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A lendária escritora de romances Best Sellers do New York

Times dos Senhores do Submundo, Gena Showalter, apresenta um


príncipe bestial e a esposa que ele vai fazer uma guerra para
manter.

Ele é gelo...

Puck, o Invicto, Guardião do Demônio da Indiferença, não pode


experimentar emoção sem punição, então ele não se permite sentir nada.
Até ela. Em sintonia com a antiga profecia, ela é a chave para vingar seu
passado, salvando seu reino e governando como rei. Tudo que ele
deveria fazer? Roubá-la do homem que ela ama — e casar com ela.

Ela é fogo...

Gillian Shaw sofreu muitas tragédias em sua vida muito curta, mas
nada poderia ter preparado a frágil humana para sua transição para a
imortalidade. Para viver para contar a história, ela devria casar com um
monstro com chifres que tanto a intriga quanto a assusta... e transformá-
la na rainha guerreira que ela nasceu pra ser.

Juntos eles queimam.

À medida que uma sensação crescente de posse e obsessão toma


conta de Puck, o mesmo acontece com luxúria insaciável. Quanto mais
ele aprende sobre sua esposa inteligente e engenhosa, mais ele a anseia.
E quanto mais tempo Gillian passa com seu marido protetor, mais ela dói
por ele. Mas a profecia também prevê um infeliz para sempre. Será que
Puck pode derrotar o próprio destino para manter a mulher que trouxe
seu coração morto de volta a vida? Ou eles vão sucumbir ao destino,
perdendo um ao outro... e a coisa toda pela qual eles estiveram lutando?
Era uma vez dois príncipes imortais que nasceram no reino deserto de
Amaranthia. Púkinn "Puck" Neale Brion Connacht IV e Taliesin "Sin 1 " Anwell
Kunsgnos Connacht. Irmãos por sangue. Amigos por escolha. Metamorfos
lendários, capazes de se tornarem qualquer um a qualquer hora.
Puck, o mais velho, tornou-se um guerreiro diferente de qualquer outro, força
bruta sua especialidade. Não importava a força ou perícia de seu oponente, ele
continuava invicto, sua habilidade no campo de batalha rivalizava apenas com sua
destreza dentro do quarto.
Sin, o mais novo, preferia livros à batalha, e romance à guerra, embora seus
triunfos militares não fossem menos conhecidos. Ele conseguia planejar e criar
estratégias melhor do que qualquer um.
Os príncipes se amavam e cada um jurou colocar o outro acima de todas as
coisas. Mas muito tempo atrás, os Oráculos de Amaranthia profetizaram que um
irmão se casaria com uma rainha amorosa e mataria o outro irmão, e então
finalmente uniria os clãs rivais do reino.
Os oráculos nunca erravam.
No final, não importava as esperanças nem os planos dos príncipes, a profecia
seria cumprida...
Alguns contos de fadas não têm um felizes para sempre.

1 Do Inglês, pecado.
Mate um homem, adquira a magia dele. Um conto tão antigo quanto o tempo.
Com um rugido, Puck o Invicto balançou um par de espadas curtas em seu
último oponente, o rei do Clã Walsh. Uma lâmina encharcada de sangue cortou o
peitoral de metal do homem, deixando-o de joelhos; outra cortou sua garganta da
frente para trás.
Não é páreo para um príncipe Connacht. Quem é?
O rei ofegou com choque e dor, depois gorgolejou quando uma maré vermelha
escorreu pelos dois lados de sua boca.
— P-por que?
Sem esforço, Puck se transformou em sua aparência normal, deixando que o
rei visse o verdadeiro semblante daquele que o superava.
— Meu irmão envia seus cumprimentos — Puck torceu as lâminas e disse: —
Que você possa descansar em pedaços.
O rei ficou boquiaberto, dando seu último suspiro sibilante antes de ficar em
silêncio, com a cabeça pendendo pra frente. Puck arrancou as espadas e o corpo
desabou no chão, atirando areia.
Na guerra, havia apenas uma regra: vencer, qualquer que fosse o custo.
Os soldados de Walsh recuavam em uma corrida frenética.
Uma névoa escura e brilhante se levantou do cadáver do rei e vagou até Puck.
Magia potente aderiu às runas marcadas em suas mãos — símbolos dourados que
se estendiam das pontas dos dedos até o pulso. Puro poder. Intoxicante. Não havia
coisa melhor.
Sua cabeça zumbiu, o sangue em suas veias esquentou e borbulhou. Por
causa da magia, sim, mas também porque se sentia triunfante. Numa fração de
segundo, a mais nova guerra em uma longa série de guerras terminou, e os
Connachts venceram.
Puck manteve sua posição no centro do campo de batalha encharcado de
sangue. As dunas de areia se estendiam até onde os olhos podiam ver, quebradas
pelo ocasional oásis com árvores imponentes e lagoas cristalinas. Os sóis gêmeos
do reino haviam desaparecido a muito tempo do horizonte. A noite reinava, o céu
da mesma cor das amoras criando um mar infinito de vermelho púrpura escuro.
Nenhuma estrela brilhava hoje à noite.
Seus olhos se fecharam enquanto saboreava a vitória. As chances contra ele
eram enormes, com um exército inimigo com mais que o dobro do tamanho do seu.
Então, ontem à noite seu irmão Sin sugeriu que Puck entrasse no acampamento
inimigo, matasse um comandante de Walsh, queimasse o corpo — e tomasse o seu
lugar. Não facilmente feito, mas de qualquer modo executado.
Em seu novo disfarce, Puck instruiu os soldados para "emboscarem" os
Connachts e finalmente levou todo o exército para uma armadilha. De lá, chegar
até o rei foi brincadeira de criança.
Sin podia olhar para qualquer situação — qualquer homem — e de alguma
maneira discernir cada fraqueza escondida.
Puck às vezes se perguntava quais fraquezas seu irmão percebia nele. Não que
isso importasse. Sin só procurava protegê-lo, fazendo qualquer coisa, tudo, para
garantir que ele vencesse cada batalha.
Juntos, eles desafiariam a profecia falada a respeito deles quando crianças.
Um irmão matar o outro? Nunca! Puck e Sin governariam os cinco clãs juntos, e
nada se interporia entre eles.
Um vínculo tão forte quanto o deles nunca poderia ser quebrado.
Quando um vento frio cuspiu areia, Puck abriu os olhos. Apesar da
temperatura gelada, ele irradiava calor, adrenalina nas veias. O suor se misturava
ao sangue dos vencidos respingado em seu torso, escorrendo de cada curva de
músculo.
Ao longe, alguém gritou:
— A vitória é nossa!
Outros gritos seguiram.
— A magia de Walsh é nossa!
— Nós vencemos, nós vencemos!
Vivas jubilantes aumentaram, um coro familiar. Ele treinava, sofria e sangrava
com — e para — esses homens. Para Puck, lealdade era muito mais preciosa do
que ouro, diamantes ou até magia.
— Voltem ao acampamento — ele gritou. — Comemorem.
Em uníssono, os soldados avançaram em direção ao acampamento logo depois
das dunas — um sub-reino escondido dentro de um reino, oculto pela magia de
Sin.
Puck embainhou suas espadas e pegou a lâmina do rei, o troféu perfeito. O
orgulho erguia sua cabeça enquanto seguia seus homens pelo campo de batalha.
Mais cadáveres e um excedente de membros decepados cobriam o caminho, o ar
saturado com o cheiro acobreado de sangue e o fedor de tripas esvaziadas.
Carnificina nunca o agradou. Mas também nunca o incomodou.
Ele se recusava a fugir da violência. Ameace o seu povo e sofra. O dia em que
mostrasse misericórdia seria o dia em que condenaria seu clã à escravidão ou à
morte.
Permanecendo nas sombras, Puck deslizou através de uma entrada invisível
acessível apenas para as pessoas que tinham sido marcadas com a magia de
Connacht. Para qualquer outra pessoa, a entrada permanecia fechada; por muitas
vezes homens, mulheres e crianças passavam sem nunca saber que uma sub-
dimensão existia a mera distância de um braço.
De repente, tendas, brasas ardentes, soldados e suas mulheres o cercavam.
O mau cheiro da morte evaporou, substituído pelo aroma de carne assada, trabalho
árduo e perfume doce.
Uma serva avistou Puck e cobriu a distância, interesse brilhando em seus
olhos.
— Olá, Alteza. Se precisar de companhia esta noite...
— Deixe-me interrompê-la aí mesmo. Eu nunca volto para uma segunda vez.
— Ele nunca esquecia um rosto também, e se lembrava que havia possuído aquela
mulher ano passado.
Antes de subir na cama com uma mulher, certificava-se que ela entendesse
sua política de só uma vez e pronto.
Decepção sombreou a expressão dela.
— Mas...
Já tendo acabado com a conversa, esquivou-se dela e foi até as margens do
acampamento, onde ele e Sin ergueram uma tenda. Uma ação fria de sua parte,
sim, mas necessária.
Puck não era como outros da realeza. Enquanto a maioria dos príncipes
mantinha um “haras” e viajava com suas “potras” mesmo durante os tempos de
guerra, Puck se recusava a dormir com as mesmas mulheres duas vezes. Não podia
arriscar promover um relacionamento romântico com alguém. Um laço romântico
despertaria a esperança de um casamento. Sem casamento, sem rainha amorosa.
Sem uma rainha amorosa, a profecia não seria cumprida.
Contudo, verdade seja dita, Puck adorava tudo na “suavidade feminina” a que
tinha sido negado a maior parte da sua vida. Ele amava beijar, tocar e a construção
da antecipação. Corpos suados se esfregando juntos, criando atrito. Gemidos,
grunhidos e suspiros ofegantes em seus ouvidos. A felicidade de finalmente se
afundar dentro de sua amante.
Às vezes, algumas horas na cama de uma estranha apenas estimulavam seu
apetite...
No fundo, ele tinha um desejo secreto e vergonhoso de manter uma mulher só
para si, de aprender cada pequeno detalhe do seu passado, todas as suas
esperanças e sonhos. Ele sonhava em passar semanas, meses, anos mimando-a e
somente a ela, deixando sua marca dentro e fora dela. Sendo marcado por ela.
Ele ansiava em ter uma "minha".
Talvez um dia pudesse.
Não, nunca. Sin vinha antes das mulheres, sempre. Sin vinha antes de tudo.
Esta noite, os irmãos revisariam os sucessos e falhas da batalha. Eles
beberiam, ririam e planejariam seu próximo passo, e tudo ficaria bem no mundo
de Puck.
Uma videira espinhosa rodeava e protegia sua tenda, ninguém capaz de entrar
ou sair sem sua permissão. Desencadeando uma espiral de magia, forçou as
videiras a se separarem e entrou.
Quando seu irmão apareceu a vista, afeição socou Puck no meio do peito.
Apesar de compartilharem a mesma pele escura, olhos escuros e cabelo ainda mais
escuro, o mesmo nariz aquilino e lábios implacáveis, os traços de Sin formavam
um quadro mais suave. Em várias ocasiões, Puck foi informado de que seu rosto
parecia "esculpido em pedra".
Sin passou a andar, aparentemente alheio ao mundo.
— O que o incomoda? — Os dedos de Puck apertaram em volta do punho da
espada.
Seu irmão nunca havia andado de um lado para o outro... até recentemente.
Um mês atrás, ele participou das negociações de paz com um reino vizinho e
retornou... mudado. De calmo a paranoico, de certo a inseguro.
Ele disse a Puck que acordou na última manhã e encontrou seu exército
assassinado. Ele ficou entre a carnificina, o único sobrevivente, sem memória do
que tinha acontecido. Agora não conseguia dormir, assustado com movimentos e
ruídos repentinos, e olhava as sombras como se alguém estivesse escondido entre
elas. Ele não visitava seu estábulo e se recusava a tirar a camisa durante o
treinamento.
Puck suspeitava de novas cicatrizes no peito de seu irmão. Será que ele achava
que os outros o considerariam fraco se as vislumbrassem?
Se alguém dissesse uma única palavra contra ele, esse “alguém" morreria.
Sempre que Puck expressava preocupação, Sin mudava de assunto.
Sin parou diante da fogueira crepitante, o olhar encontrando Puck antes de
se desviar.
Gradualmente Sin relaxou, até sorrir com um sorriso familiar que só Puck
tinha o privilégio de ver.
— Você demorou para voltar ao acampamento. A velhice está te atrasando?
Ele bufou.
— Você é apenas dois anos mais novo. Talvez devêssemos trocar de lugar na
próxima guerra. Eu planejo, você luta.
— Você esquece que eu o conheço melhor do que você a si mesmo. A
preocupação com a minha segurança o levaria direto para o meu lado.
Sin não estava errado.
Seu irmão saberia se virar em uma luta, qualquer que fosse a arma. Não havia
alguém igual a ele, exceto Puck. Mas se algo lhe acontecesse...
Eu queimarei este reino inteiro.
Puck foi até a bacia de água no alto de seu arsenal de viagem. Depois de
colocar a espada de Walsh de lado, ele lavou a sujeira da noite.
— Quando éramos crianças, você se preocupava comigo — disse ele, secando
o rosto com uma toalha. — O que aconteceu?
— Você aprendeu a usar a espada — Sin esfregou as têmporas, como se
odiasse os pensamentos que rodavam sua mente.
Ele precisava de uma distração.
— Vamos começar nossa revisão da batalha?
— Ainda não. Eu trago notícias — Segundos se passaram, cada um crepitando
com tensão.
Puck enrijeceu.
— Conte-me.
Com os olhos austeros, Sin disse:
— Nosso pai anunciou seu noivado com a princesa Alannah de Daingean.
Primeira reação de Puck: vou ter uma esposa. Ela será minha!
Então ele franziu o cenho. Deve proceder com cautela. Desde muito cedo, viu
o mundo ao seu redor através de um filtro quase ofuscante: MEU irmão, MEU clã,
MEU reino.
Ele tinha visto Alannah apenas uma vez, e embora gostasse da sua aparência,
não se dignaria a se deitar com ela, muito menos se casar com ela. A tentação não
podia ser favorecida, mesmo no mais leve sentido.
No entanto, compreendia a preocupação de Sin. O Rei, em vez de utilizar a
primogenitura, decidia um sucessor. A menos que o Rei se recusasse a fazer uma
seleção, é claro, então o guerreiro mais forte levava a coroa. Mas com aquele
anúncio, o rei Púkinn III tinha feito sua escolha.
— Pai falou sem pensar — disse Puck. — Não me casarei com ninguém. Você
tem minha palavra.
— Este é um movimento político destinado a solidificar a aliança entre nossos
clãs, mas... a profecia... — A voz de Sin foi perdendo a força. — Um se tornará rei
com uma rainha amorosa ao seu lado, e matará o outro. Os oráculos nunca estão
errados.
— Há uma primeira vez para tudo — Ele fechou a distância para emoldurar
as bochechas de seu irmão com as mãos. — Confie em mim. Um casamento nunca
acontecerá. — Nenhum dos dois se casaria, e a profecia continuaria sem ser
cumprida. — Eu escolho você, irmão. Eu sempre escolherei você.
Sin continuou tão inflexível quanto o aço.
— Se você se recusar, vai insultar os daingeanos. Outra guerra ocorrerá.
— Outra guerra está sempre acontecendo. — Cada clã coletava magia dos
homens que matavam, desesperados para possuir mais do que os outros.
Magia era força, e força era magia.
Sin se afastou de Puck para passar dois dedos na barba escura de sua
mandíbula.
— Ao casar com Alannah, você vai unir os clãs como sonhou. Connacht,
Daingean, Fiáin, Eadrom e Walsh.
Como ele poderia fazer seu irmão entender? Sim, ele sonhava em unir os clãs.
A guerra acabaria por fim. Vidas seriam salvas. A paz reinaria. Amaranthia
floresceria, as terras não mais devastadas por batalhas quase constantes.
Mas um acordo sem Sin significaria menos que nada.
— Nada importa mais do que você — disse ele. Séculos atrás, havia doze clãs.
Agora, por causa de reis e exércitos ávidos por magia, apenas cinco permaneciam.
Se algo não fosse feito, toda a população morreria. — Não para mim.
— Você não está ouvindo — insistiu Sin. — Daingean agora se alia a Fiáin.
Com seu casamento com Alannah, Connacht vai se aliar com Daingean, então Fiáin
será forçado a ficar ao lado de Connacht. Quando isso acontecer, Eadrom, que
atualmente é aliado de Fiáin, terá que romper sua aliança com Walsh para manter
a paz conosco. E eles vão. Eles não têm laços familiares com Walsh. E agora que o
atual, ou melhor, o ex-rei de Walsh está morto, o novo governante tem uma conta
limpa conosco.
— Eu não me importo — disse ele com uma sacudida de cabeça. — O preço é
muito alto.
Silencioso, Sin o estudou do jeito que frequentemente estudava seus mapas
favoritos. A tristeza escureceu seus olhos, até ser extinta pela determinação. Ele
assentiu, como se estivesse tomando uma decisão monumental, e acenou para a
mesa ao canto. No centro repousava o que parecia ser um pequeno estojo de
bugiganga.
— Isto chegou esta manhã — disse Sin. — Pouco antes da batalha.
— Um presente?
— Uma arma.
Arma?
— Não se preocupe. Eu cuido disso — Puck faria qualquer coisa, mataria
qualquer um, para resolver os problemas de seu irmão. Justo era justo. Sin sempre
resolvia os seus.
Ele cruzou a tenda para ficar diante do pequeno estojo. Madrepérola cobria
algum tipo de metal. Um grupo de diamantes brilhava em cada canto. Quando
estendeu a mão, um pulso de malevolência roçou sua pele. Não era magia, mas um
mal puro e não adulterado. Seu sangue gelou.
— Quem mandou? — E que tipo de arma era, exatamente?
— Uma mulher chamada Keeleycael, com o título de Rainha Vermelha. Ela
disse que espera que aproveitemos nossa queda.
Keeleycael. Nunca ouviu falar dela.
— Ela governa um reino vizinho? — Até onde Puck sabia, uma mulher nunca
liderava... coisa alguma. Não inteiramente, de qualquer maneira. As mulheres
auxiliavam seus reis.
— Eu não tenho certeza — disse Sin.
A resposta dificilmente importava, ele supunha. Ninguém ameaçava seu irmão
e vivia. Derrota? Não enquanto Puck vivesse e respirasse.
Sin não apenas salvou sua vida por incontáveis vezes; ele salvou a alma de
Puck.
Pouco antes do sétimo aniversário de Puck, seu primo morreu em batalha.
Precisando de um novo comandante da linhagem real, o rei escolheu Puck. Quer
dizer, um pequeno príncipe foi arrancado dos braços de sua mãe mais cedo, para
que a doçura de uma mulher não o "influenciasse" mais.
Estrague um menino, e arruíne o homem que ele se tornará.
As palavras que seu pai gritou para sua mãe no dia em que Puck foi levado.
— Eu também vou — tinha dito Sin aos cinco anos de idade. — Onde você for,
eu vou.
Os detalhes daquele dia fatídico estavam marcados para sempre na memória
de Puck. Como os soluços de sua mãe podiam ser ouvidos em toda a fortaleza.
Meus bebês. Por favor, não leve os meus bebês. Como as lágrimas escorreram pelo
rosto de Sin quando ele pegou a mão de Puck e saiu voluntariamente da única casa
que conhecia. Quão consolado Puck foi pela resolução inabalável do menino para
que ficassem juntos.
Os dois garotos viveram e treinaram com os soldados mais endurecidos do clã
por anos, emoções mais suaves esmurradas, chicoteadas ou cortadas.
Nas idades de doze e dez anos, ambos receberam uma espada e foram
abandonados por seu pai no meio das mais perigosas dunas de areia com estas
palavras de despedida: Retornem com o coração de nosso inimigo... ou
desapareçam.
Se Puck pudesse voltar no tempo, ele exigiria que Sin permanecesse mimado
com sua mãe, seguro em seus braços amorosos. Agora, a culpa era sua
companheira constante. Até que aprendesse a lutar, e a lutar bem, foi incapaz de
proteger Sin dos abusos diários. Pior, a mãe deles morreu antes que pudessem
visitá-la.
Ela deu à luz a um bebê natimorto logo após a partida deles e, em sua dor,
propositadamente ateou fogo ao próprio corpo. Um guerreiro poderia ter
sobrevivido às chamas, mas não uma mulher sem runas e sem magia.
Massageando a nuca, Puck considerou a melhor maneira de proceder.
— Você abriu o estojo?
— Não. Esperei por você — Sin disse, com um tremor de medo.
Medo? Impossível. Sin não temia nada enquanto Puck guardasse suas costas.
— Eu não deveria ter trazido essa coisa amaldiçoada para sua tenda — seu
irmão caminhou em direção à mesa. — Vou pegá-la e...
— Não. — Braço estendido, Puck deteve Sin antes que ele pudesse entrar em
contato com o estojo. Sim, Sin já havia tocado nela sem consequências. Não
importa. Não havia razão para que corresse mais riscos. — Eu quero saber o que
tem dentro. — Queria saber o que essa rainha desconhecida pensava usar contra
sua família.
— Eu vou buscar um dos comandantes. Deixe-o...
— Não. Eu mesmo abrirei. — Um bom rei não colocava a própria vida à frente
de seu povo. — Deixa. Eu vou deixar você saber o que vou encontrar.
— Você fica, eu fico.
Outro tronco caiu na fogueira de sua culpa. Ele estalou o queixo.
— Eu não o quero em perigo, irmão. — Nem agora, nem nunca.
Por um instante, os olhos de Sin brilharam com lágrimas não derramadas. Ele
rapidamente as piscou de volta.
— E ainda assim — ele disse — pretendo ficar.
Por que essas quase lágrimas? De repente, Puck não conseguiu tolerar a ideia
de ter seu irmão em qualquer lugar que não fosse nas proximidades.
— Muito bem. Afaste-se.
Quando Sin se moveu para o outro lado da tenda, Puck palmeou uma espada
curta e se preparou para o pior. Explosão? Uma armadilha mágica? Então ele fez
— abriu a tampa.
No começo, nada aconteceu. Mas entre uma batida de coração e a seguinte,
fumaça preta subiu do estojo, cheiro de enxofre saturando o ar, ardendo suas
narinas. Olhos vermelhos brilhantes se abriram, focaram nele e se estreitaram.
Puck recuou mesmo enquanto empurrava a espada para frente. O metal
apenas atravessou a escuridão. Mas que...
Uma criatura com chifres apareceu — o dono daqueles olhos. Com um grito
estridente mergulhou. Alvo: Puck. Ele tentou pular fora do caminho. Muito tarde.
A criatura...
A dor o queimou, empurrando um rugido por seus lábios. A criatura entrou
em seu corpo e agora rasgava seus órgãos. Ela mordia e arranhava também, e
ainda assim Puck não experimentava sinais externos de lesão.
Frenético, largou a espada para enfiar as unhas no peito, cortando a pele e os
músculos — sem sucesso. A criatura permanecia dentro dele, uma presença
obscura, uivando com uma mistura tóxica de ódio e prazer.
O sangue nas veias de Puck também poderia ter sido combustível; cada célula
do seu corpo parecia pegar fogo, derretendo-o de dentro para fora enquanto ele...
se transformava? Dois anéis de fogo irromperam na coroa de seu crânio, como se
círculos tivessem sido queimados no osso. Ele estendeu a mão e sentiu... chifres?
A respiração ofegou através dos dentes cerrados enquanto ele puxava as
mechas de pêlo marrom que brotavam em suas pernas. A pelagem permaneceu.
Em seguida, uma casca dura cresceu sobre seus pés — cascos? — quando suas
botas de couro rasgaram nas costuras.
Mudar de forma não era novidade para ele, mas essa transformação tinha o
controle de Puck e não o contrário. Ele não conseguia parar isso.
Linhas negras irregulares apareceram em seu peito, pequenos rios de lava
queimando ao se espalharem. Uma imagem se formou. Uma borboleta com asas
tão afiadas quanto vidro quebrado. Cores diferentes brilhavam a luz do fogo, uma
após a outra, alterando-se à medida que várias emoções o inundavam.
Principalmente o pânico que agarrava Puck pelo pescoço e o segurava firme,
sufocando-o. Aquilo era uma alucinação causada pela fumaça?
Ou ele estava se transformando em um monstro em definitivo?
Seus joelhos cederam incapazes de suportar seu peso. Quando estava deitado
no chão, ofegante, o pânico morreu. Seu olhar pousou na espada de Walsh e o
orgulho que experimentou apenas momentos antes desapareceu completamente.
A devoção que ele nutria por seu reino e seu povo... se foi. Ele não sentia nada. A
espada era um pedaço de metal finamente afiado, o reino era uma localização sem
sentido, seus cidadãos eram pessoas sem importância.
Puck procurou por emoção, qualquer emoção, escondida em qualquer lugar.
Ali! Seu amor por Sin, um farol brilhante.
Ele protegeria o homem mais novo disso... o que quer que isso fosse. Mas
quando tentou alcançar seu irmão, o músculo travou no osso mantendo-o imóvel,
e o pânico retornou.
— Sin!
Sin não o olhava nos olhos.
Alguma coisa estava errada...
Um nada terrível começou a passar por Puck pela segunda vez — esse dirigido
ao seu irmão. Ao precioso Sin. Estimado Sin. A sua razão para... tudo. Mas uma
adaga invisível cortou seu coração, afeição sendo drenada... drenada...
Ainda assim ele lutou.
— Eu amo você — ele murmurou. Não posso perder Sin. Não posso... Mas
mesmo enquanto falava, seu coração esvaziou.
Em um momento seu amor ardia, uma luz inextinguível pela guerra, pela
perseguição ou pela farsa, no momento seguinte não passava de uma tocha
apagada.
Puck piscou para Sin e sentiu... nada. Ele não tinha esquecido seu passado,
ou as muitas maneiras que seu irmão o havia ajudado ao longo dos séculos, ou
tudo o que Sin tinha abdicado em seu nome, mas não se importava nem um pouco.
Sin se agachou ao lado dele, tristeza mais uma vez escurecendo seus olhos.
— Eu sinto muito, Puck. Eu realmente sinto. Eu sabia o que estava dentro do
estojo... Keeleycael... ela sabia da nossa profecia, alegou que já estávamos no
caminho da destruição, e um de nós mataria o outro. Desta forma, nós podemos
viver. Eu só... eu não podia te matar, e não podia deixar que me matasse. Você
teria se odiado. Me desculpe — ele repetiu. — Sinto muito.
Seu irmão o traiu?
Não é possível. Ele nunca faria uma coisa tão terrível.
— Eu fiz um acordo com a diaba — continuou Sin. — Nunca vou me perdoar,
mas melhor eu do que você, certo? Você não vê? Você não vai se preocupar com a
coroa ou com os clãs. Agora está possuído pelo demônio da Indiferença. — Ele
bateu em Puck no peito e sua voz endureceu. — Vocês dois estão juntos pelo resto
da eternidade.
Tristeza, determinação e fúria — tanta fúria — de repente brilharam dentro
de Puck. Uma explosão! Seu irmão o traiu. Tinha planejado ativamente sua ruína.
Mas assim como tudo mais, a tristeza, a determinação e a fúria desapareceram,
até que apenas o desinteresse frio permaneceu.
Puck o Invicto tinha acabado de se tornar Puck o Fodido.
Ele devia partir. Podia não ter uma aspiração para matar seu irmão, ou de
ficar aqui, ou até mesmo de partir, mas o bom senso dizia: não fique com quem o
prejudicou.
Músculos se soltando finalmente dos ossos, ele se levantou.
— Fiz isso por nós — Sin endireitou-se, estendendo a mão para ele. — Diga-
me que entende. Diga-me que vamos ficar juntos.
Silencioso, ele se afastou de seu irmão. Ele ia dar uma volta, pensar no que
havia acontecido e no que devia fazer em seguida.
— Puck...
Ele saiu da tenda sem olhar para trás.
Séculos se passaram. O número exato escapava a Puck. Ele não se importou
em contar.
Ele não voltou para seu irmão ou clã, mesmo quando ouviu rumores sobre a
brutalidade de Sin. Aparentemente, seu irmão havia se transformado no tirano
mais sanguinário da história de Amaranthian. Ele destruiu metade da floresta —
só tinha duas — para construir uma fortaleza. Fez dos Connachts escravos e de
quaisquer outros membros de clã que capturasse, e matou qualquer um que
"planejasse sua queda".
Ele acreditava que milhares de pessoas planejavam sua queda.
Na realidade, Puck sabia a verdade. A alma negra de Sin finalmente saiu para
brincar.
Sem rumo, Puck vagou de uma extremidade a outra de Amaranthia. Aqueles
que se metiam no seu caminho morriam. Se ele vinha a cruzar com algo necessário
à sua sobrevivência, ele o tomava. Comida. Armas. A hospedagem de uma noite.
Alguma vezes ele aceitava uma amante. Conseguia ter ereção e uma mulher podia
se satisfazer, mas ele não se importava com o prazer dela — e não conseguia
alcançar o dele. Embora sentisse uma necessidade fisiológica de liberação,
ninguém tinha o poder de fazê-lo gozar. Nem ele mesmo.
Lembrava-se de como uma vez secretamente sonhara em estar com a mesma
mulher várias vezes. Quando realmente fez isso, achou a experiência nada
satisfatória.
Quando Puck se acostumou à Indiferença, percebeu que o demônio não podia
— não conseguia — roubar ou apagar suas emoções, apenas enterrá-las e escondê-
las. O que o demônio não preferia mais fazer; ele tinha desenvolvido um gosto em
puni-lo sempre que Puck sentisse muito por muito tempo.
Nunca indiferente quanto a isso, não é, demônio?
Mesmo agora, a criatura rondava sua mente, cada passo como o balanço de
uma marreta enquanto aguardava Puck errar.
Ele tinha que aprender a enterrar e esconder suas emoções por conta própria,
e cobri-las com grossas camadas de gelo místico, convocado por magia, que ele se
certificava de que sempre tinha à disposição. O tipo de magia que poderia exercer
em qualquer lugar, a qualquer hora. Com o gelo vinha a dormência, com a
dormência, paz.
Um processo necessário. Um poço de fúria, ódio, dor, preocupação e
esperança ainda fervilhavam dentro dele. Ele era um barril de pólvora e um dia
explodiria.
Quando isso acontecesse...
Indiferença o mataria? Puck aceitaria a morte ou lutaria?
Pelo menos o demônio o advertia sempre que uma emoção escapava. Rosnados
se igualavam a um tapa no pulso. Rugidos significavam que Puck estava pisando
em terreno perigoso. Quando ele ouvia ronronar, era porque tinha sentido muito
por muito tempo, e o inferno estava prestes a ser lançado sobre ele.
O demônio esgotaria sua força, deixando-o imóvel por dias. Praticamente em
coma.
Para contornar a punição, Puck criou regras que seguia ao sem falhar.
Não confie em ninguém, nunca. Lembre-se de que todo mundo mente.
Matar qualquer um que ameace minha sobrevivência e retaliar sempre pela
mínima desfeita.
Comer três refeições por dia e adquirir roupas e armas sempre que possível.
Sempre persistir.
Em certo ponto, Puck veio a cruzar com a Princesa Alannah, de Daingean. Ela
gritou e correu para longe dele, aterrorizada com o monstro que se tornara. Oh,
bem.
Embora a magia ainda girasse dentro de Puck, ele perdeu sua habilidade de
mudar de forma. Os chifres permaneciam no alto de sua cabeça, duas torres de
vergonha de marfim. O pêlo em suas pernas e os cascos em seus pés também
permaneciam; não importava quantas vezes ele os cortasse, pensando que talvez,
apenas talvez, que pudesse libertar sua mente de Indiferença se libertasse seu
corpo de seus atributos bestiais.
Com o passar do tempo, homens diferentes o atacaram, determinados a matar
o desgraçado príncipe Connacht. Puck foi esfaqueado, empalado e pendurado,
puxado e esquartejado, e queimado. Sempre que possível, ele lutava contra. E se
não pudesse revidar por causa do demônio, esperava até que seu corpo se curasse,
e então se vingava implacavelmente, impiedosamente, tomado por uma raiva que
ele não podia controlar.
Claro, Indiferença sempre o penalizava depois.
Certa manhã, quando Puck andava pelas dunas de areia que uma vez adorara,
seus pés latejavam. Ou melhor, seus cascos. Um rápido olhar para baixo provou
que ele sofria de vários ferimentos, deixando um rio de sangue em seu rastro. Ele
precisou roubar e alterar magicamente um par de sapatos. E roupas. Ele se
esqueceu de se vestir.
Dois sóis dourados ressaltavam um pequeno acampamento à distância.
Perfeito. Roupas diferentes pendiam em uma corda ancorada no topo de duas
tendas lado a lado. O cheiro de carne flutuava na brisa enquanto um coinín assava
acima de uma fogueira.
Não havia gente do lado de fora, embora vozes vazassem de uma das tendas.
—... Anunciou esta manhã. O príncipe Taliesin de Connacht matou o pai
enquanto ele dormia.
— Acho que isso significa que Taliesin é o rei agora — foi a resposta
resmungada. — O príncipe Neale seria o sucessor, mas ele está morto, eu acho.
Puck parou subitamente. Sin matou o pai deles?
Os dois desprezavam o homem, mas matá-lo a sangue frio enquanto o
Connacht dormia? Isso era baixo.
Puck esperou por um soco de surpresa... nojo... raiva... alguma coisa. Nem
um pingo de emoção atravessou seu gelo. Enquanto vestia uma calça de pele de
carneiro apertada demais, perguntou-se o que deveria sentir. Todas as emoções
acima, talvez? Necessidade de impedir o seu irmão, definitivamente.
— Se o príncipe Neale não está morto — disse um dos homens — ele ainda é
uma fera.
Neale — Puck.
— Você prefere ter Taliesin ou uma fera dominando sua família? — Perguntou
o outro homem.
— Fera — disseram os dois homens em uníssono.
O fato de alguém querer Puck em vez de Sin... os Connachts devem estar
desesperados.
Posso realmente me afastar e deixar meu clã em perigo?
E se Sin se casasse com uma mulher que o amasse, matasse Puck e unisse
os clãs? Amaranthia certamente entraria em colapso.
Sin tinha que morrer.
Sempre persistir.
Bem, tudo bem então. Puck salvaria os Connachts de um louco e todo o reino
da devastação — e finalmente se vingaria de seu irmão. E no fundo de seu coração,
Puck queria vingança. Pelo futuro brilhante que perdera, e o amor que Sin tinha
destruído tão friamente.
Puck merecia se enfurecer contra ele. Esse direito era merecido.
Indiferença rosnou um aviso. Puck convocou um fio de magia para encobrir
seu coração e mente com mais gelo.
À medida que a lógica glacial retornava, a compreensão se instalou: se o
demônio conseguisse drená-lo de força, Sin o venceria.
Ele já conhece as minhas fraquezas...
Puck fechou as mãos em punhos. Ele precisava descobrir a fraqueza de Sin.
Ninguém oferecia uma direção melhor do que os Oráculos.
Puck comeu cada pedaço de coinín — regras eram regras — encontrou, alterou
magicamente e calçou um par de botas, então se dirigiu para leste. Os oráculos
viviam na parte mais perigosa de Amaranthia, onde a poderosa magia engrossava
o ar, criando fendas que levavam a outros reinos, poços intermináveis, o centro de
um vulcão e até mesmo o fundo de um oceano. Somente os cidadãos mais
desesperados se atreviam a se aventurar ali. Aqueles que buscavam se salvar ou a
um ente querido, reis que precisavam de orientação ao escolher um herdeiro, ou
pessoas como Puck, sem nada a perder.
A jornada de três dias o prejudicou. Nenhum acampamento, sem comida ou
água. Pelo menos ele conseguiu evitar as fendas.
Finalmente, alcançou a torre de areia mais alta do reino. Os Oráculos viviam
no topo, com uma visão de... tudo. Muito fraco para escalar, Puck usou sua última
magia para criar uma escada de areia.
Ele precisava adquirir mais magia, o que significava que teria de matar alguém,
e logo.
Deveria matar um dos oráculos? A história alegava que o trio criou Amaranthia
como um refúgio seguro para qualquer pessoa com inclinações mágicas. Seu
suprimento de magia devia ser ilimitado, até mesmo sem fim.
Houve um tempo em que pensar em ferir uma mulher o teria repugnado. Agora?
Pode trazer. Uma fonte era uma fonte.
Negócios primeiro. Quando subiu ao nível superior sem trilhos ou paredes,
descobriu três mulheres juntas, cada uma vestida do peito à coxa em lenços
coloridos. Uma névoa fina e escura obscurecia seus rostos.
Como cumprimento, ele disse:
— Vocês sabem por que estou aqui — elas deviam. — Como recupero o que é
meu? Liberdade do demônio. A coroa de Connacht. Unificação para os clãs.
Proteção para o meu reino. O coração negro de Sin em uma bandeja de ouro. A
princesa Alannah.
Ele a tomaria como espólio.
À medida que os ventos se tornavam mais violentos, as mulheres perguntaram
em uníssono:
— Qual é o nosso credo, Puck o Invicto?
Toda Amaranthia aprendia o credo delas desde o berço. Nada dado, nada
ganhado. Quanto mais pessoal for o presente, mais detalhada será a resposta.
O que era mais pessoal do que seu coração enegrecido?
Não seria capaz de matar depois.
Vale a pena.
Determinado, retirou uma adaga de uma bainha da cintura e enfiou a lâmina
em sua caixa torácica. Sangue quente escorreu pelo seu peito. A dor devorou sua
força com a mesma tenacidade que Indiferença, queimando todas as terminações
nervosas de seu corpo. Eventualmente, seus joelhos cederam. Mas mesmo
enquanto caía, continuou a cortar músculos e ossos. Finalmente, sucesso.
Como imortal, ele se recuperaria... logo. Aqui e agora, sua mente permaneceria
consciente por um minuto, talvez dois. Muito tempo para conseguir o que precisava.
Sin lhe ensinara bem: todo o curso da sua vida poderia mudar entre uma
respiração e outra.
Com um movimento de seu pulso, o coração ainda pulsante rolou na direção
dos Oráculos. Gorjeios de aceitação soaram, seguidos por vozes, um Oráculo após
outra falando.
— Você ama nosso lar, nossa gente, apesar de suas... limitações. Mas o que
foi previsto não pode ser desfeito. O que está para acontecer, vai acontecer.
— Uma profecia pode trabalhar junto de outra, e o que aconteceu pode ser
endireitado.
— Para salvar a todos nós, case-se com a garota que pertence a William da
Escuridão... ela é a chave...
— Traga sua esposa para nossas terras e conduza o sombrio depois para cá.
Apenas o homem quem vai viver ou morrer pela garota tem o poder de destronar
Sin, o Demente.
Quando Sin tinha ganhado o apelido de “o Demente”?
— Só então você terá tudo o que deseja.
— Mas não se esqueça das tesouras de poda de Ananke, pois elas são
necessárias...
Juntos, os Oráculos sussurraram:
— Não há outro modo.
No silêncio que se seguiu, os pensamentos de Puck giraram. William da
Escuridão. Ele nunca tinha ouvido falar dele ou da garota pela qual o homem iria
"viver ou morrer". Os dois precisavam ser trazidos para Amaranthia, um depois do
outro. Muito bem.
Quando uma pesada escuridão brincou com as bordas de sua mente, ele
ordenou e definiu suas tarefas.
Encontrar William da Escuridão. Casar com a garota que ele ama. Guerrear com
Sin.
Uma profecia não substituía a outra. Em vez disso, as duas trabalhariam em
conjunto. O que significava que William não mataria Sin, apenas o destronaria. O
resto caberia a Puck.
Nada o impediria de completar cada tarefa. William. Casar. Guerra. Um dia
Puck usaria a coroa de Connacht, salvaria seu povo e uniria os clãs.
Finalmente a escuridão parou de brincar e começou a devorar, engolindo-o
inteiro. Ele não teve mais consciência de nada.
Gillian Shaw, AP (Antes de Puck)
Faltando 4 dias e 32 segundos para o aniversário

Eu posso fazer isso. Eu posso fazer isso.


Lingerie sexy? Ok.
Perfume inebriante? Ok.
Dentes escovados uma vez, duas vezes para garantir? Ok.
Gillian Shaw — também conhecida como Gillian Bradshaw, Gilly Bradshaw e
Jill Brads, dependendo de qual identidade ela usasse — marchava de um lado para
o outro no quarto, sentindo-se como se fosse uma boneca de porcelana rachada
prestes a se quebrar. Eu tenho quase dezoito anos. Eu posso fazer isso.
Seu estômago disse: Pense outra vez, garotinha.
Sem querer estragar o tapete persa, ela correu para o banheiro. Na hora certa.
O conteúdo do seu estômago derramou no vaso.
O seu namorado — quem ela estava enganando? Ele não era seu namorado.
Ainda. Ele era um guerreiro imortal de incomparável beleza e poder, com um zilhão
de anos de idade, e um dos nove reis do inferno. Ou um antigo rei. Títulos imortais
podiam mudar à medida que reinos fossem adquiridos ou perdidos, e ela havia
perdido a conta. O que ela sabia, sem sombra de dúvida: William da Escuridão era
um assassino impiedoso. Tanto seus inimigos quanto amigos o temiam, e ainda
assim, quando ele sorria, calcinhas caíam.
O cara dormia com qualquer uma. Com todas. Ele não se esforçava em
resistir... exceto com Gillian, com quem ele se recusava a ir pra cama.
Hora de ensiná-lo o contrário.
Embora ele nunca tivesse dado em cima dela, sempre gostava de estar com
ela. Claramente! Ele brincava e ria com ela de uma maneira que não fazia com mais
ninguém. Esta manhã, ele pediu sua opinião sobre qual camiseta usar. A que dizia
"Eu Posso Fazer Cerveja Desaparecer" ou "O Amigo Mais Ok do Mundo".
Ele fazia ideia da raridade que era? Que riqueza de contradições? Era
intransigente e corajoso enquanto inspirava terror, feroz, mas honrado, com uma
bússola moral distorcida. Disposto a cometer atos de maldade indescritíveis, e
ainda assim, havia (pequenos) limites que se recusava a ultrapassar.
Para Gillian, ele era a última esperança.
Devo conquistá-lo. Ela tinha pesquisado direito na internet? Escolhido a roupa
certa? Escovado os dentes o suficiente? Argh. Talvez devesse ir para casa, antes
que ele voltasse e a encontrasse meio nua em seu quarto, e alterasse para sempre
o curso do relacionamento deles.
Tarde demais. Já estava alterado.
Um tempo atrás, ele ficou de cama depois de uma batalha particularmente
terrível. Em sua condição debilitada, ele não tinha confiado em ninguém além de
Gillian para ficar ao seu lado. Enquanto ela cuidava de seus ferimentos, ele admitiu
que tinha percebido seus sentimentos por ele, e disse que eles só poderiam ser
amigos, que ela era jovem demais para estar com um homem e entender o que isso
significava.
Graças ao seu padrasto, há anos ela já sabia o que aquilo significava. Ele tinha
feito coisas doentias e retorcidas que ela não conseguia contemplar sem rezar pela
própria morte. Ele também ensinava seus filhos a fazerem coisas doentias e
deturpadas.
Mas de qualquer maneira, dia após dia, ela continuava lutando para viver. Ela
odiava seus meio-horrores2demais para deixá-los vencer.

2
Aqui ela se refere a meio-irmãos horrorosos ou stephorrors. Achamos melhor deixar assim para dar a conotação do
quanto os odiava.
Sentindo-se rejeitada por William, ela tentou evitá-lo. Ele a procurava de
qualquer maneira, agindo como se nada tivesse acontecido. Na verdade não. Isso
não era cem por cento preciso. Ela tinha compartilhado com ele o pior do seu
passado, e ele passou a tratá-la como se fosse feita de vidro.
Agora havia duas Gillians — duas lobas em guerra. Uma Gillian tinha medo
de seus sentimentos por William, e a outra só queria sentir mais. Uma olhava para
ele e pensava: ele é o homem mais assustador da Terra. A outra olhava para ele e
pensava: ele é o homem mais sexy da Terra.
Isso que era um conflito mental! O que pesava mais — assustador ou sexy?
Hmm, e que tal nenhum dos dois? Ele era bom, a única qualidade que
importava.
Ultimamente, porém, ele passava cada vez menos tempo com ela. E se ele se
cansasse dela? E se a abandonasse?
Havia apenas uma maneira de manter um homem interessado em uma
mulher...
Seu estômago se contorceu. Você está provando o argumento dele. Você não
está pronta. Isso não está certo.
Não, não! Dar ouvidos ao medo? Não mais. Esta noite ela assumia o controle
de seu destino e provaria que poderia satisfazer todas as necessidades de Liam.
Gillian jogou água no rosto e olhou para seu reflexo no espelho. Olhos escuros
e assombrados a olharam de volta, e franziu o cenho. Ninguém, neste mundo ou
em qualquer outro, odiara os próprios olhos mais do que ela odiava os dela.
Quer que eu pare de te tocar? Então diga a esses lindos olhos para pararem de
me implorar por mais.
Suor frio porejou sua testa e seu estômago ameaçou se rebelar pela segunda
vez.
OK, então. Garantido que surtaria hoje à noite.
— Você vale a inconveniência — ela murmurou. — Bem como Liam.
Com sua bondade e gentileza, ele conquistou sua confiança, lealdade e amor.
E milagre dos milagres, ela conquistou a dele também. Ele tinha que confiar e amá-
la, apesar de sua rejeição. Por que outro motivo ele lhe daria uma festa de pré-
aniversário particular ontem e a surpreenderia com um carro novo? Um Mercedes-
Benz S600 Guard, para ser exata.
De acordo com suas invejosas colegas de classe, era o veículo mais seguro do
mercado porque resistia a atiradores de elite, granadas lançadas por foguetes e
projéteis de alta velocidade. Ah, e tinha custado seiscentos mil dólares, uma
quantia absolutamente obscena de dinheiro. Mas além de tudo, William era um
homem de negócios experiente, e tinha muito dinheiro para gastar.
Mas a coisa que valia mais do que o Mercedes para ela? O livro de cupons de
desconto feito à mão que ele havia lhe dado. Dentro havia ingressos para os
desafios de videogames que duravam a noite toda, restaurantes em qualquer lugar
do mundo e uma extravagância em compras enquanto ele carregava sua bolsa.
Havia também vinte cupons para "a cabeça ou o coração de um inimigo".
Mas ainda melhor do que tudo isso? Ela ouviu uma conversa entre o grupo de
amigos que os dois compartilhavam. William considerava Gillian sua companheira
destinada!
O problema era que ele continuava vendo outras mulheres.
Preciso ganhá-lo agora, antes que ele se apaixone por outra pessoa.
Um pouco vacilante nos passos, Gillian usou a escova de dentes sobressalente
para esfregar a boca uma terceira e quarta vez. Ele me ama. Ele sempre me amará.
Certamente.
Não muito tempo atrás, ela saiu com uma turma da sua escola. Ela estava
desconfortável, mas determinada a se divertir. Mas quando todos se formaram
casal, deixando-a sozinha com um dos garotos, ela entrou em pânico. E se ele desse
em cima dela? Bem quando ela pensou que poderia surtar, William apareceu.
— Você não toca nela. Nunca — ele disse, sua voz pura ameaça. — Se tocar,
você morre.
Ao contrário de seu padrasto, ele a protegia. Ele era uma luz brilhante em uma
vida cercada por escuridão.
Com ele, quase se sentia normal.
Gillian precisava se sentir normal. Tantas garotas da idade dela estavam
animadas para descobrir os “prazeres” do sexo. Mas ela já desprezava o ato. Os
cheiros, sons e sensações. A dor, humilhação e impotência.
E se William pudesse apresentá-la a esses prazeres?
Seu celular vibrou. Uma mensagem de William? Esperançosa, mas também
cheia de pavor, ela checou a tela. Keeley.
Pergunta rápida. Sem resposta errada. Se você fosse uma rainha — como EU
— e alguém fizesse alguma coisa que a machucasse a fim de salvá-la, você o
perdoaria ou o mataria?

Keeley, a Rainha Vermelha, era uma Curadora encarregada da proteção do


mundo, extraindo sua força da natureza. Ela chamava sua mente de cortiça por
ter vivido tanto tempo e ter tantas memórias presas ao cérebro. Não apenas do
passado, mas também do futuro. Ou um futuro que ela já viu, mas esqueceu. Agora
ela estava lembrando, seu casamento com Torin ajudando-a a alcançar clareza
mental.
Por algum motivo, ela decidiu colocar Gillian debaixo de sua asa e treiná-la
para ser realeza, com lições que se passavam por "perguntas rápidas".

Gillian respondeu: Essas são minhas únicas opções? Matá-lo ou perdoá-lo?


Certo. Eu vou aceitar. Mas antes que eu possa chegar a um veredicto, vou precisar
de mais informações. O que essa pessoa fez para me machucar?
Keeley: Quem sabe? Eu não estava lá.
Eu ainda preciso de mais informações.
Keeley: Resposta errada. Você deve me perdoar. Quero dizer ele. ELE. Caso
contrário, a amargura irá crescer como uma erva daninha e sufocar qualquer
alegria. Agora, então, espero que tenha gostado desta lição em sobreviver ao
maravilhoso mundo da imortalidade da professora Rainha KeeKee.
Perdoar você??? O que você fez, K? Ou o que você vai fazer? Me diga!
Keeley: :) :) :) Eu te amo, minha docinha não-humana!

Não-humana? Às vezes não havia como entender a Rainha Vermelha.


Com um suspiro, Gillian colocou o telefone no bolso e avistou seu reflexo —
aqueles olhos. Ela se lembrou do motivo de estar no apartamento de William e
medo aniquilou sua diversão.
Os contras de fazer isso naquela noite: (1) ela poderia continuar vomitando,
(2) se falhasse, poderia não conseguir reunir a coragem para tentar novamente, e
(3) não fazer nada poderia significar perder a amizade de William.
Os prós: (1) ela o tinha escolhido por vontade própria, (2) tinha planejado o
encontro e (3) controlaria tudo o que acontecesse. Não importava o que, sexo com
ele seria diferente. Diferente queria dizer melhor.
E se as lembranças de William ofuscassem as memórias de seu padrasto? E
se William ajudasse a livrá-la de toda a culpa, vergonha e auto-aversão que se
enterraram dentro de seu coração e criaram raízes?
Ela não seria mais uma casca de si mesma. Recuperaria a confiança. O ódio
dentro dela seria drenado. Nunca mais se sentiria esmagada pela vida.
Seu telefone tocou. Uma rápida checagem na tela a fez gemer. Torin.

Onde você está?

Torin, outro amigo imortal, tinha recentemente se juntado a Keeley. Ele era
um cara bom, com um amor pelo sarcasmo.
Gillian mandou uma mensagem de volta: Saí. Por quê?
Torin: Por que mais? Por que eu gosto de ter certeza que a sua boca atrevida
está a salvo.

Seus dedos voaram sobre o teclado. Ou você prometeu a William que ficaria
de olho em mim enquanto ele estivesse fora?
Torin: Isso também. Agora de volta aos negócios. Saiu para onde?

De jeito nenhum ela mentiria. "Mentira" era a única língua que seus meio-
horrores falavam. Mas de jeito nenhum Gillian contaria a Torin a verdade completa.

Ela digitou: Estou no meu apartamento, pai. Obrigada por perguntar.

Ela tinha seu próprio apartamento ao lado de William. Tecnicamente, seu


apartamento também pertencia a ele, já que ele pagava pelos dois, mas o que
pertencia a ele pertencia a ela — ele tinha dito isso! Duas vezes!

Torin: Como se eu não conseguisse rastrear sua localização exata, querida. Vá


para casa. O que quer que esteja planejando, é uma péssima ideia. Horrível.
Terrível. A pior!
O que! Ele sabia? Tremendo mais do que antes, desligou o telefone. Esta era
uma ótima ideia. Talvez a melhor que já teve.
Respire. Apenas respire. Tudo vai ficar bem. William tinha experiência. Um
monte experiência. Seus amigos não o chamavam de William o Sempre Excitado,
nem de Free Willy à toa. Ele se certificaria de que Gillian aproveitasse o máximo
possível. Certo?
Droga. Onde ele estava? O que estava fazendo?
Ela se lembrou da primeira vez que se conheceram.
Desesperada para escapar de seus meio-horrores, ela roubou dinheiro e
comprou uma passagem de ônibus de Nova York para Los Angeles. Lá, ela
conseguiu emprego no único lugar disposto a contratá-la. Um restaurante barato
onde homens como seus meio-irmãos nojentos tentavam regularmente pedir um
“McLanche feliz".
Então Danika Ford apareceu, uma lutadora de rua que tinha a habilidade
sobrenatural de ver o céu e o inferno. Danika estava fugindo de um grupo de
imortais possuídos pelo demônio conhecidos como os Senhores do Submundo,
cada um mais aterrorizante que o outro. Havia Paris, Guardião do demônio da
Promiscuidade. Sabin, Guardião da Dúvida. Amun, Segredos. Aeron, Ira. Reyes,
Dor. Cameo, Miséria. Strider, Derrota. Kane, Desastre. Torin, Doença. Maddox,
Violência. Lucien, Morte. Gideon, Mentira.
Contra todas as probabilidades, Danika havia se apaixonado pelo Sr. Dor. O
casal feliz convidou Gillian para ir a Budapeste com eles, e porque ela estava
lidando com um super assustador, passando todas as noites pressionada na porta
da frente com um taco de beisebol a postos, ela pensou: Por que diabos não? Seus
meio-horrores nunca seriam capazes de encontrá-la no exterior.
Só que, no instante em que chegou, ela sentiu como se tivesse ido de mal a
pior. Estava com muito medo de seus novos colegas de quarto para dormir, e tinha
acampado na sala de TV — um local central com várias saídas.
Um dia, William se jogou no sofá e disse:
— Me diga que você é boa com videogames. Todo mundo é uma merda e eu
preciso de um desafio.
Durante meses, eles jogaram videogames a qualquer hora do dia, e ela se
sentiu como uma criança pela primeira vez. Foi de odiar todos os homens a amar
um, uma vez que uma improvável amizade tinha florescido. Ele se tornou
rapidamente a coisa mais importante, estimada e maravilhosa em sua vida. A
pessoa com quem ela contava acima de todas as outras.
As dobradiças rangeram quando a porta da frente se abriu e fechou.
William voltou!
Com o coração batendo forte contra suas costelas, ela correu para dentro do
quarto. Passos ecoaram do saguão. Embora suas pernas parecessem geleia, o ar
chiasse entre os dentes, e ela cambaleasse nos saltos altos, ela fez uma pose,
colocando uma das mãos em um pé da cama e a outra no quadril.
William entrou no quarto — segurando a mão de outra mulher.
A humilhação congelou o sangue de Gillian, tremores quase a derrubaram. A
mulher era incrivelmente linda, tão morena quanto Gillian era branca, e
provavelmente imortal.
Quando William avistou Gillian, ele parou de repente. Quando seu olhar a
percorreu e estreitou, ela teve que lutar contra a vontade de olhar para baixo e
esconder os olhos.
— Você não deveria estar aqui — ele disse, a voz fria, dura e terrivelmente
calma. O tipo de tom que ela suspeitava que os assassinos usassem. — Eu te dei
a chave reserva para emergências, boneca. Não... isso.
— Eu não concordei com um ménage, Will — a outra mulher sorriu
brilhantemente. — Mas estou totalmente dentro. Vamos nessa!
Alguém me mate. Por favor.
William apontou para Gillian e vociferou:
— Não se atreva a se mover. — Então arrastou a beldade para fora do quarto,
apesar de seus protestos gaguejantes.
Gillian apertou as mãos sobre o coração galopante. Deveria fugir?
Não. Absolutamente não. Meninas fugiam e mulheres lutavam pelo que
queriam.
O barulho da porta batendo com força ecoou. Passos soaram novamente.
Quando William tornou a aparecer na porta sozinho, Gillian desistiu de tentar se
levantar, e se sentou na beirada da cama.
Em silêncio, ele caminhou a passos largos até o closet. Quando emergiu,
colocou um robe de seda cor de rosa sobre os ombros dela e forçou seus braços
pelos buracos.
Definitivamente não era um robe dele. Pertenceria a uma de suas muitas
mulheres?
Vulnerável ao máximo, Gillian o observou através do escudo espesso de seus
cílios. Ele era tão bonito, com cabelos negros, pele bronzeada e olhos da cor do céu
da manhã. Era o homem mais alto que conhecia, bem como o mais forte.
— O que é isso, boneca? — Ele permaneceu na sua frente, os braços
musculosos cruzados. Pelo menos não parecia mais um assassino. — Por que aqui?
Por que agora?
— Porque... sim!
— Não é bom o bastante.
— Porque... — Apenas diga. Conte a ele. — Porque os homens precisam de
sexo e não há melhor maneira de manter um interessado. E também porque eu
quero você. — Talvez. Certamente. — Você me quer também?
Ele passou a língua sobre os dentes.
— Você não está pronta para a verdade.
— Estou pronta — ela pulou para agarrar a gola da camisa dele. — Por favor.
— Sua família tirou algo precioso de você — disse ele abrindo seus dedos, o
aperto firme, mas sem machucar. — Eu não vou fazer o mesmo.
— Você não vai. Ao ficar comigo, você vai me ajudar a esquecer. — Implorando
agora? Uma nova mancha de humilhação se espalhou sobre suas bochechas. —
Nós somos companheiros destinados. Não somos?
O olhar que ele lhe deu... tão gentil, tão terno a devastou. — Eu não quero
uma companheira destinada. Eu sou amaldiçoado, lembra?
Sim. No momento em que ele se apaixonasse, um interruptor supostamente
seria ligado em sua amada, e ela faria tudo ao seu alcance para matá-lo.
Ele possuía um livro com uma descrição detalhada da maldição e,
possivelmente, uma chave para quebrá-lo. O problema era que esses dados
estavam escritos em algum tipo de código, com símbolos e enigmas estranhos. Até
agora ninguém foi capaz de decifrar nada. Mas eles decifrariam.
— Você tem o livro. Você tem esperança. — Nós temos um futuro.
— Não vou colocar em risco meu coração, emocional ou fisicamente — com o
olhar preso ao dela, ele brincou com uma mecha de seu cabelo. — Mas um dia
ficaremos juntos. — Um dia em breve. Quatro dias, de fato. Então vou garantir que
você esteja pronto.
Descoberta: ele planejava dormir com ela, assim como dormia com tantas
outras. Quando o relacionamento deles fracassasse — e ele claramente esperava
que fracassasse — eles iriam, o que? Retornar à amizade como se nada tivesse
acontecido?
Pelo menos eu o terei em minha vida.
Eu sou patética.
— Eu… você… não importa. Estou indo para casa.
Suas mãos grandes emolduravam o rosto dela, mantendo-a presa no lugar.
Medo se arrastou subindo por sua espinha. O tipo de medo com o qual viveu o
tempo inteiro em Nova York.
Você vai deixar as mãos onde eu as colocar, menina bonita, ou eu vou quebrá-
las.
Seus pulmões se contraíram, tornando impossível respirar.
— Tudo bem, gatinha. Acalme-se — William passou os dedos pelos cabelos
dela. — Respire fundo para mim.
Abra sua boca pra mim.
Gillian explodiu, batendo em William.
— Me solta. Você precisa me soltar. — Quando seus punhos fizeram o nariz
dele sangrar e cortaram seu lábio, ela não sentiu orgulho. Nenhuma ambição que
não fosse escapar. — Não me toque! Você tem que parar de me tocar!
— Shh. Shh Eu estou aqui. — Ele a puxou contra a linha dura de seu corpo e
a envolveu nos braços, mantendo-a cativa. — Não vou deixar nada de ruim
acontecer com você, eu juro.
Mesmo assim ela lutou. Ele só a segurou mais apertado.
No fim, sua força foi drenada e ela caiu contra ele. Soluços a atormentaram.
— Eu vou ajudá-la a superar isso — disse ele — mas não esta noite. Conosco,
sexo não será um curativo para esconder uma ferida.
Ela enrijeceu, abriu a boca, fechou. Por que ele não podia ver? Ela precisava
de um curativo. Pela sua ferida entrava veneno. Um dia, em breve, iria matá-la.
Mas ele estava certo sobre uma coisa. Ela não estava pronta para o sexo.
Risque isso. Ela poderia nunca estar pronta. Seus meio-horrores a arruinaram.
Porque se ela não pudesse ficar calma com William, o homem em quem confiava
acima de todos os outros, não poderia ficar calma com ninguém.
Gillian fez a única coisa que pôde e colocou sexo em sua lista de nunca-jamais.
Nunca reconhecer, nunca considerar.
Sem esperança. Um som irregular e quebrado a deixou. O tipo que um animal
ferido fazia pouco antes de morrer.
— Um dia, minha tola Gilly Gumdrop3, vamos lembrar desta noite e dar risada
— disse William, ainda tão gentil, tão terno. — Você vai ver.
— Talvez você tenha razão — ela rezou para que ele tivesse.
— Eu sou o homem mais sábio que já andou nesta Terra — disse ele com uma
piscadela. — Eu sei de tudo.
Não, nem tudo. Não sabia a chave para quebrar sua maldição.
— Um dia não é agora — ela resmungou. Desta vez, quando lutou para se
desvencilhar de seu abraço, ele a soltou. — Eu gostaria de ir pra casa.
— Não fique embaraçada — disse ele. — Não comigo. Vamos fingir que isso
nunca aconteceu. Na verdade, já está apagado da minha memória. Continuaremos
como antes. — Ele pegou a mão dela, da mesma maneira que pegou a mão da outra
mulher, e outro pedaço do coração de Gillian secou. — Vamos jogar alguns
videogames e matar alguns zumbis.
— Não — Ela balançou a cabeça, mechas de cabelos batendo em suas
bochechas. — Não se preocupe comigo, ok? Nós somos amigos. Sempre seremos
amigos. Eu só... eu preciso ficar sozinha agora.
— Boneca...
— Por favor, Liam.
O olhar que ele lhe deu partiu seu coração já partido.
Amanhã, eles voltariam aos negócios de costume, e ela continuaria vivendo
uma meia vida, com medo de homens e de sexo e talvez até da felicidade. Esta noite
ela choraria.

