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O Moinho das Bruxas

#1- solstício de verão/2017

AFINAL, O QUE É BRUXARIA?

UMA
INTRODUÇÃO
A WICCA
Wicca, o Renascimento da Bruxaria
A Wicca no Brasil - História e Conquistas
Crenças e Práticas da Wicca
Iniciação e Tradição
Dicas de Leitura para Iniciantes
O MOINHO DAS BRUXAS | #1 - 2017

Saudações!
Cara leitora e leitor, Feliz Encontro...

Saudações, meu nome é Sérgio Lourenço, autor e idealizador da


revista digital e GRATUITA, “O Moinho das Bruxas”. Sou natural
da capital paulista, e curso Psicologia em Araras – SP. Além de
escritor, também sou artista plástico, palestrante e tarólogo.
Prático a Bruxaria como Religião há 16 anos. Considero-me um
estudioso dos mistérios, recheio minhas idéias com o tempero das
religiões pré-cristãs, da filosofia, da psicologia, da sociologia e
antropologia, enfim, com a busca incessante sobre a natureza do
ser humano, sua essência e propósito na vida. Procuro sempre
verter em meus livros, textos e reflexões a mesma essência
mágica que construo minha vida e meu cotidiano.
Assim sendo, essa primeira edição da Revista Digital “O Moinho
das Bruxas” nasceu da gratidão transformada em palavras para
com todas e todos os leitores do meu blog “O Moinho das
Bruxas” que, tem usado esse espaço virtual como acesso de
conhecimento e informação a respeito da Wicca.
Hoje a web abunda em informações a respeito da nossa Religião,
que tem florescido de forma criativa e magnífica em nosso amado
país. Contudo, há também muitos maus entendidos que
circundam esse seu florescer.
E essa revista pretende ter a função exatamente de fazer com
que você se prive de conhecimentos que nada tem a ver com a
comunidade neopagã e Wicca do Brasil, e do mundo.
Outra função da revista é servir como base e referência para sua
busca de outros conhecimentos que são importantes para o seu
desenvolvimento prático e teórico.
Pensando nisso, a primeira edição da revista digital, #1 - Solstício
de Verão/2017, abrirá com uma introdução a Wicca. Onde
abordarei um panorama geral dos aspectos mais comuns da
Religião: sua história, ética, crenças e práticas. Cujo objetivo
será introduzir você ao que há de mais relevante nessa fabulosa
jornada.
O nascimento dela nasce do compromisso que assumi com a
Deusa e a nossa comunidade de passar seu conhecimento e
sabedoria através da escrita, que tomei como ofício de vida
desde muito cedo. Acredito que ler é o melhor caminho para o Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei. 9.610 de
acesso ao (auto) conhecimento. Quem lê desperta por dentro. 19/02/1998. É proibida a reprodução desta obra, mesmo
parcial, por qualquer processo, sem prévia autorização, por
escrito, do autor ou da Editora.
E que as palavras contidas aqui possa despertar a Bruxa ou
Bruxo que habita dentro de seu caldeirão interior. Lourenço, Sérgio
Bênçãos plenas. O Moinho das Bruxas,, Edição Solstício de Verão 2017..
#1 Edição do Autor, Araras/SP, 2017.
Arte e Diagramação: Sérgio Lourenço
1. Bruxaria. 2. Wicca. 3. Neopaganismo. 4. Religião. 5. Magia. I. ,
.II. Título.
Apresentação:

