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PANTOJA RAMOS
Belém - PA
2018
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Pantoja Ramos c
Capa
Moacir Pereira
Revisão
Carlos Augusto Pantoja Ramos
Moacir José Moraes Pereira
Editora
Ana Rosa Bentes Silva
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ATO DOS RIBEIROS
c
PREFÁCIO
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Pantoja Ramos
c
c
c
c ATO DOS RIBEIROS
AGRADECIMENTOS
Agradeço.
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Pantoja Ramos c
6 c
c ATO DOS RIBEIROS
SUMÁRIO
MARAJONGADA ..................................................................... 9
NADA MAIS BONITO QUE UMA TARDE DE VERÃO
NUMA ÉPOCA DE INVERNO............................................... 51
NETE DO TACACÁ, LENE DO VATAPÁ............................ 87
O MENINO NENÊ RIPA DE PORTEL, MARAJÓ, EM 5
ATOS...................................................................................... 123
SÃO TOMÉ ............................................................................ 139
QUANDO AIRUMÃ ALUMIOU A ONÇARANA... ........... 172
O URUBU DO LARANJEIRAS ............................................ 206
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c MARAJONGADA
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cabeça. “Não vou virar sal! Não olharei para trás, meu Senhor!
Para frente, para frente é a vida! ”.
Tudo se consumou. Sabá levantou-se e achou seus
unguentos espalhados, tal qual as pessoas do hospital, chorosas
pelo trauma sofrido. Prof. Campos e a família que o abrigara
saíram da pracuubeira, todos tontos a despachar os últimos
vômitos do nervosismo que restara. Prefeito Josias e os demais
permaneciam parados, deitados, atônitos com a dor de braços
ajuntados, quase que soldados pelo sinistro da vertigem até a
chamada de atenção do rádio velho de Elias de que o pior já
passara. Odith percebe-se viva da loucura que lhe bateu, com
Miranda Torres soluçando como uma criança chamando pela
mãe. Ananias e Mãe Caruana desmaiaram de sono, empurrados
pela adrenalina caída bruscamente. O Mutum e o gato maracajá
sacudiram-se, ameaçaram assustar um ao outro, mas decidiram
cada um seguir para seu galho e daí o solo, andantes para os
deveres na cadeia alimentar, só que hoje em trégua. Sueli,
estática, resmungou algumas palavras da língua dos sonâmbulos
e o pai orgulhoso, disse que sua filha “é a maior das
comandantes! ”, pois levou na maior das ondas, o maior dos
barcos. Percebendo-a cansada, deitou-a no colo para voltar ao
sono mais profundo.
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uma vez para sempre e assim seguimos. Fomos formados por vários
povos antigos, índios, africanos, europeus como são os brasileiros, sem
nenhum ser maior que o outro na contribuição deste sangue final, cor
que beira a do açaí, nosso santo vinho que nos alimenta e que livrou
muitas crianças da fome, amém.
Infelizmente, fomos despejados de nossos direitos sempre que
tentamos alcançá-los. Não somos muitos, não chegamos a um milhão
de viventes, porém, guardamos aquilo que a humanidade busca sem
cessar: a água e a floresta. E sendo uma sorte, também é maldição que
não deveria ser, pois fomos colocados como escravos do comércio,
onde os ricos ficaram mais ricos e nós mais ignorantes a cada vez que
vieram. É isso. Ignorantes. Ignorantes de nós mesmos e do que existe
ao nosso redor. E é tão bonito onde vivemos. E é tão bonita a nossa
gente...
Viemos aqui pedir auxílio. Pedir ajuda pela história, pois só
sabendo o que perdemos e o que deixamos de ganhar podemos ser
melhores como pessoas. E dizem que uma educação que nos torne
cidadãos e cidadãs pode ser a saída. Assim, pronto: pedimos educação.
Pedimos uma educação que nos faça não mais viver pra
comer, para sobreviver, mas para viver como diz a Carta da Onu dos
Direitos Humanos. Não pensar só hoje, mas também no amanhã.
Enriquecer todo mundo meio junto, não com uma ponta lá em cima e
várias pontas aqui embaixo, pois fica capenga de enfrentar as coisas
difíceis da vida. Podia ser feito este pedido ao nosso país, ao Estado
que nos abriga, mas passou o tempo e viemos mostrar nossas
aspirações a outro chefe maior, pois quem sabe o Brasil ouvirá melhor.
Se não formos ouvidos, estaremos convencidos de que serão os
próprios marajoaras a fazerem a sua mudança para melhor. Talvez
seja o nosso destino.
Senhor presidente, não sabemos nem como pedir nem como
deverá ser feito, mas queremos que nos seja entregue uma educação
com ciência de nosso presente e que também nos valorize o passado.
Se isso for conseguido estará muito bom. Deixa o futuro que a gente
resolve.
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ATO 6 – VOLTA
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ATO 7 – DESTINO
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DE INVERNO...
NADA MAIS BONITO QUE UMA TARDE DE VERÃO
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Belém, 09 de janeiro de 2015.
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difícil mesmo este macho falar. Até brinco que só fala quando
tem briga de jabuti. A senhora já viu briga de jabuti? É uma
desgraça de barulheira! E quase ninguém neste mundo de Deus
viu bestial coisa. Mas quem vê? Hum-hum, eu hein? Mas sim,
ele me falou que estava indo pra Belém, mas deu discunforme
cole, sabe o que é Dona? Cólera? Prefiro falar Cole. Pois é, deu
Cole no barco quando tava em Almeirim. Ele mesmo pegou a
praga e teve que ir tomar soro sem parar naquela cidade. Se
vazava todo naquele fedor de dentro do bucho. Quase bateu o
cacau. Ali acabou o dinheiro da passagem. O Impinge teve que
ficar por ali mesmo, mas uns garimpeiros daquelas bandas
juraram ele de morte e ele caiu no primeiro barco que ia pra
Santana. Sem as condição, escutou que tinha uma boa fábrica em
Afuá e veio pra aqui em busca de sorte. Se lascou! Rá!