3
Jujuba
Três dias depois

Então. Essa é a mulher pela qual William da Escuridão vai viver ou morrer.
Puck estava agachado no corrimão de uma sacada do século XVIII em estilo
gárgula, e espiava um apartamento espaçoso com apenas dois ocupantes. William
da Escuridão e Gillian Shaw.
Logo ela seria Gillian Connacht.
William. Casar. Guerrear.
Agora que Puck tinha encontrado William, suas tarefas mudaram: casar com
a garota, levá-la para Amaranthia, voltar para buscar o homem. Casar. Transportar.
Retornar.
Talvez ele devesse parar de secar a mulher com os olhos primeiro?
Impossível.
Enquanto o demônio grunhia em desagrado, Puck sorvia a queda escura de
ondas sedosas de Gillian e os olhos da cor de uísque. Olhos sedutores cheios de
lenha. Um dia, um homem acenderia seu fósforo, e ela arderia por ele e somente
ele.
Pele dourada impecável e lábios vermelho sangue apenas aumentavam seu
apelo, fazendo dela a personificação de uma princesa de conto de fadas.
Minha princesa.
Puck mordeu a língua — deveria ter sentido gosto de sangue, mas por causa
de Indiferença, não sentia gosto de nada. Não havia como negar a verdade. Ficar
perto da mulher com a qual planejava casar vinha com uma complicação
inesperada. Indiferente? Dificilmente. Ela despertava seus instintos mais
possessivos.
Logo ela pertenceria a ele. Seria sua primeira e única "minha", sem ser
realmente sua.
Preciso policiar meus pensamentos com relação a ela ou estragarei tudo.
Ele sentia como se estivesse observando Gillian há dias, até semanas, como
se a conhecesse, e ainda assim se maravilhava com cada novo detalhe que aprendia.
Ela era chocantemente humana, com um espírito gentil e uma aura de bondade.
Seu sorriso sedutor era contagiante, as raras vezes que ela o revelava.
Principalmente, ela estudava as pessoas e o mundo ao seu redor, de alguma
forma presente e destacada, ao mesmo tempo em que irradiava uma tristeza
profunda.
Muitos séculos haviam se passado desde que Puck experimentara uma
emoção tão sincera. Antes de sua possessão, ele poderia ter simpatizado com ela
— quaisquer que fossem seus problemas — e procuraria melhorar as coisas. Agora?
Ele a usaria sem hesitação. Ele precisava.
Guerra antes de uma mulher.
— Sou necessário em outro lugar — disse William, e beijou o rosto dela.
Puck examinou sua competição pelos afetos da mulher: 1,95cm de altura,
solidamente construído, cabelos negros, olhos azuis, belo se você gostasse de
perfeição, e logo ficaria com o nariz quebrado se beijasse a futura noiva de Puck
outra vez.
Tapa interior. Para alcançar seus objetivos, Puck precisava que Gillian e
William cooperassem.
— Hades requer minha experiência para destruir o mais novo palácio de
Lúcifer — continuou William.
Lúcifer. O irmão mais velho do homem.
Gillian franziu o cenho. Logo ela iria sorrir. Perto de William, seu humor tendia
a mudar rapidamente, como se ela quisesse se sentir de um jeito, mas ele a fizesse
se sentir de outro.
— Não, você vai ficar aqui. — Sua voz, mesmo atada com um toque de raiva,
tinha o poder de seduzir.
Não é de se admirar que William tivesse caído por ela e por mais ninguém.
Puck na verdade havia encontrado o homem centenas de anos atrás, não
muito tempo depois dos Oráculos proferiram sua profecia. Naquela época, William
não amava ninguém além de si mesmo, forçando Puck a voltar seus esforços para
a obtenção das tesouras de Ananke.
Ela era a deusa dos Elos, e rumores afirmavam que suas tesouras conseguiam
cortar qualquer laço espiritual, emocional ou físico sem deixar consequências.
Claro, rumores também alegavam que o artefato acabava cortando mais do que o
usuário esperava.
O que era verdade? O que era mentira?
A princípio, Puck tinha pensado em usar a tesoura para cortar sua ligação
com o demônio. A criatura tinha se tornado uma parte dele, outro batimento
cardíaco que ele precisava para sobreviver. Abandoná-lo sem penalidade... algo
poderia ser melhor?
Por que mais os Oráculos o instruiriam a encontrar a tesoura?
Mas se usar a tesoura em Indiferença tivesse sido a resposta para o dilema de
Puck, por que instruí-lo a se casar com Gillian e recrutar William?
E se a tesoura cortasse a conexão de Puck com Indiferença, mas também suas
emoções? Ele ficaria pior do que antes. E se ele usasse a tesoura e morresse? O
artefato poderia considerar a morte uma bênção e não uma consequência.
Muitos riscos.
No final, Puck optou por manter seu plano original e trabalhar com William.
Ajude-me a derrotar meu irmão. Em troca, eu me divorcio de sua mulher e a
devolvo a você.
Puck voltou seu olhar para a Gillian de cabelos escuros. Ela tinha seios tão
exuberantes. Sem barriga e quadris arredondados. Pernas longas destinadas a
envolver a cintura de um homem — a minha cintura.
Seu coração batia com uma determinação renovada, como se o órgão tivesse
voltado à vida, mesmo apesar de nunca ter morrido. Como se dissesse, estive
esperando por ela.
Seus ouvidos tocaram como um sino quando seu sangue se transformou em
combustível. Ele chiou, faminto e ansiando, e ficou duro como uma pedra, sua
ereção lutando contra o zíper.
Quero tocar sua pele. Ela o queimaria vivo? Que jeito bom de morrer.
Quero beijar aqueles lábios carnudos e vermelhos. Ela teria um gosto tão doce
quanto o açúcar, como ele suspeitava? Preciso saber.
Ela tinha o poder de fazê-lo gozar? Preciso mesmo saber.
Ele rangeu os dentes. As respostas não importavam. Precisava usar do seu
famoso controle.
Tarde demais. Indiferença já tinha metido as garras em sua mente, fazendo-o
sentir como se tivesse uma hemorragia interna.
Hora do gelo. Puck hesitou... depois emitiu a invocação.
Hoje em dia ele quase sempre hesitava em usar magia para colocar seus
pensamentos e sentimentos em um congelamento literal. Não porque usar magia
fora de Amaranthia exigisse um impulso extra de energia — precisava mesmo —
mas porque ele se tornaria um assassino selvagem sem piedade nem
arrependimento.
Como se você não tivesse sido um assassino selvagem antes?
Ele não amansaria até o gelo rachar ou descongelar, um processo que não
podia controlar. Em vez disso, precisava esperar que algo ou alguém provocasse
uma emoção forte o suficiente para quebrar o gelo — ou quente o suficiente para
queimá-lo.
Se o gelo permanecesse, ele poderia perder o interesse em seus objetivos.
Vale o risco. Ele não poderia alcançar seus objetivos se Indiferença o
enfraquecesse.
O congelamento profundo o entorpeceu como esperado, mas não tão depressa
ou densamente como de costume. As camadas eram muito finas, suas emoções
fervorosas demais para serem negadas, por si só.
Fervorosas o bastante para que sentisse uma ressaca emocional que o deixou
com dor de cabeça e o estômago revirado.
Ele invocou mais gelo. Mais ainda.
Pronto. Melhor. Até a ressaca desapareceu.
Ele podia achar a garota fascinante, mas e daí? Ela era um meio para um fim,
nada mais.
Uma vez que Sin estivesse destronado, Puck se casaria com outra pessoa e,
com sua amada rainha ao seu lado, finalmente mataria o irmão, cumprindo assim
ambas as profecias.
Gillian ancorou as mãos nos quadris, os seios forçando a camisa. Com o gelo
no lugar, Puck não teve reação. Excelente.
— Seja qual for a nova e brilhante guerra que você espera começar, ela pode
esperar — disse ela a William.
O homem lhe ofereceu um grunhido falso.
— Você não é minha chefe.
— Discordo — De cabeça erguida, ela tirou um pedaço de papel amassado do
bolso da calça jeans. — Estou resgatando um dos meus cupons. O direito de... —
o quê? — Mandar em você por 24 horas consecutivas.
William deixou os ombros cair e soltou um suspiro derrotado.
— Dê a ela um livro de cupons, eles disseram. É divertido e criativo, eles
disseram.
Ela soltou uma risada encantadora, provando as suspeitas de Puck — e
rachando seu gelo duramente conquistado só com aquilo.
Ela pode ser humana, mas também era uma feiticeira, e mais perigosa do que
qualquer inimigo que eu já enfrentei.
Geralmente ele evitava distrações, mas precisava de uma agora que permitisse
que sua mente vagasse...
O que seus amigos achariam de Gillian?
Durante sua busca pelas tesouras, ele tinha conhecido irmãos possuídos por
demônios. Cameron, Guardião de Obsessão, e Winter, Guardiã de Egoísmo. Eles
entendiam sua situação e se ofereceram para ajudar. O que queria dizer que
Cameron estava obcecado pela missão de Puck, e Winter decidiu que ela poderia
trabalhar a situação a seu favor.
Todas as dificuldades que eles suportaram logo seriam compensadas.
A campainha tocou, puxando Puck de volta ao presente.
Com uma aura inebriante de inocência e malícia, Gillian bateu os cílios longos
e negros para William.
— Seja um cordeirinho e vá receber os nossos convidados.
Murmurando em voz baixa, o Sempre Excitado caminhou até a porta e a abriu.
Diferentes imortais entraram no apartamento. Entre eles, Harpias, um Enviado,
uma deusa e doze guerreiros possuídos por demônios como Puck. Abraços foram
trocados e presentes foram entregues a Gillian.
Uma festa de aniversário?
— Não, não, não — disse uma loira baixinha enquanto entrava no vestíbulo.
— Ainda não. Esta é apenas uma pré-celebração. Ou é pós-pré-celebração já que
William já fez uma pré-celebração? Tanto faz! A festa de verdade é amanhã. Talvez.
Mas provavelmente não em definitivo.
— Keeleycael — disse William com um aceno de saudação. — Pode me fazer
um favor e deixar a loucura de lado por hoje?
Ela soprou-lhe um beijo.
— Mas estou falando com a sua concorrência. Alerta de spoiler. Ele ganha!
— Eu ficaria bravo com você por ousar mentir pra mim — respondeu William
com um tom fácil — se eu tivesse alguma competição.
Puck franziu a testa. Keeleycael, a Rainha Vermelha? As suspeitas dançavam
dentro da sua cabeça, a tensão apertando cada um de seus músculos — o gelo
voltando a rachar.
Quando Indiferença rosnou, Puck ignorou sua relutância habitual e invocou
outra camada de frio desinteresse. E daí se ela fosse a mesma Keeleycael que deu
a pequena caixa de joias a Sin. O que isso importava a Puck?
Keeleycael beliscou a orelha de um guerreiro — Torin, o Guardião de Doença
— antes de sussurrar algo para William.
Puck captou apenas um punhado de palavras.
— Perigo... espera... planejam eliminar...
William franziu a testa, seu corpo ficando rígido.
— Você tem certeza?
A loira assentiu, inflexível.
— Seus inimigos planejam matá-la.
Ela — Gillian?
A fúria pulsou de William enquanto ele se aproximou da garota e a levou para
um canto particular.
— Algo terrível surgiu. Eu preciso sair por uma hora, talvez duas. Deixe-me ir
sem protestar ou exigir detalhes, apesar do cupom, e eu vou te compensar. Eu juro.
Desapontamento brilhou em seus olhos escuros, mas ela assentiu.
— Claro. Faça o que precisa fazer.
— Obrigado. — Ele apertou o nariz dela antes de riscar... movendo-se de um
local para outro com apenas um pensamento. Para onde ele foi?
Puck ficou parado, observando Gillian. As horas estipuladas se passaram,
mas William não apareceu. Eventualmente, os outros se despediram e saíram do
apartamento, até que apenas Keeleycael permaneceu.
Puck deveria se aproximar? Ele poderia não ter outra chance de falar com
Gillian sem William por perto. Mas o que diria?
Séculos atrás me disseram que você é a chave para destronar meu irmão. Casa
comigo?
— Pergunta rápida — disse Keeleycael a Gillian.
— Keeley — a garota respondeu com um gemido. — A gente precisa fazer isso
agora?
Keeley. Um apelido.
— Precisamos — disse a mulher de cabelos claros. — Qual é o seu maior desejo?
— Além de uma sociedade governada por mulheres, onde homens são animais
de estimação?
— Obviamente. — Pensativa, a loira bateu uma unha afiada no queixo. — Eu
vou guardar esse desejo em particular para o seu aniversário de oitocentos anos.
Gillian bufou.
— Oito séculos? Por favor. Mas você sabe o que eu realmente quero? Ser mais
parecida com você. Tão forte. Tão corajosa. Tão livre.
Puck armazenou cada “desejo” em um arquivo mental chamado Esposa.
Maneiras de conquistá-la? Faça com que ela se sinta forte, corajosa e livre.
— Ding, ding, ding. Resposta absolutamente certa, então vá em frente e me
considere a sua fada madrinha. — Keeley puxou um frasquinho de um cordão de
couro pendurado em seu pescoço. — Tome. Beba isso e me agradeça depois.
As sobrancelhas de Gillian se juntaram.
— O que é isso?
— Fale menos e beba mais. Vire o frasco. E feliz aniversário de dezoito anos,
pequena. Isso vai fazer todos os seus sonhos se tornarem realidade... sonhos que
você nem sabe que tem. Não precisa me agradecer muito. — Keeley levou a mão de
Gillian até a boca, até mesmo a ajudou a inclinar o frasco, despejando o conteúdo
na garganta da garota. — Você não se recusou a beber, então não vai morrer,
levando William à morte dele. Ou ele já morreu? Espera. Estou confusa.
— William vai morrer? — Gillian grasnou.
— Você não estava ouvindo? Ele não vai. Agora. Eu posso mudar meu tom em
uns quinhentos anos, ou mais.
Puck sorveu o ar e franziu a testa. Ele farejou uma poção poderosa destinada
a transformar um humano em um imortal. Uma poção rara, supostamente extinta.
Enquanto Keeley continuava a tagarelar, Gillian ficou imóvel. A cor drenou de
suas bochechas. Suor escorria pela sua testa e ela segurava a barriga.
— Keeley, o que você me deu... — Seus olhos arregalaram quando ela
engasgou.
Choramingando agora, ela correu pra fora da sala de estar. Puck saltou para
a borda da janela seguinte, sem vontade de deixá-la fora de vista nem por um
segundo. Ela parou no banheiro, onde vomitou.
Fraca demais para ficar de pé, ela desabou no chão. Gemendo, fechou os olhos
e se enrolou em si mesma.
Keeley a seguiu, dizendo:
— Tenho cem por cento de certeza de que tenho noventa e três por cento de
certeza de que te dei a dose correta. Hmm. Seus sintomas são... bem, não estou
satisfeita. Talvez tenhamos que seguir com o Plano B?
A vontade de atravessar a janela bombardeou Puck. Ele pegaria a garota nos
braços e... o que? O que ele podia fazer pra ajudar? Como alguém cuidaria de uma
mortal quase imortal doente?
Soldados em Amaranthia eram forçados a cuidar de suas próprias doenças e
ferimentos com magia. Se você não fosse forte o suficiente para se recuperar sem
ajuda, não merecia viver.
Deixa pra lá. Não havia necessidade de ajudá-la. Keeley desapareceu assim
que William entrou no banheiro.
Ao ver Gillian, sua preocupação foi palpável.
— Qual é o problema?
Puck passou a língua sobre os dentes enquanto sua tatuagem de borboleta se
movia, como uma cobra deslizando para um novo esconderijo. Do peito até as
costas, depois até a coxa. Assim como ele vagou por Amaranthia, sem objetivo, o
demônio perambulava pelos contornos de seu corpo sempre que Puck
experimentava algum tipo de emoção de mudar a vida.
Que emoção de mudar a vida ele experimentava agora?
Uma rápida olhada debaixo da superfície do gelo revelou... compaixão e inveja?
Não quero nada, não preciso de nada.
Além disso, William não chegava nem perto de Puck em nada. Apesar da
desvantagem de Puck, ele era mais forte, mais rápido e muito mais capaz.
A verdade era a verdade.
— D-doente — Gillian sussurrou em uma voz quebrada. — Dói.
— Não se preocupe — disse William. — Eu cuidarei de você. Vou cuidar de
tudo. — Ele estendeu a mão de repente, brilhando com poder.
Puck prestou atenção. William tinha runas. Rolos dourados se retorceram das
pontas dos dedos até o pulso, um canal para qualquer magia que ele possuísse.
Com uma única onda, ele cortou uma fenda no ar, abrindo uma porta entre
dois reinos diferentes. Através da porta, Puck viu... uma parede de pedra?
— Eu vou consertar isso, você tem a minha palavra. — Gentil, tão gentil, o
guerreiro pegou a beldade de cabelo escuro nos braços e a levou pela porta.
Pouco antes dela fechar, Puck irrompeu pela janela, quebrando o vidro, correu
pela sala e mergulhou.
Puck rolou até parar. Ao se endireitar, estudou seu novo ambiente. Uma
caverna fortemente guardada por feitiços de proteção — um tipo de magia protetora
derivada de símbolos. Essas proteções em particular eram preparadas para reagir
às intenções de um invasor. Entrar sorrateiramente no reino? Perca os olhos. Tem
estupro em mente? Perca seu membro. Pronto para cometer assassinato? Diga
adeus à sua cabeça.
Havia também uma proteção para alertar William sobre a chegada de alguém.
Pela primeira vez, Indiferença serviu Puck bem; as proteções o tratavam como se
ele fosse um animal selvagem, ignorando-o.
Fora dos limites da caverna, ele descobriu um paraíso tropical. Palmeiras
amarelas pesadas com frutas. Um céu branco. Quilômetros de água rosada. Ondas
lambiam a areia branca e púrpura brilhante, o cheiro de sal e de coco enchia uma
brisa suave.
Ele rastreou William até uma casa extensa, onde grandes pássaros com bicos
de metal e garras guardavam o perímetro. Mais uma vez, Puck foi considerado uma
não-ameaça e ignorado.
O preocupado William não fazia ideia de que havia sido seguido.
Vê só, Gillian? Eu sou o melhor guerreiro.
Encontrando uma alcova sombreada em uma varanda, Puck assistiu através
de uma janela quando William colocou a morena em cima de uma cama enorme e
ternamente enxugou sua testa com um pano.
— Não foi assim que pensei em passar a semana do seu aniversário, boneca.
Você precisa melhorar. — O arrependimento envolvia a voz masculina. — Amanhã
é suposto ser o começo... bem, isso não importa agora. — Ele roçou os dedos ao
longo de sua mandíbula e disse: — Já volto.
O mais simples protesto escapou dela antes dele se afastar.
Um minuto se passou, dois. Devastada pela febre, Gillian se virava e revirava.
Puck ficou onde estava, cheio de ânsia... empatia?
Soltando uma maldição, ele se concentrou em fortificar o gelo ao redor de seu
coração. Já estava farto de emoções, farto de Indiferença.
Como a garota o afetava de maneira tão forte, tão rapidamente, afinal? E por
que ela estava doente? A poção deveria tê-la fortalecido enquanto fazia a transição...
A resposta lhe veio com um tapa na cabeça e seus pulmões se contraíram.
Morte ad vitam. Ela não sobreviveria à transição. Seu corpinho queria evoluir e
continuava tentando, mas não era forte o suficiente para completar o feito; a cada
hora que passava, ela enfraquecia ainda mais.
Ela enfraqueceria até morrer.
Uma onda de fúria e medo fez o gelo quebrar. Quando as garras de Puck
cortaram suas palmas, um grito de negação se formando no fundo de sua garganta,
Indiferença protestou com um rosnado.
Cuidado. Mais gelo. Agora!
Puck se acalmou, mesmo enquanto reconhecia que não queria aceitar aquele
desenvolvimento. Gillian não tinha permissão para morrer. Eles tinham que se
casar, e ele tinha que usá-la para conquistar a lealdade de William.
Ele só teria que proceder como se ela fosse viver — porque ela viveria! Se
William não conseguisse salvá-la, Puck salvaria.
Ele considerou suas opções. Aproximar-se dela agora e iniciar uma conversa?
Mas como iria começar?
Você sabe o que eles dizem — uma vez que você for fera, sempre se deliciará.
Não. Tudo errado. Ele tinha que fazê-la se sentir forte, corajosa e livre.
Seja minha, e você nunca mais saberá o que é fraqueza.
Ela poderia olhar para ele e morrer de medo.
O resultado de um “primeiro encontro” nunca foi tão importante. Ele precisava
pisar com o pé — casco — direito, usando o necessário para encantar e seduzir.
Recordou os seus dias pré-demônio. As mulheres o temiam, o Invicto, mas
muitas o encorajavam, de qualquer forma. Mas qualquer carisma que ele tivesse,
havia perdido. E sua aparência...
Bem, nem sempre foi o obstáculo que esperava. Um certo tipo de mulher
gostava de sua forma bestial. Chifres estavam na moda e eram incrivelmente
populares em romances.
Ele sabia disso, porque às vezes lia livros para Winter a pedido dela.
Aparentemente, frases como "seus mamilos suculentos" e "desejo trêmulo" soavam
divertidas em sua voz monótona. Tanto faz. Em todas as histórias, Puck tinha se
identificado mais com o vilão, mas ele certamente poderia representar o papel de
herói. Ele poderia agir como um cavaleiro de armadura brilhante, pelo menos por
um tempo, e se oferecer para resgatar sua donzela em perigo.
Ela não saberia a verdade até que fosse muito tarde.
Com um plano em mente, ele deu um passo a frente.
William se materializou na sala com outro imortal ao seu lado e Puck ficou
imóvel.
— Este homem é um médico — disse William. — Ele vai te examinar.
A única resposta dela foi um gemido de dor.
O médico passou a maior parte de uma hora examinando Gillian. Quando ele
sussurrou o diagnóstico para William e proclamou que não havia nada que ele
pudesse fazer, William deu-lhe um soco tão forte que ele voou para a parede oposta.
— O q-que ele disse? — Perguntou Gillian.
— Não importa. Ele é um charlatão — anunciou o guerreiro. — Vou encontrar
outro médico. Um melhor.
Ele desapareceu, mas ainda assim Puck ficou para trás, esperando que o
macho retornasse.
William reapareceu com um segundo médico... depois um terceiro e um quarto.
Cada um checou os sinais vitais da garota enquanto ela perdia e recobrava a
consciência, tremendo conforme William berrava ordens e fazia ameaças. Sangue
foi coletado, exames foram feitos, mas o diagnóstico permaneceu o mesmo.
Ela morreria mais cedo que tarde.
— Vão para a sala de estar — William comandou a infinidade de médicos. —
Montem um laboratório. Façam mais exames. Encontrem uma maneira de salvá-
la ou morram. E se pensarem em fugir, saibam que vou encontrá-los e machucá-
los. Vocês vão rezar para a morte chegar.
Enquanto corriam para obedecer, ele se sentou ao lado da cama de Gillian,
sua expressão gentil.
— Pronto, pronto, boneca — mais uma vez, ele enxugou a testa dela com um
pano. — Você vai se curar. Isso é uma ordem.
— O que há de errado comigo? — Ela conseguiu falar. — O que Keeley me deu?
— Alguma coisa sobrenatural, mas não se preocupe, tenho os melhores
médicos imortais em busca de uma cura.
Puck apertou os lábios. Por que esconder toda a verdade dela?
Quando Gillian caiu em um cochilo intermitente, o homem segurou a mão
dela, talvez tentando transmitir sua força para seu corpo frágil.
Puck queria odiar o homem. Ele estava pronto para sair do banco e entrar no
jogo.
Em algum momento, o pai de William apareceu. Hades, um dos nove reis do
submundo. Ele era urbano, mas não civilizado. Um homem alto e musculoso como
William, com pele bronzeada, cabelos negros e olhos tão negros que não tinham
começo nem fim. Ele tinha um aro prateado no nariz e estrelas tatuadas em cada
um dos nós dos dedos.
Quantas outras tatuagens estavam escondidas debaixo do seu terno risca de
giz?
— O que há de tão especial nela? — Perguntou Hades.
— Não vou discutir ela com você — William retrucou.
— Então não a discutirei com você. Não pode ficar com ela. Não pode ficar com
ninguém. Sabe tão bem quanto eu que sua felicidade anda de mãos dadas com sua
desgraça.
— Estou procurando uma maneira de quebrar minha maldição e...
— Você está procurando — interveio Hades — há séculos.
— Meu livro...
— É um disparate. Um truque para fazer você esperar pelo que nunca poderá
ter, para que sua morte seja mais doce... para os seus inimigos. Se o livro pudesse
ser decodificado, já teria sido.
Puck não concordava com Hades. Em toda a sua pesquisa, ele tinha ouvido
muito sobre o livro de códigos destinado a salvar William da morte pelas mãos de
uma amante. Várias fontes confirmaram a validade do livro.
— Veio aqui para me deixar puto? — William resmungou.
— Deixar você puto é um bônus — disse Hades. — Eu vim para alertá-lo.
— Bem, já fez as duas coisas.
— Não, filho, eu não fiz. — A voz do rei endureceu, afiada o suficiente para
cortar aço. — O aviso é este, se eu achar que você está se apaixonando por essa
garota, eu mesmo a matarei.
William enrijeceu.
De um congelamento profundo em um segundo a fervendo de raiva no
seguinte, Puck se curvou.
Matar Gillian, minha chave? Experimente e veja o que acontece.
Com um grito de guerra, William se lançou sobre Hades. Uma feroz batalha
sangrenta se seguiu, nada contido. Socos no nariz e nos dentes. Cotoveladas no
peito e na barriga. Joelhos na virilha. E ainda assim, um oponente nunca tentava
matar o outro.
Eles deviam sentir carinho um pelo outro, do jeito que Puck e Sin...
Não. Não Sin. Não importava a provocação, um irmão adorador não
amaldiçoaria o outro a uma eternidade infernal, forçando-o a existir em vez de viver.
Eu iria preferir morrer a machucá-lo. Agora estou disposto a morrer para
machucá-lo.
Enquanto Puck esperava que a luta terminasse, ele fez o melhor para se
acalmar. Mas um zumbido estranho logo começou a vibrar no fundo de sua mente,
e se não fosse por Indiferença, ele teria culpado a sensação à impaciência.
Finalmente, Hades foi embora. William acariciou o topo da cabeça de Gillian,
murmurou algo sobre encontrar um médico melhor e se desmaterializou.
Hora do show.
Puck entrou no quarto em silêncio, e avançou. Espera. Ele tinha se lembrado
de se vestir hoje? Um rápido olhar para baixo revelou que suas calças de pele de
carneiro estavam tão rasgadas que pareciam uma tanga.
Não importa. O estilo bárbaro chique realmente destacava seus chifres e se
encaixava em toda a mística de herói-de-livro-de-romance que ele esperava
transmitir. Poderia até mesmo se passar pelo Príncipe Encantado — bem, um
príncipe precisando de um beijo de amor verdadeiro.
Os pontos de pulsação de Puck ganharam um ritmo selvagem quando ele
chegou ao lado da cama e espiou sua futura noiva. Ele não era o único personagem
de conto de fadas no quarto. Bela adormecida está diante de mim.
Faixas escuras de cabelo se derramavam sobre o rosa pálido do travesseiro.
Seus olhos estavam fechados, longos cílios negros lançando sombras sobre suas
bochechas. Um rubor rosado espalhava-se por suas feições delicadas enquanto ela
abria os lábios.
Praticamente implorando pelo meu beijo.
Foco! Seja rápido e doce. Não havia como dizer quando William retornaria.
— Gillian — ele murmurou, surpreso com o tom rouco de sua voz.
Uma doce fragrância emanava dela. Respirando, ele detectou uma nota de
poppiberries e sua cabeça enevoou. Seu sangue esquentou. A tatuagem de
borboleta chiou em seu torso, certamente derretendo sua pele.
Indiferença rosnou com mais força e cortou sua mente. Um problema se
formava.
Fortifique o gelo. Recupere o controle.
Gillian virou a cabeça em direção a ele e piscou rapidamente antes de se
concentrar nele. O pânico encheu seus olhos cor de uísque antes que ela desviasse
o olhar — olhando para qualquer lugar, menos para Puck. Sua boca se abriu
amplamente, como se estivesse tentando gritar. Apenas um ruído escapou.
— Nada disso agora. — Para provar que era inofensivo, colocou as cobertas ao
redor dela, como tinha visto William fazer. — Não estou aqui para te machucar. —
Verdade.
O movimento fez com que as lâminas emaranhadas em seus cabelos clicassem,
juntando-se, chamando a atenção dela. Seu olhar disparou para ele e escureceu
com choque e descrença. Ele engoliu uma maldição. Os heróis dos romances não
costumavam contrabandear armas dentro dos seus cabelos.
Preciso prosseguir de qualquer maneira. Puck não se separaria de suas
navalhas; elas eram sua salvação. Toda vez que era desafiado e não tinha espada
ou adaga, ele arrancava uma lâmina e começava a cortar.
Lágrimas caíram pelas bochechas de Gillian e seu queixo tremeu. Tão
vulnerável. Tão fragilizada. Uma pontada de... algo penetrou em seu peito.
De forma mais gentil possível, ele enxugou suas lágrimas. Pele macia como a
seda e mais quente que o sol.
A ação ajudou a relaxá-la, mesmo que enrijecesse músculo após músculo dele.
O pânico dela começou a desvanecer até que seu olhar se fixou na tanga. Ou melhor,
na ereção debaixo da tanga. Com um choramingo, ela começou a se debater em
cima da cama numa tentativa desesperada de escapar.
Pensava que ele tomaria o que ela não lhe oferecia? Nunca.
— Olhos aqui em cima, moça.
Seu olhar se elevou... ela engasgou, como se tivesse notado o rosto dele pela
primeira vez. Confusão contorceu suas feições antes que um tom mais profundo
de rosa se derramasse sobre suas bochechas.
Ela gostava do que via?
— Me disseram que eu poderia ajudá-la. — Mais uma vez a verdade, ele disse
a si mesmo. — Que podemos nos ajudar um ao outro.
Sua testa franziu, sua confusão se intensificou.
— Não me disseram que você pertencia a William da Escuridão. — Uma
mentira necessária, e algo que o velho Puck teria protestado. O Puck possuído por
um demônio tinha poucos escrúpulos. Como tudo mais, os meios haviam deixado
de importar. Apenas o resultado final. — Também não me disseram que você estava
doente. Ou que era humana — acrescentou ele. Olhe para mim, mulher. Tão
inocente. Eu não sei nada sobre você, mas minha curiosidade é grande. Fique
lisonjeada em vez de assustada. — O que você está fazendo com um homem com
a... reputação de William? — Pronto. Semeando a dissidência. Uma tática que ele
aprendeu com Sin.
— Q-quem é você? — perguntou ela, retribuindo sua curiosidade.
Um bom sinal, não é? Ele passou uma mecha do seu cabelo entre os dedos,
saboreando a textura sedosa.
Saboreando? Puck?
O que ela está fazendo comigo?
Indiferença rosnou.
Ele propositalmente se concentrou na pergunta dela e na melhor forma de
responder — até que ela se encolheu, como se estivesse enojada com o toque dele.
Outra pontada, esta mais aguda, quando ele deixou o braço cair de lado.
Ele não ficou chateado com a reação dela. Não ficou!
— Eu sou Púkinn. Você pode me chamar de Puck. Sou o Guardião da
Indiferença. — Ele se forçou a fazer uma pausa, como se precisasse de tempo para
considerar as próximas palavras. — Não estou certo se você pode me ajudar, mas
acho que vou permitir que tente. — Outra mentira. Você vai me ajudar, mulher. De
um jeito ou de outro.
Ela estava intrigada?
Ela permaneceu em silêncio, simplesmente olhando para ele, como se ele fosse
um quebra-cabeça que não conseguia resolver.
Sim. Intrigada.
Outra pontada afogou seu peito, criando fraturas em seu gelo, permitindo que
as emoções que enterrou subissem à superfície de sua mente. Excitação. Fome.
Impaciência. Ânsia. Fúria. Mais excitação. Seu corpo parecia expandir para
acomodar o influxo, a tatuagem de borboleta se movendo novamente. Músculos
inchados e cheios de nós. Pele esticada. Gotas de suor apareceram em sua testa e
entre suas omoplatas.
Indiferença se preparava para dar um golpe letal.
Não não não. Não aqui, não agora.
Concentrando-se em sua respiração, Puck mudou o peso do corpo de um pé
para o outro, nunca permitindo que sua figura assumisse a postura de um
guerreiro... embora os guerreiros tivessem o que desejavam, quando desejavam.
Estenda a mão. Toque-a. Sacie sua fome...
Não! Ele não devia sentir fome.
Vá embora. Deixe-a querendo mais.
— Eu voltarei depois que você se acostumar com a ideia. — E depois que me
acalmar.
Ele abriu a boca para dizer que encontraria uma maneira de salvá-la —
plantar as sementes da possibilidade, mas os olhos de Gillian já haviam se fechado.
Ela adormeceu. Ela deve se sentir segura com ele, pelo menos em algum nível. Caso
contrário, a adrenalina a teria mantido consciente.
Vitória, bem ao meu alcance...
Embora cada passo longe dela se provasse um tipo especial de inferno,
considerando o desejo que sentia por ela, ele retornou para a varanda, pretendendo
velá-la pelo resto da noite.
— Ora, ora, ora— uma voz familiar disse atrás dele. — Quem temos aqui?
Antes que Puck pudesse se virar, dedos duros se emaranharam em seu cabelo
puxaram, arrancando-o da sacada. Uma de suas navalhas cortou sua bochecha
quando ele caiu em um banco de árvores. Cascas e areia espalharam em todas as
direções.
Por um momento, enquanto jazia no chão, uma lembrança passou pela sua
cabeça.
Depois de um dia de treinamento particularmente horrível, ele e Sin se
amontoaram, comendo os roedores que conseguiram pegar, porque os soldados
eram responsáveis por sua própria comida. Se você não caçava, você não comia.
Eu queria que você tivesse ficado com a mamãe, Sin, mas estou tão feliz por
você estar comigo.
Você é minha pessoa favorita em todos os reinos, Puck. Eu vou ficar com você
pra sempre.
Mas "pra sempre" não durou muito tempo, não foi?
Puck engoliu o nó amargo na garganta e forçou o passado de sua mente.
Lutando para respirar, ele ficou de pé.
Em um redemoinho de fumaça negra, Hades apareceu diretamente à sua
frente.
— Então, você é o possuído por Indiferença. Eu me perguntei sobre o idiota
azarado a quem ela o entregou, todos esses séculos atrás.
Puck desembainhou uma adaga, o metal cintilando à luz do sol.
— Se fala de Keeleycael... Keeley, ela deu Indiferença ao meu irmão, e ele deu
o demônio para mim.
Dar. Uma palavra tão bonita para uma traição tão terrível.
Então a compreensão veio. Hades sabia a verdade sobre a possessão de Puck.
Outros assumiram que ele recebeu Indiferença enquanto estava preso no Tártaro,
uma prisão para imortais. O que era um erro compreensível.
Há muito tempo, quando Zeus governou o Monte Olimpo, doze membros de
seu exército de elite roubaram e abriram a Caixa de Pandora — um contêiner muito
parecido com o que continha Indiferença. Só que aquele libertou incontáveis
demônios em um mundo despreparado, os piores dos piores. Os soldados foram
punidos por seu ato sem sentido e forçados a receber um demônio, assim como
Puck. Com mais demônios do que soldados, no entanto, as sobras precisavam de
hospedeiros. Prisioneiros selecionados foram escolhidos.
Hades deu um sorriso frio.
— Keeley não faz nada sem compreender o grand finale.
Keeleycael... Keeley... A amiga de Gillian era a infame Rainha Vermelha.
— Por que ela iria interferir na minha vida? Por que ela me quer possuído? —
Puck não tinha feito nada para feri-la. Não sabia de sua existência até que o
atacasse.
— Para salvar meu filho. Keeley e eu estávamos noivos na época, e ela sabia
que eu faria qualquer coisa, e eu quero dizer qualquer coisa, para garantir a
segurança dele.
Forçar Puck a receber Indiferença de alguma forma salvou a vida de William?
Ridículo! Ele suspeitava que Hades via o passado através das lentes de seu orgulho.
Mas de qualquer forma, Hades deixara claro que planejava destruir aqueles
que se pusessem no caminho do seu filho.
Matar qualquer um que ameace minha sobrevivência e sempre retaliar.
Indiferença rosnou quando fúria aumentou.
Inalar, exalar. Puck invocou o gelo... em vão, como se o rei tivesse negado sua
única defesa. Ou suas emoções já estivessem muito fora de controle.
— Você gostaria de sua liberdade? — Hades perguntou. — Uma vez eu
governei os demônios. Eu poderia remover Indiferença sem problema... mas eu o
prejudicaria no processo. Um privilégio para mim, já que gosto de prejudicar os
outros.
Fúria, intensificando.
— Eu passo.
— Então escute, principezinho, porque é hora da história. — Hades o rodeava,
ameaça em cada passo. — A Rainha Vermelha também me disse que minha vida
mudaria no dia em que eu me encontrasse com um guerreiro de força e ferocidade
inigualáveis que me ajudaria a consertar o problema do meu amado filho. Se eu
fosse um bom menino e me impedisse de matá-lo. Agora aqui está você, farejando
o filho e o problema em questão.
Força e ferocidade inigualáveis — soa como eu.
— Esse problema tem um nome?
— Ela tem.
Ela. Gillian, então.
— Ela pode ser um problema para William, mas é uma solução para mim. Não
deixarei este reino sem ela.
— Não deixará então? — Hades arqueou uma sobrancelha escura. — Já
possessivo com relação a ela, apesar de acabar de conhecê-la. Apesar de
Indiferença. Bem, considere minha curiosidade levemente estimulada. Na verdade,
a um nível abaixo de leve. Parcamente.
Se Hades pensasse em afastar Puck de sua futura esposa — de seu futuro,
ponto final — Hades morreria.
— Sua força e ferocidade são maiores que as minhas? — Perguntou Hades.
Não precisava refletir.
— Sim.
— Vamos descobrir com certeza, sim?
Em um segundo Hades se colocou fora na distância de um golpe, no outro,
sua respiração abanou o rosto de Puck.
Em rápida sucessão, Puck bloqueou o primeiro, segundo e terceiro soco,
salvando seu nariz de ser quebrado. Mas Hades era apontado como um mestre da
estratégia por um motivo, e claramente esperava a resistência; forçando Puck a
jogar na defesa, ele foi capaz de usar a mão livre para roubar a outra adaga
embainhada na cintura de Puck. Punhalada, punhalada, punhalada. Hades
esfaqueou seu rim, fígado e intestinos.
Qualquer um desses golpes poderia ter matado um humano. Todos três?
Morte certa. Embora dores agonizantes atravessassem Puck, o sangue quente
fluindo em rios carmesins pelas pernas o enfraquecendo, ele permanecia
imperturbável.
Desacorrentado pela necessidade de uma luta justa, ele bateu seu joelho entre
as pernas de Hades. Testículos, aproveitem seu encontro e cumprimentem a garganta
do seu mestre. Quando o rei se curvou, ofegando por um ar que não conseguia
respirar, Puck o esmurrou no queixo.
Hades tropeçou para trás, seu berro enfurecido ecoando pelo reino. Quando
se endireitou, seu olhar pousou em Puck e se estreitou.
Quando as facadas de Puck se curaram, ele checou as cutículas. Hmm. Elas
precisavam de uma aparada.
Agora Hades ria, um som de diversão genuína.
— Acha que me venceu, não é? Odeio acabar com a festa, a quem estou
enganando? Adoro acabar com a festa, assim como adorarei acabar com você. Eu
já ganhava batalhas quando você ainda sujava as fraldas. Não pode me derrotar.
Principalmente quando conheço Indiferença mais do que você jamais conhecerá.
Uma provocação com a intenção de provocar medo e tirar Puck do jogo? Que
pena.
Utilizando a velocidade sobrenatural com a qual nasceu, ele fechou a distância
e socou Hades no estômago. O rei tropeçou e Puck mergulhou nele, derrubando-o.
Eles tombaram. No ar, Hades tentou reivindicar a posição superior — e falhou.
BUM! Impacto. O ar jorrou dos pulmões do outro homem, deixando-o
momentaneamente imóvel.
Puck não sofreu tal deficiência e tirou proveito, arrancando uma lâmina do
cabelo e cortando os olhos de seu oponente, cegando-o temporariamente .
Com um rugido, Hades atingiu Puck, quebrando sua maçã do rosto,
mandíbula e traqueia. Ele já viveu coisas mil vezes piores e lutou através das novas
ondas de dores lancinantes, cortando repetidamente o rosto do rei. Sangue se
derramava de múltiplas lacerações.
Ao mesmo tempo, Puck usou a mão livre para roubar de volta o punhal que
Hades havia roubado. Mas o rei também esperava essa ação e inclinou a lâmina
para cortar a palma de Puck. Carne e músculo rasgaram. Osso rachou.
Hades deu um soco poderoso em sua mandíbula. As juntas recém-curadas
deslocaram. Estrelas piscavam em sua visão e mais ondas de dor se juntaram à
festa. Mas Puck não revelou por palavras ou ações. Simplesmente se levantou e
pisou com a bota no nariz de Hades, quebrando a cartilagem. Uma pausa. Ele
forçou a mandíbula a voltar ao lugar. Melhor.
Quando ele levantou o pé para dar outra pisada, Hades pegou seu tornozelo e
o torceu. Após cair no chão, Puck girou para trás e deslizou em pé para uma boa
distância.
— Posso continuar o dia todo — disse ele. — Venha. Me dê o seu pior. — Ele
deu um um encolher exagerado, uma provocação. — Ou você já me deu o seu pior?
De pé com muito mais graça do que qualquer um deveria exibir depois de levar
uma pisada no rosto, Hades ofereceu-lhe outra risada divertida.
— Você quer a garota, tudo bem, ela é sua. Porque, não importa o que meu
filho pense, ela não é a pessoa certa para ele. De acordo com Keeleycael, ele vai
morrer se vier a se casar com Gillian. Então amanhã eu o manterei ocupado,
permitindo que você faça um pouco de romance. Ou muito. Já se olhou no espelho
ultimamente? Vai ter que se esforçar muito para conseguir um rabinho de saia.
Vincule-se a ela, é o único jeito de salvá-la, e leve-a para longe daqui.
Casar com Gillian causaria a morte de William? Interessante. Talvez fosse por
isso que Puck teria de casar com aquela pela qual o príncipe do submundo viveria
ou morreria, de modo que William sobrevivesse tempo suficiente para destronar
Sin.
Talvez Gillian causasse a morte de William depois que Puck a devolvesse.
Não é problema meu. Uma vez que William cumprisse a profecia, Puck não se
importava com o que aconteceria com ele. Mas manteve seus lábios fechados. De
jeito nenhum admitiria o plano de tirar Gillian de William apenas temporariamente.
Deixe Hades pensar no que quisesse pensar. Ele...
Vincule-se a ela, ele disse. Não casar. A única maneira de salvá-la.
Compreensão e choque atingiram Puck com força suficiente para derrubar um
elefante. A vinculação uniria suas almas, permitindo que Gillian aproveitasse a
força dele e terminasse sua transição para a imortalidade. Ela seria mais do que
sua esposa. Ela se tornaria sua outra metade.
Minha!
Um pequeno problema. Fraca como estava, ela poderia agir como um sifão e
drená-lo completamente, matando os dois. Um resultado que William deveria temer.
Caso contrário, ele já teria se ligado à sua amada, não é?
Vale a pena o risco.
Ele faria a proposta e ela concordaria, ou para salvar William de um coração
partido e da culpa — ou impedi-lo de correr o mesmo risco. Ela não iria querer
comprometer a vida do seu precioso.
Vantagem para Puck.
Sua lealdade implacável ao homem deveria ter agradado a Puck — isso
garantiria sua vitória. Então por que estava rangendo os dentes e apertando os
punhos com tanta força que os nós dos dedos tentavam rasgar sua pele?
Não importa. Dilema potencial: divórcio não seria mais possível. Separação
significaria a morte.
William nunca concordaria em...
Puck respirou fundo. As tesouras. Claro. Ele poderia usar as tesouras de
Ananke para libertar Gillian de seu vínculo, permitindo que ela retornasse para
William viva, livre de seu marido.
Cada ação ditada pelos Oráculos tinha uma razão e, finalmente, essas razões
faziam sentido.
Puck reajustou suas tarefas. Vincular-se a Gillian. Escoltá-a até Amaranthia.
Retornar para buscar William.
Vincular. Escoltar. Retornar.
Com um sorriso frio de volta ao lugar, Hades o saudou.
— Excelente. Vejo as engrenagens girando em sua cabeça. Vou deixá-lo com
seus esquemas. Boa sorte, Pucker. Você vai precisar. — Depois de lhe soprar um
beijo, o rei do submundo desapareceu.
Sozinho, Puck olhou para a sacada de Gillian, ondas de determinação se
derramando sobre ele, antagonizando Indiferença novamente.
Inalar, exalar. Hades prometeu distrair William amanhã. Puck não confiava
nele. Nem em ninguém. Sin lhe ensinara. Mas dúvida e preocupação eram uma
coisa que no momento ele não sentia. Ele continuaria como planejado, e o que
acontecesse, aconteceria. Ele negociaria.
O que não faria? Desistir.
Moça, você já é minha.
Puck passou a noite apaziguando Indiferença, reforçando cada camada de gelo
em torno de seu coração e mente. Não sinto nada, não quero nada. Guerra vem
antes das mulheres, sempre.
Quando encarasse Gillian em seguida, ele estaria preparado. Sua beleza não
o afetaria, nem seus instintos possessivos o conduziriam.
Assim estava decidido, assim seria.
Quando o sol nasceu, Puck se posicionou em um banco de sombras,
observando enquanto Hades tentava — e falhava — convencer William a deixar o
reino. Horas se passaram, a sensação de impaciência retornando.
O tempo não era seu amigo. O tempo não era amigo de Gillian.
Finalmente, Hades disse a William que tinha uma pista de uma cura para
Gillian e William felizmente abandonou o navio, concedendo a Puck uma
oportunidade de se encontrar com Gillian sem restrições. A menos que o rei do
submundo pretendesse emboscá-lo?
Não importa. Estarei preparado.
Puck vagou por um oásis de palmeiras, o olhar trancado em seu alvo. Ela
descansava na praia em uma espreguiçadeira, um dossel branco e fino lhe
fornecendo sombra. Ela já havia perdido o peso que não podia se dar ao luxo de
perder. O brilho do seu cabelo tinha esmaecido, e o lindo tom de rosa em suas
bochechas abatido.
Quanto tempo lhe restava?
Instintos protetores surgiram. Gelo rachou quando sua borboleta tatuada
viajou do ombro até a coxa.
Respirando fundo, procurando calma, ele se aproximou de Gillian. Um sol
dourado se punha no horizonte, pintando o céu com um arco-íris de cores
diferentes e refletindo a água — e os olhos dela. Um ambiente tão bonito e tranquilo,
perfeito para a sedução. Ele quase sorriu. William preparou o palco da sua própria
ruína.
Ao redor dela, oito guardas armados.
Só oito?
Minha futura esposa — reformular a frase. A garota merecia coisa melhor.
Preciso ensinar a William o erro de seus atos.
— Precisa de alguma coisa, senhorita Bradshaw? — falou um dos guardas.
Bradshaw, um dos seus codinomes. William não queria que soubessem de sua
verdadeira identidade?
— Não, obrigada — Gillian disse, sua voz pouco mais que um sussurro.
Tão fraca. Tão perto do fim. Crack, crack, seu gelo estava rachando. Se o
demônio derrotasse Puck antes que ele garantisse um vínculo com ela... Preciso
agir mais rápido.
Movendo-se a uma velocidade que nem mortal nem imortal poderia
acompanhar, ele derrubou os primeiros quatro guardas. Quando os outros
perceberam que um inimigo se escondia por perto, armas foram erguidas. Tarde
demais. Puck os derrotou com a mesma facilidade e rapidez.
Limpando as mãos após um trabalho bem feito, ele caminhou para o lado de
Gillian. O cheiro de poppiberries encheu seu nariz, deliciosamente intoxicante e
tão mágico quanto o lar, incitando-o a se aproximar ainda mais e...
Rosnado.
Puck quase perdeu o equilíbrio. E eu me considerava preparado? A garota
mantinha algum tipo de encanto estranho sobre ele, capaz de fazer em segundos o
que a maioria das pessoas não conseguia fazer em meses: afetá-lo.
Ao avistá-lo, ela ofegou. Então olhou para baixo, como se não pudesse
suportar sua imagem. Pânico irradiava dela, a emoção que ele não queria que ela
sentisse — e ele ainda não tinha falado uma palavra!
Por que ela temeria a presença dele quando não a machucara da última vez?
Por que iria...
Seu olhar disparou para ele, demorando-se em sua tanga, antes que ela mais
uma vez desviasse o olhar.
O material estava danificado, esfarrapado e revelando mais do que escondia.
Facilmente remediado.
Deveria remediar a situação? Talvez ela temesse sua reação ao corpo dele.
Talvez ela gostasse demais da imagem dele.
Um homem podia sonhar.
Em um piscar de olhos, Puck retornou a um soldado caído, roubou uma
camisa e colocou os braços através dos buracos. As calças do homem eram muito
pequenas. Cada calça provou ser muito pequena. Muito bem. Pelo menos a camisa
era comprida o suficiente para cobrir seu membro enquanto ele crescia... e crescia.
Quando ele voltou para Gillian, abotoou as lapelas, não percebendo até muito
tarde que ele havia alinhado os dois lados incorretamente.
— Melhor? — Ele perguntou.
— Você os matou? — Ela exigiu em sua voz quebrada, ignorando sua pergunta.
Ele sentou ao lado de sua cadeira e olhou para a água, dando-lhe um momento
para se ajustar à sua presença, fazendo o seu melhor para convencê-la — e
Indiferença — de que não estava ciente de todos os seus movimentos.
— Apenas os coloquei para dormir. Mas posso cortar suas gargantas, sem
problema. Apenas diga uma palavra.
O desejo dela, sua ordem.
— N-não. Por favor. Não — ela deu uma sacudida quase imperceptível de
cabeça.
Chateada com a ideia de alguns assassinatos? Adorável.
— Muito bem, então. — Vê como posso ser complacente, mulher? Sou perfeito
para você.
Enquanto ela o estudava mais atentamente o avaliando, seu pânico retrocedeu.
Excelente. Ele deu uma rápida olhada em seu rosto para julgar quanto tempo
levaria para que ela ficasse de calma a intrigada — do jeito que ele a deixou durante
a última visita — e franziu a testa.
Ela não estava calma. Estava agradecida. Pobre moça. Quão baixos eram seus
padrões de masculinidade?
Não que Puck se importasse. Claro que não se importava.
— Por que você está aqui? Realmente? — Ela perguntou, franzindo a testa.
Ele precisava de uma desculpa, algo que ela pudesse acreditar, mas
interessante, talvez até embebido em verdade, em vez de mentiras.
— Eu te disse que sou o Guardião de Indiferença e que você pode me ajudar.
Você pode me ajudar a sentir. — Ou melhor, sentir sem consequências. Uma vez
que Puck reivindicasse a coroa de Connacht, matasse Sin e unisse os reinos, ele
arriscaria usar as tesouras em Indiferença.
— Eu prometo a você — disse ela, absolutamente sincera — que não posso
fazê-lo sentir nada.
Você já fez. Mais do que qualquer outra pessoa.
Tão necessária para meus objetivos quanto perigosa... Um dia ele poderia ser
mais bem servido a matando.
Isso! Esse era o perigo do gelo.
Inconsciente de seus pensamentos, ela se moveu para ficar mais perto dele,
lembrando-o de um gatinho em busca de mais calor. Como ele queria estender a
mão, passar os dedos pelos cabelos dela, traçar os nós dos dedos ao longo da sua
mandíbula e se deleitar na sua suavidade.
Deleitar? Eu? Resista ao seu fascínio.
— Você pode. Você vai — ele disse, consternado pela rouquidão de seu tom.
Não deveria ter problemas em se manter destacado.
Hora de mentir.
— Disseram-me que sua situação é tão triste que vou vir a me importar. E
quero muito me importar...
O sexo frágil gostava de bad boys — ou melhor, de projetos de bad boys — que
se derretiam por apenas uma mulher especial. Não vê, moça? Você é a única com o
poder de me salvar...
— Quem te disse isso? — Perguntou ela. Seu olhar assumiu um tom longínquo,
como se sua mente tivesse vagado, mesmo quando falou em seguida: — E por que
iria querer se importar? Tire isso de mim. Se importar com outra pessoa é algo
altamente superestimado. — Ela mordeu o lábio inferior. — Você se importa... com
alguma coisa?
Ele fingiu pensar sobre e suspirou.
— Nem sequer um pouco — Embora ela parecesse perdida em seus
pensamentos novamente, ele acrescentou: — Foram os Oráculos do meu reino que
me falaram de você. E eu quero me importar porque é meu direito. — Mais verdade,
tom mais duro, as palavras escapando espontaneamente. Importar-se sem punição
era um direito de todos, humanos e imortais.
Se ela ouviu a última parte de seu discurso, não mostrou.
— Alguma vez sente algo? — Ela perguntou, algo parecido com inveja
pulsando dela e o confundindo.
— Só muito raramente, e então... — Ele apertou os lábios. Não havia uma boa
razão para contar a ela sobre a fraqueza que o demônio lhe infligia, e havia todos
os motivos para manter a informação em segredo. Conhecimento era poder, e Puck
nunca de bom grado concederia a alguém mais poder sobre ele.
— Sorte — ela murmurou. Estava com inveja dele. Que criatura estranha.
Mas ela não sabia o preço de uma existência apática. Como ela iria perder
seus entes queridos e amigos, família e lar. Como suas comidas favoritas se
tornariam insípidas. Como viver equivaleria a sobreviver. Como passatempos
amados já não despertariam alegria. Como o sexo a deixaria vazia.
— Sorte? Moça, eu poderia atear fogo em você. Enquanto gritasse em agonia,
eu a veria queimando, apenas interessado no calor das chamas em uma noite fria.
— Ok — ela disse, sua aceitação calma da admissão não intencional dele o
surpreendendo, — talvez sorte seja uma palavra muito forte. — Uma vez, duas
vezes, ela deu uma olhada para ele através do espesso leque de seus cílios. — Você
vai atear fogo em mim?
— Não. — Em um esforço de provocá-la como os heróis muitas vezes
provocavam suas heroínas, ele acrescentou: — Deixei meus fósforos em casa.
Sucesso! A sugestão de um sorriso enrolou os cantos da boca que parecia um
arco de Cupido, como se ela o achasse adorável.
O desejo aqueceu seu sangue e endureceu todos os músculos de seu corpo,
ganhando um grunhido de Indiferença. As mãos de Puck se fecharam em punhos.
Para que seu plano funcionasse, ele precisava parar de responder a cada
palavra e ação dela, e rápido.
Uma brisa fresca e salgada atravessou as areias e Gillian estremeceu. Ainda
febril?
Não quero nada, não preciso...
Foda-se. Então. Naquele exato momento, Puck se tornou indiferente ao
demônio, ao castigo, a qualquer consequência que pudesse ter que enfrentar.
Tremendo com a necessidade de cuidar de sua futura esposa, ele tirou sua camisa
e deixou o material cair sobre seus ombros delicados. Enquanto ela se enroscava
no calor da roupa, uma chocante satisfação quase o desfez. Ele a saboreou, sua
mente despojada de qualquer defesa.
Satisfação... como sentiu falta disso. Não apenas sexualmente, mas a
satisfação de um trabalho bem feito. Uma guerra bem travada. Me dê mais. Eu
preciso de mais.
ROSNADO.
Puck enrijeceu. Talvez ele devesse ir embora, ganhar tempo para se reagrupar
e retornar quando reorganizasse suas prioridades com sucesso. Sim, sim. Era
exatamente isso que deveria fazer. Ao se levantar, entretanto, o olhar de Gillian
caiu em seu peitoral e se demorou, e Puck quis rugir de prazer. Sem pensamento
consciente, ele se viu mudando de marcha... e se acomodando com mais firmeza
onde estava. Talvez ficasse um pouco mais.
— Obrigada — ela murmurou.
Pela camisa?
— Não há de quê — Qualquer coisa por você, moça. Confie em mim...
A culpa o incomodou — quero sua confiança, mas não a mereço. Mesmo assim,
ele destruiu impiedosamente essa emoção.
— Então, é, como você ficou invisível? — Ela perguntou. — Quero dizer,
quando lutou com os guardas.
— Não fiquei. Eu me movi rápido demais para você ou eles acompanharem.
— Isso é legal.
Apenas legal?
— Minhas habilidades são lendárias. — Vangloriando-se agora? Esperando
impressioná-la?
Ela lambeu os lábios, como se estivesse se preparando para uma discussão.
— Para adquirir uma habilidade assim, você deve ter vivido muito tempo.
Provavelmente conhece todos os tipos de fatos sobre, digamos, uma doença
sobrenatural... como morte ad vitam.
Ah. Ela tinha ouvido o termo e agora procurava respostas. Contar ou não
contar?
— O que é morte ad vitam? — Ela perguntou quando ele permaneceu em
silêncio.
Ele passou a mão na mandíbula, a barba espessa o cumprimentando.
— É isso que você tem, então?
— Sim. Todo médico concorda — ela engoliu em seco. — O que significa?
Conte, ele decidiu.
— Você recebeu uma poção. Seu corpo está tentando evoluir, tentando se
tornar imortal, mas não é forte o suficiente. Agora só há uma chance possível de
sobrevivência. — Ele fez uma pausa para um efeito dramático. — Você deve se
casar... vincular-se a um imortal e unir sua alma à dele.
Esperança iluminou seus olhos. Um piscar de olhos, e a esperança se foi.
— Mas nem mesmo isso é uma garantia — continuou ele. — Você poderia
drenar sua força e matá-lo. Ou pior, torná-lo humano.
Primeiro ela exibiu choque. Depois horror, aceitação e medo. Finalmente
repulsa. Sua confusão retornou redobrada. Por que repulsa? Mulheres não
sonhavam em se casar com um homem forte que oferecesse a elas segurança ao
longo da vida?
Medo ele entendia e esperava, mesmo quando parte dele se ressentia. Ela
recuava com o pensamento de pôr a vida de William em perigo.
Sorte de William, ter uma mulher tão preocupada com seu bem-estar a ponto
de fazer qualquer coisa, até mesmo morrer, para salvá-lo.
Morrer... para salvar outro homem... Por um momento, Puck viu vermelho.
Literalmente. Minha esposa será leal a mim e não a outro!
Indiferença rugiu com desagrado.
Inalar, exalar. Proceda com cuidado. Muito perto de cruzar a linha de chegada.
Inalar. Bom, isso era bom. Expirar. A névoa carmesim desapareceu do olhar de
Puck.
— Bem, isso é uma merda — Gillian murmurou, alheia ao tumulto que causou.
Com o olhar distante novamente, ela começou a balbuciar. — Eu não fazia ideia...
pensei que imortais fossem criados totalmente formados ou nascessem de outros
imortais.
— Imortais nascem de mais de uma maneira.
Ela piscou rapidamente, voltando sua atenção a ele. — Quanto tempo eu
tenho antes de...
— Considerando sua condição atual, eu diria outra semana, talvez duas. —
No máximo.
— Que chato — ela enrugou o nariz. — Nunca vou conseguir fazer as coisas
da minha lista de desejos. Quer dizer, se eu tivesse uma.
— Talvez devesse fazer uma. Eu posso ajudar — sua primeira sugestão:
vincular-se a uma fera.
Ela inclinou a cabeça para o lado, os olhos cor de uísque mais uma vez
admirando.
— Por que você iria querer me ajudar com isso?
De alguma forma, seu escrutínio fez com que ele se sentisse menos como um
monstro e mais como um homem, como se ela não visse o que ele era, mas o que
poderia ser.
Uma ilusão, nada mais.
— Você poderia usar uma distração e eu poderia usar uma nova meta. — Um
núcleo de verdade com a intenção de ganhar pena. Outros podiam desdenhar um
golpe em seu orgulho, mas não Puck. Não mais. — A mulher que eu queria não me
queria, então nos separamos. — Verdade. Ninguém me quer, buá. Pobre de mim.
— Agora... — Ele deu de ombros. Me conforta?
A mulher em questão — Winter. Ele a desejava o máximo que era capaz; nunca
conheceu uma mulher como ela. Forte o suficiente para derrubar um exército por
conta própria. Mas quando ela o recusou, ele não se importou o suficiente para
tentar fazê-la mudar de ideia.
Desculpe, menino fera, mas estou apaixonada por outra pessoa. Eu! Você
entende, não é? Sem ressentimentos. Tirando esse ressentimento aí dentro da sua
calça.
Ele se afastou sem uma pontada de arrependimento.
— Mulheres são metas para você? — Perguntou Gillian, parecendo um pouco
ofendida, mas muito curiosa ante a perspectiva.
Curiosidade continuada era muito bom sinal.
— Por que não? Meus objetivos, assim como minhas regras, me impedem de
sentar em um sofá, assistindo novelas o dia todo, todos os dias, enquanto como
pizza velha.
Vincular. Escoltar. Retornar.
Hesitante, ela disse:
— Mas se você não consegue sentir, como quer uma mulher?
— Eu raramente sinto emoção, mas muitas vezes sinto desejo — Em particular,
desejo uma certa beldade de cabelos escuros. — Os dois não são mutuamente
exclusivos, moça.
Se Gillian o quisesse, ele se iria pra cama com ela. As coisas que ela o fazia
desejar...
Mais uma vez ele se perguntou se ela teria o poder de fazê-lo gozar, e como
Indiferença reagiria.
Havia apenas uma maneira de descobrir...
Se tivesse que mentir e dizer a William que nunca tocaria nela, mentiria.
Qualquer coisa para alcançar seus objetivos. Ou talvez estaria melhor servido se
recusando manter suas mãos pra si mesmo. Homens ciumentos faziam coisas tolas,
como concordar em ajudar um completo estranho a assassinar outro completo
estranho.
Claro, tudo dependia da capacidade de Puck em salvar Gillian da morte certa.
— Você tem um bom argumento, suponho. — Ela lhe ofereceu um pequeno
sorriso, e mesmo assim, nunca uma mulher lhe pareceu mais triste. — Eu sinto
todo tipo de emoção, mas jamais desejo.
Então ela não ansiava em ir pra cama com seu precioso William? Uma mentira,
com certeza.
— Nunca desejou um homem? — Fale-me a verdade. Fale agora. Por alguma
razão, Puck precisava saber.
Indiferença cavou suas garras mais fundo enquanto emitia outro rugido de
advertência.
Gillian se afastou dele, seu corpinho ainda mais tenso do que antes, os olhos
escuros assombrados. Envolta pelo sol poente, ela irradiava mais dor do que
qualquer pessoa poderia suportar. Ou sobreviver a tal. Principalmente uma
humana frágil à beira da morte.
O gelo que ele tinha conseguido manter — já era.
— Não quero falar sobre isso. — Lembrando-o de um animal ferido
encurralado por um predador faminto, ela atacou, dizendo: — Mude de assunto ou
vá embora.
Puck não mudou de assunto e não foi embora. Escolho a porta número três,
moça.
— Ah. Entendo — ele disse. — Alguém te machucou. — Ele proferiu as
palavras com naturalidade, mas no fundo, no fundo, ele fervia. Quem tinha se
atrevido a brutalizar sua esposa?
Pensando nela como esposa agora, em vez de futura esposa?
A tatuagem de borboleta chiou ao retornar ao seu ombro.
Por causa das punições do seu demônio, Puck estava intimamente
familiarizado com a impotência que acompanhava a incapacidade de impedir um
ataque. Enquanto incapacitado e incapaz de lutar de volta, ele também fora
brutalizado dos piores modos. Só quando sua força retornava é que era fácil
retribuir a violência com piores formas de violência. Ele duvidava que aquela flor
frágil já tivesse reunido força suficiente para fazer o mesmo.
— Vou matar o homem responsável, quem quer que ele seja. — Com prazer.
Derramando muito sangue. — Só me diga o nome dele.
— Nomes. No plural — ela retrucou, depois apertou os lábios.
— Um homem ou cem, não faz diferença para mim. — Mataria todos eles.
Sangue fluiria num fluxo grande e arrebatador.
— Obrigada pela oferta — ela murmurou desinflando — mas acho que eles já
estão mortos.
Ela achava ou sabia?
Considerando seu relacionamento com o da escuridão...
— William deve ter dado a punição. — E escondido os detalhes dela?
Pelo que Puck já havia observado do homem cheio de segredos — sim,
absolutamente.
Um de seus ombros delicados se ergueu, sua única resposta a pergunta dele.
— Você e William são colegas?
— Eu já ouvi falar dele, e tenho certeza que ele já ouviu falar de mim — quem
não? — mas nunca nos conhecemos oficialmente. — Verdade.
— Se quer ser amigo dele, entrar escondido em sua propriedade não é...
— Oh, não quero ser amigo dele. — Outra verdade surgiu espontaneamente.
— Ele pode me odiar. — Ódio era garantido. — De uma forma ou de outra, eu não
me importo.
— Isso é imprudente. Se não é amigo dele, é seu inimigo. Seus inimigos têm
uma morte dolorosa.
— Você se importa? — Se ela conseguia aceitar o lado sombrio de William,
poderia aceitar o de Puck. Um ponto a seu favor. — Meus inimigos morrem
agradecidos, felizes por finalmente escaparem de mim.
Agora ela revirou seus olhos.
— Vocês imortais e suas rixas de sangue.
— Não quer dizer nós, imortais? — Melhor que ela aceitasse seu destino o mais
rápido possível. Uma eternidade a esperava, ela estando pronta ou não.
Ânsia pulsava nela.
— Não, não quis. Eu vou morrer, lembra? Antes da transformação estar
completa. O que significa que seria estúpido fazer uma lista de coisas para fazer
antes de morrer.
Porque ela seria forçada a escolher coisas que poderia fazer de seu leito de
morte? Que... triste.
— Você vai morrer, sim — Ele encontrou uma pedrinha e a jogou na água,
dando-lhe um momento para que ela absorvesse suas palavras. A hora de bancar
o herói tinha chegado. — Ou eu poderia me vincular a você. — Ansioso demais? —
Eu suponho — acrescentou. Não estava bom o suficiente. Ele precisava soletrar
seu papel. — Eu poderia salvá-la unindo as nossas almas.
Ela o olhou de boca aberta... com interesse?
— Hã, o único jeito de me salvar é se vinculando a mim? Então você está
literalmente me fazendo uma proposta de casamento?
— Sim. — Aproximando-se do “ansioso demais” outra vez? — Não — disse
então. Desinteressado demais? Um som frustrado se formou em seu peito e ele
apertou os lábios. — Eu não quero me vincular a você, mas também não quero não
me vincular a você. — Se ele pudesse ter chutado a própria bunda, teria chutado.
Vai pôr tudo a perder. — É apenas algo a se fazer. Algo mutuamente benéfico —
Melhor.
Ela achatou as mãos no estômago como se para afastar uma dor terrível.
— Você não está preocupado que eu o transforme em mortal?
Não mais. Nem um pouco.
— Sou o dominante entre nós. Minha força vital dominará a sua, tenho certeza
disso. — Então você será minha, e somente minha... por um tempo.
Ela abriu a boca, fechou. Abriu e fechou.
Dentro de Puck, a antecipação e o nervosismo competiam pela supremacia,
incitando Indiferença a atacar e se rebelar.
Vamos, moça. Rápido! Diga-me o que preciso ouvir.
Finalmente, Gillian suspirou e disse:
— Obrigada pela gentil oferta/não oferta, mas acho que vou passar.
Uma nova onda de frustração se juntou ao dilúvio, fazendo com que a birra
do demônio se intensificasse mais um grau. Cuidado.
Não! Nada de cuidado. Nem aqui e nem agora. Puck precisava saber o que
havia feito de errado.
Tentando um tom razoável, ele disse:
— É por causa dos meus chifres? — Dos pêlos? Cascos? Se ele pudesse mudar
de forma, como podia antes de ser possuído.
Parecendo perdida novamente, ela cruzou os braços. Despertando
compaixão...
— Eu posso serrá-los — ele disse, prosseguindo. — Eles somem por um tempo.
Sem resposta.
— Eu nem sempre tive essa aparência.
— Não — ela respondeu, e ele teve que pensar ao que ela se referia..
Aos seus chifres, ele percebeu.
— Aparência não tem nada a ver com isso. — Quando ela olhou para ele
novamente, sua respiração estava trabalhosa, sua pele pontilhada pela
transpiração. — Você iria querer ter... você sabe.
Você sabe?
— Sexo?
Com um rubor glorioso aparecendo em suas bochechas momentaneamente
dando-lhe a ilusão de saúde, ela assentiu.
Muitas vezes e de todas as formas, moça.
Se ele pudesse gozar sem punição. Inferno, se ele pudesse gozar e pronto.
Embora a garota o tivesse feito sentir nas últimas vinte e quatro horas o que
ninguém conseguiu... ele não podia se lembrar há quanto tempo... ela podia não
ser capaz de superar sua necessidade constante de ceder à Indiferença.
— Correto — ele disse, sua voz mais dura do que pretendia, cheia de força e
nenhuma sedução. Considerando a tragédia de seu passado, ela iria requerer
gentileza. Uma habilidade que Puck não tinha certeza se empregava. Antes de sua
posse, ele tomava suas mulheres de modo rude. — Eu gostaria.
— Bem, eu não faria. Nunca.
— Você pensa isso agora, mas eu a faria mudar de ideia — Ou morreria
tentando.
Não, absolutamente não. Guerra vinha antes das mulheres.
Se ele tivesse que tirar o sexo do jogo, ele faria. E diria isso a ela... iria
tranquilizá-la... a qualquer momento agora...
Ele pressionou a língua no céu da boca e permaneceu em silêncio. De jeito
nenhum se limitaria a um grau desses. Porque quando se tratava de sexo, ele não
mentiria. Nisso, sempre seria sincero com ela.
Enquanto considerava cuidadosamente sua próxima declaração, ele
encontrou e atirou outra pedra.
— Eu nunca a forçaria — disse. — Esperaria até que você quisesse... me
quisesse.
— Estou te dizendo, não importa o quanto seja habilidoso, você teria que
esperar para sempre.
— Eu a teria na cama dentro de um mês, garantido.
Ela amoleceu, irradiando arrependimento, como se temesse ter ferido seus
sentimentos. Ao mesmo tempo, arrepios agraciavam sua pele, como se ela gostasse
da ideia.
Tão expressiva... tão linda.
Mais gelo rachou, calor floresceu no centro do peito. Ele ficou duro e dolorido,
seu corpo desesperado por alívio.
Ah, sim. Com ela, ele seria capaz de gozar.
A excitação ardia profundamente dentro dele. Silenciosamente, disse a ela:
Confie em mim, mulher. Deixe-me libertá-la dos seus medos.
RUGIDO.
Puck saltou, o calor esfriando.
À distância, um galho estalou. Orelhas se movendo, ele enrijeceu e procurou
no oásis... logo pegando o cheiro de assassinato e caos de William na brisa.
— William retornou — em péssima hora. — Ele estará aqui em cinco... quatro...
três...
— Você deve ir — Gillian fez um movimento de enxotá-lo com as mãos. — Por
favor.
Ela se preocupava com o bem-estar de Puck? Que doce e adorável. E
totalmente inesperado.
— Um — disse ele, terminando a contagem regressiva. Ele disparou para uma
palmeira a cem metros de distância, o tronco grosso o escondendo enquanto
também permitia que ele pudesse vigiar Gillian.
William saiu da casa, as pernas levando-o diretamente para a garota. Quando
ele notou os guardas inconscientes, maldade brilhou em seus olhos,
transformando momentaneamente as íris cristalinas em vermelho néon.
— Você está bem, boneca? Os guardas...
— Estou bem — disse ela, examinando a área. Não encontrando sinal de Puck,
ela deu um suspiro... de alívio? Feliz por ele ter escapado em segurança? Ou feliz
por Puck não lutar, nem ferir, seu precioso William?
Ele fechou os punhos com raiva.
— O que aconteceu com meus soldados? — William perguntou enquanto se
agachava ao lado dela.
Ela diria a verdade? Tentaria proteger Puck? Ele queria que ela tentasse —
que se importasse?
— Alguém aconteceu a eles — disse ela, então hesitou. — Um homem. Puck.
Um lampejo de desapontamento. Ela mencionaria sua proposta? Se William
conseguisse bloquear sua união, toda esperança estaria perdida.
— Ele veio aqui e se moveu tão rapidamente que eu não consegui segui-lo —
acrescentou ela. — Os guardas não foram páreo para sua velocidade e força.
Ela me elogia. Um arrepio de orgulho fez outra fissura no gelo.
Indiferença meteu as garras na mente de Puck, enviando tentáculos de
fraqueza aos seus ossos. Ele praguejou, porque sabia. Era isso, esse era o aviso
final.
Em seguida o demônio ronronaria e Puck estaria ferrado, incapaz de se mover
ou se proteger. Incapaz de ajudar Gillian quando a doença a drenasse.
Ele extinguiu o orgulho com um toque de verdade fria e dura: se falhasse em
alcançar seus objetivos, Sin permaneceria no trono de Connacht. Os cidadãos
sofreriam. Amaranthia sofreria.
Raiva cintilou e ele emitiu outra maldição. Não havia como evitar. Tinha que
invocar mais gelo. Pronto. Melhor.
— Puck. Guardião de Indiferença — William se levantou com uma adaga em
cada mão. Parecia que a reputação de Puck o precedia. — Ele jurou vingança a
Torin por prendê-lo em outro reino.
Errado. Cameron e Winter juraram vingança a Torin. Puck não se importava
o suficiente.
— Mas como Puck escapou? — William perguntou, como se pensando em voz
alta.
Facilmente. Cameron, sendo Cameron, tinha ficado obcecado em encontrar
uma saída.
Gillian enrugou a testa.
— Como sabe o que ele jurou se você nunca o conheceu?
— Meus espiões estão por toda parte, boneca. — O vermelho neon retornou
aos olhos de William. — Puck disse alguma coisa? O canalha fez alguma coisa com
você? Hades o mencionou, disse que ele poderia estar por perto e que eu deveria
deixá-lo em paz, mas isso só me faz querer machucá-lo ainda mais.
Ela bufou e soprou como o grande lobo mau que ela absolutamente não era,
e os cantos da boca de Puck se contorceram.
— Ele me disse o que é morte ad vitam — Quando William lamentou línguas
soltas e visitantes indesejados, ela acrescentou: — Você não vai machucá-lo por
isso. E não vai matá-lo. Nem pagar alguém para matá-lo. Eu deveria ter ouvido a
verdade de você, mas não ouvi, então ele gentilmente se ofereceu para ajudar.
Ela estava tentando proteger Puck.
Gelo, rachando tudo de novo. Corpo indo derreter.
— Se. Ofereceu. Para. Ajudar. Como? — William exigiu.
— Me prometa primeiro — ela insistiu, e se ela não estivesse com a morte
pintada no rosto, poderia ter se passado como meio que feroz. — Por favor.
Silencioso agora, o guerreiro estendeu a mão para arrancar a camisa que Puck
tinha dado a ela. Ela ofegou, assustada. Depois choramingou. William não mostrou
piedade, puxando o tecido dos seus ombros. Assim que a roupa saiu, ele a jogou
na água.
Interessante e revelador — em mais de uma maneira. Embora William nada
soubesse sobre a proposta, já estava se mordendo de ciúmes.
A reação exata que Puck queria, que precisava. Então por que estava olhando
para o peito do outro homem, imaginando afundar uma lâmina em seu coração?
O segundo gemido de Gillian fez com que Puck seguisse em frente, ansioso em
transformar a fantasia em realidade, sem pensar ou se preocupar com Indiferença,
o gelo completamente derretido. William sofreria.
Outro fio de fraqueza se instalou em seus ossos e ele tropeçou. Puck se
agarrou a uma árvore e se escondeu atrás do tronco.
Murmurando um pedido de desculpas, William pegou Gillian nos braços,
agora infinitamente terno, e levou-a para dentro da casa. Embora Puck soubesse
que deveria sair e procurar abrigo, ele se aproximou... ainda mais. Paredes de vidro
do chão ao teto davam boas-vindas à natureza lá dentro — bem como o seu olhar.
Não havia nenhum lugar na casa que ele não pudesse observar.
—... Só pra você saber — Gillian estava dizendo enquanto William a levava
para o andar de cima — eu não vou me vincular a você.
O coração de Puck quase parou. O outro homem havia feito a proposta?
William a colocou em cima da cama, sentou ao lado dela e ofereceu um sorriso
rígido.
— Eu não me lembro de ter pedido, boneca.
Um suspiro pesado de alívio escapou de Puck. Não, nenhuma proposta foi
feita.
— Eu sei que não pediu, assim como sei que não vai pedir — disse ela. —
Deste modo, quando eu me for, você não vai perder tempo se sentindo culpado se
perguntando se deveria ter pedido.
— Você não vai morrer. — Apesar do tom suave de William, uma malícia
inconfundível atava cada palavra. — Eu não vou deixar.
Errado. Eu não vou deixar que ela morra.
Tremendo, ela estendeu a mão para apertar a de William.
— Eu te amo, Liam. Quando não tinha nada nem ninguém, você me deu
amizade e alegria, e serei eternamente grata a você.
Puck respirou fundo. Ela estava se despedindo, preparando-se para a morte,
não estava?
Lute, Gillian. Lute para viver.
Agressão pulsava de William.
— Pare de falar como se isso fosse seu fim.
Ela ofereceu a ele o mesmo sorriso triste que ofereceu a Puck.
— Você tem defeitos. Um monte de defeitos. Mas é um homem maravilhoso.
— Este homem maravilhoso vai encontrar uma maneira de salvá-la — disse
William, seu tom duro como granito. — Estou trabalhando todos os dias, todas as
horas, todos os minutos para garantir que o vínculo não seja necessário. Agora
descanse um pouco. — Cabeça erguida, ele se levantou e saiu do quarto. A porta
bateu atrás dele.
Em vez de olhar aquela porta esperando o retorno de William, Gillian olhou
para a varanda, sua expressão ilegível. Estava esperando por Puck? O peito dele
estufou e não houve como impedir.
Quando os olhos dela se fecharam, Puck entrou no quarto e se aproximou,
como se atraído por um pouco de magia. Ele respirou seu perfume de poppiberry.
— Durma, moça. Vou me certificar de que fique a salvo. — Outra mentira. Por
que enquanto falava, Indiferença começou a ronronar.
Como se uma tampa de ralo tivesse sido puxado em uma banheira, força e
vigor foram drenados de Puck até que seus joelhos mal conseguiram sustentar seu
peso.
Hora de ir.
Ele não foi capaz de deixar o quarto tão silenciosamente quanto entrou, mas
Gillian não acordou. Iria para algum lugar seguro, aguentaria a punição de
Indiferença, depois recuperaria sua força e retornaria. Se a garota morresse nesse
meio tempo...
Era melhor ela não morrer.
Puck tropeçou através das árvores, a injustiça de sua situação borbulhando
dentro dele. A experiência lhe dizia que logo estaria fraco demais para se mover. Às
vezes, ficava completamente inconsciente de seu entorno. Outras, ele sabia o que
acontecia ao redor, mas permanecia incapaz de agir.
Por dias, qualquer um poderia cruzar com ele, atacá-lo — fazer o que desejasse
com ele. Raptar. Prender. Estuprar. Até mesmo cortá-lo em pedacinhos.
Mas não estava preocupado consigo mesmo. Considerando a condição de
rápida deterioração de Gillian, o tempo era o maior inimigo dela — e seu.
Preciso garantir minha sobrevivência. Não poderia ajudá-la se morresse.
Prioridade: assegurar um esconderijo.
Nunca se aproximar de um inimigo até ter observado sua localização e garantido
um abrigo.
A voz de Sin saiu da lama da memória de Puck, tão bem-vinda quanto
desprezada. Estava tão envolvido em Gillian e com as coisas estranhas que o fazia
sentir, que não tinha se preocupado com os seus arredores. Provavelmente não
teria se importado, de qualquer maneira. E não apenas por causa de Indiferença.
Sin costumava fazer toda a parte de exploração e segurança, deixando Puck com a
batalha. Agora, em seu estado mais fraco, ele precisava encontrar abrigo e criar
uma defesa indestrutível.
A menos que Hades interviesse, William iria procurá-lo.
Em momentos como esse, Puck sentia falta de Cameron e Winter. Eles o
amavam do jeito especial deles, quando ninguém mais amaria ou conseguiria.
Sempre que Indiferença o sobrepujava, eles o protegiam. Por séculos, eles
garantiram que suas habilidades de batalha permanecessem bem afiadas,
forçando-o a praticar. E quando ele perdia seus objetivos de vista, eles o lembravam.
A relação também não tinha sido unilateral. Sempre que Obsessão superava
Cameron, o guerreiro passava dias — semanas — trancado em um quarto,
conversando apenas com o demônio, recusando-se a comer ou dormir. Ele
precisava de um campeão disposto a lutar e lutar muito, para distraí-lo com uma
nova obsessão. Winter nunca foi a melhor candidata. Para ela, um único ato
altruísta vinha com consequências devastadoras.
Demônios sempre vinham com um preço.
Sempre que Winter desafiava Egoísmo e agia de forma altruísta, ela caía em
uma odisséia de loucura que durava uma semana. Só tempo suficiente para
destruir um reino inteiro, sem deixar sobreviventes... e Winter com lembranças
violentas que nunca poderia esquecer.
Puck ajudava os irmãos de maneiras que ninguém mais conseguiria e
compartilhava seu gelo.
Os irmãos tinham sofrido sem ele?
Talvez, provavelmente, mas pelo menos eles tinham um ao outro, do jeito que
Puck um dia teve a Sin.
Puck! Puck! Outra memória surgiu, Sin, aos onze anos de idade, soluçando
na cabeceira de Puck. É melhor você se curar desse ferimento ou serei forçado a
matar... todo mundo. Eu não posso fazer a vida sem você.
Oh, como Puck sentia falta do menino que Sin tinha sido. O amigo que se
tornou.
Indiferença ronronou mais alto enquanto escorregava pelo seu corpo e sugava
cada vez mais de sua força. Tremores cascateavam por seus membros. Um por um,
seus ossos pareciam se transformar em macarrão cozido e seus músculos em sopa.
Cada passo adiante se tornava uma lição de angústia.
Quando seu pé encontrou uma pedra, ele tropeçou. Embora tentasse se firmar,
seus joelhos cederam. Ele caiu, grãos de areia agarrados à sua pele suada. A
escuridão provocava os limites de sua mente, rapidamente ganhando novos
territórios.
Não. Lute! Em um local tão aberto assim, ele era um alvo. Um alvo fácil. Mas
ainda enquanto lutava para ficar de pé, o demônio drenou o resto de sua energia,
transformando respirar em uma façanha.
— Aí está você. Finalmente! — O riso feminino se filtrou em sua consciência.
— Eu estava começando a pensar que tinha confundido os dias, mas depois lembrei
que a única vez em que errei foi quando pensei que estava errada.
Ele reconheceu a voz dela. Keeley, a Rainha Vermelha. Amiga de Gillian e de
William. Aquela que havia dado Indiferença a Sin com instruções de possuir Puck,
e depois encarregado Hades a lhe oferecer ajuda.
Que horror novo ela tinha reservado para ele hoje?
— Torin, uma mãozinha, por favor — pediu ela.
Torin, Guardião de Doença. Aquele que esperava que Puck atacasse na
primeira oportunidade.
Ele estava fraco demais para protestar quando braços sólidos como rocha o
envolveram e o puxaram para cima contra um peito musculoso. Por dentro, no
entanto, ele lutava como a fera que se tornaria — sem sucesso.
— Onde você o quer? — Torin perguntou. — E não se atreva a dizer dentro
das minhas calças. Não outra vez.
— Das calças de quem? Da sua ou da minha?
— De qualquer uma — respondeu o Guardião de Doença.
Keeley resmungou.
— Eu gosto dele exatamente onde está. Olhe pra você, querido. Seus bíceps
estão saltando!
Um puff leve deixou Torin, como se ele lutasse contra uma vontade poderosa
de rir e xingar ao mesmo tempo.
— Concentre-se, princesa, e me diga para onde estamos indo.
— Para a nossa cabana secreta de amor, é claro.
O som de passos se misturou com o estalo de galhos, criando um refrão
sinistro. Puck detestava aquilo com cada fibra de seu ser. A impotência. A incerteza.
A maneira como a escuridão em volta de sua mente o provocava, ameaçando enviá-
lo ao esquecimento a qualquer momento.
— Minha fera sexy é magnífica, não é? — Perguntou Keeley. Dedos quentes e
macios percorreram a testa dele.
Um grunhido reverberou no peito de Torin, sem nenhum indício de diversão.
— Ouvir você ser poética com outro homem tende a me deixar com um humor
assassino.
Sexy — Puck? A fera dela? O casal sabia sobre seu plano de se unir a Gillian,
chantagear William e matar Sin? Teria Keeley realmente sabido o que aconteceria
todos aqueles séculos atrás quando ela dera a caixa a Sin? Hades parecia pensar
que sim.
— Own, a auto-estima do meu bebê está doendo. — Sua voz estava baixa,
rouca. — Aqui, deixe-me ajudar a melhorar.
O som de uma palma batendo em pele.
— Ai. — O corpo inteiro de Torin se sacudiu. — Isso dói.
— E há mais de onde veio — disse Keeley, e Puck a imaginou balançando o
dedo para o marido. — Você é o homem mais incrível de todos os tempos, e eu sou
a mulher mais fiel. Aja de acordo.
— Sim, senhora — Torin deu risada, só para depois ficar sério. — William vai
ficar furioso se descobrir que estamos ajudando o futuro marido de Gilly.
Ajudando o futuro marido da garota — eu? A Rainha Vermelha previu até isso?
Claro que sou eu! O prêmio já era meu.
Ela soltou um suspiro pesado.
— Eu lido com William quando chegar a hora. Você sabe, quando ele perceber
que eu salvei a vida de Gillian, e a sua eternidade, e a sua verdadeira companheira,
e ele implorar pelo meu perdão. Oh! Dê uma olhada. Hoje mais cedo eu falei com o
espelho mágico de Hades.
— O que contém a deusa dos muitos futuros?
— Exatamente. Agora eu tenho uma boa pista sobre o melhor caminho para
Willy e, uau, aquele garoto entrará em um mundo de dor. Sua companheira vai lhe
dar bastante trabalho. O que me lembra. Eu devo contar a Gideon e a Scarlet sobre
o bebê deles.
— Há algo errado? — Torin perguntou, sua preocupação evidente. — Ou você
está tentando me dizer que Gideon e Scarlet darão à luz a companheira de William?
— Não, nada assim. Mas eles precisam saber que ilusão não é apenas ilusão,
mas também visão, e William precisa saber... o que? Esqueci. Algo sobre o
decifrador de códigos... uma ilusão...
— Eu não tenho ideia do que você está falando, princesa.
Nem Puck, e ele não se importava o suficiente para gastar energia tentando
encaixar as peças do quebra-cabeça.
Torin pulou em uma pedra, o movimento abrupto chocando o cérebro de Puck
contra o crânio. A escuridão parou de brincar e começou a encobrir sua mente. Ele
perdia e ganhava consciência, só recobrando-a quando seu salvador o colocou em
uma superfície dura e plana, com pedras frias se enterrando em suas costas.
—... fazendo isso? — Torin estava dizendo.
— Ele quase foi meu enteado — respondeu Keeley. — Eu quero vê-lo feliz, o
que quer dizer que ele tem que ser empurrado para o caminho certo. Mas também
amo Gillian e quero que ela seja feliz. Também amo Puck e quero que ele seja feliz.
Ou eu vou amar Puck, um dia. Essa é a única maneira de alcançar o final perfeito
para todos os três jogadores, um plano que coloquei em prática há muito tempo.
Ela amava Puck — ou amaria — mesmo sem conhecê-lo? Ela pensava que
forçá-lo a hospedar Indiferença o ajudaria a alcançar o final perfeito?
Mulher louca. Ela tinha arruinado tudo.
— Você esteve errada antes, você sabe. Ele não vai nos agradecer —
murmurou Torin. — Nunca.
— Eu não te ensinei nada? — Perguntou Keeley. — Temos que fazer o que é
certo, não importa a reação que vamos receber dos outros. Além disso, as pessoas
podem surpreendê-lo.
— Você está certa. As pessoas podem surpreender... com uma faca nas costas.
A escuridão se fechou mais uma vez...
Enquanto Torin soltava uma série de palavrões, as pálpebras de Puck se
abriram. Através de uma névoa, ele pensou ter visto paredes rochosas, a sombra
de um guerreiro e o perfil de uma loira peituda.
— Ela também não vai nos agradecer por isso — disse Torin.
— Ela vai — Keeley respondeu, depois suspirou. — Bem, talvez não no começo,
mas um dia. Se a recompensa não valer à pena... — Dedos suaves bateram,
bateram, bateram, na bochecha de Puck. — É melhor que você valha isso, Plucky.
O tempo está se esgotando. Ela está morrendo. Você está quase atrasado. Ou talvez
já esteja muito atrasado. A vida e a morte são tão confusas para os com inclinações
psíquicas.
Embora ele lutasse para acordar — devo chegar a Gillian! — a escuridão caiu
novamente.

***

Gillian perdia e recobrava a consciência. Em seu estado febril, ela pensou que
talvez sim/talvez não, provavelmente estivesse/ provavelmente não tendo uma
conversa com Keeley.
Ela não conseguia decidir o que era real e o que não era porque, por uma vez,
não fazia ideia se estava sonhando ou acordada, ou se estava confundindo o
presente com o passado e o passado com o futuro, assim como a Rainha Vermelha,
que vivera por milhares de anos, memórias e previsões se empilhando uma em
cima da outra, detalhes se perdendo na confusão.
Isso era um gosto da imortalidade? Gillian poderia viver assim para sempre?
Será que ela se lembraria dessa estranha interação ou esqueceria, como a
Rainha Vermelha costumava esquecer?
— Você me perdoa, certo? — Perguntou sua amiga, parecendo nervosa e
insegura. — Eu não sou só uma estranha, lembre-se. Sou sua melhor amiga. E
salvei sua vida.
— Perdoar... — Por quê? Oh, espera. Keeley a enganara para que bebesse uma
maldição eterna. — Deveria ter... deixado morrer... — Levar o fardo de viver com
seus medos e fobias para sempre? Não, obrigada.
— Que absurdo! Agora seja uma boa menina e diga sim para Puck, ok? Você
vai ser uma noiva tão linda.
OK. Aquilo tinha que ser uma alucinação. Nenhum dos senhores ou seus
companheiros a encorajariam a se casar com Puck.
— Você tem que crescer, claro — continuou sua amiga. — Vamos encarar,
garotinha, você é imatura e imprudente. Você faz coisas tolas. Você é confusa.
Muda de ideia num piscar de olhos. Veja se isso te lembra algo. — Em uma voz de
falsete, ela disse: — Oh, William. Você é tão perfeito para mim. Não, não, William,
estou determinada a continuar sozinha todos os dias da minha vida. William, eu
quero você. William, não estou interessada em nenhum tipo de relacionamento
romântico com você.
O fogo se espalhou pelas bochechas de Gillian, e ela duvidou que tivesse algo
a ver com sua doença.
— Você não sabe o que quer ou o que precisa — continuou Keeley. — Só sabe
que precisa mudar, certo? Bem, tchram! Hoje é seu dia de sorte/Puck. Você só tem
que lutar para melhorar. Lute, Gillian. Lute!
Seus pensamentos fragmentados se esforçavam para acompanhar.
Sorte/Pucky... Puck. O homem mais bonito que ela já viu. Sim, ele ofuscava
William, lembrando-a de um príncipe egípcio que ela viu em um livro de história,
mas com muito mais volume. Sério, o cara parecia ter ensinado Jason Momoa a se
exercitar. E quando ele falava... adeus sanidade. Ele tinha um leve sotaque irlandês
que provocava arrepios na espinha.
Seus olhos eram da cor de carvão congelado e margeados pelos cílios mais
longos e grossos de todos os tempos. À primeira vista, ela achava que ele usava
delineador e mil camadas de rímel preto. Não. Nele, o look esfumaçado era todo
natural.
Ele tinha maçãs do rosto tão afiadas quanto vidro, um nariz imperial e lábios
macios e orvalhados como uma rosa de cor rosa escura, o inferior mais carnudo
que o superior.
Também à primeira vista, a visão de seus chifres a assustou. Ela tinha se
encolhido, o desejo de lutar ou sair correndo crescendo. Lutar? Eu? Por favor! Se
ela tivesse tido força suficiente, teria corrido como se seus pés estivessem em
chamas.
À segunda vista, aqueles chifres a haviam intrigado. Ela não sabia por que.
O homem nunca sorria. Na verdade, sua expressão nunca traía uma pitada
de emoção. Ele parecia alheio do mundo ao seu redor, não afetado por...
absolutamente nada. Exceto, talvez... eu. Uma ou duas vezes ele pareceu arder por
ela.
Um erro de sua parte?
No entanto, apesar de seus atributos bestiais e comportamento frio, ele não
era nada além de honrado. Ele pediu a sua ajuda, e em troca queria que ela o
ajudasse a sentir algum tipo de emoção. Ela poderia?
Não deveria tentar? Por um lado, Puck era sua última esperança. Sua única
esperança. Possivelmente seria sua salvação. Por outro lado, se ela morresse, não
haveria mais miséria ou medo. Não haveria mais fraqueza. O passado seria
apagado.
Lute finalmente, Gillian. Por favor. Lute!
Lutar para viver? Lutar contra o mal? Ela poderia? Ela se perguntou
novamente.
Desta vez, a resposta bateu em sua mente com a força de um caminhão. Sim!
Ela poderia lutar contra o mal. Precisava lutar contra o mal. Havia muitas meninas
e meninos sendo abusados por pessoas em posições de poder, e eles mereciam um
defensor.
Eu quero ser uma defensora.
Olá, lista de coisas para se fazer antes de bater as botas.
Por muito tempo, ela não teve propósito. O medo a possuíra, roubando alegria,
esperança e prazer. Mas não mais! Hoje era um novo dia. A garota que costumava
ser se foi, uma nova ficou em seu lugar.
Pela primeira vez em sua vida, ela tinha um motivo para viver. Então, sim,
lutaria.
— Isso mesmo — disse Keeley, como se estivesse lendo seus pensamentos. —
Esse é o seu destino. A razão pela qual você nasceu. O primeiro passo é sempre o
mais difícil, mas não se preocupe, logo você estará correndo. — Ela limpou Gillian
de cima a baixo com um pano molhado, depois penteou seu cabelo e escovou seus
dentes. — Bônus: William não vai enlouquecer e se culpar pela sua morte, ontem,
hoje ou amanhã.
William, doce William.
— Talvez um dia alguém faça um filme sobre sua vida — disse Keeley. —
Dezoito anos e casada com um imortal, e um demônio! Mas a verdade é mais
estranha que a ficção, hein? Quem acreditaria?
Gillian estava vivendo isso e mal podia acreditar. Puck disse que um vínculo
com ele faria o truque. Ela poderia ter concordado, se ele não quisesse transar com
ela.
Sexo permanecia em sua lista de nunca-jamais.
— Chegará um momento em que você ansiosa e felizmente colocará o sexo na
sua lista de sempre-sempre — Keeley sussurrou, novamente parecendo ler os
pensamentos de Gillian e mais certamente provando ser uma alucinação. — Admita.
Você se dói por Puck.
Ela? Se doer? Quando o belo guerreiro com músculos em abundância tinha
olhado para ela com olhos gelados — os olhos de um predador. Olhos que diziam
que caçaria sua presa por horas, dias, esperando pelo momento perfeito para
atacar. Não. Mas quando ele talvez/talvez não olhou para ela com um calor ardente,
seu corpo pareceu acordar de um sono profundo, seu ritmo cardíaco acelerando,
diferentes partes latejando, desesperadas para aprender o significado de felicidade.
Ele poderia ensiná-la?
É claro que um medo demasiado familiar a envolvera todas as vezes. Quase
culpa, também. Como seu corpo se atreve a trair William?
Um pensamento tão tolo. William era um amigo, nada mais.
Ela ainda queria mais? Se não, tudo bem. Poderia se relacionar com Puck e
salvar sua vida. Se sim... Precisava proceder com cautela. Caso se unisse à Puck,
nunca mais teria chance de ficar com William.
Keeley pressionou seus lábios na testa de Gillian.
— O casamento com Puck lhe dará uma ficha limpa. Você vai se redefinir, ter
um novo começo. Só... sobreviva agora e descubra o resto depois, ok?
Ficha limpa. Novo começo. De ratinha assustada a defensora destemida.
Enquanto o sono chamava, Gillian ficou presa a um único pensamento:
William ou Puck?
Com os olhos bem abertos, Puck se levantou. Ofegante, examinou seus
arredores. Uma caverna vazia e sem proteções, com uma entrada para outro reino
no canto mais distante. Mas... não era a mesma entrada que tinha usado para
entrar no reino. Para onde essa levaria?
Na parede oposta, ele viu uma mensagem escrita em sangue. Algumas das
letras tinham se emaranhado.

Peça outra vez. Ela está pronta para dizer sim ao vestido.

Vestido? Que vestido?


Fatos rolaram por sua mente, uma avalanche pegando escombros numa
queda. Torin e Keeley o levando para segurança... Gillian morrendo... tarde demais.
Tarde demais? Não!
Uma onda desconhecida de urgência impulsionou Puck a ficar de pé. Sua
força havia retornado e ele precisava mantê-la. Não permita emoções. Não reaja a
nada.
Quanto tempo se passou desde a última vez que esteve com Gillian? Alguns
dias? Uma semana?
Fez uma avaliação rápida de seus trajes. Camiseta limpa, uma tanga nova.
Ele pensou lembrar Keeley dizendo: O look Bárbaro funciona para você. Vamos
manter o visual.
Quando saiu correndo da caverna, o instinto exigiu que ele pegasse a bolsa de
náilon que havia pelo caminho. Sem diminuir o ritmo, ele checou seu conteúdo.
Escova de dente, creme dental, enxaguante bucal, escova de cabelo. Cortesia de
Torin e Keeley? Queriam que ele melhorasse sua aparência e seu cheiro para Gillian?
Puck usou cada item, recusando-se a se sentir agradecido.
Quanto mais perto chegava da casa de praia, mais gemidos de dor de Gillian
agrediam seus ouvidos. Ele lutou com uma pontada de compaixão e invocou uma
nova camada de gelo — mais do que nunca antes — até que apenas seus objetivos
importassem.
Bombeou seus braços e pernas mais rápido.
— É melhor que aguente, moça. Estou quase aí.
Finalmente! Ele chegou ao seu destino. Quando escalou o segundo andar,
uma maré quente de alívio lhe passou apenas para congelar ao encontrar o gelo.
Excelente.
As portas da sacada já estavam abertas, facilitando as coisas para ele. Saltou
o corrimão e voou para dentro do quarto, onde encontrou Gillian na cama, imóvel
como uma estátua.
Enquanto respirava, a morte sacudia seus pulmões. Azul tingia seus lábios.
Ela não estava recebendo oxigênio suficiente. Não era mais do que pele e ossos,
definhando.
Não vou reagir.
William sabia o que havia de errado com ela, sabia que só havia um jeito de
salvá-la; o bastardo poderia ter se vinculado a ela, salvando-a. Em vez disso,
deixava que ela sofresse enquanto procurava maneiras inexistentes e não
comprovadas de talvez, apenas talvez, com muita esperança, mantê-la por perto por
um pouco mais.
Ele não a merecia. Mas aprenderia uma lição. Às vezes você precisava perder
um tesouro para entender seu valor. Hoje Puck iniciaria as lições de William.
Determinado, deslizou os braços debaixo do corpo de Gillian. Com medo de
quebrar seus ossos frágeis, ele a ergueu contra o peito o mais suavemente possível.
Ela estava muito leve, assustadoramente leve.
Buscando calor, ela se curvou nele. NÃO VOU REAGIR.
Quando seus lindos lábios formaram o nome William, Puck ficou rígido. Que
seja. Ela pensava que o outro homem a carregava. Não importa. O erro funcionava
a favor de Puck. Ele não tinha vontade de aterrorizá-la.
— Gillian! — A voz de William reverberou por toda a casa. Seu tom era tenso,
como se falasse enquanto lutava contra um oponente.
Torin, Keeley ou Hades vieram oferecer mais ajuda a Puck?
Puck esperou que Gillian ficasse rígida ao perceber que seu amado não era
quem se evadia com ela, mas ela suavizou ainda mais, o alívio parecendo tomá-la.
Ela queria que Puck viesse buscá-la?
Peça outra vez. Ela está pronta para dizer sim ao vestido.
Só no caso de ter lido sua linguagem corporal errado, ele se apressou a
tranquilizá-la de suas boas intenções.
— Eu não vou deixar você morrer. A última vez que estive com você, eu senti...
eu senti. — É verdade, em todos os sentidos, e uma razão para evitá-la, mas
também a razão pela qual ela acreditava que continuava a procurá-la. Ele não
conseguia se esquecer que tinha um papel a desempenhar. — Eu me arrependi de
ter deixado você — me arrependi de ter me complicado com Indiferença — e não vou
fazer isso de novo.
Palavras incoerentes se derramaram dela e ele tentou decifrá-las. Algo sobre
fazê-lo sentir, finalmente?
Por ele ter admitido sentir arrependimento, ela pensava que seu trabalho
estava feito?
Pense outra vez, moça.
Com passos longos e certos, ele foi até a varanda, subiu no parapeito e saltou.
Quando aterrissou, ele conseguiu permanecer de pé por puro esforço. O impacto
se mostrou um choque, no entanto, e Gillian gemeu.
— Eu sinto muito — ele murmurou, e se perguntou se foi sincero, apesar do
gelo. Enquanto corria, galhos e pedras cortando seus pés, ele decidiu voltar à
caverna de Torin e Keeley e usar aquela entrada. Onde quer que levasse, ele lidaria
com a situação. — Eu quero me vincular a você, Gillian. Não diga não.
— Não direi. Sim — ela sussurrou. — Vou... me vincular. O que... preciso...
fazer?
Ela tinha concordado? Uma explosão momentânea de choque o atingiu, mas
ele disse:
— Só repita depois de mim. — Ele corria pelo reino cada vez mais rápido indo
em direção à saída, colocando a maior distância possível entre Gillian e William. —
Certo?
Um murmúrio de concordância.
Bom o bastante.
— Eu te dou meu coração, alma e corpo. — Ele esperou até que ela repetisse
suas palavras. Toda vez que ela fazia uma pausa para recuperar o fôlego, suas
terminações nervosas zumbiam. — Uno minha vida à sua e, quando você morrer,
eu morro com você. Isso eu digo, isso eu faço.
O significado do momento não se perdeu para ele. Eles estavam amarrando
suas almas. Até que usasse as tesouras, elas seriam duas metades de um todo.
Se sua vida tivesse se desdobrado de acordo com seu plano original, ele nunca
teria considerado ligação. Teria permanecido solteiro, sem nunca dormir com a
mesma mulher duas vezes, sem nunca conhecer a verdadeira satisfação na cama.
Depois de Gillian — depois de Indiferença — sua vida seria dele novamente.
Não compartilharei com ninguém, nunca.
Ele não confiaria em ninguém, nem mesmo na próxima esposa que tomasse.
A rainha amorosa.
— Repita o resto — ele ordenou.
Lágrimas brotaram nos olhos de Gillian, fazendo toda aquela cor de uísque
dourada parecer líquida. Ela já se arrependia de sua decisão? Que pena. Ela estava
sem tempo e não tinha outras opções. Sua vida estava desaparecendo bem diante
dos olhos de Puck.
Se ele tivesse que forçá-la a completar, ele a forçaria.
Então, um milagre aconteceu. Ela repetiu sua declaração, aceitando de bom
grado sua reivindicação.
— Isso eu digo, isso eu faço.
Tão perto da vitória!
Indiferença rosnou e Puck rangeu os dentes.
— Eu não acho... que funcionou. — As sobrancelhas de Gillian se juntaram.
— Você tem certeza... união é o que... me salva? Eu sinto... mesmo. Fraca como
sempre.
— Não se preocupe, moça. Ainda não terminamos.
Finalmente chegaram à saída. Puck passou pela porta mística, entrando em
um novo reino. Um que nunca havia encontrado antes. Não havia praia, nem gente,
apenas uma extensão interminável de selva.
Possíveis ameaças: folhagem envenenada, vida selvagem, armadilhas feitas
pelo homem e os homens que as construíram.
Em um ato raro de proteção, ele pressionou o rosto de Gillian na cavidade do
pescoço antes de atravessar um mar de galhos e folhas. Ele reivindicaria o primeiro
abrigo que encontrasse, por meios justos ou não, e terminaria a cerimônia.
Ali. Uma casa na árvore apareceu, grande e luxuosa.
Puck colocou Gillian por cima do ombro o mais gentilmente possível e subiu.
No topo, ele encontrou um belo quarto mobiliado em branco. Quem morava aqui?
Dificilmente importava. Colocou Gillian no centro da cama e retirou um
punhal. Depois de cortar o pulso, ele colocou a ferida em cima dos lábios dela.
Sangue escorreu por sua boca e ela engasgou.
— Engula — ele vociferou o comando sem mostrar piedade.
Febril e frenética, ela balançava a cabeça e preciosas gotas escorreram pela
sua bochecha.
— Você vai fazer isso. — Ela tinha que fazer. Sua vida e seu vínculo dependiam
disso.
Ele encaixou a palma da mão ilesa na testa dela para segurá-la no lugar e
tapou seu nariz. Cruel de sua parte, mas também necessário. Ela vai morrer do
contrário.
Ela iria perdoá-lo. Ou não. Ele colocou seu ferimento na boca uma segunda
vez. Porque ela precisava abri-la para respirar, o sangue dele escorreu por sua
garganta.
Ela engasgou novamente, mas acabou engolindo, e ele soltou um suspiro de
alívio. Pronto. Estava feito.
Levantou o braço e pegou a adaga. Ele sabia o que tinha que fazer — cortar a
linda pele dela — mas ainda assim hesitou. Tomar um sangue que ela não podia
se dar ao luxo de dar? Como se atreveria?
Não tem outro jeito. Sua dor seria fugaz. Uma vez que estivesse feito, ela
poderia sugar sua força e, finalmente, abençoadamente, completar sua transição
para a imortalidade. Tudo ficaria bem. Ela poderia até lhe agradecer.
Puck inalou bruscamente e cortou o pulso de Gillian. Ela se encolheu quando
ele colocou a ferida na boca e bebeu.
— Sangue do meu sangue, ar dos meus pulmões — ele murmurou, seu
coração batendo contra as costelas. — Até o fim dos tempos. — Ou até que as
tesouras fossem usadas. — Repita as palavras moça.
Os olhos dela se arregalaram, e dentes brancos e retos morderam um lábio
inferior ainda coberto com o sangue de Puck.
— Não — disse ela e estremeceu. — Preciso pensar. Não tenho mais certeza...
Recusa? Agora? Correndo contra o tempo.
— Se não fizer isso, você vai morrer e eu vou lutar com William por nada. —
Sem uma barganha, William não teria razão para se tornar aliado de Puck e todas
as razões para se tornar seu inimigo.
Mil emoções diferentes nadaram em seus olhos, desespero na frente das
demais.
Puck achou que entendia. Um vínculo salvava sua vida, mas também
destruiria qualquer chance de estar com William. Em sua mente, pelo menos. Ela
não tinha ideia de que Puck planejava usar as tesouras, e ele não lhe contaria.
Ainda. Pelo que sabia, William havia colocado algum tipo de feitiço nela depois de
descobrir que Puck tinha vindo farejar, permitindo que ouvisse através de seus
ouvidos. O guerreiro saberia a verdade quando Puck decidisse compartilhar, e não
antes.
— Você entende que William a teria deixado morrer? — Ele disse, as palavras
saindo como chicotadas. — Eu estou aqui. Estou disposto a arriscar tudo por você.
Um choramingo abriu as comportas, anunciando um soluço. Ela ao menos
tinha escutado?
Frustração e raiva golpearam seu gelo. Rosnados ecoavam dentro de sua
cabeça.
Inalar, exalar.
— Gillian. — Ele segurou sua mandíbula, mantendo a pressão o mais suave
possível. — Me dê uma chance. Deixe-me salvar você.
Novamente, ele não tinha certeza se ela tinha ouvido ou não, mas ela fechou
os olhos e se inclinou para o seu toque. Um segundo se passou, dois, uma agonia
aparentemente interminável. Quando finalmente suas pálpebras se separaram, ele
encontrou um olhar dourado mais assombrado do que nunca — as janelas das
feridas inflamadas dentro dela.
Lágrimas escorriam por suas bochechas e tremores sacudiam seu corpo
delicado, mas finalmente, ela repetiu as palavras.
— Sangue do meu sangue, ar dos meus pulmões. Até o fim dos tempos.
Entre uma batida do coração e outra, a vida de Gillian mudou para sempre.
Enquanto força e calor percorreram seu corpo, escuridão e gelo percorreram
sua alma. As duas sensações lutavam por supremacia, deixando-a revirada. Tanto
que ela queria gritar por William. Ele melhoraria tudo.
Mas ele não estava aqui, e o que poderia ter sido jamais seria.
Um soluço se alojou contra um nó na garganta e um som sufocante escapou.
Ela alinhou sua vida com a de outra pessoa. Um estranho.
E isso era uma coisa boa, certo? Ela iria se redefinir. Hoje era o primeiro dia
de seu novo começo. Ela tinha um novo caminho a percorrer — sem William. E se
ele decidisse cortá-la completamente de sua vida, por ela não ser mais Gillian, e
sim Gillian mais um?
Como ela poderia dizer adeus ao melhor homem que já conheceu? Lágrimas
distorceram sua visão.
William a teria deixado morrer. Eu estou aqui. Estou disposto a arriscar tudo.
A velha Gillian teria se lamentado. A nova Gillian se alegrava. Pela primeira
vez, ela tinha um plano para sua vida. O resgate de crianças vítimas de abusos.
Cada vez que conseguisse, estaria chutando o mal no saco.
Finalmente, a névoa escura que a atormentava desde que adoecera nos
últimos dias — semanas? — estava se tornando um borrão enquanto o presente
clareava.
Um quarto aberto e arejado a saudou, puro glamour rústico. A luz do sol fluía
através de rachaduras nas paredes de madeira. Ela encheu os pulmões, o cheiro
de lavanda e de turfa a provocando, rico e decadente, até mesmo reconfortante —
o cheiro de Puck. Delicioso.
Gillian estava deitada em uma cama grande com um colchão macio. Seu
marido sentado ao lado dela, observando-a com uma expressão tensa. Porque ele
compartilhou tanto de sua força com ela?
Quando seu olhar colidiu com o dela, uma névoa sensual nublou seus
pensamentos. Puck era... ele era...
Mais bonito do que eu tinha percebido.
Os chifres de marfim lhe davam uma mística sobrenatural. Cabelos negros
sedosos atraíam seus dedos... olhos que mais pareciam delineados com kohl
ardiam de possessividade, derretendo o gelo de suas íris cor de carvão. Hoje, elas
a lembravam de um céu de meia-noite cheio de estrelas. Seus lábios estavam num
tom de rosa mais escuro do que antes e imploravam para serem beijados — exigiam
que pressionasse a boca neles.
Nenhum homem lhe pareceu tão duro e gentil ao mesmo tempo, como se
pudesse matá-la ou seduzi-la assim que se decidisse.
Uma sensação estranha arrepiou Gillian nos seios e entre as pernas. Não tem
importância. Ignore. O que importava? Ela estava viva! Graças a Puck, tinha
esperança e um futuro.
Rindo, ela jogou os braços em volta dele. Ela lhe devia muito. Mas tudo o que
ele queria em troca? Sentir uma emoção, qualquer emoção.
Parecia fácil. Em teoria, pelo menos.
Como faria o Guardião da Indiferença rir? Contando piadas? Como o faria
chorar? Compartilhando histórias da sua infância?
E para onde eles iriam, hein? De volta a Budapeste com os Senhores? Ela
duvidava que Puck seria bem-vindo, e sabia que ele não se misturaria com a
sociedade moderna.
Na verdade, ele não precisava se misturar. As pessoas presumiriam que ele
usava uma fantasia e, provavelmente, publicariam comentários online.
Você viu o "monstro"no distrito do castelo? Tão falso!
Seu maquiador deveria ser demitido.
Ele não enganaria o meu tio cego.
Gillian o soltou, ansiosa para discutir seus pensamentos, planos e esperanças,
mas ele passou os braços em volta dela e a segurou com firmeza no lugar. Seu
coração chutou em um ritmo rápido, e seu sangue gelou.
O pânico aumentou e ela recuou, ganhando sua liberdade. O alívio floresceu...
até ela ouvir um rosnado sinistro e baixo no fundo de sua mente.

***

Puck lutou contra a ereção mais feroz de sua vida. Poppiberries — o aroma de
Gillian — enchia seu nariz. Só que agora sua doce fragrância acrescentara
profundidade porque se misturava com o cheiro dele, tornando-se o cheiro dos dois.
Eles estavam completamente ligados.
O seu corpo frágil exigiu o que era devido, pegando o que precisava do corpo
dele. Ele mal havia se recuperado da punição de Indiferença; agora boa parte de
sua nova força já o havia abandonado. Mas... estava feliz. Ou quase feliz.
Um preço tão pequeno a pagar pela transformação estonteante de Gillian.
A cor voltou a sua pele, os belos tons dourados agora corados de rosa. O peso
que ela perdeu reapareceu num piscar de olhos, seus olhos não estavam mais
afundados, suas bochechas se arredondaram mais uma vez. Cabelos sem vida e
sem brilho tinham novo brilho e cintilavam como se estivessem polvilhados com pó
de diamante.
Puramente feminina. Deliciosamente carnal.
Mais radiante do que nunca. Por causa dele. Por causa de Púkinn Neale Brion
Connacht IV. Porque seu poder fluía através dela, garantindo que seu coração
continuasse a bater.
Orgulho estufou seu peito. Nenhum homem tinha uma esposa mais adorável.
Nenhum homem tinha uma esposa mais assustada, ele percebeu, seu peito
se contraindo. Seu olhar disparou para a esquerda e depois para a direita.
Procurando uma saída? Agora mesmo ela o lembrava de uma presa ferida
encurralada por um predador faminto.
— Fique tranquila, moça — ele disse áspero. Ele pensou... não, certamente
não. Mas talvez? A emoção parecia fluir entre seu vínculo. Medo, tristeza.
Esperança, felicidade. Raiva, preocupação.
Tinha que ser um erro. E, no entanto, Indiferença permaneceu em silêncio.
Gillian respirou fundo pela boca e fechou os olhos. Por vários segundos, ela
ficou imóvel como uma estátua. Quando ela exalou, ela se concentrou em Puck, a
selvageria desaparecendo de seus olhos. Olhos que se moviam para evitar o seu
olhar.
— Sinto muito — disse ela, e esfregou as têmporas.
Ele pressionou dois dedos debaixo do seu queixo e o levantou. O olhar dela
também se levantou e segurou o dele, inabalável.
— Melhor — disse ele. — Eu gosto dos seus olhos, quero vê-los.
Ela piscou, como se estivesse surpresa.
Quando ele alisou uma mecha de cabelo para trás da orelha dela, as pontas
dos seus dedos formigaram, e desejo incandescente o atravessou. E ainda assim,
Indiferença permaneceu calado. Ainda mais chocante, Gillian suavizou e se
inclinou para o seu toque.
— Você é linda — disse ele, e nenhuma palavra mais verdadeira jamais foi dita.
Círculos rosados mais escuros se espalharam por suas bochechas,
emprestando um ar de inocência à sua sensualidade carnal.
— Obrigada. E você...
— Não sou. Eu sei.
— Ei. Não coloque palavras...
— Gillian! — A voz dura de William ecoou pelas paredes, sacudindo as tábuas.
Termine sua frase, Puck quis rugir. O que ela achava que ele era?
— William — ela fez com a boca, mas sem som. Excitação iluminou os olhos
dela, extraindo um rugido irregular de Puck.
Rugido irregular? Estou usando-a. Seus sentimentos por outro homem não me
afetam.
Adaga na mão, ele deu um salto. Na hora. William atravessava uma parede,
pedaços de madeira voando em todas as direções. Raiva crepitava em seus olhos
azuis elétricos — não, seus olhos vermelhos néon. Arcos de raios zuniam sob a
superfície de sua pele enquanto fumaça e sombras se estendiam acima de seus
ombros como asas. Cachos negros flutuavam ao redor de seu rosto, impulsionados
por um vento que Puck não conseguia sentir.
Que tipo de imortal era aquele homem?
Ele era filho de Hades por algum tipo de adoção imortal; os dois não
compartilhavam laços de sangue.
Seja lá o que ele fosse, William tinha perdido a chance de fazer uma jogada
contra Puck. Agora, o que acontecia com o marido também acontecia com a esposa.
Corte Puck e Gillian sangraria. Quebre seus ossos e os dela se quebrariam.
Aqueles olhos vermelhos néon se estreitaram nele, estalando com o tipo de
raiva que Puck desejava sentir.
— Você vai morrer, mas não até que implore por uma piedade que nunca
receberá. Ela é minha e eu protejo o que é meu.
E aqui começa.
A primeira regra da negociação: estabelecer uma base sólida sobre a qual se
posicionar. A segunda: destrua seu oponente de todas as maneiras possíveis.
Quanto mais fora de ordem William se sentisse, menos confiança ele teria. Quanto
menos confiança ele tivesse, mais fácil Puck poderia trabalhar a situação a seu
favor.
— Não — Gillian grasnou, levantando-se da cama para se colocar ao lado de
Puck. — Nada de matar.
Pensa em proteger o homem quem poderia tê-la poupado dias de agonia?
Esqueça uma base sólida. Puck foi direto na garganta.
— Ela é sua? — Zombou. — Eu fiz o que você estava com medo demais de
fazer. Lutei pelo prêmio... e ganhei.
Uma bomba detonou dentro dos olhos de William, faíscas literais crepitando
pelos cantos.
— Você selou seu destino, demônio.
Se Gillian ouviu a conversa, ela não deu atenção, seu olhar implorando a
William. Esperando que ele a salvasse de Puck?
A raiva que ele desejava sentir há apenas alguns momentos agora o enchia,
sua tatuagem de borboleta ardia e dançava sobre sua pele. Músculos cheios de
sangue e ossos vibravam. Suas garras se afiaram.
Sua mente... permaneceu quieta. Mesmo assim, ele invocou gelo. Nunca tinha
precisado mais de sua força, não poderia arriscar um castigo.
Frio e calculista, ele se aproximou de Gillian e disse a William:
— Ela é minha. Eu nunca machucaria minha mulher.
William levantou uma adaga, pronto para atacar.
— Não, William. Estou falando sério. — Ela se pôs na frente de Puck e esticou
os braços, como se para... protegê-lo? — Você não pode machucá-lo.
Ah, sim. Ela pensava em protegê-lo. Uma coisa que seu irmão não havia feito,
bem no fim.
Uma parte de Puck queria investigar a fonte de sua proteção — desejo? Algo
que ele podia fazer. Só por um dia. Talvez dois. Talvez uma semana. O tempo que
demorasse para chegarem em Amaranthia. De acordo com os Oráculos, ele teria
que esconder Gillian antes de lidar com a outra chave.
Além disso, quanto mais tempo se passasse entre a cerimônia de ligação e as
negociações de Puck com William, mais o guerreiro entenderia a brevidade de suas
circunstâncias.
Minha lógica é ótima.
— Ah, boneca — William dirigiu um sorriso cheio de malevolência para a
garota. — Eu te garanto que posso machucá-lo.
— Você não entende. Ele me salvou. Ele é meu marido agora. Nós nos
vinculamos. — Ela lambeu os lábios enquanto se movia de um pé descalço a outro.
— Machucá-lo me machuca. Eu acho. — Olhando por cima do ombro, ela
encontrou o olhar de Puck. — Estou certa?
Ele assentiu.
Uma mistura de choque e fúria tocou as feições de William.
— O vínculo. Você concordou. Realizou a cerimônia.
Lágrimas encheram os olhos dela.
— Eu não queria morrer.
— Você não tem ideia do que fez. — O outro homem tropeçou para trás, como
se tivesse sido chutado. — Ele a está usando para alguma coisa.
— Eu sei — ela respondeu, e parecia um pouco triste, muito preocupada.
Não, ela sabia apenas das mentiras com as quais Puck a tinha alimentado.
— Você sabe? — Ameaça pulsava de William. — Você também sabe que
pertence a ele, em espírito, corpo e alma? Que os vínculos nunca podem ser
rompidos?
— Eu pertenço a mim mesma — disse ela. Então sua bravata evaporou. — Eu
sinto muito. Eu só... há muito que eu quero fazer. Tanto que quero realizar.
Puck colocou a mão no ombro dela, com cuidado para não arranhá-la com
garras prontas para rasgar William em pedaços. Assim como antes, ela se inclinou
ao seu toque; apenas por um momento, um belo momento roubado, antes que ela
percebesse o que tinha feito e se endireitasse.
Um momento foi o suficiente.
William notou.
Com uma adaga achatada contra o coração, ele deu outro passo para trás.
Fúria e civilidade tinham sido arrancadas dele, revelando desesperança e uma
flagrante melancolia. Gillian tinha sido uma tábua de salvação para ele. O homem
agora a considerava uma âncora?
— Eu posso trancá-lo. Posso mantê-lo a salvo, ao mesmo tempo mantê-lo
longe de você — disse William. — Todos ganham.
Um gemido a deixou.
— Vá em frente. Tente — Puck disse antes que ela tivesse uma chance de
concordar. Se ela se voltasse contra ele...
Ela se voltaria?
— Gillian — William usou o punhal para apontar para Puck. — Você quer que
eu o prenda?
Os olhos dela se encheram de lágrimas mais uma vez, as gotas escorrendo por
suas bochechas. — Não — disse ela. — Sinto muito. Não quero.
Puck soltou o fôlego que não sabia que estava segurando.
— Muito bem. Nós faremos isso do seu jeito. — Com uma expressão de pedra,
William se virou e saiu da casa da árvore.
Outro gemido deixou Gillian, todo seu corpo tremendo.
— O que eu fiz? — Com um soluço angustiante, ela se jogou na cama.
O gelo se partiu ao meio, mas ele se agarrou de ambos os lados. Ele conseguiu
a primeira parte de seu objetivo, salvar e unir-se a Gillian; o estado de sua mente
deveria ser a menor de suas preocupações.
Então, por que se sentou ao lado dela e passou os dedos pela maciez do seu
cabelo?
Quando ela finalmente se acalmou, ele se viu perguntando:
— Você ama William?
— Sim — ela admitiu com uma fungada. — Ele é o meu melhor amigo. Ou era.
E se ele nunca me perdoar?
Ele vai. O modo como William a olhava... Era prova que o homem a perdoaria
por qualquer coisa. Ele só precisava de tempo. Mas o lado negro de Puck não queria
que Gillian depositasse suas esperanças em uma reconciliação.
Precise de mim. Queira a mim.
— Eu serei seu melhor amigo agora — disse.
— Se isso é uma ordem...
Sim!
— Apenas uma sugestão.
Seu corpo ficou relaxado, a tensão finalmente se esvaindo. Porque Puck a
acalmava... ou porque Indiferença tinha acesso a ela através do vínculo?
O pensamento o sacudiu. O demônio poderia afetá-la agora?
— Eu sou imortal? — Ela perguntou, esfregando as têmporas novamente,
como se para afastar uma dor. — Ou eu te fiz humano?
— Imortal. Eu te disse, eu sou o dominante.
Ele continuou a pentear os cabelos dela com seus dedos, logo se tornando
hipnotizado pela sensação da seda contra sua carne. O contraste de madeixas
escuras com o bronze de sua pele. A maneira como os fios esvoaçavam sobre a
linha elegante de suas costas.
Minha esposa está esparramada em cima de uma cama...
Desejo passou por sua mente, uma bola de demolição no que restava de sua
gélida resolução. A fome o arranhava por dentro. Entre suas pernas, sua ereção
latejava.
Sua mente gritava: devo marcar minha mulher. Mostre a ela — mostre a William.
Ela pertence a mim e somente a mim.
Sim. Sim. Puck lhe daria muito prazer. Ele a ensinaria a amar o seu toque.
Logo, ela iria desejá-lo.
E quando eu precisar devolvê-la ao outro?
William lhe agradeceria por preparar o caminho.
William vai morrer se ele ousar tocar...
Um ruído baixo escapou de Puck. Quando chegasse a hora, ele faria o que
fosse necessário.
— Nós vamos cimentar nosso vínculo agora — disse ele, seu tom rouco, quase
drogado. E eu vou gozar. Finalmente!
Gillian se virou, os olhos arregalados de medo.
— Não. Sem sexo. Nunca. Eu te dou permissão para dormir com outras. Com
tantas você quiser, mas nunca comigo.
Uma faca invisível se contorceu dentro de suas entranhas.
— Nós somos marido e mulher. Deixe-me aliviar seus medos.
— Eu sei que somos marido e mulher, tudo bem — ela falou — mas eu te disse
que nunca tinha experimentado desejo, que nunca quis experimentar desejo, e eu
falei sério.
Sua vontade de compartilhá-lo... irritou-o.
— Muito bem. Será como desejar.
Ela soluçou, então ele continuou, mesmo que ela parasse de ouvir.
— Há coisas que devo fazer antes de sairmos. Você vai ficar aqui e eu garantirei
sua segurança. — Ele se afastou dela então sem olhar para trás, e pulou da árvore.
Ele demoraria um pouco, esfriaria a cabeça, recuperaria as rédeas do controle
e descobriria o que havia acontecido com Indiferença.
Depois disso, encontraria seu próximo objetivo. Tudo ficaria bem — ou ele
faria com que ficasse.
O que diabos está errado comigo?
No momento em que Puck sai, Gillian explode em lágrimas? Agora diferentes
emoções continuavam a bombardeá-la, fazendo-a se sentir como se estivesse
tropeçando em um dilúvio de estrogênio, adrenalina e ácido. Basicamente, a
histeria jogava roleta russa com a loucura, enquanto tristeza e felicidade
envolviam-se num jogo da galinha4. Ela ficava de pé, sentava, dava voltas e voltas
e, ao mesmo tempo, estranhos resmungos e rosnados soavam dentro de sua cabeça.
O vínculo tinha que ser responsável. Mas como eles funcionavam exatamente?
Puck não sentia nada, então não era como se ela tivesse herdado sua tristeza, raiva,
culpa, dor e... desejo. Não é? O formigamento estranho havia retornado, seus
mamilos endurecendo e o ápice de suas coxas doendo — mais forte que antes, e
desta vez não havia dúvida sobre o motivo.
Uma parte dela estava faminta de um jeito que nunca conhecera antes, nem
mesmo com William.

4
Jogo onde tipicamente dois rapazes disputam o amor de uma garota.
Quando Puck tinha se levantado, pronto para vir com tudo, uma pequena
parte dela tinha recebido a ideia de estar com ele de braços abertos. Mas, claro, o
medo rapidamente ofuscou todo o resto.
Se ele tivesse tentado forçar a questão...
Mas ele não forçou. Ele salvou sua vida e foi embora. Agora, ela lhe devia.
Ele alegava que queria sentir alguma coisa — qualquer coisa. Enquanto
Gillian pensava em suas interações, sua mente não mais enevoada pela doença,
começava a suspeitar que ele talvez, possivelmente... mentiu para ela, que ele não
queria sentir de verdade. Porque sempre que ele suavizava o mínimo que fosse,
rapidamente se retraía atrás de um exterior gelado.
Por que ele mentiria? Ele não tinha outro motivo para se casar com ela. Além
disso, como uma adolescente em fuga, ela fez um curso intensivo de enganação;
seu radar de mentira teria apitado.
Mas ela achava que se lembrava dele sentindo arrependimento em algum
momento? Sim, talvez. Se ele sentiu antes de se unir a ela, por que continuar com
a cerimônia e arriscar sua vida? A menos que só quisesse sentir mais?
E, ok, talvez ele não fosse o culpado por sua situação atual. Talvez todos os
imortais novatos passassem por isso — ou seu coração recém-partido estava
desencadeando anos de turbulência.
Partido por William ter exigido que ela escolhesse entre ele e o homem que a
salvou. Mas como ela poderia trair Puck, depois de tudo que ele fez?
Como poderia magoar William assim? Ela o veria novamente?
Que tipo de vida ela e Puck poderiam ter?

***

Quando Puck voltou para a casa da árvore, encontrou Gillian na cama,


exatamente onde a deixou.
— Você ainda está chorando? — Ele perguntou enquanto calçava os pés dela
em um par de botas que tinha confiscado pra ela.
— Não estou chorando. Você está chorando — ela respondeu petulante.
Manchas vermelhas cobriam seu rosto e seus olhos estavam inchados.
Ela lamentava a perda de seu precioso William.
Puck esperou uma pontada de indignação. Não sentiu nada além de um ligeiro
aperto no peito. Bom. O gelo cercava seu coração em camadas impenetráveis.
Certamente que eram impenetráveis.
— Vamos — ele a puxou para uma posição vertical.
— Onde estamos indo?
Ignorando sua pergunta, ele a manobrou para fora da casa da árvore. Então,
usando suas adagas, lutou através da folhagem espessa que entulhava seu
caminho. Ele já havia explorado o reino, mas havia encontrado apenas duas
entradas. Uma levava a um reino de fogo onde morte certa aguardava, enquanto a
outra levava de volta ao paraíso tropical de William, nenhuma delas colocava Puck
na direção de Amaranthia.
Eles voltaram para o paraíso tropical. Embora ele esperasse uma emboscada,
William nunca apareceu.
— Para onde estamos indo? — Perguntou Gillian novamente. — Porque eu
gostaria de fazer um pedido para que fôssemos a Budapeste. Eu tenho amigos lá.
— Não.
— William mencionou que você está tendo problemas com Torin. Eu poderia
interferir e...
— Eu não tenho problemas com Torin.
— Certo, ótimo. Nós podemos...
— Não.
— Espere. — Com mau humor, ela ancorou as mãos nos quadris. — Vamos
esclarecer algumas coisas antes de continuarmos.
— Sim. Vamos. — Ele se virou para encontrar o olhar dela... e foi atacado por
uma tempestade súbita e intensa de desejo.
Como? Como ela fazia isso com ele?
— Bem? — Ela perguntou, como se ele fosse o líder daquela conversa. Ergueu
a cabeça, mesmo quando um rubor percorreu suas bochechas.
Um rubor tão sexy... até onde ele iria?
Controle-se! Não precisa ser gentil, decidiu. Ele já cortejou e ganhou. Agora
podia ser ele mesmo.
— Nosso relacionamento não é uma democracia, e sim uma Puckocracia. Eu
salvei sua vida, moça. De agora em diante, eu falo e você escuta. Eu mando e você
obedece. Compreende?
Ela começou a se afastar, apenas para se conter e enquadrar os ombros.
— Pela sua lógica, você deve ouvir quando eu falo e obedecer quando eu
ordeno. Eu salvei sua vida também.
Ah, é mesmo?
— Explique.
— Em sua raiva, William teria aprisionado você.
— Errado. Na pior das hipóteses, ele teria gritado comigo. — O mais leve brilho
de orgulho o obrigou a acrescentar: — Além disso, já derrotei oponentes mais fortes
do que William da Escuridão.
Ela passou a língua nos dentes, a imagem da teimosia feminina e mais bela
que tudo.
— Ninguém é mais forte que William.
Peito apertando novamente.
— O que o homem fez para ganhar sua lealdade?
— Para começar, ele nunca mentiu para mim, nunca se aproveitou de mim,
mesmo quando eu tentei forçar a situação — disse ela.
Interessante.
— Como você tentou forçar a situação?
O rubor se intensificou.
— Não importa. Ele passava tempo comigo sem fazer exigências, simplesmente
curtindo a minha companhia. Ele me protegeu quando eu não me protegeria. Ele...
— Já chega! Ele é perfeito. Eu entendo. — O aperto diminuiu, substituído pela
dor; algo escuro e farpado arrasou todo o chamado gelo impenetrável.
Ainda assim Indiferença permanecia quieto.
O vínculo com Gillian havia afetado o demônio. Não havia outra explicação.
Mas não importava o quanto Puck analisasse a situação, a resposta permanecia
fora de alcance.
O que aquilo significava para ele? O que significaria para sua esposa?
— Se você estivesse vinculada a William — ele se viu dizendo — estaria na
cama dele agora?
Um tremor a atormentou, a cor se esvaindo de suas bochechas.
— Não.
Isso pelo menos já era alguma coisa.
Eles retomaram sua jornada e chegaram à caverna. A próxima entrada
reluzente apareceu à frente.
— Eu vou primeiro. Fique bem atrás de mim. E, esposa? Se uma briga começar,
você vai correr pra se proteger. Eu a encontrarei.
— Eu... ok. Certo.
Puck aumento o aperto nos seus punhais antes de dar um passo através...
Uma forte ventania o açoitou, como facas contra sua pele nua. Ele fez uma
varredura, avistando montanhas de gelo repletas de árvores, um céu cinza
salpicado de nuvens negras cheias de chuva. Praticamente uma metáfora para o
seu coração.
Então, a entrada de William era móvel. Significando que se abria para um
novo reino toda vez que alguém que não fosse seu dono passava por ela.
Gillian engasgou, seu corpinho imediatamente atingido por arrepios.
Enquanto seu sangue engrossava, transformando-se em lama nas veias, ele passou
um braço ao redor dela, oferecendo calor.
Ao longe, um animal uivou. Outros animais responderam. Animais selvagens.
Excelente. Puck poderia alimentar sua — Gillian.
Hora de parar de se referir a ela como esposa. Logo ele a deixaria partir. Nada
o faria mudar de ideia.
Seus dentes batiam quando ela disse:
— Oh, meu inferno de gelo.
Como imortal, ela sobreviveria à temperatura sombria. Mas... a urgência o
atropelou. Preciso aquecê-la.
— Por aqui. — Ele a conduziu a um matagal próximo, bloqueando o pior do
vento, então se moveu em direção a uma pilha de peles...
Bem. As peles vinham com corpos. Em algum momento, humanos haviam
passado pelo portal e morrido. Eles estavam perfeitamente preservados e, à
primeira vista, sem ferimentos. Nenhuma mancha de sangue.
Puck libertou o menor casaco e colocou o material ao redor dos ombros de
Gillian.
— Isso deve ajudar.
Agarrando as lapelas com força, ela olhou para ele, gratidão brilhando
naqueles olhos inebriantes.
— Obrigada.
Não vá amolecer. Ele ofereceu um aceno de cabeça duro em reconhecimento.
Entre respirações, sempre que a névoa na frente de seu rosto evaporava, ele
examinava a área e encontrou a boca aberta de uma caverna, escondida por lençóis
de neve. Os predadores aninhavam-se dentro dela?
Depois de recolher madeira e acender o fogo, ele pediu que Gillian se sentasse
perto das chamas e falou:
— Não saia deste lugar.
— Espera. Você está me deixando?
— Se eu gritar, você corre.
— Mas...
Arma pronta, ele entrou na caverna, terminando a conversa. Uma entrada
espaçosa levava a um corredor estreito com voltas e mais voltas — um corredor
que saía em um lugar enorme com uma fonte quente borbulhante. O vapor se
enrolava no ar, carregando o cheiro de... ele fungou. Limpeza, sem indicação de
sangue ou podridão.
Uma pilha de ossos cobria um canto, cada um portando presas e marcas de
garras. Um animal predador tinha feito sua casa aqui, mas não retornava há
tempos. Nenhum sangue fresco.
Puck marchou para fora, mas evitou se aproximar de Gillian. Se ele sentisse
o cheiro de poppiberries, poderia não reunir força de vontade para deixá-la, e teria
que deixá-la para cuidar de seus desejos e necessidades.
— De volta em trinta e três segundos — disse ela com um sorriso aliviado.
Aquele sorriso...
Seu membro pulsava com desejo, e Indiferença — ali! O demônio cambaleou
por sua mente, metendo as garras e cortando, mas com muito menos força que o
habitual.
Onde você esteve, demônio?
Claro que não houve resposta, apenas um rosnado surdo.
— Fique aqui fora — Puck disse a Gillian. — Não vá para dentro da caverna
sem mim, só no caso de seu dono voltar. — Se ela fosse encurralada... Se as paredes
rochosas o impedissem de ouvi-la gritar por ajuda... — Eu vou pegar nosso almoço.
— Ele terminou um pouco grosseiro demais.
— O que? Não. — Ela se levantou, o frio deixando-a desajeitada e estendeu a
mão para ele. Pouco antes do contato, ela franziu a testa para a mão, como se a
coisa tivesse ousado agir contra sua vontade. Soltando os braços de lado, ela disse:
— Eu não quero ficar sozinha. Por favor. Fique aqui comigo.
Permaneça despreocupado.
— Vou estar a apenas um grito de distância.
Enquanto ela olhava para ele com os olhos arregalados — presenteando-o com
uma visão de todos os gravetos que ainda esperavam dentro dela, prontos pra pegar
fogo e queimar — ele começou a entender o dilema de William. Como o guerreiro a
deixara para trás na tentativa de melhor provê-la.
— A um grito de distância — ela repetiu. — Uau. Isso é tããão reconfortante.
Muito obrigada.
— Não se preocupe. Se você for atacada e ferida, vai se curar. Você é imortal
agora, lembra? E nós estamos vinculados, sua vida ligada à minha. Se você morrer,
eu morro. Sabe o que isso significa?
— Não — ela sussurrou.
— Que eu não a deixaria se pensasse que algo catastrófico aconteceria.
Suas palavras — destinadas a confortá-la — só a contrariaram. Toda amarga
e irada, ela disse:
— Há mais alguma coisa que eu deveria saber? Tipo, vou crescer um pênis
agora que estamos compartilhando uma vida?
Ele não queria admirar o espírito dela, ou gostar de como conseguia ser suave
e forte. Não, ele não queria.
— O único pênis com o qual você terá que lidar é o meu. — E a conversa atual
tinha deixado em agonia o referido pênis, arrasando o demônio ainda mais. — Não
tenho certeza de quais outras ramificações enfrentaremos.
Suas bochechas coraram e ela abriu a boca para responder.
Recusando-se a ouvir quaisquer outros argumentos sobre o assunto, ele a
deixou então, indo para a parte mais densa da floresta.
Suas maldições o seguiram, despertando instintos que nunca havia
encontrado antes, e ele quase se virou. Algo dentro dele exigia que ele mimasse sua
nova esp... Gillian. Exigia que fizesse tudo que estivesse ao seu alcance para fazê-
la feliz a cada minuto de cada dia.
Tolice!
— Por que você não está mais chateado? — Ele retrucou para Indiferença. —
Onde está o meu mais novo castigo?
Rosnado, rosnado.
O vínculo enfraqueceu o demônio? Talvez até mesmo tenha subjugado sua
capacidade de afetar Puck? Possivelmente. Como? Ele não tinha certeza.
Indiferença ainda poderia enfraquecê-lo? Talvez.
A verdade era que Puck não queria sentir agora. Pela primeira vez desde sua
possessão, ele realmente ansiava pelo frio nada oferecido pelo gelo. Nenhum desejo
por Gillian. Nenhum desejo de aliviar seus medos. Sem ter problema em deixá-la
partir.
Ele se jogou na caça, vasculhando a terra em busca de rastros. Ali! Ao seguir
uma trilha isolada, embolsou pétalas de cada orquídea de inverno que encontrou,
pretendendo usá-las na primavera quente porque — porque sim.
Finalmente ele alcançou a fonte dos rastros. Um bando de selvagens... alguma
coisa. Algum tipo de híbrido entre porco e coelho de tamanho grande, com pêlo
crespo e focinho.
No momento em que o farejaram, explodiram em um coro de gritos e
avançaram nele, tão rápido quanto jaguares, os dentes longos e afiados brilhando
ao luar.
Não havia tempo para se preparar. Puck evitou a primeira onda de ataque,
girou e apenas começou a cortar. Seus punhais cortaram gargantas e barrigas,
sangue jorrando, vísceras caindo no chão. A segunda onda o derrubou, mas nunca
teve chance de mordê-lo. Ele lutava de maneira muito diligente.
Seus ferimentos se tornariam os ferimentos de Gillian, e a ideia dela se ferir
ou sangrar...
Com um rugido que rivalizava os que Indiferença costumava liberar, Puck
cortou com mais força. Sua velocidade sobrenatural impedia que as criaturas se
prendessem a ele. Um por um, eles sucumbiram às suas lâminas.
No momento em que a batalha terminou, ele estava encharcado de sangue e
ofegante, cadáveres empilhados ao seu redor. A escuridão havia caído — por
quanto tempo havia deixado Gillian sozinha?
Ele selecionou duas criaturas antes de voltar correndo para o acampamento,
seguindo a fragrância de poppiberries. Sem dúvida, ele poderia ser vendado e
deixado no meio do nada, e ainda encontraria Gillian sem dificuldade.
Ela estava sentada diante do fogo, viva e bem, e alívio deslizou dentro dele.
Alívio e consciência, ambos antagonizando o demônio. O luar prestava uma
gloriosa homenagem à pele dela, fazendo com que sua rica cabeleira marrom
brilhasse como seda.
— Almoço e jantar. — Depois de deixar cair a recompensa na frente dela, ele
disse: — Limpe e cozinhe-os enquanto eu me banho.
A raiva contorceu suas feições requintadas.
— Você sumiu por uma eternidade. Ah, sim, eu não vou limpar nem cozinhar
isso.
— Não está com fome? — Não importa. Ela comeria. Isso, ele forçaria.
Fraqueza física não seria permitida.
— Estou faminta, mas...
Ele a interrompeu, dizendo:
— Então limpe, cozinhe e coma. Problema resolvido.
— Eu não quero tocar em um animal morto e com certeza não quero comer
um animal. Eu sou vegetariana.
Em Amaranthia, as mulheres raramente desobedeciam a seus homens.
Embora Puck não fosse ficar com Gillian, ele também não toleraria a desobediência.
— Você vai fazer o que eu mando — disse ele, seu tom pura ameaça. — Nada
mais é aceitável.
Afastar-se lhe servira bem da última vez, então fez de novo. Na caverna, o ar
quente e úmido o envolveu. Água gotejando, gotejando, pingando das paredes, o
ruído ficando mais alto quanto mais fundo ele entrava.
Quando chegou à fonte, jogou as pétalas de orquídea na água. Seu novo
instinto de marido exigia que saísse, colocasse Gillian nos braços e a apaziguasse,
mantendo-a segura. Em vez disso, ele tirou as roupas e entrou na água. Ele poderia
usar alguns minutos de distância da pessoa que o atormentava.
Ele mergulhou uma vez, duas, enxaguando o sangue. Passos soaram atrás
dele, seguidos por um suave choramingo feminino, e cada músculo de seu corpo
ficou tenso.
Ela veio até ele.
Ignorando um novo refrão de Indiferença, Puck ficou de costas para ela, sem
saber o que veria em suas feições. Nojo? Aprovação? O que ele queria ver?
Nada!
Ela bateu o pé, dizendo:
— Você é meu... meu marido. Você vai me alimentar com frutas e legumes. É
seu dever.
Encare-a. Acabe com isso. Veja.
Lentamente ele se virou. Quando seu olhar encontrou Gillian, o ar em seus
pulmões evaporou e sua tatuagem de borboleta viajou para a parte inferior das
costas. A indignação tinha ruborizado as bochechas dela, e os olhos expressivos
imploravam a ele — salve-me de meus problemas.
Não! Não haveria salvação. De agora em diante, ele a manteria à distância.
— Eu posso não me importar com muita coisa, moça, mas vivo por certas
regras. Eu preciso. Regras me mantêm vivo apesar da minha aflição. Mantêm as
pessoas ao meu redor vivas.
Ela lambeu os lábios e, embora ele tenha se determinado a desviar o olhar —
para olhar para qualquer outro lugar — ele seguiu o movimento de sua língua,
ganhando mais protestos de Indiferença.
Chega!
— A regra que você precisa memorizar? — Ele continuou, seu tom mais duro.
— Comer três refeições por dia. — Para que ela não pensasse que ele atenderia a
todos os seus caprichos, ele acrescentou: — Além disso, você vai trabalhar por elas
ou morrerá de fome. —Declarações conflitantes. Ou talvez não. Três refeições por
dia... três refeições pelas quais ela trabalharia.
— Eu te disse, sou vegetariana. Não me importo de trabalhar pela minha
comida, desde que seja comida que eu possa comer.
Ele estreitou os olhos.
— Você pode comer a comida que eu forneço, simplesmente prefere não comê-
la. Isso é o que você não entende. Você não precisa gostar das tarefas que lhe dou,
mas ainda precisa fazê-las. Não precisa gostar da comida que eu te dou, mas ainda
precisa comê-la.
Ela levantou o queixo.
— Prefiro morrer de fome.
Ele ofereceu seu sorriso mais cruel, uma mera torção de seus lábios.
— Isso não é mais uma opção para você.
— Mas...
— Faça como é dito ou vai sofrer.
O medo pulsou dela e seus dentes começaram a bater.
— Você me machucaria?
— Sim. — Ele faria o que precisava ser feito para conseguir o que precisava.
Ela tropeçou para trás, como se tivesse sido empurrada.
— Eu vou te odiar.
Enquanto Indiferença fazia mais barulho, a faca invisível retornou, torcendo
no estômago de Puck mais uma vez.
— Como você provavelmente descobriu, eu não vou me incomodar nem um
pouco.
Diferentes emoções brincavam nos olhos dela, medo dando lugar à raiva, raiva
dando lugar à incredulidade. Ela ergueu o queixo mais um pouco.
— Ok, acabamos por aqui. Eu quero ir para casa.
Negação gritou dentro de sua cabeça.
— Eu sou sua casa. — Por enquanto.
— Eu quero ir para minha antiga casa.
— Não. Você vai viver no meu reino.
Tão branca quanto a névoa da manhã, ela disse áspera:
— Tudo bem. Hoje à noite vou juntar galhos e procurar frutas silvestres...
— Galhos são para fazer fogo, e não há frutas neste reino.
— O que os coelhos comem, então?
— Eles não são coelhos, moça.
Depois de absorver suas palavras, ela pressionou as mãos na barriga, como
se temesse ter perdido sua última refeição, o que quer que fosse.
— Sua situação mudou. Você não deveria mudar suas regras também?
Seu argumento... tinha mérito. Além disso, forçá-la a comer carne — e ganhar
seu ódio — poderia retardar sua jornada para casa. Ela poderia lutar contra ele a
cada passo do caminho. Mas a falta de nutrição também poderia atrasá-los.
Um compromisso poderia salvá-lo de um monte de problemas.
Muito bem. Puck levantou os dedos, acenando para que ela se aproximasse.
Embora arrastasse os pés, ela obedeceu à convocação sem protestar. E quando ele
deu um tapinha na borda de pedra, ela sentou sem hesitar e cruzou as pernas.
Em silêncio, com movimentos lentos e cuidadosos, ele tirou suas botas e meias.
A visão de seus dedos delicados, com as unhas pintadas de azul bebê, fez seu
coração bater forte contra suas costelas. Tentação acenou... e ele desabou,
traçando a ponta do dedo sobre os dedinhos delicados. Indiferença rugiu.
Na primeira roçada de pele contra pele, Gillian se encolheu.
Amaldiçoando os homens que a levaram àquele ponto, ele mergulhou os pés
descalços na água quente e borbulhante e ela ofegou, surpresa, antes de fechar os
olhos de prazer.
Um dia ele veria aquele olhar no rosto dela por outro motivo totalmente
diferente...
Puck rangeu os dentes.
— Por que você não come carne? Carne te deixa forte.
Suas pálpebras se abriram, seu olhar encontrando o dele.
— Quando eu era mais nova, meus meio-irmãos sussurravam para mim na
mesa de jantar. Se tivéssemos hambúrgueres, eles perguntavam por quanto tempo
eu achava que a vaca tinha gritado antes de morrer. Se tivéssemos frango, eles
perguntavam se eu imaginava os pintinhos chorando por sua mãe.
Sua pobre e doce Gillian. Abusada fisicamente, mentalmente e
emocionalmente.
Permaneça objetivo! Recuse-se a simpatizar.
— Você foi muito mais ferida do que eu percebi. — Uma declaração de fato,
sem qualquer indício de emoção. Bom.
— Eu sei — disse ela, e soltou um suspiro de corpo inteiro. — Talvez
pudéssemos negociar? Se você me encontrar algo para comer... além de animais...
eu farei o meu melhor para fazer você sentir uma emoção, como felicidade ou até
mesmo tristeza. É por isso que você se ligou a mim, afinal. Então eu ajudaria você
a sentir alguma coisa, qualquer coisa.
Suas mentiras estavam voltando para assombrá-lo. Ele queria ser um projeto
para ela, então ela teria um motivo para passar um tempo com ele. Se ela tentasse
constantemente fazê-lo feliz...
Ele enfraqueceria. Talvez. Talvez não.
Por que eu não te sinto tão forte, demônio?
Não havia necessidade de continuar o engano. Além disso, ela já o fazia sentir
muito. Fingir que não sentia nada, e ela continuar tentando, faria dele um
mentiroso.
E daí? Ele tinha sido muito pior.
Deveria lhe contar a verdade e prometer puni-la se ela tentasse fazê-lo sentir
alguma coisa. Só que...
Apesar do perigo, gostava da ideia de Gillian fazer tudo ao seu alcance para
fazê-lo sentir-se... satisfeito. Sim. Isso.
Ele daria qualquer coisa — exceto sua missão — para ser “seduzido” por sua
esposa. Primeiro, teria que fazê-la se inclinar nessa direção.
— Você fará o melhor para me fazer sentir, de qualquer maneira — disse. Este
vilão fingindo ser um herói de livro de romance fará sua heroína arregaçar as mangas.
— Com ou sem barganha.
Presunçosa agora, ela jogou gotas de água nele.
— Isso é algo que você pode me forçar a fazer?
— Não — disse ele, e estampou uma carranca com a intenção de intimidá-la.
Ela pensava que o tinha preso pelas bolas.
Em breve, esposinha. Em breve.
— Então um acordo é a única maneira de garantir minha cooperação. Aí se
você quiser que eu faça você sentir algo, vai me alimentar de algo diferente de carne.
Oh! E concordará em me levar para casa depois que eu for bem sucedida. E não
vai machucar William. Nem Torin. Nunca.
Ele quase soltou um Não fale os nomes de outros homens.
Rígido agora, ele abriu as pernas e a colocou entre elas. Rápida como um
relâmpago, ela colocou as mãos no peito dele para empurrá-lo. Ele simplesmente
colocou as mãos em cima das suas e ficou parado.
Ele ansiava por aliviar seus medos de intimidade — logo, lembrou a si mesmo.
— Como vai me fazer sentir uma emoção? — Ele perguntou. Uma emoção que
ele nunca admitiria sentir, forçando-a a continuar tentando.
— Eu vou contar piadas — ela disse. — Ou histórias tristes.
Olhar quente sobre ela, ele disse:
— Outros tentaram me divertir ou me deixar triste e falharam. — Verdade.
Uma vez, Cameron estava determinado a forçar algum tipo de reação dele. A
tentativa não terminou bem para o guardião de Obsessão, que sofria punição
sempre que não conseguia completar uma "missão".
— Outros conseguiram te fazer sentir alguma coisa antes? Nada mesmo?
— Não.
Cheia de si novamente, ela disse:
— Então tenho uma vantagem.
— Mas eu quero sentir algo diferente de divertido ou triste.
Ela engoliu em seco.
— Eu não... eu não posso...
— De que outra forma vai fazer isso? — Ele perguntou. — Tentar me fazer
sentir, quero dizer.
Sua respiração se tornou irregular, toda inalação trabalhosa.
— Você só tem que esperar e ver, eu acho.
— Se você não me divertir nem me deixar triste quando chegarmos à minha
terra natal, vai tentar o que eu sugerir?
Quando ela se mexeu embaixo de suas mãos, debatendo sua resposta,
antecipação o segurou em um aperto selvagem. Ela sabia o que ele pediria — desejo.
— Sim, vou. — Um coaxar. — Se você me der frutas e legumes enquanto
estivermos juntos e me devolver à minha casa em Budapeste, assim que eu te fizer
sentir... alguma coisa.
Um clarão brilhante mas breve de triunfo o provocou, e ele quase sorriu.
Embora quisesse se demorar perto de Gillian, forçou-se a soltá-la e foi para o outro
lado da fonte.
— Muito bem, moça. Você tem um acordo.
Terceiro dia de casamento