Gerald B. Gardner, o pai da Bruxaria Moderna deixou esse lado do véu em 1964 abençoando o
mundo com seu legado. Doreen Valiente, a mãe da Bruxaria Moderna, que ajudou a transformar
a Wicca no que ela é hoje, partiu na nau para a Terra do Verão em 1999, podendo ver o trabalho
que ela e Old Gardner construíram, e que floresceu.
Hoje em pleno século XXI, exatamente no ano de 2017 onde escrevo esse artigo, a Bruxaria que
antes assumia uma aura misteriosa, ocupa cada vez mais um lugar na popularidade, e as redes
sociais estão ai para demonstrar.
Contudo, o lugar que a Wicca ocupa no cenário atual, sobretudo o brasileiro, é atravessado por
diversas questões e como conseqüência tem sofrido uma banalização de seus conteúdos,
oferecendo aos outros que, sentem real desejo de trilhar seus sagrados caminhos, sejam
introduzidos a conteúdos distorcidos e práticas incoerentes que nem de longe são uma Bruxaria
Contemporânea.
Essas desinformações veiculadas em diversas mídias de internet parecem desconhecer
completamente os significados mais essenciais que compõe a Religião e que a faz ser um todo
diante da comunidade que a representa. Exaltando assim, um desrespeito a própria constituição
da mesma. E embora, se tenha muitos livros publicados e traduzidos no território nacional sobre o
tema, muitos são de uma qualidade ruim, que apenas se apropriam do nome Wicca como uma
forma de comercialização de conteúdos. Outro aspecto que essa banalização tem assumido é da
apropriação de termos e nomes como bruxa e bruxaria, por pessoas que usam de má fé para
enganar jovens desavisados.
Mas há outro lado disso tudo. Existe sim uma Bruxaria séria que foi construída e bem
fundamentada em nosso país. Seriedade essa que está visível em seus legítimos iniciados e
maduros praticantes solitários que, não só tem permeado um genuíno e profundo florescer de
nossa amada religião, como também tem travado um diálogo constante com toda a comunidade
internacional de bruxos que ajudaram a tornar a Arte o caminho fantástico que ela é hoje.
E pensando nessa perspectiva de coesão e maturidade é que essa revista nasce das mãos desse
bruxo e escritor, para permitir aos que nada conhecem da religião possam receber realmente
uma introdução séria e que ao mesmo tempo seja simples, sem que isso confira uma banalização
de um conteúdo inicial.
E como conteúdo inicial presente nesse projeto, digital e gratuito, pretendo então alavancar no
leitor e buscador assíduo uma legítima introdução a outras fontes publicadas que o ajudaram a
compor os diversos aspectos trazidos no decorrer desse manual.
A primeira edição da revista (#1-Solstício de Verão/2017) “O Moinho das Bruxas” tem a tarefa de
conduzir o leitor para o que há de mais comum e coeso entre as diversas tradições e caminhos
que compõe como comunidade e religião Wicca.
Conteúdo:
Afinal, o que é Bruxaria?

1
Wicca, O Renascimento da Bruxaria

5
A Ética das Bruxas

16
Crenças e Práticas da Wicca

22
Iniciação e Tradição

41
AFINAL, O QUE É BRUXARIA?

A Bruxaria é uma palavra que possui muitos significados que foram


atravessados por questões históricas e sociais. Por exemplo, na Idade Média a
palavra estava relacionada à adoração ao Diabo dos cristãos. Fato esse que
instaurou no imaginário popular a falsa crença de que bruxas são seres com
poderes fantásticos e que fazem o mal ao próximo com auxílio da feitiçaria.
Como também, do ponto de vista Histórico, Antropológico, Social e Folclórico, a
Bruxaria assume diversos significados.
Mas através da Wicca, a palavra Bruxa e Bruxaria resgataram a si mesmas
do meio das mentiras e superstições que estiveram em torno dos seus
significados, que foram esquecidos e marginalizados. Por isso hoje, da
perspectiva da Wicca, Bruxaria e Wicca são sinônimos de uma mesma religião,
que tem na natureza manifesta sua inspiração e sabedoria.
A Bruxaria é, portanto, uma Religião. Mas também é um Ofício. Essa
complexidade de termos que compõe os seus significados é que confunde e
divide bruxas e bruxos até hoje. Porém, essa divisão exaltada por alguns,

