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A Fracassada do Elevador

Texto de Kadu Veríssimo

Personagens:

Ela, ascensorista de elevador.


Ele, um executivo.

O espetáculo começa com ela passando um paninho nas paredes


do elevador, musica alta, ele entra e ela não percebe.
Ele fala alguma coisa, não se entende o que é, a música
continua alta, ele repete, não se entende, só se vê o mexer
de seus lábios, ele se irrita, puxa o fone de ouvido dela,
musica cessa.

Ela – Que que isso?


Ele – Por favor o quinto andar?
Ela – Cê não ta vendo que eu to limpando o elevador...
Ele – Eu...
Ela – Não é meu trabalho não, mas obrigam a gente a fazer e
sabe como é? Não acho certo esta exploração, mas faço, mas
assim é com tanta coisa na vida né?
Ele – o quinto por favor...
Ela (seca) – Você não tem dedo?
Ele – Como?
Ela – Você não tem dedo? Aperta o botão ai que o dedo não
cai.
Ele – Mas esse é o seu serviço...
Ela – Eu sei que esse é o meu serviço e o seu qual é?
Ele – Com licença, deixa que eu mesmo aperto.
Ela (se mete na frente) – Espera! Me diz primeiro qual é o
seu trabalho?
Ele – Você pode me dar licença, eu tenho pressa...
Ela – Primeiro o senhor me diz, ou sobe os (fala com
dificuldade) 5 lances de escada.
Ele - A senhora é muito atrevida...
Ela – Sou não,sou curiosa, me diz você trabalha de que?
Ele – Sou vendedor.
Ela – Vendedor de quê?
Ele – Ah me dá licença...
Ela – Que que isso vai empurrar é?

(Ele aperta o botão)

Ela – O Senhor ta escondendo alguma coisa né? Eu sei, eu


sinto, tenho sensibilidade, sou muito da sensitiva...
Ele – É muito da chata, nunca vi...
(Ela trava o elevador)

Ele – Que que isso?


Ela – Eu não admito que o senhor me xingue.
Ele – Aperta esse botão, anda...
Ela – Pede desculpa
Ele – Aperta logo isso...
Ela – Pede desculpa...
Ele – Eu tenho claustrofobia...
Ela – Pede desculpa...
Ele (grita) – DESCULPE!
Ela – Assim não vale, com carinho...
Ele – Anda logo to com falta de ar... Meu Deus...
Ela – Vou contar até três.
Ele – Desculpa! Desculpa! Desculpa!
Ela – Ta muito irritado ainda, um...
Ele – Por favor, eu to passando mal...
Ela – dois...
Ele (sentido) – Desculpa?
Ela – Muito bem, eu ia chegar no três...e quando eu chego
no três Nossa senhora, você não sabe do que eu sou capaz...
Ele – Eu imagino, mas aperta pra subir por favor...
Ela – Mas eu... já apertei...
Ele – O QUÊ???
Ela – Eu apertei e ele não subiu...
Ele – Como assim...
Ela – Acho que quebrou...
Ele – O QUÊ???
Ela – Cê só sabe falar isso é?o que, o que , o que...
Paciência, senta ai..até arrumar vai demorar.
Ele – Não, não é possível, eu tenho compromisso, eu tenho
claustrofobia, eu tenho...
Ela – Tem nada, fica quieto e deixa de gritar...tem que ter
paciência, a última vez que quebrou demorou 12 horas pra
arrumar...
Ele – 12 HORAS?
Ela – É, até alguém perceber que quebrou, chamar o técnico,
ai até o técnico vir, ver o que é e arrumar, ih! Demora,
senta ai espera...

(A ação agora acontece junto com a fala, no mesmo momento)

(Ele pega o celular)


Ela – Não adianta que não pega aqui.

(Ele vai gritar)


Ela – Não adianta que ninguém ouve.

(Ele procura uma saída)


Ela – Não tem saída.
(Ele senta)
Ela – O jeito é esperar...
Ele – Eu não acredito... é tudo culpa sua...
Ela – Minha? É sua, que foi grosso, quer um sanduíche?
Ele – Não, eu quero é sair daqui...
Ela – Já disse que vai demorar... quer? têm de frango e de
atum... quer do quê?
Ele – de frango...
Ela – toma...
Ele – Obrigado...
Ela – Três reais...
Ele – O quê?
Ela – três reais... o sanduíche.
Ele – Mas você me ofereceu...
Ela – Pra comprar...

(Ele devolve)

Ele – Muito obrigado...


Ela – Faço por dois...vai pega...isso vai demorar...

(Ele pega e paga)

Ela – Quer café?


Ele – E quanto que é?
Ela – O café é cortesia.

