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OS SIAMESES
GRISELDA GAMBARO (Tradução: Caroline Alves)
PERSONAGENS
- Lorenzo
- Ignacio
Dois Policiais:
- O Sorridente
- O fanho
- 1º velho
- 2º velho
- O menino (jovem)
PRIMEIRO ATO
CENA 1
O interior de um palco mobiliado com uma pequena mesa de pinho, um banco, três
cadeiras, um armário danificado e duas camas de solteiro com os colchões à vista,
sem lençóis, mas com dois cobertores velhos nos pés. Sobre a mesa, uma garrafa de
água e dois vidros. Em um canto, no chão, uma pilha muito alta de antigos jornais.
Uma porta para a rua. Longe desta porta, mas também virada para rua, uma janela
alta fechada, sem cortinas. Outra porta, com uma cortina de lona gasta, conduz a um
pátio interior.
À medida que a cortina sobe, a cena parece vazia por alguns momentos.
Então você ouve os passos de alguém que vem correndo. Lorenzo entra e fecha
imediatamente a porta com uma chave, como se alguém o estivesse perseguindo.
Com imenso alívio, ele se inclina na parede e começa a rir com gargalhadas. É
evidente que ele acabou de escapou de um perigo e o celebra, mesmo que a fadiga
corte seu riso, o torne espasmódico. Pouco a pouco, pare de rir. Uma pausa.
LORENZO: (respirando com agitação) Eu fugi! Posso ... correr melhor sozinho ...
do que ... acompanhado. (Dando tapinhas de carinho em si mesmo) Que corrida!
(Inclinando-se, pontuando e modelando a panturrilha) Músculos de corredor! Sim,
são músculos de corredor, fortes, resistentes. Por que não me dediquei ao esporte?
Meu nome está nos jornais. O grande ... grande ... grande ... (deslizando, apoiado na
porta, até ficar sentado no chão, exausto). Eu poderia ... ter continuado ... correndo ...
até ... até ... (repentinamente lembra-se de algo engraçado e começa a rir) Ignacio,
coitado do Ignacio com suas pernas de borracha! (sem poder parar, ri com dificuldade
e fadiga. só é interrompido quando movimentam a maçaneta e batem à porta. Ouve-se
a voz agita e angustiada de Ignacio).
VOZ DE IGNACIO: Abra, Lorenzo! Por que você trancou a porta? Abra! (Lorenzo
escuta com certo ar de atenção e não responde) Abra que está chegando! Não seja
louco! Abras!
LORENZO: (com voz tranquila, mas sem mover) Eu abro! Está sozinho?
LORENZO: Agora mesmo! O que acontece é que minha unha ficou presa!
LORENZO: Você não acredita em mim? Ficou ... presa nas minhas calças. Improvável.
VOZ DOIGNACIO: Ele virou a esquina! (Quase chorando de desespero) Por favor,
abra, por favor, abra! (Bate, sacode a maçaneta)
VOZ DO IGNACIO: Por que você não abre para mim? (Desesperado) Eu ... eu
... eu vou te arranjar uma garota. Ele vai me alcançar! Não seja um idiota!
Lorenzo, Lorenzo!
1
PARRICIDA: Quem matou seu pai ou sua mãe ou outro qualquer dos seus ascendentes; que ou quem cometeu
parricídio | Pessoa que atenta contra o rei ou contra a pátria.
LORENZO: (com dúvida, morde os lábios) Ele foi embora?
VOZ DO IGNACIO: (desmaiando) Não. (Pausa) Não. Ele não vai voltar.
LORENZO: Como sabes? Isso vai atingir nós dois. Se ele me vir, vai se lembrar que
estávamos juntos e vai começar a repetir os golpes.
LORENZO: E não vai me atingir sozinho. Um golpe para mim, outro para você.
Você receberá outra surra, para quê? Você não vai aguentar. Seja paciente, hein? Eu
dormi, por que você não dorme um pouco? As saliências vão sarar durante o sono.
Descanse bem.
LORENZO: (solicito) Sim, sim, eu te dou água. Como não! Tudo o que você quer.
(ele levanta-se, agora sem mostrar dor, e enche um copo de água. Caminha
decididamente em direção à porta, vê-a fechada e, sem vacilar, se inclina e faz a
água correr por baixo da porta, empurra-a com um rodo carinhosamente) Você
pode? (olha pelo buraco da fechadura) Devagar ... Devagar ... Não seja tímido. O
que você cuspiu? (ofendido) Minha água? (olha e ri divertindo-se) Um dente! Bem o
do meio! Sua beleza ... (rindo) para onde foi? Agora você pode trabalhar em um
circo! (interrompe o riso. Sincero) sinto muito. Eu não queria te machucar.
LORENZO: (com peso) Não me chame. O que aconteceu? Eu não consigo abrir. Se
ele voltar, ele vai bater em nós dois. Ele é um cara forte, muito duro. Não vai
distinguir. Ele não fala: “eu bati nesse aqui e agora vou deixar ele sozinho, coitado.
Então vou me dedicar a este.” (apontando) a mim. Não vai dizer isso. Ele vai bater em
você de novo, pobre Ignacio. Por outro lado, se ele te vir no chão, todo sangrando,
desdentado ... Parece um bicho, mas ninguém bate em alguém caído. Eu acho ... E se
você fosse um cadáver, ainda você estaria mais seguro.
VOZ DO IGNACIO: Lorenzo...
LORENZO: (Compreensivo) Você quer mais água? Você sabe o que vou fazer? Vou
deitar-me aqui no chão. Você está satisfeito? Não quero que você se sinta sozinho,
Ignacio. Isso te ajuda, te consola? (se deita bem próximo da porta) Que sonho!
(Ignácio arranha a porta. Incomodado) O que você está coçando? Se você faz
barulho fica impossível fechar os olhos. (o barulho cessa) estou cansado, depois
dessa corrida... Você não está? (Pausa) Você poderia responder! (levanta-se e espia
pelo buraco da fechadura. despreocupado) Ele adormeceu. É um cavalo adormecido.
(deita-se e coloca os braços cruzados sob a cabeça) Que desconfortável! (apoia-se
sobre um cotovelo e olha com ansiedade para as camas. levanta-se e pega uma
almofada) vou dormir no chão, prometi. Mas a cabeça não tem nada a ver com
minhas promessas. Além disso, a coisa mais delicada está na cabeça. Não é uma
questão de arriscar o material. (bate com os nós dos dedos) Ignacio, você concorda?
