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Para Pedro H.

Dantas,

O príncipe da Lapa, extrovertido incurável e grande inspiração para as viadagens aqui


escritas…
Que leu, corrigiu e sugeriu ideias.
Porque se dependesse das minhas habilidades sociais,
o protagonista nunca sairia de casa

Capítulo 1: Nunca mais irei ao banheiro de uma festa…

Eu estava numa festa de um completo desconhecido, vendo pessoas que só conhecia de


vista do colégio. Sentado num sofá, sozinho com um copo de cerveja — que nem lembro
onde arrumei — vendo a única pessoa que eu realmente conhecia se divertindo horrores no
meio daquele lugar e tudo o que mais queria era ir pra casa; acho que ele percebeu isso e
veio até mim. Alto, bem-vestido com sua camisa branca e bermuda preta, cabelo curto mas
encaracolado, olhos escuros e sorriso branco, era um cara difícil de não reparar.
— Consegue ver o que há de errado aqui? — Perguntou Henrique com a voz enrolada
sentando ao meu lado e apontando a nossa volta.
— Um bando de adolescentes bêbados dançando música ruim de festa. — Respondi
incerto.
— E…?
— E o quê?
— Você é o único sóbrio sentado no sofá! — Ele estava claramente indignado.
— Cara, você também tá sóbrio. — Respondi rindo e balançando o copo com minha cerveja
intocada.
— Não, não to! — Disse e pegou meu copo e, com um gole, bebeu toda a cerveja que tinha
nele, fez uma cara de nojo. — Tá quente. — Ele olhou pra mim apontando o dedo no meu
peito. — Bruno, você devia estar se divertindo também, vamo cara!
— Vou ao banheiro… — Falei enquanto me levantava.
— Beleza, quando voltar a gente vai se divertir!
— É, claro, vamo vê o que acontece… — Murmurei irritado.
— Como assim “vamo vê o que acontece”? — Ele perguntou rindo.
Não respondi, apenas fui em direção ao banheiro. Por que ele continua me trazendo a
essas festas? Pensei, eu sempre acabo arrumando uma desculpa e indo embora mais
cedo. Passei as férias só indo em festa ou saindo com os amigos do Henrique, tava
cansado já, tudo o que eu queria era ficar em casa, ler, assistir alguma coisa… Como
alguém tão caseiro como eu vira amigo de um cara como o Henrique? Pior, como uma
amizade dessa dura quase 10 anos?
Andando por aquele apartamento enorme na Barra da Tijuca, fiquei imaginando o quão
popular uma pessoa tem que ser pra fazer tanta gente da escola estar ali, a maioria ali
morava longe; eu e o Henrique moramos em Realengo por exemplo. Não era longe de
carro, mas de ônibus levava uma hora e meia. Sinceramente, passaria horas no ônibus para
voltar para casa feliz, se isso significasse não ouvir mais música do TikTok. Finalmente
achei o banheiro, entrei, tranquei a porta e fui mijar; reparei que o banheiro era tão grande
quanto meu quarto, tinha até uma banheira. Cortina legal, peixes-palhaço… Um dos peixes-
palhaço começou a balançar, minha alma quis sair do corpo por um momento. Fechei as
calças, lavei as mãos, fui até a banheira e puxei a cortina, foi assim que conheci Alan.

Naquele momento eu não fazia ideia do que fazer, tinha um cara, moreno, cabelo preto e
liso, só de cueca boxe desmaiado dentro da banheira, com várias latas de cerveja ao seu
redor dele, o nome “Alan” estava escrito na testa dele em azul. Talvez nem fosse o nome
dele, talvez fosse uma brincadeira estilo Toy story que a gente escreve nosso nome no que
é nosso. Olha só encontrei o Woody de alguém… Ele começou a se mexer e abriu os olhos,
olhos castanhos, por um momento sem parecer saber o que tava acontecendo, nem o
próprio nome parecia saber.
— Quem… É você? — Ele resmungou, se sentando devagar.
— Eu sou o Bruno, você se chama Alan?
— Aham… Como cê sabia? — Ele começou a sair da banheira, deixando as latas de
cerveja para trás.
— Digamos que está escrito na sua cara. — Falei apontando pra testa dele.
Ele foi até o espelho e viu sobre o que eu estava falando, começou a rir e olhou pra mim.
— Sabe quem fez isso? — As sobrancelhas dele estavam levantadas, fazendo seu nome
enrugar um pouco.
— Não faço ideia. — Dei de ombros.
Ele começou a tentar lavar, enquanto eu ia em direção a porta, senti algo segurar meu
braço, me virei e vi um Alan bêbado e desesperado.
— Essa merda não tá saindo, me ajuda!
Mas que caralho… Pensei irritado, mas como sou uma boa pessoa, revirei os olhos e
perguntei onde tinha álcool, ele pareceu não entender e olhou pra banheira cheia de latas
de cerveja.
— Álcool 70%, isso ajuda a remover tinta de caneta. — Falei abrindo o armário embaixo da
pia.
— Ah, acho que tem aí sim, como você sabe disso? Que álcool remove tinta de caneta?
Já dormi muito em aula, as crianças não gostavam muito de mim, pensei.
— Sei lá, só sei. — Respondi sem muita convicção. — Aqui, achei!
Peguei uns pedaços de algodão, passei álcool e fui tirando o nome dele da testa, ainda dava
pra ver que tinha algo escrito, estava meio apagado, mas diria estar melhor que antes.
— Olha não dá pra tirar tudo, mas já saiu uma boa parte, olha. — Falei gesticulando pro
espelho.
— Nem dá pra ver mais, valeu carinha. — Ele olhou em volta e pegou umas roupas que
estavam no chão. — Sabe, geralmente isso aqui se classificaria como um encontro.
— Sério? — Perguntei surpreso com aquela afirmação aleatória — Por quê?
— Bom… Estamos no banheiro da minha casa, estou só de cueca e você passou álcool na
minha testa com bastante carinho. Então vamos dizer que já tivemos nosso primeiro
encontro, quando teremos o segundo?
Ele só pode ta zoando. Pensei, e comecei a rir
— Ok, essa foi boa, quase acreditei. — Fui em direção a porta. — Ótimo te conhecer Alan.
Antes que ele pudesse fazer qualquer outra piada idiota, eu saí do banheiro e voltei pra sala,
Brenda me interceptou antes que eu pudesse voltar ao sofá.
— Henrique tá te procurando… Eu não sou garota de recados, checa a porra do seu celular!
— Brenda disse, sempre tão delicada.
— Beleza, onde ele tá? — Peguei o celular e percebi que ele tinha mandado umas 5
mensagens, quanto tempo fiquei no banheiro?
— Sei lá, só sei que não tá comigo. — Brenda virou um copinho de vidro que parecia ter
algo mais forte que cerveja, suspirou e me olhou com desdém. — Como um cara baixinho e
sem graça como você consegue ter Henrique só pra você?
É difícil ser um cara de um metro e 68, fico grato pelas palmilhas de 5 centímetros. Pensei
melancólico.
— Eu vivo me fazendo essa pergunta… Se você gosta tanto dele, por que não passa mais
tempo com ele? Eu não iria atrapalhar.
Ela pareceu se iluminar com o que eu disse.
— Vai me ajudar a ficar com ele?
— Não vou ficar no caminho, nem me intrometer, é isso que tô dizendo. — Falei procurando
Henrique com os olhos, ele estava rindo no meio do grupinho dele da escola. — Ele ali, vou
lá falar com ele e…
Alguém me puxou pelo braço, levei alguns segundos para entender o que estava
acontecendo; Alan, vestido com uma camisa azul ao contrário, jeans desabotoado e o nome
“Alan” quase totalmente apagado da testa, me segurou de frente pra ele. Antes que pudesse
perguntar o que ele estava fazendo, ele me beijou. Ele me segurava pelos braços com
firmeza, me beijava com intensidade, a língua dele parecia dançar na minha boca, o corpo
dele estava pressionado contra o meu e eu estava sem ar e sem reação. Eu ouvi as
pessoas começarem a falar mais alto que a música, mas eu não estava em condições de
dar atenção a nada disso, estava de olhos fechados apreciando meu primeiro beijo. Meu
primeiro beijo aos 16 anos… Numa festa, sábado à noite, com um cara que mal conheço.
Pensei.
— Que do nada, quem é esse cara? — Ouvi a Brenda murmurar, com voz enrolada. —
Henrique?
Senti alguém empurrar o Alan pra longe de mim e me segurar pelos ombros, olhei para trás,
era o Henrique. Ele tava puto, parecia que ia começar uma briga. Alguém pausou a música
da festa, e todos os olhos estavam em nós.
— Quem caralhos é você e que porra cê acha que tá fazendo com meu amigo? — Ele me
pôs atrás dele e parecia se preparar pra meter a porrada no Alan.
— Calma aí, calma! — Falei rapidamente e imediatamente ficando no meio deles, me virei
pro Henrique e sussurrei pra ele. — Esse maluco é o dono da festa, ele só tá bêbado, deixa
ele.
— Você conhece esse cara? — Alan perguntou, ele parecia se divertir com essa situação.
— Eu que devia perguntar isso! — Henrique fez como se fosse partir para cima dele e o
segurei.
— Esse é o Alan, eu o conheci… no caminho do banheiro. Alan, esse é meu amigo
Henrique — Falei sentindo meu rosto queimar.
— Prazer em conhecê-lo Henrique. — Alan estendeu a mão.
Por um momento Henrique pareceu que não iria cumprimentá-lo, mas as pessoas
começaram a falar e cochichar, então ele cedeu e se fez educado naquela situação.
— Prazer. — Ele disse seco e apertou a mão dele.
A música voltou a tocar, as pessoas voltaram a curtir, mas algumas ainda olhavam para nós
com curiosidade. Brenda estava me olhando com surpresa e certo prazer nos olhos,
Henrique olhava fulminante pro Alan, Alan olhava para mim.
— Então, desculpa o susto, é que você foi embora do nosso encontro tão rápido, nem me
deu um beijo de despedida. — Alan disse e riu.
— Que porra cê ta falando? — Henrique perguntou a ele e depois olhou pra mim de forma
questionadora.
— Ah… É uma piada… Interna nossa. — Eu disse rindo com desconforto. Me virei pro Alan.
— Hm… Eu… Vou nessa.
— Mas já? — Alan perguntou sentido. — Não vai nem me passar seu número?
Nem precisava olhar pra trás pra saber a reação do Henrique dessa pergunta.
— Ah… Eu… Esqueci o celular. — Falei, meu rosto devia parecer um tomate agora.
— Ele tá na sua mão… — Brenda sussurrou rindo.
Tanto eu e o Henrique olhamos pra ela com raiva. Alan ri da situação.
— Que foi? — Ela perguntou sonsa
— Ok então. — Me virei pro Alan e passei meu número.
— Valeu baixinho, até uma próxima. — Alan se afastou e foi em direção a cozinha.
— Não acredito que você deu seu número pra esse folgado. — Henrique disse contrariado.
— Ele parece ser legal. — Disse Brenda com um sorriso cínico. — E você Henrique foi um
baita empata-foda.
Antes que Henrique dissesse alguma coisa, eu comecei a ir em direção a porta.
— Eu vou embora, se divirtam os dois. — Falei olhando por cima do ombro.
Brenda piscou pra mim e sorriu enquanto me afastava deles, passei pelas pessoas apoiadas
na entrada do apartamento e senti elas cochichando sobre mim. Sério, tudo o que eu
precisava agora pensei; apertei o botão do elevador e esperei; aproveitei pra chamar um
carro enquanto o elevador subia.
— Bruno! — Ouvi a voz do Henrique me chamar. Me virei e ele estava vindo até mim.
— Oi, valeu por trazer e tals, mas eu… — Forcei um bocejo. — Tô bem cansado, sabe?
— Te levo em casa, vamo chamar um carro! — Ele falou sacando o celular.
— Não, eu já chamei, fica e curte um pouco. — Me lembrei da Brenda. — Sabe, a Brenda
parecia meio chapada, não liga pro que ela diz, melhor cuidar dela.
— Mas… E você? Tá de boa? — Ele estava genuinamente preocupado.
— Ah, eu tô bem, fui beijado por um desconhecido numa festa, isso não é normal na nossa
idade? — Eu dei uma risada sem graça, ouvi o elevador abrir e entrei. — Não foi ruim,
sabe? A gente se vê na escola segunda, não se preocupe comigo.
— Ok, qualquer coisa me liga, en?
— Claro! — As portas se fecharam e respirei de alívio.
Me olhei no espelho do elevador, um cara baixinho com palmilha de 5 centímetros, cabelo
castanho-claro sem um bom corte, cortarei amanhã essa porra, pensei; camisa larga com
estampa de filme cult, será que o Alan já ouviu falar de “Planeta fantástico” pensei, Alan…
Na saída do prédio o carro já tinha chegado, antes de entrar, olhei pra cima, para varanda
de onde ainda estava acontecendo a festa, tinha alguém ali olhando pra mim… Pra mim?
Será? Talvez eu esteja paranoico, pensei. Entrei no carro e fui pra casa.

Capítulo 2: Nunca mais dou meu número para um estranho…

— Então, resumo da ópera. — Disse meu pai abrindo uma lata de cerveja enquanto sentava
do meu lado no sofá da sala. — Você foi arrastado para outra festa com Henrique, beijou um
cara que conheceu no banheiro e Henrique ficou puto com a situação, no final você deu seu
número pra esse tal de Alan e foi embora sozinho, é isso?
— É, é isso. — Falei com a boca cheia de pão.
Estava tomando meu café da manhã às 3 horas da tarde no domingo após a festa. Cheguei
tarde em casa ontem, meu pai já tava dormindo, só tirei a roupa e caí na cama, quando
acordei, tomei banho e meu pai tava doido pra saber como foi a festa.
— Bom, obrigado por contar que é gay, mesmo que tenha sido com uma história
dramática… — Meu pai disse rindo, e continuou. — E por que o Henrique estava tão bravo
assim com a situação?
— Acho que, pelo ponto de vista dele, pareceu que o beijo foi forçado… E eu não sei se sou
gay, um cara me beijou e eu gostei, isso já me classifica como gay?
— Hm… no meu tempo a gente era gay só de olhar para outro homem, eu não sabia de
muita coisa sobre isso. — Ele disse e bebericou a cerveja. — Quando conheci sua mãe ela
dizia ser bissexual, eu não entendia essas nomenclaturas, para mim gay e bi era tudo a
mesma coisa… no fim são pessoas querendo se beijar, mas sua mãe sempre foi muito
paciente pra me explicar, eu amava esse lado dela… Acho que você puxou isso dela.
— Eu ser gay? Ou ser paciente? — perguntei levando meu prato pra cozinha.
— Sim, isso mesmo. — Ele disse simplesmente. — E o Henrique? Falou com ele hoje?
— Não, ainda não, acabei de acordar e duvido que ele esteja acordado.
— Você já considerou que ele tenha ficado com ciúme porque você beijou outro cara na
frente dele? — Meu pai falou com toda a calma do mundo.
— Ah, qual é pai! — Gritei da cozinha, sentindo meu rosto ficar vermelho. — O Henrique é
hétero, tenho quase certeza que se ele fosse minimamente gay, eu não seria o tipo dele.
— O que quer dizer com isso? — Meu pai virou pra mim irritado. — Não grite comigo, eu
sou seu pai! E eu não faço filho feio não!
— Não, mas faz filho baixinho e franzino, obrigado! — Gritei indo pro quarto.
— A culpa não é minha, você puxou sua mãe! — Ele gritou de volta.
Fechei a porta e me joguei na cama. Que merda de vida, pensei. Olhei pro meu quarto
bagunçado e decidi dar uma ajeitada nele, já que tava com tempo, juntar a roupa suja,
organizar meus livros, quem sabe passar um paninho? Quando terminei, arrumei minha
mochila para a aula de amanhã. Amanhã será o primeiro dia do segundo ano do ensino
médio, pensei espero ficar na mesma sala que o Henrique.
Henrique e eu nos conhecemos na escola quando tínhamos 7 anos, quando um garoto da
escola estava fazendo bullying comigo, dizendo que eu parecia uma menina, ele tinha até
levado um batom pra escola pra me forçar a usar. Mas o Henrique apareceu do nada e
bateu nele, só não fez o garoto engolir o batom porque a professora apareceu para apartar a
briga, e desde então eu e o Henrique somos melhores amigos… Ok, na verdade ele é meu
único amigo, tinha Brenda também, que brincava comigo no recreio e sempre lanchamos
juntos, só nós dois, mas quando Henrique se tornou mais próximo de mim ela só queria
saber dele.
Às 5 horas da tarde decidi almoçar e procurar algo pra assistir; nesse momento meu
telefone tocou e levei um susto. Ninguém nunca me liga, quem será? Pensei, era um
número desconhecido, então ignorei, maldito telemarketing. Mas o telefone não parava de
tocar, alguém realmente queria falar comigo, antes de atender meu cérebro fez a conexão:
pode ser o Alan, por que não pensei nisso antes? Finalmente atendi.
— Alô? — Falei constrangido.
— Caramba baixinho, você é difícil, tô ligando a quase uma hora! — Alan falou com uma voz
alegre.
— Não sabia que era você, achei que fosse telemarketing. — Eu disse rindo, ele começou a
rir também. — E por que você me ligou? Não sabe mandar mensagem?
— Eu pensei em mandar, mas hoje em dia todo mundo só manda mensagem… — A voz
dele era suave e calma. — Então pensei em ser diferente, queria ouvir sua voz também.
— Nossa eu… Me sinto lisonjeado. — Falei tentando soar como se não tivesse borboletas
voando furiosamente no meu estômago.
— Lisonjeado… Caramba, você é do tipo que fala difícil, vou ter que estudar muito pra poder
conversar com você.
— Na real eu falo difícil porque leio muito, no geral minhas notas são bem medianas. —
Falei dando a primeira garfada no meu almoço.
— Bom, notas na escola não significam nada, Einstein só tirava nota ruim na escola… —
Alan dizia com barulho de trânsito no fundo.
— Isso é mito, na verdade ele era ótimo na escola, as notas só mudaram de valor enquanto
ele ainda estava estudando, por isso muita gente fala isso. — A linha ficou silenciosa. —
Onde você tá?
— Tava no shopping comprando material pra escola, tô voltando pra casa agora, e você o
que tá fazendo? — O barulho de vento diminuiu de repente.
— Eu tô almoçando… — Respondi de boca cheia.
— São 5 horas! — Ele gritou na outra linha surpreso.
— Acordei tarde. — Disse simplesmente.
Ficamos conversando por várias horas, falei do meu almoço, do que eu estava assistindo,
quando ele chegou em casa pôs o mesmo filme que eu e ficamos assistindo juntos - cada
um na sua casa - e comentando sobre o filme.
— Eu nunca entendi esse conceito de loira gostosa correndo seminua na floresta. — Alan
disse no meio do filme "A cabana"
— É porque você é gay. — Respondi, e ele caiu na gargalhada.
— Você também é! — Ele gritou de volta.
— Na verdade eu não tenho certeza ainda. — Falei diminuindo o volume quando a loira era
atacada pelo Jason.
— Ué, como assim? — Alan perguntou sem entender.
— Bom eu tive meu primeiro beijo ontem. — Falei sentindo meu rosto queimar um pouco. —
Foi muito recente pra eu saber se eu sou mesmo gay ou bissexual, ou…
— Eu fui seu primeiro beijo? — A voz do Alan era séria
— … Sim. — Eu respondi meio sem jeito.
— E por que você não disse nada?
— Ah, não sei, acho que foi você me beijando sem eu ter chance de falar nada, num deu
tempo. — Falei com sarcasmo na voz.
— Mas você flertou comigo no banheiro, você podia ter dito algo. — Alan falava de forma
muito genuína, quase inocente.
— Do que cê tá falando? — Respondi rindo. — Eu não flertei com você!
— Flertou sim! — Ele gritou.
— Quando que flertei com você? Você flertou comigo! — Gritei e volta. — Você que ficou
chamando aquela situação no banheiro de primeiro encontro!
— … Ah, é verdade, fui eu que flertei… — Ele começou a rir.
— Doido… — Murmurei.
— E quando a gente vai ter o segundo? — Perguntou Alan, dava pra sentir o sorriso dele na
voz.

Ouvi o interfone tocar e levei um susto.


— Alguém tá tocando aqui no apartamento, peraí. — Atendi o interfone.
— Boa noite, o Henrique tá subindo. — Disse o porteiro.
— Henrique? — Perguntei, achando que ouvi errado.
— É… não era pra deixar subir? Ele praticamente mora aí. — Porteiro disse rindo.
— Não, tá tranquilo… Obrigado. — Desliguei o interfone e voltei para ligação do Alan. —
Meu amigo chegou de surpresa, te mando mensagem mais tarde.
— Que amigo? — Ele começou a rir e brincou. — Devo ficar com ciúme?
— Nossa cara, sou tão fiel a você que eu até esperei para que você fosse meu primeiro
beijo. — Falei brincando. — maior fidelidade que isso não há!
Ele gargalhou, a campainha tocou, nos despedimos e fui abrir a porta. Henrique estava de
mochila cheia nas costas, travesseiro embaixo do braço e uma bolsa de mão.
— E aí tranquilo? — Ele falou entrando.
— Ué, a gente combinou algo hoje? — Perguntei fechando a porta.
— Você… Não viu as minhas mensagens? — Ele perguntou surpreso.
Olhei meu celular e tinha 4 mensagens dele:

Imbecil: Posso ir na sua casa hoje?


Imbecil: Quem cala consente, vou aí.
Imbecil: Vou dormir na sua cama, festa do pijama! Chego em meia hora.
Imbecil: Casa*

Ele mandou as mensagens na hora que eu tava conversando com o Alan, já eram 8 horas
da noite, nem vi o tempo passar, olhei pra ele e dei um sorriso amarelo.
— Eu não vi, mas não tem problema, vou avisar meu pai. — Fui ao quarto do meu pai e
avisei a ele, que ficou feliz por a gente estar bem depois de ontem.
— Hm… Ficou ocupado hoje? Não te vi online o dia todo. — Henrique perguntou quando
voltei.
— Ah, pois é, fiquei conversando com o Alan. — Falei pegando as coisas dele e deixando
no quarto.
— Aquele cara que te beijou à força? — Henrique perguntou fechando a cara.
— Olha, vamos esclarecer as coisas. — Eu falei me virando pra ele. — O Alan me beijou à
força? Sim, eu gostei? Sim, então não se preocupe, ele é legal, se tivesse algo errado eu te
falava.
— Então se eu te beijasse a força, seria de boa também? — Ele perguntou cruzando os
braços.
— Se um cara bonito que nem você me beijasse, eu não iria reclamar. — Falei seriamente.
Ele ficou surpreso, desviou olhar e recolheu os lábios, eu fui pra cozinha me sentindo um
babaca. Sério, por que eu não posso só falar normal? Pensei irritado comigo mesmo, fiz
uma pipoca e procurei um filme pra gente ver.
— Quer escolher? — Perguntei.
— Mas você sempre escolhe. — Ele falou pegando o controle todo feliz.
— Nhã, é sempre bom dar uma variada.
— Me promete uma coisa. — Henrique perguntou enquanto colocava "clube da luta" para a
gente ver. — Não dê seu número pra um cara que você acabou de conhecer na próxima
vez…
— Nossa, você já tá pensando na próxima vez, ainda nem processei essa. — Falei rindo.
— Tô falando sério, só… Quero seu bem. — Ele disse se ajeitando no sofá.
— Tá bom, eu nunca mais dou meu número para um estranho. — Ofereci o mindinho pro
Henrique.
— Parece criança. — Ele riu e enroscou o mindinho no meu. — Pronto, tá prometido.
— Tá prometido, então, agora põe esse filme pra rodar.
— Parece um velho. — Ele disse rindo.
— Se decide, sou um velho ou uma criança? — Falei tacando uma pipoca nele.
— Os dois, simultaneamente, no mesmo lugar. — Ele tacou a pipoca de volta rindo.

Depois de tomar banho, me olhei no espelho e percebi que esqueci completamente que ia
sair para cortar o cabelo hoje, e só dava para ir agora na terça-feira. Que merda, ficarei com
o cabelo ruim por mais um dia, espero que o Alan não me veja assim amanhã pensei. Mas
ele estuda no mesmo colégio que eu? Acho que nunca o vi lá. Me vesti e fui pro quarto, o
arrombado do Henrique já tinha dominando minha cama e mexendo no celular.
— Nossa véi, nem se deu ao trabalho de pegar um colchonete pra mim! — Falei indignado e
fui procurar no armário.
— Ué, cara, vamos dividir a cama. — Henrique disse sem tirar os olhos do telefone.
Eu congelei, olhei para ele com mais atenção: ele estava sem camisa, só de short, cabelo
molhado, penteado para trás. Ele estava indo bem na academia, dava para ver que tinha um
bom resultado, também conseguia sentir o cheiro dele, mesmo que ele tenha usado o
mesmo sabonete que eu, o cheiro nele ficava melhor. Por que eu to pensando no cheiro
dele? Para com isso, que ridículo, pensei ficando vermelho até as orelhas.
— Cê tá bem? Suas orelhas tão vermelhas. — Henrique falou me olhando com
preocupação.
— Não é nada. — Falei e tampei as orelhas com minhas mãos. — Bom a cama é grande,
quase queen size, cabe nós dois.
— Claro que cabe, nós sempre dividimos a cama, por que seria diferente agora? — Ele
perguntou rindo.
— É, você tem razão. — Dei uma risada constrangida.
Ajustei meu despertador do criado-mudo para tocar às 6 da manhã para termos tempo de
nos arrumar e pegar o ônibus; Henrique viu a hora que coloquei e fechou a cara.
— Nossa, que inferno, por que a escola tem que começar tão cedo? A gente podia chamar
um carro e ir pra escola pra gente dormir mais. — Ele reclamou se ajeitando na cama.
— A gente não pode viver de táxi, é muito caro. — Falei apagando a luz.
— Ah, só amanhã, põe pra despertar 6 e meia, eu não demoro tanto pra me arrumar,
chegaríamos em 20 minutos de carro. — Ele segurou meu ombro e me sacudir como uma
criança que quer um brinquedo caro. — Vaaaai por favooooor!
— Cala a boca e vai dormir. — Falei me virando pro meu lado da cama.
Achei que ele tinha desistido, mas depois ele se virou pra mim e me cutucou.
— Que foi?
— Sobre o que você e o Alan ficaram conversando? — Ele perguntou de repente.
Eu me virei para ele, estava escuro, não conseguia ver o rosto dele, mas ele parecia
incomodado, será que ele ainda estava irritado por conta da festa? Ou ele achava que era
uma má ideia me aproximar do Alan? Será que ele não gostava do Alan? Então a voz do
meu pai veio na minha cabeça: você já considerou que ele tenha ficado com ciúme porque
você beijou outro cara na frente dele? Meu coração quase parou por um momento. Não,
que isso… Seria impossível… Pensei.
— Por quê? Ainda tá preocupado? — Não era do meu feitio responder com uma pergunta,
mas ultimamente eu andava pensando demais.
— Não, eu sei que você não é do tipo que confia em qualquer um. — Ele disse com a voz
calma. — Eu estava antes, mas se você gosta dele e ele não tá te incomodando, eu tô de
boa.
— Hm… Não conversamos sobre nada importante, a gente tava só jogando conversa fora,
teve um momento que ele falou pra gente ver um filme junto durante a ligação e…
— Ele te ligou? — Henrique perguntou sem acreditar.
— Pois é, acho que nunca me ligaram antes. — Falei rindo. — Ele falou que queria fazer
diferente dos outros e que estava com saudade da minha voz.
— Vocês mal se conhecem e ele já tá com saudade. — Henrique falou com desdém.
— Pois é, eu achei bem fofo, ninguém nunca me disse isso antes. — Falei ignorando o
desdém dele. — Sei lá, ele me faz sentir como se tivesse borboletas furiosas voando no
meu estômago.
— Ninguém… Nunca te fez sentir assim antes? — A voz dele soava triste.
— Não, nunca, por quê? O que foi? — Perguntei me sentindo nervoso, por que estou
nervoso? Pensei.
— Ah, não sei, essa sensação geralmente é comum, você tá tendo sua primeira experiência
tão tarde ou… Talvez você já tenha se sentido assim mas nunca notou?
Eu fiquei em silêncio por um momento, era verdade que eu estava tendo essa experiência
de ficar a fim de alguém um pouco mais tarde comparado às outras pessoas da minha
idade, eu nunca tive uma queda por mais ninguém? Pensei.
— Ah, eu já me senti assim antes, na verdade. — Falei sentindo um sorriso se formar no
meu rosto.
— Sério? Quem? — Henrique perguntou curioso.
— Pela Brenda. — Falei tentando segurar o riso. — Ela sempre foi tão máscula, sabe?
— Num fode! — Henrique começou a gargalhar, tampei a boca dele com medo de acordar
meu pai.
— Quieto, tá fazendo muito barulho. — Sussurrei, torcendo pro meu pai não bater na nossa
porta reclamando do barulho.
— Desculpa. — Ele segurou minha mão para tirar da boca dele.
Senti ele me encarar no escuro, ainda segurava minha mão, meu coração parecia estar
batendo muito rápido naquele momento.
— Pra ser sincero… — Me interrompi.
— Fala. — Ele pediu e soltou minha mão. — Desculpa.
— Tudo bem… Enfim, na verdade teve uma época que tive uma queda por você. — Falei
tentando não tremer a voz de nervosismo.
O quarto ficou em silêncio por alguns segundos, eu já estava me arrependendo, droga, não
devia ter dito nada! Pensei irritado.
— Quando foi isso? — Ele perguntou, a voz dele soava tranquila.
— Ah… Quando a gente tinha uns 12 ou 13 anos, a gente tava fazendo visita no Museu do
centro aquele…
— O CCBB? — Henrique disse rapidamente.
— Isso, nós nos distanciamos do grupo e ficamos vendo os quadros do Salvador Dalí
sozinhos, você ficava imitando as imagens dos quadros. — Eu disse rindo.
— Nossa, eu me lembro, mas… O que fez você ter uma queda por mim?
— A gente parou em frente a uma pintura em aquarela que se chamava “o anjo caído”,
estávamos sozinhos naquela área da exposição. — Comecei a me sentir com vergonha de
lembrar disso com tantos detalhes. — E então você disse que normalmente, nas pinturas de
Dalí, sempre que tinha um anjo, ele significava uma união mística, mas naquela pintura, o
anjo estava com gavetas abertas espalhadas pelo corpo, uma espécie de esconderijos para
desejos ocultos, mas todos estavam abertos, revelados para o mundo.
Eu fiquei em silêncio por um momento.
— E depois? — Ele perguntou e senti a respiração mais perto do meu rosto.
— Hm… Depois, você olhou pra mim e… Segurou a minha mão. — Eu falei quase
sussurrando, eu sentia o corpo dele bem próximo do meu, mesmo não estando encostados,
eu conseguia sentir seu calor. — E depois a professora achou a gente, você soltou minha
mão, ela nos deu uma bronca e fiquei pensando no que você falou por vários dias.
— E quando passou? Essa queda por mim? — Ele perguntou bem próximo do meu rosto.
— Quando você começou a namorar a Thaís. — Eu dei uma risada constrangida. — Ficou
bem claro que você e eu nunca íamos rolar, depois de um tempo pareceu até estranho
pensar que isso tinha acontecido.
— Ah, eu me lembro da Thaís, ela beijava bem… — Ela falou com ar sonhador.
— Eca, seu hétero. — Me virei pro meu lado e me ajeitei pra dormir. — Boa noite.
— Boa noite… Você pôs o celular pra despertar?
— Não, eu uso como despertador. — Falei procurando o cobertor com a mão.
— Por que você não usa seu celular pra despertar? — Henrique perguntou enquanto
puxava o cobertor pra ele.
— Sei lá, costume, sempre tive esse despertador. — Puxei um pouco do cobertor pra mim
também. — Nunca me decepcionou.
Mas é incrível como sempre tem uma primeira vez pra tudo…

Capítulo 3: Nunca mais confio no meu despertador…

Acordei sentindo um calor pelo meu corpo, eu estava deitado de forma bem confortável em
cima de algo bem quente e macio. Nossa, eu podia dormir pra sempre aqui, pensei, mas…
No que tô deitado? Abri um pouco os olhos e olhei à minha volta, Henrique dormia
profundamente embaixo de mim, sentia os braços dele ao meu redor, o peito dele subia e
descia suavemente, os lábios dele estavam entreabertos e se moviam como se quisesse
falar algo. Meu coração acelerou, me levantei rápido, mas meu pé estava enrolado no
cobertor, caí no chão que nem um saco de bosta.
— Ai, merda! — Gritei de dor.
— Hm… O quê? — Murmurou Henrique sonolento.
Me levantei e fiquei sentado no chão por um momento olhando pra ele acordar, ele
finalmente notou onde eu estava e fez a pergunta mais idiota que poderia ter feito.
— Ué, tá no chão? — Murmurou bocejando.
— Não, eu sou uma alucinação, um sonho bem vívido, volta a dormir. — Falei irritado, me
levantando e chutando o cobertor pra longe.
— Ok. — Ele deitou e se ajeitou pra dormir.
Pelo amor de Deus, pensei mal-humorado, que forma incrível de começar o primeiro dia de
aula… Espera. Olhei pro meu despertado, ele estava piscando, ah não. O desespero
começou a tomar conta de mim, peguei meu celular e liguei, olhei as horas, eram 6 e 41 da
manhã.
— Henrique acorda! — Ele não se mexeu, peguei um travesseiro e comecei a bater nele. —
A-COR-DA! Pelo amor de tudo que é mais sagrado, a gente tá atrasado.
Ele levantou e sentou na cama bem rápido.
— O quão atrasado? — Ele perguntou levemente desesperado.
Mostrei a hora no telefone para ele, ele arregalou os olhos e levantou da cama.
— Merda! Não dá tempo de tomar banho! — Ele abriu a bolsa de mão e pegou o uniforme e
começou a vestir rapidamente — Chama um carro! Chama um carro!
— Tá! — Chamei um carro e comecei a me vestir o mais rápido possível.
Meu pai deixou o café da manhã pronto em cima da mesa, Henrique catou alguns pães
franceses e peguei um misto quente que tinha num prato e corremos pra saída do prédio. O
carro já estava lá embaixo, o motorista nos viu de longe e pareceu estar vendo dois malucos
fugindo do hospício.
— Vai moço, pra taquara! — Gritei enquanto enfiava meu misto quente na boca.
— Pega o caminho mais rápido! — Disse Henrique com a boca cheia de pão francês.
E lá estávamos nós, dentro do carro em disparada, faltando 5 minutos para 7 e 15, o
motorista nos deixou na frente da escola. Eu procurava desesperadamente minha carteira
para poder pagar o táxi, então o Henrique apenas entregou duas notas de vinte na mão do
cara e me puxou correndo pra dentro da escola.
— Vocês estão atrasados. — Disse o porteiro preguiçosamente.
— Pela regra, podemos entrar antes de 7 e 15! — Falei sem ar.
— Ah… — O porteiro checou o relógio. — É mesmo, ainda são 7 e 12, podem entrar.
Corremos o mais rápido que podíamos pra sala, o porteiro nos deixou entrar, mas o
professor podia apenas negar e a gente perderia o primeiro tempo. Não acredito que
estamos atrasados, logo no primeiro dia de aula, pensei, não tem como ficar pior.
— Peraí! — o Henrique me impediu antes que entrássemos na sala.
— O quê é?
— Seu cabelo, e sua camisa ta do avesso. — Ele disse arfando.
Eu me olhei no reflexo do bebedouro, meu cabelo parecia ter sido tratado no ventilador, eu
nem havia penteado ele, minha camisa estava do avesso e estava usando a regata que
dormi por baixo da camisa. Que ótimo! Pensei, tirei a camisa, desvirei, vesti e abotoei ela,
passei a mão na cara pra tirar o farelo de pão e depois passei as mãos no cabelo
rapidamente para ajeitar enquanto andava até a porta da sala. Abri a porta, e não pude
deixar de pensar, eu devia ter ficado na cama hoje.

— Bom dia, achei que vocês nem viriam hoje. — Disse o professor Gomez com um sorriso
de canto de boca. — Como está sendo a manhã?
A classe inteira estava em silêncio e olhando para nós, instintivamente me escondi atrás do
Henrique, por alguma razão ele parecia mais alto que o normal e me lembrei com desespero
que não coloquei as palmilhas nos meus sapatos hoje. Ah, que maravilhoso… Pensei
irritado, Brenda me olhava com ar de riso, os meus colegas estavam cochichando e olhando
pra nós e… O Alan estava bem ali no meio daquilo. Ele estava com o cabelo cacheado, me
olhando com cenho franzido sem entender nada, eu estava horrível, meu cabelo uma
bagunça e tudo o que eu queria naquele momento era sumir. Henrique tomou a dianteira
com o melhor sorriso que ele tinha.
— Bom dia professor, nossa manhã foi um desastre, e a sua?
— Bom, eu viajei semana passada, cheguei ontem, ainda estou cansado, mas consegui
chegar na hora hoje. — Ele cruzou os braços e nos encarou com ar de superioridade. —
Qual a desculpa de vocês?
— O despertador parou de funcionar. — Henrique disse imediatamente.
— Despertador? Do celular? — O professor perguntou confuso.
— Então, era um daqueles antigos, estilo rádio-relógio. — Disse Henrique meio sem jeito.
Essa situação é ridícula! Pensei em desespero. A sala toda dava risadinhas abafadas
— Não sabia nem que alguém ainda usava isso. — Ele deu uma boa olhada em nós e deu
de ombros. — Bom, vocês chegaram a tempo, podem se sentar.
Antes que pudéssemos sentar, Brenda levantou- se, com ar de injustiça.
— Espera um pouco, e a sua desculpa Bruno? Só o Henrique falou.
— A mesma que a dele. — Respondi sem cerimônia nenhuma. — O meu rádio-relógio
parou de funcionar e nós perdemos a hora.
Ela parecia ter levado um tapa na cara, a turma toda começou a rir da reação dela, percebi
pela cara do Alan que ele ficou surpreso com minha resposta.
— Podia ter ficado sem essa, en, Brenda. — Murmurou o Professor Gomez com grande
indiferença, o que fez a turma rir ainda mais alto.
— Caramba, mas o Bruno tá ficando com todo mundo, são sempre os mais quietinhos. —
Alguém do fundo disse, fazendo a turma ficar em silêncio imediatamente e olharam para ele.
— Ué, que foi?
— Eles são amigos desde sempre, é normal dormirem na casa um do outro. — Marcela,
uma garota que sempre vejo nas festas e que já ficou com Henrique, falou revirando os
olhos.
— Para de falar merda, Caio, você não sabe de nada. — Disse outra garota, que também já
tinha ficado com o Henrique.
Logo as garotas da turma começaram a falar que aquilo não tinha nada a ver, defenderam a
masculinidade de Henrique e dizer que o Caio era um babaca sem noção, ele resmungou
alguma coisa e depois não falou mais nada. Tudo que eu podia fazer era dar um sorriso
amarelo para o Alan, ele apenas deu de ombros e sorriu.
— Vão logo se sentar. — Professor Gomez disse e começou a falar sobre a matéria que
teríamos ao longo do semestre.
Fomos nos sentar no fundo perto da janela, e reparei que o Alan estava olhando para mim
por cima do ombro e apontando para o celular que ele segurava debaixo da mesa. Me
sentei e peguei meu celular, ele tinha me mandando mensagem.

Alan S2: E aí? Surpreso em me ver?


Eu: Claro, e feliz tmbm.
Eu: Nem tinha certeza que vc estudava aqui.
Alan S2: Eu estudava de tarde, mudei de horário pr conta do curso.
Alan S2: Então o amigo que apareceu do nda ontem na sua casa era o Henrique?
Eu: Pra situações futuras, Henrique é meu único amigo.
Alan S2: Kkkkkkkkkk eu posso ser seu amigo tmbm.
Eu: Q eu saiba amigos não se bjam…
Alan S2: Po, nunca ouviu falar em amizade colorida?

Eu comecei a rir, Henrique me olhou e notou que eu estava mexendo no celular.


— Tá rindo do quê? — Ele perguntou sorrindo.
— Do Alan falando besteira. — Falei enquanto digitava.
Eu: Nossa, já somos amigos? Isso tá indo rápido demais.
Alan S2: Tô cm dificuldade em ir divagar.
Eu: Devagar*
Alan S2: KKKKKKKK NAUM ACREDITO QUE VC TÁ ME CORRIGINDO!

Olhei para o Alan, que estava rindo; ele olhou para mim por cima do ombro de novo e eu
apenas levantei as sobrancelhas, como se o desafiasse. Ele sorriu e piscou para mim, me
fazendo sentir borboletas no estômago, desviei o olhar, mas não pude evitar sorrir.

— Você não disse que iria me ajudar? — Brenda disse, sentando do meu lado no refeitório.
Levantei os olhos do meu celular e olhei para ela, uma garota linda, de cabelo loiro e
encaracolado, olhos esverdeados e cheios de raiva. Por que ela acha que tá no direito de
me cobrar algo? Pensei.
— Te ajudar? — Perguntei olhando para ela com uma sobrancelha erguida. — Eu nunca
disse isso, falei que ia ficar fora do seu caminho e não me intrometer.
— Bom, você está se intrometendo. — Ela falou irritada enfiando um salgado na boca.
— É de quê? — Perguntei apontando pro salgado dela.
— De queijo com presunto. — Ela falou de boca cheia. — Você não vai comer?
— Eu não trouxe lanche, eu tava indo comprar, mas o Henrique disse… — Eu me
interrompi.
— Ele disse “não se preocupa, eu compro pra você”, foi isso? — Ela perguntou sem olhar
para mim.
— É, bem isso. — Falei me sentindo sem graça.
Brenda e eu éramos muito amigos quando criança, gradualmente Henrique se tornou mais e
mais próximo de mim. Brenda se encantou perdidamente por ele, sempre que tinha uma
oportunidade ela estaria perto dele. Mas Henrique nunca demonstrou muito interesse por
ela, eles ficaram algumas vezes, no verão anterior estavam saindo toda semana, achei até
que começaram a namorar… Mas o Henrique apenas parou de sair com ela, e começou a
namorar a Amanda imediatamente depois. Brenda talvez até tenha uma chance de ficar com
Henrique, mas sinceramente acho que não passará disso.
— Quer saber Brenda? — Falei irritado, ela olhou para mim surpresa. — Tô de saco cheio
de você.
— Como é que é? — Ela perguntou como se não tivesse ouvido direito.
— Você age como se fosse culpa minha, você e o Henrique não estarem juntos, mas
sinceramente isso aí é por sua conta. — Falei deixando meu telefone de lado e me ajeitando
no banco. — Se você quer o Henrique, só vai lá e fica com ele de uma vez, ninguém tá te
impedindo, não tem uma conspiração contra você.
Ela ficou pasma, me olhando assustada.
— É que… vocês vivem juntos… Eu só queria ser tão próxima dele quanto você é…
— E você acha que pedi por isso? — Perguntei para ela diretamente. — Eu não fiz nada
para sermos próximos, ele só… Sei lá, gosta da minha personalidade? Não sei, somos
amigos há anos. — Ela encarava o salgado na mão dela. — Juro que não estou no seu
caminho, eu gosto de você… Quando não é uma vaca comigo.
— É, eu sou uma vaca com você… — Ela disse rindo.
— Talvez se você voltar a ser legal, o Henrique pode voltar a ter interesse em você. —
Sugeri.
Antes que ela me respondesse, Alan e Henrique, bem atrás dele, chegaram na nossa mesa.
Alan veio e sentou do meu lado, e colocou um salgado e um suco na minha frente.
— Aqui, comprei pra você. — Ele falou sorrindo.
— Pô, valeu, tô morrendo de fome. — Falei e comecei a devorar o salgado.
Henrique ficou em pé por um momento, segurando dois salgados em uma mão e dois sucos
na outra, parecendo não saber o que fazer.
— Senta aqui, Henrique. — Brenda disse sorrindo.
— Sim, é… — Ele murmurou e se sentou do lado dela. — Comprei pra você também. — Ele
colocou o salgado e o suco na minha frente.
— Valeu cara, eu… Tô com fome o suficiente pra comer duas vezes. — Não era mentira,
meu café da manhã foi algo bem caótico.
— Ah, então que bom que comprei também. — Disse o Henrique e ele olhou pro Alan com
irritação. — Então, Alan, você mudou pra nossa escola recentemente, né?
— Não, eu já estudava aqui, mas estudava de tarde, mudei de horário por conta do
cursinho. — Ele disse enquanto comia o sanduíche que ele comprou.
Eu senti uma coisa encostar minha perna, olhei para baixo e era a mão do Alan, ele me
olhava com o canto do olho esperando minha reação. Senti minhas orelhas quentes e uma
sensação agradável subir pelo meu corpo.
— Curso de quê? — Henrique perguntou.
— De inglês, planejo estudar fora depois do Ensino Médio.
— E tinha horário de manhã não?
Por um momento, pareceu que Henrique estava agindo como a Brenda, na verdade
perguntava “você não podia só continuar estudando a tarde?”
— Pior que tinha. — Alan respondeu terminando de comer. — Mas não pro meu nível,
meus pais achavam que seria mais fácil mudar de horário na escola.
— Hm… E seu inglês é bom? — Henrique perguntou com ar desafiador.
— Sim, quase avançado. — Alan respondeu com orgulho.
— Eu não sei nem o bê-a-bá de inglês. — Falei sentindo que o Henrique acabaria falando
algo que não deveria
— Be o quê? — Alan perguntou se virando para mim.
— Bê-a-bá, o básico do básico. — Falei terminando o segundo salgado.
— Nunca ouvi essa expressão. — Alan disse com as sobrancelhas erguidas.
— É uma expressão bem comum. — Senti a mão dele subir um pouco na minha coxa.
Eu sorri e coloquei a mão sobre a dele, ele entrelaçou os dedos nos da minha mão, aquela
situação acontecendo embaixo da mesa do meio do refeitório era divertido, ninguém
conseguia ver. Ele riu da expressão que eu fazia, por um momento parecia até que ele
conseguia ler minha mente…
— Sei falar inglês também. — Disse Henrique de repente e um pouco alto demais.
— Sabe? — Perguntei. — Não sabia que fazia curso.
— Não faço. — Ele olhou pro Alan com ar de superioridade. — Aprendi sozinho.
— Sério? — Alan perguntou com um sorriso de canto. — Admiro muito quem é capaz de
aprender uma língua sozinho.
Por um momento pareceu que o Henrique ficou desconcertado, ele abriu a boca pra falar
algo e logo em seguida a fechou. Ele enfim apenas deu de ombros e ficou encarando o suco
dele.
— Valeu.
— Então vocês se atrasaram por conta do despertador… — Falou Alan e se virou para mim.
— Pelo que entendi, você é o dono do rádio-relógio.
— Pois é. — Falei sem jeito.
— Por que você não usa seu celular como despertador? — Ele perguntou com um sorriso
de canto.
— Ah, eu não gosto de deixar meu celular ligado a noite toda. — Disse simplesmente. —
Mas agora acho que vou ter de fazer isso mesmo.
— Mas por que você não gosta de deixar seu celular ligado?
— Isso diminui a vida útil do telefone.
— Ih, num sabia disso. — Ele se virou pra Brenda, me cutucou e apontou pra ela com o
queixo.
Olhei para Brenda, ela começou a mover os lábios, sem produzir som, dizendo “quero ficar
sozinha com ele”, olhei pro Alan, que entendeu o que Brenda dizia, e se virou pra mim,
balançou a cabeça, concordando.
— Então, eu e o Alan estamos indo. — Falei me levantando e pegando meu celular de cima
da mesa.
— Aonde vocês vão? — Henrique perguntou levantando o rosto.
— Nós… — Comecei a falar, mas não pensei em nenhuma desculpa.
— Vamos sair um pouco e ficar lá fora. — Disse o Alan simplesmente.
Saímos antes que Henrique perguntasse mais alguma coisa e fomos para fora. Tinha um
banco perto de uma máquina que vendia bebida, numa área que ficava embaixo da “ponte”
da escola (uma conexão entre o segundo andar do prédio da escola com a quadra que
ficava no segundo andar do outro prédio). Me sentei no banco e Alan se juntou a mim.
— Seu amigo não parece gostar muito de mim. — Ele disse olhando para mim.
— Eu diria que ele gostava ainda menos anteontem, mas hoje já melhorou. — Falei olhando
para ele rindo.
— Pelo beijo? — Ele aproximou o rosto do meu.
— Sim… Mas já falei para ele que… Não foi ruim. — Senti meu corpo estremecer um pouco.
— Então foi bom?. — Ele disse colocando a mão no meu cabelo e fazendo carinho na
minha nuca.
As borboletas no meu estômago pareciam querer voar para fora do meu corpo.
— É. — falei tão baixo que acredito que ele nem ouviu.
Ele se ajeitou no banco e depois me puxou devagar e me beijou, dessa vez o beijo foi mais
calmo, suave, mas ainda sim intenso. Eu sentia a língua dele contra a minha, girando e às
vezes mudando de sentido. Ele não me segurava, o corpo dele não estava pressionado no
meu, era algo delicado, quente e quase romântico. Sentia a mão dele no meu cabelo,
brincando com as mechas. Ele pôs a outra mão na lateral da minha coxa, segurando com
firmeza. Eu não sabia o que fazer com as minhas mãos, então eu apenas as deixei nos
meus joelhos. Senti a mão dele soltar a minha coxa, ele pegou uma das minhas mãos e a
colocou no seu rosto, coloquei minha outra mão na nuca dele, achando que era isso que ele
queria e ele voltou a mão dele na minha coxa. Ele parou por um momento, olhou para mim e
sorriu.
— Está bom assim? — Ele perguntou com a voz baixa.
— Está ótimo. — Disse sentindo minha voz dar uma falhada. — Pode continuar.
E continuamos até o sinal do fim do intervalo tocar.
Capítulo 4: Nunca mais compro um pijama…

No dia seguinte, depois da aula, eu finalmente consegui cortar o cabelo, senti minha cabeça
mais leve. Mudei um pouco o estilo do corte, acredito que fica muito melhor em mim que o
anterior, raspei e fiz um degradê, pedi pro barbeiro fazer um risco da lateral e deixa o topo
com um caimento melhor. Posso dizer, com toda a certeza, que estou bonito, pensei feliz.
— E aí o que achou? — Perguntou o barbeiro.
— Me sinto quase atraente. — Falei passando a mão pelo cabelo.
— Quase? Você tem que melhorar essa autoestima.
— Ah, eu sei que sou bonito, só não faço meu tipo. — Falei com a cara mais séria possível.
Ele pareceu surpreso com minha resposta e deu uma risadinha sem jeito, o rapaz no caixa
gargalhou e me senti meio idiota por falar aquilo. Me levantei e fui pagar o corte, entreguei
meu cartão e o cara no caixa parou por um momento e olhou para mim.
— Você faz aniversário esse mês? — Mateus perguntou.
Acho que Mateus trabalha na barbearia há 2 anos, mas ele sempre faz essa pergunta no
mês de março, eu dei a mesma resposta de sempre.
— Não, meu aniversário é mês que vem.
Ele deu uma olhada em volta, depois apertou uns número na maquininha.
— A gente dá desconto de aniversário. — Mateus falou colocando meu cartão na
maquininha. — E como você provavelmente não vem mês que vem, aplicarei o desconto.
— Ih, valeu. — Falei enquanto colocava a senha do meu cartão.
— Feliz aniversário. — Ele disse casualmente.
— Valeu, pra você também. — Falei automaticamente.
Percebi no segundo que falei, olhei para ele e ele riu, fiquei vermelho na hora.
— Meu aniversário foi mês passado, então obrigado.
— De nada. — Falei rindo e fui embora envergonhado.
Chegando em casa, tirei uma foto do meu cabelo e mandei pro Alan. Ele respondeu quase
imediatamente depois.

Alan S2: Nossa, tá muito gostoso.


Eu: São seus olhos.
Alan S2: kkkkkkkk

Tomei um banho e decidi ler um pouco, no meio da minha leitura meu telefone tocou,
quando fui olhar era o Henrique. Ué, ele nunca me liga, será que aconteceu algo? Pensei.
Atendi esperando o pior.
— Alô? — Falei marcando a página que estava e fechando o livro.
Sem resposta, esperei alguns segundos e nada.
— Alôoo? — Falei novamente.
— Opa, alô. — Henrique disse.
— Por que me ligou? — Perguntei me deitando na cama.
— É que eu sempre mando mensagem, só sei lá, queria conversar.
Nossa, isso tá muito estranho, pensei.
— Ok… Pode falar. — Eu disse.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, pensei por um momento que a linha havia caído.
— Então, seu aniversário tá chegando. — Henrique disse de repente. — Que tal a gente dar
uma festa?
— … Uma festa? — Perguntei achando que ele estava zoando.
— É, a gente nunca deu uma, acho que seria divertido.
— Cara, se você quiser me dar uma festa, beleza, mas eu dar uma festa não rola. — Falei
secamente.
— Então… Posso te dar uma festa? — Ele perguntou receoso.
— Claro, faz o que quiser… — Mas me interrompi, sentindo que me arrependeria no futuro.
— Mas, é claro, preciso saber dos detalhes.
— Ok, que detalhes? — Ele perguntou animado e ouvi um barulho no fundo da ligação.
— Local, data, hora, quem vai, comida, principalmente música. — Falei e conseguia ouvir
ele escrevendo em algum lugar.
— Hm… comida, música… Ok, mais alguma coisa?
— Se eu não gostar de algo, tem que mudar imediatamente. — Falei me sentindo levemente
exigente.
— Ok. — Ele respondeu simplesmente.
A linha ficou muda por um momento, tentei pensar em mais alguma coisa, mas era
realmente tudo o que queria saber da tal festa, então deixei por isso mesmo.
— É, por enquanto só isso mesmo. — Falei finalmente.
— Sem problemas, vou organizar tudo. — Ele disse animado.
— Tá bom… — Fiquei sem saber o que falar naquele ponto. — Você quer me falar mais
alguma coisa?
— Não… Não, era só isso mesmo que eu queria falar com você. — Ele disse parecendo
sem jeito.
— Você quer conversar sobre algo? — Perguntei voltando a abrir meu livro e me
preparando para voltar a ler.
A linha ficou muda novamente por mais um tempo, só se ouvia a respiração dele do outro
lado.
— Não. — Ele disse por fim.
— Tá, a gente se vê na escola amanhã. — Falei enquanto procurava onde havia parado a
leitura.
— Ok, tchau. — Ele disse e desligou.
Essa foi a ligação mais estranha que já recebi, pensei.

Passaram duas semanas até que Henrique mencionasse a tal festa que ele queria me dar,
eu naquele ponto tinha quase esquecido dela. Estávamos no refeitório, sentados um do lado
do outro enquanto ele me mostrava uma folha de caderno, a coxa dele estava colada à
minha e sentia seu ombro encostado no meu. Ele tá muito perto, pensei sentindo meu rosto
queimar de leve nas bochechas.
— Pensei na festa ser na minha casa, no fim de semana antes do seu aniversário. — Ele
falou me mostrando a folha de caderno o que organizara.
Na folha de caderno estava escrito:

Festa do Bruno!!

Local: Minha casa

Data: 11/04

Hora: noite

Comida: Vamo pedir pizza!

Música: Playlist de celular

Era tudo o que tinha, me virei para ele e perguntei, com bastante calma.
— Ok, e a lista de convidados? — Olhei para ele seriamente
— Pensei em convidar a turma da sala, não a turma toda, só meu grupo de amigos mesmo
como a… — Ele já ia ditar todos os nomes de pessoas que mal conheço quando o
interrompi.
— Não. — Falei secamente.
— Não? Mas… então quem?
Antes que pudesse pensar numa resposta, senti duas mãos taparem os meus olhos.
— Adivinha quem é? — Falou o Alan atrás de mim.
— Pela voz de fumante, deve ser a Professora Carlota.
Ele tirou as mãos e me deu um peteleco na orelha.
— Aí! — Gritei e comecei a rir, me virei para ele fazendo beicinho. — Porra, doeu.
— Merecido! — Ele olhou para Henrique e para a folha que ele segurava. — Que isso?
Henrique pareceu, por um momento, que ia esconder a folha, então peguei da mão dele e
entreguei para o Alan.
— O idiota aqui quer me fazer uma festa. — Falei esperando a reação de Alan, enquanto
ouvia o Henrique bufar nas minhas costas.
— Seu aniversário é dia 11 de abril? — Ele perguntou enquanto lia a folha.
— Dia 15, mas como caí no meio da semana, fazer no sábado pareceu uma ideia melhor. —
Disse Henrique se sentindo um gênio.
Dei espaço para que Alan sentasse entre mim e Henrique, pegou uma caneta do bolso da
camisa e começou a rabiscar e escrever algo.
— Vou dar uma melhorada… — Ele disse simplesmente.

Festa do Bruno!!

Local: Minha casa do Alan

Data: 11/04 18/04

Hora: noite

Comida: Vamo pedir pizza! japonês

Música: Playlist de celular especial do Alan.

— Playlist especial do Alan? — Perguntou com ar de riso. — Espero que seja boa.
— Vai ser. — Ele disse sorrindo de canto confiante.
Nossa, eu adoro esse sorrisinho de canto, pensei ficando vermelho.
— Comida japonesa é caro demais. — Disse Henrique de repente com a voz indignada.
— Tudo bem, vai ser meu presente de aniversário. — Ele disse simplesmente.
— E por que na sua casa? — Perguntei. — Seus pais ficariam de boa com isso?
— Eles vivem viajando a trabalho, no fim de semana do dia 18 eles não estarão em casa. —
Ele falou fazendo outra anotação na folha. — Agora convidados…
— Você, Henrique, Brenda… — Comecei a ditar os nomes.
— Por que a Brenda? — Henrique me interrompeu. — Pensei que você não gostasse dela.
— Ah, não, adoro ela, ela que é uma vaca comigo… — Me interrompi me lembrando que
tentaria ajudar os dois do meu jeito. — Mas ela anda sendo muito legal ultimamente.
— Sério? — Henrique perguntou sem acreditar.
— Quem mais? — Alan perguntou olhando para mim.
— Só tenho essas pessoas que realmente quero na festa. — Disse.
— Posso levar dois amigos? — Perguntou Alan.
— Claro, vai ser na sua casa, não vejo porque não. — Respondi.
— Ok, então Roberta, Cláudio…
— Quero levar uma pessoa também. — Disse Henrique um pouco alto demais.
— Quem? — Perguntei.
Ele pareceu pensar por um momento.
— A… Helena! — Ele falou triunfante.
— Tá… Beleza. — Eu disse, quem é Helena mesmo? Pensei, tentando buscar da memória.
— Helena… Vou perguntar a Brenda se ela leva alguém, já volto. — Ele se levantou e foi na
mesa onde Brenda estava sentada com outras duas amigas dela.
— Sério isso? — Henrique perguntou quando Alan estava bem afastado.
— O quê? — Perguntei sem entender.
— Vai deixar ele ter todo o controle da festa? — Henrique perguntou contrariado.
— Ué… Posso mudar algo se eu não gostar, e estou gostando das mudanças. — Falei
calmamente.
Alan voltou com a Brenda todo animada.
— Posso levar um cara que tô ficando? — Perguntou Brenda.
Olhei para ela sem entender nada, depois fiz um gesto na direção do Henrique e olhei para
ela de volta.
— É parte de um plano meu. — Ela sussurrou no meu ouvido.
— Claro, pode sim. — Falei dando de ombros.
— Valeu, ele é muito legal, acho que você ficaria com inveja dele.
Brenda disse a última parte observando Henrique, que nem olhava para ela. Ele estava de
mau-humor, acho que nem ouviu ou notou que a Brenda estava ali tentando fazer ciúme
nele. O que mais sinto por você, Brenda, é pena, pensei.
— Ok, então são 8 pessoas. — Disse Alan.
— Isso é muito pouco para chamar de festa. — Disse Henrique com ar de crítica.
— Não é como se o Bruno fosse querer uma festa cheia de gente. — Disse Brenda,
surpreendentemente do meu lado. — Tipo, sei lá, ele é como esse povo do TikTok diz…
antevertido?
Nós três viramos para Brenda por um momento sem entender nada.
— Você quis dizer “introvertido”? — Perguntei.
— Isso! — Ela falou. — O Bruno é isso aí.
Caralho, quem é você? Pensei surpreso, agora concorda com as coisas que falo?
— Pois é. — Eu disse. — A única coisa que quero acrescentar é que seja uma festa do
pijama.
Todos ficaram bem animados com a ideia, isso até melhorou o humor do Henrique.
— Então será! — Disse Alan elaborando uma última mudança na folha do caderno.

Hora: noite toda.

Eu e Henrique andávamos pelo Barra shopping à procura de pijamas estilosos. Pensei em


comprar um kit de pijama de unicórnio com pantufas, Henrique me acusou de abraçar
demais a viadagem, então concordei com ele em ir no shopping comprar pijamas mais
“adultos.” Na quinta loja, não aguentava mais andar.
— Não pode ser tão difícil assim comprar um pijama! — Gritei e me joguei num banco.
— Talvez aquela sua ideia de comprar um pijama brega de unicórnio não seja tão ruim,
afinal. — Henrique disse sentando do meu lado. — Sabe, isso tá sendo muito complicado,
que tal nós apenas cancelamos a festa, fazemos eu você uma festa do pijama só nós dois!
Olhei para ele querendo matá-lo, respirei fundo algumas vezes e depois disse.
— A ideia foi toda sua de dar uma merda de festa. — Disse calmamente, mas me sentindo
furioso por dentro. — Já está combinado, já convidamos as pessoas, não tem volta!
Ele deu de ombros e não disse mais nada; depois de descansarmos, voltamos à procura
dos pijamas. Dessa vez entramos numa loja especializada em pijamas, Henrique ficou
secando um pijama de cetim azul-marinho bem caro, deu um giro na loja, voltou para o
pijama e perguntou ao vendedor se podia parcelar em 10 vezes, no final ele comprou o tal
pijama de cetim, enquanto comprei um bem baratinho, com a calça comprida de estampa
xadrez e a blusa que tinha um bolsinho xadrez combinando, nem precisei parcelar.
— Para que tem esse bolsinho? — Perguntei para o vendedor.
— Apenas estilo, para fazer conjunto com a calça. — Ele me respondeu educadamente.
— Ok, vou levar. — Disse.
Ele pegou o pijama que escolhi e levou para o caixa, Henrique sussurrou, com os lábios
tocando levemente minha orelha, me deixando arrepiado.
— Aquele bolsinho serve para você guardar a camisinha.
Levei a mão até minha orelha, sentindo meu rosto quente, estava surpreso e ele ria da
minha reação.
— Hilário… — Murmurei irritado.
Paguei meu pijama, saímos da loja e decidimos ir até a praça de alimentação comer algo.
Chegando lá, procurei qual opção eu mais queria, estava entre hambúrguer e tacos. Me virei
para o Henrique e antes que pudesse perguntar o que ele queria comer, eu vi o que ele
estava olhando. Alan estava na praça de alimentação e abraçava… Outro cara.

— Eles podem ser só amigos. — Comentei enquanto andávamos em direção a saída.


— Claro. — Henrique disse, sem convicção nenhuma. — Amigos que dão abraços
apertados, é muito comum.
— Melhores amigos, então. — Eu justifiquei. — Somos melhores amigos, nós damos esse
tipo de abraço.
Ele olhou para mim como se eu fosse uma pessoa muito burra e ingênua; depois se dirigiu a
saída do shopping.
— Olha, vou falar a real. — Falava enquanto sacava o celular para chamar um táxi. —
Termina as coisas com ele, já estão juntos a, o quê? 3 semanas? E ele nem se deu ao
trabalho de falar que está ficando com outra pessoa ou que estaria aqui hoje.
— Como termino algo que nem começou? — Perguntei incrédulo. — Nem estamos sérios e
nem falei que estaria aqui também.
— Então, não te incomoda nem um pouco ele está se agarrando com outro cara?
— Você não tem moral nenhuma pra falar isso! — Gritei sem pensar. — Você é a maior
piranha que conheço, você ficou com todas as garotas da escola!
As pessoas à nossa volta nos olhavam com curiosidade, me exaltar naquela situação não
me levaria a lugar nenhum. Henrique ajeitou os ombros, parecendo desconfortável com o
peso que joguei nele.
— Ok, eu fiquei sim com uma quantidade razoável de garotas, mas não iludi ninguém. —
Ele disse baixando o tom de voz. — Não fiz ninguém se apaixonar por mim de propósito,
agindo de forma romântica ou brincando de casal.
Imediatamente pensei na Brenda, que por anos sempre correu atrás dele, fez de tudo para
chamar sua atenção e Henrique a usou e a descartou, nunca nem se dando ao trabalho de
finalizar as coisas com a Brenda com o mínimo de sensibilidade.
— Quer saber, volta pra casa sozinho, eu vou de ônibus. — Comecei a andar em direção ao
ponto de ônibus, deixando Henrique falando sozinho.
— Cara, qual é, para com isso! — Ele gritou na minha direção, mas não veio atrás de mim.
Fui para casa sozinho, pensando no que Henrique disse sobre o Alan estar ficando com
outro cara sem me dizer nada, não estávamos sérios, ele não tinha obrigação de me dizer
com quem ele está… Certo? Quando cheguei em casa, vi uma mensagem do Alan.

Alan S2: Tô com sdds.

Fiquei por um momento tentado a não responder, me lembrando demais cedo, mas o que
mais me afetou nessa situação não era Alan abraçando outro cara, mas a reação do
Henrique ao ver aquilo. Por que ele estava tão incomodado? Me perguntei, esse
relacionamento é meu, ele não faz parte dele.

Eu: Tmbm tô cm sdd.


Alan S2: <3

No dia seguinte, Henrique e eu pegamos o ônibus para a escola juntos, o que é algo raro,
pois ele sempre acorda tarde e acaba indo de táxi para o colégio. No caminho ele pediu meu
fone para ouvir música junto comigo, nada falamos até descemos no ponto da escola. Ele
me olhou com o canto do olho e me deu um sorriso amarelo, eu devolvi o sorriso, apenas
com isso fizemos as pazes e não tocamos mais no assunto.
Durante as semanas seguintes, Brenda, eu, Henrique e Alan falávamos dos detalhes da
festa. Sobre virarmos a noite vendo filmes de terror, comer besteira, dormimos no sofá-cama
da sala do Alan, e nessas horas Alan cochichava no meu ouvido que dividiríamos a cama do
quarto dele. Isso me deixava nervoso e animado ao mesmo tempo, e por algumas vezes
dediquei meu tempo a pesquisar “Como fazer a ducha higiênica” e sobre “Sexo anal
seguro”, não que eu estivesse planejando algo, mas… Nunca se sabe, né? É bom ter essas
informações à mão.
No dia do meu aniversário, dia 15 de abril, 3 dias antes da festa, acordei não me sentindo
realmente com 17 anos. Não me sentia mais alto, nem mais sábio, apenas levemente mais
velho comparado ao ano anterior. Recebi mensagens de parabéns de parentes que não
tenho contato há anos, mas que me amam e me desejam um ótimo aniversário com gifs
animados cheios de purpurina e balões de festa.
Alan, Brenda e Henrique também me parabenizaram.

Alan S2: Feliz aniversário meu amor, espero q goste do presente que vou te dar hoje…
Eu: Me chamar de amor já é um presente.

Brenda (ex-vaca): Feliz aniversário seu babaca, naum espere presente de mim hoje.
Eu: De vc naum espero nada, sua escrota.

Imbecil: Feliz aniversário, vc é o melhor amigo que eu poderia qrer, e espere que vc vai
ganhar um presente surpresa! Te amo.
Eu: Mas se vc fala que vou ganhar um presente surpresa, naum deixa de ser surpresa?
Imbecil:…
Imbecil: Eu naum pensei nisso… O importante é q vc vai adorar!

Na hora do intervalo, Brenda, Henrique e Alan me parabenizaram e me deram um bolinho


de chocolate da cantina. Eles cantaram parabéns, fazendo o refeitório todo se juntar a eles
me fazendo ficar vermelho com toda aquela atenção. Logo depois Brenda me passou um
embrulho bem pequeno por baixo da mesa, olhando em volta e desconfiada, como se
tivesse me passando droga.
— Pensei que não ia ganhar nada de você. — Falei abrindo meu pacotinho esperando ter
cocaína.
— É uma lembrancinha, nada demais. — Ela disse com ar de superioridade
Dentro do pacote não tinha cocaína, mas sim um par de brincos de farmácia com pedrinhas
azuis, olhei para ela sem entender nada.
— Minha orelhas não têm furos. — Falei rindo.
— Ainda não… — Ela disse olhando para o Henrique de forma conspiratória. — Mas terá.
Comentei sobre querer usar brincos algumas semanas antes, mas não tinha certeza se os
faria mesmo, agora vendo o que realmente iria acontecer, me sentia ansioso. Alan em
seguida me entregou um pacote, pelo tamanho e forma, com certeza era um moletom. Ao
abrir fiquei embasbacado, era um moletom com estampa do filme “sexta-feira 13” de 1980.
— Meu Deus! É meu filme favorito! — Levantei e abracei o Alan. — Obrigado!
— Disponha. — Ele disse rindo e me deu um beijo no pescoço, fazendo arrepiar os pelos da
minha nuca.
Imediatamente vesti o moletom, ignorando o fato de ser um dia quente, e fiquei olhando
para meu moletom com cara de bobo apaixonado.
— O meu presente será só depois da aula. — Disse Henrique, me dando um abraço
apertado repentinamente.
O abracei de volta e quando fiz que ia me soltar, ele continuou abraçado em mim, dei uma
risada sem graça e uns tapinhas nas costas dele, ele me soltou depois com o rosto
vermelho.
— O moletom ficou… Ótimo em você. — Ele se virou para o Alan com olhar aprovador. —
Foi… Um ótimo presente.
— Valeu, e fico feliz que o Bruno tenha gostado tanto.
— Adorei pra caralho! — Falei animadamente.
Depois da aula, já com o moletom na mochila, porque tava um calor desgraçado, fomos a
uma farmácia para ter minhas orelhas furadas.
— Boa tarde, em que posso ajudar? — Perguntou uma funcionária para nós.
— Onde é para furar as orelhas? — Perguntou Brenda.
— Ah, você fará o seu segundo furo? — Ela perguntou dando uma olhada nas orelhas de
Brenda, que usava brincos de argola. — Ficará lindo em você, depois de cicatrizar, colocar
argolas menores para combinar…
— Não. — Ela a interrompeu e me puxou e me colocou a sua frente. — Ele vai!
A moça da farmácia pareceu pasma e confusa por um momento, logo pediu desculpas pelo
engano e me levou para os fundos da farmácia. Me sentei no banco, ela marcou minhas
orelhas com canetinha e perguntou se eu já tinha os brincos para furar, entreguei os brincos
que a Brenda me deu. A funcionária preparou a pistola, e comecei a ficar desesperado.
— Brenda? Isso dói muito? — Perguntei me arrependendo de ter dito alguma vez na vida
que queria brincos.
— Eu não senti nada quando fiz. — Ela disse simplesmente.
— E quando você fez? Tem muito tempo? — Perguntei enquanto a moça posicionava a
pistola no meu lóbulo direito.
— Hm… Faz um tempo já. — Ela me observou por um momento. — Eu tinha 2 meses
quando fiz os meus.
A pistola fez um barulho muito alto, senti um beliscão na orelha e gritei de dor.
— Ai, merda! — Gritei.
A funcionária preparou a pistola para o segundo furo.
— Pronto pra próxima? — A funcionária perguntou com ar de riso.
— Próxima? Não tava nem pronto pra primeira! — Olhei para Brenda com ódio.
Ela gargalhou e me ofereceu a mão pra segurar enquanto a funcionária furava o esquerdo,
doeu tanto quanto o primeiro.

— Pronto para sua última surpresa do dia? — Perguntou Henrique na porta da minha casa.
Brenda voltou para casa depois das minhas orelhas serem violentadas, Henrique pagou
pelos furos e comprou álcool para eu limpar os furos durante a cicatrização; Alan comprou
uma água bem gelada para por na base da minha orelha, eu intercalava de uma a outra.
— Essa surpresa vai doer? — Perguntei genuinamente assustado.
— Espero que não, me falaram que era manso. — Ele disse simplesmente.
Antes que pudesse perguntar o que ele quis dizer com isso, abriu a porta e um gatinho preto
nos recebeu miando. Ele era tão pequeno que cabia na minha mão, me abaixei e peguei
ele, ele miou baixinho em protesto. Olhei para o Henrique sem acreditar.
— Você… Vai me dar um gato? — Perguntei sentindo vontade de chorar.
— Você sempre quis um, então falei com seu pai. — Ele disse triunfante. — Ele disse para
você ter responsabilidade, cuidar bem dele e outras coisa de pai que ele falou…
Abracei ele e comecei a chorar, eu sempre quis um gato, desde que eu era criança, mas
meu pai sempre negou dizendo que eu era imaturo demais para tanta responsabilidade. Não
sei como Henrique conseguiu convencer meu pai, mas naquele momento eu só podia
pensar caralho! Tenho um gato!
Eu e Henrique ficamos abraçados por um tempo, sentia meu coração bater acelerado, fiquei
preocupado se ele conseguiria sentir meu coração bater forte contra o peito dele, a
respiração dele no meu ouvido me deixava com as pernas bambas, eu o soltei e pigarreei
sem graça ainda chorando.
— Meu Deus, eu tô muito feliz, muito mesmo. — Me virei para o Alan e coloquei meu gato
bem perto do rosto dele. — Olha o Déjà-vu.
Ele pegou o gato e fez um carinho nele, fazendo Déjà-vu miar de olhinhos fechados.
— Ele é lindo. — Ele falou e olhou para mim. — Igual ao pai dele.
Eu ri ainda secando minha lágrimas, Alan colocou o gato no meu ombro e olhou para o
Henrique.
— Esse é o melhor presente que alguém poderia ganhar, mandou bem Henrique.
Por alguma razão, senti que Henrique não estava satisfeito com o elogio de Alan, ele
parecia até que perdera uma competição que se esforçara muito para ganhar, mas ficou
com o prêmio de consolação. Talvez eu estivesse exagerando, mas a cara que ele fez foi a
mesma na época do 80 ano, quando acabaram os jogos interclasses, a nossa escola perdeu
no polo aquático, Henrique não nadava bem na época e se culpou pelo resultado. Ele
ganhou um troféu de “atleta mais esforçado”, mas acho que isso só o fez se sentir pior na
época. Tô ficando maluco, só pode, por que ele se sentiria assim agora? Me perguntei, me
sentindo bobo só por cogitar a ideia. Déjà-vu mordiscou minha orelha, me tirando dos meus
pensamentos e me forcei a esquecer essa ideia ridícula, decidi curtir o resto do meu
aniversário com minhas duas pessoas favoritas e meu gato.

