Você está na página 1de 11

ALCUBIERRE

Alex Cassal
ALCUBIERRE

Alex Cassal

A primeira versão deste texto foi apresentada em 2009, na mostra “Cartões de Visita”,
produzida pelo coletivo português Mundo Perfeito e pelo Teatro Municipal Maria Matos (sob
gestão de Mark Deputter). Nesta ocasião, Felipe Rocha, Thiare Maia, Michel Blois, Alex Cassal,
Tiago Rodrigues, Cláudia Gaiolas e Paula Diogo apresentaram pequenas criações próprias em
uma piscina desativada, em Lisboa. Posteriormente, Felipe Rocha e Alex Cassal uniram os seus
dois solos no espetáculo “2 histórias”, que estreou em 2011

no Projeto ENTRE, no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, no Rio de Janeiro.

[Uma mesa com objetos, uma cadeira, uma poltrona, algumas caixas etiquetadas, como em
mudança, com uma pequena pilha de cacos de vidro ao lado. Alex arruma os objetos sobre a
mesa, vira-se para o público e fala.]

Eu tenho os olhos do meu pai.

[Black-out. Som de um rock antigo de Elvis Presley. A luz retorna aos poucos.

Alex está sentado atrás da mesa.]

Hoje é 18 de fevereiro de 1979. Eu tenho doze anos e sou o pré-adolescente mais solitário
do sistema solar – nesta época, ainda com nove planetas, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte,
Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão. Eu estou saindo da biblioteca onde passo quase
todas as minhas tardes e levo três livros debaixo do braço: “Um estranho numa terra
estranha”, de Robert Heinlein; “Moby Dick”, de Herman Melvil e; e “Robison Crusoé”, de
Daniel Defoe. Eu tenho fortes ataques de asma, sou viciado em açúcar e uso óculos de lentes
grossas, a haste colada com fita adesiva. Eu tenho um aquário, onde os peixes morrem, até
restar apenas um, ou nenhum. Quando isso acontece, meu pai cola no vidro do aquário uma
etiqueta que diz: há vagas no pensionato.
Com três livros debaixo do braço, eu me sinto feliz e seguro, como um peixe em seu
aquário. Livros são uma espécie de Bolha de Alcubierre. “Um estranho numa terra
estranha”, por exemplo, é um livro que vai me acompanhar por mais de trinta anos, três
casamentos, duas cidades, um filho. É a história de um terrestre criado por marcianos, que
volta ao planeta de origem e não consegue se adaptar. Como Tarzan, mas com alienígenas
no lugar de macacos. Moby Dick é uma baleia. Robison Crusoé é um náufrago. Minha
melhor amiga é uma bibliotecária gordinha.

Eu percorro sistematicamente os corredores da biblioteca onde passo minhas tardes,


primeiro lendo aqueles livros que realmente me interessam. Em 1979

eu me interesso por astronautas, piratas, soldados, robôs, alienígenas, cavaleiros


medievais, inventores, dinossauros, detetives, super-heróis e deuses gregos. Esgotados os
assuntos que me interessam, eu sigo em frente: prateleira por prateleira, livro por livro,
começando em Agricultura e terminando em Zoologia. Leio pelo menos vinte páginas de
cada livro. Se fôr minimamente interessante, eu levo para casa. Posso levar três livros por
vez para casa. Foi assim que eu aprendi coisas interessantes sobre Miguel Alcubierre,
educação sexual e retinose pigmentar.

[Liga walkman, ouve-se gravação.]

“A retinose pigmentar é uma doença degenerativa primária da retina, de transmissão


genética variável, autossômica ou ligada ao sexo, de progressão lenta e inexorável, sendo a
cegueira noturna o primeiro sintoma, assim como a deficiência de adaptação na mudança
de ambientes de iluminação diferentes, podendo apresentar como complicações comuns a
catarata, o glaucoma e a miopia, e tendo como resultado a cegueira”.

[Fim gravação.]

