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MARCOS WELL

PRAZER,
VOLUPTAS

CONTO
WELL, Marcos – 1993
Prazer, Voluptas – Marcos Well – Feira de Santana:
Publicação independente.

Todos os direitos reservados.


A reprodução de qualquer parte dessa obra só é permitida diante de autorização
expressa do autor.

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PRAZER, VOLUPTAS!

Você chega no bar, senta numa mesa bem afastada das outras, num canto onde a
iluminação é pouca. Os olhos vidrados, ansiosos, percorrem a extensão do ambiente. Mira
os rostos de todos que se encontram no lugar, desconhecidos que nunca havia visto antes.
Toma conta dos seus gestos, dos seus olhares. A demonstração de afeto que uns oferecem
aos acompanhantes denunciam que são casais. E você espera. Eu espero!
O garçom se aproxima de mim, tem um largo sorriso nos lábios. Investigo seu semblante,
a estrutura da sua face. Tem a pele branca, a barba bem-feita e um rosto quadrado com
um traço fundo, que se assemelha a um buraco, no queixo.
— Boa noite! – Sua voz é rude como um trovão, e atravessa os meus ouvidos fazendo
com que eu estremeça por dentro. Só então me dou conta do que vim fazer ali.
Pisco os olhos e demoro a responder-lhe, porque a tensão se apropria de todos os cantos
do meu corpo e me faz suar frio.
— O senhor vai querer algo? – Ele indaga, mas eu permaneço em silêncio. Volto o olhar
para a mesa e percebo que há um cardápio a minha frente. Coloco uma das mãos sobre
ele, mas não o abro.
— Eu... – As palavras se perdem em meus lábios e eu não consigo completar a minha
frase.
O garçom impaciente permanece parado próximo a mim, ansiando pela minha resposta.
— Eu quero uma cerveja. – Fixo meu olhar na face do garçom. Ele arqueia a sobrancelha
e me oferece um olhar interrogativo.
— Qual? – Ele respira fundo demonstrando impaciência.
Volto os olhos para o cardápio a minha frente. Abro-o. Sem dificuldades encontro a
sessão de cervejas, escolho a que mais gosto e informo ao rapaz. Assim que tem
conhecimento do que quero, ele dá as costas e segue em direção ao interior do bar.
Passeio com os olhos novamente por todo o local, mas não me demoro nas pessoas, e sim
na sua ornamentação. É um ambiente rústico com tijolos a mostra e alguns quadros que
retratam cenas do sertão nordestino, na parede. Fixo meus olhos num dos quadros,
admirando a técnica de quem o pintara e faço isso com todos os outros que se encontram
no ambiente. Ao menos ele tem bom gosto. Penso.
O garçom retorna, agora com uma garrafa de cerveja e uma taça em mãos. Observo
enquanto ele deposita o que traz na mesa. Após abrir o recipiente com o líquido, ele
deposita em meu copo, até preenchê-lo. Ao terminar de me servir ele dá as costas e faz
menção de sair.
— Você pode trazer outra taça? – Ele me olha por cima dos ombros.
— Não gostou dessa?
Eu olho a taça e verifico a sua forma.
— Não. É que estou esperando outra pessoa.
O rapaz não diz mais nada, se retira e eu permaneço.
Pego o meu celular, ligo o visor e desbloqueio-o pondo o dedo em sua tela e arrastando-
o de um lado a outro. Observo o horário e percebo que ele já está atrasado, cerca de quinze
minutos. O nervoso se apodera de mim, mas respiro fundo no intuito de me conter. Para
passar o tempo, até a sua chegada, abro um aplicativo de mensagens e verifico se ele não
me enviara alguma coisa relativa ao seu atraso. Não há nada, apenas mensagens antigas.
Na última que me mandou, ele dizia:
Estou saindo de casa.
Eu ainda estava me arrumando. Apressei o passo e logo saí de casa. Achei que quando
chegasse, já o encontraria ali, mas me enganei. Eu fui o primeiro a chegar ao local do
encontro, e aquilo me causava uma espécie de temor. Nunca gostei de ser o primeiro a
chegar, seja lá em que ocasião fosse. Sempre dava um jeito de me certificar que todos
estivessem no lugar, no momento em que eu chegasse. Mas neste dia, não consegui fugir
da minha sina.
Olhei novamente as horas e me preocupei. O tempo havia passado, e ele não havia
chegado, nem mandado mais mensagens, nem nada. Preocupado, resolvi me manifestar.
Onde você está? Aconteceu alguma coisa? – Enviei para ele.
Cliquei no ícone do seu perfil e fiquei admirando a sua foto. Havíamos nos conhecido à
tarde. Eu estava no trabalho, entediado com a falta do que fazer e decidi, sem nenhuma
convicção de que algo poderia fluir, apenas para passar o tempo, baixar um desses
aplicativos de relacionamento. Não coloquei informações pessoais no meu perfil, até
porque a minha homossexualidade é desconhecida das pessoas que convivem comigo,
apesar de ter posto a minha melhor foto. Meu nickname era Mr.V. Mr. porque eu achava
legal esse pronome de tratamento, V, porque era a primeira inicial do meu nome, Vinicius.
Assim que o perfil fora criado, naveguei entre os possíveis affairs que estavam
disponíveis nas proximidades. Não haviam muitos com fotos pessoais, grande parte,
tinham em seus nicknames coisas como sigiloso ou discreto. Não me interessei por
nenhum deles, apesar de estar na mesma situação em que alguns e prezar pela discrição
quando se tratava da minha sexualidade.
Após alguns minutos navegando pelo aplicativo, desisti da busca e voltei para o tédio no
qual eu me encontrava antes. Foi então que o telefone vibrou sobre a mesa e eu num
movimento súbito, denunciando a ansiedade que o meu interior havia ocultado, peguei-o
e verifiquei a mensagem que havia acabado de receber. Era ele.
Seu nome, Guilherme, 25 anos, e estava em busca de alguém legal para tomar uma, bater
um papo e ver no que dava. Conversamos durante toda a tarde, trocamos algumas fotos
para ver se além do papo que havia nos tornado interessados um pelo outro, a nossa
aparência condizia com aquilo que buscávamos. Ele era negro, tinha os olhos verdes e
um porte galante, a cabeça raspada, um corpo normal, sem muitos músculos, mas bonito
dentro dos padrões de beleza que a sociedade lhe exigia.
Interessei-me bastante pela sua figura, e ele também gostou de mim. Assim, em comum
acordo, marcamos um encontro no fim da tarde, quando ambos estariam livres dos seus
respectivos trabalhos. E agora, eu estava ali a sua espera.
A ansiedade me corroía por dentro, mas ele não dava sinais de vida. O garçom voltou a
minha mesa trazendo o que eu havia pedido. Verificou a garrafa de cerveja, erguendo-a,
porém ainda estava cheia. Eu acompanhei com os olhos os seus movimentos e passei a
observar traços seus que não havia visto antes. Reparei que ele tinha braços largos e
musculosos e de pelos depilados. A extensão do seu tórax também era saliente sobre a
roupa que usava, uma espécie de farda azul, com um avental da mesma cor, de tom mais
escuro por cima. Após colocar a cerveja sobre a mesa novamente, ele saiu da minha
presença sem dizer palavra alguma.
Pus os olhos na outra taça que ele colocara a minha frente. Voltei os olhos para a minha,
dando conta de que estava cheia. Peguei-a e virei na boca, bebendo o que a preenchia
num só gole. Peguei o celular, olhei novamente as horas. O rapaz com quem eu havia
marcado estava atrasado quarenta e cinco minutos, e para mim, aquele era o sinal de que
ele não viria mais.
A minha ansiedade se extinguiu e deu lugar a um descontentamento, que na verdade eram
todas as expectativas que eu havia posto em cima daquele encontro, caindo por terra.
Primeira lição da vida, nunca confiar em ninguém que se conhece por meio de aplicativos
de relacionamento. Às vezes, as pessoas demonstram interesses e sentimentos que não
são o que realmente querem, apenas para fisgar os desavisados. De qualquer forma, isto
também acontece em vida, ao vivo e cores. A gente nunca sabe quem é a pessoa com
quem estamos nos relacionando. O que não quer dizer, que não devemos nos entregar aos
amores que a vida nos oferece, porém é sempre bom ficar atento e desconfiar um pouco,
até porque há aquele ditado, seguro morreu de velho.
Permaneci sentado na mesa, sem saber muito bem o que faria dali por diante, já que o
meu acompanhante havia furado comigo. Novamente fui até o celular e decidi que ligaria
para ele. Naveguei pelo aparelho até encontrar o seu contato. Encontrado, direcionei uma
ligação a ele e esperei que me atendesse. Com a estrutura eletrônica em meu ouvido,
escutei chamar uma, duas... cinco... até que a ligação caiu. Insistente, liguei novamente e
como da vez anterior, não fui atendido.
Entristecido pelo ocorrido, fiquei durante cerca de cinco minutos paralisado fitando o
nada, buscando no ocaso, motivos pelos quais ele poderia não ter ido aquele encontro.
Ele poderia ser um cara legal, mas um imprevisto poderia ter impedido de que saísse. Ou
talvez, como era mais provável, fosse como um dos milhares de escrotos que existem e
não tivesse gostado tanto de mim, quanto tinha expressado na conversa. Eu sou muito
otário mesmo. Pensei. Mas também, quem sairia com um cara como eu? Completei o
pensamento e fui me dando conta de como aquela situação havia me afetado.
— Droga! – Coloquei os dois cotovelos sobre a mesa e escondi meu rosto nas minhas
mãos. Fiquei remoendo sentimentos, até o momento que cansei, e levantei o meu
semblante.
Fixei a mesa que estava em minha frente e percebi que nela havia um único rapaz sentado.
