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Governo do Estado de S.

Paulo
Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia
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O SÍTIO URBANO ORIGINAL
DE SÃO PAULO,
O PÁTIO DO COLÉGIO

PUBLICAÇÃO N.° 1

CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO,


ARTÍSTICO E TURÍSTICO DO ESTADO — “CONDEPHAAT”, ABRIL - 1977

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO


Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia
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... “as exigências actuais da ciência histórica
objectiva a qual (segundo as sábias normas dadas
por Leão XIII) não tolera infiltrações pias nem
doutra qualquer natureza que não seja de pura his-
tória ...”

(Pe. Serafim Leite, SJ., Monumenta


Brasiliae, Monumenta Histórica
Societatis lesu, Roma, 1957, vol. II, p. 69)
Vista aérea da colina do Pátio do Colégio, vendo-se as fundações da igreja construída no século XVII.

[ * ]
No Pátio do Colégio, no ponto em que existiu a
terceira igreja edificada nesse promontório aproxi-
madamente um século após a morte de Anchieta — e
derruída em 1896 — está hoje em fase final de obras,
por iniciativa da Sociedade Brasileira de Educação,
para servir de cópia, uma nova igreja de estrutura de
concreto.
Essa contrafação destrói a possibilidade de se pre-
servar o sítio urbano original, a acrópole que milagro-
samente sobreviveu no meio da cidade, bem como os
remanescentes autênticos de construções veneráveis que
chegaram até nossos dias.
I _ A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DAS POSIÇÕES DO CONDEPHAAT

A premissa de que parte o CONDEPHAAT é que, nas artes como nas ciências — e
na Arquitetura é aguda a ampliação do problema — nenhuma réplica, cópia ou simulacro
pode superpor-se ao documento original ou pretender usurpar-lhe o valor próprio. Esta pos-
tura é a vigente, como básica, no mundo todo, entre aqueles que se dedicam profissionalmente
à preservação, conservação e valorização de patrimônio cultural. E não se trata de mera
consciência, modismo comparativo ou respeito a um código impositivo de prescrições, mas
atitude correspondente a uma elaboração teórica e metodológica lenta e incessantemente re-
trabalhada, desenvolvida com rigor e enriquecida por experiências acumuladas ao longo dos
anos em contextos históricos, sociais e culturais dos mais diversificados.
Conviría examinar mais detidamente as principais questões acima enunciadas.

a) O Sítio urbano original de São Paulo.


A colina do Pátio do Colégio constitui caso raríssimo, na história urbana, de sítio
inicial de cidade identificado com precisão e, no Brasil, com a peculiaridade de ser pratica-
mente o único, fora do litoral, ao longo do primeiro século de nossa história.

Visualização do sítio original da Cidade de São Paulo (1563) segundo estudo de Mertig. No último plano, à
direita, a silhueta do pico do Jaraguá. No meio, a colina central, confinada entre os rios Anhangabaú e Taman-
duateí (em primeiro plano). — Revista do Arquivo Municipal n.° 23, 1936. — Reproduzido em AB’SABER,
Aziz Nacib — O sítio urbano inicial da aglomeração paulistana. — Rev. Acrópole. Junho de 1963. São Paulo.
De outra parte, o sítio urbano original de São Paulo apresenta singularidades que até
hoje despertam o interesse dos estudiosos. Os “campos” de Piratininga, por exemplo, que
a toponímia e a tradição histórica consagraram seriam campos ou manchas de mato baixo que
“somente conseguiam se destacar na paisagem devido à envergadura das matas adjacentes,
altas e homogêneas, além do que, sem dúvida, amedrontadoras para aqueles que, isolados e
desprovidos de equipamentos suficientes, arcaram com as duras tarefas do desbravamento
e colonização dos sertões florestais dessa parte do Brasil.” (...) “Por outro lado, tinham-se
como local principal os níveis intermediários da topografia, onde eventualmente afloravam
crostas limoníticas, ou ainda, os terrenos mais permanentemente alagáveis das grandes
planícies regionais”*1».
Daí o excepcional interesse do sítio urbano inicial de São Paulo, cuja escolha teria
sido ditada por razões ainda claramente legíveis na paisagem, fato a merecer realce por se
tratar de área de referência a que se explicita como centro de defesa, de plataforma para
interiorização política, administrativa, colonizadora, expedicionária e, afinal, integrando, am-
pliando e alimentando estas funções todas, como centro de evangelização e difusão de
valores espirituais.