— Era uma verdade universalmente conhecida que uma garota casada em


posse de uma adaga acabaria por esfaquear o marido — Gillian murmurou,
correndo para acompanhar Puck.
Não muito tempo atrás, eles entraram em um novo reino. Uma floresta tropical
encharcada de orvalho com pântanos e uma densa vegetação rasteira, todos
amarrados por uma espessa copa de folhagem acima. Embora bonito, o terreno se
mostrou hostil. Fogo irrompia ao longo de toda a massa de água, espinhos surgiam
dos troncos das árvores sempre que ela se aproximava e saíam bruscamente atrás
dela com presas de verdade.
Cada criatura que encontrava acabava por ser uma mistura de dois tipos de
vida selvagem: um gorila com a metade inferior de uma aranha; uma cobra com
patas traseiras; moscas do tamanho da palma da mão com ferrões de escorpião.
Nenhuma vez Gillian gritou de choque ou medo. Um verdadeiro milagre. Ela
até conseguiu acompanhar Puck sem reclamar, bufando e soltando os bofes. A
única vantagem? O cheiro de fumaça de turfa e lavanda permanecia forte em seu
nariz.
Ah, e ela não estava mais com fome. Em algum momento, ele a alimentou com
uma deliciosa refeição de frutas e plantas. Homem bom... homem mau... O júri
ainda estava discutindo o veredicto.
Sempre que pensamentos de William surgiam, ela os esmurrava de volta com
uma determinação gelada que nunca possuíra antes. Tristeza só a atrasaria. E se
a tristeza se provasse mais forte que sua determinação, ela se concentrava em Puck;
cautela misturada com fascinação, ofuscando todo o resto.
Ele estava sem camisa, sua força em uma exibição espetacular. Uma tatuagem
de borboleta aparecia em suas costas apenas para desaparecer, depois
reaparecendo em algum outro lugar. Uma vez, quando ele se virou para evitar um
galho no rosto, ela viu a borboleta em seu peito. Às vezes, ela até mudava de cor.
Cada Senhor do Submundo tinha uma marca semelhante. Ou melhor, todos
os imortais possuídos por demônios tinham. Gillian nunca tinha achado aquilo
sexy.
Ainda não acho. De jeito nenhum, impossível. Só que...
Não consigo parar de olhar, minha boca enche d’água.
Pelo menos aquele rosnado estranho tinha parado de explodir em sua cabeça.
Outra imagem adornava o peito de Puck: um aglomerado de flores enroladas
em torno de um pavão azul com um longo bico e dois círculos nos pés. Um desses
círculos serpenteava ao redor do mamilo enquanto o outro descansava no centro
do esterno. O requintado detalhamento fazia com que a ave parecesse prestes a
voar para fora de sua pele.
Ele substituiu a tanga esfarrapada por uma calça que fez usando o
revestimento interno dos casacos que encontraram no inferno de gelo. Muito
habilidoso, o seu Puck. E de alguma forma mais bonito a cada hora que passava.
Quão duros eram esses chifres? Sua pele morena era tão fria quanto sua
atitude ou tão quente quanto o fogo? Quão suave era o pelo de suas pernas?
Como ele seria se alguma vez se importasse com alguma coisa? Se ele se
importasse com ela?
Ficou arrepiada e estremeceu ao mesmo tempo, simultaneamente intrigada e
apavorada.
Tudo bem. Chega de ficar sonhando acordada. Hora de fazê-lo rir. Assim que
conseguisse, ele teria que levá-la para casa. Eles tinham um acordo. E ela tinha, o
que? Alguns dias para fazer isso? Talvez uma semana? Se eles chegassem primeiro
ao reino dele, ela falharia. Se ela falhasse...
Ele esperava que Gillian "tentasse" seduzi-lo.
A umidade em sua boca secou. Ela poderia tentar? Sexo ainda estava no topo
da sua lista de nunca-jamais. Nunca reconhecer, nunca considerar. Vamos encarar,
ela usava um cinto de castidade imaginário sem chave.
Então por que sonhou com Puck na noite passada? Sonhava com seus lábios
nos dele, as mãos dele vagando pelas curvas de seu corpo. Por que ela tinha
gostado?
Ao acordar, encontrou seus mamilos duros e seu sexo quente, úmido e
dolorido.
O vínculo devia ser o responsável. E tudo bem, tudo bem, talvez até o próprio
Puck. Ele dormiu atrás dela, o braço forte por cima dela, oferecendo calor. O pelo
das pernas dele era macio, tão macio; ele não reclamou quando se esfregou nele.
Melhor ainda, ele não avançou o sinal com ela.
Mas qual é! Uma noite bizarra não podia superar uma vida de medo. Ela tinha
que fazer o homem rir ou chorar. Alguma coisa!
— Esses outros reinos que estamos visitando estão ligados a Terra ou são
como parte de outra galáxia? — ela perguntou.
— As duas coisas — ele não ofereceu mais nada.
O silêncio que se seguiu lhe ralou os nervos. Como ele podia ser tão frio agora?
Durante seu banho, ele ardeu, dando-lhe um olhar que dizia Eu faria muita coisa
errada com você e você me imploraria por mais.
Na hora, ela não estava preparada e tinha se assustado. Agora, meio que
queria ver aquele olhar de novo. Ele só... estava tão distante dela.
Ele moveu um galho pra fora do caminho deles. Quando uma folha tentou
morder seu pulso, ele esmagou a folhagem com seu poderoso punho.
Gillian assistiu, sua fascinação com Puck se aprofundando. Ele era mais
confiante e imponente do que... qualquer um. Nada o assustava. Nenhum desafio
provava ser muito difícil.
Por muito tempo, ela teve zero autoestima e a mesma quantidade de
habilidades. Tinha sobrevivido às ruas ruins de Los Angeles e de Nova York apenas
com sua inteligência e coragem.
Acho que ele está se tornando meu modelo ideal.
De muitas maneiras, ele a lembrava de William. Era destemido, teimoso e feroz.
De outras formas, os dois eram tão diferentes quanto noite e dia. William brincava.
Puck ainda não dominava a habilidade. William amava mulheres de todos os
tamanhos, formas e cores. Puck não parecia notar ninguém além de Gillian.
William a tratava como vidro. Puck a ameaçava tão facilmente quanto respirava.
Esta manhã ele disse:
— Nova regra. Você vai fazer o que eu digo, quando digo, sem hesitar, ou vou
colocar minhas mãos em você e obrigá-la a fazer isso.
Ela queria fugir, mas se forçou a ficar e estalar:
— Minha nova regra? Apunhalar você na barriga toda vez que colocar suas
mãos em mim. — Palavras valentes. Uma ameaça absurda.
Perdida em pensamentos, não conseguiu ver a pedra em seu caminho. Sua
bota agarrou-se à protuberância e ela tropeçou. Puck sequer tentou ajudar a
estabilizá-la.
— Tudo bem. É hora de desacelerar — ela resmungou enquanto se levantava.
— Estou começando a ficar para trás.
— Começando? Sua percepção de tempo é adorável.
Idiota. Ele poderia andar por horas sem fazer uma pausa. Parecia nunca
precisar de comida água, ir ao banheiro ou de descanso.
— Nesse ritmo, meu coração vai explodir.
Ele finalmente desacelerou, murmurando:
— Esposas precisam de mais cuidados e comida do que eu imaginava.
Ai.
—Todas as esposas ou só eu? — ela murmurou.
— Considerando que você é minha primeira esposa, só posso fazer referência
a você agora, não é?
Veja só! Ele não fazia ideia de como provocar ou ser provocado. O homem
levava tudo o que ela dizia ao pé da letra. E o que ele quis dizer com primeira esposa?
Eles estavam vinculados. Divórcio não podia ser adicionado ao menu — mas talvez
uma separação? De qualquer forma, ele nunca teria uma segunda esposa, certo?
OK. Hora de colocar aquela conversa no caminho certo.
— O que te fazia rir antes de sua possessão demoníaca? — ela perguntou.
— Sin
— Sin. Tipo... perversidade?
— Tipo meu irmão mais novo.
Ele tinha um irmão?
— Me fale sobre ele.
— Não.
Ooookay. Respostas curtas e nada doces eram a especialidade de Puck.
Entendido. Talvez ela não conseguisse com diversão, felicidade ou nem mesmo
tristeza. Talvez ela conseguisse com raiva.
Sim. Raiva funcionava.
— Verificação aleatória de gravidade — disse ela, pouco antes de enganchar o
pé em torno do tornozelo dele.
Ele tropeçou, mas conseguiu evitar uma queda de cara no chão. Além de
lançar a ela um cenho franzido por cima do ombro, ele não demonstrou nenhuma
reação.
— O que está fazendo, moça?
— Deixando você furioso, obviamente.
— Por quê?
— Você quer sentir, lembra? E de acordo com o professor Puck, antes dele
tentar mudar de ideia, uma emoção é tão boa quanto qualquer outra.
Outro olhar por cima do ombro revelou um cenho mais profundo.
Nota mental: o sujeito não responde a comédia de pancadaria nem a nada nas
entrelinhas.
De volta à tristeza.
— Esta não é a vida que eu imaginei para mim, você sabe. — Ela fingiu fungar.
— Eu sou desprezada pelo meu melhor amigo — Ok, ela não teve que forçar a
próxima fungada. William ainda estava bravo com ela? Ou ele caiu em si? — e estou
sendo levada para uma nova casa. Um novo mundo sobre o qual não sei nada! A
única pessoa com quem estou familiarizada é um homem de quem não sei nada.
— Esta vida é melhor. Pense nisso. Você é agora Gillian Shaw, aventureira.
Sim. Sim, ela era. E ela...
Espere. Volte só um pouco. Quando os Senhores do Submundo se casavam
com suas namoradas, as ditas namoradas imediatamente adquiriam um novo
sobrenome: Senhor. Então, tendo dito “eu aceito”— ou o que quer que Gillian
tivesse repetido durante a cerimônia de improviso — ela agora era... Gillian Senhor?
Puck estava possuído, então, em teoria, ele também era um Senhor do Submundo.
Merda! Quem era ela?
— Não se ofenda, mas a quem estou enganando? Você nunca fica ofendido.
Qual é o seu nome completo? — Ela perguntou.
— Púkinn Neale Brion Connacht, o Quarto. — Seu sotaque, apesar de leve,
fazia cada sílaba soar como uma letra de música.
— Eu acho que isso me torna Gillian Elizabeth Shaw-Connacht. Primeira de
sua casa. Filha sem pais. Imortal. Esposa de Puck. Amiga dos Senhores do
Submundo. Em breve uma defensora dos inocentes. Portadora de sorrisos. Ex-
campeã mundial em se preocupar.
Mais uma vez, nenhuma reação dele.
— Minha inteligência cintilante é desperdiçada em você. — Maravilhoso.
— Púkinn é um nome de família — ele continuou como se ela não tivesse
falado. — O nome de todo primogênito desde a coroação do primeiro rei Connacht.
Ora, ora. Ele tinha oferecido informação sem incentivo. Doce progresso.
E não havia terminado.
— Meu irmão me chamava de Puck. Significa espírito travesso. Meu povo me
chamava de Neale, que significa campeão. Meu exército me chamava de Brion, que
significa que ele ascende. Meus amigos me chamam de irlandês, por causa do Púca.
Bem, por Púca e mil outras razões. O nome Connacht é aparentemente o nome de
uma província na Irlanda.
— Púca? Então na sua terra natal cada nome significa alguma coisa?
— Púca são metamorfos no folclore irlandês. Geralmente as criaturas
assumem a aparência de um animal e são consideradas portadoras de boa e má
sorte.
— Elas ficam mesmo “de bode” — disse ela, balançando as sobrancelhas. —
Hã, hã? Vamos! Isso é engraçado!
— Não — disse ele. — Não sei o que é ficar “de bode”. E não, não é engraçado.
Está mesmo tentando, moça? Talvez você queira fracassar, então será forçada a
fazer o que nós dois sabemos que vou pedir.
Ela engoliu em seco. Ele estava certo? Ainda agora, ele atraía seu olhar como
um ímã. Ela bebia de toda aquela pele morena impecável, aqueles músculos, os
ombros largos que levavam a braços fortes e mãos com unhas de garras.
Excitada com essas qualidades monstruosas? Não! O vínculo, era só o vínculo.
— Então sua família recebeu o nome dos irlandeses? — Ela perguntou.
Ele lançou um olhar por cima do ombro, a expressão vazia.
— Os irlandeses receberam o nome de nós, um grupo de amaranthianos que
se mudaram para o mundo dos mortais. Mas não sou um Púca. Estou mais para
um sátiro ou fauno, suponho.
— O que Gillian significa?
— Jovem.
— Ugh.
Quando ele lhe lançou um segundo olhar como se ela fosse um ímã para ele,
seu ritmo cardíaco acelerou e os formigamentos quentes acenderam em sua barriga.
Suas pernas ficaram fracas, tremores de desejo a varrendo por dentro.
Ela cambaleou. Como ele provocava uma resposta, mesmo quando William
não conseguia?
— Eu respondi suas perguntas — falou Puck. — Agora você vai responder a
minha.
Apesar de uma faísca de mau pressentimento, ela assentiu.
— Tudo bem.
— No reino de gelo, você se esfregou em mim enquanto dormia.
Grunhido. Ele iria por ali, não ia?
— Não ouvi uma pergunta.
— Com o que estava sonhando?
Um som de assobio soou. Um segundo depois, uma coisa-réptil se lançou das
árvores. Alvo: o rosto de Gillian. Puck estendeu a mão sem dar um passo a frente,
pegou o pequeno inseto e o atirou como uma bola de beisebol.
Depois de engolir um grito de choque, ela se esforçou para reunir os
pensamentos. Devia uma resposta a Puck. Mentir não era uma opção. Ela
desprezava mentiras — o idioma dos seus meio-horrores. Mas não havia como
admitir a verdade também. Ele poderia considerar isso um convite.
— Eu sonhava com... uma coisa impossível — disse ela. Antes que ele tivesse
a chance de responder, mudou o foco pra ele. — Você usa o verbo no passado com
a sua família, sua gente e exército. O que aconteceu?
— Não estive em casa há um bom tempo. — Os músculos em seus ombros se
agruparam quando ele apontou para longe. — Outro portal à frente. Esse leva a
Amaranthia, o reino de todos os reinos e o maior lar da história dos lares. Ou em
breve será.
— Espere. Nós já estamos no final da nossa jornada? — Seu olhar passou por
ele, procurando, buscando, mas sem encontrar nenhum indício de uma entrada.
— Mas... pensei que nos levaria dias ou semanas. — Assim que passassem pelo
portal, os termos de sua barganha mudariam.
E não, ela não estava excitada.
— Algumas coisas que você deve saber — disse ele. — Amaranthia possui
longos trechos de areia de deserto, um oásis ocasional, apenas três grandes corpos
d’água, magia e guerras intermináveis.
— Magia? Como no filme Abracadabra?
— O tempo usa um relógio diferente ali — ele continuou, ignorando sua
pergunta. — Cem anos em Amaranthia podem ser minutos, horas, dias ou semanas
no reino mortal. O relógio acelera ou desacelera dependendo da estação.
Ele estava brincando? Tinha que estar brincando.
Tensão crepitava por cada centímetro de seu corpo.
— Quando eu fizer cento e dezoito anos, meus amigos podem ter vivido apenas
mais algumas horas ou dias?
— Exatamente — ele disse com um aceno. — Eu vivi milhares de anos me
movendo entre reinos. Você não saberá a diferença.
— Mas eles vão. — Ela plantou os calcanhares, dizendo: — Eu não vou para
o seu reino. Leve-me para Budapeste. Ou para qualquer outro lugar, desde que eu
fique na Terra.
Ele a puxou, aumentando o ritmo de seu passo.
— Seja grata que Amaranthia não seja um reino onde o tempo flui para trás.
E você já concordou em ir. Não haverá volta atrás.
— Não, eu...
— Meus amigos estão lá. Cameron, Guardião de Obsessão, e Winter, Guardiã
de Egoísmo. — Ele inclinou a cabeça para o lado e apertou os lábios. — Ela poderia
inadvertidamente saber a verdade, talvez causar problemas.
Ele estava falando sozinho — sobre Gillian?
— Que verdade? — ela exigiu. — Causar problemas? Por quê?
— Muito bem, eu vou fazer isso — disse ele, ainda falando consigo mesmo. —
Eu tenho uma confissão a fazer, moça. E quando você souber a verdade, não me
causará problemas. Entendido?
— Que verdade? — Ela repetiu. — Me conte.
— Antes de nos casarmos, eu disse que não sabia que você pertencia a William
da Escuridão, mas menti.
— Espera. O que? — Mas seu radar de mentira nunca deu sinal! E apesar de
suas suspeitas anteriores quanto a isso, o choque conseguiu lhe dar um soco no
estômago, roubando sua respiração. — Mentira é a linguagem dos meus meio-
irmãos.
— Não sou nada como esses homens. Nunca te machuquei. Garanti que você
recuperasse a saúde... ao mesmo tempo em que me colocava no caminho certo
para alcançar meus objetivos. — Como se estivesse lendo um roteiro, ele disse: —
Vincular. Escoltar. Retornar. A união está feita, a escolta perto do fim. Então eu
voltarei. William. Guerra.
— Guerra? — As orelhas de Gillian começaram a tinir. — Você agiu como se
estivesse me fazendo um favor, seu pedaço podre de lixo, mas só estava ajudando
seus próprios objetivos! Um dos quais inclui guerra.
Calmo como sempre, o insulto dela sem nenhuma consequência, ele disse:
— Eu a enganei por três razões. Um, eu precisava convencê-la a se unir a mim.
Dois, você teria resistido à nossa jornada. E três, preciso da ajuda de William e
você é minha moeda de troca.
Pior ainda! Ele a usou contra William, um homem que só a protegeu. Droga,
ela deveria tê-lo protegido de volta.
— Nosso acordo está cancelado, Puck! Cancelado! Entende?
— Entendo que você está sendo irracional.
Irracional?
— Eu não vou te fazer rir nem chorar, seu pedaço de merda miserável. Vou te
fazer morrer.
Uma bomba de fúria disparou dentro dela, deixando um rastro de devastação
pelo caminho. Seu coração derreteu contra as costelas, distorcendo os batimentos,
e as laterais de seus pulmões se fundiram.
Pontos vermelhos cintilaram em sua linha de visão, dando-lhe uma visão de
túnel. Preciso destruir Puck!
Lançando-se nas costas dele, ela bateu os punhos no peito dele. A cada golpe,
dores agudas consumiam o peito dela. Quem se importava? O que era dor?
— Covarde! Mentiroso! — O pior insulto de todos eles. — Você me enoja. —
Ainda não estava bom. — Você me repulsa. — Melhor.
— Você está viva por minha causa.
— Estou miserável por sua causa!
Arrependimento parecia pulsar dele, para depois sumir em um flash.
Uma ilusão? Tarde demais para dizer. Com um guincho, ela mudou o alvo
para o rosto dele e bateu em seu nariz. Mais dor, sangue escorrendo por sua boca
e queixo. Ainda assim não se importou.
Puck pegou seus pulsos em um aperto contundente, efetivamente terminando
seu discurso.
— Minhas notícias deveriam deixá-la feliz. Depois que deixá-la com meus
amigos, voltarei ao reino dos mortais para recrutar William. Ele vai me ajudar a
reconquistar minha coroa, e eu cortarei meu vínculo com você.
Respirando fundo, soltando ar. Acalme sua fúria. Aja como se tudo estivesse
bem. Quando chegar a hora, ataque.
Primeiro, ela tinha que coletar informações.
— O que quer dizer com você vai cortar nosso vínculo? — Ela perguntou com
os dentes cerrados. — Podemos nos divorciar oficialmente sem morrer?
— Esse é o plano, sim. — Ele não ofereceu mais, apenas recomeçou a marchar
para frente.
Ele não percebia que planos podiam sair dos trilhos?
— Explique — ela insistiu, tentando pular das costas dele.
Em silêncio, ele reajustou a posição dela e aumentou seu aperto, assegurando
que cada passo esfregasse seus seios nele. Lança após lança de prazer a atravessou,
e ela sibilou.
— Me coloque no chão. Agora. Não vou mais lutar com você. — Não agora, de
qualquer forma.
Talvez o medo em sua voz o estimulasse. Ele passou um braço em volta da
cintura dela e a girou. Por uma fração de segundo, ela ficou de cabeça para baixo.
Então ele a endireitou e a colocou de pé, diretamente na sua frente.
— Eu farei qualquer coisa para ganhar minha coroa — falou a ela. — Nenhuma
ação é muito obscura. Nenhuma tarefa é horrível demais.
O fogo em suas veias esfriou.
— Por quê?
— Há muito tempo, meu irmão me traiu. Ele transformou um campeão em
um monstro e depois matou nosso pai, tudo para manter a coroa de Connacht para
si mesmo. Ele está destruindo meu lar, ferindo meu povo, e deve ser impedido. Eu
salvarei as terras e os clãs, e me vingarei dos erros cometidos contra mim. De
acordo com os Oráculos, minha única esperança de sucesso era encontrar William
da Escuridão e me casar com sua mulher.
Oráculos? E oh, como ele falava casualmente da condenação de Gillian.
— Eu mereço usar a coroa — acrescentou. — Mereço vingança. E serei bom
para o meu povo. Eu só preciso da ajuda de William.
— Você é desprezível — ela cuspiu.
— Eu sei. Mas pelo menos você ainda está viva. Eu a salvei da morte certa,
algo que seu precioso William não estava disposto a fazer.
— Obrigada pelo lembrete, homem-bode. Mas para que fim? — Às vezes a
morte é preferível à vida. Seus meio-horrores tinham lhe ensinado essa lição muito
bem. — William é esperto. Ele saberá que não deve confiar em você.
Puck levantou os ombros largos, dando de ombros — dando de ombros! — e
não ofereceu garantias em contrário.
Ela tinha que escapar dele, precisava avisar William.
Gillian forjou que ia para a esquerda e correu para a direita, mas só conseguiu
correr quatro passos antes de Puck pegá-la.
— Prepare-se — disse ele. — Entramos em Amaranthia em cinco, quatro, três,
dois...
Ela tentou se libertar, mas ele a apertou mais.
Em um piscar de olhos, tudo mudou. O calor úmido da floresta tropical se
transformou em ventos frios de deserto, grãos de areia atingindo sua pele. A queda
de temperatura chocou seu sistema e momentaneamente a deixou imóvel.
Dois sóis dourados brilhavam em um céu vermelho-púrpura. Não havia casas
até onde pudesse ver. Nenhum animal, corpos d'água ou pessoas.
Fuja. Agora! Ela virou, empurrou Puck para fora do caminho e voou pelo portal
invisível que eles tinham acabado de atravessar...
Não. Ela comeu areia.
— Onde está o portal? — ela gritou. Para onde foi?
Puck olhou para o céu de cor estranha, os braços abertos, as pernas afastadas.
Diante de seus olhos, ele se transformou, os chifres desapareceram e o pelo de suas
pernas rapidamente seguiu o exemplo. Suas maçãs do rosto, que eram afiadas o
suficiente para cortarem vidro, suavizaram-se um pouco. Suas garras se retraíram,
e as botas e cascos se transformaram em névoa, revelando pés humanos.
Não era apenas lindo. Totalmente belo... mas também um estranho para ela.
Ela preferia lidar com o diabo que conhecia.
Ele fechou os olhos, inalou... exalou... como se estivesse saboreando o
momento. Outro fingimento, com certeza. Aquele homem horrível não saboreava
nada.
— Como isso é possível? — Ela exigiu.
— Um direito de nascimento e magia. Mas isso não acontece há tanto tempo...
que achei que a habilidade tinha se perdido para sempre.
De jeito nenhum, não havia como magia controlar sua aparência.
Absolutamente impossível! Só que ele tinha acabado de passar de fera a um homem
elegante em menos de um segundo. Negar era tolice. Magia realmente existia, e não
apenas da variedade Abracadabra.
Um dia coisas fantásticas demais aconteceriam e sua mente não aguentaria.
Um direito de nascimento, ele disse.
— Então você não tinha chifres e cascos quando era criança? — perguntou.
— Não até minha possessão.
— Você pode usar magia para se transformar em outras formas também? —
ela perguntou, querendo... precisando... conhecer as profundezas de seu poder.
— Já pude, mas não mais. — Tão rapidamente quanto Puck se transformou
em um homem normal, ele retornou à sua forma bestial.
— Por que você não fica normal então?
Um músculo saltou debaixo de seus olhos.
— Você acha que eu não quero? — Ele pegou em sua mão e...
Ela ofegou. Sua pele calejada e quente brilhava. Símbolos bonitos e
arrebatadores se estendiam das pontas dos dedos até os pulsos. Lembrava
tatuagens de hena, só que joias de verdade pareciam brilhar sob a superfície de
sua pele.
Quando ele começou a andar, arrastando-a consigo, ela perguntou:
— Como suas mãos brilham que nem uma árvore de Natal?
— De que outra forma? Magia— repetiu ele.
Magia que ele poderia usar contra ela?
Gillian ponderou suas opções. Ela poderia tentar fugir de novo, mas como
poderia fugir dele? Não tinha ideia de onde estava ou que perigos a aguardavam.
Ou quantos outros guerreiros usavam magia. Ela podia ficar com Puck e esperar,
mas o relógio tinha começado oficialmente a contar. Horas ou dias para William
agora equivaliam a cem anos para ela.
Seu amigo estava perdido para sempre, não estava, apesar do que Puck
alegava?
Lágrimas escorreram de seus olhos, deixando rastros quentes enquanto
passavam pelas bochechas.
— Se você for embora por alguns dias, centenas de anos poderiam passar para
mim. Eu vou mudar, mas você não. William não vai — ela resmungou. O tempo
sempre deixava algum tipo de marca. — Ele pode não me querer mais. —A quem
estava enganando? Ele não a queria agora. Ele tinha lavado as mãos dela.
Os músculos da mão de Puck se apertaram e se abriram.
— Mudado ou não, ele vai querer você. Nenhum homem pode olhar para você
e não a querer.
— Você não me quer. Você planeja alegre e ansiosamente se livrar de mim —
estou reclamando?
— Eu vou deixar você ir sim. Um dia me casarei novamente. Meu pai anunciou
meu noivado com a princesa Alannah de Daingean no mesmo dia em que meu
irmão me traiu. Eu vou reivindicá-la e abrir um estábulo.
Ela soprou pelo nariz.
— E se ela já estiver casada? E o que é um estábulo?
— Eu matarei o marido dela — seu tom permaneceu casual, despreocupado.
— Você chamaria um estábulo de harém.
Não, ela chamaria de pesadelo. Esse é o homem a quem prometi a minha
eternidade?
— Eu tenho certeza que vocês dois e o seu harém viverão felizes para sempre
— ela retrucou.
Dois homens surgiram de esconderijos na areia e Gillian recuou assustada.
Puck não teve reação alguma. Claro.
Enquanto punhais cintilavam nas mãos de cada assaltante, medo subiu por
sua espinha.
— Corra!
Silencioso, Puck a puxou ao seu lado.
Com um grito de guerra, os homens avançaram. Para crédito de Puck, ele não
a atirou no caminho deles para atrasá-los. Em vez disso, ele a empurrou para o
chão e girou, seus longos cabelos arremessados no ar, lâminas de navalha cortando
os olhos de seus supostos atacantes. Enquanto o par gritava, ele desembainhou
uma adaga e cortou suas gargantas.
Os dois homens desabaram na frente dela, o sangue escorrendo de ferimentos
abertos. Uma estranha névoa negra subiu dos corpos e envolveu Puck. Ele fechou
os olhos, inalando bruscamente, e a névoa desapareceu — para dentro dele.
Horrorizada, Gillian observou enquanto ele limpava casualmente as lâminas
na camisa de um dos homens mortos.
O que foi que eu fiz?
Outro objetivo alcançado. Puck tinha encontrado William, vinculou-se à Gillian
e agora ela estava em Amaranthia.
A seguir? Negociar com William, guerrear com Sin. William. Guerra. Divórcio.
Tão perto.
Então seus objetivos mudariam outra vez. Casar-se novamente. Assassinar.
Unir.
Puck deveria comemorar, mas estava muito ocupado lutando contra a atração
magnética de Gillian, invocando séculos de desconexão emocional para não cair
em cima dela. Por que ele foi insistir que ela continuasse tentando fazê-lo sentir
algo? Imbecil!
Indiferença criava confusão, só para ficar calado um segundo depois.
Gillian gemeu e esfregou as têmporas.
— Argh! O rosnado está de volta.
Ele deu um salto.
— Rosnado?
— Depois que nos unimos, ouvi um rosnado como de um animal no fundo da
minha mente. Depois parou, mas agora está de volta. Não sei por que.
— Eu sei — ele disse áspero. Então foi isso que aconteceu. Indiferença agora
se movia entre eles. Como uma criança indesejada sendo passada entre pais
divorciados. Eu fico com Diff no Natal, se você ficar com ele no Ano Novo.
O demônio devia estar enfraquecido, porque ele teve muitas oportunidades de
prejudicar tanto Puck quanto Gillian, mas não conseguiu. Entre os dois, eles
tinham experimentado culpa, inveja, tristeza, esperança. Desejo. Muito desejo.
Fúria.
Oh, como Gillian se entregou à fúria. Ela tinha ganhado vida. Uma guerreira
pronta para ser treinada para a batalha. Selvagemente destemida.
Puck tinha visto potencial... e só queria mais dela.
Sempre que sentia cheiro de poppiberries — uma fragrância inata dela —
queria saboreá-la. Sempre que ela falava, desejava levá-la para longe e mantê-la
para sempre.
Não posso ficar com ela. Devo deixá-la ir.
Mas por enquanto, ela é minha.
Não, não. Chega disso. Melhor manter a maior distância possível, antes que
ela entrasse mais fundo em sua pele. E ela tinha entrado em sua pele.
Mas apesar de tudo ele continuava forte e feroz, sem jamais enfraquecer.
Ele se perguntava se também compartilhava suas emoções escondidas com
Gillian. Ele se sentia mais no controle de tudo, exceto do desejo, e o humor dela
continuava mudando...
Talvez sim, talvez não. Mas de qualquer forma, sua antipatia por ele vinha
toda dela.
Ele poderia conquistá-la. E se pudesse ficar com ela? O que os Oráculos
disseram sobre William, exatamente?
Case com a garota que pertence a William da Escuridão... ela é a chave...
Traga sua esposa para nossas terras e conduza o da escuridão para cá depois.
Somente o homem que viva ou morra pela garota teria o poder de destronar Sin, o
Demente.
Só então você terá tudo o que deseja.
Mas não se esqueça das tesouras de Ananke, pois elas são necessárias...
Não há outra maneira.
Puck não iria viver nem morrer por ela. Meu reino pela minha esposa? Não!
Mas William também não viveria ou morreria por ela; ele teria deixado a morte ad
vitam matá-la. E no fim, ele a cedeu sem lutar. Mas as ações de Puck provavelmente
causaram uma mudança... certo? Neste ponto, William tinha que entender o tipo
de tesouro que ele tinha perdido. Ele viveria ou morreria por Gillian. Lutaria por
ela.
As mãos de Puck se fecharam em punhos. Se William fosse morto logo depois
que Sin perdesse a coroa de Connacht, bem, Puck poderia ter seu clã, seu reino e
manter a mulher... e lançar toda Amaranthia em guerra com Hades. E a Rainha
Vermelha. E os Senhores do Submundo. E a própria Gillian. Ela nunca iria perdoá-
lo.
— Bem? — ela perguntou, e ele percebeu que tinha se perdido em
pensamentos. — Por que estou ouvindo rosnados?
A verdade a assustaria. Mas ele não deveria avisá-la?
— Indiferença invadiu sua mente — disse ele.
— Indiferença... o demônio?
Ele assentiu em confirmação e ela ficou rígida.
— Há um demônio dentro de mim? — Ela ofegou.
— Ele ainda está amarrado a mim, mas está usando nosso vínculo para se
esconder dentro de você.
— Tire-o! Tire-o agora.
Ele tentou, de verdade, desejando que o demônio voltasse mas... nada
aconteceu.
Gillian puxou seu cabelo.
— Ele não está partindo!
— Não acho que você vai enfraquecer com emoção, como eu faço. Ou fazia —
Puck disse. — Acho que nossa união o enfraqueceu.
Acinzentada, ela colocou os braços em volta do corpo.
— Antes da nossa união, você enfraquecia quando sentia emoção?
— Sim. — Algo que ele nunca admitiu para outra pessoa, nem mesmo para
seus amigos depois de terem testemunhado um episódio. A informação poderia ter
sido usada contra ele. — É por isso que fiquei longe de você tantos dias depois do
nosso primeiro encontro. Não tive forças para voltar.
O pânico se apoderou dela, deixando-a mole.
— Isso é horrível. Eu sinto muito, Puck.
Simpatia? Por ele?
— Chega de conversa. — O que estava feito estava feito, e ele não se sentiria
culpado. Não, não se sentiria. — Venha — Determinado, ele a puxou para cima e,
segurando a mão dela, colocou-se em movimento. — Quanto mais tempo eu ficar
aqui, mais tempo você vai ficar separada de William. — As palavras saíram como
chicotadas, mais veementes que um açoite.
— Você dá muita importância ao meu relacionamento com ele. Ele tem
centenas de amantes. Talvez milhares. Sou só uma amiga. Ou melhor, era.
— Amigos são melhores que amantes. Seu desespero para salvá-lo das minhas
garras sinistras só aumentará. Ele vai negociar sua liberdade todo feliz.
— OK. Digamos que você esteja certo e eu seja especial — disse ela. —
Realmente acha que ele vai te ajudar depois de tudo que você fez?
— Sim. Porque para ele — para mim? — sua segurança é mais importante do
que o seu orgulho.
— Só... me deixe ir. — Ela soava como morta agora. — Isso não vai acabar
bem para você.
Puck parou, virou-se e trancou o olhar com ela, apenas para ter seus
pensamentos descarrilados.
De tirar o fôlego. Impressionante. Requintada.
Tentadora. Excitante.
Minha.
Nunca minha.
Ela vestia bem sua imortalidade.
Mais cedo, ele roubou roupas limpas para ela. Enquanto o vento soprava, o
vestido branco transparente se agarrava a um lado de seu corpo curvilíneo. Em
torno de seu rosto delicado dançavam longas madeixas de cabelo; enquanto raios
de sol a acariciavam, os fios brilhavam com diferentes tons de marrom: bordo,
carmim e canela.
Um toque e ele iria...
Preciso me concentrar.
— William pode ser capaz de superar Sin, mas seu homem nunca será capaz
de me superar. Eu sou inigualável. — Puck se inclinou, deixando a ponta do nariz
roçar no dela. — Talvez você pense pouco do meu pior porque, até aqui, você só viu
o meu melhor. Gostaria de provar das coisas terríveis que posso fazer?
Ela empalideceu, mas encontrou forças para se manter firme.
— Vá em frente. Me mostre o seu pior então. Me faça odiar você.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Você já não odeia?
— Ainda não, mas estou perto.
Se ela o odiasse, se separar dela seria mais fácil.
Muito bem. Puck vacilou uma fração de segundo antes de invocar uma nova
camada de gelo, diferentes emoções desaparecendo de sua consciência. Primeiro a
esperança, depois qualquer semelhança de ternura. Finalmente, o desejo.
Impiedoso, levantou o braço e estendeu o dedo indicador. Melhor que Gillian
aprendesse como seriam as coisas entre eles. Ameace sua vitória de qualquer forma
e sofra as consequências.
— Ah não. Não o dedo — disse ela, seu tom seco como as dunas de areia.
Com sua mão livre, ele fez um punho ao redor do dedo — e estalou o osso
como um galho.
Gillian gritou e apertou a mão ferida contra o peito. Seus joelhos dobraram e
ela caiu, agonia retorcendo suas feições, cada respiração agora irregular.
Depois de alguns minutos de dor, no entanto, o ferimento se curou, graças à
idade e experiência de Puck.
Ela olhou para ele.
— Parabéns — ela disse, seu tom de voz mais uma vez apático. — Você excedeu
minhas expectativas. Tem o meu ódio e, de quebra, minha desconfiança. Você é
um sociopata disposto a quebrar o osso de uma garota só para ter um argumento.
— Você está certa. Sou sociopata. Não sinto nada, não quero nada.
— Gelo, baby, gelo — ela murmurou.
Ela podia sentir o gelo através do vínculo?
— Vejo que nos entendemos — disse ele.
— Quer saber o que torna tudo isso ainda mais horrível? Às vezes você é meio
que quente.
Ele? Quente?
Chocantemente — sim. Lá no fundo, um tentáculo de calor se mexeu, um
instinto de protegê-la, nunca machucá-la.
Mas ainda assim ele disse:
— Se você me atrasar, quebrarei outro osso. Se fugir de mim, cortarei um dos
meus órgãos a cada minuto até você voltar. Por causa do nosso vínculo, você
perderá os órgãos também. E só para que saiba, nunca faço ameaças. Eu faço
promessas. E sempre as cumpro.
Ela gaguejou por uma resposta.
Desperdício de tempo. Quando ele marchou para frente, ela tinha uma escolha:
segui-lo ou atrasá-lo e sofrer as consequências.
Embora relutante, ela o seguiu.
O calor continuou a se agitar, até que alívio e culpa se infiltraram no gelo. Ele
se viu dizendo:
— Você ficará bem ocupada enquanto eu estiver fora. Vai cozinhar, limpar e
costurar, como todas as outras mulheres em Amaranthia.
— Nós somos ricos? — Ela exigiu.
— Muito. Por quê?
— Então vou pagar alguém para cozinhar, limpar e costurar para mim. E
quando conseguirmos o divórcio, porque vamos conseguir, vou levar metade dos
seus pertences comigo.
Agora ele tinha vontade de sorrir com um genuíno divertimento? Impossível.
— Em Amaranthia, os portais entre os reinos se movem constantemente. Eu
avisei meus homens que esperassem com nosso transporte em um local fixo todos
os dias até meu retorno, sem importar quanto tempo passasse.
— Que maravilha pra você.
— Deveria se alegrar. Assim que chegarmos ao acampamento, você se livrará
de mim. Por um tempo, pelo menos.
O leve indício de ansiedade vibrou ao longo da ligação deles, e ele se sacudiu.
Ansiedade dela? Impaciência sua?
Irritação faiscou. Durante séculos, não teve nenhum problema em ignorar,
enterrar e apagar emoções. Agora tinha que lutar contra as suas e as dela?
— Bem. O que está esperando? — Gillian projetou o queixo. — Anime mais o
passo, Pucky, e tente me acompanhar.

***

Marchando ao redor de Puck, fazendo o seu melhor para ignorar os rosnados


demoníacos no fundo de sua mente, Gillian lutou para manter a compostura.
Dentro de uma hora, seu marido — detestava essa palavra! — sairia do reino e a
deixaria para trás. Ele encontraria William e faria algum tipo de acordo. Talvez. Se
William sentisse vontade de barganhar.
Se não, Puck tentaria fazer William sentir vontade. Homem implacável!
Ele esperava que William entrasse em guerra com seu irmão Sin. Se Puck não
podia derrotá-lo, como William poderia? Seu amigo se machucaria.
De alguma forma, ela tinha que seguir Puck para fora de Amaranthia sem ser
pega, e avisar William.
— Me conte mais sobre o reino — disse ela. Quanto mais soubesse, melhor.
— E sobre a magia.
Para sua surpresa, Puck obedeceu.
— Nossos ancestrais afirmam que três Oráculos criaram Amaranthia como
um refúgio seguro para portadores de magia.
— Até refúgios seguros podem se tornar uma zona de guerra, hein?
Ele deu de ombros.
— Mate um homem, adquira sua magia. Durante séculos, clãs foram abatidos
só pra que a magia pudesse ser roubada. A ganância governa muitos corações.
Para adquirir magia própria ela teria que cometer assassinato? Argh.
Eles subiram outra duna de areia, dois homens e três camelos à vista. Tinha
que ser o transporte deles para o acampamento! Ela aumentou o ritmo. Só que,
quando ficou diante dos animais, ela ofegou.
Os animais eram uma espécie de cruzamento entre camelo, rinoceronte e algo
mais hediondo e absolutamente assustador, com uma fileira de chifres que ia da
testa e parte de trás do crânio até a nuca. Também tinha a boca cheia de dentes
de sabre e uma mistura de pelagem e escamas, em camadas em tons de preto e
branco, como uma zebra.
Uma das criaturas não gostou dela logo que a viu — a que deveria montar.
Derrubou-a na primeira vez que Puck a sentou. Cuspindo areia, Gillian ficou de pé.
— Deixe de brincadeira — ele ordenou. Com toda graça e segurança masculina,
ele se estabeleceu sobre as costas da criatura e estendeu a mão.
Encostada em Puck, o Mentiroso, sentada em uma coisa monstro-dinossauro?
Bem-vindo ao meu pesadelo. Mas mesmo que preferisse fugir gritando, ela aceitou
sua ajuda sem protestar. Por que lutar contra o inevitável?
Ele a ergueu com facilidade, o bíceps mal flexionando e ela se recusava,
absolutamente se recusava, a ficar impressionada. Esperava ir atrás dele. As
mulheres de A-ma-aranha-thia que cozinhavam, limpavam e costuravam
claramente tinham o seu lugar, afinal de contas. Mas Puck a colocou na frente dele,
surpreendendo-a.
— O que é isso, afinal? — Ela resmungou.
— Uma quimera. — Um braço bronzeado e musculoso envolveu sua cintura
para evitar outra queda, e ela ficou tensa. Se ele ousasse apalpá-la...
Ela poderia derreter. Seu corpo já estava formigando, aquecendo. Mas depois
ela explodiria em fúria! Absolutamente. Provavelmente.
Ela não podia, não desejaria esse homem. De jeito nenhum, nunca.
Quando seu outro braço se esticou para frente, ela se preparou para a
batalha... mas seus dedos a ignoraram inteiramente para se enrolar na crina da
criatura, enviando a quimera a galope.
Um grito estridente de choque separou seus lábios enquanto seu entorno se
turvava. Ela se agarrou ao braço de Puck, com certeza suas unhas cortavam pele
e músculo. Uma necessidade assim como um prazer sádico, apesar da dor no
próprio braço.
Eles viajavam a grande velocidade, chegando ao acampamento apenas alguns
minutos depois. Puck pulou da montaria, desmontou-a e a colocou de pé. Náuseas
agitavam seu estômago. Tonta, ela balançou... e caiu.
Seu babaca de um marido temporário ficou assistindo, mais uma vez nem
mesmo tentando ajudá-la.
Ânimo. Ele vai embora e você o seguirá. Vai vencê-lo em seu próprio jogo.
A quimera trotou, pisando propositadamente na mão de Gillian. Quando os
ossos estalaram, ela gritou. As dores agudas subiram por seu braço e se
acumularam em seu ombro.
A mão de Puck também quebrou, mas sua expressão sem emoção nunca
vacilou.
Quando o pior da dor diminuiu, ela choramingou e apertou a nova lesão contra
o peito. Mas não chorou. Não derramaria mais lágrimas por seu tratamento aqui.
Pode quebrar meus ossos, mas você não vai quebrar meu espírito.
— Você já está se curando. Sacuda a dor e fique de pé. Vê-la no chão me
deixa... — Seus olhos se estreitaram e ele mostrou os dentes. — De pé. Agora.
Vê-la assim o deixava... o que? Sentindo-se culpado por seu péssimo
tratamento?
Não era tão gelado no fim das contas, hein?
— Estou bem, obrigada. E, oh, sim. Dane-se — ela murmurou, permanecendo
no lugar enquanto olhava ao redor de uma aldeia próspera.
Tendas eram abundantes, misturadas com cabanas de barro. Múltiplas
fogueiras adicionavam um bafejo de calor ao vento, as chamas lambiam os animais
esfolados atualmente ancorados em espetos. Crianças brincavam por todos os
lados. Os homens estavam sem camisa, vestindo apenas calças de pele de carneiro.
As mulheres usavam lenços da cabeça ao joelho.
Todos tinham uma coisa em comum. Todos a fitavam.
— Este clã é feito de párias — explicou Puck, não oferecendo mais nenhuma
repreensão por sua desobediência. Uma pequena misericórdia. — Eles valorizam a
força acima de tudo e desprezam a fraqueza.
Então, basicamente, Gillian já era a garota mais desprezada da cidade?
Palmas pra mim.
— Irlandês! — Anunciou uma voz feminina. — Já era tempo de retornar. Eu
comecei a achar que você tinha morrido.
A crescente multidão se separou, revelando um homem e uma mulher de vinte
e poucos anos. E, bom Deus, eles eram lindos. Ambos tinham olhos da cor de
lavanda mais incrível com a borda prateada, cabelos cor de moedas derretidas e
pele em tons mais claros. Eles tinham que ser irmãos.
Ao contrário dos outros homens do acampamento, este usava uma camiseta
preta que dizia Winter Is Coming e uma calça jeans. Ao contrário das outras
mulheres, esta vestia um top de couro ligado por uma malha metalizada a uma
minissaia de pregas combinando. A roupa era sexy e a protegia ao mesmo tempo.
Tanto o homem quanto a mulher tinham espadas curtas presas às costas, os
punhos delas aparecendo sobre os ombros.
Eles são magníficos e estou de quatro no chão.
O mais rápido que pôde, Gillian se levantou.
— Este é Cameron, Guardião de Obsessão, e sua irmã, Winter, Guardiã de
Egoísmo — disse Puck. — Os amigos que falei. Meus únicos amigos. Cameron,
Winter, esta é minha... esposa.
Gillian engoliu em seco. Obsessão e Egoísmo para completar Indiferença —
quem agora expressava seu descontentamento com rosnados. Que maravilha.
— Olá — disse ela, empurrando a palavra passando pelo nó farpado em sua
garganta. Conhecer novas pessoas sempre foi difícil para ela, e sua associação com
Puck não ajudava. Agora sempre se perguntaria quem planejava mais maneiras de
tirar vantagem dela.
Cameron a olhou de cima a baixo e deu um sorriso malicioso.
— Olá, linda.
Winter a olhou de cima a baixo também, e prontamente decidiu que ela não
merecia uma saudação. Seu olhar voltou para Puck.
— Palavras não podem descrever o quanto senti sua falta. Mas números
podem. Três de dez. Você me prometeu ouro e joias. Eu quero meu ouro e minhas
joias. E magia. Sim, eu gostaria de um pouco de magia. Ou muito. Definitivamente
de muito.
Ignorando-a, Puck deu um empurrãozinho em Gillian na direção de Cameron.
Ao menos não sou a única a receber o tratamento silencioso.
— Vou embora recrutar William — disse ele ao outro homem. — Confio que
esteja obcecado com a proteção de Gillian agora que a conheceu? Ela é fraca e frágil
sim, mas também é a chave da minha vitória, e do ouro e das joias da sua irmã.
— Obcecado e impressionado — disse Cameron, seu sorriso aumentando.
Puck enrijeceu e passou a língua nos dentes.
— Gillian não deve ser tocada. Por ninguém. Nunca.
Ora, ora. O homem tinha alguns escrúpulos. Outra pequena misericórdia.
Um pouco tarde demais.
E o que ele quis dizer com fraca e frágil? Desde que o conheceu, ela fez o
melhor para aturar, ajustar-se e prosperar, apesar dos muitos obstáculos.
— Se em qualquer momento ela chegar a desejar um homem — Puck
acrescentou, seu tom afiado — mate-o. Não hesite.
— Você não pode estar falando sério — disse ela, olhando boquiaberta para
ele.
Cameron esfregou as mãos, como se excitado pela perspectiva.
— Considere feito.
— E quanto a mim? Ninguém quer matar os homens que eu desejo? Além
disso — acrescentou Winter, dignando-se a se concentrar em Gillian — você é
imortal agora, o que significa que seu tempo aqui será o início da sua história. Toda
história precisa de um vilão. — Ela ergueu a mão. — Eu sou voluntária.
— Aceito — ela respondeu, porque não estaria aqui por muito tempo. Estaria
nos calcanhares de Puck. — Alerta de spoiler. Vilões sempre morrem no final.
Puck a pegou pelos ombros garantindo que o encarasse, e olhou para ela, sua
expressão vazia. Quando ela se recusou a desviar o olhar primeiro, ele moveu a
mão no cabelo dela e apertou os fios de sua nuca.
Bem assim. A respiração ficou presa em seus pulmões — e esquentou. Ela
culpou seu vínculo matrimonial. Oh, como detestava aquilo!
— Vou te dizer uma coisa que meu pai me disse quando eu era jovem — disse
ele, apertando com mais força. — Se alguém machucá-la, mate primeiro e faça
perguntas depois.
— Você me machucou.
— Você é uma extensão de mim, o que quer dizer que eu só me machuquei.
— Inclinando-se, ele roçou a ponta do nariz no dela. — Tente não sentir minha
falta, moça. Eu só ficarei fora por cem anos, talvez duzentos. Quase nada.
Idiota.
— Sim, mas apenas alguns minutos, dias ou semanas passarão para você.
— Você pode usar esse tempo para se fortalecer. Treine, aprenda a lutar.
Ele esperava que ela passasse centenas de anos sem amigos ou família,
vivendo em um terreno não familiar, treinando? Ele não era apenas indiferente;
também era louco.
— E se eu for morta enquanto você estiver fora? — As palavras escaparam
dela. — Você vai morrer também. Só... me leve com você e supervisione minha
proteção. — Dessa forma, ela não teria que correr o risco de segui-lo sozinha.
— Você não será morta, prometo. E eu ficarei... irritado se você se machucar.
Embora sua voz permanecesse monótona, ele de alguma forma fez a palavra
irritado soar como uma ameaça de destruir todo o reino.
— Irritado? Que terrível pra você.
— Você estará bem protegida aqui — ele continuou, inclinando a cabeça para
o lado. — Eu prometo.
— Em primeiro lugar, suas promessas não significam nada para mim.
Ele deu de ombros.
— Isso não me parece um problema.
Não solte a língua. Não se atreva a soltar essa língua.
— Em segundo — continuou — coisas bem guardadas são levadas o tempo
todo e...
— Chega. — As luzes em sua íris se iluminaram quando ele segurou sua
mandíbula e traçou os polegares em suas bochechas. — Eu vou te dar um beijo de
adeus, esposa. Um breve gosto.
O que! O batimento cardíaco dela gaguejou contra suas costelas, o sangue
fervendo em um instante. Os formigamentos atormentaram seus seios e o lugar
agora dolorido entre suas pernas. Depois de tudo o que ele fez, esperava uma
sessão de beijo na frente de outras pessoas?
— Por quê? — Sério? Eu pergunto por quê? Não digo para ele ir catar coquinho?
Indiferença dançou na frente de sua mente, garras afiadas cortando a massa
cinzenta. Ela se encolheu, até choramingou.
— Concentre-se em mim, não no demônio — disse Puck, talvez reconhecendo
os sinais da interferência do demônio.
Ela obedeceu, olhando para ele, aquele homem que se tornara seu marido,
que às vezes era desnecessariamente cruel, e outras, surpreendentemente gentil.
Como podia pensar em beijá-lo? Ela não o conhecia, não realmente, e
definitivamente não confiava nele.
Apesar desses momentos de bondade, ele era um mentiroso. Ele tinha gelo em
vez de coração. Ou talvez fosse por isso que devesse beijá-lo. Ele não ficaria muito
excitado. Poderia nem ficar excitado. Que era o que ela queria, mais ou menos. Mas
meio que... não.
Ótimo! Havia duas Gillians novamente.
— Você vai se lembrar de mim — pensar em mim — enquanto eu estiver fora
— ele disse, e não estava fazendo uma pergunta, mas emitindo uma ordem.
Proteste. Agora. Antes que comece a entrar em pânico, e o demônio ter uma
reação pior. Mas... parte sua o queria excitado e também queria que pensasse nela
enquanto estivesse fora. Queria que ele soubesse o que perdeu no momento em
que a usou.
Sério? O que foi que ele perdeu? Me diga.
Cala a boca.
A Gillian malvada venceu. Ela ficou na ponta dos pés, dizendo:
— Me beije então. Desafio você.
Ele a encontrou no meio do caminho e inclinou os lábios nos dela. Os
movimentos eróticos de sua língua provocaram mais formigamentos na superfície
e abanaram as chamas do desejo. Quente, tão maravilhosamente quente. As dores
aumentaram quando ele empurrou com mais força, seu gosto divino e ritmo cada
vez mais frenético arrancando um gemido de rendição de dentro dela. Um som que
ele devorou completamente, como se nunca tivesse tanta fome — nem nunca
tivesse desfrutado de uma refeição mais saborosa.
Sua habilidade, especialidade. Sua crueldade, em plena exibição.
Puck não se incomodou em aprendê-la ou explorar suas nuances; ele pegou,
deu e exigiu... tudo, sua língua dominando a dela com uma promessa de riquezas
incalculáveis. Ela estava impotente para resistir.
O demônio se acalmou, sua mente repentinamente sua, pensamentos
diferentes entrando em sua consciência, um após o outro. Esse beijo foi uma
péssima ideia. Esse beijo foi uma ideia maravilhosa. Ela já teve o suficiente. Ela
nunca teria o suficiente. Isso poderia ajudá-la. Isso provavelmente a magoaria.
Escravizaria. Poderia finalmente libertá-la. O beijo era nada e tudo.
Ele era... delicioso.
Então seus pensamentos se acalmaram também, seu corpo assumindo o
controle. Seus mamilos enrugaram contra o vestido, como se buscassem a atenção
de Puck, e sua barriga estremeceu. O calor líquido encharcou sua calcinha e seus
membros tremeram, o desejo roendo seu corpo. Uma fome que só se intensificou
quando o sabor dele se registrou: o champanhe mais potente.
Mais!
Assim que se inclinou para ele, suavizando, achatando as mãos no seu
peitoral, ele apertou seus pulsos, impedindo-a de fazer contato e levantou a cabeça.
— Não toque na minha tatuagem de pavão, moça. — A aspereza de seu tom a
empolgou. — Nem agora, nem nunca. Está fora dos limites.
Gillian piscou de volta ao foco, sua mente forçada a se recuperar. Fora dos
limites? Por quê?
Quem se importava? Respire. Ela tinha acabado de experimentar seu primeiro
beijo. Não, tinha acabado de experimentar seu primeiro beijo, e não tinha entrado
em pânico. Melhor ainda, ela quis — e deu — prazer.
Eu beijei um monstro e gostei.
Ela deveria estar além de enojada consigo mesma. E Puck... ele deveria estar
indiferente. Ele estava?
Ela queria que ele estivesse?
— O demônio voltou para você? — Ela perguntou, envergonhada pela
rouquidão de sua voz.
Ele assentiu com a cabeça, o olhar quente sobre ela, as pupilas dilatadas.
— Você estava certa. Nosso acordo está cancelado. Mas vamos fazer um novo.
Quando eu voltar, farei com que você me queira.
Antes que ela pudesse responder, ele a tocou no queixo, virou e foi embora.
O que você está fazendo aqui em pé parada? Siga-o! Certo. Pondo-se em
movimento, Gillian deu um passo à frente, mas Winter e Cameron se colocaram
em seu caminho, impedindo-a. Oh, droga. Ela iria ficar presa aqui, não iria?
Enquanto seus planos ruíam ao seu redor, Puck continuou a frente como um
prisioneiro liberado da prisão, nem uma vez olhando para trás.
Winter rodou uma adaga.
— Está pronta pra se divertir, garotinha? Por que eu estou.
Um arrepio de urgência assolou Puck. Para se livrar dele, teria que invocar
uma nova camada de gelo, algo que no momento não estava disposto a fazer. Não
havia necessidade. Com exceção de um punhado de silêncio de uma hora de
duração, Indiferença permanecia em sua cabeça emitindo um fluxo constante de
ruído, mas nunca o enfraquecendo — e considerando todas as outras coisas que
estava sentindo, deveria ter enfraquecido. O demônio havia perdido a capacidade
de agir contra ele.
Então, por que ele não estava feliz?
Porque... porque e pronto! Depois de semanas de viagem longe de Amaranthia
— semanas longe de Gillian e dias em Budapeste — ele não tinha feito progresso
para descobrir a localização de William.
Quanto tempo tinha passado para Gillian, Cameron e Winter? E Sin, que
continuava a governar os Connachts sem ser desafiado? Cerca de trezentos anos,
seria seu palpite.
Gillian tinha perdoado Puck por quebrar seu dedinho?
A lembrança de suas ações o enojava. Como pôde ter feito uma coisa dessas?
Apesar das poucas semanas — para ele — o vínculo deles se fortaleceu como
se estivessem juntos por séculos. O que eles tinham, de acordo com o fuso-horário
dela. Ele sentia como se a conhecesse desde sempre. Como se sentisse sua falta
desde sempre. Como se ele a desejasse desde sempre.
Ele a queria de volta. Agora.
De que forma Gillian mudou? Como ela estava? Ainda doce... ou endurecida?
Que provações ela enfrentou sem sua ajuda e proteção?
Instinto cru queimava dentro dele, trazendo uma necessidade de cometer
violência contra qualquer um que a tivesse prejudicado.
Durante as primeiras horas fora de Amaranthia, muitos anos haviam se
passado para Gillian. Durante esse tempo, ela sofrera ferimentos terríveis. Ele
sabia por que sofreu os ferimentos junto com ela. Num segundo ele estava bem, no
outro, múltiplos ossos haviam sido quebrados sem motivo aparente. Contusões
haviam se formado e desaparecido. Duas vezes suas mãos caíram de seus pulsos.
Isso que era estranho. Certa vez, ele perdeu um pé. No entanto, entre um segundo
e o outro, seu corpo tinha brotado novos apêndices.
O que acontecera com ela? Por que Cameron nem Winter a pouparam da dor?
Junto com as grandes, ele também se preocupava com as pequenas coisas.
Gillian tinha descansado o suficiente? Teria se alimentado corretamente? Rido
mais? O fogo tinha sido apagado de seus olhos? Ou ela finalmente havia pegado
fogo e queimado?
Raiva se levantou forte, uma marreta batendo em sua calma. Por que ele não
tinha rompido de maneira clara com ela, sem promessas persistindo entre os dois?
Por que tinha insistido em um novo contrato? Por que a beijou?
A mulher o tinha abalado, aquele beijo se passava repetidamente dentro de
sua cabeça. O gosto dela era tão decadente quanto o cheiro, todo poppiberries e
sedução. A sensação dela, toda suavidade e calor.
Ela o odiava ainda, ou o beijo a tinha conquistado?
A culpa o feriu. Claro que ainda o odiava. Ele a enganou, torturou, abandonou
e mentiu para ela.
Um lado dele dizia: Farei as pazes com ela assim que voltar.
O outro respondeu: Oh, sério? Eu farei as pazes com ela, com William ao meu
lado?
Cada músculo no corpo de Puck deu um nó, a raiva ganhando um novo
terreno. A ideia de Gillian e William juntos novamente...
Acho que prefiro perdoar Sin por seu crime contra mim.
O bom senso gritava. Você perdoaria? Porque é sua única outra opção. Permitir
que seu irmão traiçoeiro destrua seu clã e seu reino.
ROSNADO.
Inalar. Exalar. Puck passou a mão pelo rosto. Você não passa de um incômodo,
demônio.
E Puck tinha coisas melhores para fazer do que ouvir uma birra. Ou debater
a sabedoria do seu plano. Há pouco tempo, descobriu uma pista sobre o paradeiro
de William.
Rumores declaravam que o homem estava se divertindo no centro de
Oklahoma. Fofoca tinha a intenção de mandar Puck direto a uma emboscada?
Possivelmente. Iria impedi-lo? Não.
Ele roubou um celular e, assim como Cameron e Winter lhe ensinaram, postou
um anúncio no Imortais Procurados, um site na dark dark web.
Pedido: um faiscar de Budapeste para Oklahoma City.
Pagamento: Ouro de Amaranthia.
Ele acrescentou suas coordenadas exatas e esperou.
Publicar o anúncio custava tanto quanto a viagem em si, mas os benefícios
superavam em muito o gasto. Se alguém aceitasse um serviço e prejudicasse a
pessoa que o contratou, esse alguém seria perseguido e executado pelo proprietário
do site — Rathbone, o Único, um dos nove reis do submundo.
Puck nunca tinha conhecido Rathbone, mas só ouviu os outros falarem dele
em voz baixa.
No extremo oposto do espectro, se alguém solicitasse um serviço e
prejudicasse a pessoa que contratou, ou até mesmo deixasse de pagar, seria
perseguido e executado.
Poucos minutos depois, sua carona apareceu. Um homem alto e musculoso,
com longos cabelos negros, olhos como diamantes, e pele escura e vermelha como
o sangue. Poder irradiava dele. Ele estava sem camisa, a metade inferior coberta
por calça de couro preta. Do pescoço para baixo, ele tinha centenas de tatuagens,
todas as imagens iguais. Um olho fechado.
— Está procurando uma carona? — Perguntou o recém-chegado. Ele tinha
uma voz profunda e rouca.
— Estou.
Aqueles olhos de diamante brilhavam com uma diversão perversa quando
estendeu a mão.
— Eu não sou nada senão cooperativo... quando não estou matando a sangue
frio.
Uma ameaça? Boa sorte com isso.
Puck colocou uma moeda de ouro no centro da palma do homem, esperando
que o macho passasse um braço ao redor dele; a maioria dos imortais precisava
tocar o que transportavam. Esse não. Budapeste desapareceu, um beco
abandonado com várias lixeiras tomando seu lugar.
O outro homem tinha sumido.
Um gato pequeno com pelo emaranhado e cicatrizes se aproximou de Puck e
se enroscou entre seus pés, esfregando-se nas suas pernas.
— Bom fazer negócio com você — ele murmurou.
O intenso calor o envolveu, o ar úmido e opressivo. O suor escorria em sua
pele enquanto ele verificava suas armas, apenas no caso de sua escolta ter decidido
desaparecer com elas. Duas adagas, duas semiautomáticas. Excelente.
Permanecendo nas sombras, Puck estudou o meio. Construções velhas de
tijolos vermelhos intercaladas com o ocasional arenito pardo. Múltiplos becos se
ramificando daquele para o qual ele tinha sido transportado. Alguns pedestres
vagando pelas calçadas.
Deixado sem outro recurso, Puck avançou, revelando sua presença aos
humanos. Algo que ele nunca fez no passado — sem matar todos que o avistassem.
Hoje não havia razão para esconder sua identidade e todos os motivos para revelá-
la.
As pessoas olhavam. Algumas até sacaram seus celulares para tirarem fotos
dele. Ninguém gritou ou fugiu. Interessante. Talvez elas assumissem que ele estava
fantasiado?
Deixe o rumor de sua presença se espalhar. Deixe que William venha até ele.
Um súbito crepitar de energia cobriu o ar, detendo-o. Uma fração de segundo
depois, o céu inteiro escureceu, como se o sol tivesse ido para outro reino.
Humanos ofegaram e gritaram por socorro, apenas para serem abafados quando
gritos angustiados se derramavam do céu: gemidos de dor e pesar.
Mas que diabos?
Antes que ele tivesse uma chance de raciocinar sobre o que havia acontecido,
o sol mais uma vez brilhava de um céu azul bebê. O coro se acalmou, mesmo
quando humanos assustados saíram correndo da área.
A resposta veio para Puck em um instante, como se ele tivesse testemunhado
esse tipo de evento antes. Os Enviados — assassinos alados de demônios — viviam
no terceiro nível dos céus, o nível mais próximo do reino humano. Um de seus
líderes havia morrido.
Não é problema meu.
Foco. Puck entrou no primeiro hotel que encontrou, deixando sua sombra em
forma de gato do lado de fora. Ele iria se esconder em um quarto e esperar pela
chegada de William.
O homem apareceria?
Os funcionários olharam duas vezes para Puck, e os hóspedes o olharam de
lado, mas ninguém fez perguntas. Depois de adquirir uma chave, ele dispensou o
carregador de bagagem e subiu as escadas, parando em todos os andares para
garantir que nenhuma saída estivesse bloqueada.
Em seu quarto, encontrou uma cama king size com edredom branco,
escrivaninha, cômoda, televisão e mesa de café. Ele colocou tudo em um único
canto e...
BUM!
Dobradiças da porta de entrada se quebraram. Madeira espatifou. No centro
do caos estava William da Escuridão. Aos seus pés, o gato — o gato sorridente. O
felino tinha levado William até Puck? Possivelmente. Até provavelmente. De que
outro modo William teria chegado tão rapidamente?
Puck fez uma rápida pesquisa visual. William segurava um pequeno torque de
ouro, mas não tinha armas discerníveis. Claro, se ele fosse parecido com Puck, seu
corpo já era arma suficiente.
O silêncio se estendeu entre eles enquanto se mediam. Durante o último
encontro, William exibia olhos vermelhos. Não estavam assim hoje. O azul havia
retornado.
A cor dos olhos importava para Gillian? Ela preferia...
Idiota! As preferências dela não influenciavam a situação.
— Você pode ir — disse William.
— Ir? — Puck estalou os dedos. — Por que eu iria...
— Você não.
O gato começou a crescer, e a crescer. Metamorfo, Puck percebeu. O pelo
desapareceu, substituído pela pele vermelha, revelando o imortal que o levara até
Oklahoma.
Vermelho fez uma reverência.
— Foi um prazer fazer negócios com você, Puck. Com você também, William.
Apesar de adorar ficar e testemunhar a carnificina que vai vir em seguida, sou
necessário nos céus. Onde há tumulto, ali estou eu. — Ele tocou a aba de um
chapéu invisível antes de faiscar desaparecendo.
Tumulto nos céus. Eu sabia.
— Os Enviados — disse Puck. — Algo aconteceu.
— Não deveria se preocupar com eles. Só consigo mesmo. — William falou em
um volume normal, mas com ameaça atada em cada palavra. — Me diga onde
Gillian está ou vou transformar seus testículos em bolinhas de discoteca.
Ressentimento explodiu, estimulando Indiferença a adotar um ritmo frenético
dentro de sua mente. De um lado para o outro, para frente e para trás.
— Ela está segura. Agora, isso é tudo que você precisa saber.
Ding, ding, ding. Com um grito de guerra enlouquecido, William se lançou em
Puck.
Quando caíram no chão, o outro homem agarrou seu pulso e ancorou a faixa
de ouro em torno dele. Uma ação inesperada e um avanço estranho. O metal
pulsava com magia.
Impacto. O ar soprou de seus pulmões, o chão embaixo dele, seu oponente em
cima. William ficou de joelhos e atacou, seus punhos dando golpes furiosos. O
cérebro de Puck balançou contra seu crânio. Dor. Tontura.
A raiva surgiu, Indiferença arranhando sua mente com mais força, mais
rápido. Cuidado. Não desista. Embora o demônio não tivesse mais o poder de
enfraquecê-lo, a emoção o levaria a matar o homem de quem ele precisava.
Puck bloqueou o próximo golpe esmagador. Claro, não querendo desistir,
William deu um soco com a mão livre.
Bloqueando também esse, Puck disse:
— Pense. Você não pode me machucar sem machucar Gillian.
— Errado. — O homem deu um sorriso frio e calculista, cheio de dentes
brancos perolados e malícia. — Você achou que eu não iria mexer meus pauzinhos
depois que você se uniu a minha mulher? Aprendi tudo o que pude sobre você,
assim como sobre laços de casamento. Você foi traído por seu irmão, seu reino foi
roubado. Isso lhe diz alguma coisa? Ah, e eu te fiz um presente. — Ele apontou
para a argola de ouro com uma inclinação do queixo.
Símbolos foram esculpidos no metal.
— Que tipo de magia é essa? — Puck perguntou.
— O que você chama de magia, eu chamo de poder. Como filho de Hades,
tenho poder... em grande quantidade. Agora sua dor permanecerá sua. E eu sei o
que você está pensando. Uau, esse Willy é mesmo um pacote completo. Beleza, força
e cérebro. Você está certo, mas também não deixa de ser um homem morto
andando. — Soco, soco. — Eu não posso ser derrotado.
Puck capturou os punhos dele mais uma vez e ofereceu um sorriso frio.
— Apesar do seu poder, você não pode cortar meu vínculo com Gillian. Está
vivo e bem, amarrando minha vida à dela, e não há nada que você possa fazer sobre
isso.
Fúria brilhou naqueles azuis como a água do oceano.
— Não se preocupe. Eu não vou te matar, Pucker. Ah, não. Você vai sofrer por
séculos. — Ele pontuou cada palavra com um novo soco.
Puck suportou a mais nova rodada de punhos martelando sem lutar, o tempo
todo trabalhando as pernas entre seus corpos. Sucesso. Ele agarrou o homem pelos
braços e puxou, ao mesmo tempo chutando-o acima da cabeça. William atravessou
o quarto e bateu na parede, quebrando o reboco do teto ao chão.
Poeira enchia o ar. Músculos ondulavam com força bruta enquanto Puck
ficava de pé, e sangue quente escorria de sua boca. Ele ia desembainhar uma adaga
e atravessar o coração de William...
Não! Não devo matar.
— Aqui está o que vai acontecer — disse ele, a voz áspera quase irreconhecível.
— Você vai levantar um exército para me ajudar a destronar meu irmão e recuperar
meu reino. Depois usarei as tesouras de Ananke para cortar meu vínculo com
Gillian. Ela ficará livre de mim, de uma vez por todas.
E não vou sentir falta dela, nem por um segundo.
— Eu não preciso de um exército. Eu sou um exército. — Dentes à mostra,
William se endireitou e estalou os ossos em seu pescoço. — Onde ela está? Você foi
pra cama com ela?
— Não fui — ele disse a si mesmo para calar a boca. Mas seus lábios se
separaram, permitindo que uma única palavra escapasse. — Ainda.
Rosnando, William deu um passo à frente.
— Só depois que destronarmos meu irmão — continuou Puck — eu usarei as
tesouras. — A promessa era ruim, mas ele se recusava a negar. — Concorde com
os meus termos. Agora.
— Em vez disso, acho que vou roubar as tesouras e cortar o vínculo eu mesmo.
Então cortarei sua vareta e suas bagas, e enfiarei o pequeno trio pela sua garganta.
Como aperitivo. Depois de todos aqueles séculos de sofrimento que mencionei, eu
poderia ficar enjoado e cansado de ouvir você implorar por misericórdia, então
finalmente vou considerar matá-lo. Então conquistarei seu reino somente por
diversão.
Bocejo.
— Confie em mim quando digo que não vai encontrar a tesoura sem mim. —
Ele tomou precauções extremas para escondê-la. — Então, ou você concorda em
me ajudar nos próximos cinco segundos, ou eu volto para Gillian e me deito com
ela pela primeira vez. E uma segunda... terceira. — Antecipação o consumiu,
colocando-o no limite. — Você gosta da ideia dela espalhada na minha cama, nua,
o cabelo escuro derramado sobre o meu travesseiro, as pernas bem abertas
somente para mim? — Porque eu gosto.
Ele esperava outra explosão de William.
Em vez disso, o macho arqueou uma sobrancelha e olhou para Puck.
— Tem certeza de que ela vai recebê-lo? Belas pernas. Precisa raspar muito?
— Por que eu deveria raspar, se minha esposa adora se esfregar em mim e me
usar para se esquentar? Quatro segundos.
Narinas inflando, William o circulou.
— Você tem pedigree? Não. Você é um vira-lata, tenho certeza. Deixa os cascos
para fora da cama ou não se importa em sujar os lençóis?
Cabeça erguida. Ombros para trás.
— Lençóis podem ser limpos. Minha mente não. Oh, as coisas que desejo fazer
com a minha esposa... Três.
Rígido, William disse:
— Devo me virar e te deixar cheirar minha bunda? — Ele estalou a língua em
desaprovação. — Se a cama balançar é porque você provavelmente está debaixo
dela, mordendo um sapato, estou certo?
— Ou dando à minha esposa os próximos dez orgasmos. Dois.
Narinas dilatadas.
— Seja sincero. Isso na sua calça é um matagal, ou você só está feliz em me
ver?
— É tudo eu, e mal posso esperar para presentear cada centímetro à minha
esposa. Um.
William bufou, mas não ofereceu acordo.
— Muito bem. Marcarei o plano A como mal sucedido. — Ele voltaria para
Amaranthia e continuaria sem sua outra chave. O que mais poderia fazer?
Cameron e Winter iriam ajudá-lo. Eles mataram alguns dos maiores vilões da
"mitologia".
Primeiro problema: Cameron era facilmente distraído por obsessões triviais.
Segundo: Winter trairia qualquer um para apaziguar sua natureza egoísta.
Resultado: os irmãos poderiam causar mais mal do que bem.
E foram esses dois que você deixou encarregados dos cuidados de Gillian?
Pressionando a língua no céu da boca, Puck ignorou a nova rodada de
rosnados do demônio e seguiu em direção à porta.
— O que? Sem despedida? — William entrou no seu caminho. — Talvez eu
ajude seu irmão a derrotar você.
Em um segundo Puck pretendia sair, no outro ele tinha o homem pressionado
contra a parede, os dedos em volta do seu pescoço. O restante de gesso desmoronou.
— Talvez eu o mate — afirmou. Gillian choraria, mas lágrimas podiam secar.
Corações partidos podiam ser emendados.
William chutou sua perna, levantou e prendeu o tornozelo no pulso de Puck.
Então abaixou sua perna com força. Aconteceu em menos de um piscar de olhos,
mas os pensamentos de Puck foram mais rápidos. Ele sabia que tinha uma escolha.
Solte seu oponente e saia ileso, ou segure-se e lide com um braço quebrado.
Finalmente, uma decisão fácil de tomar. Vou ficar com a opção B.
O osso em seu antebraço estalou, a dor queimando-o. Ele deu boas-vindas e
manteve seu aperto de ferro. Ao mesmo tempo se agachava, forçando William a
fazer o mesmo, e usou a mão livre para pressionar várias navalhas contra a
garganta do imortal.
William riu, o som meio selvagem, meio louco.
— Você a quer para si, não é, e acha que ela também o quer? Bem, que pena.
Você nunca vai tê-la. Os vínculos fazem os casais pensarem que desejam um ao
outro, o que significa que qualquer desejo que ela tenha por você é falso. Afinal,
que mulher em sã consciência escolheria alguém como você? Esses chifres... — Ele
estremeceu em repulsa.
— Sua mãe amou meus chifres na noite passada. Deu uma ótima polida neles.
Outra gargalhada selvagem e insana de William antes que ficasse sério.
— Durante minha busca por informações, soube que eu, de alguma forma,
sou a chave do seu sucesso. Você não pode destronar Sin sem mim. Então, se
quiser que seu irmão saia do caminho, você fará um juramento de sangue inviolável
de cortar seu laço com Gillian no momento em que eu lhe apresentar a coroa de
Connacht.
Ele tinha... ganhado? Era isso. O momento pelo qual Puck planejou e lutou.
Ele abriu a boca para concordar, mas com uma quantidade surpreendente de raiva,
disse:
— Aceitarei seus termos se você aceitar os meus. Enquanto estivermos no meu
reino, você não tocará em Gillian.
A declaração registrou em sua mente, e ele se sacudiu. O que ele não fez?
Negar.
— Vou tocá-la quando e onde quiser — disparou William.
Puck revelou outro sorriso frio — uma promessa de dor.
— Então não temos um acordo.
— Você não vai desistir de se vingar de Sin. Não vai abandonar seu povo a
uma vida de medo e tormento.
— Eu posso. Eu vou. Você esquece quem eu sou. — Ele se virou com toda a
intenção de saltar pela janela. Às vezes desprezava Indiferença por moldá-lo dessa
maneira; outras, ele se deleitava com sua capacidade de compartimentalizar.
Hoje ele se divertia. Gelo, baby, gelo.
— Tudo bem — William rosnou. — Esperei tanto tempo que posso esperar
mais um pouco. Não tentarei seduzi-la. Mas se ela tentar me seduzir...
Dentes se esfregando. Punhos apertando. Puck se virou e encarou sua
segunda chave.
Não sinto nada, não quero nada.
Sirenes soavam à distância. Alguém ouviu a confusão e chamou a polícia.
Se ele ficasse por mais tempo, seria preso.
Ele levantou o queixo.
— Aceito seus termos.
— Eu terei seu juramento de sangue sobre as tesouras. — William estendeu a
mão, puxou uma navalha do cabelo de Puck e fez uma incisão no próprio pulso.
Assim que o sangue deles se misturasse, assim que o juramento deixasse sua
boca, Puck estaria para sempre preso, fisicamente incapaz de renegar.
Não havia outro jeito.
Usando a mesma navalha, Puck imitou o guerreiro. Sangue brotou do
ferimento quando ele apertou a mão do outro homem.
— No dia em que derrotarmos Sin... no dia em que você me der a coroa de
Connacht e deixar minha casa, nunca retornará, nunca atacará nem a mim nem
ao meu reino, nem meu povo em retaliação por atos que cometi... é esse o dia em
que usarei as tesouras de Ananke para cortar o meu laço com Gillian Connacht.
Isso eu juro.
Pronto. Estava feito. Seu curso tinha se estabelecido, seu futuro decidido.
Qualquer outro homem teria experimentado triunfo. Puck assentiu, confuso
pela sensação de vazio em seu peito.
William o fitou, silencioso, antes de retribuir o assentimento.
— Agora nós destronaremos Sin e recuperaremos seu reinado. Vamos.
Dia 41, DU (Depois da União)

Gillian voou do outro lado da areia e aterrissou com um grunhido. Quando se


levantou, sabendo que seria chutada na cara se ficasse perto do chão, ela tentou
recuperar o fôlego. Uma tarefa quase impossível. Cuspiu um pouco de sangue e
talvez até um dente.
Ela passou a língua nas gengivas doloridas. Sim. Definitivamente um dente.
Graças à sua imortalidade, cresceria um novo pela manhã. Ela sabia disso, sem
dúvida, porque já perdeu e recuperou outros quatro.
— Me apresse de novo — falou Winter. — E seja mais rápida, mais forte e
melhore uns trezentos por cento neste momento.
Claro, deixe-me acertar isso.
— Me dê um segundo — Gillian estalou os ossos de seu pescoço e girou os
ombros, rezando para que a tontura em sua cabeça se dissipasse.
— Na batalha, não há segundos.
E ela não sabia disso!
Depois de uma tentativa frustrada de seguir Puck para fora de Amaranthia,
Gillian concordou em treinar para o combate. Por que não colocar seu ódio por seu
marido ausente em uso? E, realmente, não poderia viver seu sonho nem cumprir
seu propósito — ajudar mulheres e crianças abusadas — se continuasse fraca.
Winter a ensinaria como usar todas as armas disponíveis naquele inferno de
areia primitivo depois que ela aprendesse a lutar mano a mano. Só havia um
problema. A coronel Winter acreditava que a dor era o melhor motivador.
Todas as noites, Gillian ia para a cama com fraturas e contusões novas. Pelo
menos ela tinha parado de chorar até cair no sono.
Um dia ela seria forte e habilidosa o suficiente para retribuir o favor.
Era bom ter metas.
— Bem? — Winter incentivou.
Tentando não transmitir suas intenções, Gillian correu pra frente, lançando o
cotovelo pra trás. Antes que pudesse dar um soco, Winter mergulhou em volta dela
e a chutou com tanta força que ela temia que sua coluna tivesse sido estalada.
Caiu de quatro no chão. Não houve tempo para se levantar. Winter a cobriu,
agarrou pelos cabelos e levantou seu queixo.
Metal frio pressionou contra o pulso acelerado na base do seu pescoço.
— Como pode se proteger, se não consegue, você sabe, se proteger? — Winter
exigiu. — Eu amo Puck. Bem, não amor, amor. Ele não sou eu. Eu gosto dele. Ele
me acalma. Se você morrer, ele morre. Então você não pode morrer. Seu cérebro
débil está começando a compreender?
Gillian não gostava de ouvir que outra mulher gostava do seu marido. Por que
Puck não merecia tal devoção, é claro, e por nenhuma outra razão.
— Faça alguma coisa — Winter pressionou mais a lâmina, tirando sangue. —
Não aceite passivamente a minha...
Gillian explodiu, jogando a cabeça para trás para acertar a outra mulher no
queixo. Um grunhido de dor soou. Sem pausa, ela girou e socou. Seu punho entrou
em contato com o nariz de Winter pela primeira vez. A cartilagem estalou e sangue
escorreu de suas narinas.
Uma onda gloriosa de satisfação fez todas as dores de Gillian desaparecerem.
Ela esperava que Winter explodisse em um ataque de raiva, mas finalmente,
surpreendentemente, sua treinadora olhava para ela com algo parecido com
orgulho.
— Tudo bem. Agora estamos chegando a algum lugar.
— Manda ver — disse Gillian entre respirações ofegantes. Seu esterno
queimava a cada inalação, e se perguntou distraidamente se tinha quebrado outra
costela.
E ai, uau, elas estavam chegando a algum lugar. A ideia de uma costela
quebrada não a fazia sentir um ataque de pânico. A ideia de mais dor não engajava
sua resposta de lutar ou fugir.
— Hmm, não. Não hoje — disse Winter. — Você está ridícula sem o dente. Nós
nos reuniremos amanhã quando sua visão não me fizer querer chorar por toda a
raça das mulheres. — Ela se afastou sem atacar, deixando Gillian sozinha no cume
da duna de areia.
O acampamento ficava abaixo e havia pelo menos cinquenta olhos sobre ela,
todos brilhando de alegria. O clã de foras da lei de Puck achava sua determinação
em desenvolver habilidades de combate hilária.
— Chupa — ela gritou. Uma coisa que ela aprendeu: os homens de
Amaranthia tratavam as mulheres deploravelmente.
Desculpe, meninos, mas um dia em breve o mundo de vocês vai mudar.
Os abusadores seriam punidos. Estábulos seriam abolidos.
Durante a maior parte da vida, Gillian viveu em uma jaula, mantida
prisioneira pelo medo e pela miséria. Enquanto as paredes e as portas trancadas
mantinham as mulheres presas nos estábulos, ela imaginava que as "potrancas"
sentiam um desamparo semelhante e sonhavam com a liberdade.
Devo treinar mais rápido.
— Winter — ela gritou. — Traga sua bundinha de volta pra cá. — De agora em
diante, Gillian daria àquilo tudo de si. Não se conteria.
Quando Puck voltasse, encontraria uma esposa muito diferente e um reino
muito diferente.

22 anos DU

Caro Puck,
Cameron deixou escapar que você o contratou para manter uma história
detalhada de tudo o que acontece durante sua ausência. Eu decidi ajudá-lo porque
(aparentemente) preciso de um escape para minha raiva. Comecei a dar uma de
Hulk.
Olha, um segundo estou calma. No outro, sinto como se estivesse
experimentando a fúria de mil homens combinada. Sou capaz de arremessar
perdedores de mais de 100 quilos como se fossem pedrinhas.
Fraca e frágil, Pucky? Acho que não! Não mais.
Eu culpo você e seu demônio. O que vocês fizeram comigo?!
Durante uma de Hulk, apenas duas coisas são capazes de me parar. Eu
eventualmente me canso e desmaio, ou me forçam a tomar um xarope de árvore
cuisle mo chroidhe.
Como você provavelmente sabe, a colheita do xarope exige muito tempo e
energia. As árvores são difíceis de encontrar, e sua casca venenosa é um grande
aborrecimento.
Estou pronta para o seu retorno. Se está pensando ela quer me mostrar um
desses surtos de raiva bem de perto, está correto. Você merece. Sabe que merece.
Se está pensando ela é a mesma garota que deixei para trás, e posso facilmente
intimidá-la, você está errado. Ao longo dos anos, fui socada, chutada, espetada,
esfaqueada e decepada. E não vamos esquecer as poucas vezes que Indiferença
voltou para me deixar louca. Agora? Sou durona como pregos, baby.
Que seja. Você ficará feliz em saber — espera. Vamos reformular. Você não se
importará em saber que aprendi a gostar de Winter. Sim, ela é egoísta ao máximo.
Sim, ela sempre quer o primeiro lugar, para todo o sempre. Mas aqueles a quem
ela considera sua “propriedade particular”, ela protege com a vida. Quando
enfrentamos a fome, a peste e a guerra com outros clãs, o seu espírito feroz nos
ajudou a continuar.
Para combater seu demônio, ela transforma tudo em um jogo. Sua maneira de
convidar alguém para seu mundo, eu suponho, uma vez que abertamente dar algo
a alguém faz com que Egoísmo faça minha amiga perder a cabeça.
O que Indiferença faz com você?
A propósito, nunca pensei no nosso beijo. Não. Nem uma vez. Não sinto sua
falta e nunca imagino onde você está, e o que está fazendo. Pensei que gostaria de
saber.
Gillian Connacht
PS: Puck é um saco.
106 anos DU

Caro Puck,
Estou muito animada e tenho que compartilhar com alguém — até mesmo
você. Adivinha. Eu adquiri magia!
Espera. Talvez eu deva recuar um pouco, já que você é tão bom em história e
tudo mais. Cerca de sessenta anos atrás, Cameron marcou runas nas minhas mãos
a meu pedido. Avance rapidamente algumas semanas. Um homem me emboscou,
pensando em tomar algo que eu não estava oferecendo. (Para sua informação, sua
noivinha ainda não tomou um amante. E não porque ela é fiel a você. Ela está
esperando por William. Bum. Microfone cai.)
De qualquer forma, Cameron notou a confusão e correu, mas já era tarde
demais. Eu já tinha começado a cortar.
Depois que minha vítima-atacante expeliu seu último suspiro, névoa escura
subiu de seu corpo imóvel. A mesma névoa que vi no meu primeiro dia em
Amaranthia depois que você matou nossos atacantes. Lembra? Só que desta vez, a
névoa foi absorvida em MIM. O calor! Os arrepios!
Embriagada pelo poder, decidi deixar Amaranthia, visitar os Senhores e suas
Senhoras em Budapeste, me reunir com William e descobrir se ele te trancou em
algum lugar, exatamente como ele prometeu. Quer dizer, não era como se alguém
pudesse me impedir. A aluna já havia superado seus professores.
E não, eu não queria que você tivesse sido trancado. Não te odeio mais, ok?
Só não gosto de você agora. O tempo me amoleceu, acho. Além disso, finalmente
entendi porque você fez o que fez.
Eu tive um momento em que a lâmpada se acendeu no meu cérebro depois
que uma das minhas recrutas me alimentou com informações falsas na intenção
de me levar para uma armadilha. Péssima jogada, certo? Ela planejava me
presentear a um mestre de estábulo. Como se eu fosse uma potranca que
precisasse ser domada e montada. Eu mal a conhecia, e ainda assim sua farsa
doeu. De mais maneiras que uma! Quanto pior foi para você, quando seu próprio
irmão te traiu?
Mais do que isso, você acredita que os Connacht vão prosperar sob seu
domínio. Quer eles queiram ou não, eu acredito que vão perecer sem você. Então,
sim. Eu entendo, realmente entendo. Também quero um futuro melhor para o meu
esquadrão e para as crianças que salvamos. Eu faria qualquer coisa para garantir
o bem-estar delas, até te estriparia. Mas aí é que está. Se você alguma vez me ferir
de propósito, ou mentir para mim, vou fazer um kabob com suas partes masculinas
favoritas e depois assá-lo.
Não será meu primeiro nem meu último.
Agora, o que eu estava dizendo? Oh, sim. Minha saída. Assim que cheguei a
outro reino, minha magia desapareceu. Talvez por eu não ter nascido em
Amaranthia? Talvez por ainda não ser forte o suficiente. Qualquer que seja a razão
(s), recuei às pressas.
Eu mantenho o que é meu.
Agora passo meu tempo alvejando bandidos: estupradores, molestadores e
abusadores de qualquer tipo. Qualquer um que machuque mulheres e crianças,
na verdade. Sou uma máquina de matar e estou vivendo meu sonho. De fato, gosto
de matar quase tanto quanto da magia.
Isso é ruim? Provavelmente é ruim. O que tem dois polegares e não dá a
mínima? Essa garota. (Quero dizer, quem vai ter dois polegares depois que torna a
crescer o que ela acabou de perder? Essa garota!) Se alguém pode apreciar meu
sentimento sobre tendências como de vilã é você, certo?
Estamos mudando Amaranthia pouco a pouco. Nós construímos um orfanato,
bem como um abrigo para mulheres. Embora muitos homens tenham tentado nos
impedir, ninguém conseguiu nos desacelerar.
Uma vez eu quis ser normal. Tolice! Por que se contentar com normal quando
você pode ser extraordinário? Pucky, essa garota ama a vida dela! Menos — bem,
não é da sua conta.
Ah, e o esquadrão que mencionei? Nós começamos um clã próprio só de
estrelas. Nós somos os Shawazons e nós arrebentamos. Cameron é nosso mascote,
e ele está obcecado em nos tornar o maior clã da história. Winter é minha segunda
no comando. A querida garota só tentou me derrubar umas seis vezes, mas eu a
superei em todas as tentativas, e depois nós demos uma boa risada delas. Eu sei
que Egoísmo é o responsável. Demônios são os piores!
Shawazons são compostos de mulheres de estábulos libertas, ex-prostitutas,
sobreviventes de abuso — basicamente qualquer um que os outros clãs considerem
“indigno”. Essas pessoas são a minha família.
Recentemente promovi duas das minhas melhores soldados a general. Espere
até você conhecê-las. Johanna e Rosaleen nos protegem e nós as protegemos. Poder
feminino!
Oh-oh. É melhor eu ir. Winter está gritando por mim, e isso só ocorre quando
um desastre está prestes a acontecer. Ou ela quer que eu limpe sua barraca. Ou
escove seu cabelo. Ou encontre seus sapatos.
Comandante Gillian Connacht.
PS: Eu renomeei você Pucky o Sortudo porque você é casado comigo. Encare.
Eu sou INCRÍVEL!

201 anos DU

Caro Puck,
Caramba, onde você está? Você disse que voltaria a essa altura. Não estou
sentindo sua falta ou algo assim — definitivamente não sonho com nosso beijo
todas as noites — então não fique se achando. Mas qual é! Estou pronta para me
divorciar de você e começar a namorar novamente. Ou pela primeira vez. Tanto faz!
Tenho que ter experiência antes que William chegue aqui, certo???
É o seguinte. Nunca confiei em homens. Sempre me assustei quando as coisas
ficaram mais íntimas, exceto quando... isso não importa. Estou finalmente em um
lugar onde eu quero... eu quero.
Winter diz que ela vai me ajudar a escolher um homem porque ela é Egoísmo,
e egoisticamente me quer feliz. (Sim, ela me ama mais do que você.) Ela até escreveu
o anúncio: guerreira mágica no campo de batalha procura um Magic Mike 5no quarto.
Um partidão e tanto! Propensa a ataques assassinos de raiva. Linda, às vezes é
justa. Domesticada. Vem com uma melhor amiga ainda melhor.
Se ao menos Amaranthia tivesse um jornal com classificados!

5
Referência ao filme.
Está bem, está bem. Não sou de trair, então eu não irei a nenhum encontro
até conseguirmos o divórcio. Eu realmente quero o divórcio, Puck. Por favor, corra
pra casa.
O problema não é você, prometo; sou eu percebendo que estou melhor sem
você. Tenho certeza de que há muitas mulheres solteiras por aí, apenas esperando
para olhar em seus olhos vazios e nunca receber um elogio ou qualquer tipo de
incentivo. E tudo bem, sim, sei que apenas algumas horas, dias ou semanas se
passaram para você, mas dois séculos se passaram para mim. Minhas tiradas de
Hulk estão ficando piores, e eu poderia usar um escape para o excesso de energia.
Além disso, você está melhor sem mim. Eu recentemente fiquei sabendo do
pior sobre a sua profecia, como sua amada rainha deve ajudá-lo a unir os clãs e
tudo mais. Rainha amorosa? Não. Eu não. E eu consegui causar um atrito
irreparável entre todos os clãs.
Hoje em dia, a única coisa que eles têm em comum é o seu desprezo por mim.
Eu matei seus homens, roubei sua magia e ajudei suas mulheres a escapar de
gaiolas douradas. As Shawazons até ensinaram outras mulheres dos clãs a
exigirem respeito de seus homens — ou haveria consequências.
Não tem de quê, projetos de homem.
Por sinal, todo mundo me chama de Gillian, a Saqueadora de Dunas, agora.
O quanto isso é incrível?!
Gillian Connacht Shaw, Saqueadora de Dunas
PS: Puck está sendo jogado pra escanteio.

300 anos DU

Caro Puck,
Onde você está??? Você disse que já estaria de volta.
Tanto faz. Não importa. Seu atraso vai te custar de qualquer forma. Considere-
se oficialmente separado. Pra sua informação, eu ganhei seus amigos e todos os
seus bens do assentamento.
Mas não posso namorar outros homens. Vínculo estúpido! Talvez eu te
despreze novamente. Estou mais do que pronta para riscar sexo da minha lista de
nunca-jamais, mas por sua causa, eu não posso. Não posso prosseguir com a
minha vida.
Então, vou perguntar de novo. Onde é que você está? O que aconteceu com
você? Eu sei que você foi ferido, porque a dor explodiu na minha cabeça sem motivo
aparente, e uma sensação fria envolveu meu pulso. Depois, nada.
Olha, estou preocupada com você, ok, e não gosto de me preocupar. A
preocupação distrai e me drena.
Nota para mim mesma: encontrar uma maneira de quebrar o vínculo sem as
tesouras de Puck.
Espere um segundo. As tesouras. Você planeja usá-las depois que William te
ajudar a matar Sin... o que quer dizer que você já deve ter encontrado as tesouras...
o que quer dizer que você as escondeu em algum lugar em Amaranthia.
Ora, ora. Se você tem 1 par de tesouras e sua esposa tem 0 par de tesouras,
sua esposa agora tem 1 tesoura e você tem 0.
Novo objetivo: encontrar as tesouras, mesmo que eu tenha que faiscar pra
dentro de um vulcão para recuperá-las.
Oh, esqueci de mencionar que posso faiscar? Isso aconteceu acidentalmente
na primeira, oh, nas primeiras zilhões de vezes, e eu vomitava sempre que chegava
ao meu destino, mas já dominei a habilidade.
Winter me diz para não me apegar demais à habilidade, porque a mágica vem
e vai tão rápido — e ela planeja roubar a minha — mas estou gostando do passeio.
Gillian, a Saqueadora de Dunas
PS: Puck vai ter suas tesouras roubadas.

343 anos DU

Caro Puck,
Winter estava certa. Perdi minha capacidade de faiscar quando meu
suprimento de magia diminuiu.
Visitei os Oráculos na esperança de descobrir a magia eterna. Antes que as
três se dignassem a falar comigo, tive de oferecer um sinal da minha apreciação.
(Você deve ter notado que cortei minha mão com o dedo do meio estendido. Eu sou
doce assim. O que elas fazem com todas as partes de corpo que as pessoas lhes
dão, afinal? Imagino caldeirões fumegantes com olhos de salamandra ou algo
assim.)
As Oráculos me disseram três coisas e nenhuma delas sobre magia.
(1) O homem que eu amo tem um sonho, e eu matarei esse sonho.
(2) Devo escolher entre o que pode ser e o que será.
(3) Um final feliz não está no meu futuro.
Não vou me preocupar com o número 1, porque você nunca vai voltar com
William, e ele é o único que poderia me tentar a me apaixonar. (Isso mesmo. Eu
toquei no assunto.) Quanto ao item 2, não tenho ideia do que significa, então decidi
considerá-lo uma besteira absoluta. E o número 3? Danem-se as oráculos. Vou
provar que elas estão erradas.
E quando eu fizer isso, você saberá que pode provar que estão erradas sobre
VOCÊ. Você não precisa da ajuda de William para derrubar Taliesin Connacht.
Pode fazer isso sozinho. Ou eu posso fazer isso por você, se o preço for certo. Então,
venha para casa e me liberte já.
Gillian, a Saqueadora de Dunas
PS: Puck é um saco <- os xingamentos clássicos nunca envelhecem.

405 anos DU

Caro Puck,
Você AINDA não voltou, e eu ainda não encontrei as tesouras, o que me faz
pensar se as Oráculos estavam certas, e estou destinada a ter um final infeliz, no
fim das contas. E se eu ficar para sempre com um marido ausente, um demônio
residente, surtos de fúria dignos do Hulk sem vida amorosa?
Estou sendo cortejada, Puck. Cortejada! Por soldados, príncipes e até reis.
Sim, você leu certo. A temporada do acasalamento atingiu Amaranthia, e sou a
novidade no topo da lista de “Quero comer” de todo mundo.
No começo, todos queriam me capturar ou me matar. Até recebi presentes do
tipo cavalo de Tróia: flores venenosas, notas com feitiços malignos e assassinos.
Você sabe, o de sempre. Quando o negócio todo de matar e capturar falhou, os
caras começaram a me enviar todo tipo de porcaria romântica. Ouro, joias, frutos
de seus pomares particulares, tendas, gado e magia. Bem, não magia, exatamente,
mas homens para eu matar, e então poder beber sua magia como um barril de
cerveja. Quanto a isso, sempre fico feliz em receber.
O único líder que não demonstrou nenhum interesse em mim é seu irmão.
Eu não evitei Sin nem nada, mas só o encontrei duas vezes. Ele construiu um
enorme complexo na terra Connacht e criou algum tipo de labirinto em torno dele.
Seu povo está proibido de sair. Outros clãs devem sobreviver ao labirinto para
entrar. Ouvi histórias de horror sobre monstros, testes de força e resistência,
quebra-cabeças e outras coisas de acabar com qualquer mente.
A primeira vez que vi Sin, soube que ele era seu irmão. Ele se parece muito
com você. O mesmo cabelo longo e escuro — sem lâminas — os mesmos olhos
escuros.
Tenho certeza de que a maioria das mulheres o considera o mais belo da
família — porque Winter mencionou isso umas mil vezes. Para mim, ele não é tão
impressionante. (Diga a verdade. Meu elogio te fez gozar nas calças.) Além disso,
ele não tem chifres. Nem pernas peludas. Nem cascos. Não que eu curta esse tipo
de coisa nem nada. É só que o inverno chegou6— a estação, não a mulher — e eu
me lembro do quanto você é quentinho.
Não que eu queira te abraçar nem nada.
Embora eu admita que pensei muito nas nossas interações. Na maior parte
das vezes, você foi o Homem de Gelo. Outras vezes você foi legal, apesar do demônio.
Quem diria?
De qualquer forma, estou tentada a entrar no complexo de Connacht e
espionar um pouco. Quer dizer, como você se sentiria se voltasse e eu já tivesse
cuidado do seu irmão? Você me agradeceria cortando o nosso vínculo? Ou ficaria
ressentido?
Gillian, a Saqueadora de Dunas
PS: Sabia que Sin está noivo da sua ex-noiva?

422 anos DU

Caro Puck,

6
Referência à personagem Winter, ou inverno em inglês.
Decidi que você nunca vai voltar, eu realmente te odeio novamente e estou
destinada a morrer sem nunca ter um orgasmo. Pelo menos fiz um novo amigo.
Lembra da quimera que quebrou a minha mão no dia que você me abandonou em
Amaranthia? (Logo depois de VOCÊ ter quebrado o meu dedo?) Bem, cerca de dois
anos e meio atrás, sua tataraneta deu a luz a um menino. Um pequeno que chegou
perto da morte mais vezes do que eu gostaria de admitir. Mamãe não queria nada
com o bebê — o gene defeituoso é forte nessa linhagem, eu suponho — então
assumi o cuidado dele.
Seu nome é Peanut 7 , e ele olha para mim como se eu fosse a versão
amaranthiana do Papai Noel, e como se todo dia fosse Natal. Ele tem ciúme de
Winter, Cameron, Johanna e Rosaleen, e de qualquer outra quimera que eu tente
montar.
Amanhã começa seu treinamento. Ele vai ser meu cavalo de guerra.
Acho que tenho uma dívida de gratidão com você, Puck. Se não tivesse me
trazido aqui, eu não o teria conhecido. Não teria treinado, me fortalecido e crescido.
Não ficaria feliz nem teria minha própria família.
Está bem, está bem. Não te odeio de verdade. E sei que as quimeras só vivem
cerca de duzentos anos, e vou perder meu Peanut em algum momento — a menos
que eu encontre uma maneira de torná-lo imortal, é claro.
ONDE VOCÊ ESTÁ??? Onde está William? Eu meio que sinto falta de vocês
dois. Me arrependo de como as coisas terminaram. Eu quero falar com vocês. Por
favor, Puck. Venha para casa.
Gillian, a Saqueadora de Dunas
PS: Me deixe esperando por muito mais tempo e você vai ficar preso — com
uma espada.

