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Traduzido do Espanhol para o Português

OS SIAMESES
GRISELDA GAMBARO (Tradução: Caroline Alves)
PERSONAGENS

- Lorenzo

- Ignacio

Dois Policiais:

- O Sorridente

- O fanho

Três companheiros para um enterro:

- 1º velho

- 2º velho

- O menino (jovem)
PRIMEIRO ATO

CENA 1

O interior de um palco mobiliado com uma pequena mesa de pinho, um banco, três
cadeiras, um armário danificado e duas camas de solteiro com os colchões à vista,
sem lençóis, mas com dois cobertores velhos nos pés. Sobre a mesa, uma garrafa de
água e dois vidros. Em um canto, no chão, uma pilha muito alta de antigos jornais.
Uma porta para a rua. Longe desta porta, mas também virada para rua, uma janela
alta fechada, sem cortinas. Outra porta, com uma cortina de lona gasta, conduz a um
pátio interior.

À medida que a cortina sobe, a cena parece vazia por alguns momentos.

Então você ouve os passos de alguém que vem correndo. Lorenzo entra e fecha
imediatamente a porta com uma chave, como se alguém o estivesse perseguindo.
Com imenso alívio, ele se inclina na parede e começa a rir com gargalhadas. É
evidente que ele acabou de escapou de um perigo e o celebra, mesmo que a fadiga
corte seu riso, o torne espasmódico. Pouco a pouco, pare de rir. Uma pausa.

LORENZO: (respirando com agitação) Eu fugi! Posso ... correr melhor sozinho ...
do que ... acompanhado. (Dando tapinhas de carinho em si mesmo) Que corrida!
(Inclinando-se, pontuando e modelando a panturrilha) Músculos de corredor! Sim,
são músculos de corredor, fortes, resistentes. Por que não me dediquei ao esporte?
Meu nome está nos jornais. O grande ... grande ... grande ... (deslizando, apoiado na
porta, até ficar sentado no chão, exausto). Eu poderia ... ter continuado ... correndo ...
até ... até ... (repentinamente lembra-se de algo engraçado e começa a rir) Ignacio,
coitado do Ignacio com suas pernas de borracha! (sem poder parar, ri com dificuldade
e fadiga. só é interrompido quando movimentam a maçaneta e batem à porta. Ouve-se
a voz agita e angustiada de Ignacio).

VOZ DE IGNACIO: Abra, Lorenzo! Por que você trancou a porta? Abra! (Lorenzo
escuta com certo ar de atenção e não responde) Abra que está chegando! Não seja
louco! Abras!

LORENZO: (sem se mover) Já vai! (baixo, quase arrependido) Está frito.


VOZ DO IGNACIO: (cada vez com mais urgência) Abra de uma vez! Por que você
fechou? Maldito seja! (desesperado) Estão vindo atrás de mim! Abra!

LORENZO: (com voz tranquila, mas sem mover) Eu abro! Está sozinho?

VOZ DO IGNACIO: Abra!

LORENZO: Agora mesmo! O que acontece é que minha unha ficou presa!

VOZ DO IGNACIO: Por que você trancou a porta?

LORENZO: Você não acredita em mim? Ficou ... presa nas minhas calças. Improvável.

VOZ DO IGNACIO: Abra!

LORENZO: Está sozinho?

VOZ DOIGNACIO: Ele virou a esquina! (Quase chorando de desespero) Por favor,
abra, por favor, abra! (Bate, sacode a maçaneta)

LORENZO: (incomodado) Não quebre a porta! Está sozinho? É o que eu perguntei


a você. (levanta a voz. Com boa vontade) Você me escuta? Posso te passar um
pedaço de papel por baixo da porta? (levanta-se, pega um papel da gaveta da mesa e
escreve algo, primeiro em pé, depois pega uma cadeira e senta-se. escreve
lentamente, com dificuldade e compostura. Ignácio continua a bater na porta)

VOZ DO IGNACIO: Por que você não abre para mim? (Desesperado) Eu ... eu
... eu vou te arranjar uma garota. Ele vai me alcançar! Não seja um idiota!
Lorenzo, Lorenzo!

LORENZO: (levanta a vista do papel, depois se apoia sobre a mesa e pergunta,


calmamente) ele está perto? você está me escutando? Te perguntei se está perto! Se
não, posso abrir e ele pular em cima de mim. Eu não quero surpresas. Está próximo?
Você me escuta? (ele presta atenção um momento, mas apenas se escuta oz gritos
desesperados de Ignácio dizendo “abra, abra” e suas batidas contra a porta. Lorenzo
desdenhoso) não, você não ouve nada. seu medo não permite que você ouça nada.
(senta-se de novo) melhor escrever isso também. (enquanto escreve lentamente) caro
Ignácio, pergunto se está perto ... (levanta a cabeça de forma dúbia e coça o queixo.
De repente, ouve-se um uivo de Ignácio e o som de um corpo sendo lançado
violentamente contra a porta. Lorenzo confuso) Escrevo sobre seu medo ou não? não,
ele ficará ofendido. Quanta distinção! (levanta a cabeça e escuta tranquilo e
arrependido) eles vão quebrar a porta. (levanta-se e passa o papel por baixo da porta)
espera, vou passar o lápis para você. (passa o lápis por baixo da porta) responda-me
por escrito! Eu quero saber se você está sozinho! (ouvindo com o mesmo ar de
atenção, param os sons de golpes. Os uivos e gritos de Ignácio se transformaram em
gemidos que diminuem e cessam. Lorenzo coloca seu ouvido contra a porta. Silêncio.
Bate na porta e chama suavemente) Ignácio? (pausa) Ignácio! (ouve-se um ruído como
resposta) você não pode falar? tem gente com você aí? (silêncio) você recebeu meu
obituário? (fica longe, aborrecido) Cala a boca, cala a boca! como devemos nos
entender? (aproxima-se da porta de novo, por baixo) você está sozinho? Ele já foi?
(por resposta, um ressonar afirmativo. Lorenzo, quase tristemente) Por que você não
foi a outro lugar? Portas fechadas são portas fechadas. (dando uma risada) Já as portas
abertas estão abertas, desde o início. isso é visto nos meninos. quando menino, dei
todos os brinquedos, queria ser bonzinho. (se descobrindo feliz) não dá para se ver nos
meninos, não tenho nada a ver com o menino que fui: não dou nada, fecho as portas
(rindo) fui uma criança parricida1. E você, Ignácio? nascemos juntos e não me lembro
como você era antes. (um silêncio) você não pode me responder alguma coisa, uma
linha que seja? falar sozinho me entedia. (desce e espia pelo olho da fechadura) O que
há? sua cabeça? eu vejo tudo preto, o que é? afaste-se um pouco. Devo escrever para
você? (dúvida) Não, é inútil. ele é quase analfabeto. (olha novamente e ri) você foi
parar no chão! (vê algo que o impressiona e para de rir. Volta-se, apoia-se na porta e
fecha os olhos. Com súbito assombro) olha só como te deixaram! Que pena! Ignácio,
Ignácio! você pode me ouvir? você desmaiou? (agarra-lhe o lado com as duas mãos,
como se uma dor intensa pudesse atacá-lo repentinamente) Aí! (cai de joelhos e
rasteja até a mesa, tira alguns comprimidos de uma gaveta e toma um com um copo
d'água. de joelhos volta para a porta. Com dor) Ignácio, levanta, eu preciso de você.
(permanece inclinado na porta, agitado com gritos de dor)

VOZ DO IGNACIO: (longe e fraco) Lorenzo ...

LORENZO: (alerta) Sim!

VOZ DO IGNACIO: Abra a porta.

1
PARRICIDA: Quem matou seu pai ou sua mãe ou outro qualquer dos seus ascendentes; que ou quem cometeu
parricídio | Pessoa que atenta contra o rei ou contra a pátria.
LORENZO: (com dúvida, morde os lábios) Ele foi embora?

VOZ DO IGNACIO: Sim, ele já foi.

LORENZO: (desconfiado) Tem certeza? E se ele voltar?

VOZ DO IGNACIO: (desmaiando) Não. (Pausa) Não. Ele não vai voltar.

LORENZO: Como sabes? Isso vai atingir nós dois. Se ele me vir, vai se lembrar que
estávamos juntos e vai começar a repetir os golpes.

VOZ DO IGNACIO: Não.

LORENZO: E não vai me atingir sozinho. Um golpe para mim, outro para você.
Você receberá outra surra, para quê? Você não vai aguentar. Seja paciente, hein? Eu
dormi, por que você não dorme um pouco? As saliências vão sarar durante o sono.
Descanse bem.

VOZ DO IGNACIO: Me dê água.

LORENZO: (solicito) Sim, sim, eu te dou água. Como não! Tudo o que você quer.
(ele levanta-se, agora sem mostrar dor, e enche um copo de água. Caminha
decididamente em direção à porta, vê-a fechada e, sem vacilar, se inclina e faz a
água correr por baixo da porta, empurra-a com um rodo carinhosamente) Você
pode? (olha pelo buraco da fechadura) Devagar ... Devagar ... Não seja tímido. O
que você cuspiu? (ofendido) Minha água? (olha e ri divertindo-se) Um dente! Bem o
do meio! Sua beleza ... (rindo) para onde foi? Agora você pode trabalhar em um
circo! (interrompe o riso. Sincero) sinto muito. Eu não queria te machucar.

VOZ DO IGNACIO: (sem vida) Lorenzo. Lorenzo.

LORENZO: (com peso) Não me chame. O que aconteceu? Eu não consigo abrir. Se
ele voltar, ele vai bater em nós dois. Ele é um cara forte, muito duro. Não vai
distinguir. Ele não fala: “eu bati nesse aqui e agora vou deixar ele sozinho, coitado.
Então vou me dedicar a este.” (apontando) a mim. Não vai dizer isso. Ele vai bater em
você de novo, pobre Ignacio. Por outro lado, se ele te vir no chão, todo sangrando,
desdentado ... Parece um bicho, mas ninguém bate em alguém caído. Eu acho ... E se
você fosse um cadáver, ainda você estaria mais seguro.
VOZ DO IGNACIO: Lorenzo...

LORENZO: (muito irritado) “Lorenzo, Lorenzo!” Eu não abro! Me deixe em paz!

VOZ DO IGNACIO: Me dói todo o corpo...