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


demonstra por parte desses que pouco se conhece das origens e renascimento
da religião.
Por isso é importante conhecermos os significados de ambas as palavras
para que possamos assim reconhecê-las como análogas.
A palavra Bruxaria vem da tradução do inglês witchcraft, (witch/bruxa +
craft/ofício). A palavra witch é originalmente anglo-saxão. Podemos encontrar
raízes do termo ainda no sânscrito e nas primeiras línguas européias. No inglês
medieval a palavra wicche é derivada da arcaica wiccan, que significa “praticar
bruxaria”. No alemão arcaico a etimologia da palavra é traçada até o termo wih,
que significa sagrado. E a raiz da palavra wic ou wicca significa “sábio”, porque
as bruxas eram consideradas possuidoras da sabedoria nas culturas pré-cristãs.
Wicca vem do inglês arcaico Wicce que significa girar, dobrar e moldar. Alguns
pesquisadores dizem que o termo se origina do indo-
europeu “Weik”, significando algo como magia e outros dizem que se origina
do anglo saxão “Wic”, significando sábio.
Portanto, da perspectiva da Wicca, Bruxaria se refere a uma
espiritualidade e religião de cura, magia e sabedoria. Mas não só são esses os
termos que a atravessam e a preenche de significado.

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Bruxaria é uma religião neopagã iniciática e de mistérios, não revelada,
não institucionalizada e de orientação matricêntrica.
Por neopaganismo se compreende religiões contemporâneas que
inspiram seus mitos e ritos (crenças e práticas), bem como sua visão de ser
humano e de mundo, em um período pré-cristão da história da cultura humana,
sobretudo um período cuja presença de divindades femininas (Deusas) era
cultuada e ofereciam outra experiência religiosa para as pessoas.
No entanto, essa é ainda uma visão muito particular do que seja um
neopaganismo. Por essa razão é preciso compreender o significado da palavra.
Pagão e Paganismo vêm do termo pagus, que quer dizer o pedaço de
terra onde se era cultivado o alimento vegetal, pois naquele período pré-cristão
os indivíduos possuiam uma forte relação, local, com o cultivo da terra por meio
da agricultura. Essa relação agrícola por meio de clãs proporcionava diferentes
concepções e noções de divindades que habitavam a natureza manifesta. Desse
modo, não eram Deuses revelados, como o dos cristãos, por exemplo, e sim
divindades presentes na experiência cotidiana desses grupos e clãs, sendo assim
imanentes. Por esse motivo a visão politeísta e panteísta é comum no
paganismo. Assim sendo, cada clã possuía diferentes divindades e concepções
mitológicas do mundo. Contudo, a natureza era a inspiração para o material

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


litúrgico e prático que fundamentavam essas religiões.
Mais tarde, na medida em que as culturas se desenvolveram em cidades,
depois cidades-estados e por fim Impérios, a religião precisou tornar-se mais
comum, surgem então Deuses mais institucionalizados com seus templos e ritos
celebrados por seus sacerdotes e sacerdotisas ordenados. Para tanto, basta uma
rápida pesquisa sobre as culturas: egípcia, grega e romana, por exemplo.
Então, paganismo tem a ver com uma lógica espiritual que se centra na
Terra e na
natureza como expressão do divino e seu acesso a ele. Neopagão quer dizer um
novo paganismo, que foi reconstruído a partir da inspiração antropológica,
folclórica, histórica e mitológica de civilizações pré-cristãs, como por exemplo,
celtas e gregos, cujas crenças eram pagãs. E a Wicca é uma reconstrução de um
paganismo.
Além da Wicca existem outras formas e religiões reconstruídas e
neopagãs, como: Asátru que se inspira no paganismo nórdico, Druidismo que se
inspira no paganismo celta, Helenismo que se inspira no paganismo grego e
Kemetismo que se inspira no paganismo egípcio. A Wicca por possuir diferentes
tradições que dialogam em um eixo comum que a caracterizam como veremos
adiante, não possui diretamente um paganismo que a oriente. Embora muitas

