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we reptesentar dito adistanciador para dar aos espectadores especticulos fries ¢ aborrecidos, muito istantes... do projecto brechtiano! Estas indicagées pouco ulizéveis, estas propostas vagas, datam essenclalmente dos anos, anteriores a 1941; foram formalizadas durante os anos em que a auséncia cle contacto com a realidade do teatro nfo permitiaa Brecht conjugar dialecticamente a relacio teoria/prética. Quando, ‘em 1943 em Hollywood, Peter Lorre Ihe faz 0 reparo que «muitas vezes descuidot nas suas encenagées [...] 0 olicio propriamente dito dos actores, excepto quando eles o dominavam de ‘qualquer modo» ¢ o aconselha a spelo menos mencionar essa condigdo prévia da maturidade hesanal, Brecht obser «éexacto que, ao liar amadores a lado de artistas, eu me dava por conten a0 provara vlidade eral dos novos pricposr®. A partir de, 1948, .expritncia permanente dy enconagin, com cron. da directo de ates, modifiow oolha de echt Asbreo taba ds acres. 0 eu pragmatism litnton asa preocupago de eficéiajuto do public, ¢ndohestou em abandona ovem reformular prio uj efecia ea posta em coca ple tetdade, De test, desde 1941, ele tinha escrito 0 conjunte da eorig no tem a nde dua questi de naturza especuatva, € apenas a explicagho dma praxis fea para ina oprans{.]este modo de repesenar busca aleangar objetivo bem determi deiea outros de lao. e mesmo esses bjectvos podem se eta ser alcangados também de outros modes.” ‘A evolugio fundamental de Brecht tem a ver com a nogéo de personagem e com ométodo de construcio do pessonagem.incluindo o papel da identificagao). No Berliner Ensemble, chega & condusao de que a existéncia dum personagem construido ¢ indispensével previamentea qualquer trabalho erftico. Durante os ensaios de Kategraben de Erwin Stcttmatter (1953), opde 0 trabalho de Erwin Geschonneck ao de Helene Weigel: «Geschonneck, aconselhei-o ontem a identificar-se 6 dava a critica do personagem e nao 0 persona~ gem.» Para poder criticar um personagem, esse personagem fem que existir! & preciso tornd-lo com o grande lavrador. Pareceu-me que vo trvel para o public, recorrendo, sc for necessélo a um efeito de reonhecimente: «Uma representa dstanclada 6 uma rpresentagio quc pesmi com certeza recohecer oabjecto ‘eprodurio, mas ao mesmo tempo trl ins6lto»* A existénca do personagem no basta, tnasénecessria pata funcionamento do teatro diakctico. Esta afrmagio tem que ser associada tomo que Brecht dizsobreas ares plésticas: [Certs futuistas}puseram uma melancia gigante tm cima dum cubogigante, pinalgaram tudo de vermelh echamaram-the:erato de Lenine Thfelizmente tribe no facia lembrar Lenin & aso que éterve, Mas iso no chega para dar ravdo aquces cujosfetratos de Lenine so com certeza muito parecidos com ele mas cuja tnancira de pinta no embra em nada os métotos de ta de Leniney*. A recusado formalism, Friel em Brecht desde o5 anos 30, leva- a afitmarvigorosamente a necessdade, para ut teatro realsta, de representar éhomens vivos, competos cheios de contradic, com todas as Sua pages, on seus dios €09 seus actos esponténgesO alco no €um herbéio ow un jardim seoigicocheio de animals empalhados. O actor tem que saber cla homensy”. Bem entendid, vase trata de renin a que actor fome posi wntlecal esentimentalmente em rlagfo to seu petsonagem ¢ sua eonao, mas va sua nessa reconversio no € uma operasto fri rmecdnica,[..] € uma reconversio atta” ‘rechy pode agora indiar ao actor um metodo de construgio do personagem, Este método compreende tres fase: em primeico Inga, a entrada em contacto com o personae, uma csplorago que serve pa pr em relevo as suas contradiGes os motivos de expanto que ele rovoc, seid o gest principal do actor duante esta fase « abanar da cabegar, Em segundo Tuga uma fase de dentiieagio de sbusca da verdade do personagem, durante a qual oactor 0 deixa rei as situagées. Por im, um olka etico, dildo do exterior sobre o persoaagem, rememorandoas as reagGes da primeira fase, Mas como