7
Amendoim.
501 anos DU

Puck deu um passo através do último portal, entrando em Amaranthia. Como


sempre, a magia roçou sua pele e encheu suas veias, excitando-o. Ao contrário de
antes, não usou magia para se transformar em sua forma natural; não desejava
impressionar William.
Deleitando-se em sua amada terra natal, Puck respirou profundamente. Raios
de sol tépidos iluminavam o mar de areia. Ele olhou para cima. Uma tempestade
se formava, o céu mais vermelho que o normal. Como Gillian deve ter aprendido,
as tempestades de Amaranthia eram extremamente perigosas.
Gillian...
Ele não pensaria nela... Nem em como iria vê-la, cheirá-la, tocá-la. Esses
pensamentos o deixariam duro — bem, mais duro ainda — e Indiferença iria... o
que? Puck esperou, as orelhas se movendo, mas o demônio ficou quieto.
A raiva o percorreu ao pensar em Gillian sendo incomodada pela presença
sombria. Raiva que ignorou quando ele forçou a mente a se concentrar no tempo.
No inverno, o gelo cobria tudo, tornando-se uma metáfora de sua vida. A primavera
trazia dias quentes e chuvas desenfreadas que produziam granizo como punhais.
No verão, lagos e lagoas secavam gradualmente, e ácido ocasionalmente era
derramado do céu. Durante o outono, os dias flutuavam entre muito quentes,
muito frios e perfeitos.
Ele retornou no meio da primavera.
Não havia acampamento à vista e nenhum corpo d'água por perto. Ninguém
esperava nas proximidades com um transporte também.
Não importa. Ele podia correr.
— Você trouxe a minha pequena Gilly Jujuba para um lixão desses? — William
questionou.
Minha Gilly Jujuba! Minha!
Ninguém jamais testou sua lendária paciência como esse homem. Como
Gillian conseguia suportá-lo? O bastardo irreverente reclamava de tudo, não levava
nada a sério e nunca, em nenhuma circunstância, perdia a oportunidade de
provocar Puck.
— Não existe um reino melhor. E quando Gillian não for mais minha, você
pode levá-la para onde quiser. — Ele também não se incomodaria com isso. Nem
um pouco. — Se ela decidir ir com você, é claro. Esqueci de te contar? O tempo
passa de maneira diferente aqui. Suponho que quinhentos anos se passaram para
a minha esposa. Ela pode ter esquecido tudo sobre você.
Com um silvo, William espalmou uma adaga e pressionou a ponta no pulso
da base da garganta de Puck.
— Você não acabou de dizer... quinhentos... anos.
— Foi o que disse. — Ele piscou para o homem, imperturbável pela arma. —
Gillian tem agora meio milênio de idade.
Centelhas vermelhas naqueles olhos muito azuis, como rios de lava quebrando
a superfície de um vulcão.
— É melhor que a garota que eu deixei seja a garota que irei encontrar. Ela
era perfeita do jeito que era. Se os séculos a mudaram...
— Quer dizer que quer que ela seja a garota que escolheu a mim em vez de
você? — Dois podiam provocar. — Nesse sentido, tenho certeza de que ela é a
mesma. — Uma mentira. Ele não tinha certeza de nada.
Outro silvo, a lâmina cavando mais fundo. Uma gota de sangue escorreu pelo
seu torso.
— Ataque ou recue — disse Puck. — Gillian espera.
Uma pausa tensa. Então, com uma grande aparência de relutância, William
levantou a adaga.
— Por aqui. — Ansioso, Puck correu adiante.
O outro homem permaneceu no seu encalço. Ter um imortal vingativo nas
suas costas era idiotice, letal, mas no momento não se importava. Tão perto de ver
minha esposa...
Desta vez, ele não conseguia afastar os pensamentos dela da cabeça. Como
ela reagiria quando o visse? Como reagiria quando visse William?
Uma dor súbita e profunda ameaçou partir o peito de Puck em dois.
— Você está errado, sabe? — disse ele. — Ela não era perfeita naquela época.
Tinha medo de homens e de intimidade. — Embora no final ela o tivesse beijado
como se quisesse... precisasse... de mais.
Vou beijá-la novamente. Eu vou...
William rosnou, lembrando-o de Indiferença.
— Como você sabe que ela tinha medo de intimidade?
Ele levantou um ombro.
— O assunto surgiu.
— Desde que tenha sido a única coisa que surgiu — William retrucou.
Não, William da Escuridão. Eu fiquei duro por ela todos os dias que ficamos
juntos. Fico duro por ela mesmo agora estando separados.
— O abuso que ela sofreu quando criança... foi pior do que você pode imaginar
— disse William. — E ela sofreu durante anos! Sem ninguém para ajudá-la, ela
fugiu e viveu nas ruas... porque as ruas eram mais seguras. Essa é a garota que
você usa contra mim.
A tatuagem de borboleta de Puck escaldou sua pele deslizando para baixo,
indo para a perna, enquanto ele lutava contra o remorso, uma auto-aversão tão
forte que não sabia ao certo se um dia ela passaria.
— Chega de conversa — resmungou. Ele aumentou a velocidade, braços
balançando e pernas comendo a distância.
William não ficou para trás, uma façanha que poucos conseguiram quando
competiam com Puck.
Quando eles chegaram ao seu acampamento, ele teve que parar. Tendas
tinham sido substituídas por casas feitas de pedra e madeira.
Homens vagavam por ali, todos vestindo túnicas e calças de pele de carneiro.
A moda não havia mudado, pelo menos. Não havia mulheres à vista. Nenhum sinal
de Gillian, nem mesmo de Winter. As mulheres deviam estar dentro das casas,
cozinhando e limpando.
— Que pitoresco. Um festival da salsicha. Meu festival menos favorito de todos
— disse William com um tom seco. — Se algum desses bastardos tocou na minha
garota...
— Minha garota — Puck fechou os olhos por um momento e respirou, fazendo
de tudo em seu poder para interromper a erosão de seu controle. Não é minha.
Nunca minha. Ele tinha escolhido a vingança. Guerra em vez de uma mulher. Não
se desviaria de seu caminho.
Estou melhor sozinho. Sem família, sem chance de traição.
Ele examinou cada rosto, mas também não encontrou sinal de Cameron.
— Onde ela está? — William exigiu.
— Eu vou descobrir. — Puck se aproximou de um homem que estava sentado
na frente de um coinín de torrefação. Cozinhando? Uma tarefa geralmente realizada
por mulheres. Exceto quando essas mulheres eram vegetarianas e faziam
barganhas com os maridos, é claro. — Você.
O homem olhou para ele e se levantou, com os olhos arregalados.
— Meu Senhor. O Senhor voltou.
— Onde está minha esposa? Aliás, onde estão Cameron e Winter? — Ele não
estava impaciente, mas próximo disso; estava pronto para ler a história detalhada
que Cameron havia escrito e descobrir tudo o que havia acontecido na sua ausência.
A cor drenou das bochechas do homem.
— Ela… eles… todos eles se mudaram, meu senhor. Levaram todas as nossas
mulheres com eles.
Uma nova onda de fúria irradiava de William enquanto ele se aproximava de
Puck.
— Ele não perguntou o que eles fizeram. Ele perguntou onde eles estão.
Responda!
— Não intimide meus súditos — Puck retrucou. Para o homem, ele disse: —
Não perguntei o que eles fizeram. Eu perguntei onde eles estavam.
O homem engoliu em seco e puxou a gola da túnica.
— Foram para o leste, meu senhor. Eles fazem parte de um novo clã. Um que
invade outros acampamentos, mata soldados e rouba magia. Eles provocaram uma
guerra entre... todos.
As coisas tinham ficado piores desde sua partida, e não melhores?
— Meu bom humor está se deteriorando rapidamente — disse William, seu
tom nada além de ameaça. — Ou alguém aparece com Gillian ou eu...
— Vai fazer birra — Puck interveio. — Sim, eu sei. Em vez disso, por que não
faz o que você faz de melhor e vai foder qualquer coisa com um pulso. Vou procurar
minha esposa e descobrir o que está acontecendo.

***

— Eu já te disse o quanto você é um saco? — Winter perguntou com genuína


alegria.
— Muitas vezes — Gillian soprou um beijo para a amiga... com o dedo do meio.
— Você deveria tentar me agradecer. Estou consertando seu erro, não estou?
— Não, você está salvando Johanna. Existe uma diferença. Eu só queria que
pudéssemos entrar com armas de fogo.
— Eu também. — Infelizmente, armas não funcionavam em Amaranthia. Algo
sobre a magia sendo incompatível, blá, blá, blá.
Dois dias atrás, o clã Walsh havia capturado uma das generais de Gillian.
Considerando que os Walshes eram idiotas — homens que acreditavam que as
mulheres eram menos importantes que gado — ela faria as areias ficarem
vermelhas com o sangue deles naquela noite.
Roube de mim e sofra.
Quando rugidos e rosnados de repente soaram em sua mente, ela rosnou.
Indiferença havia retornado. Ele gostava de aparecer a cada duas décadas, deixá-
la louca e dar o fora.
Ignore-o ou enlouqueça. Não havia outra escolha.
— Só para que saiba — disse Winter — nunca cometi erros antes de te
conhecer.
Bufo de desdém.
— Você cometeu, tudo bem. As pessoas só estavam com muito medo de te
contar.
Gillian pressionou o corpo mais fundo na crista da duna de areia, e apertou o
lenço de camuflagem enrolado na metade inferior do rosto. O material fino a
protegia de ventos cortantes e da areia. Desde que acordou naquela manhã, foi
inundada por impaciência. Pela situação de Johanna, é claro, mas poderia ser por
outro motivo?
Aqui estava ela, prestes a salvar sua amiga. Mas ao invés de antecipação, ela
sentia medo, suas terminações nervosas naufragadas.
Indiferença só piorava.
— Por que você não está com muito medo de apontar meus defeitos? Não que
eu tenha algum. É porque você me viu com a minha lingerie de Mulher Maravilha?
É isso, não é? — A adorável Guardiã do Egoísmo estava estendida ao seu lado. —
E por que estamos fazendo isso afinal? Nós temos uma política de não-resgate por
um motivo. Eu me lembro de todas as armadilhas, truques e emboscadas. Você
lembra?
Ela esperou, sabendo que sua amiga estava longe de terminar.
— Se outros clãs descobrirem que estamos dispostos a ir à guerra para salvar
uma general nem de longe tão amada ou poderosa quanto a segunda no comando
da Saqueadora das Dunas... eu — acrescentou Winter, como se fosse necessário
esclarecer — é mais provável que eles raptem as outras mulheres do nosso clã.
Gillian suspirou. O X da questão? Egoísmo se sentia desprezada porque
ninguém tentou capturá-la.
— Por outro lado, outros clãs ficarão mais propensos a raptar nossas mulheres
se não fizermos nada. Eles precisam saber que há consequências se mexerem
conosco. — Consequências severas.
— E se estivermos entrando em uma emboscada hoje?
— Não é uma emboscada se nós sabemos que é uma emboscada. É uma
oportunidade. — Resistir a uma oportunidade não fazia parte do conjunto de
habilidades de Winter.
Bingo. A beldade agora fervilhava de ansiedade.
Walshes terão mortes sangrentas.
Embora as duas Shawazons estivessem carregadas de armas, a mais mortal
pulsava em suas mãos. Gillian estendeu um braço, o luar refletindo as runas
marcadas da ponta dos dedos ao pulso. Tão lindo. As linhas entrelaçadas se
transformavam em um portal, permitindo que a magia entrasse em seu corpo
sempre que ela matasse.
Magia era poder, e poder era tudo.
Nunca mais ela seria uma menininha indefesa, fingindo dormir enquanto a
escória da terra a violava da pior maneira, ou quando ela não conseguia fingir,
fazendo tudo o que lhe pediam, esperando que seu molestador terminasse
rapidamente.
Nunca mais teria medo de revidar.
— Então, qual é o plano? — Winter perguntou.
— Basicamente vamos libertar Johanna e causar um caos.
— Legal. Caos é minha especialidade.
Decidindo entrar e sair do acampamento inimigo em vez de atacar com força
total, elas tinham vindo sem reforços. Gillian tinha até deixado sua amada e fiel
quimera de guerra, Peanut, em casa. Era certo que ele estava fazendo beicinho,
comendo seus móveis e mordendo qualquer um que ousasse se aproximar dele.
Ela suspirou e estudou o acampamento. Cento e cinquenta e quatro tendas
foram colocadas em fileiras, permitindo que os vizinhos ficassem de olho uns nos
outros. Fogueiras crepitantes foram acesas estrategicamente, cada uma
fornecendo luz para quatro tendas.
Aquele era um posto avançado móvel. Ou seja, os ocupantes poderiam
arrumar as malas e desaparecer em minutos.
Soldados patrulhavam o perímetro externo, prontos para tocar um gongo ao
primeiro sinal de problema. Outros soldados patrulhavam entre as tendas.
Ao atacar o local, as Shawazons declaravam guerra a todo o clã Walsh.
Na verdade, ao aprisionar Johanna, uma general dos Shawazon, os Walshes
já haviam declarado guerra. Claro, Johanna tinha invadido seu território enquanto
brincava de verdade ou desafio com Winter, mas não tinha feito isso para criar
problemas. Apenas para roubar um beijo de um estranho bonito.
Por isso, os Walshes pensavam em torturar Johanna? Pensem melhor.
Nenhuma mulher era deixada para trás. Mesmo que Gillian tivesse que arriscar
tudo.
Então, outras (antigas) Shawazons a haviam traído no passado e preparado
armadilhas para ela. E daí? Em Johanna ela confiava. Elas compartilhavam um
histórico semelhante e conversaram sobre suas experiências, ajudando-se
mutuamente.
Uma das primeiras coisas que Johanna havia lhe dito, depois que Gillian
compartilhou o pior de seus abusos foi: Eu acredito em você.
Nem sua própria mãe tinha acreditado nela.
Então Johanna acrescentou: O que aconteceu não foi sua culpa. Você sabe.
Eles sabem disso. E agora seu corpo é uma arma. Nunca mais ninguém poderá usar
sua arma contra você.
Naquele dia, algo dentro de Gillian havia mudado, a verdade estava se
encaixando. O abuso nunca foi culpa dela. Ela era uma criança inocente colocada
aos cuidados de um homem indiferente. Nenhum olhar seu o havia incentivado.
Ele sozinho carregava a culpa por suas ações, agora e sempre, e ela nunca aceitaria
um fardo tão terrível novamente.
Quando o peso imenso tinha saído de seus ombros, ela quis chorar. Queria
muito chorar de alívio e de fúria, e de milhares de outras emoções que não
conseguia nomear. Mas suas lágrimas não caíram. Talvez tivesse derramado tantas
em sua vida mortal que não tivesse mais para derramar. Mesmo assim, a falta não
impediu que uma maré de saudade voltasse à vida. Ela queria os braços fortes de
Puck em volta dela, abraçando-a. Queria que seu hálito quente fosse uma carícia
em sua pele enquanto ele sussurrava palavras de conforto. Queria a maciez da pele
dele, tão diferente de qualquer contato que ela já conheceu, para aquecê-la.
Esperando se livrar de tais desejos imprudentes, foi procurar informações
condenatórias sobre o passado dele. Delitos juvenis. Traições. Qualquer coisa! Só
que, quando ficou sabendo das guerras que ele ganhou, dos guerreiros com os
quais lutou, dos homens que queriam ser ele e das mulheres que esperavam domá-
lo, ela o admirou — e só sentiu mais falta dele.
Claro, ela também descobriu que ele já teve uma queda por Winter, e ela virou
Hulk. O que não fazia sentido! O que importava uma paixão do passado? A menos
que ele ainda quisesse a Guardiã do Egoísmo?
Ah, não. Um formigamento familiar na parte de trás do pescoço, aquecendo
sua pele. Inalar, exalar. Ótimo, estava tudo ótimo. Nenhuma razão para virar Hulk
aqui de todos os lugares. Ela estava sem xarope de cuisle mo chroidhee, não teve
chance de colher mais.
— Hum, preciso correr para salvar a minha vida? — Winter perguntou.
— Não. Eu ficarei bem. — Talvez. Com esperança.
Enquanto Indiferença rugia com mais força, ela moveu seu olhar para cima.
Três luas brilhavam no céu vermelho-púrpura que ela adorava, parcialmente
protegidas por uma série de nuvens de tempestade. A qualquer momento, adagas
de gelo começariam a cair.
— Quase na hora. — E se ela estivesse atrasada? E se...
Não! Processo de pensamento inaceitável. Tudo ficaria bem.
Winter beijou o punho de sua adaga favorita. Uma que ela roubou do irmão
de Puck quando ele se atreveu a se aventurar em sua fortaleza de solidão.
— Quem matar mais soldados vence. A perdedora tem que admitir que a
vencedora é superior.
— Feito — disse ela com uma nota de afeição.
Sua amizade com Winter não havia se formado da noite para o dia, nem
mesmo ao longo de uma década, mas havia se formado. Agora, não existia ninguém
que Gillian preferisse ter ao seu lado.
Mas ela se questionava. Quando — se — Puck voltasse, a lealdade de Winter
mudaria?
— Pensando no querido marido de novo? — Perguntou sua amiga.
— Ex-querido-marido. Há um estatuto de limitações em um divórcio não-
oficial não contestado, certo? — E mesmo assim, ela ainda evitava namorar outros
homens. Embora quisesse um namorado e jantares românticos, trocas de
presentes. Danças e risos. Olhares longos e demorados. Sorrisos ternos. Todas as
coisas que as garotas sonhavam receber de um admirador. Todas as coisas das
quais havia se negado durante toda a vida. Primeiro por causa do medo, depois
devido a um casamento indesejado.
Mas se ela se aconchegasse com outra pessoa depois de caçar e matar homens
que traíam suas esposas, ela seria hipócrita.
Ela também matava hipócritas.
Winter bateu no seu ombro.
— Você sempre fica tensa como se estivesse prestes a ser atingida pelos meus
punhos de fúria. Não se preocupe. Ele vai voltar. Indiferença faz com que ele perca
o foco algumas vezes, ou pare de se importar com o seu objetivo, mas ele sempre
encontra seu caminho mais cedo ou mais tarde.
— Seu reino não deveria ser uma exceção?
— Nada é uma exceção com Indiferença. Exceto talvez... — a voz de Winter se
calou.
— O que?
Sua amiga deu de ombros e disse:
— Exceto talvez você. O jeito que ele olhou para você antes de ir embora...
achei que iria entrar em combustão. Eu nunca vi tanta intensidade vindo dele.
Um tentáculo de prazer se desenrolou. O que era ridículo!
Seu corpo podia arder por Puck algumas noites — a maior parte das noites...
bem, todas as noites hoje em dia — e ele podia acreditar em seus sonhos, mas ela
não se meteria com ele quando ele voltasse. Ela o conhecia... a o que? Uns cinco
minutos? E também se lembrava da facilidade com que ele ia de Homem de Gelo à
ardente, e de volta a Homem de Gelo. Sem dúvida ele esquentaria se a levasse para
a cama, só para depois congelá-la. Não, obrigada. Gillian esperava, e merecia,
sentir-se respeitada depois.
Talvez ele a surpreendesse?
Argh. Pensar positivo só levaria ao desapontamento.
Puck iria desejá-la?
Claro! O vínculo a fazia desejar Puck apesar de tudo o que havia acontecido
entre eles, portanto o vínculo fazia com que ele a desejasse. Era ciência.
Eles não eram nada além de fantoches em uma corda?
Isso realmente importava? Desejo era desejo.
Espera. Estou tentando me convencer a dar uma escapada e transar com ele ou
a desistir da possibilidade? Estou confusa.
Ele não era exatamente material para namorado. Jantares românticos, trocas
de presentes, dança, risos e longos olhares persistentes ou sorrisos afetuosos —
não faziam exatamente sua praia.
A tentação dizia: por que não usá-lo só por um tempo? Satisfação aguarda...
A ideia não era repelente. Ela poderia experimentar a beleza do sexo sem medo.
Nas tantas vezes que fantasiou com Puck, memórias antigas nunca surgiram. E
não era como se pudesse se satisfazer sozinha. Lástima. Toda vez que tentava, seu
corpo era desligado, graças ao vínculo. Ou talvez a Indiferença. Ou a ambos! No
fundo, ela suspeitava que precisava de Puck para terminar o trabalho, sua
presença de alguma forma fazendo seu desejo muito forte para ser negado.
E droga, estava cansada de se contorcer sobre os lençóis, desesperada e
dolorida, incapaz de saciar a necessidade que o marido lhe provocara com um
simples beijo. Uma necessidade que não diminuiu em seu tempo separados, mas
que cresceu. Uma necessidade por Puck, e somente dele.
Parte de sua mente chorava. Por que não William? Ela o conhecia há anos e o
adorava como a um herói.
Sim, corpo. Por quê? Embora pensasse nele de vez em quando, imaginando se
ele poderia ser tão lindo quanto se lembrava — e mesmo que sempre se divertisse
provocando Puck sobre o outro homem em suas cartas — ela nunca tinha
fantasiado sobre ele.
Um trovão retornou seus pensamentos para o assunto em questão.
— Se eu for capturada... — Gillian começou.
— Eu sei, eu sei. Matar todos, arriscar mais a minha vida e te salvar.
— Não. Você está de brincadeira? Recue, roube mais armas, adquira mais
magia e volte.
Outro estalo de trovão, seguido por um raio que destacou soldados enquanto
eles corriam para se abrigar; eles sabiam que ninguém em sã consciência atacaria
durante uma tempestade de gelo.
Eles não estavam errados. Gillian não tinha a mente certa há séculos.
Escudos foram erguidos sobre as tendas, oferecendo proteção para as pessoas
de dentro.
— Depois disso — Winter disse, tão despreocupada com a chuva mortal
quanto Gillian — o recém-coroado rei Walsh provavelmente vai parar de cortejar
você.
— Isso é apenas um bônus — disse ela.
Gillian havia matado os dois últimos soberanos. O primeiro se deleitava com
a dor que infligia às mulheres, lembrando-a de seus meio-irmãos horrorosos. O
outro tinha matado um amado membro dos Shawazons, não durante a batalha,
mas só por prazer. Ele a tinha esfaqueado por trás.
Depois de um terceiro estalido de trovão, a primeira adaga de gelo caiu do céu
e espetou o solo a alguns centímetros do rosto de Gillian. Indiferença uivou com
surpresa antes de desaparecer de sua mente.
Ora, ora. Experiências de quase morte não eram muito a dele. Bom saber.
— Agora — disse ela. Erguendo seu próprio escudo, ela saltou em pé e correu
duna abaixo.
Mais e mais adagas de gelo caíram, inundando a terra. Gillian teve que pular,
desviar e mergulhar para evitar bater em cada novo obstáculo, mesmo quando
outros punhais de gelo batiam em seu escudo e se espatifavam em um milhão de
pedacinhos.
Felizmente, o mesmo tuc, tuc e clinc, clinc ecoava dos escudos que cobriam os
telhados das tendas.
Winter permaneceu alguns passos atrás dela, protegendo suas costas.
Não era de admirar que os Senhores do Submundo apreciassem seus
combates. Proteger as pessoas que você amava era a maior “onda” que existia. A
segunda maior? Saber que a guerreira ao seu lado ou às suas costas morreria por
você, se necessário.
Família. Aceitação. Apoio, suporte. Tudo o que Gillian queria, entregue em um
pacote do qual ela nunca havia imaginado.
A adrenalina subiu por suas veias, sobrecarregando-a. A magia se agitou, suas
runas brilhando, logo se transformando em faróis na noite. Isso não serviria.
Liberando um chicote de poder, ela fez com que grãos de areia se levantassem e
formassem um tornado ao redor dela e de Winter.
Quando soube sobre a magia, ela pensou que tipos diferentes produziam
resultados específicos. Como supervelocidade ou a capacidade de desaparecer.
Força sobre-humana. Resistência não natural. Respirar debaixo d'água. Visão
noturna. Telepatia. Ecolocalização. Controle mental. Intangibilidade. Auto-
camuflagem. Produção de veneno. Telecinese. Pirocinese. Psicocinese. A
capacidade de voar. Mas não demorou muito para perceber que a magia era
simplesmente poder, e quanto mais você tinha, mais você poderia fazer.
Uma certa quantidade de magia era necessária para executar certas
habilidades. Quanto mais magia você usasse nessas habilidades, menos você
poderia fazer, seu poder acabando cada vez mais rápido. Era um ciclo vicioso.
Sin Connacht parecia ser a única exceção. De acordo com o que se dizia nas
dunas, ele possuía três habilidades desde o nascimento: supervelocidade,
mudança de forma e visão noturna. Puck também tinha supervelocidade, e ele
havia se transformado no dia em que a trouxe para Amaranthia. Ele também podia
ver no escuro como seu irmão? O que mais ele podia fazer?
Ela teria gostado de...
Concentre-se garota!
Ela lançou um segundo chicote de magia, aumentando a velocidade do
tornado para criar um tipo de campo de força. No olho da tempestade, ela e Winter
permaneceram inalteradas.
Infelizmente, seu medidor de magia já estava vazio. Encontrar os alvos certos
se tornava cada vez mais difícil à medida que os homens descobriam seu ódio por
alguém disposto a cometer crimes contra mulheres e crianças. Eles não falavam
mais tanto sobre seus crimes, e não se gabavam nem puniam mais publicamente
as pessoas sob seus “cuidados”.
Um dia, Gillian esperava encontrar uma maneira de se dar auto-poder, de
modo que sua magia se construísse e nunca se esgotasse, permitindo-lhe explorar
todas as habilidades sobrenaturais.
Era bom sonhar.
Enquanto corria, vozes saíam das tendas.
—... estou lhe dizendo, eu o vi com meus próprios olhos. — Pânico inundava
o tom dessa pessoa.
— O que ele quer?
Quem era esse ele?
Resgate primeiro. Coletar informação depois.
A informação podia ser tão valiosa quanto magia.
Como o tornado limitava sua visão, precisou usar mais magia para enxergar
além da parede de vento e areia, e até mesmo das abas das tendas para espiar
dentro dos alojamentos. Guerreiros limpando armas. Mulheres cozinhando. Casais
fazendo sexo. Discutindo. Rindo.
Quando seu olhar derrapou sobre Johanna, Gillian parou e retrocedeu. Com
o coração batendo contra as costelas, ela usou sinais de mão para mandar Winter
para o outro lado da tenda mais luxuosa de todo o acampamento, onde ela
esperaria por exatamente dois minutos.
Uma contagem regressiva começou na cabeça de Gillian. Dois minutos ou
cento e vinte segundos. Ela fez um balanço. Uma gaiola enferrujada ocupava o
centro, e Johanna estava agachada dentro. A lama cobria seus cachos bem
definidos e sujeira listrava sua pele escura. Suas roupas — um top de couro com
aros finos de metal sobre seus órgãos vitais e uma saia plissada — estavam
esfarrapadas. Ela agarrava as grades da jaula, os olhos castanhos estreitados, os
lábios comprimidos numa linha apertada.
Um minuto restante.
Fúria fervilhava no peito de Gillian. Ela se lembrou do dia que conheceu
Johanna, centenas de anos atrás. Ouviu rumores sobre um homem que batia e
abusava das filhas, então entrou em sua casa, com a intenção de matá-lo e roubar
sua magia.
Ele estava segurando a pequena e doce Johanna pela garganta, sufocando-a.
Gillian explodiu e o sufocou — como que seguindo seu exemplo. No começo,
Johanna a temeu. Com o tempo, enquanto Gillian a treinava para lutar da mesma
forma que já havia sido treinada por Winter, elas se tornaram amigas. Família.
Ninguém machuca minha família.
Trinta segundos.
O captor de Johanna — o comandante do posto avançado — descansava em
uma pilha de almofadas, afiando uma lâmina.
— Parece que vamos ter outra noite juntos. — Ele riu. — Talvez a Saqueadora
das Dunas apareça amanhã. Ou não. Talvez ela tenha medo de mim e tenha lavado
suas mãos de você.
Quinze.
Provocações de um homem cruel, nada mais. Ele merece o que está por vir.
Dez.
Tão silenciosa e rapidamente possível, Gillian cortou uma fenda ao lado da
tenda.
Cinco.
Antes que ele notasse a súbita brisa gelada, ela deslizou para dentro. Agora!
A mente presa a um único pensamento — farei o que for preciso, sempre — ela
atirou o escudo, acertando-o na têmpora e colocou a mão sobre uma segunda
adaga.
Com um berro, ele se colocou de pé, pronto para puni-la com sua espada.
O que ele não sabia? Que Winter havia entrado na tenda pelo outro lado, um
arco levantado, uma flecha preparada. Whoosh! A flecha cortou seu pulso. Sua mão
se contraiu e ele largou a arma.
Um passo, dois, e então ela estava correndo. Winter jogou um escudo em sua
direção. No segundo em que bateu na areia diretamente diante dela, ela se deixou
cair em cima dele, joelhos no metal. Seu impulso a fez deslizar pela areia — pelas
pernas do comandante.
Ela enfiou as lâminas na parte interna de suas coxas. Não era dano suficiente.
No segundo que ficou atrás dele, pulou do escudo, virou e apunhalou a parte de
trás de seus joelhos.
Ele tombou e soltou outro berro.
Winter já havia libertado Johanna e agora precisava completar a matança. Ou
pelo menos uma tentativa; ela não faria isso, iria querer que sua amiga tomasse a
magia que precisava para se curar, mas seria punida por Egoísmo se não tentasse.
Reflexos bem afiados, Gillian jogou uma lâmina para Johanna. A general
Shawazon empurrou uma grata Winter para fora do caminho, pegou a arma e se
agachou na frente do comandante — que ela então apunhalou no coração.
Névoa escura subiu de seu corpo, envolvendo rapidamente Johanna.
Saboreando o influxo de poder, ela fechou os olhos e deixou a cabeça cair para trás.
As runas em suas mãos brilhavam, quase mais que o sol.
— Obrigada. — Cor saudável floresceu nas bochechas de Johanna. — Muito
obrigada.
— Sempre que precisar — Gillian respondeu, e falava sério.
De seu local no chão, Winter resmungou:
— Só nos faça um favor e não seja capturada da próxima vez.
— Eu gostaria que você tivesse me dado esse sábio conselho antes de eu entrar
no acampamento e tentar roubar um beijo de um estranho bonito — disse Johanna
com uma saudação. — Teria me poupado de um pouco de tortura.
Impaciência se intensificando, Gillian levantou Winter e agarrou o escudo que
ela descartou.
— Estão prontas para lutar para sairmos daqui?
Johanna reivindicou o punhal que o comandante havia afiado e soprou-lhe
um beijo.
— Se importa se eu pegar isso emprestado? Não? Obrigada mesmo.
— Ei. Eu queria a adaga dele — Winter disse fazendo beicinho.
— Que tal pegar os punhais e as espadas dos amigos dele? — Gillian sugeriu.
A beleza de chegar a um denominador comum. — E não vamos nos esquecer da
magia!
Sorrisos abundavam enquanto elas corriam para fora da tenda e para dentro
da tempestade ainda furiosa. Soldados agora estavam correndo, escudos erguidos.
Em meio ao caos e à confusão causados pela tempestade, Gillian e companhia se
misturaram à crescente multidão... e executaram o ataque furtivo perfeito.
Meninas contra meninos. As meninas — mataram — todos.
Quando o último soldado morreu, as adagas de gelo pararam de cair. O cheiro
forte de centavos velhos e entranhas abertas manchava o ar. O sangue tinha
transformado o solo em um mar de destruição vermelho.
Magia subia dos cadáveres e flutuava para os destinatários de direito.
Tentáculos de força inundaram Gillian... mas não a curaram. Argh. Apesar
das muitas mortes, os homens tinham pouca magia.
— Quantos Walshes você matou? — Winter perguntou.
Respirando pesado, Gillian cortou uma tira de pano de uma barraca, envolveu
sua ferida e respondeu:
— Perdi a conta. Desculpa.
— De qualquer maneira não importaria — disse Johanna. — Aposto que venci
vocês duas. Quantos anos as duas vovós tem, afinal?
— Ha-ha — disse Winter.
— Vamos. Vamos para casa.
Winter e Johanna conversavam besteira enquanto corriam pelas dunas.
Gillian teria se juntado a elas, mas estava ocupada demais ignorando as dores e
gritando por alívio.
No momento em que cruzaram a fronteira de Shawazon, os sóis estavam em
ascensão, lindos raios dourados brilhando no céu vermelho-púrpura e
destacando... não, com certeza não. Gillian piscou rapidamente, certa de que não
estava olhando para uma forma alta e musculosa com pele bronzeada e navalhas
prateadas no cabelo escuro.
Ou talvez ela... estivesse? Ele estava falando com Rosaleen, de costas para
Gillian. As costas nuas. Com uma tatuagem de borboleta a cor de trevos.
A tensão se alojou em seu corpo, mas também uma corrente familiar de calor.
Gillian parou abruptamente. Ainda sem receber o memorando, seu coração
continuou a acelerar, cada vez mais rápido.
— Puck?
Uma voz com o poder de fazê-lo ficar mais duro que o aço. A dela. Puck se
virou tão rápido que quase se deu uma chicotada. Frenético, ele procurou — ali!
Gillian Connacht estava no cume de uma duna de areia, Winter e uma mulher que
ele nunca conheceu ao seu lado. Ele notou a presença das outras distraidamente,
notou também o sangue seco e outras coisas emplastadas nas três mulheres. Ele
sabia que deveria se perguntar sobre a causa, e faria, assim que parasse de sentir
o tesão de um rapaz com o seu primeiro estábulo.
Gillian havia passado por mudanças significativas. A imortalidade não a
congelou nos dezoito anos de idade, mas permitiu que ela alcançasse sua idade
perfeita. Seu cabelo estava mais comprido, um tom mais escuro e ondulado. As
bochechas estavam mais finas, os seios maiores — gostosos. Quadris arredondados
estavam expostos de maneira magnífica no que deve ter se tornado o uniforme da
mulher Amaranthiana: um top de couro preto e uma saia curta plissada, presos
por elos de metal para proteger os órgãos vitais. O resto dela estava incrivelmente
tonificado. Runas agora marcavam suas mãos, os redemoinhos cintilantes, um
realce impressionante, como joias de carne permanentes.
Ele deve ter mudado também porque o que sentia por ela antes empalidecia
em comparação ao que sentia por ela agora. Desejo o governava.
Talvez o vínculo deles tenha se aprofundado ao longo dos séculos que ela viveu.
Talvez a magia dela chamasse a dele. O desejo de cobrir a distância, de puxá-la
para seus braços, de tocar e saborear, de marcá-la, bombardeava-o, era quase que
irresistível.
Eu terei o que é meu. Eu a quero. Seriamente. Devo proteger o que é meu. Devo
ficar com o que é meu.
Ambição protestava. Tenho que devolvê-la a William.
Ela estremeceu e agarrou a lateral do corpo enquanto passava o peso de um
pé para o outro. Um pano encharcado de vermelho estava enrolado em volta do seu
tronco, da costela ao osso do quadril.
Alguém a tinha machucado.
Alguém morreria.
Mal controlando sua raiva, ele correu para ela. Gillian o encontrou no meio do
caminho. Eles pararam ao mesmo tempo, apenas um sussurro separando seus
corpos — ele vibrava com uma nova tensão, a dela exalando calor feminino.
Ela manteve o olhar fixo no dele, tão diferente da garota que conhecera. Aquela
que desviava os olhos na primeira oportunidade.
Quando ele inalou o doce aroma de poppiberries, não conseguiu conter um
gemido. Nem os homens no clã dela, homens que pararam o que estavam fazendo
para observá-la com desejo palpável.
Puck se curvou, pronto para a batalha. Se eles não se afastassem, também
morreriam como o “alguém” que a feriu.
Eles o avistaram e se afastaram.
Melhor. Quando Puck retornou o foco para sua esposa, o fascínio e a tensão
sexual pesavam o ar, e o resto do mundo desapareceu. Errático e selvagem, seus
pontos de pulsação tamborilavam contra sua pele quente. Cada batida falava: Tome.
Tome.
Indiferença irrompeu em um coro de descontentamento, mas nem mesmo o
demônio poderia distrair Puck da visão diante dele. Gillian...
Ela o socou, sacudindo seu cérebro no crânio.
— Ora. Oi para você também — disse ele, esfregando a bochecha que ardia.
Ela ergueu seu queixo.
— Isso é por mentir para mim.
— Eu sinto...
Ela o socou novamente, cortando seu lábio.
—... muito — ele terminou, seus ouvidos zumbiam.
— Isso é por quebrar o meu dedo. — Soco. — Isso é por me abandonar em
uma terra estranha — soco — Isso é por retornar trezentos anos depois do
prometido.
Ele esperou o próximo golpe, mas ela respirou fundo, expirou e assentiu, como
se estivesse satisfeita com um trabalho bem feito.
Erguendo uma sobrancelha, ele disse:
— Acabou?
— Sim. Por enquanto. — Ela franziu as sobrancelhas. — Ei, por que não me
machuquei também?
Ele bateu na pulseira de ouro ainda presa ao seu pulso.
— Excelente forma e técnica perfeita, a propósito. Winter e Cameron a
treinaram bem. Até você começar a treiná-los, é claro.
Orgulho iluminando suas feições, ela afofou o cabelo.
— Obrigada — Então suas bochechas floresceram em um lindo tom de rosa,
fazendo-o querer estender a mão e tocar. Quão quente ela ardia? — Você já leu
minhas cartas.
— Li. — Ele tinha usado magia para absorver cada palavra escrita tanto por
Gillian quanto por Cameron. Mas nenhuma quantidade de magia poderia ter
refreado sua surpresa quando os detalhes foram revelados.
Gillian construiu um orfanato para crianças carentes e um abrigo para
mulheres vítimas de abuso. Ela foi cortejada por reis e príncipes, que seriam
executados quando Puck unisse os clãs. Ela aprendeu a usar magia, tinha até
matado para consegui-la.
A cada nova carta, Puck realmente a sentia crescer e endurecer. E quando ela
mencionou sua felicidade? Seu coração se agitou, algo que nunca fizera.
Ela mencionou que sofria de virar"Hulk" e ele quase sorriu. Sua esposinha
tinha uma birra ou outra de vez em quando?
A vontade de sorrir desapareceu quando ele encontrou a profecia dos Oráculos.
Sem final feliz.
Mesmo agora, a culpa aumentava. Ao trazer Gillian para Amaranthia, Puck a
colocou em um determinado caminho. Em essência, ele a condenou, uma inocente
que havia passado por uma infância trágica. Porque mesmo que cortasse a ligação
aqui e agora, ele não faria bem a ela. A profecia foi feita; aconteceria, por mais que
tentassem contorná-la.
Sin não tinha provado isso?
— Então? Onde está William? — perguntou Gillian.
Esse nome em seus lábios! Odeio isso! Puck queria agarrá-la pelos ombros e
pressioná-la contra a linha dura de seu corpo. Ele a beijaria tão profundamente
que apagaria as lembranças do outro homem de sua mente.
Onde está William, meu amor? Ele estará morto, se perguntar por ele mais uma
vez.
Pensamento ridículo. Apenas um sonho.
— O tolo saiu por conta própria, esperando encontrá-la — disse ele — mesmo
apesar de não saber nada sobre este reino nem sobre seus habitantes.
— E você o deixou sair? — Seu tom de censura deixou seus nervos no limite.
— Deveria tê-lo amarrado? —Puck tinha buscado o acampamento das
Shawazon em vez disso, pensando que Gillian poderia estar se escondendo dentro
de uma das casas. Não tinha encontrado sinal dela, mas encontrou inúmeras
mulheres afiando espadas, fazendo reparos em diferentes habitações e praticando
movimentos de combate.
Alguns dos residentes do sexo masculino tinham coletado e descartado
escombros quando entrou no acampamento. Outros tinham cozinhado. Outros até
sentavam em pedras e costuravam. Todos pareciam... contentes.
Gillian não criou um clã; ela criou um milagre. Seu povo a amava. Eles a
seguiam por escolha, em vez de medo, tão leais que se recusaram a responder suas
perguntas sobre ela.
Agora, ela deu um passo atrás e se virou em seus calcanhares.
— Onde está indo? —Puck exigiu, trancando seu braço para segurá-la no
lugar. Ele tinha acabado de achá-la. De jeito nenhum a perderia de vista.
— Onde mais? Encontrar William.
Ele rangeu os dentes até que suas gengivas doessem.
— Cameron está procurando por ele.
— Você é um bastardo de sorte —Cameron tinha dito antes de sair. — Claro,
Gillian destruiu qualquer chance de unir os clãs e alcançar a paz, mas ela agarrou
a vida pelas bolas e viveu cada segundo com paixão. Quantos outros podem dizer
o mesmo?
— Eles voltarão logo — disse Puck.
Gillian se soltou, mas não tentou sair pela segunda vez.
Ele soltou um suspiro que não sabia que estava segurando.
— Eu gosto das nossas terras — disse ele, na esperança de distraí-la.
— Nossas terras? — Ela soltou.
— Apesar de sua conversa sobre divórcio, nós somos marido e mulher. O que
é seu também é meu.
— Pelo seu raciocínio, as tesouras também são minhas. Entregue-as para mim.
Mulher inteligente.
— Que tal eu te dar um pedido de desculpas em vez disso? Desculpa ter
mentido para você, desculpa tê-la machucado de propósito. Tem a minha palavra
que eu nunca mais farei isso.
Um dar de ombros. Uma ação casual e, ainda assim, ela disse:
— É melhor que esteja falando sério. O príncipe de Fiáin mentiu para mim há
alguns meses e agora está aprendendo a andar de novo.
Sua esposinha tinha imobilizado um guerreiro que treinou para guerrear
durante eras? Puck quase riu.
— Estou perdoado?
— Estava perdoado antes dos socos. Não significa que somos melhores amigos
ou algo assim. Ou que confio em você.
Já era algo. Por enquanto.
— Eu também sinto muito por ter levado mais tempo do que o previsto...
quando você ficou muito ansiosa para começar a namorar outros homens. — Tom
gutural, não mais mascarando a selvageria que fervia dentro dele, ele exigiu: —
Namorou?
Ela simplesmente piscou para ele como se fosse uma criança recalcitrante.
Pensava em negar-lhe uma resposta? Ele já matou pessoas por menos.
Quantos homens ele teria que matar por ousar cobiçar o que lhe pertencia ou,
pior ainda, por tocá-la? Um guerreiro defendia seu território. Sempre. Ninguém
tinha o direito de olhar para Gillian sem a permissão de Puck.
Ele nunca concederia permissão.
Sem prestar atenção ao mais novo refrão do demônio, Puck retrucou:
— Me responda.
— O que você acha? Quero dizer, olhe para mim. — Ela acenou com a mão
para o seu corpinho curvilíneo que ele imaginou perdido nos espasmos da paixão.
— Estou divina para quinhentos e dezenove. Ou para dezoito anos? Vinte? Eu
esqueço.
Seu olhar se chocou com o dele, tão escuro, tão adorável, sua íris cor de uísque
brilhando tanto quanto runas, desafiando-o a mentir. As feridas profundas que ele
já notara não eram mais tão evidentes, mas as gravações ainda não estavam em
chamas.
Ninguém a fez arder.
Sua tensão evaporou.
— Você está divina, sim, não importa sua idade atual.
Ela afofou o cabelo novamente.
— Apesar da minha idade avançada, não preciso de uma bengala a menos que
quebre ou perca uma perna, e não tremo quando estou usando minhas agulhas de
costura... para costurar os meus amigos.
— Mas você não começou a namorar — ressaltou.
Erguendo-se, ela disse:
— Como você sabe? E por que se importa?
— Quem disse que eu me importo? Você pode fazer o que quiser, com quem
quiser.
Seu olhar o percorreu e... esquentou?
— Tem certeza disso, Pucky? Seus lábios dizem faça o que quiser, mas o resto
diz faça comigo agora. E pelo resto, eu me refiro ao foguete de bolso que você está
contrabandeando dentro da sua calça.
Ela notou, foi? Ele endireitou a coluna e enquadrou os ombros — com orgulho.
Olha, esposa. Veja o que você faz comigo tão facilmente. — Eu disse que você podia
fazer o que quisesse, com quem quisesse. Não disse que permitiria que os homens
vivessem.
Seu tom razoável ao discutir assassinato fez com que os cantos da boca se
curvassem para cima, surpreendendo-o.
Ela controlou a expressão, desapontando-o, e cruzou os braços acima do peito.
— Você é o mesmo de antes, na aparência e no comportamento. Num momento
quente e gelado no seguinte. A sua vibe de quero fazer com você não vai durar.
— Então é melhor corrermos para a nossa casa, para que eu possa fazer com
você enquanto isso durar. — Estou brincando.
Posso não estar brincando.
— Lá vem você de novo. Nossa casa? E de jeito nenhum. Não vamos fazer nada.
— Ela gaguejou por um momento, depois se apressou a mudar de assunto. — O
que acha do meu acampamento?
Dando crédito ao que era merecido, ele disse:
— Você criou algo especial aqui.
Enquanto os Shawazons que ele entrevistou se recusaram a responder
perguntas pessoais sobre sua líder, ficaram mais do que felizes em se gabar de as
conquistas dela. Ela era conhecida como a Saqueadora das Dunas, uma guerreira
sem igual e uma arma genuína. Ela invadia campos rivais, libertava mulheres de
estábulos e abusos, cuidava de crianças, especialmente órfãs, roubava o que queria,
sempre que queria, e punia os soldados por seus crimes. Ela também treinava ex-
prisioneiros para que fizessem o mesmo.
O que era exagerado e o que era verdade? Qualquer que fosse a resposta, ele
desejou ter testemunhado sua transformação de medrosa à corajosa.
Mais cedo ele questionou Cameron:
— Que dificuldades ela enfrentou? Conte-me tudo.
— Bem, vamos ver. Apenas todas — respondeu seu amigo. — Mas antes que
você olhe para mim com seus olhos frios e duros... sim, assim mesmo... ela aceitou
de bom grado a maioria delas para se tornar uma guerreira e uma comandante
melhor.
— Obrigada — disse Gillian agora, orgulhosa como um pavão de suas penas.
— Mas — acrescentou ele com uma carranca. — As tensões estão mais altas
do que nunca. Batalhas brutais de clã contra clã são travadas semanalmente.
Emboscadas e ataques estratégicos são uma ocorrência diária. A única coisa em
que os cidadãos concordam é no ódio que sentem por você.
— E daí? Não me arrependo de nada.
Ele deveria ficar zangado com ela. Em vez disso, ele ficou... ainda mais
agradado. Quanto espírito.
Puck estendeu a mão e passou os nós dos dedos ao longo do queixo dela.
Assim como tinha feito no dia do seu casamento, ela se inclinou ao seu toque. Só
que desta vez, ela emitiu o som mais sexy que ele já ouviu.
— Hummm.
Minha esposa está precisando desesperadamente de carinho. Como ele poderia
se arrepender de alguma coisa agora?
Embora Gillian parecesse mais dura do que antes, até mesmo severa, sua pele
parecia seda aquecida.
Quanto mais a tocava, mais espesso ficava o ar, respirar ficava mais difícil.
Tremores se formaram dentro dele, o desejo chiando profundamente em sua
medula.
Ele ansiava por varrê-la em seus braços e levá-la até a cama mais próxima. O
que absolutamente não faria.
O que ele provavelmente não deveria fazer.
O que deveria fazer...
Não, não. Seu próximo objetivo o esperava. Não podia permitir que Gillian o
distraísse. A luxúria não tinha importância — ou melhor, não teria.
Puck invocou mais e mais gelo, até que finalmente o calor do desejo esfriou,
uma camada de gelo se formando em seu coração e mente, seguida por outra e
mais outra, até que sua armadura gelada estivesse no lugar, seus pensamentos e
corpo calmos.
— Melhor — disse Puck.
Gillian se sacudiu, afastando-se dele, balançando. — E ele está de volta — ela
murmurou, desgosto pingando das palavras.
Balançando? Sua ferida a enfraqueceu, ele percebeu. Como poderia ter
deixado de notar?
— Você está ferida — disse, a qualidade sem emoção de sua voz de alguma
forma obscena para ele. — Quem se atreveu a machucar minha esposa? Por que
não a protegeram?
Fazendo uma careta, ela deu outro passo atrás, aumentando a distância entre
eles.
— Que pergunta mais idiota — Winter disse ao se aproximar.
Ele olhou para a sua ex?-amiga.
— Você recebeu instruções para cuidar do bem-estar dela e, no entanto,
permitiu que ela fosse ferida.
Winter fez um gesto com a mão para sua observação como se não importasse,
e ancorou as mãos nos quadris.
— Esperei nos bastidores por uma eternidade, esperando um convite para
participar da reunião. Já que vocês foram rudes o suficiente para me ignorar, vou
ser rude o suficiente para me intrometer. A propósito, isso é uma droga.
— Concordo — disse Puck. — Você permitiu que ela...
— Eu tinha um plano — a Guardiã de Egoísmo continuou com um beicinho.
— Puck voltaria e eu apresentaria Gillian.
— Eu já a conhecia — ele disparou. — Agora me diga por que permitiu...
— Vá em frente — Gillian incentivou, cortando-o. — Me apresente. Ele não
sabe que meus nomes mudaram.
Nomes, no plural?
Winter limpou a garganta.
— Puck Connacht, permita que o apresente Gillian Connacht, a Primeira de
Sua Linhagem, a Rainha dos Shawazons, a Saqueadora das Dunas, a Defensora
dos Fracos, a Destruidora de Estábulos, a Mãe da Pior Quimera do Mundo, o
Flagelo das Areias, a Soberana de Todas as Casas. Amiga de Winter.
Uma Gillian radiante deu-lhe um sinal de positivo, e Puck se viu impotente
para fazer qualquer coisa, a não ser olhar, totalmente fascinado, como se nunca
tivesse colocado suas emoções em um congelamento profundo. Em que mundo
louco eu entrei?
Winter beijou a bochecha de Gillian.
— Vou te dar um minuto, talvez dois, mas provavelmente apenas trinta
segundos, antes de voltar com suprimentos. Termine seus negócios. Ou prazer. E
não se esqueça de contar ao seu ex como você dividiu seus ativos conjuntos quando
se divorciou, ficando com tudo pra si. É uma história fascinante e tenho certeza de
que ele ficará apropriadamente fascinado.
— Hmm, você está tentando assumir a conversa, querida — disse Gillian com
um sorriso de adoração.
A inveja reduziu o que restava de sua impassibilidade a tiras. A afeição dela
pertencia a Puck e somente a...
Ele estalou a mandíbula e forçou seus pensamentos a um branco.
— Certo. Foi mal. — Winter fez que trancava os lábios e jogava a chave fora.
Então se virou para Puck e disse: — Não tente me culpar por sua perda. Você
deveria ter previsto. Todo mundo sabe que uma união por amor versus uma
arranjada é como suicídio versus assassinato. Além do mais, Gillian nunca
acreditou em mim quando eu disse que o segredo para um casamento imortal de
sucesso era manter o arsenal do seu marido cheio e suas bolas vazias. Você
provavelmente está em vantagem porque...
— Só está provando o que eu disse — Gillian murmurou.
— Certo novamente. — Com uma piscadela e um tchau com os dedos, Winter
partiu para reunir aqueles suprimentos.
Sem perder um momento, Puck disse:
— Nós não estamos divorciados e não estamos nos divorciando. Ainda.
— Eu quero minha liberdade de você e do seu demônio.
— Eu sei — ele ergueu as sobrancelhas. — Você está pronta para experimentar
o romance.
— E você parece mesmo magoado por isso. — Ela beliscou a ponte do nariz.
— Veja. Talvez você não estivesse ciente, mas casamento é a causa número um de
divórcio em todos os reinos. Essas coisas acontecem. Ninguém tem culpa, blá, blá,
blá. Exceto você. Você é o culpado. O que achou que aconteceria quando ficasse
afastado trezentos anos a mais do que o planejado? Esqueceu como se conta? A
propósito, eu não preciso que Winter me proteja. Eu posso me proteger.
— Obviamente — ele disse com um sorriso de escárnio, e fez sinal para seu
ferimento.
— Como se você nunca tivesse se ferido em batalha.
— Só muito raramente. E eu não pensei no que aconteceria durante a minha
ausência. — Não durante todos os segundos de cada dia.
— Deixe-me adivinhar. Você simplesmente não se importou — disse ela. —
Apatia em todas as coisas poderia muito bem ser o lema da nossa família.
Sim. Apatia em todas as coisas. Então, por que deu um passo em direção a
ela precisando de contato? E por que as palavras “nossa família” naqueles lábios
vermelhos causaram um arrepio de ânsia?
Os olhos cor de uísque se arregalaram e o pulso na base de seu pescoço
disparou. A beleza que deixava os sóis de Amaranthia sentirem vergonha começou
a ofegar quando um rubor rosado escureceu suas bochechas e se espalhou.
Lembrou-se do quanto ansiara por investigar seus rubores antes de sua
partida. Como se perguntara o quão quente sua pele era, e quão longe o rubor se
espalhava. Agora sua curiosidade se aprofundou.
— Eu pareço apático? — disse rouco.
Ela o olhou de cima a baixo, na verdade lambeu os lábios, chocando-o. Depois,
colocou as palmas das mãos no seu peitoral e empurrou.
Achava que precisava de espaço?
Ele se aproximou, tão perto que seu peito roçou as cristas de seus seios
quando ele inspirou. Um gemido áspero escapou dele no momento do contato. Não
é culpa dele. As curvas daquela mulher. Ela se encaixava perfeitamente nele, suave
onde ele era duro.
Ele queria se esfregar nela, queria se esfregar nela agora.
Em vez disso, recuou. Cuidado. Prossiga com cautela.
Ela batia a ponta da língua num dente incisivo enquanto o estudava com mais
atenção. Quais pensamentos rolavam em sua mente?
— De volta às muitas vezes que você se feriu na vida, e não só na guerra como
no romance — ela finalmente disse. — Eu sei que você já quis Winter.
Ela sabia e estava... com ciúmes? Agora ele sentia vontade de sorrir. Mantendo
o tom suave, disse:
— Certa época. Sim.
— E agora?
— Por quê? Ainda está disposta a me compartilhar? — Ele não esqueceu como
foi fácil para ela lhe dar permissão para dormir com outras mulheres.
— Ha! — Ela deu um tapinha na bochecha dele. — Pode sonhar, queridinho.
Você vai pagar na mesma moeda. Planeja matar os meus amantes. É justo que eu
mate as suas, bem devagar. — Então — ela perguntou — ainda tem ou não atração
por Winter?
Não se incline ao seu toque.
— Você mataria sua amiga?
Seus olhos se estreitaram.
— Me responda.
— Não tenho... — Ele observou o rosto dela... ali. Um vislumbre de alívio. Ela
ficou com ciúmes. Minha mulher me quer, como ela deveria. Com um tom um pouco
mais rouco, ele disse: — discutiremos o seu ciúme mais tarde. Por enquanto, vamos
dar um jeito em você.
Seus olhos realmente se estreitaram.
— Você ouviu Winter — disse ela. — Ela está voltando com suprimentos. Além
disso, sou imortal. Uma imortal sem ciúmes. Eu vou me curar.
— Nem todos os imortais se curam de todas as feridas. — E a cor em suas
bochechas estava começando a entorpecer, gotas de suor surgindo ao longo de sua
testa e lábio superior. — Com quem você lutou?
— Com os Walshes. Se quer nomes, não posso fornecer. Não parei para me
apresentar aos caras que morriam sob a minha espada.
— Agora que voltei, posso lutar em seu nome.
Ela bufou.
— Não tem necessidade. Eu posso lutar por mim mesma.
— Sou forte. — Ele gostava da ideia de proteger e defendê-la.
Ela revirou os olhos, imperturbável.
— Também sou.
— Você não é mais forte que eu. No momento é incapaz de suportar o vento.
Um dar de ombros.
— Eu ainda posso te derrubar.
— Pode? — Ele perguntou com um tom áspero. Sua altura e largura lhe davam
uma vantagem injusta e destacavam a delicadeza feminina dela.
— Posso. E para sua informação, você não consegue me intimidar, grandalhão.
Não mais.
PARA SUA INFORMAÇÃO?
— Não consigo?
— Não, mas aposto que eu posso intimidar você — disse ela. Dessa vez ela deu
um passo em direção a ele e colocou os braços ao redor do seu pescoço.
Seu olhar o desafiou que ele ficasse quieto enquanto ela lenta e languidamente,
subia nas pontas dos pés para aproximar os lábios dos dele...
Ela planejava beijá-lo? Aqui, na frente de testemunhas?
Quero isso — terei isso. Eu a terei. Reivindicarei o que é meu.
O perigo! A luxúria já ameaçava dominá-lo e arruinar tudo.
Puck cambaleou para trás.
Ela riu, provocando-o e disse:
— Azar o seu.
Mulher magnífica. Ela já havia descoberto suas fraquezas, não foi?
— Por que está protestando contra o divórcio, afinal? — Ela perguntou. —
Você planejava me liberar desde o começo. Por que adiar o inevitável? E onde estão
as tesouras?
— As tesouras estão em um lugar seguro — disse ele. — E você terá seu
divórcio depois que William destronar meu irmão. Não antes.
— Bem. Isso é tudo que precisa acontecer antes que eu possa me livrar de
você? Está bem então. Vamos encontrar William e destronar seu irmão.
Você nunca vai se livrar de mim.
Chega! Ele se esforçou para tornar a fortificar sua determinação. Ninguém
possuía uma vontade mais forte do que a sua; ele conseguiria, faria...
— Ei, pessoal. — Como prometido, Winter voltou com uma sacola de
suprimentos. — Já estamos chegando na parte de fazer bebê desse reencontro, ou
os dois têm um momento para bancar o Dr. Amor e Paciente Zero?
Um rubor se espalhou pelas bochechas de Gillian.
— Suprimentos — disse ele. Quase não conseguindo falar.
Winter entregou a sacola.
— Agora não vá pensar que estou fazendo isso pela bondade do meu coração
ou algo assim. Se a minha garota morrer de infecção, vou ter que chorar. Sou
péssima com luto e ninguém gosta de fazer coisas que não é bom em fazer.
Ela desfilou pela segunda vez, e Gillian pegou a sacola da mão de Puck. Outra
mulher correu para colocar uma cadeira de madeira na areia. Gillian murmurou
um agradecimento, sentou-se e arrancou seu curativo.
No momento em que avistou sua ferida — carne aberta, músculos rasgados,
osso rachado — um arame farpado pareceu brotar ao redor de seu coração e
apertar.
Ela fez uma careta enquanto limpava o ferimento. Então, com uma mão
chocantemente firme, ela pegou uma agulha e passou pelos dois lados da laceração.
— Eu tenho uma ideia — disse ela, tão calma como se estivesse fazendo
jardinagem. — Que tal você usar as tesouras como um gesto de boa fé? Vou te
ajudar a matar Sin sem estar ligada a você. Nós dois ganhamos.
Ainda mal podia esperar para se livrar de mim.
— Que tal... não.
Ela fez uma careta para ele, mas deixou o assunto morrer enquanto enrolava
uma bandagem limpa em torno do torso e se levantava.
— Você estava certo sobre uma coisa. Eu costurei muito enquanto esteve fora...
em mim mesma.
Quem era essa mulher? E por que ele estava palpitando de desejo de novo?
— Boneca? — A voz de William soou alta e clara, e cheia de espanto.
— William! Você nos achou. — Gillian riu um som mágico, e Puck rangeu os
dentes quando ela dardejou ao redor dele correndo para se jogar nos braços do
outro homem. Outra risada escapou quando William a girou nos braços.
Dentro de Puck, instintos possessivos se esticavam e gritavam. Arranque-a do
abraço do cretino. Mate-o com suas próprias mãos. Reivindique sua mulher. Agora.
E alimentar a vaidade de William? Nunca!
Nisso, o orgulho de Puck era grande demais.
Quando Indiferença rosnou e rugiu, batendo em seu crânio, ele não ofereceu
resistência. Mas se perguntou uma coisa. Era por essa razão que os Oráculos
sugeriram que ele se casasse temporariamente com Gillian? Para impedir o
demônio, permitindo que Puck sentisse enquanto ainda permanecia forte?
Ele se lembrava do quanto ele uma vez quis experimentar suas emoções sem
sofrer uma consequência. Agora ele podia, e ainda assim... Odeio minhas emoções!
— Não posso acreditar que você esteja realmente aqui — disse Gillian,
lágrimas de alegria escorrendo por suas bochechas.
Onde estavam suas lágrimas de alegria por Puck?
— Como se eu pudesse ficar longe. Olhe para você — William a colocou de pé
e segurou seu rosto nas mãos trêmulas. — Você mudou. Um fato que eu não
esperava gostar. Mas a imortalidade combina com você.
— E você... — Ela o abraçou uma vez, duas vezes, depois uma terceira vez,
como se não pudesse parar. — Está tão impecável quanto eu me lembro.
— Eu senti tanto a sua falta. — Novamente, William a girou e girou nos braços.
— Sentiu? De verdade? Quero dizer, quando eu me uni à Puck, você lavou
suas mãos de mim. — Ela franziu as sobrancelhas, que eram um tom mais escuro
do que seu cabelo. — Por falar nisso, por que concordou em ajudar Puck?
William a colocou de novo em pé.
— Puck não. Você. E eu falei o que não devia quando soube do seu vínculo.
Eu estava com raiva de mim mesmo, não de você. Eu é quem deveria ter te salvado.
Eu. Eu deveria ter agido como um homem, mas não consegui. Em vez disso, eu
ataquei culpando todos os outros. A verdade é que minhas escolhas nos levaram
até aquele dia fatídico, não as suas, e eu quero fazer as pazes com você. Eu vou te
compensar.
Ela ouviu, extasiada e cheia de adoração.
Puck se irritou, cheio de hostilidade.
— Como estão os Senhores e Senhoras? — Ela perguntou a William.
— Vivos e bem.
Um brilho de felicidade em seus olhos... ao lado de um lampejo de tristeza.
Ela sentia falta dos seus amigos. Por causa de Puck.
Não me importo — não mesmo! Eu fiz o que precisava fazer.
— Agora, quero ouvir todos os detalhes da sua vida — disse William. —
Comece do começo quando nos separamos, e termine com você me encontrando
aqui neste buraco. Não deixe nada de fora.
Buraco?
— Eu prefiro ouvir sobre suas aventuras, William. — Puck ofereceu ao par um
sorriso frio. — Por que você não nos conta sobre as muitas conquistas de quarto
que teve desde que eu e Gillian nos casamos?
Se olhares pudessem matar um imortal, Puck estaria sangrando e morto.
William suavizou sua expressão e disse:
— Todas sem importância, meu doce. Não há absolutamente nada para contar.
Gillian descansou a cabeça no ombro dele e se agarrou ao seu braço, enquanto
avaliava Puck com um olhar mascarado.
— Que tal eu te contar o principal? Eu comecei meu próprio clã, resgatei
mulheres e crianças de lares ruins e me tornei a guerreira mais temida da terra.
Ah, e recentemente decidi começar a namorar. Porque estou divorciada!
— Chega! — O comando foi expelido de Puck antes que ele pudesse morder a
língua. — Você quer tanto o divórcio? Conquiste-o.
— Uh-lá-lá. Outro show de calor. — Ela exalava excitação, mesmo quando se
preparava para a decepção. — Retorno do Homem de Gelo em três, dois...
Enterre as emoções. Congelamento profundo. Isso. Melhor.
— E ele está de volta — disse ela com um suspiro.
William estirou o lábio inferior e usou a mão livre para girar o punho debaixo
do olho.
— Buá. Pobre Pucky. A nossa bola de pelo está fazendo beicinho por causa do
seu reino perdido?
Puck pousou a mão no punho de uma adaga e contemplou remover a língua
do macho. Ele precisava de sua chave viva — não capaz de falar.
— Seja bonzinho — disse Gillian, olhando para Puck. Por alguma razão, sua
tensão sofreu uma hemorragia no momento em que ela soltou William. — Passei
muito tempo estudando seu irmão. Ele é tão paranóico que construiu uma fortaleza
do tamanho do Texas e conjurou um labirinto em torno dela. Ninguém pode chegar
até ele, porque eu nunca tentei. Se eu me permitir ser capturada e levada para o
interior, como um cavalo de Troia, eu poderia matar os guardas e abrir caminho
para vocês dois entrarem.
Puck disse:
— Não — ao mesmo tempo em que William deu uma sacudida inflexível de
cabeça e gritou:
— Não vai acontecer.
Ela apertou os lábios com irritação.
— Eu vou me machucar? Sim. Não vou fingir o contrário. Eu tenho medo da
dor? Não. A garota obedecerá os homens grandes e fortes? Vão se foder!
Mais espírito. Mais teimosia.
— Eu permitirei que vá direto para o seu final infeliz? — Puck disse. — Não.
Poderia ser morta assim que a vissem. Ou pior. — Especialmente se Sin descobrisse
o que ela significava para ele. Não que ela significasse alguma coisa. Reformulando.
Especialmente se Sin descobrisse que Puck estava unido a ela.
Melhor.
— Concordar com o Sr. Muppet me entristece, mas nisso eu preciso. — William
colocou um punho sobre seu coração, uma posição de falso desânimo que em nada
camuflava sua força incomensurável. — Nós vamos juntos ou não. E o que ele quer
dizer com final infeliz?
Gillian descartou a pergunta como sem importância.
— Vamos sair à primeira luz. — Puck apontou para o curativo. — Hoje à noite
você vai se curar.
— Sim, senhor. Nós também vamos festejar. — Ela o saudou, sua expressão
ilegível. — Amanhã nós vamos sair para chutar Sin o Demente do trono de
Connacht e conseguir o meu divórcio.
Ele estava de volta. Puck havia retornado, como prometido, fazendo Gillian se
sentir como se unicórnios pulassem em seu peito e fadas dançassem dentro de seu
estômago. Ele estava ainda mais bonito do que se lembrava. Lindo de uma forma
de outro mundo, com suas feições cinzeladas esculpidas em gelo e pedra. Seu cabelo
comprido e escuro. Aqueles chifres. Seu aroma absolutamente divino, mais potente
que a magia, mais inebriante do que o vinho.
Ela estremeceu. Tudo no guerreiro a atraía. Sua altura enorme e ombros
largos... todos aqueles cortes de gloriosos músculos e tendões, e força latente...
suas tatuagens... seu quadril estreito e pernas musculosas...
Sua imensa ereção.
Sim, ele tinha ficado duro... por causa dela? Por causa de outra pessoa? E ela
notou no momento em que aconteceu, apesar de ter sentido vontade de olhar para
o rosto dele para sempre. O membro dele era como um imã para o seu olhar.
Aparentemente, a Saqueadora das Dunas queria atacar — as calças de Puck.
Finalmente ela tinha provas: velhos medos não despertariam nem a
dominariam.
Maldito! No segundo que o viu, um raio crepitante de luxúria caiu nela,
acendendo um fogo selvagem em suas veias e uma necessidade dolorida entre as
pernas, debochando de tudo que ela sentiu no passado. Mesmo agora, a atração
formigava debaixo da superfície de sua pele. Pele queimava por um rubor constante.
Respirar agora era um luxo, ofegar era a norma. Seu coração ainda precisava
desacelerar.
Seu corpo ansiava por alívio — e queria isso dele, só dele. Do seu marido.
Já não estava mais oficialmente divorciada? A quem estava enganando?
Tendo sido forçada a enterrar seus desejos físicos por séculos, ela se tornou
mestre em esconder suas necessidades. Essas habilidades a serviram bem hoje,
permitindo-lhe enganar tanto Puck quanto William. Desejar a boca e as mãos de
Puck? O que? Quando? Eu?
Uma ou duas vezes, ela temeu que Puck a tivesse descoberto, temeu que ele
pudesse ver por baixo de sua fachada calma, como seus joelhos ameaçavam
derreter toda vez que ele revelava emoção ou calor. Uma vez, pensou que ele tinha
olhado pra ela com desejo palpável.
Mas não importava o quanto estivesse desesperada, ou o quanto ele poderia
ou não desejá-la, as razões para evitar fazer sexo com ele não mudaram. Ele daria
um gelo nela depois, fazendo-a se sentir usada e abusada. Ela o mataria e, por sua
vez, inadvertidamente mataria a si mesma. Não, obrigada.
A menos que ela desse um gelo nele depois? Era de se pensar.
Ou poderia apenas esperar pelo divórcio. Assim que o vínculo fosse eliminado,
ela desejaria outros homens. Certamente! Além disso, o que eram mais alguns dias
ou semanas de abstinência depois de meio milênio?
Mas, oh, estava cansada, tão cansada de ouvir sobre a vida sexual incrível das
suas amigas.
— Sexo é lindo — Rosaleen disse uma vez. — Uma comunhão de corpos e
almas. E o prazer — Ela sorriu como um gato sorri ao comer um canário. — Eu
estava tão preparada para um orgasmo que não me importava se o mundo ao meu
redor estivesse acabando. Não até que eu terminasse com o meu homem.
Isso. Era isso que Gillian desejava.
— Vocês querem um tour pelo acampamento? — Ela perguntou.
Puck assentiu com a cabeça, seu olhar nunca deixando o rosto dela, como se
ele não pudesse desviar. Como se tivesse encontrado um prêmio pelo qual valia a
pena lutar.
Uma espiral de calor se desenrolou em sua barriga, mesmo quando ela se
repreendeu por mais pensamentos positivos.
— Eu adoraria um tour pessoal e privado — disse William.
William, doce William. Ela esteve tão animada em vê-lo, mais animada do que
pensara, considerando que ele se desvanecera em uma lembrança afetuosa, mas
distante, no fundo de sua mente e coração.
Seu rosto de conto de fadas e seus fantásticos olhos azuis elétricos se
tornaram mais duros no tempo que passaram separados. E ele também estava
mais cínico. Se apenas seu corpo respondesse a ele. Ele nunca foi frio com ela.
Enquanto conduzia seus convidados pelo acampamento, Puck se colocou
entre ela e William, o calor de seu corpo arrasando suas terminações nervosas já
sensibilizadas. Manter sua fachada casual saltou de possível para improvável.
Nenhum dos homens notou. No momento, eles estavam ocupados demais
encarando um ao outro.
William rompeu o contato primeiro, lançando um sorriso descuidado em
direção a Gillian.
— Me diga a verdade, boneca. Em uma escala de um a dez... um significando
que você quase pereceu de dor a cada minuto de cada dia, e dez que você realmente
pereceu porque não pôde mais viver sem mim, mas a esperança de um reencontro
a trouxe de volta à vida, quanta saudade sentiu de mim?
Bufo de zombaria.
— Nós nos separamos? — Ela perguntou, fingindo confusão.
— Ai, como você me magoa. — Ele contornou Puck para parar diante dela e
tirar uma mecha de cabelo do seu rosto. — Você se saiu bem aqui?
— Sim — Ela não trocaria seu tempo em Amaranthia por nada.
Mais uma vez, Puck se colocou entre eles. Embora usasse sua expressão
favorita de Homem de Gelo, transmitindo zero emoção, ele passou a mão ao redor
da traqueia de William, apertando enquanto levantava seu amigo do chão.
— Darei apenas um aviso, Sempre Excitado. Esta é minha terra.
— Minha — corrigiu Gillian.
Ainda encarando William, ele disse:
— Ela é minha. Até que nossa união seja desfeita, ninguém fica entre mim e
ela. Compreende?
Relâmpago crepitava debaixo da pele de William quando ele deu uma
cotovelada no antebraço de Puck, ganhando sua liberdade.
— Você não tem direito...
— Não? — Puck projetou seu queixo. — Ou preciso lembrá-lo do nosso acordo?
Você deve manter as mãos onde estão.
Sempre tão frio, ainda que tão hostil, mas agora intenso e possessivo. Por que,
por que ela queria se jogar nos braços musculosos do marido?
— Que acordo? — Ela perguntou.
— Que acordo você acha? — Puck respondeu. — Aquele em que William me
ajuda a reivindicar minha coroa...
— Não essa parte — disse ela, e revirou os olhos. — A parte de manter as mãos
onde estão.
Ele olhou para William, mas permaneceu mudo.
— Ciúme não fica bem em você, Pucky — William retrucou, embora ele
relaxasse, o relâmpago debaixo de sua pele sumindo. — Mas afinal, o que é isso?
Uma atuação para me manter na linha? — Ele abriu os braços. — Bem, não há
necessidade. Me considere na linha.
— Eu protejo meu investimento — Puck retrucou.
Argh. Ela uma vez se referiu a si mesma como um investimento, não foi?
Garotinha boba.
— Você vai perdê-la em breve — disse William.
A cor no rosto do seu marido escureceu. Ele agarrou pedaços de cabelo,
navalhas cortando as palmas das mãos, sangue jorrando. Com os olhos apertados,
ele disse áspero:
— O que está acontecendo... instintos... mate a ameaça... não posso, não
posso.
Matar William? Porque ele ameaçava o casamento de Puck?
Suavizando, Gillian chegou até Puck, pretendendo distraí-lo com o toque. Mas
não precisava ter se incomodado. O Homem do Gelo havia retornado. Claro. Ele se
endireitou, os braços caindo para os lados, a expressão desprovida de qualquer
emoção.
Decepção a atingiu, mas ela ignorou. O que esperava?
— Gillian! — Uma voz familiar gritou.
O tamborilar de passos ecoou... uma debandada deles, na verdade,
aproximando-se a cada segundo. Tanto Puck quanto William se prepararam para
atacar uma fração de segundo antes de um bando de crianças a cercarem,
empurrando os homens do caminho.
Seu coração quase explodiu de amor enquanto ela recebia sorrisos, abraços e
beijos. Essas crianças resgatadas a adoravam e o sentimento era mútuo.
Um de seus professores gritou:
— Tudo bem, crianças. Já chega. Vocês têm uma redação para escrever e a
nossa rainha tem deveres para supervisionar.
Em meio a gemidos de decepção, Gillian prometeu visitar a escola mais tarde.
Assim, os gemidos foram substituídos por aplausos. As crianças correram para
longe.
William olhou para ela com uma expressão estranha.
— Rainha?
Ela deu de ombros.
— A tradição é forte em Amaranthia, não é? Embora eu tenha criado uma
democracia, a maioria dos Shawazons prefere os velhos costumes, com uma classe
dominante.
— Depois de seu vín... não sou capaz de dizer a palavra com V. — Ele
estremeceu. — Eu pesquisei sobre Puck e descobri algumas coisas sobre a sua
terra. As mulheres geralmente são forçadas a se tornarem potrancas em um
estábulo com centenas de outras. Elas são banidas do campo de batalha e punidas
se ousarem aprender a ler ou a escrever. — Ele cuspiu as palavras em Puck, como
se o marido dela pudesse levar toda a culpa.
— Isso está mudando — disse ela, com o peito inflando. — Algumas das
minhas mulheres têm estábulos próprios, onde os homens são mantidos como
garanhões. Nós guerreamos e aprendemos o que quisermos, sem reservas.
Franzindo a testa agora, William massageou a nuca.
— Eu deveria ter te treinado para lutar quando nos conhecemos.
— Eu não estava pronta — ela admitiu. Naquela época, qualquer sinal de
violência a induzia ao pânico.
Com os braços cruzados sobre o peito, o bíceps maior do que suas esperanças
e sonhos, Puck olhou para ela.
— Você tem um estábulo de garanhões?
— Cara. Quem dera! — Ela suspeitava que ter um estábulo não era o mesmo
que namorar na mente dele.
William ficou boquiaberto, como se ela tivesse acabado de admitir estar
grávida de trigêmeos demônios.
— Você deseja um estábulo?
— Como se você tivesse algum direito de julgar — disse ela, e fez hmpf. — Você
já esteve com noventa e nove por cento da população feminina. Garoto, como você
é rodado.
Ele a alcançou de novo, apenas para se conter, fechar a mão e soltar o braço
para o lado. Um clarão de irritação em seus olhos antes dele dizer, com a voz baixa
e rouca:
— Só estava praticando pra você.
Oh, por favor.
— Quantas vezes você já usou essa cantada barata?
— Quando comparado ao tamanho da minha lista de peguei e larguei,
praticamente nenhuma — ele respondeu, apenas um pouco embaraçado.
Quantas vezes seria “praticamente nenhuma”? Ela fez sinal para os caras
avançarem, não se atrevendo a olhar para Puck. Ele estava em silêncio, o que não
era um bom sinal. Os melhores predadores observavam e esperavam...
— Vamos — disse ela. — Vamos terminar o tour. — Quanto mais cedo ela
chegasse em Peanut, melhor.
Na meia hora seguinte, todas as mulheres que viram Puck e William tiveram
uma de três reações. Um ataque de risos, um rubor ou um tchau sedutor. William
acenou de volta, piscou uma vez ou doze, mas Puck fingiu não notar — ou talvez
não tenha notado. Ele permaneceu focado em Gillian enquanto ela falava sobre as
casas que ajudou a construir. Como depois de pagar a um engenheiro e descobrir
o que precisava, ela e suas mulheres passaram décadas cavando com ferramentas
e magia até alcançar uma camada de solo compacto debaixo da areia. Elas também
arrastaram, carregaram, transportaram magicamente ou fabricaram pedras e
metais de tamanhos diferentes até o acampamento para criar pilhas de parafusos,
cascalho para concreto e tudo o mais que precisavam.
Muito trabalho duro, muito tempo e energia, e muita tentativa e erro, mas
valeu muito a pena. Elas criaram casas seguras com todos os elementos essenciais:
fogão, armazenamento, arsenal e espaço para uma cama.
Como os Shawazons viviam perto de um lindo lago intocado, outros clãs
atacavam constantemente, esperando assumir o controle.
Uma salva de palmas para quem conseguisse fazer o impossível.
— Estou espantado — disse William. — Minha garota delicada tem...
— Delicada? — Oh, mas ele a irritou com esse adjetivo chinfrim. Ele se
recusava a vê-la de outra maneira, apesar de tudo que ela mostrou a ele? Bem,
teria que consertar isso. — Segure as minhas adagas — disse a Puck.
William se apressou em tranquilizá-la.
— Eu só te elogiei. Você mudou, se fortaleceu. Histórias de suas façanhas
serão contadas por muito tempo depois que você for embora.
Seu estômago revirou quando compreendeu. Ele esperava que ela deixasse
Amaranthia. Sem dúvida Puck também, depois de ganhar a coroa de Connacht.
Tão arcaico quanto era, ele poderia cortar os Shawazons de uma aliança com todos
os clãs.
Sua nuca formigou. Calor correu por sua espinha. Ela cravou as unhas nas
palmas das mãos, tirando sangue. Inalar, exalar. Virar Hulk não faria bem a
ninguém. Procurando calma... pronto. Um poço de confiança.
Ninguém cortava os Shawazons de uma aliança!
— Espera que eu deixe Amaranthia quando se tornar rei? — Ela exigiu.
Ele franziu a testa para ela.
— Claro.
Sabia!
— Que pena. Ao contrário de você, eu termino o que começo. — Ela ficaria e
continuaria rainha. Seu povo seria protegido sempre.
Você não vai ter um final feliz...
Ela desligou a previsão das Oráculos, mesmo quando seu estômago realizou
outro duplo carpado.
Enrugando a testa, Puck inclinou a cabeça, seu estudo dela se intensificando.
— O que está tentando me dizer?
Ele precisava de esclarecimento? Bem. Ela soletraria.
— Se tentar debandar os Shawazons quando unir os clãs, encontrarei uma
maneira de te destronar. — Gillian estava tentada a usar o que restava de sua
magia apenas para provar sua força. Algo que teria feito sem hesitação como uma
valentona de duzentos anos de idade. Mas agora ela era mais velha, mais sábia, e
se recusava a desperdiçar o presente que adquiriu com dificuldade. Ela usava
magia para proteção, defesa e sobrevivência, sem se gabar de direitos.
Esperava resistência. Ela o ameaçou, afinal de contas. Mas ele suavizou.
— Seu clã sempre terá um lugar aqui, moça.
Mesmo?
— OK. Sim. Obrigada. — Adeus, indignação.
Não, adeus não. Não inteiramente. Como um parasita, a indignação encontrou
um caminho dentro de William. Ele sacudiu a ponta da língua em um incisivo,
como se pudesse sentir o gosto do sangue de seu inimigo — e gostasse.
Para distraí-lo, ela disse:
— Eu te mostrei o meu, agora me mostra o seu. O que mais fez durante a
minha ausência? E não se atreva a me dizer que um cavalheiro nunca derrama
seus segredos.
— Oh, eu não vou, boneca. — Sua voz possuía um tom formal que ele nunca
tinha usado antes com ela. — Mesmo os Senhores derramam com um incentivo
adequado.
Seu duplo significado se cristalizou, e ela corou como uma donzela de 216.
Puck respirou fundo, como se ele... o que? Gostasse de vê-la corar? Ou talvez
ele só quisesse assassinar William por flertar com ela? De qualquer maneira, miau.
Não vou olhar. Qualquer calor desapareceria de seus olhos escuros com suas
brilhantes explosões de estrelas, e ele a consideraria com frio desinteresse.
— Além de beber até entrar em um estupor e lutar ao lado do meu pai no
submundo? — William suspirou. — Eu surtei, procurei por você e considerei todas
as maneiras de castigar Puck.
Ha! Birra de homem. O pior tipo de birra. E as de William eram ainda pior que
as da maioria!
— Então, qual é o seu método favorito? — Puck perguntou. Ele não parecia
curioso ou chateado ou mesmo particularmente intrigado.
— É fácil — William esfregou as mãos, todo Senhor maligno. — Esfolá-lo vivo
para fazer um casaco de pele, então usá-lo enquanto te corto em pedaços.
Lentamente. Você se tornará uma história de aviso. A moral? Se alguém quiser
experimentar os horrores do inferno na Terra, mexa com a minha mulher.
Puck endureceu, sua linguagem corporal dizendo mais que palavras.
Basicamente: ela é toda minha, tire as mãos ou morra.
Pelo menos, foi o que Gillian ouviu. E droga, a possessividade meio que a
encantou. Não que durasse.
— Eu não sou sua nem de ninguém — ela disse a William. — Você é meu
amigo, mas...
William aceitou bem sua rejeição, dizendo:
— Você não é minha hoje... mas será. Eu vou garantir isso.
Ela quase perguntou: E quanto à sua maldição?
E acha que sou eu a destinada a te matar?
Uma vez ela foi muito fraca. Agora? Ameaçadora ao máximo.
Por alguma razão, isso a fez olhar para Puck e — ela ofegou. Ele a observava,
o olhar penetrante e intenso. Agressivo até, como se já a tivesse despido
mentalmente.
Arrepios dançaram por sua espinha. Calcinha? Agora estava encharcada.
— C-como pode ter tanta certeza? — Ela perguntou, forçando-se a se
concentrar em William. Gaguejando? Ela?
Com um olhar para Puck, ele disse:
— Eu sou o pacote completo, querida. Beleza, inteligência e força. E destinado.
Destinado. Também conhecido como "era pra ser". Também conhecido como
"tudo acontece por um motivo."Também conhecido como suas expressões
idiomáticas mais insultadas.
Sim, ela uma vez ficou muito feliz com a ideia de pertencer a William. Agora?
— Não existe isso de destino. — Ao longo dos séculos, ela observou os casais
interagirem, fascinada por suas nuances, como alguns desmoronavam ao primeiro
sinal de problemas e outros floresciam. — Há atração e, em seguida, se você quiser
sustentar o relacionamento, há muito trabalho.
— Mas o que causa a primeira atração, hein? — William perguntou.
— Se está me dizendo que a primeira atração é destinada, então vai ter que
me dizer por que ela às vezes desaparece.
Ele fez cara feia. Porque não tinha resposta.
— Oráculos podem prever quem vai acabar com quem — disse Puck, seu tom
um pouco acentuado.
— Previsão é diferente de destino — ela apontou.
— O destino é o que nos motiva — disse William.
Argh. Ele era um desses. Pessoas que atribuíam uma razão sobrenatural a
toda calamidade ou culpavam um poder superior. E havia um poder superior. Com
toda a certeza.
A amiga de Gillian, Olivia — ex-amiga, ela achava, já que não falavam há mais
de quinhentos anos — era uma Enviada casada com Aeron, ex-Guardião de Fúria.
Olivia falara muitas vezes sobre a criação do Altíssimo dos seres humanos e outros
seres . Mas o Altíssimo não provocava tragédias. Ele era a essência do amor. Coisas
ruins aconteciam porque as pessoas estavam no lugar errado na hora errada.
Coisas ruins aconteciam porque o mal existia. Porque pessoas boas faziam más
escolhas. Porque pessoas más faziam coisas ruins.
A única razão pela qual um adulto estuprava uma criança era por seus
próprios desejos doentios. Toda aquela merda de "eu não consegui me conter"? Era
mentira. Os seus meio-irmãos horrorosos deveriam ter resistido à tentação. Não
que a jovem Gillian devesse ser algum tipo de tentação para alguém. Eles fizeram
suas escolhas. Eles. Ninguém mais.
E tudo bem, digamos que uma mulher traia seu homem. Ela arruinou a
relação, não o destino. Digamos que um homem se aventure em algum lugar onde
não deveria e morre. Suas ações causaram sua morte, não o destino.
— Keeley ou outra pessoa fez uma previsão nossa? — perguntou ela a William.
Ele olhou de cara feia de novo.
— Não. Mas tenho certeza aqui. — Ele tocou o centro do peito.
Um som áspero saiu de Puck.
Continue andando. Ignore o marido.
— Confie em mim quando digo que você não quer ser meu — disse ela a
William. — De acordo com as Oráculos, matarei os sonhos do meu homem, tenho
que escolher entre o que poderia ser e o que será, e nunca viverei um final feliz.
— As oráculos estão erradas — respondeu ele. — Elas provavelmente nem são
certificadas como especialistas em presciência.
Não existia tal coisa. Certo?
Puck acreditava nas Oráculos, sem dúvida. Ela também — às vezes, quando
estava na pior. Mas ainda assim, permanecia determinada. Sua vida seria o que
fizesse dela. Ela teria um final feliz porque não aceitaria nada menos. Lutaria, e
lutaria arduamente para alcançar seus objetivos. Nada a impediria.
Olha só até onde já tinha chegado.
— Gillian? — Dedos quentes e calejados acariciaram sua mandíbula.
Formigamentos drogados seguiram. — Você parou. Por quê?
Ela piscou rapidamente, recuperando a atenção a tempo de ver William bater
na mão de Puck. Mesmo quando sua mente não tinha consciência, seu marido
fazia seu corpo reagir.
Os dois homens rosnaram um para o outro.
Misericórdia. Em quem ela deveria votar? No Belo ou na Fera?
Você sabe em quem...
Decidindo que recuar era sua melhor opção, ela disse:
— Vou espalhar a notícia de que vocês não devem ser feridos. Sintam-se livres
para andar, olhar em volta, o que quiserem, mas não machuquem ninguém.
Entenderam? E não durmam com meus soldados. — Se Puck a traísse...
Dentes cerrados, ela acrescentou:
— Eu os verei no banquete desta noite. — Cabeça erguida, ela marchou antes
que alguém pudesse protestar.
Não vou olhar para trás. De modo algum. Ela virou uma esquina, colocando
uma casa entre ela e os homens, anulando a tentação. Longe dos olhos, longe da
mente.
Colando um sorriso falso no rosto, foi direto para Rosaleen, uma beldade
baixinha com uma linda pele morena, cabelos escuros e olhos mais escuros ainda.
Ela seria considerada perfeita, se não fosse o X marcado em sua testa. A marca de
seu antigo “mestre”. O bruto cruel tinha garantido que suas “potrancas” pudessem
ser identificadas com um único olhar se conseguissem escapar.
— Dobre a guarda ao redor do perímetro — disse Gillian. Os Walshes saberiam
que os Shawazons dizimaram o posto avançado, porque ela tinha deixado o seu
cartão de visita favorito: nenhum sobrevivente. Eles atacariam e logo. — E peça aos
nossos melhores cozinheiros para prepararem um banquete digno de uma rainha.
Esta noite celebramos o retorno do meu marido e do meu amigo.
— Vamos adicionar veneno para agilizar o fim do seu casamento? E se assim
for, quer que ele morra devagar ou rápido? — Rosaleen perguntou, totalmente séria.
— Perguntas válidas. — Ela fingiu pensar sobre sua resposta. — Nenhum
veneno. Amanhã eu escoltarei os homens para a fortaleza de Connacht. Winter e
Cameron irão conosco, tenho certeza, o que significa que você e Johanna ficarão
no comando.
Rosaleen assentiu.
— Tenha cuidado. Eu vi Sin Connacht apenas uma vez, mas ele me assustou
por toda a vida. Há algo muito grave com ele.
— Nós vamos derrotá-lo — fracasso não era uma opção.
Evitando todos os outros, Gillian voltou para casa. Uma casinha de pedra que
ajudou a construir. Ela nunca se interessou em decorar, então as paredes
continuaram sem pintura. Os únicos toques pessoais — as armas que ela
pendurara aqui, ali, em todo lugar, e a prateleira que continha frascos que ela
enchera de troféus que ela tirara das suas vítimas mais cruéis.
O que Puck e William achariam de seus aposentos?
Longe dos olhos, longe da mente, lembra?
Do outro lado da porta — um caos absoluto a saudou. Peanut teve um ataque.
Ele estraçalhou o sofá, desmontou a mesa da cozinha e tirou uma perna de uma
cadeira reservada para convidados especiais.
A única coisa que seu animal de estimação não arruinou foi a cama dela, e só
porque ela dormia em um loft no andar de cima e ele não conseguia subir a escada.
Nenhum sinal dele lá dentro. Com um suspiro, ela foi para o quintal. Uma
cerca separava sua horta e as árvores frutíferas do celeiro de Peanut.
— Saia, saia, onde quer que você esteja — ela chamou.
Embora Gillian continuasse vegetariana, Peanut precisava de carne. Para o
bem dele, ela aprendeu a caçar, esfolar e preparar refeições que o manteriam forte.
Na verdade, ela tinha um ritual. Uma vez por semana, viajava sozinha para a
floresta mais próxima, caçava e lamentava as mortes que provocava — porque sim,
ela sempre dava nome aos animais e imaginava um futuro com eles sendo seus
melhores amigos.
Animais eram incríveis; matá-los a afetava de uma forma que matar pessoas
não fazia. Talvez porque a maioria das pessoas não prestasse.
Peanut trotou pra fora do celeiro como se não se importasse com nada e se
jogou na sombra oferecida pela macieira — cultivada com magia — onde ele
mastigou uma fruta caída.
Bem, nem todos os animais eram incríveis.
Ele se recusou a encontrar o olhar dela, até virou a cabeça.
Pior do que uma criança, ela pensou, e se esticou ao lado dele.
Ele lançou-lhe um olhar que dizia: permitirei que você me acaricie. Mas quando
ela estendeu a mão para acariciar a pele macia atrás de sua orelha, seu olhar disse:
Mas só com os olhos.
— Eu senti sua falta, Nutty Buddy.
Ele bufou para ela.
— Eu tenho que partir em outra viagem amanhã e não sei quanto tempo vou
ficar fora — ela admitiu.
A maçã caiu de sua boca e passou rolando pela coxa dela.
— Ainda bem que você vai comigo, hein? — ela acrescentou, antes que ele
pudesse explodir em outro ataque. — Você só tem que ser legal com...
Ele estava de pé e lambendo o seu rosto antes que ela pudesse terminar a
frase. Rindo, ela acariciou a bochecha contra o pescoço dele e colocou os braços ao
redor dele.
— Hoje à noite, vou te apresentar ao meu marido e ao meu amigo. Eles virão
com a gente. Tenho certeza que você não gostará dos dois.
Longe dos olhos, mas não longe da mente. Aceite, aprenda a lidar com isso.
— Puck é magnífico, mas terrível, doce, mas cruel, gentil, mas despreocupado,
inteligente, mas sem noção. Ele pode me querer, depois não. Com ele, é difícil dizer.
— De qualquer maneira, seu corpo continuava querendo o dele, e ela queria...
Ela simplesmente queria.
Seu plano de esperar por um divórcio oficial pode ter sido um pouquinho
apressado. Que mal poderia vir do uso de Puck e do prazer dela?
Depois de tudo que ele fez, ele lhe devia.
E ele admitindo ou não, ele também a queria, e não apenas por causa do
vínculo. Ele tinha que querer. O jeito que ele se colocou entre ela e William...
acariciou-a... O jeito que olhou para ela... Ela tinha conseguido o seu primeiro olhar
demorado!
Se ousasse encorajar Puck — realmente encorajá-lo — ele ousaria dar em cima
dela?
Bem. Só havia uma maneira de descobrir..

.
Puck ficou nas sombras, observando Gillian em seu habitat natural com seu
animal de estimação.
Pode ser que ele me queira, pode ser que não.
Não se pergunte mais, esposa. Ele quer você.
Uma vez que seu animal de estimação adormeceu, ela saiu para ver como seu
povo estava. Puck a seguiu e estudou, sem vontade de passar nem um momento
longe dela.
Deixei-a durante semanas sem problema, agora não posso deixá-la por alguns
minutos?
Duas vezes ela enrijeceu, como se soubesse que alguém a observava, mas nem
uma vez o chamou.
Ela tinha mudado muito mais do que ele tinha percebido. Agora andava com
confiança, a cabeça erguida. Qualquer lugar que entrasse, ela possuía. Seu povo a
adorava, sim, mas ela adorava seu povo também.
Ela tinha um grande coração. Amava com paixão e vivia a vida por suas
próprias regras.
A gatinha se tornara uma tigresa.
Quando uma dos soldados dela interrompeu-a para pedir conselhos sobre
relacionamentos, ela disse:
— Não tenho muita experiência nessa área ou em qualquer outra, mas tenho
certeza de que você deve sempre deixá-lo querendo mais. A menos que ele diga algo
cruel. Ou minta. Ou bata. Então você o deixa morto.
Embora ela claramente tivesse uma tonelada de trabalho para fazer ao redor
da aldeia, sempre parava para conversar com qualquer um que se aproximasse.
Tinha abraços e elogios para as crianças, e garantia que o gado e as quimeras
fossem bem tratados.
Puck se viu estranhamente fascinado — e ainda duro. Vezes demais para
contar, ele olhou para sua boca e se perguntou até onde ela conseguiria tomar o
seu membro.
Ele precisava... não sabia o que precisava. Sua esposa fora de cena? Sua
esposa embaixo dele? Em cima dele? Na frente dele de quatro? Sim, sim. Tudo isso.
Ele precisava que sua esposa gemesse seu nome, arranhasse suas costas e
implorasse por...
O que está fazendo? Resista ao fascínio dela!
Ele odiava todo aquele desejo. Odiava o fim do casamento quando deveria
estar ansioso por isso.
Ela era sua, mas não era.
Sem o vínculo com Puck, ela voltaria a desejar William. A menos que Puck a
viciasse em seu toque. Ele poderia?
Sim. Absolutamente. Ele podia fazer qualquer coisa, era conhecido como o
Invicto por um motivo. Mas não iria viciá-la. Ele ficaria melhor mantendo distância.
Não havia uma boa razão para deixar seus sentimentos se intensificarem e
complicarem uma situação já complicada. Mal conseguia lidar com o que sentia
agora.
Um velho ditado que precisava lembrar: Por que voluntariamente ser ferido
por uma espada quando é possível desviar dela?

***

Gillian jogou uma uva na boca e esperou que Puck agraciasse a festa com sua
exaltada presença. Ela sentou-se diante de uma fogueira crepitante com William
ao seu lado. Shawazons formavam um círculo ao redor deles compartilhando
bandejas de comida, jarras de cerveja e taças de água. O riso ecoava durante a
noite, misturando-se a mil conversas diferentes e o som suave da música enquanto
as mulheres do clã tocavam tambores, flautas e harpas feitos à mão. No centro do
círculo, um grupo de dançarinas balançava os quadris enquanto giravam lenços
com um abandono selvagem.
Cameron dançava entre elas, provocando uma mulher em particular.
Fiel à sua natureza, muitas vezes ele ficava obcecado por uma única mulher
por semanas a fio, às vezes meses, e fazia tudo que estava ao seu alcance para
seduzir e atrair. No entanto, momento em que conquistava seu coração a
perseguição terminava, assim como sua obsessão. Ele passaria para outra pessoa.
Esta mulher em particular havia resistido mais do que a maioria, mas ela iria
ceder. Elas sempre cediam.
Gillian se banhou, vestiu seus melhores couros e trançou o cabelo. Não que
alguém pudesse ver seu cabelo. Ela usava um lenço ousado e colorido. Um de seus
favoritos, embora o material fosse muito leve para proteger contra a areia e o vento.
Ela simplesmente gostava de sua aparência. Contas de cristal pendiam da bainha
superior, dando-lhe uma franja de joias.
William caiu de joelhos no momento em que a viu como se tivesse sido atingido
por um raio. Mesmo enquanto ria, encantada com suas palhaçadas, tremia em
antecipação para descobrir a reação de Puck.
Onde ele estava?
Até Peanut havia se juntado à festa. Como previsto, ele detestou William à
primeira vista e já havia feito xixi em suas botas, mordiscado sua bunda e cuspido
em seu rosto. Para crédito de William, ele não retaliou. Soltou um milhão de
palavrões, sim, mas nada mais. Coisa boa. Se ele atacasse fisicamente, seria
chutado pra fora do acampamento e a missão de Puck estaria condenada.
Mexa com o que é meu, pague o preço.
Droga, por que o Puck não aparecia?
— Você está fazendo isso de novo — William resmungou.
— Fazendo o quê? — Ela perguntou, confusa.
— Esperando Puck, perdendo as minhas melhores cantadas — não apenas
resmungou dessa vez, mas rosnou. — Você não o quer, boneca. Confie em mim,
por favor. A união está ferrando com a sua mente, nada mais que isso.
— Essas são as suas melhores cantadas? Uau. Eu sinto muito por você. — E
como ele sabia que ela desejava Puck? Como que ele soube brincar com seus medos
sobre o vínculo? — Desculpe, Liam, mas você perdeu seu toque de ouro.
Com os olhos entrecerrados, ele se inclinou para ela, a sedução encarnada.
— Você nunca conheceu meu toque — sua voz se aprofundou e ficou rouca.
— Tenho a sensação de que vai gostar muito...
Contudo, ela permanecia indiferente a ele.
— Eu me lembro de uma época em que você não me queria. Na verdade, não
faz muito tempo assim. Apenas algumas semanas se passaram para você. O que
mudou?
— Você — ele falou simplesmente.
— Eu mudei sim. E você estava certo, eu quero Puck — ela admitiu.
Rígido como aço, ele abriu a boca para dizer alguma coisa, pensou melhor e
rangeu os dentes.
— Ele nunca vai te dar o que você precisa.
— E o que eu preciso, hein?
— Devoção.
— Na verdade, eu preciso de orgasmos. — Uma afirmação franca e
perfeitamente verdadeira. Só que uma onda de ânsia se levantou dentro dela.
Devoção soava incrível. Poder confiar em seu amante. Saber que ele nunca a
machucaria ou trairia voluntariamente.
Uma comoção à direita. Por hábito, Gillian estendeu a mão para sua adaga,
apenas para ficar quieta. Puck tinha chegado finalmente.
O resto do mundo desapareceu quando seu olhar colidiu com o dele. Em um
instante, seu sangue se derreteu e seu coração decidiu fazer um solo de bateria de
rock pesado.
Tanto que ela ansiava estender a mão e acariciá-lo.
À luz do fogo, seus chifres pareciam mais longos, mais grossos. Ele não tinha
se barbeado, então uma sombra escura cobria sua mandíbula. Mas ele havia se
banhado. Seus cabelos úmidos gotejavam nas pontas, enviando gotículas de água
aos cumes de seu peito nu. Essas gotas desapareciam debaixo da cintura de sua
calça de pele de carneiro.
Ele era um guerreiro, um homem e um predador como um animal ao mesmo
tempo, o que só piorava seu fascínio por ele.
O que ele achou dela?
Ele olhou para a sua boca enquanto esfregava o polegar sobre o lábio inferior,
como se estivesse imaginando beijá-la. Sim, por favor. Então o olhar dele percorreu
seu corpo, demorando-se em todos os lugares que ela doía, como se soubesse o
quão desesperadamente ela queria que suas mãos e lábios fossem os próximos.
Ele sabia? Com a expressão desprovida de emoção, ele fechou a distância.
Suas mãos... ela respirou fundo. Suas mãos estavam fechadas. Ora, ora. Ele não
era tão estoico quanto queria que ela acreditasse.
Eu o afeto.
Silencioso, ele sentou ao seu lado. O bíceps dele se sobressaiu quando ele
pegou dois medalhões de abóbora assados no fogo de uma travessa próxima, jogou
um para Peanut e colocou o outro na boca. Seu marido mastigou, engoliu e se
concentrou nas dançarinas.
Ela gostava do jeito que sua mandíbula se movia, cada movimento carnal.
Chocante: Peanut o cheirou, depois gentilmente lhe deu uma cabeçada na
mão, exigindo ser acariciado. Seu quimera nunca aceitara ninguém tão
rapidamente.
— Sua cria de demônio sente seu cheiro em Puck — William murmurou. —
Nada mais que isso.
Ela tentou, tentou muito, mas não conseguiu remover seu foco de Puck.
— Percebe que comeu um pedaço de abóbora, certo? — Imitando um homem
das cavernas, ela acrescentou: — Carne bom. Legume ruim. Lembra?
— Eu como para ter força, sempre, mesmo que me ofereçam besteira. — A
atenção dele permaneceu nas dançarinas, mesmo quando sua voz rouca e
profunda invadiu a pele de Gillian como uma carícia. Ele achava uma das mulheres
do seu clã atraente? — Além disso, tudo que eu como é insípido para mim.
Embora ela não tivesse herdado essa desvantagem em particular, a compaixão
superou sua vontade de dispensar as dançarinas.
— Cortesia de Indiferença?
Ele ofereceu um aceno curto.
— As suas amantes também são insípidas? — William se inclinou, pegou o
último medalhão de abóbora e colocou na boca. Seus olhos se fecharam e ele gemeu,
como se tivesse sido apanhado no auge de um clímax. Quando terminou, lambeu
os lábios e sorriu. — Aposto que você se esforça ao máximo para dar a uma mulher
uma experiência medíocre. Bem, eu não me preocuparia mais. Vá em frente e
considere o missionário8 completa.
— Eu não tomei uma amante fora do meu casamento. Talvez precise de mais
prática para alcançar seu nível de sedução — disse Puck. — Diga-me, Derretedor
de Calcinhas. Quantas milhares de mulheres você teve... depois que conheceu
aquela que acredita ser a sua companheira predestinada?
Oh, baby, as garras estavam de fora esta noite. Onde estava a pipoca quando
ela precisava?
E tudo bem, empolgação era provavelmente a reação errada em relação a outra
possível briga de machos. Mas, qual é! Puck admitiu que não dormiu com ninguém
enquanto eles ficaram separados.
Tenso como um arco, William disse:
— Eu nunca quis matar um homem mais do que quero matar você, Pucky.
— O sentimento é mútuo, Excitado.
Querendo — precisando — saber se a tensão sexual atormentava Puck tão
fervorosamente quanto a atormentava, se algo que ela tinha dito ou feito o tinha
alcançado em um nível primitivo, Gillian passou os dedos pelos nós dos dedos dele.
Tão macio, tão quente. Tão perfeito!
Ele virou-se para encará-la, seus olhos se estreitaram e brilharam, suas
respirações vindo em grandes ondas — o volume embaixo do seu zíper era enorme.
— Toque-me novamente, e eu irei jogá-la na areia e meter dentro de você.
Seu primeiro pensamento: Sim! Finalmente!
Seu segundo: Ele me deseja tanto.
Quando sua mente girou e seu corpo chorou de alívio, as íris de William
brilharam vermelhas em ameaça.
— Espero que você goste de um mènage, Pucky, porque vou me jogar nessa
mistura.
— Você pode tentar — disse Puck, a mandíbula cerrada.
— Ei pessoal? Eu preciso que vocês... — O que? Se beijem e façam as pazes?
Hum. Agora isso não seria legal?
Para sua surpresa, Puck levantou e se afastou sem dizer uma palavra.
Exatamente como o esperado, ele não olhou para trás.
Peanut, o traidor, pulou para ir atrás dele.

