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Memorial do Legislativo
Organizadores
Alcides Cruz:
perfil parlamentar
Projeto MEMÓRIA DO
PARLAMENTO
Porto Alegre
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul
2017
54ª LEGISLATURA
Presidente
Edegar Pretto – PT
1ª Vice-Presidente 2º Vice-Presidente
Liziane Bayer - PSB Frederico Antunes - PP
1ª Secretária 2º Secretário
Juliana Brizola - PDT Juvir Costella - PMDB
3º Secretário 4º Secretário
Maurício Dziedricki - PTB Adilson Troca - PSDB
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
CDU 32(816.5)
Bibliotecária Responsável: Débora Dornsbach Soares CRB-10/1700
Classificação CDU – edição-padrão internacional em língua portuguesa
Referência:
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RS; ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO RS
Memorial do Legislativo. (orgs.). Alcides Cruz: perfil parlamentar. Porto Alegre: Assembleia
Legislativa do Rio Grande do Sul, 2017. 397 p. (Série Perfis Parlamentares, n.14). ISBN 978-85-
66054-37-8. Disponível em: <www.al.rs.gov.br/biblioteca>.
Boa leitura!
.
A história dos homens descomunais
deve começar a escrever-se à lâmpada
do seu túmulo.
À luz da vida tudo são miragens
nas ações dos heróis e estrabismos na
contemplação dos panegiristas.
É tempo de bosquejar o perfil deste
homem esquecido, e quem quiser que
o tire a vulto em mármore mais
persistente.
CONCLUSÃO................................................................................................................180
REFERÊNCIAS .............................................................................................................180
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origens e a vasta erudição que se apreende de seus escritos propiciam ao leitor valiosa
percepção de sua complexidade.
O artigo de Gustavo Castagna Machado, “Um breve estudo do pensamento
jurídico-político de Alcides Cruz (1867-1916) a partir de decisão do Supremo Tribunal
Federal em um habeas corpus do Caso do Rio”, analisa e compreende o pensamento de
Cruz, articulando cultura jurídica, produção doutrinária, prática jurisprudencial e a regra
do jogo do esquema da Política dos Governadores, vigente no Brasil da República Velha.
O autor ambienta Alcides Cruz na história do Direito, buscando articular seu discurso
jurídico com as ciências humanas e sociais. Entende que, para compreender como
pensava e elaborava suas teses, é importante conhecer sua formação como jurista, para o
que faz revisão temporal aprofundada; a partir daí aborda os meios de circulação do
Direito e das ideias jurídicas e o modelo dos juristas brasileiros até percebê-lo como um
propugnador da defesa doutrinária e intelectual do Pinheirismo, vertente republicana da
qual era adepto.
Seguindo, no texto “A Questão das Águas do Ribeiro”, João Batista Santafé
Aguiar, versa sobre a atuação de Alcides Cruz como advogado em uma de suas ações
mais complexas, pelos desdobramentos políticos e sociais que dela decorreram e pela
publicidade que mereceu. Basta ver que Borges de Medeiros era uma das partes.
Advogado foi Alcides Cruz na mais lata acepção do termo, com uma militância
profissional intensa, competente e profícua. A causa trabalhada por Aguiar é um dos
primeiros conflitos sobre uso de águas levado aos tribunais no Rio Grande do Sul, num
momento em que a cultura do arroz dava seus primeiros passos. No mais, a importância
da “Questão das Águas do Ribeiro” integrar a obra também reside no fato de que foi no
âmbito desse enfrentamento judicial que Alcides sofreu, por parte do ex adversus advogado
Diogo Velho, a injúria racial repelida com o artigo “Troco Miúdo” publicado em A
Federação de Porto Alegre, em 9 de julho de 1913.
Wagner Silveira Feloniuk em “O pensamento político de Alcides Cruz: conceitos,
separação de poderes, atuação estatal” investiga as ideias do deputado Alcides Cruz a
partir de sua produção doutrinária, discursos e posicionamentos na imprensa, analisa seu
pensamento para mostrar as estruturas e opiniões sobre a política e a organização do
estado. Busca sua compreensão da filosofia e da história, seus conceitos políticos
fundamentais, como democracia, liberdade, soberania, federação, república, sua opinião
sobre a separação de poderes e, por fim, como defendia a atuação estatal perante
problemas concretos. A partir deste trabalho, é possível verificar sua proximidade com
autores como Augusto Comte e Herbert Spencer na filosofia e história, uma afiliação ao
constitucionalismo norte-americano na construção de conceitos políticos e uma atuação
estatal que se aproximava do pensamento positivista do Partido Republicano Rio-
Grandense, ao qual pertencia.
A inserção intelectual de Alcides Cruz é apresentada em “Alcides Cruz: o
intelectual e suas ideias no final do século XIX”, de Jefferson Teles Martins. Desde o
ponto de vista de Alcides, em relação a outros homens de letras de seu tempo e através
de artigos seus que versaram sobre crítica literária, Jefferson Martins evidencia o
entendimento de Cruz sobre o universo intelectual do período. Alcides Cruz, consciente
do lugar de sua fala, o fazia de modo destacado e erudito, demonstrando extenso
conhecimento literário, conhecimento este que se estendia à produção nacional e
internacional, e articulando-se com o sistema intelectual e político de seu tempo.
17
1 Em 2017, O IHGRGS publicou dois e-books que reuniram tematicamente parte da produção de Alcides
Cruz: a) Mestiço, Mulato ou Negro. Compreende dois artigos (de 1903 e 1913) referentes às respostas à
intolerância racial impingida nas páginas do jornal. Disponível em:
<http://www.ihgrgs.org.br/ebooks/Ebook%20-%20ALCIDES%20CRUZ%20-%20Mestico,%
20mulato%20ou%20negro.pdf>. b) Notas de Leituras e Outros Escritos. Caracterizado pelos artigos e crônicas
de Alcides que versam sobre história, crítica literária e de arte, além de outros temas de sua vivência,
incluindo a “entrevista” de 1915, em Florianópolis, após o naufrágio do navio que o conduzia ao Rio de
Janeiro. Disponível em: <http://www.ihgrgs.org.br/ebooks/Ebook%20-%20ALCIDES%20CRUZ%20-
%20Notas%20de%20leituras%20e%20outros%20escritos.pdf>.
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tivemos o cuidado em manter todo o conjunto sob o título atribuído pelo autor. Tal
critério se justifica pela possibilidade da leitura completa da exposição de Alcides Cruz
sobre determinada ideia.
Para compreender plural figura, destacam-se dois textos inseridos neste conjunto,
datados de 1912:
- Sentença da Decisão Arbitral sobre a questão de limites entre os municípios de
Santo Antônio da Patrulha e Conceição do Arroio (atual Osório), na qual Alcides Cruz
atuou como Juiz Arbitral. Junto, agregou-se a notícia da viagem que fez a Santo Antônio,
às voltas da sentença, visitando as localidades em litígio.
- “Dr. Graciano Alves de Azambuja”, no qual Alcides Cruz traça um perfil quase
psicológico do extinto amigo que, tangencialmente, declina a uma autorreflexão.
Além destes textos, chama-se a atenção para uma notícia de 1898, da Gazeta da
Tarde, do Rio de Janeiro. De repercussão nacional, trata-se de uma das primeiras
manifestações conhecidas em sua atuação parlamentar.
DISCURSOS PARLAMENTARES. Os discursos também seguem uma ordem
cronológica. Por ser necessária a realização de alguns recortes nos discursos, foi utilizada
a convenção: [...].
Importa salientar que houve ocasiões em que os discursos não foram totalmente
captados pelo estenógrafo, ocasionando lapsos que conseguimos resgatar através de
publicações no jornal A Federação. Foi o caso do discurso sobre a Magistratura
(16/11/1909), em que Alcides Cruz o publica resumidamente, pois o estenógrafo
“deixou de apanhar grande parte”. Outro momento foram as manifestações da 10ª
Sessão, ocorrida em outubro de 1910: devido à ausência completa do discurso nos Anais
da Assembleia, utilizamo-nos do que foi publicado em A Federação.
Ressalta-se que, junto à divulgação da "Moção Alcides Cruz” (10 e 14 de outubro
de 1910), referente à República portuguesa, cuja repercussão chegou ao Congresso
Nacional, acompanha um breve texto da Prof. Dra. Ana Silvia Volpi Scott que se propõe
a situar o leitor a respeito das circunstâncias históricas portuguesas da época.
O conjunto nomeado “Discursos Parlamentares” se encerra com dois
necrológios: um, de autoria de seu amigo Andrade Neves Neto e o outro, publicado no
jornal A Federação e lido em Sessão da Assembleia em sua homenagem.
O Perfil Parlamentar de Alcides de Freitas Cruz oportuniza a exploração
multidirecionada deste vulto do passado e propicia material que contribui à análise do
político, advogado, professor, historiador e jornalista.
Parte 1
Cronologia Histórica
e
Sinopse Bibliográfica
1867
Nasce em Porto Alegre, a 14 de maio, o quarto filho de Manoel Pinto Lacerda
da Cruz, natural de Pernambuco, e de Adelaide Leopoldina de Freitas, natural
deste Estado.
Leopoldino Joaquim de Freitas, irmão de Adelaide, é nomeado para o cargo de
Inspetor da Tesouraria da Fazenda Provincial a 31 de julho.
1868
Falece a 18 de agosto, de consumpção, Manoel Pinto Lacerda da Cruz, pai de
Alcides Cruz.
1874
O tio materno de Alcides, Leopoldino Joaquim de Freitas, é agraciado a 02 de
dezembro com a Comenda da Rosa.
1878
Leopoldino Joaquim de Freitas é nomeado diretor-geral da Tomada de Contas
do Tesouro Nacional a 21 de julho, mudando-se para o Rio de Janeiro, onde, a
11 de agosto, recebe o título de Conselheiro.
1879
No Rio de Janeiro, Leopoldino Joaquim de Freitas é, também, membro do
Tribunal do Tesouro Nacional ao lado do ministro da Fazenda e dos demais
membros conselheiros, doutor Joaquim Antão, Rafael Arcanjo Galvão e doutor
João Cardoso de Menezes e Souza.
1881
Alcides Cruz é matriculado no Colégio Souza Lobo (situado na rua Gen. Silva
Tavares nº 198, atual Mal. Floriano), dirigido pelo engenheiro geógrafo José
Teodoro de Souza Lobo. Nesse ano é aprovado nos preparatórios de português
(aluno de Souza Lobo) e de inglês (aluno de Frederico Fitzgerald). Na época,
nessa escola lecionavam, também, o padre mestre Vicente Wolfenbüttel (latim,
21
1884
A 18 de julho, Alcides presta exames preparatórios em retórica e é aprovado.
Falece sua avó materna Estefânia Maria da Assunção, a 11 de agosto, com 90
anos de idade.
1885
Participa, a 20 de setembro, da fundação do Club Literário Democrático Vinte de
Setembro, cujos membros declaram que aceitam e assinam o Manifesto
Republicano de 1871; Alcides é designado membro da comissão da organização
dos Estatutos.
A 1º de outubro é eleito 2º secretário do Club Literário Democrático Vinte de Setembro
e membro da comissão de redação, da qual fazem parte Luiz Americano,
Apolinário Porto Alegre, Felicíssimo de Azevedo, João Maia e Christiano Reis.
Leopoldo de Freitas Cruz, irmão mais velho de Alcides, deixa a Escola Militar de
Porto Alegre e segue para o Rio de Janeiro, a fim de concluir os estudos na Escola
Militar daquela cidade.
Alcides recebe a carta de agrimensor na Escola Militar de Porto Alegre.
1886
No dia 14 de julho é distribuído o segundo número da revista mensal Luta, cujo
artigo de honra foi consagrado à data de 14 de julho, e Alcides Cruz participa
com o artigo Bibliographia.
Colabora, a partir desse ano até 1893, com os periódicos O Atleta e O
Contemporaneo, publicando contos e novelas.
1887
Leopoldo Cruz ingressa na Faculdade de Direito de São Paulo.
1888
Às 8 horas da noite de 23 de abril, o Clube Republicano de Porto Alegre realiza,
no salão da Soirèe, sessão solene comemorativa do 96º aniversário da morte de
Tiradentes, presidida por Luiz Leseigneur, presidente da União Republicana.
Alcides Cruz ocupa a tribuna antes de Ernesto Alves, orador oficial do Clube.
22
1889
Empregado da Estrada de Ferro Porto Alegre-Uruguaiana, como amanuense, na
seção de Contabilidade.
Falece em Porto Alegre, no dia 07 de junho, o conselheiro Leopoldino Joaquim
de Freitas, tio de Alcides Cruz. Adelaide, irmã e herdeira do conselheiro, doa à
Biblioteca Pública de Porto Alegre mais de duzentas obras literárias e científicas
do extinto irmão, conforme noticiado a 10 de setembro.
Alcides presta os exames preparatórios e é aprovado em latim, a 04 de novembro,
e em física, química e história natural, a 14 de dezembro.
1890
No dia 1º de janeiro a canhoneira de guerra Camocim, no porto de Porto Alegre,
suntuosamente adornada, recebe grande número de convidados para a cerimônia
do levantamento da bandeira. Às 11h30, o comandante da canhoneira profere
alocução alusiva ao momento. Em seguida, foi servida profusa mesa de doces e
licores, onde levantam brindes Damasceno Vieira, Tito Villalobos, Octacilio de
Oliveira, Alcides Cruz, Benjamin Flores e o comandante Afonso Vicente de
Carvalho.
Em abril é prorrogada por três meses, com vencimento na forma da lei, a licença
de trinta dias concedida pelo diretor engenheiro-chefe da Estrada de Ferro Porto
Alegre-Uruguaiana, para tratar de sua saúde.
1891
Alcides de Freitas Cruz ingressa na Faculdade de Direito de São Paulo.
Designado mesário da 6ª seção do 1º Distrito para as eleições de 05 de maio, para
o Congresso Constituinte do RS, tendo como presidente da mesa Felisberto B.
Ferreira de Azevedo.
Em agosto, doa 33 volumes de obras literárias para a Biblioteca Pública de Porto
Alegre. A maior parte das obras é de autores franceses como Guy de Maupassant,
23
1892
Em fevereiro, desafeto do “governicho”, Alcides Cruz é removido, como 1º
escriturário da Estrada de Ferro Porto Alegre-Uruguaiana, para o escritório da
linha da referida estrada.
Ao lado de Apolinário Porto Alegre e Benjamin Flores, Alcides Cruz, a partir de
setembro, integra a Comissão de Crítica Literária, na primeira diretoria da nova fase
do Parthenon Literário, presidida por Aurélio de Bittencourt.
Publica-se sua tradução, do francês, do livro O Jogador, de Th. Dostoievsky, pela
Livraria Americana, Pintos & Cia. É a primeira tradução de obra de Dostoievsky
no Brasil.
1893
Por decreto de 25 de maio é nomeado alferes da 2ª Companhia do 7º Batalhão
de Infantaria da Guarda Nacional de Porto Alegre, sob o comando do capitão
Frederico Linck.
Em junho é designado por Pinto da Rocha, presidente do Centro Republicano,
para, juntamente com Plínio Casado e João Maia, saudar Pinheiro Machado e
Fernando Abbot, como heróis do Inhanduí, por seus feitos em prol da República,
contra os federalistas.
Casam-se em São Paulo, a 17 de junho, Dr. Leopoldo de Freitas e Roma Moreira
da Silva.2
2 Desse enlace nasceram quatro filhos: Léa (falecida solteira a 15/07/1936 em São Paulo/SP, única neta
mencionada no testamento da avó Adelaide, de 1909, quando aquela teria 8 anos de idade), Eudoro (casou-
se com Minervina Maluf, em 1932, era capitão), Murillo (falecido em 1938, ex-escrivão da justiça militar
do Estado de SP, casado com Rosa Montemurro) e Boris. Roma Moreira de Freitas faleceu a 14/10/1936
também em São Paulo. Leopoldo casa-se em segundas núpcias com Lina Eudóxia de Castro.
24
1894
Desde o início do ano, Alcides Cruz integra o 7º Batalhão de Infantaria da
Guarda Nacional, aquartelado no Theatro São Pedro, como alferes assistente da
força. Esse batalhão é organizado e comandado pelo tenente-coronel Marcos
Alencastro de Andrade, à disposição do presidente Júlio de Castilhos, para ser
empregado na Revolução Federalista.
Noticia-se a 27 de abril que, no curso da Revolução Federalista, o 7º Batalhão de
Infantaria da Guarda Nacional regressa a Porto Alegre da expedição para guardar
a ponte sobre o rio Jacuí, realizada de 09 a 27 desse mês. Alcides Cruz participa
da expedição como alferes secretário interino. O 7º Batalhão de Infantaria integra
a 2ª Brigada da Divisão de Porto Alegre, comandada pelo coronel Francisco da
Rocha Callado. É comandante da Divisão de Porto Alegre o coronel Thomaz
Thompson Flores.
Neste ano, Leopoldo de Freitas é preso político, ocupando o cubículo 167 da 7ª
galeria da Casa de Correção de São Paulo.
1895
Alcides exonera-se do emprego na Estrada de Ferro Porto Alegre-Uruguaiana.
É publicado o opúsculo, de sua autoria, “A Propósito da Questão das Missões:
Barão do Rio Branco”, por Carlos Echenique, de Porto Alegre.
A 02 de maio é nomeado 1º Oficial da 2ª Diretoria (contencioso) do Tesouro do
Estado, de acordo com a reorganização dada pelo decreto nº 45 desta data; é
diretor do contencioso o doutor Joaquim Antônio Ribeiro e diretor-geral do
Tesouro Francisco Júlio Furtado. Seu vencimento anual é de 4:500$000.
No edital assinado pelo tenente-coronel José Pereira de Barbedo, presidente da
1ª seção Eleitoral do 1º Distrito de Porto Alegre, na relação nominal dos cidadãos
alistados, consta no número de ordem 36 Alcides de Freitas Cruz, 27 anos, filho
de Manuel Pinto Lacerda da Cruz, solteiro, agrimensor, conforme notícia de 21
de junho.
Em 21 de setembro é eleito 1º secretário do Centro Republicano, em chapa em
que figura como presidente Antônio Caminha e como vice-presidente Frederico
Linck.
Regressa de São Paulo a 11 de setembro. Aprovado na Academia de Direito no
segundo ano do curso jurídico.
1896
No dia 24 de fevereiro embarca para São Paulo para prosseguir seu curso na
Academia de Direito.
25
1897
A partir de janeiro (até meados do ano) é redator do jornal Mercantil, Porto Alegre.
Nomeado oficial do Tesouro do Estado.
A 08 de fevereiro publica no Mercantil o artigo “Com a ponta do pé”, uma
resposta à injúria racial impingida por Isidoro Dias Lopes no jornal A República.
Em fevereiro é eleito deputado estadual, em sua primeira disputa eleitoral, para a
terceira legislatura.
A 12 de abril informa aos leitores do Mercantil que se retiraria do Rio Grande do
Sul para tratar da saúde, deixando temporariamente a direção do jornal ao amigo
doutor Andrade Neves Neto. Nos meses seguintes são publicados artigos de
Alcides intitulados “Da Velha Paulicéia”.
Em São Paulo, a 02 de maio, encabeça a manifestação de apoio, de acadêmicos
da Faculdade de Direito de São Paulo, a Ferreira de Araújo, redator-chefe da
Gazeta de Notícias de São Paulo, em prol da obra de José de Alencar, nos
seguintes termos: Acadêmicos, admiradores de José de Alencar felicitam-vos por terdes
concorrido para a perduração de sua obra, Alcides Cruz, Raul Fernandes, Mello
Guimarães e outros.
No mesmo mês de maio, dia 16, ainda em São Paulo, em nome dos acadêmicos
do 5º ano da Faculdade de Direito, discursa saudando o professor Veiga Filho,
nomeado catedrático da cadeira de História do Direito Nacional.
Assume a direção do jornal O Constitucional, em São Paulo, em junho.
Nos meses seguintes, entre outros, publica artigo na Revista do Brazil, de São
Paulo.
Gradua-se a 25 de novembro em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de
Direito de São Paulo.
1898
Ainda em São Paulo, publica diversos trabalhos na Revista do Brazil.
1899
De volta ao Rio Grande do Sul, a 22 de janeiro é noticiada sua viagem para
Encruzilhada do Sul, onde atua como agrimensor e patrocina diversas causas
judiciais.
A partir de fevereiro, estabelece residência em Encruzilhada do Sul.
A 28 de fevereiro é publicado o artigo Nossa Prosa Recente, na Revista do Brazil de
São Paulo.
Nasce a 25 de junho sua única filha, Zoé.
26
1900
Radicado novamente em Porto Alegre, o doutor Alcides Cruz estabelece
escritório de advocacia, com endereço na rua Gen. Câmara nº 35, no qual terá
como colegas os bacharéis Thomaz Malheiros, Albino José Ferreira Coutinho3 e
Joaquim Maurício Cardoso4.
Nomeado professor da Faculdade de Direito de Porto Alegre a 17 de fevereiro.
Ainda em fevereiro, Leopoldo de Freitas é nomeado juiz distrital da sede do
município de Pelotas.
3 Albino José Ferreira Coutinho era bastante próximo à família, tendo sido testamenteiro da mãe de Alcides,
do próprio Alcides e da esposa dele, Severina.
4 Joaquim Maurício Cardoso (1888-1938) diplomou-se em São Paulo em 1908; deputado estadual pelo PRR
nas legislaturas 1913/16, 1925/28, 1929/30. Apoiou a Revolução de 1930, sendo ministro da Justiça até
1932, quando passou para a oposição. Foi deputado à Assembleia Constituinte pela bancada oposicionista
da Frente Única Rio-grandense (1933/34). Exerceu interinamente o governo do Estado de janeiro a março
1938. Morreu em maio de 1938 em um desastre de avião, quando regressava de uma viagem ao Rio de
Janeiro. Era filho do desembargador Melchisedec Mathusalem Cardoso, amigo e colega de docência de
Alcides Cruz na Faculdade de Direito. (FRANCO, Sérgio da Costa. Dicionário Político do Rio Grande
do Sul – 1821-1937. Porto Alegre: Suliani Letra & Vida, 2010, p. 53-54)
27
1901
A 22 de janeiro é proclamado pela Comissão Central do Partido Republicano
candidato a deputado estadual pelo 5º Distrito, nas eleições de 11 de fevereiro,
nas quais é eleito deputado estadual para a quarta legislatura. De acordo com o
Boletim Eleitoral da apuração geral, publicado a 09 de março, Alcides Cruz
somou 6840 votos.
1902
No Annuario do Estado do Rio Grande do Sul, em maio, é publicada a letra da música
Tyranna, trazida do interior do Estado por Alcides Cruz, como informam os
comentários da publicação.
Em julho, assume a direção da revista jurídica Gazeta do Foro, função que exerce
até 1905. Fundada, na ocasião, por ele, juntamente com Antônio Marinho
Loureiro Chaves e Aurélio Veríssimo de Bittencourt Junior, a gazeta, mais tarde,
teria o concurso do antigo magistrado Raimundo Alexandre Pereira.
Torna-se suplente do 2º secretário da Mesa da Assembleia dos Representantes, a
25 de setembro, quando foi eleito como presidente Antônio Soares de Barcellos.
1903
Publica, em A Federação, carta aberta, datada de 11 de janeiro, ao doutor Pinto da
Rocha, que o chamou de Corvo do Príncipe Perfeito, na qual rebate as injúrias raciais
a ele dirigidas.
Tal como no ano anterior, a 06 de outubro, é eleito suplente do 2º secretário da
Mesa da Assembleia dos Representantes, sendo presidente Antônio Soares de
Barcellos.
28
1904
No dia 25 de fevereiro, participa da recepção a Pinheiro Machado, o qual chega
a Porto Alegre, vindo do Rio de Janeiro, no paquete Rio Pardo.
Dr. Alcides Cruz fala sobre o Marquês de Barbacena na série de conferências
históricas iniciada a 08 de junho pelo Grêmio Gaúcho.
Em 14 de julho, do Rio de Janeiro, dirige ao jornal A Federação telegrama de
regozijo pelo aniversário da Carta Constitucional do Estado, assim vazado:
“Grande data desperta saudade inolvidável chefe”.
Em 21 de setembro, licencia-se do cargo de Promotor Público para assumir a
cadeira de deputado estadual e tomar parte nas sessões da Assembleia dos
Representantes. É eleito, na sessão de 04 de outubro, suplente do 2º secretário e,
na de 05 de outubro, membro da Comissão de Constituição e Poderes,
juntamente com os deputados Ildefonso Simões Lopes e Longuinho Saraiva da
Costa.
No dia 06 de dezembro, pelo término do ano legislativo, reassume suas funções
de 2º Promotor Público de Porto Alegre.
1905
A 03 de janeiro, de ordem do presidente, convida, na condição de diretor-
secretário do Clube Júlio de Castilhos, os membros da entidade para as
cerimônias de encomendação e sepultamento de dona Honorina de Castilhos.
Publica, em A Federação de 31 de janeiro, o artigo “O problema jurídico da
satisfação do dano”.
Não integra a nominata de candidatos do PRR para as eleições estaduais de 28
de fevereiro de 1905.
1906
Em janeiro é eleito deputado estadual pelo 4º Distrito, na vaga resultante da
renúncia de Arlindo Corrêa Leite, em 27 de outubro de 1905.
É publicado em junho seu novo livro “Vida de Raphael Pinto Bandeira”, pela
Livraria Americana, Pintos & Cia, de Porto Alegre.
No jornal A Federação de 29 de junho é noticiada a despedida ao “distinto amigo
e colaborador” doutor Alcides Cruz, que seguiria no dia seguinte para São Paulo,
Rio e, depois, Europa. Em seu escritório, deixa o doutor Normélio Rosa5 como
substituto.
5 Graduou-se em 1891 pela Faculdade de Direito de São Paulo. Assim como Alcides Cruz, também foi um
dos fundadores da Faculdade de Direito de Porto Alegre, onde lecionou entre 1900-1940.
29
1907
É publicada, pela Livraria do Commercio, de Porto Alegre, sua obra “Epithome
da Guerra entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata”.
Apresenta em dezembro na Assembleia dos Representantes, juntamente com o
deputado Gonçalves de Almeida, emenda orçamentária para a construção de
estátua do marechal Floriano Peixoto, em uma das praças públicas de Porto
Alegre.
1908
A 05 de março é admitido sócio-correspondente do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo e em agosto, da Sociedade de Geografia do Rio de
Janeiro.
1909
Falece, em Porto Alegre, a 26 de janeiro, na própria residência (rua Fernando
Machado nº 241), Adelaide Leopoldina de Freitas, com 79 anos de idade, mãe de
Leopoldo de Freitas e de Alcides de Freitas Cruz. Alcides foi o inventariante da
mãe, que deixou a casa na rua Fernando Machado e uma meia-água na rua da
30
Concórdia nº 123 (atual José do Patrocínio) para ele e seu irmão, Leopoldo, assim
como legados à neta Léa de Freitas (filha de Leopoldo, residentes em São Paulo).
Em julho, vem a lume a tradução de Alcides Cruz da obra de Thomas Cooley,
“Princípios Gerais de Direito Constitucional dos Estados Unidos da América do
Norte”, editada em Porto Alegre por Carlos Echenique, Livraria Universal.
A 22 de julho, na Faculdade de Direito de Porto Alegre, assina o termo de
compromisso de sua promoção de lente da 3ª seção a lente catedrático da 1ª
cadeira do 1º ano (filosofia do direito).
Participa no dia 07 de setembro do 1º Congresso Brasileiro de Geografia,
realizado no Rio de Janeiro.
Na Assembleia, propõe, a 11 de outubro, seja encaminhada aos representantes
rio-grandenses no Congresso Nacional a moção para a preservação das matas do
Estado.
Ainda em outubro oferece razões de apelação na defesa de Victor de Brito, em
processo criminal, no qual o conhecido médico é acusado pelo promotor João
Neves da Fontoura do delito de revelação de segredo profissional.
Em discurso pronunciado em novembro, aborda a questão do escravo alforriado
norte-americano, Dred Scott, que afirmava o não-reconhecimento dos negros
como homens pelos redatores da Constituição americana.
1910
Em fevereiro é eleito deputado estadual para a sexta legislatura.
Na sessão da Assembleia Legislativa do dia 10 de outubro, foi justificada, com
discurso do deputado Alcides Cruz, a seguinte moção: A Assembleia dos
Representantes do Rio Grande do Sul associa-se cordialmente ao Congresso Nacional na sua
manifestação de apreço à gloriosa Nação Portuguesa pelo estabelecimento do regime republicano
naquela Pátria. A repercussão foi expressiva, chegando ao Congresso Nacional e
tornando-se conhecida por “Moção Alcides Cruz”.
Em nome do Partido Republicano, dia 24 de outubro, Alcides Cruz e o
acadêmico Renato Costa foram os oradores na romaria ao túmulo de Júlio de
Castilhos, liderada pelo presidente Carlos Barbosa.
No dia 27 de outubro, Alcides Cruz, Getúlio Vargas e José Antônio Flores da
Cunha impetraram, perante o Superior Tribunal de Justiça, recurso de habeas
corpus em favor de Mello Guimarães, Amyntas Maciel e outros, acusados de
assassinarem um irmão do coronel João Francisco Pereira de Souza.
Em dezembro, é exposto à venda o livro de Alcides Cruz “Noções de Direito
Administrativo Brasileiro”, editado pela Germano Gundlach, de Porto Alegre.
31
1911
Leopoldo Cruz publica no Almanak Litterario e Estatistico do Rio Grande do Sul
importante trabalho sobre o conselheiro Leopoldino Joaquim de Freitas.
No mês de janeiro, ajuíza no foro de Porto Alegre ação em prol de Antônio
Augusto Borges de Medeiros, Victorino Borges de Medeiros, Manoel Inácio
Evangelista e Luiz Albert Matzenbacher contra os irmãos Porto, conhecida como
a Questão das Águas do Ribeiro. A sentença é prolatada a 21 de maio pelo juiz
Francisco de Souza Ribeiro Dantas, acolhendo as razões de Alcides Cruz.
A 9 de julho morre Graciano de Azambuja e Alcides Cruz assume a direção do
Annuario do Estado do Rio Grande do Sul.
Eleito 1º secretário da Mesa da Assembleia a 22 de setembro, tornando-se
presidente o deputado Barreto Vianna.
No mês de novembro, pelo ministro da Fazenda, Alcides Cruz é nomeado
representante do Patrimônio Nacional nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná
e Santa Catarina, encarregado do levantamento dos bens próprios nacionais, com
o ordenado mensal de oitocentos mil réis.
1912
Viaja a Santo Antônio da Patrulha em 10 de fevereiro, como árbitro da questão
de limites entre os municípios de Santo Antônio da Patrulha e Conceição do
Arroio. Permanece até dia 21.
Em agosto vai ao Rio de Janeiro, sendo noticiado no dia 07 que “a sua viagem é
motivada, principalmente, por incômodo de saúde”; no mês seguinte, segue
viagem ao Rio da Prata.
A 25 de outubro Alcides retorna de Encruzilhada do Sul, onde esteve por
motivos profissionais.
A 07 de dezembro vai para Santo Amaro e depois a Caçapava do Sul, onde
também se encontrava o deputado Walmor Lima. No dia 18 hospeda-se em
Encruzilhada do Sul, em casa do coronel Avelino Borges, chefe do Partido
Republicano local.
1913
Eleito deputado estadual para a sétima legislatura em fevereiro.
Em carta de 11 de fevereiro remetida a Borges de Medeiros, Alcides solicita
intercessão do chefe para colocação de “sua prima” Emiliana Silveira de Freitas,
professora do Colégio Elementar de Encruzilhada do Sul, que se acha em Porto
Alegre para cuidar da mãe, em tratamento médico. Alcides demonstra interesse
particular, justificando ser a mãe de Emiliana a pessoa que ajudou a criá-lo e filha
de um famoso farrapo, compadre de Bento Gonçalves.
32
1914
Em maio sai a lume a segunda edição, corrigida e ampliada, da obra sobre direito
administrativo, com o título “Direito Administrativo Brazileiro”, contendo 264
páginas.
No dia 29 de junho é eleito secretário da Liga Rio-grandense contra a tuberculose
e designado para organizar os estatutos.
Participa, a 07 de setembro, do Primeiro Congresso de História Nacional, no
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, com os ensaios “A Incursão de
Fructuoso Rivera às Missões Brasileiras ou A Campanha de 1828” e “O Antigo
Forte de Santa Tecla”. Após o Congresso, os ensaios são publicados em livro,
pela Livraria do Globo, de Porto Alegre, sob o título “I - A incursão de Frutuoso
Rivera às Missões Brasileiras ou A Campanha de 1828. II - O Antigo Forte de
Santa Tecla”.
Orador oficial a 20 de setembro, no evento comemorativo da Revolução
Farroupilha no Grêmio Gaúcho de Porto Alegre.
Em 15 de novembro, também é o orador nos festejos comemorativos dos 25
anos da Proclamação da República.
Na homenagem oferecida em 1º de dezembro pelo presidente do Estado Borges
de Medeiros à Assembleia dos Representantes, realizada no picadeiro da Brigada
Militar, Alcides Cruz agradece pela festa, em nome da Assembleia.
1915
Em janeiro, o PRC do Rio Grande do Sul apresenta a nominata de seus
candidatos ao Senado e à Câmara Federal para as eleições desse ano, na qual está
incluído o nome de Alcides Cruz como candidato avulso a deputado federal. A
candidatura frustra-se por motivos de saúde.
33
1916
Casa-se em Porto Alegre a 09 de março com Severina Pereira dos Santos.
Dia 14 de março falece em Porto Alegre, vítima de tuberculose pulmonar.
A 29 de abril nasce a única neta, Alcídia.8
A 27 de julho falece a esposa, Severina Pereira dos Santos, em Porto Alegre,
também vitimada pela tuberculose pulmonar.
1917
Vem a lume, em edição póstuma, “Teoria e Prática da Demarcação e da Divisão
de Terras”, editado em São Paulo pela Francisco Alves.
1936
Conferido a Érico Itamar Baumgarten, por seu ensaio “Direitos Subjectivos
Publicos”, publicado em 1937 pela Editora do Globo.
1937
Conferido a Geraldo Otávio Brochado da Rocha.
1949
O jurista João Leitão de Abreu, por seu ensaio “A Discrição Administrativa”,
publicado na Revista de Direito Administrativo, v. 17, da Fundação Getúlio Vargas,
recebe o Prêmio Alcides Cruz, da Faculdade de Direito da Universidade do Rio
Grande do Sul.
1950
O jurista Paulo Brossard, por seu ensaio “Resgate ou Encampação”, publicado
na Revista de Direito Administrativo, v. 19, da Fundação Getúlio Vargas, recebe o
Prêmio Alcides Cruz, da Faculdade de Direito da Universidade do Rio Grande
do Sul.
9 SANTOS, João Pedro dos. A Faculdade de Direito de Porto Alegre: subsídios para sua História. Porto
Alegre: Síntese, 2000. p. 153. Recebiam uma medalha de ouro e um diploma de pergaminho.
35
Fonte: AHCMPA. Registro de Casamentos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 6,
fls. 45.
36
Fonte: AHCMPA. Registro de Batismos de Livres da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre,
Lv. 17, fls. 142v.
37
Fiz minhas primeiras armas, é certo que muito tarde, quando já eu tinha
dezenove anos, n’A Luta, em 86, ao lado de Domingos Nascimento,
Alcântara Filho, Soares dos Santos, J. Marques da Cunha etc., todos hoje
oficiais do exército e, então, ilustradíssimos alunos da Escola Militar,
redatores daquele excelente periódico.
Depois, num período de sete anos (1886-1893), tenho colaborado n’O Atleta
e n’O Contemporâneo, onde publiquei vários contos e novelas; no Jornal do
Commercio, do Desterro e no 15 de Novembro, da Cachoeira, na qualidade
de correspondente em Porto Alegre; na Folha da Tarde, onde fui um dos mais
dedicados auxiliares da redação; no Jornal, onde tem aparecido alguns ensaios
e, recentemente, n’A Federação, com diversos ensaios de crítica política e
literária e na Folha Nova, onde já fui experimentado na manipulação desde
a do artigo político até a da crônica teatral[...]
Fora disso, na minha obscura bagagem literária, trago uma tradução, de
sociedade com Domingos Nascimento, da comédia em 3 atos Le bouton de
rose, por E. ZOLA.
E mais: as traduções de dois romances de TOURGUENEFF, uma das
quais, a de Clara Militch, dada em folhetim pela Folha da Tarde e a outra,
a de Les eaux printannières, surgida com o título A bella Gemma, pelo
rodapé da Folha Nova; de uma novela de GUY DE MAUPASSANT,
Yvette, publicada no Jornal do Desterro, e a do Pêcheur d’Islande, romance
de PIERRE LOTI, começada a sair pela Folha da Tarde, numa época em
que esse grande romancista era desconhecido no Brasil e quando a sra. d.
Maria Amália ainda o não traduzira.
10 CRUZ, Alcides. Mestiço, Mulato ou Negro. Porto Alegre: IHGRGS, 2017. Disponível em:
<http://www.ihgrgs.org.br/ebooks/Ebook%20-%20ALCIDES%20CRUZ%20-
%20Mestico,%20mulato%20ou%20negro.pdf>.
11 CRUZ, Alcides. Notas de Leituras e outros Escritos. Porto Alegre: IHGRGS, 2017. Disponível em:
<http://www.ihgrgs.org.br/ebooks/Ebook%20-%20ALCIDES%20CRUZ%20-
%20Notas%20de%20leituras%20e%20outros%20escritos.pdf>.
12 CRUZ, Alcides. Traços Côr de Rosa (Versos por Zeferino Brasil). A Federação, 4 maio 1893.
38
1 Livros e Opúsculos
A propósito da Questão das Missões: Barão do Rio Branco. Porto Alegre: Carlos Echenique,
Livraria Universal, 1895.
Vida de Raphael Pinto Bandeira. Porto Alegre: Livraria Americana, Pintos & Cia., 1906.
Epithome da Guerra entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata. Porto Alegre: Livraria
do Commercio, Sousa & Barros, 1907.
COOLEY, Thomas. Princípios Gerais de Direito Constitucional dos Estados Unidos da América
do Norte. Tradução por Alcides Cruz. Porto Alegre: Carlos Echenique, Livraria Universal,
1909.
Noções de Direito Administrativo Brasileiro. Porto Alegre: Germano Gundlach, 1910.
Direito Administrativo Brazileiro. 2. ed. corr. e ampl. , 1914.
A incursão de Frutuoso Rivera às Missões Brasileiras ou A Campanha de 1828; O Antigo Forte de
Santa Tecla, os dois títulos reunidos em uma brochura. Porto Alegre: Globo, 1914.
Incursión del General Fructuoso Rivera as las Misiones. Traduzido para o espanhol e anotado
por Doroteo Marquez Valdés, póstumo. Montevidéu: Claudio Garcia, 1916.
Teoria e Pratica da Demarcação e da Divisão de Terras, publicação póstuma. São Paulo, Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1917.
2 Artigos
Artes, artigo sobre o pintor Pedro Weingärtner, publicado em dia 20 de maio de 1893.
A Ilha de Santa Catharina, por Virgílio Várzea, recensão publicada em 26 de agosto de 1900.
Vestígios da Civilização Missioneira na Exposição, artigo sobre aspectos da história das
Missões Orientais, publicado em três partes em 17, 18 e 19 de março de 1901.
Digressão Histórica, artigo em que comenta pontos de vista de Clóvis Bevilaqua sobre a
campanha da Cisplatina, publicado em 4 de dezembro de 1902.