Medi o seu rosto sem enxergá-lo muito bem, já que meus olhos haviam lacrimejado um
pouco. Permaneci com os olhos fixos nele, até que ele percebeu que estava sendo
observado e direcionou o seu olhar a mim. Encarei-o, sem entender muito bem o que eu
intentava com aquilo, mas fui surpreendido, quando outro rapaz se aproximou e sentou
na mesma mesa que ele, a sua frente, atrapalhando a minha visão e aquela troca súbita de
olhares.
Enfurecido com o que havia me levado aquele lugar e a consequência da minha inocência,
decidi ir embora. Não quis chamar o garçom para que me trouxesse a conta. Observei o
número da mesa que estava e me levantei. Dei meia volta e segui por um largo caminho,
até o balcão onde ficavam as bebidas e onde havia um caixa do lado. Dei passos largos,
ao passo que pisava, bufava de ódio pelo desastre daquela noite.
Cheguei ao balcão, onde havia um único atendente e algumas pessoas aglomeradas
sentadas em bancos altos a frente do local.
— Ei! – Dirigi-me ao rapaz que fazia o possível para atender a todos. Ele lançou um olhar
a mim e ficou parado esperando que eu lhe dissesse alguma coisa. — Eu quero pagar a
conta. – Completei a frase.
— Espere só um instante. O rapaz do caixa foi ao banheiro e volta já.
— Você não pode receber por ele? – Inquiri, mas o homem me deu as costas e foi até a
adega onde ficavam os vinhos.
— Merda! – Exclamei alto.
Recostei-me no balcão, apoiando o cotovelo sobre a estrutura e esperei o tal rapaz do
caixa chegar. Passeei com os olhos pelas pessoas que estavam bebendo naquela parte do
bar e dei com um rapaz que não parava de me encarar. Demorei-me com os olhos nele,
mas não lhe dei muita atenção. Estava muito chateado para que qualquer sentimento de
interesse fosse desperto em mim. Ao menos, fora o que eu achei.
— Indo embora tão cedo? – O homem que havia direcionado olhares para mim, apareceu
num movimento súbito a minha frente.
Fitei-o com desdém e não quis responder-lhe, mas para não parecer mal-educado, o fiz.
— Sim. – Disse monossilábico.
— Dia cheio? – Ele insistiu na conversa e se aproximou ainda mais de mim, ficando frente
a frente comigo. Apoiou um dos braços no balcão e com o outro, levou uma garrafa de
cerveja a boca.
— Um pouco. – Não estava afim de papo, contudo, pela insistência daquele rapaz, passei
a olhá-lo com olhos mais examinadores.
Ele tinha um rosto comum, sem traços extravagantes, mas proporcional. A cara lisa em
formato quadrado e olhos de um azul tão intenso, que ao mirá-lo eu sentia como se
mergulhasse no fundo do oceano. Tinha a pele branca, tal qual as musas alabastrinas dos
ultrarromânticos, e lábios cheios, mas de uma tonalidade rosada que o faziam parecer um
suculento morango. Vestia uma camiseta cinza com bordas de cor preta, que deixava à
mostra parte dos músculos do tórax e braços. Haviam partes de uma tatuagem que
apareciam nas extensões desnudas do seu peitoral, como se fossem as asas de um anjo.
— Oi, o rapaz do caixa chegou! – O garçom se dirigiu a mim e eu voltei os meus olhos
para o caixa, onde um rapaz me fitava de forma inquisidora.
O rapaz que havia falado comigo antes, apoiara o outro cotovelo no balcão e chegou a me
tocar com parte do seu corpo.
— Eu vou deixar para mais tarde. – Disse para o garçom. — Vou aproveitar a noite de
hoje, afinal, é sexta-feira. – Olhei para o rapaz que estava ao meu lado.
— É isso aí. – Ele disse e sorriu. — Aliás, me chamo Fédon. – Estendeu uma das mãos.
— Eu me chamo Vinicius. – Apertei a mão que ele havia me oferecido. Senti a textura da
sua pele, que era macia como a de uma criança.
— Me acompanha na bebida? – Inquiriu-me com os olhos fixos nos meus.
— É claro! – Respondi-lhe e sorri. Ficamos com olhos conectados, como se intentássemos
investigar a alma um do outro, até que ele dirigiu o olhar para o garçom.
— Trás mais duas! – Ergueu a cerveja que tinha em mãos.
Não demorou para que o garçom trouxesse o seu pedido. Fédon pegou as duas, uma ele
ofereceu a mim e a outra ele virou na boca como se estivesse com muita sede. Eu fiquei
observando a forma como ele degustava a bebida. Ao terminar, ele sorriu e cravou
novamente os olhos nos meus.
— O que foi? – Indagou.
Balancei a cabeça num gesto negativo dando a entender que não era nada.
— E então... Costuma vir sempre beber aqui? – Ele tentou puxar assunto.
— Não! – Disse seco. – Levei a garrafa de cerveja a boca para molhar os lábios. Ele
continuou me olhando com semblante inquisidor como se esperasse que eu lhe dissesse
mais alguma coisa. — Na verdade, é a primeira vez.
— Eu também! – Ele passeou com os olhos pelo bar. — Mas gostei daqui, é bem legal.
Ficamos em silêncio. Novamente, depositei um olhar investigador em seu corpo, medindo
os músculos que ele tinha e que se escondiam por baixo da camiseta e da calça. Levei a
cerveja a boca e bebi grande quantidade do líquido. O assunto havia morrido, nem Fédon
ou eu, sabíamos sobre o que conversar.
— Você costuma sair sozinho assim? – Arrisquei.
— Sozinho como? Eu e a minha própria companhia? – Ele sorriu ao fim da frase.
Eu sorri e esperei que ele respondesse as próprias perguntas que havia feito.
— Sim, sempre saio só. Hoje vim com meu dono, mas ele decidiu ir embora.
Inquietei-me com uma das palavras que davam forma a sua frase.
— Dono? – Fixei meu olhar em sua face. Seus olhos eram demasiadamente azuis e
profundos.
— Não é namorado, nem nada.
O silêncio reverberou entre nós dois, criando uma barreira que parecia imperfurável. Um
abismo se abriu diante de nossas figuras e milhares de inquietações se fizeram presente
em mim. Quis saber mais sobre aquele dono, o que era e porque ele o chamava assim,
mas decidi me fazer de desentendido e agir como se nada tivesse acontecido. Já havia
perdido a noite uma vez, não queria que aquilo acontecesse novamente no mesmo dia.
— Você está cheio de dúvidas sobre mim agora, não é verdade?
— Não, tranquilo. – Disse, mas por dentro, as perguntas formavam um tropel em mim.
— Só para que fique claro. Eu não tenho namorado, nem ninguém que me impeça de
fazer algo com outra pessoa. Eu sou uma pessoa livre.
Uma pessoa livre que tem um dono. Pensei. Sorri para mim mesmo.
— Não precisa se explicar.
— Mas eu quero te explicar. – Levantei o olhar encontrando o seu que agora estava
tomado por uma espécie de sombra.
— Não precisa... Eu acho melhor eu ir. – Fiz menção de afastar-me do balcão para ir em
direção ao caixa, mas senti o toque da mão do rapaz em um dos meus braços.
— Por favor, fique! – Insistiu.
Estaquei diante dos meus passos e voltei o corpo em sua direção.
— Fique! Vamos beber, conversar.
Respirei fundo. Não tinha nada a perder, já havia perdido muito aquele dia, então decidi
que ficaria.
— Você sabe a origem do nome Fédon?
Olhei-o, arqueando a sobrancelha.
— Fédon foi um filosofo grego, nativo de Elis. Ele foi capturado quando Esparta e Elis
entraram em guerra e vendido como escravo. Os seus donos o impeliram a prostituição
masculina, que na antiguidade era muito comum, principalmente na Grécia.
— Mas, porque você está me falando isso? – A conversa que ele tentava travar comigo,
já não me agradava, o único desejo que eu tinha, era o de ir embora daquele lugar, recostar
a cabeça em meu travesseiro e dormir.
— Cultura inútil. – Ele sorriu ao fim da frase. — Ei, traz mais duas, por favor. – Ergueu
a cerveja que estava em mãos, mostrando-a ao garçom que estava no balcão.
— Cultura inútil. – Repeti a sua frase e sorri.
— Você não gosta dos mitos da Grécia antiga?
— Um pouco, mas sou um pouco leigo quanto a isso.
— Bem, eu sou muito fã. Acho que peguei isso dos meus pais, ambos eram historiadores.
Não é à toa que me deram esse nome.
— O nome de um escravo e prostituto. – Dei ênfase com a entonação da voz a última
palavra pronunciada. Sorri e balancei a cabeça num gesto de negação.
— Pensando por esse ângulo...
O garçom trouxe as cervejas que ele havia pedido. Uma deixou próxima a mim e a outra
entregou nas mãos dele.
— Sabe, o deus Eros, teve três filhos com Psiquê. Filhos trigêmeos. Eros II, Voluptas e
Hedonê.
— Essa parte da história eu não sabia. – Levei a garrafa de cerveja a boca.
— Eros II, se tornou o próprio Eros pai. Ele regia as paixões humanas. Hedonê era a deusa
das virtudes, também conhecida como Volúpia. Já Voluptas, era o deus do prazer.
— Nunca ouvi falar desses deuses em minha vida. O máximo que eu sabia sobre
mitologia, foi o que me ensinaram na escola e o que li em Percy Jackson.
Sorrimos ambos ao final da minha frase e continuamos a conversar sobre mitologias
gregas. Não entendi muito bem o fato dele tocar naquele assunto, apesar de ter um nome
que remetia a tudo aquilo. No entanto, poderíamos estar falando de coisas diversas,
inclusive sobre a possibilidade dos meus lábios encontrarem os seus, já que todas as vezes
que eu o olhava, sentia vontade de beijá-lo.
