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Língua Portuguesa – Redação – 2º bimestre

O texto teatral
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Texto teatral – definição e usos

A história do teatro remonta desde a Grécia antiga


(séc. V a. C.), na qual a representação teatral era concebida
como a principal atividade artística. Encenavam-se peças,
em especial as tragédias, cujo intuito era conduzir os
expectadores à catarse – uma espécie de purificação da
alma, dada pela liberação das emoções.
Com o passar do tempo, novas modalidades foram se
incorporando ao gênero dramático, tais como: as comédias, representações nas quais a
temática perfaz-se de fatos circunstancias e corriqueiros, tendo pessoas pertencentes às
classes populares como personagens; o auto, uma peça curta e de cunho religioso, cuja
temática liga-se a entidades abstratas (amor, hipocrisia, bondade, virtude, dentre outras); e a
farsa, voltada para a sátira dos costumes sociais. Desta feita, a concepção catártica foi
se esvaindo, cedendo lugar para novos postulados – denúncia de injustiças sociais,
reflexões filosóficas acerca de fatos cotidianos, entre outros.
Ao estabelecermos familiaridade com o texto dramatizado, percebemos que ele se
assemelha ao narrativo no tocante a vários aspectos, tais como, personagens, enredo,
tempo e espaço. Entretanto, diferenças também se acentuam, visto que no texto teatral, a
interação entre os interlocutores é estabelecida por meio da própria representação, ora
manifestada pelo discurso direto. Tal fato condiciona-se à ausência do próprio
narrador, pois é mediante a desenvoltura dos próprios personagens que o enredo é
paulatinamente retratado.
Outro aspecto bastante peculiar reside na atribuição dada ao conflito, elemento
primordial no gênero em questão. Em meio ao desenrolar do diálogo cria-se uma situação
conflituosa caracterizada por uma oposição e uma luta de vontades entre os personagens,
condicionando a plateia/leitor a criar uma expectativa em relação aos fatos presenciados ou
lidos.

Teatro: uma forma de arte em que um ator ou conjunto de atores interpreta uma história
ou atividades para o público em um determinado lugar. Com o auxílio de dramaturgos ou

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de situações improvisadas, de diretores e técnicos, o espetáculo tem como objetivo
apresentar uma situação e despertar sentimentos no público.

Com exceção de certas


representações como a pantomima,
ou das improvisadas como a Pantomima é um teatro gestual que faz o

Commedia Dell’arte, o teatro não é menor uso possível de palavras e o maior

uma arte totalmente autônoma, uso de gestos através da mímica. É a arte de

precisa, como base, de textos narrar com o corpo. É uma modalidade

literalmente elaborados. O texto foi, cênica que se diferencia da expressão

tradicionalmente, o alicerce básico da corporal e da dança; basicamente é a arte

arte dramática na maioria das objetiva da mímica, é um excelente artifício

culturas, embora isso se tenha para comediantes, cômicos, palhaços,

verificado de forma mais acentuada atores, bailarinos, enfim, os intérpretes.

no Ocidente. Estes textos literários


formam, em seu conjunto, a
Literatura Dramática.
As artes cênicas e a literatura
dramática, que evoluíram
paralelamente, constituem uma
unidade indissolúvel, que se
materializa na atuação, na
representação, no palco.

Peça de teatro: uma forma literária normalmente constituída de diálogos entre


personagens e destinada a ser encenada – não apenas lida. Nas encenações, os atores
devem respeitar um roteiro, feito por um dramaturgo. O diretor tem o papel de fazer o
roteiro ser cumprido nos mínimos detalhes, e também é o responsável por dirigir os ensaios.
Os cenógrafos também são muito importantes, já que eles caracterizam o espaço onde a
peça será apresentada.

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As peças teatrais podem surgir sob a forma de:


 tragédia;  drama;  teatro moderno.
 comédia;  teatro épico;

Estrutura do Texto Teatral

A peça teatral é composta por dois tipos de texto:

Texto principal – contém as falas dos atores, que podem ser escritas através de:
 Monólogo – a personagem fala consigo mesmo, expondo, perante o público, os seus
pensamentos e/ou sentimentos (precedido sempre de travessão);
 Diálogo – falas entre duas ou mais personagens (precedido sempre de travessão);
 Apartes – comentários de um personagem para o público, pressupondo que não são
ouvidos pelo seu interlocutor.

Texto secundário (Indicações cênicas) – Destina-se ao leitor, ao encenador ou aos atores.

A peça teatral compõe-se também em sua estrutura de:


 listagem inicial das personagens;
 indicação do nome das personagens no início de cada fala;
 informações sobre a estrutura externa da peça (divisão em atos, cenas ou quadros);
 indicações sobre o cenário e guarda-roupas das personagens;
 indicações sobre movimentação das personagens em palco, as atitudes que devem
tomar, os gestos que devem fazer ou a entoação de voz com que devem proferir as
palavras.

O texto da peça teatral divide-se em:


 exposição: apresentação dos personagens e antecedentes da ação;
 conflito: conjunto de fatos que fazem a ação progredir;
 desenlace: desfecho da ação dramática.

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Quanto aos personagens, na peça teatral, eles podem ser:


 protagonista ou personagem principal;
 personagens secundárias;
 figurantes.

Quanto à intenção do autor (o que ele pretende com o texto da sua peça), pode ser:
 moralizadora: distinguir o bem do mal, para mostrar que o bem sempre vence;
 lúdica: de entretenimento, diversão, quer causar o riso;
 crítica: em relação à sociedade do seu tempo;
 didática: transmitir um ensinamento.
A peça teatral pode apresentar mais de uma intenção, exemplo: ela pode ser crítica e
lúdica ao mesmo tempo.

Abaixo temos um fragmento da peça “O


Noviço” do dramaturgo Martins Pena. Leia-o Luís Carlos Martins Pena (1815 –

com atenção verificando os elementos 1848) foi dramaturgo, diplomata e

descritos acima. introdutor da comédia de costumes


no Brasil, tendo sido considerado o
Texto Teatral 1 Molière brasileiro.
Sua obra se caracterizou,
O NOVIÇO
pioneiramente, pela ironia e humor,
Comédia em 3 atos
Personagens: as graças e desventuras da
AMBRÓSIO sociedade brasileira e de suas
FLORÊNCIA – sua mulher instituições. É patrono da Academia
EMÍLIA – sua filha
Brasileira de Letras.
JUCA – 9 anos, dito
CARLOS – noviço da Ordem de S. Bento
ROSA – provinciana, primeira mulher de Ambrósio
PADRE – mestre dos noviços
JORGE
JOSÉ – criado

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1 meirinho, que fala
2 ditos, que não falam
Soldados de Permanentes, etc.
(A cena passa-se no Rio de Janeiro)

ATO PRIMEIRO

Sala ricamente adornada: mesa, consolos, mangas de vidro, jarras com flores, cortinas,
etc., etc. No fundo, porta de saída, uma janela, etc., etc.

CENA I

AMBRÓSIO só de calça preta e chambre — No mundo a fortuna é para quem sabe


adquiri-la. Pintam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem
inteligência para vê-la e a alcançar. Todo homem pode ser rico, se atinar com
o verdadeiro caminho da fortuna. Vontade forte, perseverança e pertinência
são poderosos auxiliares. Qual o homem que, resolvido a empregar todos os
meios, não consegue enriquecer-se? Em mim se vê o exemplo. Há oito anos,
eu era pobre e miserável, e hoje sou rico, e mais ainda serei. O como não
importa; no bom resultado está o mérito... Mas um dia pode tudo mudar. Oh,
que temo eu? Se em algum tempo tiver que responder pelos meus atos, o
ouro justificar-me-á e serei limpo de culpa. As leis criminais fizeram-se para
os pobres.

CENA II

Entra Florência vestida de preto, como quem vai à festa.