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tradições se inspirem na cultura celta, egípcia, nórdica e greco-latina, não há
uma unanimidade na atualidade que possa definir sobre qual cultura a Bruxaria
Contemporânea está orientada, em vista de que a mesma tem buscado
inspiração, sobretudo mitológica em Deusas e Deuses de diferentes culturas.
Mas existe uma forte influência celta-germânica, exatamente por conta da
região em que a religião foi reconstruída e da nacionalidade de seus mais
proeminentes precursores.
A Bruxaria/Wicca é também uma religião iniciática.
Iniciação representa um caráter fundamental em nossa crença e prática,
pois não somos uma religião de massas, mas de pequenas células (Covens) ou
de indivíduos solitários. Também não possuímos uma liderança que fale ou diga
por nós, como os Católicos que possuem seu Papa. Esse caráter iniciático da
Wicca se relaciona com a sua proposta de religião atual e ocidental. Seu
propósito é devolver a ligação perdida do ser humano à natureza, bem como
limpar os entulhos de eras de empréstimos culturais patriarcais que nos
aprisiona com relações de culpa e medo. Por essa razão, a Iniciação esta
relacionada como um processo de metamorfose da alma de seus buscadores.
Essa metamorfose diz respeito ao autoconhecimento promovido através das
práticas e exercícios de desenvolvimento, e também diz respeito o despertar de

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


habilidades psíquicas que permitem o relacionamento real com os planos
subjetivos e supra-sensíveis da natureza manifesta.
Ela também é uma religião de mistérios. Isso implica que seu caráter
religioso leva seus praticantes a um estado de contemplação de planos
existenciais essenciais da vida vivida e o que está por de trás delas: nascimento,
desenvolvimento, vida, declínio, morte e renascimento. O conceito de mistério
que a caracteriza, também esta relacionada com a questão de que o que se vive
no plano subjetivo da sua prática nem sempre tem uma explicação lógica e
racional. Sendo assim, é tudo aquilo que não conseguimos mensurar em
palavras, mas apenas sentir, por exemplo, a divindade, o amor, o infinito, o
imortal, atemporal, etc.
Outro caráter importante da nossa religião é que a mesma não é
revelada como as religiões de berço abraâmica, por exemplo, cuja uma
divindade “revelou” seu plano divino a um homem santo que traduziu isso em
palavras, livro ou profecia.
A Bruxaria/Wicca não foi revelada, ela foi reconstruída por diversas
pessoas, como veremos depois. Ela nasceu, sem sombra de dúvidas, das
primeiras xamãs e feiticeiras das tribos do paleolítico que se inspiravam na
natureza e nas mudanças das estações, bem como nas fases da Lua, para

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executar seus ritos e criar os seus mitos, obviamente não com esse nome e
conjunto de práticas. Desse modo, a Bruxaria/Wicca é uma religião ensinada.
Portanto, ela também não é uma religião que tem uma igreja, um local físico
que a represente como instituição, já que segundo a nossa crença, a natureza é
o nosso único e legitimo templo.
Também a Bruxaria/Wicca é uma religião de profunda inspiração e
orientação matricêntrica.
O Matricêntrismo é o contrário de patriarcado. Matricêntrismo relaciona-
se com uma ideologia que tem na figura do feminino o seu centro de inspiração
cultural e de se relacionar socialmente com os outros, e com o planeta inteiro.
Essa expressão também se relaciona com divindades femininas, as Deusas, que
dentro da nossa religião possuem maior proeminência. Por isso, somos uma
religião femêocentrada.
A Bruxaria Contemporânea é então uma religião neopagã que dialoga
com as questões pertinentes a atualidade, e que a partir desse diálogo crítico
com a realidade comum, resignifica o seu próprio olhar, permitindo assim o seu
florescer. Pois como veremos a Wicca de Gardner se modificou muito, embora
muito tenha se conservado, houve muitas e positivas transformações.
Esse caráter contemporâneo de Bruxaria demonstra que a nossa religião

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não esta e nem é fossilizada, mas em constante metamorfose. Essa
metamorfose permite que ela seja uma religião de criatividade madura que,
fornece aos seus membros uma oportunidade de vivenciar um novo paradigma
de re-ligare que ao mesmo tempo em que, permite ao indivíduo uma
experiência com o sagrado, não reduz a experiência humana diante dos dilemas
da atualidade, pelo contrário, as aprimora sobre a sua luz!