b) O sítio arqueológico.
Da ocupação anterior o Pátio do Colégio encerra restos físicos de interesse histó-
rico, o que justifica lhe seja dado tratamento de sitio arqueológico ou “estabelecimento”,
que é, antes de mais nada, uma unidade espacial. Um estabelecimento não é uma abstração
lógica nem pode ser caracterizado por uma listagem — ainda que exaustiva e sofisticada
— de restos humanos, elementos arquitetônicos,, artefatos, “coisas” encontradas e desenter-
radas. O estabelecimento delineia uma realidade empírica, uma unidade física de deposição
que se compõe de objetos culturais abandonados em relações espaciais específicas. As pró-
prias conturbações por que tenha passado um sítio arqueológico, com o correr do tempo,
são elementos integrantes do acervo total de informações e não somente fenômenos margi-
nais. Este conceito é objeto de consenso comum na Arqueologia moderna, seja qual for o
seu campo: pré-histórico, proto-histórico ou histórico — e falar-se hoje em Arqueologia bizan-
tina, Arqueologia medieval, Arqueologia pós-medieval, Arqueologia colonial, Arqueologia
industrial, é referir-se a disciplinas cientificamente constituídas dentro do corpo da Arqueo-
logia e não a simples empréstimos de vocábulo. A data dos artefatos, dos restos de qual-
quer natureza e do contexto do “sítio” é critério sem nenhum peso para definir o que é e o
que não é objeto da Arqueologia. É o que ensina qualquer manual geral de Arqueologia
(desde que de certa categoria e minimamente atualizado, é óbvio), em especial os de Arqueo-
logia Histórica, como aqueles de Stanley Soutfv Ivor Noêl Hume, etc.<2>. O renomado Pré-his-
toriador Glyn Daniel, numa excelente história da Arqueologia, deplora precisamente que aos
olhos de muitos leigos, ainda hoje, Arqueologia e tempos modernos se excluem mutuamente:
“there remains a deep-seated feeling among many that the artefacts of yesteryear are not
archaeology, that one’s grandmother’s goffering iron or an early eighteenth-century Port bottle
are different in kind and relevance, as well as in form, from a mêgalithic tomb or an Acheulian
handaxe”*3». O critério é outro e diz respeito à natureza da documentação: “the study is
“archaeological” in so far as it deals with physical objects and requires fieldwork”, define
R. A. Buchanan<4>, um dos mestres da Arqueologia Industrial, que se ocupa do estudo dos restos
dos estabelecimentos associados à Revolução Industrial e seu posterior desenvolvimento.

(1) AB’SABER, Aziz N. "O sítio urbano inicial da aglomeração paulistana”, Acrópole, São Paulo, ano XXV, n.° 295/6, junho de 1963,
p. 207.
(2) SOUTH, Stanley, Method and theory in Historical Archaeology (Studies in Archaeology), New York, Academic Press, 1976;
HUME, Ivor Noel, Historical Archaeology, New York, A. Knopf, 1969.
(3) DANIEL, Glyn, 150 Years of Archaeology, London, Duckworth, 1975, pp. 366/7.
(4) BUCHANAN, R. A., “Industrial Archaeology: Retrospect and Prospect”, Antiquity, London, XLIV, 1970, p. 281.

[U ]
Em suma, conforme manifestação formal do CONDEPHAAT a 1.° de julho de 1975,
o sítio do Pátio do Colégio pode ser tecnicamente definido como sítio arqueológico histórico
e, portanto, merecedor da proteção legal competente, pois encerra restos de ocupação huma-
na de alta significação histórica e configura essa ocupação humana aliás de caráter excep-
cional, tratando-se do ponto de partida da cidade de São Paulo.

c) Documentos originais e réplicas.

Elevação da “reconstituição” do Colégio e Igreja do Colégio. Original de Cardim Ltda. — Revista Engenharia
Municipal — Ano II, Volume II, Dezembro, 1956 — n.° 4, pág. 10 — São Paulo.

Como entidade oficialmente encarregada da conservação e valorização de bens


culturais, o CONDEPHAAT se sente obrigado não só à identificação dos documentos originais,
e à garantia da preservação de seus atributos característicos subsistentes (inclusive, se neces-
sário, recorrendo à restauração), como também à sua difusão social, que inclui a função edu-
cativa de distinguir o que é autêntico — e nessa autenticidade, insubstituível — do que é
réplica, fac-simile, simulacro, reconstituição, interpretação, alegoria. Não há conflito, nesses
termos, entre uma suposta posição assepticamente técnica e uma posição afetiva, pois nada
supera a coisa em si, verdadeira, honesta, real (por mais despojada, cicatrizada e mutilada
que esteja) como fonte legítima de emoção e comunhão íntima. O inverso é que pode ocor-
rer: a tíbia do Venerável Pe. José de Anchieta, conservada no local, desperta, tal como está
(solução tecnicamente justificada) sentimentos de profundo respeito. A solução tecnicamente
questionável de completá-la (ainda que nada se danificasse do original) e articulá-la a um
esqueleto artificial fidedignamente recomposto, para explorar um quadro mais amplo de infor-
mação visual, poderia talvez despertar maior atenção e curiosidade, mas também reduziría,
sem dúvida, a profundidade e pureza da veneração e da carga emotiva.
É por esta razão que o CONDEPHAAT, coerentemente, tem batalhado sem tréguas
pela preservação de documentos originais de valor histórico — já tão raros em São Paulo —
até mesmo quando desprovidos de requintes formais. Esse, por exemplo, foi o caso da
Igreja de São Gonçalo (iniciada por volta de 1757), protegida apesar de projeto da mesma
Sociedade Brasileira de Educação, que impiedosamente pretendia derrubá-la para aí cons-
truir um edifício de 19 andares (processo CONDEPHAAT 25428/71)

[ 13 ]
Por outro lado, a posição deste Conselho se reforça no exame dos resultados nega-
tivos, sob vários aspectos, de experiências de reconstruções ou recriações, realizadas em
algumas partes do mundo, ainda recentemente — de Colonial Williamsburg nos Estados Uni-
dos à Stoa de Átalo na Ágora de Atenas — e que, como não podia deixar de ser, transforma-
ram-se em objeto de descrédito internacional, exemplos vivos do que não se deve fazer.
II — A ANÁLISE, PELO CONDEPHAAT, DO PROJETO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO

“Vista do conjunto do Pátio do Colégio” — Revista Engenharia Municipal — Ano II, Volume II, Dezembro, 1956
— n.° 4, pág. 10 — São Paulo.