LORENZO: (Compreensivo) Você quer mais água? Você sabe o que vou fazer? Vou
deitar-me aqui no chão. Você está satisfeito? Não quero que você se sinta sozinho,
Ignacio. Isso te ajuda, te consola? (se deita bem próximo da porta) Que sonho!
(Ignácio arranha a porta. Incomodado) O que você está coçando? Se você faz
barulho fica impossível fechar os olhos. (o barulho cessa) estou cansado, depois
dessa corrida... Você não está? (Pausa) Você poderia responder! (levanta-se e espia
pelo buraco da fechadura. despreocupado) Ele adormeceu. É um cavalo adormecido.
(deita-se e coloca os braços cruzados sob a cabeça) Que desconfortável! (apoia-se
sobre um cotovelo e olha com ansiedade para as camas. levanta-se e pega uma
almofada) vou dormir no chão, prometi. Mas a cabeça não tem nada a ver com
minhas promessas. Além disso, a coisa mais delicada está na cabeça. Não é uma
questão de arriscar o material. (bate com os nós dos dedos) Ignacio, você concorda?
(silêncio) Obrigado, eu sabia que você iria entender. (Deita-se) Sim, estou mais
confortável. (Cruza as pernas e sacode uma no ar. Se pergunta confuso) Foi minha
culpa, foi culpa dele, quem atirou a pedra? (zumbidos) Quem tocou a campainha do
gato? (sincero) Desconfio que ... a pedra foi atirada por mim. Mas quem é capaz de
distinguir entre os dois? Eu não posso. Somos iguais. Essa é a nossa desgraça. Somos
tão iguais que nossas ações são confusas. (engraçado) Em uma palavra: a mão que
jogou a pedra é indistinguível. Pobre Ignacio! Que surra! (levanta-se e olha através
da fechadura) Como ele dorme! E como ronca! Está todo sujo de sangue. Como você
pode dormir assim? Todo sujo! Ele não está morto, está? (espera um momento de
silêncio. piada) Ignacio, Ignacio! (Pausa) Não. Respire. (Tremendo e rindo) Ele não
teria se perdido muito. Mas ainda não estou curado, preciso disso. Como enfermeiro,
ele deixa muito a desejar. Ele é tão negligente com minhas pílulas! (Lança outro
olhar pela fechadura) Coitadinho! Seu rosto mudou. Agora eles não vão nos
confundir. (Deita-se para baixo) Como isso é estranho! Não estou acostumado, meus
ossos doem. Ele ronca. E eu não consigo dormir. É injusto. (Pausa) Como meus
ossos doem, não sinto arrependimento, não me importa nada. Entretanto tenho que
me desculpar. (olha para a cama. ele se levanta e puxa o colchão para fora. arrasta-
o para a porta. vai mentar, olha para o colchão da cama do Ignácio, também arrasta
e coloca-o em cima do outro com evidente satisfação.) Agora sim. (salta) Que
confortável! Eu posso pensar. Novamente, eu sinto muito. Tenho que fazer algo para
compensar a surra. Dormir no chão é o suficiente? Sim, sim, o suficiente e bastante.
(Agarra as mãos nos joelhos e sacode as pernas no ar, como se estivesse correndo.
Divertindo-se.) Correndo com suas pernas de borracha! (pega um dos cobertores pela
ponta e arrasta-o para perto. Cobre-se.) Pa-pa-pa-pa-! (sem convicção) Pobre
Ignacio ...! Se eu tivesse minha garota no colchão ... (avidamente)

VOZ DO IGNACIO: (longe e fraco) Lorenzo ... Lo ... ren ... zo ... (arranhando a
porta. Lorenzo vira-se e abraça o cobertor. Risos entre os sonhos. só se ouve o
arranhar na porta até que cesse completamente)
CENA 2

A mesma sala, na manhã seguinte. os colchões desapareceram. Lorenzo aparece


com o ouvido colado na porta. Está com o cabelo recentemente penteado e
colocou um casaco. Escuta. um silêncio.

LORENZO: Ignacio! Ignacio, como você está? Como? Não te escuto! Fale mais
alto. Ignacio, eu quero sair. (um silêncio) Libere a porta, por favor.

VOZ DO IGNACIO: Abra para mim.

LORENZO: Outra vez? Porque não vai embora? Eu tenho que sair.

VOZ DO IGNACIO: Abra para mim!

LORENZO: (Irritado) Eu disse não! Vá embora. Eu não te conheço.

VOZ DO IGNACIO: Tudo bem. Você não me conhece. Eu também não. Mas abra!

LORENZO: Como posso abrir se não te conheço? (rindo) Muito risco, querido.
Você vende alguma coisa? (Ignacio furioso resmunga algo inaudível. Lorenzo
compreende que ele está reclamando. ofendido) O quê? Não preciso! Me deixe
sair!

VOZ DO IGNACIO: Eu vou entrar! Abra!

LORENZO: (mudando o tom) A chuva foi boa para você ontem à noite? Deve ter
refrescado seu rosto. (Espia pela fechadura) Não vejo nada. (Rindo) Agora sim. Sua
camisa está aberta e posso ver seu umbigo. Eles fizeram seu nó errado. (Ouve-se
batidas violentas na porta. Se afasta) Ei! Calma! Eu deveria ser o impaciente. Estou
querendo sair há três horas. Três horas! Por que não vai embora? Ande até a esquina e
pegue um ônibus. Portanto, não nos veremos. Você tem que descansar das pessoas. Por
alguns dias, dormi na rua. Nada vai acontecer com você. Você se tornará mais homem.
(Rindo) Você precisa disso! (espia de novo) Ignacio? (silêncio) Ignacio! (extremamente
cauteloso, abre a porta. mas Ignácio, que esperava escondido, trava a porta com o pé
e a empurra com tanta violência que Lorenzo vai parar no chão. Ofendido.) Que
delicado! (Entra Ignácio. não se parece com Lorenzo em nada. está faltando seu dente
do meio e tem o rosto machucado. limpa a boca com um lenço manchado de sangue e
deixa-o na mesa. Lorenzo se virá rapidamente com nojo.) Não seja sujo! (joga o pano
no chão; com o mesmo gesto de nojo, corre até um canto. ignacio se senta em uma
cadeira, olha para as camas com a intenção de deitar-se)

IGNACIO: Onde estão os colchões?

LORENZO: Lá fora, no quintal.

IGNACIO: (muito cansado) Traga-os.

LORENZO: Não. Eu os peguei agora.

IGNACIO: Eu quero me deitar.

LORENZO: Eu dormi a noite Eles precisam ser ventilados. Se não, eles são
criadouros de percevejos. Não quero sujeira na casa.

IGNACIO: Por que você não abriu a porta?

LORENZO: (para ganhar tempo) Por que não abri a porta para você? (breve
silêncio) Expliquei por escrito. Você não me respondeu. (ele vai à porta, abre,
procura alguma coisa no chão; volta com um papel amassado e rasgado) Você
manchou tudo com a água. Nenhuma palavra foi lida. Para que me dei ao trabalho?

IGNACIO: (exausto) Traga os colchões.

LORENZO: (negando com a cabeça) Estão ventilando. (Ignácio se levanta)


Não vai buscá-los também. Amarrei com um arame. Eu não quero percevejos.

(Ignácio vai para uma das camas e deita no elástico. Lorenzo olha para ele, tira o
casaco, pega-o da cadeira e deita ao lado do Ignácio)

IGNACIO: (com irritação) O que você está fazendo? Você não tem sua cama?

LORENZO: Gosto de me sentir acompanhado. É horrível dormir no chão,


como um cachorro. Não dormindo, mas tendo insônia.

IGNACIO: Você deveria ter aberto a porta para mim, seu idiota! Vai já para sua
cama! (Lorenzo ronca suavemente) Lorenzo, você está dormindo? (cuidadosamente,
ele começa a empurrá-lo para a borda. mas Lorenzo não está dormido. quando está
prestes a cair da cama, pega a mão de Ignácio e joga-o para o chão)
LORENZO: Você quer me jogar para fora?

IGNACIO: Não.

LORENZO: O que você está dizendo? Você tem uma batata na boca? Não se entende
nada.

IGNACIO: Você não consegue ver que ele me deu um soco nos dentes?

LORENZO: Não, eu não vi. Se eu estivesse deste lado. (senta-se na cama) Tive
uma noite péssima. Dormi no chão. Você sabia disso, certo?

IGNACIO: Sim.

LORENZO: Não estou acostumado. Eu ouvi você roncar.

IGNACIO: (desculpando-se) Eu tenho um sono fácil.

LORENZO: Eu não. Ajude-me a fazer exercícios.

IGNACIO: Agora? Não estou com vontade, Lorenzo.

LORENZO: eu sim. eles bateram em você, mas você roncou. Sorria. (Ignácio olha
para ele, sério. Lorenzo, com um sincero e movente desejo de o ver sorrir) Sorria!
(Ignácio sorri. o seu sorriso é amarelo e impertinente, um pouco ridículo pela
ausência do dente. Lorenzo não pode parar de aproveitar sua vantagem) Você
sorriu: você concorda. (eles começam a andar no espaço. colam, lado a lado, e
executam o mesmo passo)

IGNACIO: Lorenzo ...

LORENZO: O que?

IGNACIO: Eu gostaria ... gostaria de ... cortar o nó.

LORENZO: Que nó?

IGNACIO: Por que não vai?


LORENZO: (olha para ele sem parar de andar e de rir) Essa é boa! A
que se deve?

IGNACIO: Encontre outro amigo. Um infeliz.

LORENZO: (solicito) Você está infeliz?

IGNACIO: Você se aproveita.

LORENZO: Eu? De quem? Ignacio, Ignacio, não seja injusto. Você me


atormenta. Para onde vou? Não onde, mas como?

IGNACIO: Como? Você pode ir para um hotel.

LORENZO: (rindo) Eu não sou um milionário!

IGNACIO: Para uma pensão. Você pode viver ... em uma pensão, certo?

LORENZO: Sim, eu posso, mas você não entende? Como? O que eu faço com você?
Você vai vir comigo?

IGNACIO: Não. Eu vou ficar aqui. É minha casa. Era dos meus pais!

LORENZO: Seus pais eram meus pais.

IGNACIO: Não. Meus pais eram meus e não seus.

LORENZO: Eles têm vergonha de mim. Todo mundo tem vergonha de mim. Até meus
pais.

IGNACIO: O que você está dizendo?

LORENZO: Por outro lado, não podemos nos separar. Ficamos juntos, comemos
juntos, respiramos juntos. Você vê? Nós caminhamos, caminhamos e estamos
colados.

IGNACIO: Penso que sim. Podemos nos separar. (para)

LORENZO: (agressivo) Continue andando dando voltas! Preciso de cem


voltas diárias para começar bem o dia. Do contrário, tempo perdido.
IGNACIO: (vacila) Não dou mais.

LORENZO: (ataca-o com um golpe nas costelas. Duramente) Para cima! Direito!
(eles andam em silêncio por alguns segundos. Então Lorenzo começa a rir) Como
você correu ontem! Que pernas! Me mostre elas.

IGNACIO: Para que?

LORENZO: Tire suas calças. (Ignácio baixa as calças. Lorenzo olha para as
pernas e explode de rir) eu não disse? (aperta-o com força. Ignácio grita)
Borracha, espuma de borracha. Como você pode correr com essas pernas? Tudo
torto. (mortificado, Ignácio levanta as calças. Lorenzo senta-se e ordena como um
senhor) entregue-me o jornal.

IGNACIO: Como você está confortável!

LORENZO: Eu fui criado assim. Eu expliquei para você mil vezes. Não é por prazer que
eu estou confortável.

IGNACIO: (ele vai à pilha de antigos jornais e pega um de forma aleatória) Toma. (dá o
jornal e se deita na cama)

LORENZO: (lê, instalando-se na cadeira. lança um grito chocante) Inferno! Eles


mataram Kennedy! (Ignácio não escuta. Lorenzo levanta-se e agita-o freneticamente,
demudado) Ouviu? Eles mataram Kennedy!

IGNACIO: (tranquilo) Há muito tempo.