FLORÊNCIA – entrando — Ainda despido, Sr. Ambrósio?
AMBRÓSIO — É cedo (Vendo o relógio) São nove horas e o ofício de Ramos principia às
dez e meia.
FLORÊNCIA — É preciso ir mais cedo para tomarmos lugar.
AMBRÓSIO — Para tudo há tempo. Ora, dize-me, minha bela Florência...
FLORÊNCIA — O que, meu Ambrosinho?
AMBRÓSIO — O que pensa tua filha do nosso projeto?
FLORÊNCIA — O que pensa não sei eu, nem disso se me dá; quero eu – e basta. E é
seu dever obedecer.
AMBRÓSIO — Assim é; estimo que tenhas caráter enérgico.

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FLORÊNCIA — Energia tenho eu.


AMBRÓSIO — E atrativos, feiticeira.
FLORÊNCIA — Ai, amorzinho! (à parte:) Que marido!
AMBRÓSIO — Escuta-me, Florência, e dá-me atenção. Crê que ponho todo o meu
pensamento em fazer-te feliz...
FLORÊNCIA — Toda eu sou atenção.
AMBRÓSIO — Dois filhos te ficaram do teu primeiro matrimônio. Teu marido foi um
digno homem de muito juízo; deixou-te herdeira de avultado cabedal. Grande
mérito é esse...
FLORÊNCIA — Pobre homem!
AMBRÓSIO — Quando eu te vi pela primeira vez não sabia que era viúva rica. (à
parte:) Se o sabia! (Alto:) Amei-te por simpatia.
FLORÊNCIA — Sei disso, vidinha.
AMBRÓSIO — E não foi o interesse que obrigou-me a casar contigo.
FLORÊNCIA — Foi o amor que nos uniu.
AMBRÓSIO — Foi, foi, mas agora que me acho casado contigo, é de meu dever zelar
essa fortuna que sempre desprezei.
FLORÊNCIA, à parte — Que marido!
AMBRÓSIO, à parte — Que tola! (Alto:) Até o presente tens gozado desta fortuna em
plena liberdade e a teu bel-prazer; mas daqui em diante, talvez assim não
seja.
FLORÊNCIA — E por quê?
AMBRÓSIO — Tua filha está moça e em estado de casar-se. Casar-se-á, e terás um
genro que exigirá a legítima de sua mulher, e desse dia, principiarão as
amofinações para ti, e intermináveis demandas. Bem sabes que ainda não
fizeste inventário.
FLORÊNCIA — Não tenho tido tempo, e custa-me tanto aturar procuradores!
AMBRÓSIO — Teu filho também vai a crescer todos os dias e será preciso por fim dar-
lhe a sua legítima... Novas demandas.
FLORÊNCIA — Não, não quero demandas.
AMBRÓSIO — É o que eu também digo; mas como preveni-las?
FLORÊNCIA — Faze o que entenderes, meu amorzinho.

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AMBRÓSIO — Eu já te disse há mais de três meses o que era preciso fazermos para
atalhar esse mal. Amas a tua filha, o que é muito natural, mas amas ainda
mais a ti mesma...
FLORÊNCIA — O que também é muito natural...
AMBRÓSIO — Que dúvida! E eu julgo que podes conciliar esses dois pontos, fazendo
Emília professar em um convento. Sim, que seja freira. Não terás nesse caso
de dar legítima alguma, apenas um insignificante dote — e farás ação
meritória.
FLORÊNCIA— Coitadinha! Sempre tenho pena dela; o convento é tão triste!
AMBRÓSIO — É essa compaixão mal-entendida! O que é este mundo? Um pélago de
enganos e traições, um escolho em naufragam a felicidade e as doces ilusões
da vida. E o que é o convento? Porto de salvação e ventura, asilo da virtude,
único abrigo da inocência e verdadeira felicidade... E deve uma mãe carinhosa
hesitar na escolha entre o mundo e o convento?
FLORÊNCIA — Não, por certo...
AMBRÓSIO — A mocidade é inexperiente, não sabe o que lhe convém. Tua filha
lamentar-se-á, chorará desesperada, não importa; obriga-a e daí tempo ao
tempo. Depois que estiver no convento e acalmar-se esse primeiro fogo,
abençoará o teu nome e, junto ao altar, no êxtase de sua tranquilidade e
verdadeira felicidade, rogará a Deus por ti. (À parte:) E a legítima ficará em
casa.
FLORÊNCIA — Tens razão, meu Ambrosinho, ela será freira.
AMBRÓSIO — A respeito de teu filho direi o mesmo. Tem ele nove anos e será prudente
criarmo-lo desde já para frade.
FLORÊNCIA — Já ontem comprei-lhe o hábito com que andará vestido daqui em diante.
AMBRÓSIO — Assim não estranhará quando chegar à idade de entrar no convento;
será frade feliz. (À parte:) E a legítima também ficará em casa.
FLORÊNCIA — Que sacrifícios não farei eu para a ventura dos meus filhos!

Exercícios
O texto abaixo foi extraído do prefácio de uma coletânea de peças de Martins Pena.
Nele, são apresentadas algumas considerações reflexivas do crítico Raimundo Magalhães

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Júnior. Leia-o com atenção e responda as atividades 1 e 2.

Martins Pena, morto há cem anos, não deve ser avaliado apenas pela sua obra
dramática, mas igualmente pela influência que nos legou. E essas influências, na
verdade, estabelecem a tradição inicial e mais autêntica em nosso teatro. Escrevendo
numa época em que ainda se tinha o vezo de imitar os clássicos, abandonou os velhos
modelos e os temas gastos, para se voltar para a realidade brasileira.
Seu gênio dramático foi eminentemente brasileiro. Escreveu, na realidade, alguns
dramas e tragédias de assunto espanhol e português, mas o que dele ficou e ficará, em
nossa literatura, e o que constitui a parte mais importante de sua obra, são as comédias
como O noviço, Os irmãos das almas, O judas em Sábado de Aleluia, O juiz de paz da
roça, etc. Essas comédias estão cheias de preciosas anotações.
Mostram-nos, admiravelmente, o que era o Brasil da Regência e dos primeiros anos
do Segundo Reinado. A precária administração da justiça, a ausência de polícia, o
recrutamento sui generis, até mesmo as traficâncias e fatos e coisas de antanho,
revelam em Martins Pena um agudo espírito crítico, sempre pronto a apontar mazelas e
a documentar coisas carecedoras de emenda. Não exagerou Sílvio Romero quando, na
sua História da Literatura Brasileira, declarou que, se todos os documentos e fontes
históricas nos faltassem, seria possível reconstituir a vida da sociedade brasileira tão
somente através das comédias de Martins Pena, porque essas comédias constituem
“documentos sociológicos” da maior importância. Podemos dizer que Martins Pena
fundou, no Brasil, uma escola – a da comédia de costumes – que não desapareceu nem
deve desaparecer do nosso teatro.
(Fonte: SANTOS PEREIRA, J. R. Prefácio da Primeira Edição do Instituto Nacional do Livro. In.: MARTINS PENA, L. C.
Comédias. Tecnoprint, Rio de Janeiro, 1968. p. 11)

Glossário
vezo: hábito ou costume;
sui generis: nas suas características específicas, peculiares;
traficâncias: falsidades, enganações;
de antanho: do passado;
mazelas: problemas;
emenda: correção.

1. a) Qual a opinião do crítico sobre a obra de Martins Pena?


b) Que critérios foram utilizados pelo crítico para avaliar positivamente as obras desse
dramaturgo?

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2. a) De acordo com Sílvio Romero, um importante crítico e historiador da literatura
brasileira, as comédias de Martins Pena, “constituem ‘documentos sociológicos’”, pois
apresentam descrições da sociedade brasileira do século XIX e de seus costumes. Tomando
como base O Noviço, cite alguns costumes sociais retratados nessa peça.
b) Se você fosse escrever uma comédia de costumes sobre a sociedade brasileira atual, que
assuntos (hábitos, crenças, valores, tradições etc.) você abordaria?