Só sei que as coisas de repente ficaram mais feias ainda.
O Seu Hilário sumiu. Sumiu mesmo. E foi meu susto quando
voltei na casa dele pra visitar, a gente costuma visitar os amigos,
vocês fazem isso? Poisé, não vi ninguém na morada. Tudo
esquisito, fiquei umas quantas horas ali esperando, aporrinhado
já. Nada de Hilário, a mulher e as duas filhas aparecerem. Já com
fome, saí pra varrida e dei de cara ali, Dona, ali, com duas cruzes
fincadas no chão. Naquele meio breu de seis horas no mato. Ali,
Dona, ali! Me subiu um arrepio no cangote do que podia ser e saí
no disparo de volta. Até parecia que escutava o gemido das almas
a me pedir ajuda lá de longe onde estavam as cruz. Pra lá ficaram
as visagens. Acho que foi coisa dos três do Boiadeiro. Não, Dona,
só vi duas cruz, podia ser as meninas, vai saber? Quando cheguei
perto da casa do Hilário vi de longe Fogoió olhando pro meu
casco. Deitei na lama mesmo, no meio dos açaizeiros.
Putamerda! O peste subiu no porto e depois pro mato com uma
espingarda. Dona, eu num ia trocar tiro com ele, pois também
tinha minha cartucheira fiel. Me bateu o medo. Sou medroso, sou
de paz. Me escondi no pé de um mututizeiro que tava por ali por
horas até que Fogoió se foi. Acho que foi buscar alguém, o
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sacana. No que tomei coragem, dei a volta na posse do Hilário
até chegar na costa da Ilha dos Catitus. Lá longe vinha um barco.
Fiquei quieto e vi o dito Fogoió com mais dois olhando pro mato.
Eu ali no meio do aturiá. Ainda bem que tava escurecido. E
lacraia me ferrando chega eu chorava fino. Larguei o casco de
mão. Voltei pelo palmital. Como achei de volta Dona? Olha, eu
tinha que achar senão iam desconfiar que eu tinha sumido. Nestas
horas nasce até inteligência na gente. Vixe, deu até uns beribéris
em mim agora falando nisso. Você tem aquele remédio Dona?
Deus lhe pague. João Impinge, calma João, deita aí na tua rede.
Acho que é fome Dona, tem aí o que comer?
Não dava pra ficar com murrinha de ir fazer varrida nem pensar
nas pacas que a gente caçava. Tinha que brigar pelo de comer.
Mas não era complicado, tinha muita paca. Muita cutia. Peixe
então, nem te falo! A gente fazia a tapagem dos igarapés com
pano de pari, na maré alta. Depois era só fiu!! Muito jaraqui, jiju,
jacundá. Era o que salvava a gente naquele tempo. A senhora já
trabalhou com fome e ter que contar que ia arrumar algum de
comer? Poisé, os macho sempre butucava sobre isso. Cachorro
que estava com a gente, o Saliente, era o melhor dos narizes e era
quem eu mais botava fé. Saliente? Sim, era o nome do cachorro
que a gente tinha. Bom, demos o nome de Saliente porque
gostava de montar nas caça abatida e tentar fazer filho nelas,
desde mirradinho o pulguento. Pois foi: Saliente. Era preto e
branco, seco, mas forte que nem eu fui a vida toda. João Impinge
bom caçador? Que nada. Uma vez conseguiu, tu acredita, pegar
uma peia de um mutum. Bicho brabo, mas não é pra tanto quando
se é macho. Mas João Impinge neste dia foi mexer no ninho da
fêmea e pegou bicada até não querer mais. Olhe Dona, correu
tanto que escorregou e descambou de um barranco em cima de
um pé de murumuru, foi espinho bem no meio da moleira. Rá!
Com a mão na cabeça em minha direção pra eu catar o espinho.
Abri a cabeça do danado e estavam ali o espinho, o piolho, a
pulga e uma tucandera. Valha-me-Deus! Que dei com o sumo de
anhinga na cabeça do infeliz pra espantar aquelas bichas. Só
faltava dar tapuru, hum não falta muito pra esse panema. Olha a
cara dele aí, senhora, todo desconfiado. Rá!
Dona, não pede pra respondê isso. Não quero. Chega me
deu beribéri. Tá na hora do meu remédio, né? Tô com sono. Posso
dormir?
Bom dia senhora. Bom dia. Bom dinha pra cá João
Impinge, Rá! Hein Dona, esses homi aí contigo não tem casa
não? A senhora não tem casa não? Eu tenho. Meu Tapiri. Fica ali
no centro de Ilha dos Catitus. Lá eu tenho minhas coisas, retrato
de Antonieta, minha Antonieta.
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penduradas, tudo com pouca cor, retiradas por tanta água. Eram
quatro casinhas, cada cinco num Tapiri. Mas a gente repartia
tudo. Era uma turma unida. Nunca puxamos briga um com outro.
Não. Minto pra Senhora. Teve só um caso, quando o Valdo se
estranhou com o Mundico. Mundico era muito bafento. Daquele
tamanho, queria ser patrão de nós. Faz isso, faz aquilo. E um dia
soltou um porra quando o Valdo deixou cair a água da panela no
fogo que cozinhava. Sabe aquela cara de Ei-seu-aleijado! Vê se
olha! Pois o Valdo olhou sério pra ele e foi cortar lenha. Pegou o
machado e veio de um jeito que a gente se arrumou pra evitar o
pior, mas o homem passou pelo Mundico, que ficou ali parado,
todo cagado. Valdo parou perto de cepo de um matamatá. Cada
braçada era uma lenha! Cada braçada uma lenha pro fogo. Valdo
mirava Mundico. Mundico não mexeu mais. Tirando isso, todo
mundo trabalhava em paz. Nossa bronca era com o Espinho,
Fogoió e Jacuraru. Eu por eles amolava o terçado.