LORENZO: Ontem! Aqui diz ontem!

IGNACIO: É um jornal antigo.

LORENZO: Maldito seja! aqui diz ontem. Por que você me deu este diário? Você
fez isso de propósito! (Senta-se e inclina o rosto contra a mesa)

IGNACIO: (olha para ele, levanta-se lentamente. ele inclina-se sobre lorenzo e
tenta confortá-lo) O que te importa? Aconteceu há muito tempo.
LORENZO: (levante a cabeça, desconsolado) Mas..., mas, irmãozinho, se eles
podem fazer isso com Kennedy, o que não farão conosco? ele tinha uma escolta. Não
tenho nada, não tenho nada!

IGNACIO: Que escolta você vai ter? Para que?

LORENZO: Para cuidar de mim! Crescemos muito e ainda sou o mesmo,


sozinho, sem proteção. Olhe minha pele, Ignacio. Não me protege, você me
arranha e sai sangue.

IGNACIO: Não tenha medo. (quase com pesar) Eu estou ... eu estou aqui.

LORENZO: (com vista baixa) Dê-me meus comprimidos. (Ignácio vai para a gaveta
da mesa, pega os comprimidos e os servem a Lorenzo como são servidos comprimidos
comuns. Lorenzo, furioso) De jeito nenhum! Eles são tomados com água!

IGNACIO: São pastilhas de menta!

LORENZO: Não me importa! Elas me fazem bem, é por isso que as levo. (Ignácio com
cuidado pega o jornal que está sobre os joelhos de Lorenzo sem que ele perceba e o
substitui por outro. Traz água e Lorenzo toma suas pilhas) Fique aqui.

IGNACIO: Vou encontrar uma cadeira.

LORENZO: (segurando-o pela roupa) Não! Fique aqui. (Ignacio senta-se


agachado ao lado da cadeira de Lorenzo. Lorenzo pega novamente o jornal, o
desdobra, lê e sorri) Ignacio! Não diz nada sobre Kennedy aqui. Ele nem o
menciona.

IGNACIO: Que bom.

LORENZO: Foi há muito tempo?

IGNACIO: (adormecendo) O quê?

LORENZO: Sobre Kennedy.

IGNACIO: Sim, você era pequeno. (Pausa) De meses.


LORENZO: Estávamos presos então? (antes que o Ignácio possa responder) Claro.
Estávamos mais perto de nosso nascimento. Estamos colados desde o nosso
nascimento. (Ignácio, pouco a pouco vai caindo, está a ponto de se sentar no chão,
bufa com aborrecimento. Lorenzo nota e chuta ele nas canelas) Você desce e me
empurra. Você acha que eu sou feito de ferro? (pensando) A operação foi um
fracasso.

IGNACIO: (para que se cale) Sim, sim. (bruscamente) Eu nunca pisei um hospital.

LORENZO: (agressivo) Eu sim!

IGNACIO: (hipócrita) Muito bom. Operações desse tipo são sempre um fracasso.

LORENZO: (feliz) Sim, você sabe! (Pausa) Mas estamos soltos, separados. O que
acontece, nessas operações, é que eles não podem salvar os dois, um está arruinado.
Para deixar um cara em ótima forma, o outro precisa ser arruinado.
necessariamente. O que temos em comum? O que te falta? (tenta tocá-lo)

IGNACIO: (Afastando suas mãos) Nada!

LORENZO: Deve estar faltando alguma coisa. Eu estou inteiro. Um dos dois
morrerá jovem. E eu sei quem é! (olha significativamente para Ignácio e ri de
satisfação. Batem à porta e. Lorenzo para de rir com suspeita) Você está esperando
alguém?

IGNACIO: Não.

LORENZO: Você não convidou nenhuma garota? Não é a primeira vez que você faz isso.

IGNACIO: (surpreso) Eu?

LORENZO: Sim.

IGNACIO: Quando? Sempre cuido para que não se dê conta, para que esteja longe.
LORENZO: (rindo) Você acha que sou idiota? Eu me escondo atrás da
cortina. Muitas vezes eu fiz isso. Eu vejo tudo. Escuto. É pior ouvir do que
ver. Algo repugnante.

IGNACIO: (furioso) Me alegra! (levanta-se, agitado) você esteve aqui, viu tudo.
Degenerado!

LORENZO: (quase humilde) Não, não sou degenerado. Eu precisava saber. Não
é possível que eu sempre falhei.

IGNACIO: Por que você se escondeu? Ver os outros não cura.

LORENZO: (pacificamente) Quem sabe! Não me escondi por capricho: você


poderia ter se inibido. Além disso, não aprendi nada.

IGNACIO: Eu gosto! Repugnante!

LORENZO: Por quê? Você fala por ressentimento? (pensando) Sim, sim, tudo o que você
faz é muito rudimentar. Por outro lado, se você soubesse que eu estava te espionando, teria
mais cuidado, certo? (ri) Eu te avisarei. Ah ah! Eu não sabia que você tinha essas
prioridades!

IGNACIO: Eu não te permito! (Fica indignado) É que ... eu tenho ...! (mais uma vez
batem na porta, mas como se alguém estivesse se entretendo tamborilando uma canção)

LORENZO: Eles têm paciência, hein?

UMA VOZ AZEDA: Você quer abrir?

LORENZO: (para a porta) Quem é? (fortes sons) Um cachorro. (bruscamente) Eles virão
te procurar por causa da pedra.

IGNACIO: (surpreso) Me procurar?

LORENZO: Dê-me uma moeda!

IGNACIO: Para que?

LORENZO: Me dê uma moeda, eu te digo! Rápido! Eu tenho uma ideia! (Ignácio


procura nos seus bolsos e entrega-lhe uma moeda. Lorenzo guarda-a na mão enquanto
retira da gaveta da mesa um bloco de selos, alguns selos, um talão telegramas e um
envelope, escreve algo rapidamente, escondendo-o da vista de Ignacio. Procura entre
os selos, escolha um, fecha o envelope e dobra-o. Seus gestos são rápidos e precisos)

IGNACIO: De onde você tirou esse selo? Você roubou?

LORENZO: (agressivo) O que importa? Prevenção é melhor que a cura. (guarda


tudo, exceto o telegrama, dentro da gaveta) Se te procuram pela pedra, não te
conheço. Estou avisando para que você não se ofenda. Abra.

(Ignácio caminha até a porta e abre-a. Aparecem dois policiais: o sorridente e o


fanho. Vestem trajes comuns. O sorridente, apesar de suas explosões de raiva ou
aborrecimento, sempre fala com um sorriso muito largo e aberto, cheio de dentes. O
fanho tem um rosto pálido e expressão e sonolenta; abre bem a boca para falar,
marcando exageradamente as sílabas, mas apenas balbucia, e isso ocasionalmente)

POLICIAL SORRIDENTE: Boa tarde. Podemos entrar?

IGNACIO: (voltando para Lorenzo) Eles estão procurando por você.

LORENZO: A mim? Têm certeza?

IGNACIO: Por que você não me guia?

(os dois policiais entram na sala. O policial sorridente vai diretamente para uma
cadeira e cai sobre ela, murmurando algo inteligível)

POLICIAL FANHO: (marcando muito, mas sem emitir nenhum som) Podiam ter uma
poltrona!

LORENZO: (Apavorado) O que disse?

POLICIAL SORRIDENTE: (jogo idêntico)

LORENZO: O que? O que disse?

POLICIAL SORRIDENTE: Que poderiam ter uma poltrona! Isso foi o que ele disse.

LORENZO: (Sorrindo) Nós não pensamos assim. Não nos ocorreu comprar uma
poltrona. Às vezes você desiste e não pensa em comprar nem mesmo o mais
essencial. Se soubéssemos ... que o homem ... queria ... uma poltrona ... teríamos ...
uma poltrona ... (sorri infinitamente até Policial Sorridentepetrificar no rosto. um
silêncio doloroso)

POLICIAL FANHO: Quem é o dono da casa?

IGNACIO: (enquanto Lorenzo está impactado, se aproxima dele) O que ele


está dizendo? Por que você não escreve?

POLICIAL SORRIDENTE: (aborrecido) O que ele vai escrever? Está mudo por acaso?
(bruscamente) Vocês são ... vocês são surdos?

LORENZO: (fica longe do Ignácio. Aponta para Ignácio) O homem jogou a pedra,
se é isso que você quer saber. Sim, para se divertir. Tinha um menino na rua e atirou
uma pedra nele. Para se divertir. (Ignácio olha para ele perplexo. Lorenzo, cada vez
com menos convicção, tenta fazer uma piada) Mas ao mesmo tempo recebeu uma
pedra na cabeça. Então ... pedra por pedra ... e pedra ... por ... pedra ... da ...

IGNACIO: Você está louco? Por que você me culpa?

LORENZO: Você não está cheio de hematomas? Por alguma razão te pegaram.

POLICIAL FANHO: Quem é o dono da casa?

LORENZO: (desesperado) Como?

POLICIAL FANHO: (exasperante) O chefe, quem é ele?

LORENZO E IGNACIO: (com diferentes graus de desespero) Que disse?

POLICIAL FANHO: (acenando para Lorenzo se aproximar, murmurando


algo rapidamente)

LORENZO: (esfregando as mãos desesperadamente) Eu não entendo. Não


entendo! (passionalmente, apontando para Ignácio) Não fui. O maldito... Foi ele.
Que ressentimento! Atingir um menino com uma pedra! Ele rachou seu
companheiro!

IGNACIO: Este?
POLICIAL SORRIDENTE: (aborrecido, enquanto Lorenzo sorri aliviado) Inferno!
Quem te perguntou algo? Nenhum de vocês entende o que está dizendo? Que língua
falam? Chinês?

LORENZO: (começa a coçar-se como se tivesse pulgas. Não compreendemos suas


palavras. De repente, seu semblante se iluminada. Ele se aproxima do policial
sorridente com um gesto afável e de cumplicidade) Escute, o homem é surdo. (aponta
para Ignácio) Completamente surdo. Você estava certo. Ele é surdo como uma vala.

IGNACIO: (corrige involuntariamente) Como uma parede.

LORENZO: Percebe? Ele mesmo o reconhece. Ele é surdo como uma parede.
E ainda por cima, ouve apenas o que quer.

POLICIAL SORRIDENTE: (Rindo) Pareceu-me que um dos dois tinha ouvidos


ruins. Apenas ouva o que ele quer, hein? Eu odeio duplicidade. (levanta a voz
enquanto fala com os surdos e olha para Ignácio com suspeita) O dono da casa, quem
é ele?

LORENZO: (rápido) Não sou eu. Ele tem os títulos de propriedade. Só vim
entregar este telegrama.

POLICIAL FANHO: (que cochila na cadeira, levanta a cabeça e murmura algo, o


telegrama “g” repetido, um "ggggg" rolando pela garganta)

LORENZO: (pega o telegrama da mesa) Ok. Muito verdadeiro o que diz! Aqui está o
telegrama. O selo postal está intacto. Ele não abriu ainda. Ele não está excessivamente
interessado em seus negócios, deve ser confessado. Ou disfarce. Querem ler, senhores?

IGNACIO: (risos amigáveis e condescendentes) Lorenzo, como eles vão


engolir essa história?