Capítulo 5: Nunca mais faço uma festa do pijama…

Na porta da casa de Alan, me senti levemente ansioso. Toquei a campainha e esperei ele
atender. Henrique, vestindo uma calça jeans e uma jaqueta, resmungava do meu lado.
— Não viemos cedo demais? — Henrique perguntou.
— Teríamos chegado até mais cedo, se você não tivesse enrolado tanto no banho. — Falei
irritado.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Alan abriu a porta com um grande sorriso.
— Você chegou!
Ele vestia um pijama, no mesmo estilo que o meu, com calça branca, camisa vermelha e
nela um bolsinho branco. O cabelo dele estava molhado, parecia recém-saído do banho,
todo enroladinho. Acho que tenho um fraco por cabelos cacheados, pensei.
— Caramba, que coincidência, estamos combinando! — Falei rindo.
— Oi Alan. — Henrique disse educadamente.
— Ah, oi. — Alan respondeu, como se nem o tivesse visto até aquele momento. — Bom,
podem entrar.
Ele abriu caminho para nós e entramos no seu apartamento enorme, parecia muito maior
sem todos aqueles adolescentes bêbados dançando música ruim. Falando em música, tinha
uma caixinha de som numa mesa de canto, tocava uma balada dos anos 90, o que me
surpreendeu.
— Não sabia que você tinha bom gosto musical. — Falei olhando para Alan montando o
sofá-cama na sala. — Estou impressionado.
— Obrigado, obrigado, é uma honra. — Alan diz, forçando uma voz grave.
Henrique foi até o banheiro rapidamente, voltou já com seu pijama de cetim.
— Nossa, que chique. — Alan disse com aprovação. — Deve ter sido caro.
— Que nada, foi um precinho bem em conta. — Henrique mentiu descaradamente.
— Ele parcelou essa merda em dez vezes. — Falei rindo.
— Cala a boca, ninguém te perguntou nada. — Sussurrou o Henrique, ficando vermelho.
Depois de terminar de ajeitar o sofá-cama, Alan olha para mim e me chama com as mãos;
me aproximo dele, sem entender nada. Ele segura minha mão e me guia pelo corredor,
olhando por cima do ombro vejo o Henrique nos olhando com curiosidade. Alan me leva até
seu quarto me dizendo que quer me mostrar uma coisa, por um segundo achei que fosse
algo sexual e fiquei muito nervoso. No final ele só queria me mostrar o pôster que ele tinha
no quarto dele que, coincidência ou não, era do filme francês “Planeta fantástico”, meu filme
francês cult favorito… E também era a estampa da camisa que usava quando o conheci.
— Comprei há algumas semanas. — Ele disse simplesmente. — Tava pensando na gente
assistir hoje, antes de comermos.
— Você comprou o pôster de um dos meus filmes favoritos sem ter assistido? — Perguntei
incrédulo. — E se você não gostar do filme?
— Ah, sempre terá um significado especial para mim. — Ele disse e me deu um beijo no
rosto.
— Você. Não. Existe! — Falei dando um beijo nele entre cada palavra. — Parece até que já
estamos namorando.
Me arrependi na hora que falei, estávamos ficando já havia mais de um mês, nunca tive um
relacionamento, mas dizer isso me fazia parecer que eu estava apressando as coisas… E
eu não queria, estava bem como as coisas estavam. Alan ainda com o rosto entre minhas
mãos e sorriu suavemente, as borboletas estavam começando a voar.
— Sabe amor, você é muito chato. — Ele disse ficando sério de repente. — Vai estragar a
surpresa assim.
Surpresa? Pensei em dúvida. Mas antes que pudesse falar mais, Henrique bateu na porta.
— A Brenda e o namoradinho dela chegaram! — Ele gritou pela porta com irritação.
— Estamos indo! — Disse o Alan, depois olhou para mim. — Mais tarde continuamos.
Brenda trouxe a última pessoa que eu poderia ter esperado, alto, cabelo espetado castanho
e olhos escuros, não era atraente, mas sempre achei muito simpático comigo.
— Ih! Mateus? — Perguntei surpreso.
— Opa! Que coincidência. — Ele disse, tão surpreso quanto eu.
Brenda olhou para ele e depois para mim parecendo levemente desesperada e me
perguntou com os olhos “De onde conhece ele?”
— Ele trabalha na barbearia onde corto o cabelo. — Expliquei. — Conheço ele há… o quê?
Dois anos?
— Nossa! Verdade! — Mateus colocou a mão sobre a boca. — Já faz dois anos…
Logo depois Roberta e Cláudio. Roberta era uma gótica corpulenta, maquiagem pesada, um
conjunto de moletom preto, botas que saíram de um anime dos anos 90, cabelo preto com
franja roxa, tinha uma mochila de caveiras (roxa também). Absolutamente nada do que eu
esperava, pensei. Cláudio foi a maior surpresa, era alto, magro, mas parecia malhar fazia
algum tempo, tinha o maxilar forte, pele morena (um pouco mais claro que Alan), cabelo
curto ondulado, usava um conjunto de moletom cinza e sua boca carregava um cigarro
aceso. Parecia uma pessoa madura, tinha seu charme, fiquei observando seus olhos com
olheiras profundas, mas azuis suaves, me observavam atentamente.
— Você é o novo dono do coração de Alan? — Ele perguntou sem cerimônia.
— Sou. — Respondi cruzando os braços com certo divertimento, me virei para Alan. — Sou
dono do seu coração?
— Sem dúvida nenhuma. — Ele respondeu sem vergonha nenhuma.
— Ouvi tanto falar de você que sinto que te conheço. — Ele me ofereceu um cigarro. —
Quer?
Alan e Roberta o olham com surpresa, como se aquilo nunca acontecesse, Henrique o
observa com desaprovação e repulsa.
— Que hábito nojento. — Henrique murmura e acrescenta alto. — O Bruno não fuma…
Para surpresa de todos, eu aceitei o cigarro. Antes que eu pedisse, Cláudio saca um
isqueiro preto com entalhe de uma ampulheta e acende meu cigarro. Todos me olham dar
minha primeira tragada, inicialmente começo a tossir, então Cláudio diz para eu tragar com
calma e segurar a fumaça um pouco. Logo me sinto relaxado, sempre apreciei o cheiro do
cigarro mas nunca considerei fumar um.
— Eu não acredito que você tá fumando! — Diz Henrique enojado.
— Deixa de ser chato. — Diz Cláudio, fazendo o Henrique se virar para ele. — É bom pros
nervos.
Me senti tonto por um momento, mas rapidamente passou, melhor eu parar no primeiro,
pensei rindo sozinho.
— É normal ficar um pouco tonto. — Diz Cláudio me observando. — Vai se acostumar.
Logo todos nós nos organizamos no sofá-cama para assistir ao meu filme favorito. Alan
pediu comida japonesa e disse que chegaria em uma hora mais ou menos. Cláudio sentava
do meu lado e me observava pelo canto do olho, Alan sentou do meu outro lado, Henrique
ficou de pé olhando o celular.
— Tá esperando alguém? — Alan perguntou. — A tal da Helena?
— Pois é… Pelo visto ela vai se atrasar… — Henrique foi interrompido pela campainha. —
Ela chegou!
Quando abriu a porta, para minha surpresa, uma garota que nunca vi na vida. Loira, cabelo
liso, olhos castanhos claros, corpo de violão, usava um baby doll de cetim rosa curto por
baixo de um casaco, também curto e rosa, com estampa de lacinhos, uma bolsa rosa e
segurava uma sacola; tinha um ar de inocência falsa, algo pouco comum nas garotas do
Henrique. Olhei para Brenda, obviamente afetada, levanta e vai na cozinha.
— Tem algo para animar a festa? — Ela pergunta e ouço a porta da geladeira abrir.
— Tem umas cervejas. — Alan respondeu colocando o filme na televisão.
Brenda e cerveja, péssima combinação, pensei preocupado. Antes que eu pudesse
interferir, Helena se senta perto de nós e sorri para mim, me entrega a sacola.
— Feliz aniversário! Eu não sabia muito bem o que te dar, mas Henrique disse que você
adora chocolate! — Ela tira um pacote de dentro da sacola, eram bombons de chocolate ao
leite, meu favorito. — Espero que não seja babaca da minha parte, mas podemos dividir? Eu
também a-do-ro chocolate ao leite.
— Claro, sem problema. — Falei surpreso, nem esperava mais presentes.
Ela parecia uma pessoa muito doce, mas também experiente, o que estranhei um pouco.
Percebi que Henrique me olhava atentamente, como se esperasse algum tipo de aprovação
da minha parte, o que nem fazia sentido porque ele sempre ficou com quem queria. Helena
se levantou e perguntou onde era o banheiro, logo em seguida ela passa ao lado de Brenda
que está com sua cerveja na mão.
— De onde conhece ela? — Brenda perguntou, sem nem ao menos esperar a garota fechar
a porta do banheiro.
— Por aí. — Henrique dá de ombros. — É prima da amiga de uma amiga.
Mas que caralho de resposta evasiva é essa? Pensei intrigado.
— Mas que merda de resposta é essa? — Brenda perguntou revoltada.
Vai começar… Pensei já revirando os olhos. Novamente, quando ia interferir, senti algo
encostar na minha orelha, quando virei era Cláudio que estava olhando meus brincos; agora
vendo-o de perto eu via que usava um alargador pequeno e preto na orelha esquerda.
Nossos olhos se encontraram e ele sorriu maliciosamente, minhas borboletas voavam
suavemente dentro de mim, de forma marcante, era uma sensação nova. Diferente de como
é com o Alan, que voavam sempre furiosamente, com Cláudio foi mais duradouro e intenso;
ele desviou o olhar de mim e se voltou para o filme que já ia começar.
Helena voltou do banheiro, enquanto ela se dirigia para o lado do Henrique que estava
deitado na minha frente, e Brenda a fulminava com os olhos. Helena deitou do lado de
Henrique e ficaram cochichando e rindo, como um casal de início de namoro; Brenda deu a
volta, passando na frente de todos, e se juntou ao lado do Mateus.
— Então, Mateus. — Chamei e ele se virou para mim. — Como conhece a Brenda?
— Ah! Nós… — Brenda o olhou atentamente. — A gente se esbarrou por aí.
Outra resposta evasiva, pensei, essa festa virou uma competição de ciúme velada.
*

Algum tempo após o filme terminar, Helena se levantou de supetão e foi para a cozinha sem
dizer nada, mas ninguém, nem mesmo Brenda, pareceu reparar já que, além de bêbada, a
comida havia chegado. Eu, sonso e curioso, levantei e falei que ia pegar uma coca na
geladeira. Chegando na cozinha, Helena estava de costas para a porta da cozinha, falava
ao telefone, parecia outra pessoa, falava com pressa e irritação na voz.
— Cê tá se preocupando à toa, porra. — Ela sussurrava. — Eu só assisti um filme com uns
pirralhos, nada suspeito.
Nossa! Pensei surpreso, parecia outra pessoa. “A doce Helena” azedou.
— É um serviço simples… — Serviço? — Sim, já tô indo mesmo… Duas horas.
Senti alguém atrás de mim, me virei e era Cláudio. Ele me olhou e depois viu Helena de
costas, depois me olhou de novo e ergueu as sobrancelhas, como se dissesse “não sabia
que era bisbilhoteiro”, eu dei de ombros, “só aconteceu” falei movendo os lábios mas sem
emitir som.
— Oi. — Falei e Helena se virou surpresa. — A comida chegou.
— Ah! — Ela disse já voltando a ser “a doce Helena”. — Nossa, obrigada, mas já vou ter de
ir embora, meu… Pais! É, meus pais estão me mandando voltar para casa.
— É meio tarde já. — Cláudio disse cruzando os braços. — Aquele seu namorado não falou
que podia dormir aqui?
— Pois é… Mas tenho que ir. — Ela passou por e pelo Cláudio e parou, se virou e sorriu
(genuinamente, pela primeira vez naquela noite). — Me diverti, adorei o filme, mas não
entendi nada.
— Filme francês é assim mesmo. — Respondeu Cláudio, depois que ela se afastou, ele se
virou para mim. — Não sei você, mas isso foi suspeito. Sus-pei-to.
Comecei a rir, fui à geladeira e peguei a coca, notei que Cláudio estava parado encostado
no batente da porta me olhando, senti meu rosto ficar vermelho.
— Hm… O quê? — Perguntei
— Você é mais bonito pessoalmente, nem prestei muita atenção ao filme. — O sorriso
malicioso dele voltou aos seus lábios. — Vamos ter que assistir de novo para eu entender
aquelas pessoas azuis gigantes criando pessoinhas.
Aquilo me surpreendeu, não tanto quanto deveria surpreender. Eu não era tão ingênuo, eu
percebi os olhares dele em mim durante o filme; também esbarrou na minha mão
“acidentalmente” vezes demais, e demorava muito para perceber que sua mão ainda estava
“acidentalmente” sobre a minha. Eu deveria estranhar que um amigo do Alan esteja
flertando descaradamente comigo na casa dele? Deveria, mas estou gostando mais do que
quero admitir.
— Como conheceu o Alan? — Perguntei desviando o olhar. — Vocês são amigos há muito
tempo?
— Pior que nem somos. — Ele disse com certo desdém, que me surpreendeu. — Nos
conhecemos no cursinho de inglês, então até estranhei me chamar.
— Ué, como assim? — Perguntei sem entender.
— Não nos vemos desde que pegamos nossos certificados no curso de inglês. — Ele falou
distraidamente. — Achei que nunca mais teria que suportar ele.
Ele falava sabendo de algo que eu claramente não sabia
— Ele me disse que mudou de horário na escola por conta do curso. — Falei nervoso.
— Ele mentiu. — Ele disse simplesmente. — A gente se formou no curso ano passado, que
eu saiba ele nem ia começar a estudar até ir pro exterior.
Fiquei paralisado por um momento, mentiu? Mas… Por quê? Pensei.
— Deixa eu adivinhar… — Cláudio falou fechando a porta atrás de mim. — Ele estava caído
em algum lugar bêbado e você o ajudou, te beijou nessa mesma festa, te ligou no dia
seguinte após se conhecerem dizendo querer “ouvir sua voz”. — Ele enumerar as
afirmações com os dedos. — Te deu presentes caros ou com algum significado importante
para você, vocês não namoram mas ele te chama de amor, mas vocês nunca foram para
um encontro em público… — Ele fez uma pausa vendo minha reação e finalizou dizendo. —
E ele colou um pôster do seu filme favorito no quarto dele.
— Pera, pera um pouquinho. — Falei nervoso. — Ele te contou essas coisas…
— Não falo com ele desde o início das férias, ele me mandou mensagem semana passada
me chamando para sua festa. — Ele disse e, para provar, me mostrou as conversas dele. —
Aqui.
E lá estava, um intervalo bem grande, dá penúltima e última conversa, onde mostrava que
eles não tinham tanta intimidade assim.
— Eu… não tô entendendo… — Balbuciei. — Por que… ?
— Por que ele chamou duas pessoas que mal conhece e me apresentou como amigo? —
Cláudio completou a pergunta. — Não é a primeira vez que ele faz isso.
Ah, não… Pensei, eu tô sendo enganado descaradamente.
— Ele não vai te apresentar os amigos que ele realmente tem, porque ele só vai te usar e
sumir, no melhor momento possível, aliás.
— Melhor momento? — Perguntei sentindo um frio na espinha.
— Ele vai se mudar pro exterior daqui a uma semana. — Disse Cláudio. — O Alan não é
quem diz ser.
— Mas… Por que ele tá estudando na escola se ele estudará fora? — Perguntei.
— É bem incoerente da parte dele, verdade… — Disse Cláudio sem parecer surpreso. —
Mas o Alan ficaria muito entediado em casa, ele mesmo já disse que prefere ir na escola
ficar de bobeira do que em casa sozinho. — Ele olha para mim com seriedade. — Ele se
aproxima das pessoas, usa elas, depois descartá. — Ele foi na direção da geladeira e pegou
um suco, eu já tinha até esquecido que tava bebendo refrigerante. — Se você der para ele o
que quer, ele vai sumir, se o procurar depois, vai te tratar que nem lixo. Mas se você não der
o que ele quer, ele vai te tratar como lixo e depois sumir.
— As duas opções são uma merda. — Falei rindo de nervoso.
— São as que você tem. — Disse Cláudio, indiferente. — Mas claro, você descobriu tudo,
então tem uma terceira opção…
— Que seria?
— Confrontar ele na frente de todo mundo.
As coisas começaram a ficar mais claras, nunca fomos num encontro em público, ele
sempre dizia que a casa dele era confortável demais para sairmos. Ele me deu presentes
sim, mas não tantos, mas todos eles baseados no que a gente assistia ou conversava, o
moletom de aniversário era um exemplo disso. Tinha o pôster, era uma coisa meio
exagerada, mas de certa forma romântica. Ele nunca me falou dos amigos dele, na verdade
ele nem me apresentou ao pessoal que zoou com ele na festa.
— Ele disse que ia me… — Me interrompi já entendendo onde chegaria.
— Ele te chamou para “dividirem o quarto” no mesmo dia que disse que pediria você em
namoro. — Ele concluiu.
— Alan já fez isso antes? — Perguntei me sentindo um idiota.
— Mas do que imagina. — Cláudio diz, sem dó. — Já fez isso até com um amigo meu, um
amigo de verdade e você não é o único no momento.
Ele mostrou o celular de novo, numa conversa antiga mostrou a foto do Alan abraçado a
outro cara, eu o reconheci na hora, era o mesmo do dia em que o vi no shopping.
— Esse cara… — Murmurei.
— Eu soube do Jeferson recentemente, parece que saiu com o Alan para voltarem. — Ele
deu de ombros. — Alan disse o que ele queria ouvir e depois bloqueou ele, ele vai mudar de
país mesmo, então…
Olhei para ele, ele não estava mentindo, tinha coerência demais no que dizia. Parecia
repentino demais, mas ao mesmo tempo fazia todo o sentido. Por que ele tá me falando
tudo isso? Pensei intrigado. E como se lesse minha mente, foi até a porta da cozinha, abriu
e olhou para mim por cima do ombro com seu sorriso malicioso.
— Sabe, você pode não acreditar em mim, isso é uma escolha sua, eu não tenho nada a
perder, e sinceramente… — Ele sorriu de forma conspiratória. — Quero ver o circo pegar
fogo. — E saiu.

Devoramos a comida japonesa como se não comêssemos a dias. Depois que Helena saiu,
Brenda, bastante alterada, constantemente jogava charme para Henrique, que apenas
ignorava ou respondia de forma curta, Mateus não parecia ligar já que Roberta começou a
dar bastante atenção a ele. Será que Roberta sabe do que Cláudio sabe? Pensei, e Alan
olhava para mim com curiosidade.
— Não falou nada, amor, o que foi? — Ele colocou a mão no meu ombro fingindo
preocupação. — A comida não tá boa?
— Tá ótima. — Disse secamente.
Henrique olhou para mim com atenção, Cláudio nos assistia como se fossemos uma novela,
esperando o momento. Não posso decepcioná-lo, não é mesmo? Pensei olhando para Alan
com o canto do olho.
— Alan? — Perguntei com um falso sorriso.
— Sim, amor? — A preocupação dele pareceu se dissipar.
— Quem é Jeferson?
Pronto, dei início ao show. Todos, até a Brenda bêbada, nos olhavam intrigados. Alan
pareceu desestabilizado por um momento.
— Hm… Ninguém. — Sua voz soava nervosa.
— Ninguém? É mesmo? — Me virei para o Cláudio. — Me mostra a foto de novo.
Alan caiu em si, ele não tinha como enganar mais ninguém, olhou para Cláudio com um
misto de “fui traído” com “seu filho da puta.” Cláudio mostrou a foto para todos que
pudessem ver.
— Ih! — Disse Henrique surpreso e se virou para Alan. — É o cara que você tava no
shopping.
— Quê? Não, quem disse que…?
— A gente te viu. — Falei com raiva na voz.
Alan começou a se levantar.
— Posso explicar… — Ele começou mas parou.
— Quando ia me contar que ia se mudar para o exterior? — Perguntei. — Daqui a uma
semana, para ser mais exato.
— Vai acreditar nesse merda! — Ele gritou apontando para Cláudio.
— Como você sabe que foi ele que me contou?
Ele ficou em silêncio por alguns segundos.
— Porque ele quer me ferrar, é claro! — Ele se virou para Cláudio, se olhar matasse,
Cláudio estaria morto agora. — Você só tá com inveja por eu estar com um cara bonito e
você não.
— É, morrendo de inveja. — Cláudio diz com divertimento na voz. — Mataria para estar no
seu lugar agora.
Me levantei, e fui em direção ao seu quarto, Alan me seguiu.
— Esperai! — Ele gritava. — Não é nada disso!
Ele tentava se justificar enquanto eu arrumava minhas coisas, me virei para o pôster do meu
filme favorito colado na parede dele, o arranquei e enfiei na bolsa, ele não merece ter esse
pôster, pensei. Ele nem ligou para isso, só ficava dizendo o quanto Cláudio inveja ele.
— Por que convidou alguém que te inveja tanto para a festa? — Perguntei me virando para
ele. — Você não tem outros amigos?
Alan ficou sem o que dizer novamente, passei por ele com minhas coisas.
— Todos já comeram? — Perguntei ignorando Alan atrás de mim. — Ótimo, vamos embora.
Alan agarrou meu braço com força.
— Você não vai a lugar nenhum! Me escuta, porra!
— Ok, tô escutando. — Falei me virando para ele com nojo. — Mas se só usar como defesa
o Cláudio ser invejoso, eu vou embora.
Ele ficou em silêncio, todos olhavam para ele. Ele então olhou para a Roberta.
— Roberta, me dá uma força aqui! — Alan implorou.
Roberta olhou para mim e suspirou.
— Ele é um merda. — Ela disse simplesmente. — Desculpa não ter falado nada antes, mas
ele falou que ia pagar sushi para a gente.
— O sushi tava ótimo mesmo. — Falei sorrindo para ela.
— Porra, sua puta! — Alan gritou, me largando. — Quer saber, foda-se! Você não vale tudo
isso mesmo seu…
E então um punho atingiu a lateral do rosto de Alan, Henrique o derrubou com um soco bem
dado, me puxou para ele e me colocou atrás dele. Se preparava para outro soco, Alan
tentava se levantar, Brenda já estava bêbada e sendo carregada pelo Mateus, Cláudio e
Roberta assistiam a tudo com satisfação.
— Chega, tô cansado dessa palhaçada. — Falei. — Vamos embora.
Todos já tinham arrumado suas coisas e fomos saindo, Alan finalmente se levantou quando
nós já estávamos no corredor, puto da vida, nós todos já estávamos indo até o elevador.
— Vão se foder! Saiam da porra da minha casa! — Ele gritava, alguns vizinhos no corredor
saíram de seus apartamentos para ver o que estava acontecendo, o que o irritou ainda
mais. — Tão olhando o quê? Vão cuidar da vida de vocês!
Dentro do elevador eu ouvi a porta do apartamento dele bater com força, peguei meu celular
e o bloqueei de tudo. Senti a vontade de chorar na garganta.
— Eu sabia! — Disse Henrique vitorioso. — Eu disse! Porra! Falei que esse cara era… —
Ele parou quando viu que eu estava chorando.
Ninguém falou mais nada, Cláudio se aproximou de mim e discretamente segurou minha
mão. Ele me olhou e moveu os lábios dizendo “desculpa”, eu balancei a cabeça em
negação, “a culpa não é sua” respondi da mesma forma.
A festa virou um enterro; Mateus colocou a Brenda num carro e a mandou para casa.
Comecei a me acalmar e para de chorar, estava morrendo de vergonha, enquanto isso,
Roberta dizia que iria para casa na moto dela.
— Quer uma carona? — Perguntou ao Cláudio.
— Não, acompanho esse dois no uber. — Ele disse, o que não deixou Henrique muito feliz.
— Puta que pariu. — Henrique murmurou.
— Mora aonde? — Perguntei.
— Bangu, e vocês?
— Realengo.
— Pertinho. — Comentei.
— Posso ir com você? — Perguntou Mateus a Roberta.
— Claro! — Ela disse sorrindo. — Mas a sua namorada não se importa?
— Na verdade ela é minha prima. — Ele disse sem jeito. — Ela me disse para não contar,
mas ainda não entendi o porquê.
Parabéns, Brenda, ótimo plano para fazer ciúmes no Henrique, pensei com pena dela. Logo
Mateus subiu na garupa e lá se foram. Eu, Henrique e Cláudio entramos num táxi, Henrique
estava quieto na dele, olhando pela janela, enquanto eu e Cláudio engajávamos numa
conversa. Descobri que ele tinha 18, faria 19 no final do ano, então não era tão mais velho
que eu. Estava fazendo faculdade de cinema, o que nos rendeu muito assunto sobre tipos
de filmes.
— Você já sabe que faculdade quer fazer? — Cláudio perguntou, o olhar dele em mim era a
melhor coisa daquela noite desastrosa.
— Quero trabalhar com algo relacionado a cinema, ser roteirista ou diretor. — Me sentia um
pouco melhor conversando com ele.
— Você é do tipo discreto, né? — Ele falou, mais afirmando que perguntando.
— Diria que sim. — Falei. — Por quê?
— Normalmente quem quer trabalhar nessas áreas gosta de ver as coisas por uma
perspectiva de fora. — Ele disse sorrindo. — Eu mesmo jamais seria ator, ser famoso
parece dar muito trabalho.
Eu ri, apesar de estar na merda, me sentia melhor. Antes de descermos para casa, Cláudio,
que continuava no carro para seguir para sua, me pediu meu número. Mas me lembrei do
que aconteceu da última vez que passei meu número para um estranho, então disse que
passaria meu IG, que ele aceitou de bom grado.
— Taqueopariu. — Henrique reclamou quando o carro se afastou. — To tendo um déjà-vu…
— Não passei meu número para ele. — Falei rapidamente.
— Foda-se. — Ele disse andando em direção a minha casa.
Em casa, meu pai se surpreendeu com nossa chegada.
— Ué, pensei que…
— Alan é um escroto. — Eu disse simplesmente.
Não disse mais nada, e ele não me perguntou. Henrique e eu fomos para o quarto, decidi
dormir no colchonete, não acho que suportaria acordar em cima do peito dele de novo.
Henrique não protestou, pelo visto percebeu que eu precisava de espaço.

Capítulo 6: Nunca mais ficarei bêbado…

O perfil de Cláudio no IG era bem discreto, apenas 7 fotos, e só uma delas mostrava seu
rosto. As outras fotos eram a mão dele segurando um cigarro aceso, um livro de estudo
sobre cinema francês, uma foto da praia, uma foto do isqueiro com entalhe de ampulheta,
outra foto da praia e uma foto minha, a qual eu estava de costas. Ele postou no dia que nos
conhecemos, me marcando, na legenda dizia “mon”. Não saco muito de low profile, mas
acho que isso seria um flerte, pensei enquanto curtia a foto.
Segunda após aquela festa horrorosa, Alan era o assunto do momento. Logo no primeiro
tempo o Professor Gomez anunciou sua mudança, pelo visto ninguém sabia que ele iria
para o exterior, muito menos quem ele realmente era.
— Nossa! Ele sempre foi tão simpático. — Disse Brenda sentada à minha frente no
refeitório, depois que contei o que ela perdeu enquanto estava bêbada. — Como você tá?
Era uma ótima pergunta, me sentia enganado, um pouco humilhado, iludido e acima de
tudo, sem a mínima vontade de falar sobre isso.
— Tô de boa. — Disse simplesmente.
Henrique se sentou do meu lado e me entregando meu salgado e suco, que ele insistiu em
comprar mesmo eu trazendo dinheiro. Brenda o olhava com certo nervosismo, mesmo eu
não falando sobre isso, ela provavelmente já sabia que Mateus não tinha guardado segredo
sobre ser seu primo. Ela pigarreou.
— Então… Henrique, sobre o que o Mateus falou na festa… — Ela começou a falar
hesitante.
— Quem? — Ele perguntou se virando para ela.
— Mateus. — Ela repetiu piscando os olhos algumas vezes. — O cara que levei para a
festa, queria falar sobre o que ele te contou…
Henrique pensou por um instante, parecia não saber muito bem ao que se referia, apenas
deu de ombros.
— Ah, sei, o que seu namorado falou? — Ele perguntou superando todas as minhas
expectativas sobre sua ignorância.
Brenda olhou para mim sem entender nada, devolvi o mesmo olhar para ela.
— Você não ouviu o que ele falou quando fomos embora? — Perguntei abismado com sua
reação.
— Ele falou alguma coisa? O que ele disse? — Ele olhou para mim curioso. — Nem me
lembro quando ele foi embora.
— Terminei com ele. — Brenda disse descaradamente.
— Ok. — Henrique respondeu sem se importar muito. — Que pena.
Caio se aproximou de nós e se sentou na nossa mesa ao lado de Brenda, nós três o
olhamos sem entender nada.
— Vocês sabiam que o Alan ia pro exterior? — Caio perguntou.
Caio era a pessoa mais fofoqueira daquele lugar, se ele sabia de algo, todos iriam saber. Eu
me lembro dele no fundamental contando para todo mundo como Henrique me salvou
daquele garoto que tentou me obrigar a usar batom, ninguém gostava desse garoto, então
logo Henrique ficou sendo chamado de herói por enfrentar ele. O garoto em questão até
mudou de escola, nunca mais soube dele, nem lembro seu nome. Nunca tive nada contra o
Caio, a não ser suas piadinhas regulares de mim e Henrique sermos secretamente um
casal.
— A gente soube no sábado. — Falei friamente. — Foi uma surpresa para todos.
— Pô, o maluco era mó legal. — Caio estava claramente sondando. — Isso foi bem
repentino.
— Foi bem planejado, isso sim. — Disse Brenda, revirando os olhos.
Caio pareceu ficar mais curioso.
— E você, Bruno? — Ele se virou para mim. — Vocês estavam namorando, você não
soube…
— Não tavam namorando não. — Henrique disse irritado. — Eles se conheceram, deram
uns beijos e Alan foi embora, fim da história.
Caio parecia levemente frustrado, ele era sem-noção, mas tinha o mínimo de entendimento
quando era para parar de fazer perguntas. Ele se virou para Brenda e a olhou por um
instante.
— É verdade que você tá namorando? — Ele perguntou repentinamente.
— Terminamos, por que a pergunta? — Ela revirou os olhos novamente.
Se continuar assim, seus olhos vão parar no seu cérebro, pensei rindo sozinho.
— Quer sair comigo? — Caio perguntou com um sorriso no rosto.
Novamente, nós três o olhamos sem entender nada, o queixo de Brenda caiu. Eu observava
com certo gosto, de todas as pessoas nesse lugar, Caio seria o que mais combinaria com
ela, pensei. Caio era forte, tinha a mesma altura de Henrique, tinha cabelos ruivos, sardas,
olhos castanhos esverdeados, jogava futebol no time do colégio, já tinha até participado de
vários jogos interclasses, ele, como o Henrique, tinha uma certa quantidade de fãs na
escola. Era confiante, sem filtro e muito descarado; combinava com Brenda sem dúvida.
— Nossa! Que do nada. — Brenda disse e observou Henrique.
Meu Deus, já tô ficando puto, pensei, para de correr atrás do cara que nem presta atenção
em você! Minha pena acabou, agora eu só tenho revolta. Henrique estava assistindo à
situação indiferente, Caio percebeu que Brenda o olhava, então se inclinou para o Henrique.
— Não se incomoda de eu ficar com tua ex, né? — Caio perguntou.
— Ela não é minha ex. — Henrique deu de ombros. — Vai nessa.
Claramente ela não estava feliz com sua aprovação.
— Você é um babaca, não dá mínima pra nada e nem ninguém! — Ela gritou se levantando,
bastante magoada. — Vai acabar sozinho assim!
Ela foi até a mesa do grupinho de amigas dela, se sentando de costas para a gente. Caio
pareceu ficar sem saber o que fazer, olhou o Henrique com raiva e se levantou também, se
afastando até a mesa dos caras do futebol.
— Você é tão lerdo, que se alguém bater em você, você demoraria para perceber que estão
te agredindo. — Eu disse olhando para ele com deboche.
— Quer saber? — Ele falou irritado. — Você também.
— Eu? Mas o que eu…?
— Você é muito cego. — Ele murmurou e se levantou, me deixando sozinho no refeitório.
É como meu pai diz: muito drama pra pouca idade…

*
No vestiário, após a aula de educação física, alguns dias depois, estava em uma das
cabines tomando banho. Geralmente eu fugiria disso, mas o professor insistiu em nos fazer
dar voltas na quadra, num calor absurdo. Não teve jeito…
Não me sinto muito confortável com meu corpo, fui comparado constantemente com uma
menina pela minha altura e pouco peso durante boa parte da infância. Mesmo começando a
fazer exercício e ganhando um pouco de massa, ainda me sentia longe do meu ideal, então
esperei do lado de fora do vestiário até que boa parte dos caras tivesse tomado banho, se
trocado e saído.
Nem ligo se eu me atrasar para a aula da Professora Carlota, quero o mínimo de
privacidade, pensei.
Verifiquei se tinha mais alguém, estava vazio. Tomei o banho o mais rápido que pude, me
sequei e me enrolei na toalha, quando saí da cabine levei um susto. Caio estava sentado no
banco ao lado da minha mochila, um medo subiu pelo meu corpo, uma lembrança de uma
brincadeira do fundamental onde viviam roubando minhas roupas depois da educação física,
constantemente indo no achados e perdidos pegando roupas velhas e esquecidas, uma
situação humilhante. Ele pegaria minha mochila e sairia correndo? Ele seria capaz disso?
Caio se levantou e cruzou os braços.
— Posso falar com você? — Ele estava sério.
— Claro… — Tentei disfarçar o nervosismo enquanto andava rapidamente até minha
mochila. — O que foi?
Caio parecia calcular o que iria dizer.
— Você e a Brenda se conhecem há muito tempo, né?
— Sim… — Peguei minhas roupas enquanto Caio falava.
— Acho ela mó gata, mas parece que não tenho chances… — Falava com calma e
observava minha reação. — Ela gosta do Henrique, né?
Nossa, por que logo eu tô no meio disso? Pensei irritado. Ainda de toalha, com minhas
roupas num braço, cocei a nuca com a mão livre, não sabia como dizer o óbvio para quem
não queria enxergar a verdade.
— Você quer que eu seja sincero? Tipo, sincero mesmo? — Perguntei.
— Sim, claro. — Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça do uniforme.
— Sim, ela gosta dele… — Falei e o notei ficar imediatamente magoado. — Mas não tem
nada de errado com você, sabe, você é um cara muito bonito, divertido e pode ficar com
qualquer garota… Que esteja emocionalmente disponível.
Ele me olhou por um momento, ficando vermelho a ponto de suas sardas quase sumirem.
— Nossa! Pouquíssimos caras já me disseram isso… — Ele sorriu e depois comprimiu os
lábios com certa malícia. — Por acaso você tá a fim de mim?
Aí, eu mereço… Pensei ficando revoltado pela segunda vez naquela semana. Respirei
fundo e ri, porque aquilo claramente era uma piada.
— Você se acha demais. — Falei e comecei a voltar à cabine para me trocar.
Ele segurou meu braço e me colocou contra a parede, fazendo minha toalha cair, minhas
roupas foram ao chão, eu estava morrendo de medo. O corpo dele estava contra o meu, eu
sentia sua respiração perto do meu rosto, seu quadril pressionado contra o meu, coração
batia a mil. Por que caralhos eu sou arrastado para essas situações? Pensei apavorado e
sentindo a ereção dele começar a crescer.
— Não precisa ter medo… — Ele sussurrou. — Sempre te achei bem bonito, não vou fazer
nada que você não queira…
— Olha, não é o que tá parecendo… — Minha voz tremia demais.
Ouvi um barulho de um flash, nos viramos e vimos o Henrique com um celular apontado
para nós, ele baixou o celular e fulminou Caio com os olhos.
— Fica longe dele, se não vou postar essa foto no fórum da escola. — Ele disse mostrando
a foto que tinha acabado de tirar, com voz firme. — Não acho que queira que saibam que
você é um Hétero flexível.
Caio se afastou de mim, sua arrogância caiu no chão como as minhas roupas. Me abaixei,
peguei minhas roupas e minha toalha, me enrolei nela sentindo meu rosto corar.
— Peraí, cara, que exagero. — Caio falou levantando as mãos. — A gente só tava…
— Vaza. — Henrique disse simplesmente, se apoiando na parede e cruzando os braços.
— Por favor, apague essa foto. — Caio falou, indo em direção a porta. — Viu? Já tô de
saída…
Caio se foi e ficamos apenas eu e o Henrique, que me olhava atentamente. Estava
consciente do fato dele ter me visto sem a toalha, mesmo que já tenha me visto sem roupa
algumas vezes, naquela hora eu me sentia exposto, meu corpo estava arrepiado por baixo
do seu olhar, meu rosto estava muito vermelho, conseguia sentir queimar. Ajeitei
disfarçadamente a toalha e peguei minhas roupas, andando de volta para a cabine.
— Obrigado. — Falei já dentro da cabine me vestindo.
— Nada, você tava demorando e vim checar se tinha escorregado e batido a cabeça. — Ele
disse rindo.
— E morrer pelado? Jamais! — Respondi no mesmo tom.
Saindo da cabine, vestindo meu uniforme, Henrique me olhou ainda daquela mesma forma
atenta, parecia ver por baixo da minha roupa.
— O que foi? — Perguntei enfiando a toalha na mochila.
— Você tá ficando mais forte. — Ele falou e desviou o olhar.
Ele se virou e foi andando até a porta, me deixando sem saber se aquilo era apenas uma
constatação ou algum tipo de comentário aprovador. Fui atrás dele e voltamos para a sala,
onde Caio nos olhava com medo. Nem me dei ao trabalho de olhá-lo de volta.

Cláudio e eu tínhamos pouco contato diário. Não conversávamos por horas pelo IG, mas
não passou um dia que não nos falávamos. Mandávamos posts, vídeos de gatos, ele
perguntava do meu dia e eu do dele. Ele constantemente virava a noite para terminar
projetos e trabalhos da faculdade, eu estava começando a desenvolver o hábito de ir dormir
às duas da manhã só para fazer companhia a ele por mensagem. Queria vê-lo, mas eu
nunca dei o primeiro passo nessas coisas, na verdade nunca dei o primeiro passo em nada
realmente, então eu apenas esperava que me chamasse para alguma coisa… Talvez até
um encontro.
Depois de quase um mês, Cláudio deu o primeiro passo, de forma discreta. Pediu o meu
número e animadamente o enviei, ele me mandou uma mensagem logo em seguida.

Fumante: Cmo salvou meu número?


Eu: Fumante.
Fumante: LOL, te salvei como Hobbit.
Eu: Meus pés naum são peludos…
Fumante: Então vamos sair, ai eu mudo o seu nome para anjo.

Eu ri muito alto, o suficiente para meu pai no quarto ao lado acordar e ver o que eu estava
fazendo.
— Vai dormir moleque! — Ele gritou na porta. — Amanhã cê tem aula.
— Já vou, já vou. — Falei irritado.
Ele continuava na porta, como se quisesse perguntar alguma coisa.
— O que foi? — Perguntei.
— Garoto novo? — Ele sondava.
— Sim… — Falei sem jeito.
— Ok… Hm… Só tome cuidado. — Ele disse, depois veio até mim, deu um beijo na minha
testa e voltou para o quarto.
Quando foi a última vez que ele fez isso? Me perguntei me lembrando da época em que
minha mãe se fora… Ele fez isso por várias noites seguidas, até ir parando gradualmente.
Eu: Prefiro amoreco.
Fumante: Que tal neném?
Eu: Perfeito!

O seu senso de humor duvidoso era a coisa mais atraente nele, depois dos seus olhos…

Um encontro, meu primeiro encontro, um de verdade! Nem sabia que queria tanto isso até
conhecer o Cláudio, com o Alan as coisas eram mais caseiras, o que não me incomodou na
época quando eu estava alheio a tudo… Mas sair, assistir um filme, deitar no seu ombro,
ficar de mãos dadas em público… Estou sonhando baixo, pensei, imaginando como o
Henrique reagiria se eu dissesse essas coisas em voz alta. Ele provavelmente riria me
chamando de ingênuo, inocente, ou até mesmo de cabaço.
Mas eu sou mesmo um cabaço! Pensei e o imaginei rindo da minha resposta e logo ri
sozinho, notando que as pessoas no ônibus me olhavam como se fosse maluco. Conversas
imaginárias, ótimo.
Descendo do ônibus, em frente ao shopping Bangu, um calor sem igual. Estava de blusa
branca, bermuda azul e chinelo. Normalmente usaria uma calça e botas, mas nesse calor
não dava, já estava todo suado e ainda nem tinha começado o encontro. Estava animado,
imaginei que ficaria mais nervoso, mas minhas borboletas voavam como se tudo estivesse
sob controle. A estátua de Thomas Donohoe me cumprimentou na entrada, mais a frente
Cláudio, recostado na parede, fumava um cigarro. Ele usava uma blusa cinza, bermuda
branca e tênis, tinha um casaco preto amarrado a cintura, o que me surpreendeu.
— Acha que vai esfriar? — Perguntei o surpreendendo.
— Dentro do cinema fica frio. — Ele dizia me oferecendo um cigarro.
Novamente aceitei e novamente ele o acendeu com o mesmo isqueiro, a ampulheta parecia
ter um significado a mais que eu ainda não sabia, mas com o Cláudio era assim mesmo, ele
era um mistério. Ele me observava tragar, algo que estava pegando jeito.
— Você aprende rápido. — Ele comentou.
— Aprendi com um especialista. — Respondi e logo perguntei. — Você fuma quanto tempo?
— Comecei com onze anos, antes era um hábito muito frequente. — Ele respondeu como
se tivesse alguma coisa a mais nessa frase. — Hoje em dia eu fumo mais por costume.
— E por que começou a fumar tão cedo? — Perguntei curioso.
Ele me olhou por um momento, parecendo pensar no que falar.
— E você, por que começou? — Ele perguntou simplesmente.
— Não sei, você me ofereceu e eu aceitei, foi automático. — Respondi.
— Se eu tivesse oferecido uma pedra de crack, você teria fumado no automático? — Ele
perguntou com uma expressão de absurdo.
Aquela pergunta me pegou desprevenido.
— Não! Eu… — Eu comecei a me defender mas ele me interrompeu rindo. — Ah, você tá
me tirando.
— Você fica fofo levando a sério o que digo. — Ele disse terminando seu cigarro.
Ele me observava fumar o meu, com seu olhar suave acompanhado de olheiras profundas.
— Comecei a fumar porque isso me acalmava. — Cláudio dizia sem pressa. — Eu tive…
uma infância complicada.
Parei para observá-lo, ele não olhava mais para mim, encarava seu tênis com certo
desconforto. Terminei meu cigarro e virei para ele.
— Minha mãe… — Comecei, sentindo como se fosse abrir uma gaveta que não devia. — Se
foi quando eu era bem pequeno.
— Ela morreu? — Cláudio voltou seus olhos para mim.
— Ela foi… Embora. — Eu disse com voz baixa. — Nunca mais a vi, nem soube dela, é
como se estivesse morta pra mim.
Cláudio sorriu com empatia no olhar, acho que só falei sobre isso porque queria que
sentisse que podia falar sobre si mesmo. Parecia criar esse ar de mistério e manter sua vida
só para si, deixar todos no escuro, mas comigo pareceu não querer falar por tentar me
poupar de algo. Eu entendia, falar da minha mãe era algo muito difícil, quando aconteceu,
meu pai e Henrique estavam lá por mim, para todas as pessoas na minha vida, minha mãe
está morta. Não percebi na época, mas aquela dor aproximou o Henrique de mim, antes
sendo só o menino que me salvou de um valentão se tornando meu melhor (e verdadeiro)
amigo.
— Minha infância é um enredo de filme cult — Cláudio falou me tirando dos meus
devaneios. — Tem de tudo: traição, deserdação, abandono de incapaz, retorno de alguém
de um passado distante, inimigo mortal… — Ele falava enumerando com os dedos. — Uma
grande reviravolta e, talvez um dia, um final feliz.
— Nossa! Nem posso imaginar viver isso. — Falei curioso, mas não querendo insistir.
— Eu nem acredito que vivi para contar isso. — Ele disse pensativo. — Penso em fazer um
filme contando minha história.
— Isso seria incrível. — Falei impressionado. — Eu serei o primeiro da fila pra comprar
ingresso.
Ele sorriu, se aproximou e me deu um selinho. Fiquei surpreso, mesmo tendo sido algo
rápido, foi bem inesperado. Ele pegou minha mão e entramos no shopping.
*

A gente se beijava intensamente na sala de cinema, prestando pouca atenção ao filme,


durante algumas cenas ficávamos falando sobre como o filme era uma decepção, o fato de
ser baseado num jogo que eu gostava não deveria justificar tantas cenas de fanservice mau
feitas. Como a sala estava um pouco vazia, ninguém pareceu se importar com nossa
conversa e nem com o barulho dos nossos beijos. Após o filme, fomos para um restaurante
comer, quando chegamos Cláudio avistou algo que chamou sua atenção, no caso alguém.
— Roberta! — Cláudio a chamou.
Ela se virou da sua mesa e acenou para nós, Mateus estava do seu lado, e tinha mais duas
pessoas na mesa que não reconheci.
— Sentem aqui! — Ela disse animadamente.
Ela vestia uma calça de couro, um tomara que caia que amarrava na frente, fazendo um
decote cheio de fios cruzados, usava maquiagem pesada que ficava muito bem nela, e sua
franja, antes roxa, estava azul. Constantemente as pessoas passavam e nem disfarçavam o
quanto ela chamava a atenção, ela não parecia dar a mínima. Mateus a olhava com uma
cara de bobo apaixonado, e as pessoas que estavam sentadas com eles olhavam para nós
enquanto nos aproximávamos.
Tinha um cara na mesa que me parecia muito familiar, ele era encorpado, tinha um bigode
que enrolava nas pontas, cabelo preto estilo militar e olhos escuros por trás de lentes
grossas, usava uma camisa verde apertada que não o favorecia em nada, o que quase me
deu vontade de rir. Ele é o balão mágico, pensei recolhendo os lábios e segurando a risada.
A garota ao seu lado parecia uma princesa, olhos grandes e castanhos, cílios postiços
delicados, pele negra e cabelo cacheado comprido, usava um vestido amarelo cheio de
babados que realçava a sua pele, mas parecia bem infantil. O balão mágico colocava a mão
em sua perna, pelo visto estavam juntos.
— Não estamos atrapalhando? — Perguntei sem jeito.
— Está sim. — Roberta respondeu rindo. — Mas já que atrapalhou, aproveita e come
conosco.
— Não sabia que estavam saindo. — Comentou Mateus de forma simpática.
— Alguma coisa boa tinha que sair daquela festa caótica. — Disse Cláudio colocando o
braço sobre os meus ombros.
O balão mágico, que se chama Thiago, e sua princesa, chamada Raquel, pareciam de fora
sobre o que falávamos, mas não pareciam interessados em saber sobre. Durante o jantar
nós comíamos bastante carne, anéis de cebola e um negócio recheado de queijo, que gostei
muito e acabei pedindo vários.
— Você parece ter uns quinze aninhos. — Disse Thiago se dirigindo a mim.
— Tenho dezessete. — Falei educadamente.
— Incrível, Cláudio, como seu gosto decaiu depois da Vanessa. — Ele disse deixando o
clima na mesa pesado. — Agora você apela para criancinhas.
A namorada dele riu, me fazendo desgostar dela imediatamente.
— Melhor do que parecer um tio de boteco. — Falei descaradamente. — Quantos anos você
tem? Trinta e cinco?
Tirando Thiago e Raquel, todos na mesa riram.
— Você pediu por essa. — Disse Roberta de boca cheia.
— Tenho dezoito. — Thiago disse sem se alterar, me observando com atenção. — Você me
parece familiar, a gente se conhece?
— Espero que não. — Respondi sem hesitar.
O garçom veio buscar nossos pratos e perguntar se queríamos beber, cada um pediu uma
bebida, menos eu.
— E o senhor? — O garçom perguntou para mim. — O que vai querer?
— Ele vai querer um toddynho. — Respondeu Thiago por mim, com escárnio.
Novamente Raquel riu, sendo a única na mesa a achar graça da piada sem graça dele,
enquanto o garçom ficava sem saber como reagir.
— O que me sugere? — Perguntei ao Cláudio, ignorando Thiago.
— Um virgin on the beach. — Ele disse ao garçom.
Thiago se ajeitou na mesa incomodado, ele podia falar o que quiser, eu não ia me abalar por
tão pouco, acho que notou isso. Então, de repente, passou um brilho malicioso nos seus
olhos e se inclinou para mim.
— Você disse que se chama Bruno.
— Sim…
— Agora me lembrei! — Ele falou apontando para mim. — Você é o viadinho do
fundamental com quem estudei, lembra de mim?
E lá estava o cara que tinha tentado me forçar a usar batom, tinha quase esquecido
completamente da sua aparência.
— Me lembro do meu amigo te dar uma surra. — Falei sem pensar muito.
— Não me lembro disso… — Ele falou desconcertado. — Você deve tá inventando.
— Foda-se. — murmurei e me virei para o Cláudio. — Me fala mais sobre aquele seu
trabalho de fim do trimestre.
— Ei! Não me ignore! — Thiago disse com falso ressentimento. — Nós nos divertimos muito
naquela época.
— Não.
— Não? Como assim não?
— Não tinha nada de divertido para mim apanhar de você. — Falei secamente.
— Thiago deixa de ser escroto por cinco minutos! — Gritou Roberta sem paciência.
— Não fale assim com meu namorado! — Raquel gritou de volta.
— Gente, calma. — Mateus falou com suavidade. — Olha, as bebidas vieram.
E todos na mesa ficaram em silêncio bebendo, talvez eu tenha exagerado, pensei, só
porque ele é uma pessoa desagradável, não quer dizer que devo ser também. Evitei falar
mais alguma coisa que pudesse irritar o balão mágico rabugento, sua namorada me olhava
com raiva, depois de beber me senti estranhamente relaxado.
— Vocês podem ir. — Disse Roberta de repente para o casal desagradável. — A gente se
vê na faculdade Raquel.
Raquel ficou desconcertada e ofendida.
— Como assim? Tá mandando a gente ir embora? — Ela perguntou magoada.
— É, e quer saber? — Roberta a olhava com desdém. — Você se veste que nem uma
criancinha, isso é muito bizarro…
— Você disse que eu tinha um estilo único! — Raquel gritou se levantando, as pessoas na
mesa ao redor olhavam para ela com curiosidade.
— Único não quer dizer bom. — Falei sentindo minha língua meio pesada.
— Vai se foder, seu viadinho! — Ela gritou e foi até a recepção pagar pela comida e bebida.
— Vocês são muito chatos. — Disse Thiago irritado e olhando para mim. — Espero te ver de
novo.
— Espero não te ver nunca mais… — Murmurei.
Ele se aproximou e sussurrou no meu ouvido.
— Você se tornou uma menina bem atraente. — E foi até sua namorada revoltada.
Senti um calafrio de repulsa. Va de retro… Pensei.
— E pensar que a convidei por pena. — Disse Roberta. — Nunca mais terei pena de
ninguém da faculdade.
— Como ela é na faculdade? — Perguntei.
— Ah! Ingênua pra caralho, ao menos ela se faz… — Ela disse pensativa. — Ela sempre
parece não entender do que estamos falando, mas com o namorado, pelo visto, a história é
outra.
O garçom chegou com mais bebidas.
— Foda-se. — Disse Cláudio tomando sua bebida que era igual à minha. — Que estranho,
essa bebida tá fraca…
Eu gostei muito da bebida, então pedi mais, era docinha e descia fácil. Depois de beber uns
seis drinks, eu comecei a ficar tonto, o mundo começou a girar um pouco.
— Eu tô meio estranho… — tentei falar, mas parecia estar fora do meu corpo.
— Ué, você tá bem? Você parece… Ah, não… — Cláudio pegou minha bebida e deu um
gole. — Puta merda, te deram minha bebida por engano!
— Você não tinha notado? — Perguntou às duas Robertas na minha frente.
— Não prestei atenção, achei que tava fraco. — Os dois Cláudios se viraram para mim com
as vozes meio distante. — Você tá bem?
Sacudi a cabeça positivamente.
— Me sinto… Engraçado…
— Meu Deus… — Murmurou os dois Mateus.
— Por que tá tudo dobrado? — Perguntei sentindo minha língua enrolar, e comecei a rir.
A visão estava turva, as vozes distantes, eu não tinha certeza se estava sentado ainda na
minha cadeira.
— Vou te levar pra casa! — Cláudio se levantou. — Me dá um segundo que vou pagar
nossa comida.
— Ok… — Murmurei.
Logo estava saindo aos tropeços do restaurante e indo para fora do shopping, Cláudio
chamou o carro e entrou junto comigo, me levando para casa. Me lembro de chegar na
frente do meu prédio e ver o Henrique andando pela rua.
— Henriqueeee! — Gritei balançando os braços.
Ele se aproximou surpreso e sem entender nada, ele olha para o Cláudio e para mim, ouço
as vozes deles distantes falando algo, Henrique parecia puto da vida, mas eu não sabia
sobre o que. Vejo o Cláudio preocupado e triste indo embora no carro, enquanto Henrique
põe meu braço sobre o ombro dele, o que é meio difícil por conta de sua altura. Então ele
fica encurvado, sendo meu apoio.
— Você tá bem? — Ele pergunta do meu lado.
— Tô muito feliz em te veeer. — Eu falo zonzo e dou um beijo no rosto dele.
Entramos no meu apartamento, estava apoiado na porta, quando a abriu esqueci de ficar
em pé e logo caio no chão, Henrique se desespera e tenta me ajudar a levantar. O chão tá
tão confortável, pensei quase dormindo.
— Você deita depois, precisa de um banho. — Diz Henrique me levando até o banheiro.
Depois disso tenho flashs do que aconteceu: estou ajoelhado na frente do vaso vomitando,
Henrique tirando minha roupa, eu me sentindo envergonhado e culpado por colocar ele
naquela situação. Começo a pedir desculpas e a chorar, mas ele diz que a culpa não é
minha. Henrique também tira sua roupa, mas fica de cueca, não consigo não olhar para ele.
Lembro de entrar no box do banheiro com ele, da água quente, dele esfregando sabonete
nas minhas costas, de pensar que o Henrique tem um corpo muito bonito e de querer…
Querer o quê? Vejo o rosto do Henrique bem próximo do meu, surpreso por algo que fiz,
mas o que foi que eu fiz? Penso, preocupado. Me lembro de chorar, de pedir mais
desculpas, mas não sei por quê.
Então estou de cueca e deitado na cama, Henrique me cobre e se afasta, eu seguro sua
mão. Ele me olha, mas não sei identificar sua expressão, eu quero ele do meu lado, acho
que digo isso mas eu não sei se ele deita comigo. Logo tudo fica preto e começo a sonhar…

No sonho, estou em pé, está escuro, mas eu não sei onde estou e tenho medo. Vejo uma
borboleta voando na minha frente, ela é branca, brilhante, eu tento pegá-la algumas vezes,
quando consigo outra borboleta surge, mais uma, outra, de onde elas vêm? Me pergunto.
Olho para baixo e vejo uma gaveta no meu peito, está fechada e trancada, as borboletas
saem, uma por uma, da fechadura. Então sinto uma mão no meu peito, segurando o
puxador da minha gaveta, olho para a frente, Henrique está aqui, consigo ver o rosto dele na
escuridão. A boca dele se move, mas eu não escuto nada.
Estou feliz… Você está aqui… Ouço minha voz ecoando na minha cabeça.
Ele sorri, é um sorriso muito bonito, me sinto bem, como se nada pudesse me machucar.
Ele jamais me machucaria, não como minha mãe me machucou. Henrique tenta puxar a
gaveta mas está trancada, ele enfia a mão no bolso e puxa uma chave. Me sinto sem ar,
olho para a chave e depois para a fechadura na gaveta do meu peito, tem o mesmo formato,
ele quer abri-la.
Eu tô com medo… Me desculpa… Começo a chorar.
Ele move a boca de novo, ainda sem som, mas parece dizer “tudo vai ficar bem”, eu o puxo
e encaixo a minha cabeça no ombro dele, sentindo sua pele quente no meu rosto.
Tudo bem…
Algo dentro de mim parece querer sair, ele percebe, se afasta e coloca a chave na
fechadura, tem algo preso, trancado há muito tempo em mim. Eu não sei o que é, mas não
tento segurar, parece que segurei por tempo demais. Olho para baixo, vejo a gaveta abrir e
de repente… Um enxame de borboletas se libertam, e começam a voar na minha frente e
depois a nossa volta, Henrique sorri, parece tão feliz, as borboletas começam a mudar de
cor, não mais brancas, se tornam azuis. Azul-marinho.
Não tem mais volta…

Acordo no dia seguinte com a sensação que um trem atropelou minha cabeça, me sinto
péssimo. Me levanto e vou ao banheiro cambaleando, quando vou mijar percebo que estou
com uma cueca diferente da que coloquei para sair. Merda… O que rolou ontem? Me
pergunto, volto para o quarto e meu celular tem várias mensagens do Cláudio, mas não vou
responder agora, minha cabeça dói demais para isso. Eu ouço um barulho na cozinha e
tento me lembrar se meu pai tem turno hoje ou não, coloco uma bermuda e uma camisa e
vou até lá.
Henrique está na minha cozinha, fritando um ovo, tem suco de laranja na pia e um misto
quente num prato.
— Puta vida… — Murmuro com a cabeça doendo. — Que cê tá fazendo aqui?
Henrique se vira e me vê, ele está com uma cara estranha.
— Bom dia. — Ele diz ignorando minha pergunta. — Tudo bem?
— O quê rolou? — Eu pergunto. — Eu tava bebendo um drink com nome estranho… Não
sei o que…
— Pois é, te deram o drink errado, pelo visto você gostou e continuou pedindo. — Ele tirou o
ovo da frigideira e virou num prato.
— Como eu cheguei em casa? — Perguntei com medo da resposta.
— Cláudio te trouxe. — Henrique diz sem se virar para mim. — Você até caiu no chão
quando chegamos… Não se lembra?
Tenho flashes de entrar num carro, Henrique me carrega para casa, cair no chão, ir ao
banheiro… Ele me viu vomitar, pensei me sentindo pior do que já estava, olhei no reflexo de
uma panela e vi a lateral da testa roxa.
— Meu Deus… Você cuidou de mim, né? — Pergunto vermelho. — Nossa, que vergonha…
— Se começar a chorar e pedir desculpa de novo, eu vou embora, sério! — Ele me diz
enquanto lava a frigideira.
— Cala a boca… Eu chorei?... Merda, que vergonha… — Enterro a cabeça nas mãos.
Fica um silêncio estranho por um tempo, levanto o olhar e percebo Henrique me observando
com atenção.
— Eu… Fiz alguma coisa ontem? — Perguntei preocupado. — Tipo, algo muito ruim? Além
de passar vergonha?
— Você se lembra do que fez? Do que disse para mim ontem? — Ele está sério.
— Eu fiz algo ontem com você?! — Eu quero morrer! Pensei. — O que eu falei?! Foi muito
ruim?!
Ele pareceu considerar me contar, ficou me observando por um tempo, ele então pegou o
prato com o misto quente e me deu, depois pegou o ovo frito e um copo de suco.
— Não se preocupe. — Ele diz com aquela expressão estranha. — Come, você precisa.
Ele foi até a sala e se sentou no sofá, ligando a televisão. Me sentei do seu lado, ele
abaixou o som da televisão, mas o barulho ainda incomodava um pouco. Ficamos naquele
silêncio estranho de novo, algo que eu nunca tinha passado com ele. Ele termina de comer
e vê que também terminei, ele se levanta para levar os pratos, mas para no meio do
caminho. Ele se vira para mim, e a sua expressão é determinada.
— Bruno? — Sua voz parece tensa.
— Hm?
— Eu também. — Ele diz, em alto e bom som.
Fico olhando para ele sem entender nada, você também o quê? Me pergunto confuso. Ele
parece perceber, mas não explica nada.
— Eu também. — Ele diz novamente, me dá as costas em direção a cozinha. — Só isso que
irei dizer…
Não sei se é a dor de cabeça ou a ressaca, mas sinto que deveria entender sobre o que ele
está falando. Mas não faço ideia do que seja…

Capítulo 7: Nunca mais vou ignorar a verdade…

— Então, quanto tempo eu deixo esse negócio na minha cara? — Perguntei a Brenda, que
passava um creme para remover cravos no meu rosto com um pincel de silicone.
— Uns 30 minutinhos… — Ela murmurou. — Prontinho!
Olhei no espelho da penteadeira do seu quarto e comecei a rir, parecia que eu ia roubar um
banco.
— Merda, parece que vou assaltar uma joalheria…
— Nossa, não fala isso nem brincando. — Ela disse rindo.
Fazia anos que não ia na casa da Brenda num sábado, ou em qualquer dia, foi estranho
voltar depois de tanto tempo, ela me chamou depois que falei que Henrique estava ocupado
hoje. O quarto dela estava um pouco diferente do que eu lembrava, tinha mudado as
cortinas, agora era verde água, o que combinava com o carpete felpudo, mudou a cor
também das paredes, estava um verde pastel bem clarinho, tinha novos quadros, um
guarda-roupa maior, mas mesmo depois de tanto tempo, verde ainda era sua cor favorita.
— Olá Bruno! — Disse dona Ângela, mãe da Brenda, encostada na porta do quarto. — Não
te vejo há muito tempo.
Sorrio em resposta, sentindo o creme no meu rosto puxar minha pele.
— Não mova o rosto! — Brenda me repreendeu.
Relaxei o rosto voltando a ficar sério imediatamente, devo ter feito uma cara engraçada, pois
dona Ângela ria olhando para nós da porta.
— Ah! Sempre achei que vocês fariam um lindo casal…
— Sinto muito, mas sua filha não faz meu tipo. — Eu disse a interrompendo.
— Dê uma chance a ela, eu sei que Brenda pode ser teimosa, às vezes bem grossa e mal-
educada, não sei há quem puxou, mas é só o jeitinho dela de demonstrar que te ama…
— Ele é gay, mãe! — Gritou Brenda interrompendo sua mãe.
Dona Ângela parou por um momento e me olhou com atenção.
— Ah! Jura? Bom, Tenho um sobrinho gay muito bonito que…
— Ele não vai entrar pra família, mãe! — Gritou Brenda indo em direção a porta. — Nos dê
licença, por favor.
— Está bem, está bem, se divirtam… — Dona Ângela se foi pelo corredor e Brenda fechou a
porta.
— Que irritante… — Murmurou Brenda irritada, depois se virou para mim. — E como estão
as coisas com o Cláudio?
— A gente não se vê desde o dia que fiquei bêbado… — Respondi melancólico.
— Mas isso já faz três semanas! — Gritou Brenda revoltada.
Afirmei com a cabeça, não sabia o porquê dele estar me evitando; no dia seguinte, após a
minha experiência alcoólica mal sucedida, tinha recebido várias mensagens de desculpas
de Cláudio, onde dizia que devia ter cuidado melhor de mim e que foi um irresponsável; eu
disse que não era culpa dele e pedi para que não se culpasse tanto. Ele apagou a minha
foto do seu feed e lentamente ele foi me mandando menos mensagens, até que
simplesmente parou de vez de falar comigo.
Henrique, por sua vez, pareceu ficar ainda mais próximo de mim. Todos os dias, depois da
aula, ele ficava na minha casa, almoçava comigo, estudávamos juntos, assistimos algo,
perto da hora do meu pai voltar para casa, ele ia embora. Nos dois últimos finais de semana
ele estranhamente não me arrastou para nenhuma festa, nem para o shopping ou para
qualquer lugar novo que teria “música legal”, ficou na minha casa vendo filmes comigo.
Quando perguntei o porquê dele estar recusando ir aos roles que era convidado, ele apenas
dava de ombros e dizia que não tinha mais interesse em sair.
— Como você tá com relação ao Henrique? — Perguntei.
— Foda-se ele, não quero mais saber dele… — Ela disse revirando os olhos. — Depois que
o Caio me chamou para sair, percebi que tem muitos caras bonitos no mundo.
— Parece que todos os caras bonitos que se aproximam acabam me decepcionando. —
Desabafei. — Tipo, o Alan foi uma coisa horrível, o Cláudio apenas sumiu e o Caio nem se
fala…
— Caio? — Brenda virou o rosto para mim tão rápido que ouvi o pescoço dela estalar. —
Como assim?
— Ah… Então, ele é Hétero flexível. — Falei com um sorriso amarelo. — Ele veio até mim
quando eu tava no vestiário sozinho, veio com um papo de querer saber de você, se você
teria interesse nele, mas quando neguei e tentei animá-lo, achou que eu tava flertando e me
pôs contra a parede.
— Mentira! Por que todo cara que me interessa só quer saber de você?— Brenda começou
a rir.
— Bom, nenhum cara que se interessou por mim chegou perto de dar certo. — Falei
analisando no espelho a minha máscara secando.
— Hm… — Brenda parecia pensar.
— O que foi?
— Sei lá… É muito estranho… — Ela olhou para mim com uma cara de “teoria da
conspiração.” — Como é possível que os únicos três caras que já se aproximaram de você
deram tão errado?
— Dedo podre? — Sugeri incerto.
— Não, de verdade, três seguidas? Tem alguma coisa aí… — Brenda falou pensativa.
— No que você tá pensando? — Perguntei já com medo do que ela iria inventar.
— É possível atrair caras problemáticos, sem dúvida, mas não um atrás do outro sem uma
certa interferência.
— Está me dizendo que tem, algo ou alguém, empurrando caras ruins pra mim? —
Perguntei incrédulo.
— Eu diria afastando todos os caras… — Brenda murmurou.
— Afastando? — Tá viajando, pensei. — E quem seria a mente criminosa por trás disso?
Brenda pensou um pouco, deu uma volta pelo quarto, depois se jogou na cama.
— Não faço ideia, mas abre o olho! — Ela disse apontando para mim. — Tem algo de
errado, não é possível que seja normal essa situação toda.
— Vou tirar essa coisa da minha cara. — Falei me levantando e indo ao banheiro.
Brenda tá ficando paranoica, pensei enquanto lavava o rosto, eu devo ser apenas
azarado…
*

Voltando para casa, vi a Helena de mãos dadas com um cara. Eu quase não a reconheci,
seu cabelo estava vermelho e ondulado, olhando com mais atenção notei que era uma
peruca, usava um vestido preto colado no corpo e salto alto. Mas era ela e a mesma acenou
para mim, fiquei quase sem reação quando ela soltou a mão do cara para vir falar comigo.
— Oi Bruno, que coincidência não sabia que morava aqui! — Ela disse feliz.
— Oi Helena, eu não moro aqui, na verdade eu…
— Helena? — O cara perguntou atrás dela. — Pensei que seu nome fosse Sofia.
— Amor, tenho muitos nomes. — Ela disse de forma misteriosa. — Me espera no carro,
preciso falar uma coisinha com o Bruno.
Ele pareceu contrariado, mas logo se foi. Helena ou Sofia me olhava com certo divertimento,
parecia que minha cara de confusão a entretinha e havia também o sorriso de que sabia de
algo.
— Então… Sofia, não queria atrapalhar seu encontro… — Falei sem entender nada.
— Estou no serviço, na verdade. — Ela disse com um sorriso malicioso.
— Você… — A ficha caiu, meu queixo caiu, era óbvio agora. — É uma garota de programa?
— Prefiro o termo “puta de luxo”, mas garota de programa soa mais sofisticado. — Sofia
disse com sarcasmo.
— Eu… Tô entendendo nada… — Murmurei. — Há quanto tempo você…
Ela sorriu, como se aquilo fosse muito comum.
— Vou deixar bem claro as coisas pra você. — Ela disse me interrompendo. — Seu amigo
me contratou para fingir ser a namorada dele na sua festa.
Minha cara dizia tudo: por que Henrique contrataria uma garota de programa? Tem várias
garotas da escola que ficariam felizes em sair com ele, não é como se ele precisasse pagar
por sexo ou estivesse desesperado por uma companhia.
— Por quê? — Perguntei.
Ela deu de ombros.
— Não seria a primeira vez, algumas pessoas me chamam de “acompanhante de luxo”, e às
vezes só acompanho mesmo. — Ela olhou para o carro que a esperava. — Henrique disse
querer exibir alguém atraente com o nome Helena, só precisei fingir estar no ensino médio e
colocar um pijama fofinho…
— Ele disse o porquê de ter feito isso? — Perguntei.
— Ele disse que tava em cima da hora. — Ela respondeu indiferente. — Que precisava
urgente de uma garota bonita chamada Helena, então eu fui Helena, só isso.
— Por que tá me contando isso? — Perguntei.
Ela me deu uma expressão madura, de uma pessoa que já viveu todo o tipo de coisa, viu
todo tipo de coisa e que naquele momento ela não estava com tempo para compartilhar sua
sabedoria de vida, estava com pressa.
— Você parece merecer a verdade, infelizmente não posso dá-la a você.
Então ela foi em direção ao carro que a esperava, entrou e acenou para mim.
— Boa sorte! — Ela disse sorrindo genuinamente.
O carro se foi, eu fiquei com vários pontos de interrogação pairando sobre mim, mas uma
coisa era certa: a voz paranoica de Brenda estava ecoando na minha mente.
Tem algo de errado, não é possível que seja normal essa situação toda…

As palavras de Sofia não saiam da minha cabeça, seu amigo me contratou para fingir ser a
namorada dele na sua festa; ele disse que tava em cima da hora… Que precisava urgente
de uma garota bonita chamada Helena. Isso não fazia o menor sentido, de todas as pessoas
que conheço, Henrique seria a última a fazer algo tão absurdo. Na segunda decidi evitar ele
um pouco para pensar melhor sobre isso, era difícil ficar perto dele depois de ouvir aquelas
coisas, não faria sentido ela mentir, Sofia não ganharia nada com isso.
Fugi do Henrique nos intervalo daquela semana e fiquei embaixo da ponte que ligava os
dois prédios da escola algumas vezes, uma dessas vezes, depois de comprar uma bebida,
Caio apareceu e se sentou no banco que tinha ali.
— Oi… — Ele disse timidamente.
— Se for perguntar sobre a Brenda ou me prensar contra a parede… — Falei enquanto me
virava.
— Shhh! — Ele fez nervosamente olhando em volta. — Me desculpa por aquilo, tá? Eu fui
um pouco longe nessa.
— Um pouco? — Perguntei incomodado. — Quer saber, deixa, o que você quer?
Ele olhou em volta novamente, parecia com medo, depois se virou para mim.
— Eu sei que você não quer falar comigo, o Henrique deixou isso bem claro, mas eu
realmente quero…
— Peraí, peraí. — Falei sem entender nada. — De que merda cê tá falando? Como assim
“Henrique deixou isso claro”?
Ele piscou algumas vezes e franziu o cenho.
— Você não pediu para o Henrique me falar pra ficar longe de você?
— Não… Por que eu faria isso? — Perguntei franzindo o cenho também. — Se você
tentasse algo de novo, eu só teria ameaçado contar pra todo mundo o que rolou no
vestiário.
— Ué… — Ele estava confuso. — Eu vim aqui para pedir desculpas e… — Ele olhou em
volta novamente. — Queria saber se você me daria uma chance, eu sei que te assustei, me
desculpa sério, não vou fazer nada que você não queira.
Era informação demais para mim, fiquei alguns segundos olhando para ele, enquanto meus
neurônios faziam a ligação na minha mente.
— O que Henrique falou para você? — Perguntei.
Caio se apoiou na parede atrás dele e cruzou os braços.
— Bom… Depois da aula naquele dia, ele me chamou no vestiário e me ameaçou… — Ele
olhou em volta novamente. — Ele disse que você não queria saber de mim, que se eu
chegasse perto de você de novo ele me mataria.
Pisquei algumas vezes, surpreso, respirei fundo e pensei com calma no que dizer.
— Eu não pedi para ele te ameaçar, sinto muito por isso. — Falei terminando o refrigerante
que tinha comprado. — E não estou interessado em alguém que esteja com medo de ficar
comigo, não por ter sido ameaçado, mas por estar no armário ainda.
— Não é que eu esteja no armário… — Ele murmurou. — Eu estou no time de futebol, se os
caras soubessem que sou bissexual… Eu sei o que gosto, e gostaria de ficar com você.
Que situação bizarra… Nunca imaginei passar por algo assim.
— Tudo bem, eu entendo, mas… Sei lá, por que eu? É por eu ser o único garoto gay
assumido no segundo ano?
— Bom, na verdade eu sempre te achei atraente, também gostei de você numa época. —
Ele disse timidamente. — Mas me falaram que você não curtia caras, então eu desisti,
quando soube que você beijou um cara numa festa, eu voltei a desenvolver interesse por
você…
— Te falaram? Quem disse que eu não curtia caras? — Perguntei já sabendo a resposta.
— Henrique, ele disse isso. — Caio disso me observando. — Eu perguntei a ele no
fundamental, na época o Henrique e eu éramos um pouco próximos, mas depois que
perguntei de você… — Ele deu de ombros. — Ele começou a se afastar de mim.
— Vocês eram próximos? Difícil acreditar… — Murmurei.
— Bom, meu pai e o pai dele eram amigos de longa data. — Caio disse indiferente. — Se
conheciam desde a época da marinha, às vezes a minha família jantava na casa dele, mas
recentemente o pai do Henrique parou de falar com meu pai, e soube que ele foi embora.
Eu já sabia que o pai do Henrique, Romário, era da marinha, mas nunca soube dessa
relação com o pai do Caio. Quando o pai do Henrique saiu de casa? Me perguntei, inquieto.
Algumas vezes via Caio e Henrique conversando no corredor, Henrique sempre dizia que
não era nada importante. Caio faz parte do grupo de amigos de festa do Henrique, mas
nunca pareceram próximos desse jeito.
— Embora? — Perguntei. — Quando?
— Acho que no mês de abril, não tenho certeza…
— Qual foi a última vez que isso rolou? Da sua família jantar na casa dele? — Perguntei.
— No último sábado. — Ele disse dando de ombros. — Parece que os pais do Henrique
fizeram as pazes, ele não te falou?
— Eu nem imaginava que vocês se viam fora da escola, além dos rolês com o grupo de
amigos de festa, nem que o pai dele tinha saído de casa…
Ele me olhou surpreso.
— Ele nunca te contou nada sobre nossos pais serem amigos?
— Nunca.
Ficamos em silêncio por um tempo, parecia que nenhum de nós entendia o que estava
acontecendo, percebi que ainda segurava a lata vazia de refrigerante, a joguei fora e
comecei a refletir. Henrique me esconde coisas há muito tempo, e pelo visto iria continuar se
eu não soubesse pelos outros, o que mais ele não me conta? Eu estava puto com Henrique,
muito, então tomei uma decisão um tanto precipitada naquele momento. Me sentei ao lado
de Caio e virei para ele.
— Caio, eu não estou muito interessado em você, mas se quiser ficar comigo a gente fica.
— Vou mostrar pro Henrique que ele não tem controle na minha vida, pensei. — Mas você
tem que entender que eu sou meio novo nisso, você precisa ter paciência comigo, então vai
com calma nessas coisas de me colocar contra a parede…
— Shhh! Para com isso… — Ele olhou em volta de novo. — Mas… E o Henrique, ele vai me
matar!
— Foda-se o Henrique! — Falei sentindo raiva. — Eu lido com ele…
Como se eu tivesse o invocado, Henrique apareceu de longe, ele estava andando e olhando
em volta, como se procurasse alguém. Quando nos viu, parou e fechou a cara. Começou a
andar na nossa direção, Caio se levantou e se afastou. Ele parecia assustado.
— Que merda que você tá fazendo com ele? — Henrique falava fulminando o Caio.
— Fica longe dele. — Falei me colocando entre os dois.
Ele me olhou surpreso, seus olhos foram de mim para o Caio e voltaram para mim.
— Mas o que vocês dois estão fazendo? — Henrique perguntou sem entender nada.
— Nada que seja da sua conta. — Falei dando de ombros.
— Ué, não vai me contar? — Ele estava claramente confuso.
— Você não anda me contando muita coisa, então acho que perdeu seu direito de ouvir
sobre minha vida. — Falei secamente.
Me virei para o Caio, ele ainda estava assustado.
— Caio, nos dá licença, preciso falar uma ou duas coisas com o Henrique.
— Claro, a gente se fala. — Caio disse passando por nós apressadamente, evitando olhar
nos olhos do Henrique.
— Que porra foi essa? — Henrique perguntou preocupado.
— Você não tem nada pra me falar não? — Perguntei ignorando a pergunta dele.
— Não, por quê?
— Beleza, então eu falo. — Respirei fundo, estava irritado demais. — Eu sei da Helena, ou
melhor, Sofia.
Henrique ficou pálido, estava de olhos arregalados, ele abriu a boca mas logo a fechou.
— Também sei que ameaçou o Caio. — Continuei. — Também sei que no fundamental você
disse pra ele que eu não curtia caras quando ele quis ficar comigo. — Cruzei os braços
indignado. — Quem você pensa que é pra sair por aí falando o que gosto e o que não
gosto?
— Eu tava te protegendo! — Ele gritou de forma defensiva. — Você viu o que ele fez com
você no vestiário e…
— Não justifica! — Gritei, me sentia fora de mim. — Você não pode sair por aí mentindo ou
ameaçando todos os caras que tiverem interesse em mim, eu tenho que escolher com quem
eu fico, não você!
Parei por um momento e fiz uma conexão no meu cérebro, se ele fez isso com o Caio, o que
impediria de fazer com outra pessoa.
— E o Cláudio? Ameaçou ele também? — Perguntei.
Ele ficou em silêncio por um momento e desviou o olhar, envergonhado.
— Ele… Não cuidou de você. — Henrique olhou para mim novamente. — Ele te deixou
bêbado, foi irresponsável da parte dele, e se tivesse acontecido alguma coisa?
— Puta que pariu! — Gritei e empurrei ele de raiva. — Eu gostava dele! Ele era legal, agora
ele nem me responde mais por culpa sua!
— Você é ingênuo demais! — Henrique tremia, talvez de raiva ou de nervoso. — Eu só
quero o melhor pra você!
— O melhor pra mim? Ingênuo? E quem é você pra definir isso? — Eu estava incrédulo.
— Olha, eu sei que fiz essas coisas pelas suas costas, me desculpa…— Ele disse tentando
me acalmar. — Mas eu só estava cuidando de você, eu me importo com você.
— Pode parar de se importar! — Gritei. — Você… Fica longe de mim!
Comecei a me afastar, sentindo as lágrimas começarem, então dei as costa e fui em direção
a escola.
— Espera aí! A gente tem que conversar! — Henrique gritou e me segurou pelo braço.
Me virei para ele, chorando de raiva.
— Por que nunca me contou sobre sua família ser próxima da família dele? Sobre jantarem
juntos? Por que mentiu sobre a Sofia? Por que ameaçou o Caio? Por que ameaçou o
Cláudio? Por que no fundamental você disse pra ele que eu não curtia caras? Por quê?
Você nem me contou que seu pai saiu de casa! Nem que eles voltaram!
Ele ainda me segurava, minhas lágrimas corriam pelo meu rosto. Henrique estava
paralisado, ele parecia não saber o que fazer ou dizer. Ele respirou fundo e me olhou com
súplica.
— Eu… Não falei nada sobre o que tava rolando com a minha família… Porque eu não
queria estragar o clima do seu aniversário… Meus pais não voltaram, eles estão… Se
divorciando… Meu pai ser próxima ao pai dele nunca foi importante. — Ele soltou meu
braço. — Eu menti sobre a Sofia por que… Eu tava com vergonha.
— Vergonha? — Perguntei.
— Eu inventei sobre conhecer uma Helena por que… Queria levar alguém na festa, como o
Alan decidiu levar os amigos dele, achei que se eu levasse uma pessoa que você nunca
viu… Sei lá… — Ele levou a mão até sua nuca e começou a coçar de forma insegura. — Eu
só queria chamar sua atenção com uma garota bonita, me exibir.
Ele parecia medir suas palavras com calma, sequei minhas lágrimas com a manga do meu
casaco.
— Eu ameacei o Caio porque queria te proteger, o que aconteceu no vestiário, ele podia
fazer algo pior! — Ele reafirmou.
— E quanto ao Cláudio? — Perguntei.
— Eu não ameacei ele… — Ele disse desviando o olhar. — Só pedi pra se afastar, que tinha
sido irresponsável, você ficou caindo de bêbado, tudo isso por que ele tava distraído, nem
notou que a bebida dele tava sem álcool!
— Foi um acidente, eu também não notei que a minha bebida tava com álcool, nem senti o
gosto de álcool…
— Mas você não é de beber… — Ele justificou.
— Você não tinha que falar nada pro Cláudio. — Eu disse secamente. — Isso era entre mim
e ele.
Ficamos em silêncio por mais alguns instantes, ele me olhava preocupado, como se
esperasse um veredito meu.
— Por que mentiu pro Caio sobre minha sexualidade no fundamental? — Perguntei de novo.
— Tecnicamente, eu não menti, você mesmo não sabia se era…
— Você podia ter dito que não sabia. — Interrompi ele, cruzando os braços. — E me
contado, ou dito para ele me perguntar. — Olhava para ele decepcionado, surpreso e sem
acreditar. — Você não pode sair por aí fazendo escolhas por mim, ameaçando pessoas,
dizendo para elas ficarem longe só porque você não gosta delas.
— Me desculpa. — A voz dele tremia.
— Eu te perdoo. — Falei o vendo parecer ficar mais calmo. — Mas não quero ficar perto de
você.
Henrique ficou pálido pela segunda vez.
— O que quer dizer com isso? — Ele perguntou nervoso.
— Não quero mais ser seu amigo. — Falei simplesmente. — Você mentiu, enganou e
escondeu coisas de mim, não quero ninguém assim na minha vida.
Dei as costas voltando à escola novamente.
— Não! Peraí! — Ele me segurou pelo braço novamente. — Nós somos amigos há dez
anos, você vai apenas…
— Você mentiu pra mim! — Falei puxando o braço de volta. — Nada justifica sua atitude!
— A gente pode resolver isso. — A voz dele tremia. — Por favor… Me escuta…
— Por que fez isso comigo? — Perguntei sentindo vontade de chorar de novo. — Não posso
me aproximar de ninguém que você não aprova?
Ele não respondeu.
— Se você me der um bom motivo, um motivo que justifique sua atitude, algo explique ter
mentido, escondido coisas de mim… Qualquer coisa… — Eu falava com tristeza na voz.
Henrique era meu melhor e único amigo, era a pessoa mais importante para mim. Ele
esteve comigo nos piores momentos da minha vida, me defendeu, me apoiou… Mas
conseguiu fazer todas as outras coisas pelas minhas costas e continuaria fazendo se eu não
descobrisse. Não poderia ficar perto de alguém com essa dualidade, alguém que era bom
para mim mas que me engana e esconde coisas com tanta facilidade.
— Você se arrepende de ter sido pego, não do que fez. — Afirmei com a voz baixa.
— Não… Eu… — Henrique começou a chorar. — Me perdoa…
— Me deixa em paz, e deixa o Caio em paz também, a gente tá junto agora. — Olhei para
ele, o rosto dele era de desolação. — Não se mete na porra da minha vida.
Dei as costas novamente, andei em direção a escola, Henrique não me impediu.

*
Meus colegas não paravam de cochichar e olhar para mim e para o Henrique. Quando
cheguei na sala, após o intervalo, eu peguei minhas coisas e decidi me sentar do lado da
Brenda, que me olhou sem entender nada. Até a professora Carlota estranhou.
— Ué, vocês sempre sentam juntos… — Ela comentou.
Eu dei de ombros e não respondi, Henrique olhava para a janela como se algo muito
interessante acontecesse lá fora. No fim da aula, fui o primeiro a levantar e fui em direção ao
Caio, que guardava suas coisas.
— Oi. — Falei e percebi mais cochichos. — Eu não entendi o dever de matemática, pode
me ajudar?
Ele pareceu confuso por um momento, mas logo entendeu que eu estava apenas
disfarçando meu verdadeiro interesse, não queria causar problemas para ele com o time de
futebol homofóbico e como ele é o melhor da turma em matemática, não seria tão estranho
“pedir” ajuda para ele.
— Claro, posso te dar umas aulas. — Caio disse de forma cínica.
— Beleza, vamos. — Falei indo até a saída.
Caio veio logo atrás de mim, a turma parecia estranhar essa atitude, já que eu vivia grudado
no Henrique. Agora as coisas vão mudar, pensei indiferente, enquanto Caio acompanhava
meus passos.
— Então, na sua casa ou na minha? — Ele perguntou cochichando.
— Seus pais não se incomodam? — Perguntei no mesmo tom de voz que ele.
— Não, eles sabem… Daquilo. — Ele disse enquanto passava por um grupo de alunos da
outra sala.
— Na sua então. — Falei sacando meu celular e mandando mensagem para o meu pai. —
Quero variar um pouco.

Eu: Vou na casa d um ficante, volto mais tarde.


Alcoólatra: É alguém da escola?
Eu: É o Caio.
Alcoólatra: Nunca imaginei que ele fosse gay.
Eu: Ele é Bi.
Alcoólatra: Bi? Tipo buzina da xuxa? Dirigindo meu carro bi bi…
Eu: kkkkk até.

— Beleza, avisei meu pai. — Avisei Caio.


— Avisei aos meus pais que você vai almoçar lá, eles gostam de você. — Ele disse
sorrindo.
Incrível como estudamos na mesma escola a vida toda e nunca falei com ele. Passei tanto
tempo focando no Henrique, nunca considerei a possibilidade de me aproximar de alguém
que eu achava ser tão distante de mim. No fim das contas, existia a possibilidade de nos
darmos bem…

Quando contei a Brenda o que aconteceu, ela não pode acreditar. O queixo dela caiu
enquanto eu explicava toda a trama e as situações que Henrique criou na minha vida, sem
nunca perguntar o que eu queria.
— A culpa é minha. — Falei ao finalizar. — Eu estive tão confortável com nossa amizade
que nunca me dei ao trabalho de me aproximar de outras pessoas…
Estávamos no refeitório no dia seguinte, era sexta, logo seria o fim de semana e passaria
mais tempo com o Caio.
— Henrique sempre teve muitos amigos. — Brenda disse se inclinando na mesa. — Você
tem todo direito de ter seus próprios amigos também.
— Nem é isso, eu só quero beijar em paz, parece que toda vez que fico com alguém,
Henrique tá lá pra interromper.
— Ah, isso já passou, agora me conta… — Brenda se ajeitou no banco. — Caio beija bem?
Quando fui na casa do Caio ontem, seus pais estavam lá, então almoçamos com eles e
ficamos fazendo sala até Caio se levantar e falar que iríamos “estudar.” Beijar ele não me
causava borboletas no estômago, mas era gostoso e me deixava com tesão. Ele respeitou
os limites que impus, perguntava até onde podia ir, isso me fazia sentir que estava no
controle, naquele momento era tudo que eu queria ter na minha vida, controle.
— Quer detalhes ou um resumo? — Perguntei rindo.
— Detalhes! — Ela disse animada.
— Bom, no começo é suave, ele vai aumentando a intensidade aos poucos. — Olhei em
volta procurando se alguém ouviria. — Ele gosta muito de me segurar enquanto me beija,
parece até que vou fugir.
— Bom, ele gostou de você por um bom tempo… — Ela disse com um pouco de inveja. —
Queria que alguém nessa merda de lugar gostasse de mim.
— Tecnicamente, eu tô com a sua sobra. — Falei rindo. — Não é culpa minha se você se
interessou por ele depois de já o ter rejeitado.
— Verdade, mas acho que foi melhor assim… — Seu olhar foi para algo atrás de mim. —
Henrique tá olhando pra cá.
Me virei para ver, ele me encarava. Ele tinha olheiras, parecia cansado, como se não tivesse
dormido direito. Ele parecia esperar que eu o chamasse, mas eu não faria isso.
— Foda-se. — Me voltei para Brenda. — Agora nós dois não queremos saber dele.
— Isso! — Ela riu e me mostrou a palma da mão para eu bater.
Levantei minha mão e bati na dela, começamos a rir. Logo Caio se sentou do meu lado, me
dando um suco e um salgado.
— Aqui, toma, por minha conta. — Ele disse com o rosto vermelho, suas sardas quase
sumiam quando ele ficou assim.
— Valeu. — Falei já devorando o salgado. — Não vai ser estranho pro seu time você sentar
comigo?
— Eles acham que tô aqui pela Brenda. — Ele se virou para ela com sorriso cúmplice. —
Obrigado por ser meu disfarce.
— Disponha. — Ela disse dando de ombros.
— Então… Você vai no acampamento? — Caio perguntou virado para mim.
— Que acampamento? — Perguntei.
— Ah, você não tá sabendo? — Brenda perguntou para mim. — Todo ano o pessoal da
escola vai num sítio acampar, sempre falam sobre nossa união, natureza e ver estrelas, mas
é só uma desculpa pra foder numa barraca.
Olhei para o Caio que me olhava com o canto do olho.
— Nem todos pensam em foder… — Ele disse na defensiva.
— Sei lá… Barraca no meio do mato? Não me parece muito atraente… — Falei já pensando
nos mosquitos.
— Tem o lago também, uma casa bem grande com wi-fi e comida, é pago claro, mas não
estaríamos totalmente à marcê da natureza. — Disse Brenda animada.
— Mercê. — Corrigi.
— Tanto faz… — Ela murmurou. — Você devia ir pra ver como é, pode até se divertir.
— Podemos dividir uma barraca. — Caio disse e logo se corrigiu. — Claro, se você quiser…
— Mas… E banheiro? Tomar banho? — Perguntei imaginando o desconforto.
— Tem isso lá, uma área com chuveiros e banheiros do lado de fora. — Brenda disse
mexendo no celular. — Aqui! É assim que é lá.
Ela me mostrou a imagem, o lugar chama sítio amor eterno, que merda de nome, pensei.
Tinha a área dos banheiros que ela disse, espaço para as barracas perto de um lago
enorme… Era bem bonito.
— E por quantos dias? — Perguntei já me arrependendo.
— Dois dias e três noites, vamos chegar lá às cinco, montar as barracas e depois jantar na
casa que tem lá. — Disse Brenda com um sorriso cúmplice.
— Vou me arrepender disso… Mas eu vou, quando é? — Falei nervoso com os barulhos de
insetos à noite.
— Final do próximo mês, e nem é tão caro, vou te mandar o link para por seu nome e pagar.
— Disse Caio ansioso e depois baixou a voz. — Eu já tenho a barraca, mas se não quiser
dividir…
— Eu quero… — Respondi de volta. — Só não crie muitas expectativas sobre mim, não sei
o quão longe eu vou querer ir no final do próximo mês.
— Você estando lá já vai ser ótimo, mesmo se a gente só dormi de conchinha. — Ele
respondeu rindo.
— Nossa, assim tá ficando sério demais. — Falei rindo e pegando na mão dele por baixo da
mesa.
Ouvi um barulho alto de algo metálico caindo no chão, me virei e vi Henrique de pé com a
bandeja do refeitório caída no chão aos seus pés, ele olhava para nós, parecia
envergonhado. Deu as costas e saiu correndo do refeitório, deixando todos que estavam lá
murmurando sem entender nada.

