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Juliana Pamplona
ENTRE ANÁLISES
Juliana Pamplona
Personagens:
D2
D3
D4
LADRÃO
Ao início apenas duas cadeiras estão em cena. Os que entram depois de A e B trazem suas
próprias cadeiras.)
B – Febre?
A - Como uma pessoa traída... O tempo me traiu. Agora. Neste instante. O tempo está me
traindo. (A é empurrada. Cai e se levanta como se estivesse acostumada) é como...
B - (grave) Sério.
A - (ela tenta falar se levantando, a palavra não vem, tenta de novo, de novo. golfadas de
não-palavras) Você viu isso? Ele me traiu de novo. Agora mesmo.
B – (blasé) Perseguição.
B - De que?
A - Eu não tenho culpa! Tenho? Eu não concedi... Ou será que eu... (Tempo. Aponta para si
mesma) Eu estou concedendo. Agora. (Tempo. Surpresa como se falasse de outra pessoa)
Viu só como eu sou? Eu deixo! Olha que fácil... (Tempo) Imagine só que eu permito isso.
Debaixo do meu nariz. Eu posso contar o tempo pro tempo me trair. Eu posso criar esse
tempo pra ele.
A - Estou? Será que ele me espera... se eu... sei lá... marcar uma hora, será que ele pára? Eu
marco uma hora!
B - Há de ser.
A - Não me interprete, ok? Não me analise. Eu não quero ser analisada. Pára de me ler!
Pára! Não olha pra mim! Pára! Você parou? Porque você ainda está me lendo?
Por que se sente responsável? Não precisa. Eu te libero. Eu estou dizendo que eu venho
aqui para você não me analisar. Olha pra lá! (O analista joga uma porção de folhas soltas
nela. Ela não reage)
B - (B observa as reações de A enquanto o tempo passa.) Ao contrário. (para si) Por favor
faça sentido! Por favor faça sentido!
A - (Se abre. Fala com dificuldade) Eu estou desconfiada de que eu não existo realmente...
mas me matar é um risco muito grande e pode ser tarde demais pra descobrir o contrário
depois.
B - Entendo.
B – (simples) Compreensão?
A – Grave?
B – De inexistência.
A – Complexo?
B – De inexistência.
A – (para si) Por favor faça sentido! Por favor faça sentido!
B - O que também não significa que você exista só porque tem complexo.
B - O que foi?
B - O que aconteceu?
B - Quando?
A - Quando? (se lembrando) Ah, não. (Some o som de batimentos cardíacos. blasé) Isso
ainda não aconteceu. (rápida) Era agora! (tira uma arma do casaco e atira em B.
B – (Assustado)... Você arriscou?! Comigo você arrisca, mas com você, você simplesmente
não tem coragem!
A – Foi inútil!
B – Como inútil? Eu não morri. Quer dizer que você não existe!
A – (Cessa o som de batimentos cardíacos) Ou é você quem não existe. É tão frustrante.
Continuo sem saber...
B – Você me traiu!
C entra a tempo de ouvir a última fala de B. Observa B de longe. A e C não vêem ou escutam
um ao outro. C tem papéis e caneta na mão. É analista de B.
B – Não a tempo.
C – Agitado hoje?
B – (confuso) Estou...
A – Eu faço isso... às vezes... pra ter certeza que eu estou aqui. Às vezes eu me corto, pra ver
se sangra... aquela velha velha história...//pra ver se eu sinto alguma coisa. Me queimo com
cigarro... eu tento variar vez em quando experimentando nos outros...
Foi muito importante pra mim isso de você ter sobrevivido. (emocionada) Isso significa
tanto... Sinceramente, eu ficaria muito mal sem analista... Nem sei do que eu seria capaz!
B – (para C) Ela!
A – (para B) Ela?
B – (para A) Você.
B – É um consultório.
A – Ninguém está seguro em lugar nenhum. Especialmente você que trabalha com malucos.
B – (ri durante toda a frase) Eu quase morri só para alguém se sentir melhor.
B – (rindo ainda) Eu preferiria que tivesse feito outras coisas para se sentir melhor.
B – Sexo?
C – Quem é a moça?
A e C – Você.
A – Tipo ética?
C – (levanta) Ninguém tentou te matar. Calma. Olha pra mim. Você está seguro aqui,
entendeu?
B – Eu...
A – Olha pra mim.
A – Me encara.
C – Concentra.
A – Aqui.
C – Ela quem?
B – Não consigo mandar ninguém embora. Não consigo em geral, mas ela não sabe e há
momentos em que isso realmente me tranqüiliza.
