos demais credores.
A nomeação de pessoa estranha, fora do ambiente dos créditos falimentares, somente se dava em caráter residual.
Confira-se o dispositivo citado: “Art. 60. O síndico será escolhido entre os maiores credores do falido, residentes
ou domiciliados no fôro da falência, de reconhecida idoneidade moral e financeira. § 1º Não constando dos autos
a relação dos credores, o juiz mandará intimar pessoalmente o devedor, se estiver presente, para apresentá-la em
cartório dentro de duas horas, sob pena de prisão até trinta dias. § 2º Se credores, sucessivamente nomeados, não
aceitarem o cargo, o juiz, após a terceira recusa, poderá nomear pessoa estranha, idônea e de boa fama, de preferência
comerciante. § 3º Não pode servir de síndico: I – o que tiver parentesco ou afinidade até o terceiro grau com o
falido ou com os representantes da sociedade falida, ou dêles fôr amigo, inimigo ou dependente; II – o cessionário
de créditos, que o fôr desde três meses antes de requerida a falência; III – o que, tenha exercido cargo de síndico em
outra falência, ou de comissário em concordata preventiva, foi destituído, ou deixar de prestar contas dentro dos
prazos legais, ou havendo-as prestado, as teve julgadas más; IV – o que já houver sido nomeado pelo mesmo juiz
síndico de outra falência há menos de um ano, sendo, em ambos os casos, pessoa estranha à falência; V – o que, há
menos de seis meses, recusou igual cargo em falência de que era credor”.
42 No sentido: SILVA, Ricardo Alexandre da; LAMY, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 539-673.
São Paulo: RT, 2017. v. IX. p. 510; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Processo de conhecimento e cumprimento de
sentença: comentários ao CPC de 2015. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. v. 2. p. 1.049; e ARAÚJO, Luciano
Vianna. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 539-925. Coord. Cassio Scarpinella Bueno. São Paulo: Saraiva,
2017. v. 2. p. 196. Dimas Messias de Carvalho faz a divisão em três espécies legal ou legítima, judicial ou dativa, pois
analisa com independência a figura do inciso VII (que trata de inventariança judicial) em relação ao ator do inciso
VIII, pois este é único que é, na sua visão, dativo (Direito das sucessões: inventário e partilha. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2018. p. 391 e 394).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 27

incisos I-VI à sucessão legítima, o que não é vero. Basta observar que o art.
617 convoca o herdeiro testamentário, o legatário43 e o testamenteiro.
A presença do testamenteiro no elenco vinculado à inventariança legíti-
ma, por sua vez, quebra a lógica da classificação que, como acima gizado, está
na existência de interesse próprio no desfecho do inventário causa mortis. Não
são raros os casos em que o testamenteiro é pessoa estranha à herança, não lhe
tendo nenhum benefício senão o recebimento de honorários pelo exercício
da função, em situação próxima ao que ocorre com o inventariante dativo
(que também faz jus a honorários pelo seu labor). Não parece ser suficiente
a afirmação de que o testamenteiro possui interesse no inventário causa mortis
pelo fato de ter aceitado o encargo de cumprir as disposições testamentárias44.
Mais convincente é compreender que o testamenteiro é uma figura singular
e que possui legitimação extraordinária, que não se confunde com interesse
próprio ou mesmo indireto (= recebimento de honorários, já que este direito
também está na órbita do inventariante dativo).
Conclui-se que o grupo de personagens inclusos nos incisos I-VI do
art. 617 estão unidos por serem sujeitos que estão na órbita da sucessão “le-
gítima” (=sucessão legal) e da sucessão testamentária, ou seja, são atores que
estão vinculados ao autor da herança pela lei (= sucessão legal) ou por ato de
autonomia da vontade (= sucessão testamentária). Enfim, são pessoas que detém
legitimação em decorrência da própria legislação que regula a sucessão causa
mortis e do exercício de autonomia da vontade exercitado em vida pelo autor
da herança. De forma diversa, em regra, a inventariança dativa terá natureza
suplementar, pois os atores dos incisos VII e VIII do art. 617 somente terão
espaço para exercer a função de inventariante se for inviável a nomeação das
figuras postas no primeiro grupo.
A classificação adequada (se é que é necessária) deve ter como norte a
própria necessidade de socorro da nomeação de inventariante dativo, pois este
é um ato que não segue o caminho natural previsto na legislação que envolve
o direito sucessório. Dessa forma, pode se cindir o art. 617 em dois grupos, a
saber: (a) inventariança ordinária (= aquela que é naturalmente esperada, pois
seus atores estão vinculados à sucessão legal ou ao exercício da autonomia
da vontade do autor da herança) e (b) inventariança extraordinária (= quando é
necessária a designação judicial de pessoa que não faz parte da sucessão legal
ou da sucessão testamentária).
Há de ficar bem claro que a inventariança dativa (ou extraordinária)
poderá ter campo não apenas quando não há a possibilidade de designação