Capítulo 8: Nunca mais vou acampar…

Nas semanas que se seguiram, fui quase todos os dias para a casa do Caio para "estudar".
Não posso negar que acabei recebendo certas aulas com gosto, o que me fazia sentir mais
confortável para ir além. Caio sempre me perguntava se podia fazer ou tocar em alguma
parte minha, o que me fez sentir no controle e criar autoconfiança o suficiente para abrir a
calça dele.
Começou com um beijo, que se intensificou, uma mão desabotoando minha camisa, depois
a outra, suas mãos deslizavam pelo meu peito, percorriam minhas costas, iam para a
cintura, davam a volta e desciam pela minha barriga e ele parava para perguntar:
— Posso…? — Me olhava enquanto esperava uma resposta.
Geralmente naquele ponto, onde estava arfando e nervoso, eu dizia para continuar o que já
estava fazendo, e nós mantemos assim, enquanto eu sentia sua ereção roçar na minha.
Mas nesse dia eu queria mais…
— Pode. — Eu murmurei.
Ele levantou as sobrancelhas surpreso e então sorriu, ele abriu minha calça, enfiou a mão e
colocou meu pau para fora. Eu estava nervoso e arrepiado, a sensação de outra pessoa me
tocando era muito diferente, mesmo não tendo sentimentos pelo Caio, o tesão estava
presente. Sua mão envolveu meu pau e começou a movimentar para cima e para baixo,
sentia uma corrente elétrica percorrer meu corpo, eu não queria que acabasse, sentia que
podia ficar assim para sempre. Meu pau pulsava na sua mão, o observava olhar com
satisfação minhas reações e gemidos. Meu pau começou a lubrificar, então ele parou de
mover, segurou a ponta e com o polegar começou a deslizar pela pequena abertura do meu
pau, me fazendo arrepiar todo.
— Tudo bem? — Ele perguntava com um sorriso malicioso. — Quer que eu pare?
— De jeito nenhum. — Falei sem ar. — Continua… Por favor…
— Você fica lindo implorando…
Ele voltou o movimento de cima para baixo e de baixo para cima, variando a velocidade me
causando gemidos e tremedeira pelo corpo. Chegou num ponto que eu não aguentava
mais…
— Eu vou gozar… — Murmurei com o coração acelerado.
Então Caio me surpreendeu, segurou a base do meu pau e o colocou na boca, senti sua
língua dando voltas pela glande e alternando para chupar até a base.
Não demorou muito e gozei, o senti chupar com mais força me fazendo arrepiar
completamente, ele se afastou e me observou, seu rosto estava tão vermelho que sua
sardas pareciam sumir, passava a língua pelos lábios com prazer.
— Você tem um gosto doce… — Ele afirmou e me beijou.
Deitou do meu lado ainda me observando, eu ainda estava arfando, mas aos poucos
controlando minha respiração. Guardei meu pau na calça e olhei para ele, parecia até
orgulhoso por me causar tal efeito.
— Isso foi incrível. — Falei com a voz relaxada. — Você faz parecer muito fácil.
— É uma questão de prática. — Ele disse com falsa modéstia.
— Preciso começar a praticar então… — Falei enquanto colocava a mão sobre sua calça,
abrindo seu zíper.
Ele colocou as mãos atrás da cabeça e fechou os olhos.
— Fica a vontade… — Ele murmurou sorrindo.

Era quinta, um dia antes da viagem, tinha passado o dia arrumando as coisas pro
acampamento, Caio disse que o seu pai ia levar a gente até a escola para pegarmos o
ônibus até o sítio, então não precisaria me preocupar com a possibilidade de me atrasar.
Estava ouvindo música, déjà-vu deitado no meu colo, tinha sido castrada naquela semana,
sem falar que o veterinário me informou que não era macho, mas sim fêmea, o que era uma
confusão comum com novos donos de gatos tão peludos. Quase mandei mensagem para o
Henrique contando sobre isso, mas resisti a tentação, tinha que me manter firme… Meu
telefone parou a música e começou a vibrar, olhei para a tela, era o Henrique.
Eu não o tinha bloqueado, já que quando mandei ficar longe ele não tentou mandar
mensagem ou falar comigo na escola nas semanas seguintes. Fiquei olhando para a tela
por um momento, suspirei e atendi.
— Alô?
— Oi Bruno… Como você tá? — Ele perguntou, sua voz parecia cansada.
— Cansado… O que quer? — Perguntei me arrependendo de ter atendido.
— Eu… Soube que déjà-vu foi castrado, como ele tá? — Ele falou com certa insegurança.
— Ela tá bem, pelo visto a gente se enganou, não era macho. — Disse, me levantando com
déjà-vu protestando no meu colo.
Comecei a andar lentamente pelo quarto enquanto ouvia sua voz.
— Ah, sério? — Ele riu. — Poxa, me garantiram que era macho…
— Pois é, às vezes as pessoas nos garantem as coisas, e quando vimos, era tudo mentira.
— Falei com desdém.
Ele ficou em silêncio por um momento, depois suspirou.
— Ok, eu mereci isso… — Ele murmurou. — Eu não quero mais que as coisas fiquem assim
entre a gente mais.
— Você escolheu isso. — Falei secamente.
— Não tem como eu ter uma segunda chance? — Henrique disse com mágoa na voz.
— Você quer uma segunda chance? Precisa merecer ela. — Falei.
Mais silêncio, foda-se essa merda, pensei.
— Vou desligar… — Falei.
— Espera! Eu preciso dizer uma coisa! — Ele gritou desesperado.
— Pode falar.
Silêncio, mas esperei.
— Vou explicar, contar a verdade, o motivo que você disse querer ouvir, o verdadeiro
motivo. — Sua voz tremia.
— Tô ouvindo.
— Vou contar no acampamento, pessoalmente. — Ele disse. — Depois que eu contar, se
você não quiser mais saber de mim, eu te deixo em paz.
Senti na voz dele que falava sério, que ele cumpriria a palavra, mas aquilo não me deixou
feliz. Eu admito que fui impulsivo em falar para ele me deixar em paz, pensei melhor depois
e devíamos ter conversado, prolonguei isso porque estava me vingando dele ter me
enganado por tanto tempo, queria sim saber o motivo, não queria realmente não tê-lo mais
por perto, mas não sabia como seria se voltássemos a nos aproximar, se ele faria
novamente as coisas que fez… Eu queria ele na minha vida, mas não queria que ele
tentasse controlar minhas escolhas sobre com quem eu podia estar.
— Posso ir na sua casa agora, e você me conta. — Sugeri de repente.
Ele pareceu considerar por um momento.
— Não, meus pais estão em casa, teremos mais privacidade no acampamento. — Ele disse
de forma séria.
— Tudo bem, nos vemos lá. — Falei já indo desligar.
— Bruno? — Sua voz estava baixa, quase não ouvi.
— O quê é? — Perguntei meio sem paciência.
— Eu… Sinto sua falta… — A voz dele foi tão baixa que quase não escutei.
Meu coração acelerou, por um momento eu quase desisti, quase saí correndo para a casa
dele, dizer para ele que também sentia sua falta, era tão estranho ficar longe por tanto
tempo e queria tanto abraçá-lo. Senti as borboletas de volta, voavam enlouquecidamente,
mas não dentro de mim… Elas saíram do meu peito e voaram pelo meu quarto, aquilo me
assustou tanto que larguei o telefone que caiu no chão. Que merda é essa, pensei
desesperado levando a mão ao peito, já fazia um tempo que as não sentia, por que logo
agora?
Olhei para o telefone no chão, a tela virada para cima, ele ainda estava na chamada. Peguei
o celular e respirei fundo, coloquei o telefone de volta no ouvido.
— Alô? Alô? — Ouvia Henrique do outro lado.
— Foi mal… Meu telefone escorregou… — Falei, tentando manter a voz firme. — Pode
repetir o que você falou? Eu não ouvi…
— Eu… Eu falei que sinto sua falta. — Ele repetiu mais alto.
As borboletas não me deixaram em paz, estavam ali, por toda a parte. Respirei fundo,
tentando me acalmar.
— Até amanhã. — Falei e desliguei.
Caí na cama, com o coração batendo descontroladamente, querendo ao máximo não sentir
o que estava sentindo. Mas era impossível, estava fora do meu controle, Henrique… Seu
nome ecoava na minha cabeça, me deixando sem ar. Eu… O que é esse sentimento? Me
perguntei, é apenas saudade? Né? Era difícil conceber, então estava ali, bem na minha
cara, a resposta que eu não vi, por quanto tempo eu não vi…? Não.
Me recuso, não pode ser, não vou continuar com esse pensamento. Dessa forma, peguei
aquilo e guardei, eu acreditei que assim não precisaria lidar com isso mais.
Eu estava enganado…

*
— Ainda acho que você deveria sair desse time. — Disse o pai de Caio, seu Rômulo. —
Você não deveria ter que se esconder só pela aprovação deles.
— Pai… Não é “aprovação”. — Disse Caio irritado. — Só quero evitar que se sintam
desconfortáveis com minha presença no vestiário.
Estávamos no carro, a caminho da escola. Seu Rômulo sempre tocava nesse assunto com
o Caio, insistia que ele merecia um lugar melhor para jogar.
— Eles acham o quê? — Ele balançava a cabeça indignado. — Que você vai prensar eles
contra a parede e tentar beijá-los?
Eu olhei para o Caio e o vi corar até suas sardas sumirem completamente, ele olhou para
mim e comecei a rir.
— Te falar seu Rômulo, impossível não seria… — Falei vendo a cara de desespero do Caio.
— Cala a boca! — Ele pôs o braço em volta da minha cabeça e puxou para me dar um
cascudo.
— Vocês ficam muito bem juntos. — Seu Rômulo falou sorrindo.
Chegando na escola tinha vários alunos com mochilas, barracas, coolers, bolsas de mão e
até cadeiras de praia. O ônibus já estava ali esperando os alunos, o professor Gomez e a
professora Carlota estavam na porta do ônibus verificando as permissões para irem ao sítio.
— Boa viagem! — Gritou seu Rômulo já distanciando o carro.
Antes de irmos em direção ao ônibus, Caio colocou o braço sobre os meus ombros e se
aproximou de mim.
— Ei! — Olhei em volta preocupado. — Pensei que tava preocupado com o time de futebol!
— Eu machuquei o pé. — Ele disse com um sorriso cúmplice. — Deixa eu me apoiar em
você.
— E quando chegar lá? — Perguntei enquanto ele “mancava” do meu lado.
— Vou me curar milagrosamente. — Caio disse, seu rosto nem tremia.
Eu ri e dei uma olhada em torno, Brenda estava rindo alto com suas amigas de sempre,
enquanto Henrique estava com seu grupo, mas olhava para mim. Meu coração deu uma
falhada e rapidamente desviei o olhar, vendo Caio percebi olhar para o Henrique também,
de um jeito estranho, parecia saber de alguma coisa.
— Tudo bem? — Perguntei.
Antes que me respondesse, um dos colegas do time dele se aproximou de nós.
— Opa! Tudo de boa? — Ele perguntou para o Caio, logo percebeu ele mancando. — O que
aconteceu?
— Tá tudo bem, doí um pouco mas vai passar… — Disse Caio fingindo uma cara de dor.
Revirei os olhos, Henrique ainda me olhava, parecia querer falar comigo mas receava se
aproximar. O amigo de Caio olhou na direção que eu olhava e riu.
— Parece que seu ex-amigo tá com dor de cotovelo. — Ele disse olhando para mim. — Eu
também ficaria se fosse substituído por alguém sem mais nem… Aí!
O pé de Caio tinha ido com tudo na canela dele, o fazendo derrubar suas coisas e levar a
mão à perna, no lugar do chute.
— Mas que porra foi essa?! — Ele gritou irritado enquanto pulava para se equilibrar numa
perna.
— Espasmo. — Disse Caio indiferente já com o peso do corpo nas duas pernas.
— Sua perna não tava doendo? — Ele perguntou indignado.
Caio olhou para sua perna, depois fez uma cara de surpresa, olhou pro seu amigo e depois
para mim, com o queixo caído e apontando exageradamente para a perna.
— Meu Deus! Eu tô curado! — Ele gritou de alegria.
— Amém, irmão. — Falei juntando as mãos e fingindo fazer uma oração. — Que Deus lhe
abençoe.
— Amém! — Caio disse fazendo o mesmo gesto que eu.
— Vão se fuder! — Disse o mais novo ex-amigo de Caio, pegando suas coisas e indo
embora entrar no ônibus, olhou por cima do ombro e disse. — Espero que um entre no cu
do outro e se divirtam!
Não sei se foi carma, ou apenas falta de atenção, mas ele acabou batendo a testa na lateral
do ônibus, perto da porta. Ele xingou bem alto, enquanto os outros alunos riam da cara dele,
eu mesmo gargalhei bem alto.
— A gente ainda nem chegou lá e já tô me divertindo horrores. — Falei rindo.
Percebi Henrique rindo olhando na direção do ex-amigo de Caio, logo se voltou sorrindo
para mim. Eu não via seu sorriso a quase um mês, aquilo me desestabilizou, as borboletas
ameaçaram voar, mas desviei o olhar e ignorei a sensação.
— Vamos entrar. — Falei para Caio.
E fomos em direção ao ônibus.

Dentro do ônibus decidi sentar no meio, no corredor e deixar o Caio na janela, assim poderia
ficar conversando com a Brenda que sentaria também no corredor do meu lado. Na janela
ao lado dela sentava uma das amigas de seu grupo, chamada Eduarda. Ela era bem bonita,
tinha cabelos loiros e ondulados, usava uma faixa no cabelo, mesmo não tendo olhos
verdes como Brenda, chamava mais atenção, talvez pelos olhos castanhos penetrantes ou
pelas sobrancelhas grossas que realçava seu olhar. Não era muito simpática, agia como se
fosse uma patricinha de filme adolescente, mas sinceramente eu não me importava pois ela
nem se dava ao trabalho de falar comigo. Queria entender por que Brenda tem amizades
assim, pensei vendo-a colocar os fones de ouvido e se acomodar na janela para dormir.
O professor Gomez e a professora Carlota finalmente entraram no ônibus, mas antes de
partir, a professora Carlota pegou um microfone para fazer um discurso. Ela tinha uns 57
anos, usava óculos grossos e um vestido azul-escuro que ia até depois do joelho, tinha
tatuagens nos braços e era a professora favorita do nosso ano.
— Muitos aqui estão indo pela primeira vez ao sítio amor eterno. — Disse professora Carlota
com uma certa emoção exagerada. — Saibam que foi nessa mesma viagem que conheci o
amor da minha vida, Eugênia, que sempre esteve do meu lado. — Ela segurou uma aliança
pendurada num colar de forma nostálgica. — É dito que quem se declarar no lago do amor
eterno, a meia-noite, seu relacionamento durará para sempre, mesmo isso sendo uma lenda
de 40 anos atrás, muitos casais são formados nesse acampamento. — Ela nos observava
com ar saudoso. — Espero que todos aqui se divirtam muito, e quem estiver buscando o
amor saiba que encontrará, quem não estiver saiba que pode aparecer sem aviso.
— Ela fez o mesmo discurso cringe no ano passado. — Disse Brenda se inclinando e
sussurrando para mim. — Esse evento todo é só pra fuder numa barraca, pra que estragar
com esse papo furado.
— Você é muito romântica. — Falei com sarcasmo.
Ela deu de ombros, alguém do fundo gritou “vamos logo, queremos chegar ainda hoje!”, e os
outros alunos riram.
— Se mais alguém interromper, eu vou tacar para fora desse ônibus. — Disse o professor
Gomez no microfone que Carlota segurava.
Todos ficaram em silêncio.
— Para finalizar e irmos embora de uma vez… — Disse a professora Carlota rindo. —
Aproveitem cada segundo que vocês têm com quem vocês amam. — Ela olhou para sua
aliança. — Nunca se sabe quando irá acabar.
Ela entregou o microfone para o professor Gomez que começou a explicar as regras do
acampamento, algo que ninguém deu a mínima. Se tivesse um prêmio para “professor que
mais cagam”, Gomez iria ganhar, pensei com pena.

— Posso falar com você? — Perguntou Henrique para Brenda.


Nos viramos para ele sem entender nada, ainda faltava uma hora para chegarmos ao sítio,
ele se apoiava na poltrona de Brenda esperando sua resposta, até Eduarda o olhou sem
entender nada.
— Claro… — Ela olhou para mim e eu apenas dei de ombros.
— Acho que nunca na minha vida vi Henrique falar com Brenda por livre e espontânea
vontade. — Disse Eduarda os observando irem para o fundo do ônibus.
— É… Nem eu. — Falei mais para mim mesmo do que para ela.
Caio tinha caído no sono ao meu lado, decidi falar com meu pai e perguntar sobre déjà-vu,
que ainda se recuperava da castração.

Eu: Cmo tá meu gato


Alcoólatra: Já vesti o gato para a proteção, ela não vai arrancar os pontos.
Alcoólatra: Esse bicho solta muito pelo.
Eu: Tem que passar a escova nela.
Alcoólatra: O bicho é seu eu q tenho q cuidar?

Ele me enviou uma foto dele vestindo uma meia velha com buracos e comecei a rir, quando
ia responder, Brenda gritou no fundo do ônibus.
— O QUÊ! — Brenda estava de queixo caído olhando para Henrique. — VOCÊ…!
Ele imediatamente tampa a boca dela, todos no ônibus olhavam para eles sem entender
nada. Ele olha em volta e dá um sorriso amarelo, quando seus olhos bateram em mim eu
desvio o olhar, pego os fones de ouvido e sigo o exemplo da Eduarda e ouvir música. Decidi
não olhar para trás.

— Quero ir pra casa! — Gritei depois de tentar firmar a maldita barraca pela décima vez.
— A gente chegou não tem nem duas horas! — Gritou Caio arrumando as coisas dentro da
nossa barraca.
À minha volta, todos os meus colegas e outros alunos de outras salas do segundo ano, a
maioria já tinha terminado de montar suas barracas, os professores iriam dormir na casa
grande, o que significava que ficaremos livres a noite. O jantar já seria servido, eu já estava
ficando louco com aquela ideia Imbecil de me enfiar no meio do mato.
— Alguém poderia me lembrar por que concordei em vir? — Falei finalmente firmando a
barraca. — Finalmente.
— A gente veio para ficar sozinho numa barraca perto do lago amor eterno… — Disse Caio
sorrindo para mim e então sussurrou. — Eu vejo isso como algo romântico.
— Para quem tá tentando esconder, tá fazendo um péssimo trabalho. — Sussurrei de volta,
me abaixei e peguei minha mochila. — Eu vou tomar banho, já volto.
Os banheiros não eram muito longe, mas eram um pouco isolados, o interior lembrava o
vestiário do colégio, então como de costume dei uma olhada para ver se tinha muita gente.
Estava vazio, provavelmente por que todos já tinham terminado de arrumar as barracas e
tomado banho mais cedo. Entrei na cabine e antes de abrir o chuveiro ouvi vozes, era
Henrique conversando com outra pessoa.
— Estou surpreso. — Henrique falou para alguém. — Nem os professores sabiam, outra
escola participando do acampamento, não faz muito sentido.
— Bom, estão do outro lado do lago. — Disse uma voz masculina. — Mas vamos vê-los na
casa grande.
Essa voz, Henrique tá falando com o Júlio? Me perguntei curioso, Júlio fazia parte do grupo
de amigos de festa dele… Percebi que a vida dele não era mais da minha conta, e ele
provavelmente só esconderia isso de mim também. Não estava mais a fim de ouvir a
conversa, nem dava para ouvir direito, mas não podia sair, minhas roupas estavam
penduradas do lado de fora…
— E as coisas com o Bruno? — Júlio perguntou.
Ok, agora tô curioso, pensei escutando com cuidado.
— Ainda nada… Ele nem chega perto de mim. — Disse Henrique com voz melancólica,
merda não consigo escutar tudo! Pensei, irritado. — Desde que ele descobriu algumas
coisas que fiz…
— Mas você falou que… — A voz de Júlio foi abafada por um motor de um carro que
passava.
— Não, mas vou contar… Vou contar quando estivermos sozinhos. — Estava com
dificuldade de ouvir a voz de Henrique.
— Eu sei que não é da minha conta, mas você já devia ter contado pra ele desde o ano
passado. — Júlio disse de forma misteriosa.
Ano passado? Pensei sem entender.
— Eu ia, mas fiquei adiando, queria já ter contado a ele, mas eu tava com medo... —
Henrique disse com a voz hesitante.
— Eu entendo, de verdade, mas você conseguiu contar pra Brenda e pro Caio, então falar
pro Bruno não será difícil. — Júlio falou calmamente.
Brenda? Caio? Eu só estava recebendo informação pela metade.
— Mas… E se ele não quiser estar comigo…? — Henrique perguntou com a voz tremida.
— Então isso é problema dele. — Ele falou de forma séria. — Ele já não tá falando com
você, o que você realmente tem a perder?
Ficou um silêncio muito desconfortável no banheiro, tentando ouvir qualquer sinal de que
eles iriam sair ou continuar ali.
— É… Acho que não tenho escolha. — Disse Henrique. — Vamos, temos que jantar.
Ouvi os passos deles se distanciando, esperei alguns minutos e liguei o chuveiro. Foi difícil
não pensar em outra coisa naquele momento, tudo que eu mais queria era saber o que
Henrique estava com tanto medo de contar. Brenda e Caio sabem… Pensei, será que se eu
perguntar a eles, vão me contar?

— Não posso te contar. — Brenda respondeu secamente.


Estávamos na casa grande, no dia seguinte, almoçando, eu sentado do seu lado, enquanto
Caio estava na fila para pegar a comida dele. Desde ontem não parava de pensar sobre a
conversa que ouvi no banheiro, depois do jantar, voltando a barraca de noite eu não estava
com muita cabeça para ficar agarrando o Caio, então falei estar com dor de cabeça e
dormimos de conchinha, não tive coragem de perguntar a ele. Não dormi nada, passei a
manhã toda tentando falar com a Brenda, que parecia fugir de mim.
— Brenda, eu to enlouquecendo! — Falei gesticulando com veemência. — Parece que todo
mundo sabe de algo menos eu! Eu preciso saber!
— Ele vai te contar, é algo importante… — Ela olhou a sua volta e depois se virou para mim
e sussurrou. — Você entendeu errado, tudo o que aconteceu, você tá matando ele deixando
de falar com ele, por favor volta a falar com ele, confie em mim.
De todas as pessoas do mundo que eu podia confiar, Brenda não era uma delas.
— Eu vou se você der um soco nele. — Falei cruzando os braços.
— Quê? — Ela me olhou como se eu fosse louco.
— É o que você ouviu, eu confiarei em você e falarei com ele se der um soco no Henrique,
ele merece pelas coisas que fez com você. — Me voltei para o meu prato e dei uma garfada.
— Se ele concordar em levar o soco, sem reclamar, vou acreditar que isso tudo foi um mal-
entendido, que ele realmente quer resolver as coisas e não está enrolando.
— Tem que ser agora ou pode ser depois? — Brenda perguntou me encarando séria.
Eu fiquei surpreso, estava exagerando claro, mas vê-la levando a sério meu pedido me fez
querer que ela fosse até o final.
— Agora, na frente de todo mundo. — Disse com seriedade. — Você vai se levantar, vai até
o Henrique, vai pedir para socar ele e explicar que se ele deixar você soca-lo, eu vou
acreditar que é apenas um grande mal-entendido e vou voltar a falar com ele. — Falei
calmamente.
Quando terminei de falar, ela se levantou e foi até onde o Henrique estava sentado. Ela o
cutucou, ele olhou para ela surpreso, ela falou no ouvido dele, ele olhou para mim e depois
para ela, sem hesitar ele se levantou e concordou com a cabeça. Ah, não, não pode ser
sério, pensei, então Brenda cerrou o punho, Henrique fechou os olhos, ela se preparou e
deu um soco acertando o olho do Henrique. Todos à volta deles ficaram em choque olhando
Henrique cair sentado onde estava almoçando sem acreditar, Brenda sacudiu a mão que
tinha usado para bater fazendo cara de dor e voltou para onde estava sentada.
— Amei! — Ela disse ignorando os olhares curiosos.
Olhei para o Henrique sem acreditar, com o olho já inchando, pegar a bandeja e vir até
nossa mesa. Acho que nunca vi ninguém tão feliz por levar um soco no olho… Se sentou na
minha frente com um grande sorriso.
— Quer dizer que vai voltar a falar comigo? — Ele perguntou animado.
— Sim… Mas ainda quero saber a verdade. — Falei desviando o olhar. — Preciso saber a
verdade.
Eu o ouvi engolir em seco, voltei a olhar para ele e o vi abrir a boca para falar algo, mas
Caio chegou e ele se limitou a apenas continuar comendo.
— Que rolou ali, Brenda? — Caio perguntou e olhou Henrique. — Cê tá bem?
— Melhor impossível. — Disse Henrique sorrindo genuinamente.
Eu tô cercado de malucos… Pensei assustado.

De tarde o acampamento começou com as atividades, teve tirolesa, arco e flecha, gincana,
um pequeno tour pela casa grande e sua grande história de amor que deu origem ao nome
do sítio… Eu tô cagando para isso, tudo o que quero é ouvir o que Henrique quer tanto me
falar. Foi impossível ficar sozinho com ele, os professores não nos deixavam fugir da
atividade e ainda ameaçaram tirar ponto que não participasse. Nossa, isso não acaba
nunca, pensei desesperado.
Henrique por outro lado parecia nervoso, conversávamos banalidades, ele parecia satisfeito
em estar perto de mim, era estranho estar perto dele de novo desse jeito, sentindo a todo
momento as borboletas querendo sair de mim, mas admito que estava feliz, tinha sentido a
falta dele.
Então, finalmente a última atividade antes que ficássemos livres, nadar no lago. Pelo visto
nos juntaríamos a outra escola que estava acampando do outro lado do lago, quando eles
vieram tive a surpresa: Thiago estudava nessa escola.
Quando me viu, ficou surpreso, logo notou Henrique e Caio do meu lado e veio até nós.
— Uau, que coincidência! Um reencontro desses… — Thiago notou o olho do Henrique. —
Cara, o que rolou no teu olho?
— Ele escorregou e caiu no punho de uma amiga nossa. — Falei revirando os olhos. — Que
tá fazendo aqui, cadê a sua namoradinha?
— Ah, ela era passatempo, já dispensei ela… Por quê? Ficou com ciúmes quando me viu
com ela? — Ele perguntou de forma ridícula.
— Sim, morrendo, minha vida parou depois que vi vocês juntos… — Disse com sarcasmo
carregado.
— Vocês se encontraram antes? — Perguntou Henrique, confuso, ele se virou para mim. —
Por que não me contou?
— Não achei importante contar. — Falei dando de ombros.
— Nossa! Me sinto mal valorizado… — Disse Thiago fingindo mágoa.
— Não é como se você tivesse algum valor mesmo. — Respondi ácido, então me virei para
Caio. — Vamos pegar nossa roupa de banho?
— Vamos. — Caio disse e olhou para Thiago nervoso.
Fomos buscar e vestir nossas bermudas para nadar, quando voltamos Henrique nos
esperava de bermuda e sem camisa, quando me viu pareceu prestar atenção em mim
atentamente, senti meu rosto corar, seus ombros largos e seu peitoral pareciam mais bem
trabalhados, a barriga dele estava bem definida, era difícil desviar o olhar. Logo Thiago
apareceu já com a roupa para nadar, quando me viu suas sobrancelhas levantaram.
— Uau, alguém anda malhando. — Ele chegou ao meu lado e pegou meu braço. — Me
lembro da minha mão dar a volta quando segurava você, pelo visto…
Puxei meu braço de volta com nojo, mas antes que eu pudesse falar algo, Brenda apareceu
no seu biquíni rosa e veio até nós.
— E aí, animados? — Ela perguntou sorrindo.
— Mentira! Brenda? — Thiago perguntou olhando para Brenda de cima a baixo. — Tá uma
delícia viu…
Brenda o olhou com nojo, não se deu nem o trabalho de responder, apenas me puxou pelo
braço em direção ao lago.
— Vamos! A água tá ótima! — Ela disse olhando por cima do ombro.
Todos os alunos pareciam se divertir, as garotas do grupo da Brenda e algumas meninas da
outra escola estavam deitadas à margem do lago tomando sol, enquanto a maioria dos
outros alunos ou nadava, ou ficavam sentados mexendo no celular. Tinha um píer velho no
lago onde alguns ficaram sentados observando os outros a nadar, eu fui uma dessas
pessoas.
— Não vai entrar? — Perguntou Thiago sentando do meu lado.
Não respondi, só sentei um pouco mais longe dele.
— Ok, ok, você não gosta de mim, já entendi. — Ele continuou a falar. — Mas sabe acho
que seria divertido a gente dar uns pegas.
Olhei para ele sem acreditar.
— Só por cima do meu cadáver. — Falei com cara de nojo.
— Bancar o difícil não combina com você. — Ele disse alisando o bigode ridículo da cara
dele. — Cadê aquele menino submisso que eu gostava tanto?
— Foi mal, Mario bros, mas eu não quero nem ouvir sua voz agora, vai embora. — Falei
sem olhar para ele.
Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, alguém o empurrou e ele caiu no lago, me virei
e vi Henrique com satisfação em seu rosto, ele se sentou do meu lado e deu de ombros.
Thiago subiu no píer e olhou para o Henrique com ódio no olhar, mas ele apenas se afastou
e foi embora.

Estava no píer, eram 11 e meia da noite, escutava música enquanto apreciava a visão do
lago. Dava para ver a fogueira do outro lado do lago, onde os alunos da escola de Thiago
estavam provavelmente bebendo, contando histórias de fogueira ou alguém com um violão
surgindo do nada para tocar uma música de improviso. Eu tinha quase certeza dessa última,
pois dava para ouvir daquele lado do lago um som de violão desafinado, então decidi pôr os
fones de ouvido. O pessoal da minha escola também estava fazendo uma fogueira, mas não
estava com ânimo para aquela atividade social toda, decidi ficar sozinho um pouco no lago.
Os fones de ouvido sempre foram grandes companheiros e traidores, pois por conta deles
que não notei, atrás de mim, alguém se aproximava, senti a presença de quando esse
alguém já estava perto o bastante, me viro e vejo Henrique atrás de mim. Seu olho estava
bem roxo, o que me fez sentir culpado.
— E aí, ouvindo o quê? — Perguntou Henrique se sentando do meu lado e pegando meu
fone.
— Uma música do U2, eu sei que você odeia essa banda. — Disse sacando o celular. —
Vou trocar.
— Peraí tem uma música que gosto. — Henrique disse pegando o meu celular.
— Qual? — Perguntei.
Ele não respondeu, ele apenas pôs para tocar “I still haven't found what i'm looking for”,
ficamos em silêncio enquanto o som do baixo dava início a música, e logo a guitarra e a
bateria começavam a definir o ritmo, e lentamente o som tomava forma e o cantor da banda
iniciava a música… Era suave, me fazia sentir relaxado.
Falava sobre o esforço de amar alguém.

I have climbed the highest mountains/I have run through the fields/Only to be with you…
(Eu escalei as montanhas mais altas/Eu corri através dos campos/Só para estar com
você…)

Mas ao mesmo tempo sobre a parte do medo de perder.

I have spoken with the tongue of angels/I have held the hand of the devil/It was warm in the
night/I was cold as a stone…
(Eu falei com a língua dos anjos/Eu segurei a mão do demônio/Estava quente à noite/Eu
estava frio como uma pedra…)

Estar nos piores e melhores momentos com aquela pessoa.

You broke the bonds/And you loosed the chains/You carried the cross/And all my
shame/You know I believe it…
(Você quebrou os elos/E soltou as correntes/Você carregou a cruz/E toda a minha
vergonha/Você sabe que eu acredito nisso…)

Sobre “ainda não encontrar o que procura…”

But I still haven't found/What I'm looking for…

Estava sozinho com o Henrique, no píer com uma bela vista para o lago, ouvindo uma
música romântica para caralho, aquela situação fazia meu coração bater a mil por hora, as
borboletas lutavam dentro de mim para sair, eu as segurava com tudo o que tinha.
— Estou nervoso... — Henrique disse com sua voz tremendo.
— Por quê? — Perguntei me virando para ele.
Ele não conseguia olhar para mim.
— Bom, acho que tenho que te contar o que vim contar, afinal se eu não contar… — A voz
dele tremia.
Enquanto a música tocava no fone, eu ouvia os grilos e cigarras, observava o céu limpo e
como meu reflexo no lago revelava o quanto eu mesmo estava com medo. Medo das coisas
mudarem entre nós, medo de ser obrigado a aceitar que Henrique não conseguiria mudar…
E nem eu seria capaz de mudar, mudar o que sinto, meus verdadeiros sentimentos, aqueles
sentimentos que tentei fingir que não existiam, que eu não tinha visto, que guardei achando
que assim eu não pensaria neles, mas sempre esteve ali o tempo todo e agora quem
escondia algo era eu: estava apaixonado pelo meu melhor amigo hétero.
Respirei fundo.
— Não. — Disse simplesmente.
— Não? Como assim “não”? — Ele perguntou se virando para mim confuso.
— Você não precisa falar nada, nada precisa mudar… — Falei dando de ombros. — Eu
senti sua falta, eu fui impulsivo, não deveria ter ficado bravo por você esconder coisas de
mim, não é como se eu te contasse tudo.
Ele refletiu por um momento.
— Você está me escondendo algo? — Ele perguntou hesitante.
— Sim.
— Me conta, eu vou contar o que…
— Não, se não vai ser real, não posso lidar com isso… Com… Isso dentro de mim… —
Falei hesitante. — Vamos esquecer isso, voltar a como éramos antes, vou dispensar o Caio,
vou aceitar quem você acha que deve ou não ficar comigo.
Ele me olhou sem acreditar.
— Mas… Você e o Caio… — Henrique gaguejava.
— Eu não gosto dele. — Falei dando de ombros. — Serei amigo dele, e só. — Comecei a
me levantar. — Vamos, o pessoal tá na fogueira…
Henrique me puxou, me impedindo de levantar, eu o olhei surpreso.
— Cara… O que você… — Eu tentava formular uma frase.
— Você não vai fugir. — Ele disse me olhando intensamente. — E nem eu.
— Não, me solta... — Eu comecei a entrar em desespero.
— Me ouve, eu levei um mês inteiro para tomar coragem para te dizer o que irei dizer. —
Sua respiração era pesada. — Só porque você resolveu mudar de ideia agora, depois de eu
ter levado um soco para finalmente convencer você a me ouvir, isso não significa que você
não vai me escutar.
A música ainda tocava nos fones de ouvido, eu estava bem perto do rosto dele, sentia sua
respiração próxima a minha boca. Comecei a tremer, eu não faço ideia do que ele vai dizer,
mas sei que depois vai ser a minha vez de contar a ele… Pensei nervoso.
Ele me olhou por um tempo, respirou fundo e disse a última coisa que eu esperava ouvir.
— Eu fiquei com ciúmes, foi por isso que fiz tudo aquilo. — Henrique tinha seriedade na voz.
— Todas aquelas atitudes infantis, todas mesmo… Eu estava com ciúme.
Eu o olhei sem acreditar, pisquei várias vezes, achando que tinha ouvido errado.
— Bruno, eu te amo. — Henrique disse com a voz tremida e continuou. — Eu te amo a
muito, muito tempo, e por muito tempo eu neguei isso por estar com medo, medo do meu
pai, medo do que as pessoas pensariam, medo de perder nossa amizade, mas agora… Meu
único medo é perder você, não sou capaz… De continuar sem você, então por favor… Me
dá uma segunda chance… Mesmo que você não sinta o mesmo por mim, eu…
Eu levei minhas mãos até seu rosto e o puxei para mim, as borboletas dentro de mim se
libertaram antes mesmo que eu pudesse tentar impedir, eram milhares voando à nossa
volta. Eu estava feliz, nunca tinha me sentido tão feliz como naquele momento em que o
beijei, em que senti seus lábios contra os meus, minha língua na sua boca dando voltas na
sua língua, a respiração intensa dele contra meu rosto, suas mãos me envolvendo e me
abraçando com força. O mundo se desfez à nossa volta, nada mais importa, a não ser nós e
as borboletas azuis.

Capítulo 9: Sempre estive aqui…

Ainda me lembro do dia que vi o Bruno pela primeira vez.


Eu tinha sete anos, a professora disse que teríamos um aluno novo naquele ano, que
deveríamos tratar ele muito bem. Quando ele entrou na sala, de cabeça baixa, com sua
blusa branca com fogos de artifício azul, tive o desejo imenso de ser amigo dele. Não foi um
pensamento, ou algo que ele fez para eu querer isso, eu apenas senti que eu e ele nos
daríamos muito bem.
Ele era o menor aluno da sala, tinha olhos grandes e castanhos, seu cabelo era naquele
corte estilo tigela, o que eu achava bem engraçadinho. A professora perguntou se ele queria
se apresentar, ele negou com a cabeça e sentou no fundo da sala.
— Ele parece uma menina. — Murmurou Thiago, que estava sentado na minha frente.
A turma toda riu, fazendo com que Bruno se encolhesse no seu lugar e evitasse ao máximo
olhar para os outros alunos. Aquilo foi o começo dos problemas dele…

*
Thiago constantemente perseguia Bruno, ele era o maior aluno da sala e o intimidava
sempre que podia; roubar suas roupas depois da educação física, o obrigando a pegar
roupas no achados e perdidos, roubava seu lanche e jogava no lixo, quando Bruno dormia
na sala durante o recreio, Thiago ia sorrateiramente até ele com uma caneta permanente e
desenhava no seu rosto. Bruno não dizia nada, fugia constantemente, não se defendia, tinha
medo dele.
Eu olhava tudo aquilo e me sentia mal, ninguém tinha coragem de defendê-lo pois tinham
medo de se tornarem alvos também. Aos poucos fui secretamente ajudando Bruno, se
Thiago roubasse suas roupas, eu as devolvia no achados e perdidos, se jogava seu lanche
no lixo, eu comprava algo na cantina e deixava na sua mesa sem ninguém ver, se
desenhasse no seu rosto com canetinha permanente, eu pedia a professora um pouco de
álcool e algodão e deixava na mesa dele para quando acordasse.
Quando Thiago trouxe um batom e tentou passar no Bruno, aquilo foi a gota d’água para
mim, fui até ele e o soquei na cara. Quando ele estava caído no chão, puxei o Bruno e o
coloquei atrás de mim, peguei o batom que Thiago trouxe, subi em cima dele e quando
estava prestes a enfiar o batom na boca dele a professora chegou. Acabei não levando
suspensão, Bruno me defendeu e disse que quem tinha começado foi o Thiago, acho que foi
a primeira vez que tinha ouvido a voz dele, Thiago foi suspenso por uma semana, eu levei
uma advertência.
Meu pai, quando soube, ficou orgulhoso de saber que tinha ganhado a briga, ele se gabou
de eu ter puxado ele, minha mãe por outro lado ficou muito contrariada com a atitude do
meu pai.
— Romário, pelo amor de Deus! — Minha mãe gritou com ele enquanto meu pai
comemorava minha “vitória”. — Você está dando um péssimo exemplo…
— Ora, Carmem, meu filho agiu como um homem! Ele fez o certo!
Sinceramente, eu estava feliz pelo meu pai estar tão orgulhoso de mim, mesmo que do jeito
distorcido dele.
No dia seguinte, Caio já tinha contado para todo mundo sobre a briga que ganhei contra o
Thiago, me chamaram de herói quando entrei na sala, quando Thiago voltou para escola
depois de uma semana ele já tinha perdido todo o poder que possuía, não demorou muito
para trocar de escola. Bruno me agradeceu e começou a se aproximar de mim, isso me fez
muito feliz, me bastava.

*
Nas primeiras vezes que ele sentou do meu lado, na hora do recreio e na sala, me
cumprimentava e ficava em silêncio. Percebi que ele não era de falar, era do tipo ouvinte,
quando eu falava, ele realmente ouvia, fazia perguntas, confirmava ou negava com a
cabeça. Falava dos meus desenhos favoritos, da comida que gostava e desgostava, dos
jogos que jogava… Ele só me falava sobre ele quando eu perguntava, o que não me
incomodava, sempre gostei mais de falar.
Desde então sentávamos juntos, brincávamos juntos e até nas festas juninas nós dançamos
juntos; meus outros amigos não entendiam minha amizade com Bruno, mas isso nunca
importou para mim, estar com ele me bastava.
Quando ganhei meu Playstation dois, ele veio à minha casa jogar comigo. Meu pai o
conheceu pela primeira vez e não foi com a cara dele, quando Bruno foi embora ele disse
para não ser mais amigo dele.
— Eu acho que ele é uma péssima influência. — Meu pai balançava a cabeça em
desaprovação. — Ele parece uma menininha, pelo amor de Deus.
Depois disso, eu não trouxe o Bruno para casa, e nunca mais toquei no nome dele perto do
meu pai. Minha mãe, pelo contrário, adorava ele.
— Ah! Ele é tão educado… Chame ele aqui mais vezes, eu não conto pro seu pai. — Minha
mãe disse depois que meu pai reclamou do Bruno.
Então, quando meu pai não estava em casa, Bruno vinha e passava a tarde comigo, minha
mãe fazia lanche para a gente, jogávamos videogame e assistíamos desenho. Para o meu
pai, meu melhor amigo era o Caio, já que o pai dele era seu melhor amigo, e apenas minha
mãe sabia a verdade, ela então se tornou minha cúmplice na minha amizade com o Bruno.
Nas vezes que meu pai estava em casa, eu ia até a casa do Bruno, assistia televisão e
comíamos a pipoca que a mãe dele fazia. Ela era muito introspectiva, sempre observava,
mas não falava muito. Ao contrário do pai dele, que sempre conversava bastante e às vezes
até assistia o desenho conosco.
— Essa daí é a namorada do He-man? — Perguntou seu Márcio, pai de Bruno.
— É a irmã dele. — Respondeu Bruno bastante concentrado na televisão.
— Quem você prefere, filho, essa mulher ou o He-man. — Seu Márcio perguntou.
— Pra mim são iguais, eles têm até os mesmos poderes. — Disse Bruno dando de ombros.
O pai dele era mais baixo que sua mãe, ele era gordo, tinha um cabelo cheio e castanho
que batia no ombro, sempre estava de regata e com uma cerveja na mão. Quanto a mãe de
bruno, ela tinha cabelo preto, liso de escorrer, usava sempre uma blusa de frio, até mesmo
em dias quentes, não tinha as orelhas furadas, o que estranhei muito quando a vi pela
primeira vez, já que nunca tinha visto uma mulher sem brincos. Eles não pareciam combinar
em nada, mas sempre se tratavam com carinho.
Continuei trazendo Bruno em segredo a minha casa sem meu pai saber, mas não durou
muito tempo. Infelizmente, meu pai se aposentou da marinha um tempo depois, quando eu
tinha oito anos, então parei de trazer o Bruno pois ele sempre estava em casa. Minha mãe
ficou triste com isso, mas não tinha muito o que fazer, apenas me tornei mais frequente na
casa do Bruno, o que não incomodava os pais dele enquanto ele ficava sempre feliz com
minha companhia, eu também ficava feliz, isso me bastava.

Com nove anos, Bruno faltou à escola durante uma semana, então fui até lá para levar o
dever de casa e a matéria que ele perdeu na sexta daquela semana. Quando cheguei, seu
Márcio atendeu, ele parecia acabado, barba por fazer, olhos inchados, estava com uma
blusa toda furada e uma calça de pijama, parecia que não via um chuveiro a um tempinho.
— Oi, Henrique. — A voz dele era de choro. — Desculpa, mas pode voltar outro dia… As
coisas estão… Complicadas aqui em casa.
— Eu vim entregar o dever e a matéria do Bruno. — Falei tentando olhar para dentro da
casa. — Só vou entrar e explicar o que ele perdeu.
Antes que ele pudesse negar, ouvi Bruno chorando, seu Márcio olhou para trás e Bruno
apareceu ali, com um pijama todo amassado, abraçado a um cachorrinho de pelúcia, olhos
inchados e com o cabelo todo bagunçado.
— Papai… — Ele murmurou choroso. — Eu quero a mamãe…
Ele foi até ele e deu um abraço, eu entrei e deixei minha mochila num canto perto da porta e
me aproximei dos dois.
— Eu tô aqui filho… — Seu Márcio dizia chorando. — A mamãe… Não vai mais poder estar
aqui…
Ele secava as lágrimas do Bruno, ele fungava e enterrava o rosto no peito dele.
— Olha… Eu vou pedir pizza, vou ligar para a pizzaria e vamos comer sua pizza favorita! —
Seu Márcio se levantou e foi até o telefone.
Bruno esfregava o rosto tentando parar o choro, ele olhou para mim com seus olhos
vermelhos.
— O que aconteceu? — Eu perguntei preocupado.
— Mamãe foi embora sem falar nada… — Ele dizia com as lágrimas ameaçavam voltar. —
Ela só saiu pela porta… Ela não me ama mais…
Eu o abracei com força, deixando ele chorar no meu ombro.
— Você não precisa dela. — Falei com vontade de chorar. — Eu e seu pai te amamos.
— Não vai embora… — Ele murmurou.
— Não vou… — Respondi sentindo as lágrimas no meu rosto.
Foi o primeiro fim de semana que passei na casa do Bruno, liguei para minha mãe e
expliquei a situação, ela trouxe minhas roupas e falou que avisou meu pai que eu estava na
casa de um amigo, ela me deu um sorriso cúmplice quando disse isso. Também levou
comida pronta para a gente comer na janta, para que o pai de Bruno não pedisse comida de
novo, seu Márcio pediu desculpas pela situação.
— Não é culpa sua, Márcio. — Ela respondeu e lhe deu um abraço. — Venho buscar
Henrique no domingo.
Naquele dia, seu Márcio tomou seu primeiro banho da semana, e Bruno sorriu apenas no
dia seguinte, quando fomos ver desenho. Com o tempo, Bruno se tornou mais próximo e
aberto de mim, falava mais, me abraçava mais, passava as tardes na casa dele, finais de
semana. E com o tempo, eu só queria estar sempre ao seu lado, parecia se tornar apenas
mais forte aquele desejo, que eu acreditava ser apenas de ter uma grande amizade com ele,
isso bastava.

Meu pai sempre teve grande amizade com seu Rômulo, pai de Caio. Eles se conheciam
desde a época da marinha, quando serviram juntos.
— E pensar que esse boiola medroso na fila de recrutamento se tornaria meu parceiro! —
Gritou meu pai bêbado depois do jantar. — Você é foda!
— Romário! Não fala assim na frente das crianças! — Gritou minha mãe.
— Deixa eles… — Murmurou dona Andréia, esposa de Rômulo. — Logo eles sossegam…
Eu e Caio estávamos jogando na sala, ignorando as conversas de adulto sobre o passado
deles, meu pai repetia a mesma história sempre que estava bêbado.
— O Bruno é legal? — Perguntou Caio do meu lado.
— Muito, só é meio caladão. — Respondi enquanto atirava numa nave.
— Ele parece ser bem legal… — Caio murmurou de forma pensativa. — Nós três devíamos
passar o recreio juntos.
Olhei para ele um pouco surpreso, por alguma razão aquela ideia não me agradou.
— Eu e você não vamos ser amigos. — Falei e voltei a jogar.
— Mas podíamos ser! — Gritou Caio irritado.
— Bom, eu não quero! — Gritei de volta. — Seu burro!
— Você que é burro!
Larguei o controle e fui pra cima dele e começamos a brigar, minha mãe viu e veio separar a
gente, enquanto os outros três adultos nos observavam de longe.
— Parem com isso! — Minha mãe gritou.
Logo paramos e esperamos o sermão.
— Deixa eles, Carmem. — Disse meu pai grogue. — Isso aí é normal, coisa de moleque…
— Não quero saber! — Ela gritou para ele. — Na minha casa, não quero brigas!
— Você tá exagerando, Carmem… — Disse dona Andréia de sua forma vaga. — Eles só
estão brincando…
— Não faça isso de novo, entendeu? — Minha mãe perguntou olhando para mim.
— Sim, mãe… — Falei olhando para o chão.
— Desculpa dona Carmem… — Disse o Caio sem olhar diretamente para ela.
Ela bufou e voltou para mesa, onde os adultos voltaram para suas conversas de adulto.
— Não fale comigo na escola! — Falei secamente para Caio.
— Não vou! — Disse Caio irritado.
Ele foi sentar longe de mim, me vendo jogar de longe sozinho. Na escola, ele começou a
sentar o mais longe possível de mim na sala, não jogava futebol se eu estivesse no mesmo
time, nem sentava na mesma mesa que eu no refeitório. Meus outros amigos não pareciam
perceber e Bruno nem sabia que Caio e eu tínhamos alguma proximidade, nem queria que
soubesse, não era importante. A única amizade que eu realmente valorizava era a minha
com o Bruno, os outros eram meus amigos, mas não eram especiais para mim, não como
ele.
Passou um ano, depois outro, mais outro e percebi que ninguém conseguia ser mais
especial que Bruno para mim, não importava quantas pessoas eu conhecia, Bruno vinha
primeiro. Comecei a querer tê-lo mais perto do que já o tinha, mas não queria parecer
grudento, sentia que isso faria os outros falarem coisas, coisas que meu pai dizia de forma
negativa. Senti, com o passar dos anos, que ser apenas amigo de Bruno não era o
bastante…

Capítulo 10: Sempre escondi meus sentimentos…

— Você acha que o Bruno curte caras? — Perguntou Caio para mim.
Tínhamos doze anos, estava na aula de natação da escola, sentado no banco, do lado do
Caio. Ele esperava uma resposta, eu o olhava sem entender nada.
— Por que cê tá me perguntando isso? — Perguntei de volta.
— Bom… — Ele olhou ao redor nervoso, e abaixou a voz. — Eu meio que acho ele
bonitinho… Sabe?
— Você é gay? — Perguntei surpreso.
— Não, eu curto meninas também… — Ele falou sem jeito. — Enfim, você sabe se o Bruno
curte ou não?
Bruno e eu nunca falamos sobre isso, na verdade acho que nunca nem pensei muito nisso.
As garotas eram bonitas, mas eu as achava, sei lá, normais? Nada demais, diferente dos
meus amigos que ficavam babando pela Thaís sempre que ela passava. Com o Bruno eu
não sabia, tinha nem ideia, mas não achei que seria bom eu responder isso, se não isso
faria Caio querer se aproximar de Bruno para saber se tinha alguma chance ou não, eu não
gostava da ideia.
— Ele é hétero. — Respondi secamente. — Ele não tem nenhum interesse em garotos.
— Ah… Ok. — Ele respondeu desapontado.
Vi o Bruno sair do vestiário, com sua toca e sunga, indo em direção ao chuveiro perto da
piscina. Sempre que o via assim, eu pensava o quão magro ele era, como sua pele branca
se destacava com a sunga azul que ele usava, sempre dava para ver o quão vermelho
ficava seu rosto quando estava envergonhado, quando saia do vestiário sempre evitava
olhar para os outros. Eu o observei tomando a ducha e me senti levemente hipnotizado,
observando a água escorrer pelas costas, desviei o olhar me sentindo estranho… Por que
tô me sentindo assim? Me perguntei nervoso, ele estava claramente desconfortável vestindo
apenas sunga e touca, eu não devia ficar encarando. Logo depois de se molhar, ele se
cobriu com a toalha e veio na minha direção.
— Eu odeio natação… — Ele murmurou se sentando do meu lado.
— Eu gosto bastante. — Disse Caio do meu outro lado, se inclinava para frente para olhar
Bruno. — Ainda mais no calor.
— Me sinto ridículo… — Respondeu Bruno olhando para os pés. — Não queria ser obrigado
a vir aqui e ficar de sunga.
— Você fica bem de sunga… — Disse Caio olhando atentamente Bruno, como se
esperasse sua reação.
Bruno lançou um olhar de “cara, cala a boca”, depois revirou os olhos.
— Não tente me fazer sentir melhor. — Disse Bruno secamente.
— A gente devia faltar essa aula na próxima… — Murmurei incomodado.
— Pensei que gostasse de natação. — Comentou Bruno intrigado.
— Gosto de polo aquático, ficar nadando de um lado pro outro é chato. — Falei
rapidamente.
— Vai entrar pro time? — Bruno perguntou curioso. — Vai ter o jogo contra aquela outra
escola daqui a uns meses…
— Boa. — Falei sorrindo para Bruno. — Decidido, vou entrar pro time!
Mal sabia eu que iria me arrepender dessa decisão.
*

Estava deitado com o troféu de “atleta mais esforçado”, olhando aquilo e me sentindo triste
por perder o jogo, fiz o meu melhor, mas era lento comparado aos outros jogadores, e sendo
o guarda-rede tinha que ser rápido, não fui o bastante para impedir o gol da vitória do time
adversário… Ouvi alguém bater na porta, estava de costas para a porta e achei que fosse
minha mãe e não respondi, ouvi a porta abrir lentamente e passos na direção da cama.
— Esse troféu é muito Imbecil. — Era a voz do Bruno, me virei surpreso. — A gente devia
quebrar isso.
— O que tá fazendo aqui? Meu pai…
— Ele saiu, sua mãe me chamou para te animar. — Ele disse rindo.
Ele pegou o troféu do meu lado e olhou para ele, levantou as sobrancelhas e depois revirou
os olhos.
— Os caras que mandam fazer essas coisas deviam ser presos… — Ele disse irritado.
Ele colocou o troféu no chão e pisou nele, o quebrando no meio, depois olhou para mim.
— Vem terminar de quebrar essa porra! — Ele gritou animado.
Me levantei sem acreditar, Bruno, a pessoa que sempre agiu de forma madura e sincera,
estava no meu quarto me mandando quebrar um troféu de consolação com pisadas. Abri o
guarda-roupa, coloquei um par de botas, me virei para o troféu e comecei a pisar nele, o
esmagando cada vez mais.
— Isso! Pisa nessa coisa! — Bruno gritava pulando animação. — Esse prêmio ridículo não
diz nada!
Logo, o troféu virou um momento de lixo dourado e esmagado, eu me sentia cansado de
ficar pisando naquilo, mas estava bem melhor que antes. Olhei para o Bruno e ele sorriu,
quase rindo da minha reação.
— Vou pegar uma vassoura e uma pá. — E ele se foi pela porta.
Depois de jogar aquilo fora, fomos para sala assistir um filme, alguma coisa em francês com
pessoas azuis gigantes, eu não entendia nada que tava acontecendo.
— Descobri esse filme por acaso. — Bruno falava animado e gesticulando bastante. — São
sobre os “Draags”, eles escravizam os “Oms” para serem seus animais de estimação, aí
eles organizam uma rebelião usando um dispositivo para aprenderem coisas sobre o
planeta.
Ele fica fofo animado desse jeito… Fofo? Pensei me sentindo envergonhado.
— Sério, esse filme é ótimo, tô apaixonado. — Ele disse focando totalmente no filme.
— Bruno? — Apaixonado… — Você… já ficou a fim de alguém?
Ele virou para mim com a testa franzida.
— Não, por quê? Você já? — Bruno perguntou curioso.
— Na verdade não… — Murmurei incomodado. — Não seria normal a gente se apaixonar
por alguém?
Ele me olhou por um momento, deu de ombros e se virou para a televisão.
— Sei lá, acho que a gente não deve forçar os sentimentos, vai acontecer naturalmente. —
Ele disse pensativo. — Tipo, tá todo mundo com pressa pra ficar, se apaixonar, mas… O
que vem depois?
— Depois? Namorar? — Perguntei tentando entender o seu raciocínio.
— Sim, relacionamentos são… Complicados. — Ele disse com uma voz reflexiva. — Melhor
deixar as coisas acontecerem naturalmente, sem pressa, eu pelo menos não tenho pressa.
Não falamos mais nada sobre isso, apenas continuamos assistindo ao filme, que era
narrado, sobre pessoas se rebelando contra gigantes azuis de 10 metros. Não sei como,
mas aquele filme foi bem interessante, principalmente com os comentários do Bruno a cada
alguns minutos.
— Olha, presta atenção, isso vai ser muito importante. — Ele sempre dizia um pouco antes
de uma cena importante.
A cada alguns minutos ele apontava para a televisão.
— Ali! Presta atenção! — Bruno gritava e dava tapinhas nos momentos de explicação do
filme.
Tinha momentos que alguns diálogos passavam rápido, então ele contava o que eles tinham
dito rapidamente.
— Agora o narrador vai contar o que vai acontecer… — Ele murmurava animado.
Eu o observava ficar empolgado com um filme, sorrindo enquanto me explicava algo que ele
descobriu que gostava tanto, me sentia privilegiado.
— O que você tá achando? — Perguntou Bruno no meio do filme.
— Tô achando muito interessante. — Respondi com sinceridade. — Eu gosto mais de filmes
de ação ou reflexivos, tipo "clube da luta" ou "amnesia".
— Sei lá, até pouco tempo eu só assistia filmes de terror ou de comédia, nunca achei que
gostaria de filme cult.
— Sabe, nós temos isso de diferente. — Comentei rindo.
— O quê? — Bruno perguntou.
— Você nunca espera que algo aconteça de novo, eu sempre espero que sim. — Falei
rindo.
— De novo isso? — Bruno revirou os olhos.
— Mas é verdade! — Eu disse observando sua reação. — Você sempre diz nunca!
Aquela era a discussão mais antiga da nossa amizade: Bruno dizia constantemente que
nunca mais faria algo de novo, eu dizia que continuaria fazendo sempre. Era quase uma
marca registrada nossa, o que eu achava muito engraçado.
— Eu não digo isso com tanta frequência… — Bruno murmurou mal-humorado.
— Diz bastante… — Disse rindo.
Olhei para ele e decidi sentar mais próximo, sentindo o calor da sua mão próxima à minha,
então coloquei o meu mindinho sobre a mão dele, esperei sua reação, ele não pareceu se
incomodar, então coloquei o anelar, o dedo médio… Minha mão estava sobre a dele, sentia
meu coração bater enlouquecidamente, sentia um frio na barriga, parecia que algo dentro de
mim queria explodir… Como é mesmo a expressão?
— Henrique? — Bruno me chamou.
Olhei para ele nervoso, minha mão ainda estava sobre a dele.
— O quê? — Perguntei com a voz quase apagada.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, depois suspirou.
— Nada… — Ele disse simplesmente.
Senti a mão dele envolver a ponta dos meus dedos, fazendo com que eu lembrasse da
expressão: fogos de artifício. Sentia isso, mas estava certo? A gente sente isso quando
gosta de alguém… Bruno é meu melhor amigo, não deveria sentir isso, pensei. Mas não tirei
a mão, apenas quando precisei ir ao banheiro, e tentei me segurar ao máximo para não ter
que levantar e soltar a mão dele.
Não peguei de novo quando voltei.

Quando tinha 12 anos, houve uma excursão no museu do centro, fiquei desanimado,
mesmo ganhando ponto extra, não era obrigatório e minhas notas na matéria de artes
estavam boas. Não queria gastar meu sábado vestindo uniforme para ir ao museu ver
quadros pintados por alguém que já morreu… Mas Bruno estava animado, disse que iria,
então eu decidi ir. Quando ouvi o nome do artista na sala, um dia antes da excursão, decidi
pesquisar um pouco sobre suas pinturas. Salvador Dalí, um pintor surrealista, morreu quase
no início dos anos 90, adorava gatos e idolatrava sua esposa, Gala. O seu quadro mais
famoso é “A persistência da memória”, que é aquele quadro com relógios derretidos, eu via
muito essa pintura, principalmente no verão, num meme sobre estar muito calor no rio. Fui
vendo que cada quadro tinha um grande significado, que Gala, seu grande amor, o inspirava
muito e tinha vários quadros sobre sonhos, filosofia da vida… Uma das pinturas que mais
me chamou a atenção foi uma em aquarela, chamada de “o anjo caído”. Era uma pintura de
um anjo, que não mostrava o rosto e tinha várias gavetas abertas pelo corpo, ele parecia
desolado, era magro, tinha a perna esquelética e asas surradas. Quando pesquisei o
significado, me surpreendi: "esconderijos secretos de pensamento", desejos ocultos, com
medo de serem revelados, senti uma conexão com aquela pintura…
Quando chegamos no museu, no dia seguinte, seguimos o tour pelas pinturas, não prestei
atenção na explicação que o guia, do lado da professora Carlota, nos dava sobre cada uma
delas, Bruno era um entretenimento muito maior. Ele via as pinturas e rabiscava algo no
caderno, observava os quadros por bem mais tempo que os outros e rabiscava mais no
caderno. Seus olhos pareciam brilhar para cada detalhe, olhava os informes dos quadros e
fazia mais anotações no caderno.
Carlota, nossa professora de artes, insistia em dizer que a arte em si era representar a vida,
é a forma mais humana e sincera possível de mostrar como a vida é, dizia que a arte era
sincera ao dizer o que sente… Bruno anotava o que ela dizia, pois aquilo obviamente cairia
na prova escrita.
Espiei sobre seu ombro e vi o que ele tanto escrevia e rabiscava: fazia um mapa mental,
pequenos desenhos das pinturas nos cantos da folha de caderno, várias observações sobre
os quadros e deixava sua própria opinião sobre cada pintura.
— Cara, você é muito nerd. — Sussurrei para ele impressionado.
— Eu me interesso por arte. — Ele rebateu. — Diferente de você que veio aqui só porque é
um desocupado.
Revirei os olhos, vim aqui por sua causa, seu idiota, pensei, mas não falei nada.
Ultimamente eu andava tendo muitas sensações perto do Bruno, meu coração acelerava, os
fogos de artifício não me deixavam em paz, sentia necessidade de estar mais próximo dele,
consciente de sua presença e andava provocando ele mais que o normal, apenas como
desculpa para puxar ele com meu braço em volta do seu pescoço e fazer um cascudo nele,
só para senti-lo mais perto. Não tinha coragem de abraçá-lo sem motivo, seria estranho,
talvez o deixasse desconfortável, queria segurar sua mão, às vezes eu colocava minha mão
sobre a dele e fingia que era um acidente quando ele notava, ele mesmo não parecia se
incomodar com o contato, mas… Não queria abusar, poderia acabar fazendo ele não querer
estar perto de mim.
Estávamos atrás do grupo, entediado, então puxei o Bruno por um corredor, fora da nossa
rota, decidi fazer meu próprio tour pelo museu. Ele protestou, mas logo desistiu quando viu
que já estávamos muito longe do grupo. Nós olhávamos as pinturas, eu imitava as imagens
arrancando risadas do Bruno, ele anotava o que estava escrito nos informes dos quadros e
eu o provocava dizendo que ele era todo certinho.
— Eu só me interesso por arte! — Ele disse irritado.
— Vira artista. — Falei dando de ombros.
— É, fosse fácil, já seria. — Ele disse me dando o dedo do meio.
Puxei ele com o braço em volta do seu pescoço e dei um cascudo nele, enquanto ele
protestava e ria, o cabelo dele tem um cheiro muito bom, pensei sentindo meu rosto corar.
Em uma das salas, estavam expostas imagens em aquarela do trabalho que Salvador Dalí
fez para as canções de “Hell” em comemoração do aniversário de Dante. Eram imagens do
tamanho de folhas de caderno, espalhados pelas paredes e dentro de expositores de vidro,
que mostravam livros com as canções, do lado das canções as pinturas.
Não demorei para achar o que queria, lá estava ele, “o anjo caído”, observando mais de
perto, sentia mais afinidade com aquela imagem, os detalhes, as cores, era tudo bem
melhor de perto. Bruno chegou do meu lado e olhou a inscrição da pintura, e então me senti
corajoso por um momento.
— Normalmente. — Falei olhando para a imagem. — Nos quadros de Dalí, quando tem um
anjo, ele significa uma união mística, entre ele e seu grande amor, Gala.
Ele me olhou surpreso, como se eu saber disso não fosse algo que eu normalmente faria.
— Mas nessa pintura. — Continuei. — O anjo tem gavetas abertas, espalhadas pelo corpo,
uma espécie de esconderijos para desejos ocultos, estão abertos, revelados para o mundo.
Peguei na sua mão, e olhei para ele. Bruno me observava, sem parecer entender o que eu
faria em seguida, percebi que nem eu sabia. O que eu tô fazendo? Me perguntei, suando
frio. Eu estava sendo impulsivo, sentia que precisava falar uma coisa, falar como me sentia,
falar do meu coração batendo forte naquele momento, dos fogos explodindo dentro de mim,
da necessidade de me aproximar mais dele… Mas eu não entendia esse sentimento, não
entendia por que, o que era, nunca senti isso antes, não podia ser algo tão forte assim, não
podia ser um sentimento tão profundo, somos amigos, ele é um garoto… Senti medo, então
minha coragem sem sentido foi embora, não disse nada.
— Eu procurei vocês por toda a parte! — A professora Carlota gritou atrás de nós.
Soltei a mão do Bruno, desviei o olhar, me senti envergonhado, senti que aquele sentimento
não deveria estar ali, então o ignorei. Fingi que aquilo não significou nada, menti com tanto
empenho para mim mesmo que até acreditei, acreditei que foi só um momento, confundi o
carinho que tenho por ele em algo maior, diferente de como começou eu apenas acabei com
esse sentimento sem sentido. Voltamos para o grupo de alunos, não falamos sobre o que
aconteceu, Bruno provavelmente nunca entendeu muito bem onde queria chegar com
aquela conversa, nem eu entendia…

*
Algum tempo depois, tomei uma decisão, diferente do Bruno que não iria correr atrás de
uma relação sem sentimento, decidi ficar com alguém mesmo não me interessando por essa
pessoa. Parecia errado, mas meus amigos faziam isso parecer normal, então decidi tentar.
A garota mais bonita do 8o ano era a Thaís, ela era negra de pele clara, tinha olhos
arredondados, lábios carnudos, provavelmente era a menina com maior número de sutiã
daquele ano, usava a saia do uniforme de forma curta, mostrando as pernas, era feminina,
usava maquiagem mesmo sem precisar, seu cabelo era comprido e liso e sempre estava de
unhas pintadas.
— Oi. — Falei me sentando do lado dela no refeitório.
Ela me olhou de cima a baixo e me deu um olhar de aprovação.
— Oi. — Ela respondeu sorrindo. — Tudo bem?
— Melhor agora… — Falei dando meu melhor sorriso.
O primeiro beijo foi uma grande decepção, não sentiu nada, apenas a boca dela contra a
dele, as línguas se tocando, mais nada, nenhum frio na barriga, nenhum coração batendo,
zero fogos de artifício. Duramos dois meses, por dois meses eu a beijei, a toquei, a levei
para sair, segurei sua mão, a exibi durante o intervalo… Mas não senti nenhum tipo de
felicidade, mesmo namorando a menina mais cobiçada, eu tava cagando e andando para
ela.
Quando meu pai soube que eu estava namorando, ele ficou muito feliz, principalmente por
ser com a menina mais bonita daquele ano, lá estava ele se gabando por eu herdar dele o
talento de conseguir a pessoa mais bonita do 8o ano. Minha mãe apenas disse para eu ser
respeitoso com a Thaís, tratá-la bem.
Apenas me convenci de que isso era normal não sentir nada, era meu primeiro
relacionamento, encontraria a garota certa em algum momento, até lá eu poderia só me
divertir e ir conhecendo mais e mais garotas…
Como fui ingênuo…

Capítulo 11: Sempre tive desejo…

A primeira vez que fiquei com um cara foi em uma das vezes que meus amigos me levaram
a um bar na lapa, eu tinha acabado de fazer 16 anos e, mesmo que vendo tudo agora,
analisando cada memória, depois de tanto tempo, parecia tão óbvio todos aqueles
sentimentos… Mas eu estava ocupado demais tentando ser aquilo que mais agradaria aos
outros. Ficando com uma garota atrás de outra, tentando me divertir, ser aquilo que
esperavam de mim, enterrando qualquer que fosse o sentimento que tinha pelo Bruno.
Enquanto o próprio Bruno estava sempre por perto, mas eu mantinha uma certa distância,
não nos abraçávamos como antes, não colocava mais minha mão sobre a dele, evitava ir na
casa dele tantas vezes… Sempre queria estar perto dele, mas se chegasse perto demais eu
poderia acabar “confundindo” meus sentimentos.
O bar que estava era em estilo irlandês, achei o estilo muito bonito, era rústico, com vários
quadros estilizados, mesas e cadeiras de madeira, cardápio cheio de variedades e bebidas
enormes. Minha recém-adquirida identidade falsa, presente do meu amigo Júlio, com meus
outros amigos, nos permitiu estar ali. Não demorou muito, já estava com minha cerveja e
com meus amigos já ficando bêbados, tinha uma banda tocando, pelo que ouvi, um cover do
Linkin Park. O bar estava cheio, a música no talo, estava me divertindo demais, me sentia
leve…
— E as coisas com a Brenda? — Perguntou Júlio com voz baixa, curioso. — Dizem que ele
é uma puta arrogante.
— E daí se ela é uma puta arrogante? — Perguntou Yago, quase gritando e já bêbado. —
Ela é gostosa, mó barbiezinha…
Júlio e Yago eram o perfeito oposto um do outro, viviam em guerra fria, sempre discordando
um do outro, parecia só implicância e provocação, mas era o jeito deles de serem amigos.
Júlio era do tipo reservado, extremamente fiel a como se sentia, por exemplo: se não
gostava de alguém, ele odiava essa pessoa, se alguém o agradava ele trataria essa pessoa
como a mais incrível do mundo. Yago por outro lado adorava falar alto, tentava ser mais
chamativo e “lógico”... Mesmo que sua lógica fosse distorcida. Se alguém o incomodava, ele
apenas ignorava por um bem maior, por exemplo: se a garota fosse uma puta arrogante
mas fosse gostosa, então ele ignorava a personalidade e focava na aparência.
Júlio revirou os olhos, ajeitou o cabelo comprido e preto num rabo de cabelo, olhando
atentamente para Yago, de cabeça raspada, que o imitou e começou a amarrar seu cabelo
invisível, fazendo todos na mesa rirem.
— Uma relação não se baseia em aparências… — Ele respondeu calmamente.
— Relação? Eles não vão casar! — Yago respondeu gritando.
Olhei e ninguém parecia prestar atenção na nossa conversa… Meus olhos pararam num
cara apoiado no balcão que me olhava por cima do ombro, ele sorriu para mim e senti fogos
de artifício.
— Só come ela! Aposto que ela é… — Yago gritava mas sua voz era abafada pela música.
— Vou ao banheiro! — gritei tentando ser ouvido.
Ainda sentia o cara no balcão me olhando, mas evitei seu olhar. Devo tá ficando bêbado,
pensei nervoso.
Apoiado na pia, naquele banheiro imundo, pensei sobre Brenda e nossa “relação”. Mesmo
deixando claro que não queria nada sério, ela parecia ignorar isso e continuar vindo até
mim. Mandava mensagem, me convidava para sair, às vezes dizia que estava sozinha em
casa… Mas nunca fui longe com ela, nem queria, eu fui algumas vezes com outras garotas,
mas mesmo conseguindo ir até o final, me sentia forçado a fazer aquilo… Devia ser natural,
algo que eu iria querer mais e mais, mas quanto mais fazia, menos queria, isso me
frustrava. Mesmo buscando a mais bonita, a mais simpática, o melhor corpo… Nada daquilo
me interessava de verdade, me sentia estranho e tentava ao máximo não dar atenção a
essa sensação de vazio no meu peito.
Olhei para o meu reflexo e fui tirado dos meus devaneios pelo cara do balcão no reflexo.
Agora na luz podia vê-lo melhor, ele tinha olhos escuros como os meus, mas brilhavam de
forma chamativa, cabelo curto, quase raspado, tingido de branco, uma pele bronzeada,
usava uma blusa preta e justa, com estampa da banda Linkin Park e jeans preto; tinha um
corpo bem sarado e um sorriso simpático.
— Oi. — O estranho me cumprimentou.
— Oi… — Respondi um pouco hipnotizado com seus olhos.
— É sua primeira vez aqui? — Ele perguntou indo em direção a pia do meu lado.
— Sim, meus amigos me trouxeram. — Respondi educadamente, mas muito curioso. —
Qual seu nome?
— Nilo. — Ele abriu a torneira e lavou as mãos.
— Nilo? — Perguntei, achando ter ouvido errado. — Tipo… rio nilo?
Ele riu enquanto fechava a água e secava as mãos.
— Meus pais curtem nomes diferentes. — Ele disse rindo. — E o seu?
— Henrique. — Respondi hipnotizado com a forma que a blusa mostrava detalhes do seu
peitoral…
Eu não lavei as mãos! Pensei envergonhado, abrir a torneira muito rápido, espirrando água
na minha camisa e escorrendo para a calça, xinguei e desliguei a água imediatamente
depois.
— Eita! Tomou um banho. — Disse Nilo do seu lado, rindo suavemente.
Que merda! Pensei nervoso, não era normal me sentir assim, eu não ficava nervoso com
qualquer coisa, era só um estranho no banheiro. Um cara, ainda por cima… Peguei um
pouco de papel que tinha na pia e comecei a me secar, Nilo se aproximou e pegou o papel.
— Aqui, deixa eu te ajudar… — Ele começou a secar minha camisa.
— Obrigado, mas não precisa… — Antes que eu completasse a frase, senti a mão dele com
o papel descer até a frente da minha calça, que estava molhada.
Fiquei paralisado, ele não parecia fazer aquilo com má intenção, mas o meu corpo não
entendeu dessa forma. Não demorou para eu sentir o início de uma ereção, me fazendo
sentir meu rosto corar, me afastei levantando as mãos.
— Tá de boa, cara. — Falei tentando sorrir de forma descontraída. — Eu já vou…
— Mas parece que cê se mijou inteiro. — Ele disse apontando para minha calça. — Melhor
esperar secar antes de sair…
Por um momento pensei em sair, passar pelo constrangimento de parecer que estava
mijado só para não continuar próximo dele. Mas isso não seria racional da minha parte,
apenas impulsivo, então respirei fundo e me apoiei na parede atrás de mim.
— Acho que tem razão… — Murmurei.
Ele sorriu e se aproximou, apoiou seu ombro na parede do meu lado, ficando na minha
frente e um pouco próximo demais.
— Me fala de você. — Nilo disse de forma sedutora. — Você por acaso é…?
— Hétero. — Respondi imediatamente o cortando. — Sou hétero.
Ele não pareceu incomodado, nem decepcionado, na verdade ele me olhou de forma
desafiadora. Seu sorriso abriu mais, com certo tom de deboche.
— Sério? — Então ele olhou para a minha calça. — Não parece…
— Ah, pois é, nem tudo é o que parece. — Respondi de forma evasiva e puxei minha
camisa cobrindo a frente da calça.
Misericórdia, pensei constrangido, o que um pouco de água não faz, não é mesmo? Mas eu
sabia que não era só a água, a situação toda me dava uma descarga elétrica no corpo,
pensamentos conflitantes… Queria sair correndo, ficar, me afastar dele, queria beijar… Não,
nem pense nisso! Mas já pensando.
— Parece que muita coisa tá acontecendo aí dentro. — Disse Nilo gesticulando com a
cabeça em minha direção. — Sabe, eu sei de algo que pode relaxar você.
Eu não sabia o que responder, eu sabia onde aquilo ia chegar, mas não tinha força para
negar nada. Ele aproximou o seu rosto do meu, ficou parado a centímetros do meu rosto,
sentia sua respiração contra o meu rosto.
— Posso? — Ele perguntou olhando para minha boca.
Ele esperava uma resposta, não iria em frente sem ela, eu estava com medo de responder,
de continuar, mas é como falei: não tinha força para negar nada.
— Pode… — Murmurei tão baixo que só mesmo naquela distância ele poderia ouvir.
Nilo pressionou seu corpo contra o meu, seus lábios nos meus, sua língua dançando dentro
da minha boca de forma devoradora, os fogos de artifício explodiram pelo meu corpo, eu
senti uma eletricidade vibrante me dominar. Senti minha ereção contra a dele, ele esfregava
a dele na minha, pressionando e movimentando devagar, suas mãos seguravam meu corpo
contra o dele, arfamos algumas vezes quando ele mudava a posição do rosto para me beijar
em outro ângulo. Esqueci completamente o mundo fora daquele banheiro, só existia aquele
momento.
Ouvi o barulho da porta do banheiro abrir e me assustei.
— Ih! Têm uns viados se beijando aqui. — Um cara, de uns 30 e poucos anos, gritou da
porta. — Foi mal. — E ele saiu.
Meu coração batia acelerado, eu estava apavorado, sentia como se tivesse cometido um
erro, o melhor erro da minha vida. Mas como um erro pode me fazer sentir tão bem? Me
perguntei, o mundo começava a girar à minha volta.
— Tudo bem? — Nilo perguntou me olhando. — Você tá pálido.
— Ar… Preciso de ar… — Passei por ele e saí correndo.
Parece que não conseguia escutar nenhum som, as pessoas à minha volta falavam, a
banda tocava, mas tudo o que ouvia era meu coração batendo dentro de mim, pulsando no
meu ouvido. Nem notei o Júlio me chamando, estava correndo desesperado para fora do
bar.
— Ei! Se sair vai ter que pagar pra entrar de novo! — Gritou o segurança na porta.
Eu saí mesmo assim, tentando respirar, me apoiei nos joelhos, olhava para o chão, minha
cabeça parecia se preencher com culpa, dúvidas, medos, ansiedade… Eu queria parar
aquilo.
— Henrique! — Júlio colocou a mão no meu ombro. — O que quê te deu?
Eu olhei para ele, estava preocupado comigo, queria entender o que estava acontecendo.
— Eu beijei um cara no banheiro. — Balbuciei.
Ele me olhou por um momento e então respirou fundo.
— Nossa, que susto, achei que estavam tentando te drogar pra roubar seus órgãos…
Eu me pus de pé e passei a mão pelo rosto.
— Você ouviu o que eu disse? — Perguntei desesperado. — Eu beijei um cara!
— E daí? — Júlio deu de ombros. — Eu já beijei milhares de caras, geralmente não fico
desesperado assim.
Eu pisquei algumas vezes olhando para ele.
— Você… É gay? — Perguntei incrédulo.
— É claro. — Ele disse sorrindo. — Nunca notou?
— Não! Você nunca falou nada! — Falei tentando me lembrar de algum sinal que eu tenha
perdido.
— Ah, meus pais são religiosos, então eu não falo muito disso. — Ele enfiou as mãos no
bolso de forma descontraída. — Eu já contei a eles, mas eles acham que é só uma fase.
— Isso… Não incomoda você? — Perguntei já com a respiração controlada.
— Não, que se fodam eles. — Ele disse sorrindo. — Se eles não querem me amar porque
chupo pintos, o problema é todo deles.
— Eles… Não expulsaram você de casa? — Perguntei.
— Tentaram, mas meu irmão falou que se eles fizessem isso ele ia parar de ajudar em casa
e me levar pra morar com ele. — Ele falava como se fosse a coisa mais normal do mundo.
— Meus pais só pediram para eu não contar pra ninguém até eu sair de casa, porque eles
têm vergonha de mim.
— Nossa… Sinto muito. — Falei colocando a mão em seu ombro.
— Ah, tá de boa, eu tinha contado pro meu irmão primeiro, então já esperava a reação deles
quando saí do armário.
Fiquei refletindo por um momento, se meu pai soubesse… Ele me expulsaria de casa? Me
mataria? E meus outros amigos? O que pensariam de mim? E o Bruno? O que Bruno
pensaria de mim se eu falasse que sou gay? Pensei me surpreendendo com meu próprio
pensamento, eu sou gay… A realidade me atingiu em cheio.
— Eu sou gay… — Eu murmurei. — Eu… Nunca me senti assim… O cara me beija e eu…
Meu Deus…
Júlio me abraçou e depois olhou para mim sorrindo.
— Bem-vindo ao mundo fora do armário. — Ele disse me dando tapas nos ombros com
suas mãos. — É assustador pra caralho, mas é muito mais bonito aqui fora.
Eu ri, só o Júlio para me fazer rir nessas horas.
— Obrigado… Caralho o que eu faço…? — Disse sorrindo de forma nervosa.
— Relaxa, não precisa tomar uma atitude agora. — Ele falou dando de ombros. — Você não
precisa nem contar pra ninguém até se sentir seguro para isso.
Antes que eu pudesse falar algo, Yago saiu do bar aos tropeços com uma cerveja na mão.
— O que perdi…? — Ele perguntou nos encarando.
— Você? Nada. — Ele disse o segurando para não cair. — Mas se continuar assim vai
perder a consciência.
— Yago 51 ataca novamente. — Falei mais relaxado.
A caminho de casa, meus pensamentos voltavam ao banheiro com Nilo. Estava com medo,
nervoso, ansioso, mas eu sabia quem eu era, isso me aliviava. Sabia agora que estava
negando a mim mesmo pensando mais nos outros do que no que eu queria, também sabia
que se meu pai soubesse… Nem quero imaginar, pensei nervoso.
Pensei na Brenda, nas garotas que fiquei, percebi que estava apenas as usando para
esconder quem eu era. Me senti culpado, decidi então dispensar a Brenda, mas sabia que
ela não aceitaria muito bem, faria perguntas que eu não saberia responder, então acabei
cometendo meu último erro como “falso hétero”. Dispensei a Brenda e como o esperado, ela
não aceitou.
— Por que você tá fazendo isso comigo? — Ela perguntou com lágrimas nos olhos.
— Estou interessado em outra pessoa, não acho certo continuar a ficar com você sentindo o
que sinto. — Falei seriamente
Não era mentira, pensei que era uma resposta satisfatória, cruel e certeira. Fui até Amanda,
a garota mais bonita da escola do primeiro ano, ela aceitou ser minha namorada de bom
grado. Logo em seguida a assumi para todo mundo como minha namorada, duramos menos
de um mês e nunca fomos além do beijo, terminamos antes do primeiro dia de aula. Sabia
que era errado, mas foi apenas para fazer Brenda me deixar em paz.
Foi a última vez que usei uma garota…

No início do primeiro ano eu me sentia outra pessoa, mas nada tinha realmente mudado, a
não ser minha visão da realidade, sentia mais liberdade para sentir as coisas, mesmo que
não as dizendo em voz alta, aquilo me bastava. Vi Bruno pela primeira vez desde que tinha
descoberto a verdade sobre mim, agora parecia que meu coração não tinha mais medo de
bater por ele, sentir aquele sentimento que guardei dele por tanto tempo se libertar me
assustava muito. Quando ele me viu, sorriu para mim e senti alguns fogos de artifício
tentarem explodir em mim, me segurei para não abraçá-lo.
— E aí? — Falei cumprimentando com um soquinho.
— Eu que te pergunto! — Ele devolveu o soquinho rindo. — Não te vejo a, sei lá, um mês?
— Tava ocupado… Mas nós falamos todo dia. — Falei na defensiva.
— É, seu namoro e tal... — Bruno falou começando a andar para a escola.
— Ah, nós terminamos. — Falei rapidamente.
Ele parou, se virou para mim e me observou atentamente.
— Mas… Ué, já? — Ele perguntou surpreso. — Isso foi rápido…
— Pois é… Não era pra ser… — Falei nervoso.
Eu tinha aquela constante sensação que Bruno no fundo sabia, sabia que eu era gay e que
tinha uma quedinha por ele, mesmo sabendo que era paranoia e que Bruno era denso
demais para perceber essas coisas, eu ficava esperando que ele dissesse que já sabia.
— Tá, né, fazer o quê? — Ele deu de ombros e seguimos para a escola. — A Brenda tá bem
puta hoje, já avisando.
Suspirei irritado.
— Eu deixei claro, desde o início, que não queria nada sério. — Disse, querendo já encerrar
aquele assunto.
— E por acaso ela escuta algo que não seja o que quer ouvir? — Bruno perguntou revirando
os olhos.
— Ela ainda te trata mal? — Perguntei olhando para ele.
Percebi que seu cabelo estava cortado, usava o uniforme de forma mais despojada, não
enfiava mais a camisa na calça e estava com um botão aberto, parecia mais alto, seus
lábios se uniam quando ele pensava, algo que eu achava bem fofo.
— É o normal dela… — Ele disse finalmente. — Mas ela não faz por mal, sabe?
Incrível que, não importa o quão escrota Brenda possa ser, Bruno ainda se importava com
ela, mesmo que não dizendo em voz alta, nem demonstrava isso com frequência, mas
tentava sempre a defender. Brenda e Bruno sempre foram amigos estranhos para mim,
mesmo que ela tivesse se aproximado dele antes de mim, feito companhia para ele, parecia
que eu é que sempre estive lá, eu que tinha mais intimidade com ele, que estive lá quando a
mãe dele foi embora, nos piores e melhores momentos. Às vezes, quando ela se
aproximava de mim, eu nem notava ela, não por maldade, ela apenas não tinha muito
presença para mim. Ela era totalmente irrelevante na minha vida, essa era a verdade.
— Quem liga? — Respondi secamente. — De qualquer forma, animado para mais um ano
comigo?
— Vamos ficar na mesma sala? — Bruno perguntou.
— Se não ficarmos na mesma sala, vou começar uma revolução nessa escola. — Eu disse,
o fazendo rir. — Um ano inteiro sem você na mesma sala seria um inferno.
— Acho que você nunca me disse algo assim. — Bruno falou, me deixando nervoso por um
momento. — Fico feliz em ser tão importante para alguém, pra variar.
Aquela frase me incomodou. Constantemente as pessoas me perguntavam o porquê de eu
ser tão amigo dele, diziam que ele era meio apagado, não chamava muita atenção, coisas
que me deixavam puto e me faziam apenas me afastar das pessoas que falavam isso. E
tinha a mãe dele, que o abandonou a tanto tempo, parecia que ainda sentia os efeitos de ser
deixado por ela.
— Claro que você é… — Pus meu braço sobre seu ombro o puxando para perto. — Você é
a melhor pessoa que eu poderia conhecer!
Ele olhou nos meus olhos, vi seu rosto ficar vermelho, o que fez eu sentir um calor nas
bochechas, então o soltei um pouco nervoso.
— Foi mal… — Murmurei envergonhado.
— Obrigado. — Ele disse sorrindo para mim. — Você… Também.
Sorri e seguimos até nossas salas, acabou que tinha caído na mesma sala de novo.
— Caramba, parece que aquela revolução vai ter de esperar. — Disse Bruno rindo.
Estava feliz demais para me importar com qualquer revolução…
Comecei aos poucos a me sentir mais consciente da presença dele, do jeito que ele mexia
as mãos quando estava nervoso, o jeito que se concentrava na aula e fazia anotações,
como ficava feliz por eu comprar o lanche dele na cantina, o cabelo dele que sempre caia no
seu olho e ele soprava para tirar, o olhar dele direcionado a mim quando eu dizia algo, o
jeito que ele unia os lábios quando pensava…
Eram pequenas coisas, todas essas pequenas coisas são minhas e de mais ninguém, me
sentia egoísta por pensar assim, mas não podia evitar… Eu queria ele e o queria para mim.