Nossa matemática era assim, muito palmito. Cada três de
nós tinha que fazer um milheiro por dia. Vap. Vap. Do sol saindo
até noite. Os três homem do Seu Boiadeiro espiavam se a gente
estava matando rancho. Quando, Dona? Ali mesmo no inverno.
É quando as água fazia chegar nos centros. Um imenso dum
açaizal a perder de vista, parecia que era uma vida inteira para
cortar. Vap. Vap. Cortava o açaizeiro ali caindo um por cima do
outro. Vap. Vap. Tirava a cabeça, fazia o descasco e com o facão
mesmo empurrava num canto o resto daquele refugo. Os pés de
açaí maiores, os mais criados, a gente torava de machado. João
Impinge arrumava as pilhas de palmito. Quando eu cansava,
trocava com ele ou com o Valdo, nós formava nosso trio.
Trezentos pra mim, trezentos pra João, trezentos pra Valdo no
mínimo, depois a gente metia lenha pra mais cem, fechava o
milheiro. Era cota feita. No outro dia, a gente só fazia se benzer
e de novo e de novo. Muitos anos assim foi a vida. Tudo por
causa de um troço que nem é bom de comer! A senhora gosta de
palmito, Dona? Eu não! Nenhum de nós comia palmito. E vivia
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nas portas da morte por ele. Nunca entendi nem pra onde ia. Pra
São Paulo? Hum. Às vezes o Osmar mascava um, sei lá, era uma
misura dele.
Como se trabalhava muito naquele tempo. Milheiro e
mais milheiro. E quando chegava o tempo das carapanãs?
Quando era? O ano todo! Rá! É por isso que a gente fumava
tanto. Pra espantar aquelas praga do mal. Zunindo. Ai meu Deus,
como cantava no ouvido Tá ali!! Tá ali!! Nico! Nico! Peste de
carapanã naquele canto lá dentro da alma. Aquilo não é bicho de
Deus não. Deve ter saído de um buraco para azucrinar Adão
quando saiu do Paraíso, só pode! Uma vez Dona, deu tanto
carapanã, mas tanto que num dava pra abri a boca! Miséria! Foi
quando eu vi, naquele bando de açaizeiro cortado aqueles copos
que a gente deixou nos açaizeiros abandonados, ó que dançavam
os filhote de carapanã. Olhei pra frente e vi aquele mundo de açaí
cortado. Um mundo de copinhos naquelas touças cortadas. Muito
carapanã pra nascer ali. Combinou a gente que o corte do palmito
seria pra fazer um bico de gaita, pra escorrer a aguinha nas
touceiras mortas, isso pra tentar diminuir aquelas fera. Nesse dia
que a gente não abriu a boca, o João Impinge achou de trampar
com camisa preta. Toma que ficou aperreado mais ainda. E corria
e corria, e aquela nuvem perseguindo ele. O Saliente latindo
atrás. Todo mundo rindo. Naquela noite foi dormir todo pirento,
popocado. Nossa sorte é que eu sabia fazer fumaça com o bagaço
da semente da andiroba. Ela espanta carapanã. Quem me
ensinou? Uma senhora lá do rio Ipixuna, lá pra banda do Lontra
da Pedreira, no Amapá. Muito carapanã. E muita malária dava lá.
Tive, Senhora, tive uma dez malária. Toda gente tinha malária
aqui no palmital. Foi o que matou a Glorinha, Oh meu pai, tão
bonitinha a pequena. Foi no tempo que as mulheres começaram
a vir pro palmital. E se vinha mulher? Vinha... depois conto pra
Senhora.
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umas mistura com erva-doce. Dona Sílvia sabe quem é? Pois é.
A gente conheceu aquele justo homem.
Num dia, todo mundo ali danado no corte do palmito.
Vap. Vap. Lá no meio da tarde, veio os capangas do Seu
Boiadeiro chamar a turma pro Tapiri. Pensei que era um dia de
cobrança da guarnição, só pra endividar mais ainda. Quando
chegamos lá tinha mais uns sete cabras, tudo armado de revólver.
Disse o Fogoió Olha esses homem aqui vão ficar com vocês uns
dia aí viu? Num pergunta quem é pra quê nem qual foi que num
interessa entendido estamos?? E deixaram eles ali, com uma
penca de rancho a Senhora imagina? Sardinha, conserva,
margarina, mortadela, bolachona salgada, doce. Hummm. Só pra
eles. Enxotaram oito de suas casinhas e nós tivemos que ficar
amontoado nas outras. Ficaram ali uns sete dias. Nós cortando
palmito e eles nos Tapiris só ali, fumando, conversando baixinho,
parece que bolando arrumação ruim pro mundo inteiro. Vixe! No
dia que o Espinho e o Jacuraru vieram falar com eles, mandaram
nós ir pra casa da fábrica também. Fizeram questão de passar
conosco na posse do Hilário, ai meu Deus do céu, que arrepiava.
Chegando perto da fábrica deram umas pás pra uns cinco da
gente e os outros foram lá pro porto. E haja força suprimo,
traziam uns motor de embarcação, dois, três, quatro, cinco... nove
motor. Pediram pra enterrar essas máquinas. Hunf, que fiquei
com medo de uma pazada dar em defunto lá embaixo na terra. A
gente só fazia enterrar. E falaram pra num preguntar o que era.
Logo nós... os sete homem se foram. Aliás, iam e vinham sempre.
Se tocaiava ali com a gente e aparecia mais motor. Vez em
quando o pessoal desenterrava uns dois ou três, acho que pra
vender, só pode.