(o Policial Sorridente abre o telegrama, lê e sai, tenta acordar o Policial Fanho


que voltou a dormir)

LORENZO: (fica longe de Ignácio e ri falsamente) não finja ser inocente, Ignacio.
(Retifica) Não seja inocente, senhor. (para a polícia) Senhores, vocês leram o
telegrama? Não diz: Parabéns pelo golpe, Ignacio. Assinado: o patrão.
POLICIAL SORRIDENTE: (admirado) Sim. Exatamente! Vidente. Como ele fez isso?

LORENZO: (MODESTO) Li através do papel

POLICIAL SORRIDENTE: Maravilhoso!

IGNACIO: (para Lorenzo) Cale a boca. O que você está dizendo? Você acha que eles são
tolos em engolir isso?

LORENZO: (seco) Não se comprometa. O idiota é você.

IGNACIO: (alterado, abre a gaveta e mostra tudo, bloco de selos, envelopes, coloca
tudo em cima da mesa. observa triunfante os Policiais. TODOS, MESMO Lorenzo,
olharam sem prestar atenção. parecem não ter visto nada.)

POLICIAL SORRIDENTE: (agitando o telegrama) quem é o chefe?

IGNACIO: Quem? É inventado. Olhem isto. (empurra os utilitários para a


polícia, mas eles olham indiferentemente. Um minuto de espera. Volta a
empurrar as ferramentas de novo na polícia, olhando para elas, até que caem
ao chão)

POLICIAL SORRIDENTE: (coloca as ferramentas debaixo da mesa. Para


Lorenzo) Quem é o chefe? (apontando para Ignácio) Este não vai cantar por
bem.

LORENZO: Não sei. Acabei de trazer o telegrama. Deve ser seu padrão, o
cérebro.

POLICIAL FANHO: (boceja, acorda e dirige uma pergunta para Lorenzo. Ele não
entende, ele está com medo, ele recua em direção a Ignacio e, sem se virar, ele estende
a mão para trás, tateando. O policial repete a pergunta histericamente,
freneticamente)

LORENZO: (aproxima-se de Ignácio, abaixo) Ignacio, querido, o que ele fala? Ele me
perguntou algo. Não entendo nada. Por que você não fala mais claramente? Que diz?

IGNACIO: (definir) Eu não sei. Está com medo. Eu deveria quebrar seu cara.
LORENZO: (Surpreso) A mim?

POLICIAL FANHO: (balbucia2 de forma anasalada alto e histérico. Lorenzo se


aproxima mais de Ignácio, seus lábios tremem)

POLICIAL SORRIDENTE: (move-se em direção a eles, rosto corado, histérico) eu


imploro que você escute! (Lorenzo pressiona mais o corpo contra o de Ignacio e
enterra o rosto na curva do ombro. O policial sorrindo chega até eles, olha para eles
e dá a Ignacio uma bofetada muito violenta) Balance sua cabeça!

LORENZO: (Ele se afasta e começa a tatear. Ele cai em uma cadeira. Ele ri
convulsivamente e francamente com alívio) ah, entendi! que boa ideia! Como quando a
água entra nos ouvidos! Uma sacudida e se destapam. Balance sua cabeça, Ignacio! (os
policiais o acompanham rindo, calmos, bem-humorados. Lorenzo, sorrindo) o senhor
estava perguntando algo ...?

POLICIAL SORRIDENTE: ... Quem é você?

LORENZO: (relaxado) vamos lá, como dizer que vela eu tenho neste enterro.
Bem, nenhuma, senhor, nenhuma. Eu sou um mensageiro postal. O senhor Ignacio
me atrasou com sua conversa. Eu não conseguia me livrar dele. Eu acredito que ele
me liberte agora, graças a você.

IGNACIO: (explodindo, indignado) Corte o nó! Corte o nó,


Ignacio!

POLICIAL SORRIDENTE: (desconfiado) Que nó?

LORENZO: Lá vem. Está cheio de mistérios. Desconfie. É o que eu estava fazendo


enquanto ele estava me dando uma palestra. Suspeito, me pareceu. Por que um
homem falaria com um mensageiro sobre sua namorada? Para que? Por que roubar?
Por falar em roubos, a noiva rouba nas lojas. Ele me deu essa dica. Não se pode dizer
que ele é magnânimo. (sempre com o punho cerrado e cada vez mais perto dos
policiais. Eles colocam suas cabeças juntas e esperam até que ele abra a mão e
mostre a moeda. Então eles acenam com a cabeça e assistem com admiração)

2
No texto original em espanhol é utilizado o termo GANGUEAR que segundo o dicionário espanhol significa
falar com ressonância nasal causada por um defeito nas passagens nasais.
IGNACIO: (indignado) Você me pediu uma moeda, Lorenzo!

LORENZO: Porque se não pedisse...! Teria que esperar sentado.

POLICIAL SORRIDENTE: (Pega um lenço e tira a moeda da mão com


infinitas precauções. Apontando para Ignácio.) Está pronto. Deve ter suas
impressões digitais. (mantém o lenço no bolso)

LORENZO: Posso ir? Devo entregar outros telegramas. (com gestos muito rápidos, retira
novas ferramentas da gaveta, escreve dois telegramas, fecha-os e sela)

IGNACIO: Vamos! Ele mesmo os escreve!

LORENZO: (dignamente) Por necessidade. Vou embora.

IGNACIO: Que bagunça você fez? Onde você está indo? Estamos presos.

LORENZO: (com atitude) Que audácia! Onde? (varre o ar para o seu lado com a
mão aberta) Quando lhe convém. Sou livre. Vá com calma. (começa a marchar
para a saída, mas Ignácio o segura. furioso) O que foi que te deu?

IGNACIO: Você não queria sair porque estávamos presos!

LORENZO: (dá um soco nas costelas) deixa-me quieto, idiota! (Olha para os policiais
que assistem, interessados. com os dentes cerrados) fique no seu lugar! não me siga!

POLICIAL SORRIDENTE: Espera. (Pausa) Você o conhece há muito tempo?

LORENZO: (puxando furiosamente o ignacio para o lado, mas mantendo


telegramas do outro enquanto fala com a polícia) este? eu o conheço da
vizinhança, de trazer telegramas para ele. Todo mundo do mesmo estilo.

POLICIAL SORRIDENTE: (muito amigável) sente-se por alguns minutos,


então. (Lorenzo volta ao centro da sala e se senta. Ignacio. Ele ainda está perto
dele e se senta ao lado dele, agachado. O policial sorridente, interessado) o que
ele tem?

LORENZO: (sorrindo forçadamente) Nada. Hobbies


POLICIAL SORRIDENTE: (tira o lenço e assoa o nariz. indiferença, observe o rolar
da moeda. em seguida, tire um pacote de cigarros e oferece um a Lorenzo. afável) ajude-
se. diga-nos, querido, tudo o que você falou. quando perdem a língua, eles se perdem
sozinhos. a vaidade os perde. Falo por experiência própria.

LORENZO: (fuma muito, pensa, não sabe o que inventar) falou ... pelos cotovelos.
(Olha para os cotovelos e sorri, distraído. Vê Ignacio e acerta-o com outro golpe)
exigível!

O SORRISO: Quem é o chefe? Você descobriu?

LORENZO: (seu rosto se ilumina) sim, sim. Eu descobri. conversou muito. O


chefe é ele. Roubou um banco. Eles deram muitos golpes. Deixe-me ver. (Ele se
levanta, chutando Ignacio que o segue, dócil, teimosamente, e começa a vasculhar
a pilha de jornais velho. Ele os descarta jogando-os pelo ar. encontre o diário que
o procura e desdobra ao lado do sorridente, sempre empurrando Ignacio de lado)
Leia. É evidente que cometeu este roubo. Quatro milhões. (admirado, olha para
Ignacio, como se acreditasse sinceramente no que diz) você roubou quatro
milhões?

IGNACIO: (incrédulo, com dor) Lorenzo, eles não são tão estúpidos por acreditar
em você! Você está ficando confuso!

LORENZO: (extremamente satisfeito) Não! E vá embora!

IGNÁCIO: Não posso ... quero sentir alguém por perto ...

LORENZO: durma com sua avó!

IGNÁCIO: não, não ... Lorenzo, estou com medo.

LORENZO: você deveria ter agido honestamente! Você leu o jornal, senhor?

POLICIAL SORRIDENTE: (desdobrou o jornal, olha para ele rindo) Que


dobras! (ele se afasta da foto com pesar e acorda o Polical Fanho) Gato gordo!
(O Fanho pega um olhando sem interesse, sorri suavemente e retorna para cair
no sono. O sorridente, levantando quatro dedos) Aqui diz: quatro agressores.
LORENZO: (intrépido) sim, álibis. desdobramento quádruplo de personalidade. Para
isso, ele se maquia. É habilidoso. (tenta empurrar para o lado Ignácio chutando-o,
mas Ignácio se agarra a ele tenazmente, Lorenzo, furioso) me deixe em paz! (vai até a
porta, mas Ignacio o segue. ele murmura) que falta de tato! Que inoportuno! fique em
seu lugar. Que tipo de mania é essa por me bater? sanguessuga! (sorri para os
policiais, enquanto empurra Ignacio ferozmente) não seja infeliz! infeliz!

IGNACIO: (em baixa voz) Por favor, Lorenzo. Deixe claro que são todas mentiras.
Podem acreditar neles. Nunca se sabe. Deixe bem claro.

LORENZO: Eu não esclareço nada! Eu quero viver em paz! E me solte!

IGNACIO: (aprisiona Lorenzo e o dirige para os policiais. febril, enquanto Lorenzo


luta intensamente tentando se livrar) Vou explicar tudo. Lorenzo inventou atirar
pedras em uma lata. E então ele viu um menino e jogou as pedras em sua cabeça.
Quase não quebrou. Ele não o fez por malícia. Foi sem ... querer. Ele é ... assim ...
(Lorenzo o chuta. Ignácio, furioso) Fez de propósito! E então ele fechou a porta na
minha cara ... e um homem que nos viu juntos ... quebrou minha cara. Ele me quebrou
inetiro! (para lorenzo) Aí está! Eu disse tudo! Por que você não guardou suas mentiras
para si mesmo? Maldito indefeso! Você estraga tudo porque só pensa nisso!

LORENZO: (chateado) O que eu não penso além disso? eu tenho mulheres em


abundância! Sarnento! Quem foi espancado até a morte? Os inocentes são
deixados em paz! Olhe para a sua cara! Parece um tomate esmagado!

POLICIAL SORRIDENTE: (levanta-se e toca no ombro de Lorenzo.


Tranquilizador) não se preocupe. eles sempre acusam. (apontando para o jornal e
telegrama) felizmente, temos as evidências.

Lorenzo: (sorri) Obrigado senhor. Estou feliz por você testemunhar isso. Essa
cena: um homem honesto nunca é tão violento. Pior do que um cachorros. (para
Ignacio, gritando) mas você quer me deixar em paz!

IGNACIO: Não, não.

LORENZO: Sempre aprisionando (virá o pescoço em direção ao Policial


Sorridente) você faria a gentileza de ... me ajudar?
POLICIAL SORRIDENTE: Claro!

LORENZO: (maldoso) Empurre-o de volta. Eu vou puxar para frente.

