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O DIA DE JERUSA

Roteiro: Viviane Ferreira da Cruz

3º Tratamento

Todos os Direitos Autorais Reservados conforme Registro na Biblioteca Nacional.

1  
1 - EXT/DIA – CALÇADA DE BAIRRO ANTIGO

Gemidos de prazer. Alguns cabos de vassouras, pedaços de


pau e pedaços de pallet estão geograficamente distribuídos
sobre a calçada, formando uma planta baixa dividida em
quatro quadrados: estamos na calçada da esquina entre a
rua Jardim Francisco Marcos com a rua Abolição, lugar
repleto de casas bem antigas (em bom e em mal estado de
conservação) do bairro da Bela Vista, região central de
São Paulo.

Estes quadrados demarcam respectivamente os compartimentos


de uma casa improvisada por um casal de mendicantes que
está deitado no chão, em um dos quadrados, sobre grandes
folhas de papelão e encoberto com mantas envelhecidas. O
movimento abaixo das mantas denota que o casal se troca
carícias.

No quadrado ao lado há uma mesa construída com uma caixa


de papelão, sobre a qual se encontra uma garrafa de água
mineral cortada ao meio, preenchida por um líquido escuro,
que sustenta um ramo de capim. Dois pedaços de tronco
cumprem a função de bancos ao redor dessa mesa, e sobre um
deles encontra-se apoiado um jornal datado de 16 de
janeiro de 2010. Chama a atenção a sua manchete: “SÃO
PAULO ENFRENTA O DIA MAIS SECO DA DÉCADA”. ao lado da
manchete “SAI LISTA DA SEGUNDA CHAMADA DO VESTIBULAR
FUVEST 2010.

No terceiro quadrado existem latas e tijolos empilhados


que simulam uma fogueira, e no quarto e último quadrado,
uma boneca velha está deitada em um pedaço de papelão,
coberta com um retalho de manta envelhecida.

2 – EXT/DIA – RUA DE BAIRRO ANTIGO

Enquanto o casal se troca carícias, SEBASTIÃO, 50 anos,


caminha pela rua puxando, com esforço, uma carroça de
madeira, quase vazia, contendo apenas alguns papéis e
caixas de papelão. A carroça realiza um som peculiar.

3 - EXT/DIA – CALÇADA DE BAIRRO ANTIGO

O casal no chão, diante deste som, tira a manta do rosto e


observa; constata-se que vem da carroça de Sebastião.
Tranquilizado, o casal se cobre com o velho pedaço de
manta e retorna os movimentos abaixo da manta.

4 - EXT/DIA - RUA DE BAIRRO ANTIGO

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Sebastião sobe a rua puxando sua carroça. SÍLVIA, 22 anos,
usando calça jeans, tênis tipo “All Star” e uma bolsa
lateral, desce a rua a passos largos. KLEBER, 29 anos,
vestido com roupas sujas e rasgadas, barba por fazer,
cabelos grandes e pés descalços, discursa em frente ao
batalhão de policia. O rapaz está bêbado.

KLEBER (gritando)
Uiu...uiu..uiu! Mãos para o alto
vagabundo.
Éramos dois — seus cuidados, Sonhos
de sua alma bela;
Chega para lá, chegou a lei! Se
esconde, se esconde! (Sussurra) Eu vou
por aqui!
Ela a palmeira singela, Na fulva
areia nascida. Nos roliços braços de
ébano,
Você vai por ali! (grita) Em algum
lugar a gente se encontra, parceiro!
Se abaixa porra, ô os caras aí... Pá,
Pá, Pá! Tatata... Tatatata!
De amor o fruto apertava, E à
nossa boca juntava Um beijo seu, que
era vida. Quando o prazer entreabria
Seus lábios de roxo lírio, Ela
fingia o martírio Nas trevas da
solidão. Os alvos dentes nevados Da
liberdade eram mito, No rosto a dor
do aflito, Negra a cor da escravidão.