Num desses dias de trampo, percebemos alguém se
aproximando. Pensamos que era os sete mal-encarados mais os
três do Boiadeiro. Não. Era só um. Um homem alto, de barbona
branca até chegar por aqui no meio do peito, pele escura, rosto
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ATO 6 – NÓS CHEGAMOS TARDE
Arrastando pro lado dele? Cobra, é uma cobra este peste! O Seu
Lau chegou? A Valéria? Na hora!! Cortaram a cabeça do Fogoió?
Fiuuuuuuuuuuuuu... a senhora vai fazer o quê com eles? Não
sabe? Hum-hum.
Como tão meus netos? Quietos? Não falam nada.
Assustados? Ô, meu Deus! Vocês chegaram tarde...
NADA... NADA...
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dois, Nete soprou com voz singela tão convicta que estremeceu
os três homens. “Ispia, ou tu tira essa menina dessa vida, ou eu
vou lá na delegacia dar parte de ti! E vê que isso é pro teu bem e
mais do que isso pro dela! ”. Um irmão depositou a mão no
ombro de Bené e disse sereno que era o certo a fazer, tudo se dava
um jeito para alimentar a família, menos acabar com os filhos,
cujos irmãos de Gracinha já mostravam revoltas no silêncio da
situação e futuramente descontariam estes sentimentos ocultos
que traziam nas brigas e nas facadas das festas dos anos 1990,
meio que culpa. Pararam a conversa quando chegara a
companheira de Bené e a prole. Nete viu a magreza e a expressão
triste de Gracinha, facilmente identificada naquele número de
sete, três rapazes e quatro mocinhas. Bené pela primeira vez
enveredou no fundo dos olhos de Gracinha, percebendo a loucura
do mundo dos crápulas no objetivo de massacrar os inocentes.
Não chorou naquele momento, mas descambou em cachoeira
quando se viu sozinho no final do mercadinho enquanto separava
o arroz da semana. Só o filho mais velho viu a cena. Teve junção
de raiva e dó daquele pai naquele instante.
Nete passou a ter mais papos sobre este assunto. De boca
em boca, de cochicho a cochicho, chegou à conclusão o caso de
Gracinha não era o único. E foi mexendo no novelo, centímetro
a centímetro, uma envira que se esticava até chegar ao delegado,
tão sabedor quanto usuário da inocência de meninas. A fita da
envira naquela trama passava por dois vereadores, por um
policial, articulado tudo por alguém que não conseguira entender
e ali ficou o nó impedindo mais acessos, pois ficou aquela
situação como cobra fugidia a enrolar-se. Falou para Max que se
viu revoltado. “Égua, num pode!”. Como tinha contatos entre
promotores, iniciados nos momentos de ameaça de morte em
Marabá, Max prometeu escrever uma carta para um conhecido
na justiça cobrando providências. Na mesma mesa que falavam
sobre isso, Barreiro tocava galhofa enquanto derramava o café na
xícara, “pra tu vê como tem gente que oferece fácil as filhas e
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elas até gostam.”. “Desculpe, meu sogro, mas isso não é coisa
que se diga.”. Parou o assunto ali mesmo.
No somar das entrevistas, juntou algumas mulheres da
paróquia para denunciar o que estava acontecendo, a maioria
participante da roda das novenas que timidamente acreditaram
que se podia fazer diferença. Com boa mobilização, escreveram
juntas documento apontando para a tragédia humana de crianças
violentadas no corpo e na alma naquele estreito de Breves onde
circulavam as embarcações entre Manaus e Belém. As coisas iam
bem naquela empreita de investigação e registro, quando Nete
percebeu que Lene estava à frente de outro grupo de mulheres,
colocado na responsabilidade de recolher as assinaturas na
avenida central da cidade. Orientava um determinado comando,
mas era feito por outro jeito. Nete pedia para colocar tudo em um
só documento, e na pequena assembleia outra opinião dizia
melhor mandar carta a cada instituição separadamente.
Incomodada com os diferentes encaminhamentos, Nete foi se
esgueirando até deixar a liderança do percurso, desmotivando
outras até o documento final ter somente trinta assinaturas das
mais de duzentas que haviam planejado e que poderia chamar a
atenção das autoridades naqueles derradeiros anos da década
1980. Desmobilização. Esquecimento. E a tragédia voltou a
acontecer, desta vez com a menina Nanda, irmã de Gracinha,
engravidando de um sujeito que trabalhava nos empurradores das
balsas de madeira como ajudante de máquinas. O pai, Bené,
soube-se mais tarde, morreu abandonado pelos filhos em uma
casa fedendo a mijo de rato, engasgado com o remorso e com o
vômito trazido pela leptospirose adquirida.
Nete alimentou a responsabilidade pela desistência da
luta em Lene, a do vatapá, tentando desculpar-se com Max,
animado que estava com a causa da esposa. “Culpa da
Tanajura...”. O marido ficara decepcionado com esta paralisação,
escutando do Velho Barreiro a frase “mas quando que mulher se
organiza, preto. Tem que cuidar da casa e dos filhos. Nada
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gato dela caiu na bacia pra pegá o açaí da batedeira, e não contou
conversa, pegou o bicho pelo rabo todo banhado de açaí mesmo,
espremeu o bichano xingando ‘égua de gato num passa por aqui
já num te falei’ e aí devolvia o açaí pra vasilha pra depois vendê”.
“Avimaria”. Cuspe e risadas. Indagou na lata mesmo se a dor nas
partes de Gracinha tinha diminuído ao que recebera como
resposta um sim, já sem o gracejo. Mas vira e mexe voltava. Era
só cair na rede dos homens e tudo doía novamente. Quis saber do
pai da garota e lhe foi devolvido o nome de Bené. Era a família
do rio Tajapuru, comprava no armazém central e retornava quase
que imediatamente feito o rancho do mês. Foi o bastante para
Lene bater lá e encontrar o pai Bené a escolher arroz cabisbaixo
no fundo do mercado. “Tu és o Bené, pai da Gracinha??”. “É”.
