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Vooé sabe 0 que é um fanzine? Mino também nao sabia, até que um primo da cidade grande o apresentou ao fascinante mundo das publicagdes independentes. 0 adolescente do pequeno municipio de Pouso Forcado leva entao a novidade para o lugar onde vive. Convida sua melhor amiga, Alana, para criarem juntos o fanzine Ciao. Mas a animacao dura pouco. Mino 6 eleito 0 garoto mais feio do 9° ano e comeca entao a sofrer bullying na escola, Para desviar a atengao dos “minofébicos”, ele publica no Ciao uma noticia inventada — as chamadas fake news. A sua imprudéneia acaba afetando toda a cidade, e agora cabe a Mino e seus amigos reparar os danos causados pela noticia, E, nesta deliciosa aventura, vao descobrir que um fanzine pode ir muito além da diversao. o19T8-9 UHL EY outers 1] OS FANZINEIROS WH, Imagine se, no afa de gerar uma noticia de Impacto, um repérter simplesmente inventar, exagerar ou nao checar as fontes da sua hoticia. Af entramos no terreno delicado da Jomnalistica, questo atualissima, como provam as fake news, capazes até de eleger ou derrotar politicos das malores nagoes. Nesta deliciosa histéria de Breno Fernandes, esse tema é desenvolvido com muito humor (e também com muito drama) no contexto de uma pequena cidade interiorana. Eos reporteres em questo formam um desconhecido, mas carismatico, grupo de adolescentes que decide criar um fanzine para “mostrar ao mundo 0 que vocé pensa e, principalmente, se divertir fazendo isso’ Logo nas primeiras paginas nos tornamos amigos intimos do Mino, da Alana, da Gigi e do Barrio, gragas ao modo afetivo com que © narrador vai apresentando os personagens. Eles estdo la inteiros e vivissimos, com suas dtividas, inquietagdes e recelos (que acabam sendo 0s nossos também). 0 que nao impede que tenham um genuino entusiasmo em participar da vida da cidade onde moram, da escola que frequentam, de noticiar e ser notado, de mostrar a cara, enfim, fanzine criado por eles causa um inesperado impacto, agitando a vida da cidade. Mas a historia vai além do tema jornalistico, envolvendo questées atuais como o bullying — tema universal que atravessa oceanos e se faz presente onde quer que haja uma escola ou um grupo de pessoas. Ainda mais nestes tempos de redes sociais, ele acaba tomando os FTD Conor ea. Mickey roc Cece eed Gerente editorial rg co Cath ed Pay oe Sener Cee ed oad Cer ee eee ae eer ener ead ely Ladera eed erent Se eas arnt Peart Stee ore ects Per cee ey Teter ar entre Pee otc cee ear) nance 0 mistrlo ca casa da colina foi um tere na eer) See ee) Sere Gent parce ort pier ed Para Fafe, que me deu de presente a iddeia inicial deste loro. Para Betta e Ste, fratelli italiani, 4 ciao Bl 2 De primeiro para Ultimo colocado 3 Preparando a boneca ito nt 1 4 Ollancamento E& 5 Os novos integrantes do expediente 6 Avinganca Bl ‘ Ciao nt 2 7 Atepercussao ¢omeca 8 Cidade sitiada El 9 Confissdes Ciao Extra 40 A punigao 41 0 visitante da madrugada 12 Maio (EE 13 0 bilhete IBM 14 Cavalhada 45. Geladinho na praca Ciao n? 3 Sobre 0 autor (ER) EERSTE sabia que aquilo iria dar 0 que falar, mas nao imaginava que cu fosse me meter em tamanha confusio e viver a aventura do ano. Era inicio de margo e do ano letivo, A methor parte da volta &s aulas, para mim, sempre foi a estreia do novo material escolar. Costumava comprar minhas coisas na capital e, daquela vez, estava orgulhoso de comecar 0 9° ano com um caderno grossio, de capa dura e vinte matérias, Os mais velhos diziam que a gente precisaria de cerca de cinco matérias s6 para Matematica, porque a mistureba de letras, ntimeros e gréficos tomava dimen- ses colossais no uiltimo ano do Fundamental. Mais vaidoso ainda eu estava do meu estojo completo, de ziper, com lapiseira, esferogréfica, borracha, régua, esquadro, transferidor, compasso, hidrocor, carimbo, giz de cera e lpis de cor — tudo organizadinho, preso por tiras de eldstico. Além de bonito, eu sabia que ele seria ERE {itil para o plano que eu tinha comecado a arquitetar nas Uiltimas semanas de férias: oriar 0 meu fanzine. Foi meu primo da capital, Joaquim, quem me mostrou um fanzine pela primeira vez. —£ uma espécie de jornalzinho, Mino, sem 0 com- promisso de tratar de temas que a gente costuma ver no jornal — explicou ele. — E legal pra publicar textos sobre um assunto de que vocé goste, fazer entrevistas, colocar 0 material que quiser. Olhe este, todo de dese- nhos e tirinhas. — “Fanzine” é uma palavra engracada. Parece nome de menina, né? O primo riu. — F inglés. O cara que inventou esse nome s6 juntou a palavra fan com um pedaco da palayra magazine, € pronto: fanzine, revista do fa. Isso porque os primeiros fanzines eram feitos por fas de ficcao cientifica; a galera publicava resenhas de livros, filmes e também hist6rias que eles préprios escreviam. A ideia pegou, ¢ outros afi- cionados comecaram a fazer fanzines sobre tudo quanto & tema: quadrinhos, miisica, cinema, o que vocé imaginar. Da pilha de papéis ao nosso lado, ele apanhou dois volumes. —Além de colecionar, eu também sou fanzineiro, Este aqui é sobre uma banda de rock de que eu e uns amigos gostamos. FE, coisa de fi mesmo. Mas este outro traz sé noticias aqui do condominio. ‘Tem até uma coluna de fofocas sobre quem ficou com quem. 10 —No caso, voces sio fas do, ha... do condominio? Fiquei com um pouco de raiva da gargalhada de Joaquim; cu 56 estava tentando entender melhor tudo aquilo. fo seguinte: o nome colou, mas vocé pode fazer um fanzine sem tratar necessariamente de temas dos quais, vocé seja fa. — Ele fez uma pausa. — Escute, Mino, o fan- zine serve pra duas grandes coisas. — ... Mostrar ao mundo 0 que vocé pensa e, princi- palmente, se divertir fazendo isso. — Eu agora repetia as palavras do primo a Alana, caprichando na impostagio da voz, Segurando o geladinho de acerola entre os dentes, la aplaudiu a frase. — Bravo! Bravissimo! Certamente, a melhor ideia que vocé jé teve, Olhe, Mino, eu escrevi uma redagio nessas férias e queria publicar no seu fanzine. O titulo é “Ser garota”. Pode? — Claro! O fanzine é nosso, rapaz! —Nao me chame de rapaz! —o cascudo dela foi mais répido que meus reflexos. — Ja basta o meu babbo dizendo que eu tenho modos de menino. Alana cruzou os bracos e fez bico. Entdo lhe ofereci meu ombro, sobre o qual minha amiga recostou a cabeca. Assim desprevenida, apliqueiclhe um ataque de cosqui- nhas até ela se engasgar de rir, A gente estava na Praga do Avido, no coracao de Pouso Forcado, centro dos xis formado pelo cruzamento das quatro avenidas principais. O local tinha esse nome por causa do monumento que o fndador da cidade havia mandado pér ali: um aviiio feito de cobre, com bancos € sombra embaixo das asas para nos protegermos do sol forte do meio-dia, Na saida da escola, era de lei parar- ‘mos na praca, a fim de estragarmos 0 apetite do almogo, escondidos dos nossos pais, com um saboroso geladinho do point da cidade, a Lanchonete Ficata. —Precisamos de um nome para o fanzine —falei, e pusemos a cachola para funcionar. Surgiram alguns titulos: Zine 13 (em homenagem & nossa idade), Pouso Fanzine (em homenagem a nossa cidade), Minalana (em homenagem a nés mesmos). De repente, Alana ficou agitada e comecou a chacoalhar as iios, usando os dez dedos para apontar algo no monumento. Primeiro fitei o pedestal, em que havia uma placa com 0s dizeres: Aqui, em 27 de agosto de 1952, 0 aviador italo-brasileiro Stenio $7iROMIIO fez 0 pouso forgadio que deu origem a esta cidade. — Stronzo?—indaguei, sério, pronunciando a palavra como em italiano, 0 28 com som de &. — Que moral a gente vai ter? — Sironzo 6 vocé! LA em cima, leia. — Com 0 dedo indi- cador encostado ao meu rosto, ela guiou os meus olhos até 0 corpo do avidio. — Ciao! — Alana também se valeu da prontincia italiana, “tchau”. — Vocé mesmo sabe a confu- silo que as pessoas de fora fazem quando ouvem a gente falar “ciao” em vez de “oi”. A gente sempre tem de explicar que ¢ italianismo; que serve tanto pra “old” quanto pra “tchau”; que 6 costume daqui porque blé-blé-bla... Mais pouso-forcadense que isso, impossivel! E nao é que gostei? um bom nome, sim! — eu disse. — O primeiro ntimero do Ciao pode ter um texto contando a origem da cidade. A gente ja estudou isso. Foi quando eu descobri por que minha rua se chama Avenida Hotel, sendo que nunca existiu nenhum hotel nela, por causa do. — Por causa do apelido que o alfabeto ganha na aero- néutica, ora! Sua rua fica na direcao da hélice do monu- mento. “Hélice” comeca com aga, aga é “hotel” em pilotés. E que nem minha rua, que se chama Charlie por- que “cauda” comeca com cé, ¢ cé é “Charlie”, — Alana bateu o indicador, de leve, duas vezes contra a témpora — Té pensando 0 qué? Sou boa alunal A gente podia entrevistar a pré Ediara para o fanzine, —Easua nonna, que foi amiga de Stenio, né?— ela me lembrou da v6. Nesse instante, porque Barro passava por nés, para- mos de falar. Pedalando sua bicicleta de dezoito marchas, nosso colega de sala fitou o bance onde estavamos e nos sauidou com um balancar de cabeca milimétrico, bem a seu feitio. Nés o cumprimentamos de volta, com ciaos, ace. ‘nos de mao e um sorriso amarelo da parte de Alana De soslaio, vi minha amiga abaixar a aba do boné rosa e seguir Barréo com o olhar. Enchi de ar 0 plstico vazio do geladinho ¢ o estourei ao pé de seu ouvido. El pulow Dessa vez meus reflexos foram mais répidos: apanhei a mochila e saf correndo, rumo a casa, = Giao, stronza! — despedi-me com uma careta. ere Sey DE PRIMEIRO PARA ULTIMO COLOCADO TRIEEEEES pazeres era chegar cedo & escola, ou melhor, ser o primeiro a chegar, antes mesmo de 0s funcionérios abrirem os portdes. As aulas comeca- vam as sete e meia, mas eu saia de casa uma hora mais cedo e, dependendo do empenho na caminhada, conse- guia fazer 0 extenso trajeto em até vinte minutos. Aproveitava o tempo sozinho para pensar, sentado nas gangorras do parque ou nos tamboretes improvisados com toras de madeira, sob 0 juazeiro do patio. No parque geralmente era mais tranquilo: de manhazinha, os guris badernavam no patio, brincando de lancas, com petele- cos, juds uns nos outros. ‘Naquele segundo dia de aula eu ainda pensava no Ciao — definitivamente, esse seria o nome do fanzine. Eu” havia até sonhado com isso, depois de passar o final da tarde e 0 comecinho da noite anterior, juntamente com. conse serrate 3 a ¢ 3 i , ‘Alana, mergulhado nos fanzines que meu primo me dera de presente e que nos serviriam de modelo. Decidimos utilizar somente duas folhas Ad, que, dobradas ao meio, formariam oito paginas, incluida a capa. Era a melhor escolha por trés motivos. Pri- meiro, porque aceitamos a sugestao do primo de