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WICCA, O RENASCIMENTO DA BRUXARIA:

A Religião Wicca deve seu surgimento, tal como é hoje, graças aos
esforços de Gerald B. Gardner (1884 -1664). Um inglês de descendência
escocesa, que reconstruiu a mesma a partir de fragmentos de uma suposta
Bruxaria Tradicional que remontava desde a Inquisição. Cujo conhecimento, foi
passado ao longo dos séculos por grupos (Covens) de bruxas. Contudo,
historiadores têm demonstrado que existe muita controvérsia na suposta
ancestralidade ininterrupta da Bruxaria.
Para melhor compreendermos isso é preciso retomar a trajetória que
levou a Bruxaria ao seu renascimento tal como é hoje.
E a nossa história começa no Paleolítico, cujo desenvolvimento das
primeiras culturas humanas surgiu. Esse era um tempo em que os seres
humanos possuiam um profundo relacionamento com a natureza, que era
representada pelo corpo feminino de uma Deusa.
Para eles, a divindade era feminina, pois se acreditava que assim como a
Terra as mulheres concebiam os filhos por meio de seu poder criativo. Contudo,
esse era um tempo em que os homens desconheciam o seu papel na
fecundação. Os clãs eram, portanto matrilineares. Viviam sob um coletivismo e

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sobre uma economia de caça e coleta. Seus mitos e ritos eram inspirados nas
mudanças das estações, nas fases da Lua, nos animais e no ciclo menstrual da
mulher.
Mais tarde, quando o homem compreende o seu papel na fecundação a
divindade passa a ter um aspecto masculino nos mitos, e surgem então os
Deuses Consortes das Deusas Mães.
As práticas culturais mudaram quando os seres humanos passaram de
nômades (caçadores e coletores) para sedentários e agrários. Essa mudança na
produção de alimento causou um grande impacto na organização cultural e
social. E as Deusas e seus Consortes passaram a se identificarem com o plantio
agrário.
Com o desenvolvimento das primeiras grandes civilizações a organização
social muda, e se antes a mulher e o feminino tinham um lugar de destaque na
cultura, agora vai gradativamente sendo eclipsada e marginalizada pelas
culturas dominantes de deuses masculinos, é à entrada do patriarcado. É nesse
período que surgem os primeiros mitos de Deusas sombrias, que vai alimentar
o imaginário popular contra o feminino, e por conseqüência as bruxas.

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Na realidade, tudo isso foi uma propaganda difamatória de um novo
sistema religioso e social que queria se instalar. E muitas vezes para atingir seus
objetivos usavam da violência, do medo e da opressão.
Com o surgimento dos impérios houve também uma maior opressão das
divindades femininas, que agora passaram a consortes de divindades
masculinas.
Mais tarde, com a ascensão do Cristianismo no Império Romano e sua
tomada como religião oficial, iniciaram-se perseguições de tudo o que não era
relacionado à crença cristã. Haverá então nesse período uma demonização das
práticas pagãs, sobretudo aquelas relacionadas à magia popular e os ritos
agrários que outrora havia orientado as religiões mais ancestrais.
Por meio da figura de um Deus Onipotente e Onipresente, que assumia
um caráter punitivo e vingativo, politicamente pensado, a religião cristã
instaurou o medo e a perseguição a tudo o que era diferente dela.
Essa perseguição levaria na Inquisição milhares de mulheres, crianças,
homossexuais, cientistas, ciganos, doentes mentais, etc., a tortura e a fogueira, e
mais a tarde a forca. Todos acusados de heresia. A maioria das mulheres que
morreram torturadas e queimadas/enforcadas eram acusadas falsamente de
Bruxaria e pactos demoníacos. Também botânicas, curandeiras e parteiras eram