Tapa. Perplexidade do atingido. “Isso é pra tu aprender a não
fazer a filha de putinha, desgraçado! E sabe o que mais, vou no
delegado agora te entregá!!”. O homem, rasgado por dentro pelo
remorso de envolver sua pequena naquela tragédia, foi mais para
o fundo da loja a escolher o arroz, misturar, escolher, misturar,
escolher enquanto chorava. O filho mais velho chegou ao
mercadinho no momento que uma fera chamada Lene saíra de
dentro a passos firmes, numa ombrada que quase o derrubou.
Ao chegar na delegacia, sozinha e mulher, sentiu os
ávidos olhares para sua silhueta e mal pode explicar ao delegado
a situação, foi logo recebendo deste o veredicto que aquilo era
caso de família e só se houvesse estupro seria forçado a se meter.
Desejou repetir a tapa que dera em Bené, mas sua intenção foi
substituída pela intuição de que ali não estava protegida, não
naquela barra de saia da lei, ao contrário, viu rodear sobre si as
caras dos presos dali a intimidá-la, as coxas, as nádegas, o busto,
tudo lhe deixou reprimida e de lá saiu, agoniada e com olhos
marejados. Imaginou com razão a piscadela do delegado para o
homem que varria uma das celas, enquanto ela saia
envergonhada. Otávio brigou com ela, disse que ali não era local
de mulher ficar. Que se alguém mexesse com ela ia ter morte.
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“Bunda de Tanajura”.
“Bunda de Cutaca”.
“Égua parida”.
“Cachorra doente”.
“Capivara”.
“Mucura”.
“Botijão”.
“Beribéri”.
“Varejeira”.
“Turu”.
“Tamoatá”.
“Caranguejeira”.
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“Coceira de Aninga”.
“Ferrada de Arraia”.
“Remosa”.
“Panema”.
“Tambor de ferrugem”.
“Castilho podre”.
“Vatapá diarreia”.
“Tacacá da doença”.
“Tiricirenta”.
“Tralhota”.
“Paca Velha”.
“Carataí”.
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troco!”. “Cala a boca e sai!”. Lene viu tudo aquilo negando a cena
como absurda. Otávio pegou a marmita e saiu apontando para
Lene.
O casal não tinha filhos, mantendo Lene na silhueta de
jovem mesmo com o passar do tempo, na mesma generosidade
corporal. Otávio ficava inseguro e passou a tentar enfilhar Lene
a todo custo sem sucesso, acumulando ciumeira. Ficou doente
nesses pensamentos. Os sogros tentaram conversar com o filho,
que recusava aceitar o fato de ficar neurótico. No dia em que
Lene ousou tomar banho no quintal de sua casa de cuia e tambor,
com os devidos cuidados de short e camisa estarem cobrindo-a,
Otávio foi avisado na firma que uns moleques estavam olhando-
a do alto de uma mangueira. Ao chegar em casa foi acusando, foi
metendo o dedo em riste, deu um tapa, outro tapa, mais um tapa,
sem chance da mulher perceber seu ódio na trinca dos dentes.
Lene foi ao hospital fazer curativos e receber unguentos para os
inchaços. De alegre que era sua vida, passou à depressão. Os
sogros se revoltaram e denunciaram o próprio filho, que fugiu
para a capital e de lá para Cametá. Soube-se que Otávio casou
mais três vezes, até a última furar-lhe um dos olhos com as unhas,
enquanto tentava se livrar do estrangulamento dele. Aliás,
sempre foi um cego.
Naquela tarde na pracinha, Nete avaliava o quanto Lene
deve ter apanhado, marcada no rosto, na alma, nos olhos, com as
maçãs do rosto inchadas, arroxeadas. Ficou pensando as agruras
que deve ter passado por anos a fio. Ainda bem que não tinha
filhos com aquele peste. Não devia ter exposta Lene para um
marido tão ciumento naquele episódio do camarão. Seu vatapá
aparentava sem gosto, sem sal, camarões pálidos a não agradar
os fregueses. Quis pedir desculpas e atravessar a pracinha, mas o
pensamento empacou.
Baixou a cabeça e começou cedo a desfazer a sua banca.
Tacacá só amanhã.
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ATO 6 – TRÉGUA?
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“Tanajura.”.
“Punha-mesa”.
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O MENINO NENÊ RIPA DE PORTEL, MARAJÓ
EM 5 ATOS
123
Pantoja Ramos
Serra, serra
Serrador
Quantas serras
Já serrou?
Serra, serra
Serrador
Serra a madeira com seu avô...
124
O MENINO NENÊ RIPA DE PORTEL, MARAJÓ
EM 5 ATOS
ATO 1 – NASCER
126
O MENINO NENÊ RIPA DE PORTEL, MARAJÓ
127
Pantoja Ramos
129
Pantoja Ramos
130
O MENINO NENÊ RIPA DE PORTEL, MARAJÓ
131
Pantoja Ramos
132
O MENINO NENÊ RIPA DE PORTEL, MARAJÓ
ATO 5 – FIM
134
O MENINO NENÊ RIPA DE PORTEL, MARAJÓ
135
Pantoja Ramos
136
O MENINO NENÊ RIPA DE PORTEL, MARAJÓ
137
Pantoja Ramos
138
SÃO TOMÉ
SÃO TOMÉ
6 ATOS
Pantoja Ramos
139
Pantoja Ramos
140
SÃO TOMÉ
SÃO TOMÉ
6 ATOS
Pantoja Ramos
Belém, 09 de outubro de 2015.