Despertado pelo início de obras no Pátio do Colégio, em área dentro de um raio de


300 metros do Solar da Marquesa de Santos e que, com o tombamento deste monumento,
passara à sua jurisdição, o CONDEPHAAT, em princípios de 1975 decidiu oficialmente estudar
a questão.
Do projeto de obras só tomou conhecimento pela versão inicial, publicada numa
revista de Engenharia*®), pois não lhe foram encaminhados, ainda que solicitados, os projetos
atuais. Tratava-se, a princípio, de um imenso conjunto que incluía um prédio de 20 pavi-
mentes na esquina da rua General Carneiro, e um plano de reurbanização prevendo um edi-
fício junto à rua Bethencourt Rodrigues, além de um terceiro edifício horizontal. Enfim, natu-
ralmente, este volumoso complexo incluía a reconstrução da escola e, nos termos da placa
que ainda hoje está afixada no canteiro de obras, a “reconstrução da primeira igreja de São
Paulo” (sic). Dessa forma, perder-se-iam as visuais — tanto para a baixada do Tamanduatei
(o antigo rio Piratininga), como desta para a colina. E mais, a igreja ficaria amesquinhada
à sombra dos imensos volumes circundantes.
As demais informações sobre o projeto — que ora sensatamente dispensou todos
os anexos e subprodutos dá Escola e da Igreja, inclusive os que já haviam sido aprovados
pela Prefeitura — foram obtidos tão-somente por contatos verbais, diversas vistorias
e documentação fotográfica periódica.

(5) GOMES CARDIM F.0, Carlos Alberto e GOMES CARDIM, Luciano Otávio, "O tradicional Pátio do Colégio”, Engenharia Municipal,
São Paulo, n.° 4, ano II, vol. II, Dezembro de 1956, pp. 9-16.

[ 15 ]
A análise do CONDEPHAAT desenvolveu-se ao longo de três eixos: o problema legal
de uma doação condicionada por cláusulas inexeqüíveis; a destruição de documentos origi-
nais; a procura do “autenticamente falso”.

a) O problema legal: inexeqüibilidade de cláusulas condicionais.


Para justificar a construção da nova igreja, seus promotores têm invocado a Lei
Estadual n.° 2.658, de 21 de janeiro de 1954, pela qual a área histórica, patrimônio comum dos
paulistas, foi doada, como era de justiça, aliás, à Companhia de Jesus, representada pela
Sociedade Brasileira de Educação. Entre as cláusulas condicionais da doação sobressai a
do artigo 2.°, que obriga a donatária a
“construir um novo Colégio de São Paulo e Igreja anexa, tanto quanto pos-
sível nos limites das fundações iniciais e reproduzir em um perfeito renas-
cimento o ato inicial da fundação da cidade de São Paulo” (grifos nossos).
Sendo uma doação condicional, cabe ao doador, também neste caso, como regra de
Direito, fiscalizar a fiel execução das condições .impostas, estando desde 1967 atribuída a este
Conselho, na área em apreço, por força de disposições constitucionais e, a seguir, de leis
ordinárias, tal incumbência, sem prejuízo, é óbvio, da discussão sobre o mérito de cláusulas
condicionais, sejam elas viáveis ou inviáveis.
Assim, antes mesmo de avaliar a legitimidade, a conveniência e efeitos da reconstru-
ção da igreja (que, além de ser uma réplica discutível de um original pouco documentado,
está destruindo precisamente os poucos restos autênticos desse mesmo original e desfigu-
rando outro bem cultural autêntico — o sítio urbano), é forçoso concluir pela impossibilidade
total de atender minimamente às exigências da lei que operou a doação. Em outras palavras,
as exigências impostas pela lei são inexeqüíveis e não podem ser lembradas para legitimar
quaisquer pretensões. Com efeito a igreja que se pretende recriar é a terceira erigida no
local e nada tem a ver com a fundação da cidade. A inicial desapareceu. Da segunda,
construída quando ainda existia a original e, portanto, fora de seus limites, restou um muro

Perspectiva do conjunto de edificações para o Pátio do Colégio. — Capa da Revista Engenharia Municipal —
Ano II, Volume II, Dezembro de 1956 — n.° 4 — São Paulo.

[ 16 ]
de taipa. E da terceira, de pedra e barro, construída no século XVII desde seus alicerces,
restavam esses mesmos alicerces, íntegros até o início das obras atuais. Três igrejas, em
três épocas, com três técnicas construtivas distintas. É preciso, enfim, considerar que, segun-
do a crônica, a construção inicial era “escola, enfermaria, dormitório, refeitório, cozinha e
despensa” e contava “quatorze passos de comprido e doze de largo”<6>. Não tinha, portanto,
a configuração que caracterizou as construções jesuíticas do Brasil colonial, o binômio igreja-
-escola, onde esta última fazia parte de uma construção “em quadra”, com um pátio interno.
Era “casa feita de barro e paus e coberta de “palha”*7) e, portanto, não tinha fundações
corridas.

b) A destruição de documentos originais.