fazer cinquenta cépias inicialmente. Para fazer urna cépia seriam necessérias quatro xerox (duas folhas, frente e verso), que custavam quarenta centavos em meédia. Essa quantia, multiplicada por cinquenta, dé um total de vinte reais, ou dez reais para cada ym de nés. Nao queriamos — nem poderiamos — tirar mais dinheiro de nossas mesadas. Em segundo lugar, nao faria falta néo grampear essa quantidade de paginas, conforme observamos nos fanzi- nes-modelo, Jé era um trabalho a menos. Caso a ordem fosse desfeita, o leitor poderia facilmente reconstitut-ta. Por fim, quanto mais paginas, mais textos terfamos de produit, mais tempo seria preciso. E.querfamos langé-lo logo. Eu queria langé-lo logo. Puxa vida, a novidade cau- saria impacto. Todos comentariam, quem sabe até copias- sem a ideia. Eu langaria a moda do fanzine. ‘A verdade & que eu me empolgara com esse projeto mais pela possibilidade de fazer algo diferente ¢ de des- taque que pela frase do primo repetida para Alana. Mas, claro, nunca confessaria isso a ela. Por falar em Alana, ela também era de chegar cedo & escola, embora o titulo de Primeiro a Chegar fosse noto- riamente meu, Para minha surpresa, quem apareceu em segundo lugar foi Gigi, outra colega de turma, A mamma de Gigi, dona Giléria, a levava e a pegava na escola de carro todo dia. Algumas meninas sempre aproveitavam a carona da volta; os meninos, s6 &s vezes, quando dona Gléria usava o carro de carroceria do marido. Ai ia todo mundo na traseira, até a Praca do Avido. Cada carona era um evento, pois a escola ficava numa regido isolada, a pelo menos cinco minutos de caminhada de qualquer outra construco. — Ciao, Mino — disse Gigi, vindo em minha dire Madrugando como sempre, hem? — Ciao, Gigi. Pois é... ao. Gigi chamava atencao por ser mais ou menos nova na escola ¢ na cidade, tendo chegado no meio do terceiro bimestre do ano anterior. Sobretudo, creio que chamava atengao por ser a menina mais bonita de Pouso Forcado. —Té achando dificil o 9% ano? — perguntei, sem conse- guir enxergé-la direito. Ela estava em pé diante de mim, com 0 sol atrés da cabeca. O brilho de seu cabelo me recordou um espeticulo de luzes e aguas dancantes do parque da capital. — Espero que o dever de casa nfo aumente. Seis pagi- nas de Histéria, duas de Portugués e trés de Matematica jé no primeiro dia de aula? Fala sério, né?l — Pois é... Fez-se uma sombra repentina, e pude vislumbrar 0 rosto de Gigi sem forcar os olhos. $6 que o cascudo ines- perado me obrigou a feché-los, tamanha foi a dor. — Alana! Que droga! — Ciao, stronzo! — A danada, além do coque, ainda bagungou meu cabelo. orang } ' — Ciao, Alana — disse Gigi. — Hi... Ciao, Gigi — acenou minha amiga. — Bonita, a sua bolsa. Adoro essas assim, de alga com- prida, mas o meu fichério deste ano é grande demais pra que eu tenho. Onde vocé comprou a sua? — Nao sei, a mamma que me deu. ‘Alana se moveu ¢ me estendeu um papel. Pude notar que seu queixo estava engrunhido. — Othe o que eu fiz. Gigi pigarreou. ~ Bem, eles jé abriram 0 portao. Vou pra sala, terminar a tarefa de Portugués. ‘Tao logo ela nos deu as costas, 0 montinho no queixo de Alana se desfez. — um caca palavras, pra pagina de brincadeiras do nosso fanzine. Eu achei que seria moleza, mas fiquei a noite inteira na frente do computador: Primeiro tentei fazer dando vvérios espacos entre as letras, pra disposigao ficar com uma aparéncia boa, Depois de um tempao me toquei de que seria mais pratico criar uma tabela no editor de texto, botar cada letra em um espaco, deixar as bordas invisiveis, eal Eu nao a ouvia mais, O desafio do caga palavras tinha me fisgado e me concentrei nele até a sineta tocar Alana e eu passamos a primeira aula cochichando metas para o Ciao, Combinamos que eu escreveria a pagina dois. Em geral, essa pagina contém um editorial ou uma carta a0 leitor, apresentando o contetido das piginas seguintes ou falando sobre 0 processo de produgao do fanzine. Eu também me escalei para fazer uma tirinha para a pégina de brincadeiras e comecei a rabiscé-la ali mesmo, Fiz trés, Alana escolheu a melhor Empolgados, comecamos a falar alto sem perceber. Pré Ediara reclamou uma vez, duas vezes na terceira me tro- cou de lugar: Fui sentar ao lado de Barréo, que me olhou de soslaio, me cumprimentou movendo a cabeca milimetri- camente e voltou a atencao ao caderno em que desenhava varios monstros, um mais incrivel que o outro. Fiquei com vergonha dos tragos tortos das minhas tirinhas. Mal deu a hora do intervalo, corri para a cantina para comprar meu lanche antes de o empurra-empurra come- car. Para minha surpresa, a fila estava menor que 0 espe- rado, Seré que mais gente havia comecado a trazer comida de casa naquele ano? iio. Logo, as caras de sempre apareceram, Muitas me cumprimentaram sorrindo, me dando tapinhas nas cos- tas. Vi duas meninas do 5° ano futricando e apontando para mim, com risadinhas. “Devo ter sujado 0 rosto com molho do cachorro-quente”, pensei na hora, dirigindo- -me ao banheiro. Perto dos banheiros ficava um mural de recados. A escola inteira parecia estar ali, todos se digladiando para ‘enxergar alguma coisa. Impossivel vencer a multidao. ‘Alana apareceu, saida do meio do povo, marchando até mim, Ainda tive tempo de observar 0 queixo enru- gado antes de ela me arrastar porto afora —Minha cara td suja? — perguntei, quando paramos no patio, Ela me encarou, o rosto compenetrado, e balangou a cabeca em negativa. —O que ta todo mundo vendo no mural? — eu quis saber. —Nada, Fique aqui comigo, que eu t6 com muita raiva, —Se voce ndo me disser, eu vou ter de ir olhar. — Mino, por favor, nao fica isso! — ela se irritou, pres- sionando as abas do boné. A prinefpio, achei que a birra era comigo, portanto eu devia ter uma parcela de culpa no que quer que estivesse no mural. Alana me fitava de uum jeito sem precedente; fazia eu me sentir ridiculo, de alguma forma, O cachorro-quente resvalou para o chao. Corti de volta a0 mural, apesar das stiplicas de minha amiga, ¢ comecei a me espremer entre as pessoas. Em determinado momento, todos me abriram passagem, Surgiu um corredor polonés, com metade da escola & minha esquerda e metade minha direita, todos me encarando, ostentando expressdes as ais variadas. As garotinhas do 5° ano continuavam a rir © a apontar para mim, Entio eu entendi o porqué \ 0 MENINOS MAIS BONITOS DO 9° ANON. Diego Matra (Batra0} ce 2. 3 4. 5. 6. 7 a 8. 410. Mino Fraga Apés ler o titulo eo ntimero um, fiquei parcial mente cego, meus olhos s6 conseguiam enxergar meu nome. O iiltimo colocado. O lanterna no ranking dos mais bonitos. Em outras palavras, 0 mais feio, Ao lado, havia outras listas, elencando os garotos do 7?e do 8° ano. Mas que me importavam elas? Que me impor: tava, a propésito, a lista da qual eu fazia parte? “Eu devia arrancé-la”, pensei, “Nao, ai é que vio achar que ela me abalou, O que vem de baixo no me atinge — mas e se eu sair correndo ou telefonar para casa, dizendlo que estou pas- sando mal? Prenderam minhas pernas, s6 pode, porque niio consigo me mexer. Se alguma coisa nao acontecer dentro de um segundo, eu vou mandar todo mundo para...” — Fora! Imediatamente! Chega de muvuca no corre: dor! — bradou pré Adelma, a diretora, fazendo a galera debandar. A pessoa invisivel soltou minhas pernas. Quando atentei para 0 que acontecia ao meu redor, vi Alana na porta da nossa sala, a tinica aluna parada além de mim, atrapalhando a passagem dos que queriam entrar ali para se refugiar das garras e dos perdigotos da diretora, Segurando um pote de plastico, Alana mastigava o lan- che e sorria ao mesmo tempo — Vai uva af? .g6cio de transcrever & um pouco chato... Ta fazendo 0 4’ E 82 s% £é Zt Le Be eS Eg 3 BS fofo! Agora esse ne; Toda vez que eu olhava para o rel6gio no canto da Nao respondi. Estava sem paciéncia para falar com no meu perfil. Depois de apagar todas as fotos que havia imagem principal, tirando a minha cara e pondo a foto de um porto com uma placa onde estava eserito closed. tela do computador, ficava angustiado, pensando na & 4 : g i = 3 ° 2 go So Ee RO Ba a Pei Scat want ee ee CORK RIT SON [nem R ROR AP AME RNS Ronis nena nae eee x ae ee REID icsrees) eee manha que se aproximava. Ir para a escola ou fingir estar doente? Os professores néo pediam muitas ativi- dades para o fim de semana, entdo faltar na sexta-feira nao me prejudicaria tanto. Eu tinha resistido & ideia de inventar um enjoo ou uma dor de barriga na quarta e na quinta. Aquela altura, ninguém na escola imaginaria que eu estava com tanta vergonha. Entretanto eu estava — ¢ a vergonha era muita Depois do episédio da lista, passei a sentar na primeira fila, de modo a nao ter de olhar para ninguém, exceto © professor, cujo rosto eu encarava até a aula terminar. Era 0 meu método de nao prestar atencio sem levar adverténcia, Tiraram o papel odioso do mural no mesmo dia em que ele apareceu. Nao estava mais lé na hora da safda. ‘Teria sido a diretora? O estrago ja tinha sido feito, mas dava certo alivio nfo ver a prova material daquela acu- sacéio, Nem passava pela minha cabeca que, até a noite, a lista estaria em todas as redes sociais frequentadas pelos meus colegas — e que, no dia seguinte, ela volta- ria As paredes da escola, dessa vez colada na porta dos banheiros. Ao lado, caricaturas minhas, ressaltando meus pneuzinhos na barriga, minhas orelhas de abano e meus éculos. Em uma das listas, alguém transformara meu nome em Mico Fraga e me desenhara pendurado em um galho por uma cauda de macaco. A quinta-feira foi terrivel. J& fazia dois dias que eu gas- tava toda a hora do intervalo sentado na sala, sem cor: gem nem para ir’ fila da cantina. Aquelas pestinhas do 5° ano sempre apontavam para mim quando me viam, ¢ eu 24 ‘no suportava mais olhar para elas; para ninguém, de fato. Quanto a Alana, eu a despistava alegando ter de concluir o dever de casa. Ela ficava um pouquinho comigo, em silén- cio, ¢ depois safa. Na qui ta, enquanto espiava pelo canto do olho a minha amiga deixar a sala, vi um papel no chao com um desenho ¢ o apanhei A minha turma sempre teve a mania de fazer circu- lar abaixo-assinados nada sérios. Goisas do tipo: “Abai xo-assinado para que pare de chover”, “Abaixo-assinado para que instalem bebedouros de refrigerante”. Sempre vinham acompanhados de um desenho, ¢ aquele que eu tinha em mos trazia outra caricatura minha. “Abaixo-assinado para Mino nascer de novo, desta vez niio se esquecendo de parar na fila da Beleza.” Pate Ainda na quinta, na saida da aula, a mamma de Gigi a esperava na porta da escola, ¢ adivinhe? Sim, estava com 0 carro de carroceria descoberta. Ao sinal da colega, toda a galera da sala montou na picape. As mais amigas de Gigi, claro, foram dentro da cabine. Os meninos, de bom grado, ocuparam os fundos. Alana, que costumava ir na traseira do carro conosco, fez. um gesto empolgado com a mio e apertou o passo. Disse a ela para ir sem mim, porque cu voltaria & sala, rapi- dinho, para apanhar um papel. (Era mentira,) Quando apareci no portao, dex minutos depois, avistei-a sentada sob o juazeiro, —Achou o papel? — perguntou — A-achei, Demorei porque era pequenininho, a tit nha que vocé escolheu. Por que vocé nfo foi de carona? 