8
Modificação da expressão missão completa por missionário, a posição sexual mais tradicional.
Ela queria fazer o mesmo, mas se consolou com a medalha de prata e olhou
para William.
— O que foi? — Ele exigiu. — O que eu fiz de errado?
— Pare de flertar comigo na frente de Puck. E pare de antagonizá-lo. Eu não
vou dormir com você, William. Não vou trair meu marido. — Seus sonhos de
namorar outros caras pegaram fogo no momento em que pensou na ideia, ela
sabendo disso ou não.
— Ele é seu marido temporário. Existe uma diferença. E não estou pedindo
que o traia.
— O que está me pedindo para fazer então?
— O que mais? — Ele abriu os braços. — Que dê um beijo apropriado no seu
pretendente. O que foi? Que cara é essa? Beijar não é trair. É uma amiga ajudando
um amigo a encher os pulmões. Beijar é sobreviver.
— Se você acredita nisso, sinto muito pela sua verdadeira amada. — Só para
ser malvada, porque sim, Gillian tinha desenvolvido um pouquinho de crueldade,
ela acrescentou: — Quem quer que ela seja.
Enquanto estudava o rosto dela, talvez procurando pontos fracos em sua
resolução, ele pareceu espantado, como se nunca tivesse conhecido a rejeição —
de qualquer espécie — e não tivesse ideia do que tinha acabado de acontecer. Ele
abriu a boca e fechou. Abriu, fechou.
Finalmente, ele decidiu:
— Seu forte código moral me excita.
— Por favor. Uma brisa suave te excita.
— Eu quero você — disse William, e desta vez seu tom tinha uma leve acidez.
— Ok, digamos que eu o quero de volta. Como poderíamos passar a vida juntos?
— Eu entraria em guerra com Lúcifer, você cuidaria dos meus ferimentos.
Como antes.
Argh.
— Acha que seria suficiente para mim?
Olhos cristalinos brilhando, ele disse com voz rouca:
— Todo tempo que sobrasse, passaríamos na cama.
Ainda. Não. Era. Suficiente.
— E se eu quisesse lutar ao seu lado?
— Nós... negociaríamos.
O que queria dizer que ele tentaria convencê-la a ficar em casa. A velha Gillian
teria ficado emocionada. A nova Gillian queria vomitar.
— Explique porque você me quer, especificamente — ela disse. — Por que viria
até aqui me buscar? Por que ajudaria Puck, apenas para me libertar do vínculo.
Eu tenho uma vaga lembrança de ouvir alguns dos Senhores falando de como você
estava esperando pelo meu aniversário de dezoito anos para me reivindicar. Mais
vividamente me lembro de você dizendo que nunca se apaixonaria ou se casaria.
Ele puxou a ponta de sua trança mais grossa, uma ação divertida que
desmentia a tensão crescente em sua expressão.
— Desde o começo, eu sabia que havia algo diferente em você. Lutei contra
isso. Disse a mim mesmo que não faria nada com você, não importava quantos
anos tivesse, ou não tivesse. Mas no fundo eu sabia que no momento em que
estivesse pronta, eu atacaria. Então Puck a levou embora, e eu senti como se
tivesse perdido...
— O que? O seu brinquedo favorito?
— Tudo.
A única palavra a atingiu como um soco no esterno. Suas costelas pareceram
rachar, ácido vazando entre elas. Por um momento, não disse nada. Não podia.
Esperava que sua intensidade diminuísse e ele fizesse uma piada. Ele não fez isso.
Se realmente a desejava, se considerava Gillian sua companheira
predestinada, por que não evitou outras mulheres e esperou por ela?
Ele deveria ter esperado por ela.
— William...
— Não. Não diga nada. Não até que o vínculo esteja cortado.
Ele estava certo? Seu desejo por Puck realmente desapareceria? Se assim
fosse, ela desejaria William em sua cama — em seu corpo? Agora, ela não conseguia
imaginar desejar alguém além do marido.
Um músculo saltou debaixo do olho dele, uma, duas vezes.
— Se acha que deve ficar com ele, vá, fique ele. Vá tirar o atraso. Durma com
ele para tirá-lo da cabeça — olhando para o céu, ele disse em um tom mais calmo:
— Eu mereço isso, realmente mereço.
— Não estou fazendo isso para te punir — disse ela, então franziu a testa. Ela
não lhe devia uma explicação ou desculpa. — Eu vou tirar o meu atraso, e não
porque você permite.
Se as circunstâncias fossem invertidas, Puck não diria a ela para fosse dormir
com outro homem para tirá-lo da cabeça. Não, ele manteria sua promessa de matar
qualquer um que ela sequer pensasse em namorar. Porque ele queria a paixão dela
só para si. Claramente!
Toque-me novamente que eu irei jogá-la na areia e meter dentro de você.
Calafrios decadentes, calor irresistível.
Toma jeito!
— Só... tome um banho frio hoje à noite — disse ela. — Então dê um beijo e
faça as pazes com Puck, ok? — Oh, bom, aquela imagem de novo! Fiu Fiu. — E
tenha certeza que eu esteja presente para servir como testemunha. — Ela juntou
as mãos para formar uma torre. — Por favor, por favor, mil vezes por favor.
Ele fez tsc-tsc com a língua, sua intensidade diminuindo um pouco.
— Banhos frios são um mito. Nenhum homem jamais tomou um. Estamos
mais inclinados a tomar banhos quentes, e a exercitar o bíceps com movimentos
repetidos pra cima e pra baixo. Se não conseguimos encontrar uma substituta
adequada para quem nos deixou inchados e carentes.
— Então faça isso — ela disse, e fez um gesto de Xô com a mão.
— Qual dos dois? O banho ou a substituição?
— Qualquer um. Os dois.
— Pega leve, mulher. Pega leve. — colocou a mão contra o peito, logo acima
do coração. — Um dia você vai me querer para todo o sempre.
Lá se foi seu divertimento.
— Sinto muito, William, mas...
— Não, não diga nada que vá se arrepender.
Quando sua nuca se arrepiou com uma percepção, talvez antecipação, ela
examinou a multidão — e se emocionou. Puck não tinha deixado a festa, afinal. Ou
se tinha, havia retornado. Ele estava nas margens, envolto por sombras. Ele a
observava?
Com o coração palpitando, ela se levantou antes de perceber que havia se
movido.
— Fique aqui e se divirta, Liam. Pode ser que eu volte ou não.
— Pode ser que eu fique contando os segundos ou não — William lhe soprou
um beijo antes de dar o dedo para Puck.
Notou a presença dele também, não foi?
Gillian se apressou. Pouco antes de chegar a Puck, ele se virou e se afastou.
Desta vez, ela o seguiu.
Rosaleen entrou em seu caminho, parando-a.
— Seu amigo. Aquele com os olhos azuis bebê. Você não me disse que ele era
o homem mais bonito de toda criação. Ele é solteiro?
— Muito — Gillian olhou ao redor. Nenhum sinal de Puck. Droga!
A general abanou as bochechas coradas.
— Se importa se eu der em cima dele?
— Nem um pouco — Rosaleen estaria fazendo um favor a ela, mantendo
William ocupado.
Johanna se aproximou e passou um braço pelos ombros de Rosaleen.
— Perguntou sobre o diabo de olhos azuis?
— Solteiro — a outra mulher respondeu com um sorriso largo.
As duas bateram as mãos.
— E quanto ao chifrudo? — Johanna balançou as sobrancelhas. — Você
terminou com ele, certo?
Gillian enrijeceu, feliz em um momento, pronta para cometer assassinato no
seguinte.
— Ele ainda está casado. Comigo.
As duas mulheres empalideceram enquanto erguiam as mãos, as palmas pra
fora, fingindo inocência e recuaram.
— Opa, opa — disse Rosaleen. — Não há razão para virar Hulk.
— Eu não vou tocar nele, juro — falou Johanna.
Respirando fundo, exalando.
— Desculpa — Gillian murmurou. — Olha, eu tenho que ir. — Ela disparou
em torno de suas amigas, procurando, buscando... se ela não pudesse encontrar
Puck por meios naturais, teria que usar magia.
Com a jornada que estava por vir, preferia acumular o que tinha. Espera! Ali.
Pegadas estranhas, o piso desigualmente distribuído, como se um peso em forma
de casco tivesse desgastado o centro da sola do calçado. Meios naturais ganharam!
Ela seguiu suas pegadas até a... sua casa. A excitação deixando seus membros
fracos, ela fechou e trancou a porta.
Puck ocupava a sala de estar de costas para ela enquanto andava em volta,
examinando as muitas armas que pendiam das paredes. Ele entendia que ela as
guardava como troféus ou duvidava dela como William?
— Onde está Peanut? — Perguntou ela.
— No celeiro, descansando.
Um pensamento repentino a atingiu. Como Puck encontrou sua casa? Ela não
tinha mostrado a ele e nenhum de seus soldados compartilharia sua localização
sem permissão.
Ele me seguiu do jeito que eu o segui, seus desejos fortes demais para serem
negados?
Calafrios cascateando descendo por sua espinha, ela disse:
— Por que está aqui?
— Somos casados. Acredito que já a informei sobre nossos recursos
compartilhados. O que é seu é meu, e eu queria ver o interior da minha nova casa.
— Seu tom estava tão sem emoção como sempre, mas quando ele se virou para
encará-la... seu olhar queimava.
O que mais?
— Você ainda está duro. — As palavras saíram dela, tão imparáveis quanto
um trem desgovernado.
Ele levantou o queixo como se estivesse orgulhoso.
— Parcialmente, pelo menos.
— Quer dizer que fica maior? — Ela perguntou, de repente sem fôlego.
Ele pode ter dado um sorriso convencido.
— Muito maior.
Definitivamente um sorriso convencido.
— E é... por minha causa? — Por favor, por favor, que seja por mim. — Ou por
causa de todas as beldades na festa?
— Eu não quero aquelas outras mulheres... — Ele correu o olhar sobre seus
seios... seus seios doloridos... e entre suas pernas, onde ela agora latejava. Então
acrescentou: — Não quero que elas morram quando você tiver outro ataque de
ciúme.
Quem? O que? Como? Eu?
— Como se você pudesse falar! Estava pronto para assassinar William, o
homem que precisa para ganhar sua coroa.
As narinas dele se alargaram.
— Isso é verdade.
Espera. Ele tinha acabado de aceitar seu ciúme?
— Eu disse a mim mesmo que ficaria longe — ele continuou — que evitaria o
corte da espada, mas aqui estou eu, apenas algumas horas depois, disposto a lidar
com as complicações e as consequências. O que acha que isso diz sobre mim, moça?
Não, fique em silêncio. Não responda. Eu vou te dizer o que isso diz.
Enquanto seu mundo inteiro parecia girar no eixo, ele segurou a virilha e disse
com voz áspera:
— Sim, isso aqui é pra você. Eu quero somente você.
As palavras de Puck ecoavam na mente de Gillian. Evitar o corte de uma
espada — era assim que ele a via? Como uma espada? Fique em silêncio — como
ele ousava emitir tal comando! Somente você — seus joelhos tremeram.
Então ele enrijeceu e ela quis gritar, porque sabia o que aconteceria em
seguida. Ele ficaria frio.
— Se você se transformar no Homem de Gelo agora, vou colocar veneno na
sua próxima refeição — disse ela.
Parecendo a própria definição de destacado, ele levantou uma sobrancelha.
— Continue agindo como uma megera, que eu comerei o veneno de bom grado.
Megera? Como ele ousa?!
Gillian se aproximou, certa de que era uma bomba — com um detonador com
contagem regressiva rápida. Mas enquanto seus olhares permaneciam
entrelaçados, nenhum deles estava disposto a desviar, as inspirações dela se
tornaram as expirações dele, e ela percebeu que estavam respirando o ar um do
outro. Raiva se transformou em excitação.
Tremores arruinaram sua tentativa de parecer não afetada. Tremores e seus
mamilos endurecidos. A febre de paixão provavelmente também corava sua pele.
Passei tempo demais sem o toque dele. Preciso disso.
Como se lesse sua mente — e ficasse mais do que feliz em fazer o favor — ele
entrou em ação. Movendo-se rápido demais para acompanhar, ele a agarrou pelos
quadris, apoiou-a contra a parede e colocou as palmas das mãos ao lado de suas
têmporas. Quando seu grande corpo a prendeu, o cheiro de carnalidade masculina
a envolveu, e sentiu as pálpebras pesarem.
Sua estrutura muscular pareceu inchar diante de seus olhos. De repente ele
estava maior, mais forte. Veias se projetavam como se ele mal conseguisse se
manter no lugar — como se agressão o enchesse até a borda. O olhar que lhe deu...
voraz.
— O que acha que está fazendo? — Ela perguntou, e oh, parecia ansiosa. Já
estava com tesão demais para se importar.
— Estou te colocando onde quero.
Bem, graças a Deus por isso. Ela gostava do lugar onde ele a queria.
— Então, você realmente me deseja? Não voltou a ser o Homem de Gelo?
— Acho que a fera entre as minhas pernas responde às duas perguntas, moça.
Sua boca se curvou nos cantos.
— O rei da apatia acabou de fazer uma piada?
— Ele apenas falou a verdade. — Enquanto brincava com as pontas do cabelo
dela, ele fazia cócegas em seu couro cabeludo. — Eu costumava invocar o gelo para
evitar a punição do demônio. Agora faço isso para nos proteger a todos. Você
deveria ficar grata por isso. Se eu fizesse metade das coisas que estou imaginando...
Invocar o gelo, ele disse. Ele realmente congelava suas emoções? Como? Com
magia?
— Que tipo de punição? — A fraqueza que ele uma vez tinha mencionado? —
E proteger a todos nós de quê? — Ela perguntou, então o resto de suas palavras se
registrou e ela estremeceu. O que ele imaginava fazer com ela?
Os olhos dele se estreitaram e ele enrijeceu.
Tudo bem. Ele podia manter seus segredos. Por enquanto.
— Mas às vezes você descongela. Eu vi.
Um aceno de cabeça.
— O gelo não derrete sozinho. Eu preciso de uma fonte externa para me fazer
sentir algo quente. Como raiva.
— Ou desejo — Desesperada pelo contato com ele, precisando avaliar seu grau
de excitação, ela colocou a mão sobre o coração dele. Pele quente como ouro
derretido derramado sobre granito. Acelerando os batimentos cardíacos.
Seu desespero combina com o meu. Saber disso provocou uma onda de poder
feminino dentro dela.
Ele a pegou pelo pulso e levantou sua mão — prendeu seu braço acima da sua
cabeça.
— Tocar na tatuagem do pássaro está…
— Fora dos limites — sim, ela lembrou. — Por quê?
— Porque eu disse que sim.
Justo. Novamente, por enquanto. Depois...
— E se um dia você parar de sentir completamente e permanecer o Homem do
Gelo?
— Sempre me perguntei o mesmo, mas neste exato momento não posso me
imaginar entrar em um congelamento profundo novamente. — Ele roçou a ponta
do nariz no dela. — Você não tem mais medo de intimidade.
— Não.
— A força que você precisou para superar seus traumas passados. A força que
você precisa. Estou impressionado, moça.
Aquelas palavras... Gemendo, ela ondulou esfregando o centro do corpo em
sua ereção maciça.
— Então você me tem onde me quer, guerreiro, e está totalmente
impressionado comigo. O que vai fazer comigo? — Como ela encontrou a clareza
mental para falar, não tinha certeza. Quero mais. Preciso disso.
Ele sibilou, as mãos apertando seu pulso.
— Eu a terei. Mas também a deixarei partir em breve.
As palavras eram uma promessa ou um aviso? Ele esperava assustá-la ou
atraí-la? Tipo, E aí baby, você não precisa se preocupar comigo me tornando um
perseguidor, porque vou dar o fora o mais rápido possível.
— Errado. Eu terei você — disse ela — e eu te deixarei em breve. — Eu não
serei usada e abusada. Eu vou usar e largar.
Algo escuro e primitivo brilhou na expressão dele.
— Você é minha. Diga.
Ele podia fazer o prato, mas não comer?
— Eu sou — ela hesitou, dando a antecipação a chance de crescer dentro dele
— só minha.
Aquele tom espesso e drogado era mesmo seu?
Bem, porque não? Ela queria esse homem há séculos. E agora, aqui estava
ele, seu para ser tomado. Eles estavam tão perto que realmente compartilhavam o
espaço. Tão perto que ela podia sentir as correntes de paixão correndo pela pele
dele.
Toda vez que inalava, seus mamilos roçavam o peito dele, provocando calor e
atrito. Toda vez que exalava, seus quadris se arqueavam por vontade própria,
procurando mais contato, mais atrito.
Puck pegou o rosto dela na mão, o polegar em um lado do queixo e os dedos
do outro. Um aperto agressivo, e ainda assim ela não estava com medo.
— Se não vai me dizer que é minha, você vai me mostrar.
Ele não esperou por sua resposta, mas soltou o braço que ele tinha no alto
para apertar sua bunda com os dedos abertos — cobrindo o máximo de terreno
possível — ao mesmo tempo abaixando-se para reivindicar sua boca. Aquela não
era uma exploração calma, mas uma demanda feroz. Um selo de propriedade
diferente de tudo que ela já experimentou. Entre incursões sensuais de língua, ele
massageava o pulso vibrando na base de sua garganta.
Esperei tanto tempo por isso. A doçura de seu sabor a enlouquecia. Ele era
uma droga. Sua droga. Todo calor e rigidez masculinos devastando seus sentidos.
Pequenos sons de miado escaparam dela quando colocou os braços ao redor dele e
balançou seu sexo contra ele, repetidamente, incapaz de parar o movimento. Cada
nova colisão com sua ereção a deixava mais quente e úmida.
Mais. Eu preciso de mais. Quinhentos anos de frustração a tinham deixado
devassa. Ou talvez Puck tenha sido o culpado?
— Me toque. Me toque agora — ela exigiu.
— Diga-me onde.
— Dentro. Vá atrás do ouro agora, saboreie mais tarde.
— Para mim, você é toda de ouro.
— Dentro — ela insistiu.
— E se eu quiser brincar com seus seios primeiro, hum? — Ele alcançou
debaixo do seu colete de couro para massagear um seio e brincar com um mamilo.
— Por favor, Puck. Por favor.
— A guerreira agora implora por mim. Ela está necessitada. — Com a mão
livre, ele mergulhou debaixo da bainha de sua saia de couro. — Muito bem. Vai
conseguir o que está implorando.
Enquanto os dedos dele roçavam a parte interna de sua coxa, ela arranhou
suas costas, provavelmente tirando sangue. Tão bom!
— Entre suas pernas... assim? — Um desses dedos exploradores se aproximou
de seu sexo, apenas para se afastar um pouco antes de fazer contato.
Ele a provocava? Agora? Impulsos diferentes a atingiram, um após o outro.
Libertar sua ereção e se esfregar nela. Ir embora, deixando-o dolorido por todos os
séculos que passou longe dela. Por isto! Jogá-lo no chão e o violentar.
— Faça — ela ordenou. — Me dê seus dedos.
Ele obedeceu, os dedos safados empurrando sua calcinha para o lado,
separando-a e se dirigindo ao seu centro dolorido.
Com uma voz como cascalho, ele disse:
— Você está encharcada por minha causa.
Os joelhos de Gillian cederam inteiramente; se não fosse pela mão pressionada
entre suas pernas, a planta da palma de Puck esfregando em seu pequeno feixe de
nervos enquanto os dedos sondavam, ela teria caído e... e...
— Não pare! Por favor, não pare.
Ele colocou um segundo dedo bem fundo dentro dela e ela disparou como um
foguete. Bem assim. Só um boom, e terminou. Finalmente!
— Sim, sim, sim! — O prazer mais sublime explodiu dentro dela, afetando
todas as suas partes. E ele não tinha terminado! Enquanto ela se desfazia, ele
continuava empurrando os dedos, abrindo-os como uma tesoura para estirá-la
antes de colocar um terceiro, prolongando seu climax — enriquecendo-o.
Um grito passou por seus lábios, mas ele engoliu o som e aprofundou o beijo.
Uma coisa boa. Ele possuía o oxigênio do qual ela precisava.
William estava certo. Beijos eram sobrevivência.
Paredes internas apertando e relaxando. Sua mente ficou enevoada,
descarrilando seus pensamentos. Um calor lânguido a invadiu, um ladrão na noite,
roubando toda a razão, deixando-a mole e gloriosamente satisfeita.
Mas a satisfação não durou muito tempo. Gillian só queria mais. Mais Puck.
Mais paixão. Mais contentamento. Nada se comparava. Um orgasmo não era
suficiente. Ela precisava desesperadamente de outro. Precisava de sexo. Agora.
Nesse instante. Nada mais de esperar.
Só que quando alcançou a cintura de suas calças, ele levantou a cabeça para
encontrar seu olhar, as íris brilhantes e selvagens, incendiadas, e ela se acalmou.
Com seu cabelo preto embaraçado, ele parecia tão enlouquecido quanto ela.
Enlouquecido e assombrosamente lindo. Impecável em forma e rosto. Absoluta
perfeição masculina — um homem petrificado por uma mulher. Precisando tê-la, e
somente ela. Ninguém mais serviria.
— Seus olhos — ele disse, parecendo impressionado. — Eles queimam por
mim.
Não estou sozinha nisso. Posso nunca mais voltar a estar só. Uma onda de
vulnerabilidade a abateu.
Então o pior aconteceu.
Num momento estava excitada, pronta para uma segunda vez, no outro estava
chorando como se um estimado amigo tivesse acabado de ser assassinado.
Lágrimas escorriam por suas bochechas, seu corpo todo arfando.
Gillian não havia derramado uma única lágrima em séculos. Agora não
conseguia fazer nada para evitar a maré.
Puck passou os braços ao redor dela, segurando-a enquanto soluçava. Ele até
passou os dedos por seus cabelos, murmurando coisas como:
— Eu entendo. Você já experimentou a traição, e isso... isso é liberdade. — E
— Não suporto ver a minha guerreira chorar. — Seguido de — Diga-me o que fazer
e eu farei.
Ele realmente entendia. Também sofreu uma traição.
Ele a chamou de guerreira.
Tinha lhe dado um orgasmo. O seu primeiro. E ela só teve que esperar
quinhentos e poucos anos. O medo com o qual ela sofreu por tanto tempo... os
pesadelos... o prazer que seus agressores lhe roubaram... Era errado! Era
criminoso! Ela foi enganada, ferida, destruída, arruinada…
Não! Destruída não. Arruinada não. Seu corpo tinha sido usado por outros,
sim, e sua auto-estima havia sido chutada, socada, espancada e esfaqueada, mas
se levantou do chão, ergueu os ombros e o queixo, e viveu. Aprendeu a se defender.
Ajudava quem precisava. E agora ela tinha isso. Uma experiência sexual nascida
do desejo mútuo. Um beijo digno de ir à guerra, nem que seja para ganhar outro.
Uma memória acalentada para ofuscar aquelas que um dia esperava apagar.
— Me desculpe, arruinei o clima — disse quando recuperou o fôlego. O colapso
provavelmente deveria tê-la deixado vazia e fraca, mas sentia-se revigorada, como
se um osso quebrado tivesse finalmente se recuperado e curado mais forte.
— Não se desculpe. — Com movimentos suaves dos polegares, ele enxugou as
lágrimas de suas bochechas. Tão suave. Tão surpreendente.
— Acha que sou fraca agora? — Ela perguntou com uma fungada.
— Acho que é mais forte. As coisas que teve que superar... você é uma
inspiração para mim.
Eu inspirava um grande guerreiro como ele? Teve que piscar para conter uma
nova rodada de lágrimas.
— Essa foi a primeira vez que chegou ao clímax? — Ele perguntou, ainda tão
terno.
Não havia presunção em sua voz, apenas curiosidade e talvez um pouco de
orgulho. A única razão pela qual ela respondeu.
— Sim. Essa foi a primeira vez que escolhi meu parceiro também. — Ternura,
gratidão e afeto substituíram sua vulnerabilidade — cada um deles dirigido a Puck.
— Devemos... cuidar de você agora?
Uma pausa. Então:
— Não — Ele a soltou e recuou. — Eu devo ir.
Ir? Não! Ela não queria distância dele agora — ela queria comunhão.
— Fique — Por favor.
Ele deu uma breve sacudida de cabeça. Então, diante de seus olhos, ele
mudou de uma fonte de conforto para uma de tormento, de necessitado para
distante.
O Homem de Gelo havia voltado com tudo.
Ela disse a si mesma, estou muito cansada para me chatear com isso. Mas não
era fã de banalidades e não mentiria, nem pra si mesma. Ela estava chateada.
Cortar a decepção quase a rachou ao meio.
Eu sabia que ele se aproveitaria e fugiria. Eu sabia! E doía tanto quanto ela
suspeitava.
Mas ele não tinha se aproveitado, não foi? E ainda assim ele encontrou forças
para abandoná-la. Ai.
O que provocou a mudança dentro dele? Por que não a deixou levá-lo ao
orgasmo? Por que a negaria esse privilégio?
Com esta versão de Puck, exigir respostas não a levaria a lugar algum.
— Eu gostaria que você parasse de bancar o Dr. Jekyll e o Sr. Hyde9 com o
Homem de Gelo. Ele é um pé no saco.
— Nós vamos conversar — ele disse, ignorando-a, a voz não mais cheia de
fumaça ou cascalho, mas de gelo.
Oh-oh. Isso não podia ser bom.
O desconforto tomou conta dela. Ainda assim, abriu um sorriso e cruzou os
braços acima do peito para esconder seus mamilos enrugados, toda eu não tenho
nada melhor para fazer.
Um erro! Ela se lembrava o quanto ele quis dar atenção àqueles mamilos
doloridos, mas ela tinha protestado, esperando gozar mais rapidamente. Menina
tola!
Da próxima vez ela... o que? Ela gostaria de uma próxima vez? O que eles
fizeram tinha abalado seu mundo inteiro, é verdade, mas isso... isso ela não podia
tolerar. Agir como se nada tivesse acontecido, olhar para olhos indiferentes,
incapaz de responder como gostaria sem possíveis consequências.
Epa! Se havia um problema, Gillian consertava. Que se danem as
consequências. De agora em diante, ela iria responder do jeito que quisesse!
— Você tem razão. Vamos conversar. — Embora suas pernas estivessem como
geleia, ela conseguiu andar até o sofá que Peanut havia atacado e se sentou. —
Você me disse uma vez que a Princesa Alannah de Daingean é sua mulher.
Casamento arranjado, blá, blá, blá. Você me recusa porque está se poupando pra
ela? Novidade! Duvido que ela esteja se poupando pra você. Ela está noiva do seu
irmão. Tem estado por um tempo, embora eles nunca tenham realmente puxado o
gatilho.
Ele não ofereceu pistas externas de seus pensamentos, o idiota.
Gillian interagiu com a princesa apenas uma vez, mas a observara, curiosa,
sempre que a avistava no mesmo mercado da aldeia que frequentava.
Alannah era bonita de uma maneira discreta, de fala mansa e tímida. O meu
oposto.
A conversa delas tinha sido curta e doce.

9
Referência ao livro clássico O Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Senhor Hyde, de Robert Louis Stevenson.
Gillian: Ouvi dizer que você já foi noiva de Puck Connacht.
Alannah: S-sim. Mas ele tem chifres agora e…
Gillian: Eu sou esposa dele e gosto de matar qualquer um que o desrespeite.
Alannah: Por favor, me desculpe.
— Por que isso importa? — Puck finalmente perguntou. Ele sentou-se na
cadeira dizimada em frente a ela.
— Só estou conversando, como você queria. Se preferir, posso voltar para a
festa... e para William.
Ainda sem reação dele. Opa. Talvez ela não devesse ter jogado tão baixo? Puck
não era um adolescente com a sua primeira paixão. Ele era um príncipe e futuro
rei, um guerreiro até os ossos e Guardião de Indiferença. Embora desejasse Gillian
— à sua própria maneira — ele podia se afastar sem hesitar, a qualquer hora, em
qualquer lugar. Como havia provado.
— Eu gostei da ideia dela — ele respondeu, e alívio a percorreu. Ele moveu a
mão sobre um dos chifres como se tivesse vergonha — impossível. — Eu a encontrei
depois de minha possessão, depois que minha aparência foi alterada. Ela saiu
correndo.
Ai. A rejeição deve ter doído, mesmo que ele não tenha sentido a emoção no
momento.
Espera. As emoções se acumulavam dentro dele e entravam em erupção
depois? Se ele precisava de gelo para controlar as reações... ela achava que sim.
Inclinando-se para ele, disse em um sussurro:
— Quer saber um segredo?
Ele balançou a cabeça. Depois franziu o cenho. Depois assentiu.
— Conte-me. Conte-me agora.
Eu detecto ansiedade? Não vou sorrir.
— Eu sempre te considerei bonito.
Ele lhe deu um olhar — um de esperança e desejo — apenas para escondê-lo
atrás de uma máscara indiferente um segundo depois.
Seu coração apertou quando ela disse:
— O que você gostava na princesa?
— Sua aparência e o fato de que seria minha. Na verdade eu não a conhecia.
— Você também não me conhece — apontou Gillian. — Quer me tocar só por
causa da minha aparência? Ou porque já sou sua? — Um fato que você insistiu
para que eu dissesse em voz alta.
— Eu conheço muito sobre você.
— Ah é? Me conte.
— Você...
— O quê? — Ela insistiu.
— Você gosta de ajudar as pessoas. Não gosta de mentirosos.
— Fatos que eu te disse. Dificilmente uma novidade. Eu sei que você gosta da
ideia de machucar seu irmão e que não gosta de William.
— Seu passatempo favorito é colecionar troféus dos homens que você derrotou.
— Algo que você observou dos troféus pendurados na minha parede — ela
ergueu o canto da boca. — Acho que seu passatempo favorito acabou de se tornar
colecionar orgasmos de sua esposa.
O peito dele subiu e desceu em rápida sucessão, mas ainda assim sua
expressão permaneceu vazia.
— Você quer ficar em Amaranthia, mesmo depois de nos divorciarmos. Não
apenas para manter seu clã unido, mas para continuar governando seu clã. Você
acredita que ninguém mais pode garantir o bem-estar dele como você.
Tudo bem. Talvez ele realmente a conhecesse.
— Correto mais uma vez.
— Mas você não pode ficar aqui.
Fúria instantânea.
— Você vai tentar me expulsar de Amaranthia quando for rei? E preste atenção
que eu disse tentar.
— Eu não vou tentar. Eu expulsarei.
— Então você mentiu para mim. Mais uma vez — ela disse com voz áspera. —
Depois que prometeu sempre me dizer a verdade.
Ele nem sequer recuou.
— Eu não menti. Mudei de ideia.
— Por que mudou de ideia? — Ela exigiu.
— Porque posso. — Seu olhar foi tão frio e distante quanto no dia em que ele
quebrou seu dedo, só para provar um argumento. — Este é o meu reino.
Tudo bem, ela estava um pouco confusa demais no momento para lidar com
isso. Para lidar com ele.
— Acabei minha conversa com você. Não gosto de você quando age desse jeito,
então vou voltar para a festa.
Ele não disse nada quando ela se levantou e saiu, logo entrando no frescor da
noite. Um segundo depois, no entanto, a porta bateu. Passos ecoaram. Puck a
seguiu.
Seus pontos de pulsação dispararam, sua pele e sangue aquecendo, seu corpo
pronto para a segunda rodada.
Ignore-o. Quando ela se aproximou da festa, um zumbido familiar correu ao
longo de suas terminações nervosas. Ela parou abruptamente, respirando fundo
para evitar se transformar em Hulk.
— O que você tem? — Puck veio por trás, seu hálito quente acariciando sua
nuca, adicionando fogo em seu sangue, enviando arrepios pela coluna, e ela rangeu
os dentes. — Não vai discutir comigo?
— É isso que quer? — Ela disparou em movimento e ele manteve o ritmo. —
Que eu discuta com você?
— Não. Sim. Eu não sei.
— Até que descubra, fique longe.
Risos explodriam, agora em um volume maior do que a música.
— Gillian! — Johanna chamou. — Venha. Junte-se a nós.
— Ela não sabe que você já foi e já voltou — Puck comentou como quem puxa
conversa.
Mais arrepios, mais calor. Mas ah, ele não tinha o direito de mencionar o
namorico dos dois depois de ameaçar expulsá-la de Amaranthia.
O que a atraía nele? Além do óbvio, é claro — sua beleza sobrenatural, beijos
perversos e toque glorioso. Por que responder sexualmente apenas a Puck? Era
apenas o vínculo? Certamente que não. Sua mente o queria tanto quanto seu corpo.
Tinha que ser o jeito que ele às vezes olhava para ela como se ela fosse uma
revelação. A maneira como ele às vezes concentrava toda a intensidade nela, como
se nada mais tivesse importância.
Viciada...
Johanna e Rosaleen sentavam-se ao lado de um William sorridente. Sorridente
até que ele notou Puck.
Puck deve ter notado ele também porque endureceu.
— Quero que você fique no meu reino — disse ele, sua voz suave — mas não
com William. Estou tentado a estripá-lo toda vez que vejo vocês dois juntos.
Como é que é? Toda essa bobagem de você tem que ir embora por ciúmes?
O quê que eu faço com esse homem?
Antes que ela pudesse pensar em uma resposta, Puck a rodeou para se juntar
ao banquete. Não sabendo mais o que fazer, ela o seguiu.

***

Quando comecei a gostar da punição e a procurar por ela?


Puck seguiu todos os movimentos de Gillian quando ela escolheu um lugar ao
lado de seus generais e de William — na minha frente.
Ela quer que eu a veja interagir com o homem?
Ficarei feliz em satisfazer sua vontade, esposa. Mas ela não podia culpar
ninguém além de si mesma pela resposta dele, qualquer que fosse.
Enquanto os minutos passavam, ela evitou olhar na direção de Puck,
despertando uma chama de raiva. Seus olhos eram janelas para sua alma — e ela
pensa em me negar um vislumbre de sua alma? Depois que ela o fez querer mais
do que jamais quis alguma coisa.
Em seus braços, ela havia tomado o que queria, na hora que quis. Ela tinha
ganhado vida, beijando, arranhando e ofegando — por ele, só por ele. E quando ela
chorou, ela rachou algo dentro dele.
Ela havia revelado um humor e uma audácia poderosos, bem como uma
sensualidade terrena que ele achara encantadora.
O Guardião da Indiferença? Encantado?
Inferno, o Guardião da Indiferença enfeitiçado.
Puck adoraria culpar o vínculo por sua fascinação — e crescente obsessão —
mas poderia? Ele já ansiava por Gillian antes da cerimônia.
Seu olhar deslizou para William. O homem ria de algo que alguém havia dito,
embora seu corpo permanecesse tenso. Ele sabia que algo havia acontecido entre
marido e mulher. Ele tinha que saber. Os olhos de Gillian ainda ardiam, o fogo
aceso em chamas.
E eu sou o responsável. Eu acendi o fósforo.
Ver aquelas chamas tinha feito algo com Puck. Tinha-o mudado. Ele nunca se
sentiu tão nervoso ou febril. O demônio tinha berrado — ainda berrava — mas na
ocasião e agora ele o ignorou com facilidade.
A paixão se tornou um fogo em suas veias. Cada polegada sua estava
necessitada.
Quando isso terminaria?
Mais cedo, quando ele viu Gillian pela primeira vez no banquete, quase caiu
duro na areia, como William havia feito. Só que Puck não estaria fingindo. Ele foi
atingido por um tsunami de excitação violenta, seus joelhos ficando fracos.
Então o desejo de matar havia aumentado. Sua esposa tinha se arrumado
para o Sempre Excitado?
Puck bateu com o punho na terra. Um lenço colorido cobria os cabelos dela,
exceto pelas extremidades de várias tranças. O material era muito fino para impedir
o vento, tornando-o puramente decorativo. Lindamente decorativo. Cordas de
cristais pendiam de sua testa. Ela tinha substituído suas roupas esfarrapadas por
outra blusa de couro justa para prender os seios — seios que ele teve em suas
mãos — deixando seu umbigo apenas parcialmente coberto por elos de metal. Uma
saia estilo kilt escocês ia até a metade das coxas, suas pernas compridas em
perfeita exibição.
Eu tive a mão debaixo daquela saia. Quero-a lá novamente.
Ela também a queria lá. Tinha implorado. Ela o queria.
Tomarei o que é meu!
Não, não. Pare com isso!
Ele podia parar? Queria uivar para o céu da noite. Queria sacudir Gillian e
matar William. Talvez ele matasse William, uma vez que tivesse a coroa.
Mas Puck também queria beijar Gillian até que ela ficasse sem fôlego. Queria
tocá-la até que gemesse e se retorcesse e implorasse um pouco mais... queria
reivindicá-la, afundando-se profundamente dentro dela sem parar, sem conter
nada.
Idiota! Deveria tê-la tomado quando teve a chance. Mas não tomou. Porque
quando suas paredes internas apertadas apertaram seus dedos, e seu prazer
encharcou sua mão, ele quase gozou. Teria gozado se não tivesse se forçado a sair
do “quase”. E quando ela chorou, agarrando-se a ele, e ele ofereceu conforto pela
primeira vez, experimentou um grau de contentamento, apesar de sua necessidade
enlouquecida de liberação.
Ele já se sentia possessivo de Gillian. Se consumassem seu casamento, se ele
a marcasse, nunca a deixaria. Seu senso de posse não permitiria isso — apesar de
Indiferença.
Para mantê-la, teria que mandar William embora, antes que os termos de seu
juramento de sangue pudessem ser cumpridos. Isso significava desistir da coroa
de Connacht, condenando seu reino à destruição de Sin e seu povo à miséria.
Puck conhecia Gillian há apenas algumas semanas e passara ainda menos
tempo na presença dela. Não poderia, não esqueceria seus objetivos simplesmente
para experimentar uma felicidade momentânea.
Felicidade que ele desejava há séculos.
Ele olhou para ela agora, essa mulher que o acalmava e incitava. Fitas de luz
brilhavam sobre sua pele dourada e ele pensou: talvez eu possa esquecer dos meus
objetivos.
Não! A loucura precisava parar. Ele continuaria como planejado.
Assim que usasse as tesouras, o desejo de Gillian por Puck diminuiria de
qualquer maneira, e seus sentimentos por William ressurgiriam. Ela escolheria o
outro homem. Deixando-me com nada além de uma lembrança indesejada.
Portanto, não a tocaria novamente. Muito arriscado. De agora em diante,
permaneceria o Homem de Gelo. Resistiria à sua esposa, não importando o quanto
ela fosse atraente.
Uma buzina estridente de repente cortou o acampamento inteiro e as
dançarinas pararam. A música cessou. Todos ficaram tensos.
— Vão, vão. Preparem-se para a batalha — Gillian gritou, pondo-se de pé.
A multidão de mulheres correu, recolhendo armas pelo caminho.
William empunhou dois punhais enquanto se levantava.
— O que está acontecendo?
— Retaliação — ela respondeu, a palavra solitária cheia de prazer. — Estamos
prestes a receber uma recarga mágica.
Orelhas se contorcendo quando detectaram um padrão de marcha familiar,
Puck se aproximou de sua esposa.
— Um exército Walsh se aproxima.
— Sim. — Ainda assim, Gillian evitou olhar em sua direção, tentando-o a
forçar a questão. — Temos armadilhas montadas ao redor da fronteira externa. Eu
mesma as testei e sei que os soldados levarão cerca de três minutos e vinte
segundos, se forem bons, para alcançar as nossas muralhas. E a minha espada.
Quando William começou a fazer um comentário mordaz sobre manter Gillian
escondida em segurança, Puck notou a fúria pulsando de sua esposa e aproveitou
a oportunidade para se provar um homem melhor. Pelo menos para ela.
— Eu vou lutar ao seu lado — disse ele. Ela não precisava de habilidade para
a próxima batalha, porque ele iria protegê-la com sua vida. Ele se certificaria de
que nada nem ninguém passassem por ele. Os soldados que focassem nela
morreriam primeiro.
— Sério? — Finalmente ela olhou para Puck.
Ele viu fogo naqueles olhos cor de uísque — e gratidão. Um estranho aperto
no peito fez Indiferença começar outro discurso.
Eu entendo, demônio. Você prefere o frio. Buááá. Agora cale sua boca idiota.
— Você confia em mim para vencer? — Ela perguntou.
Enquanto Puck segurava seu olhar, ele compreendeu o quanto ela queria ser
valorizada por suas habilidades de combate. Para se provar forte, corajosa e livre
— as características que ela desejava possuir.
Puck confiava nela. Ela foi treinada por Cameron e Winter. Ela tinha começado,
terminado e recomeçado guerras. Sobreviveu a quinhentos anos sem a ajuda dele
— poderia sobreviver a outra batalha, outro dia.
— Podem terminar a competição de quem encara mais tempo agora? —
William se interpôs entre eles, uma transformação agora familiar o tomando. Olhos
cintilando vermelho. Raios brilhando sob sua pele. Fumaça e sombras se
levantando de seus ombros
Suas habilidades continuavam deixando Puck impressionado. O que ele era?
O que ele tinha que Puck não? Como ele iria derrubar Sin quando Puck não podia?
Como ele tinha ganhado a adoração de Gillian?
Como posso?
Não é importante! Mantenha sua cabeça no jogo.
— Pucker! — William retrucou. — Você está me ouvindo? Se Gilly morrer por
causa desse ataque, você morre e eu deixo seu povo para seu rei insano.
— Ninguém está morrendo — disse Gillian.
Uma mulher voou acidentalmente, esbarrando nela. Desculpas foram dadas
quando ela tropeçou adiante. Puck ia pegar sua esposa, mas William deu um soco
nele, riscando para pegá-la e bloquear Puck.
Fogo ardia dentro dele. Ficou entre ela e eu?
— Eu avisei você, Willy — Puck decidiu não tocar em Gillian, sim, mas isso
não significava que o outro macho pudesse se meter.
— Acalmem-se vocês dois, ou vou usar o que resta da minha magia para fazer
vocês se apaixonarem um pelo outro. — Suas runas brilhavam no mais sublime
tom de ouro. — Agora então. William, querido, você não conhece esse mundo ou
esses clãs. Eu conheço. Você se esconda. Eu cuidarei das coisas.
As runas de Puck responderam da mesma maneira, zumbindo e chiando.
—Gilly... — William começou tentando novamente.
— Eu sinto muito, Liam, mas não tenho tempo para as suas graças.
— Minhas graças? — O macho gaguejou enquanto ela corria.
Puck viu quando ela emitiu ordens, as mulheres do clã obedecendo sem
protestar. Uma prova verdadeira de sua capacidade de liderar.
— Você, para o parapeito — ela gritou. — Você, para o muro externo. Você,
pegue nossa primeira linha em frente ao portão.
A garota que Puck deixou para trás não tinha confiança. A mulher que ele
retornou tinha confiança aos montes.
E eu a quero mais por isso.
— Você fez isso a ela — William rosnou.
Ignorando-o, Puck considerou as defesas que ele tinha visto quando chegou
ao acampamento. Uma parede de pedra maciça delineava o perímetro — uma
parede que ele teria que escalar, se não fosse pela interferência de Cameron.
— Abaixe o portão e deixe-o entrar — disse seu amigo. — De preferência sem
matá-lo.
Soldados haviam se alinhado em toda a extensão. De cada lado — norte, leste,
sul e oeste — ele notou uma torre de vigia. Conectando aquelas torres, um segundo
parapeito onde os arqueiros esperavam prontos.
— Se ela for ferida...— William soltava fumaça pelo nariz literalmente.
— Ela provou que pode se machucar e se recuperar. — Hoje à noite Puck faria
sua parte, provar sua força para ela.
Agindo e falando, ele investiu na direção da torre Norte. Ele confiscou um arco,
uma cesta de flechas, três punhais e duas espadas curtas, ou de mesas carregadas
de armas, ou diretamente de um Shawazon. As vibrações em seus chifres se
intensificaram; os soldados Walsh marchavam cada vez mais perto.
Como Puck traçou em séculos de foco inabalável — vai fazer o que precisa
fazer, sem hesitação — o demônio se acalmou.
Subiu as escadas para o parapeito. De cada lado dele arqueiros formavam
uma linha, as mulheres estavam de pé ombro a ombro com os arcos encaixados e
prontos.
— Tentem não me atingir — disse ele enquanto examinava as dunas. — Minha
morte anuncia a da sua rainha. Espalhe a palavra — As sombras da noite eram
espessas, escondendo árvores, um lago próximo... mas não os soldados. Lá.
Ele debateu suas opções: ficar aqui e matar os soldados que escalariam a
muralha, ou arrasar no meio do exército e impedi-los de subir completamente, mas
também se colocar nas linhas de visão dos arqueiros.
Em momentos assim, sentia falta do seu irmão.
William se materializou ao seu lado, punhais substituídos por espadas curvas.
Ele escrutinou as massas.
— Ah, que bom, outra festa de salsicha.
Ignore. Opção A ou opção B?
Lógica levantou a mão e disse: B, por favor. Mantenha o máximo de soldados
possível longe da muralha. Quanto menos Walshes conseguirem invadir o
acampamento, mais seguro o clã de Gillian permaneceria. Se Puck fosse acertado
por flechas, ele lidaria com elas. Feridas curariam.
Agora, como proceder com a opção B? O parapeito era da largura de uma
estrada humana. Do outro lado, algum tipo de sistema de corda de polia. Bingo.
Puck ancorou uma extremidade da corda em uma polia, amarrou a outra ponta da
corda ao redor de sua cintura e se inclinou para a frente, colocando três flechas de
uma só vez. Enquanto caía, soltou as flechas. O metal assobiava pelo ar,
misturando-se com o uivo do vento. Grunhidos e gemidos soaram.
O pouso o abalou, ossos estremeceram, talvez até mesmo quebrando.
Recusando-se a diminuir a velocidade, colocou mais três flechas e liberou. Armou
o arco e liberou.
A magia flutuou dos corpos e fluiu para ele, absorvidas por suas runas. Poder,
esse poder delicioso. Sentiu falta disso.
Um novo coro de assobios perfurou o ar enquanto os arqueiros em cima da
muralha soltavam suas flechas. Os soldados continuaram correndo, apenas
levantando seus escudos. Flechas soaram no aço e caíram no chão, inúteis.
Mais uma vez, William apareceu ao lado de Puck.
— Você não está recebendo toda a glória. Tente se exibir. — Ele entrou em
ação, correndo adiante para encontrar a linha de frente.
Puck permaneceu no lugar, continuou a matar à distância, construindo seu
suprimento de magia. A cada lançamento do arco, mais corpos caíam, mais poder
absorvido em suas runas. Enchendo-o. Logo transbordando.
Lá. Com um sorriso frio, ergueu os braços e empurrou uma onda violenta de
magia pelas pontas dos dedos. Monte após monte de areia reunido ao seu lado,
criando uma nova parede, bloqueando o parapeito.
Ele largou o arco e retirou suas espadas. Correndo pra frente. Engajando-se.
Balançando a espada e cortando, cabeças e membros destacados. Sangue
espalhado. Cada gota de magia que ele ganhava, usava para manter a parede de
areia no lugar.
Derrubando um Walsh após o outro, William voltou para o lado de Puck. Para
sua surpresa, eles trabalharam juntos em harmonia, derrubando soldados
enquanto desviavam de flechas, corpos empilhados ao redor deles.
Runas brilharam nas mãos de William, novos símbolos aparecendo. Símbolos
que Puck nunca tinha visto antes.
— Tudo bem. Já tive o suficiente disso. — O Sempre Excitado chutou um
oponente, socou outro, depois soltou uma espada para bater sua mão contra a de
Puck.
Buum!
Poder absoluto detonou entre eles, derrubando todo o exército, ninguém capaz
de ultrapassá-lo. Todo homem caiu, incluindo Puck e William. Nem mesmo a
parede de areia estava imune, caiu.
Gillian, Winter, Cameron e um punhado de outras correram, suas armas
prontas.
— O que aconteceu? — Cameron perguntou.
Puck estava ofegante, seus membros tremendo.
— Não tenho certeza — William disse — Eu usei você como bateria, soltei o
meu poder. Eu acho que isso faz de mim o jogador mais valioso da noite.
Vendo o mar de corpos vermelhos e imóveis, Gillian fez uma careta.
— Você levou nossas matanças e nossa magia. Magia que precisávamos —
hostilidade explodiu dela, carregando o ar. — Você agiu contra minhas ordens e
roubou do meu povo.
— Acalme-se, Gillian — Winter implorou. — Os garotos não pretendiam tomar
nossas mortes, tenho certeza disso. Ou meio que tenho certeza. Eles provavelmente
vão se desculpar. Certo, Puck?
A confusão o manteve quieto. Os olhos escuros de Gillian brilhavam como ônix
polido, as pupilas explodiram. Rosnados semelhantes ao de animal roncavam de
sua garganta enquanto ela cerrava as mãos e separava as pernas.
Ela tinha acabado de assumir uma postura de batalha.
— Nada de virar Hulk — Cameron agarrou um par de machados e espantou o
resto de sua audiência. — Não quero cortar suas mãos novamente.
Os Shawazons correram como se suas vidas dependessem disso.
Virar Hulk. Raiva ameaçou subjugá-la então. Mas isso não era uma pequena
birra como ele supunha. Nas cartas, ela alegou que perdia o controle de suas ações
e fazia coisas das quais mais tarde se arrependia.
Então o resto das palavras de Cameron se registrou.
— Você cortou as mãos dela fora? — Ele perguntou, seu tom calmo, mas letal.
— Gilly? — William disse com um cenho franzido. — O que...
Com um grito, ela pegou dois cadáveres como se não pesassem nada e os
jogou no homem.
Puck pulou de pé, com a intenção de correr para sua mulher, mas Winter se
moveu na frente dele, impedindo-o.
— Não. Você perderá um braço. Ou mais. Você não pode impedi-la. Ninguém
pode. Tudo o que podemos fazer é deixar a raiva queimar.
William não deu ouvidos ao aviso e correu para alcançar Gillian.
EEEE... sim, ela arrancou o braço dele.
Ele gritou de dor quando o sangue jorrou da ferida aberta. Tudo bem. Deste
ponto em diante, Puck não teria que fingir que estava admirando sua habilidade
de batalha. A mulher podia se defender contra qualquer um.
Em apenas alguns segundos, outro braço cresceu em William. A regeneração
mais rápida que Puck já havia visto. Mas o macho não se aproximou de Gillian
novamente. Com os olhos arregalados, ele se afastou dela.
O que reduziu a queridinha a tal estado? A raiva tão descontrolada como
estava não poderia ser originada dentro dela.
No dia em que Puck e Gillian se vincularam, ele achou que havia sentido a
emoção fluir entre eles. Ele tinha de alguma forma lhe dado a raiva que enterrou
ao longo dos séculos?
A culpa cortou suas entranhas em pedaços, e Indiferença festejava nos restos.
De jeito nenhum Puck podia ficar longe. Ele tinha que ajudar.
Quando se aproximou, um corpo voou sobre sua cabeça, depois outro e mais
outro.
— Eu não vou te machucar, esposa.
Por mais que Puck gostasse de ver outro homem rasgado em pedaços, preferia
ver sua mulher sorrir amanhã. A violência não era o seu padrão, e ela certamente
se castigaria por prejudicar o bastardo.
Mais corpos. Um bateu em seu peito, derrubando-o pra trás alguns passos.
Okay então. Lenta e fácil tinha falhado. Ele teria que entrar duro e rápido.
Pegou velocidade e mergulhou, jogando-a no chão. Em vez de se contorcer
para absorver a maior parte do impacto, forçou-a a bater primeiro e permitiu que
seu peso caísse sobre ela. Cruel, mas necessário. O ar jorrou dos pulmões dela e
seu crânio ricocheteou na areia, enfraquecendo-a. Deixando-a inconsciente?
Não teve essa sorte. Como um gato selvagem, ela arranhou as costas dele e
rasgou sua camisa. Ela até afundou os dentes na garganta dele numa clara
tentativa de remover sua traqueia. A dor o queimava. Tanto faz. Com magia, ele fez
com que vinhas espinhosas saíssem da areia, envolvessem seu pescoço, pulsos e
tornozelos e a segurassem no lugar.
Ele levantou a cabeça e grunhiu. Os dentes dela seguraram sua carne o maior
tempo possível.
— Chega — ele ordenou.
Ela continuou a lutar, um dos espinhos cortando seu pulso e saindo do outro
lado. Enquanto rios carmesins serpenteavam pelo antebraço dela, seu estômago se
contorcia.
Ela lutaria até que morresse sangrando, não iria?
Minha garota linda e corajosa.
— Gillian — ele resmungou. Sangue quente derramou da ferida em seu
pescoço e pingou no rosto dela.
A visão quebrou algo dentro dele. Um coração que ele pensou que Sin havia
destruído há muito tempo?
Como ele podia ajudá-la? Não queria usar gelo, do jeito que costumava fazer
com Cameron e Winter às vezes que seus demônios tinham conseguido o melhor
deles. E se Gillian nunca derretesse?
Assistir o fogo em seus olhos morrer? Nunca!
Quando ela tentou levantar, sem se importar quando os espinhos cortaram
seu pescoço vulnerável, ele se encolheu. Bem. Nenhuma outra escolha. Necessitava
fazer algo antes que ela corte sua própria cabeça.
Seria cuidadoso. Ele montou a cintura dela, embalou o rosto dela com suas
grandes mãos sangrentas e focalizou interiormente, no demônio, então o vínculo
— o lugar de sua raiva. Ah, sim. Ele estava em falta.
Com apenas uma pitada de mágica, Puck evocou gelo enquanto tamborilava
mentalmente ao longo do vínculo, como se estivesse tocando uma harpa. Onde ele
tocou, fogo morreu e gelo se espalhou.
Abaixo dele, os movimentos de Gillian diminuíram, depois cessaram
completamente. Meio temeroso do que encontraria, abriu os olhos para olhá-la. Ela
estava deitada na areia, ofegante, estudando-o de volta. Seus olhos estavam sem
brilho, nenhum indício de chama.
Ele engoliu um grito de negação, um para rivalizar com Indiferença.
— O que você fez comigo? — Ela perguntou, e o tom de sua voz o fez se
encolher.
Ele dispensou os espinhos, libertando-a. Ela não fez nenhum movimento para
se levantar.
— Invoquei gelo — ele respondeu — Para você.
— Eu sou a mulher de gelo então.
Sim.
— Você está bem, moça?
— É isso é o que você sente quando fica frio? Esse nada? — Como se ela não
se importasse o suficiente para esperar a resposta dele, ela fechou as pálpebras e
se deixou cair no sono.
No peito um labirinto de campos minados, Puck reuniu sua esposa
adormecida nos braços e ficou de pé.
— Vou cuidar de suas feridas. Qualquer um que tentar me impedir, vai morrer.

***

Gillian flutuou dentro e fora da consciência. Mais de uma vez notou a manta
aquecida de pelo pressionada ao seu lado e se esfregou nela. Tão macia!
Em diferentes momentos, vozes familiares penetraram sua consciência.
Puck: Você estava com medo dela.
William: Eu sou todos os reinos, todas as idades. Sou escuridão e luz. Sou poder
como você nunca conheceu. Não temo nada e a ninguém.
Puck: Encare, Willy. Você ainda está com medo.
William: Estou puto! Se quer sua coroa, vai manter suas mãos longe dela a
partir de agora. Você me entende? Ah, e mais uma coisa. Se ela estiver indiferente
quando acordar ... É melhor que ela não esteja indiferente!
Puck: Manter minhas mãos para mim mesmo nunca foi parte do nosso trato.
A conversa diminuiu de sua consciência, outra em breve tomando seu lugar.
Winter: De alguma forma você fez o que apenas o xarope pode fazer e a acalmou.
Nada mais funcionou.
Cameron: O problema é que nós drenamos todas as árvores.
Puck: Existem muitas... no território Connacht.
William: Talvez, quando chegar a hora, eu me case com ela no território
Connacht. Você pode servir como testemunha, Pucker.
Eles foram de dormir juntos a casamento? Suspiro.
Gillian não tinha ideia de quanto tempo passou antes de abrir os olhos,
lembranças da batalha a inundando. Oh... merda. Ela machucou William, depois
Puck, depois foi envolvida pelo gelo de Puck.
Sua raiva havia desaparecido. Todas as emoções haviam desaparecido. Ela
não se importava com nada e ninguém. Até mesmo o pensamento de morrer era
insignificante. O pensamento de viver também. Machucar as pessoas que ela
amava? Vá em frente.
A força que Puck empunhava para perseverar sem causar danos colaterais
generalizados... incrível! Sua admiração por ele disparou. Ele era o guerreiro dos
guerreiros. E tudo bem, sim, ela queria abraçá-lo e beijá-lo e lambê-lo todo, o que
significava que o gelo dentro dela já havia derretido.
Diferentes emoções a inundaram. A primeira? Desânimo. Saltou o coração
contra as suas costelas. Que tipo de dano colateral ela causou?
Sentando-se, fez um balanço. Estava em seu sótão, em sua própria cama,
sozinha e sem ferimentos, vestindo roupas limpas. Sem lenço na cabeça. Vozes
abafadas vinham de baixo...
Ela fez seu caminho até o primeiro andar. Puck estava de pé ao lado de Peanut,
dando uma maçã a ele. Minha família...
Saltar, saltar. E não de desânimo neste momento.
Puck havia se banhado, mudado de roupa e prendeu seu cabelo úmido em um
rabo de cavalo chique de guerreiro, com menos lâminas do que de costume
penduradas nas extremidades. Ele parecia impecável e de outro mundo, tão
masculino que pôs fogo em cada instinto feminino seu.
Ele parecia em casa. Uau! Casa? Ela não acabou de pensar isso.
Eles brincaram uma vez, e esperançosamente iriam para a segunda rodada
em breve. Porque sim, ela ansiava por outro orgasmo e ansiava por testemunhar e
— causar — o dele. Mas não conseguia esquecer a tendência dele de dar um gelo
nela depois. Ou que ele planejava deixá-la ir.
Ele pensaria nela novamente? Talvez não. Até agora, não tinha compreendido
totalmente a amplitude de sua apatia. Para ser vazia, completamente desprovida
de emoção — não se sentia como um ser vivo, mas inferior a um animal.
Não há final feliz para você, Gillian Connacht.
Ela mordeu a língua até provar o gosto de cobre do sangue.
Oráculos estúpidos! Certo, finais felizes não eram dados de graça, mas lutaria
com unhas e dentes pelo dela. Ela ajudaria Puck e William a fazer as coisas deles,
até mesmo aceitaria um divórcio. Quando ela aprendesse como é viver sem um
vínculo, governaria os Shawazons e começaria a namorar, assim como ela esperava.
A ideia não era repelente. Ou emocionante.
Por que eu me sinto como se estivesse indo para a minha execução?
William se esticou no sofá, um homem de lazer.
— Notei que Gillian não usa seu anel, Pucker. Mas então você já deu um a ela,
não é? Quinhentos anos de sofrimento10.
Puck ficou rígido.
— Engraçado, quando eu a segurei em meus braços, não foi o seu nome que
ela gritou.
Agora William ficou rígido.
Bom Deus.
— Pensei que vocês dois iriam se beijar e fazer as pazes.
Ao mesmo tempo, os três machos se concentraram nela. William ficou em
silêncio, observando-a com algo parecido com suspeita. Peanut trotou para
acariciá-la, como se dissesse: Você não pode errar, mamãe.
Puck... Oh, meu. Seus olhos escuros a devoravam.
Não reaja!

10
Sofrimento em inglês é suffering, uma analogia que William faz a anel.
— Acabou o Hulk — disse ela, mudando de um pé para o outro para amenizar
a dor súbita entre as pernas. — Me desculpe, William. E eu sei que isso não é bom
o suficiente. Mas como eu devo me desculpar por arrancar seu braço? Cesto de
frutas? Abraço? Me oferecer para pagar cem anos de terapia? Diga que você me
perdoa. Por favor! Porque quando eu digo que sinto muito, sou cem por cento
sincera. Estou falando sério.
— Boneca, eu não posso...
— Você não pode perdoá-la? — Puck interrompeu, e ela pensou que
vislumbrou um brilho provocador em seus olhos. — Você está sendo irracional,
Sempre Excitado. Ela pediu desculpas e foi sincera.
William ficou tenso com agressividade, pronto para atacar.
— É assim que vai ser? Se você quer jogar, Pucker, vamos jogar.
— Não! — Gillian apertou as mãos, formando uma torre. — Sem jogar, sem
lutar. William, seu presente para mim... me pagar de volta por permitir que você
me perdoe... é beijar e fazer as pazes com Puck. Não? Cedo demais? Ok, bem, talvez
vocês devessem ficar longe de mim. E se eu arrancar sua cabeça da próxima vez?
E se eu te matar?
Seu amigo ofereceu um sorriso reprovador.
— Eu não posso ficar com raiva de você. Você está perdoada, e vou apenas
agradecer por permitir isso. Mas suas preocupações são infundadas. Eu sou forte
demais, rápido demais.
Argh! Ele algum dia levaria suas habilidades a sério?
— Sim, mas e se você não for? Você não foi forte ou rápido o suficiente para
impedir seu braço de ser amputado.
Ele espalhou dois braços perfeitos, todo eu sou o último homem saudável do
universo.
— Eu estava surpreso. Da próxima vez estarei preparado.
— Que tal isso — disse Puck, como se sua pergunta fosse totalmente lógica e
ela fosse esperta por perguntar. — Eu vou arrancar os membros de William em
momentos aleatórios. Dessa forma, você não é a única causadora de dor. Nós
dividiremos responsabilidade igualmente.
— Essa é uma oferta muito doce — ela respondeu, com a mão tremula sobre
o coração. —Obrigada.
— Doce? — William berrou.
— Mas — ela acrescentou — e se eu arrancar seus braços? Talvez eu deva...
— Ficar para trás? Excelente ideia — William assentiu.
—... fazer a missão sozinha — ela terminou com um cenho franzido. Ele queria
deixá-la pra trás?
— Se você arrancar meus braços — disse Puck — vai ter que me dar comida
na boca até que eles tornem a crescer.
Por que, por que, por que ela tinha que gostar da resposta dele muito mais
que a de William?
— Combinado.
— Com que frequência acontece de você virar Hulk?
— Uma ou duas vezes por mês.
— Então sou eu quem que lhe deve um pedido de desculpas — disse ele,
desviando o olhar. —Eu sou o culpado por sua raiva. Emoções que eu enterro estão
viajando através do nosso vínculo, e você é a forçada a lidar com elas.
Cara! Mesmo? A raiva pertencia a Puck? Bem, isso não fazia sentido.
O cara ou sentiu muito ou nada. Que existência terrível.
— Tudo bem. Chega de conversa fiada. — William pegou uma pilha de
camisetas dobradas e se levantou. — Temos uma missão para começar. Vocês
ficarão felizes em saber que tomei a liberdade de fazer uniformes de equipe — dando
um sorriso convencido, ele se aproximou dela.
Peanut sibilou para ele, um aviso claro para ficar longe.
William revirou os olhos e jogou uma camisa para Gillian. Na frente, ele
estampou o rosto de Puck dentro de um círculo. A legenda dizia: Eu não tenho
medo de cabras.
Em seguida, ele jogou uma camisa para Puck.
— Não precisa me agradecer. Eu sei que você amou.
Puck ofereceu seu sorriso frio patenteado.
— Minha imagem aninhada contra os seios de Gillian? Eu vou agradecer a
você, Willy.
Narinas dilatadas, William disse com a voz áspera:
— Eu. Vou. Matar. Você.
— Você. Pode. Tentar.
Gillian suspirou.
— Estamos saindo em uma hora e tenho coisas pra fazer. Vão, vocês dois.
Preparem-se.
— Qualquer coisa para você. — William soprou-lhe um beijo e saiu.
Puck permaneceu. Com os olhos em chamas, ele disse:
— Prepare-se, porque eu vou ter você. Eu disse a mim mesmo que não tocaria
em você novamente porque não importa o que, eu deixaria você ir. Eu fiz uma
promessa a William garantindo isso.
Suas palavras não deviam doer. Mas... ai.
— Mas — continuou ele — não consegui ficar longe ontem... e hoje. Eu tenho
você por pouco tempo, e vou aproveitar o quanto puder. Parabéns, moça. Você me
derrotou.
Você deve se preparar, porque eu vou ter você.
Indo aproveitar você enquanto eu puder.
As palavras de Puck ecoaram dentro da mente de Gillian, algumas vezes
repetindo, algumas vezes confusas enquanto ela andava com Peanut pela areia.
Suas pernas mais curtas o faziam mais lento que as outras quimeras, seu andar
mais agitado. Para consternação de William, ela usou a camiseta de bode como um
travesseiro debaixo de sua bunda cada vez mais dolorida.
Um momento ela se excitou pelo anúncio de Puck, tão quente e dolorida que
pensou que poderia morrer sem o toque dele. No seguinte, ela se atrapalhou, tão
confusa que achou que poderia soluçar.
Ela deveria resistir a ele? Ou apenas desistir?
Parabéns, moça. Você me derrotou.
Ele não parecia feliz. Mas então, quando ele já pareceu feliz? Por outro lado —
ou quem sabe o mesmo lado? — ele parecia ressentido.
Gillian havia se casado com uma única tarefa em mente: fazê-lo sentir algum
tipo de emoção. Ela não sabia que viria a desejar o toque dele mais do que qualquer
coisa. Agora, desejava poder fazê-lo sentir desejo — desejo atado com afeição.
A má vontade não seria, bem, tolerada.
Traçou um plano de ação enquanto seu grupo de cinco viajava, jogando cabo
de guerra mental. O que fazer, o que fazer? Deixá-lo ir? Lutar por ele? Pegar o que
pudesse, enquanto pudesse, como ele esperava fazer?
— Eu odeio o começo de uma jornada — disse Winter, tirando-a de seus
pensamentos. — E o fim. E tudo o que acontece entre os dois.
— Mas você adora reclamar de viagens — brincou Cameron — então o resto
de nós tem isso pelo que esperar.
— Isso é verdade — Winter suspirou, desolada. — Ótimo! Há um lado positivo
para todos, menos eu.
Como Winter, William também mantinha um fluxo constante de reclamações.
Os sóis me odeiam.
Boneca, você pode me fazer um favor e colocar um pouco de ânimo no passo do
seu vira-lata? E não, não estou falando do Peanut.
Esqueci de trazer um tratamento profundo de condicionador para o meu cabelo.
Se eu desenvolver pontas duplas, alguém vai ser castrado — não vou mencionar
nenhum nome, mas começa com um P, ou talvez um F, e termina com um uck.
Logo depois, eles chegaram a um pequeno acampamento. Os ocupantes
avistaram Gillian e deram um grito estridente:
— Não a Saqueadora das Dunas!
Ela reconheceu seus rostos em um instante. Dois homens na sua lista de mais
procurados. Abusadores conhecidos.
Antes que eles tivessem tempo de correr, antes que alguém no grupo tivesse
tempo de reagir, Gillian estava de pé, com a espada na mão, fazendo justiça.
Cabeças rolaram e magia a encheu.
William franziu o cenho para ela.
— Minha boneca precisa ser mais cuidadosa. E se eles tivessem lutado de
volta?
Boneca? Ele sempre a veria assim, não é?
— Boa matança — Puck balançou a cabeça em reconhecimento, mas evitou
encontrar seu olhar, como se soubesse que a tensão entre eles finalmente chegaria
a um ponto de ebulição.
Num esforço de distrair todo mundo com conversa, ela tornou a montar em
Peanut e correu na frente, dizendo:
— Do que vocês chamaram suas quimeras?
— Os animais morrem antes dos imortais — disse William. —Melhor não fazer
amizade com eles.
Winter franziu a testa para ela.
— Por que eu daria nome a uma quimera fraca?
Cameron olhou para o céu.
— Quantas nuvens? Eu devo saber!
— Não importa — Puck disse com um dar de ombros.
Inaceitável!
— Não importa é um nome horrível. Puck, você vai chamar o seu Nozes.
William, o seu é Pistachio. Cameron, o seu é Almond. Winter, o seu é Pecan —
Gillian estendeu a mão para acariciar Peanut atrás da orelha. — Eles serão nossos
pequenos excêntricos.
Sem resposta. Boa. Nenhuma resposta significava nenhuma objeção.
Finalmente, pouco antes do anoitecer, eles chegaram ao seu destino: a entrada
para o labirinto de Sin. Um nevoeiro escuro levava aonde a areia terminava e uma
floresta assustadora começava. Ao invés de entrar, eles acamparam em um
pequeno oásis com um rio próximo. Eles iriam ao sair do sol.
— Acha que Sin tem homens esperando lá dentro? — Winter perguntou. —
Eles podem sair e tentar nos matar antes que possamos entrar.
— Ou avisar a Sin da nossa chegada — disse Cameron. — Nós deveríamos...
oh, olha, outra nuvem!
— Ele vai me sentir no momento em que eu chegar a terra Connacht —
respondeu Puck. — Se ele tem homens por perto... — Ele deu de ombros. — Deixe-
os vir.
William desmontou, seu olhar quente em Gillian.
— Como está seu nível de raiva?
— Bom — ela murmurou. Não deveria Puck perguntar sobre os níveis de
excitação dela?
Sempre cavalheiro, William ofereceu-se para montar um acampamento para
ela enquanto ela cuidava de qualquer necessidade pessoal.
Ela aceitou agradecida e conduziu Peanut a uma boa distância até a beira da
água, onde ela o alimentou e escovou. Quando ele estava descansando
confortavelmente em uma cama de peles, ela pegou uma barra de sabão de sua
mochila, dirigiu-se para trás de um bosque de árvores, despiu-se e entrou na lagoa.
Depois de limpa, colocou um vestido confortável feito de lenços. Um presente
de uma das mulheres que ela salvou. Enquanto tirava a água do cabelo, o leve som
de passos capturou sua atenção.
Alguém se aproximava, e ele carregava um leve aroma amadeirado com ele.
Em suas veias, consciência efervesceu como champanhe
— Eu trouxe o jantar — o barítono rouco de Puck acariciou seus ouvidos.
Não havia passado tempo suficiente para qualquer tipo de caça, o que
significava que Puck planejara antecipadamente. Cuidando de mim, mesmo que ele
diga que não se importa comigo?
Embora seu coração disparasse, Gillian se virou devagar... e ficou cara a cara
com o objeto de sua fascinação. O luar acentuava a beleza trágica de um rosto
cortado pela crueldade, sem qualquer indício de calor ou suavidade. Não esta noite,
pelo menos. Como ela, ele tomou banho, deixando o cabelo molhado. Onde ele
tomou banho ela não sabia, já que não havia outro córrego por perto — pelo que
ela sabia. Ele estava sem camisa, seu corpo de guerreiro era uma revelação de força
e tendões. Esta noite, a tatuagem de borboleta corria de um lado a outra das
costelas, estendendo-se sobre o umbigo e ao longo de sua trilha, desaparecendo
sob a cintura de suas peles. Sua boca encheu d’água por um gosto.
Até mesmo a tatuagem de pássaro fora dos limites a atraía. Aquela que ela
não tinha permissão para tocar.
Ele teria alguma objeção a lamber?
Teria ela realmente passado o dia sem saber se devia ou não negá-lo? A
resposta estava tão clara agora.
Eu vou tê-lo enquanto eu puder.
Mas o que eles poderiam fazer hoje à noite? Logo os outros iriam para o rio
esperando tomar banho. Não era como se Gillian pudesse pendurar uma meia em
um galho de árvore como um sinal para ficarem longe. Como William reagiria a
isso? E as ameaças que podem estar por perto?
Espera. Puck ainda a observava, expectante. Ele fez um comentário sobre...
oh, sim.
— Jantar. Obrigado — ela disse.
Ele lhe entregou um saquinho de frutas e nozes.
— Venha. Vamos comer juntos. — Como um encontro! Ela o levou para o
pallet que tinha feito para Peanut. Seu animal de estimação estava exausto demais
para se mover, muito menos abrir os olhos.
Puck se sentou ao lado dela, observando enquanto ela colocava uma fruta
vermelha na boca. Suas pupilas se derramaram sobre suas íris como algum tipo
de eclipse solar erótico enquanto ela gemia de prazer e saboreava o doce suco
molhando sua garganta seca.
— Você foi bem hoje — ele disse rouco.
— Obrigada — ela arqueou uma sobrancelha. — Estamos falando sobre as
mortes, certo?
Os cantos da boca dele se levantaram, fazendo o coração dela palpitar.
— Estou falando sobre como você monta sua quimera sem reclamar.
Ela bufou.
— Ganho um troféu?
— Sim. Ganha. Eu tenho o seu troféu... dentro das minhas calças.
Puck fazendo piadas e insinuações... Não abane suas bochechas
superaquecidas. Ela só encorajaria os dois em um momento em que não deveria
encorajar nenhum deles.
Embora realmente quisesse seu troféu.
Ainda não!
— Você não ganha nenhum prêmio hoje. Quando não estava provocando
William, estava fervendo em silenciosa desaprovação.
— Odeio ele. É tão ruim quanto Sin. O que você vê nele?
Fácil.
— Afeição. Diversão. Apoio. — Pra ser justa, eu prefiria ver essas coisas em
você.
— Eu tenho uma coisa pra você — Ele enfiou a mão no bolso e tirou... um
anel.
Troca de presentes! Só que ela não tinha nada para ele.
— Este é o seu anel de casamento.
O coração dela acelerou quando aceitou a aliança brilhante. Ou tentou. Ele
afastou a mão dela e deslizou o metal sobre o dedo dela. Caimento perfeito.
— Ouro amaranthiano puro — ele disse a ela.
Tradução: inestimável. Estilhaços de arco-íris brilhavam dentro de tons âmbar
pálidos.
— Obrigada — Ela sabia que o comentário de William sobre “sofrimento11”
tinha estimulado o presente, mas ela o amava mesmo assim. Uma marca de posse
de Puck, destinada a alertar outros machos a ficar longe.
— Mas não tenho nada pra você — disse ela.
— Não preciso de nada, não quero nada.
Como é triste, mas também impreciso.
—Você quer tanto a coroa do seu irmão que se vinculou a uma estranha e
barganhou com um demônio.
— Minha coroa — ele interveio. — Só minha.
— Certo. — Ela lhe ofereceu uma fruta. Depois que ele recusou, ela disse: —
Então, o que ele fez exatamente para ganhar sua condenação por vir? Eu sei que
ele te traiu, te deu o demônio, blá, blá, blá, mas tem que ter mais. E você tem que
me contar, desde que você teve seus dedos dentro de mim e tudo.
Com o olhar subitamente em chamas, ele esfregou a mão pelo comprimento
inchado. Ela assistiu, fascinada. Então ele percebeu que estava praticamente se
masturbando diante de seus olhos — sim, sim, continue — ele parou e socou o
pallet debaixo dele.
Ela engoliu um gemido de decepção.
— Não se preocupe. Eu terei meus dedos dentro de você novamente, moça.
Em breve. Junto com outras partes de mim. Mas não aqui, não agora. Seu prazer
é meu para desfrutar. Somente meu. Especialmente para a nossa primeira vez.
Especialmente para a sua primeira vez.
Instintos femininos cantaram. Ele era tão carnalmente masculino.
—Mas eu tenho...
— Não, você não tem — disse ele com uma sacudida de cabeça.
Homem querido. Bela besta.
— Quanto à profecia, as oráculos previram que um irmão mataria o outro e
uniria os clãs com uma rainha amorosa ao seu lado. Tanto Sin quanto eu juramos
que nunca nos casaríamos. Em vez disso, nós governaríamos lado a lado com
controle igual. Eu não sei quando ele começou a conspirar contra mim, só sei que
sua amiga Keeleycael deu a ele uma caixa de bugiganga que continha Indiferença.

11
Suffering, mais uma vez fazendo referência a anel.
— Mas por que?
— De acordo com Hades, ela tomou medidas para garantir a sobrevivência de
William.
Peças de quebra-cabeça se encaixaram um após o outro, deixando Gillian
atordoada com suspeitas. Se Puck não estivesse possuído, ele nunca precisaria de
William. Ou Gillian. Muito provavelmente, Keeley nunca teria dado a Gillian uma
poção para torná-la imortal, e seu casamento não teria tido um não começo. Ela
nunca teria se aventurado em Amaranthia ou aprendido a usar magia. Ou
enfrentado seus medos e vivido seu sonho.
Eu teria perdido todas as boas coisas da vida.
Mas oh, Puck podia não entender se ela dissesse:
— Acho que devo uma dívida de gratidão ao seu irmão.
Ela comeu outra fruta, aproveitando o tempo para pensar em suas próximas
palavras.
— Antes da traição de Sin, você o amava?
— Mais do que já amei alguém. Incluindo eu mesmo — disse ele. E era
estranho ouvir essas palavras sinceras faladas sem uma pitada de emoção. —
Agora, por mais que eu queira proteger meu povo e reino dele, quero vê-lo sofrer.
Pensativa, ela bateu um dedo no queixo.
— Se casar com uma mulher apaixonada é tudo o que Sin precisa fazer para
dar o pontapé inicial na profecia e garantir que você seja o irmão que morre, por
que ele ainda não se casou com a princesa? A menos que ela não o ame? — Esse
certamente foi o problema no caso de Puck e Gillian, não foi? —Você pensaria que
ele estaria mais motivado desde que você já se casou.
— Eu tenho uma esposa, mas não uma amorosa — disse ele, dando voz ao
pensamento dela. — E não iniciamos uma profecia. Elas nos deram o pontapé
inicial.
— Você tem certeza disso? Você nunca teria agido contra Sin se ele não tivesse
agido primeiro contra você.
— Ele nunca teria agido contra mim se não soubesse o destino que nos espera.
Talvez sim, talvez não.
— Se você não adivinhou, eu não sou a maior adepta das coisas sobre
adivinhação.
— Eu não acredito que o destino faça parte de tudo, apenas certas coisas.
— Certas coisas... como casamento e morte?
— Não. Porque erros de relacionamento são cometidos o tempo todo. Algumas
mortes são prematuras — ele franziu o cenho. — Conte-me. Qual você considera
mais poderoso... amor ou ódio?
— Amor, absolutamente. Mas o que isso tem a ver com alguma coisa?
— Acredito que o destino nos conduz ao amor sempre, mas as pessoas nem
sempre cooperam. Livre arbítrio. Ódio. Mal. Seja qual for a razão. Mas estou
disposto a lutar pelo fim desejado, e é por isso que acredito que o destino acabará
em Amaranthia. William vai destronar Sin a meu comando e libertará você. Eu vou
encontrar minha rainha amorosa, assassinar meu irmão e unir os clãs, salvando
tudo que amei uma vez.
Bom ponto. Talvez Gillian precisasse permanecer casada com Puck para salvar
os Shawazons.
— Você poderia se divorciar de mim para cumprir os requisitos do seu voto
para com o William... depois se casar novamente comigo. Eu poderia ajudá-lo com
seus objetivos.
— Você não cumpre o único requisito, lembra? — Ele franziu o cenho, mostrou
os dentes brancos e retos e moveu seu aperto para seus joelhos, as garras cavando
fundo o suficiente para tirar sangue. Para se impedir de alcançá-la? — Você não
me ama. Você pode até me desprezar quando nosso vínculo for cortado.
Mas e se ela se apaixonar por ele? Não era impossível.
Ela girou a aliança no dedo, ainda não acostumada com o peso.
Puck poderia amá-la de volta? Ele a desprezaria no momento em que o vínculo
fosse rompido? Ela poderia realmente ajudá-lo a unir os clãs depois que causou
tanto tumulto?
E se a profecia sobre a vida dele se realizasse, desdobrando-se exatamente
como previsto? Gillian seria forçada a dar uma olhada muito mais dura em sua
própria profecia. Matar os sonhos de seu homem... sem final feliz...
Era esse o destino que ela queria para Puck?
— Você quer que eu me apaixone por você? — Ela finalmente perguntou, seu
tom suave, quase implorando.
— Eu quero... não — disse ele. Rosnou, realmente. Ele balançou a cabeça
inflexível. — Eu não quero que você me ame.
Ele queria dizer realmente essas palavras. Em seus olhos escuros, as
pontinhas de luz brilhavam com resolução intratável. E ela não ficou chateada.
Não. Nem um pouco. O amor só complicaria o arranjo deles.
Caia fora, caia fora – Transe e Jogue fora.
— Bom — disse ela, toda bravata. — Porque esta rainha não quer ser selada
com um rei mandão e insensível.
Nenhuma reação dele.
Melhor ainda! Ela limpou a garganta e voltou ao assunto original.
— Então, por que Sin não te matou quando teve a chance? Por que se dar ao
trabalho de te infectar com indiferença e deixar você ir embora? A não ser que ele
também te amasse e esperasse encontrar uma maneira de vencer a profecia e
manter vocês vivos.
— Ele escolheu o caminho errado.
Verdade.
Encostado na árvore atrás dele, Puck cruzou os braços sobre o peito.
— Ontem você disse que... me acha atraente. Até mesmo bonito. Não se
importa com os chifres e cascos?
Se ele não queria o amor dela — por que ele não queria meu amor? — por que
sua opinião importava?
Se ela perguntasse, ele poderia ir embora num acesso de raiva. Então ela
decidiu seguir um caminho diferente e apontou para os chifres com uma inclinação
do queixo.
— Posso?
Com os olhos arregalados, ele se ajoelhou e curvou a cabeça.
Pequenos tremores percorreram seus membros quando ela se aproximou dele,
ajoelhou-se também e traçou com a ponta do dedo de ponta a ponta ao longo dos
chifres. Quente e tão duro como o titânio. Camadas de marfim sobrepostas
formando múltiplos anéis. Marfim ou seja lá do que a protuberância era feita.
No primeiro contato, ele endureceu. Então gemeu.
Gillian ficou imóvel.
— Eu machuquei você?
— Não! Não pare. Por favor.
Nisso ele estava implorando? Seu desespero chamou a dela, e ela envolveu a
mão em torno da base de cada chifre e apertou.
Ele respirou fundo, como se ela tivesse acabado de apertar um apêndice
diferente.
— Nunca gostei desses chifres. No momento, não tenho certeza se vou
conseguir me separar deles.
Sangue esquentando.
— Ninguém nunca tocou neles?
— Eu não tenho certeza. Nunca me importei em dizer sim ou não, ou lembrar.
— Chiando. Sua barriga tremia, e uma dor começou em seus seios, culminando em
mamilos franzidos... mamilos atualmente no nível dos olhos de Puck.
A dor rapidamente se espalhou para o ápice de suas coxas.
Fervendo agora, prestes a chegar a um ponto sem retorno.
Gillian o soltou e voltou para o seu lugar. Ele ergueu a cabeça lentamente, os
olhos do céu da meia-noite brilhando com todas aquelas estrelas, quase como se
runas percorressem sua íris e suas mãos. O ar entre eles crepitava com consciência,
calor e agressão.
Não posso tê-lo. Não aqui, não agora. Distração!
— Como você era antes de sua posse? — ela conseguiu soltar rispidamente.
— Por que isso importa? — Ele se abaixou. — Eu não sou mais esse homem.
— Conte me então.
Ele deu de ombros, mas disse:
— Eu era conhecido como o Invicto. Se entrasse em uma guerra, ganharia.
Sempre — um tom de orgulho cobria suas palavras. — Sin planejava as batalhas
e eu as lutava.
A vitória importava para ele, mesmo agora. O fato de que Sin o havia traído —
derrotado — deve ter feito seu ódio pelo homem muito pior.
Parabéns, moça. Você me derrotou.
Ele também se ressentiria com Gillian?
— Eu nasci com a capacidade de me transformar em qualquer um a qualquer
hora, sem necessidade de mágica — continuou ele. — Eu não tinha um estábulo,
mas assegurava que a mulher na minha cama estava bem satisfeita.
— Está se gabando agora? Sem necessidade. Baby, tenho experiência em
primeira mão com suas proezas sexuais, lembra?
Puck cambaleou, quase desfeito. Gillian havia tocado seus chifres. Pela
segunda vez em dois dias, ele quase gozou em suas calças como um menino. Agora,
ela falou de sua “proeza sexual” como se fosse morrer sem saber mais.
Antecipação efervecia através dele, e ele pensou: farei qualquer coisa — até
mesmo me afastar de Amaranthia para sempre — para conhecer a sensação de suas
mãos suaves nos meus chifres novamente, ouvir sua voz cheia de prazer gritar meu
nome quando ela gozar.
Tolo! Desejou nunca ter conhecido o êxtase de ter suas mãos nele. O tipo que
ele nunca pensou ser possível. Paixão o tinha governado. Uma mulher o possuíra.
Mas Puck não a possuía. Ele tinha sido tão arrogante ao pensar que poderia
viciar Gillian ao seu toque, em fazê-la ansiá-lo para sempre. As garras de William
estavam profundamente enraizadas no coração dela. William, quem lhe dava
carinho e se divertia com ela, que de alguma forma a fazia se sentir apoiada.
Pelo menos, ele costumava. Talvez os sentimentos dela pelo macho tenham
surgido do passado?
De qualquer forma, a inveja fervia dentro de Puck, um monstro mais poderoso
que Indiferença. Cada célula de seu corpo gritava ao lado dos lamentos constantes
do demônio: conquistá-la do outro macho.
Ele não tinha dado a suas regras uma única consideração, só tinha pensado
nela. Estava se apaixonando por ela, duro e rápido. E o que acontecia quando você
se apaixonava? Você caía com força, e se machucava. Você não se afastava — você
se arrastava.
Quer que eu te ame? A pergunta dela ainda o atormentava. Ele disse que não
e estava falando sério. No momento em que usasse as tesouras, seus sentimentos
por William retornariam. Puck sabia disso sem qualquer dúvida. Se tivesse o
coração dela só para perdê-lo...
Ele jogou o jogo dela: e se...
E se ela desse seu coração para Puck e então o levasse embora? E se ela desse
seu coração para Puck, e deixasse para ele o manter? O que ele faria então?
O que ele desistiria por essa mulher?
Deveria entrar na briga ou continuar a evitar?
Ele reprimiu uma maldição. Por que estava até mesmo contemplando isso? A
resposta era simples. Evitar. Sempre evitar. Ele se contentaria com o corpo dela,
como planejado, e experimentaria qualquer satisfação que ela tivesse a oferecer.
Nada mais.
— Você me contou sobre o Puck adulto — disse ela, alheia à sua agitação —
mas não sobre o Puck bebê.
Implacavelmente, ele voltou de seus pensamentos de amor, sexo e possíveis
futuros diferentes.
— Eu era como qualquer outra pessoa, suponho. Eu comia, molhava as
fraldas e chorava. Não tenho certeza do que mais você gostaria de saber.
— Apenas tudo — ela brincou com uma folha de grama. — Enquanto você
estava caçando William, notei muitas crianças-soldados no campo de batalha.
Quantos anos você tinha quando começou a treinar?
— Sete.
— Sete! — Ela gaguejou por um momento. — Tão jovem.
— Não jovem o suficiente, de acordo com meu pai. Mas minha mãe concordava
com você.
— Bom para ela — disse Gillian com um aceno de cabeça. — Nenhum filho
meu jamais vai para a batalha.
Como sua vida teria sido diferente se tivesse um campeão como Gillian.
Então suas palavras se registraram e ele parou de respirar. Nenhum filho meu.
Uma criança. Um filho dela. O filho deles.
Em sua mente, surgiu uma imagem de Gillian grávida de seu bebê. Uma
imagem que ele não conseguiu tirar da cabeça.
Que tipo de pai seria Puck?
Papai não está orgulhoso de você, filho. Papai não te ama, ou se importa se você
vive ou morre. Pare de chorar antes de eu te dar uma razão para chorar.
Além disso, família torna você vulnerável à traição, como Sin havia provado.
Gillian um dia se casaria com William e daria à luz à sua prole?
Conforme o ciúme queimava dentro de Puck, Indiferença reagiu como se seu
coração tivesse levado um choque com pás de desfibrilador saltando em movimento,
rondando sua mente e uivando com... dor?
Agora você sabe como eu sofri, impotente para agir, tudo a seu comando,
demônio. Oba!
A tatuagem de borboleta em seu peito deslizou sobre sua pele, terminando em
suas costas.
Gillian notou e ofegou.
— O demônio está tentando enfraquecer você?
— Provavelmente, mas está falhando — voltando ao assunto em questão. —
Sin começou a treinar aos cinco. Embora pudesse ter ficado com nossa mãe, ele
escolheu me acompanhar até as barracas.
— Soa como um irmão bastante legal.
Um aceno de cabeça.
— Ele era — O que fez sua traição pior do que... qualquer coisa.
— Qual é a sua lembrança favorita dele?
— Há muitas para escolher.
— Escolha uma, de qualquer maneira.
Ele pensou por um momento, suspirou.
— Alguns dias depois de sermos levados para as barracas, fiz uma birra por
como éramos tratados. Sem travesseiros macios em nossas camas. Nenhum prato
de carne era trazido por mulheres adoradoras. Nenhuma roupa limpa. Fui
espancado pela minha insubordinação. Sin também.
— Uh, isso não parece uma lembrança feliz.
— Estou chegando lá — disse ele. — Paciência, gafanhoto.
— Gafanhoto? — Ela sorriu, e o olhar dele se concentrou em sua boca.
Fome meteu as garras dentro dele, mas se forçou a continuar como se nada
estivesse errado.
— Esperava que ele se queixasse, odiasse a si mesmo por se juntar a mim.
Odiasse a mim mais por não insistir que ele ficasse para trás. Mas ele olhou para
mim com admiração e disse que eu era a pessoa mais forte do mundo, que não
importava quantas vezes eu fosse atingido, não importava quantas vezes eu caísse,
eu voltaria a levantar.
Olhos luminosos ao luar, ela abriu a mão no centro do peito.
— Você está certo. Uma bela lembrança. Você pode odiar seu irmão pelo que
ele fez, mas ama quem ele costumava ser.
Ele deu de ombros.
— Com que facilidade você descarta o que muitos de nós sonhamos em
encontrar — ela disse baixinho. — Eu gostaria de poder dizer que sua vingança é
ou não é doce, e você se sentirá melhor quando seu irmão estiver morto. Mas os
males do passado não são lavados pra longe porque a pessoa responsável se foi.
— Você não se sente melhor ao suspeitar que seus agressores estão mortos?
Uma sacudida de cabeça, tranças escuras dançando sobre os seios.
— Se eles estão mortos, e eu tenho quase certeza de que estão, minha culpa
e vergonha ainda não diminuíram.
— Culpa? Vergonha? Não se atreva a se culpar pelo que aconteceu todos esses
anos atrás. Um homem, qualquer homem, até mesmo um menino, sabe o que é
certo e errado, sempre. Eles simplesmente escolheram o prazer deles acima da dor
do outro.
— O que devo sentir então? Odiá-los não faz bem. Certamente não os machuca.
Pior, isso dá aos meus agressores poder sobre minhas emoções, minha vida.
— Mas olhe pra você agora. Prosperando. Uma rainha de força e bravura. O
passado pode ter te arrastado para baixo por um tempo, mas você lutou para se
erguer. E talvez nem sempre tenha ficado de pé, talvez tenha caído uma ou duas
vezes, mas continuou lutando. Hoje você voa.
Ela parecia florescer a cada palavra, e isso aliviou um pouco da tensão dentro
dele.
— Obrigada, Puck.
Ele assentiu em reconhecimento.
— Conte-me sobre sua mãe — disse ela.
Uma percepção: ele estava falando com uma mulher, compartilhando seu
passado, aprendendo mais sobre o dela — o que ele uma vez sonhou. Seu desejo
secreto, e era melhor do que ele algum dia esperou.
— Ela era uma mulher gentil, gentil com todos que encontrou — ele estendeu
a mão para passar os dedos através das tranças de Gillian. Seda pura. — Ela
cantava para eu dormir enquanto acariciava meu rosto.
— Você disse que era — Ela colocou a mão sobre a dele e ofereceu um aperto
reconfortante. —Ela morreu?
Memória ruim... companhia sedutora. Ele deveria ter mantido suas mãos para
si mesmo. Agora só queria mais.
Agora?
— Ela se matou depois que minha única irmã nasceu morta— ele disse.
— Oh, Puck. Sinto muito.
Uma pontada no peito, novos uivos em sua cabeça.
— Conte-me mais sobre você. Algum irmão?
Ela estremeceu, mas disse:
— Eu sempre quis uma irmã.
— Agora você tem uma, Winter.
— E William. Até mesmo Cameron.
Ela considerava William uma irmã? Eu chamo de falta.
— Tenho certeza que os dois homens adorariam ser comparados a uma irmã.
— Por favor! Ambos dariam boas-vindas a elogios ao seu lado feminino.
Puck enrolou as mãos em punhos.
— Não quero falar sobre eles — Especialmente William. Como odiava ouvir o
nome do homem nos lábios de Gillian.
Um dia, o bastardo terá o que Puck mais queria.

***
— Tudo bem. Conte mais sobre Sin. Por que você não pode tirar a coroa dele?
— perguntou Gillian, sentindo uma mudança sombria no humor de Puck. — Você
certamente é forte suficiente. E eu te vi em ação. Apesar do demônio, você é
incrivelmente feroz.
Seu peito se encheu de orgulho e ela quase riu. De muitas maneiras, ele era
um macho típico. Orgulhoso ao máximo. Em outros modos, nem tanto.
— Sou feroz. Não há ninguém mais feroz. Eu deveria poder tomar a coroa sem
problema, mas por alguma razão, eu não posso. O homem que não desejo mais
discutir é o único capaz do feito.
— As Oráculos nomearam William, especificamente?
— Sim. Disseram que ele viveria ou morreria por você.
Viver ou morrer. Por ela.
— Desculpe, Pucky, mas ninguém está morrendo por mim. — Apesar que se
William morresse em seu benefício, ela conseguiria o seu não tão felizes para
sempre, não é? Seu amigo teria morrido por nada!
Uma profecia se alimentava da outra?
Pressentimento a atingiu. Se alguém tinha que morrer... Coloque-me no jogo,
treinador. Gillian literalmente saltaria numa granada por William. Sua vida por ele.
Puck, Winter e Cameron também. Até mesmo por Peanut. Por Johanna e Rosaleen.
Qualquer um de seu povo, realmente.
— Aquele quem não deve ser nomeado pediu mais detalhes sobre sua profecia?
— Puck perguntou.
Ela poderia ter dito: Pensei que você não queria falar sobre ele. Em vez disso,
abriu-se como Puck tinha feito com ela, e disse a verdade:
— Não. E também não ofereci.
— Você prefere discutir esses assuntos com seu marido e nenhum outro. —
Movendo-se em uma velocidade que ela não podia rastrear, ele a pegou pela cintura,
levantou-a e reclinou contra a árvore mais uma vez, garantindo que ela montasse
a cavalo no colo dele, seu corpo pressionado contra o dele. — Eu sou um excelente
multitarefa. Enquanto ouço você falando, posso demonstrar afeto a você.
— Acho que você está me mostrando luxúria — disse ela, esfregando seu
núcleo contra a ereção dele. — E acho que estou mostrando de volta.
Sibilo.
— Afeto e luxúria, então.
Correntes elétricas corriam de cada ponto de contato, apenas para empoçar
entre suas coxas. Dores começaram em seus seios, entre suas pernas, mais fortes
que nunca antes. O calor da pele dele a atormentava, enquanto os calos em suas
palmas a excitavam, uma combinação letal para sua resistência.
Como se ela tivesse algum tipo de resistência contra ele.
Seus olhos se encontraram, seguraram, a máscara indiferente de Puck se
afastando. Ele não estava calmo ou não afetado pela proximidade deles. Estava em
agonia.
— Por favor, me ouça quando digo essas próximas palavras — ele entoou. —
As oráculos nunca estiveram erradas.
— Eu ouço você. Mas há uma primeira vez para tudo. E se estamos olhando
para a previsão errada, hein?
Ele traçou a ponta de um dedo ao longo do queixo dela, como se não pudesse
tocá-la.
— Você pergunta e se muitas vezes. Por que eu encontro esse traço adorável
em você, e irritante em mim?
A Saqueadora de Dunas, adorável? Por que eu quero me gabar?
— Vou adivinhar aqui. Talvez seja porque eu sou adorável e você é irritante?
O olhar dele se ergueu. Ela piscou inocentemente, e alegria faiscou nos olhos
dele. Apenas um lampejo, mas estava ali assim mesmo.
— Você está certa — disse ele. — Há uma chance de estarmos olhando para
isso tudo errado. Talvez as Oráculos queiram que você não terá um final feliz com...
William. — Ele passou a mão em torno de uma mecha do seu cabelo, sem parar
até chegar à sua nuca. A pressão... quase machucava. Ok, definitivamente doía,
mas ela gostou, escolhendo acreditar que ele temia perdê-la, e a segurava firme. —
Talvez você esteja destinada a ter um final feliz com outra pessoa.
Talvez Puck, o Guardião da Indiferença, tivesse levantado suas esperanças?
Ela ficou emocionada.
— Você quer dizer, um final feliz com o homem que não quer o meu amor?
— Talvez ele só quisesse se proteger quando pronunciasse essas palavras.
Ela se emocionou mais. E se eles pudessem fazer isso funcionar?
Então outras perguntas vieram. E se ela fizesse planos para ficar com Puck, e
colocasse sua própria profecia em movimento, como Sin tinha? Ela um dia
destruiria os sonhos de Puck?
— Olhe além do vínculo — Puck disse, ela ouviu o desejo em seu tom? —Diga-
me como você se sente sobre mim.
Não posso destruir seus sonhos. Simplesmente não posso.
Afaste-se, caia fora. Ela roçou os dedos sobre a barba em sua mandíbula, e
sussurrou:
— Vamos esquecer os sentimentos e futuro, e focar no prazer certo... esse...
momento. — Ela pontuou cada palavra com um balanço de seus quadris.
Outro sibilar dele, como se estivesse satisfeito, então franziu o cenho, como se
estivesse irritado.
— William não é digno de você. Sabe disso, não é?
— Eu sei que quero você.
— Você me quer agora... mas não depois?
À modo de resposta, ela balançou os quadris novamente. Mais prazer. Uma
inundação de calor.
Com outro silvo e uma maldição, ele a colocou de lado e se levantou.
— Estou voltando para o acampamento. Você deveria também.
Espera. O que?
Em silêncio agora, ele se afastou, deixando-a ofegante, doendo... lamentando
a perda de seu toque.
O que diabos tinha acabado de acontecer?
Gillian esperou cinco... dez... quinze minutos antes de seguir Puck para o
acampamento, esperando que sua luxúria e raiva diminuíssem. Por fora, ela
parecia calma. Provavelmente. Por dentro, ela se lamentava e questionava.
Puck tinha se fechado quando ela... o que? Tinha se recusado a prometer seu
futuro a ele? Recusou-se a repudiar William?
Seu marido a queria, isso ela sabia. Ele tinha ficado duro como aço. Mas ele
queria mais do que o corpo dela? Esperava se proteger da profecia dela, não
querendo que seu sonho fosse eliminado? Indiferença ainda lutava com ele?
Os Senhores do Submundo sofriam de uma forma ou de outra sempre que
enfrentavam seus demônios. Puck costumava enfraquecer, mas agora... o que
aconteceu? Poderia se permitir sentir ou o demônio proveria o gelo e destruiria
suas emoções?
— Aqui, boneca — William chamou de um saco de dormir que ele arrumou
enquanto ela tomava banho e conversava com Puck. Ele deu um tapinha no saco
vazio ao seu lado.
Diante dele, uma pequena fogueira ardia, decorando sua pele de bronze em
tons dourados. Ele era um lindo deus do sexo... mas ela não tinha vontade de
prová-lo.
A alguns metros dali, Winter e Cameron tinham erguido mini-tendas. Fácil
dizer qual tenda pertencia a qual irmão. Winter havia pendurado uma pele imortal
sobre a porta. Há alguns anos, ela matou um homem por lhe oferecer seu colo.
Agora a pele servia como um sinal de Afaste-se para qualquer um que pudesse
fazer um pedido semelhante.
Quando ela se esticou ao lado de William, não viu sinal de Puck.
— Por que Winter e Cameron estão nas tendas? — Egoísmo e Obsessão nunca
passavam uma oportunidade de interagir com os outros. Traduzindo, de se divertir.
William estendeu a mão, pretendendo pegar a dela, apenas para grunhir de
irritação quando ela não pegou a dele e empurrou seu braço para o lado.
— Eu os coloquei de castigo por seis horas por terem me irritado.
Hã, como é?
— Você os machucou?
— Quase nada. Eles estão bem, prometo. Ou ficarão bem, se deixá-los
descansar.
Muito bem.
— Só… seja legal com eles, ok? Eles são minha família.
— Eu sou sua família — ele disse, seu tom cortante.
Ela girou para encará-lo e suspirou.
— Eu ainda não te entendo. Quer dizer, entendo porque está aqui. Você se
convenceu erroneamente de que estamos destinados, blá, blá, blá. Mas por que
você fez amizade comigo, todos aqueles anos atrás? Eu sei que você não me olhou
e de repente soube que eu era a pessoa certa. Você dormiu com, tipo, milhares de
outras. E vamos encarar os fatos. Eu era grudenta, carente e confusa.
— Eu não ouço um problema — disse William.
Ela bufou antes dele admitir:
— Foram seus olhos. A primeira vez que encontraram os meus, eu senti como
se estivesse olhando para uma ferida em carne viva e aberta que havia infeccionado
durante anos. Quando era menino, eu via o mesmo olhar em meus próprios olhos
toda vez que via meu reflexo. Eu queria te ajudar.
Com o coração apertando com compaixão, ela perguntou suavemente:
— Você foi abusado quando criança? — Como ela não soube?
— Fui criado no submundo e nem sempre tive Hades como protetor.
Então sim, ele foi. Ela deveria ter adivinhado, no mínimo.
— Eu sinto muito, William.
Ele não ofereceu resposta e, no silêncio, insetos noturnos fizeram uma
serenata para eles. Ao longe, um trovão explodiu. Uma tempestade se aproximava.
— Não se preocupe — disse ele. — Criei uma cúpula sobre nosso
acampamento. Adagas de gelo nunca nos alcançarão.
Elas alcançariam Puck, onde quer que ele estivesse? E o que Puck tinha
pensado dela durante o primeiro encontro deles? Oh, espera. Ela podia adivinhar.
Finalmente encontrei meu peão.
William suspirou.
— Está fazendo isso de novo.
— Fazendo o que?
— Pensando nele. Eu te prometo, o vínculo, e apenas o vínculo, é o responsável.
Eu nunca mentiria para você. Uma vez que o vínculo é cortado, Puke-in 12 não
passará de um pesadelo que você vai desejar esquecer.
Ela não conseguia nem imaginar.
— E se isso... não acontecer?
— Vai.
O desejo por ele havia se tornado uma parte intricada dela, uma função
corporal tão necessária quanto respirar. Um fogo no sangue. Uma droga que ela
ansiava. Embora estivesse furiosa com sua atitude quente e fria, e confusa sobre o
futuro deles, desejava enrolar o corpo contra o dele.
— Onde ele está? — Ela perguntou.
— De guarda — Um músculo pulsou debaixo o olho de William, mas ele deu
um sorriso encantador. — Você se lembra da vez em que me pediu para que a
ensinasse a gostar de sexo?
— Hum, você disse que esqueceria aquela noite — ela murmurou. — Então
esqueça.
— Não posso. — Ele bateu na têmpora. — Culpe ela.
— Seu cérebro é feminino?

12
Trocadilho com o verbo puke, vomitar.
— Todas as melhores coisas são. E adivinha? Depois do seu divórcio, minha
resposta será sim. Eu começarei com...
— Não — ela disse, balançando a cabeça.
— Não? — ele perguntou, e levantou uma sobrancelha.
Sussurrando, falando apenas para os ouvidos dele, ela disse:
— Eu não estou interessada em você romanticamente, Liam. Não mais —
Talvez nunca. Quando adolescente, queria algum tipo de normalidade. Com seu
amor por jogos, seu afeto familiar e proteção feroz, ele havia providenciado essa
normalidade. — Eu não quero te magoar, mas não quero que haja um mal-
entendido entre nós. Eu queria que as coisas fossem diferentes. Eu queria que eu
me sentisse…
— Não precisa se desculpar. Você é perfeita e seus sentimentos são
compreensíveis. Eu tenho que trabalhar para te ganhar, isso é tudo. Minha missão
foi definida e vou sair vitorioso.
Homem teimoso.
— Eu não sou perfeita. Nem chego perto.
— Diga um único defeito — ele desafiou.
— Bem, para começar, eu matei um monte de pessoas.
— Eu também. Você sabe por quê? Porque homens são bastardos, e bastardos
merecem morrer. Nós fizemos um favor ao mundo. Fazer um favor ao mundo é bom.
Próximo.
Uma risada explodiu, mas ela rapidamente ficou sóbria.
— Não considero esse próximo um defeito, mas você sim. William, eu sinto um
desejo enorme por outro homem.
Ele passou a língua sobre os dentes brancos e retos.
— O que gosta nele, exatamente? Diga algo específico. Algo que ele possa fazer
por você que ninguém mais pode.
Com a mesma facilidade com que listou os atributos de William para Puck,
ela listou os atributos de Puck para William.
— A vida é uma revelação para ele. Eu sou uma revelação. Ele se ilumina
quando experimenta coisas novas comigo. Ele aprecia o quanto eu lutei para chegar
onde estou agora. Embora esteja possuído por Indiferença, ele se importa com seu
povo. Ele quer o melhor para eles e para este reino, e está disposto a...
— Tudo bem. Chega — disse William.
— Eu sinto muito — magoá-lo não era sua intenção. — Vá dormir. Amanhã é
um grande dia. Entramos no labirinto, enfrentamos monstros e quebra-cabeças, e
o que quer que Sin tenha inventado.
— E oficialmente começamos o seu processo de divórcio.
Ela quase protestou. Quase.
Eu não vou manter você, moça.
— Sim — ela disse, o tom vazio. — Nós vamos.

