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32.

O MONTE DE CORVOS pega fogo num instante. Os rapazes gritam


vitoriosos, dançam à volta da fogueira macabra.

NISTO-- João já não ouve os rapazes.

Um MURMÚRIO vem da floresta... Os rapazes celebram, não notam


João a desaparecer por entre a folhagem, a seguir o som.

L.37 EXT. CASTANHEIRO, DIA L.37

João afasta um arbusto e depara-se com...

O castanheiro. O MURMÚRIO vem da entrada. João não consegue


tirar os olhos do monte de pedras ancestrais.

O rapaz toca no peito, cada vez mais próximo, cada vez mais
perto da entrada--

Da escuridão, sai uma mão ossuda-- Estende-se a João. João


estende a mão, num transe-- As mãos quase a tocarem-se--

João é puxado para trás-- Rosário pega na mão de João, leva-o


para longe daquele lugar maldito.

L.38 EXT. BOSQUE - DIA L.38

João cai ao chão, a agarrar o peito, ofegante, olhos muito


abertos. Rosário ajoelha-se ao lado do rapaz.

João fala com medo na voz.

JOÃO
Ela chamou-me.
(pausa)
Chamou-me... filho.

Rosário fica com uma expressão pesarosa.

ROSÁRIO
Tens de sair deste lugar, João.

JOÃO
Ela mostrou-me. Dentes e sangue.
(pausa)
Era eu. Um animal.

João agarra Rosário; o rosto do rapaz contorce-se em pânico.

JOÃO (CONT'D)
Tu sabes. O que eles pensam. O
ódio. Eu sinto-o. Cada vez que
falam. Quando olham para mim.
(MAIS)
33.

JOÃO (CONT'D)
O medo que sentem. E eu aguento.
Tenho de aguentar. Porque é melhor.
Do que não ter nada. Não ter
ninguém.
(pausa)
Não quero ficar sozinho.

Rosário abraça João, deixa-o chorar.

João olha para Rosário, a implorar.

JOÃO (CONT'D)
Vem comigo. Vamos os dois embora.

Rosário fica surpreendida com a pergunta.

PAM-- Uma pedra atinge Rosário. A rapariga leva a mão à


cabeça. Gustavo atira Rosário ao chão, prende-a pelos pulsos.

Bernardo e Tiago arrastam João para longe de Rosário.

JOÃO (CONT'D)
Não, espera! Ela não fez nada!

THUMP. THUMP. THUMP. THUMP. João só ouve o CÂNTICO NEGRO a


soar pela floresta. Ritmado, selvagem, perigoso.

João liberta-se dos rapazes--

Gustavo olha para cima--

Os dentes de João enterram-se no ombro de Gustavo--

Sangue é cuspido para a cara de Rosário.

Gustavo berra, agarra-se ao ombro a jorrar sangue. Bernardo e


Tiago ajudam o amigo a levantar-se, e fogem.

Rosário vê João-- Dentes arrepanhados, boca e queixo a pingar


sangue. Dentes e sangue. João diz com um olhar perdido.

JOÃO (CONT'D)
Desculpa.

L.39 INT. BOSQUE CASA - DIA L.39

Água suja de sangue pinga para um alguidar.

Judite leva o pano ao rosto de João, sentado na mesa com ela,


a soluçar, mãos a tremer.

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