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Doutores e Doutoras

Airton Carlos Batistela Bernadétte Beber


Universidade Católica do Paraná, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Alaim Souza Neto Breno de Oliveira Ferreira
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal do Amazonas, Brasil
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Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
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Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,Brasil Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
Alexandre Silva Santos Filho Caroline Chioquetta Lorenset
Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Aline Daiane Nunes Mascarenhas Cláudia Samuel Kessler
Universidade Estadual da Bahia, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Aline Pires de Morais Daniel Nascimento e Silva
Universidade do Estado de Mato Grosso, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
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Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
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Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
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Emill Brunner World University, Estados Unidos Universidade Estadual de Maringá, Brasil
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Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
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Universidade Católica de Pernambuco, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
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Universidade Católica de São Paulo, Brasil Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
Bárbara Amaral da Silva Elena Maria Mallmann
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Beatriz Braga Bezerra Emanoel Cesar Pires Assis
Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
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Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
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Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Fábio Santos de Andrade Karlla Christine Araújo Souza
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Fauston Negreiros Laionel Vieira da Silva
Universidade Federal do Ceará, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
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Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
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Universidade de Brasília, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
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Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
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Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade de Aveiro, Portugal
Gabrielle da Silva Forster Luan Gomes dos Santos de Oliveira
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Guilherme do Val Toledo Prado Luciano Carlos Mendes Freitas Filho
Universidade Estadual de Campinas, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Hebert Elias Lobo Sosa Lucila Romano Tragtenberg
Universidad de Los Andes, Venezuela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Helciclever Barros da Silva Vitoriano Lucimara Rett
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
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Helen de Oliveira Faria Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Marcia Raika Silva Lima
Heloisa Candello Universidade Federal do Piauí, Brasil
IBM e University of Brighton, Inglaterra Marcos Pereira dos Santos
Heloisa Juncklaus Preis Moraes Universidad Internacional Iberoamericana del Mexico, México
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Marcos Uzel Pereira da Silva
Humberto Costa Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade Federal do Paraná, Brasil Marcus Fernando da Silva Praxedes
Ismael Montero Fernández, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil
Universidade Federal de Roraima, Brasil Margareth de Souza Freitas Thomopoulos
Jeronimo Becker Flores Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Maria Angelica Penatti Pipitone
Jorge Eschriqui Vieira Pinto Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Maria Cristina Giorgi
Jorge Luís de Oliveira Pinto Filho Centro Federal de Educação Tecnológica
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Celso Suckow da Fonseca, Brasil
José Luís Giovanoni Fornos Pontifícia Maria de Fátima Scaffo
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Josué Antunes de Macêdo Maria Isabel Imbronito
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Júlia Carolina da Costa Santos Maria Luzia da Silva Santana
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Juliana de Oliveira Vicentini Maria Sandra Montenegro Silva Leão
Universidade de São Paulo, Brasil Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Michele Marcelo Silva Bortolai Rosane de Fatima Antunes Obregon
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Maranhão, Brasil
Miguel Rodrigues Netto Sebastião Silva Soares
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Nara Oliveira Salles Simone Alves de Carvalho
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Neli Maria Mengalli Stela Maris Vaucher Farias
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Patricia Bieging Tadeu João Ribeiro Baptista
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal de Goiás, Brasil
Patrícia Helena dos Santos Carneiro Taíza da Silva Gama
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Patrícia Oliveira Tania Micheline Miorando
Universidade de Aveiro, Portugal Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Patricia Mara de Carvalho Costa Leite Tarcísio Vanzin
Universidade Federal de São João del-Rei, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Paulo Augusto Tamanini Thiago Barbosa Soares
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Priscilla Stuart da Silva Thiago Camargo Iwamoto
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade de Brasília, Brasil
Radamés Mesquita Rogério Thiago Guerreiro Bastos
Universidade Federal do Ceará, Brasil Universidade Estácio de Sá e Centro Universitário Carioca, Brasil
Ramofly Bicalho Dos Santos Thyana Farias Galvão
Universidade de Campinas, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Ramon Taniguchi Piretti Brandao Valdir Lamim Guedes Junior
Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Rarielle Rodrigues Lima Valeska Maria Fortes de Oliveira
Universidade Federal do Maranhão, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Raul Inácio Busarello Vanessa Elisabete Raue Rodrigues
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Renatto Cesar Marcondes Vania Ribas Ulbricht
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Ricardo Luiz de Bittencourt Walter de Carvalho Braga Júnior
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Rita Oliveira Wagner Corsino Enedino
Universidade de Aveiro, Portugal Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Robson Teles Gomes Wanderson Souza Rabello
Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Rodiney Marcelo Braga dos Santos Washington Sales do Monte
Universidade Federal de Roraima, Brasil Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Rodrigo Amancio de Assis Wellington Furtado Ramos
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Rodrigo Sarruge Molina
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
PARECERISTAS E REVISORES(AS) POR PARES
Avaliadores e avaliadoras Ad-Hoc

Adilson Cristiano Habowski Antônia de Jesus Alves dos Santos


Universidade La Salle - Canoas, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil
Adriana Flavia Neu Antonio Edson Alves da Silva
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Aguimario Pimentel Silva Ariane Maria Peronio Maria Fortes
Instituto Federal de Alagoas, Brasil Universidade de Passo Fundo, Brasil
Alessandra Dale Giacomin Terra Ary Albuquerque Cavalcanti Junior
Universidade Federal Fluminense, Brasil Universidade do Estado da Bahia, Brasil
Alessandra Figueiró Thornton Bianca Gabriely Ferreira Silva
Universidade Luterana do Brasil, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Alessandro Pinto Ribeiro Bianka de Abreu Severo
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Alexandre João Appio Bruna Carolina de Lima Siqueira dos Santos
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Universidade do Vale do Itajaí, Brasil
Aline Corso Bruna Donato Reche
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Universidade Estadual de Londrina, Brasil
Aline Marques Marino Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa
Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Aline Patricia Campos de Tolentino Lima Camila Amaral Pereira
Centro Universitário Moura Lacerda, Brasil Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Ana Emidia Sousa Rocha Carlos Eduardo Damian Leite
Universidade do Estado da Bahia, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Ana Iara Silva Deus Carlos Jordan Lapa Alves
Universidade de Passo Fundo, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Ana Julia Bonzanini Bernardi Carolina Fontana da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Ana Rosa Gonçalves De Paula Guimarães Carolina Fragoso Gonçalves
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
André Gobbo Cássio Michel dos Santos Camargo
Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul-Faced, Brasil
André Luís Cardoso Tropiano Cecília Machado Henriques
Universidade Nova de Lisboa, Portugal Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
André Ricardo Gan Cíntia Moralles Camillo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Andressa Antonio de Oliveira Claudia Dourado de Salces
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Andressa Wiebusch Cleonice de Fátima Martins
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Angela Maria Farah Cristiane Silva Fontes
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Anísio Batista Pereira Cristiano das Neves Vilela
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Anne Karynne da Silva Barbosa Daniele Cristine Rodrigues
Universidade Federal do Maranhão, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Daniella de Jesus Lima Francisco Geová Goveia Silva Júnior
Universidade Tiradentes, Brasil Universidade Potiguar, Brasil
Dayara Rosa Silva Vieira Francisco Isaac Dantas de Oliveira
Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Dayse Rodrigues dos Santos Francisco Jeimes de Oliveira Paiva
Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Dayse Sampaio Lopes Borges Gabriella Eldereti Machado
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Deborah Susane Sampaio Sousa Lima Gean Breda Queiros
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Diego Pizarro Germano Ehlert Pollnow
Instituto Federal de Brasília, Brasil Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Diogo Luiz Lima Augusto Giovanna Ofretorio de Oliveira Martin Franchi
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Ederson Silveira Glaucio Martins da Silva Bandeira
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal Fluminense, Brasil
Elaine Santana de Souza Handherson Leyltton Costa Damasceno
Universidade Estadual do Norte Fluminense Universidade Federal da Bahia, Brasil
Darcy Ribeiro, Brasil Helena Azevedo Paulo de Almeida
Eleonora das Neves Simões Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Heliton Diego Lau
Elias Theodoro Mateus Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Hendy Barbosa Santos
Elisiene Borges Leal Faculdade de Artes do Paraná, Brasil
Universidade Federal do Piauí, Brasil Inara Antunes Vieira Willerding
Elizabete de Paula Pacheco Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Ivan Farias Barreto
Elizânia Sousa do Nascimento Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Universidade Federal do Piauí, Brasil Jacqueline de Castro Rimá
Elton Simomukay Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Jeane Carla Oliveira de Melo
Elvira Rodrigues de Santana Universidade Federal do Maranhão, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Brasil João Eudes Portela de Sousa
Emanuella Silveira Vasconcelos Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil
Universidade Estadual de Roraima, Brasil João Henriques de Sousa Junior
Érika Catarina de Melo Alves Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Universidade Federal da Paraíba, Brasil Joelson Alves Onofre
Everton Boff Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Juliana da Silva Paiva
Fabiana Aparecida Vilaça Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Junior César Ferreira de Castro
Fabiano Antonio Melo Universidade Federal de Goiás, Brasil
Universidade Nova de Lisboa, Portugal Lais Braga Costa
Fabrícia Lopes Pinheiro Universidade de Cruz Alta, Brasil
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Leia Mayer Eyng
Fabrício Nascimento da Cruz Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Brasil Manoel Augusto Polastreli Barbosa
Fabrício Tonetto Londero Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Marcio Bernardino Sirino Railson Pereira Souza
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal do Piauí, Brasil
Marcos de Souza Machado Rogério Rauber
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Marcos dos Reis Batista Samuel André Pompeo
Universidade Federal do Pará, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Maria Aparecida da Silva Santandel Simoni Urnau Bonfiglio
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Maria Edith Maroca de Avelar Rivelli de Oliveira Tayson Ribeiro Teles
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Universidade Federal do Acre, Brasil
Mauricio José de Souza Neto Valdemar Valente Júnior
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Michele de Oliveira Sampaio Wallace da Silva Mello
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Miriam Leite Farias Wellton da Silva de Fátima
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Universidade Federal Fluminense, Brasil
Natália de Borba Pugens Weyber Rodrigues de Souza
Universidade La Salle, Brasil Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil
Patricia Flavia Mota Wilder Kleber Fernandes de Santana
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Raick de Jesus Souza
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil

PARECER E REVISÃO POR PARES

Os textos que compõem esta obra foram submetidos


para avaliação do Conselho Editorial da Pimenta
Cultural, bem como revisados por pares, sendo
indicados para a publicação.
Direção editorial Patricia Bieging
Raul Inácio Busarello
Editora executiva Patricia Bieging
Coordenadora editorial Landressa Rita Schiefelbein
Diretor de criação Raul Inácio Busarello
Editoração eletrônica Gabrielle Lopes
Lucas Andrius de Oliveira
Peter Valmorbida
Imagens da capa Moviafilmes, Freepik - Freepik.com
Revisão Thaíne Fernanda Sell
Criação da capa Mariam Capibaribe de Alencar
Organizador Marcus Vinícius Freitas Mussi

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


___________________________________________________________________________

L755 Linguística Aplicada: panorama de estudos teóricos e práticos


no Nordeste. Marcus Vinícius Freitas Mussi - organizador.
São Paulo: Pimenta Cultural, 2021. 313p..

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5939-185-1 (eBook)

1. Linguística aplicada. 2. Educação. 3. Nordeste.


4. Língua Portuguesa. 5. Escrita acadêmica. 6. Ensino.
7. Aprendizagem. I. Mussi, Marcus Vinícius Freitas. II. Título.

CDU: 81’1
CDD: 410

DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851
___________________________________________________________________________

PIMENTA CULTURAL
São Paulo - SP
Telefone: +55 (11) 96766 2200
livro@pimentacultural.com
www.pimentacultural.com 2 0 2 1
SUMÁRIO

Agradecimentos ............................................................................ 12

Apresentação ................................................................................. 13

Prefácio .......................................................................................... 19

Capítulo 1

A Linguística Aplicada:
definições e áreas de atuação ......................................................... 20
Maria Bernadete F. de Oliveira

Capítulo 2

Linguística Aplicada como campo multidimensional


e dialógico: um percurso no tempo-espaço
numa universidade do Nordeste...................................................... 34
Rita Maria Diniz Zozzoli

Capítulo 3

Linguística aplicada e pesquisas sobre ensino


de Língua Portuguesa ................................................................... 51
Maria Auxiliadora Bezerra

Capítulo 4

A Linguística Aplicada no Nordeste:


uma caracterização das pesquisas em línguas
adicionais em programas de pós-graduação .................................. 75
Antonia Dilamar Araújo
Capítulo 5

A linguística aplicada no estado do Ceará ................................... 96


Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin

Capítulo 6

Práticas de escrita acadêmica


e construção de saberes ............................................................. 116
Fatiha Dechicha Parahyba

Capítulo 7

Uma breve cartografia das práticas (tele) colaborativas


de ensino-aprendizagem de línguas no nordeste...................... 136
Rickison Cristiano de Araújo Silva
Fábio Marques de Souza

Capítulo 8

Linguagem multimidiática na sala de aula ................................. 156


Julio Neves Pereira

Capítulo 9

Emoção e subjetividade no ensino e aprendizagem


de línguas estrangeiras ............................................................... 177
Vanderlei J. Zacchi
Clara Maria Correa Pereira Andrade
João Carvalho de Souza Junior

Capítulo 10

Os estudos de política linguística na região


nordeste: um espaço em construção ........................................... 192
Socorro Cláudia Tavares de Sousa
Capítulo 11

Estratégias linguísticas de poder (ELP):


contexto nordestino ....................................................................... 220
Marcus Vinícius Freitas Mussi
Amanda Pereira de Albuquerque
Wagner Silva de Andrade

Capítulo 12

Antecipação de problemas ortográficos e sua


relação com atividades metalinguísticas
em alunas recém-alfabetizadas .................................................. 240
Eduardo Calil
Cristina Felipeto

Capítulo 13

Epistemologias transviadas da Linguística Aplicada


na (desen)formação de professores(as)
de línguas estrangeiras ............................................................... 257
Marcia Paraquett
Fábio Alexandre Silva Bezerra

Capítulo 14

Dimensões Identitárias de Pesquisadoras no período


de trabalho remoto: a ética discursiva sobre a noção
do “meu” espaço-tempo ............................................................... 280
Rita de Cássia Souto Maior

Sobre o organizador.................................................................... 305

Sobre os autores e as autoras .................................................... 305

Índice remissivo........................................................................... 311


AGRADECIMENTOS

Gratidão a todos que, de forma direta ou indireta, apoiaram


o projeto do livro CONELA (Congresso Nordestino de Literatura
Aplicada), mesmo em plena pandemia mundial de Covid-19 e
sucessivos cortes de verbas para a educação por parte do governo
federal. Agradeço, em especial, aos autores que confiaram a mim a
tarefa de organizar seus textos em torno da proposta de apresentação
de um panorama dos estudos teóricos e práticos em Linguística
Aplicada no Nordeste que compõem o volume.

São eles, em ordem de apresentação dos capítulos: Maria


Bernadete F. de Oliveira (UFRN), Rita Maria Diniz Zozzoli (UFAL), Maria
Auxiliadora Bezerra (UFCG), Antonia Dilamar Araújo (UECE), Eulália
Vera Lúcia Fraga Leurquin (UFC), Socorro Cláudia Tavares de Sousa
(UFPB), Fatiha Dechicha Parahyba (UFPE), Eduardo Calil (UFAL),
Fábio Marques de Souza (UEPB), Vanderlei J. Zacchi (UFS), Marcia
Paraquett (UFBA), Fábio Alexandre Silva Bezerra (UFPB), Julio Neves
Pereira (UFBA) e Rita de Cássia Solto Maior (UFAL).

Sou grato aos autores que participaram da composição e re-


SUMÁRIO visão dos textos junto com os palestrantes: Amanda Pereira de Albu-
querque (UFCG), Clara Maria Correa Pereira Andrade (UFS), Cristina
Felipeto (UFAL), João Carvalho de Souza Junior (UFS), Rickison Cris-
tiano de Araújo Silva (UEPB) e Wagner Silva de Andrade (UFCG).

12
APRESENTAÇÃO

Antes de apresentar os capítulos, julgo fundamental informar ao


leitor como se deu a história que culminou na publicação deste livro.
Em 2018, juntei um pequeno grupo de linguístas aplicados que atuam
no Nordeste (NE) em uma rede social com o objetivo de contribuirmos
para o fomento da área de estudos na região, sobretudo através da pro-
moção de eventos interinstitucionais. Surgiram diversas propostas que
dependiam ainda de amadurecimento e, então, em 2020, quando con-
segui incorporar um número significativo de professores de programas
de pós-graduação (PPG) que trabalham com LA no Nordeste, a ideia
ficou encorpada e começou a tomar a forma pretendida.

Aliado a isso, os cenários regional e nacional estavam muito


propícios para a LA. O regional, pelos resultados positivos alcança-
dos pelos programas de pós-graduação, de investigações desenvol-
vidas dentro dos grupos de pesquisa, e da intensificação de even-
tos que já se consolidaram nacionalmente e internacionalmente. E o
nacional, por se tratar de um ano comemorativo pelos trinta anos da
fundação da Associação de Linguística Aplicada no Brasil, e pelos
cinquenta anos do primeiro PPG em LA no Brasil.
SUMÁRIO
Como resultado, foi promovido o I Congresso Nordestino de
Linguística Aplicada – CONELA, maior evento da área no Nordeste e
maior evento do Centro de Formação de Professores da Universidade
Federal de Campina Grande (CFP-UFCG), nos seus quase cinquenta
anos. O evento recebeu quase 800 resumos, dos quais mais de 600
trabalhos foram aceitos para apresentação e quase 180 textos com-
pletos foram publicados nos anais do CONELA. Totalizaram-se 2543
inscritos, com efetivos 1253 participantes ao longo do evento; quase
40 tradutores-intérpretes de libras (TILS) ajudaram a promover acessi-
bilidade e 29 palestrantes participaram das mesas redondas.

13
A partir dessas palestras, proferidas entre os dias 17 e 20 de no-
vembro de 2020, surgiu a ideia de desenvolver um material escrito que
representasse as variadas interfaces e características que compõem a
LA na região, a partir dos princípios que norteiam o projeto CONELA
como um todo, a saber: a inovação, a intervenção e a durabilidade.

Inovação, por tratar-se de um projeto que vislumbra fomento em


um sentido pouco explorado aqui: desenvolver epistemologias pró-
prias da área e, em segundo plano, estreitar relações entre os que
estudam e pesquisam; intervenção, por colocar os múltiplos centros
de estudos e pesquisas do NE em posição de aproximação e, por
consequência, em fricção entre seus paradigmas; e durabilidade, por
tratar-se de um projeto atrelado aos resultados e avanços na área de
LA no NE, que serão apresentados a cada três anos.

É, portanto, a partir deste contexto histórico e desses princípios


que surge o livro Linguística Aplicada: panorama de estudos teóricos
e práticos no Nordeste. A obra está organizada em catorze capítulos
que tratam sobre ensino e aprendizagem, política linguística, teorias
e práticas discursivas, tecnologias e educação, práticas identitárias,
estudos dos letramentos e formação de professores.

No primeiro capítulo, Maria Bernadete divide a apresentação


SUMÁRIO de definições e áreas de atuação em LA em três partes. Inicialmente,
discorre sobre visões, consolidações e representatividades da LA
para, então, discutir a presença do campo de estudos em Programas
de Pós-graduação no Nordeste, com foco na UFRN – onde atua – e,
por último, coloca algumas sugestões e desafios para a LA.

No capítulo dois, Rita Zozoli também inicia com uma discussão


sobre características gerais dos estudos em LA, no entanto, trata
sobre noções históricas que ainda persistem, bem como uma breve
discussão sobre questões atuais e futuras da LA. Em seguida, traça
um resumido paralelo sobre ensino e aprendizagem em LA efetuados

14
na Université de Franche-Comté e na Universidade Federal de Alagoas
(UFAL) – onde é lotada – na graduação e na pós-graduação.

Já no capítulo três, Maria Auxiliadora Bezerra objetiva apresentar


um panorama das contribuições da LA no NE, com pesquisas sobre
ensino de LP - língua materna ou língua primeira. Mais especificamente,
faz primeiramente um levantamento das teorias mais recorrentes para,
então, dividir a discussão em: Linguística Aplicada e teorias de (multi)
letramentos e de gênero; ISD (Interacionismo Sociodiscursivo) e ensino
de língua portuguesa; e novos objetos de ensino na área de linguagens.

No quarto capítulo, Antônia Dilamar caracteriza pesquisas em


línguas adicionais, em PPG, no âmbito da Linguística Aplicada. Ini-
cialmente, mapeia as principais temáticas, métodos de pesquisas e
teorias adotadas em pesquisas desenvolvidas sobre línguas adicio-
nais. Faz observações sobre a produção de pesquisas no NE e sua
relação nacional, além das fronteiras entre Linguística Teórica (LT)
e LA dentro dessas pesquisas e, ao final, faz alguns apontamentos
futuros para as pesquisas sobre línguas adicionais.

Já no capítulo cinco, ao abordar pesquisas sobre ensino e


aprendizagem de línguas, Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin fecha o
foco dos estudos no estado do Ceará. E, nesse capítulo, ela inclui “en-
SUMÁRIO sino” também como sendo a sala de aula de formação de professores
de línguas para atuar na Educação Básica. Nesse escopo, norteia seu
trabalho de apresentar o panorama da LA nesse estado a partir da
seguinte pergunta: Qual é o espaço da Linguística Aplicada no Ceará?

Nos próximos quatro capítulos, serão abordados temas sobre


ensino e aprendizagem de línguas, focando em temas específicos.
No sexto capítulo, Fatiha Dechicha Parahyba trata sobre a produ-
ção escrita com gêneros acadêmicos na língua inglesa, promovendo
reflexões sobre a relevância do que chama de “instrumentalização”
precoce dos aprendizes “pesquisadores em formação”. Com base

15
nisso, discorre, buscando responder a dois questionamentos, a sa-
ber: “em que nível se situam as dificuldades de produção do TCC ou
artigo?” e “estariam elas relacionadas com o domínio da linguagem
ou com os saberes relativos à pesquisa científica e às teorias que
fundamentam o objeto de pesquisa?”.

No sétimo capítulo, Fábio Marques de Souza, em parceria com


Rickison Cristiano de Araújo Silva, apresentam uma breve cartografia
das práticas (tele)colaborativas de ensino-aprendizagem de línguas e
formação de professores nas Instituições de Ensino do Nordeste. Para
tal, discutem o Teletandem aplicado nos estados da Paraíba, Pernam-
buco, Sergipe, Rio Grande do Norte e Ceará enquanto contexto de es-
tudos, por promover a compreensão e a produção oral dos estudantes
da graduação e da pós-graduação, além da internacionalização.

No capítulo oito, Julio Neves Pereira discute a importância do


ensino e da aprendizagem da linguagem multimidiática, postulando a
língua portuguesa como vernacular, uma vez que seu não domínio crítico
pode levar a um certo “analfabetismo funcional”. Dessa forma, reflete
sobre o ensino de leitura e produção textual e apresenta perspectivas
teóricas com base na sociossemiótica e na Pedagogia dos Multiletra-
mentos, apontando caminhos para o ensino de textos multimidiáticos.

SUMÁRIO No capítulo nove, Vanderlei J. Zacchi, em parceria com Clara


Maria Correa Pereira Andrade e João Carvalho de Souza Junior, dis-
tinguem os moldes da Linguística e da LA, alicerçados na perspectiva
de que a primeira constrói focada em aspectos racionais, objetivos e
mensuráveis, enquanto a segunda está conectada à linguagem huma-
na e, por consequência, à subjetividade e a emoções. Trazendo à bai-
la sentimentos permeados na percepção da língua inglesa, discutem
com efetiva interdisciplinaridade, exemplos e relatos.

Passando para a apresentação do décimo capítulo, sai-se do


foco geral e da esfera tradicional de ensino e aprendizagem de línguas

16
para a Política Linguística (PL). Socorro Cláudia Tavares de Sousa traz
um panorama dos estudos nessa área, abordando-a na perspectiva de
um espaço em construção, norteada pelo objetivo de caracterizar os
estudos de política linguística no Nordeste de 2010 a 2019. O levanta-
mento dos dados se deu partir da análise dos grupos de pesquisa cer-
tificados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico (CNPQ) e de abordagens realizadas em teses e dissertações.

Objetivando contribuir epistemologicamente para a área, no


capítulo onze, Marcus Vinícius Freitas Mussi, juntamente com Aman-
da Pereira de Albuquerque e Wagner Silva de Andrade, apresentam
uma proposição teórica que vem sendo desenvolvida desde 2017.
Trata-se da sistematização de estratégias linguísticas de poder (ELP),
identificadas incialmente em pesquisas desenvolvidas acerca do pre-
conceito linguístico com estudantes e professores nordestinos, segui-
da por investigações sobre preconceito linguístico em redes sociais.

No capítulo doze, por sua vez, Eduardo Calil, junto com Cristina
Felipeneto, observam interrupções ocorridas no curso do processo de
inscrição e linearização relacionadas ao texto em construção. Asso-
ciando tais processos aos movimentos recursivo e antecipatório do
escrevente, justificam a escolha deste aspecto por haver poucos traba-
lhos sobre ele e muitos sobre aquele. Os resultados trazem aspectos
SUMÁRIO acerca de problemas ortográficos, sobre forma enunciativa e sobre
mimetizar a relação aluno-professor.

No penúltimo capítulo, Marcia Paraquett e Fábio Alexandre


Silva Bezerra, dois colegas palestrantes e professores de língua es-
trangeiras, embora distintas, se unem, com base em um compro-
misso sociopolítico, para escrever sobre (desen)formação de pro-
fessores(as), a partir de perspectivas descoloniais, interculturais e
transviadas para a educação. Defendem e viabilizam o protagonismo
dos discentes como produtores de conhecimento e apontam alguns
desafios e caminhos para a LA na perspectiva transviada.

17
E por fim, no último capítulo, Rita de Cássia Souto Maior ana-
lisa discursos na perspectiva das subjetividades e práticas como
pesquisadora, no que ela chama de “calidoscópio de sentidos” das
práticas sociais. Construído a partir do contexto Pandemia do vírus
Sars-Cov-2, adota os termos superconvivência e hiperconfluência de
espaços como ponto de partida para refletir sobre dimensões identitá-
rias de pesquisadoras.

SUMÁRIO

18
PREFÁCIO

Aplaudo esta iniciativa nordestina inspiradoramente organizada por


Marcus Mussi.

Que adjetivos usar para descrever este volume? Valioso, Variável,


Vibrante e Vanguardeiro.

Valioso por sua relevância ecolinguística.

Variável temática e metodologicamente.

Vibrante ao enfocar línguas materna, estrangeiras e adicionais.

Vanguardeiro ao considerar a desafiadora realidade em que (con)


vivemos.

Convido o(a) leitor(a) a fazer esta jornada criativa e conhecer novos


linguístas aplicados que honram a Tradição Brasileira plantada em
meados de 60.

Que o CONELA continue valioso, variável, vibrante e vanguardeiro!

SUMÁRIO
Francisco Gomes de Matos

19
1
Capítulo 1

A Linguística Aplicada: definições


e áreas de atuação

Maria Bernadete F. de Oliveira (UFRN)

Maria Bernadete F. de Oliveira (UFRN)

A LINGUÍSTICA
APLICADA:
DEFINIÇÕES E ÁREAS
DE ATUAÇÃO

DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.20-33
A Linguística Aplicada (LA) hoje é uma das áreas de produção
do conhecimento, no campo dos estudos da linguagem, que tem
como objetos de estudo privilegiados as relações entre a linguagem e
a construção discursiva da realidade. Em seu início, a LA desenvolveu-
se particularmente nos cursos de pós-graduação das regiões Sul e
Sudeste que são, diga-se de passagem, até hoje ainda hegemônicas
nesse campo de estudos, espraiando-se a seguir pelo restante do
país, a partir, em geral, das instalações de cursos de pós-graduação.

No caso da região Nordeste, a LA surge como uma das áreas


de concentração do Programa de Pós-graduação em Estudos da
Linguagem, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no ano
de 1993, e como um programa autônomo de Linguística Aplicada na
Universidade Estadual do Ceará, enquanto em outras universidades
constitui-se como Linha de Pesquisa, como é o caso da maioria dos
cursos de pós-graduação das universidades públicas do Nordeste.
Atualmente, o reconhecimento das ações da LA no Nordeste simboliza-
se no fato de que a atual presidenta da Associação de Linguística
Aplicada Brasileira – ALAB -, profª. Drª. Claudiana Nogueira de Alencar,
pertence ao corpo docente da Universidade Estadual do Ceará.

Nesse contexto, o CONELA – I Congresso Nordestino de LA –


emerge como exemplo da expansão e solidificação da LA nessa região
SUMÁRIO do país. Resumidamente, podemos afirmar que a LA, como área de
produção de conhecimentos, ocupa espaços e territórios na vida aca-
dêmica que se interessa em apostar nos estudos da linguagem como
uma possibilidade de compreender e interpretar as narrativas presen-
tes nos processos de construção discursiva da realidade.

Esse breve artigo, elaborado a partir de minha participação na


mesa redonda “Panorama da Linguística Aplicada no Nordeste”, duran-
te o evento acima mencionado, terá sua exposição dividida em três mo-
mentos. Um primeiro, no qual discorro sobre a LA, visões, consolidação
e representatividade. Em seguida, discuto a presença da LA em Pro-

21
gramas de Pós-graduação no Nordeste, mais especificamente no caso
do PPgEL, Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem da
UFRN e, por último, coloco algumas sugestões e desafios para a LA.

Meu primeiro comentário deve-se ao fato de que, segundo meu


entendimento, a Linguística Aplicada não recobre uma voz uníssona.
Ou seja, há mais de uma compreensão do que seja LA, de qual
seu objeto de estudo e de como realizar pesquisas nessa área do
conhecimento. Essa minha afirmação remonta aos primórdios da LA,
a partir do questionamento da Profª. Maria Antonieta Celani, no seu
clássico artigo, datado de 1992, Afinal, o que é Linguística Aplicada?,
no qual a autora aponta caminhos que ainda hoje se manifestam em
pontos de vista diferenciados sobre o que seja a LA, ainda que, muitas
vezes, com uma nova roupagem.

Assim sendo, diria que, na atualidade, prevalecem os posicio-


namentos que reconhecem a LA como uma área de estudos com-
prometida basicamente com a relação entre Linguagem e Escola,
principalmente no processo de ensino e aprendizagem de línguas,
na a formação de professores e nas políticas educacionais para o
ensino de línguas; de outro lado, há uma compreensão de que a
LA não restringe seu objeto de estudo a essa relação, e reivindica a
investigação de quaisquer práticas discursivas que, como diz Moita
SUMÁRIO Lopes (2006), busquem dar inteligibilidade sobre problemas sociais
nos quais a linguagem assume papel central 1.

O que percebi é que um dos entendimentos fundantes da LA,


de a produção de conhecimento é resultante de aplicação de teorias,
predominantemente de teorias linguísticas, perde espaço na pesqui-
sa contemporânea; e isso pode ser comprovado a partir do próprio
desenvolvimento da investigação em LA e de sua contribuição para o

1
Para maiores esclarecimentos sobre o papel da linguagem e sua relevância na atualidade
com relação à construção de narrativas circulantes no seio da sociedade, recomendamos
a leitura proposta pelos estudos culturais ingleses, em Williams (2000) e HALL (1997).

22
reconhecimento do papel relevante ocupado pela linguagem em várias
esferas da atividade humana. Por exemplo, destacam-se, no campo
da relação entre Linguagem e Ensino: as pesquisas que explicitam as
semelhanças e diferenças entre as modalidades de língua, oralidade
e escrita; as teorizações sobre o funcionamento heterogêneo do dis-
curso pedagógico; o papel da interação verbal em sala de aula como
elemento mediador na construção do conhecimento; a proposta de
ensino instrumental de línguas estrangeiras, entre tantas outras.

Em outras esferas, ganham espaço estudos que desvendam


os usos da linguagem nas redes sociais, nos locais de trabalho, nos
vários processos identitários, de tal forma que dificilmente se con-
cebe hoje a LA como um campo de produção de conhecimentos
circunscrito meramente a uma aplicação de teorias linguísticas ou de
quaisquer outras. O fato a ser observado diz respeito à necessidade
sim de que a LA, na busca de compreender seu objeto de estudo,
dialogue com outros campos do conhecimento, o que de certa forma
caracteriza sua pesquisa como sendo de natureza inter/transdiscipli-
nar (SIGNORINI E CAVALCANTI, 2009).

Por outro lado, embora reconheça o predomínio da LA como


uma área de produção de conhecimento umbilicalmente relacionada
às relações entre Linguagem e Escola, haja vista a vasta produção inte-
SUMÁRIO lectual e acadêmica nesse sentido, penso que seja necessário admitir
que as relações entre Linguagem e Escola ultrapassam muito a temá-
tica originalmente instituinte da LA, qual seja a relação com o processo
de ensino e de aprendizagem de línguas.

Em resumo, de meu ponto de vista, atualmente, configura-se


uma noção de LA como uma área de produção de conhecimentos
que considera seu objeto de estudo como emergente dos proces-
sos de usos situados da linguagem, materializando-se em práticas
discursivas circulantes na sociedade, espraiando seus territórios por
espaços não fixos, mas por aqueles líquidos e moventes, no sentido

23
atribuído por Bauman (2001). Configura-se, portanto, uma LA cujo
objetivo é o de compreender como, na e pela linguagem, nas inte-
rações entre sujeitos, histórica e socialmente situados, na realidade
concreta e na vida social, constroem-se narrativas sobre os seres
humanos, suas histórias de vida, seus pertencimentos, suas afetivi-
dades e suas relações institucionais e pessoais.

Esse entendimento da LA traz implicações para o modo de pro-


duzir conhecimento, que se define por uma ciência interessada, nos
moldes delineados por Boaventura de Souza Santos (2004, 2007 e
2009), que prioriza um modo de produzir conhecimentos que propicie
visibilidade às vozes do Sul; às vozes da subalternidade de qualquer
natureza política, econômica, social, racial, nacional, sexual e, mais
recentemente, pelos estudos decoloniais (BALLESTRIN, 2013), que
discutem a natureza colonialista das relações geopolíticas e científicas
que dominam a produção do conhecimento na América Latina.

Segundo o mestre Boaventura (2009), essa outra maneira de


produzir conhecimentos significa uma aproximação com um paradig-
ma da ciência, que substitui o modelo da racionalidade, de cunho lei-
bniziano, considerado por ele como uma razão indolente, arrogante,
metonímica, permeada por uma “sociologia das ausências”, portado-
ra de uma visão monocultural do saber, por uma razão cosmopolita,
SUMÁRIO ancorada em uma “ecologia dos saberes”, comprometida em fazer
dialogar o saber científico com outras formas de saber, e mais do que
isso, possibilitando o reconhecimento daquilo que nas diferenças é
ou não produto da hierarquia e da dominação.

Um componente imprescindível a essa LA é uma concepção


de linguagem como uma atividade semiótica relacionada constitutiva-
mente à realidade e à alteridade; em outras palavras, uma concepção
de linguagem que, emergindo em um mundo concreto nos processos
interacionais entre os seres humanos em contextos historicamente,
culturalmente e socialmente situados, age sobre esse mundo e seus

24
acontecimentos, assumindo posicionamentos, pontos de vista em
suas relações com os fatos, acontecimentos e que, na relação com a
alteridade, constitui sujeitos e instaura a própria linguagem.

Kleiman e outros, em artigo publicado recentemente na revista


Calidoscópio (2019), afirmam que a LA dos dias atuais operou mudan-
ças significativas no plano do território no qual se situa, no plano epis-
temológico e no plano paradigmático. O plano territorial diz respeito
à pluralidade de objetos de estudo; o paradigmático, à mudança que
tratamos acima; e, os epistemológicos, à necessidade de se ancorar
em uma perspectiva discursiva e enunciativa da linguagem.

Essa perspectiva torna-se basilar para possibilitar o reconheci-


mento dos discursos que, em tempos de Fake News e de pós-verdade,
tornam irrelevante a verdade. O verdadeiro depende, segundo Tiburi
(2017), apenas da “credibilidade” que se estabelece entre os interlocu-
tores que produzem e disseminam discursos e aqueles que os recebem
passivamente, tornando-se deles assujeitados. Em outras palavras, a
verdade “discursivamente informada” não exige a comprovação nem
de fatos objetivos nem da ocorrência concreta dos acontecimentos2.

Essa compreensão de LA que comumente é chamada de críti-


ca, indisciplinar e mestiça, interessa-se por objetos de estudos emer-
SUMÁRIO gentes de temáticas diversas; para além da relação entre Linguagem
e Escola, amplia seus territórios para temas tais como Linguagem e
Tecnologias, Linguagem e Identidades, Linguagem e Trabalho, Política
Linguística, Linguagem e Tradução, entre tantos outros que compõem
as programações de congressos específicos da LA (CBLA, INPLA, AI-
LA)3, nos diversos Grupos de Trabalho vinculados à ANPOLL, em pu-

2
Um exemplo de Fake News e pós-verdades é a versão da História do Brasil recente,
conforme narrada pela grande mídia e por parte das redes sociais.
3
CBLA – Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada; INPLA- Intercâmbio de Pesquisa em
Linguística Aplicada; AILA – Associação Internacional de Linguística Aplicada; ANPOLL –
Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística.

25
blicações de revistas específicas, bem como em dissertações e teses
defendidas em Programas de Pós-Graduação (OLIVEIRA, 2009).

Na defesa dessa multiplicidade de objetos de estudo e de temá-


tica, Moita Lopes (2010) sugere que, em nossos tempos, torna-se impe-
riosa a necessidade de compreender narrativas e práticas discursivas
que apresentam alternativas às práticas sociais hegemônicas. Mais do
que nunca, é preciso interpretar as narrativas construídas pelo poder
hegemônico na sociedade, em qualquer de suas esferas e, como dis-
se anteriormente, divulgadas pelo discurso poderoso da grande mídia.
Por sua vez, essa natureza múltipla, variada em seu objeto de estudo,
centrada nos problemas de práticas de uso da linguagem, vai orientar
seu modo específico de produção de conhecimento como uma investi-
gação que se caracteriza como sendo inter/trans/indisciplinar.

Em síntese, essa opção por uma dada metodologia que exige


interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento é imprescindí-
vel ao estudo das práticas discursivas. Por exemplo, como estudar as
práticas discursivas circulantes no espaço midiático, sem compreen-
der o papel da mídia na contemporaneidade? Como estudar a forma-
ção de professores sem levar em consideração as políticas públicas
e a natureza dos saberes docentes que subsidiam esse processo for-
mativo? Como estudar o impacto e o uso das Novas Tecnologias em
SUMÁRIO sala de aula, sem compreender suas raízes e as modificações que
trouxeram para a vida social?

Para finalizar esse item digo que, independentemente de como


compreendida, a Linguística Aplicada já está consolidada como área
do conhecimento no país, sua representatividade significativa manifesta-
se através de vários indicadores, entre os quais podem-se destacar:
a Associação de porte nacional (ALAB), os Cursos de Pós-Graduação
strictu-sensu; os já consagrados eventos nacionais como: o Congresso
Brasileiro de Linguística Aplicada, o InPLA (Intercâmbio de Pesquisas
em Linguística Aplicada), encontro anual realizado pelo LAEL/PUC-SP;

26
e outros espaços, como os congressos regionais realizados pela ALAB,
nos últimos anos; além da participação explícita em outros eventos,
como no caso do Congresso da Abralin e outros mais específicos.

Consolida-se assim a produção de conhecimento em teses e


dissertações, inúmeras produzidas nos Programas de Pós-Graduação,
além da publicação de periódicos específicos, reconhecidos nacional
e internacionalmente, tais como, Revista Brasileira de Linguística Apli-
cada (ALAB), Trabalhos em Linguística Aplicada (UNICAMP), D.E.L.T.A.
(PUCSP), Linguagem e Ensino (UCPel), The ESPecialist (PUCSP), Ho-
rizontes em Linguística Aplicada (UnB), Intercâmbio (PUCSP) Cami-
nhos em Linguística Aplicada (UNITAU -Taubaté), Calidoscópio (UNISI-
NOS), Linguagem em Foco (UECE). Embora pesquisas resultantes de
investigações inseridas no campo da LA podem ser encontradas em
outras inúmeras revistas na área dos estudos da linguagem.

Acrescento outro ponto de destaque, a ampliação dos GTs da


ANPOLL relacionados diretamente a LA, resultante de uma subdivisão
do Grupo genericamente denominado de Linguística Aplicada. Hoje
existem vários GTs cuja base dominante é a perspectiva da LA, quae
são: Transculturalidade; Linguagem e Educação; Práticas Identitárias na
LA; Linguagem e Tecnologias; Formação de Educadores na LA; Ensino
e Aprendizagem na perspectiva da LA; Gêneros Textuais/Discursivos.
SUMÁRIO
Assim, construindo-se e desenvolvendo-se primordialmente
junto aos Programas de Pós-Graduação de todo o país, a LA assume,
nos dias de hoje, papel de destaque também no Nordeste do país,
conforme já mencionamos anteriormente4.

No Nordeste, seu primeiro campo de atuação orientou-se prio-


ritariamente para o ensino da língua estrangeira, particularmente, a

4
É inegável o papel dos cursos de pós-graduação no desenvolvimento da Linguística
Aplicada. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo em cursos de graduação, principalmente
naqueles voltados para a formação de profissionais do Ensino. A presença da LA como
disciplina obrigatória é ainda insignificante no país.

27
língua inglesa. Nesse sentido, destaca-se o papel relevante do Pro-
fessor Francisco Gomes de Matos, professor da Universidade Federal
de Pernambuco, na organização de eventos sobre a importância e a
contribuição da LA. Os eventos partem de uma perspectiva aplicacio-
nista, para a orientação de um processo não tradicional do ensino da
língua inglesa, realizados sob sua coordenação, na Sociedade Cultural
Brasil - EEUU, na cidade de Recife5.

Mas a LA como uma área de produção de conhecimento, de


forma institucionalizada, surge na região Nordeste apenas em 1993,
na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com a cria-
ção, junto à CAPES, do Programa de Pós-graduação em Estudos da
Linguagem – PPgEL. De início, oferecendo curso de mestrado em
duas grandes áreas de concentração, Linguística Aplicada e Literatu-
ra Comparada e, a partir de 2003, iniciando seu curso de Doutorado,
ambas as modalidades credenciadas pela CAPES. Na realidade, o
PPgEL caracteriza-se com o que se denominava um programa misto,
assumindo cada uma de suas áreas de concentração as característi-
cas de um curso autônomo6.

Atualmente, para atender à demanda de seus profissionais e


visando os estudos teóricos da linguagem, o programa passou por
uma reformulação e lhe foi acrescentado mais áreas de concentra-
SUMÁRIO ção, as quais passam a ser denominadas de “Estudos em Literatura
Comparada”, “Estudos em Linguística Aplicada” e “Estudos em Lin-
guística Teórica e Descritiva”.

5
Naquela época, esses cursos voltados para uma reorientação do ensino da língua
estrangeira tinham como suporte teórico o estruturalismo. Surgem os livros de R. Lado,
“Lado English Series” e o clássico desse mesmo autor “Linguistics across Culture”, de
1957, editado pela Universidade de Michigan.
6
É preciso relatar que a sugestão de um curso de Mestrado em Linguística Aplicada partiu do
Prof. Luis Antonio Marchuschi (UFPe), convidado à época para discutir com o conjunto de
professores interessados na criação da Pós-Graduação, junto ao Departamento de Letras
da UFRN. Relevante ainda para esse processo foi a contribuição dos professores Luiz Paulo
da Moita Lopes (UFRJ), Marilda Cavalcanti (UNICAMP) e Sebastião Votre, da Universidade
Fluminense, que se dispuseram a ministrar disciplinas no primeiro ano do Programa.

28
A área da Linguística Aplicada, em seu nascedouro, contem-
plava duas grandes linhas de pesquisa que, de certa forma, repre-
sentavam as macro-orientações da LA e, em ambas, a temática prio-
rizada remetia para o Ensino das Línguas. Uma delas, a tendência
aplicacionista, que pensava a LA como uma área de aplicação das
Teorias Linguísticas, mais especificamente e, dominantemente, aque-
las relacionadas à Linguística Funcional e à Linguística Textual. Essa
linha de pesquisa, denominada “Discurso, Gramática e Ensino”, inte-
ressava-se pela identificação de problemas referentes à estruturação
e ao funcionamento do discurso, tendo como meta final a perspectiva
de contribuir para o processo de ensino e aprendizagem das línguas.

A outra linha, bem mais próxima da perspectiva de uma


LA Crítica ou Indisciplinar, conforme menciono no início desse
artigo, com foco no estudo das práticas discursivas, nomeada de
“Linguagem e Práticas Sociais”, assume diversas temáticas como
foco de pesquisa, caracterizando-se pelo enfoque interdisciplinar na
abordagem das questões de linguagem, objetivando dar visibilidade
às orientações de sentido e de valoração presentes nas múltiplas
práticas discursivas circulantes nos espaços institucionais da
sociedade. De início, explorava temáticas relacionadas a esferas da
atividade humana, tais como a relação entre linguagem e educação,
linguagem e identidade e linguagem e mídia.
SUMÁRIO
Após reformulação do programa, a área de concentração
“Estudos da Linguística Aplicada” desdobra-se em três grandes
linhas de pesquisa, representando linhas de investigação bem
características da LA, em seu entendimento contemporâneo, que são:
Estudos de Práticas discursivas, Letramento e Contemporaneidade e
Ensino e Aprendizagem de Línguas.

Apresenta-se assim um design diferenciado daquele presente


em sua primeira fase, ampliando-se também as temáticas para
além daquelas até então desenvolvidas, acrescentando-se os focos

29
nas relações entre Linguagem e Tecnologia, Linguagem e Trabalho,
Linguagem e Literatura, Linguagem e Educação Inclusiva, entre outras.
Contudo, é necessário afirmar que essa área de concentração como
um todo não se baseia em uma unidade, nem de teorias, nem de
metodologias de pesquisa. Isso se deve à formação diversificada e
interessada da massa crítica de seus professores e pesquisadores,
os quais se pautam pela intenção e compromisso de contribuir com a
mudança social, através de suas pesquisas e produções acadêmicas.

De qualquer forma, hoje, bem mais do que em seu início, pode-


mos afirmar que o PPgEL, de um lado, rompe com uma visão clássica
da LA que considera como seu objeto de estudo apenas a relação entre
Linguagem e Escola, assumindo a pluralidade na e da LA, no que diz
respeito à diversidade de temáticas e de objetos de investigação.

Para concluir esse artigo, gostaria de afirmar que, do meu


ponto de vista, não há um pensamento único em relação à LA. De um
lado, há aqueles que a inserem nos marcos das Ciências Humanas
e Sociais, vendo-a como uma área de conhecimento crítico, cujas
bordas e limites ultrapassam os contornos da relação com os
modelos linguísticos, assumindo uma relação interdisciplinar com
outras áreas do conhecimento. De outro, há uma compreensão que
privilegia seus limites e relacionamentos situados entre as diversas
SUMÁRIO áreas das Ciências da Linguagem.

Outro divisor de águas com relação à definição do que seja LA


diz respeito às temáticas nas quais emergem os objetos de estudo.
Uma visão da LA, eu diria, continua entendendo como objeto de estu-
do privilegiado o processo de ensino e aprendizagem das línguas, a
formação de professores e as políticas educacionais referentes ao en-
sino. Isto é, a LA produziria conhecimentos sobre os diversos ângulos
daquele processo de ensino e aprendizagem, como subsídio teórico
para orientar as práticas a serem desenvolvidas nas salas de aula de
língua materna ou estrangeira. Outros consideram como fonte de ge-

30
ração de dados qualquer prática discursiva produzida entre sujeitos
historicamente situados em situações sociais das mais diversas.

Meu entendimento sobre as fontes de geração de dados


para a pesquisa na LA é que, embora seja claro que a relação entre
Linguagem e Escola é aquela fundante da LA, desde suas origens,
não é considerada como a única relação que interessa a essa área de
produção de conhecimentos. A meu ver, a relação da Linguagem com
a Escola não deveria ser vista como descolada das outras temáticas,
pelo contrário, penso que as práticas escolares poderiam apropriar-se
das pesquisas realizadas com outros objetos de estudo.

Um exemplo, as pesquisas sobre identidades poderiam ser


base, nos cursos de formação de professores, para que esses profis-
sionais tivessem acesso às visões hegemônicas na sociedade, com
relação aos preconceitos de gênero, de raça, de classe social, e outros
tantos. E, dessa forma, poderiam construir saberes que possibilitas-
sem explorar, nas atividades de leitura, a noção de cidadania e de
respeito aos direitos humanos, como diz Larossa (2001), indo ao texto
para escutar “o outro” ou “os outros”, suas vozes sociais, suas rela-
ções com a alteridade, suas visões de mundo, ou seja, ler perdendo
a ingenuidade diante dos textos dos outros, assumindo o leitor sua
condição de agente no processo de compreensão.
SUMÁRIO
Assim pensando, não compreendo como díspares nem con-
flitantes a pesquisa em LA centrada na relação entre Linguagem e
Escola, com aquela que considera outras temáticas como objeto de
pesquisa igualmente relevante. Por esse motivo, defendo a amplia-
ção das pesquisas que operem com temáticas inter-relacionadas,
tendo em vista a contribuição do ensino de línguas à construção de
uma cidadania inclusiva (OLIVEIRA, 2009; 2017).

Ou seja, defender a ampliação dos objetos de estudo da LA é


vital para uma agenda de pesquisa que busca privilegiar projetos nos

31
quais se façam ouvir as vozes do Sul. Vozes daqueles grupos que
historicamente são excluídos da sociedade, ou são vulneráveis, como
setores das classes subalternas e outros grupos, como o das mulhe-
res, indígenas, negros, surdos, grupos homoafetivos e professores. E
dessa forma é que dar visibilidade às práticas discursivas desses gru-
pos ou sobre eles implica em reafirmar o compromisso de uma LA com
uma pesquisa responsável e responsiva à vida social.

Reitero, assim, a necessidade de que a LA assuma o


compromisso com um modo de produzir conhecimentos, adotando
uma metodologia que considere a singularidade dos fatos e eventos
pesquisados e que, ao mesmo tempo, não emudeça o pesquisado,
considerando-o como sujeito no processo investigativo.

REFERÊNCIAS
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Ciência Política, nº11. 2013.
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2001.
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CASTELLS, M. A sociedade em Rede. Lisboa: Editora da Imprensa Nacional.
SUMÁRIO
Casa da Moeda, 2006.
HALL, S. The Centrality of Culture: Notes on the Cultural Revolutions of our
Time. In: THOMPSON, K. (ed.). Media and Cultural Regulation. London:
Thousand Oaks; New Delhi: The Open University; SAGE Publications, 1997.
KLEIMAN, A; DE GRANDE, P. B. A Linguística Aplicada na
contemporaneidade: uma narrativa de continuidades na transformação.
Calidoscopio, 17 (4). 2019.
LAROSSA, J. Leitura e metamorfose. In: LAROSSA, J. Pedagogia profana:
danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
MOITA LOPES. L. P. da. Por uma linguística indisciplinar. Por uma Lingüística
Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006.

32
MOITA LOPES. L. P. da. Os novos letramentos digitais como lugares de
construção de ativismo político sobre sexualidade e gênero. Trabalhos em
Linguística Aplicada, v. 49, n. 2, 2010.
OLIVEIRA, M. B. F. de. Considerações em torno da Linguística Aplicada e do
Ensino da Língua Materna. UFRN. Odisseia, vol. 3. 2009.
OLIVEIRA, M. B. F. de. Política Linguística, Cidadania e Ensino de Língua
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de outro. Conferência de Abertura do VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de
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SANTOS, B. de S. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social.
São Paulo: Boitempo, 2007.
SANTOS, B. de S. e MENEZES, P.M. Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições
Almedina, 2009.
SIGNORINI, I. e CAVALCANTI, M.C. Linguística Aplicada e transdisciplinaridade:
questões e perspectivas. São Paulo: Mercado de Letras, 2009.
WILLIAMS, R. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
TIBURI, M. No campo das pós-verdades: quando o verde também é azul.
Revista Cult.uol.com.br, 2017.

SUMÁRIO

33
2
Capítulo 2

Linguística Aplicada como campo


multidimensional e dialógico: um
percurso no tempo-espaço numa
universidade do Nordeste

Rita Maria Diniz Zozzoli

Rita Maria Diniz Zozzoli

LINGUÍSTICA APLICADA
COMO CAMPO
MULTIDIMENSIONAL
E DIALÓGICO:
UM PERCURSO
NO TEMPO-ESPAÇO NUMA
UNIVERSIDADE DO NORDESTE
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.34-50
INTRODUÇÃO7

Neste texto apresento uma reflexão epistemológica sobre as


características gerais dos estudos em Linguística Aplicada (LA), e, ain-
da, acerca de noções recorrentes nessa área, as quais são retomadas
na discussão no decorrer do tempo e persistem ainda no momento
atual. Exponho, ainda, breves considerações sobre uma agenda atual
e futura da LA no contexto local e num contexto mais amplo.

Paralelamente, proponho contemplar, de forma resumida, um


percurso no tempo-espaço sobre a evolução dos estudos de ensino
e aprendizagem em LA efetuados na França e no Brasil, mais espe-
cificamente na Universidade de Franche-Comté e na Universidade
Federal de Alagoas (UFAL) na graduação e na pós-graduação. Isso
implica resumir as ações desenvolvidas nesse plano geral e ao mes-
mo tempo pessoal, desde a década de 1960 até o momento atual.

Nesse percurso, faço um resumo das ações efetuadas nos ní-


veis citados e discorro sobre a criação do grupo de estudos que se
chamou “Ensino e Aprendizagem de Línguas” em 1995 e recentemen-
te tornou-se o “Grupo de Estudos Discurso, Ensino e Aprendizagem
de Línguas e Literaturas” (GEDEALL). Exponho, ainda, as diferentes
SUMÁRIO atuações da LA efetuadas ao longo desses anos nesse grupo, durante
os quais tive e tenho o prazer de atuar junto aos/às colegas e aos/às
estudantes que se propuseram a escrever nossa história na UFAL.

É necessário acrescentar que não é meu objetivo percorrer


de forma exaustiva a história da LA que muitos já se dedicaram
a registrar, nem tampouco discutir a diferença entre aplicação de
Linguística e Linguística Aplicada, já amplamente debatida, nem

7
Este texto tem como ponto de partida uma apresentação em novembro de 2020, na Mesa-
redonda de abertura do I Congresso Nordestino de Linguística Aplicada (I CONELA), a qual
reuniu pesquisadoras para discutir o panorama da Linguística Aplicada no Nordeste.

35
mesmo dar conta de uma delimitação dos trabalhos em LA atual-
mente, mas é possível detectar, num plano epistemológico, pontos
em comum que caracterizam os trabalhos de LA em coletâneas e
em congressos da área nas últimas décadas.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DA
LA CONTEMPORÂNEA

A INTER/MULTI/PLURI/IN/TRANS/DISCIPLINARIDADE

Todos esses termos, cada um com suas particularidades se-


mânticas, implicam em uma ultrapassagem das propostas discipli-
nares, o que transgride (PENNYCOOK, 2006) os limites da definição
clássica de ciência.

Para Morin, a ciência clássica restringia/restringe8 o pensa-


mento científico ao que é “formalizável e quantificável” e decide que
aquilo que não se submete a esses parâmetros “não existe ou só é a
escória do real” (MORIN, 2000, p. 188-189). Para esse autor, o grande
SUMÁRIO
problema não é formalizar e quantificar, mas reduzir o real a uma vi-
são simplificadora: ao explicar o visível complexo através do invisível
simples, essa visão de ciência termina por dissolver o complexo “e é
com ele que nos enfrentamos” (MORIN, 2000, p. 191).

8
Morin (2000) só utiliza o pretérito imperfeito dos verbos ao falar da ciência clássica. Introduzo
a possibilidade de presente, porque, como sabemos, a visão de ciência clássica ainda é
bastante poderosa em nossa sociedade, não apenas nas chamadas ciências exatas (o nome
já sugere a perspectiva adotada), mas também em ciências humanas e sociais e até mesmo
no debate público das redes sociais, pois a noção de ciência utilizada para a oposição ao
negacionismo, ao obscurantismo, é muitas vezes a visão de ciência clássica.

36
Para Bakhtin,
[...] as ciências exatas9 são uma forma monológica do saber: o
intelecto contempla uma coisa10 e emite enunciado sobre ela.
Aí só há um sujeito: o cognoscente (contemplador) e falante
(enunciador). A ele só se contrapõe a coisa muda. Qualquer
objeto do saber (incluindo o homem) pode ser percebido e
concebido como coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser
percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e per-
manecendo sujeito, não pode se tornar mudo; consequente-
mente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico.
(BAKHTIN, 2017, p. 66).

Esse mesmo autor, ao discorrer sobre a filosofia do ato res-


ponsável, desenvolve críticas ao “mundo autônomo, teórico, abstrato,
alheio por princípio à historicidade viva singular, [que] permanece fe-
chado em suas próprias fronteiras […]” (BAKHTIN, 2010, p. 50).

Sobre o sujeito do conhecimento, Nicolescu aponta um sujeito


interditado pelo cientificismo, uma vez que a ciência moderna se fundou
a partir de uma visão da realidade vista em um só nível11 e totalmente
independente do sujeito cognoscente que a observa, através de postu-
lados que pressupõem: “a existência de leis universais, de caráter ma-
temático; a descoberta dessas leis pela experiência científica e a repro-
dutibilidade perfeita dos dados experimentais” (NICOLESCU, 1997, p.
7). Assim, o sujeito observador (ou contemplador, no dizer de Bakhtin)
SUMÁRIO
está morto ao ser transformado em objeto. Nessa perspectiva, são, por-
tanto, objetos, tanto o sujeito observador quanto o sujeito observado.

A esse respeito, Bakhtin (2010, p. 42), contrário às visões teoricis-


tas que separam o “conteúdo-sentido de um determinado ato-atividade
e a realidade de seu existir”, defende diferentes modalidades de ativismo

9
Considero que, na época em que Bakhtin escreveu, “ciências exatas” equivalia ao
paradigma de ciência clássica. Hoje há físicos como Nicolescu, citado mais adiante, que
questionam essa visão de ciência.
10
Itálicos do autor.
11
A Física Quântica trabalha com a possibilidade de vários níveis de realidade.

37
do sujeito cognoscente (contemplador) e do ativismo do outro12 sujeito
cognoscente, numa visão de ativismo dialógico13, bem como propõe a
ideia de um conhecimento dialógico. (BAKHTIN, 2017 a).

Dentro dessa visão multidimensional, dinâmica e dialógica do


conhecimento, proponho o conceito de transdisciplinaridade, já sugeri-
do por vários autores da LA, como Celani (1992), e por outros de áreas
do saber distintas, como o sociólogo Morin (2000) e o físico Nicolescu,
para o qual é a transdisciplinaridade que “concerne ao que está ao
mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e
além de qualquer disciplina” (NICOLESCU, 1997, p. 26-27).

Considerando assim, a transdisciplinaridade tem como base o


pensamento complexo (MORIN, 2000), que busca um conhecimento
multidimensional, uma vez que “ao aspirar a multidimensionalidade,
o pensamento complexo comporta em seu interior um princípio de
incompletude e de incerteza” (MORIN, 2000, p. 177).

Resta salientar que a hibridização e a heterogeneidade exis-


tentes numa visão não simplista do mundo já eram defendidas por
Bakhtin: “[...] em cada dado momento de sua existência a língua é in-
teiramente heterodiscursiva [...]” (BAKHTIN, 2017 b, p. 66); as ideias
de processo de incompletude/inacabamento são inerentes ao pen-
SUMÁRIO samento dialógico. É ainda necessário notar que essa hibridização e
essa heterogeneidade não se dão apenas na língua, mas também na
cultura: “É evidente que também no híbrido histórico orgânico mes-
clam-se não só duas linguagens como também duas visões de mun-
do sociolinguísticas (orgânicas também).” (BAKHTIN, 2017 b, p. 158).

Quanto à incompletude/inacabamento, as visões de sujeito e


de mundo que seguem exemplificam a ideia de processo e de incom-
pletude/inacabamento para esse mesmo autor: “O homem nunca

12
Grifo meu.
13
Grifo do autor.

38
coincide consigo mesmo. A ele não se pode aplicar a forma de iden-
tidade [...].” (BAKHTIN, 1997, p. 59). “O modelo temporal do mundo
modifica-se radicalmente: este se torna um mundo onde não existe a
palavra primordial (a origem perfeita), e onde a última palavra ainda
não foi dita.” (BAKHTIN, 1998, p. 419). O mesmo autor ainda comen-
ta: “Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para
o contexto dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao
futuro sem limites).” (BAKHTIN, 2017 a, p. 79).

O ENVOLVIMENTO E/OU A PARTICIPAÇÃO


NO PLANO DAS PRÁTICAS SOCIAIS

Outra característica dos trabalhos atuais em LA tem sido a


inserção nas práticas sociais, as quais não se limitam mais, como em
muitos contextos anteriores, às situações de ensino e aprendizagem
e aos discursos que circundam esses contextos. O vai e vem teoria/
prática faz parte das ações desenvolvidas pelo linguista aplicado, uma
vez que não há prevalência de uma sobre a outra. Assim, ao invés de
se fechar no que Bourdieu (2004) denomina de “cidadela mandarina”
(referindo-se à academia), trata-se de criar e produzir ações política e
SUMÁRIO academicamente responsáveis em relação à sociedade e em relação
ao campo científico em que os/as pesquisadores/as se encontram,
abrindo espaço à plurivocidade. Mais ainda, conceitos teóricos podem
surgir das ações desenvolvidas e das reflexões sobre a vida social.

A participação do outro sujeito cognoscente, numa visão de


ativismo dialógico, já mencionada anteriormente, é cada vez mais
requisitada nas pesquisas atuais, uma vez que, principalmente na área
de ensino e de formação de professores/as, eles/as se comprometem
com transformações através de metodologias como a pesquisa-
ação, a pesquisa colaborativa e a auto-observação (autoetnografia ou

39
autorreflexão), a qual abre caminho para a reflexão de um sujeito sobre
seu próprio agir numa determinada situação.

Tanto na pesquisa-ação, na pesquisa colaborativa como na


auto-observação, o outro/observado se torna autor/a responsivo/a-
-ativo/a, na perspectiva bakhtiniana da responsabilidade. Para esse
autor, só a unidade da responsabilidade é que garante o nexo interno
entre os elementos do indivíduo14 (Bakhtin, 2003). Nesse sentido,
trabalhar com a formação de professores/as, por exemplo, não signi-
fica fazê-los/las conhecer e praticar a/s teoria/s ditadas pela acade-
mia, sejam elas da Linguística, da Pedagogia ou de outro campo do
conhecimento, ou fazê-los/las seguir os documentos oficiais do go-
verno vigente, mas auxiliá-los/las nas reflexões sobre sua profissão,
sobre seu fazer profissional, sobre como ser responsável por seus
atos e como estabelecer críticas ao poder de documentos elabora-
dos sem a participação dos mais envolvidos na tarefa de ensinar.
É claro que essa tarefa inclui uma discussão teórico-metodológica,
mas ela comparece não como um fim em si, mas como um apoio.

Para o/a pesquisador/a em LA, trata-se de libertar-se dos docu-


mentos/textos norteadores, até os da própria LA, que o/a fazem seguir
os mesmos caminhos e repetir os mesmos discursos para assumir
sua “singularidade na responsabilidade” (BAKHTIN, 2010) e com isso
SUMÁRIO expressar suas vozes.

Ao refletir mais, as vozes do sul às quais se refere Boaventura


Santos (2016), pensando a partir do Brasil, são não apenas as vozes
dos oprimidos de diversas classes e diferentes grupos sociais numa
esfera nacional e mundial, mas também as vozes do norte e do nor-
deste no nosso país que, muitas vezes, mesmo que de forma não
explícita, são colocadas/ se colocam numa posição subalterna em
relação a regiões que, por diversos motivos que não cabem ser ana-

14
Sujeito para mim.

40
lisados aqui, se apresentam/são apresentadas como dominantes15. A
esse respeito, diz Boaventura Santos: “O conceito de Sul não aponta
exclusivamente a uma geografia. É uma metáfora do sofrimento hu-
mano causado pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarca-
do, e da resistência a essas formas de opressão.” (SANTOS, 2016, p.
16). Como não falamos a partir do norte eurocêntrico quando falamos
do Brasil, proponho utilizarmos vozes da resistência para todas as
vozes dos que sofrem as formas de opressão já mencionadas.

Assim, no caso específico dos estudos e pesquisas efetuadas


no Nordeste, a resistência se manifesta principalmente na ecologia
das trans-escalas:
[...] que denuncia o falso universalismo e a despromoção do
local, mostrando que o universalismo existe como pluralidade
de explorações universais alternativas, parciais e competitivas,
todas elas ancoradas em contextos particulares (SANTOS,
2016, p. 17).