— Já sabe o que vai fazer da sua vida, filho? — Meu pai me perguntou sentando do meu
lado no sofá.
Geralmente, num sábado, eu estaria na casa do Bruno ou me preparando para uma festa,
mas me sentia desanimado para sair, andava refletindo demais sobre quem eu era.
— Não, não faço ideia. — Respondi distraído com a televisão.
— Uma carreira militar? — Ele disse, mais afirmando que perguntando.
Olhei para ele sem entender nada.
— Por que eu faria isso? — Perguntei desnorteado.
— Ora! Você precisa de um futuro, ficar indo em festinhas e dormindo na casa do Caio não
vai te dar um futuro! — Ele disse irritado.
Ele sempre pensou que quando eu falava que passava o fim de semana na casa de um
amigo, esse amigo era Caio… Eu que não iria corrigir ele agora.
— Tenho que pensar nisso agora? — Perguntei nervoso.
— Quanto mais cedo melhor. — Ele disse e depois deu um ultimato. — Se você não
resolver o que quer para sua vida, você vai entrar pra marinha, não quero vagabundo
embaixo do meu teto.
— Você me expulsaria de casa só por causa disso? — Perguntei incrédulo.
Eu sabia que meu pai era um homem que queria tudo do jeito dele, mas o meu futuro tinha
que ser também da forma que ele queria?
— Nada… Claro que não… — Ele falou contrariado. — Eu te expulsaria de casa se você
fosse viado! — Ele disse rindo.
Aquilo gelou meu coração. Você não faz nem ideia… Pensei sentindo medo.
— Romário! — Minha mãe gritou. — Deixa ele em paz, ele ainda é muito novo para…
— Novo o cacete! — Meu pai gritou de volta para a minha mãe. — Você mima ele demais,
ele tem que tomar jeito! Esse jeito vai ser o meu!
Ele se virou para mim e apontou o dedo no meu peito.
— Você pode ser o que quiser na vida, menos um vagabundo.
Meu pai se levantou e foi para o quarto, bateu a porta, deixando a casa num silêncio denso.
— Não liga para ele. — Minha mãe disse com voz baixa. — Você tem tempo para pensar no
que quer ser.
Pensar no que eu quero ser…
— Pelo menos já sei o que não quero ser. — Falei me levantando do sofá. — Igual a ele.
Fui para o quarto, deixando minha mãe na sala. Estava bravo, me sentia preso. Queria ir
embora daquela sufocação que meu pai me dava, quem dera fosse só eu e minha mãe…
Caí na cama e comecei a ouvir música, deixei no aleatório por um tempo, com os olhos
fechados, pensava no porquê de ter que decidir a minha vida. Faculdade, trabalho… Parecia
tudo tão longe e ao mesmo tempo tão próximo. Me lembro da época em que assistia “O
Planeta do Tesouro”, minha única preocupação era descobrir se tal tesouro de Flint, o
"butim de mil galaxias", seria encontrado pelo Jim a bordo do navio, "R.L.S. Legacy"... A
música desse filme estourava no meu fone, era minha música favorita da minha infância,
não pude deixar de pensar sobre o que eu queria ser…

“Só entenda que eu nunca serei o que querem pra mim”

No que meu pai queria para mim…

“Todos tentam me dizer/ Que eu preciso crescer/ Mas se ainda não tenho certeza do que
quero ser/ Tenho toda certeza daquilo que não vou fazer”

E o Bruno…

“Você vai um dia perceber/ Que eu só quero te entender/ E o meu nome você vai guardar/ E
eu quero ainda te provar/ Que é você quem vai ficar/ Do meu lado/ Se tudo estiver contra
mim”

Ele estaria do meu lado… Se eu contasse? Esse pensamento me assombrou naquela noite,
quando finalmente dormi, minhas preocupações não foram embora, elas dormiram comigo.

— Bruno com certeza é gay. — Disse Júlio de repente.


Olhei para ele sem entender.
— Tirou essa informação daonde? Do cu? — Perguntei rindo
Estávamos do lado de fora, na fila para entrar num bar gay que Júlio conhecia e queria me
apresentar.
— Não, presta atenção. — Ele falou na sua calma habitual. — Ele não age como um hétero,
adora filme francês, ouvi falar que ele gosta de glee e ele tem até estrutura óssea gay!
— Gostar de filme francês é coisa de viado agora? — Perguntei levantando as
sobrancelhas.
— Nunca vi um hétero gostar de filme francês, e você? — Ele rebateu.
— E os héteros franceses? — Provoquei.
— Todo francês é bi ou pan, todo mundo sabe disso… — Ele enfiou a mão no bolso e
pegou sua identidade falsa.
Logo entramos e fomos para o balcão pegar uma bebida, tinha vários homens seminus
dançando, algumas mulheres rebolavam com suas amigas, a música era um pop dos anos
2000, aquele lugar era bem mais animado que a maioria dos bares que já fui.
— E o que é estrutura óssea gay? — Perguntei bebendo minha tequila.
— Tipo tá na cara, dá pra ver! — Ele insistia.
— Gostar de glee também é coisa de viado? — Sinto que estou aprendendo tanto… Pensei
com sarcasmo.
— É o suco da homossexualidade. — Júlio afirmou com toda a certeza.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, presenciei uma aparição. Nilo, o primeiro cara que
beijei, que não via a quase dois meses, estava bem ali na pista dançando. Seu cabelo agora
era azul, o que combinava com ele.
— O cara que me beijou tá aqui! — Falei nervoso.
Júlio olhou e sorriu.
— Vai lá, te espero aqui. — Ele disse bebericando a cerveja.
Virei para ele surpreso.
— Vai lá? Como assim “vai lá”? Eu não vou a lugar nenhum! — Gritei nervoso.
— Por que não? — Júlio perguntou genuinamente sem entender. — Você tá solteiro, livre,
não pode se guardar pro Bruno a vida toda…
— Eu não vou ficar com o Bruno. — Falei mal-humorado. — Porque o Bruno não é gay… E
mesmo que fosse, ele é meu melhor amigo!
— Você devia contar logo pra ele. — Júlio falou terminando sua bebida. — Se continuar
enrolando… — Ele parou.
— O quê? — Perguntei.
— Nada, eu ia dizer que se continuar enrolando ele vai acabar conhecendo alguém e você
não vai mais poder falar o que sente. — Júlio balançou a cabeça. — Mas o Bruno não se
interessa por ninguém e ninguém se interessa por ele.
Me lembrei do Caio, no fundamental me perguntando se Bruno curtia caras.
— Quero nem pensar nisso… — Murmurei incomodado. — Vamos dançar?
Não precisei perguntar duas vezes, Júlio parecia outra pessoa no meio daquele lugar, mais
solto e animado, não pude deixar de sentir o mesmo, ninguém da escola estaria ali, meu pai
nem fazia ideia de onde eu estava, podia ficar ali dançando em paz no meio de um monte
de caras sem camisa e ouvindo música pop sem medo. Nilo me observava do seu canto, eu
evitava ao máximo olhar na direção dele, mesmo sentindo os fogos de artifício, não queria
ficar com ninguém naquela noite. Depois de duas horas dançando, Júlio disse que ia fumar.
— Que hábito nojento! — Gritei para ele ouvir minha voz no meio daquelas músicas. — Não
vá!
— Relaxa! Eu já volto! — E lá se foi o fumante.
Decidi que iria me sentar, estava começando a ficar cansado, mas quando me virei, Nilo
estava bem ali. Levei um susto, ele sorriu ao me ver. Ele se aproximou e apoiou seu queixo
no meu ombro, tocava uma música lenta, então começamos a dançar abraçados.
— Olha se não é o hétero flex… — Ele disse sussurrando no meu ouvido.
— O que é hétero flex? — Perguntei no ouvido dele.
Ele riu.
— Hétero flexível, é um cara que diz que é hétero, mas fica com outros caras. — A boca
dele roçava na minha orelha, me deixava arrepiado.
— Na verdade eu me descobri gay naquele dia… — Respondi nervoso.
Senti ele me abraçar mais forte, os fogos de artifício explodiram dentro de mim. Aquele cara
com certeza iria desgraçar meu coração se eu me apaixonasse por ele.
— Fico feliz de ter feito parte de sua descoberta. — Nilo disse se aninhando no meu ombro.
— É, o mundo fora do armário é bem assustador, mas é bonito. — Falei rindo.
— Você se acostuma. — Ele disse e se afastou para me olhar. — Posso?
Levei dois segundos para entender do que ele falava, ele quer me beijar, pensei.
— Pode… — Respondi já fechando os olhos.
O beijo foi tão bom quanto o primeiro, ele me segurava firme, suas mão estavam nas
minhas costas, as minhas no seu rosto, sentia sua respiração intensa na minha bochecha,
seu corpo contra o meu, fogos de artifício pelo corpo e queria que essa sensação durasse o
máximo que pudesse.

Capítulo 12: Sempre quis você…

Meu primeiro ano do ensino médio foi o mais caótico da minha vida, não pelas aulas,
matérias novas ou pelas festas de 15 anos, mas pelo que acontecia dentro de mim: me
descobrir gay, aqueles sentimentos conflitantes, a pressão que meu pai colocava em mim,
os meus sentimentos por Bruno e um namorado.
Nilo era universitário, estudava história, tinha 19 anos, não parecia se incomodar com o fato
de eu ter 16, morava sozinho perto da faculdade e adorava cozinhar para mim quando eu ia
lá.
Na primeira vez que fui lá, duas semanas depois do beijo no bar, ele me recebeu de avental
e com o cabelo vermelho.
— Mudou de novo? — Perguntei rindo.
— Gostou? — Nilo perguntou e me deu um beijo.
Entrei e sentei no sofá e olhei em volta, era um apartamento pequeno, uma sala com
cozinha que se separaram por um balcão, um corredor com duas portas opostas, o seu
quarto e um banheiro.
— O que vamo comer? — Perguntei sentindo um cheiro muito bom.
— Minha especialidade. — Ele falou indo na cozinha e abrindo a tampa da panela de forma
teatral. — Estrogonofe!
Era estranho estar na casa de alguém que eu não conhecia muito bem, mas estava
dominado pelo tesão que sentia por ele, era impossível evitar… A forma como sua regata
mostrava seus ombros largos, o jeito que ele mordia o lábio inferior se concentrando em
fazer comida, os braços fortes, sua pele bronzeada… Era impossível não olhar para ele.
Depois de comer começamos a conversar, mas não demorou muito para irmos ao quarto.
Era minha primeira vez com um cara, me sentia nervoso, mas estava na expectativa, ele me
perguntou se eu preferiria estar dentro dele ou ele dentro de mim, eu não sabia qual me
sentiria mais confortável, decidi começar estando dentro dele, porque era o mais próximo do
que já conhecia do sexo. Ele disse que ia no banheiro, falou para eu ficar a vontade e
relaxar.
— Eu sei que é sua primeira vez. — Nilo disse enquanto tirava a regata. — Mas não se
preocupe. — Logo tirou a bermuda e a cueca, ficando completamente nu na minha frente. —
Serei gentil.
Difícil acreditar, pelo que tô vendo, pensei olhando para o pau dele meia bomba, era grande,
um pouco maior que o meu… Ele percebeu que eu olhava, sorrindo com ar de deboche, ele
segurou o seu pau na base e o balançou para mim.
— Gostou? — Ele perguntou rindo.
Fiquei vermelho e comecei a rir, ele se foi para o banheiro, logo decidi tirar minha roupa,
fiquei pelado esperando ele na cama, logo meu celular vibrou. Era o Bruno.

Bruninho: Tá ocupado?
Eu: Naum, pq?
Bruninho: Deixa, n é nada.
Eu: Fala!
Bruninho: Brenda tá me enchendo o saco qrendo saber de vc…
Eu: Ignora ela! Chata pra krl!
Bruninho: kkkkk ela não é tão chata assim.
Eu: Vc a defende demais…

— Henrique! — Nilo me chamou, a voz dele me assustou.


— Ah, oi! — Respondi nervoso.
— Você não ouviu eu te chamar? — Ele perguntou e olhou para o meu celular. — Tá
conversando com quem?
— Com meu amigo, o Bruno. — Falei colocando o celular de lado. — Desculpa, você
demorou…
— Não, relaxa. — Ele sorriu. — Tá tudo bem?
— Sim. — Falei sorrindo. — Vem…
Ele deitou sobre mim e me beijou, senti suas mãos percorrerem meu corpo, meu corpo se
arrepiava ao seu toque, sentia um choque percorrer meu corpo a cada toque, sentia sua
ereção contra a minha virilha, deslizei minha mão até seu pau e comecei a masturba-lo, ele
gemia e arfava no meu pescoço. Sua mão deslizou até meu pau e começou movê-lo
devagar, me deixando arrepiado, eu gemia, não era capaz de pensar, apenas fazer, sentia
sua boca no meu pescoço, ele beijava e mordia meu ombro, logo senti ele me fazendo um
chupão no pescoço, fazendo os fogos explodirem pelo corpo, a ponta dos dedos da sua
outra mão deslizava pelo meu corpo me causando um espasmo na minha barriga, o que me
assustou.
— Tudo bem? — Perguntou Nilo.
— Senti um espasmo. — Falei arfando.
Ele riu e voltou a me beijar, logo ele se inclinou até o criado mudo e pegou camisinha e
lubrificante, se virou para mim e sorriu de forma maliciosa.
— Quer ficar por baixo ou por cima? — Ele perguntou
— Não tínhamos decidido isso…? — Perguntei incerto.
Ele riu.
— Não decidimos a posição… — Ele murmurou.
Fiquei um momento pensando, estava confortável deitado com ele em cima de mim.
— Desse jeito tá bom. — Respondi.
Ele sorriu, levantou, pegou a camisinha, a vestiu em mim, pegou o lubrificante e passou no
meu pau. Se posicionou em cima de mim, pegou minhas mãos e colocou na sua cintura,
depois segurou a base do meu pau. Nilo começou a sentar devagar, então eu senti meu pau
entrando nele. Nunca achei que isso iria acontecer comigo um dia, sentir meu coração bater
tão rápido daquele jeito, aquele desejo de que aquilo pudesse durar para sempre me
dominava. Meu corpo tremia, eu arfava e gemia. Quando meu pau entrou completamente,
senti os fogos de artifício explodindo enlouquecidamente.
Não to acreditando que isso está acontecendo comigo, perdi tanto tempo me reprimindo por
nada, pensei maravilhado.
— Vou começar. — Ele falou com aquele sorriso malicioso.
Senti ele movendo, eu segurava seu quadril, guiando seu movimento, estava nervoso
demais, era tudo muito novo para mim, a foda com ele era totalmente diferente de qualquer
sexo que já tivesse feito. Ele se inclinava sobre mim e me beijava intensamente. O pau dele
pulsava na minha barriga, ele voltou a sentar, aproveitei e levei a minha mão até seu pau e
comecei a masturba-lo, senti ele estremecer em cima de mim, sentia minha mão em volta do
seu pau tremer de nervosismo, mas isso não parecia o incomodar.
— Você… Tá me deixando doido... — Ele gemeu me olhando.
— Eu já tava louco… Antes de você subir em mim… — Falei arfando.
Isso pareceu incentivá-lo a sentar com mais força, ele gemia mais alto, senti a lubrificação
natural do seu pau escorrer na minha mão. Sua respiração intensa, minha mão que estava
no seu quadril deslizou pelo seu peitoral, sentindo o seu suor pingar, seu coração batia tão
rápido, seu corpo estava tão quente, eram sensações demais para meu cérebro processar.
O pau dele estremeceu na minha mão, ele gozou na minha barriga, ele gemia e continuava
sentando em mim com violência, seu rosto vermelho e sua porra quente na minha barriga
me enlouqueciam, não demorou para eu gozar, senti meu corpo tremer todo, o choque por
cada centímetro do meu ser, não de dor, mas de puro prazer. Júlio tinha razão, a vida fora
do armário é mais gostosa... deliciosa... saborosa…
Ele caiu do meu lado, arfando e sorrindo.
— Isso foi… Muito bom… — Nilo sorriu com o rosto molhado de suor. — Foi mesmo… Sua
primeira vez?
— Com um cara sim... — Respondi sem ar. — Foi… Incrível…
— Quer repetir? — Seu sorriso me fez rir.
— Preciso de uns 20 minutinhos… — Falei rindo.
E nós repetimos, meus fins de semana se tornaram bem intensos com Nilo…

*
A cor do cabelo de Nilo era pura inconstância, mudava sem aviso prévio, verde, rosa, roxo…
Achava isso um charme só seu. Seu gosto por bandas indies brasileiras e bandas de rock
internacionais, seu sorriso provocativo, suas camisas de banda (ele parecia ter todas as
bandas no guarda-roupa), o jeito que sempre me atiçava com o toque suave e firme das
suas mãos em mim, os fogos de artifício que me provocava, os beijos, eu o admirava, para
mim ele era a pessoa que eu precisava para me mostrar como eu podia ser feliz, que eu
podia ser eu mesmo, ser livre como ele… Mas, no fim, não era realmente capaz de amá-lo,
apenas ter um carinho enorme por ele.
Eu e Nilo saímos quase todo o fim de semana, meus amigos até estranharam meu sumiço
das festas, até Bruno pareceu perceber que andava ocupado, mas não disse nada. Aos
poucos comecei a achar que meus sentimentos pelo Bruno podiam diminuir, não sentiria
mais tanta necessidade de estar sempre perto e a necessidade de estar com Nilo
aumentava aos poucos.
Estava disposto a deixar meu sentimento pelo Bruno finalmente morrer, já tinha aceitado
que nada aconteceria entre nós. Aquilo doía demais, ter um sentimento tão grande por
alguém, e esse alguém apenas não corresponder. Estar com Nilo me fazia sentir que existia
a possibilidade de me apaixonar, os fogos de artifício estavam lá quando eu o beijava… Mas
elas pareciam me perseguir só em pensar no Bruno, era muito difícil ignorar, então fui me
afastando, não muito, apenas o quanto eu conseguia ficar longe. Acreditei que era possível
desenvolver sentimentos por Nilo, mas os fogos de artifício não me deixavam mentir para
mim mesmo.
Descobri que era capaz de ficar dois dias inteiros sem mandar mensagem para o Bruno,
nem mesmo pensar nele, isso apenas com muita concentração e estando focado no Nilo…
Infelizmente, quando eu voltava para casa, minha mente logo voltava ao Bruno, mandava
mensagem, perguntava do seu dia, me sentia culpado por querer ficar perto dele e não
sentir isso pelo Nilo. Era incapaz de ignorar as mensagens que Bruno às vezes mandava
nos fins de semana, então evitava usar o celular quando estava com Nilo, tentava ao
máximo permitir que apenas ele dominasse meu coração, mesmo que só por dois dias…
Mas já estava dominado, ficava cada vez mais difícil negar.
Frequentava a casa do Bruno, mas apenas uma vez ou outra, não o via nos fins de semana,
não dormia mais na casa dele. Durante a semana eu tentava me focar em estudar, ver meus
amigos, conversar com Nilo por mensagem, dedicava meus fins de semana a ele
completamente, que sempre tinha tempo para mim, não demorou muito para ele me pedir
em namoro, mesmo eu sabendo que tinha muito do Bruno no meu peito, eu aceitei o pedido
acreditando que Nilo preencheria meu coração… Fui ingênuo demais.
Nilo se tornou meu primeiro relacionamento que eu não exibia para ninguém, sem fotos com
legenda no IG, sem apresentações para me gabar para os meus amigos, nem mesmo o
Bruno sabia sobre isso, principalmente meus pais; o único que sabia dele era Júlio, que
estava feliz por mim.
— O primeiro relacionamento escondido a gente nunca esquece. — Disse Júlio.
Não sabia como me sentir com relação a isso, mas estava feliz demais por ter alguém que
realmente me interessava, que se interessava por mim, mas não conseguia deixar de querer
o que não podia.
Daria tudo para que Bruno sentisse o mesmo por mim.
Não importava o quanto eu me esforçasse no meu relacionamento com Nilo, Bruno ainda
estava no meu coração…

Estava no Bangu shopping com Júlio para comprar um presente de namoro para Nilo, afinal
fazia três meses que estávamos juntos, era o relacionamento mais longo que já tive, queria
comemorar. Estava em frente a uma loja de camisetas com estampas de bandas, tentando
me lembrar se tinha alguma banda que Nilo não tivesse.
— Henrique?
— O quê? — Perguntei sem olhar para Júlio.
— Você ainda tem sentimentos pelo Bruno? — Ele perguntou com uma calma na voz que
me irritava.
Olhei para ele incomodado.
— Podemos não falar disso? — Perguntei passando a mão no rosto. — Ainda estou no
processo de superar...
— Depois de tanto tempo? — Ele perguntou incrédulo. — Já tá na hora de superar o hétero
já!
Revirei os olhos e o ignorei.
— De alguém que já foi apaixonado por um hétero. — Ele falou com bastante seriedade. —
Lhe garanto que isso só vai te fazer mal.
Júlio se tornou meu senhor Miyagi da viadagem, sempre me dava conselhos, me falava
sobre a cultura pop lgbt, mas quando falava sobre lidar com sentimentos… Ele sabia ser
inconveniente.
— Eu não sou apaixonado por ele, eu só tenho… Uma queda. — Falei dando de ombros
— Uma queda de longa data… — Ele murmurou.
— Olha. — Me virei para ele. — Bruno é… Importante,o carinho dele por mim é por conta da
nossa amizade… Eu apenas confundo esse carinho…
— Para. — Júlio disse de repente. — Não minta para você mesmo.
— Eu… — Levei as mãos até o rosto em frustração. — Só quero parar de sentir isso…
Júlio me olhava com pesar, como alguém que entendia o que eu sentia.
— Vai acontecer, como o tempo. — Ele disse pondo uma mão no meu ombro. — Mas fingir
que não sente nada… Não vai ajudar.
Olhei para ele me sentindo perdido.
— Eu… Tive uma queda pelo Yago. — Júlio disse, me surpreendendo. — Uma vez ele tava
bêbado, como sempre, né? E ele me beijou.
— Uau… — Murmurei.
— Ele nem se lembra disso, ainda é difícil, mas eu já encarei isso e sei que não vai dar em
nada. — Júlio pôs a mão no peito. — Mas eu tive esse sentimento, nunca o neguei, porque
sabia que se negasse não seria capaz de sentar do lado dele na escola todo dia.
Apenas afirmei com a cabeça, refleti sobre isso enquanto andávamos pelo shopping. Amor
não correspondido é um porre, pensei. Depois de muita procura, acabei achando um
presente para Nilo: um pin da banda Linkin Park, a banda que ele usava quando nos
conhecemos.

Uma vez, na casa do Bruno, estávamos sentados na cama dele planejando qual filme
veríamos, quando ele olhou para algo perto de mim e paralisa de medo.
— Henrique… — Ele sussurrou.
— O quê? — Perguntei sem entender sua reação.
— Tem uma barata enorme do seu lado… — Ele se moveu lentamente para levantar da
cama. — Não se mexe…
Olhei para o lado e a demônia estava bem perto de mim, quase encostando na minha mão,
senti o sangue gelar, bosta! Pensei, vi o Bruno se abaixar devagar para pegar o chinelo. Ele
veio até mim na ponta dos pés e bateu na barata.
— Morre sua desgraçada! — Ele gritou batendo no mesmo lugar em que ela estava.
Infelizmente, a barata tinha voado, bem perto do meu rosto, pousou do meu lado na parede,
perto da minha cabeça, Bruno pulou por cima de mim, a acertou na parede, ele tirou o
chinelo do lugar que tinha batido.
— A filha da puta morreu! — Ele gritou em comemoração.
Ele nem pareceu notar que estava em cima de mim, com o rosto bem perto do meu. A mão
que não segurava o chinelo se apoiava no meu ombro, um dos seus joelhos estava entre
minhas pernas, o outro estava do lado da minha coxa. Ele tá muito perto… Pensei. Ele
olhou para mim, seus olhos castanhos nos meus, observei os detalhes dos seus cílios, seu
nariz pequeno, sua boca delineada estava aberta num sorriso de triunfo, sentia sua
respiração próxima a minha boca. O momento durou apenas alguns segundos, mas para
mim pareceu durar mais… Ele saiu de cima de mim e jogou o chinelo no chão.
— Vou pegar algo para limpar isso. — Ele disse e foi até o banheiro.
Levei as mãos ao rosto e me force a controlar minha respiração, por quanto tempo mais vou
sentir isso? Me perguntei desesperado…

— Acho que devemos terminar. — Disse Nilo.


Estávamos no quarto mês de namoro, era domingo de manhã, estava comendo pão francês
com presunto, minha boca estava cheia quando ele me disse isso.
— O quê? — Perguntei com os olhos arregalados.
— Eu… Estou começando a desenvolver um sentimento muito forte por você. — Ele disse
com a voz magoada. — Mas eu sei que você não sente o mesmo.
Eu o olhei atentamente.
— Por que acha isso? — Perguntei sem entender.
Ele me olhou por um momento e disse o nome que eu mais temia.
— Bruno… Você diz o nome dele enquanto dorme. — Ele disse e desviou o olhar. — Você
disse ontem… Disse outras vezes… Não posso estar com alguém… Gostar de alguém…
Que está emocionalmente indisponível para mim.
Não argumentei, não tinha o que dizer, era a verdade. Me esforcei por quatro meses, mas
nesses quatro meses com o Nilo, quando eu não estava me esforçando para focar nele, eu
só pensava no Bruno, pensava nele com tanta facilidade…
— Eu sinto muito… — Respondi.
— A culpa não é sua. — Ele falou com um sorriso doloroso. — Você e ele são… amigos, há
muito tempo e… Ele parece ser uma pessoa incrível.
— Ele… é. — Murmurei. — Mas… Não vai dar em nada.
— Você nunca vai saber se nunca tentar. — Nilo disse apoiado no balcão da cozinha.
Nunca…
Eu dei um sorriso triste, queria dizer alguma coisa, mas tudo que era para dizer já tinha sido
dito.
Capítulo 13: Sempre gostei de festas…

— Pra quantas festas de 15 anos você foi convidado? — Bruno perguntou, tirando a
atenção do seu livro, depois que Katarina me deu um convite de sua festa de quinze anos.
Pensei por alguns instantes.
— Com essa, cinco. — Respondi.
Estava na sala, durante um intervalo entre aulas. Tinha passado um mês desde o término
com o Nilo, acabei superando bem rápido, fui voltando às festas aos poucos, a notícia que
eu estava indo nos roles de novo se espalhou e comecei a receber convites.
Bruno me olhou horrorizado.
— Você vai nelas todas? — Ele perguntou impressionado. — Só de imaginar já fico
cansado.
— Acho que sim, vou na da Marcela com certeza, que é a fantasia. — Respondi. — Quer ir?
Ele me olhou como se eu fosse maluco.
— Só por cima do meu cadáver. — Ele murmurou. — Nem fantasia eu tenho…
— Não precisa ser algo elaborado. — Respondi animado. — Já que vai cair no Halloween,
você pode ir fantasiado como um dos seus filmes de terror.
Ele refletiu por um momento.
— Eu tenho uma máscara de hóquei… Uma jaqueta velha do meu pai… — Ele murmurou
com um leve sorriso, mas logo se desfez e se voltou ao livro novamente. — Nhã, não vou,
então, não importa.
— Acho que vai ser divertido. — Falei já planejando a minha fantasia. — Eu vou de Jim, do
“O Planeta do Tesouro”.
Ele me olhou por um momento e deu de ombros.
— Eu vou. — Disse simplesmente.
Olhei para ele sem acreditar, meu queixo caiu.
— Você vai por livre e espontânea vontade? — Perguntei incrédulo.
— Só dessa vez… Para dar utilidade a máscara de hóquei. — Ele disse de forma defensiva,
lendo seu livro para não olhar para mim. — Apenas por isso!
Eu comecei a gargalhar, alto o bastante para que os outros na sala se virassem para nós.
— Não consigo imaginar o Bruno contando uma piada… — Cochichou uma menina sentada
a algumas cadeiras de distância. — Ele parece ser tão… Sem sal, sabe?
Ouvi algumas pessoas da sala darem risadinhas, mas pararam quando olhei para ela e
lancei um olhar irritado para os outros, quando ia dizer algo, Bruno me impediu.
— Só não dê atenção a ela, já será um castigo ser ignorada por você… — Ele disse me
olhando seriamente.
— Não é como se ela valesse a minha atenção. — Falei alto o suficiente para a sala ouvir.
— Tão… Sem sal, sabe?
A garota pareceu ter sido atingida pelas minhas palavras, mas não dei importância, estava
ocupado demais espiando o que Bruno lia. Pelo pouco que vi, era um livro de terror.
— Você só lê isso… — Comentei inclinado para o lado dele.
Ele se virou para mim e seu rosto estava bem próximo do meu, se eu me inclinar só mais
um pouco… Senti meu rosto ficar vermelho com o pensamento e me afastei.
— É o que gosto. — Ele disse dando de ombros, voltou-se ao livro e continuou. — Você só
gosta de ação ou aventura.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, o professor Gomez voltou para dar sua aula de
matemática, chegou gritando estressado.
— Sentem! Quem tiver do lado de fora quando eu colocar minhas coisas na mesa, não vou
deixar mais entrar!
Não demorou muito para que todos voltassem para seus lugares.
— Ótimo! — Ele disse e se virou para o quadro e começou a escrever a matéria. —
Qualquer gracinha, pra fora de sala, não tô de bom humor hoje não!
— Ele já esteve de bom humor alguma vez na vida? — Sussurrei para Bruno que deu uma
risadinha contida.
O professor Gomez virou e olhou para nós.
— Vocês dois! — Ele disse gritando para gente. — Fora!
— Mas… — Bruno tentou protestar.
— Sem mas! Fora! — Gomez gritou indo até a porta e a abrindo. — Andem!
Nos levantamos, Bruno pegou seu livro e eu meu celular, saímos da sala, que estava num
silêncio de puro medo. Quando ele fechou a porta na nossa cara, não pude deixar de revirar
os olhos.
— Caralho, que maluco. — Falei puto colocando minhas mãos na cintura, me virei para
Bruno. — Foi mal…
— Não é culpa sua ele ser um surtado. — Bruno respondeu. — Ouvi falar que tá passando
por um divórcio.
Ah, faz sentido agora, pensei.
— Bom, não justifica. — Continuou o Bruno. — Mas… Temos um tempo livre agora.
— Quadra? — Perguntei.
— Quadra. — Ele respondeu dando de ombros.
— Qual foi a última vez que fomos expulsos da sala? — Perguntei começando a andar.
— Acho que foi no oitavo ano… — Bruno começou a me acompanhar. — Quando a gente
tinha brigado, você subiu na mesa pra que todo mundo escutasse seu pedido de desculpas.
Comecei a rir lembrando.
— Eu fiquei desesperado! — Disse Bruno rindo. — Fiquei gritando tentando te fazer descer,
até tentei te puxar, a professora viu a gente fazendo todo aquele alvoroço e mandou nós
dois para fora.
Caminhamos até o outro lado do segundo andar do prédio da escola, fomos em direção a
ponte que liga ao outro prédio, com quadra no segunda andar e piscina no primeiro. A
quadra, que é coberta, estava vazia, tinha um carrinho quadrada onde tinha várias bolas de
basquete e futebol, peguei uma de basquete e comecei a treinar umas cestas; Bruno sentou
na arquibancada com seu livro, às vezes ele levantava os olhos para mim e me via fazendo
as cestas.
— Uhuu! — Ele gritava sem empolgação quando eu acertava uma cesta.
Parei depois de um tempo e o observei por um momento e tive uma ideia, era um ideia meio
boba, algo que vi num filme… Mas eu achei que a oportunidade merecia uma tentativa,
estamos sozinhos… Então por que não? Pensei sem poder segurar meu sorriso. Ele estava
tão concentrado no seu livro que nem notou quando fui em sua direção.
— Quer tentar? — Perguntei oferecendo a bola.
Ele levantou o olhar para mim surpreso.
— Eu… Não sei jogar. — Ele disse hesitante.
— E daí? Eu te mostro como é. — Falei sorrindo para ele. — Vem!
Bruno quase sempre recusava meus pedidos para fazer algo, oferecia argumentos lógicos
para não fazer o que eu pedia, quando aceitava era geralmente porque não tinha vontade
de argumentar. Ele deixou o livro de lado, se levantou e pegou a bola da minha mão.
— Me mostra como você faz. — Pedi.
— Ok, né. — Ele foi até a área embaixo da cesta, levantou a bola sobre a cabeça e tentou
mirar. — Lá vai.
Ele lançou a bola, ela nem chegou perto da altura da cesta, a bola quicou no chão algumas
vezes e rolou para fora da área da quadra.
— Eu falei! — Ele gritou e se virou para mim.
— Peraí. — Eu fui até a bola, peguei e voltei. — Vou te mostrar como faz.
Coloquei a bola na mão dele, fui atrás dele, segurei seus braços e os posicionei. Suas
costas estavam contra o meu corpo, o calor do seu corpo me hipnotizava, seu cabelo estava
bem próximo ao meu nariz, tinha um cheiro muito bom que fazia meu coração bater
descompassado, os fogos de artifício explodem em mim, precisei de muita concentração
para controlar minha respiração.
— Agora… — Falei soltando seus braços na posição. — Você lança.
Ele fez o lançamento, a bola entrou na cesta. Bruno se virou para mim de queixo caído e
segurou meus braços animado e me sacudiu de leve.
— Você viu?! — Ele gritou animado. — Eu fiz uma cesta!
Seu sorriso genuíno de felicidade era brilhante, era algo raro, me fazia sentir uma calmaria
gostosa. Eu o abracei, fui impulsivo, mas foi difícil resistir. Ele me abraçou de volta, senti ele
dar pulinho de alegria, ele sempre fica tão feliz por coisas tão pequenas.
— Eu fiz uma cesta! — Ele disse nos meus braços. — Eu nunca fiz uma cesta antes!
— Nossa, você ficou muito feliz mesmo. — Falei rindo.
Bruno afastou o rosto e olhou para mim, acho que caiu em si sobre a reação que ele teve,
seu rosto ficou vermelho, ele afastou do meu abraço e desviou o olhar.
— Ah, foi mal... — Ele riu nervosamente. — Eu me empolguei… Sou baixinho, então nunca
consegui fazer uma cesta…
— Isso não é questão de altura. — Falei tentando não transparecer que queria continuar
abraçado. — É prática mesmo.
Fui até a bola e voltei para ele.
— De novo? — Perguntei disfarçando minha vontade de me aproximar.
— Tá bom! — Ele falou tentando disfarçar a animação, sem sucesso.
Repeti a ação de "ajudá-lo" umas 5 vezes, indo atrás dele, pegando seus braços,
posicionando para lançar, sentindo suas costas contra o meu corpo, nessas vezes me
demorei mais, aproveitando o momento… Infelizmente o sinal tocou para a hora do recreio,
tivemos que voltar para sala.
— Quem sabe eu entre pro time de basquete. — Bruno disse parecendo animado.
— Você seria ótimo. — Disse rindo.
— Tá rindo do quê? — Bruno perguntou, me olhando como se eu fosse maluco.
— Sua empolgação por conseguir fazer uma cesta. — Falei olhando para ele. — Parece
uma criança.
Seu rosto ficou vermelho, ele desviou o olhar e fingiu dar atenção à contracapa do seu livro.
— Não fiquei tão empolgado assim… — Bruno murmurou envergonhado.
Acho que vou fazer a gente sair de sala mais vezes… Pensei ainda rindo.

Me olhei no espelho uma última vez, apreciando minha fantasia. Era noite da festa de 15
anos da Marcela, estava animado demais com minha fantasia. Estava com uma jaqueta azul
escura um pouco comprida, antiga, da época que meu pai era da marinha, usava uma blusa
bege, uma calça marrom folgada, também da época que meu pai era da marinha, um cinto
marrom-claro, botas pretas grandes, tinha uma espada de plástico presa num lado da barra
da minha calça e uma arminha de plástico do outro lado. A única coisa que faltava era o
meu cabelo, que é preto, precisava que ficasse marrom, então comprei um spray pra colorir
o cabelo, mas não estava saindo nada. Decidi mandar mensagem para o Bruno, já que ele
que tinha sugerido usar um spray para colorir o cabelo.

Eu: O spray naum funciona!


Bruninho: Claro que funciona! É novo!
Eu: Então o que faço?
Bruninho: Você tirou o lacre? Tira o lacre seu imbecil!
Bruninho: Déspota sacudo
Bruninho: Aí só passar…

Olhei sua mensagem e fiquei sem entender nada.

Eu: Q?? Déspota sacudo???


Bruninho: Depois sacode*

Eu comecei a gargalhar, de chorar, depois de me acalmar e secar minhas lágrimas,


respondi ele.

Eu: KKKKKKKK DÉSPOTA SACUDO!!


Bruninho: KKKKK ANDA LOGO COM ISSO!
Eu: Já vai já vai!

Finalmente abri aquela coisa, passei no meu cabelo e ele ficou castanho, dava para ver que
era spray, mas estava bom o bastante. Sai do quarto e vi minha mãe na sala, ela sorriu ao
me ver.
— Você está lindo! — Ela disse.
Meu pai veio da cozinha e em seguida olhou meu cabelo.
— Que merda você fez no seu cabelo? — Ele perguntou.
— Passei um spray pra colorir… — Respondi nervoso
— Parece um viadinho… — Ele murmurou irritado.
— Romário! — Minha mãe gritou com ele. — Não fala isso!
— Não posso falar nada na minha própria casa?! — Ele passou por nós irritado. — Que
inferno!
Ele bateu a porta, revirei os olhos.
— Bom, vou indo… — Falei ignorando a tensão no ar.
— Tome cuidado! — Ela disse e depois sussurrou. — Dê um abraço no Bruno por mim.
Eu sorri e assenti, fui até a porta e saí.
Chegando no Bruno, bati na porta e seu Márcio atendeu, estava com seu outfit de casa:
regata e bermuda de praia.
— Uou! — Ele falou olhando para minha fantasia. — É um pirata! — Ele parou por um
momento. — Você é um pirata, né?
— Sim, um pirata espacial. — Falei sorrindo. — Bruno tá pronto?
— Não sei, vai lá verificar. — Ele disse voltando para o sofá.
Fui até seu quarto, a porta estava fechada, bati e chamei ele, mas ele não respondeu. Abri
uma fresta e olhei para dentro. Ele estava sentado na cama, de costas, sem camisa,
inclinado para alguma coisa, estava de fones de ouvido. Dava para notar que seu corpo
magro estava começando a ficar mais forte, ele tinha começado a academia a pouco tempo,
mas já tinha seus efeitos. Suas costas tinham algumas pintas de tons diferentes de marrom,
uma constelação. Dava para ver detalhes das suas vértebras, na base das costas tinha
duas profundidades de cada lado da última vértebra visível, covinhas. Fiquei olhando por um
momento, vendo cada detalhe, o jeito que seus ombros se mexiam, como ele se
espreguiçava e movia o ombro tenso e cansado da posição. Senti meu rosto esquentar,
respirei fundo e entrei.
— Bruno? — Chamei de novo, ele não ouviu. — Se você não se virar, vou te dar um
peteleco.
Ele não se moveu, me aproximei, posicionei meus dedos e dei um peteleco no seu pescoço,
o que o assustou.
— Que porra? — Ele virou e olhou para mim com os olhos arregalados.
Seu rosto estava manchado de tinta vermelha, na sua mão um pincel com tinta vermelha, na
outra mão a máscara de hóquei que ele pintava.
— Por que fez isso? — Ele perguntou irritado.
— Eu te chamei e você não ouviu. — Respondi evitando olhar para seu corpo.
— Não podia só tocar no meu ombro? — Ele perguntou se levantando. — Já chega
agredindo.
— Já tá pronto? — Perguntei me sentando na cama vendo sua máscara de hóquei e um
facão de plástico.
— Sim, sim. — Ele respondeu pegando uma blusa preta no armário. — Pode chamar o
uber.
Ele vestiu a camisa, pegou um casaco verde jogado na cadeira da escrivaninha, o vestiu e
se virou para mim.
— Ta-da! — Ele falou com os braços erguidos. — Que tal?
O casaco era um pouco grande, mas funcionava para a ideia, ele veio até a cama, pegou a
máscara e a vestiu, pegou o facão e a empunhou na minha direção.
— Tá com medo? — Ele perguntou rindo.
— Apavorado. — Falei com o celular na mão, esperando o uber.
— Sua fantasia ficou muito boa. — Ele falou levantando a máscara para me olhar melhor. —
O spray funcionou. — Ele levou a mão até meu cabelo e pegou uma mecha. — Ah, ainda
não secou totalmente…
Ele olhava para sua mão manchada, eu olhava para a boca dele, que ele comprimia como
se pensasse algo.
— Minha mãe me pediu pra te entregar uma coisa. — Falei de repente.
Ele me olhou curioso.
— O quê? — Ele perguntou me olhando.
Eu o puxei pela cintura e o abracei, depois o jogando na cama, fazendo ele largar o facão do
seu lado, me deitei sobre ele, o surpreendendo.
— Um abraço. — Respondi rindo olhando para seu rosto surpreso, que estava bem próximo
ao meu.
Ele sorriu sem entender nada e começou a rir também.
— Não sabia que sua mãe abraçava desse jeito. — Ele disse com ar de deboche.
— Ah, não, isso foi um toque pessoal meu… — Falei olhando para a boca dele.
Ficamos em silêncio por um momento, senti sua respiração no meu rosto, meu coração
batia rápido contra o dele, ele não pediu para me levantar, não fiz menção de levantar
também.
— Henrique? — Bruno falou de repente.
— O quê? — Perguntei com medo dele me mandar levantar.
— O uber… — Ele disse, sem desviar os olhos de mim.
— Ih! — Me levantei e olhei meu celular. — Tá chegando já.
Bruno se levantou, ajeitando seu casaco, pegando seu facão de plástico e seu celular. Enfiei
meu celular no bolso e fui para a porta.
— Henrique? — Bruno chamou.
Me virei com a mão na maçaneta.
— O quê? — Perguntei.
— Você… — Ele começou mas logo parou.
— Fala. — Pedi, esperando que ele me dissesse para não abraçá-lo mais daquele jeito.
— Não tem problema… Tipo… Você faz essas coisas… Mas… — Ele levou a mão até a
nuca e a coçou nervosamente. — Não é algo que você normalmente faz, sabe? Você anda
bem carinhoso ultimamente.
— Sim… — Merda! Tô deixando muito óbvio! Pensei nervoso.
— Bom, você pode continuar, de verdade não tem problema. — Bruno disse dando de
ombros. — Se é algo que você se sente bem, por mim tudo bem.
— Ah… Mesmo? — Perguntei surpreso.
— Tipo, os caras normalmente ficam meio desconfortáveis com essas coisas de abraço e tal
com outros caras. — Bruno dizia com um sorriso leve. — Fico feliz que você não se
incomode com um pouco de carinho.
Ele foi até mim e me deu um abraço, o que me surpreendeu e acelerou meu coração. Ele se
afastou olhando para mim.
— Eu percebi que você não faz muito isso quando tem outras pessoas por perto. — Ele
falou revirando os olhos e riu. — As outras pessoas podem estranhar, eu entendo, mas você
não precisa inventar desculpas para me abraçar quando estivermos nós dois. Sou eu, cara,
tá de boa.
— Você… Realmente não se incomoda? — Perguntei me sentindo meio idiota pelas vezes
que o abracei usando desculpas bobas.
— Nem um pouco. — Ele sorriu. — Meu pai é um cara bem carinhoso também, você é meu
melhor amigo, então tá de boa. — Ele pensou um pouco e riu. — Se a Brenda me
abraçasse do nada, aí sim seria estranho.
Me senti muito aliviado, não precisava me segurar para o abraçar e me sentir próximo a ele,
claro acredito que não posso ir além disso, pensei, mas isso me basta.
— Ok. — Falei tentando não parecer muito animado, meu celular vibrou, o uber estava
esperando. — A gente tem que ir!
— Vamo, vamo! — Bruno falou passando por mim, foi até o seu pai e deu um beijo no seu
rosto. — Te amo, volto à meia-noite.
— Pode demorar mais. — Seu Márcio disse dando um beijo no rosto do Bruno.
— Acho que só vou suportar até meia-noite. — Bruno disse parecendo pensar no que terá
que suportar lá.
— Não estarei em casa quando você voltar, vou trabalhar daqui a pouco… — Ele disse
irritado.
— Turno da noite, seu Márcio? — Perguntei sentindo pena dele.
— Sim, mas vai valer a pena. — Ele disse rindo. — No próximo fim de semana vou poder
beber em paz.
— Vida de enfermeiro é uma merda. — Bruno comentou abrindo a porta da frente. — Tchau!
— Tomem cuidado! — Ouvi sua voz depois de fecharmos a porta.
No carro, perto de chegar, pensei um pouco, me inclinei pro lado do Bruno e sussurrei no
seu ouvido.
— Você ficaria de boa com beijo no rosto também?
Bruno se virou para mim com os olhos arregalados e começou a rir.
— Não acredito que tu realmente meteu essa. — Ele levou a mão ao rosto tentando segurar
a risada.
Ele se acomodou no banco e ficou olhando para a janela, senti um calor de constrangimento
pelo corpo, estava envergonhado, mas o Bruno não parecia se incomodar. Tenho que me
controlar, já fui longe o bastante, pensei.
Naquela época eu não sabia, ou apenas fingia não saber, mas não importava o quão longe
eu fosse com o Bruno, nunca seria realmente o bastante.

— Então, como anda lidando com o término? — Perguntou a Brenda do meu lado.
Estávamos perto da mesa de comida, a festa estava bombando, praticamente todo o
primeiro ano estava ali, todos com fantasias, improvisadas ou elaboradas. Brenda estava te
sininho, um vestido verde bem curto, sapatilhas verdes com bolinhas brancas nas pontas,
asinhas e um coque com algumas mechas cacheadas soltas.
— Término? — Perguntei sentindo meu sangue gelar, minha mão que segurava um pratinho
plástico tremia, como ela sabe? Júlio contou? Não, ele não faria isso…
— Você escondeu muito mal. — Ela disse me arrepiando todo. — Anda, quem era a garota
que deixava chupões no seu pescoço? Você tinha até parado de ir sair com seus amigos!
Caralho, que alívio, pensei voltando a respirar, nem tinha percebido que segurava a
respiração.
— É de outra escola. — Menti. — Você não a conhece.
Ela bufou de raiva e voltou para a comida.
— É bonita? — Perguntou secamente.
— A mais bonita que já fiquei. — Respondi olhando em volta.
Bruno estava num canto, apoiado numa parede com um copo na mão. Ele parecia meio
triste, mas antes que pudesse olhar com mais atenção, Marcela veio falar comigo. Ela usava
um vestido bufante de princesa, verde água, acho que estava fantasiada de Ariel, para
combinar com seu cabelo ruivo.
— Oi, Henrique! — Ela veio e me abraçou. — Tá se divertindo?
— Sim, muito! — Respondi.
— Então… Não queria falar nada… — Seu olhar foi para o Bruno do outro lado do salão. —
Mas por que você trouxe o Bruno?
Fechei a cara imediatamente.
— Algum problema eu ter trazido ele? — Perguntei sério.
— Ah… Não, que isso… — Ela disse cautelosa. — Mas ele não é de ir em festas, tanto que
nem convidei ele… E por que ele tá fantasiado de… Assassino?
— Halloween, ué. — Respondi sem entender.
— Ninguém aqui tá fantasiado de filme de terror, isso…. — Marcela disse como se fosse
óbvio. — Meio que faz ele estar deslocado.
Olhei em volta, não tinha percebido que ninguém estava usando uma fantasia assustadora.
As meninas estavam de princesas da Disney ou de bailarinas, vi um casal de Shrek e Fiona,
os caras variavam entre filmes de heróis, jogadores de futebol ou algum personagem da
Disney, como eu.
— Acho que o Bruno tornou a festa mais interessante. — Respondi indiferente. — Se tá
incomodada, a gente vai embora. — Falei colocando meu prato de volta na mesa.
— Não! — Ela levantou as mãos de forma defensiva. — Não é nada disso…
Brenda, que estava por perto ouvindo tudo, se aproximou de mim e apontou para o Bruno,
eu não ouvi o que ela disse, a música aumentou de repente naquele momento, quando olhei
na direção dele, ele estava agachado, escondendo o rosto com as mãos.
— Olha, eu só tô dizendo que o Bruno não se sente confortável estando… — Marcela
falava, mas não escutei.
Fui na direção dele e me abaixei perto dele.
— Você tá bem? — Perguntei preocupado.
Bruno levantou o rosto, ele estava chorando, sua camisa tava molhada e com cheiro de
vodka, o hálito tinha cheiro de álcool, ele tá bêbado! Pensei preocupado.
— Não me sinto bem… — Ele murmurou.
— Vêm! — O ajudei a levantar e o levei para fora da festa.
Na recepção, pedi uma água para a moça que estava lá e o coloquei sentado num banco
por perto.
— Como você tá? — Perguntei abaixado na sua frente.
Ele chorava, passava a mão no rosto para secar o rosto.
— Eu… Achei que iria me divertir… — A voz do Bruno estava enrolada. — Que o pessoal
não ia se incomodar comigo lá… Eu ouvi os caras falando… Não tinha nada a ver eu tá alí.
Senti meu corpo tremer de raiva.
— E… — Bruno continuou. — Disseram “Ah, você é esquisito… Todo na sua… Caladão…
Como pode ser amigo do Henrique? Será que tá chantageando ele?”
— Não liga pra eles… — Eu falei tentando soar calmo.
— Você tá bravo comigo? — Bruno perguntou choroso.
— Não! Não! Eu jamais ficaria bravo com você! — Falei me sentando ao seu lado e
abraçando ele.
— Eu… Não consigo… Me soltar como você… — Ele falava chorando de novo. — Então eu
peguei uma bebida… Tava tudo bem no começo…
Ele parou de falar por um momento, me afastei e o vi levar a mão até a boca. A moça da
recepção voltou com a água, disse que precisava resolver um problema no palco para a
hora da dança com o príncipe.
— Minha boca… Tá seca… — Bruno murmurou.
— Aqui bebe. — Coloquei o copo na sua boca para ele beber.
Esperei um momento e ele parecia um pouco melhor, ainda um bêbado triste, mas melhor.
— Acho que… Não sou feito pra beber… — Ele murmurou rindo.
— Só precisa tomar cuidado, beber com calma. — Falei com a mão no seu ombro.
Ele se virou para mim e me olhou de forma estranha.
— Henrique? — Ele balbuciou.
— Fala.
— Eu sou… Um incomodo? — Ele perguntou.
— Não! Nunca foi! — Falei com veemência.
— Por que você é meu amigo? Eu sou tão… Sem graça… — Bruno encostou a cabeça no
meu ombro.
— Sou seu amigo… Porque você é uma pessoa incrível. — Falei fazendo carinho no seu
rosto. — Você ama filmes antigos, de terror, você é inteligente, engraçado, é engraçado até
quando não quer ser, se anima todo pelas menores coisas… Você sorri de forma tão bonita
e genuína quando tá feliz, queria poder fazer você sorrir mais vezes…
Senti seu rosto se mover, abaixei o olhar para ele e ele olhava para mim.
— Você… — Continuei. — É a pessoa mais importante para mim… — Senti os fogos
explodindo em mim com ele me olhando daquele jeito. — Eu… Eu sinto… Um carinho
enorme por você…
A mão dele foi até meu rosto, senti meu corpo estremecer com seu toque.
— Talvez… Mais do que isso… — Murmurei. — Bem mais…
Sua mão fazia carinho no meu rosto, ele me olhava intensamente, me sentia hipnotizado
pelos seus olhos. Meu coração parecia querer sair do meu corpo e ir de encontro a ele,
sentir mais próximo a ele. Eu estava apavorado, tinha falado demais, ele se lembraria
disso? O quão bêbado ele tá? Pensei, sentindo meu corpo tremer.
— Bruno, eu…
Ele aproximou o rosto do meu e me beijou, começou de forma suave, senti o gosto de
vodka. Os fogos de artifício não estavam mais dentro de mim, saíram do meu corpo,
aconteciam a minha volta, explodindo sem controle. Sua boca começou a pressionar a
minha com força, me beijar com mais vontade, sentia sua língua dentro da minha boca,
movendo-se devagar. Sua mão tinha deslizado do meu rosto para a minha nuca, segurando
meu cabelo e me puxando contra ele, sentia que aquilo era um sonho, um que eu não
queria que acabasse.
Ele parou e se afastou, me olhou como se tivesse feito uma merda gigantesca.
— Desculpa… — Ele começou a chorar. — Eu… Não devia…
— Tá tudo bem. — Eu falei acariciando seu rosto. — Não pede desculpa…
— Mas… Eu… — Sua voz estava embargada, era quase difícil entender o que dizia.
— Vem cá, tá tudo bem… — Eu o abracei, senti seu rosto no meu ombro, suas lágrimas
molhando minha camisa. — Vou te levar para casa.
— Me desculpa… Desculpa… — Ele murmurava deitado no meu ombro.
Vi Júlio sair do salão e olhar em volta, ele me viu e veio até mim.
— O que rolou? — Ele perguntou olhando minha situação. — Eu vi você saindo rápido com
o Bruno no braço, demorou… Ele tá bem?
— Ele bebeu. — Falei sentindo o gosto na minha boca.
— Ah… Eu vi quando rolou… — Ele comentou desconfortável.
— O que você viu? — Perguntei sentindo o ódio subir em mim.
— Vi o Antônio jogando vodka nele “sem querer” e depois dando um copo cheio pro Bruno,
dizendo que ele devia se soltar mais. — Júlio me observava tenso. — Por favor, não faz
nada idiota.
— Tenho que fazer algo mais importante. — Falei me virando para o Bruno, ele parecia que
estava prestes a dormir. — Consegue levantar?
Ele balançou a cabeça confirmando, quando ficamos de pé, coloquei seu braço sobre meus
ombros, senti seu corpo pendendo para baixo.
— Desculpa… Pelo beijo… Que te dei… — Bruno balbuciou.
Júlio me olhou e arregalou os olhos.
— Ele…?
— Agora não é hora. — Falei. — Pega meu celular no bolso, chama o uber.
Quando o carro chegou, coloquei o Bruno no banco de trás, antes de entrar me virei para
Júlio.
— Avisa ao Antônio que vou matá-lo na segunda. — Falei friamente.
— Que isso, cara. — Júlio falou com sua voz calma. — Pega leve…
— Eu tô pegando leve. — Falei sentindo a raiva tremer meu corpo. — Por mim eu ia lá
agora e o matava na frente de todo mundo, tô pedindo para você avisar a ele. — Respirei
fundo. — Se ele for minimamente inteligente, não vai aparecer na escola por um bom
tempo.
Entrei no carro antes que Júlio pudesse dizer mais alguma coisa, o carro partiu em direção a
casa do Bruno, que deitava no meu ombro já dormindo.

Seu Márcio não estava em casa, o que foi bom, evitou uma situação complicada. Abri a
porta, coloquei o Bruno no sofá, Bruno estava murmurando algo, parecia estar acordando.
Decidi levá-lo ao banheiro e dar um banho nele, já que ele fedia a bebida, coloquei seu
braço no meu ombro e o ajudei a andar até lá.
— Obrigado… — Ele balbuciou. — Por… Me ajudar…
— Nada. — Respondi o colocando apoiado na parede dentro do box. — Vou tirar sua roupa
agora.
Ele balançou a cabeça negando.
— Não… Meu corpo é… Feio… — Ele murmurou.
— É com isso que se preocupa? — Perguntei rindo. — Já vi você sem camisa antes.
Tirei seu casaco, depois sua camisa, estava seca, notei que sua máscara não estava lá,
nem o facão de plástico. Deve ter perdido na festa, pensei. Abri sua calça, ele segurou
minha mão, olhei para ele.
— Preciso te dar um banho. — Falei calmamente. — Só tem eu aqui, não vou te fazer mal.
— Eu sei… Só… Não queria que me visse… Assim… — Ele se esforçava para manter os
olhos abertos. — Me sinto… Envergonhado…
Ele soltou minha mão, continuei abrindo sua calça, tirei ela e depois sua cueca, ele se cobriu
com suas mãos enquanto eu tirava sua cueca das pernas.
— Pronto, agora vou ligar a água…
— Você vai… Molhar sua roupa... — Ele falou me impedindo. — Eu… posso tomar banho…
Ele mal conseguia abrir a água, a mão dele estava frouxa. Tirei a roupa, fiquei só de cueca,
liguei a água e peguei o sabonete. Coloquei ele embaixo da água, comecei a passar o
sabonete nas suas costas, no seu peito, seus braços… Fiquei um pouco nervoso em lavar
suas pernas, me esforcei em deixar isso de lado e me abaixei, evitei ao máximo olhar para
ele, mas estava bem ali, então teve momentos que eu encarava seu pau amolecido.
— Não olha… — Ele disse olhando de cima para mim.
— Desculpa. — Falei me levantando. — Consegue… Lavar?
Ele balançou confirmando, evitei encarar e esperei ele terminar.
— Pronto… — Ele murmurou.
Depois do banho, peguei a toalha e o sequei, o levei para o quarto e o sentei na cama, me
virei para pegar uma cueca numa gaveta, quando voltei a ele, estava caído de lado na
cama. O vesti, peguei sua toalha e o coloquei deitado de forma confortável, puxei seu
cobertor e o cobri.
— Já volto. — Falei, mas ele já roncava.
Voltei ao banheiro, tirei a cueca que tinha molhado no banho do Bruno, entrei no box e
comecei a tomar banho, tirei a tinta spray do cabelo, e depois de um tempo só deixei a água
escorrer pelo meu corpo, apoiei a testa na parede e tentei me controlar. O corpo do Bruno
era magro, menos do que na época das aulas de natação, sua pele branca era suave e
macia, seu corpo quente me deixava desconcertado, dar esse banho nele foi uma prova de
força que eu não estava pronto para passar. Fechei o chuveiro, peguei outra toalha e me
sequei.
Avisei minha mãe que dormiria no Bruno, fui até seu quarto e peguei uma cueca da gaveta
da cômoda, tá limpa, então acho que não tem problema pegar emprestado… Pensei,
enquanto a vestia. Me aproximei da cama dele, Bruno estava abraçado no cobertor, deitado
de lado e encolhido. Deitei do seu lado e o abracei, sentindo o seu cheiro de banho tomado,
seu corpo quente contra o meu, senti relaxar e adormeci com o seguinte pensamento.
Seria tão ruim se ele se lembrasse… ?

Capítulo 14: Sempre fui impulsivo…

Acordei no dia seguinte sentindo a respiração do Bruno no meu pescoço, pelo visto, durante
a noite acabei virando para o outro lado e ele virou para mim e me abraçou. Olhei para ele
por um tempo, acariciei seu braço sobre meu peito, pensei no que tinha acontecido ontem,
me senti culpado pelo que o Bruno passou, senti que tinha que fazer algo a respeito, então
decidi que faria algo, olhando agora eu fui longe demais, mas na época eu me deixei levar
um pouco pela raiva.
Tirei o braço dele de cima de mim e levantei, peguei meu celular e mandei mensagem pro
Júlio.

Eu: Vc falou com o Antônio ontem?


Miyagi: Falei…
Miyagi: Mas ele só riu, n levou a sério sua ameaça de morte.
Senti meu sangue ferver, passei a mão no rosto e respirei fundo.

Eu: Preciso de um favor.


Miyagi: Vai matar o Antônio e me pedir pra desovar o corpo?
Miyagi: Acho q vc não deve fazer nada tão extremo…
Eu: Naum vou gastar meu réu primário com ele…
Eu: Só preciso de umas coisinhas…
Eu: Sei q vc pode arranjar.
Miyagi: Consigo até imaginar o que será.

Ouvi Bruno grunhir na cama, me virei e ele estava com o braço sobre o rosto.
— Minha… Cabeça… — Ele murmurou.
Ele me olhou e franziu o cenho.
— Você… Dormiu aqui ontem? — Ele perguntou.
— Se lembra de ontem? — Perguntei sentindo meu coração pesar.
Ele não se lembra do nosso beijo? Ele balançou a cabeça confuso.
— Mais ou menos… — Ele se levantou e sentou na cama, passando a mão no rosto. —
Nós… Fomos a festa, chegando lá a gente dançou… — Ele riu. — Acho que nunca dancei
em público, nossa, que vergonha. — Ele balançou a cabeça.
— Até que você dançou bem. — Falei lembrando dele imitando meus movimentos.
— Eu sou muito desengonçado… — Ele revirou os olhos. — Enfim, você foi pegar comida,
e… — Ele parou mudando sua expressão imediatamente, virou o olhar preocupado para
mim. — Olha, não fica bravo…
— Eu não vou. — Falei bravo.
— Sério, não foi nada demais… — Bruno disse nervoso.
— Ok, continua. — Falei tentando controlar a voz.
— Seus amigos… Eles falaram umas coisas… — Ele engoliu em seco. — Sobre eu ser…
Meio na minha, e tal… Sabe?
— Hum... — Murmurei cerrando os punhos, ele não se lembra de já ter me contado isso.
— Aí, o Antônio, ele tropeçou e derrubou bebida em mim, foi um acidente, sabe? — Bruno
falou tentando transparecer indiferente, mas ele estava incomodado. — Ele pediu desculpa,
me deu um copo e disse para eu me soltar mais, já que… Eu sendo seu amigo, eu tinha que
fazer por onde para… Merecer ser seu amigo.
— Ele disse isso? — Falei sem acreditar. — O que mais?
— Bom, eu não levei o que ele disse muito a sério, de verdade! — Bruno sempre mentiu
muito mal. — Eu sei que ele é seu amigo, então achei que seria uma boa ideia, dei um gole
e tinha um gosto bem forte e amargo…
— Você não precisa beber pra isso. — Falei.
— Ah, eu achei… Enfim, não importa. — Ele falou dando de ombros. — O primeiro copo foi
tranquilo, me senti mais leve.
— Você bebeu mais de um copo? — Perguntei preocupado.
— Sim… Bebi uns três, eu acho… — Ele falou com um sorriso sem graça.
— Meu Deus, Bruno… — Murmurei.
— Eu sei, eu sei, foi uma péssima ideia. — Ele disse nervoso. — Enfim, me lembro de me
apoiar na parede, tudo começou a girar, então me agachei pra parar aquela sensação.
Bruno se levantou da cama, ele percebeu que estava só de cueca e pegou uma camisa no
chão e me olhou.
— Aí você apareceu, me levou para um banco, me deu água e eu dormi. — Bruno falou
vestindo a camisa. — Você me acordou pra gente ir no carro, me trouxe em casa… Me deu
um banho… — Ele falou a última parte um pouco baixo e sem jeito. — Sério, cara, tem que
ser muito amigo pra dar banho num bêbado.
— Melhor que deixar você fedendo a vodka. — Falei enquanto pensava, é só isso que ele
se lembra? — E depois?
— Bom, você me pôs na cama e eu apaguei. — Ele disse simplesmente. — Para uma
primeira vez de bêbado, eu até me lembro de tudo, mesmo que esteja tudo meio… Borrado.
— Você não se lembra… De mais nada? — Perguntei com o coração na mão.
— Não. — Ele respondeu franzindo o cenho. — Aconteceu alguma coisa? Eu fiz alguma
coisa?
Eu devo contar? Me perguntei, será que seria uma boa ideia? Se eu contasse, ele se
sentiria constrangido, talvez ele até mesmo se afastaria de mim… E aquela ideia me deu
medo.
— Não, nada. — Falei sorrindo, meu melhor sorriso falso. — Você se saiu bem, nem
vomitou.
— Ufa… Por um momento… — Bruno levou a mão ao rosto, então parou e se virou para
mim. — Eu beijei alguém?
Arregalei os olhos, meu coração parou, minha respiração parou por um momento. Respira,
porra! Pensei desesperado.
— Ih, viajei! — Bruno falou de repente me olhando sem jeito. — Deixa pra lá, foi mal, pela
sua cara já vi que foi só um sonho lúcido. — Ele riu. — Vou pegar algo para comer, quer
alguma coisa?
Não respondi, ele saiu do quarto até a cozinha. Caí na cama e levei a mão aos olhos, minha
respiração estava ofegante, será que eu teria respondido se tivesse tido chance? Me
perguntei, sentindo meu rosto quente, acho que não…

Bati na porta da casa do Antônio, ele mora numa casa bem bonita no Valqueire, um bairro
de classe média. Tinha ido lá depois de passar no Júlio para pegar umas coisas… Sua mãe,
Dona Lili, atendeu e pareceu surpresa em me ver.
— Henrique, oi, a quanto tempo! — Ele disse com um sorriso enorme. — Antônio não está
em casa…
— Poxa, sério? — Falei fingindo decepção. — Bom, ele vai demorar? É importante…
— Ah, ele foi na casa da Eduarda, sabe como é esses apaixonados… — eu sei, eu vi no
story dele, pensei, ela continuou. — Você veio até aqui, então entra.
Entrei olhando em volta, fazia um tempo que não ia na casa dele, às vezes no fundamental
eu vinha aqui com os outros jogar seu Nintendo Wii, seus pais sempre gostaram muito de
mim, diziam que eu era o mais responsável.
— Tudo bem? — Ela perguntou.
— Sim, tudo... — Falei e depois fiz uma cara de desconforto. — Só preciso ir ao banheiro…
— Vai lá, já avisou o Antônio que você está aqui? — Ela perguntou.
— Na verdade, tem como você avisar por mim? Esqueci meu celular… — Falei coçando a
nuca sem jeito.
— Claro, claro… — Ela disse pegando seu celular.
Fui em direção ao banheiro, olhei por cima do ombro, ela não estava olhando. Fui
rapidamente para o quarto do Antônio, abri a porta e entrei.
Não vou precisar fazer mais nada depois disso… Pensei enquanto abria a janela do quarto,
me inclinei para fora e peguei a mochila que tinha deixado encostado do lado de fora, com
um sorriso malicioso comecei a abrir a mochila, se fudeu seu filho da puta…

Quando Antônio chegou, eu estava sentado no sofá, sua mãe numa poltrona, o olhamos
com seriedade.
— O que… Tá rolando? — Antônio me olhou sem entender nada.
— Uma intervenção. — Falei seriamente.
— Meu amor… — Sua mãe tinha a voz embargada. — Por que você não me contou?
Antônio piscou algumas vezes, tentando entender o que estava acontecendo.
— Olha, cara. — Falei com uma voz complacente. — Eu sei que você me implorou para não
contar para sua mãe, mas depois de ontem… Você tá se destruindo, precisa de ajuda!
— De que merda você tá falando? — Ele perguntou irritado.
— Não fale assim com ele, só está aqui para ajudar… — Dona Lili disse secando uma
lágrima. — Eu não imaginava… Meu filho… Um maconheiro bêbado… — Ela enterrou o
rosto nas mãos
Antônio arregalou os olhos, seu queixo tinha caído, se virou para mim puto da vida, eu só
devolvi seu olhar com um sorriso de deboche.
— Mãe, eu não sei o que ele te contou… — Antônio falou com seriedade. — Mas é mentira.
Dona Lili levantou o rosto, o olhando com decepção, ela se inclinou para o lado, pegou duas
garrafas de vodka, uma cheia e a outra pela metade, colocou na mesa de centro.
— Você ainda tem coragem de mentir para mim? — Ela tremia. — Não foi só isso que achei
no seu quarto, tinha mais… Tinha um saco de maconha na sua gaveta de cuecas!
A cara dele é impagável, pensei disfarçando minha felicidade.
— Dei descarga na sua maconha! — Ela se levantou e ficou na frente dele. — Seu pai é
policial! Você acha que pode fazer o que quiser e não vai sofrer as consequências?
— Ele armou pra mim! — Ele apontou pra mim. — Mãe, eu jamais…
— Aqui. — Peguei meu celular e me mostrei uma foto dele da festa de ontem, onde ele
colocava vodka num copo. — Não tem como negar, a gente só quer seu bem.
— Seu filho da puta! — Ele gritou e veio em minha direção.
A mãe dele o impediu ficando na sua frente.
— Henrique, vai embora, eu assumo daqui. — Ela me olhou desolada. — Muito obrigada, se
não fosse por você, eu não sei o que seria do meu menino…
— Faço qualquer coisa pelo meu amigo. — Falei olhando para ele. — Qualquer coisa…
Me virei e fui em direção a porta, olhei por cima do ombro.
— Eu avisei, não avisei? — Perguntei fingindo preocupação.
Abri a porta e fui embora, deixando Antônio a mercê de sua mãe preocupada.

— Então foi pra isso que você pegou a maconha? — Perguntou Júlio. — A vodka foi fácil,
mas meu irmão ficou puto quando a maconha dele sumiu.
Estávamos na sala, segunda de manhã, Antônio não tinha ido à aula, ele não voltaria para
escola.
— Talvez tenha sido exagerado pegar tudo… — Falei dando de ombros sem sentir culpa
alguma. — Mas foi por um bem maior.
— A notícia já se espalhou… — Ele falou olhando em volta pela sala, as pessoas me
olhavam e cochichavam. — Vai ficar bem?
— Se ninguém mais fizer mal ao Bruno, ficarei muito bem. — Falei vendo Bruno sentado no
seu lugar de sempre lendo um livro enorme com um palhaço na capa, alheio a tudo. — Ele
não precisa saber o que aconteceu.
Chegando em casa, voltando da casa do Antônio, recebi milhares de mensagens do pessoal
da sala, decidi então fazer um grupo com todos, sem o Bruno e respondi.

Eu: Boa tarde gente, o Antônio tá passando por um momento complicado da sua vida,
acredito que ninguém mereça isso, nenhum de vcs qr passar pelo q ele tá passando, certo?
Então ninguém precisa falar disso, muito menos cm o Bruno, se alguém tocar nesse assunto
perto dele, naum respondo pr mim…

Depois que todos visualizaram, desfiz o grupo, chegando na escola no dia seguinte, os
olhares em mim eram constantes, mas ninguém disse nada.
— Acha que ninguém vai falar nada pra ele depois? — Júlio me perguntou incrédulo.
— Já garanti isso, não se preocupe comigo. — Dei de ombros e me afastei com um sorriso
enorme no rosto.
Me sentei ao lado do Bruno e sorri.
— Como tá o livro? — Perguntei sorrindo para ele.
— Cheguei na parte em que eles lutam contra o palhaço alienígena pela primeira vez… —
Ele murmurou concentrado.
— Quantas vezes eles lutam contra ele? — Perguntei olhando para o tamanho do livro.
— Duas vezes.
— Livro grande… — Murmurei. — Tem, tipo, mil páginas?
Os olhares de todos ainda estavam em mim, mas isso não importava, ninguém mais vai
implicar com Bruno ou fazer mal a ele, pensei, sem considerar as consequências dos meus
atos.

— Quer passar lá em casa? — Bruno perguntou.


Tinha se passado alguns dias desde a festa, caminhávamos para o portão de saída da
escola após a aula.
— Claro, tava pensando em pegar um livro emprestado… — Comentei.
— Cara, eu até empresto. — Ele apontou o dedo no meu peito. — Mas tome conta do meu
bebê!
— Pai de livros, essa é nova. — Falei rindo.
— Henrique! — Ouvi a voz de Antônio gritando meu nome.
Me virei e vi Antônio do lado de fora da escola, me esperando. Os alunos estavam olhando,
alguns com celulares na mão filmando, Ele estava apoiado num poste, com as mãos no
bolso, tinha um olhar homicida no rosto.
— Você armou pra mim! — Ele se afastou do poste e veio na minha direção. — Vou te
matar! — Depois se virou para o Bruno. — Você vem logo depois!
— Quê?! — Bruno deu um passo para trás e se virou para mim. — Do que ele tá falando?
— Ah! Não tá sabendo? — Antônio estava na minha frente. — Esse filha da puta fez meus
pais me mandarem pra reabilitação! Eu tenho 15 anos! Pelo amor de Deus!
— É muito possível se viciar novo, nunca assistiu Euphoria? — Falei com sarcasmo.
— Você só fez isso porque dei uma zoada no Bruno! — Ele disse rindo. — Sério, você levou
isso muito pro pessoal! Foi ele que escolheu ficar bêbado!
— Não faço ideia do que tá falando. — Falei cruzando os braços. — Você tá delirando, anda
chapando demais.
Não sou burro, tem gente filmando, pensei olhando para os celulares apontados.
— Beleza, você não precisa admitir… — Ele disse com um sorriso assassino. — Não vim
aqui por uma confissão, vim atrás da sua condenação.
Antes que pudesse responder, ele me acertou um soco, foi rápido e senti meu corpo
desestabilizar por um momento, foi na lateral do rosto, senti gosto de sangue, meus dentes
rasgaram minha bochecha por dentro. Me virei para ele e o vi segurar um canivete, merda
esse cara vai me matar, pensei apavorado. Quando fiz menção de levantar, vi algo voar
sobre mim, era uma mochila, a mochila do Bruno. Acertou a cara do Antônio e o derrubou
no chão.
— Merda! — Ele gritou de dor, caído no chão. — Que porra pesada!
O canivete foi para longe, Bruno foi em direção a mochila, a pegou e olhou para o Antônio
com olhar indiferente.
— Uma apostila, alguns cadernos e um livro de mil cento e quatro páginas. — Ele
suspendeu a mochila sobre a calça dele. — Melhor você se acalmar se não eu esmago suas
bolas.
Logo os professores chegaram para averiguar a situação, Bruno foi suspenso por atacar e
ameaçar o Antônio com a mochila, mesmo sendo autodefesa, o peso da mochila quebrou o
nariz dele, Antônio foi levado pelos pais, que pelo visto não sabiam que ele tinha fugido da
reabilitação nem que tinha um canivete, como fui atacado e não revidei, saí dessa quase
ileso…

— Vai embora. — Disse Bruno através da porta.


— Cara, por favor! — Falei batendo na porta. — Se você não abrir eu vou contratar um carro
de som, juro por Deus!
Ele abriu a porta, ele estava de pijama, com o cabelo todo em pé. Merda, ele é fofo, pensei
desconcertado.
— Fala. — Ele disse cruzando os braços e encostando no batente.
— Posso entrar? — Perguntei.
— Não.
— Ok. — Respirei fundo. — Me desculpa pela sua suspensão…
— Não. — Ele se afastou e fechou a porta na minha cara.
— Bruno! — Bati na porta novamente.
Ele abriu, dessa vez ainda mais bravo.
— Eu não ligo pra suspensão, tô cagando pra isso! — Ele apontou o dedo na minha cara. —
Você armou pro cara ir pra reabilitação!
— Ele mereceu!
— Foda-se! Merecendo ou não, você devia armar essas coisas! — Ele disse gesticulando
com firmeza.
— Estava te protegendo! — Percebi que alguns vizinhos saíram para olhar. — Me deixa
entrar…
Ele olhou para onde eu olhava e bufou.
— Deixem de ser fofoqueiros! Principalmente você, Filomena! — Ele apontou para uma
senhoria que espiava da porta da casa dela. — Sua música gospel não disfarça todos os
sons que você faz!
Senhora Filomena logo entrou em casa, ele se virou para mim e revirou os olhos.
— Entra… — Ele murmurou se afastando da porta.
Entrei e fechei a porta, ele se jogou no sofá.
— Como seu pai reagiu? — Perguntei me sentando do seu lado.
— Ele ficou puto com a escola, já que foi claramente autodefesa. — Ele disse, pegando o
controle. — Mesmo com o vídeo, mostrando que ele tava armado e foi claramente
autodefesa, o nariz dele diz “agressão”.
— Falaram que o nariz dele vai ficar torto pra sempre. — Comentei rindo.
Ele riu também.
— Para, eu tô puto ainda… — Ele murmurou. — Você bancou o herói e não me falou nada.
— Ele se virou para mim. — Você fudeu com o cara porque ele falou algumas coisas e me
deu uma bebida, escondeu isso de mim…
— Me desculpa… — Murmurei.
— Sabe? O pior é que nem iria me contar se ele não tivesse tentado te matar! — Bruno
gritou.
— Eu não imaginava que ele fosse fugir da reabilitação. — Falei, sentindo gosto de sangue
e o interior da minha bochecha doer.
— Sua cara tá inchada, você pôs gelo? — Ele perguntou se levantando indo para a cozinha.
— Coloquei ontem quando aconteceu… — Falei me ajeitando no sofá.
— Henrique… — Bruno voltou com um saco plástico com gelo. — Você não pode sair por aí
e bancar o herói, me “salvar” das pessoas que não gostam de mim… — Ele sentou do meu
lado e pôs o gelo no meu rosto. — Você faz isso o tempo todo! Eu não pedi pra você fazer
isso! Fico grato, de verdade… Mas nem tudo se resolve com porrada e armação…
— Você também bancou o herói! — Falei sentindo o frio no meu rosto. — O que foi aquilo?
“Melhor você se acalmar se não eu esmago suas bolas.” — Falei imitando sua voz.
Ele começou a rir.
— Eu não falei assim! — Bruno gritou.
— Falou. — Falei rindo.
— Ok, você salvou minha vida sem consentimento, eu fiz o mesmo. — Ele disse pegando
minha mão e colocando no plástico para segurar o gelo. — Não faça mais isso pelas minhas
costas.
— Você fala como se eu fizesse isso sempre… — Murmurei.
— Eu sei que foi você no fundamental, na época que aquele cara fazia bullying comigo, eu
sei que você ajudou em segredo, antes de bater nele, na frente de todo mundo. — Ele disse
sorrindo.
— Como…?
— Eu vi quando você deixou o álcool e o algodão na minha mesa. — Ele disse dando de
ombros. — Eu acordei e vi você, mas você estava olhando para a porta, acho que não
queria que ninguém visse e depois você saiu correndo, então eu liguei os pontos sobre as
outras “ajudas misteriosas”.
— Ah… Bom, é… — Falei sem jeito.
— Eu sei que quando alguém fala algo de mim, você corta a pessoa da sua vida, ou ferra
com ela, ou manda ela pra reabilitação… — Ele riu sem graça.
— Desculpa… — Falei.
— Chega, já pediu desculpas demais. — Bruno disse revirando os olhos. — Só… Não faça
esse tipo de coisa de novo… A não ser que tenha um bom motivo… — Ele disse apontando
para minha cara. — Um motivo realmente bom!
— Ok! Ok! — Falei levantando as mãos. — Não faço mais! Eu prometo!
— Não prometa o que não pode cumprir! E não esconda coisas de mim! — Ele gritou. —
Você não tá me escondendo mais nada, certo?
Eu sou gay e tô apaixonado por você, pensei imediatamente.
— Não! — Falei sem hesitar.
— Ótimo, vamos manter assim. — Ele disse e relaxou no sofá. — Ainda não acredito que
meu castigo é férias da escola…
— Uma semana sem você… Que merda! — Falei ainda segurando o plástico com gelo no
rosto, que estava derretendo.
— Devia ter batido nele, aí estaria aqui… — Bruno disse dando de ombros.
— Posso matar aula. — Sugeri.
Ele me olhou com olhos arregalados.
— Seu pais vão te matar! — Bruno gritou me dando um soco no ombro.
— Só se descobrirem e eu não vou contar. — Falei com um sorriso cúmplice. — E você?
Vai contar?
Incrível como naquela época eu não fazia ideia de que, não só quebraria as duas
promessas, mas magoaria Bruno, o fazendo perder sua confiança em mim.