(Ela tira da bolsa) (Eles comem)

Ele – Será que vai demorar mesmo hein, aloooou alguém aí,
alguém me escuta?
Ela – Não adianta, ninguém ouve... Você vende o que que
você não me disse...
Ele – Alguém me escutaaaaaaaaa...
Ela – Acho bonito homem de terno, fica com ar de
importante, de executivo...Já namorei com homem de terno...
Ele – Alou...alguém me escuta...
Ela – (continua) Ele era pastor de igreja (come) não deu
certo, ele implicava demais com as minhas roupas, dizia que
era curtinha, que era colada, eu não suporto homem que me
regula, homem não nasceu pra mandar em mim (come) Ta pra
nascer ainda um homem que me mande (come) que grita comigo
(come) ou que levante a mão pra mim por que...
Ele – Você quer calar a boca!
Ela – Não me mande calar a boca eu sou livre e falo o que
bem entender...
Ele – Eu não sou obrigado a ficar ouvindo você, não tenho o
menor interesse na sua vida e não tenho a menor paciência
para...
Ela – Devolve... devolve o sanduiche.
Ele – Mas eu paguei por ele.
Ela – Eu te devolvo o dinheiro, alias a metade porque você
já mordeu.
Ele – Não vou dar eu paguei e ele é meu!
Ela – Devolve meu sanduíche...
Ele – Não! (Dá uma super mordida)
Ela – Não me provoca! Devolve o sanduíche!
Ele – Não devolvo! (Enfia ele inteiro dentro da boca)
Ela – Seu...seu... cafajeste!
Ele – (de boca cheia) Sua...sua..fracassada!

(essa fala dói como uma facada nela, silêncio. Ela senta-se
no chão do elevador. Desconforto – Clima – Silêncio. Aos
poucos ela balbucia.)

Ela – Fracassada...
Ele – Olha desculpe eu...
Ela – Fracassada.
Ele – Desculpe eu falei sem...
Ela – Nunca ninguém gritou isso na minha cara...ninguém
nunca me chamou de fracassada...de vaca, galinha , piranha
já...mas fracassada...
Ele – Me desculpe, não tive a intenção de...
Ela – Teve sim, você disse bem, eu sou uma fracassada...
Ele – Olha...
Ela – Quieto, já falou a merda e pronto, eu sou mesmo uma
fracassada... quem é que sonha em trabalhar apertando o
botão de elevador me diz? Ninguém...quando criança todo
mundo diz que quer ser bailarina, médica, advogada mas
nunca ascensorista de elevador, você já ouviu alguma
criança falando isso, ouviu...
Ele – Olha...
Ela – Nunca... eu também nunca sonhei isso pra mim, mas to
aqui já com tantos anos apertando botão de elevador...que
merda de emprego é esse? Será que quem entra nesta merda
não pode apertar seu próprio botãozinho? Vai cair a porra
do dedo, vai aleijar?(irritada) não vai...fico o dia todo
subindo e descendo, subindo e descendo...porra eu tenho
labirintite...pois não, o 12°, pois não, o 6° pois não...
5° ...quinto dos infernos e a maioria que nem agradece ou
dá bom dia, boa noite...mundo cão, empregado é uma merda,
tem que ter sempre alguém pra servir...
Ele – Você tem que dar graças a Deus de apertar esse botão,
de existir esse emprego, você poderia estar na rua.
Ela – Eu vou te matar! Seu cachorro sem sensibilidade! Eu
aqui me abrindo, dividindo meus sentimentos e você vem com
grosseria...
Ele- Todo mundo só sabe reclamar...
Ela- Homem é tudo igual, seu canalha
Ele- e mulher também é tudo igual
Ela- tanta gente nesse mundo pra dividir um elevador e
tinha que parar bem com você?
(ele senta e pega um Sudoku na bolsa)

Ela- que que isso?


Ele- Sudoku

(Ela bate na cabeça dele)

Ela- seu grosso filho da puta!


Ele- você é louca? Sudoku é um jogo (mostra a capa)
Ela- mas que nome feio pra jogo...é japonês?
Ele- sei lá
Ela- Eu já tive um namorado japonês...(se olham) ta bom,
vou ficar quieta

(silêncio, ela põe o fone e ouve uma musica, a musica fica


alta, todos escutam)

Ele- de quem é o som?


Ela- é Beatles(também pode ser Roberto Carlos), vai me
dizer que você não conhece?
Ele- conheço, mas não tava dando pra perceber
Ela- quer?

(oferece um fone)

Ele- vou aceitar

(eles ficam lado a lado e ele pega o fone e escuta junto)

( a musica esta alta, eles curtem a musica)

Voz em Off- Alguém aí? (eles não escutam por causa da


musica)Tem alguém no elevador? (como se conversasse com
alguém) – olha, não tem ninguém preso não,então vou sem
pressa viu, vou arrumar o elevador do prédio ao lado que ta
ruim também e depois eu volto ta, poe uma placa aí pro povo
usar o de serviço...é mais tarde...mais tarde eu volto...