É nessa perspectiva que apresento, para contextualizar, a ex-


periência vivida no início dos trabalhos em LA no âmbito da UFAL que
contempla, ao mesmo tempo, uma versão francófona pouco conheci-
da no Brasil sobre o desenvolvimento dos estudos de LA, uma vez que
as visões históricas que mais circulam no país dizem respeito a uma
tradição e a uma visão anglófona desses estudos.
SUMÁRIO
Nos anos 1970, a Universidade de Franche-Comté, na França, era
um grande centro de aprendizagem de línguas e formação de profes-
sores de francês e língua estrangeira, contando com o que chamavam
de Centre de Linguistique Appliquée (CLA), criado em 1958 por Bernard
Quemada, que recebia alunos e alunos-professores do mundo inteiro e
que funcionava como uma espécie de “espaço multilíngue”.

15
No nosso país, é ainda assunto angustiante e inconveniente reconhecer desigualdades. Só
há pouco tempo começamos a questionar o chamado “racismo cordial”.

41
Segundo Linn, Candel e Léon (2011), Bernard Quemada é
igualmente responsável pela criação da revista Etudes de Linguistique
Appliquée. A Association internationale de linguistique appliquée, a
AILA, foi criada em 1964, conjuntamente pelos britânicos e os france-
ses, na ocasião de um colóquio realizado no mesmo ano em Nancy,
na França. A partir de 1965, foram criadas as associações nacionais.

Ainda segundo esses mesmos autores, essa institucionaliza-


ção abriu caminho para a criação de cadeiras de LA nas universida-
des, das quais a primeira foi na Universidade de Essex, na Inglaterra,
em 1964. No Brasil, a institucionalização e disciplinarização da LA foi
primeiramente promovida pelos professores que faziam pós-gradua-
ção em universidades de língua inglesa e alguns poucos em univer-
sidades de língua francesa. Essas iniciativas foram reforçadas com
a criação da Associação de Linguística Aplicada do Brasil, em 1990,
e com o GT de Linguística Aplicada da Associação Nacional de Pós-
-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL).

Foi na Universidade de Franche-Comté, anteriormente citada,


que iniciei, na década de 1970, meus estudos de Licenciatura na Fa-
culdade de Letras e, nesse contexto, presenciei o desenvolvimento dos
estudos que articulavam a Linguística aos diferentes campos de traba-
lhos sobre a Língua e a Literatura. A parte que se concentrava nos es-
SUMÁRIO tudos sobre ensino e aprendizagem de línguas chamava-se na época
de Didática de Línguas e foi nesse campo de estudo que inicialmente
me situei. Naquela época, existia, ao mesmo tempo, uma visão de LA
bem centrada na articulação entre teorias linguísticas (mais gerativistas
e enunciativas do que estruturalistas já naquele momento) e o ensino
e aprendizagem, visão que era dominante nos estudos desenvolvidos,
inclusive dentro do que se chamava Didactique des Langues. Esta foi
a primeira versão de LA em muitos países desde antes, nos anos 1940.

42
De acordo com Linn, Candel e Léon (2011, p. 7):
[...] a reflexão dos linguistas sobre a interação entre teorias da
linguagem e ensino ou aprendizagem de línguas é muito antiga,
mas, segundo a cronologia admitida correntemente […], a
constituição de uma disciplina institucionalizada consagrada a
esse campo de estudos só começaria em 1948 nos Estados
Unidos, num contexto de pós-guerra e em relação com o ensino
do inglês. Na Europa, seria na Grã-Bretanha e na França que
essa institucionalização aparece na virada dos anos 1960, com
a decolonização16 e o desenvolvimento do ensino de línguas.17

Esses mesmos autores registram que, desde o início, o foco


da LA cobria domínios muito diferentes relacionados ao ensino e
aprendizagem, mas também outros campos de estudos, como a
tradução automática nos anos 1960.

Percebe-se, então, que, por sua própria natureza, a LA não


poderia se configurar de forma homogênea, uma vez que é a nossa
multiplicidade que nos caracteriza. Somos diversos nos nossos fo-
cos temáticos, nas nossas teorias e nas nossas metodologias, aliás,
aspectos que não são separáveis, mas interligados. Dessa forma,
num grupo de LA numa instituição dada, poderemos ter pesquisas
diferenciadas nesses aspectos, como será visto a seguir nas ações
desenvolvidas no contexto da UFAL.
SUMÁRIO

16
NT: Decolonização parece referir-se aqui ao desaparecimento dos impérios coloniais no
mundo desde 1960, o que não quer dizer, no meu entender, que a colonização do ponto
de vista econômico e cultural tenha cessado.
17
Tradução minha: […] la réflexion des linguistes sur l’interaction entre théories du langage et
enseignement ou apprentissage des langues est très ancienne, mais, selon la chronologie
couramment admise […], la constitution d’une discipline institutionnalisée consacrée à ce
domaine ne commencerait qu’en 1948 aux États-Unis, dans un contexte d’après-guerre
et en relation avec l’enseignement de l’anglais. En Europe, ce serait en Grande-Bretagne
et en France que cette institutionnalisation apparaît, au tournant des années 1960, avec la
décolonisation et le développement de l’enseignement des langues.

43
RESUMO DAS AÇÕES DESENVOLVIDAS
NA DÉCADA DE 1980 E 1990 NA UFAL

Em 1982, ano da minha entrada no Departamento de Letras


Estrangeiras Modernas (LEM), no CHLA/UFAL, comecei a atuar em
língua francesa e no que chamávamos na época do meu doutorado,
na Universidade de Besançon, na França, Didática de Línguas, a qual
já era marcada por uma performance distinta da Linguística, com um
programa de atuação já voltado para a Análise de erros, a Análise
de livros didáticos e a Produção de Metodologias de Ensino e suas
práticas de sala de aula.

Na década de 1990, iniciaram-se os contatos entre UFAL e o


Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) / UNICAMP e a participação
no GT de Linguística Aplicada da ANPOLL. A atuação da UFAL am-
pliou-se, então, para uma afiliação à ALAB (Associação de Linguística
Aplicada do Brasil) e, consequentemente, à AILA (Associação Interna-
cional de Linguística Aplicada), marcando presença em congressos
dessas associações e em outros eventos nacionais, como o GELNE
(Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste).

SUMÁRIO A LA NA GRADUAÇÃO

Na graduação, a disciplina Linguística Aplicada tornou-se obri-


gatória para os atuais cursos de Letras (línguas portuguesa, francesa,
inglesa, espanhola e respectivas literaturas) nos anos 1990 e projetos de
Iniciação Científica (PIBIC) foram desenvolvidos ao longo desses anos.
Muitos desses projetos foram a base de Trabalhos de Conclusão de Cur-
so e posteriormente de Mestrado e de Doutorado. É possível identificar
essa trajetória em nossos Currículos Lattes e nos de nossos/as alunos/as.

44
A LA NA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

Na pós-graduação Lato Sensu, destacou-se o CEEALE (Cur-


so de Especialização em Línguas Estrangeiras), inicialmente com as
opções francês e inglês e respectivas literaturas, com a minha coor-
denação e de Izabel Brandão, colega do inglês, sem a qual esse em-
preendimento não teria sido possível. O referido curso perdurou e ren-
deu muitos frutos, atingindo professores/as dos colégios de Alagoas
e adjacências e passando a atender a professores/as de espanhol
num determinado momento. Salienta-se, nesse empreendimento, a
participação inestimável do grupo de Linguística Aplicada do IEL/UNI-
CAMP, nas pessoas de José Carlos Paes de Almeida Filho, Marilda do
Couto Cavalcanti e Teresinha Machado Maher. Os/as professores/as
de francês, inglês e, mais tarde, de espanhol e respectivas literaturas
do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas (LEM) da UFAL
marcaram presença fundamental e constante no referido curso.

O GRUPO DE PESQUISA

Em 1995, foi criado o Grupo Ensino e Aprendizagem de Lín-


SUMÁRIO guas, registrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq. Ini-
cialmente voltado para alunos/as da graduação e da pós-graduação,
professores/as da UFAL e de colégios e universidades locais e adja-
centes, esse grupo cresceu, se ampliou, expandindo também suas
ações junto a grupos de pesquisas de outras instituições, organizan-
do e ofertando ciclos de palestras presenciais e remotos, com atua-
ção de destaque nas suas atividades, garantindo palestras e cursos
on-line durante esta pandemia18. As ações de Rita Souto, a outra líder
do grupo, são notáveis nesse processo de expansão e visibilização.

18
Pandemia da COVID 19.

45
Recentemente, o referido grupo passou a se chamar Grupo de Estu-
dos, Discurso, Ensino e Aprendizagem de Línguas e Literaturas (GE-
DEALL19), presente hoje no Instagram20, no Facebook21 e no YouTube22.

Em 2019, o GEDEALL promoveu o Encontro Nacional de


Linguística Aplicada (ENALA), com grande aprovação da comunidade
de LA. Três publicações em e-books são resultantes dos trabalhos
apresentados: um caderno de resumos e dois livros. Os membros
do grupo têm publicações a partir de suas pesquisas em artigos de
periódicos e em livros organizados, as quais podem ser consultadas
nos endereços do Grupo.

A LA NA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

Na Pós-graduação Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado –, no


Programa de Pós-graduação em Linguística e Literatura (PPGLL), a
LA, mesmo necessitando atualmente de ampliação no que diz respeito
ao quadro efetivo de professores, tem sido responsável por grande
parte das atuações na história do Programa no plano da formação
continuada de professores do ensino básico ao ensino superior. No
quadriênio, com um quadro maior de professores até 2018, fomos
SUMÁRIO responsáveis por 40 Mestrados e 9 Doutorados concluídos.

Como exemplos das pesquisas efetuadas no momento no


campo da LA no PPGLL, a título de ilustração, cito aquelas dos/das
professores/as orientadores/as permanentes no PPGLL, no momento
da apresentação da mesa-redonda do Congresso Nordestino de
Linguística Aplicada, em novembro de 2020: Sérgio Ifa: Formação

19
https://gedeall.com.br/
20
https://www.instagram.com/gedeall.ufal/
21
https://www.facebook.com/gedeall.ufal
22
https://www.youtube.com/c/Gedeall/videos

46
de Professores de língua inglesa: agindo para transformar realidades;
Rita Souto: As constituições das subjetividades e a implicação ética
do discurso: estudos interpretativistas; e Rita Zozzoli: Diálogo social
e a interligação de gêneros e enunciados prototípicos no discurso da
mídia e do ensino e aprendizagem.

O quadro geral de professores/as de Linguística Aplicada


da Faculdade de Letras, que atualmente atuam intensamente na
Graduação, no Mestrado Profissional (alguns/algumas deles/delas),
em pesquisas, produções e participam de eventos, juntamente com
os/as estudantes atuais e egressos/as, está permanentemente em
luta para manter e expandir a presença da LA na Faculdade de Letras.
São eles e elas: (além dos 3 já citados, Sérgio Ifa, Rita Souto e Rita
Zozzoli), Lúcia de Fátima Santos, Paulo Stela, Luiz Fernando Gomes,
Andréa Pereira e Roseanne Tavares.

A LA QUE SE FAZ HOJE NA FALE/UFAL

Hoje, nossa visão de Linguística Aplicada caracteriza-se por


pesquisas qualitativas de cunho etnográfico, colaborativas, de auto-
-observação (autoetnográficas ou autorreflexivas), netnográficas, de
SUMÁRIO histórias de vida ou ainda pesquisas-ação. Transdisciplinar e, em cer-
tos casos, dependendo da filiação teórica, indisciplinar (MOITA LO-
PES, 2006), e transgressiva (PENNYCOOK, 2006) para outros, mas
sempre se opondo à visão clássica e unidimensional de mundo. A LA
da UFAL, e, particularmente, a minha compreensão de LA, se apoia
em uma concepção de conhecimento dinâmico e multidimensional,
contrária à divisão disciplinar e à separação e à fragmentação teóricas
e de áreas (ver reflexão neste mesmo texto) ainda muito comuns no
meio acadêmico, em vários campos do conhecimento.

47
Nesse contexto, em síntese, se encontram representadas nas
disciplinas e em pesquisas da graduação e da pós-graduação as se-
guintes perspectivas teórico-metodológicas: Multiletramentos, Letra-
mento crítico/Análise do Discurso Crítica, Estudos culturais, Estudos
de gênero (gender), Interacionismo Sóciodiscursivo e Análise Dialó-
gica do Discurso.

Assim, o leque de possibilidades teóricas não é fechado em


uma só vertente, o que nos coloca numa posição singular em rela-
ção a outros contextos institucionais, nos quais a LA se ancora em
uma perspectiva dominante. O caráter híbrido e multidimensional se
revela também nos temas abordados e aqui resumidos: formação de
professores de línguas ditas adicionais ou estrangeiras, formação de
professores de português, língua materna e de Libras; ensino e apren-
dizagem de língua materna, adicionais/estrangeiras e de Libras; aná-
lise dialógica do discurso de diversos gêneros discursivos midiáticos.

CONCLUSÃO

Para finalizar, creio que é necessário que tenhamos uma agen-


da para ações presentes e futuras na LA, a qual, não sendo uma LA
SUMÁRIO universal, não poderia ter uma agenda única. No que diz respeito
ao nosso Grupo de Estudos, o GEDEALL, tudo indica que nosso
caminho prosseguirá numa abertura à diversidade: diversidade so-
cial (cruzamento de etnias, de gêneros, de grupos e de classes so-
ciais), diversidade teórico-metodológica e diversidade temática nas
pesquisas. Toda essa diversidade já se dá e se dará provavelmente
como fruto da heterogeneidade no plano das pessoas, integrantes
do Grupo de Estudos GEDEALL e suas identidades/performances,
as quais, numa perspectiva bakhtiniana do tempo, compuseram,
compõem e comporão o referido grupo. Cabe reiterar que, mesmo

48
que a diversidade não seja apenas uma característica local, dada
a hibridez do campo de estudos constituído pela LA, cada contexto
específico, como já foi pontuado, funciona de acordo com as de-
mandas sociais amplas, mas também com as demandas locais e
ainda de acordo com a formação de seus componentes.

Dessa maneira, na UFAL, podemos delinear uma demanda per-


manente, mas dinâmica, dos temas ligados ao ensino de línguas e de
literaturas e à formação de professores; paralelamente, uma demanda
de temas diversos como o das identidades/performances e como o do
discurso da mídia numa perspectiva de LA em articulação com a Análise
Dialógica do Discurso, sem contar com propostas que ainda surgirão.

Assim, nossa agenda local e nacional, retomando ainda as pa-


lavras de Bakhtin, poderia assumir cada vez mais nossa “singularidade
na responsabilidade” (BAKHTIN, 2010), ao nos voltarmos cada vez mais
para as necessidades sociais dentro de nossas capacidades de forma-
ção e de nosso lugar social específico, e, ao mesmo tempo, criando “no-
vas exigências de inteligibilidade recíproca” (SANTOS, 2017, p. 17) entre
as pesquisas em LA de várias instituições nacionais e internacionais.

Por fim, nesse quadro de abertura à diversidade desde a própria


base da composição do grupo, nos dedicamos aos desafios do pre-
SUMÁRIO sente e aos que o futuro nos trará.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução Paulo Bezerra.
São Paulo: Forense Universitária, 1997.
BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética. São Paulo: Hucitec/UNESP,
1998.
BAKHTIN, M. Por uma filosofia do ato responsável. Tradução Valdemir Miotello
e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.

49
BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Tradução
Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2017 a.
BAKHTIN, M. Teoria do romance I. A estilística. Tradução Paulo Bezerra. São
Paulo: Editora 34, 2017 b.
BOURDIEU, P. Forschen und handeln/Recherche et action. Freiburg im
Breisgrau: Rombach, 2004.
CELANI, M. A. A. Afinal, o que é Linguística Aplicada? In: PASCHOAL, M. S.
Z., CELANI, M. A. A. (org.) Linguística Aplicada. Da aplicação da Linguística à
Linguística Transdisciplinar. São Paulo: EDUC, 1992.
LINN A.; CANDEL D.; LEON, J. Présentation: Linguistique appliquée et
disciplinarisation. In: Histoire Épistémologie Langage, tome 33, fascicule 1,
2011. Linguistique appliquée et disciplinarisation. pp. 7-14. Disponível em:
https://www.persee.fr/doc/hel_0750-8069_2011_num_33_1_3202. Acesso em:
10/02/2021.
MOITA LOPES, L. P. Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo:
Parábola, 2006.
MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
NICOLESCU, B. La transdisciplinarité. Manifeste. Paris : Jean-Paul Bertrand, 1996.
PENNYCOOK, A. Uma Linguística Aplicada Transgressiva. In: MOITA LOPES,
L.P. (org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006.
SANTOS, B. de S.; ARAÚJO, S.; BAUMGARTEN, M. As Epistemologias
do Sul num mundo fora do mapa. Sociologias, Dez 2016, vol.18, no.43,
p.14-23. Disponível em: https://www.scielo.br/article_plus.php?pid=S1517-
45222016000300014&tlng=pt&lng=pt.
SUMÁRIO

50
3
Capítulo 3

Linguística aplicada e pesquisas


sobre ensino de Língua Portuguesa

Maria Auxiliadora Bezerra

Maria Auxiliadora Bezerra

LINGUÍSTICA
APLICADA
E PESQUISAS
SOBRE ENSINO DE
LÍNGUA PORTUGUESA
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.51-74
INTRODUÇÃO

O ensino de Língua Portuguesa (LP) é tema de pesquisas na


área de Linguística Aplicada (LA) desde as décadas de 1980 e 1990,
quando essa área passou a ser considerada como campo de estudo
interdisciplinar. Nessas décadas, os cursos de pós-graduação em lín-
gua/linguagem das universidades nordestinas passaram a desenvolver
pesquisas descritivas com o foco em metodologias de ensino da LP.

Mesmo que, atualmente, a LA seja vista como área de estudos


que não se circunscreve a limites disciplinares, numa visão cartesiana
de ciência, mas se propõe a produzir conhecimento e explicar/des-
crever/analisar as relações entre linguagem e sociedade, com vistas a
compreender a sociedade e não a entender a linguagem (MENEZES,
2014; MOITA LOPES, 2015), tal abrangência de estudos não elimina a
vertente da LA voltada para ensino de línguas (estrangeira, adicional,
segunda língua, língua primeira, língua materna: denominações diver-
sas, conforme orientações teóricas seguidas), como constatamos nas
pesquisas realizadas nas universidades do Nordeste.

Neste contexto, meu objetivo é apresentar um panorama das


contribuições de pesquisas sobre o ensino de LP - língua materna ou
língua primeira - fundamentadas na LA e realizadas no Nordeste.
SUMÁRIO

DISCUSSÃO TEÓRICA

A produção científica que constitui os dados demonstra um


embasamento teórico advindo, principalmente, de três conjuntos de
conhecimento23: teorias de (multi)letramentos; teorias de gênero;
23
Paralelamente aos estudos em LA, é recorrente a produção de pesquisas que se relacionam
ao ensino de Língua Portuguesa, mas fundamentadas em teorias linguísticas diversas,
numa perspectiva aplicacionista. São estudos que propõem o ensino de aspectos pontuais
da língua, recorrendo a princípios de teorias como Sociolinguística, Fonética e Fonologia,
Linguística de Texto, Funcionalismo. Esses estudos perpassam as décadas de 1990 a 2010.

52
e o interacionismo sociodiscursivo (ISD) proposto por Bronckart
(1999). Embora o ISD contemple estudos de gêneros textuais,
esses estudos não estão considerados no conjunto de teorias de
gênero, mas em um subtópico à parte, tendo em vista a presença
destacada do ISD na produção científica do Nordeste: pesquisas
sobre o agir docente, sobre o instrumento de ensino “sequências
didáticas” e sobre gêneros textuais (essas duas últimas contribuições
influenciadas por Dolz, Noverraz e Schneuwly [2004]).

Com menor recorrência, encontramos influência da linguística


textual e de teorias funcionalistas (tanto a gramática de Givón quanto
a gramática sistêmico-funcional de Halliday e Martin), além de outras
contribuições teóricas minimamente presentes nas pesquisas sobre
ensino de língua materna entre nós: teorias argumentativas, análise de
discurso, análise crítica de discurso, psicologia cognitiva, sociolinguís-
tica, entre outras24, o que comprova a concepção interdisciplinar da
LA, nas pesquisas sobre ensino de língua materna em nossa Região.

Considerando as teorias mais recorrentes, divido este tópico


em três subtópicos: Linguística Aplicada e teorias de (multi)letra-
mentos e de gênero; ISD e ensino de língua portuguesa; e novos
objetos de ensino na área de linguagens.

SUMÁRIO
LINGUÍSTICA APLICADA E TEORIAS DE
(MULTI)LETRAMENTOS E DE GÊNEROS

Seguindo uma tendência nacional, o ensino de língua materna


à luz da LA, no Nordeste, tornou-se objeto de pesquisa tardiamente
e tem acompanhado em parte o desenvolvimento epistemológico da
área, conforme os dados coletados. Essa afirmação tem como base
dois pontos de vista: o da pesquisa e o da concepção teórica.
24
Devido ao espaço restrito de que disponho, decidi não abordar os trabalhos fundamentados
nessas teorias.

53
Do ponto de vista da pesquisa, temos (1) a visão dicotômica, pre-
sente em nossas universidades até a década de 1990 aproximadamen-
te, em relação a ensino/professor e pesquisa/pesquisador, a qual resulta
em uma desvalorização dos primeiros (entendidos apenas como trans-
missão/transmissor de conhecimentos) e (2), como corolário, ausência
de fomento à pesquisa sobre esse tema, visto que não se considerava
que ensino produzia conhecimento. E do ponto de vista teórico, confor-
me Kleiman (1992, p.30), temos a concepção de que a Linguística Apli-
cada era uma área de um objeto único (ensino de língua estrangeira).

Os poucos trabalhos produzidos nos anos finais da década


de 1990, entre os que identifico, demonstram seguir uma concepção
de LA interdisciplinar, uma vez que, em uma situação de interface, se
baseiam em teorias advindas de outras áreas (voltadas para o estudo
da linguagem), mediadas pela LA, para contribuir com o ensino da
língua materna. Os objetos de pesquisa eram a leitura e a escrita, e as
teorias de suporte eram as cognitivas (por exemplo, GOODMAN, 1985;
SMITH, 1989, para a leitura; e HAYES e FLOWER, 1980, para a escrita)
e sociointeracionistas (VYGOTSKY, 1979; BRUNER, 1997; entre outros).

Com a divulgação das teorias de cunho social e/ou etnográ-


fico, na década de 2000, os pesquisadores da área de LA no Nor-
deste, continuando seu interesse pelo ensino de línguas, passam a
SUMÁRIO desenvolver suas pesquisas orientados pelas teorias de (multi)letra-
mento e de gênero, apresentando alternativas de ensino de leitura
e de escrita, ou descrevendo livros didáticos de português (e/ou
outros materiais didáticos).

Em relação aos enfoques de letramento que orientam as pes-


quisas em LA, no Nordeste, chamam atenção as contribuições teóri-
cas referentes a letramento, a multiletramentos e a multimodalidade.

As pesquisas sobre letramento, desenvolvidas desde que a


escrita e a leitura despertaram o interesse dos estudiosos, que as
reconheceram como essenciais numa sociedade grafocêntrica e as

54
relacionaram a práticas sociais e culturais (HEATH, 1983; STREET,
1984; BARTON; HAMILTON, 2000, entre outros), contribuíram com
os estudos da linguagem voltados para a descrição de como as
pessoas se relacionam com a leitura e a escrita e para a demonstra-
ção de que esse relacionamento tem raízes na representação que
essas pessoas têm sobre o conhecimento.

Por isso, o letramento resulta de uma reapropriação da leitura e


da escrita por parte dos sujeitos, de acordo com o contexto cultural do
qual fazem parte e de acordo com a identidade desses sujeitos, mem-
bros de uma dada comunidade (STREET, 2012). Assim, vemos que o
letramento tem como foco a escrita e, em decorrência, o seu ensino nas
escolas está associado a contextos sociais e culturais diversos.

Mas, considerando-se a diversidade linguística e cultural crescen-


te e a multiplicidade dos modos semióticos de comunicação na socie-
dade (COPE; KALANTZIS, 2009), pesquisadores da área de letramentos
desenvolveram estudos que ficaram conhecidos como multiletramen-
tos: estudos teóricos mais abrangentes do que aqueles voltados para
a linguagem verbal e com o objetivo de entender as necessidades do
mundo tecnológico atual e a elas atender. Assim, temos o letramento
digital, o letramento visual, o letramento crítico, entre outros letramentos,
que, na escola, constituem uma proposta pedagógica que responde às
SUMÁRIO necessidades sociais e culturais dos aprendizes, envolvendo diversida-
de linguística e cultural, letramentos, multimodalidade e tecnologia.

Em relação à multimodalidade, como área de estudos que in-


vestiga as formas de significação modernas, considerando os modos
semióticos envolvidos no processo de representação e comunicação,
ela pressupõe que, para a comunicação ocorrer, são necessárias
ações envolvendo os participantes do evento comunicativo, que co-
mungam de conhecimentos semióticos comuns (KRESS; VAN LEEU-
WEN, 2001; 2006).

55
Defendendo que todo texto é multimodal e que é produzido
segundo representações dos seus autores, construídas em seus
contextos culturais, pesquisas em LA se dedicam a estudar os modos
semióticos (linguagem, imagem, música, gestos, cores, desenhos e
tantos outros), como alternativa para desenvolver a capacidade dos
alunos de lerem criticamente textos e de desenvolverem os seus
próprios, como autores, articulando esses vários modos semióticos.

Quanto às teorias de gênero (também recorrentes nos nossos


dados), oriundas de diferentes contextos sócio-históricos, elas pro-
põem diversos construtos sobre esse artefato, ora mais voltados para
a descrição e análise de gêneros variados, ora mais relacionados à
análise e ao ensino. No Nordeste, são bem difundidas as propos-
tas de Bakhtin ([1979]1997), associadas aos estudos francófonos de
J.M. Adam (1992; 1999), J.P. Bronckart (1999; 2008), entre outros; as
propostas sistêmico-funcionais de M. Halliday (2006) e de J. Martin
(1997); os estudos retóricos de J. Swales (2004) e de V. Bathia (1993);
e de C. Bazerman e Prior ([2005] 2007) e C. Miller ([1984]2012). As
duas primeiras (propostas bakhtinianas com estudos francófonos e
propostas sistêmico-funcionais) elegem como foco a análise e o ensi-
no de gênero; os estudos retóricos privilegiam a descrição de gêneros
nas esferas sociais em que eles circulam e, quando há preocupação
com o ensino, essa se volta, sobretudo, para a academia – seja para
SUMÁRIO
o ensino da composição escrita, no âmbito das disciplinas, seja para
o ensino de gêneros profissionais (REINALDO; BEZERRA, 2012).

INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO E
ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Entre os pesquisadores do Nordeste, a LA continua tendo


como foco principal o ensino de línguas, mesmo que, na década de
2010, essa área do conhecimento tenha se voltado mais para estudos

56
etnográficos de grupos sociais minoritários, numa perspectiva indis-
ciplinar. O interesse pelo ensino de línguas de nossos pesquisadores
leva-os a buscarem apoio em teorias que descrevam/ analisem esse
ensino. É assim que, com a divulgação, no Brasil, da área da Didática
de Línguas (um dos focos do ISD), as pesquisas em LA no Nordeste
vão se fundamentando nessa área e não se aliando às tendências
pós-modernas da LA de discutir problemas sociais fundamentados
em estudos das ciências sociais e humanas.

Assim, mesmo que seus autores reconheçam que suas pes-


quisas se filiam à LA (informação identificada tanto em resumos de
pesquisas de pós-graduação, quanto em resumo ou introdução dos
artigos), verifico que se trata de uma LA “tradicional”, se comparada às
tendências pós-modernas de LA.

Em relação às sequências didáticas (SD) propostas por Dolz,


Noverraz e Schneuwly (2004), constituindo-se como recursos didáti-
cos que viabilizam o aprendizado de gêneros textuais por parte dos
alunos, elas passaram por transformações entre os pesquisadores
brasileiros, que as ampliaram, e ao modelo original foram acrescenta-
dos módulos ligados à leitura prévia do gênero a ser estudado (para
familiarização dos alunos), módulos sobre análise linguística (para
estudo das estruturas linguísticas adequadas ao gênero em foco) e
SUMÁRIO etapa de circulação social do texto produzido (para divulgação da
versão final do texto). É assim que encontramos SD para o ensino-
-aprendizagem de gêneros orais e escritos e sequência didática para
o ensino de unidades linguísticas, incluindo a divulgação do texto
produzido (REINALDO; BEZERRA, 2019).

Além do interesse pelo ensino de línguas, o ISD também estuda


o trabalho docente, observado em duas dimensões: a da linguagem
no/como trabalho e a da linguagem sobre o trabalho. Nesse sentido,
a análise do trabalho docente procura compreender as ações desen-
volvidas pelo professor e sua reconfiguração (interpretação, avaliação)

57
sobre seu agir. Para o desenvolvimento dessa análise, o ISD recorre às
ciências do trabalho, como orientação epistemológica, investigando
não só como o professor enuncia a organização de seu trabalho, mas
também como ele explicita os impedimentos e conflitos que o condu-
zem, por vezes, a não realizar o trabalho planejado ou prescrito (CLOT
[1999] 2007; AMIGUES, 2004).

NOVOS OBJETOS DE ENSINO NA ÁREA DE LINGUAGENS

Observando o alcance da tecnologia digital e de comunicação


na sociedade como um todo, verificamos que os jovens, além de a
utilizarem constantemente, se apropriam rapidamente de recursos que
vão sendo divulgados. Essa realidade vai influenciando os documen-
tos reguladores do ensino brasileiro, como a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC, 2018), e, consequentemente, os currículos das es-
colas, os quais devem propiciar aos alunos desenvolvimento cognitivo,
intelectual e interativo.

Nesse sentido, vemos a instituição de novos objetos de ensino


e a ampliação das áreas de estudo. É assim que temos na BNCC e,
no exame nacional do Ensino Médio (ENEM), por exemplo, a área de
SUMÁRIO linguagens e suas tecnologias, incluindo LP, Artes, Língua Inglesa (às
vezes, Língua Espanhola), a ser estudada, contemplando diversos re-
cursos e ferramentas advindos da tecnologia digital e de comunicação.

Lendo, especificamente, as habilidades para o Ensino Funda-


mental e Médio propostas pela BNCC, constatamos a presença de
gêneros textuais, visuais, sonoros e outros para serem ensinados aos
alunos por professores formados em Licenciatura em Letras, a qual se
dedica prioritariamente à linguagem verbal.

58
A BNCC reconhece que adolescentes e jovens já conhecem e
fazem uso de gêneros que circulam nos campos das práticas artístico-
literárias, de estudo e pesquisa, jornalístico-midiático, de atuação na vida
pública e campo da vida pessoal, cidadãs, investigativas (BNCC, 2018).
Assim, estabelece, entre as diversas habilidades a serem desenvolvidas
no Ensino Fundamental (EF), as seguintes, a título de exemplo:

(a) Produzir e publicar notícias, fotodenúncias, fotorreportagens,


reportagens, reportagens multimidiáticas, infográficos, podcasts noti-
ciosos, entrevistas, cartas de leitor, comentários, artigos de opinião de
interesse local ou global, textos de apresentação e apreciação de pro-
dução cultural – resenhas e outros, próprios das formas de expressão
das culturas juvenis, tais como vlogs e podcasts culturais, gameplay,
detonado, etc.– e cartazes, anúncios, propagandas, spots, jingles de
campanhas sociais, dentre outros em várias mídias, vivenciando de
forma significativa o papel de repórter, de comentador, de analista, de
crítico, de editor ou articulista, de booktuber, de vlogger (vlogueiro) etc.,
como forma de compreender as condições de produção que envolvem
a circulação desses gêneros (EF69LP06); e

(b) Analisar, em notícias, reportagens e peças publicitárias em


várias mídias, os efeitos de sentido devidos ao tratamento e à com-
posição dos elementos nas imagens em movimento, à performance,
SUMÁRIO à montagem feita (ritmo, duração e sincronização entre as linguagens
– complementaridades, interferências etc.) e ao ritmo, melodia, instru-
mentos e sampleamentos das músicas e efeitos sonoros (EF89LP07).

A habilidade citada em (a) deve ser trabalhada no âmbito da LP


do 6º ao 9º ano do EF; já essa citada em (b) está voltada para os dois
últimos anos do EF (8º e 9º).

Já para o Ensino Médio (EM), a BNCC afirma que, do ponto


de vista das práticas contemporâneas de linguagem, se destacam a
cultura digital, as culturas juvenis, os novos letramentos e os multile-
tramentos, os processos colaborativos, as interações e atividades que

59
têm lugar nas mídias e redes sociais, os processos de circulação de
informações e a hibridização dos papéis nesse contexto (de leitor/autor
e produtor/consumidor), já explorada no EF. (BNCC, EM, 2018). Entre
as várias habilidades a serem desenvolvidas no EM, cito a seguinte:

(c) Analisar, a partir de referências contextuais, estéticas e cul-


turais, efeitos de sentido decorrentes de escolhas e composição das
imagens (enquadramento, ângulo/vetor, foco/profundidade de campo,
iluminação, cor, linhas, formas etc.) e de sua sequenciação (disposição
e transição, movimentos de câmera, remix, entre outros), das perfor-
mances (movimentos do corpo, gestos, ocupação do espaço cênico),
dos elementos sonoros (entonação, trilha sonora, sampleamento etc.)
e das relações desses elementos com o verbal, levando em conta es-
ses efeitos nas produções de imagens e vídeos, para ampliar as pos-
sibilidades de construção de sentidos e de apreciação (EM13LP14).

Essa habilidade deve ser desenvolvida no âmbito do estudo de


LP, em todo o EM (do 1º ao 3º ano).

Analisando essas habilidades tanto do EF quanto do EM, cons-


tatamos que a variedade e os contextos de circulação dos gêneros a
serem estudados exigem do professor de LP conhecimento de jorna-
lismo, mídias digitais, música, teatro, design, cinema, etc. Para propor-
SUMÁRIO cionar o desenvolvimento da habilidade citada em (c), por exemplo,
são necessários, pelo menos, conhecimentos de cinema (enquadra-
mento, ângulo/vetor, foco/profundidade de campo, iluminação, cor,
linhas, formas...), teatro (movimentos do corpo, gestos, ocupação do
espaço cênico) e música (entonação, trilha sonora, sampleamento...),
e relacioná-los com a linguagem verbal, para assim favorecer o desen-
volvimento intelectual e interativo dos alunos. Notamos que o estudo
da linguagem verbal parece não ter muito destaque.

As multissemioses, como objetos de estudo, no EF e EM, vão


exigir alterações na formação do professor de LP, nos levando a inferir
que essa formação deverá contemplar muito mais estudos de semió-

60
tica do que de linguística. E os estudos por mim analisados parecem
confirmar essa tendência: as pesquisas-ação com blogs, fanfics, ví-
deos, quiz, por exemplo, exigiram um apoio teórico interdisciplinar que
favorecesse ao professor o conhecimento e exploração de semioses
que, muitas vezes, se sobrepõem à linguagem verbal.

Embora a BNCC informe que os conhecimentos multissemióti-


cos são complementares (ou transversais) ao estudo da LP, o fato de
serem necessários exige seu estudo e metodologias de ensino.

METODOLOGIA

Para alcançar meu objetivo, realizei um levantamento de artigos,


publicados em revistas acadêmicas e em anais de eventos, e de
dissertações e teses defendidas entre 1998 e 2020 nos programas de
pós-graduação nas áreas de Letras ou Linguística das universidades
públicas e de instituições particulares, sediadas em nossa Região.

Defini, para a seleção dos dados de análise, que os trabalhos


deveriam versar sobre português, como língua materna, e ter no título
e/ou nas palavras-chave os termos (1) ensino de língua portuguesa
SUMÁRIO ou de língua materna ou de português, (2) leitura e/ou produção de
textos orais ou escritos e (3) conhecimentos linguísticos ou estudos
gramaticais. Li seus resumos – para verificar se seus autores indica-
vam sua filiação à LA ou se apresentavam referências bibliográficas
dessa área do conhecimento –, a introdução, a análise e a conclusão,
para verificarmos a contribuição dada ao ensino de LP.

Identifiquei 112 artigos, dos quais 52 foram publicados em


revistas acadêmicas e 60 em anais; 19 teses e 748 dissertações,
conforme discrimina o quadro 1.

61
Quadro 1 – Discriminação de artigos e trabalhos de grau selecionados.

Artigos Dissertações Teses


Mestrado Mestrado
Revistas Anais
Acadêmico Profissional
TOTAL
52 60 114 634 19

112 748 19
Fonte: A autora, 2020.

O quadro 2 apresenta as instituições às quais as revistas e os


anais se vinculam e as datas de suas publicações.

Quadro 2 – Identificação de instituições, revistas, anais


e publicações dos artigos selecionados.

Instituições* Revistas Publicações Anais


Jornada
Revista do Publicação Publicação
GELNE 1999-2017 nacional ECLAE
GELNE 2002-2017 2012-2015
do GELNE
UFAL Leitura 2011
UFC Entrepalavras 2013-2019
UFMA Littera 2015
UFCG Leia Escola 2009-2020
UFPB Graphos 2003-2004
UFPE Investigações 2001-2019
SUMÁRIO Diálogo
UERN 2012-2018
das Letras
Fonte: A autora, 2020.

*Grupo de estudos linguísticos do Nordeste (GELNE); Universidade Federal de


Alagoas (UFAL); Universidade Federal do Ceará (UFC); Universidade Federal
do Maranhão (UFMA); Universidade Federal de Campina Grande (UFCG);
Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE); Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERNE).

Os artigos identificados relatam pesquisas realizadas na região


Nordeste, que contribuem para o ensino de LP. Assim, não considero

62
aqueles que, mesmo voltados para o ensino dessa língua, foram
produzidos em outras regiões do País.

Para a análise desse conjunto de textos, identifico os objetos


de pesquisa relativos ao ensino de LP que foram estudados e os
postulados teóricos que os fundamentaram.

ANÁLISE DE DADOS

Destacam-se, no conjunto de investigações sobre (multi)


letramentos, grupos de pesquisa do Programa de Pós-graduação em
Estudos da Linguagem da UFRN, do Programa de Pós-graduação
em Linguística da UFPB, Mestrado Profissional em Letras da UERN,
campus de Mossoró. Os quadros 3 e 4 apresentam estudos realizados
sobre ensino de língua portuguesa, na área de LA, sob influência
de postulados do (multi)letramemento e da multimodalidade, pela
comunidade acadêmica da área de Letras e Linguística.

Quadro 3 – Produção acadêmica relativa a (multi)


letramentos, entre 1998 e 2020.

Gênero / Foco
Enfoques Domínios Objeto da Anos
SUMÁRIO Teóricos discursivos
Material
pesquisa
Ensino
Didático Descrição
Fund. Méd. Sup.
X 2013
Livro
Escolar Leitura 2015 a
didático X
2020
2015 a
Blog Escrita X
Multi- 2020
letramento Interpessoal Textos do
Escrita X 2017
cotidiano
Contos
Ficcional Escrita X 2015
Multimodais
Caderno Leitura e
Escolar X 2015
pedagógico Escrita

63
Livro 2003/09
Escrita X
didático 2020
Material
Leitura X 2015
Escolar Didático
Letramento Aula e
2008 a
formação do Escrita X
2020
professor
Relato de
Interpessoal Oralidade X 2017
experiência
2014
E-mail Escrita X
a 20
Textos de
Escrita X 2015
Alunos X
Software
Oralidade
Escolar Luz do 2016
e Escrita X
Saber
Leitura X 2016
Letramento
Whatsapp
Digital 2016
Escrita X
a 20
Quiz digital Leitura X 2015
Artigo de 2016
Jornalístico Escrita X
Opinião a 20
Textos
Leitura X 2015
Digital Digitais
Webquest Pesquisa X 2016

SUMÁRIO 2016
Repente Oralidade X
a 20
Provérbio Leitura X 2017
2016
Letramento Crônica Leitura X
Ficcional a 20
literário
2016
Conto Leitura X
a 20
2016
Narrativa Leitura X
a 20
Fonte: A autora, 2020.

64
Quadro 4 – Produção acadêmica relativa à
multimodalidade, entre 1998 e 2020.

Foco
Gênero / Objeto
Enfoques Domínios Ensino
Material da Anos
teóricos discursivos Descrição E. E. E.
didático pesquisa
Fund. Méd. Sup.
2015 a
Infográfico Leitura X
2020
2017 a
Publicidade Leitura X
2020
Jornalístico 2016 a
Anúncios Leitura X
2020
Textos
2015 a
multimodais Leitura X
2020
diversos

Multimodalidade Textos
Instrucional/ 2015 a
multimodais Leitura X
Entretenimento 2020
diversos
X 2015
Charge Leitura 2016 a
Entretenimento X
2020
2015 a
Tirinha Leitura X
2019
Livro
Escolar Leitura X 2016
didático

SUMÁRIO Fonte: A autora, 2020.

A produção científica fundamentada em teorias de


(multi)letramento começa a ser divulgada desde o início da década
de 2000 (cf. quadros 3 e 4), com pesquisas descritivas sobre
material didático e textos multimodais, com o intuito de identificar
se essas teorias já influenciavam o material didático utilizado nas
escolas e de descrever textos que poderiam fazer parte do ensino
de língua portuguesa. Mas é na década de 2010 que a pesquisa se
volta, sobretudo, para o ensino, e com o foco na leitura.

65
Os estudos se situam em domínios discursivos diversos, desde os
mais tradicionais, como o escolar e o ficcional, até o digital (preferência
dos alunos), passando pelo interpessoal, jornalístico e de entretenimento.

Embora vejamos o interesse pelo letramento literário (com


narrativas curtas e longas), a abordagem de textos multimodais se
sobrepõe. A tecnologia digital é explorada como recurso para a
aprendizagem da leitura, demonstrando o interesse dos estudiosos
em ressignificar a escola, trazendo para seu interior práticas de leitura
e escrita, que não se restringem ao verbal.

Não basta voltar-se para a escrita (digital ou impressa), é neces-


sário agora voltar-se também para novas ferramentas, como áudio, ví-
deo, tratamento de imagem, edição e diagramação, e para novas prá-
ticas de produção – que requerem inúmeras ferramentas – e de análise
crítica (por parte do interlocutor), que interroga as razões e propósitos
que estão por trás de um sentido ou ação (ROJO; MOURA, 2012, p.21).

O ensino da oralidade é praticamente inexplorado pelos


pesquisadores e o ensino fundamental é o foco principal dessas
pesquisas – principalmente, na escola pública. Essa recorrência
de investigações nesse nível de ensino deve-se, em grande parte,
aos estudos do Mestrado Profissional, que se restringem ao ensino
SUMÁRIO fundamental (foram identificadas 634 dissertações).

Têm destaque, nesse conjunto de teorias sobre gênero, gru-


pos de pesquisas do Programa de Pós-graduação em Linguística
da UFC (estudos interacionistas sociodiscursivos e retóricos swale-
sianos), do Programa de Pós-graduação em Linguística da UFPB e
do Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino da UFCG
(estudos interacionistas sociodiscursivos), e do Programa de Pós-
-graduação em Letras da UFPE (estudos retóricos do gênero como
ação, na década de 2000). O quadro 5 demonstra a produção aca-
dêmica voltada para os estudos de gêneros.

66
Quadro 5 – Produção acadêmica relativa a
gêneros textuais, entre 1998 e 2020.

Foco
Gêneros/
Enfoques Domínios Objeto da Ensino
Material
Teóricos discursivos pesquisa Descrição E. E. E. Anos
didático
Fund. Méd. Sup.
2004/07
Artigo de Escrita X X
2015/16
opinião
Leitura X 2015
Jornalístico Notícia Escrita X 2015
Reportagem Escrita X 2016
Diversos Escrita X 2015
Debate
Diálogo 2011 a
Oralidade
Exposição X 2017
Instrucional oral
Divulgação
Leitura X 2017
científica
Diversos Escrita X 2015
Interacionista
sociodiscursivo Midiático Anúncio Leitura X 2015/16
Diversos Escrita X 2003

Autobiografia Escrita X 2016


Interpessoal
Depoimento Oralidade X 2016

SUMÁRIO Ficcional Fábula Escrita X 2016


Digital Quiz Leitura X 2016
Leitura
2003/15
Escrita
2014/15/17
Gramática
Escolar Livro X 2013/15
A.
didático 2014/16
Linguística
2015
Oralidade

Retórico Profissional Diversos Escrita X 2016

67
Carta de
Interpessoal Escrita X 2009
reclamação
Interacionismo Indicação
e Letramento Entretenimento Escrita X 2016
de filmes
Instrucional Receita Escrita X 2015
Jornalístico
Notícia X X 2013/15
digital Escrita
Sociorretórico
Carta de
Interpessoal Escrita X 2013
reclamação
Fonte: A autora, 2020.

A produção acadêmica orientada por essas teorias está


voltada para a descrição e/ou ensino de gêneros textuais diversos de
domínios discursivos instrucional, jornalístico, interpessoal, ficcional,
profissional e de entretenimento. Em se tratando de resultados de
pesquisa-ação, realizadas em sala de aula, as propostas de trabalho
com gêneros se situam, predominantemente, no Ensino Fundamental
e, em alguns casos, no Ensino Médio e Superior, e todos os trabalhos
são voltados para a escola pública.

O destaque aqui é dado ao ensino da escrita (diferentemente


das pesquisas influenciadas pelos postulados do letramento, que
destacam a leitura, como vimos), seguido de leitura e oralidade, seja
para descrever propostas de ensino, seja para propor alternativas. O
SUMÁRIO trabalho voltado para análise linguística e estudos gramaticais não é
recorrente em nossos dados.

A seguir, vemos o quadro 6, com a produção acadêmica sobre


gêneros textuais desenvolvida em nossas instituições de nível superior.

68
Quadro 6 – Produção acadêmica relativa a
gêneros textuais, entre 1998 e 2020.

Foco
Gêneros/
Enfoques Domínios Objeto da Ensino
Material
teóricos discursivos pesquisa Descrição E. E. E. Anos
didático
Fund. Méd. Sup.
2004/07
Artigo de Escrita X X 2015/16
opinião a 20
Leitura X 2015 a 20
Jornalístico Notícia Escrita X 2015 a 20
Reportagem Escrita X 2016/18/19

Diversos Escrita X 2015


Debate
Diálogo
Oralidade 2011 a
Exposição X
2019
oral
Instrucional Divulgação
Leitura X 2017/18/19
científica

Interacionista Diversos Escrita X 2015


sociodiscursivo 2015/16/19
Midiático Anúncio Leitura X
/20
Diversos Escrita X 2003

Autobiografia Escrita X 2016/18/19


Interpessoal
SUMÁRIO Depoimento Oralidade X 2016

Ficcional Fábula Escrita X 2016


Digital Quiz Leitura X 2016
Leitura 2003/15
Escrita 2014/15/17
Livro Gramática 2013/15
Escolar
didático A. 2014/16/18
X
linguística 19//20
Oralidade 2015/18/19
Retórico Profissional Diversos Escrita X 2016

69
Carta de 2009/2018
Interpessoal Escrita X
reclamação /19
Interacionismo Indicação
Entretenimento Escrita X 2016
e Letramento de filmes
Instrucional Receita Escrita X 2015
Jornalístico
Notícia Escrita X X 2013/15
digital
Sociorretórico
Carta de 2013/18/19
Interpessoal Escrita X
reclamação /20
Fonte: A autora, 2020.

No conjunto de dados, constatou-se maior recorrência do ISD


fundamentando os estudos produzidos por pesquisadores dos Pro-
gramas de Pós-graduação em Linguística da UFC, da UFPB e da
UFCG (influência já mencionada no tópico 3.1) e dos Mestrados Pro-
fissionais da UFRN, UERN, UFPB, UFCG, UFPE, UFBA (Universidade
Federal da Bahia), UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santa-
na), UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz), UESB (Universi-
dade Estadual do Sudoeste da Bahia), quer abordando sequências
didáticas, quer explorando o agir docente.

Orientados por essas sequências, há trabalhos produzidos no


Nordeste que abordam gêneros orais, escritos, multimodais e digitais,
como possibilidades de desenvolver a competência de compreensão
SUMÁRIO
e produção de textos dos alunos.

Em relação à temática do agir docente, foram encontradas pes-


quisas que colaboram para a reflexão sobre a relação entre o trabalho
prescrito, planificado e realizado durante as ações docentes, identi-
ficando o que ocorre entre o planejamento e a execução das ações
docentes nas aulas de português, que leva os professores a reduzirem,
ou a não realizarem o planejado.

Os profissionais acabam por privilegiar um dado aspecto do


ensino (escrita, leitura, oralidade ou análise linguística), por reduzir

70
sua atividade ao aspecto estritamente conteudístico (estrutura tex-
tual, classes de palavras, convenções da escrita, entre outros), des-
prezando os aspectos sócio-históricos e culturais previstos no plane-
jamento. Em outras palavras, o meio educacional (que, às vezes, não
proporciona os recursos necessários ao ensino/aprendizagem) e o
meio social em geral (que se apresenta, por vezes, de forma hostil ao
papel da escola na comunidade) podem interferir na ação do profes-
sor, levando-o a não atingir seus objetivos.

Assim, vemos que não basta ter domínio do objeto específico


de ensino e dos processos e estratégias desse ensino, pois diversos
fatores externos à ação docente precisam ser considerados para que
o professor possa atuar eficiente e eficazmente. Nesse sentido, não
basta saber LP, mas também outras linguagens que se mesclam à LP.

CONCLUSÃO

A produção científica, fundamentada em LA e voltada para o en-


sino de LP, no Nordeste, contribui (1) para o conhecimento de como se
propõe esse ensino e como estão compostos materiais didáticos e (2)
para a efetivação de estratégias de ensino dessa língua (voltadas mais
SUMÁRIO para escrita, leitura e oralidade e menos para unidades linguísticas e
estudos gramaticais); além disso, dá contribuições para a formação do
docente. A orientação teórica para essa produção segue três grandes
linhas: as teorias de letramentos e multiletramentos, as de gênero e a
didática de língua materna (com ênfase nos estudos de ISD).

A LA, concebida como área indisciplinar (voltada para as práticas


de linguagem nos mais diferentes contextos sociais, orientada por con-
tribuições dos estudos culturais e sociais), parece ainda não ter produzi-
do grande impacto entre os pesquisadores da região Nordeste. Embora

71
a LA atualmente não tenha como foco de destaque o ensino de línguas,
essa vertente continua despertando o interesse dos pesquisadores da
nossa Região. Daí a aceitação, entre nós, da Didática de Línguas.

Por fim, considerando as orientações da BNCC para o estudo


das múltiplas linguagens, com ênfase nos textos jornalísticos, digitais,
artísticos (música, teatro, cinema...), esse contexto nos leva a pergun-
tar: dentre em breve teremos professor de LP ou de linguagens? Espe-
ramos que a LP continue como objeto de pesquisa e de ensino.

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74
4
Capítulo 4

A Linguística Aplicada no Nordeste:


uma caracterização das pesquisas
em línguas adicionais em
programas de pós-graduação

Antonia Dilamar Araújo

Antonia Dilamar Araújo

A LINGUÍSTICA APLICADA
NO NORDESTE:
UMA CARACTERIZAÇÃO
DAS PESQUISAS EM LÍNGUAS
ADICIONAIS EM PROGRAMAS
DE PÓS-GRADUAÇÃO
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.75-95
INTRODUÇÃO

Desde a criação do primeiro Programa de Pós-Graduação em


Linguística Aplicada (doravante LA) no Brasil, pela PUC-SP, em 1970,
já são 50 anos de pesquisas desenvolvidas na área por um número
significativo de linguistas aplicados, que atuam em diferentes Progra-
mas de Pós-Graduação espalhados por todo o país desenvolvendo
suas pesquisas, formando novos pesquisadores e qualificando pro-
fessores para as práticas em sala de aula. Nestes 50 anos, o cresci-
mento da Linguística Aplicada passou por várias viradas, tanto em
sua concepção como também em sua evolução. Tivemos a criação
da primeira Associação de Linguística Aplicada do Brasil, em 1990,
com o objetivo de “construir um lócus acadêmico-científico dinâmico,
instigador de estudos e reflexões na área Linguística Aplicada” (ALAB,
2020), constituindo assim um espaço de fomento às pesquisas com
foco na relação entre linguagem e sociedade. Registramos também o
surgimento dos primeiros periódicos de LA - Trabalhos em Linguística
Aplicada (Unicamp) em 1998 e Revista Brasileira de Linguística Aplica-
da (RBLA, UFMG) -, em 2001, como espaços de intercâmbio e publi-
cação de pesquisas relacionadas a problemas de linguagem da vida
real e à linguagem em uso em contextos diversos e à aprendizagem.
SUMÁRIO
No contexto nordestino, a região tem dado sua contribuição nos
estudos de Linguística Aplicada, por exemplo, com a criação do pri-
meiro Programa de Pós-Graduação em LA, em 1998, na Universidade
Estadual do Ceará, com área de concentração nos estudos e pesqui-
sas em Ensino de Línguas Estrangeiras e Tradução, e mais tarde, ao
implantar o doutorado, ampliou o foco para incluir também a língua
materna. Outros Programas de Pós-Graduação em Letras, Linguística
e Estudos da Linguagem, mesmo não tendo foco em LA, como por
exemplo, os da UERN, UFRN, UFPB, UFC, oferecem linhas de pesqui-
sa para o desenvolvimento de investigações em Linguística Aplicada.

76
Mesmo com a pandemia do Covid-19 que se espalhou no
mundo inteiro incluindo nosso país em 2020, os 50 anos da LA fo-
ram celebrado no I Congresso Nordestino de Linguística Aplicada (I
CONELA), evento realizado em novembro de 2020, por um consór-
cio de universidades públicas federais e estaduais da região, no for-
mato online. Durante quatro dias, o evento tornou-se uma vitrine das
pesquisas de mestrado e doutorado desenvolvidas nos Programas
de Pós-Graduação nas diversas subáreas, e em diferentes concep-
ções e temáticas apresentadas em mesas-redondas e comunica-
ções orais. Como pesquisadora e professora formadora de futuros
professores de língua inglesa como língua adicional, participei da
atividade de abertura do evento, no qual discuti sobre o panorama
das pesquisas em línguas adicionais no âmbito da Linguística Apli-
cada e mapeei as principais temáticas, os métodos de pesquisas
e as teorias adotadas nas pesquisas desenvolvidas sobre línguas
adicionais para compreendermos como essa área vem se desen-
volvendo nas linhas de pesquisa dos Programas de Pós-Graduação
em Linguística Aplicada, Letras e Estudos da Linguagem da região
Nordeste do Brasil. Este capítulo é o registro dos resultados apre-
sentados e discutidos naquela apresentação.

SUMÁRIO DISCUSSÃO TEÓRICA

A Linguística Aplicada como um campo de investigação


relacionada às questões sobre a linguagem da vida real no Brasil tem
suas bases epistemológica e histórica na LA praticada nos Estados
Unidos e na Europa na década de 1940, durante a Segunda Guerra
Mundial, e teve como interesse o desenvolvimento de materiais
didáticos para o ensino de línguas. Na sua evolução até chegar ao
Brasil, trazida por linguistas como Cavalcanti (1986), Celani (1992)
e Moita Lopes (2006, 2009, 2013), já na década de 1970, muita

77
discussão sobre sua concepção, evolução e estudos foram realizados
em eventos e em publicações científicas deixando um legado de
informações que contribuem para compreendermos o crescimento
da área no cenário brasileiro.

De 1970 até os dias atuais, a LA no Brasil passou por vá-


rias fases ou viradas como afirmam os primeiros estudiosos da área
(CAVALCANTI, 1986, CELANI, 1992, KLEIMAN, 1990, MOITA LOPES,
1994, 2006, 2009, 2013), que compreendem desde a Aplicação de
Linguística, Linguística Aplicada e a Linguística Aplicada Indiscipli-
nar. A primeira tem o foco no ensino-aprendizagem de línguas, no-
tadamente a língua inglesa, fase que ainda é muito forte devido às
exigências e atualizações curriculares levando professores-pesqui-
sadores a refletirem as aplicações de teorias e questões metodoló-
gicas nos contextos de ensino-aprendizagem. A segunda abrange
contextos institucionais diferentes dos educacionais, passando a
incluir a língua materna no campo dos letramentos e a estudar a
linguagem situada na práxis humana em instituições, tais como a
mídia, clínica médica, empresas, corporações. Já a terceira virada,
constitui-se em uma LA influenciada pelas teorias pós-estruturalis-
tas, que passa a questionar a produção de conhecimento da moder-
nidade e põe ênfase no apagamento do sujeito social e nas posições
hegemônicas sociodiscursivas. Essas três visões não são excluden-
SUMÁRIO
tes na produção de conhecimento na área, e continuam a ser prati-
cadas pelos linguistas aplicados, porém, a LA Indisciplinar vem se
consolidando na medida em que pesquisadores se conscientizam
das questões do mundo real que nos afligem e sentem a necessida-
de de desconstruir e de reteorizar as visões da modernidade.

A LA Indisciplinar, também denominada na literatura de LA


transgressiva por Pennycook (2006) e LA da desaprendizagem por
Fabrício (2006), tem como foco uma mudança na maneira de olhar
o mundo, de estudar as questões em que a linguagem passou a ter

78
uma importância crucial, considerando que o mundo tem passado
e continua a passar por avanços com as tecnologias digitais, redes
sociais e com a hipersemiotização que nos cerca e faz parte de nossa
rotina diária. A LA Indisciplinar leva os estudiosos a pensarem em
outras formas de produzir conhecimento e em outras questões de
pesquisa que respondam às práticas sociais do momento e nos
façam entender o mundo caótico em que vivemos.

Moita Lopes (2009) argumenta que a LA é indisciplinar no


sentido de que ela se constitui como uma área mestiça e nômade que
nos leva a pensar para além dos paradigmas consagrados a fim de
compreender o mundo atual. No modo contemporâneo de fazer a LA,
não há mais espaço para a visão resolutiva de problemas adotada
pelo modelo positivista. Os linguistas aplicados não devem limitar suas
buscas nas teorias linguísticas para explicar questões relacionadas
à linguagem, mas podem teorizar a partir dos entrecruzamentos
disciplinares. Nesse sentido, a LA Indisciplinar é também interdisciplinar
e transdisciplinar, porque busca outras visões em outros campos de
saberes, tais como a Análise do Discurso, os Estudos Culturais, a
História, dentre outras, para produzir novas formas de conhecimento
que nos ajudem a compreender as condições em que vivemos e nos
ajudem a nos tornarmos sujeitos mais críticos e reflexivos.

SUMÁRIO Essa visão de LA ainda não é unanimidade entre todos os estu-


diosos da linguagem, mas podemos afirmar que ela está em proces-
so de consolidação. A tecnologia digital tem mudado nossas práticas
sociais e essa mudança tem se tornado um desafio para as pesqui-
sas em LA. Observamos, há algum tempo, e mais fortemente durante
a pandemia, linguistas aplicados criando espaços em ambientes di-
gitais, tais como lives acadêmicas, para discussão e posicionamen-
tos, em relação a temas que merecem mais discussão e reflexão, tais
como o racismo, a branquitude, a diversidade, o movimento queer, as
fake news, entre outros, resultando na defesa em ouvir as vozes das

79
minorias, na diversidade linguística ao propor a volta do espanhol nas
escolas de ensino básico. Essas discussões são formas de politizar
a vida social e elas são necessárias também nos contextos educa-
cionais para que sejam refletidas na sala de aula e nos materiais de
ensino, seja de língua materna, seja nas línguas adicionais.

Entendemos que a LA indisciplinar, transdisciplinar, mestiça


e ideológica é um desafio para os professores pesquisadores no
campo da LA em um país como o Brasil, uma vez que estes se sentem
vigiados e censurados, precisando, portanto, dar voz a si mesmos
e aos alunos para que esses possam assumir um posicionamento
crítico sobre questões complexas vivenciadas no século 21, como
também realizar pesquisas que contribuam para o entendimento
de questões complexas que nos cercam e das quais precisamos
aprender a lidar para melhor atuarmos na sociedade contemporânea.

METODOLOGIA

Para mapear as pesquisas em linguística aplicada desenvol-


vidas no Nordeste, adoto a pesquisa descritivo-exploratória e inter-
pretativa. Fiz um recorte no estudo ao examinar dissertações e teses
SUMÁRIO publicadas nos sites de Programas de Pós-Graduação em Linguís-
tica Aplicada e nos programas de Letras, Estudos da Linguagem e
Estudos Linguísticos que tenham uma linha de pesquisa em LA, em
um período de 10 anos, compreendendo de 2010 a 2020.

A coleta de dados se realizou em doze Programas de Pós-


-Graduação de instituições públicas federais e estaduais, a saber:
UFC, UECE, UFRN, UERN, UFBA, UFPE, UFPB, UFCG, UFMA, UFPI,
UFAL e UFS. Nos sites dos Programas de Pós-Graduação dessas
instituições, levantei 501 pesquisas em LA, distribuídas em 388 dis-
sertações de mestrado e 113 teses de doutorado.

80
As 501 pesquisas identificadas foram distribuídas em quatorze
eixos temáticos estabelecidos no site do I CONELA realizado em
novembro de 2020:

Tabela 1 - Eixos temáticos estabelecidos no site do I CONELA.

• Ensino e aprendizagem de línguas


• Cognição e interação
• Formação de educadores
• Estudos Críticos da Linguagem
• Práticas identitárias
• Linguagem e Interação
• Políticas linguísticas
• Tecnologias e educação
• Teorias e práticas do texto
• Estudos inter/transculturais
• Teorias e práticas dos
• Tradução
estudos discursivos
• Materiais didáticos
• Estudos de letramentos
Fonte: elaborado pela autora, 2020.

Para que as pesquisas fossem categorizadas nos eixos te-


máticos discriminados acima, os trabalhos foram analisados obser-
vando-se as seguintes partes: título, resumos e palavras-chaves.
Quando o resumo não deixava explícita a metodologia e as teorias
de base, busquei examiná-las na parte introdutória e no tópico que
trata dos procedimentos metodológicos no corpo do trabalho como
um todo. Essas mesmas partes de cada trabalho também serviram
para se mapear e analisar as línguas adicionais mais estudadas, o
foco dos estudos, as teorias e os métodos de pesquisa adotados.
SUMÁRIO
Os resultados do levantamento foram organizados em planilhas
para, então, serem transportadas nas tabelas quantitativas que se-
rão apresentadas e discutidas na próxima seção.

ANÁLISE DE DADOS

O primeiro aspecto analisado no corpus foi em relação às lín-


guas adicionais, estudadas nas pesquisas de mestrado e doutorado
nos programas de pós do Nordeste, no período de 2010 a 2020. Os
dados revelaram uma variedade de pesquisas envolvendo línguas adi-

81
cionais, porém sem nenhuma surpresa, a língua inglesa é a língua mais
estudada, tendo sido identificados 308 trabalhos, em ambos os níveis
de mestrado e doutorado, que investigaram aspectos relacionados
àquela língua adicional, como mostra a Tabela 1. Na mesma tabela,
percebemos que a língua espanhola é a segunda língua adicional mais
estudada (116 trabalhos), a despeito da não mais a obrigatoriedade de
seu ensino na educação básica, conforme documentos oficiais como a
BNCC (2017), seguida pela língua portuguesa como língua estrangeira
(26 trabalhos). Outras línguas adicionais com registros foram a língua
francesa (25) e, em menor ocorrência, as línguas: japonesa (2), alemã
(1) e italiana (1). Vale registrar que 22 trabalhos tiveram como foco a in-
vestigação de duas línguas, a adicional e a materna, no mesmo estudo.

Tabela 2 – Línguas adicionais estudadas nas pesquisas em LA.

Línguas adicionais Ocorrências


Língua Inglesa 388
Língua Espanhola 116
Língua Francesa 25
Língua Portuguesa como L2 26
Língua Alemã 01
Língua Italiana 01
Língua Japonesa 02
Duas línguas (adicional e materna) 22
SUMÁRIO TOTAL 501
Fonte: elaborado pela autora, 2020.

O número de estudos sobre a língua inglesa pode ser explicado


pela obrigatoriedade nos currículos das escolas na educação básica
e, consequentemente, ter o número maior de docentes ensinando
essa língua, além do prestígio que goza no mundo todo como língua
franca, língua da ciência e da comunicação. Apesar de recentemente
a língua espanhola ter sido retirada dos currículos das escolas de en-
sino fundamental e médio, algumas escolas públicas ainda mantêm
o ensino dessa língua no nível médio e as universidades continuam

82
formando professores para atuarem nas escolas que oferecem o en-
sino dessa língua, incluindo as escolas de idiomas.

O segundo aspecto diz respeito aos eixos temáticos. Para a


classificação desse aspecto, utilizei os aspectos temáticos que seriam
discutidos no I CONELA. Assim, a totalidade de trabalhos analisados
considerando seu foco e objetivos, apresentaram os seguintes
resultados no que concerne os eixos temáticos:

Tabela 3 – Eixos temáticos de estudos com línguas adicionais.