145
Pantoja Ramos
146
SÃO TOMÉ
ATO 3 – FRUTIFICAI-VOS
148
SÃO TOMÉ
151
Pantoja Ramos
152
SÃO TOMÉ
“Pretejar
Seu olhar
154
SÃO TOMÉ
Cachear
Caminhar...”
155
Pantoja Ramos
“Contamo amarela
Contamo na panela
Quem é que acerta
Chega pela canela
E quantas graviola?
Quantas carambola?
Conferi num vou errá
Trinta e nove araçá
Vou espremer no alguidar
Mil e pouco taperebá”.
“Pretejar
Seu olhar
Cachear
Caminhar...”.
158
SÃO TOMÉ
159
Pantoja Ramos
161
Pantoja Ramos
162
SÃO TOMÉ
168
SÃO TOMÉ
169
Pantoja Ramos
171
Pantoja Ramos
172
QUANDO AIRUMÃ ALUMIOU A ONÇARANA...
7 ATOS
173
Pantoja Ramos
174
QUANDO AIRUMÃ ALUMIOU A ONÇARANA...
7 ATOS
Pantoja Ramos
Belém, 30 de março de 2016.
179
Pantoja Ramos
180
QUANDO AIRUMÃ ALUMIOU A ONÇARANA...
186
QUANDO AIRUMÃ ALUMIOU A ONÇARANA...
191
Pantoja Ramos
194
QUANDO AIRUMÃ ALUMIOU A ONÇARANA...
198
QUANDO AIRUMÃ ALUMIOU A ONÇARANA...
“SU!!”.
199
Pantoja Ramos
“AIRUMÃ!!”.
203
Pantoja Ramos
PÔÔôô!!
Espantou-se a bicharada.
Sossegou-se a noite.
204
QUANDO AIRUMÃ ALUMIOU A ONÇARANA...
205
Pantoja Ramos
206
O URUBU DO LARANJEIRAS
O URUBU DO LARANJEIRAS
3 ATOS
207
Pantoja Ramos
208
O URUBU DO LARANJEIRAS
3 ATOS
Pantoja Ramos
Belém, 05 de fevereiro de 2017.
1
Texto elaborado para o Congresso 2017 da Federação dos Trabalhadores e
Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Pará - FETAGRI.
2
Não pode ser “era uma vez”, porque ainda o continua esta ideia com todas as
características que é proliferar-se a população de urubus onde aglomeram-se os homens,
que teimam alguns indivíduos em dar-lhe má fama.
3
Cerca de 75 milhões de brasileiros usam, provavelmente sem saber, os 3.000 lixões ou
aterros inadequados ativos no país e são afetados pelos danos ambientais causados por
eles: contaminação do ar, da água, do solo, da fauna e da flora por substâncias tóxicas e
cancerígenas. Um novo estudo fez a conta do impacto do problema no sistema de saúde
do país: R$ 1,5 bilhão por ano. Se os lixões continuarem abertos, em cinco anos, o custo
chegará a R$ 7,4 bilhões - https://www.organicsnewsbrasil.com.br/meio-
ambiente/especial-lixoes/lixoes-ainda-fazem-parte-da-realidade-do-brasil-2/
209
Pantoja Ramos
4
Tal qual na famosa “Parábola da Caverna” de Platão, alguns homens precisam ir além
do medo e acomodação para provar que o mundo pode ser melhor. Aquilo que Platão
descreve é o percurso do filósofo, desde as opiniões confusas até às ideias reais por detrás
da natureza. Nosso Urubu se inquieta, busca outras fontes, não admite o absolutismo das
opiniões. Ler O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder.
5
A depender da democracia, outros tipos de urubus, não úteis à vida, entram em ação:
sentem a decomposição da sociedade e esperam pacientemente esta agonizar para devorá-
la - http://www.ocafezinho.com/2015/06/03/vox-popoli-confirma-ibope-midia-e-urubu-
e-desinforma/
210
O URUBU DO LARANJEIRAS
6
No município de Portel, foram extraídos em 2015, mais de 980 mil metros cúbicos de
madeira, entre elas, a andiroba, o angelim, a cupiúba, o louro-vermelho, o ipê, a
maçaranduba. O IBGE estima que 191 milhões de reais circularam neste ano com esta
comercialização, feita principalmente de madeira em tora. Para Portel, sequer 1% desse
valor ficou para melhorar as condições de vida do município -
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php?lang=_EN . Uma andirobeira, se
valorizada as sementes, tem mais importância que a sua madeira, caída, traçada, serrada
e fim. Sementes, por outro lado, caem todos os anos enquanto ela é produtiva. No Plano
de Manejo Florestal Comunitário de São João do Jaburu localizada na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Itatupã-Baquiá, em Gurupá, uma posse de 10 hectares
poderia gerar 200 litros de óleo por ano retirada das sementes
(http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/3845261 ), ou seja, se comercializada a
R$20,00/litro, estima-se a receita bruta de R$4.000,00/ano.
7
O bodoque é uma armadilha utilizada por caçadores, com a arma em posição de atirar,
esperando que algum animal passe pela corda que segura o gatilho. Em muitas
localidades, como as comunidades Repartimento dos Pilões, em Almeirim-Pa e
comunidades do rio Acangatá, em Portel, já proibiram o seu uso, aprovado e registrado
nos seus planos de uso dos recursos naturais -
http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2016/05/plano-de-uso-dos-castanhais-
do-avanco.html; http://www.iieb.org.br/index.php/notcias/portel-discute-manejo-
florestal-comunitario/ .
