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capiruLopois Uma lingijistica aplicada transgressiva’ Alastair Pennycook 4 apresentei em outras publicagées (Pennycook, 2001, 2003a, 2004a) minha visio da lingifstica aplicada critica (1Ac). Naqueles textos, focalizei os modos diferentes de ser critico © os diversos dominios do trabalho critico. Por um lado, sugeri também que pre- cisamos distinguir cuidadosamente pelo menos quatro significados do termo critico: ertico no sentido de desenvolver distincia critica e objetiv. dade; critico no sentido de ser relevante socialmente; critico seguindo a tra- disdo neomarxista de pesquisa; © critico como uma pritica pés-moderna Problematizadora. Por outro lado, esses modos diferentes de fazer um trabalho exitico podem ser identificados em dominios diferentes da lingifstica aplicada (44), da andlise do discurso critica (scb) ao letramento critico, da pedagogia critica a abordagens crfticas da tradugio. Ao colocar esses trabalhos sob a brica de Lac, meu objetivo nio foi nem estabelecer nem definir LAC como uma disciplina, um dominio, ou um campo fixo, mas, em vez disso, criat a possibilidade de vislumbrar a préxis em movimento que é a LAC. Entendo a Ac como uma abordagem mutivel e dinamica para as ques ‘es da linguagem em contextos miiltiplos, em vez de como um método, uuma série de técnicas, ou um corpo fixo de conhecimento. Es @ LAC como uma nova forma de conhecimento interdisci vex de ver ar, prefiro compreendé-la como uma forma de antidisciplina ou conhecimento transgressivo, como um modo de pensar ¢ fazer sempre problematizador. Isso quer dizer nfo somente que a tac implica um modelo hibrido de Pesquisa € préxis, mas também que gera algo que é muito mais dindmico, (© oiginal em inglés foi traduzido por Luis Paulo da Moi Lopes. 68 © Austan Paosicook Dessa perspectiva, cla no é algo que tem a ver com o mapeamento de uma politica fixa sobre um corpo de conhecimento estético, mas, em vex disso, tem a ver com a eriacéo de algo novo. Como Foucault (1980: 190) indicou, “9 problema no é tanto o de definir uma ‘posicio’ politica (0 que tem a ver com a escolha de uma série preexistente de possibilidades), mas o de imaginar e trazer & tona novas formas de politizagio”. Esse € 0 desafio politico para a Lac. Expondo meu ponto de vista de modo mais simples, a Lac € bem mais do que a adigéo de uma dimensdo critica & LA. Ao contrétio, possibilita todo um novo conjunto de questoes © interesses, twpicos tais desigualdade, desejo ou a repro- dugio de alteridade, que até entéo nio tinham sido considerados como de interesse em LA. como identidade, sexualidade, acesso, ‘A emergéncia da 1Ac no cenério da tA tem sido motivo de preocupacio, ‘© que nao surpreende. Davies (1999: 139) argumenta que “a influéncia da Lac é grande © pode no ajudar a drea’. Daf cle parte para sugerir que as (tais como a ACD) € criticas pés-modernistas (tais como 1Ac) da 1A si... sedutoras. Blas foi “sbordagensmoderni jecem um debate itl sobre a natureza da disciplina e precisam ser consideradas. Mas nao se pode permi- tir que predominem de modo irresponsivel” (Davies, 1999: 142). Widdowson (2001: 105) também se tem preocupado com a politica de abordagens criticas da 14, perguntando: Sobre a ética de quem estamos falando? A moral de quem? E como se pode separar lama causa de valor de uma que nio tem valor? As pessoas criticas, como missionétios, parecem estar bem seguras de que identificaram 0 que é bom para os outros com base fem suas proprias crengas. Contudo, ao tornar a necessidade de parcialidade uma vvirtude estamos de ato negando a pluralidade ¢ impomos nossa prépria versio da realidade, exercendo, desse modo, o poder da autoridade que alegamos deplorar. Para Widdowson (2001: 16), necessitamos de “uma tA critica, ¢ nao de uma 1A hipécrita, para nos guiar em diresio ao futuro”. Embora valha a pena considerar essas questdes, € igualmente possivel virar a mesa sobre a dicotomia perniciosa de Widdowson ¢ sugerir que € a 1A uadicional que é hipécrita por sua inabilidade ou m4 vontade de dar conta de quest6es significativas aruais. Hirocnista NOMERo 1: € comum, dessa perspectiva, reconhecer a importancia de questées politicas (desigualdade, pobreza, racismo etc. mas argumentar ‘Usauncorsnca necapeTRANEGRESIVA B69 aque essas questdes no tém nada a ver com interesses académicos out da LA, ou (como acima) que nao h4 como decidir entre posig6es opostas do ponto de vista éxico ¢ politico. Contudo, tendo em vista as insistentes afirmagées, da parte de muitos que falam de posisées marginalizadas, de que o racismo, a pobreza, o sexismo, a homofobia e muitas outras formas de discriminacio tém sido cruciais em suas vidas como aprendizes de linguas, educadores, tradutores, pacientes, trabalhadores, clientes, réus, artistas, esctitores, telespectadores ctc., parece dificil negar a importancia de fazer tais conexdes, como também parece hipscrita esconde-las por trés de uma forma de relativismo liberal que insiste que nao € possivel tomar decisbes em relagio a0 mérito de tais casos. HiPocnisi NOMERO 2: a investigasao critica é freqiientemente acusada de aderir a um tipo de ideologia particular, a0 passo que aqueles que fazem tal critica reivindicam uma posigio-neutra tanto politica como intelectual. Da perspectiva da Lac, essa negagdo de sua prépria politica, essa recusa em considerar questdes sociais ¢ politicas mais amplas, torna isso uma aborda- gem da 1A do