***

Puck seguiu o perímetro do acampamento, o trecho da conversa entre Gillian


e William que ouviu cantando em seus ouvidos, abafando Indiferença. A vida para
ele é uma revelação. Eu sou uma revelação. Ele se ilumina quando experimenta
coisas novas comigo. Embora esteja possuído por Indiferença, ele se importa com seu
povo. Ele quer o melhor para eles.
Então ela tinha concordado com começar o processo de divórcio.
Eu sofro por ela, e ela secretamente quer se livrar de mim? Apesar das coisas
que gosta em mim.
Ou ela tenta se proteger, como eu?
Seja qual for o motivo, ela se recusou a responder a pergunta dele sobre seus
sentimentos, o que já era uma resposta em si. Enquanto estivessem juntos, ela o
usaria por prazer, nada mais.
Enquanto andava ao redor da lagoa, Puck esperava que algum predador saísse
das sombras e atacasse. Uma luta até a morte poderia melhorar seu humor.
Ruídos estranhos se infiltravam do labirinto — uivos, gemidos, grunhidos,
berros e gritos. Cada um servia de aviso: fique longe ou morra. O mal criou uma
cortina escura sobre a entrada do labirinto, permitindo apenas um vislumbre do
que parecia ser uma floresta tropical. O mal nascia de Sin, considerando que seu
irmão mais novo havia conjurado cada árvore e armadilha.
Sin sabia que Puck o procuraria em algum momento, apesar do demônio?
Provavelmente. Sin era muitas coisas, mas tolo não era uma delas.
Amanhã de manhã, nada impediria Puck de entrar no labirinto. Quanto mais
cedo derrotasse Sin, mais cedo se livraria de William... e de Gillian. Puck precisava
se livrar dela. Antes que fizesse algo imprudente, como abandonar seu povo e reino
por ela, uma mulher que iria abandoná-lo quando tudo estivesse terminado.
Maldita seja ela! Como o tinha deixado nesse estado com uma única conversa?
E por que escolheria Puck em vez de William depois do divórcio? Por que desistir
de carinho, divertimento e familiaridade?
Por que Puck até mesmo queria ficar com ela, apesar dos obstáculos? A mulher
o torcia por dentro e por fora e o deixava no limite.
Ela também o excitava, deixando-o febril. Febre significava doença. Doença
significava que ele precisava de uma cura.
Ele bateu com o punho no tronco de uma árvore, a casca cortando sua pele,
a força fraturando as juntas dos dedos. A dor atravessou seu braço inteiro, mas
não ofereceu alívio da pressão e tensão dentro dele.
Um trovão retumbou, sacudindo as árvores. A terceira vez nos últimos cinco
minutos. A tempestade se aproximava.
William havia criado algum tipo de coberta mágica sobre o acampamento, mas
Puck se aventurou fora do recinto. Prefiria se furar com punhais de gelo a aceitar
mais ajuda daquele homem. Além disso, o denso dossel das folhas acima
provavelmente o protegeria.
— Não está mais exatamente apático agora, hein?
Ele se virou, uma adaga erguida em reflexo. Quando Gillian entrou em um
feixe de luz da lua, uma visão de suas mais profundas fantasias, ele embainhou a
arma com a mão trêmula.
— Vá dormir — ele disse, a voz rouca, o peito se contraindo e queimando,
como se tivesse sido raspado por dentro. — Você precisa descansar — Eu preciso
de paz. — Não quer estar perto de mim agora. Não sou nem afetuoso nem divertido.
— Vou bater na mesma tecla — disse ela, continuando onde estava. — Você é
capaz de sentir emoção se não invocar o gelo, sem sofrer algum tipo de punição?
Ou o demônio extingue tudo?
Ele virou as costas para ela. Mais uma olhada e perderia o controle. Ele a
tomaria, obstáculos e consequências que se danem.
— Responda — ela exigiu. — Não vou embora até que responda.
— A resposta não importa.
— Importa pra mim. Você importa. Então me diga a verdade. Pode sentir por
longos períodos se você se permitir? Ou estava fingindo nas vezes que eu achei que
tinha esquentado?
— Sim, posso sentir por longos períodos de tempo — ele retrucou em voz baixa.
Mais trovão. Mais alto, mais perto. O tamborilar da chuva soou a seguir, seguido
pelo assobio de adagas de gelo caindo. Uma brisa fresca soprou, úmida de orvalho.
— O que acontece quando faz isso? Eu sei que Indiferença não te enfraquece
mais. Ele te pune de outras maneiras? Você disse que precisava se proteger.
Proteger-se do que?
Ele precisava que ela fosse embora agora. Se ela precisava de respostas para
ir, ele lhe daria respostas.
— Sim, sou punido, mas não no sentido que você pensa. Sou punido porque
sou distraído. Porque esqueço o que é importante, e comprometo meus objetivos.
Porque me machuco de maneiras que eu não sabia que eram possíveis.
Ela se encolheu, como se ele tivesse batido nela.
— E se eu não deixar que se esqueça dos seus objetivos? Você ficaria comigo
enquanto pudermos? Você disse que ficaria e nunca mentiu para mim.
Ele queria. Queria mais que tudo. Ainda assim resistiu.
— Sem mim, Indiferença vai tornar a ganhar poder sobre você? — Perguntou
ela.
Ele ofereceu um único aceno curto.
— Por um tempo. Mas uma vez que nos separemos, eu me livrarei do demônio
da mesma maneira que me livrarei de você. — E rezaria para que o demônio levasse
suas emoções. Todo esse sentimento... Puck detestava aquilo mais do que nunca
e ansiava por sua existência gelada e sem emoção.
Mais uma vez ela se encolheu, mas ele se recusou a abrigar qualquer tipo de
culpa.
— Por que está aqui, fazendo essas perguntas, Gillian?
— Estou tentando entender como você pode me queimar num minuto e me
congelar no seguinte.
— Bem, não se questione mais. Eu quero ficar com você, mas não posso, então
luto com as coisas que você me faz sentir. Elas são minhas inimigas, e luto contra
os meus inimigos com toda minha força — ele rosnou, e algo dentro dele estalou.
Ele girou, encarando-a, seu peito se expandindo com desejo e fúria.
Ela deu um passo para trás, o que só o incitou ainda mais.
O sangue correu para cada um de seus músculos, fazendo-os crescer.
— Nada mais a dizer? — ele repreendeu.
Ela ergueu o queixo.
— Você claramente não acabou.
Não, ele não tinha.
— Para ficar com você, devo condenar meu reino à destruição e meu povo à
dor. Mas que tipo de homem abandona seu povo? Por outro lado, que tipo de
homem abandona sua esposa? Uma esposa que ele anseia com cada fibra de seu
ser. Uma esposa que não vai querê-lo de volta depois que ela for livre.
Os olhos dela arderam.
— Eu quero você enquanto estivermos juntos. Por que isso não é suficiente?
— Porque… porque não!
— Pare de pensar no amanhã. O que você quer agora, neste momento?
Neste momento? Ela. Ele não conseguia enxergar além do desejo, não
conseguia pensar em algo que não fosse a necessidade. Os dois pulsavam em suas
têmporas, sua garganta e apertaram seu peito, vibrando pelo resto de seu corpo.
Ele a queria e a teria. Agora mesmo. Evitar? Não mais. Algumas feridas você
aceitava porque qualquer coisa menos era pior.
— Se me quer enquanto estivermos juntos, você me terá — ele jurou — mas
também sofrerá as consequências. Eu mal posso lidar com as minhas emoções
agora. O que acha que eu vou sentir depois que disso?
— Vou lidar com isso — disse ela, levantando o queixo mais ainda.
Então como ele poderia fazer menos?
— Que assim seja.
Puck seguiu em direção à sua esposa — sua presa. Enquanto suas longas
pernas devoravam a distância, a tensão vivia e respirava dentro dele. Uma coisa
boa. Porque não conseguia respirar. Mas também, ele não precisava — em breve
Gillian faria isso por ele.
Quando a alcançou, passou o braço em volta de sua cintura, levantou-a e
continuou andando até pressioná-la contra uma árvore. Seus corpos se esmagaram,
peito em seios, ereção em fenda, quando ele baixou a cabeça e tomou posse de sua
boca.
Sua língua emaranhou com a dela em um louco frenesi. Ele se derramou no
beijo, alimentando cada gota de sua ferocidade, sem se conter. Estava sendo muito
agressivo e sabia disso, mas não havia como desacelerar. Ele foi levado muito longe,
controle estava além de seu alcance.
E talvez ela gostasse. Ela passou os dedos pelo cabelo dele e apertou as
mechas em sua nuca. Sua outra mão migrou para o peito dele…
— O pássaro não — ele disse áspero.
Sem uma palavra de reclamação, ela moveu a mão para o seu ombro e
afundou as unhas com força. As duas ações eram uma exigência silenciosa: Puck
não deveria se afastar dela. Como se ele pudesse.
— Espera — ele parou de beijá-la só o tempo suficiente para levantar seus
braços e depois o belo vestido por cima da cabeça dela, livrando os seios do
confinamento. Dois punhados perfeitos, com pontas de cor rosa escura. Sua nova
visão favorita em todos os reinos.
No momento em que fechou sua boca na dela, as mãos voltaram para sua
nuca e ombros. As mãos de Puck adoraram aqueles montes exuberantes,
deleitando-se nos mamilos duros como pérolas.
— Toque-me — ele disse rouco em sua boca.
— Sim, sim. — A mão no ombro dele deslizou por seu peito, mergulhou sob o
cós da calça. Dedos sedosos envolveram seu comprimento, alimentando sua
necessidade cada vez mais alto.
O rugido de Puck se misturou com o próximo trovão e o barulho cada vez mais
tumultuado da chuva.
— Você é tão grande — disse ela entre respirações ofegantes.
— Mais — ele mandou. — Acaricie mais.
Enquanto sua boa moça o acariciava para cima e para baixo, ele foi ficando
mais frenético e se colocava em sua boca com vigor renovado. Empurrando a língua.
Chupando a dela. Exigindo uma resposta. Mordiscando seu lábio inferior antes de
chupar a carnosidade entre os dentes.
Só quando ela se contorceu contra ele é que passou a mão entre as pernas
dela, arrancou sua calcinha e enfiou dois dedos dentro dela.
O grito de prazer dela... música para seus ouvidos. Ela jogou a cabeça para
trás enquanto arqueava o quadril, permitindo que ele afundasse os dedos mais
profundamente.
— Tão molhada, moça. Tão quente. Você gosta de ter uma parte minha dentro
de você.
— Sim! Eu gosto, eu gosto. Mais!
Ele empurrou um terceiro dedo, e suas paredes internas se fecharam,
enlaçando-o quando ela gozou e gozou.
— Não pare — ela engasgou, apertando seu comprimento rígido. — Por favor,
não pare.
Desta vez não.
— Preferia morrer. — Ele deu outro beliscão em seu lábio antes de tirar a mão
de seu sexo. Pura tortura! Sem a pressão que ela proporcionava, a dor-prazer se
transformou em dor-dor.
Vai valer à pena. Puck caiu de joelhos.
Com os dedos continuando a deslizar dentro e fora de seu calor escorregadio,
ele posicionou a boca entre as pernas dela... e lambeu. O mel mais doce em sua
língua. Ele sentia o seu sabor, percebeu com assombro. Ele não sentira o sabor de
nada por milhares de anos, mas sentia o dela, e não conseguia se satisfazer.
Os sons de miadinhos que ela fez — o céu! Pressão se construiu em seu
membro. Bom demais, mas muito pior. Ele precisava gozar desesperadamente.
Poderia?
— Isso é... isso... Puck! — Com os dedos em volta de seus chifres, guiando-o,
ela rolou o quadril para frente.
Isso valia qualquer coisa.
Ele apertou, esfregou e passou a língua no seu pequeno feixe de nervos, até
que suas paredes internas apertaram os dedos dele, e Gillian soltou outro grito
quebrado.
O mais novo clímax transformou seu mel em vinho, embriagando-o.
Ele ficou lá embaixo, lambendo-a, fazendo carinho, até que ela se acalmasse...
até que seus últimos estremecimentos passassem. Quando ele se levantou, seus
olhos se encontraram, e o inferno que ele viu dentro daquelas profundezas de um
rico uísque fez sua tatuagem de borboleta se mover sobre o peito.
Indiferença se calou e escondeu, como se não pudesse lidar com o dilúvio de
emoções.
Bom garoto. Puck passou um braço pela cintura de Gillian e puxou-a para
mais perto. Pivoteando, ele caiu de joelhos e a deitou em uma cama de musgo e
flores silvestres.
— Puck... meu Puck.
Dela, pra sempre.
Não, não. Agora. Somente agora. Quando suas pernas se separaram, dando
boas-vindas a ele, ele rasgou a cintura das calças para libertar seu membro
latejante. Não iria penetrá-la hoje à noite, só iria ensiná-la a lidar com o seu
membro. E ele gozaria. Ele iria. Já estava tão perto.
Eles teriam mais noites assim, pois ele tinha um novo objetivo: dar-lhe todo o
prazer que ela perdeu.
Quando baixou seu corpo no dela, Gillian bateu com o pé em seu peito para
detê-lo. Embora quisesse estalar e rosnar em resposta — nada me afasta do que é
meu — ele meramente arqueou uma sobrancelha em dúvida.
Ela não notou, o olhar faminto continuando colado em seu membro.
— Controle de natalidade?
— Não precisa. — Ele se acariciou uma, duas vezes, antes de apertar seu
tornozelo para lhe dar um beijo na panturrilha.
— Não precisa?
Ele se inclinou, pairando sobre ela e murmurou:
— Molhe suas mãos, moça.
Uma ruga de confusão entre os olhos dela. Mais uma vez, ela repetiu o que ele
disse como um papagaio.
— Molhar?
— Molhar — ele confirmou.

***

Há poucos segundos, Gillian acreditava que seu corpo estava esgotado e era
incapaz de experimentar outro orgasmo. No momento em que Puck abriu as calças,
ele provou que estava errada. O prazer quase a queimou viva.
Prazer ainda a queimava.
Puck guiou as mãos dela entre suas pernas e colocou dois dedos dentro de
seu sexo, junto com um dos seus. Por séculos, seu próprio toque não lhe trouxera
nada além de frustração e raiva. Aqui, agora, com Puck, o único toque quase a
levou a outro clímax.
Gemendo, arqueando as costas, ela abriu mais as pernas. Oferecendo mais.
Oferecendo tudo.
— Agora envolva seus dedos em volta do meu membro — ele ordenou.
Ansiosa, ela obedeceu. Oh. Oh! A essência de sua excitação proporcionava um
deslizamento fácil, permitindo que o pegasse com mais força. Ele balançou com
seu primeiro vai e vem, e com o segundo, o corpo imenso se elevando sobre o dela.
A expressão dele...
Algum homem já foi tão bonito? Preso nos espasmos da paixão — por minha
causa! — seus olhos estavam fechados e os lábios entreabertos. Sua pele estava
corada e orvalhada de suor.
— As coisas que você me faz sentir — disse ele, agora olhando para ela. Suas
inalações afiadas e superficiais. Os sons que ele fazia... tão carnais, tão sexy. —
Quero que isso nunca acabe. Mas preciso que você aperte mais, moça.
Mais uma vez, ela obedeceu.
— Entre em mim, Puck. Por favor. — Ela precisava dele. O que ele quis dizer
com não havia necessidade de controle de natalidade? Ele não podia engravidá-la?
Talvez planejasse usar magia? Ou não queria penetrá-la porque temia que ela
tivesse algum tipo de doença? — Fiz exames depois que... logo depois. Não estive
com ninguém desde então. Estou limpa, juro.
Ele parou, simplesmente parou, e ela suspeitou que a ação — falta de ação —
tinha que o estar matando. Se a situação fosse revertida, ela não teria encontrado
forças para fazer uma pausa. Com o olhar firme no dela, ele traçou dois dedos ao
longo de sua mandíbula. Uma carícia terna. Uma gota de suor caiu nela. Não, de
suor não. Pingos de chuva frios estavam abrindo caminho pelas copas das árvores.
Vários pegaram os cílios negros de Puck.
— Nunca quis nada mais do que eu quero você, quero entrar em você — ele
entoou — mas eu não vou tomá-la. Não esta noite.
Ela engoliu uma enorme quantidade de decepção.
— Porque os outros estão muito próximos?
— Porque nós vamos experimentar tudo. — Ele deu um beijo suave em seus
lábios, provocando-a com a língua, em seguida se colocou de joelhos.
Iria deixá-la? Não!
— Isto é meu — disse ela, lutando para recuperar o aperto no membro.
Enquanto o acariciava mais forte, mais rápido, os quadris dele se contraíram. —
Eu quero o seu prazer. Dê isso pra mim.
Todas as coisas que ela tinha desejado fazer com um homem, Puck estava lhe
dando em uma única noite. Ele meio que a teve como jantar. O que estavam fazendo
agora, uma dança erótica e uma verdadeira troca de presentes. Ele a fez gozar;
agora ela faria o mesmo por ele.
— Sim. Seu, todo seu. — Ele emaranhou uma mão em seu cabelo e segurou
sua bunda com a outra, puxando-a para mais perto, batendo seus lábios sobre os
dela, beijando-a e tirando seu ar.
Então... oh! Ele usou a mão na sua bunda para chegar por trás e deslizar a
ponta dos dedos no seu centro palpitante. Gillian começou a balançar para frente
e para trás, perseguindo os dedos enquanto acariciava a enorme ereção de Puck.
Logo, eles estavam se esfregandoum no outro, imitando os movimentos do sexo.
Ainda perseguindo. Ainda se acariciando. Desesperados.
— Como você... como eu posso... — Ela gritou quando o prazer explodiu mais
uma vez. Mais forte do que antes, de balancer a terra — transformando a vida. Por
um momento de felicidade, o contentamento absoluto a preencheu. Ela tinha tudo
o que sempre quis, tudo que precisava.
— Moça. Minha moça. É você que está fazendo isso. Você está me fazendo…
eu vou gozar! — Ele jogou a cabeça pra trás e rugiu para as árvores, enquanto seus
quadris se sacudiam sem parar e um líquido quente se derramava sobre a mão
dela.
Uma vez que se acalmaram, lavaram-se no lago. Ele tirou as calças pelo
caminho, apresentando-a com sua forma nua. Tão lindo. Tão perfeito. Quando
terminaram, voltaram ao lugar onde estavam as flores, onde Gillian se aninhou
contra ele e apoiou a cabeça em seu ombro. A tensão havia desaparecido dele, dos
dois.
— Puck — ela chamou.
— Sim.
— Isso foi divertido. — E incrível e maravilhoso.
— Sim — ele repetiu.
— Não me dê um gelo — ela sussurrou. — Essa noite não.
Ele pressionou outro beijo suave em sua têmpora.
— Essa noite não — ele concordou.
Gillian passou a noite aconchegada ao lado de Puck, o calor o e cheiro dele ao
seu redor, assim como seus braços. Suas pernas macias funcionaram como o
cobertor mais quentinho de todos os tempos.
O que tinham feito... foi melhor que suas fantasias. E ele nem sequer a
penetrou!
Como ele a trataria amanhã? O homem de gelo retornaria?
O que faria se o Homem do Gelo voltasse pra ficar?
Ela cochilou levemente, com medo de cair num sono profundo. Duvidava que
Puck tivesse dormido. Ele permaneceu tenso e alerta, pronto para matar qualquer
um que se aproximasse de seu oásis.
Pouco antes dos sóis se levantarem, seu corpo relaxou. Gillian se retirou do
seu abraço e colocou seu vestido. Um rápido olhar para o marido — se fizesse mais
que isso não seria capaz de se afastar. Ele manobrou para o lado, os olhos fechados,
a expressão suave, quase infantil. Quase, porque com sua massa muscular, ele
nunca poderia passar por outra coisa senão todo homem.
O arrependimento a perseguiu implacavelmente quando voltou para o
acampamento, alimentou e deu água a Peanut, e depois deslizou em seu saco de
dormir.
— Tudo o que você esperava e muito mais? — William perguntou. Pela
primeira vez, ele parecia possuído por Indiferença, a voz desprovida de emoção.
Ela soltou um suspiro de corpo inteiro e ofereceu a verdade, só a verdade e
nada além da verdade.
— Sim — E não se sentiria culpada. — Eu gosto dele, Liam.
— Eu te disse. O vínculo gosta dele. Você nem o conhece.
Ele culpou o vínculo antes. Ela também. Assim como Puck. Não mudava o que
ela sentia.
Não demorou muito para que os sóis aparecessem no céu e Puck entrasse no
acampamento, iluminado por raios dourados brilhantes. Seu coração acelerou, e
sua barriga se apertou quando se lembrou das coisas que fizeram... das coisas que
ela ainda queria fazer. Ele lhe prometeu tudo.
Ele havia tomado banho, o cabelo mais uma vez úmido, mas não vestiu uma
camisa, os músculos e tatuagens em uma exibição espetacular. Usava uma calça
limpa.
Ele nem uma vez olhou em sua direção. Ele se arrependia do que fizeram? Ela
estudou o vazio de sua expressão, na esperança de captar algum tipo de
microrreação quanto mais perto ele chegasse, mas o Homem de Gelo havia
retornado com tudo.
Por quê? Por que ele não queria sentir quando Indiferença não poderia puni-
lo?
Isso era parte das consequências que mencionou?
— Tomei a liberdade de conjurar novos uniformes. — Ainda se recusando a
olhar em sua direção, ele jogou uma camiseta para ela.
Confusa, ela sentou-se e estudou a roupa que ele deve ter usado de magia
para criar. Escrito na frente “Eu Gosto de Puck”.
Gillian bufou rindo. Que adorável. E surpreendente.
— Oh, que bom. Um pano pra limpar minha virilha — William riscou para o
lado de Puck com um flash e pegou uma camiseta. — Volto logo — disse ele antes
de desaparecer.
Quando Gillian vestiu sua nova camiseta e uma calça de couro, Puck se virou.
Com medo do que sentiria se me observar ou desinteressado?
— Vai fingir que a noite passada nunca aconteceu? — ela perguntou quando
terminou de escovar os cabelos e os dentes.
— Seria melhor para nós dois, mas não posso fingir. — Ele a encarou,
deixando-a vislumbrar o fogo ardente em seus olhos.
Já zumbindo de antecipação e necessidade, ela deu um passo em sua direção.
Ele deu um passo na dela...
Winter e Cameron saíram de suas tendas.
— Uniformes — Puck resmungou, e jogou uma camiseta para cada irmão. —
Vai, time Puckillian.
Sempre mal-humorados pela manhã, Winter e Cameron murmuraram alguma
besteira enquanto seguiam para o rio. Gillian deu outro passo em direção a Puck,
apenas para parar quando William reapareceu. Argh! O tempo conspirava contra
eles.
William tinha o cabelo molhado e uma camiseta preta limpa que abraçava os
bíceps, bem como um calças camufladas com vários bolsos. Em silêncio, ele
começou a arrumar suas coisas.
Gillian odiava magoá-lo. Odiava vê-lo tão chateado e distante. Mas não podia
dar o que ele queria.
Quando os irmãos voltaram um pouco depois, William disse:
— Agora que a banda está de volta, devemos ir. Quanto mais cedo começarmos,
mais cedo terminaremos.
E mais cedo Puck vai me deixar.
Com o estômago retorcendo, ela se aproximou de Peanut. Um sopro de calor
perfumado com fumaça de turfa e lavanda roçou sua nuca quando Puck apareceu
atrás dela. Ele a pegou pela cintura e a colocou no topo da quimera. Não disse
nada, apenas continuou andando até — bem, ela já tinha esquecido o nome maluco
que ela tinha dado à sua montaria. Walnut? Pecan? Tanto faz. Ela o chamaria de
Lil Nut Sack13.
Os outros montaram. Com William na liderança, Cameron e Gillian no meio,
e Winter e Puck na retaguarda, eles correram para a entrada do labirinto.
— Que os jogos comecem... — William desapareceu dentro da névoa escura.

13
Pode ser traduzido livremente como Saquinho de Nozes.
Quando as dunas de areia desapareceram, o mal arrepiou a pele de Gillian,
gelando-a até o osso. Uma floresta substituiu as areias circundantes. Uma floresta
arrepiante, com árvores retorcidas e nodosas, insetos e ossos humanos espalhados
pelo chão — restos daqueles que haviam entrado no labirinto e caído em seus
horrores?
Gillian golpeava uma mosca irritante do tamanho de uma toranja enquanto
examinava cada árvore, na esperança de encontrar uma cuisle mo chroidhe... não,
sem sorte. O que ela viu? Cedros, pinheiros e sempre-vivas cheias de cobras e
aranhas. Estremeceu e tentou pegar uma adaga, franziu a testa. Bainha vazia.
Um olhar por cima do ombro revelou um brilho de prata do lado de fora do
nevoeiro.
— Espera. — Ela pulou de Peanut e correu... bloqueada! Seu cérebro sacudiu
contra seu crânio quando ela bateu em uma parede invisível e ricocheteou para
trás.
Embora tonta, marchou para frente e bateu na parede invisível mais uma vez.
Puck e William também desmontaram e empurraram a parede.
— Estamos presos — disse Puck, franzindo a testa. — A magia nos mantém
aqui, sem nossas armas. As minhas também estão desaparecidas.
— As minhas também — Winter e Cameron disseram em uníssono.
— Eu me arranjei pra manter as minhas. — Com os lábios apertados, William
riscou... pra lugar nenhum. Ele reapareceu no mesmo lugar e fez uma careta. —
Não posso riscar pra fora do labirinto.
Ótimo! Maravilhoso!
— Tudo o que podemos fazer é seguir em frente então. E pegar suas armas
emprestadas, é claro.
— Por emprestado ela quer dizer nunca vamos devolver — Winter anunciou.
— Um presente dado a essa mina aqui é um presente que nunca será devolvido.
Eles foram até suas quimeras, onde William distribuiu um número
surpreendente de punhais e espadas que ele pareceu produzir do ar.
Montados mais uma vez, eles avançaram lentamente, ficando perto do rio,
atentos a cada passo. Os cheiros de podridão e decomposição pareciam marinar
no ar enquanto a temperatura caía.
— Há minas terrestres — disse Puck, desmontando de Lil Nut Sack em torno
de um terreno plano. — Ali, ali e ali. Devemos prosseguir a pé. Lentamente.
De acordo. Mas quanto mais adentravam, mais armadilhas descobriam.
Armadilhas de videiras subiam do chão para derrubar quem passasse, redes eram
arremessadas e poços falsamente cobertos. Basicamente, todo o labirinto foi
projetado para aterrorizar invasores.
Que pena, que pena mesmo, Sin. Nada mais assustava Gillian. Exceto talvez
seus sentimentos crescentes por Puck.

***

Foco nunca foi tão importante. Perigo espreitava em cada esquina, Indiferença
não se calava e, no entanto, Puck não conseguia parar de pensar em Gillian.
Ele gozou na mão dela enquanto experimentava um dilúvio de puro prazer.
Depois, segurou-a nos braços enquanto ela dormia, protegendo-a do mundo e
desfrutando de muito prazer. Mas acordar e encontrá-la ausente? Enfurecedor.
Precisar dela novamente sabendo que eles tinham uma data de expiração —
angustiante.
Mas ele a tinha agora, e o instinto exigia que permanecesse ao seu lado,
protegendo-a. Era por isso que trotava com sua quimera entre Cameron e Gillian,
por nenhum outro motivo.
Devo ignorar a doçura de seu perfume. A fome arranhando minhas entranhas.
Depois de fazer sinal para Cameron ficar para trás, Puck disse:
— Sua vez, moça. Já falei do meu passado, agora precisa me contar o seu.
O olhar que ela lançou a ele, um de divertida afeição, colocou-o em chamas.
Ou mais em chamas.
— O que você quer saber? — Ela perguntou.
— Apenas tudo — cada parte dela intrigava cada parte sua.
— Bem, eu comia, fazia xixi na fralda e chorava — disse ela, zombando dele.
— Tudo bem. Admito que sou o segundo ser mais irritante em Amaranthia.
Agora ela riu, o som o deleitando e fascinando. Eu fiz isso. Eu a fiz rir — eu a
fiz se divertir, como William.
— Por um tempo, eu era a perfeita menina feminina — disse Gillian. —
Adorava contos de fadas, unicórnios e a cor rosa. Aos doze anos, decidi que queria
ter um salão de beleza. Meu pai, meu verdadeiro pai, me deixava enrolar o seu
cabelo e pintar suas unhas. — Ela sorriu radiante, apenas para franzir a testa e
estremecer. — Ele morreu logo depois. Acidente de moto. Minha mãe se casou um
ano depois e meu padrasto... ele...
— Foi ele quem abusou de você — Puck tremeu com raiva inexplorada, ansioso
para cometer assassinato. Precisando cometer um.
Um aceno de cabeça. Ela respirou fundo, endireitou os ombros.
— Ele e seus dois filhos. Ele os criou para serem monstros e eles eram
excelentes nisso.
Calma. Controle-se.
— Sua mãe nunca te ajudou?
— Um dia, reuni coragem e contei o que estava acontecendo. — Com a voz
mais dura a cada palavra, Gillian disse: — Ela ficou com raiva de mim, disse que
eu estava interpretando errado de afeto demonstrações perfeitamente aceitáveis.
Minha pobre querida. Desesperada por ajuda, sem encontrar nenhuma.
— Não existe estupro mal interpretado. — Como um jovem soldado, ele tinha
um lugar na primeira fila e assistia enquanto os exércitos de seu pai saqueavam
aldeias inimigas. As coisas que homens adultos faziam com mulheres e crianças
indefesas...
Quando Puck e Sin ficaram fortes o suficiente, eles garantiram que aqueles
homens pagassem por seus crimes.
— Não — disse Gillian, seu tom de voz apático. — Não existe.
— Eu lamento, moça. Lamento por cada horror que você sofreu. E estou
orgulhoso da mulher que se tornou. Corajosa e cheia de bravura. Uma heroína
para os em necessidade. Sempre marchando adiante, nunca ficando quieta. Você
não apenas fala sobre o que precisa mudar, você sai e faz as mudanças. — Por
Amaranthia... por Puck.
Ela piscou para ele com surpresa, engoliu em seco.
— Eu... obrigada.
— Uma vez você mencionou que acreditava que William havia matados os seus
estupradores — disse Puck.
— Ela estava certa. Eu matei — William trotou com sua quimera para o outro
lado de Gillian e lançou uma paródia de sorriso. — Até a sua mãe, boneca. Eu
cortei o quarteto horrível em pedacinhos e gostei de cada segundo.
— Finalmente você admite! — Ela exclamou, franzindo a testa para ele. — Por
que se recusou a confirmar ou negar antes? E por que matar minha mãe? Eu sei
que ela estragou tudo. Eu não gostava dela, mas também a amava.
— Por isso. Por isso que fiquei calado. Você amava quem ela foi para você anos
antes, sem vontade de admitir que odiava quem ela se tornou. Eu sabia que você
iria me pedir para poupá-la, e se ressentiria de mim por me recusar. — O vento
soprou, as mechas de William dançando em volta do seu rosto. — Para ser honesto,
não tinha certeza se você seria forte o suficiente para lidar com a verdade. Até agora.
Puck na verdade admirava o homem por seus feitos e invejava aquelas mortes,
desejava que os mortais pudessem morrer mais de uma vez. Embora duvidasse que
mil mortes seriam suficientes para esses mortais em particular. Mas a emoção
predominante? Afinidade. Gillian também teve a alma rasgada em pedaços por um
ente querido. Ela entendia a angústia da traição de um familiar de uma forma que
muitos outros não conseguiam, não podiam.
Ela entendia Puck.
— Eu não me ressinto de você — disse ela a William. — Estou desapontada.
E lá se vai minha admiração. Odeio ele!
— Mas — acrescentou ela, — de agora em diante, você não cometerá
assassinato a sangue frio em meu nome sem falar comigo primeiro.
Winter ofegou.
— Olhe, olhe, olhe. Uma cuisle mo chroidhe sem aranhas nem cobras!
Como se apreciasse a distração, Gillian saltou de Peanut.
— Winter, você é uma salva-vidas — ela correu para a árvore curta e grossa.
— Acomodem-se, meninos — anunciou Cameron. — Nós ficaremos aqui por
um tempo.
Puck desmontou, chamando:
— Cuidado. Pode ser uma armadilha.
Usando magia como um par de óculos invisíveis, ele procurou por qualquer
sinal de problema. Nenhum fio nem bombas. Nenhuma arma mágica. Mas por
outro lado, a árvore se protegia, vazando veneno sempre que algo perfurava uma
camada de sua casca — veneno que poderia paralisar uma pessoa por dias.
— Tudo parece estar bem — disse ele.
William riscou para o lado de Gillian, uma serra na mão.
— Você quer xarope, eu vou te dar xarope.
— Muito gentil da sua parte — Ela lhe ofereceu um sorriso e Puck rangeu os
dentes. Realmente odeio ele. — Mas não vou deixar que se arrisque.
— Eu pego a seiva para Gillian — Puck pegou a serra e, segurando uma ponta,
posicionou a lâmina no centro do tronco da árvore. — Este é o meu reino. Eu
conheço os prós e contras. Você não.
— Eu sei tudo sobre tudo — William segurou o outro lado da ferramenta. — E
eu vou fazer isso.
Eles lutaram pela serra, um puxando para a esquerda, o outro puxando para
a direita — até que estavam na verdade trabalhando juntos.
— Bem, tudo bem, então — Gillian esfregou as mãos. — Eu vou me afastar e
curtir o show.
Puck e William trabalharam por horas. Toda vez que eles cortavam uma
camada de casca, outra se reproduzia. Puck nunca parou de serrar, mesmo quando
suas mãos se empolaram e sangraram.
Quando ele começou a ficar com calor, descartou a camisa. Ou talvez só
quisesse que Gillian visse como seus músculos saltavam de tensão e como as veias
pulsavam.
Ela abanou as bochechas, como se ela estivesse com calor. Winter aplaudiu.
Quando William tirou a camisa dele, Cameron disse:
— Eu não sou gay, mas você poderia me fazer mudar de ideia, Willy. É só dizer.
— E eu? — Puck exigiu.
Winter levantou o braço.
— Eu! Eu! Eu viraria gay para não ter que ficar com você.
Ele lançou-lhe um olhar mortal.
— O que foi? — ela perguntou. — Não curto chifres.
Com olhos de uísque brilhando de alegria, Gillian cobriu a boca com um
esforço fracassado para reprimir uma risada.
Seu coração deu um salto, a tatuagem de borboleta se movendo sobre seu
corpo. Ele pensou ter sentido os cantos da boca levantarem... levantarem ainda
mais...
Sua esposa o encarava com algo parecido com espanto — uma expressão que
ele acreditava que gostaria de ver todos os dias pelo resto da vida.
Pelo resto de sua vida...
Por muito tempo, Puck tinha sido um homem morto ambulante, lutando
contra tudo o que sentia, tornando-se mais intimamente familiarizado com a
miséria.
Quer mudança? Faça algo diferente.
Ele deveria pegar uma página do livro de Gillian e lutar pelo melhor. Para
manter sua esposa, não tinha que esquecer seus objetivos, ele percebeu. Ele só
tinha que modificá-los.
Taliesin Anwell Kunsgnos Connacht andava de um lado para o outro na sua
suíte. Ele tinha mandado seu trio de amantes e guardas embora. Não confie em
ninguém. Nem em si mesmo! Ele foi ver como estava sua noiva... sim? Ou ele a tinha
deixado ir embora?
Não consigo me lembrar. Depois que ele…
Ele respirou fundo. Realmente fez o que achava que havia feito?
Sua mente girava com suspeitas, tantas suspeitas. Ele deve ter feito. Ele
sozinho tinha os meios.
Por séculos, Sin foi coletando magia. Armazenou todo poder, potência e
habilidade em caixas, do jeito que a Rainha Vermelha armazenara Indiferença. As
caixas haviam se tornado baterias — para ele.
Ele só tinha usado as baterias duas vezes. A primeira vez, para criar e
alimentar o labirinto ao redor das terras de Connacht, protegendo seu povo.
Eu sou um líder sem igual. Por que eles me desprezam?
A segunda... para criar e alimentar uma bomba.
Estava certo! Ele tinha usado a bomba contra os Enviados durante uma de
suas cerimônias, destruindo seu templo favorito e matando muitos de seus
soldados de elite.
Por que, por que? Ah, sim. Para se salvar e a seu povo. Claro, seu povo. Esta
era a casa deles, e os Enviados planejavam invadir, aniquilar todo mundo e todas
as coisas em Amaranthia. As Oráculos o avisaram.
Ou talvez tivessem dito que os Enviados aniquilariam Amaranthia se ele
colocasse a bomba? A ordem dos eventos o confundia. Mas isso não importava. O
que estava feito estava feito.
Ele precisava falar com as Oráculos novamente e decidir seu próximo passo.
Se os Enviados pensavam em retaliar...
Ele garantiria que eles não pudessem entrar em Amaranthia.
Agora, o que fazer com Puck? O irmão de Sin se aproximava da fortaleza de
Connacht a cada segundo que passava. Ele podia sentir sua presença.
Eu o amo... não quero machucá-lo...
Mas Puck queria machucar Sin, queria matá-lo. E agora, Puck tinha uma
esposa vinculada. A Saqueadora de Dunas. Ela amava Puck? Talvez sim, talvez não.
Mas provavelmente. A profecia...
Não posso derrotar isso. Devo derrotar essa profecia.
Sin deveria ter matado a garota assim que ficou sabendo dela... Há muitos
séculos. Mas matá-la significaria matar Puck. Ele não estava pronto para acabar
com a vida de seu irmão. Poderia nunca estar.
Um ou outro. Eu ou ele.
Sin bateu os punhos nas têmporas, em seguida lançou maldições vis para o
teto. Por tanto tempo ele tinha sido a corda em um terrível jogo de cabo-de-guerra.
Faça isso. Não, aquilo. Não, isso. Até agora, nada do que fizera o ajudara, nem ao
seu irmão nem ao seu povo. Sin só causou destruição.
Então por que continuava a guerrear consigo mesmo? Por que não desistir e
morrer?
Porque sim! Não posso desistir. Puck precisava dele, sempre precisaria dele.
Seu irmão tinha inimigos e Sin precisava ajudá-lo. Tinha que matar todo mundo.
Se matasse todos os cidadãos de Amaranthia, não restaria ninguém para ferir Puck.
Com um bônus: não restaria ninguém para trair Sin.
E os cidadãos mereciam seu rancor. Eles mereciam! Todos os dias tentavam
roubar tudo dele, de dinheiro à magia e crianças. Nada mais estava seguro.
Quantas vezes as mulheres em seu estábulo tentaram roubar sua semente?
Quantos guardas haviam tramado sua queda? Quantos inimigos haviam se
escondido nas sombras, observando-o, esperando pelo momento perfeito para
atacar? Muitos para contar.
Sin tinha ouvido os sussurros de seu povo. Insano. Paranoico. Suspeito.
Andando de um lado para o outro, pra frente e pra trás. Neste mesmo quarto,
ele cuidou com frequência das feridas de Puck depois da batalha. Puck o Invicto,
uma vez determinado a governar o reino inteiro com Sin ao seu lado. Mas um dia,
Puck teria sucumbido à tentação. Teria assassinado Sin. Provavelmente enquanto
ele dormia. O amor de um irmão não poderia superar a fome de governar.
Melhor trair do que ser traído.
Era?
Ele precisava falar com Puck. Mas primeiro, a Oráculo.
Depois de se carregar com espadas, punhais e venenos, Sin usou magia para
barrar a entrada de outros em seu quarto e atravessou as passagens secretas que
criou, descendo, descendo, até chegar a masmorra debaixo da fortaleza.
— Você finalmente retorna. — A voz familiar feminina ecoou nas paredes
manchadas de sangue.
Sin parou diante da gaiola da oradora e segurou as barras.
— Olá, Oráculo.
Ela estava amontoada no canto mais distante, suja de terra, sua cobertura de
névoa ausente. Com sua pele escura e impecável, cabelos tão azuis quanto um rio
caudaloso, e olhos tão verdes quanto um oásis, ela era uma beleza como nenhuma
outra.
Linda, mas não era sabe-tudo. Nem me viu chegando...
Ninguém nunca via. Ele tinha capturado a Oráculo com facilidade.
Agora uma suspeita dançava em sua mente: e se ela queria ser capturada?
Seu sangue gelou. Deveria matá-la. Antes que ela pudesse prever um destino
pior para ele.
Não! Precisava saber o futuro — para poder se proteger melhor dele.
— A profecia original mudou? — Perguntou Sin. Ele ouviu falar que Puck
visitou as Oráculos séculos atrás e ofereceu seu coração. O que foi dito? Não
importa o quanto tinha torturado essa garota até aqui, ela se recusava a dizer. —
Eu serei forçado a matar meu irmão?
— Você sabe o preço para minhas visões, rei Sin.
Puta gananciosa. Não importa. Ele veio preparado.
— Claro — Ele pegou uma adaga e enfiou a ponta na órbita do olho. Ignorando
a dor lancinante, continuou até que seu globo ocular se soltou.
A Oráculo observava como se estivesse perplexa.
— Talvez você possa usá-lo para ver o mundo através dos meus olhos — disse
ele. Dentes cerrados, sangue quente escorrendo pelo rosto, ele jogou a oferta
macabra aos pés da garota.
Apesar das semanas de fome, ela possuía a graça de uma cobra quando
deslizou para pesar o olho na palma da mão.
— Isso dará um belo brinco. Posso ver isso agora… uma declaração de poder
para todas as mulheres de todos os reinos. Nunca sai de moda — ela riu, como se
soubesse de um segredo que ele não sabia. — Você acharia engraçado se soubesse
do terror que vem em seu caminho.
— Chega! Me diga o que eu gostaria de saber.
Ela deu um sorriso branco e cheio de dentes, talvez o mais cruel que ele já
tinha visto.
— Sin tolo. Talvez nossas previsões sempre se realizem porque a percepção é
a realidade. Talvez não. Os Enviados planejavam atacá-lo antes que você os
atacasse? Você nunca saberá. Seu irmão teria feito uma jogada contra você, se não
tivesse feito uma jogada contra ele? Mais uma vez, você nunca saberá. Mas você
quer saber se a profecia original mudou ou não devido a suas ações. Muito bem.
Vou dizer. Não. Um de vocês morrerá nas mãos do outro. Mas agora há uma
emenda.
Ele não disse nada, simplesmente a encarou.
O vento varreu a masmorra, assobiando através das barras de metal e
farfalhando o comprimento de seus cabelos azuis enquanto ela se aproximava dele.
— O dia chegará, o dia chegará em breve, montado nas asas da fúria. A
vingança contra você será cumprida. Por fim, você encontrará sua amada, mas sera
incapaz de reivindicá-la, pois estará sem a cabeça.

***
Ser um dos nove reis do submundo trazia muitas responsabilidades, mas o
pacote de seguro de saúde não podia ser superado. Se Hades queria que você
vivesse, você vivia.
Ele andou pelos corredores do Grande Templo, um local de encontro para os
Enviados. A mão descansava no bolso da calça, uma pose casual, os dedos em
volta de um pequeno caco de vidro. Hoje em dia, nunca saía de casa sem isso. Um
pedaço dela. Um inimigo, mas também uma aliada cobiçada. Um dia, ele iria
conquistá-la. Ele tinha, ou tudo pelo que lutou estaria perdido.
Mas não iria pensar nela.
Como qualquer bom camaleão, ele mudava seu “visual” dependendo de quem
estaria enfrentando. Hoje escolheu uma camiseta preta justa, calças de couro preto
e botas de combate enlameadas. Exatamente o que se esperava dele. Deixe os
Enviados assumirem que o conheciam.
Melhor emboscá-los depois.
Ele raramente visitava o terceiro nível dos céus, apesar de sua reputação de
depravação carnal, e nunca visitou esse segundo nível, onde os Enviados tendiam
a se reunir.
Nunca — até hoje. Tempos desesperados, medidas desesperadas.
Os demônios assassinos alados não gostavam dele, e o sentimento era bem
mútuo. Ele não estaria aqui se a vida de seu filho não estivesse em perigo.
William da Escuridão não tinha ideia do perigo que ia em sua direção.
Pelo menos a visão de Hades era agradável. O templo tinha os maiores vitrais
já feitos, feixes de luz colorida entrando no prédio, iluminando seu caminho.
Atrás dele marchava um exército. Oito outros reis do submundo, mais o filho
e filha de Hades, Baden, o Terrível, e Pandora, a Gostosuda. Um apelido que ela
desprezava, e era por isso que todos usavam tanto.
Entre os oito: Rathbone, o Único, o braço direito de Hades e um metamorfo
diferente de qualquer outro. Achilles, o Primeiro, um terror que a maior parte das
lendas não sabe nada. Nero, quem não preferia nenhum título, tornando-o o Cher
ou a Madonna do submundo. Baron, o Fazedor de Viúvas. Gabriel, o Louco. Falon,
o Esquecido. Hunter, o Flagelo e Bastian, o Não Convidado, que eram irmãos.
Cada homem levava a marca de Hades: duas adagas que flanqueavam uma
espada bem mais longa no centro.
Juntos, eles guerreavam contra outro homem que se chamava Rei de Todos
os Reis: Lúcifer, o Destruidor. O Astuto. Soberano dos Mortos. O Grande
Enganador. Ele tinha muitos nomes, nenhum deles bom. Ele costumava ser o filho
mais velho de Hades, adotado como William.
Não mais reconhecia a conexão.
Uma vez rompidos, alguns laços não podiam ser remendados.
Hades chegou a um par de portas duplas, empurrou-as com um único chute
e espreitou dentro de uma grande sala enorme. Incontáveis Enviados permaneciam
enfileirados, prontos para a batalha. Do melhor dos melhores — Lysander e
Zacharel — aos recém-eleitos Elite Seven com suas asas douradas, aos generais
com suas asas brancas e douradas, aos guerreiros com suas asas de um branco
puro. Não havia mensageiros ou curandeiros no grupo, não hoje. Também ausente?
O líder deles, o Altíssimo, também conhecido como A Única Verdadeira Divindade
— pelo menos Hades não conseguia vê-lo.
Erguendo o queixo, Hades anunciou:
— Eu ouvi sobre seu plano de atacar o reino de Amaranthia.
Um dos Elite Seven deu um passo à frente, dizendo:
— Sabe quem eu sou?
Um aceno de cabeça.
— Axel alguma coisa ou outra, recentemente promovido à Elite. — Hades
ofereceu um sorriso frio. — Eu sei de tudo. Exceto dos detalhes que não são
importantes demais para lembrar. — Ele até sabia o motivo pelo qual Axel tinha o
mesmo cabelo escuro, feições simétricas e olhos cristalinos de William.
Axel foi encontrado quando bebê, abandonado e criado por uma família
amorosa de Enviados.
Hades tinha encontrado William quando menino — abandonado— e o havia
acolhido.
Os dois nunca se encontraram.
— Eu tenho que dizer. Você e seu bando de homens alegres são... — Axel levou
um momento para dar uma piscadela para Pandora — gatas. Se não nos matarmos,
eu gostaria de ter a chance de te conhecer melhor. — Ela o olhou com ódio, e ele
soprou um beijo. — Nós estivemos assistindo Abracadabra ou o que quer que aquilo
seja por um bom tempo. Tem uma magia do mal séria por lá. Como provado pela
bomba que um de seus reis explodiu em nosso templo — seu tom endureceu ali no
final.
Ele também tinha a irreverência de William.
Um Enviado alto e musculoso com cabelos brancos, pele de alabastro cheia
de cicatrizes e olhos vermelhos de neon veio para o lado dele. Seu nome era Xerxes
e segredos ferviam dentro daqueles olhos. Horrores que ele escondia de seus
companheiros.
— Mantivemos o bombardeio em silêncio, não contamos a ninguém — disse
Xerxes, a voz profunda e rouca. Em algum momento antes de alcançar a
imortalidade completa, ele havia danificado as cordas vocais. — Metade da nossa
Elite foi morta. Outros foram promovidos com apenas um objetivo. A eliminação de
Taliesin Anwell Kunsgnos Connacht. Ele sozinho é responsável por nossa perda
trágica. Talvez ele soubesse que observávamos sua casa e pensou em nos deter. Há
muita atividade demoníaca lá. Mas seja qual for sua razão, ele deve pagar.
Taliesin. O irmão mais novo de Puck.
Através de comunicações secretas, William manteve Hades informado de tudo
o que acontecia em Amaranthia e como eles estavam presos dentro de um labirinto.
Se os Enviados atacassem agora, William seria ferido ou pior. Puck e a garota
também.
Se algo acontecesse com a garota, William culparia Hades.
Além disso, Hades queria que Puck — e toda Amaranthia — estivesse ao seu
lado na guerra contra Lúcifer. Logo o Grande Enganador não teria aliados.
— Vocês não podem destruir um reino inteiro com base nas ações de um
homem — Hades anunciou... apesar do fato dele mesmo, de fato, ter destruído
reinos inteiros com base nas ações de um homem. Duas vezes.
Pelo bem de William, ele alegremente mudou o tom. Seu filho merecia a
felicidade. O que significava que Amaranthia tinha que prosperar, Puck tinha que
permanecer casado com Gillian, e William tinha que dar sua bênção ao casal. Estou
trabalhando nisso.
— Nós podemos — disse Xerxes, com as mãos em punhos. — Nós vamos. Não
conseguimos chegar a Taliesin de outra maneira. Ele deve ser impedido antes que
bombardeie outro templo ou até mesmo outras espécies.
Um loiro deu um passo à frente. Thane dos Três.
— Existem campos de força impenetráveis em volta de Sin. Se destruirmos o
reino, nós o destruímos. Fim da história.
— Sim. O fim de uma história — disse Hades — mas o começo de outra. Uma
de guerra, dor, morte e perda, porque não vou parar diante de nada para punir
todos aqueles que escolheram agir contra mim nessa questão. E não vamos
esquecer os inocentes que estarão matando. É muita hipocrisia?
Sibilos de desaprovação soaram. Rosnados de agressão.
— Vocês não precisam enfrentar Taliesin — acrescentou Hades. — William da
Escuridão prometeu punir o guerreiro. Ele está dentro do campo de força indo para
Taliesin agora, e sua palavra vale ouro. Ele só precisa de mais tempo.
— Tempo não é algo que estamos dispostos a conceder. — O comentário
áspero veio de outro Elite chamado Bjorn, um homem com cabelos escuros, pele
bronzeada e olhos da cor de um arco-íris. — Nossa vingança deve ser rápida, e dias
já se passaram enquanto fizemos o melhor para nos recuperarmos.
Enquanto outros Enviados entoavam “Mate-o!” Rathbone se transformou em
uma pantera negra, sua forma favorita.
A multidão ficou em silêncio enquanto os outros reis do submundo se
preparavam para a batalha. Armadura de prata substituiu a pele de Aquiles. Um
porrete com poderes além da imaginação apareceu nas mãos de Nero. Baron
mostrou os dentes — veneno pingando de seus incisivos. Um machado duplo
apareceu em cada um dos punhos de Gabriel — um golpe poderia quebrar cada
osso do corpo de uma pessoa. As tatuagens no peito de Falon ganharam vida,
enevoando-se de sua pele, envolvendo-o em sombras. Hunter e Bastian
desapareceram, subitamente invisíveis a olho nu.
Hades sorriu.
— Vocês darão duas semanas ao meu filho ou vamos entrar em guerra agora.
Decidam. — Ele omitiu de propósito se falava no tempo mortal ou amaranthiano.
Depois que eles concordassem, informaria o fuso horário.
— Você já está em guerra com Lúcifer — disse Xerxes, com os dentes cerrados.
— Realmente deseja entrar conosco também?
— O que eu desejo e o que farei raramente são a mesma coisa — ele fazia o
que devia, quando devia, sempre. Não importava o quanto fosse desagradável. Não
havia linha que ele não cruzasse.
Os dois lados se enfrentaram, medindo um ao outro. Os Enviados
descobririam que os guerreiros do submundo não recuavam nunca. Eles preferiam
morrer pelo que acreditavam do que viver com arrependimentos.
Silêncio reinava... mas apenas no exterior.
Como os Enviados, sua gente tinha a habilidade de se comunicar com a mente.
Nero: Quanto mais esperarmos, mais fracos eles vão acreditar que somos.
Vamos provar nossa força.
Pandora: Sempre tão desesperado para agir, Nero. Mas então, você gosta de
compensar demais.
Rathbone: O que você tem contra ação, Gostosura? Não está tendo muita
ultimamente?
Pandora: Vai se foder.
Rathbone: Aqui ou quando voltarmos para casa? Eu topo de qualquer maneira.
Baden: Crianças, por favor.
Aquiles: Qual de vocês bebeu meu café com leite esta manhã? Me digam antes
que eu comece a abrir barrigas pra checar.
Bastian: Os Enviados têm sessenta segundos pra se decidirem ou vou matar
todo mundo e ir pra casa. Deixei uma mulher amarrada na minha cama… e o marido
dela pregado na parede.
Hunter: O marido não é o nosso pai e a mulher a nossa madrasta? E você não
vem fazendo isso há quase cem anos?
Bastian: Alguns jogos são sempre divertidos.
Gabriel: Me lembre de confirmar a minha não reserva para a sua próxima
reunião de família.
Falon: Me lembre de confirmar a minha sim reserva para sua próxima reunião
de família.
Baron: Alguém quer comer hambúrguer depois disso?
Baden: Minha mulher me espera. Se alguém não agir logo…
— Muito bem — Xerxes finalmente anunciou. — William tem duas semanas
para matar Taliesin o Demente.
— Duas semanas do tempo de Amaranthian — acrescentou Thane, e Hades
soltou um suspiro, sua omissão havia sido notada. — Se ele for bem sucedido,
Amaranthia vive. Se ele falhar, nós destruímos o reino e todos os seus cidadãos.
Gillian assistiu enquanto um Puck morto de cansaço e William batiam o
xarope do cuisle mo chroidhe. Finalmente, o trabalho duro deles valeu a pena. E,
no entanto, ela não estava tão animada com seu deleite favorito quanto antes. Ou
melhor, seu segundo deleite favorito. Ela tinha encontrado algo mais doce e ainda
mais raro. O sorriso de Puck.
E eu pensei que orgasmos eram uma mudança de vida.
O prêmio de Homem Mais Bonito vai para...
O rosto inteiro dele se iluminou. Olhos brilhando, com ruguinhas nos cantos.
Feições duras definidas em uma expressão suave. A boca se curvou como uma
meia-lua. Dentes brancos perfeitos em exposição.
Quando posso ver isso de novo?
Sorrindo, ela se inclinou.
— Vocês são meus...
Um rugido terrível ecoou à distância, silenciando-a. Ao mesmo tempo, todos
pegaram uma arma. Com um rugido baixo, Puck amaldiçoou.
— Sandman — ele cuspiu.
Gillian gemeu. Ela nunca tinha encontrado um Sandman, mas tinha ouvido
histórias de terror que os pais contavam a seus filhos, contos de advertência para
garantir que bebês inocentes não corressem pelas dunas à noite.
Ao contrário das lendas terrestres, um Sandman amaranthiano não andava
por aí incentivando bons sonhos. Feito inteiramente de areia e magia, um Sandman
te enterrava até você sufocar. E porque ele não tinha órgãos para danificar, você
não podia machucá-lo ou pelo menos revidar.
— Vamos cavar um poço — William puxou uma pá do nada. — A água vai
derrubá-lo.
— Não há tempo — Puck correu para Lil Nut para soltar sua mochila. —
Cameron e eu vamos levar a criatura para longe do resto de vocês.
Espera. Só um momento.
— Eu tenho uma ideia — disse Gillian. — Nós podemos...
— Você vai proteger Gillian, Derretedor de Calcinhas — apontando uma adaga
na direção de William, Puck rosnou: — Fique com ela. Proteja-a com sua vida.
Com um grunhido de frustração, Winter jogou os braços pra cima.
— Ninguém se importa mais com a minha segurança?
— De jeito nenhum você vai ser o herói — disse William para Puck. — Você
fica aqui e guarda Gillian. Eu matarei a criatura e vamos continuar. Você pode me
agradecer mais tarde.
— Tolo! Você simplesmente não mata um Sandman — Puck disse irritado.
— Você também simplesmente não deixa um inimigo fugir — William estalou.
— Gente — disse Gillian, lutando contra seu aborrecimento. — Tudo o que
precisamos fazer é acabar com ele e...
— Ele apenas torna a se formar — interrompeu Puck.
— Não preocupe sua linda cabecinha sobre isso, boneca — William bateu a pá
no chão. — Nós vamos cuidar disso.
Outro grito, mais alto desta vez. Enquanto os caras continuavam discutindo,
Gillian beijou o focinho de Peanut.
— Não deixe o lado de Puck, tudo bem? — Os dois eram amigos, mais ou
menos. Puck iria protegê-lo.
Ninguém percebeu quando ela correu. Cerca de cem metros à frente, insetos,
pássaros e répteis se afastaram apressadamente à medida que árvores e árvores
caíam... revelando uma fera enorme com pelo menos três metros de altura e um
metro e meio de largura, feito inteiramente de areia.
Com as runas brilhando, Gillian separou suas pernas e estendeu os braços.
Ele parou para cheirar, farejar o ar antes de atacá-la.
Boom! Uma rajada de vento atingiu o Sandman diretamente no peito,
impedindo qualquer avanço. Mesmo quando os grãos se espalharam e ele afinou,
ele continuou a lutar, pegando a sujeira do chão. E sim, Puck estava certo. No
momento em que o vento cessasse, o Sandman tornaria a se recompor. Esta era a
razão para o estágio dois.
Liberando outra explosão de magia, Gillian fez o céu despejar uma onda sobre
a fera. Whoosh, splash! Água e areia colidiram, arrastando o Sandman para baixo
até que ele não passasse de uma pilha de lama, seu corpo pesado demais para
levantar.
O vento diminuiu. Os braços de Gillian pareciam pesar mil quilos enquanto
suas runas escureciam. A perda de tanta magia, tão rapidamente, esgotou-a e ela
caiu de joelhos. Ela esperou um segundo, dois, sem ousar respirar, mas o Sandman
permaneceu imóvel.
Ela conseguiu, então. Derrotou o Sandman sozinha! Porque ela governava!
Assim que reuniu força suficiente para se levantar, pegou dois punhados de
lama e voltou para seus amigos — que agora discutiam sobre quem seria a isca
mais saborosa.
— Você é jovem, carne tenra — William estava dizendo para Puck enquanto
ele continuava a cavar.
— Eu sou velho e duro, mastigável como couro — Puck empilhava galhos
caídos em um ângulo. Para criar cobertura para aqueles que ficaram para trás? —
Aposto que você está na flor da idade. E experiente.
Winter estava construindo um abrigo sobre as quimeras, resmungando sobre
como os animais entendiam melhor que ela planejava salvá-los para seu conforto
e nenhuma outra razão. Cameron estava subindo em uma árvore procurando
obsessivamente um pedaço de fruta.
Ninguém havia notado a ausência de Gillian.
— Vocês são os piores! — Ela atirou em Puck, depois em William, com os dois
punhados de lama. — Não você — ela disse a Winter. — Você é maravilhosa.
Continue sendo você.
Winter se gabou, e William balbuciou. Puck piscou para ela.
— O problema está resolvido — Gillian limpou as mãos na calça. — Agora, se
vocês acabaram de agir como idiotas, vamos terminar de coletar o xarope e seguir
em frente.

***

Puck assumiu a liderança enquanto seu grupo seguia através de curvas e


reviravoltas traiçoeiras, clareiras carregadas de mais minas terrestres, e um campo
de flores silvestres com esporos tóxicos. De alguma forma, eles foram bem-
sucedidos a cada momento, apesar de sua incapacidade de não espiar Gillian.
As poucas vezes que ele conseguiu e desviou o olhar, notou que Willian sofria
da mesma aflição, encarando-a tão atentamente como se tentando encaixar um
quebra-cabeça difícil.
Ela impressionou Puck hoje, assumindo corajosamente o Sandman. Agora...
Ela ainda o impressionava.
Enquanto cavalgava Peanut, guiando-o habilmente com a pressão dos joelhos,
erguia o queixo para saudar raios dourados de luz do sol que se filtravam através
do dossel das árvores acima. Sua espinha permanecia ereta, os ombros
empurrados para trás, a posição de um guerreiro pronto para enfrentar qualquer
desafio.
Minha esposa. Absolutamente magnífica.
Mesmo com roupa amassada e cabelos escuros embaraçados, ela era a mulher
mais requintada de todos os reinos. Forte. Capaz. Sábia.
Encarando de novo.
Não me importo.
Depois de tudo que Puck sofreu na vida, ele não merecia olhar até se encher?
Para apreciá-la?
Mantê-la?
Sim. Sua decisão de mudar seus objetivos era boa. William removeria Sin do
poder, salvando os Connachts e até o próprio reino, mas Puck não aceitaria a coroa.
Ele deixaria passar para outro. Um guerreiro merecedor de seu poder. Puck e
Gillian governariam os Shawazons juntos e viveriam para sempre como marido e
mulher.
Quanto à profecia das Oráculos sobre Gillian... Puck escolheu acreditar que
ela teria um infeliz para sempre com William.
Quaisquer obstáculos que ele encontrasse ao longo do caminho, ele iria
destruir.
— Em uma escala de dez a dez, quão saboroso é o xarope que eu colhi para
você? — Perguntou William a Gillian.
Pequenos grunhidos retumbaram no peito de Puck, harmonizando com os
grunhidos suaves de Indiferença.
— Nós colhemos. Mas principalmente eu. Fiz a maior parte do trabalho.
— Ambos são heróis — disse ela, em seu tom apaziguador. —Mas sabe o que
seria ainda mais delicioso do que o xarope? Se os dois finalmente se beijassem e
fizessem as pazes.
— Uhuu. Sim, querida — Winter sacudiu o punho para o céu. — Beija-Beija-
Beija.
— É ruim. Cabra não é a minha praia. Prefiro mulheres guerreiras. — William
estendeu a mão, como se para alisar uma mecha de cabelo do rosto dela.
Puck ficou tenso, pronto para se lançar sobre as quimeras e atacar o macho
no chão. Peanut bateu nele para machucar, balançando a cabeça para mordiscar
o pulso de William.
— Ai! — William exclamou.
Esse é meu garoto.
— Peanut — uma Gillian sorridente deu um tapinha no topo da cabeça da
quimera. — Lembre-se de suas maneiras. Pedimos a mamãe antes de morder, não
é?
O animal deu a língua para William.
Esfregando a ferida que sangrava, o macho disse:
— Você precisa de um banho, boneca. Vamos passar a noite ao lado da lagoa.
— Ele fez um gesto para a esquerda, e sons de água corrente caíram em seus
ouvidos. — Quando você terminar, meus dedos mágicos estarão prontos para
aliviar suas dores. Uma massagem totalmente platônica, claro. A menos que você
implore. Ou peça agradavelmente. Ou insinue.
Se ele colocar as mãos em Gillian, Puck iria liberar o inferno.
— Não, obrigada — disse ela com uma sacudida de cabeça. — Temos algumas
horas até o anoitecer. Quanto mais terra nós cobrimos...
— Deixe-me parar você aí, moça. Vamos fazer uma parada aqui, montar
acampamento e dar um descanso aos animais. — Por mais que Puck odiasse
admitir, ele concordava com William. Gillian precisava descansar. Ele a pegou se
encolhendo uma ou duas vezes. E, na verdade, ele também poderia descansar um
pouco para solidificar seu vínculo, e explicar como as coisas seriam a partir de
agora. — Se você se empurrar até o ponto da exaustão, eu vou empurrar de volta.
Ela bufou, mas finalmente assentiu e disse:
— Tudo bem, tudo bem. Nós descansaremos.
William desmontou sem dizer uma palavra e riscou para ajudar Gillian a se
levantar. Um grito de fúria se formou na parte de trás da garganta de Puck — um
grito que Gillian deu voz, berrando para o céu.
Ele sabia que eles estavam conectados, mas isso parecia... diferente, como se
ela estivesse ainda mais sintonizada com seu estado de espírito. Como se
estivessem se tornando um só ser, com um só coração.
Não, eu nunca poderei deixá-la ir.
— Vá. Beba seu xarope. Tome banho — William deu-lhe um empurrão suave
em direção a uma longa fileira de árvores protegendo a lagoa. — Vou ficar de guarda
e prometo não dar uma olhada... mais do que duas vezes.
— Você vai ficar aqui — ela disse a ele. Então virou-se para Puck. Seu olhar
de pura fome não adulterada disse: Você vai se juntar a mim.
Ele ofereceu um breve aceno de cabeça, instintos surgindo. Indo tomá-la desta
vez. Delicadamente, habilmente, com maestria. Lentamente. Rapidamente,
febrilmente. Dê a ela todo o prazer que lhe foi negado durante toda a vida e compense
cada dor que ela já sofreu.
Se ela concordar com meus termos.
Peanut a seguiu enquanto ela se afastava. No momento em que ela estava fora
de alcance, William entrou no rosto de Puck, o ar se enchendo de desafio.
— Hum, estou indo montar minha tenda — disse Winter — em outro lugar.
— Aqui, deixe-me ajudar — Cameron se juntou a sua irmã, e os dois saíram
correndo.
— Você não vai se juntar a Gillian — William explodiu.
— Você não vai me impedir — Puck retrucou.
Um segundo William não tinha armas na mão; no seguinte, ele mergulhou
uma adaga na barriga de Puck. A dor aguda o atravessou, mas além de um
grunhido suave, ele não deu nenhuma reação.
Não havia necessidade de desperdiçar magia. A supervelocidade serviria bem
a ele. Em um piscar de olhos, moveu-se para trás de William, enfiou uma lâmina
no tronco cerebral e segurou-a lá. Um golpe que teria matado um humano apenas
paralisou temporariamente o outro homem.
— Você diz que quer que ela seja feliz — disse Puck. — Você mente? Porque
ela odeia mentirosos.
William gorgolejou um som de puro ódio.
— Eu a faço feliz — Apenas no caso de Puck não ter feito o seu ponto, ele
empurrou a lâmina mais fundo e acrescentou: — Você teve sua chance. Não usou.
Aceite as consequências.
Embora soubesse que a paralisia desapareceria assim que removesse a arma,
ele puxou. Sangue espirrou sobre sua mão antes de William girar, de frente para
ele.
— Vá, então — O comando escapou por dentes cerrados. — Mas saiba que seu
tempo é limitado, Pucker. Tique-taque. Tique-taque.
Puck ouvira uma vez a mesma contagem regressiva em sua cabeça. Uma
contagem regressiva que ele se recusava a ouvir mais. Vou mantê-la pra sempre.
Nunca vou aceitar a coroa da Connacht e nunca vou cumprir os termos do nosso
contrato.
Não diga nada! Permaneça mudo! Seu concorrente não saberia a verdade antes
de reivindicar seu prêmio.
Possuído por uma necessidade irregular, Puck manobrou através de espessa
folhagem e se aproximou da lagoa. Avistou Gillian. Seu corpo endureceu,
preparando-se para dar a essa mulher— sua mulher — prazer. A fome meteu as
garras nele. Ela nadava, apenas sua cabeça e ombros visíveis, uma bela rosa na
natureza selvagem.
Ele procurou no perímetro por qualquer ameaça que pudesse estar à espreita
por perto, não encontrou nenhuma. Do outro lado da lagoa estendia-se uma parede
de pedra. Uma cachoeira corria do topo, derramando sobre a boca de uma caverna.
Querendo surpreender sua esposa, ele se protegeu com magia antes de
mergulhar na água e escalar as rochas, onde encontrou um raro e maduro spéir
crescendo de uma videira.
Ele arrancou a fruta, entrou na cachoeira e esperou...

***

Onde ele está?


Apenas alguns minutos atrás, Gillian pensou que tinha farejado de fumaça de
turfa e lavanda. Antecipação tinha borbulhado, mas Puck não apareceu.
Agora, a água fresca suavizou seus músculos doloridos, mas não conseguiu
abafar sua luxúria violenta. Seus seios doíam, as cristas eram pequenas lanças. O
calor se desenrolou em sua barriga para se juntar entre as pernas.
Espere. Snif, snif. O cheiro de Puck tinha acabado de ficar mais forte. Nadou
mais perto da cachoeira — mais forte ainda. Antecipação faiscou novamente. Ele
estava escondido além da cachoeira?
Tremores invadiram seus membros quando ela subiu a plataforma rochosa.
Ela usava sutiã e calcinha porque também precisavam de limpeza, e tinha um
pequeno frasco de xarope pendurado em um cordão de couro no pescoço. Seus
quadris balançaram por conta própria — um chamado de acasalamento —
enquanto ela se encaminhava sob o spray de água...
Um choque de prazer a atravessou quando parou de repente. Puck estava aqui.
Ele estava do outro lado de uma caverna espaçosa encostado na parede, com
os braços ao lado do corpo, os tornozelos cruzados. Uma pose casual. Ou era o que
parecia. Agressão e poder irradiavam dele.
Este homem não tinha igual.
Uma sombra de barba brilhava com gotas de água. Cabelos úmidos pendiam
sobre os ombros largos, as pontas pingando sobre o peito nu, deslizando pelos
cumes de seu abdômen e sumindo na cintura de suas calças. Uma ferida recém-
cicatrizada decorava seu torso, e ela não tinha que se perguntar onde ele tinha
conseguido. William!
A irritação não era páreo para sua excitação, no entanto. Ou Puck. Ele
permanecia tão duro quanto uma rocha. O mais longe de indiferente possível.
O ar fresco a beijou superaquecendo sua pele, e suas pálpebras ficaram
pesadas. Seu coração acelerou cada vez mais rápido. Enquanto lutava para
respirar, seus mamilos endureceram ainda mais, esfregando-se contra o tecido de
seu sutiã. Mmm. Mais. Formigamentos se espalharam por ela, sensibilizando cada
terminação nervosa.
Puck a olhou de cima a baixo lentamente, como se estivesse saboreando uma
recompensa de riquezas, depois ofereceu-lhe uma pequena e violeta... ameixa?
— Pra você.
Tinha alguma tentação algum dia parecido tão doce?
— O que é isso? — Outro presente?
— Spéir.
Sério? Ela tinha ouvido falar da fruta encontrada apenas na terra Connacht e
só na primavera... às vezes.
Gillian se aproximou mais, os olhos de Puck seguindo cada movimento seu.
Ela aceitou o presente, mordeu a carne macia e gemeu de prazer, saboreando uma
mistura de abacaxi, coco e rum temperado. Lembrou-se de uma piña colada que
Cameron tinha feito uma vez, usando um estoque secreto de ingredientes que ele
trouxe do mundo mortal.
Puck pegou o Speir e mordeu no mesmo lugar, um beijo por aproximação... e
um convite carnal. Arrepios choveram sobre ela, e a febre-paixão inflamou-se cada
vez mais quente.
Em um silêncio cheio de tensão eles terminaram a fruta, passando-a de lá pra
cá, sempre observando um ao outro. Consciência fazia o ar úmido elétrico.
— Eu ainda estou com fome — ela sussurrou, necessidade a consumindo.
Suas pupilas dilataram quando, com passos calculados, ele a rodeou.
— Você quer tudo de mim? Quer que sua primeira vez seja comigo?
— Sim — por favor. — Muito.
— Então você deve me ter... depois de concordar com os meus termos.
Ela engoliu em seco.
— Termos? — Como ele soava ameaçador.
— William vai destronar Sin. Eu recusarei a coroa de Connacht. Você e eu
governaremos os Shawazons juntos como marido e mulher.
O que!?
— Mas você deseja governar os Connachts... deseja governar todos os clãs.
— Eu quero você mais.
Compreensão a atingiu — e devastou. Eu matei seu sonho, tal como previsto.
Ele poderia co-governar os Shawazons com ela, sem problema. Se ele se colocasse
no trabalho, poderia até unir todos os clãs com outro homem atuando como rei de
Connacht — mas nunca poderia realmente governar os Connachts, o que
significava que ele só poderia governar cinco dos seis. Cinco clãs nunca seriam
suficientes.
Puck parou diante dela, apenas um sussurro de distância, tão perto que seus
mamilos roçavam o peito dele toda vez que ela inalava.
— Aceita.
— Não — De jeito nenhum, não tem como. — Eu te disse que não vou deixar
você esquecer seus objetivos, e estava falando sério. Não vou matar seu sonho.
— Eu tenho novos objetivos. Um novo sonho. Concorde, moça — ele
emoldurou o rosto dela com suas grandes mãos calejadas. Seus polegares roçaram
a elevação das maçãs do rosto, macias, quase reverentes. — A vida é tanto
interminável quanto curta demais, e não quero passar mais um minuto sem encher
seu belo corpo com tudo o que sou.
Misericórdia! Pensamentos confusos, coração como uma bala acelerando
dentro do peito, ela se inclinou para ele.
— Eu... — Ela engoliu em seco. — Eu nunca vou concordar.
Ele estreitou os olhos, mas assentiu com uma segurança lenta e calculada.
— Muito bem. Sem acordo, sem sexo.
— Você está me chantageando? — Ela ofegou
— Estou — ele abaixou a cabeça... apenas para deixar seus lábios pairarem
sobre os dela, um segundo passando para o outro, o calor de sua respiração
abanando seus lábios. — Eu faria muito pior para ganhar você.
Por uma eternidade infinita ele permaneceu inabalável. No início, a
antecipação a emocionou. Seu corpo doía... doía tanto. O calor derreteu sua
resistência e seus ossos. Ela caiu contra ele, cada ponto de contato desencadeando
uma nova bomba de sensações, despertando necessidades primitivas. Ânsia
possuía Gillian.
Ela tinha que ter mais. Mas a ansiedade logo se transformou em tormento. Ela
estava morrendo.
— Faça alguma coisa! — Ela exigiu.
Ele escovou a ponta do nariz contra o dela. Ela gemeu. Ele gemeu, como se
tivesse acabado de acertar sua droga favorita.
Mas não era o suficiente.
— Dê-me o que eu quero — Calor derramou através dela mais uma vez. — O
que nós dois precisamos.
— Eu vou te beijar — ele disse rouco. — Vou tocar em você. Mas não vou te
levar até que você concorde.
— Puck...
— Gillian — Finalmente... abençoadamente... ele a beijou. Seus lábios
pressionados contra os dela, sua língua persuadia, em vez de exigir.
Suave. Tentadora. Ela gemeu e se perguntou onde ele colocaria as mãos...
Uma enfiava os dedos pelo seu cabelo para angular sua cabeça. A outra
escorregou debaixo da calcinha para segurar a bunda dela e puxá-la para mais
perto, colocando pele quente com pele quente. Seus seios se esmagaram no peito
dele e seus mamilos latejaram.
— Mais — ela resmungou. Delicioso...
Com um grunhido, Puck passou a língua pelos lábios dela, separando-os. Ele
sacudiu, levantou a cabeça por uma fração de segundo.
— Eu amo seu gosto — outro grunhido. Sua língua duelava com a dela.
O gosto dele a drogou. Ele era mel derretido envolto por champanhe vertido
de abacaxi. Mais doce do que o spéir, e a contradição perfeita para sua exploração.
Ele era mais necessário que o ar.
Para ancorar seu corpo contra o dele, ela colocou os braços ao redor de sua
cintura. O prazer a bombardeou em ondas, uma após a outra, mas ainda precisava
de mais. Ela precisava de... tudo. Subindo, subindo, seus dedos percorreram os
cumes da espinha dele, os músculos se sacudiram sob sua carícia.
Tanta força contida por um homem. Meu homem.
Ele a beijou mais profundamente, como se estivesse faminto por ela. Ela o
beijou de volta, tão profundamente quanto voraz. Controle? Ela não tinha nenhum.
Desesperada — uma ocorrência comum em sua presença — ela perseguia todas as
sensações que ele provocava, as unhas cravadas nas omoplatas, novos gemidos
escapando dela.
Seu mundo girou, o beijo nunca diminuindo. Então rochas frias congelaram
suas costas e um homem quente aqueceu sua frente; ela ofegou. E ele não tinha
acabado. Ele amassou um dos seus seios. Sua outra mão deslizou descendo por
seu estômago, escavou debaixo de sua calcinha e brincou com ela até que se
contorceu, gritou e implorou.
— Concorde — ele disse áspero. Uma gota de suor escorria de sua têmpora.
— N-não — seu futuro significava mais para ela do que prazer. Mal. — Por
favor, Puck. Por favor. Se você se recusar a me dar um orgasmo, vou entrar em
combustão espontânea.
— Eu vou simplesmente entrar em combustão com você. Duvido que haja uma
maneira melhor de ir — ele parou todos os movimentos, apenas parou, e ela gritou
por uma razão completamente diferente, frustração como seu próprio demônio
pessoal.
Ela bateu no peito dele.
— O que você está fazendo?
— O impossível. Estou... caminhando... para longe — ele soltou o seio dela ...
levantou a mão da calcinha. — não! — A coisa mais difícil que jamais fiz. Mas estou
indo fazer isso. Um futuro com você significa muito.
— Puck — Ela agarrou seus pulsos e olhou dentro dos olhos dele. Tensão
esticava suas feições. Ele claramente precisava gozar tão desesperadamente
quanto Gillian. — Fique.
— Você sabe como me manter aqui.
Ela abriu a boca, fechou. Ele lhe deu um beijo rápido e duro e se levantou,
interrompendo o contato.
Mas... mas...
— Você disse que podíamos beijar e tocar.
— E é isso exatamente o que nós fizemos. Eu nunca disse que deixaria você
gozar.
— Seu rato sujo! — Com os pulmões arfando, ela se levantou para encará-lo.
— Você termina o que começou ou... ou...— Nada soava violento o suficiente. —
Ou vou cuidar de mim mesma.
— Não acho que você vá. Por causa do vínculo, não acho que você possa. —
Inclinando-se, colocando-os nariz com nariz, ele disse: — Mas de qualquer forma,
seu orgasmo pertence a mim, e só a mim. Você não vai se fazer gozar, Gillian. Está
me entendendo?
Sempre tão possessivo.
— Não!
Ele a encostou contra a parede rochosa. Com as mãos na superfície áspera ao
lado de suas têmporas, enjaulando-a e esfregando sua ereção entre as pernas dela,
ele correu o lábio inferior dela entre os dentes.
— No momento em que você concordar com os meus termos, estarei em você
tão fundo que vai me sentir pelo resto da eternidade.
Tremores. Hesitando...
Mais uma vez, abriu e fechou a boca. Então suas defesas se reuniram. Isso é
para o seu próprio bem.
Ele deve ter percebido sua fraqueza momentânea, porque deu a ela um olhar
tão presunçoso que ela queria bater nele e se jogar em seus braços. Presunçoso
parecia bem nele.
—Me ouça. Preste atenção em mim. Se você se fizer gozar agora — ele disse —
eu não vou fazer você gozar mais tarde.
Sua frustração aumentou. Por “mais tarde” ele quis dizer “sempre”?
— Você vai voltar para o acampamento doendo por mim — ele continuou com
um tom sedoso.
— Sim — disse ela, olhando dentro de seus olhos. Dois podiam jogar este jogo.
Enquanto ele observava, ela lambeu os lábios. — Mas você também vai.
Enquanto os outros dormiam seguros e acomodados em seus sacos de dormir
— todos menos Gillian, que se virava e revirava — Puck marchava pelo perímetro
do acampamento deles, armas na mão, um demônio uivando em sua cabeça.
A única razão para não estar enlouquecendo agora, considerando a terrível
confusão em sua cabeça era: minha mulher precisa de mim.
Gillian não tinha se feito gozar. Ela esperava por ele. Fosse proposital ou
inadvertidamente, ele não sabia, nem se importava. Tudo o que importava? Ela
sofria por ele. E procurou vingá-lo.
Quando ela voltou ao acampamento, ficou cara a cara com William e estalou:
— Eu sei que você esfaqueou Puck. Não faça isso de novo.
— O quê? — O guerreiro respondera. — Ele veio pra minha faca.
— Se fizer isso outra vez, é você quem vai entrar na minha faca…
repetidamente.
Milhares de vezes, Puck quase desistiu e foi até ela, frenético para fazê-la gozar,
pronto para seguí-la até o limite.
Tem muito em jogo. Resista!
Tome tudo ou não aceite nada.
Sabendo que estaria agitado demais para dormir, ele pediu o primeiro turno
da noite. Uma hora se transformou em outra e outra até que Cameron apareceu,
assustando-o. Ele alcançou uma arma.
— Minha vez de fazer a guarda — disse seu amigo, sorrindo de orelha a orelha.
— Um pouco agitado, não estamos? E distraído? Surpresa! Fui sua sombra nas
últimas duas voltas. Considerei esfaqueá-lo para provar minha opinião, mas
percebi que você já estava sentindo dor o suficiente — ele apontou para a
protuberância entre as pernas de Puck. — Eu colocaria essa coisa em algum lugar.
— Esse é o plano — Puck murmurou. Ele embainhou a adaga e esfregou a
mão pelo rosto. O fato de não ter ouvido a aproximação do guerreiro... ele merecia
uma chicotada.
Caminhou de volta ao acampamento batendo as botas no chão, nem mesmo
tentando ficar em silêncio. Enquanto deslizava em seu saco de dormer — que ele
colocou bem ao lado do de Gillian — ela se virou para ele com um gemido baixo e
carente.
Minha mulher está angustiada. Preciso lhe dar…
Não! Não até que ela ceda.
O luar acariciou seu rosto primoroso quando ela abriu os olhos e olhou para
ele.
— Puck — ela sussurrou.
— Concorde — ele disse rouco suavemente. William e Winter dormiam a
poucos metros de distância, mas ele não tinha forças para terminar a conversa.
— Concorde com meus termos… sexo sem compromisso — disse Gillian, com
um tom igualmente suave — e farei qualquer coisa que você já tenha fantasiado.
Eu farei de tudo.
Sim. Mais duro do que já estive. Preciso dela.
— Você me quer, moça?
— Muito — uma admissão rudimentar que só o deixou mais duro.
— Prove, então. Concorde com os meus termos. Nos dê um felizes para sempre.
Ela respirou fundo, como se ele tivesse acabado de raspar uma ferida aberta
com sua garra.
— Você não luta justo, marido.
— Nunca lutei, nunca lutarei. — Não quando o prêmio dos prêmios esperava
por ele. — Aceite.
— Eu... não posso.
— Você pode, mas não aceitará. Então esperaremos para descobrir qual de
nós suporta mais...

***

Puck não conseguiu dormir, o demônio muito barulhento, e sua necessidade


por Gillian era grande demais. Ele aguardou, esperando que ela fosse a primeira a
ceder. Mas quando a luz da manhã apareceu no horizonte, ela continuou imóvel e
quieta.
Repousando em paz? Ele…
O chão debaixo dele começou a chacoalhar e ele franziu a testa.
Uma ameaça? Pronto para a batalha, punhais na mão, Puck se levantou
rapidamente. William, Gillian e Cameron se juntaram a ele. Uma Winter de olhos
arregalados estava no perímetro do acampamento, segurando-se em um galho de
árvore para se equilibrar.
Entre eles, pequenos círculos de chão desmoronavam, implodindo para dentro
do núcleo daquele mundo.
— Venha pra cá. Agora — Cameron exigiu, apontando para a irmã. — Que
diabos está acontecendo?
— Eu não sei — Winter saltou, girando e pulando para evitar cair em um dos
buracos. — O tremor não está alcançando as quimeras. Vamos juntar nossos
equipamentos e dar o fora.
Bom plano.
— Eu cuido do equipamento — disse William. Os sacos e armas
desapareceram.
Mas chegar às quimeras? Impossível. Vento soprou pelo acampamento. Vento
Mágico. A magia de Sin. Em um instante, todos foram levados a um novo local, a
poucos metros uns dos outros, cada um parado em frente a um fosso.
Alguns dos fossos não tinham fundo, outros tinham. No buraco aberto diante
dos pés de Puck, lanças foram ancoradas no chão e anguladas pra cima. Uma
queda ali dentro seria garantia de empalamento.
Winter vacilou e Cameron se lançou para pegá-la. Ao mesmo tempo, William
pegou um galho caído para estender para Gillian, mas Puck já havia seguido o
exemplo de Cameron e se lançado na direção dela. Ele ficou atrás dela, um braço
em volta da cintura para segurá-la firme.
— Isso é obra de Sin — ele disse.
— Você o conhece melhor — Gillian olhou ao redor, a mente claramente
girando. — Ele criaria uma maneira de parar isso?
Mais estrondos.
— Devemos nos mover? Ficamos parados? — Winter perguntou.
Tarde demais. Novos fossos se formaram.
— Preciso pensar. — Os pensamentos dispersos de Puck começaram a se
alinhar. Sin sempre gostou de brincar com seus inimigos, então sim, ele criaria
uma saída, garantindo que o jogo continuasse.
Os primeiros fossos haviam se formado quando Winter estava no perímetro, e
os demais perto da fogueira. O segundo conjunto de fossos se formou depois que o
vento soprou, e a magia havia levado todos eles a novos locais.
A magia de Sin os tinha separado propositalmente, então. A proximidade
importava... o que lembrou Puck de um jogo que as crianças amaranthianas
costumavam jogar, onde duas equipes faziam fila uma diante da outra, com um
único objetivo em mente — permanecerem juntas enquanto forçavam a outra
equipe a se separar.
Era isso. Tomara.
— Venham até nós — ele comandou os outros. — Alinhem-se lado a lado.
Agora.
William e os irmãos correram sem protestar e os tremores cessaram. Não havia
novos fossos.
Puck soltou um suspiro pesado de alívio.
— Tudo bem. Nós avançamos juntos, permanecendo lado a lado e...
Outra rajada de vento, outro riscar. Num segundo Puck estava na fila, no
seguinte estava a uma boa distância. O tremor se intensificou, novas seções de
terra desmoronando.
— Vão para o lado direito do fogo — gritou William.
Todos obedeceram, fazendo o que precisava ser feito. Em um jogo de
sobrevivência, não havia tempo para um concurso para ver quem mandava. Ao se
pressionarem ombro a ombro, o tremor diminuiu, e sim, a terra parou de
desmoronar.
— Dêem as mãos — disse Gillian.
Tarde demais. Assim como antes, o vento soprou. Eles foram dispersos mais
uma vez, a fila rompida. Tremores. Criação de mais fossos. Logo, não sobraria terra.
— O que fazemos? — Cameron gritou.
A fundação aos pés de William simplesmente... dissolveu. Num piscar de olhos,
o guerreiro desapareceu. Com um grito de negação, Gillian cambaleou atrás dele.
Magia! Puck forçou uma trepadeira espinhosa a saltar do chão e a envolver
seu tornozelo, pegando-a antes que ela se atirasse para a morte. Ele correu,
tomando cuidado para não cair, e puxou-a para cima, odiando a dor que os
espinhos deviam estar infligindo nela.
— Me solte! — Ela lutou, determinada a alcançar o outro macho.
— Pare. Agora. — Indiferença aumentou o volume quando ele compreendeu.
Minha esposa me beija num dia e quase se sacrifica… junto comigo!... por outro
homem no dia seguinte.
William se materializou ao lado de Puck, compreendeu a tentativa de Gillian
de salvá-lo, e ajudou a a colocá-la de volta em pé.
Cameron e Winter saltaram de seus minúsculos lotes de terra. Outra linha.
Sem pausa, todos se inclinaram, contorceram e giraram para juntarem as mãos.
Mesmo assim Puck se preparou, esperando riscar de novo. Mas um segundo se
passou. Dois, três. Nada aconteceu.
Ignorando uma pontada de ressentimento, ele se concentrou em William.
— Risque Gillian até as quimeras quando eu disser — Puck não tinha magia
suficiente para levar seja ela ou qualquer outra pessoa até um local seguro. Apenas
o suficiente para suas videiras, seu gelo, talvez um punhado de outros truques.
Fúria escureceu os olhos azuis elétricos do homem, toda ela dirigida a si
mesmo.
— Eu só consigo riscar sozinho.
Certo. No caos, Puck havia esquecido.
— Risque pra fora daqui, idiota — Gillian gritou. — Encontraremos uma saída
sem você.
— Ou toda a área entrará em colapso assim que eu for embora — respondeu
William.
Ele não estava errado. Sin puniria qualquer um que tentasse se salvar —
matando todos os outros. A culpa pode ser uma arma mais afiada que qualquer
espada.
— Ei, pessoal. Eu tenho um pequeno problema — disse Winter.
Puck gemeu, sabendo o que ela ia dizer.
— Quanto tempo você tem?
O ódio escurecia os olhos de íris prateadas dela.
— Não muito. Egoísmo está gritando. Se eu não abandonar o navio, a loucura
vai aparecer. Já posso sentir... não tenho ideia do que vou fazer.
— Você não é a única com um demônio difícil — Cameron esfregou o queixo
no ombro, limpando uma nova gota de sangue. — Obsessão tem perguntas sobre
esses fossos sem fundo e quer respostas.
— Aguenta aí, pessoal — Gillian lançou o olhar sobre a floresta. — Nós
podemos fazer isso. Vamos conseguir. Só temos que ficar juntos e nos mover em
direção às quimeras.
Puck usou o menor indício de magia para estudar a terra, procurando,
buscando. Ali! Um contorno brilhante marcava o perímetro do “jogo”. A cerca de
150m² de distância.
— Não precisamos ir tão longe até as quimeras — disse ele.
Se pudessem atravessar o limiar juntos, poderiam — com sorte — escapar
ilesos. Então como poderiam cruzar o limiar juntos?
Pense! Ele tentou, tentou, mas sua mente ficou muito confusa pelas emoções.
Medo pela segurança de Gillian. Lamento por não tê-la reivindicado quando teve a
chance. Raiva porque iria morrer, seu tempo com sua esposa interrompido, seu
reino e seu povo condenado. Tristeza por ter levado boas pessoas para uma
situação sem esperança. Bem, pessoas boas e William. Fúria e ciúme pela devoção
de Gillian ao homem. Além de tudo isso, o demônio simplesmente estava
barulhento demais.
— Sinto muito, Gillian, mas eu devo... preciso pensar claramente... — ele
começou.
— Não! — Ela disse. — Nós vamos descobrir. Não...
— Tarde demais — Puck invocou o gelo. Agora não era hora de hesitar.
Uma tempestade gelada massacrou brutal e selvagemente toda e qualquer
emoção. Indiferença se acalmou, os pensamentos de Puck se estabelecendo e se
alinhando mais uma vez. Não havia como o grupo conseguir andar de mãos dadas.
Muitos fossos davam em outros, ampliando os buracos. Se duas pessoas caíssem
a qualquer momento, elas arrastariam uma terceira, depois a quarta e a quinta.
Então, seguindo em frente.
Se não podiam cruzar, nem de lado nem por baixo, teria que ser por cima. O
único modo de passar por cima? Magia. Claro. Magia era o problema, magia era a
solução. Ele examinou as árvores ao redor da clareira, encontrou uma com tronco
e membros grossos. Resistente. Forte o suficiente para segurar uma de suas vinhas,
mais o peso de todo o grupo? Eles descobririam.
Insetos rastejavam por toda a casca, e esses insetos tentariam mastigar a
videira. O tempo não estaria do lado deles.
Alguma outra maneira?
Lógica disse: não.
Então é a videira.
— Eu preciso de uma mão livre, o que significa que devemos reorganizar
nossas posições. — No momento, Gillian e William o cercavam. Em meio a protestos,
ele acrescentou: — Assim que minha mão estiver livre, usarei a árvore para
produzir outra videira de espinhos e nós vamos balançar sobre os poços. Em teoria.
Cameron e Winter irradiaram pavor. William colocou uma máscara tão fria
quanto gelo. Puck encontrou o olhar de Gillian, notou que ela estava acinzentada,
sabia que deveria se sentir incomodado, mas não sentiu nada.
— Quando eu contar — disse ele. — Um. Dois. Três.
Mãos se desvencilharam. Novos fossos se formaram. Puck trocou de lugar com
William, arrastando Gillian consigo quando ela se recusou a soltar sua mão.
Cameron cambaleou sobre uma saliência.
Winter agarrou a mão dele, salvando-o. Um ato altruísta. Sua cabeça se
inclinou para trás, um grito de dor explodindo dela. Os dois irmãos cambalearam
juntos.
William provou sua força, derrubando Cameron com um chute e segurando
Winter com uma mão, Gillian com a outra. Ao mesmo tempo, Puck estendeu um
braço. Uma videira disparou da árvore e envolveu seu pulso, espinhos perfurando
pele e músculo. O sangue escorria.
Quando o peso morto de Winter ameaçou arrastar todos para baixo, ele saltou,
levando todos com ele. Balançando. O peso adicional fez com que os espinhos
perfurassem ainda mais, atingindo ossos, mas ele ainda segurava.
Assim que a videira nivelou, ele gritou:
— Soltem!
Juntos eles voaram pelo ar, bateram na linha de árvores e caíram no chão.
Gillian estava à beira de surtar. Horas se passaram desde que o grupo
sobreviveu a um jogo de esconde-esconde com pedaços de terra. Cameron estava
agora catatônico, mal respirando. Ele não tinha investigado os poços sem fundo e
estava sendo punido. Winter estava no auge de uma punição também, balançando
pra frente e pra trás, resmungando coisas sem sentido.
— Relógio rebobina para o inferno — disse ela. — Chuva carmim, linda
destruição. O sino exige um pedágio. A luz mais escura. Ele vem. Ajuda-me a
morrer.
Gillian sentou-se entre os irmãos, passando os dedos pelos cabelos de Winter
em um minuto, acariciando o rosto de Cameron no outro. Nada do que tinha feito
ajudou.
Nada que Puck fizera ajudara também. Ela tinha pedido a ele para
compartilhar seu gelo com os dois, mas ele disse:
— Se eu fizer, tudo fica pior. Agora eles se importam com o caos que vão causar
se pararem de lutar. Se eles pararem de se importar...
Afirmando que precisava erguer uma parede de videiras espinhosas ao longo
do perímetro do (novo) acampamento, ele havia decolado logo em seguida. William
tinha seguido atrás dele, irradiando ameaça.
PE — Puck Emocional — seria o único a retornar? Ou ela teria que lidar com
o Homem de Gelo?
Finalmente respostas! Puck andou a passos largos através das árvores,
aproximando-se. Ele tinha um olho roxo, suas roupas sujas, manchadas de sangue
e rasgadas.
O que ela não viu? Calor. Ele parecia mais aterrorizante do que qualquer
inimigo que ela já tinha enfrentado.
Suas esperanças despencaram.
Ele e William devem ter lutado, apesar do estado frio de Puck. Mas então, Puck
tinha regras. Ele nunca havia listado todas para Gillian, mas ela descobriu que
uma delas tinha que ser: sempre revide.
— Não podemos ficar aqui, e não podemos levar os irmãos conosco — disse
ele, com a voz fria e dura. —Eles só vão nos atrasar.
Ela pensaria em algo para ajudar seus amigos. Ela devia! Mas primeiro
precisava ajudar seu marido. Ele uma vez disse a ela que uma fonte externa tinha
que fazê-lo sentir algo forte o suficiente para quebrar o gelo. Muito bem.
Ela se levantou, aproximando-se. Olhando para ele, exigiu:
— Beije-me.
Ignorando-a, ele disse:
— Pegue sua bolsa. Vamos embora.
— Não — ela disse com uma sacudida da cabeça. — Ainda não estamos
partindo.
— Estamos — ele insistiu. — Se você resistir, vou te machucar.
— Faça isso então. Me machuque.
Ele... não nachucou. Nem sequer fez uma tentativa. Porque não podia!
Ela colocou suas mãos nos ombros dele.
— Se você fosse meu Puck, iria querer me beijar, e iria querer ficar aqui.
— Eu não sou seu Puck.
— Eu sei! Esse é o problema.
Ele deu um passo atrás, tão forte e hábil, tão maravilhosamente masculino
quando ela desmoronou por dentro.
— Pegue sua bolsa — ele repetiu.
— Não — Nos anos que Gillian tinha passado com os Senhores do Submundo,
ela assistiu a um macho alfa após o outro se apaixonar e mudar, querendo ser
melhor para sua amada.
Puck não quer meu amor, lembra? Não, não. Ele quer. Ele deve. Seus termos...
Ela o amava?
Não tinha certeza. Então, vamos em frente. As companheiras dos Senhores
sempre tinham um efeito potente. Guerreiros endurecidos pela batalha se
tornavam massa nas mãos certas.
A poderosa Sienna, atual rainha dos deuses gregos, fascinava Paris
simplesmente por entrar em uma sala, apesar do fato de ter vivido por milênios e
já ter experimentado todos os tipos de artimanhas e travessuras.
A delicada Ashlyn acalmou Maddox com apenas um olhar, um toque ou uma
palavra dita.
A mal-humorada Kaia despertou Strider com as coisas más que ela disse.
O que os outros diriam sobre Gillian e Puck um dia? A bagunça quente Gillian
derreteu Puck com... o que?
— Pela primeira vez, concordo com o Pucker — disse William, materializando-
se ao lado do seu marido. Seu tom tão sem emoção quanto o de Puck, tão frio, duro
e indiferente. Ele também tinha um olho roxo e roupas manchadas de sangue. —
Nós não devemos ficar aqui.
— Nessas condições — disse Gillian — Winter e Cameron são indefesos.
— Não é problema meu — respondeu Puck.
Quão profunda corria sua frieza, que ele faria uma observação tão insensível?
William ficou rígido, raiva brilhando em seus olhos.
— Há negócios que devo atender. Volto logo — ele riscou pra longe.
Aliviada por ter um momento privado com Puck, Gillian disse:
— Nós não podemos partir enquanto ele estiver fora. Você precisa dele, lembra?
Então, por enquanto, você está preso aqui. Podemos usar o tempo para derreter
seu gelo. — Por favor.
— O gelo não é o problema , disse Puck. — Você é.
O que?
— Eu? — Ela apontou para si mesma, só pro caso dele precisar de
esclarecimento.
— Você teria morrido por William. Teria me matado para salvá-lo.
Esse era o problema? Projetando o queixo, ela disse:
— Eu faria de novo, se necessário. — Saiba a verdade, lide com isso, porque
não havia como mudar.
Ele deu um passo atrás, como se ela o tivesse chutado.
Então ela acrescentou:
— Mas eu teria ido atrás de você também. Provavelmente mais rápido. Ok,
definitivamente mais rápido. E se necessário, eu teria derrubado William para fazê-
lo.
O gelo estava derretendo finalmente!
O triunfo combinava com o poder feminino — o tipo de poder que só ele podia
despertar — e era mais inebriante do que mágico. Um dia, as pessoas diriam que
a astuta Gillian derreteu Puck com a verdade.
— Venha moça. Vamos conversar — Ele foi em direção a ela e, sem hesitar,
levantou-a por cima do ombro e levou-a até o cobertor em que Peanut descansava.
— E não se preocupe com os outros. A videira de espinhos que eu coloquei manterá
os predadores afastados.
Ele sentou-se, em seguida, puxou-a para seu colo, seu corpo para o lado com
o ombro pressionado no peito dele.
— Você gosta mais de mim do que dele — disse ele e sorriu com satisfação. —
Quer ficar casada comigo pra sempre.
Uma coisa era certa, sorriso convencido ainda parecia bem nele.
— Não tenho certeza de como foi de eu gosto mais de você do que William a
eu quero ficar casada com você para sempre. — Sussurrando agora, ela disse: —
Mas acho que você está certo.
Seu aperto nela ficou mais forte.
— Eu farei sua felicidade minha missão, moça.
— Mesmo que eu me recuse a concordar com seus termos? Porque não vou
destruir seu sonho, Puck. Eu não vou. Se vamos ficar juntos, você vai se tornar rei
dos Connachts. Talvez possamos convencer William a liberar você do seu voto?
O amigo dela estaria disposto?
Não. Não, ela não achava que ele iria. Então tinha que haver outro modo.
Nenhum final feliz... o que poderia ser versus o que seria... O pressentimento
a tomou.
— Esteja avisada agora — disse Puck. — Não vai haver mal entendidos entre
nós. Não vou deixar você ir. Farei o que for necessário para mantê-la, e escolherei
você acima de tudo. A vida não será mais sobre o que é melhor para os outros ou
para mim. A vida será sobre o que é melhor para Gillian e Puck. Nós somos um
time. Uma família. Eu confiarei em você e você confiará em mim.
Nunca, em toda sua vida, tinha ouvido uma promessa mais bonita ou sincera.
Lágrimas arderam em seus olhos, o desejo de envolver seus braços ao redor dele e
se agarrar quase forte demais para negar. Mas mesmo agora, não conseguia
concordar com os termos dele. Nos últimos dias, ele deu a ela mais do que jamais
imaginou ser possível. Então de agora em diante, ela daria a ele; faria qualquer
coisa para garantir que ele vivesse seu sonho.
Precisando de uma distração... outro encontro para jantar ... Gillian procurou
em sua bolsa, retirou a sacola de frutas e nozes que tinha trazido de casa, e colocou
a fruta mais madura nos lábios dele.
— Perdemos o café da manhã e o almoço, e sei como meu guerreiro gosta de
manter suas forças. Abra.
— Estou com fome. — Seus olhos ardiam, todo escuridão e luz. — Mas não
por comida.
— Que pena — Ele geralmente comia em um horário, mas estava esquecendo
ultimamente. — Você precisa de sustento se vai me acompanhar, velho. Sou jovem
e tenho resistência.
Os cantos da boca dele se contorceram antes de aceitar a fruta. Enquanto
mastigava, suas sobrancelhas se juntaram com surpresa.
— Eu posso provar a riqueza dos sabores — ele pegou a bolsa e colocou vários
frutos em sua boca, mastigou e franziu a testa. — Sem gosto agora.
Ela pegou duas frutas, colocou uma na língua dele e outra na dela.
Prazer tomou a expressão dele.
— Eu posso provar os sabores novamente, assim como uma vez saboreei você.
Tão doce. Deliciosa.
Ele saboreou... porque ela o alimentou? E porque ele se banqueteou nela?
Como isso era primorosamente tentador.
— Me dê mais — Com a mão em volta do pulso dela, ele guiou a ponta dos
dedos até a boca aberta para beliscar outro fruto. — Surpreendente. Quando você
me alimenta, eu sinto gosto. Quando eu me alimento, não.
Surpreendente, de fato. E havia uma boa chance de que ela fosse a que sorria
com satisfação agora.
— Eu ainda posso fazer de você um vegetariano — ela brincou.
— Sim — Como uma criança no Natal, ele apontou para a mochila. — Me
alimente mais. Não pare até acabarmos.
Sua ânsia era contagiante. Sorrindo, ela colocou uma fruta como uma noz
dentro de sua boca paralisada enquanto ele mastigava. Seus olhos se fecharam,
um gemido áspero deixando-o. Sua garganta se movia sensualmente enquanto ele
engolia, enviando uma lança de felicidade diretamente aé seu núcleo.
— Tão delicioso — o tom abafado, o olhar encapuzado. Ele olhou para Gillian
como se ela fosse um milagre. — Salgado.
Ela se contorceu no colo dele, sua necessidade por ele apenas se
intensificando. Quando seu quadril roçou na ereção dele, ela ficou quieta. Ele
parou. Nenhum deles ousou respirar. Então, com um grunhido, Puck se levantou
e virou-a, de modo que ela se sentou de pernas abertas sobre ele.
Um choramingo escapou de sua boca.
— William poderia voltar a qualquer momento — mesmo enquanto falava, ela
entrelaçou os dedos pelos cabelos dele e se balançou contra ele. Outro suspiro de
felicidade. — Nós não podemos. — Mas eu quero... — E devemos permanecer em
alerta para um ataque mágico de Sin.
— Nós podemos fazer isso enquanto permanecemos alertas — as mãos dele se
flexionaram em seus quadris. — Minha mulher precisa gozar, então vou garantir
que ela goze. Deixei-a necessitada e dolorida.
Gozar... sim. Com ele, só ele sempre. Aqui e agora. Amanhã e sempre. Suas
inalações se tornaram irregulares, raspando sua garganta. Excitação pulsou entre
suas pernas.
— Sim, vamos permanecer alerta.
Impossível.
Cale-se.
Quando ela pressionou a testa contra a de Puck, seu cabelo criou uma cortina
em volta do rosto deles. Naquele momento, eles eram as únicas duas pessoas vivas
— e ficar parado ainda não era uma opção.
Desamparada, Gillian balançou contra ele, tomando, dando. Sim! Com os
seios encostados no peito dele, os mamilos esfregados. Mais felicidade.
Arrebatamento, ondulando através dela.
— Eu nunca consigo o suficiente de você.
— Nunca — ele concordou. — Quero você sempre.
— Preciso de você.
— Perdido sem você.
Não perca a noção de... Oh! Isso é tão bom. Ele ancorou as mãos na bunda
dela, os dedos espalmados e se esfregou contra ela com mais força.
Um galho estalou. Folhas balançaram. Alguém chegando.
Nãoooo! Agora não. Puck enrijeceu e ficou de pé, seu corpo tremendo de raiva.
Gillian sufocou um gemido e se levantou, um punhal na mão.
William entrou na clareira, deu uma olhada para eles e franziu o cenho.
— Eu falei com Hades. Temos duas semanas para derrubar Sin ou os Enviados
destruirão este reino inteiro.
O reino inteiro?
— Mas porque?
William olhou para Puck.
— Aparentemente seu irmão babaca bombardeou um templo sagrado,
matando centenas de Enviados, e toda a raça está lá fora querendo o sangue dele.
Mas não se preocupe. Hades está enviando reforços.
Duas semanas para descobrir um jeito de estar com Puck e manter o sonho
dele vivo. Duas semanas no máximo. Se eles encontrarem Sin mais cedo...
O estômago de Gillian se agitou, a excitação e o bom humor desapareceram.
Uma contagem regressiva havia sido colocada em sua felicidade, e não conseguia
pensar em nenhuma maneira de pará-la.
Com Gillian não mais envolvida em seus braços, Puck lutou para manter a
calma. Suas emoções haviam sido apanhadas em algum tipo de crise, fazendo com
que o demônio protestasse mais alto do que nunca. Pense, pense. Ajuda de Hades?
Enviados determinados a atacar? A destruição estava vindo para Amaranthia? Sin
marcado para morrer por uma espécie inteira?
Tudo parte da profecia?
A fúria o tomou, golpeando seu crânio. Urgência entrou na briga. Luxúria crua
e uma frustração avassaladora também. Inesperável desesperança. Solidão e
traição. Ódio. Amor. Orgulho. Tristeza. Pesar.
Odiava Sin pelo que fez. Lamentava a perda de seu irmão. Precisava ajudar...
a quem? Quem ele precisava ajudar?
Para descobrir isso, tinha que encontrar paz e tranquilidade. E ainda assim,
não conseguiu convocar mais gelo e decepcionar Gillian.
Ele arrancou seus cabelos, sua respiração agitada com crescente
agressividade. De alguma forma ele tinha sido despido de suas defesas, tudo o que
sentiu antes um mero ruído em comparação a isso.
Gillian iria...
Seu nome estimulou um novo dilúvio de luxúria crua. Ondas explodiram disso.
Ele estava duro e latejante. Se William não tivesse retornado, Puck estaria dentro
dela.
Raiva, tanta raiva.
Indiferença foi se arrastando para o outro lado do vínculo, deixando a cabeça
de Puck estranhamente silenciosa.
Gillian notou a intrusão e ofegou.
Ele queria ir até ela, oferecer conforto, mas sentia-se amarrado no lugar por
suas correntes emocionais. Como ele deveria lidar com isso?
Lá no fundo, sabia que esse dia chegaria. Sabia que as coisas que ele havia
enterrado viriam à superfície; embora Gillian tivesse filtrado uma boa parte disso,
o que permaneceu fez picadinho de seu lendário controle.
Como era suposto ele sobreviver a isto?
Com os braços abertos, Puck jogou a cabeça para trás e rugiu para o céu.
Nenhum alívio.
Ele queria sua mulher e ele a teria. Se necessário, moveria montanhas para
alcançá-la. Mataria qualquer um que ousasse se meter entre eles.
Precisava garantir seu final infeliz com William — e estabelecer seu final feliz
com Puck. Ele queria seus amigos sãos e salvos. Queria Sin derrotado e morrendo
sob sua mão, a coroa de Connacht na cabeça de outro. Mas Puck também queria
Sin... vivo. Como poderia ferir o homem que costumava ser seu amado irmãozinho?
Mais raiva. Não posso conter isso...
Impotência. Puck teria que deixar Cameron e Winter para trás. Seus amigos,
abandonados quando eles mais precisavam dele. Nas próximas horas, os dois iriam
piorar. Winter cessaria suas divagações e atacaria qualquer um por perto. Cameron
sairia do estado de coma e atacaria a si mesmo. Sangue iria correr. Vidas podiam
ser perdidas.
Ainda assim Puck não podia ficar para trás. Se ele não conseguisse matar Sin
nos próximos 14 dias — apenas trezentas e trinta e seis horas — todo mundo em
Amaranthia morreria.
Demais, demais. Com um rugido, Puck se lançou pra frente e bateu no tronco
de uma árvore, os chifres primeiro. O impacto o sacudiu, fazendo com que um
monte de cascas e insetos voassem. Assim que conseguiu libertar os chifres, ele
recuou e golpeou novamente. E de novo, até que a árvore caiu.
Respirações curtas e agitadas mexiam com seu peito. Raiva nublou sua visão
quando bateu em outra árvore, depois outra. Ele derrubaria uma floresta inteira!
Nada iria detê-lo.
— Já chega — a voz de Gillian cortou seus pensamentos. Sua voz trêmula.
Minha mulher me teme?
Puck girou, encarando-a. Seus olhos estavam arregalados, os braços cruzados
sobre o tórax, criando um X — um escudo — os dedos ancorados nos quadris.
William estava ao lado dela, um pilar de proteção.
Ele pensa em tirá-la de mim.
Com o queixo pra baixo e os chifres pra frente, Puck correu para mais perto.
Cada vez mais rápido. William entrou na frente de Gillian. Um erro. Seu último. Mais
rápido ainda. O bastardo se preparou para uma colisão brutal, apenas para voar
para fora do caminho quando Gillian o empurrou por trás. Ela ficou de prontidão,
pretendendo encontrar Puck de frente.
Ele derrapou até parar na frente dela, ofegante, incapaz de recuperar o fôlego.
Ela não hesitou em levantar a mão e acariciar seu rosto, depois esfregou os
polegares sobre suas bochechas.
— Nunca pensei que teria que dizer isso a você, Pucky, mas preciso que você
se acalme.
Por dentro, a borda afiada de suas emoções atenuou, seu toque, sua
proximidade, acalmando-o como nada mais poderia fazer.
— Não... tenha medo de mim — as palavras surgiram quebradas, irregulares.
— Nunca.
— Você é minha — disse ele.
— Eu sou sua.
Mais calmo ainda...
O olhar dela deslizou por cima do ombro dele e ela franziu a testa.
— Alguém está vindo.
Ele se virou, notou galhos de árvores batendo juntos à distância enquanto
uma enorme sombra se movia sobre a terra.
Devo proteger. Puck decidiu lidar com a ameaça no céu primeiro. Um homem
loiro com enormes asas brancas voou para o acampamento e aterrissou a apenas
alguns metros de distância.
A identidade do recém-chegado clicou. Galen, guardião do Ciúme e da Falsa
Esperança, bem como ajudante de Hades. Ele era o imortal mais desprezado do
mundo. Durante séculos, liderou um exército humano com o único propósito de
matar sua própria espécie. Ele havia traído tanto amigos quanto inimigos, e não
era confiável.
Puck tinha aprendido sobre ele enquanto pesquisava sobre William. Galen
desejava uma mulher chamada Legião — ou Honey, ou seja lá como ela se chamava
hoje em dia. Seu passado era tão cheio de dor e violência quanto o de Gillian.
Atualmente, Legião estava sendo escondida dele. Galen passava seu tempo
procurando por ela, guerreando no submundo e tentando recuperar amizades
perdidas com os Senhores do Submundo — homens que ele uma vez torturou.
Dois outros saíram da linha das árvores, chegando a pé. Pandora, a única
filha de Hades, tinha cabelos negros na altura dos ombros que emolduravam um
rosto arrebatador com dramáticos olhos cor de avelã.
Ao lado dela estava um homem musculoso sem camisa com a pele da cor do
sangue, e os olhos tatuados do pescoço aos pés.
— Vermelho — aquele que tinha riscado Puck para um beco em Oklahoma.
Sua verdadeira identidade clicou: Rathbone O único, outro dos aliados de Hades,
e um rei do próprio submundo. Vários piercings brilhavam à luz do sol e...
Um daqueles olhos tatuados piscou?
— Reforços chegaram — disse William.
Puck deveria ter se alegrado. A motivação do Sempre Excitado acabou de
mudar; já não estava mais investido no sucesso de Puck em nome da liberdade de
Gillian. Agora lutava pela vida dela.
Se Amaranthia morresse, Puck morreria. Sua magia — sua força vital —
estava ligada ao reino majestoso. Com a força vital de Gillian ligada a dele, ela
morreria com ele.
Indiferença mergulhou de volta na mente de Puck e gargalhou de alegria, como
se saboreasse o pensamento de todas aquelas mortes. Especialmente a de Gillian.
E porque não? Ela era a fonte da fraqueza do demônio e a maior força de Puck.
Ela é a fonte de tudo meu. Apenas alguns momentos atrás, achava que a vida
deles juntos seria sobre Puck e Gillian. Agora ele via a verdade. Era tudo sobre ela
— sua vida girava em torno de Gillian. Ele faria o que era melhor para ela, sempre.
Se Puck não derrotasse Sin em treze dias, usaria as tesouras para liberar
Gillian de seu casamento. Ela não teria mais um vínculo com Puck, o que
significava que ela não teria mais um vínculo com Amaranthia. Claro, ela se
recusaria a deixar seu clã para trás, então ele teria que forçar a questão.
Deixá-la ir? Um rugido de negação bateu em seus lábios, mas ele segurou de
volta. Para salvar a vida de Gillian, ele a deixaria ir. Não importa o quão
terrivelmente ele venha a sofrer depois.
Derrote Sin a tempo e tudo seria como Puck esperava. William destronaria o
Demente. Puck então mataria Sin, apesar do passado deles. Puck garantiria que o
soldado certo Connacht usasse a coroa e manteria Gillian ao seu lado.
Ele tinha seus objetivos — matar. Selecionar. Ele tinha seu tempo. Treze dias.
Não falharia.
Matar Sin, não apenas destroná-lo? De verdade?
Não se preocupe com os detalhes agora. Enquanto isso, mostraria a Gillian
como poderia ser bom entre eles. Sem mais espera. Sem mais termos. Sem mais
interrupções. De agora em diante, ele tomaria o que queria, quando queria.
— Como você nos encontrou? — Ele exigiu.
— Encontrar você foi o menor dos nossos problemas. — Rathbone se
transformou na forma de Sin, então voltou para a sua. — Há um escudo em volta
de todo o reino, impedindo que qualquer um, além de Sin ou de sua comitiva, saia
ou retorne. Eu tive que me tornar seu irmão para entrar.
Sin deve ter erguido o escudo logo depois que Puck chegou com William. Ou
então Puck e companhia eram uma exceção.
— Parece bem, Gillian — Galen deu a ela um entusiasta polegar para cima. —
Toda crescida agora. Eu aprovo.
— Bem, graças a Deus por isso — ela respondeu, seu tom seco. — A vida
finalmente vale a pena viver.
Buum! Peanut deu uma cabeçada no estômago de Galen sem avisar,
derrubando o macho alado. Então a quimera mordeu a mão de Rathbone,
ganhando um grito de dor.
Uma risada borbulhou na garganta de Puck quando Rathbone xingou, a
estoica Pandora cambaleou para fora do alcance e um Galen resmungando se
levantou.
Diversão? Em um momento como este?
O fato de que Indiferença não podia fazer nada além de deslizar em sua mente
com mau humor fez o momento muito mais doce.
— Como sabemos que você é quem diz que é? — Gillian avançou, pretendendo
se aproximar dos recém-chegados, mas Puck estendeu a mão, bloqueando-a. —
Pode ser um truque — ela murmurou. — Até mesmo outro desafio.
— Quem você gostaria que eu fosse, adorável? — A imagem de Rathbone
mudou de um cachorrinho fofo para Puck, para William, para um jaguar, para Rick
de The Walking Dead e, finalmente, de volta para a sua. —Spoiler... isso realmente
não importa. Eu sou um assassino a sangue frio, não importa o que pareça.
— Eu asseguro que são eles — disse William.
Puck enrolou um dedo debaixo do queixo de Gillian e gentilmente levantou
seu rosto, pronto para lidar com a situação do jeito que ela preferia.
— Precisamos caçar Sin, o que significa que precisamos deixar Cameron e
Winter para trás. Mas — ele acrescentou antes que ela pudesse protestar — um do
pessoal de Hades vai ficar aqui e ficar de guarda. — Uma ordem que ele esperava
ser obedecida. — Você aprova?
Ela fechou os olhos por um momento, respirou fundo e assentiu.
— Então está resolvido — disse William. — Rathbone, você vai ficar com os
irmãos do inferno. Galen, você voará acima de nossas cabeças e nos alertará sobre
qualquer perigo iminente. Pandora, você vai cavalgar ao nosso lado, sua única
tarefa será proteger a garota e morrer em seu lugar, se for preciso.
— Oh, isso é tudo? — Pandora ofereceu-lhe uma saudação em que levantou
os dois dedos do meio.
— Eu concordo com o Sempre Excitado — Puck disse a ela. — Morra se você
precisar.
— Ninguém morre por mim — rebateu Gillian.
William acenou para as quimeras.
— Ninguém me ouviu? Tudo está resolvido, minha palavra é lei. Vamos.
Puck, um príncipe nascido e uma vez um futuro rei, ansiava por atacar esse
usurpador que pensava em assumir o comando. Ninguém ordenava suas tropas,
só ele!
Ciúmes? Agora? Por causa disso?
— Pandora é realmente atraente — disse Gillian, seu tom afiado o suficiente
para cortar aço. — Você a quer?
Ela lutava contra o ciúme também?
Clareza. Puck apontou um dedo em direção a Galen.
— Controle seu demônio.
O macho deu de ombros, despreocupado.
— Contra-oferta. Eu faço eu. Você faz você. Ambos fazemos com as garotas.
Puck estava na cara dele um segundo depois, socando, quebrando seu nariz.
Gillian e Pandora aplaudiram.
Galen sorriu enquanto o sangue escorria pelo seu rosto.
— O que? Foi algo que eu disse?
William deu o próximo soco, apenas ganhando uma risada de Galen quando
ele colocou a mandíbula de volta no lugar.
Doido! Puck apressou Gillian para as quimeras, ajudou-a a montar, depois
montou Walnut.
Quando William trotou passando por Puck para assumir a liderança, ele
murmurou:
— Lembre-se do que eu te disse.
Seu grupo viajou pela floresta, deixando Rathbone, Winter e Cameron para
trás. Para contornar uma onda de culpa, Puck repetiu a conversa que ele e William
tiveram antes, quando Puck colocou uma proteção espinhosa ao redor do
acampamento.
— Fato divertido — disse William. — Eu coleciono crânios. Bonitos, feios. De
homens, mulheres. Jovens, velhos. Imortal, humano. Tanto faz amigos quanto
inimigos, e até mesmo uma pessoa que conheci em um elevador.
— É hora da história?— Puck estava em um congelamento profundo na hora,
e antagonizar o macho parecia uma ideia maravilhosa. — Nossa, Willy. Queria que
você tivesse me avisado. Eu teria me vestido com meu pijama e me aconchegado
debaixo do meu cobertor favorito.
O amado filho de Hades continuou imperturbável.
— Eu tenho milhares de crânios. A única coisa que eles têm em comum? Eu
matei a pessoa a quem eles pertenciam.
— Bocejo. Você é grande e mau, e faz coisas assustadoras. Anotado. Seu ponto?
— Ele abriu os braços bem abertos. — Espera. Deixe-me adivinhar. Se eu não
tomar cuidado, vou acabar como a exposição A na sua coleção.
William passou a língua pelos dentes.
— Odeio esses crânios. Cada um. Eles me lembram dos piores atos que eu já
cometi. Certa vez, considerei me livrar deles. Antes de tomar uma decisão, no
entanto, um amigo roubou meu menos favorito do grupo. Você sabe o que fiz?
— Entediou-o até a morte com esta história?
— Eu o rastreei, cortei sua cabeça e transformei seu crânio em um pinico.
Meu ponto, como você tão eloquentemente pediu, é esse: você não rouba de mim.
Um fedor permeava o ar, cortando o alívio de Puck. Ele fez uma careta quando
pegou notas de morte, decadência e enxofre.
— Galen — gritou Pandora. — Eu te disse para não comer esses burritos.
— Você está me culpando por isso? — Asas de penas brancas deslizando em
um movimento para frente e para trás para acompanhar as quimeras, ele disse: —
Pensei que você fosse a culpada. Eu ia ser um cavalheiro pelo menos uma vez e
não comentar sobre sua furiosa flatulência. Meu erro.
Puck examinou a área e descobriu quatro corpos apodrecidos parcialmente
escondidos por pilhas de folhas a cerca de cem metros de distância. Usando magia
para uma inspeção mais de perto, percebeu que as vítimas foram rasgadas em
pedaços.
Ele diminuiu o passo, chegando ao lado de Gillian.
— Vê os corpos? Eles morreram mal. O que quer que os matou ainda pode
estar aqui.
— Não se preocupe — disse ela. — Eu protegerei você.
Ele olhou para ela, e ela curvou seus lábios vermelhos exuberantes em um
sorriso, deixando Puck em chamas com luxúria.
Devo tê-la. Em breve.
Pandora, que andava pelo outro lado de Gillian, retirou uma espada de uma
bainha cruzada nas costas.
— Com que tipo de fera poderíamos estar lidando aqui, Indiferença?
— Você pode me chamar de Sua Majestade — ele não era o demônio. Nunca
mais seria o demônio.
Ele forçou a devastação a recuperar o palco central em sua mente. Membros
não foram cortados dos corpos, mas rasgados. Havia marcas de mordida em cada
pedaço visível de pele, mas não marcas de presas. Arranhões feitos por unhas retas
em vez de garras.
Considerando que cada mão tinha sangue e tecido endurecido sob cada unha...
quase parecia como se as pessoas tivessem atacado uns aos outros.
Certamente não.
— A fera... eu não sei.
— Estou mais preocupado com o labirinto — Gillian apontou para a direita.
— Sinto como se já vi esta árvore três vezes.
Labirinto... labirinto. A palavra cutucou e incomodou a mente de Puck. Gillian
tinha chamado a criação de Sin um labirinto mais de uma vez, mas ele nunca
tratou a floresta como nada mais do que, bem, uma floresta.
Ele errou?
— Voe, Galen, e nos diga o que você vê — Galen obedeceu, e quanto mais alto
ele ia, mais seus olhos arregalavam. —Vocês deveriam ver...
Ele bateu em um teto invisível, o impacto estalando uma de suas asas. Como
uma estrela cadente, ele foi caindo, caindo, antes de cair a poucos metros de
William, derrapando no chão e batendo em uma árvore.
Suas duas asas agora estavam amassadas e torcidas em um ângulo estranho.
Seu ombro estava claramente fora de seu encaixe e seu tornozelo quebrado; osso
cortado pela carne. O que tinha que ser milhares de insetos enxamearam do tronco
da árvore para olhar para ele.
Em uníssono, todos desmontaram e correram para ajudar. Com um berro,
Galen rolou para longe, batendo em Gillian, que caiu.
Gargalhada, gargalhada. Indiferença gostou do show.
Tenso, Puck correu para o lado de sua esposa, mas William riscou,
alcançando-a primeiro. Ele esperava raiva. O bastardo toca o que é meu. Em vez
disso, ele experimentou... gratidão. O bastardo a ajudou quando ela precisava dele.
— Estou bem — disse ela e sorriu. — De verdade.
Tudo bem, agora ele experimentou raiva. Esse é o meu sorriso.
Galen bateu a mão no ombro deslocado, estalando a articulação de volta no
lugar. Mesmo apesar de seu tornozelo falhar inutilmente, ele se levantou e mancou
em direção a Puck.
— Idiota! Você sabia que eu iria...
Peanut deu uma cabeçada na barriga dele. Mais uma vez, Galen bateu em
uma árvore.
— Bem? — Puck perguntou. — O que você viu?
Galen ficou no chão. Olhando de cara feia, ele disse:
— Vi nossa condenação.