Capítulo 15: Sempre tive ciúmes…

— Então… Você quer que eu vá nessa festa com você? — Perguntou Bruno incrédulo.
— Sim, na verdade… Você foi convidado. — Disse sorrindo.
Era o último sábado antes das aulas do segundo ano, estava na casa do Bruno, logo depois
dele voltar da academia. A festa seria na Barra da Tijuca, o que significava um apartamento
chique enorme, muita música e muita gente da escola estaria lá.
Bruno começou a ficar bem popular depois de me defender do Antônio, as pessoas
pareciam querer se aproximar, mas sentiam-se intimidadas com a personalidade indiferente
dele. No fim do primeiro ano, quase todos cumprimentavam Bruno pelo corredor,
conversavam banalidades com ele com intenção de se aproximar, pareciam curiosos, mas
não realmente interessados nele, apenas queriam saber como ele era pessoalmente…
As férias de verão foram repletas de saídas e festas, aproveitava toda a oportunidade para
estar fora de casa, assim ficava longe do meu pai, que parecia empenhado em me
infernizar, mais do que o normal. Ele reclamava que eu não o respeitava e nem o levava a
sério, da mesma forma que não levava meu futuro a sério, que eu vivia fora, que a vida não
seria fácil comigo sempre…
Minha mãe constantemente me defendia, eles entravam em uma discussão sem fim sobre
mim, parecia que as brigas deles aconteciam apenas por minha casa, o ambiente era tenso
e me deixava culpado, desconfortável… Então eu saía, tentando ao máximo esquecer da
minha casa, das minhas dúvidas, meus medo. Bruno se tornou meu porto seguro, também
se tornou minha companhia nas festas, com ele lá elas pareciam mais divertidas… Pelo
menos para mim.
— Deixa de graça. — Ele falou. — Por que me convidariam? Você agora vive me arrastando
pras essas festas chatas…
Estava no quarto dele, sentado na cama, ainda faltavam algumas horas para ir, mas já
estava pronto, só precisava convencer o Bruno a ir comigo.
— Bom, não sei se você percebeu… — Comecei a falar, mas me distraí por um momento
com ele tirando a regata suada que usava. — Percebeu…
A barriga dele estava delineada, brilhando com o suor, o peito definido, os ombros fortes…
Quando ele ficou de costas era capaz de ver como estavam mais definidas, os músculos
dos braços estavam maiores, percebia a evolução que seu corpo passava.
— Percebi o quê? — Ele arrancou o tênis com os pé, tirou o short, ficando só de cueca e
meias, me distraindo ainda mais.
— É… — Desviei o olhar tentando me lembrar do que falava. — Você tá ficando popular.
— Bom… — Ele pegou a roupa suada do chão e caminhou até o banheiro. — O pessoal
parece mais legal comigo ultimamente… — Ele jogou as roupas no cesto e se virou para
mim dentro do banheiro. — Mas as festas são insuportáveis.
— Vai ser a última festa que te chamo! — Insisti. — Por favor!
Ele revirou os olhos e fechou a porta do banheiro.
— Vou pensar! — Ele disse através da porta.
Logo ouvi o barulho do chuveiro, deitei na cama e fechei os olhos, o corpo dele… Queria
próximo ao meu, pensava me sentindo envergonhado.
Quando ele voltou, só de toalha, eu não era capaz de desviar o olhar. O cheiro dele logo
após o banho, o cabelo molhado que pingava, as gotas deslizam pela pele, a pele com
várias pintas marrons… Ele percebeu que o encarava e levantou uma sobrancelha.
— Tranquilo? — Bruno perguntou.
Senti meu rosto queimar, desviei o olhar e dei um sorriso amarelo.
— Tranquilo. — Respondi.
— Ok… Vou me vestir pra tal festa. — Ele tirou a toalha da cintura e a levou ao cabelo para
secar. — Depois dessa festa, não vou sair por uns três meses…
Meus olhos foram para o seu pau, que mesmo mole era quase do tamanho do meu, não era
a primeira vez que via, mas mesmo assim era incapaz de não reparar… Engoli em seco e
me esforcei ao máximo para parar de encarar, quando ele ficou de costas observei sua
bunda, firme e marcada pela cueca, tinha uma pinta perto de onde começava a coxa,
parecia um coração. Comecei a rir, ele se virou com o cenho franzido.
— Que foi? — Ele perguntou segurando sua camisa do “planeta fantástico.”
— Você tem uma pinta… Com forma de coração. — Falei segurando a risada.
— Onde? — Ele perguntou olhando por cima do ombro tentando achar. — Cadê?
Me levantei e me aproximei.
— Bem aqui… — Falei cutucando a sua bunda.
— Ei! — Ele gritou ficando vermelho, levando a mão para tampar onde eu tinha cutucado.
Comecei a cutucar as pintas nas suas costas.
— Tem aqui… Aqui… Aqui… — Falei a cada cutucada. — Aqui também…
— Para! — Ele gritou rindo e se contorcendo. — Faz cócegas!
— Tá bom! Parei! — Falei não me aguentando de rir
Voltei para cama, me sentei e esperei ele terminar de se arrumar, observava suas pintinhas
feliz, ninguém tem a visão privilegiada das suas constelações… Pensei sorrindo que nem
um bobo apaixonado.

Estava na festa rodeado dos meus amigos, Bruno tinha ido ao banheiro fazia quase trinta
minutos. Mandei algumas mensagens para ele, mas ele não respondeu.

Eu: Ei!
Eu: Tá tudo bm?
Eu: Cde vc?
Eu: Aconteceu algo?
Eu: M responde…

Comecei a me preocupar, e se acontecesse o mesmo que na festa da Marcela? Avistei a


Brenda passando.
— Brenda! — Chamei, ela olhou para mim com um grande sorriso. — Você viu o Bruno?
A cara dela fechou imediatamente, então revirou os olhos.
— Não, nem sabia que ele tava aqui… — Ela disse irritada, sua voz estava enrolada.
— Quando o vir avisa para ele olhar o celular. — Falei.
Ela bufou e se afastou.
— Relaxa, cara, talvez ele esteja pegando alguém. — Falou Yago do meu lado.
— Cala a boca. — Falei revirando os olhos e dando um gole na minha bebida.
Não demorou muito e os olhos do Yago foram para algo atrás de mim.
— Ih, não é que eu tava certo? — Ele disse apontando para algo.
— Do que você…? — Me virei e meu coração parou.
Um cara de pele morena beijava Bruno, o segurando com força contra ele, sua testa tinha
uma mancha de algo escrito a caneta, a roupa dele estava do avesso, a calça dele
desabotoada, senti um frio percorrer meu corpo. Todos olhavam para eles e falavam alto,
tudo parecia em câmera lenta, meus ouvidos zumbiam. Milhares de pensamentos
percorriam minha mente.
— Merda… — Murmurou Júlio na minha frente. — Cara, se controla…
Não era mais capaz de ouvir mais nada, deixei meu copo cair no chão e andei na direção
deles, meu sangue fervia. Brenda estava por perto, ela disse algo que não ouvi e me olhou
assustada. Empurrei o cara e segurei o Bruno nos ombros, ele me olhou e arregalou os
olhos. A música parou, todos cochichavam, eu estava pronto para matar aquele infeliz.
— Quem caralhos é você e que porra cê acha que tá fazendo com meu amigo? — Falei e
coloquei o Bruno atrás de mim, sentia que estava fora de mim.
— Calma aí, calma! — Bruno falou rapidamente e imediatamente ficando na minha frente,
ele me olhou e sussurrou pra mim. — Esse maluco é o dono da festa, ele só tá bêbado,
deixa ele.
— Você conhece esse cara? — O cara perguntou, sorrindo, com a maior cara de pau do
mundo.
— Eu que devia perguntar isso! — Falei ainda mais puto e pronto para bater nele, mas
Bruno me segurou.
— Esse é o Alan, eu o conheci… no caminho do banheiro. Alan, esse é meu amigo
Henrique — Bruno disse com o rosto vermelho.
— Prazer em conhecê-lo Henrique. — Alan estendeu a mão.
Hesitei por um momento, não queria pegar na mão daquele desgraçado, mas as pessoas
começaram a falar e cochichar, então decidi me acalmar e me comportar naquela situação.
— Prazer. — Falei irritado e apertei sua mão.
Bruno claramente parecia desconfortável, Alan falou de um tal “encontro” que eles tiveram,
que Bruno foi embora tão rápido que nem deu tempo de beijar ele, o que não entendi nada.
Quando perguntei do que ele falava, olhei para o Bruno que não parecia querer dar
detalhes.
— Ah… É uma piada… Interna nossa. — Ele disse rindo.
E desde quando você tem piada interna com alguém que não é comigo? Queria muito
perguntar isso, mas logo ele disse que iria embora… mas não sem antes dar o número dele
para o Alan.
Odiei o Alan no momento que o vi beijando Bruno, mesmo que ele tivesse a cura para o
câncer, eu ainda odiaria ele. Brenda também não ajudou nem um pouco naquela situação,
parecia gostar da ideia deles juntos, o que me fez detestar ela mais ainda… Além de
destratar o Bruno e ser insuportável, ainda fica do lado daquele cara?
Depois Bruno foi em direção ao elevador, decidi ir atrás dele e levá-lo para casa, mas ele
insistiu em voltar sozinho.
— Fica e curte um pouco. — Ele falou parecendo desconfortável.
Antes de ir embora, pediu para eu cuidar da Brenda, já que ela parecia meio fora de si,
como sempre ele a defendeu, dizendo para não ligar muito para o que ela falava.
Depois que ele entrou no elevador, voltei e fui na varanda do apartamento, o vi sair do
prédio e ir em direção ao uber, acho que me viu, mas não tenho certeza, ele olhou para
cima, não acenou, apenas entrou no carro e se foi.
Brenda ficou me seguindo pela festa inteira, não calou a boca um segundo sequer. Júlio me
observava de longe, parecia preocupado com a possibilidade de fazer merda, mas decidiu
me dar espaço. Eu observava Alan de longe, ele se divertia com os amigos, rindo, a risada
dele me irritava. Nossa, como quero matar esse puto…
— Então… O que me diz? — Disse Brenda de repente do meu lado, tinha até esquecido
dela.
— Não ouvi uma palavra do que você disse. — Falei suspirando de tédio.
Bruno pediu para eu cuidar dela, pensei de repente quando a vi se jogar em mim.
— Você precisa ir pra casa. — Falei afastando ela.
— Você… vai me levar pra casa? — Ela perguntou com a voz enrolada e jogando o cabelo.
— O carro que vou chamar vai. — Disse secamente pegando meu celular.
Ela não falou nada por um tempo, parecia ter as pernas bambas, logo se estabilizou, depois
bufou e me lançou um olhar pidão.
— Por que você… não me dá… atenção? — Ela perguntou com dificuldade de formar a
frase, começou a chorar. — Você me ignora… Me trata mal… O que fiz pra merecer isso?
— Brenda, eu não tenho nenhum interesse em você e nunca terei, eu sou gay. — Falei de
repente, sabendo que ela estava bêbada o bastante para esquecer isso.
Ela me olhou por um momento e logo começou a rir.
— Você é ridículo! — Ela me deu um tapinha no ombro. — Não faça piadas assim!
Depois que a pus no carro ignorando seus protestos, decidi ir para casa, me sentindo
ridículo e apavorado. Se Bruno e aquele cara começarem a ficar… Não, não vou suportar
isso, pensei cabisbaixo, minha mente estava cheia de dúvidas, Bruno é gay? Foi apenas um
beijo que outro cara deu nele… Mas, ele gostou?
Chegando em casa, apenas caí na cama, não consegui dormir de imediato, minha mente
me torturava, acabei dormindo quando o sol raiou.

Acordei me sentindo um bagaço, as lembranças da festa de ontem ainda me perseguem.


Olhei meu celular, já era de tarde, umas cinco horas. Recebi uma mensagem do Júlio,
algumas de outros amigos, da Brenda, mas nenhuma mensagem do Bruno.
Saindo do quarto, vi meu pai sentado no sofá, ele me olhou de forma irritada.
— Acordou só agora? — Ele balançou a cabeça decepcionado. — Quanto mais o tempo
passa, mais eu vejo o filho inútil que criei…
— Bom dia pra você também, pai. — Falei sem me afetar. — O que tem pro café?
— Você quis dizer jantar, né? — Ele riu com deboche. — Já tá até escurecendo! Não tem
vergonha…
Ignorei e fui fazer um lanche, decidi comer no quarto e mandar mensagem pro Bruno, queria
ficar longe do meu pai…

Eu: Posso ir na sua casa hoje?

Ele não visualizou, olhei o celular a cada cinco minutos, depois de uma hora mandei outra
mensagem.

Eu: Quem cala consente, vou aí.

Arrumei minhas coisas, por que o Bruno não me responde? Será que tá ocupado? Mas hoje
é domingo, com o que ele estaria ocupado? Decidi mandar outra mensagem.

Eu: Vou dormir na sua cama, festa do pijama! Chego em meia hora.

Percebi o que tinha mandando, fiquei vermelho e rapidamente corrigi o que mandei.

Eu: Casa*
Respirei fundo, aproveitei que estava com celular na mão e decidi olhar a mensagem do
Júlio.

Miyagi: Agora que sabemos que eu estava certo sobre o Bruno ser gay, vc devia falar o que
sente.

Revirei os olhos, irônico pra caralho… Pensei rindo.

Eu: Aconteceu ontem, vc já vai presumir q ele é gay? Nem sabemos se ele gostou!
Miyagi: Cara, ele deu o número pra ele!
Eu: Foi só por educação.
Miyagi: Vc pd negar a realidade a vontade, mas naum vai mudar o q aconteceu.
Miyagi: Bruno bjou um cara, esse cara pdia ser vc se confessasse seus sentimentos.
Miyagi: O erro do intenso é achar que sabe fingir que não sente…
Eu: Enfia sua filosofia no cu!

Quando saí do quarto, meu pai estava no sofá, bebendo cerveja e assistindo o jornal. Olhou
para mim e reparou na minha bolsa de mão, meu travesseiro e minha mochila nas costas,
balançou a cabeça negando.
— As aulas começam amanhã, você aí só na farra… — Ele falou.
— Vou dormir na casa de um amigo. — Falei indo até a porta.
— Hm… — Ele murmurou dando um gole na cerveja.
Minha mãe saiu da cozinha e sorriu para mim, me abraçou e sussurrou no meu ouvido.
— Dê um abraço no Bruno por mim. — Ela se afastou e foi até meu pai.
— Você mima demais esse moleque. — Ouvi meu pai dizer enquanto eu fechava a porta.

Fiquei irritado ao saber que Bruno passou a tarde toda conversando com o Alan, ficou tão
distraído que nem viu minhas mensagens. Quem conversa tanto com outra pessoa e nem
nota as mensagens do melhor amigo? Pensei incomodado, tem algo de errado com essa
situação…
Ou com você, ouvi a voz de Júlio na minha cabeça, que não é nem capaz de falar o que
sente e nem de ficar feliz pelo seu melhor amigo… Balancei a cabeça e afastei esse
pensamento.
— Olha, vamos esclarecer as coisas. — Bruno falou se virando para mim depois de
reclamar da situação. — O Alan me beijou à força? Sim, eu gostei? Sim, então não se
preocupe, ele é legal, se tivesse algo errado eu te falava.
Ele gostou… Do beijo, pensei magoado.
— Então se eu te beijasse a força, seria de boa também? — perguntei puto, cruzando os
braços.
— Se um cara bonito que nem você me beijasse, eu não iria reclamar. — Bruno disse
seriamente.
Fiquei sem palavras, senti um arrepio percorrer meu corpo, vários sentimentos se
misturavam, desviei o olhar e recolhi os lábios. Me sentia transparente na frente dele, como
se ele conseguisse ver através de mim, ver meu desejo de tê-lo em meus braços. Uma
situação me colocando em um labirinto sem saída, a incerteza dos meus sentimentos
fazendo isso… Um pesadelo acordado.
Se eu beijar ele… Não seria um problema? Aquele pensamento não me saía da cabeça,
comecei a ter, pela primeira vez, esperanças com o Bruno…

Durante o banho, me veio a ideia. Eu seria capaz de ter o Bruno pra mim? Ele é gay…
Então eu tenho uma chance… Né? Mas logo veio outro pensamento, ele pode me ver
apenas como amigo… Saí do banho, vesti meu short, coloquei meu cabelo para trás, me
senti determinado. Não vou aceitar isso tão fácil, eu vou conquistar ele! Fui até o quarto
avisar ele que podia usar o chuveiro.
Quando Bruno voltou me viu deitado na cama dele, a cama dele era grande, quase de casal,
ficou reclamando que nem me dei ao trabalho de arrumar o colchonete. Respirei fundo.
— Ué, cara, vamos dividir a cama. — Evitei olhar para ele, tentei soar tranquilo, senti meu
rosto corar.
O quarto ficou em silêncio por um momento, quando olhei para ele e o vi ficar vermelho até
suas orelhas, senti uma faísca dentro de mim.
— Cê tá bem? Suas orelhas tão vermelhas. — Não me diga que… Segurei a vontade de
sorrir.
— Não é nada. — Ele tampou suas orelhas e desviou o olhar.
Depois de uma pequena discussão sobre o horário do despertador dele, ele se virou para o
lado dele me mandando dormir, mas sabia que não conseguiria dormir tão fácil assim.
Perguntei a ele o que tanto conversava com o Alan, não parecia nada importante, mas
sentia o sorriso na sua voz, como ele ficou feliz e surpreso com a ligação do Alan… Aquilo
me incomodou. Ligação? Ele ligou? Bruno dizia como Alan já estava com saudade dele,
como eles se entendiam bem, até assistiram o mesmo filme conversando pelo telefone. Me
sentia irritado, não com Bruno ou com o Alan, mas comigo mesmo, sentia que devia ter
escutado o Júlio quando me disse para dizer como me sentia para o Bruno no ano passado.
Mas nada garante que ele poderia corresponder, pensei fechando os olhos com força, não
queria pensar nisso.
— Ninguém… Nunca te fez sentir assim antes? — Perguntei de repente.
Ouvi sua voz no escuro me dizendo que já teve uma queda por mim me fez sentir feliz e
triste ao mesmo tempo, eu desperdicei a chance por estar com medo… Pensei enquanto ele
me lembrava do dia no museu em que quase confessei a ele meus sentimentos, o fato dele
nem fazer ideia disso e que parou de gostar de mim por namorar a Thaís foi um tapa na
minha cara. Eu fiz muitas escolhas idiotas, pensei puto comigo mesmo.
Depois que ele adormeceu, o puxei para cima de mim e o ajeitei para dormir no meu peito,
acariciei seu cabelo, sentindo meu coração bater desgovernado. A partir de amanhã vou me
empenhar em te conquistar, pensei sentindo os fogos no meu peito estourando…
Infelizmente, as coisas não saíram como o planejado no dia seguinte.

Não só quase chegamos atrasados e estávamos com aquela cara de quem acabou de
acordar, mas o desgraçado do Alan estava bem ali, no meio da sala. Não sendo o bastante
ele estar ali, Bruno ficou mandando mensagem para ele a aula inteira, fazendo o Alan e ele
trocarem olhares o tempo todo durante a aula… Sério que saco.
Na hora do intervalo, Bruno foi em direção a fila para comprar o lanche, eu o impedi.
— Não se preocupe. — Dei meu melhor sorriso para ele. — Eu compro pra você.
Eu o vi sentar na mesa do refeitório sozinho, mas logo Brenda sentou do lado dele,
pareciam conversar sobre algo importante. Espero que ela se manque e vá embora antes
de me sentar com ele, pensei irritado.
— Oi. — Falou uma voz atrás de mim, me virei e era o Alan. — Tudo bom?
— Tranquilo. — Respondi secamente e dei as costas para ele.
— O que o Bruno gosta de comer aqui da cantina? — Ele perguntou atrás de mim.
— Suco de laranja e salgado de queijo com presunto — Respondi sem muito interesse.
Ele não falou nada depois, quando comprei o meu lanche e o do Bruno, fui na direção da
sua mesa, Alan passou na minha frente e deu o lanche que ele comprou para o Bruno, fiquei
sem reação. Filho da puta… Sentei do lado da Brenda, que ainda não tinha ido embora e dei
o lanche que tinha comprado para ele.
Mesmo sabendo que o Bruno só aceitou meu lanche por educação, me senti feliz por ver ele
comendo o que comprei. Fiz algumas perguntas para Alan, por estar curioso, mas isso só
me fez sentir pior. Ele era super educado, inteligente, o Bruno não tirava os olhos dele, tudo
o que eu queria era que Bruno me olhasse com tanto interesse quanto olhava para o Alan,
até menti dizendo que aprendi inglês sozinho para receber alguma atenção, mas lá estava
Alan para agir com superioridade comigo.
De repente os dois se levantaram e saíram do refeitório, Brenda se virou para mim, mas eu
não tirei os olhos deles até saírem.
— Então, Henrique… — Ela falou sorrindo e jogando o cabelo cacheado para trás. — Vai
fazer algo no fim de semana?
— Sim, vou. — Respondi me virando para o meu lanche. — Por que será que eles foram lá
fora?
Brenda fechou a cara e revirou os olhos.
— Não é óbvio? — Ela deu um gole no suco dela e bufou. — Claramente para se pegarem,
né?
— Nossa, cala a boca. — Falei me levantando e ignorando seu olhar surpreso em mim. —
Eles se pegarem no meio da escola? Cê cheirou cola?
Saí puto, fui na direção em que eles tinham saído antes que Brenda dissesse mais alguma
coisa estúpida dessas, eles mal se conhecem, o Bruno é muito certinho pra dar uns pegas
na escola em um qualquer…
Do lado de fora, não os vi, quando estava prestes a voltar, notei duas pessoas no banco
embaixo da ponte que liga os dois prédios, a mesma ponte que eu e o Bruno passamos
várias vezes para ir na quadra para a aula de educação física, teve até aquela vez que o
ensinei a fazer uma cesta. Bruno estava bem ali no banco, debaixo da tal ponte, beijando
Alan. Eu não podia fazer nada, não podia ir lá, separar os dois, não queria aquilo, ele
parecia fora de alcance… Senti vontade de chorar.
— Henrique! — Gritou Brenda saindo da cantina e vindo até mim. — Qual o seu
problema…?
Ela parou e olhou na direção que eu olhava.
— Eu disse… — Ela comentou revirando os olhos. — Você devia parar de se preocupar
tanto com ele, ele sabe se virar…
— Foda-se. — Murmurei e passei por ela, tentando esconder meus olhos marejados.
Depois da aula passei na casa do Bruno, peguei as minhas coisas e voltei para minha casa,
caí na cama me sentindo um bosta.
— Filho? — Minha mãe perguntou na porta. — Tá tudo bem?
— Quero ficar sozinho… — Murmurei, puxando o cobertor até meu rosto.
Ela não disse nada, fechou a porta e me deixou onde eu estava, mergulhado na minha
própria tristeza, culpa e decepção.
A culpa disso tudo é minha e apenas minha, pensei, se não tivesse levado tanto tempo para
descobrir quem eu era e entender como me sentia… Senti lágrimas escorrerem do meu
rosto, queria não sentir aquilo, mas naquele momento eu era apenas dor.

Capítulo 16: Sempre fiz merda… (Parte 1)

No dia seguinte, após o incidente do “rádio-relógio”, estava saindo da escola com o Júlio,
normalmente teria ido com o Bruno para a casa dele, mas ele saiu correndo quando o sinal
tocou, dizendo que estava desesperado para cortar o cabelo. Nunca vi ninguém basear
tanto sua autoestima no cabelo e na altura, pensei vendo-o sair em disparada. A caminho do
portão, Júlio não parava de olhar o celular.
— O que você tanto vê nesse celular? — Perguntei.
— Estou lendo um conto erótico gay. — Ele disse com sua calma inabalável.
Olhei para ele surpreso e me voltei para o seu celular, então comecei a rir e ler em voz alta
o que ele lia.
— “Acho que esse era o tal fruto proibido que tanto falam... se isso é verdade, entendo
perfeitamente Adão e Eva terem feito o que fizeram, eu faria o mesmo que eles e ia além:
chuparia a cobra.” — Comecei a gargalhar do lado dele, as pessoas a nossa volta até nos
olhavam com curiosidade.
Ele riu dando de ombros.
— É difícil achar algo de qualidade que me represente. — Júlio guardou o celular e olhou
em volta. — Cadê o Bruno?
— Saiu correndo pra cortar o cabelo, disse que queria ficar bonito pro… Alan. — Falei meio
irritado.
Ele me olhou, colocou a mão no meu ombro e paramos de andar por um momento.
— Você quer falar sobre como tá se sentindo? — Ele me perguntou preocupado. — Olha,
eu entendo como se sente…
— Eu não acho que entende… — Falei me virando para ele, me sentia puto comigo mesmo,
com todo mundo, queria apenas descontar em alguém. — Você sempre soube quem era, eu
escondi, menti, usei garotas, tudo isso para… — Tive vontade de chorar. — Para agradar
meu pai, as pessoas a minha volta, mas tudo o que ganhei… Foi ver a pessoa que
realmente quero comigo beijar outro cara na minha frente.
Júlio ficou em silêncio por um momento, parecia pensar no que iria dizer.
— Sabe o que é pior? — Continuei. — Eu talvez tivesse tido uma chance… Se eu não
tivesse tido tanto medo… Mas agora é tarde…
— Você está sendo extremo. — Ele me interrompeu. — Bruno está se descobrindo,
passando por algo que você também passou, tá tudo muito recente.
Respirei fundo e voltei a andar.
— Me escuta. — Júlio acompanhava meus passos. — Ele e o Alan estão se conhecendo,
eles não tem nada sério de verdade, você ainda tem sim uma chance.
Parei novamente e olhei para ele.
— E se ele não me ver dessa forma? — Falei sentindo os olhos marejados. — E se eu for
apenas um amigo pra ele? E se…
— E se o mundo acabar amanhã? — Júlio me interrompeu novamente. — E se os
extraterrestres atacarem a terra? Não dá pra viver de “e se…”
— Eu… — Balbuciei
— Você tá com medo, mas não precisa ser assim! — Ele segurou meus ombros e me deu
uma sacudida. — Ele é a pessoa mais importante pra você, aposto que ele também pensa
assim! Você parece esquecer que ele não sabe que… — Ele olhou em volta e viu algumas
pessoas nos observando com curiosidade e cochichando sobre nós. — Ele não sabe quem
você realmente é.
Aquilo abriu uma porta na minha mente, e se o Bruno sentir algo por mim, mas acha que
sou hétero…
— Caralho… Ele não sabe… — Murmurei percebendo que estava fazendo um drama
desnecessário. — Ele não deve nem fazer ideia…
— Olha, você não disfarça tão bem quanto você pensa. — Júlio disse me fazendo rir. —
Mas o Bruno parece… Ser meio denso, você não comentou que ele disse não ter sacado
que o Alan tava flertando com ele até beijá-lo.
Bruno tinha comentado isso no intervalo, quando Alan tinha ido ao banheiro, ele falou rindo
da situação.
— Se ele nunca tivesse me beijado. — Disse o Bruno rindo. — Acho que até hoje não teria
sacado que ele tava a fim de mim.
— Então… — Continuou Júlio, me tirando dos meus devaneios. — Talvez ele só saiba o
que você sente se falar na cara dele.
Isso significava que ainda tinha alguma chance, só precisava mostrar para Bruno quem eu
realmente era. Ainda não tinha levado um não.
Não sei se devo me sentir melhor ou pior com isso, pensei apavorado.

Em casa, naquela tarde, olhei o IG do Bruno, ele tinha postado um story do cabelo novo
dele, um pequeno vídeo dele, onde colocava o celular apoiado num canto do seu quarto,
depois dando um giro para mostrar melhor o cabelo todo, sorrindo no final. Tirei um print do
sorriso dele, fazia algumas semanas que criei o costume de sempre que Bruno postava um
story eu salvava o print num álbum com a inicial do seu nome.
Abri nossa conversa, ele não tinha mandado nada naquele dia, deve tá ocupado com o tal
do Alan… Pensei bufando de irritação, cliquei na foto dele e fiquei olhando por um tempo,
era uma foto antiga, onde ele estava de costas olhando uma paisagem, mas dava para ver a
lateral do seu rosto, eu tirei essa foto…
Quando ia sair da foto dele, cliquei no botão de ligar sem querer, me levantei e sentei na
cama entrando em desespero. Merda, merda, merda, merda… Quando ia desligar, ele
atendeu.
— Alô? — Ouvi a voz dele e um barulho de papel no fundo da ligação, pensei em desligar
imediatamente e mandar mensagem dizendo que liguei sem querer… — Alôoo.
Respirei fundo.
— Opa, alô. — Meu rosto queimava.
— Por que me ligou? — A voz do Bruno era de estranheza a situação.
— É que eu sempre mando mensagem, só sei lá, queria conversar. — Meu rosto estava
queimando, caralho que vergonha.
— Ok… Pode falar. — Bruno disse curioso.
Não fazia ideia do que falar, então minha boca falou mais rápido que minha mente.
— Então, seu aniversário tá chegando, que tal a gente dar uma festa? — Bosta, o que que
eu tô falando? O próprio Bruno já tinha falado mais de um milhão de vezes que odeia festas,
a última coisa que ele iria querer seria…
Mas… E se não for uma festa festa, pensei com um sorriso de canto.
— … Uma festa? — Bruno perguntou incerto.
— É, a gente nunca deu uma, acho que seria divertido. — Um plano na minha cabeça já se
elaborava.
— Cara, se você quiser me dar uma festa, beleza, mas eu dar uma festa não rola. — Ele
falou secamente.
Aquilo me surpreendeu.
— Então… Posso te dar uma festa? — Perguntei receoso.
— Claro, faz o que quiser… Mas, é claro, preciso saber dos detalhes. — Ele disse a última
parte rápido.
— Ok, que detalhes? — Perguntei pegando uma caneta.
— Local, data, hora, quem vai, comida, principalmente música… — Bruno falava e eu
anotava.
— Hm… comida, música… Ok, mais alguma coisa?
— Se eu não gostar de algo, tem que mudar imediatamente. — Ele disse.
Na hora não me preocupei muito com isso, achava que meu plano daria certo.
— Ok. — Respondi sem pensar muito.
A ideia era simples, daria uma “festa”, apenas eu e o Bruno, eu até ia fingir que ia chamar
mais gente, mas iria “desistir” da ideia quando Bruno negasse, algo que sabia que ele faria.
Na minha casa, quando meus pais não estivessem, sozinhos, comendo besteira, assistindo
filmes antigos, coisas que adoramos fazer juntos, mas seria bem de noite com a casa só
para a gente, a meia luz, embaixo da coberta, colocaria o braço em seus ombros e então
confessaria meus sentimentos. Seria perfeito.
— É, por enquanto só isso mesmo. — Bruno falou me tirando dos meus pensamentos.
— Sem problemas, vou organizar tudo. — Falei animado.
— Tá bom… Você quer me falar mais alguma coisa?
Aquela pergunta me assustou por um momento, como se ele soubesse que eu realmente
tinha algo para falar, muita coisa entalada em mim, eu quero, mas não por telefone… Pensei
em dizer, mas me segurei, o momento vai chegar…
— Não… Não, era só isso mesmo que eu queria falar com você. — Falei sentindo meu rosto
queimar de vergonha, me sentia um covarde.
— Você quer conversar sobre algo? — Ouvi um barulho de papel no fundo da ligação, será
que ele tá lendo? Eu queria ficar falando por horas com ele, mas senti que estaria
atrapalhando.
— Não. — Falei simplesmente.
— Tá, a gente se vê na escola amanhã. — Bruno falou com indiferença.
— Ok, tchau. — Falei e desliguei rapidamente.
Olhei para o meu celular por alguns segundos, a ligação tinha durado vinte minutos, caí na
cama pensativo. Tinha um sorriso bobo no rosto, passei a mão no cabelo, fiquei naquele
estado por um momento, depois fui até minha mochila, peguei uma folha de caderno e
comecei a anotar as coisas para a “festa.”

Vou tomar coragem, vou dizer tudo o que sinto, vou ficar com ele, era tudo o que eu
pensava nas duas semanas que se seguiram. Sondei meus pais, logo descobri que no
sábado, dia 11, no mês do aniversário do Bruno, eles iriam jantar na casa do Seu Rômulo,
minha mãe falou que eu poderia ficar em casa, mesmo meu pai não gostando disso.
— Você sempre gostou dos jantares na casa do Caio, agora você não quer mais? — Meu
pai perguntou sem entender.
Eu nunca gostei, sempre fui obrigado, pensei irritado, mas não disse nada.
— Só não quero ir. — Falei simplesmente.
Com isso garantido, levei a folha de caderno onde anotei todas as coisas que Bruno queria
saber da “festa”. Sentei bem próximo dele e observava de perto, minha coxa estava colada
na dele, nossos ombros se esbarravam, ele estava vermelho até as orelhas. Como o
esperado, ele rejeitou a “lista de convidados”, quando estava prestes a falar “pelo visto
seremos só nós dois”, o desgraçado do Alan surgiu e fudeu com tudo. Não só o Bruno
arrancou a folha da minha mão e a entregou na mão dele, como esse puto riscou todo o
meu plano sem dó nenhum, para piorar ele disse que chamaria os amigos dele. Me senti
deixado de lado, então inventei, por impulso, que chamaria alguém também.
— Quem? — Perguntou Bruno olhando para mim.
Em vez de simplesmente falar o nome de alguém que conhecia, queria superar o Alan e
chamar alguém que o Bruno nunca tivesse ouvido falar, para deixá-lo curioso.
— A… Helena. — Merda! Pensei puto comigo mesmo.
Bruno ainda inventou de chamar a Brenda, aquela insuportável, Alan saiu para chamá-la,
quando fiquei sozinho com ele e pedi satisfação, ele só deu de ombros.
— Ué... Posso mudar algo se eu não gostar, e estou gostando das mudanças. — Ele disse
simplesmente, me fazendo me arrepender daquela ideia idiota, achei mesmo que seria fácil
assim, criar um momento romântico para dizer a ele o que sinto, pensei com vontade de
sumir.
Brenda falou alguma coisa sobre levar um namorado ou algo assim, fiquei até aliviado,
assim ela me deixa em paz… Pensei quase soltando fogos.
— Ok, então são 8 pessoas. — Disse o Alan.
Deve tá se achando, pensei irritado.
— Isso é muito pouco para chamar de festa. — Falei tentando não soar como um hipócrita,
já que meu plano era ser só eu e o Bruno…
— Não é como se o Bruno fosse querer uma festa cheia de gente. — Disse a desnecessária
da Brenda. — Tipo, sei lá, ele é como esse povo do TikTok diz… antevertido?
Me virei para Brenda por um momento sem entender nada.
— Você quis dizer “introvertido”? — Bruno perguntou.
— Isso! — Ela falou. — O Bruno é isso aí.
Caralho, que mina burra! Pensei irritado.
— Pois é. — Bruno disse. — A única coisa que quero acrescentar é que seja uma festa do
pijama.
Acabei me animando com a ideia, poderia usar isso a meu favor.
— Então será! — Disse Alan rabiscando minha folha.
Não tinha mais o que fazer, a merda estava feita, agora era fazer o possível para remediar.

Passei na casa do Bruno de surpresa, o pai dele atendeu e, como sempre, Bruno estava no
quarto. Nem me dei o trabalho de bater na porta do quarto dele, abri e lá estava ele de
costas, de bermuda vermelha e sem camisa, com fones de ouvido, mexendo notebook dele,
olhei por cima do seu ombro e ele estava pesquisando pijamas de corpo inteiro com
temática de unicórnio. Ele ficaria uma gracinha nisso… Mas não quero que mais ninguém
veja ele vestido assim, só eu, pensei sentindo o ciúme tomar conta de mim, me aproximei
devagar, me inclinei atrás dele, puxei um fone e sussurrei no seu ouvido.
— Você está abraçando demais a viadagem.
Ele se virou para mim, seu rosto bem próximo e de frente para o meu, me encarava com as
sobrancelhas levantadas, senti meu coração bater tão forte, mas antes que eu pudesse
pensar, ele levou a mão até meu queixo, o polegar encostado suavemente no meu lábio
inferior, me puxou e beijou minha bochecha, me fazendo sentir os fogos de artifício. O
encarei surpreso, ele ria da minha cara.
— Isso foi viadagem o bastante pra você? — Ele sorria de forma travessa.
Respirei fundo tentando agir de forma indiferente, ainda estava inclinado olhando para ele.
— Na verdade, não. — Falei sorrindo de canto. — Vai ter que fazer bem mais que isso para
atingir o limite da viadagem.
Ele me olhou surpreso, por um momento fiquei impressionado de ter ido longe demais.
Então Bruno me surpreendeu novamente, ele virou o seu corpo na cama, me dando uma
visão melhor do seu peitoral e abdômen, nunca me acostumava em vê-lo sem camisa, suas
pintas, a pele macia, o cheiro do sabonete no seu corpo… Colocou as mãos nos meu
ombros e me puxou para a cama, me fazendo cair ao lado dele, ele colocou seu corpo sobre
o meu e começou a beijar meu rosto todo, que pegava fogo com aquele carinho repentino.
Ele parou, olhou para mim e riu.
— Foi mal, exagerei. — Ele disse ainda rindo, deitou o rosto no meu ombro por um
momento.
Levei minha mão até seu cabelo e senti as mechas entre meus dedos, comecei a acariciar
seu cabelo, sentindo o cheiro do perfume do seu shampoo, sentia a maciez e a delicadeza
de forma hipnotizante, demorei para perceber o que estava fazendo, tinha sido involuntário,
me forcei a parar e tentei respirar calmamente.
Ele se levantou logo depois, como se só estivesse esperando eu parar o carinho que fazia
em seu cabelo, foi em direção ao guarda-roupa sem me olhar, ficando de costas para mim,
vi suas orelhas ficarem vermelhas.
— Acho que ando me sentindo à vontade demais. — Ele murmurou sem jeito.
— Ah… Por quê? — Falei ainda deitado, me segurando para não pedir a ele que deitasse
em mim e que me desse mais beijos no meu rosto.
Observei minha mão pensando na sensação do cabelo dele ali agora a pouco, a abri e
fechei algumas vezes tentando manter aquele momento mais forte em mim.
— Sei lá, acho que é por conta do Alan. — Quando ele disse o nome dele, fechei a cara,
mas ele estava de costas e não percebeu. — Ele é tão carinhoso comigo que me sinto à
vontade em ser carinhoso com você, desculpa se te deixei desconfortável.
— Tá tudo bem, você pode fazer essas coisas comigo. — Falei tentando não soar como se
estivesse pedindo.
Alan vê o lado carinhoso do Bruno, eu só tenho amostras disso, pensei fechando os olhos
com força, nunca me acostumaria com o jeito que ele me abraça, o jeito travesso e risonho
que me olhava, até pouco tempo atrás eu me sentia lisonjeado, pensava que era tudo só
para mim, agora descubro que tem mais do Bruno e não está sendo direcionado a mim.
Bruno se virou para mim segurando uma camisa preta com estampa de caveira.
— Te conhecendo, imagino que veio aqui para me arrastar pra algum lugar. — Ele falou
rindo e vestindo a camisa. — Aonde vamos?

Arrastar o Bruno para um shopping longe de casa, na Barra, apenas para comprar um
pijama caro, não tinha sido a melhor ideia do mundo, claro que fiz isso para comprar do bom
e do melhor, tanto que fui em busca de um pijama de cetim que tinha pesquisado. Foi com
certeza exagero da minha parte, até parcelei aquilo em dez vezes! Mas naquele momento
faria o necessário para superar o Alan em alguma coisa… Mesmo que isso me custasse
uma grana.
Quando Bruno olhou para mim quando sussurrei no seu ouvido para que servia o bolso da
camisa do pijama, me derreti por dentro, acho que nunca vou me acostumar com essa
sensação que você me causa, pensei o olhando ficar irritado e envergonhado enquanto eu
ria da situação.
Pensar que Alan via um lado dele que eu não via ainda me deixava frustrado, que inferno,
pensava puto, o cara é bonito, inteligente, tem dinheiro, é educado, gente boa, adora ficar
em casa assistindo os filmes do Bruno… Ele é perfeito! Não tinha nada de errado com ele,
ao menos era o que parecia.
Me surpreendeu a coincidência de ver o Alan no shopping naquele mesmo dia, me
surpreendeu mais ainda vê-lo abraçado a outro cara, o Bruno parecia não saber quem era
aquele outro cara, muito menos que o Alan estaria no shopping naquele dia, Alan não
contou pra ele que estaria aqui hoje… Pensei revoltado.
— Não sabia que o Alan estaria aqui hoje. — Falei sondando.
— Nem eu… — Bruno murmurou, mas logo mudou de assunto. — Vamo comer…
Pedimos um balde de frango para dividir e dois refrigerantes, antes que ele sacasse a
carteira eu paguei pela comida, ele me olhou sem entender nada.
— Vamos fingir que estamos num encontro. — Falei sorrindo de forma sedutora.
Bruno ficou vermelho até as orelhas, desviou o olhar e deu de ombros.
— Só falta querer que eu te chame de amor… — Ele murmurou indo sentar.
Quem dera… Pensei envergonhado, levei a comida para a mesa que ele se sentou e
começamos a comer. Uma coisa engraçada do Bruno é que ele tinha vergonha de comer
com as mão em público, constantemente olhava em volta para ter certeza que ninguém
olhava ele, isso o distraía e constantemente queimava sua mão por falta de atenção.
— Ai! — Ele gritou de dor levando o dedo à boca.
— Calma, benzinho, assim vai ficar sem os dedos. — Falei zoando, mas me sentindo meio
besta.
Bruno me olhou surpreso e riu.
— Tá bom, “amor”. — Bruno disse com sarcasmo.
Eu gostei do jeito que ele disse aquilo, mesmo zoando, por um momento eu desejei que ele
dissesse aquilo sério. Ele parecia distraído, mais de uma vez ele olhou na direção que Alan
estava sentado com o outro cara, mas não fazia menção de ir até lá.
Quando acabamos de comer, ele limpou o rosto sujo, respirou fundo e olhou uma última vez
na direção de Alan, que se levantava com o braço sobre os ombros do outro cara. Ele se
recostou na cadeira, levou o indicador e o polegar para o meio das sobrancelhas,
pressionou e fechou os olhos com força.
— Você devia ligar pro Alan. — Falei, ele levantou o rosto para mim, com os olhos
arregalados. — E perguntar quem era aquele cara.
Bruno pensou por um momento, não olhou nos meus olhos, suspirou e me encarou.
— Eu e ele não temos nada sério. — Ele disse simplesmente. — Não vou pedir satisfação
pra um peguete.
Estava incrédulo, ele pareceu perceber.
— Talvez nem seja nada. — Ele continuou, dando de ombros. — Não vamos falar disso,
não se preocupe…
— Só não quero que se machuque. — Falei irritado.
Me levantei, comecei a me afastar, o ouvi atrás de mim tentando defender o Alan.
Odeio brigar com o Bruno, mas aquela situação era demais, eles estavam ficando há 3
semanas já, Alan devia pelo menos avisar que estava ficando com outras pessoas. Bruno só
estava ficando com o Alan, estava sendo ingênuo, obviamente queria ignorar o óbvio: Alan o
estava usando, simples assim.
O problema foi o Bruno me lembrar que eu mesmo “fiquei” com várias garotas, mesmo me
justificando, dizendo que nunca foi sério, que nunca as iludi, ele jogar meus erros na minha
cara me machucou, pior foi ele achar que estava na razão de me deixar falando sozinho e ir
embora sem mim.
Quando cheguei em casa só taquei aquele pijama ridículo no chão e me joguei na cama, me
sentia ridículo, com raiva, envergonhado… E muito preocupado com ele. Fizemos as pazes
no dia seguinte, mas pareceu ficar ainda mais difícil olhar Bruno e Alan brincando de casal
na escola, na minha frente, o tempo todo.
Era tortura.

Acabou que, no dia 11, meu pais mudaram os planos, a família do seu Rômulo iria jantar na
nossa casa, fiquei quase aliviado pela festa não ter saído como planejado, se não teria de
cancelar de última hora com o Bruno. Eu fui obrigado a participar do tal jantar, já que não
tinha uma boa desculpa para não comer na minha própria casa no sábado. Ver Caio não
melhorou meu humor, não tinha realmente algo contra ele, a não ser seu interesse pelo
Bruno que, agora que descobriu que ele é gay, com certeza tentaria algo em algum
momento.
Durante o jantar, meu pai, como sempre, estava me alfinetando, me comparando
constantemente com o Caio.
— Seu filho é o melhor da turma em matemática, você deve sentir muito orgulho dele! — Ele
lançava um olhar para mim, como se dissesse “não é tão difícil me deixar orgulhoso…” —
Não só isso, mas é o melhor do time de futebol! Você tá de parabéns Caio!
— Estava pensando em tirá-lo do time na verdade. — Disse seu Rômulo de repente.
— Ué… — Meu pai disse sem entender nada.
— Pai, deixa disso… — Murmurou Caio sem graça.
— Não consigo aceitar que a única coisa que te impede de você sair do armário é um
timeco de escola! — O pai do Caio disse revoltado.
— Concordo. — Disse Dona Andréia do seu jeito calmo — Ser bissexual não devia ser um
segredo em pleno século 21…
Meu pai engasgou, não pude evitar sorrir, “ainda quer que eu seja igual a ele, paizinho?”
Perguntei com os olhos, ele ignorou meu olhar e se recompôs.
— Acho… Que não ouvi muito bem… — Meu pai murmurou incomodado.
Seu Rômulo e Dona Andréia o encaram sem entender.
— Ué, Romário, eu te contei quando meu filho se descobriu bissexual… — Disse seu
Rômulo sem jeito. — Não lembra?
— Achei… que fosse uma fase. — Meu pai disse rindo constrangido.
Um silêncio pesou na sala, meu pai não disse mais nada, minha mãe mudou de assunto
tentando amenizar o clima sem sucesso. Quando a família do Caio foi embora, meu pai se
virou para mim irritado me pedindo satisfação.
— Você sabia desse… Absurdo?! — Ah, pronto, pensei puto, agora sobrou pra mim, muito
obrigado Caio.
— Sim, sabia, nunca foi realmente um grande segredo… — Respondi indiferente.
Meu pai me deu um tapa, forte o bastante para os dedos marcarem meu rosto, o olhei
incrédulo.
Meu pai é muitas coisas, mas nunca tinha encostado um dedo em mim.
Minha mãe gritou e veio até mim.
— Meu amor! Você tá bem? — Ela estava desesperada segurando meu rosto.
A atitude da minha mãe pareceu enfurece-lo.
— Você o mimou demais! — Ele gritou a pegando pelo braço e a puxando para perto dele.
A mão dele apertava o braço dela com força, minha mãe colocou sua mão no lugar onde ele
a segurava e tentou tirar, mas sem sucesso, meu pai olhava para ela com uma fúria que
nunca presenciei.
Eu tô com medo, era meu único pensamento.
— Se continuar assim, ele vai virar um viadinho que nem o amigo dele! — Ele gritou
apertando mais ainda seu braço.
— Tá me machucando… — Minha mãe grunhiu de dor e começou a chorar.
As lágrimas dela me tiraram o medo, senti a coragem que precisava naquele momento
inundar minha alma. Antes que meu pai falasse algo, o chutei entre as pernas, ele se
agachou de dor, largando minha mãe, que se afastou dele e veio para perto de mim. O
braço dela estava roxo, marcado com a forma dos dedos dele.
— Seu desgraçado… — Ele murmurou puto.
Ele ainda acha que está no direito de reclamar! Pensei, sentindo todos os anos de raiva
reprimida por ele saírem do meu peito numa única frase.
— Vai se fuder seu filha da puta! — Eu gritei e dei um soco no seu rosto.
Meu pai era forte, mas estava em desvantagem e distraído, logo caiu no chão com o meu
soco. Ele arregalou os olhos caído no chão, levou a mão ao rosto, me olhou incrédulo, não
parecia acreditar no que tinha acontecido. Minha mãe segurava o celular com o número da
polícia discado.
— Vai embora! — Gritou minha mãe olhando meu pai. — Se não vou chamar a polícia!
— Eu…
— Agora! — Ela gritou de novo. — Já suportei coisas demais de você! — Ela chorava mais
e mais. — Não vou aceitar que nos machuque!
Ele se levantou devagar, por um momento achei que iria bater em mim de novo, eu estava
preparado para morrer de apanhar se fosse necessário para proteger minha mãe, a coloquei
atrás de mim esperando o pior, sentia minha respiração ficar intensa, estava com medo,
mas proteger minha mãe era minha prioridade.
Ele apenas foi em direção ao quarto, voltou algum tempo depois com uma mala de mão,
olhou para nós com decepção e raiva.
— Eu fiz de tudo por você, e é assim que me agradece. — Ele murmurou olhando minha
mãe e depois olhou para mim. — Esperava mais de você, seu folgado…
— Eu nunca esperei nada de você. — Respondi friamente. — E ainda assim você conseguiu
decepcionar.
Quando ele estava do lado de fora, fechando a porta, coloquei a cereja de merda no bolo de
bosta.
— Pai, eu sou gay. — Falei seriamente.
Meu pai paralisou na porta, me olhou com ódio e apenas balançou a cabeça desapontado.
Esse é o olhar de um homem que seria capaz de me matar só por eu ser quem sou, pensei
tremendo. A porta fechou, minha mãe correu para trancar a porta, depois suspirou de alívio.
— Não foi assim que eu imaginava sair do armário. — Falei tentando aliviar o clima.
Ela riu e me olhou com o olhar mais doce do mundo.
— Eu sinto muito… Por te fazer suportar isso. — Ela disse secando o rosto.
— Sinto muito por ser o motivo das brigas de vocês… — Falei com a voz embargada.
— Não! — Ela segurou meu rosto me encarando. — Nunca se culpe pelos meus erros,
nunca!
Nos abraçamos, senti que finalmente podia respirar aliviado pela primeira vez em anos.

Não contei para o Bruno o que aconteceu, achei que estragaria o clima na semana do
aniversário dele.
No dia seguinte, no domingo, fui à sua casa.
— Oi Henrique, o Bruno não está. — Disse seu Márcio.
— Eu sei, vim falar com o senhor. — Falei sorrindo.
Ele estranhou, mas pareceu curioso.
— Ok, entra… — Ele me deu espaço para passar, quando entrei ele fechou a porta.
Me sentei no sofá e ele sentou do meu lado.
— Sobre o que quer conversar? — Seu Márcio perguntou pegando a cerveja da mesa de
centro.
— Quero dar um presente pro seu filho. — Falei, ele esperou, respirei fundo. — Quero dar
um gato pra ele.
Seu Márcio me olhou surpreso, logo balançou a cabeça em negação.
— Nem pensar. — Ele disse. — Um gato é…
— Muita responsabilidade, eu sei, mas… — Falei levando a mão ao meu peito. — Eu
também terei a responsabilidade com o gato.
Ele pensou por um momento.
— Ok, continue… — Seu Márcio falou dando um gole na cerveja.
— Veja. — Mostrei a foto de um gatinho preto no site de um abrigo. — O abrigo tem ótimas
avaliações e o gato tem dois meses, vacinado, só precisa esperar mais uns meses para
levar para castrar. — Mostrei mais fotos. — É manso, eles disseram que adotando ele já
vem com caixa de areia, areia e comida de gato pros primeiros dois meses. — Olhei para
ele que prestava atenção. — Eu ajudaria na compra da ração, areia…
— Isso é… Um pouco demais… — Ele falou e logo notou minha mão. — O que aconteceu
com sua mão?
— Hm… Meu pai saiu de casa… — Falei sem jeito e olhei para ele. — Não conta pro
Bruno…
Ele me olhou por um momento e suspirou.
— Você e o Bruno são amigos há anos. — Seu Márcio deixou a lata de cerveja de lado. —
Você esteve aqui nos piores e melhores momentos da vida dele. — Ele me encarou. —
Você devia deixar ele fazer parte dos seus piores momentos tanto quanto dos seus
melhores…
Eu pensei por um momento, me lembrei de todos os piores momentos que passei no ano
passado e guardei quase tudo para mim, dei um sorriso amarelo.
— Vou contar depois, só não quero estragar o aniversário dele… — Mostrei a foto do
gatinho preto para ele. — Na verdade, quero que seja o melhor aniversário dele.
Ele concordou com uma condição: que eu e ele fossemos como pais para esse gato.
Concordei rindo da condição.

Caio veio falar comigo no corredor na segunda, ele notou a minha mão e me olhou com uma
interrogação no rosto.
— Tudo bem? — Ele perguntou parecendo preocupado.
— Por que se importa? — Perguntei irritado.
— Eu sei que você não gosta de mim. — Caio disse colocando as mãos no bolso
desconfortável. — Mas nunca tive nada contra você, e… Queria pedir desculpas, pelos
meus pais.
Respirei fundo, apesar de tudo, aquilo não era culpa dele, mas sim do meu pai sociopata.
— Não precisa pedir desculpas, tá tudo bem… — Falei com toda a sinceridade do mundo.
Ele sorriu.
— Eu sei que seu pai é… Bom, realmente não queria causar problemas. — Ele disse
encarando minha mão.
Enfiei a mão machucada no bolso e dei de ombros.
— De verdade, agora as coisas são bem melhores.
Ficamos em silêncio por um momento, Caio parecia querer falar mais alguma coisa, mas
estava sem jeito.
— Então… Queria saber da Brenda, ela tá solteira? — Ele perguntou descaradamente.
Revirei os olhos.
— Por um momento achei que estava realmente preocupado comigo. — Murmurei
passando por ele.
— Peraí! Eu estou realmente preocupado! — Ele gritou, mas ignorei.
Logo notei Bruno do outro lado do corredor, me olhando com curiosidade.
— Não sabia que você e o Caio se falavam… — Bruno disse olhando para Caio.
— Não, ele só tava sendo o babaca de sempre. — Falei e olhei por cima do ombro.
Caio estava nos olhando, parecia cabisbaixo, apenas se virou e foi embora. Interesseiro do
caralho… Pensei revirando os olhos e seguindo meu caminho.

Olhei o contato do Bruno no meu telefone e decidi mudar o nome, admito que fiz isso por
motivos de “bobo apaixonado”, não iria contar para ele ou para ninguém, mas… Apenas não
resisti.

Você mudou “Bruninho” para “Benzinho”

Dei um sorriso de canto.

No dia do aniversário do Bruno, respirei fundo ao mandar a mensagem, não era nada
demais, mas acho que seria o mais próximo da declaração que queria ter feito na “festa” que
tinha planejado.

Eu: Feliz aniversário, vc é o melhor amigo que eu poderia qrer, e espere que vc vai ganhar
um presente surpresa! Te amo.

Respirei fundo e esperei, logo meu celular vibrou e meu coração pulou de ansiedade.

Benzinho: Mas se vc fala que vou ganhar um presente surpresa, naum deixa de ser
surpresa?
Eu:…

Aquela reação me decepcionou, mas no fundo me sentia aliviado, talvez fosse cedo demais,
pensei.
Eu: Eu naum pensei nisso… O importante é q vc vai adorar!

O aniversário do Bruno foi divertido, ele estava feliz. Eu, Brenda e Alan demos um bolinho
da cantina para ele na hora do intervalo, logo puxamos um parabéns e todo mundo do
refeitório acompanhou, deixando Bruno morrendo de vergonha.
Dei um abraço apertado nele, que retribuiu, senti o cheiro do seu cabelo, que me deixou
levemente hipnotizado, quase não percebi quando ele me soltou do abraço, quando senti os
tapinhas nas costas percebi que algumas pessoas nos olhavam, o soltei me sentindo
envergonhado. Elogiei o moletom que o Alan deu a ele, não fiz isso por maturidade, apenas
sabia que meu presente facilmente superaria o dele, passei aquela tarde cantando vitória
dentro de mim.
O Bruno gritou de dor ao fazer os furos de brincos na farmácia, o que me preocupou e a
risada da Brenda na situação me fez ficar puto com ela, sério, que garota ridícula, pensei
revirando os olhos.
— O que você vai dar pro Bruno? — Perguntou o Alan do meu lado.
Tá curioso, hum? Pensei rindo.
— É surpresa… — Respondi.
Ele não disse nada, logo Bruno voltou com os olhos marejados, enquanto Brenda
continuava rindo. Revirei os olhos para ela, que pareceu não entender minha reação, paguei
pelos furos nas orelhas do Bruno e comprei álcool para ele cuidar da cicatrização, Alan
comprou uma água gelada para ele colocar nas orelhas doloridas. Quando Brenda foi
embora, dei aleluia e fomos para casa do Bruno.
Quando abri a porta, o gatinho preto estava bem ali esperando, Bruno olhou sem acreditar,
ele pegou o gatinho na mão e começou a chorar, me deu um abraço apertado, era capaz de
sentir seu coração batendo contra o meu. Nossa, ele tá tão feliz, a felicidade do Bruno valia
tudo para mim. Imediatamente o batizou de Déjà-vu, o que achei uma ótima referência a
"Matrix", uma saga de filmes que EU apresentei a ele.
Quando Alan elogiou meu ato depois de colocar Déjà-vu no ombro do Bruno, dizendo que
era o melhor presente que alguém poderia dar, eu murchei. Ele sorriu, genuinamente,
estava feliz pelo Bruno estar feliz… Pensei tanto em superar ele, tanto em fazê-lo ter alguma
reação infantil, egoísta, dar o melhor e mais insuperável presente de todos os tempos, que
nem percebi que eu estava sendo o infantil e egoísta aquele tempo todo… Me senti
pequeno, insignificante, eu usei um gato para tentar superar o Alan, pensei envergonhado.
Bruno pareceu ver através de mim.
— Vamos assistir algo. — Ele disse pegando o gato no ombro. — Quero curtir o dia com
minhas duas pessoas favoritas… E meu gato.
Eu queria ser a sua única pessoa favorita… Pensei, mas dei meu melhor sorriso, ignorando
o que sentia, estava ficando bom em fingir que tudo estava bem quando não estava.

Capítulo 16: Sempre fiz merda… (Parte 2)

Quando vi Sofia pela primeira vez, ela se chamava “Angela”; tinha sido numa festa, um
pouco antes do meu primeiro beijo com o Nilo. Ela tinha cabelo preto comprido, pele
bronzeada, usava um jeans tão colado no corpo que parecia quase uma segunda pele, um
suéter branco curto e nenhum sutiã. Estava nos braços do Antônio, que a exibiu para a festa
toda, todo mundo babava por ela e não era à toa: “Angela” é impressionantemente bonita,
com um corpo cheio de curvas.
Esbarrei com ela na varanda da festa, “Angela” jogava o cabelo para mim e sorria e quando
Antônio se aproximou, ela disfarçadamente enfiou a mão no meu bolso. Chegando em casa
foi que notei o cartão que ela tinha deixado. Era um cartão preto, apenas com um número
de celular e um coração em relevo, mais nada. "Que minimalista…" pensei enquanto
digitava o número e mandava uma mensagem, por pura curiosidade.

Eu: Oi, sou eu o Henrique, da festa.


Eu: Vc me deu seu cartão.
Angela: Oi, estou muito feliz pelo seu contato, caso queira companhia para algum evento,
público ou particular, só mandar a data, hora e suas preferências estéticas, tudo será
arranjado.

Olhei aquilo sem acreditar: era uma mensagem pronta. Cliquei no perfil dela, não tinha foto
e estava como “número comercial”; logo os meus dois neurônios fizeram a ligação no meu
cérebro: "Angela é uma puta!" pensei gargalhando de chorar na hora. Achei que seria
divertido guardar aquela informação para zoar o Antônio em alguma outra oportunidade,
mas aconteceu tanta coisa depois que até tinha esquecido que ainda tinha o número da
“Angela”... mas me lembrei na semana da festa que eu havia mandado mensagem para o
número salvo como “Angela”, nem tinha esperanças que o número fosse o mesmo, mas
recebi a mesma mensagem pronta… "o que é um peido pra quem já tá cagado?" pensei
rindo e digitando com as mãos trêmulas pelo nervosismo.

Eu: Preciso de companhia para o dia 18/04, sábado às 9h da noite.


Angela: Claro, por quanto tempo?
Eu: Uma hora e meia.
Angela: Evento público ou particular?
Eu: Quando diz público qr dizer um lugar público? Tipo uma festa?
Angela: Isso, caso seja um evento particular, preciso saber se será só você ou mais
pessoas para se divertir comigo.

Levantei as sobrancelhas: "é, acho que essa informação é relevante", pensei.

Eu: É uma festa do pijama, aniversário de um amigo meu, qro exibir uma garota bonita pra
ele ficar com inveja…
Angela: Claro, adoro festas do pijama, tendo o evento e a data definida, que estética você
deseja que eu tenha?
Eu: Tem opções ou posso definir eu msm?
Angela: Pode definir o que mais lhe agradar.

O jeito que ela escrevia era bem profissional, servia para o propósito de transação de
negócios que estávamos fazendo.

Eu: Qro um estilo natural, sem maquiagem, com uma personalidade doce, pijama de cetim
feminino, preciso que se comporte cmo uma estudante do ensino médio.
Angela: Quantos anos você tem?
Eu: 17.
Angela: Seu nome?
Eu: Henrique.
Angela: Quer escolher meu nome? Me chamo Sofia, mas é muito comum escolherem o
nome para usar na festa.
Eu: Helena.

Você mudou “Angela” para “Helena”

Helena: Ótimo, segue abaixo o valor da minha companhia, deve ser pago metade agora
para confirmação do serviço e metade depois do serviço.

O preço era caro, provavelmente seria ainda mais caro se fosse um “serviço particular”,
então respirei fundo e abri meu aplicativo de banco - tinha um dinheiro guardado para
comprar um videogame novo. Pensei por um momento em apenas cancelar isso, mas
estava muito desesperado e não podia voltar atrás agora; sendo assim transferi o dinheiro.

Eu: Foto (comprovante de transferência)


Helena: Obrigada por contratar meu serviço, não irá se arrepender.
Helena: Irei levar um presente de aniversário, tem algo que o aniversariante goste?
Eu: Ele gosta de chocolate ao leite.
Helena: Meu favorito.
Helena: No dia da festa, mande o endereço, caso ocorra algum imprevisto, você será
avisado.
Eu: Obrigado.

Respirei fundo. Meu coração batia de ansiedade, isso tudo é uma péssima ideia, mas não
tenho escolha.
Pior que eu tinha na verdade, mas estava tão cego pelo desespero de chamar a atenção do
Bruno e tentar afastá-lo do Alan que não passou pela minha cabeça que tudo se resolveria
se eu só falasse a verdade; porém estava afundado no medo de ser rejeitado e tudo que
queria agora era causar ciúmes nele e fazê-lo me olhar da mesma forma que olhava para o
Alan.

O dia da festa chegou. Estava no banheiro na casa do Bruno me arrumando, já estava


vestido e pronto para sair e então recebi mensagem da “Helena”.

Helena: Oi, apenas confirmando que está tudo certo para hoje.
Helena: Poderia me informar como será a festa?

Falei que veríamos um filme e comeríamos algo depois; o filme duraria uma hora e 10
minutos, ela podia ficar para comer depois se quisesse.

Helena: Não como no serviço, regras da minha empresa.

"Ok, né", pensei indiferente; sobra mais pra gente. Falei também para ela ser o mais fofa e
romântica possível comigo na frente dos outros - agirmos como um casalzinho apaixonado
durante o filme.
Helena: Dito e feito, meu amor.

Sorri - era realmente uma profissional! Então ouvi alguém esmurrando a porta.

— Anda logo! A gente vai se atrasar! — Gritou Bruno do outro lado.


Abri a porta e vi Bruno já vestido com o pijama. Ele olhou para as minhas roupas com a
testa franzida.
— Por que não vestiu o pijama de uma vez? — Ele perguntou.
— O pijama é caro, não vou sair na rua com ele, pode sujar…
Bruno revirou os olhos e voltou para o quarto.
— Vamos pegar nossas coisas e ir! O Alan tá esperando!
"Tá com pressa demais pra ver um peguete…" pensei desanimado.

Quando Alan abriu a porta, o rosto do Bruno se iluminou e os dois se perderam em seu
mundinho açucarado enquanto eu estava bem ali brincando de “capa invisível do Harry
Potter". Alan usava um pijama no mesmo estilo que do Bruno — essa sincronia me irritou.
Tinha música tocando, parecia uma playlist comum do YouTube dos anos 90, mas Bruno
adorou, claro.
Rapidamente fui ao banheiro, coloquei o pijama e me olhei no espelho. Esse pijama fica
incrível em mim, pensei sorrindo para o meu reflexo. Ao sair, Alan elogiou meu bom gosto,
tentei agir como se não fosse nada demais; Bruno levantou uma sobrancelha e não perdeu
tempo em me humilhar.
— Ele parcelou essa merda em dez vezes. — E ainda riu da minha cara.
Senti meu rosto queimar. Alan sorriu de forma debochada.
— Cala a boca, ninguém te perguntou nada. — Sussurrei para ele, irritado.
Depois que Alan ajeitou o sofá-cama, que era bem grande, eu o vi fazer um gesto para
Bruno, o chamando; logo eles foram para o quarto, me deixando sozinho. "Que filho da puta!
Ele realmente acha que vou ficar aqui, parado, sem fazer nada?" Pensei já indo segui-los,
mas o interfone tocou. Como só eu estava ali, fui atender.
— Alô? — Falei apertando o botão para falar.
— Brenda e Mateus estão aqui embaixo, senhor Alan. — Disse o porteiro.
Senhor Alan… Que playboyzinho mimado.
— Deixa subir… não precisa avisar quem tocou pra subir. — Falei indiferente.
Houve silêncio por um momento; logo veio a resposta.
— Tudo bem, senhor Alan, como desejar. — O porteiro disse inabalável.
— Obrigado.
Destranquei a porta e fui procurar os pombinhos. Como não sou nenhum santo, coloquei o
ouvido na porta do quarto para ouvir a conversa.
— Você. Não. Existe! — Bruno falou; a cada palavra ouvia-se um barulho de beijo, que me
fez sentir enojado.
— Parece até que já estamos namorando!
Senti como se tivesse levado um soco, um frio percorreu minha espinha. "Por favor… Não!"
pensei entrando em desespero. Prefiro morrer aqui, agora, do que vê-los oficialmente
namorando!
— Sabe amor, você é muito chato. — Alan disse com voz séria. — Vai estragar a surpresa
assim.
Ah, não, nem pensar! Bati na porta enraivecido.
— A Brenda e o namoradinho dela chegaram! — Gritei com irritação e me afastei.
Brenda e um cara de cabelo espetado estavam na sala esperando, ele parecia familiar, mas
não sei de onde. Ela me viu e entrelaçou o braço no dele enquanto me encarava, como se
esperasse alguma reação minha, mas eu estava irritado demais para me dar ao trabalho de
me importar.
— Perdeu alguma coisa na minha cara? — Perguntei olhando para ela com sarcasmo.
Ela fechou a cara, me virei para o cara e sorri.
— Boa sorte com essa daí. — Falei oferecendo a mão. — Sou o Henrique.
— Satisfação, sou o Mateus. — Ele disse simpático e apertou minha mão.
"Nossa, ele nem se importou com a forma que falei com a namorada dele", pensei sem
entender aquela reação sorridente dele. Quando Bruno chegou, ele olhou o Mateus
surpreso; no final das contas, Mateus trabalha na barbearia que Bruno vai a dois anos - eu
até fui lá algumas vezes fazer o cabelo lá. Depois alguém bateu na porta, Alan a abriu e
entrou uma e-girl gorda muito estilosa e um cara magro com olheiras muito profundas… e
um cigarro pendurado na boca.
— Você é o novo dono do coração de Alan? — O fumante perguntou descaradamente.
— Sou. — Bruno respondeu cruzando os braços com sorriso de canto, ele se virou para
Alan. — Sou dono do seu coração?
— Sem dúvida nenhuma. — Ele respondeu sem vergonha nenhuma.
"Ah, vão a merda…" pensei bufando.
O fumante, chamado Cláudio, ofereceu um cigarro para o Bruno, que contra todas as
minhas expectativas, aceitou! Mas que porra! Percebi que Alan e Roberta ficaram muito
surpresos com isso, eu só estava puto mesmo. Agora, além de ver o Bruno prestes a
namorar um cara aleatório que beijou ele numa festa, sou obrigado a assisti-lo fumando!
Cláudio fez pouco caso da minha reação enojada, ele é puramente desagradável. "Por que
todo cara que se aproxima do Bruno é um cuzão?!" Me perguntei, revoltado. Bruno terminou
o cigarro um pouco antes de sentar no sofá-cama, o cheiro dele, que eu gosto tanto, agora
estava empesteado com cheiro do cigarro. Alan pediu comida japonesa, disse que chegaria
em uma hora; Cláudio sentou do lado do Bruno, algo que me incomodou… Mas agora tinha
uma preocupação maior: “Helena” ainda não tinha chegado. Estava ficando preocupado,
olhava o celular, mas não tinha nenhuma mensagem nova.
— Tá esperando alguém? — Alan perguntou. — A tal da Helena?
— Pois é... Pelo visto ela vai se atrasar... — Comecei a falar nervoso, mas logo a
campainha tocou e o alívio tomou conta de mim. — Ela chegou!
Quando abri a porta não pude deixar de me impressionar, ela estava exatamente como tinha
pedido: sem maquiagem. Sua aparência natural era linda: seu cabelo loiro, liso; olhos
castanhos claros e corpo escultural - era uma combinação perfeita. Vestia um pijama de
cetim rosa curtinho por baixo de um casaquinho, com estampa de lacinhos; uma bolsa de
ombro rosa e segurava uma sacola de uma loja de chocolate. Dei um sorriso satisfeito e dei
espaço para ela entrar. Vi a Brenda ir na cozinha, parecia irritada com alguma coisa, mas
ela sempre está irritada com alguma coisa. Helena deu o presente para o Bruno, que
pareceu surpreso com o fato dela lhe dar um presente. Eu observava Bruno atentamente,
esperando que ele tivesse alguma reação… talvez ciúmes.
Acabou que a única pessoa que causei ciúmes foi a Brenda, o que não fez nenhum sentido.
Já que ela estava ali com o namorado dela, ela já não tinha me superado? Mas eu nem tive
tempo para me preocupar com isso, já que percebi que Cláudio estava muito próximo do
Bruno, tinha até tentado tocar no brinco dele; quando eles se encararam intensamente fiquei
incrédulo, mas logo desviaram o olhar - Bruno estava vermelho até as orelhas. "Vou ter de
ficar de olho nesse cara", pensei intrigado - Alan não é mais o único problema. Logo,
“Helena” voltou do banheiro e deitou do meu lado no sofá-cama.
Ela cochichou no meu ouvido.
— Então, meu amor, tô causando uma boa impressão pros seus amigos? — Sua voz era
doce e bem suave, ela ria delicadamente.
— Sim, continue assim. — Sussurrei de volta, rindo.
Durante o filme eu constantemente olhava para trás em direção ao Bruno, que ou estava
vendo o filme atentamente, ou olhando para o Cláudio, esse que por sinal colocava a mão
sobre a do Bruno o tempo todo, algo que me fazia fervilhar de raiva - esse cara não é amigo
do Alan? Por que ele tá agindo de forma tão descarada? Olhava para o Alan que estava
realmente concentrado no filme e nem percebia o que Cláudio fazia. Me segurei para não ir
até o Bruno e tirá-lo do meio dos dois, não podia acabar com a festa dele só pelo meu ciúme
idiota.
"Essa ideia idiota de festa surgiu por culpa do seu ciúme idiota", ouvi a voz de Júlio na
minha cabeça; "sério, você podia ter resolvido só dizendo a verdade pra ele, agora
aguenta."
Olhando agora, eu realmente agi de forma bem desnecessária, mas só ia perceber isso bem
depois…

“Helena” continuou abraçada a mim mesmo depois do filme acabar; Cláudio, Alan e Bruno
conversavam animadamente.
— Todo o filme foi bastante psicodélico. — Comentou Alan sorridente. — E bastante
colorido.
— Me parece que foi algo baseado nos quadros de Salvador Dalí. — Disse Cláudio
pensativo.
— Eu gosto muito de arte surrealista. — Falou Bruno com os olhos brilhando. — Na
verdade, eu fui numa exposição na época da escola do Salvador Dalí, me apaixonei pelas
artes.
— Você tem um quadro favorito dele? — Perguntou Alan interessado.
— Eu não diria quadro, é mais uma pintura-aquarela… — Os olhos de Bruno se voltaram
para mim por um momento e se desviaram. — Era… de um anjo cheio de gavetas pelo
corpo e tem… um significado especial.
Meu coração deu uma falhada por um momento; “Helena” me observava com atenção, mas
não dizia nada.
— Eu gosto daquele dos relógios derretidos. — Falou Alan. — Não sei o nome…
— “A persistência da memória”. — Falei e os três se viraram para mim. — É uma visão do
tempo que foge da racionalidade.
— Ok… O que isso significa? — Perguntou Alan sem jeito.
Antes que pudesse responder, Cláudio tomou a frente.
— Significa que o tempo corre de formas diferentes para cada um. — Ele olhou para o
Bruno de um jeito que me incomodou. — O tempo interior e inconsciente, com sua própria
forma de ser contado.
"Sério, vai pagar de intelectual com algo que eu já sabia?" Pensei frustrado e bufei, percebi
que “Helena” me olhava com sorriso de canto; ela se aproximou e sussurrou no meu ouvido.
— Parece que alguém não gosta muito da atenção que o amigo tá recebendo dos dois
bonitões ali… — Ela me olhou de forma maliciosa.
Senti meu rosto queimar e desviei o olhar.
— Não é nada disso. — Sussurrei de volta.
Antes que ela pudesse falar senti algo vibrar no bolso dela - seu telefone. Ela se levantou e
foi correndo para a cozinha sem falar nada. Logo depois o interfone tocou. Alan foi atender e
avisou que a comida chegou. Antes que eu pensasse em ir atrás de “Helena”, Brenda
segurou meu braço. Me virei para ela e dava para ver que já estava bem bêbada.
— Você é um merda, sabia… — Ela balbuciou.
Vi o Bruno levantar e ir até a cozinha também.
— Brenda. — Falei com firmeza. — Me solta.
Mateus a segurou e tirou a mão dela do meu braço.
— Vem cá, acho que já bebeu demais por hoje. — Ele falava de forma suave.
Os dois são muito diferentes um do outro, pensei, que namoro bizarro.
— Cala a boca… — Ela murmurou irritada e se virou para mim. — Você não vale nada…
— Ela tá bem? — Perguntou Roberto olhando pro Mateus. — Parece que ela tá brava.
Ele ficou vermelho até a raiz do cabelo, sorriu sem graça.
— Ela sempre foi brava assim. — Ele disse simplesmente.
Logo engajaram numa conversa sobre namorados e namoradas temperamentais, parece
que Roberta tem uma certa experiência com isso. Percebi que Cláudio não estava na sala
também.
— Ih, Alan, fica de olho por que acho que o Cláudio foi atrás do seu namorado. —
Comentou Roberta rindo.
— Ele não tem a menor chance. — Alan respondeu dando de ombros enquanto abria a
porta para pegar a comida.
"Então ele já tinha notado o interesse dele no Bruno?" Me perguntei, impressionado com
sua confiança.
— Cláudio ofereceu um cigarro pra ele. — Ela disse com seriedade. — Ele nunca faz isso…
Apenas quando alguém é… especial.
Quando estava prestes a me levantar e procurar o Bruno, “Helena” voltou dizendo que
precisava ir para casa; os “pais” dela estavam mandando ela voltar. Olhei o relógio e vi que
o horário dela já tinha acabado.
— Beleza, te levo até o elevador. — Falei pegando meu celular e a levando até a porta.
Em frente ao elevador, transferi a outra metade do valor do serviço que Sofia tinha prestado,
agradeci e ela me olhou de forma estranha.
— Agora que não estou trabalhando mais — Ela disse apertando o botão do elevador. —
Posso falar que você disfarça muito mal seu ciúme do seu amigo.
Respirei fundo e dei uma risada nervosa.
— Pega ele logo, ele não vai esperar pra sempre. — Sofia entrou no elevador e se virou
para mim. — Não se arrependa das coisas que não fez, isso corrói a alma.
— Além de puta, é sábia? — Perguntei com sarcasmo.
Ela riu.
— Sou o pacote completo. — A porta do elevador se fechou.
Quando voltei, todos estavam sentados na mesa comendo. Bruno estava ao lado de Alan de
cara fechada, Cláudio olhava os dois com divertimento, Brenda bebia mais uma lata de
cerveja e Mateus e Roberta conversavam sobre os estilos de filme que mais gostavam.
Sentei do lado da Brenda, já que era o único lugar que tinha na mesa. Brenda não parava
de me olhar, jogava o cabelo e sorria para mim. Eu olhei o Mateus que pareceu nem lembrar
que Brenda existia. "Não o culpo", pensei naquele momento, eu mesmo sempre esqueço
que ela tá por perto.
Depois de comermos tudo, Bruno se virou para Alan com um sorriso que nunca o vi fazer.
— Alan?
— Sim, amor? — Alan falou de forma doce.
— Quem é Jeferson?
Jeferson? Olhei para ele e para o Alan sem entender nada. Alan imediatamente ficou tenso
e negou saber qualquer coisa sobre Jeferson, mas Bruno parecia estar preparado para isso,
ele se virou para o Cláudio e pediu para mostrar uma foto. A foto era do Alan abraçando
outro cara, o mesmo cara do dia que compramos nossos pijamas.
— Ih! — Falei reconhecendo na hora, olhei para o Alan. — É o cara que você tava no
shopping.
Alan olhou para Cláudio com uma cara de ódio que não sabia que era capaz de fazer, ele
tentou negar de novo, mas o Bruno já avisou que vimos os dois com nossos próprios olhos.
"Para alguém que disse que não ia pedir satisfação pra peguete, agora tá cobrando
bastante", pensei com ironia.
— Quando ia me contar que ia se mudar para o exterior? — Bruno perguntou de repente. —
Daqui a uma semana, para ser mais exato.
"Meu Deus, isso é uma novela mexicana!" Pensei sem acreditar. Alan acusava Cláudio de
mentir, de querer ferrar com ele e morrer de inveja dele. "Por que alguém convidaria uma
pessoa com tanta inveja dele pra uma festa?" Me perguntei, sem entender sua lógica
distorcida.
— É, morrendo de inveja. — Cláudio respondeu com sarcasmo na voz. — Mataria para
estar no seu lugar agora.
"Cláudio, nunca te critiquei", pensei segurando o riso, "vou te pagar um marlboro e até fumar
com você!"
Bruno levantou, foi em direção ao quarto do Alan, que o seguiu.
— Espera aí! — Ele gritava. — Não é nada disso!
Nossa, eu fiquei tão feliz, duas horas atrás eles estavam prestes a namorar, agora Bruno
nem olhava mais na cara dele, Alan se fudeu e não do jeito que ele queria. Eu estava quase
dançando de alegria, mas me segurei, ainda era cedo para comemorar, a briga deles ainda
não tinha terminado e era música para meus ouvidos. Resolvi arrumar minhas coisas e já
estava quase chamando o carro para ir na casa do Bruno. "Não vamos ficar aqui nem mais
um segundo!" Pensava tentando disfarçar o sorriso.
— Você parece feliz. — Falou Cláudio do meu lado.
Me virei para ele e dei de ombros.
— Nunca fui muito fã do Alan. — Falei pressionando os lábios sem jeito.
Guardei o celular e decidi chamar o carro depois que saíssemos.
— Nem eu. — Ele ofereceu o punho para dar um soquinho.
Dei um soquinho no punho dele satisfeito, logo Bruno voltou com suas coisas.
— Todos já comeram? — Perguntou Bruno. — Ótimo, vamos embora.
Alan agarrou seu braço com força, já estava pronto para quebrar a cara dele, mas Cláudio
me segurou.
— Ainda não. — Ele sussurrou.
Ala gritou para Bruno escutá-lo, Bruno apenas escutaria se ele tivesse uma explicação
melhor do que “tudo culpa da inveja do Cláudio”. Alan ficou em silêncio, olhávamos para ele
esperando uma resposta. Ele então olhou para a Roberta desesperado.
— Roberta, me dá uma força aqui! — Alan implorou.
— Ele é um merda. — Ela disse simplesmente. — Desculpa não ter falado nada antes, mas
ele falou que ia pagar sushi para a gente.
"Uau, suborno com comida cara", pensei com as sobrancelhas levantadas. Não julgo.
— O sushi tava ótimo mesmo. — Bruno disse sorrindo para ela.
— Porra, sua puta! — Alan gritou, largando o Bruno.
— Agora vai. — Disse Cláudio me soltando.
— Quer saber, foda-se! Você não vale tudo isso mesmo seu… — Interrompi o Alan com
meu soco na sua cara.
Alan caiu no chão, logo puxei o Bruno para ficar atrás de mim, me lembrando da festa onde
conhecemos esse infeliz, mas dessa vez eu ia acabar com ele. Me preparei para dar outro
soco, mas Bruno me interrompeu
— Chega, tô cansado dessa palhaçada. — Ele falou com a voz cansada. — Vamos embora.
Quando nós já estávamos no corredor, Alan apareceu na porta puto da vida, nós todos já
estávamos quase dentro do elevador.
— Vão se foder! Saiam da porra da minha casa! — Ele gritava, os vizinhos observavam
curiosos. — Tão olhando o quê? Vão cuidar da vida de vocês!
Quando o elevador fechou, não fui capaz de me segurar:
— Eu sabia! — Gritei vitorioso. — Eu disse! Porra! Falei que esse cara era… — Parei
quando vi que Bruno estava chorando.
"Ah, merda", pensei me sentindo mal, estava tão feliz com a separação dos dois que nem
tinha pensado nos sentimentos do Bruno nessa situação toda. O primeiro cara que ele ficou
era um completo babaca, mas ele gostava do babaca. "Nossa, como eu sou idiota", pensei
passando a mão no rosto, achei que o problema tinha acabado, mas resultou no Bruno
machucado. Olhei para ele por cima do ombro e vi algo que gelou meu coração, ele e o
Cláudio estavam de mãos dadas.
Só porque o Alan estava fora, não significava que outro não apareceria para ficar com o
Bruno. Eu podia tentar afastar o Bruno de todos os caras que demonstram interesse nele,
mas sempre teria aqueles que conseguiriam se aproximar.
Demorei para entender isso, quando finalmente entendi, era tarde.
"Cláudio revelou quem era o Alan, não porque queria ajudar o Bruno", pensei frustrado,
"mas sim ficar com ele". Ali estava a prova, os dois de mãos dadas! Bruno tá fragilizado,
Cláudio tá se aproveitando disso! Que descarado! Mas vendo agora, com mais calma, eu
teria provavelmente feito o mesmo, apenas não tive a oportunidade.
Estava tão focado no Bruno que nem percebi que ainda estava vestindo o pijama de cetim.
Não notei também quando o Mateus, a Brenda e a Roberta foram embora. Acabou que
dividimos um táxi com o Cláudio, que praticamente se convidou para ir com a gente no
carro. "Abusado pra caralho", pensei na hora que entramos juntos no táxi. Bruno estava
sentado entre mim e Cláudio, eles conversavam bastante, sentia-me completamente
deixado de lado, ver o Bruno tão interessado em conhecer alguém me deixava tenso e mal-
humorado. Eu apenas olhava pela janela... "o que fiz pra merecer essa situação?" Me
perguntava, devo ter jogado pedra na cruz para merecer isso.
Quando chegamos no prédio do Bruno, Cláudio pediu o número dele, que recusou. Fiquei
tão aliviado, mas meu alívio durou pouco, pois ele passou seu IG.
— Putaqueopariu. — Murmurei irritado depois que o carro foi embora. — To tendo um déjà-
vu…
— Não passei meu número para ele. — Bruno falou rapidamente.
Não é esse realmente o problema, eu queria dizer, mas não falei, estava cansado e não
queria me aprofundar naquele assunto
— Foda-se. — Foi tudo o que disse, depois fui andando em direção ao seu prédio.
No quarto, Bruno apenas pegou o colchonete e deitou nele, deixando a cama para mim,
senti que ele precisava de um tempo sozinho, então não falei nada. Sempre que o Bruno
ficava triste com algo, ele geralmente guardava para si e não tocava no assunto nunca mais,
ou apenas faria piada disso em algum momento que não o afetasse mais. O observei até
adormecer e quando tive certeza de que estava dormindo, me levantei da cama. Fui até seu
lado e deitei de frente para ele, prestando atenção em cada detalhe seu: nos olhos fechados
suavemente; seus cílios compridos e delicados; o cabelo castanho liso bagunçado; a
respiração calma; sua boca levemente aberta; seu pijama novo todo amassado; seu peito
que subia e descia devagar, ele parecia tão calmo e indefeso.
Demorei para sentir o sono, só conseguia sentir culpa, uma culpa maior que na festa da
Marcela, em que ele ficou bêbado demais para tomar banho sozinho. Podia ter evitado toda
essa festa do pijama, que nem teria acontecido se eu apenas não tivesse ligado para ele
sem querer… Essa dor que eu sentia vendo-o sofrer por um babaca qualquer, se eu apenas
dissesse que queria estar com ele… mas mesmo que eu falasse isso não garantiria que
seria recíproco. "Eu poderia perder meu melhor amigo, afastá-lo", pensava receoso.
Minha mente estava uma bagunça,
então guardei tudo: culpa, pensamentos, receios e desejos dentro de mim, achando que
uma oportunidade melhor viria para falar o que sentia, afinal o Bruno estava magoado,
tentar empurrar meus sentimentos nele agora não seria o certo… Com isso em mente,
levantei do seu lado, voltei para a cama e dormi.