tipo avestruz (cabega enfiada na arcia). Esse avestrusiomo liberal Permeia muitas das abordagens tradicionais de 14. Embora as politicas subjacentes a posigdes criticas diferentes devam set de fato investigadas, a solugio nao pode ser negar quest6es de cunho politico ¢ reivindicar neutra- lidade. Essa € uma negacdo hipécrita da responsabilidade social. Hirocnists soso 3: muitos dos ataques & LAC sugerem pouca compre- enséo da teoria critica, dos debates acerca do pés-estruturalismo, pés-mo- dernismo ou pés-colonialismo, ou de movimentos recentes, por exemplo, 0 campo das teorias de identidade ou queer. Ninguém é obrigado a concordar com as posicdes criticas ou com os modos particulares nos quais as teorias sto construfdas, mas € importante que, pelo menos, se engaje no argumento com uma base razodvel de compreensio das questes em vez de, como freqilentemente ocorre, tentar rejeitar uma posigio tedrica a0 etiquetéla como “pés-moderna” ou “tedrica”, como se tais etiquetas automaticamente desclassficassem a investigasio do starus de La verdadeita. Tss0 & uma nega tiva hipécrita de responsabilidade intelectual. Hirocnista NOMERO 4: as vozes que pedem mudanga esto vindo de muitas Partes ¢ com agendas muito diferentes, Nao sio redutiveis apenas 20 “pés- colonialism”, & “pedagogia critica", & “andlise critica do discurso” ou 20 “feminismo”. Ao contrétio, perspectivas criticas na LA estéo emergindo no 70 Ausra PewrcoOK mundo todo com agendas miltiplas. Tentar exportar como globalmente relevantes um corpo de crengas politicas ¢ epistemolégicas como consticu- indo a parte central da 14, 20 passo que se ignoram simultaneamente as tuitas vozes que reivindicam, vis6es alternativas do mundo, ¢ evitar @ de- manda por uma LA mais responsivel. Isto é uma negativa hipécrita de responsabilidade social ¢ cultural E hora de nos mover para além desses debates intiteis. Sugerindo que, pelo menos no que se refere aos estudos pés-coloniais, parece que alcangamos tim ponto de onde podemos dar por encerradas as criticas antiessencialistas iimplaciveis de uma era que passou, David Scote (1999: 4) argumenta. que agora podemos certamente dar por mais ou menos certas vérias posivées poliicas © epistemoligicas que envolveram batalhas longas: “As posigoes de tem ser lidas como contingenciajs, as histérias como locais, os sujeitos como Construidos ¢ 0 conhecimento como enredado no poder’. Da mesma forma, falver de modo muito otimista, gostaria de sugerir que tais nogbes devem ser ceitas como dadas na 14, para parar de ter que lutar contra a 14 do século XX e poder me concentrar no desenvolvimento de um novo arcabougo para a 1A No propésito de criar as bases para uma nova eta do que vou chamar dde uma 1A fransgresiva, precisamos manter tanto um foco incansdvel nas ‘operagées do poder como também tum questionamento implacdvel em relagio os rermos que usamos, ou, como Scott sugere, precisamos operar com 08 arcabousos criticos ais como os de Frantz Fanon, “o arquitero revolucionério por exceléncia da liberracio anticolonial” (Scott, 1999: 200), ¢ também com 5 ceticismo epistemolégico de Michel Foucault, para perceber que “nunca se deve permitir que a polltica descanse sobre a satisfagio de sua propria futoconcepgio, sobre as identidades que afirma serem as constituintes de sua propria comunidade” (Scott, 1999: 207). Por um lado, a urgéncia € a5 rea: lidades do embate politico; por outro, a necessidade de questionar sempre nnossas préprias pressuposicdes, assim como as dos outros Por um lado, Fanon, ou as relagdes complexas do poder, da resistencia e do embate. Conforme Janks (2000) argumenta em sua discussio do Tetramento critica, precisamos compreender as inter-relagdes entre domina- gio (compreendendo a linguagem a reprodugio do poder), acesso (# ne- cecsidade de ter acesso 205 generos discursivos, Mnguas de poder ete), di- versidade (a necessidade de reconhecer a diferensa) ¢ planejamento (a im- portincia de criatividade agenciamento). Esses elementos, ela sugere, no podem ser considerados isoladamente. Seguindo Janks, precisamos focalizar ‘Une L2icoBTICA APICADA TRARSGRESA BT © inter-relacionamento constante entre dominio (os efeitos contingentes ¢ eontextuais do poder), disparidade (desigualdade © demanda por acesso), diferenca (engajamento com a diversidade) desejo (compreendendo como identidade © agenciamento estéo relacionados). Se tomarmos qualquer do- minio da LA — comunicaso no trabalho, letramento, tradusio —, pode- mos comesar a ver o inter-relacionamento conflitante dessas questées: Dominio: de que modos miltiplos 0 poder opera na comunicacio no trabalho? Que textos tém poder em que contextos? Que questées relativas a poder subjazem as diferentes verses de uma tradusio? Outros tém acess0 aos processos da tradugao? Disrartbave: como os silenciados no contexto do trabalho podem comecar a falar? Comovas pessoas podem ter acesso a textos poderosos? Outros podem ter acesso aos processos da traducio? Durrenca: que outros tipos de comunicagio sio possiveis? Como as pessoas Iéem textos diferentemente? Que formas de diferen- a emergem em traducdes alternativas? Desto: por que as pessoas utilizam modos particulares de comuni- casio? Que posigoes de sujcito estio disponiveis para leitores diferentes? Por que ainda so preferiveis certas interpretages? Por outro lado, sempre precisamos de Foucault ¢ de um ceticismo constante em relagio a conceitos e modos de pensamento que nos si0 