(silêncio) Obrigado, eu sabia que você iria entender. (Deita-se) Sim, estou mais
confortável. (Cruza as pernas e sacode uma no ar. Se pergunta confuso) Foi minha
culpa, foi culpa dele, quem atirou a pedra? (zumbidos) Quem tocou a campainha do
gato? (sincero) Desconfio que ... a pedra foi atirada por mim. Mas quem é capaz de
distinguir entre os dois? Eu não posso. Somos iguais. Essa é a nossa desgraça. Somos
tão iguais que nossas ações são confusas. (engraçado) Em uma palavra: a mão que
jogou a pedra é indistinguível. Pobre Ignacio! Que surra! (levanta-se e olha através
da fechadura) Como ele dorme! E como ronca! Está todo sujo de sangue. Como você
pode dormir assim? Todo sujo! Ele não está morto, está? (espera um momento de
silêncio. piada) Ignacio, Ignacio! (Pausa) Não. Respire. (Tremendo e rindo) Ele não
teria se perdido muito. Mas ainda não estou curado, preciso disso. Como enfermeiro,
ele deixa muito a desejar. Ele é tão negligente com minhas pílulas! (Lança outro
olhar pela fechadura) Coitadinho! Seu rosto mudou. Agora eles não vão nos
confundir. (Deita-se para baixo) Como isso é estranho! Não estou acostumado, meus
ossos doem. Ele ronca. E eu não consigo dormir. É injusto. (Pausa) Como meus
ossos doem, não sinto arrependimento, não me importa nada. Entretanto tenho que
me desculpar. (olha para a cama. ele se levanta e puxa o colchão para fora. arrasta-
o para a porta. vai mentar, olha para o colchão da cama do Ignácio, também arrasta
e coloca-o em cima do outro com evidente satisfação.) Agora sim. (salta) Que
confortável! Eu posso pensar. Novamente, eu sinto muito. Tenho que fazer algo para
compensar a surra. Dormir no chão é o suficiente? Sim, sim, o suficiente e bastante.
(Agarra as mãos nos joelhos e sacode as pernas no ar, como se estivesse correndo.
Divertindo-se.) Correndo com suas pernas de borracha! (pega um dos cobertores pela
ponta e arrasta-o para perto. Cobre-se.) Pa-pa-pa-pa-! (sem convicção) Pobre
Ignacio ...! Se eu tivesse minha garota no colchão ... (avidamente)
VOZ DO IGNACIO: (longe e fraco) Lorenzo ... Lo ... ren ... zo ... (arranhando a
porta. Lorenzo vira-se e abraça o cobertor. Risos entre os sonhos. só se ouve o
arranhar na porta até que cesse completamente)
CENA 2
LORENZO: Ignacio! Ignacio, como você está? Como? Não te escuto! Fale mais
alto. Ignacio, eu quero sair. (um silêncio) Libere a porta, por favor.
LORENZO: Outra vez? Porque não vai embora? Eu tenho que sair.
VOZ DO IGNACIO: Tudo bem. Você não me conhece. Eu também não. Mas abra!
LORENZO: Como posso abrir se não te conheço? (rindo) Muito risco, querido.
Você vende alguma coisa? (Ignacio furioso resmunga algo inaudível. Lorenzo
compreende que ele está reclamando. ofendido) O quê? Não preciso! Me deixe
sair!
LORENZO: (mudando o tom) A chuva foi boa para você ontem à noite? Deve ter
refrescado seu rosto. (Espia pela fechadura) Não vejo nada. (Rindo) Agora sim. Sua
camisa está aberta e posso ver seu umbigo. Eles fizeram seu nó errado. (Ouve-se
batidas violentas na porta. Se afasta) Ei! Calma! Eu deveria ser o impaciente. Estou
querendo sair há três horas. Três horas! Por que não vai embora? Ande até a esquina e
pegue um ônibus. Portanto, não nos veremos. Você tem que descansar das pessoas. Por
alguns dias, dormi na rua. Nada vai acontecer com você. Você se tornará mais homem.
(Rindo) Você precisa disso! (espia de novo) Ignacio? (silêncio) Ignacio! (extremamente
cauteloso, abre a porta. mas Ignácio, que esperava escondido, trava a porta com o pé
e a empurra com tanta violência que Lorenzo vai parar no chão. Ofendido.) Que
delicado! (Entra Ignácio. não se parece com Lorenzo em nada. está faltando seu dente
do meio e tem o rosto machucado. limpa a boca com um lenço manchado de sangue e
deixa-o na mesa. Lorenzo se virá rapidamente com nojo.) Não seja sujo! (joga o pano
no chão; com o mesmo gesto de nojo, corre até um canto. ignacio se senta em uma
cadeira, olha para as camas com a intenção de deitar-se)
LORENZO: Eu dormi a noite Eles precisam ser ventilados. Se não, eles são
criadouros de percevejos. Não quero sujeira na casa.
LORENZO: (para ganhar tempo) Por que não abri a porta para você? (breve
silêncio) Expliquei por escrito. Você não me respondeu. (ele vai à porta, abre,
procura alguma coisa no chão; volta com um papel amassado e rasgado) Você
manchou tudo com a água. Nenhuma palavra foi lida. Para que me dei ao trabalho?
(Ignácio vai para uma das camas e deita no elástico. Lorenzo olha para ele, tira o
casaco, pega-o da cadeira e deita ao lado do Ignácio)
IGNACIO: (com irritação) O que você está fazendo? Você não tem sua cama?
IGNACIO: Você deveria ter aberto a porta para mim, seu idiota! Vai já para sua
cama! (Lorenzo ronca suavemente) Lorenzo, você está dormindo? (cuidadosamente,
ele começa a empurrá-lo para a borda. mas Lorenzo não está dormido. quando está
prestes a cair da cama, pega a mão de Ignácio e joga-o para o chão)
LORENZO: Você quer me jogar para fora?
IGNACIO: Não.
LORENZO: O que você está dizendo? Você tem uma batata na boca? Não se entende
nada.
IGNACIO: Você não consegue ver que ele me deu um soco nos dentes?
LORENZO: Não, eu não vi. Se eu estivesse deste lado. (senta-se na cama) Tive
uma noite péssima. Dormi no chão. Você sabia disso, certo?
IGNACIO: Sim.
LORENZO: eu sim. eles bateram em você, mas você roncou. Sorria. (Ignácio olha
para ele, sério. Lorenzo, com um sincero e movente desejo de o ver sorrir) Sorria!
(Ignácio sorri. o seu sorriso é amarelo e impertinente, um pouco ridículo pela
ausência do dente. Lorenzo não pode parar de aproveitar sua vantagem) Você
sorriu: você concorda. (eles começam a andar no espaço. colam, lado a lado, e
executam o mesmo passo)
LORENZO: O que?
IGNACIO: Para uma pensão. Você pode viver ... em uma pensão, certo?
LORENZO: Sim, eu posso, mas você não entende? Como? O que eu faço com você?
Você vai vir comigo?
IGNACIO: Não. Eu vou ficar aqui. É minha casa. Era dos meus pais!
LORENZO: Eles têm vergonha de mim. Todo mundo tem vergonha de mim. Até meus
pais.
LORENZO: Por outro lado, não podemos nos separar. Ficamos juntos, comemos
juntos, respiramos juntos. Você vê? Nós caminhamos, caminhamos e estamos
colados.
LORENZO: (ataca-o com um golpe nas costelas. Duramente) Para cima! Direito!
(eles andam em silêncio por alguns segundos. Então Lorenzo começa a rir) Como
você correu ontem! Que pernas! Me mostre elas.