Sebastião, com sua carroça, passa por Kleber e o observa


com ar de reprovação. SÍLVIA, caminhando apressada, tromba
com Sebastião.

SEBASTIÃO
Ow!

SÍLVIA não presta atenção ao grito de Sebastião e continua


apressada descendo a rua. Sebastião segue subindo a rua e
resmunga sozinho.

SEBASTIÃO(resmungando)
Puta que pariu. Um maluco e uma cega.
Uma pessoa dessa levanta cedo pra
ficar fazendo palhaçada no meio da
rua... Devia ir trabalhar! Tanta coisa
pra fazê nesse mundo.

5 – EXT/DIA - RUA ADJACENTE DE BAIRRO ANTIGO

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JERUSA, 77 anos, cabelos levemente grisalhos, vestida com
saia e blusa de linho, caminha agilmente e de tronco ereto
carregando um carrinho de feira cheio de verduras e
frutas.

Sebastião caminha pela rua adjacente com sua carroça cheia


de papelão e atravessa o caminho de Jerusa, que o
cumprimenta com um sorriso.

6 – INT/DIA – EMPRESA

Numa sala bem iluminada, Mãos negras organizam papéis,


neles está escrito a palavra questionário. Sílvia as
organiza numa grande mesa circular ao lado de mais três
pessoas que organizam seus respectivos papéis.

REGINA, 35 anos, entrega a Sílvia um mapa impresso em


preto e branco.

REGINA
Sílvia, seu Mapa.

Sílvia pega o mapa, ela o lê.

SÍLVIA
Essa nem é minha região?

REGINA
Quem se atrasa fica com as buchas,
Sílvia!

Sílvia e Regina se encaram. Regina sai e Sílvia se atém ao


questionário em suas mãos. Ela passa unha de seu polegar
entre os dentes. Observa em volta, Claudia e Leticia estão
sentadas, cada uma, em frente a um computador. Silvia se
aproxima de Claudia.

SILVIA
Posso dar uma olhadinha na Net rapidinho.

CLAUDIA
Rapidinho? Não. Estou trabalhando.

Silvia e Claudia trocam olhares tensos.

LETICIA
A pagina tá dando erro, deve ter muito gente
acessando.

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SILVIA
Sério? Deixa...

REGINA ( para Silvia)


Vai começar depois do almoço, ou está
pretendendo me trazer o jantar?

Silvia olha, através do vidro, para o quadro de metas na


parede da Sala de Regina, constata que a barrinha do
gráfico correspondente ao seu nome está muito abaixo da
média.

7 – INT/DIA – COZINHA CASA DE JERUSA

Mãos negras levemente enrugadas abre o forno e retira de


dentro uma forma de bolo. Jerusa, vestindo avental e
calçando chinelos, está curvada sobre o forno e espeta um
palito de dente no bolo. Ela olha o palito, que está
limpo, e desliga o forno. Segurando fôrma de bolo com um
pano de prato, Jerusa o coloca na mesa.

A cozinha é simples, poucos móveis de madeira, azulejos


antigos de estilo português e janela com cortina de renda.
O ambiente é limpo e organizado. Som de rádio estilo AM,
música “JUSTO” do cantor e compositor Marquinhos Dikuã.
Jerusa sorri.

8 – INT/DIA – SALA/COPA DA CASA DE JERUSA

A Sala é, também, um ambiente simples e organizado. Chão


de taco lustrado, enfeites de porcelana sobre os móveis de
jacarandá e revistas empilhadas ordenadamente num canto da
sala.

Jerusa cobre mesa de vidro com uma toalha de renda e


arruma um jogo de pratos com estampas portuguesas,
talheres prateados e taças com ornamentos. A mesa está
disposta para sete pessoas. Cuidadosamente Jerusa coloca
sobre a mesa três panelas de barro. Jerusa contempla a
mesa posta. Entra som de música brega qualquer e som de
batida de bolas de bilhar.

LOURIVAL (off)
E o que eu ganho com isso?