Préximos. Categorias compreendidas como naturais tais como homem, mulher, classe, rasa, etnia, nagio, identidade, consciéncia, emancipagio, linguagem ¢ poder devem ser compreendidas como contingentes, dinémi cas e produzidas no particular, em ver de serem entendidas como dotadas de um status ontolégico anterior. Ao analisar ¢ promover abordagens rf- ticas da 14, devemos ter cuidado para que os préprios termos © conceitos que usamos nfo estejam ao mesmo tempo sendo prejudiciais as préprias comunidades com que estamos trabalhando. Assim, ao mesmo tempo em que estamos preocupados com o inter-relacionamento entre diferenga, dominio, disparidade ¢ desejo, precisamos ser sensiveis 4 natureza contin. gente de nossas terminologias. No resto deste capitulo, pretendo perscguir essa visto da LA por meio de uma discussio da teoria transgressiva ¢ da LA apés as viradas lingufstica, somética e performativa. 72. Austan Penmrcoox TEORIAS TRANSGRESSIVAS Uma das limitagSes de compreensées comuns de interdisciplinaridade € 0 modo por meio do qual as disciplinas continuam a ser vistas como entidades bastante estiticas. Desse ponto de vista, a tA como disciplina pode ser informada por outras disciplinas tais como lingiifstica, psicologia ¢ educagio. Tal visio, contudo, faz vistas grossas aos modos pelos quais a 1A ¢ muitas outras disciplinas so espagos dinamicos de investigasio intelectual, especialmente no espago aberto pela virada lingtifstica ¢ cultural nas ciéncias sociais. Deixe-me dar um exemplo. Atualmente, estou trabalhando em um projeto que examina a difusio global da cultura hip-hop em relagio ao inglés (veja, por exemplo, Pennycook, 20036). Isso envolveu inevitavelmente um nivel considerivel de leituras em dreas diferen- tes, particularmente nas dreas de musica popular ¢ de estudos culturais. Mas, nnesse percurso, também. encontrei diltras Areas dinamicas. Veja, por exemplo, a jtagao que tirei da introdugio de um livro: Fstelivro... procura compensar o lugar muito negligenciado da geografia em qualquer analise da misica popular, ao tragar as relagbes entre a miisica, lugar e identidade em cescalas diferentes, de ‘cenas’ do centro da cidade & musica das nagdes. Examina a influéncia da cultura, economia, politica ¢ tecnologia sobre a estrutura mutavel e as _geografias da miisica como expressio de cultura local em sociedades nativas, por meio de dispersoes e expanses na diresio de uma indiistria globalizada incompleta, onde (0s sons “locais” permanecem vibrantes (Connell & Gibson, 2003: x). © que é isso? Estudos culturais?: Etnomusicologia? Sociologia? Formal- mente, & um texto de gergrafia em uma série chamada “geografias criticas’, mas é uma geografia que se engajou profundamente com estudos culturais. Assim, quando meus interesses em LA me levam aos estudos culturais, podem também me condurir & geografia, mas nfo a uma geografia empacada em uma fixaio estitica com 0 espago fisico, mas, ao contrério, com uma geografia que experimentou uma virada cultural. Ao entrar na disciplina geografia, estou, simultaneamente, reentrando nos estudos culturais, E tendo em vista a sobreposigéo entre estudos culturais e LA, posso estar, na verdade, me reengajando com a 14 quando passo para a geografia. As disciplinas nao sio estéticas, dominios demarcados de conhecimento aos quais pedimos empres tados construtos teéricos, mas sio elas mesmas dominios dinimicos de conhe- cimento. Aqui lembro a imagem de Clifford (1997) sobre a area dos estudos ais como a recepgio de um hotel. Seu ponto de vista era que, em vez cule da fixidez implicita na sacada colonial, na tenda do pesquisador, ou na loca- UUsALINcuSTCA AteADA TRANSCHESIVA B73 lizaco do etnégrafo, 0 estudo de outras culturas precisava ser mais fluido; as pessoas © suas culturas estavam sempre em movimento, como pessoas que passam umas pelas outras na recepgio de um hotel. Da mesma forma, o trabalho interdisciplinar deve ser entendido néo como se estivéssemos senta- dos 4 mesa da LA com um menu fixo ¢ escolhendo 0 que comer (devemos comesar com. uma tigela de lingtifstica ¢, a seguir, tentar psicologia como prato principal?), mas, ao contririo, como se estivéssemos naqucle momento em um restaurante quando se cst examinado © menu € um prato quente ¢ aromiético voa em nossa fiente nas maos de um gargom ¢ me pergunto: 0 que estio comendo? Interdisciplinaridade tem a ver com movimento, fluidez ¢ mudanga. © iinteresse em identidade, fluidez © fixidez em relacio A miisica popular & também uma questio de nossos tempos, um interesse informado por mudangas particulares na compreensio da.globalizagio, identidade ¢ culeura popular. Tais interesses atravessam as disciplinas, de modo que posso ter mais em comum com esses gedgrafos do que eles possam ter com outros membros da comuni- dade de gedgrafos ou eu com membros de minha comunidade de 1A. Isso é, em grande parte, resultado das virias “Viradas’ que tém varrido as ciéncias sociais nos iitimos dez ou vinte anos (cf, abaixo). Enquanto alguns desejam margina- lizar tais mudangas como “pés-modernismo” ou “pés-estruturalismo”, tal visio ‘io admite as mudangas profindas na produgio de conhecimento ¢ interesses de pesquisa que ocorreram. E isso que quero examinar em termos de teorias sransgresivas. Discutindo os sinais de maturidade na LA sugeridos por sua ten- dencia de se afastar da lingtiftica para se tornar uma disciplina que gera teotia por si mesma, Rajagopalan (2004: 410) discute “a