Eixos Temáticos Ocorrências


Ensino e aprendizagem de línguas 227
Formação de educadores 89
Análise de materiais didáticos 48
Tecnologia e ensino 43
Estudos dos Letramentos 38
Estudos críticos da linguagem 30
Tradução 12
Cognição e Interação 10
Políticas linguísticas 02
TOTAL 501
Fonte: elaborado pela autora, 2020.

A Tabela 3 mostra-nos que as pesquisas em LA sobre línguas


adicionais no Nordeste abrangem uma variedade de eixos temáticos
SUMÁRIO
refletindo a evolução da área enquanto campo de investigação
profícuo e multidisciplinar. Dando continuidade à tradição histórica da
LA no Brasil, que teve seu início na década de 1970, os dados revelam
que a preferência ainda reside no ensino/aprendizagem de línguas
estrangeiras (227 trabalhos), em uma perspectiva que tenta “se livrar
da hegemonia da Linguística” (MOITA LOPES, 2009, p. 15) para buscar
uma identidade e se tornar uma área autônoma de investigação que dê
conta da complexidade da sala de aula.

Assim, dentre a variedade de modos de produzir conhecimento


nas ciências sociais e humanas, o interesse pelas pesquisas sobre o

83
ensinar, o aprender e os materiais didáticos nos contextos de sala de
aula ainda prevalecem em meio aos questionamentos com o advento
da globalização, das tecnologias da informação e comunicação e
das mudanças de posicionamentos com a virada pós-estruturalista.
Como afirma Moita Lopes (2013, p. 16), tais mudanças de posicio-
namentos, tanto do ponto de vista teórico como metodológico, levou
pesquisadores a examinarem a linguagem como prática social em
diversas perspectivas, tais como a discursiva, a semiótica, a pós-co-
lonial, a feminista, a queer, a antirracista, a virtual, dentre outras.

As pesquisas com foco em ensino-aprendizagem de línguas


adicionais (227 trabalhos) e materiais didáticos (48 trabalhos) predo-
minam, mostrando que a sala de aula continua a ser um espaço a ser
explorado pelos professores-pesquisadores que tentam compreen-
der o fenômeno da aquisição da linguagem para contribuir com as
pesquisas existentes, buscando testar novos métodos e materiais de
ensino, novas teorias de aprendizagem e de linguagem. Nesta seara,
as pesquisas sobre formação de professores de línguas adicionais
têm crescido de interesse pelos pesquisadores (89 trabalhos), que in-
vestigam como se realiza a formação inicial e continuada dos docen-
tes nas instituições de ensino superior ou nos contextos de trabalho.

A Tabela 3 ainda revela que as pesquisas sobre tecnologia e


SUMÁRIO ensino (43 trabalhos) e sobre os letramentos (38 trabalhos), justifica-
das pelo advento das tecnologias da informação e comunicação e o
uso amplo das redes sociais na vida das pessoas, têm por objetivo
investigar como efetivamente os recursos tecnológicos auxiliam no
ensino e na aprendizagem dos alunos na sala de aula e, igualmente,
como a pedagogia dos multiletramentos contribui para o desenvolvi-
mento de habilidades e competências dos aprendizes para exercer
a cidadania de forma adequada na sociedade contemporânea. As
pesquisas em estudos críticos da linguagem (30) examinam a lingua-
gem como prática social para além da sala de aula e se interessam

84
pela linguagem como forma de falar ao mundo sobre questões que
respondem às práticas sociais em uma visão de LA Indisciplinar.

Relacionado aos eixos temáticos, o terceiro aspecto exami-


nado foi o aporte teórico adotado nas pesquisas. Considerando a
natureza interdisciplinar e transdisciplinar da LA, percebeu-se uma
grande variedade de teorias que dialogam e estão presentes nas
pesquisas para fundamentar as análises. Dependendo da linha de
pesquisa ou eixo temático em que a pesquisa se insere, as teorias
mais recorrentes nos estudos desenvolvidos no Nordeste são: a
Teoria da Variação Linguística (LABOV, 1972, 1994; TARALLO, 1986)
em uma perspectiva da sociolinguística variacionista, cujos estudos
investigam os fatores linguísticos e sociais que condicionam os pro-
cessos de variação e mudança da língua e da fala de uma comunida-
de culturalmente diversificada; Análise Contrastiva/Análise de Erros
(SELINKER, 1972), muito recorrente na década de 1970, mas que
ainda prevalece para estudos sobre interlíngua em que processos
de transferências e fossilização de algum aspecto linguístico entre
duas línguas, a materna e a adicional, são analisados ou que ten-
tam explicar erros cometidos por aprendizes de língua materna ao
aprenderem uma língua adicional; e a teoria do Bilinguismo (GROS-
JEAN, 1982; MEGALE, 2005; THIERY, 1978), que tem como foco a
aquisição/aprendizagem de mais de uma língua adicional e, ainda,
SUMÁRIO
os estudos de jovens surdos ao aprenderem a língua de sinais como
primeira língua e a língua portuguesa como língua adicional.

Os estudos da Tradução baseados em autores como Nida


(1964), Jakobson (1985), Toury (1995) Magalhães (2001) e Arrojo
(1998), iluminaram as pesquisas que analisam a tradução interlin-
gual, a equivalência formal de textos traduzidos de uma língua adicio-
nal e sua equivalência na língua materna e a tradução intersemiótica,
estudos que focam nos sistemas de signos diferentes, ou seja, na
interpretação de signos verbais por meio de signos não verbais. En-
contrei estudos da tradução que também investigam os processos

85
envolvidos no ato tradutório, como também aqueles que utilizam a
tradução como instrumento pedagógico para ensino de uma língua
adicional. A teoria da Métafora Conceitual, na perspectiva de Lakoff
e Johnson (1980, 1999), nos estudos pesquisados, examina a rela-
ção entre significados literais e metafóricos em textos e discursos,
gerados a partir da experiência do homem com seu corpo, com o
ambiente físico e com a cultura em que vive. Os estudos que utilizam
a teoria de Gêneros Textuais adotaram diferentes perspectivas ba-
seadas em autores como Marcuschi (2005, 2008), Bazerman (2005),
Swales (1990, 2004) e Bronckart (2006), e tiveram como foco a análi-
se de um determinado gênero, e os estudos que focam no ensino da
leitura e da produção de textos que materializam um gênero textual.

No que concerne aos estudos sobre a formação de professo-


res, destacam-se a adoção da Pedagogia Crítica (FREIRE, 1966, 1967;
GIROUX, 1997) e da Prática docente crítico-reflexiva (SCHÖN, 2000;
PERRENOUD, 2002; CONTRERAS, 2002; ZEICHNER, 1993), cujos
estudos investigam a formação de professores crítico-reflexivos de
línguas adicionais que buscam por transformações em suas próprias
práticas. Com relação ao ensino-aprendizagem de línguas, a Pedago-
gia dos Multiletramentos (NEW LONDON GROUP, 2000 e ROJO, 2013)
destaca-se pela aplicação da teoria para orientar um ensino que de-
senvolva as habilidades e competências dos alunos e que examine
SUMÁRIO
a aplicabilidade de um modelo de ensino-aprendizagem com base
na prática situada. Além dessas teorias, a Teoria da Interculturalidade
(WALSH, 2009) foi adotada em estudos que buscam desmistificar o
saber eurocêntrico, o racismo epistêmico e as questões culturais de
diversidade por meio de um ensino crítico e emancipador.

Adotando uma visão mais crítica da Linguística Aplicada na


modernidade recente, os pesquisadores no Nordeste têm também
utilizado a Análise do Discurso Crítica baseada, principalmente, em
Fairclough (1989, 1995) e van Dijk (2008, 2009) e a teoria da Cons-
trução de Identidades (HALL, 1992, 1997), em estudos que exami-

86
nam a linguagem para investigar os problemas sociais e como os
problemas afetam valores, pontos de vistas, comportamentos, even-
tos e práticas ou, ainda, examinam textos para identificar ideologias,
relações de poder e identidades nas práticas sociais. Além dessas
teorias, no mundo semiotizado em que vivemos, no qual as práticas
sociais são construídas por textos visuais, teorias como a Semiótica
Social (KRESS, 2010; KRESS; LEEUWEN, 2006), a Linguística Sistê-
mico-Funcional (HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004, 2014) e a Teoria da
Avaliatividade (MARTIN; WHITE, 2005) têm sido úteis e adequadas
para desenvolverem estudos que examinam os sentidos dos textos
constituídos pela integração de diferentes modos semióticos, estu-
dos sobre as ideologias e identidades veiculadas nos textos multi-
modais, além da avaliação de interações em aspectos como atitude,
engajamento e gradação, que correspondem à emoção, à ética e à
estética. Vale registrar que as pesquisas se utilizam de mais de uma
teoria, que dialogam para buscar explicações na análise dos dados.

Finalmente, o último aspecto na caracterização das pesqui-


sas em LA desenvolvidas no Nordeste diz respeito às escolhas
metodológicas. Os resultados obtidos e apresentados na Tabela 3
revelaram uma variedade de modos utilizados para desenvolver as
pesquisas na área, no período investigado:

Tabela 4 – Métodos de pesquisa adotados em LA no Nordeste.


SUMÁRIO
Métodos usados Natureza Ocorrências
Analítico-descritiva Qualitativa 215
Etnográfico Qualitativa 89
Pesquisa-ação Qualitativa 62
Pesquisa de intervenção Qualitativa 28
Pesquisa narrativa Qualitativa 25
Estudo de caso Qualitativa 23
Pesquisa experimental Qualitativo-quantitativa 22
Autoconfrontação simples/cruzada Qualitativa 10
Documental Qualitativa 05
Não identificado - 22
TOTAL 501
Fonte: elaborado pela autora, 2020.

87
A Tabela 4 mostra que, para a expansão da LA nos 50 anos de
sua existência no Brasil, os pesquisadores do Nordeste têm adotado
diferentes abordagens metodológicas para desenvolverem suas pes-
quisas predominando aquelas de natureza qualitativa interpretativis-
ta, tanto nos procedimentos quanto na análise dos dados. Devido à
diversidade de contextos e de questões da linguagem que precisam
ser estudadas no âmbito da LA, os modos de produzir conhecimento
nestes 50 anos pelos linguistas aplicados são variados e estes veem
a LA como um campo de investigação de diferentes problemas ou
questões relacionadas à linguagem com a aplicação de teorias e mé-
todos disponíveis, ou mesmo “para desenvolver novas teorias e me-
todologias para lidar com esses problemas” (AILA, 2021). Os dados
levantados e apresentados na Tabela 3 refletem esse pensamento,
uma vez que as pesquisas realizadas nos Programas de Pós-Gradua-
ção são caracterizadas pelos pesquisadores como analítico-descriti-
va (215) etnográfica (89), pesquisa-ação (62), pesquisa de interven-
ção (28), narrativa (25), experimental (22) e autoconfrontação (10).
Essa última metodologia, que tem seus pressupostos na Ergonomia
da Atividade e na teoria Dialógica de Bahktin, apesar de ser menos
familiar para os pesquisadores brasileiros, tem sido aplicada, prin-
cipalmente, nos estudos que investigam formação de professores.

Com exceção da pesquisa experimental, na qual a produção


SUMÁRIO
do conhecimento tradicionalmente se caracteriza pela natureza posi-
tivista e põe ênfase no apagamento do sujeito social, no quantificável,
no experimento, no generalizável, as pesquisas realizadas na LA da
contemporaneidade no Nordeste sobre o fenômeno da linguagem se
caracterizam pela natureza qualitativa e põem ênfase na intersubjeti-
vidade, porém não apagam os valores e visões do pesquisador que
analisa seu objeto de estudo. Dessa forma, ao realizar diferentes pes-
quisas de natureza qualitativa, os procedimentos de coleta e geração
de dados se diferenciam por meio dos instrumentos de coleta usa-
dos: observação realizada por meio de tomada de notas, gravação

88
de áudio e vídeos de uma sala de aula, aplicação de questionários e
entrevistas, autorrelatos (impressos ou gravados), textos orais e es-
critos produzidos pelos participantes da pesquisa, dentre outros, que
se complementam e se validam por meio da triangulação dos resul-
tados. Os registros mostram que, na impossibilidade de coleta pre-
sencial, alguns dos instrumentos podem ser coletados digitalmente.

Como afirma Moita Lopes (2013, p.17), as pesquisas atuais


desenvolvidas em LA revelam “preocupações com o idiossincrático,
o particular e o situado” e não procuram por grandes generaliza-
ções. O que interessa à LA, segundo o autor, é “a situacionalidade
e particularidade do conhecimento produzido e as condições situa-
das de natureza ética, política e aquelas relativas ao poder” (LOPES,
2013, p.17). Se, no início da LA no Brasil, não se tinha a clareza de
uma metodologia própria para a área e a única opção dos pesqui-
sadores era o método experimental, por ser considerado o método
científico com rigor, na atualidade, os pesquisadores do Brasil e,
especificamente do Nordeste, perceberam que há vários métodos
para se produzir o conhecimento na área de LA e que para se fazer
ciência não é preciso apagar o agente social de sua própria pesqui-
sa. Além disso, com o avanço das tecnologias digitais e da Internet
banda larga, a produção de conhecimento na LA também avança e
se renova com o surgimento de novos métodos para análise em su-
SUMÁRIO
porte digital como, por exemplo, a netnografia ou a etnografia virtual.

CONCLUSÃO

Com os dados levantados nos Programas de Pós-Graduação


no Nordeste, embora seja apenas um recorte de um universo maior,
percebe-se que a LA nessa região está em expansão pela quanti-
dade de programas existentes, pela quantidade de linhas de pes-

89
quisa investigando temas e questões variadas nesses programas
e pela variedade de pesquisas produzidas nas diferentes vertentes
de uma LA interdisciplinar e transdisciplinar. Essas pesquisas se
voltam para as questões surgidas na e sobre a sala de aula de
línguas adicionais, como também para os estudos das questões
contemporâneas da vida real por meio da linguagem.

Os dados também confirmam que a LA não se desenvolve ape-


nas nos programas de LA ou nos de Letras, nos de Estudos da Lin-
guagem ou nos de Linguagem e Ensino, mas também nos programas
de Linguística e, nesse aspecto, já não se percebem fronteiras entre
a Linguística Teórica e a LA. Já é uma realidade visível nos Progra-
mas de Pós-Graduação em Linguística (UFC) e Estudos de Linguagem
(UFRN), haver uma linha de pesquisa interessada em estudar a língua
(materna ou adicional) em uma tentativa de aproximar os estudos da
língua como um construto teórico e língua como prática, em seu uso
em contextos reais e/ou com o seu ensino. Com relação a este as-
pecto, Menezes, Silva e Gomes (2009) já chamavam a atenção para a
expansão da LA e para a proximidade das duas áreas. Na percepção
desses autores, ser linguista ou linguista aplicado é mais uma questão
de afiliação do que de distinção epistemológica ou metodológica.

As pesquisas sobre línguas adicionais analisadas nos Progra-


SUMÁRIO mas de Pós-Graduação em LA no Nordeste revelam que os temas, as
teorias e os métodos de pesquisa estão alinhados com as pesquisas
realizadas nas outras regiões do Brasil. Revelaram também que a LA
contemporânea realizada nesta região do país está em plena expan-
são e busca falar sobre o mundo para os sujeitos que o habitam, ou
seja, a pesquisa em LA “não pode estar dissociada da prática, igno-
rando as vozes dos que a vivem” (MOITA LOPES, 2006), incluindo os
saberes dos indivíduos que vivem à margem da sociedade.

O presente e o futuro para a LA desenvolvida no Nordeste,


em relação às pesquisas sobre línguas adicionais, apontam para um

90
chamamento dos linguistas aplicados a repensarem essa área de
conhecimento como um espaço humanizador no sentido não só de
responder às questões críticas sobre a diferença e a diversidade, por
exemplo, que se apresentam nos contextos atuais e vindouros, tanto
na sala de aula como fora dela, mas, também, de perceber e discutir
sobre essas questões de modo a contribuir com novas formas de
entendimento de nossa realidade e, desse modo, produzir conheci-
mento em uma LA Indisciplinar.

REFERÊNCIAS
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REFERÊNCIAS DOS PROGRAMAS


DE PÓS-GRADUAÇÃO PESQUISADOS:
SUMÁRIO
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Disponível em: http://www.uece.br/posla.
POSLE – Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino. UFCG.
Disponível em: https://www.ch.ufcg.edu.br/posle.htm.
PPGEL – Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem. UFRN.
Disponível em: http://www.posgraduacao.ufrn.br/ppgel.
PPGL – Programa de Pós-graduação em Letras. UERN. Disponível em: http://
propeg.uern.br/ppgl/.

94
PPGL. Programa de Pós-graduação em Letras. UFMA. Disponível em: http://
www.pgletras.ufma.br/.
PPGL. Programa de Pós-graduação em Letras. UFPE. Disponível em: https://
www.ufpe.br/ppgl/.
PPGL. Programa de Pós-graduação em Letras. UFS. Disponível em: http://
www.posgraduacao.ufs.br/ppgl.
PPGL. Programa de Pós-graduação em Linguística. UFC. Disponível em:
https://ppgl.ufc.br/.
PPGLINC – Programa de Pós-graduação em Língua e Cultura. UFBA.
Disponível em: http://www.ppglinc.letras.ufba.br/.
PPGLL – Programa de Pós-graduação em Linguística e Literatura. UFAL.
Disponível em: https://fale.ufal.br/pos-graduacao/linguistica-e-literatura.
PROLING – Programa de Pós-Graduação em Linguística. UFPb. Disponível
em: https://sigaa.ufpb.br/sigaa/public/programa/portal.jsf?lc=pt_
BR&id=1901.

SUMÁRIO

95
5
Capítulo 5

A linguística aplicada no
estado do Ceará

Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin

Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin

A LINGUÍSTICA
APLICADA
NO ESTADO
DO CEARÁ

DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.96-115
INTRODUÇÃO

Este capítulo representa a minha fala, de maneira mais amplia-


da, na mesa redonda apresentada no I Congresso Nordestino de Lin-
guística Aplicada (I CONELA), intitulada “Ensino e aprendizagem na
perspectiva da Linguística Aplicada”. A mesa redonda foi composta
por professoras-pesquisadoras de universidades federais de quatro
estados do Nordeste, a saber: Ceará (UFC), Maranhão (UFMA), Rio
Grande do Norte (UFRN) e Paraíba (UFCG) e mediada por uma profes-
sora-pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Nosso maior objetivo era apresentar o cenário da Linguística


Aplicada nesses estados e nosso foco foram as pesquisas sobre en-
sino e aprendizagem de línguas, ensino aqui incluindo a sala de aula
de formação de professores de línguas para atuar na Educação Bá-
sica. Nesse sentido, preciso ressaltar a participação da mediadora,
pois, na construção discursiva de sua mediação, ela inseriu, com
maestria, informações sobre a LA no seu Programa de Pós-Gradua-
ção, ampliando assim o cenário apresentado pelas comunicações
feitas na mesa redonda. Dentro deste formato, pudemos apresentar
os Programas de Pós-Graduação, os grupos de pesquisa e os proje-
tos desenvolvidos nas universidades citadas.
SUMÁRIO
A minha fala ressaltou a Universidade Federal do Ceará, em es-
pecial, o Programa de Pós-gradução em Linguística e o Programa de
Pós-Graduação Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras/UFC),
devido ao tempo que tinha disponível. Todavia, neste artigo, amplio
as minhas reflexões para responder à pergunta: Qual é o espaço da
Linguística Aplicada no Ceará? Para dar conta desse questionamen-
to, precisei também considerar a Universidade Estadual do Ceará e
inserir o Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (Pos-
LA), que hoje acolhe a Associação Brasileira de Linguística Aplicada

97
(ALAB), e o Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras/UECE). É
preciso dizer que os programas acadêmicos de ambas as institui-
ções são muito bem conceituados pela Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

A articulação do Programa de Pós-Graduação em Linguística


(PPGLIN) com a LA é feita por intermédio da linha de pesquisa denomi-
nada Linguística Aplicada. Na Universidade Estadual do Ceará (UECE),
a Linguística Aplicada dá nome ao seu programa de pós-graduação
(PosLA). Nele, há quatro linhas de pesquisa. Em cada instituição, há
uma sede do Mestrado Profissional em Letras - ProfLetras. Tratarei de
cada um dos programas citados, porém darei uma especial atenção aos
dois Programas de Pós-Graduação situados no contexto da UFC, pois
é esta instituição que acolhe os dois projetos de pesquisa, de alcance
regional, sobre o ensino e aprendizagem da língua portuguesa em situa-
ção de estágio no Curso de Letras e no de Pedagogia.

Neste trabalho, faço um panorama global da LA no Ceará, a


partir dos registros dos Programas de Pós-Graduação das univer-
sidades citadas. Sobre cada um deles, apresento as linhas de pes-
quisa, os grupos de pesquisas e as pesquisas desenvolvidas e em
desenvolvimento. Em um movimento descendente, concentro-me
em duas pesquisas em desenvolvimento na Linha de Pesquisa do
SUMÁRIO Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada, para apresen-
tar duas pesquisas, porque elas reúnem uma equipe de linguistas
aplicados nordestinos com o objetivo maior de mapear e estudar o
contexto do ensino e aprendizagem da língua portuguesa no cenário
do estágio do Curso de Letras e de Pedagogia.

Procuro responder aos questionamentos: qual é o espaço da


LA no Ceará? Dentro do espaço da LA, que contribuições trazemos
para a discussão do cenário nacional sobre o ensino, a aprendizagem
e a formação de professores?

98
UM PANORAMA DA LA NO CEARÁ

No Estado do Ceará, no contexto da capital cearense, a Linguís-


tica Aplicada está presente nas universidades públicas, no âmbito de
pós-graduação, na UECE e na UFC. Conforme proposto, inicialmente
tratarei do contexto da universidade estadual e, em seguida, do con-
texto da universidade federal.

A LA NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO
CEARÁ: UMA REFLEXÃO INTRODUTÓRIA

Em 1998, foi criado o Curso de Mestrado Acadêmico do Progra-


ma de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, cuja área de concen-
tração era em Língua Inglesa e em Língua Francesa. Este Programa de
Pós-Graduação possuía seis linhas de pesquisa: Descrição linguística,
Estudos comparativos, Linguística Aplicada ao ensino de língua estran-
geira, Análise do discurso, Análise do texto literário e Tradução.

Em 2011, com o objetivo de implantar o Curso de Doutorado, a


instituição iniciou a construção de uma nova proposta para o PosLA.
As mudanças apresentadas pelo seu corpo docente culminaram na
SUMÁRIO
reformulação da proposta a partir da vocação efetiva do Programa. A
área de concentração passou a ser “Linguagem e Interação”, com três
Linhas de pesquisa, conforme podemos observar em seguida25:

1 Linguagem, Tecnologia e Ensino

O objetivo da linha de pesquisa Linguagem, Tecnologia e Ensino


é estimular projetos e congregar estudos sobre multiletramentos e
ensino de línguas.

25
Dados retirados do site do PosLA http://www.uece.br/posla/pesquisa/linha-de-pesquisa/

99
2 Multilinguagem, Cognição e Interação

O objetivo da linha de pesquisa Multilinguagem, Cognição e In-


teração é investigar as relações entre linguagem e cognição sob três
perspectivas: a linguagem como fenômeno intersubjetivo; a lingua-
gem como conhecimento gerado na interação; e a linguagem como
sistema (re)criado na interação.

3 Estudos Críticos da Linguagem

O objetivo da linha de pesquisa Estudos Críticos da Linguagem


é gerar conhecimento sobre as operações ideológicas do discurso e
as relações de poder nelas implicadas.

O primeiro coordenador do PosLA foi o professor Antônio Lu-


ciano Pontes e atualmente é o professor Lucineudo Machado Irineu
quem o coordena. O corpo docente é composto por vinte e um pro-
fessores, incluindo o seu coordenador.

Dentro do PosLA, há nove grupos de pesquisas, conforme


podemos observar na lista seguinte:

• Análise de Discurso Crítica: representações, ideologias e


letramentos;

• Discurso, Identidade e Letramento acadêmico;


SUMÁRIO
• Lexicologia, Terminologia e Ensino;

• Linguística, Ensino e Tecnologia;

• Literatura: Estudo, Ensino, (Re) leitura do mundo;

• Mídia e tensões sociais no contemporâneo;

• Pragmática cultural, Linguagem e Interdisciplinaridade;

• Prática de Edição de Textos do Estado do Ceará; e

• Tradução e Semiótica.

100
Há atualmente registrados e divulgados em seus meios de co-
municação vinte e quatro projetos em andamento em suas três Linhas
de pesquisa.

De 2012 a 2020, o PosLA apresenta regularidade na procura pelo


Curso de Mestrado e pelo de Doutorado, mostrando um visível interes-
se crescente por suas Linhas de pesquisa. Nesse período, totalizam-se
duzentos e dezesseis mestrandos e cento e vinte e sete doutorandos.

O Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da


UECE também conta com a Revista Linguagem em Foco, um instru-
mento que permite assegurar a comunicação entre pesquisadores
brasileiros e estrangeiros e divulgar resultados das pesquisas desen-
volvidas e em desenvolvimento em Linguística Aplicada.

A LA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ:


UMA REFLEXÃO INTRODUTÓRIA26

O Programa de Pós-Graduação em Linguística funciona desde


1993 para conferir os graus de Mestrado e Doutorado em linguística,
única área de concentração. Sua primeira coordenadora foi a professo-
ra Maria Elias Soares e, atualmente, ele é coordenado pela professora
SUMÁRIO
Rosemeira Selma Monteiro-Plantin. Seu principal objetivo é “oferecer
uma formação de excelência, com sólido embasamento linguístico”
(PPGL/UFC, 2021). O seu corpo docente é composto de trinta e cinco
pesquisadores, sendo trinta permanentes, quatro colaboradores e um
visitante. Esse total de pesquisadores é alterado a depender do volume
dos pesquisadores que desenvolvem as suas pesquisas de pós-dou-
torado, movimentando assim as atividades das Linhas de pesquisa.

O PPGLIN-UFC possui quatro Linhas de pesquisas (Aquisição,


Desenvolvimento e Processamento da Linguagem; Descrição e Aná-
26
Informações disponível em https://ppgl.ufc.br

101
lise Linguística; Práticas Discursivas e Estratégias de Textualização; e
Linguística Aplicada). As minhas reflexões neste artigo terão como fio
condutor o espaço da LA neste Programa de Pós-Graduação.

A LA passou a existir como Linha de Pesquisa em 2006 e hoje


agrupa treze pesquisadores com investigações que devem apresentar
[...] resultados da pesquisa desenvolvida pelas diferentes dis-
ciplinas linguísticas à resolução de problemas relacionados à
produção, percepção, aquisição ou processamento computa-
cional da linguagem natural, ao ensino/aprendizagem de lín-
guas e à elaboração de dicionários, glossários e gramáticas
pedagógicas. (ver o site do PPGLIN-UFC, já mencionado).

Para dois pontos, nessa fala, chamo atenção: o fato de a LA


estar relacionada a resultados de pesquisas das demais linhas de
pesquisa, a depender dos objetivos da investigação, em desenvol-
vimento; e o fato de ela estar vinculada à resolução de problemas
oriundos de práticas de linguagem e ser de cunho interventivo.

Dentro das Linhas de pesquisa, podemos encontrar os projetos


em desenvolvimento e as demais ações de cada grupo de pesquisa
que, de certa forma, contribuem para delinear o perfil da LA dentro do
PPGLIN-UFC. Atualmente, nós temos os seguintes grupos de pesquisa27:

SUMÁRIO
GRUPO DE ESTUDO GÊNEROS
TEXTUAIS: PERSPECTIVAS TEÓRICAS
E METODOLÓGICAS (GETEME)

O GETEME, liderado pela Dra. Margarete Fernandes, teve ori-


gem em 2007. Congrega pesquisadores de diferentes instituições de
ensino, acolhe estudantes de graduação, de pós-graduação, professo-
27
Os dados foram coletados no site do PPGLING/UFC em 07 de fevereiro e está disponível
em https://ppgl.ufc.br/pt/grupos-de-pesquisa/

102
res do ensino básico e professores pesquisadores do ensino superior,
com atividades ligadas às linhas de pesquisa Práticas Discursivas e Lin-
guística Aplicada. Dentro de sua agenda, o grupo destaca a publicação
de livros com resultados de suas pesquisas. Ele está aberto à participa-
ção de alunos, professores e pesquisadores interessados em discutir
questões relacionadas aos gêneros e seus aspectos constitutivos.

DISCURSOS E DIGITALIDADES (DIGITAL)

DIGITAL é coordenado pelo Dr. Júlio Araújo. Desde sua origem,


em 2006, congrega pesquisadores e estudantes de várias universida-
des e institutos brasileiros. O grupo tem interesse nas relações entre
linguagem e tecnologia. Entre os interesses, estuda Letramentos digi-
tais críticos, discurso de ódio, Fake News e outras desvirtualidades. Tem
atenção especial aos seguintes temas: gêneros discursivos digitais,
convergência de mídias, EaD, novos letramentos, representações de si
em redes sociais, multimodalidade em ambientes digitais e hipertextos.

POLÍTICAS LINGUÍSTICAS
SUMÁRIO PARA INTERNACIONALIZAÇÃO
DA LÍNGUA PORTUGUESA (PLIP)

O PLIP é liderado pela Dra. Rosimeire Monteiro-Plantin. Foi


criado em 2009, com o objetivo de investigar políticas linguísticas em
diferentes países e auxiliar no processo de internacionalização da
Língua Portuguesa. O grupo avançou na análise de material didático
de Português como língua não-materna; e na elaboração de um
glossário com os termos chave no ensino de línguas estrangeiras e
no levantamento de Políticas Linguísticas Lusófonas e não Lusófonas.

103
GRUPO DE ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES,
LINGUAGEM E TRABALHO (GERLIT)

GERLIT é liderado pela Dra. Pollyanne Ribeiro. Realiza a inter-


seção entre a Teoria Dialógica do Discurso e as práticas de ensino
e aprendizagem de línguas. Considera as possibilidades e limitações
presentes na formação inicial e continuada dos professores de lín-
gua/linguagem. Fundamenta-se na abordagem da análise dialógica do
discurso, comungada, por vezes, com a Teoria das Representações
Sociais e com a Clínica da Atividade nas questões em que a linguagem
assume papel central para a compreensão do trabalho dos professo-
res. Investiga a constituição identitária do professor, multiletramento,
formação inicial e continuada, material didático e ensino de gêneros.

GRUPO DE ESTUDOS DE DISCURSO,


IDENTIDADE E PRÁTICA SOCIAL (GEDIP)

O GEDIP é liderado pela Dra. Izabel Magalhães. Agrupa pesqui-


sadores com interesse em desenvolver estudos críticos das relações
SUMÁRIO transdisciplinares entre linguagem e sociedade.

GRUPO DE ESTUDO SOBRE LINGUAGEM


E PENSAMENTO – COGNIÇÃO
E LINGUÍSTICA (GELP-COLIN)

O GELP-COLIN é liderado pela Dra. Ana Cristina Pelosi. De-


senvolve pesquisas sobre cognição e linguagem, como fenômenos
interdependentes. Investiga questões pertinentes à ciência cognitiva;

104
pontualmente, a emergência de conceitos e os processos cognitivos
situados que nos permitem, através da linguagem, atuar significati-
vamente no mundo. As pesquisas pautam-se por propostas de estu-
diosos tais como George Lakoff, Raymond Gibbs, Zóltan Kövecses,
Lynne Cameron, entre outros, cuja ênfase é a visão corporificada de
cognição. Vinculado ao grupo há um projeto maior, intitulado: Projeto
interdisciplinar sobre representações sociocognitivas na conceitualiza-
ção de violência em centros urbanos brasileiros.

GRAMÁTICA, AQUISIÇÃO E COGNIÇÃO (GRÃO)

O Grupo de Pesquisa GRÃO é liderado pela Dra. Ana Célia


Clementino Moura. Os estudos nele desenvolvidos centram-se: a) em
aspectos gramaticais, quer teóricos, quer pedagógicos da língua por-
tuguesa, em especial, e de quaisquer outras línguas; b) nas especifici-
dades acerca da aquisição da língua materna e de quaisquer outras;
e c) em aspectos cognitivos os quais envolvem o processamento, a
aprendizagem e o desenvolvimento linguístico do indivíduo.

SUMÁRIO TRADIÇÕES DISCURSIVAS


DO CEARÁ (TRADICE)

O TRADICE foi fundado em 2004. Desde 2010, é liderado pela


Dra. Áurea Zavam. O objetivo geral é investigar como os textos se cons-
tituem nos diferentes gêneros textuais, desde o século XVIII até o pre-
sente, de modo a analisar aspectos sócio-históricos e linguístico-discur-
sivos, bem como estender os resultados de seus estudos ao âmbito do
ensino de língua portuguesa. O grupo integra o Projeto para a História do
Português Brasileiro (PHPB), projeto de alcance nacional, que objetiva a
constituição de corpora diacrônicos do português brasileiro.

105
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM
LINGUÍSTICA APLICADA (GEPLA)

É liderado pela Dra. Eulália Leurquin, desde a sua origem em


2006. Agrega pesquisas desenvolvidas na graduação (no Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica- PIBIC) e na pós-gra-
duação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) sobre o ensino e
aprendizagem e a formação de professores. Tem especial atenção
aos temas: interação didática, objetos de ensino e aprendizagem e
letramento professoral. Alinha-se aos pressupostos da Análise tex-
tual do discurso e do Interacionismo Sociodiscursivo para analisar os
gêneros textuais. Utiliza a Clínica da Atividade e os conceitos desen-
volvidos por Cicurel para entender o agir professoral, a interação di-
dática, o repertorio didático e as condições de trabalho do professor.

Dentro deste grupo de pesquisa, é desenvolvido um conjunto de


ações extensionistas, conforme podemos observar:

• Fórum de Linguística Aplicada: Ensino e Aprendizagem de


Línguas – FLAEL;

• Curso Português Língua Estrangeira: língua e cultura brasileiras;


SUMÁRIO • Jornada do GEPLA;

• Tradução de textos teóricos; e

• Oficina de produção de material didático de Português Língua


Estrangeira.

O FLAEL é um projeto bienal de extensão e tem cunho inter-


nacional. Sua origem data de novembro de 2006. Em 2019, o fó-
rum aconteceu na Universidade Nova de Lisboa, em parceria com
o Grupo de Estudos Gramática e Texto, sob a responsabilidade das
pesquisadoras Antónia Coutinho, Matilde Gonçalves e Áudria Leal,

106
coordenado pela primeira. Em 2021, o VII será realizado na Argentina,
sob a coordenação dos dois países, sob a responsabilidade de Dora
Riestra e Eulália Leurquin. O objetivo do FLAEL é reunir pesquisado-
res para discutirem sobre o ensino e aprendizagem e formação de
professores, na perspectiva da LA.

O Curso Português Língua Estrangeira: língua e cultura brasilei-


ras, acontece desde 2010, com o objetivo de ampliar as capacidades
de linguagem dos estudantes estrangeiros que chegam à UFC para
estudar na graduação ou na pós-graduação e/ou realizarem o Cel-
pBras. Ofertamos os níveis I e o II para alunos da graduação e um Cur-
so de Leitura e produção de textos acadêmicos, especialmente para
os alunos estrangeiros que cursam mestrado e doutorado na UFC ou
em outra instituição pública, devidamente documentados.

A Jornada do Gepla funciona há seis anos, bienalmente. O seu


objetivo é proporcionar um espaço para que os membros do GEPLA
possam apresentar as suas pesquisas em andamento. Para isso, são
convidados pesquisadores brasileiros e estrangeiros para discutirem
temas do interesse do grupo. Neste ano de pandemia, a III Jornada
aconteceu completamente virtual, durante quatro meses.

O projeto de extensão Tradução de textos teóricos tem o objeti-


SUMÁRIO vo de proporcionar acesso ao estudante de textos teóricos importan-
tes para as discussões realizadas no grupo. O texto é selecionado a
depender de sua importância. Desde o início do projeto, foram tradu-
zidos cinco livros.

O último projeto - Oficina de produção de material didático de


Português Língua Estrangeira - dá continuidade ao curso de língua
portuguesa para estrangeiros que ofertamos. Surgiu da compreensão
de que nenhum livro didático daria conta dos nossos objetivos para o
curso de língua portuguesa e isso poderia dificultar a aprendizagem.

107
O MESTRADO PROFISSIONAL
EM LETRAS COMO ESPAÇO
DE INTERAÇÃO ENTRE A UFC E A UECE

Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras), aqui é posto


como um ponto de união entre as duas instituições e como o
maior projeto dentro da LA que trata de formação continuada de
professores da Educação Básica.

O ProfLetras teve origem em 2013 e sua primeira coordenado-


ra foi a Dra. Maria das Graças Soares. A sua sede nacional funciona
na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, atualmente, sob a
coordenação da professora Dra. Penha Casado. O ProfLetras possui
quarenta e nove sedes e está presente em todas as regiões brasileiras.

No Ceará, há uma sede na Universidade Federal do Ceará e


uma na Universidade Estadual do Ceará. A constituição deste mes-
trado é a mesma, embora cada instituição possua o seu regimento
interno. Atualmente, a sede da UFC é coordenada pela professora
Dra. Áurea Zavam e a sede da UECE, pelo professor Dr. Valdinar
Custódio. A constituição deste mestrado é a mesma, embora cada
instituição possua o seu regimento.
SUMÁRIO

ESTUDOS DA LINGUAGEM
E PRÁTICAS SOCIAIS:

Estudos da língua, do texto, do discurso, dos letramentos e suas


implicações para a formação na Educação Básica. Usos da linguagem
em contextos distintos de interação social. Abordagens teóricas sobre
a linguagem na prática pedagógica. Investigações sobre o campo
aplicado do ensino de língua materna.

108
ESTUDOS LITERÁRIOS

Discussões epistemológicas em torno do ensino da literatura,


voltadas à formação do professor do Ensino Básico. Formação do lei-
tor literário. Abordagem, na escola, da variedade da produção literária,
incluindo desde os textos clássicos nacionais e mundiais, às expres-
sões de matriz africana e indígena brasileira. Mediação do professor
para a experiência estética do ler e do escrever o texto literário.

No catálogo das disciplinas ofertadas pelo ProfLetras, há qua-


tro disciplinas obrigatórias (Fonologia, Variação e Ensino, Gramática,
Texto e Ensino, Literatura e Ensino) e quatorze disciplinas optativas
(Alfabetização e Letramento, Elaboração de projetos, Leitura e Escrita
- processo de ensino/aprendizagem, Ensino da escrita, Didatização e
Avaliação, Gêneros discursivos/textuais e Práticas sociais, Linguagem,
Práticas sociais e Ensino, Literatura infantil e juvenil, Leitura de texto
literário, Práticas de análise linguística e Ensino de aspectos fonológi-
cos, Práticas de análise linguística e Ensino de aspectos gramaticais,
Práticas de leitura e Ensino, Práticas de produção textual e Ensino,
Práticas de oralidade e Ensino, Tópicos em linguagem e Ensino).

Como podemos constatar, a organização curricular desenha o


SUMÁRIO perfil do ProfLetras, e, obviamente, da formação continuada. Todas as
pesquisas acontecem na sala de aula de língua materna; são realizadas
pelo próprio professor do Ensino Fundamental e têm cunho interventivo.
Conforme podemos observar, o Mestrado Profissional em Letras está
completamente alinhado às preocupações da LA. Foi com base nesse
conjunto de características do ProfLetras, que o trouxemos para dentro
das nossas discussões sobre o espaço da LA no Estado do Ceará.

No item seguinte, seleciono duas pesquisas e trato delas pelos


motivos já ditos neste artigo.

109
O PANORAMA DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO
DE LÍNGUA PORTUGUESA NO NORDESTE

Dentro da Linha de Pesquisa Linguística Aplicada, ressalto dois


projetos de pesquisas em desenvolvimento: Panorama do estágio de
língua portuguesa nos cursos de Pedagogia de capitais do Nordeste28
e Panorama do estágio de língua portuguesa em cursos de Letras da
região nordestina29). Ambos têm o objetivo maior de mapear a situa-
ção da formação inicial dos professores de língua portuguesa para
atuar na Educação Básica, tendo como referência o estágio docente.
Estão situadas no Departamento de Letras Vernáculas, da Universi-
dade Federal do Ceará, na Linha de pesquisa Linguística Aplicada do
Programa de Pós-Graduação em Linguística. O primeiro analisará os
documentos que orientam o estágio e se concentrará nas disciplinas
de estágio. O segundo também dará conta do agir do estagiário na
sala de aula. Os dois projetos realizam-se dentro do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Linguística Aplicada e acolhe pesquisadores de diver-
sas universidades (UFC, UFPE, UFS, UNILAB/BA, UNILAB/CE, UFPI,
UESPI, UECE, IFCE, IFMA, IFBA). Por esta razão, em função do pouco
espaço para descrever os dois, ressaltamos o segundo.

Para traçar o panorama da formação inicial dos professores de


SUMÁRIO
língua portuguesa, a pesquisa Panorama do estágio de língua portu-
guesa em cursos de Letras da região nordestina, reúne seis pesquisa-
dores nordestinos, membros do GEPLA, a fim de mapear o estágio de
regência do Curso de Letras das universidades federais nordestinas,
considerando o agir prescrito, o agir real e o agir representado do es-
tagiário. A nossa maior motivação decorre do fato de que queremos
construir, a partir dos dados coletados, o perfil da formação inicial dos
professores de língua portuguesa.
28
Projeto de autoria da professora Mônica de Souza Serafim.
29
Projeto de autoria da professora Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin.

110
Com esse propósito, estamos estudando os principais docu-
mentos relacionados ao Estágio, à composição das disciplinas, à re-
lação universidade x escola, como os estágios funcionam de fato na
sala de aula e o que dizem os estagiários sobre o seu agir em sala
de aula. Neste momento da pesquisa, estamos dando uma especial
atenção às aulas remotas, estudando suas possibilidades e seus li-
mites, as intenções e os impedimentos relacionados ao estagiário.
Compreendemos que o ensino e a aprendizagem e a formação de
professor não são os únicos temas a serem estudados pela LA, mas
entendemos que eles precisam ser estudados por ela e que têm con-
tribuições importantes para a área em questão.

Alinhamo-nos ao entendimento de que a LA é indisciplinar com


seus métodos de coleta e geração de dados. Mas, também enten-
demos que é preciso observar e interpretar as práticas linguageiras
de maneira crítica. Neste sentido, sobre o estatuto da LA, há dezoito
anos30, Rajagopalan já nos apresentava uma inquietude que carece
de ser trazida para a discussão:
[...] o que a Linguística Aplicada precisa com urgência é
repensar sua própria razão de ser enquanto disciplina e buscar
suas próprias credenciais acadêmicas, admitindo até mesmo,
como uma das possibilidades no fim dessa trilha, a de a nova
disciplina poder vir a ser uma alternativa à disciplina mãe, ou
SUMÁRIO quem sabe até mesmo, algo que a própria disciplina mãe pode
e emular em proveito próprio (RAJAGOPALAN, 2016, p.79)

O que avançamos nesse sentido? Esta pesquisa segue seu


curso e tenta investir no espaço do agir prescrito, no do agir real e no
do agir representado, na expectativa de melhor construir o perfil da
formação inicial. Nossos objetivos específicos são mapear o estágio
de língua portuguesa em universidades públicas nordestinas situadas
nas capitais, considerando os documentos oficiais, a sala de aula e o
que diz o estagiário e os professores sobre o seu agir. Em especial,
30
A edição de referência da citação é 5ª, datada de 2016.

111
investigar o ritual da interação didática nas aulas de língua portuguesa
ministradas por estagiários do Curso de Letras, no período de 2021 e
2023, dando especial atenção aos saberes mobilizados.

O projeto investiga o ensino e aprendizagem em situação de


estágio, numa perspectiva da Linguística Aplicada. Articula-se com o
ISD e com a Análise Textual do Discurso para analisar gêneros textuais
utilizados em sala de aula e gêneros textuais profissionais do campo
de atuação do professor e da formação de professores.

Analisa os saberes mobilizados (HOFSTETTER; SCHNEUWLY,


2009) no repertório didático observados no texto produzido na intera-
ção didática (CICUREL, 2010), considerando o agir real do professor e
do estagiário, e também o texto produzido sobre a sala de aula; as vo-
zes, modalizações e os posicionamentos (BRONCKART, 1999, 2019),
as condições de trabalho de onde emergem os modalizadores do agir
professoral (LEURQUIN, 2013), os dispositivos de sequência didática
(DOLZ, 2004) e a aula interacionista de leitura (LEURQUIN, 2014).

O projeto tem duração de três anos, acontece no seio do Gepla


e reúne seis pesquisadores e dez estudantes de iniciação científica.
Analisamos o agir prescrito, o agir real e o agir representado. Mas tam-
bém consideramos os conceitos de língua, linguagem, texto e gêneros
SUMÁRIO textuais: leitura, análise linguística/semiótica, oralidade e produção de
textos, entre outros. Os primeiros resultados apontam que a formação
inicial de professores acontece no Curso de Letras ou no de Pedagogia;
para formar professores para atuar nos anos iniciais do Ensino funda-
mental, assumem as disciplinas de estágio os pedagogos, normalmen-
te, e para formar professores para atuar nos anos finais do Ensino fun-
damental, assumem as disciplinas de estágio os professores formados
em Letras. Cada universidade possui a sua proposta de formação e
dela depende do perfil da formação inicial proposta. Sobre a interação
didática na aula remota, em contexto do estágio supervisionado, já pu-
blicamos os primeiros resultados do estudo (LEURQUIN, 2020).

112
CONCLUSÃO

O panorama apresentado neste artigo é mostrado de forma des-


cendente, pois parto das duas universidades. Porém, pela necessida-
de de limitar o espaço, focalizo em uma delas.

O fato de assumir a Associação de Linguística Aplicada do


Brasil já nos permite ter certa visibilidade nacional. Mas, também,
são muito importantes os projetos de extensão desenvolvidos nos
Departamentos de Letras e as pesquisas desenvolvidas nos Progra-
mas de Pós-Graduação das universidades citadas. Somado a isso,
observamos o registro de um alto índice de procura pela Linguística
Aplicada como área ou linha de pesquisa, o que nos permite assegu-
rar um espaço confortável na discussão sobre a LA na esfera nacional
e internacional, através de eventos e parceiras institucionais.

É possível perceber que a visibilidade dada à Linguística Aplica-


da em cada instituição depende das atividades realizadas nos grupos
de pesquisa. Neste artigo, há uma forte expressão do ensino e apren-
dizagem e da formação de professores. Todavia, não significa dizer
que há uma compreensão reduzida do conceito e da atuação da LA,
mas que há uma equipe muito expressiva de pesquisadores atuando
SUMÁRIO no espaço da sala de aula de línguas.

Tanto a UECE quanto a UFC caminham em suas pesquisas,


contribuindo para a construção do perfil da LA que delineamos no Cea-
rá. Para além disso, ao final deste artigo, chego a outras conclusões e
algumas delas, apontarei aqui:

• As pesquisas desenvolvidas no Ceará dentro dos Programas


de Pós-Graduação e da Graduação contribuem para o desen-
volvimento da nossa área e disponibilizam dados importantes
para a discussão nacional e internacional sobre a LA;

113
• Se, na graduação, o espaço de formação inicial de professores é
o estágio de regência e de observação, o ProfLetras é, por exce-
lência, o maior programa de formação continuada de professor;

• A partir da descrição dos grupos de pesquisa, podemos per-


ceber que tanto a UFC quanto a UECE apresentam uma plura-
lidade de possibilidades de pesquisas em LA que possibilitam
ao pesquisador ter melhores condições de opção para enve-
redar pela pesquisa na área de LA;

• Sobre a LA, além de ter seu espaço muito bem firmado no Cea-
rá, percebe-se, a cada ano, uma crescente procura pelos gru-
pos de pesquisa e pelos Programas de Pós-Graduação.

REFERÊNCIAS
BRONCKART, J. P. Atividade de Linguagem textos e discursos: por um
interacionismo sóciodiscursivo. São Paulo: EDUC, 1999.
CICUREL, C. As interações no ensino das línguas: agir professoral e práticas
de sala de aula, Editora Parole, Fortaleza, 2020.
DOLZ, J; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral
e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ,
J. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução Roxane Rojo e Glaís Sales
SUMÁRIO
Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004, p. 95-128.
HOFSTETTER, R; SCHNEUWLY, B. Savoir en (trans)formation. Au Coeur
professeurs de l´enseignement et de la formation. In: HOFSTETTER, R;
SCHNEUWLY, B. (org) Savoirsen (trans) formation: au coeur des professeurs de
l´enseignement et de l a formation. Bruxelles: De BoeckUniversité, 2009, p. 6-22.
LEURQUIN, E.V.L.F. A interação didática na aula remota, In. Estudos das
práticas de linguagem em tempos de pandemia. Edições da Universidade
Federal de Alagoas, Maceió, no prelo.
LEURQUIN, E.V.L.F. O espaço da leitura e da escrita em situação de ensino
e de aprendizagem de português língua estrangeira. In: Eutomia Revista de
Literatura e Linguística. Recife, v. 1, n. 14, dezembro. 2014.

114
LEURQUIN, E.V.L.F. Que dizem os professores sobre o seu agir professoral?
In: GERHARDT, A. F. L. M. (Org.). Ensino aprendizagem na perspectiva da
Linguística Aplicada. Campinas. São Paulo: Pontes, 2013.
MOITA LOPES, L. P. Oficina de Linguística Aplicada: a natureza social e
educacional dos processos de ensino/aprendizagem de línguas, Mercado de
Letras, Campinas, São Paulo, 1996.
PPGL/UFC. Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade
Federal do Ceará. Disponível em: https://ppgl.ufc.br/pt/programa/
apresentacao/. Acesso em: 20 jan. 2021.
RAJAGOPALAN, K. Por uma Linguística Aplicada Crítica: linguagem,
identidade e a questão ética, São Paulo, Parábola Editorial, 2003.

SUMÁRIO

115
6
Capítulo 6

Práticas de escrita acadêmica


e construção de saberes

Fatiha Dechicha Parahyba

Fatiha Dechicha Parahyba

PRÁTICAS DE
ESCRITA ACADÊMICA
E CONSTRUÇÃO
DE SABERES

DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.116-135
INTRODUÇÃO

Com base nos questionamentos que nos interpelam na nos-


sa prática docente, no que se refere ao ensino e aprendizagem da
produção escrita de gêneros acadêmicos na língua inglesa, este tra-
balho busca contribuir com os estudos que têm como foco a forma-
ção científica, tendo em vista a produção dos referidos gêneros. Ao
mesmo tempo, busca apresentar algumas reflexões sobre a relevân-
cia da instrumentalização precoce dos pesquisadores em formação,
haja vista que o processo de interiorização dos conceitos teóricos
e científicos não ocorre de forma espontânea. Da mesma forma, os
saberes necessários para a produção de textos acadêmicos não
preexistem à formação. Face ao exposto, buscamos responder aos
seguintes questionamentos: a) Em que nível se situam as dificulda-
des de produção do TCC ou artigo? e b) Estariam elas relacionadas
com o domínio da linguagem ou com os saberes relativos à pesquisa
científica e às teorias que fundamentam o objeto de pesquisa?

Essas perguntas, que orientam o presente trabalho, originam-


-se das constatações, empiricamente efetivadas, ao longo dos seis
últimos anos no âmbito de três disciplinas do curso de Licenciatura
em Língua inglesa: Escrita de língua inglesa 8 e Trabalho de Conclu-
SUMÁRIO são de Curso I e II (TCC I e TCC II)31, que integram a grade curricular
do curso. A primeira abrange a produção escrita de gêneros acadê-
micos, em especial o artigo científico. A disciplina TCC I tem como
objetivo a elaboração de projeto de pesquisa; já a TCC II consiste
na orientação do aluno visando à realização de sua pesquisa e ela-
boração do trabalho final. A despeito do fato se tratar de uma prá-
tica social bastante difundida no ambiente universitário, a produção
do referido gênero apresenta obstáculos de ordens diversas. Desse
31
A disciplina TCC I, cujo objetivo é capacitar o aluno a elaborar seu projeto de pesquisa, que
culminará na produção da monografia (TCC) ou artigo, é ofertada no 7° período do curso
de graduação-Licenciatura em Língua Inglesa da Universidade Federal de Pernambuco. As
disciplinas Língua Inglesa 8 e TCC II são ofertadas no último período do curso.

117
modo, interessa-nos verificar o(s) elemento(s) impeditivo(s) na sua
produção ou se uma soma de fatores internos e externos configuram
a complexidade associada à produção escrita na esfera acadêmica.

Para fundamentar a discussão em pauta, apoiamo-nos so-


bre os pressupostos teóricos do Interacionismo Sociodiscursivo de
Bronckart, com foco na concepção de capacidades de linguagem e
análise textual (1999, 2006, 2008), na concepção de ensino e desen-
volvimento de Vygotski (1985; 2009). O trabalho baseia-se também
nos trabalhos desenvolvidos por Schneuwly (1988; 2008) e Schneu-
wly e Dolz (2004; 2009) sobre o ensino e aprendizagem da escrita e
outros estudos que têm como eixo central a aprendizagem, o desen-
volvimento e a mediação através da linguagem.

O roteiro adotado neste trabalho consiste em delinear as con-


cepções de desenvolvimento de linguagem, da escrita acadêmica e
dos saberes atinentes a ela, que orientaram a pesquisa em termos
teóricos e analíticos. Na sequência, o percurso metodológico é apre-
sentado junto com as categorias de análise. Por último, essa sessão é
seguida por uma discussão das análises.

O ENSINO E APRENDIZAGEM DO GÊNERO


SUMÁRIO ACADÊMICO: DIFERENTES NÍVEIS DE SABER

Atualmente, a produção de gêneros acadêmicos constitui uma


demanda bastante difundida no contexto dos cursos de graduação
de diferentes universidades brasileiras, fazendo parte de suas gra-
des curriculares. Por sua vez, isso vem despertando o interesse de
diversos pesquisadores como Assis (2015), Moretto e Bueno (2013),
Parahyba e Leurquin (2015; 2018), em decorrência das dificuldades
que os alunos apresentam na produção de seus textos, conforme
relatam as pesquisas. É importante salientar que esse fenômeno está
igualmente no cerne das atenções de pesquisadores estrangeiros,

118
na tentativa de apreender como o universitário se constrói na sua
formação para a pesquisa mediante a escrita e quais desafios en-
frenta. A exemplo disso, a obra organizada por Rinck, Boch e Assis
(2015) mostra diferentes perspectivas do letramento acadêmico na
formação universitária. Assim, elementos de ordens diferentes, tais
como a questão do discurso científico e a dimensão linguística para
a sua apresentação, são debatidos. Discute-se igualmente a articula-
ção do discurso de outrem com o discurso próprio e a relação com o
apagamento enunciativo traduzido pelas formas de impessoalidade.
Outras questões, tais como autoria e ethos discursivo, num espaço
onde circulam gêneros ditos neutros, e aquelas relacionadas com o
uso de citações no discurso teórico - entre outras - são discutidas.

O quadro ora delineado deixa entrever a diversidade dos obs-


táculos e desafios que se apresentam ao aluno-pesquisador em for-
mação. Relacionam-se com saberes diversos e capacidades que não
preexistem à formação acadêmica. São construídos e internalizados
na prática, mediante a escrita.

No contexto da presente pesquisa, outros aspectos de ordem


teórico-metodológica relativos ao fazer científico emergem como fa-
tores impeditivos do desenvolvimento do aluno no que tange à sua
própria pesquisa científica e elaboração do gênero acadêmico. Além
dos saberes científicos, o aluno se depara com “ações a serem im-
SUMÁRIO
plementadas por ele: a pesquisa em si, o domínio dos saberes ati-
nentes à pesquisa e suas modalidades, à rede teórica que funda-
menta seu objeto de pesquisa” (PARAHYBA, 2020, no prelo). Desse
modo, a escolha de paradigmas, de autores cujos trabalhos podem
fundamentar o objeto de pesquisa do aluno, torna-se um processo
problemático para o aluno-pesquisador em formação, tendo em vista
que lhe falta a vivência no âmbito desse campo do fazer científico.

Reuter (2015) acrescenta outra perspectiva que, a nosso ver, é ge-


radora de tensão. Assim, pelo fato de se tratar de produção acadêmica
na formação universitária, isso implica avaliação. O autor alerta:

119
[...] se trata de escritos que têm um estatuto de pesquisa em
formação e que são como tais submetidos à avaliação. A partir
desse momento, trata-se de gerenciar, da melhor maneira
possível, a tensão existente entre pertinência dos recursos em
relação à pesquisa executada e pertinência dos recursos em
relação às supostas expectativas avaliativas da banca quanto
aos conhecimentos que devem ser dominados na área de
referência (Reuter, 2015, p. 210, grifo do autor).

Na esteira desse raciocínio, é possível afirmar que a avaliação


- e aquilo que ela representa - gera conflitos nos papéis assumidos
pelo aluno no processo da pesquisa científica e da escrita acadêmi-
ca. Na nossa análise, entendemos que há uma pluralidade de papéis:
a) o sujeito-escritor; b) o sujeito-leitor (crítico); c) o sujeito-pesquisa-
dor; d) o sujeito em formação; e) sujeito-professor (no contexto de
formação docente inicial); e f) sujeito-autor. Sendo assim, cada um
desses papéis requer saberes, capacidades e ações diversos, com
vista à formação do aluno-pesquisador científico, bem como o de-
senvolvimento de sua capacidade da escrita acadêmica.

Face ao exposto, nosso objetivo consiste em apresentar ar-


gumentos que fundamentam, em primeiro lugar, a necessidade do
ensino sistemático da produção escrita de gêneros acadêmicos,
bem como os saberes científicos a eles associados. Essa necessi-
dade decorre do fato de que a entrada no universo acadêmico não é
SUMÁRIO um processo “automático”, conforme pontuam Rinck, Boch e Assis
(2015). Essa assertiva encontra respaldo na constatação de Vianna
et al., (2016), quando alegam que o contato dos alunos-professores
em formação com o letramento acadêmico é inexpressivo ou inexis-
te. Reuter (2015) é ainda mais categórico ao afirmar que se subesti-
mam as dificuldades vivenciadas pelos aprendizes-pesquisadores na
identificação dos discursos teóricos. Ao reconhecer as dificuldades
inerentes ao processo de iniciação à pesquisa científica, o autor argu-
menta: “É sem dúvida, ainda mais difícil para esses jovens pesquisa-
dores analisar os posicionamentos desses discursos num campo que
eles estão ainda descobrindo” (Reuter, 2015, p. 209, grifo do autor).

120
Em segundo lugar, para que o aluno se aproprie da dimensão
da escrita acadêmica envolvendo determinado objeto de pesquisa,
faz-se necessário instrumentalizá-lo (SCHNEUWLY, 2016) na tarefa
de produzir um gênero acadêmico e na prática desse fazer científi-
co-acadêmico, indo além dos aspectos textuais e discursivos. Com
efeito, sobressaem outras necessidades de aprendizagem e de de-
senvolvimento em termos de saberes de referência, saberes teóricos
e metodológicos acerca do objeto de pesquisa e da pesquisa em si.
Reiteramos que se tratam de saberes múltiplos, que precisam ser in-
ternalizados e gerenciados pelo aluno mediante a escrita acadêmica.
Na visão de Rinck (2015, p. 81, grifo nosso), com base em Dabène
e Reuter, “a escrita é, assim, concebida como modo de acesso ao
saber [...] e a ideia é que uma melhor conscientização do funcio-
namento linguístico do discurso científico pode servir de verdadeira
ferramenta para o pensamento e para a atividade de pesquisa”.

A ESCRITA ACADÊMICA:
UM MODELO DIDÁTICO

Assumimos o pressuposto de que a potencialidade do letra-


mento científico-acadêmico mantém estreita relação com o ensino
SUMÁRIO da escrita de gêneros acadêmicos com ênfase no processo de regu-
lação e interação durante o processo de “instrumentalização”. Visto
por outro prisma, sem a instrução e interação didática, o processo de
aprendizagem e de inserção dos aprendizes pesquisadores na esfera
acadêmica torna-se um percurso cheio de obstáculos.

Por outro lado, a escrita é reconhecida como atividade com-


plexa, como apontam Vygotski (2009) e Schneuwly (1995; 2008), em
decorrência da complexidade da linguagem na forma escrita. Estudos
de diferentes níveis de ensino relatam este fato a exemplo de Dolz et
al. (2010), Pereira e Graça (2015), Parahyba e Leurquin (2015; 2018)

121
e Assis (2014; 2015), salientando as lacunas observadas no que se
refere ao domínio da escrita. Ao mesmo tempo, apresentam propos-
tas e modelos didáticos com vista a promover o desenvolvimento da
capacidade de escrever do aluno. Para a discussão em pauta, o reco-
nhecimento do grau de complexidade associado à escrita (acadêmica)
implica a compreensão de que ela pode, igualmente, gerar tensões no
aluno-pesquisador em formação. Esse argumento encontra-se em es-
treita relação com a nossa concepção de pluralidade de papéis, apre-
sentada na seção anterior, em especial a de “sujeito-escritor” e “su-
jeito-autor”. A esse respeito, surgem alguns questionamentos. Como
gerenciar a escrita do gênero acadêmico e os saberes a ele associa-
dos? Como articular, do ponto de vista linguístico e textual, o discurso
científico e o discurso de outrem com a questão de autoria?

Nesse sentido, com base na concepção dos quatros pontos de


tensão elencados por Reuter (2015, p. 211), que abrangem diferentes
perspectivas da pesquisa científica, acrescentamos outro: tensão entre
saberes científicos, saber-fazer científico e a escrita. Esse argumento re-
força a necessidade de instrumentalizar os alunos para que se tornem
agentes de seu próprio desenvolvimento na perspectiva vygotskiana,
consoante o pensamento de Schneuwly e Bronckart (1985) e Schneuwly
(1995; 2008). Por conseguinte, o ensino é fundamental nesse processo,
levando em conta os processos de internalização e de apropriação dos
SUMÁRIO elementos externos que são geradores do desenvolvimento da capaci-
dade de escrever. Contudo, esses aportes externos “são geradores de
desenvolvimento apenas na medida em que os conflitos gerados por
eles sejam ‘gerenciáveis’ pela pessoa em seu estado atual de desen-
volvimento” (BRONCKART, 2013). A nosso ver, o docente pode contri-
buir para esse gerenciamento de conflitos relativo à internalização dos
conteúdos, muito embora seja exclusivamente uma operação e uma
capacidade do sujeito aprendiz. Para esse fim, as interações didáticas
(CICUREL, 2011) e a mediação, na perspectiva vygotskiana (2009), são
mecanismos que desencadeiam a reflexão e a tomada de consciência
acerca do agir de linguagem e da construção dos saberes.

122
Para fins didáticos do ensino da produção escrita do gênero
acadêmico, fundamentamo-nos no dispositivo teórico-metodológico,
sequência didática elaborada por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004).
As sequências de ensino do modelo didático adotado serão detalha-
das na seção a seguir.

PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, e a coleta de da-


32
dos se deu no âmbito de uma disciplina denominada “Compreensão e
produção textual na língua inglesa”, ofertada no último período de gradua-
ção do Curso de Letras Inglês da Universidade Federal de Pernambuco.
A ementa da disciplina recomenda o trabalho com gênero acadêmico. A
seleção dos gêneros como objeto de ensino e de aprendizagem foi reali-
zada em comum acordo com os alunos. E os gêneros escolhidos foram:
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, e artigo acadêmico, tendo em
vista que o aluno pode optar por um deles para a conclusão do curso.

Dessa maneira, o ensino da escrita acadêmica foi realizado me-


diante o dispositivo sequência didática e através da didatização e da
“elementarização” (CORDEIRO; SCHNEUWLY, 2007) das partes consti-
tutivas do gênero TCC ou artigo. Segundo esse modelo de ensino, “o
SUMÁRIO objeto de ensino é decomposto em unidades menores que os alunos
poderão estudar (observar, analisar, exercer) a fim de apropriar-se das
diferentes facetas” (CORDEIRO; SCHNEUWLY, 2007, p. 70). Ao todo, fo-
ram elaboradas seis sequências didáticas abrangendo: (1) Introdução;
(2) Fundamentação teórica; (3) Metodologia; (4) Análise e resultados; (5)
Conclusão e (6) Resumo33 (cf. PARAHYBA, 2020 no prelo). Ao final, outra
sequência didática foi dedicada ao ensino do gênero apresentação oral,

32
O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa em andamento, registrada no âmbito
da UFPE
33
Muito embora o resumo seja por si só um gênero, consideramos que não pode ser
dissociado dos gêneros escolhidos, tendo em vista que ele é considerado parte integrante
pela comunidade acadêmica.

123
contemplando assim a apresentação do TCC ou a comunicação oral. O
itinerário seguido foi o mesmo para cada etapa das sequências didáticas.