9 – EXT/DIA – BAR

Mão masculina preenche questionário. É um típico bar


popular: mesa de Sinuca, máquina de música, prateleira
atrás do balcão cheia de garrafas de cachaças com raízes.

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Sílvia entrega a LOURIVAL, 40 anos, palito de dente na
boca, duas caixas de sabão em pó, sem indicativo de marca,
uma azul e uma vermelha. Sílvia se abana com dois cartões
coloridos de papelão também em azul e vermelho e bebe um
líquido incolor num copo translúcido.

SÍLVIA
Seu LOURIVAL, lave sua roupa, ou da
sua família, primeiro com o sabão da
caixa vermelha e anote nesse cartão,
vermelho o que achou.

Sílvia entrega cartão vermelho a Lourival e aponta para


algo neste cartão.

SÍLVIA
Quando acabar o sabão da caixa
vermelha, seu Lourival, lave com o
sabão azul e anote no cartão azul, tá
bom?

Lourival limpa seu suor na camisa e termina de escrever no


questionário que está apoiado numa prancheta. Silva está
apoiada ao balcão e termina de beber um líquido incolor
num copo translucido. Durval entrega prancheta para
Sílvia, que o lê em seguida.

SÍLVIA (olha questionário)


Valeu, seu Lourival! Pela água e pela
paciência em responder ao
questionário!

Lourival olha Sílvia.

Lourival
Calor, não?

SÍLVIA
Sim... faltou assinar aqui...

Lourival assina o documento na prancheta e o devolve a


Sílvia. A moça agradece e se abana com a prancheta.

SÍLVIA
Daqui a quinze dias, uma outra
pesquisadora vai passar aqui para
recolher os cartões, ok?

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Lourival
Não vai ser você, Princesa?

SÍLVIA
Não. Cada etapa é uma pesquisadora
diferente.

Lourival se inclina para cumprimentá-la com um beijo no


rosto, mas Sílvia mantém distância e cumprimenta Lourival
com um aperto de mão.

SÍLVIA
Até mais, senhor Lourival.

Sílvia sai. Lourival observa a moça sair.

10 – INT/DIA – COZINHA E SALA DA CASA DE JERUSA

Jerusa usa vestido azul bordado e sapatilha azul. Os


cabelos bem penteados delineiam um coque em sua cabeça.
Jerusa coloca duas velas com o número sete sobre o bolo.
Lambe o dedo provando um pouco da cobertura. O relógio na
parede indica Quatorze horas. Campainha toca. Jerusa
hesita, olha a mesa posta e sorri. Campainha toca e Jerusa
vai para a Sala.
 
11  –  INT/DIA  SALA  DA  CASA  DE  JERUSA  

Jerusa abre a porta de entrada. É SÍLVIA quem está de pé


do lado de fora.

SÍLVIA
Boa tarde senhora, meu nome é Sílvia
Araújo, sou pesquisadora da Central da
Opinião Popular.

JERUSA
Pois não?

SÍLVIA
Nossa empresa realiza pesquisa com
usuários de sabão em pó e eu gostaria
de entrevistá-la... A senhora é a
responsável por lavar as roupas na sua
casa?

JERUSA
Sim, quem lava tudinho sou eu, minha
filhinha. Tenha a bondade...

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Sílvia estranha, hesita. Jerusa gesticula para Sílvia
adentrar. Sílvia adentra a casa.

SÍLVIA
Obrigada, Senhora...

JERUSA
Jerusa! Jerusa Anunciação.

Jerusa caminha atrás de Sílvia. A senhora sorri, tem seu


rosto um pouco abaixado e não desvia seu olhar da moça.
Jerusa fecha a porta, Sílvia se vira e Jerusa desvia seu
olhar.

JERUSA
Sente-se.

Sílvia sorri, assenta-se, pega caneta e sua prancheta com


questionário. O sofá é acolchoado com braços de madeira
ainda a vista, muito bem lustrados, forrado com um tecido
feito de crochê.