necessidade de compreender LA como um campo de investigagio transdisciplinar”, © que significa “atravessar (Ge necessirio, éransgredindo) fronteiras disciplinares convencionais com o fim de desenvolver uma nova agenda de pesquisa que, enquanto livremente informada por uma ampla variedade de disciplinas, teimosamente procuraria no set su- balterma a nenhuma” (énfase no original). Isso, entio, € um sentido da nogio de teansgressio. No dominio do conhecimento disciplinar, tal idéia sugere no ‘meramente pluralismo inter- ou transdisciplinar, mas também um sentido mais ilicito de atrayessar fronteiras proibidas, ¢ talvez, no processo, comesar a derru- bar algumas dessas cercas disciplinares. Elder (2004: 430) sugere que “a propria existéncia de uma Ac transgressiva que ataca as fundagdes © objetivos da 1a talve seja um sinal de que a 1A é uma disciplina que amadureceu. Amadureceu a ponto de ter gerado um enfint terrible que morde a mao que o alimentou". Assim, enquan- 74 Ausra Powsresox to Davies (1999: 141) lamenta a critica 4 1A © 0s movimentos em diresio de uma concepsio interdisciplinar da érea que “rejcita totalmente as tenta tivas, desde 0s anos 1950, de desenvolver uma 14 coerente”, € possivel ver também em tais desenvolvimentos uma maturidade maior. Ao ser informada por uma gama mais ampla de dominios “externos” do que é frequentemente Upico da LA, a LA transgressiva no apenas abre © arcabougo intelectual para muitas outras influéncias, como torna os debates sobre “aplicaséo de lingiis- tica” versus “lingiifstica aplicada”, na melhor das hipéteses, de interesse petifético (a lingiistica, na maioria de suas manifestagdes atuais, é de uso limitado) ¢, no pior dos casos, tira nossa atengio das questes que precisa- mos focalizar. Ao tomar uma visio do conhecimento que € nao sé ampla, mas também politica, a LA transgressiva nos conduz para além de uma concep¢io de LA como uma disciplina fixa, além mesmo de uma visio de 1A como dominio de trabalho intérdisciplinar. Uso a nogio de transgressio com varias séries de significados: Primeizo, uso 0 termo tansgressivo para me refetir & necessidade crucial de ter instrumentos politicos ¢ epistemolégicos que permitam transgredir os limites do pensamento ¢ da politica tradicio uma agenda politica critica como de disponibilidade para questionar os concti tos com que se lida, ou seja, precisamos de Fanon e de Foucaule. Usilizo a nosso de tcoria transgressiva para marcar a intengio de transgredit, tanto poli teoricamente, os limites do pensamento € agio tradicionais. s. Todo projeto critico precisa tanto de Segundo, as tcorias transgressivas no somente penetram tertitério proi bido, como tentam pensar 0 que nao deveria ser pensado, fazer o que no deveria set feito. A transgressio, como Jenks (2003: 3) explica, “€ aquela conduta que destréi as regras ¢ transgride os limites”. Jenks procede com 0 argumento de que a transgressio deve ser cuidadosamente separada da de- sordem ou do caos, jé que sempre deixa implicita uma ordem que est sendo transgredida. Seguindo Nietzsche, 0 autor continua indicando que a modernidade tem sido “um processo de opressio © compartimentalizagio da vontade” que “gerou um desejo desgovernado de alargat, exceder, ou ir além das margens de accitabilidade ¢ desempenho normal. A transgressio se torna um tpico primario pés-moderno ¢ responsével” (Jenks, 2003: 8) De acordo com Jervis (1999:4), ‘A ttwansgressio € reflexiva, questionando sex proprio papel ¢ 6 da cultura que a definiu. fem sua alteridacle. Nao ¢ simplesmente uma reversio, uma inversio mecinica de uma "Uneauncoimca APACADA TRANSGRESVA BE 75 ‘ondem existente a que se opbe. A transgressio, diferentemente da oposigio ou da reversio, envolve hibtidizagio, mistura de eategorias e questionamento dos limites que separam as categorias. Nao é, em si mesma, subversio; ndo é um desafio aberto € deliberado ao status quo. O que ela faz, contudo, é implicitamente interrogar a lei, apontando néo s6 0s especificos, ¢ freqilentemente arbitrdrios, mecanismos de poder no qual a lei se baseia — apesar das pretensbes universalizantes —, mas também sua cumplicidade, seu envelvimento com aquilo que profbe, Com base nessas idéias, argumentaria que a teoria da transgressio ndo 6 desafia os limites e os mecanismos que sustentam as categorias e os modos de pensar, mas também produz outros modos de pensar. Assim como Foucault nos apresenta a necessidade de procurar novos esquemas de politizagio, a teoria transgressiva no tem a ver tanto com o estabelecimento de uma epistemologia fixa © normativa, mas sim com a procura de novos enquadramentos de pensamento ¢ conduta, ou, como Kearney (1988: 364) indica: tem a ver com “a exigéncia ética de imaginar de forma diferente”. A nosio de transgressio desenvolvida por bell hooks (1994:13) acres- centa outra dimensio. Ela diz ter sido “inspirada principalmente pelos professores que tiveram a coragem de transgredir os limites que confinariam cada aluno a uma rota, a uma abordagem de aprendizagem como em uma linha de montagem”. Transgredir, sugere hooks, ¢ opot, resistir e cruzar os limites opressores da dominacdo pela raga, género c classe. Aqui temos uma imagem de professores que transgridem os limites normais da pedagogia ensinam seus préprios alunos a transgredir: a pedagogia como transgressio. Como Namulundah Florence (1998: xvii) explica, enquanto a transgressio € frequentemente vista em termos negativos, 0 conccito