211
Pantoja Ramos
8
O escritor Daniel Quinn, no seu livro Ismael, traçou reflexão sobre a luta pela terra e
pelos recursos naturais na Amazônia. A obra remete à análise da condição humana sobre
a Terra, divididos em Pegadores e Largadores. Largadores seriam as pessoas que viveram
ou vivem da natureza, entendendo ser parte dela, culturalmente integrados aos recursos
naturais locais, onde valorizam a fauna, a flora e o que fornece a terra, sem ambições
desmedidas de serem proprietárias da mesma. Sua passagem vem de milhões de anos e
ainda hoje podem ser visualizados nos indígenas amazônicos, nos aborígenes da Oceania
e nas tribos africanas. Em comum, a relação de equilíbrio entre homem versus natureza.
Estão em evolução e permitem a evolução das demais criaturas como um direito
universal. O personagem Ismael acha-os parecidos com a figura bíblica de Abel, do
pastoreio, da simplicidade. Já os Pegadores seriam aqueles que nos últimos 4 milênios
tem desenvolvidos tecnologias, sistemas de uso da terra e cultura pautados no acúmulo
inventados por eles mesmos como riquezas. Assim indicam o papel-moeda, o ouro e
recentemente lastros virtuais como fontes de enriquecimento, observando de modo
secundário os demais recursos afetados pela obtenção daquilo que julga prioritário para
o status quo. Tendem a se apropriar dos territórios, entendendo serem os valores
financeiros acima de outros valores, sobretudo no que diz respeito à biodiversidade, no
equilíbrio entre os seres vivos e na cultura dos povos Largadores. Interferem
decisivamente na evolução das outras espécies e ameaçam a própria existência humana
pela negligência dos impactos ambientais que causam. Ismael vê o personagem Caim
como um típico Pegador - http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5225528
212
O URUBU DO LARANJEIRAS
9
No país onde moram os humanos brasileiros, o Governo Federal em 2015 não investiu
em Habitação, segundo o Orçamento Geral da União daquele ano. Entretanto, só neste
ano 1 trilhão de reais foi gasto pelo Estado Brasileiro para pagar juros e amortecimentos
da dívida pública brasileira -
http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/12/08/auditoria-das-dividas-publicas-tem-
importante-missao-de-desmascarar-esquema-de-corrupcao-legalizada/ , direto para os
bancos privados, que dão braçadas de lucros em meio à crise financeira nacional.
10
Passamos por uma era de grande concentração de riqueza financeira. Como podem 8
homens apenas ter a mesma quantia financeira que a soma de 3,6 bilhões de humanos -
http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/13/economia/1484311487_191821.html.
213
Pantoja Ramos
11
O Movimento dos Sem-Terra denunciou em 2015 o aumento da concentração de terras
no país, o que agrava os conflitos fundiários e mortes no campo -
http://www.mst.org.br/2015/03/03/relatorio-mostra-aumento-na-concentracao-de-terras-
do-brasil.html. Para tentar diminuir a propaganda negativa, o agronegócio montou a
estratégia com a Grande Mídia Brasileira de trazer a reboque a agricultura familiar, como
se fosse uma parceira, do tipo daquele chato que nos usam para melhorar sua imagem?
Conheces? A Globo, emissora-mor dos últimos dois Golpes de Estado que tivemos (1964
e 2016), joga na TV Globinho a imagem de que AGRO É POP, AGRO É TECH, uma
estratégia de marketing que procurar esconder da população os maus-feitos ambientais,
econômicos e sociais do agronegócio brasileiro - https://medium.com/democratize-
m%C3%ADdia/agro-%C3%A9-pop-por-tr%C3%A1s-da-propaganda-bancada-pela-
globo-para-o-agroneg%C3%B3cio-fb6d7eadb4f2#.b4gi3cogs
12
Como fim da Ouvidoria Agrária Nacional em 2016, fecha-se o ouvido oficial no Brasil
para as atrocidades que ocorrem e ocorrerão no campo -
http://alertasocial.com.br/?p=2176.
214
O URUBU DO LARANJEIRAS
São acho que... droga não tenho dedos (maldita evolução que não
me deixa ter logo meus dedos e mãos!!). Sei que os que moram
nestas pequenas moradas são em número bem maior do que estes
que vieram com o Homem do Bucho Inchado. Muito mais. Só
urubuservo.
Olha o humano menor querendo que eu seja que nem
galinha. Não quero, não quero. Não gosto de milho, tu não vê,
seu animal??!! Lá vem a humana mãe, eita, tripa de galinha, eita,
joga a pele, joga, eita. Dá mais? Dá mais? Pra que a ameaça,
humana? Não vou comer teu patinho. É só continuar a me dar
essas tripas e estamos conversados.
O homem maior e o homenzinho me pegaram um dia.
Arrumaram um jeito (nada digno para mim) de me colocar no
alto da casa deles. É pra que? Não entendi. É pra voar? Não
consigo, sumano, minha asa não tá sarada. Não força, caboclo,
vap vap, eita que vou pro chão! Te sai galinha besta!! Caí sem
querer nas flores da Mãe Humana! Não me bate Dona! Égua de
vocês! Num falei que num tava pronto ainda? Meu bico tá cheio
agora cheio de lama. Satisfeitos? Ah, vocês riem, é? Rá-Rá-Rá.
Tá bom, já que vocês me ajudam, deixa eu retribuir o
favor. Espiem, não aceito aquela humilhação que vocês passaram
a frente daquele homem lá, o do Bucho Inchado.
Olha pra mim, Homem maior, isso. Olha minha asa
levantada. Isso, homenzinho, ri aí. Presta atenção no que vou
falar. É isso que dissemos quando nos chamam de feiosos e
fedorentos, querendo diminuir a nós, os urubus. A passarada me
esnoba, mas tô nem aí, como a carne morta cedo ou tarde. Por
isso declamo. Depois disso, vocês vão botar aquele barrigão pra
correr daqui com mais de mil. Repitam comigo (vou perder meu
tempo sei, mas tá tudo bem).
Vai...