A sua boca era convidativa, os seus gestos demonstravam que ele estava tão a fim de
mim, quanto eu dele.
As horas passaram, a noite se estendeu, até que nos chegou a madrugada e o meu corpo
demonstrou sinais de que a bebida estava fazendo efeito.
— Eu não bebo mais! – Depositei a garrafa sobre o balcão.
— Por quê? – Sua face ganhou um semblante de descontentamento.
— Eu preciso ir para casa, e por sinal, eu vou dirigir.
— Você já está a fim de ir? – Indagou tristemente.
— Acho legal.
— Já que você vai, eu também vou.
— Para onde você está indo? Posso te deixar em casa.
Fédon fitou minha face de forma convidativa.
— Só vamos, no caminho eu te explico.
Dei de ombros e fui até o caixa. Paguei a conta e assim que o fiz, segui em direção a saída
do recinto. Fédon veio logo atrás de mim. Ao sair do local, procurei com a visão o meu
carro e vi-o na esquina, onde havia estacionado assim que cheguei ao bar. Andamos até
o automóvel. Tirei a chave de dentro do bolso e destravei as portas. Entrei, sentando-me
automaticamente ao banco. Fédon fez mesmo.
Já dentro do carro, direcionei meu olhar ao rapaz, que parecia um pouco nervoso e sorri.
— Algum problema? – Inquiri.
Ele me olhou, mas não me disse palavra alguma, apenas sorriu e balançou a cabeça em
negação. Ficamos nos olhando por alguns segundos, como se intentássemos descobrir
coisas que estavam ocultas dentro de nós.
— Vamos? – Ele disse num sobressalto, tirando-nos do transe no qual havíamos nos
metido.
— Vamos! Mas... Eu preciso saber onde você mora.
O rapaz voltou a me encarar e tornou-se introspectivo. Quis indagar-lhe novamente o
local da sua moradia, mas me mantive em silêncio esperando até o momento que ele
dissesse.
— Tem certeza de que quer me levar mesmo para casa?
Franzi o cenho buscando entender o que ele estava sugerindo com a sua frase, apesar de
saber no meu âmago, o que ele realmente queria.
— Achei que tivesse uma proposta melhor para mim, do que ir para casa.
— E para onde iriamos se não fossemos para nossas respectivas casas?
— Eu não reclamaria se a casa em questão fosse a sua.
Inquietei-me com a sua fala, mas tentei soar o mais natural o possível. Apesar de morar
só, ser livre e desimpedido, não costumava levar estranhos à minha casa, mesmo que
fossem musculosos, bonitos e tivessem olhos tão lindos quanto os de Fédon.
O rapaz continuou a me olhar de forma inquisidora e eu não soube o que responder-lhe.
O silêncio se estabeleceu entre nós dois, até o momento em que ele se moveu no seu
banco e aproximou o seu corpo do meu. Senti o toque de uma das suas mãos sobre a
minha que intentava travar o sinto de segurança. Estaquei meus movimentos e senti a sua
textura em contato com a minha pele. Um arrepio percorreu todo o meu corpo, fazendo
com que eu retraísse ao seu toque, mas ele não cedeu ao meu susto, muito menos eu deixei
que o medo do que ele estava prestes a fazer, me tomasse por completo. Ele continuou se
aproximando de mim, agora era a sua face quem vinha em direção a minha. Eu fitava os
seus olhos enquanto eles se tornavam mais próximos, mais azuis, mais profundos, até que
me perdi em sua imensidão, arrepiado, suando frio e ansiando o que estava a um passo de
acontecer. Ele entreabriu os lábios e eu senti o seu hálito, uma mistura de hortelã com o
presságio da ressaca que nos tomaria no dia anterior. E tudo foi ficando cada vez mais
próximo, o cheiro, a vontade, a respiração, até que o toque se fez real.
A textura dos seus lábios roçou a dimensão dos meus. Ele entreabriu ainda mais a boca e
a sua saliva respingou na minha, que eu mantinha fechada. A sua língua tímida saiu da
sua boca, como uma cobra pronta para dar o bote, então ele fez o desenho dos meus lábios
com ela, e todo o receio de antes, transformou-se em tesão. Abri a minha boca e recebi-o
inteiramente, permitindo o toque, sendo invadido pelo gosto da sua saliva,
compartilhando o desejo de me unir a ele de forma mais íntima. Uma das suas mãos
alcançou o meu pescoço e ele passou a acariciar-me enquanto me dava aquilo que eu
havia ido buscar aquela noite, de um rapaz que não aparecera.
Os beijos de Fédon eram quentes e molhados, cheios de cuidados e de truques, como
pequenas mordidas e capturas repentinas da minha língua para a sua boca. Não demorou
muito e a excitação tomou conta de mim. Senti a minha rigidez ganhando forma. Fui com
uma das minhas mãos até os cabelos loiros do rapaz e tomei com ela uma mexa e puxei-
a um pouco.
— Gosta de machucar? – Ele me inquiriu ao fim de um beijo.
Eu sorri e voltei a me ater aos seus lábios. Subitamente senti a sua outra mão, que estava
livre, alcançar-me a virilidade. Ele acariciou-me e como se tomado por cólera, num
minuto, me apertou, fazendo com que eu pulsasse dentro das minhas calças.
— Acho melhor irmos, ou algo perigoso pode acontecer dentro desse carro.
— Não seria nada mau. –Ele selou seus lábios nos meus e mordiscou o inferior.
Afastei meu corpo do dele, e ele fez o mesmo. Coloquei a chave próximo ao volante e fiz
menção de ligar o móvel. O rapaz olhou para trás, como se houvesse se assustado com
algo dentro do carro.
Uma intensa luz se acendeu. O carro que estava atrás do meu ligou o farol alto,
anunciando que precisava de espaço. Voltei o olhar para trás e depois fixei-o em Fédon
que aparentava certo nervosismo.
— O que foi?
— Só vamos! – Ele exclamou de forma doce e usou uma das mãos para acarinhar o meu
queixo.
Liguei o automóvel e o coloquei em movimento. Logo, saímos da rua do bar e
embrenhamos por ruas longas e algumas pouco iluminadas. Durante todo o caminho que
dava para a minha casa, Fédon permaneceu em silêncio. E apesar de não termos
conversado no fato dele dormir comigo, ou não, após o beijo que me dera, o tesão por ele
falava mais alto do que qualquer coisa que estivesse oculta sobre ele e pudesse me
prejudicar.
Chegamos à frente da casa, que era a penúltima da rua. Sua pintura era amarela e sua
estrutura estava escondida atrás de um portão prateado com detalhes da mesma cor, que
dava para a garagem. Apertei no botão do controle do carro, e o portão passou a se abrir
sozinho. O rapaz ao meu lado continuou em silêncio e assim que entramos, ele respirou
fundo como se estivesse arrancando um peso de dentro de si.
— Chegamos! – Fitei seu olhar que investigava o espaço de forma minuciosa.
— Percebi! – Ele disse e sorriu.
Tirou o sinto de segurança e aproximou seu corpo do meu, chegando a sua face para bem
próxima da minha e depositando um demorado beijo em minha boca. Com uma das mãos
ele acariciou o meu peito, e quando os meus mamilos se enrijeceram, usou a ponta dos
dedos para apertá-los.
— Vamos ao menos descer do carro? – Indaguei.
— Por mim, a gente faz o que eu tenho em mente aqui mesmo.
— O que você tem em mente, posso saber?
— Sim, pode, mas eu prefiro te mostrar a falar.
Sorri e voltei a colar meus lábios nos seus. Com minhas mãos alcancei os seus cabelos e
coloquei meus dedos entre eles. De forma ávida, Fédon enrodilhou-me com um dos seus
braços, levando todo o meu corpo em direção ao seu. Abruptamente, ele parou tudo o que
fazia e uma luz invadiu a garagem. Assustei-me, mas ao voltar o olhar para trás, percebi
que era apenas um carro que dava a ré para fazer a volta na rua.
Os olhos do rapaz ficaram atentos aos movimentos do carro, e após ele ter saído voltou a
me beijar.
— Acho melhor irmos lá para dentro. – Disse-lhe com seus lábios colados ao meu.
— Vamos... – Chupou meu lábio superior e depois o mordiscou.
Afastamo-nos e descemos do carro. A porta de entrada da casa, ficava ao fim da garagem,
em frente ao carro. Abri-a e entrei na casa que estava coberta pela escuridão. Busquei na
parede o botão para acender a luz, e ao achá-lo, acendi. A luz reverberou por toda a casa.
Voltei o olhar para a minha calça e percebi o volume que estava formado abaixo da minha
virilha. Os olhos de Fédon acompanharam os meus, e ele sorriu. Com uma das mãos ele
foi até a estrutura e apertou-a, fazendo-me gemer.
— Não estou diferente de você.
Olhei para a sua calça e dei conta de que a sua rigidez estava tão visível quanto a minha.
Ele aproximou seu corpo do meu. Senti as nossas estruturas se tocarem, duras como
rochas. Impingiu-me a parede e me beijou lascivamente. Suas mãos alcançaram a porta
que ele empurrou para que fechasse.
O peso do seu corpo comprimia o meu na parede e ele usava as suas mãos para tocar toda
a minha carne. Desceu com elas até meu membro e depois, num gesto rápido, foi até as
minhas nádegas e apertou-as com força, fez isso algumas vezes e depois separou as partes,
colocando um dos seus dedos no centro delas por sobre a calça. Eu gemi em seus lábios
e suspirei profundamente.
— Vamos para o quarto. – Sugeri.
— Não, vamos ficar por aqui mesmo. A gente vai para o quarto no segundo round.