LORENZO: Tire suas calças. (Ignácio baixa as calças. Lorenzo olha para as
pernas e explode de rir) eu não disse? (aperta-o com força. Ignácio grita)
Borracha, espuma de borracha. Como você pode correr com essas pernas? Tudo
torto. (mortificado, Ignácio levanta as calças. Lorenzo senta-se e ordena como um
senhor) entregue-me o jornal.
LORENZO: Eu fui criado assim. Eu expliquei para você mil vezes. Não é por prazer que
eu estou confortável.
IGNACIO: (ele vai à pilha de antigos jornais e pega um de forma aleatória) Toma. (dá o
jornal e se deita na cama)
LORENZO: Maldito seja! aqui diz ontem. Por que você me deu este diário? Você
fez isso de propósito! (Senta-se e inclina o rosto contra a mesa)
IGNACIO: (olha para ele, levanta-se lentamente. ele inclina-se sobre lorenzo e
tenta confortá-lo) O que te importa? Aconteceu há muito tempo.
LORENZO: (levante a cabeça, desconsolado) Mas..., mas, irmãozinho, se eles
podem fazer isso com Kennedy, o que não farão conosco? ele tinha uma escolta. Não
tenho nada, não tenho nada!
IGNACIO: Não tenha medo. (quase com pesar) Eu estou ... eu estou aqui.
LORENZO: (com vista baixa) Dê-me meus comprimidos. (Ignácio vai para a gaveta
da mesa, pega os comprimidos e os servem a Lorenzo como são servidos comprimidos
comuns. Lorenzo, furioso) De jeito nenhum! Eles são tomados com água!
LORENZO: Não me importa! Elas me fazem bem, é por isso que as levo. (Ignácio com
cuidado pega o jornal que está sobre os joelhos de Lorenzo sem que ele perceba e o
substitui por outro. Traz água e Lorenzo toma suas pilhas) Fique aqui.
IGNACIO: (para que se cale) Sim, sim. (bruscamente) Eu nunca pisei um hospital.
IGNACIO: (hipócrita) Muito bom. Operações desse tipo são sempre um fracasso.
LORENZO: (feliz) Sim, você sabe! (Pausa) Mas estamos soltos, separados. O que
acontece, nessas operações, é que eles não podem salvar os dois, um está arruinado.
Para deixar um cara em ótima forma, o outro precisa ser arruinado.
necessariamente. O que temos em comum? O que te falta? (tenta tocá-lo)
LORENZO: Deve estar faltando alguma coisa. Eu estou inteiro. Um dos dois
morrerá jovem. E eu sei quem é! (olha significativamente para Ignácio e ri de
satisfação. Batem à porta e. Lorenzo para de rir com suspeita) Você está esperando
alguém?
IGNACIO: Não.
LORENZO: Você não convidou nenhuma garota? Não é a primeira vez que você faz isso.
LORENZO: Sim.
IGNACIO: Quando? Sempre cuido para que não se dê conta, para que esteja longe.
LORENZO: (rindo) Você acha que sou idiota? Eu me escondo atrás da
cortina. Muitas vezes eu fiz isso. Eu vejo tudo. Escuto. É pior ouvir do que
ver. Algo repugnante.
IGNACIO: (furioso) Me alegra! (levanta-se, agitado) você esteve aqui, viu tudo.
Degenerado!
LORENZO: (quase humilde) Não, não sou degenerado. Eu precisava saber. Não
é possível que eu sempre falhei.
LORENZO: Por quê? Você fala por ressentimento? (pensando) Sim, sim, tudo o que você
faz é muito rudimentar. Por outro lado, se você soubesse que eu estava te espionando, teria
mais cuidado, certo? (ri) Eu te avisarei. Ah ah! Eu não sabia que você tinha essas
prioridades!
IGNACIO: Eu não te permito! (Fica indignado) É que ... eu tenho ...! (mais uma vez
batem na porta, mas como se alguém estivesse se entretendo tamborilando uma canção)
LORENZO: (para a porta) Quem é? (fortes sons) Um cachorro. (bruscamente) Eles virão
te procurar por causa da pedra.
(os dois policiais entram na sala. O policial sorridente vai diretamente para uma
cadeira e cai sobre ela, murmurando algo inteligível)
POLICIAL FANHO: (marcando muito, mas sem emitir nenhum som) Podiam ter uma
poltrona!
POLICIAL SORRIDENTE: Que poderiam ter uma poltrona! Isso foi o que ele disse.
LORENZO: (Sorrindo) Nós não pensamos assim. Não nos ocorreu comprar uma
poltrona. Às vezes você desiste e não pensa em comprar nem mesmo o mais
essencial. Se soubéssemos ... que o homem ... queria ... uma poltrona ... teríamos ...
uma poltrona ... (sorri infinitamente até Policial Sorridentepetrificar no rosto. um
silêncio doloroso)
POLICIAL SORRIDENTE: (aborrecido) O que ele vai escrever? Está mudo por acaso?
(bruscamente) Vocês são ... vocês são surdos?
LORENZO: (fica longe do Ignácio. Aponta para Ignácio) O homem jogou a pedra,
se é isso que você quer saber. Sim, para se divertir. Tinha um menino na rua e atirou
uma pedra nele. Para se divertir. (Ignácio olha para ele perplexo. Lorenzo, cada vez
com menos convicção, tenta fazer uma piada) Mas ao mesmo tempo recebeu uma
pedra na cabeça. Então ... pedra por pedra ... e pedra ... por ... pedra ... da ...
LORENZO: Você não está cheio de hematomas? Por alguma razão te pegaram.
IGNACIO: Este?
POLICIAL SORRIDENTE: (aborrecido, enquanto Lorenzo sorri aliviado) Inferno!
Quem te perguntou algo? Nenhum de vocês entende o que está dizendo? Que língua
falam? Chinês?
LORENZO: Percebe? Ele mesmo o reconhece. Ele é surdo como uma parede.
E ainda por cima, ouve apenas o que quer.
LORENZO: (rápido) Não sou eu. Ele tem os títulos de propriedade. Só vim
entregar este telegrama.
LORENZO: (pega o telegrama da mesa) Ok. Muito verdadeiro o que diz! Aqui está o
telegrama. O selo postal está intacto. Ele não abriu ainda. Ele não está excessivamente
interessado em seus negócios, deve ser confessado. Ou disfarce. Querem ler, senhores?
LORENZO: (fica longe de Ignácio e ri falsamente) não finja ser inocente, Ignacio.
(Retifica) Não seja inocente, senhor. (para a polícia) Senhores, vocês leram o
telegrama? Não diz: Parabéns pelo golpe, Ignacio. Assinado: o patrão.
POLICIAL SORRIDENTE: (admirado) Sim. Exatamente! Vidente. Como ele fez isso?
IGNACIO: (para Lorenzo) Cale a boca. O que você está dizendo? Você acha que eles são
tolos em engolir isso?
IGNACIO: (alterado, abre a gaveta e mostra tudo, bloco de selos, envelopes, coloca
tudo em cima da mesa. observa triunfante os Policiais. TODOS, MESMO Lorenzo,
olharam sem prestar atenção. parecem não ter visto nada.)
LORENZO: Não sei. Acabei de trazer o telegrama. Deve ser seu padrão, o
cérebro.