215
Pantoja Ramos
13
É possível que o Urubu do Laranjeiras se refira à Esperança. Diz o filósofo Espinoza
que esta e o Medo são duas emoções básicas poderosas dos seres humanos. A incerteza é
216
O URUBU DO LARANJEIRAS
a vivência das possibilidades que saem destes dois sentimentos, de Medo e Esperança.
Sendo diferentes essas relações, diferentes são os tipos de incerteza que geram. Para o
filósofo e sociólogo Boaventura dos Santos, vivemos em uma época de extremos entre o
mundo do medo sem esperança e o mundo da esperança sem medo, ou seja, um mundo
em que as incertezas que geram são cada vez mais profundas -
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-incerteza-entre-o-medo-e-a-
esperanca/6/36871 .
217
Pantoja Ramos
14
Reconheço nos indígenas um dos atores sociais mais decididos quando se trata pela
defesa de seus territórios. Os povos indígenas estão lutando por um direito conquistado
na Constituição Federal de 1988: o reconhecimento e a demarcação das terras
tradicionalmente ocupada pelos seus povos. A Carta Magna, no artigo 231, incorporou
essa reivindicação histórica das lutas indígenas e se mostrou sensível à necessidade de
assegurar um modo de vida social aos herdeiros dessas terras. Hoje, 13% do território
nacional estão demarcados e homologados como reservas indígenas. Cerca de 98%
dessas terras estão localizadas na chamada Amazônia Legal. Os que esbravejam
contra a quantidade de terras constitucionalmente assegurada aos índios, esquecem,
ou propositalmente ignoram, que 46% das terras agrícolas estão nas mãos de 1%
dos proprietários rurais, cerca de 50 mil latifundiários. Ninguém diz, nesse caso, que
“há muita terra para pouco índio” - https://www.brasildefato.com.br/node/13208/ . Coisa
da História Sem a Verdade.
218
O URUBU DO LARANJEIRAS
E, ave, voei.
ATO 3 – BEM-VIVER
15
O capitalismo no ano de Golpe de 2016 tornou a Democracia Brasileira refém a partir
de três jagunços: o capitalista financeiro, o patriarca e o colonialista -
http://refletindomuito.blogspot.com.br/2017/01/boaventura-de-sousa-santos-
mundo.html . As Bancadas Congressistas BBB (Boi, Bala e Bíblia) se consolidaram (por
hora) num organismo monstruoso de três cabeças a dominar os incautos da Classe Média
Brasileira, como Cérbero, o cão da agonia enfrentado por Hércules.
219
Pantoja Ramos
16
O Projeto de Emenda Constitucional 55, apelidada pelos trabalhadores de PEC da
Morte, foi aprovado pelos três poderes da República num ato de selvageria com a nação:
congelaria os gastos básicos com a população por 20 anos, mas não mexerá com os
grandes sonegadores da União, ao contrário, incentivará a isenção fiscal daqueles
empresários que tem um travesseiro diferente, ao que parece, do travesseiro da maioria
dos brasileiros. 2016 já mostrou investimento menor em saúde e educação – ver exemplo
em http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2017/01/sobre-os-repasses-
federais-ao-marajo-no.html .
220
O URUBU DO LARANJEIRAS
sua mão. Mas não ficava nesta mesma mão, era quimera. O fim
das finanças encontrava ilustres pouquíssimos, que tornavam o
mundo um grande blefe enquanto justiça social.
O mérito virou blefe.
A comunicação virou potoca.
A nação ficou abestada.
Os urubus piscavam entre si.
Enquanto isso, naquela cena, Urubu do Laranjeira teve
dó daquelas criaturas, sentimento que adquirira do convívio com
os pais dela. As duas não estavam preparadas para tal vida, para
aquele fedor, o que seria normal para o amigo urubu, porém a
adoecer os humanos, principalmente uma menina. “Vocês não
são fortes como nós urubus para sobreviverem desta maneira.
Cada um na sua...”, pensou o urubu.
O velho Homem do Bucho Inchado, o mesmo que
perturbara aquelas famílias anos atrás, cortejava a mãe da
menina, pois era uma forma de se vingar da perda da dita terra
que nunca foi sua de fato e de direito. Ofereceu dinheiro,
compraria a alma da mãe facilmente. Depois de usá-la e enxotá-
la, ficaria com a menina para suas monstruosidades.
O poder, o fetiche e o dinheiro foram oferecidos pelo
Homem do Bucho Inchado, de dentro do carro luxuoso que
possuía. A mulher foi pedir conselho ao Urubu do Laranjeira lá
no lixão.
O urubu percebera o assédio do vil homem. Queria
poder falar o que pensava à jovem senhora, mas grunhidos de ave
não bastavam. Teve a ideia. Bateu asas. Voou até o rio
Laranjeiras. No final da tarde, com as horas se aproximando para
a decisão junto ao Homem do Bucho Inchado, pousa o Urubu da
Laranjeira ao lado da mulher e descarrega de seu bico uma flor
branca e pedaço de palha, certamente do jardim e da cobertura da
casinha do lar de seus pais.
221
Pantoja Ramos
17
Mas, o que vem a ser o Bem Viver? Mais do que um “princípio restrito ao ambiente
andino e amazônico (...) o Bem Viver é uma filosofia em construção, e universal, que
parte da cosmologia e do modo de vida ameríndio, mas que está presente nas mais
diversas culturas (...) no Brasil, com o teko porã dos guaranis (...) na ética e na filosofia
africana do ubuntu – “eu sou porque nós somos” (...) está no fazer solidário do povo, nos
mutirões em vilas, favelas ou comunidades rurais e na minga ou mika andina. Está
presente na roda de samba, na roda de capoeira, no jongo, nas cirandas e no candomblé”
- http://www.raiz.org.br/o-bem-viver-uma-resposta-para-o-capitalismo
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O URUBU DO LARANJEIRAS
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Pantoja Ramos
www.amazonicabookshelf.com
(91) 996347681
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