Fédon afastou o corpo do meu e foi até a extremidade da minha camisa, agarrou-a com
as mãos e puxou-a em direção a minha cabeça. Eu suspendi os braços, e ele retirou a
minha vestimenta com avidez. Tentei fazer o mesmo com ele, mas ele não me permitiu e
concluiu o ato sozinho, deixando seus músculos a mostra, a extensão do seu tórax e o
abdômen definido. Aos poucos ele passou a desabotoar a própria calça. Percebendo o seu
gesto, fiz o mesmo. Deixei o jeans escorrer pelas minhas pernas, e depois me acocorei no
intuito de retirá-lo por completo. Quando intentei voltar a ficar de pé, constatei o volume
sob a cueca branca do homem e não pude me conter. Toque a sua extensão com as mãos
e depois, como se possuído por um demônio, passei a minha língua de um lado a outro.
— Isso, safado! É isso que você quer, não é?
Alcancei a extremidade da sua cueca com as mãos e puxei para baixo. O seu membro
saltou sobre os meus olhos, encantando-me com a sua perfeição e a sua grossura. Fitei-o
admirado, desejando mais que tudo babujá-lo e tê-lo dentro de mim.
Fui com a língua até a cabeça que era da mesma cor dos seus lábios e assemelhava-se a
um faustoso morango. Lambi, chupei e coloquei-o completamente dentro da minha boca,
por vezes prendendo a respiração para que alcançasse a minha garganta. Num átimo,
Fédon tomou-me pelo braço e me fez ficar de pé a sua frente. Puxou num gesto rápido a
minha cueca com suas mãos e expôs a minha nudez.
Os nossos membros se tocaram e a babugem que envolvia o seu, se misturou a que era
expelida pelo meu. Com uma das mãos ele uniu os dois e passou a friccionar, impelindo
gemidos e espasmos ao meu corpo.
— Tá gostoso, tá? – Inquiriu-me com a sua boca tão molhada quanto a sua estrutura
enrijecida. Ele me beijou e capturou a minha língua, fazendo-a dar voltas no interior da
sua boca.
Eu expelia o tesão demasiado que sentia, pelo meu membro e vislumbrava o gozo cada
vez mais perto.
Fédon me fez ficar de costas para ele e encaixou o seu membro entre as minhas nádegas.
Ele fez movimentos de vai e vem. A parte molhada do seu membro roçava minha abertura.
A excitação crescia em mim, e eu quis mais que tudo que ele se colocasse entre as minhas
pernas completamente e me desse o elixir que nenhum homem ousara me dar em minha
vida, naquele local.
Mas, não, ele não me daria o que eu queria tão fácil assim. Ele se acocorou. Espalmou as
duas mãos em minhas nádegas, separou-as, abrindo-me e expondo a minha virilidade.
Como um gato lambeu-me, espalhando a sua quentura em mim. Eu gemi feito um louco,
permitindo que ele me tomasse com as suas vontades.
Então ele levantou e esquecendo pensamentos ou medidas preventivas que viessem a
interromper o tesão que sentíamos, ele posicionou sua rigidez na minha estrutura e forçou
a sua entrada.
Pouco a pouco Fédon me invadiu. Certa dor percorreu meu corpo, mas nada que eu não
pudesse suportar. Aos poucos ele se colocou em mim e quando dei conta, estava
inteiramente recebendo-o em minha estrutura. Ele aproximou seu abdômen das minhas
nádegas, a face das minhas costas e distribuiu beijos e mordidas pela minha extensão,
fazendo com que a excitação que havia se perdido um pouco durante a penetração,
retornasse a mim. Ele passou a se movimentar em meu interior, e eu com uma das minhas
mãos estimulei a minha rigidez, para auferir ainda mais prazer ao ato.
Tapas, xingamentos, beijos e caricias foram distribuídas por ele, enquanto seus
movimentos se intensificavam e sua virilha se chocava as minhas nádegas com força. Eu
sentia o prazer se expandindo de um ponto fixo do meu corpo para todo o restante da
minha carne. Até que, sem dar conta de que o orgasmo estava tão próximo, eu fui
acometido por espasmos e desfaleci, expelindo o meu elixir na parede a minha frente.
Percebendo o que havia acabado de acontecer, Fédon acelerou ainda mais seus
movimentos e passou a rugir como um leão. O suor que se formava em sua face, pingava
em minhas costas, e não demorou muito para que ele depositasse dentro de mim, a
ambrosia da vida.
Recostou a cabeça nas minhas costas desnudas e respirou fundo, retirando-se lentamente
de dentro de mim.
— Agora podemos ir para o quarto. – Disse sorrindo.
— Agora vamos tomar um banho. – Voltei o meu olhar para trás, mirando a sua face por
sobre o meu ombro.
Retiramo-nos da posição em que estávamos. Encontrei os seus olhos com os meus, o azul
deles me encantava. O cabelo de Fédon estava completamente molhado de suor e
desgrenhado. Ele sorriu e me ofereceu um cálido beijo nos lábios.
— Vamos para o banho. – Falei, fugindo do abraço no qual ele me prendera.
— Não podemos apenas deitar e dormir?
— Não! Banho! – Exclamei e segui em direção ao banheiro. O rapaz continuou parado
no local onde estava. Estaquei diante dos meus passos e fitei-o demonstrando falsa
irritação. — Vamos!
Ele sorriu e deu passos em minha direção. Fomos para o banheiro e nos metemos em um
demorado banho, ora nos lavando, ora fazendo caricias que não retardaram a nos deixar
novamente excitados. No entanto, apesar do desejo, o cansaço que se fazia presente em
meu corpo, não nos permitiu a conclusão do ato. Após o banho, fomos para o quarto e
nos deitamos, pelados, sobre a cama. Conversamos sobre trivialidades, sem muito fogo,
já que Fédon pareceu estar tão sonolento quanto eu. Entre conversas pouco sólidas e
bocejos escandalosos, o sono me arrebatou e eu me perdi na dimensão escura do mundo
dos sonhos.
***
Eu estava parado em um lugar escuro. Os olhos mediam todo o espaço, tentando ter
conhecimento de onde estava, mas era impossível enxergar naquela escuridão.
— Vinicius, corre! – Olhei para o lado e dei com a figura de um homem que corria em
minha direção. — Corre! – Tornou a repetir antes de chegar perto de mim.
Aos poucos reconheci a sua figura, e percebi que se tratava de Fédon. Seu semblante
estava espavorido e lágrimas de desespero escapuliam dos seus olhos. Permaneci parado
onde estava, e quando ele chegou perto de mim, tocou em meu ombro com uma das mãos.
— Vamos, Vinicius! – Disse respirando ofegante. — Ele vai nos pegar.
— Mas do que você está falando? – Ele mirou meus olhos e o azul profundo que antes
fazia com que eu me perdesse, estava coberto por uma aureola cinzenta.
— Daquilo! – Ele olhou para trás e com uma das mãos apontou para uma intensa luz que
surgia no horizonte desconhecido.
Tentei discernir as formas que se tornaram visíveis no ambiente, mas não consegui ver
muita coisa. O que vi, após algum tempo focando na paisagem, fora extremamente belo
e assustador. Era como um anjo, tinha o corpo de homem e asas enormes que o permitiam
levitar. Ele estava sobre nós e nos mirava com fúria. Encarei-o assustado e a luz que antes
surgira, se tornara ainda mais intensa, embaçando a minha visão.
— Não, por favor! Me deixe ir. - Ao meu lado, Fédon chorava desesperado. Ele se
ajoelhou e abaixou a cabeça, mirando o chão.
Eu discernir as lágrimas que escapuliam dos seus olhos, enquanto estava naquela posição.
Voltei o olhar para cima e a figura do anjo passou a se tornar cada vez mais próxima. As
suas asas eram de uma brancura silenciadora, mas quando se moviam, ganhavam um
aspecto dourado, como ouro puro.
Neste momento meu coração disparou e um barulho ensurdecedor como o de um rugido
de leão, se apoderou da audição de todos presentes no lugar. Eu coloquei as mãos sobre
os ouvidos, mas o som atravessa a barreira feita pela minha pele. Fechei meus olhos com
medo. Coloquei-me na mesma posição de Fédon e quando de por mim...
***
Abri os olhos, pois o som ensurdecedor da campainha reverberava por toda a casa. Olhei
para o lado, Fédon abraçado com um travesseiro branco roncava baixinho. Admirei a sua
beleza e a sua figura despida sobre a minha cama. A campainha continuava a ser tocada
por alguém lá fora, e já estava me dando nos nervos.
Levantei-me da cama apressado e fui até o guarda-roupas, onde peguei um short e me
vesti rapidamente. Fui em direção a porta que dava para a garagem, na tentativa de saber
quem insistia em falar comigo tão urgente. A campainha não parava de ressoar pela casa.
Abri a porta que dava para a saída e quando cheguei a garagem, divisei pelas frestas do
portão a figura de um homem desconhecido.
— Bom dia? – Saudei-o de forma irônica e inquisidora.
O rapaz silenciou-se e ficou imóvel, como se esperasse alguma coisa.
— Com quem gostaria de falar?
O homem não fez menção de esboçar palavras ou fazer qualquer movimento. Permaneceu
onde estava, imóvel e em silêncio. Quis fazer-lhe mais indagações, porém já que ele se
recusava a responder-me, dei-lhe as costas e segui em direção a porta. Dei passos lentos,
intrigado por aquela visita, mas quando alcancei a porta de entrada e fiz menção de entrar,
o som da campainha ecoou por toda a casa novamente.
— Que droga você quer?! – Voltei o corpo para ele e segui novamente em sua direção, a
passos largos.
— Vinicius! – Fédon surgiu na porta, enrolado com uma das cobertas com a qual dormira.
— Desgraçado! Ele vai acabar com você. – O homem gritou ao ver Fédon.
A face do rapaz se vestira de um semblante de desespero e ele pareceu vacilar, prefaciando
um desmaio.