( a Música acaba)

Ele- é muito bom...


Ela- meu pai sempre comprava o disco deles, ele era muito
fã, adorava música...
Ele- ele era musico?
Ela- não, pedreiro, mas curtia muito som, ele era um homem
inteligente, bonito, cheiroso, sabe...
Ele- e sua mãe?
Ela- ela era mais durona, seca, acho que nunca me deu um
abraço...já meu pai era muito carinhoso ...e você?
Ele- o que é que tem?
Ela- você tem pai, mãe?
Ele- claro que tenho...
Ela- hummm, e aí...
Ele-......
Ela- vai desenvolve...
Ele- ah, não sei...era comum...
Ela-, seu pai fazia o que?
Ele- dentista
Ela- e a mãe?
Ele- dona de casa
Ela- tem irmãos?
Ele- não e você?
Ela- doze
Ele- doze irmãos???
Ela- é três homens e nove meninas
Ele- meu deus...
Ela- dois morreram ficaram dez
Ele- você é a caçula?
Ela- não sou a do meio...do meio dos dez, sou a
quinta...cinco alias é um numero que me persegue...você já
teve a sensação de estar sendo seguido?
Ele- não...
Ela- eu tenho sempre...tenho a impressão de ter sempre
alguém atrás de mim, já fui em tudo que é lugar, em igreja,
na macumba, exorcista, e não adianta, parece sempre que tem
alguém atrás de mim, impressão sabe, como se um olho
gigante repousasse aqui no meu ombro...
Ele- você toma algum remédio?
Ela- tomo, como você adivinhou?...alias um não, to tomando
cinco...ta vendo esse numero me persegue...
Ele- nossa já são quase cinco horas...
Ela- (grita) olha ele aí
Ele- que susto, ele quem?
Ela- o cinco, cinco horas meu deus...esse número, esse
número me persegue...acho que vou morrer com cinco facadas,
ou ter uns cinco enfartes,ser estuprada por cinco
gigantes , ser atropelada por cinco bicicletas, levar cinco
tiros tenho quase certeza disso,(muda o tom) ...você é
casado?
Ele- separado...
Ela- quantas vezes???
Ele- cin...co!
Ela- CINCO?olha ae, olha ae...Cinco, que karma é esse meu
deus...MEU DEUS!
Ele- calma fica calma...
Ela- to melhor já, to melhor...(pega os cinco remédios na
bolsa e toma com café)
Ele- você tomou os remédios com café?
Ela- foi
Ele- mas com café?
Ela- você quer que eu tome com o quê, a seco?
Ele- já faz mais de uma hora que estamos aqui e nada, não
aparece ninguém...
Ela- e nem vai...
Ele- como assim?
Ela- vão esquecer a gente aqui eu tenho certeza, quem sou
eu, não sou ninguém, uma qualquer sem importância...mas se
pensam que eu vou aceitar estão muito enganados...

(bate enlouquecida nas paredes do elevador)

Ela- eu vou fugir daqui e me vingar de todos vocês


Ele- para ! para com isso
Ela- eu vou ser alguém importante nessa vida, vocês vão
ver, eu ainda vou ser poderosa, famosa, (bate na porta)
(grita) VOCÊS VÃO VER!
ELE- CALMA!
ELA- (ENLOUQUECIDA EM TRANSE) Vocês vão ver!(urra
enlouquecida)

(ele bate na cara dela pra ela se acalmar)(ela cai no chão,


silêncio)

Ele- meu deus...me desculpe...me desculpe...

(silêncio)(ela esta passada)

Ela- você....você me bateu...VOCÊ ME BATEU!


Ele- me desculpe eu fiquei nervoso
Ela- você me bateu...
Ele- meu deus do céu me desculpe eu fiquei nervoso, você
tava gritando batendo nas paredes....
Ela- voce me bateu...
ELE-fiquei com medo do elevador cair e...
Ela- homem nenhum nunca fez isso comigo...
Ele- me bate também, vai me bate...
Ela- o que?
Ele- me bate, anda , eu deixo você me bater...
Ela- o senhor é louco?
Ele-vai, anda logo me bate...
Ela- eu não vou bater em você...
Ele- eu quero que você me bata, anda logo...
Ela- você é louco...
Ele- sua vagabunda...
Ela- que que isso?
Ele- piranha
Ela- não me xinga, não me xinga!eu sou decente, eu sou
limpa
Ele- vai bate, bate sua cadela
Ela-para com isso
Ele- putinha de quinta
Ela- o que? De quinta....QUINTA???
(ELA FICA ENFURECIDA E BATE NELE)

Ela- não fala esse número nunca mais, nunca mais...(bate


mais nele)

(ele cai arriado no chão)

(ela para, esta arfando cansada, olha para Ele que esta
desmaiado no chão, mexe nele para verificar se esta
desmaiado mesmo e começa a abrir a bolsa dele)

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