À frente estão duas poltronas de balanço com recosto


trançado de palha antiga. No centro uma pequena mesa de
jacarandá, e sobre ela estão revistas empilhadas
ordenadamente e pequenas miniaturas cerâmicas de bonecas
que carregam vasos.

SÍLVIA
Dona Jerusa, a senhora tem algum sabão
de preferência?

JERUSA
Hoje em dia até sabão tá metido a
besta... Antigamente, minha filha, só
tínhamos sabão em pedra, era um sabão
bom, duro, cheiroso, com um pedaço só
minha mãe lavava sete trouxas de roupa
de sete dondocas diferentes. Imagine
que cada trouxa tinha umas cem peças.
Hoje... sabão em pó... uma caixa num
lava nem duas peças... e ainda fazem
pesquisa.

Jerusa ri. Sílvia sorri.

JERUSA (ainda ri)


Você aceita uma água, um café, minha
filha?

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SÍLVIA
Após algumas perguntas, talvez... Mas
o questionário é bem rápido...

JERUSA (corta a fala de SÍLVIA)


Que bom! Estou esperando meus filhos,
meus netos para almoço do meu
aniversário.

SÍLVIA
Ah! Parabéns dona Jerusa!

Sílvia e Jerusa se olham. Sílvia se levanta do sofá e


abraça Jerusa. Sílvia tenta terminar abraço, mas Jerusa o
prolonga. Sílvia sorri constrangida. Termina abraço.
Sílvia e Jerusa se assentam no sofá.

SÍLVIA
Vamos... vamos a entrevista?... O meu
presente será fazer sua entrevista em
quinze minutos... assim não atrapalho
sua festa!

Sílvia olha para o relógio da sala que está na parede, ao


lado de uma foto antiga de um casal. Um homem branco e
mulher negra. Na parede oposta há um quadro retratando uma
casa campesina ao longe de um caminho de terra.

SÍLVIA
Qual o nome completo da senhora?

JERUSA
Jerusa Anunciação Mamede. Jerusa com
Jota!

Sílvia rasura o questionário substituindo o “G” pelo “J”.


Jerusa se levanta, caminha em direção à cozinha. Sílvia a
acompanha com seu olhar e escuta atenta ao que ela fala.

JERUSA
Quando eu casei com Raduan... meu
finado marido turco, o cartório queria
tirar meu Anunciação... O Anunciação
era nome também da minha avó... Maria
Jerusa Anunciação... Ela não era
registrada e nem letrada.

Sílvia se levanta e caminha em direção a cozinha.

12 – INT/DIA – COZINHA DA CASA DE JERUSA

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Jerusa abre a gaveta de um armário grande de madeira
escura, com duas portas laterais, e pega algumas
bandejinhas amarelas de papel. Distribui uma a uma sobre a
mesa de oito lugares.

Sílvia fica abaixo do pórtico da cozinha e olha atenta os


detalhes deste ambiente: o fogão de cor azul esmaltado, de
seis bocas, contrasta com a geladeira branca de design
moderno e sobre a pia de inox se encontra um filtro de
barro coberto por um tecido de crochê tão azul quanto o
fogão. O liquidificador antigo está apoiado sobre a
geladeira, envolto em um pano de crochê branco. O bolo em
cima da mesa tem duas velas com número “7”.

JERUSA
Mas sabia enganar os letrados (ri).
Quando eu nasci, minha mãe decidiu meu
nome de Jerusa Anunciação, juntos,
como nome composto mesmo, sabe... Ela
tirou o “da” que parecia sobrenome...
ou apelido como ela chamava.

SÍLVIA
Apelido?

JERUSA
Coisa dos preto da Senzala, da época
de vovó... Época em que chamavam nome
dado pelo branco de apelido. Assim,
eles lembravam do nome e sobrenome
africano em segredo.