— Cercion! – Exclamou. — O que você... O que você faz aqui? – Fédon dirigiu-se até
onde eu estava.
— Você ainda pergunta? Ele quem me mandou atrás de você. Você achou que seria capaz
fugir?
Fiquei paralisado diante do diálogo que os dois travavam, sem entender nada do que
diziam, intrigado com o rumo que a conversa tomava.
— Você o conhece? – Fixei os olhos em Fédon.
Ele balançou a cabeça tristemente e se dirigiu até o portão.
— Eu preciso ir.
— Você será castigado, Fédon! Ele está enfurecido.
— Não! – Segurei o braço do rapaz, impedindo que ele chegasse ao portão. — O que está
acontecendo?
— Desculpa. – Seus olhos lacrimejaram. — É demais para o seu entendimento. É melhor
que você não saiba.
— Vamos Fédon! – Gritou o rapaz lá fora.
Eu me dirigi até o portão e abri-o num movimento súbito. Andei, até me colocar frente
ao homem que gritava por Fédon, e fixei meu olhar no dele. Ele me retribuiu com os olhos
em chamas e um porte eloquente. Verifiquei seu corpo, dando conta das suas formas. Era
um rapaz de pele negra, como a noite escura. Usava dreadlocks na cabeça, tinha um
semblante rijo, não sei se endurecido pela situação na qual estávamos, ou se era com o
qual convivia cotidianamente. Seus olhos eram tão negros quanto a sua pele e a sua boca
faustosa, avermelhada como uma maçã. Seus traços étnicos eram proporcionais e
confrontavam com os seus músculos exuberantes e o seu porte de cavalo puro sangue.
— Você não vai leva-lo! – Intervi.
— Vinicius, não! – Fédon veio em nossa direção e ao chegar próximo a mim, puxou-me
pelo braço, num movimento ríspido. — Você não entenderia. É melhor eu ir.
Não sei de onde vinha a coragem que me tomava e nem porque eu decidi me meter
naquela confusão, sem saber do que se tratava e para defender um desconhecido. Uma
espécie de loucura se apoderara de mim e eu fui novamente para frente do rapaz, me
pondo entre ele e o Fédon.
— Você não vai a lugar nenhum.
— Pobre mortal. Você acha que pode comigo, ou com ele?
— Cercion, não faça nada a ele. – Fédon colocou uma de suas mãos sobre o meu ombro.
O rapaz a nossa frente desenhou um sorriso irônico nos lábios, olhou para os lados e em
seguida cravou novamente o olhar em mim.
— Você quem pediu. – Disse sorrindo. Descruzou os braços, desfazendo-se da posição
impetuosa na qual se encontrava e num movimento súbito, enfiou as mãos no bolso da
calça, trazendo-as à tona num átimo e junto com elas um pó de cor lilás que tomou toda
a minha visão e me causou tontura.
Olhei para Fédon, com a visão embaçada e pude vê-lo e senti-lo se agarrando a mim, no
intuito de me impedir de cair. O outro rapaz, ao qual ele chamava de Cercion, sorria a
minha frente de forma despudorada. Contudo, o ódio que eu sentia não pode combater a
malemolência que tomou meu corpo e me fez aos poucos ruir num abismo escuro, onde
eu não dava conta dos meus sentidos.
***
Senti uma pontada na cabeça ao abrir os olhos. Não reconheci o lugar onde estava ao
vislumbrá-lo. Tentei me levantar, mas dei conta de que uma das minhas pernas estava
envolvida por uma corrente pregada a parede. Desesperei-me e em vão, tentei soltar-me
puxando de todas as maneiras possíveis o que me mantinha preso. Olhei ao redor em
busca de algo que pudesse me libertar ou alguém que fizesse isso por mim. Eu estava
sozinho numa espécie de masmorra, preso a uma parede, onde havia várias outras
correntes, que provavelmente serviam para prender vários prisioneiros ao mesmo tempo.
A minha frente, só existia uma enorme porta de madeira com uma pequena abertura na
parte de cima.
— Socorro! Alguém me tira daqui. – Gritei, implorando interiormente para alguém me
ouvir e me tirar dali.
Inquieto pela situação na qual me encontrava, passei a puxar novamente a corrente com
as duas mãos e toda a força que tinha, mas aquilo estava tão preso a parede que nenhum
dos meus esforços conseguiriam me libertar dali.
— Alguém! Socorro! – Passei a gritar ainda mais alto. Fiz isso repetidas vezes. Ninguém
apareceu para me libertar.
Desistente, me resignei na condição a qual estava submetido naquele momento e comecei
a rememorar todas as coisas que haviam me impingido àquele momento. A imagem de
Fédon se desenhou em minha memória e tudo o que eu havia vivido com ele, se
desenrolou como um filme em minha cabeça. Tudo aquilo era sua culpa, não tinha outra
explicação. O afeto que havia desenvolvido por ele se corrompera, transformando-se em
raiva.
— Fédon, seu desgraçado! Me tire daqui! – Gritei. A minha voz ecoou por todo o local,
mas nada além disso foi ouvido por mim.
Cansado, recostei a minha cabeça na parede e fiquei à espera de que alguém aparecesse
para me explicar o que eu tinha feito para estar preso ali. Os instantes se aglomeraram
uns sobre os outros e o tempo foi passando. Lembrei momentos da minha vida, desde a
infância até o dia anterior, quando fui surpreendido pelo barulho de passos vindo de fora
da prisão. Silenciei meus pensamentos e prestei atenção, quando sombras ganharam
forma na abertura que havia na porta.
— Quem são vocês? O que querem de mim? – Não houve resposta.
O barulho de um trinco se desfazendo alcançou os meus ouvidos. Aos poucos a porta foi
se abrindo. Quando completamente aberta, a imagem de dois homens surgiu a minha
frente. Fitei-os e reconheci-os no momento em que alcancei suas faces com meus olhos.
Eram Fédon e Cercion, o rapaz que havia ido até a minha casa a procura do primeiro.
— Fédon, me tire daqui. O que está acontecendo? – Tentei me levantar puxando a corrente
que me prendia, mas não consegui me mover de onde estava.
Os dois continuaram parados na porta. Nenhum deles proferiu uma única palavra.
— Fale alguma coisa, seu filho da puta! – Enfureci-me.
— Eu não tenho permissão de falar. – Seus olhos encontraram os meus, e apesar de estar
enraivecido e com medo, percebi que seu semblante estava marcado pela aflição.
— Me diga o que te fiz para merecer isso. – Implorei.
— Você não fez nada. – Interviu Cercion. — Mas será você quem pagará o preço.
Arrepiei-me com o tom de voz do homem e o medo que sentia se intensificara.
— Mas...
— Sem mais. - Ele se aproximou de mim, e ao passo que vinha em minha direção, eu me
encolhia no local onde estava.
— O que você vai fazer? – Inquiri-o preocupado.
— Eu? – Pegou a corrente que me prendia e me soltou. — Nada. – Fiz menção de que
fugiria, mas ele apenas colocou a mão sobre a minha perna e senti como se um peso se
apoderasse de mim e não me permitisse levantar. — Não tente fugir, você nunca vai
conseguir. Você não sabe com o que está lidando.
Arregalei meus olhos e fitei o rosto de Fédon que continuava imóvel frente a porta.
— Vamos. – Cercion exclamou, e assim que finalizou a palavra, o peso que havia me
tomado, se dissipara. Assustado com tudo aquilo, não quis sair do local onde estava. —
Vamos, não vai ser tão ruim quanto você pensa.
— Para onde você vai me levar, o que vai fazer comigo?
— Eu já disse. Nada! Quem vai fazer é ele.
Fitei o Fédon buscando resposta em seu olhar perdido.
— Não o Fédon, ele já recebeu o seu castigo.
— Do que você está falando? - Intentei levantar.
— Você saberá. – O homem agarrou o meu braço e me ajudou a completar o meu
movimento. Fiquei de pé e dei passos lentos, acompanhando-o enquanto ele me impingia
na direção do Fédon. — Não tente nenhuma gracinha, ou as coisas vão piorar para você.
Investiguei o semblante de Fédon, mas seus olhos não me diziam nada. O medo me
envolveu bruscamente enquanto eu dava passos para fora da prisão.
Ao sair do local, me deparei num extenso corredor de paredes brancas, ornados por
pilastras da mesma cor, com detalhes helênicos, que lembravam os templos da antiga
Grécia, que eu só havia visto em fotos nos livros de histórias.
Caminhamos vagarosamente em silêncio. Vez ou outra eu olhava para Fédon, mas ele
não me retribuía. Olhava para frente sem nenhuma compaixão da situação na qual eu
estava metido.
— Por que você não diz nada? – Estaque diante dos meus passos. Cercion apertou a sua
mão em minha carne. Não tive medo. Fui na direção de Fédon e fiquei bem próximo a
sua face. Fui tomado por uma cólera, que se não fosse pelo fato de estar sendo feito de
prisioneiro eu o espancaria. — O que eu te fiz para você fazer isso comigo?
— Acalme seu ânimo e continue andando. – Cercion me puxou e me fez andar novamente.
Caminhamos por mais alguns metros, até que me deparei frente a uma enorme estátua de
mármore, representando uma espécie de anjo. Era enorme e devia ter no mínimo dez
metros de altura. A figura, cinzelada por mãos astutas, seguiam os padrões helênicos de
beleza e tinha longas asas. Estava em posição de voo e parecia estar prestes a tocar em
algo sobre si.
Admirei a obra, me perguntando de quem seria aquele maravilhoso trabalho e quem teria
tanto dinheiro para ter uma coisa daquelas em sua residência. Se é que eu estava na
moradia de alguém. Num rompante, tive a impressão de já ter visto aquela figura em
algum lugar, mas não me demorei intentando lembrar onde, apesar de ter a certeza que
sim.
— Lindo, não é? – Cercion me olhou arqueando a sobrancelha.