A – (fala rápido) Sem ofensa, mas eu queria falar sobre mim. Eu não me importo com a sua
vida pessoal. Eu estou bastante preocupada com o meu tempo.
A e C – Comigo?
B – (para C) Não.
(A e C escutam atentamente. A e C tentam focar o olhar de B neles, mas desta vez apenas
com gestos sutis, como tocá-lo no ombro, no joelho, se reposicionar melhor para ficar na
frente dele. Eles vão se deslocando sutilmente ao longo da cena neste jogo)
e eu não tenho uma pista. Claro, que eu penso ALGUMA COISA a respeito. Eu penso o pior
dela.
B – Aquilo que você me falou fica martelando na minha cabeça... que “pode-se tomar a sua
vida sem te dar a morte em troca”.
C – Eu disse isso? (orgulhoso) Isso é bom! (anota) A – Foi uma coisa que eu li...
B – Eu vou ser terrivelmente franco aqui: Não acredito que tenha solução. Isso está me
consumindo. Eu pensei em desistir tantas vezes... Talvez realmente tenham esquecido de te
dar “algo em troca”...
C – Eu estou bem...
A – (considerando) Jura?
C – A dor é sua.
(A tenta chorar e faz barulhos estranhos. C observa B que observa A) B – Acho que nós a
perdemos... (fala baixo para A não ouvir) Ela está me traumatizando...
C – (rapidamente para B) O seu tempo acabou. Se vira. Cala a boca. Vai pra casa e dorme.
(Entra D. D posiciona sua cadeira longe demais de C, depois se levanta para calcular melhor
o espaço.)
B – Nós estávamos progredindo. ... (levanta-se vai até A que ainda tenta chorar buscando
registros de sons diferentes). Ela não pode congelar aqui. (B empurra A. A não cai). Se vai
chorar, chora logo. Rapidinho. (A continua tentando chorar. B a empurra A mais uma vez. A
não cai)
C – Você acredita mesmo em progresso? Você vem e vai, fala coisas despropositadas, blá blá
blá. Não há progresso. Há rotina. (para D) Olá. (D pisca para C. Se senta com calma muito
perto de C.)
B – (virando-se para onde estava A, com um lenço de papel na mão) Já!? Ninguém é tão
rápido...
(B recolhe seus papéis do chão e sai com a cadeira de A) C – (para D) – Onde você estava?
D – (Gritando – como se estivesse longe - mas em um tom de voz doce. Ela gesticula quase
batendo em C sem querer.) Eu estava aqui o tempo todo, você não me viu?
C – Não é possível.
Voz de B em off – (para A) Seria mais apropriado você parar de chorar agora. (A chora).
C – Cuidado!
(D posiciona sua cadeira mais longe de C, mas agora sussurra achando que está muito
perto. D é extremamente cuidadosa em seus movimentos para não “derrubar” nada ou
esbarrar em “C”. O diálogo deve ser rápido e intimista da parte de D).
C – O que?
C – Não ouvi...
D – Construção civil...
C – O que?
D – Que eu estou perdida?
B em off – Desisto. (barulho de telefone fora do gancho) D – (agora em tom de voz normal)
Parece que errei o lugar. Perdi o endereço. Não sei onde deixei o meu carro. Peguei um
ônibus. Saltei longe. Andei pouco. Cheguei logo.
C – Da casa flutuante.
C – É um sonho bom, mas eu tenho medo de não conseguir voltar pra casa um dia.
D – É isso! As coisas mudam de lugar. O problema não é você, é o andar das coisas!
C – Será?
D – Claro, hoje em dia é assim. Se eu não agarrar essa cadeira, daqui a pouco eu estou no
chão. E mesmo assim é capaz deu ficar paradinha, quieta, e ela me levar pra outro lugar.
Sempre que eu vou dormir eu rezo pra acordar num lugar próximo do meu carro...
D – Não se preocupe com a sua casa, da mesma forma que as coisas vão, elas voltam.
Se não as mesmas coisas, são coisas muito muito similares. É como o fluxo de canetas bic.
Você nunca sabe se a que você tem nas mãos é a sua, e onde a que você comprou realmente
foi parar...
C – Exatamente!
D – Vem comigo.
C – Ok.
D – Quero que você registre o nosso trajeto. (ela pega duas câmeras. Usa uma delas e
entrega a outra para C) Vamos começar da porta.
(Filmam na mesma direção e de uma mesma distância. Vemos num telão dividido em dois,
a mesma porta perto e longe, uma filmagem um pouco tremida que parece estar sendo
capturada na hora).