Carta Aberta ao dr. Pinto da Rocha, sobre irrogação de injúria racial, datada de 11 de
janeiro de 1903 e publicada em 12 de janeiro de 1903.
Denúncia, como promotor público, contra servidores extrajudiciais de Viamão, publicada
na íntegra em 10 de setembro de 1904.
Da satisfação do damno no juiso criminal, estudo jurídico publicado em cinco partes, nos dias
14 e 15 de outubro e 8, 10, 14 e 22 de novembro de 1904.
O problema jurídico da satisfação do damno, artigo jurídico publicado em 31 janeiro de 1905.
Guerra da Cisplatina, crítica historiográfica, publicada em três partes em 10 e 19 de janeiro
e 1º de fevereiro de 1907.
Razões de Apelação na defesa de Victor de Brito, em processo crime em que aquele médico
é acusado, pelo Promotor João Neves da Fontoura, do delito de revelação de segredo
profissional, publicada na íntegra no dia 11 de outubro de 1909.
Discurso pronunciado na Assembleia dos Representantes na sessão de 16 de novembro
de 1909 e publicado no dia 13 de dezembro de 1909.
A Magistratura, artigo sobre o discurso pronunciado na Assembleia dos Representantes,
na sessão de 16 de novembro de 1909, 19 de dezembro de 1909.
Discurso em homenagem a Júlio de Castilhos, perante seu monumento tumular, 1910.
Questão do Habeas Corpus, comentário jurídico e político justificando o não cumprimento
do “habeas corpus” concedido pelo STF ao Conselho Municipal do Distrito Federal,
publicado, em três partes, em 29 e 30 de março e de abril de 1911.
Júlio de Castilhos, perfil, de 29 de junho de 1911.
A Nova Lei Eleitoral, estudo jurídico, publicado em quatro partes, em 10, 11, 13 e 24 de
junho de 1913.
Troco Miúdo, resposta à irrogação de ofensa racial de Diogo Velho Cavalcanti de
Albuquerque, publicada a 9 de julho de 1913.
A Carestia da Vida, artigo de economia, publicado, em duas partes, nos dias 8 e 11 de
março de 1913.
Discurso pronunciado na Assembleia dos Representantes na sessão de 29 de novembro
de 1913, publicado em 13 de dezembro de 1913.
Discurso no Grêmio Gaúcho, como orador oficial nas comemorações da passagem da
data magna da República de Piratini, feito no dia 20 de setembro de 1914, publicado a
22 de setembro de 1914.
Discurso, em nome da Assembleia, agradecendo ao presidente do Estado, Borges de
Medeiros, pela homenagem por ele oferecida à Assembleia dos Representantes, no
picadeiro da Brigada Militar, publicado em 1º de dezembro de 1914.
A intervenção no Estado do Rio, artigo de cunho político e jurídico, publicado, em duas
partes, nos dias 5 e 8 de janeiro de 1915.
40
3 Traduções
Livros
O Jogador, Th. Dostoiewsky, tradução do francês (Porto Alegre: Livraria Americana,
Pintos Cia., 1892).
Esboço de História Política dos Estados Unidos, Goldwin Smitt, tradução do inglês (Lisboa:
Livraria Clássica, 1906). A edição foi sustada por determinação do tradutor.
Clara Militch, Ivan Tourgueneff, tradução do francês, folhetim da Folha da Tarde, de Porto
Alegre.
Les eaux printannières, Ivan Tourgueneff, tradução do francês com o título A bella Gemma,
folhetim da Folha Nova, de Porto Alegre.
Yvette, Guy de Maupassant, tradução do francês, folhetim do Jornal, do Desterro (atual
Florianópolis).
Pêcheur d’Islande, Pierre Loti, tradução do francês, folhetim da Folha da Tarde, de Porto
Alegre.
Capítulo de livro
Topografia da Região Missioneira, Max Beschoren, tradução do alemão, capítulo XI da obra
Beitrage zur Näheren Kenntnis der Brasilianischen Provinz São Pedro do Rio Grande
do Sul, Revista geográfica Pettermanns Mittelungen, suplemento 69, Gotha, 1889;
Annuario do Estado do Rio Grande do Sul para 1908, 1907.
Peça de teatro
Le bouton de rose, comédia em três atos, E. Zola, tradução do francês, juntamente com
Domingos Nascimento, Porto Alegre, s/d.
Capítulo em obra coletiva
Pequenas notas de viagem por São Paulo. In: IHGRGS; IHPF; IHGGV (Orgs.). Sobre
trens e viagens: crônicas selecionadas: Porto Alegre, Passo Fundo: IHGRGS, 2017.
Crônicas publicadas no jornal Correio Paulistano entre novembro e dezembro de 1904 e
compiladas por ocasião do I Fórum Sul-brasileiro de Institutos Históricos – Ferrovia:
território, sociedade e memória (Passo Fundo, 18 a 21 de maio de 2017).
4 Entrevista
O DIA, Florianópolis
O Naufrágio do Orion, entrevista publicada em 24 ago. 1915.
42
Fonte: IHGRGS
43
Alcides Cruz
E sua época
Paulo Roberto Staudt Moreira*
Vanessa Gomes de Campos **
* Professor da Unisinos, doutor em História (UFRGS), bolsista produtividade CNPq. Atual presidente da
ANPUH/RS. Contato: moreirast@terra.com.br
** Graduada em História (PUCRS) e Arquivologia (UFRGS), historiadora do Arquivo Histórico da Cúria
Metropolitana de Porto Alegre e arquivista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
Contato: vanessagdecampos@gmail.com
13 O Exemplo. Jornal do Povo. Porto Alegre, ano 1, n.11, 19 fev. 916.
45
amasiamento naquele mesmo ano em que ambos morreram; e tiveram apenas uma filha,
chamada Zoé. Além de Zoé, Severina tinha de uma relação anterior duas outras filhas,
Fidelcina e Antelina. O pequeno obituário, principalmente se comparado ao que saiu nas
páginas do jornal republicano A Federação14, não transmite muito afeto entre os
periodistas e o ilustre falecido. Na verdade, o nome de Alcides Cruz pouco apareceu no
jornal, fora esta comunicação de sua morte. O motivo de isso nos provocar
estranhamento ficará claro ao longo das próximas páginas.
16 “Vai para alguns meses que o mulato conhecido pela alcunha de Nenê Epifano seduziu uma menor
pertencente a uma família síria aqui residente. Agora entendeu ele de casar, de motu-próprio, mas a família
da moça se opõe. Nenê, muito desgostoso, foi pedir a intervenção da autoridade, que não pode intervir
num caso de ação privada, como esse. Só será possível a intervenção policial no caso de representação da
parte ofendida, o que parece não se dará”. (Diário do Interior. Santa Maria, ano 6, n. 223, 24 set. 1916. Fonte:
AHSM).
17 GRIGIO, Enio. No Alvoroço da Festa, Não Havia Corrente de Ferro Que os Prendesse, nem Chibata que Intimidasse:
a comunidade negra e sua Irmandade do Rosário (Santa Maria, 1873-1942). São Leopoldo, 2016. Tese
(Doutorado) - PGH/Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2016. p.199.
18 Ibid., p. 199.
47
“pelo que sou, mulato ou negro”. Afinal, o professor Alcides de Freitas Cruz parece
configurar-se como daqueles indivíduos, como Machado de Assis, Aurélio Viríssimo de
Bittencourt e Lima Barreto, que eram afrodescendentes por “origem e opção” 19.
2 A família Cruz
19 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. p.10.
20 APERS. Inventário do Dr. Alcides de Freitas Cruz (Inventariante: Dona Severina Pereira Cruz). Provedoria de
Porto Alegre, nº 46, ano 1916. CRC 1ª Zona de Porto Alegre. Registro de Óbitos, Lv. 80, folha 179, reg. 631.
21 AHCMPA. Registro de Batismos de Livres da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 17, fls. 148v.
22 GUEDES, Roberto. Egressos do Cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo,
c.1798-c.1850). Rio de Janeiro: Mauad X/Faperj, 2008; MACHADO, Cacilda. A trama das vontades: negros,
pardos e brancos na produção da hierarquia social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.
23 ROSA, Marcus Vinicius de Freitas. Além da Invisibilidade: história social do racismo em Porto Alegre durante
o pós-abolição (1884-1918). Campinas, 2014. Tese (Doutorado) - IFCH/Unicamp, 2014. p.199.
48
Ao que tudo indica, sentindo que sua saúde – e de sua esposa – estava precária
e pensando em regularizar a situação familiar e patrimonial, o professor Alcides Cruz
legalizou sua relação afetivo-familiar no mesmo ano em que morreu. O casamento
ocorreu às 17 horas do dia 09 de março de 1916, na residência dos noivos, na Praça
General Osório26 nº 1. A noiva, Severina Pereira dos Santos, tinha 38 anos, era solteira e
filha ilegítima de dona Juliana Pereira dos Santos. Os noivos, “vivendo maritalmente há
alguns anos”, declararam que tinham uma única filha, fruto desta união, de nome Zoé
Cruz Barcelos, nascida em 25/06/1899 e casada com João Inácio de Barcelos. As
testemunhas que assinaram endossando o enlace são representantes das ligações político-
partidárias do noivo. 27
Aliás, seu casamento pode ser considerado seu último ato político-partidário.
A primeira testemunha a assinar o registro foi o Dr. José Montaury de Aguiar Leitão
(solteiro, do Rio de Janeiro, com 58 anos), que foi o intendente de Porto Alegre entre
1897 e 192428, seguido pelo Dr. Arthur Franco de Souza (casado, do Rio Grande do Sul,
médico, com 42 anos), genro de Júlio de Castilhos. Também assinaram o Dr. Fernando
Antunes29 (solteiro, de Porto Alegre, com 29 anos) e Henrique Bacellar (solteiro, do RS,
funcionário público, com 34 anos).
24 ROSSI, Gustavo. O Intelectual Feiticeiro. Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. Campinas:
Ed. da Unicamp, 2015 p. 26. Branqueamento: “é uma categoria analítica que vem sendo usada com mais
de um sentido. Ora ele é visto como a interiorização dos modelos culturais brancos pelo segmento negro,
implicando a perda do seu ethos de matriz africana; ora é definido como o processo de ‘clareamento’
concreto da cor da pele da população brasileira, registrado, sobretudo, pelos censos oficiais e previsões
estatísticas do final do século XIX e início do XX”. (DOMINGUES, 2004, p. 253)
25 VIANA, Larissa. O Idioma da Mestiçagem: as irmandades de pardos na América Portuguesa. Campinas: Ed.
da UNICAMP, 2007.
26 Esta praça foi assim denominada em 1866, quando o governo provincial desapropriou o terreno de
propriedade privada que ali existia, para que a Cia. Hidráulica instalasse um dos chafarizes programados
para abastecer a cidade. Anteriormente, aquele lugar era conhecido, principalmente, por Alto da Bronze
(FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1980.
p. 86, 297).
27 CRC 1ª Zona de Porto Alegre. Registro de Casamentos. Lv 34, f. 12v, reg. 105.
28 BAKOS, Margaret Marchiori. Porto Alegre e seus Eternos Intendentes. Porto Alegre: EDIPUC, 1986.
29 Formou-se na Faculdade de Direito de Porto Alegre em 1908, tornando-se professor da instituição em
1916, onde permaneceu até 1935. Foi ainda Consultor Jurídico da prefeitura de Porto Alegre e Membro
do Cons. Penitenciário do Estado. (GRIJÓ, Luiz Alberto. Ensino Jurídico e Política Partidária no Brasil: a
Faculdade de Direito de Porto Alegre (1900-1937). Rio de Janeiro: UFF, 2005. p. 185).
49
30 IHGRGS/BM, n° 6149.
50
tuberculose pulmonar; tinha 40 anos, profissão doméstica e cor descrita como mista.31 O
registro de óbito atesta que Severina Pereira dos Santos ou Severina Cruz tinha três filhas,
sendo uma delas fruto do amasiamento com Alcidez Cruz e outras duas de um
relacionamento anterior, também consensual, com um indivíduo chamado Antério
Machado. Eram suas filhas: Fidelcina, Antelina e Zoé. Alcides e Severina faleceram da
mesma doença infectocontagiosa, a tuberculose.
Zoé casou com João Inácio de Barcelos, filho de Ângelo Inácio de Barcelos e
Fermina Espíndula Barcelos. Tiveram uma única filha, que foi batizada como Alcídia
Cruz de Barcelos, em homenagem ao avô Alcides32. A homenagem nominal certamente
foi também causada pelo fato de ela ter nascido no mesmo ano do falecimento do avô,
em 29/04/1916. Alcídia foi casada com João Von Burg e faleceu em 1940, de
tuberculose, sem deixar descendentes.
31 CRC 1ª Zona de Porto Alegre. Registro Óbitos, Lv 81, folha 61, reg. 1758.
32 O marido de Zoé faleceu em Porto Alegre em 09/04/1932, sem testamento, com 35 anos de idade, de
peritonite. Descrito como branco, trabalhava no comércio; o casal possuía três imóveis: dois prédios na
Estrada do Mato Grosso, números 1803 e 1809, e uma casinha na rua Santo Alfredo nº 8, arrabalde São
José (APERS. Inventário de João Inácio de Barcelos (Inventariante: Zoé Cruz de Barcelos). 3º Cartório de Órfãos
de Porto Alegre, nº 446, ano 1932).
33 AHCMPA. Registro de Casamentos da Igreja N. Sra. do Rosário. Porto Alegre, Lv. 11, fls. 93.
34 AHCMPA. Registro de Casamentos da Igreja Sto. Antônio do Partenon. Porto Alegre, Lv. 1, fls. 24.
51
Na primeira década do século XX, a vida do Dr. Alcides Cruz era agitada e
ocupada profissionalmente. Apesar disso, ele publicava artigos e preparava trabalhos de
forma incansável.
A única viagem que fez à Europa se deu em 1906. Porém, antes de viajar,
publicou em junho o trabalho “Vida de Raphael Pinto Bandeira”, pela Livraria
Americana, Pintos & Cia., de Porto Alegre. Esteve em Portugal no mês de agosto,
retornando em setembro, quando se encontrou com a mãe, em Santos, seguindo ambos
para Porto Alegre.36 Ainda em 1906, tomou posse como deputado estadual na segunda
sessão legislativa da quinta legislatura.
35 IHGRGS/BM, nº 5197. Apesar de extremamente instigante, não conseguimos encontrar qualquer laço
familiar que os conectasse consanguínea ou ritualisticamente.
36 A Federação, 22 set. 1906.
37 Informações que constam em seu depoimento na Justificação de Solteiro, integrante do processo
matrimonial. (AHCMPA. Habilitação Matrimonial de Manoel Pinto de Lacerda e Adelaide Leopoldina de Freitas, cx.
252, ano 1861, nº 171)
52
com uma cruz, pois assinaram a seu rogo. Alcides e seus irmãos pouco conviveram com
o pai, falecido em Porto Alegre a 18 de agosto de 1868, com 44 anos de idade, de
consumpção.38
38 AHCMPA. Registro de Óbitos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 10, fls. 20.
39 LANGAARD, Theodoro J. H. Dicionário de Medicina Doméstica e Popular. 2.ed. Rio de Janeiro:
Laemmert & Cia., 1872. v.1; p. 520.
40 CHERNOVIZ, Pedro Luiz Napoleão. Diccionario de Medicina Popular e das sciencias accessórias para uso das
famílias. 6. ed. consideravelmente aumentada, posta a par da ciência. Paris: A. Roger & F. Chernoviz, 1890.
41 ANDREWS, George R. América Afro-Latina (1888-2000). São Carlos, São Paulo: EDUFSCAR, 2007.
42 AHCMPA. Registro de Batismo da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 7, fls. 17v.
43 APERS. Inventário de Adelaide Leopoldina de Freitas (Inventariante: Alcides Cruz). Porto Alegre, n° 2171, 1909.
44 AHCMPA. Registro de Casamentos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 6, fls. 45.
53
Alcides de
Freitas Cruz João Nunes de
(1867-1916) Freitas
Joaquim Pedro de
Freitas
(1790- )
Ana Maria de São
Adelaide Leopoldina João
de Freitas
(1828-1909)
Estefânia Maria da
Assunção “incógnitos”
(1796-1884)
45 APERS. Inventário de Eufrásia Maria da Conceição (Inventariante: Leopoldino Joaquim de Freitas). Porto
Alegre, nº 115, ano 1852.
54
testamenteiro e de inventariante. A esta altura, ele já havia sido deputado provincial, além
de ocupar outros cargos públicos em Porto Alegre.
Não sou branco, porque minha mãe e minha avó e minha bisavó não o eram;
mas que aqui viveram, como muitas famílias de cor que vieram acompanhando
outras, a estabelecer-se em São Francisco do Porto dos Casais, quando da
famosa corrida, por efeito da lastimável rendição da Colônia do Sacramento
em 1763.48
Em uma de suas produções historiográficas, Cruz menciona vivamente a
invasão espanhola promovida por Dom Pedro Ceballos, “rancoroso inimigo dos
portugueses, guerreiro cruel e bárbaro invasor”. Segundo ele, essa invasão fez com que a
incipiente civilização rio-grandense sofresse um grande eclipse, de dolorosas consequências, mesmo
que muitas famílias colonistas (incluindo a dele próprio, Alcides) viessem “dar fecunda
impulsão aos dois povoados, já copiosos, de Viamão e Porto dos Casais”. Remoendo,
talvez, memórias familiares, ele comenta: “esta memorável invasão, que tão triste e
inapagável impressão fez perdurar durante mais de século na memória dos nossos avós,
ocasionou a perda da vila do Rio Grande”. 49
46 AHCMPA. Registro de Casamentos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 1, fl. 81. Ver também:
AHCMPA. Habilitação Matrimonial de Francisco Félix de Souza e Eufrásia Maria da Conceição. Caixa 59, ano 1792,
nº 23. No processo de Habilitação, os noivos tinham que comprovar o estado de solteiros, entregando as
certidões de batismo como prova de idade. Eufrásia entregou a sua, constando ter nascido em Rio Grande
a 03/12/1779.
47 O assentamento do casamento encontra-se no Livro 2, a folhas 13. Os livros de batismo, casamento e
óbito de Colônia foram transcritos e publicados em BUYS (2012).
48 CRUZ, Alcides. Troco Miúdo. A Federação, 9 jul. 1913. (O texto na íntegra está disponível na publicação
do IHGRGS intitulada Mestiço, Mulato ou Negro: Disponível em:
<http://www.ihgrgs.org.br/ebooks/Ebook%20-%20ALCIDES%20CRUZ%20-
%20Mestico,%20mulato%20ou%20negro.pdf>.
49 CRUZ, Alcides. Vida de Raphael Pinto Bandeira: Ligeiras notas esparsas para a biografia do herói
continentino. Porto Alegre: Oficinas Tipográficas da Livraria Americana, 1906. p. 39. Em sua tese de
doutoramento o historiador Fabio Kühn (2006, p. 24) intitula o período de 1733 a 1763 de “idade de ouro”,
“marcado pelas migrações lagunenses, açorianas e indígenas”, período antibellum que antecedeu a invasão
espanhola de 1763/1776.
50 FREITAS, Leopoldo de. Conselheiro Leopoldino Joaquim de Freitas. Almanak Litterario e Estatistico do Rio
Grande do Sul. [S.l.]: Editores Pintos & C, ano 23, p. 4, 1911
55
51 AHCMPA. Registro de Óbitos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 15, fls. 40.
52 AHCMPA. Registro de Batismos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 1, fls. 275v e fls. 285
(respectivamente). Estefânia, nascida em 1794, teve como padrinho Marcelino Gomes (sem madrinha). A
outra menina Estefânia, de 1796, também só teve padrinho: Marcelino de Seixas.
53 Carlos da Costa casou-se na Colônia do Sacramento em 1770. Historicamente, a Colônia deixou de ser
domínio português em 1777. Em 1779, nasceu a filha Eufrásia em Rio Grande, assim como seus irmãos
Isidoro (1781), Martiniana (1783) e Ana Maria (1785). Em 1792, a família de Carlos já se encontrava em
Porto Alegre, pois neste ano se casou Eufrásia.
54 APERS. Tabelionato de Porto Alegre, Lv. 2, fls. 72; MOREIRA; TASSONI, 2007.
55 AHCMPA. Registro de Óbitos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 2, fls. 13v. Em seu óbito,
registrou-se que era natural da Praça da Colônia, pardo forro e que “não fez Testamento por pobre”.
56 SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Oficinas da S. A. Litho-
Litotipographia Fluminense, 1922. t. 1; p.124. (Edição fac-símile da 2ª edição, de 1813, sendo a 1ª edição
de Lisboa, Officina de Simão Thadeo Ferreira, em 1789)
56
Joaquim Pedro de Freitas deve ter sido a grande influência que deu condições
à formação dos filhos Leopoldino e Adelaide e, consequentemente, ao neto Alcides.
Sobre Leopoldino e, revelando o próprio Joaquim, escreveu Leopoldo de Freitas: “Teve
57 Joaquim foi batizado em 10/7/1819 (AHCMPA. Registro de Batismos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto
Alegre, Lv. 5, fls. 168); e João, em 11/01/1822, tendo como padrinho Manoel Joaquim Pires (AHCMPA.
Registro de Batismos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 6, fls. 58v).
58 AHCMPA. Registro de Casamentos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Lv. 6, fls. 45.
59 João Pedro de Freitas faleceu em 19/07/1851 de escarlatina, solteiro, filho do tenente Joaquim Pedro de
Freitas e Epifânia Maria da Conceição. (AHCMPA. Registro de Óbitos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto
Alegre, Lv. 7, fls. 253v)
60 APERS. Inventário de Eufrásia Maria da Conceição. Porto Alegre, n. 115, 18520. (O testamento está trasladado
no processo de inventário.)
57
educação muito boa, no lar; seu pai ensinou-o a ler e escrever, a aritmética e a geografia,
mandando-o já preparado elementarmente cursar latim, história, francês e filosofia.” 61
Perdendo o pai com apenas um ano de idade, Alcides Cruz teve como
referências afetivas familiares a mãe Adelaide e a vó Estefânia, o tio Conselheiro do
Império Leopoldino e o irmão Leopoldo.62 Sua avó Estefânia, como já dissemos, morreu
em 11/08/1884, e sua mãe Adelaide faleceu em 1909. Em seu testamento 63, redigido em
11/11/1908, Adelaide informava que possuía a casa em que morava, na rua Fernando
Machado nº 241, e outra menor na rua da Concórdia nº 123. Ela deixou a sua terça da
herança, depois de deduzidas as despesas, para a neta Léa de Freitas, filha de seu filho
Leopoldo Joaquim de Freitas, naquela época professor da Faculdade de Direito de São
Paulo.64
Fonte: AHCMPA
Oriental. Segundo o cronista comendador Coruja, que viveu em Porto Alegre no período,
eram chamados colonistas os que fugiram da Colônia de Sacramento em razão da invasão
espanhola de 1762: “Dizer-lhe que alguém era colonista era fazer-lhe o elogio, pois eram
ordinariamente bem considerados”72.
Ter ou não filhos, em quais circunstâncias tê-los, enjeitar alguns eram decisões
ligadas aos projetos familiares. Filhos eram peças importantíssimas para a
viabilização de alianças – que começavam no ato do batismo, através do
compadrio, e se estendiam até os enlaces matrimoniais. Mesmo filhos ilegítimos
ou expostos podiam, dependendo das circunstâncias, desempenhar esse tipo de
papel.73
Leopoldino se tornaria conselheiro do Império e peça importante na criação
e educação de seu sobrinho Alcides. Como cabia a um conselheiro do Império, aquela
criança exposta, filha da negra Estefânia, seria no seu óbito registrada como branco. Aliás,
sua morte coincidentemente ocorreria no ocaso do Império, às 14h, em 08/06/1889,
com 72 anos de idade, solteiro, vitimado pela ataxia motora progressiva, em sua casa na
rua Duque de Caxias.74
Joaquim Pedro de Freitas, como já dito, é quem deve ter dado suporte tanto
financeiro e material quanto estrutural ao crescimento intelectual dos filhos e,
provavelmente, à própria companheira, a parda forra Estefânia. Apesar dos esforços em
encontrar mais indícios sobre Joaquim, localizamos apenas, além do que foi apresentado,
o fato de ele ter contribuído com 2$000 réis quando da passagem de Dom Pedro II por
Porto Alegre75 e a alforria que concedeu, a 09 de dezembro de 1861, a uma escrava
72 CORUJA, Antônio Álvares Pereira. Antigualhas. Reminiscências de Porto Alegre. Porto Alegre: Cia. União de
Seguros Gerais, 1983. p. 57.
73 (BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal: família e sociedade (São João Del Rei – séculos XVIII
e XIX). São Paulo: Annablume, 2007. p.217). Sobre a exposição em Porto Alegre, ver: SILVA, Jonathan
Fachini da. Os Filhos do Destino: a exposição e os expostos na freguesia Madre de Deus de Porto Alegre
(1772-1837). São Leopoldo, 2014. Dissertação (Mestrado em História) - PGH/Universidade do Vale do
Rio dos Sinos, 2014.
74 AHCMPA. Registros de Óbitos da Igreja N. Sra. Madre de Deus. Porto Alegre, Lv. 17, fls. 8v. Ataxia era uma
denominação “empregada para caracterizar a desordem e irregularidade dos sintomas nas afecções
nervosas; este estado de ataxia se desenvolve principalmente nas inflamações aguda e crônica do cérebro
e nas das membranas que lhe servem de invólucro”. (LANGAARD, 1872, v.1, p. 232).
75 O Imparcial, Porto Alegre, 06 dez. 1845.
60
chamada Lucrécia, preta, Conga, com 50 anos de idade e que o servira havia mais de 25
anos.76
76 APERS. Tabelionato de Porto Alegre, Lv. 17, fls. 102. Essa é a última notícia encontrada de Joaquim Pedro.
Apesar das buscas em processos de inventário e testamento, assim como de seu registro de óbito em Porto
Alegre, nada se localizou. Chama a atenção no registro de casamento dele com Estefânia a anotação de ter
sido expedida uma certidão a 04/10/1862. Teria sido usada para comprovar a ligação do casal por questões
de inventário?
77 FREITAS, 1911, p. 8.
78 O jornal A Reforma, do Rio de Janeiro, na primeira página da edição de 21/02/1878, trouxe uma
reportagem referente à homenagem prestada ao senador Silveira Martins no dia 17 de fevereiro daquele
ano, no seu embarque para a Corte a fim de assumir o Ministério da Fazenda. Na ocasião, Silveira Martins,
em seu discurso, disse não possuir, “como amigos pessoais, senão cidadãos dignos do apreço público, pelo
seu devotamento patriótico.” E, ao final, mencionou que “ali presente se achava um desses cidadãos que
tinha merecido toda sua estima pessoal, não porque a procurasse [...], não deixando jamais de mostrar-se
um tipo de empregado público, para quem os deveres do cargo e os interesses do Estado estavam acima
das conveniências públicas, e que a posição em que se achava, havia-a atingido somente pelos seus
merecimentos, porque a si só a devia, que era esse o Sr. Leopoldino Joaquim de Freitas, inspetor da
tesouraria, a quem brindava.” (grifo nosso)
79 A Reforma, Rio de Janeiro, 30 jul. 1878.
80 A Reforma, Rio de Janeiro, 11 ago. 1878.
81 Importante ressaltar que a participação de Leopoldino na guerra civil farroupilha também teve momentos
belicosos, pois participou da batalha do Caminho Novo, de 25/07/1837. (ORDEM DO DIA, Quartel do
Comando em Porto Alegre, 27 jul. 1837). Do mesmo modo, em 1838, em Rio Pardo, “padeceu e
perambulou, encontrando abrigo na estância da família Azambuja Rangel”, tendo como companheiro para
toda a vida Firmino de Azambuja Rangel. (FREITAS, 1911, p. 4)
61
destaque para chegar à capital do Império. 82. Portanto, a referência masculina de Alcides
Cruz, assim como de seu irmão Leopoldo, foi o tio Leopoldino.
A essa altura, Alcides Cruz já havia perdido a avó Estefânia (falecida em 1884)
e o tio Leopoldino, em 1889. Seu irmão Leopoldo, quatro anos mais velho, encontrava-
se estudando na Faculdade de Direito de São Paulo desde 1887, na qual se formou em
1891, ano em que Alcides lá ingressou. 84
82 FREITAS, 1911, p. 7.
83 APERS. Devolução da Herança de Leopoldino Joaquim de Freitas (Inventariante: Adelaide Leopoldina de Freitas).
2ª Vara Cível de Porto Alegre, n. 497, ano 1889.
84 AFDSP. Leopoldo de Freitas Cruz, Dossiê nº 3008, 1887-1891.
85 Não sabemos exatamente quando o Conselheiro Leopoldino Joaquim de Freitas regressou a Porto Alegre;
em 1881 se aposentou, falecendo em 1889. Portanto, é plausível que tenha recebido o sobrinho no Rio de
Janeiro em 1885.
86 Roma Moreira era filha do advogado Antônio Moreira da Silva e de Maria L. Moreira da Silva. Antônio
era um antigo deputado paulista do Congresso Constituinte Republicano; era natural de Sorocaba e faleceu
em Curitiba em 1920 com 69 anos. Leopoldo e Roma tiveram os seguintes filhos: Léa de Freitas; Eudoro
de Freitas, militar, casado com Minervina Maluf; Murillo de Freitas, que se casou com Rosa Montemurro;
e Boris de Freitas. (Correio Paulistano, São Paulo, 26 jan. 1940)
87 CYRIANO, Almeida. Dr. Leopoldo de Freitas. A Comarca, Guaxupé (MG), 23 jan. 1941.
62
português Carlos Frederico Lecor, o qual, a pedido do diretório de Buenos Aires, tomou
Montevidéu e conquistou a Banda Oriental, Alcides menciona que: “Quase
exclusivamente de portugueses adotivos, de alguns espanhóis velhos e de poucos naturais
do Brasil – libertos paulistanos ou catarinenses - se compunha a infantaria” (CRUZ, 1907, p.
52). Tal informação ele pode ter extraído dos acervos históricos que frequentava com
prazer, mas certamente a confirmou através dos relatos orais de sua família, ela própria
resultante dessas mobilidades espaciais e sociais.
3 Biblioteca
88 GRIJÓ, 2005.
63
89 APERS. Petição (Requerido: Carolina Correa do Canto: Requerente: não consta). Comarca de Porto Alegre.
Para o ano de 1914 há dois processos (nº 46 e nº 61); para o de 1915, outros dois (n° 276 e nº 277).
90 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizatório: formação do estado e civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.
p.229.
91 VENÂNCIO, Gisele Martins. Oliveira Viana entre o Espelho e a Máscara. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
Ver também: FERREIRA, 1999, p. 313-334
92 CHARTIER apud VENÂNCIO, op. cit., p. 13
93 ARTIÈRES, Philipe. Arquivar a própria vida. Revista Estudos Históricos. v. 11, n. 21, p. 11, 1998
64
Mas a afeição pelos livros também pode ser encontrada em outras trajetórias
de intelectuais negros. O sociólogo Oracy Nogueira, tratando da trajetória do médico e
parlamentar negro Alfredo Casemiro da Rocha, narra as destruições sofridas pelos bens
daquele indivíduo em decorrência da revolução de 1932, quando a família teve de fugir e a
sua casa foi saqueada. Segundo carta de Alfredo para seu filho Alfredinho, toda a
residência foi destruída e mesmo os preciosos diplomas rasurados com dizeres ofensivos;
porém, na missiva ele se lamentava de um item de seu particular afeto:
casamento, ficando o filho único sob a tutela paterna.97 O divórcio não significou,
entretanto, um afastamento de Dario da família de sua mãe, já que, segundo Santos98, tia
Zezé foi sua segunda mãe, falecendo em 1922 com 77 anos de idade.
A intimidade de tia Zezé com a família Bittencourt fica ainda mais evidente se
pensarmos que a ela foi atribuído (ou ela tomou para si) o encargo de portadora de um
objeto da memória afetiva daquela família negra. O livro em questão – Princípios Gerais de
Direito Constitucional dos Estados Unidos da América, de Thomas Cooley – foi traduzido pelo
professor Alcides de Freitas Cruz e editado em 1909 pela Editora Carlos
Echenique/Livraria Universal99. Materializar a memória afetiva familiar em um livro é
um gesto que não pode ser desprezado, pois evidencia a valorização de uma trajetória
vinculada ao espaço acadêmico e à intelectualidade, no qual a titulação e o ingresso como
professor, além da fruição de boa e atualizada literatura (incluindo romances), servem
como símbolos de prestígio e afirmação social.
4 Um republicano negro
97 APERS. Apelação Cível – Divórcio (Apelante: o Dr. Juiz de Casamentos; apelados: Dr. Aurélio Viríssimo de
Bittencourt Júnior e Maria da Glória Quilião de Bittencourt). Superior Tribunal do Estado do RS, maço
18, nº 183, ano 1906.
98 SANTOS, 2011, p.216.
99 ALMEIDA, Vinicius Furquim de. Vida de Raphael Pinto Bandeira: as formas de escrita da história em Alcides
Cruz. [no prelo]
100 Para se ter uma ideia do impacto da doação daqueles 1837 livros, consideremos que a biblioteca da
Faculdade de Direito de Porto Alegre foi inaugurada em 1906 com 774 volumes, possuindo, em 1910,
2200 volumes. (GRIJÓ, 2005, p. 166, 168).
66
Apolinário Porto Alegre, Felicíssimo de Azevedo, João Maia e Cristiano Reis. Tinha na
época 18 anos de idade.101
Fiz minhas primeiras armas, é certo que muito tarde, quando já eu tinha
dezenove anos, n’A Luta, em 86, ao lado de Domingos Nascimento,
Alcântara Filho, Soares dos Santos, J. Marques da Cunha, etc., todos hoje
oficiais do exército e, então, ilustradíssimos alunos da Escola Militar,
redatores daquele excelente periódico.102
Tratava-se do segundo número da revista mensal Luta, consagrado à
comemoração do início da Revolução Francesa, a 14 de julho de 1789. Nesse número
Alcides Cruz aparece como autor de um artigo, Bibliografia.
105 O 7º Batalhão de Infantaria era comandado pelo tenente-coronel Marcos Alencastro de Andrade e
integrava a 2ª Brigada da Divisão de Porto Alegre, comandada pelo coronel Francisco da Rocha Callado,
sendo comandante da Divisão de Porto Alegre o coronel Thomaz Thompson Flores. (A Federação, 08 jan.
e 27 abr. 1894)
106 CRUZ, Alcides. Epitome da Guerra entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata. Porto Alegre: Oficinas
Tipográficas da Livraria do Comércio, 1907. p.II.
107 Câncio Gomes (1836-1859), aos 15 anos de idade, começou a trabalhar na imprensa local como tipógrafo,
em um jornal homônimo ao seu (de propriedade de Félix Xavier da Cunha); em 1861 era empregado na
tipografia do periódico A Ordem; depois foi chefe da oficina do jornal Rio-Grandense; em 1872 fundou o
órgão literário Álbum Semanal; e, em 1873, lançou o seu próprio jornal, o segundo Mercantil. Fez parte da
Comissão Conservadora para a libertação imediata de escravos e dos indivíduos contratados do 3º Distrito
68
Gomes não tinha ligação efetiva com nenhum dos partidos políticos existentes, mas seu
posicionamento sempre oscilava a favor dos conservadores 108. Após seu falecimento, o
Mercantil mudou de curso político, tornando-se próximo ao Partido Liberal. Em 1897
mudava novamente os rumos e, ironizando as oscilações partidárias d’O Mercantil, o
jornalista d’A Gazetinha (Porto Alegre, 17/02/1897, p. 2) acusa aquele periódico de
praticar um jornalismo cata-vento, inclinando-se politicamente em direção de onde sopravam
os ventos da situação:
Era neutro; depois, quando o sr. Mario Santos pôs-se a frente do antigo diário
fundado pelo honesto Câncio Gomes, vimo-lo monarquista declarado. [...]
Dizia, mais ou menos, isto: Se a monarquia é um mal, eu quero antes este
mal para a minha pátria do que a república que temos. [...] De monarquista,
o Mercantil [...] transformar-se em republicano federal, isto é, adepto do
partido do dr. Gaspar Martins, foi de cousa do pouco tempo.
Assumiu então a chefia do caracolante órgão o sr. Dr. Henrique d’Avila,
antigo senador da Monarquia. Contudo, o sr. Mario Santos lá ficou algumas
semanas. Parece-nos, porém, que as finanças do novo órgão federalista
começaram a ficar mal; e dai [...] um desacordo houve entre o sr. José Francisco
Dias e o sr. Dr. Henrique d’Avila, e o [...] Mercantil voltou à neutralidade
primitiva, sob a redação presumível do sr. Carlos Gomes Dias, a princípio, e
do sr. Mario Santos, em seguida. Ultimamente, porém, não sabemos por que
meios, nem por que modos, o Mercantil nos surge de novo com o gorro frígio à
cabeça, mas neutro ainda, e recomendando à benemerência popular o governo
do sr. Dr. Julio de Castilhos.
E foi no clima de acalorados debates políticos (e de políticas definidoras) que
Alcides Cruz, recém assumindo o posto de redator do jornal Mercantil de Porto Alegre,
viu-se obrigado a responder às ofensas raciais que lhe foram lançadas por Isidoro Dias
Lopes, nas páginas de A República (06/02/1897). A agressiva investida de Isidoro foi
provocada por um artigo de Alcides em que ele o acusava de ter desertado do Exército. 109
que teve ocasião de pelejar pelo seu amo, mas sim em consideração ao público.
Só a mais supina ignorância ou a mais requintada má fé levariam esse
gorila, que dá pelo nome de Alcides Cruz, a tentar injuriar-me, dando-me
a qualificação de desertor do Exército. Perante as leis fundamentais da
república brasileira e em face do compromisso (antigo juramento) contraído
pelos oficiais do Exército, não há desertores em guerras civis ou pelo menos na
revolução última.
Fosse o Brasil ainda monarquia, onde o soldado era do rei, e seriam desertores
todos aqueles que pegassem em armas contra o governo; mas na república,
onde o militar é, em primeiro lugar, cidadão, só mesmo a estupidez, inerente
nos mestiços produtos de raças inferiores, é capaz de, em desacordo
com as leis que nos regem, inventar o qualificativo de desertor. (grifos nossos) 110
Descrever o deputado Alcides de Freitas Cruz como produto da mestiçagem de
raças inferiores aponta sintonia com as últimas modas intelectuais importadas e
diligentemente aplicadas (mediante adaptações) na interpretação da sociedade brasileira
e de seu futuro como país111. Também aponta certo reconhecimento mais próximo de
Alcides, que talvez não seja simplesmente uma consideração de sua epiderme, mas da
formação multirracial de sua família. Os epítetos de gorila e de negro alugado ao
governo demonstram como Alcides era vulnerável a ofensas e constrangimentos
baseados no determinismo racial. No entanto, aos 30 anos de idade, com a educação
familiar e formal solidamente já elaboradas, a sua resposta veio em seguida.
Dois dias depois de ter sido publicamente ofendido, o então deputado Alcides
de Freitas Cruz respondeu com um artigo intitulado “Com a ponta do pé”.
110 A República, Órgão do Partido Republicano Liberal, Porto Alegre, terça, 6 fev. 1897, Gerente Francisco
Miranda.
111 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil: 1870-1930.
São Paulo: Cia. das Letras, 1993.
70
112 Mercantil. Folha da tarde. Ano 24, n.30, segunda-feira, 8 fev. 1897. Proprietário e editor José Francisco
Dias; secretário da redação Mario Santos; fundado por Câncio Gomes.