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acusadas de praticar Bruxaria, pois através de seu saberes ajudavam as pessoas
mais carentes e isso irritava o poder político-espiritual da época. Foi na
Inquisição que todos os mitos sobre a Bruxaria surgiram, desde o vôo sobre
vassouras a encontros degradantes com o Diabo, até a má imagem da bruxa
como fazedora do mal. A verdade é que muito se acusava e se inventava, e
pouquíssimas que foram queimadas praticavam algum tipo de magia popular
ou feitiçaria.
A partir do séc. XVII a ciência passa a ocupar o território antes ocupado
pela Igreja, e entramos então na era da racionalidade, e os crimes contra
práticas ocultas vão sendo esquecidos. A imagem da bruxa tal como era
retratada na Inquisição foi habitando o imaginário e o folclore popular, contos e
lendas infantis e sua realidade virou uma espécie de zombaria.
Acontece que desde os tempos arcaicos existiu a pratica da magia, que
sempre esteve atrelada a religião. Na Idade Média a Magia praticada era a
Cerimonial, com uma forte influência de um judaísmo místico. Também existiam
alquimistas e oraculistas. O oculto e o mágico sempre estiveram presentes na
humanidade.
O séc.XIX na Europa foi muito importante para o renascimento da magia
no Ocidente. Esse período foi abundante no surgimento de sociedades secretas

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que se organizavam sobre uma filosofia hermética e oculta, e que possuiam
algum tipo de prática ligada à magia.
Essas ordens ou escolas começaram a unir o conhecimento esotérico
ocidental antigo com o conhecimento filosófico e espiritual oriental, como por
exemplo, a Teosofia. Mas foi pela criatividade da Golden Dawn, uma ordem de
magos burgueses europeus que o caráter prático e filosófico da magia ocidental
viria ganhar um pressuposto para a criação de muitas outras práticas.
Nesse mesmo período também, antropólogos, arqueólogos, folcloristas e
historiadores começaram a se debruçar sobre os mitos relacionados à Bruxaria
medieval.
Em seus estudos teorizavam que, as ditas bruxas, eram na verdade
praticantes de uma Antiga Fé pagã da fertilidade, no qual a Igreja com medo de
perder seus fiéis havia demonizado. E que essa Antiga Religião, possuía uma
Deusa e um Deus, o seu consorte.
Temos como principais percussores dessa tese os seguintes
pesquisadores e pesquisadoras: Sir James Frazer, Charles Godfrey Leland e
Margareth Alice Murray, que publicaram importantes trabalhos que no século
seguinte (década 50) influenciaria o pensamento de Gerald B. Gardner para
reunir os fragmentos de uma suposta Bruxaria Medieval.

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Em 1936 Gerald B. Gardner volta da Malaya, onde tinha uma plantação
de chá, e resolve se aposentar em New Forest, Inglaterra. Lá o mesmo trava
contato com um grupo de teatro Rosa Cruz, conhecido como Sociedade de
Crotona, que guardava um segredo. Esse segredo era um possível Coven de
Bruxas que remontava suas práticas desde a Idade Média.
Nesse período dizem que Gardner foi iniciado no Coven e aprendeu a
Wicca. Mas até 1951 ainda vigorava na Inglaterra a última lei que criminalizava e
punia a prática da Bruxaria. Portanto, Gardner teve que manter segredo sobre o
seu achado e sua experiência. Quando a última lei inglesa contra a Bruxaria já
havia sido revogada, Gardner publica o seu livro mais famoso e no qual trouxe a
Wicca à luz do mundo novamente, “A Bruxaria Hoje”. Onde o mesmo descrevia
as crenças, origens e práticas da Bruxaria. E mais, dizia que ela era uma religião
saudável e pagã, e viva através das eras, pelo segredo de seus seguidores.
Nesse tempo o mesmo atraiu a mídia para si, e muitos queriam conhecer a
Antiga Religião e tornarem-se bruxos. Gardner iniciou muitas e muitos em seu
coven e posteriormente na Tradição que levaria o seu nome.
O que ele na verdade fez, foi criar uma prática consistente de uma crença
inspirada em uma Bruxaria que guardava um paganismo iniciático. E com isso

