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16/08/2022 15:06 Disfunção das células endoteliais: um jogador importante na infecção por SARS-CoV-2 (COVID-19)?

- PMC

Eur Respir J. 2020 julho; 56(1): 2001634. PMCID: PMC7301835


Publicado online em 30 de julho de 2020. doi:  10.1183/13993003.01634-2020 PMID: 32554538

Disfunção das células endoteliais: um jogador importante na infecção por SARS-


CoV-2 (COVID-19)?
Alice Huertas , 1, 2, 3 David Montani , 1, 2, 3 Laurent Saval , 1, 2, 3 Jérémie Pichon , 1, 2, 3 Ly Tu , 1, 2 Florence Parent ,
1, 2, 3
Christophe Guignabert , 1, 2 e Marc Humbert 1, 2 , 3

Resumo curto

Disfunção das células endoteliais e função microcirculatória prejudicada contribuem


marcadamente para complicações com risco de vida do COVID-19, como doença
tromboembólica venosa e envolvimento de múltiplos órgãos https://bit.ly/3cZMjKV

A doença de coronavírus 2019 (COVID-19) representa uma crise de saú de pú blica de propor‐
çõ es pandê micas. Causado pelo coronavírus 2 da síndrome respirató ria aguda grave (SARS-
CoV-2), os sintomas mais comumente relatados incluem tosse, febre e falta de ar, mas també m
podem estar presentes sintomas extrapulmonares, como manifestaçõ es neuroló gicas e
gastroenteroló gicas.

A patogê nese da doença depende principalmente dos mecanismos de entrada e açã o dos coro‐
navírus. Até 2003, dois tipos de receptores de superfície de coronavírus eram conhecidos. Vá ‐
rios coronavírus do grupo I, por exemplo, coronavírus humano 229E e vírus que causam gas‐
troenterite transmissível e peritonite infecciosa felina, requerem a zinco metalo-protease ami‐
nopeptidase N (APN, CD13) para entrada em suas cé lulas-alvo [ 1 , 2 ]. O vírus da hepatite de
camundongo por coronavírus do grupo II (MHV) usa membros da superfamília de receptores
de imunoglobulina, como as molé culas de adesã o celular relacionadas ao antígeno carcinoem‐
brioná rio murino (CEACAMs) [ 3 ]. Li et ai . [ 4] identificaram um coronavírus distinto como o
agente etioló gico da síndrome respirató ria aguda grave (SARS) de 2003, o SARS-CoV-1, que
usa uma glicoproteína de superfície chamada spike (S) para acessar as cé lulas hospedeiras.
Curiosamente, o SARS-CoV-2 está intimamente relacionado ao SARS-CoV-1, e foi demonstrado
que as proteínas S dos coronavírus precisam se ligar aos receptores celulares para mediar a
infecçã o de suas cé lulas-alvo [ 5 ]. Li e colaboradores foram capazes de mostrar que uma me‐
talopeptidase (enzima conversora de angiotensina 2; ACE-2) [ 6], isolado de cé lulas Vero E6
permissivas para SARS-CoV (linhagem de cé lulas de rim de macaco verde africano), poderia se
ligar eficientemente ao domínio S1 da proteína SARS-CoV S e atuar como um co-receptor fun‐
cional para a entrada de coronavírus. Mais recentemente, o ACE-2 demonstrou ser um gene
estimulado por interferon humano, sugerindo que o SARS-CoV-2 poderia explorar a regulaçã o
positiva do ACE-2, um mediador de proteçã o tecidual durante a lesã o pulmonar, para melhorar
infecçã o [ 7 ].

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A patogê nese da doença també m depende da localizaçã o dos co-receptores do coronavírus.