No Pátio do Colégio subsiste um muro de taipa de pilão que, como sabemos por carta
do Padre José de Anchieta, foi edificado com o suor de um jesuíta, o Padre Afonso Brás, e
dos índios catecúmenos*8 9 10
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na origem das coisas, que o tempo faz grandes, costuma dar-se-lhe o título, aliás não arbi-
trário, de primeiro arquiteto de São Paulo”*9).
Ao lado desse muro de taipa existem ainda as fundações da igreja do século XVII,
a terceira, concluída em 1671. Essas fundações, ora seriamente danificadas, são de limonita
— pedra obtida no Largo da Forca (hoje Praça da Liberdade) — e têm o maior interesse
arqueológico como documento arquitetônico. Observa Lúcio Costa, que esses muros apre-
sentam, do ponto de vista técnico, uma singularidade: são de pedra assentada com barro, o
que representa a conjunção de duas técnicas*1*». O muro de taipa de pilão, construído com
o suor do insigne padre jesuíta Afonso Brás, e os alicerces seiscentistas da terceira igreja,
são documentos autênticos cujo valor réplica alguma poderá igualar. Todavia, conforme se
verificou em duas vistorias e se documentou fotograficamente em várias ocasiões, partes
consideráveis dessas fundações foram impiamente destruídas; intervalos da parte que restou
podem ser vistos sob a laje do piso da nova igreja: solução eufemística que não anula um
grave atentado contra nossas tradições históricas.
Por último, lembre-se que as fundações de limonita, se preservadas em sua inte-
gridade, teriam permitido colher grande número de informações sobre a planta original, que
a réplica falseia.

c) A procura do “autenticamente falso”.


Outro aspecto grave na contrafação que se está erigindo nesse promotório que aco-
lheu o primitivo colégio é a pretensão de se conseguir o “autenticamente falso” caracte-
rístico das obras Kitsch. Do uso sem critérios de material e técnicas modernas resultam
dubiedades inadmissíveis. Veja-se o telhado do atual “colégio”. Telhas industrializadas de
formato reduzido conseguem uma regularidade nunca vista em obras coloniais, onde telhas
feitas à mão e de grande formato (chegando por vezes a 70 cm) produzem cobertura de irre-
gularidade pitoresca devida tanto ao método de fabrico da telha como a suas características
técnicas, quais a ausência de ressaltos para fixação. Nem se mencionem a textura e o varie-
gado na cor dos telhados coloniais, decorrência da produção artesanal e da ausência de
uniformidade da argila, características que o tempo só valoriza. A isso some-se o fato de,
à era colonial, se usar para montagem de telhado, somente madeira falquejada a machado,
apresentando o aspecto rústico característico, sendo freqüente encontrarmos varas ainda com
sua casca ou jiçara (ripas feitas com troncos de palmeira) servindo de ripa de fixação.
Quem visita o convento de Frei Galvão, na Luz, depara em seu interior com uma sala
onde a taipa de pilão foi deixada à mostra. É fácil, vendo este documento autêntico, apreen-

(6) Carta do Pe. José de Anchieta, de 1.° de Setembro de 1554, apud LEITE, SJ, Serafim, Monumenta Brasiliae (Monumenta Histó-
rica Societatís lesu), Roma, 1957, vol. II, p. III.
(7) Ibidem, p. III/2.
(8) LEITE SJ, Serafim, Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil, Lisboa, Livros de Portugal, 1953, p. 135.
(9) Ibidem, p. 136.
(10) COSTA, Lúcio, "A Arquitetura dos Jesuítas no Brasil”, Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro,
MES, n.° 5, 1941, p. 15.

[ 18 ]
"O Conjunto urbanístico visto da várzea do Carmo”. — Revista Engenharia Municipal — Ano II, Volume II,
Dezembro, 1956 — n.° 4, pág. 10 — São Paulo.

der-se o que é um muro revestido segundo as primitivas técnicas coloniais: o resultado são
paredes de certa irregularidade, mas que transmitem sensação de robustez, de obra feita
para desafiar o tempo. Não é o caso das paredes da construção do Pátio do Colégio, que
nisso nada vão diferir de sobradinhos de aluguel.
Esse meio-termo é terrivelmente deseducador. Como coloca Abraham Moles, “é
pelo meio-termo que os produtos Kitsch atingem o “autenticamente falso” e, algumas vezes,
o sorriso condescendente do consumidor que se considera superior a eles, a partir do mo-
mento em que o julga. É o meio-termo que os aproxima, que reúne todos em um conjunto
de perversidades estéticas, funcionais, políticas ou religiosas”<11)
Ainda que se justificasse uma “reconstituição histórica” da terceira igreja original do
Pátio do Colégio, ela seria extremamente imprecisa pela escassez de informação sistemática.
Acontece, todavia, que, para certos pormenores, a documentação existente é abundante mas
nem por isso foi levada em conta. Um corte transversal da nova igreja mostra que se pre-
tende fazer telhado de platibanda, quando há farta documentação indicando que a cobertura
era arrematada por beirai, e mais, não foi respeitada a forma original do telhado do coro,
como se vê por uma foto externa publicada por José Jacintho Ribeiro(12) e por uma foto interna
publicada por Affonso de Freitas<13>, onde se vê ainda que o novo projeto não respeitou a
posição das envasaduras no coro. Muitas outras soluções previstas contrariam a documen-
tação iconográfica de nosso conhecimento; o CONDEPHAAT, porém, por razões éticas, so-
mente se manifestará quando se confirmar a concretização dessas propostas.

(11) MOLES, Abraham, O Kitsch — A Arte da Felicidade, São Paulo, Perspectiva/EDUSP, 1972, p. 75.
(12) RIBEIRO, José Jacintho, Chronologia Paulista, São Paulo, Tip. do Diário Oficial, 2.° vol.. p. 19.
(13) FREITAS, Affonso A. de, Tradições e Reminiscências Paulistanas, São Paulo, Martins, 2.a ed„ 1955, p. 103.