25 (1 a RS SS A ASH — Rosita disse que ia guardar geladinho de buriti pra gente hoje, lembra? E 6 a sua vez de pagar. Eu nao estava a fim de geladinho ou de ficar na praca, tampouco queria companhia para ir embora, mas come- camos a debater sobre nosso fanzine ¢ me animei — ape- nas por um curto perfodo, Dentro de casa, o Fantasma da feiura voltou a me assombrar. Meus pais perguntaram se estava tudo bem. Por um instante, imaginei 0 que acon- teceria se eu comentasse com eles sobre a lista. Fora de cogitacao: 6 certo que iriam & escola tomar satisfagées com todo mundo. Seria o maior mico Mico, Eu me pus na frente do espelho e analisei minha cara feia. Lembrei-me do abaixo-assinado e fiquei & espera de que o espelho rachasse, como nos desenhos anima- dos. Por que aquilo estava acontecendo comigo, por qué? O que eu devia fazer? Dieta? Seria uma boa. Eu pode- ria perder alguns quilinhos. Quem sabe malhar? Nao, 0 babbo havia me proibido de entrar na academia por ora, dizia que aquele tipo de atividade poderia atrapalhar ‘meu crescimento, O jeito era fazer flexdes ¢ abdominais escondido no quarto, Sera que meus pais me dariam, de presente de aniversério, uma cirurgia para consertar as minhas orelhas? Ese eu usasse lentes de contato? E se eu mudasse 0 cabelo? Essas perguntas ainda me perseguiam quando deixei o notebook de lado e enfiei a cara no travesseiro. Sem conse- guir um bom plano para solucionar meu problema, fechei 0s olhos por alguns segundos e, incrivelmente, jé eram seis da manha de sexta-feira quando tornei a abricios. Acordei com a mamma fazendo cosquinhas no meu pé com suas unhas grandes. Manfredo, nosso gato, pulou em cima da cama, para ajudé-la em sua missao de me tirar dali — Manfredo e Micaela: a dupla do mal —resmunguei, —86 mais cinco minutos, mamma... Ela puxou devagar 0 cobertor. Eu o tomei de volta e me enclausurei embaixo dele por dez segundos apenas, até a sensacao de sufocamento se tornar insuportavel. —Vocé é mesmo meu filho! —a manna ri. —Também sou claustrofébica, —Claustroqué? — Venha tomar café que eu te explico, Sozinho no patio da escola, rascunhei um texto para o fanzine. Porém nao tardou para as gracinhas recomeca- rem. Vozes disfarcadas gritavam “Mico!” pelas minhas costas. Um grandalhao do Ensino Médio, chamado Nélio, pediu uma foto minha para por no seu quarto e espan- tar as murigocas & noite. Na aula de Educacao Fisica, a Liltima do dia, a zoagao ainda continuaya, Jogando de goleiro, tive de aguentar os atacantes do time adve comemorando seus gols com gestos macacais, Foi um alivio ver 0 meu time perder e ser substituido, Sai para tomar agua e, na volta, parei na quadra onde as, meninas da sala jogavam handebol. Elas me provocavam, menos. Pelo gradil, vi Gigi sentada no banco de reservas, sem a roupa de esporte. Ela folheava uma revista que fazia sucesso entre as garotas, Papo de Gloss. Gigi nunca fazia aula de Educacio Fisica, tinha um atestado médico h alegando sei lé que doenga. Diziam as més linguas que cla mesma se gabava de o atestado ser falso. Eu nfo gos: tava das mas linguas. Decidi assusté-la, ¢ ela gritou mais do que eu esperava, chamando a atencao de todo mundo. —Droga, Mino! —reclamou Gigi, arfando, a mao sobre © peito. — Nunca, nunca mais faca uma coisa dessas, ok? —D-desculpe... — Idiota. — Isso eu compreendi mais por leitura labial que por ouviela. Gigi se afastou. PEM! Sem eu perceber, uma bola viera em minha direcio; fosse 0 gradeamento, acertaria a minha cara em cheio. Alana se aproximou para apanhar o rebote e me fitou, sorridente. ni — Vé tirando esse risinho da boca! — ordenei-the com © dedo em riste. — Largue isso! Meu problema € sério! — Ui, ui, uil — ela trocava de mim. Eu estava acuado num canto do quarto de Alana, enquanto ela tentava tampar meu rosto com uma almofada, — Deixe eu ver se é verdade mesmo esse negécio de claustrofobial — ela disse depois de eu terminar de ler em vozalta 0 texto sobre as fobias. De novo ela foi mais répida que meus reflexos ¢ me sufocou por alguns segundos, Desesperado, consegui escapar, mas logo fui encurralado, Era sexta & tarde e tinhamos acabado de montar 0 que meu primo disse se chamar boneca — uma versio prévia do fanzine, para verificarmos se o tamanho da fonte estava bom para a leitura; se os textos nao tinham erros de portugués; se a diagramacao, isto é, a maneira como 0 texto, o titulo e as ilustragées esto espalhados pela pagina, estava bonita, Vistos os erros cometidos na boneca, farfamos a correcdo na matriz, ou seja, no fan- zine que serviria de base para ser fotocopiado. Nas anotacdes que me fizera, Joaquim aconselhava a “nao encher a pagina de texto e ilustragdes, assim ela fica poluida; com muitas informacdes a gente tem dificuldade em achar um ponto de inicio para se concentrar; deixar sempre espacos em branco estratégicos”, Escolhemos as imagens juntos, porém Alana tinha mais habilidades manuais que eu, e de bom grado the cedi meu estojo e a deixei recortar e colar tudo no ras- cunho — digo, na boneca —, enquanto cu relia todos os textos antes de redigir o editorial. Foi quando notei que Alana tinha escrito um texto sobre a lista, Senti um leve formigamento nas bochechas depois de lé-lo, porque antes, sem saber do que tratava 0 artigo, eu havia lido seu titulo em voz alta e feito algum comentario do tipo: “Ai, mais papo de menina!”. Quis entio Ihe pedir desculpas, ou agradecer-the, ou rasgar aquele texto e gritar para que ela nunca mais tocasse no assunto se fosse mesmo minha amiga. Mas me limitei a ficar calado, sentindo o olhar dela cravado em minha nuca. Forcei uma tosse e, em seguida, apanhei a redacio sobre as fobias. Af comecou a brincadeira sem graca com aalmofada, que nos levou ao chao, engalfinhados, A prin- cipio, até eu dava risada, mas, sei lé por qué, a coisa ficou séria, a aparéncia de briga foi aumentando e... — O que esté acontecendo aqui? — gritou a mamma de Alana, da porta do quarto, atraida pelo barulho que faziamos, — Parem jé com isso! Alana ¢ eu nos encaramos. Seu queixo estava cheio de sulcos. Por um segundo, fafscas de zanga cintilaram nos seus olhos. Eu sentia uma baba fina escorrer pelo canto da boca e também nao fazia boa vista da situaco, — Esses dois jovenzinhos estavam brigando, veja s6, Ricardo —a mamma contou ao babbo, que acabara de che- gar a porta. — A gente tava s6 brincando... — comentou Alana, — Nao é, Mino? —E. Brincadeira. Juro, tia Alice. — Que seja! Isso nao ¢ jeito de uma garota brincar, dona Alana — disse 0 babbo. — E livre-se de uma vez por todas desse boné e desses ténis sujos, por favor. —E, minha filha, por que vocé nao coloca um vestido, uma sandalinha? — era a vez de tia Alice. — Cadé aquela rasteirinha que sua dinda te deu? — EU JA FALEI MIL. VEZES QUE EU GOSTO DE ME VES- TIR ASSIM, E PONTO-FINAL! — A minha amiga passou correndo por entre os pais. Escutei a porta da frente bater. — Essa menina acha que... Hunfl— Tio Ricardo cerrou os punhos € bateu-os contra a prépria testa —Acalme-se, amore. Também nao ¢ falando assim que vocé vai conseguir convencéla, — A mulher se virou para mim: — Poderia ir atras dela, por favor? Apanhei meu estojo, os papéis da boneca e fui aonde eu tinha certeza de que ela estaria: na Ficata 30 Suniel ta oil Sah Ses ae, ic 8 Dee No fundo da lanchonete, Alana estava sentada com a cabeca enterrada entre os bracos. Solugava, Lancei na mesa tudo que tinha em maos. Ela se voltou para mim, © rosto vermelho e molhado de ligrimas. — Eeles q-querem que eu s-seja que nem G-Gigi. toda fresca, toda p patricinha, que nao faz Edu-ducagio Ffisic pra nao quebrar a u-unha... — entre um soluco e outro, ela acrescentou: — O #-babbo disse uma vez q-que tinha vergonha de mim, Eu nao soube o que dizer. Por sorte, Rosita apareceu e pediu calma a Alana, abra- cando-a até ela parar de chorar. Rosita devia ter a idade das nossas mammas, mas no tinha filhos. Ela, 0 marido, Nicodemo, ¢ o cunhado, Nicolau, eram os donos da Ficata. Sem fazer perguntas, Rosita percebeu que Alana tivera problemas em casa e falou uma coisa legal: —Scus pais te amam, minha querida. Eles s6 no conse- guem lidar muito bem com 0 fato de vocé estar crescendo © comecando a pensar diferente em relagio a certos assuntos. Vocé & quem vai precisar ser paciente com eles, porque os adultos sao mais cabecas-duras que os jovens, Quer ver? Olhe s6 aqueles dois, Rosita apontou para Nicolau e Nicodemo, que estavam fazendo a instalagao de um home theater na lanchonete. Ora ralhavam um com o outro, na disputa para ver quem tinha razao sobre o procedimento, ora disputa- vam a pux6es o manual, ainda nao haviam plugado nenhum cabo. Nao era muito diferente de ligar 0 cabeamento do videogame. Ofereci-me para ajudar, deixando tudo pronto 31 em alguns minutos. Os dois irmaos ficaram pasmos com a minha habilidade e muito agradecidos. —A gente comprou esse teldo pro pessoal que vem aqui ver 0 futebol. Logo, logo o Brasileiro comeca —explicou- -me Nicolau. Ao ligar a tevé para testar o equipamento, a musiqui- nha da vinheta do plantao do jornal suplantou o pagode que tocava baixinho na lanchonete. —O sequestrador conhecido como Saracura acaba de mandar uma mensagem a policia, langando um avido de papel da janela do segundo andar da escola onde est, ha trés dias, mantendo reféns cerca de vinte alunos entre ito e quinze anos. No bilhete, Saracura exige um carro ¢ uma mala com cinquenta mil reais como condic&o para libertar os jovens, Ainda nfo se sabe 0 motivo pelo qual o homem, cujo verdadeiro nome tampouco foi identifi- cado, invadiu © prédio escolar fortemente armado, sele- cionou alguns estudantes e trancou-se em uma sala com eles, mandando os demais embora. Enquanto a jornalista falava, transmitiam-se imagens ao vivo do local do sequestro, na capital do nosso estado. ‘A cdmera estava apontada para uma janela entreaberta, por onde se via o tal Saracura, Com uma mao, & qual faltava 0 dedo indicador, ele segurava na sua frente uma garota da minha idade; com a outra, um revélver apontado para o teto. —Na nota que enviou & polfcia, Saracura também alega nao ter ab. Nicodemo desligou a tevé. Houve quem chiasse. —Ah, minha gente, quem gosta