Segunda, após a festa desastrosa, Bruno parecia melhor, claro que isso era só a impressão
que ele queria passar para todo mundo, na verdade ele nem tocou no assunto. Meio que
ninguém sabia do role, o pessoal achou que o Alan só se mudou para o exterior do nada e
ficou por isso mesmo. O dia todo ele parecia mais recluso, dentro do seu próprio mundo,
constantemente distraído. Ele mal fez anotações durante as aulas, nem trouxe um livro para
ler nos intervalos entre as aulas. Sentou do lado da janela e observava as nuvens lá fora,
algo que ele sempre fazia quando algo o incomodava.
— Aquela nuvem parece uma tartaruga. — Ele falou em voz alta, mais para si mesmo do
que para mim.
— Me parece um urso. — Falei me inclinando para o lado dele, tentando ver o que ele via.
Senti um cheiro diferente vindo do cabelo dele. "Pelo visto mudou o shampoo…" Pensei,
meus olhos foram da nuvem para o seu cabelo, que estava iluminado pela luz do sol que
batia da janela, ele é lindo…
— É um urso. — Ele disse simplesmente sem se virar.
No refeitório, comprei o lanche do Bruno e me sentei do lado dele, queria passar um tempo
com ele, fazê-lo rir e se sentir melhor… de repente ouvi a voz da insuportável.
— Então… Henrique, sobre o que o Mateus falou na festa… — Brenda começou a falar do
nada.
Quando me virei, ela estava sentada à minha frente. "Quando ela chegou aqui? Quem é
Mateus?" Me perguntei, sentia-me especialmente intolerante naquele dia com sua presença,
queria realmente ficar com o Bruno sozinho.
— Quem? — Perguntei olhando para ela.
— Mateus. — Ela repetiu piscando os olhos algumas vezes. — O cara que levei para a
festa, queria falar sobre o que ele te contou…
Pensei por um instante, do que ela tá falando? Olhei para ela sem entender.
— Ah, sei, o que seu namorado falou? — Perguntei
Brenda olhou para o Bruno sem entender nada, depois olhou para mim.
— Você não ouviu o que ele falou quando fomos embora? — Bruno perguntou abismado do
meu lado.
— Ele falou alguma coisa? O que ele disse? Nem me lembro quando ele foi embora…
— Terminei com ele. — Brenda disse rapidamente.
Não me lembro de ter perguntado, pensei sem dar muita atenção a ela.
Quando Caio se aproximou, senti meu sangue ferver, o que essa porra quer?
— Vocês sabiam que o Alan ia pro exterior? — Caio perguntou se sentando do lado da
Brenda.
— A gente soube no sábado. — Bruno falou secamente. — Foi uma surpresa para todos.
Caio ficou enchendo o saco querendo saber mais do Alan e da relação do Bruno com o
Alan, isso começou a me tirar do sério e decidi finalizar o assunto.
— Não tavam namorando não. — Falei olhando para ele com raiva. — Eles se conheceram,
deram uns beijos e Alan foi embora, fim da história.
Caio pareceu perder o interesse e se virou para a Brenda, começaram a conversar, algo que
me agradou bastante, o interesse dele nela evitaria a chance dele flertar com o Bruno, que
agora estava “disponível”. Me virei para o Bruno e o observei, ele parecia se divertir com a
conversa dos dois idiotas na nossa frente, o jeito que Bruno revirava os olhos, ria e
balançava a cabeça reagindo à conversa deles me deixava leve.
De repente, Caio se virou para mim.
— Não se incomoda de eu ficar com tua ex, né? — Caio perguntou.
Por favor, fica com ela, facilitaria a minha vida em dobro, pensei quase rindo da situação,
imagina? Me livro da chata e do encosto!
— Ela não é minha ex, vai nessa. — Falei feliz da vida.
— Você é um babaca, não dá mínima pra nada e nem ninguém! — Brenda surtou e se
levantou. — Vai acabar sozinho assim!
Ué? O que eu fiz? Fiquei sem entender, logo Caio me olhou com raiva e foi embora.
— Você é tão lerdo, que se alguém bater em você, você demoraria para perceber que estão
te agredindo. — Disse Bruno olhando para mim com deboche.
"Olha quem fala!" Pensei revoltado, de todas as pessoas na minha vida, você é o único que
parece se recusar a enxergar como me sinto…
— Quer saber? Você também! — Falei frustrado.
— Eu? Mas o que eu…?
— Você é muito cego. — Murmurei e me levantei, o deixando sozinho no refeitório.

Mesmo estando disposto a esperar até um momento melhor para falar dos meus
sentimentos, Caio parecia não querer esperar. Bruno estava demorando para voltar da aula
de educação física, eu sabia que ele seria o último a tomar banho, mas a aula estava
prestes a começar e nada dele. Voltei no vestiário, preocupado com a possibilidade dele ter
escorregado, caído e batido a cabeça no chão. Depois teria que explicar para o seu Márcio
que seu filho morreu pelado.
Chegando no vestiário me deparei com a cena: Caio, que não esperou nem uma semana
inteira para atacar o Bruno, o prensando contra a parede. O que teria acontecido com ele se
eu demorasse mais? Nem quero imaginar…
Saquei meu celular na hora e tirei uma foto, os dois se viraram para mim surpresos,
imediatamente Caio se afastou dele, percebi que a toalha e as roupas do Bruno estavam no
chão, ele estava totalmente nu e indefeso. Bruno se abaixou e pegou a toalha e se enrolou o
mais rápido possível, ele estava vermelho até a raiz do cabelo, parecia apavorado. "Se
controla Henrique, não vamos gastar seu réu primário agora…" pensei, vendo o Caio ir
embora. Bruno entrou numa cabine para se vestir, respirei fundo tentando me acalmar.
Quando ele saiu da cabine, observei a forma como a camisa do uniforme parecia mais justa
no seu corpo, seus ombros estavam mais fortes, era difícil não reparar nele.
— O que foi? — Bruno perguntou depois que saiu da cabine vestido.
— Você tá ficando mais forte… — Comentei, sentindo meu rosto queimar.
Me virei, tentando esconder meu rosto corado e começamos a voltar para a sala. Caio nos
viu entrar e parecia assustado, decidi resolver as coisas com ele de uma vez por todas.
Mandei uma mensagem pro Caio.

Eu: Me encontra no vestiário.


Eu: Depois da aula.
Eu: Bruno me pediu pra te passar um recado…
Merdinha: Ok

Inventei para o Bruno que tinha uma coisa para resolver e veria ele mais tarde.
Quando Caio chegou no vestiário, já o puxei pela gola do uniforme e o coloquei contra a
parede.
— É bom ser prensado na parede?! — Gritei bem próximo do rosto dele.
A cara dele transmitia puro terror.
— Me escuta, escuta com muita atenção! Bruno não quer saber de você, nunca quis e
nunca vai querer! Se você tentar falar com ele de novo, respirar perto dele ou até mesmo
pensar nele, eu te mato!
— Tá bom… — Ele balbuciou. — Eu…
— Cala a boca!
Com uma mão segurando a gola da sua camisa, usei a outra para socar a parede do lado
do rosto dele, Caio estremeceu. Usei a mão que tinha socado a parede para apontar o dedo
na cara.
— Eu tô falando muito sério! Bruno me disse pra te dar um aviso! Tá avisado!
Larguei ele e me afastei; Caio ainda estava encostado na parede, me olhando amedrontado.
— Some da minha vista… — Murmurei puto.
Ele saiu correndo, quando me encontrei sozinho respirei fundo aliviado, olhei a mão que
tinha socado a parede; estava sangrando. Fui até a pia para lavar o machucado. "Agora
ninguém vai ficar no meu caminho…" pensei feliz enquanto secava a mão.
Duas semanas depois descobri que tinha comemorado cedo demais…

Capítulo 17: Sempre cuidei de você…


— Então você e o Cláudio estão saindo? — Perguntou Brenda para o Bruno.
— Ainda não, mas a gente anda se falando bastante. — Bruno disse animado. — Temos
muitas coisas em comum…
Estávamos no refeitório, Brenda agora sentava com a gente todo intervalo, ela e o Bruno
estavam se dando muito bem, eu não deveria me incomodar com isso, mas a Brenda ficava
me encarando quase o tempo todo, isso me deixava desconfortável.
— O que tá esperando para sair com ele? — Brenda perguntou com um olhar divertido.
— Ele chamar. — Respondeu Bruno timidamente.
— Por que você não o chama para sair? — Perguntei sem muita vontade.
— Nunca fiz isso. — Ele respondeu dando de ombros. — Nem passei meu número para ele
ainda…
— Por que não? — Brenda perguntou surpresa.
Bruno me olhou de canto, desviei o olhar e fingi que o teto era muito mais interessante.
— Sei lá… — Bruno murmurou. — Acho que tô esperando para conhecer ele melhor…
— Você não pode ficar sentado e esperar as coisas acontecerem! — Brenda disse
revoltada. — Assim sua vida não anda!
— Olha, não sei você, mas até hoje funcionou pra mim. — Bruno disse dando de ombros e
rindo.
Eu não pude evitar rir também, uma das características que mais apreciava no Bruno era a
falta de esforço dele em correr atrás de alguém.
— Você podia ser como o Henrique. — Brenda disse de repente. — Ele chama as garotas
para sair…
— Acho que o Bruno deveria ir com calma. — Falei a interrompendo.
Os dois se viraram para mim.
— O Bruno acabou de ser enganado por um babaca. — Continuei. — Não acho que ele
devia ter pressa de sair com um cara novo…
— O Bruno não deveria ter medo de se envolver com alguém novo só porque foi enganado
uma vez… — Brenda falou ficando irritada.
— O Bruno tá bem indo com calma, pra que apressar as coisas? — Falei revirando os olhos.
— O Bruno ir com calma pode fazer o Cláudio perder o interesse. — Brenda falou se
inclinando na minha direção.
— Se o Bruno ir com calma afastar alguém, esse alguém não merece ele. — Falei me
inclinando na direção dela.
— O Bruno tá bem aqui. — Disse o Bruno de repente nos fazendo virar para ele. — Não
precisam falar de mim como se eu não estivesse aqui só pra dar palpite na minha vida
amorosa.
Me ajeitei no banco me sentindo sem jeito.
— Acho que vou esperar, não tô com pressa. — Ele deu de ombros. — Se ele não gostar,
problema dele.
Comemorei por dentro, Brenda parecia contrariada, mas não falou nada.
— Vou ao banheiro. — Ele falou se levantando.
Depois que ele estava afastado, Brenda se virou para mim.
— Qual é a porra do seu problema? — Brenda perguntou.
— Quê? Meu problema? Qual é o seu? — Perguntei de volta.
— Ele é seu amigo! Por que não tá incentivando ele a chamar o Cláudio pra sair?
— Porque ele é crescido, e pode fazer suas próprias escolhas, no tempo dele. — Dei de
ombros. — Se ele quer ir devagar, não serei eu a dizer para apressar as coisas, ele tem
tempo.
— Incrível que seu português fica até mais refinado quando quer impedir o Bruno de ter uma
vida… — Ela murmurou.
— Que merda você disse? — Perguntei um pouco alto demais.
Alguns colegas das mesas vizinhas se viraram para nós.
— Nossa, calma… Só tô dizendo que parece até que você nem quer vê-lo namorando. —
Ela disse cautelosa.
— Não quero mesmo. — Respondi cruzando os braços. — As coisas estão bem como são.
— Como assim? O Bruno…
— Não precisa de um namorado. — Falei secamente.
Ela me olhou com um misto de irritação e descrença.
— Pensei que quisesse ver o Bruno feliz.
Aquilo me gelou, nem percebi que estava pondo meus sentimentos acima do Bruno de
novo, não queria vê-lo com outra pessoa, mas queria vê-lo feliz…
— Ele precisa de um namorado para ser feliz? — Perguntei simplesmente, não estava a fim
de ceder ainda.
Ela abriu a boca, mas não disse nada, fechou e sua expressão era de frustração, respirou
fundo e olhou para mim.
— Não, não precisa. — Ela deu de ombros. — Mas ele tem todo o direito de namorar quem
ele quiser, que nem você.
Senti um calafrio percorrer meu corpo, não falei nada, ela não estava errada. Precisava
apressar as coisas, dizer logo o que sentia, parar de me torturar, receber uma resposta do
Bruno, acabar com essa aflição. Tenho que superar o medo de receber um não… Pensei
nervoso, se ele começar a namorar, terei que aceitar isso de qualquer jeito.
— Ok, você tem razão. — Falei simplesmente.
O assunto acabou aí, decidi não me meter mais no relacionamento do Bruno com o Cláudio,
esperar até me sentir confiante para dizer o que sinto. Só espero que, quando acontecer,
não seja tarde demais, pensei, sentindo um conflito se formar dentro de mim.

Quando Bruno disse que sairia com o Cláudio, fiz um esforço quase sobre-humano para
parecer feliz por ele. Brenda dava pulinhos de alegria enquanto Bruno contava os detalhes
de como Cláudio o chamou para sair.
— Meu Deus, vocês são tão fofos! — Brenda dizia rindo.
— Não é pra tanto… — Murmurava o Bruno coçando a nuca envergonhado.
Me deixava triste saber que os dois iriam num encontro, mas sorri e parabenizei ele, a
felicidade dele era mais importante que meus sentimentos.

Resolvi sair sozinho no sábado, no dia do encontro do Bruno, tentar espairecer, não pensar
nos dois juntos. Dei um passeio no parque madureira, aluguei uma bicicleta e dei uma volta.
O clima estava agradável, as pessoas no parque se divertem andando de patins, bicicleta,
algumas crianças e adolescentes faziam manobras de skate nas pistas que tinha lá, tinha
umas senhorinhas caminhando e fofocando na rua, algumas pessoas usavam a piscina do
parque e estavam preparando a área do telão para exibição de um filme, o Bruno iria adorar
aquilo, cinema ao ar livre, filme antigo… Estou pensando nele. Me sentia deslocado,
rodeado daquelas pessoas alegres e descontraídas, devolvi a bicicleta e decidi andar até o
shopping Madureira.
Não estava realmente com fome, então comprei um milk shake e dei uma volta. Por alguma
razão o shopping estava cheio de casais, aquilo me irritou profundamente. Decidi ir numa
livraria, mas inconscientemente fui em direção a seção de livros de terror, vi o livro que
Bruno estava lendo ultimamente, “O Nevoeiro”, sobre uma cidade que foi dominada por uma
neblina densa (obviamente), dei uma lida e não foi difícil entender o interesse do Bruno na
história, era misteriosa e tensa, tinha uma premissa chamativa, só seria possível entender
aonde aquela história iria depois da metade do livro. Estou pensando no Bruno de novo…
Suspirei de frustração, coloquei o livro de volta, procurei algum que talvez me interessasse,
mas foi quase impossível encontrar um que não me fizesse pensar no Bruno.
Peguei um livro chamado “Salem”, tinha uma capa em preto e branco de uma casa de
madeira velha, com umas 500 páginas, do autor favorito do Bruno, me lembrei que ele disse
que estava doido para ler depois que descobriu que “Missa da Meia-Noite” foi inspirado
nessa história… Eu vim na livraria para comprar um livro pro Bruno ou pra mim? Me
perguntei frustrado, na verdade, por que vim à livraria? Nem sou muito de ler…
Fui ao caixa e comprei o bendito livro, decidi que já era hora de voltar para casa. Acabei não
espairecendo porra nenhuma, apenas percebi que Bruno preenchia minha mente, mesmo
quando eu não queria, pensava nele. No ônibus, senti olhares de um grupo de garotas
sentadas no fundo, elas cochichavam e me olhavam interessadas, se fosse como antes teria
ido lá, jogado meu charme, falaria alguma coisa engraçadinha, pegaria o número da mais
bonita e levaria ela para exibir para os meus amigos… Como eu era patético.
Desci do ônibus um pouco antes do ponto perto da minha casa, queria andar um pouco.
Passando em frente ao prédio do Bruno, vi um carro parado com um cara alto tirando uma
pessoa bem mais baixa que ele do banco de trás, reconheci o Bruno quando ele me viu.
— Henriqueeee! — Ele se soltou do Cláudio e balançou os braços para mim.
Quando chegou perto e me abraçou, eu senti o cheiro de álcool.
— Você bebeu? — Perguntei, mas ele não respondeu, me virei para o Cláudio sem
entender.
— Deram minha bebida para ele por engano. — Ele disse sem jeito.
— Que bebida? — Perguntei tentando pôr o Bruno em pé, mas ele se desequilibrava toda
hora.
— Opaaa… — Ele murmurava e se apoiava em mim.
— Sex on the beach… Eu tinha pedido uma versão sem álcool para ele, mas não percebi
que entregaram a minha bebida pra ele por engano…
— Cê tá de sacanagem? — Perguntei olhando para ele. — Você pediu uma bebida para ele
que era igualzinha a sua e nem percebeu que confundiram?
— Eu me distraí… — Cláudio balbuciou.
— Ah, se distraiu? — Perguntei com ar de deboche, Bruno balançava levemente com um
sorriso no rosto. — Bom, olha o que a sua distração fez!
— Foi mal, eu… — Ele murmurou.
— Foi mal o caralho! — Gritei. — Ele tá bêbado, podia ter acontecido alguma coisa, ele não
tá acostumado a beber! Ele podia passar mal! Se machucar!
— Eu…
— Faz um favor pro Bruno! — Falei apontando o dedo para o peito dele. — Fica longe dele!
Você foi irresponsável pra caralho! A culpa é sua dele tá assim! Vai embora!
Cláudio não disse nada, ele voltou para o carro, entrou e foi embora.
— Você tá bem? — Perguntei para o Bruno o fazendo se apoiar em mim.
— Tô muito feliz em te veeer. — Ele disse rindo.
Na porta do seu apartamento, peguei a chave do seu bolso, abri a porta, não vi que ele
estava apoiado nela, Bruno acabou caindo de cara no chão.
— Merda! Cê tá legal? — Perguntei me abaixando ao lado dele.
— O chão… Tá tão confortável… — Ele murmurou fechando os olhos.
— Você deita depois, precisa de um banho. — Falei o levantando.
Deixei a sacola com o livro que carregava na mesa de centro da sala, carreguei o Bruno até
o banheiro, me lembrei quando voltamos da festa da Marcela, aquela situação tinha me
causado preocupação, Bruno tá totalmente vulnerável, tenho que cuidar dele. No banheiro,
Bruno leva a mão à boca.
— Acho… que… — Ele se ajoelha na frente do vaso e começa a vomitar.
— Põe pra fora, vai se sentir melhor. — Falei fazendo carinho nas suas costas.
Ele vomitou mais um pouco, depois deitou a cabeça no assento da privada, respirando com
dificuldade.
— Nunca mais… Vou beber… — Ele murmurou.
— Acho que você já disse isso antes. — Respondi ainda com a mão nas suas costas.
Ele me olhou e começou a rir.
— Você… é muito bonito… — Bruno passou a mão no rosto. — Tô… Com um gosto ruim…
— Tem que escovar os dentes. — Falei dando descarga.
O ajudei a levantar, vi que caiu vômito na camisa, vou ter que dar um banho nele, pensei
nervoso. Peguei a escova dele, pus pasta de dente e coloquei na mão dele, ele levou a boca
e começou a escovar sem vontade.
— Aqui deixa eu te ajudar. — Falei segurando sua mão e o guiando para escovar.
Depois que terminou, ele cuspiu e lavou a boca.
— Melhor? — Perguntei.
— Muito… Melhor… — Ele murmurou.
— Agora vamos tomar banho. — Falei e tirei sua camisa.
Depois que tirei sua roupa, como da última vez, ele cobriu o corpo com as mãos dizendo
que seu corpo era feio, que estava envergonhado, começou a chorar e pedir desculpas por
me pôr naquela situação. Respondi que estava tudo bem, que sempre estaria aqui para
ajudá-lo. Tirei a roupa e fiquei só de cueca, Bruno ficou me olhando e sorrindo.
— Você é gostoso… — Ele balbuciou rindo.
— Ah, é, o que mais? — Perguntei sorrindo e o levando até o box do banheiro.
— Tem… Um sorriso lindo… — Ele murmurou se apoiando na parede do banheiro.
— Você também. — Respondi abrindo a água.
Comecei a lavar suas costas, o virei para mim, lavei seus braços, seu peito, percebi que ele
me encarava, mais especificamente minha boca, me abaixei, lavei suas pernas, percebi que
seu pau estava ficando duro, olhei para o seu rosto e ele me encarava intensamente.
Respirei fundo, tentando me controlar, me levantei, entreguei o sabonete na sua mão e
disse para ele terminar de se lavar, ele levou o sabonete no pau e começou a esfregar,
desviei o olhar e tentei me forçar a focar que estava ali para cuidar dele, apenas cuidar dele,
nada mais. Quando terminou, me devolveu o sabonete, ele perdeu o equilíbrio e começou a
cair na minha direção, coloquei a mão no seu peito e o segurei.
— Quero… Te beijar. — Bruno disse segurando a minha mão que estava no seu peito. —
Posso?
Senti meu rosto corar, seria errado dizer que sim? Me perguntei, sentindo meu coração
bater muito rápido, os fogos de artifício explodiram sem controle em mim.
Ele não esperou minha resposta, se aproximou e me beijou, deixei o sabonete cair,
consegui sentir os fogos queimando no meu peito, ele puxou minha mão para suas costas,
apoiou o corpo contra o meu, sentia sua pele macia contra minha, seu pau, agora totalmente
duro, esfregando na minha virilha, me causando um choque de desejo, ele soltou minha
mão e envolveu os braços no meu pescoço num abraço frouxo, sua boca estava quente, o
gosto de menta era forte, me tirava o ar, sentia sua língua na minha boca se mover de forma
preguiçosa. Eu o abracei, sentindo o calor da água batendo em nós, me deixando derretido
por aquele momento.
Ele se afastou e me encarou, seus olhos começaram a lacrimejar.
— Me desculpa… — lágrimas rolavam no seu rosto, se inclinou e encostou no meu ombro.
— Tá tudo bem. — Falei ainda com os braços ao seu redor. — Eu quero te beijar…
Ele me encarou de novo, depois seus olhos desceram para a minha boca.
— Eu quero… Mais… — Ele disse se aproximando de mim e me beijando de novo.
Eu deveria me sentir culpado? Me perguntei, ele está bêbado… Mas, isso é tão bom. Me
forcei a parar de beijá-lo, desliguei a água, me afastei dele, peguei a toalha pendurada num
gancho e comecei a secá-lo, quando pus a toalha nos seus ombros o enrolando ele se
aproximou beijando meu rosto, indo até o meu pescoço, seu beijo era intenso, me causava
arrepios pelo corpo todo, um calor intenso percorria cada célula do meu corpo.
— Bruno… — Gemi sentindo meu corpo tremer.
Então seu corpo ficou pesado contra o meu, o segurei, percebi que seus olhos estavam
fechados, suspirei com certa decepção. O levantei ainda enrolado na toalha, coloquei ele
sobre meu ombro, o levei pro quarto e deitei ele na cama.
Peguei uma cueca e vesti ele, tirei sua toalha, cobri ele com o cobertor, quando ia voltar ao
banheiro ele segura minha mão, me viro para olhá-lo e seus olhos estão abertos.
— Quero você… Do meu lado. — Ele balbucia, fecha os olhos de novo e solta minha mão.
Eu sorrio, vou ao banheiro, penduro a toalha, me olho no espelho e percebo que tem um
pequeno chupão no pescoço, ele fez isso? Como não percebi? Me pergunto, levemente
feliz. Pego as roupas dele que deixei no chão e coloco na roupa suja, tiro minha cueca, que
está úmida pelo banho que dei nele, coloco para secar na porta do box.
Tomo um banho rápido, volto para o quarto, pego uma cueca dele emprestada, visto e vou
até sua cama. Bruno está como o deixei, deito do seu lado, coloco o braço sobre ele e ele
segura minha mão. Fechei os olhos, quando estava prestes a dormir, sinto ele se
movimentar, abro os olhos e ele me encara.
— Tudo bem? — Pergunto preocupado.
— Estou feliz… Você está aqui… — Ele fala tão baixo que tenho que me aproximar mais
para ouvir.
Eu sorrio, faço um carinho no seu rosto, logo sua fisionomia muda, ele parece assustado.
— Eu tô com medo… Me desculpa… — Ele começa a chorar.
— Tudo vai ficar bem. — Digo calmamente, ele me abraça, sinto sua respiração no meu
ombro.
Ficamos assim por um tempo, quando penso que ele está dormindo, sinto sua boca se
mover, me afasto para olhar seu rosto, ele tenta falar alguma coisa, ele tenta algumas vezes
até que sua voz finalmente se faz audível.
— Eu… Te amo…
Não sou capaz de acreditar, meu sorriso é involuntário, encosto minha testa na sua, começo
a chorar, eu tô tão feliz, meu Deus, obrigado, penso, sentindo meu corpo flutuar, os fogos de
artifício não estão mais dentro de mim, mas a minha volta, no quarto todo.
Olhei para ele e seus olhos estavam fechados, quase o acordei de novo só para ouvir ele
dizer que me ama mais uma vez, eu nem tive tempo para dizer o que sentia, nossa eu fiquei
tão feliz.
Não fechei os olhos naquela noite de tanta felicidade…

Quando amanheceu, me levantei e fui à cozinha, decidi preparar algo para comer e deixar o
café da manhã do Bruno pronto também, estava animado, sentia que agora poderia
finalmente ser sincero com meus sentimentos, me sentia livre. Depois de alguns minutos
ouço o barulho de passos, meu coração para de bater por um momento, Bruno acordou…
Penso, tiro o misto quente da misteira, abro a geladeira e coloco o suco na pia, viro o ovo
que estava fazendo na frigideira, sentindo minhas mãos tremerem de alegria.
— Puta vida… Que cê tá fazendo aqui? — Ouço a voz do Bruno atrás de mim.
Ele não se lembra… Olho para ele, evitando demonstrar minha decepção.
— Bom dia, tudo bem?
Bruno está vestindo uma camisa do avesso, uma bermuda e sua cara está amassada, tem
uma mancha roxa na lateral da testa da sua pequena queda.
— O quê rolou? — Bruno pergunta. — Eu tava bebendo um drink com nome estranho…
Não sei o que…
Expliquei para ele o que tinha acontecido, de repente ele parece lembrar de algo e fica
vermelho até a raiz do cabelo.
— Meu Deus… Você cuidou de mim, né? Nossa, que vergonha…
— Se começar a chorar e pedir desculpa de novo, eu vou embora, sério! — Falo, tentando
aliviar o clima.
— Cala a boca… Eu chorei?... Merda, que vergonha… — O vejo enterrar o rosto nas mãos.
Não falo nada por um tempo, o observo com bastante atenção, na esperança de que ele
lembre do que disse, do beijo, tento perceber qualquer sinal de que ele lembrou do que
aconteceu. Ele levanta o rosto e me olha preocupado.
— Eu… Fiz alguma coisa ontem? Tipo, algo muito ruim? Além de passar vergonha?
— Você se lembra do que fez? Do que disse para mim ontem? — Pergunto sentindo meu
coração bater mais rápido.
— Eu fiz algo ontem com você?! O que eu falei?! Foi muito ruim?! — Ele perguntou gritando
desesperado.
Ele não se lembra de nada, penso, me sentindo triste, eu tava tão feliz… Como se algo
tivesse sido arrancado do meu coração, eu poderia só contar a ele, mas… Ele diria que
realmente me ama, ou que foi um erro de bêbado? Era minha chance de saber a verdade,
de enfrentar isso de uma vez, mas fiquei morrendo de medo do que aconteceria.
— Não se preocupe. — Falo tentando soar calmo. — Come, você precisa.
Nós ficamos no sofá, coloquei algo na televisão, nem lembro o que era, percebi que o Bruno
parecia incomodado com o barulho e abaixo o volume, o silêncio domina o ambiente. Se eu
falar… Se eu me confessar… Não conseguia completar meus pensamentos.
Me levantei, peguei o prato do Bruno, fui em direção a cozinha mas parei, me virei para o
Bruno e tomei coragem.
— Bruno? — Minha voz era puro nervosismo.
— Hm? — Ele olhou para mim
Não tive chance de dizer ontem, mas… Eu também te amo, penso em dizer, as palavras
estão bem ali, mas não sou capaz de dizê-las.
— Eu também. — Falo apenas, em alto e bom som.
Ele me olha sem entender, mas está tudo bem, meus sentimentos chegarão nele em algum
momento, penso, esperançoso, ele sente o mesmo que eu, agora só preciso do momento
certo.
— Eu também. — Digo novamente, continuo meu caminho até a cozinha. — Só isso que irei
dizer…
Coloco os pratos dentro da pia e respiro fundo, tentando controlar meus batimentos. É o
mais longe que já fui, só preciso de um pouco mais de coragem, penso, sorrindo sozinho,
tendo pela primeira vez esperança do que pode acontecer quando eu contar o que sinto.

Nas duas semanas seguintes eu colei no Bruno, estava indo na casa dele todo dia,
estudava com ele e assistia filmes a tarde toda, passava o fim de semana na casa dele, ele
até estranhou eu não o estar chamando para ir em nenhum lugar comigo.
— Tipo, a essa altura você me arrastaria para alguma festa na puta que pariu. — Ele
comentou.
— Sei lá, perdi o interesse. — Disse simplesmente.
— Henrique, o príncipe da festa, cansou de sair? — Bruno perguntou com ar de deboche. —
É o fim dos tempos!
— Nada, início de uma nova era. — Falei de forma misteriosa.
— Qual vai ser o nome desta nova era? — Ele perguntou rindo.
— Ainda não decidi, podemos escolher juntos depois, que tal? — Perguntei rindo.
— Sou péssimo com nomes… — Ele murmurou.
— Hm… Sério? Me dá um exemplo.
— Os nomes que ponho nos meus contatos. — Ele disse com a voz travessa.
— Qual é meu nome no seu celular? — Perguntei de repente.
— Imbecil. — Bruno disse secamente.
Olhei para ele incrédulo.
— Nossa, por quê? — Perguntei fazendo beicinho.
— Porque você é um imbecil. — Ele disse dando de ombros. — Como é meu nome no seu?
— Benzinho. — Falei esperando sua reação.
Ele me olhou ficando corado.
— Tá zoando…
Mostrei meu celular para ele.
— Caralho… — Ele murmurou rindo. — Peraí…
Ele pegou o celular dele, digitou algo e depois virou para mim. No meu contato estava
escrito “gostosão”, olhei incrédulo e gargalhei de chorar.
— Puta que pariu, Bruno! — Gritei rindo. — Eu amei!
Ele riu também.
— Combina com você. — Ele falou guardando o celular.
— Então, você me acha gostoso… — Falei sentindo um calor dominar meu corpo.
— Se você fosse gay, acho que te pegaria. — Ele disse rindo, ficando vermelho até a raiz do
cabelo.
Aquilo me fez feliz, confiante, estava decidido que não iria mais adiar meus sentimentos, no
próximo final de semana, vou me declarar! Pensei entusiasmado.
Mas é claro que não foi isso o que aconteceu…

Meu pai resolveu dar as caras. Quando cheguei em casa sexta a noite, ele estava lá no sofá
sentado do lado da minha mãe, eles pareciam estar se resolvendo, algo que não me
agradou nem um pouco.
— Como foi seu dia, meu amor? — Perguntou minha mãe sorrindo para mim.
Melhor que o seu, pelo visto… Pensei.
— Normal, e o seu? — Perguntei olhando meu pai.
— Bom… Seu pai quer falar uma coisa pra você. — Minha mãe disse cutucando meu pai.
— Sim… Eu… Vim aqui pedir desculpas. — Meu pai disse, se levantando. — Eu… Estava
bêbado e…
— Sério? — O interrompi, bufei e balancei a cabeça. — “Foi mal, tava doidão”?
Meu pai comprimiu os lábios irritado.
— Eu realmente sinto muito. — Ele disse com a voz irritada. — Vim aqui porque quero voltar
pra casa…
Olhei minha mãe.
— Se ele voltar, eu vou embora. — Falei secamente.
— Ele não vai voltar. — Minha mãe falou de forma firme. — Só queremos manter uma boa
relação.
— Isso… Só quero fazer a coisa certa. — Meu pai disse com a voz embargada. — Me
deixem mostrar que… Me arrependo.
— Deixa eu ver se entendi. — Falei de seriamente. — Você passou os últimos, sei lá,
dezessete anos, tecendo comentários homofóbicos na minha frente, impondo suas vontades
em nós, me pressionando para ser o que você queria que eu fosse, sem se incomodar com
o que sinto, agindo como um completo babaca e, pra fechar com chave de merda, agrediu a
mim e minha mãe antes de ir embora, ainda achando que estava na razão. — Cruzei os
braços, incrédulo. — Mas, agora você se arrepende? Demorou todo esse tempo para
perceber seus erros? Me erra…
— Eu realmente sinto muito… — Meu pai disse simplesmente. — Por tudo… Eu te amo, do
jeito que você é.
Suspirei irritado.
— Tá, já pediu desculpas… — Falei dando de ombros. — Pode ir embora.
— Eu… Também quero chamar o Rômulo e sua família, para pedir desculpas a eles. —
Meu pai falou descaradamente.
— Chama na sua casa. — Falei secamente.
— Essa ainda é minha casa. — Ele falou sério.
Olhei minha mãe, que sorriu de forma doce e compreensiva.
— Acho que um almoço para pedir desculpas seria bom. — Ela disse simplesmente. —
Seria a última vez…
— Beleza, se divirtam. — Falei dando de ombros.
— Você vai participar. — Minha mãe falou séria.
— Eu já tenho planos… — Falei frustrado.
Quando finalmente decido me declarar, essa porra volta pra me fuder uma última vez!
— Só… Por favor, filho, só dessa vez… Vai ser a última vez que faremos isso juntos. —
Minha mãe disse, vindo me abraçar. — Como uma família.
— Essa situação não faz sentido nenhum, por que tem que ser na nossa casa? Logo
amanhã? — Falei me afastando.
— É uma despedida. — Ela olhou meu pai. — Vamos nos divorciar.
Meu pai parecia prestes a chorar, ele respirou fundo, apenas balançou a cabeça afirmando.
Nossa, inacreditável… Pensei frustrado, mas seria a última vez para brincar de família feliz,
se era isso que minha mãe precisava para se despedir e enterrar esse relacionamento de
merda, quem sou eu para negar?

Devia ter negado, negado com todas as forças. Devia ter ido até o Bruno, ter contratado um
serviço de telegrama cantado, até mesmo um carro de som! O jantar nem foi o problema, foi
ótimo, meu pai pediu desculpas, seu Rômulo aceitou, Caio me encarava, mas não dirigiu
uma palavra na minha direção…
O problema mesmo começou logo na segunda, o Bruno estava agindo de forma estranha,
ele fugiu de mim a semana inteira nos intervalos, nem Brenda sabia onde ele estava
enfiado. Então fui procurá-lo para saber porque ele estava me evitando, e o vejo
conversando com o Caio. Meu sangue ferveu, é hoje que gasto meu réu primário… Pensei
enquanto andava até eles.
— Que merda que você tá fazendo com ele? — Gritei em direção ao Caio.
— Fica longe dele. — Disse Bruno ficando na minha frente
Que merda tá acontecendo? Me perguntei, olhando para ele, depois para o Caio e de novo
para o Bruno. Perguntei o que estava rolando, ele me cortou dizendo que não era da conta
dele, senti um frio na espinha. Bruno me olhava com raiva, uma raiva que eu não conhecia.
— Você não anda me contando muita coisa, então acho que perdeu seu direito de ouvir
sobre minha vida. — Bruno falou secamente.
Ele disse para o Caio nos dar espaço, ele nem dirigia o olhar para mim, senti que algo muito
ruim iria acontecer comigo, acho que é o Bruno quem vai gastar o réu primário dele, pensei,
nervoso.
Quando ele me perguntou se eu tinha algo para contar, por um segundo pensei que fosse
sobre como me sentia, mas não fazia sentido ele estar bravo, então neguei.
— Beleza, então eu falo, eu sei da Helena, ou melhor, Sofia.
Senti o sangue fugir do meu corpo, tentei falar alguma coisa, mas não conseguia. Ele
também completou falando do Caio, sobre eu mentir para ele sobre a sexualidade do Bruno
no fundamental, de afastar o Cláudio dele e até dos meus pais se separarem.
Mesmo dizendo que estava cuidando dele, Bruno apenas gritou comigo que eu estava
controlando sua vida e escondendo coisas importantes dele, ele estava indignado. Até me
empurrou bravo, seu rosto estava vermelho, o chamei de ingênuo, dizendo que só queria o
melhor para ele e percebi que piorei as coisas dizendo isso…
— Olha, eu sei que fiz essas coisas pelas suas costas, me desculpa…— Falei tentando
acalmá-lo. — Mas eu só estava cuidando de você, eu me importo com você.
— Pode parar de se importar! — Bruno gritou. — Você… Fica longe de mim!
Ele se afastou, fui atrás dele e segurei seu braço, Bruno se virou para mim, ele chorava,
então apenas atirou todas as perguntas que tinha de uma vez.
— Por que nunca me contou sobre sua família ser próxima da família dele? Sobre jantarem
juntos? Por que mentiu sobre a Sofia? Por que ameaçou o Caio? Por que ameaçou o
Cláudio? Por que no fundamental você disse pra ele que eu não curtia caras? Por quê?
Você nem me contou que seu pai saiu de casa! Nem que ele voltou!
As lágrimas corriam pelo seu rosto, aquilo partia meu coração, não era para isso tá
acontecendo! Pensei, desesperado. Me senti paralisado, preciso controlar a situação,
pensei, tentando me acalmar.
Expliquei para ele, evitando ao máximo falar sobre meu sentimento, evitei mentir também,
me sentia vulnerável, exposto e envergonhado.
Bruno secou as lágrimas com a manga do casaco, aquilo me fez sentir um pouco melhor;
continuei me explicando e tentando amenizar a situação, mas sem sucesso.
— Me desculpa. — Falei com a voz tremida.
— Eu te perdoo. — Bruno disse, me deixando aliviado. — Mas não quero ficar perto de
você.
O sangue me fugiu pela segunda vez, me senti tonto por um momento.
— Não quero mais ser seu amigo. — Bruno falou com frieza. — Você mentiu, enganou e
escondeu coisas de mim, não quero ninguém assim na minha vida.
Ele me deu as costas e foi em direção a escola, eu era capaz de ouvir meu coração se
quebrar, não podia deixar acabar assim. O segurei, implorei, mas ele estava irredutível.
— Se você me der um bom motivo, um motivo que justifique sua atitude, algo explique ter
mentido, escondido coisas de mim e ameaçado os cara que fiquei… Qualquer coisa… —
Bruno falava com tristeza na voz.
Tenho que falar, preciso falar, tenho que dizer que o amo, pensei, sentindo meu coração
bater descompassado, mas… Mereço estar com ele? Me perguntei, sentindo incapaz de
falar, depois de tudo o que fiz, mesmo com motivos que acreditava serem “nobres”, agora
conseguia ver tudo claramente.
Fui movido por ciúme, fui mesquinho, egoísta e machuquei a única pessoa que não queria
machucar, a única que queria proteger, mas a minha proteção era só uma desculpa para
mantê-lo só para mim, eu fui um babaca, não tem o que dizer… Pensei, desolado.
— Me deixa em paz, e deixa o Caio em paz também, a gente tá junto agora, não se mete na
porra da minha vida.
Ele foi embora, me deixando lá, completamente destruído… E a culpa era toda minha.

Capítulo 18: Sempre tentarei melhorar… (Parte 1)

Quando vi Bruno saindo da sala com o Caio, no mesmo dia que ele descobriu tudo e me
mandou ficar longe, me senti perdido, o pessoal da sala cochichava e olhava para mim, mas
ninguém tinha coragem de perguntar o que aconteceu.
Não me lembro como cheguei em casa, mas lembro de apenas cair na cama e não me
mover, minha mãe estava preocupada comigo… Já eu, estava apenas ali, existindo.
Ver o Bruno e o Caio, lado a lado, nos dias que se seguiram, parecia uma piada cruel. Eu
tentei manter os dois separados por anos, mas isso só me fez ficar separado do Bruno.
Quando vi os dois no intervalo, com as mãos entrelaçadas embaixo da mesa, sorrindo um
para o outro, foi como uma facada, percebi todos olhando para mim, Bruno também me
olhava, nem tinha notado que tinha deixado minha bandeja cair, apenas fui embora do
refeitório, não era capaz de estar ali, sentia as lágrimas querendo sair.
— Henrique! — Ouvi a voz do Júlio atrás de mim.
Me virei para ele, estava chorando, ele me olhava surpreso.
— Eu fudi com tudo! — Gritei com a voz embargada.
Ele me abraçou, e fiquei ali, chorando no seu ombro, sem saber o que fazer.

— Então, o que o traz aqui? — Perguntou a doutora Cássia.


Estava no seu consultório, era minha segunda sessão de terapia, a primeira se resumiu a
mim chorar copiosamente sem dizer nada, minha mãe insistiu que eu viesse de novo depois
de ficar o fim de semana inteiro na cama, você vai ficar doente assim! Dizia ela, preocupada.
— Eu… Fiz uma merda gigantesca. — Falei rindo.
Ela sorriu.
Doutora Cássia foi uma recomendação da mãe do Caio, que ainda é amiga da minha mãe.
A doutora Cássia tem cabelos brancos encaracolados, parecia ter uns quarenta anos, magra
e se vestia muito bem mesmo sendo a segunda sessão, dava para ver que ela adorava usar
vestidos simples, mas elegantes, era a segunda vez que a via com uma camisa social por
baixo de um vestido de alças preto, mas as cores eram diferentes da primeira sessão.
— Todo mundo comete erros, aposto que não foi algo tão irremediável assim. — Ela disse
calmamente.
— Quer apostar? — Perguntei com deboche na voz.
Contei para ela tudo, desde o início, meus sentimentos, minha relação com o Bruno, as
coisas que fiz, ter escondido o que fiz, nossa briga e o fato dele estar próximo do Caio.
— Ok, pelo que entendi, você e Bruno sempre tiveram uma grande conexão, certo? — Ela
falava enquanto anotava num caderno.
— Sim, eu sempre senti isso, pelo menos. — Falei balançando a cabeça confirmando.
— Depois que a mãe do Bruno foi embora, você e ele se aproximaram ainda mais, certo?
— Sim, ele sofreu muito, ele até diz às pessoas que ela morreu. — Falei com a voz
embargada.
Ela parou de anotar e me olhou.
— Henrique, quando o seu colega de classe atacou Bruno e, algum tempo depois, a mãe
dele foi embora de casa, você assumiu uma responsabilidade, uma responsabilidade grande
demais para você, mas foi uma decisão inconsciente. — Doutora Cássia se ajeitou na
cadeira. — Você se tornou o protetor do Bruno.
Olhei para ela sem saber o que dizer.
— Veja. — Ela continuou. — Bruno esteve em situações de pura vulnerabilidade, você não
pensou duas vezes antes de estar com ele nessas situações, se colocar na frente dele,
salvar e proteger, isso é facilmente classificado como a síndrome do cavaleiro branco.
Engoli em seco.
— É muito grave? — Perguntei me sentindo meio idiota, não fazia ideia do que era aquilo.
Ela sorriu.
— Não, não é uma doença, é mais um traço de personalidade. — Ela ajeitou seus óculos de
aro redondo. — Quando alguém que você gosta está em perigo, você se põem na frente
dessa pessoa, sem considerar sua própria segurança ou as consequências dessa ação. —
Ela pegou o caderno e deu uma olhada. — Quando sua mãe foi ameaçada pelo seu pai,
você mesmo disse que “morreria espancado” só para protegê-la.
Eu sorri involuntariamente.
— Então… Eu gosto de proteger as pessoas que amo? É isso? — Perguntei tentando
compreender.
Ela confirmou com a cabeça.
— Veja, o Bruno é um rapaz que passou por coisas ruins, traumas que afetam, não só ele,
mas a você também, você tomou as dores dele e queria fazer de tudo para que ele não se
machucasse, pois assim você não se machucaria também, você assumiu uma
responsabilidade impossível de cuidar dele, mas ele se tornou alguém que é capaz de se
cuidar sozinho. — Ela me observou por um momento. — Quando ele te defendeu do
Antônio, você disse que nem conseguia acreditar naquilo, quando ele começou um
relacionamento com Alan, você se sentiu deixado de lado, imediatamente depois que Alan
se revelou como uma pessoa ruim, você ficou feliz e aliviado por isso, quando Bruno voltou
bêbado do encontro com Cláudio, você gritou com Cláudio para ele nunca mais se
aproximar dele e se tornou mais presente na casa do Bruno, todas às vezes que Caio tentou
dar uma investida no Bruno, você o afastou como pode, até mesmo a Brenda, que Bruno
constantemente defende, você a despreza pela forma como ela tratou ele ao longo dos
anos.
Engoli em seco.
— Nossa, eu sou um bosta… — Murmurei.
Ela balançou a cabeça negando.
— Você fez o que achou que era certo, cometeu erros, agora você tem que consertá-los. —
Ela deu de ombros. — Aposto que se você falar seus sentimentos para o Bruno, ele
perdoaria você.
Suspirei.
— Ele nem quer falar comigo. — Falei sentindo as lágrimas se formarem em meus olhos. —
Ele me odeia…
Ela me deu uma caixa de lenços.
— Ele não te odeia, ele se sente traído. — Ela disse calmamente. — Veja, ele confiou em
você, esteve lá nos piores e melhores momentos da vida dele, de repente ele descobre que
você estava fazendo essas coisas pelas costas dele. — Ela pegou o caderninho do seu colo
e o fechou. — Ele não tem bola de cristal para saber o que se passa na sua cabeça, se quer
resolver as coisas, tem que dizer a ele.
Ela se levantou e apontou para o relógio atrás de mim.
— Nossa sessão acabou, você voltará semana que vem? — Ela perguntou.
Confirmei com a cabeça.

— Você tem muitos amigos, você comentou isso antes. — Disse a doutora Cássia com sua
voz calma.
— Sim, mas não sinto que a maioria deles sejam meus amigos de verdade. — Falei
relaxando na cadeira.
Era nossa terceira sessão, sentia que estava me ajudando.
— Por quê?
— Eles gostam da minha presença, mas não gostam do Bruno… — Me interrompi.
— Continue.
Respirei fundo.
— Não gostam do Bruno comigo nas festas, ou na escola, eles dizem que ele não tem
graça, que é estranho, muito na dele.
— E o que você vê no Bruno? — Ela perguntou anotando no caderno.
— Bruno é muito engraçado, inteligente, sarcástico… — Comecei a rir. — Ele adora filmes e
livros de terror, tem um desenho francês que quando ele descobriu, me apresentou logo
depois, o jeito que ele fica animado e falando dos filmes que vemos juntos faz os filmes mais
interessantes.
— O que mais? — Ela perguntou sem tirar os olhos do caderno.
— Ele tem um brilho próprio, não se importa com o que os outros pensam, sempre admirei
isso nele, o vejo como alguém maduro… Não é de falar muito perto dos outros, é bastante
caseiro, às vezes parece um velho, acho que se pudesse, ele não sairia de casa nunca. —
Sorri. — Ele é tipo um gato, ele se solta comigo, mas perto dos outros ele apenas observa
de uma certa distância.
Ela parou por um momento de anotar, me olhou e tirou os óculos.
— Por que você o ama Bruno? — Ela perguntou limpando os óculos num paninho.
— Eu… Sempre o amei. — Falei pensativo. — Desde a primeira vez que o vi, queria estar
perto dele, levei anos para entender que… — Me interrompi de novo, sentindo vontade de
chorar.
— No seu tempo. — Ela disse, colocou os óculos no rosto e me ofereceu uma caixa de
lenço.
Respirei fundo e peguei um lenço.
— Entender que… Eu não gostava de garotas. — As lágrimas caiam. — Meu pai… Dizia
coisas horríveis e eu só… Queria agradá-lo. — Respirei fundo. — Quando ele disse que não
gostava do Bruno, eu escondi minha amizade com ele, só para não decepcioná-lo… Eu não
sentia nada pelas outras meninas da escola, aquelas coisas que os meus amigos diziam
sentir, eu sentia pelo Bruno, tinha medo desses sentimentos.
— Você sempre gostou dele. — Ela afirmou.
— Eu amo ele… Demais. — Abaixei a cabeça. — Merda, eu sinto falta dele.
Chorei por alguns minutos, respirei fundo e continuei.
— Quando conheci Nilo e ele me beijou, eu senti vontade de estar com ele. — Olhei para a
doutora Cássia, ela me observava com atenção. — Tinha vontade de estar com ele, coisa
que eu não sentia antes, mas mesmo descobrindo que eu sou gay, isso não parecia o
bastante, eu queria estar só com o Bruno, escondi o que sentia, quem eu era, morria de
medo de… — Parei de falar.
— Rejeição. — Ela disse.
— É… Meio que nunca passei pela situação de alguém não gostar de mim. — Eu ri. — Nem
o Caio ou a Brenda, que tratei sempre mal os dois, nunca… — Suspirei e me recostei na
cadeira. — Eu fui bem babaca com os dois.
— Pelo visto você tem que se resolver com eles também. — Ela disse com um sorriso
empático.
— Sim… — Murmurei.
Doutora Cássia ficou em silêncio por um momento, depois me olhou de uma forma que não
era capaz de definir.
— Seu amor pelo Bruno é algo muito profundo, enraizado. — Ela sorriu. — Você queria
proteger isso, mas não entendeu que Bruno também é uma pessoa com ideias próprias e
capaz de fazer suas escolhas sozinho. — Ela cruzou os braços. — Você mantém pessoas
por perto, mas não perto o suficiente, diferente do Bruno, a única pessoa que você se
esforçou para ter na sua vida, você quer ter pessoas por perto para se sentir acolhido, Bruno
nunca foi só isso para você, alguém para massagear seu ego, sempre foi bem mais e isso,
ele sempre bastou para você.
— Eu me rodeio de amigos de mentira, porque era mais fácil e confortável. — Completei. —
Mas com o Bruno… Ele me fez sentir especial e único, ele não se aproximava de ninguém,
apenas de mim.
— Exatamente. — Ela se inclinou na minha direção. — Diria que Júlio é um amigo de
verdade para você, mas pelo fato de ambos compartilharem a mesma situação, no caso
dele, ele não mostra quem realmente é para manter a paz em casa, você não se revela por
medo de mudar as coisas à sua volta e não ter controle sobre isso.
Meu queixo caiu.
— Veja bem, você conhece a vida que tem, amigos, família, escola, festas… Se você
dissesse quem realmente é, sua vida mudaria, as pessoas a sua volta mudariam seu
comportamento. — Ela me olhava com atenção. — Seus pais sabem que você é gay, você
só revelou isso porque sabia que seu pai não faria nada estando fora de casa, no fundo
você sempre soube que sua mãe te aceitaria, sua dinâmica familiar mudou de repente, você
viu uma oportunidade de revelar quem é, porque sabia que tudo ficaria bem, que estava
seguro.
Confirmei com a cabeça.
— Achei que tinha feito isso por impulso, só para irritá-lo… — Murmurei sem jeito.
— Não, você fez isso porque se sentiu seguro, você precisa se sentir seguro para dizer
como se sente, por isso nunca conseguiu se confessar para o Bruno, por medo das coisas
mudarem entre vocês dois. — Ela fechou o caderno e se levantou. — Nossa sessão
acabou, vai voltar semana que vem?
Sorri e confirmei com a cabeça.

— Como está a escola? — Doutora Cássia perguntou pela primeira vez.


Era nossa quarta sessão.
— Horrível. — Falei sorrindo dolorosamente. — Caio e Bruno estão bastante “amigos”.
— E Júlio? — Ela perguntou abrindo o caderninho no seu colo.
— Estamos bem próximos, eu evito falar do Bruno perto dele, fico com medo de incomodá-
lo com o mesmo assunto toda hora. — Falei dando de ombros.
— Ou você se incomoda em falar do Bruno? — Ela perguntou, mas afirmando.
Olhei para ela surpreso.
— Bom… Eu meio que guardo para falar do Bruno aqui… Quero me tornar uma pessoa
melhor, merecer estar com ele. — Falei me sentindo envergonhado.
— Henrique. — Ela disse de repente. — Você não é desmerecedor do Bruno, você apenas
fez escolhas por impulso, agora que você entende isso, você será capaz de lidar com seus
sentimentos e fazer escolhas entendendo as consequências de seus atos.
— Eu quero ele de volta. — Falei de repente. — Mesmo que seja só a amizade dele, eu
quero ele de volta.
— Então, vá atrás dele. — Ela disse parando de anotar. — Bruno talvez esteja esperando
pelo motivo que ele pediu quando vocês brigaram, mas não se sabe se irá esperar para
sempre.
Respirei fundo.
— Não é tarde demais? — Perguntei sem jeito.
Ela me olhou por um momento e sorriu.
— Só será tarde demais se você permitir que seja. — Falou simplesmente. — Recomendo
que você converse com o Caio e a Brenda antes de falar com o Bruno, até mesmo com seu
pai.
— Por quê? — Perguntei sem entender.
— Bom. — Ela olhou seu caderno. — Você disse que foi “bem babaca” com Caio e Brenda.
— Ela levantou os olhos para mim. — Acho que se fizer as pazes com eles, e se conversar
com seu pai sobre como se sente, terá a coragem necessária de, não só fazer as pazes
com o Bruno, mas falar sobre seus sentimentos.
Pensei por um momento.
— Acho que… Faz sentido. — Balancei a cabeça confirmando. — Ok, acho que consigo
fazer isso.
Ela sorriu.
— Você vai no acampamento da escola? Aquele que você comentou? — Ela perguntou
fechando o caderno.
— Sim, acho que será o melhor lugar para falar dos meus sentimentos. — Falei sorrindo
genuinamente.
— Por quê?
— O nome do sítio. — Falei rindo. — É “amor eterno”.
Ela riu.
— Evite criar muitas esperanças, vá visando fazer as pazes. — Ela me olhou com
seriedade. — Existe a possibilidade de você se machucar, mas entenda que é algo natural
da vida, você não pode fugir disso, você precisa passar por isso.
Suspirei profundamente.
— Já estou machucado. — Falei ajeitando as costas na cadeira. — Nada pode ser pior que
a dor que estou sentindo. — Sorri de forma dolorosa.

— Oi… — Ouvi a voz do Caio atrás de mim.


Me virei surpreso.
— Oi. — Ele parecia querer falar algo importante.
Estava no corredor, tinha acabado de sair do banheiro, ele parecia ter me esperado para
falar comigo.
— O… O gato do Bruno foi castrado ontem. — Ele falou dando de ombros. — Achei que
deveria saber.
Eu tinha visto o story dele com a foto do Déjà-vu vestido com uma meia velha, com a
legenda “neném castrado”.
— Obrigado… Por avisar. — Falei sem entender. — Como estão as coisas? Entre vocês?
Ele me olhou de um jeito triste, deu de ombros.
— Só estamos… Curtindo, eu sei que ele não sente o mesmo por mim. — Caio falou
passando a mão no cabelo. — Ele… Não fala, mas sente sua falta.
Engoli em seco, me sentindo esperançoso.
— Quando o gato dele foi castrado, eu estava com ele no veterinário, eu o vi pegar o celular
e clicar no seu contato… — Ele me olhou com um sorriso de canto. — Mas ele apenas
parou, guardou o celular e fingiu que não era nada demais.
— Por que tá me contando isso? — Perguntei, sem entender.
Ele comprimiu os lábios.
— Porque eu gosto do Bruno, não gosto de vê-lo triste e fingir que tá tudo bem. — Ele deu
de ombros. — Já falei, nunca tive nada contra você, só quero… Que as coisas fiquem bem
de novo.
Suspirei profundamente e cocei a nuca desconfortável.
— Caio… — Eu não era capaz de olhar para ele. — Queria te falar uma coisa.
— O quê?
— Me desculpa. — Falei respirando com dificuldade. — Pelas ameaças, por mentir sobre o
Bruno no fundamental… A verdade… — Senti minha boca secar. — A verdade é que eu…
Sempre fui apaixonado pelo Bruno.
Um silêncio dominou o ambiente, não conseguia olhar para ele, sentia meu corpo tremer.
— Eu sei. — Ele disse simplesmente.
Levantei o olhar para ele.
— Sempre foi meio óbvio, na verdade. — Caio deu de ombros rindo. — Pelo visto, estamos
no mesmo barco.
Pisquei algumas vezes, senti um calor subir para o meu rosto.
— Ah… Você tá… De boa com isso? — Perguntei.
Ele riu.
— Bom, não faz diferença, no final quem escolhe é o Bruno. — Ele se afastou, voltando
para a sala. — Não vou ficar no seu caminho. — Ele parou e olhou por cima do ombro. —
Não sou igual a você.
Desnecessário… Pensei, revirando os olhos e rindo.
— É por esse tipo de coisa que não somos amigos. — Falei acompanhando ele até a sala.
— Que pena, adoraria sua amizade. — Caio me deu um soquinho no ombro.
Como sempre, eu criei um problema que não existe, pensei, devolvendo o soquinho no
ombro dele.

Meus pais fizeram um acordo, meu pai me visita em alguns fins de semana e às vezes
durante a semana, claro ele tem que ligar para avisar, mas ele vem sempre que pode. As
coisas melhoram com relação ao meu pai, ele até está fazendo terapia, algo que ele foi
contra por anos.
Era quinta, um dia antes da viagem.
— Parece que tinha uma raiva dentro de mim que não sabia lidar. — Ele falou. — Mas vou
aprender a lidar com ela, ser um pai melhor para você.
— Você tem problemas com raiva, eu tenho com dependência emocional. — Falei dando de
ombros. — Somos dois fudidos.
Ele riu.
Minha mãe sempre deixa a gente conversando na sala, ela fica no quarto nos dando
privacidade, ela está muito feliz por estarmos melhorando nossa relação.
— Eu… Realmente sinto muito. — Ele desviou o olhar. — Pelas… Coisas que eu disse…
Você ser gay não é um problema… Nem errado ou… Enfim, eu te amo, como você é.
— Também te amo pai. — Respondi dando um gole no suco que estava na mesa de centro.
Ele ficou em silêncio por um momento, parecia tentar formular uma pergunta.
— Então… Tem algum… Namorado? — Ele perguntou incerto.
— Eu tô apaixonado. — Falei sem jeito, colocando o copo de volta na mesa.
— Ah, que ótimo! — Ele disse balançando a cabeça positivamente. — Quem é?
— Bruno. — Falei me sentindo nervoso. — Na verdade, somos amigos há anos, eu…
Sempre me senti assim sobre ele.
Ele ficou em silêncio por um momento.
— Sim, me lembro… Dele. — Ele murmurou, depois olhou para mim. — Ele… Parece ser
um bom garoto. — Ele comprimiu os lábios. — Me desculpe também… Pelas coisas que
falei dele.
Eu sorri, me sentia aliviado.
— Obrigado.

Naquele mesmo dia, decidi preparar o terreno para conversar com o Bruno, então depois de
dez minutos treinando na frente do espelho do banheiro, fui ao quarto, peguei meu telefone
e liguei para o Bruno.
— Alô?
Ouvir a voz de Bruno, depois de um mês sem ouvi-lo, me fez perder o ar por um momento…
Perguntei como ele estava, mas não parecia estar com muita paciência, então fui direto ao
assunto, vamo lá, pensei, como treinei…
— Eu… Soube que Déjà-vu foi castrado, como ele tá?
Pensei que daria uma boa conversa, para amenizar o clima, até ouvi o miado do Déjà-vu no
fundo da ligação, também ouvi barulho de passos, ele tá dando voltas pelo quarto, pensei,
ele sempre fazia isso quando estava tenso ou ansioso.
Não demorou para que ele me desse uma patada.
— Pois é, às vezes as pessoas nos garantem as coisas, e quando vimos, era tudo mentira.
Ai, essa doeu, pensei, depois de um momento, apenas suspirei. Tentei continuar a
conversa, falar sobre nós, mas ele logo quis desligar
— Espera! Eu preciso dizer uma coisa! — Gritei desesperado.
— Pode falar. — A frieza do Bruno era dolorosa.
Ficamos em silêncio por um momento, respirei fundo.
— Vou explicar, contar a verdade, o motivo que você disse querer ouvir, o verdadeiro
motivo. — Minha voz tremia.
Falei que contaria pessoalmente, quando ele sugeriu me ver naquela hora quase aceitei…
Mas ouvi as vozes dos meus pais na sala, preciso de privacidade para falar sobre isso,
pensei, irritado por recusar a ida dele à minha casa.
Quando ele estava prestes a desligar, chamei seu nome.
— O quê é? — Bruno perguntou impaciente.
Respirei fundo, ele não tem bola de cristal para saber o que se passa na sua cabeça, se
quer resolver as coisas, tem que dizer a ele, ouvi a voz da doutora Cássia na minha cabeça.
— Eu… Sinto sua falta… — Falei, minha voz quase não saia.
Ouvi um barulho de algo batendo, olhei pro telefone e ainda estava em ligação, o nome dele
ainda estava salvo como “benzinho”.
— Alô? Alô? — Chamei.
— Foi mal… Meu telefone escorregou… — Bruno disse com a voz tremida. — Pode repetir
o que você falou? Eu não ouvi…
— Eu… Eu falei que sinto sua falta. — Repeti mais alto.
— Até amanhã. — Ele disse rapidamente e desligou.
Olhei para o telefone, a ligação tinha durado uns dez minutos, queria conversar mais,
pensei, triste. Deitei na cama, olhando para o teto, refletindo sobre o que faria em seguida.
Vou falar com a Brenda amanhã, suspirei, já imaginando como seria difícil, mas o pior já foi,
eu acho…
Não seria fácil, mas era necessário, como o Bruno disse, você quer uma segunda chance?
Precisa merecer ela.

No dia da viagem, vi Caio e Bruno saindo do carro do seu Rômulo, suspirei incomodado,
mas tentei relaxar.
Quando vi Caio colocando o braço por cima dos ombros do Bruno, senti aquele sentimento
mesquinho de ciúme me dominar por um momento, mas me esforcei para afastar aquela
sensação. Bruno parecia envergonhado enquanto Caio sorria para ele e fingia mancar para
se apoiar, Bruno ria, ele observou em volta e nossos olhares se encontraram, ele desviou o
olhar e percebi que Caio me encarava também.
Logo apareceu um colega do time de Caio, não lembro o nome dele, ele falou alguma coisa
que irritou o Caio, porque ele deu um chute na perna dele. Meus amigos observavam a cena
com gosto, Júlio do meu lado ria e filmava com o celular.
— William mereceu… — Murmurou Júlio do meu lado e logo olhou para mim. — Sabia que
ele é um hétero flexível?
— Mentira, sério? — Perguntei sem acreditar.
— Pois é, ficou comigo e com o Caio no sigilo. — Ele riu. — Depois meteu que tava bêbado
e não lembrava de nada.
Vi Caio fingir surpresa olhando para as próprias pernas e Bruno juntando as mão como se
fizesse uma oração, William se afastou gritando com o Caio e o Bruno, não olhou para onde
ia e bateu a cara na lateral do ônibus.
— Porra! — Ele gritou levando as mãos ao rosto.
— Você filmou isso? — Perguntei olhando para Júlio.
— Cada segundo! — Ele respondeu animado.
Eu comecei a rir, era estranho, sentia que não ria assim há muito tempo, olhei novamente
para o Bruno, vi que sorria e senti fogos dentro de mim ameaçando explodir. Bruno ficou um
pouco vermelho e desviou o olhar, recolhi os lábios e olhei para os meus pés.
— Vai conversar com ele? — Perguntou Júlio do meu lado.
— Sim… Vou… Vou contar pra ele. — Olhei para Brenda que ria com suas amigas. — Mas
tenho que resolver uma coisa antes.

Como todo ano, Carlota fez um discurso sobre a lenda do sítio “amor eterno”, ninguém deu
a mínima, mas admito que levei para o coração suas palavras, queria que fosse fácil assim,
pensei.
Estava no fundo do ônibus com meus amigos, pensando em como contaria para a Brenda,
imaginando como ela reagiria, ela provavelmente vai ficar muito puta, pensei, ela foi
apaixonada por mim por anos… Até fiquei com ela! Senti um calafrio só de lembrar.
Faltando uma hora para chegar, me levantei e fui até ela, chamei Brenda para conversar,
evitei olhar para o Bruno que sentava do lado dela no corredor, me sentia exposto.
Pedi pro meus amigos sentarem um pouco afastados, alguns deram umas risadinhas, Júlio
me olhou com preocupação.
— Então… O que quer conversar? — Ela perguntou.
Respirei fundo.
— Brenda… Eu quero pedir desculpas pela forma que te tratei. — Ela me olhava com
interesse. — Você merecia mais…
— Se você vai pedir pra ficar comigo, sem chance. — Ela disse levantando a mão para
minha cara. — Não tô mais interessada.
Dei de ombros, quase rindo da situação.
— Por mim, beleza, eu sou gay. — Falei simplesmente.
Ela arregalou os olhos, abaixou a mão, seu queixo caiu, ela ficou em silêncio por alguns
segundos processando o que eu disse.
— O QUÊ! VOCÊ…! — Imediatamente tampei a boca dela.
Todos no ônibus me olhavam, até o Bruno, quando o vi ele desviou o olhar, respirei fundo e
tirei a mão da boca dela.
— Calma, porra. — Sussurrei com exasperação. — Não precisa reagir assim…
Brenda ainda estava de olhos arregalados.
— Você… Mas… Como? — Ela gaguejava.
— Então, eu nasci assim. — Falei levantando as mãos e gesticulando com intensidade. —
Olha, muita coisa aconteceu, eu me descobri assim, logo depois entendi que estava
apaixonado pelo Bruno…
O queixo dela caiu de novo, depois ela fechou a boca e revirou os olhos.
— Caralho, era óbvio! — Ela levou as mãos ao rosto. — Como eu nunca notei isso antes…
— Demorou para ficar óbvio para mim.
Ela ficou em silêncio por um momento, ainda com o rosto nas mãos, ela levantou o rosto e
se virou para mim de novo.
— Vai pedir minha ajuda ou algo assim? — Ela perguntou levantando uma sobrancelha.
Neguei com a cabeça.
— Realmente, eu só quero pedir desculpas, por ter sido escroto, magoado seus
sentimentos, de verdade… Sinto muito.
Ela recolheu os lábios.
— Você deve tá sofrendo muito… — Brenda pôs uma mecha de cabelo atrás da orelha. —
Se tiver algo que eu possa fazer…
— Se tiver uma forma de fazer o Bruno voltar a falar comigo, já vai ser o suficiente. — Falei
sorrindo. — Isso vai facilitar quando eu contar para ele.
— Quando você vai contar? — Ela perguntou curiosa.
— Amanhã, quando o pessoal estiver em volta da fogueira. — Falei balançando a cabeça
afirmando. — Vou chamar ele para conversar no lago, vamos estar sozinhos e… Eu vou
contar.
Ela se ajeitou no banco do ônibus me encarando.
— Todas aquelas coisas… Que você fez pelas costas do Bruno… — Ela murmurou.
Fechei os olhos com força.
— É… Eu fiz merda baseado na dependência emocional e na minha síndrome de cavaleiro
branco. — Falei balançando a cabeça, percebi que Brenda não entendeu uma palavra do
que eu disse. — Tô fazendo terapia.
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Uau, você tá realmente se esforçando. — Ela disse sorrindo.
Balancei a cabeça afirmando.
— Quero dar meu melhor. — Falei, me sentindo mais leve.

Capítulo 18: Sempre tentarei meu melhor… (Parte 2)

Já tinha terminado de armar a barraca e até tomado banho para o jantar, tinha uma boa
visão do sol se pondo, olhei em volta e vi Bruno e Caio armando a barraca juntos, Bruno
claramente não sabia o que estava fazendo, mesmo com toda a paciência do Caio, Bruno
só reclamava dizendo que queria ir embora para casa. Decidi dar uma volta, fui até o píer no
lago, me sentei e observei a paisagem, não posso negar, é bem bonito aqui, pensei.
Senti alguém atrás de mim, quando me virei vi Yago se aproximando, ele se sentou do lado
e bufou.
— Tô puto. — Ele abriu o casaco, tirou um cantil de bolso e deu um gole. — O professor
Gomez descobriu onde escondíamos a maioria da bebida pra fogueira amanhã e levou para
a casa grande.
Não é à toa que seu apelido é Yago 51… Pensei, rindo.
— Você não é capaz de ficar sóbrio por um dia? — Perguntou Júlio se aproximando de nós.
— Não enche, seu crente chato. — Disse Yago revirando os olhos. — Agora vamos ter que
racionar a bebida que sobrou.
— Ou você pode só não beber. — Falei dando de ombros.
Percebi um movimento do outro lado do lago.
— Pelo visto tem outra escola participando do acampamento. — Falou Yago do meu lado.
— O professor Gomez falou algo sobre isso no ônibus? — Perguntei.
— Pior que ele nem sabia. — Disse Júlio ainda atrás de nós.
Júlio sentou entre mim e Yago, Yago se assustou e afastou um pouco.
— Caralho, véi! — Ele gritou. — Dá pra respeitar meu espaço?
Júlio olhou para ele, deu uma risada suave e apenas deitou de lado no colo dele.
— Não. — Júlio disse olhando para Yago. — E aí o que vai fazer?
Yago não disse nada, apenas desviou o olhar e deu mais um gole.
— Só bêbado pra te suportar… — Ele murmurou.
Observei eles por um momento e sorri.
— Vocês dariam um ótimo casal. — Falei rindo.
Yago me olhou bravo com o queixo caído, Júlio apenas riu.
— Com esse crente insuportável? Nem pensar! — Yago gritou rindo.
— Concordo. — Disse Júlio simplesmente. — Para de me chamar de crente, seu bêbado
ridículo, eu não acredito em Deus.
Yago riu, Júlio parecia relaxar no colo dele, Yago olhava disfarçadamente para o Júlio com
um sorriso de canto. Interessante, pensei, observando a cena. Ficaram assim por um tempo,
até que Júlio se levantou procurando algo nos bolsos.
— Merda, deixei meu celular no vestiário. — Ele se virou para mim. — Vem comigo?
— Ok. — Falei me levantando.
Nos afastamos, olhei por cima do ombro e vi Yago nos observar parecendo triste.
— O que tá rolando entre vocês? — Perguntei.
Júlio me olhou e deu de ombros.
— Nada. — Ele falou simplesmente. — Acho que ele sabe que sou gay… Mas não tenho
certeza. — Ele observou as outras barracas, quando nos afastamos, continuou. — Eu gosto
dele, mas não vou sair do armário, não até poder sair da casa dos meus e ter minha vida em
paz. — Ele me olhou com sua calma inabalável. — Não acho que valeria a pena ficar com
ele…
Refleti um pouco.
— Por que não? — Perguntei. — Tá na cara que ele gosta de você também!
Ele riu.
— Eu e Yago não temos nada a ver, a gente só briga, ele é um bêbado, grosso e sem
noção. — Júlio deu ombros. — Começar algo que só magoaria nós dois… As coisas estão
bem como estão, não quero mudar isso.
Suas palavras me atingiram, começar algo que magoaria nós dois… Senti ela ecoando em
mim.
— Será que seria o mesmo comigo e com o Bruno? — Murmurei pensativo.
Ele negou veemente com a cabeça.
— É diferente, vocês brigaram e agora estão afastados, mas sentem falta um do outro. —
Estávamos nos aproximando dos vestiários. — Se Yago e eu pararmos de nos falar por um
mês seria um presente.
Eu ri.
— Por que será que ninguém avisou que outra escola estaria aqui? — Perguntou o Júlio
mudando de assunto de repente.
— Pois é — Falei enquanto entrava no vestiário. — Estou surpreso, nem os professores
sabiam, outra escola participando do acampamento, não faz muito sentido.
— Bom, estão do outro lado do lago, mas vamos vê-los na casa grande.
O vestiário estava vazio, tinha algumas mochilas e umas roupas penduradas no final, na
frente de uma das cabines, mas não dei muita atenção.
— E as coisas com o Bruno? — Júlio perguntou de repente.
— Ainda nada, faz semanas que ele nem chega perto de mim, desde que ele descobriu as
coisas que fiz pelas costas dele ele me ignora completamente.
— Mas você falou que ia contar para ele dos seus sentimentos. — A voz de Júlio quase foi
abafada por um motor de um carro que passava.
— Não, mas vou contar pra ele, já contei para a Brenda e o Caio, vou contar quando
estivermos sozinhos. — Disse determinado.
— Eu sei que não é da minha conta, mas você já devia ter contado pra ele desde o ano
passado. — Júlio disse com ar de “eu te avisei”.
— Eu ia, mas fiquei adiando, queria já ter contado a ele, mas eu tava com medo das coisas
mudarem entre nós. — Falei com a voz hesitante.
— Eu entendo, de verdade, mas você conseguiu contar pra Brenda e pro Caio, então falar
pro Bruno não será difícil. — Ele falou calmamente.
— Mas… E se ele não quiser estar comigo nem como amigo? — Perguntei com a voz
embargada.
— Então isso é problema dele. — Júlio falou de forma séria. — Ele já não tá falando com
você, o que você realmente tem a perder?
Ficou um silêncio muito desconfortável no banheiro.
— É verdade, acho que não tenho escolha. — Falei simplesmente, olhei as horas no
telefone. — Vamos, temos que jantar.
O resto da noite foi uma droga, percebi que Bruno evitava me olhar com mais força que
antes.
Como faço para voltar a falar com ele? Me perguntei, frustrado.

No almoço do dia seguinte, estava sentado com meus amigos, quando senti alguém cutucar
meu ombro, me virei e era a Brenda.
— Ah, oi… O que foi? — Perguntei, o olhar dela era de preocupação.
Ela se inclinou e sussurrou no meu ouvido.
— Bruno disse que vai voltar a falar contigo se tu deixar eu te dar um soco. — Olhei para ela
surpreso. — Ele falou que se você aceitar, sem reclamar, vai entender que tudo não passou
de um mal-entendido, assim vocês podem se reaproximar.
Eu olhei para o Bruno, ele me observava com atenção e cenho franzido, eu sabia que ele
não estava falando sério, mas estava determinado a voltar a falar com ele de qualquer jeito.
Olhei para Brenda, me levantei e concordei com a cabeça.
— O que tá rolando? — Perguntou Yago do meu lado.
— Eles vão se beijar? — Sussurrou um cara do grupo pros outros caras que riam.
Brenda fechou a mão, eu fechei os olhos, ouvi mais risadinhas e cochichos. Senti o punho
dela contra o meu olho, sua mão era pequena, mas seu soco foi bem forte, ouvi o refeitório
todo arfar de surpresa e ficar em silêncio. Caí sentado na cadeira, levando a mão ao rosto.
— Que porra foi essa?! — Perguntou Yago me olhando.
Júlio observava tudo com olhos arregalados.
— Puta merda… — Ele murmurou.
Vi Brenda sacudir a mão de dor.
— Tudo bem? — Perguntei a ela, deixando meus amigos mais surpresos ainda.
— Eu que devia perguntar isso. — Ela respondeu rindo e voltando para sua mesa.
Peguei minha bandeja e me levantei.
— Uma explicação seria legal… — Falou Yago me encarando.
O ignorei e fui até a mesa onde Bruno estava sentado, não conseguia disfarçar a felicidade
que eu estava por poder sentar perto dele novamente. Finalmente, depois de um mês
inteiro… Pensei, aliviado.
Bruno me olhava em choque tampando a boca com a mão, quando sentei na frente dele,
nem sentia a dor do soco que Brenda me deu, é um preço pequeno a pagar, pensei feliz.
Ele disse que voltaria a falar comigo, mas ainda queria saber a verdade, o motivo. Engoli em
seco, por um momento pensei que devia apenas dizer, ali e agora, mas tinha muita gente à
nossa volta, então apenas fechei a boca e me limitei a comer, Caio se sentou do meu lado.
— Cê tá bem? — Perguntou Caio do meu lado.
Me virei para ele sorrindo.
— Melhor impossível.
Bruno apenas arregalou os olhos para mim, como se eu fosse maluco.

Reencontrar o Thiago no acampamento não foi a pior parte, mas saber que Bruno já tinha
se encontrado com ele antes e não ter dito nada sobre isso, esse cara tornou sua vida um
inferno e você nem para comentar sobre isso? Me perguntei, frustrado, então percebi que
isso era só minha vontade de ser superprotetor com o Bruno e precisava deixar ele enfrentar
suas próprias batalhas, na verdade ele estava indo muito bem com seus comentários
ácidos…
— Nossa! Me sinto mal valorizado… — Disse Thiago num certo momento.
— Não é como se você tivesse algum valor mesmo. — Respondeu Bruno, quase me
fazendo bater palmas pelo comentário.
Tinha trocado de roupa, colocado minha sunga e uma bermuda por cima, voltei para perto
do píer e esperei o Bruno, quando ele voltou, meu coração parou por um momento. Ele
usava uma sunga vermelha, um pouco comprida, quase um short, mas mostrava muito bem
suas coxas. Suas pernas, seus braços, seus ombros, seu peitoral e sua barriga estavam
bem mais definidos, ele não tinha mais aquele ar infantil do começo do ano, ninguém mais
seria capaz de dizer que parecia uma menina, nossa, nem sabia que sentia tanta falta de
vê-lo assim, pensei, sentindo um calor subir pelo meu corpo.
Sua pele branca estava mais rosada, suas pintas marrons pelo corpo eram constelações
bem espalhadas, ele tinha molhado o cabelo e penteado para trás, O rosto dele estava um
pouco vermelho, quando me olhou seu rosto ficou ainda mais vermelho, me fazendo sentir
fogos explodindo dentro do meu peito.
Thiago chegou, sendo inconveniente como sempre, Brenda apareceu depois e arrastou
Bruno pelo braço até o píer.
A maioria do pessoal nadava, as meninas tomavam sol, as duas escolas pareciam estar se
dando muito bem, brincando na água, nadando e jogando água uns nos outros, a porra de
uma propaganda da havaianas, pensei dentro dá água.
Bruno até nadou, mas logo ficou sentado no píer mexendo no celular, eu constantemente
olhava para ele, reparando no sorriso que ele dava ao celular, no jeito que ajeitava o cabelo,
como ele olhava para o lago e para a paisagem, as poucas vezes que retribuiu o meu olhar,
ele desviava e ficava vermelho, o que me fazia sorrir involuntariamente.
— Você não sabe disfarçar. — Disse Júlio do meu lado.
Dei de ombros, Júlio soltou o cabelo e começou a ajeitar num coque baixo.
— Acho que não me importo mais em esconder. — Percebi que Yago nos encarava. —
Você não devia também.
Ele olhou para onde eu olhava e rapidamente desviou o olhar.
— Nada a ver… Só porque Yago é pansexual, não quer dizer que quer ficar comigo. — Ele
disse com o rosto levemente corado.
— Ele não te beijou uma vez? — Perguntei.
— Ele estava bêbado, nem lembra disso. — Júlio revirou os olhos e jogou água em mim. —
Agora cala a boca e tenta não secar o Bruno tanto assim.
Joguei água de volta, começamos a jogar água um no outro, coloquei meu braço em volta
do pescoço dele e dei um cascudo nele.
— Se rende! — Gritei.
— Não! — Ele me empurrou e jogou mais água.
Yago veio em nossa direção, parecia puto.
— Aí, dá pra vocês pararem? — Ele perguntou irritado.
— Por quê? — Perguntou Júlio, sem olhar para ele diretamente. — A gente só tá zoando.
— Foda-se. — Yago murmurou se afastando.
Júlio o observou se afastar, parecendo não saber o que fazer.
— Vai atrás dele. — Falei.
Ele me olhou com o rosto vermelho, suspirou e seguiu Yago. Depois que se afastaram, olhei
para o Bruno e vi Thiago do lado dele, Bruno estava claramente incomodado, devo intervir?
Me perguntei, com medo de fazer algo que ele não gostasse, mas logo vi a cara de nojo que
Bruno fazia para o Thiago e decidi ir até lá.
Saí na água, fui para onde estavam e ouvi o Bruno mandar ele ir embora, quando vi Thiago
não fazer menção de se afastar, empurrei ele para a água, Bruno me olhou e sorriu
imediatamente, dei de ombros e sentei do lado dele. Senti que o mundo à nossa volta não
existia, apenas nós dois.