C – Aquela lá...? (aponta para fora de cena) D – Não, esta aqui. (referindo-se a mesma
“porta”. corre) Vai bater! (desligam a câmera. barulho de porta fechando. D sai de cena.)
Voz de D em off: Você deve filmar as suas trajetórias para não se perder.
C – (pega a câmera, mas resiste) Não acho que seja necessário... foi só um sonho...
Voz de D em off: Olha pra mim. (C liga a câmera novamente e filma em direção a D
que se encontra fora da visibilidade do público. Aparecem novamente na tela duas imagens
simultâneas, uma referente à filmadora de cada um. D filma em close, C
parece estar mais perto. A imagem de D filmada por C dá a impressão que ela está mais
longe – que talvez seja mais coerente com a percepção do público).
(silêncio)
D – Engraçado... Acho que é a primeira vez que eu realmente olho pra você.
C – Não, não... Estava brincando, pensei alto. Eu quero saber o que você vê agora. Me conta.
É importante.
C – E então?
(C abaixa a câmera, mas continua filmando D, agora de outro ângulo, com o seu rosto livre.
Ele ora olha diretamente para D, ora olha para a tela da câmera.) D – (decepcionada)
Passou...
C – Como?
D – Eu havia visto alguma coisa em você. Mas se foi... Não consigo mais lembrar.
Não aparece mais pra mim. Simplesmente não está mais em você. De repente era eu.
D – Quase... não sei... acho que está no movimento. (C se mexe mais, um pouco desajeitado)
isso é bom... hm... não... não é interessante afinal ...
C – Huh? (para si) O que foi isso? (projetando para fora de cena)... Devo esperar? (C
(B.O.)
PARTE 2
Barulho de vidro estilhaçando. O Ladrão entra com um CD player de carro. A partir deste
momento a trilha “musical” da peça é feita pelo Ladrão. Ele escuta um indie rock e toma um
suco vermelho num copo transparente com canudo. Na medida em que ele bebe o suco a
iluminação (no momento da cor do suco) vai ficando mais fraca, até um B.O. completo.
POST-ITS
‘E’ coloca post-its no chão fazendo uma trilha até o seu consultório.
(B.O.)
FILME
No escuro:
D e B em cena.
Projeção: Seqüência de olhares em close de B e D até os dois se juntarem num mesmo frame.
Beijo em close.
Projeção: A câmera se distancia bem aos poucos. (zoom out) Começa a pegar fogo na película.
Em cena: ‘C’ vai embora reclamando, depois ‘E’, ‘B’ e ‘D’. ‘A’ permanece imóvel.
B.O.
POST-ITS
‘D’ segue a trilha de post-its lendo cada bilhete em voz alta. Quatro atrizes fazem o mesmo
papel de ‘D’, aqui representadas como D2, D3 e D4.
Post-it 1: me siga
(entra D2)
Post it 2: continue
(entra D3)
Post it 3: só mais um
(entra D4)
Post it 4: é aqui!
D entra.
B consegue entrar.
D – Aqui?
B – Qual é o problema?
D – Diga logo.
B – Você sumiu.
(silêncio constrangedor)
B – Eu te amo.
B – Não é confuso. Eu sei o que eu sinto. Quero saber o que você sente.
B – Por quê?
B – Ok. Carinho. Conheço. Mas, além disso, eu também sinto uma atração enorme.
D – Não.
(silêncio)
(silêncio)
D – Talvez eu tenha sentido. Uma vez. Duas. Três vezes no máximo. Não importa. É
D – Não.
B – Cuidado!
D – (assustada) Barata?
D – (Gritando – como se estivesse longe - mas em um tom de voz doce) Te vejo por aí.
B bate no painel “invisível” do elevador. B se joga contra a parede e escorrega até o chão.
Voz eletrônica – Bom dia. Bom dia. Bom dia. Bom dia. Bom dia. Bom dia. Bom dia.
(B.O.)
Voz eletrônica – Bom dia. Bom dia. Bom dia. Bom dia. Bom dia. Bom dia. Bom dia.
(B.O)
CADEIRAS
E sentada na cadeira da analista (à direita), olha para uma cadeira vazia (à esquerda).
Ela espera, sem gestos ilustrativos como olhar no relógio. (40 segundos e B.O.)
ELEVADOR - A e D
‘A’ entra.
D consegue entrar.
A – Agora?
D – Qual é o problema?
A – Diga logo.
D – Fiquei te esperando.
(silêncio constrangedor)
D – Eu te amo.