de tragédia que venha me ouvir cantar no caraoqué amanha! — A clientela deu risada. — Rosita, um lanche completo, mais sorvete, para esse menino aqui! — gritou Nicodemo. —E para a namo- rada dele também! — Ela nao é minha namorada! — protestei — Ah... — fez.0 homem, — Entio té. Voltei a mesa e encontrei Alana recuperada. Alheia a0 pequeno tumulto causado pela reportagem, ela montava as paginas da boneca, com muito cuidado. O PRIMEIRO “S FANZINE DE | POUSO FoRCADO ———— Pa Ciao! Este é o primeiro fanzine da cidade de Pouso Forcado, qve Val trazer muitas novidades para voce! anossa cidade? A gente conta ‘voce sabe como surgi d 15 4 e 5. E muito legal e curiosa essa historia nas pagine: Nesta primeira edicdo de Ciaoter também ume ita incrvel com as fobias mais estranhas ou a5 40° tem homes mais bizarros, como a hipnofobia, que é ome dormir, VOCE TEM MEDO DE Que??? Confra cinda uma entrevista sensacioncl com CAETANO CALABRO, de T6 anos. Ele escalou sozinho @ famosa pedra da cidade, 0 Dedo de Deus: i ‘opareceu nd Por éitimo, saiba de uma lista boboca av ‘olla as aulas dizendo quem sao 0s meninos mais bonitos dda escola. E saiba como & chate fc ser menina! do de Esperamos que voce goste pais Alana Chaves Mino Frage ONDE ENCONTRA\ Pe cou Oe Mami Tee ry Ta tence eu Peer uC [ee aaa Perens AS FOBIAS + ESTRANHAS DO MUNDO ee NHAS Uma vez, depois de passar mal embaixo do lencol da cama, eu descobri que tenho claustrofobia, que € "o medo de permenecer em lugares fechados e apertados, ‘sem muito espago para se movimentar”, como minha mae me disse na 6poca e como esté escrito no diciondrio, que eu vi depois. Nele descobri também que “fobia” é o nome para um medo, assim, que néo tem muita explicagao. Folheando 0 dicionério conheci algumas fobias bem estranhas, olha so: AGORAFOBIA — ness farem Seen ano Prec oi AMBOFOGIA ede pianos, Ames cols set, oe eee rram-me, Subi no Gnibus Sa ° ins om Wareces ee também € um palindromo?) nee Eases ee — medo de ser arranhado, 1A — medo das os ao ParRstawe HOPPELLB BeBBLELED UAESUSAY aig ee NYADTRIA ABOPELOR HOFINUKC 1BGHIDeEt Etatetaosa BOBDFEAB TRESGLUHE JACAGQCEDA 3. 0 nome do Rei do Futebol. 4.0 nome da capital da Argentina. 5.0 primeiro nome do fundador de Pouso Forcado. 6. 0 nome do amigo polvo do Bob Esponja. 4 O LANCAMENTO DEERE EERARE C29 foi de um sucesso imprevisivel. De acordo com nossos planos, quando Pouso Forgado despertasse na segunda-feira, seria possfvel encontrar 0 Ciao n° 1 nos principais pontos da cidade: na Ficata, na locadora, na padaria, no empério, na lan house, na rodo- vidria e, é claro, na escola, Contudo, apés passar todo o domingo dobrando folhas ‘A4—a ponto de esfolarmos os dedos —, nos demos conta de que as cinquenta cépias no eram bastantes para 0 plano dar certo. E nao tinhamos mais dinheiro. O jeito {foi nos restringirmos & escola. Em um raro acontecimento, Alana e eu dividimas o titulo de Primeiro a Chegar. As dez para as sete, colocamos ao lado do porto uma pequena caixa de papelio, que Alana moldara e colorira, com todos os fanzines ali dentro. Em outro pedaco de papelo, o cartaz de antincio, que dizia: i FANZINE CIAO! Pegue o seu exemplar aqui GRATUITO! Em meia hora a caixa estava vazia, e recebiamos os primeiros elogios. — Ai, eu amei! — disse Gigi. — Ficou muito, muito, muito legal, Mino. — Aproveitei para lhe pedir desculpas pelo susto da sexta-feira. As prés também gostaram do Ciao, que foi assunto em todas as aulas, em todas as salas. No intervalo, a dire- tora nos convocou para dar os parabéns pessoalmente e pedir que, dali a dois dias, déssemos uma palestra para todas as turmas, contando sobre a experiéncia de cria- fio do fanzine. ‘Além do mais, pré Adelma cedeu a maquina de xerox para fazermos mais cem c6pias. Assim pudemos espa- Ihar o Ciao por todos os locais que a principio haviamos considerado. ‘Alana ¢ cu saimos da diretoria pulando de felicidade. Eu, mais que ela. Afinal, eu tinha motivos extras para comemorar: eu deixara de ser apontado como 0 menino mais feio do 9° ano, 0 garoto das orelhas de abano, 0 Mico Fraga. Eu era agora o fanzineiro Mino. Eu no tinha vergonha de falar em piiblico. Todos os sdba- dos, me esgoelava em meio a feira, ajudando minha nonna a vender doces e geleias. No entanto, ao ver 0 auditério coalhado de colegas e professores, um inicio de nervo- sismo apareceu, Alana notou e logo o enxotou, dizendo: — Se fossemos apresentar alguma matéria estudada, af, sim, teriamos motivos pra ficarmos nervosos. Mas vamos falar de algo que criamos, de uma coisa sobre a qual ninguém neste mundo sabe mais do que a gente! Relaxe, stronzol ‘Alana tinha razdo, Nao havia como nada dar errado. Fora eu quem trouxera o fanzine a Pouso Forgado; seria eu a referéncia, no futuro, para todos que quisessem fazer ‘0s seus préprios fanzines. Eu Munido com este escudo de confianga, ao chamado de pré Adelma no palco, percorri com Alana todo 0 corredor do anfiteatro sob uma enxurrada de vivas ¢ aplausos. As pessoas erguiam as cépias do Ciao, balangavam-nas ¢ as jogavam para cima, como a gente costuma ver fazerem ‘com lengos e chapéus nos filmes de época. Tendo combinado que eu comecaria a apresentagio, apés trocarmos cumprimentos com pré Adelma, ela e Alana foram se sentar na lateral do tablado, préximo & coxia. De pé, sozinho, no centro das atengSes, quis desfrutar daquele ‘momento ao maximo. Gastei um segundozinho observando as janelas ecologicamente corretas do auditério, que forne- ciam boa ventilaco e iluminacio ao ambiente, ¢ outrozinho varrendo com o olhar as pessoas das trés primeiras fileiras. Vi um aluno mais novo empunhando o celular e, pelo sew empertigamento, parecia estar filmando 0 evento. A seu lado, pré Ediara acenava para mim e erguia os dois polega- res em sinal de aprovacio. Eraa minha deixa De leve, bati o indicador contra o microfone e imitei © locutor dos bingos da Praga do Avigo: — Ald, som... som... um, dois, trés, testando. A microfonia inesperada feriu meus ouvidos, e, no instante em que baixei o meu escudo de confianga para yer o que havia de errado com o som, recebi o primeiro golpe. O impacto veio em forma de um zumbido a prince pio incompreensfvel. Minha atengao inteira estava focada no microfone, no ciclo desliga-liga-bate-fala. Foi sé ao ver os professores se levantarem e me darem as costas — a0 ver, de soslaio, pré Adelma se levantando bruscamente, a ponto de derrubar a cadeira — que apurei os ouvidos e consegui distinguir os elementos da algazarra: microfo- nia, palmas ritmadas, pisadas fortes no chao, vaias, garga- Ihadas e, acima de tudo isso, 0 coro que gritava: —Minofobiaaaaaaaaaaa! 46 . OS NOVOS INTEGRANTES DO EXPEDIENTE (EEG esté o lanche dos pombinhos. — NOS NAO SOMOS NAMORADOS! — gritamos Alana e eu em unfssono, — Eu jé disse mil vezes! —acrescentei — Ah... — balbuciou Nicodemo, sem se importar de verdade. — Entio té. Quando o homem deixou a mesa, 0 siléncio retornou Dizem que amigos séo aqueles que conseguem perma: necer em siléncio um ao lado do outro sem constrangi- mentos. Bom, eu nao estava constrangido, mas sé porque estava ocupado demais sentindo raiva de Alana. — O sew amigo est meia hora atrasado — resmunguei de boca cheia. —Tal qual a sua amiga — replicou ela. —Pelo menos ela mandou mensagem avisando que se atrasaria. a7 Alana me fulminou com o olhar. Os furinhos que apare: ceram no seu queixo redondo lembravam uma peneirinba, Baixei a cabega e me concentrei em meu cheeseburger. Era sexta-feira, uma semana e dois dias depois da Grande Vaia. Alana e eu estévamos meio brigados. Este, porém, era apenas um dos tantos problemas que me apa receram apés 0 sermio que a diretora passou na plateia do audit6rio. Paralisado junto a pré Adelma, atordoado por conta da zoada (ou pelo abalo que é ser escarnecido publi- camente), eu prestara mais atencao nos perdigotos que a mulher salpicava sobre mim do que em suas palavras. Entre os poucos trechos que conseguira reter na meméria, estavam “... palestra cancelada...” e “.. trabalho interdisci- plinar valendo ponto na média de todas as matérias...”. E lembrava dela, no fim, me puxando peio braco. Foi s6 no dia seguinte ao desastre, apés ter dormido dezessete horas seguidas e ter chegado com quinze minu- tos de atraso & primeira aula, que entendi o que sucedera: todos teriam de fazer um fanzine como atividade obriga- t6ria. Por conta disso, as piadinhas e os apelidos lancados a mim, enquanto os professores estavam fora da sala, vieram, acompanhadbos de xingamentos e ameacas, caso este ou aquele ficasse mal no boletim, Em dado momento, alguém, ergueu uma e6pia do Ciao aberto na pagina sete e disse: — ©, vamos parar de perturbar o Mino, seniio ele vai correndo contar pra Alana, e ela bate na gente. Alana se limitou a fazer uma careta para o provocador € continuou a conversar com Barrao, coisa que estava fazendo desde a minha chegada & escola. No intervalo, 0s dois vieram ter comigo: 48 —Ainda nao tive a oportunidade de comentar contigo do fanzine, Mino — comecou Barrao. — Meus parabéns. A tirinha, em particular, ficou sensacional O elogio me pegou de surpresa, Desde a época do maternal, Barro ndo se esforcava para ser simpatico ou ter amigos. Seré que o fato de ter sido eleito o mais bonito da turma provocara aquela mudanga? E, mais importante, o que ele estava fazendo ali, sentado conosco no patio? Alana o teria convidado a ingressar no Giao sem falar comigo? — A tinica sugestao que tenho a fazer é que, no pré- ximo, vocés invistam mais em ilustragdes, de preferéncia autorais, e nao baixadas da net — completou ele. Na safda da escola, Alana ¢ eu tivemos uma conversa, séria. na medida do possivel, diante dos gracejos incessantes, —A gente devia chamar o Barrio pra fazer o fanzine com a gente — disse ela (— Minofobiaaa!) — Que intimidade a gente tem com ele para chamé-lo para um projeto nosso? (—Micooo!) — Apesar do jeito calado, ele é um cara legal, Mino ‘Vocé devia papear mais com ele. B desenha incrivelmente bem, vocé sabe, Ele s6 tem a contribuir para o Ciao. {— Mino, seu lindo!) —Tem um monte de gente que é fera no desenho. Por que justamente ele? (— Cuidado, Alana! O chupa-cabra esta perto de vocé!) —E por que nao? — retrucou Alana. 