71
que a mudança das condições de existência bastam para determinar as mais graves
transformações sociais”.118
118 (CRUZ, 1906, p. 34). Em sua biblioteca encontramos ainda: Raymundo Nina Rodrigues (As raças humanas
e a responsabilidade penal no Brasil, de 1894); As Theorias da Evolução, de Delage & Goldsmith (em português);
Origine de l’Homme et des Sociétés, de Clémence Augustine Royer; La Lutte des Races, de Selon Ludwig
Gumplowicz; Darwinism and other Essays, de John Fiske (1879, London); Lois scientifiques du dévelopement des
nations: dans leurs raports avec les principes de la sélection anturelle et de l'hérédité, de Walter Bagehot (1875, em
francês).
119 Tristão de Alencar Araripe Júnior (Fortaleza, 1848 - Rio de Janeiro, 1911) formou-se na Faculdade de
Direito de Recife em 1869. Em artigo 1898, Revista do Brazil (São Paulo), Alcides Cruz já mencionava a
importância da leitura de Alencar Araripe a respeito da lei da obnubilação: “para completa inteligência
deste princípio, ler Araripe Júnior, sobretudo Gregório de Mattos”. (CRUZ, 2017, p. 38)
120 CAIRO, Luiz Roberto Velloso. Araripe Júnior: crítico e historiador da literatura brasileira. Teresa. Revista
de Literatura Brasileira. São Paulo, v.14, p. 55, 2014.
121 Ibid., p.57.
122 CRUZ, 1906, p.27.
73
cruzamento de raças inferiores, ele respondia que aí nesta mistura estava a excelência da raça
brasileira. A sua racionalização dialogava com suas experiências sociais e raciais,
orgulhando-se de suas origens familiares, das trajetórias de seus ancestrais. Sua altaneira
não-branquitude, exposta publicamente em vários momentos, o posicionava no debate
sobre a presença negra no país. Consciente de que vivia em um país cujas hierarquias
sociais eram mediadas pelo pertencimento racial de seus integrantes, ele recusou, mesmo
no início de sua carreira política, uma imagem embranquecida.
O imprevidente Isidoro Dias Lopes não soube ficar calado e, para nossa
felicidade, tomou novamente a pena para ofender seu inimigo político. No artigo de 08
de fevereiro Alcides protesta contra o sórdido e mesquinho comportamento de seu
oponente, que não respeitou nem mesmo a sua enfermidade herpética. E, a 09 de fevereiro,
Isidoro publicou um longo artigo, no qual parece ter um prazer sádico em sentir que a
menção a doença atingira o seu adversário, voltando a usar tal artifício ironicamente.
Selecionamos:
Dizem que não há engenho, mesmo a vapor, que seja capaz de fazer mais
farinha em um dia do que o makololo faz em uma hora, quando se coça[...].
Ora, makololo, você é uma engenhoca[...] [...]
Escuta makololo, você diz que até aludimos a uma doença que tanto lhe
flagela e por isso protesta indignado. Mas que zanga é essa agora? 123
Na ficha estudantil de Alcides Cruz, da Faculdade de Direito de São Paulo,
encontramos dois atestados médicos passados em Porto Alegre, um em 1896 e outro em
1897, confirmando que ele não podia partir de Porto Alegre “por se achar em tratamento
da enfermidade de lichen da qual sofre”.124 Essa ênfase na moléstia de pele125 que afligia
Alcides talvez seja a reação do seu opositor, uma vez que notou que ele não se ofendia
dos reiterados ataques racistas. E Isidoro Dias Lopes não hesitou em continuar com
ataques eminentemente de ordem racial. Escreveu ele:
Ora, este makololo é das arábias. [...] Makololo você diz que nós lhe
insultamos, chamando-o de gorila, chimpanzé, etc., etc. Realmente, makololo,
isso é um grande insulto, mas não a você e sim àqueles macacos. Que os
macacos se zangassem conosco por lhe termos dado semelhante companheiro,
vá; mas você? Dê-se por muito satisfeito. [...]
A cor não dá nem tira qualidades, mas que queres, a gente assim, não gosta.
Bem se sabe tudo o que alegaste a este respeito; mas repara bem que não te
demos o qualificativo de negro. A palavra negro está substanciada e com o
competente adjetivo qualificativo ao lado. Você tomou a nuvem por Juno. Veja
bem o adjetivo que está junto a palavra negro[...]126
A frase “a cor não dá nem tira qualidades” denuncia certo receio do periodista
em expressar tão ostensivamente (e reiteradamente) o seu preconceito racial.
Provavelmente isso acusava sua sensibilidade de que não escrevia unicamente para um
público leitor branco, mas também para negros letrados e organizados coletivamente,
123 A República, Órgão do Partido Republicano Liberal, Porto Alegre, nº 31, terça, 09 fev. 1897.
124 AFDSP. Alcides de Freitas Cruz. Dossiê nº 3478, 1891-1897.
125 LANGAARD, 1872, v. 2, p. 673.
126 A República, 09 fev. 1897.
74
seja em clubes sociais (como o Floresta Aurora, fundado em 1868), irmandades (como a
do Rosário e Conceição) e jornais (como O Exemplo, fundado em 1892).
Isidoro ainda replicou, mas Alcides Cruz deu sua última palavra, não voltando
mais ao assunto. Apesar de alguns percalços, o ano de 1897 não poderia ter sido mais
produtivo: eleito deputado estadual no final de fevereiro, a 25 de novembro formou-se
em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo, na turma nº 67.
Antes do ano findar, afastado da direção do Mercantil para concluir seus estudos, assumiu
em São Paulo a direção do jornal O Constitucional e publicou em algumas revistas temas
concernentes à crítica literária e crônicas.
127 HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA. África do século XIX à década de 1880. Editado por J. F. Ade Ajayi.
Brasília: UNESCO, 2010. p. 135-136.
128 Os membros restantes daquela diretoria provisória eram: Antônio Soares de Barcellos, vice-presidente;
Evaristo Teixeira do Amaral, 1º secretário; e Frederico Augusto Gomes da Silva, tesoureiro. Em
19/10/1910 o Clube convidou todos para a romaria que faria ao túmulo de Júlio de Castilhos, no dia 24,
aniversário de sua morte: “Fará o discurso oficial o dr. Alcides de Freitas Cruz”. (BNRJ/Heme. A Federação,
ano 17, n.242, 20 out. 1900).
129 Até a sua formatura na Faculdade de Direito de São Paulo, Alcides aparecia no alistamento eleitoral como
agrimensor, já a partir de 1899 consta como advogado. (BNRJ/Heme. A Federação, ano 12, n. 145, 21 jun.
1895; A Federação, ano 17, n. 78, 04 abr. 1900).
75
130 AHRS/APJC. Série telegramas; BNRJ/Heme. A Federação, ano 18, n. 20, 23 jan. 1901. Ver: FRANCO, 2010,
p. 70-71.
131 GRIJÓ, 2005, p. 129.
132 SANTOS, 2011, p. 128.
133 ROSA, 2014, p. 245.
134 DOMINGUES, Petrônio. Cidadania Levada a Sério: Os republicanos de cor no Brasil. In: GOMES,
Flávio; DOMINGUES, Petrônio. Políticas da Raça: experiências e legados da abolição e da pós-
emancipação no Brasil. São Paulo: Selo Negro Edições, 2014. p. 122.
76
Paulino de Souza Bastos lia mal e não sabia escrever, portanto, quando deu
a registro o nascimento dos requerentes, assinaram a seu rogo.
Posteriormente, desejando ser eleitor, o que conseguiu, tendo votado, muitas
vezes, como o Partido Republicano, como podem atestar os drs. Henrique
Pereira Neto, Cristiano Felipe Fischer, Carlos Leite e todos os antigos
funcionários da Prefeitura Municipal desta Cidade, conseguiu assinar o seu
nome, não com perfeição, pode-se mesmo dizer melhor que desenhava o seu
nome.
Estabelecendo certa cronologia político-eleitoral da vida de Paulino, de
acordo com estes pequenos registros das memórias de seus filhos Cesar e Felisberto,
podemos conjeturar que foi após 1898 que este homem negro aspirou a participar da
cidadania política tornando-se eleitor.
137 COOPER, Frederick; HOLT, Thomas C.; SCOTT, Rebecca. Além da Escravidão. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005. p.17, 25. Imprescindível citar MATTOS DE CASTRO, 1995.
138 WOODARD, James. Negro Político, Sociedade Branca: Alfredo casemiro da Rocha como exceção e estudo de
caso (São Paulo, décadas de 1880 a 1930). In: GOMES, Flávio; DOMINGUES, Petrônio. Políticas da
Raça: experiências e legados da abolição e da pós-emancipação no Brasil. São Paulo: Selo Negro Edições,
2014. p. 241.
139 ROSEMBERG, André. A pena como arma: trabalho, intimidade e rotina nas cartas dos policiais paulistas
(1870-1915). Revista Estudos Históricos. Dossiê Mundos do Trabalho. Rio de Janeiro, v. 29, n. 59, p. 642,
set./dez. 2016
78
Para que preferir essa comparação, quando, aliás, eu me não molesto com os
epítetos mestiço, mulato ou negro? Não dissestes lá, oh! camarada velho!, que
sou homem sem preconceitos? Como iludir-me, então, com alvas propriedades
que não tenho, nem jamais terei? Corvo só poderia agastar-me, porque é uma
ave de rapina, e eu sou avesso à rapacidade. Mas, certamente não me deveria
ter chocado; pois sobre a imprensa de outros povos menos mestiçados que o
nosso adejam aves muito mais perigosas que o corvo, esse heroico espécime da
ornitologia, imortalizado na poesia por Edgar Poe.
Evitar o circunlóquio e chamar-me pelo que sou, mulato ou negro, à vontade,
era maneira mais franca e mais altiva, sobre ser mais generosa: dava o que é
meu. Mestiços, mulatos ou negros foram meus avós e pais, e nem por isso
vários deles deixaram de acudir às guerras de então, desembainhando o gládio,
tal como os antigos fidalgos de Portugal, avós dos vossos filhos, que pelejaram
na Ásia ou África, “pelo seu rei e pela pátria”. E mestiços, mulatos ou negros,
140 FOUCAULT, Michel. A Escrita de Si. In: ______. Ditos e Escritos. Ética, Sexualidade e Política. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2012. v.5; p. 145-162; GOMES, Ângela de Castro. Escritas de Si. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2004
141 Artur Pinto da Rocha nasceu na cidade de Rio Grande em 1864 e faleceu no Rio de Janeiro em 1930, filho
do Visconde Antônio Joaquim Pinto da Rocha, português. Formou-se em direito na Universidade de
Coimbra, em 1890, ingressando nos quadros da Faculdade de Direito de Porto Alegre em 1900, onde
permaneceu por dez anos. Foi eleito para a Assembleia Estadual pelo PRR em 1892-96 e como deputado
federal de 1894 a 1905. Aderindo ao Partido Federalista, foi eleito deputado federal em 1918/20, 1921/23
e 1924/26. Foi diretor do jornal A Federação (GRIJÓ, 2005, p. 178; FRANCO, 2010, p. 182). Pinto da
Rocha esteve envolvido nas disputas político-eleitorais republicanas de 1906-7, que ecoaram dentro dos
muros da Faculdade de Direito local. Naqueles anos, o PRR dividiu-se na eleição regional entre o candidato
“oficial” Carlos Barbosa (apoiado por Borges de Medeiros) e o “dissidente” Fernando Abott. Pinto da
Rocha toma o lado da dissidência e funda a Gazeta do Comércio, obtendo o apoio de boa parte dos alunos
(GRIJÓ, 2005, p. 220).
79
como eu, legaram-me aquela virtude que Deus, na sua infinda bondade
entendeu dar a todos os descendentes do deserdado e misterioso contingente
bíblico, nascidos sob um estigma que os vinte séculos do cristianismo ainda
não puderam apagar, como singela compensação aqueles de quem tirara a
alvinitência epidérmica – o afeto.
Como vimos, essa manifestação de Alcides Cruz ecoou pelo interior do
Estado, sendo usada 13 anos após, por um indivíduo negro, devoto do Rosário, em Santa
Maria. Alcunhá-lo pejorativamente de corvo permitiu que ele se posicionasse racialmente,
tomando para si uma identidade representada pelas plurais definições de mestiço, mulato,
negro. Reconhecendo-se como herdeiro da maldição de Cam, Alcides parece contrapor
explicitamente um republicanismo negro/mestiço/mulato a um (mesmo que
socialmente) branco. A retórica racista de Pinto da Rocha permitiu que o professor
Alcides demonstrasse erudição ao associar a ofensa sofrida ao poema de Edgar Allan Poe
e terminasse o artigo pedindo que o seu confrade aceitasse a sua mão estendida, “sem
embargo da minha cor de corvo”.
142 Tanto este artigo, quanto o de 1903 estão disponíveis na íntegra em: CRUZ, 2016.
80
Não sou branco, porque minha mãe e minha vó e minha bisavó não eram;
mas que aqui viveram; como muitas famílias de cor; que vieram
acompanhando outras, a estabelecer-se em São Francisco do Porto dos Casais,
quando foi a famosa corrida, por efeito da lastimável rendição da Colônia do
Sacramento, em 1763. Que era então o Porto Alegre de hoje, que não a mal
conhecida póvoa daquele nome, recém-provida em freguesia? Da vinda dessas
famílias de cor, cuja descendência perdura, vive honradamente e é de fácil
nomeação, há provas nos arquivos eclesiásticos – assentamentos de óbitos,
batizados e casamentos.
Quanto a meu pai, Manoel Pinto Lacerda da Cruz, ignoro se era branco,
porque quando faleceu ainda eu não tinha um ano de idade. Mas como era de
Pernambuco, nascido em Goiana, segundo consta no assentamento de
casamento de minha mãe, dirão os de lá. Sei que veio devido à Revolução
Praieira (1848). Diga, porém, quem o souber, quem eram os Lacerdas de
Goiana, que a mim nada importa, porque nunca os procurávamos.
Meu avô materno, Joaquim Pedro de Freitas, oficial da Legião de São Paulo,
era dos Freitas daquela Capitania, referidos em mais de um passo na
Nobiliarquia Paulista de Pedro Taques e na Genealogia Paulista de
Almeida Leme.
No trecho citado acima, vemos que Alcides Cruz atribui a sua cor ao lado
materno da família. Como um experiente investigador, ele afirma a presença da história
de sua família de cor nos documentos eclesiásticos. A forma como Alcides constrói e expõe
a sua genealogia, dá-nos a ideia de sua autorrepresentação como um indivíduo negro,
consciente de que era fruto de uma família multirracial.
que tal investigação - com o rastreamento dos atos próprios e de seus familiares em
registros eclesiásticos e inventários post-mortem - lhe agradaria. Alcides era fortemente
atraído pela pesquisa histórica e valorizava documentos de origens diversas, usando-os
em suas investigações sobre personalidades e momentos da história regional e nas
referências que fazia da trajetória de sua família, evocando seu lado afrodescendente.
Não devendo confiar cegamente nas ordens do dia, nas partes oficiais e em
outros papéis dessa natureza, ordinariamente escritos sem a devida
sinceridade, como convém às altas patentes que erram, e cujo alvo direto muitas
vezes é dar pábulo às paixões, encobrir faltas (quando não verdadeiros crimes),
amesquinhar o valor e as qualidades do inimigo e elogiar a si próprios, foi
preciso uma grande prudência e muito escrúpulo para apurar a verdade contida
nas entranhas dos arquivos públicos.144
Tais documentos oficiais seriam contaminados, segundo Alcides Cruz, por
um “convencionalismo de etiqueta”145, e só mediante o uso de muito escrúpulo e prudência
se conseguiria atingir a verdade histórica.
Não se nasce negro148, pois tal conformação tem uma dimensão social e se
estrutura paulatinamente ao longo da biografia dos sujeitos, no diálogo com experiências
próprias e familiares. Indivíduos com lugares sociais e com uma condição de classe
específica podem, por vezes, burlar os constrangimentos inerentes a sociedades racistas
como a brasileira, e tornar-se socialmente brancos, invisibilizando momentaneamente a cor,
principalmente em experiências públicas.
147 Na verdade, estas observações se referem à família de Alcides, mas não a ele especificamente. Não
encontramos, até o momento, muitas vinculações dele com o associativismo religioso da cidade. Seu tio, o
conselheiro Leopoldino Joaquim de Freitas, participou longamente da Irmandade dos Pardos de Porto
Alegre, a Nossa Senhora da Conceição (desde a década de 1850 até sua morte). Já, sobre Alcides,
encontramos apenas uma menção de ter participado da Mesa conjunta da Venerável Ordem Terceira de
Nossa Senhora das Dores, que congregava parte da elite social e econômica da capital, em 1911. Naquele
período, o prior era o tenente-coronel Aurélio Viríssimo de Bittencourt, personalidade negra ligada à
cúpula do PRR. (AHCMPA. Livro de Matrícula dos Irmãos da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição. 1845-
1890, fls. 84; A Federação. Porto Alegre, ano 28, n. 27, 31 jan. 1911)
148 OLIVEIRA, Ângela Pereira Oliveira. A Racialização nas Entrelinhas da Imprensa Negra: o caso O Exemplo e
A Alvorada – 1920-1935. Pelotas, 2017. Dissertação (Mestrado) - PGH/ Universidade Federal de Pelotas,
2017.
83
de sua juventude e ele, pelo menos, não precisou dedicar-se a tarefas braçais. De qualquer
maneira, o jovem Alcides certamente aprendeu logo o contexto em que estava envolvido;
e as habilidades sociais de seus parentes e os constrangimentos raciais que sofreram
devem tê-lo instrumentalizado para viver como um negro ou mulato naquela sociedade
altamente excludente.
Referências
Figura 6 - Quadro exposto na Faculdade de Direito da UFRGS. Foto Marcelo Bertani, 2017.
89
Dessa forma, faz-se aqui História do Direito sob um ponto de vista externo151,
buscando-se articular o discurso jurídico com a realidade (i.e., com as Ciências Humanas
* O autor gostaria de agradecer especialmente ao doutor Miguel Frederico do Espírito Santo (presidente
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul – IHGRGS) pelo auxílio em fontes, pela
discussão na elaboração do presente texto e pela inspiração.
** Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com período sanduíche
O caso que aqui se analisa está situado entre o fim do governo Hermes da
Fonseca e o começo do governo de Wenceslau Braz. Há, em tal período, uma
animosidade entre elites civis e elites militares, o que pode ser compreendido pela origem
da República.
152 STOLLEIS, Michael. Nahes Unrecht, Fernes Recht. Göttingen: Wallstein, 2014. p.144-145.
91
153 COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6. ed. São Paulo: Fundação
Editora da UNESP, 1999. p.387-394.
154 LYNCH, Christian Edward Cyril. Da Monarquia à Oligarquia: história institucional e pensamento político
brasileiro (1822-1930). São Paulo: Alameda, 2014. p.173-174.
155 CARVALHO, José Murilo de. Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. Disponível em:
<http://www.academia.org.br/academicos/jose-murilo-de-carvalho/discurso-de-posse >. Acesso em: 11
jan. 2016.
156 RUSSOMANO, Victor. História Constitucional do Rio Grande do Sul. 2. ed. Porto Alegre: Assembléia
Legislativa do Estado do RS, 1976 [1932]. p.149-152.
157 SCHWARTZMAN, Simon. Bases do Autoritarismo Brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Publit, 2007. p.182-186.
92
164 RICCI, Paolo; ZULINI, Jaqueline Porto. Quem ganhou as eleições? A validação dos resultados antes da
criação da justiça eleitoral. Revista de Sociologia e Política, v. 21, n. 45, p. 94-97, mar. 2013
165 LYNCH, Christian Edward Cyril; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. O constitucionalismo da
inefetividade: a Constituição de 1891 no cativeiro do estado de sítio. In: ROCHA, Cléa Carpi da et al.
(Orgs.). As Constituições Brasileiras: notícia, história e análise crítica. Brasília: OAB, 2008. p. 48.
166 Idem, 2014, p. 90
167 VENÂNCIO FILHO, Alberto. Juízes e Tribunais – Perspectivas da História da Justiça no Brasil – O STF
na República Velha. DPU, n. 41, p. 192, set./out. 2011
168 LYNCH, 2014, p. 17-18.
169 LYNCH, Christian Edward Cyril. O Momento Oligárquico: a construção institucional da República
brasileira (1870-1891). Historia Constitucional, v. 12, p. 297-325, 2011. p.307-311.
170 LYNCH, 2008, p. 29-30.
171 Conforme o uso do termo na época estudada. Nesse sentido, ver CARNEIRO, 1930, p. 127-177.
94
oligarquias dos estados; e as decisões dos ministros do STF variavam conforme a posição
adotada nas alianças políticas federais pelos grupos estaduais aos quais os ministros eram
ligados172. Muitos dos ministros tinham carreira política, muitos foram chefes de polícia,
muitos foram jornalistas, muitos publicaram livros de poesia e romance etc. Sublinhamos
que os juízes do STF no período aqui analisado são formados nas faculdades brasileiras
(com a exceção de um) entre 1851 e 1888, sem contar os advogados, jornalistas, políticos
etc., que também contribuíam para a formação do direito.
Apenas para fazer um paralelo, de forma comparativa, Alcides Cruz tem uma
carreira de perfil similar a muitos dos ministros do período. Cruz se matriculou na
Faculdade de Direito de São Paulo em 1891, onde colou grau como bacharel. Ele foi um
dos fundadores e lente da Faculdade de Direito de Porto Alegre, hoje unidade da
UFRGS, onde lecionou Direito Administrativo e Filosofia do Direito, em substituição a
James Darcy. Foi, ainda, deputado estadual e muito atuante no jornalismo 173.
Com as reformas pombalinas, pela Lei da Boa Razão é operada uma total
remodelação nas fontes (e, assim, nos conteúdos) do direito português e, a pretexto desta
remodelação, introduzidos novos métodos de interpretação e de integração do direito,
tarefa que Pombal completaria nos Estatutos Pombalinos da Universidade, em conjunto
com os quais esta lei tem de ser entendida. Pombal, sagazmente, mais do que apenas
editar leis, pôs os juristas a trabalhar para ele como agentes da transformação, realizando
uma modificação profunda do estilo de trabalho, recorrendo ao novo corpo doutrinal
que a produção dogmática dos alemães tinha mais uma vez adaptado do velho direito
romano-justiniano, neste ponto, às necessidades das sociedades burguesas em
desenvolvimento acelerado no Centro da Europa. Tal sistema dogmático e normativo
havia sido originariamente designado por usus modernus pandectarum (uso moderno das
Pandectas, ou seja, dos textos do direito romano); mas, agora, com a naturalização
progressiva da visão de mundo burguesa, foi decorado com uma denominação mais
prestigiada, a de “direito natural”. Em tal contexto, o direito romano suscetível da
aplicação subsidiária em Portugal seria somente o que estivesse de acordo com os
princípios de direito natural ou das gentes em vigor nas nações cristãs e civilizadas,
174 HESPANHA, António Manuel. A História do Direito na História Social. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.
p.73-82.
175 Ibid., p.82-108.
176 ADORNO, Sergio. Os Aprendizes do Poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1988. p.82.
177 BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p.XV.
178 LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: lições introdutórias. 3. ed. 3. reimpr. São Paulo: Atlas,
2011. p.316.
96
as virtudes do ensino do Direito Romano como também estabelecia que ele deveria ser
a fonte primacial do direito brasileiro. Todavia, a cadeira de Direito Romano só foi
formalmente introduzida, ou restaurada ao modelo do Visconde de Cachoeira, no
currículo jurídico do Império em 1851. Entretanto, os primeiros professores, assim como
os livros, como os de Melo Freire, mantiveram a tradição coimbrã 179.
Ademais, era possível que isso fosse uma estratégia, para utilizar os juristas
como agentes do desenvolvimento. Isso também vai ter conexão com a questão que
alcança o período aqui pesquisado, de que os termos “pensamento constitucional” e
“pensamento político” se confundiam em certa medida. Não existindo uma separação
clara entre as reflexões e atividades que envolviam o direito constitucional e as
instituições políticas, os principais teóricos da Constituição foram também as principais
figuras da sua operacionalização prática181.
1870) resultaria em uma tentativa bastante imediata de adaptar o direito a essas teorias,
aplicando-as à realidade nacional. Recife teria sido, talvez, o centro que se apegara de
forma mais radical tanto às doutrinas deterministas da época como a certa ética científica
que então se difundia184.
184 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil-1870-
1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.146-151; WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito
no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.81-83.
185 ADORNO, 1988, p. 92-95; SCHWARCZ, 1993, p. 174; WOLKMER, 2002, p. 83.
186 SCHWARCZ, 1993, p. 186-187.
187 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p.39-44; SONTAG, Ricardo. Triatoma
Baccalaureatus: sobre a crise do bacharelismo na Primeira República. Espaço Jurídico. Joaçaba, v. 9, n. 1, p.
67-78, jan./jun. 2008. p.68.
98
A crítica de que o ensino era precário, isto é, não impactava a formação dos
alunos e de que a importância das faculdades de direito estava menos no conhecimento
ali transmitido do que no estabelecimento de redes e afinidades políticas que elas
propiciavam, é exagerada. Lendo sobre os currículos, os professores, obras e pensamento
jurídico dos docentes e comparando os produtos disso, os alunos, não se deixa de notar
continuidades189. Claro que questões paralelas, que faziam parte da vida dos estudantes,
eram importantes, como dedicar-se ao jornalismo, fazer literatura, especialmente a poesia,
consagrar-se ao teatro, ser bom orador, participar dos grêmios literários e políticos, das
sociedades secretas e das lojas maçônicas 190. Mas isso não excluía a relevância das aulas.
Alguns dos ex-estudantes que escreveram críticas às faculdades, que se diziam
“autodidatas”, que pouco teriam adquirido nas faculdades, como Silvio Romero, fizeram-
no para legitimar suas posições hipoteticamente inovadoras, de suposta “ruptura”, pois
é perceptível uma influência de fundo neles. Entende-se aqui que esse tipo de jurista é
tipicamente brasileiro, com as características que identificamos nestes, conforme tratado
adiante. Outros, escrevendo no começo do século XX, fizeram-no no contexto do
conflito entre os “homens de ciência” e os “homens de letras”, quando caía o prestígio
dos bacharéis.
193 LOBO, Judá Leão. A Opinião Pública entre Pensamento e Arquivo: encarnação e releituras de uma categoria
constitucional no Brasil monárquico. Curitiba, 2015. 213p. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal
do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2015.
194 Ver ADORNO, 1988; COELHO, 1999; FREIRE, 1977; HOLANDA, 1995; PENA, 2001a; 2001b; SÁ,
2006; SCHWARCZ, 1993; SILVA, 2005.
195 VENÂNCIO FILHO, 1982, p. 148-151.
196 GALVÃO, Laila Maia. Espaços de Construção da Interpretação Constitucional: análise dos congressos jurídicos da
Primeira República. [S.l.: s.n.], 2012.
197 RAMOS, Henrique Cesar Monteiro Barahona. A Revista “O Direito” – Periodismo Jurídico e Política no
final do Império do Brasil. Niterói, 2009. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, 2009.
198 PIVATTO, 2010; PIVATTO, Priscila Maddalozzo. Leituras Republicanas: produção e difusão de livros de
Direito Constitucional brasileiro na Primeira República. História. São Paulo, v. 30, n. 2, p. 144-178,
ago./dez. 2011.
100
houve um tempo em que Rui Barbosa era imbatível, tendo sido aclamado como
o maior ‘ator’ entre todos, ou ainda como a maior inteligência entre todas do
planeta. Dominava a ‘arte de bem dizer’ e de encantar o público com palavras
tão sonoras e períodos tão bem decorados que parecia mesmo querer arrebatar
o espírito dos auditores que o apreciavam embevecidos. No período em que
reinava Barbosa, Oswaldo Cruz, por exemplo, não fazia ‘apresentações’.
Não dominava a técnica de exibição em público. Não era orador, não possuía
vasta memória. Não era talhado, nem formado para esse tipo de encenação
pública. Não ‘tinha tempo’; aliás, preferia dedicar-se com exclusividade à
figura dramática que ‘tinha escolhido’ para si. No mais, à vista de Barbosa,
seria considerado limitado pelo público, por suas falas serem muito específicas
e por sua exibição ser tão esotérica. No entanto, no tempo em que Oswaldo
Cruz foi aclamado como ator de um só personagem - o ‘Pasteur brasileiro’ -,
Barbosa já era alvo das maiores caçoadas, pela pretensa inutilidade das peças
inteiras que levava à mente. A plateia passava a desconfiar de tamanha boa
memória, insistindo em saber do préstimo dos saberes desfilados ao palco 201.
No caso específico de Rui Barbosa, o “bacharel”, o “homem de letras”, a
evolução da crítica foi a seguinte:
199 Ver SILVA, Wilton C. L. Os Guardiões da Linguagem e da Política: o bacharelismo na República Velha.
Justiça & História, v. 5, n. 10, p. 1-23, 2005; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995; FREIRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. Rio de Janeiro: José Olympio,
1977; ADORNO, 1988; PENA, 2001b); COELHO, Edmundo Campos. As Profissões Imperiais: medicina,
engenharia e advocacia no Rio de Janeiro (1822-1930). Rio de Janeiro: Record, 1999; SCHWARCZ, 1993;
SÁ, 2006.
200 ALVAREZ, 2012, p. 287.
201 SÁ, Dominichi Miranda de. A Ciência como Profissão: médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935).
Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. p.22.
101
Para começar a descrição que deles era feita nas revistas, saliente-se a
presumida suntuosidade desses ‘homens de letra’. Todos com sua expressão
facial ponderosa, trajados solenemente em sobrecasaca preta e cartola (‘Bilhetes
à Cora’, Fon-Fon!, n. 28, out. 1907). Sem esquecer o monóculo e o charuto
entre os dedos, e sempre ciosos dos modos elegantes de se portar em casas de
fora. Habitués das festas mundanas, dos bailes, banquetes e mesas de doces
do Palácio Monroe, recitariam versos, longos trechos de prosa e monólogos que
decorariam aos montes; além de cantar cançonetas, dançar valsas e o pas de
quatre. Saberiam, é claro, francês, e leriam romances em inglês, alemão e
espanhol. Teriam lá suas doses de filosofia, direito criminal, sociologia e de
economia política. Na estante, Augusto Comte, Platão, Sócrates, Balzac,
Zola, La Fontaine, Byron, Shakespeare – afinal, “um pouco de tudo”
('Vendo autores', Careta, n. 8, jul. 1908). Uma vez de posse desses atributos,
toda a gente era cumprimentada como ‘doutor’, contam as revistas. Expressão
que, como a de bacharel, passou a ser cada vez mais confundida na linguagem
corrente da cidade com o genérico termo ‘homem de letras’. Ideias proliferariam
no espaço público como moscas, inúmeras, e por qualquer pretexto “a gente
Aponta Fonseca que outra face óbvia desse tipo de profissional seria, de um
lado, naturalmente, a da intervenção jornalística (usando-se dessa linguagem que se
assemelha, de fato, àqueles conteúdos de eloquência retórica próprios de uma cultura que
valoriza a oralidade), atividade na qual os advogados eram, efetivamente, presença
constante, e, de outro lado, a intervenção política (a atuação do advogado como homem
público, o homem “de causas”)207.
216 BORGES, Vera Lúcia Bogéa. Morte na República. Os Últimos Anos de Pinheiro Machado e a Política Oligárquica
(1909-1915). Rio de Janeiro: IHGB/Livre Expressão, 2004. p. 105, 110-116; PENNA, Lincoln de Abreu.
Uma História da República. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p.107
217 CARONE, Edgard. A República Velha: Evolução Política. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971. p.228-
229; BORGES, op cit., p. 120-126.
106
quatriênio seguinte. Enquanto isso, São Paulo não apoia a candidatura de Hermes e
procura candidato218.
(estado então na oposição), que era o único caso em que o interesse de intervenção era
comum ao Pinheirismo e aos militares do Salvacionismo231.
Vocês já devem ter notado que sempre que o Pedro Lessa é o relator de um
caso, o Enéas Galvão não subscreve o parecer, dá voto vencido e vice-versa.
Há mais. Ambos se procuram ferir por meio de palavras e frases mais ou
menos ásperas, proferidas de maneira indireta e em oposição às alegações
contidas no parecer do outro.
Se vocês corressem os debates publicados, se atendessem aos discursos
pronunciados da cátedra ministerial, chegariam à observação real da prevenção
que existe entre os dois eminentes juízes.
231 CARONE, 1971, p. 263-265; CARVALHO, 2006, p. 47; SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O
Processo Político-partidário na Primeira República. In: MOTTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em
Perspectiva. 8. ed. São Paulo: Difel, 1977. p.203.
232 RODRIGUES, 1991b, p. 118.
233 A ÉPOCA, 22 jan. 1916, capa.
234 A ÉPOCA, 22 jan. 1916, capa.
109
E, então, conclui:
Essa briga ainda era um resquício das disputas que tiveram o seu auge durante
o governo Hermes, e que se encerraram progressivamente após o término do governo
de Hermes da Fonseca, tendo fundamento também em um fator externo, com a morte
de Pinheiro Machado em 1915, e interno, com a doença e morte de Enéas Galvão, que
viria a ocorrer em 24 de novembro de 1916, aos 53 anos de idade.
A análise que aqui se faz interpreta uma motivação política por detrás da
divisão supra-apontada, assim como fez Koerner:
Nos famosos habeas corpi do caso da Bahia de 1912, pedidos ao STF pelos
aliados de Rui Barbosa, a distribuição dos votos foi a mesma, exceto pelo voto de
Guimarães Natal, pois Bulhões tinha rompido com Hermes devido à sua intervenção na
política dos estados243.
240 LYNCH, Christian Edward Cyril. Cultura Política Brasileira. In: SANTOS, Gustavo; BRITO, Éder (Orgs.).
Política no Brasil. São Paulo: Oficina Municipal, 2015. p. 149.
241 KOERNER, 1998, p. 200-201.
242 Ibid., p.201.
243 Ibid., p.201.
244 KOERNER, 1998, p. 201.
112
245 BELLO, José Maria. História da República. 6. ed. São Paulo: Nacional, 1972. p.221.
246 Embora aqui se concorde em grandes linhas com o argumento utilizado em sua excelente obra, bastante
citada nesta tese, pontualmente se discorda de Lynch na interpretação de Enéas Galvão, pois ele não fazia
parte dos “excluídos do arranjo oligárquico, permanentes ou episódicos”, de uma “oposição liberal”
(LYNCH, 2015, p. 91, cf. também LYNCH, 2015, p. 149). Penso que essa impressão poderia ser
decorrente da leitura de Rodrigues (1991b). Em parte por ser parente de Hermes, em parte por suas
posições, sempre se manteve fiel ao hermismo.
113
Já para o civilista Pedro Lessa, o habeas corpus tinha por fim exclusivo garantir
a liberdade individual. A liberdade individual, ou pessoal, que seria a liberdade de
locomoção, a liberdade de ir e vir, seria um direito fundamental, que assenta na natureza
abstrata e comum do homem. Entendia ser possível controlar a constitucionalidade dos
atos do presidente, mesmo em casos políticos, pois os cidadãos tinham determinados
direitos que não poderiam ser violados. Era maleável com o uso das provas, variando a
sua posição de acordo com as conveniências. Era estadualista. Um judiciarista, embora um
judiciarista de oportunidade, pois era leal à política paulista.
O que ocorreu em tal caso foi: Oliveira Botelho foi eleito por Nilo Peçanha e
durante seu governo desentendera-se com o chefe oligarca, porque o primeiro era a favor
da candidatura de Pinheiro Machado à presidência da República e o outro era contrário.
Quando chega a época da sucessão estadual, Oliveira Botelho escolheu o tenente
Feliciano Sodré, e Nilo Peçanha levantou sua própria candidatura (jan./fev. de 1914). As
eleições correm normais (12 de julho), mas logo começam os conflitos: os deputados
governamentais, liderados por Ponce de Leon, impedem a entrada da oposição no prédio
da Assembleia; os deputados oposicionistas, liderados por João Guimarães, pedem
habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal para poder se reunir em outro prédio
(julho)251.
248 Ver, e. g., a discussão entre Alcides Cruz e Joaquim Luís Osório, um liberal que era membro do PRR e
autor de um importante livro em que comentava a Constituição castilhista do RS. Em tal discussão,
enquanto Joaquim Osório argumentava contra a criação de imposto, Alcides Cruz sustentava que “imposto
é instrumento da ação e do progresso social” (A FEDERAÇÃO, 13 dez. 1909, capa). Por ter posição
favorável ao divórcio, também entrava em atrito com juristas católicos doutrinários (GAZETA DA
TARDE, 29 out. 1898, p. 3).
249 Por exemplo, era apontado como possível candidato pinheirista em 1913, ao lado de Flores da Cunha e
Ildefonso Pinto (JORNAL PEQUENO, 28 jan. 1913, p. 3). Suas ligações com o pinheirismo também
podem ser observadas em caso dos anos de 1910/1911, quando o delegado Amynthas Maciel de Oliveira
e o juiz de Livramento Luiz Mello Guimarães foram acusados da morte de um irmão de João Francisco
Pereira da Cunha no Club Pinheiro Machado, em Santana do Livramento. Alcides Cruz assinou o habeas
corpus em defesa dos acusados ao lado dos então também pinheiristas Getúlio Vargas e Flores da Cunha.
250 Aquilo que ficou conhecido como O Caso do Rio começa ainda no governo Nilo Peçanha e possui uma
série de reviravoltas até findar no governo de Wenceslau Braz, mas, infelizmente, não dispomos aqui de
espaço para tratar do caso completo.
251 CARONE, 1971, p. 299.
115
o habeas corpus era restrito ao amparo da liberdade física. A esses votos não
se podia juntar o do Sr. Ministro Pedro Lessa, porque entendia S. Exa. que
o habeas corpus, guardando, embora, o conceito das antigas leis, era suficiente
para proteger o indivíduo contra um ataque à sua atividade como funcionário
ou profissional.
Enquanto o júri caminhava para o perecimento, o habeas corpus, ao contrário,
ia alargando a sua esfera até abraçar a liberdade individual nas suas mais
variadas formas de manifestação. [...] Nenhum outro meio existente em nossa
processualística capaz de amparar eficazmente o exercício livre de todos os
direitos, a liberdade de ação, a faculdade de fazer tudo o que a lei não veda
ao indivíduo, a de proteger este para não ser obrigado a fazer o que a lei não
lhe impõe, uma grande porção de atos cuja prática pode ser obstada, sem que
isso se dê para impedir-se a livre locomoção. Dentro da própria prisão, o
condenado pode invocar a proteção do habeas corpus para garantir-se contra
excessos do poder, evitar constrangimentos além dos decorrentes da sentença
que o lançou no cárcere. [...] Com essa extensão, com esse critério, o Tribunal
deferira os pedidos de habeas corpus impetrados a favor de conselheiros
municipais, de deputados estaduais, de magistrados, de funcionários de ordem
administrativa. Nem de outro modo teria sido eficaz nesses casos a concessão
da garantia constitucional. Se a lei vive principalmente pela interpretação que
lhe dão os juízes nos casos que decidem se tal tem sido a Interpretação do texto
constitucional, o Tribunal, que em casos idênticos a este assim tem entendido,
assim julgará sempre, porque nessa firmeza de conduta, de orientação da
justiça, repousa a tranquilidade dos jurisdicionados.
Haveria erro nessa jurisprudência? Não. Se o conceito do habeas corpus
evoluiu por esse modo é porque as necessidades da nossa organização social ou
política o exigiram, como resultante de repetidos atentados à liberdade
individual, determinando, assinalando função maior, mais alta ao instituto
do habeas corpus.