Elementos textuais do Texto Teatral

Ato e Cena

Os atos e as cenas são subdivisões que organizam o texto de uma peça teatral. Os
atos são as subdivisões que marcam uma sequência de eventos. Em O Noviço, por
exemplo, temos 3 atos: o primeiro compreende a volta de Carlos, o conhecimento das
intenções de seu tio e o aparecimento de Rosa. Já o segundo, se inicia quando o noviço
principia a investir contra os planos do tio e termina com a descoberta de seu grande
segredo. O terceiro ato, por sua vez, retrata o desfecho da história e a resolução de todos os
conflitos.
Sendo assim, nessa peça, os acontecimentos são expostos linearmente, ou seja, na
ordem em que ocorreram. Isso não é obrigatório, muitas vezes o escritor escolhe uma outra
dinâmica para sua obra.
Já cenas são as subdivisões dos atos. Na peça de Martins Pena, as cenas
apresentam espaço e tempo contínuos, além de um conjunto fixo de personagens, assim,
quando há alteração em um desses elementos (novo cenário, entrada e saída de
personagens), marca-se o fim de uma cena e o início da seguinte. Na cena I do ato primeiro,
transcrita anteriormente, Ambrósio está sozinho, refletindo sobre a possibilidade de perder o
dinheiro que adquiriu há pouco tempo. A entrada de sua mulher, Florência, na sala, produz
uma alteração no número de personagens presentes no palco, por isso, o autor assinala,
nessa parte, o início de uma nova cena.

Curiosidade:
Na Grécia clássica, a peça se dividia em episódios apresentados pelo coro.
Até o século XVIII, predominavam as compostas por 3 atos: exposição, clímax, desfecho

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ou desenlace. Na exposição, as personagens eram apresentadas para os espectadores; no
clímax, desenvolvia-se o conflito do enredo e no desenlace ocorria o fim da peça com a
resolução do conflito. Shakespeare, um autor inglês, resolveu inovar, escrevendo tragédias e
comédias com 5 atos.

Diálogos
Narrador é a perspectiva através da
Em um texto teatral, as falas das
qual se conta uma história.
personagens aparecem escritas em forma
Há dois tipos de narrador: observador,
de diálogos. Isso acontece devido à
quando a narrativa ocorre através de
ausência de narrador, o que se justifica
uma perspectiva de fora, e personagem,
devido a seu próprio caráter, que não visa
quando aquele que conta a história
à leitura, mas sim à encenação. Assim não
participa, de alguma forma do enredo,
é necessário que alguém conte a história
sendo uma das personagens.
porque esta é representada, no placo,
diante dos espectadores.
Há ainda uma fala especial, indicada como à parte, que é utilizada quando a
personagem precisa expressar suas intenções, pensamentos e desejos à plateia. Trata-se
de uma convenção do teatro: quando um ator se dirige diretamente aos espectadores
significa que se trata de pontos que devem ser conhecidos unicamente por eles, de modo
que não são ouvidos pelas outras personagens em cena.

FLORÊNCIA — É preciso ir mais cedo para tomarmos lugar.


AMBRÓSIO — Para tudo há tempo. Ora dize-me, minha bela Florência...
FLORÊNCIA — O que, meu Ambrosinho?
FLORÊNCIA, à parte — Que marido!
AMBRÓSIO, à parte — Que tola!
(...)
AMBRÓSIO — Quando eu te vi pela primeira vez, não sabia que eras viúva rica. (À
parte:) Se o sabia! (Alto:) Amei-te por simpatia.
(Fonte: MARTINS PENA, L. C. O Noviço. Ediouro, São Paulo, 1997. p. 09)

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Rubricas

As rubricas são instruções elaboradas pelos autores das obras que dizem respeito à
caracterização do espaço, tempo, entrada e saída de personagens, enfim, dos
aspectos necessários para a encenação da peça. Além disso, as rubricas caracterizam
física e psicologicamente as personagens, apresentando figurinos, gestos, tons de
voz, expressões, bem como sentimentos e emoções que devem ser expressos pelos
atores.
Geralmente as rubricas aparecem nos textos entre parênteses e/ou marcadas em
itálico, recebendo, assim, maior destaque. Observe no trecho abaixo, extraído de O Noviço,
as rubricas que descrevem as ações das personagens, situando os atores e indicando-lhes
como devem conduzir sua interpretação:

AMBRÓSIO, só de calça preta e chambre — No mundo a fortuna é para quem sabe


adquiri-la. (...)
FLORÊNCIA, entrando — Ainda despido, Sr. Ambrósio?
AMBRÓSIO — É cedo. (Vendo o relógio:)
(Fonte: MARTINS PENA, L. C. O Noviço. Ediouro, São Paulo, 1997. p. 08-09)

Como você pode perceber, a função desses elementos estruturais é fornecer


orientação tanto para os profissionais do teatro (diretor, ator, cenógrafo, iluminador,
figurinista), quanto para o próprio leitor. É a partir da leitura das rubricas que se pode
construir uma encenação imaginária da obra teatral.

Exercícios
1. Leia o excerto da comédia O Avarento, do dramaturgo francês Molière, para responder a
próxima questão.

LA FLÈCHE — (...) Será o senhor um homem capaz de ser roubado, fechando tudo a
sete chaves e montando sentinela dia e noite, como faz?
HARPAGON — Eu fecho o que bem me parece e faço sentinela como bem entendo!
(baixo, à parte) Será que ele suspeita qualquer coisa sobre os meus dez mil
escudos? (alto) Tu és bastante capaz de espalhar o boato de que eu tenho
dinheiro escondido aqui em casa, hein?

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LA FLÈCHE — O senhor tem dinheiro escondido aqui?


HARPAGON — (...) (erguendo a mão contra ele) Vai-te embora de uma vez!
LA FLÈCHE — Está bem... Eu obedeço...
HARPAGON — Espera... Não levas nada?
LA FLÈCHE — Que poderia eu levar?
HARPAGON — Vem cá. Mostra-me tuas mãos.
LA FLÈCHE — Pronto.
HARPAGON — As outras.
LA FLÈCHE — Eu só tenho estas duas.
HARPAGON (indicando os calções de La Flèche) — Não puseste nada aí dentro?
LA FLÈCHE — Veja o senhor mesmo.
HARPAGON (apalpando os calções) — Esses calções são ótimos para esconder as coisas
roubadas. (...) (ele revista os bolsos de La Flèche).
LA FLÈCHE (à parte) — Que a peste engula a avareza e os avarentos...
(Fonte: MOLIÈRE. O Avarento & As Sabichonas. Tecnoprint, Rio de Janeiro, 1987. p. 80-81)

a) De que maneira a personagem Harpagon é caracterizada?


b) Neste trecho, o autor fez uso do recurso à parte em falas de Harpagon e de La Flèche.
Por que essas falas foram marcadas como à parte?
2. Leia a seguir o trecho da tragédia Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, de Gonçalves
de Magalhães, encenada inicialmente em 1838, no Rio de Janeiro.

FREI GIL — Da parte do Santo Tribunal.


(Os Familiares [do Santo Ofício] se apoderam de Antônio José, que corre para Mariana,
como para abraçá-la, mas eles o impedem; entretanto Frei Gil se apresenta diante de
Mariana, que convulsa e horrorizada mal o vê, e ouvindo aquelas palavras, grita:)
MARIANA — Ai!
(E cai por terra. Lúcia se ajoelha ao pé do seu corpo, cobrindo com as mãos os olhos,
debruça-se sobre ela. Antônio José, seguro pelos braços, dobra os joelhos, lançando o
corpo e a cabeça para diante, e procura com os olhos certificar-se do estado de
Mariana.)
ANTÔNIO JOSÉ — Está morta! (Firmando-se repentinamente, e fazendo um forte
movimento com todo o corpo, grita:) Que eu não possa vingar a sua morte...
(Fonte: MAGALHÃES, Gonçalves de apud PRADO, Décio de Almeida. João Caetano. Editora Perspectiva, São Paulo, 1972.

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p. 24)

Identifique as rubricas e responda:


a) Que informações elas trazem?
b) De que maneira auxiliam na construção da cena?