POLICIAL FANHO: (boceja, acorda e dirige uma pergunta para Lorenzo. Ele não
entende, ele está com medo, ele recua em direção a Ignacio e, sem se virar, ele estende
a mão para trás, tateando. O policial repete a pergunta histericamente,
freneticamente)
LORENZO: (aproxima-se de Ignácio, abaixo) Ignacio, querido, o que ele fala? Ele me
perguntou algo. Não entendo nada. Por que você não fala mais claramente? Que diz?
IGNACIO: (definir) Eu não sei. Está com medo. Eu deveria quebrar seu cara.
LORENZO: (Surpreso) A mim?
LORENZO: (Ele se afasta e começa a tatear. Ele cai em uma cadeira. Ele ri
convulsivamente e francamente com alívio) ah, entendi! que boa ideia! Como quando a
água entra nos ouvidos! Uma sacudida e se destapam. Balance sua cabeça, Ignacio! (os
policiais o acompanham rindo, calmos, bem-humorados. Lorenzo, sorrindo) o senhor
estava perguntando algo ...?
LORENZO: (relaxado) vamos lá, como dizer que vela eu tenho neste enterro.
Bem, nenhuma, senhor, nenhuma. Eu sou um mensageiro postal. O senhor Ignacio
me atrasou com sua conversa. Eu não conseguia me livrar dele. Eu acredito que ele
me liberte agora, graças a você.
2
No texto original em espanhol é utilizado o termo GANGUEAR que segundo o dicionário espanhol significa
falar com ressonância nasal causada por um defeito nas passagens nasais.
IGNACIO: (indignado) Você me pediu uma moeda, Lorenzo!
LORENZO: Posso ir? Devo entregar outros telegramas. (com gestos muito rápidos, retira
novas ferramentas da gaveta, escreve dois telegramas, fecha-os e sela)
IGNACIO: Que bagunça você fez? Onde você está indo? Estamos presos.
LORENZO: (com atitude) Que audácia! Onde? (varre o ar para o seu lado com a
mão aberta) Quando lhe convém. Sou livre. Vá com calma. (começa a marchar
para a saída, mas Ignácio o segura. furioso) O que foi que te deu?
LORENZO: (dá um soco nas costelas) deixa-me quieto, idiota! (Olha para os policiais
que assistem, interessados. com os dentes cerrados) fique no seu lugar! não me siga!
LORENZO: (fuma muito, pensa, não sabe o que inventar) falou ... pelos cotovelos.
(Olha para os cotovelos e sorri, distraído. Vê Ignacio e acerta-o com outro golpe)
exigível!
IGNACIO: (incrédulo, com dor) Lorenzo, eles não são tão estúpidos por acreditar
em você! Você está ficando confuso!
IGNÁCIO: Não posso ... quero sentir alguém por perto ...
LORENZO: você deveria ter agido honestamente! Você leu o jornal, senhor?
IGNACIO: (em baixa voz) Por favor, Lorenzo. Deixe claro que são todas mentiras.
Podem acreditar neles. Nunca se sabe. Deixe bem claro.
Lorenzo: (sorri) Obrigado senhor. Estou feliz por você testemunhar isso. Essa
cena: um homem honesto nunca é tão violento. Pior do que um cachorros. (para
Ignacio, gritando) mas você quer me deixar em paz!
LORENZO: (gritando) Seu idiota de merda! Deixa-me só! Deixa-me só! (consegue se
separar enquanto Ignácio rola com policiais que bateram. O sorridente com o maior
sorriso exasperado conforme seu entusiasmo aumenta. O fanho balbucia algo cada vez
mais freneticamente. Ao mesmo tempo eles ouvem os gritos de Ignacio. Lorenzo corre
para a porta, abre-a e estende os braços com uma exclamação de alegria) Ah, que ar
fresco, que ar fresco!
SEGUNDO ATO
CENA 3
Na mesma sala, um ou vários dias depois. Uma escada encostado na parede, ao lado de
uma escova de cabo longo. A luz do dia entra pela janela. Lorenzo está na sala,
martelando a perna de uma cadeira. Assobios, muito feliz. Termina de martelar, coloca a
cadeira no chão. A cadeira balança e cai.
LORENZO: (feliz) excelente! Que mão! (quando a cadeira cai, encosta-a na parede.
Imediatamente pega alguns jornais e um grande pote de cola e fixas os jornais nos vidros.
A luz vai diminuindo pouco a pouco. Lorenzo, confuso) nada pode ser visto ... (desce a
escada tropeçando, acende a luz) de qualquer maneira, eu odeio luz. Estou bem sozinho...
me sinto ... bem! Talvez eu seja um homem saudável e ele me deixe doente. Mas se ele
voltar ... (rindo) eu tive uma ideia, uma ótima ideia! Não é uma luz como inteligência, mas
vai entender, claro como água. (tira sob o cama uma mala de papelão velha e suja. Ele
abre na cama. Com nojo) Que sujo! Como se fosse te emprestar alguma coisa. Cheira a
milanesas. (procura alguma peça de roupa, levanta um colchão e puxa um par de meias
que ele coloca na mala. Sacode um sapato até que as outras meias caem, muito
empoeiradas, amarradas com um nó, que também guarda na mala. Faz o mesmo com uma
camiseta furada que ele tira de uma gaveta) o que mais ele tem? Uma calça. Ele está com
duas calças, uma. (procura nas gavetas) Onde estará? (com uma exclamação de alegria,
ele o descobre no chão junto do rodo de limpeza, levanta e sacode) está molhada. (Ele
dobra, coloca dentro da mala) Vou colocar a mala no corredor; se ele voltar, perceberá a
intenção. Não quero compromissos. Um cara que tem problemas com a polícia, não é bom
tê-lo por perto. Ou colocarei a mala na porta da frente. Se alguém pegar azar. (fecha a
mala, pega com muita força, mas a mala não está pesada e a força foi em excesso.
intrigado) não têm peso algum...! Vou colocar alguns jornais. Ele verá que não tenho má
vontade. Meu e seu. Aqui começa a boa vontade. Se o seu não existe, que pena. Os jornais
foram comprados por Ignacio. Deixe que ele os leve embora. (enche a mala com os jornais
velho, ele os pressiona com esforço e os fecha. Levante a mala e coloca no chão) agora
sim pesa. (um silêncio) Me sinto bem! (inspira e expira profundamente) Dois colchões.
Vou colocar os dois juntos colchões e ... (decidido) Vou começar a olhar para as mulheres.