Cresceram as necessidades da defesa do indivíduo, e muito naturalmente
determinou isso a expansão daquela norma judicial, desenvolvendo-se em
determinado ambiente, e exigindo para que possa manter-se, ou prover à sua
defesa contra os ataques do mundo exterior uma cada vez maior capacidade
dos órgãos judiciais. [...] No nosso meio político, os repetidos ataques à
liberdade individual impuseram a necessidade de alargar a concepção do
habeas corpus, o exercício deste meio judicial. O que se pode desejar é que esta
função não tenha necessidade de progredir mais tarde, ao invés de tornar
precisa para o futuro a criação de uma ação judicial especial para a defesa do
indivíduo contra os desmandos do poder público. Não há outra explicação
para o fenômeno que ao observador menos atento pode sobressaltar. O
Tribunal está cumprindo a sua missão tutelar dos direitos, está evoluindo com
as necessidades da justiça; se há excesso, é o excesso que leva ao caminho da
defesa das liberdades constitucionais. Concedo o habeas corpus nos termos do
pedido256.
Ao mesmo tempo, ele era aliado não somente de Pinheiro Machado, mas
também de Pedro Mibielli (desde os tempos em que Mibielli foi membro da magistratura
estadual), que muito elogiava pela imprensa.
Como era comum aos pinheiristas, afirmava que os atos políticos não estariam
sujeitos a recurso de espécie alguma, “como é corrente em direito público”264, tendo
elaborado sofisticada doutrina que estabelecia que as variadas e múltiplas ações dos
chefes de Estado se exteriorizam na prática por uma série de atos, em última análise
reduzidos a dois únicos tipos: atos políticos e atos administrativos. Enquanto que os atos
administrativos não seriam suscetíveis de uma rigorosa enumeração, dada a sua
diversidade e multiplicidade, os atos políticos seriam aqueles concernentes à ação e às
relações exercidas pelos órgãos políticos entre si, e também os de ordem política e
constitucional feitos com o desígnio de ser mantida a unidade política. Sobre esses atos
os tribunais nenhuma ação exerceriam e, portanto, escapariam a toda ordem de
recurso265.
Alcides Cruz lamentava a decisão e afirmava que três coisas concorreram para
esse inglório desideratum: a artimanha e a audácia do político (Nilo Peçanha), por um lado;
a fraqueza do Supremo Tribunal Federal, por outro 269.
Afirmava que
E ressaltava:
§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal
Federal:
[...]
b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição,
ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis
impugnadas.
[...]
Art 60 - Compete aos Juízes ou Tribunais Federais, processar e julgar:
[...]
d) os litígios entre um Estado e cidadãos de outro, ou entre cidadãos de Estados diversos, diversificando
as leis destes;
[...]
i) os crimes políticos.
§ 1º - É vedado ao Congresso cometer qualquer jurisdição federal às Justiças dos Estados.
§ 2º - As sentenças e ordens da magistratura federal são executadas por oficiais judiciários da União, aos
quais a polícia local é obrigada a prestar auxílio, quando invocado por eles.
268 A FEDERAÇÃO, 5 jan. 1915, capa.
269 Ibid.
270 A FEDERAÇÃO, 8 jan. 1915, capa.
271 Ibid.
120
De toda esta longa enunciação resulta que naquele país, por excelência
republicanamente educado, cujas instituições, cujas praxes jurídicas, cujos
métodos e cujas interpretações constitucionais nós brasileiros frequentemente
invocamos, as contendas políticas locais se dirimem com o beneplácito tão
somente dos poderes políticos por excelência: jamais, porém, com o do poder
judiciário.
Como era rio-grandense e castilhista, fazia a seguinte ressalva, extremamente
importante para o contexto do Rio Grande do Sul: “É entretanto de ver que a maioria
desses incidentes, muitos deles complicados e de excepcional gravidade, se liquidam pelo
interesse das próprias partes interessadas e promotoras, sem o concurso da autoridade
federal”272. Ou seja, nada do governo federal intervir na disputa entre ximangos e
maragatos.
O retumbante acontecimento do Rio era dos que deviam ser decididos por si
próprio, como incidentes de aspecto idêntico o terem sido em outros Estados.
Pelos tribunais, poder estranho, a situação só tinha de agravar – e
consideravelmente, como era de esperar; de sorte que os promoventes dessa
subversiva e reacionária solução, sem outro fim em mira que não o de agitar
os espíritos, o de ameaçar os tímidos e de amedrontar os fracos, quando havia
uns tantos meios que não forma sequer tentados, merecem a mais enérgica
censura, da qual participará o Supremo Tribunal com a sua conivência em
tão perigosos expedientes, que oxalá não se reproduzam para decoro e respeito
da República273.
Essa era a mesma posição de Pinheiro Machado a respeito do caso, apenas
revestida de maior erudição, de maior eloquência e de maior verniz jurídico.
Conclusão
Referências
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125
E, por outro lado, certamente uma questão que envolvesse um bem natural,
como, no caso, a água, não era novidade na vida de Alcides Cruz. Em diferentes
oportunidades, manifestou-se em favor da manutenção de nossas matas 275. Discutir na
Justiça critérios para uso da água dos nossos rios e arroios não se constituía motivo que
o afastasse de enfrentar o processo – ao contrário. E, claro, havia o interesse também
como profissional da Advocacia, como Professor da Faculdade de Direito e o contato
direto com o Chefe do partido.
*Jornalista.
Pesquisador. Integrante do Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul.
274 Antônio Augusto Borges de Medeiros foi Presidente do Rio Grande do Sul entre 1898 e 1908 e também
entre 1913 e 1928. Bacharelou-se no curso de Ciências Jurídicas e Sociais em Recife, em 1885, após tê-lo
iniciado em São Paulo. Participou da Constituinte, em 1890-1891. Republicano, foi escolhido para integrar,
como Desembargador, a primeira composição do Superior Tribunal de Justiça do Estado. Em maio de
1893 afastou-se um período para defender o Governo pelas armas durante a Revolução Federalista,
retornando ao cargo no Superior Tribunal em 1894, renunciando em fevereiro de 1895, por ter sido
nomeado Chefe de Polícia do Estado e entender ser o cargo incompatível com a sua atividade política.
275 Em 11/9/1909, na sessão da Assembleia dos Representantes (a atual Assembleia Legislativa), Alcides Cruz
pede a palavra e apresenta uma moção em favor das matas que seria dirigida à representação rio-grandense
no Congresso Nacional. Mais detalhes nos Anexos deste texto.
276 A Federação, Edição nº 125, de 1º jun. 1911.
277 Francisco de Souza Ribeiro Dantas Filho nasceu em São José de Mipibu, RN, em 12/5/1862 e faleceu em
Porto Alegre, a 27/4/1931. Em 1884, bacharelou-se pela Faculdade de Direito de Recife. Foi Procurador
Fiscal da Tesouraria Provincial em RN, em 1885. No mesmo ano transferiu-se para o Rio Grande do Sul,
tendo sido nomeado Juiz Municipal e de Órfãos de Santo Ângelo, cargo do qual se exonera em 1888 para
acompanhar José Gomes Pinheiro Machado na propaganda republicana. Proclamada a República, foi
nomeado Promotor Público em Santo Ângelo, que exerceu interinamente até janeiro de 1890. Neste ano,
tornou-se Juiz Substituto e, em 1891, Juiz de Direito de Santo Ângelo. Foi Juiz de Direito em Porto Alegre
e depois Desembargador do Superior Tribunal de Justiça. Ingressou como Professor na Faculdade Livre
de Direito de Porto Alegre em 1906, aonde lecionou a cadeira de Direito Penal por 25 anos. Há um retrato
do Professor no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFRGS, mesmo local em que lecionara. No
mesmo ambiente, há o retrato de Alcides Cruz, também professor no mesmo local. Contribuiu com
melhorias ao texto do Código de Processo Civil e Comercial do Estado. (MACEDONIA, Leonardo.
Mestres do Passado. Revista da Faculdade de Direito de Porto Alegre. ano 4, n. 1, p. 149-151, 1958. Disponível
em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/revfacdir/article/view/66984/38251>.
278 Não foi localizado o processo, – provavelmente incinerado no incêndio do prédio do Tribunal de Justiça,
ocorrido em 19 de novembro de 1949.
279 O Juiz Distrital Manuel Pereira de Escobar Júnior teria sido o magistrado que primeiro conheceu a causa.
280 Isto muito antes da atual legislação sobre uso da água existir no Brasil em que são previstos comitês
formados por instituições governamentais, empresariais, de ensino, sindicais e da comunidade, além do
126
Era uma disputa pelo uso das águas do arroio Ribeiro, na região que hoje conhecemos
como Barra do Ribeiro281.
pagamento pelo seu uso. É exemplar, atualmente, por exemplo, o Comitê de Gerenciamento da Bacia
Hidrográfica do Rio dos Sinos (www.comitesinos.com.br).
281 Em 1959, a região tornou-se Município e, em 1984, sede de Comarca (instalada em 1986).
282 Hoje a região continua produzindo arroz. Segundo estatísticas do IRGA – Instituto Rio Grandense do
Arroz a área do Município de Barra do Ribeiro cultivou 13.179ha, colhendo 96.910t de arroz na safra 2016-
2017. (Fonte: www.irga.rs.gov.br)
283 Ordenações Filipinas foi uma compilação de legislações esparsas que levou o nome de Felipe II, rei da
Espanha e de Portugal, reformador do Código Manuelino. A partir da sua entrada em vigor, em 1595,
passou a incluir novas leis.
127
segundo este alvará, as águas dos rios e ribeiros podem ser ocupadas por
particulares e derivadas por canais ou levadas em benefício da agricultura e
indústria, contanto que a ocupação não prejudique aos que já anteriormente
faziam uso das águas para a rega de terras ou para o labor de máquinas (§§
11 e 12 do citado Alvará)284.
Concluiu que os réus haviam infringido exatamente estes dispositivos do
Alvará ao construírem uma represa nas águas do arroio Ribeiro, com prejuízo aos autores,
que já faziam uso delas para a irrigação de terrenos em que cultivavam arroz. Como
condenação, Ribeiro Dantas determinou a redução do volume de águas captadas na
barragem dos réus, de forma a não prejudicar a cultura dos autores, nem o abastecimento
de água aos habitantes do povoado “Barra do Ribeiro”. E também condenou os réus a
indenizarem o dano causado aos autores. Veja a íntegra da decisão no anexo que se segue
a este artigo.
E consignou ter havido outra decisão em caso análogo, cuja sentença, da lavra
do juiz da Comarca de Cachoeira do Sul, dr. Mello Guimarães 285, concluiu no mesmo
284 O Alvará de 27 de novembro de 1804 integra os aditamentos do Livro 4 das Ordenações Filipinas.
Reformou em alguns pontos o Alvará de 20 de junho de 1774 e tratou de regulamentar questões que
prejudicavam a produção de cultura de forma a não prejudicar a classe dos proprietários. O parágrafo 11
diz o seguinte: “Em qualquer das Províncias do Reino, aonde ou alguma Povoação em comum, ou algum
Proprietário em particular empreender o tirar de algum Rio, Ribeira, Paul, ou Nascente de água, algum
Canal, ou Levada para regar as suas Terras, ou para esgotar sendo inundadas, requererá a qualquer dos
Ministros de Vara Branca do Termo, ou Comarca, para que lhe demarque, e assine o lugar, e sítio mais
cômodo, por onde ela pode ser construída, ouvindo o parecer de Louvados, ou de pessoas inteligentes: o
qual do que acordarem mandará formalizar um processo verbal, e por ele lhe dará, ou negará a licença para
a construção, citando-se por Editos as partes interessadas; e do que julgar se poderá recorrer à Mesa do
Desembargo do Paço. Não poderão estas obras ser embaraçadas pelos Proprietários dos Terrenos, por
onde elas passarem: mas serão obrigados a deixarem construir o Aqueduto, e passar a água, pagando-se-
lhe o prejuízo por arbítrio de Louvados. Já o parágrafo 12, diz: Excetuo porém as Quintas nobre, e
muradas, e os quintais dos Prédios urbanos nas Cidades ou Vilas, pelos quais seria de grave prejuízo a
construção de levadas, ou canais para as regas: pois a respeito dessas somente poderá se obter a Licença
por expressa Resolução minha, tomada em Consulta da Mesa do Desembargo do Paço, no caso de se
verificar um grande interesse na construção do Canal. E excetuo também o caso em que a levada prejudica
a outra já construída, ou seja para rega de Terras, ou para alguns Engenhos; porque então somente será
permitida a Licença, quando possa haver cômoda divisão da água, de forma que não fique inútil a cultura
já feita, ou o Engenho já construído.” (Fonte: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l4pa1020.htm.)
285 Luiz Mello Guimarães nasceu em Rio Grande, RS, em 18 de outubro de 1874. Formou-se em Ciências
Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito de São Paulo em 1897. Júlio de Castilhos convidou-o para ser
Promotor de Justiça. E depois, apelou para que Mello Guimarães seguisse a carreira da magistratura “então
dominada por nortistas” (citação ao livreto “A Última Lição do Mestre” que contém o discurso do então
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Professor Geraldo Octávio Brochado da Rocha,
em 1953, realizado em sua homenagem – Acervo do Memorial do Judiciário). Fez então concurso para a
magistratura, atuando nas Comarcas de Encruzilhada do Sul, Santa Vitória do Palmar, Santana do
Livramento, Cachoeira do Sul, Rio Grande e Pelotas. Guimarães, em 1921, foi nomeado Desembargador
do Superior Tribunal de Justiça. Foi o primeiro presidente do Tribunal Regional Eleitoral, entre 1932 e
1935. Foi presidente da Corte de Apelação, atual Tribunal de Justiça, entre 1935 e 1936. Integrou a
Comissão que elaborou o anteprojeto da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em 1935.
(Informações disponíveis no Banco de Magistrados do Memorial do Judiciário do RS e Memorial da Justiça
Eleitoral Gaúcha). É bisavô do Desembargador com o mesmo nome integrante do atual Tribunal de
Justiça.
128
sentido286. Também o Superior Tribunal de São Paulo decidira em 1910 aplicando o item
12 do Alvará de 1804, “já existindo o açude e engenho dos autores não podia o réu, por
meio de idêntica construção em ponto superior, desviar as águas de modo a prejudicar
aquele”. E Alcides Cruz concluiu:
Manifestou-se Cruz:
286 Ainda não foi localizado este processo ou a publicação da sentença aqui referida. Seria a primeira no Rio
Grande do Sul tratando de regular o uso da água, penalizando quem usurpasse o líquido de
empreendimento já existente. Mello Guimarães foi contemporâneo de Alcides Cruz na Faculdade de
Direito de São Paulo.
129
287 Shylock é um agiota judeu que empresta dinheiro a seu rival cristão, personagem fictício da peça O Mercador
de Veneza, de William Shakespeare.
288 Agravo nº 720, Porto Alegre – Vespúcio de Souza Porto, sua mulher e outros, agravantes; Dr. Antonio
Augusto Borges de Medeiros e outros, agravado. Decisão transcrita adiante, nos Anexos.
130
Não se engane, pois, V. Exa., Sr. Dr. Medeiros: V. Exa. Tem a seu serviço
no foro um negro paranoico. Mas[...]cautela: os animais dessa raça,
principalmente o negroide, produto híbrido de um cruzamento maldito, não
primam pela lealdade: lateja-lhes na alma ruim o ódio instintivo contra a raça
superior que os dominou [...].
Houve continuidade no ‘debate’ público. A edição de 8 de julho de 1913 de
A Federação, traz longo comentário de Alcides Cruz sobre a tática de enveredar pelo
ataque à honra de Borges de Medeiros escolhida por Diogo Velho. Em 9 de julho291, em
artigo intitulado ‘Troco Miúdo’, Alcides Cruz rebate direto:
Que não sou branco[...] Eis a estupenda clava [...] de sebo com que o
paspalhão julgou achatar-me! [...] Não sou branco, porque minha mãe e
minha avó e minha bisavó não o eram; mas que aqui viveram; como muitas
famílias de cor, que vieram acompanhando outras, a estabelecer-se em S.
Francisco do Porto dos Casais, quando foi da famosa corrida, por efeito da
lastimável rendição da Colônia de Sacramento em 1763 [...].
Ao final deste longo texto, disse que:
que pudesse ver se o sangue a esvurmar dos fidalgotes mal criados, é azul ou é
como a linfa das rameiras verminosas.
Certamente a Questão das Águas do Ribeiro só obteve tanta repercussão à
época por ter como uma das partes o chefe republicano e presidente do Rio Grande do
Sul, Borges de Medeiros. No entanto, é de se destacar o uso, pelo Judiciário, da legislação
advinda do século XIX – integrada às Ordenações Filipinas, no que se relaciona com o
uso das águas perenes para a irrigação de cultivos destinados ao alimento e ao consumo
dos habitantes de Barra do Ribeiro, então pertencente a Porto Alegre. O Código das
Águas veio apenas em 1934. E a Lei das Águas, em 1997.
Anexos
Para melhor ilustrar o ambiente à época vivido por Alcides Cruz, publicamos
alguns documentos, como as decisões judiciais e excertos de debates havidos na
Assembleia dos Representantes sobre a conservação das matas com a sua participação.
292 Hermann Von Ihering nasceu na Alemanha, em 1850. Foi Médico, Zoólogo e Geólogo. Com 30 anos veio
ao Brasil radicando-se em Taquara, RS e depois em Guaíba, RS. Em 1892, mudou-se para São Paulo onde
fundou o Museu Paulista e também o Jardim Botânico. Pai de Rodolpho von Ihering, nascido em Taquara,
RS, e considerado o pai da piscicultura no Brasil.
132
Referências
Fontes:
Arquivo do Correio do Povo
Hemeroteca do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa
Hemeroteca da Biblioteca Nacional (edições do jornal A Federação e a Mensagem enviada à
Assembléa dos Representantes do Estado do Rio Grande do Sul pelo Dr. Carlos Barbosa Gonçalves –
20 de setembro de 1911)
137
1 Introdução
Este trabalho parte do acesso aos livros publicados por Alcides Cruz, dos
discursos parlamentares encontrados na Assembleia Legislativa e uma grande quantidade
de artigos encontrados em longo trabalho realizado pelo Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Sul293 em periódicos como A Federação294, Annuario do Estado do
* Doutorado em Direito (2013-2016, bolsa CAPES), Mestrado Acadêmico (2012, bolsa CNPq),
Especialização em Direito do Estado (2011) e Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais com láurea
acadêmica (2006-2010) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Professor das pós-
graduações da Verbo Jurídico, Instituto de Desenvolvimento Cultural. Editor-Executivo da Revista da
Faculdade de Direito da UFRGS (B1) e da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Sul (B2), membro do Conselho Editorial da Revista E-Civitas (B4), da Revista Brasileira de Direitos
Humanos da Lex Magister (B2), das editoras científicas DM e RJR. Ex-servidor da Corregedoria-Geral da
Justiça do TJ/RS (2009-2016). Autor dos livros "A Constituição de Cádiz: Análise da Constituição Política
da Monarquia Espanhola de 1812" e "A Constituição de Cádiz: Influência no Brasil". Pesquisador dos
Grupos de Pesquisa CAPES: Supremacia do Direito e Direito e Filosofia. Membro da Associação Nacional
de História, da Associação Brasileira de Editores Científicos, Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Direito e Membro Pesquisador do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
293 Essa pesquisa teve apoio fundamental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul,
especialmente da arquivista Vanessa Gomes de Campos, que buscou documentos originais, ofereceu
dados, materiais indispensáveis para a construção dos dados biográficos do autor. Igualmente, foi grande
a importância do doutor Miguel Frederico do Espírito Santo, presidente do Instituto e um idealizador da
retomada dos estudos sobre Alcides Cruz, sempre aberto para discutir o tema com entusiasmo. Agradeço
ainda a Priscila Pereira Pinto e Thais Nunes Feijó pela atuação constante neste e em outros projetos.
294 Este era o “órgão” oficial do Partido Republicano Rio-Grandense, o jornal de divulgação do partido. Ele
circulou a partir de 1884 e a primeira publicação de Alcides parece ter sido em 12 de fevereiro de 1892, no
seu segundo ano de faculdade, um comentário sobre o romance Quincas Borba. Seu primeiro artigo sobre
política foi em 18 de agosto de 1892, em texto defendendo o seu partido e criticando os gasparistas e as
aspirações parlamentaristas defendidas por eles. Foram muitas publicações posteriores, a última encontrada
pelo Instituto Histórico e Geográfico é de 8 de janeiro de 1915, um ano antes de seu falecimento.
138
Rio Grande do Sul295, A Nação296, Gazêta do Foro297. Com essas fontes, tentar-se-á
entender como pensava o pesquisado a respeito da política e da organização do Estado,
do papel dos poderes constituídos e qual deveria ser a atuação deles.
Não se perguntaria, por sua trajetória política, se ele apoiava Júlio de Castilhos,
a quem chama de genial estadista rio-grandense no discurso de seu falecimento298, adepto
do positivismo com ênfase. Mas veremos uma pessoa matizada, e certamente distante do
positivismo ortodoxo, mais próximo de uma posição em que aceitava diversas correntes
e autores para explicar diferentes fenômenos. Procuraremos saber o quanto ele se apoiava
em ideias do positivismo comtiano e, também, a influência do constitucionalismo norte-
americano, das ideias evolucionistas do positivismo de Herbert Spencer e talvez de
posições contrárias ao positivismo. Com essas passagens se pode até caracterizar um
pouco mais a elite do Rio Grande do Sul no início do século, na pessoa de um de seus
membros.
295 Alcides Cruz não apenas publicou, mas assumiu, ao lado de Graciano de Azambuja, a direção do anuário.
Nessa publicação, no ano em que a assume, em 1911, ele fala sobre as dificuldades de publicar no Rio
Grande do Sul, com dados interessantes sobre o cenário editorial local e suas dificuldades: “Seguro
conhecedor do meio em que vivia, Graciano de Azambuja não era tão ingênuo que não previsse logo, que
a terra não comportaria uma revista, nem mesmo da índole das chamadas magazines.
Já, porém que o periódico não podia ser nem trimestral, nem semestral, ao menos que fosse anual. E
praticamente havia uma única forma a dar-lhe, a de almanaque. Só assim, poderia vingar a empresa.
Amadurecida a ideia, a propriedade foi imediatamente esposada pela antiga firma editora Gundlach & Cia.,
hoje Krahe & Cia., que assim se tornou benemérita, amparando aquela modesta causa, mais tarde
estimulada, aplaudida pelos competentes, imitada por outros, e que, afinal, após vinte e oito anos de
indefesso labor, nenhuma compensação material tem outorgado àqueles honrados livreiros”. (CRUZ,
Alcides de Freitas. Annuario do Estado do Rio Grande do Sul para o ano de 1912 – ano XXVIII. Porto Alegre,
1911d).
296 Periódico paulista.
297 Essa publicação também foi editada por Alcides entre 1902 e 1903. Era um periódico jurídico, no qual
havia produções dos editores e convidados, traduções de trabalhos (de Cesare Lombroso, inclusive) e
respostas a consultas feitas.
298 CRUZ, Alcides de Freitas. Discurso na romaria ao túmulo de Júlio de Castilhos. A Federação, Porto Alegre,
24 out. 1910.
299 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. 11. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p.
111.
300 “Todavia descançavam no prestigio de Benjamin Contant. Essa influencia tendeu a diminuir, pela
resistencia que lhe opuzeram os outros membros do governo, de educação scientifica e politica muita
diversa do Comtismo. E então os actos que se seguiram aos em que a influencia positivista é incontetavel,
foram della expurgados. Não só nas reformas dos serviços administrativos, como no projecto de
Constituição, ela não se fez mais sentir”. (FREIRE, Felisbello Firmo de Oliveira. Historia Constitucional da
Republica dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Typophafia Moreira Maximino, 1894. p. 200).
139
Com relação ao uso das fontes, pode parecer que o livro “Noções de Direito
Administrativo Brasileiro”301, a obra de maior fôlego, pudesse se tornar o principal meio
para cumprir o objetivo. A publicação tem uma parte longa sobre o Estado e sua
organização política, no entanto, o livro tem um caráter predominantemente didático e
se dedica mais ao Direito Administrativo, apresentando com simplicidade os conceitos
políticos, de tal forma que até mesmo as influências podem ser difíceis de reconhecer.
Os escritos mais relevantes estão nas outras fontes, na medida em que Alcides se deparava
com situações concretas que demandavam sua opinião ou decidia escrever em particular
sobre um tópico. Assim, essas fontes esparsas serão muito utilizadas, mas, exatamente
por serem dadas predominantemente dentro de contextos políticos ou de resoluções de
casos, é preciso considerar esses posicionamentos com atenção, pois parte de sua carga
poderia estar voltada ao posicionamento no caso debatido. Apesar da necessidade de
atentar ao contexto, foi possível notar uma constância no pensamento do autor, que
propõe ao longo de anos os mesmos pensamentos sobre os temas abordados.
Alcides de Freitas Cruz viveu apenas 49 anos, entre 14 de maio de 1867 e seu
falecimento por tuberculose, em 14 de março de 1916. O principal de sua atuação política
e jurídica se deu a partir do ingresso na Faculdade de Direito de São Paulo, iniciado
quando ele possuía 24 anos, em 1891. Nesse intervalo, ele foi deputado estadual por sete
mandatos a partir de 1897, lente de Direito Administrativo da Faculdade Livre de Porto
Alegre (atual UFRGS) desde julho de 1909, capitão do 7º Batalhão de Infantaria da
Guarda Nacional durante a Revolução Federalista, Promotor de Justiça desde 1900,
advogado, autor, editor e tradutor de diversas publicações.
301 A primeira edição, de 1910, tem esse título. A segunda edição, mais difundida no Brasil, seria lançada em
1914 com o título “Direito Administrativo Brazileiro”.
302 CRUZ, Alcides de Freitas. Carta aberta a Arthur Pinto da Rocha. A Federação, Porto Alegre, 12 jan. 1903.
In: ______. Mestiço, Mulato ou Negro. Porto Alegre: IHGRGS, 2017a. p. 6.
303 Ibid, p. 5.
304 CRUZ, Alcides de Freitas. Troco Miúdo. A Federação, Porto Alegre, 9 jul. 1913. In: ______. Mestiço, Mulato
ou Negro. Porto Alegre: IHGRGS, 2017b. p. 9.
140
PHILOSOFIA DO DIREITO
PROPEDEUTICA
I
PARTE GERAL
V
Noção de philosophia do Direito. Do methodo a seguir estudado da materia.
VI
Theorias antigas acerca do Direito Natural. Crítica da Idéa do Direito
natural.
VII
Doutrina da eschola historica. Seus defeitos; suas vantagens.
VIII
O Direito considerado quanto aos seus fundamentos naturaes.
IX
O Direito considerado quanto a sua evolução historica.
X
Características do Direito antigo. Symbolismo e formalismo do mesmo.
Direito e Religião; Direito e Moral; sua indistinção primitiva.
XI
Fontes do Direito: o costume; a lei; a obra dos jurisconsultos.
XII
Relatividade do Direito. O Direito e as condições sociaes relativamente a
moral, ao territorio, a psychologia, a politica, a cultura, a religião, a esthetica
e a economia dos povos.
XIII
Definições mais notaveis do Direito dadas pelos juristas romanos, pelos
juristas medievaes e pelos metaphysicos. Ihering, Spencer e seus discipulos.
Sylvio Roméro e Tobias Barreto: como todos elles definiram o Direito.
XIV
142
PARTE ESPECIAL
XV
Sujeito de Direito - pessoa physica ou natural; pessoa juridica ou moral.
Objecto do Direito - Cousa. Modo de exercer-se o Direito - Acção.
XVI
Primeira forma de organisação social: a familia; sua constituição, seu futuro.
Theorias modernas acerca da familia primitiva.
XVII
Matrimonio ou relações legaes entre o homem e a mulher. Feição religiosa do
matrimonio; caracter juridico. Indissolubilidade do vinculo conjugal, e divorcio.
XVIII
A propriedade primitiva. O solo como sujeito da propriedade. Conceito
juridico de propriedade.
XIX
Successão legitima e sucessão testamentaria. A successão na antiguidade. Seu
caracter religioso. Liberdade de testar.
XX
A força obrigatoria dos contractos. O primeiro contracto.
XXI
Noção e fundamento das obrigações.
XXII
Natureza e fins do Estado. A boa organização do poder publico.
XXIII
Direito publico e Direito privado.
XXIV
Fundamento do Direito de punir. Este Direito pressupõe o crime. Theorias
acerca do crime.
Porto Alegre, 4 de março de 1905.
O lente substituto,
Dr. Alcides Cruz.
307 CRUZ, Alcides de Freitas. Programma de Ensino para o anno de 1905 da 1.ª cadeira do 1.º anno. Philosofia do
Direito, apresentado pelo Lente Substituto Dr. Alcides Cruz. Porto Alegre: Officinas Typographicas da
Livraria do Commercio, 1905.
143
308 Sobre o tema, o próprio Silvio Romero faz uma síntese: "Funda-se o evolucionismo spenceriano nas quatro
idéias capitaes de todo o desenvolvimento philosophico e scientifico moderno: a critica do conhecimento,
iniciada por Hume, desenvolvida por Kant e levada ás suas ultimas conseqüências por Hamilton e Mansel;
o principio fundamental da evolução, do werden perpetuo, que lhe passou, do próprio Kant, de Góthe, de
Hegel; a aplicação pratica desse principio à biologia pelo experimentalismo transformístico, de von Baer,
Darwin, Wallace; finalmente, a concepção monística do universo, preparada pelas descobertas de Grove,
Meyer, Youle, Helmholtz e trinta outros, aceita hoje geralmente por naturalistas, como Hàckel e por
philosophos, como Noiré". (SILVIO, Roméro. Doutrina contra Doutrina: o evolucionismo e o positivismo
na Republica do Brasil. Rio de Janeiro: J. B. Nunes, 1894. p. 115-116).
309 Tradução livre de passagem de Spencer: "Um organismo social, assim como um organismo individual,
passa por modificações até estar em equilíbrio com as condições ambientais; e após continua sem novas
alterações de estrutura". (SPENCER, Herbert. The Principles of Sociology. Nova Iorque: D. Apleton and
Company, 1898. p. 96).
310 SILVIO, op cit., p. 115.
311 Um exemplo das críticas de Tobias Barreto é a passagem: "Ainda aqui importa observar que o meu ponto
de vista é alguma cousa diverso do da escola positiva, para quem toda a metaphysica é um producto da
insensatez; o que aliás não obsta que ella tenha creado uma metahistoria e uma metapolitica, tão pouco
adaptadas aos factos se tão difficeis de compreender, como a velha sciencia dos noologos e
transcendentalistas". (BARRETO, Tobias. Ensaios e Estudos de Philosofia e Crítica. Pernambuco: José
Nogueira de Souza, 1889).
312 Esses dados são retirados da obra de José Salgado Martins, que traça com detalhes relevantes o precoce
desenvolvimento intelectual do Rio Grande do Sul a partir do início dos 1800, avançado, ainda que restrito
a uma parcela pequena da população. Ele mostra como, apesar de afastado, o estado mantinha forte ligação
144
com a doutrina europeia mais recente, não muito afastado do restante do país em sua temática e autores
do liberalismo europeu. Como exemplo da narrativa na obra, ainda anos de 1820 havia no Rio Grande do
Sul aulas sobre a filosofia kantiana no estado. (MARTINS, José Salgado. Breve História das Idéias no Rio
Grande do Sul (Século XIX e Princípios do Atual). Porto Alegre: Centro Regional de Pesquisas Educacionais
do Rio Grande do Sul, 1972. p. 7-8).
313 Ibid, p. 9-11.
314 Ibid, p. 11-12.
315 "Embora o comtismo já existisse como orientação política incipiente e desorganizada antes de 1881, é
somente com o retorno do grupo de estudantes gaúchos reunidos em torno do Clube Vinte de Setembro
na Faculdade de Direito de São Paulo que essa corrente ganha corpo. As atividades de propaganda desse
grupo - ideologicamente liderado por Júlio de Castilhos, Assis Brasil e Alcides Lima - encontram apoio em
Demétrio Ribeiro, no plano político, e a assistência de positivistas e cientificistas em geral como
Damasceno Vieira, Alarico Ribeiro, Torres Homem, Pereira Parobé, Graciano Alves de Azambuja e
Argemiro Cícero Galvão, no terreno mais geral da crítica dos valores culturais ligados ao regime imperial".
(BOEIRA, Nelson. O Rio Grande de Augusto Comte. In: DACANAL, José H. (org.); GONZAGA,
Sergius (org.). RS: cultura & ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 38).
316 MARTINS, op cit., p. 13.
317 Ver MARTINS, 1972, p. 15. Com a mesma posição, de crescimento do pensamento ligado à adesão oficial,
BOEIRA, 1980, p. 38.
145
de Alcides Cruz anos depois, lecionando Spencer na Faculdade de Direito apesar da sua
autodeclarada fidelidade ao Partido Republicano Rio-Grandense.
Ele critica os textos antigos de história geral, que fariam uma recapitulação de
todas as intrigas e biografias dos chefes de estado. A história deveria consistir pouco de
uma cronologia de festas militares e "esse indigesto amontoado de datas e de atritos entre
povos e semiligeiras consequências para o direito e à civilização" 324.
Alcides faz duas citações literais para embasar melhor seu posicionamento
sobre história, ambas instrutivas sobre seu pensamento. A primeira é a Pompeio Gener,
na obra "Amigos y maestros", lançado em 1915. Alcides Cruz cita, por meio do autor,
que a história deveria ser “análise psicológica e visão fisiológica de uma época, de uma
raça, de um movimento, de um aspecto do progresso humano". Sua segunda citação é ao
político inglês Thomas Macauley, no livro History of England, de 1863, e do livro afirma
que a história deveria "[r]elatar tanto a história do povo como do seu governo, descrever
o progresso das belas artes, estudar a formação das seitas religiosas e as variações do
gosto literário, reproduzir os costumes das gerações sucessivas"325.
Alcides Cruz escreve duas obras históricas maiores em sua vida - "Epitome
da Guerra entre o Brasil e as Provincias Unidas do Prata" 326 e "Vida de Raphael Pinto
322 CRUZ, Alcides de Freitas. A Ilha de Santa Catarina. Por Virgílio Várzea. A Federação, Porto Alegre, 26 ago.
1900. In: CRUZ, Alcides de Freitas. Notas de Leituras e Outros Escritos. Porto Alegre: IHGRGS, 2017c.
323 Ibid, p. 51
324 Ibid, p. 51.
325 CRUZ, 2017c, p. 51.
326 Idem, 1907.
147
Na mesma publicação em que fala de seu método, foi escrito que a história do
Rio Grande do Sul era dotada de uma dificuldade insuperável, por ter sido este o Estado
brasileiro com passado mais cheio de guerras e agitações. Ele foi palco de mais
campanhas que qualquer outra região. Por um lado, esses acontecimentos haviam
recebido grande atenção dos especialistas, mas, por outro, eles haviam deixado de seguir
a produção da história como ela deveria ocorrer por estarem concentrados nesses fatos.
Não haviam estabelecido a situação intelectual, os usos trazidos do exterior e os aqui
adquiridos, as disposições para com o governo local, com a justiça, com o progresso
material e o desenvolvimento das atividades econômicas comercial agrícola e industrial 329.
Uma segunda abordagem do Rio Grande do Sul foi feita 14 anos depois. Em
22 de setembro de 1914, Alcides Cruz esboça uma interpretação da história do Rio
Grande do Sul. Nessa oportunidade, fica fortalecida a sua percepção de que há evolução
social e a história é um fenômeno que ocorre em ritmo constante para uma direção. Além
do evolucionismo, há aparente citação à lei dos Três Estados - teológico, metafísico e
positivo -, ainda que utilizando as expressões "guerreira", "metafísica" e "científica", em
referência às condições sociais e históricas em cada fase:
São fatos estes, verificados sob aspecto tão distinto pela clareza e naturalidade
com que se manifestam num discurso de século e meio, que a qualquer
espírito, mesmo medianamente informado em filosofia
elementar, não escapam à, já hoje clássica, distinção em fase
guerreira, metafísica e por ultimo cientifica. Sem grande
penetração, vê-se facilmente que com Pinto Bandeira corresponde a época da
conquista e constituição geográfica; com Bento Gonçalves, a tentativa frustrada
da definitiva organização política que, entretanto por ser prematura, falhou;
com Gaspar Martins, o amadurecimento e o peso da influência rio-grandense
nas deliberações da Coroa, conjuntamente operados através da política
monárquico-parlamentar, que serviu de transição entre o passado colonial e o
presente republicano; com Júlio de Castilhos, a definitiva concretização da
forma entrevista por Bento Gonçalves. Estas duas figuras, por assim dizer,
completam-se. Sendo então quatro vultos, representam e sintetizam, aliás, três
épocas, porque um procurando adiantar-se e agir fora do seu tempo, não
logrou alcançar o êxito colimado e isto, longe de o amesquinhar, pelo contrário,
o engrandece, fazendo-se admirar pelo seu arrojado descortino330.
A parte sobre História, especialmente a estruturação final da história do Rio
Grande do Sul, permite concluir que há uso do comtianismo e do evolucionismo em
conjunto no pensamento do autor. Essa é uma visão adequada com o que veremos a
frente. Essa estrutura mostra o espaço para que a construção de conceitos políticos fosse
feita utilizando elementos, no mínimo, dos dois pensamentos. E não será surpreendente
notar que estruturas liberais inglesas e norte-americanas, das quais o pensamento de
Herbert Spencer faz parte, sejam utilizadas com grande frequência. Não se afirma que
Spencer fosse uma ponte para que Alcides chegasse aos conceitos norte-americanos ou
ingleses. Era um sinal de compatibilidade, mostrando como o positivismo comtiano no
Rio Grande do Sul não impediu que altos membros do partido fossem em outras direções
e que elas sequer lhes pareceriam inteiramente colidentes. Era, também, uma amostra de
aproximação do pensamento do restante do Brasil, pois Alberto Sales, o mais importante
doutrinador do pensamento republicano no período, era um grande defensor do
spencerianismo331.
330 Grifo nosso, ressaltando a interpretação do autor. (CRUZ, Alcides de Freitas. Discurso ao Grêmio
Gaúcho. A Federação, Porto Alegre, 22 set. 1914b).
331 LYNCH, Christian Edward Cyril. Da Monarquia à Oligarquia. História Institucional e Pensamento Político Brasileiro
(1822-1930). São Paulo: Alameda, 2014. p. 89-90.
332 BASTOS, Tavares. A Provincia. Estudo sobre a descentralisação no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier,
1870.
333 LYNCH, 2014, p. 99-100.
149
4 Conceitos Políticos
334 A Inglaterra é representada sobretudo por Spencer. Mas o autor cita outros autores, como Macauley,
Buckle, Gladstone, e, tratando de questões históricas, da importância do pensamento de Hume e Harley.
Ver: CRUZ, 2017c e CRUZ, Alcides de Freitas. Discurso Comemorativo aos 25 Anos da Proclamação da
República no Theatro São Pedro. A Federação, Porto Alegre, 17 nov. 1914c.
335 CRUZ, Alcides de Freitas. A Intervenção. A Federação, Porto Alegre, 8 de janeiro de 1915.
336 O livro inicia com uma história política dos Estados Unidos, com foco nos acontecimentos que levaram à
promulgação da Constituição de 1787, e depois apresenta didaticamente o conteúdo da norma e a
interpretação das cortes judiciais. (CRUZ, Alcides de Freitas. Direito Administrativo Brasileiro. Exposição
summaria e abreviada. 2. ed. Rio de Janeiro; São Paulo; Bello Horizonte; Paris; Lisboa: Francisco Alves &
cia; Aillaud, Alves & Cia, 1914a. p. 112).