(O Policial Sorridente acena repetidamente com a cabeça, tira a bolsa e


cuidadosamente a coloca nas costas da cadeira. Ele pega Ignacio pela cintura e luta
para trás. O Policial Fanho acorda com um som como de uma garra; levanta-se e
junta-se ao grupo. Ignácio cai no chão, mas sem de soltar de Lorenzo, que cai com ele.
o Sorridente se joga sobre eles e tentar separá-los, enquanto o Fanho pega Ignacio
pelas pernas e puxa para o outro lado Ignacio grita)

LORENZO: (gritando) Seu idiota de merda! Deixa-me só! Deixa-me só! (consegue se
separar enquanto Ignácio rola com policiais que bateram. O sorridente com o maior
sorriso exasperado conforme seu entusiasmo aumenta. O fanho balbucia algo cada vez
mais freneticamente. Ao mesmo tempo eles ouvem os gritos de Ignacio. Lorenzo corre
para a porta, abre-a e estende os braços com uma exclamação de alegria) Ah, que ar
fresco, que ar fresco!
SEGUNDO ATO

CENA 3

Na mesma sala, um ou vários dias depois. Uma escada encostado na parede, ao lado de
uma escova de cabo longo. A luz do dia entra pela janela. Lorenzo está na sala,
martelando a perna de uma cadeira. Assobios, muito feliz. Termina de martelar, coloca a
cadeira no chão. A cadeira balança e cai.

LORENZO: (feliz) excelente! Que mão! (quando a cadeira cai, encosta-a na parede.
Imediatamente pega alguns jornais e um grande pote de cola e fixas os jornais nos vidros.
A luz vai diminuindo pouco a pouco. Lorenzo, confuso) nada pode ser visto ... (desce a
escada tropeçando, acende a luz) de qualquer maneira, eu odeio luz. Estou bem sozinho...
me sinto ... bem! Talvez eu seja um homem saudável e ele me deixe doente. Mas se ele
voltar ... (rindo) eu tive uma ideia, uma ótima ideia! Não é uma luz como inteligência, mas
vai entender, claro como água. (tira sob o cama uma mala de papelão velha e suja. Ele
abre na cama. Com nojo) Que sujo! Como se fosse te emprestar alguma coisa. Cheira a
milanesas. (procura alguma peça de roupa, levanta um colchão e puxa um par de meias
que ele coloca na mala. Sacode um sapato até que as outras meias caem, muito
empoeiradas, amarradas com um nó, que também guarda na mala. Faz o mesmo com uma
camiseta furada que ele tira de uma gaveta) o que mais ele tem? Uma calça. Ele está com
duas calças, uma. (procura nas gavetas) Onde estará? (com uma exclamação de alegria,
ele o descobre no chão junto do rodo de limpeza, levanta e sacode) está molhada. (Ele
dobra, coloca dentro da mala) Vou colocar a mala no corredor; se ele voltar, perceberá a
intenção. Não quero compromissos. Um cara que tem problemas com a polícia, não é bom
tê-lo por perto. Ou colocarei a mala na porta da frente. Se alguém pegar azar. (fecha a
mala, pega com muita força, mas a mala não está pesada e a força foi em excesso.
intrigado) não têm peso algum...! Vou colocar alguns jornais. Ele verá que não tenho má
vontade. Meu e seu. Aqui começa a boa vontade. Se o seu não existe, que pena. Os jornais
foram comprados por Ignacio. Deixe que ele os leve embora. (enche a mala com os jornais
velho, ele os pressiona com esforço e os fecha. Levante a mala e coloca no chão) agora
sim pesa. (um silêncio) Me sinto bem! (inspira e expira profundamente) Dois colchões.
Vou colocar os dois juntos colchões e ... (decidido) Vou começar a olhar para as mulheres.
(sobe no banquinho e abre a janela. Olha para fora com meio corpo para fora ele tira um
pente do bolso e penteia o cabelo) Vou tentar a primeira coisa que vier. Gorda ou magra,
velha ou jovem. Para testar, eu não devo ser pretencioso. (com uma risada) basta que não
me falte o essencial! (olha enojado) e esta? De onde veio? Tão seca! Está tudo bem
conformar-se. Mas não tem nada! (ele se volta para o interior da do espaço comentando)
você viu isso Ignacio? (para de forma seca, furioso) com dois colchões é mais fácil, estava
estragando meus programas. (olha de novo) E isso? É uma vaca! Se eu trouxer, isso me
sufoca. E tudo pintado! Que nojo! A cara que você vai ter quando se levantar! Melhor
dormir com um cuco! (puxa metade do corpo para fora, agora na direção oposta e grita)
Ei! Você acha que tudo é feito com seus peitos? Mulher gorda! (risos, mas que se
interrompem abruptamente e fecha a janela, assustado) Você me ouviu? (sai do banco,
vai até a porta da frente e trava) que azar! Eu estava no canto beijando aquela cara ... era
um boi ... (risos sem ânimo) claro, a vaca com o boi! Tenho tempo. Hoje alguém vai cair
nos meus braços. Paciência. Agora estou só. A casa é minha, os colchões são meus. Vou
alugar este cômodo e viver de aluguéis. As mulheres estão interessadas. (abre uma fenda
na janela e espia. Se acalma e se abre completamente, inclinando-se sobre a borda) que
carência de mulheres! Onde elas estão? Mas tenho todo tempo do mundo... (vê alguma
coisa e fica em silêncio) como é possível? (chateado) não há segurança alguma, ninguém é
confiável! (Ele fecha a janela apressadamente. Ele dá alguns passos através do quarto,
esfregando as mãos de uma forma estranha, como um aplauso, muito nervoso. Olha para
a mala, pega-a) vou colocar a mala na rua, então ele vai entender ... mais claramente como
água. (abre decisivamente. Ignácio está no limiar, a mesma aparência, apenas o ar um
pouco mais espancado. Lorenzo muda a cor, gaguejando) Olá...

IGNÁCIO: (roucamente) você vai embora?

LORENZO: (gagueja) Eu não ... trouxe para você ... sua ... sua mala ...

IGNÁCIO: Para onde?

LORENZO: Onde? ... Achei que você ainda estava ... no ... (pausa) Eu me sinto ... mal ...
(para sua surpresa, Ignacio caminha na frente dele sem olhar para ele, ele atravessa o
quarto e se deita na cama. Lorenzo também entra, senta em uma cadeira próximo à mesa.
silêncio) sobre o que você quer que eu fale? (um silêncio. perde a segurança) Me sinto ...
indis ... indisposto ... (começa a tremer violentamente, ele é sincero, mas exagera. silêncio.
de repente) por que você está com essa voz?
IGNACIO: Tive um resfriado. Eu estava rouco.

LORENZO: Como você está?

IGNACIO: Errado.

LORENZO: (espantado) errado? por quê? (com suspeita) Não. Eu reconheço sua voz.
Você é Ignácio ou mandou outra pessoa? Você é muito capaz. (ele sobe na cadeira e olha
para ele. sociável) como eles trataram você?

IGNACIO: Colocaram um dente em mim.

LORENZO: Sim? Que legal! Eles eram amigáveis. Eles foram legais comigo e com
você? Claro, atirar pedras em um menino não causam uma boa impressão em ninguém,
exceto para aqueles que devem cuidar...

IGNACIO: Não foi por causa da pedra.

LORENZO: (mais animado com a conversa) Não? Ah, foi pelo roubo de quatro milhões?
(sorri) você acreditou? foi uma piada! Se houvesse os telegramas, o selo postal, tudo
estava na mesa.

IGNACIO: Também não foi por isso. Eles ficaram ... desconfiado. (triste e magoado)
Lorenzo, por que você fez isso comigo?

LORENZO: (pedindo licença como uma criança) O que eu fiz pra você? Eu não fiz nada
para você. Eles acharam você suspeito. Quero dizer ... eles não gostavam de você. Assim
como você teria ... (não quer rir, mas é tentado) é por isso! O que você está me contando!
Eu acabei sendo legal! Que alegria me dá ... ser bonzinho! Eu sou simpático! (Ele ri
transbordando enquanto Ignacio olha para ele. Ele para aos poucos, ele desvia o olhar
conscientemente do olhar de Ignacio, coloca os cotovelos na mesa e começa a coçar a
cabeça. Um silêncio doloroso)

IGNACIO: Lorenzo ...

LORENZO: (solicito) sim, sim, querido, ao seu serviço.

IGNACIO: Algum dia ... eu vou ... prender você.


LORENZO: (empalidece, coloca as mãos para o lado) Ignacio ... me sinto mal. Eu ... eu
preciso de você.

IGNACIO: Espero que você exploda!

LORENZO: (inclina o rosto contra a mesa e começa a chorar) Eu não queria ...
machucar você ... eu só pensei ... na casa. eu gosto desta casa. Eu gosto ... (levanta a
cabeça) do jeito que você ri. É por isso que eu faço piadas, para que você ria o mínimo
possível.

IGNACIO: o que você ganha?

LORENZO: Eu não perco. Toda vez que... você ri, você tira algo de mim, o que não é
meu. E por quê? Por que estou rindo assim? (sorrisos forçados, risadas) Eu não gosto
disso! (com desânimo) Eu desejo o seu jeito de rir ... e ... e não adianta. Eu não consigo,
Ignacio ... (silêncio de Ignacio) Eu não queria que eles machucassem você. somos irmãos,
nascemos juntos. Se você morrer eu posso ficar com tudo, com as camas ... e ... e as
cadeiras ... e ... mas eu não quero que você morra. Não quero, não quero machucar você,
Ignacio! (chora) Eu sou um cretino, um cretino! (Ignacio se levanta e olha para ele.
Lorenzo chora, mas com menos sinceridade agora, espie com o canto do olho o efeito do
choro dele, exagera ligeiramente)

IGNACIO: (impactado) Lorenzo, Lorenzo ...

(Lorenzo mostra um sorriso de palhaço e triunfante para um lado, então ele se vira para
Ignacio e mostra a ele o rosto triste e arrependido)
CENA 4

A mesma sala. Lorenzo está na frente da mesa usando luvas de borracha com gestos de
cirurgião. ele parece feliz e ocupado. Na mesa, papel, tinta e um livro. Da porta que dá
para o pátio, Ignacio joga um avião de plástico que atinge Lorenzo na cabeça.

LORENZO: (fica furioso) o que você está fazendo? Assim você vai atrasar. Se cada vez
que você montar um brinquedo, você se divertir brincando, não vai adiantar muito. Depois
você reclama que não temos dinheiro.

IGNACIO: (pega o avião) por que você não me ajuda um pouco?

LORENZO: Eu? Eu só trabalho por prazer. E também por prazer, fico entediado.

IGNACIO: Por que você usa essas luvas?

LORENZO: (muito digno) não falávamos de mim. mas eu vou te responder. Eu não quero
sujar minhas mãos. Você terminou o trabalho?

IGNACIO: Não.

LORENZO: Se apresse. Você sabe muito bem que sou inútil para ganhar a vida.

IGNACIO: (indo para o pátio) hoje eu termino. (volta em seguida com um saco tecido
cheio de brinquedos de plástico, esvazia-o no chão, senta-se e começa a colocá-los juntos)

LORENZO: (começa a escrever com cuidado. Então dobra o envelope) por favor, não
pare na padaria novamente. O pão parecia pedra.