Meu nome é Alex Barros Cassal. Este sou eu com 12 anos [mostra foto]. Este sou eu e meu
filho com 20 anos [foto]. Este é meu pai, Annibal Barros Cassal, que agora tem 80 anos
[foto]. Ao lado dele estamos eu, meu irmão que nasceu morto. Esta é minha irmã mais nova
[foto]. Estamos em Porto Alegre, no sul do Brasil. Esta é Porto Alegre [foto].
Minha mãe é enfermeira. Meu pai é professor de português. Estes são meus pais em seu
casamento [mostra foto em porta-retratos]. Em 2004, eles voltaram a viver juntos após 25
anos de separação.

Este sou eu em 1979, parado em uma esquina da Rua Duque de Caxias, em Porto Alegre
[mostra capa de disco]. Há uma loja de livros e discos usados nesta esquina, a catedral
metropolitana na outra quadra, depois o palácio do governo e o Colégio Estadual Paula
Soares, onde estudo. Atravessando a rua, está a Praça da Matriz, onde vou apanhar de
outros garotos e beijar pela primeira vez.

Eu estou prestes a atravessar a rua Duque de Caxias em direção à Praça da Matriz quando
escuto o ruído de um avião a jato.

[Som de avião a jato.]

Esta é a imagem de um avião a jato em rota de colisão com as torres gêmeas de Nova York
[foto]. Esta é a imagem de um avião a jato desaparecido no mar, entre o Brasil e a França
[foto]. Esta é a imagem de um aviãozinho de papel que não existe mais [mostra aviãozinho
de papel]. Se ele existisse e pudéssemos desdobrá-lo, poderíamos ler o que foi escrito nele.
Uma frase só: “Quero a resposta da questão 5”. E uma assinatura: “Ana Lúcia”. E esta é uma
foto do físico mexicano Miguel Alcubierre [foto].

Em 1979 eu sou fascinado pela idéia de ter um irmão gêmeo. Não o meu irmão que nasceu
morto, que apenas se interessa pela escalação do Internacional Futebol Clube de Porto
Alegre e por discos de Elvis Presley.

Mas um outro eu, capaz de ir a lugares onde não vou e fazer coisas que não faço.

[Alex veste um robe cor-de-rosa e empunha um espeto de churrasco. Entra áudio do filme
“Guerra nas Estrelas.]

Agora, eu e meu irmão que nasceu morto vamos reproduzir o célebre duelo entre Obi-wan
Kenobi e Darth Vader, que decoramos após assistir a doze sessões de “Guerra nas estrelas”.
Como ainda não possuímos a tecnologia dos sabres de luz, vamos usar espetos de
churrasco para realizar a coreografia de luta.

[Outro ator entra em cena, também empunhando um espeto de churrasco.

Realizam a coreografia de luta. Ao final, Alex é atingido e o outro ator sai de cena.]

Esta é a cicatriz resultante do experimento. Foi superficial, apenas cinco pontos.


Preocupados com a merda que fizemos, decidimos inventar uma história para explicar o
ferimento para nossa mãe enfermeira. Uma história complicada e inverossímil.

[Tira robe, bebe água, deixa cair o copo que se despedaça sobre os cacos de vidro do chão.
Volta para mesa.]

Feito isso, temos que tomar algumas providências. Um: Colocar uma toalha para estancar o
sangue que escorre de meu braço, antes que eu desmaie.

Dois: Quebrar o lustre da sala. Lamentamos fazê-lo, é um objeto de estimação que nossa
mãe enfermeira ganhou da tia Bijou, mas a fidelidade à história que inventamos o exige.

Três: Ameaçar minha irmã mais nova para que ela não revele a trama toda para nossa mãe
enfermeira. Ameaçar de espancamento. Mais: ameaçar entregá-la pro velho do saco. Mais
ainda: ameaçar cortar os cabelos de todas as suas bonecas, inclusive do bebê estrábico
riscado de canetinha.

Nãããããooooooooooooo... Entre lágrimas, nossa irmã mais nova jura silêncio eterno e
pergunta se eu vou morrer.