Personagens

Logo na primeira página do texto teatral, costuma aparecer uma listagem com as
personagens presentes na peça. No caso de O Noviço, temos a seguinte lista:

Personagens
AMBRÓSIO.
FLORÊNCIA, sua mulher.
EMÍLIA, sua filha.
JUCA, 9 anos.
CARLOS, noviço da Ordem de São Bento.
ROSA, provinciana, primeira mulher de Ambrósio
PADRE-MESTRE DOS NOVIÇOS.
JORGE.
JOSÉ, criado.
1 meirinho, que fala.
2 ditos, que não falam.
Soldados de Permanentes.
(Fonte: MARTINS PENA, L. C. O Noviço. Ediouro, São Paulo, 1997. p. 07)

Observando essa listagem, percebemos que existe uma série de relações: Ambrósio,
Florência e Emília, membros de uma mesma família; Ambrósio e Rosa, sua primeira mulher.
Outras personagens com participação secundária sequer chegam a receber um nome
próprio. São elas: padre-mestre dos noviços, um meirinho, outros sujeitos e soldados.
Podemos também inferir certas características sobre algumas personagens. Juca tem 9
anos de idade, Carlos é um noviço da Ordem de São Bento, José é um criado e Rosa é
provinciana e ao contrário das demais, não vive na capital.
Outros textos literários geralmente não fazem uma apresentação inicial de todas as
personagens que participarão da história. O leitor fica conhecendo quem elas são e suas
características ao longo da leitura.

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Espaço

Em um texto de uma peça teatral, há dois tipos de espaço: o cênico e o dramático.


O espaço cênico é constituído por elementos presentes no palco durante a
encenação, podendo ser bastante simples (com apenas um objeto, como uma cadeira, por
exemplo), ou mesmo mais elaborado. Já o espaço dramático é o local onde se passa a
história. O autor costuma fornecer informações sobre esses cenários nas rubricas ou
mesmo nos diálogos.
Em O Noviço, a história tem como espaço dramático a casa de uma família rica que se
situa no Rio de Janeiro do século XIX. Já o espaço cênico é, no primeiro e no segundo ato, a
sala da casa de Florência, e no terceiro, o quarto de Carlos. A estrutura, objetos, enfeites
são apresentados nas rubricas:

ATO 1 e 2: (Sala ricamente adornada: mesa, consolos, mangas de vidro, jarras com
flores, cortinas, etc. No fundo, porta de saída, uma janela, etc.)
ATO 3: (Quarto em casa de Florência: mesa, cadeiras, etc., armário, uma cama grande
com cortinados, uma mesa pequena com um castiçal com vela acesa.)

Tempo

O tempo em uma peça teatral também se divide em cênico e dramático.


O tempo cênico é a duração da encenação. Um mesmo texto pode ter diferentes
tempos cênicos, variando de acordo com a montagem, que depende das escolhas do diretor
e dos atores.
O tempo dramático é o intervalo de tempo no qual se dão os acontecimentos da
peça. Pode ser um dia, um mês ou mesmo vários anos. Em O Noviço, as ações dos dois
primeiros atos ocorrem no período de um dia; já as ações do terceiro ato iniciam-se após um
período de pouco mais de uma semana e terminam no mesmo dia.

Monólogo

Um monólogo é um discurso ou uma fala pronunciada por um indivíduo no qual


geralmente são reproduzidos reflexões profundas, conflitos psicológicos, pensamentos e
ideias.
Outras personagens podem estar presentes enquanto ele fala, mas para se constituir
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como monólogo, não pode haver nenhuma interação entre eles. Na peça de Martins Pena,
logo na primeira cena há um monólogo. Nela, a personagem Ambrósio expressa suas
ponderações e o medo de perder sua fortuna, enquanto está sozinho na sala. Por meio
dessa fala, o público conhece o verdadeiro Ambrósio: um homem ganancioso e oportunista.
Os monólogos são muito comuns em peças de teatro. Quem não conhece a frase “Ser
ou não ser, eis a questão?”, presente num monólogo contido em Hamlet, de Shakespeare,
uma das mais famosas obras da história?
Trecho do monólogo presente na tragédia Hamlet, de Shakespeare:

HAMLET — Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre


Em nosso espírito sofrer pedras e setas
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provocações
E em luta pôr-lhes fim? Morrer... dormir: não mais.
Dizer que rematamos com um sono a angústia
E as mil pelejas naturais-herança do homem (...)
(Fonte: SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução de Silva Ramos, Péricles Eugênio da.
Editora Abril, 1976. p. 97)
Hamlet e Horácio, de Eugène Delacroix (1839).

Texto Teatral 2

O PAGADOR DE PROMESSAS
Dias Gomes

“O HOMEM, no sistema capitalista, é um ser que


luta contra uma engrenagem social que promove a sua
desintegração, ao mesmo tempo que aparenta e
declara agir em defesa de sua liberdade individual. Para
adaptar-se a essa engrenagem, o indivíduo concede
levianamente, ou abdica por completo de si mesmo. O
Pagador de Promessas é a estória de um homem que
não quis conceder – e foi destruído. Seu tema central é,
assim, o mito da liberdade capitalista. Baseado no

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princípio da liberdade de escolha, a sociedade burguesa não fornece ao indivíduo os
meios necessários ao exercício da dessa liberdade, tornando-a, ilusória. (GOMES, DIAS.
1972)
PRIMEIRO ATO: Primeiro quadro. Alfredo de Freitas Dias Gomes
A primeira cena da peça teatral inicia- (Salvador, BA, 1922 – São Paulo, SP,
se às quatro horas e trinta minutos. Ainda 1999). Autor. Sua obra tem uma
não havia amanhecido na cidade de abordagem humanista de esquerda,
Salvador e o casal Zé do Burro e sua com temática voltada para o homem
esposa Rosa, chegam a frente à igreja de
brasileiro e sua luta com a
Santa Bárbara.
engrenagem social. Entre elas, O
Saíram às cinco da manhã do interior
Pagador de Promessas, um clássico
baiano e caminharam sete léguas até que
da moderna dramaturgia brasileira.
chegam à igreja um pouco antes desse
Foi também um dos mais
horário.
importantes autores de novelas,
Zé do Burro era um homem muito
levando para a televisão a
simples, proprietário rural de um pequeno
observação da realidade brasileira e a
pedaço de terra no interior do nordeste,
mistura de fantasia e realismo que
donde tirava o sustento de sua família e
caracterizam a sua obra teatral Entre
possuía um burro, o Nicolau por quem tinha
as novelas mais bem-sucedidas
muito apego e que acreditava que tinha
encontram-se: Bandeira 2, 1971; O
“alma de gente”.
Bem Amado, 1973; Saramandaia,
Uma fatalidade mudou o rumo de sua
vida: um dia o burro foi atingido por uma
1976; Roque Santeiro, 1985.

queda de uma árvore, em virtude de um


raio, deixando-o gravemente ferido.
Zé do Burro, desesperado ante essa situação, fez uma promessa à Santa Bárbara:
caso seu burro se recuperasse, ele dividiria suas terras entre os necessitados e
carregaria uma cruz tão pesada como a de Jesus até a igreja da Santa.
Como em sua cidade não havia a respectiva igreja, fez a promessa em um terreiro
de candomblé, onde ela é conhecida pelo nome de Iansã.
Seu burro se recupera e assim, ele e sua esposa, partem em via crucis para
cumprir o prometido e oferecer ao padre responsável pela referida igreja, à sua cruz.
Mas, ao chegarem ao local, encontram a igreja ainda fechada e por mais que Rosa
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insistisse para que ele deixasse a cruz na porta, Zé mantinha-se firme na ideia de que a
promessa só seria cumprida se ele deixasse a cruz na frente do altar como prometera.

Zé — (Olhando a igreja.) É essa. Só pode ser essa. (Rosa para também, junto aos
degraus, cansada, enfastiada e deixando já entrever uma revolta que se avoluma.)
Rosa — E agora? Está fechada.
Zé — É cedo ainda. Vamos esperar que abra.
Rosa — Esperar? Aqui?
Zé — Não tem outro jeito.
Rosa — (Olha-o com raiva e vai sentar-se num dos degraus. Tira o sapato.) Estou com
cada bolha d’água no pé que dá medo.
Zé — Eu também. (Contorce-se de dor. Despe uma das mangas do paletó.) Acho que os
meus ombros estão em carne viva.
Rosa — Bem feito. Você não quis botar almofadinhas, como eu disse.
Zé — (Convicto) Não era direito. Quando eu fiz a promessa, não falei em almofadinha.
Rosa — Então: se você não falou, podia ter botado; a Santa não ia dizer nada.
Zé — Não era direito. Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não usou
almofadinhas.
Rosa — Não usou porque não deixaram.
Zé — Não, esse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o
santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus
assentamentos e diz: — Ah, você é o Zé do Burro, aquele que já me passou a
perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que
o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou
calote num, todos os outros ficam sabendo.
Rosa — Será que você ainda pretende fazer outra promessa depois dessa? Já não
chega?
Zé — Sei não... a gente nunca sabe se vai precisar. Por isso, é bom ter sempre as
contas em dia. (Ele sobe um ou dois degraus. Examina a fachada da igreja à
procura de uma inscrição.)
Rosa — Que é que você está procurando?
Zé — Qualquer coisa escrita, pra a gente saber se essa é mesmo a igreja de Santa
Bárbara.
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Rosa — E você já viu igreja com letreiro na porta, homem?