IGNACIO: (se desculpando) Pedi pão velho, então não se importaram

LORENZO: Que idiota! (uma pausa) eles ainda têm toda aquela porcaria.

IGNACIO: (com calor) não, não!

LORENZO: Eu te digo que sim! o pátio transborda de pão velho e ratos.

IGNÁCIO: (feliz) quanto mais pão eu compro mais eu posso falar ela.

Lorenzo: você tem gosto! Mas sobre gosto, não há nada escrito. Essa garota é esquisita.
IGNACIO: ela é fofa. (timidamente) Eu gostaria de me casar, morar aqui.

LORENZO: (indiferente) quem está te impedindo?

IGNACIO: Mas três em um cômodo ...

LORENZO: Eu sobro, certo?

IGNACIO: Não.

LORENZO: às vezes, você é incrivelmente vil. Eu percebo que sobro. Está bem. Se case.
Caim.

IGNACIO: Não, não. Continuaremos a nos ver, você também será amigo da Inês.

LORENZO: Ah, o nome dela é Inés?

IGNACIO: Sim.

LORENZO: O que você vai fazer com o pai?

IGNACIO: Com quem?

LORENZO: Com o pai. Não o deixa ao sol nem à sombra.

IGNACIO: Vou falar com ele.

LORENZO: Vai quebrar seus dentes. Ele é um galego muito nervoso. Cuida dela, dessa
esquisita!

IGNACIO: Muitos espertinhos vivem entrando na padaria. Quando eles pegam o pão,
esticam os braços demais e a tocam.

LORENZO: Você deve gostar. E o pai o que ele faz?

IGNACIO: empurra-os para fora. Ele também me olha com olhos ruins. Ontem me
empurrou.

LORENZO: Também! Por que você não esperou que a garota se desenvolvesse?

IGNACIO: Ela tem quinze anos.


LORENZO: Mas ela ainda é esquisita.

IGNACIO: Você não gosta? Você está falando sério?

LORENZO: Hum! Isso poderia acontecer, exceto pelo rosto. As pernas dela são tortas,
mãos comuns e, de cima para baixo, tudo em uma só peça: sem cintura. Poderia passar,
mas não é meu tipo.

IGNACIO: (levanta-se e vai até a mesa. Lorenzo esconde tudo com as mãos) O que você
escreve?

LORENZO: Cartas. Escrevo cartas para mim mesmo.

IGNACIO: Por que você tem as memórias de uma princesa russa?

LORENZO: Estou procurando inspiração. Ninguém me manda cartas. É triste.

IGNACIO: Vou escrever para você.

Lorenzo: Na hora certa! Eu usei seu papel. Por que você não o fez imprimir o seu nome?

IGNACIO: Para quê?

LORENZO: Que bagunça! Para que eu saiba que é seu! Está tudo com marcas de dedos.
Você poderia lavar as mãos às vezes.

IGNACIO: É verdade. Inés é muito limpa. Ela nem mesmo tem sujeira sob as unhas.
Lorenzo, realmente te incomoda ir morar sozinho? Você poderia vir quando você quisesse.
Esta seria sua casa também. (sorri) Se bem que ainda não confiança.

LORENZO: (genuinamente surpreso) Em quem? Em mim?

IGNACIO: Sim. Você me fez um monte de sacanagens.

LORENZO: Eu? Sim, sim, eu me tornei estúpido. Mas você sabe por quê? Sou infeliz. Eu
brinco com elas, brinco com elas, e é como se estivesse chovendo.

IGNACIO: Eu insisto.
LORENZO: E se alguma delas me cortasse, o que aconteceria? eu poderia ficar anos de
cama.

IGNACIO: Eu insisto. As mulheres são difíceis, algumas até gostam de esperar. Não
desanime por isso. Insista, mas sem questioná-las. Eles não gostam, elas não são cães.

LORENZO: (zangado) cada um tem seu estilo!

IGNACIO: mas o seu não leva a lugar nenhum!

LORENZO: Sarnento! (se contêm) você vai se sentir confortável aqui quando eu sair.
(sorri estranhamente)

IGNACIO: por que você sorri assim? O que você está fazendo

LORENZO: nada! Estou feliz por sua felicidade.

IGNACIO: (olha para ele em silêncio, então, emocionado) você mudou?

LORENZO: (sincero) sim, sim. eu mudei.

IGNACIO: (risos) Lorenzo, quer saber ... Vou mandá-la para a infernos!

LORENZO: Não, não! Não por mim!

IGNACIO: Está bem, não. Eu não poderia. Mas podemos ir lá fora. Convencer o papai.
Aqui está um irmão, um amigo.

LORENZO: (olha para ele com clareza) Eu. Poderia ser ... (feliz, Ignacio tira meio pão
do bolso e começa a comê-lo. Lorenzo está absorvido. Pega as cartas) vou mandar estas
cartas para o correio. (tira as luvas de borracha e coloca luvas grossas de lã. É evidente o
cuidado dele em não tocar os cartões com as mãos)

IGNACIO: (vendo as luvas) o que você está fazendo? eles vão te levar a loucura.

LORENZO: não. (coloca os cartões no bolso) por que você está falando com a boca
cheia? posso ver a comida. Você é um merda.

IGNACIO: (engole) está quente.


LORENZO: Exatamente por isso. Está quente e estou suando. A lã absorve o suor. No
verão, vou me vestir todo de lã. (risos) se você for entregar os brinquedos, pare na padaria.
Passe lá todos os dias a partir de agora. Você conquistou Inés? Agora deve conquistar o
pai dela.

IGNACIO: (avança, bate nele amigavelmente com o ponho) Lorenzo!

LORENZO: (sorridente e simpático) Vou entregar isso, não sei se pessoalmente ou por
correio. Poderíamos caminhar um pouco mais cedo.

IGNACIO: Pessoalmente? Mas para quem você escreveu?

LORENZO: Para eu mesmo. Não repita perguntas. Não quer andar? Eu sinto-me bem,
mas gostaria de ter uma última recordação destes passeios. No fundo, sou sentimental.
(risos. eles andam, braços reciprocamente colocados nos ombros. Marcam o mesmo passo)

IGNACIO: (risos também) uma última lembrança?

LORENZO: (muito sorridente) uma última lembrança, eu disse? claro, se você se casar!

(Depois de um momento, ele ri novamente. Sem saber por que, Ignacio o acompanha na
risada, feliz. eles andam)
CENA 5

O mesmo quarto, dias depois. Há só uma cama agora. A mesa está cheia de
pacotes de pão de padaria, embalados em papel branco, amarrados com uma fita.
Lorenzo está em cima do banco, olhando pela janela, com meio corpo fora,
brincando para as meninas.

LORENZO: (animado) Meu deus que beleza! (angustiado) O que eu digo? Está cedo
breve! Ignacio, você não consegue pensar em nada? (ele se vira, procura por ele como
olhar) para onde ele foi? (debochando) Querida. A ... mor ... zi ... nho ... Que olhos
grandes! (deve receber algum desaforo, porque ele permanece imóvel, perplexo; então
ele espia de novo e grita, furioso) merda! (silêncio) o que você quer? Eu minto para
elas. Elas têm olhos de pássaro, pernas com músculos de boxeador, torto. (se apoia,
chama) Ignácio! (furioso) Ignacio! (Ignacio entra pela porta que dá para o pátio, ele
perdeu seu ar de felicidade) Sinto dor.

IGNACIO: (seco) Deite-se, se doer.

LORENZO: Você sabe que não consigo ficar deitado. (Ignacio assobia, indiferente.
Lorenzo, chateado) Ainda dura? Do que você está me acusando agora? Eu não fiz nada
para você.

IGNACIO: Não sei se você não fez nada comigo.

LORENZO: Ah bem! Você não sabe e me acusa! Que bicho te mordeu? Você vai
pegar uma pneumonia dormindo no quintal. Por que você não sai definitivamente?

IGNACIO: Sim, eu vou.

LORENZO: Sim, eu vou. Mas então você volta. É a tua casa.

IGNACIO: Lembre-se disso! (com brutalidade e furioso) Não consigo mais olhar para o
seu rosto! não consigo mais olhar para o rosto de ninguém!

LORENZO: (atento ao que o interessa) Você me dá a casa, mas sem papéis. Qualquer dia
você pode vir e me dizer: Saia!

IGNACIO: (bravo) O que você quer que eu faça? Escreva?


LORENZO: Não. Mas você poderia fazer.

IGNACIO: (cada vez mais raivoso) Não tenho ninguém! Ninguém vai
alegar.

LORENZO: Nunca se sabe.

IGNACIO: Eu te dou a casa! Mas primeiro eu mato você. (segura-o pela


camiseta)

LORENZO: (Ele recua de medo, sinceramente triste) Ignacio,


Ignacio, irmãozinho ...

IGNACIO: (larga. entristecido) Por que o galego me bateu, Lorenzo? Eu tenho que
descontar em alguém. Por que ele me bateu?

LORENZO: Sei lá!

IGNACIO: Só de olhar para ela!

LORENZO: As pessoas são assim: loucas!

IGNACIO: Ele me bateu e disse: escreva sujeira para sua mãe! Para minha mãe!

LORENZO: Você não tem!

IGNACIO: Escreva ... (suspeita algo, olha para Lorenzo que tem uma
expressão inocente) O que você estava escrevendo outro dia? A quem?

LORENZO: A mim mesmo. Amanhã receberei as cartas. Mas não vou deixar você lê-las.

IGNACIO: Você sabe como imitar minha caligrafia, você sabe como copiar ...

LORENZO: Nunca fui capaz de falsificar sua caligrafia perfeitamente. Você é quase
analfabeto.

IGNACIO: Mas uma vez você falsificou notas de dinheiro.


LORENZO: Todavia ainda as tenho. (uma pausa sincera) Ignacio, como eu
poderia fazer isso com você? Escrevendo sujeira para uma garota de quinze anos?
Em seu nome.

IGNACIO: Sim. (olha para ele. pausa) Você é inocente. Inocente.

LORENZO: (animado) Sim, você vê? A inocência é a pior coisa em mim.


(pausa, a sorrir) Você passou com a filha?

IGNACIO: Não. Ele me bateu por olhar para ela.

LORENZO: E ele não avisou a polícia?

IGNACIO: Por que ele iria avisar?

LORENZO: (à parte, pensativo) Tantas precauções, para quê? Assei com as luvas de
lã. Idiota! Seu idiota galego! Mas o que me falta não é inventivo.

(vai para a mesa e corta um pão)

IGNACIO: Por que tanto pão? Quem te deu?

LORENZO: O dinheiro.

IGNACIO: Você é barato. Por que você compraria tanto pão? E bolinhos! ...

LORENZO: (se aproxima, desembrulha um pacote de bolinhos. Mexe rudemente, não


consegue escolher quais deseja e os joga no chão) Que merda! (corta outro pão.
mastigando, muito faceiro, triunfante) pense o que quiser. Eu tenho minhas táticas.

IGNACIO: Onde?

LORENZO: Em padarias. Mulheres procuram por mim.