Quis responder-lhe que sim, mas meu ódio não me permitia ser educado.
— Espera só até vê-lo pessoalmente, você vai enlouquecer.
— Do que você está falando? – Inquiri intrigado.
— Você vai saber quando chegar a hora.
— Lembra da história que te contei sobre deuses gregos. – A voz de Fédon alcançou a
minha audição.
— Silêncio! – Cercion voltou-se para ele. — Você não tem permissão para falar.
— Mas o quê? O que tem a ver? – Indaguei.
A resposta que recebi fora o silêncio de ambos. O homem que me segurava forçou-me a
continuar o caminho. Rememorei a noite passada e as coisas sobre as quais Fédon havia
me dito e me lembrei da história que me contou sobre os filhos de Eros. Não fazia ideia
de como aquilo influenciava no que estava acontecendo ali. Aquela situação, com o passar
do tempo e as coisas que eram ditas, ficava cada vez mais estranha. Eu já não sentia tanto
medo quanto antes. A curiosidade me arrebatara e tudo o que eu queria saber era para
onde estávamos indo e quem era a pessoa de que tanto falavam e havia castigado Fédon.
Chegamos ao fim do corredor e nos deparamos com uma extensa área coberta por um
carpete aveludado, de cor lilás. Passeei com os olhos por toda a dimensão do ambiente,
que cultivava a mesma característica helênica do que já havia visto naquele recinto. Ao
fim da área coberta pelo carpete, haviam três degraus que dava para uma pequena
elevação, onde havia duas pilastras com flores talhadas em mármore e uma extensa janela
de vidro. A paisagem que se mostrava pela janela, eram pequenas planícies num nível
mais baixo do qual eu estava. Pude perceber que o sol dava sinais de querer se por, e por
estar reluzindo o seu crepúsculo justamente na direção onde eu estava, supus que qualquer
que fosse o lugar onde eu me encontrava, estava longe de qualquer rastro de civilização
e ao leste. Nas extremidades da janela haviam duas cortinas de seda, da mesma cor
violácea do tecido que cobria o chão.
Embasbacado com a decoração do local, investiguei com os olhos ao redor, vendo
pouquíssimos móveis, porém muito luxuosos e que carregavam certo grau de arcaísmo.
Além disso, me deparei com uma enorme cama coberta por almofadas em tons de azul e
roxo, algumas estampadas, que ficavam a frente de um trono. Trono? Estranhei a presença
do móvel no local. Fixei meus olhos na cadeira que parecia ser feita de ouro maciço. Na
parte inferior haviam cenas esculturadas e muito bem trabalhadas, que representavam
relações eróticas entre homens e mulheres. Demorei-me observando algumas delas. Na
parte superior do trono, que seguia das pernas até os braços, alguns diamantes da mesma
cor do carpete e das cortinas, estavam cravados, distribuídos proporcionalmente, dando
forma a símbolos dos quais eu não tinha conhecimento.
— Então é ele? – A voz ressoou por todo o ambiente, roubando a minha audição e levando
a minha atenção a quem havia pronunciado as palavras.
Nunca havia escutado uma voz como aquela, num tom grave, porém dócil e que mesmo
não cantado, dava a impressão de que entoava uma antiga canção apaixonada. Todos os
meus pelos se eriçaram e foi como se o meu corpo fosse tomado por uma sensação de
prazer que nunca antes eu havia sentido em toda a minha vida.
Meus olhos alcançaram a figura que havia proferido a frase. Fitei a sombra de um homem,
que iluminado pelo crepúsculo, parecia refletir em seu corpo a cor lilás do carpete com o
auxílio dos raios de sol que eram refracionados pelo vidro da janela. Ele estava de costas
e mirava o pôr do sol de forma admirada. Seus traços eram de um homem musculoso com
porte galante. Os pelos dos seus braços ganhavam destaque, graças a iluminação e o fato
dela formar uma espécie de sombra sobre o homem, dando visão do seu contorno e a
dimensão faustosa de suas formas.
Ele virou a sua cabeça para o lado esquerdo, lançando um olhar por cima dos ombros para
nós. Havia algo nele de encantador e terrível. Deu passos lentos até a extremidade da
parte onde estava, alcançando os degraus. Em nenhum momento, dirigiu seus olhos
diretamente a mim ou aos homens que estavam ao meu lado.
Os meus olhos estavam vidrados em sua imagem movimentando-se vagarosamente. Ele
andava, mas era tão delicado que parecia flutuar. O seu porte o auferia certa rudeza e a
sua forma era uma binomia inconsistente de cores e gestos, que o faziam encantador, mas
amedrontador.
Ao sair da frente da luz, que atrapalhava a minha visão, pude ver que usava apenas uma
calça jeans surrada, um pouco abaixo dos traços que contornavam a sua virilha.
O homem se virou e direcionou o seu olhar a mim. Não consegui manter meus olhos fixos
nos seus. Abaixei a cabeça. Vagarosamente, minunciosamente, medi cada canto do seu
corpo, começando das pernas grossas nas quais o jeans estava praticamente colado, até
chegar a sua virilha de onde pelos negros nasciam como um rio, trilhavam caminho pelo
seu abdômen, e se espalhavam pelo peito farto e definido. Cheguei ao seu tórax, mas
quando intentei fitar o seu rosto, novamente fui obrigado a abaixar a cabeça por uma força
superior à minha vontade de querer olhá-lo.
— Sabe, eu e o Fédon tínhamos um acordo. – A sua voz ecoou por todo o local.
Novamente todos os meus pelos se eriçaram e foi como sentir o prelúdio de um orgasmo.
— Mas ontem, ele ousou quebrá-lo.
— Me perdoe pelo meu erro, senhor! Eu não queria...
— Calado! – A voz grave do homem interrompeu a frase que Fédon tentou concluir.
O homem deu passos em nossa direção e quanto mais próximo chegava, mais rápido o
meu coração pulsava.
— Eu o castiguei pelo que você fez, Fédon! – Disse. — Mostre ao nosso visitante qual
foi a sua punição.
— Sim, senhor! – Fédon chegou mais próximo de mim e se colocou a minha frente.
Olhei dentro dos seus olhos e percebi a aflição reverberar, não apenas do seu semblante,
mas dos seus gestos. O rapaz se colocou de costas à minha frente. Seu pescoço ficou à
altura do meu nariz. Ele levou uma das mãos até os seus cabelos e pegando uma mecha,
suspendeu-a, mostrando uma porção de fios brancos. Após fazer isso, saiu da minha frente
e voltou para o lugar onde estava.
— Esta foi a punição do Fédon pelas suas travessuras.
— Mas o que diabos está acontecendo aqui? – Inquiri sem entender nada do que se
passava a minha frente. Tudo aquilo não passava de um monte de bizarrice para mim, e
nada que me dissessem, justificaria aquilo que estava acontecendo.
— Você é um mortal tão inocente! – O homem se aproximou de mim. Meu corpo
paralisou-se por completo, como se uma energia me prendesse no lugar onde estava. —
A propósito. Prazer, Voluptas. Ou melhor, eu sou Voluptas o deus do prazer.
Ao fim da sua frase, foi inevitável não gargalhar. Todos ficaram em silêncio e apenas o
som da minha risada era audível no ambiente.
O homem chegou ainda mais próximo de mim. Senti a sua estrutura como um gigante a
engolir a minha figura. Eu ainda não conseguia mirar a sua face, alguma força fazia com
que minha cabeça pendesse para baixo. Repentinamente, o tempo pareceu parar e eu senti
apenas um leve frescor vindo da direção da boca dele até mim. Ele estava assoprando,
contudo, não foi um simples sopro. A brisa que saiu da sua boca, pareceu dançar por todo
o meu corpo, que depois de um pequeno intervalo de instantes desfaleceu como se eu
tivesse acabado de ter um orgasmo.
Forcei a minha face para cima, mas não consegui mantê-la erguida. Subitamente todas as
histórias sobre deuses que o Fédon havia me contato reapareceram em minha memória,
ligando pontos e fazendo com que por alguns minutos eu acreditasse naquilo que aquele
homem estava me dizendo.
— Custa a acreditar que deuses existem. Eu sei, meu caro! Se eu não fosse um, não
acreditaria. Os meus parentes, não fazem nada por vocês mortais, e quando o fazem, como
eu, sempre pedem algo em troca.
— O que você está falando? Você é louco cara. Eu quero sair daqui. Me soltem, me
deixem ir embora. Fédon, por que você está fazendo isso? – Gritei feito um louco.
— Fédon. – Disse o homem. — Explique tudo para ele.
Um silêncio se estendeu por alguns minutos, até que Fédon levantou a voz e passou a
falar coisas que, diante dos fatos e do que eu estava vivenciando, passaram a fazer sentido.
— O meu senhor, me deu tudo o que eu lhe pedi. Beleza e juventude eternas, pois é na
beleza e na juventude, onde reside a paixão e as coisas boas da vida. O meu senhor, me
deu riquezas e posses, tudo o que eu sempre quis, tudo o que em minha pobre vida como
filho de dois historiadores falidos, eu não tive. E por ter me dado tudo isso, eu devo ao
meu senhor, o meu corpo e a minha lealdade.
Continuei parado em silêncio ouvindo tudo o que Fédon dizia.
— Noite passada eu traí, o meu senhor. Entreguei o meu prazer a outro que não ele,
fugindo dos seus domínios, e sendo um tolo quando pensei que poderia escapar do meu
contrato. Então, quando fui pego, o meu senhor, me puniu com alguns anos de velhice e
me presenteou com cabelos brancos.
— Você acha que fui muito rude com você, Fédon? – O homem se dirigiu até o rapaz que
o olhava diretamente nos olhos.