A fogueira estava acesa, pessoal estava reunido, bebendo do que sobrou da bebida
confiscada pelo professor Gomez, olhei em volta procurando pelo Bruno, o vi ir em direção
ao lago pela pequena trilha, quando estava prestes a ir atrás dele, senti uma mão no meu
braço, me virei e vi Yago me segurando, ele tinha uma garrafa de corote na mão.
— O que tá rolando entre você e o Júlio? — Ele perguntou com a voz enrolada.
— Nada. — Falei tentando soltar sua mão, mas ele segurava com força.
— O quê? Agora que Bruno não quer saber de você, cê vai correr pros braços dele? — Ele
perguntou com raiva.
Arregalei os olhos, sem acreditar, comecei a rir.
— Qual é a porra da graça?! — Ele perguntou me sacudindo.
— Yago, pelo amor de Deus! — Falei soltando seu braço. — Júlio e eu somos amigos!
— Vocês parecem próximos demais pra serem só amigos! — Ele apontou para mim com a
mão que segurava o corote. — Eu sei que você curte caras!
Tá tão na cara assim? Me perguntei, me sentindo idiota por ter me dado ao trabalho de
esconder por tanto tempo.
— Você não vai usar o Júlio como tapa buraco. — Yago me olhava com seriedade. — Ele
merece alguém melhor, alguém…
— Júlio tá a fim de você. — Falei dando de ombros.
Provavelmente o Júlio vai ficar puto comigo, mas ele vai me perdoar um dia, pensei.
— Sério? — Yago perguntou.
— Desde o dia que você o beijou bêbado. — Falei vendo Júlio se aproximar. — Ele ficou
muito triste quando você não se lembrou do beijo.
Júlio estava atrás do Yago, com os olhos arregalados para mim, antes que tivesse a chance
de falar qualquer coisa, Yago suspirou.
— Eu fingi que tava bêbado pra beijar ele. — Yago falou, fazendo o queixo do Júlio cair. —
Eu não tinha certeza se ele curtia caras ou não, tinha sinais, então me fiz de bêbado pra
poder beijar ele e descobrir.
— Uau. — Falou Júlio cruzando os braços atrás dele, Yago se virou surpreso. — Por essa
eu não esperava.
Eu recolhi os lábios com vontade de rir, percebi que Júlio me olhava como se dissesse “cai
fora”.
— Sabe eu tenho uma coisinha pra fazer… — Falei me afastando e deixando os dois se
resolverem.

Bruno estava sentado no píer, de costas para mim, ele estava de fones de ouvido, percebi
que todo o cenário era perfeito para dizer o que tinha para dizer, por favor que ele volte a
ser meu amigo, mas admito que no fundo quero que ele retribua meus sentimentos, pedi,
com certo desespero.
Eu me aproximei, quando estava bem perto, ele se virou para mim e fez uma cara de culpa
olhando para o meu olho, me sentei ao seu lado e peguei seu fone, ele escutava U2, uma
banda que não gosto, mas… Tinha uma música que ouvi em looping ao longo desse mês.
Coloquei “I still haven't found what I'm looking for”, deixei tocar, sentindo meu coração bater
enlouquecidamente dentro de mim, merda eu tô apavorado, pensei, nervoso. A paisagem do
lago, a lua refletindo na água, os grilos e cigarras cantando, por alguma razão aquilo não me
relaxava nem um pouco.
— Bom, acho que tenho que te contar o que vim contar, afinal se eu não contar… — A
minha voz tremia muito.
Respirei fundo, mas antes que conseguisse falar, Bruno me interrompeu.
— Não.
— Não? Como assim “não”? — Perguntei me virando para ele confuso.
— Você não precisa falar nada, nada precisa mudar, eu senti sua falta, eu fui impulsivo, não
deveria ter ficado bravo por você esconder coisas de mim, não é como se eu te contasse
tudo.
Ele refletiu por um momento.
— Você está me escondendo algo? — Perguntei hesitante.
— Sim.
Eu o olhei curioso, pedi que me contasse, mas ele se recusou, até disse que deixaria de
ficar com o Caio, eu estava sem acreditar, era isso o que eu queria… Antes teria aceitado
na hora, pensei, mas… As coisas mudaram.
— Vamos, o pessoal tá na fogueira… — Disse Bruno se levantando.
Eu o puxei, o impedindo de levantar, ele me olhou surpreso, ele tentou se soltar mas não
deixei.
— Só porque você resolveu mudar de ideia agora, depois de eu ter levado um soco para
finalmente convencer você a me ouvir, isso não significa que você não vai me escutar.
A música ainda tocava nos fones de ouvido, eu estava bem perto do rosto dele. Eu o olhei
por um tempo, respirei fundo e disse, finalmente disse o motivo de ter feito as coisas que fiz:
ciúmes.
Ele me olhou sem acreditar.
— Bruno, eu te amo. — continuei, sentindo minha voz falhar.
Me esforcei para continuar, dizer tudo, meus medos, meus receios, inseguranças, meus
sentimentos e, finalmente, meu medo de perdê-lo ter superado todas essas coisas que me
impediram de falar como me sentia antes, tinha muito mais coisa, mas não consegui
terminar tudo o que planejei dizer, Bruno me interrompeu.
Suas mãos foram até meu rosto e me puxou, os fogos de artifícios dentro de mim
explodiram, preenchendo o espaço à nossa volta. Eu estava tão feliz, sempre desejei esse
momento, esperei por tanto tempo, nem acreditava que poderia acontecer. Seu lábios contra
os meus, sua língua deslizou pela minha boca dando voltas na minha língua, me fazendo
sentir um choque pelo corpo, sua respiração intensa no meu rosto, era tudo tão maravilhoso.
Envolvi meus braços a sua volta, o segurando com firmeza contra o meu corpo, o mundo
não existia mais, sós nós e os fogos de artifício à nossa volta.
Aos poucos me inclinei até deitar em cima dele no píer, minha mãos passeavam pelo seu
corpo, senti seu coração bater contra o meu, estava com dificuldade para respirar, a música
do U2 ainda tocava no fone em looping, se tornou minha música favorita de todos os
tempos.
Afastei meu rosto, vendo ele arfar, ele estava vermelho até as orelhas, senti sua mão fazer
carinho na minha nuca, ele recolheu os lábios e suspirou.
— Eu… Também te amo. — Bruno falou com a voz tremida.
Eu sorri.
— Nem tinha notado. — Falei com ar debochado.
Bruno riu, levando as mãos ao rosto.
— Cala a boca. — Ele falou por trás das mãos. — Eu… Não acredito… — Ele tirou as mãos
do rosto me olhando. — Eu pensei que… Você fosse…
Eu beijei sua boca de novo, depois suas bochechas, sua testa, seu nariz e novamente sua
boca.
— É, definitivamente gay. — Falei rindo.
Bruno riu, me abraçando.
— Merda, senti sua falta. — Ele disse no meu ouvido.
— Eu também… — Falei suspirando.
Ficamos assim por alguns minutos, até Bruno reclamar que eu era muito pesado e que suas
costas estavam doendo, bufei e me levantei, Bruno se ajeitou no meu ombro, o envolvi com
meus braços, o puxando para mais perto e senti sua respiração no meu peito. Levei minha
mão até seu rosto, fazendo carinho, observando seus olhos fecharem levemente, eu sorri,
me sinto privilegiado, pensei.
— Bruno? — O chamei com a voz baixa.
— Quê? — Ele não abriu os olhos.
— Te amo. — Falei o abraçando mais. — Vai ter que me aturar dizendo isso o tempo todo.
Eu o vi sorrir.
— Também te amo.
Ele envolveu seus braços em mim num abraço frouxo, fazendo carinho nas minhas costas.
Quero ficar assim pra sempre, desejei.

— E agora? — Perguntou Bruno quando estávamos bem perto da fogueira.


Parei e olhei para ele, estávamos de mãos dadas, eu o puxei para perto e dei um selinho
nele.
— Agora a gente divide a barraca. — Falei sorrindo.
Ele ficou vermelho e desviou o olhar.
— Não… Digo… Sobre o pessoal. — Ele olhou para sua mão que segurava a minha. —
Vamos aparecer assim? Você… Se sente seguro pra contar pra todo mundo?
Eu nem tinha pensado nisso… Comecei a rir.
— Te falar, nem passou pela minha cabeça. — Dei de ombros. — Acho que antes de tudo,
você tem que pegar suas coisas na barraca do Caio e levar para a minha.
Ele sorriu.
— Ok. — Ele soltou minha mão e foi na frente. — Te encontro na sua barraca.
Me senti leve, de bom humor, as coisas saíram bem melhores do que eu esperava, pensei,
feliz. Chegando na fogueira, percebi que mesmo que eu e Bruno tivéssemos aparecido
pelados, ninguém teria dado a mínima, pessoal estava doidão já. Vi Bruno conversando com
o Caio, que apenas afirmava com a cabeça, ele me viu e me olhou como se dissesse “fazer
o que, né?”, sorri para ele e cocei a nuca sem jeito.
Passei em frente a barraca do Júlio e ouvi alguns gemidos, levei a mão à boca segurando a
risada, pelo visto ele e o Yago se resolveram, pensei, acelerando o passo até a minha
barraca.
Dei uma ajeitada nas minhas coisas, dando espaço para o saco de dormir do Bruno e suas
coisas, logo ele surgiu na entrada da minha barraca com um sorriso envergonhado.
— Tem espaço para mais um? — Ele perguntou já entrando.
Sorri e me deitei no saco de dormir, observando ele ajeitar suas coisas, logo ele desenrolou
o saco de dormir e se deitou do meu lado.
— Oi. — Falei me deitando de lado.
— Oi. — Ele deitou de lado também. — Bom… Me conta como foi esse mês longe de mim.
— Sua voz soava culpada.
— Bom, no começo foi horrível. — Bruno engoliu em seco. — Minha mãe me pôs na terapia
e descobri que tenho síndrome do cavaleiro branco…
— Ah! — Bruno balançou a cabeça afirmando. — Faz sentido.
Eu ri.
— E que… Bom, o que você passou com sua mãe não só traumatizou você, mas me
traumatizou também. — Falei meio sem jeito.
— Caramba, sério? — Bruno perguntou surpreso.
— É, pelo visto, ver a pessoa que amo ter sofrido tanto fez com que eu quisesse proteger
de… Tudo. — Disse o olhando nos olhos.
— Você… Me ama há tanto tempo assim? — Ele perguntou com o rosto vermelho.
— Bom, na época eu não sabia. — Levei minha mão no seu rosto fazendo carinho. — Eu
só… Sentia que não suportaria ver você sofrer daquele jeito de novo.
Ele se aproximou, colocando seu rosto no meu peito.
— Me desculpa. — Ele pediu.
— Pelo quê? — Perguntei sem entender.
— Por ter te afastado, por ficar com o Caio só de raiva e ignorar você por um mês inteiro. —
Ele levantou o rosto triste para mim. — Eu estava bravo e…
— Tá tudo bem. — Falei o abraçando. — Deu tudo certo, até entrei pra terapia.
Ele me abraçou de volta.
— E… Seus pais? — Ele perguntou.
— Estão se entendendo e tal, mas não devem voltar… Meu pai também tá fazendo terapia.
— Falei balançando a cabeça sem acreditar no que dizia. — Nunca achei que ele faria
terapia algum dia.
— Bom, espero que fiquei tudo bem com eles. — Bruno falou se ajeitando nos meus braços
Comecei a rir.
— O quê? — Perguntou o Bruno me olhando.
— Eu meio que esperei uns dez anos pra dizer o que vou dizer agora. — Falei vendo o
Bruno me observar com atenção e curiosidade. — Quero apresentar você aos meus pais
como meu namorado.
Bruno arregalou os olhos.
— É? — Bruno me olhava surpreso. — Bom… Eu não tenho experiência nenhuma com
relacionamentos…
Bruno pareceu refletir por um momento.
— Você já namorou um cara?
— Já, uma vez. — Respondi dando de ombros.
Bruno ergueu as sobrancelhas.
— Hm… Foi um bom relacionamento? — Perguntou Bruno com a voz irritada.
— Foi bom, mas terminamos porque eu dizia seu nome enquanto dormia. — Falei sorrindo
de canto.
Ele recolheu os lábios, ficando vermelho.
— É, acho que faz sentido ter acabado. — Bruno falou rindo.
— Ainda não ouvi sua resposta. — Falei beijando sua testa.
Ele sorriu, olhando nos meus olhos.
— Vai ter que pedir permissão pro meu pai. — Bruno falou rindo. — Se ele deixar, a gente
pode.
Comecei a rir.
— Seu pai me adora! Vai ser fácil! — O puxei o fazendo deitar em cima de mim.
Ele me olhou surpreso, mas logo deitou no meu peito.
— Isso me lembra do primeiro dia de aula. — Ele murmurou. — Acordei deitado em cima de
você.
— Você é bem leve. — Falei fazendo carinho no seu cabelo.
Bruno levantou o rosto e olhou para mim.
— Naquela noite você me colocou para dormir em cima de você? — Ele perguntou irritado.
Confirmei com a cabeça.
— Seu idiota! — Ele me deu um tapa no peito. — Eu caí da cama de susto por sua culpa!
Eu ri e o abracei.
— Agora pode dormir em mim sem medo… — Murmurei.
Senti Bruno se mexer em cima de mim, ele começou a beijar e morder meu pescoço, me
fazendo sentir os fogos explodindo a minha volta, gemi e suspirei baixinho, beijou minha
boca e começou a deslizar as mãos pelo meu corpo, senti sua mão se enfiando na minha
bermuda, meu corpo se arrepiou todo. Ele começou a descer, colocando meu pau para fora
da minha bermuda, olhei para ele surpreso, segurava meu pau pela base e me olhava com
malícia. Eu respirava com dificuldade, sentindo uma certa expectativa, logo ele começou a
beijar a ponta, com a mão ao redor do meu pau ele me masturbava, o choque daquele toque
me fazia gemer.
Ele colocou meu pau na boca, chupando a ponta com vontade, mordi meu lábio e levei a
mão até sua nuca.
— Tá muito bom… — Murmurei.
Isso pareceu incentivar o Bruno a colocar o pau todo na boca, movimentando a cabeça num
vai e vem prazeroso, me fazendo levar a minha outra mão até minha boca para segurar meu
gemido, eu tô ficando maluco já, pensei delirando de prazer.
Com a mão na sua nuca, guiei o ritmo, senti sua outra mão deslizar por baixo da minha
camisa, indo para o meu peito, ele deslizava a ponta dos dedos pelo meu corpo, fazendo me
arrepiar ainda mais.
Ele tirou a boca do meu pau, me fazendo pedir por mais, ele apenas sorriu me observando.
Minha mão ainda estava na sua nuca, fazendo carinho no seu cabelo, ele começou a me
masturbar devagarinho, depois acelerou o ritmo, revirei os olhos, sentindo minhas costas
arquearem de prazer, ele diminuiu a velocidade fazendo devagar de novo, me deixando
doido.
— Assim… Eu vou gritar… — Murmurei passando a mão pelo meu rosto.
Ele sorriu com os olhos semicerrados.
— Então grita.
Antes que eu pudesse falar, ele colocou o pau na boca de novo, chupando com mais força,
me fazendo gemer bem alto e revirar os olhos, quando o encarei de novo, Bruno olhava nos
meus olhos, não demorou muito e gozei na sua boca, jogando a cabeça para trás, gemendo
e arfando.
Olhei para ele, que recolheu os lábios e sorriu.
— Você tem um gosto salgado. — Ele disse rindo.
Eu o olhava incrédulo.
— Meu Deus, quem é você? — Perguntei o vendo guardar meu pau na bermuda e voltando
a deitar do meu lado.
— Bruno, seu namorado. — Ele ofereceu a mão para eu apertar. — É um prazer te chupar.
Levei as mãos ao rosto e gargalhei, ri tanto que comecei a chorar.
— Minha barriga dói. — Falei ainda rindo.
Ele se ajeitou deitando no meu ombro.
— Senti falta da sua risada. — Ele murmurou.
— Relaxa, benzinho, a partir de hoje você vai ouvir minha risada todo dia. — Falei rindo.
De repente Bruno se levantou sentando e me olhando.
— Caralho, quase esqueci! — Ele foi até a mochila e pegou o celular.
— O quê? — Perguntei sem entender.
— Eu tinha mudado seu nome no meu celular para “Henrique”. — Ele falou enquanto
digitava. — Pronto. — Ele me mostrou a tela do telefone.
Meu contato estava salvo como “AmorS2”, olhei aquilo e sorri, senti meu rosto doer de tanto
sorrir.
— Acho que nunca sorri tanto na minha vida quanto nas últimas duas horas. — Falei rindo.
— Espero continuar te fazendo sorrir, meu amor. — Ele falou fazendo os fogos explodirem
no meu peito.
— Adoro quando você diz isso. — Murmurei o puxando para beijá-lo de novo.
Ele deitou no meu peito, logo ele adormeceu, fiz carinho seu cabelo até dormir também.

Do lado de fora da barraca, viam-se os rastros da festa de ontem, eu e Bruno fomos os


primeiros a acordar, ele me deu um bom dia bem animado, o chamei para um banho e
agora o espero pegar suas coisas para a gente ir ao banheiro.
Vi a barraca do Júlio abrir, Yago saiu se espreguiçando, quando me viu seu rosto corou, deu
um tchauzinho sem jeito. Quando Bruno saiu da minha barraca, ele olhou surpreso para nós
e eu apenas dei de ombros.
— Vamos? — Perguntei.
Bruno afirmou com a cabeça.
Como o esperado, nos encontrávamos sozinhos no vestiário, Bruno tirou a camisa e me
observou tirar a minha também, ele parecia nervoso, como se quisesse me dizer algo.
Quando eu estava completamente nu, vi que Bruno vestia apenas a cueca, estava corado e
desviava o olhar de mim.
— Hm… Você quer… Tomar banho junto? — Ele murmurou sem jeito. — Tipo… Na
mesma… Cabine?
Eu sorri.
— Se tudo bem pra você… — Me aproximei.
Num movimento rápido eu me abaixei e tirei sua cueca, me levantei de novo observando
sua reação.
— Que susto! — Ele cruzando os braços envergonhado e se encolhendo um pouco.
O beijei, minha língua deslizou na sua boca e senti seus braços envolverem meu pescoço,
imediatamente senti o início de uma ereção, o empurrei delicadamente até a última cabine,
fechei a porta atrás de nós e sorri com malícia para ele. O coloquei contra a parede e ele fez
uma cara de dor.
— Que foi? — Perguntei.
— Minhas costas… Bateram no registro… — Ele murmurou apertando os olhos.
Eu olhei por cima do seu ombro e vi que suas costas ficaram com um círculo avermelhado
onde bateu.
— Merda, desculpa… — Falei passando a mão onde tinha batido. — Tá doendo?
— Um pouquinho… — Ele disse rindo e me abraçando. — Vamos continuar…
Eu sorri, o coloquei contra a parede do lado, onde não tinha nada na parede, beijei seu
pescoço e mordi seu ombro.
— Você adora deixar marcas em mim… — Sussurrou o Bruno no meu ouvido com voz
manhosa.
Isso me fez morder ele com mais força, o fazendo gemer baixinho, arranhei suas costas
com força, para deixar marcado, senti seu corpo se arrepiar contra o meu.
Seu corpo contra o meu me fazia tão bem, sentia seu pau duro contra a minha virilha,
continuava a beijar seu pescoço até sua orelha, sentia meu coração bater contra o seu, sua
pele macia contra a minha, suas mãos nas minhas costas me arranhando de leve.
— A gente nem ligou a água ainda. — Bruno disse rindo.
Sem tirar minha boca da sua orelha, levei minha mão até o registro e abri a água, mas a
água estava fria, fazendo a gente se afastar um do outro e sair debaixo do chuveiro rindo.
— Caralho, sou um desastre. — Falei balançando a cabeça de um lado pro outro.
Bruno me puxou e beijou minha boca, dessa vez me colocando contra a parede oposta que
estava, ele afastou o rosto e me olhou de forma travessa.
— Eu gosto. — Ele falou rindo. — Deixa tudo mais divertido.
A água esquentou e voltamos para debaixo do chuveiro, Bruno pegou o sabonete e me
entregou.
— Lava as minhas costas? — Ele perguntou vermelho.
Confirmei e ele se virou, me mostrando as marcas que deixei nas suas costas.
Ensaboei suas costas, encaixei meu queixo no seu ombro e levei minhas mãos para o seu
peito, Bruno estava de olhos fechados apreciando o meu toque, desci minha mãos até sua
virilha e ele mordeu o lábio, suspirando profundamente. Coloquei o sabonete na
saboneteira, levei minha mão até seu pau e comecei a masturba-lo, ele gemeu, com a outra
mão levei ao seu peito, sentindo seu coração bater, seu corpo pareceu derreter contra o
meu.
— É pra ensaboar bem. — Falei rindo.
Ele riu levando uma mão até meu rosto.
— Tá ótimo assim. — Ele sussurrou.
Bruno fazia carinho no meu rosto com sua mão, com a outra levou as costas e pegou meu
pau, o movimentando para frente e para trás. Eu gemia no seu ouvido, beijava seu pescoço
e seu ombro, mordendo e beijando sua pele, via seu rosto vermelho, ficando sem ar,
fazendo os fogos explodirem no meu peito e à nossa volta.
Não demorou muito e o pau dele pulsava, Bruno gozou na minha mão, relaxando o corpo
todo contra o meu, enquanto eu o segurava com firmeza.
Ele se virou para mim, ainda segurando meu pau, beijando meu rosto, minha boca, com
uma intensidade apaixonada, ele mordeu meu lábio, depois minha bochecha e meu
pescoço.
— Agora sou eu quem vai ficar marcado. — Sussurrei no seu ouvido.
— Já está. — Ele disse rindo.
Bruno beijou minha boca, senti que estava prestes a gozar, ele sentiu também, se abaixou
na minha frente e pôs o pau na boca, me fazendo gemer ainda mais. Gozei na sua boca,
sentindo meu corpo tremer, ele se levantou e me deu um selinho.
— Acho que agora a gente consegue terminar esse banho. — Bruno disse, pegando o
sabonete e passando em mim.
Eu ri.
— Fico feliz em tomar um banho com você e amanhã irá lembrar disso. — Falei de forma
debochada.
Seu rosto ficou vermelho.
— Por isso nem bebo mais… — Ele murmurou sem jeito.
Depois do banho, saímos de mãos dadas do vestiário e vi Júlio vindo em nossa direção, ele
não parecia bem.
— Ei! O que foi? — Falei o parando.
Ele me olhou com olhos marejados.
— Eu… Sou muito idiota… — Ele começou a chorar.
Vi Bruno do meu lado nos observando sem entender nada.
— O Yago… — Júlio continuou. — Ele… Disse que gosta de mim, mas… — Ele secou as
lágrimas e me olhou. — Falei com meu irmão antes do acampamento, eu vou me mudar pra
casa dele.
— Mas isso é ótimo! — Falei. — Você vai poder sair do armário e ficar com…
— Ele mora em outro estado! — Júlio gritou, me fazendo murchar. — É, pois é!
Vi Yago ao longe, olhando para os lados como se procurasse alguém.
— Eu… Ainda não contei pro Yago… Ainda não tinha nem começado a planejar a
mudança… — Júlio tentava controlar a voz. — O Yago apenas… Disse que gostava de
mim, nós ficamos ontem e hoje de manhã… Ele me pediu em namoro… Eu só saí correndo
sem saber o que dizer.
Yago nos viu, sorriu e veio em nossa direção.
— O Yago tá vindo. — Falei rapidamente.
Júlio se virou e o sorriso de Yago se desfez.
— O que… Tá rolando? — Ele perguntou. — Você tá bem?
— A gente… Tem que conversar… — Júlio murmurou e começou a ir em direção a casa
grande.
Yago o seguiu, deixando eu e Bruno para trás apenas olhando para eles.
— O Júlio é gay? — Bruno perguntou se virando para mim.
Olhei para ele e comecei a rir.
— Seu gaydar é uma merda… — Falei continuando a andar até nossa barraca.
— Ei! — Ele correu atrás de mim. — É difícil perceber essas coisas…

Brenda nos observava toda feliz.


— Vocês ficam bem juntos… — Ela apoiava o rosto nas mãos, fazendo suas bochechas
ficarem salientes.
Estávamos no refeitório enorme da casa grande almoçando, Bruno contou para Brenda
sobre estarmos namorando. Ela só faltou soltar fogos, ela pulou, gritou, bateu palmas,
parecia mais feliz que nós pelo nosso namoro.
— Sério, tô muito feliz. — Ela disse, logo Caio sentou do lado dela. — Caio, já soube?
— Sim, parabéns para os dois. — Caio disse com um sorriso enorme no rosto.
— Tô um pouco surpreso. — Falei. — Achei que vocês dois ficariam, sei lá, tristes? Ou até
com raiva?
— Eu também achei. — Bruno falou, se virou para o Caio. — Você tá realmente bem com
isso?
Caio deu de ombros, colocou ao redor da Brenda, que se aconchegou nele e beijou sua
bochecha.
— Achei alguém que combina mais comigo. — Ele disse olhando para ela.
Olhei para o Bruno, senti que ele pensava o mesmo que eu, nossas sobras se amam,
começamos a rir.
— É, deu tudo certo no final. — Falei feliz.
Comemorei cedo demais.
Vi Thiago vir em nossa direção, com um sorriso assustador, ele se sentou do lado do Bruno
e colocou a mão no seu ombro.
— E aí? — Ele disse.
Bruno imediatamente afastou sua mão, o olhando com nojo, mas antes que pudesse falar
qualquer coisa, Thiago sacou o celular e mostrou uma foto para ele.
— Nem vem com grosseria. — A foto era meu beijo com o Bruno no píer ontem, ele passou
a foto para o lado, mostrando eu deitado em cima dele o beijando no lago. — Agora fala
manso comigo, se não eu posto isso aqui marcando os dois.
Ergui as sobrancelhas, Brenda e Caio olharam sem acreditar, Bruno observou a foto no
celular em silêncio, se virou para mim recolhendo os lábios.
— Não tô mais com medo. — Sussurrei no ouvido dele.
Bruno sorriu, se virou para o Thiago, que nem imaginava o que estava por vir.

Capítulo 19: Nunca mais serei intimidado…

Uma das coisas que mais evitei na vida foram conflitos, ainda mais tendo Henrique do meu
lado para me defender e me proteger sempre, mas hoje seria diferente, eu enfrentaria
aquele porco na minha frente.
Tinha palavras em uma gaveta bem guardada em mim por anos, que se libertaram com
facilidade depois que ele tentou ameaçar a mim e meu namorado.
Eu tenho um namorado… Pensei, sentindo um sorriso involuntário se formar no meu rosto.
— Por que tá rindo? — Perguntou Thiago na minha frente. — Não acha que eu seria capaz
de postar essas fotos?
— Ah, não duvido de você… — Falei respirando fundo.
Levei meu dedo até o seu telefone, Thiago riu.
— Você acha o quê? — Ele perguntou sem afastar o telefone dos toques que eu fazia na
tela do seu celular. — Que excluindo da minha galeria, as fotos somem? Eu salvei elas…
— Cala essa boca. — Falei secamente.
Ele arregalou os olhos incrédulos, seu queixo caiu.
— Espera um segundo. — Falei pegando meu celular. — Tenho que ligar o bluetooth…
Prontinho…
— O que você tá fazendo? — Perguntou Thiago virando o celular para ele. — Tu… Enviou a
foto?
— Sim. — Falei mostrando a tela do celular. — Pra mim. — Mostrei a foto para Henrique do
meu lado. — Olha, amor, o que você acha?
As pessoas nas mesas ao redor se viraram para nós depois que o chamei de “amor”,
Henrique sorria de forma divertida do meu lado.
— Essa foto tá muito boa, quase profissional. — Henrique se virou para o Thiago. — Até
que você é bom em alguma coisa…
— Ora, amor! — Gritei me virando para ele irritado. — Esse inútil só tem um celular com a
câmera boa! Eu tiraria uma foto bem melhor. — Mostrei a foto para Brenda e Caio. — Mas
acho que essa serve, né?
Mais pessoas se entreolharam e cochichavam na nossa direção.
— Ele chamou o Henrique de “amor”? — Perguntou um cara numa mesa.
— Nossa, amei! — Falou Brenda sorrindo. — O lago no fundo, vocês a luz da lua, tem até a
fogueira do outro lado do lago de fundo! Que romântico!
— Caralho, essa foto tá foda! — Falou Caio com aprovação. — Tem outra?
— Sim, aqui! — Falei passando pro lado. — Compartilhei as duas.
Thiago estava ainda do nosso lado, sendo totalmente ignorado por nós, logo Júlio apareceu
e sentou perto do Henrique.
— O que perdi? — Ele sorria, mas seus olhos estavam vermelhos.
— Thiago fez a gentileza de tirar uma foto minha e do Henrique nos beijando. — Falei
mostrando a foto para Júlio.
Ouvi algumas pessoas arfavam surpresas, e mais sussurros.
— Você ouviu o que o Bruno falou? — Disse uma garota da mesa ao nosso lado.
— Ele disse que beijou o Henrique! — Outra disse com a voz incrédula. — Não pode ser…
Mais e mais pessoas falavam, a notícia já se espalhava pelos alunos, Thiago olhava para
nós parecendo perdido.
— Eu gostei dessa foto. — Disse Júlio apontando para a foto em que Henrique estava
deitado em mim me beijando no píer.
— A primeira é mais romântica. — Disse Henrique.
Ele pegou meu celular e mandou a foto para seu telefone.
— Vou postar! — Disse Henrique. — Vou escrever “namorando finalmente!”
— Aí! Que brega! — Gritei beijando seu rosto. — Não, posta só com um coração!
O refeitório todo nos olhava agora, ouvia-se vários “meu Deus!” e “não é possível!”
— Não! — Disse Brenda. — Posta com a tag #amoreterno!
— Verdade! — Disse Caio animado. — Tem uma tag do sítio, a foto vai viralizar rapidinho.
Com mais alguns toques na tela, Henrique postou a nossa foto no seu Instagram me
marcando, eu decidi postar no story e usar a foto como protetor de tela.
— Realmente, uma bela foto… — Murmurei vendo meu protetor de tela.
Mostrei pro Henrique que ficou vermelho.
— Ficou ótimo… — Logo ele me deu um selinho, bem ali no meio dos olhares de todos.
O clima do refeitório estava em polvorosa, nos olhavam, se entreolharam, cochichavam e
logo olhavam seus celulares incrédulos, Eduarda se levantou no meio do refeitório, em
choque com o celular na mão.
— EU NÃO ACREDITO! — Ela gritou e olhou para nós. — VOCÊS ESTÃO NAMORANDO?!
— Estamos! — Respondi alto e sentindo todos os olhos em mim. — A-aconteceu ontem a
noite, é be-bem recente. — Gaguejei um pouco, me virei para o Henrique que me olhava
com uma cara boba apaixonada, que me deu coragem. — E não poderia estar mais feliz…
Os alunos à nossa volta fizeram “own” e senti meu rosto queimar.
— MAS QUE PALHAÇADA É ESSA?! — Gritou o Thiago do nosso lado, bateu na mesa e
se levantou.
— Ih, a bicha surtou. — Falou Júlio dando uma risada debochada.
Algumas pessoas à nossa volta também riram.
— O único palhaço aqui é você! — Gritei me levantando e ficando de frente para ele. —
Você realmente acha que pode vir até mim, ameaçar a mim e meu namorado? — Revirei os
olhos. — Nossa, você é um poço de vergonha alheia. — Cruzei os braços. — Evapora
fracassado, ninguém te quer aqui!
O refeitório ainda nos olhava com interesse, sussurravam, davam risadinhas, olhares
incrédulos e divertidos. Se fosse a seis meses atrás, eu seria incapaz de estar aqui, na
frente do Thiago e de tanta gente, gritando com ele e sendo o centro das atenções, teria
saído correndo, me escondido, evitado ao máximo essa situação, mas não vou fugir, é
preciso encarar.
— Tô cansado dessa merda! — Thiago bateu na mesa de novo e apontou o dedo na minha
cara. — Você não pode me tratar assim…
— Tira essa mão da minha cara, seu porco! — Falei dando um tapa na mão dele. — Você
se acha fodão demais, mas na verdade é só um gay incubado! Inseguro pra caralho que não
é capaz de entender que as pessoas não estão aqui pra fazerem suas vontades! —
Balancei a cabeça em desaprovação. — Ninguém aqui te suporta! Você ameaça e intimida
pessoas, achando que tem poder sobre elas, mas só estão esperando uma oportunidade
para fugir de você! Balão mágico!
O rosto dele ficou vermelho até a raiz do cabelo, o refeitório todo ria.
— Meu Deus! — Gritou Brenda. — Eu achei que era a única pensando isso! Balão mágico!
— Balão mágico tá putasso! — Gritou um cara que era da outra escola.
— Essa merda merece bem mais que isso! — Gritou um garoto, também de outra escola.
Caio chorava de tanto rir.
— Aí! Minha barriga… — Ele falava com a voz sufocada. — Parece que fiz umas dez
abdominais…
Logo, não tinha só gente rindo, mas vaiando o Thiago e gritando “Balão mágico”.
— Eu vou te matar… — Disse Thiago pegando na gola da minha camisa.
Eu ri.
— Você quer morrer? — Ele perguntou preparando o punho. — Você já era!
— Não, você já era. — Falei e olhei por cima do ombro dele. — Boa tarde, professor
Gomez.
Thiago olhou para trás, deu de cara com um homem alto e forte, com um bigodinho ralo e
muito irritado.
— Larga ele seu merda! — Disse o professor Gomez o puxando pelo braço. — Pensa que
pode ameaçar meu aluno? Seu bostinha!
— Você não pode me chamar assim! — Thiago gritou. — Eu sou aluno…
— Você não é meu aluno! — Professor Gomez gritou dando um tapa na nuca dele. — Agora
pare de agir como uma criancinha mimada, vamos Balão mágico! — O arrastou para longe.
Acho que nunca vi tanta gente gargalhando num lugar só, aquilo era satisfatório demais.
— Isso foi incrível! — Gritou Henrique se levantando e me dando um abraço por trás.
— Bruno, você tem uma língua afiada. — Disse Júlio me observando com orgulho.
— Língua afiada, combina com você. — Disse Brenda sorrindo.
O queixo de Henrique descansava no meu ombro, virei o rosto e dei um beijo na sua
bochecha.
— Vamos acampar de novo ano que vem? — Henrique perguntou rindo.
— Nossa! Nem a pau! — Gritei me afastando. — Vivi emoções o suficiente por uma vida
inteira em três dias!
— Vai precisar de quanto tempo para se recuperar? — Perguntou Henrique rindo da minha
cara.
— Pelo menos uns três anos, talvez quatro… — Falei pensativo.
Ele riu mais, dei um beijo no seu nariz e voltei a me sentar.
Ao longe vi algo que chamou minha atenção, Yago estava sentado numa mesa com outros
amigos de festa do Henrique, ele observava Júlio. Tinha os olhos vermelhos também,
parecia a pessoa mais miserável do mundo.
Henrique olhou para onde eu olhava e seu sorriso murchou.
— Júlio? — Henrique chamou seu amigo. — O que rolou com…?
— Não vou falar sobre isso. — Ele disse secamente e forçou um sorriso. — Vamos falar de
coisa boa, quem pediu quem em namoro?
O assunto na mesa se resumiu aos acontecimentos de ontem, no píer, claro que omitimos o
que rolou na barraca, mas o pouco que contamos pareceu agradar bastante nossos amigos,
que torciam por nós me fazendo sentir acolhido.

Karma nunca falha, as coisas não acabaram bem para o Thiago. Depois do show que ele
deu no refeitório, algumas testemunhas falaram que ele tinha me ameaçado com as fotos
que ele tirou no píer em que eu estava com meu namorado, meu namorado, não me canso
disso…
Soube depois que Thiago foi suspenso da escola, como ele já tinha matado muitas aulas ao
longo do ano, informaram que ele repetiria de ano caso continuasse na escola que
estudava, como estamos no meio do ano e seus pais queriam evitar mais essa vergonha,
apenas o transferiram para uma escola mais distante.
Muitos ex-colegas da escola dele até nos agradeceram, principalmente alguns caras que ele
assediava constantemente.
— Pois é. — Continuou Gui depois de ver nossa reação. — Ele fazia isso com todo cara que
estava no armário, ameaçava expor e obrigava a ficar com ele pra manter segredo.
Gui é um cara bem gordinho, tinha um cabelo liso ruivo num corte que ficava bem nele,
parecia um cara muito gente boa.
— E quando o cara não queria… — Ele engoliu em seco e desviou o olhar. — Ele reunia os
amigos dele e tornava a vida do cara um inferno…
Sinto que ele tá falando dele mesmo… Pensei, me sentindo desconfortável e com pena.
— Pelo visto ele perdeu a informação de que saímos do armário. — Falei rindo
nervosamente e de mãos dadas com o Henrique.
— Bom, graças a isso. — Henrique apontou para o meu celular. — Você ganhou um
protetor de tela muito bonito.
— Parabéns. — Disse Gui sorrindo genuinamente. — E obrigado…
A viagem de volta foi bem mais agradável, Brenda e Caio se sentaram na nossa frente,
estavam parecendo se entender muito bem, Júlio sentou no assento do corredor, assim
podendo conversar com o Henrique, eu fiquei na janela. Percebi que algumas garotas me
olhavam com raiva, alguns caras do grupo de amigos do Henrique olhavam para nós com
certa decepção no olhar.
— Pelo visto, tem um pessoal que não tá feliz com a nossa felicidade. — Falei olhando para
trás notando os olhares.
Henrique bufou.
— Se alguém tem algum problema com a gente que se resolva comigo! — Gritou Henrique
se virando para trás.
Logo pararam de nos encarar, alguns caras do grupo de festa do Henrique se afastaram do
fundo e se sentaram perto de nós.
— Parabéns cara! — Disse Valdo, se sentando do lado de Júlio.
— Vocês fazem um ótimo casal! — Falou Heitor sentando atrás de nós.
— Sempre torci por vocês! — Disse Miguel de forma animada.
— Não liga pros outros caras. — Falou Saulo olhando por cima do ombro. — A gente tá do
lado de vocês. — Ele se virou para mim e sorriu. — Sempre te achei legal! Mas depois do
que rolou no almoço? Tu é foda!
Ele me ofereceu um punho fechado e cumprimentei com um soquinho.
— Valeu cara. — Falei sem jeito.
— Então, quem pediu quem em namoro? — Perguntou Valdo se inclinando sobre o Júlio.
— Ah! Eu quero saber também! — Falou Miguel atrás de nós.
Henrique sorriu, ele não parecia se cansar em repetir a mesma história.
— Bom, eu vi Bruno indo até o lago e fui atrás dele… — Ele começou a falar, segurando
minha mão de forma carinhosa.
Me ajeitei no banco e peguei meu celular, acho que nunca recebi tantas DMs na minha vida,
uma delas me surpreendeu bastante, foi do Cláudio.

@Claus_udo: Parabéns, finalmente ele se declarou pra vc.


Eu: Vc já sabia? Quando percebeu?
@Claus_udo: Na sua festa de aniversário, quando ele contratou uma puta pra chamar sua
atenção.

Arregalei os olhos sem acreditar.

Eu: Você sabia que ele tinha contratado uma puta?


@Claus_udo: Sim, Sofia é uma grande amiga minha, LOL, fiquei muito surpreso quando a
vi, mas liguei os pontos depois que vi o Henrique te encarando durante o filme td.
Eu:...
Eu: Um aviso teria sido legal.
@Claus_udo: LOL, achei que vc até sabia!
Eu: Nunca fui muito bom em saber qnd alguém tá a fim de mim…
@Claus_udo: Agora naum importa, espero que de td certo.
Eu: Obrigado e me desculpa.
@Claus_udo: Pelo q?
Eu: Pelo jeito q as coisas ficaram entre nós…
@Claus_udo: Naum, q isso, eu q peço desculpas.
@Claus_udo: Achei que me afastando vc e ele ficariam juntos, ele se importa muito cm vc.
@Claus_udo: Estou muito feliz pelos dois, vcs merecem essa felicidade.

Eu sorri.

— Pra quem tá mandando mensagem? — Perguntou Henrique do meu lado.


— Pro Cláudio. — Falei. — Pelo visto ele sempre soube do final da história…
Henrique fez cara de quem não entendeu, olhou as mensagens e arregalou os olhos.
— Isso me faz sentir ainda mais ridículo… — Henrique soltou minha mão e colocou sobre
meus ombros me abraçando.
— Vamos ter o resto das nossas vidas para você me compensar pelas suas ações ridículas.
— Falei beijando sua bochecha.
— Eu te amo. — Ele falou, e todos à nossa volta fizeram “own”. — Não estraguem esse
momento!
— Eu também te amo. — Falei me ajeitando no seu ombro.

A semana após o acampamento foi a mais ansiosa que tive na minha vida. Primeiro, falei
para o meu pai sobre estar namorando o Henrique e ele ficou muito feliz.
— Não poderia esperar um genro melhor! — Disse meu pai abraçando Henrique.
Alguns dias depois, Henrique me levou para jantar em casa, me apresentando aos seus pais
como namorado,
— Ah, vocês ficam tão lindos juntos! — Disse dona Carmen.
O seu Romário ainda me deixava nervoso, mas ele parecia tranquilo com minha presença.
— Vocês… Ficam bem juntos. — Ele disse apenas, com um sorriso amarelo.
Agora eu e Henrique fazíamos “pedra-papel-tesoura” para ver em qual casa nós
almoçaríamos e passaríamos a tarde juntos durante a semana, às vezes o acompanhava
até a terapia, ficava esperando por ele e depois da consulta tomávamos um sorvete ou
íamos lanchar em algum lugar. Aos fins de semanas nós saíamos com nossos amigos,
agora tínhamos um grupo bem grande.
Parecia que finalmente estava vivendo uma adolescência normal: namorando, vários
amigos, saía para me divertir… Era uma mudança drástica, comparada aos últimos anos da
minha vida em que não queria ficar perto de ninguém, mas me sentia mais solto e
confortável com todos ali.
Claro, nem tudo são flores… Muitas pessoas nos olham feio quando andamos no corredor
de mãos dadas, faziam comentários e alguns que se diziam amigos se afastaram do
Henrique, principalmente as garotas.
— Não liga pra eles… — Sussurrava Henrique no meu ouvido. — É inveja!
Eu ria e apertava sua mão com mais força.
— Entendo eles. — Falava olhando para ele. — Um cara desses só pra mim, parece um
sonho.
Então ele corava e sorria para mim, o sorriso mais lindo que já vi.
Mas isso também mostrou com quem a gente podia realmente contar, como a Brenda e seu
namorado Caio (isso mesmo, namorado!), Júlio, Valdo, Heitor, Miguel e Saulo. Tinha o Yago
também, mas ele mantinha uma certa distância, por conta do Júlio.
— Então, eles não se resolveram? — Perguntei vendo Júlio passando pela entrada do
colégio indo embora, enquanto Yago ficava o observando de longe.
— Bom, Júlio disse que vai mudar de estado, é definitivo, não vai nem dar uma chance pro
Yago… — Henrique respondeu dando de ombros.
As coisas estavam ótimas entre mim e Henrique, mas como tudo na minha vida não pode
ser perfeito para sempre, claro que aconteceu algo para desafiar minha sanidade.

Passou dois meses, estava saindo da escola de mãos dadas com Henrique quando a vi. Eu
paralisei, senti o sangue fugir do meu corpo, era como ver um fantasma.
— Amor? — Henrique me chamou, olhou para a direção que eu olhava. — Puta merda…
Minha mãe, bem ali, na entrada da minha escola.
Ela usava um dos seus suéteres escuros, usava uma saia longa branca, seu cabelo estava
curto, suas orelhas nuas, sem maquiagem, parecia que tinha parado no tempo. Quando me
viu, acenou para mim, eu engoli em seco.
— Tá de sacanagem… — Eu murmurei inconformado.
Oito anos, não a vejo há oito anos… Pensei, para mim ela estava morta, mas lá está ela
bem viva, na minha frente.
Respirei fundo, voltamos a andar, estava de frente para ela, que sorria docemente.
— Bruno… — Ela falou do seu jeito suave de sempre. — Você cresceu… Furou as orelhas!
Ela tentou levar as mãos até minhas orelhas, mas me afastei.
— Desculpa… — Ela murmurou sem jeito.
— O que faz aqui? — Perguntei tenso.
Ela ficou em silêncio por um momento e suspirou.
— Voltei para resolver uma pendência com seu pai. — Ela disse friamente e pigarreou. — E
te ver também…
— Pendência? — Perguntei sem entender.
— Eu e seu pai somos legalmente casados. — Ela disse dando de ombros. — Quero
resolver isso e voltar para minha vida.
— Nossa… — Murmurei com um sorriso sarcástico.
Ela engoliu em seco e desviou o olhar.
— A quanto tempo, dona Lívia. — Disse Henrique do meu lado. — A senhora perdeu
bastante coisa.
Aquela mulher olhou para nossas mãos e sorriu.
— Fico muito feliz por vocês dois. — Dizia com sua suavidade irritante. — Sempre soube
que ficariam juntos.
— Chega de papo furado. — Falei irritado. — Resolve logo isso com meu pai, volte pra sua
vida.
— Quero conversar com você e seu pai. — Puta que pariu! Gritei dentro de mim. — É
importante.
— Posso participar da conversa? — Perguntou Henrique do meu lado.
— Bom… Como você é importante para o Bruno, talvez isso envolva você também… — A
desgraçada respondeu de forma misteriosa.

Eu, o amor da minha vida, meu querido pai, minha linda gata e a demônia estávamos na
sala da minha casa, meu pai parecia bastante calmo e inabalável, mas sabia que no
momento que ela fosse embora ele choraria muito.
— Você está ótima Lívia. — Meu pai disse educadamente.
— Você também, Márcio. — Ela viu Déjà-vu e sorriu. — Finalmente cedeu ao desejo do
Bruno de terem um gato.
— Ele é nossa responsabilidade. — Disse Henrique do meu lado, segurava minha mão de
forma protetora. — Somos pais dessa gatinha.
Essa conversa tá muito surreal, pensei, me esforçando ao máximo para não ter um derrame.
— Que linda… — Ela disse fazendo carinho na minha gata.
Depois de um silêncio bem desconfortável, aquela mulher abriu sua bolsa e tirou um
envelope grande.
— Aqui. — Ela disse entregando para meu pai. — Papéis do divórcio.
Meu pai engoliu em seco.
— Por que esperou tanto tempo? — Ele perguntou com a voz firme, mas suas mãos
tremiam enquanto pegavam o documento. — Por que… Você foi embora sem dizer nada?
Ela suspirou.
— Eu… Devo sim uma explicação… — Ela se acomodou na poltrona. — Conheci uma
pessoa.
Senti um frio me dominar, parecia dominar a sala inteira.
— Na verdade, foi um reencontro… — Ela tirou um colar de dentro do casaco, tinha um
pingente de coração. — Meu… Namorado da faculdade.
— Ah, sim… — Meu pai disse apenas. — Lembro que… Você terminou com ele para ficar…
Comigo.
— Ficamos juntos algumas vezes. — Nunca senti tanto nojo de você quanto estou sentindo
agora, pensei, apertando a mão de Henrique. — E eu engravidei.
Levei a mão ao rosto.
— Puta merda… — Murmurei. — Eu… Tenho um irmão?
— Sim. — Minha mãe disse. — Você pode conhecê-lo… Se quiser… O nome dele é
Calebe…
— Nome bíblico? Sério? — Perguntei sem acreditar. — Que hipócrita…
— Apenas aconteceu! — Aquela mulher disse exaltada na minha direção. — Então, tive que
fazer uma escolha, escolher entre a sua felicidade ou a minha vida!
Me levantei, com lágrimas nos olhos.
— Vai pro inferno! — Gritei. — A minha felicidade não pertencia a sua vida?!
— Eu não me sentia feliz! — Ela gritou se levantando. — Me sentia vazia, sufocada, presa
nesse apartamento, tinha feito a escolha errada! Queria fazer a certa!
Henrique se levantou e me abraçou.
— Calma amor… — Ele sussurrou no meu ouvido. — Eu tô aqui…
— Eu… Estou grávida de novo. — Ela disse sem rodeios. — Quero me casar com Gabriel…
Meu pai apenas assinou os papéis e jogou na mesa de centro.
— Vá e seja feliz… — Ele levantou os olhos para ela e deu de ombros. — Nunca quis ser
um empecilho da sua felicidade…
A demônia olhou para mim.
— Bruno, eu sinto tanto… — Aquele ser asqueroso teve a ousadia de chorar. — Por favor…
Me dê uma chance de consertar as coisas… Venha comigo… Vamos morar juntos…
Arregalei os olhos e ri com ironia.
— O quê?! — Me segurei no abraço do Henrique, sentia minhas pernas bambas. — O que
você quer?! Brincar de família feliz com você, seus dois bastardos e seu amante?! —
Balancei a cabeça. — Só se for por cima do meu cadáver!
Ela acariciou a barriga.
— São seus irmãos. — Ela disse com lágrimas escorrendo pelo rosto. — Pense nisso, não
por mim, mas por eles… Eu cometi um erro em não te levar comigo…
Meu pai bateu na mesa e se levantou.
— Vá! — Ele gritou.
Ela estremeceu, pegou os documentos, a bolsa, levantou e saiu batendo a porta atrás de si.
Meu pai se sentou e começou a chorar, eu e Henrique o abraçamos, aquela mulher veio
destruir a minha felicidade de novo, pensei, mas não vou permitir isso!
Queria que tivesse acabado aí, mas seria fácil demais, não é?

Alguns dias tinha se passado, estava voltando da academia, quando vi um homem apoiado
num carro bem bonito, em frente ao meu prédio. Ele tinha uma pele bronzeada, olhos
escuros, cabelo preto ondulado, usava uma camisa social, jeans e sapatênis, caralho muito
hétero usando esse negócio horroroso, pensei rindo sozinho, mas é definitivamente é um
homem que chama atenção, lembra o Henrique, ele me viu e sorriu.
— Oi Bruno. — Ele disse amigavelmente.
Paralisei.
— Quem…?
— Sou Gabriel… Seu… Padrasto. — Ele disse sem jeito.
Ah, não, eu mereço… Pensei puto, O pior é que eu e minha mãe claramente temos o
mesmo gosto pra homens…
— Desculpa, mas não tenho mãe e meu pai está bem vivo… — Falei me afastando indo em
direção ao meu prédio.
— Gostaria de conversar, venho em paz! — Ele falou sem me seguir.
Parei, respirei fundo e fui até ele.
— Vou deixar uma coisa bem clara. — Falei calmamente. — Você e aquela mulher podem
se enfiar no cu um do outro, eu não me importo, mas eu e ela não somos nada um do outro,
muito menos eu e você.
Ele sorriu, não de forma debochada, mas calmo.
— Você e sua mãe tem a mesma língua afiada. — Arregalei os olhos quando ele disse isso.
— Quando eu a conheci, ela era exatamente assim: cheia de frases prontas, inteligente,
sincera… Mas ela nunca acreditava quando eu falava dos meus sentimentos.
Franzi o cenho.
— Como assim? — Perguntei.
— Vem comigo, te conto tudo o que quer saber. — Ele disse abrindo a porta do carro.
— Ah, nem fudendo… — Falei me afastando. — Não vou entrar no carro com um cara que
nunca vi na vida!
— Tudo bem, tudo bem! — Ele disse fechando a porta. — Vamos andar, vi uma praça com
um quiosque, acho que você tá com fome.
Eu tô mesmo… Pensei, respirei fundo.
— Vou tomar um banho e depois… Vamos comer. — Falei. — Já volto.
— Te espero aqui. — Ele disse, apoiando-se no carro novamente.

Estava sentado numa cadeira de plástico na pracinha perto de casa, comendo nachos,
bebendo suco com o cara que levou minha mãe embora… Na verdade, acho que nem
posso culpar ele, ela fez essa escolha, as coisas podiam ter sido bem diferentes.
Avisei meu pai sobre aonde ia e com quem ia, ele pareceu contrariado, mas não negou.
Mandei mensagem para o Henrique que respondeu que viria até mim se eu pedisse, mas
queria lidar com isso sozinho por enquanto.
— Ok. — Falei com a boca cheia de nachos. — Pode falar.
Ele riu.
— Você é a cópia da sua mãe. — Não me sinto muito bem ouvindo isso, pensei
desconfortável. — Ela também não resistia à comida.
Ele se ajeitou na cadeira, pegou sua carteira, abriu e tirou duas fotos.
— Nós na faculdade. — Ele mostrou uma foto dele com ela.
Minha mãe era realmente parecida comigo mais nova, sorria na foto abraçada com Gabriel,
usavam roupas e cabelos no estilo anos 90, eles pareciam incrivelmente felizes.
— E esse é Calebe, aqui ele tinha seis anos. — Ele mostrou a segunda foto.
Calebe tinha feições parecidas comigo, mas os olhos escuros e o cabelo ondulado de
Gabriel, era uma boa combinação.
— Sua mãe e eu éramos grande amigos na faculdade. — Ele disse enquanto guardava as
fotos. — Ela adorava ler durante as aulas, viciada em filmes de terror, ela sempre estava tão
empolgada com os filmes que ficava falando durante eles… — Ele riu. — Era impossível
não me apaixonar, mas ela não levava a sério meus sentimentos.
— Por quê? — Perguntei e dei um gole no meu suco.
— Eu era um galinha. — Ele disse me fazendo engasgar, ele riu. — De verdade, Lívia
sempre dizia que eu era um moleque piranha, mas quando ela se aproximava de alguém eu
morria de ciúmes.
Déjà-vu… Pensei, irritado com a coincidência.
— Então, namoramos, mas o ciúme era tanto, odiava vê-la conversando com outras
pessoas, até bati e ameaçava elas, acredita? — Ele falou como se aquilo fosse surreal.
— Acredito… — Murmurei.
— Seu pai foi um caso especial. — Ele disse dando de ombros. — Era o completo oposto de
mim.
Obviamente, pensei.
Meu pai jamais teria um surto de ciúmes com minha mãe, ele mesmo já dizia ainda quando
viviam juntos, que se um dia ela fosse embora, ele não iria atrás dela.
— Por que eu correria atrás de alguém que não tá disposto a tá comigo? — Ele dizia
risonho.
— Ela se apaixonou pela calmaria que ele causava nela… — Ele suspirou. — Foi doloroso,
mas não tive o que fazer na época.
Ele ficou em silêncio e depois olhou para mim.
— Quando reencontrei sua mãe, ela era uma pessoa diferente. — Gabriel sorria de forma
doce. — Calma, contida, mas ainda tinha aqueles olhos inteligentes, aquele ar sarcástico…
Amadureceu, se tornou uma mulher maravilhosa.
Gabriel balançou a cabeça, como se estivesse tentando voltar à realidade.
— Eu nunca… Quis que as coisas tivessem acontecido dessa forma. — Ele suspirou. —
Nós… Nos deixamos levar pela saudade e sentimentos, quando ela me disse que estava
grávida… Fiquei tão feliz… Mas me senti tão culpado, pensei em você e no seu pai, eu falei
que apoiaria ela em qualquer decisão que tivesse… Ela ficou com medo de como vocês
reagiriam e fugiu, veio até Sampa com uma bolsa e a roupa do corpo… Ela dizia que não
queria mais estar longe de mim.
Fez um silêncio desconfortável.
— Foi decisão dela. — Falei de repente, terminando de comer. — Você tem sua parcela de
culpa e responsabilidade, mas ela devia… Ter feito de outra forma.
Gabriel concordou.
— Ela se arrepende, ela tentou voltar várias vezes… — Gabriel sorriu. — Calebe quer muito
te conhecer… Ele adora esses filmes de terror. — Ele riu. — Sua mãe parece que só faz
filho parecido com ela.
Respirei fundo.
— Não acho que estou pronto, nem que um dia estarei. — Falei secamente. — Podemos
tentar de novo daqui uns oito anos, quem sabe?
Gabriel arregalou os olhos e riu.
— Nossa, nem preciso dizer…
— Tal mãe, tal filho… — Murmurei.
— É… Adorei te conhecer… Espero que seu coração se abra para uma possibilidade de
pelo menos nos visitar algum dia.
— Quem sabe, talvez eu amadureça… — Senti o desconforto daquelas coincidências. —
Você e minha mãe… Eram amigos, certo?
— Sim. — Ele respondeu.
— Você… Ainda tem ciúmes? — Perguntei sem saber onde realmente queria chegar.
Ele sorriu.
— Às vezes, mas sei que posso confiar na sua mãe… — Ele viu minha reação e engoliu em
seco. — Sei que… Ela não cometeria o mesmo erro, de novo…
Balancei a cabeça confirmando.
— Aprendi a lição. — Ele continuou. — Eu era muito protetor e achava que ninguém devia
chegar perto dela, mas isso apenas a afastou de mim, demorei muito para perceber isso, já
era tarde… Mas recebi uma segunda chance… Queria que essa segunda chance não
tivesse… Afetado você e seu pai.
Ele parecia sincero, uma boa pessoa, diria até que poderia gostar dele algum dia… Mas não
me sentia pronto para tanto agora, precisava avaliar melhor meus sentimentos.
— Faremos assim. — Falei pegando um guardanapo e anotando meu número. — Dê isso a
minha mãe.
Ele pegou e olhou surpreso para o guardanapo.
— Não a estou perdoando. — Falei rapidamente. — Mas… Acho que conversar, tentar nos
entendermos… Seria o certo, em vez de só… — Nossa, isso é muito difícil… Pensei,
suspirando. — Ignorá-la… Como ela fez…
— Olha, ela não fez isso por querer. — Ele disse de repente. — Ela morria de medo de
como você reagiria, quando ela… Engravidou de novo, achou que seria um bom momento
para resolver as coisas que ela estava fugindo.
— Bom, eu não vou fugir. — Falei firme. — Mas… Não serei fácil.
Ele sorriu, seu sorriso dizia “igual sua mãe”.
Capítulo 20: Nunca mais serei inexperiente…

Deitado na cama, esperando Henrique voltar da cozinha, senti meu corpo vibrar de
ansiedade, nossa primeira vez… Pensei.
Fazia quase seis meses que estávamos juntos, Henrique e eu não fomos muito além de
mão ali e boca lá, ele não me pressionava sobre fazer sexo, mas sempre que estávamos
juntos eu sentia em suas mãos a vontade de ir mais além e o quanto se segurava. Quando
tocávamos no assunto, ele dizia que não estava com pressa, esperaria o quanto fosse até
eu estar pronto.
Faltava um mês para acabar o ano letivo, tínhamos voltado para minha casa depois da
última prova daquela semana, meu pai passaria o fim de semana inteiro fora na casa de um
parente e eu me sentia pronto para dar o próximo passo. Quando estávamos no meio do
caminho para a minha casa, me virei para o Henrique e apenas disse:
— Me sinto pronto. — Falei com a voz tremida, merda! Por que minha voz tá tão tremida?
Me perguntei, nervoso.
Ele não pareceu entender o que eu disse, então respirei fundo.
— Tô pronto… Pra… Fazer… — Balancei a mão sem jeito.
Henrique me olhou surpreso e me abraçou.
— Você tem certeza? Não tem problema se…
— Tenho. — Falei calmamente. — Tenho certeza.
Sabia que Henrique esperava o momento que eu dissesse que estava pronto. Nunca fui de
dar o primeiro passo, mas com ele, parece que minha decisão vinha sempre em primeiro
lugar.
Foi assim quando o beijei a primeira vez, sóbrio no caso… Bêbado também… Talvez eu
seja do tipo que tenha iniciativa com ele? Aquele pensamento não estava me levando a
lugar nenhum, só me deixava mais nervoso.
Quando Henrique voltou com uma garrafa de água, senti meu coração quase sair do peito.
— Tudo bem? — Ele perguntou preocupado.
— Sim… Só estou nervoso… Muito. — Respondi rindo sem jeito.
Me levantei sentando na cama.
— Olha se você não quiser… — Henrique começou a falar.
— Eu quero! — Percebi que tinha falado um pouco alto demais. — Eu quero… Só sinto que
não sei muito bem… Como funciona.
Ele sorriu.
— Bom… — Ele sentou na cama de frente para mim. — Você… Quer de que forma?
— De que forma? — Perguntei me sentindo perdido e mais inexperiente ainda.
— Você quer… Eu dentro de você? Ou você dentro de mim? — Ele perguntou calmamente.
Senti minha respiração falhar.
— O que você prefere? — Perguntei.
— Eu sou versátil. — Ele deu de ombros. — Pode escolher.
Respirei fundo.
— Tá, eu… Eu quero os dois jeitos. — Respondi sentindo minhas bochechas queimarem.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Tá bom… Você já fez a chuca? — Ele perguntou com sua calma inabalável.
— Sim… Eu fiz… Foi bem desconfortável. — Respondi rindo. — E você?
— Também. — Ele respondeu sorrindo.
— Você tá muito calmo. — Falei com a voz tremida.
— Na verdade… Eu tô nervoso pra caralho, mas tô tão feliz que até esqueço que tô nervoso
pra caralho. — Ele disse e se inclinou para mim. — Se você quiser parar, você avisa que eu
paro.
Balancei a cabeça afirmando, seu rosto estava bem próximo do meu, conseguia notar cada
detalhes de suas feições. Seu beijo foi calmo e gentil.
Ele se afastou, levantou e foi até a mochila, pegou um óleo de massagem, um frasco de
lubrificante e um pacote de camisinha, me fazendo lembrar da cara da funcionária na
farmácia quando Henrique casualmente pôs aqueles três itens no balcão. Ela estava me
olhando e olhando para Henrique de forma curiosa e alegre, me fazendo sentir
desconfortável.
— Voltem sempre e se divirtam. — Ela disse sorrindo.
Caralho, que situação constrangedora, pensei rindo.
— O que foi? — Henrique perguntou deixando o lubrificante, o óleo e a camisinha no criado
mudo.
— Nada, só me lembrei do que rolou na farmácia… — Murmurei.
Henrique revirou os olhos.
— Mulher sem noção. — Disse rindo.
Henrique estava de pé, me olhava apaixonadamente, me fazendo sentir mais calmo.
Comecei a tirar a camisa, mas Henrique me interrompeu.
— Calma. — Ele falou sorrindo. — Vamos devagar.
— Ok, desculpa… — Falei sem jeito.
— Não precisa pedir desculpas… — Ele disse se inclinando e me dando um selinho, se
afastou e olhou para mim. — Só quero… Que dure bastante.
O jeito que ele me olhava, sua voz calma e seu rosto próximo ao meu me faziam querer
tudo de uma vez. O desejo e a necessidade do seu corpo, seu beijo, seu amor era algo que
me dominava por completo, queria aproveitar cada centímetro do seu amor em mim…
Dentro de mim e ao meu redor.
Henrique sentou do meu lado, segurou meu rosto e me beijou, um beijo lento e calmo,
sentia sua língua explorando minha boca, era um beijo cheio de carinho e vontade, muito
mais intenso do que qualquer beijo que já tinha recebido. Senti sua mão deslizar do meu
rosto até minha nuca, acariciando meu cabelo, me fazendo sentir um arrepio pelo corpo
todo, como se tivesse produzindo uma descarga elétrica.
Levei minhas mãos as suas costas, sentido o calor através de sua regata, o puxava para
mais perto de mim, necessitado daquele calor. Nós nos inclinamos até ele deitar sobre mim,
seu corpo colado no meu, com apenas duas camadas de roupa impedindo de senti-lo
completamente, abri minhas pernas e o envolvi, segurando seu corpo contra o meu, ele
parou de me beijar e olhou nos meus olhos surpreso.
— Vou desistir da minha tentativa de ir com calma se você continuar assim. — Ele disse
sorrindo de forma safada.
— Eu nunca disse que queria ir com calma… — Meu Deus, de onde veio essa audácia? Me
perguntei, surpreso com minha resposta.
Pareceu ter virado uma chave dentro dele, pois seu sorriso se desfez, seu olhar apaixonado
e calmo se tornou fogo, me beijou e mordeu meu lábio com força, me fazendo gemer de
leve.
— Te amo. — Ele disse no meio do beijo. — Te amo tanto…
— Eu… Também te amo. — Falava, sem ar com seus beijos intensos.
Ele parou o beijo e arrancou minha camisa, logo tirei sua regata expondo seu corpo lindo e
me senti inseguro imediatamente. Não pude deixar de me comparar, como alguém tão
bonito quer ficar comigo? Me perguntei, me sentindo nervoso de novo.
— O que foi? — Ele perguntou me observando atentamente.
— É que… Você é muito… Lindo e eu sou só…
— É só a pessoa que mais desejo. — Ele beijou meu pescoço, deslizando as mãos pelo
meu corpo, senti seu sorriso na minha orelha e sua voz baixa. — Eu tenho muita sorte de te
ter.
Comecei a relaxar, sentia o calor de sua boca passeando do meu pescoço para o meu
corpo, beijos, leves mordidas, me fazendo gemer intensamente. Ele beijou meu peito,
começou a morder e chupar minha pele, deixando uma marca. Suas mãos foram até meu
quadril, soltei minhas pernas do seu corpo e logo arrancou meu short com a cueca junto, me
deixando completamente exposto. Não era sua primeira vez vendo meu corpo, mas me
sentia tenso estando sob seus olhos que me devoravam.
Seus olhos passeavam em mim, pareciam gravar cada detalhe, como se fosse a primeira
vez que me olhava.
— O que foi? — Perguntei rindo. — Não tem nada que já não tenha visto…
Ele sorriu.
— Tô aproveitando… Eu posso te olhar à vontade… — Ele murmurou hipnotizado. —
Poderia te olhar pra sempre.
Respirei fundo, levei minhas mãos até seu rosto e o puxei. Sua boca quente me derretia, as
borboletas dentro de mim voavam suavemente, apesar de todo o nervosismo e ansiedade,
me sentia seguro e aquecido em seus braços. Suas mãos me envolveram, novamente
deitou sobre mim e novamente o envolvi com minhas pernas, seu coração batia contra o
meu, sentia como se eu pertencesse naquele abraço.
Ele desceu seus beijos indo até meu pescoço, meu peito, minha barriga, minha virilha e
finalmente no meu pau. Ele beijava da base a ponta, com bastante intensidade e carinho,
quando colocou na sua boca, senti aquela descarga elétrica mais forte, percorrendo meu
corpo, me deixando extasiado.
Ele me chupava com vontade, me fazendo gemer muito alto, levei a mão a minha boca e ele
parou de me chupar imediatamente. Olhei para ele se entender, ele sorria de canto com as
sobrancelhas erguidas.
— Tira a mão da boca. — Henrique mandou. — Eu quero ouvir você gemendo.
Tirei a mão do meu rosto e ele voltou a me chupar.
Sua língua dava voltas na glande, me deixando sensível, estremecia com cada movimento
seu, suas mãos seguravam meu quadril com força. Ele novamente parou de me chupar,
levou a mão até o criado mudo, pegou uma camisinha e a vestiu em mim.
— Você quer ficar por cima de mim ou quer que eu sente em você? — Ele perguntou
enquanto pegava o lubrificante.
— Quero ficar por cima… — Murmurei tenso.
Ele sorriu, logo trocamos de posição, ele colocou o frasco de lubrificante do seu lado, deitou
e me puxou, envolvendo as pernas em mim.
— Vou te mostrar como eu gosto. — Ele disse pegando minha mão e chupando meus
dedos, depois pegou minha outra mão e levou até seu pau. — Aqui. — Ele soltou a mão que
chupava os dedos, pegou o lubrificante, passou nos meus dedos e depois os guiou até onde
queria. — Enfia.
Obedeci, enfiei meu dedo, ele soltou minha mão e eu comecei a movimentar meu dedo
dentro dele, com a outra mão eu o masturbava, sua mão ainda segurava a minha guiando o
ritmo, ele gemia baixinho, aquela expressão de prazer que ele tinha, mordendo o lábio,
arfando, fazia meu pau pulsar.
— Enfia… Outro dedo. — Ele disse sem ar.
Seus gemidos aumentaram, ele continuou guiando o ritmo de vai e vem que eu fazia no seu
pau, me inclinei sobre ele, beijando seu peito, sentindo sua respiração intensa. Ele soltou a
minha outra mão, as uniu e pôs atrás da sua cabeça.
— Quero você agora. — Henrique disse com necessidade na voz.
Tirei meus dedos, me posicionei e comecei a colocar, ele fez uma cara de dor e eu parei.
— Tudo bem? — Perguntei preocupado. — Eu te machuquei?
— Tá tudo bem… Só vai devagar… Aos poucos vou me acostumando. — Henrique levou as
mãos até meu quadril. — Aqui, vou te guiar…
Ele pressionava meu quadril contra o dele, parava, depois pressionava de novo, fez isso
algumas vezes até eu estar dentro dele completamente.
— Espera um pouco. — Ele disse, pegou o lubrificante e passou um pouco na base do meu
pau. — Ok. — Ele largou o lubrificante, colocou as mãos nas minhas costas me puxando
para ficarmos mais próximos, estava deitado sobre ele. — Pode começar.
Respirei fundo e comecei, a sensação era maravilhosa, quente, apertado, mas não de um
jeito desconfortável, mas de uma forma que me enlouquecia. Percebi que o masturbando
não tinha muito equilíbrio do meu corpo, então soltei seu pau e coloquei a mão do seu lado
para me apoiar.
Não foi tão difícil quanto eu esperava, às vezes eu perguntava se estava fazendo certo, se
estava doendo, se ele estava bem, Henrique sorria e dizia que estava perfeito. O sentia
arranhando minhas costas, me deixando arrepiado, ele gemia e suspirava no meu ouvido,
me fazendo ter mais tesão.
Suas mãos deslizaram até meu quadril e começaram a guiar o ritmo, me fazendo ir mais
rápido. Ele levantou um pouco o corpo, se aproximando mais de mim, beijou minha boca,
gemendo entre meus lábios, depois foi até meu ombro e me mordeu com força.
Senti seu corpo tremer, seus dedos afundaram no meu quadril, encostou a testa na minha,
me fazendo ver seu prazer intenso de perto, gemeu de olhos fechados, quase gritando, seus
lábios tremiam e sua respiração estava intensa.
Ele recostou novamente na cama sem ar.
— Tudo bem? — Acho que era a milionésima vez que eu perguntava isso.
— Incrivelmente bem… — Seu peito subia e descia com força. — Nossa…
— Eu posso continuar? — Perguntei sorrindo.
Ele pegou o lubrificante.
— Deixa eu por mais. — Ele pediu.
Saí de dentro dele, ele passou mais e entrei de novo, dessa vez com mais facilidade.
— Pode continuar. — Henrique disse sorrindo de canto.
Eu continuei.
Não demorou muito e eu gozei também, sentindo o calor dominar todo meu corpo de forma
intensa, arfando de felicidade. Deitei do seu lado, tirei a camisinha, fiz um nó na ponta, me
levantei, fui ao banheiro, enrolei a camisinha no papel e joguei no lixo.
Olhei no espelho, vi as marcas que me deixou, a mordida no meu ombro, o chupão no meu
peito, os arranhões nas minhas costas, eram marcas maravilhosas.
Voltei para a cama e observei Henrique, que estava de olhos fechados com um sorriso lindo
no rosto.
— Foi… Bom? — Perguntei, me senti meio idiota por perguntar.
— Ótimo. — Ele respondeu. — De verdade.
Suspirei de felicidade.
— Doí muito? — Perguntei temendo minha vez.
— No começo sim, mas fazendo do jeito certo é bem de boa. — Henrique deitou de lado me
olhando. — Tem um desconforto, mas logo passa e a sensação é maravilhosa. — Ele sorriu.
— Você me levou ao céu.
Respirei fundo.
— Agora é sua vez de me levar ao céu… — Falei me deitando sobre ele.
Eu o beijei com vontade, o sentindo chupar minha língua com desejo, suas mãos percorriam
meu corpo, a ponta dos seus dedos pareciam gravar cada detalhe do meu ser, me deixava
arrepiado e o calor que crescia em mim queimava maravilhosamente.
Ele me deitou de bruços na cama, pegou o óleo, passou na mão e começou a me
massagear. Ele se inclinou sobre mim e novamente senti seu sorriso na minha orelha.
— Vou te deixar bem relaxado… — Ele sussurrou no meu ouvido, me deixando todo
arrepiado.
Henrique tinha mãos firmes, fortes, quentes, ele pressionava uma das mãos entre minhas
escápulas me fazendo gemer de leve, com a outra deslizava pela lateral do meu corpo, era
uma sensação de bem-estar maravilhoso e vibrante, estava derretido em suas mãos. Ele
beijava minha orelha, depois meu pescoço e então minha nuca, com suas mãos
massageava minhas costas em movimentos circulares, logo deslizavam com pressão e
firmeza até a base das minhas costas.
Ele parou, o observei. Vi Henrique pegar o lubrificante e me olhar com hesitação.
— Você tem certeza? — Ele parecia preocupado. — Você não tem que…
— Henrique. — Eu o interrompi. — Se você não me comer agora eu vou ficar muito puto
com você.
Seus olhos arregalados me fizeram rir.
— De santinho você não tem nada. — Ele começou a rir e abriu o frasco de lubrificante.
— Você me fez ficar assim… — Murmurei com um sorriso de canto.
Logo senti seu dedo passando com a textura úmida e suave, me deixando arrepiado com a
sensação de frio e a expectativa.
— Que gelado… — Sussurrei.
— Eu vou esquentar pra você… — Ele disse com sua voz suave.
Henrique massageou minha bunda, segurava, apertava, abria, me deixando exposto e
envergonhado. Eu gemia e suspirava com o rosto, que com certeza estava vermelho,
enterrado no travesseiro.
— É um privilégio te ver assim. — A voz dele tinha desejo.
Ouvi o barulho dele abrindo uma camisinha, do lençol da cama sob seus joelhos, senti suas
mãos no meu quadril e a ponta do seu pau em mim. Ele pegou um travesseiro, ajeitou
embaixo do meu quadril, me deixando levemente empinado.
— Se doer me fala. — Ele pediu.
— Tá… — Respondi percebendo que segurava a respiração.
Quando começou a entrar senti a dor, era quase como se estivesse rasgando, eu quase
gritei e ele parou.
— Quer que eu pare? — Sua voz era de preocupação.
Olhei por cima do ombro, a visão dele nu atrás de mim me avassala.
— Continua. — Pedi sorrindo.
Eu observei todo o processo dele entrando em mim, devagar, bem devagar, quando
finalmente entrou tudo, senti a dor diminuir mas ainda tinha o desconforto.
— Quando tiver pronto eu começo. — Ele disse.
Mais uma vez ele me fez tomar a iniciativa, o desconforto diminui.
— Pode começar…
Novamente ele foi devagar, o desconforto se tornou prazer, meu gemidos aumentavam
acompanhando o ritmo dos ser movimentos. Senti seu corpo deitar sobre o meu, suas mãos
deslizando pelas laterais do meu corpo, o calor, o choque de prazer, sentia meu corpo todo
vibrar contra o dele, sentia seu amor dentro de mim, a necessidade de nunca mais querer
deixá-lo.
— Eu te amo… — Gemi sentindo seu rosto na minha nuca. — Eu te amo pra sempre…
Senti seu sorriso se formando contra minha pele.
— Finalmente te fiz dizer “sempre”... — Ele disse beijando meu pescoço.
Não fui capaz de responder, estava ocupado indo para o céu…

Capítulo 21: Nunca mais dou uma segunda chance…


— LIBERDADE! — Gritou Henrique me abraçando por trás.
Na saída, após ver as notas do site do colégio, eu e nossos amigos comemoravam.
— Finalmente acabou… — Falei, sentindo o rosto vermelho. — E nenhuma prova de
recuperação!
— Pois é! — Ele me deu um beijo no rosto e sussurrou no meu ouvido. — Também, com um
professor desses…
— Ah! Parem com essa melação! — Gritou Saulo indignado. — Não esfreguem na minha
cara a relação perfeita de vocês.
— Ser solteiro é uma merda… — Murmurou Miguel do lado dele. — Ainda mais com dois
casais felizes. — Disse olhando com raiva para Brenda e Caio.
Brenda e Caio estavam muito ocupados se engolindo em comemoração ao fim do tormento
para responder Miguel, enquanto Júlio, Valdo e Heitor apenas riam da cena, Saulo apenas
grunhiu irritado.
O último mês de aula tinha finalmente acabado, depois de muita ansiedade com as provas e
expectativa para o início das férias, estávamos enfim aprovados e livres.
— Bom… É isso. — Disse Júlio de forma melancólica. — Acabou a escola.
Todos nós o olhamos já com saudade.
— Você vai mesmo embora amanhã? — Henrique perguntou triste.
— Sim, já enviei minhas coisas para a… Minha nova casa. — Ele disse de forma suave,
com um sorriso de alívio. — Eu e meu irmão estamos muito felizes.
— O importante é isso. — Falei, me sentindo um pouco forçado, não sabia o que dizer.
— Vamos sentir sua falta. — Falou Heitor.
— É, de quem eu vou colar ano que vem…? — Perguntou Miguel descaradamente, sendo
interrompido por uma cotovelada do Heitor.
— Vamos te visitar! — Disse Heitor, logo olhou bravo para Miguel.
— Aí! Olha a agressão gratuita! — Disse Miguel esfregando a barriga onde Heitor bateu.
Nos despedimos da Brenda e do Caio, que já falavam sobre terem férias inesquecíveis com
vários encontros e saídas, Heitor pegou seu skate e já foi deslizando para casa, iria viajar de
férias com a família e nem tinha arrumado as coisas ainda, Miguel, Saulo e Valdo decidiram
ir na lanchonete da esquina comer algo antes de irem pro shopping, parece teriam uma
festa para ir no fim de semana e Saulo queria urgentemente uma camisa nova.
— Vai que arrumo uma namorada… — Ele disse esperançoso.
— No pior, fica encalhado com estilo. — Disse Valdo rindo
Logo, ficamos apenas eu, Henrique e Júlio.
— Cara… — Disse Henrique com os olhos marejados. — Você me ajudou tanto, ficou do
meu lado num momento em que eu estava completamente perdido e desesperado. — Ele
balançou a cabeça indignado. — Agora que tudo se resolveu… Você vai embora!
— Ah… As coisas com meus pais, não tava mais suportando. — Júlio deu de ombros. —
Wagner já tinha me proposto várias vezes me mudar com ele pra Espírito Santo, sinto que…
Não sou capaz de respirar na minha própria casa, eu preciso ir embora, pela minha
felicidade… Por mim.
— E não é como se não fossemos te ver nunca mais! — Falei animado. — Quando se
estabelecer e seu irmão vier pro Rio visitar seus pais no meio das férias, ele leva todo
mundo até você na volta!
Wagner é bombeiro militar, de vez em quando vinha pro Rio para ver seus amigos, os pais e
o Júlio, e claro dar dinheiro para os pais também, parasitas, pensei.
— Vai aguentar seis horas numa van? — Perguntou Henrique preocupado.
— É só eu fechar os olhos e ignorar o balanço do carro… — Respondi levemente receoso.
— E precisa ter paradas no caminho, várias paradas.
Júlio riu.
— Vocês dois são incríveis juntos. — Ele deu um soco no braço do Henrique. — Não foda
com tudo de novo.
— Aí! Aprendi a lição! — Henrique gritou, passando a mão onde o Júlio bateu. — Doeu…
— Bom… Tchau. — Ele abraçou Henrique, depois se virou para mim. — Cuida dele.
Eu sorri.
— Farei meu melhor. — Nos abraçamos. — Você… O ajudou muito, obrigado.
Ele riu sem jeito.
— Só abri os olhos desse cabeça dura, nada que qualquer um não teria feito. — Júlio disse
com falsa modéstia.
Ele se afastou e foi em direção ao portão.
— Até daqui um mês! — Ele acenou sem olhar para trás.
Henrique suspirou e pôs o braço sobre os meus ombros.
— Então, benzinho, o que vamos fazer hoje a noite?
— A mesma coisa que fazemos todas as noites, amor. — Afirmei com convicção. — Tentar
dominar o mundo!
Ele riu, me fazendo sentir feliz, plenamente feliz.
— JÚLIO! — Yago gritou em plenos pulmões atrás de nós.
Senti minha alma sair do meu corpo por um segundo, que filho da puta escandaloso! Gritei
dentro de mim. Yago passou por nós correndo atrás do Júlio, que não estava muito longe
ainda.
Júlio se virou e percebi a surpresa em seu rosto, eu e Henrique nos entreolhamos e
decidimos nos aproximar. Alguns alunos ainda estavam saindo, olhavam para Júlio e Yago
de frente um para o outro com curiosidade, cochichavam e observavam sem entender o que
estava acontecendo.
— Você vai… Embora amanhã? — Yago perguntou sem fôlego.
— Sim. — Júlio respondeu inabalado, mas suas mãos tremiam.
— Eu… Eu quero pedir desculpas. — Os olhos de Yago tinham desespero e tristeza. — Eu
não devia ter dito aquelas coisas, nem me afastado, eu… Não pude aceitar que você estava
indo embora, não quando finalmente… Caralho! — Ele levou as mão ao rosto, escondendo
as lágrimas. — Merda, Júlio… Me perdoa… Eu sei que faz meses, mas… Eu ainda…
Júlio parecia não saber o que fazer, desconfortável com tanta gente olhando, logo Henrique
intercedeu.
— Ai! Caiam fora! — Ele gritou para as pessoas à volta. — Isso aqui não é nenhum show
não!
Os outros alunos se dispersaram irritados, Júlio suspirou e sua voz saiu tremida.
— Yago… Tá tudo bem, eu entendo.
Yago levantou o rosto molhado em lágrimas para ele.
— Vamo conversar… — Mas logo Júlio foi interrompido por uma mão em seu ombro.
— Tá tudo bem? — Perguntou Wagner do seu lado.
Wagner tinha o cabelo preto e liso, mas cortado no estilo militar, usava uma camisa branca
e jeans, seus óculos escuros estavam pendurados na gola, seu rosto era quase idêntico ao
do Júlio, se não fosse a barba por fazer, a cicatriz na sobrancelha e a nova tatuagem de
escaravelho no pescoço. Ele observou Yago que tinha o rosto molhado de choro, um olhar
indecifrável e sobrancelhas arqueadas, ainda com a mão no ombro de Júlio de forma
protetora.
— Amigo seu? — Ele perguntou calmo.
— Esse é o Yago. — Júlio falou sem jeito. — Yago esse é meu irmão Wagner.
— Prazer. — Yago parecia muito envergonhado, limpava o rosto com a manga do casaco.
— Hum… — Wagner se virou para Henrique. — Ah! Henrique, faz um tempo já. — Depois
virou para mim. — Senti sua falta Bruno, belos brincos.
— Temos que resolver isso e obrigado. — Respondi observando a nova tatuagem em seu
pescoço.
Ele riu.
— Você continua uma graça. — Sorriu para mim forma travessa, se voltou para Júlio e
bagunçou seu cabelo. — Vamos?
— Só… Preciso de um minuto. — Júlio disse engolindo em seco.
— Te dou dois. — Wagner se afastou até seu carro, estacionado na esquina.
— Simpático como sempre… — Murmurei com um sorriso de canto.
— Hum… Tá encarando demais, en? — Comentou Henrique enciumado.
— Pois é, vem cá o Wagner ainda tá solteiro? — Perguntei rindo para o Júlio.
— Sim. — Respondeu Júlio vendo a reação do Henrique. — Você faz o tipo dele, en!
Eu e Júlio rimos.
— Isso não tem graça! — Ele cruzou os braços fazendo bico.
De repente meu celular vibrou, olhei a mensagem e franzi o cenho.
— Vamos!
Peguei na mão do Henrique e nos afastamos do Júlio e Yago, que pareciam muito de um
tempo a sós.