de hooks de trans- gressio sugere “mover-se para além das frontciras, 0 direito de escolher, de dizer a verdade ¢ de exercer a conscitncia critica, o dircito de reconhecer as limitagées, a mudanca de paradigmas, ¢ desejo de ‘conhecer’ para além do que esté imediatamente perceptivel”. Aqui trata-se tanto da obrigaco fanoniana de travar embates contra a opressio como do imperative foucaul- tiano de pensar diferentemente. A 1s transgressiva, portanto, vai além dos limites normativos; procura imaginar de forma diferente, mantendo tanto a aio politica do ensinar para transgredir de hooks como também as questOes imbricadas no ensino como transgressio, tanto Fanon como Foucault. Além do mais, conforme sugerido pela discussio de “dados transgressivos” de pesquisa de Elizabeth St Pierre (1997), a 1A transgressiva questiona as crensas normativas sobre “dados’, a confianga estranha na linguagem como uma garantia de significado para aqueles dados e a possibilidade de dados que 76% AuastAMKPenvvcoox “escapatam & linguagem” (p. 179). Essa visio do transgressivo também chama a atengio para os limites normativos do enquadramento disciplinar e epistemoldgi- co ¢ para a importincia de encontrar modes alternatives de construir realidades. Podemos categorizar teoria transgressiva nos seguintes termos: ela tem 6 objetivo de atravessar fronteiras e quebrar regras em uma posigéo reflexiva sobre 0 qué e por que atravessa; é pensada em movimento em ver de considerar 0 que veio antes do momento da posigio tedrica ‘pds articula- se para a acdo na diregio de mudanga; € Foucault ¢ Fanon. A LA transgressiva 414 tanto para o pensamento como para a acio transgressivos. Estou usando a nogio de transgressivo associada a um grupo maior de tcorias ‘trans’ do que ‘pés’. Um problema com a posigéo das teorias dos ‘pds’ € que embora dlas tenham feito avangar nosso pensamento de forma titil em muitos do- minios, permanecem atadas aas dominios além dos quais reivindicam ir: 0 pés-estruturalismo permanece atado em alguns niveis 4 lingifstica estrutu- ral; o pés-modernismo sempre se debateu com suas relagGes com 0 moder- nismo; 0 pés-colonialismo, apesar dos muitos embates sobre sua relacéo verdadeira com o colonialismo, carrega insinuagées de um ‘depois’, 0 que, entre outros fatores, leva ao risco de obscurecer a natureza continua das relagdes coloniais. E como se esses posicionamentos tedricos avangassem sempre olhando para trés, marchando para o futuro com os olhos firmemen- te voltados para o passado. O “pés” sempre parece atar 0 pés-colonial inremissivelmente a0 colonial, 0 pés-estrutural ao estrucural ¢ 0 pés-moder- no ao moderno. Um movimento para examinar as teorias “trans” em ver das “pés” muda a relagio de um dominio temporal para um domfnio mais espacial — de tempo para movimento —, mudando a dependéncia de uma sétie anterior de paradigmas tedricos (modernismo, estruturalismo, colonialis- mo) para um conjunto mais diverso de teorias. Esse deslocamento do tem- poral para o espacial € importante para uma mudanga na diresio de com- pteender a globalizicéo, movimento, fluxos ¢ ligagées. Mais especificamente, dentro do dominio de teorias transgressivas, estou interessado em relacionar os conceitos de translocalizagio, como modo de pensar 2 incer-relagio do local dentro do global; transculturacio, como modo de pensar a cultura € os processos de interagio cultural que permitem uma fluidez de relagSes; transmodalidade, como modo de pensar o uso da linguagem como localizado dentro de modos miiltiplos de difusio semistica; transtextualizasio, ‘como modo de pensar signos atravessando contextos; traducio, como modo de pensar 0 significado como ato de interpretagio que atravessa fronteiras de modos ‘Usa iscotsrica arcana TRANSGRESTVA BE 7. de compreender; transformagio, como uma maneira de pensar a mudanga cons- tante na diresio de todos os modos de significado e interpretacio. Como essas teorias inter-relacionadas ainda estio cm construsio, focalizarei a LA transgressiva depois das viradas lingtifstica, somética ¢ performativa. AS VIRADAS LINGUISTICA, SOMATICA EB PERFORMATIVA A 1A transgressiva considera as implicagdes das viradas lingtifstica, somética € performativa. Um dos modos nos quais uma 1A dependente da lingtiistica em sido tolhida em sua capacidade de avangar ¢ de se relacionar com a mudanga disciplinar cm outros campos tem sido a inabilidade da lingUfstica de lidar com a virada lingiiistica nas ciéncias sociais. A intravisio pés-estru- tural de que “o fator comunt Wa andlise da organizagéo social, dos significados sociais, do poder © da consciéncia do individuo é a linguagem” (Weedon, 1987: 21) reverberou em muitas areas de investigacéo social, da sociologia & psicologia, da histéria & geografia. Como Weedon continua explicando, a linguagem “é o lugar onde as formas reais ¢ possiveis de organizasio social ¢ suas conseqiléncias sociais ¢ politicas so definidas © contestadas. Contudo, & também o lugar onde nossos sentidos de nés mesmos, nossa subjetividade, € construdda’. Conforme Rorty (1987: 53) apontou em relagéo a filosofia, um “problema de fandamento metafiloséfico” agora a questo: “E. possivel recor- ret a um conhecimento no-lingiiistico no argumento filoséfico?” Contudo, a lingiifstica até agora tem tido dificuldade de compreender essa intravisio. Como Poynton (1993: 3-4) explica, a lingiistica foi tho seduzida por sun posicio de precursora de disciplina técnica dentro de