[ 19 ]
III — AS REAÇÕES A POSIÇÃO DO CONDEPHAAT

No exame das questões acima mencionadas o CONDEPHAAT sempre procurou en-


contrar pontos de convergência para conjugar esforços e desenvolver, no local, um “centro
histórico” à altura de seu significado — única solução capaz de valorizar sem ilusionismos e
mediações desfiguradoras os valores informativos, técnicos, afetivos e espirituais do papel da
Companhia de Jesus na fundação da metrópole em que se transformou São Paulo.
Essa atitude, porém, nunca obteve receptividade por parte dos promotores do pro-
jeto, que simplesmente ignoraram o embargo das obras — de rigor, conforme prescreve a
lei, desde que se inicia o estudo de problemas pendentes, antes mesmo de qualquer manifes-
tação definitiva. (É bem verdade que, meses depois, diante de fato consumado, o Senhor
Governador levantou o embargo, sem que disso tivesse conhecimento oficial o CONDEPHAAT).
Ao mesmo tempo, o CONDEPHAAT se pautou, a todo instante, por uma atitude de
absoluta correção, mantendo uma serenidade e uma discrição que ainda hoje alguns órgãos
da imprensa tomam como omissão. Entretanto, o mesmo não sucedeu com os promotores e
defensores das obras, que se manifestaram recorrentemente pela imprensa (tendo mesmo
consolidado em livro parte dessas manifestações<14>, muitas vezes em termos absolutamente
[nadequados, incorretos e injustos.
Todavia, para preservar sua compostura e serenidade, o CONDEPHAAT somente
erará, aqui, as alegações mais eticamente duvidosas, abaixo expostas.

I a) A insinuação de divergências entre a orientação do IPHAN e do CONDEPHAAT.


Artigo publicado em importante vespertino da capital procurava desacreditar o CON-
PHAAT perante o órgão federal da mesma, natureza, o IPHAN, afirmando que o autor do
projeto, “ao dar conhecimento do plano de restauração do Colégio e da Igreja ao Dr. Rodrigo
de Mello Franco de Andrade, então diretor do IPHAN, ouviu desse ilustre patrício os mais
expressivos elogios ao empreendimento”(15>.
Nesse sentido, devemos invocar um testemunho do mesmo Rodrigo de Mello Franco
de Andrade. Não se trata de afirmação feita em particular, a eventual interessado, mas de
depoimento escrito e publicado*16). “Em princípio, a integridade de um sítio urbano deve ser
garantida com o mesmo critério aplicável a um monumento singular. Interessa tanto proteger
a ambientação própria de determinado monumento quanto a ambientação adequada ao sítio
urbano. Assim, o destaque da silhueta característica do sítio no panorama que o envolve
não deve ser sacrificado pela introdução de novas áreas construídas em proximidade exces-
siva. Ainda pela necessidade de resguardar-lhe o aspecto destacado na paisagem circun-
dante, devem ser impedidas, nos espaços vagos de seu perímetro, edificações novas cujo
volume ou altura seja desproporcionado com a escala das construções existentes. Merece

(14) Em especial, SALGADO, J. A. César, ‘‘Defesa do Patrimônio Histórico — Pátio do Colégio — 1”, O Estado de Sfio Paulo, São
Paulo, 10/08//1975 e “Pela permanência do espírito pioneiro. Pátio do Colégio — Conclusão’’, ibidem, 17/08/1975 (reproduzidos
como anexo 9 de O Pátio do Colégio. História de uma Igreja e de uma Escola. São Paulo, Gráfica Municipal, 1976, pp.
253/271); SALGADO, J. A. César e VIOTTI, SJ, Hélio Abranches, “Pátio do Colégio: falam os defensores da reconstrução
da Igreja”, Jornal da Tarde, São Paulo, 20/01/1976.
(15) SALGADO, J. A. César e VIOTTI, SJ, Hélio Abranches, op. clt.
(16) ANDRADE, Rodrigo de Mello Franco de, “Conservação de Conjuntos Urbanos”, Suplemento Literário do Jornal do Comércio, Rio
de Janeiro, 30/05/1970.
atenção especial a preservação rigorosa da disposição dos logradouros que correspondem
às circunstâncias ou vicissitudes históricas da ocupação e do desenvolvimento do sítio”
(grifos nossos). Como se pode ver, a configuração de um sítio urbano é um bem cultural em
si, dispensando acréscimos extemporâneos.
A posição desse saudoso Diretor do IPHAN não deixa margem a dúvidas e, recen-
temente, o assessor técnico do IPHAN, Arquiteto Augusto Carlos da Silva Telles, com sua
reconhecida autoridade na matéria, reafirmou tal diretriz em parecer exarado a 05/12/1975,
a propósito do sítio arqueológico do Pátio do Colégio, e plenamente endossado pelo atual
Diretor do IPHAN, o Arquiteto Renato Soeiro: “Todos os documentos internacionais e nacio-
nais, todos os ci;itérios de restauração histórica e arquitetônica condenam vivamente as
reconstruções, por constituírem mentiras históricas, falsos documentos. No caso, o problema
seria agravado, pois não há documentação suficiente para conhecimento do vulto e dispo-
sição externa e, muito menos, interna da edificação a ser reconstruída”.