(sobe no banquinho e abre a janela. Olha para fora com meio corpo para fora ele tira um
pente do bolso e penteia o cabelo) Vou tentar a primeira coisa que vier. Gorda ou magra,
velha ou jovem. Para testar, eu não devo ser pretencioso. (com uma risada) basta que não
me falte o essencial! (olha enojado) e esta? De onde veio? Tão seca! Está tudo bem
conformar-se. Mas não tem nada! (ele se volta para o interior da do espaço comentando)
você viu isso Ignacio? (para de forma seca, furioso) com dois colchões é mais fácil, estava
estragando meus programas. (olha de novo) E isso? É uma vaca! Se eu trouxer, isso me
sufoca. E tudo pintado! Que nojo! A cara que você vai ter quando se levantar! Melhor
dormir com um cuco! (puxa metade do corpo para fora, agora na direção oposta e grita)
Ei! Você acha que tudo é feito com seus peitos? Mulher gorda! (risos, mas que se
interrompem abruptamente e fecha a janela, assustado) Você me ouviu? (sai do banco,
vai até a porta da frente e trava) que azar! Eu estava no canto beijando aquela cara ... era
um boi ... (risos sem ânimo) claro, a vaca com o boi! Tenho tempo. Hoje alguém vai cair
nos meus braços. Paciência. Agora estou só. A casa é minha, os colchões são meus. Vou
alugar este cômodo e viver de aluguéis. As mulheres estão interessadas. (abre uma fenda
na janela e espia. Se acalma e se abre completamente, inclinando-se sobre a borda) que
carência de mulheres! Onde elas estão? Mas tenho todo tempo do mundo... (vê alguma
coisa e fica em silêncio) como é possível? (chateado) não há segurança alguma, ninguém é
confiável! (Ele fecha a janela apressadamente. Ele dá alguns passos através do quarto,
esfregando as mãos de uma forma estranha, como um aplauso, muito nervoso. Olha para
a mala, pega-a) vou colocar a mala na rua, então ele vai entender ... mais claramente como
água. (abre decisivamente. Ignácio está no limiar, a mesma aparência, apenas o ar um
pouco mais espancado. Lorenzo muda a cor, gaguejando) Olá...
LORENZO: (gagueja) Eu não ... trouxe para você ... sua ... sua mala ...
LORENZO: Onde? ... Achei que você ainda estava ... no ... (pausa) Eu me sinto ... mal ...
(para sua surpresa, Ignacio caminha na frente dele sem olhar para ele, ele atravessa o
quarto e se deita na cama. Lorenzo também entra, senta em uma cadeira próximo à mesa.
silêncio) sobre o que você quer que eu fale? (um silêncio. perde a segurança) Me sinto ...
indis ... indisposto ... (começa a tremer violentamente, ele é sincero, mas exagera. silêncio.
de repente) por que você está com essa voz?
IGNACIO: Tive um resfriado. Eu estava rouco.
IGNACIO: Errado.
LORENZO: (espantado) errado? por quê? (com suspeita) Não. Eu reconheço sua voz.
Você é Ignácio ou mandou outra pessoa? Você é muito capaz. (ele sobe na cadeira e olha
para ele. sociável) como eles trataram você?
LORENZO: Sim? Que legal! Eles eram amigáveis. Eles foram legais comigo e com
você? Claro, atirar pedras em um menino não causam uma boa impressão em ninguém,
exceto para aqueles que devem cuidar...
LORENZO: (mais animado com a conversa) Não? Ah, foi pelo roubo de quatro milhões?
(sorri) você acreditou? foi uma piada! Se houvesse os telegramas, o selo postal, tudo
estava na mesa.
IGNACIO: Também não foi por isso. Eles ficaram ... desconfiado. (triste e magoado)
Lorenzo, por que você fez isso comigo?
LORENZO: (pedindo licença como uma criança) O que eu fiz pra você? Eu não fiz nada
para você. Eles acharam você suspeito. Quero dizer ... eles não gostavam de você. Assim
como você teria ... (não quer rir, mas é tentado) é por isso! O que você está me contando!
Eu acabei sendo legal! Que alegria me dá ... ser bonzinho! Eu sou simpático! (Ele ri
transbordando enquanto Ignacio olha para ele. Ele para aos poucos, ele desvia o olhar
conscientemente do olhar de Ignacio, coloca os cotovelos na mesa e começa a coçar a
cabeça. Um silêncio doloroso)
LORENZO: (inclina o rosto contra a mesa e começa a chorar) Eu não queria ...
machucar você ... eu só pensei ... na casa. eu gosto desta casa. Eu gosto ... (levanta a
cabeça) do jeito que você ri. É por isso que eu faço piadas, para que você ria o mínimo
possível.
LORENZO: Eu não perco. Toda vez que... você ri, você tira algo de mim, o que não é
meu. E por quê? Por que estou rindo assim? (sorrisos forçados, risadas) Eu não gosto
disso! (com desânimo) Eu desejo o seu jeito de rir ... e ... e não adianta. Eu não consigo,
Ignacio ... (silêncio de Ignacio) Eu não queria que eles machucassem você. somos irmãos,
nascemos juntos. Se você morrer eu posso ficar com tudo, com as camas ... e ... e as
cadeiras ... e ... mas eu não quero que você morra. Não quero, não quero machucar você,
Ignacio! (chora) Eu sou um cretino, um cretino! (Ignacio se levanta e olha para ele.
Lorenzo chora, mas com menos sinceridade agora, espie com o canto do olho o efeito do
choro dele, exagera ligeiramente)
(Lorenzo mostra um sorriso de palhaço e triunfante para um lado, então ele se vira para
Ignacio e mostra a ele o rosto triste e arrependido)
CENA 4
A mesma sala. Lorenzo está na frente da mesa usando luvas de borracha com gestos de
cirurgião. ele parece feliz e ocupado. Na mesa, papel, tinta e um livro. Da porta que dá
para o pátio, Ignacio joga um avião de plástico que atinge Lorenzo na cabeça.
LORENZO: (fica furioso) o que você está fazendo? Assim você vai atrasar. Se cada vez
que você montar um brinquedo, você se divertir brincando, não vai adiantar muito. Depois
você reclama que não temos dinheiro.
LORENZO: Eu? Eu só trabalho por prazer. E também por prazer, fico entediado.
LORENZO: (muito digno) não falávamos de mim. mas eu vou te responder. Eu não quero
sujar minhas mãos. Você terminou o trabalho?
IGNACIO: Não.
LORENZO: Se apresse. Você sabe muito bem que sou inútil para ganhar a vida.
IGNACIO: (indo para o pátio) hoje eu termino. (volta em seguida com um saco tecido
cheio de brinquedos de plástico, esvazia-o no chão, senta-se e começa a colocá-los juntos)
LORENZO: (começa a escrever com cuidado. Então dobra o envelope) por favor, não
pare na padaria novamente. O pão parecia pedra.
LORENZO: Que idiota! (uma pausa) eles ainda têm toda aquela porcaria.
IGNÁCIO: (feliz) quanto mais pão eu compro mais eu posso falar ela.
Lorenzo: você tem gosto! Mas sobre gosto, não há nada escrito. Essa garota é esquisita.
IGNACIO: ela é fofa. (timidamente) Eu gostaria de me casar, morar aqui.
IGNACIO: Não.
LORENZO: às vezes, você é incrivelmente vil. Eu percebo que sobro. Está bem. Se case.
Caim.
IGNACIO: Não, não. Continuaremos a nos ver, você também será amigo da Inês.
IGNACIO: Sim.
LORENZO: Vai quebrar seus dentes. Ele é um galego muito nervoso. Cuida dela, dessa
esquisita!
IGNACIO: Muitos espertinhos vivem entrando na padaria. Quando eles pegam o pão,
esticam os braços demais e a tocam.