43 Apesar da omissão da inclusão do legatário no rol do art. 617.


44 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. v. 2. p. 1.049.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
28

das pessoas encartadas nos incisos I-VI do art. 617, mas também quando a
nomeação daqueles legitimados for inviável faticamente, como é o caso de
designação que cria grande animosidade interna entre os interessados na he-
rança45, ou, ainda, quando se verifica, de plano, que os legitimados naturais
não possuem aptidão para exercer a função46.
Ademais, a nomeação de inventariante dativo também terá espaço quan-
do houver escolha consensual dos herdeiros no sentido, formalizada mediante
negócio jurídico processual47, já que a nomeação adjudicada é residual, isto é,
apenas tem lugar quando os herdeiros não indicarem pessoa para o exercício da
função. Dessa forma, não se pode descartar a possibilidade de que os herdei-
ros, cientes do estado de animosidade e dos interesses divergentes existentes
entre eles, optem, em comum acordo, pela nomeação de inventariante dativo,
como forma de prevenir conflitos futuros, ou, ainda, cientes da presença de
titularidades alcançadas pela herança cuja gestão demanda a execução de ati-
vidades complexas, optem pela nomeação de profissional especializado com
capacidade técnica adequada para a administração do espólio.
Saliente-se, ainda, que cronologicamente a inventariança dativa pode ser
determinada no curso do inventário causa mortis em decorrência de remoção de
inventariante48. Assim, é perfeitamente possível que se verifique a presença de
vários legitimados para a inventariança ordinária, mas que por motivos apurados
no caso concreto seja preferível que a função seja exercitada (desde o início
ou por permuta) por inventariante dativo.
Diante do alerta realizado nos itens anteriores, a respeito da presunção
do conflito de interesses entre os legitimados à inventariança gerada pela
arquitetura do direito de família em vigor, conclui-se que há, no cenário
atual, forte tendência ao aumento da designação de inventariantes dativos
nos inventários judiciais. Demais disso, percebe-se uma propensão para que a
nomeação do inventariante dativo se volte a profissional idôneo, com experi-
ência técnica e conhecimentos mais profundos de gerenciamento patrimonial
ou pessoa jurídica especializada, tal como ocorre na escolha do administrador
judicial da falência e da recuperação judicial (art. 21 da Lei nº 11.101/05), na
medida em que a variação das titularidades que se encontram açambarcadas

45 No sentido: STJ, AgInt no REsp 1.294.831/MG, 3ª Turma, DJe 20.06.2017; REsp 1.055.633/SP, 3ª Turma, DJe
16.06.09; REsp 988.527/RS, 4ª Turma, DJe 11.05.09.
46 Nesse passo, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que a ordem do art. 990 não é absoluta e comporta ser inob-
servada em várias hipóteses, como as de desavença entre os herdeiros e inaptidão para o exercício da inventariança (REsp
520/CE, 4ª Turma, DJe 04.12.89).
47 Veja-se que o rol de legitimados ao exercício da inventariança já vem sendo flexibilizado pelo Superior Tribunal
de Justiça, desde a vigência do CPC/73, nas hipóteses em que a indicação do inventariante atende aos interesses de
todos ou da grande maioria dos herdeiros. Nesse sentido: REsp 357.577/RJ, 4ª Turma, DJe 08.11.04; e AgRg no
REsp 1.153.743/SP, 4ª Turma, DJe 02.02.2017.
48 No sentido: STJ, AgInt no AREsp 1.388.943/SP, 4ªTurma, DJe 25.06.2019; e REsp 988.527/RS, 4ªTurma, DJe
11.05.09.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 29