49 Quis dizer a ela que eu nao desejava aturar 0 ven- cedor da Lista dos Meninos Mais Bonitos da Sala nos meus calcanhares. E também: que o fanzine havia sido ideia minha, portanto eu mandava nele. Nao tive cora- gem. Sem mais argumentos diziveis, s6 me restou acatar aentrada de Barrdo, mas nfo sem dar 0 troco. Eu tam- bém convocaria um novo membro, que fosse apenas amigo meu, ¢ Gigi era a primeira, a segunda ea terceira opcio. Ela havia gostado muito do fanzine e demons- trara interesse em ser colaboradora. Foi ela, alids, que marcou aquela reuniao no fim da tarde de sexta, na Ficata, Disse que queria nos apresentar algumas ideias. ~ Ciao, gente. — Distraido com as lembrancas da vés- pera, nao notei Gigi se aproximando. Tive um peque- no sobressalto quando senti um beijo na bochecha. — Ciao, Mino. — Ceiao. —Desculpem o atraso. Tive um contratempo. — Gigi se sentou de frente para Alana, que mastigava seu lan- che pachorramente, encarando um ponto invisivel acima da cabeca da outra menina, — Cadé o Barrao? — Presente! — disse o garoto, aparecendo de supetio. — Ciao! — Ele se sentou entre as garotas, de frente para mim. Enquanto retirava o eapacete de ciclista, indagou a Gigi: — Eu te vi saindo do hospital ha pouco, no carro do seu babbo, algum problema? Gigi arregalou os olhos. — Nao, nenhum, Vocé deve ter me confundido. Eu estava em casa, —A roupa era a mesm... — Entao, gente! — cortou-o Gigi, tirando da bolsa enorme um notebook e algumas edigGes da Papo de Glass. — Nossa tarefa na préxima semana é fazer, para a escola, um fanzine sobre o que quisermos. Porém, antes de falarmos dos temas, eu tenho duas sugestées. A primeira delas € usar alguns softwares de diagramacio, em ver da tatica de colagem que vocés usaram na primeira edigo do Ciao. Eu mexo ha tempos no CorelDRAW e acho que da pra fazer tumas coisas bacanas com ele. — Gigi abriu o programa e mostrou algumas molduras para bordas de pagina feitas por ela prépria, — Tem também o InDesign. Pelo que li na internet, é 0 que muita gente usa pra fazer revistas. Eu baixei uma verso gratuita pra experimentar e, depois de algumas horinhas me batendo, acho que peguei a manha. — Que bacana, Gigi! — disse eu. — Montar todo o fan- vine na tela nos dé também a vantagem de economizar papel e tinta da impressora na hora de montar a boneca, pra revisar, e a mattiz, pra xerocar. Vocé nao acreditaria na quantidade de vezes que a gente teve de imprimir os textos do primeiro fanzine até encontrar um tamanho de fonte que desse pra ler direito e, ao mesmo tempo, que coubesse dentro do espaco apertado que tinhamos na folha dobrada — Eu tenho scanner — comentou Barrio. — Posso digi talizar os desenhos... — Perfeito! — aplaudiu Gigi. — 0 problema é que sé vocé tem os programas e s6 voce sabe mexer neles —atalhou Alana, de cara fechada. — Eu nfo me importo de ser a diagramadora do Ciao — retrucou Gigi, sorrindo, — Nem de ensinar vocés a usa- rem 0s tais programas. — Eu quero! — disse Barro, empolgado. Alana virou 0 rosto de lado e, discretamente, fez. cara de nojo. $6 eu note. — A outra coisa sobre a qual eu quero falar — Gigi fechou o notebook, apanhou as revistas e as distribuiu da mesma forma como aqueles caras que trabalham nos cas- sinos, os crupiés, jogam as cartas na mesa — é a unidade. —O preco da unidade do fanzine? — disse eu, me lem- brando da pergunta que mais ouvia na barraca de feira da nonna. — Nao, Mino — Gigi riu e acariciou meu braco. — E, unidade no sentido de unir as coisas. Sabe o que é coe- dio? Tipo: harmonia? O Ciao sobre a cidade esta mais ou menos coeso. A capa diz respeito matéria central. A entrevista também tem a ver com Pouso Forcado. Agora, os outros textos so um tanto aleatérios. E1 — Olhe s6, Gigi, o fanzine serve pra duas grandes coi- sas: mostrar ao mundo o que vocé pensa e se divertir enquanto faz isso — atalhou Alana, valendo-se das pala- vras do primo Joaquim. — Nao é isso, Mino? Diga pra ela, Gigi recolheu a mo que estava no meu braco. —B-bem... — gaguejei. — Posso pegar um teco? — perguntou Bardo, debru- cado na direcao de Alana, sorrindo, —P-pode. Ele mordeu um bom pedaco do misto-quente dela. Ficou com a boca brilhante de gordura, mas nao se limpou. — Eu nao acho que uma coisa exclua a outra, Alana — continuou Gigi. — A minha ideia nao é tornar a produgao menos divertida nem obrigar ninguém a escrever 0 que nao quer. — A garota catou uma das revistas que havia trazido a dispés aberta no centro da mesa. — Deixe eu me expli- car. Vejam. Toda edicao da Papo de Gloss tem um encarte com diversas matérias tratando de uma sé tematica. Repa- rem como a diagramagéo dessa parte muda em relagéio a0 restante, E quase uma revista dentro da revista. Ja que 0 espaco do fanzine € pequeno, pensei em seguirmos essa linha. Focar em um assunto apenas. E uma sugest4o. Mas, antes de um veredito, eu queria que vocés levassem uma revista pra casa e dessem uma olhada com calma, Pode ser? Barrao e eu trocamos olhares ctimplices em nossa ver- gonha. Eu recebera uma revista com capa sobre maquia- gem, e ele, sobre um gala de cinema. —Alguém tem sugestao de tema pro fanzine, algo que renda bons textos e bons desenhos? — indagou Barrio, Silencio. — Faca um zine sobre beleza e bote o Mino na capa! — gritaram de uma das mesas vizinhas, Sem que eu notasse, alguns babacas do Ensino Médio, liderados por Nélio, tinham chegado a Ficata e estavam prestando atencao na nossa conversa. — Minofobiaaa! — comecou 0 coro. Baixei a cabeca, mas vi de esguetha Barrdo e Gigi olharem feio para eles, Alana, por sua vez, se levantou da mesa portando seu copo de refri e atirou o contetido sobre os caras, ‘Vocé vai ver, sua anta! — Nélio se erguen, pronto para agarrar o pescoco de Alana. Barro, & minha frente, levan- tou-se também. Contudo, antes que um deles dois fizesse outro movimento, Nicodemo e Nicolau apareceram, agar raram Nélio e enxotaram ele e seus comparsas da Ficata, — Nao gosto de gente brigona. Menos ainda de quem briga com quem é mais fraco — gritou-lhes Rosita & porta do estabelecimento, Os garotos responderam com palavroes. — Té tudo bem? — Barro estava ao lado de Alana, suas maos sobre os ombros dela — Ta — disse ela, meio assustada, alternando o olhar entre a gente e a rua, Dois segundos depois, ela comegou a gargalhar, — Vocés viram a cara deles? Vocés viram? Seu riso contagiou o resto de nés, um a um. Primeiro Barrio, depois Gigi, depois eu. — Eles no vo mais encher o saco da gente! — comen- tou Gigi. — Ai, que menino idiota! E ainda partiu pra cima de vocé daquele jeito, Alana, Nada a ver. ‘Alana fez um gesto de deixa para ld e voltou a se sentar. ‘Todavia, nem ela, nem ninguém tinha mais concentracao para falar de fanzine. Repassamos 0 sucedido sab todos 0s Aingulos e nao deixou de ser engracado em nenhum momento. Lé pelas dez, a mamma de Gigi buzinou, anun- ciando a hora de ir para casa. Gigi insistiu que Alana fosse com ela, j4 que eram vizinhas. Alana relutou, mas acabou cedendo. Como Barrao estava de bicicleta, acabei voltando para casa sozinho, a pé Cruzei a Praga do Avido com algum esforgo. No fim, de semana, o local ficava apinhado, tomado por deze- nas de mesas plasticas ao redor das quais os adultos se sentavam, bebendo cerveja e forcando as cordas vocais para conseguir conversar em meio ao barulho dos apa- relhos de som dos automéveis. Cada dono de vefculo parecia competir com os demais pelo titulo de Caixas 54 de Som Mais Potentes, ¢ 0 resultado da batalha — uma miisica atropelando a outra — soava como um mashup malfeito. Os jovens, por sua vez, tomavam para si as imediagées do monumento, espalhados pelos bancos sob as asas do Ciao Carminka em rodinhas de violio, clubinhos e casais. Por um instante fiquei receoso de encontrar Nélio ¢ seus amigos por ali. Felizmente, nenhum sinal deles. ‘Assim pude desfrutar da leveza que sentia, muito dife- rente de quando percorrera aquele caminho no inicio da noite. Uma parte de mim, é certo, se sentia enver- gonhada de nao ter feito nada contra aqueles chatolas, enquanto Alana tivera a coragem de peité-los. Outra parte, entretanto, estava grata por alguém, finalmente, ter feito alguma coisa para a zoagio parar Quando me vi longe das luzes e do barulho da Praca do Avido, arrisquei saltitar de contentamento. No por- to de casa, parei para procurar as chaves nos bolsos € notei que Manfredo estava parado no meio-fio, ao lado do amendoeiro, fitando a arvore como se maquinasse um jeito de escalé-la, Acerquei-me para tangé-lo portéo adentro, Nesse instante, senti algo quente caindo sobre minha cabeca e escutei risadas vindas de cima. — Viu sé como ¢ engracado molhar 0s outros, Mico Fraga? — ouvi a voz de Nélio dizer Eu nao sei para qual dimensio fui teletransportado —s6 sei que nio parecia ser eu aquela pessoa que ten- tava escapar dos jatos de xixi. Aquela pessoa que ficou escondida no quintal por uma hora, aos prantos, até ver a luz da sala se apagar e a luz do quarto dos pais se | acender. Aquela pessoa que passou outra hora debaixo do chuveiro, ensaboando o corpo como se lixasse a pele, S6 na manha seguinte regressei do outro plano em que me encontrava, com a mamma me acordando e me mandando ir & feira ajudar a nonna. A VINGANGA [EERIE ¢ sabado! Nao vai sair? — perguntou o babbo, desviando a atengao do telejornal para mim, enguanto eu, largado numa poltrona, analisava a capa da Papo de Gloss, com varias meninas brincando de apli car maquiagem umas nas outras ao mesmo tempo, ¢ 0 titulo: “Nesta ediedo, dossié diva: suas blogueiras prefe- ridas ensinam tudo 0 que voc’ precisa saber para arrasar nos makes basicos e elaborados’. — Nao. — Eu jé tinha uma desculpa na ponta da lin- gua: — Tenho reuniio do fanzine amanha cedo e preciso terminar de ver umas coisas Era verdade. Haviamos combinado de ir& casa da Gigi no domingo, para bater o martelo no tema do Ciao n? 2, dividir as tarefas e ter as primeiras aulas de diagramacio. —Té vendo como nosso filho € responsével, Gianni? — comentou a mamma, ao lado dele no sof. — Primeiro 0 dever, depois o lazer. —To gostandlo de ver: Quando sai o préximo Ciao? — quis saber o babbo, — Quero umas cépias para o escritério, hem? — Nao sei se vai dar, babbo. O de agora é mais voltado pra escola, Vale ponto e tal.. —Entendo, E vai tratar de qué? —Veremos... — suspirei, desanimado. Eu ainda nao tivera ideia alguma, por isso estava ape- Jando para a Papo de Gloss aquela altura. Comecei a folheé- -la fazendo rufdo de propésito, para 0 babbo noté-la. Ele vivia reclamando que eu lia muito pouco, que preferia — nas stias palavras — ficar bestando na internet, Ele nao via que, no celular ou & frente do computador, ler era 0 que cu mais fazia. Minha atencdo para com a revista, porém, era nula. Meu cérebro era um rédio sem sinal, mas isso era bom: o rufdo da estética mental evitava que eu rememo- rasse o episddio da noite anterior e que menino chorao que se apoderara do meu corpo ressurgisse. Por fim, uma matéria acabou me atraindo. Nao tinha nada a ver com maquiagem. Era um dos poucos textos da revista que no faziam parte do dossié diva. BRINCADEIRA CRESCE 0 NUMERO DE CRIANCAS QUE SAO ALVO DE PIADAS E GRACINHAS REPETIDAS NA ESCOLA. E 0 BULLYIN( UM PROBLEMA QUE PODE CAUSAR SERIOS TRAUMAS. erta feita,a mde de B..., cobriu que ele estava sofrendo 12 anos, recebeu um bullying. O bullying € 0 ato de telefonema da escola _humilhar o outro constantemente, para saber por que _pormeio de palavras ou de acoes. B... estava ausente havia uma Em alguns casos, atitudes violen- semana. Sem saber que expli- tas podem ocorrer, mas em geral cago dar, ela disse que aquilo ele se caracteriza como agressao ‘era um engano. Entretanto, mais _psicol6gica. No caso de B..., 0 tarde, ouviuo filho confessar que, _ problema se estendia da escola sim, ele se escondia na garagem para casa, por meio da internet. do edificio na hora em que 0 0 gatoto era alvo de montagens transporte passava e ficava por fotogréficas zombeteiras, difundi- ali até a hora de os pais salrem das pelas redes sociais. Este é 0 para trabalhar. chamado ciberbullying, to preo- A mfe levou B... a0 psicdlogo cupante quanto aquele sofrido no e, apés algumas consultas, des- mundo offline. 