IGNACIO: empurra-os para fora. Ele também me olha com olhos ruins. Ontem me
empurrou.
LORENZO: Também! Por que você não esperou que a garota se desenvolvesse?
LORENZO: Hum! Isso poderia acontecer, exceto pelo rosto. As pernas dela são tortas,
mãos comuns e, de cima para baixo, tudo em uma só peça: sem cintura. Poderia passar,
mas não é meu tipo.
IGNACIO: (levanta-se e vai até a mesa. Lorenzo esconde tudo com as mãos) O que você
escreve?
Lorenzo: Na hora certa! Eu usei seu papel. Por que você não o fez imprimir o seu nome?
LORENZO: Que bagunça! Para que eu saiba que é seu! Está tudo com marcas de dedos.
Você poderia lavar as mãos às vezes.
IGNACIO: É verdade. Inés é muito limpa. Ela nem mesmo tem sujeira sob as unhas.
Lorenzo, realmente te incomoda ir morar sozinho? Você poderia vir quando você quisesse.
Esta seria sua casa também. (sorri) Se bem que ainda não confiança.
LORENZO: Eu? Sim, sim, eu me tornei estúpido. Mas você sabe por quê? Sou infeliz. Eu
brinco com elas, brinco com elas, e é como se estivesse chovendo.
IGNACIO: Eu insisto.
LORENZO: E se alguma delas me cortasse, o que aconteceria? eu poderia ficar anos de
cama.
IGNACIO: Eu insisto. As mulheres são difíceis, algumas até gostam de esperar. Não
desanime por isso. Insista, mas sem questioná-las. Eles não gostam, elas não são cães.
LORENZO: Sarnento! (se contêm) você vai se sentir confortável aqui quando eu sair.
(sorri estranhamente)
IGNACIO: por que você sorri assim? O que você está fazendo
IGNACIO: (risos) Lorenzo, quer saber ... Vou mandá-la para a infernos!
IGNACIO: Está bem, não. Eu não poderia. Mas podemos ir lá fora. Convencer o papai.
Aqui está um irmão, um amigo.
LORENZO: (olha para ele com clareza) Eu. Poderia ser ... (feliz, Ignacio tira meio pão
do bolso e começa a comê-lo. Lorenzo está absorvido. Pega as cartas) vou mandar estas
cartas para o correio. (tira as luvas de borracha e coloca luvas grossas de lã. É evidente o
cuidado dele em não tocar os cartões com as mãos)
IGNACIO: (vendo as luvas) o que você está fazendo? eles vão te levar a loucura.
LORENZO: não. (coloca os cartões no bolso) por que você está falando com a boca
cheia? posso ver a comida. Você é um merda.
LORENZO: (sorridente e simpático) Vou entregar isso, não sei se pessoalmente ou por
correio. Poderíamos caminhar um pouco mais cedo.
LORENZO: Para eu mesmo. Não repita perguntas. Não quer andar? Eu sinto-me bem,
mas gostaria de ter uma última recordação destes passeios. No fundo, sou sentimental.
(risos. eles andam, braços reciprocamente colocados nos ombros. Marcam o mesmo passo)
LORENZO: (muito sorridente) uma última lembrança, eu disse? claro, se você se casar!
(Depois de um momento, ele ri novamente. Sem saber por que, Ignacio o acompanha na
risada, feliz. eles andam)
CENA 5
O mesmo quarto, dias depois. Há só uma cama agora. A mesa está cheia de
pacotes de pão de padaria, embalados em papel branco, amarrados com uma fita.
Lorenzo está em cima do banco, olhando pela janela, com meio corpo fora,
brincando para as meninas.
LORENZO: (animado) Meu deus que beleza! (angustiado) O que eu digo? Está cedo
breve! Ignacio, você não consegue pensar em nada? (ele se vira, procura por ele como
olhar) para onde ele foi? (debochando) Querida. A ... mor ... zi ... nho ... Que olhos
grandes! (deve receber algum desaforo, porque ele permanece imóvel, perplexo; então
ele espia de novo e grita, furioso) merda! (silêncio) o que você quer? Eu minto para
elas. Elas têm olhos de pássaro, pernas com músculos de boxeador, torto. (se apoia,
chama) Ignácio! (furioso) Ignacio! (Ignacio entra pela porta que dá para o pátio, ele
perdeu seu ar de felicidade) Sinto dor.
LORENZO: Você sabe que não consigo ficar deitado. (Ignacio assobia, indiferente.
Lorenzo, chateado) Ainda dura? Do que você está me acusando agora? Eu não fiz nada
para você.
LORENZO: Ah bem! Você não sabe e me acusa! Que bicho te mordeu? Você vai
pegar uma pneumonia dormindo no quintal. Por que você não sai definitivamente?
IGNACIO: Lembre-se disso! (com brutalidade e furioso) Não consigo mais olhar para o
seu rosto! não consigo mais olhar para o rosto de ninguém!
LORENZO: (atento ao que o interessa) Você me dá a casa, mas sem papéis. Qualquer dia
você pode vir e me dizer: Saia!
IGNACIO: (cada vez mais raivoso) Não tenho ninguém! Ninguém vai
alegar.
IGNACIO: (larga. entristecido) Por que o galego me bateu, Lorenzo? Eu tenho que
descontar em alguém. Por que ele me bateu?
IGNACIO: Ele me bateu e disse: escreva sujeira para sua mãe! Para minha mãe!
IGNACIO: Escreva ... (suspeita algo, olha para Lorenzo que tem uma
expressão inocente) O que você estava escrevendo outro dia? A quem?
LORENZO: A mim mesmo. Amanhã receberei as cartas. Mas não vou deixar você lê-las.
IGNACIO: Você sabe como imitar minha caligrafia, você sabe como copiar ...
LORENZO: Nunca fui capaz de falsificar sua caligrafia perfeitamente. Você é quase
analfabeto.
LORENZO: (à parte, pensativo) Tantas precauções, para quê? Assei com as luvas de
lã. Idiota! Seu idiota galego! Mas o que me falta não é inventivo.
LORENZO: O dinheiro.
IGNACIO: Você é barato. Por que você compraria tanto pão? E bolinhos! ...
IGNACIO: Onde?
IGNACIO: Quais mulheres? (Lorenzo responde com um som de satisfação) Estou indo
embora. agora com certeza vou embora.
LORENZO: Você pode me agradecer pelo trabalho, certo? O fundo está cheio de
sujeira. O que você estava fazendo lá dentro? Comida?
LORENZO: Se você não tem. (Ignácio coloca uma camisa dentro da mala. puxa
uma calça debaixo do rodo de limpeza, agita e guarda) pode levar minha escova
de dente.
IGNACIO: (verificando o guarda roupa, cheio de ternos) De onde você tirou tantas
roupas?
LORENZO: Querido, tenho minhas táticas. Eu não preciso de mulheres. O que você
acha? Eu não sou inútil.
IGNACIO: Você passou notas falsas? (Pausa) Então ... o pão ...