pela herança hodiernamente tem evidenciado a inaptidão da pessoa comum


e, consequentemente, dos personagens postados no rol do art. 617, para o
exercício da administração da herança.
A assertiva leva a crer que será inevitável, diante do quadro sucessório
atual, a alteração da regra de preferência da inventariança ordinária sobre a
extraordinária, na medida em que será preferível, ao menos em boa parte dos
casos, sopesando-se os critérios de aptidão dos candidatos à inventariança e
prevenção de conflitos futuros, a nomeação de inventariante dativo.

Conclusão
A correta interpretação do art. 617 dentro do contexto atual informa
que se trata de um rol de referência, de aplicação residual e voltado ao juiz, que ne-
cessita ser sopesado em cada caso concreto. Antes da designação adjudicada do
protagonismo da inventariança, portanto, deverá o juízo sucessório analisar se
há ambiência para nomeação consensual, cabendo a este, inclusive, estimular
que as partes cheguem a um consenso no sentido (art. 3º, § 3º, do CPC/2015).
A possibilidade de ocorrência de animosidade, conflitos de interesses
e nomeação de administrador sem perfil para função de inventariante são
fatores que deverão sempre ser sopesados quando da eleição ou designação
para a inventariança. Mesmo que o inventariante não possa ser visto como
“auxiliar do juízo” em conceito estrito, não se pode cogitar que a nomeação
leve em conta apenas um rol de preferências firmado para outro momento
histórico, deixando de considerar critérios objetivos fundamentais para a
administração da herança, em que a análise das aptidões dos candidatos e os
reflexos da designação são inevitáveis.
Dessa forma, tem-se que a ordem sucessiva do art. 617 é apenas refe-
rencial e a nomeação judicial de inventariante não pode se sujeitar ao critério
sequencial do rol com o de maior eficiência. O juiz, ao efetuar a designação
do inventariante, que se dará depois de ouvidos todos os interessados, deverá
sopesar a aptidão dos candidatos, lembrando que esta deve ser proporcional
e adequada às peculiaridades da herança, pois a realidade do caso concreto
que ditará os contornos mais complexos ou não dos atos de administração.
Todavia, não basta que se apresente candidato com perfil adequado
à administração do condomínio hereditário, se, na situação versada, aquele
tenha conflito de interesse, caracterizado pela dualidade de seus interesses indi-
viduais (como interessado na herança) em contraposição aos do monte que
irá administrar. Outrossim, as animosidades devem ser reduzidas ao máximo
no ventre do inventário causa mortis, de modo que há de se evitar designações
que venham desencadear quadro no sentido. Todo esse conjunto de elementos
objetivos deverá ser examinado pelo juiz para a nomeação do inventariante,
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 – Doutrina
30

sendo certo que a decisão que for contrária à ordem ditada pelo rol de refe-
rência do art. 617 deverá estar devidamente fundamentada (arts. 11 e 489, II,
do CPC/2015).
Por fim, é inevitável concluir na necessidade de se repensar o papel da
inventariança dativa, pois esta ganha real importância no cenário atual, em que
há grande número de inventários judiciais marcados por animosidade aguda
entre seus interessados e/ou com grau de complexidade nas questões que
carrega. Para tanto, é fundamental que a Lei nº 11.101/05, consoante previsto
em seu art. 21, se torne inspiração para que a nomeação do inventariante pelo
juízo sucessório – quando assim se impor – siga os critérios objetivos fixados
no citado dispositivo, pois não é possível se abrir mão do profissionalismo
para tão importante incumbência.

TITLE: Appointment of the inventor: criteria for (interpreting) and applying article 617 of CPC.