Como mostrado por hamming et al. [ 8], a ACE-2 está abundantemente presente em humanos
nos epité lios do pulmã o e do intestino delgado, cé lulas em contato com o ambiente externo,
que podem fornecer possíveis vias de entrada para o SARS-CoV-2. Esta expressã o epitelial for‐
nece um primeiro passo na compreensã o da patogê nese das principais manifestaçõ es da do‐
ença SARS, em particular no pulmã o (tosse, pneumonia e síndrome respirató ria aguda grave).
Os pneumó citos tipo I e tipo II sã o marcadamente positivos para ACE-2, indicando que os
pneumó citos alveolares sã o um possível local de entrada para SARS-CoV. A entrada do vírus
pode causar alteraçõ es citopatoló gicas na interface alvé olo-capilar epitelial, resultando inicial‐
mente na induçã o de cé lulas alveolares tipo II como primeira tentativa de reparo. Na SRA,9 ].
Alé m disso, foi demonstrado que o estresse oxidativo induzido pelo SARS-CoV-2 pode exacer‐
bar o defeito de metilaçã o do DNA, possivelmente resultando em mais desmetilaçã o do ACE2 e
aumento da viremia [ 10 ]. O estresse oxidativo no pulmã o ocorre quando a capacidade antio‐
xidante é sobrecarregada ou esgotada por meio de exposiçõ es externas, como alteraçã o da
tensã o de oxigê nio ou poluiçã o do ar, ou internamente pela ativaçã o de cé lulas residentes ou
cé lulas inflamató rias recrutadas em resposta a uma exposiçã o, lesã o ou infecçã o . 12 ]. Curio‐
samente, A bouhashem et al. [ 13] mostraram recentemente, por meio de dados de sequencia‐
mento de RNA de cé lula ú nica de pulmõ es humanos, que componentes específicos do sistema
de defesa antioxidante das cé lulas alveolares tipo II, como a superó xido dismutase 3 e o fator
de transcriçã o ativador 4, um sensor de estresse do retículo endoplasmá tico, enfraquecem em
resposta ao envelhecimento em doadores idosos. Esses resultados podem contribuir em parte
para a gravidade observada do COVID-19 em idosos.

Os outros alvos do SARS-CoV sã o ó rgã os imunoló gicos e pequenos vasos sistê micos, resul‐
tando em vasculite sistê mica e diminuiçã o da funçã o imunoló gica. Outros
receptores/facilitadores na superfície das cé lulas humanas foram sugeridos para mediar a en‐
trada de SARS-CoV-2, incluindo serina protease transmembrana 2 [ 14 ], á cido siá lico [ 15 ] e
indutor de metaloproteinase de matriz extracelular (CD147, també m conhecido como basigin )
[ 16 ].

Curiosamente, a ECA-2, assim como os outros trê s facilitadores, está presente nas cé lulas en‐
doteliais arteriais e venosas e nas cé lulas musculares lisas arteriais [ 8 ]. O ACE-2 é o mais es‐
tudado desses receptores/facilitadores e recentemente foram levantadas questõ es sobre o
uso de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona, como bloqueadores dos recep‐
tores da angiotensina II (BRA) e inibidores da ECA, para pacientes com COVID-19 com hiper‐
tensã o [ 17 – 23 ]. Em particular, os dados sobre uma potencial associaçã o entre o uso de ini‐
bidores da ECA ou BRAs e o risco de desenvolver SARS-CoV-2 eram conflitantes. Ultimamente,
dois estudos distintos demonstraram, em grandes coortes de pacientes, que nã o havia evidê n‐
cia de aumento do risco de COVID-19 devido a tratamentos com inibidor da ECA ou BRA [ 23,
24 ]. De interesse, també m foi demonstrado que a interleucina-6 produzida durante a sín‐
drome da tempestade de citocinas també m pode ser induzida pela angiotensina II atravé s de
um mecanismo dependente de receptor mineralocorticó ide [ 25 , 26 ].