337 COOLEY, Thomas. Principios Geraes de Direito Constitucional dos Estados Unidos da América do Norte. Tradução:
Alcides de Freitas Cruz. Porto Alegre: Livraria Universal, 1909.
338 CRUZ, Alcides de Freitas. Literatura e Política. A Federação, Porto Alegre, 23, 24 e 28 jan. e 9 fev. 1893,
grifo do autor.
150
Ele afirma no mesmo texto que os Estados Unidos eram uma democracia,
pois não poderia ser dado outro nome a uma república nos quais todas as funções
governamentais eram eleitas. Assim, pode-se concluir que a democracia para Alcides
Cruz também estava ligada à eletividade e liberdade de escolha dos representantes 340.
4.2 Representação
Uma vez que a democracia direta seria inviável em um Estado com grande
população, era um tema importante encontrar os melhores meios para garantir que os
cidadãos tenham sua vontade reconhecida e atendida. O autor dá importância ao assunto,
tratando em diversos momentos da sua obra, tanto enquanto conceito, como se verá
nesta seção, quanto tematizada frente aos problemas de fraudes eleitorais criticadas por
339 Ver tabela com a participação em todas as eleições da Primeira República em: CARVALHO, José Murilo
de. Os Três Povos da República. Revista Usp. São Paulo, n. 59, p. 96-115, set./nov. 2003. p. 104.
340 CRUZ, 1893.
341 Tradução livre de: “La liberté est le droit de faire tout ce que les lois permettent; et si un citoyen pouvait faire ce qu'elles
défendent, il n'aurait plus de liberté, parce que les autres auraient tout de même ce pouvoir”. (MONTESQUIEU. De
l’Esprit des lois, I. Paris: Folio Essais, 1748/1955. p. 325).
342 Sobre o tema, vale a passagem seguinte sobre o pensamento comtiano a respeito: “Dessa forma, há uma
organização institucional para a regulação da vontade; ela tem que ser livre e livremente regulada, no
sentido de que não cabe ao poder Temporal, ao Estado – cujo instrumento específico é a violência física
–, querer mudar as vontades, as idéias e os valores da sociedade. A constituição desses elementos tem que
ocorrer por meio do convencimento, da persuasão, dos exemplos, da mobilização de afetos, ou seja, com
base em instrumentos intelectuais e afetivos (COMTE, 1929, v. 4, p. 280); institucionalmente, ela deve
ocorrer na sociedade civil (COMTE, 1929, v. 4, p. 167)”. (LACERDA. Gustavo Biscaia de. Vontades e
Leis Naturais: liberdade e determinismo no positivismo comtiano. Mediações. Londrina, v. 20, n. 1, p. 307-
337, jan./jun. 2015. p. 325-326).
151
4.3 Soberania
Um dos temas de Direito Público e política analisados com mais atenção por
Alcides Cruz no manual de Direito Administrativo é a questão da soberania. Ele colocava
que ela era “a faculdade de uma nação de se organizar politicamente como melhor lhe
parecer”346 e que “todo o poder deve vir do povo; deste modo o povo é quem designa
os seus governos e dita a maneira pela qual quer ser governado” 347 e afirma que
historicamente, no Brasil, ela deve ser atribuída ao povo desde a Constituição da
República348.
Ele afirma, no entanto, que a questão é das mais infecundas e obscuras, que
ela poderia ser contornada, por não ser ligada ao tema do manual, que era indemonstrada
343 CRUZ, Alcides de Freitas. A Nova Lei Eleitoral (II). A Federação, Porto Alegre, 11 de junho de 1913a.
344 Nessa publicação, ele criticava o sistema majoritário de apenas uma vaga para formar legislativos, quando
pequenas circunscrições são criadas, uma para cada vaga de deputado, e os candidatos disputavam pela
maioria dos votos apenas entre os cidadãos residentes ali. Era o sistema vigente na Lei Saraiva de 1881,
que ele afirma ser especialmente propício para que fossem feitas promessas, favores e, não raro, tinha seu
resultado decidido pela capacidade de sustentar campanhas mais dispendiosas. Assim, apesar de ser
possível conhecer bem o posicionamento e ele ser o dominante, é de se ressaltar que ele foi redigido dentro
de um contexto de especial atenção e rechaço às ligações negativas entre eleitores e candidatos. (CRUZ,
1913ª).
345 “Mas sua opinião desenviesada, seu julgamento maduro, sua consciência esclarecida, ele não deveria
sacrificar por vocês, por qualquer homem, ou por qualquer conjunto de homens viventes. Esses atos que
ele pratica não derivam do prazer de vocês – não, nem da lei ou da Constituição. Eles são uma confiança
na Providência, por cujo abuso ele é profundamente responsável. Seu representante deve-lhes não somente
sua diligência, mas seu julgamento; ele trai-os, em vez de servi-los, caso ele sacrifique seu julgamento em
favor da opinião de vocês”. Discurso de Edmund Burke aos eleitores de Bristol, ao ser declarado pelos
juízes devidamente eleito como um dos representantes desta cidade no Parlamento, na quinta-feira, 3 de
novembro de 1774. (BURKE, Edmund. Discurso aos Eleitores de Bristol. Traduzido por Gustavo Biscaia
de Lacerda. Revista de Sociologia Política. Curitiba, v. 20, n. 44, p. 100, nov. 2012).
346 CRUZ, 1914a, p. 30.
347 Ibid, p. 30.
348 Ibid, p. 30-31.
152
4.4 República
Bem se sabe que a República não faz impossíveis, nem contém princípios
infalíveis, nem opera com métodos impecáveis; porque virtudes sobrenaturais,
como seriam estas, não existem; basta entretanto que cada qual reconheça,
como ensina o admirável Scherer, que as liberdades políticas não são o fim da
sociedade, mas apenas garantias para que ela possa viver normalmente,
segundo o seu curso natural, para ver que a República, melhor que
todas as outras criações governativas, é a única que pode
fazer tudo quanto politicamente promete354.
A sua conceituação do republicanismo era bastante majoritária e pouco se
modificou no último século. Nota-se, no entanto, como não estavam superadas as
questões de sua defesa naquele ambiente político que sucedia décadas de luta pela sua
implantação no Brasil. O mais relevante sobre o tema da república é notar como há
aderência ao pensamento do Partido Republicano Rio-Grandense e aos dos demais
republicanos brasileiros355.
4.5 Federação
353 “Para que um governo seja representativo, todos poderes devem ser delegações da nação, e não podendo
haver um direito contra outro direito segundo a expressão de Bossuet, a monarchia temperada é uma ficção
sem realidade. A soberania nacional só pôde existir, só pode ser reconhecida e praticada em uma nação
cujo parlamento, eleito pela participação de todos os cidadãos, tenha a suprema direcção e pronuncie a
última palavra nos públicos negocios”. (O MANIFESTO Republicano. Itú: 1870. Cadernos ASLEGIS.
Brasília: Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos
Deputados, n. 37, 2009. p. 56).
354 Grifo nosso. (CRUZ, 1914c).
355 Em um sentido menos conceitual, Alcides Cruz também mostra sua pouca simpatia com a família real: "E
o Imperador, primeiro do nome Pedro, recem coroado, mas deslumbrado pelas funções majestaticas,
cambaleava entre a reaccionaria facção lusitana e a orgia. Instigado pela aulica camarilha de favoritos
arrogantes e incultos, ou recebendo inspirações na alcova de uma dama, o Bragança iniciava uma politica
vilipendiosa; movia-se dentro desse fatalissimo circulo vicioso: o seio aflante da marquêsa de Santos e os
conselhos e imposições do gabinete aulico". (CRUZ, 1907, p. 2).
356 CRUZ, 1914a, p. 28.
357 Ibid, p. 28.
358 Ibid, p. 29.
154
5 Poderes do Estado
Afirma Alcides Cruz, utilizando o jurista francês Joseph Barthélemy, que não
havia poderes. Há apenas um poder, o Poder Público, e as manifestações de sua atividade
teriam diversas formas. Seriam apenas órgãos os denominados poderes, aos quais se
atribuiria a função executiva e as demais. No entanto, o uso do termo poder já estava a
essa altura consagrado363.
Alcides afirma que os fatos traziam uma dificuldade de definir o que seria o
Poder Executivo em uma república, a teoria seria excessivamente simplificadora. Se
previa o Estado de maneira abstrata, como se ele fosse um mero criador e mantenedor
do Direito, no qual alguns órgãos assumiriam a responsabilidade por tarefas específicas.
No entanto, "a atividade concreta do Estado é a administração publica, a gestão dos
negócios públicos, praticável independentemente da vontade do legislativo" 366, e era uma
função com um grande leque de atividades e o papel do Executivo nelas era
preponderante.
É importante notar que ele mesmo afirma dar suas opiniões com base no
conturbado momento político brasileiro no que tange ao Executivo. Suas opiniões
indicam poderes extensos, mas não há plena certeza se sua opinião era geral ou se decorria
do cenário nacional. Suas críticas não se estendem abstratamente à política nesses
momentos, como ocorre com a separação de poderes, mesmo a afirmação de que o
fortalecimento do Executivo seria uma solução é feita dentro do cenário local e sua
citação de Esmein é sobre a América Latina. Afirmou-se que a instituição dos Estados
Unidos não era adequada às republicas hispano-portuguesas, mas não ao país de origem.
Lessa, Oliveira Ribeiro e Amaro Cavalcanti, lá não estão"391. Para ele, o grande saber
jurídico estava com os professores das faculdades, advogados notáveis e membros da
magistratura estadual392. E afirma que, mesmo sendo a posição minoritária e derrotada,
era preferível resolver o caso com o voto do Ministro Amaro Cavalcanti, pela sua
qualidade e pela compreensão que o autor tinha de impostos e de Direito
Constitucional393. Talvez pela repercussão das falas, cerca de um mês depois, em 18 de
dezembro de 1909, publica artigo n'A Federação afirmando que as críticas não eram à
magistratura em geral: "[...] não deixariam de concordar que os conceitos expendidos por
nós todos, naquele dia, não podiam visar senão a magistratura federal; tais foram as
claríssimas referências feitas. E basta considerar que só ela é que se tem manifestado
sobre o assunto debatido" 394.
6 Atuação estatal
Não sigo certas doutrinas pregadas por economistas de autoridade, porém hoje
considerados retardatários que baseiam o seu programa na inflexibilidade da
fórmula - laissez faire, laisser aller. Segundo a orientação desses
economistas, a missão única do Estado é zelar pela ordem
no interior e no exterior pela segurança das fronteiras. O
direito público moderno, no entanto, não se satisfaz apenas
com a manutenção da força armada, com a aplicação da
justiça e o policiamento.
A política contemporânea, o desdobramento econômico e industrial sempre
novo criam outros deveres para o Estado sob múltiplos aspectos que o obrigam
a intervir em assuntos de outra ordem, por interessarem do perto essa
interdependência em que na sociedade se acham os indivíduos uns para com os
outros.
É isso que provoca essa nova missão dos governos
modernos, sob uma forma não expressa em leis, mas tácita,
no sentido de serem tomadas umas tantas resoluções que,
parecendo estranhas, dão lugar, como a atual, a que se diga
que estamos indo de encontro à Constituição397.
O contexto dessa afirmação é a criação de um imposto sobre a exportação de
gado e sobre bovinos abatidos durante a gestação. A discussão com outros deputados
versava sobre a conveniência do imposto sobre a economia estadual, e o aumento de
custos para o consumidor. Alcides Cruz não é a favor aumentar impostos em geral, mas
apoia a medida com base na ideia de que o Estado se vê diante de crescentes necessidades
e essa é uma das maneiras legítimas para viabilizar os recursos.
dessas afirmações, visto que ele não faz associação expressa com nenhuma linha de
pensamento, pode ser dada a partir do seu posicionamento sobre os impostos e porque
eles eram cobrados.
398 CRUZ, Alcides de Freitas. Debates Parlamentares, 24ª Sessão Legislativa. Porto Alegre, 14 de novembro de
1911e.
399 CRUZ, 1909d.
400 CRUZ, 1913b.
401 CRUZ, Alcides de Freitas. Debates Parlamentares, 18ª Sessão Legislativa. Porto Alegre, 11 de outubro de 1909b.
402 Como cobrar, quais geram efeitos sociais melhores (diretos ou indiretos), quais as últimas tendências para
a limitação de cobrança.
403 CRUZ, 1909d.
404 GREEF, Guillaume de. Introduction à la Sociologie. Bruxelles: Gustave Mayolez; Paris: Félix Alcan, 1886. p.
2, 5, 8.
405 Ibid, p. 8.
406 Ibid, p. 9.
407 Ibid, p. 10-19.
164
Essa visão estabelece que os tributos não podem servir de meio para o fim da
propriedade privada, mas não estabelece que o Estado deva ter uma atuação mínima e,
sim, de acordo com os interesses da sociedade. Spencer, o grande inspirador de De Greef,
aposta na educação como meio de ensinar as pessoas a concorrerem por recursos na
sociedade. De Greef afirma sua esperança de que um dia ela pudesse ser feita inteiramente
pela sociedade e os profissionais da área, mas que naquele momento o Estado ainda tinha
um papel a cumprir411.
Essa é uma forma de estabelecer o pensamento de Alcides Cruz que será vista
a seguir. Evidencia-se uma aparente regra geral de limitada atuação na sociedade, mas há
diversos pontos em que ele acredita haver interesse estatal e, nesses casos, defende
impostos, obras, incentivos, leis reguladoras. Ele afirma, inclusive, que naquele momento
os Estados veem a necessidade de aumentar sua receita a cada ano, o que levava ao
aumento de impostos412.
Alcides Cruz afirma também que esse crescimento de despesas chegou a criar
monopólios estatais em nações modernas, voltados a cobrir as necessidades crescentes:
408 CRUZ, Alcides de Freitas. Debates Parlamentares, 26ª Sessão Legislativa. Porto Alegre, 17 de novembro de
1911f.
409 Tradução livre: "[o] desenvolvimento da propriedade privada coincide com uma nova forma de consumo
público: o imposto". (GREEF, 1886, p. 75).
410 Ibid, p. 74-76.
411 Ibid, p. 236-237.
412 A afirmação sobre o aumento progressivo de despesas é feito em uma discussão sobre aumento de taxação
de tabaco, no qual Alcides Cruz não teoriza longamente esse aumento de atuação estatal, mas afirma que
essa é a realidade e que melhor, pelos motivos apresentados, seria aumentar o imposto da cerveja. (CRUZ,
1911e).
165
Germano Rörecke fez pedido para que sua filha, Anna Rörecke, recebesse
uma pensão para se aperfeiçoar na Europa no estudo da pintura. A Comissão de Petições
e Reclamações do parlamento deu parecer contrário, com base na falta de previsão na
Constituição do Rio Grande do Sul, de 14 de julho de 1891. No dia 29 de outubro de
1909, o caso foi retomado, e foi feita a leitura de uma proposta substitutiva, que
autorizava o governo do Estado a despender 2:400$000 anuais, na Europa ou no Rio de
Janeiro, caso entendesse que Anna merecia tal deferência. Citou-se o precedente de que
pedido semelhante fora aceito no passado, quando Olga Fossati recebeu apoio
semelhante417.
Três anos antes de falecer, Alcides Cruz afirma que há 20 anos vinha se
posicionando na imprensa e em debates sobre a necessidade de "conservação de várias
forças vivas da natureza", cita as matas, pesca, caça, e afirma que, para garantir essas
riquezas, haveria a necessidade de intervenção dos governos423. No anuário de 1900, treze
anos antes, ele afirmava a mesma necessidade, e propunha uma união pela defesa das
florestas que envolvia o restante da sociedade, ela deveria ser feita por meio de uma
"propaganda tenaz e ao alcance de todos", a ser mantida pela imprensa, professorado
público, sacerdócio, intendência e todos os que conhecessem os benefícios da
preservação e da silvicultura, esta última uma prática que poderia levar os proprietários
rurais e donos de matas a defender o patrimônio natural424.
Conclusão
425 Trechos do discurso de Júlio de Castilhos e um aprofundamento da questão da lei podem ser encontradas
em: MACHADO, Ironita Policarpo; FARIAS, Álisson Cardozo; SANTOS, Caroline Lisboa dos. A
Questão Florestal na Legislação Agrária Rio-grandense. MÉTIS: história & cultura, v. 12, n. 23, p. 177-
201, jan./jun. 2013. p. 182.
426 CRUZ, 1909b.
427 "A política educacional implementada pelos republicanos positivistas, na Primeira República, integrou uma
estratégia mais abrangente de ação do Estado, que atuou de forma interventora no âmbito da sociedade,
desenvolvendo uma série de políticas entre as quais teve destaque a relativa à educação [...]". (CORSETTI,
Berenice. Cultura Política Positivista e Educação no Rio Grande do Sul/Brasil (1889/1930). Caderno de
Educação. Pelotas, n. 31, p. 55-69, jul./dez. 2008).
168
Referências
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COOLEY, Thomas. Principios Geraes de Direito Constitucional dos Estados Unidos da América
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CORSETTI, Berenice. Cultura Política Positivista e Educação no Rio Grande do
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junho de 1913a.
CRUZ, Alcides de Freitas. A questão do “habeas-corpus” e o Presidente da República II. A
Federação, Porto Alegre, 30 de março de 1911a.
170
Alertamos o leitor sobre alguns cuidados que estudos como este requerem e
suas limitações. Ao se analisar os artigos publicados em jornais e revistas, nos quais o
intelectual fala de si mesmo, é necessário ter em mente que os intelectuais, em geral, ao
utilizarem este tipo de escrita veiculada publicamente, estão conscientes de sua
capacidade de impor uma imagem de si mesmos aos outros que os ajude a conseguir um
“lugar ao sol” no campo das letras. Portanto, o risco que se corre (e o cuidado para que
isso não ocorra) é o do historiador comparar a visão das fontes e legitimar a imagem que
o intelectual queria fixar. A escritura de si pública e publicizada, nesse sentido, é como
um jogo de imagens recíprocas duplamente refletidas no espelho.
Nascida entre 1860 e 1880, essa geração viveu a Porto Alegre onde
recém nascia uma questão urbana. “Geração Correio do Povo”,
foi nas páginas deste jornal e no do Comércio, assim como também
através da Livraria Americana que ela encontrou, localmente,
publicação para suas obras. A boêmia literária de Otávio
Dornelles, Souza Lobo, Marcelo Gama, Pedro Velho e Zeferino
Brasil compunha com Mário Totta e Paulinho de Azurenha, os
“moços de talento” da época428.
Alcides Cruz justificou o artigo dedicado aos Traços Cor de Rosa como “um
duplo dever”, primeiro “particular”, pois Zeferino Brasil, disse o jornalista, “teve a nítida
cortesia de oferecer-me um exemplar do seu recente livro, no qual quis ter a fineza de
dirigir-me uma benévola dedicatória”; e segundo, “porque o poeta é brasileiro”, e
acrescentou que seria “simpático labor o de registrar [...] o aparecimento das obras [...] de
autores nacionais”429. O referido artigo deu ensejo ao jornalista defender sua própria
expertise de crítico.
O que nos interessa destacar são as asserções de Alcides Cruz sobre o universo
intelectual porto-alegrense na primeira metade da década de 1890, e como ele se via
dentro daquele meio. Disse ele: “estou já bastante advertido [...] de que essa minha
teimosa resolução [de escrever sobre trabalhos novos] desagrada a outros escritores
conterrâneos”. Considerava as “censuras” que recebia em resposta ao seu labor de
428 PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Imaginário da Cidade: visões literárias do urbano - Paris, Rio de Janeiro,
Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1999. p.284.
429 CRUZ, Alcides.; IHGRGS (Org.) Notas de Leitura e Outros Escritos. Porto Alegre: IHGRGS, 2017. p.28.
Disponível em: <http://www.ihgrgs.org.br/ebooks/Ebook%20-%20ALCIDES%20CRUZ%20-
%20Notas%20de% 20leituras% 20e%20outros%20escritos.pdf>.
175
jornalista que se aventurava pela crítica literária, injustas e dadas em “termos ressumantes
[gotejantes] de má vontade”430.
Ao final do artigo, Alcides Cruz fez uma breve análise do meio intelectual
porto-alegrense naquela quadra de 1890 e das condições que a cidade oferecia aos que se
dedicavam ao labor intelectual. Disse: “em Porto Alegre é muito difícil escrever-se”, e
acrescentou: “o meio onde se desenvolve o literato não pode ser mais adverso”. Para
sustentar sua avaliação listou todas as deficiências do ambiente: “a falta de bons livros,
que dificilmente pode ser sanada”; “a falta de convivência com pessoas de cultura
intelectual elevada”; “ausência de salões onde se faça boa música, onde o homem de letras
nesse mundo elegante e no convívio de senhoras de fino trato passasse algumas horas”
– que segundo ele ajudaria a “refinar o bom gosto e fazer adquirir ideias mais
significativas”434.
Porto Alegre, em 1890 (apenas três anos antes do artigo em análise ser escrito),
tinha 52421 habitantes.435 Em 1893 ainda não tinha nenhuma instituição de ensino
superior, sendo a primeira criada em 1895, a Faculdade de Farmácia. Em 1896, foi criada
a Escola de Engenharia, e posteriormente, em 1898 e 1900, a Escola de Medicina e a
Escola Livre de Direito, respectivamente. Por tudo isso, Alcides Cruz, considerava “um
forte” todo aquele que conseguia “escrever com aproveitamento” mesmo em face a “tão
infecunda arena”. Ao dizer isso, não apenas louvava os feitos literários de Zeferino Brasil,
o jovem poeta cuja obra poética estava em apreciação, mas também reivindicava seu
próprio valor (e esforço) na sua busca por uma “posição nas letras pátrias”.
Seja que assunto for, escabroso, ousado, trivial, torpe ou disforme; seja tudo
isso ou parte, Coelho Neto enroupa-os de tal vocabulário de elite, velando uma
seleção de ideias tão bem combinadas, que o leitor não se enoja ou se irrita.
Este deve ser o ideal do realismo436.
No romance, duas tendências ou estéticas se mostravam dominantes: o
realismo e o naturalismo. Na poesia, o parnasianismo era dominante, secundado pelo
simbolismo. Na crítica ao livro de Zeferino Brasil, Alcides Cruz declarou que se
interessava muito mais pelo romance do que pela poesia. Para ele, o romance já
conseguira o que era “apenas vaga aspiração da poesia”, a saber: “por sua unidade de
Ideia e Estilo, ter atingido uma concepção, senão exata, pelo menos, aproximada duma
compreensão do que é a Vida [...]”437. Se para Alcides Cruz o romance estava à frente da
poesia, os poetas simbolistas haviam dado um passo adiante dos parnasianos
“procurando imprimir à arte um ideal mais amplo, mais bem orientado e um fim mais
geral”438. E alvitrava que os poetas brasileiros não deviam ficar estranhos a “esse nobre
movimento” da poesia de “tomar uma direção geral, um fim elevado” 439.
seu trabalho para desenhar os costumes da sociedade brasileira do século XIX, de acordo
com a visão de Alcides Cruz. Por fim, pontifica:
Essa afirmação de Alcides Cruz lança alguma luz sobre um aspecto de difícil
mensuração para o historiador contemporâneo. Fica claro que não era fácil a circulação
dos livros nacionais produzidos no centro do país no espaço regional. Muito do acesso
que Alcides Cruz tinha sobre a literatura produzida no centro do país se devia ao fato de
que ele ocasionalmente viajava para São Paulo, a fim de prestar exames para o curso de
Direito da Faculdade de São Paulo, onde bacharelou-se. Por conta de uma alegada doença
de pele não pôde residir em São Paulo durante seus estudos. No entanto, isso não o
impossibilitou de trabalhar na Estrada de Ferro Porto Alegre-Uruguaiana, durante o
mesmo período.
E não podemos mesmo acrescer que, enquanto o centro produtor por excelência
localizar-se quase que exclusivamente no Rio de Janeiro, centro fatalmente
cosmopolita, as ideias primordiais da literatura do país hão de acusar
constante cosmopolitismo? E menos há de colimar-se o caráter nacionalístico
quando os centros de produção irradiarem simultaneamente (se tal suceder
algum dia) de Belém, de Fortaleza, de Recife, de S. Paulo, de Porto Alegre[...]
Enfraquecido o espírito centralizante há de refletir as ações e os pensamentos
da gente dessas longínquas e, entre si, desconhecidas terras449.
Sua visão estabelece certa homologia entre os campos literário e político da
época. Defendeu o federalismo literário em consonância com o federalismo como
princípio de autonomia política dos estados que era uma bandeira do Partido
Republicano Rio-grandense, onde Alcides Cruz cerrava fileiras sob a liderança de Júlio
de Castilhos. No ano seguinte – 1900 – outro jovem jornalista que à época ainda não
estava integrado ao PRR, chamado Alcides Maia, lançou o livreto Através da Imprensa, no
qual defendeu a mesma ideia: “ao federalismo político, definitivamente triunfante,
corresponda o federalismo literário. Evitemos a centralização das letras. O Brasil não
pode ser, em estética, uma dependência da Capital Federal”450. O princípio federativo era
visto como suporte para a unidade nacional, enquanto que a centralização era apresentada
como um fator centrífugo que alimentava as veleidades separatistas.
447 Hutcheson Macaulay Posnett, advogado e professor Irlandês-Neozelandês. Nasceu em 1855 e morreu em
1927. De 1885 a 1890, Posnett ocupou a Cátedra de Clássicos e Literatura Inglesa, na Universidade de
Auckland, na Nova Zelândia. Seu livro Comparative Literature, publicado em 1886, é considerado o trabalho
pioneiro nesse campo de estudos (BOLDOR, Alexandru. Perspectives on Comparative Literature. 2003.
Dissertação (Mestrado). Lousiana State University, 2003. p. 36).
448 CRUZ, 2017, p. 42.
449 Ibid., p. 42.
450 MAIA, Alcides. Através da Imprensa. Porto Alegre: [s.n.], 1900. p.95.
180
Conclusão
Referências
Parte 2
Produção Intelectual
e
Discursos Parlamentares
Assuntos Políticos
A Federação, Porto Alegre, 18 ago. 1892
Literatura e Política
A Federação, Porto Alegre, 23, 24, 28 jan. e 9 fev. 1893
Do Sul (I e II)
A Nação, São Paulo, 10 e 12 set. 1897
Júlio de Castilhos
A Federação, Porto Alegre, 29 jun. 1911
LITERATURA E POLÍTICA
(A Federação, Porto Alegre, 23, 24 e 28 jan. e 9 fev. 1893)
Logo após a leitura das primeiras páginas, o leitor conhece-se conduzido por
sutilíssima inteligência marcada por extraordinária perícia na arte de dialogar; por astuto
e sagaz conhecedor das leviandades e natureza particularmente coquete das mulheres;
por malicioso observador da vida do homem político: juntem-se a essas qualidades
primas de um grande observador a espontaneidade e extraordinária verve que flamejam
no diálogo, e ter-se-á a prova de que não é só o romance gráfico francês que preenche
satisfatoriamente a exigência do leitor moderno.
A peça, intensamente tanto pode evocar por meio da descrição, como por
meio do diálogo, como por meio da análise. Na literatura anglo-saxônica, desde séculos
agora distantes, a grande força evocatriz das peças românticas ou dramáticas resulta a
cada página, por meio desse processo puramente parlante, repetido pelo personagem que
se reduz ao papel de transmissor do pensamento do autor; além disso, o mesmo fato
determina a linha divisória que limita essa literatura da oriunda da corrente galo-céltica,
porque nesta o tempo, a ação, o lugar são aproveitados para assinalar tudo quanto
interessa à vida humana, constituindo um doce e largo acessório para o complemento da
obra de arte.
O profundo amor pela natureza fica sendo, pois, o indício mais importante da
tendência da literatura meridional.
II
seguiram à Guerra da Secessão, em que ele, natural da Virgínia, combateu ao lado dos
escravagistas.
Quanto ao físico, era um brutamonte, um gebo, e tão inculto nos modos como
na maneira de viver.
Um dos seus mais audaciosos rivais era Carrington, que por fim também não
deixava de amar Mistress Lee, e, percebendo esta mesma disposição em Ratcliffe, a mútua
antipatia entre um e outro dos convivas da casa da atrevida ianque redobrou de ponto.
Deu-se então um fato muito comum na vida dos homens públicos: fazer uso
da habilidade de modo a desarmar o inimigo por meio de uma comissão que o inibisse
dos combates jornaleiros, sempre perigosos para quem serve de alvo.
Por essa razão, não tendo sido eleito presidente da República, devido a uma
intriguinha partidária, aquele que realmente o tinha sido devia com justíssima razão temer
187
Com o que, porém, Ratcliffe não contara era que o “Carreiro da Indiana”
mostrara-se mais astuto do que ele – escolhendo-o para ministro das finanças!
Mrs. Lee instintivamente pensou de si para si que nem para cozinheira quereria
semelhante cidadã.
Ratcliffe sentiu-se feliz por achar uma vítima sobre que desabrochasse a sua
cólera”.
Suas ambições e pretensões não tinham limites; queria casar a todo o transe,
porém com indivíduo de posição elevada. Da sua requintada perversidade deu exemplo
uma vez que, indo a um piquenique em Mount Vernon (residência habitual do general
Washington), confessou que não podia respirar um ar tão puro, e acrescentou que o
general purificava tudo que tocava, e as outras, inclusive ela, pareciam manchar tudo o
que tocavam! Sua principal preocupação era desposar Lord Dunberg, para se tornar lady,
condessa senhora do castelo de Dunberg, na Irlanda[...]
Resta-nos fazer a síntese das conclusões morais, formulando, então, não com
dogmatismo ou pretensão a doutrinamento, porém com os secos dados da observação
de um crítico, alguns princípios gerais a respeito da forma de governo que tem o nome
de democracia.
Por mais de uma vez, no correr desta publicação, temos nos referido que o
literato-político, autor do romance, não teve outro intento senão evidenciar, à luz da
literatura, os costumes de certa parte da sociedade americana e como a tão preconizada
democracia não é o governo que concretiza formalmente as ardentes e visionárias
esperanças dos jacobinos; a delenda Carthago da exploração dos demagogos ignorantes,
que só sabem explorar a paixão dos anarquistas desejosos do amotinamento; ou a Terra
da Promissão antevista pelos ideólogos.
O caso dos Estados Unidos é exatamente, pela força de circunstâncias que lhe
deram origem, o que melhor se presta para elucidar a questão.
A História Política desse país já nos ensinou como a república foi uma forma
de governo adotada com o constrangimento e contra a vontade dos fundadores dessa
nacionalidade.
Assim, não havia remédio senão optar pela República; porém, como esta
estava com os créditos muito avariados, foi mister revesti-la de normas conservadoras,
emprestadas da pragmática britânica.
Monroe (1817) e Andrew Jackson (1829) foram todos reeleitos findo o primeiro
quatriênio administrativo.
É certo que o segundo presidente, John Adams, não foi reeleito – mas seu
filho John Quincy Adams foi eleito presidente.
Agora não se diga que semelhante república conservadora não seja uma
democracia; que nome poderíamos, pois, a não ser este, dar a uma república, onde todas
as funções governamentais são eletivas?
DO SUL
I
Isto que sempre dissemos nós, os republicanos, acaba de ser confirmado pelos
próprios federalistas (maragatos) e pelos próprios dissidentes (marangunços, prudentistas ou
nórmicos), numa curiosa contenda que os vai dilacerando em terríveis refregas diariamente
travadas.
Diz A República:
_______
Contesta A Reforma:
Afinal escreveu:
“Não fuja o sr. Maximiliano do ponto principal da questão; não olvide com
tanta pressa, com ardor tão desusado, quais as nossas opiniões acerca do seu partido DESDE
OS TEMPOS MONÁRQUICOS.”
Logo após, o moço parece dar a entender que julga o sr. Gaspar imperialista.
_______
O dr. Castilhos ria-se da pose dos políticos engraçados, para os quais ser
evolucionista é brigar com amigos por questões de nonada, andar embaçando os chefes
federalistas, não escrupulizar quanto aos meios de empolgar o mando, girar como cata-
vento, voltando-se para um e logo repelindo-o, conforme o acha ou não capaz de servir
de escada para eles subirem.
Não inspirava receio a S.Exa. a atitude hostil daquela grei filosofante, que
empurra para a frente o velho e bom Spencer, quando precisa provar que Silveira Martins
é menos evolucionista que o filancioso Antão e o incompreensível Cassal”.
_______
Enfim o escritor dissidente elogia os seus amigos, por haverem rompido com
o dr. Castilhos!
Das duas uma: ou aquela cisão era imposta pelo dever cívico e republicano,
ou não.
_______
_______
clemência; o vento, quase todo ele soprado do sul ou sueste, canta e assobia; as chuvas,
em frequente queda, encharcam as ruas, barretam os veículos, a roupa, o trânsito público,
e fazem os rios e os regatos transbordar alagando tudo.
Mas como o frio é a temperatura que melhor faz viver-se, quando a chuva
cessa e o minuano, a salutar ventania do oeste, das pampas, alcança esta terra modesta e
operosa, o céu clareia, descobrindo um formoso azul de pintura antiga, e as porto-
alegrenses, do meio-dia às três horas, vão para a rua, para o sol vivificante, ostentando
esse bem conhecido carmim natural com que a estação fresca lhes tinge o rosto.
_______
Obrigações, exposição sistemática desta parte do direito civil pátrio, por Lacerda
de Almeida.
DO SUL
II
A República, folha nórmica, dissidente, cassalista ou não sei mais quê[...] menos
órgão de bons republicanos, é o outro diário que apoia o governo federal.
Como se vê, a questão toda incide entre cadáveres e moribundos, sendo que o
moribundo é o antepasso dado para se chegar a cadáver.
Nós, no Sul, não precisamos disso. O partido republicano é uma nau com
todos os seus aprestos: velame, artilharia e lastro.
recomendando aos seus patrícios o nome do preclaro dr. Júlio de Castilhos para o cargo
de presidente da República.
_______
_______
Mas o que também muito concorre para incutir no ânimo dessa população
agrícola a vantagem da silvicultura é a prédica tenaz e convincente dos jesuítas, que têm
um prestigio imenso nessa região.
Mas quem lhes despertou esse estímulo foi o homem erudito a que acima me
referi, o dr. Graciano.
_______
Quando ultimamente estive em São Paulo, escrevi dois artigos a respeito das
conferências anchietanas aí efetuadas com inexcedível brilhantismo em o ano anterior.
Meu intento, aliás, era antes o de referir-me a uma obra da lavra do eminente historiador
Araripe Júnior, prestes a ser publicada, do que às próprias conferências de 96.
Era natural que me coubesse, como a quem quer que seja, o direito de ocupar-
me de qualquer publicação lançada à tona da publicidade.
Não lhe responderei; porque quando me referi ao seu trabalhinho, assinei meu
nome: saí ao campo sem máscara alguma.
O contendor reincide, mas, como sempre, acobertado pela armadura que inibe
o autor de assumir a responsabilidade do que escreve.
Eu, porém, é que lhe não posso atender porque não discuto com anônimos.
200
Se tivesse entrado mais tarde, não conseguiria ser aceita, porque muitos
representantes ainda estavam ausentes.
Vê-se, pois, que o ato da Assembleia rio-grandense não pode ter o alcance que
os impugnadores do divórcio lhe pretendem dar”.
3 Apesar de não ser um texto de Alcides Cruz, mas uma notícia veiculada no Rio de Janeiro, é algo singular,
pois se trata de uma das primeiras manifestações de Alcides Cruz, como deputado, que se conhece
201
(Annuario do Estado do Rio Grande do Sul para o ano de 1901, Porto Alegre, 1900)
O Código Penal da República, promulgado quando ainda não era dado prever
qual a sorte do direito processual, depois definida pela Constituição de 24 de fevereiro,
traz disposições de natureza tanto substantiva ou material como de adjetiva ou formal.
Era no gabinete Ouro Preto. Desde anteriores anos, havia a ideia de reformar
alguns capítulos do Código Criminal de 1830 e, influenciado por esta ideia, o notável
jurista sr. Dr. João Vieira de Araújo, hoje o mais lúcido, o mais profundo criminalista
pátrio, havia composto uma obra a que dera o nome de Ante-projeto de nova codificação
criminal, submetendo-a à apreciação do governo.
Ora, temos, pois, que a parte principal do Código Penal da República foi
redigida no regime monárquico e por um monarquista que, conquanto distinguido com
204
Alcides Cruz
205
O direito penal tem por missão definir o que seja o crime e em que deva
consistir a pena, quer na generalidade, quer na especialidade dos casos, mas sempre em
abstrato; ao passo que o processo criminal torna aplicáveis concretamente as sanções
penais a todo aquele que se torne culpado por crime cometido. Tal é a magistral lição de
Lucchini, nos seus Elementi di procedura penale.
Além disto, tolhida a ação ao processo, este ficaria sem ponto de apoio, sem
razão de ser e sem vínculo de relação com o direito substancial, material; ao passo que,
de outro lado, suas funções e relações estão fora do campo, do conteúdo próprio e dos
fins do direito punitivo.
natureza da nossa, simplesmente processual, tem plena competência para dispor a forma
que deve ser concretamente aplicada para tornar realizável o efeito que o Código Penal,
isto é, a lei substantiva, faz decorrer do art. 69, concernente à obrigação de o condenado
indenizar o dano.
Mas mesmo que não o fosse, ainda assim a lei processual deste Estado não
deixava de sufragar diretamente o princípio sagrado pelo Código Penal, de que a
obrigação de indenizar o dano será regulada segundo o direito civil; tanto assim que,
declarando competir aos tribunais penais (art. 35 do Código de Processo) prover sobre a
plena satisfação do dano e resolver em consequência as questões que lhe são correlatas,
posto que de natureza civil, outra coisa não faz senão subordinar-se à regra geral de que o
juiz que dá a sentença é o competente para executá-la.
“Os tribunais penais são do mesmo modo competentes para decidir todas as
questões de direito civil que incidentemente surgirem no curso do processo penal.”
Alcides Cruz
207
O art. 559 do Código do Processo Penal do Estado, pelo qual fica assegurada
a realidade da reparação do dano, garantida com a prisão com trabalho pelo tempo
necessário para ganhar a quantia da satisfação, reproduz o art. 32 do Código Criminal do
Império, esse imperecível monumento de legislação moderna.
“A liquidação se faz por artigos ou pela forma civil mais conveniente, segundo
as circunstâncias da hipótese.
“Feita a liquidação, se o réu tem bens que ipso jure são hipotecados à solução
do dano e com a preferência qualificada pelo Código Criminal, art. 30, a execução não
oferece dificuldades. Se, porém, não tem, dá-se o caso do art. 32 do mesmo Código.
“Este art. determina que, não tendo o delinquente meios para a satisfação,
será sujeito à prisão com trabalho pelo tempo necessário para ganhar o respectivo valor,
ao menos até que ele, ou alguém por ele, satisfaça ou preste fiança idônea, ou que o
ofendido se dê por satisfeito.
Tal era, com todo o peso da sua imensa autoridade, a fria lição dada por um
dos mais acatados processualistas pátrios, há meio século.
São, pois, muito valiosas as opiniões dos dois reputados mestres Silva Costa e
Olegário, no sentido de reconhecerem que a conversão da satisfação do dano em prisão
com trabalho não importa numa pena de ordem criminal.
A solução do difícil problema fora dada com verdadeiro êxito pelo Código de
1830, assinalando a culminância atingida neste instituto do direito criminal pela sabedoria
da legislatura do Primeiro Império, dominada pela iluminante capacidade – Bernardo
Pereira de Vasconcellos.