A avaliação foi realizada em cada versão inicial para todas as


partes constitutivas dos gêneros em foco, seguida pela regulação e
pelo tutorial pós-avaliação em todas as sequências. Esse espaço de
interação professor-aluno pós-avaliação é considerado fundamental
para discussão das possíveis dificuldades na elaboração dos textos,
sejam elas da ordem dos saberes teórico-científicos ou linguísticos.

O corpus é composto de um TCC, intitulado: Written digital


genres: an overview of the school context and textbook. Nossa aná-
lise focou em três pontos: a) a textualidade em língua inglesa; 2) a
mobilização dos saberes relativos às partes constitutivas do gênero
acadêmico; e 3) mobilização dos saberes teóricos e metodológicos.

UMA ANÁLISE LINGUÍSTICA


DA CONSTRUÇÃO DO SABER CIENTÍFICO

Para fins de análise, selecionamos a introdução como segmen-


to ilustrativo na construção do gênero acadêmico elaborado pela alu-
na Kamila. O interesse pela introdução e a sua escolha como excerto
SUMÁRIO para análise se deve ao “fato de que elas devem assentar a legiti-
midade do propósito e circunscrever o objeto de pesquisa” (RINCK,
2015, p. 73, nosso grifo). No quadro 1, a seguir, apresentamos três
versões da parte inicial da introdução, seguidas pelos comentários
feitos pela professora-pesquisadora no modo revisão do Word34. A
apresentação dos comentários é feita na mesma sequência das pa-
lavras salientadas. Convém frisar que houve interação verbal após a
primeira e a segunda versão como espaço de regulação das apren-
dizagens e tutorial (cf. PARAHYBA e LEURQUIN, 2018).
34
Os comentários apresentados aqui foram transcritos na íntegra, a partir dos comentários na
caixa de diálogo do modo revisão do Word, para facilitar a leitura. As palavras salientadas
correspondem às palavras destacadas no modo revisão.

124
Quadro 1- Introdução.

Quadro 1 – Introdução
Primeira versão (21 Set. 2020 Versão pré final (30 Nov. 2020) Versão final defesa (8 Dez. 2020)
1 2 3
New written genres emerged with
New written genres emerged with
the development of digital devices
New written genres emerged with the development of digital devices
in the last decades. Consequently,
the development of digital devices in the 21st century. Consequently
it raised the necessity to study
in the 21st century. Consequently it raised the necessity to study
and improve digital skills as much
it raised the necessity to study and improve digital skills in order
as the writing abilities in order to
and improve digital skills in order to interact in society and adapt
interact in society and adapt to
to interact in society and adapt to new technological devices,
new technological environments,
to new technological devices, social medias and other means of
social medias and other means of
social medias and other means of communication that generated new
communication that generated new
communication that generated new written genres and changed the way
written genres and changed the way
written genres and changed the way that people communicate.
that people communicate.
that people communicate.
Yates (2000, p.233) mentions in his
Yates (2000, p.233) explains that
Yates (2000, p.233) mentions in his work that new technology devices
new technology devices created a
work that new technology devices created a “textualized society”
“textualized society” which raises the
created a “textualized society” which raises the importance of
importance of learning and improving
which raises the importance of learning and improving the writing
the writing skills in modern society
learning and improving the writing skills in the* modern society and
and even more, writing skills in the
skills in the modern society and even more the writing skills in the
digital environment, since we are in a
even more the writing skills in the digital environment since we are in
constantly ascending digital era.
digital environment since we are in a constantly ascending digital era.
a constantly ascending digital era.
In order to evaluate how the
In this study the aim is to evaluate
schools are approaching this topic
In this study the aim is to analyze the didactic book used in the public
the textbook used in the public
the development of the students in schools of Pernambuco in the year
schools of Pernambuco in 2020.
SUMÁRIO the high school level, at Ginásio of 2020, which was chosen by the
The textbook was chosen by the
Pernambucano, a school of Pernam- Brazilian government through the
Brazilian government through the
buco state, by producing a digital program PNLD (Programa Nacional
program PNLD (Programa Nacional
genre after being introduced to the do Livro Didático) that based on the
do Livro Didático), which states
genre by the teacher and the writing official documents such as BNCC
the parameters for selection of
skills improved or not by receiving (Base Nacional Comum Curricular)
the textbook that will be used in
proper guidance and instructions to choose the best book to be used
the schools. Moreover, the book
about the specificities of the genre. in the schools based on the aim of
being studied is used in the high
The students are in the first year of the content proposed for that year.
school years with students from
high school, between the age of 13-
14-17 years old, that are learning
15 and English is taught to them as
English as a foreing [sic] language
a foreing [sic] language.
in Pernambuco State, and this book
* Palavras rasuradas pela aluna após
is part of the public system and is
regulação.
used in state schools.
Fonte: elaborado pela autora, 2020.

125
Quadro 2 - Comentários da professora-pesquisadora na versão 1.

Quadro 2 - Comentários da professora-pesquisadora na versão 1


You need to contextualise more and present what is behind your proposal and
why do you want to see digital genres.

Fonte: elaborado pela autora, 2020.

Quadro 3 - Comentários da professora-pesquisadora na versão 2.

Quadro 3 - Comentários da professora-pesquisadora na versão 2


1. Better put the last decades as there was already something at the end of the
20th century.
2. Is it only digital skills or writing digital genres?
3. It is more than the device. It is literacy through technological devices… or not?
4. I have just seen that probably it is just a matter of reformulating the sentence.
In this case you do not start with consequently as you say at the end that new
written genres…
5. Explains
6. there should be a link as you introduce a completely different idea and stop
abruptly the previous on digital genres
7. it is textbook. Change the others.
8. you have to say what for you analyse it.
9. start another sentence.
10. ???
Fonte: elaborado pela autora, 2020.

SOBRE A TEXTUALIDADE DA LÍNGUA INGLESA


SUMÁRIO

No que se refere à textualidade na língua inglesa, é possível


observar, com base nos comentários (em azul) no quadro 3, que apro-
ximadamente metade deles estão relacionados com essa categoria
de análise. A aluna é solicitada para rever elementos como: escolha
lexical, coesão verbal, uso do artigo definido (muito diferente da lín-
gua portuguesa), organizadores textuais e reformulação de frases tan-
to para tornar o argumento mais claro como para fragmentar a frase
de forma que fique mais clara e fluida. Esses elementos demonstram
algumas lacunas em relação ao domínio dos mecanismos de textua-
lização. Pode-se afirmar que a sua apropriação está em construção.

126
Quanto aos mecanismos enunciativos, observa-se que há um
apagamento enunciativo. A voz da autora Kamila não está presente
nos excertos apresentados. Apenas em uma oportunidade, a aluna
utiliza o pronome we (nós), que se repete nas outras versões, apesar
de ter sido instruída sobre seu uso na língua inglesa, tendo em vista
que seu emprego não é adequado, portanto, não recomendado na
cultura acadêmica anglo-saxônica. O uso apropriado desse pronome
ocorre em casos de trabalhos em coautoria.

SOBRE A MOBILIZAÇÃO DOS SABERES


RELATIVOS ÀS PARTES CONSTITUTIVAS
DO GÊNERO ACADÊMICO

Em duas versões preliminares à versão 1 (quadros 4 e 5), é


possível observar que há uma tentativa de justificar e contextualizar
o objeto de pesquisa. A partir do comentário no quadro 2, Kamila
é solicitada para contextualizar seu objeto de pesquisa, definir os
objetivos da pesquisa e justificar a escolha do tema e/ou problema.

Quadro 4 - Justificativa (Set. 2020).

SUMÁRIO Quadro 4 - Justificativa e contextualização na Introdução (Set. 2020).


“The lack of knowledge in digital texts can raise a lot of difficulties not only in
people’s personal life but mostly on professional life considering that most of the
jobs nowadays require some digital knowledge and it includes writing skills and
familiarity with digital written genres. [ fala da BNCC e PCPE…]
“The research will focus on the brazilian actual scenario, considering the
portuguese language as the mother tongue in the country and English being
taught as a foreign language.”

Fonte: elaborado pela autora, 2020.

No quadro 4, o início da introdução traz uma contextualização,


mesmo que a textualidade necessite ajustes. Observa-se também o lem-
brete que Kamila faz para si: “fala da BNCC e PCPE”. Isso demonstra

127
a sua preocupação para fundamentar seu argumento nos documen-
tos prescritivos, a BNCC e os Parâmetros Curriculares de Pernambuco
- PCPE. Em seguida, a aluna acrescenta mais elementos para contex-
tualizar melhor a sua pesquisa, porém, a explicação não se enquadra
no contexto de gêneros digitais escritos. Ela traz os conceitos de língua
materna e estrangeira e o ensino da última, no contexto brasileiro. Con-
tudo, eles não constituem argumentos essenciais para seu objeto de
pesquisa. Pode-se perguntar se o intento da aluna foi o de problematizar
a questão do ensino e aprendizagem da língua inglesa no Brasil.

No quadro 5, Kamila justifica mais o objeto de pesquisa e sua


problemática, muito embora o trecho apresente problemas de ordem
textual. A primeira frase denota uma forte interferência da língua portu-
guesa na sua forma de se expressar na modalidade escrita. Por outro
lado, nessa versão, a aluna mantém o ponto relativo às línguas ma-
terna e estrangeira, mesmo que tenha sido discutido pela professo-
ra-pesquisadora. Todavia, nas versões subsequentes (1, 2 e 3), esse
ponto foi retirado. Ela manteve apenas a menção do fato que se trata
de ensino de Inglês como língua estrangeira.

Em seguida, no terceiro parágrafo no quadro 5, Kamila apre-


senta elementos de seu percurso metodológico, sem que haja uma
transição de um ponto para outro; ela tampouco faz menção explícita
SUMÁRIO que mostre a metodologia de seu TCC.

Em conclusão, observa-se que a aluna busca incorporar to-


dos os elementos que compõem a seção “Introdução”. Ao mesmo
tempo, é perceptível que ainda faltam outros elementos tais como
pergunta de pesquisa, definição clara do(s) objetivo(s), menção à
fundamentação teórica. Nesse caso, podemos presumir que a alu-
na-pesquisadora em formação se encontrava no processo de cons-
trução de saberes, na medida em que, muitas vezes, carecem ser
aprofundados e explicitados em seu texto.

128
Quadro 5 - Justificativa e contextualização.

Quadro 5 - Justificativa e contextualização na Introdução (Abril e Jun. 2020)


“So as a consequence the lack of knowledge in the digital genres can handicap
students from the public systems opportunities of jobs in Brazil.”
The research will focus on the brazilian [sic] actual scenario, considering
the portuguese language as the mother tongue in the country and English being
taught as a foreign language.
“Excerpts of texts will be used and discussed during the research to
exemplify the actual scenario and its means to teach written genres in a
such technological era in order to state if the curriculum of Pernambuco state is
supplying the students with the required abilities in the digital society.
Fonte: elaborado pela autora, 2020.

SOBRE A MOBILIZAÇÃO DOS SABERES


TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

Primeiamente, convém observar a mudança no procedimento


metodológico, efetuada na versão 2 e 3. Na versão 1, a aluna informa
que se trata da produção de um gênero digital pelos alunos do
Ensino Médio mediante ensino. A modificação foi necessária, em
função do contexto de pandemia, tendo em vista a suspensão das
aulas presenciais, quando a aluna iniciaria sua coleta de dados. Por
SUMÁRIO conseguinte, Kamila optou pela análise do livro didático de língua
inglesa em uso pela escola pública, em especial no que se refere à
abordagem dos gêneros digitais. Ela decidiu igualmente incorporar
ao seu corpus uma entrevista com a professora sobre o (possível)
uso do livro didático em sala de aula.

Quanto à mobilização de seus saberes metodológicos, pode-


mos observar que, em todas as versões, a aluna demonstra um grau
de saber no que tange a esse quesito. No entanto, esse saber aparece
de forma “fragmentada”, tornando esse segmento da introdução não
coeso. Assim, ela inicia situando o livro em relação à sua avaliação e

129
seleção pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), bem como
o uso do livro no ensino público. Ao mesmo tempo, revela seu intento
de verificar como as atividades relativas aos gêneros digitais são apre-
sentadas e, em momento posterior, ela explicita que irá apresentar
uma amostra dessas atividades. Paralelamente, Kamila busca se fun-
damentar nos documentos prescritivos nacionais e estaduais - BNCC
e PCPE - de forma a verificar se o livro se adequa às prescrições
oficiais no que se refere ao ensino dos gêneros digitais.

A partir dessa análise, alguns elementos sobressaem: primeiro,


a aluna fala dos gêneros digitais, de modo geral, sem explicitar que seu
objetivo consiste em analisar a produção escrita dos referidos gêneros
escritos, muito embora se refira aos writing skills (habilidade de escrita).
Segundo, em ambas as versões (2 e 3), é evidente que o livro didático
constitui o foco de estudo da aluna-pesquisadora; entretanto, ela não
apresenta o título da obra, que é essencial numa pesquisa científica.

No que tange à mobilização dos saberes teóricos, convém res-


saltar a preocupação de Kamila em buscar ancorar-se nos documen-
tos prescritivos, a BNCC e os PCPE, que ela denomina de “political
documents of brazilian [sic] education system”, para validar o uso
do livro didático e das atividades nele sugeridas. Do mesmo modo,
atribui grande relevância à questão da avaliação e seleção do livro
SUMÁRIO didático pelo PNLD. Ademais, a aluna afirma que o livro adotado “was
chosen by the Brazilian government through the program PNLD […]
that based on the official documents such as BNCC […] to choose
the best book to be used in the schools based on the aim of the con-
tent proposed for that year”. Noutros termos, segundo sua afirmação,
Kamila concebe a seleção do livro didático como sendo atrelada aos
documentos prescritivos. Tendo sido questionada, na versão 2, sobre
esse ponto, depois do Tutorial ela reformula o trecho esclarecendo
que o PNLD dita os “parameters for selection of the textbook”.

130
Por outro lado, uma leitura dos comentários de revisão (Qua-
dro 2, em vermelho), feita na ordem em que aparecem no quadro,
evidencia vários aspectos. O primeiro é da ordem de conhecimento
geral. No segundo comentário, Kamila busca empregar conceitos
teóricos, tais como “digital skills”, o que leva a professora a pergun-
tar se não se tratam de gêneros digitais. Convém salientar que a
aluna utiliza, em seguida, no mesmo parágrafo, o conceito de forma
correta. No ponto seguinte, quando a aluna utiliza “technological
devices”, a professora pergunta e, ao mesmo tempo, estimula a
aluna a refletir sobre letramento mediante dispositivos tecnológicos
com vista a aprofundar e construir saberes sobre o assunto.

Através do último comentário, a aluna é levada a refletir e ex-


plicitar os motivos pelos quais ela introduz os documentos prescriti-
vos: BNCC e PCPE. Ao mesmo tempo, é questionada e estimulada
a refletir sobre as razões que a levam a objetivar analisá-los. Assim,
é possível observar que, na versão 3 (final) do TCC, Kamila não se
apoia nos documentos prescritivos como fez na versão 2. Ela resumiu
a referência a eles apenas em sua análise da entrevista com a profes-
sora ao explicar: “the school follows the BNCC and PCPE but it has its
own priorities in terms of contents” mostrando, dessa maneira, que a
escola se apoia nas referidas prescrições. Contudo, ela define suas
prioridades em termos de conteúdos a serem ensinados.
SUMÁRIO
Em suma, as análises evidenciaram, acima de tudo, que os sa-
beres relativos à produção de gêneros acadêmicos não preexistem à
formação. Todas as categorias de análise selecionadas para o presen-
te trabalho nos permitiram verificar essa constatação. Assim, a forma-
ção desencadeia a construção desses saberes com vista ao desenvol-
vimento do sujeito-aprendiz de pesquisa acadêmico-científica, sendo a
interação um elemento chave nesse processo.

131
CONCLUSÃO

O presente trabalho nos permitiu tecer algumas constatações:


1) a relevância do ensino sobre a produção de gêneros acadêmicos,
em especial, os saberes teórico-metodológicos relativos à pesqui-
sa científica; 2) o (não)domínio da textualidade na língua estrangeira
pode apresentar alguns entraves na elaboração de um texto coeso
e coerente, muito embora não constitua fator preponderante. Certa-
mente, além do ensino dos elementos constitutivos da infraestrutura
textual, ênfase deve ser dada aos mecanismos de textualização e aos
mecanismos enunciativos, em especial, à gestão das vozes. Desta-
que deve ser atribuído à apropriação desse último, na medida em que
possibilita saber referir-se ao discurso de outrem e, da mesma forma,
saber se posicionar como autor; e 3) o processo de construção dos
saberes não é linear. Tampouco é rápido o seu ritmo. Aliás, segundo a
concepção vygotskiana, o desenvolvimento é “automovimento” e de-
fine seu próprio ritmo ou o (não) ritmo. O desenvolvimento é escolha.

Face ao exposto, considerando que o desenvolvimento é pro-


duto da interação e da mediação, convém reforçar a relevância das
ações de ensino da escrita acadêmica visando ao desenvolvimento
dos sujeitos aprendizes de pesquisa acadêmico-científica.
SUMÁRIO

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aprendizagem da escrita acadêmica: o papel da avaliação e da reescrita no
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SUMÁRIO

135
7
Capítulo 7

Uma breve cartografia das práticas


(tele) colaborativas de ensino-
aprendizagem de línguas no nordeste

Rickison Cristiano de Araújo Silva

Fábio Marques de Souza

Rickison Cristiano de Araújo Silva


Fábio Marques de Souza

UMA BREVE CARTOGRAFIA


DAS PRÁTICAS
(TELE) COLABORATIVAS
DE ENSINO-APRENDIZAGEM
DE LÍNGUAS NO NORDESTE
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.136-155
INTRODUÇÃO

Este capítulo traça uma breve cartografia das práticas (tele)


colaborativas35 de ensino-aprendizagem de línguas e formação de
professores nas Instituições de Ensino do Nordeste, no âmbito do
ensino, da pesquisa, da extensão e da internacionalização universi-
tária. As Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs)
têm possibilitado a ampliação das dimensões de tempo e espaço e,
consequentemente, permitido novas formas de interações que ultra-
passam as barreiras geográficas e fusos horários.

Seguindo essa orientação, o Teletandem, um dos contextos


(tele) colaborativo, é considerado como um espaço que expande o
contexto tradicional de ensinar e aprender Língua Estrangeira (LE).
Isso se dá porque esse contexto é compreendido como um ambiente
de aprendizagem virtual e colaborativo de línguas que, através de
interações entre falantes de diferentes línguas e culturas, possibilita
trocas linguísticas, interculturais e, também, a formação de professo-
res de línguas (TELLES, 2009a). Além disso, Kfouri-Kaneoya (2009) e
Viera Abrahão (2010) consideram-no como um contexto de formação
de professores de línguas por excelência, proporcionando ao licen-
ciando tanto o desenvolvimento linguístico quanto o intercultural.
SUMÁRIO
O Teletandem, além de promover a aprendizagem de língua
estrangeira colaborativa através da interação entre aprendizes de
diferentes línguas e culturas, tem-se apresentado, também, como um
contexto frutífero para o desenvolvimento de pesquisas no campo da
Linguística Aplicada. Segundo Aranha e Cavalari (2014), são diversas
as temáticas das investigações desenvolvidas pelos pesquisadores,

35
Projetos de (tele) colaboração têm sido voltados ao ensino-aprendizagem de línguas com
vistas à interculturalidade. Assim, podem ser compreendidos como o comprometimento de
aprendizes de diferentes línguas e culturas que trabalham colaborativamente realizando inte-
rações, de forma presencial e/ou virtual, objetivando aprender a língua e a cultura do outro.

137
tais como: crenças, autonomia, relação de poder, mediação, cultura
e interculturalidade, avaliação e as contribuições do contexto virtual
do Teletandem, dentre outras temáticas.

Nosso trajeto, neste texto, está dividido em dois momentos.


No primeiro, discorremos sobre a aprendizagem em Tandem, eviden-
ciando suas características e seus princípios. Posteriormente, rela-
tamos o surgimento do Teletandem, caracterizando suas atividades
integradas ao projeto temático Teletandem Brasil: Línguas Estrangei-
ras para todos, na UNESP, bem como ao processo de ensino-apren-
dizagem de línguas estrangeiras.

No segundo momento, voltamos nossa atenção para a expansão


das práticas do Teletandem para além do eixo Sul-Sudeste. Nesse sen-
tido, apresentamos um panorama acerca da presença e do desenvolvi-
mento do Teletandem nos estados do Nordeste, refletindo a respeito da
expansão, institucionalização e integração das práticas às instituições.

DO TANDEM AO TELETANDEM

O termo Tandem se refere a uma bicicleta, composta por duas


SUMÁRIO ou mais selas, em que os ciclistas pedalam de forma colaborativa, com
o intuito de chegarem a um mesmo local. Assim, ao realizar uma alu-
são metafórica à essa bicicleta, a aprendizagem de línguas em Tandem
surge no final dos anos sessenta, na Alemanha, como um “intercâmbio
e compartilhamento de conhecimento entre indivíduos de culturas dife-
rentes, com propósitos de aprendizagem de línguas de modo colabo-
rativo” (BENEDETTI, 2010, p. 21).

Após ter seu início na Alemanha, o Tandem foi introduzido tam-


bém na Espanha e, logo em seguida, em outros países, como o Brasil.

138
Assim, essa forma de aprendizagem ganhou notoriedade internacio-
nal, passando a ser incorporada às universidades e estudada teori-
camente (TELLES, 2009a). Em 1994, a Rede Internacional de Tandem
- International Tandem Network sistematizou e criou os princípios fun-
damentais para a realização das práticas colaborativas em Tandem, a
saber: separação das línguas, reciprocidade e autonomia.

No primeiro princípio, a separação de línguas estabelece que


as línguas não devem ser faladas ao mesmo tempo. Para isso, cada
uma é praticada durante seu tempo na interação, fazendo com que
não haja predomínio de uma língua em detrimento da outra e todos
tenham a oportunidade de praticar de forma igualitária a língua-alvo. O
segundo princípio, reciprocidade, depreende que a interação neces-
sita ser dividida igualmente para todos. Dessa forma, cada aprendiz
deverá desempenhar o seu momento de tutor da sua língua materna,
ou da língua a qual é proficiente, e o de aprendiz da língua que está
aprendendo. Essa forma de organização faz com que os interagentes
exerçam os dois papéis. Aqui, percebe-se a presença da igualdade
e da equidade entre os interagentes. O terceiro princípio, autonomia,
preconiza que os participantes das interações são responsáveis, cada
um, pelo próprio processo de aprendizagem e pelas decisões que to-
SUMÁRIO mam ao longo do seu desenvolvimento na língua-alvo, uma vez que
decidem como, onde e quando estudar (TELLES, 2009a).

A partir dos estudos e da prática do Tandem em sua versão


inicial, o Tandem face a face, o professor João Antônio Telles, da Uni-
versidade Estadual Paulista – UNESP idealiza, no Brasil, em meados
de 2006, o Teletandem com o projeto temático “Teletandem Brasil:
Línguas estrangeiras para todos (TTB)36”(TELLES, 2009a).

36
Para saber mais a respeito do projeto, publicações e integrantes, acesse http://www.
teletandembrasil.org/.

139
O Teletandem37, termo cunhado por Telles, é caracterizado
como um contexto virtual e colaborativo de ensino-aprendizagem
de línguas estrangeiras. Nesse modelo, as interações acontecem
através de videoconferências, realizadas a partir de programas e/ou
aplicativos, tais como Zoom, Skype, Google Meet, Hangouts, dentre
outros. Esses aplicativos possibilitam, a partir do uso de câmera/
webcam, microfone e chat, a produção oral, leitura e escrita na língua-
alvo (TELLES, 2009a; BENEDETTI, 2010).

Nas palavras de Telles (2009a, p. 24), esse ambiente telecolabo-


rativo pode ser visto como “um contexto complexo de observação de
aquisição de línguas estrangeiras e, também como, um contexto natural,
criativo e comunicativo de ensino-aprendizagem colaborativa”. Kfouri-
-Kaneyoa (2008, 2009) e Benedetti (2010) corroboram essa preposição
ao inferirem que a prática do Teletandem demonstra uma aproximação
do Tandem face a face ao promover uma interação completa entre os
aprendizes, pois se assemelha à naturalidade de uma conversação rea-
lizada cara a cara, em tempo real, neste caso através de uma tela, de
forma virtual. Trata-se de um contexto em que há um esforço mútuo entre
os interagentes para que a aprendizagem colaborativa aconteça. Isto é,
a partir da alternância de papéis entre os interagentes, em que ora ele
é professor (tutor) da sua língua materna, ora ele é aprendiz da língua
estrangeira, os aprendizes são capazes de aprender a língua-alvo.
SUMÁRIO
A incorporação das práticas de Teletandem faz com que, ade-
mais de possibilitar trocas linguísticas e interculturais (SILVA; SOU-
ZA, 2019), haja um rompimento das barreiras geográficas, para que
aprendizes de diferentes lugares possam interagir, e das práticas ditas
“tradicionais” de ensinar e aprender uma L.E que estamos acostuma-
dos a vivenciar. Nesse sentido, com o Teletandem, a aprendizagem
rompe as paredes físicas do contexto educacional (TELLES, 2009a).
37
Atualmente, a prática de Teletandem, iniciada na UNESP, tem se expandido para outras
universidades através de pesquisadores e linguistas aplicados que compartilham das
teorias e práticas. Para mais informações acerca dessa expansão, ler Souza, Carvalho e
Messias (2020).

140
As interações no Teletandem são baseadas, também, nos prin-
cípios norteadores do Tandem, comentados anteriormente, a saber:
separação das línguas, reciprocidade e autonomia. As sessões de-
vem acontecer regularmente, regidas por temáticas previamente es-
colhidas pelos interagentes, apresentando um viés didático, em que
os aprendizes trazem para as interações objetivos tanto linguísticos
quanto culturais. O quadro a seguir representa o protótipo de uma
sessão regular de Teletandem:

Quadro 1 - Sessão Prototípica de Teletandem.

Fonte:Adaptado de Garcia (2015, p. 1543).

SUMÁRIO
O Feedback a ser realizado ao final acaba acontecendo, às ve-
zes, ao longo das interações. É importante destacar que os encontros
entre os interagentes não se caracterizam, conforme discutido por Vas-
sallo e Telles (2009), como um bate-papo, um estudo autodirigido ou
uma aula particular. Logo após essas interações, os alunos realizam
as sessões de mediação, definidas por Salomão (2012, p. 20) como:
[...] encontros entre o interagente (aluno universitário prati-
cante de teletandem) e o mediador (aluno de pós-graduação)
para que possam discutir aspectos relacionados à prática do
interagente e refletir juntos sobre as dúvidas e os problemas

141
encontrados no ensino e aprendizagem de línguas nas ses-
sões de teletandem, questões culturais, assim como possíveis
impasses entre parceiros.

Essas mediações acontecem logo após as interações, e seus


objetivos são possibilitar aos mediadores que, na maioria das vezes,
são professores de L.E do interagente ou um aluno de pós-gradua-
ção, buscarem formas de intervir, no intuito de “auxiliar na potenciali-
zação do processo de ensino e aprendizagem proposto pelo Teletan-
dem” (CARVALHO, RAMOS, 2017, p. 752). Além do mais, ele poderá
suscitar aspectos linguísticos e interculturais que ficaram em evidên-
cia, ou não, ao longo dos encontros. Essa possibilidade de interven-
ção leva os aprendizes a refletir sobre estratégias de aprendizagem,
negociação de maus entendidos e problemas que venham a surgir ao
longo do processo de ensino-aprendizagem da L.E no Teletandem.

O Teletandem, segundo Kfouri-Kaneoya (2008, 2009), Telles


(2009a), Vieira-Abrahão (2010) e Silva e Souza (2020), é um contexto
propício também para a formação de professores. Essa percepção se
dá devido à inserção da prática telecolaborativa como uma possibilida-
de de melhorar a proficiência na língua estudada, a fim de desenvolver
a competência linguística e intercultural com falantes de diferentes lín-
guas (CARVALHO; RAMOS; MESSIAS, 2017).
SUMÁRIO Nessa perspectiva, Carvalho, Ramos e Messias (2017) asse-
veram que o Teletandem consiste em um espaço formativo híbrido e
complexo. Ele expande o contexto de instrução da sala de aula, pois:
[...] insere os estudantes em um ambiente diferenciado, tão
importante e necessário para o desenvolvimento de múltiplas
competências: competência linguístico-discursiva, competên-
cia didático-metodológica, competência intercultural/sociocul-
tural e competência tecnológica (a qual se mostra igualmente
relevante nos meios educacionais, em função das transforma-
ções sociais pelas quais passamos). (CARVALHO; RAMOS;
MESSIAS, 2017, p. 81).

142
Segundo Telles (2009a), as tecnologias promoveram uma me-
tamorfose nos contatos interlinguísticos e, desta forma, o Teletandem,
dentro da formação de professores, possibilita “a educação dos pro-
fessores de línguas estrangeiras tendo em vista os novos panoramas
das sociedades que se informatizam” (TELLES, 2009b, p. 67).

Não obstante, de acordo com Brammerts (2002), citado por


Salomão (2006), há várias modalidades nas quais o desenvolvimento
do Teletandem nas Instituições de Ensino (IE) pode ocorrer. Essas
ocorrências variam de acordo com cada contexto e com os acordos
estabelecidos entre os parceiros, tais como: não-institucional, realizado
sem nenhuma formalidade e apoio das instituições; o semi-institucional,
apenas um participante tem suas interações reconhecidas por uma
instituição; e institucional, quando as interações são reconhecidas e
realizadas pelas instituições escolares e universitárias dos participantes.

A prática institucional se divide em integrado e não-integrado. O


(tele)tandem institucional integrado configura-se quando as interações
são reconhecidas e estão associadas às grades curriculares dos
cursos da instituição. Já o (tele)tandem institucional não-integrado
configura-se quando existe o apoio para a realização das interações,
mas sem reconhecimento curricular.

SUMÁRIO Essas modalidades fazem com que enxerguemos em qual


contexto e modalidade as práticas de Teletandem são ou poderão ser
desenvolvidas nas Universidades.

O TELETANDEM NO NORDESTE

O Teletandem tem acontecido, predominantemente, no eixo Sul-


Sudeste, como uma prática consolidada na UNESP, iniciada em 2006,
a partir do projeto temático Teletandem Brasil, ligado aos campi de

143
Assis, São José do Rio Preto, Araraquara e Marília, no estado de São
Paulo e, mais recentemente, na Universidade Estadual do Norte do
Paraná (UENP)38. Porém, ao longo desses quinze anos, o Teletandem
tem sido integrado a outras universidades do Brasil, em que linguistas
aplicados de diferentes regiões, comungando das teorias e ideias
dessa prática telecolaborativa, têm desenvolvido projetos de extensão,
ensino e pesquisas em suas universidades (SILVA; SOUZA, 2020).

Funo (2019, p. 2) apresenta-nos um panorama da expansão do


Teletandem no contexto nacional.

Imagem 2 - Mapa de expansão do Teletandem.

SUMÁRIO
Fonte: Funo (2019).

Essas práticas (tele) colaborativas têm alcançado novos contex-


tos e ganhado novos praticantes devido à existência, ainda, de uma
grande deficiência referente aos níveis de proficiência nas Línguas
Estrangeiras, no que diz respeito à compreensão e produção oral de
graduandos de diversos cursos e, principalmente, os de formação de

38
Em Souza (2020), podem-se encontrar os relatos das primeiras experiências de
implementação do Teletandem, feitas em 2018 pela primeira vez, na Universidade Estadual
do Norte do Paraná (UENP).

144
professores de L.E. Dá-se, também, como uma possibilidade, através
da tecnologia, uma vez que “o contato direto com o estrangeiro via
aplicativos de mensagens instantâneas é essencial, dado o contato
restrito dos estudantes brasileiros de línguas estrangeiras com as co-
munidades estrangeiras.” (GARCIA, 2011, p. 88).

Salomão (2020, p. 59) acrescenta que “projetos telecolaborativo


têm se difundido cada vez mais na área de ensino e aprendizagem,
aproximando professores e alunos na busca de fomentar o comparti-
lhamento de ideias e a interculturalidade.” Assim, a realização do Tele-
tandem faz com que seja fornecido:
[...] um contexto no qual alunos universitários de graduação, bra-
sileiros e estrangeiros, possam interagir e aprender cada um, a
língua e a cultura do outro, com assistência pedagógica adequa-
da e por meio dos recursos de leitura, escrita, áudio e vídeo pro-
porcionados pelos aplicativos. (TELLES; VASSALLO, 2009, p. 54).

Na região Nordeste, contexto no qual nos situamos, o Teletan-


dem, ao longo dos anos, tem sido inserido e desenvolvido nas univer-
sidades públicas através de projetos de ensino, pesquisa e extensão.
A institucionalização dessa prática é realizada com o objetivo de pro-
mover o intercâmbio linguístico e intercultural, bem como a internacio-
nalização das universidades. Funo, Messias e Silva (2020, p. 23) cor-
roboram tal visão e ratificam, inferindo que a expansão do Teletandem
SUMÁRIO
“enriquece sua abrangência, abre novos caminhos para a pesquisa e
para o aperfeiçoamento das reflexões teóricas sobre a aprendizagem
de línguas, cultura, formação docente e tecnologia no século XXI”.

Assim, a prática (tele) colaborativa na região do Nordeste, até


o momento em que este artigo é escrito, esteve ou está presente em
cinco estados, a saber: Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte,
Sergipe e Paraíba39.
39
Agradecemos a todos os professores e professoras que gentilmente responderam os
nossos e-mails a respeito de alguns questionamentos, nos repassando informações
importantes sobre a inserção e a prática do Teletandem em suas Instituições de Ensino.

145
No estado da Paraíba, a prática do Teletandem está presente,
ou já esteve, em três instituições: Universidade Estadual da Paraíba,
Universidade Federal de Campina Grande e Instituto Federal de Edu-
cação, Ciência e Tecnologia da Paraíba. De acordo com as nossas
investigações e através das produções acadêmicas na área (SOUZA,
2015; SOUZA, 2016a, 2016b; LINS; SOUZA, 2016; SOUZA; SOUZA,
2016, dentre outras), acreditamos que a Paraíba foi o primeiro estado
do Nordeste a desenvolver as interações no Teletandem.

O desenvolvimento das primeiras interações aconteceu na


Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), no Campus IV, localizado
na cidade de Monteiro, através do projeto interinstitucional “Teletan-
dem UEPB” (SOUZA, 2015), coordenado pelo professor Dr. Fábio
Marques de Souza. Nesse momento inicial, o projeto já contava com
a colaboração de várias instituições: Universidade Estadual da Pa-
raíba - Campus de Monteiro e Campina Grande; Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB) – Campus de Mon-
teiro; Universidade Federal de Pernambuco (campus de Caruaru),
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e o
Instituto de Idiomas de Salta na Argentina.

Segundo Silva e Souza (2020, p. 91), o projeto inicial surgiu de-


vido às poucas oportunidades que os alunos de espanhol possuíam
SUMÁRIO de praticar a língua fora do contexto universitário, em circunstâncias
reais ou verossímeis de comunicação. Posteriormente, após a reali-
zação de interações, parcerias com instituições nacionais e interna-
cionais, reflexões acerca dos pontos positivos e negativos, o projeto
inicial é ampliado e passa a ser denominado “INTERCULT: Apren-
dizagem colaborativa e intercultural de Línguas via Teletandem”. O
contexto principal das atividades desse novo projeto é o Campus de
Campina Grande (SOUZA, 2016b).

Assim, com a consolidação das práticas telecolaborativas na


instituição, passaram a ser realizadas, também, no âmbito da exten-

146
são, na pesquisa, através da Iniciação Científica (PIBIC), dissertações.
O ensino foi efetivado com a integração do Teletandem ao curso de
Licenciatura em Letras – Espanhol, no Campus de Campina Grande,
através do Componente Curricular “Práticas de intercâmbio linguístico-
-cultural via Teletandem”, de caráter eletivo, com carga horária de 60
horas (SILVA; SOUZA, 2020).

Ainda no contexto paraibano, o Teletandem, conforme visto an-


teriormente, também está presente no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). Inicialmente, a prática foi rea-
lizada no Campus de Monteiro, com a colaboração da professora Ana
Luiza de Souza (SOUZA; SOUZA, 2016)40 e, posteriormente, ganha no-
vos contextos na instituição. No ano de 2017, o Teletandem também
passa a ser realizado no Campus de Patos do IFPB, sob a coordena-
ção da professora Me. Ana Caroline Pereira da Silva.

Nesse ambiente, diferente das práticas realizadas em outras


instituições, onde os participantes são alunos da graduação ou da
pós-graduação, as interações no IFPB são feitas com discentes da
educação básica, isto é, estudantes do Ensino Técnico Integrado ao
Ensino Médio (SILVA, 2018, 2020)41. Essa característica nos parece
relevante, pois dá ao Teletandem novas possibilidades de estabelecer
interações, de ensino-aprendizagem colaborativo e de pesquisa.
SUMÁRIO
Na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a prática
do Teletandem é recente. A primeira oferta aconteceu no segundo se-
mestre de 2020, de outubro a dezembro, durante a pandemia do CO-
VID-19, através de um projeto-piloto, coordenado pela professora Drª
Isis Milreu e pela professora Drª. Lorena Gois de Lima Cavalcante. Essa
primeira experiência foi fruto da colaboração da UFCG com a UNESP,

40
Atualmente, o IFPB, no campus de Monteiro, não realiza mais o Teletandem.
41
A professora Ana Caroline Pereira da Silva realizou a primeira pesquisa de mestrado em
que as interações do Teletandem foram feitas com alunos do Ensino Técnico Integrado ao
Ensino Médio. Para saber mais a respeito, cf. Silva (2018, 2020).

147
que forneceu o suporte logístico e pedagógico, e da Universidad del
Caribe, campus de Cancún, que viabilizou a participação de alunos
mexicanos para a interação do par linguístico português-espanhol.

No estado do Ceará, o Teletandem está presente na Universidade


Regional do Cariri (URCA), campus Pimenta, na cidade do Crato. A prá-
tica telecolaborativa foi iniciada em 201942, coordenada pelo professor
Dr. Guilherme Mariano Martins da Silva, através do trabalho colaborativo
entre três instituições: UNESP, que forneceu o suporte no que tange ao
conhecimento logístico e teórico; Georgetown University, que disponibili-
zou interagentes estrangeiros e ofertou suporte pedagógico; e a URCA,
que foi o contexto no qual o projeto foi desenvolvido pela primeira vez.

Em publicação recente sobre as primeiras ações de institucio-


nalização do Teletadem na URCA, Funo, Messias e Silva (2020) pon-
tuam que foram desenvolvidas duas ações para que esse processo
acontecesse, a saber: a) a aprovação do projeto de PIBIC intitulado
“TELETANDEM URCA: cultura, discurso e tecnologias da educação nas
interações telecolaborativa”; b) a aprovação do projeto de extensão “Te-
letandem na Urca”, com bolsa de extensão. Essas ações contribuíram
para a realização das interações na universidade do Cariri, no primeiro
semestre de 2019, bem como a continuidade do projeto na instituição.

SUMÁRIO No Rio Grande do Norte, o projeto (tele) colaborativo é de-


senvolvido na Universidade do Rio Grande do Norte (UFRN), no
campus Caicó, desde 2018, sendo coordenado pelo professor Me.
Ronny Diogenes de Menezes. A primeira prática aconteceu no con-
texto do Tandem, realizada através do projeto de extensão “Tandem
Libras/Português: Aprendizagem colaborativa de línguas” e segue
atualmente sendo realizada na instituição.

42
Para saber mais a respeito do processo de institucionalização do Teletandem na URCA, ler
Funo, Messias e Silva (2020).

148
Diferentemente das outras propostas desenvolvidas nas uni-
versidades citadas anteriormente, o Tandem na UFRN apresenta um
aspecto singular, pois é realizado como mediador do ensino e apren-
dizagem de Libras e de Português para a comunidade surda e alunos
dos cursos de graduação. Nesse contexto específico, as interações
acontecem presencialmente, utilizando o contexto virtual somente para
a realização de atividades no Moodle.

No estado do Pernambuco, a Universidade Federal Rural de


Pernambuco (UFRPE) iniciou as primeiras práticas de Teletandem em
2020, através do Núcleo de Internacionalização (NINTER) do Instituto
de Inovação, Pesquisa, Empreendedorismo, Internacionalização e
Relações Institucionais – Instituto IPÊ, como ações de mobilidade
internacional. Na sua primeira versão, o Teletandem na UFRPE, sob
a coordenação da professora Drª. Julia Larré e do professor Dr. Júlio
Vila Nova, foi realizado no segundo semestre de 202043, por meio de
um projeto-piloto, em colaboração com a Georgetown University. Essa
versão propiciou a oportunidade para que alunos da graduação e da
pós-graduação pudessem realizar as interações.

A primeira versão, segundo o edital disponibilizado, ofertou 15


vagas, 10 para estudantes que desejassem interagir na língua inglesa
e 5 para as interações em língua espanhola. O projeto-piloto44 previa a
SUMÁRIO realização de oito encontros, totalizando 8 horas de carga horária. Em
contato com a coordenação do projeto, a segunda oferta do Teletan-
dem na URFPE aconteceu nesse primeiro semestre de 2021, com o
objetivo de institucionalizar as práticas telecolaborativas na instituição.

43
O edital para a seleção dos estudantes na instituição pode ser conferido através do site:
http://www.ufrpe.br/sites/www.ufrpe.br/files/Edital%2002-2020-NINTER-IP%C3%8A.pdf
44
Em contato com a coordenação do projeto através de e-mails, a segunda oferta do
Teletandem na URFPE acontecerá nesse primeiro semestre de 2021, com o objetivo de
institucionalizar a prática telecolaborativa na instituição.

149
Em Sergipe, o Teletandem foi realizado45 na Universidade Fede-
ral de Sergipe (UFS), através de um projeto piloto realizado entre janeiro
e fevereiro de 2019. A iniciativa dessa proposta aconteceu como parte
de uma pesquisa do Trabalho Final de Curso, realizado por Botellho
(2019, 2020), para a Especialização em Multiletramentos na Educação
Linguística e Literária em Espanhol, ofertada pelo Departamento de Le-
tras Estrangeiras (DLES) e o Programa de Pós-Graduação em Letras.

As interações aconteceram no par linguístico português-es-


panhol, com a participação de alunos brasileiros do curso de Letras
Espanhol e alunos equatorianos do curso de Português para Estran-
geiros do Instituto de idiomas Casa Brasil Internacional de Quito, no
Equador. Segundo Botelho (2019; 2020), as atividades do projeto pi-
loto foram realizadas nas seguintes etapas: a) minicurso de caráter
teórico e explicativo, com o objetivo de evidenciar os princípios do
Tandem e a proposta do projeto; b) oito sessões de interações via
Skype, em que os aprendizes brasileiros interagiram do laboratório
de línguas do Departamento de Letras Estrangeiras (DLES) na UFS, e
os aprendizes equatorianos de suas casas; e c) encontro presencial
com os discentes do curso de Letras Espanhol para finalizar o projeto.

Visualizamos, a partir dessa breve cartografia, que, dentre os


estados que compõem o Nordeste, quatro deles ainda não integra-
SUMÁRIO ram ou estão em fase de integrar as práticas de Teletandem às suas
universidades, a saber: Alagoas, Bahia46, Maranhão e Piauí. Apesar
desse contexto, observamos que este cenário se apresenta significa-
tivo, pois evidencia que a prática (tele) colaborativa, iniciada e con-
solidada no eixo Sul-Sudeste, tem-se expandido e alcançando novos
espaços, novos pesquisadores e novas reflexões sobre o aprender e
ensinar línguas através de tecnologias digitais.
45
Até o presente momento em que este artigo foi escrito não temos conhecimento sobre a
manutenção do desenvolvimento do Teletandem na instituição ou em outra no estado.
46
A Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus I – Salvador, está iniciando os trâmites
com a Universidad Nacional de Asunción (UMA) para a realização do Teletandem nas duas
instituições, entre os alunos do curso de Licenciatura em Letras-Espanhol, Campus I,
Salvador da UNEB e os do curso de Licenciatura em Língua Portuguesa da UMA.

150
CONCLUSÃO

Neste capítulo, refletimos sobre as práticas (tele) colaborativas,


de forma específica o Teletandem, como um contexto virtual, autônomo
e colaborativo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras,
consolidado no eixo Sul-Sudeste, de forma específica na UNESP,
mas que tem alcançado novos contextos no território nacional. Para
isso, apresentamos um panorama da presença e desenvolvimento
do Teletandem no Nordeste em Instituições de Ensino, discutindo a(s)
forma(s) que a prática telecolaborativa tem sido realizada.

Para tanto, descrevemos a presença do Teletandem nos esta-


dos da Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte e Ceará.
Essa inserção e realização das interações no Teletandem, de acordo
com os interesses e objetivos das instituições, tem sido efetivada
como forma de internacionalização, de promover o desenvolvimento
da compreensão e produção oral dos estudantes da graduação e
pós-graduação. A partir da aprendizagem de línguas estrangeiras,
através de interações com falantes nativos que estão distantes geo-
graficamente, o teletandem objetiva também a interculturalidade,
bem como a formação de professores.

SUMÁRIO Nesse sentido, caracterizamos a Universidade Estadual da Pa-


raíba como a primeira instituição no âmbito do Nordeste a desenvolver
o Teletandem no contexto de ensino, através do Componente Curri-
cular “Práticas de intercâmbio linguístico-cultural via Teletandem”, no
curso de Letras Espanhol, no Campus I; de extensão, com o projeto
INTERCULT, e na pesquisa, com a realização de investigações na Ini-
ciação Científica, TCC, Dissertações e Teses (SILVA; SOUZA, 2020).

Outrossim, verificou-se que em outros estados há universidades


que estão iniciando suas atividades no Teletandem, realizando os acor-

151
dos legais com as instituições estrangeiras colaboradoras, para que a
prática telecolaborativa seja efetivada e as interações realizadas.

Em estudos anteriores (SOUZA, 2016a; 2016b; SILVA; SOUZA,


2020; SILVA, 2020), já refletíamos sobre a institucionalização, a integra-
ção e o desenvolvimento das interações do Teletandem em outras uni-
versidades, a partir de nossas experiências na Universidade Estadual
da Paraíba, no desejo de que nossas experiências compartilhadas con-
tribuíssem para estudos e práticas relacionadas ao Teletandem. Assim,
faz-se necessário que nossas reflexões, geradas a partir de nossas
vivências no Teletandem, sejam compartilhadas através de uma rede
de colaboração entre os pesquisadores e professores das Instituições
de Ensino, para que novos linguistas aplicados se sintam inspirados e
integrem essas experiências a outras universidades do Brasil.

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SUMÁRIO

155
8
Capítulo 8

Linguagem multimidiática
na sala de aula

Julio Neves Pereira

Julio Neves Pereira

LINGUAGEM
MULTIMIDIÁTICA
NA SALA DE AULA

DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.156-176
INTRODUÇÃO

No presente texto, discutimos acerca da importância do en-


sino e da aprendizagem da linguagem multimidiática (DALEY, 2010)
nas aulas de Língua Portuguesa, tendo em vista que ela deve ser
considerada, nos dias atuais, uma linguagem vernacular, cujo não
domínio crítico e sistemático pode vir a acarretar em uma espécie
de analfabetismo funcional. Objetivamos, com isso, de um lado, re-
fletir sobre o ensino de leitura e produção textual em tempos de
tecnologias digitais; de outro, apresentar perspectivas teóricas cal-
cadas em categorias da sociossemiótica e da Pedagogia dos Mul-
tiletramentos, bem como apontar caminhos para o ensino de textos
multimidiáticos com vista a seu letramento. As categorias socios-
semióticas aplicadas na perspectiva dos multiletramentos são um
instrumento importante para a didatização do texto multimidiático.

A ECOLA QUE CONHECEMOS

Na sociedade, encontramos, de um lado, as agências e seus


sujeitos investidos de poder e legitimidade para veicular os discursos
SUMÁRIO
especializados e padronizados. De outro, letramentos ligados ao co-
tidiano das pessoas, portanto afastados das agências formais. Nos
espaços de outros letramentos, não há um centro regulador e de re-
ferência institucionalizado, pois estão ligados diretamente a culturas
locais, e a sua consequente heterogeneidade. Aqui, ficam evidentes a
alteridade, a diversidade e as identidades multifacetadas, em contraste
com o eixo de referência idealizado como homogêneo e único.

A escola é o lugar do contraditório, por mais que essa condição


esteja camuflada. Embora ela seja uma daquelas agências que contri-

157
buem para a cristalização de valores e crenças, nela, outros letramentos
coexistem. Isso é consequência direta da democratização do ensino,
com acesso popular à educação pública brasileira. Os letramentos fora
do centro (descentramento) passam a conviver com os institucionaliza-
dos. A homogeneidade é fraturada. O ambiente passa a ser o da diver-
sidade, tornando o espaço escolar o lugar do híbrido e da pluralização
das diferenças, mantendo, evidentemente, o constante conflito decor-
rente dessa coabitação espacial. Ou seja, há dois currículos em coe-
xistência: um legitimado (centro) e outro sem legitimação (periférico).

Em um, há conteúdos, metodologias, instrumentos de aprendi-


zagem vinculados aos letramentos institucionalizados e padronizados.
Em outro, em posição diametralmente oposta, há práticas existentes
fora de um centro de referência e de legitimação: músicas, danças,
textos com temáticas próprias, outros modos de relacionamento com
tecnologias, outros projetos de significação. Aqueles fazem parte de
um currículo construído a partir de uma realidade idealizada, cujo mo-
vimento constante é o da autopreservação. Estes fazem parte da vida.
Seu movimento é dinâmico e de resistência, no sentido dado por Sou-
za (2011). Na perspectiva de Canclini (2015), ao tratar de desterritoria-
lização e hibridação, essa coexistência evidencia as fronteiras.

Deve-se compreender a presença dessas duas forças no espa-


SUMÁRIO ço escolar, e, consequentemente, assumir uma perspectiva curricular
que permita sua articulação, voltando-se para um ensino-aprendiza-
gem que construa ações cidadãs a fim de que se respeitem os outros
saberes, ao mesmo tempo em que se atraia os aprendizes para outros
modos de ser, outras formas de viver, fazendo com que as comunida-
des escolares sejam o espaço da democratização e da transformação.

Os contrários corporificados na escola estão interligados no


sentido de que ela é o espaço da contradição, dos conflitos perma-
nentes. A flexibilização curricular, rumo à coesão pela diversidade, é
importante nos dias de hoje para revisão do letramento escolar (tra-

158
dição). Em princípio, todos devem ter acesso à escola obrigatória, no
entanto, como defende Souza (2011, p.157) ao tratar sobre letramen-
tos de reexistência, os letramentos que se moldam distantes deste
eixo constituem-se também como resistência, na medida em que
permitem redimensionar identidades, ressignificar papéis e lugares
sociais atribuídos por uma sociedade marcada por desigualdades
raciais, linguísticas, culturais e sociais.

É preciso uma pedagogia que leve em consideração a apren-


dizagem situada. Temos que partir do contexto de vivência do aluno,
valorizar e incorporar suas experiências, situando toda atividade de
aprendizagem em um contexto demarcado pela coexistência curricular
voltada para a diversidade cultural e linguística. A aprendizagem, na
visão da teoria da aprendizagem situada, é entendida como uma ativi-
dade ligada ao contexto e que possui como característica fundamental
um processo denominado participação periférica legitimada. “[...] é um
processo de participação em comunidades de prática, participação
essa que é inicialmente periférica legitimada e gradualmente aumenta
em complexidade e engajamento” (GUDOLLE, L. S. & FLACH, L., p.2).

Ao introduzir as práticas multiletradas (concretizadas em gê-


neros discursivos de várias esferas) consideradas importantes para a
formação do aluno, embora não façam parte de seu mundo textual-dis-
SUMÁRIO cursivo, ou de suas paisagens textuais (BAZERMAN, 2011), os profes-
sores precisam construir as pontes necessárias entre estes currículos
(o formal e o informal), a fim de que o estranhamento inevitável para
com o mundo cultural e discursivo de determinadas práticas a serem
aprendidas passem a fazer parte da vida dos estudantes de forma
significativa. Para tanto, é necessário proporcionar-lhes familiarização
e domínio desse novo mundo textual, sem, contudo, criar terreno fértil
para a negação de si; ao contrário, para o reforço de sua identidade.

Nesse processo de desterritorialização (GARCIA CANCLINI,


2015), em que se sai do lugar de origem (o território), assumindo um

159
olhar estrangeiro para com as coisas a sua volta, o estudante deve
passar a movimentar-se em direção aos novos saberes, menos insti-
tuídos em sua vida, para adotar uma percepção diferenciada, estan-
do, assim, pronto para descobrir novas ideias para além das previstas
em sua comunidade. Ou, na perspectiva da Pedagogia dos Multiletra-
mentos, o aprendiz de linguagem pode vir a ser capaz de, criticamen-
te, reprojetar tais práticas em outros contextos. Nesse sentido,
[...] Esta perspectiva teórica enfatiza o aprendizado como um
entendimento social e histórico-cultural que compreende a pes-
soa em sua totalidade na sua relação com a comunidade em
que se situa, e não como um ser que se sujeita ao papel de re-
ceptor de um corpo de conhecimento sobre fatos relacionados
ao mundo. Assim, a abordagem da aprendizagem situada bus-
ca entender a atividade dentro e com o mundo, vislumbrando o
agente, a atividade e o mundo como sendo mutuamente consti-
tutivos e inter-relacionados (GUDOLLE, L. S. & FLACH, L., p.2).

E isso é possível porque é característico do sujeito social ter


as competências necessárias que lhe permitam interagir com o outro
nas diversas práticas sociais, manipulando os textos vinculados que
estão em sua vida e os que irão circular a partir das diversas práticas
sociais em que se engajará, considerando que “[...] a integração en-
tre aprendizagem formal e informal é necessária para a criação das
capacidades, tanto no indivíduo como no grupo” (GUDOLLE, L. S. &
SUMÁRIO FLACH, L., p.3). Por isso, as escolhas docentes não devem estar invi-
síveis aos olhos do aprendiz (BAZERMAN, 2011), tratando-o segundo
aquela concepção de ensino em que o aluno deve ser considera-
do um saco vazio a ser preenchido. O aprendiz da linguagem deve,
ao contrário, ser considerado sujeito ativo, situado, que possui suas
próprias coleções (musical, literária, etc.), que traduzem, em alguma
medida, sua identidade social e o vinculam a sua comunidade. Essa
escolha, por isso, não pode pressupor que todos os textos comparti-
lham as mesmas estruturas e singularidades; que os letramentos são
idênticos no modo de acontecer, implicando a ideia de monologia.

160
Não se pode desconsiderar o modo como os alunos lidam com os
textos, a direção na qual estes sujeitos estão indo e seus sentimentos
a respeito dos lugares que lhes indicamos.

Assim, a partir dos pressupostos até aqui tratados em relação


ao ensino-aprendizagem das práticas de leitura e escrita, ao se pen-
sar naquilo que julgamos pedagogicamente caro a nossos alunos, é
importante uma metodologia que não perca de vista os princípios ne-
cessários à formação do leitor e produtor de texto em um mundo cada
vez mais globalizado, diverso e tecnológico.

AS PRÁTICAS MULTILETRADAS
NO COTIDIANO DAS PESSOAS:
NOVOS MODOS DE SER E DE VIVER

De acordo com Pereira (2019), Benjamin previu, em seus es-


tudos da obra de arte, a relação entre tecnologia e o surgimento de
novos meios de produzir semiose, como também o quanto tal surgi-
mento implicava novas formas de ação comunicativa. Isso nos mos-
tra que as forças criativas humanas motivadas na e pela interação
homem e máquina implica também no aparecimento de modos dife-
SUMÁRIO
rentes de criação (SANTAELLA,1979).

E isso evidencia que estamos entremeados por vários signos


que nos alcançam de muitas maneiras por meio dos vários suportes.
E disso decorre o descentramento das subjetividades. Novas organi-
zações se formam em novas comunidades, evidenciado suas vozes
que amplificam identidades, modos de ser e de viver. Nesse sentido,
lembrando que, para Bakhtin (2003), todo signo é ideológico, e que
emerge do processo de interação entre consciências individuais im-
pregnadas de conteúdo ideológico, é preciso afirmar que a multipli-

161
cidade semiótica desencadeada pela cibercultura e a força assumida
pela diversidade cultural requer olhar crítico no sentido na perspectiva
da Pedagogia dos Multiletramentos.

Estamos, como lembra Pereira (2018), engajados nas diversas


práticas sociais multiletradas, manipulando e negociando constante-
mente semioses. Estamos diante de novos letramentos decorrentes do
surgimento dos novos sistemas de significação, o que acarreta mudan-
ças (paradigmáticas) na educação e a consequente necessidade, em
nosso caso, de repensar o ensino e a aprendizagem da leitura e da escri-
ta (sem negligenciar os velhos problemas que habitam essa temática).

A linguagem multimidiática está em nosso cotidiano há muito


tempo. As pessoas fazem uso cotidiano dessa linguagem em vários
momentos de suas vidas sociais. Isso graças aos avanços das tecnolo-
gias digitais e de disseminação, que faz com que se atinjam, inclusive,
as camadas mais populares. E mais: as pessoas, mesmo sendo ama-
doras, têm tido acesso e domínio de muitas técnicas antes restritas a
determinados especialistas. Hoje, caseiramente, se produzem vídeos,
memes estáticos, animados, Gifs e tantas outras formas de comunica-
ção. E fazem isso com a finalidade tanto de entreter, parabenizar, criti-
car, como, infelizmente, de fazer bullying, desinformar, construir pós-ver-
dade, incitar ódio, entre outras intenções comunicativas nada cidadãs.
SUMÁRIO
Essa presença forte e constante evidencia o que estudiosos da
linguagem já vêm apontando há algum tempo: não lemos nem produ-
zimos textos mais do mesmo jeito. Ou dito de forma mais geral: não
utilizamos em nossas interações sociais o sistema semiótico escrito do
modo tradicional. Barton (2015, p.13) refere-se a este momento como
aquele em que a língua (modalidades oral e escrita) assume papel
fundamental nas mudanças contemporâneas, ao mesmo tempo em
que por elas é afetada e transformada. Isso está em nosso cotidiano
profissional ou familiar. Mesmo quando nos encontramos em espaços
discursivos em que a comunicação oficial é realizada utilizando-se do

162
modo escrito (no suporte papel) e do modo oral, estamos com os dis-
positivos ligados acessando conteúdos pela tela, interagindo com in-
terlocutores por meio de imagens, abreviações, sinais gráficos para ex-
pressar conteúdos (por meio de palavras), combinadas com imagens


que, muitas vezes, marcam nossa avaliação acerca do conteúdo ex-
presso verbalmente, exemplo: “Começou a aula / Ele chegou ^^”.

Daley (2010) tem defendido que a linguagem multimidiática da


tela se transformou no vernáculo corrente pelo motivo de que, a todo
o momento, como sinalizamos acima, estamos diante dessa tela para
vivenciarmos, por meio dela, as experiências humanas compartilha-
das por imagens, palavras, cores, movimentos e sons. Essa realidade
é tão pujante que, cada vez mais, nós usuários vamos percebendo
aquilo que os poetas já sabiam: a palavra nem sempre consegue ma-
terializar com precisão aquilo que se quer dizer. Os poetas driblam
a língua nela mesma para tentar fazê-la dizer, presentificar (fazer ser
como é naquele momento, naquele lugar) a emoção, o sentimento.
Mas, no cotidiano, nem sempre temos a eficácia da língua em sua
função informacional. Assim, usa-se a imagem para dizer mais e me-
lhor. Muitas vezes, temos que explicar, reexplicar, e sempre sabendo
que os ruídos poderão agir em sentido ao surgimento de significados
não pretendidos (a comunicação é intersubjetiva). A imagem, ela mes-
ma, muitas vezes, consegue, como efeito de sentido, (re)apresentar a
SUMÁRIO
realidade o mais próximo de sua verdade (Naturalismo), de modo que
vemos o que parece ser de fato, diminuindo os ruídos. Evidentemente,
não estamos deixando de considerar a função poética (retórica) da
imagem no sentido de que ela também, dependendo das intenções,
produz ambiguidade. Mas aqui, queremos ressaltar a força da ima-
gem de presentificar o objeto (por exemplo, um vídeo como prova de
que uma pessoa apertou deliberadamente o botão referente ao nono
andar, e deixou uma criança sozinha no veículo). E em combinatória
com outras semióticas, se potencializa a comunicação.

163
O LETRAMENTO MULTIMIDIÁTICO
E O LETRAMENTO TRADICIONAL

Nos últimos tempos, dado esse contexto, tem ganhado força


a ideia de que crianças e jovens, por estarem imersos no mundo
digital, ou dito de outra forma, por serem nativos digitais (PALFREY;
GASSER, 2011), já são letrados suficientemente para lidar com a
nova realidade comunicacional, visto que, com muita desenvoltura,
remixam, sampleam, jogam online, recebem e compartilham memes.
Mas, não têm o letramento da letra, pois pouco escrevem e leem com
desenvoltura as letras impressas nos livros, jornais, revistas, etc. Tem
sido fala comum que cada vez mais o uso e a exposição constante
a outras semióticas, que não seja a verbal escrita (exclusivamente),
vêm piorando o quadro, agravando o analfabetismo funcional (diga-
se, de passagem, que a imagem é considerada a mais vilã). Quem
faz essa defesa acredita que a saída para o problema é a professora
aproveitar a capacidade multiletradas de seus alunos para atraí-
los para o mundo das letras (ler os grandes clássicos, etc.), dessa
forma, os Multiletramentos poderiam auxiliar os alunos no letramento
vernacular tradicional, incentivando a leitura de livros considerados
importantes para a formação do cidadão.
SUMÁRIO
Temos visão contrastante a essa compreensão do fenômeno.
Não cremos que a presença da internet na vida das pessoas tenha
ou esteja dificultando a aprendizagem da escrita (o tal internetês) e,
pela presença intensa de imagens, faz com que se leia (o texto escrito)
cada vez menos, numa espécie de preguiça aguda. Nossos índices
de analfabetismo funcional sempre foram enormes. Não é de hoje que
professores universitários reclamam da formação do perfil de alunos
que têm chegado à universidade. Não nos parece, a princípio, que o
surgimento da internet e, mais especificamente, da tecnologia digital,
tenha causado isso ou mesmo intensificado o problema.

164
Muitas pesquisas vêm demonstrando que o jovem nunca leu
e escreveu tanto quanto nesses últimos tempos. Nunca a questão
da autoria esteve tão evidente. Certamente, não estamos falando so-
mente da leitura dos clássicos (cânones), mas também dos textos
que circulam no ciberespaço e fazem parte das coleções (GARCIA;
CANCLINI, 2015) de nossos alunos. Estamos falando do currículo
que vai sendo construindo no cotidiano das pessoas a partir das no-
vas práticas sociais, que vão se tornando legítimas e necessárias
para ser e viver. São leituras e escritas situadas, portanto, significa-
tivas. Há outras pesquisas que mostram também que jovens estão
aprendendo a ler para conseguir jogar, ampliar suas habilidades para
obter maior pontuação em cada jogada. Acessam tutoriais, inclusive,
em língua estrangeira (sem contar o uso de videotutoriais). Então,
para nós, a questão não é o uso cotidiano da linguagem multimidiáti-
ca presente no ciberespaço, e por extensão, a massiva presença da
imagem. Há questões infraestruturais, socioeconômicas e de investi-
mento em formação docente que impactam diretamente na formação
do bom leitor e bom do escritor. Ou seja, este problema é um proble-
ma estrutural, do qual não falaremos neste artigo.

Aquela saída apresentada para o problema, referida mais aci-


ma, a nosso ver, apresenta um ponto de partida, para nós, temeroso,
pois ela pressupõe que: a) o aluno (nativo digital) domina tanto os
SUMÁRIO
recursos midiáticos como a própria linguagem multimidiática; b) na
manipulação dessa linguagem, a eficácia comunicativa está garantida;
c) o aluno é um sujeito que se coloca criticamente diante dos textos
multimidiáticos, o que pressupõe que percebe as relações entre ima-
gens, palavra e som, etc. Isso não é necessariamente sinalizado em
nossas pesquisas. É preciso dizer que, mesmo os reconhecidamen-
te letrados no vernáculo tradicional (letrados da letra), quando lidam
com a linguagem multimidiática, criando vídeos, memes, etc., o fazem
mecanicamente, pois dominam o recurso tecnológico, estratégias (in-
tuitivas) de combinar semioses, sem, contudo, perceber/entender os

165
jogos sociossemióticos que estão ali, podendo se tornar um veicula-
dor de estereótipos, que reafirmam preconceitos e discriminações; e,
como leitores, se tornarem desinformados, manipuláveis.