— O meu senhor, é filho de Eros, o deus da paixão e dos desejos sexuais. O meu senhor,
é neto de Afrodite, bisneto de Zeus, e deus do prazer. O meu senhor, é quem me governa
e decide o que é certo ou errado para mim. A punição do meu senhor, foi mais que justa.
— Você fará novamente qualquer coisa desse tipo?
— Não, meu Senhor. Não farei.
— Cercion? – Dirigiu-se até o outro rapaz que até então permanecia em silêncio.
— Nunca trairei a confiança do meu senhor. Serei sempre seu, cumprindo as suas ordens
e seguindo as regras do nosso acordo.
O homem deu passos em minha direção novamente. Ele parou a minha frente. Ergueu o
braço esquerdo e com a ponta do dedo indicador, tocou a base do meu queixo. O seu
toque fez com que espasmos reverberassem por todo o meu corpo. Pouco a pouco ele fez
força para que eu levantasse a cabeça. Quando a tive completamente erguida, pude dar
conta do seu rosto. Em toda a minha vida nunca havia visto beleza igual a daquele homem.
Seu rosto era como o de uma escultura cinzelada por mãos astutas. Olhos, nariz, boca,
orelhas, proporcionais à dimensão da sua face. A boca tinha o desenho perfeito, como se
deus houvesse pegado um pincel e feito sob a medida certa para caber naquele rosto. Os
olhos eram verdes, intensos, cristalinos, porém, vez ou outra uma aureola lilás fazia
sombra em sua íris. Fitei-o e me senti conectado a ele, hipnotizado pela sua beleza. Ele
sorriu e os seus dentes branquíssimos e retos, todos do mesmo tamanho, se mostraram
para mim.
— Você... – Tentei dizer, mas as palavras se perderam em minha garganta.
— Sim, eu sou lindo. Do que adiantaria ser o deus do prazer e não ser lindo?
Impressionado com a sua beleza, mantive os olhos fixos nele, esperando que ele me
dissesse mais alguma coisa.
— Vinicius! - Ouvir ele falar o meu nome foi aterrador. — Eu gosto do seu nome. Mas...
– Ele deu as costas para mim e andou em direção ao trono que ficava frente a cama. —
Se você fizesse parte dos meus escravos, lhe daria outro nome, assim como fiz a eles.
— Eu... – Novamente tentei pronunciar uma frase que não obteve a forma que eu queria.
— Você... Pode fazer parte dos que vivem comigo, assim como Fédon e Cercion. Eu os
encontrei por acaso. Estavam perdidos no mundo, assim como você. Eu os dei tudo que
almejavam e agora eles me devem as suas vidas e a sua beleza por toda a eternidade.
— Eu não quero ser um escravo! – Adiantei-me antes que ele me fizesse a proposta que
achei que faria.
— Você já é escravo da sociedade em que vive. Tenta se adequar aos padrões, tenta
sempre ser aquilo que dizem que é certo, evitando os erros. Ao meu lado você pode ter
tudo. Riqueza, beleza, juventude, vida eterna. Só há um preço a pagar por isso. Todo o
seu prazer será meu.
Apesar de estar diante daquela situação, custava-me acreditar que eu estava mesmo
vivenciando aquilo. Fechei e abri os olhos, intentado acordar de um pesadelo, mas aquilo
era mais do que real e estava acontecendo comigo.
— Se você aceitar a minha proposta, eu não precisarei castiga-lo. Afinal, você usou um
dos meus escravos. Se for meu, será perdoado e eu não precisarei tirar algo de você para
pagar a dívida que tens comigo. Nós deuses somos seus superiores, humano. E se vocês
foram feitos a nossa imagem e semelhança, foi para nos servir e nos adorar. Vocês vivem
porque permitimos e nada é mais justo do que retribuírem isso da forma como devem.
Aceitando o meu acordo, você estará livre de mazelas, dores, amores frustrados...
— Eu não quero! – Exclamei convicto. Tudo o que eu queria naquele momento era ir para
a minha casa, dormir e acordar, e quando fosse lembrar daquilo, ter em mente que tudo
não passara de um pesadelo.
— Está perdendo uma enorme chance. – O homem se sentou no trono. Ele era lindo, mas
ainda assim, assustador.
— Eu quero continuar a viver a minha vida. Não quero ser como nenhum deles, que
entregaram o que tinham de mais valioso para viver diante dessa mediocridade.
— Mediocridade? – O homem gargalhou alto. Após minutos metido num deboche que
parecia não ter fim, ele me fitou sério. O seu olhar invadiu a minha alma. — Já que você
não quer fazer parte da minha família, vou ter que te cobrar a dívida que tem comigo.
— Mas eu não fiz nada! – Defendi-me.
— Fez e não fez, de qualquer maneira, não tem o direito de reclamar, eu sou um deus e
decido o que está certo e errado. Você terá que me dar algo muito valioso, Vinicius, para
que eu possa te libertar. E eu já escolhi o que quero.
— Mas...
— Sem, mas! – Ele me interrompeu. — Hoje, Vinicius, você terá a experiência mais
prazerosa de sua vida. Eu vou sugar todo o prazer que existe em você e no dia seguinte
você não se lembrará de absolutamente nada.
Fitei-o espavorido. Fiz menção de fugir, intentando dar passos fazendo um movimento
brusco, porém fui detido por Fédon e Cercion que me seguraram pelos braços.
— Me soltem! Me soltem! Socorro!
— Silêncio. – O homem disse sentado na cadeira.
Ele ergueu uma das mãos, pondo-a frente a sua boca, como se fosse um pedinte, no
entanto o que fizera foi assoprar vagarosamente. Uma espécie de fumaça arroxeada se
formou sobre a sua mão e aos poucos foi ganhando a forma de uma borboleta. O inseto
mágico bateu as asas e voou em minha direção. Observei-o enquanto se aproximava de
mim. Quando próximo ele ficou sob a minha cabeça. Ergui a face para poder vê-lo
melhor. Feito isso, ele aproximou-se do meu rosto e pousou no meu nariz. Num átimo, se
desfez em fumaça e brisa. Um sentimento avassalador se apoderou do meu corpo, uma
mistura de tesão e horror, e era como se a lascívia estivesse latente em minha humanidade.
Eu queria, eu precisava...
— Fédon! Cercion! – Exclamou ao longe. — Preparem-no para mim. Quero ver do que
são capazes.
Os dois homens puxaram-me pelo braço e me impingiram a andar, guiando-me a passos
largos até a cama que ficava frente ao trono. Chegando no local, Cercion se afastou de
mim e foi na direção do homem. Fédon se colocou a minha frente e fixou o seu olhar no
meu. Ele não me disse nada, mas adivinhei no seu olhar mil palavras, desde pedidos de
desculpas a gritos de socorro.
Ele aproximou a face da minha e depositou um cálido beijo em meus lábios. Após o beijo
ele se afastou e me fitou novamente.
Sem dar conta de tudo o que estava acontecendo, como se estivesse metido numa espécie
de transe depois que aquela borboleta mágica havia se desfeito em meu nariz. Tudo o que
eu queria era ter o corpo de Fédon próximo do meu. Tudo o que eu queria era que ele,
Cercion e o próprio Voluptas, viessem até mim, me tomasse e fizessem o que bem
entendessem com o meu corpo.
Todo o medo que eu sentia antes, se dissipara. Toda a ansiedade, as dúvidas, a
incredulidade, nada disso me importava. Num momento eu estava vivenciando algo que
não podia compreender, noutro só o que me interessava era a beleza daqueles homens e
o prazer que estar com eles poderia me proporcionar.
Outra vez Fédon me beijou. Com as duas mãos, foi até os meus mamilos e usou a ponta
dos dedos para apertá-los. Uma onda de prazer, como um choque, reverberou por todo o
meu corpo. Ele deu passos em direção a cama, impingindo meu corpo de encontro a ela.
Eu caí sobre as almofadas. Ele lançou seu corpo sobre o meu.
Toda a sua estrutura se encaixou na minha. Senti a sua rigidez tocando a que ele induzia
a se fazer presente em mim. Movimentou-se de forma vulgar sobre mim, esfregando seu
corpo no meu. Não demorou para que tudo o mais ao redor fosse esquecido e só o tesão
fizesse morada em meus sentidos.
Entre beijos e apertos, senti as mãos de Fédon deslizarem pelo meu corpo indo à direção
da única peça de roupa que eu usava. Ele puxou-a até os meus joelhos, expondo a minha
nudez e a minha virilidade. O meu membro, babujava, denunciando a excitação que se
apoderara de mim.
Às vezes, lapsos me invadiam a memória, como uma lembrança rápida de tudo o que
havia acontecido para que eu tivesse chegado aquele ponto. Mas eu não conseguia manter
meus pensamentos focados em uma única coisa.
Senti o peso de um novo corpo sobre a cama. Voltei os olhos para o lado e percebi que
Cercion, com seus músculos esculpidos em ébano, me oferecia a sua nudez. O seu
membro era ornado por uma enorme cabeça roxa, que brilhava de desejo. Ele aproximou-
o da minha face, chegando a tocar meus lábios. Eu abri a boca e recebi-o, chupando-o
avidamente. Seus gemidos alcançaram meus ouvidos.
Fédon mordiscou meus mamilos e com a língua, lambeu toda a extensão do meu tórax,
descendo pela barriga, distribuindo beijo, passando pela virilha e indo de encontro ao meu
membro, que rijo como uma rocha recebeu a quentura dos seus lábios, a umidade da sua
saliva.
Gemi alto, despudorado, desejoso. Com uma das mãos o jovem que me chupava, chegou
até as minhas nádegas e afastando as minhas pernas, me alcançou a abertura com um dos
dedos. Ele passou a massagear a minha vulnerabilidade e num movimento súbito,
abandonou o meu pênis e ofereceu-me um faustoso beijo no meu esconderijo recôndito.