Zé — É que pode não ser essa...
Rosa — Claro que é essa. Não lembra o que o vigário disse? Uma igreja pequena, numa
praça, perto duma ladeira...
Zé — (Corre os olhos em volta.) Se a gente pudesse perguntar a alguém...
Rosa — Essa hora está todo mundo dormindo. (Olha-o quase com raiva.) Todo o
mundo... menos eu, que tive a infelicidade de me casar com um pagador de
promessas. (Levanta-se e procura convencê-lo.) Escute, Zé... já que a igreja está
fechada, a gente podia ir procurar um lugar para dormir. Você já pensou que beleza
agora uma cama?...
Zé — E a cruz?
Rosa — Você deixava a cruz aí e amanhã, de dia...
Zé — Podem roubar...
Rosa — Quem é que vai roubar uma cruz, homem de Deus? Pra que serve uma cruz?
Zé — Tem tanta maldade no mundo. Era correr um risco muito grande, depois de ter
quase cumprido a promessa. E você já pensou: se me roubassem a cruz, eu ia ter
que fazer outra e vir de novo com ela nas costas da roça até aqui. Sete léguas.
Rosa — Pra quê? Você explicava à santa que tinha sido roubado, ela não ia fazer
questão.

O casal, então, se aloja na escadaria enquanto esperam amanhecer e a igreja abrir.


Rosa, deitada ao lado de seu marido, reclama de sua teimosia, da longa caminhada
percorrida, do cansaço e das bolhas em seus pés e depois, acaba adormecendo.
Zé, que estava extremamente cansado da jornada com a cruz, tenta manter-se em
vigília, mas acaba cochilando constantemente.
Nesse momento, chega à praça, Bonitão, um gigolô “insensível a tudo isso. Ele é
frio e brutal em sua profissão. Encara a exploração a que submete Marli e outras
mulheres, como um direito que lhe assiste, ou melhor, um dom que a natureza lhe
concedeu, juntamente com seus atributos físicos. Em seu entender, sua beleza máscula
e seu vigor sexual aliados a um direito natural de subsistir, justificam plenamente seu
modo de vida. É de estatura um pouco acima da média, forte e de pele trigueira,
amulatada. A ascendência negra é visível, embora os cabelos sejam lisos, reluzentes de

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gomalina e os traços regulares, com exceção dos lábios grossos e sensuais e das narinas
um tanto dilatadas. Veste-se sempre de branco, colarinho alto, sapatos de duas cores” e
Marli, uma prostituta, “ela tem, na realidade, vinte e oito anos, mas aparenta mais dez.
Pinta-se com algum exagero, mas mesmo assim não consegue esconder a tez amarelo-
esverdeada. Possui alguns traços de uma beleza doentia, uma beleza triste e suicida.
Usa um vestido muito curto e decotado, já um tanto gasto e fora de moda, mas ainda de
bom efeito visual. Seus gestos e atitudes refletem o conflito da mulher que quer libertar-
se de uma tirania que, no entanto, é necessária ao seu equilíbrio psíquico – a exploração
de que é vítima por parte de Bonitão vem, em parte, satisfazer um instinto maternal
frustrado. Há em seu amor e em seu aviltamento, em sua degradação voluntária, muito
de sacrifício maternal, ao qual não falta, inclusive, um certo orgulho.”
Eles discutem e deixam nítida a relação entre a submissão e a exploração entre
eles. Marli entrega-lhe o dinheiro que conseguiu através de sua prostituição e ele
reclama do pouco que ela conseguiu. Ela defende-se alegando que o serviço de
prostituição não rendia como antes e os dois acabam brigando.
Marli o amava, mas Bonitão via na pobre moça, uma mercadoria, fruto de sua
renda financeira.
Marli parte e Bonitão repara no casal da escadaria da igreja. Dirige-se até eles.
Zé do Burro é “homem ainda moço, de 30 anos presumíveis, magro, de estatura
média. Seu olhar é morto, contemplativo. Suas feições transmitem bondade, tolerância e
há em seu rosto um ‘que’ de infantilidade. Seus gestos são lentos, preguiçosos, bem
como sua maneira de falar. Tem barba de dois ou três dias e traja-se decentemente,
embora sua roupa seja mal talhada e esteja amarrotada e suja de poeira” e Rosa “pouco
parece ter de comum com ele (Zé do Burro). É uma bela mulher, embora seus traços
sejam um tanto grosseiros, tal como suas maneiras. Ao contrário do marido, tem
‘sangue quente’. É agressiva em seu ‘sexy’, revelando, logo à primeira vista, uma
insatisfação sexual e uma ânsia recalcada de romper com o ambiente em que se sente
sufocar. Veste-se como uma provinciana que vem à cidade, mas também como uma
mulher que não deseja ocultar os encantos que possui.”
Bonitão, enquanto conversa com Zé do Burro repara com interesse na beleza física
de Rosa. Em seguida, sugere ao Zé do Burro que fosse observar se a porta lateral da
sacristia já não se abrira, pois o padre costumava levantar-se cedo para preparar a
missa das seis.
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Rosa, por sua vez, conversa com Bonitão, queixa-se de sua vida, de seu marido,
conta-lhe sobre a promessa, a divisão de terras com os lavradores pobres, a viagem etc
Bonitão percebendo a ingenuidade de Zé e o “atiramento” de Rosa, com astúcia de
um grande conquistador, corteja Rosa e coloca-se à disposição a ajudá-los sob o disfarce
de um bom rapaz. Bonitão sugere providenciar um hotel para que eles descansassem
até a igreja abrir.
Zé do Burro agradece, mas rejeita a proposta. Afinal, ele não podia deixar a cruz ao
léu, além de correr o risco de a roubarem.
Mas, preocupado com o cansaço e a segurança de sua esposa e, confiando na
“honestidade e bondade do novo amigo” permite e até incentiva que Rosa o acompanhe.
Saem os dois, Bonitão e Rosa, de cena.

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Proposta de produção textual – Redação 1


No texto a seguir, escrito por Martins Pena e publicado no jornal Correio das moças,
em 1839, é narrada a divertida viagem de um jovem, em um ônibus, no começo do século
XIX:

Minhas aventuras numa viagem de ônibus


Depois de um baile, o que eu gosto mais é de uma viagem no ônibus. Lá, (...)
veem-se cenas sérias, ridículas, engraçadas, enfim tudo o que pode acontecer entre
pessoas de diferentes condições.
O modesto cruzado faz o que não tem podido fazer imensidade de livros, e
sermões; pois nivela as condições, estabelece uma completa igualdade entre todas as
pessoas que o possuem e querem fazer uma viagem nos ônibus. Abençoado ônibus!
Fiquei tão entusiasmado que estou quase fazendo uma minuciosa pintura deles...
porém não; isto levaria muito tempo: vou antes dar relação da minha última viagem.
Eu fui um Domingo pela manhã às Laranjeiras com a intenção de voltar à tarde em
um ônibus: assim o fiz. Às 6 horas já eu caminhava para comprar o meu bilhete, porém
o ônibus ainda não tinha chegado, e eu tive que esperar com mais dois sujeitos que lá
estavam.
— Ó Compadre, dizia um deles para o outro, o onis não chega, já é muito tarde, e
a Comadre já deve estar arrenegada.
— Não faça caso... oh! ele ali vem!
O Compadre tinha razão, o ônibus vinha chegando.
— É desaforo – dizia um deles – estas surpresas (empresas) públicas devem ter
horas certas, e não fazerem a gente esperar; há mais de um quarto de hora já nós
devíamos estar assentados!
Enfim o ônibus chega, e cada um de nós comprou o seu bilhete. Depois que as
pessoas que vinham dentro saíram, eu e os dois Compadres entramos, e nos sentamos.
Daí a cinco minutos chegou uma bela menina acompanhada de seu Paizinho, e fui tão
feliz que ela se assentou junto de mim. Oh! que deliciosa coisa é estar no ônibus
assentado junto de uma bela moça! Sobretudo quando ela não traz o chapéu!
Em menos de dez minutos o ônibus estava com pessoas que podia levar, e entre
elas (ainda me lembra com zanga) estava um rapaz que me pareceu o namorado da