IGNACIO: Quais mulheres? (Lorenzo responde com um som de satisfação) Estou indo
embora. agora com certeza vou embora.

LORENZO: (instantaneamente, tira a mala debaixo da cama) Aqui está sua


mala. (joga o pão e os bolinhos no chão e abre a mala na mesa)
IGNACIO: (se aproxima) Por que você escondeu isso?

LORENZO: Você pode me agradecer pelo trabalho, certo? O fundo está cheio de
sujeira. O que você estava fazendo lá dentro? Comida?

IGNACIO: Eu te emprestei para um piquenique e você quebrou o pacote com o


Milaneses.

LORENZO: Ah, mas já faz tempo, não faz? A gordura seca.

IGNACIO: (mansamente) Sou muito descuidado. (começa a procurar) Onde estão


minhas roupas?

LORENZO: Se você não tem. (Ignácio coloca uma camisa dentro da mala. puxa
uma calça debaixo do rodo de limpeza, agita e guarda) pode levar minha escova
de dente.

IGNACIO: Não quero.

LORENZO: Quanto orgulho!

IGNACIO: (verificando o guarda roupa, cheio de ternos) De onde você tirou tantas
roupas?

LORENZO: Querido, tenho minhas táticas. Eu não preciso de mulheres. O que você
acha? Eu não sou inútil.

IGNACIO: Você passou notas falsas? (Pausa) Então ... o pão ...

LORENZO: Eu comprei isso! E em outra padaria. (risos contidos pelo nariz,


como um sopro)

IGNACIO: (começa a sorrir, ri então, incrivelmente aliviado. Os dois se


sentam e, em seguida, aproximam as cadeiras. eles batem palmas nos joelhos
mutuamente) e todas aquelas roupas ...

LORENZO: São para ambos.

IGNACIO: (risos) Você não é uma besta!


LORENZO: Não, não sou!

IGNACIO: Eu mantive você todos esses anos ...

LORENZO: E eu como a formiguinha! (ambos riem. sem bater a porta, entram os


dois policiais: o sorridente e o fanho. Ignacio para de rir, surpreso. Lorenzo continua
rindo pelo nariz, com soprinhos, tranquilamente. O fanho aproxima-se da mala e agita
o conteúdo no ar. Murmura algo que não é compreendido)

POLICIAL SORRIDENTE: Pássaro que roubou, voou!

IGNACIO: (enquanto o Fanho continua sacudindo a mala) Está vazia! (os dois
policiais olham para ele sorrindo. O Fanho, divertindo-se, mexa a boca sem emitir
uma palavra. Ignacio, sorrindo perplexo) Não entendo!

POLICIAL SORRIDENTE: (enquanto o fanho mexe a mala novamente)


Não, não está vazia!

(com evidente prazer, o Fanho começa a arrancar o papel. cai uma chuva de
notas falsas)

LORENZO: (para rir pelo nariz. Surpreso, sem ênfase) Notas falsas! Oh, que porco!
(sopra pelo nariz novamente até se engasga e explode em gargalhadas como um
riacho, violentamente)
CENA 6

A calçada da prisão em primeiro plano. A prisão, atrás, é uma cortina pintada simples.
Um velho está sentado no cordão da calçada, movendo os pés de uma forma estranha.
Nunca tira os olhos dos próprios pés. Depois de um momento, Lorenzo entra. Disfarçou-se
de judeu, com um longo sobretudo preto até os tornozelos, chapéu redondo que deixam
escapar os cachos de uma peruca. Fala normalmente. Ele lança um olhar furtivo para a
prisão e aproxima-se do velho que não para de mexer os pés e não olha para ele.

LORENZO: (cortes) você está aqui há muito tempo, senhor?

O VELHO: Sento-me aqui todas as tardes, para beber algo fresco. Na minha casa não há
cadeiras, não há ar: estou me afogando.

LORENZO: Procuro um menino baixo, muito moreno, esburacado, com dentes salientes e
óculos. Você o viu?

O VELHO: Não.

LORENZO: Ele é meu filho. É um homem com cara de infeliz. Ele estava perdendo um
dente aqui, no meio ... (aponta para si mesmo, parando) não o viu?

O VELHO: Não.

LORENZO: Não importa. Eles já o levaram. Você o conhece? Você o viu por aqui?

O VELHO: Não importa. (uma pausa) chama-se ... Horácio ... ou Ignacio. Eu pergunto
por ele por que eu quero quebrar sua cara. Ele bateu no meu filho. Não vejo ninguém.
Tento não molhar os pés. O esgoto é abafado. A água não corre e transborda. Se eu ficar
molhado, estou acabado. Na minha idade é algo sério. Um resfriado leva ao túmulo.

VOZ DE IGNACIO: (de longe) Lorenzo! Lorenzo!

O VELHO: Ele te chama?

LORENZO: Ele está louco? Onde você já viu um judeu chamado Lorenzo? (desconfiado)
não é seu nome Lorenzo?
O VELHO: Não. Faz muito tempo que estou aqui, não vejo ninguém, não ligam para
mim.

(A voz de Ignácio é ouvida novamente, ao longe, chamando. Para responder, Lorenzo


cruza os braços em um gesto expressivo e furioso)

O VELHO: (pensativo) Se eu levar um pedaço de pau, poderei desentupir o esgoto. então


a água correrá e poderei olhar para as pessoas de vez em quando. Não pude responder ao
senhor como deveria. Tomar ar fresco é bom, mas sem ver ninguém é entediante a longo
prazo. A vida deve ser agradável, porque senão, se pensa demais na morte (risos) se acaba
querendo isso. Com uma vara vou afastar toda a sujeira e a água correrá. Eu serei feliz.

(Enquanto falava, Lorenzo apareceu disfarçado de cego. Com o mesmo sobretudo, mas
ele mudou sua peruca, ele usa uma de cabelo comprido nos ombros. Usa óculos escuros e
segura uma bengala com a qual sente a borda da calçada. Quando ele alcança o velho,
ele o espanca violentamente, mas como se ele não tivesse notado sua presença)

LORENZO: (batendo) O que há aqui? O que há aqui

O VELHO: (ainda mexendo os pés, protegendo-se com os braços) Ai! Oh irmão, aqui
estou eu! Um velho.

LORENZO: Um velho? Desculpe-me eu o machuquei?

O VELHO: Não.

LORENZO: Você poderia me ajudar?

O VELHO: Por quê?

LORENZO: Eu sou cego.

O VELHO: Cego? que desgraça? Não tenho nada.

LORENZO: Os velhos são sempre miseráveis. Para quê? Se apenas os ossos entraram no
túmulo. Quanto mede? Um e setenta? Deixe tudo de fora, mesquinho. Isso o tornará
menor.
O VELHO: (sinceramente assustado) Meu jovem? Você acha que a mim sempre gostei
de estar confortável. Eu não sou mesquinho. (mexe no seu bolso, ele apalpa uma moeda
que Lorenzo pega avidamente) toma, não tenho mais. Tenha cuidado com a água.

LORENZO: Tem água?

O VELHO: Sim, transborda pelo esgoto. No dia que eu conseguir um pedaço de pau, vou
desentupir. Mas é difícil conseguir um pedaço de pau.

LORENZO: Ah, foi por isso que molhei os pés!

O VELHO: Você vem sempre aqui? Você vê, eu nunca vi isso. Eu gosto de cegos: não
veem.

LORENZO: Venho todos os dias. Você sabe por quê? É um lugar ideal para esmolas.
(aponta para a prisão) as pessoas de lá são boas. O pessoal, é claro. Havia um dos
prisioneiros que estava me prostituindo. Nunca viu isso?

O VELHO: Não.

LORENZO: Faz muito tempo que não ouço isso. Eles o devem ter libertado. Você não
viu se eles o deixaram livre?

O VELHO: Eu nunca vi ninguém. Também pode ser que ele tenha morrido.

LORENZO: (feliz) você acredita?

O VELHO: Sim. Melhor para você. É feio que baguncem você. (toca acidentalmente a
bengala de Lorenzo) Você tem um pedaço de madeira?

LORENZO: É uma bengala.

O VELHO: Uma bengala pode resolver. Me empresta?

LORENZO: Você quer me matar? Sem bengala, eu caio.

O VELHO: Sente-se aqui. tenha cuidado para não molhar os pés. Com a bengala eu posso
desentupir o esgoto. Me dê isto! (tateando, estende a mão)
LORENZO: (bate nele com a bengala) Fica parado aí! (Coloca a bengala debaixo do
braço) se ele está morto, não voltarei. Mas quem pode ouvir este velho? Delirante.
(resmunga furiosamente ao sair) perda de tempo!

O VELHO: Por que me bateu? Você também é um homem velho. E cego, ainda por cima
de todos os males. (tateando sua mão, primeiro com cuidado, e então mais livremente)
onde está? me empresta a bengala. Ninguém vai tirá-la. Eu sei disso. Eu vou cuidar de
você. Eu gosto de cego. Empresta-me a bengala? (espera) sem resposta? se foi? (mais
tarde de uma pausa) me responda, você foi embora? (pausa, suspiro) sim, ele se foi. Que
figura! Eu não gosto de cegos: eles não veem nada, eles não querem que os outros vejam.
A cena teria sido ideal. Eu poderia ter empurrado toda a sujeira, com a mão me dá nojo.
Então fico aqui tomando ar fresco, mas não gosto disso. Aquele egoísta! O que isso teria
custado a ele?

(Lorenzo entra arrastando um carrinho cheio de lixo. Passando na frente do velho um


cabo cai sobre ele, o pedaço de uma vassoura. O velho homem apropriadamente com
avidez e sem se levantar, movendo os pés, para evitar a água, se arrasta para um lado,
onde ele começa a raspar a sarjeta, muito feliz, quase febril. Lorenzo raspou a cabeça, ele
tem um terno listrado e um pequeno lenço pontilhado em volta do pescoço. Lembra
vagamente um prisioneiro de um campo de concentração, embora sua aparência seja
muito mais saudável. Para e olha ansiosamente para a prisão)

LORENZO: (muito baixo) Ignácio ...! (inclina-se, colocando os sapatos na lama, olhando
para o chão, e com um fio de voz) Ignacio ...! (pausa curta) mas não me chame pelo meu
nome, idiota. Não me comprometa. Só estou interessado na sua saúde. Não me
comprometo: Mal de muitos, consolo de tolos.

O VELHO: (feliz, sem parar para mexer os pés) Eu desentupi! A água corre! Havia um
cheiro ruim. Não conseguia parar de mover meus pés. Estou tão usado!

LORENZO: (azedo) você tem alguma coisa para vender?

O VELHO: Não!

LORENZO: então não fale comigo! (grita) Eu compro garrafas, cama velha, trapo velho,
Ignacio, jornal velho!
(O homem sorridente sai. Ele olha para os dois lados da rua e chama Lorenzo, sem
reconhecer)

POLICIAL SORRIDENTE: vamos!

LORENZO: (apavorado, ele se vira para o velho) Ligue para ele!

O VELHO: (levantando-se devagar) não, não, você.

POLICIAL SORRIDENTE: Vamos!

LORENZO: (diligentemente, ele vai até o velho e com um empurrão ele avança para o
Sorridente) Uau!