O que nos parece é que essa ideia pode acarretar, em um fu-


turo bastante próximo, problema análogo ao que já vemos há algum
tempo no Brasil, no tocante ao perfil de leitor e escritor do texto ver-
bal: o analfabetismo funcional, resultado do processo de letramento
da letra com foco tão somente no domínio da tecnologia da escrita,
na aquisição do sistema alfabético-ortográfico e das convenções de
uso (gramática normativa). Não basta saber baixar um aplicativo de
edição, selecionar uma imagem, combinar com determinado conjun-
to de palavras ou frases, colocar uma música de fundo e acrescentar
uma voz. É preciso ir além do procedimento técnico e da intuição
(prática situada), que são etapas importantes, mas limitadas em se
tratando de formação de leitores e produtores de textos.

Em nossas pesquisas com alunos de periferia cursando o Ensino


Fundamental II, por exemplo, temos encontrado, além dos problemas
básicos ligados ao texto eminentemente verbal já conhecidos – difi-
culdades redacionais, de interpretação, problemas ortográficos, entre
outros –, problemas relacionados a textos constituídos pela linguagem
multimidiática: a) não observância da relações semânticas verbo-vi-
SUMÁRIO suais estabelecidas no texto; b) não percepção de como a imagem
carrega sentidos ideológicos (reforçados ou não pelo verbal), por ve-
zes preconceituosos, estereotipados. Ressalte-se isso tanto na leitura
quanto na escrita. Notamos isso, na nossa realidade soteropolitana, em
uma de nossas atividades, quando alunos e alunas negras, ao escolhe-
rem avatares (imagens) para produzirem uma H.Q, escolhiam sempre
as imagens de personagens brancos, ou sequer reclamavam de não
haver nenhuma imagem que os representasse racial e etnicamente.

O letramento multimidiático não exclui o letramento vernacu-


lar tradicional (o da letra). Para nós, esse caminho deve ser trilha-

166
do conjuntamente, em que a aprendizagem e o aprimoramento de
um signifique a aprendizagem e aprimoramento do outro, visto que,
como constatou Barton (2015), nunca se teve tanto contato com a
escrita como nos dias de hoje a partir da presença massiva das tec-
nologias digitais na vida das pessoas. Por isso, defendemos, com
o New London Group (2006), que desconsiderar ou negligenciar,
que haja um novo letramento vernacular (o letramento multimidiáti-
co) nas vidas das pessoas (portanto, de estudantes), pode levar o
aprendiz a não ter a oportunidade de melhor lidar com as práticas
de leitura e escrita nos dias atuais. Dessa forma, acreditamos que
a imersão do estudante no mundo das letras (seu letramento) e do
que se tem considerado um bom texto, não está atrelado, neces-
sariamente, à questão de os jovens terem contato com texto, com
presença constante de imagem em combinatória com palavra, entre
outras semioses. Cremos que o estímulo à leitura de clássicos na
agenda de leitura do estudante contemporâneo compreende outras
estratégias pedagógicas mais específicas: contextualização da es-
crita (em detrimento de uma forma canônica de se escrever); ques-
tionamento do que venha a ser um clássico (no sentido de cânone)
e o questionamento acerca de que cidadão queremos construir.

Afora os conhecimentos tecnológicos dos estudantes, adquiri-


dos em espaços não formais, a escola deve fornecer a eles estratégias
SUMÁRIO
que os permitam perceber o funcionamento sociossemiótico dos tex-
tos multimidiáticos e suas potencialidades comunicativas de manipu-
lação. Para nós, essa é a função premente da escola. Os aprendizes
devem estar em um ambiente que lhes proporcione práticas sistemá-
ticas de leitura de textos multissemióticos, como também combinar,
com coesão e coerência, desenhos, fotografias, esquemas, sons e pa-
lavras, interagir com arquivos de imagens fotográficas, clips de vídeo,
efeitos de som, voz, áudio, música, animação, não do modo como se
faz (sim, isso acontece em sala, mas de modo espontâneo, irrefletido
e sem compreensão das condições de produção), ao contrário, de

167
modo a torná-lo sabedor de sua ação de linguagem, percebendo que
sua subjetividade é construída a partir de outras subjetividades e isso
estará corporificado no modo de organização dos modos semióticos.
Desse modo, qualquer intervenção didático-pedagógica em
torno de textos multissemióticos tem que levar tais aspectos
em consideração seja uma intervenção na produção seja na
recepção, visto que exige um tipo de sujeito (produtor e leitor)
capaz de agir sobre as materialidades numa única enunciação,
percebendo suas potencialidades e suas limitações. E o pro-
fessor deve estar atento para isso. (PEREIRA, 2018, p.150-151)

Nessa perspectiva, defendemos a importância de estratégias,


construídas a partir de suporte teórico capaz de açambarcar tanto a
complexidade do objeto quanto o seu ensino no polo de sua produção e
recepção. O olhar sociossemiótico aponta caminhos para a didatização
da linguagem multimidiática, ou melhor, o letramento multimidiático (e
o da letra) uma vez que traz para o processo de ensino-aprendizagem
a noção de semiose, ou seja, como um signo se torna signo. Saber
disso é fundamental porque coloca o sujeito, que representa as coisas
do mundo e as comunica, consciente dos jogos sociossemióticos em
que está envolto quando imerso no processo de representação da
realidade e de sua comunicação. Como já dissemos no início, nossa
relação com o mundo e com as coisas do mundo se dá por meio dos
sistemas semióticos. Os conteúdos vivenciais, que envolvem as coisas,
SUMÁRIO
as pessoas, os processos, as circunstâncias, são semiotizados.

Os modos semióticos, na visão da Semiótica Social, se consti-


tuem como um sistema de significação, resultante das atividades hu-
manas sociais, que conformam contextos de situação e que dependem
do contexto de cultura em que a comunicação ocorre. De acordo com
Jewitt (2008, p.248-9), outro ponto importante a ser considerado é o en-
sino ostensivo de metalinguagens, a fim de que haja compreensão dos
processos de significação, isso considerando que o ponto de partida
para esse trabalho em ambiente escolar tenha como foco as práticas

168
situadas que envolvem, no contexto de aprendizagem, a imersão na
experiência dos alunos e em seus modelos disponíveis em suas vidas.

Na perspectiva da Pedagogia dos Multiletramentos, a aprendi-


zagem se dá por quatro universais, integrados e complexos: Prática
situada, Instrução Explícita, Enquadramento Crítico e Prática Transfor-
mada. É na Instrução Explícita que se preveem intervenções mais sis-
temáticas da professora e do professor, baseadas em uma metalin-
guagem dos designs construída pelo professor e pelos aprendizes, de
forma autônoma, criativa e crítica, transferindo e recriando designs de
significados de um contexto para o outro (COPE; KALANTZIS, 2000).
O cabedal teórico da Semiótica Social, como instrumental de análise,
pode contribuir para a construção dessa metalinguagem e, conse-
quentemente, com o letramento multimidiático. A Semiótica Social nos
apresenta quatro categorias semióticas: Presentacional (ou Apresen-
tação); Orientacional (ou Orientação); e Organizacional (ou Organiza-
ção) (LEMKE, 2008; 2010). Uma das funções sociossemióticas é a de
Apresentação do mundo, uma vez que os sistemas semióticos (verbal,
visual, gestual, sonoro etc.), que alcançam todas as práticas humanas,
possibilitam, de um lado, que a mente construa representações e, de-
pois, a apresentação desses conteúdos vivenciais, materializando-os
de acordo com possibilidades sensíveis de cada materialidade semió-
tica. Essa Apresentação dos conteúdos vivenciais se dá pelo Sistema
SUMÁRIO
de transitividade (participantes, processos, atributos, circunstâncias).

Outra função é a de Orientação dos conteúdos vivenciais. Diz


respeito, não mais à representação, mas à interação entre interlocuto-
res quando da comunicação daquilo que se representou na mente (os
conteúdos vivenciais). Ela se dá pelo sistema de troca e pelo sistema de
Avaliação. Ao orientar os conteúdos, uma série de variáveis se apresen-
ta: modo de interação, distanciamento social, poder, atitude. A interação
acontece como sistema de trocas, que são dois: a de bens e serviços,
e a troca de informações. No processo, um ato de fala corresponderá a

169
uma ação de responsividade. Nessa troca, os participantes evidenciam,
por meio do sistema: a relação de proximidade/distanciamento que as-
sumem na cena; as relações de poder, que marcam os lugares discursi-
vos dos particpantes; são revelados, ainda, atitude ou direcionamento,
engajamento e gradação em relação ao que se está apresentando.

A última função sociossemiótica é a Organização dos conteúdos


vivenciais. Ela é o momento em que as materialidades são dispostas no
texto de modo que haja a unidade dos elementos, com distribuição da
informação conforme seu valor (saliência) no discurso, cujos elemen-
tos estão em cooperação e dando consistência em termos da mensa-
gem global (coerente). Evidentemente, esses universais estão interli-
gados, e é na Organização que vemos como os conteúdos vivenciais,
ao serem comunicados, assumem um corpo discursivo significativo.

Essas categorias universais, aqui descritas rapidamente, nos


mostram que os sistemas sígnicos, em relação à representação e à co-
municação, têm funções e finalidades com as quais podemos traba-
lhar com nossos alunos, mostrando-lhes o funcionamento dos sistemas
em uso. Bem como, ela pode servir de suporte para a elaboração de
metodologia de didatização da aprendizagem do texto multimidiático,
tendo em mente que o ensino e aprendizagem da linguagem multimi-
diática, no processo de seu letramento, deve perseguir as respostas
SUMÁRIO para as seguintes questões: no texto, os significados se referem a quê
e a quem? (Presentacional); Como se relacionam os significados e as
pessoas envolvidas? Como avaliam e/ou julgam os significados; Quem
são os interessados por determinados significados produzidos? (Orienta-
cional); Como os significados estão coesos e coerentes? Quais e como
se hierarquizaram determinados significados um em função do outro?
(Organizacional). Com isso, e a partir disso, podemos inferir objetivos
e atividades que podem se tornar sistemáticos na prática do professor.

Ao trabalhar com textos pensando na Apresentação dos con-


teúdos ideacionais, ou seja, nos participantes, no processo, atributos

170
e nas relações lógico-semânticas neles presentes, no processo de (re)
apresentação das experiências vividas, poderemos hipotetizar o que é
necessário a ser dominado pela professora/professor para levar o alu-
no a perceber e a manipular as semióticas com intuito de presentificar
o mundo sociossemioticamente. Vejamos no quadro a seguir.

Quadro 1 - Presentacional.

PRESENTACIONAL
O domínio desse conhecimento permite ao professor:
• Saber reconhecer/estabelecer estratégias usadas pelas pessoas para
significar a realidade, dar sentido à sua experiência, aos acontecimentos
circundantes reais ou psíquicos.

Pergunta-guia: os significados se referem a quê e a quem? O que/quem está


representando?
Esse saber permitirá trabalhar com os alunos:
√ Os tipos de relações lógico-semânticas verbo-
visuais e outros modos semióticos.
√ As diferentes partes do texto e seus conteúdos.
√ Reconhecimento dos participantes representados, os processos em que
estão envolvidos, as circunstâncias em que ocorreram e seus atributos.

Fonte: elaborado pelo autor, 2021.

Quando o foco está na Orientação do conteúdo, os objetivos


SUMÁRIO
e atividades voltam-se para o professor atentar para o processo de
interação, pensando em atividades que façam o aprendiz da língua
observar quais estratégias interacionais estão (ou estarão) em jogo no
momento em que se utilizam os sistemas de interação (trocas, o grau
de hierarquização, distanciamento, avaliação) nas relações e como se
dão as avaliações discursivas que ocorrem nas avaliações, e como
isso está (estará) representando multimidiaticamente. No Quadro 2,
apresentamos algumas possibilidades.

171
Quadro 2 - Orientacional.

ORIENTACIONAL
O domínio desse conhecimento permite ao professor:
• Saber analisar e descrever os significados interacionais e avaliativos gerados
pela combinação multimidiática.
• Entender como ocorrem os efeitos de distanciamento social em cada modo
semiótico e estabelecer as ressonâncias entre eles.
• Saber reconhecer as redes de avaliação.
• Saber correlacionar os significados nas suas relações históricas, sociais,
políticas e ideológicas.

Perguntas-guia: Como se relacionam os significados e as pessoas envolvidas?


Como avaliam e/ou julgam os significados? Quem são os interessados por
determinados significados produzidos?
Esse saber permitirá trabalhar com os alunos:
√ Os modos de relação entre os interlocutores e sua posição discursiva projetada
pela combinatória entre as semióticas.
√ Escolha lexical e imagética que materializam as atitudes, os engajamentos e
a gradação materializados no texto.

Fonte: elaborado pelo autor, 2021.

Em relação à categoria organizacional, quando a atenção mira


no processo de organização dos elementos semióticos, os objetivos
e as atividades são voltados a pensar estratégias didáticas que pos-
sibilitem às professoras/professores trabalhar com o aluno questões
SUMÁRIO importantes de arranjo das informações no espaço da tela ou do pa-
pel, levando em conta a informação nova (rema) e a informação velha
(tema). É possível perceber relações lógico-semânticas entre as se-
mióticas, observando as escolhas das materialidades a serem usadas:
cor, altura, posição, lateralidade, tipo de letras, saliência etc. Evidente-
mente, essa organização projeta o conteúdo representado e o tipo de
interação intencionado. Sinteticamente, vemos no Quadro 3.

172
Quadro 3 - Organizacional.

ORGANIZACIONAL
O domínio desse conhecimento permite ao professor:
• Manipular e remanipular os modos semióticos de acordo com as relações
que se quer estabelecer entre os significados e os contextos (de cultura e de
situação).
• Ter a espacialidade como recurso de produção de sentido entre as semióticas
(Tema/rema ).
• Ter que tamanho das letras em relação as imagens produz sentido.
• Saber que (re) combinações geram pontos de vista diferentes.
• Observar estratégias de saliência das informações por recursos verbo-visuais
diversos.
Esse saber permitirá trabalhar com os alunos:
√ Prática de sampleagem e remixagens, não de modo intuitivo, apenas, mas de
modo intencional, explorando caracteres das letras em relação às imagens
e vice-versa, as relações espaciais entre as semióticas (aproximação/
distanciamento; esquerda/direita; alto/baixo), sabendo estabelecer relações
lógico-semânticas, decidindo quando e qual semiótica expandirá o sentido
uma da outra.
√ Organização das materialidades se preocupando com a distribuição do
valor da informação ou da ênfase relativa entre os elementos do texto e da
imagem (tema/rema).
√ Como os significados estão coesos e coerentes? Quais e como se
hierarquizaram determinados significados um em função do outro?
Fonte: elaborado pelo autor, 2021.

Assim, com a Instrução Explícita, a partir dos conhecimentos


SUMÁRIO que o aluno traz sobre o objeto de estudo e de aprendizagem (Prá-
tica situada), passando pela análise crítica dos discursos que se
constroem multimidiaticamente (não tratada aqui com maior vagar),
a sala de aula poderá ser o lugar onde o aprendiz subjetivará os
conhecimentos com maior criticidade, transformando-os e colocan-
do-os em uso em sua vida (Prática transformada).

173
CONCLUSÃO

A linguagem multimidiática faz parte do cotidiano comunicativo


das pessoas. Em função disso, não se pode prescindir de seu ensino
e aprendizagem. Ler e escrever nos dias de hoje não pode se limitar a
um ato que se realiza com a letra expressa no papel.

Certamente, levando em conta as categorias sociossemióticas,


ainda há muito que explorar delas em sentido a serem um cabedal teó-
rico-instrumental para a didatização da linguagem multimidiática. A Di-
datização deve instrumentalizar o aluno para lidar com o novo vernáculo
em sala de aula, entendendo seu funcionamento sociossemiótico. Des-
se modo, deve ir além do conhecimento técnico da ferramenta (prática
situada), para não ocorrer como tem sido em escolas privadas, em que
a presença do recurso tecnológico e de atividades não redundam, a
nosso ver, em uma prática pedagógica eficiente e sistemática, sendo
apenas mais um chamariz para o aumento do número de clientes do
que efetivamente uma educação para o exercício pleno da cidadania.
Ou mesmo em escolas públicas, em que a presença (em determinadas
unidades escolares) de tecnologias nem sempre tem seu uso efetivo
para o ensino da leitura e produção de texto, por uma série de circuns-
tâncias já tratadas em outros artigos e por vários estudiosos.
SUMÁRIO
É preciso dizer ainda, contra os discursos que apontam que não
há como trabalhar o letramento multimidiático na realidade de muitas
escolas brasileiras, o seguinte: mesmo que a escola não possa ofere-
cer a seus estudantes os equipamentos necessários para a prática da
linguagem multimidiática na tela, que isso seja feito no suporte papel,
colocando o aluno para elaborar cartazes, murais, pinturas nos muros
da unidade etc., buscando representar e comunicar conteúdos, tendo
em vista as categorias. São momentos extremamente importantes para
a construção do autor multimidiático e para o leitor multimidiático, nas

174
análises, por exemplo, dos textos presentes no livro didático. É um mo-
mento para se levar o aluno a perceber que as gravuras, fotografias, ilus-
trações e layout da página, são produtores de significados. Além disso,
pensando nas telas, em muitas escolas, há possibilidade de elaborar
apresentações em Power Point, usando os velhos computadores do la-
boratório ou de Lan House. A questão é ter a formação para isso.

Concluindo, a realidade circundante nos mostra que a leitura da


tela e do papel também se dá para além da palavra solitária, ou seja,
escrever vai além de projetar palavras linearmente, desconsiderando
o não linguístico. A escola não pode permanecer voltada apenas para
o letramento vernacular tradicional, desconsiderando o novo vernácu-
lo. É preciso ser o espaço fértil para os novos letramentos em que o
conhecimento advindo das práticas situadas tenham lugar prioritário,
e torne-se uma prática transformada, a partir do que o aluno sabe, da-
quilo que irá aprender a partir da metalinguagem, de um modo crítico,
evitando, assim, o novo analfabeto funcional metamidiático.

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SOUZA, A. L.S. Letramentos de reexistência: poesia, grafite, música, dança:
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176
9
Capítulo 9

Emoção e subjetividade no ensino e


aprendizagem de línguas estrangeiras

Vanderlei J. Zacchi

Clara Maria Correa Pereira Andrade

João Carvalho de Souza Junior

Vanderlei J. Zacchi
Clara Maria Correa Pereira Andrade
João Carvalho de Souza Junior

EMOÇÃO
E SUBJETIVIDADE
NO ENSINO
E APRENDIZAGEM
DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.177-191
INTRODUÇÃO

Muito já se falou sobre a pretensão de alguns linguistas de que


a Linguística seja uma ciência em moldes muito parecidos com os das
exatas. Por trás desse desejo está uma visão de linguagem como algo
sistemático, objetivo e mensurável. Consequentemente, a linguagem
humana estaria fortemente marcada pela racionalidade, ao passo que
as emoções e toda a espontaneidade, que fogem aos padrões men-
suráveis da língua, seriam descartadas por não fornecerem a siste-
matização e a objetividade necessárias no campo das ciências. Essa
racionalização acontece ainda porque, segundo Canagarajah (2018),
muitos dos estudos sobre a linguagem tendem a situar as línguas na
mente, como algo que se adquire com o desenvolvimento de compe-
tências. Dessa forma, ficam de fora os elementos materiais dos falan-
tes e do mundo que os cerca. Além disso, a ênfase na previsibilidade
da competência elimina também a espontaneidade e a imprevisibili-
dade de muitas performances e performatividades (ZACCHI, 2019).

Um dos autores que mais combate essa ideia de racionalismo


é o linguista Kanavillil Rajagopalan (2010, 2003). Com base nele e
no biólogo chileno Humberto Maturana (1994), discutiremos, neste
SUMÁRIO
capítulo, a questão da racionalidade e da emoção na área das
linguagens e como aspectos afetivos, sociais, culturais e ideológicos
influenciam nas nossas construções identitárias e, portanto, nas
escolhas que fazemos em relação às preferências linguísticas.
Ilustraremos a discussão com as experiências dos três autores em
relação à emotividade no ensino e aprendizagem de inglês.

178
LINGUAGEM E EMOÇÃO

Em um dos seus textos, Rajagopalan (2010) trabalha a questão


da emoção em relação à política linguística, mais especificamente o
episódio do projeto de lei sobre a proibição de estrangeirismos no Bra-
sil (cf também RAJAGOPALAN, 2003; FARACO, 2002; ZACCHI, 2004).
Rajagopalan conclui que a reação dos linguistas brasileiros diante da
proposta do então deputado federal Aldo Rebelo indica seu esforço em
“fazer um ataque eficaz às crenças da linguística popular” (2003, p. 238),
com o objetivo de “familiarizar o público com as verdades fundamentais
da sua ciência” (2003, p. 237). O resultado desse esforço, para ele, é
que os linguistas têm falhado substancialmente em convencer a opinião
pública de que sua linguagem é fruto de crenças populares, em con-
traposição a uma linguística resultante de sólidos achados científicos.

Rajagopalan acredita que as “pessoas comuns” atribuem


grande valor emocional à sua língua, de modo que as línguas se ca-
racterizam como “poderosas bandeiras de lealdade” (2003, p. 218).
A visão de língua como política, nesse caso, vai além da adoção da
lealdade nacionalista proposta pelo deputado federal em seu projeto
de lei. Para Rajagopalan, ela implica ainda a maneira como falantes
se identificam linguisticamente, o que envolve uma dimensão tanto
SUMÁRIO
emocional quanto política.

Um episódio que dá uma visão bem abrangente sobre es-


sas dimensões da língua é o dos imigrantes hispânicos ilegais nos
EUA, que decidiram cantar o hino nacional estadunidense em es-
panhol como forma de protesto. O episódio é narrado por Judith
Butler (BUTLER; SPIVAK, 2018), que chama a atenção para o caráter
político da manifestação, não apenas por se tratar de um protesto,
mas também porque, para os manifestantes, apropriar-se do hino
estadunidense é uma forma de demonstrar pertencimento ao país

179
onde vivem ilegalmente, sem abrir mão da sua identidade hispânica.
Trata-se, portanto, de um ato transgressivo que vai além da questão
linguística, como apontam Zacchi e Almeida (2018).

Rajagopalan (2010) faz ainda outro questionamento ao pensa-


mento ocidental sobre a linguagem: a ideia de que a faculdade lin-
guística humana está ligada a uma língua interior. Essa visão é ques-
tionada também por Canagarajah (2018) ao criticar a separação entre
competência e performance, que coloca esta como consequência
daquela. A separação, segundo o autor, acontece ainda noutro nível,
alocando a competência na mente e a performance no mundo mate-
rial. Rajagopalan também relativiza o poder da competência e afirma
que ela não é suficiente para determinar uma lealdade linguística,
pois mesmo falantes com competências idênticas podem se posicio-
nar de diferentes, e até mesmo opostas, maneiras de identificação.

Diante do que ele chama de uma suposição não questionada,


“que as emoções revelam uma falta de cultura e sofisticação e pre-
cisam ser mantidas sob o controle da razão fria e desapaixonada”
(2010, p. 227), Rajagopalan exorta os colegas linguistas a “aprender
a conviver com o fato de que, no que diz respeito à opinião leiga, o
fenômeno da linguagem estará sempre imbuído de poderosas cono-
tações emocionais” (2010, p. 240).
SUMÁRIO
Outro autor que conecta linguagem, emoção e política é o bió-
logo chileno Humberto Maturana (1994). Ao afirmar o que diferencia
o ser humano de outros animais, ele coloca a ênfase não na manipu-
lação, mas no entrelaçamento entre linguagem e emoção, que tem
forte impacto na definição do cérebro humano. Dessa forma, segun-
do ele, mesmo os sistemas racionais têm um fundamento emocional,
lembrando ainda que “Todo sistema é conservador em relação ao
que lhe é constitutivo; senão se desintegra” (1994, p. 27).47

47
Tradução nossa.

180
Um conceito importante apresentado por Maturana é a objetivi-
dade entre parênteses, em oposição à objetividade sem parênteses,
as quais ele classifica como “caminhos explicativos”. No caso da
objetividade sem parênteses, ele a define como “a capacidade de fa-
zer referência a entes independentes de nós, a verdades cuja valida-
de é independente de nós, porque não dependem do que fazemos”
(1994, p. 40). Maturana questiona o poder dessa capacidade, já que
em muitos casos não distinguimos entre ilusão e percepção, erro e
verdade. Dessa forma, ressalta ele, somos nós que configuramos o
mundo em que vivemos no próprio processo de viver. Essa consciên-
cia de não poder distinguir entre ilusão e percepção evoca aquilo que
ele chama de objetividade entre parênteses no processo de explicar:
O que quero dizer com colocar a objetividade entre parênteses
é que me dou conta de que não posso pretender que eu tenha
a capacidade de fazer referência a uma realidade indepen-
dente de mim, e que me conscientizo disso na tentativa de
entender o que se passa com os fenômenos do conhecimento,
da linguagem e sociais ao não usar referência alguma a uma
realidade independente do observador para validar minha ex-
plicação. (MATURANA, 1994, p. 43)48

Aqui, ele traz outra diferenciação importante: discrepâncias ló-


gicas e ideológicas (1994, p. 48). Aquelas acontecem quando, durante
SUMÁRIO
uma conversa que se dá em certo domínio racional, um dos participan-
tes comete um erro na aplicação das coerências operacionais que de-
finem esse domínio; por exemplo, afirmar numa interação no domínio
da matemática que 2+2=5. Já as discrepâncias ideológicas surgem
quando os participantes argumentam a partir de diferentes domínios
racionais, mas como se estivessem no mesmo. Nesse caso, é como
querer aplicar em grupos de diferentes sistemas de crenças a “lógica”

48
Tradução nossa.

181
aplicada no seu próprio sistema, como ocorre com pessoas de diferen-
tes religiões ou filiações político-partidárias quando discutem.49

Assim, Maturana conclui que a razão se funda em premissas


aceitas a priori, não porque sejam racionais, mas porque gostamos
delas. A aceitação dessas premissas, portanto, pertence ao domínio
da emoção e não da razão. No entanto, nossa cultura tende a dar ao
racional uma validade transcendente, e ao emocional um caráter ar-
bitrário. Como resultado, temos dificuldade em aceitar o fundamento
emocional da razão, como se ficássemos expostos ao caos da “sem-
-razão” (p. 49), onde tudo parece ser possível.

Assim como Rajagopalan (2010), Maturana (1994) também


questiona a objetividade e a neutralidade da ciência e da tecnologia,
embora não especificamente na área da linguagem. Quando se fala
de ciência e tecnologia, ele afirma, a tendência é abordar domínios de
ações e explicações que fazem referência a uma realidade útil e inde-
pendente, passível de controle. No entanto, “Falamos de controle, mas
a vida cotidiana nos mostra que não controlamos nada” (MATURANA,
1994, p. 51). Para Maturana, portanto, a ciência, bem como a validade
das explicações científicas, funda-se, na verdade, na construção de um
mundo de ações coerente com a nossa existência. Como se pode ver,
SUMÁRIO
falando de diferentes campos de investigação, Rajagopalan (2010) e
Maturana (1994) têm diversos pontos de contato em suas visões sobre
linguagem, política e ciência e suas relações com a emoção e a razão.

49
Não é difícil perceber a ocorrência dessas discrepâncias em partes do mundo atualmente,
inclusive o Brasil, quando pessoas de diferentes sistemas de crenças relutam em aceitar
a validade das argumentações uns dos outros, pois tratam as discrepâncias ideológicas
como se fossem erros no campo da lógica.

182
RELATOS

Os relatos a seguir se referem às experiências dos três autores


em relação à emotividade no ensino e aprendizagem de inglês.

VANDERLEI

Entre 2017 e 2019, fui coordenador de um projeto de pesquisa


institucional, que tinha como objetivo principal investigar o grau de
preparação de professores de inglês (pré-serviço e em serviço) para
o imprevisível e o inesperado. Uma das participantes, professora de
inglês de uma escola bilíngue, relatou a seguinte passagem:
[…] às vezes você pega alunos que têm resistência ao inglês
porque eu só falo inglês na sala de aula, não tem português.
Então tem aluno que fica: “quero ir pra casa”, fingindo que
está com sono [faz mímica de bocejo]. […] Então eu passei
por uma experiência que eu tinha um [?], mas que já partiu
para a questão dos pais porque a mãe acreditava que o filho
é tão limitado que ele não tem capacidade de aprender inglês.
Então ela botou uma sementinha nele de que [?] ser horrível.
Então ele ia às vezes para a sala de aula e ficava bufando.

SUMÁRIO […] os problemas que os alunos trazem vêm dos pais. […]
Essa questão do inglês já vem do ambiente familiar dela,
porque o pai do aluno, ela é divorciada, é fluente em inglês e
ela tem um ódio por homens.

O relato acima aconteceu em uma sessão de grupo focal (grava-


da em vídeo) envolvendo pesquisadores e participantes da pesquisa.
É curioso notar que a mãe, mesmo achando que o filho não tivesse ca-
pacidade de aprender inglês, matriculou-o numa escola bilíngue (por-
tuguês-inglês). É possível perceber, no relato da professora, o quanto
a mãe, por questões pessoais, tem aversão ao inglês, não se sentindo,

183
portanto, identificada com essa língua, um sentimento que aparente-
mente reflete sobre o (pouco) interesse do filho em aprendê-la. Além
disso, aprender inglês e/ou estudar em escola bilíngue pode ser reflexo
da influência de discursos racionais sobre ser bem sucedido na vida,
conforme se pode ver também nos demais relatos abaixo. Nesse caso,
no entanto, fica evidente o quanto o emocional acabou se sobrepondo.

Meu segundo relato é uma experiência de sala de aula. Em


2020, numa disciplina de Teorias da Linguagem, num curso de pós-
graduação, discuti o texto de Rajagopalan (2010) com os alunos. Na
sequência, passei a eles um texto em inglês. A partir daí, elaborei então
uma atividade contendo as seguintes perguntas:50

• Como você descreve sua relação com a língua inglesa?

• Levando-se em conta que as palavras “saber” e “sabor” têm


raízes semelhantes, a língua inglesa tem sabor de quê?

• De onde você acha que vêm essas sensações/sentimentos? Você


conseguiria criar um meme que expresse tudo ou parte disso?

Os alunos participantes formavam um grupo heterogêneo de


graduados em português e/ou inglês, alguns atuando também como
professores dessas línguas. As respostas foram bem diversificadas:
SUMÁRIO relatos de relação de “amor e ódio” e superação; posicionamentos
políticos sobre a posição do inglês no mundo; e muitas críticas ao
primeiro contato com o inglês na educação básica, o que teria
predisposto a maioria a uma rejeição da língua desde então.

Os relatos a seguir são de uma aluna e um aluno dessa turma,


ambos graduados em Letras Inglês.

50
As propostas de avaliação foram criadas no contexto do ensino remoto, fruto do isolamento
criado durante a pandemia da Covid-19, que nos forçou a elaborar outras formas de avaliar
e interagir com os alunos. No entanto, eram propostas que eu já vinha amadurecendo e
que a pandemia precipitou.

184
CLARA ANDRADE

Durante a disciplina de Teorias da Linguagem, uma das ativida-


des foi “A língua inglesa e eu”, que me levou a refletir sobre a minha
relação com o inglês. Essa atividade foi importante porque, devido às
circunstâncias e às demandas da rotina, já fazia um tempo que eu
não refletia sobre a minha trajetória com a língua inglesa. O título da
atividade já me deixou curiosa e, ao ler a primeira pergunta: “Como
você descreve sua relação com a língua inglesa?”, confesso que senti
uma certa ansiedade. Acredito que esse sentimento foi devido ao fato
de a atividade ser muito pessoal; eu precisava escrever sobre a minha
experiência, relembrar os momentos, as memórias, os sentimentos e
os percalços na aprendizagem do inglês. Para poder organizar meus
pensamentos, resolvi seguir uma ordem cronológica, me recordando
de quando comecei a estudar a língua inglesa.

Quando eu tinha treze anos, minha mãe me matriculou em um


cursinho de línguas. Lembro que esse curso era caro para a condição
financeira dos meus pais, mas mesmo assim minha mãe se esforçou
para pagar. Posso afirmar que o meu contato inicial com a língua inglesa
era pautado por valores neoliberais, inclusive essa era a visão do curso,
no qual o inglês era de fato vendido como um produto. E também, era
SUMÁRIO constantemente ressaltado que tínhamos que fazer um intercâmbio e
que no futuro teríamos mais chances de conseguir bons empregos.
Quando terminei o curso fiquei na expectativa de um intercâmbio, que
meus pais não puderam pagar. E então, me vi bem frustrada e fiquei
sem saber por que tinha aprendido aquela língua. Foi apenas em 2015,
quando comecei a cursar Letras Inglês na UFS, que minha visão se
ampliou, principalmente do ponto de vista crítico. Passei a questionar
tudo o que já havia aprendido, e pude notar que a mesma língua inglesa
que é usada para propagar valores neoliberais, também pode servir
como forma de resistência. Refletindo sobre o caminho que percorri até
agora com o inglês, pude associá-lo com o “sabor” de chá.

185
Desde pequena eu gosto de tomar chá, sendo o de erva cidrei-
ra o meu preferido. O inglês para mim é como esse chá, que minha
avó e meu pai gostam de fazer. O que minha avó faz é bem docinho.
Esse representa o quanto o inglês mudou minha forma de pensar, o
quanto passei a ter mais acesso ao conhecimento e até mesmo ao
lazer, apenas por saber inglês, e as situações divertidas pelas quais
já passei quando precisei me comunicar, quando ensinei crianças.
Mas, às vezes, a língua inglesa parece com o chá que meu pai faz; ele
não coloca mel, nem açúcar. É bem amargo. Esse representa minhas
preocupações com a língua inglesa; ainda me sinto insegura para me
comunicar, talvez sejam os anos de cursinho que exigiam a pronúncia
americana “perfeita’’. O amargo representa também todos os valores
neoliberais e capitalistas que esse idioma carrega, e o receio de não
conseguir me desvincular disso e, mesmo que inconscientemente,
transmitir isso para meus alunos. Pensando nessa dualidade do chá,
e nos diversos sentimentos que o inglês desperta em mim, escolhi
um meme que representa como eu me sinto.

Imagem 1 - Meme apresentado na atividade (autoria própria).

SUMÁRIO

186
Tenho muito receio de não ser “útil” na minha profissão. Ape-
sar dessa trajetória de desconstrução e reconstrução de tudo o que já
aprendi, tenho medo de não conseguir transmitir os conteúdos de forma
que realmente sejam significativos para meus alunos e para mim. Quero
que eles saibam que o inglês pode, sim, abrir diversas portas em suas
vidas, mas não precisam apenas associar isso a emprego e viagens.
Poder enxergar o inglês na prática, nas particularidades de cada um,
notar no idioma os seus valores dúbios, mas também saber que podem
ser ressignificados. Esse é o desafio, são muitos sentimentos; o chá às
vezes é doce e, às vezes, amargo. O importante é refletir diariamente
sobre toda a trajetória, e sobre os percalços que sei que ainda virão.

JOÃO CARVALHO

Minha relação com o inglês ficou mais próxima em 2010, quan-


do eu pedi aos meus pais para me matricularem em um cursinho de
inglês; até antes desse momento eu só consumia o inglês através das
músicas e filmes. O curso de inglês ficava em outra cidade do interior
de Sergipe, em Estância, o que me exigia fazer uma viagem de qua-
renta minutos todos os sábados, partindo de Umbaúba. Até então a
minha aproximação com a língua inglesa se fazia basicamente por fa-
SUMÁRIO tores afetivos. A desculpa de que isso seria bom para a minha carreira
eu só utilizava para convencer os meus pais de fazerem o sacrifício de
me pagar um curso de inglês. Apenas em 2012 eu tomei a decisão de
optar pelo curso de Letras Inglês na Universidade Federal de Sergipe
no meu vestibular – até então o processo seletivo para entrar na UFS
não era o ENEM –, embora hoje em dia eu me arrependa de não ter
optado por uma graduação dupla com inglês e português.

Pensar na minha relação com a língua inglesa é impossível sem


antes considerar a carga emotiva existente; é necessário considerar
essa emotividade até para pensar o que, naquele momento, me fez es-

187
colher por uma graduação apenas em uma língua e não por uma dupla
graduação com o português em conjunto com o inglês. Provavelmen-
te a explicação desse meu movimento de escolha e arrependimento
more no sabor que as línguas têm e em como o nosso paladar muda
conforme envelhecemos, ou meramente na relação que criamos com
os sabores conforme amadurecemos.

Até o final da minha adolescência, eu gostava muito de doce,


coisas artificialmente doces e industrializadas: jujubas, refrigerantes,
chocolates, balas. O industrial me afetava positivamente, o orgânico
não. Meu paladar só mudou com a chegada dos 20 anos e a minha
relação mais madura com a comida, com o meu interesse por cozinhar,
pelo prazer de comer uma salada, um doce caseiro, uma compota de
pimenta, uma tapioca, entre outras comidas e sabores mais naturais
e regionais. Enfim, percebe-se que a minha relação com os sabores
se deve muito mais à forma como eles chegavam até mim, seja pelo
industrializado, através do brilho e das cores das propagandas, seja
pela forma orgânica com a qual as comidas caseiras, artesanais e
familiares nos são geralmente apresentadas. Da mesma forma se fez
a minha relação com o inglês e, concomitantemente, com o português.

O inglês com o sabor forte dos produtos industrializados, com


o status de se experimentar uma língua/um sabor estrangeiro e que se
SUMÁRIO passa na TV, que está nas músicas pop, nas estampas de camisetas,
enquanto o português tinha pra mim naquela época um gosto fraco
e de pouco valor. Conforme eu fui amadurecendo, o paladar foi
mudando e os excessos de industrializados e globalizados foi dando
lugar para um interesse por produtos mais artesanais e locais, sejam
comidas ou a própria língua. Assim, a influência da cultura de massa
e das propagandas convenceram-me a ter interesse pela língua
inglesa e essa relação afetiva com essa língua. Foi pensando nesse
convencimento que eu criei o meme abaixo para a atividade proposta
para a disciplina de Teorias da Linguagem.

188
Imagem 2 – Meme apresentado na atividade.
Americanos: Prova isso aqui, é inglês, uma delícia
O resto do mundo:

Fonte: elaborado pela autora, 2020.

No meme acima, idealizado por mim, eu tomo como ponto de


partida essa imagem que circula bastante na internet da apresentadora
de TV Eliana. No contexto original a apresentadora estava provando
SUMÁRIO algumas comidas exóticas e não conseguiu controlar as suas
expressões faciais ao sentir alguns sabores desagradáveis para ela. A
imagem logo passou a circular na internet e tornou-se meme, muitas
das vezes utilizado em situação em que algum produto é forçado
a ser consumido pelo público. Por exemplo, é muito comum utilizar
esse meme em fóruns de discussão sobre música pop quando um
artista lança um álbum que desagrada o público geral, mas que
os fãs se veem forçados a consumir. Foi nessa perspectiva que eu
pensei a construção do meme sobre o inglês, partindo da perspectiva
de que, como a indústria, o marketing e a cultura de massa acabam

189
convencendo/forçando o mundo – que no meme é representado pela
apresentadora Eliana – a consumir a sua língua.

A proposta dessa atividade de criação de meme em uma disci-


plina da pós-graduação foi uma surpresa, e talvez assim que eu des-
creva como me senti. A academia tem ainda uma grande dificuldade
de largar certos tradicionalismos, tanto no que se refere às metodolo-
gias e estilos, quanto à pesquisa, escrita e avaliação. Por esse motivo,
encontrar uma proposta diferente como esta causa uma surpresa, mas
positiva. Positiva porque nos instiga a repensar a escrita acadêmica,
buscando agregar uma linguagem mais acessível ao público de fora
do meio acadêmico, bem como repensar os métodos avaliativos para
outros contextos e linguagens com cargas afetivas mais próximas da
realidade e do cotidiano dos alunos.

CONCLUSÃO

Nossa proposta aqui foi mostrar como a emoção atua nas


nossas preferências linguísticas, nesse caso, mais especificamente, o
envolvimento de línguas estrangeiras. O sentimento em relação a cada
língua vai depender muito da cultura que a envolve, tanto no aspecto
SUMÁRIO considerado racional, quanto no emocional.

No caso do inglês, podemos pensar na maneira como ele é


racionalmente justificado como algo útil e necessário: a língua que
abre portas, que “move montanhas” e que dá mais oportunidades
de trabalho e de lazer. Se essas características fazem com que mui-
tos optem por aprender inglês, há muitas outras pessoas que de-
senvolvem algum tipo de rejeição pela língua, conforme procuramos
mostrar acima. O aspecto hegemônico do inglês em âmbito global
provavelmente contribui para esse sentimento. Por outro lado, o in-

190
glês é também a língua da cultura de massa que geralmente embala
grupos de jovens, criando uma base emocional muitas vezes sólida
para o seu consumo e disseminação.

REFERÊNCIAS
BUTLER, J.; SPIVAK, G. C. Quem canta o Estado-nação? Língua, política,
pertencimento. Tradução Vanderlei J. Zacchi e Sandra Goulart Almeida.
Brasília: Editora UnB, 2018.
CANAGARAJAH, S. Materializing “competence”: perspectives from
international STEM scholars. The Modern Language Journal, v. 102, n. 2, p.
1-24, 2018.
FARACO, C. A. (org.). Estrangeirismos: guerras em torno da língua. 2. ed. São
Paulo: Parábola, 2002.
MATURANA, H. Emociones y lenguage en educación y política. 7. ed.
Santiago: Ediciones Pedagógicas Chilenas, 1994.
RAJAGOPALAN, K. Emoção e política linguística: o caso brasileiro. Tradução
Daniel do Nascimento e Silva. In: RAJAGOPALAN, K. Nova pragmática: fases
e feições de um fazer. São Paulo: Parábola, 2010. p. 217-40.
RAJAGOPALAN, K. Por uma lingüística crítica. São Paulo: Parábola, 2003.
ZACCHI, V. J. Competence and performativity in English language teacher
education. Letras & Letras, v. 35, n. especial, p. 261-280, 2019.
SUMÁRIO ZACCHI, V. J. Estrangeirismos, nacionalismo e ensino de língua inglesa. Anais
do VII Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada, 2004. Disponível em:
http://www.leffa.pro.br/tela4/Textos/Textos/Anais/CBLA_VII/pdf/034_zacchi.pdf.
Acesso em: 20 de jan 2021.
ZACCHI, V. J.; ALMEIDA, S. G. Cantar a nação, encenar a teoria crítica. In:
BUTLER, J.; SPIVAK, G. C. Quem canta o Estado-nação? Língua, política,
pertencimento. Tradução Vanderlei J. Zacchi e Sandra Goulart Almeida.
Brasília: Editora UnB, 2018.

191
10
Capítulo 10

Os estudos de política
linguística na região nordeste:
um espaço em construção

Socorro Cláudia Tavares de Sousa

Socorro Cláudia Tavares de Sousa

OS ESTUDOS DE POLÍTICA
LINGUÍSTICA
NA REGIÃO NORDESTE:
UM ESPAÇO EM CONSTRUÇÃO

DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.192-219
INTRODUÇÃO51

O presente capítulo tem como objetivo caracterizar os estudos


de política linguística no Nordeste, na área de Linguística, na última
década (2010 a 2019) a partir da análise dos grupos de pesquisa e
das abordagens metodológicas realizadas em teses e dissertações.
Para tanto, investigamos 6 (seis) teses e 17 (dezessete) dissertações;
e 11 (onze) grupos de pesquisa certificados pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

Este trabalho visa complementar e aprofundar um estudo an-


terior que discutiu as práticas de pesquisa em resumos de 4 (quatro)
teses e 9 (nove) dissertações produzidas em programas de pós-gra-
duação da região Nordeste (SOUSA; SOARES; DIONÍSIO, 2019) e dife-
rencia-se deste por: a) ampliar a base de dados, incluindo dissertações
e teses na íntegra e grupos de pesquisa; b) enfocar as perspectivas
metodológicas. A discussão realizada aqui também se insere em um
viés de pesquisa que caracteriza os estudos das políticas linguísticas,
no cenário brasileiro, a exemplo de Sousa e Dionísio (2019) e Sousa,
Paiva e Virgulino (2019), que exploraram as temáticas recorrentes de
pesquisas, respectivamente, em resumos de periódicos nacionais e
em resumos de teses e dissertações, ambos na área de Linguística.
SUMÁRIO
Para fins de organização retórica, dividimos o capítulo em seis
partes, afora esta introdução: na primeira, apresentamos um breve
percurso da área de Política Linguística, no cenário internacional e
nacional; na segunda, descrevemos o processo de coleta dos corpora
desta pesquisa e de análise dos dados; na terceira, analisamos os
grupos de pesquisa; na quarta, caracterizamos as abordagens
metodológicas das pesquisas selecionadas; e, na quinta, resumimos

51
Agradeço à Kátia Cristina Cavalcante de Oliveira pela revisão textual e leitura crítica deste
capítulo.

193
os principais resultados e indicamos futuras agendas de pesquisa e
desafios para o campo de investigação na região.

HISTÓRIA DA POLÍTICA LINGUÍSTICA:


ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

A Política Linguística enquanto campo de conhecimento cientí-


fico é relativamente recente, datando de 1959 a primeira definição de
planejamento linguístico (language planning), elaborada por Haugen
na discussão sobre o processo de construção de uma língua nacional
na Noruega (SOUSA, PONTE, SOUSA-BERNINI, 2019). Para o autor,
planejamento linguístico diz respeito à “[...] atividade de preparar uma
ortografia normativa, gramática e dicionário para a orientação de es-
critores e falantes em uma comunidade não homogênea de fala”52
(HAUGEN, 1959, p. 8). A partir daí, houve uma ampliação do escopo
da área com a elaboração de outras definições, como também o de-
senvolvimento de aportes teóricos e metodológicos (JOHNSON, 2013).

No cenário internacional, Ricento (2000) divide a história da área


em três grandes momentos. A primeira etapa (início dos anos 1960) se
caracteriza pelo fato de o planejamento linguístico estar relacionado à
SUMÁRIO
unificação de uma nação e à promoção da modernidade; pela lingua-
gem compreendida como um recurso que é passível de gestão; pela
compreensão de que o planejamento de corpus (planejamento voltado
às formas da língua) e de status (planejamento voltado às funções da
língua) são atividades meramente técnicas que não envolvem ideolo-
gias; e pela visão de língua como entidade abstrata (SOUSA; PONTE;
SOUSA-BERNINI, 2019).

52
No original: “By language planning, I understand the activity of preparing the normative
ortography, grammar, and dictionary for the guidance of writers anmd speakers in a non-
homegeneous speech community.” (HAUGEN, 1959, p. 8).

194
Nesse período, prevaleceu o objetivismo, orientação epistemo-
lógica na ciência que se caracteriza pela ideia de que as coisas no
mundo existem independentemente da consciência humana. As variá-
veis sociopolíticas foram ignoradas nas investigações científicas e “a
pesquisa não foi impulsionada por métodos de pesquisa claramente
identificados, e a análise de quaisquer dados - relatórios do governo,
documentos de política e corpus da língua - foi em grande parte guiada
pela intuição do pesquisador”53 (JOHNSON, 2018, p. 54).

Já a segunda etapa (início dos anos 1970 até fim dos anos
1980), também chamada de fase intermediária, foi definida pela críti-
ca dos estudiosos diante da perspectiva de planejamento linguístico
realizado na etapa anterior, que se caracterizava como a-histórica,
apolítica e técnica. Neste período, já é possível vislumbrar a influência
de teorias pós-modernas e críticas no campo, questionando o para-
digma estruturalista que fundamentava a área de Política Linguística.
Essa influência torna-se mais evidente na terceira etapa (metade dos
anos 1980 até a primeira década nos anos 2000) (JOHNSON, 2018).
Nesta, há uma inserção nos construtos teórico-metodológicos de
uma dimensão social, histórica, política e ideológica que não era
considerada anteriormente na área e o surgimento de uma linha de
estudos denominada Política Linguística Crítica (PLC). Nesse pe-
ríodo denominado histórico-estrutural, há um enfoque na natureza
SUMÁRIO
política e ideológica dos planejamentos linguísticos e em como os
aspectos históricos e estruturais criam e ao mesmo tempo fomentam
sistemas de desigualdade social. Para Johnson (2018),
[...] sua crítica fulminante da pesquisa inicial de planejamento
linguístico, acompanhada por uma nova visão inovadora para a
pesquisa em PPL54, foi um divisor de águas no campo e marcou

53
No original: “The research was not propelled by clearly identified research methods, and the
analysis of any data - government reports, policy documents, and language corpuses - was
largaley guided by researcher intuition.” (JOHNSON, 2018, p. 54).
54
PPL significa Política e Planejamento Linguístico.

195
uma virada epistemológica e teórica, que influenciaria uma nova
geração de estudiosos da PPL.55 (JOHNSON, 2018, p. 56)

Contudo, as abordagens dessa etapa foram criticadas por se-


rem determinísticas e por subvalorizarem a agência humana e, em
específico, a dos professores. Isso porque “o discurso é um efeito e
um instrumento de poder, que tem a capacidade de controlar o com-
portamento e o pensamento humanos [...]”56 (JOHNSON, 2018, p.
58). As críticas a essa abordagem teórico-metodológica propiciaram
a criação de um novo veio de pesquisas que, a partir da utilização de
dados empíricos, se deteve no estudo dos agentes e nos processos
de criação, de interpretação e de apropriação das políticas linguís-
ticas, bem como nos discursos. Johnson (2018) define essa etapa
como uma “virada empírica”, constituindo uma “quarta onda” dentro
da Política Linguística. Estudos longitudinais sobre ensino de língua
e discursos em sala de aula marcam essa etapa. Houve o desenvol-
vimento de uma etnografia da política linguística que tem como objeto
de estudo determinada(s) política(s) linguística(s), bem como realiza
a geração de dados em diferentes contextos, diferenciando-se dos
estudos etnográficos tradicionais que enfocam a cultura ou as pes-
soas e uma comunidade em particular.

Em termos metodológicos, essa etapa caracteriza-se pela di-


SUMÁRIO versidade metodológica. Assim, a etnografia é utilizada de forma com-
binada ou não com abordagens da pesquisa qualitativa e, também,
com diferentes ramos da análise do discurso. Há também a utilização
de procedimentos metodológicos provenientes de outras áreas do co-
nhecimento, como a Economia, a Teoria Política e a relação entre a
linguagem e a lei, criando, respectivamente, uma linha de investigação

55
No original: “His withering critique of early language planning research, accompanied by an
innovative new vision for LPP research, was a watershed moment in the field and marked an
epistemological and theoretical turning point, which would influence a new genneration of
LPP scolars.” (JOHNSON, 2018, p. 56).
56
No original: “Discourse is both an effect and instrument of power, which has the ability to
control human behavior and thinking [...]”. (JOHNSON, 2018, p. 58).

196
denominada “economia da linguagem” e iluminando os estudos dos
direitos dos cidadãos e dos direitos linguísticos (JOHNSON, 2018).

No cenário nacional, a área de PL começa a apresentar


crescimento a partir de 2009 quando aumenta o aparecimento de
artigos em periódicos nacionais que têm como temática as políticas
linguísticas. Segundo Sousa, Ponte e Sousa-Bernini (2019, p. 24), “[...]
poderíamos afirmar que a área de PPL em nosso país estava sendo
gestada na década de 90 e início dos anos 2000 para finalmente nascer
em 2009”. Essa afirmação repousa no fato de as pesquisadoras terem
identificado apenas três resumos na área durante toda a década de
1990 em revistas da área de Letras/Linguística e esse quantitativo não
ter sido ampliado, significativamente, nos primeiros anos do século
XXI, conforme está ilustrado no gráfico 1.

Gráfico 1 - Panorama das publicações no período


de 1990-2010 em periódicos brasileiros.

SUMÁRIO
Fonte: Sousa, Ponte, Sousa-Bernini (2019, p. 23).

As autoras ainda afirmam que a presença da área de Política


Linguística em Programas de Pós-Graduações
[...] não está apenas na moda no cenário acadêmico brasileiro,
mas que tem objeto(s) de estudo próprio(s) e consistente capaz
de produzir investigações que busquem descobrir as relações
de causa e efeito entre variáveis, compreender os sentidos das
ações relacionadas às línguas a partir da perspectiva de seus
participantes e modificar a realidade (LIN, 2015), utilizando teo-
rias próprias ou teorias provenientes de outras áreas do conhe-
cimento (SOUSA; PONTE; SOUSA-BERNINI, 2019, p. 41-42).

197
Nessa citação, destacamos dois aspectos da Política Linguís-
tica enquanto campo científico: a) o(s) objeto(s) de estudo; b) os pa-
radigmas de pesquisa. O primeiro está intimamente relacionado com
a diversidade de noções teóricas de política linguística desenvolvidas
pelos estudiosos. Assim, a depender da definição mobilizada, o obje-
to da Política Linguística se constitui na intervenção humana sobre as
línguas (CALVET, 2007); nas práticas linguísticas propriamente ditas e
nas crenças ou ideologias sobre as línguas e suas variedades além da
gestão sobre a língua (SPOLSKY, 2004, 2009); nos mecanismos de po-
líticas linguísticas57 como os testes de línguas, a paisagem linguística,
as políticas de educação linguística, dentre outros (SHOHAMY, 2006);
e, no processo de criação, interpretação e apropriação das políticas
linguísticas (JOHNSON, 2013)58. Essas diferentes definições foram, ao
longo da história da área, respondendo “o que é política linguística” e,
ao mesmo tempo, materializando diferentes viradas epistemológicas.

O segundo aspecto busca explicitar como o conhecimento


científico é produzido na área, caracterizando as diferentes posicio-
nalidades do pesquisador (rearcher positionality). Lin (2015) ilustra
os paradigmas positivista, interpretativista e crítico com o caso de
transferência de Hong Kong do Reino Unido para a China59 e as impli-
cações nas políticas linguísticas. O primeiro estudo mensurou o efeito
do meio de instrução – inglês e chinês – (variável independente) nas
SUMÁRIO
notas acadêmicas dos estudantes e nos indicadores psicossociais –
autoimagem e atitudes dos alunos em relação ao inglês – (variáveis
dependentes). O segundo investigou a perspectiva de professores
e alunos sobre o processo de conversão do meio de instrução – do

57
Esses mecanismos se situam no entremeio das ideologias e das práticas de modo que
podem afetar e serem afetados tanto pelas ideologias quanto pelas práticas.
58
Para um maior aprofundamento dessas noções, conferir Sousa, Soares e Dionísio (2020).
59
Após a primeira Guerra do Ópio, em 1842, o imperador chinês foi obrigado a ceder Hong
Kong para o governo britânico. Somente no início da década de 80 que os primeiros-
ministros, Zhao Ziyang e Margaret Thatcher, chegaram a um acordo de devolução, após
um longo período de negociação.

198
chinês para o inglês – em uma escola secundária. E o terceiro mos-
trou como dois sujeitos, pesquisador de uma universidade e profes-
sor-pesquisador, conduziram uma investigação sobre o currículo de
pedagogia crítica que o professor-pesquisador estava implementan-
do com alunos de grupos minorizados, em uma escola secundária, a
qual estava sob os efeitos de uma política linguística de imersão no
inglês. De forma resumida, o quadro 1 apresenta as principais carac-
terísticas de cada um desses paradigmas.

Quadro 1 - Paradigmas de pesquisa.

Paradigmas de pesquisa Características

• O propósito é identificar as relações de causa e efeito


entre variáveis através da utilização de métodos
experimentais ou análises estatísticas, buscando
Positivista
predizer futuras ocorrências dos fenômenos sociais;
• O pesquisador é sujeito do conhecimento que é
externo ao objeto pesquisado.

• O propósito é compreender como e por que os


atores sociais estão fazendo o que fazem a partir da
perspectiva desses sujeitos;
• O sujeito e o sentido de suas ações sociais ainda são
Interpretativista
posicionados como objeto de descrição e análise,
contudo o objeto de estudo não é investigado; como
uma entidade objetivada por métodos experimentais
como no paradigma positivista.
SUMÁRIO
• O propósito da pesquisa não é descrever o mundo
como nos paradigmas anteriores, mas mudá-lo a
Crítico ou Emancipatório partir do empoderamento dos sujeitos sociais;
• O pesquisador e o pesquisado são sujeitos do
conhecimento e não há hierarquias entre eles.

Fonte: Elaborado a partir de Lin (2015).

Considerando a diversidade de perspectivas teóricas advindas


da própria área ou do diálogo com outros campos do conhecimento
– Teoria Crítica, Pós-modernismo, Economia, Teoria Política, dentre
outras – e da diversidade de perspectivas metodológicas utilizadas em

199
investigações (RICENTO, 2006; HULT, JOHNSON, 2015; TOLLEFSON,
PÉREZ-MILANS, 2018), objetivamos caracterizar os grupos de estudo
e a abordagem metodológica utilizada nas práticas de pesquisa na
Região Nordeste. Na seção a seguir, descrevemos os corpora e o
processo de análise dos dados.

O PASSO A PASSO DA PESQUISA

Para atingirmos o objetivo pretendido para este trabalho,


constituímos dois corpora. Para a coleta relacionada aos grupos de
pesquisa, utilizamos a base de dados do Diretório dos Grupos de
Pesquisa no Brasil Lattes do CNPQ e realizamos uma consulta pa-
rametrizada utilizando o termo “política linguística”. Dessa busca,
apareceram 86 registros, dos quais foram selecionados 11 grupos,
considerando os seguintes critérios: estarem localizados em institui-
ções na Região Nordeste e conterem o termo “política linguística” ou
similares na descrição do grupo (cf. Quadro 2).

Quadro 2 - Grupos de pesquisa com estudos em


política linguística na região Nordeste.

Endereço do grupo
Grupos de Pesquisa Instituição-sede do grupo
SUMÁRIO no CNPQ
Universidade da Integração
Interação e Diversidade http://dgp.cnpq.br/dgp/
Internacional da Lusofonia
Discursiva na Lusofonia espelhogrupo/42236
Afro-Brasileira (UNILAB)
PROFALA - Variação
e Processamento da Universidade Federal http://dgp.cnpq.br/dgp/
Fala e do Discurso do Ceará (UFC) espelhogrupo/514578
Análises e Aplicações
SOCIOLIN-CE (Grupo de Universidade Federal http://dgp.cnpq.br/dgp/
Pesquisas Sociolinguísticas) do Ceará (UFC) espelhogrupo/42895

PLIP - Políticas Linguísticas


Universidade Federal http://dgp.cnpq.br/dgp/
para a Internacionalização
do Ceará (UFC) espelhogrupo/11442
do Português

200
Grupo de Pesquisa
Instituto Federal de
Laboratório de Estudos
Educação, Ciência http://dgp.cnpq.br/dgp/
em Políticas Linguísticas,
e Tecnologia Baiano espelhogrupo/583486
Interação e Desenvolvimento
(IFBAIANO)
Humano (LIDAH)
Língua(gem), Universidade Federal
http://dgp.cnpq.br/dgp/
Letramentos, Diversidade do Recôncavo da
espelhogrupo/513878
e Formação Docente Bahia (UFRB)
Observatório de Português
Universidade Federal http://dgp.cnpq.br/dgp/
Língua Estrangeira /segunda
da Bahia (UFBA) espelhogrupo/536218
língua (ObsPLE-PL2)

DInterLin: Diálogos Universidade Federal http://dgp.cnpq.br/dgp/


Interculturais e Linguísticos de Sergipe (UFS) espelhogrupo/163817

Grupo de Estudos em
Universidade Federal http://dgp.cnpq.br/dgp/
Linguagem, Interação e
de Sergipe (UFS) espelhogrupo/10320
Sociedade – GELINS
Núcleo de Estudos em
Universidade Federal http://dgp.cnpq.br/dgp/
Política e Educação
da Paraíba (UFPB) espelhogrupo/41108
Linguística (NEPEL)

Grupo de Estudos e Pesquisa


Universidade Federal de http://dgp.cnpq.br/dgp/
Especializados em Linguística
Campina Grande (UFCG) espelhogrupo/681694
Aplicada (GEPELA)

Fonte: Dados da pesquisa.

SUMÁRIO Já para a coleta dos trabalhos de pós-graduação stricto sensu,


recorremos, inicialmente, à base de dados do Catálogo de Teses e
Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior
(CAPES)60, a fim de captar os resumos ou títulos de pesquisa que
tivessem os seguintes termos: “política linguística”, “planejamento
linguístico”, “planificação linguística”, “glotopolítica” ou similares.
Fizemos um recorte no período de investigação (2010 a 2019)61; na
60
Disponível em: <https://catalogodeteses.gov.br>.
61
A escolha pelo período de 2010 a 2019 se justifica por constituir uma década e pelo fato
de o Catálogo de Teses e Dissertações ter armazenado dados até 2019, no momento da
produção deste capítulo.

201
grande área do conhecimento – Linguística, Letras e Artes; e, na área
de avaliação – Letras/Linguística e Linguística e Literatura. Em seguida,
coletamos as teses e dissertações na íntegra, seja por meio do próprio
Catálogo da Capes, seja por meio da ferramenta de busca do Google.
Essa coleta já vem sendo realizada desde 2013 pelos membros do
nosso grupo de pesquisa (Nepel) e é complementada a cada ano,
sempre que a Capes atualiza essa base de dados. Para a seleção
do corpus de teses e dissertações, definimos que os termos-chave
especificados acima deveriam estar presentes no título do trabalho e/
ou no resumo e/ou nas palavras-chave. Ao total, identificamos 6 (seis)
teses e 17 (dezessete) dissertações as quais estavam disponíveis e
constituíram o segundo corpus desta pesquisa (cf. Quadro 3).

Quadro 3 - Teses e dissertações defendidas no Nordeste sobre PL.

Tipo de
Título Instituição Ano
trabalho

Na teia do discurso: os acordos ortográficos e


Universidade Federal
implicações na política linguística de promoção Dissertação 2011
de Sergipe (UFS)
e difusão do português língua estrangeira (PLE)

O lugar da língua portuguesa em Timor-Leste: Universidade Federal


Dissertação 2011
poder, controle e acesso de Sergipe (UFS)

Universidade Federal
Educação escolar yanomami e potiguara Tese 2013
SUMÁRIO da Paraíba (UFPB)
Pronúncia(s) do português brasileiro e
suas interfaces com políticas linguísticas e Universidade Federal
Dissertação 2013
metodologias para o ensino-aprendizagem de Sergipe (UFS)
de português língua estrangeira
O Ensino de espanhol como língua estrangeira
em escolas do nível médio na cidade de Universidade Federal
Dissertação 2013
Aracaju: política linguística e produção de de Sergipe (UFS)
material didático

A formação de professores indígenas e o


Universidade Federal
contexto sociocultural da microcomunidade Tese 2014
da Bahia (UFBA)
de Santa Rosa do Oco’y

202
O português como herança na Itália: línguas e Universidade Federal
Tese 2015
identidades em diálogo da Bahia (UFBA)

Interfaces entre ações oficiais e as políticas


Universidade Federal
linguísticas para a promoção internacional do Tese 2015
do Ceará (UFC)
português

Políticas linguísticas no ensino de português Universidade Federal


Dissertação 2015
como língua estrangeira aos refugiados no Brasil da Paraíba (UFPB)

Impacto do Enem na avaliação da Universidade


aprendizagem de língua inglesa segundo os Dissertação Estadual do Sudoeste 2015
novos letramentos da Bahia (UESB)

As políticas linguísticas públicas e a educação Universidade Federal


Dissertação 2016
dos surdos na cidade de Conceição do Coité da Bahia (UFBA)

Instrumento linguístico ‘Retórica’ na construção Universidade Federal


Dissertação 2016
do projeto de língua nacional no Brasil da Paraíba (UFPB)

Políticas linguísticas educacionais em Pernam- Universidade Federal


Dissertação 2016
buco: um estudo do eixo de análise linguística da Paraíba (UFPB)

Faces do agir docente em projetos coopera-


tivos de internacionalização: representações Universidade Federal
Tese 2016
sobre políticas de idiomas estrangeiros no da Paraíba (UFPB)
contexto dos institutos federais
A área de política linguística nas licenciaturas Universidade Federal
Dissertação 2017
em Letras no Brasil da Paraíba (UFPB)
SUMÁRIO
“Língua tupi não morreu, tá viva correndo nas
Universidade Federal
veias”: o processo de revitalização da língua tupi Dissertação 2017
da Paraíba (UFPB)
à luz da política e do planejamento linguístico

O exame Celpe-Bras: mecanismo de política


Universidade Federal
linguística para o programa estudantes-con- Dissertação 2017
da Paraíba (UFPB)
vênio de graduação (PEC-G)
O ensino do idioma espanhol na cidade
Universidade Federal
de João Pessoa/PB: relação entre políticas Dissertação 2017
da Paraíba (UFPB)
linguísticas declaradas e percebidas

Enem, a política linguística do escrito: repre- Universidade Federal


Tese 2018
sentações dos docentes e efeito retroativo da Paraíba (UFPB)

203
Ideologias linguísticas sobre a língua francesa
Universidade Federal
nos discursos dos alunos e professores dos Dissertação 2018
da Paraíba (UFPB)
cursos de línguas de João Pessoa

A internacionalização da educação superior no


Universidade Federal
âmbito do Programa Idiomas sem Fronteiras Dissertação 2019
da Paraíba (UFPB)
sob a perspectiva da política linguística
Educação bilíngue e política linguística: im-
Universidade
plicações didático-pedagógicas no ensino
Dissertação Estadual do Sudoeste 2019
de línguas em uma escola bilíngue no interior
da Bahia (UESB)
da Bahia
A linguagem politicamente correta no insta-
Universidade Federal
gram: um estudo a partir da ótica da Política Dissertação 2019
da Paraíba (UFPB)
Linguística

Fonte: Elaboração própria.