— Você tá bem? — Perguntou Henrique segurando minha mão.


— Não. — Respondi apenas.
Estávamos no uber, a caminho da casa da minha avó, onde minha mãe e Gabriel estavam a
visitando… Deveria dizer padrasto? Isso soa tão errado…
— Vai ficar tudo bem. — Disse Henrique me tirando dos meus pensamentos.
— De todas as coisas que queria fazer nessas férias, almoçar com minha mãe grávida e seu
amante não era uma delas… — Murmurei olhando para a janela.
— Não esqueça do seu irmão. — Disse Henrique com uma risada nervosa.
— Ainda não consigo… Pensar nele como um irmão. — Percebi que o motorista do uber
nos olhava pelo retrovisor com interesse. — Pois é, casos de famílias…
O motorista riu e voltou seus olhos para a estrada.
— Bom, vai ser a primeira vez que vai vê-lo, é um processo. — Henrique falava acariciando
minha mão. — Com o tempo… Sei lá…
O convite não foi feito pela minha mãe, mas sim por Gabriel, como o aniversário dela era
naquela semana, ele achou que minha presença seria um ótimo presente. Achei estranho a
mensagem vir de um número diferente.

Gabriel: Estamos na casa da sua avó, vamos comemorar o aniversário da sua mãe! Ela
ficaria muito feliz de você estar lá. Vai ser surpresa!
Eu: Ok… Mas pq tá mandando de outro número?
Gabriel: Meu telefone deu problema, você virá?
Eu: Claro.
Gabriel: Vou mandar o endereço…

A escrita dele estava muito formal, mas talvez tenha sido impressão minha…
Por mais que eu tenha dado meu número e conversado com minha mãe ao longo daquelas
semanas, ainda não me sentia pronto para permiti-la na minha vida, mas participar do
aniversário é diferente… Eu acho.
— Já estamos chegando. — Sussurrou o Henrique no meu ouvido.
Respirei fundo, estava disposto a ser o mais cortês e educado, a tentar resolver as coisas.
Elas jamais seriam as mesmas, jamais. Mas podíamos nos tornar algo melhor do que aquilo
que éramos, pois se Henrique era capaz de perdoar o mal que seu pai fez a ele por anos, eu
poderia ser capaz de perdoar o único mal que minha mãe me fez… Não é?

Minha avó mora na fazenda “Tempestade”, é no estilo típico de novela de época, não sou
capaz de descrever de outra forma. Dois andares, branca com persianas azuis, enorme,
tinha uns 6 quartos só no andar de cima, no de baixo tinha uma cozinha grande, duas salas
gigantes, uma para televisão enorme e outra de jantar. A sala de jantar tinha uma mesa
comprida com uns oito lugares, tinha até uma lareira (acho que nunca foi usada). E como
qualquer velha rica que minha avó era, tinha empregados, vários. Sem falar, é claro, dos
funcionários da fazenda, que cuidavam dos cavalos.
Minha avó vivia da venda, compra, aluguel e limpeza de cavalos, era um negócio de
gerações, eu mesmo já tinha andado a cavalo algumas vezes, mas claro eu era criança… E
na verdade era um pônei.
— Ah! Você está enorme! — Gritou minha avó ao me receber. — Mal posso acreditar que
aquele rapazinho cresceu tanto!
Minha avó, com seus 80 anos, usava um terninho chique, com seus cabelos bem curtos e
brancos, maquiagem leve, exceto o batom vermelho vivo, se eu a visse na rua e não a
conhecesse, não daria mais do que 60 anos pelas suas rugas, mas com sua alma de uma
mulher de 30, até ficaria em dúvida.
Ela me abraçou apertado, logo se virou para o Henrique.
— Você deve ser o Henrique. — Ela o abraçou e depois o olhou com calma. — Está no
sangue da família ter companheiros tão atraentes.
Ela apontou para uma pintura no topo da escada, sim uma pintura, como disse: novela de
época. Na pintura, uma mulher com cabelo curto em chanel e negros, idêntica a minha mãe,
estava sentada numa cadeira de madeira toda detalhada com flores e pássaros entalhados,
seu rosto tem um sorriso contido, usava um vestido dos anos 50, azul, sem mangas, com
flores detalhando na saia rodada, tinha luvas brancas e um chapéu amarelo com abas
viradas para cima, a maquiagem era leve, mas o batom era vermelho vivo. Em pé ao seu
lado, um homem com uma roupa de marinheiro, um sorriso enorme, o mesmo tipo de sorriso
que Gabriel e Henrique tem: cheio de vida, olhos castanhos e cabelo loiro por baixo do
chapéu de marinheiro.
— Meu querido Geraldo… Ah, tivemos anos maravilhosos juntos! — Minha avó nos guiou
pela casa, mostrando cada cômodo. — Ele era um homem que toda mulher queria ter, teve
suas aventuras, mas comigo ele se tornou um homem sossegado e amoroso! Nunca vou
esquecer a primeira vez que o vi! Foi meu primeiro e único amor!
— Que coincidência. — Disse Henrique de repente. — Bruno também é meu primeiro e
único amor.
Aquilo fez meu rosto ficar vermelho.
— É maravilhoso ter a pessoa que você ama ao seu lado. — Minha avó disse com seu
sorriso contido. — Vocês são abençoados.
— Obrigado senhora…
— Ora! Me chame de Helena! — Disse minha avó rindo. — Não precisamos de
formalidades.
Para uma senhora de quase 80 anos, ela tá bem lúcida, pensei sorrindo.
— Onde tá a minha mãe? — Perguntei, enquanto olhava o interior da casa.
Não mudou nada… Pensei nostálgico.
— Ela e sua família foram passear… — Ela disse de forma desdenhosa.
Quase me obriguei a perguntar o porquê dela não parecer muito feliz pela minha mãe, mas
eu mesmo ainda achava aquela situação de “família feliz” muito forçada. Minha avó se virou
com seu sorriso contido e brilho nos olhos.
— Gostariam de ver os cavalos? — Ela perguntou animada. — Você ainda gosta de
cavalos, Tempestade?
Esse era meu apelido de infância, minha avó passou a chamar meu avô assim nos anos 80
e depois passou a me chamar assim quando nasci, por conta dos meus olhos que eram
iguais aos do meu avô, ela dizia que nossos olhos representavam a música do Legião
Urbana, “Tempo Perdido”.
Quando a música foi lançada, minha mãe a escutou em looping no seu walkman e minha
avó a ouvia nas rádios sem parar. Ela e meu avô me contaram que sempre que essa música
tocava na rádio, eles dançavam com a minha mãe na sala. Sempre gostei dessa história,
quando meu avô morreu, as coisas ficaram estranhas entre minha mãe e minha avó.
— Não posso dizer que deixei de gostar. — Respondi meio sem jeito.
— Vamos, tem um que quero muito mostrar! Ele também se chama Tempestade! — Ela
disse nos guiando para fora da casa, em direção ao estábulo.
Ainda era como eu me lembrava, enorme, cheio de feno, com cavalos de várias cores.
— Aqui! — Ela gesticulou do seu jeito animado. — Tempestade!
O cavalo era marrom, com uma crina lisa e tão hidratada que daria inveja nas garotas da
escola, tinha uma mancha branca em forma de bolinha na testa, olhos escuros que
pareciam bolas de gude, era o cavalo mais bonito que já tinha visto. Me aproximei e passei
a mão no seu focinho, ele relinchou e se esfregou na minha mão.
— Ora, isso é uma surpresa. — Disse uma mulher de macacão e botas com um balde de
comida para os cavalos. — Esse bicho odeia todo mundo, ninguém consegue montar ele…
— Quer tentar montar? — Perguntou minha avó do meu lado.
— Claro. — Respondi sem pensar duas vezes.

Tempestade tinha um gênio forte, mas parecia calmo boa parte do tempo comigo, algumas
vezes virava de forma brusca, quase me fazendo cair, mas rapidamente tomava o controle.
Trotei com ele dentro do curral, minha avó me dava dicas de como guiar e controlar o
cavalo, quando me senti confiante, dei uma volta na propriedade, quase correndo com ele,
mas com calma, não queria me esborrachar na minha sexta vez na vida montando num
bicho. Não podia deixar de sentir que era natural, não como os profissionais fazem, mas era
como andar de bicicleta… Isso é um péssimo exemplo, eu não sei andar de bicicleta.
O vento no rosto, a guia no cavalo em minha mão, a sensação de força e liberdade eram
incríveis. Vi Henrique de longe tirando fotos, me aproximei e dei o meu melhor sorriso.
— Prazer, sou seu príncipe encantado. — Falei rindo da cara dele.
— Nossa, sempre quis ser sua princesa. — Ele falou de forma afetada, jogando seu cabelo
longo imaginário por cima do ombro.
Começamos a rir, Henrique tentou passar a mão no Tempestade, mas ele não gostou e se
afastou.
— Opa, opa. — Falei puxando a guia. — Amigo, amigo.
Henrique tentou de novo, Tempestade deixou mas o senti contrariado embaixo de mim.
— Por que nunca me contou desse lugar? — Henrique me perguntou sem tirar os olhos do
cavalo. — Você parece até pertencer aqui.
— Era onde minha mãe me trazia para ver meus avós e algumas pouquíssimas vezes andar
a cavalo, mas ela tinha brigado com minha avó quando eu tinha uns oito anos, logo depois
que meu avô morreu… Não tenho certeza… — Falei tentando me lembrar, mas minha
memória daquela época era um borrão. — Eu apenas… Não tinha porque falar, acho que
nunca apareceu uma oportunidade para falar daqui antes, tipo “ah! Minha avó tem uma
fazendo onde cria cavalos…”
— Você parecia muito feliz cavalgando… — Murmurou Henrique olhando para mim.
Dei de ombros.
— Não sei o que te responder. — Falei apenas.
Ele sorriu.
— Tudo bem, agora posso ver um novo lado seu. — Henrique me ofereceu a mão.
Desci e levamos Tempestade de volta para o estábulo, onde minha avó me esperava.
— Se divertiu? — Ela perguntou sorrindo.
— Sim, mas acho que preciso praticar mais, quase caí algumas vezes. — Falei receoso.
— Podemos resolver isso, agora… — Ela pegou na minha mão, me olhou de forma intensa
e misteriosa. — Temos um almoço muito importante.
Importante? Me perguntei, sem entender. Antes que pudesse perguntar, o mordomo (sim
mordomo, eu sei… Velha rica!) avisou que minha mãe tinha voltado com sua família.
Minha avó fechou a cara, suspirou de irritação e olhou para mim.
— Preciso te avisar, Tempestade. — Ela estava séria. — Esse almoço não vai ser
agradável.
Antes eu estava nervoso, agora estava apavorado.

Minha mãe ficou muito surpresa ao me ver, muito surpresa, quase como se ela não me
esperasse lá, na verdade… Era como se nem me quisesse lá.
— Bruno… Oi. — Ela disse um pouco pálida.
Ela usava um vestido longo, azul-escuro, sem mangas, com sua enorme barriga de grávida,
parecia cansada.
— Oi… Feliz aniversário. — Falei com as mãos no bolso, me sentindo desconfortável.
Cumprimentei Gabriel e Calebe, que me olharam de forma estranha, então apareceu outro
rapaz.
— Hm… Oi? — Disse e ele me olhou surpreso.
Ele parecia ser um pouco mais velho que eu, tinha cabelo preto, preso num coque, os olhos
eram escuros, iguais do Gabriel, algumas pintas marrons pelo rosto e pelo braço…
Parecidas com as que eu tinha nas costas.
— O-oi… — Ele gaguejou e olhou para a minha mãe com medo.
— Esse é o Davi… — Minha mãe apresentou. — Davi… Esse é Bruno.
Eu e Henrique nos entreolhamos, os olhos dele pareciam comunicar a dúvida que eu
também tinha.
— Então, Davi, quem é você? — Perguntei tentando não soar grosso. — Tipo, você é algum
primo distante…?
Antes que ele pudesse me responder, minha mãe me puxou para um canto.
— Filho, desculpa mas… O que você está fazendo aqui? — Ela perguntou com a voz baixa.
— Ué, me convidaram… — Comecei, mas logo fui interrompido pela minha avó.
— Agora que estamos todos aqui, vamos comer? — Minha avó direcionou um olhar voraz
para minha mãe.
Minha mãe engoliu em seco, soltou meu braço e sorriu, mas seu sorriso tremia.
— Vamos, claro… — Ela murmurou de forma submissa.
Sentados na mesa enorme, eu estava de frente para minha mãe, Henrique do meu lado,
minha avó do outro, Gabriel sentava do lado da minha mãe, com Calebe e Davi do seu lado.
A tensão é palpável, o único som que se ouvia era dos garfos nos pratos, eu e Henrique
parecíamos estar perdendo alguma coisa, minha avó estava plena, enquanto a família da
minha mãe e ela própria pareciam prestes a serem torturados.
— Fico feliz que todos estão aqui, a família completa. — Disse minha avó, com certa ironia
na voz.
Ninguém disse nada, Henrique pigarreou.
— Então… Como estão as coisas em São Paulo? — Perguntou Henrique para Gabriel.
— Ah! Bom… — Ele foi interrompido pela minha avó.
— Sua empresa de tecnologia declarou falência. — Ela falou calma. — Não tem muito o que
comentar.
Silêncio de novo, estava começando a ficar irritado, tinha alguma coisa muito errada.
— Bruno, quem convidou você para esse… Almoço? — Perguntou minha mãe.
— O Gabriel. — Respondi e senti os olhos dela e do Gabriel em mim.
— Eu… Não te convidei. — Disse Gabriel nervoso.
Peguei meu celular e mostrei a mensagem.
— Aqui, você disse que trocou de telefone… — Falei observando ele olhar a mensagem no
meu celular.
— Ah! Não, meu querido. — Disse minha avó. — Fui eu quem mandei a mensagem. —
Olhei para ela sem entender. — Na verdade foi Johan, um jovem ajudante do estábulo, eu
não sei mexer direito nessas coisas.
— Eu… Não tô entendendo. — Murmurei. — Por que você mandou mensagem…?
— Ah… — Ela olhou para minha mãe com frieza no olhar. — Bom, acho que está na hora
de saber a verdade, meu querido Tempestade.
Minha mãe ficou de pé e bateu na mesa.
— Não o chame assim… — Minha mãe disse com um fio de voz. — Como ousa…?
— Vai me acusar de ousadia? — Minha avó olha para Davi e Calebe. — Você trás os filhos
que fez com seu amante e diz que devo chamá-los de netos!
Olhei para Davi, ele não sustentava meu olhar.
— Tá de sacanagem… — Murmurei e olhei para a mulher que um dia chamei de mãe. —
Tenho mais algum irmão que eu não tô sabendo? Quanto anos ele tem?
Minha mãe não respondeu.
— Ele tem dezenove anos. — Minha avó disse.
Não precisa ser um gênio para fazer as contas e entender as coisas agora.
— Por que está fazendo isso? — Perguntou aquela mulher para minha avó. — O que fiz
para…?
— O que você fez? Melhor perguntar o que deixou de fazer! — Minha avó se levantou
dominada pela raiva. — Você não respeitou seu pai nem na morte dele, não foi fiel ao
homem com que se casou, meu genro, não contou a verdade ao seu filho, meu neto, não
fez parte da vida dele, não permitiu me aproximar dele! — Ela socou a mesa. — Você
passou anos, anos! Mentindo pra mim, dizendo que meu próprio neto não queria mais me
ver, para manter distância! Fez de tudo para me fazer acreditar que Bruno me odiava! Tudo
isso para tentar me fazer colocar a fazenda como herança para seu filho bastardo! — Ela
gritava descontroladamente. — Bom, permiti essa palhaçada por tempo o suficiente! Bruno!
— Ela se virou para mim. — Você é o único que está no meu testamento. — Se virou para
minha mãe novamente e disse com todo o desprezo que possuía. — Você terá aquilo que
merece, nada!
— Não… Não, você não entende, eu preciso… — Aquela mulher patética balbuciava.
— Do meu dinheiro. — Completou minha avó. — Fizemos um acordo: se você quer meu
dinheiro, faça a coisa certa, você não fez.
Engoli em seco.
— Eu… Estou nesse acordo? — Perguntei com a voz tremida.
— Sim. — Disse minha avó e pôs a mão sobre meu ombro. — Não queria que soubesse
desse jeito.
Me levantei e fui em direção a porta da frente, Henrique me seguiu. Comecei a andar, quase
correr, sentindo o vento no meu rosto, as lágrimas escorrendo, sentia o ar pesado…
Henrique me abraçou e eu parei. Me permiti aquele calor, aquele carinho, tudo o que eu
precisava era amor e afeto.
— Ela… Me enganou de novo. — Eu murmurei. — Por que… Por que ela… Não me ama?
— Eu tô aqui, eu amo você… — Disse Henrique. — Seu pai ama você, seus amigos… Você
não precisa dela…
— Ela devia me amar… Não devia? — Falei com um fio de voz.
Henrique não me respondeu, apenas beijou meu rosto. Ouvi o barulho de um carro, olhei e
vi aquela que um dia chamei de mãe sentada no passageiro, ela me olhou, seu rosto não
dizia nada, ela subiu a janela do carro, que se afastou para nunca mais voltar.
Minha avó saiu da casa e veio até nós.
— Eu sinto muito Bruno… — Ela disse com a voz triste. — Mas você precisava saber…
E então ela me contou a verdade, desde o início.

Capítulo 22: Sempre estarei do seu lado…

— Sua mãe cometeu muitos erros, mas acredito que o maior erro quem cometeu fui eu. —
Helena tinha um semblante sério. — Quando sua mãe nasceu… Eu tive depressão.
Estávamos na sala de jantar novamente, Helena bebia chá numa xícara toda detalhada com
flores azuis, enquanto eu e Bruno bebíamos refrigerante em copos de vidro com detalhes
florais. Bruno estava com os olhos atentos, parecia assustado, aquele menino com pijama
amassado e abraçado ao cachorrinho de pelúcia me veio à mente, aquilo era de partir o
coração. Segurei sua mão, ele retribuiu o toque, mas sua expressão não mudou. Helena
continuou a falar.
— Levei anos para saber o que era aquilo… Não era algo que falávamos, me acusavam de
ser fraca, diziam que eu devia amar minha filha incondicionalmente, que era minha
obrigação ser uma boa mãe… Mas eu não conseguia. — Ela bebeu mais um pouco de chá.
— Geraldo ficou do meu lado, amou Lívia com todo o coração e mais um pouco, Lívia o
idolatrava… Quando finalmente descobri o que estava passando, era tarde, Lívia me
desprezava completamente. — Ela suspirou e olhou para a janela, do mesmo jeito que
Bruno fazia quando estava triste e pensativo. — Márcio e Lívia estavam casados a uns oito
ou nove anos… Quando Lívia engravidou do Gabriel. — Helena suspirou. — Ela veio até
nós, até Geraldo, pediu para que cuidássemos da criança… Geraldo a manteve aqui por
meses até ter o bebê, na época Márcio estava ocupado demais trabalhando e Lívia inventou
alguma desculpa para ficar aqui… Márcio ligava e dizia que estava feliz por Lívia ter
companhia…
— Meu pai sabia? — Bruno perguntou incrédulo. — Sabia do Davi? Da traição toda?
— Não, Lívia nunca contou sobre Davi, quando ele nasceu, entregou ele para Gabriel, que
cuidou do bebê. — Helena parecia cansada por relembrar de tudo aquilo.
— Eu não entendo… Por quê? Por que só não ficar com o Gabriel de uma vez? — Bruno
estremecia, sua mão segurava a minha com força.
— Por amor ao pai, meu Geraldo. — Helena revirou os olhos com desdém. — Ela queria
agradá-lo, ser seu orgulho, fazia tudo o que ele pedia, faculdade de direito? Era o sonho
dele e ela fez, casar com Márcio? Geraldo adorava ele, então ela casou… Geraldo nunca
gostou de Gabriel, Márcio parecia ser… Um pretendente à altura, alguém que cuidaria dela
melhor.
— Então… Ela só casou com meu pai pra agradar meu avô? — Bruno perguntou.
— Sim… — Helena murmurou. — Deve ter tido um momento que ela o amou… Mas
continuou vendo Gabriel, nunca o esqueceu, nunca… Deixou de vê-lo.
Senti Bruno estremecer, o vi respirar fundo, parecia fazer um esforço sobre-humano para
falar com a voz firme.
— Por que vocês duas brigaram?
Eu sentia que Bruno já sabia a resposta, mas precisava confirmar o que sabia.
— Bom, você se tornou nosso tesouro, nós amávamos e mimamos você, sua mãe sempre
parecia irritada com isso. — Ela deu uma risada contida. — Era quase como se tivesse raiva
de você… Então seu avô morreu, Lívia apenas… Parou de se importar com a vida que tinha
criado para agradá-lo.
Vi lágrimas escorrerem do rosto do Bruno, ele rapidamente as secou e respirou fundo.
— Então ela apenas… Me jogou fora quando eu não tinha mais utilidade? — Ele riu de
forma nervosa. — Que merda…
Helena respirou fundo.
— Eu tentei impedir, fiz de tudo ao meu alcance, ela veio até aqui alguns meses depois da
morte do Geraldo e disse que queria ficar com Gabriel, me contou tudo: que nunca deixou
de vê-lo em segredo, que sempre que podia ia até ele ver seu filho, pediu para deixá-los
ficarem aqui, quando falei a ela que jamais a ajudaria e que estava cometendo um grande
erro… — Os olhos de Helena brilhavam com as lágrimas que começaram a cair. — Ela
gritou comigo, dizendo que nunca a amei, nunca a apoiei, que o único que realmente a
amou e que esteve do seu lado foi Geraldo, depois disso ela foi embora e disse que contou
todas as coisas ruins que fiz com ela para você… Ela me disse que você me odiava, que
não queria saber mais de mim, então eu mantive distância, quando eu soube que ela foi
para São Paulo… Senti que eu tinha causado isso, que eu podia ter feito melhor, feito
diferente… Mas não fiz… Me senti tão culpada. — Helena levou as mãos ao rosto. — Fiquei
com vergonha, com medo de ver você, de você me odiar…
— A culpa não é sua… — A voz do Bruno era calma. — Não tinha como saber o que iria
acontecer… Eu nunca odiaria você.
Ficamos em silêncio enquanto Helena se recompunha.
— Bom… — Ela continuou. — A segunda gravidez… Foi o que deu coragem para ela fugir.
— Ela olhou para Bruno com carinho e compaixão. — Desculpa ter demorado tanto para
retomar nosso contato, eu não sabia se… Você iria querer voltar a falar comigo, mas
quando percebi que sua mãe não cumpriu a parte dela no acordo…
— Como foi esse acordo? — Perguntou Bruno a interrompendo.
— Ela veio aqui alguns meses atrás, mais ou menos no meio do ano, disse que a empresa
do Gabriel declarou falência depois de ter sido roubado de algum sócio… — Helena falou
balançando a mão, como se aquilo fosse irrelevante. — E claro, pediu dinheiro, eu disse que
daria tudo o que ela quisesse, se fizesse a coisa certa. — Ela olhou para Bruno de forma
séria. — Pedir o divórcio, pois não queria colocar netos bastardos no testamento, lhe contar
a verdade, toda a verdade e… Bom. — Helena riu de forma travessa. — Te chamar para
almoçar, para voltarmos a ter contato, para eu poder me desculpar.
— Ela não cumpriu com as últimas partes. — Bruno disse de forma fria.
— Sim, ela me disse que te convidou, mas que você não queria falar comigo, então eu pedi
para Johan averiguar isso e o andamento do acordo, seguir sua mãe e ver as conversas
entres vocês. — Helena balançou a cabeça de forma desaprovadora. — Ela mentiu para
nós dois, ela nunca nem tocou no meu nome quando conversou com você, então tomei
providências.
O silêncio predominou na sala por alguns minutos, até Bruno parecer lembrar de algo.
— Sobre o testamento… Eu não sei se posso… — Bruno começou a falar, mas parecia não
saber aonde queria chegar.
— Ora, apenas aceite, se não quiser cuidar da fazenda você pode vender ou contratar
alguém para administrar o lugar. — Ela sorriu. — Sei que tomará a decisão certa quando a
hora chegar.
Bruno apenas concordou com a cabeça, terminou seu refrigerante e deixou o copo na mesa.
Soltou minha mão, se levantou e olhou para a janela de forma pensativa.
— Preciso… De ar. — Ele disse apenas e saiu.
Ficou eu e Helena sozinhos na sala, quando fiz menção de levantar, Helena colocou sua
mão sobre a minha.
— Sabe, ele é um rapaz que guarda muito para si. — Helena disse quebrando o silêncio. —
Mostre a ele que pode se abrir, esteja do lado dele.
Eu sorri.
— Sempre estive do lado dele, eu vou continuar sempre…
Saí, andei um pouco e encontrei Bruno sentado num banco de madeira, do lado de fora do
estábulo. Estava com cabeça recostada na parede de madeira, olhando para o céu, quando
me aproximei ele olhou para mim com olhos marejados.
— Oi… — Murmurei. — Você tá… Bem?
— Não. — Ele respondeu e deu um risinho irônico.
Uma lágrima desceu pela bochecha e ele desviou o olhar para o céu novamente, vi mais
algumas lágrimas escorrerem pela lateral de seu rosto, Bruno parecia tentar se concentrar
ao máximo para não chorar, mas estava falhando nisso.
— Quer falar sobre o que aconteceu? — Me sentei do seu lado.
Ele não respondeu, apenas cruzou os braços e olhou para o outro lado, me impedindo de
ver seu choro.
— Bruno. — Chamei, mas ele não me olhou. — Olha pra mim, eu tô aqui por você, pode
chorar…
— Por quanto tempo…? — Sua voz estava embargada. — Por quanto tempo você vai estar
aqui… Por mim? — Ele bufou. — Merda, eu odeio chorar…
O silêncio predominou por alguns segundos, sua nuca e suas orelhas estavam vermelhas,
seu corpo tremia.
— Pra sempre, eu vou tá aqui pra sempre. — Levei minha mão ao seu ombro, mas ele se
afastou e se levantou. — Bruno, por favor…
Ele estava de costas, suas mãos passaram pelo seu cabelo castanho, que brilhava contra a
luz da tarde, logo deixou seus braços caírem pela lateral do corpo e então deu de ombros.
— Eu… — Sua voz falhava, estava baixa, ele levou as mãos ao rosto. — Não quero me
sentir assim… Por que…? — Ouvi ele fungar e me levantei, tentei abraçá-lo, mas ele se
afastou de novo.
— Me deixa te tocar… — Eu implorei, sentindo minha voz começar a falhar. — Por favor.
Bruno não respondeu, segurei seu ombro e o virei para mim.
— Olha pra mim. — Pedi.
Ele respirou fundo, tirou as mãos do rosto e levantou o olhar, estava vermelho, cheio de
lágrimas escorrendo pelas bochechas, os olhos estremeciam tentando manter o contato
visual, ele constantemente desviava o olhar. Eu beijei suas bochechas, limpei suas lágrimas
delicadamente com meus dedos e enfim segurei seu rosto com firmeza.
— Não chora… — Pedi, sentindo uma dor apertar no peito por vê-lo assim.
Ele deu outra risada irônica.
— Eu já tô chorando… — Ele murmurou.
Comecei a rir, olhei para ele novamente e respirei fundo.
— Me ouve. — Falei com firmeza, ao menos com toda a firmeza que podia ter naquele
momento. — Sua mãe é um ser humano deplorável, nem tem o direito de ser considerada
sua mãe. — Respirei fundo. — Ela foi egoísta, desumana, cruel e irresponsável. — Bruno
me olhou. — Eu sei que você tá com medo, eu sei que tá doendo, te ver assim me dói, dói
muito. — Senti algumas lágrimas nos cantos dos olhos escorrerem pelo meu rosto, mais
lágrimas escorriam pelo rosto do Bruno. — Dói porque eu te amo, eu me importo com você,
não sou o único que se importa. — Vi um leve sorriso brotar no rosto dele, me fazendo sentir
levemente aliviado. — Você tem a mim, ao seu pai, aos seus amigos, a sua avó, terá muitas
pessoas na sua vida que você ainda vai conhecer, pessoas que vão te decepcionar, e
também que vão te amar. — Suspirei. — Eu mesmo já te decepcionei, mas eu jamais vou te
deixar, se um dia eu te magoar de novo, vou fazer de tudo pra consertar, você nunca mais
ficará sozinho, nunca mais será abandonado.
Bruno começou a rir.
— O quê? — Perguntei rindo também.
— Você disse nunca mais. — Bruno falou de forma travessa, secando o rosto.
Revirei os olhos.
— Cala a boca… — Eu o beijei, beijei com todo o meu amor, com todo o carinho que
possuo no meu coração. — Nunca mais vou ficar longe de você…
— Promete? — Bruno perguntou timidamente.
— Prometo. — Falei o abraçando com firmeza.
Bruno retribuiu o abraço, senti amor naquele abraço, um amor que nunca mais vou deixar
de ter.

— Meu Deus… — Murmurou Brenda após Bruno contar sobre a visita a sua avó. — Tô
chocada…
— Caramba, parece drama de novela. — Disse Caio do lado dela.
— Pera… Sua mãe não tinha morrido? — Perguntou Yago com a boca cheia de salgadinho.
— Depois dessa, ela foi de arrasta pra cima… — Murmurou Brenda sarcástica.
— Ah, de fato… — Concordou Bruno. — Ela morreu pra mim, de novo…
Logo ouvimos Wagner buzinar para o carro à sua frente.
— Dá a seta, filha da puta! — Ele gritou pro carro.
Dentro da van do Wagner, estávamos a caminho para visitar a nova vida de Júlio, a estrada
subia por uma montanha, sentia meu ouvido entupir pela mudança de ar. Heitor voltou de
viagem dois dias antes, ele nem desfez as malas e já estava embarcando com a gente
nessa visita para outro estado, dormia confortavelmente no fundo de boca aberta, com uma
máscara de dormir cobrindo seus olhos, tinha olhos desenhados nela, o que deixava ainda
mais engraçado. Miguel tirava foto do Heitor dormindo, Saulo olhava para a janela com
fones de ouvido, provavelmente se imaginando num clipe de música e Valdo estava lendo
um livro verde de capa dura do Machado de Assis.
— Como consegue ler com o carro em movimento? — Perguntei para Valdo.
— Prática, faço isso todo dia quando pego ônibus pra escola. — Ele respondeu sem tirar os
olhos azuis do livro.
— Não fala do movimento do carro… — Murmurou Bruno do meu lado. — Falta muito?
— Mais umas três horas. — Disse Wagner olhando pelo retrovisor. — Quer parar?
— Sim, pelo amor de Deus. — Bruno implorou com a voz embargada.
Wagner parou no acostamento, Bruno praticamente pulou do carro e apoiou as mãos nos
joelhos.
— Vai vomitar? — Perguntei preocupado.
— Não… Só preciso de ar… — Ele respondeu.
Caio saiu do carro e ofereceu a mão para descer a Brenda.
— Milady. — Disse Caio de forma sedutora.
Brenda riu e pegou sua mão.
Yago saiu também, levando o pacote de salgado vazio para uma lixeira ali perto e logo
voltando para o carro abrindo outro biscoito.
Saulo saiu depois, esfregou os olhos verdes, passou a mão pelo cabelo loiro e se
espreguiçou e deu alguns passos até nós, ainda com seus fones de ouvido, não percebeu
quando Miguel chegou por trás e deu um tapa na nuca dele.
— Porra! — Saulo gritou assustado.
Miguel ria alto, os olhos castanhos brilhavam de forma travessa, seu cabelo castanho estava
amassado atrás por ficar sentado na mesma posição por muito tempo.
— Sua reação foi hilária… Aí! — Gritou Miguel ao receber uma cotovelada do Heitor.
Heitor ajeitou os dreads do cabelo num coque e olhou irritado pro Miguel.
— Para com essa porra! E me dá seu telefone, o Valdo falou que você tirou foto minha
dormindo! — Gritou Heitor para o Miguel.
— Nunca! — Gritou Miguel, fugindo do Heitor.
Heitor começou a correr atrás dele.
— Fiquem longe da estrada! — Gritou Wagner ainda no carro. — Não quero explicar pros
seus pais como foram atropelados!
Valdo ainda estava no carro com seus olhos no livro, passou a mão pelo cabelo raspado e
suspirou.
— Brás Cubas é um imbecil…
Brenda e Caio se engoliam embaixo de uma árvore e Yago devorava um pacote de biscoito
de chocolate.
— Caralho, que caos… — Bruno comentou se pondo de pé e olhando à nossa volta.
— Às vezes é bom dar umas paradas. — Falei rindo. — Liberar um pouco desse caos antes
de mais três horas de viagem.
— Essa viagem não acaba nunca! — Bruno gritou de frustração.
Eu apenas ri e admirei o caos do nosso grupo de amigos.

A pequena cidade lembrava bastante um bairro qualquer no Rio, a avenida principal tinha
vários restaurantes e lojas, logo estávamos no centro da cidade, onde tinha uma praça toda
decorada para o natal: renas, árvore-de-natal, luzes de natal. A frente da praça estava a
prefeitura, um prédio enorme com uma placa falando sobre uma nova reforma e o prazo que
seria realizado.
Viramos na rua atrás da prefeitura e Wagner estacionou na frente de um mercado enorme,
que era dito como o maior mercado da cidade. Todos nós saímos da van e fomos ajudar
Wagner nas comprar, passamos perto do caixa para pegar um carrinho e a moça do caixa o
cumprimentou pelo nome, depois passamos por mais algumas pessoas que também
cumprimentavam Wagner pelo nome, perguntavam sobre seu irmão, os avós e como
andava seu trabalho.
Como disse, uma cidade pequena.
— Quantas pessoas moram aqui? — Perguntei ao Wagner.
— Tem uns trinta mil habitantes. — Wagner respondeu calmamente. — Acho que o bairro
que vocês moram tem mais gente que isso.
— Ah, com certeza. — Comentou Bruno. — Lugar calmo…
— Meus avós moraram aqui a vida toda, ficaram felizes quando me mudei pra cá. —
Wagner disse com um sorriso no rosto. — Quando trouxe Júlio fizeram uma festa, logo a
notícia se espalhou e todo mundo da cidade soube do meu irmão.
— Ele fez algum amigo desde que chegou? — Yago perguntou, mas senti um tom de “ele tá
ficando com alguém?” na pergunta.
— Sim, tem uma menina chamada Clara, pelo que entendi vão estudar na mesma sala ano
que vem… — Respondeu Wagner distraído, colocando suco e leite no carrinho. — Tem algo
específico que vocês queiram?
— Pode ser qualquer coisa? — Perguntou Miguel maliciosamente.
— Olha vou pôr um limite de vinte reais pra cada um. — Falou Wagner rapidamente. —
Vocês têm dez minutos.
— Peraí! — Falei antes que todos se separassem. — Juntando a gente pode fazer um
banquete! Que tal comprar massas de pizza e uns ingredientes?
— Eu tô a fim de uma pizza… — Murmurou Heitor.
— Festa da pizza então! — Gritou Yago animado.

No corredor, ao lado da porta do apartamento do Wagner, ouvimos uma música bem alta
tocando.
— Não façam barulho… — Sussurrou Wagner de forma cúmplice.
Entramos e vimos Júlio na sala dançando a última versão do “Just Dance” ao som de Dua
Lipa, ele estava de pijama e o cabelo num coque bagunçado, estava de costas e claramente
não notou nossa presença. Yago começou a filmar e a tentar ao máximo não rir, enquanto o
resto de nós olhava sem acreditar.
— AI MEU DEUS! — Gritou Brenda, fazendo Júlio se virar para nós com o rosto todo
vermelho e assustado. — NÃO ACREDITO! VOCÊ TEM A NOVA VERSÃO DO “JUST
DANCE”!
Ela largou as compras na mesa e correu até o meio da sala, pegou um dos controles e
começou a dançar. Júlio pareceu ficar sem saber o que fazer por alguns segundos, mas
logo decidiu continuar a dançar, nós apenas guardamos as comprar, menos Yago que ainda
filmava tudo.
Depois de tudo arrumado na cozinha, voltamos para a sala e vimos os dois rindo e
cansados, Júlio nos olhou e sorriu.
— Senti saudade. — Ele disse e seus olhos pousaram em Yago. — Para de filmar!
— Isso aqui não tem preço. — Yago disse mostrando o vídeo do Júlio dançando.
Júlio foi até Yago, que rapidamente guardou o celular e levantou os braços para se
defender, mas Júlio não o bateu e nem o celular tentou pegar, apenas o abraçou, fazendo
Yago arregalar os olhos surpreso.
Yago ficou parado por um tempo, sem saber como reagir, mas retribuiu o abraço e sorriu.
Júlio se afastou, mas os braços ainda repousavam nos ombros do Yago.
— Oi. — Disse Júlio de forma tímida.
— Oi! — Yago respondeu animado e o abraçou de novo.
Não se viam há um mês, a última vez que se viram foi quando conversaram sobre
manterem contato e terem um relacionamento a distância.
Eles combinaram uma relação aberta, onde ambos estavam livres para ficar com quem
quiser, sem amarras. Pelo pouco que vi e soube, nenhum dos dois nem tentou ficar com
outras pessoas.
Júlio me contou que se sentia culpado com a ideia de prender Yago numa relação
separados por 6 horas de viagem de carro e 8 de ônibus, mas parece que Yago estava
cagando para isso, só não queria que Júlio saísse da vida dele, mesmo que só mantendo
contato por telefone e fazendo vídeo-chamada todo dia. Yago esteve com Júlio no dia que
ele foi embora, se despediram com um beijo e uma promessa: que não sairiam da vida um
do outro pela distância.
Uma semana será o suficiente para matar a saudade? Me perguntei, sentindo preocupação
nessa relação que eles estavam finalmente desenvolvendo.

— UNO! — Gritou Yago descartando duas cartas ao mesmo tempo.


— Isso é contra as regras. — Disse Júlio calmamente, colocando uma carta reversa,
fazendo Yago jogar novamente.
— Não é não! — Gritou Yago pegando uma carta do baralho e bufando. — Passo.
— É sim, tá nas regras da caixa. — Disse Júlio.
Bruno jogou um bloqueio, fazendo pular minha vez.
— Poxa, benzinho! — Gritei irritado.
— Isso por ter me feito comprar mais quatro! — Bruno disse, rindo de forma maléfica.
— Aqui na caixa não fala sobre ser errado descartar várias cartas. — Disse Caio segurando
a caixinha do jogo.
— A própria empresa do uno disse no Twitter que… — Júlio tentou continuar mas foi
interrompido pelo Yago de novo.
— A empresa que fez o uno não sabe jogar o próprio jogo! — Gritou Yago, fazendo Júlio
revirar os olhos.
— Falta muito pras pizzas ficarem prontas? — Perguntou Miguel jogando um mais 4 no
Heitor.
— Se fudeu Saulo. — Falou Heitor jogando mais 2.
— Merda! — Disse Saulo pegando 6 cartas.
— Falta dez minutos pras pizzas ficarem prontas. — Disse Wagner procurando um filme na
Netflix. — Eles tiraram o Drácula!
— Qual deles? — Perguntou Bruno olhando para a televisão, me dando chance de ver suas
cartas.
— O bom! Aquele do Bram Stoker! — Wagner bufou e procurou o mesmo filme no prime.
— Suas cartas são péssimas. — Falei rindo e ele me deu um soco.
— Trapaceiro! — Bruno gritou irritado.
— Tem no prime, mas tá pra alugar… — Wagner murmurou irritado.
— Vamo ver outro filme então. — Disse Brenda no sofá mexendo no celular. — Tem um
com zumbi que quero ver.
— Por favor, não seja “Meu namorado é um zumbi”. — Implorei.
Brenda revirou os olhos e voltou para o celular.
— Esquece… — Ela disse de forma irritada.
— Que tal “clube da luta”? — Sugeri.
— DE NOVO? — Todos na roda do uno perguntaram.
— Ok… Esquece. — Falei dando de ombros.
Depois de muita procura, Wagner decidiu que veríamos "A Bruxa de Blair”, algo que deixou
Bruno muito feliz.
— UNO! — Gritou Yago de novo.
Nos juntamos contra o Yago, fazendo ele comprar dez cartas, Júlio ganhou descartando as
cartas que tinha de uma vez, ignorando que tinha dito que isso era contra as regras uns dez
minutos antes.
— Caralho, todo mundo contra mim nessa porra! — Gritou Yago irritado.
Logo ouvimos o sinal do fogão, avisando que as pizzas estavam prontas.

— Não tem problema mesmo? — Perguntou Heitor para Wagner.


— Tá tranquilo, não me incomodo em dormir na sala. — Respondeu Wagner ajeitando o
sofá-cama.
O apartamento tinha dois quartos, um escritório e um banheiro. Wagner cedeu o dele, que
era o maior, para o Saulo, Miguel, Valdo e Heitor. Júlio decidiu dividir o quarto com Yago,
Bruno e eu, onde eu e Bruno dormiríamos num colchão no chão e eles dois dividiram cama.
Brenda e Caio ficaram no escritório, num colchão no chão, que mesmo sendo pequeno, eles
ficaram muito felizes em poderem dormir juntos.
— Só não façam barulho… Por favor. — Wagner implorou, fazendo Brenda e Caio darem
risadinhas cúmplices um para o outro.
Wagner se acomodou na sala, ajeitou as cortinas para a luz não entrar e nos desejou boa
noite.
Depois de tomar banho e escovar os dentes, voltei ao quarto do Júlio e presenciei Bruno
deitado no colchão do chão com o travesseiro sobre a cabeça, enquanto Júlio e Yago
estavam na cama, embaixo do edredom conversando.
Quando Yago me viu ele sorriu.
— Festa do pijama a noite toda! Bora? — Ele perguntou animado.
— Cala a boca e vai tomar no cu… — A voz do Bruno estava cansada, mas dava para sentir
sua raiva queimando pelo incômodo.
Fui até ele e deitei do seu lado, só o nariz e a boca estavam fora do travesseiro, que fofo…
— Nossa, que desânimo… — Yago disse com um tom ofendido.
— Você tá com energia sobrando. — Comentou Júlio se acomodando no seu travesseiro. —
Guarda pra amanhã, vou te apresentar a cidade… Apaga a luz, anda.
A luz foi apagada, abracei o Bruno, o senti se acomodar nos meus braços e suspirar.
— Quentinho… — Ele murmurou sonolento.
Não sei quanto tempo se passou, mas quando eu estava prestes a dormir ouvi as vozes do
Júlio e Yago sussurrando no escuro, estavam tão baixas que se não fosse o silêncio
completo da noite, não teria sido capaz de ouvir.
— Eu senti muito a sua falta. — Yago falava com um tom de voz tranquilo.
— Eu também… — Júlio disse.
— Pensou sobre nós? Sobre o que eu falei? — Yago perguntou com seriedade.
Um silêncio desconfortável dominou o quarto.
— Ah… — Júlio estava preocupado. — Sim… Pensei…
— Quero ficar com você, quero… Estar com você, sabe? E você?
Era estranho estar ali, ouvindo aquela conversa tão pessoal e íntima deles, mas seria
incapaz de dormir agora, se eu levantasse e saísse, os deixaria constrangidos já que ouvi o
começo… E eu estava curioso demais para não ouvir, então apenas fingi que estava
dormindo.
— Yago… Eu não sei…
— Me escuta. — Yago tinha firmeza na voz. — Eu… Amo você, tá? Eu quero você na minha
vida. — O ouvi respirar fundo. — Não quero que você me afaste por achar que está me
prendendo, ou que vai dar errado, ou que vamos nos arrepender, tô cagando pra isso, eu te
amo, eu sei o que eu quero, mas o que você quer?
— Você não entende… Eu… — A voz do Júlio estava embargada. — Não quero que você
sofra, é uma baita mudança, seu futuro…
— Eu quero você no meu futuro. — Disse Yago com seriedade. — Eu não fiquei com
ninguém… Desde o acampamento…
— Não? — Perguntou Júlio surpreso.
— Não… E você? — Era a pergunta que Yago estava doido para fazer o dia todo.
— Não.
Ouvi Yago suspirar de alívio.
— Não quero ficar com mais ninguém, só com você.
Nunca ouvi o Yago tão sério na minha vida… Pensei, de repente senti o Bruno se mexer nos
meus braços. Minha visão tinha se acostumado com o escuro e vi os olhos do Bruno semi-
abertos, ele pareceu que ia falar algo, mas tampei sua boca com a ponta dos meus dedos.
— A gente vai entrar no terceiro ano… Ainda temos muito tempo pra pensar sobre o
futuro… — Júlio tentava manter a voz firme e racional. — Não quero que você se
arrependa…
— Para de dizer isso! Para de dizer que vou me arrepender! Vou me arrepender se não tiver
você comigo! — Yago disse elevando a voz. — Eu já me decidi, depois da escola vou fazer
faculdade aqui, me tornar professor e morar com você!
— Shhh! — Júlio fez. — Vai acordar o Henrique e o Bruno.
— Foi mal… — Disse Yago frustrado.
— Não quero que você faça isso por mim…
— Para. — Yago pediu nervoso. — Eu sei que você me quer na sua vida tanto quanto eu
quero…
— Eu quero, ok? Eu quero… Mas… — Júlio suspirou. — Eu tenho medo que você se
arrependa dessa decisão, é algo muito grande, depois a gente pode acabar brigando e você
diga “ah, mas eu mudei minha vida por você”, sabe? Que nem…
— Seus pais. — Completou Yago. — Você e eu não seremos como eles, pra começar não
seremos homofóbicos com nossos filhos.
— Já tá pensando nos filhos? — Perguntou Júlio rindo.
— Sim. — Disse Yago com seriedade, fazendo Júlio parar de rir. — É sério, quero um futuro
com você, com tudo que tem direito.
O silêncio dominou o quarto por um bom tempo, quase achei que tinham ido dormir, mas a
voz de Júlio surgiu na escuridão.
— Você realmente tá falando sério? — Júlio perguntou, senti insegurança na sua voz. —
Sobre a faculdade… Nosso futuro…
— Nunca falei tão sério em toda a minha vida. — Yago falava com a voz tremida. — Eu te
amo Júlio, desde antes do nosso primeiro beijo… Me desculpa ter demorado tanto tempo
para…
— Tá tudo bem, eu entendo… — Júlio disse com sua voz calma e suave. — Eu também te
amo, seu bêbado idiota.
— Seu crente chato. — Yago disse rindo.
— Não acredito em Deus… — Júlio disse de forma travessa.
Ouvi os dois se beijarem, o barulho dos lençóis ao redor deles enquanto se abraçavam, sorri
ao pensar que Júlio estava feliz e com um futuro planejado com alguém que o amava,
alguém que é capaz de mudar de estado por ele.
Logo o silêncio dominou o quarto, ouvi roncos, todos dormiam, exceto eu. E o meu futuro?
Perguntei na escuridão.
Olhei para o Bruno que estava de olhos fechados, a ponta dos meus dedos ainda estava
sobre seus lábios. Passei anos amando secretamente meu melhor amigo, nós ficamos
finalmente juntos, eu amo o Bruno… Não consigo imaginar minha vida sem ele. Refleti e o
abracei, senti seu corpo estremecer no meu abraço.
Mas o que eu quero fazer da minha vida? Essa perguntou me perseguiu até finalmente
dormir.

— Como vamos brincar de “eu nunca” se eu nunca fiz nada na minha vida? — Perguntou
Bruno indignado.
Tínhamos dado uma volta na cidade e quando voltamos, Wagner deixou um bilhete dizendo
que estava fora, resolvendo coisas do trabalho, não tinha nenhum filme que queríamos ver,
então Brenda sugeriu jogar um joguinho de bebida com uma garrafa de cachaça que Júlio
havia achado no armário.
— Isso não é verdade. — Falei e Bruno me olhou de forma desafiadora. — Quer ver? —
Enchi um copinho pro Bruno e sorri. — Eu nunca beijei ninguém bêbado e não me lembrei
no dia seguinte.
Bruno revirou os olhos e tomou um shot.
— Caralho! Isso queima! — Ele falou fazendo uma careta.
— Quem você beijou bêbado? — Brenda perguntou surpresa.
— Esse imbecil. — Bruno disse apontando para mim.
— Duas vezes. — Falei orgulhoso.
— Vocês foram feitos um pro outro… — Resmungou Saulo.
— Minha vez então. — Bruno falou maliciosamente. — Eu nunca contratei uma puta de luxo
pra fazer ciúme.
Meu queixo caiu, todos olharam para o Bruno sem entender, respirei fundo e bebi um shot.
Todos arregalaram os olhos para mim, evitei olhar para eles envergonhado.
— Quando foi isso? — Perguntou Caio surpreso.
— Na festa do pijama desse desgraçado. — Falei puto apontando pro Bruno.
— Espera… HELENA? — Brenda perguntou sem acreditar.
— O nome dela é Sofia. — Bruno a corrigiu.
— Eu tô me divertindo pra caralho! — Miguel gritou e começou a rir histericamente. — Altas
revelações!
Depois de algumas rodadas, onde Bruno quase não bebeu, foi a vez de Caio, que já estava
bem animadinho.
— Eu nunca fiz um boquete em alguém que não estava apaixonado. — Caio falava
enquanto olhava para o Bruno.
Bruno tomou um shot, seu rosto estava vermelho e ele não me olhava. Senti meu sangue
queimar enquanto todos olhavam para o Bruno surpreso. Eu já sabia que Bruno tinha tido
algumas experiências com o Caio, também sabia que não significou nada, mas não é
necessário falar disso na frente dos amigos… Bruno está claramente desconfortável.
— Nossa, Bruno, achei que você era do tipo santinho. — Disse Miguel de forma maliciosa,
mas logo calou a boca quando o olhei com ódio.
— Achei que todas as suas primeiras vezes tinha sido com o Henrique. — Comentou Valdo.
— Ih, gente! — Caio falou de forma descontraída. — O próprio Henrique não era puro
quando ficou com o Bruno, que que tem ele ter alguma… Prática?
Bruno engoliu em seco e começou a mexer no celular sem jeito.
— Minha vez. — Falei sério e olhando para Caio. — Eu nunca tentei forçar um beijo em
alguém no vestiário da escola.
O sangue fugiu do rosto de Caio, que hesitou bastante, mas acabou tomando um shot.
— Que história é essa…? — Perguntou Brenda, indignada.
— Acho que já tá bom por hoje… — Murmurou Bruno se levantando e indo até a varanda.
— Parabéns, Caio… — Falei puto e indo até o Bruno.
Bruno estava na sacada, apoiado no parapeito e observando a paisagem. Dava para ver os
morros e árvores ao longe, tinha vacas e cavalos pastando, o céu cheio de nuvens tingidas
de laranja, era uma bela visão.
— Ei… — Chamei me apoiando no parapeito do lado dele. — Tudo bem?
— Tô meio… Constrangido agora… — Bruno disse sem me olhar.
— Cê sabe que tá tudo bem, né? — Perguntei fazendo carinho na sua nuca. — Tipo, eu
mesmo fui a “maior piranha.” — Falei imitando a voz do Bruno. — E “fiquei com todas as
garotas da escola!”
Bruno começou a rir, se aproximou e encostou no meu ombro.
— Sei lá, eu usei o Caio, estava com raiva… Foi infantil… — Bruno murmurou e deu de
ombros.
— Eu usei garotas para esconder que estava apaixonado pelo meu melhor amigo. — Falei
dando de ombros.
— Ok, você venceu. — Bruno disse rindo. — Provavelmente Caio está bêbado, ele não
deve ter feito isso de propósito…
— Vamo ver. — Falei rindo. — Ele vai ter de explicar algumas coisas pra Brenda.
Dei um beijo no seu rosto e suspirei.
— Bruno? — Ele virou o rosto para mim. — O que você… Pensa sobre o futuro? Tipo, sei
que você quer escrever roteiros e fazer filmes… Mas… Tipo… Nós…
— Isso é pela conversa que o Júlio e o Yago tiveram ontem a noite? — Bruno perguntou,
me interrompendo.
Olhei para ele surpreso.
— Você ouviu? — Perguntei rindo.
— Quase tudo… — Ele murmurou sorrindo. — Pensei um pouco sobre isso, um futuro sem
você para mim é algo inconcebível. — Bruno deu de ombros. — Estamos juntos a tanto
tempo, não quero que isso mude… Nunca.
Aquilo aqueceu meu coração, senti pequenas explosões no peito.
— Incrível… Não importa como, eu ainda sinto fogos de artifício por você… — Falei
pensativo.
— Comigo são borboletas… — Bruno murmurou rindo.
Ficamos em silêncio por um momento e suspirei.
— Eu não sei o que fazer… Faculdade, trabalho… — Desabafei. — Me sinto perdido…
— No pior, você cuida da minha fazenda. — Bruno disse de forma simples.
Olhei para ele e ergui uma sobrancelha.
— Eu não entendo nada de cavalos. — Falei com certa obviedade. — E a fazenda não é
sua.
— Mas será. — Bruno falou observando o céu. — Minha avó também não entendia de
cavalos, aí ela aprendeu… Na verdade, ela aprendeu com dezoito anos. — Bruno disse,
novamente, com simplicidade. — Logo logo você vai fazer dezoito anos.
Parei e pensei por um momento.
— Bom… Melhor que nada. — Falei dando de ombros.
— Minha avó vai adorar manter as coisas em família… — Bruno disse e me deu um beijo no
rosto.
— Tá dizendo que faço parte da família? — Perguntei rindo.
— Amor! Pelo amor de Deus! — Bruno disse me dando um tapa. — Que parte do “quero
ficar com você pra sempre” você não entendeu?
Eu ri e o abracei.
— Incrível que pra você tudo é simples… — Falei implicando com ele.
— E pra você tudo é tão complicado… — Bruno revirou os olhos.
Não respondi, ele estava certo e estava disposto a mudar isso… Por ele.

Epílogo: Acabando o que não tem fim…

— Vamos benzinho! — Gritou Henrique me puxando pela mão. — Tamo atrasados!


— Por que… A gente sempre começa… O ano correndo? — Perguntei enquanto corria
atrás dele um pouco sem ar.
Se tivessem me dito no início do ano passado que começaria o último ano da escola
namorando meu melhor amigo, eu teria acusado a pessoa de estar usando drogas ilícitas.
Mas hoje, eu não me surpreendo com mais nada.
Acaso ou destino, estava com a pessoa certa. Na verdade, pela nossa história, eu sempre
estive com a pessoa certa.
— Dessa vez fui eu… — Falou Henrique sem ar, se apoiando nos joelhos, na frente da porta
da nossa nova sala. — Coloquei a hora errada pra gente acordar…
— Imbecil… — Murmurei com um sorriso de canto.
— Seu imbecil. — Ele disse e me roubou um selinho.
Abriu a porta e o professor Gomez nos olha com seu ar de superioridade. Ainda com seu
bigodinho, sua camisa social verde, que revelavam seu esforço na academia, e seus olhos
esbugalhados, professor Gomez continuava igualzinho a como sempre foi: assustador.
— Se me disserem que estão atrasados por conta do despertador do Bruno, eu vou
pessoalmente acordar vocês amanhã. — Disse o professor Gomez com ironia.
A turma toda estava em silêncio, nos observando com tanta atenção quanto o professor
Gomez. Heitor e Saulo estavam no canto da sala, ao lado deles Miguel dormia
profundamente. Brenda estava com suas amigas, enquanto lançava olhares rancorosos
para Caio, que estava sentado do outro lado da sala, que por sua vez estava ocupado
demais olhando para o celular para notar a namorada raivosa.
— Na verdade, a culpa foi minha… — Disse Henrique dando um passo à frente. — Coloquei
a hora errada para o alarme…
— Não é tão difícil assim armar um despertador! — Professor Gomez interrompeu Henrique.
— Até o Miguel chegou na hora hoje, é o Miguel! Pelo amor de Deus! — Ele olhou para o
Miguel que babava na mesa. — Miguel!
Ao som do seu nome, Miguel acordou e limpou a baba no canto da boca.
— Diga para eles como fez para chegar cedo, mostre um bom exemplo!
Miguel piscou algumas vezes, como se estivesse tentando lembrar onde estava e quem era.
— Dei sorte… — Miguel disse bocejando, ignorando a decepção nos olhos do professor. —
Matheus me ligou desesperado hoje às quatro da manhã para falar que ganhou uma aposta
pra beijar um cara muito gosto…
— Não interessa! — Gritou o professor Gomez o interrompendo, que suspirou e olhou para
nós. — O que estão fazendo parados aí? Sentem logo!
Não precisa pedir duas vezes, pensei, estava sentindo o déjà-vu do ano anterior enquanto
eu e Henrique corríamos para duas mesas no fundo.
— Pelo amor de Deus! Vinte anos dando aula, pleno 2022 e ainda tenho que suportar essa
insubordinação… — Murmurou professor Gomez de costas para a turma.
— Daqui a pouco vai dizer que somos a pior turma desse ano… — Murmurou Caio, sua voz
não foi baixa o suficiente.
Logo, uma caneta de quadro voa na testa do pobre Caio.
— Ai! — Caio grita de dor.
— Se continuarem assim, vão ser mesmo! — Professor Gomez andou até a mesa de Caio e
estendeu a mão. — Minha caneta, por favor.
Caio se abaixa, pega a caneta e a devolve ainda esfregando a testa.
— Obrigado. — Disse o professor Gomez.
— De nada. — Respondeu Caio irritado.
A turma toda dava risadas, enquanto Caio lançava um olhar irritado à sua volta. Brenda e
suas amigas morriam de rir, enquanto Miguel voltava a dormir, Heitor e Saulo tiraram um
baralho de Uno do bolso e começaram a jogar entre si. Nada mudou realmente no fim das
contas, pensei, de repente senti uma mão na minha coxa, olhei para Henrique que sorria
discretamente para mim, ou quase nada…

— Não acredito que não estamos na mesma sala! — Gritou Caio para Yago e Valdo,
indignado, na mesa do refeitório. — Tipo, mó injusto essa porra!
Todos estávamos reunidos na mesa, Caio e Brenda um do lado do outro, Miguel dormindo
do lado do Caio, Heitor e Saulo do lado de Miguel, enquanto Heitor tirava fotos do Miguel
dormindo, como alguém é capaz de dormir em qualquer lugar? Me perguntei, enquanto
enfiava meu salgado na boca. Eu e Henrique sentados de frente para Caio e Brenda,
enquanto Valdo e Yago sentavam do meu lado.
— Bom, acho que podemos mudar de sala se alguém estiver disposto a trocar com a gente.
— Comentou Valdo pensativo sem tirar os olhos do seu livro.
Brenda aproveitou a oportunidade para alfinetar o Caio.
— Troco com um de vocês. — Disse Brenda, que se virou para Caio. — Já que ninguém me
ama nessa porra!
— Puta que pariu, meu amor, pela última vez…
— Adoro essa música… — Murmurei com a boca cheia.
— Nossa, você gosta de uma música tão antiga… — Henrique comentou rindo.
— … Eu estava numa ranqueada! — Continuou Caio nos ignorando. — Eu não posso sair
no meio de uma ranqueada pra dizer se eu sofreria muito caso cê morra num acidente
trágico de barco!
— Bom. — Continuei. — A música fez parte da minha infância… Na época que ainda tinha
uma locadora no Valqueire… Cê lembra?
Henrique semicerrou os olhos, pensou um pouco e balançou a cabeça.
— Pô… Não… — Murmurou Henrique. — Quando foi isso?
— Faz uns oito ou nove anos… — Falei fazendo as contas. — É! Nove anos atrás!
Henrique deu de ombros, Brenda se virou para mim com os olhos brilhando.
— Era na época que você vinha à minha casa ver filmes? — Perguntou Brenda apoiando o
queixo nas mãos de forma nostálgica. — Ai, eu adorava aquele lugar, ficava vendo várias
vezes os filmes da Barbie…
— É! — Gritei animado relembrando. — Eu sempre corria lá, nos fins de semana, comprava
chocolate, alugava uns filmes de terror e devolvia no outro fim de semana, depois de rever
na sua casa.
— Você revia os filmes comigo? — Perguntou Brenda colocando a mão no peito de forma
doce. — Ai! Que amor! — Ela se virou pro Caio e bateu nele. — Por que não pode ser fofo
como o Bruno?
Caio esfregou onde Brenda bateu e me olhou com raiva.
— Obrigado… — Ele disse me olhando com raiva.
— A culpa não é minha se você não sofreria pela morte da Brenda num trágico acidente de
barco. — Falei com falsa desolação. — Eu ficaria ar-ra-sa-do. — Falei pausadamente e
olhei para Brenda fazendo beicinho. — Sentiria muito a sua falta.
Ela sorriu e novamente olhou para Caio e bateu nele de novo.
— Babaca… — Ela murmurou.
Todos à volta riram da cara do Caio, que claramente já estava de saco cheio da raiva sem
sentido da Brenda, mas é como ele diz: fé nas malucas.
— Eu não me lembro disso… — Murmurou Henrique do meu lado. — Por que você não
alugava filmes no nosso bairro?
— Bom, na época meu pai trabalhava muito nos fins de semana. — Falei relembrando. —
Então eu ficava na casa da Brenda ou de uma tia minha, que mora no Valqueire, lembro que
ela tinha dois filhos, um deles cuidava de mim… Não era bem uma tia minha de verdade…
Era uma amiga do meu pai.
Era uma época muito conturbada, ainda não havia superado a minha mãe ter ido embora,
eu me culpava por isso. Meu pai, por outro lado, se esforçou o máximo que podia no
trabalho, acho que era o jeito dele de superar tudo. Depois de alguns meses, ele estabilizou
seus horários melhor no hospital que trabalhava para poder cuidar de mim nos fins de
semana.
Fiquei um tempo em silêncio tentando lembrar os nomes dos filhos da amiga do meu pai, o
nome dela é Fátima, eu sei disso, mas o nome dos filhos me fugiu a memória…
De repente dei um soco na mesa.
— DUDA E GUI! — Gritei de repente, todos na mesa se virarem para mim. — Esse era o
apelido deles! — Falei aliviado por finalmente lembrar.
— Deles quem? — Perguntou Miguel depois de ter acordado do seu sono.
— Dos filhos da Fátima, amiga do meu pai! — Falei rindo. — Nossa, não os vejo a uns sete
anos… Você conheceu o Duda. — Falei me virando para o Henrique.
— Ah… Naquelas vezes que seu pai não podia ficar com a gente? — Ele perguntou
semicerrando os olhos. — Caramba! Faz muito tempo!
— Foi umas… Dez vezes que tivemos que fazer isso? — Perguntei. — Enfim, foi o Duda
que me apresentou o gênero de terror, mas não era o favorito dele…
Um sorriso começou a crescer no rosto do Henrique.
— Me lembro da gente cantando NX Zero! — Falou Henrique de repente. — Ele botava pra
tocar, a gente pegava os controles da TV e do blu-ray, fingia que eram microfones e
fazíamos um show na sala de estar!
— Me lembro quando um amigo dele tava lá e ele até cantava com a gente. —
Complementei vendo o sorriso aumentar no rosto do Henrique. — A gente se divertia muito!
— O Duda se mudou. — Comentou Brenda. — Tá morando com o namorado, o Gui tá
estudando naquela escola de rico.
— A você conheceu eles também? — Henrique perguntou curioso.
Brenda revirou os olhos e lançou um olhar para Henrique como se dissesse “Óbvio, né?”
— Bom, nas vezes que você não monopolizava o Bruno nos fins de semana. — Brenda
comentou irritada. — Era eu quem ficava com o Bruno na casa da tia Fátima pra fazer
companhia, isso quando meus pais não estavam em casa.
Isso durou até você não querer mais saber de mim e me abandonar… Pensei, mas logo
deixei essa lembrança de lado, as coisas estão perfeitas como estão agora. Fico feliz de ter
minha amiga de volta, apesar de tudo, isso que importa.
— Você ficava o fim de semana todo lá? — Perguntou Caio para mim, querendo entrar na
conversa.
— Não, geralmente nos domingos ou sábado à tarde, só ficávamos o fim de semana todo
quando meu pai dobrava o plantão, o que não acontecia muito. — Falei pegando meu
celular. — Será que o Duda tem Instagram?
— Tem sim! Vou te mandar… — Falou Brenda pegando o celular dela também. — Ele se
tornou professor…
Falamos mais do Duda e de como era divertido passar os fins de semana na casa dele, da
locadora na época que Wagner trabalhava lá e da forma como conhecemos o Júlio. Percebi
que Yago ficava meio triste quando tocávamos no nome dele, depois das férias eles
pareciam ter aumentado a quantidade de conversas, ligações e vídeo-chamadas. Yago tá
morrendo de saudade do Júlio…
Olhei o perfil dele e me deparei com os cabelos ruivos acobreados, seus olhos castanhos e
escuros pareciam brilhar para quem tirava a foto. Seus braços estavam fechados com
tatuagens detalhadas com dragões e flores, usava uma camisa preta folgada, revelando seu
corpo magro e estava apoiado numa cerca com flores de cerejeira no fundo, na localização
da foto dizia que ele estava num parque no Japão.
Ele realizou o sonho dele, pensei, relembrando das vezes que ele falava que adoraria
conhecer o mundo.
Numa foto mais antiga ele estava do lado de um menino gordinho, o mesmo menino do
acampamento que havia agradecido a mim e ao Henrique por fazer o Thiago ser expulso da
escola dele.
— Ih… — Soltei vendo a foto do irmão do Duda no Instagram dele.
— Que foi? — Perguntou a Brenda.
— O menino! — Falei e ela me olhou sem entender nada, me virei para o Henrique. —
Aquele que agradeceu a gente no acampamento! — Falei mostrando a foto para ele. — É o
mesmo Gui do Duda!
— Ih, é mesmo… — Henrique olhou com mais atenção. — O cabelo ruivo é natural?
— Ai meu Deus, ele tava lá? — Brenda perguntou incrédula. — Como não vi ele?
Que coincidência… Pensei rindo sozinho.
— Eu nem lembrava dele… Será que ele lembra de mim? — Perguntei, me sentindo
culpado por não me lembrar dele.
— Ah, você nem se viam tanto, ele não vivia o fim de semana fora? — Perguntou Brenda
mexendo no celular. — Acho que ele ficava sempre numa Lan House do bairro… E já fazem
uns sete anos também.
Olhei para a foto do Duda e do Gui no Instagram, relembrando de como eles fizeram parte
da minha infância, mesmo que de forma curta, me deram ótimas lembranças…
Falamos mais sobre aquela época, relembrei da locadora de novo, eram bons tempos…
Pensei, nostálgico.
— O dono da locadora até morreu já… — Comentou Brenda de repente, me tirando dos
meus devaneios. — O lugar virou uma pizzaria.
— Que mórbido… — Murmurou Valdo.
Por um momento achei que ele estava se referindo a nossa conversa, me virei para ele e o
vi completamente imerso no livro “A Hora da Estrela”, o qual já estava terminando.
— O que tá achando da história? — Perguntei, estava querendo já fazia um tempo pegar o
livro emprestado.
— Bom, Macabéa acabou de morrer… Teve quinze minutos de fama… E… Fim. — Valdo
disse fechando o livro e me oferecendo. — Pronto, pode ler.
— Valeu. — Falei pegando o livro.
— Macabaia recebe mais atenção que eu nessa merda… — Murmurou Brenda.
— Macabéa. — Eu e Valdo falamos em uníssono.
— Tanto faz. — Brenda disse bufando. — Sabe, o Gui tá uma gracinha agora, perdeu peso,
será que eu devia mandar uma DM pra ele perguntando se tá solteiro? — Ela dizia isso
olhando para Caio, claramente o provocando.
Ela me mostrou o Instagram do Gui, tinha uma foto recente dele numa festa, onde ele
estava segurando um copo para o alto e rindo para a câmera, ele emagreceu desde a vez
que o vi no acampamento. Estava abraçado com um cara baixo de pele negra, seu cabelo
crespo estava num corte degradê com riscos na lateral, cliquei na marcação e vi o nome
“Matheus05”, ele usava uma jaqueta de basquete com o nome da escola, olhava para Gui
como se ele o fascinasse. Os olhos do Gui, castanhos e profundos, não correspondiam com
o sorriso em seu rosto, mas sempre foi assim, ele sempre pareceu ter o olhar de uma
pessoa desiludida, pensei, sentindo uma tristeza familiar naquele olhar.
Antes que Caio pudesse responder à provocação de Brenda, Miguel olhou para a tela da
Brenda e riu.
— Ele é gay. — Miguel disse dando de ombros.
— E o que você sabe? — Brenda perguntou irritada, quando notou que Caio ria, apenas
revirou os olhos e murmurou. — Eu nunca dou sorte com homens…

*
Observei o céu, as nuvens estavam brancas, tinham formas variadas, como se fossem
desenhos abstratos. Senti o sol bater no meu rosto e no peito sem camisa, o vento
levantava meu cabelo sem dificuldade, o mar formava ondas enormes, senti algo pesado no
meu ombro, quando olhei era o Henrique, de olhos fechados e com um leve sorriso nos
lábios.
— Adoro praia… — Ele murmurou.
— Gosto do mar, mas a areia incomoda. — Comentei.
Estávamos sentados em uma toalha na praia de Copacabana, aproveitando a onda de calor
antes de sermos obrigados a estudar que nem condenados pelo resto do ano para o Enem.
Henrique deu essa ideia, não demorou para combinarmos tudo num sábado e logo
estávamos todos na beira da praia.
Brenda e Caio brincavam no mar, jogando água um no outro, enquanto Yago fazia vídeo-
chamada com Júlio, mostrando a praia. Miguel e Heitor tomavam sol do nosso lado,
enquanto Saulo e Valdo se protegiam embaixo do guarda-sol. Valdo, como sempre, enfiado
com o nariz num livro, algo que entendia muito bem.
— Vocês não vão tomar sol? — Perguntou Miguel olhando para Saulo e Valdo.
— Não tô a fim de pegar câncer… — Respondeu Valdo friamente.
— Nem eu. — Disse Saulo colocando um boné na frente do rosto e se ajeitando para
dormir.
— Mas cês não fumam… — Miguel começou a dizer, mas Heitor o interrompeu.
— Calado, você é um poeta. — Heitor disse, com um sorriso se formando no canto dos
lábios.
Miguel jogou areia no Heitor, que olhou para ele com olhos homicidas e Miguel começou a
correr fugindo dele.
— Idiotas. — Comentei rindo.
Olhar toda aquela paisagem, com meus amigos complementando a cena, o mar de fundo,
sentindo o calor de Henrique no meu ombro, me fizeram sentir plenamente feliz. Parecia a
forma perfeita de terminar a semana, não poderia pedir por algo melhor.
Senti a mão do meu namorado ir até minha nunca e acariciar meu cabelo.
— Eu te amo. — Falei e dei um beijo na testa dele.
— Também te amo. — Ele respondeu sorrindo.
Ele se aproximou e me beijou, um beijo calmo, onde eu era capaz de sentir seu sorriso
contra o meu, me fazendo rir de leve. Ele se afastou, com o nariz a poucos centímetros do
meu.
— Quero te beijar pelo resto da minha vida. — Murmurei com o rosto vermelho.
Por um momento, achei que ele não tinha escutado, então senti sua outra mão no meu
rosto, acariciando minha bochecha, o sorriso não abandonou seu rosto em nenhum
momento.
— Beijo tão bem assim? — Henrique perguntou brincando.
Respondi sua pergunta boba com outro beijo, comunicando todo meu amor para aquele que
sempre esteve do meu lado, para aquele que me causava tantas borboletas, para aquele
que nunca deixarei de amar.
— Meu amor é seu, Henrique. — Falei sussurrando nos seus lábios. — Sempre.

— Agora o orador da formatura do ano de 2022, da turma C, Heitor Guimarães, realizará


seu discurso. — Disse a professora Carlota no púlpito à nossa frente.
Os alunos estavam sentados em cadeiras de plástico, organizadas na quadra do prédio
conectado ao da escola, usávamos becas alugadas que pinicam a pele e sentíamos o fim
inevitável à nossa frente. Olhei ao redor e senti todas às vezes que reclamei da educação
física, das vezes que vi Henrique jogar futebol com os outros garotos no intervalo, quando
ele me mostrou como fazer cestas na quadra vazia… Agora as arquibancadas estavam
preenchidas com os pais e familiares dos alunos, meu pai acenou para mim enquanto
filmava com o celular, eu sorri e acenei de volta.
Heitor subiu no palco, colocou duas folhas de papel no púlpito, respirou fundo e levantou o
olhar.
— Hoje, diremos adeus… Adeus a essa escola, aos corredores, as salas de aula, as
matérias que tanto amamos e odiamos… Adeus aos professores que nos ensinaram, nos
respeitaram e mostraram que podíamos levantar a mão sem medo para fazer as perguntas
que tínhamos, pois como diz nosso querido professor Gomez: nenhuma pergunta é idiota, a
não ser quando feita na minha presença. — Isso arrancou risadas dos alunos, Gomez levou
a mão ao coração e sorriu. — Diremos adeus a tudo isso, menos as nossas lembranças,
elas sempre farão parte de nós, levaremos amizades incríveis e os amores que tivemos
quando sairmos daqui.
Vi Brenda começar a chorar, enquanto Caio a puxava para um abraço. Miguel se debulhava
em lágrimas e Valdo ofereceu um lenço para ele, como se já esperasse isso, Saulo sorria de
forma triste, Heitor respirou fundo, parecendo que também iria chorar, e continuou.
— Muito de nós levaremos o lema “do terceirão para a vida” a sério, eu mesmo sei que
meus amigos levarão, pois ninguém além de mim seria capaz de suportá-los. — Mais alunos
deram risadas. — Também sei que alguns casais que se formaram aqui estarão juntos para
sempre. — Henrique segurou minha mão com força. — Admito que sou eu mais torcendo do
que tendo certeza, porque eu amo finais felizes… Todos nós merecemos finais felizes.
Sorri e olhei para Henrique, que também sorria para mim.
— Também sei que muitos aqui nunca mais se falarão. — Heitor falava com maturidade e
seriedade, olhei para a cadeira vazia perto de nós, onde Yago deveria se sentar, mas ele
não estava ali. — Muitas amizades de escola realmente acabam depois da escola, muitos
amores de escola acabam depois da escola, é inevitável. — Heitor deu de ombros. — Mas,
sendo sincero, tem muita gente aqui que nem mesmo eu vou sentir falta. — Alguns alunos
riem jogando a cabeça para trás. — Por que vocês estão rindo? É a realidade!
Revirei os olhos, Heitor não perde uma… Pensei.
— Alguns de nós ainda não sabem o que faremos da nossa vida, é um pouco injusto sermos
obrigados a ter nossa vida toda resolvida com dezessete ou dezoito anos, eu mesmo não
sei o que vou jantar hoje! — Heitor diz com certa indignação, nos fazendo rir. — Mas fico
feliz que muitos de nós descobriram esse ano o que queriam fazer da vida.
Henrique sorriu e se inclinou para o meu lado.
— Ele tá falando de mim! — Ele sussurrou no meu ouvido.
Acabou que Henrique levou minha sugestão a sério e decidiu se tornar aprendiz da minha
avó na fazenda, ele até aprendeu a cavalgar!
— Estou muito orgulhoso de você. — Falei de volta.
— E quem ainda não descobriu, não se preocupam, sempre tem vaga no exército e na
faculdade de administração. — Heitor falou arrancando mais risadas dos alunos.
— Ele tá claramente falando de mim. — Disseram Saulo e Valdo na nossa frente.
Saulo acabou decidindo por uma carreira militar, enquanto Valdo decidiu se matricular numa
faculdade particular de administração.
— Também tem aqueles que se tornarão celebridades, é inevitável… — Disse Heitor
revirando os olhos à nossa frente.
Caio sorriu de forma convencida, o futuro dele estava no futebol, ele foi chamado para um
time e começará a jogar na próxima semana. Brenda suspirou, ela abriu um canal de
maquiagem no início do ano e ganhou vários seguidores, agora está no processo de criar
uma marca de maquiagem própria.
E tem eu, que entrei para a faculdade de cinema, a vida sorria para nós.
— Tenho muito orgulho da pessoa que me tornei, da carreira que escolhi. — Continuou
Heitor.
Ele entrou na faculdade de odontologia, seguindo a mesma carreira que seus pais.
— E muito orgulho daqueles que fizeram parte do meu amadurecimento, de todas as
histórias que fiz parte e… — Ele respirou fundo, olhou para frente e sorriu. — Tenho muito
orgulho… De uma pessoa em especial.
Eu franzi o cenho, isso não fazia parte do discurso… Pensei, lembrando do Heitor pedindo
ajuda para escrever o que falaria. Meus amigos se entreolharam, também sem entender.
— É uma pessoa incrível, engraçada demais e genial. — A voz de Heitor tremia. — Eu
queria ter tido coragem antes… — Os alunos cochichavam e se entreolharam sem entender.
— Mas, acho que se eu não falar agora, nunca mais terei coragem.
Brenda estava de queixo caído, ela me olhou e moveu a boca sem emitir som dizendo “você
sabia disso?”, eu neguei com a cabeça.
— Miguel Lopes, eu te amo. — Heitor falou calmamente. — Desde o primeiro ano, eu sou
completamente apaixonado por você.
Olhei para o Miguel, ele olhava Heitor paralisado, todos os alunos arfam de surpresa.
— Mas ele não era hétero? — Uma menina falou.
— Meu Deus, não é à toa que eles estavam sempre juntos. — Disse um cara que fazia parte
do antigo time de futebol do Caio.
— Miguel também é gay? — Alguém perguntou.
Heitor ficou em silêncio por um momento, talvez esperando todos se recuperarem do
choque, ou apenas se recuperando da coragem momentânea para continuar a falar.
— Fico muito feliz que você seguirá seu sonho de ser veterinário, parabéns, de verdade, fico
muito feliz de ter feito parte da sua conquista.
Miguel estava com os olhos arregalados, sua boca semi aberta, ele parecia não saber o que
fazer ou dizer.
— Para todos os que seguirão seus sonhos, sei que terão o poder de realizá-los se tiverem
as pessoas certas para apoiá-los. — Heitor disse com os olhos focados no papel a sua
frente. — Eu sei que serei capaz de seguir o meu com a pessoa que tenho…
Ele levantou os olhos e sorriu.
— Desejo a todos um final feliz. — Heitor disse e seus olhos pousaram no Miguel. — Eu já
tenho o meu.
Ele desceu do palco, veio em nossa direção e sentou do lado do Miguel, que o encarava
incrédulo.
— Isso foi mais estressante do que eu esperava. — Heitor murmurou.
Miguel ficou o encarando por mais alguns segundos, Heitor o olhava com ansiedade, até
que Miguel finalmente falou.
— Seu filho da puta desgraçado. — Ele disse finalmente. — Caralho, como vou ser capaz
de declarar o meu amor pra você agora? Nada supera isso!
Heitor riu, mais aliviado do que qualquer outra coisa.
— Vou entender isso como um pedido de namoro. — Heitor disse dando de ombros.
— Ah! Não não não! — Miguel falou balançando o dedo para ele. — Vou fazer um show de
pirotecnia pra te pedir em namoro! Contratar o circo de Soleil! Chamar um carro de som com
o Wagner Moura…
Heitor se inclina e rouba um beijo do Miguel, que o calou imediatamente.
— Você fala demais… — Heitor sussurrou para o Miguel, que estava vermelho até a raiz do
cabelo.
— Por que ninguém quer namorar comigo? — Saulo pergunta indignado.
Começamos a rir, felizes e surpresos, logo Carlota sobe no púlpito e chama a todos para
entregar o canudo.
Naquele palco, senti o ponto final da escola, minha história naquele lugar tinha acabado, me
senti melancólico, mas meus olhos bateram no Henrique, que sorria para mim, me
esperando descer do palco.
Minha história aqui acabou, mas muitas outras estão por vir…

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