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minha vizinha, e que tinha-se assentado defronte dela. Eu estive quase furando-lhe os
olhos com a bengala; porém contive-me. (...)
— O senhor Juca ainda não pagou, disse o Recebedor, dirigindo-se para o
namorado de minha vizinha.
— Aqui está o dinheiro, e puxando por uma nota de 5$ que ele teve o cuidado de
fazer com que sua amada visse, entrega ao Recebedor.
— Eu já lhe dou o troco.
— Não é preciso, não é preciso, eu não faço caso de 5$. E depois de mostrar esse
heroico desprezo, olhou impavidamente para a sua amada. Bravo, bravíssimo, disse eu,
isto vai às mil maravilhas! Assim é que se namora!
Por mais esforços que fizessem o Recebedor para que o nosso namorado recebesse
o troco não foi possível.
Enfim partimos com grande satisfação dos dois Compadres, e ainda não tínhamos
dado vinte passos, quando o ônibus passando por uma vala deu um forte salto, e a
minha vizinha com um solavanco caiu por cima de mim! Se eu fosse Administrador dos
ônibus, mandava fazer valas por todo o caminho, e morava dentro de um deles.
Logo que principiamos a nossa viagem, eu senti que me pisavam no pé; no
princípio pensei que seria acaso; porém eu recuava o meu pé, e o outro acompanhava-o
sempre pisando. Por fim, estando já um pouco zangado com a teima, olho e vejo que
era o nosso namorado que porfiava a pisar no da sua amada! Na verdade, tive vontade
de dar uma risada; porém achei que era mais divertido desfrutá-lo um pouco, e logo que
tive essa ideia, arrumo o pé que estava livre em cima do pé do sujeito. Oh! Se vissem o
prazer que brilhou nos seus olhos! Ele fazia trejeitos, revirava os olhos, lambia os
beiços, enfim, todas as asneiras que é capaz de fazer um namorado. O brinquedo já não
me ia agradando muito, por que os calos principiaram a doer-me; e o namorado
achando pouca sensibilidade no pé, pisava cada vez mais forte; por fim já não podendo
aturá-lo por ter machucado o meu melhor calo, disse-lhe muito arrebatadamente.
— O Senhor pretende alguma coisa? Se me quer falar não é preciso pisar-me.
Todos olhavam espantados para mim, o sujeitinho ficou branco como a cal, e a
minha bela vizinha olhou para mim com tanta raiva que quase lhe disse: – Minha bela
Senhora, ainda que eu tenha muita sensibilidade nos pés, pode pisar neles todas as
vezes que quiser. Porém como não queria envergonhá-la, e como também o Paizinho já
olhava de través para mim, calei-me, e no meio de seus arrufos, e das ameaças que
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me fazia o namorado chegamos ao Largo do Machado. (...)
No meio destes e outros muitos acidentes, chegamos ao largo do Rocio. Cada um
tomou para seu lado. A minha ex-vizinha deu o braço ao Paizinho, e encaminharam-se
para a Rua dos Ciganos, e o namorado, que tinha talvez que fazer, e não podia
acompanhá-la, ficou com olhos de lula, até que ela desapareceu.
Eu fui para casa, jurando passear nos ônibus todas as vezes que pudesse.
(Fonte: MARTINS PENA. Correio das moças, 1839. Texto com atualização ortográfica.)

Glossário
cruzado: moeda corrente na época, com o valor de 400 réis
onis: forma popular para ônibus
arrenegada: nervosa
porfiava: insistia, teimava
arrufos: mau humor

Adapte o texto acima para o teatro. Pense em como você separará a história acima no
texto principal e no texto secundário.
Lembre-se de que, ao adaptar o texto, você deverá ficar atento aos elementos:
 listagem inicial das personagens;
 indicação do nome das personagens no início de cada fala;
 informações sobre a estrutura externa da peça (divisão em atos, cenas ou quadros);
 indicações sobre o cenário e guarda-roupas das personagens;
 indicações sobre movimentação das personagens em palco, as atitudes que devem
tomar, os gestos que devem fazer ou a entoação de voz com que devem proferir as
palavras.
Não se esqueça de fazer a separação por cena.
Elabore diálogos e rubricas que substituam os comentários e descrições do narrador.
Para expressar os pensamentos durante a ação, você pode utilizar o recurso à parte.
Faça um rascunho. Antes de passar a limpo, avalie o seu texto seguindo as
orientações abaixo:
AVALIE TEXTO TEATRAL
Observe se o diálogo, em que o texto está estruturado, mostra o desenvolvimento das
ações e seu desfecho; se há indicação de cenário e se as rubricas de movimento e de
interpretação estão indicadas com letras de tipo diferente ou com caneta colorida; e se a
linguagem empregada está adequada às personagens e ao contexto.

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Texto complementar

Texto Teatral 3

Leia a cena I, do ato I, do livro Hamlet, de William Shakespeare, transcrito abaixo:

PERSONAGENS
William Shakespeare (1564-1616)
CLÁUDIO – Rei da Dinamarca
HAMLET – Filho do falecido rei, sobrinho
do atual rei
POLÔNIO – Lord camarista
HORÁCIO – Amigo de Hamlet
LAERTES – Filho de Polônio Willlam Shakespeare nasceu e
VOLTIMANDO – Cortesão morreu em Stratford, Inglaterra. Poeta e
CORNÉLIO – Cortesão dramaturgo, é considerado um dos mais
ROSENCRANTZ – Cortesão importantes autores de todos os
GUILDENSTERN – Cortesão tempos. Filho de um rico comerciante,
OSRIC – Cortesão desde cedo Shakespeare escrevia
UM CAVALHEIRO poemas. Mais tarde associou-se ao
UM SACERDOTE Globe Theatre, onde conheceu a
MARCELO – Oficial plenitude da glória e do sucesso
BERNARDO – Oficial
financeiro. Depois de alcançar o triunfo
FRANCISCO – Um soldado
e a fama, retirou-se para uma luxuosa
REINALDO – Criado de Polônio
propriedade em sua cidade natal, onde
ATORES
morreu. Deixou um acervo
DOIS CLOWNS – Coveiros
impressionante, do qual destacam-se
FORTINBRÁS – Príncipe da Noruega
clássicos como Romeu e Julieta,
UM CAPITÃO
Hamlet, A megera domada, O rei Lear,
EMBAIXADORES INGLESES
Macbeth, Otelo, Sonho de uma noite de
GERTRUDES – Rainha da Dinamarca, mãe
verão, A tempestade, Ricardo III, Júlio
de Hamlet
César, Muito barulho por nada, etc.
OFÉLIA – F ilha de Polônio
Damas, cavalheiros, oficiais, soldados,

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marinheiros, mensageiros e servidores
Fantasma do pai de Hamlet, o REI HAMLET
CENA – DINAMARCA

ATO I

CENA I

Elsinor – Terraço diante do castelo. (Francisco está de sentinela. Bernardo entra e vai
até ele.)
BERNARDO: Quem está aí?
FRANCISCO: Sou eu quem pergunta! Alto, e diz quem vem!
BERNARDO: Viva o rei!
FRANCISCO: Bernardo?
BERNARDO: O próprio.
FRANCISCO: Chegou na exatidão de sua hora.
BERNARDO: Acabou de soar a meia-noite.
Vai pra tua cama, Francisco.
FRANCISCO: Muito obrigado por me render agora. Faz um frio mortal – até meu
coração está gelado.
BERNARDO: A guarda foi tranquila?
FRANCISCO: Nem o guincho de um rato.
BERNARDO: Boa noite, então.
Se encontrar Marcelo e Horácio,
Meus companheiros de guarda, diga-lhes que se apressem.
FRANCISCO: Parece que são eles. Alto aí! Quem vem lá?
(Entram Horácio e Marcelo.)
HORÁCIO: Amigos deste país.
MARCELO: E vassalos do Rei da Dinamarca.
FRANCISCO: Deus lhes dê boa-noite.
MARCELO: Boa noite a ti, honesto companheiro.
Quem tomou o teu posto?
FRANCISCO: Bernardo está em meu lugar.
Deus lhes dê boa-noite. (Sai.)
MARCELO: Olá, Bernardo!
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BERNARDO: Quem está aí? Horácio?