Muitas vezes os grandes homens pecam na emissão das suas crenças, e o vulgo
diz – cochilos de Homero, porque só não cochilam os que dormem de todo.
Mas ensina Garraud que a parte ofendida pode, por livre escolha, intentar a
ação ao mesmo tempo perante o juízo criminal ou separadamente, perante os tribunais
civis, é livre a escolha (Précis de Droit Criminel, § 385).
Alcides Cruz
7 Ação pública no processo criminal francês é sinônimo de ação penal. (N. A.)
214
Releva, aliás, dar a prioridade desse critério aos nossos legisladores de 1830 e
aos seus esclarecidos apologistas, muitos dos quais, como Silva Costa e Olegário,
emitiram seus autorizados juízos acerca deste instituto, a satisfação do dano,
particularmente sobre este, mas calcado naquele critério.
Diversa, pois, sendo a origem da dívida civil, diversa sendo a origem da dívida
proveniente de delito – é lógico que o processo para o pagamento assuma forma diversa,
de modo que a dívida originária ex-delicto corra em foro diferente daquele de dívida ex-
contractu.
O que não é lógico é ambos os processos correrem pelo foro civil, ainda assim
permitido pelo nosso Código, ad-libitum da parte ofendida. O fim da detenção pessoal é
duplo: garantir o pagamento das condenações oriundas de uma infração e substituir pela
pena corporal a pena pecuniária que não foi executada.
Que importa o envolver certo rigor penal, se é um rigor necessário para evitar
que os insolváveis de má-fé gozem de uma impunidade que, injustamente, colocá-los-ia
em condição mais vantajosa que os insolváveis de boa-fé?
Onde a justiça?
____________________________
Alcides Cruz
217
Na nova fase que se lhe abriu a ele, ficou assinalada ao Estado (na acepção
lata de sinônimo de poder público) a função eminentemente humana de defensor social
na tarefa reprimida do delito, verificada na prática pela punição dos delinquentes
conjuntamente com o meio de operar o ressarcimento do dano causado pela lesão
criminal.
Punir o criminoso sem cuidar de reparar o dano causado por ele é uma ação
incompleta, que fica indefinidamente à espera da sua respectiva integração.
O Estado, segundo a teoria de Gregoraci, deve fazer com que as suas leis
consigam o ressarcimento do dano, incluindo-o na irrogação da própria pena.
Entretanto, não há crime cujo dano não possa ser reparado; a dificuldade é
apenas quanto ao modo.
Alcides Cruz
220
Senhores.
Também aqui a criação tocante e sóbria do artista ergueu, mas como suprema
imagem soluçante da República, este símbolo que vedes, sucumbido de tristeza, a guardar
a memória de uma das individualidades mais tersas e de espírito mais culto e universal
que a terra pátria tem produzido.
Correligionários.
O Partido Republicano é esta legião hoje temida, respeitada, cujo só rufar dos
tambores, como os de Coriolano, assusta o inimigo, admirada em toda a vasta extensão
territorial do país, pelas suas vistas superiores, pelas suas nobres aspirações, pela sua bem
definida orientação e – por que não dizer? – pelo seu desprendimento e pela sua
extraordinária abnegação, constituindo a verdadeira guarda avançada, não deste ou
daquele governo, mas da República.
vitalidade das normas traçadas pelo seu grande fundador, o homem que por si só era uma
bandeira.
desvendá-los, ainda que tal indivíduo seja uma força, não são os que convêm ao moderno
governo popular, isto é, o governo que pode ser exercido por todos.
Correligionários.
Por que a dupla obra de Júlio de Castilhos, se bem que ciclópica, não sofreu
solução de continuidade?
Ei-lo, o Partido Republicano de Porto Alegre, solene e compacto, tal qual fala
a lenda germânica, que, para saudar a volta anual da primavera, ia, em piedosa e mística
peregrinação, depor aos pés de Santa Walpurges os seus escudos.
E esta legião política, respeitável pelo número e pelas tradições, unida como
um só coração, simboliza a sua veneração pelos extintos em um único – Júlio de
Castilhos, “em quem poder não teve a morte”.
223
os partidos não têm estabilidade, nem forma conhecida, nem programa, e muito menos
um chefe que se saiba impor e dominar as ambições mal refreadas, sobretudo
liberalmente remunerados.
O outro, cuja origem não era mais legítima, nem a sua composição menos
inidônea, preferiu ficar em campo, e, com uma revoltante falta de escrúpulo, procurou
completar o reconhecimento dos membros que faltavam para atingir o número legal, a
fim de que pudesse funcionar.
1910, sem embargo da extraordinária que precedera de um mês a ordinária, não tratando
de destrinçar a grave crise cujo desenredo lhe era solicitado.
Alcides Cruz
226
Disso resulta que, não sendo ele um poder igual aos outros dois, não só lhe é
impedido, com mais forte razão, o arvorar-se em poder super omnia, como igualmente a
atividade política do chefe da nação não lhe poder ficar subordinada, tampouco por ele
ser entravada.
Ele tem antigos precedentes nos anais da alta administração nacional e parece
ter seduzido os espíritos tanto liberais como conservadores do antigo regime[...]
suas atribuições [...] que este exercício as autoridades judiciárias devem respeitar,
abstendo-se de embaraçar e empecer.”
Alcides Cruz
229
podem conhecer da sua ação (do presidente da República), nem intervir na sua conduta
política.”
Lê-se à p. 568 da sua obra Introduction to political science (1910), capítulo The
executive department: “We may it down as a proposition of almost universal application that
the chief executive cannot be subjected to the control of the courts neither for his
criminal acts or his political policies. It is a general principle of public law that the chief
executive should be exempt from the jurisdiction of any court or magistrate so long as
he remains in office”.
Alcides Cruz
232
Em todas as criações novas, há muito que aprender, porque, não sendo dado
descobrir previamente a medida exata das suas manifestações, quando estas se verificam
são outros tantos ensinamentos.
Já que o Congresso não se importou com a resolução do assunto que lhe fora
afeto, alguma coisa era necessária, e o presidente tomou a si essa missão.
Por esse modo, a opinião pública, ensina o professor Barthelemy, também vai
governando, mas através do presidente.
É que se não tinha levado em conta, se não exteriormente, a lição dos fatos.
Era, destarte entrevista, só uma face da vida do Estado, e ainda assim encarada
sob um ponto de vista exclusivamente abstrato, sendo desprezado o seu lado concreto.
Alcides Cruz
235
JÚLIO DE CASTILHOS
(A Federação, Porto Alegre, 29 jun. 1911)
Também é certo que palavras faladas ou escritas jamais foram bastantes para
lhe delirem a obra imensa.
Até nem mesmo a guerra guerreada. Quanto aos primeiros, cabe a sentença,
cega e enérgica, do profundo crítico francês: “não escreviam com a pena, mas com a
ponta de um chifre sobre folhas de chumbo”.
Daí o seu pendor pelos estadistas que tinham aquele dom. Cotegipe era para
Júlio de Castilhos o maior brasileiro da última década monárquica. Não se referia a ele
sem que fosse por esta forma: Cotegipe, o grande Cotegipe[...]
Também a Saraiva apreciava muito, não só pela sua política liberal exercida
no Prata, como pela simpática atitude desse estadista baiano na Constituinte da
República.
Há na vida desse homem superior alguma nuvem que, tendo concorrido para
essa resolução súbita, tivesse influído de modo salutar para ele e para a sociedade em que
passou os seus dias?
II
Assim foi que, sem embargo de ser portador do título de bacharel em direito,
numa época em que a superstição pelo diploma acadêmico era obstáculo a que o titular
dele exercesse profissão diversa, considerada subalterna, ainda que rendosa, e honrada
como as que mais o forem, não trepidou em desempenhar a modesta escrivania dos feitos
239
da fazenda, alicerçando, em boa hora, com essa previdência que caracteriza todo o
homem bem equilibrado, um futuro risonho, para que pudesse ter à sua inteira disposição
tempo e liberdade para os estudos e as leituras da sua predileção.
Não foi mais que uma antecipação. Hoje, nenhum comentário teria suscitado
fato idêntico.
Estudava, lia muito, meditava sempre e aparecia como homem de saber. Não
só se preparava solidamente para ser o emérito advogado que foi depois, como o
adiantado publicista, que tanto ensinou. Calava ele a crítica maléfica, lecionando a
juventude que se destinava aos altos estudos, geometria e filosofia, cujas modernas
doutrinas professadas por Bain, Spencer, Taine e Mausley, recém-conhecidas no país, ele
adaptando-as no que era possível, ia vulgarizando-as já na aula, já na imprensa.
Por índole fugia à polêmica; mas uma vez arrastado nela, era um adversário
terrível pela dialética, uniforme e severa, sem temer que no ardor da luta fosse preciso o
sacrifício do próprio sangue, contanto que o adversário caísse, repulsado, mortalmente
ferido.
Mas ainda mesmo que lhe fossem peculiares os requisitos de cor, de calor e
de plástica, só porque eles criam a popularidade, provocam os aplausos e caem no gosto
da turba, ele os teria renunciado; fugindo sistematicamente às manifestações da massa
impulsiva e ignorante, desdenhava a lisonja inconsciente e flutuante, como passageira que
é.
240
III
O exame da sua psicologia complexa, feito com uma sutileza que de todo nos
falta, haveria de descobrir que, não obstante ser ele um esquivo às públicas manifestações,
às grandezas mundanas, ao ruído em roda de si, malgrado tudo isso, o dr. Graciano não
era indiferente ou insensível a muitas emoções, cada qual mais própria do homem
moderno e que, por isso, fica obrigado a satisfazê-las. O que, porém, deve ser sabido, é
que, amando certas criações da natureza, preferia gozá-las sozinho.
Por fim, o projeto da original excursão foi substituído por outro, o de uma
estação de águas no Estado de Minas, igualmente não realizado, por impedimento à
última hora sobrevindo; mais tarde, quando se dispunha a empreendê-la, tendo já
acertado o momento, sobreveio-lhe, inesperadamente, o mal que o vitimou em poucos
dias.
Não houvesse sido esse o triste desenlace, que ao talento do dr. Graciano de
Azambuja estava reservada nova fonte de aperfeiçoamento. A viagem a Minas seria
prolongada por outra à Europa, onde poderia fazer comparações, ver aquilo que já
conhecia através dos livros e julgar melhor.
IV
Dotar o Rio Grande do Sul de uma publicação periódica, inspirada por ele e
com uma feição toda dele, era o seu maior desejo, havia bem uns cinco lustros.
242
Seguro conhecedor do meio em que vivia, Graciano de Azambuja não era tão
ingênuo que não previsse logo que a terra não comportaria uma revista, nem mesmo da
índole das chamadas magazines.
Já, porém, que o periódico não podia ser nem trimestral, nem semestral, ao
menos que fosse anual. E praticamente havia uma única forma a dar-lhe, a de almanaque.
Só assim poderia vingar a empresa. Amadurecida a ideia, a propriedade foi imediatamente
esposada pela antiga firma editora Gundlach & Cia., hoje Krahe & Cia., que assim se
tornou benemérita, amparando aquela modesta causa, mais tarde estimulada, aplaudida
pelos competentes, imitada por outros, e que, afinal, após vinte e oito anos de indefesso
labor, nenhuma compensação material tem outorgado àqueles honrados livreiros.
Não foi um literato, é certo. Nem a música, nem o desenho foram do seu
alcance imediato. Todavia, não sendo isento de frequentes momentos de sonho, lia tudo
quanto a boa literatura, quer nacional, quer estrangeira, produzisse de valor, e guardava
carinhosamente as estampas finas, interessando-se, igualmente, pela ópera e pelo drama.
A sua esmerada cultura não era pretexto para fatigar o espírito do interlocutor,
com descabidas e tediosas citações a propósito de tudo e em tudo achando motivo para
essa copiosa loquacidade, com que a retórica meridional, ao serviço de vários paroleiros
espirituosos, abusa da complacência alheia, ingenuamente persuadidos de que atraem e
encantam com a sua pedantesca tagarelice acompanhada de um motejo lerdo,
supremamente aborrecíveis.
Veio, sem embargo, afinal, a operar-se profunda e decisiva mudança nas suas
crenças, levando-o, no termo da vida, a aceitar a concepção do mundo tal e qual o
cristianismo impõe aos seus fiéis. O testamento dá público testemunho da sua conversão,
em incisiva profissão de fé.
VI
mocidade. Exerceu as funções de procurador dos feitos da fazenda geral e, mesmo assim,
acidental e interinamente.
E quem for possuidor dos complexos elementos com que resistir a essa prova,
ainda mesmo severa, é positivamente individualidade primacial no meio em que atuou.
246
(Archivo Judiciario - Porto Alegre: Globo, publicação bimestral, v. I, fasc. II, mar. 1913)
Que não há limites a traçar ou a resolver, “não há que rotear uma divisória no
rigor da tecnologia jurídica e exatidão geodésica, mas uma extensa área de território a
reivindicar com seus limites conhecidos”;
Que Conceição do Arroio, para que tais núcleos não fossem sufocados em
seu desenvolvimento, não lhes fez pesar a devida taxação de impostos e, desse aparente
abandono, aproveitando-se Santo Antônio, não só inscreveu nos seus lançamentos as
casas de negócio situadas neles, como qualificou eleitores aos respectivos moradores;
governo do Estado, que assim exigia; bem como a tradição, conservada através de mais
de uma geração, e “a constituição corográfica do município, pela própria estrutura física,
orográficas e hidrográficas da região” – militam em seu favor;
Que a geografia do Estado, por órgão de seus autores, descreve o Rio dos
Sinos como nascendo na Serra da Pedra Branca, que fica no município de Conceição do
Arroio;
Que Conceição nunca perderia por usucapião os seus direitos, que são
imprescritíveis, porque o são sobre bens do domínio público municipal, inalienáveis e
não sujeitos à prescrição.
a “em freguesia, assinando-lhe por limites aqueles mesmos que para a dita nova Povoação
forem assinados pelo Coronel Governador da dita Província por mandado do
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Marques Vice-Rei e por Fregueses todos os
moradores que ficarem compreendidos no território da nova Povoação[...]”.
E nem mesmo naquela época, tão recuada, podia ser fácil ao Bispado do Rio
de Janeiro o determinar divisas de uma zona remota, quase ínvia e, até, infestada de
silvícolas bravios. Se da geografia do Rio Grande do Sul ainda até hoje é deficientemente
conhecida a de certas regiões, com muito mais forte razão o era naquele tempo, já distante
cerca de século e meio.
Conclui-se:
II
Nas mesmas condições, para o caso, está o recente mapa oficial do Estado;
primeiro, porque não é uma edição definitiva, mas um ensaio destinado a correções;
segundo, porque a linha divisória por ele traçada entre os municípios contendores não se
baseia em títulos de domínio ou posse e, muito menos, em [rasgado] algum; é uma linha
arbitrariamente corrida.
251
E, também, não valem os documentos de fls. 34, 35, 56 e 58, porque, quanto
ao primeiro, o município de Santo Antônio não se arroga ter direito à Colônia Marquês
do Herval; quanto aos dois seguintes, igualmente Santo Antônio não reclama jurisdição
alguma sobre terras de João Enet. Por último, o lugar denominado Laranjeiras também
pertence à zona não reclamada por Santo Antônio e, portanto, fora de litígio.
III
Mas já assim não se dá com relação à zona do Morro Agudo, sobre a qual
Conceição não só sempre exerceu jurisdição administrativa (documentos a fls. 53 e 59),
como posse ultracentenária, a qual indiciariamente provam o documento a fls. 50 e o
silêncio das testemunhas sobre este particular.
Julgo, afinal:
respondeu à intimação nos termos do telegrama a fls. 132. E o juízo observa que ele é
quem escolhe e determina o local onde deve efetuar as diligências, sem se subordinar às
preferências manifestadas por esta ou aquela parte, e muito pouco conhecedor das
normas peculiares ao juízo arbitral se mostra quem exige diligências a que semelhante
juízo não está adstrito, conforme se infere do espírito do próprio Código do Processo
Civil e Comercial do Estado.
A CARESTIA DA VIDA
I
Confiamos que a obra do poder público será tutelar dos mais caros interesses
da multidão, ameaçados de subversiva crise.
É preciso que a ação do governo seja sempre pronta, imediata e sem demora,
porque, não sendo assim, ela se verifica tardia e desnecessária as mais das vezes, visto
qualquer retardamento permitir a manifestação dos desastrados efeitos que se tinham em
mira abreviar.
São necessários segurança, acerto e eficácia, porque sem isto de nada valeria
aquela intervenção.
Primeira questão: tudo isto obrigaria o varejista à baixa de preços nas suas
vendas?
A CARESTIA DA VIDA
II
Portanto, lícita é a pergunta: que tem ele feito a favor do crédito pastoril? E
em prol da pesca, o que de liberal, profícuo e prático existe?
Para que essa representação traduza lealmente a sua origem popular, o direito
público, com fortuna vária, tem criado diversos métodos, diversos sistemas eleitorais,
amparados por publicistas e jurisconsultos eméritos, persuadidos de que cada qual deles
consulta melhor as aspirações populares, no tocante ao seu direito de coparticiparem na
direção dos negócios públicos.
1º) Do voto limitado, o qual consiste em que numa dada circunscrição, onde
deverão ser eleitos cinco deputados, cada eleitor não poderá votar senão em quatro
nomes, de forma que o quinto forçosamente há de pertencer à minoria.
Usado pela primeira vez na Inglaterra em 1867, foi abolido em 1884. Vigora
na Espanha desde 1876 e na Itália desde 1889; vigorou no Brasil para as eleições federais,
depois da Constituinte da República, mas foi derrogado pela lei atual (n. 1.269, de 15 de
novembro de 1904).
2º) Do voto cumulativo, pelo qual numa circunscrição que deverá dar quatro
deputados, por exemplo, o eleitor poderá inscrever na sua lista quatro nomes diferentes
261
ou quatro vezes o mesmo nome, dando, assim, de uma só vez, quatro votos ao seu
candidato.
E estava no seu direito, porque, como disse um escritor platino, a dura verdade
é que na eleição um partido não visa respeitar os direitos do adversário quanto ao
preenchimento de lugares, mas, positivamente, excluir todos os direitos dele.
Não está esquecida a crise política que, vai para dois meses, chegou a ameaçar
a estabilidade do novo presidente, Poincaré, e acarretou a queda do insigne Briand,
apaixonando vivamente a opinião pública da grande nacionalidade dalém mar.
E, perorando, por entre calorosos aplausos da esquerda: “Mais j’y mets cette
condition que será mis hors de conteste Le principe majoritaire qui a donné à La France
quarante ans de stabilité gouvernamentale. Je NE puis admettre em effet qu’um candidat
qui a moins de voix qu’um autre soit élu à as place. J’accepte toutes lês autres transactions,
mais, sur ce point, permettez-moi de vous Le dire, jê reste au drapeau!”.
Mais sérias foram as razões emitidas pelo abade Lémire, que enfrentou com
vantagem a tribunos do tomo de Jaurès e Briand. Esse, porém, está no seu papel de
presbítero e conservador, temente às injunções da demagogia sindicalista.
No Brasil, por enquanto e ainda por muito tempo, não há a temer agitações
de tal natureza.
O resto, pois, que não pertence à maioria, parece “atingido por uma morte
cívica”, conforme a vibrante expressão de notável jurista.
No Brasil, jamais foi usado, se bem que tenha havido uma ou outra isolada
tentativa para a substituição desses velhos moldes por outros mais compatíveis com as
aspirações da democracia moderna.
Bem haja pois o austero estadista rio-grandense que ousou romper com o
preconceito, procurando traduzir em realidade o que democratas de arraigada convicção,
como o ilustre sr. Assis Brasil, não conseguiram com todo o prestígio dos seus nomes.
Divisão:
Pouco importa não haver ele captado a universal adesão de políticos e juristas,
o que não é de admirar, descontentes há-os em toda a parte.
E, pois, também não é de estranhar que a reforma ora oferecida pelo governo
rio-grandense não tenha sido amparada pelos adversários com a satisfação merecida e a
que tem direito.
O único e principal partido adverso capaz de pleitear eleições pela nova lei é
o Partido Federalista, cuja intransigência e constância, durante vinte e três anos de
ostracismo, sem dúvida dignas de respeito, talvez um dia a História tomará em
consideração.
Mas os seus erros, muito grandes e reiterados, têm anulado quase todo esse
esforço, merecedor de melhor causa, e levaram o Partido a tamanha desarregimentação,
que chegou ao ponto de nem sequer cuidar da qualificação eleitoral de seus
companheiros, abdicando, espontaneamente, inviolável direito cívico, reconhecido por
todo o mundo.
O que o governo propõe com a nova lei é que, de agora em diante, sendo o
Estado um só colégio eleitoral, quando fosse posto um voto na urna, ele não significasse
a vontade do eleitor deste ou daquele feudo eleitoral, mas a de um rio-grandense a votar
pelo Rio Grande.
Aparece, pois, este instituto do direito público moderno, não como fator da
teoria do mandato imperativo, segundo as velhas doutrinas, mas em sequência lógica à
faculdade de participar diretamente das funções governativas. É a democracia levada às
últimas inspirações.
Está sendo admitida em larga escala num país longínquo, que prima por servir
de modelo às mais adiantadas instituições modernas – os Estados Unidos, país onde, é
269
certo, nem tudo se torna digno de imitação nem de aplauso, mas onde tudo, cheio de
interesse, chama a atenção do estrangeiro.
Mas lá, como o referendum e a cassação têm ampla prática nos Estados do
Oeste, levam a estudos bem variados, porém sempre em torno da palpitante questão de
saber até que ponto isso influirá nas instituições do sistema representativo, criado pela
velha Constituição, que vigora há quase século e meio, ou enfraquecendo-as, ou dando-
lhes nova orientação.
Por isso, não obstante a sua relevante importância, parece que o direito
público brasileiro jamais o referiu. Em obrinha publicada em 1910 (a qual mereceu na
Revue du Droit Public benévola referência do notável professor da Faculdade de Direito de
Paris, Gaston Jèze, como não sendo simplesmente de direito administrativo, mas também
constitucional), consagramos em mais de um passo a devida atenção ao assunto. E
nenhum outro autor, a que nos conste.
É uma indagação que, aliás, desde o começo perde o seu objeto, porque nos
Estados da União Americana, onde se tem verificado frequentemente a cassação, até do
cargo de juízes, o voto é secreto e, sendo assim, impossível se tornaria saber os que
votaram e os que deixaram de votar por ocasião da eleição do representante ou
funcionário.
De mais, aqui no Rio Grande do Sul é dificílimo tal exercício, porque o projeto
exige que só a proposta para a cassação do mandato seja feita pela quarta parte do
270
eleitorado do Estado. De sorte que, sendo ele de cerca de 120.000 eleitores, é necessário
que a iniciativa parta de 30.000 eleitores.
O dr. Diogo Velho fora mais perspicaz e teria abandonado a liça depois que
pelo dr. Maurício Cardoso lhe foi imposta, à dura força, aquela fulgurante lição de Direito
que, tendo-o feito passar pelas forças caudinas, o obrigou a capitular em todos os pontos
da sua injurídica argumentação.
9 A Ação de Manutenção de Posse de Águas foi proposta em fevereiro de 1911, perante o juiz distrital, e depois
subiu à conclusão do juiz dr. Manuel Pereira de Escobar Junior, da 3ª Vara da Comarca de Porto Alegre,
uma vez que a Barra do Ribeiro pertencia à Comarca de Porto Alegre. Foram Autores – Medeiros & Borges
(Antônio Augusto Borges de Medeiros, Augusto Gonçalves Borges, Victorino Borges de Medeiros,
Manoel Inácio Evangelista e Luiz Alberto Matzembacher), representados pelos advogados Alcides de
Freitas Cruz, Joaquim Maurício Cardoso e Francisco Thompson Flores; Réus – Irmãos Porto (Vespúcio
de Souza Porto, Armando de Souza Porto e Ricardo de Souza Porto), representados pelo advogado Diogo
Velho Cavalcanti de Albuquerque.
10 Da posse e das acções possessórias (nota da revisão).
272
Ora, o sr. Diogo Velho, zeloso adepto da restrita interpretação dos textos das
Ordenações, há de convir na boa procedência do critério distintivo das águas em públicas
e particulares, acima firmado.
“Do rio público ou perene, que NÃO É NAVEGÁVEL, pode tirar-se água
para regas e mais usos dos prédios vizinhos sem dependência de licença Régia. Contanto:
III) que não prejudique a algum uso a que aquela água já esteve aplicada; IV) que não se faça dano ao
vizinho, v. c., a algum moinho já construído.”
Verificou-se, pois, a turbação feita pelos Irmãos Porto contra a posse exercida
por Medeiros & Borges, quer sejam públicas as águas do Ribeiro, como sustentamos,
quer sejam particulares, como desejam os liquidados, embora erroneamente e sem que
disso tivessem alegado jurídica doutrina.
O art. 899 da Consolidação das Leis Civis foi mal invocado, porque o seu
conteúdo não deve ser tomado isoladamente, mas em sentido relativo e em harmonia
dos subsequentes, assim aceito ir-se-ia chegar exatamente à medição das águas de que
falamos e a que se refere o art. 902.
Tal desforço não passa de uma invenção para armar efeito, o que,
oportunamente, provaremos com a publicação de várias peças do processo, inclusive
depoimento de testemunhas, logo que a causa seja decidida e os autos baixem a cartório;
presentemente, é-nos impossível, porque o julgamento do feito já está com dia marcado,
e os autos, conclusos à relação.
Bem se sabe que, acima de tudo, o dr. Diogo Velho visou o escândalo para
blasonar que não trepidou investir contra pessoas da mais assinalada posição política e
social, dentre as quais se destacava o presidente do Estado e chefe político de prestígio
não comum.
274
Isto, porém, não era bastante. É que há a singular circunstância de que esse
homem, Borges de Medeiros, alia aos magníficos dotes de inteligência e caráter, de todos
conhecidos, uma pureza de costumes e um escrúpulo na maneira de proceder, que a
mínima alusão desairosa o punge e melindra profundamente.
Desta arte, quanto mais indigna fosse a agressão, mais intensa seria a
indignação do ofendido, e daí o gáudio, a alegria farisaica de quem, desaforadamente,
procurasse feri-lo perfidamente, uma vez que, à carência de outros meios aptos para o
empréstimo de passageira notoriedade, todos eles servem à satisfação de pessoas a quem
ela tem falecido por meios mais decentes.
Não teme a nenhuma das bravatas partidas de quem não possui títulos para
se ombrear com ele, e de quem se desconhece um só ato, um só feito, um só gesto
abonado de qualquer merecimento, quando, pelo contrário, tudo faz duvidar acerca da
correção do seu passado, já que no outono da vida, “ao cair da tarde em anos”, na
cadenciada frase de Bulhão Pato, emigrou de seus lares para longes terras à cata de novas
aventuras.
Alcides Cruz*
* Na edição de 8/7/1913 de A Federação, há comentários de iminente duelo entre Diogo Velho e Alcides
Cruz, em Porto Alegre, em razão das divergências na Questão das Águas do Ribeiro. O certo é que, em
9/7/1913, Alcides Cruz publicou o artigo TROCO MIÚDO, respondendo às injúrias raciais que lhe foram
impingidas por Diogo Velho, que também foi o advogado de Conceição do Arroio na Questão de Limites
entre Conceição do Arroio e Santo Antônio da Patrulha, em 1912.
275
Senhores.
São fatos estes, verificados sob aspecto tão distinto, pela clareza e naturalidade
com que se manifestam num discurso de século e meio, que a qualquer espírito, mesmo
medianamente informado em filosofia elementar, não escapam à, já hoje clássica,
distinção em fase guerreira, metafísica e, por último, científica. Sem grande penetração,
vê-se facilmente que com Pinto Bandeira corresponde a época da conquista e
constituição geográfica; com Bento Gonçalves, a tentativa frustrada da definitiva
organização política, que, entretanto, por ser prematura, falhou; com Gaspar Martins, o
amadurecimento e o peso da influência rio-grandense nas deliberações da Coroa,
conjuntamente operados através da política monárquico-parlamentar, que serviu de
transição entre o passado colonial e o presente republicano; com Júlio de Castilhos, a
definitiva concretização da forma entrevista por Bento Gonçalves. Estas duas figuras,
por assim dizer, completam-se. Sendo então quatro vultos, representam e sintetizam,
276
aliás, três épocas, porque um, procurando adiantar-se e agir fora do seu tempo, não logrou
alcançar o êxito colimado, e isto, longe de o amesquinhar, pelo contrário, o engrandece,
fazendo-se admirar pelo seu arrojado descortino.
Rafael Pinto Bandeira é o herói dos obscuros tempos coloniais, em que o Rio
Grande do Sul, mal começando a povoar-se, era, sem dúvida, um deserto, mas teatro
adequado ao prosseguimento das aventuras gloriosamente iniciadas pelos seus valorosos
antepassados portugueses, de quem ele herdou aquele indômito ardor pelas conquistas
de terras desconhecidas. Se aqueles devassaram os mares, alargando o domínio colonial
marítimo até o surto de um império “onde o sol não tinha ocaso”, os seus descendentes
sul-americanos, possuidores por herança atávica da mesma curiosidade bravia e agressiva,
desbravaram florestas, remontaram invencíveis serranias, venceram rios ameaçadores,
dobraram a dura cerviz de tribos infiéis e desalojaram inimigos rancorosos, mesmo fiéis
e cristãos.
Por índole e por sangue, Pinto Bandeira, pertencente a este ciclo, foi o capitão
dos tempos idos que maiores serviços legou à posteridade rio-grandense, dilatando as
fronteiras da sua terra. Além de ter sido o destemido criador da cavalaria rio-grandense,
de prestigioso renome, foi a figura mais completa da aptidão guerreira de seu tempo, com
o ser simultaneamente o invicto cabo, quer na campanha rasa, como em Tabatingaí, quer
no assalto e rendição, como foi da famosa atalaia espanhola de Santa Tecla, quer na
atrevida escalada a montanhas, como em S. Martinho, jornada que, estabelecidas as
devidas proporções e descontos, não teme o confronto que um dia pudesse alçar-se, até
pedir meças com a entrepresa de Aníbal nos Alpes.
despretensioso, embora o seu todo subjugante. Na tribuna, porém, a mutação era rápida
e completa: figura de imponente aspecto, parecia crescer; alto, corporatura de atleta, voz
retumbante e troante como nenhuma outra jamais foi ouvida no Senado ou na Câmara
ou na Assembleia Provincial, ou mesmo na praça pública, Silveira Martins engrandecia e
só com a sua palavra e porte parecia resgatar o Partido Liberal de todos os seus erros.
Era a personificação mais bem acabada do parlamentar moderno. Não tinha a eloquência
untuosa e persuasiva de José Bonifácio, o moço, nem a ironia candente de Ferreira
Vianna, nem o gesto amaneirado e estudado de Joaquim Nabuco, depois que assistira as
sessões do Parlamento da Grã Bretanha, nem a eloquência acadêmica de Fernandes da
Cunha e José do Patrocínio, puros discípulos da escola romântica. Diferia de todos e foi
caso único. Urbano Duarte, um céptico e um humorista, rendeu-se e o definiu em poucos
períodos de imoderada admiração: “Leão na tribuna, escreveu ele, só conheci o sr. Silveira
Martins. Possuía a facúndia, a inspiração, os reptos de Mirabeau. Tinha o direito de dizer
o que sentia e o que queria, sem atenuantes, sem anfibologias, sem perífrases, sem
branduras calculadas. O seu gênero de talento lhe permitia essas franquezas, como a um
grande poeta se concedem certas liberdades”.
Um erro, entretanto, que este grande homem cometeu, e que tantos outros
também igualmente cometeram e sobre o mesmo assunto, só para ele foi fatal,
fatalíssimo. Descurando da previsão do futuro, cuidado especial que todo o estadista deve
ter, um dia, quando estava no fastígio do poder, do prestígio e da glória, desconheceu a
natureza da corrente republicana que desbordando ameaçou o trono. Silveira Martins
combateu-a sem tréguas e, quando se precipitaram os acontecimentos, ele, que, por
temperamento e ideias, não devia ter dado aquele passo temerário, não podia deixar de
ser suspeito ao novo regime, quando outros, acentuadamente reacionários, por princípios
e obras, como Lucena, ascenderam ao pontificado, embora se avizinhassem
apressadamente da Rocha Tarpeia.
Quando mais tarde quis remediar o erro, a ocasião era profundamente crítica,
e a sua adesão, ainda assim condicional, porque propunha formas e moldes incompatíveis
com a nova ordem de cousas; viram os seus patrícios, com profundo pesar, que Silveira
Martins já era homem do passado[...] Tivesse tido ele a vidência de Saraiva, o mais
insinuante estadista do Império, depois do velho Rio Branco, e em vez de tentar reagir
contra a corrente da época, que o envolveu, tivesse vindo colocar-se à testa dela e
encaminhá-la, ou não hostilizá-la, como Saraiva, quantas decepções não teriam sido
poupadas?
lembra a amarga chamada de Rosalinda: não vos apaixoneis de mim, porque os meus juramentos
são mais falsos que os protestos feitos durante a embriaguez.
Não vem agora o recordar, ainda que a largos traços, o quadro da vasta esfera
de atividade de Júlio de Castilhos.
Senhores.
O Grêmio Gaúcho não tem e não deve ter preferências de ordem política, a
cujas lutas é alheio, tanto que procurou irmanar os fiéis à memória de Gaspar Martins
aos que o são à de Júlio de Castilhos, para a glorificação cívica dos dois grandes patrícios,
cujas fisionomias insinuantes, e graficamente reproduzidas, vão permanecer de ora em
280
Senhores.
É uma verdade revelada, por fatos de todos nós sabidos, que, com o
desaparecimento do Império, se reproduziu o fenômeno, observado sempre, de que as
instituições de um povo sofrem violentos abalos.
Inadaptado ao meio por ele mesmo hostilizado sem tréguas, perde a sua
preocupação com o bem público para só ater-se a considerações de ordem restrita,
visando individualidades, volvendo-se para fins meramente particulares e para ideais já
gastos e fora do tempo. Deixa, então, de ser partido político, que já foi, para,
desagregando-se, constituir facções, mais ou menos demolidoras, no seio das quais
tripudia o egoísmo, impera a abstenção das urnas e lavra o dissídio, e, como não tem
responsabilidades, não esconde o seu latente trabalho de subversão e revolta.
Ora, senhores, isto que é a negação completa do que sejam partidos políticos,
sobretudo no ostracismo, que é quando maior arregimentação, disciplina e altruísmo se
exigem, há alguém capaz de negar seja o deplorável estado das agrupações fora do Partido
Republicano?
Eis porque o Partido Republicano, fazendo causa comum com o sentir geral
do povo brasileiro, com a nação, cujas emoções, sejam tristes ou sejam festivas, ele
compartilha vivamente, sente-se radiante com o aniversário que assinala hoje o primeiro
quarto de século da era republicana.
É certo que essa conquista não traduz a só e exclusiva obra e graça de partidos,
antes, porém, a meta final e vitoriosa de esforços dolorosamente acumulados, sem temor
continuados e por muitas gerações sempre renovados, desde os incertos e mal seguros
passos aventurados em amargos dias do regime colonial.
Eis porque o Partido Republicano, nascido para lutar e vencer, como também
para instruir e venerar tudo quanto representam as grandes causas brasileiras, procura
canalizar esses transportes de emoção cívica, excitando-os e fazendo-os fremir no grande
dia em que, na estrada da República, é colocado, expansivamente, mais um marco
comemorativo da sublime realidade alcançada pela maior e a mais remota das aspirações
nacionais.
A República já era amada e praticada muito antes que a eloquência grega tivesse
florescido na Antioquia; muito antes que os ídolos maometanos fossem reverenciados na mesquita de
Meca; muito antes que os bárbaros do Norte, transpondo o Reno12, houvessem convulsionado o
Ocidente.
12 Lord Macauly. Critical and Historical Essays, vol. 7, p. 99. (N. A.)
283
Tudo isto tem sido, porém, em vão, baldadamente, como em vão têm sido
todos os esforços empregados no sentido de serem esquecidos os grandes feitos
históricos de onde têm emanado as mais fecundas consequências em benefício da
confraternização dos homens, quer sejam trágicos, como o da estaca simbólica que o
cristianismo incipiente deixou no Calvário, quer sejam singelos como o humilde gesto do
bom Samaritano.
Acontecimentos desse gênero contrastam entre si, mas que, por terem sido
evangelizadores e humanamente altruísticos, sobreviveram, triunfando já contra a força
armada das guardas pretorianas, já contra o motejo fino como o de Voltaire ou bestial
como o de Falstaff.
Bem se sabe que a República não faz impossíveis, nem contém princípios
infalíveis, nem opera com métodos impecáveis; porque virtudes sobrenaturais, como
seriam estas, não existem; basta entretanto que cada qual reconheça, como ensina o
admirável Scherer, que as liberdades políticas não são o fim da sociedade, mas apenas
garantias para que ela possa viver normalmente, segundo o seu curso natural, para ver
que a República, melhor que todas as outras criações governativas, é a única que pode
fazer tudo quanto politicamente promete.
Que este anátema caindo sobre a cabeça de todos quantos exaltam a guerra,
aplaudem a paz armada e menosprezam o princípio da aproximação entre os povos
concorra para lhes despertar a razão adormecida, ou – antes – entorpecida pelo fumo das
deflagrações, enchendo-os de terror da sua própria obra, e concorra para resgate dessas
abomináveis extorsões, que fazem absolver a Shylock, dessas espantosas injustiças,
capazes de reabilitar a Torquemada, e dessas incríveis violências, que atentam
sacrilegamente contra a religião, a liberdade, o amor e a família.
Foi Júlio de Castilhos o primeiro político, e, se não fora o mais fiel, capaz e
constante dos seus colaboradores o sr. Borges de Medeiros, muito seria de recear ter sido,
aquele, não o primeiro, mas o único estadista brasileiro contemporâneo, que, rompendo
com inveteradas normas imorais, proclamou como suprema diretriz de toda a complexa
ação do homem público a divisa, na aparência sem importância, mas de incalculável valia,
formulada há quase cem anos e, por isso mesmo, muito esquecida, senão relegada como
13 2º ato, cena 1.
285
um estorvo, pelo maior, pelo mais ilustre, pelo mais estoico e pelo mais perseguido e
desditoso brasileiro do seu tempo: “A sã política é filha da moral e da razão”.
Senhores.
Vê-se, pois, que a nossa força, concorrendo com a sua eficiência para a
manutenção da ordem pública, como concorre com elevada moralidade, certo não é uma
guarda cesariana, uma guarda palatina, uma guarda de janízaros, mas um elemento de
garantia daquelas liberdades.
Nós nos retiramos, repito, para atividades que deixam lazeres, mas V.Exa.,
que não dispõe nem mesmo de horas para o gozo de prazeres, ainda daqueles mais
comuns, de que se acham privados os mais obscuros concidadãos, todavia tem a grande
14 O picadeiro Brigada Militar foi inaugurado dia 28 de novembro de 1914 com uma grande festa oferecida
por Borges de Medeiros. Na edição de A Federação, de 1º dez.1914, em artigo de página inteira, é narrada
toda a solenidade. Inicia-se com a descrição física do local, projetado pelos instrutores da Brigada Militar,
tendo sido a construção supervisionada pelo tenente-coronel Claudino Pereira Nunes. Em seguida, são
mencionadas as atrações: prova prática de doma de animais cavalares, executada pelo tenente-coronel Assis
Brasil, e a demonstração de exercícios de equitação de alta escolta, pelo alferes Cassiano Vasques. A isso,
seguiu-se o “lunch”, acompanhado pela banda da Brigada, regida por Pedro Borges.