Quatro: Telefonar para nossa mãe enfermeira, tarefa de meu irmão que nasceu morto,
enquanto minha irmã mais nova segura minha mão com sua mãozinha e eu seguro a toalha
contra o braço ferido com a outra mão. Nossa mãe enfermeira produz sons de
incredulidade ao telefone - bá, capaz, tsc-tsc-tsc -, mas pouco depois já estou recebendo os
primeiros socorros.
Apesar de nosso mais que evidente amadorismo, conseguimos convencer plenamente
nossa mãe enfermeira. E a versão do espeto de churrasco que se crava em meu braço deixa
de existir. É uma outra linha temporal. Uma realidade paralela.

[Mostra uma revista em quadrinhos.] Este sou eu em frente à loja de livros usados. Um livro
na vitrine chama a minha atenção: [mostra um livro] é este, o irmão gêmeo de um dos livros
que carrego debaixo do braço. Acho a coincidência fascinante. Semana que vem, voltei aqui
e comprei este livro com minha mesada, sem saber que ele me acompanharia pelos
próximos 32

anos, e que eu acabaria por usá-lo em um espetáculo chamado “Alcubierre”.

Um avião a jato me faz a olhar para cima, para o céu sem nuvens. Fico ofuscado por um
instante. É nesse momento que ela passa.

[Som de avião a jato, mixado à rock de Elvis Presley. Alex fica de pé sobre a poltrona, dá saltos
até cair no chão.]

Ela está com um vestido leve, branco, um vestido parecendo novo. Talvez seja a primeira
vez que ela usa esse vestido, e talvez ele seja abandonado pouco depois, porque um pingo
de catchup caiu em seu colo quando ela comia um cheeseburger depois de assistir “A Lagoa
Azul”. Mas agora esse vestido é uma coisa de outro planeta, é como uma baleia branca
saltando para fora do mar, a água espirrando e refletindo o sol. É como encontrar uma
pegada humana na areia da praia de uma ilha deserta. É um milagre. Eu empurro os óculos
para o alto do nariz e me apaixono irremediavelmente pelos próximos cinco anos. A minha
adolescência completa, pobre coitado.

Ofuscado, baixo os olhos e vejo a primeira página de um jornal, caída junto ao meio fio. A
manchete anuncia o lançamento, dentro de algumas semanas, da sonda espacial Voyager 1.
É o jornal de hoje, 18 de fevereiro de 1979.

Enquanto isso, em casa, me aguarda a notícia da separação de meus pais.


[Alex volta para a mesa.]

A escalação do time do Internacional de Porto Alegre, que ganhou o campeonato brasileiro


de 1979 em uma final eletrizante, é Benitez, João Carlos, Mauro Pastor, Mauro Galvão e
Cláudio Mineiro, Batista, Falcão e Jair, Valdomiro, Bira e Mário Sérgio.

Aos 12 anos, eu imagino ser um robô com memórias humanas. Eu imagino ter sido
abduzido por alienígenas, ter um implante em minha cabeça, ser o último sobrevivente de
uma civilização desaparecida. Estar dentro de uma bolha feita de matéria escura. Ser o
adolescente mais solitário do sistema solar.

[Vai para baixo da mesa, a luz desce.]

Lembro uma noite, nossa mãe enfermeira se atrasou para voltar para casa e minha irmã
mais nova chorava. Eu quero a minha mãe, eu quero a minha mãe, eu quero a minha mãe.
Então fui ao quarto de nossa mãe, abri o armário e vesti o seu chambre rosa com gola de
cetim, e coloquei um lenço na cabeça e chinelos felpudos. Voltei para a sala, estiquei os
braços e disse estou aqui, minha filhinha querida. Eu não lembrava dessa história, que
minha irmã contou da última vez que estive em Porto Alegre. Talvez seja uma memória
implantada. Ou talvez minha irmã guarde as coisas que eu vou esquecendo pelo caminho –
a unha que caiu quando seu dedinho ficou preso na cadeira de armar, o gato que despencou
do décimo quinto andar, os aniversários dos sobrinhos, os guarda-chuvas, o gosto do
sorvete de ameixa da vó Petita, que sei que nunca mais vou sentir. E agora, alguns fatos
científicos.

[Liga walkman, ouve-se gravação.]