***

Gillian ouviu, e ficou enjoada quando Galen descreveu um pesadelo de


proporções bíblicas. Seções do labirinto eram locais de troca. Significado, não
importa o quão longe o grupo viajasse, ou quão nova a paisagem parecia, eles
nunca poderiam alcançar a fortaleza de Sin.
— Você sabe como eu sei que vamos escapar desse labirinto? — Pandora
anunciou. — Porque estou aqui.
Ei! Essa é a minha fala.
Gillian esfregou a nuca, só então notou a queda de temperatura. De um tanto
frio para bem-vindo ao Ártico, tão frio que seus dentes começaram a bater.
Os outros notaram também, franzindo a testa enquanto os flocos de neve
giravam do céu, pousavam na pele exposta e eram absorvidos pelos poros.
Dentro dela, o calor escaldante afugentou o frio. Florescendo... empolando.
Suas runas piscaram e apagaram quando seu sangue se tornou lava, e seus órgãos
se tornaram cinzas.
Magia?
— Puck — Ela tentou dizer mais, mas agonia escaldante de repente e de forma
inequívoca a consumia. Ela choramingou — e então gritou.
— Ajude... — Os ossos em seu rosto, peito e membros alongaram,
engrossaram e giraram. Pelo escuro brotou, cobrindo cada centímetro de sua pele.
Suas gengivas desenvolveram um batimento cardíaco próprio enquanto as presas
se estendiam para cima, passando pelo lábio superior. Garras cresceram de seus
dedos e dedos dos pés.
Com a mudança horrível, ela perdeu seu centro de gravidade e tombou.
Peanut virou-se, guinchou e se afastou dela.
Onde estava Puck? Ela precisava dele. Visão nublou. Onde, onde? Seu olhar
pousou — não! Seus companheiros se foram. Em seu lugar? Monstros com chifres
e presas.
Pensamentos imprecisos, quase indistintos, instintos selvagens a dominando.
Não meus amigos, mas meus inimigos. Comida. Tão faminta.
Gillian recuou, preparando-se... e então atacou.
A mente uma zona de guerra, os protestos da Indiferença fazendo barulho,
Puck se esforçou para entender o que estava acontecendo ao seu redor. Gillian,
William, Galen e Pandora tinham caído de quatro e agora rondavam um ao outro,
cortando e rosnando.
O pressentimento o inundou. Isso não vai acabar bem.
Apropriado. William se lançou para Galen com os dentes à mostra. Trancados
em uma batalha até a morte, os dois machos rolaram sobre galhos e pedras.
Gillian soltou um grito de guerra e lançou seu corpo contra Pandora, que a
encontrou no meio do caminho. Mordendo, cortando. Espalhando sangue.
Este não era um comum virar Hulk. Uma estranha loucura tomou a todos,
menos Puck. Por que não ele também? Indiferença? Mas Gillian tinha uma conexão
com o demônio também.
A magia de Puck, talvez? Ainda uma falha em sua lógica. Gillian e William
tinham magia própria.
A mágica inata de Puck, então? Magia Connacht? Uma coisa que os outros
dois não tinham.
Exatamente. Havia apenas uma maneira de parar isso então.
A solução o perturbou. Tão drástico. Talvez ele pudesse argumentar com
Gillian e os outros em vez disso.
Vale a pena experimentar. Puck saltou para as fêmeas, derrubando as duas.
Elas o atacaram, unhas cortando sua carne, dentes mordendo seu pescoço. Apesar
do influxo de dor, ele fez pouco para se defender.
Cuidado. Devo proteger Gillian a todo custo. Mas não Pandora. Ele agarrou a
outra mulher pelos cabelos e a jogou em um banco de árvores antes de prender
sua esposa embaixo dele.
Ela resistiu, uma coisa selvagem, e tentou arrancar sua garganta. Em seus
olhos, ele não viu nenhum indício de reconhecimento.
— Calma, moça. Respire por mim. Dentro, fora. Só...
As unhas arranharam o rosto, o pescoço, e a dor o queimou de novo.
Um peso bateu em suas costas, mas não conseguiu movê-lo. Pandora havia
retornado. Ela arranhou, socou e chutou as partes mais vulneráveis dele. Raiva
embaixo dele, fúria em cima dele. Tempos divertidos. Ele estendeu a mão acima da
cabeça, pegou a filha de Hades pelos cabelos e a atirou uma segunda vez — em
William.
Uma distração. Erro. Gillian enfiou a palma da mão no nariz dele e a cartilagem
estalou. Ele grunhiu, lutando contra um breve ataque de tontura. Sangue quente
escorria pelo seu rosto.
Depois de chutar e desalojá-lo, ela saltou e se agachou. Sua visão zerou em
William, que balançava a cabeça e uivava para o céu, desafiando-a a diminuir a
distância; ele não iria fácil para ela.
— Você vai ficar bem aqui — Puck agarrou os tornozelos dela e puxou,
derrubando-a de cara no chão. Ela se encolheu. Ele estremeceu, odiando que ele
causou dor a essa preciosa mulher.
Quando ele a imobilizou, ele disse:
— Gillian. Eu sei que você está aí. — Ela tinha que estar. — Concentre-se em
mim. Pense sobre...
Ela bateu a testa no queixo dele, deslocando o queixo. Mais dor, estrelas
piscando diante de seus olhos. E ela não tinha acabado! Com os braços livres,
mergulhou para o rosto dele enquanto se debatia e chutava com mais força,
desesperada por liberdade.
Apesar dos ferimentos, ele falou asperamente:
— Gillian, sou seu marido. Lembre-se do meu beijo, meu toque. Nós somos...
Cuspe. Ele usou magia para agilizar o processo de cura, seu maxilar se
realinhando, cortes se entrelaçando, língua regenerando.
— Chega, moça!
Mais uma vez ela o chutou, conseguindo se libertar. Um estado insensato
poderia mantê-la prisioneira, mas não eliminou séculos de treinamento. Então ela
recuou a perna, transmitindo sua intenção. Ela não iria. Certamente não iria...
Ela bateu na cara dele.
Tudo bem então. Não haveria raciocínio da parte dela.
Usando supervelocidade, Puck agarrou seu tornozelo quando ela fez outra
jogada para o rosto dele, e arrancou-a de seus pés. Ele a prendeu debaixo dele,
envolveu seus dedos ao redor da garganta dela e apertou com força suficiente para
imobilizá-la. Como ele fez quando ela virou Hulk, ele voltou sua atenção para
dentro, para o vínculo deles. Desta vez, ele a presenteou com um fio de magia
Connacht.
Você não tinha que morrer para ceder magia aos outros. Nem mesmo magia
inata. Você podia oferecê-la de bom grado. Embora ele nunca tenha conhecido
alguém interessado em fazer isso.
O que Puck perderia ao fazer isso? Sua capacidade de mudar de forma? Correr
à velocidade da luz? De qualquer maneira, ele nunca recuperaria a magia de volta,
a menos que matasse com quem ele compartilhou, ou eles de bom grado
devolvessem. Mas Galen e Pandora, a quem ele teria que marcar com runas, não
saberiam como devolver por séculos, e William não faria por maldade. Dificilmente
importa. Devo ajudar Gillian.
Os movimentos dela diminuíram, pararam. Ela olhou para ele, os olhos
arregalados escurecendo com horror quando sua mente clareou.
— Eu ataquei você. Oh, Puck Eu sinto muito.
Alívio. Orgulho. Ele teve sucesso.
— Você ainda não percebeu que eu aguentaria qualquer coisa para colocar
você nessa posição?
— Como isso aconteceu?
— Ilusão mágica. Uma armadilha criada por Sin, programada para começar
sempre que alcançássemos um certo ponto. Você acreditava que era um animal,
sim? — Ela acenou com a cabeça, então ele disse: — Os outros ainda acreditam.
— Ele se levantou, ajudou-a a ficar de pé. — Se pudermos prendê-los, eu posso
alimentá-los com a magia de Connacht. — Um vínculo não era necessário para um
presente de magia, apenas tornava mais fácil dar.
Os olhos dela se arregalaram de horror quando viu William, Galen e Pandora
entrelaçados, cada um coberto de feridas e ensopado de sangue.
Qualquer outra pessoa poderia ter corrido gritando, mas não Gillian. Ela
manteve o ritmo ao lado de Puck e se aproximou dos brigões.
— Eu pego William — disse ela. — Você pega os outros dois.
— Ele não vai reconhecer você. Pode te machucar. — Então vou ser forçado a
retaliar.
Ela lançou-lhe um sorriso rápido, fazendo seu coração disparar fora de
sincronia.
— Tenha mais fé em sua esposa — Depois de retirar quatro punhais, dois em
cada mão, ela socou Pandora no rosto e deu uma cotovelada na mandíbula de
Galen.
Quando os combatentes se afastaram, Puck atacou, prendendo Galen ao chão
com adagas.
Movimento no canto do olho. Fez uma pausa para observar Gillian
manobrando com maestria William pra ficar de costas, e imobilizando seus pulsos
e tornozelos no chão. Apenas bum, bum, bum, bum e o cara estava preso.
Minha mulher é habilidosa.
Considerando a força de William, Puck não tinha certeza de quanto tempo a
contenção duraria. Puck abandonou Galen — por enquanto — colocou a mão sobre
a testa de William e liberou só um pouquinho da magia de Connacht. Apenas o
suficiente. O macho parou de lutar, franziu a testa. Sem tempo para explicar.
Puck saltou para Pandora. Com ela, ele não teve escrúpulos em usar a força
necessária. Depois que ele a empalou, ele pegou uma adaga, percebeu que a tinha
deixado cair em algum lugar ao longo do caminho. Muito bem. Ele apalpou a dela,
rapidamente esculpiu uma runa na mão dela e a alimentou com o menor indício
da magia de Connacht.
Finalmente, voltou sua atenção para Galen. Runa. Magia Connacht. Feito.
— Pensei que tinha me transformado em uma fera — disse Pandora, entre
respirações ofegantes. — Por quê?
Gillian explicou a situação enquanto arrancava os punhais dos pulsos de
William. Em silêncio ele se sentou, soltou os tornozelos, depois esfregou feridas que
já estavam em processo de cura.
— E se isso for apenas o começo? — Ela disse. — O que vem a seguir pode ser
pior. O que é uma droga, porque estamos com pouca coisa.
Seus medos não foram perdidos. Cada desafio se provou mais difícil que o
anterior.
— Nós vamos lidar — disse Puck. Eles deviam. Não tinham outra escolha.

***

Eles viajaram o resto do dia.


Gillian não conseguia tirar os olhos de Puck. Ele a salvou, salvou todos eles,
compartilhando sua magia. Ele poderia ter se transformado no Homem de Gelo a
qualquer momento, mas escolheu ficar com ela e, a julgar pelos olhares quentes
que ele estava lançando, sentia tudo. Nunca um homem pareceu mais tempestuoso.
Uma tempestade fervia em seus olhos e escurecia cada uma de suas feições.
O tempo está se esgotando. Não sei o que o futuro reserva.
Preciso dele. Preciso dele agora.
Nunca esteve mais pronta para a posse de um homem. Mesmo agora, seu
coração assaltava suas costelas, acelerando cada vez mais rápido. Seus mamilos
doíam mais do que nunca, sua barriga estremecia e o ápice de suas coxas latejava.
Não posso tê-lo. Ainda. Em breve...
Eles chegaram a uma lagoa cerca de uma hora antes do pôr do sol. Depois de
montar o acampamento, todos se revezaram tomando banho para lavar o sangue
da batalha. Puck primeiro — ela queria se juntar a ele, mas não havia tempo —
então William, depois Pandora e Galen. Finalmente, Gillian se despiu e entrou na
água fria que não conseguiu esfriar sua pele aquecida.
Ela esperou... mas Puck nunca apareceu. Decepcionada, ela se secou e vestiu
uma camisa e saia curta de couro para facilitar o acesso e o tormento de Puck.
No limite, em alerta e sexualmente frustrada, ela voltou ao acampamento.
William sentava-se em frente a uma fogueira, afiando seus punhais com uma
concentração quase obsessiva. Pandora e Galen ficavam ao lado de Puck,
enchendo-o de um milhão de perguntas sobre Sin, Amaranthia e magia, mas ele
não estava com vontade de conversar, nem ser sociável. Suas respostas foram “sim”,
“não” e “cale a boca antes de eu cortar sua língua”.
Quando avistou Gillian, ele lançou-lhe um olhar descarado de tanta fome, tal
desejo palpável, que ela ficou tonta de luxúria e perdeu um passo, quase caindo de
cara no chão. O êxtase fez sinal, seu corpo já excessivamente sensibilizado por
horas, dias, de antecipação.
William ficou em pé e murmurou:
— Meu pai chama — sem mais nenhuma explicação do que isso, ele riscou
sumindo.
Galen e Pandora compartilharam um momento de irritação antes de se
levantar.
— Onde ele vai, um de nós deve ir — disse a mulher de cabelos escuros.
— Felizmente Hades nos equipou com um WNS — Galen bateu na sua têmpora.
— Sistema de Navegação William.
— William vai ficar fora por horas — Pandora disse e balançou as sobrancelhas.
— Eu vou me certificar disso.
— É bom saber — disse Puck. — Certifique-se de que todos vocês fiquem longe
da lagoa então.
Um rubor queimou as bochechas de Gillian.
— Não estamos desejosos de um pouco de leve espionagem, não é? —
Perguntou Galen. — Bem. Vou atrás de William e me certificar de que ele fique
longe. Pandy Cakes, guarde o perímetro. Tenho a sensação de que nossos
pombinhos estão prestes a perder tudo.
Pandora estalou os dentes para o Pandy Cake.
— Vamos. Antes de você perder seu apêndice favorito — ela arrastou o macho
alado para longe.
Finalmente!
Puck ficou de pé, seu olhar de contorno de kohl percorrendo as curvas do
corpo de Gillian. Como se ele não pudesse mais se afastar, ele avançou sobre ela,
todo escuro e adorável, quente e agressivo. Ele a ergueu por cima do ombro como
um bombeiro e levou-a para longe do acampamento.
O pulso dela acelerou quando seu perfume a envolveu e intoxicou.
— Puck?
— Isso está acontecendo, mulher. Melhor se acostumar com a ideia.
— Hum, você me ouviu protestando?
— Não, mas vou ouvir você concordando.
— Você quer dizer que eu recebo você todo, não importa o que? — Ela
perguntou, sem fôlego.
— Cada centímetro — Na beira da lagoa, ele a colocou de pé.
A excitação a arrepiava quando ela olhou para ele. Ele era puro prazer perverso,
um bufê de delícias sensuais. Sem camisa, sua tatuagem de pássaro em exibição
espetacular. A que ele não a deixaria tocar — ainda. Logo vou tocar cada centímetro
dele...
— Você me quer — disse ele, emoldurando o rosto dela com as mãos. — Diga.
— Eu quero você — Desesperadamente. Loucamente. O luar lutava seu
caminho através do dossel das árvores, acariciando-o com dedos amorosos. —
Temos que ser rápidos. O perigo...
— Rápidos? — Hálito quente acariciava sua testa enquanto ele ria. —
Impossível, esposa. Esta é a nossa primeira vez. Sua primeira vez, e ponto final.
Vamos saborear cada segundo. Se Sin tentar alguma coisa, vou sentir sua magia.
Estou preparado agora.
— Tudo bem. Ok. — Como ela poderia resistir? — Minha resposta é sim. —
Mil vezes sim.
Gemendo, ele agarrou um punhado de cabelos em sua nuca e empurrou seu
rosto para o dele. — Dê-me o que eu tenho sentido falta.
— Sempre — Seus lábios se encontraram em um choque acalorado, suas
línguas entrelaçadas, duelando. Um beijo profundo. Reverente. Selvagem e ainda
assim doce.
Ele a beijou como se sua sobrevivência dependesse disso, exigindo total
rendição. Rendição que ela felizmente cedeu. Desejo escaldante a arrastou para
cima, para baixo, para dentro e para fora em todos os lugares. Vorazes, eles
devoraram um ao outro. Isto não foi um aperitivo, mas uma refeição completa.
Nunca Gillian tinha conhecido fome assim. Cada célula, cada órgão, cada
centímetro dela ansiava por sua posse.
Puck abaixou-a sobre uma cama de musgo e manobrou para o lado dele. Com
uma mão, ele segurou a bunda dela — uma posição favorita? Com a outra, ele
espalmou seu peito e roçou o polegar contra a crista distendida. Paraíso!
— Você esteve sentindo minha falta, moça? — A rouquidão de seu tom... pornô
audível.
— Cada centímetro de você. — Arrepios e calor invadiram seus ossos e quando
ele amassou sua carne, ela juraria que ele considerava seu corpo um templo,
juraria que ele adorava cada centímetro dela.
Aos dezoito anos, ela não estava pronta para ele. Com cem... duzentos... talvez
até quatrocentos, seus problemas poderiam ter levado a melhor sobre ela. Depois
de várias guerras e incontáveis provações, batalhas, amizades e traições, mágoas
e dores, criando um clã e um lar, ela finalmente sabia o que queria, e o que
precisava. Para ela, tudo girava em torno de Puck Connacht. Príncipe guerreiro.
Futuro rei. Marido adorado. O homem que sentia tudo — por ela.
Ele aprofundou o beijo e ela abriu as pernas, deixando a coxa dele descansar
entre as dela. Agitação instantânea! Calor líquido encharcou sua calcinha. Incapaz
de permanecer imóvel, ela arqueou as costas, esfregando seu núcleo contra ele.
Um choramingo escapou. A agitação e o prazer!
— Puck — ela gritou.
— Pare? — Ele perguntou, seu tom áspero.
— Não pare. Nunca.
Gillian deslizou a mão sobre o peito de Puck... sobre a tatuagem do pássaro.
Magia a espetou, subindo por seu braço, fazendo-a tremer. Bem, bem. Não é de se
admirar que ele não quisesse que ela a tocasse. A tatuagem significava alguma
coisa. Mas o que?
Mente enevoada demais para desvendar o mistério.
— Quer que eu pare? — Ela perguntou, traçando as pontas dos dedos sobre
as asas lindamente detalhadas.
— Não pare nunca.
Os batimentos dele retumbavam contra sua palma, correndo em sincronia
com os dela. A sedosidade e o calor de sua pele... o corte glorioso de músculo
sólido... o almíscar de seu perfume combinado com a doçura de seu gosto...
deixando-me enlouquecida.
Desde o seu retorno, ela se sentiu como se estivesse queimando, às vezes em
fogo baixo, na maioria das vezes em completa ebulição. Devastada por essa mais
recente febre-paixão — ou melhor, essa extensão da última — ela arqueou as costas
para girar na coxa dele.
— Isso que é uma boa moça — ele elogiou. Ele amassou sua bunda com mais
força, ajudando-a a girar com mais força. — Vamos deixar você bem preparada.
Já preparada, guerreiro. Ela nunca esteve tão encharcada.
Quando ele moveu sua perna, sua coxa a roçou onde ela mais doía. Ela gemeu.
Ele gemeu. Cada ponto de contato se tornou eletrificado, as correntes
sobrecarregando sua excitação.
Por quanto tempo este belo homem foi privado de afeição e adoração? Desde
antes de sua posse? Tirado dos braços de sua mãe quando criança, forçado a lutar
nos exércitos de seu pai, punido por qualquer coisa percebida como “suavidade de
mulher”.
Por mais que Gillian quisesse tomar, ela queria dar.
— Puck — ela engasgou, ficando mais desesperada a cada segundo. — Preciso
tocar em você também.
— Toque-me então. Por favor.
Cheia de ansiedade, ela levantou a cabeça para observar o rosto dele enquanto
mergulhava a mão debaixo da cintura das calças dele. Embora tivesse pouca
experiência, fingiu confiança e envolveu seus dedos ao redor de sua ereção.
— Diga-me se eu fizer algo errado — disse ela.
— Você faz... tudo certo — Tensão apertava as feições dele, a respiração se
tornando irregular. A luxúria brilhava em seus olhos escuros, os alfinetes
estrelados tão bonitos. Ele tinha um sistema solar inteiro naquelas íris, e ela se
sentia como se fosse o sol.
Para cima e para baixo, ela o acariciou. Subindo e descendo. Os quadris se
arqueavam a cada movimento ascendente.
— As coisas que você faz comigo, moça — com uma mão sobre sua nuca, ele
a puxou para outro beijo. Um frenético, com dentes e língua e uma troca de ar. De
vida.
Ele colocou a mão livre debaixo da calcinha, apertou a palma da mão contra
seu núcleo. A pressão cresceu, agravada por lance após lance de sensação
incomparável.
— Puck... por favor — Tão pronta!
Ele mergulhou dois dedos profundamente. Sim! Ela gritou, liberando o
comprimento dele para agarrar seus ombros, suas unhas afundando na pele dele.
Sua pele esticou sobre músculo, sua mente reduzida ao seu estado mais animal.
Tome o meu prazer, garanta o dele.
Ela balançou os quadris, forçando os dedos mais fundo. Calor mais quente.
Mais pressão. Sons de miadinhos surgiram dela enquanto o polegar pressionava o
clitóris.
— Estou tão perto — disse ela, com a voz entrecortada.
— É assim, esposa. Vou fazer você gozar duro e rápido. Um clímax rápido e
brutal, mas não será suficiente. Nem perto.
Não, não, nunca o suficiente. Ela não conseguia recuperar o fôlego. Ela... Ela...
— Você vai precisar de mais... e mais... — A voz dele a drogou, atraindo-a a
obedecer...
Gillian entrou em erupção! Um grito irrompeu dela, o prazer a dominou.
Músculos contraídos. Ossos liquefeitos. Seu coração ou parou ou correu tão rápido
que não conseguia mais discernir uma única batida. Sua mente disparou com as
estrelas, maravilha deixando-a atordoada.
Mas da mesma forma que gozou“duro e rápido”, ela caiu. Vazio, seu corpo
estava tão vazio, quando seus dedos se foram. Ela precisava ser preenchida.
Ofegante, ela disse:
— Homem diabólico. Você estava certo. Isso não foi o suficiente. Eu
simplesmente quero mais.
Com as pálpebras encapuzadas e a respiração agitada, ele disse:
— Então tome de mim.
Oh, ela iria, com certeza. Mas não até devolver o favor...
— Vamos te preparar primeiro — ela sussurrou. Tremendo, sabendo que
brincava com fogo, Gillian traçou seus dedos sobre os lábios dele, bochecha, em
torno dos olhos, pelo cabelo... e sobre seus chifres. Cada toque era uma revelação
do seu poder inato... e a deixava em agonia.
O perigo de excitá-lo? Ela se excitava também.
Quando ele abriu a cintura das calças, apenas o suficiente para liberar seu
comprimento — tão comprido, grosso e duro — suas paredes internas apertaram,
como se desesperadas para enluvá-lo.
Ele correu a mão pra cima e pra baixo, absolutamente magnífico.
— Isso é o que você faz comigo. Isso é o quanto eu anseio por você.
Ele ansiava enormemente por ela.
— Quero saboreá-lo — tremores se intensificando, ela se arrastou para baixo
de seu corpo e encaixou os lábios em torno de sua ereção, levou-o para baixo...
mais baixo.
A ferocidade de sua reação a encantou. Agarrou-se a montes de musgo,
enterrou os calcanhares no chão e assobiou para o céu.
— Sim!
Ela se moveu pra cima e pra baixo. Repetiu sem parar. Ele tremeu a cada
deslizar para cima, e gemeu a cada vez que ela desceu. Sua força... calor...
sedosidade... incrível!
Ele era desejo que se tornou carne, carnal e deliciosamente mau.
Ela o chupou, cada vez mais rápido, até que ele ficou tenso, agarrou-a debaixo
dos braços e a levantou. Sua boca reivindicou a dela, e ele lhe deu um beijo
frenético, feroz e selvagem. Com uma torção hábil de seu pulso, ele tirou a blusa
dela, segurou e amassou seus seios nus. Ele beliscou seus mamilos, e ela ofegou.
Cada célula de seu corpo cantarolava com êxtase.
— Mais — Ela tinha que ter mais.
Ele arrancou sua calcinha.
— Me cavalgue. Use magia... de controle de natalidade.
Finalmente levá-lo para dentro? Sim!
— Com pouca magia.
— Vale o sacrifício.
Verdade! O mais rápido quanto imortalmente possível, ela subiu no colo dele.
As pregas em sua saia não ofereceram resistência quando ela abriu as pernas,
acolhendo a ereção dele contra seu núcleo.
— Ainda não — ele resmungou. Com as mãos nos quadris dela agora, ele a
forçou a ficar de pé e posicionou a boca sobre a feminilidade dolorida.
— Preciso de um gosto seu primeiro.
Ele sacudiu a língua, arrancando um gemido agonizante dela. O prazer... ela
deixou a cabeça cair para trás. Ele lambeu e devorou enquanto a preparava com
os dedos, movendo um dentro e fora dela. Então dois. Ele fez movimentos com os
dedos em forma de tesoura, esticando-a. E era bom, tão bom. Tudo o que podia
fazer era segurar seus chifres e aproveitar o passeio, balançando, rebolando, pra
frente e pra trás. Vai e volta. Logo, palavras incoerentes a deixaram. Seus músculos
estavam tensos, preparando-se para o clímax...
Mas ele não a deixou ter. Parou antes do momento de não retorno, arrancando
um grito frustrado dela. Então puxou-a de joelhos mais uma vez, posicionando a
ponta de sua ereção onde ela mais precisava e dando-lhe outro beijo, deixando-a
sentir o mesmo prazer que ele despertou nela.
Gillian pressionou pra baixo... devagar... mais devagar, dando ao seu corpo
tempo para se ajustar. Seus dedos a prepararam, mas seu eixo... era tão grande
que até a ponta parecia enchê-la.
O suor brilhava na testa dele.
— Está me tomando tão perfeitamente, esposa.
O tom rouco causou uma maré de excitação que encharcou o comprimento
dele, permitindo que seu corpo deslizasse mais para baixo. Quando Gillian
percebeu a queimação ardente, ela parou. Séculos se passaram desde que ela tinha
— não! Ela nunca teve um homem dentro dela. O que aconteceu em sua infância
não contava. Puck estava certo. Esta era sua primeira vez.
Seu aperto nela flexionou, como se quisesse puxá-la para baixo, mas resistisse
à urgência.
— Está me matando, moça. Nunca foi... tão gostoso. Mas preciso... eu preciso...
Quando ele precisasse, ela daria, sempre.
Gillian pressionou mais uma vez... a queimação se intensificou... para baixo.
Finalmente, ela o tomou todo. Puck soltou um suspiro.
Um minuto se passou e — sim! A dor desapareceu e seus músculos relaxaram.
Rugindo, Puck empurrou seus quadris para cima e... oh! Oh! Ela tinha mais
um centímetro para ir e isso foi incrível. Um fluxo de êxtase a atravessou.
Agora ele a empalava. O suor escorria por seus peitos, o atrito a excitava toda
vez que ela inalava.
— Você está bem, moça? Me diga que você está bem.
— Mmm. Muito bem — ela se moveu. Ela tinha que se mexer. Equilibrada em
seus joelhos, levantou-se, depois desceu de novo. Surpreendente. Então fez isso de
novo, e de novo, de maneira hesitante no começo, mas logo ganhando confiança e
velocidade.
— Assim — ele apertou mais, guiando-a pra cima e pra baixo com mais força,
até mesmo pra frente e pra trás. Sentindo falta das mãos dele em seus seios, ela
os segurou e beliscou seus mamilos.
— A sua visão... sentir você.
As terminações nervosas estalavam, a pressão crescia profundamente dentro
dela... ainda mais profundo.
— Puck — ela gritou. — Por favor.

***

Minha mulher precisa de mim para lhe dar um orgasmo.


Desejo consumia Puck, tão intenso que ele não tinha percepção de Indiferença,
tinha perdido a visão do mundo ao seu redor. Só podia se concentrar em Gillian,
sua esposa, um fio vivo de pura energia e paixão crua, tão quente, apertada e
molhada enquanto o montava.
O luar a banhava, a pele dourada corada, as runas em suas mãos brilhando.
Aqueles olhos cor de uísque estavam vivos, acendendo um inferno incontrolável.
Orgulho estufou seu peito. Eu fiz isso. Eu.
Com a cabeça jogada para trás, o cabelo de um fluxo escuro emoldurando seu
rosto, ela era uma visão. Uma deusa sem igual. A encarnação da carnalidade.
— Deixe-me — disse ele. Com sua bochecha, ele afastou as mãos dela e passou
a língua sobre um mamilo, depois o outro.
Com a respiração arfando, ela cavalgou seu eixo cada vez mais rápido. A
tensão o invadiu, coletando cada um de seus músculos, ameaçando explodir ou
matá-lo. Ele seria feliz de qualquer maneira, morreria com um sorriso.
— Você é minha — sua voz era grossa e baixa, mais um grunhido que qualquer
coisa. — Diga.
— Sou sua. Sua. Toda sua.
Essa é minha mulher.
— Vou fazer você gozar tanto, moça. — Ele investiu para cima, mesmo
enquanto a puxava para baixo, ao mesmo tempo, dando a um mamilo uma
mordidinha.
— Puck!
Deve saborear meu nome nesses lábios. Boca na dela. Línguas dançando
juntas. Ele alcançou entre seus corpos e dedilhou onde ela mais doía.
— Sim, sim! — Com o ser inteiro dela sendo sacudido, suas paredes internas
apertaram em torno de seu eixo quando ela chegou ao clímax.
Puck se tornou frenético, batendo dentro e fora dela... batendo... ela era tão
gostosa, tão certa. Nada jamais se sentiu melhor ou mais perfeito. O prazer era
irresistível. Ele gozaria?
Calor na base da sua espinha, irradiando ao redor de seus quadris, coletando
em seus testículos. Seu corpo se preparava. Logo ele iria... ele iria...
Puck rugiu até que sua garganta rachou, sua voz ficando rouca. Ele gozou, e
gozou, e gozou dentro dela, seu corpo inteiro corcoveando sob a investida de
felicidade. E ainda assim ele não parou de empurrar, não parou de jorrar dentro
de sua esposa enquanto ela o ordenhava, como se gananciosa por mais — por tudo
dele.
Ele tinha esperado tanto tempo por uma mulher sua e só sua, tinha ansiado
por ter a mesma mulher em sua cama repetidamente. E, no entanto, quando tinha
experimentado várias noites com outra, achou a coisa inteira como se estivesse
faltando algo. Esta? Com Gillian? Nem perto de suficiente. Ele queria cada noite.
Cada manhã. Cada momento no meio.
Não sabia disso na época, mas esperava por ela, tinha ansiado por ela.
Somente ela. Uma mulher forte o suficiente para sentir quando ele não podia. Uma
mulher sem vontade de deixá-lo fechar suas próprias emoções, que conhecia a
raridade da alegria, que não se contentaria com nada menos.
Finalmente, quando ela o espremeu até secar, ele desabou, Gillian
permanecendo envolvida em seu peito.

***

Isso foi... tão... tão... incrível! Uma revelação.


Gillian ficou maravilhada. Ela tinha acabado de fazer sexo. Sexo delicioso,
alucinante e safado. O tipo de romances e filmes. O tipo que ela sempre quis, mas
temia nunca ter, e amou cada segundo disso.
O homem certo fazia toda a diferença, assim como ela suspeitava.
Com Puck, o prazer a possuíra, levando-a a novas alturas. E isso — isso —
forjou um vínculo tão forte quanto seus votos. Devia ter. Gillian nunca se sentira
mais perto do marido.
Levantou a cabeça e pegou Puck sorrindo. O sorriso mais sexy que ela já tinha
visto. Também o mais bonito. Seu rosto inteiro se iluminou, aquecendo-a por
dentro e por fora. E... e... e...
Uma lágrima subitamente escorregou pelo canto do seu olho, surpreendendo-
a. Ugh. Ela iria chorar cada vez que tivesse um orgasmo?
Isso era só, esta era outra primeira vez. Este belo ato uma vez já foi um
pesadelo vivo por causa de homens muito maus. Finalmente estava livre!
Puck a tinha possuído. Não as memórias dela. Não seu passado. Puck. Ele
possuíra tudo dela.
Quando adolescente, lembrava-se de pensar que precisava fazer sexo normal
com um cara normal para se sentir normal. Puck era tudo menos normal. Ele era
extraordinário e exatamente o que ela precisava.
E ele é meu. Por enquanto.
Como posso deixá-lo ir?
Gentil, tão gentil, ele enxugou suas lágrimas.
— O que é isso, minha doce esposa?
Fingindo que não estava sentindo todos os tipos de vulnerabilidade, ela disse:
— Estou apenas... estou feliz. Nada mal para a minha primeira vez, hein?
Ele passou os dedos pelos cabelos dela, sua necessidade de tocá-la tão forte
quanto sua necessidade de tocá-lo.
— Mulher, você me refez — uma pausa, então: — Eu vou ouvir seu elogio
agora. Diga que você vai repetir esse encontro. Diga que se lembrará de seus
sentimentos suaves por mim, não importa o que aconteça entre nós.
Lembrar... porque ele abandonou seus termos e planejou se divorciar dela,
afinal de contas?
Tem que ser assim. Você sabe disso.
Apenas... não vá por aí. Ainda não. Com o peito apertado, ela levantou a cabeça
e segurou as bochechas com barba entre as mãos.
— Como se eu pudesse esquecer meus sentimentos suaves ou você. Você é
meu... — O que? Marido, sim. Vida? Talvez. Família? Amor?
Eu acho que... eu acho que quero seu amor. Eu acho que quero amá-lo de volta.
Um grito de guerra atravessou a noite — o grito de guerra de William.
Em um piscar de olhos, Puck a puxou e manobrou para ficar de pé. Ela gemeu,
lamentando a perda abrupta dele. Na verdade, lamentando a perda dele e ponto.
Sem tempo a perder. Enquanto se levantava com pernas trêmulas e
endireitava a saia, depois vestia o resto de suas roupas, Puck amarrou suas calças
e se armou. No momento certo.
Um borrão de escuridão bateu nele, impulsionando-o em uma árvore.
Puck e William caíram no chão em um confronto violento, um sobre o outro.
De alguma forma, eles conseguiram ferir e desarmar um ao outro.
Não que a briga fosse menos brutal sem armas. Eles começaram a usar garras
e dentes para infligir dano máximo.
— Parem — ela mandou. — Agora!
— Pensei que eu poderia lidar com isso — com os olhos vermelhos, William
parecia a encarnação da ira. — Pela primeira vez na minha vida, eu estava errado.
— Ela é minha esposa — Puck podia não ter olhos vermelhos, mas a selvageria
estava gravada em cada centímetro de seu rosto.
— Não por muito tempo.
Puck atacou, dando uma cabeçada em William e lembrando-a de Peanut; só
que Peanut não tinha chifres. As saliências perfuraram o torso de William.
Impiedoso, seu amigo agarrou o marido pela base do pescoço e torceu, quebrando
sua espinha.
Por um terrível minuto, Puck ficou imóvel. Apenas tempo suficiente para
William se libertar e dar um soco na cara do outro homem.
Seu estômago protestou.
—Eu disse chega!
Eles a ignoraram, ocupados demais rolando pelo chão mais uma vez, atacando
um ao outro. Seus grunhidos se misturaram. Sangue se espalhou.
O ritmo cardíaco de Gillian acelerou, a respiração ficando cada vez mais
agitada.
— Estou falando. Parem!
Ignorada novamente!
William agarrou uma adaga pela lâmina, o metal cortando sua mão enquanto
martelava a têmpora de Puck para pontuar suas próximas palavras.
— Você se aproveitou dela.
Puck desviou do golpe seguinte e deu um soco brutal na parte de baixo do
queixo de William.
— Ele não se aproveitou de mim. Eu implorei a ele por isso — ela saltou entre
eles e estendeu os braços. — Por favor, parem com isso.
Se algo acontecesse com um desses dois homens...
William correu em volta dela para socar Puck. Seu marido bloqueou antes de
entregar um soco — um deles carregado de magia que ele não podia desperdiçar.
William voou para trás, colidindo com uma árvore, dividindo o tronco ao meio.
Quando William veio correndo de volta, pronto para bater em Puck mais uma
vez, Gillian saltou entre eles pela segunda vez. Mas William não conseguiu parar,
sua velocidade muito grande. Mas notando-a, ele riscou passando por ela,
evitando-a com sucesso e batendo em cheio em Puck. Outro confronto violento se
seguiu.
Argh! Se ela se inserisse na briga, um deles poderia machucá-la e um culparia
o outro. A luta definitivamente terminaria em morte então.
Tendo ouvido a comoção, Galen e Pandora passaram pela linha de árvores.
Quando viram a batalha em andamento, pararam — e sorriram.
Diversão? Sério? A raiva de Gillian despertou.
— Vinte dólares que William leva o ouro pra casa — disse Galen. — E as joias
da família de Puck.
— Você está por fora — Pandora respondeu. — Puck não está deixando Willy
ganhar sua garota. Vi o jeito que ele a observa.
Vinte dólares. Nenhuma oferta de ajuda. A raiva se transformou em ira.
Formigamentos ao longo de sua nuca. Pensamentos descarrilhando. Oh, não, não,
não.
Ela pegou o frasco de xarope pendurado no pescoço. Tarde demais. Devo...
matar... todo... mundo!
Gillian agarrou Galen, levantou-o acima de sua cabeça e bateu-o em Pandora.
Vermelho impregnou sua visão enquanto seguia o par até o chão. Soco, soco, soco.
Chute, chute. O abuso que infligiu em um, ela então infligiu no outro.
Eles tentaram revidar, escapar, mas não eram páreo para sua força ou
velocidade superior. O sangue espirrou em seu rosto e ela sorriu. O estalo dos ossos
quebrados soou em seus ouvidos e ela riu com alegria maníaca.
— Gillian. Moça — a voz de Puck pareceu chamá-la de um túnel longo e escuro.
Ele estava perto. Seu marido. Ela queria matá-lo? Não, não. O pensamento a
repelia.
— Essa é a minha doce moça — dedos suaves acariciaram os cumes de sua
espinha. — Acalme-se, minha chuisle. Por mim.
Um chuisle. Ou “pulso”. Mas... o apelido não fazia sentido. Por que Puck a
chamaria de pulso? A menos que ele quisesse dizer... ela era o pulso dele, a razão
pela qual seu coração batia.
Ele já me ama?
Talvez sim, talvez não. Ela definitivamente o amava, percebeu. Não havia mais
duas Gillians diferentes lutando pela supremacia dentro dela — todas elas queriam
Puck.
Ela se apaixonou por ele, tudo bem. Caiu de cabeça, não segurou nada.
Amava a força e ferocidade dele. Amava sua calma e sua astúcia. Adorava quem
eles eram juntos.
Mas ele era mais que o amor de sua vida. Era a vida dela. Quando ele sorria,
ela derretia. Quando ele olhava para ela, ela desejava. Quando ele se aproximava,
ela perdia o foco de qualquer outra coisa.
Então ele podia ficar tranquilo. Puck Connacht permanecia invicto. Ele
ganhou a lealdade dela assim como seu coração.
E agora que ele tinha uma rainha amorosa, ela poderia ajudá-lo a unir os clãs!
Problema: ela não era suposto receber um final feliz, a menos que as Oráculos
estivessem erradas pela primeira vez na história Amaranthiana.
Disse a si mesma que podia superar qualquer coisa, até mesmo a profecia,
que lutaria pelo que queria. Também disse a si mesma que não podia arriscar
arrastar Puck com ela. Ele era um rei inato, e poderia se ressentir com a mulher
que o mantinha longe de seus sonhos.
Ela não podia fazer as duas coisas. Tinha que escolher uma ou outra.
A felicidade dele importava para ela — muito mais do que a dela! E sua
liderança importava para todos. O labirinto era uma criação de Sin e uma espiada
em sua mente. Ele era diabólico, louco e o mal. Ele tinha que ser parado. De acordo
com as Oráculos, apenas um Connacht governaria Amaranthia. Então, esse
Connacht tinha que ser Puck.
Também de acordo com as Oráculos, somente William poderia ganhar a coroa
de Connacht em nome de Puck. Mas... e se Gillian encontrasse um jeito? E se ela
matasse Sin? Puck se ressentiria com ela por isso também? Depois de ouvir carinho
em sua voz quando ele falou sobre o jovem Sin, ela pensou que ele poderia não
estar ansioso demais para se casar com a assassina de seu irmão.
Condenada se eu fizer, condenada se não fizer.
A chance de uma profecia ser besteira e a outra de ouro — não é grande. Então
ela tinha que proceder como se ambas fossem verdadeiras ou ambas fossem falsas.
Ok. Se William destronar Sin e presentear Puck com a coroa, Puck teria que
se divorciar de Gillian. Não importa o que, ele tinha que entregar seu irmão para
os Enviados.
Ele poderia se casar com uma rainha amorosa (diferente) e unir os reinos. Se
isso acontecesse, Gillian iria... o que? Ficar por aí em Amaranthia para assistir?
Nunca! Ela preferia arrumar sua mala, dizer adeus ao seu clã, Peanut, sua casa e
ir embora. Porque se ela ficasse acabaria matando a nova esposa de Puck.
Pegue o que é meu e sofra.
William esperava que o desejo de Puck e Gillian um pelo outro desaparecesse
assim que o vínculo fosse cortado. Seria? Puck algum dia iria querer ela de novo?
Ele deveria?
Os clãs a odiavam e nunca a aceitariam como rainha. E tudo bem. Ela estava
cem por cento disposta a trabalhar para conquistar todo mundo. Aldeias mais
seguras, abrigos para viúvas, órfãos e antigos membros estáveis, bem como escolas
inter-clãs. Nada mais de mandar garotos pré-adolescentes para guerrear ou treinar
garotas pré-adolescentes de como agradar um mestre.
Essa é minha promessa de campanha. Ao contrário da maioria dos políticos,
Gillian realmente seguiria em frente.
Será que outros clãs a perdoariam por erros que ela cometeu no passado?
Sem final feliz...
Merda, sua mente continuava presa nesse único pensamento.
— Moça, volte para mim — a voz gentil de Puck a chamou, envolvendo sua
mente em paz. — Essa é a minha escurinha.
Escurinha? Estou acumulando apelidos hoje à noite.
Luz filtrou através das nuvens de tempestade em sua mente. Piscando
rapidamente para se concentrar... focando... ela gemeu. Galen e Pandora jaziam
no chão, seus olhos fechados, sangue espalhado sobre a pele e as roupas.
— Eu os matei? — Ela perguntou em um tom suave.
— Eles estão vivos — Puck ficou ao lado dela, acariciando-a, oferecendo
conforto.
Quando o olhar dela o encontrou, quase perdeu sua última refeição. Um de
seus chifres pendia em um ângulo estranho. Um de seus olhos estava inchado e
quase fechado, o nariz quebrado e o lábio inferior cortado, a metade inferior do
rosto coberta de vermelho gotejando. Ele tinha cortes no pescoço e no peito, e suas
calças estavam esfarrapadas.
— Eu fiz isso a você? — ela perguntou, seu queixo tremendo. Gentilmente ela
traçou as pontas dos dedos ao redor de um dos piores cortes.
— Isso? Isso não é nada.
— Estou bem também, obrigado — William estalou.
Gillian se virou e encontrou-o em pé do outro lado. Ele estava em tão má forma
quanto todos os outros, um corte arqueando da testa ao queixo. Pedaços de sua
garganta estavam expostos, e uma de suas costelas saía de seu peito.
— Eu sinto muito — ela disse asperamente. Mais do que ele poderia saber, de
mil maneiras diferentes.
Ele não disse nada a ela, apenas moveu seu olhar estreitado para Puck.
— Não precisa se preocupar, Pucker. Eu disse que te ajudaria a recuperar sua
coroa e eu vou. E você manterá sua parte no trato. Você vai liberá-la assim que a
coroa repousar sobre sua cabeça.
Em seguida, ele se concentrou nela, e ela desejou que o chão se abrisse e a
engolisse.
— Quer você queira ou não, precisa se libertar do vínculo. Você não vai
conhecer sua própria mente, ou coração, até que esteja quebrado. — Então fez algo
que ela juraria que ele nunca faria novamente. Ele se afastou dela e, assim como
Puck, nunca olhou para trás.
Resmungando baixinho, Sin passou a andar dentro de sua suíte. Uma
ocorrência comum hoje em dia. A Oráculo tinha escapado. Não que sua localização
importasse. Ele a marcou com um rastreador mágico na sua primeira noite na
masmorra — depois de drogá-la, é claro. Ela não tinha ideia de que ele podia
encontrá-la num instante.
Acreditava que ela planejava encontrar e ajudar Puck. Para recuperá-la, Sin
teria que enfrentar seu irmão.
Não estava pronto.
A provocação final da Oráculo ressoou dentro de sua cabeça.
O dia chegará, o dia chegará em breve, cavalgando sobre as asas da fúria. A
vingança contra você será cumprida.
Puck poderia se vingar, mas não prevaleceria. Como podia?
Se a mais nova previsão fosse verdadeira, Puck falharia em matá-lo. Porque
Sin encontraria sua “amada” depois. E então, só então, perderia a cabeça.
Não quero matar meu irmão, mas não posso deixá-lo me matar.
Sin bateu com o punho na parede, quebrando pedras. Suas juntas latejaram
enquanto poeira cobria o ar. Sangue escorria da pele rasgada, manchando o tapete
de pele que sua mãe escolheu... mas há tanto tempo.
Cada gota carmesim o lembrou da noite que amaldiçoou Puck. Seu irmão
entrou na tenda de guerra encharcado do sangue de seus inimigos, agarrando
orgulhosamente a espada do rei Walsh.
O que Sin fez — “presentear” seu irmão com indiferença — ele tinha
considerado um mal necessário. Mas não havia tal coisa como mal necessário,
havia? Apenas o mal fingindo ser bom. Desculpas, desculpas.
Ele deixou a profecia ditar suas ações? Sim. Transformou uma suposição
numa profecia autorrealizável? Possivelmente.
Faria isso de novo? Inequivocamente.
Nenhuma outra maneira de nos salvar.
Exceto, e se houvesse outro jeito? E se pudesse ter passado esses séculos com
Puck, trabalhando juntos como planejado?
Não, não. Impossível. A maior fraqueza de Puck também era sua maior força:
sua possessividade. Apesar do que alegou — que iria co-governar com Sin —
considerava o clã Connacht dele. Os outros clãs também. Todo o reino, na verdade.
Dele, dele, dele.
Puck tentou contornar a profecia nunca dormindo com a mesma mulher duas
vezes, nunca estabelecendo uma reivindicação, nunca arriscando se apaixonar,
nunca alimentando o desejo de se casar com uma rainha amorosa. Mas um dia ele
teria cedido.
No momento que seu pai anunciou o noivado de Puck com a princesa, Sin viu
seu irmão saltar e ele soube a verdade. Puck tinha acabado de pensar: ela é minha.
Eu o ajudei a abandonar essas tendências tolas. Dei-lhe paz. Ele não conhece
medo, impaciência, culpa ou fracasso.
E como Puck o agradeceu? Trazendo um grupo de imortais para Amaranthia
para usurpá-lo.
A esposa o amava?
Quando Sin passou por um espelho, avistou uma imagem que odiava acima
de todas as outras — a borboleta tatuada no peito.
A marca do seu demônio. A marca de Paranoia.
Puck não tinha ideia de que Sin estava possuído. Sin não sabia também. Não
a princípio. Não até a Rainha Vermelha aparecer para ele uma segunda vez e
explicar o que tinha acontecido com ele.
No reino vizinho, as conversas de paz de Sin não foram produtivas. O outro
reino não o temia, riram na sua cara, de qualquer sugestão que fizesse. Odiava o
pensamento de retornar para Puck com fracasso. Ah, a humilhação!
Na noite anterior à sua volta para casa, a Rainha Vermelha apareceu para ele
pela primeira vez e ofereceu uma solução: uma caixa cheia de joias contendo o
poder necessário para fazer com que qualquer reino o temesse. Tudo o que tinha a
fazer em troca? Apresentar seu irmão com uma caixa sua numa noite de sua
escolha.
Esperando impressionar Puck com suas habilidades — querendo que Puck
tivesse o mesmo poder — Sin aceitou e abriu a caixa. Momentos depois, uma névoa
negra com olhos vermelhos se levantou e saltou em seu corpo.
O demônio da Paranoia o possuiu, dominou e Sin explodiu numa fúria
enlouquecida, massacrando seus próprios homens.
Tudo o que Puck experimentou durante sua posse, Sin experimentou semanas
antes. Escuridão horripilante. Melancolia sem fim. A perda total de controle. Mas
valeu a pena. O poder! O medo que tinha inspirado nos outros! A Rainha Vermelha
não mentiu.
Agora Sin deu uma risada amarga. Nunca quis machucar Puck. Só queria
morar em Amaranthia juntos, para sempre. Se Puck não mais considerasse a coroa
de Connacht como sua e não mais desejasse unir os clãs, então a profecia seria
anulada e tudo ficaria bem.
Mas depois de sua posse, Puck não tinha se importado com Sin.
Devo matá-lo antes que me mate.
Não! Sin bateu com os punhos em suas têmporas. Nunca!
— Fique em silencio!
Que pensamentos se originavam em sua mente e que pensamentos vinham
do demônio? Não sabia mais a diferença. Ele já soube?
Matar Puck. Matarpuck. MATARPUCK.
Saliva espalhando pelos cantos de sua boca, Sin desencadeou uma torrente
de magia, fazendo com que uma parede de areia se formasse diante do espelho. No
centro, uma imagem de Puck e sua comitiva apareceram. O grupo de cinco viajava
pelo labirinto de Sin, tão perto do fim. Apenas mais um desafio e uma porta se
abriria, levando a um posto avançado de Connacht — uma medida de segurança
no caso do próprio Sin ficar preso.
Um rei tinha que planejar para cada eventualidade.
Além disso, uma parte de Sin — o garoto que costumava ser, talvez — esperava
que Puck encontrasse um jeito de atravessar.
Tinha que haver uma maneira de viverem juntos em harmonia. Pense! Sin
trabalhou em quebra-cabeças muito mais complicados no passado e teve sucesso.
O problema era a profecia. O que significava que a solução também era a
profecia. Evite que algo aconteça e nada aconteceria. Mude uma variável, mude
todas as variáveis.
A variável de que toda a profecia dependia? A esposa amorosa.
Se Sin removesse a Saqueadora de Dunas da foto...
Poderia realmente machucar a mulher do seu irmão?
Sem dúvida nenhuma, a voz dentro de sua cabeça sussurrou. Uma voz
sombria. Sedutora. Caso contrário ele vai te matar ou você vai matá-lo. É isso que
quer?
Não, não. Claro que não.
Muito bem então. Está decidido. A garota tem que morrer.
Primeiro problema: Puck e Gillian estavam ligados. Se ela morresse, Puck
morreria. Talvez Sin a capturasse e a trancasse na masmorra, onde poderia passar
o resto da eternidade.
Puck estaria disposto a barganhar pela segurança dela?
Sin teria apenas duas exigências. (1) Puck o perdoar. (2) Puck o amar
novamente.
Opção dois. Sin matar a esposa — e Puck. Poderia finalmente se casar com
sua princesa; ela o amaria então. Ela teria que fazer isso. As oráculos disseram que
sim. Sin uniria os clãs sozinho.
Pensei que queria evitar isso?
Idiota! Uma vez que cumprisse a profecia, todos os seus problemas
desapareceriam.
Então, isso estava decidido. Ele mataria a esposa — e seu irmão.
Embora uma pontada atravessasse seu peito, Sin saiu de seu quarto e
chamou seus guardas. Determinação dirigia seus passos. Estava na hora. Passada
da hora de terminar a guerra com Puck. De um jeito ou de outro.
Os guardas o acompanhariam e serviriam de escudo, enquanto Sin rastreava
a Oráculo. Esperançosamente ela não teria encontrado e avisado Puck das
intenções de Sin — ainda. Se tivesse, bem, ele iria lidar.
Dois de seus homens marchavam na esquina, mas nenhum dos dois
encontrou seu olhar.
— Rei Sin — disse um, movendo-se nervosamente. — Como podemos ajudá-
lo, ó grande?
Nervoso? Eles me traíram de alguma forma. Provavelmente vão tentar me matar
em nossa jornada, quando eu menos esperar.
Mudança de planos. Sin iria sozinho.
Ao se deparar com os soldados, puxou suas espadas curtas. Sem uma pausa
em seu passo, removeu suas cabeças.
— Me traiam agora.

***

Hades descansava em seu trono, seus braços repousavam em seu colo, suas
pernas estendidas na frente dele, seus tornozelos cruzados. Uma pose
enganosamente casual. Seus homens se foram, dispensados pelo dia. Os outros
reis retornaram aos seus reinos, protegendo seus súditos da ira de Lúcifer e da
guerra cada vez mais violenta ocorrendo no submundo. Mas Hades não estava
sozinho.
Seu olhar foi para seu espelho favorito. Siobhan, a deusa de Muitos Futuros,
estava presa lá dentro, seu ódio por ele emanando do vidro. Ela tinha a capacidade
de ver os próximos dias, semanas, anos e ver os diferentes caminhos que uma
pessoa podia seguir. Ela então tinha uma escolha: mostrar os resultados ou não
mostrá-los. Até agora, não mostrou a Hades nada de importante.
Se tivesse vivido em Amaranthia, ela seria anunciada como uma Oráculo.
Certa vez, ainda adolescente, pediu a Hades que se casasse com ela. Disse a
ele que estavam destinados. Claro, Hades a rejeitou. Casar? Ele? Risível! Casar
com uma criança? Nunca! Podia ser um homem sem bússola moral, mas até ele
tinha um limite.
Embora, essa adolescente em particular tivesse procedido a assassinar a
sangue frio todas as amantes de Hades. Passado, presente e — aparentemente —
futuro. Então, como qualquer homem racional, providenciou que ela fosse
amaldiçoada no espelho até que aprendesse sua lição: não mexa com Hades.
— Ainda está aprendendo, obviamente — ele disse.
Queria tanto saber o que estava vindo para ele. William salvaria Amaranthia
e a si mesmo?
Hades enviou Rathbone e Pandora para ajudar, adicionando Galen no último
minuto. Se uma evacuação aérea fosse necessária, as asas seriam úteis. Além disso,
o guardião do Ciúme e da Falsa Esperança faria qualquer coisa pela mulher que
desejava... e Hades a escondeu onde o guerreiro não poderia alcançá-la sem
permissão.
Faça o que digo e as visitas serão encorajadas. Me traia e assista enquanto eu
seduzo o que você deseja.
Pelo direito de ver Legião, Galen faria qualquer coisa para manter William em
segurança. Até mesmo matar a garota, Gillian, se tal ação fosse necessária.
Mesmo assim, Hades deveria ter ido ele mesmo. Em vez disso, voltou para
casa para reprimir outra rebelião estimulada por Lúcifer.
Agora Hades não podia entrar em Amaranthia. O escudo o detia a cada
tentativa. Precisava de Rathbone, mas não conseguia se comunicar com o guerreiro,
apenas William, e William não tinha ideia de onde Rathbone estava. William tinha
até riscado de volta ao último local onde viu o macho, mas Rathbone, Cameron e
Winter já haviam se movido.
— Deve saber que sou o tipo de homem que vai reunir sua família e seus entes
queridos e assassiná-los bem na sua frente — disse ele. — Se é isso que quer,
continue não me mostrando nada. Estou feliz em te obrigar. Ou talvez ainda me
considere seu homem predestinado? Talvez se oponha a me ver transando com um
batalhão de mulheres.
Nada. Nenhuma reação.
Muito bem. Faria o que prometeu. Porque nunca fazia ameaças vãs, apenas
promessas.
A parte de trás do pescoço de Hades subitamente se arrepiou. Alguém se
aproximava.
Ocultando o espelho com invisibilidade, deslizou de pé. Na hora certa. A
Rainha Vermelha apareceu no centro de sua sala do trono, uma visão de beleza
doida de pedra com seu cabelo pálido em rolinhos e seu corpo vestindo apenas um
sutiã rosa e calcinha rendada. Uma perna tinha creme de barbear espalhado da
coxa ao tornozelo.
Ele sorriu um sorriso genuíno.
— A que devo o prazer de sua companhia, meu doce?
Ela fez hmpf.
— Primeiro, não sou seu doce. Nunca fui, ou você não teria me vendido por
um barril de uísque e continuaria todo feliz com sua vida enquanto eu fui torturada
e aprisionada.
— Ofensas banais. Fiz muito pior a outros.
— Não está errado. Mas, sou o doce de Torin, e ele é muito louco por mim. —
Inchada de orgulho, ela afofou seus rolos. — Em segundo lugar, vim para avisá-lo.
Seus ombros se enquadraram com um único movimento brusco.
— Diga-me — Keeley também seria conhecida como uma Oráculo em
Amaranthia. Uma vez, teve vislumbres rápidos do futuro. Ultimamente tinha
longos olhares.
— Alguém que amamos vai morrer — disse ela. — Eu sinto isso.
Hades ficou tenso. Havia apenas uma pessoa que ambos amavam. William.
Puck sabia que tinha chegado a uma séria encruzilhada.
Apenas algumas horas antes, experimentou total e completa satisfação. Seu
primeiro clímax dentro de uma mulher em séculos. Seu primeiro clímax dentro de
sua mulher, desde sempre. Necessidade o tinha governado. Uma necessidade de
possuir Gillian, de reivindicá-la e marcá-la. De enchê-la, dois corpos que se
tornaram um.
Esteve louco de luxúria por ela. Ainda estava. Ansiava por aproveitar o depois
do sexo. Merecia isso. Um dia, vou matar William por interromper o melhor momento
da minha vida.
O filho de Hades ficou longe do acampamento na maior parte da noite, Galen
com ele. Pandora patrulhou o perímetro e, apesar dos berros altos do demônio
dentro da cabeça de Puck, ele permaneceu em alerta por qualquer sinal da magia
de Sin.
Sentiu uma aparente sensação de desgraça, que só o fez querer apertar Gillian
em seus braços e nunca a soltar. Mas quando tentou abraçá-la há alguns minutos,
ela se libertou para andar em volta da fogueira.
Ela agoniza — por causa dele. Pelo homem que ela amava; o homem que
sempre amaria.
Destruído, Puck só podia observá-la e ansiava por seu gelo. A cada minuto
que passava, era machucado por dentro — mais cru — ferido de maneiras que
nunca imaginou ser possível.
Pensava ter desfeito todos os laços familiares. Sem laços, sem traição. Gillian
o fez mudar de ideia.
Ter um laço com outra pessoa, a pessoa certa, não o torna vulnerável a
ataques; isso te fez mais forte. Veja o que aconteceu com Indiferença. Gillian ajudou
a reduzir o demônio a uma criança chorona. A família dava a você uma base sólida
sobre a qual se apoiar. Quando as tempestades chegavam, tinha alguém lá para
ajudá-lo se caísse.
E talvez as emoções de Puck não fossem tão ruins, afinal. A satisfação em seu
peito toda vez que olhava para sua esposa... a conclusão que encontrou nos braços
dela... valia qualquer dificuldade.
Mas William permanecia um problema. Os sentimentos de Gillian pelo outro
homem não eram românticos, ou isso era o que ela acreditava. Mas romântico ou
não, esse amor ligava os dois. E, no fim do dia, seu vínculo com William era maior
que seu vínculo com Puck. Porque ela escolheu William com o coração; ela fez uma
escolha sem coação.
Não importa. Puck tinha decidido lutar por ela, e iria. Nada, nem mesmo isso,
iria detê-lo. Ele a faria amá-lo, mesmo sem o vínculo. Asseguraria que ela o
escolhesse agora e para sempre.
Sempre em frente.
Mas como? Como a alcançaria?

***

Gillian passeava diante da fogueira, sua cabeça um labirinto tão perigoso


quanto o de Sin. Suas tarefas foram definidas. Adquirir tudo que Puck queria,
apaziguar William, cumprir ou anular ambas as profecias com finais satisfatórios
para todos os envolvidos, fazer outros clãs gostarem dela e ajudar todos a viverem
felizes para sempre pelo resto da eternidade.
Cada um sozinho era impossível, mas todos?
Primeiro, teria que impedir William de ganhar a coroa de Connacht. Se
falhasse, se Puck se recusasse a aceitar, teria que encontrar uma maneira de forçá-
lo. Além disso, tinha que operar sob a suposição de que ele a desejaria depois que
usasse as tesouras — nenhum outro resultado era aceitável. O que significava que
ela ainda tinha que encontrar uma maneira de contornar seu final infeliz previsto.
Esqueça sobre fazer os clãs gostarem dela. Poderiam odiá-la tudo que
quisessem. Eles só tinham que fazer o que ela mandasse.
Ok. Uma tarefa riscada da sua lista.
Agora, descobrir como manter Puck sem comprometer o futuro dele. E tinha
que mantê-lo. Ele era o homem dela — o seu pulso.
Ele devia amá-la tão profundamente quanto ela o amava. Mais de uma vez se
colocou em risco apenas para ficar com ela. De muitas maneiras, eles se
equilibravam. Às vezes ele sentia muito pouco e ela sentia demais. Ele a pegava e
todo seu bobo “e se”. Respeitava sua habilidade de batalha e nunca tentava deixá-
la para trás.
Uma presença atrás dela, calor, fragrância única do marido. Gillian girou e
ficou cara a cara com um Puck de aparência selvagem. Seu peito subia e descia em
rápida sucessão, cada respiração ofegante e superficial.
Para um homem que não sentia nada, além de um buraco e vazio por séculos,
ele projetava muitas emoções agora. Completa fome. Desejo. Adoração. Afeição.
Ele definitivamente me ama.
— Você. É. Minha. — Sua voz era tão áspera que arranhava seus ouvidos. —
Disse que sim e você não mente. Eu serei seu, tudo que você quer, tudo que precisa.
Para sempre. — Ele puxou as roupas dela. Top, desaparecido. Saia, arrancada.
Calcinha, rasgada. — Nua desta vez.
Esqueça o tumulto, a incerteza. Aproveite o momento!
— Nua — ela concordou, e puxou a roupa dele enquanto o desejo a escaldava.
Quando ele estava nu, deslizou as palmas das mãos atrás das coxas dela,
pegou-a e levou-a até os sacos de dormir, onde caiu de joelhos. Nunca abrindo mão
do seu aperto, pressionou seus lábios contra os dela, e enfiou a língua em sua boca,
acariciando.
Ela o encontrou golpe com golpe tentador, derramando-se no beijo, dando-lhe
tudo, mas também tomando. Rendendo-se, mas também exigindo rendição.
Cedendo seu coração enquanto se esforçava para conquistar o dele. E pensou... ela
pensou que ele estava fazendo o mesmo com ela.
Tensão irradiava dele, cada ação agressiva. Mais. Perdida de prazer, Gillian
arranhou suas costas, esfregou os seios contra o peito dele e se esfregou em cima
de sua ereção.
Com um grunhido, ele a empurrou de costas. Permaneceu de joelhos, bebendo
cada centímetro dela, e mesmo isso era agressivo. Seu olhar a devorava. Ele traçou
a ponta do dedo ao redor de cada um dos seus mamilos, ao longo do plano de seu
estômago... entre a carne úmida e tenra no ápice de suas coxas.
Com as pálpebras semicerradas, ele passou a língua pelos dentes.
— Minha esposa é mais requintada a cada vez que olho para ela. Quero ver
mais — ele colocou os pés dela em seus quadris e empurrou os joelhos dela mais
afastados, abrindo-a, deixando-a vulnerável.
Tremores se espalharam por ela. Ela ofegou seu nome.
— Sua esposa precisa. — Enquanto o olhar dele a devorava, seu olhar o
devorava. Ele era todo músculo duro e tendão delicioso. Pele morena impecável e
lindas tatuagens. Entre as pernas, a ponta do seu eixo de dar água na boca brilhava.
— Precisa de mais prazer? Ou de mim?
— Você é prazer. Você, só você.
Ele se inclinou pra frente, seu peso apoiado nas mãos, sua expressão feroz. O
suor brilhava em sua pele enquanto a luz do fogo cintilava sobre ele. Seus olhos...
ela ofegou. Como algum dia pensou que eles eram como carvão gelado? Aqueles
olhos queimavam.
Aqueles olhos faziam promessas. Vou te amar sempre. Vou te mimar. Vou lutar
para te dar o mundo.
Pucky vai ser muuuuito sortudo.
Ele se arrastou para trás, parando pra passar a língua e chupar os mamilos
até ficarem pequenos pontos duros. Enquanto ela se contorcia, levantando os
quadris numa tentativa de se esfregar nele, ele beijou o centro de seu estômago.
Moveu-se mais pra baixo, a barba por fazer deixando riscos cor-de-rosa atrás —
marcando-a.
Ele deixou sua boca pairar sobre seu osso púbico e a antecipação quase a
matou. Sua temperatura subiu, febre se instalando, transformando o ar em seus
pulmões em vapor.
— Devo ter outro gosto — ele abaixou a cabeça, a respiração quente
acariciando seu lugar mais íntimo. Então se acomodou, ficando confortável, como
se planejasse ficar lá por algum tempo. Então lambeu.
Ele fez pequenos rosnados em resposta.
— Meu mel. Meu vinho.
Misericórdia! Tremores a abalavam, acariciando suas terminações nervosas já
eletrificadas.
Ele lambeu um pouco mais, chupou. Pressionou sua língua no coração
latejante dela e investiu dois dedos inteiros dentro dela, fincando sua inegável
reclamação; ele corcoveou contra sua boca.
Ainda assim ele lambeu.
— Nunca vou ter o suficiente — disse ele, pontuando cada palavra com outro
impulso desses dedos, outra pressão de sua língua. Com cada movimento, tornava-
se ainda mais agressivo.
Ela não podia... ela ia...
— Puck! — O nome dele explodiu em seus lábios quando chegou ao clímax,
quando o prazer a encheu, estraçalhou, matou e a refez. Ela foi superada,
avassalada.
Ele ficou de joelhos. Inclinando-se, usou seus quadris para se encaixar entre
as coxas dela.
— Não posso esperar — depois de se posicionar em sua entrada, arremeteu
dentro dela.
Ele grunhiu em aprovação. Ela gritou de felicidade, chocada num segundo
orgasmo. Não era mais Gillian Shaw, Gilly Bradshaw ou qualquer outro nome que
tenha usado no passado. Era a mulher de Puck. Pertencia a ele, e ele pertencia a
ela. Meu homem.
Minha casa.
— Tão molhada. Tão apertada. — Ele fez uma pausa, baixando o olhar para
ela com concentração, como se estivesse memorizando suas feições. Estava
ofegante, cada respiração trabalhosa. Uma gota de suor escorreu do cabelo dele,
descendo por sua bochecha, caindo pela linha de sua mandíbula, e se
esparramando no ombro dela. Mesmo que agisse como um estimulante, a gota
chiou antes de evaporar.
— Mova-se dentro de mim — ela implorou, sua voz esfarrapada.
Ele o fez. Entrou e saiu. Lentamente. Encheu-a e consumiu. Deslizando pra
dentro e pra fora. Ganhando velocidade. Agonia e êxtase.
— Você me enluva tão perfeitamente, moça. Seu... sou seu. Sempre — ele
empurrou novamente e de novo. Mais forte. Quanto mais empurrava, mais
frenético ficava, levando-a a precisar de mais.
Gillian arranhou as costas dele, mordeu o tendão do pescoço e prendeu os
tornozelos na parte inferior das costas. A pressão continuou a crescer dentro dela.
Numa tentativa de atraí-lo de volta, ela arqueava os quadris toda vez que ele se
retirava. Por muito tempo, esteve vazia e sozinha. Agora ela pertencia.
Foi reivindicada — possuída.
Puck a pegou pela nuca, agarrando seus cabelos.
— Me dê seu prazer. Tome o meu — enquanto ele olhava dentro dos olhos, a
satisfação chamava...
Impotente para resistir.
Gillian gritou seu nome, suas paredes internas apertando e soltando em seu
comprimento.
— Você está me fazendo gozar, moça. Fazendo-me... — Rápido como um piscar
de olhos, ele se ajoelhou e a puxou sem sair de dentro. A nova posição o levou mais
fundo. Para garantir que ela sentasse em cima dele, passou os braços ao redor dela,
segurando-a ancorada contra ele. Peito com peito. Homem e mulher. O cabelo dela
caiu ao redor deles, uma cortina de seda escura protegendo-os do resto do mundo.
— Minha Gillian. Toda minha.
— Meu Puck. Todo meu.
Ruídos irregulares os deixaram quando ele martelou dentro dela. Quando ela
passou o lábio inferior entre os dentes, ele perdeu todo o controle, enlouquecendo.
Batendo, batendo, batendo. Uma das mãos dele agarrou o cabelo dela, puxando. A
outra agarrou a bunda dela, batendo, e foi lindo, cada segundo, cada movimento.
— Gillian! — Ele berrou para o céu e manteve os quadris firmes enquanto
jorrava dentro dela, dando tudo a ela... assim como ele é meu tudo...
A exaustão se instalou, juntando-se ao seu contentamento, deixando Gillian
mole enquanto se aconchegava ao lado de Puck. A cabeça dela descansava no oco
do pescoço dele, um saco de dormir jogado a esmo sobre os dois. Preguiçosamente
ele passou os dedos pelo cabelo dela, uma delícia hipnotizante e drogada, mas ela
não conseguia dormir. Ou melhor, não dormiria. Permanecia em alerta para
qualquer possível ataque.
Enquanto os sóis se erguiam, a luz filtrava através das copas das árvores,
destacando o peito gloriosamente nu de Puck. Sabendo que não havia nenhum
botão-soneca enquanto estava em missão, ela percebeu que tinha cinco ou dez
minutos antes de ter que se levantar e se vestir. Além disso, os outros voltariam
em breve. Na verdade, percebeu que William ficou longe de propósito, não querendo
lidar com o que encontraria — de novo.
Não vou me sentir culpada.
Quando desenhou um coração sobre o peito de Puck, ele disse:
— Você tem afeição por mim, moça?
— Eu não provei isso?
— Preciso de palavras.
Seu peito se apertou.
— Sim, Pucky. Eu tenho afeição por você.
— Você se diverte comigo?
— Sim — ela respondeu prontamente desta vez, só então percebendo para
onde ele estava indo. — Também me sinto aceita e apoiada quando estou com você.
Mais do que já tive com mais qualquer outra pessoa.
Ele assentiu como se estivesse satisfeito.
— Seu aniversário está chegando.
— Está? — Ela perdeu a noção.
— Apenas duzentos e doze dias de distância.
— Um virar de esquina, então — disse ela com uma risada. — Quando é seu
aniversário?
Ao som de sua risada, ele irradiou satisfação.
— Não sei — ele finalmente respondeu. — Parei de comemorar assim que fui
tirado da minha mãe.
Coração apertado.
— Bem, então celebraremos seu aniversário quando celebrarmos o meu.
Ele ficou tenso, o que a fez ficar tensa. Não achava que ficariam juntos por
tanto tempo?
— Se não conseguirmos encontrar Sin no tempo previsto, vou usar as tesouras
e garantir que você saia do reino — ele admitiu, sua voz pesada... com medo? —
Não vou deixar você morrer com Amaranthia.
Não!
— Não vou deixar você morrer também. Tem que haver uma maneira de
conseguir tudo. A coroa. Vingança para os Enviados. Nosso casamento. — Então
por que meu estômago se contorce de medo, como se eu soubesse que ele está certo?
— Eu amo você, Puck. Não quero desistir de você, mas também não quero que
desista do seu clã.
— Você me ama? — Ele sentou olhando para ela, e bateu no peito.
— Sim, seu bobo. Eu te amo. E você me ama.
O aviso — concorde comigo — voou bem acima da cabeça dele.
— Você me ama. Minha Gillian me ama. — Reverência iluminou seu rosto.
Então ele estreitou os olhos. — Você ainda o ama?
— Sim — ela admitiu, e ele ficou tenso de novo. — Sempre vou amá-lo. Como
amigo. Apenas como amigo. Por favor, acredite em mim.
Fúria silenciosa — isso é o que ele era naquele momento. Enchia seus olhos,
pulsava de seu corpo e o manteve rígido como uma pedra.
— Querida, estamos em casa — uma voz chamou, e ela se saltou de pé, seus
seios pulando. — Mas não se apresse por nossa causa. Estou gostando do show.
A uma curta distância, Galen pairava no ar. Ele balançou as sobrancelhas cor
de areia, sem vergonha de seu voyeurismo.
Movendo-se rápido, embora não tão rápido como de costume, Puck agarrou
uma das pedras que circulavam a fogueira e jogou.
— Ninguém olha para ela além de mim.
O míssil atingiu a asa de Galen, fazendo-o cair no chão. Quando ele se
levantou, Peanut galopou e deu uma cabeçada perfeita.
Gillian se apressou a se vestir ao lado do marido, dizendo:
— Bom menino.
— Obrigado pelo aviso, a propósito — resmungou Galen.
Passos soaram enquanto Puck arrumava as calças. Ela olhou para cima
quando William e Pandora saíram da linha de árvores.
Recusando-se a encará-la, William desviou-se dela, pegou sua mochila e
montou sua quimera. Ui!
Pandora lançou-lhe um olhar de desculpas.
— Vamos guardar a discussão para mais tarde e sair.
Gillian apressou-se em reunir seus pertences. No momento que se sentou em
cima de Peanut, os outros estavam bem à frente dela. Todos menos Puck, que
esperava por ela.
— Sinto muito — disse ela — mas tenho que falar com ele.
Um músculo flexionou em sua mandíbula, mas ele assentiu. O trovão estalou,
sacudindo-a enquanto avançava para se aproximar de William. Um vento frio
soprou, fazendo com que seu cabelo batesse em suas bochechas. Uma tempestade
se formava, o céu agora escurecendo.
— Fale comigo — ela implorou. — Por favor.
Eeeee ainda assim ele a ignorou, nunca relaxando sua postura.
— Ok, vou falar e você vai me ouvir. Nunca fiz promessas a você, Liam. Na
verdade, fiz exatamente o oposto. Eu falei que não estava interessada em você
romanticamente. Disse que queria Puck.
Agora ele rosnou, virando-se para encará-la, seus olhos azuis num momento,
vermelhos no outro.
— Você nem sequer se desculpa, não é?
Desculpa-se por estar com Puck? Nunca!
— Eu só lamento por ter te magoado. Mas se pensar sobre isso, você está feliz
por eu ter me voltado para outro homem.
Suas narinas se alargaram quando ele inalou bruscamente.
William não estava de luto por sua perda, não estava arrasado ou sequer com
ciúmes. Naqueles olhos extraordinários, ela viu raiva, mágoa e orgulho ferido.
Um retumbar no peito dele, quase combinando com o trovão no céu.
— Nós já voltamos — ele desmontou, dizendo aos outros: — Não venham nos
procurar. — Ele forçou Gillian a desmontar, não que ela colocasse qualquer tipo
de luta, então pegou a mão dela e a arrastou para longe do grupo em direção a um
bosque de árvores.
— Não há tempo para isso — Puck falou.
Não olhe para trás. Não...
Ela olhou para trás. Fique. Por favor, ela fez com boca. Precisava discutir as
coisas com William de uma vez por todas.
Puck a encarou até o último segundo possível, sua expressão ilegível, seu peito
subindo e descendo com respirações rápidas e trabalhosas. Então os galhos das
árvores se juntaram, escondendo-o de vista.
Ela engoliu em seco, rasgada. Instintos femininos gritavam, retorne para ele.
Agora.
Não, não. Ela tinha que terminar isso.
William parou abruptamente e deu meia volta para encará-la.
— Você é minha, e ainda assim se virou para aquele... aquele... homem bode.
Ela botou as mãos nos quadris.
— Ele pode ser um homem bode, mas é o meu homem bode.
— Eu te disse que o vínculo afetaria você. Eu te disse para esperar até que
estivesse livre.
— Também me disse para expandir meus horizontes.
— Um momento de insanidade.
— Talvez sim, talvez não, mas aqui está a verdade pura e simples. Fiquei
intrigada com Puck antes de nos unirmos.
— Não — ele olhou furiosamente para ela. — Está enganada. Muitos anos se
passaram para você. Séculos. Suas lembranças estão distorcidas, o que é
compreensível em mais de uma maneira. Você estava doente na época. Se ele fosse
seu companheiro predestinado, você não iria gostar de passar tempo comigo, não
riria comigo ou sentiria minha falta quando eu partisse.
Homem teimoso!
— Pode querer repensar seu argumento, Sempre Excitado. De acordo com sua
lógica, você teria mantido seu joystick dentro de suas calças se eu fosse sua
companheira predestinada. Não teria dormido com todas as mulheres da criação.
Teria considerado o celibato um privilégio enquanto esperava por mim.
Um faiscar de ultraje, rapidamente abafado.
— Você era uma criança.
— E você um imortal. O tempo não é nada pra você. Esperar dois anos seria
tão difícil? De verdade?
Outro trovão. Um raio iluminou o céu, destacando o belo rosto que ela amava...
como amigo. Um irmão. O pai que desejava que tivesse.
— Eu esperei, só não do jeito que você queria — ele disse numa voz áspera. —
Ou esqueceu a noite em que te encontrei no meu apartamento?
Um rubor de vergonha aqueceu as bochechas dela.
— Sabe o que quero dizer.
Ele abriu os braços, todo olhe para mim agora.
— Não estive com ninguém desde que cheguei aqui.
— Passou uma semana inteira? Que força! Quanta força de vontade! Deve
estar tão orgulhoso.
O silêncio se estendeu entre eles enquanto ele olhava para ela duro,
estudando-a. Então esfregou a mão pelo rosto.
— Por que estamos discutindo a respeito disso? Ou tem medo de que eu vá
embora antes que seu precioso Puck seja rei? Bem, não se preocupe mais. Matarei
o irmão dele e darei de presente a Puck a coroa de Connacht. Em troca, ele cortará
seu vínculo com você, como combinado, e você perceberá que eu estava certo o
tempo todo. Você implorará pelo meu perdão. Um dia, posso até conceder isso.
Ele estava de brincadeira?
— Você vai me perdoar? — A cada palavra, seu volume aumentava. — Não
quero seu perdão, William. Não fiz nada de errado.
— Você fez tudo errado!
Ela piscou e William mudou. Lá se foi foi o brincalhão gentil que ela conhecia
e amava. Em seu lugar estava o guerreiro vingativo que a encontrou segundos
depois de se casar com Puck. Asas de fumaça negra saltaram de suas costas. A
mesma fumaça parecia se ramificar em torno de seus olhos, como se ele tivesse,
de alguma forma, colocado uma máscara. Esses galhos se estendiam sobre as
maçãs do rosto, o contraste perfeito com os raios que apareciam sob a superfície
de sua pele.
Ela esperava que ele gritasse, bradasse e reclamasse. Olhos como feridas, ele
disse:
— Você partiu meu coração, Gillian.
Não. Não. Não posso machucá-lo.
— Eu nunca quis te causar dor.
Ele estava letalmente quieto enquanto riscava para uma árvore a poucos
metros de distância e batia com o punho no tronco. De novo e novamente, até uma
metade do tronco se separar da outra.
Lágrimas borravam sua linha de visão e riscavam suas bochechas.
— Eu sinto muito. Eu sinto muito — ela balbuciou.
— Você nunca sequer me deu uma chance. — Passos comendo a distância
num ritmo alarmante, ele se aproximou dela. — Eu disse a ele que não tocaria em
você e algumas vezes sempre mantenho minha palavra. Mas nunca disse que não
iria te beijar.
Finalmente ele estava lá, de pé diretamente diante dela, abaixando para
pressionar sua boca contra a dela. Sua língua passou por seus lábios e dentes para
acariciá-la por dentro.
O beijo a devastou, mas não do jeito que ele esperava. O beijo partiu seu
coração. Tudo que ele provou foi a água salgada de suas lágrimas.
Ela adorava esse homem, mas não conseguiu retribuir o beijo. Nem para dar
a ele o encerramento, nem mesmo para dizer adeus. Gillian não podia, não trairia
o marido dessa maneira.
Com as palmas das mãos achatadas contra o peito de William, ela o empurrou
para longe.
— Pare, Liam. Pare.
Sua mente notou o ritmo lento do coração dele — não estava acelerado com
uma paixão grande demais para ser negada.
Suas lágrimas continuaram a cair, um soluço borbulhando dela. Seus olhos
azuis elétricos não ficaram atordoados quando a estudaram pela segunda vez,
estavam confusos e tristes. Tão incrivelmente tristes.
— Shh, shh — disse ele. Ele estendeu a mão para pegar as lágrimas dela com
os polegares. — Vai dar tudo certo. Tudo ficará bem.
Será? Tanto era desconhecido. Tanto estava inacabado.
— Eu te amo — disse ele.
— Eu sei. Também te amo. Isso nunca vai mudar. — Mas o que ela sentia…
nunca foi amor romântico. No fundo, uma parte dela sempre soube, mas outras
partes dela confundiram proteção e segurança com paixão adolescente, e desespero
com luxúria.
Outro soluço escapou dela.
— Sinto muito — ela sussurrou.
— Não, gatinha. Não. Não se desculpe. Eu menti antes. Você não fez nada
errado.
Um momento atrás, ele não tinha certeza se podia perdoá-la. Agora a estava
consolando.
— O que mudou?
— Não posso fazer isso. Não posso te magoar. Você significa demais para mim.
E eu...
Ela esperou que ele dissesse mais. Ele não fez isso.
— Diga-me — ela implorou.
Ele suspirou, seu hálito quente abanando a coroa de sua cabeça.
— Você beija muito mal. Tipo, muito mal mesmo.
Ela soltou uma risada inesperada.
— O mesmo para você, Sempre Excitado.
— Eu te amo muito — disse ele, apertando-a. — Mais do que já amei outra.
Olá, novas lágrimas.
Ele gentilmente a pegou debaixo do queixo para guiar seu olhar de volta para
o dele. O que ela viu? Ternura. Compreensão. Desapontamento.
— Vivi muito tempo. Já ouvi milhares de pessoas, tanto imortais quanto
mortais, falarem sobre o poder de um único beijo. Como um beijo pode te mudar
para sempre, arruinando você para outro amante. Um beijo pode te ensinar,
acalmar ou incitar. Seu beijo... senti seu amor por ele. Achei estranhamente...
bonito.
— William — ela sussurrou, angustiada. — Nunca quis te magoar.
— Eu sei, boneca. Eu sei. — Ainda tão gentil com ela. — Vou me recuperar.
Sempre me recupero — disse ele. — E não pense que sou o fã número um de
Puckillian. Não mudei de ideia. Acredito que o vínculo é responsável por isso, mas
não vou... — Ele enrijeceu, franziu a testa. — Hades está gritando comigo. Perigo.
Morte. Perto.
Magia? Ela pensou enquanto uma brisa soprou passando. Da última vez, a
magia de Sin veio com o vento.
O chão tremeu com tanta força que Gillian cambaleou para o lado. Ela ofegou,
lutando para permanecer em pé. Pavor transformou seu sangue em lama enquanto
se formavam rachaduras na terra. Mais poços?
Puck! Peanut!
Gillian correu, balançando seus braços e pernas o mais rápido possível. Devo
alcançá-los! Quando saiu das árvores, seu olhar encontrou Puck. Estava fazendo
tudo ao seu alcance para acalmar um Peanut corcoveando e assustado enquanto
também observava o retorno de Gillian. No momento em que a viu, o alívio iluminou
sua expressão... até que seu olhar caiu para os lábios dela. Ele fez uma cara feia.
Não é o que você pensa, marido. Ok, foi. Mas ela não tinha participado.
No meio do caminho... tão perto, mas não perto o suficiente.
Quando chegassem a um lugar seguro, ela explicaria o que aconteceu. Exceto
que, entre um passo e o seguinte, o chão — simplesmente — desapareceu. Ao
contrário de antes, não havia peças para se apoiar e Gillian caiu no ar.
— Gillian! — Puck gritou, já usando magia para lançar uma vinha de algum
lugar acima numa tentativa desesperada de pegá-la. O chão desmaterializou, num
momento estava ali, no outro se foi levando Gillian consigo.
Indiferença uivou, indignado pelo pânico de Puck. Como podia um dia que
tinha começado de forma tão bela acabar assim?
Ele também lançou videiras para os outros — Peanut, Pandora e William —
usando o que restava de sua magia. As asas de Galen o salvaram. As outras
quimeras sentiram algo errado e se espalharam pouco antes da perda da terra.
Será que Puck pegou Gillian e William? Não podia ver o par; nuvens cinzentas
e espessas substituíram a floresta.
Ele deve tê-la pegado. Não tinha morrido, então sabia que ela não tinha
morrido.
— Hades disse: Vá numa missão para o papai. — De cara feia, Pandora plantou
seus pés nos espinhos, permitindo que ficasse mais em pé que pendurada. — Ele
disse: Vai ser divertido.
— Se Gillian e William estiverem lá embaixo, eu os encontrarei. — Galen
inclinou o corpo e mergulhou sob as nuvens.
Apenas momentos atrás, Puck esteve furioso com Gillian. Os lábios dela
estiveram vermelhos e pareciam como se tivessem sido picados por abelhas, assim
como ficavam quando ele a beijava. Só que ele não estava com ela.
Traído pela minha própria esposa!
Indiferença o chamava como uma canção de sereia. Não quero nada, não
preciso de nada. Se invocasse o gelo, o ciúme e a raiva dissipariam. Seus
sentimentos de traição desapareceriam. Mas Puck resistiu. Não era covarde, e não
fugiria de suas emoções por mais tempo.
Sentiria e lidaria com isso. Mas oh, queria sacudir Gillian, queria beijá-la com
tanta força que ficaria eternamente marcado em seus lábios. Ele, não algum outro
macho. E o faria. Em breve. Então queria remover a cabeça de William com um
único golpe.
Ele pensou, Considere o beijo um adeus, moça. Vai beijar a mim e não a outro.
Então percebeu que não havia ninguém mais honesto que Gillian. Ela não iria
trair o marido, nunca. William poderia tê-la beijado, mas com certeza ela não o
beijou de volta.
— Estou aqui, estou segura. — Seu belo rosto apareceu acima das nuvens, os
espinhos fornecendo a mão perfeita e os trilhos do pé enquanto ela subia ao mesmo
nível de Puck.
O alívio o atravessou. Mas quando notou o sangue escorrendo pelos braços
dela, preocupou-se novamente.
— Você está ferida?
— Fui cortada por alguns espinhos, mas estou bem. William também. Ele tem
muito mais videiras para escalar. — A cor sumiu de suas bochechas quando viu
um Peanut agitado. A videira enrolada no meio do animal, os espinhos enterrados
profundamente em sua barriga. — Usou magia para salvá-lo. Obrigada, Puck.
— Por você, farei qualquer coisa.
— Tudo bem, baby — ela gritou. — Você precisa se acalmar.
Peanut entrou em pânico ainda mais. Quanto mais ele se debatia, mais
sangrava. Ele tinha que estar com muita dor, sem ideia do por que. Mas se não
parasse, poderia fazer a videira se romper.
— Só está se machucando ainda mais —o desespero encheu a voz de Gillian.
— Acalme-se. Por favor.
— As videiras estão ancoradas num pedaço de terra acima de nós — disse
Puck. — Não tenho certeza até onde vamos ter que escalar, mas há um destino a
alcançar. Quando chegarmos ao topo, poderemos içar Peanut para a segurança.
— Por que não descer? — Pandora perguntou.
— Não há modo de descermos Peanut com segurança até o chão. — As
palavras tensas vieram de William quando ele atravessou as nuvens.
Embora a quimera nunca tivesse gostado do macho, ele se acalmou quando
William passou a ponta do dedo entre seus olhos. Não, Peanut não se acalmou; ele
dormiu, seu corpo ficando relaxado.
— Ele não vai se lembrar de nada disso — disse William. — Eu riscaria até o
topo e o içaria sozinho, mas só posso aparecer em locais que já visitei anteriormente.
Ou possa ver. Com a cobertura das nuvens...
— Vai ficar tudo bem. Vamos passar por isso. — Sempre a guerreira, Gillian
respirou fundo e endireitou os ombros. — Vamos começar a escalar.
Essa é minha mulher.
Na pista — porque nada podia dar certo hoje — o trovão explodiu e uma nuvem
de raios cruzou o céu diretamente acima de suas cabeças.
Galen retornou, o suave deslizar de suas asas permitindo que pairasse.
— Voei bem baixo, mas não encontrei nenhum traço de terra. No entanto,
encontrei um portal para outro reino. Qual, não faço ideia.
— Não podemos arriscar — disse Puck. Podiam acabar dentro de um vulcão
ou uma prisão. Ou pior. — Vamos subir.
— Vou fazer uma pequena batida, descobrir com o que estamos lidando. —
Asas batendo, soprando as videiras, Galen subiu.
Ele tinha saído há apenas alguns segundos quando outro trovão anunciou a
queda da chuva. Chuva ácida. Cada gota queimava a pele de Puck, catalisador de
grandes ondas de agonia. Carne e músculo chiavam e sentiu o cheiro de carne
cozida.
Todos berraram de choque e dor, criando um coro horrível, geralmente só
ouvido em pesadelos.
Galen retornou, todo seu corpo sacudindo cada vez que uma gota de chuva o
atingia.
— Não se preocupem com viagem solo — ele agarrou uma videira e fechou
suas asas num estalo, tornando-se um alvo menor.
Se isso persistisse, todos no grupo iriam murchar até virar cinzas. E as
videiras? Sem magia, Puck não poderia sequer criar um escudo sobre Gillian.
Indiferença aumentou o volume — especializou-se em piorar tudo.
Odeio esse demônio.
Quando a videira de Peanut foi sacudida sem provocação, Puck amaldiçoou.
O enorme peso da quimera fez com que o centro de seu arreio desgastasse.
Gillian notou e ofegou com horror.
— Temos que ajudá-lo!
— Sua videira vai partir. Não há como evitar — olhando para Puck, William
disse: — Vou cuidar da quimera, você cuida da garota.
Não havia tempo para refletir sobre as ramificações do plano ou por que seu
inimigo se separaria voluntariamente de Gillian. O resto da videira de Peanut cedeu
e a quimera caiu.
— Peanut! — Gillian estendeu a mão para ele, correndo para ir atrás de seu
animal de estimação.
William seguiu a quimera e Puck seguiu Gillian.
Com o coração batendo forte contra as costelas, os braços esmagados dos
lados, ele angulou o corpo de cabeça pra baixo. No segundo que se deparou com
Gillian, agarrou-a pela cintura com uma das mãos enquanto se agarrava a uma
videira com a outra. Suas garras enterraram-se no caule, diminuindo sua queda.
Finalmente pararam, Gillian na frente, Puck pendurado atrás dela.
William alcançou Peanut e envolveu seus braços ao redor do pescoço do
animal. Os dois desapareceram pelo portal.
— Solte-me! — Lágrimas escorriam pelas bochechas de Gillian enquanto ela
esticava o pescoço para encarar Puck. Pingos de chuva queimavam feridas em todo
o rosto dela. — Não me faça te machucar.
Ele a encarou de volta, não se importando mais com os pingos de chuva que
espirravam em sua pele.
— Não se atreva a agir de maneira tão tola novamente. William está com
Peanut. Ele vai garantir que ambos sobrevivam. Sabe disso. Agora mexa seu
traseiro — Impiedoso, cutucou-a com o joelho. — Sobe, sobe.
— Minhas ordens foram para ficar com William, não importa o quê. Desculpa,
pessoal, mas estão por sua conta. — Depois de lhes dar uma saudação de
despedida, Pandora caiu na direção do portal.
— Idem ao que ela disse — Galen deu de ombros tipo “o que você vai fazer?”
— Até mais, não quero estar na pele de vocês. — Então ele também se deixou cair.
— Você está certo, Puck — Gillian enxugou as lágrimas com a mão trêmula.
Então fez o que apenas um guerreiro podia fazer e mais uma vez empurrou seus
sentimentos de lado. — William e Peanut vão ficar bem — disse ela enquanto
escalava.
Uma coisa que ele notou: contanto que ela chorasse e enxugasse as lágrimas,
suas bochechas e mãos permaneceriam livres de queimaduras.
A ficha caiu.
— Continue chorando — ele ordenou. — Suas lágrimas neutralizam o ácido.
— Você está certo — ela repetiu, parando para enxugar as lágrimas mais
recentes, e espalhar uma gota sobre as queimaduras dele. A ação generosa quase
acabou com ele. — E isso faz sentido, de uma maneira terrível. Seu irmão
provavelmente acreditava que você era o único forte o suficiente para chegar tão
longe, e desde que é o guardião da indiferença, ele esperaria zero emoção.
— Salve sua pele, esposa. Não a minha.
Pausa.
— Vou fazer o que eu quero — ela não encontrou o olhar dele enquanto
banhava outra das feridas dele. — Engula e lide com isso.
Muito bem. Ele engoliu e ficou nos calcanhares de Gillian enquanto escalavam.
Ela nunca afrouxou ou ficou para trás, mesmo que uma hora... duas... se passaram.
Mais chuva. Mais feridas.
Ele imaginou que seu irmão esperava em algum lugar no topo e perseverou.
Perguntou a si mesmo se seria ele quem lutaria com Sin agora que William se foi,
e se apressou.
Tinha sido Puck o tempo todo?
Somente o homem que vai viver ou morrer por Gillian poderá derrotar Sin, o
Demente.
Eu vou viver ou morrer por Gillian. Eu sou ele. Eu sou esse homem.
Ela estava certa. Ele a amava. A moça trouxe seu coração morto de volta à
vida.
Só tenho que completar meus dois objetivos. Matar. Escolher.
— O que vamos fazer sem William? — Gillian perguntou entre respirações
ofegantes, seus pensamentos obviamente semelhantes aos dele.
— Ele serviu a seu propósito. Eu te amo. Eu vou viver ou morrer por você. Eu
vou destronar e matar Sin.
Seu queixo caiu quando olhou para ele por cima do ombro.
— Você vai se perdoar por matá-lo? E não se atreva a morrer por mim, Puck
Connacht. Falo sério.
— Eu quero ficar com você, Gillian. Acha que há alguma coisa que eu não
faria para garantir que eu possa?
— N-não. Acho que faria qualquer coisa para me manter. — As palavras
continham uma pontada de tristeza que ele pensou ter entendido. A coisa toda da
assassina de sonhos.
Como podia fazê-la entender?
A videira deles tremeu, como a de Peanut fez, e Puck amaldiçoou. Logo acima
deles, o talo começou a ruir.
Gillian ficou rígida.
— Puck!
Agindo rapidamente, ele os empurrou para uma segunda videira.
— Agarre isso.
Enquanto ela obedecia, transferindo seu peso para a outra videira, ele se
elevou acima do pedaço desgastado. Na hora certa. A ponta da videira caiu com
um whoosh.
Continuaram subindo, subindo, finalmente ultrapassando as nuvens. Só
então a chuva parou, mas então a carne se pendurava de músculos e ossos em
grandes pedaços. No entanto, era difícil lamentar sobre dores e sofrimentos,
quando ele avistou a salvação — um penhasco — apenas algumas centenas de
metros acima.
Escalando, escalando. Por fim, ele e Gillian chegaram ao topo e desabaram na
terra.
Exaustão se instalou nos ossos de Gillian como um velho amigo, todo estou
aqui pra ficar, o que está passando na TV?
O que tinha acontecido a William e Peanut? Parte dela desejava se curvar até
virar uma bola e soluçar, mas resistiu. Os dois estavam vivos. E ela não estava se
iludindo. Conhecia William. Sua vontade de viver permeava cada aspecto de sua
vida e, apesar de suas diferenças, ele teria encontrado uma maneira de salvar
Peanut. Ele prometeu.
Vou pegar a quimera, você pega a garota.
Seu amor por ela não diminuíra, mesmo apesar dele sentir sua adoração por
outro homem durante o (não) beijo deles. Eles terminariam a conversa quando ele
retornasse. E ele retornaria. Então ela não lamentaria sua perda. Argh, modo
errado de dizer. Ela não tinha perdido nada. Ela celebraria. Seus amigos estavam
vivos — e Puck também.
Por enquanto, concentraria seus esforços em descansar e se recuperar, depois
salvaria Amaranthia. Eles tinham apenas dez dias restantes.
Ela rastejou até Puck, a visão dele fazendo seu estômago revirar. Ele parecia
morto.
Gillian abriu o frasco de xarope de cuisle mo chroidhe, sua posse mais valiosa,
e despejou o conteúdo na garganta dele.
— Você vai melhorar — ela assegurou.
Dando às propriedades curativas tempo para agirem, estudou seu novo
terreno. Um rio rochoso corria à esquerda. À direita, dunas de areia salpicadas de
tendas. Teriam finalmente chegado ao clã Connacht? Ou pelo menos a um posto
avançado?
Homens perambulavam, cada um vestindo uma túnica branca e calças de pele
de carneiro. Pela aparência de força que viu, achava que eram guerreiros. Dezoito
para ser exata.
Alguém a avistou e gritou:
— Mulher!
Outros gritos soaram.
— Afaste-se. Ela é minha.
— Lutarei até a morte para ficar com ela.
— Segure-a, depois lute por ela.
— Obrigada pela oferta — ela gritou — mas já tenho dono.
Um alarme soou.
— Mas vocês obviamente não se importam — ela murmurou e suspirou.
Puck cambaleou e ficou de pé, preparado para uma luta. Ele tinha se curado
um pouco, mas não totalmente. Não estava em condições de entrar em combate,
mas ela sabia que nada o impediria.
Os homens pegaram armas e seguiram em direção a eles, com a intenção de
encurralar sua presa. Cada conjunto de olhos a mirava, lembrando-a de seus meio-
irmãos horrorosos e provocando sua fúria.
— Conhece essas pessoas? — Ela perguntou enquanto puxava as duas únicas
armas que não tinha perdido no labirinto. Adagas que não combinavam, uma
adornada de joias, outra feita de ouro maciço.
As garras e presas de Puck se estenderam, as pontas de cada mortalmente
afiadas.
— Este é um posto avançado de criminosos. Eles cobiçam o que é meu, eles
morrem.
Quase em cima deles…
— Seu ciúme é fofo e eu me amarro — disse a ele. — Só quero ter certeza de
que não vai ficar bravo se eu tipo, matar todo mundo aqui? Afinal de contas, eles
são Connachts.
— Eu vi você lutar, sei o quanto é boa. Mate o máximo que puder e adquira a
magia deles. Depois, só me prove o quanto se amarra no meu ciúme.
Seu peito se inflou de orgulho — por ele. Ele confiava em sua habilidade como
ela esperava, e não ia insistir que ela aguardasse nos bastidores enquanto o grande
bad boy cuidava do assunto.
— Você cuida dos que estão na frente e eu fico com os de trás, garantindo que
ninguém fuja para alertar os outros postos avançados.
— Feito — disse ele.
— Feliz luta — Gillian deu um beijo rápido nos lábios dele antes de se lançar
em uma corrida louca para encontrar o que seriam seus mestres de estábulos.
Puck correu com ela e ultrapassou. Ela notou que ele se movia rapidamente,
mas não tão rápido como de costume.
Impacto! Ela chegou à batalha, apunhalou um bruto em um olho depois no
outro, enquanto chutava outro brutamontes no estômago. Quando ele se curvou,
ofegando pra respirar, ela enfiou os punhais nele.
Na periferia de sua visão, viu Puck bater em alguém com seus gloriosos chifres.
Um golpe baixo. Mais baixo ainda quando ele arrancou o apêndice do cara — em
pedaços. Pedaços que ele usou de porrete em outros criminosos, até decidir usar
as garras para fazer algumas decapitações. Grunhidos e gemidos. Sangue jorrando.
Quando os outros atacaram, ele driblou. Atacou. Esquivou-se. Ninguém deu
um golpe. Ele era um perigo para todos, menos para Gillian.
Talvez ficar esperando nos bastidores só assistindo não fosse uma má ideia.
Tão sexy...
Não! Devo fazer minha parte.
Seguindo em frente, Gillian esfaqueou um homem na barriga. Removeu a
traqueia do outro. Seis outros caíram enquanto ela passava pelas tendas.
Magia se levantou dos corpos, absorvida por suas runas. Quase lá...
Correndo, sem nunca diminuir a velocidade, inclinou-se para pegar uma
espada que alguém havia largado. Uma espada que usou para cortar um oponente
em dois antes de lançar a arma a uma boa distância à frente. O metal derrapou
sobre a areia. Assim que alcançou a espada, saltou sobre a lâmina, usando-a como
uma prancha de snowboard, impelida pela magia.
Alcançando seu próximo alvo, abaixou-se entre as pernas dele e passou uma
adaga sobre sua artéria femural. Colocando o peso nos calcanhares, virou a espada
para que seu corpo bloqueasse o último homem em sua vista.
Com um salto para trás, sua bota bateu no punho, atirando a arma rodando
pelo ar. O homem balançou sua própria espada. Gillian se inclinou para trás, a
lâmina pairando sobre ela. Quando se endireitou, pegou sua espada, girou-a e
passou a lâmina no pescoço dele.
Roube a espada dele. Vá. A magia dele a seguiu enquanto ziguezagueava pelas
tendas, concedendo uma nova infusão de força. Ela saiu do outro lado — bem a
tempo de ver dois homens galopando pra longe em quimeras.
Embora odiasse abandonar suas lâminas, jogou uma, depois a outra,
pregando um homem na nuca e o outro entre as omoplatas.
Os dois caíram de suas montarias enquanto Gillian corria. Ela acabaria com
seus alvos e passaria o resto do dia…
Um raio de magia a atingiu por trás, curvando seus joelhos. O ar esvaziou de
seus pulmões e estrelas piscaram diante de sua visão. Quando ela caiu, terra
encheu sua boca.
Droga! Erro de principiante. Nunca deixe a antecipação deixá-la com visão
afunilada. Sempre cheque se há um terceiro homem.
Whoosh.
Outro raio de magia se dirigia a ela? Proteja-se! Sua própria magia a cercou,
impedindo um segundo golpe. Ignorando pequenas dores, levantou-se de um salto
e encarou um homem que parecia estar em seus vinte e poucos anos.
Ela se preparou para atacar, mas Puck apareceu atrás dele. Riscando! Ele
tinha adquirido magia suficiente para se mover de um local para outro com apenas
um pensamento. Pucky Sortudo!
Em um belo espetáculo de força e hostilidade, ele agarrou o homem pela nuca
e o forçou a encarar o chão.
— Você a machucou — Fúria pulsava dele, uma corrente palpável no ar. —
Ela você não machuca, nunca.
O cara que uma vez quebrou seu dedo parecia virar um assassino por outra
pessoa ter lhe dado um machucadinho, e isso provavelmente foi a coisa mais fofa
que ela já viu.
— Sim — ela disse, e chutou o cara na boca, satisfeita quando vários dentes
saíram. — Você não me machuca, nunca.
Puck parecia pronto para sorrir agora.
— Quer fazer as honras, esposa?
Desdentado se contorceu e ofegou:
— Príncipe Neale? É você?
Ignorando-o, Gillian disse:
— Você fica com a magia dele. Vou pegar a deles — apontou para os dois
homens que havia derrubado de suas quimeras, quem ainda estavam em processo
de rastejarem para longe.
— Feito — Puck acabou com ele sem hesitação.
Tão ansiosa quanto, Gillian acabou com os outros. Magia se levantou de suas
duas vítimas, enchendo seus cofres. Ela passou de vazia para transbordando em
poucos minutos.
Agora, satisfação a levou de volta para o lado do marido. O sangue manchava
a pele dele, e pedaços de carne de outras pessoas pendiam de seu cabelo, mas ele
nunca lhe pareceu mais bonito.
— Sua habilidade de batalha me surpreende — disse ele.
Ela afofou o cabelo, tentando agir normalmente. Um pouco difícil de fazer
quando se olhava para alguém com absoluta adoração.
— O que há com sua velocidade? Por que você já não saiu acelerando?
Ele deu de ombros.
— Não posso.
Uau.
— O que quer dizer com não pode?
— Não tenho mais a capacidade.
— Eu não enten… — Ela ofegou, juntando as peças do quebra-cabeça. — Você
desistiu. Estava com pouca magia quando o resto de nós pensava que tínhamos
nos transformado em feras, até quase sem nenhuma, e ainda assim você nos
libertou com magia.
Outro dar de ombros.
Ele abriu mão de tanto! Demais. E agora ela queria retribuir.
— Ei — disse. — Eu tenho uma ideia. E se passarmos o dia…
Ao mesmo tempo, ele disse:
— Vamos ficar aqui e…
Em uníssono, ambos pararam e riram. E oh, a risada de Puck! Enferrujada,
mas musical e mágica — magnífica. Um som que ela queria ouvir todos os dias
pelo resto da vida.
— Você notou que eu perguntei e você mandou? — Ela disse.
— Verdade — Puck a ergueu por cima do ombro no estilo bombeiro. — É que
eu sei que o meu jeito é melhor.
Ela teve que engolir outra risada.
— Isso está se tornando um hábito — ela tentou um tom severo, mas falhou.
Então, por que não admitir a verdade? Em um sussurro, acrescentou: — Mas eu
gosto.
Ele acariciou o traseiro dela.
— Estamos com o tempo contado, eu sei, mas não vamos derrotar Sin se
estivermos fracos. Precisamos descansar hoje para sermos mais fortes amanhã. E
já que estamos fora do labirinto, em terra de Connacht, duvido que tenhamos mais
desafios a enfrentar. Não sinto nenhuma carga no ar, como sentia no labirinto.
— Concordo. Mas tenho a sensação de que não vamos descansar...
— Por um bom motivo. Não vamos ganhar se estivermos distraídos por todo
esse desejo sexual reprimido que você tem por mim. — Ele bateu no seu traseiro
agora, acrescentando: — Usei magia para checar as tendas. Não há outros
ocupantes. Estamos sozinhos e ninguém aparecerá sem ser anunciado. Usei minha
nova magia para criar um escudo ao redor do acampamento.
A má intenção em sua voz provocou arrepios em seu corpo inteiro.
— O que está planejando fazer comigo e com todo esse meu desejo reprimido,
então?
Ele permaneceu em silêncio até chegarem à beira do rio.
— Não é o que estou planejando. É o que eu vou fazer.
Mais arrepios.
— E o que você vai fazer? — Ela perguntou, sem fôlego.
— Apreciar o que é meu.
***