A expressã o de ACE-2 em cé lulas endoteliais, cé lulas musculares lisas e pericitos perivascula‐


res em praticamente todos os ó rgã os sugere que o SARS-CoV-2, uma vez presente na circula‐
çã o, pode se espalhar facilmente pelo corpo [ 8 ]. Curiosamente, em um trabalho recente com‐
parando tecidos pulmonares post mortem de pacientes que morreram de COVID-19, síndrome
do desconforto respirató rio agudo devido à infecçã o por influenza A (H1N1) e pulmõ es de
controle nã o infectados e pareados por idade, os autores encontraram um nú mero maior de
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ACE-2 -cé lulas endoteliais positivas e alteraçõ es significativas na morfologia endotelial com
ruptura das junçõ es intercelulares, tumefaçã o celular e perda de contato com a membrana ba‐
sal [ 27 ].

Evidê ncias clínicas crescentes mostram que as comorbidades mais comuns observadas em pa‐
cientes com COVID-19, que estã o associadas a pior prognó stico e maior taxa de mortalidade,
sã o hipertensã o sistê mica, diabetes e obesidade, nas quais a disfunçã o endotelial [ 28 ] é co‐
nhecida como um determinante chave . Nesta ediçã o do European Respiratory Journal , duas
cartas de pesquisa ressaltam o risco de trombose venosa profunda e embolia pulmonar aguda
no COVID-19 [ 29 , 30 ]. Esses dados confirmam e estendem observaçõ es anteriores que
apoiam uma disfunçã o endotelial subjacente relacionada ao SARS-CoV-2 com um risco aumen‐
tado de doença tromboembó lica venosa, vasculite sistê mica, apoptose de cé lulas endoteliais e
inflamaçã o em vá rios ó rgã os [ 31– 34 ]. Sabe-se també m que, assim como outros microrganis‐
mos infecciosos, o SARS-CoV-2 pode ativar a coagulopatia por meio de respostas inflamató rias.
A descoberta de que grâ nulos densos de plaquetas contê m polifosfatos e os secretam apó s a
ativaçã o levou à identificaçã o de extensas conexõ es entre o sistema imunoló gico e a cascata de
coagulaçã o [ 35 ]. Os polifosfatos liberados das plaquetas ativadas aceleram a ativaçã o do fator
V, inibem a atividade anticoagulante do inibidor da via do fator tecidual, promovem a ativaçã o
do fator XI pela trombina e contribuem para a síntese de fitas de fibrina mais espessas que sã o
resistentes à fibrinó lise .]. Os efeitos inflamató rios das citocinas també m resultam em cé lulas
endoteliais vasculares ativadas e lesã o endotelial com propriedades pró -trombó ticas resultan‐
tes. A lesã o endotelial vascular causa mais trombocitopenia, reduçã o de anticoagulantes natu‐
rais e també m ativaçã o hemostá tica como a expressã o fenotípica da coagulaçã o intravascular
difusa trombó tica. Na coagulopatia associada ao COVID-19 [ 37 ], os mecanismos que ativam a
coagulaçã o na infecçã o por SARS-CoV-2 ainda sã o desconhecidos, mas parecem estar ligados a
respostas inflamató rias e nã o a propriedades específicas do vírus [ 38 ].

Klok et ai . [ 39 ] relataram recentemente uma incidê ncia de 31% de complicaçõ es trombó ticas
em pacientes com COVID-19 em unidade de terapia intensiva. Grilet et ai . [ 40 ] descobriram
que 23% dos pacientes com pneumonia por COVID-19 tiveram embolia pulmonar aguda detec‐
tada por tomografia computadorizada-angiografia pulmonar. Alé m disso, edema pulmonar
agudo pode ser observado em pacientes críticos com COVID-19 com oclusã o e microtrombose
de pequenos vasos pulmonares [ 41 ]. Outros pesquisadores levantaram a hipó tese de que os
trombos podem desempenhar um papel direto e significativo nas anormalidades das trocas
gasosas e na disfunçã o de ó rgã os multissistê micos na pneumonia por COVID-19 [ 42 .
]. Alé m
disso, alguns autores apontaram um papel presumido de anticorpos antifosfolipídios em even‐
tos trombó ticos relacionados ao COVID-19 [ 43-45 ] . Até o momento, ainda é controverso se a
presença desses anticorpos deve ser usada como evidê ncia para anticoagulaçã o precoce de
pacientes com COVID-19, sabendo que os anticorpos antifosfolípides sã o comuns na popula‐
çã o em geral, especialmente durante a infecçã o [ 46 ].