0 bullying existe ha muito. colegas comecaram a dizer tempo, mas s6 comegou a ser que ela tinha mau hélito, ape- estudado no Brasil nos titimos _lidaram-na de Bafa e chegaram anos. Especialistas afimam que a jogar perfume na boca da a dificuldade maior em detec- garota. K... comegou a tirar tao tem a ver com 0 fato de _notas baixas, repetiu de ano muitos adultos acharem que a —_implorou aos pais para que per agressao é uma “brincadeira de mitissem que ela abandonasse crianga”. Nao 6. E pode ter con- a escola. Ela rocou de colégio sequéncias muito sérias, @ hoje faz tratamento psicol6- Kua, 13, sempre fol uma — gico para superar os traumas boa aluna, Até que um dia os causados pelo bullying. SOLUCOES E obrigagdo da escola ficar “Eu me arrependo de nao atenta a casos como ode K..., ter contado mais cedo para os do B...,© encontrar maneiras ‘meus pals que estava tendo de auxiliar tanto quem sofre problemas na escola. a humilhagao quanto quem a Achava que o culpado era provoca (0 chamado bute). eu, que nao era uma pessoa Por vezes, os bullies so jovens —_—_legal",contou B.... ‘com autoestima baixa, que K..., Por sua ver, falou precisam se afirmar perante os que “aquela chacota, outros diminuindo aqueles que _—_era a pior coisa pela qual no apresontam resisténcia, alguém podia passar. Aquoles que poder estar Mas, gracas a meus pais, sofrendo bullying, uma dica da K... isso ndo faz parte da minha ‘edo B...: converse com seus pals. vida mais", Serd que eu estava sofrendo 0 tal do bullying? De todo modo, continuava achando que falar com meus pais estava fora de cogitacao. Eu preferia enfren- tar tudo o que vinha acontecendo sozinho, ¢ isso aquela reportagem imitil nao dizia como fazer, Somente saber 0 nome do meu problema ndo adiantava de nada. Deixei a revista de lado e tentei assistir ao jornal. Outra vez falavam do perigoso Saracura. Ele saira da escola com um dos reféns, ambos cobertos da cabeca aos pés com um lencol grande e escuro, artimanha que impediu a policia de agir, com receio de ferir a jovem que 0 bandido escol tava, Assim ele pode chegar ileso até o carro que Ihe arran- jaram e escapar da capital. A adolescente que participara desta manobra estava desaparecida. Naquele sdbado, em uma cidade vizinha capital, o Saracura aparecera sozinho e sequestrara um menino da minha idade. E ainda tivera a ousadia de ligar para a radio municipal, mandando 0s pais trancarem seus filhos em casa porque 0 mundo andava muito violento, cheio de pessoas més como ele. — Onde a humanidade vai parar?! — questionou a mamma, levando as maos ao rosto. — Olhem! Pouso Forcado! — gritei, apontando para a tevé. Exibiam um mapa da nossa regido e, desenhado sobre ele, o possivel trajeto do Saracura para deixar 0 estado, — Que pena o nome da nossa cidade s6 aparecer na televisio em uma situacdo dessas! — reclamou 0 babbo. A mamma se levantou do sof e veio me abragar: — Ainda bem que vocé esta em casa hoje, filhote, — Sem me soltar, ela falou com o babbo: — Acha que preci- samos nos preocupar, querido? Com esse homem & solta... - Nao 6 0 caso de ficarmos paranoicos, Micaela, Pouso Foreado fica a uma boa distancia da capital, e o jornal nao deu por certo que ele passe por aqui. Mas todo cuidado 6 pouco. Ouviu, Mino? — Sim, senhor. —E como dizem por ai — continuou ele. — O seguro morreu de velho. Nao sei quando a ideia despontou em mim, Uma vez que o cérebro nfo para de funcionar enquanto a gente dorme, pode muito bem ter sido durante o sono. Pode também ter sido no caminho até a casa da Gigi, que per- corri listando temas que eu julgava bacanas de serem explorados em um fanzine, Ou ainda no instante em que abri a boca para contar minha sugesto aos demais, Sim, talvez tenha sido naquela hora que comentei com © pessoal que tivera uma ideia, porque antes eu estive distraido com outras coisas. Primeiro, me distratram os gritos que ouvi da sala, onde dona Gldria me deixara sozinho apés me abrir a porta, anunciar que eu era bem-vindo e que tinha sido 0 primeiro a chegar. A algazarra vinha de um dos quartos: (0, pail Pare! Nao, eu jé falei! O senhor nao sabe. Mae! Mae! Venha céi! — Gente, que té acontecendo? — disse a voz da mamma quando a perdi de vista. — V4, tente vocé, que hoje ela esta arisca! — reclamou seu Domingos, babbo de Gigi —Arisea, nada! Comecou a machucar! — Vocé tem de ficar calma, Gigi, Sendo, déi mais — disse a mamma de novo. Depois, em tom mais baixo: — 0 seu colega té af, vocé quer fazer papelao? O volume geral das vozes baixou, nfio pude mais dis- tinguir 0 que diziam. Nao demorou muito, Gigi veio & sala. — Ciao, Mino! — Ela me deu dois beijinhos no rosto — Ciao, Gigi! Tudo bem? — Pelo vermelho da ponta do nariz.e dos olhos, pude notar que Gigi chorara, Ela me ofereceu um sorriso enorme mas triste. —Tado. A campainha tocou. Gigi foi atender e, de volta, apa- receu com Alana ¢ Bardo atrds de si. Os dois recém-che- gados conversavam animadamente, Alana ria-se toda e cofiava 0 rabo de cavalo que safa pela traseira do boné rosa. — Vocés vieram juntos? — perguntei. — i, ew agora tenho um seguranca! — disse Alana, apontando para Bardo, — Por que voce nao foi & pra¢ ontem? A noite de caraoqué foi dtima, né, gente? — Gigi e Barrao assentiram, Um muxoxo foi minha resposta, Ela continuou: — Pois vocé acredita que Nélio tentou fazer xixi em cima de mim ontem? Acho que ele ficou horas em cima da quaresmeira da minha rua, esperando eu passar. E justo quando eu tava a caminho de casa, a uns dez metros dessa arvore, escutei um barulhio de galho quebrando, creeec!, e depois um gritao, uaaai! Quando vi, ele tava estatelado no meio da rua, com as caleas arriadas ea cueca aparecendo! E, quando ele se deu conta de que uo tinha visto e que havia um monte de gente espiando das janelas, saiu correndo, mancando, Acho que torceu © tornozelo. | | 4 — Bem feito! — exclamou Gigi, dando risada. —Pois é — endossou Barrao, rindo também. — Quando Alana me contow isso por mensagem, ontem de noite, eu achei melhor que ela nfo andasse sozinha, pelo menos até agente ter certeza de que aquele otério largou do pé dela. — P-parece que ele tem outro pé pra cuidar agora... — bringuei, foreando um riso. — Onde jé se viu um cara de quinze anos fazer uma babaquice dessas?! — comentou Gigi. Alana e Barrao balancaram a cabeca afirmativamente. Eu fiquei quieto, Pensando melhor, foi nessa hora que tive a ideia de publicar na nova edi¢fio do Ciao uma mentira que assus- {ase todo mundo. A reportagem da tevé na qual o nome de nossa cidade havia aparecido levaria qualquer um a considerar que a situacéo que eu agora tinha em mente era algo possivel de acontecer. Meu intuito era fazer as pessoas acreditarem que também fosse algo provével. Bastante provavel. Esperei que nos sentdssemos & mesa e que alguém perguntasse das sugestdes para o tema do fanzine, ¢ jé fui logo dizendo: — Eu fiquei em casa ontem porque soube de uma coisa que me deixou morrendo de medo de sair... Todo mundo quer ser heréi, certo? DRACO MALFOY Errado! Se fosse assim, ndo haveria vildest Gigi Motta Pois é sobre eles — os vilbes— que a gente trata esta edigdo do Ciao, A ficgao € a histéria da humanidade estdo repletas de malfeitores, e muitos deles nos fascinam. Podemos mesmo dizer que ‘gostamos de alguns tanto quanto jou mais do que) gostamos dos mocinhos. fe 6 lindo nos livros do Harry Potter, ele € lindo | nos filmes também! 52 eu tvesse a chance | de estudar em Hogwarts, pediria ao CChapéu Seletor para i Sonserina, s6 para ficar | doladinho do Draco, | rovbé-lo daquela sonsa dda Pansy eensiné-lo a ser um menino born! Na vida real, nossa relagaio com os bandidos 6 diferente. Sabemos do soffimento e do medo que um homer mau pode causar, como 0 que Saracura vern provocando em todo 0 estado e pode vir a fazer 0 mesmo em nossa cidade. © Ciao aconselha: é preciso ficar alerta, principalmente se vocé 6 crianga ou adolescente, ds vitimas que este monstro sempre escolhe! Esperamos que as informagées que voce encontrard @ aqui sejamn Gteis. Nao faz mal repetir:fique alertal 's * Diego Mafra slice UH 2 OS VILOES QUE AMAMOS | KRATOS a tino Frog Na saga do jogo God of War, antes de tomar: se herd, Kratos foi um guerreiro que, presies a morrer, implorou a Ares, deus grego da guerra, ara manté-fo vivo, em froca de sua escravidao A partir de ent, ele matou mithares de pessoas a servico do climpiano. A historia do jogo é a hist6ria do arrependimento de Kratos, depois que acabou matondo sua font, ede sua vingonga contra Ares, ees tee nS ‘Muita gente viu a preocupante noticia de que 0 bandido conhecido apenas pelo apelido de Sarecura esta foragido ‘segue uma rota que pode trazé4o @ Pouso Forgado. ‘O que quase ninguém sabe é que as cidades divulgadas como parte de seu suposto trejeto de fuga, na verdade, estao ‘em uma lista que ele enviou as autoridades com os possiveis locais de onde sairéo suas préximas vitimas. Segundo uma fonte da capital, que preferiu no revelar sua Identidade, a existéncia dessa lista esta sendo ocultada para nao causar painico geral nem atrapalhar o trabalho da policia. Extremamente perigoso, esse homem esta sequestrando criangas e adolescentes por todas as cidades por onde passe. Pouso Forcado, portanto, nao seria uma excecdo. Nenhum dos jovens capturados fol encontrado, vivo ou morto, Alguns dizem que ele é urn maniaco, Outros, que utilize os reféns pera rituais de magia das trevas. Outros ainda, que € ‘um canibal. Ninguém sabe ao certo. ‘A forca policial pouso-forcadense estaria pronta para enfrentar esse bandido, se nem a policia da capital foi capaz de detéo? 