c) A acusação de fidelidade mecânica a princípios mal interpretados (a “Carta de


Veneza”)
Outro aspecto a ser apontado é a imagem que se procurou criar<17> de um ingênuo,
cego e desesperado apego do CONDEPHAAT, para mascarar a inanidade de suas posições,
à letra formal de um documento guindado à esfera de autoridade bíblica — a chamada
“Carta de Veneza”.
S§m dúvida o CONDEPHAAT endossa plenamente os princípios expostos nesse
documento (elaborado com a participação de inúmeros arquitetos brasileiros, e mesmo, vários
da Universidade de São Paulo), assumido pela UNESCO, em especial no tocante aos pontos
seguintes:
“A noção de monumento compreende não só a criação arquitetônica isolada, mas
também a moldura em que ela é inserida. O monumento é inseparável do meio onde se
encontra situado, e bem assim, da história da qual é testemunho”.
“A restauração é uma operação que deve ter caráter excepcional. Ela visa a
conservar e a revelar o valor estético e histórico do monumento. Apóia-se no respeito à
substância da coisa antiga ou em documentos autênticos e deverá deter-se onde começar
a conjetura”(18).
Da mesma forma endossa o CONDEPHAAT princípios expressos em outros documen-
tos do gênero, como as “Normas de Quito”, elaboradas pela OEA e qu,e, além de reiterar
a conveniência da adesão dos países americanos à “Carta de Veneza”, como norma mundial
em matéria de preservação de sítios e monumentos, incluem entre suas recomendações a de
que a restauração “termina donde comienza Ia hipótesis” e declara que “decidida Ia clase
de intervención a Ia que habrá de ser sometido el monumento, los trabajos subsiguientes
deberán continuar-se con absoluto respecto a Io que evidencia su substancia o a Io que
arrojan, indubitablemente, los documentos autênticos en que se basa Ia documentación”<19>.
Se restauração exige tal rigor, como, então, justificar a reconstituição pura e simples?
O que importa acentuar, porém, é que tais princípios orientam o CONDEPHAAT não
porque emanem de fontes escriturais mas porque se enraizam em argumento de insofismá-
vel procedência: o valor insubstituível do documento original e a sua inserção num certo
quadro de contexto.
A UNESCO responsabiliza-se pela assistência técnica e financeira a obras de
preservação de monumentos e conjuntos urbanos no Brasil, como é o caso de Parati, do
(17) Cf. SALGADO, J. A. César, “Pela permanência do espírito pioneiro, Pátio do Colégio — Conclusão”, O Estado de Sfio Paulo,
17/08/1975 (reproduzido em O Pátio do Colégio, História de uma Igreja e de uma Escola, p 264/5).
(18) Carta de Veneza, in Patrimônio Cultural, Recomendações, Acordos e Convênios, São Paulo, FAUUSP/IPHAN, 1975.
(19) Normas de Quito, in CONDEPHAAT — Legislação, São Paulo, 1976, pp. 49/59. Também1 na elaboração das Normas de Quito
houve participação de ilustres especialistas brasileiros.

[ 22 ]
‘kMk. *tt

conjunto do Pelourinho em Salvador, dos conjuntos de Ouro Preto e Mariana e das Missões
no Rio Grande do Sul, etc. Se o Brasil, que é signatário da “Carta de Veneza”, deixar de
respeitá-la, perderá o direito a essa assistência, o que acarretaria real dano a bens culturais
de valor inestimável. Não seriam essas, porém, as conseqüências mais graves, salvo dentro
de um critério pragmatista, reflexo de interesses imediatos. A gravidade real está em que a
atividade de conservação, restauração e valorização de patrimônio cultural entre nós fatal-
mente acabaria por se desmoralizar, pela legitimação do desrespeito a documentos originais
em benefício de simulacros.
Vários exemplos de reconstrução de monumentos foram apontados pelos represen-
tantes da Sociedade Brasileira de Educação, em suas publicações*14), para legitimar a recons-
trução que se está executando no Pátio do Colégio: um rol muito mais longo poderia ser
facilmente acrescentado, sem que sua extensão fosse capaz de gerar qualquer fundamento
para legitimar novas reconstruções. Dos casos mencionados, aliás, dois foram sabidamente
objeto das mais acirradas controvérsias: o da Casa de Gõethe em Frankfurt e o do Pavilhão
Dourado (Kinkaku) do Templo Rokuon-ji de Quioto, do período Muromachi (e não Minomachi,
como consta). Outros são absolutamente irrelevantes, como o da Dulwich (e não Dullwick)
Art Gallery de John Soane (e não Goam). Outros, enfim, simplesmente não ocorreram, como
se verá mais adiante.

c) Acusações de incompetência do CONDEPHAAT.


Por fim, é impossível silenciar sobre acusações gravíssimas e totalmente desprovi-
das de fundamento, dirigidas ao CONDEPHAAT.
O seguinte excerto de artigo de jornal*20) dá a medida da desenvoltura dessas
acusações:
“Como preliminar, registre-se ‘data venia’, que os argumentos dos contrários à
reconstrução da Igreja do Pátio do Colégio, nos termos divulgados, não encontram qualquer
fundamento na moral, na história, na tradição e na ciência. E, o que é mais, esses argumen-
tos discrepam muitas vezes da verdade dos fatos, como se evidenciará”.
Lamentavelmente, entretanto, tais acusações apenas encobrem impossibilidade de
defesa, por parte de quem não domina profissionalmente as áreas científicas em questão.
Em primeiro lugar note-se a imputação de ignorância, ao CONDEPHAAT, do que
seja Arqueologia: “Ora, a palavra arqueologia, conforme consta de qualquer vocabulário eti-
mológico, vem do grego, com a significação de estudo das origens”*21). E, “para acabar
com a especulação em torno do assunto” cita-se uma “conclusão” que teria sido “homolo-
gada” pelo XXVII Congresso Internacional de Americanistas, em Lima, transcrita por Angyone
Costa: “Em nosso continente, elementos arqueológicos compreendem exclusivamente mate-
riais que se relacionam com as antigas atividades indígenas. Os restos, achados, elemen-
tos, monumentos, ou como queiram designar o material encontrado no continente, só adqui-
rem esta classificação peculiar quando representam a idéia, o esforço, o trabalho material do
homem americano, aceito como tal o nativo da América sem aculturação européia”. A data
de tal conclusão, 1939, explica seu total descabimento hoje em dia. Basta percorrer, ainda
que inadvertidamente, as atas dos mesmos Congressos de Americanistas, nos últimos 20
anos, para ver que tal restrição, pela fraqueza de seus argumentos, nunca pôde ser respei-
tada e que seus simpósios e sessões de Arqueologia sempre incluíram temas ligados, quer
ao nativo da América durante ou após a aculturação, quer ao estabelecimento dos novos
habitantes. Sirvam de exemplo os temas seguintes, colhidos ao acaso: investigações arqueo-
lógicas em Sarayacu, uma missão franciscana do século XIX no Peru, ou nas ruínas da redu-

(20) SALGADO, J. A. César e VIOTTI, SJ, Hélio Abranches, op. ci».