Gattinoni et ai . [ 47 ] destacaram que os pacientes com síndrome do desconforto respirató rio


agudo de COVID-19 sã o caracterizados pela dissociaçã o entre mecâ nica pulmonar relativa‐
mente bem preservada e hipoxemia grave. Esses autores propuseram que essa hipoxemia
grave que ocorre em pulmõ es complacentes pode ser devido à perda da regulaçã o da perfu‐
sã o pulmonar e vasoconstriçã o hipó xica. Isso é uma reminiscê ncia da vasoconstriçã o pulmo‐
nar hipó xica atenuada devido à disfunçã o das cé lulas endoteliais pulmonares induzida pelo
aumento do estresse oxidativo mitocondrial em roedores expostos ao dasatinibe [ 48]. Por ú l‐
timo, foi demonstrado que os elementos SARS-CoV-2 podem ser detectados em cé lulas endote‐
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liais de pacientes com COVID-19, juntamente com um acú mulo de cé lulas inflamató rias e evi‐
dê ncias de morte celular endotelial e inflamató ria [ 49 ]. Isso sugere que a endotelite pode ser
facilitada pela infecçã o por SARS-CoV-2 e induzida em diferentes ó rgã os como consequê ncia
direta da infecçã o viral e da resposta inflamató ria do hospedeiro. Consistente com isso, acker‐
mann et al. [ 27] descobriram que, alé m do dano alveolar difuso com infiltraçã o perivascular
de cé lulas T e trombose disseminada com microangiopatia, as características vasculares distin‐
tivas em pacientes com COVID-19 consistiam em lesã o endotelial grave associada à presença
de vírus intracelular e membranas celulares rompidas, bem como vascular angiogê nese.

Em conclusã o, a presença do vírus SARS-CoV-2 nas cé lulas endoteliais sugere que os efeitos
virais diretos, bem como a inflamaçã o perivascular, podem contribuir para a lesã o das cé lulas
endoteliais. É provável que endotelite, lesã o endotelial, disfunçã o das cé lulas endoteliais e fun‐
çã o microcirculató ria prejudicada em diferentes leitos vasculares contribuam marcadamente
para complicaçõ es com risco de vida do COVID-19, como doença tromboembó lica venosa e en‐
volvimento de mú ltiplos ó rgã os.figura 1).

FIGURA 1

Representação esquemática de mecanismos hipotéticos pelos quais o novo coronavírus 2 da síndrome respi‐
rató ria aguda grave (SARS-CoV-2) causa disfunção endotelial e alteraçõ es vasculares pulmonares. Apó s a cli‐
vagem de sua proteína S, o SARS-CoV-2 foi relatado para entrar nas células humanas através da ligação à en‐
zima conversora de angiotensina 2 (ACE-2). Este receptor ACE-2 transmembranar é amplamente expresso em
várias células pulmonares, incluindo células alveolares do tipo II, macró fagos, células endoteliais, de mú s‐
culo liso e pericitos perivasculares. Isso causa inflamação descontrolada ( 1 ), acompanhada de microtrom‐
bose e oclusão de pequenos vasos pulmonares ( 2 ) e regulação endotelial prejudicada do tô nus ​vascular ( 3
)), levando à ruptura da barreira alvéolo-capilar ( 4 ). Ang: angiotensina; AT: receptor de angiotensina; IL: in‐
terleucina; SAM: síndrome de ativação de macró fagos; MIF: fator inibidor da migração de macró fagos; NO:
ó xido nítrico; PAF: fator ativador de plaquetas; PAI-1: inibidor-1 do ativador do plasminogênio; PGI2: prosta‐
glandina I2; TF: fator tecidual; TNF: fator de necrose tumoral; tPA: ativador do plasminogênio tecidual.

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