con- cepsbes cstruturalista das humanidades e das ciéncas sociais que deixou de registrar aque “a virada linguistic” dos dltimos vinee e tantos anos dentro destasdreas estava ‘no somente fazendo pergunta’ diferentes sobre alinguagem como fendmeno socal, ‘mas também questionando as premissas dos modos estabelecidos de “conhecer a linguagem dentro da lingistica como disciplina Na medida em que continuou a ser seduzida por sua alianga préxima com a lingtifstica, sua disciplina precursora técnica, a 1A tem sido lenta na compreensiio das implicagées de tal mudanga. A grande falta de sorte da 10 é que, com 0 objetivo de conseguir credibilidade académica, ela tem desespera- damente tentado ser tio cientifica quanto a linglistica, celebrando sua cada vez maior cientificidade com uma énfase em compreensées estrcitas de linguagem 78 Ausra Pesnicoox ¢ abordagens limitadas de pesquisa. © modelo de linguagem desenvolvido na lingiistica ¢ adotado na 14 oferece pouca probabilidade de compreensio da ndo- autonomia da linguagem. Conforme Bourdieu (1991: 107) indica, ‘quando se focaliza a linguagem como um objeto autOnomo, aceitando a separagio radical que Saussure fez entre lingG(stica interna e externa, entre ciéncia da linguagem «eciéncia dos usos sociais da linguagem, se esti condenado a olhar dentro das palavras, para o poder das palavras, isto é, procurando por cle onde nfo seré encontrado. Outras areas das humanidades © das ciéncias sociais levaram em consi- deragio © imperativo reflexive da virada discursiva. Macbeth (2001: 36) descreve essa ampla virada discursiva nas ciéncias sociais como parte da ctise da representagio na vida académica do ocidente... A representagio realista foi cexposta a diividas radicais e campos flexiveis de investiga¢io (por exemplo, campos dle regras, normas ¢ estrururas fortnais) explodiram em miltiplas jungGes/ligagbes com identidade, orientagio, poder e conhecimento. A 1A tem sido extremamente lenta na focalizagao de tais quest6es. Foi 96 recentemente, conforme Canagarajah (2004: 117) indica, que comegamos a redefinir nossa comprecnsfo do ser humano. Pedimos emprestados construtos de disciplinas tio diversas quanto a filosofia, a retrica, a critica lteréria e as ciéncias sociis. Adotamos posigbestebricas diferentes, englobando a pesquisa feminist, 0s cstudos de socializagio da linguagem, a semitica bakhtiniana e 0 pés-estruturalismo foucaultiano. Essasescolas nos ajudaram a entender as identidades como miiltiplas, confltantes, negociadas ¢ em desenvolvimento. Viajamos para bem longe das pressu- posigbes, radicionais em estudos da linguagem, de que as identidades sio esticas, taniedras, distneas e dadas ‘As compreensies do papel do discurso na constituigio do sujeito, do sujeito como miltiplo ¢ conflitante, da necessidade de reflexividade na produgio do conhecimento estio vagarosamente comecando a emergir na 1A ‘Ao mesmo tempo em que varreu as ciéncias sociais, a virada lingifstica tem também havido 0 que Shusterman (2001) chama de “virada sométi tuma virada em diregio ao corpo. As origens dessa mudanga em dires0 20 corpo podem ser miltiplas — desde uma “necessidade de encontrar ¢ cul- tivar um ponto estivel de referéncia cm um mundo em mutagao ¢ cada vex rcante” (ibidem: 162), até “a apreensio cultural enfraquecida de vis6es religiosas que, por muitos séculos, satanizaram 0 corpo como o mais descon inimigo da alma imortal divina e, porranto, uma ameaga a felicidade verda deira” (ibidem: 163), Mas a importincia dessa mudanga tem a ver com trés Usa Lncoisricaanscane mANScRESvA 8 79 dimensSes cruciais: uma reagio contrétia a0 idealismo logocéntrico do. pés- escruturalismo, a tentativa de recuperar os dominios do ser que foram ex- tiepados pela filosofia racionalista ¢ a demanda politica, particularmente a ferninista, de considerar nossa presenga fisica. A filosofia, Shusterman (2000: 156) sugere, “pode se engajar com a somética como um novo dominio para a reconstrusio da teoria critica”. E ele continua: qualquer filosofia somatica robusta pode parecer escandalosa, por que resiste a0 idealismo que ainda assombra a filosofia ¢ est4 manifesta, por exemplo, na resolugio da virada lingiitstica de excluir da investigagao filoséfica qualquer coisa abaixo do nivel da linguagem ou do logos (ibidem: 157). Hé muitos aspectos diferentes em relaglo a essa virada somética. Do inceresse de Foucault com a preocupacio com o si-mesmo até as criticas ferninistas em relag40 20 conbecimento como masculino e descorporificado, © corpo retornou com um lugar significativo de interesse. Como Threadgold (1997: 101) sugere, precisamos compreender como a ordem social esté “imbricada na linguagem, na textualidade e na semiose e é corpérea, espa- cial, temporal, institucional, conflitante, marcada por diferencas sexuais, raciais e outras’. Para Bourdieu, isso tem sido parte de uma tentativa de compreender como disposig6es sio escritas em nossos corpos, como o capital cultural no ¢ algo que vestimos e tiramos, mas como algo que esti profun- damente relacionado com 0 modo como agimes. (O sentido de accitabilidade que orienta as priticaslingtisticas est inserito nas dis posigbes corpéreas mais profundamente enraizadas: € 0 corpo todo que responde por sa postura, mas também por suas teagées internas ou, mais especificamente, as reagGes articulasérias 2 tensio do mercado. A linguagem é uma técnica corpérea, expecifica- ‘mente lingitstica, especialmente fonética, a