ABSTRACT: The purpose of this article is to identify the objective criteria for the correct application of
article 617 of the Code of Civil Procedure, which has a reference list for the nomination of the inventorius.
For this purpose, initially, a brief analysis of the profile of the inventorius will be carried out, identifying
the functions that will be exercised by him in the probate. In a second plan, it will be demonstrated the
need for framing article 617 to the current Brazilian inheritance law, which has engendered an increase
in the areas of conflicts of interest among those legitimated to the exercise of inventory and the complex-
ity of the management of the assets. Finally, the fundamental objective criteria for the administration of
inheritance will be investigated, which must be weighed in the concrete case for the correct application
of article 617 by the judge.

KEYWORDS: Inheritance Law. Probate. Nomination. Inventorious. Administration. Inheritance.

Referências
ARAÚJO, Luciano Vianna. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 539-925. Coord. Cassio Scarpinella
Bueno. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 2.
BARROS, Hamilton de Moraes. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 946-1.102. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1988. v. IX.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Inventário e partilha judicial e extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das sucessões: inventário e partilha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Manole, 2010.
DIDIER Jr., Fredie; ZANETI Jr., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 14. ed. Salvador:
Juspodivm, 2020.
EID, Elie Pierre. Multilateralidade no processo civil: divergência de interesses em posições jurídicas. Revista
de Processo, vol. 297, nov. 2019, p. 39-77.
FLETCHER, William. The discretionary Constitucion: institucional remedies and judicial legitimacy.
The Yale Law Journal, vol. 91, n. 4, p. 635-697.
FULLER, Lon. The forms and limits of adjudication. Harvard Law Review, v. 92, n. 2, p. 353-409, dez. 1978.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume único. São
Paulo: Saraiva, 2017.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 41 – Mar-Abr/2021 31

MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 610 a 673. Coord. José Roberto Ferreira
Gouvêa, Luis Guilherme Bondioli e José Francisco Naves da Fonseca. São Paulo: Saraiva, no prelo. v. XXII.
MAZZEI, Rodrigo. Ensaio sobre a multipolaridade e o policentrismo (com projeção aos conflitos internos do inventário
causa mortis), no prelo.
MAZZEI, Rodrigo; CHAGAS, Bárbara Seccato Ruis. Métodos ou tratamentos adequados de conflitos. In:
JAYME, Fernando Gonzaga et al. (Org.). Inovações e modificações do Código de Processo Civil: avanços, desafios
e perspectivas Belo Horizonte: Del Rey, 2017. v. 1.
MAZZEI, Rodrigo; GONÇALVES, Tiago Figueiredo. Ensaio sobre o processo de execução e o cum-
primento da sentença como bases de importação e exportação no transporte de técnicas processuais. In:
ASSIS, Araken de; BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução e cumprimento da sentença:
temas atuais e controvertidos. São Paulo: RT, 2020.
NEVARES, Ana Luiza Maia. As inovações do Código de Processo Civil de 2015 no direito das sucessões.
Revista IBDFAM: Família e Sucessões, Belo Horizonte, IBDFAM, v. 13, jan./fev. 2016.
OLIVEIRA, Euclides de; AMORIM, Sebastião. Inventário e partilha: teoria e prática. 25. ed. São Paulo:
Saraiva, 2018.
ROSA, Conrado Paulino da; RODRIGUES, Marco Antônio. Inventário e partilha. Salvador: Juspodivm, 2019.
SILVA, Clóvis do Couto e. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 890 a 1.045. São Paulo: RT, 1977.
v. XI. t. I.
SILVA, Ricardo Alexandre da; LAMY, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 539-673.
São Paulo: RT, 2017. v. IX.
TARTUCE, Flávio. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. SCHREIBER, Anderson et al.
Rio de Janeiro: Forense, 2019.
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das sucessões. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
TEMER, Sofia. Participação no processo civil: repensando litisconsórcio, intervenção de terceiros e outras
formas de atuação. Salvador: Juspodivm, 2020.
VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2019.

Recebido em: 01.04.2021


Aprovado em: 20.04.2021

Você também pode gostar