HORÁCIO: Só um pedaço dele. O resto ainda dorme.
BERNARDO: Bem-vindo, Horácio. Bem-vindo, bom Marcelo.
MARCELO: Então, me diz - esta noite a coisa apareceu de novo?
BERNARDO: Eu não vi nada.
MARCELO: Horácio diz que tudo é fantasia nossa
E não quer acreditar de modo algum
Na visão horrenda que vimos duas vezes.
Por isso eu insisti pra que estivesse aqui, conosco,
Vigiando os minutos atravessarem a noite
Assim, se a aparição surgir de novo
Ela não duvidará mais de nossos olhos,
E falará com ela.
HORÁCIO: Ora, ora, não vai aparecer.
BERNARDO: Senta um pouco, porém.
E deixa mais uma vez atacarmos teus ouvidos
Fortificados contra a nossa história-
O que vimos nessas duas noites.
HORÁCIO: Bem, vamos sentar, então,
E ouvir Bernardo contar o que ambos viram.
BERNARDO: Na noite passada,
Quando essa mesma estrela a oeste do polo
Estava iluminando a mesma parte do céu
Que ilumina agora, Marcelo e eu –
O sino, como agora, badalava uma hora –
MARCELO: Silêncio! Não fala! Olha – vem vindo ali de novo!
(Entra o Fantasma.)
BERNARDO: Com a mesma aparência do falecido rei.
MARCELO: Você é um erudito; fala com ele, Horácio.
BERNARDO: Não te parece o rei? Repara bem, Horácio.
HORÁCIO: É igual – estou trespassado de espanto e medo.
BERNARDO: Ele quer que lhe falem.

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MARCELO: Fala com ele, Horácio.


HORÁCIO: Quem és tu que usurpas esta hora da noite
Junto com a forma nobre e guerreira
Com que a majestade do sepulto rei da Dinamarca
Tantas vezes marchou? Pelos céus, eu te ordeno: fala!
MARCELO: Creio que se ofendeu.
BERNARDO: Olha só; com que altivez vai embora!
HORÁCIO: Fica aí! Fala, fala! Eu te ordenei – fala!
(O Fantasma sai.)
MARCELO: Foi embora e não quis responder.
BERNARDO: E então, Horácio? Você treme, está pálido.
Não é um pouco mais que fantasia?
Que é que nos diz, agora?
HORÁCIO: Juro por Deus; eu jamais acreditaria nisso
Sem a prova sensível e verdadeira
Dos meus próprios olhos.
MARCELO: Não era igual ao rei?
HORÁCIO: Como o rei num espelho.
A armadura também era igual à que usava
Ao combater o ambicioso rei da Noruega
E certa vez franziu assim os olhos, quando,
Depois de uma conferência violenta,
Esmagou no gelo os poloneses
Em seus próprios trenós.
É estranho.
MARCELO: Assim, duas vezes seguidas, e nesta mesma hora morta,
Atravessou nossa guarda nesse andar marcial.
HORÁCIO: Não sei o que pensar. Com precisão, não sei.
Mas, se posso externar uma opinião ainda grosseira,
Isso é augúrio de alguma estranha comoção em nosso Estado.
MARCELO: Pois bem; vamos sentar. E quem souber me responda:
Por que os súditos deste país se esgotam todas as noites

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Em vigílias rigidamente atentas, como esta?


Por que, durante o dia, se fundem tantos canhões de bronze?
Por que se compra tanto armamento no estrangeiro?
Por que tanto trabalho forçado de obreiros navais,
Cuja pesada tarefa não distingue o domingo dos dias de semana?
O que é que nos aguarda,
O que é que quer dizer tanto suor
Transformando a noite em companheira de trabalho do dia?
Quem pode me informar?
HORÁCIO: Eu posso;
Pelo menos isto é o que se murmura: nosso último rei,
Cuja imagem agora mesmo nos apareceu,
Foi, como vocês sabem, desafiado ao combate por
Fortinbrás, da Noruega,
Movido pelo orgulho e picado pela inveja.
No combate, nosso valente Rei Hamlet,
Pai de nosso amado príncipe,
Matou esse Fortinbrás; que, por um contrato lacrado,
Ratificado pelos costumes da heráldica,
Perdeu, além da vida, todas as suas terras,
Que passaram à posse do seu vencedor.
O nosso rei também tinha dado em penhor
Uma parte equivalente do seu território
A qual teria se incorporado às posses de Fortinbrás
Houvesse ele vencido.
Agora, senhor, o jovem Fortinbrás, príncipe da Noruega,
Cheio de ardor, mas falho em experiência,
Conseguiu recrutar, aqui e ali,
Nos confins de seu país,
Um bando de renegados sem fé nem lei
Decididos a enfrentar, por pão e vinho,
Qualquer empreitada que precise estômago.

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O texto teatral
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Colégio Integral – série 8º ano – 2014

No caso (como compreendeu bem claro o nosso Estado)


A empreitada consiste em recobrar,
Com mão de ferro e imposições despóticas,
As mesmas terras perdidas por seu pai.
Está aí, acredito,
A causa principal desses preparativos,
A razão desta nossa vigília,
E a origem do tumulto febril que agita o país.
BERNARDO: Acho que tudo se passa como disse.
Isso explica a visão espantosa,
Tão parecida com o rei, que foi e é a causa dessas guerras,
Ter vindo assombrar a nossa guarda.
HORÁCIO: Um grão de pó que perturba a visão do nosso espírito.
No tempo em que Roma era só louros e palmas,
Pouco antes da queda do poderoso Júlio,
As tumbas foram abandonadas pelos mortos
Que, enrolados em suas mortalhas,
Guinchavam e gemiam pelas ruas romanas;
Viram-se estrelas com caudas de fogo,
Orvalhos de sangue, desastres nos astros,
E a lua aquosa, cuja influência domina o mar, império de Netuno,
Definhou num eclipse, como se houvesse soado o Juízo Final.
Esses mesmos sinais, mensageiros de fatos sinistros,
Arautos de desgraças que hão de vir,
Prólogo de catástrofes que se formam.
Surgiram ao mesmo tempo no céu e na terra,
E foram vistos em várias regiões,
Com espanto e terror de nossos compatriotas.
Mas calma agora! Olhem: ele está aí de novo! (O Fantasma entra.)
Vou barrar o caminho, mesmo que me fulmine.
(Ao Fantasma.) Para, ilusão! (O Fantasma abre os braços.)
Se sabes algum som ou usas de palavras,