Engoli completamente o membro de Cercion e mantive-o em minha garganta por minutos
seguidos. Ouvi o seu gemido rude como um trovão. Ele agarrou os meus cabelos e forçou
a minha face de encontro a sua virilha. Passou a mover-se vagarosamente, penetrando
igualmente faziam-me quando se entremeavam em meu ânus. Vez ou outra, a minha
respiração se tornava difícil, porém, aquilo não impedia que ele continuasse. Fédon
continuou a desferir beijos de lascívia em mim.
— Chega!
Subitamente ambos pararam. Voltei os olhos para Voluptas que continuava sentado no
trono frente a cama. Fédon se levantou e se afastou de mim. Cercion fez o mesmo.
— Está preparado? – O homem veio em minha direção.
Em sua calça, eu vislumbrei o volume do seu membro, que aparentava ser monstruoso,
tanto no quesito tamanho, quanto grossura. E isso, eu constatei no momento em que ele
se desfez do jeans que usava e ficou completamente nu a minha frente.
Ele era como um quadro renascentista. Parado a minha frente, olhando-me como um
predador que está prestes a abocanhar a sua presa. Deu passos largos em minha direção,
chegando a borda da cama.
— Erga as suas pernas! – Exigiu.
Eu o obedeci, sem reclamar e arreganhei as minhas pernas e ergui-as para cima.
Ele pôs um dos joelhos sobre a cama, depois pôs o outro. Com uma das mãos, agarrou
meu calcanhar esquerdo, fez o mesmo no direito, e foi como se descargas elétricas
percorressem todo o meu corpo.
Vagarosamente ele se aproximou de mim, trazendo o seu membro para perto da minha
abertura, até que senti-o roçar a sua babugem. Aos poucos, ele forçou o seu corpo contra
o meu, impingindo a si mesmo, invadir-me. Uma dor me correu por dentro, mas eu me
mantive onde estava, sem me mover, permitindo que lentamente Voluptas se
aconchegasse em mim. Por fim, senti-o completamente dentro do meu corpo, violando a
minha masculinidade, inebriando-me de prazer e luxúria.
Ele se moveu vagarosamente, fazendo movimentos de vai e vem dando-me um prazer
que nenhum homem na face da terra havia conseguido fazer comigo. Seus movimentos
se intensificaram, seus gemidos se tornaram rugidos e quando dei por mim, aquela
criatura me invadia como um tsunami, destruindo qualquer coisa que ficasse ao seu
caminho, para me ter.
Puxou-me ainda mais para a borda da cama e sem se tirar de dentro de mim, apoiou-me
no seu colo. Eu trancei as minhas pernas em sua cintura e assim, desse jeito ele se colocou
com força em minha carne. Eu abracei o seu pescoço, ele pôs as mãos em minhas nádegas
e me fez descer e subir, em movimentos rápidos. Nessa posição, eu pude ter melhor
contato visual com o seu rosto e só confirmei, o quanto ele era realmente belo. Um deus,
ele era um deus.
Seus movimentos eram incessantes e pareciam que nunca terminariam. Foi quando, como
se o universo inteiro parasse para assistir aquele momento, as luzes do crepúsculo que
não existiam mais, ganharam forma dentro daquela casa e contrastaram com os tons
lilases do carpete, das cortinas, das almofadas sobre a cama. Eu gemi, ainda mais
ensandecido, tomado pela luxúria que o momento proporcionava.
Então eu vi duas enormes asas surgirem das costas do homem no qual eu cavalgava. Eram
enormes e brancas, terrivelmente brancas. Ele passou a meter com mais força, e seus
rugidos se assemelhavam a trovões. Eu gemia como nunca, sentindo um prazer aterrador.
As asas ganhavam um tom dourado, ao passo que se moviam, até que ele deu um último
grito e elas se abriram por completo, mostrando toda a sua extensão. Eu senti as suas
pernas vacilarem e o seu orgasmo se espalhar por dentro de mim. Tomado pelo tesão
daquela cena inacreditável eu gozei, sem encostar um dedo sequer em meu membro,
expelindo todo o elixir de uma vida sobre mim.
O homem se retirou de mim, mas eu continuei grudado em seu colo, preso ao seu corpo.
Eu não queria sair dali. Queria senti-lo mais, tê-lo mais, provar de cada parte do seu corpo.
Ele era inacreditável.
Ele usou suas mãos para me soltar dele e me pôr no chão.
— Ajoelhe-se! – Ordenou. As suas asas se fecharam e como num passe de mágica
sumiram atrás das suas costas.
Eu o obedeci, observando enquanto ele me dava as costas e volta para o trono. Ele se
sentou e direcionou o seu olhar para Fédon e Cercion que haviam nos assistindo aquele
tempo inteiro.
— Banhem-no! – Exclamou Voluptas.
Os rapazes se aproximaram de mim e quando perto, colocaram seus membros próximos
a minha face e passaram a se masturbar. Friccionaram-se por momentos seguidos, até que
o gozo se fez presente e eles expeliram o seu elixir em minha pele.
Após o ato concluído. Olhei para Fédon, como se buscasse explicações para o que havia
acabado de acontecer, mas não obtive respostas. Apenas ouvi o seu sussurro como se
estivesse aliviado em como as coisas haviam terminado.
— Ao menos, você sairá daqui vivo.
Cercion se dirigiu até Voluptas. Eu acompanhei seus passos.
— Deem-lhe a ambrósia.
— O quê? – Inquiri.
Cercion foi até uma pequena mesinha que ficava próxima a cama. Sobre ela haviam
algumas taças de ouro e um cântaro contendo um líquido. Ele despejou um pouco daquilo
no recipiente e trouxe-o até mim.
— Beba! – Ordenou Voluptas ainda sentado no trono.
— Eu...
— Beba! – Repetiu imperativo.
Peguei a taça da mão de Cercion, e num só gole degustei o líquido que havia nela. Não
tinha um sabor conhecido, porém, não era ruim, era demasiadamente saboroso.
— Após digerir esse líquido, você nunca mais lembrará de Fédon ou do que aconteceu
contigo neste lugar. Eu roubei de você algo que nunca mais terás em toda a sua vida, o
seu prazer. Esse é o seu castigo, você se tornará uma pessoa insossa e sem propósitos em
relação as outras.
— Mas, como... – Um peso se fez presente em minha cabeça. Eu senti como se estivesse
bêbado. Aos poucos fui perdendo a consciência e a imagem do local fora se
transformando num enorme borrão.
Divisei a imagem de Fédon, Cercion. Por último direcionei o olhar para Voluptas e o vi
nu, sentado no trono, as suas asas enormes haviam tornado a se abrir, como no meu sonho,
uma obra de arte. Ele era um deus, ele era um deus...
***
O despertador tocou e foi como receber um balde de água gelado em meu corpo. Abri os
olhos com dificuldade e custei a levantar. Abracei-me ao travesseiro, pois não acreditava
que já era segunda-feira. O final de semana havia passado como num sopro e eu não tinha
feito absolutamente nada de produtivo. Para mim, fora como se não existisse. Em minha
mente, residia uma lacuna como se os dias anteriores aquele, não valessem a pena ser
lembrados.
Peguei o celular, verifiquei a hora e, por conseguinte as mensagens que havia recebido.
Uma delas, chamara a minha atenção. Era do Guilherme.
Boa noite, me desculpe pelo que aconteceu na sexta. Não pude mesmo ir. Espero que não
fiquei chateado e possamos marcar novamente.
Ignorei a sua mensagem, mesmo querendo responder-lhe e dizer poucas e boas. Aquilo
não era do meu feitio, eu deixaria passar. Levantei-me da cama e segui em direção ao
banheiro. Não me demorei muito no cômodo, fiz as minhas necessidades matinais, tomei
um rápido banho e voltei para o quarto.
Sem muito ânimo para aquele início de semana, peguei a primeira roupa que encontrei no
guarda-roupa e me vesti, não tão disposto ao trabalho como deveria estar. Apressei o
passo, recolhendo tudo que eu deveria levar para o escritório.
Antes de sair de casa, verifiquei novamente o celular. A vontade de responder o rapaz que
havia me deixando esperando no bar, era latente, mas novamente ignorei-a e segui
adiante.
Fui até o carro. Usei o controle para ligar o portão automático, e quando estava
completamente aberto, saí. Dei uma ré precisa me retirando por completo da garagem e
esperei até que o portão fechasse novamente. Casa devidamente trancada, pus o
automóvel em movimento e guiei-o até o meu local de trabalho.
Havia em mim uma sensação estranha, como se algo estivesse fora do lugar. A minha
memória parecia querer recuperar, o tempo inteiro, uma lembrança que se ocultava de
mim. Balancei a cabeça, afastei os pensamentos e logo cheguei ao meu itinerário.
Estacionei o carro, tendo que fazer uma baliza arriscada e aterradora. Feito isso, desci e
dei passos em direção ao escritório. O vento soprou de forma ríspida e eu tive que me
virar para que a poeira não alcançasse meus olhos, que também fechei. Ao abri-los dei
com dois rapazes que passavam por mim. Um deles negro, usava dreadlocks e tinha um
corpo escultural, fitou-me e eu tive a leve impressão de conhecê-lo. Seus olhos ficaram
fixos nos meus, até que eles passaram completamente por mim.
Curioso, acompanhei-os com o olhar. Fiquei admirando a beleza de ambos e o seu porte,
até que o outro de cabelos loiros e olhos profundamente azuis, voltou a face para trás e
me ofereceu um misterioso olhar. Um frio se formou em minha barriga e um arrepio
percorreu todo o meu corpo. Parado, fitei-o arqueando as sobrancelhas, acompanhando
seus passos. Eles viraram numa esquina e sumiram do meu campo de visão. Recobrando
a minha razão, dei de ombros e segui caminho para o trabalho, afinal a era segunda feira
e eu tinha muito o que fazer.

FIM

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