0 delegado Arruga manda dizer que sim. “A populagao nnd tem com 0 que Se preocupar, isso 6 problema nosso; criangas, podem brinear tranquilas.” (0 Ciao acha que nao € o caso de ficarmos paranolcos, mas, como 0 seguiro morreu de velho, todo 0 cuidado € pouco. Evite andar sazinho. | Evite sair de casa a noite. i Evite passar mais tempo do que 0 necessério na rua, Se viralgo estranho, ligue 190 para | chamar a polfeia Nao passe trote 1a polica, FONTE: Delegado Aruge Como identig;, ) Pecclaey ALTURA aay BIG (oleae ‘Seuo]eA Sossou Jepnuu ap Zedeo equ@WENa) oun e ‘ogbeanpe e eied anbeisep weg “apepilend ‘9p ogdeonpa 2 18ze; ‘opnes ‘oBerdiue ‘osdewwawiie ON od wenfje 1euI0} 65 ap seaueY 918 85 ‘Sey ‘oulssesse wn en opow owseU op ‘opipueg un opelepisucs Jes enep OBu 213 “2lUo} ap. 48U0w oBu eed opueqnas Jeqe0e apod JaLo0 and ‘8p oder ou ‘oroa ou Jeyse ‘rendIsap a eysijeydeo 0 wey CBU 9 oBaxduio enesuoo Geu ond eljwe} ‘pepai908 Buln We ‘enbiod sesouRio Wewioy €s 9p red wn “epEpIsseoAL Jod oyap tun Je aLU00 Seossed sess “ou/eyulp sinBesuo0 bed sepu sens —_wepod sezeh se euesitu Bu ENA orb sojenby. puepied Weqeoe 3 cous ou wenUO ani 'soou ‘2wH9 Op opunUL eossad SeyNlW 242) S|USUIEYeAIpUI NO ‘syed ou euegin esugion ep eopeio8 2[3 3 “epuelB equswepinegp 9 [a}00s, ooops & ese au orb aoacps ee ‘OPT 2p EWWIEE aileyuIp o WeDd|00 seja opuEnb ‘Se0SSed Se /eNe eLuuD 0 “sazaA SAN TISVU Od SAOTIA SO INZDSVN OIN0D 0S VILOES QUE AMAMOS ee se to na moda! ‘roxre: Gigt Motte iusraacao: Diego Mata A seguir, voce encontra, ACESSORIOS WD direto do figurino das PARA 0 CABELO vilds, as melhores: © que Sharpay tem de dicas para desfilar ‘mimada eta tem de por af linda & elegante. A patricinha glamorosa, Lembre-se: de High Schoo! Musical eninas boas vao pro jé apareceu com uns ‘c6u, as més vao pra —_acessérios para cabelo. qualquer lugar! supercharmosos! Eu, particularmente, VESTIDO & CINTO —_—_gosto de tiaras. Sempre achel divaa _presilhas. Mistica, dos quadrinnos dos XMen,com seu DELINEADOR ‘cintinho de caveiras A Malévola, da Bela marcando a cintura do Adormecida, usa aquela vestido. Voo® pode fazer maquiagem verde Im cinto: -pavorosa, mas numa Joulengo, coisa ela acertou: 0 trago do delineador POWER COLAR dela é perfeitol Nao 6, Quem viu a saga 6 fécil deixar 0 olho Crepuisculo e nao “gatinho” daquele jeito. * reparou no colarzo da Ou vocé faz bruxaria ou ria? Um a ‘ento pratica muito! e ee A REPERCUSSAO COMECA IE C20 n° 2, ninguém mexeu comigo. Como eu havia imaginado, ficaram todos preocupados em ler e reler a matéria de capa do fanzine, até que no restasse, em nenhum canto dentro de nin- ‘guém, a menor diivida acerca do perigo que os jovens da cidade corriam, Pela primeira vez em muito tempo, pas- sei inedlume pelas risonhas do 5° ano. Nélio (que estava com o pé engessado) tampouco fez questo de espalhar as macaquices que tinha feito no fim de semana. Na hora do futebol, nada de chacota contra mim. Nem houve oportunidade para tal; permaneci invicto em todas as partidas. Queria poder louvar meu talento de goleiro, mas a verdade é que s6 nao sofri gols por causa da des- concentragao dos atacantes adversarios, que deixaram, fugir bolas ficeis pela linha de fundo enquanto trocavam comentarios temerosos sobre o bandido Saracura com os zagueiros que 08 marcavam e que estavam igualmente assustados. Comentavam: — O Saracura vem ai Mal consegui conversar com Alana, Barrao e Gigi dentro da escola. Como aconteceu comigo, na hora do intervalo ou nas oportunidades de papo que surgiram em sala, os colegas os cercaram para esclarecer drividas a respeito do bandido. —E verdade mesmo que ele € canibal? —Dizem que ele prefere capturar meninas, né? — Ouvi dizer que ele vendeu a alma ao diabo, seré? Eu confirmava cada suspeita, Para dar énfase, erguia as sobrancelhas e mordia o labio inferior enquanto balan- cava a cabeca lentamente, a cara muito compenetrada, contendo a risada doida para escapulit. Quando deu a hora da safda, pré Ediara pediu & equipe Giao para permanecer por um instante na sala. Queria falar com a gente. —Desculpe, professora — disse Gigi, arrumando répido seu material na bolsa. — Minha mie hoje td apressada. Eu preciso ir, sendo perco a carona e... a senhora sabe... —Tudo bem, Gigi. Depois seus colegas te atualizam. Pelo canto do olho, vi Alana fazer uma careta. — Pois bem, queridos — comecou a pré. — Eu tive a oportunidade de dar uma olhadinha no novo Ciao durante o intervalo. Vocés pesaram a mao nessa histé- ria do Saracura, hem? Os alunos, especialmente os mais novos, ficaram com muito medo do que voeés escreve- ram. Eu tenho acompanhado as reportagens e nao vi nada desse negécio de canibalismo e de magia das trevas. Mas o que mais me preocupa agora é o seguinte: voces tém certeza de que a histéria da lista de cidades ameaga- das € veridica? Quem foi a pessoa que contou pra vocés, se me permitem saber? Barrao ¢ Alana me encararam, Embora todos nés tivéssemos assinado 0 texto, a maior parte dele —a parte mentirosa — era minha, Senti-me como se tivessem bai- xado minhas calgas em priblico, e, estando desse jeito, nao dava para sustentar a mirada que a professora me langava e dizer alguma coisa sem gaguejar: Por isso des- viei os olhos para 0 topo de sua testa, antes de Ihe contar a mesma mentira que eu tinha usado com meus amigos na casa de Gigi. — Foi meu primo que mora na capital e que faz facul- dade de jornalismo quem me passou essa informagio, Como esté no texto, ele pediu pra nfo ter sua identidade revelada porque e-eu... eu...—na hora do desespero, uma nova mentira surgiu — porque o primo disse que estava me contando tudo em off, sabe? Acho que é assim que os jornalistas chamam as informagdes que eles nao podem divulgar direito, né? — Eu estava ficando bom naquilo de mentir convincentemente. — E t-também eu... eu. Felizmente, Alana me interrompeu antes que eu pusesse os pés pelas maos na Ansia de inventar um milhao de desculpas e falsas justificativas para a pré. — Depois que Mino nos contou do primo dele, eu perguntei no grupo da familia, e uma prima de uma tia minha que também mora na capital disse que ouviu falar algo de uma censura com relacio ao Saracura, Por isso achei vélido a gente alertar as pessoas pelo fanzine. Pré Ediara tinha os Itbios crispados e um montinho de rugas entre as sobrancelhas, o que s6 me causava desa- lento. Mas ao mesmo tempo ela balangava a cabeca em gestos curtos de concordancia. Isso me permitia manter um pingo de esperanca de que escapariamos daquela investigacao. Barréo também se manifestou: —A coisa da bruxaria eu vi naquele jornal de fim de tarde, que meu tio sempre assiste. Aquele com homem que grita assim: “Bandido bom é bandido morto!”, Como émesmo o nome dele? —Eu sei de quem se trata—a pré pigarreou. — Othem, voeés nao deviam assistir a esse tipo de programa. Os apresentadores falam um monte de barbaridades, como essa, de bandido bom ser bandido morto. Que absurdo! Nenhum homem tem o direito de condenar outro & morte, por pior que seja o crime que 0 culpado tenha cometido. Quem fala algo assim até desrespeita a Constitui¢ao, a lei maior do pafs, que nao aceita a pena de morte. Pré Ediara continuou a repreender os telejornais sensacionalistas pelos vinte minutos seguintes. Ademais, insistiu no argumento de que deverfamos tomar cuidado com 0 contetido que reproduzfamos no fanzine. Parou de falar somente quando Barro, num gesto exagerado, tentou ver as horas no reldgio de pulso dela. — Nossa! Mas ja passa da uma! Vocés devem estar mor- rendo de fome! Vio pra casa, meninos, vao pra casa. Era s6 isso que eu tinha pra dizer a voces. Depois vou ler com mais cuidado 0 Ciao e podemos voltar a conversar. 4 —Tudo bem, pré! — disse eu, com alta dose de entu- siasmo fingido, na tentativa de disfarcar o meu pesar por ter mentido & professora de que tanto gostava, S6 ewe Alana fizemos a pé o trajeto até a Praca do Avido. Barrao fora a frente, de bicicleta, alegando pressa para um compromisso. Era bom poder voltar 2 nos: parceria de sempre. Ela estava intrigada com a saida afo- bada de Gigi: — Que fresea! Aposto que deixou de ouvir a pré sé pra no ter que voltar caminhando! — Pelo que eu entendi, era mais do que isso. E.a pré sabia. — Eu ndo gostava de fofocar sobre Gigi, mas estava contente em nao falar mais do Ciao, Nao queria pensar no que tinha feito. Entrar na Ficata nfo ajudou. A primeira coisa que notei foi o fanzine na mao de todos os clientes. Como aquilo acon- teceu, se no haviamos distribuido o novo mimero fora da escola? Rosita, atrés do balcio, também o lia. Ao lado dela, Nicodemo estava concentrado em teclar no celular e Nico- lau mantinha a orelha e a aten¢do coladas a um radinho. — Ciao! Dois geladinhos de tangerina, por favor? —Gente, gente, que mundo é esse?! — lamentou Rosita, deixando 0 fanzine de lado e indo até o freezer. — Eu vivo em Pouso Forcado desde que nasci e nunca vi um negé- cio desses, um bandido perigoso por estas bandas. Aqui sempre foi um lugar de tranquilidade, de paz, e agora esse Saracura, esse demonio... —Todo mundo sé fala disso ha dias — comentou Nico- demo, tirando 0 telefone da frente dos olhos para nos, #: fitar. — Muito boa a reportagem de vocés, meus jovens! | aan Eu acredito no que voces escreveram. Desde que ouvi falar desse miserdvel pela primeira vez, pressenti que algo ruim poderia acontecer com a nossa comunidade. A gente precisa levar a sério essa ameaca! — Dito isso, Nico- demo fotografou com 0 celular o artigo sobre o Saracura, na cépia do Ciao largada pela esposa, — Faco questo de mandar esse texto para todos os meus contatos. — Ele pegou outra garotinha! — gritou Nicolau. — Esto falando na rédio local agora. ‘Ohomem aumentou o volume e depositou o aparelhi- ho sobre o baledo no qual Alana e eu nos escoravamos, O locutor dizia: — Atengao, atencao! O meliante conhecido como acura acaba de trocar tiros com a polfcia da cidade de Carambépolis, a quinhentos quilémetros de Pouso Foreado. O fora da lei abandonou o automével com 0 qual vinha engendrando seu mirabolante jogo de gato e rato com as autoridades estaduais ¢ federais ¢ fugiu em uma motocicleta roubada, de cor vermelha, levando uma menina de doze anos a tiracolo, Informacées recen- tes garantem que o marginal se vale das suas vitimas para praticar o ato vil e barbaro da antropofagia, apés macabros rituais de feiticaria. A rota de fuga do Saracura mantém-se rumo ao sul do estado, pela autopista que corta a cidade de Pouso Foreado. Se a policia nao cap- turar o quanto antes, acabaremos por nos defrontar com este perigoso patife. Caso isso aconteca, conseguiremos escapar & sede de sangue fresco do Saracura? Mas agora vamos falar de coisa boa. Vamos falar das broas e dos salgados da Padaria Mamma Mia, do senhor Giuseppe... 