Para a análise dos grupos de pesquisa, inicialmente, destaca-


mos todas as menções à política linguística e, em seguida, analisamos,
nos itens “Repercussões do grupo” e “Linhas de pesquisa”, o espaço
desse tema no grupo, se central ou periférico, bem como investigamos
as afiliações teóricas do grupo. Já para a análise das teses e disserta-
ções, foi realizada uma leitura scanning nos resumos e nos trabalhos
na íntegra para identificarmos as abordagens metodológicas. A partir
da leitura, destacamos os principais paradigmas e abordagens de pes-
quisa, instrumentos para a coleta ou geração dos dados e contextos
SUMÁRIO de investigação. Os resultados provenientes das afiliações teóricas
presentes nos grupos de pesquisa e das abordagens metodológicas
provenientes das teses e das dissertações foram confrontados com a
revisão de literatura sobre esses tópicos na área de Política Linguística
(eg.: RICENTO, 2006, HULT; JOHNSON, 2015; JOHNSON, 2018).

Na seção a seguir, respondemos à seguinte pergunta: como se


caracteriza a presença dos estudos de política linguística nos grupos
de pesquisa, na região Nordeste?

204
A POLÍTICA LINGUÍSTICA
EM GRUPOS DE PESQUISA

Identificamos onze grupos de pesquisa sediados em institui-


ções localizadas em quatro estados no Nordeste, a saber: Ceará com
quatro grupos (UFC – Profala; Sociolin – Ce; Plip; UNILAB - Interação
e Diversidade Discursiva na Lusofonia), Bahia com três (IFBAIANO -
Lidah; UFRB - Língua(gem), Letramentos e Diversidade e Formação
Docente; UFBA - ObsPLE-PL2), Sergipe com dois (UFS – DinterLin;
Gelins) e Paraíba com dois (UFPB – Nepel; UFCG - Gepela). Verifica-
mos que a criação desses grupos ocorreu, primordialmente, na pri-
meira metade do século XXI (sete de onze grupos). O mais antigo foi
instituído em 2001 (Profala - Variação e Processamento da Fala e do
Discurso: Análise e Aplicações - UFC) e os mais recentes em 2020
(Lidah - Laboratório de Estudos em Políticas Linguísticas, Interação e
Desenvolvimento Humano – IFBAIANO; Gepela – Grupo de Estudos e
Pesquisas Especializados em Linguística Aplicada) (cf. figura 1).

Figura 1 - Grupos de pesquisa com estudos em PL no Nordeste.

SUMÁRIO

Fonte: Dados da pesquisa.

Embora em todos os grupos a temática da política linguística


esteja presente, essa presença se configura de forma diferente,
podendo ser central ou periférica, em diferentes graus. Assim, temos
grupos cujo foco principal de interesse é a política linguística (e.g:

205
a política e educação linguística são os eixos de investigação no
Nepel; o Plip tem como objetivo “Investigar políticas linguísticas, em
diferentes países e auxiliar no processo de internacionalização da
Língua Portuguesa”); grupos em que a política linguística se constitui
uma linha de pesquisa (Linha de pesquisa: Teoria, Análise e Políticas
Linguísticas - DInterLin; Linha de pesquisa: Política Linguística -
Gepela etc.); e grupos cujas pesquisas trazem repercussão para as
políticas linguísticas (no Sociolin-Ce, “as pesquisas empreendidas na
Sociolinguística têm contribuído para o desenvolvimento de políticas
educacionais e de políticas linguísticas [...]”). Essa conformação
da política linguística nos grupos demonstra uma maior ou menor
adesão à temática, podendo ser interpretada essa presença na forma
de um continuum, posicionando os grupos mais ou menos afastados
ou próximos à área de Política Linguística.

Alguns grupos têm como tópico de interesse principal a pro-


moção do português como língua internacional, conforme exemplifi-
camos nos excertos a seguir:
A rede ObsPLE-PL2 integra pesquisadores, professores e
gestores que desenvolvem pesquisas, projetos e iniciativas
políticas e pedagógicas na área de ensino, de formação de
professores e de desenvolvimento de políticas para a promoção,
a projeção e a difusão do português como língua estrangeira/
SUMÁRIO segunda língua, em seus diversos contextos de ocorrência no
âmbito global. (ObsPLE-PL2 - UFBA) (Grifos nossos)

[...] o objetivo do grupo é investigar o processo de


internacionalização da Língua Portuguesa e promover seu ensino
como língua não materna, [...] (PLIP - UFC) (Grifos nossos)

Nos exemplos acima, destacamos a finalidade dos grupos,


corroborando com o interesse de pesquisadores brasileiros pela
temática da “difusão do português”, conforme já haviam destacado
Sousa e Dionísio (2019) em investigação de resumos em periódicos
brasileiros de Linguística no período de 1990 a 2010.

206
Em relação à afiliação teórica dos grupos, os dados confirmam
a revisão de literatura que destaca a diversidade de abordagens teó-
ricas utilizadas no cenário internacional na área de Política Linguística
(RICENTO, 2006; TOLLEFSON, PÉREZ-MILANS, 2018). Os excertos a
seguir ilustram essa afirmação:
As linhas de pesquisa apresentam um recorte interdiscipli-
nar, de maneira que estimulem o intercâmbio acadêmico en-
tre as práticas sociais através da linguagem. (DInterLin - UFS)
(Grifos nossos)

O Grupo de Estudos em Linguagem, Interação e Sociedade


– GELINS reúne pesquisadores de diferentes afiliações
teóricas cujo foco de interesse são abordagens da língua em
uso – dados empíricos – em seu contexto social. (Gelins - UFS)
(Grifos nossos)

O Laboratório de Pesquisas em Políticas Linguísticas, Interação


e Desenvolvimento Humano (LIDAH) tem como principal objetivo
desenvolver pesquisas no campo da Linguística Aplicada (LA),
cujas investigações têm como propósito evidenciar reflexões
construídas a partir dos estudos sobre Políticas Linguísticas
em interface com o Interacionismo Sociodiscursivo, [...]
(Lidah - IFBAIANO) (Grifos nossos)

O objetivo geral do grupo é disponibilizar pesquisas sobre os


países africanos de língua oficial portuguesa (PALOPs): An-
gola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e
SUMÁRIO Príncipe e sobre o Timor-Leste, de modo a possibilitar a análise
descritiva, sob a perspectiva dos aspectos fonético-lexicais,
morfossintáticos, semântico-pragmáticos e discursivos da
língua portuguesa, numa visão sociolinguística, geolin-
güística e discursiva, além de comparações relativas a outras
variedades da língua, visando a uma discussão das funções
sociais e da política linguística medida pela intercompreensão
dos falantes que integram o contexto lusófono a partir da va-
riação e do processamento da fala e do discurso. (Interação e
Diversidade Discursiva na Lusofonia – Unilab) (Grifos nossos)

207
Como podemos observar, as investigações sobre as políticas
linguísticas nos grupos se beneficiam de diferentes aportes teóricos:
a) provenientes da Linguística (Interação e Diversidade Discursiva na
Lusofonia – UNILAB); do diálogo entre a área de Política Linguística e
do Interacionismo Sociodiscursivo, teoria multidisciplinar (Linguística,
Psicologia e Filosofia) dos estudos da linguagem (Lidah – IFABAIA-
NO); e de teorias de diferentes áreas do conhecimento (Gelins – UFS,
DInterLin – UFS). Sobre este último aspecto, embora não seja pos-
sível identificar essas teorias nos grupos, esse resultado corrobora
as interlocuções entre a área de Política Linguística e abordagens
provenientes da Teoria Crítica, do Pós-modernismo, da Economia, da
Teoria Política (RICENTO, 2006).

Na seção a seguir, buscaremos responder à seguinte pergunta:


como se caracterizam os percursos metodológicos de teses e disser-
tações que abordam as políticas linguísticas, na região Nordeste?

A POLÍTICA LINGUÍSTICA
EM TESES E DISSERTAÇÕES

As teses e dissertações analisadas demonstraram uma predo-


SUMÁRIO
minância de investigações de natureza qualitativa (20 de 23 trabalhos
declararam essa informação), tendo alguns pesquisadores inserido
seus trabalhos em um paradigma interpretativista (16 de 20 trabalhos
declararam essa informação). Esses resultados revelam que o tipo de
conhecimento produzido nos estudos de política linguística, na região
Nordeste, tem um caráter prático e descritivo. Nesse sentido, essas
pesquisas se caracterizam por descrever os sentidos e as razões pe-
las quais os sujeitos ou grupos sociais estão fazendo o que fazem, por
que e como, a partir da perspectiva dos participantes. Em geral, o pes-
quisador se posiciona como um observador-participante em relação

208
ao(s) sujeito(s) pesquisado(s) (LIN, 2015). A tese de Benedini (2015)
que estuda o português como língua de herança em uma cidade da
Itália mostra que o enfoque de seu trabalho é a compreensão dos sen-
tidos que as famílias ítalo-brasileiras têm sobre essa língua. Segundo
a autora, “[...] o meu interesse de pesquisadora voltou-se para iden-
tificar as representações e atitudes de pais e filhos acerca da língua
portuguesa e como elas repercutem na preservação ou não desta
língua dentro e fora do contexto familiar” (BENEDINI, 2015, p. 17).

Contudo, isso não quer dizer que não tenham sido utilizados
métodos quantitativos nos trabalhos. Identificamos duas dissertações
que deixam evidente o uso da análise estatística de forma pontual. Em
Ferreira (2017, p. 24), “excepcionalmente, os dados da primeira ques-
tão foram analisados de forma quantitativa. Para isso, utilizamos o mé-
todo estatístico de distribuição de frequência”. Neste trabalho, a autora
tem como objetivo analisar as relações entre as “políticas linguísticas
declaradas” (oficiais) e as “políticas linguísticas percebidas” (crenças)
em relação à língua espanhola na rede pública de ensino da Paraíba.
Para atingir esse objetivo, a autora aplicou questionário a alunos e pro-
fessores que estudavam e ensinavam essa língua, no Ensino Médio. A
primeira questão do instrumento de geração de dados destinada aos
estudantes abordava a(s) razão(ões) que havia(m) levado os discen-
tes a terem escolhido o espanhol como língua estrangeira na escola,
SUMÁRIO
buscando estabelecer relação entre a variável escolha do espanhol
e as variáveis valor comercial, cultural, facilidade de aprendizagem,
dentre outras. Já em Koffmann (2018), que estabeleceu como objetivo
investigar as ideologias linguísticas sobre a língua francesa de alunos
e professores desta língua na cidade de João Pessoa, a autora tam-
bém aplicou questionários e as questões fechadas foram analisadas
estatisticamente através do software Statistical Package for the Social
Science (SPSS). Porém, as análises estatísticas estavam a serviço do
desvelamento das ideologias linguísticas sobre o francês, por isso, a
autora classificou sua pesquisa dentro do paradigma interpretativista.

209
Ao discutir sobre quais métodos de pesquisa são seleciona-
dos pelos pesquisadores da área de Política Linguística, no cenário
internacional, Hornberger (2015) apresenta uma gama de possibilida-
des. Em suas palavras,
[...] a partir de um kit de ferramentas de coleta de dados que
inclui questionário de pesquisa, censo e dados demográficos,
corpora linguístico, entrevistas, documentos de política, ob-
servação participante e ação participativa; e um kit de ferra-
mentas analíticas que abrange abordagens estatísticas, expe-
rimentais, etnográficas, linguísticas e analíticas de discurso e
suas muitas variações, parece haver uma gama vertiginosa de
escolhas que confronta o aspirante a pesquisador em PPL.62
(HORNBERGER, 2015, p. 9-10).

Essa diversidade de ferramentas metodológicas também foi


identificada nas pesquisas selecionadas, de modo que observamos
a utilização de entrevistas semiestruturadas, questionários, observa-
ção não participativa (de formação continuada de professores, de
aulas, de aldeias etc.), corpus de documentos (oficiais, produzidos
pelos sujeitos da pesquisa, projetos político-pedagógicos, posta-
gens na internet etc.), diário de campo, materiais didáticos, grupo
focal, dentre outros. Enfim, observamos, igualmente, um verdadeiro
arsenal utilizado pelos pesquisadores nordestinos para realizar suas
investigações sobre as políticas linguísticas.
SUMÁRIO
Destacamos, anteriormente, que o período denominado
histórico-estrutural na área de Política Linguística caracterizou-se por
pesquisas que utilizavam aportes teórico-metodológicos da análise
crítica do discurso e enfocavam a relação entre linguagem e poder.
No corpus de teses e dissertação, identificamos dois trabalhos que

62
No original: “Drawing from a data colletion toolkit that includes survey questionnaire,
census and demographic data, linguistic corpora, interviews, policy documents, participant
observation and participatory action; and an analytical toolkit embracing statistical,
experimental, ethnographic, linguistic, and discourse-analytic approaches and their many
variations, there appears to be a dizzyning array of choices confronting the would-be LPP
researcher.” (HORNBERGER, 2015, p. 9-10).

210
recorreram aos estudos críticos do discurso de Van Dijk. A dissertação
de Conceição (2011) e a de Freire (2011) buscam, respectivamente,
[...] compreender os modos de reprodução ideológica dos
grupos de poder, que se constituíram no eixo da história
das narrativas de sucesso e insucesso em torno dos acordos
ortográficos entre esses dois países e em que medida o
controle desses grupos reproduz uma visão colonialista na
configuração atual no Novo Acordo Ortográfico como política
linguística de difusão da lusofonia [...] (CONCEIÇÃO, 2011, p.
8) (Grifos nossos)

[...] verificar em que medida as políticas linguísticas do Timor-


Leste traduzem os interesses dos diferentes grupos sociais
desse país. (FREIRE, 2011, p. 10) (Grifos nossos)

Nestes trabalhos, são enfocadas as dimensões políticas e


ideológicas do novo acordo ortográfico (CONCEIÇÃO, 2011) e dos
discursos de oficialização do português em Timor-Leste (FREIRE,
2011), desvelando relações de poder que engendram esses discursos.

Corroborando abordagens não-tradicionais de estudos as


quais utilizam a etnografia na Política Linguística (JOHNSON, 2018;
MCCARTY, 2011), sete das pesquisas do corpus também se caracteri-
zaram por serem de cunho etnográfico. Os pesquisadores nordestinos
experienciaram a perspectiva de inserders em diferentes contextos,
SUMÁRIO como comunidades indígenas (SIMAS, 2013, KASTELIC, 2014), salas
de aula (SANDES, 2015), contextos familiares (BENEDINI, 2015), dentre
outros. Uma ilustração é a pesquisa de Kastelic (2014) que investigou
a formação de professores indígenas na comunidade Avá-guarani, em
Santa Rosa do Oco’y, Paraná. O autor mobilizou diferentes ferramen-
tas, tais como: observação participativa, análise de documentos, diário
de campo, entrevistas, como também conversas informais, e atentou
para os aspectos éticos na representação da voz dos colaboradores.
Segundo o pesquisador, “na investigação com os indígenas em ques-
tão, todos os registros em diário de campo foram analisados com a

211
presença dos respectivos sujeitos, que tiveram a oportunidade de fazer
alguns acréscimos e/ou modificações quando consideram necessá-
rios” (KASTELIC, 2014, p. 36).

Verificamos no corpus, também, a utilização do aporte teórico-


-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo em duas teses (SIL-
VA, 2018; CAVALCANTE, 2016), estabelecendo interface com teorias
provenientes da Política Linguística, por exemplo. Para Silva (2018),
[...] acredito que pesquisas que envolvem a LA, nas interfaces
de ordem teórica aqui declaradas (políticas linguísticas, aparato
teórico-metodológico do ISD, análise dos documentos sobre
orientação para o agir docente e as questões sobre o trabalho
docente), aliadas à prática de seus agentes, aos materiais do
entorno do trabalho (planos de aula e avaliações) e ao processo
de construção profissional, podem auxiliar na compreensão do
agir em sala de aula, contribuindo para o desenvolvimento dos
professores. (SILVA, 2018, p. 31) (Grifos nossos)

Observamos que o aporte teórico-metodológico do ISD dá sub-


sídios à perspectiva pedagógica e formativa do “humano”, especifica-
mente, “o desenvolvimento dos professores”. Esse contexto educacio-
nal, por sua vez, caracterizou primordialmente os estudos de política
linguística no Nordeste. Mais da metade dos trabalhos exploraram
esse domínio (SPOLSKY, 2009). Uma ilustração é a dissertação de Sil-
SUMÁRIO va (2019), que teve como locus de investigação uma escola bilíngue
em uma cidade da Bahia com o objetivo de
[...] compreender até que ponto as políticas linguísticas
influenciaram na elaboração e desenvolvimento de um projeto
de educação bilíngue, bem como entender sob quais bases
metodológicas esse projeto, implementado em uma escola
de ensino fundamental 2, no interior da Bahia, se fundamenta.
(SILVA, 2019, p. 12).

Observamos, ainda, a utilização da Linguística Textual na análise


dos textos-discursos (DIONÍSIO, 2017; KOFFMANN, 2018). A dissertação
de Dionísio (2017), que buscou investigar o papel do teste Celpe-Bras

212
como um mecanismo de política linguística em um curso de português
como língua estrangeira destinado a alunos do Programa de Estudantes-
Convênio de Graduação (PEC-G), é um exemplo da utilização desse
arsenal da área para a análise das entrevistas realizadas com alunos,
professoras e coordenadora. Nessa perspectiva, a autora mobilizou
diferentes noções teóricas, tais como: operadores argumentativos,
marcadores de pressuposição, indicadores modais e atitudinais, dentre
outros. Essa opção metodológica é ilustrada nos excertos a seguir:
Na análise dos dados, sentimos necessidade de nos ampa-
rar em teorias da Linguística Textual a fim de melhor fun-
damentar as interpretações dos textos. Logo, selecionamos
a noção de texto proposta por Cavalcante e Custódio Filho
(2010), bem como os aportes de Koch (2000, 2011). (DIONÍ-
SIO, 2017, p. 77) (Grifos nossos)

Dessa forma, nos alinhamos a uma perspectiva de análise


atrelada ao paradigma sociocognitivista da Linguística Tex-
tual, levando em consideração os sistemas de conhecimento
construídos no decorrer do processo de produção e interpreta-
ção, bem como o contexto sócio-histórico envolvido nas situa-
ções de comunicação. (DIONÍSIO, 2017, p. 77) (Grifos nossos)

E, por fim, identificamos uma pesquisa na qual um dos objetivos


foi “lançar uma proposta teórico-metodológica para o ensino das
vogais orais pré-tônicas do PB63” (JESUS, 2013, p. 114), apresentando-
SUMÁRIO se como um trabalho de natureza aplicada. Essa dissertação confirma
o interesse de pesquisadores brasileiros identificados em grupos de
pesquisa (Plip, Obs: PLE-PL2) em apresentar iniciativas pedagógicas
voltadas ao ensino de português como língua materna.

A partir da análise das abordagens metodológicas em teses e


dissertações e dos grupos de pesquisa, apresentamos, na seção a
seguir, alguns desafios e direcionamentos para os estudos de política
linguística, bem como a síntese dos principais resultados.

63
Jesus (2013) está se referindo ao português brasileiro.

213
CONCLUSÃO

Com o objetivo de caracterizar os estudos de política linguística


no Nordeste, na área de Linguística, na última década (2010 a 2019),
realizamos um estudo de natureza qualitativa em grupos de pesquisa
e em teses e dissertações. Como principais resultados, destacamos a
presença diversificada da política linguística, podendo caracterizar-se
de forma central ou periférica e a mobilização de diferentes teorias nos
grupos de pesquisa. Já na análise das teses e dissertações, destaca-
mos uma predominância do paradigma interpretativista, de pesquisas
de natureza qualitativa, de uma ampla gama de instrumentos de cole-
ta ou geração de dados, da utilização da abordagem etnográfica, de
aportes da análise crítica do discurso, do Interacionismo Sociodiscur-
sivo e da Linguística Textual, da proposição de iniciativas pedagógicas
para o ensino de português como língua estrangeira e da predominân-
cia dos contextos educacionais como locus de investigação.

Em relação às pesquisas, os resultados, por um lado, corrobo-


ram os estudos realizados no cenário internacional e, por outro lado,
apresentam alguns diferenciais. Neste aspecto, destacamos a utili-
zação dos aportes do Interacionismo Sociodiscursivo e da Linguísti-
ca Textual nas abordagens teórico-metodológicas e metodológicas,
SUMÁRIO
respectivamente, revelando uma feição específica das investigações
realizadas na região Nordeste e ao mesmo tempo confirmando a na-
tureza multidisciplinar dos estudos de política linguística, conforme
é possível vislumbrar na obra Research Methods in Language Policy
and Planning, organizada por Hult e Johnson (2015).

Esses resultados também apontam alguns desafios para as


pesquisas, dentre os quais, destacamos: a) a ampliação de estudos
que focalizem a agência em política linguística de modo a afunilar, em
uma perspectiva teórica e/ou metodológica, as discussões em torno

214
do paradoxo estrutura/agência, a exemplo de obras que já relatam
diferentes estudos, no âmbito internacional, como Agency in Langua-
ge Policy and Planning: Critical Inquiries (BOUCHARD, GLASCOW,
2019), Researching Agency in Language Policy and Planning (GLAS-
COW, BOUCHARD, 2019). Os trabalhos de Andrade (2016) e de Ca-
valcante (2016) exploram essa dimensão ao abordar, respectivamen-
te, os processos de interpretação e apropriação de professoras de
português da educação básica das políticas linguísticas oficiais e a
implementação e recriação de políticas linguísticas por professoras
assessoras em projetos cooperativos de internacionalização em Ins-
titutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia; b) a ampliação
de estudos etnográficos e a consciência dos aspectos éticos nas
pesquisas. A abordagem etnográfica vai muito além de um percurso
metodológico, visto que envolve uma perspectiva epistemológica da
pesquisa (PÉREZ-MILANS, TOLLEFSON, 2018), ao mesmo tempo em
que promove implicações na identidade do pesquisador, na forma
de este representar o conhecimento e na definição de quem é(são)
beneficiado(s) com os conhecimentos produzidos pela pesquisa
(CANAGARAJAH; STANLEY, 2015), como ilustramos na pesquisa de
Kastelic (2014). Destacamos, ainda, a expansão de abordagens me-
todológicas que explorem os processos de política linguística (cria-
ção, interpretação e apropriação) em diferentes níveis e camadas, de
SUMÁRIO forma a convergir com um veio de pesquisas no cenário internacional
(JOHNSON, 2018); c) a produção de pesquisas que envolvam um pa-
radigma crítico (LIN, 2015) e que expandam as colaborações com di-
ferentes grupos como comunidades de surdos, políticos, refugiados,
indígenas, dentre outros; d) a utilização de diferentes métodos para
a análise de dados empíricos a exemplo do método Q-Sorting (LO
BIANCO, 2015); e, por fim, e) a diversificação de corpus de pesqui-
sa como a inclusão de textos-discursos da mídia (KELLY-HOLMES,
2015) e das redes sociais. Sobre esse último tópico, o trabalho de
Mota Silva (2019) que aborda o politicamente correto na linguagem

215
no Instagram é precursor e se insere em uma linha de pesquisa, no
cenário internacional, que estuda as políticas linguísticas em redes
sociais (e.g.: SHERMAN, SVELCH, 2015; DE BRES, BELLING, 2015).

Considerando, ainda, que a área de Política Linguística não en-


volve apenas aspectos linguísticos (SPOSLKY, 2009), as mudanças
nas conjunturas históricas, políticas e sociais, a exemplo da globali-
zação e das migrações massivas, poderão promover novos direciona-
mentos epistemológicos e metodológicos que visem a responder as
inquietações vindouras sobre as políticas linguísticas. Nesse sentido,
os direcionamentos apresentados, aqui, não têm a pretensão de se-
rem exaustivos, mas de indicarem alguns caminhos de pesquisa.

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219
11
Capítulo 11

Estratégias linguísticas de poder


(ELP): contexto nordestino

Marcus Vinícius Freitas Mussi

Amanda Pereira de Albuquerque

Wagner Silva de Andrade

Marcus Vinícius Freitas Mussi


Amanda Pereira de Albuquerque
Wagner Silva de Andrade

ESTRATÉGIAS
LINGUÍSTICAS
DE PODER (ELP):
CONTEXTO
NORDESTINO
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.220-239
Vale destacar, além da questão teórica pontual que aborda-
remos aqui, que o desenvolvimento de pesquisas e a promoção de
eventos acadêmicos como o CONELA64 são ações de resiliência
acadêmica muito importantes no momento político que vivemos no
Brasil, onde as universidades, sobretudo as federais, têm sofrido ata-
ques generalizados por parte do governo federal, promovendo caos
e retrocessos para a ciência nacional.

Neste contexto, será apresentada aqui minha fala – revisada


e atualizada – proferida na mesa redonda Políticas Linguísticas (PL):
práticas de pesquisa no Nordeste, compartilhada com as colegas
professoras e pesquisadoras Socorro Cláudia (UFPB), Gabriela Belo
(IFbaiano) e Rosemeire Monteiro-Platin (UFC), e mediada por Elaine
Santos (UFS), no dia 18 de novembro de 2020 durante o I CONELA. A
ocasião foi uma oportunidade para a apresentação de pesquisas que
envolvem Linguística Aplicada e políticas linguísticas no Nordeste.

Objetivando contribuir para a área, apresentei uma proposta


epistemológica que vem sendo desenvolvida desde 2017 – e, a
partir de 2020, dentro do GEPELA65 - com pesquisas conduzidas
tanto em contexto universitário quanto em interações online. Trata-se
da sistematização de estratégias linguísticas de poder, identificadas
inicialmente em pesquisas desenvolvidas acerca de preconceito
SUMÁRIO linguístico com estudantes e professores nordestinos, seguida por
investigações sobre preconceito linguístico em redes sociais.

Para melhor organização, o corpo deste texto está disposto ba-


sicamente em três momentos, a saber: primeiras palavras, onde situa-
mos o leitor na discussão, panorama teórico, que é um momento em
que apresentamos dimensões construídas na PL e, em seguida, postu-
lamos nossa proposta teórica em desenvolvimento para a área de PL.
64
Este evento histórico para a LA no Nordeste é parte integrante do meu projeto de estágio
pós-doutoral desenvolvido junto ao PPGL/UFC em parceria com a o PosLA/UECE
65
O Grupo de Estudos e Pesquisas Especializados em Linguística Aplicada – GEPELA foi
criado em 2020 e lançado oficialmente no I CONELA.

221
INTRODUÇÃO

Considerando a apresentação histórica detalhada da PL a


partir da década de 1959 disposta no capítulo anterior, e o que já
disse em outro trabalho sobre diferentes perspectivas acerca das
fases que a área atravessou/tem atravessado ao longo dos anos
(MUSSI, 2017), não vamos nos ater aqui a este aspecto. Entretanto,
se faz necessário destacar que estamos vivenciando atualmente
uma fase que a PL “desenvolve-se a partir da globalização, pós-
modernismo e identidade, com foco no social” (MUSSI, 2017, p.5). Ao
mesmo tempo que adotamos a (des)(re)construção ideológica por
meio do aspecto social, abandonamos a naturalização de discursos,
sobretudo os hegemônicos, uma vez que compreendemos, de
fato, que a naturalização destes discursos oferece suporte para a
perpetuação de práticas sociais segregadoras diversas.

Somado a esses aspectos, o Nordeste é uma região brasileira


que, historicamente, sofre preconceito racial, cultural, linguístico, en-
tre outros, por boa parte do resto do país66. Dessa forma, os estudos
em PL têm se expandido nesta região – como observado também no
capítulo anterior – pelo fato de responder significativamente a anseios
sociais diversos, tais como, dar voz àqueles marginalizados em con-
SUMÁRIO
textos dominantes da sociedade, questionar práticas discursivas que
sustentam projetos de poder, buscando desvelar e propor soluções
linguísticas intervencionistas.

No entanto, o que nós propomos a seguir não é apresentar


soluções para os problemas político-linguísticos – o que seria tanto
coerente quanto útil para a Linguística Aplicada, doravante LA –

66
Nossa percepção é a de que essa relação de preconceito se dá apenas em uma esfera
nacional, caracterizando-se como uma luta de poder interna. Isso porque não é do nosso
registro que estrangeiro tenha agido de forma preconceituosa acerca de algum sotaque
regional nordestino brasileiro.

222
mas apresentar resultados que vêm sendo desenvolvidos acerca
da construção de um quadro teórico pautado na observação de
estratégias de poder desenvolvidas dentro da linguagem. Importante
esclarecer que tais estratégias se entrelaçam de forma muito próxima,
entre outros, com aspectos culturais, históricos, econômicos, políticos
e sociais do sujeito. Esta ideia de contribuição epistemológica surge
a partir de uma pesquisa no contexto do Nordeste brasileiro (ibidem),
mais precisamente com estudantes e professores do CFP/UFCG,
campus de uma universidade federal pública na região fronteiriça entre
o Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

O objetivo principal deste trabalho foi inicialmente identificar


crenças sobre a diversidade linguística, no entanto, ao compilar e com-
parar os dados coletados, foi possível perceber não apenas as crenças
dos participantes, mas que em seus discursos havia um padrão de
estratégias discursivas de relação de poder que, por hora, chamei de
“estratégias discursivas de dominação” e entendi que estavam relacio-
nadas ao modelo de análise proposto por Spolsky (2004; 2009; 2012),
mais precisamente como uma subcategoria de gerenciamento da lín-
gua. Concomitantemente, foi possível desvelar ainda que havia estra-
tégias implícitas e outras explícitas, sendo mais destas e menos da-
quelas. E com isso, inferimos também que comportavam o conceito de
mecanismo ou dispositivo linguístico postulado por Shohamy (2006).
SUMÁRIO
Desde então temos trabalhado na identificação, análise, catego-
rização e teorização de discursos em função do que chamamos hoje
de estratégias linguísticas de poder (ELP) e tentado cumprir a tarefa de
alinhar nossos resultados ao cenário epistemológico da área. Ou seja,
o que vamos apresentar a partir de agora é parte do nosso projeto em
contribuir para o quadro teórico da PL através de pesquisas desenvol-
vidas no/sobre/para o contexto nordestino, entre outros.

223
PANORAMA TEÓRICO

Nesta seção, vamos apresentar um recorte do quadro teórico,


constituído ao longo da empreitada da PL em estudar problemas
sociais nos quais a linguagem está inserida. Primeiro vamos dispor
sobre a tríplice que constitui o modelo de Spolsky (2004; 2009; 2012),
em seguida, trataremos dos postulados de Shohamy (2006) que amplia
esta proposta. É na sequência desta seção que propomos contribuir
com nossas suposições epistemológicas, tomando de empréstimo o
termo de Spolsky (ibidem).

Segundo ele, “política linguística tem três componentes


descritíveis inter-relacionados, mas independentes – práticas, crenças
e gerenciamento” (Spolsky, 2009, p. 4), sendo que o primeiro se refere
a escolhas mais ou menos conscientes e previsíveis – com base nos
domínios que o sujeito está inserido – quanto às escolhas lexicais,
fonéticas ou mesmo de língua, por exemplo. E complementa que,
por estar presente no cotidiano, são as práticas que representam a
verdadeira dimensão de uma comunidade de fala. Já as crenças, ou
ideologia sobre as línguas, estão relacionadas aos valores que cercam
a língua que, por sua vez, dependem dos quantitativos de falantes e
desdobramentos sociais e econômicos projetados nela.
SUMÁRIO
Com o objetivo de diferenciar práticas de crenças, trazemos
um exemplo simples: é possível que um sujeito estigmatize o sotaque
do alto sertão paraibano, mas use marcas linguísticas singularmente
características desta região para realizar uma venda. Neste mesmo
exemplo, podemos perceber que há um processo de gerenciamento,
caracterizado pelo “esforço explícito e observável de alguém ou algum
grupo que reivindica autoridade sobre os participantes no domínio com
o intuito de modificar suas práticas ou crenças” (Spolsky, 2009, p. 4-5).

224
Além de romper com o padrão binário (política e planejamento)
estabelecido desde 1960, o modelo neozelandês promove pesquisas
possíveis acerca de diferentes dimensões sociais (família, país, etc)
em esferas micro, tais como pronúncia ou morfologia, ou macro da
língua, como a seleção de determinada língua oficial em um país, por
exemplo. Spolsky (2009, p.7) deixa claro que este trabalho está em
desenvolvimento – qual construto teórico não está? – promovendo uma
perspectiva de construção coletiva. Nesse sentido, apresentaremos a
partir de agora propostas já estabelecidas de expansão teórica com-
plementar aos seus postulados. Primeiro vamos discorrer, de um lado,
sobre a forma linguística explícita ou evidente67, e do outro, o formato
implícito ou encoberto de PL (trataremos brevemente de sentidos inter-
nos ou externos ao texto), e em seguida traremos à baila o conceito de
mecanismo ou dispositivo, instituído por Shohamy (200668).

Iniciamos ilustrando com algumas formas explícitas, tal como


em 1994, quando Jaques Toubon teve seu projeto de proibição de es-
trangeirismo (principalmente da língua inglesa) em lugares públicos
– letreiros, rádio, TV, etc – aprovado na França, ou na oportunidade
em que o Paraguai torna o guarani, junto com o espanhol, língua
oficial em 2019. Além desses exemplos macros, é possível explici-
tar em contextos micros também, seja no momento em que alguém
“corrige” a pronúncia de algum sotaque “errado” (exemplo: “não se
SUMÁRIO
diz /fécha/, se diz /fêcha/”) ou quando termos são reconfigurados em
determinado gênero textual, marcando o discurso do falante (exem-
plo: “você vai pra aula ‘de’ que horas?69”).

67
Shohamy usa os termos implícito e explícito, enquanto Schiffman, encobertas e evidentes.
Vamos usar apenas um deles para melhor clareza retórica.
68
Importante notar que embora trazemos ao colocarmos este conceito de Shohamy de 2006
em uma linha cronológica, é possível notar que estamos falando de um construto teórico
de Spolsky apresentado em 2004 (e não 2009, lógico).
69
É comum o uso de “de” antes das horas no interior de alguns estados nordestinos.

225
Shiffman (1996, apud Shohamy, 2006, p. 50) destaca que
“muitos pesquisadores (e aqueles que decidem política) acreditam
ou têm dado valor a formulações evidentes e explícitas de decla-
rações sobre o estado de variedades linguísticas, e ignoram o que
verdadeiramente acontece escondido, no campo, na base, etc”.
Com base nessa percepção, compreendemos que há um amplo
campo fértil para ser explorado pela PL, e é sobre esta característica
implícita que vamos tratar a partir de agora.

Iniciamos essa discussão alicerçados na clara premissa de


que a construção do sentido se dá na relação cooperativa entre o
enunciador e quem recebe a mensagem:
Em um texto circulam, interagem e se integram formações
várias, explícitas ou implícitas, evidentes por si mesmas ou
dependentes de interpretação. Por isso, um texto é necessa-
riamente fruto de uma construção de sentido em que coo-
peram quem o enuncia e quem o recebe. Esta cooperação
pode se dar de várias maneiras, que vão do diálogo face a face
(discurso espontâneo) — em que os participantes se alternam,
e às vezes se entrechocam, nos papéis de emissor e receptor
— ao texto dado como “concluído” por seu criador inaugural
(discurso planejado) (AZEREDO, 2004, p. 39, grifo nosso).

Se por um lado textos com significados explícitos se configuram


a partir de interpretações mais estreitas, por outro lado, ao lançar
SUMÁRIO
mão de construções implícitas de significado, o enunciador oferece
maiores possibilidades para interpretação junto ao leitor/ouvinte.
Ou seja, nem todo texto está passível de múltiplas interpretações,
mas há mais possibilidades em textos com marcações linguísticas
implícitas. Sem nos alongar muito, vamos a alguns exemplos: - No
Brasil, as políticas do governo federal eram favoráveis ao povo, mas o
atual, deixa pra lá. – Ela faz tudo.

Veja que no primeiro discurso o não dito deixa claro o desa-


grado acerca do atual governo por parte do falante, enquanto no

226
segundo há diferentes possibilidades de interpretação a partir do ele-
mento exofórico utilizado, podendo ser interpretado como sarcasmo,
ao usar determinado tom de voz, gesto ou expressão facial. Outra
possibilidade, entre muitas possibilidades, seria dar destaque que é
ela e não ele quem faz, dando ênfase ao pronome do caso reto. Nos
reportando rapidamente à teoria das implicaturas de Grice (1981),
vamos perceber aqui que há, basicamente, duas possibilidades: um
sentido construído externo ao texto (implicaturas conversacionais) e
outro interno (implicaturas convencionais), respectivamente exempli-
ficados nos dois últimos parágrafos.

Dadas essas abordagens teóricas e práticas sobre explícitos e


implícitos e em contextos macro ou micro da língua, vamos discorrer
agora sobre o conceito de mecanismo/dispositivo70 (SHOHAMY, 2006).
A estadunidense define mecanismos como “dispositivos evidentes e en-
cobertos usados como meios de afetar, criar e perpetuar práticas linguís-
ticas, e consequentemente, PL de fato”, sendo as formas dissimuladas
e implícitas as práticas que manifestam as políticas “reais” que ditam e
impõem (Shohamy, 2006, p. 53-54). E aqui há dois aspectos muito caros
na nossa proposta a serem observados: um relacionado ao empodera-
mento e outro à questão epistemológica principal neste trabalho.

Quanto ao primeiro, é importante que o sujeito tome consciência


SUMÁRIO do que está acontecendo para que possa travar batalhas discursivo-i-
deológicas. Não se podem lançar esforços, por exemplo, contra siste-
mas diversos, questões econômicas, relações desiguais entre povos,
se o sujeito não observa que há uma estratégia discursiva ligada a
determinado projeto de poder. São muitas das vezes na dissimulação
que o implícito se apoia:
Trata-se de um jogo de conhecimento e ignorância que se
estabelece com o adversário. Ele diz respeito à compreensão

70
Tal como fizemos com os termos explícito e implícito, vamos escolher aqui um termo no
desenvolvimento do texto.

227
de Sun Tzu sobre o jogo geopolítico e como ele é organizado
por certas condições que tornam a vitória de um exército algo
aparentemente inevitável e dado de antemão à sua ocorrência.
Conhecer é tão decisivo para se vencer, que tornar o
adversário ignorante precede à vitória. Por conta disso, deve-
se sempre considerar que o conflito é atravessado por um jogo
de espionagem, o que torna necessário dissimular71 esse
conhecimento para seu próprio exército. (NETO, 2020, p. 138)

E o segundo aspecto se refere ao fato de que, ao falarmos


de ELP, nos referimos a algo muito próximo do que a referida autora
chama de mecanismo. No entanto, entendemos que as estratégias
estão contidas nos mecanismos linguísticos. Mas vamos tratar disso
de forma mais detalhada à frente.

Shohamy (ibidem) sinaliza que os dois mecanismos mais co-


muns para transformar ideologia em prática são as regras e as regula-
ções. Por exemplo, o Brasil ter apenas o português como língua oficial
e não aderir ao guarani nem mesmo como língua co-oficial, como são
os status do basco, galego e catalão na Espanha, cuja língua oficial
é o espanhol ou castelhano. Já o mecanismo político de ensino de
línguas (PEL) “se refere a conduzir decisões de PL em contextos espe-
cíficos de escolas e universidades em relação à língua materna [...] e
à segunda língua ou língua estrangeira”. A exemplo da BNCC, que tor-
na obrigatório o ensino de língua inglesa como língua estrangeira em
SUMÁRIO
todos os currículos das redes públicas e privadas de ensino do país.

Além destes, os testes de língua(gem), segundo Shohamy


(ibidem), constituem um mecanismo impositivo e implícito, e por isso
poderoso, como é o caso das correções destes testes com critérios
uniformes, perpetuando padronizações linguísticas e supremacias
culturais a partir dos temas propostos. E por último, e ao mesmo
tempo mais útil à nossa proposta de arcabouço teórico, é que as

71
Talvez o mais antigo tratado de guerra, A Arte da Guerra (SUN TZU, 2006) traz a dissimulação
como um dos princípios da guerra, juntamente com o segredo, astúcia e surpresa.

228
PL “política linguística se manifesta não só através de itens como
documentos políticos e materiais de testes, mas também através da
língua usada no espaço público”.

NOSSA PROPOSTA PARA


O QUADRO TEÓRICO DE PL

Considerando pesquisas realizadas no espaço público sobre


práticas, crenças e gerenciamento, percebendo diferentes dispositivos
da língua, e observando informações dispostas de forma implícita ou
explícita na língua, foi possível construir uma proposta que possa vir a
constituir o quadro teórico de PL.

Trata-se de um trabalho em andamento que busca compreender


como se dão os processos de uso do recurso linguístico em função de
promover poder em seus diversos aspectos, seja na manutenção ou
mudança, seja de forma implícita ou explícita, etc. Buscamos responder
à seguinte pergunta: Como estratégias linguísticas de poder são cons-
truídas? E com isso, seguimos, portanto, o caminho de coleta, análise,
categorização, etc, pautados no objetivo central de desvelar tais estra-
tégias, apresentando-as para o leitor da forma mais simples possível.
SUMÁRIO
A ideia nasce, basicamente, no seio do contexto nordestino,
através de investigações sobre preconceito e alicerçada na com-
preensão de que todo projeto de poder é composto, primeiramente,
por um projeto linguístico, e este, por sua vez, é construído essen-
cialmente de ELP. A partir daí foram elencadas as primeiras estraté-
gias (chamadas inicialmente de estratégias de dominação) e, então,
o projeto epistemológico passou a ser desenvolvido dentro do grupo
de pesquisa GEPELA/UFCG.

229
No primeiro momento, foram identificados o sarcasmo, a as-
sociação linguística (à baixa condição social ou pouca civilidade) e
a repetição. E, em um segundo momento – transbordando as fron-
teiras geográficas do Nordeste, mas mantendo o tema preconceito
linguístico em relação a esta região – percebemos mais outras duas
estratégias: mudanças de sotaques para convencer e a adjetivação
como um julgamento implícito negativo. Em todos os casos, nota-
-se, obviamente, a possibilidade de constituição implícita ou explí-
cita, exclusiva ou combinada entre si. Para ilustrar estas primeiras
estratégias, vamos apresentar a seguir cada uma com exemplos que
encontramos na linguagem em uso.

Seguindo a sequência apresentada no parágrafo anterior,


vamos iniciar com o sarcasmo, a ELP mais recorrente em nossos
estudos. Mas, antes de irmos aos exemplos, é importante deixar claro
que, embora haja ocasiões em que ocorra sutileza nos discursos,
não compreendemos os dados coletados como ironia, sobretudo
devido às marcações provocativas de zombaria. Assim, ao serem
perguntados se já sofreram preconceito linguístico, os participantes
da pesquisa responderam, por exemplo:
Sim, no caso do sotaque cearense, por exemplo, que tem
um sotaque arrastado em relação ao “i”. Então, às vezes,
percebo que as pessoas, ao ouvir falar esse sotaque, começa
SUMÁRIO a ser motivo de zombaria, de modo que a pessoa começa a
reproduzir o som, mas só que de maneira irônica. [sic]

Os comentários em relação aos sotaques são colocados de


forma cômica com um misto de admiração ou ridicularização
então fica difícil perceber alguma intenção de menosprezo
e humilhação. Mas com algumas pessoas essa atitude pode
provocar mudanças no sotaque como forma de se adaptar,
enturmar. [sic]

A identificação linguística do sarcasmo não é uma novidade aqui,


mas observá-la enquanto estratégia de poder sim, pois vamos além
de perceber apenas seu sentido conotativo ou figurado de desprezar,

230
menosprezar, promover comédia, entre outros possíveis. Se analisar-
mos com cuidado os exemplos acima, podemos perceber que há pelo
menos dois pressupostos embutidos nas percepções relatadas: existe
uma língua(gem) considerada padrão à qual se comparam os sota-
ques, e, como desdobramento, serve de parâmetro para se construir a
zombaria, comparando-a com tudo que seja diferente. Mas, com qual
objetivo político o autor lança mão dessa construção sistemática?

É neste momento que surge outro questionamento central na


nossa empreitada: como essa estratégia linguística (sarcasmo) se
relaciona com o poder? Para responder a esta pergunta, vamos nos
remeter, primeiramente, aos sentidos dos termos que a compõem. A
palavra “poder” vem do latim potere72, que, entre outros significados
possíveis, está relacionado à capacidade de fazer algo e impor a von-
tade. Já o termo “estratégia” vem do grego stratēgía e remete, segun-
do o dicionário Michaelis, ao significado de “utilizar planejadamente
os recursos de que se dispõe ou de explorar de maneira vantajosa a
situação ou as condições favoráveis de que porventura se desfrute,
de modo a atingir determinados objetivos”.

Entendemos, portanto, que o sujeito pode lançar mão da


capacidade impositiva que a língua oferece para atingir o objetivo de
gerar poder, criando, assim, condições favoráveis a si mesmo e, por
SUMÁRIO consequência, mais capacidade de impor sua vontade. Ou, em outras
palavras, usa o poder da língua para gerar mais poder, inclusive –
talvez principalmente – em esferas extralinguísticas. Entrelaçando esta
discussão com o nosso contexto, podemos perceber que o sarcasmo
se apresenta como uma ELP por 1) atender satisfatoriamente ao
requisito de estratégia: explora de maneira vantajosa a situação de
adotar uma forma linguística padrão para atingir o objetivo de diminuir
a importância – e, por consequência, a posição daquele que o fala –
do sotaque diferente do ordinário; 2) se referir a uma figura de estilo,

72
Embora a área de estudos etimológicos deixe claro que os sentidos podem mudar
consideravelmente ao longo da história de um termo, este não é o caso.

231
ou seja, uma composição propriamente linguística; e 3) objetivar fazer
algo para administrar sua vontade (política).

Com isso, apresentamos os critérios que usamos para angariar,


selecionar e categorizar as ELP ao mesmo tempo que nos preparamos
para apresentar uma situação contrária ao corriqueiro preconceito lin-
guístico dirigido “de fora para dentro do Nordeste/sertão”, como ob-
servado no excerto a seguir:
Sim, já presenciei situação em que pessoas que mudaram
de região e voltaram pouco tempo depois para sua região de
origem com o sotaque de outra região, serem ridicularizadas
[chiando]. [sic]

O sarcasmo caracteriza-se, portanto, como uma estratégia que


pode acontecer em diferentes direções, com uso camuflado (implíci-
to) e ao mesmo tempo provocativo de mudanças linguísticas. Desta-
cando o segundo aspecto, resgatamos Shohamy (2006, p.53-54), que
atesta haver outros indicativos a serem examinados, além do que está
explícito: “estes são os diferentes mecanismos que ditam e impõem,
frequentemente de forma dissimulada e implícita, as práticas de lin-
guagem factuais”.

Dado isso, seguimos para a “associação linguística à condição


social negativa”:
SUMÁRIO
Já sofri [preconceito]. Quando fui à Brasília e cada vez que
falava as pessoas me associavam à seca no Nordeste sem
ao menos perguntarem qual cidade de onde eu vinha. [sic]

Sim [já sofri preconceito]. Afirmações de que apenas tal


região do país fala corretamente, Ou ligarem o sotaque a
determinada região e pressupor que são pessoas com menos
nível intelectual. Ou preconceituosos ligados a uma ideia de
determinada região. [sic]

No tempo que morei no Rio só faziam graça do meu sotaque


de ‘caipira’ e ficavam perguntando se eu morava no meio do
mato. [sic]

232
Eu nunca vou esquecer da vez que [por conta do meu sotaque]
uma mina em SP me perguntou se tinha shopping em
Fortaleza e eu fiquei ????? Depois ainda emendou com ‘mas
vocês tem escola? Tipo, escola de verdade? [sic]

Lembrei aqui quando eu fui pra Porto Alegre, aí o taxista


escutou o meu sotaque e perguntou se aqui no nordeste o
povo brigava com peixeira na mão. [sic]

Comumente observável no cotidiano e frequentemente refor-


çada pelas mídias de massa, a associação entre a forma de um nor-
destino falar com aspectos sociais negativos é projetar o estereótipo
de um sujeito sofrido pela seca e de poucas oportunidades de educa-
ção para todos. A partir daí sugerimos algumas reflexões: O Nordeste
não possui diferentes camadas sociais? A identidade do nordestino,
frequentemente observada como um todo, é mesmo única ou cada
estado ou microrregião possui suas particularidades linguísticas em
seus 1.554.000 km2?

De forma complementar, trazemos alguns dados recentes que


desconstroem a ideia de pouca civilidade associada ao Nordeste.
Quem pergunta se em Fortaleza tem escola “de verdade” certamente
não sabe, por exemplo, que a primeira e terceira maiores notas do
ENEM em 2018 foram desta cidade ou que, em 2020, nove das 10
melhores escolas do Brasil são do Ceará73. Será que alguém que as-
SUMÁRIO
socia um sotaque nordestino a alguém que “mora no meio do mato”
ou briga “com peixeira na mão” tem conhecimento de que, segundo
o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública/Fórum/Brasileiro de
Segurança Pública, 17,6% das mortes no Rio Grande do Sul foram
com arma branca contra 14% no Ceará? Outro ponto a ser questio-
nado é: será que um “caipira’ que vive “no meio do mato” é mesmo
menos civilizado do que o morador da zona urbana? E por fim, é no
Nordeste que está “a cidade com proporcionalmente o maior número

73
Estes dados têm como base o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e
se referem às séries entre o primeiro e quinto ano.

233
de doutores do Brasil, 1 para cada 590 habitantes, seis vezes a média
nacional” (XI SELIMEL, 2019).

Nosso objetivo aqui não é formular uma defesa detalhada do


Nordeste, mas questionar os pressupostos ligados à referida ELP e
explicitar como ela funciona. Vale destacar que tanto as duas estraté-
gias já elencadas quanto as que serão apresentadas estão necessa-
riamente atreladas ao sotaque, vocabulário ou estruturas linguísticas.
Além disso, é importante deixar claro também que, embora estejamos
construindo esse quadro teórico em diálogo com outras áreas do co-
nhecimento, sobretudo a lógica argumentativa, linguística e sociologia,
trata-se de uma análise no campo da LA e PL, por se tratarem de pro-
blemas políticos que ocorrem no seio da linguagem em uso.

Dessa forma, seguimos para a terceira ELP: repetição. Não é


uma inovação a repetição enquanto objeto de estudos linguísticos,
a exemplo de Ramos (1983) e Marcuschi (1992), e continua em alta
no Brasil, como representam os trabalhos de Salomão (2014) e Cas-
tilho et al. (2020). Além disso, concordamos com Sampaio e Lacerda
(2017, p.113 e 119, grifo nosso) ao afirmarem que “a repetição é um
fenômeno linguístico muito utilizado, dando [...] espaço a vários es-
tudos sobre esse fenômeno”.

SUMÁRIO No entanto, diferente de diversos estudos que têm se desen-


volvido em décadas, a vanguarda da nossa proposta para abordar
a repetição enquanto estratégia se apoia no seu caráter político. Nos
excertos a seguir, podemos perceber a intenção política implícita do
falante relatado por participantes de nossas pesquisas:
No dia a dia é muito comum ouvirmos expressões repetitivas
a fim de ‘forçar’ falar igual. [sic]

Muitas vezes as pessoas tentam repetir ou tentam fazer com


que eu seja corrigida com o jeito que eu falo. [sic]

Situações em que eu comento algo e uma pessoa repete


minha fala enfatizando o sotaque. [sic]

234
Assim como ocorreu com as duas primeiras ELP, é possível notar
que a repetição é usada aqui para forjar um comportamento alinhado
com um sotaque considerado “correto”. A repetição para correção da
pronúncia com sotaque se apresenta motivada a determinar a posição
dos diferentes atores sociais, para usar um termo bakhtiniano, na in-
teração. Por um lado, ao lançar mão da repetição, o sujeito se coloca
na posição de detentor de um pseudoconhecimento correto ao mes-
mo tempo em que se autoproclama fiscal linguístico. Por outro lado, o
outro que está sendo supostamente corrigido fica caracterizado como
alguém que ainda não sabe o suficiente da língua que está usando.

Neste cenário, em suma, temos um ator que controla, determina


e fiscaliza um comportamento linguístico social através da repetição e
outro ator impelido a abdicar de suas características culturais e identi-
tárias projetadas na língua. Entendemos que, ao oferecer clareza sobre
isso àqueles que sofrem preconceito linguístico, estamos promovendo
mais equilíbrio em suas (des)construções (in)convenientes de sentidos.

É com base nesta compreensão que passamos para a próxima


estratégia: mudança do próprio sotaque para convencer. Trazemos aqui
dois exemplos de mudança de sotaque cujo objetivo é o alinhamento
interpessoal com o ouvinte, embora tenham diferentes objetivos sociais:
[Eduardo] Campos muda sotaque nordestino para conquistar
SUMÁRIO votos no Sul e Sudeste. [sic]

Meu irmão tentando esconder o sotaque de baiano quando tá


jogando eh a coisa mais engraçada do mundo. [sic]

Podemos perceber que, embora haja dúvidas sobre o uso cons-


ciente da língua em ambos os casos, o que nos importa aqui é que a mu-
dança de sotaque do político é uma estratégia explícita que compõe seu
projeto de poder, enquanto o ato de “esconder o sotaque de baiano” nos
oferece duas possibilidades: sente-se intimidado pelo preconceito linguís-
tico ou está tentando se enturmar sem assumir sua identidade “diferente”.

235
Dado isso, apresentamos, por fim, a última ELP da nossa lista
aqui, trata-se da adjetivação com julgamento implícito negativo:
Eu me sinto muito desconfortável quando alguém do sudeste
adjetiva o meu sotaque, mas principalmente de forma ‘positiva’.
Chamar de ‘bonitinho’ ‘engraçado’ sugere um valor cômico que
eu só me sinto uma caricatura do nordeste, como se fosse algo
exótico, quase estrangeiro pra eles. [sic]

Nunca entendi essa obsessão com o sotaque do nordestino.


É como se o resto do país inteiro não tivesse sotaque, dando
a impressão que os outros estão corretos, se referindo ao
nordestino como exótico. [sic]

Todo significante possui necessariamente um significado, que por


sua vez pode portar diferentes sentidos. Dentre eles, estão o sentido
denotativo, diretamente relacionado ao dicionário, e o sentido conotativo,
cujo emprego se dá de forma subjetiva ou figurada nas palavras e está
mais conectado com o contexto de produção. É neste último que nos
debruçamos para dar suporte à nossa interpretação de que, ao se
dizer que algo é “bonitinho” ou “engraçado”, não está necessariamente
elogiando, pelo contrário, soa como depreciativo àquilo que se está
adjetivando. Já no caso de “exótico”, o dicionário Michaelis define como
algo “que não é natural do país onde vive”, o que nos conduz a observar
a posição excludente em que o sotaque nordestino é posicionado.
SUMÁRIO

CONCLUSÃO

Para maior clareza retórica, organizamos abaixo um quadro com


as ELP desveladas neste trabalho, seguido do seu posicionamento em
um recorte do quadro teórico da PL:

236
Tabela 1 – ELP exemplificadas.

ELP Excerto

as pessoas, ao ouvir falar esse


Sarcasmo sotaque [cearense], começa
a ser motivo de zombaria

quando fui à Brasília e cada


Associação linguística a aspectos
vez que falava as pessoas me
negativos da linguagem.
associavam à seca no Nordeste

as pessoas tentam repetir ou


Repetição tentam fazer com que eu seja
‘corrigida’ com o jeito que eu falo

Campos muda sotaque


Mudança de sotaque nordestino para conquistar
votos no Sul e Sudeste

alguém do sudeste adjetiva o


Adjetivação com julgamento meu sotaque, mas principalmente
implícito negativo de forma ‘positiva’. Chamar de
‘bonitinho’ ‘engraçado’.
Fonte: elaborada pelo autor, 2020.

Tabela 2 – Quadro teórico.

Shiffman Shohamy Mussi


Autor Spolsky (2004)
(1996) (2006) (2021)
SUMÁRIO
Práticas(escolha)
Construto Crenças(valor)
Explícito/ Dispositivos
teórico Gerenciamento ELP
implícito linguísticos
(mudança)

Fonte: elaborado pelo autor, 2020.

Entendemos que as ELP envolvem todos os modelos anterio-


res, mas de forma mais precisa já pode ser entendida como uma
extensão do gerenciamento, por se caracterizar como uma manipu-
lação intencional da língua, ou dos dispositivos linguísticos, uma vez

237
que são meios que podem (re)criar ou cristalizar práticas linguísti-
cas. O GEPELA segue trabalhando neste projeto com a finalidade de
elaborar uma lei de funcionamento para as estratégias, agregando
consistência à tese que defendemos.

REFERÊNCIAS
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Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
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n. 3, p. 64-89, 2020.
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(ed.) Sintax and semantics. New York:Academic Press, v.9 1981.
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produção do espaço, geopolítica e guerra no Período de Estados
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SUMÁRIO
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Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
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SALOMÃO, M. H. A repetição como estratégia de formulação do discurso oral
e a organização tópica. Revista Línguas & Letras, Unioeste, v. 15, Nº 31, 2014.
SAMPAIO, N. S. F.; LACERDA. Language repetition of patient MM: a discussion
in the light of Discursive Neurolinguistics. Mariza dos S. Odisseia, Natal, v. 2,
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SHOHAMY, E. Language policy: hidden agendas and new approaches.
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238
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SPOLSKY, B. Language policy: key topics in Sociolinguistics. Cambridge:
Cambridge, 2004.
SPOLSKY, B. (org.). The Cambridge handbook of language policy. Cambridge:
Cambridge, 2012. p. 03-15.
TZU, S. A arte da guerra. Tradução Sueli Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM,
2006.
XI SELIMEL. Simpósio Internacional de Estudos em Linguagens. Anais [...]
Seminário Nacional sobre Ensino de Língua Materna e Estrangeira e de
Literatura. 2021. Disponível em: https://2019.selimel.com.br/seminario/ .
Acessado em 15 jan 2021.

SUMÁRIO

239
12
Capítulo 12

Antecipação de problemas
ortográficos e sua relação com
atividades metalinguísticas em
alunas recém-alfabetizadas

Eduardo Calil

Cristina Felipeto
Eduardo Calil
Cristina Felipeto

ANTECIPAÇÃO
DE PROBLEMAS
ORTOGRÁFICOS
E SUA RELAÇÃO
COM ATIVIDADES
METALINGUÍSTICAS
EM ALUNAS RECÉM-
ALFABETIZADAS
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.240-256
INTRODUÇÃO

As interrupções ocorridas no curso do processo de inscrição e


linearização textual, quando relacionadas ao próprio texto em cons-
trução74, podem estar associadas a dois tipos de movimentos do
escrevente: 1) um retorno do escrevente sobre algo já escrito (movi-
mento retrospectivo), a partir do qual pode surgir uma necessidade
de modificação do que já foi grafado, gerando o que comumente se
reconhece como rasura escrita; 2) uma ação reflexiva sobre o que
será escrito (movimento prospectivo), antecipando um possível pro-
blema, evitando um efeito de sentido, alterando um termo ou expres-
são antes mesmo de ter sido inscrita e linearizada.

Esses movimentos (recursivo e antecipatório) estão, de fato,


presentes em toda atividade humana. Eles acompanham todo o
processo de percepção e, segundo Anokhina (2018), apesar de estar
no próprio funcionamento cognitivo, a maior parte dos estudos em
produção textual investiga o primeiro movimento. Há poucos trabalhos
dedicados a estudar a antecipação em situações de produção textual.
É muito provável que isso se deva à dificuldade de acesso a esse
fenômeno, já que seria necessário um dispositivo metodológico que
ultrapassasse o produto, capturando a peça escrita em construção,
SUMÁRIO
permitindo identificar a antecipação en train de se faire.

Assumindo a importância desse movimento para a compreensão


da gênese textual em alunos escreventes recém-alfabetizados, nossa
atenção se direcionará às antecipações ortográficas, aquelas nomea-
das por Calil e Pereira (2018) como “reconhecimento antecipado de

74
Estamos excluindo, evidentemente, devaneios, desvios de atenção que ocorrem no
decurso de processos de escrita. Apothéloz, por exemplo, mostra que “não é raro que o
parceiro [da escrita colaborativa] se engaje em uma atividade sem ligação direta com a
atividade do escrevente” (2001, p. 54), havendo uma suspensão relativa e momentânea do
laço interacional.

241
problemas ortográficos”. Esses reconhecimentos antecipados indicam
atividades metalinguísticas realizadas por esses escreventes sem deixar
marcas recursivas gráficas (rasuras escritas) na folha de papel.

Dentro do campo de estudos propostos pela Genética Textual,


a partir de uma abordagem linguístico-enunciativa, tomaremos como
unidade de análise os textos-dialogais (CALIL, 2017) estabelecidos
entre alunos, durante situações de escritas colaborativas75. Dessa
forma, as antecipações podem ser observadas através da interface
entre o diálogo dos alunos e o traço gráfico da escrita, registrado na
folha de papel durante esse diálogo76.

Nesse estudo, delimitaremos o que está sendo entendido por


antecipação, visando apresentar sua característica; na sequência,
procederemos à apresentação da metodologia e análise dos dados,
uma vez que a forma de coleta de dados está diretamente vinculada
a uma possibilidade microgenética e qualitativa de análise; na
conclusão, discutiremos possíveis contribuições deste estudo para
as práticas de produção textual em sala de aula.

PRODUÇÃO TEXTUAL
E ANTECIPAÇÃO ORTOGRÁFICA
SUMÁRIO

A antecipação é caracterizada por condutas claramente dire-


cionadas a qualquer evento ou realização posterior. Pesquisadores
filiados à Psicologia Cognitiva usam a palavra antecipação para fe-
nômenos muito diferentes quanto ao seu status na análise científica
atual. Rosenthal, ao estudar a percepção antecipatória, afirma que

75
De Gaulmyn (2001) considera essas situações como “oralográficas”, na medida em que se
pode observar tanto a escrita nascer da oralidade, quanto a oralidade criar a escrita.
76
Essa abordagem tem sido desenvolvida por pesquisadores do Laboratório do Manuscrito
Escolar (Calil, 2008, Felipeto, 2008, Dikson, 2018, Souza, Calil, 2018).

242
toda ação humana implica “necessariamente, uma forma de anteci-
pação, porque dificilmente pode haver qualquer ação autônoma sem
uma orientação endógena e espontânea em direção ao futuro. Caso
contrário, trata-se apenas de uma reação” (ROSENTHAL, 2004: 02).
De acordo com Coutellec e Weil-Dubuc (2016), há três concepções
de antecipação: a antecipação adaptativa, a preditiva77 e a projetiva,
a que nos interessa aqui. A antecipação projetiva busca “uma ruptura
na linearidade temporal da cronologia. O futuro antecipado é [...] em
todos os casos, radicalmente novo, em uma separação tanto do peso
do passado, quanto das determinações do presente” (COUTELLEC,
WEIL-DUBUC, 2016: 15). Quando interpretada a partir do esquema
corporal, Decety e Boisson (1997: 64) relacionam a antecipação mo-
tora à necessidade de se manter informações na memória, para que
se possa atuar “como elemento norteador na orientação e na regula-
ção dessas ações”, de forma que as representações estão ligadas à
execução dos movimentos através de estímulos sensoriais.

Jaffré (1991), ao analisar a dinâmica dos sistemas de escrita


e sua relação com as competências ortográficas, fala na noção de
“léxico ortográfico interno” (LOI), através da qual conhecimentos or-
tográficos são cumulados. Segundo o autor, “este léxico não permite
dar conta do conjunto dos fenômenos ortográficos, principalmente dos
sintáticos, mas lida com o núcleo duro da competência ortográfica”
SUMÁRIO
(JAFFRÉ, 1991: 38). Reconhece-se hoje a existência de dois léxicos
interdependentes, um ligado ao reconhecimento das palavras escritas
e outro ligado à sua produção, o “léxico ortográfico de saída” (LOS).

A aprendizagem ortográfica resulta da emancipação dos signi-


ficantes gráficos em relação ao fonema que eles representam e deixa
77
A antecipação preditiva, segundo Coutellec e Weil-Dubuc (2016), aborda o futuro sob o
registro da probabilidade e do cálculo ou segundo profecias. Aqui, o passado determina
o futuro, na medida em que a predição ou a profecia fazem do futuro um espelho do
passado; já a antecipação adaptativa busca enfrentar o imprevisível, erigindo-o como
princípio de ação para o presente, de modo que o não saber e as incertezas não são nem
ignorados, nem reduzidos num cálculo de risco.