(21) Ibidem, reiterando outras ingênuas alegações anteriores (reproduzidas no livro de César Salgado, pp. 256/8), reveladoras de
um total alheiamento, segundo cabalmente demonstrava um parecer técnico do CONDEPHAAT, de 01/07/1975.

[ £3 ]
ção jesuítica de Santo Inácio no Paraná; o sítio do primeiro estabelecimento continental de
Colombo no Panamá; sítios “coalescentes” dos séculos XVII/XVIII em Dacota do Sul; a cerâ-
mica arqueológica pós-colombiana no Peru; o plano colonial de Cholula, aglomeração tolteca
de antiquíssima ocupação; a difusão de certo tipo cerâmico, na América do Norte, entre 300
a.C. e 1700 d.C., incluindo áreas plenamente aculturadas; seqüências arqueológicas no No-
roeste da Costa Rica, de 1000 a.C. até 1600 d.C. e dezenas e dezenas de outros trabalhos de
renomados arqueólogos, apresentados e discutidos no mesmo pé de igualdade com os que
diziam respeito ao ameríndio antes do contato<22>. E como justificar, diante dessa pretensa
e dogmática “definição” do Congresso de 1939, as numerosíssimas comunicações, nesses
mesmos Congressos Internacionais de Americanistgs, relativas aos contatos transoceânicos,
envolvendo grupos que nada têm nem com os “nativos da América”, nem com os conquista-
dores do século XVI?<23.).
É certamente o desconhecimento da bibliografia básica da área e a utilização de
fontes ineptas — e muitas vezes desatenciosamente traduzidas e transcritas —, como a Ency-
clopaedia Britannica, que alimentam, acreditamos, afirmações totalmente infundadas e, mesmo,
grosseiramente errôneas. Dois exemplos apenas servirão de testemunho, dispensando, pela
sua gravidade, o exame inglório dos demais, caso por caso.

A CATEDRAL DE COVENTRY

Afirmou-se que “a catedral de S. Miguel de Coventry, literalmente arrasada pelos


obuses inimigos, foi reconstruída em 1954 tal como era, segundo plano do arquiteto Sir
Basile (sic) Spence”(24>. A infidelidade da informação é chocante. A catedral de Coventry,
embora severamente atingida pelos “raids” nazistas de 1940 e 1941, nem foi “literalmente
arrasada”, nem tão pouco “reconstruída”. Dela restaram ruínas significativas, (inclusive todo
o arcabouço) muitíssimo bem documentadas por fotografias da época, reproduzidas em várias
publicações especializadas*25).
É o próprio Sir Basil Spence que narra num memorial as impressões de sua pri-
meira visita ao local: “Quando coloquei meus pés naquelas ruínas vi que andava num solo
sagrado. Ao invés da cobertura de seiscentos anos, a catedral, porque catedral ainda é, tinha
o céu por abóbada. Esta sensação de reverência foi intensificada quando fui até o altar eri-
gido durante a guerra por um pedreiro, com pedras que haviam caído das partes superiores.
Por detrás, a cruz carbonizada, feita de barras que não haviam sido totalmente fundidas. Este
era um símbolo eloqüente, uma relíquia de fé, durante as horas negras da Inglaterra...”*26).
De volta a sua terra, Edimburgo, Sir Basil elaborou a proposta, que deveria concorrer com
218 outras, sair vencedora e ser executada: as ruínas e o altar seriam respeitosamente —
liturgicamente, mesmo — preservados e uma igreja totalmente nova e de moderníssima con-
cepção foi projetada para ser erigida ao lado, numa das mais felizes integrações, de que se