IGNACIO: (enquanto o Fanho continua sacudindo a mala) Está vazia! (os dois
policiais olham para ele sorrindo. O Fanho, divertindo-se, mexa a boca sem emitir
uma palavra. Ignacio, sorrindo perplexo) Não entendo!
(com evidente prazer, o Fanho começa a arrancar o papel. cai uma chuva de
notas falsas)
LORENZO: (para rir pelo nariz. Surpreso, sem ênfase) Notas falsas! Oh, que porco!
(sopra pelo nariz novamente até se engasga e explode em gargalhadas como um
riacho, violentamente)
CENA 6
A calçada da prisão em primeiro plano. A prisão, atrás, é uma cortina pintada simples.
Um velho está sentado no cordão da calçada, movendo os pés de uma forma estranha.
Nunca tira os olhos dos próprios pés. Depois de um momento, Lorenzo entra. Disfarçou-se
de judeu, com um longo sobretudo preto até os tornozelos, chapéu redondo que deixam
escapar os cachos de uma peruca. Fala normalmente. Ele lança um olhar furtivo para a
prisão e aproxima-se do velho que não para de mexer os pés e não olha para ele.
O VELHO: Sento-me aqui todas as tardes, para beber algo fresco. Na minha casa não há
cadeiras, não há ar: estou me afogando.
LORENZO: Procuro um menino baixo, muito moreno, esburacado, com dentes salientes e
óculos. Você o viu?
O VELHO: Não.
LORENZO: Ele é meu filho. É um homem com cara de infeliz. Ele estava perdendo um
dente aqui, no meio ... (aponta para si mesmo, parando) não o viu?
O VELHO: Não.
LORENZO: Não importa. Eles já o levaram. Você o conhece? Você o viu por aqui?
O VELHO: Não importa. (uma pausa) chama-se ... Horácio ... ou Ignacio. Eu pergunto
por ele por que eu quero quebrar sua cara. Ele bateu no meu filho. Não vejo ninguém.
Tento não molhar os pés. O esgoto é abafado. A água não corre e transborda. Se eu ficar
molhado, estou acabado. Na minha idade é algo sério. Um resfriado leva ao túmulo.
LORENZO: Ele está louco? Onde você já viu um judeu chamado Lorenzo? (desconfiado)
não é seu nome Lorenzo?
O VELHO: Não. Faz muito tempo que estou aqui, não vejo ninguém, não ligam para
mim.
(Enquanto falava, Lorenzo apareceu disfarçado de cego. Com o mesmo sobretudo, mas
ele mudou sua peruca, ele usa uma de cabelo comprido nos ombros. Usa óculos escuros e
segura uma bengala com a qual sente a borda da calçada. Quando ele alcança o velho,
ele o espanca violentamente, mas como se ele não tivesse notado sua presença)
O VELHO: (ainda mexendo os pés, protegendo-se com os braços) Ai! Oh irmão, aqui
estou eu! Um velho.
O VELHO: Não.
LORENZO: Os velhos são sempre miseráveis. Para quê? Se apenas os ossos entraram no
túmulo. Quanto mede? Um e setenta? Deixe tudo de fora, mesquinho. Isso o tornará
menor.
O VELHO: (sinceramente assustado) Meu jovem? Você acha que a mim sempre gostei
de estar confortável. Eu não sou mesquinho. (mexe no seu bolso, ele apalpa uma moeda
que Lorenzo pega avidamente) toma, não tenho mais. Tenha cuidado com a água.
O VELHO: Sim, transborda pelo esgoto. No dia que eu conseguir um pedaço de pau, vou
desentupir. Mas é difícil conseguir um pedaço de pau.
O VELHO: Você vem sempre aqui? Você vê, eu nunca vi isso. Eu gosto de cegos: não
veem.
LORENZO: Venho todos os dias. Você sabe por quê? É um lugar ideal para esmolas.
(aponta para a prisão) as pessoas de lá são boas. O pessoal, é claro. Havia um dos
prisioneiros que estava me prostituindo. Nunca viu isso?
O VELHO: Não.
LORENZO: Faz muito tempo que não ouço isso. Eles o devem ter libertado. Você não
viu se eles o deixaram livre?
O VELHO: Eu nunca vi ninguém. Também pode ser que ele tenha morrido.
O VELHO: Sim. Melhor para você. É feio que baguncem você. (toca acidentalmente a
bengala de Lorenzo) Você tem um pedaço de madeira?
O VELHO: Sente-se aqui. tenha cuidado para não molhar os pés. Com a bengala eu posso
desentupir o esgoto. Me dê isto! (tateando, estende a mão)
LORENZO: (bate nele com a bengala) Fica parado aí! (Coloca a bengala debaixo do
braço) se ele está morto, não voltarei. Mas quem pode ouvir este velho? Delirante.
(resmunga furiosamente ao sair) perda de tempo!
O VELHO: Por que me bateu? Você também é um homem velho. E cego, ainda por cima
de todos os males. (tateando sua mão, primeiro com cuidado, e então mais livremente)
onde está? me empresta a bengala. Ninguém vai tirá-la. Eu sei disso. Eu vou cuidar de
você. Eu gosto de cego. Empresta-me a bengala? (espera) sem resposta? se foi? (mais
tarde de uma pausa) me responda, você foi embora? (pausa, suspiro) sim, ele se foi. Que
figura! Eu não gosto de cegos: eles não veem nada, eles não querem que os outros vejam.
A cena teria sido ideal. Eu poderia ter empurrado toda a sujeira, com a mão me dá nojo.
Então fico aqui tomando ar fresco, mas não gosto disso. Aquele egoísta! O que isso teria
custado a ele?
LORENZO: (muito baixo) Ignácio ...! (inclina-se, colocando os sapatos na lama, olhando
para o chão, e com um fio de voz) Ignacio ...! (pausa curta) mas não me chame pelo meu
nome, idiota. Não me comprometa. Só estou interessado na sua saúde. Não me
comprometo: Mal de muitos, consolo de tolos.
O VELHO: (feliz, sem parar para mexer os pés) Eu desentupi! A água corre! Havia um
cheiro ruim. Não conseguia parar de mover meus pés. Estou tão usado!
O VELHO: Não!
LORENZO: então não fale comigo! (grita) Eu compro garrafas, cama velha, trapo velho,
Ignacio, jornal velho!
(O homem sorridente sai. Ele olha para os dois lados da rua e chama Lorenzo, sem
reconhecer)
LORENZO: (diligentemente, ele vai até o velho e com um empurrão ele avança para o
Sorridente) Uau!
(Lorenzo corre para pegar o carrinho e o empurra em direção a saída. Mas lá está o
Fanho, acompanhado por um menino. O Fanho abre os braços e empurra Lorenzo)
POLICIAL FANHO: por que tanto trabalho? (para o sorridente) são suficientes?
POLICIAL FANHO: (Que fala normalmente e não o reconhece. Surpreso) Sim. Sempre.
Por quê?
LORENZO: Não, não. Eu dizia que eu ... eu fiquei em silêncio por um longo tempo.
Depois eu me curei, com um susto. Agora eu falo tudo. Quando criança, eu também mal
falava. Não sabia com quem falar.
POLICIAL FANHO: (afável) Bem, sim. Chega disso. O rosto dele ... eu acho conhecido.