competéncia é uma dimensio da hexis compétea na qual toda a nossa relagio com o mundo social ¢ toda a nossa relasio informada socialmente com 0 mundo sio expressas (Bourdieu, 1991: 86) Essa_mudanga tem também sido parte da critica da pesquisa que tem ignorado a presenga do corpo. Na antropologia, James Clifford se inspira no trabalho de Bourdieu para sugerir que “podemos achar vitil pensar o ‘campo’ como um habitus em vex de como um lugar, um grupo de disposigbes corporificadas © priticas’ (Clifford, 1997: 69). Conforme ele explica, “um habitus disciplinar tem sido sustentado pela atividade corporificada do tra- batho de campo: um sujeito sem género, sem raga ¢ inativo sexualmente interage intensivamente (em niveis hermenéuticos/cientificos, pelo menos) com seus interlocutores” (ibidem: 72). A critica feminista dessas abordagens 80 Auasran Prwcooe descorporificadas da pesquisa ¢ do conhecimento tem sido a mais poderosa, com escritoras como Dorothy Smith (1999: 41) argumentando que “para escrever 0 social” € necessério “refletir sobre a mudanga cartesiana que esque- ce 0 corpo. © corpo nao esté esquecido; portanto, 0 lugar real local do corpo nao esté esquecido, a investigagéo comega com a investigadora que esté, na verdade, localizada; ela € ativa; est4 trabalhando; esté conectada com outras pessoas de vérios modos: p sa, come, dorme, ti, deseja, sofre, canta, pra- gucja, ama, exatamente aqui; le aqui; vé televisio.. E tereeiro, tem havido uma virada na diregio da identidade, tanto que todos parecemos estar estudando identidades hoje em dia (cf., por exem- plo, Moita Lopes, 2002, Norton, 2000). Ja que essa virada para a iden- tidade & muito ampla ¢ envolve varias perspectivas, quero examinar 0 aspecto mais particular da virada.performativa ¢ a intravisio crucial de que as identidades sio performadas em vez de pré-formadas (Pennycook, 2004b). Parte central dessa mudanca na direcio do performative tem sido o argu- mento de Butler (1990: 25) de que “o género se mostra como performative — ow seja, constitui a identidade que reivindica 0 ser. Nesse sentido, 0 género & sempre um fazer, embora no um fazer por um sujeito de quem se possa dizer que preexiste a tarefa”. Performatividade, entio, seguindo Butler, pode ser compreendida como © modo pelo qual desempenhamos atos de identidades como uma série continua de performances sociais ¢ culturais em vez de expressio de uma identidade anterior. E ela continua: “0 & dentro dos quais um enquadramento altamente rigido ¢ regulador se so- lidifica com o pasar do tempo para produzit a aparéncia de substancia, de um tipo natural de ser” (ibidem: 33). O interesse de Butler é que a crenca fundacional em identidades gencrificadas ou marcadas pelo sexo ¢ paradoxal, j4 que predetermina ¢ fixa 0 sujeito que almeja liberar. Esses argumentos tém sido muito influentes na teoria queer, na qual o questionamento de categorias de identidades de género ¢ sexual tem per- mitido um enquadramento da sexualidade que vai além da identificagéo lésbica ¢ gay ©, em vex disso, abraca a categoria mais ampla de queer (Jagose, 1996; Nelson, 1999). Conforme Jagose (1996: 90) aponta, “os debates sobre a performatividade fazem uma pressio de desnaturalizagio sobre 0 sexo, 0 género, a sexualidade, os corpos ¢ as identidades’. 10 € a estilizagio repetida do corpo, uma série de atos repetidos Essa discussio sobre performatividade abre vérios modos significativos de repensar a linguagem ¢ a identidade, Fornece um modo de pensar as relagies Una uNcoisncA AnucanA anscRESVA BE 8 centre linguagem ¢ identidade que enfatiza a forca produtiva da linguagem na constituisdo da identidade, cm vez de a identidade ser um construto pré-dado refletido no uso da linguagem. Como Cameron (1997: 49) sugere, “enquanto 2 sociolingiifstica tradicionalmente pressupde que as pessoas falam do modo como falam por causa de quem (j4) sio, a abordagem pés-moderna sugere que as pessoas sio quem sio por causa (entre outras coisas) do modo como fala”, A questi, para os estudos de linguagem ¢ géncro, nao é saber como os homens ¢ as mulheres falam diferentemente, como se os homens ¢ mulheres precxistissem a scus usos da linguagem como categorias dadas de identidade, ‘mas, em vez disso, compreender como as pessoas desempenham 0 género com palavras. Isso no quer dizer que constantemente desempenhamos identidades gencrificadas por meio da linguagem, mas que constituimos por meio da linguagem a identidade que ela reivindica ser. E no desempenho que fazemos a diferenga. Conforme Butler (1999: 120) sugere, “ser chamada de ‘garota’ desde 0 comego da existéncia ¢ um modo no qual a garota se torna transiti- vamente uma garota com © passar do tempo”. ‘A nogio de performatividade também preenche 0 espaso na tcoria pés- estruturalista que tem a ver com 0 fazer do sujeito. De uma perspectiva pés- estruturalista, 0 sujeito € produzido no discurso. No modo como isso até agora tem sido tratado na ta (cf. Norton-Peirce, 1995, por exemplo; e, para tuma critica, ef, Price 1996), a relagdo entre © sujeito ¢ 0 discurso tem sido concebida de modo estético, no sentido de que um sujeito escolhe assumir uma posicdo de sujeito em um discurso pré-dado. O problema aqui é que, como objetos que esperam ser nomeados, essas posigdes de sujeito preexistem 30 engajamento discursivo do sujeito. Price (1999: 582), a0 contritio, ar- gumenta em favor de uma visio na qual “o discurso é visto como pritica na qual tanto o