SÍLVIA (sorri)
Muito inteligente sua mãe... e os
negros da senzala

JERUSA (ri)
Mãe me contou que minha avó era negra
ladina, fugiu do senhor que a tinha
como propriedade e se apresentou para
que outro lhe marcasse como aluguel,
quando se apresentou para ele disse
que se chamava “Maria” em homenagem a
mãe de Jesus, Jerusa em louvor a
Jerusalém! E Anunciação porque estava
destinada a anunciar o retorno do
Senhor Jesus Cristo... Na verdade,
vovó cuidou para que o senhorzinho não
duvidasse de sua fé, impedindo que ela

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lavasse de ganho,... quando quando uma
peça de roupa desfilava nas ruas,
reluzindo de tão branca, cobrindo as
vergonhas de qualquer madame, já se
sabia: aquela alvura era coisa de
Jerusa Anunciação (gargalha).

Sílvia sorri, mas está desconcertada sem graça. JERUSA se


engasga com a gargalhada.

SÍLVIA
A senhora está bem?

Jerusa indica o filtro de barro na pia. Sílvia caminha até


o filtro na pia e coloca um pouco de água em um dos copos
de barro dispostos ali ao lado. Entrega-o à Jerusa, que
indica a moça uma das cadeiras para ela se sentar. Jerusa
toma um gole da água e permanece olhando o conteúdo no
interior do copo em silêncio. Sílvia está com a prancheta
debaixo do braço.

SÍLVIA
Seus parentes devem estar chegando...
Meu presente era fazer o questionário
em 15 minutos...

JERUSA
Você está presente...

O relógio na parede da cozinha indica 14h40. Sílvia marca


com um “X” o quadrado ao lado da palavra “negra” e na
palavra “viúva”. Jerusa olha para o pacote de bandejinhas
amarelas e recomeça a distribuí-las sobre a mesa.

SÍLVIA
Sua casa é própria, alugada, cedida?

Jerusa olha em volta.

JERUSA
A única coisa que aquele turco não
perdeu no carteado. Mas ele nem era
turco... era sírio-libanês. Conheci
muitos deles! Todos com tino para o
dinheiro. Mas Raduan... filho único...
perdeu tudo que herdou...

Sílvia marca opção “Própria” no questionário. Luz de


relâmpago.

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SÍLVIA
Hum, entendo. Em qual faixa de renda a
Senhora se encontra? 510 a 1000, de
1001 a 2000 de 2001 a...

Som de trovão.

JERUSA (séria)
Isso é pesquisa de sabão em pó ou de
imposto de renda?

SÍLVIA (sorrindo)
Desculpe, dona Jerusa. É que toda
pesquisa tem parte socioeconômica. Não
precisa falar exatamente o quanto
ganha. Só me diga em qual faixa está.

Som de chuva.

JERUSA
Trabalhei tanto... se não fosse
Raduan, eu teria me aposentado bem
antes... e não por idade! Eu fazia
tanta comida praquele povo das loja da
Florêncio de Abreu, da vinte e cinco
de março... Naquele tempo de conhecer
Raduan... e ele torrou até meu
dinheiro no carteado. Ele dizia que
buscava a sorte... nas cartas, não em
mim, que sempre estive do seu lado.

Sílvia marca um X no quadrado ao lado da frase “R$ 510 a


R$ 1000”.

SÍLVIA
Quantas pessoas moram com a senhora?

Vento forte bate a porta da copa e derruba o vaso de


flores sobre a mesa. Jerusa se levanta rapidamente, sem
responder a pergunta, e caminha para a sala.

13 – INT/DIA - SALA/COPA DA CASA DE JERUSA

Jerusa fecha janela e cortina, recolhe os pratos e as


panelas de barro sobre a mesa adornada e os leva para a
cozinha.

14 – INT/DIA - COZINHA DA CASA DE JERUSA

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Sílvia observa a movimentação de Jerusa, adentra a sala e
começa a ajudar a limpar a sujeira produzida pelo vaso
caído sobre a mesa.

15 – INT/DIA – SALA DA CASA DE JERUSA

Pela janela da sala escorre a água da chuva. Jerusa


recolhe os pratos, talheres e taças colocados sobre a mesa
e os leva para a cozinha. Sílvia observa a chuva através
da janela e, em seguida, ela olha para sua prancheta.