LORENZO: Meu rosto? Claro. Existem milhares como este! Repugnante e vulgar. Olha,
olha meu perfil. Não vale nada!
POLICIAL SORRIDENTE: estamos atrasados!
LORENZO: (obstinado) Sim, sim. Como não! A suas ordens. (atira diligentemente a
carga do carrinho no chão, garrafas, resto de vassoura, uma bacia enferrujada)
(Todos se posicionam em linha, Lorenzo corre para ficar em primeiro lugar. Fingindo
esperar, os policiais saem e eles voltam instantaneamente trazendo um corpo, o de
Ignacio, envolto em um material escasso. Eles o sobem no carrinho com dificuldade em
acomodá-lo. A cabeça está escondida, mas um braço e uma perna escapam deles, e isso se
repete várias vezes. Entre o cadáver que não quer se estabelecer e a polícia que insiste em
o fazer, há uma briga com violência teimosa e contida. Finalmente os policiais optam por
dobrar a cabeça sobre as pernas. Do interior da prisão, alguém joga uma pá. cai
diretamente sobre Lorenzo que grita de dor.)
POLICIAL SORRIDENTE: Nós iremos para o campo. Está fresco, o sol está brilhando.
Vamos caminhar devagar. Não vamos tomar isso como um trabalho.
POLICIAL SORRIDENTE: Então, para o campo! (Lorenzo agarra com força a alça do
carrinho que o velho pretendia agarrar e empurra com um suspiro alto, liderando a fila.
Saem)
CENA 7
Um campo vazio. Os dois policiais estão sentados na grama com as pernas cruzadas.
Respiram fundo e alternadamente, com prazer. O fanho cheira uma flor com deleite. O
velho e o jovem estão atrás deles, de pé. Lorenzo pega a pá e escava. em uma
extremidade, do carrinho. Silencio.
O VELHO: (timidamente) tinha uma vaca na estrada. Você viu isso? (Ninguém presta
atenção nele. Outro silêncio. Ele se aproxima Lorenzo toca seu ombro com um dedo.
Lorenzo se vira. o velho, apontando para a pá. timidamente) Posso? Eu gostaria de ...
pegar algumas pás. Fazer algum exercício. (ansioso) é uma boa oportunidade, sabe?
LORENZO: (olha para ele mal-humorado) A pá foi jogada em mim. Eu sou o mais
treinado, o mais forte. Sinto muito. (vira as costas para ele e continua escavação. O velho
permanece imóvel, ansioso, sem acreditar no seu completo fracasso)
O VELHO: na estrada, havia uma vaca. nunca vi uma vaca, tão perto. (trazendo as costas
da mão para a bochecha) Queria ter... tocado nela. Elas têm uma pele quente e sedosa. E
parecia boa ... uma boa vaca parecia ... (um silêncio)
O VELHO: (volta sua atenção para Lorenzo, tímido e ansioso) Permite-me ... (estende a
mão e Lorenzo, mal, abandona a pá. o velho, com um sorriso, pega e mal consegue dar
dois golpes desajeitadamente quando Lorenzo a arranca de suas mãos)
O VELHO: (mortificado) Dê para mim! (para responder, Lorenzo, ofegante, sopra como
um apito) E ainda por cima, não me atrevi a tocar nela ... na vaca. Eu fiquei com o desejo.
(sem esperança) por que desentupi o esgoto? na minha idade... ficar com um desejo. Com
dois...
(os dois policiais se aproximam do carrinho e puxam as pontas do tecido. Ignacio cai no
chão. Lorenzo vai até ele rapidamente. Seu olhar muda)
LORENZO: (tocando Ignácio com o pé) quem é esse? eu não sei. (apressado) Eu nem me
importo. Cada um tem o destino que merece. este ... este deve ter sido um belo cretino.
POLICIAL FANHO e SORRIDENTE: (sem ouvir) Até logo, rapazes! Vamos repetir.
Obrigado novamente! Até logo! (Vão saindo, pegando a pá e o carrinho. Silêncio)
O VELHO: E ainda por cima, fiquei com o desejo de tocar na vaca. Não terei outra
oportunidade.
O VELHO: Não ... deve ter adormecido. E bom ... parecia uma boa vaca ... e você..
O VELHO: Seu pai! Conte a seu pai o que você fez comigo! Você verá. Ofender um
velho assim... (vai até a saída e para) por duas tacadas ... (sai)
LORENZO: (furioso) Para com isso, inútil! Eu não tenho pai, já deveria ser sepultado.
Morrer! (ele se vira para o jovem, que permaneceu deitado de costas, ao lado do túmulo.
Alterado) E você que faz? Por que não vai embora?
LORENZO: Quem?
JOVEM: Eu pensei que ... você o conhecia. Seus olhos estavam abertos, cinzentos.
LORENZO: Cala a boca! Metido! Sujo! Por que não vai embora?
(entrelaça os dedos das mãos unidas, pula sobre ele, martelando com as mãos unidas, ele
o golpeia violentamente entre os ombros) Vá embora, vá embora! (O menino se inclina
para longe, com a cabeça escondida entre os ombros para se proteger contra os golpes, e
sai tropeçando) Não dirija a palavra a mim! Se eu o conhecia? O que eu sei se ele tinha
olhos cinzentos? Vá comprometer ... a ... a ... (por falta de outra palavra, ele explode) sua
avó! (volta e se senta ao lado do túmulo. ainda furioso) você ouviu, Ignácio? Querendo
me comprometer! (um silêncio. chama, desconfiado, testando) Ignacio ... Ignacio! (espera)
não tenha medo, não vou mais ligar para você. Eu tentei. Eu queria ter certeza. Essa é a pio
surpresa que você já me deu na vida. E agora, morto, você me bate! Para que você quer
estar morto? Hein? para que? Para me derrubar! (sem se mover) Estou saindo. São vinte
quarteirões para casa, para minha casa. Tudo foi deixado para mim, as paredes, as portas.
Tudo foi deixado para mim, até a coisa que mais me incomodava, sua risada.
(humildemente) Eu queria sua risada, Ignacio. E eu queria ... sua paciência ... que
resistência! De verdade, nascemos juntos, você era meu irmão? (ele ri, mas para
imediatamente) Também me incomodou ... o que você pensava. (com raiva) porque você
achou que eu era seu irmão, você não parou de pensar nisso nem por um minuto, eu
percebi. Não poderíamos viver no mesmo quarto, sem compartilhar nada. Eu não queria
compartilhar nada, seu estúpido! (em silêncio. sem se mexer) Estou saindo. para ver se eu
tenho o seu sorriso. (sorri um sorriso horrível e forçado, apenas dentes) Sim, sim. É seu,
me desculpe, tenho que ir embora. (Silêncio. Segue sentado imóvel, aos poucos o sorriso
desaparece. Se encolhe) Que frio. Estou indo, agora estou indo. (fica imóvel e quieto.
Timidamente desolado) Ignacio, Ignacio ...
(ele se curva em uma pose semelhante à de Ignacio no carrinho com a cabeça nos joelhos.
um grande silêncio)
FIM