Brecht nota com zo: No trabalho pratico de ensatos nada acontece impecavelmente segundo o esquema esbogado, 0 desenvolvimento do personage faz-se de maneir regulars? Nenhum dos elementos deste tmétoo, tomado eparadament,évrdadeiramente novocem Brecht no passado tina evocalo ecaborrecios, muito tcialmente dos anos ‘ide contacto com a otia/pritica. Quando, descuidou nas suas eo dominavam de évia da maturidade amtistas, eu me dava 1948, a experiencia uo olharde Brecht Ao de eficécia junto Ficécia era posta em {a teorig nao tem a \a praxis felta para sm determinacdlos & ‘ngados também de com ométodo de Ensemble, chega & ‘iamente a qualquer 3), opve o trabalho tema identificar-se meno 0 persona- 1 preciso torné-lo -mhecimento: «Uma conhecer 6 objecto ‘onagem nao basta, nqueser associada amelancia gigante ratode Lenine f..] so ndo chega para com ele mas cuja 4sa do formalismo, essidade, para um 40es, com todas as vério ou um jardima Bem entendide, mente em relacio sma operagio Bem, ste método oersonagem, uma ‘le espanto que ele », Em segundo \tea qual o actor 0 re 0 personagem, aio: eNo trabalho ma esbocado, 0 s elementos deste ado tinha evocado lumia «progressdo passo a passo»"; ja tinha declarado ao actor que «tera sempre que se por em pensamento na pele do personagem que tem que representar»”; ja Ihe tinha recomendado «que ‘memorizasse o que otinha espantadow®. Mas nunca tinha reunido estas indicagies num processo ‘oerente, praticével. Aquele que permite a Helene Weigel fazer a sintese destas exigéncias: «Ao fim e a0 cabo, representamos para as pessoas um ser humano que ¢ outro que nao nds prépries. esse o proceso, e porque é que no haviamos de ser conscientes desse processo? Como € que «1, por exemplo, no papel de Caragem, posso dizer no fim, quando coms me custo 9 tim fh, a tas: "enh que volar ao neéci se pessoalmente no estver cada pelo facto de este ser humano que represento nto te aeapacldade de aprender” Conjuntamente com o personage, que deve portanto exist plentmente de maneica a serctvelo actor arma a sua prbpriaexstncia ao mantereom o plo eas elas mals Uwese deta. Brecht insste no facto que wse tata duma pessoa igial a todas que a observam»™, Esta relago marcada pela simplicidade deve permitir ao actor representar, se secessiio,noutrascondies que ndoas do paleo dum teato (eno elo do pbc, nara, ou dentro duma casas diz Brech); mosiatno seu oar que tem conse@ncla da presenge dos espectadorese praicaraimerpelago directa do piblico wom ate e maltoscambiantes + quer dizer em longe da deseo carcatural que faz dela 0 Actor de A Compra do tr «Yoltamos portato aos apartes, 0"Excelenisimo péblico, eu so ore erodes ea aiar as peminhas em dirs dos camarotes dos oasis. Mas uma veto malo de represemar a Weigel (nas Expngardas la Te Carr) € dao como exemple: «Ela epresentava/ Como se essvesse também ocupada a retlectic/ Como se estivesse sempre a perguntar-se: como ¢ que isto se passou?s"! Brecht estava bem consciente da envergadura do trabalho a efectuar para que os actores ‘onscguissem servir da melhor maneira o seu teatro. Em diferentes ocasies registou sexercicios para as aulas de arte dramatica»™; chegou mesmo a escrever cenas destinadas a xexercicios para actorese, Os meios que recomendot aos actores nao sio todos tao ineficientes como aqucles de que demos conta antes, As indicagies de ordem puramente técnica aparecem-nos por vezes como evidéncias (evitar ‘uma dicgdo barulhenta, ronronante ou artificial a ponto de fazer perder 0 semtido das frases; enunciar a'um excesso de jogos fisionémicos € a uma gestudria arbitréria'; praticar o treino {isico). Por vezes sio aberrantes («coleccionar as entoagiess ¢ os gestos significativos®; treinar, ‘como aconselha a Helene Weigel em A Compra do laid, aexprimir emogbes sem as sentir de cada ver» através do simples movimento dos miisculos do rosto). Mas outras recomendacées so cxtremamente estimulantes: o desenvolvimento da voz no sentido duma wgrande riqueza de hharmoniase" e a educagéo