Sílvia bate a caneta na prancheta e suspira, trazendo a


unha do dedo polegar entre os dentes.

16 – INT/DIA – COZINHA DA CASA DE JERUSA

O relógio marca 15h40. Jerusa guarda a louça


cuidadosamente, cada item em seu lugar. Sílvia retorna a
cozinha e observa a movimentação de Jerusa. Há uma certa
quantidade de louças/utensílios de cozinha organizados
dentro do armário.

SÍLVIA
Dona Jerusa?

Jerusa arruma suas louças no armário. Sílvia vem ao seu


lado. Jerusa segura colher de pau retirada do armário.

JERUSA
Minha filha, desculpe a movimentação
em casa hoje. Eu confundi, marquei um
chá para as Dezesseis. Com meus
filhos... meus netos! Acabei pondo
mesa do almoço às Treze.(ri). É o peso
dos Setenta e Sete anos (gargalha
tossindo).

SÍLVIA (sorri levemente)


Entendo... Quantas pessoas moram com a
senhora?

Jerusa pega no armário alguns utensílios para montar mesa


de chá. Em seguida vai em direção à sala. Sílvia se
enfadonha, mas a acompanha.

17 – INT/DIA - SALA/COPA DA CASA DE JERUSA

Jerusa arruma mesa de chá para sete pessoas. Sílvia a


observa e olha sua prancheta. No questionário, mão negra

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anota “X” ao lado do item “sozinho(a)”. JERUSA sai em
direção à cozinha.

JERUSA
Você fica para o chá conosco!

SÍLVIA
Dona Jerusa, tenho muitos
questionários ainda por fazer.

JERUSA (séria)
Você fica! É meu aniversário! Quando
você vai falar de sabão em pó?

Sílvia e Jerusa se olham. A moça olha para a mesa colocada


por Jerusa na copa.

SÍLVIA
Já entraremos nesse quesito, Dona
Jerusa.

Jerusa vai para a Cozinha. Sílvia assinala “X” no item


“sete pessoas” do questionário. Sílvia sai. Som de ignição
elétrica de fogão.

18 – INT/DIA – COZINHA DA CASA DE JERUSA

Boca de fogão é ligada. Há uma chaleira sobre ela. Jerusa


separa folhas secas de diversos chás que estão dentro de
um saco de pano bordado.

SÍLVIA (off)
Quantos filhos a senhora tem?

Jerusa pega uma folha de capim-santo. Silvia a observa.

JERUSA
O Carlos Alberto adora chá de capim-
santo. Desde menino. Quando teve o
acidente no metrô... de Pinheiros...
Eu liguei na Engenharia Elétrica,
pedindo para a copeira não esquecer o
chá de capim-santo de Carlos Alberto!
Ele era o responsável. Meu menino
devia estar tão nervoso! Eu fiquei tão
angustiada esperando a volta dele...

Jerusa interrompe o que falava. Ela desliga a água que


fervia no fogão e coloca as folhas de capim-santo na
chaleira. Jerusa abre as portas inferiores do armário onde

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há várias bandejas de variados doces de aniversário.
Jerusa pega bandeja com beijinho e os arruma, colocando a
bandeja sobre a mesa.

JERUSA
O Marcelinho, meu neto, filho da Ana
Rita, adora beijinho. A mãe dele não
gosta de fazer... demora muito para
enrolar as bolinhas! Ana Rita sempre
deixava tudo pela metade. Não gostava
nem de balanço...achava chato o vai e
vem sem parar (ri).

O relógio na parede marca 17h59. Jerusa abre as portas


superiores do grande armário de madeira e revela diversas
bandejas de doces. Sílvia observa Jerusa retirar as
bandejas do armário e as organiza cuidadosamente sobre a
mesa, ao lado do bolo.

SÍLVIA
Dona Jerusa, eu queria ir no banheiro.

Jerusa sorri. Ela pega Sílvia pela mão, Silvia deixa a


prancheta do questionário sobre a mesa, e Jerusa a leva
até a escada da qual indica a porta do banheiro..