D – Não é confuso. Eu sei o que eu sinto. Quero saber o que você sente.
D – Por quê?
A – Não.
(silêncio)
(silêncio)
A – É diferente, já te disse.
A – Talvez eu tenha sentido. Uma vez. Duas. Três vezes no máximo. Não importa. Eu não
quero.
A – Não.
D – Espera!
CADEIRAS
‘E’ sentada na cadeira da analista (à direita), olha para duas cadeiras vazias (à esquerda).
Ela espera, sem gestos ilustrativos como olhar no relógio. (40 segundos e B.O.)
METRÔ
A, o Ladrão e B sentados nesta ordem em fileira. O ladrão ouve música num i-pod. A e B
estão no celular. Em hora nenhuma eles se olham.
B – Saudades...
A – Um pouco menos...
A – É excessivo.
B – Posso te ver?
A – Me dá um tempo.
A – Preciso de espaço.
B – Também?
B – Saudades.
A – Vou desligar.
A – Vou chamar a polícia! (o ladrão treme, depois relaxa novamente) B – Eu fico com
ciúmes...
B – Às vezes eu fico pensando... O que vem depois? Tem o “gosto de você”, o “te
adoro”, o “te amo”... O que vem depois? Estou nesse estágio do depois, com certeza.
No “depois-do-eu-te-amo”.
(o celular de A toca novamente. A tenta ignorar.) B – Não desliga... deixa eu ouvir a sua voz
só mais um pouquinho. O que que eu fiz?
Eu só te trato bem. Me perdoa, é muito amor. Não fala assim como? Falo por que sinto, ora.
Isso agride?
A – (atende) Não adianta ligar do orelhão, eu sei que é você. (desliga. O celular toca
novamente)
B – Não quero te atrapalhar... Só queria dizer que você é tão importante pra mim, tão tão
tão... eu estou aqui, tá? Pra você.
A – (atende) Pára de me ligar e não posso ficar trocando de número por sua causa!
B – Eu sei que está difícil agora, meu bem, mas fiz uns planos pro final de semana... É
claro que te inclui... Então, nas férias... Ah, gripada? Eu cuido de você, pego a sua gripe e
depois você cuida de mim. Entendo... Posso fazer uma visita rápida... Sei. Eu nem preciso
entrar, você me dá tchau pela janela. Hm... é verdade, não quero ser inconveniente... Eu
espero na portaria. Te vejo quando você for comprar um pão, quando for na farmácia... Em
alguma hora você deve sair mesmo... Não, mas você nem precisaria parar não. Você faz o
que tem que fazer, eu só quero te olhar, juro...
(B liga novamente. Aguarda. O celular de A toca, ela olha para o aparelho sem acreditar.
Permanecem assim durante algum tempo. O Ladrão curte o som do i-pod. A e B levantam
para descer. O ladrão sorri satisfeito. A e B saem de cena. O ladrão tira duas carteiras
debaixo de sua bunda – o ator deve estar sentado nelas durante toda a cena – confere o
dinheiro, e as guarda em seus bolsos)
(B.O.)
CADEIRAS
‘E’ sentada na cadeira da analista (à direita), olha para três cadeiras vazias (à esquerda). Ela
espera, sem gestos ilustrativos como olhar no relógio. (40 segundos e B.O.)
RUA
A e B na rua, cada um andando para um lado, ambos vão diminuindo o passo na medida em
que vasculham os bolsos. Param. Xingam o ar em silêncio. B telefona. O
celular de A toca.
B – Você não vai acreditar no que me aconteceu! (sai) (A joga o seu celular no lixo e sai em
seguida) (B.O.)
PARTE 3 – Ds e E
Consultório de E com uma cadeira para ‘E’ e quatro para ‘D’. As demais ‘D’s estão espalhadas
pelo espaço cênico. Podem estar sentadas entre as pessoas do público ou em outro ponto fora
do consultório. Entram aos poucos.
D entra no consultório.
E – À vontade.
Sei lá... meu cigarro... (entra D2 naturalmente como uma continuação independente de D,
tira o maço do bolso, pega dois cigarros)... Achei! (fala enquanto D2 entrega um cigarro a D.
D e D2 gesticulam com o cigarro apagado) Pelo menos eu cheguei...
E – Certo. (responde sempre como se D fosse uma só) D – (aliviada) Isso é tão bom.
D – tive um probleminha...
D2 – fui ao cinema.
D3 – (entrando com um cigarro aceso e um isqueiro) Quando vi, estava completamente
projetada. (D3 ascende o cigarro das outras) (pausa)
D – (indiferente) Bonito.