Na última parte do evento, são transcritos os diversos pronunciamentos. O primeiro a discursar foi o
deputado Alcides Cruz, que, em nome da Assembleia dos Representantes, agradeceu a Borges de Medeiros
a festa por ele oferecida (Trata-se deste discurso que aqui compilamos.).
Os demais a discursarem foram: coronel Cipriano Ferreira (comandante da Brigada Militar), dr. Cunha
Ramos (deputado estadual), coronel Riet, coronel Alfredo Moreira, dr. Protásio Alves (Secretário do
Interior), tenente-coronel Assis Brasil e, encerrando a solenidade, dr. Borges de Medeiros
288
Faltarão, por acaso, regras práticas que regulem a espécie e, por isso, as
vacilações, as surpresas e as soluções ilegítimas como esta de, por meio de uma ordem
de habeas corpus, dar-se a intervenção federal? Não.
São sempre justas e dignas de respeito as aspirações que deve ter todo o
homem público, uma vez que sejam elas inspiradas na vontade de servir honestamente à
pátria e ao seu partido, e só se legitimam quando ao dispor de indivíduos capazes pelo
seu caráter, pela sua cultura e pela sua escrupulosa conduta. Quando, porém, elas
representam o egoísmo e superam esses nobres sentimentos inerentes a Júlio de Castilhos
– que, sem embargo do seu talento e das suas virtudes e da sua ascendência cívica, se
conservou por tanto tempo fora das posições oficiais – e a Borges de Medeiros – durante
um quinquênio arredado de cargos públicos, por um escrúpulo digno de todo o louvor –
, mas sem se alhearem jamais à desinteressada colaboração nas boas causas da pátria,
aqueles vícios, aquela lassidão de princípios e de honra antes deveriam ser o estigma a
290
gravar na fronte dos fariseus que fazem da política uma profissão mercenária, ainda
mesmo com sacrifício do crédito e da pureza da República.
Por certo, ninguém dotado de medíocre bom senso jurídico será capaz de
admitir, salvo motivo preconcebido, que o habeas corpus, extremo recurso de quem está
em iminente risco de ver tolhida a sua liberdade individual com algum constrangimento
ilegal, mas em casos assaz restritos, como de prisão ilegal ou de ameaça desta, substitua
o procedimento competente para a resolução de uma contenda entre dois ligantes que
por meio de eleição geral tenham disputado um cargo público, cujo processo eletivo
oferece vícios insanáveis e controvérsias que degeneraram em completa anormalidade,
sendo preciso apelar para um poder supremo que dirima o conflito.
Fora destes casos, ela é sempre ilícita e até mesmo constitui uma usurpação.
Já a Escola Virginiana e Jefferson entendiam “ser muito perigoso considerar os
magistrados como árbitros em última instância de todas as questões constitucionais,
porque seria colocar-nos sob o despotismo de uma oligarquia”.
Por que, se o sr. Nilo Peçanha desejava associar a justiça às suas tramoias
eleitorais, não intentou antes um pedido de manutenção, se se considerava legitimamente
eleito, ao menos para coonestar?
Assim, obtida a ordem, o eixo da questão mudava de lugar, e a coisa não podia
vir melhor ao encontro dos seus audaciosos desejos. Se alguém se opusesse ao
cumprimento do habeas corpus, aí estava a porta aberta pelo art. 6º, § 4º, que é aonde S.Exa.
queria chegar: a intervenção do Governo Federal para assegurar a execução de leis e
sentenças federais, mediante o emprego da força pública.
“Dizem que esta faculdade (power) é um perigo para a liberdade pública e pode
ser abusada. Todo o poder (power) pode ser abusado quando conferido a mãos indignas.
Onde, porém, estará mais seguro? Todo o poder para ser eficaz deve ser pronto. Para
todas estas emergências, a Constituição confere este poder ao presidente da República,
para que ele e não outro determine as condições em que se acha o Estado, bem como
apure a verdade sobre o governo do mesmo. Se o presidente caísse em erro e invadisse
os direitos do povo do Estado, ESTAVA NA COMPETÊNCIA (power) DO
CONGRESSO A APLICAÇÃO DO REMÉDIO CONVENIENTE”.
Em outra obra, também recente, The American Executive and Executive Methods,
por Finley & Sanderson (Nova York, 1908), encontram-se vários casos de intervenção
federal por motivo de querelas domésticas ocorridas em diferentes Estados, de cujas
páginas vai o seguinte resumo:
Todavia, em 1877, esse Estado (de Luisiana) outra vez foi presa de convulsão
intestina, mas o general Hayes, então presidente da República, nomeou um comissário
que previamente examinasse os motivos que davam lugar ao pedido de intervenção. O
comissário, depois de um atento estudo da anormalidade das condições em que se achava
a política estadual de Luisiana, entendeu que a ação da autoridade presidencial, para fim
de resolver pendências oriundas de eleições, devia ser cuidadosamente evitada e, assim,
se manifestou contra a intervenção. Conformando-se com o parecer, Hayes apenas se
limitou a aconselhar o que lhe pareceu o mais adequado meio de resolver a dificuldade:
a organização de uma simples casa legislativa competente para decidir a disputada eleição
de governador.
Em virtude desta lei, o governo da União usará do emprego das tropas federais
em questões peculiares aos Estados somente em casos de rebelião, violência, ajuste ou
conspiração em qualquer um deles, com o fim de dificultar ou impedir a execução de leis
dele ou da República; ou quando se procura privar alguém ou alguma classe de pessoas
desse Estado de qualquer dos direitos, privilégios ou imunidades ou proteção constantes
na Constituição Federal e garantidos por leis – como protetoras de tais direitos,
privilégios ou imunidades –, as quais as autoridades estaduais constituídas deixam de
294
manter ou não podem observar. Outro fato que autoriza o emprego da força pública
federal é o da sublevação contra o governo do Estado.
Discursos
Parlamentares
296
16ª SESSÃO
Aos sete dias do mês de novembro de 1906, na sala das sessões da Assembleia
dos Representantes do Estado, em Porto Alegre, ao meio-dia, presentes os srs. deputados
Carlos Barbosa, Vasco Bandeira, Waldomiro Lima, Santos Filho, Luiz Englert, Olavo
Godoy, Arno Philipp, João Vespúcio, Domingos Martins, Barreto Vianna, Antônio
Caminha, João Simplício, Evaristo do Amaral, Gervásio Annes, Bráulio Oliveira,
Gonçalves de Almeida, Alcides Cruz, José Chaves e Avelino Paim, é aberta a sessão.
EXPEDIENTE
Passando-se à
ORDEM DO DIA
obrigação de sufragar a opinião esposada pelo meu ilustre colega e companheiro dr. José
Chaves.
Eis ligeiramente explicado o motivo por que assinei com restrições o parecer
da comissão de petições e reclamações, estando de acordo, contudo, com os
considerandos 1º, 2º, 6º e 7º (muito bem, muito bem).
298
23ª SESSÃO
Aos vinte e dois dias do mês de novembro de 1906, na sala das sessões da
Assembleia dos Representantes do Estado, em Porto Alegre, à uma hora da tarde,
presentes os srs. deputados Manoel Py, Vasco Bandeira, Waldomiro Lima, Simplício,
Santos Filho, Luiz Englert, José Gabriel, Olavo Godoy, Arno Philipp, Vespúcio,
Domingos Marins, Barreto Vianna, Antônio Caminha, Evaristo do Amaral, Gervásio
Annes, Bráulio de Oliveira, Gonçalves de Almeida, Antunes de Araújo, Alcides Cruz e
José Chaves, é aberta a sessão; faltando com causa participada os srs. deputados Carlos
Barbosa, Joaquim Osório e Avelino Paim.
[...]
O sr. Alcides Cruz – Apreendi, pois não. V.Exa. é que, não avaliando
devidamente o parecer da comissão especial sobre a indicação apresentada pelo meu
digno colega coronel Gervásio Annes, força-me a esclarecer um ponto do mesmo
parecer, sobre o qual S.Exa. labora em erro: as custas constantes da tabela que o parecer
propõe sejam restabelecidas, não vêm para os bolsos dos advogados, não.
Esgotada a ordem do dia e nada mais havendo a tratar, o sr. presidente encerra
a sessão e lavra-se esta ata.
MANOEL PY
WALDOMIRO LIMA
300
31ª SESSÃO
EXPEDIENTE
Todavia, a casa resolverá como entender, mas a mim, como relator daquele
arecer, cabia dar esta explicação. A propósito, requeiro à mesa que faça constar nos anais
esse parecer da comissão de petições e reclamações porque, se o dr. Romaguera for
processado (e, segundo infiro do pedido ora dirigido à Assembleia, vai sê-lo), isso não
deixa de ser matéria para a defesa.
O sr. presidente – Não tendo sido lido o parecer a que se refere o sr.
deputado Alcides Cruz, não podia ele constar das atas dos nossos trabalhos. Submeterei,
contudo, oportunamente, à deliberação da Assembleia o pedido referente à inserção do
mesmo parecer nos anais da casa.
O sr. Gervásio Annes – Depois das explicações que vem de dar o sr.
deputado Alcides Cruz, parece-me desnecessário apresentar qualquer indicação, tanto
mais quando a Assembleia está perfeitamente orientada.
Também é aprovada a indicação do sr. deputado Alcides para que conste dos
anais o parecer da comissão de petições e reclamações acima mencionado.
302
303
É o seguinte o
considerando que, admitida por hipótese a existência de algum delito, este não
seria o do art. 316, porque a calúnia não fora verificada por meio de publicação pela
imprensa, e menos ainda contra corporação que exerça autoridade pública, ou contra
agente ou depositário desta em razão do ofício, conforme se deduz dos documentos
instrutivos;
considerando que, excluída tal hipótese, ainda assim não pode aproveitar ao
impetrante a disposição contida no § 1º do citado artigo, pelo motivo exposto na primeira
parte do considerando anterior;
[...]
JOÃO SIMPLÍCIO
WALDOMIRO LIMA
306
[fl. 1]
A imprimir, em 20-1-1908
Manoel Py
Parecer15
*Transcrição paleográfica realizada por Vanessa Gomes de Campos, preservando a divisão paragráfica e a
ortografia do documento. Nas palavras e expressões entrelinhas utiliza-se a convenção: <----->. As
assinaturas estão sublinhadas. O documento é custodiado pelo Memorial da Assembleia Legislativa do Rio
Grande do Sul (Pareceres, 1906 a 1908).
15 A caligrafia é do deputado Alcides Cruz, que redige o Parecer em seu papel timbrado, com os dizeres no
canto superior esquerdo: “Alcides Cruz Advogado”
307
308
[fl. 1v]
[fl. 2]
[fl. 2v]
adiante especificados:
No municipio de Porto Alegre – 5.ª 6.ª 7.ª 26.ª 30.ª e 34.ª
secções; no municipio de Itaquy – 1.ª secção; no
municipio de Pelotas – 3.ª 4.ª 6.ª 8.ª 9.ª 14.ª e 15.ª secções
e no municipio de S. Lourenço – 5.ª e 7.ª secções.
17 Há uma rasura na letra “i”, originalmente grafado “y” e corrigido pelo autor.
18 Há uma rasura, na qual se lê “opinião” e foi riscada pelo autor. A palavra “vontade” ficou entrelinhas.
311
[fl. 3]
19 Há uma rasura, na qual se lê “na” e foi riscada pelo autor. A palavra “em” ficou entrelinhas.
312
[fl. 3v]
20 Há uma rasura, na qual se lê “novembro” e foi riscada pelo autor. A palavra “outubro” ficou entrelinhas.
313
[fl. 4]
[fl. 4v]
[fl. 5]
[fl. 5v]
21 Há uma rasura, na qual se lê “contida” e foi riscada pelo autor. A expressão “de nullidades” ficou
entrelinhas
316
[fl. 6]
[fl. 6v]
[fl. 7]
[fl. 7v]
[fl. 8]
___
Do exame de todas as autenticas presentes a
commissão, e feita a somma de votos, a com-
missão chegou ao seguinte resultado:
1º. circulo: Dr. Carlos Barbosa Gonçalves, 16931 votos e
177 em separado. Dr. Fernando Abbott, 5322 votos e
206 em separado.
2º. circulo: Dr. Carlos Barbosa Gonçalves 15130 vo-
tos e 93 em separado. Dr. Fernando Abbott, 695 votos
e 91 em separado.
3º. circulo: Dr. Carlos Barbosa Gonçalves, 8185 votos e
84 em separado. Dr. Fernando Abbott, 4138 votos e
352 em separado.
4º. circulo: Dr. Carlos Barbosa Gonçalves, 9484 votos e
116 em separado. Dr. Fernando Abbott, 1245 votos e
143 em separado.
5º. circulo: Dr. Carlos Barbosa Gonçalves, 11206 votos
e 80 em separado. Dr. Fernando Abbott, 4525 votos e
96 em separado.
Total geral:
Dr. Carlos Barbosa Gonçalves 60936 votos e 550 em sepa-
rado.
Dr. Fernando Abbott 15925 votos e 888 em separado.
Sommados os votos com os dados em separado,
o Dr. Carlos Barbosa Gonçalves obteve 61.486 votos e
o Dr. Fernando Abbott obteve 16.813 votos, compara=
[fl. 8v]
18ª SESSÃO
Aos onze dias do mês de outubro de 1909, na sala das sessões da Assembleia
dos Representantes do Estado, em Porto Alegre, à uma hora da tarde, presentes os srs.
deputados Marcos de Andrade, Alcides Cruz, Firmino Paim, Octávio Rocha, Waldomiro
Lima, Soares de Barcellos, Luiz Englert, Arno Philipp, Domingos Martins, Gonçalves de
Almeida, Pereira Parobé, Armênio Jouvin, Soares de Barros, Getúlio Vargas, Arlindo
Leal, Emílio Guilayn, Galdino Santiago, José Octávio, Freitas Valle e Francisco Flores da
Cunha, é aberta a sessão; faltando com causa participada os srs. deputados Barreto
Vianna, Nicolau Vergueiro, José Antônio Flores da Cunha, Joaquim Osório e Salvador
Pinheiro.
O sr. Alcides Cruz – Não é estranho o empenho que tem feito a Assembleia
dos Representantes, conforme se verifica dos seus anais, em auxiliar a administração
pública na resolução do magno problema da conservação das nossas matas.
Todo aquele que compulsar os anais desta casa há de, com prazer, verificar
que esse problema tem sido objeto de estudo acurado da Assembleia e produzido
debates, por vezes calorosos.
Disse uma vez o meu ilustre colega dr. Englert, em aparte ao talentoso ex-
membro desta casa dr. João Vespúcio, que, restringida a exploração do corte da lenha,
nada mais restava aos industriais do que fecharem as portas de suas usinas e irem para
debaixo das árvores fazer versos.
O sr. Arlindo Leal – sr. presidente, meus distintos colegas. De inteiro acordo
com a moção que acaba de ser apresentada à consideração da Assembleia pelo ilustre
deputado dr. Alcides Cruz, permito-me, contudo, algumas ligeiras observações. Não acho
lógico nem razoável que o governo do Estado vá arrancar do Congresso Nacional[...]
O sr. Arlindo Leal[...] dirigindo para elas os imigrantes que aqui aportam.
Demais, sr. presidente, nós ainda não sabemos, ao certo, qual é a área do
Estado, nem estão discriminadas as suas florestas, quando o que é exato é que países da
Europa, como a França e outros, que zelam extraordinariamente a posse de suas florestas,
ainda se não lembraram de proibir o corte dos matos de domínio particular.
O sr. Pereira Parobé – Não apoiado. Todas elas possuem códigos florestais.
A França, por exemplo.
O sr. Arlindo Leal[...] que possam produzir grandes mundos. Enfim, sr.
presidente, estou de acordo, em parte, com a moção apresentada pelo ilustre deputado
dr. Alcides Cruz. Acho conveniente a adoção de medidas tendentes a acautelar os
interesses gerais, entendendo, também, que o exemplo deve partir de cima, do governo
do Estado, que deve começar por proibir a devastação das suas matas. Para corroborar
esta minha opinião, bastará ler o último relatório do sr. secretário das obras públicas
presente à Assembleia, pelo qual também se depreende que a indústria extrativa da erva-
mate tem sido feita em grande escala nos ervais do Estado com devastamento dos
mesmos, o que prova que não foi ainda organizada a precisa fiscalização por parte do
governo, e, pois, pretender-se fiscalizar o domínio particular antes da fiscalização do
governo do Estado não é razoável, mas, ao contrário, uma medida contraproducente
(muito bem, muito bem).
325
O sr. Pereira Parobé – sr. presidente, tendo o nosso jovem colega dr. Arlindo
Leal feito uma acusação à administração do Estado, julguei-me na necessidade de tomar
a palavra para defendê-la, visto ter sido auxiliar da mesma durante algum tempo.
Quanto à proposição do meu ilustre colega dr. Arlindo Leal, que o governo
do Estado antes de intervir e procurar meios de restringir o corte das matas de domínio
privado devia cuidar da conservação das suas, impedindo que a devastação se faça,
cumpre-me dizer-lhe que ele o tem feito, quer agindo diretamente, quer por meio de
reiteradas recomendações às autoridades, às quais cabe esse dever, segundo dispõe o
regulamento em vigor.
O sr. Arlindo Leal – Mas estabelece núcleos coloniais nas matas cuja
conservação devia zelar.
O sr. Pereira Parobé[...] núcleos esses que, tendo recebido como herança, o
Estado procura manter e desenvolver.
O sr. Arlindo Leal – Pronunciando-me do modo por que o fiz não foi meu
intuito acusar o governo do Estado.
O sr. Pereira Parobé – Não foi propriamente uma acusação, mas foi, pelo
menos, uma censura. Certo, e neste ponto estou de acordo com o meu ilustre colega, o
Estado precisa cuidar das matas e o que ele quer, de que cogita, é precisamente impedir
a devastação dessas matas, fato que acarreta enormes prejuízos e inconvenientes, que
recaem, uns e outros, sobre a nossa indústria agrícola, pela modificação do clima,
prejuízos e inconvenientes que ele tem se esforçado por atenuar. Entretanto, como não
tem ação sobre as matas do domínio privado, não pode impedir que os proprietários das
mesmas as destruam vandalicamente. Daí a apresentação da moção, com a qual, de
acordo com o governo da União e em virtude de uma lei por ele promulgada, secundando
a ação do Estado, conseguir-se-á reprimir o abuso.
O sr. Arlindo Leal – Quer V.Exa. dizer que a ação do governo incidirá sobre
as terras particulares, como sobre as do domínio público?
O sr. Pereira Parobé – Sim, senhor, pois que em relação às do Estado ele
tem feito quanto lhe era possível fazer. Quanto à colonização, cabe-me informar ao meu
ilustre colega que não foi feita pelo governo estadual, mas pelo governo geral, no antigo
regime, e pelo governo da União, na República, tendo o Estado mantido o serviço por
não dever nem convir fazer cessá-lo.
Sem embargo, estou de acordo com o ilustre deputado dr. Arlindo Leal. Como
S.Exa., penso que não mais se deve colonizar terras de matos, julgando ainda com S.Exa.
que é tempo de experimentar-se a cultura dos campos, onde se pode fazer a cultura
extensiva com grande vantagem, o que não se dá na mata, onde só é possível a cultura
intensiva.
O trigo, por exemplo, apesar de ter sido o Rio Grande, outrora, o celeiro do
Brasil, está hoje limitado à produção insignificante das colônias, que mal chega para o
consumo local.
de suas atribuições, tem feito quanto possível para evitar a brutal devastação das matas.
Se mais não fez foi porque não tinha, como não tem, competência para legislar sobre
direito substantivo. E é precisamente isso o que vai pedir à representação rio-grandense.
Se a Assembleia dos Representantes pudesse legislar sobre o assunto, desde o primeiro
dia em que voltei a esta casa teria apresentado um projeto de lei providenciando a
respeito. Uma vez, porém, que isso não está em nossa alçada, façamos o que nos cabe, o
que nos compete, que é dirigirmo-nos à representação rio-grandense no Congresso
Nacional para que este promova, pelos meios ao seu alcance, a promulgação de uma lei
nesse sentido (muito bem, muito bem).
Assim, o que ora se pretende não é mais do que secundar a ação do Estado
nesse sentido. Se esta tem sido limitada, sem grandes resultados, todavia tem feito jus ao
apoio que solicitamos dos poderes da União. Não procede, tampouco, o argumento
aduzido pelo muito digno sr. dr. Arlindo Leal, de não possuirmos um cadastro florestal,
porque não é preciso para o caso.
O sr. Arlindo Leal – sr. presidente, há muitos anos que sou adepto fervoroso
da conservação das nossas matas e de um racional regime florestal, tendo mesmo, muitas
vezes, recorrido à imprensa para a defesa desse meu modo de pensar a respeito.
Assim sendo, não posso deixar de apoiar com todo entusiasmo e sinceridade
a moção apresentada pelos srs. Alcides Cruz, Pereira Parobé e outros ilustres colegas.
Certo que é coisa difícil ajuizar-se das qualidades de uma criança antes dela
nascida, e, assim, é impossível prever-se os termos da lei que porventura votar o
Congresso Nacional.
Assim, o que me trouxe à tribuna foi o desejo de indagar, desde já, e no intuito
de precaver futuros inconvenientes, se a moção em discussão envolve a tendência de
cercear, e até que ponto, os direitos de propriedade dos pequenos agricultores no tocante
às derrubadas que necessariamente têm de efetuar nos seus lotes para poderem fazer as
suas plantações.
Eles não derrubam as madeiras pelo gosto de destruir, mas por absoluta
necessidade e na proporção crescente que têm de prever à subsistência de suas famílias.
Outro sr. deputado – O Estado nada terá que ver senão com as matas que
constituem as florestas protetoras.
O sr. Arno Philipp – Tem se tentado, por vezes, em pequena escala, porém,
sem encontrar emulação por parte de maior número de lavradores, devido às inúmeras
dificuldades que a isso se opõem.
O sr. Pereira Parobé – Mas nós não podemos fazer leis especiais para os
colonos. A propriedade é uma, sabe-o o ilustre colega, e o caráter da lei, geral.
ALCIDES DE F. CRUZ
20ª SESSÃO
EXPEDIENTE
O sr. Armênio Jouvin – sr. presidente, quando, há dias, discutiu-se nesta casa
a moção apresentada pelo meu ilustre colega sr. dr. Alcides Cruz e outros srs. deputados,
dirigida à bancada rio-grandense no Congresso Nacional, tive ocasião de opor-me à sua
passagem, justificando, ao mesmo tempo, os motivos por que o fazia.
É claro, pois, que se a opinião que emiti não tivesse sido vencida, isto é, se a
Assembleia, adotando-a, tivesse seguido a trilha percorrida, de agir sempre
harmonicamente com o governo do Estado, certo ter-se-ia poupado a desnecessidade
dessa solicitação.
O sr. Armênio Jouvin – Ainda mesmo quando S.Exa. tivesse dela uma ideia
vaga, não podia, de pronto, responder senão como o fez; o contrário seria infringir a
delicadeza, a cortesia com que sói corresponder a todas as manifestações que lhe são
feitas. Verificando, porém, posteriormente que já existia um projeto de iniciativa do
representante deste Estado, sr. José Carlos de Carvalho, apressou-se a dar ciência disso à
Assembleia.
O sr. Alcides Cruz – Parece-me, sr. presidente, que não constitui uma grave
infração do regimento o falar-se da mesa, tanto mais quanto é certo que essa tem sido
sempre a praxe seguida.
O sr. Luiz Englert – Contra a qual, aliás, ninguém reclamou até hoje.
O sr. Alcides Cruz – Não atirei insinuação a quem quer que seja; entretanto,
se alguém há a quem ela possa caber, que a tome a si.
O sr. Armênio Jouvin – Pelo menos do que foi apresentado pelo deputado
José Carlos de Carvalho devia ter conhecimento a Assembleia ou, quando menos, os
promotores da moção.
O sr. Alcides Cruz – Esse projeto não resolve a questão (apoiados). O próprio
telegrama, o segundo, o constata. Enfim, a Assembleia resolverá sobre a moção
apresentada pelo nobre deputado. Quanto a mim, declaro que votarei contra ela por
julgá-la desnecessária (muito bem, muito bem).
O sr. Getúlio Vargas – sr. presidente, o nosso ilustrado colega dr. Jouvin
veio aqui apenas repisar o mesmo assunto, pretendendo chamar a atenção sobre a
ignorância da Assembleia a respeito do projeto apresentado na Câmara Federal pelo
deputado José Carlos de Carvalho e mostrar que, no naufrágio geral das inteligências, ele
sobrepunha a sua opinião como a tábua salvadora para a qual deviam bracejar os que não
tiveram a fortuna de segui-lo na sessão anterior. Entretanto, S.Exa. também ignorava a
existência desse projeto, pois aprovou em tese a ideia da moção, discordando somente
quanto à iniciativa a tomar, que, a seu juízo, deveria caber ao presidente do Estado. Além
disso, como muito bem acentuou o nosso ilustre colega dr. Alcides Cruz, nesse projeto
não tratou o sr. José Carlos da regulamentação do corte das matas, mas, apenas, do corte
da lenha para consumo. Acresce que os termos do telegrama que propõe o nosso colega
seja transmitido àquele deputado não estão de acordo com o referido projeto. Atendendo
a isso, e mais, por julgar inoportuno o telegrama, voto contra a proposta do dr. Jouvin
(muito bem, muito bem).
O sr. Armênio Jouvin – O meu ilustre colega dr. Getúlio Vargas certamente
não leu o projeto apresentado pelo sr. José Carlos de Carvalho. Dentre os diversos
considerandos com que S.Exa. justificou a apresentação desse projeto, bastará citar
aquele que vou ler para que a Assembleia convença-se de que o aludido projeto está de
pleno acordo com as necessidades que ela procura prover. Diz esse considerando: (lendo)
“Considerando que a devastação brutal das nossas matas arrasta consigo a pobreza para
muitos e desperta a cobiça dinheirosa para aqueles que só visam o interesse próprio
embora com sacrifício de regiões inteiras do país”. Eis aí a intenção do deputado José
Carlos em proibir a devastação brutal das nossas matas. Isto está de acordo com o pedido
da Assembleia.
O sr. Armênio Jouvin – Mas é precisamente esse o fim que visa o projeto.
O sr. Armênio Jouvin – Em todo o caso, o que a Assembleia não pode negar
– e devo acentuar – é que a iniciativa partiu do dr. José Carlos de Carvalho, e,
conseguintemente, será absurdo negá-lo, e maior absurdo insistir a Assembleia no seu
pedido.
O sr. Pereira Parobé – Não há absurdo, uma vez que o que consigna o
projeto e o que pretende a Assembleia são coisas diferentes.
O sr. Pereira Parobé – O deputado José Carlos nada mais fez do que
secundar a ação da Assembleia relativamente ao consumo da lenha. O que a Assembleia
pretende, como já disse, é coisa muito diferente. O projeto desse deputado nada satisfaz.
O sr. Pereira Parobé – Para dar a mesma rata que está dando? Não pode
fazê-lo.
O sr. Armênio Jouvin – Sei que não pode enviar o projeto; porém, se só a
Assembleia pode delineá-lo, não haverá projeto que a satisfaça, desde que não parta
daqui. O que não se deve é pedir a iniciativa duma coisa começada só porque não satisfaz.
ISSO É QUE É RATA.
O sr. Armênio Jouvin – Mas ampliado conseguirá esse objetivo. Enfim, foi
para esclarecer a minha opinião a respeito do assunto, o que penso ter conseguido, que
tomei a palavra mais uma vez.
O sr. Getúlio Vargas – Penso poder dizer que a Assembleia está de alvíssaras
com a opinião do ilustrado dr. Jouvin, porquanto, discordando da emitida
primitivamente, vem, agora, batendo ao peito penitenciar-se da discordância anterior,
propondo que a Assembleia tomasse a iniciativa de telegrafar ao deputado José Carlos.
O sr. Getúlio Vargas – De duas uma: ou o nosso ilustre colega entendia que
a Assembleia não tinha competência para votar aquela moção e, consequentemente, não
se devia dirigir à representação rio-grandense no Congresso Nacional, ou, então,
alarmava-se com a possibilidade de a Assembleia agir em desacordo com o governo do
Estado. Compreendo que S.Exa. temia irritar a película das suscetibilidades
governamentais, o que só não se poderia dar, pois esta Assembleia exercita uma
atribuição própria e vem até secundar a opinião do governo neste sentido.
O sr. Getúlio Vargas – Pois bem, façamos tábua rasa dos motivos
determinantes da opugnação do nobre deputado, mas, fazendo-o, embora, o que é
indiscutível é que S.Exa. declarou que a iniciativa tomada pela Assembleia devia partir do
governo do Estado.
por uma, no seu entender, indébita intervenção da Assembleia nas atribuições de S.Exa.,
de todo antagônica com esse receio é a atitude do nobre deputado, vindo reconhecer a
competência da Assembleia para a apresentação daquela moção e propondo, por sua vez,
que a mesma Assembleia telegrafe ao deputado José Carlos aplaudindo a sua iniciativa na
apresentação de um projeto que, aliás, não satisfaz aos desejos dos signatários da referida
moção. Nessas condições, nem mesmo nessa parte, que S.Exa. havia ressalvado para
castigar a descaída da Assembleia, nem mesmo nessa parte, digo, S.Exa. foi coerente, pois
incidiu nessa mesma censura com a proposta que vem de fazer. Repetindo o que disse
ao começar, isto é, que a Assembleia está de parabéns pela adesão do nobre deputado à
sua atitude, pois a tanto importa a sua proposta, sento-me sem mais considerações (muito
bem, muito bem).
Não havendo matéria para ordem do dia e nem mais nada a tratar, o sr.
presidente levanta a sessão e lavra-se esta ata.
ALCIDES DE F. CRUZ
J. PENNA DE MORAES
21ª SESSÃO
Aos quinze dias do mês de outubro de 1909, na sala das sessões da Assembleia
dos Representantes do Estado, em Porto Alegre, à uma hora da tarde, presentes os srs.
deputados Barreto Vianna, Marcos de Andrade, Alcides Cruz, Penna de Moraes, Firmino
Paim, Octavio Rocha, Waldomiro Lima, Luiz Englert, Arno Philipp, Domingos Martins,
Gonçalves de Almeida, Pereira Parobé, Armênio Jouvin, Soares de Barros, Getúlio
Vargas, Nicolau Vergueiro, Arlindo Leal, Emílio Guilayn, Galdino Santiago, José
Octavio, Freitas Valle, e Francisco Flores da Cunha, é aberta a sessão; faltando com causa
participada os srs. deputados José Antonio Flores da Cunha, Joaquim Osório e Salvador
Pinheiro e sem ela o sr. deputado Soares de Barcellos. É lida e aprovada a ata da sessão
anterior.
338
EXPEDIENTE
[...]
ORDEM DO DIA
[...]
O sr. Alcides Cruz (pela ordem) – sr. presidente, a minha vida pública, como a
privada, está sujeita à crítica. Embora esta se exerça, muitas vezes, com palpável injustiça,
não me assiste razão alguma para insurgir-me contra isso.
O sr. Armênio Jouvin – Não apoiado. Não pretendi admoestá-lo; não foi
essa a minha intenção.
novato, porque sempre pertenci a um só partido, em cujo seio tenho recebido lições de
todos os seus grandes mestres, seria um mau discípulo, digno, por sem dúvida, de
censura, se, esquecendo essas lições, me insurgisse contra os seus ensinamentos. Era o
que tinha a dizer (muito bem, muito bem).
O sr. Armênio Jouvin – O ilustre colega dr. Alcides Cruz não andou
acertadamente vindo referir-se, neste recinto, a uma notícia que deu o JORNAL DO
COMMERCIO de hoje, acerca da sessão de ontem. Se a notícia ressente-se de exatidão
absoluta quanto aos detalhes, isto é, no que concerne à forma por que pronunciou-se o
nobre deputado, não era a tribuna da Assembleia o local apropriado para a retificação
que vem de fazer S.Exa.
O sr. Armênio Jouvin [...] porque a Assembleia não tem competência para
retificar essa como qualquer outra notícia de jornais.
O sr. Armênio Jouvin – Pode sê-lo, mas é uma praxe absurda. Dos anais da
Assembleia não constam as notícias dos jornais e, por isso, como se explica a retificação
duma cousa que não existe?
O sr. Pereira Parobé – Como não, desde que, feitas as retificações, estas
sejam consignadas.
O sr. Armênio Jouvin – Se o ilustre deputado dr. Alcides Cruz queria uma
retificação, devia, como disse, dirigir-se, de preferência, à redação do JORNAL.
jamais afastar-me por um momento das fileiras do partido chefiado pelo benemérito dr.
Borges de Medeiros e, pois, se queria dirigir-se à minha obscura pessoa errou o alvo. Por
outro lado, não havia necessidade de o colega pronunciar-se dessa forma, melindrando,
quiçá, algum dos membros desta casa.
O sr. Alcides Cruz – Não foi essa a minha intenção, mas apenas ressaltar que
não era aderente para desconhecer as normas do partido republicano e, assim, agir em
desacordo com o governo do Estado. Se, com essa frase, tivesse melindrado alguém, esse,
por certo, teria reclamado.
O sr. Armênio Jouvin – Mas eu contestei, não por ter me melindrado, mas
porque, tendo V.Exa. respondido ao meu discurso, não poderia consentir que desse lugar
a comentários a sua referência. Achei necessário ventilar este assunto.
O sr. Pereira Parobé – Não podia ser intenção do nosso colega dr. Alcides
Cruz melindrar a quem quer que fosse, mesmo porque há, entre nós, colegas que, tendo
pertencido aos antigos partidos monárquicos, servem ao atual regime com toda a
dedicação e lealdade.
O sr. Armênio Jouvin – Mais um motivo para não se vir fazer, aqui, essa
distinção de que não havia necessidade.
O sr. Armênio Jouvin – Fez ontem, como ainda agora, senão positiva,
indiretamente, e foi a isso que deu curso o JORNAL DO COMMERCIO na notícia que
mereceu os reparos do nobre deputado.
Ninguém mais pedindo a palavra e nada mais havendo a tratar, o sr. presidente
encerra a sessão e lavra-se esta ata.
ALCIDES DE F. CRUZ
J. PENNA DE MORAES
33ª SESSÃO
Aos vinte e nove dias do mês de outubro de 1909, na sala das sessões da
Assembleia dos Representantes do Estado, em Porto Alegre, à uma hora da tarde,
presentes os srs. deputados Barreto Vianna, Marcos de Andrade, Alcides Cruz, Firmino
Paim, Octavio Rocha, Waldomiro Lima, Soares de Barcellos, Luiz Englert, Arno Philipp,
Domingos Martins, Gonçalves de Almeida, Pereira Parobé, Armênio Jouvin, Soares de
Barros, Getúlio Vargas, Nicolau Vergueiro, Arlindo Leal, Joaquim Osório, Emílio
Guilayn, José Octavio, Freitas Valle, Francisco Flores da Cunha, Sergio de Oliveira e
Trajano Lopes, é aberta a sessão; faltando com causa participada os srs. deputados Penna
de Moraes, José Antonio Flores da Cunha, Galdino Santiago e Salvador Pinheiro. É lida
e aprovada a ata da sessão anterior.
EXPEDIENTE
[...]
ORDEM DO DIA
[...]
ver própria, mas maneira de ver que pode, sem desaire, ser modificada, segundo algumas
ideias que vou expender.
O sr. Armênio Jouvin – Mas, com certeza, não se esqueceu de que tínhamos
uma Constituição.
O sr. Alcides Cruz – Não veda tal, tanto que, indiretamente, temos auxiliado
os institutos de ensino superior existentes no Estado.
Esta, como não ignoram os srs. deputados, não confere à Assembleia dos
Representantes nem ao governo do Estado a faculdade de conceder favores nas
condições do requerido.
O sr. Pereira Parobé – Como não? Não é este o primeiro pedido que a
Assembleia atende sem infringir as suas atribuições.
O sr. Armênio Jouvin – Mas o fato de a Assembleia ter feito uma concessão
ilegal não justifica a benevolência com que pretendem agir os signatários da emenda,
344
benevolência até certo ponto criminosa, porque vai atentar contra a Constituição do
Estado. No pacto constitucional são taxativas todas as atribuições dos poderes públicos,
e o que não é previsto nela não tem força constitucional: é ilegal.
O sr. Armênio Jouvin – O ilustre colega dr. Luiz Englert adiantou-se, vindo
ao meu encontro, logo que falei na opinião da comissão de petições e reclamações do
ano anterior, porque ele fazia parte dela e então deu parecer negando a subvenção pedida
por Olga Fossati. Entretanto, ele em pessoa foi quem agitou a emenda em discussão,
pensando hoje de forma diversa.
O sr. Armênio Jouvin – O ilustre colega não deve confessar que errou, isto
é uma desculpa. Formulado o caso, deve antes afirmar que reconhece a ilegalidade da
emenda.
O sr. Armênio Jouvin – O ilustre colega mostre, cite pelo menos um texto
da Constituição em que nos dê atribuições para concessões desses favores. Mas, como
disse em começo, a intenção da comissão de petições e reclamações, ao interpor parecer
sobre o pedido de Germano Rörecke, foi evitar uma flagrante violação da nossa
Constituição.
O sr. Luiz Englert – A prevalecer a opinião de V.Exa., então ela já foi violada
com a subvenção, que a Assembleia autorizou, à menina Olga Fossati.
O sr. Alcides Cruz – Este não preenche o desejo do requerente, por não
estar em condições de aperfeiçoar os seus conhecimentos.
O sr. Armênio Jouvin – Se não preenche o fim para que foi criado e não
pode satisfazer as condições impostas pela Assembleia não merece o auxílio, não se o dê.
O sr. Pereira Parobé – Preencherá com o tempo, pois está em início e nada
pode começar pelo fim.
O sr. Armênio Jouvin – Se, como afirmam os srs. deputados, o Instituto não
preenche o fim para que foi criado, não deve receber a subvenção; no caso contrário, que
a requerente ali se matricule.
O sr. Armênio Jouvin – Neste caso, poderia, dentro da verba que lhe foi
concedida e nos termos da concessão, determinar a matrícula da requerente na escola do
Rio de Janeiro.
O sr. Pereira Parobé – A escola do Rio manda os seus alunos à Europa para
se aperfeiçoarem.
O sr. Freitas Valle – Sendo pobre não poderá manter-se no Rio de Janeiro.
O sr. Luiz Englert – Já está conosco porque, mesmo para seguir para o Rio
de Janeiro, precisa de subvenção, porque é pobre.
O sr. Armênio Jouvin – Acho que ela deve ir para o Rio, porém sem
subvenção. Se efetivamente é pobre, conseguirá, com facilidade, obter matrícula gratuita.
O sr. Armênio Jouvin – Nada temos com isso. As despesas de viagem que
ela obtenha por favor ou as paguem seus pais; quanto à permanência no Rio, quem a
sustenta aqui que faça o mesmo lá. Terminando, tenho a dizer que reputando ilegal,
caracteristicamente ilegal, a comissão de petições e reclamações, dando parecer contrário
ao pedido de Germano Rörecke, nada mais fez do que propugnar pela observância do
que estabelece a Constituição do Estado e, pois, não só votará contra a emenda, como
lavrará, com o seu voto, solene protesto contra semelhante infração.
[...]
Nada mais havendo a tratar, o sr. presidente designa para ordem do dia de
amanhã a discussão única do parecer e primeira do projeto de lei relativos ao Centro
Econômico do Rio Grande do Sul e encerra a sessão, lavrando-se esta ata.