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O texto teatral
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Fala comigo.
Se eu posso fazer algo de bom,
Que alivie a ti e traga alívio a mim,
Fala comigo. Se sabes um segredo do destino do reino
Que, antecipado por nós, possa ser evitado,
Fala comigo!
Se em teus dias de vida, enterraste
Nas entranhas da terra um tesouro, desses extorquidos,
Pelos quais, dizem, os espíritos vagueiam após a morte,
(O galo canta.)
Fala! Para e fala! Cerca ele aí, Marcelo!
MARCELO: Posso atacá-lo com a alabarda?
HORÁCIO: Se não se detiver, ataca!
BERNARDO: Está aqui!
HORÁCIO: Está aqui!
MARCELO: Foi embora! (O Fantasma sai.)
Erramos tudo, tentando a violência,
Diante de tanta majestade.
Ele é como o ar, invulnerável,
E nossos pobres golpes uma tolice indigna.
BERNARDO: Ele ia falar quando o galo cantou.
HORÁCIO: E aí estremeceu como alguém culpado
Diante de uma acusação. Ouvi dizer que o galo,
Trombeta da alvorada, com sua voz aguda,
Acorda o Deus do dia,
E que a esse sinal,
Os espíritos errantes,
Perdidos em terra ou no mar, no ar ou no fogo,
Voltam rapidamente às suas catacumbas.
O que acabamos de ver prova que isso é verdade.
MARCELO: Se decompôs ao clarinar do galo,
Dizem que, ao se aproximar o Natal de Nosso Salvador,

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O galo, pássaro da alvorada, canta a noite toda:


E aí, se diz, nenhum espírito ousa sair do túmulo.
As noites são saudáveis; nenhum astro vaticina;
Nenhuma fada encanta, nem feiticeira enfeitiça;
Tão santo e cheio de graça é esse tempo.
HORÁCIO: Eu também ouvi assim e até acredito, em parte.
Mas, olha: a alvorada, vestida no seu manto púrpura,
Pisa no orvalho, subindo a colina do Oriente.
Está terminada a guarda; se querem um conselho,
Acho que devemos comunicar ao jovem Hamlet
O que aconteceu esta noite; creio, por minha vida,
Que esse espírito, mudo pra nós, irá falar com ele.
MARCELO: Pois então vamos logo.
Eu sei onde encontrá-lo com certeza
A esta hora da manhã. (Saem.)

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Proposta de produção textual – Redação 2


Leia o texto a seguir, de Rubem Braga e, em seguida, siga a proposta abaixo:

Tuim criado no dedo


João-de-barro é um bicho bobo que ninguém pega, embora goste de ficar perto da
gente, mas de dentro daquela casa de João-de-barro vinha uma espécie de choro, um
chorinho fazendo tuim, tuim, tuim....
A casa estava num galho alto, mas um menino subiu até perto, depois com uma
vara de bambu conseguiu tirar a casa sem quebrar e veio baixando até o outro menino
apanhar. Dentro, naquele quartinho que fica bem escondido depois do corredor de
entrada para o vento não incomodar, havia três filhotes, não de João-de-barro, mas de
tuim.
Você conhece, não? De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tuim é capaz
de ser menor. Tem bico redondo e rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas
penas azuis para enfeitar. Três filhotes, um mais feio que o outro, ainda sem penas, os
três chorando.
O menino levou-os para casa, inventou comidinhas para eles, um morreu, outro
morreu, ficou um. Geralmente se cria em casa é casal de tuim, especialmente para se
apreciar o namorinho deles.
Mas aquele tuim macho foi criado sozinho e, como se diz na roça, criado no dedo.
Passava o dia solto, esvoaçando em volta da casa da fazenda, comendo sementinhas de
imbaúba. Se aparecia uma visita fazia-se aquela demonstração: era o menino chegar na
varanda e gritar para o arvoredo: tuim, tuim, tuim! Às vezes demorava, então a visita
achava que aquilo era brincadeira do menino, de repente surgia a ave, vinha certinho
pousar no dedo do garoto.
Mas o pai disse: “menino, você está criando muito amor a esse bicho, quero avisar:
tuim é acostumado a viver em bando. Esse bichinho se acostuma assim, toda tarde vem
procurar sua gaiola para dormir, mas no dia que passar pela fazenda um bando de tuins,
adeus. Ou você prende o tuim ou ele vai embora com os outros, mesmo ele estando
preso e ouvindo o bando passar, está arriscado ele morrer de tristeza”.
E o menino vivia de ouvido no ar com medo de ouvir bando de tuim. Foi de manhã,
ele estava cantando minhoca para pescar quando viu o bando chegar, não tinha engano:

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era tuim, tuim, tuim... Todos desceram ali mesmo em mangueiras, mamonas e num
bambuzal, dividido em partes. E o seu? Já tinha sumido, estava no meio deles, logo
depois todos sumiram para uma roça de arroz, o menino gritava com o dedinho esticado
para o tuim voltar, mas nada dele vir.
Só parou de chorar quando o pai chegou a cavalo, soube da coisa e disse: “venha
cá”. E disse: “o senhor é um homem, estava avisado do que ia acontecer, portanto, não
chore mais”.
O menino parou de chorar, porque seu pai o havia consolado, mas como doía seu
coração! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria na casa que foi uma
beleza, até o pai confessou que ele também estivera muito infeliz com o sumiço do tuim.
Houve quase um conselho de família, quando acabaram as férias: deixar o tuim,
levar o tuim para São Paulo? Voltaram para a cidade com o tuim, o menino toda hora
dando comidinha a ele na viagem. O pai avisou: “aqui na cidade ele não pode andar
solto, é um bicho da roça e se perde, o senhor está avisado”.
Aquilo encheu de medo o coração do menino. Fechava as janelas para soltar o tuim
dentro de casa, andava com ele no dedo, ele voava pela sala, a mãe e a irmã não
aprovavam, o tuim sujava dentro de casa.
Soltar um pouquinho no quintal não devia ser perigo, desde que ficasse perto, se
ele quisesse voar para longe era só chamar, que voltava, mas uma vez não voltou.
De casa em casa, o menino foi indagando pelo tuim: “que é tuim?” perguntavam
pessoas ignorantes. “Tuim?” Que raiva! Pedia licença para olhar no quintal de cada casa,
perdeu a hora de almoçar e ir para a escola, foi para outra rua, para outra.
Teve uma ideia, foi ao armazém de “seu” Perrota: “tem gaiola para vender?”
Disseram que tinha. “Venderam alguma gaiola hoje?” Tinham vendido uma para uma
casa ali perto.
Foi lá, chorando, disse ao dono da casa: “se não prenderam o meu tuim então por
que o senhor comprou gaiola hoje?”
O homem acabou confessando que tinha aparecido um periquitinho verde sim, de
rabo curto, não sabia que chamava tuim. Ofereceu comprar, o filho dele gostara tanto,
ia ficar desapontado quando voltasse da escola e não achasse mais o bichinho. “Não
senhor, o tuim é meu, foi criado por mim”.
Voltou para casa com o tuim no dedo. Pegou uma tesoura: era triste, era uma
judiação, mas era preciso, cortou as asinhas, assim o bichinho poderia andar solto no
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quintal, e nunca mais fugiria.
Depois foi dentro de casa para fazer uma coisa que estava precisando fazer, e,
quando voltou para dar comida a seu tuim, viu só algumas penas verdes e as manchas
de sangue no cimento. Subiu num caixote para olhar por cima do muro, e ainda viu o
vulto de um gato ruivo que sumia.
Fonte: (http://emilytrevizan.blogspot.com.br/2011/04/tuim-criado-no-dedo-rubem-braga.html)

Adapte o texto acima para o teatro. Pense em como você separará a história acima no
texto principal e no texto secundário.
Lembre-se de que, ao adaptar o texto, você deverá ficar atento aos elementos:
 listagem inicial das personagens;
 indicação do nome das personagens no início de cada fala;
 informações sobre a estrutura externa da peça (divisão em atos, cenas ou quadros);
 indicações sobre o cenário e guarda-roupas das personagens;
 indicações sobre movimentação das personagens em palco, as atitudes que devem
tomar, os gestos que devem fazer ou a entoação de voz com que devem proferir as
palavras.
Não se esqueça de fazer a separação por cena.
Elabore diálogos e rubricas que substituam os comentários e descrições do narrador.
Para expressar os pensamentos durante a ação, você pode utilizar o recurso à parte.
Faça um rascunho. Antes de passar a limpo, avalie o seu texto seguindo as
orientações abaixo:
AVALIE TEXTO TEATRAL
Observe se o diálogo, em que o texto está estruturado, mostra o desenvolvimento das
ações e seu desfecho; se há indicação de cenário e se as rubricas de movimento e de
interpretação estão indicadas com letras de tipo diferente ou com caneta colorida; e se a
linguagem empregada está adequada às personagens e ao contexto.

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