discutso quanto © sujeito sio realizados performativamente”. Uma compreensio da performatividade nos permite ver a produgio da iden- tidade ng fazer. Como Laclau (1989: xiv) argumenta em sua introdugio ao livro de Zitek (1989), intitulado O objeto sublime da ideologia, “se a unidade do objeto € 0 efeito retroativo de nomear a si mesmo, nomear ndo somente © jogo puramente nominalistico de atribuir um nome vaio a um sujeito pré-constituido”. Assim, se 0 processo de nomear objetos tem a ver com o préprio ato de sua constituigao, “o cariter essencialmente performative de nomear & pré-condigio de toda hegemonia ¢ politica’. Tal concepsio pode nos ajudar, acredito, a escapar de alguns dos limites impostos pelas restrigdes disciplinares da lingifstica ou pela divisio pouco 82m Ausra Peswrcoox esclarecedora entre lingiifstica ¢ 1A. A performatividade possibilita um modo de pensar o uso da linguagem e da identidade que evita categorias fundacionalistas, sugerindo que as identidades sio formadas na performance lingtifstica em vez. de serem pré-dadas. Tal visio da identidade lingiifstica nos ajuda a ver como as subjetividades passam a existir e so sedimentadas com © passar do tempo por meio de atos lingifsticos regulados. Isso eambém fornece a base para considerar as linguas de uma perspectiva antifundacionalista, por meio da qual o uso da linguagem é um ato de identidade que possibilita éncia daquela lingua. E a performatividade, particularmente em sua relagio com a nogio de desempenho, possibilita modos de compreender como as linguas, a5 identidades € os fururos so recriados A LINGOISTICA-APLICADA ‘TRANSGRESSIVA ‘A ta cransgressiva pode ser tentativamente resumida da seguinte forma: Primeiro, ela se baseia em uma abordagem tansgressiva da teoria ¢ da disciplinaridade. Aqui “transgressivo” se refere a necessidade crucial de ter instrumentos tanto politicos como epistemolégicos para transgredir as fron- teiras do pensamento ¢ da politica tradicionais. Qualquer projeto eritico necesita tanto de uma agenda politica critica como de uma preparagao para questionar 05 conceitos com os quais ela lida. De Fanon e de Foucault. A teoria transgressiva assinala a intengio de transgredi, politica e teoricamen: te, 05 limites do pensamento ¢ da ago tradicionais, ndo somente entrando em tetritério proibido, mas tentando pensar 0 que nao deveria ser pensado, fazer 0 que nao deveria ser feito. Almeja atravessar fronteiras ¢ quebrar regras; tem como meta um posicionamento teflexivo sobre © que € por que atravessa; é entendida como em movimento em vez de considerar aquilo em relagio a0 que é ‘pds; € pensada para a agio e a mudanga Segundo, considerando o imperative de usar tanto Fanon como Foucaule, a LA transgressiva reconhece dois niveis de tensio. Por um lado, dentro do impera- tivo de lidar com os nfveis do mundo real de embates, ha demandas em compe- tigéo por um foco na dominagio/no controle (0s efeitos contingentes ¢ contextuais do poder), na disparidade (desigualdade © necessidade de acesso), na diferenga (comprometimento com a diversidade) e no desejo (compreendendo como iden- tidade e agenciamentofagio estfo relacionados). Por outro lado, reconhecendo 0 imperativo foucaultiano de sempre interrogar nossos préprios modos de pensar, a - = ° ? a = 2 2 ? 2 ? UUs uiscoisricaanucane ascResavh B83 de manter um ceticismo constante em relagio aos conccitos ¢ modos de pensar que preferimos, a LA transgressiva sugere que nunca se deve permitir que a LA critica descanse com base na satisfacio de sua propria autoconcepsio, nas iden- tidades que ela afirma como constituindo sua comunidade, Portanto, uma LA transgressiva estd sempre engajada em priticas problematizadoras. Terceiro, tal 1A considera as implicagoes das viradas lingustica, somética ¢ performativa. Accita que tenhamos de confrontar a crise da representagio na vida académica ocidental, que dividas radicais foram langadas sobre a repre- sentagio realista © que necessitamos compreender 0 papel do discurso. na constituigio do sujeito, de um sujeito miltiplo ¢ conflitante, ¢ a necessidade de reflexividade na produgio do conhecimento. Ao mesmo tempo, ela reco nhece que 0 idealismo logocéntrico que enfatiza demais 0 discurso deixa de considerar os modos pelos quaig_a.ordem social nao é somente linguagem, textualidade e semiose, mas & também corpétea, espacial, temporal, institucio- nal, conflitante, marcada pelas diferencas sexuais, raciais ¢ outras. A virada somética nos permite refocalizar a corporeidade da diferenca, ao passo que a Virada performativa sugere que as identidades sio formadas na performance lingifstica e corporificada, em vez de ser pré-dada, Isso também fornece a base para considerar as linguas de uma perspectiva antifundacionalista, pela qual © uso da linguagem é um ato de identidade que possibilita a existéncia da lingua. Esses séo conceitos de interesse para uma nova era de 1A transgressiva. REFERENCIAS Bouroieu, R (1991). Language and Symbolic Power. Oxford: Polity Pres. Burter, J. (1990), Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Ident. London: Routledge. —— (1999). Peiformacivitys Social Magic, in: Shusterman, R. (org). Bowndiu: A Critial Reade, Oxford: Blackwell Publishers, pp. 113-128. ‘Cewenon, D. (1997). Performing Gender Identity: Young Men's Talk and the Construction of Heterosenual Masculinity, in: Johnson, S. & Meinhof, U. H. (orgs). 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