D2 – (seca) Emocionante.
D – Ah, sim!
D – Eu sei que eu vim pra falar alguma coisa importante, mas não consigo chegar no ponto...
D4 – Estranho.
D2 – (explicativa) Eu sei que eu tenho algo a dizer. Algo que faz sentido. Talvez se eu me
exigisse... focasse //
D4 – ou pensada//
D3 – ou sentida...
(As Ds quase têm um insight.)
(As Ds resmungam).
D4 – (deprimida) péssima//
D3 – (deprimida) deslocada//
D2 – (deprimida) incompreendida//
(respiram fundo)
D2 – (implorando) Eu obedeço!...
E – Não posso.
D3 – Mas eu venho aqui toda semana... Você me conhece. Deve ter alguma pista...
E – Inútil. Macetes só se pega com a prática. O início é mais difícil. Qualquer coisinha
estraga tudo.
E – Somos tão frágeis. Fiz de novo? Projeção? Lugar. O problema é sobre lugar, meu deus!
D4 – Eu voltei a sofrer de um mal quase superado. Pra mim era muito penoso acreditar em
deus. Abandonei. Eu sempre imaginava ele rindo da minha alma. Era pouco saudável. Deus
fodia com a minha auto-estima.
D3 – Me sinto um inseto.
D4 – Não.
D3 – Falo dos que voam, óbvio. Não vou me comparando com qualquer formiga.
D2 – (num esforço sincero) Estou com a impressão de que tem a ver com as medidas entre
os lugares.
D3 – O meu cálculo está perfeito. (demonstrativas) “Está longe? (As Ds fazem sinais de
“não”) Falta muito? (fazem sinais de “positivo” ou “mais ou menos”) Ta chegando? (fazem
sinais de “negativo” e “mais ou menos”) “Está perto?” (fazem sinais de “não”).
D – Eu reconheço as distâncias.//
D2 e D4 – Perfeitamente.//
D3 – Não me arrependo.
D2 – Me arrependo sim.
D – Honestamente: o que?
D3 – É perigoso?
D – Pra quem?
D2 – (rápida) Às vezes eu penso que dava pra me virar nas equações se eu agisse de uma
forma que eu não conheço. E eu quero ter recursos para viver tudo, claro, é isso que
importa. Tudo que se relativiza demais se desfaz, enfraquece. Alguém certamente
discordaria.
D3 – E discutiria tanto.
(‘E’ dorme. A cabeça pesa, ela perde o equilíbrio na cadeira e acorda. As Ds estão
indignadas)
D – Não acredito.
D4 – Você dormiu?!
D2 – Estava nada...//
D2 – Você dormiu!
D3 – Tem?//
D4 – É comigo o problema.//
D4 – Admite.
D3 – Um tédio.//
D2 – Um fiasco.//
E – Que isso?!
D3 – Com certeza...
D4 – Se eu me matasse...
D3 – Com certeza...
D3 – Com certeza...
D3 – Na minha cara!//
D – Revirando os olhos!
Ds – Eu?
D2 – Ou é sério?
E – Não. Não tem. Me expressei mal. Quis dizer que você está exagerando. Às vezes pode
ficar excessiva.
D – Excessiva?//
D3 e D4 – Claro.
E – Pelo contrário. Eu levo a sério o que você fala. Te trato como uma pessoa sã.
D – Isso é sadismo. //
(‘E’ tenta falar algumas vezes, mas é cortada pelas Ds que falam ininterruptamente) D4 –
Vou embora! //
D4 – Eu me dou alta!//
D3 – Isso!//
D2 – Pronto.//
D – Estou ótima.//
D2 – Curada.//
D3 – Com medo.//
D2 – É o que eu acho!//
D – Equilibrada//
(Tentam sair. Cada uma vai numa direção diferente formando um retângulo. Voltam ao
centro e repetem a mesma ação quatro vezes. Murmuram as palavras abaixo repetidas
vezes).
– Nunca mais.
(Conseguem sair juntas para a mesma direção. D2, D3 e D4 saem de cena. D sai em seguida
telefonando do seu celular.)
Passam 40 segundos e entra o ladrão que desfaz calmamente a cena, levando as cadeiras e
E para fora. O ladrão sai.
LIXO
FIM
::
Esta peça fez parte da minha monografia de final de curso da graduação em Teoria do
teatro - UNIRIO, 2008 - acompanhada de um texto teórico e laboratórios práticos, com a
orientação de Flora Sussekind.