POLICIAL SORRIDENTE: (para Lorenzo) Obrigado.

(Lorenzo corre para pegar o carrinho e o empurra em direção a saída. Mas lá está o
Fanho, acompanhado por um menino. O Fanho abre os braços e empurra Lorenzo)

POLICIAL FANHO: por que tanto trabalho? (para o sorridente) são suficientes?

LORENZO: (atordoado) você fala?

POLICIAL FANHO: (Que fala normalmente e não o reconhece. Surpreso) Sim. Sempre.
Por quê?

LORENZO: Não, não. Eu dizia que eu ... eu fiquei em silêncio por um longo tempo.
Depois eu me curei, com um susto. Agora eu falo tudo. Quando criança, eu também mal
falava. Não sabia com quem falar.

POLICIAL SORRIDENTE: quem te pergunta uma coisa?

LORENZO: (teimoso) ninguém! felizmente, ninguém me pergunta nada. A terra é livre.


(fica confuso) ninguém pergunta ... ninguém responde. Quando a gente conversa é ...
quando ...

POLICIAL FANHO: (afável) Bem, sim. Chega disso. O rosto dele ... eu acho conhecido.

LORENZO: Meu rosto? Claro. Existem milhares como este! Repugnante e vulgar. Olha,
olha meu perfil. Não vale nada!
POLICIAL SORRIDENTE: estamos atrasados!

POLICIAL FANHO: Esse velho e esse idiota ..

LORENZO: (indignado, em voz baixa) idiota, idiota eu?

POLICIAL FANHO: ... será o suficiente para o trabalho?

POLICIAL SORRIDENTE: Sim. Você, esvazie o carrinho.

LORENZO: (obstinado) Sim, sim. Como não! A suas ordens. (atira diligentemente a
carga do carrinho no chão, garrafas, resto de vassoura, uma bacia enferrujada)

POLICIAL FANHO: (julgando o carrinho) Não é um menino?

POLICIAL SORRIDENTE: Não se preocupe. Se for um menino, nós o dobramos.

JOVEM: Nós dobramos, o quê?

LORENZO: Ele falou!

POLICIAL SORRIDENTE: A carga! Em linha, por favor.

(Todos se posicionam em linha, Lorenzo corre para ficar em primeiro lugar. Fingindo
esperar, os policiais saem e eles voltam instantaneamente trazendo um corpo, o de
Ignacio, envolto em um material escasso. Eles o sobem no carrinho com dificuldade em
acomodá-lo. A cabeça está escondida, mas um braço e uma perna escapam deles, e isso se
repete várias vezes. Entre o cadáver que não quer se estabelecer e a polícia que insiste em
o fazer, há uma briga com violência teimosa e contida. Finalmente os policiais optam por
dobrar a cabeça sobre as pernas. Do interior da prisão, alguém joga uma pá. cai
diretamente sobre Lorenzo que grita de dor.)

POLICIAL SORRIDENTE: Nós iremos para o campo. Está fresco, o sol está brilhando.
Vamos caminhar devagar. Não vamos tomar isso como um trabalho.

LORENZO: Não aceito. Não vou!

O VELHO: eles me levam para passear!

POLICIAL FANHO: Precisamente, para passear.


POLICIAL SORRIDENTE: Todos felizes?

LORENZO e o VELHO: sim, todos estão felizes!

POLICIAL SORRIDENTE: Então, para o campo! (Lorenzo agarra com força a alça do
carrinho que o velho pretendia agarrar e empurra com um suspiro alto, liderando a fila.
Saem)
CENA 7

Um campo vazio. Os dois policiais estão sentados na grama com as pernas cruzadas.
Respiram fundo e alternadamente, com prazer. O fanho cheira uma flor com deleite. O
velho e o jovem estão atrás deles, de pé. Lorenzo pega a pá e escava. em uma
extremidade, do carrinho. Silencio.

O VELHO: (timidamente) tinha uma vaca na estrada. Você viu isso? (Ninguém presta
atenção nele. Outro silêncio. Ele se aproxima Lorenzo toca seu ombro com um dedo.
Lorenzo se vira. o velho, apontando para a pá. timidamente) Posso? Eu gostaria de ...
pegar algumas pás. Fazer algum exercício. (ansioso) é uma boa oportunidade, sabe?

LORENZO: (olha para ele mal-humorado) A pá foi jogada em mim. Eu sou o mais
treinado, o mais forte. Sinto muito. (vira as costas para ele e continua escavação. O velho
permanece imóvel, ansioso, sem acreditar no seu completo fracasso)

JOVEM: Deixe disso. Ele se corrige.

LORENZO: Sim! Eu me viro!

O VELHO: na estrada, havia uma vaca. nunca vi uma vaca, tão perto. (trazendo as costas
da mão para a bochecha) Queria ter... tocado nela. Elas têm uma pele quente e sedosa. E
parecia boa ... uma boa vaca parecia ... (um silêncio)

LORENZO: O que me importa! Deixe-me trabalhar!

O VELHO: (volta sua atenção para Lorenzo, tímido e ansioso) Permite-me ... (estende a
mão e Lorenzo, mal, abandona a pá. o velho, com um sorriso, pega e mal consegue dar
dois golpes desajeitadamente quando Lorenzo a arranca de suas mãos)

LORENZO: Você não sabe.

O VELHO: (mortificado) Dê para mim! (para responder, Lorenzo, ofegante, sopra como
um apito) E ainda por cima, não me atrevi a tocar nela ... na vaca. Eu fiquei com o desejo.
(sem esperança) por que desentupi o esgoto? na minha idade... ficar com um desejo. Com
dois...

LORENZO: (para de cavar) é isso.


POLICIAL SORRIDENTE: É isso? muito bem!

(os dois policiais se aproximam do carrinho e puxam as pontas do tecido. Ignacio cai no
chão. Lorenzo vai até ele rapidamente. Seu olhar muda)

LORENZO: Meu deus!

JOVEM: (baixo) Meu deus!

LORENZO: Ignácio, irmãozinho!

POLICIAL SORRIDENTE: E aí?

LORENZO: (tocando Ignácio com o pé) quem é esse? eu não sei. (apressado) Eu nem me
importo. Cada um tem o destino que merece. este ... este deve ter sido um belo cretino.

JOVEM: Cala a boca.

LORENZO: Me faça calar!

POLICIAL FANHO: (sério) não cale a boca dele.

LORENZO: Eu gosto! Por que ele se envolve?

POLICIAL SORRIDENTE: (afável) Pessoal! Não discutam! Vamos terminar logo. Já


vai escurecer. Quero ver meus meninos antes que adormecem.

LORENZO: (ri trêmulo) Como eu!

(O velho se apressa e empurra Ignacio para o buraco, agarra a pá, aproveitando a


distração de Lorenzo e, muito feliz, ele consegue pegá-la, mas Lorenzo vê, ele o faz
tropeçar e o joga no chão. Agarra a pá e começa rapidamente a bater na terra com golpes
pesados e nivelados com a pá. O velho se vira, irritado.)

LORENZO: (para os policiais, com um sorriso de servilismo) Voila! Trabalho realizado.


foi um prazer. (vê o tecido no chão, dobra em quatro e entrega-o à polícia)

POLICIAL FANHO e SORRIDENTE: Obrigado a todos!


LORENZO: (desapontado) Como? obrigado a todos? Trabalhei mais. Eles são só
testemunhas.

POLICIAL FANHO e SORRIDENTE: (sem ouvir) Até logo, rapazes! Vamos repetir.
Obrigado novamente! Até logo! (Vão saindo, pegando a pá e o carrinho. Silêncio)

LORENZO: Filhos da puta! Eles roubaram meu carro!

O VELHO: (arrependido e magoado) Eu só queria fazer um pouco de exercício. Por que


você não deixou?

LORENZO: Vá embora! Você é inútil.

O VELHO: E ainda por cima, fiquei com o desejo de tocar na vaca. Não terei outra
oportunidade.

JOVEM: Você a encontrará no caminho de volta.

O VELHO: Não ... deve ter adormecido. E bom ... parecia uma boa vaca ... e você..

LORENZO: (ladra) E eu o quê?

O VELHO: Seu pai! Conte a seu pai o que você fez comigo! Você verá. Ofender um
velho assim... (vai até a saída e para) por duas tacadas ... (sai)

LORENZO: (furioso) Para com isso, inútil! Eu não tenho pai, já deveria ser sepultado.
Morrer! (ele se vira para o jovem, que permaneceu deitado de costas, ao lado do túmulo.
Alterado) E você que faz? Por que não vai embora?

JOVEM: Você o conhecia?

LORENZO: Quem?

JOVEM: (apontando para o túmulo) Ele.

LORENZO: (agressivo) Não. E também não conheço a sua avó.

JOVEM: Eu pensei que ... você o conhecia. Seus olhos estavam abertos, cinzentos.

LORENZO: Eu os teria fechado. (risos angustiados) Se abrirão cheios de terra.


JOVEM: (se vira de costas) cala a boca ...

LORENZO: Cala a boca! Metido! Sujo! Por que não vai embora?

(entrelaça os dedos das mãos unidas, pula sobre ele, martelando com as mãos unidas, ele
o golpeia violentamente entre os ombros) Vá embora, vá embora! (O menino se inclina
para longe, com a cabeça escondida entre os ombros para se proteger contra os golpes, e
sai tropeçando) Não dirija a palavra a mim! Se eu o conhecia? O que eu sei se ele tinha
olhos cinzentos? Vá comprometer ... a ... a ... (por falta de outra palavra, ele explode) sua
avó! (volta e se senta ao lado do túmulo. ainda furioso) você ouviu, Ignácio? Querendo
me comprometer! (um silêncio. chama, desconfiado, testando) Ignacio ... Ignacio! (espera)
não tenha medo, não vou mais ligar para você. Eu tentei. Eu queria ter certeza. Essa é a pio
surpresa que você já me deu na vida. E agora, morto, você me bate! Para que você quer
estar morto? Hein? para que? Para me derrubar! (sem se mover) Estou saindo. São vinte
quarteirões para casa, para minha casa. Tudo foi deixado para mim, as paredes, as portas.
Tudo foi deixado para mim, até a coisa que mais me incomodava, sua risada.
(humildemente) Eu queria sua risada, Ignacio. E eu queria ... sua paciência ... que
resistência! De verdade, nascemos juntos, você era meu irmão? (ele ri, mas para
imediatamente) Também me incomodou ... o que você pensava. (com raiva) porque você
achou que eu era seu irmão, você não parou de pensar nisso nem por um minuto, eu
percebi. Não poderíamos viver no mesmo quarto, sem compartilhar nada. Eu não queria
compartilhar nada, seu estúpido! (em silêncio. sem se mexer) Estou saindo. para ver se eu
tenho o seu sorriso. (sorri um sorriso horrível e forçado, apenas dentes) Sim, sim. É seu,
me desculpe, tenho que ir embora. (Silêncio. Segue sentado imóvel, aos poucos o sorriso
desaparece. Se encolhe) Que frio. Estou indo, agora estou indo. (fica imóvel e quieto.
Timidamente desolado) Ignacio, Ignacio ...

(ele se curva em uma pose semelhante à de Ignacio no carrinho com a cabeça nos joelhos.
um grande silêncio)

FIM

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