ALCIDES DE F. CRUZ
43ª SESSÃO*
EXPEDIENTE
[...]
ORDEM DO DIA
[...]
O sr. deputado Joaquim Osório, que ficara com a palavra na última sessão,
prossegue na defesa da emenda que apresentara ao n. 29 e referente à isenção dos
vencimentos dos magistrados.
* Juntamente a essa Sessão, foi transcrito o artigo de Alcides Cruz publicado no jornal A Federação de 18
de novembro de 1909, por considerá-lo importante e complementar às ideias do parlamentar, assim como
ser uma demonstração do zelo com a vida pública.
349
forma alarmou-se com o emprego daquele termo, e tão insistentes reptos lhe dirigia, que
foi preciso o ilustre sr. Almeida incumbir-se de repetir a palavra “limitação”, e, então, o
orador temeu e desconfiou ter dito alguma grande asneira. E no correr da tarde,
refletindo, e sob aquela cruel impressão, resolvera consigo próprio, se não pudesse
reabilitar-se, resignar ou o cargo de lente que ocupa na Faculdade de Direito ou a cadeira
de deputado, dada por imerecida distinção do partido, para que outro, melhor que ele e
com mais saber, o substituísse em qualquer desses lugares. À noite, porém, tomando ao
acaso um desses excelentes livros da literatura inglesa clássica, sucedeu que fosse a obra
prima de Smollett – Roderick Random, que abre com essa engenhosa parábola: um pintor,
jovem e ainda não consagrado pelo público, lançara numa tela um urso, uma coruja, um
asno e um macaco, a conversarem em grupo, e para dar-lhes maior solenidade, distinguiu
cada interlocutor com um emblema próprio da vida humana.
O orador declara que está a lhe parecer que os conceitos emitidos por ele no
decorrer da última sessão tivessem operado o efeito de um limão espremido sobre a
sabedoria da Assembleia.
O sr. Alcides Cruz diz que nem ele a capacidade científica de Taney, mas a
moral. Ignora outra notabilidade americana que se tivesse ocupado da matéria.
O sr. Alcides Cruz contesta: esses apenas sustentam que os vencimentos dos
magistrados uma vez estabelecidos não podem sofrer diminuição, de acordo com a
Constituição; nenhum, porém, declara não poderem ser taxados.
O sr. Alcides Cruz diz que, quando a questão de impostos se agitou, foi por
ocasião da guerra entre o norte e o sul, e passa a ler trechos de obra recentíssima, James
Woodburn. Como vê a Assembleia, as decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos
não têm e não devem exercer sobre nós a autoridade que se lhes pretende atribuir, e
mormente o ilustre colega, e para corroborar a sua afirmativa, lê novos trechos,
mostrando que a infalibilidade daquele tribunal afigura-se muito grande só no estrangeiro,
onde não chega o eco da ruidosa politicagem que lá reina.
O sr. Alcides Cruz – Vai ler então alguns trechos da obra de De Greef.
O sr. Joaquim Osório – Isso que ele diz são apenas ideias gerais sobre o
imposto e não destrói os meus argumentos, quando acentuei as exceções feitas pela nossa
lei sobre o imposto de vencimentos, entre os quais os que nos dizem respeito.
O sr. Joaquim Osório – Desejo ver S.Exa. justificar uma exceção e mais os
fundamentos da rebeldia da Assembleia em acatar as decisões do Supremo Tribunal
Federal contrárias, por inconstitucional, à taxação dos vencimentos dos magistrados;
decisões reiteradas.
O sr. Joaquim Osório – Não disse que essas decisões tenham sido proferidas
por unanimidade, mas por maioria de votos.
O sr. Alcides Cruz – Por unanimidade de votos, disse V.Exa. Disse e foi
ouvido por todos. Aqui, porém, está uma das mais recentes decisões (lê). É O DIREITO,
vol. 107, p. 206. Recurso extraordinário, n. 431, de Pernambuco (e também O DIREITO,
vol. 109, p. 237). Recorrentes, os drs. Luiz da Silva Gusmão e José Mariano Carneiro
Bezerra Cavalcanti; recorrido, o Estado de Pernambuco. Havendo as leis orçamentárias
de Pernambuco, votadas para os exercícios de 1902 a 1903 e 1903 a 1904, criado o
imposto de 15% sobre todos os vencimentos maiores de 4:200$000 por ano, os
recorrentes, juízes de direito no Estado de Pernambuco, com vencimentos superiores
àquela quantia, “ex-vi” da lei n. 329 de 8 de junho de 1898, reclamam perante a justiça
local a restituição das somas que lhes foram descontadas, fundando o seu pedido em que
as leis que reduzem, ainda que por meio de impostos, os vencimentos dos magistrados
devem ser todas como contrárias à Constituição da República.
354
O sr. Alcides Cruz – Também ele tem a coragem de dizer que o saber jurídico
não está com a magistratura federal, mas com os professores das faculdades de direito,
os advogados notáveis e vários membros das magistraturas dos Estados, sem contudo
querer dizer que na magistratura estadual não seja muito regular o número dos
incompetentes. A prova está nos julgados do Supremo Tribunal, que constituem um
acervo de contradições (apoiados, muito bem!). Voltando ao caso debatido, não pode
considerar a opinião de Barbalho um dogma. A ela contrapõe a de Milton, assim
formulada na sua análise à Constituição da República: “Quanto a mim, creio que o
legislador constituinte não quis aqui referir-se a impostos, que são devidos para as
urgências do país por todos os cidadãos, indistintamente, e que, figurando nas leis de
orçamento, só vigentes em cada exercício, têm, por isso mesmo, caráter transitório.
Entendo, portanto, que a diminuição vedada é só a que se fizesse por modo direto e
positivo, em lei especial, de natureza permanente.”
Tal e qual o orador sustentou, no último dia de sessão, que o imposto, sendo
uma medida de ordem geral atingindo a todos os cidadãos, tinha, entretanto, a duração
por um ano, prazo restrito, e não tendo o caráter permanente, não era essa a natureza de
diminuição de vencimentos a que a Constituição queria referir-se.
Igualmente infeliz foi o douto sr. Osório, quando referiu que Barbalho citava
em abono das suas doutrinas a autoridade de Story, o sábio comentador da Constituição
dos Estados Unidos.
Pode assegurar que nem Hamilton nem Story tratam desse assunto, e muito
menos aquele jurisconsulto brasileiro os invoca para ratificar os seus argumentos sobre
tal questão.
Desde que a comissão de finanças da Câmara (parecer relatado pelo sr. Carlos
Peixoto e assinado nesta parte sem restrições pelos deputados Francisco Veiga, Homero
Baptista, Galvão Baptista, Galeão Carvalhal, Paula Ramos, Cornélio da Fonseca, José
Euzébio, Serzedello Corrêa e Ignacio Tosta) admitiu a possibilidade de não existir a
isenção pretendida pelos juízes federais, é claro que ela não aceitou como axioma que a
taxação dos vencimentos dos mesmos juízes viole o preceito do art. 57 § 1º da
Constituição Federal[...] Preceitua a citada disposição constitucional que os vencimentos
dos juízes federais serão determinados por lei e “não poderão ser diminuídos”. Este
preceito, porém, estabeleceu apenas mais uma garantia da independência do poder
judiciário, procurou acautelá-lo contra os despeitos do governo e a condescendência dos
parlamentos partidários; não consagrou, não podia consagrar uma isenção absoluta de
qualquer tributo, porque nos regimes livres não há classes privilegiadas. Concorrer na
medida das suas forças para a manutenção do bem-estar coletivo, para assegurar o regular
funcionamento do mecanismo público-administrativo, é um dever cívico por tal forma
elevado que a isenção que outrora nobilitava as chamadas classes superiores seria hoje
considerada uma degradação, uma modalidade do que poderia chamar-se uma capitis
diminutio social.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O sr. Alcides Cruz – Com mais forte razão quanto aos estaduais, de que a
Constituição Federal não cogita. Donde pode concluir que o que vem afirmando desde
a última sessão, exuberantemente confirmado pelas doutrinas autorizadas que invocou, a
criação de imposto em vencimentos do funcionalismo público (e o magistrado é um
verdadeiro funcionário público) não implica nenhuma redução de vencimentos. Outro
erro do sr. Osório é supor que a passiva obediência à jurisprudência do Supremo Tribunal
constitui um dos princípios constitucionais da União.
Se for necessário, virá outra vez à tribuna, mas em defesa do projeto que o
ilustre colega Flores da Cunha pretende submeter à consideração da casa, no sentido de
consignar-se um pequeno aumento aos vencimentos dos juízes. Só lamenta, e
sinceramente, que esse acréscimo seja tão exíguo, tão insignificante; desejava que fosse
de cinquenta por cento.
demais, ainda que saiba haver opiniões erroneamente contrárias, e entende que, se têm
direito ao estipêndio, devem ter, ipso facto, o dever de concorrer por meio de tributações
para o custeio dos serviços a cargo do Estado. Se a administração pública é o conjunto
dos serviços públicos, o funcionamento da justiça é um deles; logo os seus representantes
não podem deixar de ser funcionários públicos e, deste modo, estão sujeitos às mesmas
obrigações que todos os demais funcionários.
ALCIDES DE F. CRUZ
J. PENNA DE MORAES
359
A MAGISTRATURA
(A Federação, 18 dez. 1909)
Não tenho em mente qual foi o aparte do nosso ilustre amigo, dr. Joaquim
Osório, a que eu respondi da forma lida no final da quarta coluna, porque o apanhado
estenográfico apenas dizia – O sr. Joaquim Osório dá um aparte, tanto mais quando já mês
e dia são decorridos.
“Infelizmente o escol das letras jurídicas não está no Supremo Tribunal, por
isso as suas decisões, em muitos casos, perdem a autoridade que deviam ter”.
“Sem dúvida, também o orador tem a coragem de dizer que o saber jurídico
não está com a magistratura federal, mas com os professores das faculdades de Direito,
os advogados notáveis e vários membros das magistraturas dos estados, sem contudo
querer dizer que na magistratura estadual não seja muito regular o número de
incompetentes. A prova do que acima afirmou está nos julgados do SUPREMO
TRIBUNAL, que constituem um acervo de contradições (apoiados, muito bem!)”.
Parece que, se apelasse para eles, não deixariam de concordar que os conceitos
expendidos por nós todos, naquele dia, não podiam visar senão a magistratura federal;
tais foram as claríssimas referências feitas. E basta considerar que só ela é que se tem
manifestado sobre o assunto debatido, impostos sobre vencimentos de magistrados, e os arestos
dela emanados é que o meu eloquente e honrado antagonista, o dr. Joaquim Osório
procurava fazer prevalecessem na resolução do caso. Eis tudo.
Se os distintos amigos quiserem publicar este recado, será mais um favor que
vos ficarei a dever.
17-XII-09
Alcides Cruz
361
O século XIX para Portugal e para os portugueses pode ser dividido em duas
partes. A primeira metade dos anos oitocentos foi marcada por uma grande instabilidade,
até que a perda do Brasil (1822) fosse “absorvida” e a monarquia constitucional, regida
pela carta constitucional de 1826, se consolidasse. A segunda metade foi marcada pela
chamada Regeneração, que manteve uma alternância dos partidos políticos até a
instalação da República em 1910.
Por outro lado, a África, ao longo do XIX, passou a ser alvo, cada vez mais
disputado pelas potências europeias, que estavam pouco interessadas ou inclinadas a
reconhecer os eventuais direitos invocados pelos portugueses sobre aqueles territórios.
A retomada desse influxo republicano foi ganhando força a partir das décadas
de 1860 e 1870, penetrando em grupos ligados ao exército e entre os intelectuais. Pregava
o cientificismo, o positivismo e o anticlericalismo. Em 1876 formou-se o primeiro
diretório republicano, em detrimento das ideias de cunho socialista, que não tiveram
maior adesão. Não se pode deixar de mencionar, o próprio impacto da proclamação da
república no Brasil, que pode ter inspirado e, até ter servido de exemplo para o
crescimento e o estímulo dessa corrente política em terras lusas.
Além desse discurso, é importante frisar que o novo regime trouxe alterações
importantes no país, como o processo de laicização, buscando limitar o papel de peso
que a igreja Católica tinha na sociedade portuguesa, introduzindo a separação do Estado
e da igreja, a introdução do divórcio, entre outras medidas.
Nacional, em 10 de outubro de 1910, o desafio era grande, pois essas medidas e outras
que caracterizavam uma legislação de vanguarda que se queria implantar em Portugal,
deveria ser aplicada a uma sociedade com estruturas demasiadamente arcaicas e
solidamente implantadas havia séculos.
Como seria de esperar, tais mudanças não seriam absorvidas com facilidade e
rapidez pelos distintos setores da população.
22 A proposição repercutiu no Rio de Janeiro, centro político da nação, através de notícias sobre ela, no
âmbito de comentários sobre a revolução em Portugal e a proclamação da república, publicadas nos
principais órgãos da imprensa, como em O Século (11/10/1910); O Paiz (12/10/1910, p. 2); o Correio da
Manhã (12/10/1910); a Gazeta de Notícias (12/10/1910, primeira página).
O Jornal do Brasil (12/10/1910, primeira página) informava que o telegrama que transmitiu a moção,
assinado pelos deputados Barreto Vianna, Alcides Cruz e Octavio Rocha, foi lido no expediente da sessão
do Senado, do dia anterior; e na página 6, noticiou a apresentação da proposta na Assembleia do Rio
Grande do Sul. Na edição de 14/10/1910, o Jornal do Brasil reiterou a informação sobre a leitura da moção
em sessão do Senado Federal.
A Imprensa, veículo de Alcindo Guanabara, edição de 12/10/1910, na primeira página, destacado em
negrito, e A Notícia, edições de 11 e 12/10, na primeira página, mencionaram a Moção do deputado A.
Cruz.
366
10ª Sessão
Aos dez dias do mês de outubro de 1910, na sala das sessões da Assembleia
dos Representantes do Estado, em Porto Alegre, à uma hora da tarde, presentes os srs.
deputados Barreto Vianna, Marcos da Andrade, Alcides Cruz, Firmino Paim, Octavio
Rocha, Soares de Barcellos, Arno Philipp, Luiz Englert, Waldomiro Lima, Emílio
Guilayn, Pereira Parobé, Gonçalves de Almeida, Nicolau Vergueiro, José Antônio Flores
da Cunha, Arlindo Leal, Getúlio Vargas e Freitas Valle, é aberta a sessão, faltando com
causa participada os srs. deputados Penna de Moraes, Armênio Jouvin, Soares de Barros
e Salvador Pinheiro.
[...]
O sr. deputado Alcides Cruz, 1º secretário, fazendo uso da palavra, apresenta
e pede para ser submetida à apreciação da casa, quanto à sua oportunidade, a seguinte
proposta:
Vindo à tribuna, o sr. deputado Getúlio Vargas entende que a proposta vem
ao encontro dos desejos e aspirações dos republicanos rio-grandenses, porque a república
em Portugal já está vitoriosa.
[...]
Esgotada a ordem do dia e nada mais havendo a tratar, o sr. presidente encerra
a sessão e lavra-se esta ata.
24ª SESSÃO
EXPEDIENTE
[...]
368
ORDEM DO DIA
O ponto de vista a que me subordinei é tanto moral como físico, porque vejo
que nos Estados Unidos não se taxam as bebidas alcoólicas, mas proíbe-se-as por
completo, não em dois ou três Estados da grande república, mas em muitos, em quase
todos os do oeste e do sul da União, porque os americanos, povo prático por excelência,
entendem que o álcool é nocivo, aniquila o indivíduo, produzindo, ao mesmo tempo,
efeitos morais de uma consequência deplorável.
Há quem diga que a cerveja até debilita raças; não tenho elementos para
discutir questões práticas desta natureza, mas conforta-me o que disse o Kaiser que,
assistindo a um torneio olímpico internacional, em Atenas, com pesar viu que os
americanos e os ingleses venceram facilmente os alemães...
O sr. Alcides Cruz – ...e atribuiu essa inferioridade alemã ao abuso da cerveja,
que não se verifica nos Estados Unidos.
Não considero como tal a cerveja, cuja indústria cifra-se numa mera
transformação: a cevada e o lúpulo, que a compõem, são importados e,
conseguintemente, a nossa produção agrícola nada lucra com essa transformação, ao
passo que a matéria prima do fumo desfiado ou picado é de produção estadual,
acrescendo considerar que essa indústria assegura meios de vida a um grande número de
famílias pobres, que se ocupam no fabrico dos cigarros.
Desta forma, o fumo, que é um artigo nocivo à saúde, ainda não podemos, no
entanto, prescindir dele e, sendo nocivo, por um lado, ao mesmo tempo que produzindo
benefícios, por outro, como pede a ilustre comissão de orçamento uma enorme taxação,
que equivale a 400 rs. por quilograma, a qual, adicionada à tributação de 800 rs., que paga,
de imposto federal, eleva esse ônus a 1$200 rs., gravando assim extraordinariamente essa
pequena indústria?
Tive, há pouco, em meu poder, uma relação de despesas pagas pela firma
sucessora do saudoso companheiro que teve assento nesta casa, o coronel Domingos
Martins-Pereira e Souza, pelo qual pude avaliar o gravame que pesa sobre essa indústria.
A Casa Negra, que pertence a essa firma, está tributada em cerca de 30 contos
de réis de impostos, anualmente![...]
O sr. Octavio Rocha – Não (apoiados). É tão próspera, que até dão prêmios
de automóveis, chalés, etc.
O sr. Alcides Cruz – Não se julgue por aparências. Nada significa uma firma
ter automóvel, dar prêmios aos consumidores dos seus produtos, manter pomposos
anúncios, para assegurar que o negócio seja ótimo.
Não estou habilitado para balancear as condições dessa firma, mas, a julgar
pelas outras, se estas não o acompanham nesse terreno, é porque a situação delas não é
lisonjeira.
Não o fiz bem, é certo (não apoiados), mas quer me parecer que com os ligeiros
argumentos que aduzi fundamentei uma e outro (muito bem, muito bem).
Como V.Exa. sabe, sr. presidente, o imposto de consumo é uma taxa que não
recai propriamente sobre a indústria; mas, como o nome indica, é pago pelo consumidor;
e, se como disse o nosso ilustre colega dr. Alcides Cruz[...]
O sr. Alcides Cruz – Não são todos os economistas que assim pensam.
O Estado precisa de renda para atender aos seus encargos e, taxando o vício,
taxando o consumo do fumo, certo não cria uma fonte de renda ilícita ou imoral.
Penso, senhor presidente, com estas poucas palavras, ter justificado o parecer
da comissão de orçamento.
372
Nada mais havendo a tratar, o sr. presidente encerra a sessão, designando para
ordem do dia da seguinte a terceira discussão do projeto isentando do imposto sobre
lenha a empregada pelos vapores da navegação interior do Estado e da resolução
aprovando as despesas feitas pelo Estado no exercício de 1910, única do parecer da
comissão de orçamento e primeira do projeto, que o acompanha, relativo a cooperativas,
e lavra-se esta ata.
26ª SESSÃO
EXPEDIENTE
[...]
ORDEM DO DIA
[...]
[...]
emendas que apresentei por ocasião da 2ª discussão deste projeto, novamente venho
esforçar-me para que logrem a aprovação da casa.
Devo confessar, com franqueza, que não estou esperançado de que triunfem
as medidas que proponho, ao menos ficarei com a minha consciência tranquila por haver
concorrido, na medida de minhas forças, com o meu esforço, embora desvalioso (não
apoiados) para que a ilustre comissão de orçamento tivesse tido o esclarecimento, o
cuidado, a atenção, enfim, que merecem todos os assuntos que implicam com a taxação
e com a criação de novos impostos.
Já disse aqui – e não é de hoje que assim penso – sou partidário dos impostos
de consumo, por serem impostos indiretos, porque, de acordo com a escola antiga dos
economistas, o imposto indireto é o que menos grava o contribuinte e, até certo ponto,
o de mais fácil arrecadação; entretanto, não desconheço que a escola moderna proclama
que o imposto direto é preferível porque é mais sólido e o que melhor resiste às crises
econômicas.
O sr. Alcides Cruz – Não, senhor, tanto que venho apresentar novas
emendas gravando mais ainda a produção do fumo em bruto (cruzam-se apartes).
Mas, prosseguindo, a orientação seguida até o fim do século passado era que
todos os cidadãos deviam contribuir com a sua quota de imposto para que o Estado, por
sua vez, atendesse aos seus múltiplos encargos. Predominava a teoria de que se devia
arrancar as penas da galinha sem dar atenção aos gritos dela.
Gastão Jèze diz que atualmente há um certo número de princípios que dão ao
imposto moderno uma fisionomia especial, que antes não tinha, nem mesmo no século
XIX, a saber: “1° – O imposto, sendo o cumprimento de um dever social, todos os
indivíduos devem pagá-lo. 2º – Sendo o cumprimento de um dever social, cada um deve
pagar o imposto na medida de suas forças. 3º – Devendo ser pago segundo as forças de cada
qual, há uma tendência a concluir que, para cobrar equitativamente o imposto, é preciso
conhecer exatamente as forças de cada qual. Deve-se ter em conta a situação pessoal de
cada indivíduo, indagar se ele tem dívidas ou não. Por outras palavras, os impostos devem
ser, tanto quanto possível, pessoais e não reais: os impostos reais, aqueles que não levam
em conta a situação pessoal do contribuinte, de suas dívidas, do seu encargo de família,
parecem injustos. Tal é, em particular, o caso dos impostos de consumo. 4º – Pela mesma
razão, o imposto deve ter em consideração a origem das rendas e da fortuna do
contribuinte. Aquele que aufere os seus rendimentos do seu trabalho deve ser menos
tributado que os que os tiram do seu capital (terras, prédios, valores mobiliários[...]);
outrora os governos se dirigiam, de preferência, aos impostos de consumo porque, se dizia, o
consumidor os paga sem sentir.
Hoje, porém, há uma tendência em fazê-los passar para o segundo plano, visto
que tais impostos não levam em conta alguma as forças contribuidoras dos indivíduos,
porque eles não se fazem pagar segundo suas forças por pobres e ricos; porque aqueles
que têm maior encargo de família são precisamente aqueles que maior número de
impostos de consumo pagam, e, enfim, porque os contraefeitos do imposto de consumo
sobre a indústria ou o comércio não podem ser facilmente determinados.”
376
O sr. Alcides Cruz – Mas por que aconselha ele o imposto de consumo sobre
o fumo?
O sr. Luiz Englert – Mas isso não prova que o imposto de consumo é um
imposto antieconômico.
Essa teoria, porém, é batida por De Greef e Jèze, como demonstrei, e foi por
isso que eu disse, há dias, por ocasião da 2ª discussão, que o imposto não recai
exclusivamente sobre o consumidor, mas sobre o produtor, sobre o intermediário, que é
o negociante, sobre o consumidor, enfim, verificando-se esses fenômenos: primeiro pelos
adiantamentos que o intermediário é obrigado a fazer com a aquisição de selos a fim de
selar os seus estoques[...]
estes perduram, e nós continuamos a pagar o que consumimos pelos mesmos preços de
então![...]
Falo em tese, e não há como negar que o imposto de consumo sobre o fumo
manufaturado, tal qual propõe a comissão de orçamento, vem ferir a pequena indústria,
porque, como não ignoram os meus ilustres colegas, a manufatura do fumo é praticada
pelas pequenas fábricas, que, pobres como são, em sua maioria, dispondo de capitais
limitadíssimos[...]
O sr. Alcides Cruz – Tal qual como outrora, na idade média, em que o fervor
religioso compelia os fiéis a erguerem templos com torres que pareciam escalar o céu, a
indústria moderna eleva fábricas com chaminés que procuram rivalizar com as torres
medievais.
O sr. Alcides Cruz – Não há paralelo, estou de perfeito acordo com V.Exa.
Efetivamente, o capital empregado na instalação de uma fábrica de cerveja é muito maior
do que o preciso para uma de preparar fumos[...]
O sr. Alcides Cruz – [...]mas, por isso mesmo que é empregado um maior
capital com probabilidades de maiores lucros, maior também deve ser a tributação.
E é até doutrina desenvolvida pelo dr. Nilo Peçanha, no laudo que proferiu
como árbitro na questão suscitada entre os Estados do Rio Grande do Sul e Pernambuco,
esta da taxação em mercadorias que fazem o intercâmbio entre Estados da União, e, pois,
não se faz mister eu examinar mais demoradamente o assunto, uma vez que a douta
comissão de orçamento, com a apresentação de sua emenda, já aceitou esta parte da
minha proposta.
O sr. Alcides Cruz – Bem sei que cabem ao Tesouro do Estado as instruções
para a execução da lei do orçamento, mas não é de mais que a indicação parta daqui,
porque, se somos nós que criamos o imposto, ninguém mais competente do que nós para
interpretar o modo por que ele deve ser cobrado.
Eram estas, sr. presidente, as considerações que tinha a fazer (muito bem, muito
bem).
[...]
Nada mais havendo a tratar, o sr. presidente encerra a sessão, designando para
ordem do dia da seguinte a continuação da terceira discussão do orçamento; segunda do
projeto sobre as cooperativas agrícolas e dos projetos aprovados em primeira na ordem
do dia de hoje e aprovação das redações também hoje lidas no expediente, e lavra-se esta
ata.
J. PENNA DE MORAES, 2º
secretário
380
50ª SESSÃO
Aos vinte e nove dias do mês de novembro de 1913, na sala das sessões da
Assembleia dos Representantes do Estado, em Porto Alegre, às quatro horas da tarde,
presentes os srs. deputados Barreto Vianna, Alcides Cruz, Cunha Ramos, Ildefonso
Pinto, Soares de Barcellos, Arno Philipp, Álvaro Baptista, Possidônio da Cunha,
Edmundo Bastian, Eurípedes Mostardeiro, Frederico Linck, Jorge Pinto, Eurybiades
Villa, Flores da Cunha, Fredolino Prunes, Virgilino Porciúncula, Eurico Lustosa, Pelágio
de Almeida e Carlos Mangabeira, é aberta a sessão; faltando com causa participada os srs.
deputados Marcos de Andrade, Octavio de Ávila, Carlos Penafiel, Timotheo da Rosa,
Nicolau Vergueiro, Sergio de Oliveira e Alberto Rosa e, sem ela, o sr. deputado Maurício
Cardoso.
[...]
ORDEM DO DIA
Entra em discussão o art. 2º, que estabelece o imposto de cinco mil réis por
cabeça sobre vacas abatidas nas charqueadas e matadouros públicos, em estado de
gestação, pelo prazo de quatro anos, a contar, de lº de junho a 30 de novembro.
O sr. Jorge Pinto – Entendo, sr. presidente, que, como disse o meu nobre
colega dr. Ildefonso Pinto, o imposto criado pelo projeto não vem prejudicar a criação,
antes é uma medida que vem concorrer para o povoamento dos nossos campos. Votaria,
por isso, a favor dela noutra ocasião que não esta, que é inoportuna, atendendo-se às
razões que já tive ocasião de mencionar, mas que vou repetir agora.
As vacas velhas não têm o mesmo peso das novas; estas são sempre mais
pesadas e, daí, a preferência que lhes dão os tropeiros, que deixam as velhas nas
invernadas, onde os açougueiros vão buscá-las nos meses atingidos pela lei.
O sr. Jorge Pinto – Nisso importa o imposto, porque, muitas vezes, não se
pode dar mais 5$000 por uma vaca.
O sr. Jorge Pinto – Acresce que no campo há gado de diversas idades, donde,
como consequência, o embaraço que vem fazer esta lei aos fazendeiros, na venda de suas
vacas velhas.
O sr. Ildefonso Pinto – V.Exa. está discutindo com a exceção e não com a
regra.
O sr. Jorge Pinto – Eu tinha uma emenda a apresentar a esse respeito, mas
desisto de tal propósito porque sei, d’antemão, que será rejeitada.
O sr. Ildefonso Pinto – Não, senhor. Nós não podemos ter pensamentos
preconcebidos, V.Exa. apresente a emenda, justifique-a, e a Assembleia apreciará.
O sr. Jorge Pinto – Não pretendo, com a minha atitude, fazer oposição
sistemática a tudo; não. Estou externando a minha opinião de conhecedor que sou do
assunto.
O sr. Jorge Pinto – V.Exa. disse, em seu discurso, que as reclamações dos
criadores vem ferir os interesses do Estado e não são justas, isso a propósito da falta de
um banco de crédito real. Não há tal. São justas essas reclamações, porque, quando
precisamos de dinheiro e retiramos dos bancos, fazemo-lo a juros elevadíssimos – 12 e
13 % – capitalizados de 6 em 6 meses.
O sr. Jorge Pinto – Para atenuar um tanto os efeitos da lei e para facilitar aos
fazendeiros um meio de não terem um prejuízo tão grande, vou apresentar uma emenda
ao projeto em discussão.
O sr. Alcides Cruz – sr. presidente. Devo, começando, felicitar pelo conciso
e claro discurso do nosso nobre colega Jorge Pinto, por ser a opinião de quem, como
criador que é, conhece perfeitamente o assunto de que se trata.
Foi, sem dúvida, o seu discurso uma vitória para aqueles que, como eu,
entendem que o projeto é perfeitamente constitucional e de fins altamente econômicos,
porque, como viu a Assembleia, S.Exa. chegou a elogiar a comissão de orçamento pelo
patriotismo com que redigiu o mesmo.
Eu não devia tomar parte neste debate; não devia, embora tivesse ouvido no
interior do Estado, onde me demorei ultimamente, a opinião de pessoas entendidas,
quando ali circulou a notícia de que o governo pretendia lançar um imposto desta
natureza, porque, não sendo criador (há como que o preconceito de só entenderem de
certas matérias os profissionais), não saberei discutir com acerto. E esse preconceito
infelizmente está muito arraigado.
A indústria pecuária, segundo o modo por que é explorada entre nós – ouve-
se de pessoas competentes –, está, por assim dizer, entregue à lei da natureza. Em tais
condições, é dever do governo regulamentar-lhe a exploração, mesmo sendo uma riqueza
particular, mas que está em conexão com a riqueza pública.
Vou mais longe: vou ao ponto de entender, embora não tenha advogado o
princípio, porque pertence ao direito substantivo da União, à qual cabe legislar a respeito,
que os governos até podiam tomar a iniciativa dessa proteção em forma de verdadeira
regulamentação direta.
imposições legislativas, cuja infração não era punida com impostos e sim, note-se bem,
com penas graves.
É isso que provoca essa nova missão dos governos modernos, sob uma forma
não expressa em leis, mas tácita, no sentido de serem tomadas umas tantas resoluções
que, parecendo estranhas, dão lugar, como a atual, a que se diga que estamos indo de
encontro à Constituição.
É errôneo este juízo, porque, se, por um lado, a nossa Constituição proíbe que
o governo regulamente profissões, por outro lado ela não proíbe que se tomem, em dados
casos, medidas de ordem policial ou tributária para melhor garantir o exercício das
mesmas.
sempre transitório, nunca permanente. O modo de cobrá-lo, sim, é que pode ser
regulamentado. Mas não há economista que confunda imposto com regulamento.
Acresce que o imposto criado pelo projeto não pode, sequer de leve, embaraçar, como
se diz, a livre circulação das operações de venda, porque ele não recai tanto sobre o
vendedor, o produtor, como sobre o consumidor.
Além de que essa é uma lei antiquíssima, a que proíbe a matança de vacas em
período de gestação. Não é novidade alguma. Não posso afirmar, não asseguro; creio,
entretanto, que a mais antiga das nossas leis municipais, a de lº de outubro de 1828, a
fonte do direito municipal brasileiro, já dispunha nesse sentido. Mas, como disse, não
afirmo.
O sr. Alcides Cruz – Não é uma inovação, como acertadamente diz o nobre
deputado dr. Ildefonso Pinto, nem também se trata de um imposto com caráter de
definitivo, mas apenas transitório. Por que, então, essa grita, esse alarme?
Isso não se justifica. Acredito que os criadores, classe das que mais considero
e que lamento não fazer parte dela, ficou alarmada mais pela falta de esclarecimentos
completos, que ainda não lhe foram dados, que pelas consequências do imposto em si.
Termino, sr. presidente, pedindo licença à casa para, dando o meu voto
inteiramente favorável ao projeto, declarar que assim procedendo poderei errar, mas
errarei convencido de sua oportunidade e porque, se errar, erro de boa-fé. Não tenho
receio de assumir a responsabilidade que possa decorrer daí. Julgar-me-ia indigno do
exercício do mandato do povo rio-grandense, que me tem sido confiado bondosamente
por várias legislaturas, se não fosse este o meu procedimento. Também acredito na boa-
fé dos srs. criadores e empenho a minha palavra de honra que eles procedem de boa-fé,
mas, com a mesma sinceridade com que digo isto, hão de permitir que, ao lado da ótima
intenção da classe, tão extemporaneamente alarmada, entreveja os pescadores de águas
turvas, que surgem sempre que se trata de novos impostos, os quais, não tendo estudado
as causas e as circunstâncias complexas que exigem o seu estabelecimento, acusam logo
o governo do propósito de querer oprimir os contribuintes, sem nenhuma consideração.
O sr. Ildefonso Pinto – Penso, sr. presidente, que o assunto não está
propriamente em debate, porquanto a única opinião que se manifestou contrária ao
imposto tal qual estabelece o projeto foi a do nosso ilustre colega dr. Jorge Pinto.
386
O projeto, como está redigido, tem despertado alguns protestos. Ainda hoje
chegaram à mesa telegramas dos intendentes de dois municípios, convindo, portanto, que
a Assembleia se manifeste, isto é, que declare ao Rio Grande do Sul que não tem o intuito
de prejudicar os seus interesses, mas que, ao contrário, o seu desejo, o seu objetivo é
puramente antepor-se a prejuízos que vão se acentuando, assustadoramente, na sua
principal indústria.
Nada mais havendo a tratar, o sr. presidente encerra a sessão, designando para
ordem do dia da seguinte a redação da lei lida no expediente, a segunda discussão dos
projetos de lei que hoje passaram em primeira e terceira do que foi votado em segunda,
e lavra-se esta ata.
Depoimentos
Pós-Mortem
388
Publicou, antes disso, a única versão autorizada dos Princípios Gerais de Direito
Constitucional dos Estados Unidos, por Thomaz Cooley. A tradução dessa obra, que foi
23 Publicado no Almanack Litterario e Estatistico do Rio Grande do Sul, Rio Grande: Pintos & Cia., Livraria
Americana, 1917.
389
editada na Livraria Echenique, desta Capital, é, também, muito procurada nos mercados
do Rio e São Paulo.
Além dessas obras, está no prelo, em via de sair à luz, outro notável volume,
Demarcação e divisão de terras, comprado ao autor pelos mesmos livreiros cariocas Francisco
Alves & Cia.
Devido aos seus trabalhos de caráter histórico, que eram uma de suas
predileções, foi eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
Era natural de Porto Alegre, onde tinha dilatadas relações devido ao seu
caráter prestimoso e à sua têmpera de cidadão bondoso e culto. Era irmão do professor
Dr. Leopoldo de Freitas, da Faculdade de Direito de São Paulo, jornalista, escritor
também distinto.
Deixa viúva a Exma. Sra. D. Severina Pereira da Cruz e uma filha menor, Zoé
Pereira da Cruz. (De A Federação, Porto Alegre)
Com a morte de Alcides Cruz apaga-se para a vida terrena uma das mais belas
organizações morais e intelectuais do Rio Grande do Sul contemporâneo.
O outro é, também, serviço de alta monta às letras pátrias. Sua primeira parte
constituiu o objeto de uma erudita conferência na sala do Grêmio Gaúcho, em Porto Alegre.
Nela é estudada a fisionomia moral e política do marquês, cujos serviços públicos foram
esquecidos pelos contemporâneos e mal julgados pelos pósteros, que nele só viam um
soldado imprevidente ou criminoso, envolvido na poeira de Ituzaingo.
A nossa pequena arte de construções navais mereceu sua atenção, tendo ele,
sobre o assunto, feito uma curiosa publicação, salvo engano, na extinta Folha da Tarde, de
João José Cezar.
Alcides militou na política, porém sem ambições. Parece mesmo que a bem
de ser deputado estadual foi muito instado. A sua dedicação a um programa político
datava mais de sua índole ordeira que de uma convicção na excelência de dados
princípios. A política é a ordem.
Cabe ainda dizer nestas linhas que Alcides Cruz foi um filho exemplar que
teve pela bondosa mãe uma dedicação sem igual, dedicação de todas as horas e de todos
os seus pensamentos.
Estas palavras de homenagem do amigo nem por o serem são suspeitas. Não
seria decerto airoso fazer lisonja à memória de um homem que amava sobretudo a
verdade.
Andrade Neves
Esse claro que se acaba de abrir nas nossas fileiras partidárias, rouba-nos um
dos mais dedicados servidores, a quem nos prendiam estreitos vínculos de ardor e
confiança política mútua.
Vale a pena, a traços breves, referir que a vida do dr. Alcides Cruz foi um
edificante exemplo de esforço próprio.
24 Na 2ª Sessão, datada de 29 de setembro de 1916, presidida pelo dr. Barreto Vianna, os deputados
homenageiam três parlamentares falecidos: dr. Alcides de Freitas Cruz, coronel Antônio Soares de
Barcellos e dr. João José Pereira Parobé. A homenagem se estende com a leitura dos obituários publicados
em A Federação. Na sequência, transcreveu-se o obituário de Alcides Cruz extraído da edição original do
jornal, de 14 de março de 1916, intitulado “DR. ALCIDES CRUZ”.
394
Além dessas obras, está no prelo, em via de sair à luz, outro notável volume
de grande utilidade, da lavra do ilustrado morto – Demarcação e divisão de terras, comprada
ao autor pelos mesmos livreiros cariocas Francisco Alves & Cia.
Devido aos seus trabalhos de caráter histórico, que eram uma de suas
predileções, eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro.
Deixa viúva a Exma. sra. d. Severina Pereira da Cruz e uma filha menor, Zoé
Pereira da Cruz.
O seu enterro realiza-se esta tarde, às 16 horas, saindo o féretro da rua Coronel
Fernando Machado n. 1 (Alto da Bronze) para a Igreja do Nosso Senhor dos Passos,
onde se fará a encomendação.
O coronel Marcos nomeou os srs. coronel Luiz da Rocha Faria, dr. Oswaldo
Vergara e capitão Fernando Miranda para representar o Centro Republicano Júlio de
Castilhos nas cerimônias do sepultamento do dr. Alcides Cruz.
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SÉRIE PERFIS PARLAMENTARES
1 João Neves da Fontoura: discursos (1921-1928)
2 Getúlio Vargas: discursos (1903-1929)
3 José Antônio Flores da Cunha: discursos (1909-1930)
4 Oswaldo Aranha: discursos (1916-1931)
5 A.J. Renner: perfil, discursos e artigos (1931-1952)
6 João Goulart: perfil, discursos e depoimentos (1919-1976)
7 Carlos Santos: trajetória biográfica
8 Leonel Brizola: perfil, discursos e depoimentos (1922-2004)
9 Bento Gonçalves da Silva: atas, propostas e resoluções da Primeira Legislatura da
Assembléia Provincial (1835-1836)
10 Joaquim Francisco de Assis Brasil: perfil biográfico e discursos (1857-1938)
11 Suely de Oliveira: perfil biográfico, depoimentos e discursos (1915-1994)
12 Fernando Ferrari: perfil biográfico, discursos no Parlamento Gaúcho e imagens
(1947-1951)
13 Gaspar Silveira Martins: perfil biográfico, discursos e atuação política na
Assembleia Provincial