19 – INT/DIA - BANHEIRO DA CASA DE JERUSA

Silvia entra no banheiro, senta na privada, olha a sua


volta, ao lado da privada está uma cesta com revistas e
jornais, chama atenção de Silvia a manchete “SÃO PAULO
ENFRENTA O DIA MAIS SECO DA DÉCADA” ao lado da manchete
“SAI LISTA DA SEGUNDA CHAMADA DO VESTIBULAR FUVEST 2010.
Sobre o jornal temos um pacote de balões vazios. Silvia
pega o jornal, deixa o saco de cair, pega um balão e põe
na boca, e começa a folhear o jornal. Em uma das paginas
temos “ LISTA DE APROVADOS SEGUNDA CHAMADA FUVEST-2010)
entre os aprovados está SILVIA FERREIRA DA CRUZ. Silvia
dar um grito mudo e começa a encher balões com respiração
em ritmo acelerado.

19.1 INT/DIA – SALA/COPA DA CASA DE JERUSA

mão de Jerusa pega o questionário sobre a mesa.

20 – INT/DIA – HALL ENTRE BANHEIRO E COZINHA

Sílvia sai do banheiro.

SÍLVIA

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Dona Jerusa... eu queria te mostrar
uma coisa...

Jerusa olha para Sílvia. Entrega o questionário, Silvia


percebe que está todo preenchido. Jerusa indica a porta de
saída para Silvia.

SÍLVIA
Uma coisa que você pode cantar pros
seus filhos, seus netos... Quando eu
era criança na Bahia, eu aprendi a
cantar parabéns diferente...

21 - SEQUÊNCIA DE MONTAGEM MUSICADA – Silvia canta para


Jerusa parabéns para você baiano “ Seu maquinista por
favor pare esse trem”

INT/DIA - SALA DA CASA DE JERUSA

A) Jerusa enche balões enquanto Silvia canta .


B) Jerusa abre a gaveta da peça baixa ao lado da mesa de
jantar e revela muitas linhas e agulhas de crochê: pega um
rolo de barbante e uma tesoura.

C) Sílvia e Jerusa seguram os balões e amarrando-os com


barbante formam verdadeiros cachos coloridos.

D) Elas distribuem os cachos de balões pelas paredes da


sala.

INT/DIA – COZINHA DA CASA DE JERUSA

A) Jerusa e Sílvia levam os doces do armário para a mesa.

INT/DIA - SALA DA CASA DE JERUSA

A) Jerusa e Sílvia tomam chá.

INT/DIA – COZINHA DA CASA DE JERUSA

A) Jerusa e Sílvia cantam parabéns.


B) Jerusa corta o bolo.
C) Jerusa e Sílvia comem o bolo e os doces dispostos sobre
a mesa.
D) Jerusa e Sílvia tocam samba na mesa e sorriem.

FIM DA SEQUÊNCIA MUSICADA

22 – EXT/NOITE – RUA DA CASA DE JERUSA

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Jerusa está à porta de sua casa e observa Sílvia caminhar
sob as luzes dos postes. Sílvia caminha e olha para trás
em relances. Jerusa leva às mãos ao peito.

Sílvia lhe faz um aceno de adeus com a mão e em seguida se


vira. Sílvia caminha.

Sebastião caminha com sua carroça no sentido contrário. A


carroça está repleta de papéis e caixas de papelão.
Sebastião realiza esforço, a rua é uma ligeira subida para
ele.

Num dado momento, Sílvia e Sebastião quase se encontram em


suas caminhadas, mas Sílvia desvia e sobe a calçada.

Em sua casa, Jerusa chacoalha um tapete de entrada da sua


porta. Sebastião passa diante da casa de Jerusa, que o
cumprimenta. O Homem lhe retribui com um sutil gesto de
cabeça. Jerusa adentra a sua casa e fecha a porta.

CRÉDITOS FINAIS
(música NEM PENSAR, Marquinhos Dikuã)

FIM  

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