(22) MYERS; Thomas P.t “Sarayacu: archaeological investigations at a 19th century Franciscan Mission in the Peruvian Montafta”,
XXXIX CIA, Lima, 1972, vol. 4, El Bosque Tropical — Arqueologia 2, pp. 25-39; BLASI, Oldemar, “Investigações arqueológicas
nas ruínas da redução jesuítica de Santo Inácio do Ipaumbucu ou Mini, Paraná, Brasil”, XXXV CIA, Sevilha, 1966, vol. I, Sección
Arqueologia dei Brasil y Venezuela, pp. 473/481; VINTON, Kenneth V., "Rediscovering a historic-archeologic site”, XXXIV CIA,
Viena, 1962, Archâologle, pp. 396/7; SMITH, Carlile S., “The temporal relationships of coalescent village sites in Fort Randall
Reservoir, South Dakota”, XXXIII CIA, Costa Rica, 1969, E. Arqueologia Sudamericana, pp. 416/21; KUBLER, George, “The colonial
plan of Cholula", XXXVIII CIA, Buenos Aires/La Plata, 1968, vol. I. Simpósio — El processo de urbanización en América, pp.
209/23; DIXON, Keith A., “Culinary Shoe-Pots: the interamerican diffusion of a cooking technique”, XXXV CIA, México 1964,
Simpósio — Arqueologia de Norte América, pp. 579/87; BAUDEZ, Claude F. & COE, Michael D., “Archaeological sequences in
Northwestern Costa Rica”, XXXIV CIA, Viena, 1962, Archâologle, pp. 366/73.
(23) Caso típico é o dos estabelecimentos escandinavos antigos, como os sítios do séc. XI d.C., objeto do estudo, entre outros,
de A. S. Ingstad, “The Norsemen’s discovery of North America. Observations on the archaeological work carried out at L’Anse
aux Meadows, Northern Newfoundland", XXXVII CIA, Buenos Aires/La Plata, 1968, vol. IV, pp. 107/14.
(24) SALGADO, J. A. César, “Defesa do Patrimônio Histórico — Pátio do Colégio — I”, O Estado de São Paulo, São Paulo,
10/08/1975, repetido em SALGADO, J. A. César e VIOTTI SJ, Hélio Abranches, “Pátio do Colégio: falam os defensores da
reconstrução da igreja”, Jornal da Tarde, São Paulo, 20/01/1976, reproduzido em SALGADO, J. A. César, O Pátio do Colégio,
p. 260.
(25) Cf. SPENCE, Sir Basil, "The Cathedral church of St. Michael, Coventry”, Architectural Record, New York, n.° 132(8), August 1962,
pp. 101/10.
(26) Ibidem, p. 106.

[ n ]
tem conhecimento na história da Arquitetura, do antigo respeitado e valorizado pelo mo-
derno. A menção, no texto dos defensores da Igreja do Pátio do Colégio, à catedral como
“a fine perpendicular building ruined except for the 195 ft tower and spire” remete, segundo
a nota 2, a William Dugale (sic), “The Antiquities of London” (sic). Sir William Dugdale nunca
podería ter feito tal afirmativa, pois viveu de 1605 a 1686. Foi autor de The Antiquities of
Coventre, 1765, obra citada no verbete COVENTRY da Encyclopaedia Britannica, onde tam-
bém vem a informação infiel, inoportunamente utilizada, do “arrasamento” da catedral.

AS REEDIFICAÇÕES DO ARQUITETO WREN


De todos os casos invocados para legitimar a construção do simulacro da igreja do
Pátio do Colégio, este é o mais característico como manipulação de dados históricos. Parte
da afirmação de que a catedral de São Paulo, em Londres, — obra do maior arquiteto inglês
de todos os tempos, Sir Christopher Wren — teria sido destruída durante a Segunda Guerra
Mundial. Aduz-se, mais, que “32 igrejas de Londres, pulverizadas pelas bombas nazistas
na II Grande Guerra, foram reedificadas pelo arquiteto Wren”<24>. Ora, como é do conheci-
mento de qualquer especialista da área, e mesmo de qualquer turista de mediana instrução
e boa informação, a catedral de São Paulo não sofreu danos de grande monta na Segunda
Guerra. Além do mais, Sir Christopher não poderia ter reedificado nenhuma igreja destruída
pelos nazistas, pois morrera mais de dois séculos antes, em 1723. Depois do Grande Incêndio
de Londres de 1666, Sir Christopher Wren replanejou a cidade inteira. E projetou, ou repro-
jetou, então, não 32, mas 52 igrejas, entre elas a catedral de São Paulo<27>, no mais arrojado
estilo de sua época, conforme o juízo corrente dos historiadores da Arquitetura<28>.
Aqui, também, o que explica a enormidade do erro (repetido, como o anterior, por
três vezes sucessivas), é tanto o desconhecimento do tema e da bibliografia especializada,
quanto uma leitura apressada da mesma fonte inadequada para análise científica especiali-
zada: Encyclopaedia Britannica, no verbete LONDON. É justo reconhecer que, embora a
informação, desta vez, seja correta, a redação desse verbete é confusa e poderia induzir em
erro os desconhecedores da matéria: “Before World War II, the 32 surviving examples of parish
churches rebuilt, using the mediaeval ruins as foundations, under the supervision of Sir Chris-
topher Wren formed an unrivalled group of works in the English baroque style”...

O
O O

À vista do exposto, impõe-se a conclusão de que é tão deseducativo propor simu-


lacros em substituição a documentos originais, quanto valer-se, para referendar este tipo de
proposta, de argumentos que discrepam da verdade dos fatos e revelam, quando menos, fon-
tes ineptas e leitura descuidada. Seja como for, trata-se de informações inidôneas e, além
do mais (parafraseando o respeitável homem de saber, moral e tradição que foi o Re. Serafim
Leite SJ), infiltradas de intenções que não são de pura história.
Assim é que o CONDEPHAAT desconhece qualquer procedência às críticas que
foram feitas por ter sugerido medidas para o resguardo da integridade do sítio escolhido pelo
Pe. Manoel da Nóbrega, na companhia de André Ramalho, filho do alcaide-mor de Santo
André da Borda do Campo, para fundação do colégio de meninos “no local onde Martin Afon-
so primeiro povoou”<29>.
(27) FLETCHER, Bannister, A History of Architecture on the comparativo method, London, B. T. Batsford, 16th ed., 1954, p. 803.
(28) Cf. COPPLESTONE. Trewin, World Architecture, London, Paul Hamlyn, 1966, p. 281.
(29) Carta do Pe. Manoel da Nóbrega a D. João III, outubro de 1553, apud LEITE, SJ, Serafim, Monumenta Braslliae (Monumenta
Histórica Societatis lesu), Roma, 1957, p. 16.

[ 25 ]
IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO S/A - IMESP

SÃO PAULO - BRASIL


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