do ouvido winclusive para sonoridades novase; a apropriagéo do fraseado dos dialectos populares a fim de evitar uma diegio afectada (congratula-se com a Proniincia sufga dum actor do Berliner Ensemble}; a propria separagio dos jogos de fisionomia eda gestudria, to admirada em Mei-Lan-Fang mas tio dificil de realizar, sera sempre wma exi- séncia produtiva, ‘Aos principais defeitos que pede a0 actor que combata (em primeiro lugar a cabotinagem € 0 gosto do pats), contrapde um conjunto de qualidades que the pede que desenvalva; ualidades fisicas (descontracgao ¢ vitalidade); qualidades sociais (a insubstituivel xarte da observacio» que nunca deixou de exigir desite 0 seu abiscurso a actores dinamarqueses» do fim dos anos 30%); e também as qualidades humanas que sao a imaginagio ¢ a capacidade de sdesenvolver um ouvide absoluto para o regisio da verdades®, aquilo que chamamos normalmente a sensibilidade, acapacidade de representar emocées: 0 actor, diz. Brecht, sprecisa estas sensagies para 0 seu trabalho porque cle tem que aspirar, antes de tudo, a permanecer lum ser humano»”. 0 actor segundo Brecht (no flm da vida) é sempre o ebom instrumento, ‘mantido com minticia, muttas vezes controlado, e / Que funciona com precisow* corn que sonhava na altura de A Compra do lato. Mas agora esse actor tem que, antes de tudo, representar com snaturalidade» os comportamentos do personagem. Fo que Brecht explica ao jovem Schall ua ‘num texto de 1955; «Queixa-se de, nalgumas noltes, nao atingir 0 tom certo, ¢ isso numa cena bem precisa, ao seguimento do que tudo Ihe corre mal. Chamémos-Ihe a atengao, na altura, para a questio «atingit 0 tom certo* porque ela cvoca uma maneira muito particular de reptesentar que, a nosso vet, nao € cetta, Quando diz stom certo» voc? nao quer dizer «tom hnaturaly,[...] 0 que voce devia fixar nao sio tons mas sim 0 comportamento do personagem ‘a representar, independentemente desses tons, se bem que por vezes ligado a cles. F 0 mais importante € 0 sew comportamento em relagdo ao personagem, 0 qual determina 0 comportamento do personagem.»” A exigéncia de snaturalidade» no é nova. 54 existia nos anos 30*; mas aplicava-se entio aos gestos e as entoagies, sem se ter em conta a necessidade de coeréncia do personagem. ‘A maior parte destas recomendagées de Brecht parecem absolutamente actuais. 180 leva- ‘nos a interrogarmo-nos sobre o que podem ser as caracterfsticas dum modo de representar dialéctico hoje: um tipo de representagao que tentha por fonte a lestura das textos de Brecht, 0 estudo dos registos filmados dos seus espectéculos, a transmissao dessas praticas pelos epigonos directos (Wekwerth, Palitzsch, Besson) ou indirectos (Strebler, Planchon); ¢ que difere ineluta- velmente da heranga do Berliner Ensemble, eranga submetida a critica da nossa reflexto ¢ da nossa prs Interessar-nos-emos por cinco praticas, prolongamentos do ensinamento brechitiano, que se desenvolveram no teatro contemporaneo, 1, amupiura? interrupgio dum gesto, duma entoagio, da representacio duma emogio, que por ose meio so ecitadose, Walter Benjamin sublinhava que «a rupturaé um dos procedimentos fundamentais de qualquer formalizagiow e que assim, x actor deve poder distribuir os gests, 1 espago como o tipdgraf as suas palavras™ A ruptura produ oeelto de distancagio da ‘manera mais simples que se possaimaginar Hclene Weigel tnha levado muitolonge esta arte da ruptura que Bernard Dort defini como euma sabia mistura de continuidade e desconti- ‘uidades, Bem Bde Gnag,ajustaposigio da frase dita com desprendimento: «Acho que fiquei demasiado tempo a negocian edo famoso gto mudo, coma cabecainclinada para tas = gesio bem demarcado- que se sete a0 tro que anuncia a execuco da filho, No fim de AS sping da Tia Garrard Berliner Ensemable, passa sem transiio dum modo trgico muito Sbrio (um simples movimento: oabater-se sobre ela prdpia&chegada do corpo do iho) a0s gests exteemamente precios, quase naturalistas, da nmilher do povo que tra o pao do form