78 — Vocé acertou em cheio, Mino! Esse bandido est dando mesmo o que falar — disse-me Alana, quando jé estaévamos acomodados sob a asa do Ciao Carminka de bronze. — Viu 0 tanto de gente que tava lendo 0 Ciao? ‘Me pergunto quantas eépias as pessoas fizeram por conta propria. Imagina se a cidade inteira ler nosso fanzine?! Ta ser demais, né? — 0... —balbuciei. Era nisso que eu estava pensando, E era exatamente isso que me exasperava, 8 DEERE oe era.omeu temor, se realizou em menos de vinte e quatro horas. O fanzine repercutiu feito meme de internet. Pensando bem, essa talvez niio seja uma comparagao adequada, porque eu acho que 0 fato de o fanzine ser algo palpavel, ao contririo de um meme, contribuiu e muito para a popularidade que ele ganhou. A situagao era parecida com 0 caso das cépias da Lista dos Meninos Mais Bonitos da Sala que volta ¢ meia se materializavam nas portas do banheiro da escola: saber da existéncia dessa lista era horrivel; vé-la e poder tocé-la beirava o insuportavel. Eu captava 0 mesmo senti- ‘mento na relacdo das pessoas com 0 meu fanzine, Assim — junto com o que passava na tevé, no rédio e com o que circulava por outras midias naqueles dias — ele instaurou, pouco a pouco, as bases para 0 panico e o caos tomarem conta de Pouso Forcado, <= No dia imediatamente apés 0 langamento do Ciao n? 2, uma quinta-feira, ao passar pela Praca do Avido, a caminho da escola, encontrei dezenas de cépias comple- tas e de paginas soltas do fanzine espalhadas pelo local. Os garis ainda nao haviam comegado a limpar as ruas. Entao eu mesmo recolhi alguns papéis do chao, movido por uma vontade de compensar a cidade, Enquanto os catava, ouvi a conversa de trés homens sentados ao redor de uma mesa, os tinicos na praca além de mim e do boce- jjante dono do bar que os atendia. Em dias titeis, era raro ver gente que houvesse virado a noite farreando na Praca do Aviao, mas ali estavam eles, debatendo, entre gritos € socos na mesa, novas teorias sobre o bandido Saracura. — Ele é, sim, filho da terra, Eu. o conheco muito bem. Eu me lembro de jogar bola com ele quando eu era do tamanho daquele moleque ali. — © homem que falava apontou para mim, — A familia nunca conseguiu se recu- perar do prejuizo que Stenio Stronzo deu ao nonno dele. Eles sempre passaram necessidade, ¢ esse Saracura fugiu daqui cedo, jurando que um dia voltaria para se vingar dos Guidanullal — Que nada, rapaz! Eu morava uma rua acima da sua, frequentava aquele futebol e posso dizer: vocé ta tro- cando as bolas. Esse de quem vocé t4 falando era um, garoto de apelido Sucupira, que era pobre, sim, ¢ foi embora jurando nunca mais botar o pé aqui! — refutou outro integrante do trio. — Isso mesmo, 0 cara no é daqui, nao! Esses manfacos vem tudo de cidade grande, que é onde tem o téxico que deixa a pessoa variada das ideias. Seja o que for que ele 82 esteja fazendo com essas criangas, podem ter certeza, 6 doidice de crack! — emendou 0 terceiro. —Nio importa quem seja o sujeito nem o que se passa na cabeca dele — intrometeu-se o dono do bar, brandindo meu fanzine. — Hé um homem perigoso a caminho, e nossos filhos nao esto seguros! A gente vai ficar de bi cos cruzados?! Na escola, 0 assunto nao era outro. O telejornal da noite anterior nao dera noticia sobre o paradeiro do Saracura, mas os meus colegas estavam cheios de novi- dades. Ouvi Nélio dizer que o primo do tio do eunhado da sua vizinha, que morava em uma cidade préxima & nossa, vira-o abastecendo num posto de gasolina de la. O bandido no tirara 0 capacete de visor fumé, nem levava na garupa a garota que sequestrara por tiltimo, todavia © reconheceram pelo modelo da moto vermelha, pelo porte fisico e pela luva de motoqueiro, com um espaco vazio no lugar onde devia estar o indicador esquerdo, Circularam outras noticias, mas tive dificuldade em escuté-las por inteiro, pois, quando eu menos esperava, alguém me abordava pedindo mais informagées sobre © que estava escrito no fanzine. Alguns colegas estavam desconfiados. Reclamavam que suas buscas na internet nao thes confirmaram nada do que leram no Ciao. Outros, surpreendentemente, me disseram justo 0 contrério, Haviam encontrado informagées que corroboravam 0 que eu inventara — como a histéria do canibalismo — e tinham descoberto coisas ainda mais escabrosas, que que- riam compartilhar comigo para que eu as publicasse. Na hora do intervalo, a diretora, evidentemente contrariada, reuniu todos no patio para nos apresentar dois homens altos e parrudos, recém-admitidos como bedéis e segu- rancas, Depois, distribuiu um bilhete para os nossos pais ou responsdveis, em que comunicava um aumento da mensalidade por causa da contratagao dos novos funci nérios, A nota também pedia que eles se responsabilizas- sem por trazer e buscar os filhos com seguranga, Quando fomos liberados para lanchar, vi Barro amassando o seu bilhete eo jogando no lixo. ‘Ao final da manha, pegamos carona com a mamma da Gigi e saltamos na Praga do Aviéo. Na fachada da lanchonete, Nicolau colava um cartaz, anunciando que 0 horério de funcionamento da Ficata, naquele fim de semana, seria s6 até as oito da noite. — Dois geladinhos de coco com leite, por favor! — pedi a Rosita, Junto com as guloseimas, ela nos entregou duas folhinhas de santo. Cada folhinha trazia, na frente, a ima- gem de uma mulher e de um garotinho, e no verso uma ‘oracio, — Santa Julita e Santo Ciro. Ele é padroeiro das crian- cas que sofrem maus-tratos. Para proteger vocés. Da lanchonete fomos ao monumento. O ntimero de cépias do Giao n° 2 abandonadas no chao parecia ter aumentado, apesar do meu empenho em recolhé-las. — Olhem para isso! Impressionante! — exclamei, — Eu vi, inais cedo — disse Alana, — Por falar nisso, pre- cisamos marcar o préximo treinamento com os progra- mas de diagramagio. — Ela entdo fez uma pausa e girou aaba do boné quarenta e cinco graus & direita, para me ver melhor, — Vocé esta com medo, Mino? Do Saracura? — Quem nao est? — atalhei. — Sabe 0 que me deixa mais apavorada? I 0 fato de os adultos também estarem... Sempre que eu fazia o dever de casa em frente & tevé, 0 babbo reclamava, proferindo: “Dois sentidos nao assam o milho!". Agora era ele quem dividia sua atencao: os olhos na tevé, os ouvidos atentos ao rédio, sintonizado na emissora local. A seu lado, a mamma lixava as unhas. Porém, sempre que 0 babbo inspirava com mais forga que ‘© comum, ela parava o raspa-raspa e o fitava. Certa feita, vi uns garotos tentando capturar passa rinho com visgo. Eles puseram alpiste sobre uma pedra ¢, a0 redor da comida, melecaram a superficie da rocha com visgo de jaca. Ao pousar, atraido pelo alpiste, 0 bichi- nho ficaria preso, Enquanto o passarinho no vinha, os garotos permaneciam quietos, quase iméveis, escondidos atrds de uma moita, Contudo, deles emanava uma agita- ho to grande que até quem passava a alguns metros de distancia notava essa presenca — as aves, inclusive. Eu sentia a mesma agitagao se desprender dos meus pais. ‘Jé cu tentava bater meu recorde em um jogo de cor- rida no celular para nao pensar demais no Saracura, Por um lado, procurava me ater & verdade comprovada: ele nfo estava por perto, seu tiltimo paradeiro registrado pela tevé fora muito longe de Pouso Forcado. O resto nao passava de frisson e devaneios causados pelo meu fanzine. Por outro lado, acontecia de eu ponderar que a tevé, muitas vezes, deixava de noticiar acontecimentos importantes. A experiéncia de fanzineiro fortalecera esta percepcao, pois assim como eu tivera de diminuir bas- tante alguns textos para que coubessem nas dimensdes do papel dobrado, também os jornalistas deviam supri- mir informagGes para nao alongar o telejornal. Por dias, a tinica mengio que a tevé fez ao bandido dizia que ainda no haviam sido encontrados os trés jovens sequestrados nem havia pistas de seu esconderijo. E se o Saracura esti- vesse cada vez mais préximo? O rédio interrompeu uma musica sertaneja e 0 locu- tor nos contou a mesma histéria que eu ouvira da boca de Nélio, que escutara do primo do tio do cunhado da sua vizinha. Em seguida, 0 delegado Arruga discursou, pedindo calma & populagao, dizendo que muitas das informacées que circulavam na cidade, inclusive a da existéncia de uma suposta lista de cidades-alvos que inclufa Pouso Forcado, pareciam falsas ou no minimo exageradas. Ele solicitou que se evitasse contactar a poli- cia sem que se livesse visto algo de fato, pois 0 contin- gente néo estava dando conta de atender tantas ligacdes O babbo passou a me levar & escola de carro, no horério em que eu costumava sair a pé, para honrar o meu titulo de Primeiro a Chegar. E, para ndo me deixar sozinho no patio, ficava comigo até abrirem os portées. Os primeiros dias deste novo ritual foram legais, apesar das circunstancias. Sentados dentro do veiculo, ouvindo miisica baixinho, conversavamos somente sobre assuntos que 0 babbo chamava de alto-astrais; brincadei- ras do seu tempo de garoto; nossa colecdo conjunta de chaveiros; qual surpresa farfamos para o préximo aniver- sério da mama, que estava chegando. No entanto, aps sua participacdo na rédio, outros babbos ¢ mammas passa- ram a nos interromper. Aparentemente, todos ouviram seu debate com 0 delegado Arruga, estavam de acordo com 0 que ele pensava e queriam saber mais do que ele tinha a dizer, Logo, eu perdi o titulo de Primeiro a Che- gar para um grupo de adultos que comecou a se reunir debaixo do juazeiro, Os mais novos, que perderam seu espago de guerra, ainda tentaram uma ofensiva contra 0s invasores a seu modo: langando-lhes juds. Mas nada podia derrotar a careta severa de seus pais. ee Apesar de o meu babbo ser o lider do grupo, eu nao sabia os detalhes do que discutiam naqueles encontros. Ele nao ee convocando os policiais porque alguém tinha ouvido um barulho suspeito no quintal. — Que absurdo! — protestou 0 babbo, olhando para o rédio com o cenho franzido. — Informacées exageradas! Imagina... A obrigacio da policia ¢ atender a qualquer tipo de chamada. O que esse delegado quer? Que a gente comece a investigar e ligue pra ele apenas quando estiver } com o bandido na nossa frente?! Que stronzo! Eu vou telefo- { nar para essa emissora ¢ dizer umas verdades a esse néscio. eS cee Shey deixava nem eu nem qualquer aluno se aproximar, ale- gando ser coisa de gente grande. A sineta do inicio das aulas tocava, e eles permaneciam sob 0 juazeiro. Quando tornd- vamos ao patio, na hora do intervalo, jé tinham partido. Apés uma semana de encontros, houve uma convo- cacao geral dos interessados na seguranca da cidade, realizada no auditério municipal. Gragas as aulas de

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