243
traços mnemônicos, ou seja, “a cada vez que a forma de uma palavra
é apreendida, uma entrada correspondente a essa palavra é memori-
zada no LOS e, depois disso, a cada vez que o usuário quiser escrever
esta palavra, ele deverá reativar sua representação” (JAFFRÉ, 1991,
p. 39). O termo representação, por sua vez, é utilizado para designar
tanto o processo de tratamento da informação, quanto o seu resultado.

As antecipações ortográficas parecem estar relacionadas


àquelas palavras que não estejam ainda automatizadas ou estabi-
lizadas no LOS. A problemática que trataremos aqui diz respeito ao
fato de, como diz Grunig (2002), toda atividade mental (aí envolvida
a memória) ser realizada em concorrência com outras, o que pode
resultar em uma “provável ausência de perfeita sincronização, que
nos parece ser uma das explicações para as rasuras e retoques nos
manuscritos78” (GRUNIG, 2002: 120). Essa falta de sincronização
ocorreria entre os processos mentais (escrevemos tão rápido quan-
to pensamos?) e a motricidade relacionada ao registro gráfico das
palavras. Em relação a esse aspecto, a ação não sincronizada entre
o LOI e o LOS pode provocar um movimento retrospectivo, marca-
do pela ocorrência de uma rasura escrita no elemento ortográfico já
grafado, facilmente identificada no manuscrito escolar. Mas também
pode gerar um movimento prospectivo, indicando que o escrevente
reconhece um problema ortográfico antes de inscrever a palavra que
SUMÁRIO
está sendo linearizada. Esse movimento indicaria rasuras orais (CA-
LIL, 2017), identificadas apenas através do processo de escritura.

No estudo de Calil, Pereira (2018), esses dois movimentos,


relacionados à ortografia, foram identificados em processos de uma
dupla de alunas portuguesas. Os autores apontaram para a necessi-
78
A palavra utilizada pela autora é “brouillon”, que, no senso comum, significa o rascunho, ou
a primeira versão de um texto. Mas, para um geneticista, ele representa “o próprio universo
da redação, o momento em que o projeto passa do estado lábil de desejo, de ideia ou de
esquema eventual ao estado de matéria verbal estruturada e textualizada, se engajando em
uma sucessão de transformações que conduzem, de maneira mais ou menos imprevisível,
ao que se tornará o texto definitivo de uma obra” (BIASI, 1998, p. 33).

244
dade de se avançar nas ocorrências de reconhecimentos antecipados
de problemas ortográficos, na medida em que eles podem revelar as
atividades metalinguísticas (no caso, metaortográficas) feitas pelos
escreventes novatos. Essas formas de antecipação trazem dois as-
pectos importantes para aprofundarmos neste estudo. De um lado,
a identificação dos comentários dos alunos, expressando atividades
metalinguísticas. De outro, a ocorrência de palavras grafadas ortogra-
ficamente, mas que foram objeto de reflexão por parte dos alunos.

Na sequência, apresentaremos o desenho metodológico através


do qual os dados foram coletados, com alunos brasileiros. Pretendemos
indicar algumas antecipações ortográficas ocorridas durante processos
de escritura e as atividades metalinguísticas que as acompanha.

A APREENSÃO DA ANTECIPAÇÃO
ORTOGRÁFICA DO SISTEMA RAMOS

Um dos problemas encontrados pela Psicologia Cognitiva


para apreender as antecipações é a dificuldade de acesso ao
instante em que elas ocorrem. Mesmo o uso de instrumentos e
técnicas atuais sobre a captura do processo de escritura em curso,
SUMÁRIO
com o uso de smartpen, eyetracking, de programas de computador
(OLIVE; LEVY, 2002) capazes de registrar, com precisão, as pausas,
os bursts e até mesmo os movimentos recursivos, não é possível
aplicá-los ao registro do processo de produção textual na sala
de aula, menos ainda com alunos recém-alfabetizados. Registros
feitos através do Sistema Ramos (CALIL, 2020) de situações em que
alunos escrevem a dois um único texto permitem contornar essa
dificuldade, uma vez que esse método permite a captura multimodal
e sincrônica entre o que duplas de alunos conversam e escrevem.

245
Nosso corpus foi composto por 10 processos de escrita cola-
borativa, de uma mesma díade, Ana e Luma, ambas com 6 anos de
idade. Esses processos foram registrados durante a execução das
propostas de produção textual do projeto didático “Criar & inventar:
nossos primeiros contos”, desenvolvido em uma escola privada entre
os meses de maio e novembro de 201379. As duplas foram escolhidas
pelo critério de afinidade e, após a organização da sala de aula, a
professora apresentava a consigna, as duplas combinavam a história
e, após o momento de combinação, iniciavam o momento de inscri-
ção do texto. A cada proposta, alternando-se, uma aluna ficava res-
ponsável por escrever e a outra por ditar. Com o uso de uma caneta
inteligente e o registro fílmico da dupla, pudemos gerar um filme-sin-
cronizado, em que se pode acompanhar o que estava sendo falado
quando estava sendo inscrita e linearizada a história inventada.

Destacaremos como categoria de análise os “pontos de ten-


são”, momentos de dúvida, desacordo ou modificação sobre o que
será ou foi escrito, surgidos durante a inscrição e linearização do ma-
nuscrito escolar. Iremos nos deter na análise de alguns pontos em que
ocorreram o reconhecimento antecipado de problemas ortográficos e
as atividades metalinguísticas associadas a ele.

SUMÁRIO A ANTECIPAÇÃO DE PROBLEMAS


ORTOGRÁFICOS: RECONHECIMENTOS
E COMENTÁRIOS

Na apresentação dos episódios, destacaremos em vermelho o


objeto textual reconhecido pelo aluno e em azul o comentário relacio-
nado a esse objeto textual. Em verde, entre colchetes, indicaremos

79
Esse material foi extraído do Dossiê ECr2013. Esse dossiê faz parte do banco de dados
“Práticas de Textualização na Escola” e pertence ao Laboratório do Manuscrito Escolar.
A coleta foi autorizada pelo Sistema CEP/CONEP em 06/02/2013, processo número
12181113.5.0000.5013.

246
o que foi inscrito pela aluna. Antes de cada diálogo entre as alunas,
iremos inserir o estado do manuscrito escolar linearizado até aquele
momento, com a indicação em círculo vermelho do ponto de tensão.
Após o diálogo, apresentaremos o estado do manuscrito escolar com
destaque da inscrição resultante da antecipação feita.

“‘Um pouco’ é com ‘N’ ou com ‘M’?”

A representação da nasalização no registro escrito da língua por-


tuguesa coloca em concorrência as letras “M” e “N”, além do sinal “til”.
Esse sinal surge mais tarde nos manuscritos dessas duas alunas, mas
as trocas entre “M” e “N”, quando representam o som nasal, são fre-
quentes. Essas letras também trazem uma dificuldade de ordem grá-
fica, devido à sua semelhança. Esses dois problemas são observados
na antecipação ocorrida aos 42 minutos do processo de escritura do
manuscrito “Um menino e um cachorro”, produzido no dia 07/06/2013.

TD1: ECr_2013_P2, 00:42:42:00-00:43:15:12

Figura 1 - Manuscrito escolar 2, inscrito até os 42:42.

SUMÁRIO

Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar.

247
229.LUMA*: (Escrevendo “eles lancharam um pouco”. Ao terminar
de linearizar [ELES LANCHARAM U], interrompe a escrita, faz uma
pausa e virando-se para Ana, pergunta). ‘Um pouco’ é com ‘N’, é?
Ou é com ‘M’?
230.ANA: (Pegando a folha de papel, e apontando para o final da última
linha escrita). Uumm... pouu...cooo... Um...
231.LUMA*: (Falando junto com Ana.) É com ‘M’ ou com...
232.ANA: (Lendo a linha de cima.) ...um menino...
233.LUMA*: Como é...?
234.ANA: (Luma puxando para si a folha de papel. Repetindo). Um...
um...
235.LUMA*: É com ‘M’ ou com ‘N’? É por isso que eu tive...
236.ANA: (Fazendo a letra ‘M’ com a ponta da tampa da caneta,
no ponto da folha de papel, a partir do qual Luma deve continuar
escrevendo.). ‘M’!
237.LUMA*: (Voltando a escrever, fazendo a letra ‘M’.) ‘M’ [M], tá!
238.ANA: É assim, ó! O ‘M’. (Traçando a letra sobre sua mesa de
trabalho, usando a tampa da caneta como se fosse a caneta) Sobe-
desce! Sobe-desce!
SUMÁRIO
239.LUMA*: (após ter inscrito ‘M’) um... pou...
240.ANA: (Repetindo o gesto) Sobe-Desce! Sobe-Desce!

Figura 2 - Manuscrito escolar 2, inscrito até os 43:15.

Fonte: Laboratório do Manuscito Escolar.

Aos 6 anos de idade, alunas recém-alfabetizadas têm dois


importantes problemas a resolver durante a produção textual. Um

248
deles é a forma ortográfica das palavras. O outro é a forma gráfica
das letras. Nesse TD1, os dois problemas se impõem. De um lado,
o reconhecimento antecipado por Luma, a escrevente, expressado
pela dúvida: a palavra “um” se escreve com “N” ou com “M”? Diante
do problema ortográfico relacionado à representação da nasalização
em “um”, a aluna, ao invés de inscrever “N” e depois voltar e rasurar
pela letra “M”, antecipa sua dúvida, evitando grafar incorretamente
essa palavra. Por outro lado, a resposta de Ana, tratada por nós como
um comentário, não responde diretamente ao problema ortográfico.
Apesar de sua resposta pressupor a ortografia correta da palavra,
ela enuncia uma explicação sobre o modo como trocar a letra “M”
(“Sobe-Desce! Sobe-Desce”, turno 238 e 240).

O modo como ocorreu o reconhecimento pela aluna escreven-


te indica sua atividade metalinguística em relação à ortografia da pa-
lavra “um”. A ditante expressa outra forma de atividade metalinguís-
tica, essa relacionada à forma gráfica da letra “M”. De certo modo,
essas duas atividades metalinguísticas se complementam e parecem
acompanhar as ações antecipatórias dessas alunas.

O que pode chamar a atenção, no entanto, é o fato de que essa


mesma palavra já havia sido inscrita por sete vezes nesse mesmo
manuscrito escolar, até o momento em que houve essa antecipação:
SUMÁRIO linha 1, duas ocorrências; linha 2, duas ocorrências; linha 4, duas
ocorrências; linha 6, uma ocorrência. Ao longo do filme-sincronizado
não ocorreu qualquer forma de questionamento (nem ortográfico, nem
gráfico) por parte da escrevente ou da ditante sobre essa palavra. Ou
seja, ao se observar a escrita “automática” desse termo, poder-se-ia
supor que o LOI relacionado às palavras cuja nasalização é formada
pela letra “M” já estaria constituído. Não obstante, se ela mesma já
havia inscrito esse termo sem verbalizar qualquer dúvida ou hesitação,
por que reconheceu esse problema ortográfico somente na oitava vez
em que iria escrever a palavra “uma”, indicando assim esse problema,

249
através da antecipação verbalizada, alguma falha no LOS? Estaria a
antecipação, nesse caso, sugerindo que a conexão entre LOI e LOS
ainda não estaria consolidada? Estaria essa antecipação indicando a
estabilização de uma aprendizagem ortográfica?

É com dois ‘erres’, ‘correndo’?

Outro tipo de problema ortográfico comumente enfrentado pelos


escreventes novatos diz respeito aos dígrafos. No manuscrito “O castelo
assombrado”, escrito no dia 14/06/2013, o reconhecimento desse pro-
blema ortográfico é também feito a partir de um movimento prospectivo.

TD2: ECr_2013_P3_00:16:27-16:54:

Figura 3 - Manuscrito escolar 3, inscrito até os 16:27.

Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar.

380.ANA*: (Escrevendo a frase “e o menino saiu correndo”) E [E]... o


[O]... me... [ME]... ni [NI]... no [NO]... ssssaaaa [S-]... (Mudando de
linha) ...iii-o [AIO]... co [CO]... rreen [R |] (Interrompendo a inscrição
da segunda letra “R”, virando-se para Luma e perguntando) É com
SUMÁRIO dois ré... ‘erres’... ‘rrendo’? ‘Correndo’?
381.LUMA: É!
382.ANA*: (Voltando a inscrever e terminando a grafia da letra ‘R’). Coo
[R]... rren [EN]... do [DO].

Figura 4 - Manuscrito escolar 3, inscrito até os 16:54.

Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar.

250
Dessa vez, a escrevente é a Ana. Ela ainda usa a letra bastão
e a fluência de sua escrita pode ser observada na velocidade com
que inscreve cada letra, linearizando em apenas alguns segundos
“e o menino saiu”. A pausa, seguida de antecipação do problema
ortográfico, é provocada precisamente pelo dígrafo “rr”, na palavra
“correndo”. Sua antecipação, verbalizada em sua dúvida, indica a ati-
vidade metalinguística efetivada e, ao mesmo tempo, revela o conhe-
cimento ortográfico de sua parceira, que prontamente lhe responde.
Isso sugere que a relação entre LOI e LOS não é a mesma entre elas.

Gran... gran... gran... como é ‘gran’?

Em 08/08/2013 foi produzida história “O Rei malvado”. Essa


foi a primeira história inventada escrita em letra cursiva por Ana.
A necessidade de domínio do traçado da letra altera a velocidade
da escrita da aluna, obrigando-a a lidar tanto com alguns proble-
mas ortográficos, quanto com algumas formas gráficas ainda não
memorizadas e automatizadas. O episódio abaixo, iniciado pela
antecipação de um problema ortográfico, indica justamente essas
dificuldades, que serão destacadas a partir do reconhecimento de
três objetos textuais. TD3: ECr_2013_P5_00:17:34-18:04

Figura 5 - Manuscrito escolar 5, inscrito até os 17:34.

SUMÁRIO

Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar.


380.ANA*: (Escrevendo “uma grande”) ...uuuumaaa [uma]...
grande terra...
381.LUMA: ...grande terra...

251
382.ANA*: (Interrompendo a linearização e repetindo) Gran… gran…
gran… como é ‘gran’?
383.LUMA: Gran? (Soletrando.) ...gêêê...
384.ANA*: (Escrevendo) ...gêê [g]...
385.LUMA: ...erre...
386.ANA*: (Parando de escrever, apontando a letra [g] cursiva e
perguntando) É... é assim, né, Luma, o ‘gê’?
387.LUMA: É assim, olha! (Desenhando no ar a letra ‘G”) ... gê...
é... (olhando para a folha de papel) Cadê? (Confirmando com
movimento de cabeça) Anhã. (Ditando a aproxima letra) Erre...
(Ana escreve [r].) ...aa...
388.ANA*: ...a [a]... (Virando para Luma e perguntando) E ene? (Luma
confirmando com movimento de cabeça, enquanto Ana inscreve [n])
389.LUMA: E o resto você sabe, né? (Ana confirmando e inscrevendo [de])

Figura 6 - Manuscrito escolar 5, inscrito até os 18:04.

SUMÁRIO

Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar.

É possível observar nesse manuscrito escolar as dificuldades


da aluna com o traçado da letra cursiva. Por exemplo, a letra “Q” e
a letra “C”, nas palavras “que” e “castelo”, na linha 3, são grafadas
em suas formas maiúsculas. A letra “B” minúscula, na palavra “baixo”
(debaixo), na linha 4, e a própria letra “G”, da palavra “grande”, cuja
cauda foi inscrita acima da linha de base. Também há problemas nas
ligações entre algumas letras, como por exemplo entre as letras “u”
e “m” na palavra “uma” (linhas 2 e 4) ou entre “a” e “n” na palavra

252
“grande” (linha 4), fazendo com que o traçado dessas letras aparente
ter, respectivamente, 4 e 3 pernas.

Os três objetos textuais mencionados acima, reconhecidos pela


escrevente, estão destacados em vermelho, nos turnos 382, 386 e 388:
a ortografia do encontro consonantal na sílaba “gran”, o traçado da
letra “G” e a ortografia do som nasal na sílaba “gran”.

O primeiro reconhecimento dá-se através de um movimento


prospectivo identificado no início desse episódio, destacando a ques-
tão ortográfica: “como é o ‘gran’?”. Essa questão sugere dúvidas so-
bre como representar essa sílaba. Sílaba complexa, apresentando um
encontro consonantal e um som nasal. O destaque dado pela escre-
vente a esse objeto textual, antecipando sua dificuldade ortográfica,
é prontamente respondido por Luma, soletrando todas as letras que
compõem essa sílaba.

O segundo reconhecimento é feito de modo recursivo. No turno


386, a escrevente verbaliza outro objeto textual: o traçado da letra “G”:
“É... é assim, né, Luma, o ‘gê’?”. Dessa vez, há um movimento retros-
pectivo, retornando a forma gráfica da letra que acabou de inscrever.

O terceiro movimento é novamente antecipatório, quando a es-


crevente solicita a confirmação da letra “N” a ser inscrita, provocando
SUMÁRIO novamente a reação confirmatória de Ana. Novamente, temos uma di-
ferença entre o LOI e o LOS, associada ao momento de aprendizagem
do traçado da letra cursiva.

CONCLUSÃO

Esses três episódios exemplificam os movimentos antecipató-


rios relacionados ao reconhecimento de problemas ortográficos nas
palavras “um” (TD1), “correndo” (TD2) e “grande” (TD3). Sobre essas

253
palavras, nos manuscritos escolares, não incidiram marcas de rasura,
sugerindo que as alunas as registraram sem que houvesse qualquer
ação reflexiva sobre elas. Os filmes-sincronizados gerados através do
Sistema Ramos permitiram as identificações dos pontos de tensões,
caracterizando as atividades metalinguísticas efetivadas pelas alunas.
Desse modo, os filmes-sincronizados deram visibilidades para o modo
como a escrita colaborativa a dois favoreceu reflexões ortográficas,
assim como reflexões sobre a grafia das letras cursivas.

Como mostrado em Calil (2003) e Calil, Myhill (2020), essas ati-


vidades não são visíveis ou indicadas no manuscrito escolar (produto),
naquilo que ficou efetivamente inscrito na folha de papel. Ainda que não
seja possível observar esses pontos de tensão no manuscrito escolar
produzido, essas atividades estão associadas às rasuras, definidas
por nós como “rasuras orais”, colocando em concorrência diferentes
elementos linguísticos que, potencialmente, poderiam ter sido inscritos
na folha de papel: N x M, R x RR, G x GR.

Outro aspecto importante a destacar diz respeito à forma enun-


ciativa como se deu o reconhecimento desses objetos textuais orto-
gráficos. Todos eles foram antecipados enquanto dúvida, na forma de
pergunta, pelo escrevente. Na escrita colaborativa a dois, essas an-
tecipações ortográficas parecem predominar nas ações daquele que
SUMÁRIO escreve, e não daquele que dita. Isso significa dizer que a situação
didática em que escrevem juntos, dois alunos dessa faixa etária, um
único texto, favorece a emergência desse tipo de atividades metalin-
guísticas, verbalizadas espontaneamente através de suas perguntas
e respostas. Isso ainda aponta para o fato de que esse tipo de anteci-
pação parece ocorrer em situações em que a palavra ainda não está
estabilizada ou automatizada no LOS, daí a tripla ação linguístico-cog-
nitiva: reconhecimento antecipado do problema, reflexão e solução.

Por fim, a interação entre as alunas mimetiza a relação aluno-


-professor, fazendo com que um dos pares assuma uma posição mais

254
próxima daquele que sabe e ensina (geralmente, o ditante) e o outro,
daquele que está aprendendo (geralmente, o escrevente). O intercâmbio
desses papéis (ditante e escrevente se alternando em diferentes propos-
tas de produção textual a dois) parece ter relevante importância para a
aprendizagem da produção textual, permitindo aos alunos resolverem
problemas textuais, uns com os outros e não apenas com o professor.

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textual: reflexões de uma díade recém-alfabetizada. Mauritius: Novas Edições
Acadêmicas, 2018.

256
13
Capítulo 13

Epistemologias transviadas da
Linguística Aplicada na (desen)
formação de professores(as)
de línguas estrangeiras

Marcia Paraquett

Fábio Alexandre Silva Bezerra

Marcia Paraquett
Fábio Alexandre Silva Bezerra

EPISTEMOLOGIAS
TRANSVIADAS
DA LINGUÍSTICA APLICADA
NA (DESEN)FORMAÇÃO
DE PROFESSORES(AS)
DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.257-279
INTRODUÇÃO

A autoria deste capítulo está sob a responsabilidade de duas


pessoas iguais e diferentes ao mesmo tempo. De iguais, somos do-
centes que trabalham em universidades públicas do Nordeste bra-
sileiro, dedicando-nos à Linguística Aplicada como área de estudos
INdisciplinar (MOITA LOPES, 2006) e Transviada (BEZERRA, 2020a,
2020b), ainda que um seja professor de Língua Inglesa, enquanto a
outra, de Língua Espanhola. Duas línguas que ocupam importantes
espaços no cenário das políticas públicas e linguísticas de nosso
país, embora o inglês receba mais prestígio, a ponto de ser a única
língua estrangeira definida como obrigatória pela Base Nacional Co-
mum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018).

De igual, além do que continuaremos conhecendo do(a) ou-


tro(a) em futuros contatos pessoais e acadêmicos, já reconhecemos
mutuamente nosso compromisso sociopolítico com a (desen)forma-
ção de professore(a)s e com perspectivas descoloniais80, intercultu-
rais81 e transviadas82 para a educação. De diferente, somos de gênero
e sexualidade diversas, assim como nascemos em anos distantes
entre si, a ponto de um poder ser filho da outra. Somos, portanto, de
duas gerações, que viveram experiências diferentes, ambos forma-
SUMÁRIO
80
Por uma questão de coerência, optamos por uniformizar o uso da categoria ‘Descoloniali-
dade/Descolonial’, embora tenhamos clareza de que há convivência pacífica com ‘Decolo-
nialidade/Decolonial’ em publicações brasileiras. Talvez valha a pena aclarar que, quando
se pensa em traduções de autore(a)s latino-americano(a)s, oriundo(a)s de países hispâni-
cos, é comum que se encontre a segunda forma de escrita, já que em Língua Espanhola a
categoria Decolonialidade/Decolonial é muitíssimo mais recorrente.
81
Também optamos por não estabelecer diferenças entre Descolonialidade e Interculturali-
dade, embora haja uma rica discussão sobre as possíveis diferenças que possam existir
entre as duas. Para fins deste capítulo, referimo-nos ao reconhecimento dos saberes
tradicionais e ao respeito às diferenças que constituem todas as pessoas e todos os
povos, optando-se por ações em prol da equidade social.
82
Na seção 3, Fábio explica o uso que faz deste termo como tradução de queer no contexto
brasileiro, e destaca sua original proposta de articulação do que nomeia como Linguística
Aplicada Transviada.

258
dos em Letras, mas em contextos políticos contrários, já que a gera-
ção de uma se formou sob a ditadura militar (1964-1985), enquanto a
do outro pode sentir-se livre para fazer suas escolhas.

Nosso encontro se deu durante o I Congresso Nordestino de


Linguística Aplicada (CONELA), ocorrido virtualmente em novembro de
2020. Por coincidência, constituímos uma mesma mesa-redonda, mas
facilmente percebemos que o que falávamos ecoava no(a) outro(a). As
defesas epistemológicas, políticas, identitárias e educacionais se reco-
nheceram e se entrecruzaram, estabelecendo evidente sinergia, que nos
levou a unir-nos para produzir este pequeno texto onde compartilhamos
nossos pontos de vista sobre temáticas que nos são muito caras, espe-
cialmente em momento histórico de duros ataques ao sistema democrá-
tico, marcado por nefastas tentativas de retrocessos no que concerne
aos direitos conquistados por grupos minoritários em nosso país.

Marcia ficou responsável pela seção 2 deste capítulo, discutin-


do a formação docente e a perspectiva intercultural em Espanhol na
UFBA, enquanto Fábio se ocupou da seção 3, onde também discute
a formação de professore(a)s, mas contextualizando-a na Licenciatura
em Letras/Inglês e na Pós-Graduação em Linguística na UFPB. De iní-
cio, acreditamos ser importante enfatizar que, para ambos, a formação
SUMÁRIO
de professore(a)s deve se orientar pela Resolução nº 2, de 1º de julho
de 2015, do Conselho Nacional de Educação, que define as Diretrizes
Nacionais Curriculares para a formação inicial em nível superior e para a
formação continuada, no que tange, em especial, ao inciso VIII do Art. 5º.
A formação de profissionais do magistério deve conduzir o(a)
egresso(a) à consolidação da educação inclusiva através
do respeito às diferenças, reconhecendo e valorizando a
diversidade étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa
geracional, entre outras. (BRASIL, 2015, p. 6)

259
Dentre outras razões, é por isso que nos autodenominamos
linguistas aplicado(a)s transviado(a)s, já que seguimos essa propos-
ta de maneira sociopoliticamente engajada, emocionalmente atenta,
teoricamente embasada, e metodologicamente respeitosa. Apesar
de que, para algumas pessoas, esse compromisso possa parecer
deslocado em contextos educacionais, como querem fazer crer cer-
tas iniciativas políticas e discursos fundamentalistas mais conserva-
dores, queremos destacar que o lugar do diferente, do estranho, do
desconhecido, daquilo que gera incômodo ao questionar o status
quo, deve ser precisamente a arena das ideias, das discussões, do
diálogo, e da (re)invenção de possibilidades para o acolhimento das
diferenças em uma sociedade mais equânime.

Afirmamos, portanto, que foram nossos olhares questionadores,


nossas necessárias desobediências, e nossas contradições como se-
res humanos complexos e imperfeitos que somos, que nos levaram a
ser professor(a) e pesquisador(a) na contramão do que, historicamen-
te, tem se esperado de nós em nosso país, à exceção de momentos
de maiores liberdades, pelos quais lutamos sempre.

A Linguística Aplicada nos é entendida como uma área muito


apropriada à contradição, ao estranhamento, e ao extravio. Afinal, é
SUMÁRIO
através dela que temos a oportunidade de compreender as linguagens
a partir de seus/suas usuário(a)s, que são pessoas diferentes, mutan-
tes, e até mesmo contraditórias, como sabiamente nos ensinou Stuart
Hall (2014). Por estarmos firmes em nossa afiliação sociopolítica e cien-
tífica, esperamos que seja possível contribuir, ainda que modestamente,
para que as pessoas entendam, acolham e integrem essa perspectiva
de estar em sociedade que nos convida, e muitas vezes nos impele, a
sermos realmente desaplicados, sempre que se faça necessário.

260
(DESEN)FORMAÇÃO DOCENTE
E PESQUISA INTERCULTURAL
EM LETRAS/ESPANHOL DA UFBA

A pergunta que tenho me feito ultimamente está relacionada à


formação de professore(a)s, área a que me dedico há muitos anos.
Pergunto-me, todos os dias, o que seria formar professores e profes-
soras, mas já sei que a última pretensão que tenho é exatamente a de
colocar alguém na forma. Portanto, não há, de minha parte, intenção
alguma de usar essa categoria ao pé da letra. Muito ao contrário, o
que sempre desejo é desenformar possíveis enformado(a)s, abrindo
janelas e portas que o(a)s levem para muito além da norma, da dis-
ciplina e da repetição.

Partindo desse posicionamento, minha proposta é refletir so-


bre uma possível relação entre duas categorias muito recorrentes na
Linguística Aplicada: (Desen)Formação de professore(a)s e Intercul-
turalidade, fazendo interface com a Descolonialidade, categoria re-
cém-chegada, mas que já precisa de cuidados para que não caia no
lugar comum. No entanto, em lugar de assumir o protagonismo como
pesquisadora, vou referir-me às pesquisas de estudantes de Linguís-
tica Aplicada da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com o(a)s
SUMÁRIO
quais tenho vivenciado experiências muito ricas. De maneira objetiva,
proponho-me a refletir sobre a (Desen)Formação de Professore(a)s
e Pesquisadore(a)s de Espanhol, vista a partir de epistemes que se
pautem mais na autonomia e na liberdade do que no mecanicismo
e na repetição, mas sempre dentro da Linguística Aplicada, como já
definida em Paraquett (2012, p. 238):
Uma disciplina que compreende as linguagens em uso e
que está atenta às diferenças e às semelhanças que nos
constituem como sujeito(a)s complexo(a)s e contraditórios,
mas, suficientemente, mutantes para trabalhar por um mundo

261
melhor, onde haja mais equilíbrio no uso e na compreensão das
linguagens, seja dentro ou fora do contexto escolar.

Como se vê, a Linguística Aplicada é, para mim, uma área de


atuação profissional e acadêmica, vinculada aos Estudos Sociais,
Culturais e, portanto, Humanos. Afinal, não se pode falar de Lingua-
gem ou de Línguas fora das pessoas que as usam. Mas as pessoas
são complexas, determinando que as linguagens e as línguas tam-
bém o sejam. Logo, não é simples executar o trabalho que execu-
tamos, o(a)s linguistas aplicado(a)s, pois convivemos em situações
interativas complexas, compostas por pessoas que trazem suas mar-
cas sociais e culturais, incluindo-se, evidentemente, as de gênero, de
raça, de sexualidade, de idade, de religião, de localização, de ideolo-
gia, entre outras. E essas marcas nem sempre estão na consciência
de quem as têm e de quem convive com quem as tem. E mesmo que
estejam nas suas consciências, nem sempre são reconhecidas como
equânimes em termos de direitos sociais.

Esse é o grande desafio. Além de conhecer ou reconhecer as di-


ferenças que nos constituem como pessoas, precisamos quebrar, inter-
romper, eliminar as equivocadas relações de poder que foram impostas
às nossas sociedades desde sempre. No caso do Brasil, essas relações
são mais do que equivocadas. São impróprias, autoritárias, racistas, ho-
SUMÁRIO mofóbicas. Ser linguista aplicado(a) em nosso país requer uma postura
política vinculada à descolonialidade de nossas práticas sociais, inven-
tadas desde os tempos da colônia. Parto do princípio de que só haverá
sociedades livres quando a educação estiver descolonizada.

Apesar do dito, sinto-me privilegiada com a experiência que


vivo na Linha de Pesquisa de Linguística Aplicada no Programa de
Pós-Graduação em Língua e Cultura (PPGLINC) da UFBA, onde atuo
desde 2009, coincidindo com um cenário político favorável às ações
afirmativas, que prestigiam interesses da grande comunidade de es-
tudantes que vivem, estudam e trabalham na Bahia, mais especial-

262
mente, na cidade de Salvador. A aproximação que faço com esse(a)
s estudantes determinou novos interesses nas minhas pesquisas, de
tal forma que eu pudesse preparar-me para orientar o(a)s possíveis
estudantes de Graduação e Pós-Graduação que tenham interesse
em discutir questões sociais, culturais e políticas relativas à afro-la-
tinidade, tema bastante ausente em minhas reflexões até então. Fo-
ram, portanto, esse(a)s aluno(a)s que me levaram a enegrecer minha
pesquisa e minhas aulas, dando-me a oportunidade de crescer como
pessoa, pesquisadora e professora.

Já em Paraquett (2019), apresentei resultados de pesquisa de


Pós-Graduação, demonstrando a possibilidade de transviar a Lin-
guística Aplicada e a (Desen)Formação de Professore(a)s, de tal for-
ma que o(a)s egresso(a)s da UFBA cheguem à escola com a certeza
de que é possível e necessário fazer mudanças. No referido artigo,
analisei, particularmente, as relevantes pesquisas de recorte afro-his-
pânico de Deise Viana Ferreira, autora da dissertação intitulada O
Espanhol e a Afrolatinidade: senderos de la diáspora negra, defendida
em 2016; de Josane da Silva Souza, autora da dissertação intitulada
Identidades negras no livro didático de Espanhol, defendida em 2016;
e de Gabriela Luna Bellas Oliveira, autora da dissertação intitulada A
representação da identidade negra no livro didático de Espanhol do
Ensino Fundamental II, defendida em 2017.
SUMÁRIO
Mais atualmente, portanto depois daquela publicação, tive a
oportunidade de interagir com Andiara Araujo Nascimento, que de-
fendeu sua dissertação em 2019, com o título História e culturas afro-
-brasileiras e afro-anglófonas nas aulas de Língua Inglesa, e Marcela
Souza Santos, que concluiu sua dissertação em 2021, intitula Emojis:
o território imaginado da negritude, cuja pergunta central foi verificar
de que modo são configuradas as representações identitárias afro-
descendentes nos emojis do WhatsApp. Ao mesmo tempo, acom-
panho duas outras pesquisas em desenvolvimento, vinculadas ao

263
mesmo tema. São elas: Camila Barros Santos, cujo título é “Rugir é o
meu desejo de gritar”. Vozes afro-latinas na formação de professores
de língua espanhola. Grito ou silêncio?; e Michele Santos Barbosa,
cujo título provisório é Caminhos interculturais no ensino-aprendiza-
gem de Espanhol, atendo-se à Chapada da Diamantina, região da
Bahia marcada pela história da escravização no Brasil. Todas essas
estudantes são negras, enquanto eu sou branca. Nossas diferenças
raciais e de idade têm ensinado todas nós a sermos pessoas, pes-
quisadoras e professoras melhores. Cada vez mais me interesso por
ler autores e autoras negro(a)s, assim como sou ouvinte de minhas
estudantes, porque são elas que viveram experiências que justificam
seus interesses e compromissos acadêmicos.

Na Graduação (PIBIC), tive a oportunidade de aprender


juntamente com Alírio Marques Patrício Neto, através da pesquisa
intitulada A poesia negra de Victoria Santa Cruz para a construção
das identidades femininas latino-americanas, tendo-a concluído
em 2018. No momento, estou aprendendo com Aline Barbosa dos
Santos, cujo trabalho se intitula O discurso estético de Concha Buika
no Feminismo 4.0 (Mallorca/Espanha) e Rafael Mires Araujo, que está
pesquisando O discurso estético de Rebeca Lane no Feminismo 4.0
(Guatemala). Para os que desconhecem, Victoria Santa Cruz foi uma
poetisa, coreógrafa, folclorista, estilista e ativista afro-peruana, que
SUMÁRIO
viveu de 1922 a 2014; Concha Buika é uma cantora espanhola, filha
de imigrantes africanos, nascida em Palma de Mallorca, em 1972.
Essas duas mulheres, cada uma em seu tempo, ocupam o lugar de
algumas das muitas mulheres negras do universo hispânico.

No caso de Rafael Mires Araujo, sua pesquisa aborda uma


rapper, cuja música resume como é ser uma mulher na sociedade
guatemalteca, marcada por forte tradição indígena/maia. A pesquisa
sobre Rebeca Lane exige muito menos de mim, porque as relações
étnico-raciais, que afetam os povos indígenas da América Latina,

264
sempre estiveram nos meus interesses acadêmicos, a ponto de ter
feito minha tese de doutorado, ainda nos anos 90, sobre o mesmo
país dessa jovem rapper, a Guatemala. Mas as pesquisas de Deise,
Josane, Gabriela, Andiara, Marcela, Camila, Michele, Alírio e Aline me
fazem uma pessoa muito mais antirracista, no que se refere ao racismo
estruturado na sociedade brasileira quanto aos povos negros.

Tomo as pesquisas de meus/minhas aluno(a)s porque me pa-


rece mais relevante para a proposta deste pequeno capítulo, que
pretende dar visibilidade aos caminhos que a Linguística Aplicada
tem percorrido no nosso Nordeste. Afinal, esse(a)s jovens estão pre-
parando-se para ocupar as futuras vagas nos Cursos de Licenciatura
e na Educação Básica, já que a Pós-Graduação tem como função
político-profissional a formação de pesquisadore(a)s e professore(a)
s universitário(a)s, assim como os Projetos de Iniciação Científica (PI-
BIC) projetam futuro(a)s professore(a)s, conscientes de seu papel
político na transformação de nossas sociedades.

Dentre tantas questões a que a Linguística Aplicada precisa se


dedicar, não há dúvida de que os problemas raciais, de gênero e de
sexualidade são os mais relevantes, sobretudo se pensamos em nos-
so contexto geográfico e cultural: a UFBA, uma universidade de grande
relevância para a cidade de Salvador, a capital mais negra de nosso
SUMÁRIO país. Propor discussões e leituras sobre as pessoas de nossa cidade,
sejam negro(a)s, branco(a)s, homens, mulheres, heterossexuais ou
não, é cumprir com o que me/nos determina a Linguística Aplicada.

Mas Salvador também é uma cidade que guarda forte relação


com comunidades imigrantes. Se pensamos no século XX, em espe-
cial no seu início, a imigração espanhola ocupa um espaço de grande
relevância. Mas, se pensamos na Salvador atual, a imigração mais vi-
sível é a do(a)s boliviano(a)s e venezuelano(a)s, outros povos de tradi-
ção hispânica que precisam ser conhecidos por professore(a)s e pes-
quisadore(a)s que se dedicam ao Espanhol, conforme é o nosso caso.

265
O interesse pelas imigrações contemporâneas me levou a pro-
vocar estudantes da Graduação e da Pós-Graduação, resultando
em projetos que alimentam a Linguística Aplicada transviada, tal qual
ocorre com os temas já tratados anteriormente. No momento, Acácia
Lima Santos está concluindo sua tese de Doutorado, intitulada Jogos
digitais e educação intercultural de espanhol: diálogos possíveis, onde
se propõe a verificar de que maneira um jogo digital sobre imigra-
ções, que ocorrem, atualmente, na Espanha, pode contribuir para a
educação intercultural. Lidia Txai Marinho Minho Ogando defendeu,
em 2020, sua dissertação de Mestrado, intitulada A Espanha como
espaço de emigração e imigração no contexto de ensino de Língua
Espanhola, tendo vivido uma rica oportunidade de aprender sobre a
história de sua própria família e parte da cidade de Salvador. Na Gra-
duação, Alírio Marques Patrício Neto realizou uma pesquisa de PIBIC
sobre Imigração venezuelana no Brasil como tema para o ensino de
espanhol, enquanto Mônica Almeida do Nascimento pesquisou sobre
Imigração boliviana no Brasil como tema para o ensino de espanhol.

Todas essas pesquisas se justificam pelo fato de o(a) profes-


sor(a) de línguas estrangeiras precisar tomar consciência de seu papel
como sujeito(a) transformador(a), colaborando para uma educação de
base intercultural e descolonial, onde predomine a convivência das
diferenças que nos constituem como sujeito(a)s sociais. Justifica-se,
SUMÁRIO
ainda, por sua relevância quanto ao cumprimento do que determina a
Resolução Nº 2/2015, do Conselho Nacional de Educação, que define
as Diretrizes Nacionais Curriculares para a formação inicial em nível
superior e para a formação continuada, documento base dos Cursos
de Licenciatura, como já apresentado na Introdução.

Falar dos conflitos gerados pelas imigrações contemporâneas


ou pelo racismo, pela homofobia e pelo machismo vividos em nos-
sa sociedade é um dever da Linguística Aplicada. Não sendo as-
sim, como interromper as desatenções da Universidade e da Escola
quanto às diferenças e às semelhanças que nos constituem como

266
sujeito(a)s complexo(a)s e contraditório(a)s que somos? Ser linguista
aplicado(a), para mim, é ser, necessariamente, uma pessoa desco-
lonial ou intercultural, já que nossa atenção e nossos compromissos
político-sociais necessitam estar vinculados a projetos que rompam
com modelos coloniais, propondo ações que levem à (desen)forma-
ção de professore(a)s e pesquisadore(a)s.

(DESEN)FORMAÇÃO DOCENTE E PESQUISA


DESCOLONIAL, INTERSECCIONAL
E TRANSVIADA NA LICENCIATURA
DE LETRAS INGLÊS E NA PÓS-
GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA NA UFPB

As discussões e os posicionamentos sobre experiências de for-


mação docente que apresento83 a seguir, com referência mais específi-
ca aos contextos da Licenciatura em Letras/Inglês e da Pós-Graduação
em Linguística da UFPB, refletem minha trajetória, de cerca de 23 anos
como professor e formador de professore(a)s, que ultrapassa o con-
texto do ensino superior. Faço esse destaque, pois, essa história, em
permanente (re)construção, tem sido conduzida de acordo com alguns
SUMÁRIO princípios basilares que têm me possibilitado reconhecer a inevitabilida-
de e o valor dos erros, (re)desenhar possíveis (novos) caminhos, exer-
citar a (auto)compaixão, promover oportunidades para (auto)reflexão,
repensar paradigmas, e visibilizar pautas e sujeitos marginalizados.

Como nosso(a)s leitore(a)s podem imaginar, esses valores e es-


sas posturas não se apresentam, nem se desenvolvem, e muito menos
83
Por compreender a importância de reconhecer meu lugar de fala (RIBEIRO, 2019) ao tratar
de temas que se constituem a partir de complexas interconexões entre marcadores sociais
da diferença, explicito que sou um homem cis, gay, nordestino, branco, de classe média,
e de esquerda. É, portanto, a partir desses fluidos atravessamentos que desenvolvo as
reflexões apresentadas neste capítulo.

267
amadurecem, sem os necessários percalços, quer sejam impostos por
agentes externos ou por nós mesmo(a)s, nos níveis institucionais, po-
líticos, emocionais, espirituais, etc. Apesar de reconhecer esses prin-
cípios centrais em minha prática (de formação) docente, tenho desen-
volvido, contudo, apenas nos últimos anos, uma efetiva postura de
(auto)empoderamento epistêmico diante das demandas de ensino, de
pesquisa e de extensão que minha vida profissional apresenta. Com-
preendo, portanto, que reconhecer, ressignificar, e, posteriormente, re-
posicionar nossas “vozes do Sul” (SANTOS, 2014) em nossas práticas
de pesquisa, de ensino-aprendizagem, de vivência cidadã em sentido
mais amplo, em face de uma história nacional de forte colonialidade
epistêmica, apesar de não ser tarefa fácil, é indispensável.

A partir do diálogo com outras epistemes, mas, sobretudo,


assentados na compreensão e na inserção de pautas de pesquisa
frequentemente negligenciadas e na visibilização de sujeitos histo-
ricamente postos nas margens, esse novo lugar de (auto)reconhe-
cimento de nossa capacidade de sermos produtore(a)s de conhe-
cimentos que façam sentido para nossas localidades passou a se
desenvolver por meio do contato com autore(a)s descoloniais, tais
como: Carneiro (2005), Collins (2019), Gonzalez (1988), Grosfoguel
(2016), Kleiman (2013), Mignolo (2012), Moita Lopes (2006), Quijano
(2005), Santos (2014), Santos (2000).
SUMÁRIO
Nesse contexto, tenho pautado, tanto minhas ações e reflexões
em sala de aula como em pesquisa por uma perspectiva de multile-
tramentos críticos (COPE; KALANTZIS, 2015; ROJO, 2012), segundo
a qual o trabalho com a linguagem deve ultrapassar o foco no tex-
to verbal para incluir outros modos semióticos, especialmente diante
das crescentes demandas da contemporaneidade por indivíduos que
sejam capazes de ler e produzir textos multimodais de maneira com-
petente – i.e. competência comunicativa multimodal (HEBERLE, 2010;
ROYCE, 2007) – nos mais variados âmbitos da vida em sociedade.

268
No entanto, os multiletramentos críticos não se limitam a estimu-
lar o desenvolvimento dessa capacidade de lidar com a multiplicidade
de recursos semióticos utilizados nos textos em geral (NASCIMENTO;
BEZERRA; HEBERLE, 2011); eles também incluem, necessariamente,
outra multiplicidade, igualmente importante: a multiplicidade cultural.
Nesse sentido, os indivíduos, além de desenvolverem essa compe-
tência comunicativa multimodal, devem ser capazes de reconhecer,
compreender, valorizar e interagir com diferentes culturas, nos âmbitos
local, regional, nacional e global, desafiando, dessa maneira, “o pensa-
mento com base em pares antitéticos de culturas, cujo segundo termo
pareado escapava a esse mecanicismo dicotômico – cultura erudita/
popular, central/marginal, canônica/de massa” (ROJO, 2012, p. 13-14).

Diante desse desafio, algumas perguntas são essenciais para


sulear nossas práticas: Qual o papel do(a) professor(a) nesse con-
texto? Como a escola e a universidade devem se preparar para esse
trabalho? Quais conhecimentos e artefatos culturais têm maior legitimi-
dade nos espaços escolar e universitário? Quais sujeitos parecem ocu-
par lugares de maior visibilidade e prestígio nesses contextos? Quais
temas têm ocupado espaços centrais, ou marginais, nos currículos?
Essas e outras questões podem servir de ponto de partida para o com-
partilhamento de reflexões sobre uma visão mais abrangente sobre
práticas de multiletramentos na sociedade contemporânea.
SUMÁRIO
Considerando que os processos de globalização (GIDDENS,
2000; SANTOS, 2000) – por meio, por exemplo, de importantes
reconfigurações das noções de espaço e tempo – e as novas
tecnologias têm provocado mudanças profundas na organização das
sociedades e, consequentemente, nas relações entre as pessoas,
bem como nos conceitos de realidade e de conhecimento, a formação
de professore(a)s deve envolver uma perspectiva de linguagem e uma
concepção de sujeito que lhes permitam dar conta de aspectos da
vida social que constituem demandas dessa sociedade pós-moderna

269
em face dos fenômenos da fragmentação das identidades (BAUMAN,
2000; HALL, 2014) e das novas relações de poder que se estabelecem
no convívio social, bem como dos discursos que sustentam/desafiam
visões de mundo particulares (BEZERRA, 2020c; FAIRCLOUGH,
2015[1989]; FOUCAULT, 2019; MEURER, 2005).

A partir dessas considerações, são indispensáveis ponderações


sobre caminhos na Linguística Aplicada que atendam aos anseios e
às necessidades do(a)s agentes que atuam dentro e fora desse es-
paço escolar/universitário informado por novas epistemologias, meto-
dologias e identidades em face dos desafios postos pela contempo-
raneidade. Nesse intuito, envolvidos em projetos de iniciação científica
(PIBIC) na Licenciatura em Letras/Inglês, desenvolvidos desde 2014,
bem como em projeto de pesquisa no âmbito da Pós-Graduação em
Linguística, desde 2018, ambos na UFPB, e alinhados a uma pers-
pectiva de desenho, de desenvolvimento e de compartilhamento de
pesquisas que visibilize vozes de pesquisadore(a)s iniciantes, alguns/
mas aluno(a)s e orientando(a)s publicaram, nesse período, em coau-
toria comigo, como pesquisador principal nesses projetos, os artigos
listados abaixo, em periódicos nacionais, que exemplificam a diversi-
dade de temáticas sobre questões sociais complexas que tem marca-
do essas experiências coconstruídas de produção de conhecimento,
enfatizando aspectos interseccionais (AKOTIRENE, 2019; COLLINS;
SUMÁRIO
BILGE, 2016) sobre gênero, raça, etnia, orientação política, sexualida-
de, idade, corporeidades, espiritualidade, entre outros.

Dentre eles, destaco: Leitura crítica do discurso multimodal em


representações midiáticas das manifestações de junho de 2013 (BE-
ZERRA; FAGUNDES, 2018); Investigando representações da presi-
denta Dilma Rousseff e do vice-presidente Michel Temer em capas de
revistas nacionais sobre o impeachment (BEZERRA; ARAÚJO NETO,
2018); Análise crítica do discurso multimodal de representações da
mulher na música pop: um estudo de caso sobre a imagem dinâmica

270
(BEZERRA; GOMES, 2019); Investigando representações de mascu-
linidades em capas de revistas para o público LGBT+ (BEZERRA;
ROCHA, 2020); Investigando representações identitárias em charges
no contexto da sala de aula: multimodalidade, leitura crítica e inter-
seccionalidade (SARINHO JÚNIOR; BEZERRA, 2020); Linguagem,
gênero e sexualidade na educação de jovens e adultos: uma propos-
ta de multiletramentos críticos (SILVA; DIAS; BEZERRA, 2021); Aná-
lise crítica do discurso multimodal de representações das mulheres
em anúncios de cerveja: multiletramentos em sala de aula (CHAGAS;
BEZERRA, 2021); Análise crítica do discurso multimodal de repre-
sentações de professores(as) em capas de revistas nacionais (BE-
ZERRA; OLIVEIRA, 2021); e Por uma Linguística Aplicada engajada e
sensível: discursos do/a professor/a sobre seu trabalho em tempos
de pandemia (BEZERRA; ANDRADE, 2021).

Para além de uma visão descolonial sobre a produção de


conhecimentos no contexto latino-americano, entendendo, também,
que questões sociais complexas são marcadas por fatores identitários,
sociopolíticos e econômicos particulares em relações interseccionais,
essas pesquisas têm, ademais, sido informadas por uma postura
transgressora própria dos estudos transviados84 (BENTO, 2009;
BORBA, 2015[2006]; BUTLER, 1990; LOURO, 2020; MISKOLCI, 2020),
dando destaque para o fato de que minorias de gênero e sexuais
SUMÁRIO
sofrem sérias violências, simbólicas e materiais, nas várias esferas
da sociedade, não sendo o contexto educacional uma exceção, onde
84
Assim como Bento (2014), também entendo que, no contexto brasileiro, o termo transviado
é uma “tradução cultural” mais adequada, mesmo que “idiossincrática” (p. 48), para o
termo queer, pois, além de também significar uma postura identitária e epistemológica
de resistências pelas margens, ao mesmo tempo que questiona o suposto centro, sem
pretender, portanto, ocupá-lo, guarda, adicionalmente, uma relação mais direta com
nossa história nacional, que nos parece mais coerente com a postura descolonial que
assumo como pesquisador em LA, como prática de translinguagem (CANAGARAJAH,
2013), ao trazer para a zona de entrecruzamentos subjetividades e pautas largamente
negligenciadas e desvalorizadas. Minha sugestão tem sido, em falas recentes, e em texto
sob análise para publicação, depois de Moita Lopes (2006) ter proposto uma Linguística
Aplicada INdisciplinar, localizarmos nossas pesquisas no contexto de uma Linguística
Aplicada Transviada (BEZERRA, 2020a).

271
são frequentemente posicionadas à margem de um suposto “centro”
cisheteronormativo branco que procura se manter nesse espaço de
dominação por meio de técnicas de poder e práticas discursivas e
sociais opressoras (FAIRCLOUGH, 2015[1989]).

Esse modo de (re)pensar a produção de conhecimentos, de


(con)viver e celebrar as diferenças, e de conhecer, respeitar e acolher
os indivíduos em suas subjetividades particulares, precisamente porque
são elas que lhes conferem características essenciais para a criação,
a manutenção e o fortalecimento de relações verdadeiramente equâ-
nimes em sociedade, ao também abrir espaços para que suas vozes e
epistemes sejam ouvidas, acabamos contribuindo, como professore(a)
s e pesquisadore(a)s, para a necessária (desen)formação docente que
enxerga, estimula e defende o lugar do respeito, da complexidade das
relações, e da consequente (desen)formação dos sujeitos na teia social.

Nesse sentido, ao pensarmos o compromisso com uma edu-


cação inclusiva, Hall (2014, p. 11) nos lembra que “o sujeito, previa-
mente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se
tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias
identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas”. Essa
realidade nos apresenta desafios particulares, especialmente quando
reconhecemos que, historicamente, temos sido conduzidos a acreditar
SUMÁRIO que a mensuração da segurança e do desenvolvimento de uma nação
deve ser pautada por elementos como permanência, produtividade,
padronização, e fixidez – que acabam limitando, de maneira violenta,
as formas de vermos o (nosso lugar no) mundo.

No contexto latino-americano, temos experienciado movimentos


de resistência a essa lógica universalizante e essencialista, a partir de
importantes problematizações sobre, por exemplo, racismo e sexismo
epistêmicos (GROSFOGUEL, 2016), colonialidades do poder (QUIJA-
NO, 2005) e do saber (MIGNOLO, 2012), relações entre opressores
e oprimidos (FREIRE, 2005[1970]), banimento social e apagamento

272
dos saberes negros (CARNEIRO, 2005), epistemicídio e linha abissal
(SANTOS, 2014), e pensamento e feminismo afro-latino-americano
(GONZALEZ, 1988) e negro (COLLINS, 2019). Tais resistências e trans-
gressões têm proporcionado espaços de ressignificação do lugar da
formação docente, e do(a)s formadore(a)s, diante da necessidade de
estímulo ao protagonismo de indivíduos e de coletividades, especial-
mente quando pensamos nos espaços da escola e da universidade.

Nesses contextos formais de ensino-aprendizagem, ao con-


trário de espaços informais (alternativos) organizados pelas próprias
comunidades a partir de suas necessidades mais imediatas, tem
sido bastante dura, e amplamente desigual, a luta pela primazia (i.e.
hegemonia) do discurso reconhecido como legítimo sobre o que
deve, por exemplo, constar nos currículos, bem como quais sujeitos
devem ser ouvidos para que se possa ensinar-aprender sobre deter-
minados temas. É precisamente nesse ponto que destaco a premên-
cia de desenvolvermos práticas docentes e de pesquisa que reco-
nheçam e valorizem epistemes para além daquelas já estabelecidas
pelos discursos hegemônicos nos espaços escolar e universitário.

A fim de ampliar as oportunidades para o reconhecimento da


legitimidade de saberes tradicionais, para a visibilização de pautas
e de sujeitos frequentemente marginalizados, e para a promoção de
SUMÁRIO pesquisas e de práticas de ensino-aprendizagem que estimulem a
produção de conhecimentos relevantes para as localidades, em diá-
logo com esferas mais amplas, algumas importantes ações têm sido
desenvolvidas. Dentre elas, gostaria de destacar a pioneira iniciativa
intitulada Encontro de Saberes, criada originalmente pelo Instituto Na-
cional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na
Pesquisa (INCTI), em parceria com a UnB, e posteriormente ampliada
para outras universidades (UFMG, UFPA, UECE, UFJF e UFSB), com
o intuito de promover “diálogos sistemáticos entre os saberes acadê-
micos e os saberes indígenas, afro-brasileiros, populares e de outras

273
comunidades tradicionais, através da inclusão de mestres e mestras
como docentes no ensino superior” (ENCONTRO, 2021, s/p).

CONCLUSÃO

Neste capítulo, buscamos compartilhar nossos posicionamen-


tos sociopolíticos e científicos, explicitando as diversas maneiras que
nossas trajetórias particulares se entrecruzam a partir de princípios,
de práticas e de olhares questionadores, reflexivos, inclusivos, e em
constante evolução, sobre pautas e grupos subalternizados de forma
a conduzir nossas ações de (desen)formação docente com vistas à
superação de relações de opressão e à promoção de espaços de pro-
tagonismo desde o início (e ao longo) de suas formações acadêmicas,
tanto na Graduação como na Pós-Graduação.

Ao trilharmos esses caminhos, temos defendido e viabilizado o


protagonismo do(a)s nosso(a)s aluno(a)s e orientando(a)s para que en-
tendam e apreciem seus legítimos lugares como produtore(a)s de co-
nhecimento a partir de pautas de pesquisa, em contextos diversos, que
lhes pareçam relevantes ao pensarem suas experiências locais interco-
nectadas com os demais âmbitos da vida em sociedade (i.e. regional,
SUMÁRIO nacional, global). Esse percurso de desenvolvimento de posturas des-
coloniais na (desen)formação docente e na pesquisa tem se mostrado
bastante inclusivo e empoderador, especialmente diante dos desafios
postos pela contemporaneidade para a educação do século XXI de se
desenvolver indivíduos capazes de amadurecer suas capacidades de
ser, de conviver, de conhecer e de fazer (DELORS, 1996), tanto em sua
relação com a coletividade como com os diversos conhecimentos.

Diante desse quadro, gostaríamos de finalizar este texto apon-


tando alguns desafios e caminhos que percebemos para a Linguís-
tica Aplicada contemporânea, de maneira destacada na perspectiva

274
transviada (BEZERRA, 2020a)85. O primeiro deles é refletirmos sobre
possíveis respostas para as seguintes questões, que devem orientar
nossas práticas de sala de aula, de (desen)formação docente e de
pesquisa: Quem (não) fala? Sobre o que (não) se fala? Por que (não)
fala? Quem (não) ouve? Por que (não) ouve?

Essas primeiras reflexões têm nos apontado para a necessida-


de de desenvolvermos novas epistemologias e novos métodos que
viabilizem o protagonismo das vozes desse Sul epistêmico, por meio
do qual sujeitos e pautas marginalizados possam ocupar seus lugares
de legitimidade – não porque quem detém o poder hegemônico lhes
concederá essa legitimidade, mas, ao contrário, porque as relações
de opressão e de silenciamento que lhes tomam esses lugares serão
identificadas, questionadas, e, assim acreditamos, ultrapassadas.

Por fim, devemos, também, repensar os espaços existentes de


compartilhamento dos conhecimentos a fim de dimensionarmos em
que medida eles permitem o acesso democrático desses indivíduos
a essas esferas de circulação – para, talvez, criarmos outros âmbitos
menos herméticos para o trânsito desses dizeres, dessas reflexões,
dessas práticas, e desses olhares não hegemônicos. Dessa maneira,
imaginamos que um dos resultados esperados seria o importante
fortalecimento das relações entre academia e sociedade.
SUMÁRIO

REFERÊNCIAS
AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
BAUMAN, Z. Liquid modernity. Cambridge, Malden: Polity Press, 2000.

85
Caso este capítulo tenha sido publicado com o título desta referência omitido para garantir
a avaliação cega por pares, em curso neste momento, faça uma busca online utilizando
meu nome e o termo Linguística Aplicada Transviada para ter acesso, assim espero, ainda
em 2021, ao artigo em que apresento, de maneira mais completa, minha proposta para
esse novo enquadre mais explícito de pesquisas em uma LA Transviada.

275
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SUMÁRIO

279
14
Capítulo 14

Dimensões Identitárias de
Pesquisadoras no período de trabalho
remoto: a ética discursiva sobre a
noção do “meu” espaço-tempo

Rita de Cássia Souto Maior

Rita de Cássia Souto Maior

DIMENSÕES IDENTITÁRIAS
DE PESQUISADORAS
NO PERÍODO
DE TRABALHO REMOTO:
A ÉTICA DISCURSIVA SOBRE
A NOÇÃO DO “MEU” ESPAÇO-TEMPO
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.851.280-304
INTRODUÇÃO

Dentro do campo da Linguística Aplicada, propomos uma discus-


são sobre as “práticas linguísticas mutáveis e contraditórias que as pes-
soas vivem” (MOITA LOPES, 2006, p. 36), entendendo a LA “como um
lugar de investimento em uma redescrição da vida social” (MOITA LOPES,
2006, p. 31). Destacamos, assim, a importância de analisarmos os discur-
sos que envolvem nossas subjetividades e práticas como pesquisadoras,
no que chamamos de calidoscópio de sentidos86 das práticas sociais.

Nos primeiros meses da Pandemia do vírus Sars-Cov-2, viven-


ciamos vários movimentos de sentidos sobre o que estava acontecen-
do no mundo e, ao mesmo tempo, sobre o que ocorria conosco neste
mundo. De um modo geral, obtínhamos informações sobre percen-
tuais de infectadas/os, pesquisas sobre o vírus, mudança em horários
de funcionamento do comércio etc.; e, acerca de nossas vivências,
tudo mudava no ambiente de trabalho, nas nossas casas, nos grupos
e comunidades dos quais fazíamos parte.

Em todo esse movimento, temos o espaço e o tempo funcionan-


do em função desses sentidos; ambos se conformavam, ou não, às no-
vas estruturas, mas funcionavam nesta rede de significados em dimen-
SUMÁRIO sões de diferentes vivências, mas também de discursos reincidentes e/
ou contraditórios. Espacialmente, havia deslocamentos concretos dos
sentidos das salas, dos quartos, das cozinhas, dos escritórios. Tempo-
ralmente, houve tensões sobre o que era o tempo para o trabalho, para
dormir, para fazer exercícios e para não fazer nada, inclusive. O aqui (o
espaço) das residências agora funcionava como - lugar do trabalho,
como academia, como lugar para compras nos meios virtuais. Os dias
das semanas e até os finais de semanas (o tempo) estavam imbricados
86
Calidoscópio de sentidos seria o imbricado das relações dialógicas bakhtinianas
(BAKHTIN, 2003,2004) que compõem as práticas sociais, intermediadas pelos gêneros,
nos acontecimentos discursivos.

281
por não mais ocorrerem em função de deslocamentos do corpo, rituais
de saída das residências e retorno para casa. Toda essa não divisão
do espaço e do tempo potencializou a exposição da instabilidade de
papéis da mulher e da sua atuação nas pesquisas.

Especificamente, nosso propósito de pesquisa foi construído a


partir desses elementos sociais que citamos, os quais entendemos
como consequências do que chamamos de superconvivência e hiper-
confluência de espaços, ratificados pelos relatos de tristeza profunda,
desenvolvimento de ansiedade e até diagnósticos de depressão (por
perdas de emprego, de entes queridos, pelo que viam na TV, pelo que
não viam por parte dos governantes), principalmente das mulheres dos
grupos aos quais tínhamos acesso. Associado a isso, as colegas de
trabalho presenciavam, acima de tudo, mudanças no seu roteiro de
vida, dificuldade em se estipular rupturas no tempo de atuação nas
dimensões pessoal, profissional e afetiva87.

Entendemos, para o desenvolvimento da discussão, que há


uma memória ética discursiva que se entrelaça ainda hoje nos papéis
que fundamentalmente estariam compondo o sentido de “ser mulher
na sociedade”.

Essas problemáticas levantadas acima compõem parte dos


SUMÁRIO acontecimentos entrelaçados ao espaço e ao tempo que se amon-
toaram na reestruturação da convivência das pesquisadoras em suas
casas durante esse novo contexto, e isso alertou-nos para duas ques-
tões fundamentais, sobre as quais viemos nos debruçando nos últimos
anos, a saber: 1) como a narração sobre a vida constitui as práticas da
sociedade, ao mesmo tempo que as constitui, e por isso a importância
de se estudar a linguagem; e 2) como os enlaces interacionais do eu
87
Nesse período, observamos a abertura de janelas de encontros (pelo celular, pelo
computador, através dos portões das casas ou janelas de apartamentos) que não se
efetivavam no desejo de estar próximo literalmente e falávamos, todos nós, de como aquilo
tudo era triste e como estávamos sensibilizados com tantas perdas, tanta miséria e tanta
incerteza no porvir.

282
e do outro constituem identidades sociais, e, por isso, a importância
também de se estudar as constituições identitárias.

Essas questões estão imbricadas na linguagem, nas luzes


calidoscópicas de sentido e nas interações humanas, as quais são
construídas através da interação entre o eu e o outro e das relações
discursivas (BAKHTIN, 2003; BAKHTIN, 2004; VOLÓCHINOV, 2013).
Concluímos, assim, que os encontros sociais e a linguagem estão si-
tuados histórica e culturalmente e, sendo assim, são embasados e
embasam as construções ideológicas e os sentidos éticos discursivos.
Desse modo, as dimensões identitárias88 vão se dando dentro de enre-
dos sociais próprios, mas situados em terrenos movediços89.

A fim de especificarmos sobre as reflexões apresentadas, sele-


cionamos um dos grupos dos quais fazemos parte no coletivo de atua-
ções de nossa vida acadêmica. Pelo critério de ter uma atuação mais
contínua, mais antiga e mais efetiva nessa comunidade acadêmica,
selecionamos o Grupo de Estudos Discurso, Ensino e Aprendizagem
de Línguas e Literaturas90 (doravante Gedeall), do qual somos uma das

88
Optamos por denominar dimensões das construções identitárias ou dimensões identitárias
SUMÁRIO o processo de constituição das identidades resultantes das vivências que aqui serão
apresentadas, por entendermos que as pessoas vão se construindo em sobreposições
de identidades que surgem dos papéis desempenhados, das funções cumpridas, das
composições sociais determinadas, das situações vividas etc.
89
Segundo Hall (2006b), o paradigma dominante dos estudos culturais é aquele que se
“opõe ao papel residual e de mero reflexo atribuído ao “cultural”. Em suas várias formas, ele
conceitua a cultura como algo que se entrelaça a todas as práticas sociais; e essas práticas,
por sua vez, como uma forma comum de atividade humana: como práxis sensual humana,
como a atividade através da qual homens e mulheres fazem a história.” (HALL, 2006b, p. 133)
90
O GEDEALL atua no Programa de Pós-graduação em Linguística e Literatura/PPGLL/UFAL,
na linha Linguística Aplicada e processos textuais-enunciativos. Desde 1995 tem participado
ativamente das discussões relativas ao processo de ensino e aprendizagem de línguas
(materna e estrangeira) e a temas relacionados a práticas discursivas de linguagem, através
de apresentações em eventos nacionais e internacionais, da publicação de livros, capítulos,
artigos e articulação com grupos de pesquisas de outras instituições (UFRN, UFC, UPF). Em
2019, organizou e promoveu o I Encontro Nacional de Linguística Aplicada (ENALA).

283
líderes há 14 anos, compartilhando essa função com outra pesquisa-
dora mulher, idealizadora do grupo91.