depois de dizer: «Peguem nas espingardas. Jose, prepara, amarra cukdadosamente a quatro pontas do pano em que envolvewo pio depos pega na espingarda, Mais préximo dens, no Arturo Uiencenado por Heiner Miler Martin. Yt fazia uma espantosademonsiraciodaguilo que pode ser uin modo de representar em ruptura; por exemplo, passava, dentro da mesina fala, duma sobre-represemagio» (a Hindsborough: «Recusa-s a ajudar-me coro omen») 41um modo de representagio eealistay (antes dest «ede saber como qucbré-lo», 2._ amontagem: o personagem nfo constituido por uma globalidade, mas sim como um paich- work de comportamentos, elaborados independentemente uns dos outros, sendo cada um deles elaborado independentemente dos outros, cada um desses tracos conforme com uma wverdade» humana ¢ com a situago. 0 actor sesforga-se antes de tudo por reunir 0s tragos _contraditérios», acabando esses tragos por [se assemelharem] com as combinagdes dos jogos de xadvez»™;e «cada personagem nasce do conhecimento que se adquire do seu comporta- 144 _mentoem relagao aos outros personagens». O actor terd tanto maior dificuldade em efectuar ‘a sintese dos elementos contradit6rios quanto mais complexa for a montagem. Mas tera que assumira verdade de cada uma das unidades autGnomas do seu percurso. No fim do trabalho, a descontinuidade sera um elemento Constitutive do personagem, inscrito sem artificios nnaquilo que ¢ proposto ao pablico. Este terd diante dos olhos um ser tecido de contradigées ‘em relagdo ao qual s6 tera que analisar os comportamentos. - tengio, na altura, lito particular de > quer dizer otom odo personagem ales. Eo mais sal determina 0 va, F4 existia nos ta anecessiddade aetuals,Tss0 leva 4o de tepresentar sxtos de Brecht, 0 as pelos epigonos ue difere in ssa reflexio e da orechtiano, que se que por 6s procedimentos istrbuir os gestos le distanciagio da sito longe esta arte lidade e desconti nento: «Acho que rclinada para trés tho, No fim de as ‘odo tragico muito “orpo do filho} aos ira 0 pio do forno samente as quatro roximo de n6s, ronstracto daquilo dentro da mesma 2como homem.) ebro. ‘como um paich- 5, sendo cada um nnforme com uma 1 reunir os tragos “inag6es dos jogos Ato seu comporta~ Made em efectuar fem, Mas terd que ‘ofimdo trabalho, ito sem artiicios > de contradighes, ‘jogo dual quer dizer a representagio simultanca, mas desfasada, duma situagéo efectiva dos personagens e de aegbes concretas que eles executam (sendo que s6 um dos dots objectivos € proposto pela fébula). Brecht, nos seus «exercicios para as aulas le arte dramaticas, chamou de sexercicios de temperamento» 0 treino para este objective duplo: ele imagina contlitos reais, ou simulados, entre duas mulheres enquanto dobram roupat’. Sendo as duas tarefas, Drovavelmente, assumidas, uma pelo personagem e outta pelo actor esta friccao ent |bumiores ¢ imperativos gestuais (ou vocais) & geradora de tensaa e de ligeireza a0 dois m0, ‘tempo, cada uma das acgdes distanciando a outra, Por exemplo: uma cena de sedugio que se desenrola num quarto onde se encontra um morto, 0 que obriga os dois intervenientes a falarem baixo continuamente, 4, aingenuidade?a categoria brechtiana de ingenuidade (xuma caracter «das criangas») 6 talvez a manifestacao mais préxima de nés da Jngenuidade permite lancar sobre as situayies e sobre o préiprio personagem 0 olhar da que descobre neles sem preconceitos 0 insélico, o inconcebfvel, ou o cardcter divertide. Ela € 0 meio que permite substitu «a imitagio concebida como uma reprodugio dumm real pricofogizado pela simulagao que se d4 como tal ¢ por isso fonte de prazer e de saber 0 prazer critieos® (Jean-Francois Chiantaretio). “5.0 prazer mostrar 0 prazer que tem no acto de representar (ineluindo de representar aquilo que nao é propriamente agradavel) edeve ser uma das tarefas principais do actor», O simples facto de deixar transparecer o seu prazer revela orosto do actor, por detras do do personagem.

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