“Uma maneira de mudar a história é criar uma dobra espacial, ou uma Bolha de Alcubierre.
O que uma Bolha de Alcubierre faz é gerar um diferencial de espaço-tempo,
provisoriamente desconectado de todo o resto do universo.

Por exemplo, se uma nave viajar mais rápido do que a luz, em velocidade de dobra, seus
tripulantes vão se manter normais, enquanto o restante do espaço-tempo vai ser
‘empurrado’, causando contrações e dilatações de distância e tempo”.
[Fim da gravação. Black-out. Acendem-se pequenas luzes suspensas, um mapa em escala do
sistema solar, com o sol, os nove planetas e uma lâmpada isolada, representando a sonda
Voyager 1.]

Este é o nosso sistema solar. O sol. Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano,
Netuno e Plutão. Aquela é a sonda Voyager 1 hoje, 32 anos depois que me apaixonei pela
primeira vez. Está a 15 bilhões de quilômetros do planeta Terra, este pálido ponto azul. Em
breve ela irá se libertar da influência da gravidade do nosso sol e se perder
irremediavelmente no espaço. Mas ela ainda está lá. No escuro.

[Som de avião a jato.]

Um avião a jato me faz a olhar para cima, para o céu sem nuvens. Fico ofuscado por um
instante. Ela passa. Ela está com um vestido leve, branco, um vestido parecendo novo. A
porta de vidro da loja de livros e discos usados está aberta e posso ler palavras escritas ao
contrário: SODASU SOCSID E

SORVIL. Os sinos da igreja estão prestes a tocar. Ela vai entrar no prédio ao lado da loja. Eu
acredito que nunca mais vou vê-la. Doze anos, sete graus de miopia, três livros debaixo do
braço e uma menina de vestido branco passa diante de mim. O que mais pode me
acontecer?

Quando chego em casa, recebo a notícia da separação dos meus pais. 25

anos depois, eles voltam a viver juntos. Como essas contas coloridas que vou despejar [Alex
despeja um vidro de contas coloridas, que caem sobre a mesa e o chão.] e terei que recolher
mais tarde, para usar na próxima apresentação. Mas algumas contas devem ficar perdidas
para sempre, ou até que alguém encontre um pequeno pontinho colorido, talvez durante
uma apresentação de um espetáculo que ainda não foi escrito, com um ator que ainda não
de decidiu trocar a faculdade de física por teatro.

[Alex senta na poltrona.]


Eu estou na sala, pulando sobre uma poltrona como em uma cama elástica, sem outra razão
que não a burrice e o tédio. Pulo cada vez mais alto, até que minha cabeça esbarra no lustre,
que se despedaça e cai sobre mim. Uma lâmina de vidro se crava no meu braço. Meu irmão
que nasceu morto, que está no quarto escutando Elvis Presley, corre para a sala e me
encontra no chão, mortalmente ferido. Levemente ferido, não vamos exagerar. Após
combinarmos esta história, temos que tomar algumas providências. Primeiro, ligar para
nossa mãe enfermeira, tarefa de meu irmão que nasceu morto, e que os médicos tiveram
que reviver, e por isso ele é o predileto de nossa mãe e o que tem mais crédito com ela,
enquanto minha irmã mais nova segura minha mão com sua mãozinha e logo estou
recebendo os primeiros socorros.

Enquanto escurece, eu lembro de mais algumas pessoas.

[Início de um lento fade-out de luz na poltrona.]

[Mostra foto.] Este é o namorado abusivo de nossa mãe enfermeira. Ele segura um copo de
cerveja e conta uma piada sobre um náufrago. Todos riem. Esta é nossa mãe enfermeira
com um olho roxo, um ano depois. Este sou eu ameaçando matar o seu namorado abusivo,
quatro anos depois. Este é o namorado abusivo de nossa mãe enfermeira, vinte anos
depois, morto de AIDS, uma doença que ainda não conhecíamos em 1979.

[Mostra foto.] Esta é a jovem segunda esposa de meu pai. Ela é bibliotecária.