Puck jogou Gillian dentro da água. Quando ela emergiu cuspindo água, ele
tirou a roupa encharcada de sangue. Ela o observou, as pupilas se expandindo.
Nu, ele ficou onde estava com os braços de lado, as pernas afastadas,
permitindo que ela olhasse para ele. Estava duro, a ereção plena, pronto para ela.
Ela lambeu os lábios.
Minha mulher me quer.
Indiferença não tinha calado a boca, mas Puck pouco se importava. Estava
embriagado de paixão demais para se incomodar. Muito… feliz.
Eu? Feliz?
Quase bêbado de desejo, entrou na água. Líquido frio o lambeu, mas não
conseguiu esfriar o fervor em suas veias. Na verdade, tinha certeza que
transformara a lagoa em uma fonte quente.
Gillian nadou, esperando enquanto ele mergulhava algumas vezes para limpar
o sangue do cabelo. Quanto mais perto ele chegava dela, mais a antecipação se
agitava em seu estômago. Apenas a um sopro de distância, ele plantou os pés e se
colocou de pé, a linha d'água alcançando o meio de seu torso.
Com um olhar quente para ele, Gillian levantou os braços para se oferecer
como um prêmio de guerra. Ele tirou o top dela, jogou-o na enseada, triunfo o
consumindo. Seios tão lindos. Uma recompensa celestial, atrevida e rechonchuda,
com pontas de botões cor de rosa que ele logo chuparia.
— Eu quero você — ele disse asperamente. — Você inteira — Sempre.
— Vamos negociar. Eu inteira para você e você inteiro para mim.
— Aceito.
Ele deixou a boca cair sobre a dela. Ela gemeu e se abriu para ele, extasiando-
o com sua doçura.
As mãos dela subiram pelo seu peito, as unhas raspando levemente. Quando
ela deu um passo mais perto, pressionou o corpo contra o dele, pele quente contra
pele quente. Ela esfregou seu núcleo na ereção dele uma vez, duas, usando-o para
o seu prazer, e ele não aceitaria de outra forma.
Segurou sua bunda, ajudando a guiá-la em um ritmo mais rápido,
aumentando a pressão. Gritinhos de desespero a deixaram, fazendo-o ofegar.
Então ele a virou, colocando-a de costas no seu peito. Com movimentos hábeis,
ele tirou sua saia e calcinha, segurou seus seios, apertou, deslizou as mãos pelo
seu estômago e enfiou um dedo em sua quente fenda feminina. Suas paredes
internas o agarraram, queimando-o de um jeito mais que perfeito.
Com outro gemido, ela descansou a cabeça no ombro dele. O desejo de meter
nela e gozar agora, agora, agora, deixou seus testículos mais pesados, mas ele
resistiu. Ele se demoraria e faria com que fosse bom para ela. Melhor do que nunca
antes. Marcaria sua essência dentro dela.
Puck caminhou pra frente e a levantou em uma pedra.
— De quatro — disse e ela obedeceu ansiosamente, deixando seu sexo ao nível
dos olhos.
— Deixe-me ver minha linda esposa — ele afastou os joelhos dela ainda mais,
revelando a visão mais apetitosa de todos os reinos.
Ela estava molhada, inchada com a necessidade e o rosa mais bonito.
— Vou me fartar de você — ele traçou um dedo ao longo de seu calor sedoso,
arrastando um gemido de ambos.
— Assim? — Ela perguntou, claramente escandalizada… e intrigada. — Neste
ângulo?
— Neste ângulo — ele concordou. Lambiiiida. O gosto desta mulher!
Ela gritou e ondulou o quadril. Drogado pela sua essência, estendeu a mão
para massagear seus seios, puxar e brincar com seus mamilos. Só quando ela
implorou, ele empurrou dois dedos dentro dela, oferecendo um pouco de alívio.
Sua esposa, sempre um barril de pólvora pronto para explodir, gozou naqueles
dedos, seus gritos de felicidade eram uma canção erótica.
Ele era um barril de pólvora pronto para explodir. O clímax a deixou ainda
mais doce.
Mais... Para arrancar um segundo orgasmo dela, usou a língua e o membro
ao mesmo tempo, empurrando-o para dentro dela. Massageou seu clitóris com o
polegar repetidamente, aumentando a pressão. Choramingos encheram o ar.
Mais! Ele se arrastou pra cima da rocha e se colocou atrás dela, de joelhos.
Embora cada fibra de seu ser exigisse que se enterrasse dentro dela, apenas
provocou sua umidade com a ponta da ereção.
— O quanto você me quer? — Perguntou entre os beijos que depositou ao
longo de sua coluna.
Ela encontrou seu olhar por cima do ombro, os lábios vermelhos e inchados
de seus beijos. Um sorriso lento floresceu, acelerando seu coração em um galope
selvagem.
Alguma mulher era mais perfeita que esta?
— Eu quero você — ela esticou o braço entre suas pernas para acariciar o
comprimento dele da base até a ponta — este tanto.
Bom demais! Cuidado, cuidado. Não posso explodir.
— Então você nunca quis qualquer coisa mais — ele disse, e dirigiu seu eixo
até o fim.
Prazer sublime percorreu Gillian. Puck a encheu, esticou e consumiu. Ela já
tinha gozado duas vezes, mas como a viciada que era — a viciada que esse homem
incrível fizera dela — ela só queria mais.
Ele estava tão quente quanto fogo, tão duro quanto pedra, e a marcou por
dentro e por fora. Macho e fêmea. Marido e mulher.
Enquanto ele investia e empurrava, com mais força e mais rápido, seus
movimentos tornaram-se mais ásperos. Ela podia sentir seu desespero e fome.
— Me beije — disse ela.
— Minha esposa quer ser beijada? — Ele se afastou tempo suficiente para
jogá-la de costas. Mas não a beijou. Empurrou de volta para dentro dela, entrelaçou
os dedos com os dela e levantou seus braços acima da cabeça. A nova posição a
forçou a arquear as costas, erguendo os seios pela atenção dele.
Ele olhou para ela, e ela olhou para ele, observando como os pontinhos de luz
em sua íris se moviam, como estrelas cadentes cruzando o céu da meia-noite.
Homem lindo. Homem brilhante.
— Existem diferentes tipos de beijos — disse ele, e começou a se mexer
novamente. O ritmo de seu acasalamento mudou. — É este o tipo que você quer?
— Movendo-se dentro e fora dela tão devagar, tortuosamente, deliciosamente, ele
se inclinou para balançar a língua sobre um de seus mamilos.
— Sim, sim, esse tipo. Todos os tipos — Correntes elétricas correram direto
até seu núcleo, e ela balançou os quadris, levando-o mais fundo, com mais força.
Era assim que o sexo deveria ser, uma comunhão entre dois adultos que
consentiam. Um dar e receber perfeito. Um bálsamo para um coração ferido. Prazer
sem culpa ou desgosto. Até mesmo... divertido.
Só o vínculo não poderia ser responsável por este... este... milagre.
— Você me possuiu — ela disse rouca.
— A Chuisle, eu sou o único possuído... por você — com o seu próximo
mergulho, ele balançou o corpo dela inteiro.
Pulsar novamente. Ele poderia muito bem ter lançado um feitiço sobre ela.
— Me beija. Esse tipo agora — disse ela, agarrando os lados do rosto dele para
levar os lábios à sua boca.
Sua língua dominou a dela enquanto ele a alimentava com uma paixão tão
selvagem quanto a batida de seu coração. Ainda mergulhando. Mais duro.
Novamente. E de novo. Cada vez com mais força. Mais rápido. Seus mamilos
sensibilizados criaram uma fricção irresistível com o peito de Puck, desejo fazendo
com que ela alcançasse o pico novamente.
Mais prazer. Uma bomba prestes a detonar. Ela emaranhou os dedos no
cabelo dele e cravou as unhas no seu couro cabeludo. Suas terminações nervosas
zumbiam e vibravam, fogo ardia dentro de seus ossos. As chamas cresciam e
cintilavam em cada centímetro dela.
O resto do mundo há muito havia desaparecido de sua consciência.
Ela arqueou os quadris para encontrar seu próximo impulso, enviando-o
ainda mais fundo. Sim, sim, sim. Um grito sem fôlego, carente e lamurioso — esse
som realmente saiu dela?
— Puck! — Ela arqueou os quadris novamente, ofegou. Sim, sim! — Mais disso.
— Você é tão gostosa, esposa. Não tem nada melhor. — Bam, bam. Bam.
Três... dois... um. Detonação!
Sua mente desligou, felicidade a rasgou, atravessando-a, outro grito queixoso
a deixou. Este foi mais poderoso do que qualquer outro clímax, forte o suficiente
para estraçalhá-la pedaço por pedaço, mas doce o suficiente para juntar seus
pedaços novamente.
— Não estou indo... durar... moça! — Puck gritou. Ele investiu dentro dela
mais uma vez, bem fundo, tão maravilhosamente fundo que seu corpo inteiro
estremeceu contra o dela quando seu orgasmo o alcançou.
Assim que desmoronou em cima dela, ele mudou seu peso. Seus braços
permaneceram em volta dela em um aperto que dizia que minha esposa não ia a
lugar nenhum sem mim.
Contente, mas ainda sem fôlego, Gillian se aconchegou contra ele. Quando
seus pensamentos clarearam, ela disse:
— Você algum dia esteve apaixonado? Amor romântico, quero dizer. Com uma
mulher além de mim.
— Não. Eu nunca me permiti conhecer alguém.
Além de William, e depois de Puck, ela nunca teve tempo de conhecer um cara
também. Puck não era perfeito, mas ele era perfeito para ela. E ele faria um rei
incrível. No labirinto, ela conseguiu um lugar na primeira fila em sua força,
habilidade, determinação, honra e resiliência. Amaranthia precisava dele. Os clãs
precisavam dele.
Eu preciso dele.
— Você disse que os Oráculos nunca estiveram errados — disse ela.
Esfregando o pássaro tatuado em seu peito, ele disse: — Isso está correto.
— E se pudermos fazer o impossível e provar que estão errados, a respeito de
tudo? E se eu puder ajudá-lo a alcançar seu sonho sem matar seu sonho? E se eu
puder ter um final feliz com você?
— Eu quero isso — disse ele, seu tom feroz. — Eu vou ter isso.
Por outro lado...
— E se eu não puder provar que os Oráculos estão errados? — Medos a
inundaram, um flagelo que não conseguiu superar. — E se eu destruir seus sonhos?
E se eu não puder ter um final feliz com você?
Prepare-se para o pior, espere pelo melhor.
— Mas não podemos viver pelo e “e se”. E eu te avisei. Não vou deixar você ir
a menos que eu tenha que fazer isso para salvar sua vida. Não mudei de ideia. Não
vou. Saiba que farei tudo ao meu alcance para garantir que você continue sendo
minha. Matarei meu irmão e lutarei por seu final feliz.
Tal ferocidade... ela estremeceu.
— Você quer filhos? Um dia, quero dizer.
Seus olhos eram fogo puro.
— Sim. E você?
— Sim — Meninos com olhos do céu da meia-noite. Meninas com longos cílios
negros.
Silencioso e pensativo, Puck olhou para o céu por um momento.
— Venha — disse ele, e a levantou contra seu peito antes de se levantar.
Enquanto ele atravessava o rio, a água fria acariciava sua pele superaquecida.
Quando chegaram ao outro lado, ele continuou segurando-a e levou-a para o
acampamento.
— Hora do nosso descanso — disse ele.
— Devemos encontrar roupas limpas e armas primeiro — disse ela e bocejou.
Ele abriu caminho até a maior tenda e gentilmente a colocou de pé. Com um
sorriso, deu um tapa na sua bunda de brincadeira.
— Você faz parte do meu estábulo agora, mulher. Fará o que eu disser se
espera misericórdia do seu mestre.
Aquele sorriso... ele parecia tão jovem e infantil, tão bobo, lindo além da
imaginação. Seus olhos brilhavam como runas; as estrelas haviam assumido
completamente.
Este era o homem que ele nasceu para ser. A doçura que seu pai tentou tirar
dele. A rasteira que seu irmão tinha dado quase o destruiu.
Este era Puck Connacht, marido de Gillian.
Então suas palavras computaram e ela cuspiu. Parte do seu estábulo?
— Ha! Neste relacionamento, eu sou o mestre e você é um garanhão no meu
estábulo. Você já tem as pernas pra isso, garotão.
Ele deu um falso grunhido.
— Você gosta das minhas pernas.
— Eu? — Ela estudou suas cutículas.
— No dia em que voltei para Amaranthia, você virou Hulk. Eu te carreguei pra
cama, e por muito tempo você se recusou a me deixar partir. Você se agarrou a
mim, esfregando-se nas minhas pernas a cada oportunidade.
Ela tinha? Bem, porque não? Ela era uma garota inteligente.
— Se você tentar formar um estábulo, vou cortar fora seu precioso e fazer você
comer. Estou falando isso do fundo do meu coração, baby.
Suas palavras devem tê-lo agradado. Os ombros dele se enquadraram e a
coluna se endireitou com orgulho.
— Você não pode ter o suficiente do meu precioso. Mas talvez eu deva pegar
meus desejos em outro lugar. Lembro de uma vez em que me disse que eu tinha
permissão para...
— Considere o seu passe livre revogado. Você é meu — disse ela, inflexível. —
Só meu.
Mais uma vez ele sorriu para ela, fazendo com que seu coração pulasse uma
batida.
— Minha esposa é tão possessiva.
— Sua esposa é perigosa quando contrariada — Ela examinou a tenda. Bem,
bem. O antigo dono tinha recolhido armas, tudo, de machados a espadas e arcos.
Um monte de peles proporcionava uma cama macia e quente, e uma panela de
guisado fervia em cima do fogo. Fumaça rolava em uma abertura no teto da tenda.
Todas as necessidades atendidas.
— Quer a verdade? Nenhuma outra potranca se compara a você — ele alisou
os cachos de cabelo da bochecha dela antes de traçar o polegar sobre os lábios. —
Por que eu tentaria montar outra?
Ela deu um passo mais perto dele, tão perto que seus seios achataram seu
peito. Eles estavam pele com pele, homem e mulher. Desejo com desejo ardente.
Arrepios deslizaram por sua espinha enquanto ela agarrava a base de seu eixo.
Ele estava duro novamente. Do jeito que ela gostava dele.
— Vou fazer você tão feliz porque disse isso...
Sem dúvida, isso é felicidade.
Ontem, Puck tinha feito todas as suas novas coisas favoritas. Ele tinha
mergulhado pelado com Gillian. Fez amor com ela nas rochas, e gozou tanto que
seu cérebro chacoalhou no seu crânio. Mais tarde, ele fez amor com ela na tenda.
Deu comida a ela na boca e foi alimentado por ela antes de ir dormir com o corpo
dela embalado perto do dele.
Gillian antes da guerra.
Gillian antes de tudo.
Esta manhã, ele tinha saído antes dela acordar, escrevendo-lhe uma nota na
areia.
Fique aí. Por favor. Volto logo.
Então foi caçar. Horas se passaram antes que ele encontrasse o que precisava.
Mais horas se passaram enquanto trabalhava para adquirir o que queria. Após seu
retorno, esperava protestos de Gillian. Ou no mínimo uma exigência por respostas.
Em vez disso, ela se iluminou e correu para seus braços. Sua risada esplêndida
encheu o acampamento e sua alma, enquanto ele a girava ao redor.
— Eu não vou destruir seu sonho. Não vou — disse ela, como se não estivesse
preocupada com mais nada o dia todo. Embora ele logo viesse a saber que sua
esposa havia passado seu tempo reunindo todas as armas no acampamento e
estudando um mapa da terra de Connacht. — Um assassinato Connacht e coroa
chegando. Estamos avançando, todos os planos de avançar. Certo?
— Certo — ele disse, e alívio havia emanado dela.
Sem William aqui, Puck não tinha preocupações. Ele derrotaria Sin, salvaria
Amaranthia e teria tudo o que queria.
Ele planejou abandonar o acampamento hoje, mas seu tempo na floresta
custou muita luz do dia. Eles tiveram que ficar mais uma noite. Que farsa.
Agora, o luar fluía através de uma rachadura na aba da tenda, banhando
Gillian com um suave brilho âmbar. Ela estava espalhada nua em cima de um
monte de peles, ronronando enquanto Puck traçava um pedaço de spéir ao redor
de seu mamilo. O brotinho enrugou quando ele lambeu as gotas de suco vermelho.
Seu gemido ofegante encantou seus ouvidos. Quem ele estava enganando?
Cada parte dessa mulher deleitava cada parte dele. Indiferença não era nada mais
que um zumbido no fundo de sua mente.
Puck mudou de direção, traçando a fruta pelos lábios de Gillian. Quando ela
abriu, pronta para morder, ele colocou a fatia na própria boca.
— Bruto — ela riu, tão sensual, tão erótica. — Isso era meu.
— Não, isso é — ele enfiou a mão debaixo do travesseiro ao lado dela e retirou
um grande pote de xarope de cuisle mo chroidhe que ele conseguiu colher.
Com um grito de alegria, ela se levantou e segurou o pote entre os seios.
— É por isso que você ficou fora tanto tempo assim?
Ele assentiu.
— Oh, Puck — ela se inclinou para mordiscar seus lábios. — Obrigada. Quero
dizer, eu não virei mais Hulk desde que, você sabe, a última vez e tudo, e agora
estou quase certa de que nunca mais terei um, porque estou tão feliz, mas agradeço
a você!
Eu fiz isso. Eu a fiz feliz.
— Por você, farei qualquer coisa, a qualquer hora, em qualquer lugar.
— Então você vai ficar onde eu te coloquei, agora mesmo, e me deixar ter meu
jeito malvado com você.— Depois de empurrá-lo de costas, ela abriu o frasco e
passou xarope sobre o peito... e mais abaixo.
Então ela o usou como um bufê self-service.
Quando ela desabou no seu peito, ele se maravilhou com a sensação de seu
corpo sobre o dele como um cobertor. Por um longo tempo, eles se deitaram juntos,
os corações se acalmando enquanto respiravam o ar um do outro. Isto era o céu,
uma satisfação que ele uma vez apenas sonhou alcançar.
— Eu ia perguntar se você gostou do que eu fiz — ela disse — mas meus
ouvidos ainda estão zunindo.
— Você me surpreende — ele levantou a cabeça para esfregar a ponta do nariz
contra o dela, um gesto brincalhão do menino que ele costumava ser.
— Você me sacia.
— Bom. Lembre-se disso. Porque acho que estou prestes a te deixar com raiva.
— Seu aperto nela aumentou, para que não tentasse fugir. — Acho que parte de
você quer ficar aqui o maior tempo possível, no caso de William e Peanut
aparecerem. Isso está correto?
Ela mordiscou o lábio, assentiu.
— Devemos seguir em frente amanhã, quer eles tenham chegado ou não. Você
sabe disso, sim?
Ela o surpreendeu balançando a cabeça novamente.
— Sei e concordo. Pelo que sabemos, eles estão fora do reino, incapazes de
retornar. Mas está bem. Você me tem e não vou descansar até que você seja rei.
Então, qual vai ser o seu primeiro ato?
Fácil.
— As mulheres terão os mesmos direitos dos homens. Cidadãs iguais. Vou
construir mais abrigos e orfanatos. Vou impor punições severas para aqueles que
prejudicam os outros.
Ela sorriu e acariciou seu peito, claramente satisfeita com sua resposta, e tão
bonita que ele foi instantaneamente capturado, incapaz de desviar o olhar. Ele já
tinha memorizado a estonteante pureza de suas íris marrom claro, rodeadas por
um marrom mais escuro. A beleza de sua face. A delicadeza do seu nariz. Como
seus lábios eram vermelhos e tentadoramente carnudos.
Mas um pensamento horrível surgiu, um que ele não conseguia se livrar. Se
realmente amava essa mulher, poderia mantê-la ligada a ele quando seus
sentimentos por ele podiam não ser verdadeiros sem o vínculo? Quando, se não
sem o vínculo, ela podia querer outro homem?
Puck... importava-se com isso. Ele se importava profundamente. Tão
profundamente que os planos que ele fez começaram a pegar fogo, um por um. Sua
certeza se foi.
Faria qualquer coisa por essa garota, percebeu. Até mesmo deixá-la ir.
Havia apenas uma maneira de saber a verdade. E eles tinham que saber a
verdade. Do contrário, Puck poderia traí-la da vida que ela queria e merecia.
— Eu acho que ... acho que eu deveria cortar nosso vínculo, como planejado.
Não importa o que.
— O que? Não — ela balbuciou por um momento. — Nós decidimos. Sem
William, você recebe a coroa e a garota. Nós ficamos juntos e garantimos que eu
tenha o meu final feliz.
— Eu espero que sim — Uma vez, ele mentiu para ela para conseguir o que
queria. Nunca mais. Ele confiava nela e a respeitava, e sempre faria o certo por ela.
— Espero que você ainda me queira depois.
Ela se levantou, as bochechas pálidas da dor de cera.
— Você acredita nas Oráculos. Acha que vou destruir seus sonhos?
— Você já destruiu meu sonho, moça — A verdade era verdade.
Ela se encolheu, como se ele tivesse batido nela.
Puck estendeu a mão, mas ela se levantou para se vestir com as roupas que
eles acharam na noite passada. Uma pequena túnica branca, calças de pele de
carneiro e um par de botas de combate.
Cobrir sua nudez deveria ser um crime.
Ele correu na frente dela e agarrou seus antebraços para segurá-la no lugar.
Quando ela tentou se libertar, ele deu-lhe uma leve sacudida.
— Me deixa terminar.
— Por quê? Tem outra parte do meu coração que você gostaria de pisar?
Ignore suas palavras ou desmorone, são minhas únicas escolhas.
— Meu sonho de governar Amaranthia foi substituído pelo sonho de te fazer
feliz, sempre. Não lamento a mudança.
Suas feições suavizaram, mas seu olhar implorava.
— O pensamento de governar o reino inteiro ao seu lado me faz feliz.
— Eu adoraria nada mais do que passar o resto da eternidade com você ao
meu lado. Teríamos bebês, formaríamos uma família e governaríamos os clãs
juntos. Quando eu romper o vínculo, tudo o que você deve fazer é... me querer. —
O futuro deles era ao mesmo tempo simples e complicado.
— Eu quero você agora — disse ela, erguendo o queixo.
Seu coração se partiu, mas ele se recusou a mudar de ideia.
— Eu vou te libertar. Não voltarei atrás.
— Bem, desculpe-me se eu não acredito em você. Há apenas alguns minutos
você disse que me manteria, não importa o quê! — Em vez de bater nele, como ele
esperava, ela se agarrou a ele. — Você está sendo tolo, ouvindo o medo em vez de
sua esposa. Estou te dizendo, sei que quero você e o vínculo não é responsável.
— Gillian...
— Você é o homem de gelo agora? — Ela exigiu. — É assim que é capaz de
dizer e fazer isso?
— Não sou o homem de gelo — disse ele. — Nunca vou ser esse homem com
você novamente. Não posso. Eu sinto demais. Eu sinto tudo.
Ela se encolheu uma segunda vez, mas disse:
— Se você me deixar ir... — por um momento, ela pareceu como se fosse
vomitar o conteúdo de seu estômago. — Se você me deixar ir, não vou conseguir
meu final feliz. Esta é a razão que isso foi profetizado. Eu sinto isso.
Não, não! Esta era a única maneira de garantir que ela tivesse um final feliz.
— Como você pode saber o que você quer? O vínculo fala por você.
— Eu falo por mim mesma — acinzentada, ela apertou as mãos no peito. — O
vínculo fala por você?
Falava? Como ele podia saber? Assim que perdesse sua conexão com Gillian,
Indiferença teria poder sobre ele novamente. Só um pouquinho, claro. Puck usaria
as tesouras, se ele pudesse. Ele poderia usar o artefato mais de uma vez?
Tantas perguntas sem resposta.
— Se você me quiser depois — disse ele, fazendo o seu melhor para parecer
razoável, como se sua mente não fosse uma zona de guerra — nós nos uniremos
novamente.
Ela tropeçou para trás como se ele a tivesse empurrado. Como ela não podia
entender? Ele fez isso por ela.
— Você hesitou — disse ela. — Você não acha que vai me querer.
Suas mãos se fecharam em punhos ao lado do corpo, armas poderosas inúteis
na maior batalha de sua vida.
— Eu não posso imaginar não querer você, moça.
Lágrimas se derramaram sobre suas bochechas e ela ofegou. Aquelas lágrimas
— pequenas gotas de água — afetaram-no como uma adaga no coração; elas o
estavam matando.
Ela usou a parte de trás do pulso para limpar a umidade. Estreitou os olhos
e levantou o queixo. Enquadrou os ombros. Uma transição que ele testemunhou
muitas vezes antes.
Gillian tinha acabado de entrar em modo guerreiro completo.
— Eu entendo agora — disse ela, seu tom quase amortecido.
Pouco a pouco, a emoção em seu rosto simplesmente desapareceu, até que ela
olhou para ele com olhos frios e duros, desprovidos de afeição, adoração e ternura.
Todas as coisas que ele veio a amar e ansiar. Coisas que ele não podia imaginar
viver sem nunca mais.
Ele não estava morrendo antes, percebeu. Não, ah não. Estava morrendo
agora, observando isso. Assistindo Gillian usar magia para invocar gelo. Isso o
matou. Suas lágrimas tinham sido difíceis de testemunhar, ainda mais difíceis de
testemunhar do que as que ela tinha derramado depois do sexo, porque ela não
esteve quebrada então. Estava livre.
Ela estava quebrada agora. Por minha causa.
Demais!
— Eu realmente não tenho um final feliz — disse ela naquele tom horrível e
amortecido. — Você vai cortar nosso vínculo. Nosso precioso e sagrado vínculo que
nos dá a família que sempre desejamos. Ainda vou sentir saudades de você, mas
você não vai mais ansiar por mim. Ou talvez vamos ansiar um pelo outro, mas não
poderemos fazer nada a respeito disso. Talvez a tesoura vá nos impedir de até
mesmo nos vincularmos novamente. — Ela riu sem humor. — Talvez eu seja uma
oráculo. Posso ver o falecimento do nosso relacionamento tão claramente. Mas não
me importo. Não mais.
— Ninguém nunca quebrou um vínculo e sobreviveu, mas vamos bater as
probabilidades — ele esfregou o pássaro tatuado no seu peito antes de puxar uma
calça e um par de botas. — Se não pudermos nos unir novamente, mas ainda
ansiarmos um pelo outro, podemos nos casar como os humanos fazem.
— Não será o mesmo. Nosso vínculo permite que você controle o demônio e
sinta sem consequências. Nosso vínculo me faz imortal. O que vai acontecer
quando ele te tomar novamente, hein? O que acontecerá quando eu for mortal... se
eu sobreviver à transição?
— Você vai viver, permanecerá imortal. Você tomou a poção e fez a transição.
Isso nunca vai mudar. Você é forte o suficiente agora.
— Mas não vou importar pra você — disse ela e se afastou.
— Você vai importar para mim, sempre — ele sibilou. — O que você não vai
fazer é me transformar em um vilão sobre isso. Estou disposto a desistir do que
mais quero para que você possa ter o que mais precisa. Porque você merece livre
escolha. Eu não serei como seu padrasto. Não vou tomar o que você não deseja dar.
Se seu coração pertence a William, você merece saber disso.
Se o homem a tocar, eu vou...
Nada. Porque nada importava mais do que sua liberdade de escolha. Ele
forçou sua mente a ficar em branco — tão vazia quanto os traços de Gillian.
— Eu disse que te amava e estava falando sério — disse ela. — Eu te amei.
Então. Agora? — Ela deu de ombros.
Seu coração disparou num galope e suor escorreu por sua testa. Ele sentiu
como se tivesse corrido centenas de quilômetros em um instante, adrenalina
fluindo por suas veias.
— O gelo vai derreter. Vou me certificar disso. Você vai me amar de novo.
— Você tem medo — ela continuou como se ele não tivesse falado. — Você tem
medo de eu te trair do jeito que Sin te traiu. Essa é a única razão que você planeja
fazer isso.
Talvez tenha sido uma razão, mas não o motivo.
— E se você só pensa que me ama? — Ele resmungou.
— Nisso, não podemos viver e se.
Palavras que ele tinha falado, agora usadas contra ele. Ainda assim, ele
endureceu sua determinação. Por ela.
— Nisso, não posso viver de outra maneira.
Um momento se passou em silêncio antes que ela levantasse o queixo, como
se tivesse acabado de tomar uma decisão de mudar o mundo.
— Você se convenceu que está fazendo a coisa certa, mas tudo que fez é me
rasgar em pedaços — ela se carregou com diferentes armas e um cantil de água. —
Não há poder grande suficiente para me fazer desejar alguém que eu realmente não
quero. Se eu pensasse que havia a menor chance de pertencer a William, teria
resistido a você. Mas você... alguma parte sua suspeitou que eu queria outra pessoa,
mas você me tomou mesmo assim. Então parabéns. Você não precisa esperar para
cortar o vínculo para descobrir se podemos ficar juntos. Eu terminei com você.
Estamos terminados.
— Nós nunca terminamos — ele rugiu, arruinando tudo o que ele disse
anteriormente. Ele a pegou pelos ombros, girou e puxou contra seu corpo. Então
ele a beijou. Beijou até que ela suavizou contra ele e o beijou de volta.
Alívio o inundou. O gelo dela estava derretendo.
— Mostre-me que você me ama — ela resmungou. — Mostre-me agora.
E ele fez.

***

— Hora de ir — disse Puck.


Gillian prendeu suas armas e marchou atrás do marido, olhando para suas
costas enquanto eles abandonavam o acampamento e caminhavam pelas dunas de
areia.
Depois que fizeram amor, depois que ele disse a ela que nunca terminariam,
depois que mostrou a ela o quanto ele a amava adorando seu corpo com as mãos
e a boca, ele agiu como se nada tivesse acontecido e se vestiu.
Ela teria gostado de voltar ao seu estado frio e sem emoção, separada da dor
que ainda estava infectando dentro dela, mas não o fez. Se ela ia fazê-lo entender
seu lado disso, precisava de cada emoção em seu arsenal.
Dois sóis brilhavam no alto, e só esquentavam a cada nova milha que passava.
Quando as dunas de areia deram lugar a um oásis semelhante a uma floresta,
Puck olhou para ela pela milésima vez, pedindo-lhe em silêncio que entendesse seu
ponto de vista.
Ela deu-lhe o dedo.
Embora não pudesse deixar de lembrar como — quando ele a trouxe para
Amaranthia pela primeira vez — ele foi embora sem olhar para trás nem uma vez.
Hoje? Ele não conseguia parar de lançar seus olhares de desejo.
A realização não deveria suavizá-la, mas dane-se! Ela era fácil como uma torta
no que dizia respeito a Puck.
Ele não confiava em seus sentimentos por ela ou nos sentimentos dela por ele.
E tudo bem, tudo bem. Ela não tinha confiado nos sentimentos deles um pelo outro
também, mas apenas por um tempinho. Ou ligando e desligando esporadicamente.
Tanto faz! Então ela superou isso e decidiu lutar por ele. Para lutar por eles. E sim,
ok, mais cedo ela tinha deixado o medo sobre as profecias assustá-la novamente.
Ou mais. Mas ele queria libertá-la, apenas no caso de alguma parte secreta dela
querer William.
Inaceitável!
E sim, parecia nobre na superfície. Mas a verdade era que ele não confiava
nela, e um vínculo sem confiança não era um vínculo.
Ou talvez ela não confiasse nele, e acreditava que não a queria sem o vínculo?
Talvez ela temesse que ele voltasse aos seus velhos hábitos, se tornasse o Homem
de Gelo novamente, e decidisse se casar com a Princesa Alannah de Daingean e
abrir um estábulo.
Não, não. Este era o crime dele. Dele! Ele poderia destruir a família deles. O
risco era grande demais, sem nenhuma recompensa real. Por que ele não podia ver
isso?
Eu quero meu felizes para sempre! Mas mesmo agora, ela sentiu o fim de tudo
o que amava.
Um gemido distante de dor a tirou do caos em sua cabeça. Ela franziu a testa
quando percebeu que eles haviam deixado a floresta e entraram em outro trecho
de areia.
— O que foi esse barulho?
— Veio de lá — disse Puck, apontando. — Adiante.
Ela examinou as dunas... e encontrou uma mulher em roupas esfarrapadas
largada em uma duna, o vento soprando o lenço que ela usava, fazendo com que o
material ondulasse como uma bandeira. A pele da cor da areia, cabelos da cor do
céu e olhos como esmeraldas.
Ao detectar uma essência reveladora, o reconhecimento surgiu em seu coração,
depois em sua mente.
— Uma das Oráculos!
A mulher estendeu o braço, mas não era forte o suficiente para mantê-lo no
ar. Quanto tempo ela ficou sem comida ou água? Suas bochechas estavam
encovadas, olhos fundos. Ela estava suja e provavelmente com frio.
— Socorro. Por favor...
— O que você está esperando? — Ela deu a Puck um pequeno empurrão para
frente. — Vamos ajudá-la.
Ele plantou seus calcanhares, mantendo-a no lugar.
— O que ela está fazendo no território Connacht?
Oh merda.
— Você acha que ela é uma armadilha? — Socorro, por favor — Todo mundo
em Amaranthia sabia que o pedido de uma mulher era basicamente o bat-sinal de
Gillian.
— Possivelmente.
Ela examinou as dunas novamente, procurando qualquer indício de jogo sujo
desta vez. Sem sombras rastejantes. Nenhum cheiro estranho no ar. Nenhum
brilho de metal espreitando da areia. Nenhuma perturbação na areia. Nenhum
zumbido de magia.
— Socorro — a garota chamou novamente.
— Não podemos ficar aqui, sem fazer nada — Gillian se lembrou de seus
primeiros anos no reino. Ela esteve solitária, sofrendo e desesperada. Ela poderia
realmente virar as costas para uma mulher na mesma condição?
— Fique aqui — disse Puck. — Vou me aproximar dela.
Ficar parada, assistindo, enquanto ele se colocava em perigo? Não.
— O que aconteceu com ficar impressionado com minha habilidade? Você fica
aqui. Eu vou testar as águas.
Armas em prontidão, Gillian se apressou dando a volta nele. No meio do
caminho, no entanto, desacelerou para melhor avaliar os arredores. Tarde demais.
Entre um passo e o seguinte, uma faísca de ar reluzente — uma porta ou portal —
se abriu. Dentro dela, magia sibilava como se tivesse acabado de escovar contra
uma corrente elétrica.
Ela parou e girou. Não mudou de local ou entrou em outro reino. As dunas de
areia ainda a circulavam, a Oráculo a poucos metros de distância.
— Fique onde você está, Puck — só pro caso. — Tem algum tipo de escudo
mágico ao meu redor. Talvez. Não tenho certeza do que é exatamente.
Sem resposta. Ela olhou por cima do ombro e o encontrou em pé no mesmo
lugar. Ele não se moveu um centímetro, e ainda assim tensão contorcia sua
expressão, uma veia inchando no centro de sua testa. Ele agia como se quisesse se
mover e lutava com todos os músculos do corpo para fazê-lo, mas não conseguia.
Sua boca era a única coisa em movimento, abrindo e fechando. Ela pensou ter lido
seu nome nos lábios dele, mas nenhum som chegou aos seus ouvidos.
Ela franziu a testa enquanto seu estômago se agitava com inquietação. Isso
tinha sido uma armadilha. Estabelecida pela Oraculo? Mas por quê?
Talvez Sin soubesse do retorno de Puck e tivesse usado a Oráculo não desejosa
para causar problemas a ele?
Mas quando uma Oráculo algum dia foi não desejosa?
Gillian recuou, apenas para bater contra uma parede invisível. É. Ela foi
cercada por um escudo mágico. Presa. Mas melhor ela do que Puck. Embora, se
ele continuasse a se esforçar, poderia quebrar cada osso em seu corpo.
Ela bateu na parede invisível, ondulações varrendo o ar, obscurecendo sua
visão dele.
— Não se preocupe comigo. Cuide-se — ela falou.
Talvez a Oráculo pudesse ajudar? Mesmo se Gillian tivesse que usar força.
Muito bem. Com um punhal em uma mão e um cantil de água na outra, ela se
agachou ao lado da Oráculo, pronta para qualquer coisa. Ela esperava.
— Aqui. Beba.
A Oráculo estendeu a mão para o cantil, sua mão tremendo tanto que afetou
sua pontaria. Seus dedos roçaram, e a outra mulher inalou bruscamente, horror
enchendo seus olhos.
— Não confie em seu marido. Você não pode confiar nele.
O que ela tinha visto? Com forte determinação, Gillian disse:
— Eu sempre confiarei em Puck. E você vai me ajudar a conseguir voltar para
ele. Então beba e se fortaleça. — Para ajudar a Oráculo, ela inclinou o cantil aos
seus lábios.
A mulher mais fraca bebeu avidamente, a água escorrendo pelo queixo.
Quando terminou, ela chorou:
— Obrigada — lágrimas deixaram manchas em suas bochechas sujas de
sujeira. — Obrigada.
— Olha, sei que isso é uma armadilha — disse Gillian. — O que eu não sei é
se você está conscientemente envolvida. Sim ou não, você vai me ajudar a passar
pelo escudo.
— Eu não sabia... sinto muito... Deveria ter visto... Ele me usou, planeja...—
Suas pálpebras fecharam, sua cabeça caindo para frente, como se um interruptor
tivesse acabado de ser desligado dentro de sua mente. Seu corpo seguiu, tombando.
Gillian bateu levemente em sua bochecha. Nada. Sem resposta. O Oráculo
dormiu —- por causa da magia?
Frustração e raiva arrepiaram a parte de trás do seu pescoço e ela se levantou,
segurando uma segunda adaga. Puck...
Ele se foi, ela percebeu, não estava mais de pé ao lado da árvore.
Pânico acenou. Para onde ele foi? O que aconteceu com ele?
Uma fração de segundo mais tarde, ele reapareceu, depois da parede invisível.
Ele deve ter riscado, usando sua mais nova onda de magia. Alívio e pavor ficaram
frente a frente, ambos ofuscando a frustração e a raiva.
— Eu disse a você para ficar pra trás. Estamos presos por magia, incapazes
de deixar a área.
— Não se preocupe, moça. Vamos encontrar uma maneira. Sempre fazemos.
Seu tom fácil continha um certo ar de satisfação, e isso a incomodou.
Especialmente quando foi seguido por outra rajada de vento que levava o aroma
das flores silvestres e de bordo. Sua testa franziu em confusão. O que tinha
acontecido com a mistura inebriante de fumaça de turfa e lavanda, sua fragrância
favorita?
Um fazia seu sangue queimar com paixão enquanto o outro deixava um
arrepio de desânimo em suas veias.
— Puck — disse ela, dando um passo em direção a ele. Então parou, com o
coração batendo contra as costelas. Sua cabeça inclinou para o lado, enquanto
estudava o marido mais de perto.
Ele não estava olhando para ela com esperança, luxúria, adoração, raiva ou
até total falta de emoção. Ele estava olhando para ela com ódio e suspeita, apesar
do leve sorriso curvando os cantos de sua boca sensual. Em cada mão, ele segurava
o cabo de uma espada curta. Os nós dos seus dedos estavam brancos,
completamente sem cor; ele parecia estar postado para um ataque.
Não confie em seu marido.
Puck nunca iria machucá-la. Ela sabia disso no fundo de sua alma. Mas esse
homem...
— Venha para mim, esposa — disse ele.
— Claro — a única conclusão que ela podia tirar: este não era o poderoso Puck,
seu amado.
Este era Sin, o metamorfo.
Puck não podia se mexer. No momento em que Gillian correu à sua frente, um
raio de magia desintegrou suas armas e cimentou seus pés no chão. Magia
poderosa... caótica, má. Demoníaca?
Não. Não podia ser. No momento, Puck era o único homem na cidade possuído
pelo demônio. Mas o X da questão? Sin tinha vindo até ele.
Por que seu irmão não o atacou diretamente, ele não sabia. Não se importava.
Apenas uma coisa o preocupava agora: salvar Gillian.
Sin aparecia no escudo brilhante que separava Puck de sua esposa. Ele lançou
a Puck um olhar de saudade abjeta — um olhar que Puck espelhava?
Primeira vez que o via em séculos. Deveria ter esperado sentir afeição. Uma
reação enraizada nele desde o nascimento de seu irmão mais novo.
Os anos certamente haviam mudado Sin e não exatamente pra melhor. Ele
parecia mais velho, mais duro. Seu cabelo escuro se tornou branco, apesar de sua
imortalidade. Sua massa muscular rivalizava com a de Puck, mas ele a carregava
desajeitadamente, como se nunca tivesse utilizado todo o volume.
Um círculo de ouro brilhava bem acima de sua cabeça. Os mortais chamariam
de halo, mas na verdade era a coroa de um rei. Tomada apenas pela morte ou
renúncia voluntária de um rei.
Uma mistura confusa de amor e ódio se debateu sobre Puck. Uma consciência
terrível de traição se seguiu. Desejando o que poderia ter sido. Mais adoração. Um
desejo de matar, violentamente, selvagemente, impiedosamente — sangue fluiria
em rios. Remorso forte o suficiente para deixá-lo de joelhos. Se ele pudesse se
mover.
Dentro dos olhos de Sin, viu as mesmas emoções refletidas.
Como poderia matar o homem que uma vez fora uma extensão de si mesmo?
Como não poderia? Sin era um obstáculo entre marido e mulher. Obstáculos
entre Puck e Gillian eram esmagados.
Enquanto observava, Sin se transformou em uma forma monstruosa com
chifres, garras e cascos. A forma monstruosa de Puck, sem o menor indício do halo.
— Não a machuque — Puck se esforçava para se libertar com cada fibra de
seu ser.
— Vou fazer o que devo — respondeu Sin, e ele parecia triste.
— Gillian! Gillian, corra! — Se ela o viu ou ouviu, não deu sinal, continuando
a ajudar a Oráculo. — Sin, por favor. Eu te imploro. — O que era orgulho sem
Gillian? — Se sente algum amor por mim, não vai machucá-la.
Sin fechou os olhos, deixou a cabeça cair, e Puck pensou que talvez tivesse
alcançado o garotinho que uma vez amou. Então o homem no qual ele se tornou
encarou Puck, determinado e enlouquecido, e virou e se afastou. Ele se aproximou
de Gillian.
Ela não tinha ideia que um inimigo se aproximava, não teria defesas contra
ele. Puck lutou com mais força, frenético.
— Venha pra mim, esposa — Sin disse a Gillian, e fez um sinal para ela.
— Claro.
— Dê um beijo em seu marido.
Ela sorria com todo tipo de doçura — embora nenhuma da afeição que Puck
chegou a conhecer alcançou seus olhos. Ele parou, certo de que a estava lendo
errado.
— Eu adoraria beijar meu marido — disse ela, o tom tão doce quanto sua
expressão. Ela fechou a distância, os passos cortados.
— Não. Gillian! — Lute, lute! Puck estava disposto a quebrar ossos, rasgar
músculos e perder membros para alcançá-la. Qualquer coisa!
— Abaixe as armas — disse o Sin-Puck. — Elas não são necessárias.
Uma maldição deixou Puck quando Gillian obedeceu.
Ela alcançou seu “marido” e arrastou as mãos da cintura das calças dele
subindo por seu estômago, peito, e deixou seus dedos se demorarem sobre o
pássaro tatuado em seu coração. Mas a tatuagem de Sin era uma miragem,
enquanto a de Puck tinha um poder inimaginável...
Metal brilhou no antebraço de Gillian quando ela lentamente se levantou na
ponta dos pés. Puck ousou ter esperanças. Ela não tinha embainhado as armas,
no final das contas?
Sin lentamente ergueu os braços, como se para abraçá-la. No último segundo,
ele angulou os pulsos, preparando-se para atacar.
— Não! Gillian! — O pânico o sufocava, mas Puck continuou lutando.
Indiferença dobrou o volume, gritando dentro de sua cabeça. A tatuagem de
borboleta deslizou por todo seu corpo, chiando contra sua pele.
Pouco antes dos lábios de Gillian se encontrarem com os de Sin, ela atacou,
angulando o pulso dela para revelar o punhal. Um punhal que ela empurrou sem
hesitação no pescoço de Sin. O sangue jorrou, um rio carmesim. Seu irmão uivou
de choque e dor ao cambalear para trás.
— Eu sei quem você é — disse Gillian, o tom duro e afiado. Chute, chute. Ela
o desarmou facilmente. — O que fez com o meu Puck?
Ela havia percebido a verdade. Mas… como isso era possível? Nem mesmo
seus pais sabiam quando Puck e Sin se transformavam para trocarem de lugar.
Seja qual for o motivo, o orgulho atingiu Puck. Minha mulher me conhece.
O ferimento de Sin deve ter enfraquecido sua magia. De repente, Puck pôde
mover seu braço. Músculos rasgavam e ossos ameaçavam quebrar, mas ele
conseguiu levar a mão até o peito e pressionar dois dedos contra as garras
arredondadas de sua tatuagem de pássaro.
Muito tempo atrás, ele usou magia para esconder as tesouras de Ananke
dentro de sua carne. Hoje ele usaria as tesouras para romper o domínio de Sin e
ajudar Gillian.
Mas ele hesitou. E se as tesouras pudessem ser usadas apenas uma vez? Ja
havia se perguntado isso antes, mas agora temia. Não seria capaz de se divorciar
de Gillian — um bonus — mas também não poderia se separar de Indiferença. E
se as tesouras pudessem ser usadas apenas duas vezes? Ele poderia se divorciar
de Gillian, como planejado — porque sim, sempre lhe daria o que precisava, e ela
precisava de sua liberdade por tempo suficiente para conhecer as emoções
verdadeiras do seu coração — e Puck ficaria preso à Indiferença, sem um filtro.
Seu olhar em sua esposa, ele decidiu, estou disposto a arriscar.
Libertando um pouco de magia e erguendo a mão, ele extraiu as tesouras. No
momento em que o artefato encontrou o ar, ele se solidificou. Ele abriu e fechou a
tesoura. Uma vez. Duas vezes. Como é que ele deveria…
A magia que o mantinha no lugar dilacerou, como se cortada. Simplesmente…
assim.
A satisfação não teve tempo de brotar. Raiva tomou conta dele. Ataque!
Correndo, botas arremessando areia, Puck devolveu a tesoura ao peito. Elas
se fundiram em sua pele, queimando-o, e ele rompeu a parede de magia de Sin, tão
facilmente como fez no passado.
Puck teve uma fração de segundo para fazer um balanço da situação. Sin já
havia começado a se curar. Gillian estava a poucos metros de distância,
procurando outra abertura.
Liberando um grito de batalha, Puck atacou o irmão. Eles deslizaram pela
areia em um emaranhado de membros, até mesmo passando por cima da Oráculo.
Ela nunca despertou.
Eles se morderam. Socaram, chutaram, esfaquaram. Dois predadores com um
propósito: a vitória a todo custo.
Adrenalina inflamou a raiva de Puck, a emoção tão quente que nenhuma
quantidade de gelo jamais esfriaria; Indiferença nunca seria capaz de escondê-la.
Com uma manobra experiente, imobilizou o irmão debaixo de si, joelhos nos
ombros.
— Você não machuca Gillian. — Desta vez, ele foi o único a atacar. Soco, soco,
soco. Pedaços de carne e músculo rasgaram a cada impacto. — Você não olha para
Gillian.
— Eu farei isso e muito mais. — Sangue molhava os dentes de Sin enquanto
ele sorria. — Ela é sua maior fraqueza. — Seu irmão puxou as pernas entre eles,
plantou os pés contra o peito de Puck e chutou com força suficiente para quebrar
seu esterno.
Respirar doía, mas isso não o atrasou. Ele se lançou no irmão pela segunda
vez. Ele não só dava socos; metia as garras. Não só mordia; rasgava e arrancava
pedaços. Ele não só chutava; mirava órgãos específicos.
Sin... o deixava?
— Como pôde fazer isso comigo? — Entre cada maré de raiva, ele tinha um
vislumbre de dor. — Eu te amei, só queria protegê-lo.
— Sim, mas por quanto tempo? Um dia você teria me traído — Sin o atingiu
com uma explosão de magia, arremessando-o para trás. — Você só está chateado
porque ataquei primeiro.
Sin correu com velocidade, agarrando uma espada e se movendo ao seu lado.
Seus olhares se encontraram e ele fez uma pausa. Ele podia estar usando o rosto
de Puck, mas não poderia mascarar suas emoções. Em seus olhos ardia ódio,
incerteza... e os mais frágeis fios de afeição e esperança.
As mesmas emoções continuavam a borbulhar dentro de Puck. Afeto não seria
tolerado. Sin tomou tudo dele, e Puck tinha se desperdiçado... e encontrado Gillian.
A esperança só se intensificou.
Gillian, ao lado de Sin, uma espada na mão dela. Ela atacou. Whoosh! A
lâmina cortou o pulso de Sin. Sua mão caiu no chão, ainda segurando a arma.
Ele rugiu em fúria e angústia, sangue jorrando de uma artéria aberta. Gillian
se preparou para atacar novamente. Seu próximo alvo? O pescoço de Sin.
— Eu sinto muito, Pucky — disse ela, com lágrimas nos olhos.
Antigos instintos surgiram. Devo proteger Sin.
Não! Devo destruir Sin.
Puck precisava de um segundo para pensar, apenas um segundo. Ele atirou
o corpo em Sin, derrubando-o na areia.
Gillian perdeu a garganta dele por menos de uma polegada.
Deitado debaixo de Puck, um Sin ofegante assumiu sua verdadeira forma.
Cortes cobriam suas bochechas, pescoço e se estiravam até o seu…
Puck olhou duas vezes. Sin tinha uma tatuagem de borboleta no peito. A
marca de um demônio.
Seu irmão estava possuído?
Não havia tempo para processar a revelação. Sin o chutou, fazendo-o voar.
Enquanto estava de pé cresceu uma nova mão. Uma regeneração tão rápida quanto
a de William.
— Como quer que aconteça, Puck? Me diga que eu vou respeitar seus desejos
— Gillian permaneceu no lugar, segurando firme a espada. — Fico feliz em dar uma
bronzeada interna nele. Ou, se o quiser vivo e ileso, vou recuar, contanto que ele
pare de te atacar.
Sin olhava entre Puck e Gillian, suas pupilas dilatadas do tamanho de xícaras
de chá. Inveja, tristeza, alívio e raiva passavam por suas feições.
— Ela te ama.
— Sim. Como eu a amo. — Um amor que ardia mais quente que sua raiva,
mais quente do que qualquer coisa que já conheceu. Não tinha começo nem fim.
Isso só… era.
— A profecia — Sin sussurrou. — Você tem sua rainha amorosa ao seu lado.
Sim. Um irmão uniria os clãs com uma mulher amorosa ao seu lado. O outro
morreria.
Sin engoliu em seco.
— Um de nós morrerá hoje. Suponho que deva ser eu. Não há como mudar o
destino, há?
— Puck — Gillian insistiu. — Morto ou vivo? E, a propósito, há uma maneira
de mudar o resultado de uma profecia, deve haver, e nós vamos provar isso.
Puck ficou de pé lentamente. Não tinha ideia do que diria, até que a palavra
saiu de sua boca.
— Vivo — Tinha muitas perguntas não respondidas. Como Sin se tornou
possuído? Quando isso aconteceu? Qual demônio ele hospedava? O demônio o
liderava agora? O demônio o dominou durante todos esses séculos?
Um borrão de movimento antes que alguma coisa — uma quimera — passasse
pelo escudo e atingisse Sin.
— Isso nunca perde a graça — anunciou uma voz familiar.
Atordoado, Puck encontrou o olhar azul gelo de William. O guerreiro apareceu
dentro da parede de magia, junto com alguns outros. Winter e Cameron, que
pareciam saudáveis, Keeley e Torin, Rathbone, Galen e Pandora. Até Hades tinha
vindo assistir ao confronto final. Todo mundo que desempenhou um papel ativo na
vida de Puck desde sua posse.
— Ei, pessoal — disse Keeley com um aceno. — Lembrei que ia ter uma festa
hoje e insisti que os maridões e eu nos juntássemos à diversão.
Gillian ofegou, as feições se iluminando.
— William! Peanut! Como... o que... — Ela deu um passo a frente, parou,
mantendo a arma apontada para Sin. — Eu sabia que você estava vivo.
— É bom te ver também — Winter disse, deixando claro que estava melindrada.
— Estou bem, obrigada por perguntar.
— Winter — Sorrindo, Gillian lhe ofereceu um sinal de positivo. — Você agora
é só meio doida. Fantástico.
Winter mostrou o dedo do meio para ela, mas também retornou seu sorriso.
Peanut trotou para William, que o coçou atrás da orelha e disse:
— Esse é o meu garoto.
O sorriso de Gillian se alargou enquanto trocava saudações emocionadas com
Keeley e Torin.
Enquanto isso, Cameron cuspia maldições para Torin. Ele ainda culpava o
Guardião da Doença por deixá-los presos dentro de um reino-prisão e ansiava
atacar. Compreensível, mas também não permitido.
Keeley e Torin tinham ajudado Puck a ganhar Gillian. Em Amaranthia, eles
caíam sob sua proteção.
— Cameron — ele estalou. — Você não vai fazer nada.
Cuidado. Distração pode matar. Puck fixou a atenção em seu irmão mais novo,
abaixou-se e retirou um par de punhais das bainhas nos tornozelos.
— William, pode garantir que Sin permaneça aqui até que eu decida meu
próximo passo? — Ele perguntou. — Preso dentro de suas próprias paredes
mágicas?
— Eu posso — Hades disse, parecendo ofendido por não ter lhe perguntado
primeiro.
Muito bem então. Determinado, Puck se aproximou mais. Sin franziu o cenho
para ele — e riscou. Uma nova habilidade e uma prova do nível de magia que agora
cobria suas runas.
Puck ficou tenso, sabendo que seu irmão teria que reaparecer... a qualquer
Segundo agora...
Sin reapareceu ao lado de Gillian. Só que ele não se parecia mais com Sin ou
Puck. Ele se transformou em Gillian — uma réplica exata.
O queixo da verdadeira Gillian caiu.
— O que…
Sin se jogou nela, levando-a para o chão. Uma tentativa clara de desorientar.
Qual carta é a rainha?
Quando uma delas finalmente se separou, ambas ficaram de pé com as pernas
instáveis.
William amaldiçoou.
— Quem é quem?
— Eu... não tenho ideia — disse Winter.
Hades coçou a cabeça.
— Eu tenho uma ideia. Matamos as duas.
Puck jogou uma adaga, de ponta a ponta, pregando o rei do submundo no
coração. Ninguém ameaçava sua esposa.
— Tolo — Com um cenho franzido, Hades arrancou a arma do peito. — Eu
precisaria de um coração para isso funcionar.
— Que tal nós apenas apunhalar as duas? — Galen sugeriu, e Pandora
assentiu concordando. — Só até a impostora se atrapalhar.
Puck jogou outro punhal, a ponta se encaixou no ombro de Galen.
— Ai! — Fazendo uma careta, o macho alado arrancou a arma. — Pra que isso?
Eu não ameacei a vida dela.
— Sugestões para prejudicar Gillian serão recebidas com retribuições rápidas
e severas. — O olhar de Puck voltou para suas duas possíveis esposas, e em um
instante de clareza surpreendente, ele entendeu como Gillian tinha adivinhado a
verdadeira identidade de Sin. Ele reconheceu a doçura de seu perfume e as
emoções brilhando dentro de seus olhos… raiva, desânimo e indignação.
— Sugestões podem ser ignoradas sem derramamento de sangue —
resmungou Galen, esfregando o ferimento. — Só estou dizendo.
Agora que Puck sabia quem era quem, como deveria proceder?
— Eu sou Gillian — uma delas estalou.
— Não, eu sou Gillian — a outra disse, a voz uma exata combinação.
— Você está morto —Cameron disse a Torin, e finalmente atacou.
Puck cresceu uma videira de espinhos entre os dois homens.
A distração, por mais ligeira que fosse, veio com um preço alto. Sin-Gillian
assumiu uma posição ofensiva, jogando-se na Gillian de verdade pela segunda vez,
cortando e esfaqueando.
A verdadeira Gillian — agora ferida — teve que tomar uma posição defensiva,
e fazer tudo em seu poder para se salvar sem ferir seu oponente. Porque ela sabia
que Puck queria Sin vivo.
Ou ele tinha querido o irmão vivo?
Ninguém machucava a esposa de Puck.
Puck entrou na briga, envolvendo os braços em torno da verdadeira Gillian e
chutando Sin na direção de William, gritando:
— Subjugue-o!
— Como você sabe… — William começou.
— Apenas faça — Puck ordenou, aplicando pressão em um corte na lateral do
ventre de Gillian. Sangue quente ensopou sua mão.
— Estou bem, estou bem — ela se apressou em assegurá-lo. — Mas como você
sabia que eu era a garota certa? Do mesmo modo que eu soube?
— Como se eu não pudesse escolher você entre uma multidão de milhares,
moça.
— Se estiver errado sobre quem é quem… — William agarrou Sin, de qualquer
maneira. Então o par desapareceu junto… Sin tentando riscar junto com ele?
Ele falhou. Os dois reapareceram na frente de Puck.
— Oh, sim, o nosso Pucker estava certo — disse William. — Me dê as tesouras.
Agora!
Puck não teve tempo para protestar ou questionar. Agindo por instinto,
levantou a tesoura do seu peito.
— Eu sabia — resmungou Gillian.
William bateu com o punho e as tesouras dentro do peito de Puck — e removeu
Indiferença.
Retirou o demônio?
Fumaça preta se contorceu no punho de William, olhos vermelhos brilhando
de dentro.
As tesouras tinham feito conforme prometido?
Esperando... esperando...
Puck permaneceu de pé, seus membros fortes. Sem dor residual. Sua mente
estava em silêncio, a presença sombria se foi.
Ele respirou fundo, saboreando. Finalmente estava livre do demônio! Seus
chifres começaram a retroceder. O pêlo caiu de suas pernas, soprando ao vento.
Os cascos caíram, revelando seus pés.
Um peso foi retirado de seus ombros, todas as suas emoções faiscando com
uma nova vida. Mil watts de amor, alívio, adoração, afeição, diversão... ódio,
ressentimento, pesar, remorso, angústia. Alegria como ele nunca conheceu.
Tristeza.
Com o bom veio o ruim — e Puck não aceitaria de outro jeito.
— As tesouras — ele começou.
— De volta ao seu peito. E não se preocupe com o seu irmão. A aula ainda não
acabou — William empurrou o demônio para dentro de Sin.
O corpo inteiro dele se sacudiu antes que seus joelhos cedessem. Ele desabou
na areia, debatendo-se de dor. Não se parecia mais com Gillian. Não, era ele
mesmo... mas não era. Chifres brotaram no topo de sua cabeça, pêlo cresceu sobre
suas pernas e cascos se materializaram em seus pés.
Puck sentiu pena do irmão e ansiava em usar a tesoura nele. Um dia, talvez.
Mas primeiro...
Seu olhar se moveu para Gillian e seu peito se apertou. Lágrimas escorriam
de seus olhos, descendo como uma chuva em suas bochechas.
— Está ferida? — Ele perguntou suavemente, disposto a matar qualquer um
que ousasse.
Ela se jogou em seus braços, tremendo contra ele.
— Você está bem?
Não ferida, estava preocupada com ele.
— Estou, moça. Juro.
— Seu irmão...
Puck baixou o olhar para Sin, que estava imóvel. Quando ele olhou para Puck,
seus olhos estavam vazios de toda emoção. Indiferença tinha um novo hospedeiro
— e uma nova vítima. Pontada de dor.
— Vai deixá-lo vivo? — Perguntou Gillian, depois mordeu o lábio inferior.
— Vou. Vou aprisoná-lo por enquanto — disse Puck.
Gillian sorriu, seu rosto radiante.
— Então está fazendo isso. Está mudando a profecia. Nós podemos ficar juntos!
Ele queria estar junto. Conquistou com suor um final feliz com aquela mulher.
Depois de tudo que sofreu, ela era o seu prêmio. E ainda assim, ele ainda romperia
o vínculo.
A felicidade dela vem em primeiro lugar, sempre.
— Não me desculpo por ser o portador de más notícias, mas você não vai
trancafiar Sin. Os Enviados estão chateados, lembra? — Hades marchou até Sin e
o ergueu pela nuca. — Sin é um presente para a Elite deles. Ele matou centenas
de sua raça e responderá por seu crime. Esta é a única maneira de salvar sua pele
e seu reino, Pucker.
— Não. Encontrarei outra maneira — Puck balançou a cabeça, as lâminas
chacoalhando. — Eu supervisionarei sua punição. Eu.
— Minhas palavras não eram parte de um debate — disse Hades, o tom casual
e, ainda assim, atado com ameaça. — Elas foram um “para sua informação”. Mas
não se preocupe. Os Enviados não planejam assassiná-lo pelos próximos séculos.
Puck deu um passo em direção ao rei do submundo com toda a intenção de
atacar, mas uma mão delicada envolveu seu tornozelo, surpreendendo-o. Ele olhou
para baixo para descobrir que a Oráculo havia acordado. Seu olhar sobrenatural
olhou para ele, brilhando com remorso.
— Você salvou a minha vida — ela disse com voz rouca — então devo a você,
e sempre pago minhas dívidas. O irmão que conheceu e amou está morto. Se você
o quer de volta, deixe-o ir. Um dia ele vai perder a cabeça. Retorná e o que uma vez
foi, será novamente.
Perder a cabeça? Literalmente? Então como poderia retornar?
Não poderia ser literalmente se o que uma vez foi — o amor e companheirismo
que ele teve com Sin — seria novamente.
Outra pontada atacou Puck, mas ele se forçou a concordar. Muito bem.
Deixaria Sin com os enviados. Por enquanto.
Oh, com que rapidez uma vida podia mudar.
— Que outro demônio o possui? — Puck perguntou.
— Paranoia — respondeu Keeley. — Ele adquiriu o demônio durante as
negociações de paz com seu vizinho. Alguém lhe deu uma caixa... quem pode ter
sido? Ah, sim. Eu! E oh, uau. Pense nisso! Ele tem Paranoia e Indiferença agora.
Os dois não combinam nada. Tenho a sensação de que ele vai vacilar entre um
doido varrido e uma apatia gelada. — Ela se virou para Torin. — Podemos espioná-
lo? Por favor!
Paranoia. A razão para a mudança em Sin todos aqueles séculos atrás, e a
total garantia de que Puck o trairia e mataria.
Um milagre que Sin não o tivesse assassinado logo de cara.
— Por que você faria isso? — Puck esfregou o centro do peito dolorido. — Eu
ouvi o que disse na caverna. Você nos ama. Ou vai me amar um dia, o que eu ainda
não entendi. Por que machucaria as pessoas que diz amar?
Ela lhe ofereceu um sorriso triste.
— Puck, você tem alguma ideia de quantas vidas são tocadas por uma única
pessoa? Especialmente uma pessoa imortal? O efeito em cascata é enorme. Eu te
vi há muito tempo. Aqui dentro — ela bateu na têmpora. — Você era meu amigo,
embora nunca tivéssemos nos conhecido. Eu te ajudei a sobreviver séculos que
você do contrário teria perdido. Eu te ajudei a encontrar uma maneira de manter
Sin vivo. Ajudei a encontrar Gillian. Ajudei a espancar William. Eu ajudei você...
ajudei a todos vocês. Moral da história? Eu sou incrível.
Hades tossiu dentro de sua mão, dizendo:
— William.
— Certo. — O sombrio se aproximou de seu pai. Mas não foi em Hades que
ele focou. Ele alcançou a coroa ainda brilhando acima da cabeça de Sin. — E então
o reinado de Sin, o Demente, termina.
A coroa!
Gillian correu pra frente… tarde demais. William já tinha a coroa na mão. Sin
não ofereceu protestos, apenas piscou com uma total falta de emoção.
— Agora eu me despeço — com uma saudação, Hades riscou com Sin.
— O que significa que nós também — disse Keeley, depois parou. — Ah! Antes
que eu vá. William, meu amor, encontrei a única mulher, ou homem, na história
de todas as histórias com o poder de desvendar o código. Você sabe, o do seu livro.
Aquele que você acha que tem uma solução para o seu maior problema... sua morte
nas mãos de sua amante. Me pare se já ficou sabendo disso.
William ficou rígido.
— Quem é ele?
— Ou ela.
— Me conte!
— Está bem, está bem. Nossa. Vocês crianças de hoje em dia e sua
impaciência.
— Keeley!
Ela ergueu as mãos, toda inocência.
— Na próxima semana haverá uma adorável convenção criptoanalista em
Manhattan. Na última contagem, havia cinquenta e três nerds planejando
comparecer. Tipo, mortais seriamente nerds. Talvez um punhado de imortais nerds
também. Você só tem que encontrá-la… ou a ele, entre a multidão. Tchauzinho.
— Próxima semana? — Rugiu William. — Manhattan?
Rathbone piscou.
— Confirme a presença de cinquenta e quatro no evento. Isso é algo que eu
não quero perder.
— Oh, e Galen — disse Keeley. — Se você quer uma chance de conquistar
Legião, venha me encontrar. Hades terá mil outras tarefas para você antes que o
deixe chegar perto dela. Eu só tenho umas sete... Dezessete. — Com isso, ela
desapareceu riscando com Torin.
Galen rugiu agora e tentou pegá-la antes que ela desaparecesse, mas falhou.
Ele se virou para Rathbone.
— Me leve até ela.
Rathbone revelou um sorriso felino.
— Claro. Explicarei sobre o pagamento quando chegarmos a ela.
O alado assentiu sem hesitar. Quando Rathbone passou um braço ao redor
de Galen, Pandora se aproximou do outro lado para agarrar seu bíceps. O trio
desapareceu.
— Por favor, não faça isso, William — implorou Gillian. — Não faça Puck
cumprir seu juramento. Por favor.
Puck levantou o queixo. Ele tinha decidido usar as tesouras — ou tentar —
não importa o que acontecesse. Não havia razão para não aceitar a coroa, embora
preferisse estar com Gillian. Os Connachts precisavam de um rei. Amaranthia
precisava de um rei. E, para ser sincero, Puck não tinha motivos para duvidar do
amor de Gillian. Não mais. Ela tinha provado mais de uma vez. Quando o vínculo
rompesse, seu amor por Puck iria durar. Estava certo disso. Assim como seu amor
por ela duraria, para todo o sempre.
No fundo de seu coração, ele sabia que ela estava tanto certa quanto errada
sobre a profecia. Ela pensava que eles tinham mudado o futuro de Puck, permitindo
que Sin vivesse, mas como a Oráculo havia dito, o irmão que Puck conhecera estava
morto, um novo homem vivia em seu lugar. A profecia tinha se cumprido.
A profecia de Gillian alegava que ela não teria um final feliz.
Por um tempo, Puck se convenceu de que ela não teria um final feliz com
William. Então deixou os medos enuviarem seu pensamento e se agarrou à ideia
de que ela não poderia ter um final feliz com ele. Mas ela poderia. Teria. Ela
governaria ao lado de Puck cheia de alegria. Ele sabia disso. Eles simplesmente
não entenderam a profecia.
William se concentrou em Puck, mas falou com Gillian.
— Isso deve ser feito, boneca.
— Não — disse ela, e bateu o pé. — Por favor, não.
Ela estava assustada. Assustada que o fim do vínculo significaria o fim de seu
relacionamento, o que significava que uma parte dela, de fato, acreditava que seu
amor por Puck diminuiria. Mas o amor não era apenas um sentimento, ele
percebeu. Sentimentos flutuavam, mudando por causa das circunstâncias e um
milhão de outros fatores. O amor era uma escolha. Um compromisso de colocar
alguém mais em primeiro lugar, de dar ao invés de tomar, de proteger e nunca
prejudicar.
Mantendo o vínculo no lugar, ele estaria escolhendo o futuro de Gillian por
ela. Para ter esse final feliz, ela tinha que escolher seu próprio caminho.
Então Puck plantou os calcanhares na areia, pronto para enfrentar o futuro.
— Faça, William.
— Não! — Gillian tentou deter o homem, mas ele riscou além dela.
Quando ele reapareceu diante de Puck, parou apenas por um momento antes
de colocar a coroa onde ela pertencia. Gillian choramingou, quase acabando com
Puck. Mas no instante seguinte, ele perdeu tudo de vista, exceto o poder que fluiu
através dele. Um esconderijo da magia de Sin. A magia de cada rei Connacht que
já viveu.
Cada uma de suas habilidades retornou e mais algumas. As coisas que ele
poderia fazer... o poder que ele poderia exercer...
Incrível. Magnífico.
De apertar o coração.
— Está feito — disse William. — Eu te dei a coroa Connacht.
— Sim — Puck abriu os olhos e assentiu.
— Agora você vai libertar Gillian.
— William, por favor — disse ela, caindo de joelhos. — Libere-o da promessa.
— Parecendo em pânico, ela disse: — Eu não posso ter um final feliz sem ele.
— Você pode. Você terá. Eu insisto nisso. — O Sempre Excitado estendeu a
mão, passando levemente os dedos pela mandíbula dela. Pela primeira vez, Puck
não sentiu ódio do homem por tal toque, pois aquele era o seu último.
— Não! Você sabe que há uma pegadinha com as tesouras — disse ela. — Ao
longo dos séculos, aprendi que sempre existe uma pegadinha com artefatos antigos.
Puck já teve o mesmo pensamento.
— As tesouras só podem ser usadas uma vez a cada cem anos. Anos mortais
— disse William. — A menos que as tesouras não sejam usadas por cem anos.
Então elas podem ser usadas duas vezes em um século. Pense em minutos de
planos de telefones celulares. Se as tesouras não forem usadas em trezentos anos,
elas poderão ser usadas três vezes. E assim por diante.
— Eu as tenho há trezentos anos mortais. — Milhares de anos Amaranthianos.
— O que significa que tenho mais um uso. — Para Gillian. Em cem anos mortais,
ele poderia ajudar Winter. Em mais cem anos e poderia ajudar Cameron. Então,
finalmente, cem anos depois disso, poderia ajudar Sin.
Ele não reverteria a ordem, mesmo que Sin voltasse amanhã. Seus amigos o
ajudaram durante séculos, então ele os ajudaria primeiro.
— Está fazendo isso para me machucar? — Gillian perguntou a William. —
Porque eu te machuquei?
William, geralmente o homem mais durão do quarteirão, suavizou.
— Não. Acredite ou não, estou fazendo isso para ajudar você.
Parecendo derrotada, ela se sentou nas ancas.
— Tanta coisa já mudou. Só… nos dê cinquenta anos mortais. Ou melhor
ainda, cem. Então podemos rever isso.
Puck queria muito abraçá-la e garantir que tudo ficaria bem. Odiava vê-la com
medo. Odiava feri-la. Preferiria morrer. Mas preferiria sofrer pela eternidade do que
negar a ela o direito de escolher.
William fez tsc-tsc com a língua pra ela.
— Você não é assim, boneca. Deveria querer isso.
— Querer isso? — ela deu um grito agudo. — Minha vida finalmente está
perfeita! Você sabe há quanto tempo estou esperando por isso? Por que iria querer
mudar alguma coisa?
— Vou supor que esteve esperando, há, oh... quinhentos e dezenove anos? —
Perguntou William. — Mas querida, você está errada. Isso não é perfeito. Mas será
quando terminarmos.
— Não! — Ela repetiu. — Eu quero ficar com Puck. E quero que seus chifres
retornem. E seu pêlo. Eu posso negociar quanto aos cascos. Eu só... preciso de
mais tempo com ele antes de nos arriscarmos, ok? Eu sinto que romper o vínculo
é o que causa o meu final infeliz. Vamos provar que essa profecia está errada.
O coração de Puck se partiu, sua resolução enfraquecendo. Mas ele também
sentiu a verdade. Essa era a coisa certa a fazer.
— Sem o demônio, eu tenho a habilidade de mudar de forma. E mudarei, a
qualquer hora que você desejar. — Para demonstrar, ele mudou para sua forma
bestial. — Eu amo você, Gillian. Eu te amo e não há nada que você ou qualquer
outra pessoa possa fazer sobre isso. Isso eu juro. Agora, deixe-me provar isso. —
Ele estendeu a mão, tirou uma mecha de cabelo da bochecha dela. — Deixe-me
fazer isso por você. E por nós.
— Não — Ela irradiava todos os tipos de violência. — Eu te disse, há muito
em jogo.
William soltou um suspiro pesado.
— Já chega. Isso tem que ser feito. Os efeitos devem ser imediatos, mas nós
daremos o resto do dia, só pro caso. Se você ainda o quiser no momento que o sol
se pôr, seu novo casamento terá a minha bênção. Mas de um jeito ou de outro,
você vai conhecer seu verdadeiro coração… e o dele. Este é um presente que estou
te dando.
Ela saltou de pé e deu um tapa nele. Forte. O estalar provavelmente ecoou por
quilômetros.
— Por que está fazendo isso? Para me ganhar? Mesmo sem o vínculo, eu não
vou…
Puck riscou diante dela, apenas no caso de William decidir atacar.
Posso riscar agora? Pelo visto sim.
O outro homem esfregou a bochecha e revirou os olhos para Puck.
— Talvez isso seja um presente pra você, Pucker. Se não a quiser, não terá
que lidar com o temperamento dela.
Puck percebeu a verdade então: William tinha cedido completamente. Não
tinha pretensão e não queria nada.
Com um sorriso, Puck se afastou para deixar os dois amigos falarem.
Com o tom gentil, William disse a Gillian:
— Eu permiti que a necessidade de proteger uma criatura assustada e
abusada me confundisse. E apesar de amar a mulher guerreira que você se tornou,
seus sentimentos por outro homem anulam a possibilidade, e sua força é um não
de verdade. Eu não posso ficar com uma mulher que pode ou não ter o poder de
me derrotar. A menos, é claro, que eu encontre esse decifrador de código. — Seus
olhos se estreitaram. — E eu vou.
Puck manteve a atenção em Gillian, desviar o olhar era impossível. Ela era
forte, tinha enfrentado tanta coisa de cabeça erguida. E, no entanto, aqui e agora,
ela se deixou cair de joelhos uma segunda vez, colocando-se voluntariamente em
uma posição de vulnerabilidade e súplica. Mas desta vez, não implorou. Ela curvou
a cabeça e soluçou.
A visão dela rompeu o que restava da determinação de Puck, e se ele a amasse
menos, mesmo que apenas uma fração, imploraria a William para acabar com isso.
Mas, tanto quanto ela precisava saber que escolhera Puck livremente, ela precisava
saber que ele a escolhera livremente.
— Confie em mim, moça. Por favor. — Ele caiu de joelhos na frente dela, pegou
suas mãos e beijou os nós dos dedos. — Deixe-me provar que meu amor por você
é real e duradouro, com vínculo ou sem.
Lágrimas caíam por suas bochechas, mas ela finalmente concordou.
Sem querer hesitar e arriscar mudar de ideia, Puck tirou as tesouras do peito...
e cortou.
Gillian soube o momento exato em que seu vínculo com Puck se rompeu,
porque o que restava de seu coração se partiu. Onda após onda de tristeza corroeu
o contentamento que ela conseguiu obter. O luto substituiu a alegria.
Cada célula de seu corpo lamentava o fim da conexão com o marido.
Antes ela passou quinhentos anos sem ele, e ela (na maior parte) prosperou.
Agora, não conseguia passar cinco segundos?
A banda de metal ao redor do pulso de Puck se soltou e caiu no chão. Como o
gongo final chamando os guerreiros para casa depois da batalha.
Ela olhou para seu marido — seu ex — que a observava com uma expressão
vazia, e quis vomitar. Ele teria voltado ao Homem de Gelo? Não, não. Ele não era
mais Guardião de Indiferença, então não precisava do gelo. A menos que
simplesmente não quisesse lidar com suas emoções?
Não! Ele não invocaria o gelo, não perto dela. Ele prometeu.
Ele não estava mais apaixonado por ela, então? Seu final infeliz tinha chegado?
Ela não estava mais apaixonada por ele?
Ela olhou de Puck para William, que a observava com expectativa. Enquanto
olhava em seus olhos azuis-gelo, o amor ofuscou o pesar, mas... esse amor ainda
era semeado em amizade. Ela não tinha interesse romântico em William.
Sua atenção voltou para Puck, e seu coração começou a disparar, estimulado
a entrar em ação por amor e luxúria, uma quantidade insondável de cada um, e
inteiramente românticos.
Seu olhar procurou o rosto ilegível de Puck.
— Seus sentimentos por mim mudaram?
Se tivessem mudado, ela iria... o que?
Você é uma guerreira. Vai lutar por aquilo que você quer, é isso.
Isso estava certo. Gillian levantou o queixo. Se necessário, ela o cortejaria.
Lutaria por ele e tornaria a conquistá-lo. Isso não era o fim.
Afinal, por que ela temia isso? Quando ela não gostava de algo, ela mudava.
— Não quero que o que eu sinto por você influencie a sua decisão, mas... — A
máscara caiu de suas feições, revelando adoração, carinho, ternura… amor. —
Você não é apenas o amor da minha vida, moça. Você é a minha vida. Eu já disse
isso, não é?
Jogando os braços ao redor dele, Gillian gritou:
— Eu também te amo. — Tanto. Toda aquela preocupação… por nada.
Absolutamente nada! Ela poderia ter poupado a si mesma e a Puck de uma
tonelada de angústia se tivesse confiado na conexão que tinham.
O amor nunca falhava.
— Isso é chato — Winter estremeceu, toda eu sinto vergonha alheia por vocês
dois. — E meio nojento. O amor é um saco.
— Pela primeira vez, concordo com você, Winnie. — Enquanto Winter
engasgava de ódio pelo novo apelido, William puxou Gillian de pé. Ele não podia
forçá-la a deixar Puck, no entanto. Talvez entendesse que perderia uma mão se
tentasse. — Vocês dois não vão passar suas horas de solteiro disputando para ver
quem desvia o olhar primeiro. Se vocês, de fato, decidirem se unir novamente…
— Nós vamos — Gillian e Puck disseram em uníssono.
— precisam proteger a fortaleza Connacht para que eu possa ter certeza de
que a minha Gillian tenha um lar pra sempre.
— Minha Gillian — Em um borrão de movimento, Puck estava de pé e dando
um soco no estômago de William. Ele sequer soltou Gillian. — Só minha. Nunca
sua.
William ergueu as mãos com as palmas para fora, em uma demonstração de
inocência.
— Sua Gillian. Ótimo. Tanto faz. Considere sua posse estabelecida.
Retomando. Vamos dizer ao seu povo que há um novo babaca no comando.
Muito bem. Puck deu outro beijo nos dedos de Gillian antes de ir até a árvore
onde eles fizeram amor pela última vez, onde William e companhia tinham
amarrado quimeras diferentes. Ele olhou para trás uma vez, duas, três vezes para
garantir que Gillian não tinha fugido, e o coração dela disparou.
Ele ainda me ama. Eu ainda o amo.
Isso ia funcionar!
Esperançosa, ela montou em Peanut. William cavalgava à sua esquerda e Puck
seguia à sua direita, transformando-a no recheio de um sanduíche de carne. Winter
liderava a comitiva e Cameron permanecia na retaguarda.
Uma hora se transformou em outra, conversa em espera. Todos os outros
observavam os sóis tão diligentemente quanto Gillian, esperando que eles se
pusessem?
Winter manteve uma conversa constant — consigo mesma. Cameron contava
árvores. Sua nova obsessão, aparentemente. Gillian sentiu pena de qualquer
mulher pela qual ele acabasse se apaixonando. Sua perseguição seria incansável
até que simplesmente deixasse de existir.
Poderia o Guardião de Obsessão ter um “felizes para sempre”?
Gillian poderia? Nenhum final feliz significava uma vida sem Puck. Ele ainda
me ama. Eu ainda o amo.
Nunca se cansaria dessas palavras.
Quando chegaram a um bosque denso de árvores, Puck desmontou e todos os
outros seguiram o exemplo. Um após o outro, eles levaram suas quimeras através
da folhagem.
— Tudo bem — disse William, a voz encharcada de exasperação. — Estive
esperando uma eternidade para que alguém me questionasse sobre como consegui
a maior vitória de todos os tempos. Uma vez que todos os membros da minha
equipe estão determinados a serem rudes e me darem um gelo, terei que levar
minha história para o túmulo. Não que eu vá morrer.
Gillian arqueou uma sobrancelha, propositadamente permanecendo muda.
Ele cederia em cinco, quatro, três, dois…
— Certo. Vou contar. Pare de me implorar com os olhos — disse ele. — A
Rainha Vermelha teve uma premonição e, por ser uma Curadora ligada à Terra, às
suas estações e até aos seus outros reinos, foi capaz de se ligar à Amaranthia para
criar o portal abaixo das nuvens. Peanut e eu caímos, junto com Pandora e Galen,
e acabamos no submundo. Hades nos pegou com uma corrente de poder e aliviou
nossa queda.
— Como retornou a Amaranthia? — Puck perguntou. — E com tão pouco
tempo passando para nós.
O timbre de sua voz enviou arrepios de desejo por Gillian.
— Ninguém me mantém longe da minha melhor amiga — disse William. —
Assim que Sin usou magia para prender Gillian com a Oráculo e depois alfinetou
você no lugar, a barreira que ele colocou em torno de Amaranthia enfraqueceu. Eu
irrompi através dela, contatei Rathbone e tchram. Aqui estou. Quanto a desafiar o
próprio tempo… — ele deu de ombros — Vamos só dizer que minha magia é melhor
que a sua.
Amigos. Ele a tinha chamado de amiga. Ela estendeu a mão e deu um tapinha
na dele.
Eles subiram com suas quimeras até uma duna e a fortaleza Connacht
apareceu. A respiração se prendeu na sua garganta. A estrutura lhe lembrava um
castelo de areia gigante. A coisa mais linda que ela já viu. Exceto por Puck, claro.
O ponto mais alto desaparecia nas nuvens e uma torre se erguia de cada lado,
conectada por um parapeito onde soldados armados patrulhavam.
Os sóis tinham baixado o suficiente para criar uma aura dourada ao redor…
Espera. Os sóis estavam em processo de se pôr! William disse que não
protestaria se Gillian e Puck esperassem até o pôr do sol para se unirem pela
segunda vez.
Deveria pedir uma cerimônia agora? Ou esperar até Puck se estabelecer? Ou
esperar até que Puck pedisse a ela?
— Esta é a sua casa? — Perguntou a Puck.
— Nossa casa — ele retrucou, o tom feroz.
Ela sorriu.
— Os cidadãos vão brigar quando você revelar o seu novo e exaltado status?
— Não. Aquele que usa a coroa reina. Não se fazem perguntas. Embora
possam reclamar pelas nossas costas.
Então seu ex-marido era oficialmente o rei Connacht, e Gillian seria a rainha
Shawazon e Connacht, e o ajudaria a unir todos os clãs.
O grupo deles seguiu em frente. Um dos guardas os avistou e um grito de
guerra soou. Em seguida, um sino tocou.
Alguém gritou:
— Espere! Eu acho que é... Príncipe Neale?
Neale? A testa de Gillian franziu. Então ela se lembrou. Neale era o nome que
o povo dele usava.
Mais gritos.
— O príncipe Neale não é mais príncipe. Ele é o rei! — O que gritou não parecia
muito feliz.
Os soldados caíram de joelhos.
— Todos saúdem o Rei Púkinn! — Não, definitivamente não estava muito feliz.
As palavras foram resmungadas.
— Eles esperam que eu seja como Sin — disse Puck, com voz firme.
O portão da frente se abriu, revelando mais pessoas ajoelhadas.
— Você vai conquistá-los — disse Gillian. — Nós dois vamos. — Olha a dica.
Peça-me em casamento de novo, Pucky!
— Tudo bem. Antes de nos separarmos, preciso fazer uma pequena revelação
— William soltou um suspiro pesado. — Eu beijei sua esposa, Puck. Ora, ora. Não
fique com esse olhar vingativo em seus olhos… sim, esse. Ela não retribuiu o meu
beijo. E eu fico feliz. Senti como se estivesse beijando minha tia-avó Trudy. Se eu
tivesse uma tia-avó Trudy. — Ele estremeceu.
— Eu sei que você a beijou — Puck respondeu com os dentes cerrados. — Se
fizer isso de novo, eu o mato sem nenhum escrúpulo.
William riu — até que uma trepadeira de espinho disparou do chão e o
derrubou. Ele cortou a videira, depois se levantou e cuspiu um pouco de terra.
Agora Gillian ria, um poço de felicidade surgindo.
Felicidade...
A compreensão a atingiu com a força de um taco de beisebol. A profecia estava
certa! Ela não teria um final feliz. Não. Não ela. Ela teria um começo feliz. Um
vínculo forjado porque ela e Puck escolheram um ao outro. E uma vez que eles
tivessem o começo, eles teriam o seu felizes para sempre.
Eles teriam uma eternidade juntos!
— Não se preocupe, Pucky Sortudo — ela se viu brincando. — Não vou deixar
que William me beije de novo. Eu tenho um gosto melhor. Quero dizer, eu esperava
uma habilidade magistral de alguém que gasta a maior parte do tempo enroscado
a qualquer pessoa que respire. Infelizmente, William foi... — Em um sussurro
teatral, ela disse: — Inapto.
William deu um falso grunhido.
— Como se atreve, boneca? Eu sou incrível. — Um segundo ele estava à sua
esquerda, no outro parou na frente de Puck, segurando a parte de trás do seu
pescoço e puxando-o para frente para plantar um beijo molhado em seus lábios.
Gritando e aplaudindo, Winter dançou ao redor deles. Cameron escondeu um
risinho atrás da mão enquanto Gillian nem tentou mascarar o dela.
— Melhor do que eu imaginei — Gillian gritou, punho bombeando para o céu.
Quando William levantou a cabeça, o canto da boca de Puck se curvou. Seu
ex-marido, que em breve seria marido, olhou novamente para ela e disse:
— Você tinha razão, amor. Inapto.
William tirou um fiapo invisível da camisa.
— Vou dizer a todos que Puck beija… não importa. Não direi nada. Eu não
beijo e saio falando. Eu só transo e me gabo.
Gillian empurrou William para fora do caminho e se lançou para Puck.
Esqueça a espera.
— Eu te amo e quero me casar com você de todas as formas.
— Eu também te amo. Mas quero que você tenha certeza, porque nunca vou
deixá-la outra vez.
— Eu tenho certeza. Sei que não consegui ter um final feliz porque...
— Não me importo com o que as Oráculos dizem — ele interveio. — Eu vou…
— Não, você não me deixou terminar. Eu não consegui um final feliz porque
consegui um começo feliz. Nós vamos nos unir novamente. Agora. Diante de todo
mundo. Ficaremos juntos para sempre. Pensei em esperar que você me pedisse,
mas...
Seu sorriso era lento, mas safado e, oh, tão brilhante.
— Você me escolheu de livre e espontânea vontade.
— Eu escolho você — ela confirmou. — Sempre escolherei você. E nosso povo.
E aceito me casar com você de todas as maneiras, se já não deixei isso claro. Um
dia, em breve, gostaria de ter uma cerimônia com os Connachts e os Shawazons
juntos. — Winter, Cameron, Johanna e Rosaleen seriam madrinhas. William seria
sua dama de honra. E sim, ela o chamaria por esse título pelo resto da vida.
Sua comitiva aplaudiu.
— Eu te dou meu coração, corpo e alma e — disse Gillian, lembrando os votos
que fizeram uma vez. — Amarro minha vida à sua e, quando você morrer, morrerei
com você. Isso eu digo, isso eu faço.
Depois que ele repetiu as palavras, ela acrescentou:
— Eu o ajudarei a unir os clãs. Serei uma ajuda, não um obstáculo. Eu vou
te amar, apoiar, e construir, nunca te derrubar.
O abraço dele apertou, uma ação que ela interpretou como Eu não estava
brincando; nunca a deixarei partir.
— Eu te amarei todos os dias da minha vida. Colocarei sua segurança antes
da minha e sempre acolherei o seu sábio conselho. Eu te amarei para sempre e
nada, nem ninguém, terá a força para me arrancar do seu lado.
O coração dela transbordou de amor e alegria. Ficou na ponta dos pés quando
ele abaixou a cabeça, e eles se encontraram no meio do caminho, selando suas
promessas com um beijo.
Longos minutos se passaram antes dele levantar a cabeça. Ofegante, ele
retirou uma adaga e fez uma incisão no centro da palma. Sangue empoçou. Ela
aceitou a adaga e fez uma incisão também. Então eles beberam um do outro.
— Sangue do meu sangue, ar dos meus pulmões. — Ele pegou sua mão. —
Até o fim dos tempos.
— Sangue do meu sangue, ar dos meus pulmões. Até o fim dos tempos.
Um novo vínculo se formou — uma ligação mais forte. Feita livremente, nada
além de verdade entre eles. Uma conexão! Ela se deleitou.
— Você é minha esposa — disse ele, traçando os polegares em suas bochechas.
— E você é meu marido.
Orgulho brilhou em seus olhos escuros. Escuros, mas tão brilhante. As
estrelas estavam radiantes.
— Vamos ter uma bela vida juntos.
— Para todo o sempre — Gillian lutaria por ele e faria de sua felicidade uma
prioridade.
E ela teria sucesso. Poderia fazer qualquer coisa! Afinal de contas, a ratinha
assustada havia se transformado em guerreira. A adolescente com medo dos
homens se transformou em uma mulher que se apaixonou pelo imortal mais
selvagem que já viveu. Uma garota comum se levantou das cinzas da sua própria
destruição para se tornar rainha de todo um reino.
Bem, ela seria a rainha de um reino inteiro em breve.
O melhor de tudo? Uma fera com o coração congelado derreteu, tornando-se
a encarnação do Príncipe Encantado mais sexy que já existiu.
Meu Príncipe Encantado, de qualquer maneira.
Sorrindo, Gillian disse: — Me apresente ao nosso povo. Estou pronta para
começar o nosso felizes para sempre.
Puck e Gillian estavam vinculados — de novo — há pouco mais de um mês.
Não muito tempo no esquema geral das coisas, mas feliz mesmo assim. Eles haviam
apresentado os Shawazons aos Connachts, e apenas cinquenta e três lutas haviam
acontecido, com apenas dezoito quase mortes.
Puck considerou aquilo um grande sucesso.
Cameron e Winter haviam retornado ao mundo dos mortais para ajudar Galen
por razões que eles não compartilharam com Puck. A moça que Galen desejava —
Legião — tinha desaparecido pela terceira — quarta? — vez, e Galen estava
desesperado para encontrá-la.
Rumores também sugeriam que William estava furioso sobre seu livro de
profecias e códigos, e quanto ao “nerd” que ele poderia ou não ter encontrado. Uma
amiga dos Senhores do Submundo — uma mulher possuída pelo demônio
chamada Viola — agora estava desaparecida, assim como a Enviada caída que a
esteve perseguindo por qualquer que seja a razão.
Mas enquanto as coisas fora de Amaranthia estavam caóticas, as coisas lá
dentro não poderiam estar melhores.
Hoje Puck e Gillian foram oficialmente coroados como rei e rainha dos
Connachts e Shawazons. Logo seriam rei e rainha de Amaranthia. Ele assistiu sua
esposa deslumbrar seu povo com sua beleza, inteligência, charme e força, e quase
explodiu de orgulho.
Ela usava um vestido preto justo com as costas abertas, contas prateadas
penduradas em uma gola alta, drapeando os ombros em vários comprimentos, com
lâminas amarradas às pontas. Ele queria rasgar cada camada de roupa com os
dentes... e foi o que fez a poucas horas atrás.
Agora ela estava enrolada em seus braços, desenhando pequenos corações
sobre seu peito.
Haveria resistência quando unissem os outros clãs, mas eles superariam.
Sempre superavam.
Quanto a Sin, Puck agendou uma reunião com os Enviados para negociar a
punição e o retorno de seu irmão.
A vida poderia ser mais perfeita?
Ele e Gillian tinham tomado a decisão de começar uma família. Um dia, em
breve, pequenos príncipes e princesas de cabelos escuros com olhos cor de uísque
estariam correndo pela fortaleza.
Puck ficaria eternamente agradecido por Gillian ter confiado nele seu novo
começo, e honrado em assegurar que ela permanecesse feliz pelo resto da
eternidade.
— Estou com frio — disse ela enquanto tremia contra ele. — Preciso do seu
pêlo.
Ele mudou para sua forma bestial e ela soltou um suspiro de contentamento.
— Melhor? — Ele perguntou.
— Muito.
Beijou sua têmpora e passou os dedos por seus cabelos, contente, satisfeito e,
por causa daquela mulher, auspicioso. Cada dia com Gillian era mais doce que o
anterior. Se ele soubesse o que o esperava, teria suportado todos os seus
sofrimentos com um sorriso.
Alguns contos de fadas não tinham um felizes para sempre... mas este tinha.

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