Selecionado o espaço para a pesquisa, nossa preocupação foi


depreender a proposta do estudo. Entendemos, assim, que precisá-
vamos refletir sobre os discursos e as dimensões identitárias, cons-
truídos através de sentidos ideológicos do funcionamento de uma
ética discursiva (SOUTO MAIOR, 2009, 2013, 2020; SOUTO, MAIOR
e LUZ, 2019) nas interações sociais que permearam a convivência
acadêmica e familiar das mulheres pesquisadoras do Gedeall, du-
rante a Pandemia do Sars-Cov-2, no ano de 2020. Algumas questões
embasaram nossa discussão: Que narrativas estavam presentes no
discurso das pesquisadoras do Gedeall sobre sua atuação durante
o período da Pandemia? O que esses discursos nos revelam como
ética discursiva das identidades dessas mulheres?

Esses questionamentos suscitaram uma abordagem sócio-


-histórica de pesquisa (FREITAS, 2003) e atuação com a perspectiva
interpretativista da Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006; FABRÍ-
CIO, 2006). Selecionamos as repostas a questionários de sondagem
inicial de duas (2) das quatorze (14) colaboradoras desta primeira
fase do estudo, e analisamos o sentido ético discursivo de suas po-
SUMÁRIO
sições que constituíam identidades situadas no contexto de espaço
e tempo que a Pandemia do Sars-Cov-2 impôs nos primeiros meses.
A seguir, apresentamos as nossas reflexões a respeito da noção de
linguagem e discurso, para em seguida apresentar como a noção de
ética discursiva se torna fundamental para entendermos o enredo das
vidas narradas por essas pesquisadoras.

91
Profa. Rita Zozzoli é professora no Programa de Pós-graduação em Linguística e Literatura
da Universidade Federal de Alagoas e lidera o grupo desde sua formação em 1995.

284
LINGUAGEM E DISCURSO: CALIDOSCÓPIO
DE SENTIDO E A ÉTICA DISCURSIVA

As construções das narrativas ficaram tensionadas entre a pro-


fusão de acessos diários a e-mails, grupos de redes sociais, reuniões
virtuais etc., e o desgaste pela vontade de encontrar o outro, potencia-
lizada e não consumada totalmente pelas estratégias digitais. As pes-
quisas e os estudos que estavam em processo no início da Pandemia
pelo Sars-CoV-2 muito presumidamente continuariam seu rumo com
modificações que o contexto exigia. Como tudo mais na sociedade,
as pesquisadoras tentavam continuar seus estudos e projetos no que
emplacaram discursivamente como o “novo normal”. No entanto, a
restruturação do lar - com crianças e adolescentes e suas necessida-
des das aulas remotas, com creches fechadas, com companheiras/os,
mães/pais, irmãs/ãos convivendo nos mesmos espaços - exacerbou
diferenças, tensionou valores acerca dos papéis/funções de cada uma
das partes dos diversos núcleos familiares, causando uma hiperconvi-
vência e hiperconfluência dos espaços nas residências que trouxeram
a tona implicações identitárias.

Esse novo cenário nas residências proporcionou encontros e


desencontros afetivos, estabilidades e desestabilidades de significa-
SUMÁRIO
ções, destaques e reformulações de espaços, que compuseram o
acontecimento da Pandemia e do que é e está sendo a maior crise
sanitária e hospitalar pela qual passou e passa o Brasil92. Todas essas
práticas que se recompuseram ao longo dos primeiros meses ocorre-
ram permeadas pela linguagem e constituídas por ela.

92
De acordo com informações do Boletim Extraordinário do Observatório Covid-19 Fiocruz,
de 16 de março de 2021, “chamamos à atenção para o fato de a situação da pandemia
por Covid-19 ser gravíssima. Um conjunto de indicadores, incluindo as médias móveis de
casos e de óbitos e as taxas de ocupação de leitos UTI Covid-19 para adultos, apontam
para situação extremamente crítica ou mesmo colapso, em todo o país.” (BRASIL, 2021)

285
Não coincide exatamente o que discutimos aqui sobre tempo
e espaço com o que Bakhtin (2003) especificou sobre essa díade,
mas também não prescinde desse entendimento. Para este autor, a
discussão sobre tempo e espaço é estrutural à efetivação da língua
viva93. A linguagem, como palavra, na perspectiva bakhtiniana sobre a
qual nos valemos para as discussões deste estudo, não é de ninguém
prioritariamente e nada valoriza per si. Para Bakhtin (2003, p. 290), a
palavra é “apenas um recurso linguístico para uma possível expressão
de relação emocionalmente valorativa com a realidade”. Essa realida-
de tampouco é determinada a priori, ainda segundo ele. Esse juízo
de valor ou essa referência ao mundo vivido, para este estudioso,
é o enunciado concreto discursivo. Entendemos, portanto, com este
autor, que os discursos refletem e refratam sentidos (BAKHTIN, VO-
LOCHINOV, 2004) e que estes estão situados. Desse modo, Bakhtin
considera que nenhum “ato do homem integral, nenhuma formação
ideológica concreta (o pensamento, a imagem artística, até o conteú-
do de um sonho) pode ser explicada e entendida sem que incorporem
as condições socioeconômicas.” (BAKHTIN, 2007, p. 11).

Sendo assim, a escuta, a descrição e a análise discursiva das


narrativas daquelas que vivenciaram em suas casas as mudanças que
a Pandemia trouxe para o lar, nos apresentaram os fios condutores dos
deslocamentos ético discursivos.
SUMÁRIO
Segundo compreendemos, o sentido ético discursivo das enun-
ciações relaciona-se com o significado de tom volitivo emocional bakhti-

93
Bakhtin (2003) discute tempo-espaço em seus aspectos exotópicos, de exterioridade
contextual do ser e de sua complementação estética, e aspecto da alteridade, da
constituição atravessada pelo outro. O encontro desses aspectos incorpora na imagem
externa ao conjunto de concepções de mundo, numa reconstrução arquitetônica. Nas
discussões desse autor, ele diz que o que diferencia o mundo da criação artística, do
mundo dos sonhos e do mundo real é que “todas as personagens estão igualmente
expressas em um plano plático-pictural de visão, ao passo que na vida a personagem
central - o eu – não está externamente expressa e dispensa imagem. Revestir de carne
externa essa personagem central da vida e do sonho centrado na vida é a primeira tarefa
do artista.” (BAKHTIN, 2003, p. 27).

286
niano (BAJTIN, 1997), que faz referência à “carne” da palavra, ao sentido
dessa no enunciado concreto, que, por sua vez, dá o tom dos sentidos e
dos papéis nos atos enunciativos que foram vivenciados nos lares. O ato
enunciativo, que é também ato ético, já “veste” a palavra com a entona-
ção e com sentidos situados em situações específicas, com interações
específicas, que pressupõem sujeitos partícipes, mas também a “veste”
com uma memória coletiva desses sujeitos da linguagem que ali estão
e com os acontecimentos anteriores que dialogam com aquela situação
que está sendo vivida. Para Bajtin (1997) ainda,
Um verdadeiro pensar concebido como ato é o pensamento
emocional e volitivo, o pensamento com tom, e esta
entonação penetra substancialmente em todos os momentos
do conteúdo do pensamento. Um tom emocional e volitivo
abarca todo o conteúdo semântico do pensamento no ato e
o relaciona com o acontecimento singular do ser. Justamente
este tom emocional e volitivo é o que se orienta no ser singular,
assim como orienta e sustenta nele um conteúdo semântico
(BAJTIN, 1997, p. 41-42. Tradução nossa)94.

O sentido ético discursivo comporta também ações efetivas no


mundo e, por isso, é importante refletir sobre ele, problematizá-lo e
propor ações efetivas, a partir do entendimento de que ele pode provo-
car rupturas e ratificações das relações sociais. Partindo disso, enten-
demos que os sentidos de mundo compartilhados e acumulados no
SUMÁRIO construto da coletividade são retomados por atos éticos que têm sua
concretude no discurso. Não obstante, para Bakthin (2003)
Todo Juízo de valor é sempre uma tomada de posição individual
na existência; até Deus precisou encarnar-se para amar, sofrer
e perdoar, teve, por assim dizer, de abandonar o ponto de
vista abstrato sobre a justiça. A existência foi estabelecida de

94
Texto no original: “Un verdadero pensar concebido como acto es el pensamiento emocional
y volitivo, el pensamiento entonado, y esta entonación penetra sustancialmente en todos
los momentos del contenido del pensamiento. Un tono emocional y volitivo abarca todo
el contenido semántico del pensamiento en el acto y lo relaciona con el acontecimiento
singular del ser. Justamente este tono emocional y volitivo es el que se orienta en el ser
singular, así como orienta y sustenta en él un contenido semántico.” (BAJTIN, 1997, p. 41-42)

287
uma vez por todas e de forma irrevogável entre mim, que sou
único, e todos os outros para mim; a posição na existência
está tomada, e agora qualquer ato e qualquer juízo de valor só
podem partir dessa posição, e eles a antecipam para si. […] No
acontecimento singular e único da existência, é impossível ser
neutro. (BAKHTIN, 2003, p. 117-118)

Dentro dessa perspectiva, os discursos são repletos de tensões


que, numa perspectiva bakhtiniana, estão impregnadas do que o autor
chama de tom emocional e volitivo. Essas tensões discursivas estabe-
lecem outros sentidos a todo tempo, corroborando a possibilidade de
estarmos sempre em movimento na história. Chamamos de calidos-
cópio de sentidos essa profusão de discursos que, impregnados de
contraditórios e de similitudes, compõem as redes da ética discursiva
dos dizeres. Entrementes, esses movimentos de sentidos trazem luzes/
sentidos da história que, por sua vez, são carregados também dos ou-
tros sentidos que a história arrasta consigo na composição dos novos.

A linguagem, nesse ínterim, define a mulher, o homem, a crian-


ça, o pai, a mãe como identidades situadas nas novas relações so-
ciais, que podem ou ratificar uma tradição de sentidos, ou deslocar
esta tradição, ou ainda se construir no entremeio do “deslocamento”
e da “tradição” sentido. Além desses encapsulamentos discursivos
SUMÁRIO mais gerais, como ser mãe, por exemplo, ainda se sobrepõem traços
identitários de ser negra, branca, índia ou de outra etnia, de ser mãe
solteira, casada, namorada etc. e outros elementos que compõem as
“posições de ser” nas práticas sociais.

Para além disso, as identidades, durante a Pandemia do Sars-


-CoV-2 do ano de 2020, foram vivenciadas numa fricção de hiperconvi-
vência dos diversos núcleos familiares, extraindo luzes de sentidos das
diversas interações, conforme desenvolvemos adiante.

288
A CONSTITUIÇÃO DAS DIMENSÕES IDENTITÁRIAS

Compreendemos que as/os interlocutoras/es constituem suas


identidades através da linguagem, por intermédio das ações discursi-
vas situadas, das relações de alteridade95 e da construção social que
esses discursos estruturam nessas relações.

Essas identidades são fluidas (BAUMAN, 2001) e vão se recons-


truindo à medida que esse ato enunciativo vai sendo reconduzido em
diferentes situações enunciativas, como a que vimos no período de
hiperconvivência e de hiperconfluência de espaços da Pandemia pelo
Sars-Cov-2. Segundo Moita Lopes (2002), os sujeitos vão reconstruindo
suas identidades sociais “ao agir no mundo por intermédio da lingua-
gem” (MOITA LOPES, 2002, p. 30). Para esse autor, ainda, todo discurso
provém de alguém que tem marcas identitárias específicas que o locali-
zam na vida social e que o posicionam no discurso de um modo singular,
assim como a seus interlocutores (MOITA LOPES, 2003, p. 19).

Logo, essas identidades são reconstruídas em processo contínuo


de reprodução de sentidos, já tradicionalmente dados e/ou vivenciados, e
de produção de novos sentidos, que surgem de deslocamentos de natu-
reza mais ampla ou mais restrita96. As duas dimensões de produção e re-
SUMÁRIO

95
A alteridade, para Bakhtin, é o processo de construção e complementação dos fragmentos
das sensações do eu que não se vê a si mesmo de fora, a não ser como indícios através
do outro. Segundo Bakhtin (2003, p. 29), “entre minha auto-sensação interna – função
da minha visão vazia - e minha imagem externamente expressa, há uma espécie de tela
transparente, de tela da possível reação volitivo emocional do outro na minha manifestação
externa – de possível êxtase, amor, surpresa, piedade, etc. do outro por mim; e olhando
através dessa tela da alma do outro, reduzida a meio, eu vivifico e incorporo a minha
imagem externa ao mundo plástico-pictural.”
96
Ambos os processos promovidos por diversos contextos de usos de linguagens (enga-
jamento em redes sociais, adesão a espaços comunitários etc.), novos acontecimentos
pessoais de aspectos sociais ou geracionais (adolescência, casamentos, separações, per-
das familiares etc.), tragédias sociais (catástrofes, guerras etc.), relações sociais (estrutura
política, mudança de sistema de governo etc.), com consequentes desconstruções ou rea-
comodações de pensamentos, ideias, comportamentos, práticas etc.

289
produção não são dicotômicas, mas sim caleidoscópicas, tanto em feixes
de luzes/sentidos, quanto em processos de complementação e de rede.

Da mesma forma, consideramos que outros aspectos cultu-


rais97 que constituem uma identidade, ou, melhor dizendo, as várias
dimensões de uma construção identitária, como profissão, gênero
etc., também são pensados como parte dessa nossa natureza, mas
que de fato são construídas como representações constituídas, por
sua vez, num conjunto de significados, num construto ético discursivo.

A mulher e a pesquisadora na sociedade

Acompanhamos diariamente, nos jornais e nas pesquisas, que


o isolamento social tem exacerbado os conflitos familiares e obrigado
mulheres a permanecerem em convivência com seus agressores no
seu lar, por um período mais prolongado98. O número de casos de
feminicídio também apresentou aumento em diversos estados do
Brasil e no mundo, quando comparado com o mesmo período do
ano de 2019. O Globo99, em meados de 2020, noticia que o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, a pedido do Banco Mundial, notificou
um aumento de 22% do número de casos de feminicídio do país em
março e abril de 2020 (o número foi de 117 para 143 no bimestre maço
SUMÁRIO e abril), também acompanhamos diariamente notícias com destaques

97
Consideramos como aspecto cultural tudo aquilo que diz algo sobre nós mesmos nas
relações sociais, como, por exemplo, quando dizemos: sou professora, nordestina,
mulher, gestora etc. Esses aspectos da atuação social nas comunidades ou nichos
culturais nos quais atuamos vão constituindo a pluralidade das identidades que, no
coletivo, nos constituem.
98
Um movimento organizado por mulheres em 1980, em frente ao Teatro Municipal de São
Paulo, em protesto contra o aumento do número de casos de violência contra a mulher,
destinou o dia 10 de outubro como o Dia da Luta Nacional contra a violência à Mulher. E,
infelizmente, mesmo após 40 anos de luta, o que se tem observado é o aumento do número
de casos de violência doméstica contra a mulher diante do cenário mundial de pandemia
de Covid-19.
99
Fonte:https://oglobo.globo.com/celina/casos-de-feminicidio-crescem-222-no-brasil-durante-
quarentena-para-conter-novo-coronavirus-24457356 , acessado em 04 de abril de 2021.

290
sobre a vida de mulheres em relação a sua impossibilidade de estudar
e/ou trabalhar, como a que noticiada pelo El País-Brasil, com o título
“Não estudo nada há um ano. Fico em casa limpando e cozinhando”.100

Mas precisamos situar essa discussão na rede histórica que


a compõe. Sobre o enredamento narrativo da mulher na sociedade
Brasileira, é bom que registremos também que essa história sofreu
uma série de mudanças durante o século XIX, o que ocasionou
na formulação de uma mentalidade burguesa que reorganiza as
vivências familiares e domésticas (D’INCAO, 2013, p. 223)101. Em
Moreira Jr. e Souto Maior (2020), discutíamos sobre a preocupação
do compromisso familiar para as moças que deveriam seguir normas
próprias para antes e para o depois do matrimônio, que iam desde
o resguardo da virgindade até o recato da mulher nas relações
conjugais e na postura diante da sociedade. Restrições quanto ao
acesso à rua, por exemplo, atravessavam as duas condições (antes
e depois do matrimônio) e quando refletíamos sobre essas situações,
não estávamos incluindo todas as mulheres. Já havia mulheres para
isso e para aquilo, as “do lar” e as “da rua”, grosso modo falando,
sem falar nas subcondições das que eram subjugadas como mulher
negra, a negra alforriada, a viúva, a órfã, a abandonada etc.

Retornando ao tema das características esperadas, as mulhe-


SUMÁRIO res da classe burguesa da época, de maneira geral, eram desobri-
gadas de qualquer trabalho produtivo, mas exerciam, por sua vez,
uma função de manutenção do status quo do sucesso da família,
visto que elas eram, ao mesmo tempo, peças fundamentais para
contribuir no “projeto familiar de mobilidade social, através de sua
postura nos salões como anfitriãs e na vida cotidiana, em geral, como

100
Fonte: https://brasil.elpais.com/ciencia/2021-04-13/nao-estudo-nada-ha-um-ano-fico-em-
casa-limpando-e-cozinhando.html, acessado no dia 13 de abril de 2021.
101
Dentre as transformações, esta autora cita a consolidação do capitalismo, o incremento
da vida urbana com novos formatos de convivências sociais e ascensão da burguesia
(D’INCAO, 2013, p. 223).

291
esposas modelares e boas mães”. (D’INCAO, 2013, p. 229). A reper-
cussão dessa memória de sentido resvala em discursos como “não
provoque seu marido”, “vista-se como uma mulher de bem”, “é pre-
ciso deixar a casa apresentável para visitas”.Embora a realidade da
Europa e do Brasil tenha sido diferente, mesmo assim destacamos
que, no século XIX, na Europa, temos o desenvolvimento do capi-
talismo, com todo movimento operário e organização das mulheres
trabalhadoras, ou seja, começamos toda uma seara de mão de obra
barata da indústria inglesa. No Brasil da primeira república, de 1889
a 1930 com a revolução getulista, temos a passagem do modelo da
sociedade agrária para o modelo urbano, e mesmo assim, estamos
falando de um Brasil específico, dos centros urbanos, de São Paulo,
Rio de Janeiro e de Minas Gerais102. No Nordeste, ou ainda no sertão,
especificamente, temos algumas especificidades, mas não podemos
ratificar o discurso que o Nordeste seria mais democrático por suas
relações sociais. Segundo Falci (2013), entender o sertão nordestino
como mais democrático em suas relações sociais é basear-se em
história já ultrapassada e não mais confirmada pela pesquisa. Ainda
segundo essa autora, no sertão nordestino se gestou uma socieda-
de fundamentada no patriarcalismo, que era altamente estratificada
entre homens e mulheres, entre ricos e pobres, entre escravos e se-
nhores, entre “brancos” e “caboclos” (FALCI, 2013, p. 242).
SUMÁRIO
Nas grandes cidades, por outro lado, temos a urbanização e
expansão industrial com a presença da mulher. Mas no esteio desse
modelo cultural, temos as grandes cidades do Nordeste reproduzindo
e multiplicando esses sentidos éticos discursivos. Segundo Moraes
(2020), ao mesmo tempo, temos intelectuais artistas que promovem

102
A primeira greve geral, em junho de 1917, foi iniciada por mulheres no Brasil, em prol da
consolidação de leis trabalhistas. Rago (2013, p. 578) diz que nas “primeiras décadas do
século XX, no Brasil, grande parte do Proletariado é constituída por mulheres e crianças.
E são vários os artigos da imprensa operária que, assim como o romance de Pagu,
denunciam as investidas sexuais de contramestres e patrões sobre as trabalhadoras e que
se revoltam contra as situações de humilhação a que elas viviam expostas nas fábricas”.

292
movimentos de mulheres a favor de certos temas da época, como
carestia, e a junção desses movimentos intelectuais com os grupos
de mulheres de base, da religião católica especificamente, clubes de
mães, etc. Ainda segundo a socióloga, nos anos Vargas, da década de
50, consolida-se a atuação do Brasil nas indústrias de base (siderúr-
gica, metalúrgica, etc.) e, com golpe de estado de 1964 e a ditadura,
temos novas ordens de atuação feminina, intelectuais, artistas e estu-
dantes. A década de 70 é um período motivador das incursões feminis-
tas no Brasil, com a comemoração do ano internacional da mulher em
1975. Outros movimentos políticos e sociais se desenvolvem nas déca-
das seguintes, mas o que parece ser gritante é a pouca visibilidade das
mulheres nas ciências, nas artes, nas letras. Quando apresentadas,
elas sempre são modelos a serem seguidos, ou destaques moldados
numa lógica do “pelo menos”. Consideramos que esses exemplos
são fagulhas discursivas que implementam mais o desejo de outra
realidade e se chocam com a lógica do patriarcado. Esses sentidos
coexistem e precisam ser explicitados, desnaturalizados e discutidos.

Nosso objetivo não é aprofundar sobre esses elementos, mas


expor, mesmo que de maneira rápida e representativa, como a mulher
foi deslocada para os espaços de atuação profissional, menos pelo
SUMÁRIO direito de igualdade e mais pela conveniência de períodos (estados
de guerra, aumento de postos de trabalho, barateamento da mão
de obra, etc.). Os sentidos éticos discursivos que permearam essas
rupturas acumularam “funções” para a mulher que trabalhava fora
do lar e no lar. Ela colocava comida na mesa, mas participava de
todo o processo para a elaboração da comida, para servir à família e
depois limpar toda a cozinha. Observamos como essa memória da
ética discursiva se entrelaça ainda hoje numa culpa quando ouvimos:
“Coitado, não fiz o almoço de meu marido/companheiro/namorado.”

293
É nesse sentido que o espaço e o tempo da mulher entram em
conflito. Casais que são chamados modernos dizem “dividir as tarefas”.
As pessoas estranham a mulher sem filhos ou que não os deseja. São es-
ses movimentos discursivos do espaço e tempo que apresentamos aqui.

CONSTRUÇÃO DA PESQUISA: METODOLOGIAS,


CONTEXTUALIZAÇÃO E RECORTES

Como expusemos, faremos análise de práticas relacionadas à


noção de espaço e de tempo, a partir da pesquisa de acontecimentos
discursivos na vida narrada de colaboradoras do Gedeall. Nos dados
da pesquisa, por exemplo, ouvimos o relato de uma pesquisadora que
dizia se emocionar com a história da tataravó que, durante a Guerra
da Farroupilha, tentava sobreviver para colocar alimento em casa e
que a mãe saia com espingarda em punho para salvaguardar as irmãs
menores, enquanto o tataravô tinha ido para a frente de batalha. São
essas histórias dessas mães que nos interessa e que nos fortalecem
como guerreiras das guerras das que ficaram em casa. Falci (2013), a
respeito do não registro de alguns grupos específicos, assevera:
SUMÁRIO As pobres livres, as lavadeiras, as doceiras, as costureiras
e rendeiras – tão conhecidas nas cantigas do nordeste -, as
apanhadeiras de água nos riachos, as quebradeiras de coco
e parteiras, todas essas temos mais dificuldade em conhecer:
nenhum bem deixaram após a morte e seus filhos não abriram
inventário, nada escreveram ou falaram de seus anseios,
medos, angústias, pois eram analfabetas e tiveram no seu dia a
dia de trabalho, de lutar pela sobrevivência. Se sonharam, para
poder sobreviver, não podemos saber. (FALCI, 2013, p. 241-242)

294
Perguntávamos, nessa linha de questionamentos: quem conta-
ria a história dos lares? O que estaria acontecendo com as pesquisa-
doras mulheres no contexto pandêmico de 2020? Como poderíamos
problematizar os sentidos para entender a sociedade em mudança?
Nossa preocupação, como pesquisadoras, era saber o que de fato
estava acontecendo nesses primeiros meses de pandemia e o que
está ocorrendo em relação à atuação no espaço e tempo de mulheres
pesquisadoras, com quatro meses do processo inicial de constatação
de que estávamos numa ciranda de novos arranjos sociais.

O Grupo de Estudos Discurso e Ensino e Aprendizagem de Lín-


guas e Literaturas103 tinha 49 colaboradoras/es cadastrados/as em
2020 na plataforma de grupo de estudos do Brasil do CNPq. Desses/
as, 16 estavam na categoria “pesquisadoras/es” e dentre esses: 12
eram mulheres e 4 homens; 32 na categoria “estudantes” e destes: 20
eram mulheres e 12 homens; e 1 cadastro como técnica. Em resumo,
dos 49 colaboradores/as, 33 eram mulheres, ou seja, 67 % do grupo.

A pesquisa teve três etapas: de sondagem, de aprofundamento


e de socialização. Apresentaremos dados da primeira etapa do
estudo, que foi a problematização da atuação das mulheres do grupo
nas pesquisas. A sondagem ocorreu entre o quinto e oitavo mês do
SUMÁRIO
período de Pandemia no Brasil no ano de 2020 (de março a julho),
através de mensagens telefônicas.

103
Endereço para acessar este espelho: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3880576348205692.

295
Imagem 1 - Questionário enviado pelo whatsApp.

SUMÁRIO

Fonte: Dados de Souto Maior (2020)104

104
Transcrição: Colegas, bom dia! Com o propósito de estender as discussões sobre a
condição e o papel da mulher na sociedade contemporânea estou construindo uma
reflexão no Grupo de Estudos (GEDEALL) a fim de que possamos problematizar essa
condição na esfera da nossa produção científica durante a Pandemia. Nesse sentido
peço que me enviem dois áudios respondendo às duas questões que seguem, seguidas
de uma terceira informando: nome, idade, formação, tempo de formação e dando a
autorização para o uso (anônimo) dos dados no âmbito acadêmico. Muito obrigada
por sua contribuição. 1. De um modo geral, que papéis você desempenha na sua vida
em relação à família, ao trabalho e à sociedade? Como caracteriza cada uma dessas
atuações? 2. Como você avalia seu desempenho como pesquisadora nestes últimos
meses de Pandemia? A que você atribui esse desempenho?

296
Das 26 colaboradoras do Gedeall que participam ativamente no
grupo do WhatsApp, tivemos 14 colaboradoras respondentes nessa
primeira fase do estudo. Selecionamos para esta análise as repostas
de duas, seguindo o critério de primeiras respostas recebidas, e as
chamamos ficticiamente de Rafaela e Danila.

Como as questões enviadas traziam vários desdobramentos de


discussão, para o propósito deste capítulo, selecionamos dois núcleos
de significados ou feixes do calidoscópio de sentidos, a saber, I) a
atuação na sociedade e II) a atuação como pesquisadora:

I. Sobre a atuação na sociedade:


Trecho 1: “Rafaela não segue Eva”

[…] Quanto ao meu papel como mulher na sociedade da qual


faço parte, desde a infância nunca quis seguir o pensamento
mais antigo [risos] que é de Adão e Eva, de que a mulher
deve se dedicar a casa ao marido e aos filhos exclusivamente
e dessa forma viver em estado de alto anulação, onde suas
vontades, desejos e sonhos não ultrapassem. Embora no
meu histórico familiar a maioria das mulheres, quase todas,
dedicaram a sua vida a serem/ mulheres do lar, donas de casa.
(Fonte: dados de Souto Maior (2020)

O discurso religioso compõe o repertório das convivências fa-


SUMÁRIO miliares ocidentais e no campo da ética discursiva faz parte da estru-
turação de uma teologia da moral católica para ações no cotidiano.
Nesse campo semântico-discursivo, a salvação da alma depende das
condutas já ditadas por uma ordem prévia e sagrada. Independente-
mente do engajamento ou não das pessoas em núcleos religiosos, as
práticas discursivas nos demais campos sociais estão empregnadas
da estruturação secular dos sentidos do campo religioso. As relações
humanas ocidentais são compostas por esse caleidoscópio de senti-
dos, a exemplo do trecho da fala de Rafaela que se constitui identita-
riamente em contraposição, pois ela diz “desde a infância nunca quis
seguir o pensamento mais antigo”.

297
Esses campos éticos do discurso instituem o papel da mulher
e suas constituições identitárias, num calidoscópio discursivo dos
sentidos e em dimensões de ser. Os discursos são constituídos nas
práticas sociais e as constituem também, através do processo dialógico
da linguagem, refletindo e refratando sentidos, como dissemos
inicialmente (VOLÓCHINOV, 2013).

Dentro da máxima de que “O que se diz foi preciso dizer”, des-


tacamos a necessidade de dizer de Rafaela quando ela assume não
querer seguir determinado pensamento, o de que “a mulher deve se
dedicar a casa ao marido e aos filhos exclusivamente e dessa forma
viver em estado de alto anulação, onde suas vontades, desejos e so-
nhos não ultrapassem.” e ratifica essa sua postura/ruptura de pensa-
mento em relação ao que foi seguido pela maioria das mulheres de sua
família, “quase todas”, segundo ela. Assim ela vivencia sua identidade
num contraponto ético discursivo. A seguir, vemos outro movimento de
contraposição no discurso de outra colaboradora, a de Danila:
Trecho 2: “Danila assume vários papeis.”

Desempenho o papel de mulher, esposa, dona de casa, muitas


vezes assumindo o papel de chefe já que no casamento é 50%
decisões do homem e da mulher. Cuidadoras de idosos […]
No trabalho, além da docência, pesquisa, ensino e extensão, a
gente assume o papel também de ser psicólogo, amigo, ser um
SUMÁRIO bom ouvinte para os alunos […] Mesmo que muitas vezes tudo
isso [os papéis que desempenha] acarreta numa sobre:: num
trabalho sobrecarregado que por estar sobrecarregada muitas
coisas que gostaria de fazer não faço por conta de ter que as-
sumir todos esses papeis.(Fonte: dados de Souto Maior, 2020)

Nas várias funções descritas por Danila, ela apresenta quere-


res rompidos pela sobrecarga de trabalho: “por estar sobrecarregada
muitas coisas que gostaria de fazer não faço por conta de ter que as-
sumir todos esses papeis”. A identidade de Danila mulher é expressa
nas funções desempenhadas por ela, que seriam “dadas” pela ética

298
discursiva de uma tradição secular: “Desempenho o papel de mulher,
esposa, dona de casa” e se sobrepõe a outra do campo do masculino,
quando ela diz que assume, ao mesmo tempo: “o papel de chefe”.
Mesmo instituindo nesse último papel a divisão com seu parceiro já
que, segundo ela, “no casamento é 50% decisões do homem e da
mulher”, observamos que isso parece ocorrer apenas nessa função.

Na linguagem, os sentidos da ética discursiva de uma hege-


monia patriarcal parecem permanecer fortes e estabelecem, pela
linguagem, pequenos espaços que poderiam ser assumidos pela
mulher, mas sem ceder tanto. Falci (2013) chama a atenção para um
aspecto interessante do nascimento da mulher no sertão do século
XIX, pois o fato de serem nominadas do “mininu fêmea” demonstra
como a construção identitária de ser mulher surge no campo do con-
traponto do universo masculino. A autora diz:
Mulheres ricas, mulheres pobres; cultas ou analfabetas, mu-
lheres livres ou escravas do sertão. Não importa a categoria
social: o feminino ultrapassa a barreira das classes. Ao nasce-
rem, são chamadas “mininu fêmea”. A elas, certos comporta-
mentos posturas, atitudes e até pensamentos foram impostos,
mas também viveram o seu tempo e o carregaram dentro de-
las. (FALCI, 2013, p. 241)

SUMÁRIO Corroborando esse aspecto da linguagem e as dimensões iden-


titárias da contraposição, dentro da ética discursiva encontramos a di-
mensão calidoscópica de sentidos do feminino pelo masculino. Rago
(2013, 579), nesse movimento, ainda diz que “lidamos muito mais com
a construção masculina da identidade das mulheres trabalhadoras do
que com sua própria percepção de sua condição social, sexual e indivi-
dual.” A seguir, trataremos do segundo núcleo de significados ou feixes
do calidoscópio de sentidos selecionado para análise:

299
II. Avaliação da sua atuação como pesquisadora
Trecho 4: O trabalho veio para cima da cama de Danila

Houve momentos de::: não produção de::: evolvimento com a


vida pessoal, que no outro áudio eu falei que gosto de distinguir
bastante, mas aí o trabalho veio para cima da cama, veio pro
sofá, veio para a mesa da sala, aí tava já envolvido com meu
hobby e ficava difícil de separar, mesmo tendo horário específico
para cada coisa, ficou meio bagunçado e:: prejudicou um pouco
a produção,/ também por aspectos socioemocionais desses
últimos tempos, desse momento difícil que todo mundo está
passando, mas por outro lado eu também tive uma produção boa
durante esse período porque foi um período que exigiu de muitos
lá na [cita o lugar em que trabalha], a gente teve que produzir
materiais sobre esse momento inédito [...].então teve momento
de produção intensa, mas reconhecendo também que a vida
pessoal é::: se misturou com a profissional a ponto de ficar difícil
essa relação dentro de casa. (Fonte: dados de Souto Maior, 2020)

Danila destaca como tudo parece ter sido invadido pelo trabalho,
num aspecto de hiperconfluência de espaços, mas também destaca
a confusão entre suas atividades, num aspecto de entrelaçamento do
tempo. Identitariamente, se constitui como alguém que produziu, mes-
mo que por exigência no trabalho, mas nos apresenta dimensões do
profissional e da vida pessoal como um encontro difícil: “então teve
momento de produção intensa, mas reconhecendo também que a vida
SUMÁRIO pessoal é... se misturou com a profissional a ponto de ficar difícil essa
relação dentro de casa.” Observamos aqui uma base pictórica dos as-
pectos exotópicos bakhtinianos (2003) de tempo-espaço. Daniela cons-
trói sua identidade pela exterioridade contextual do ser e de sua com-
plementação estética, atravessada pelo outro: a exigência de produção.

Sobre a atuação como pesquisadora, ainda encontramos ter-


mos no campo discursivo do desestímulo, frustração e angústia. Con-
sideramos que esses feixes calidoscópicos de sentidos apresentam
traços de uma vivência no gênero, exacerbada pela hiperconvivência.

300
Vemos a palavra “desestímulo” surgindo como movimento identitário
no discurso de Daniela no trecho a seguir, e os termos frustração e
angústia no de Rafaela subsequentemente. Vejamos:
Trecho 5: Danila não se doou como gostaria

Bom, acredito eu que não me dooei como gostaria. Tinha


feito um planejamento, mas eu não consegui segui-lo. Foram
vários fatores que fizeram com que eu não conseguisse segui-
lo. Bem:: meu esposo contraiu Covid 19, ahh::: as tarefas de
dentro de casa consome muito tempo, então é horrível, quando
você não está no período de COVID, você sai de manhã, volta
à tarde, você tem mais tempo trabalhando do que dentro de
casa e isso ocasiona que você vai determinar menos tempo
para as atividades domésticas, né? E tudo isso fez com que eu
tenha ficado desestimulada para seguir o cronograma. (Fonte:
dados de Souto Maior (2020)

Trecho 6: A frustração de Rafaela.

No que concerne ao meu desempenho como pesquisadora


nos últimos dias, não foi tão bom, se é que posso classificar
assim [...] Eu me sentia um pouco frustrada comigo mesmo e
era um sentimento como, um pouco angustiante. (Fonte: dados
de Souto Maior (2020)

As tarefas domésticas surgem como atividades que deveriam


ter menos tempo na vivência de Danila, observada quando a colabo-
SUMÁRIO radora diz: “quando você não está no período de COVID, você sai de
manhã, volta à tarde, você tem mais tempo trabalhando do que dentro
de casa e isso ocasiona que você vai determinar menos tempo para
as atividades domésticas, né?”. O tempo, nesse ínterim, passa a ser
inclusive causa desses tormentos: o tempo que se passa em casa é o
tempo “para atividades de casa”. A hiperconfluência dos espaços não
apaga a memória da ética discursiva da casa como espaço da “mu-
lher do lar”, da mulher da tradição burguesa, responsável pela ordem.
Adiante, apresentamos a conclusão do estudo.

301
CONCLUSÃO

As reflexões sobre o processo de constituição identitária e so-


bre os discursos que subjazem o calidoscópio discursivo das práticas
sociais são fundamentais para que possamos descrever, compreender
e desmistificar sentidos que orientam as práticas sociais no mundo.
Esses sentidos, como entendemos no desenvolvimento de nosso ar-
gumento teórico-prático, puderam estabelecer certos pactos sociais
de entendimento e da valorização da mulher pesquisadora e puderam
também estigmatizar ainda mais certas comunidades ou nichos cultu-
rais, a partir do encrudescimento de certas “verdades”. A problema-
tização dos sentidos da ética discursiva que embasam as práticas,
nesse ínterim, é muito importante.

Com esses enquadres de problematizações, fizemos uma refle-


xão sobre a constituição identitária, distinguindo discursos implicados
no período de Pandemia para a atuação da mulher como pesquisadora
no GEDEALL, problematizando os sentidos sobre o espaço e o tempo
que consideramos serem de, nessa mesma ordem, hiperconvivência
e hiperconfluência de espaços. Analisando e problematizando o cali-
doscópio discursivo das práticas sociais, a ação de pesquisas nesse
campo se torna mola propulsora para análises críticas dos dizeres e
SUMÁRIO
das implicações desses dizeres para a convivência humana.

Observamos, com os trechos analisados, que o desvirtuamento


da noção de espaço e tempo doméstico funcionou como um dos
vetores fundamentais para o recrudescimento da perversa realidade
da mulher no desenvolvimento de sua história na sociedade durante o
período da Pandemia por Covid-19 no ano de 2020.

Discursivamente, temos um conjunto de características que se


acumulam nessa constituição identitária de mãe, mulher, esposa, tra-
balhadora, num acúmulo tempestuoso e que é encapsulado no termo

302
guerreira. “Você é uma guerreira” é, pela dimensão ética discursiva,
algo positivo, mas traz o ranço do campo semântico de guerra, de
luta diária, cotidiana. Relatos do que não foi possível fazer como pes-
quisadora, na segunda etapa da pesquisa que será mote de outras
escritas, se reverberaram em “meu marido está reclamando”, “meu
filho caiu, chorou e eu fechei o quarto porque estava dando aula”. O
recrudescimento do espaço parece promover para a identidade da
mulher o sentimento de culpa e esse sentimento traz a angústia e o
adoecimentos que poderemos analisar posteriormente.

REFERÊNCIAS
BAJTIN, M. M. Hacia una filosofía del acto ético: de los borradores y outros
escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M. (VOLOSHINOV). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 11. ed.
São Paulo: Editora Hucitec, 2004.
BAKHTIN, M. O Freudismo: um esboço crítico. Tradução Paulo Bezerra. São
Paulo: Perspectiva, 2007.
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed, 2001.
BRASIL, Boletim Observatório Covid-19, 2021. Disponível em: https://
SUMÁRIO agencia.fiocruz.br/sites/agencia.fiocruz.br/files/u34/boletim_
extraordinario_2021-marco-16-red-red-red.pdf. Acesso em 05 abril 2021.
D’INCAO, M. Mulher e família burguesa. In: PRIORE, M. e PINSKY (org.).
História das mulheres no Brasil. p.223-240, 10. ed. São Paulo: Contexto, 2013.
FABRÍCIO, B. F. Linguística Aplicada como espaço de desaprendizagem:
redescrições em curso. In: Moita Lopes, L. P. (org.) et al. Por uma Linguística
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FALCI, M. K. Mulheres do Sertão Nordestino. In: D’INCAO, M.; PRIORE, M.
(org.). Mulher e família burguesa. História das mulheres no Brasil. p.241- 277,
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FREITAS, M. T.; SOUZA, S. J. e; KRAMER. A. Ciências Humanas e Pesquisa:
leitura de Mikhail. São Paulo, Cortez, 2003.

303
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu
da Silva, Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006a.
HALL, S. Da diáspora: Identidade e mediações culturais. Tradução Adelaine
La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006b.
MOITA LOPES, L. P. Discurso como ação: construindo a identidade social de
sexualidade. In: MOITA LOPES, L. P. Identidades fragmentadas: a construção
discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. Campinas:
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MOITA LOPES, L. P. Socioconstrucionismo: discurso e identidades sociais In:
MOITA LOPES, L. P. (org). Discursos de identidades: discurso como espaço
de construção de gênero, sexualidade, raça, idade e profissão na escola e na
família. Campinas: Mercado de Letras, 2003.
MOITA LOPES, L. P. Uma linguística aplicada mestiça e ideológica:
interrogando o campo como linguista aplicado. In: MOITA LOPES, L. P. (org.).
Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
MOREIRA Jr. R. e SOUTO MAIOR, R. de C. As relações dialógicas e os
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amante. v. 15. n.4 Revista Bakhtiniana, 2020.
RAGO, M. Trabalho feminino e sexualidade. In: PRIORE, M. Del (org.). História
das mulheres no Brasil, p.578-606,10. ed. São Paulo: Contexto, 2013.
SOUTO MAIOR, Rita de Cássia. As constituições de ethos e os discursos
envolventes no ensino de língua portuguesa em contexto de pesquisa-ação.
2009. Tese (Doutorado em Linguística), Faculdade de Letras, Universidade
Federal de Alagoas, Maceió.
SUMÁRIO SOUTO MAIOR, R. de C. Pensamento Bakhtiniano nos estudos da linguagem:
a ação do pesquisador como ato responsável. Polifonia, p. 20-53. 2013.
SOUTO MAIOR, R. de C. e LUZ, L. S. F. Identidades docentes e a ética
discursiva nas interações sugeridas nas consígnias de abertura no contexto da
educação a distância. Calidoscópio. Cap. 17, p. 395-413, maio-agosto, 2019.
SOUTO MAIOR, R. de C. Identidade e ação leitora na educação de jovens e
adultos: o ethos especular da resistência e a interdição da compreensão. In:
FREITAS, A.; FREITAS, M.; RIBEIRO, N. (org.). Leitura: história e provocações
sob múltiplos olhares. p. 103-126. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2020.
VOLOCHÍNOV, V. O que é Linguagem In: A construção da enunciação e
outros ensaios. Tradução e notas João Wanderley Geraldi. São Carlos, SP:
Pedro & João Editores, 2013.

304
SOBRE O ORGANIZADOR

Narcus Vinícius Freitas Mussi


possui Doutorado em Linguística (UFPB), Mestrado Insterdisciplinar em Lin-
guística Aplicada (UFRJ), Graduação em Letras Português/Literaturas (UNEB),
Graduação em Português/Inglês (UVA-RJ). Pesquisador líder do grupo GEPE-
LA/UFCG. Integrante do GT Linguística Aplicada/Abralin. Atualmente, lotado
no Centro de Formação de Professores (CFP) - UFCG como Professor Ad-
junto e com Pós-doutoramento em Linguística (UFC/UECE) em andamento.
Tem interesse em pesquisas sobre políticas linguísticas, espistemologias na
área de Linguística Aplicada e formação de professores. E-mail para contato:
marcusmuss@gmail.com.

SOBRE OS AUTORES
E AS AUTORAS

Amanda Pereira de Albuquerque


é graduanda em Letras - Língua Inglesa pela Universidade Federal de Campina
Grande, UFCG. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Especializadas em
Linguística Aplicada (GEPELA) desde 2020. Email: amandalet.ing@gmail.com.
SUMÁRIO
Antonia Dilamar Araújo
é doutora em Letras (Língua Inglesa) pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) e pós-doutora em Educação pela Universidade da Califórnia,
Santa Bárbara (UCSB). Atua como professora Titular em Linguística Aplicada
da Universidade Estadual do Ceará. Tem experiência na área de Linguística
Aplicada com ênfase no ensino de língua inglesa, escrita acadêmica e gêneros
textuais. Coordena a equipe editorial da Revista Linguagem em Foco do
Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada/UECE. Seus interesses
de pesquisa são principalmente: ensino de línguas estrangeiras, análise de
gênero textuais/discursivos, avaliação de materiais didáticos impressos e
online e semiótica social e multimodalidade. Email: dilamar.araujo@uece.br.

305
Dra. Cristina Felipeto
é professora associada do Curso de Letras Português da Universidade Federal
de Alagoas desde 2010 e do Programa de Pós-Graduação em Linguística e
Literatura, onde atua na Linha “Linguística aplicada e processos textual-
enunciativos”. É também integrante do Grupo de Pesquisa (CNPq) LAME –
Laboratório do Manuscrito Escolar e tem desenvolvido e orientado pesquisas
em torno de temas envolvendo a escrita colaborativa por díades no ambiente
escolar (1º e 2º ciclos do ensino fundamental), tais como erros, rasuras,
pausas, etc. Realizou seu doutorado “sandwich” (2003) na Université de Paris
III (Sorbonne-Nouvelle) sob a supervisão de Jacqueline Authier-Revuz e pós-
doutoramento (2009) no Item – Institut des textes et manuscrits moderns sob a
supervisão de Almuth Grésillon. Sua pesquisa abrange as áreas da Linguística
enunciativa, Genética Textual e Psicologia Cognitiva. https://orcid.org/0000-
0003-3729-0796. E-mail para contato: cristinafelipeto@fale.ufal.br.

Eduardo Calil
é doutor em Psicolinguística e Professor Titular do Centro de Educação da
Universidade Federal de Alagoas. Dirige o Laboratório do Manuscrito Escolar
(LAME) e é pesquisador do CNPq, coordenador do Grupo de Pesquisa Ensino,
Texto & Criação (ET&C). Seus interesses científicos situam-se em torno da
alfabetização, da metodologia de ensino de língua escrita e dos processos
de escritura colaborativa. Dentre suas publicações destacam-se os livros:
Escutar o invisível: escritura & poesia na sala de aula (UNESP/FUNART) e
L’école, l’écriture et la création: Études franco-brésiliennes (L’Harmattan-
Academia). Concebeu o Sistema Ramos, método que permite o registro de
processos de produção textual em tempo real na sala de aula. Em parceria
com pesquisadores franceses, portugueses e ingleses, tem aprofundado
questões relativas à criatividade e às atividades metalinguísticas de alunos
SUMÁRIO
recém-alfabetizados. Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação
em Educação e Programa de Pós-Graduação em Linguística e Literatura,
Laboratório do Manuscrito Escolar – LAME, Maceió, Alagoas, Brasil; CNPq
Proc. 304050/2015-6, FAPEAL, Proc. 60030 479/2016; https://orcid.org/0000-
0002-8696-3697. E-mail: calil@cedu.ufal.br.

Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin


é formada em Letras. Doutora e Mestre em Educação. Estágio Pós-doutoral
em Linguística Aplicada na Université Sorbonne Nouvelle Paris 3 e na Univer-
sité de Genève. Foi professora visitante na Université Bordeaux Montaigne
(França). Professora da Universidade Federal do Ceará. Atua no Programa de
Pós-graduação em Linguística, na Linha Linguística Aplicada, e no Mestrado
Profissional em Letras. Foi representante da região Nordeste no Conselho

306
gestor do Profletras. É líder do GEPLA. Pesquisa o Ensino e Aprendizagem,
Formação de professores de línguas e Letramento professoral. Deu asses-
soria para a SEDUC/CE para a construção de materiais didáticos e produção
do Documento Curricular Referencial do Ceará e formação de professores.
É membro da Direção da AILP e da ANPOLL (GT Ensino e aprendizagem na
perspectiva da Linguística Aplicada). Tem livros e artigos publicados na área
de atuação. E-mail: eulalia@ufc.br.

Fábio Alexandre Silva Bezerra


é Doutor em Língua Inglesa e Linguística Aplicada pela Universidade Federal
de Santa Catarina e PhD em Linguística pela University of Sydney. Professor
Associado do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas e do Programa
de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba, onde
colidera o GEPLAM – Grupo de Estudos e Pesquisa em Linguística Sistêmico-
Funcional, Análise Crítica do Discurso e Multimodalidade/Multiletramentos
(UFPB/CNPq). Orientando e fundamentando suas publicações em periódicos
e livros nacionais e internacionais, destacam-se os estudos identitários em
perspectiva transviada e interseccional, os estudos descoloniais, a análise
crítica do discurso multimodal, os multiletramentos e a formação docente.
E-mail: fabes10@yahoo.com.br.

Fábio Marques de Souza


é professor no Departamento de Letras e Artes e no Programa de Pós-Gra-
duação em Formação de Professores da Universidade Estadual da Paraí-
ba (UEPB). Colaborador no Programa de Pós-graduação em Linguagem e
Ensino (UFCG). Estágio de pós-doutorado em Educação Contemporânea
(UFPE) e Doutorado em Educação (USP). Líder do TECLIN e do Círculo de
Bakhtin em Diálogo (DGP - CNPq - UEPB). Contato: fabiohispanista@gmail.
SUMÁRIO com, www.fabiomsouza.com.

Fatiha Dechicha Parahyba


é professora da Universidade Federal de Pernambuco- Departamento de
Letras (Licenciatura em Língua Inglesa). Professora no Mestrado Profissional
em Letras-Profletras da UFPE. Doutorado em Linguística pela UFPB e Pós-
doutorado na UFC. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguística
Aplicada-GEPLA e do Grupo HISTEL. E-mail: fatihadpb@gmail.com.

Júlio Neves Pereira


é professor Associado da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor
Permanente no Programas Língua e Cultura – PPGLINC da UFBA, atuando nas

307
linhas de Pesquisa: Linguística Aplicada e Linguagem, Cognição e Discurso
e no também professor permanente no Programa de Mestrado Profissional
em Letras - PROFLETRAS, atuando na linha Estudos da Linguagem e
Práticas Sociais. Desenvolve pesquisas e extensão no âmbito da Linguística
Aplicada em interface com a Semiótica Social e Análise Crítica dos Discursos,
centrando os estudos na Pedagogia dos Multiletramentos, especificamente
dos letramentos multimidiáticos críticos e na formação docente. Coordena
o Projeto de pesquisa Linguagem multimidiática na contemporaneidade:
perspectivas teórico-metodológicas para sua didatização em escolas públicas
periféricas. E-mail: junepe@gmail.com.

Marcia Paraquett
tem Graduação (1970) e Mestrado (1977) pela Universidade Federal Flumi-
nense; Doutorado em Língua Espanhola, Literatura Espanhola e Hispano-A-
mericana pela Universidade de São Paulo (1997) e Pós-doutorado em Lin-
guística Aplicada pela Universidade de Campinas (2002), pela Universidade
de Santiago do Chile (2015) e pela Universidade de Murcia/Espanha (2015).
Professora aposentada da Universidade Federal Fluminense, é atualmente
professora associada da Universidade Federal da Bahia. Publicou três livros, e
organizou uma revista e quatro livros, além de ter diversos artigos publicados
em coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Bolsista de Produtividade
em Pesquisa do CNPq (PQ-2) e líder do Grupo de Pesquisa PROELE: forma-
ção de professores e espanhol em contexto latino-americano (CNPq). E-mail:
marciaparaquett@gmail.com.

Marcus Vinícius Freitas Mussi


possui Doutorado em Linguística (UFPB), Mestrado Insterdisciplinar em Lin-
guística Aplicada (UFRJ), Graduação em Letras Português/Literaturas (UNEB),
SUMÁRIO Graduação em Português/Inglês (UVA-RJ). Pesquisador líder do grupo GEPE-
LA/UFCG. Integrante do GT Linguística Aplicada/Abralin. Atualmente, lotado
no Centro de Formação de Professores (CFP) - UFCG como Professor Ad-
junto e com Pós-doutoramento em Linguística (UFC/UECE) em andamento.
Tem interesse em pesquisas sobre políticas linguísticas, espistemologias na
área de Linguística Aplicada e formação de professores. E-mail para contato:
marcusmuss@gmail.com.

Maria Auxiliadora Bezerra


é licenciada em Letras e tem mestrado, doutorado e pós-doutorado em Es-
tudos Românicos com ênfase em Sociolinguística e Dialetologia Românicas.
Atualmente é professora associada 4 da Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG). Atua principalmente na área de Linguística Aplicada, de-

308
senvolvendo trabalhos com os seguintes temas: ensino de língua portugue-
sa – língua materna; leitura, escrita e ensino; análise linguística; avaliação da
aprendizagem e formação do professor de língua portuguesa. Tem publicado
e organizado livros na área de Linguística Aplicada, publicado capítulos de
livros, artigos em periódicos nacionais e internacionais e em anais de eventos
nacionais e internacionais. bezerramauxiliadora@gmail.com.

Maria Bernadete Fernandes de Oliveira


é professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
atualmente vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Lingua-
gem. Graduação em Letras pela Universidade Federal da Paraíba; Mestrado e
Doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo. Foi Coordenadora
do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem - PgEL (2005-
2009). Participa como organizadora dos livros “Leitura, Escrita e Produção de
Textos” e “Linguagem e Práticas Sociais”. Publica regularmente em várias Re-
vistas Científicas e em Livros qualificados. É membro do Conselho Editorial das
Revistas Trabalhos em Linguística Aplicada, Revista Brasileira de Linguística
Aplicada, Revista Língua, Linguística e Literatura, Revisa Bakhtiniana, Estudos
de Psicologia e da coleção Bakhtin o inclassificável (Mercado de Letras). Atua
como professora e orientadora de mestrado e de doutorado junto ao Programa
de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na área de concentração de
Estudos da Linguística Aplicada, interessando-se pelo campo das relações
entre o Discurso e as Práticas Sociais, nas esferas midiáticas e da produção do
conhecimento e ainda pela reflexão sobre os desafios teórico-metodológico-a-
nalíticos relacionados aos estudos das práticas discursivas. É líder do Grupo
de Pesquisa, registrado no CNPq, Práticas Discursivas na Contemporaneida-
de. Email: mariabernadete01@gmail,com.

SUMÁRIO Rickison Cristiano de Araújo Silva


é Doutorando e Mestre em Linguagem e Ensino pela Universidade Federal
de Campina Grande (PPGLE/UFCG). Especialista em Tecnologias Digitais na
Educação e Licenciado em Letras - Espanhol pela Universidade Estadual da
Paraíba (UEPB). É pesquisador nos Grupos de Pesquisa Tecnologias, Culturas
e Linguagens - TECLIN e O Círculo de Bakhtin em Diálogo (DGP - CNPq –
UEPB). Seus interesses de pesquisa giram em torno dos seguintes temas:
formação de professores; ensino-aprendizagem de língua espanhola; ensino-
aprendizagem de línguas mediado por tecnologias digitais; Interculturalidade
e ensino. Contato: rickison_cristiano@hotmail.com.

309
Rita de Cássia Souto Maior
é professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Alagoas
(FALE/UFAL) na Graduação e na Pós-graduação. Doutora e mestra em Lin-
guística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística e Literatura (PPGLL/
UFAL). Atualmente é diretora da Faculdade de Letras/UFAL, coordenadora do
GT Ensino e Aprendizagem na Perspectiva da Linguística Aplicada (EAPLA/
ANPOLL) e secretária da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN). Par-
ticipa e é uma das líderes do Grupo de Estudos Discurso, Ensino e Aprendiza-
gem de Línguas e Literatura (GEDEALL/UFAL) e integra, como participante, o
Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguística Aplicada (GEPLA/UFC). Pesqui-
sa os seguintes temas: Práticas identitárias; Ethos e Argumentação; Estudos
dialógicos bakhtinianos; Ensino e Aprendizagem em Língua Materna, Língua
Portuguesa como língua estrangeira e Língua Brasileira de Sinais. E-mail: rita.
soutomaior@fale.ufal.br.

Rita Maria Diniz Zozzoli


é Doutora em Linguística e Ensino do Francês pela Université de Franche
Comté Besançon. Efetuou pós-doutorados no Programa de Pós-graduação
em Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas (PPGLA/
UNICAMP) e na Universidade de Paris III/Sorbonne Nouvelle. Professora do
Programa de Pós-graduação em Linguística e Literatura da Universidade
Federal de Alagoas (PPGLL/UFAL). Líder, desde 1995, do Grupo de Estudo
Discurso, Ensino e Aprendizagem de Línguas e Literaturas (GEDEALL/CNPq/
UFAL). E-mail: ritazoz@gmail.com.

Socorro Cláudia Tavares de Sousa


possui graduação em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (1988),
SUMÁRIO graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza (1995), mestrado e
doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (2004, 2009).
É professora do Departamento de Linguística e Língua Portuguesa e do
Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da
Paraíba. Tem experiência na área de Linguística, com interesee de pesquisa
na área de Política Linguística. É líder do Núcleo de Estudos em Política e
Educação Linguística (NEPEL). Email: sclaudiats@gmail.com.

Wagner Silva de Andrade


É graduando em Letras - Língua Inglesa pela Universidade Federal de Campina
Grande. Cajazeiras - PB. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
Especializadas em Linguística Aplicada (GEPELA) desde 2020 E-mail: cz.pb.
wagner@gmail.com.

310
ÍNDICE REMISSIVO

A design 29, 60, 92, 93, 175, 176, 277


analfabetismo 16, 157, 164, 166 discurso 23, 26, 29, 47, 48, 49, 53, 91, 99,
aprendiz 122, 131, 139, 140, 160, 167, 100, 103, 104, 106, 108, 119, 121, 122,
171, 173 132, 133, 134, 148, 153, 170, 196, 202,
aprendizagem 10, 14, 15, 16, 22, 23, 29, 207, 210, 211, 214, 216, 225, 226, 238,
30, 35, 39, 41, 42, 43, 47, 48, 57, 66, 71, 264, 270, 271, 273, 276, 277, 284, 287,
76, 78, 81, 83, 84, 85, 86, 93, 97, 98, 102, 289, 292, 297, 298, 301, 304, 307
104, 105, 106, 107, 109, 111, 112, 113, diversidade 30, 48, 49, 55, 79, 80, 86, 88,
114, 115, 117, 118, 121, 123, 128, 132, 91, 119, 157, 158, 159, 162, 196, 198, 199,
133, 134, 136, 137, 138, 139, 140, 142, 207, 210, 223, 259, 270, 279
145, 147, 149, 151, 152, 153, 154, 155, E
157, 158, 159, 160, 161, 162, 164, 167,
EaD 103
168, 169, 170, 173, 174, 177, 178, 183,
educação 12, 14, 17, 29, 81, 82, 93, 143,
185, 202, 203, 209, 217, 218, 243, 250,
147, 148, 158, 162, 174, 184, 198, 203,
253, 255, 264, 268, 273, 283, 307, 309
204, 206, 212, 215, 233, 258, 259, 262,
aprendizagem colaborativa 140, 153, 154,
266, 271, 272, 274, 279, 304
155
ensino 9, 10, 14, 15, 16, 22, 23, 27, 28,
ativismo dialógico 38, 39
29, 30, 31, 35, 39, 42, 43, 46, 47, 48, 49,
B 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 61, 62, 63,
branquitude 79 65, 66, 68, 70, 71, 72, 74, 77, 78, 80, 82,
83, 84, 86, 90, 92, 93, 97, 98, 99, 102, 103,
C 104, 105, 106, 107, 108, 109, 111, 112,
colonialismo 41 113, 114, 115, 117, 118, 120, 121, 122,
SUMÁRIO comunicação 55, 58, 82, 84, 92, 101, 124, 123, 128, 129, 130, 132, 133, 134, 136,
146, 162, 163, 168, 169, 170, 213 137, 138, 140, 142, 144, 145, 147, 149,
CONELA 12, 13, 14, 19, 21, 35, 77, 81, 83, 151, 152, 153, 154, 155, 157, 158, 160,
97, 221, 259, 276 161, 162, 168, 170, 174, 177, 178, 183,
conflitos 58, 120, 122, 158, 266, 290 184, 191, 196, 202, 203, 204, 206, 209,
Covid-19 12, 77, 184, 285, 290, 302, 303 212, 213, 214, 217, 219, 228, 264, 266,
cultural 43, 55, 59, 92, 100, 147, 151, 159, 267, 268, 273, 274, 283, 298, 304, 305,
160, 162, 209, 222, 265, 269, 271, 278, 306, 309
279, 283, 290, 292, 304 ensino-aprendizagem 10, 16, 57, 78, 84,
86, 136, 137, 138, 140, 142, 147, 151, 154,
D
155, 158, 161, 168, 202, 217, 264, 268,
decoloniais 24 273, 309
democratização 158 espaço multilíngue 41

311
F 107, 108, 109, 112, 114, 115, 117, 118,
fake news 79 121, 122, 133, 157, 160, 162, 163, 165,
166, 168, 170, 174, 178, 179, 180, 181,
G 182, 190, 194, 196, 197, 204, 207, 208,
gênero 15, 31, 33, 48, 52, 53, 54, 56, 57, 210, 215, 218, 223, 224, 230, 232, 234,
66, 71, 72, 74, 86, 117, 119, 121, 122, 123, 237, 255, 268, 269, 277, 282, 283, 284,
124, 129, 132, 133, 225, 258, 259, 262, 285, 286, 287, 288, 289, 298, 299, 304
265, 270, 271, 279, 290, 300, 304, 305 língua materna 15, 30, 48, 52, 53, 54, 61,
geografia 41, 238 71, 74, 76, 78, 80, 85, 105, 108, 109, 128,
139, 140, 213, 228, 309
H
línguas 9, 10, 11, 15, 16, 19, 22, 23, 29,
heterodiscursiva 38 30, 31, 41, 42, 43, 44, 48, 49, 52, 54, 56,
hipertextos 103 57, 72, 75, 77, 78, 80, 81, 82, 83, 84, 85,
humanos 24, 31, 196, 260 86, 90, 97, 99, 102, 103, 104, 105, 113,
I 114, 115, 128, 133, 134, 136, 137, 138,
139, 140, 141, 142, 143, 145, 148, 150,
identidade 29, 39, 55, 83, 115, 159, 160,
151, 152, 153, 154, 155, 177, 178, 179,
180, 215, 216, 222, 233, 235, 263, 272,
184, 185, 188, 190, 197, 198, 203, 204,
278, 290, 298, 299, 300, 303, 304
216, 218, 219, 224, 228, 257, 258, 262,
interagir 140, 145, 149, 160, 167, 184,
266, 283, 305, 307, 309
263, 269
linguista 39, 90, 178, 262, 267, 304
interativo 58, 60
Linguística Aplicada 9, 10, 12, 13, 14, 15,
L 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29, 32, 33, 34,
LA 13, 14, 15, 16, 17, 21, 22, 23, 24, 25, 35, 42, 44, 45, 46, 47, 50, 52, 53, 54, 73,
27, 28, 29, 30, 31, 32, 35, 36, 38, 39, 40, 74, 75, 76, 77, 78, 80, 86, 91, 92, 93, 94,
41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 52, 53, 97, 98, 99, 101, 102, 103, 106, 110, 111,
54, 56, 57, 61, 63, 71, 72, 76, 77, 78, 79, 112, 113, 115, 137, 191, 201, 205, 207,
80, 82, 83, 85, 87, 88, 89, 90, 91, 97, 98, 219, 221, 222, 257, 258, 259, 260, 261,
SUMÁRIO 99, 101, 102, 107, 108, 109, 111, 113, 114, 262, 263, 265, 266, 270, 271, 274, 275,
207, 212, 221, 222, 234, 271, 275, 281 276, 281, 283, 284, 303, 305, 306, 307,
letramento 54, 55, 63, 65, 66, 68, 106, 119, 308, 309, 310
120, 121, 131, 135, 157, 158, 164, 166, literatura 49, 50, 78, 95, 109, 204, 207
167, 168, 169, 170, 174, 175 M
língua estrangeira 27, 28, 41, 54, 82, 99,
metáfora 41
114, 128, 132, 137, 140, 152, 154, 165,
metodologia 26, 32, 81, 88, 89, 128, 161,
202, 203, 206, 209, 213, 214, 217, 228,
170, 242, 306
258, 310
mídia 25, 26, 29, 47, 49, 78, 176, 215
linguagem 16, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27,
multiletramentos 54, 55, 59, 71, 84, 93, 99,
28, 29, 43, 52, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60,
157, 268, 269, 271, 277, 279, 307
61, 71, 72, 76, 77, 78, 79, 83, 84, 85, 87,
multimodalidade 54, 55, 63, 65, 103, 176,
88, 90, 91, 93, 100, 102, 103, 104, 105,
271, 279, 305

312
P sociedade 22, 23, 26, 29, 31, 32, 36, 39,
pandemia 12, 45, 77, 79, 107, 114, 129, 52, 54, 55, 58, 76, 80, 84, 90, 104, 157,
147, 184, 271, 276, 285, 290, 295 159, 222, 260, 264, 265, 266, 268, 269,
Pedagogia 16, 32, 40, 86, 92, 98, 110, 112, 271, 272, 274, 275, 282, 285, 290, 291,
157, 160, 162, 169, 277, 279, 308 292, 295, 296, 297, 302
PHPB 105 sociologia 24, 234
pós-verdade 25, 162 sociossemiótica 16, 157, 170
práticas sociais 18, 26, 39, 55, 79, 85, 87, T
160, 162, 165, 207, 222, 262, 281, 283,
tecnologia 55, 58, 66, 74, 79, 84, 103, 145,
288, 298, 302
155, 161, 164, 166, 182
práticas sociais hegemônicas 26
tecnologia digital 58, 66, 79, 164
processos interacionais 24
textos multimidiáticos 16, 157, 165, 167
Q
V
queer 79, 84, 258, 271, 277, 278
vida social 24, 26, 32, 39, 80, 269, 281,
S 289
semiótica 24, 60, 84, 112, 162, 169, 173,
176, 305

SUMÁRIO

313
SUMÁRIO

314

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