Ela tem vinte anos menos que meu pai. Ela tem saúde de ferro. Este é meu pai no enterro de
sua jovem segunda esposa. Este é meu pai, subitamente um homem velho. Em setembro de
2011, ele completa 81 anos, está quase cego e passa as tardes escutando jogos de futebol
em seu radinho.

[Mostra foto.] Este é meu amigo Gustavo. Em 2009, eu recebo a notícia que seu nome está
na lista de pessoas desaparecidas no oceano entre o Brasil e a França. Ligo para sua casa e
deixo um recado na secretária eletrônica.

Mais tarde, recebo a notícia de que ele perdeu o avião, e outra pessoa viajou em seu lugar.
Meu amigo Gustavo está vivo. Esta é a pessoa que eu não conheço e que desapareceu no
oceano entre o Brasil e a França. Ela ainda está lá, no escuro.
[Mostra foto.] Esta é Clara. Eu ainda não havia falado nela. Esta é a primeira noite que
passamos juntos, sete anos atrás. Ela bate na porta do apartamento em que eu morava na
época. Ela traz uma garrafa de vinho.

Sentamos no chão da sala, bebemos, nos beijamos. Durante a madrugada, seu colar de
contas coloridas vai se romper, e de manhã bem cedo ela vai embora. Decidiremos não nos
ver mais. Nunca mais. Depois eu vou recolher as contas espalhadas pelos lençóis, pelo chão,
embaixo da cama, embaixo do armário, e colocar em um pequeno vidro, que hoje está na
prateleira do apartamento em que Clara e eu moramos. Quando leio este texto para Clara
pela primeira vez, ela pergunta “eu só apareço nesse pedacinho”? Respondo que não,
também aparece em uma música ao final.

A piada do náufrago era assim: Você está fazendo um cruzeiro de navio com o seu
cachorrinho que se chama Nabunda. O navio afunda e você tem que nadar. Você vê o seu
cachorrinho se afogando. Nesse momento, o que você faz – você leva Nabunda ou você
deixa Nabunda?

[A poltrona já está no escuro, resta apenas luz sobre a mesa. Alex vai até a mesa. A luz sobre a
mesa também começa a apagar-se.]

O avião passa. Os sinos estão prestes a tocar. Uma menina de vestido branco passa por
mim. Eu acredito que nunca mais vou vê-la. Quatro anos depois, ela está na mesma festa
que eu, ela está fumando, eu ainda não fumo. Então pego um cigarro de um amigo e vou
pedir fogo a ela. Ela acende meu cigarro, eu dou uma longa tragada e passo os próximos 15
minutos tossindo na sacada. Ainda não sei, mas ela me acha engraçado. Seu nome é Ana
Lúcia. Estes somos Ana Lúcia e eu em nosso casamento. [Mostra foto em porta-retratos.]
Temos um filho. Vivemos na Rua Duque de Caxias, perto de onde a vi pela primeira vez. Eu
fumo há vinte anos e não uso óculos porque operei a miopia. Trabalho no Departamento de
Astronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Estou em [nome da cidade]

participando de um congresso. Por curiosidade, hoje vim ao [nome do teatro]

assistir uma peça chamada “Alcubierre”

Os sinos tocam, a bolha se rompe e ela entra no prédio ao lado da loja de livros usados.
Depois vou saber que ela mora ali. Depois vou saber que ela estuda no Colégio Estadual
Paula Soares, como eu, que ela estuda na mesma sala que eu. Seu nome é Ana Lúcia. Eu vou
ficar irremediavelmente apaixonado por quase cinco anos. Depois vou esquecê-la
irremediavelmente, até agora. Meu nome é Alex Barros Cassal. Tenho raros ataques de
asma, tomo café com quatro colheres de açúcar e uso lentes de contato. Vivo há 15

anos no Rio de Janeiro. Sou ator. Vim a [nome da cidade] para apresentar no

[nome do teatro] uma peça chamada “Alcubierre”.

[Fade-out luz completo: Black-out.]

Em algum momento eu vou ter que sair dessa bolha feita de matéria escura.

Talvez eu faça isso agora.

Talvez eu demore um pouco mais.

[Música: “Clara”, de Caetano Veloso]

Você também pode gostar