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muitos bruxos surgiram e construíram suas tradições e caminhos, inspirados nos
rituais escritos e pensados por Gardner e seus iniciados.
O que é importante compreender da história do ressurgimento da
Bruxaria, pelo nome amistoso de Wicca pelas mãos de Gardner, é que ela na
verdade é uma reconstrução inspirada nas crenças pagãs e em práticas de
magia ocidental, sobretudo a cerimonial. Mas hoje, devido aos empréstimos
judaico-cristãos da magia cerimonial, bruxas e bruxos contemporâneos tem
inspirado a sua própria reconstrução ritual nas culturas pré-agrárias, nativas e
matricêntricas espalhadas pelo globo.
Gardner morreu em 1964 enquanto fazia uma viagem de navio, deixando
um importante legado que se transformou e se resignificou na medida em que
ia passando de mão em mão.
Temos após Gardner grandes nomes, que vale a pena a pesquisa,
sobretudo para conhecer os meandros e pormenores interessantíssimos das
origens modernas de nossa crença e prática. São elas e eles: Doreen Valiente,
Patrícia Crowther, Janet e Stuart Farrar, Alex Sanders, Raven Grimassi, Raymond
Buckland, Z. Budapest, Susana Fox, Starhawk, Laurie Cabot e Claudiney Prieto.
Esse último brasileiro, vivo e atuante na divulgação da Wicca em nosso país,
cujo trabalho é reconhecido internacionalmente. Todos eles possuem uma vasta

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e rica literatura explicando e ensinando a Bruxaria em suas mais diferentes
formas, contudo, como poderá ver na medida em que aprendem, todas elas
possuem um eixo comum:

1- Culto à Deusa Tríplice (Donzela, Mãe e Anciã) e Seu Consorte, ou seja,


aos Deuses Antigos – neste ponto cada tradição possui seus mitos e rituais de
acordo com o seu panteão de divindades. Na Wicca Tradicional Britânica, por
exemplo, a Deusa encarna uma faceta de Luz e Sombra e o Deus é visto como o
Senhor de Chifres, guardião do Submundo e da Morte.
2 - Culto aos Ancestrais, que são compreendidos como Ancestrais do
Sangue, do Espírito, do Poder e da Terra, cada qual com uma particularidade.
3 - Treinamento e Iniciação nos mistérios religiosos e mágickos, que se
alteram e mudam em cada tradição da Wicca. Isso citando ainda a existência do
auto treinamento e a auto iniciação, oriundas de práticas solitárias e ecléticas,
inspiradas a partir de material bibliográfico de bruxas e bruxos tradicionais.
4 - Respeito à Rede Wicca; “Faça o que desejar, se ninguém prejudicar”.
5- Reconhecimento da Lei Tríplice, que nos diz que todos estão sujeitos a
receber de volta, de forma triplicada, aquilo que lançamos ao universo.
6- Respeito absoluto à Vida e uma atitude ecológica diante dela.

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7- Crença na Reencarnação
8 - Crença na Grande Teia Universal, a idéia do Todo fazendo Parte dos
Deuses.
9 - Ausência de preconceitos e aceitação da diversidade
10 - Celebração dos ciclos da Natureza, os Sabás e Esbás que se alteram
em contexto mitológico e ritualístico de acordo com cada tradição.
11- Celebrações de ritos de passagem social e pessoal, como
Handfasting (Casamento) Wiccaning (Batizado), etc.
12- Prática de magia natural, que também muda e se altera de acordo
com a visão mágicka da tradição.
13- Proibição completa de proselitismo.

Hoje graças aos esforços de toda a nossa comunidade, a nossa religião


esta viva e crescendo e tornando-se mais que uma alternativa espiritual diante
das religiões vigentes, mas que esta trazendo questionamentos e instigando um
pensar e um fazer diante das problemáticas atuais como: a devastação do meio
ambiente, a opressão das minorias (mulheres, lgbt, negros, indígenas, etc.).
Permitindo construir outro cenário global. E se antes para ser bruxa, bastava
cumprir certas tarefas rituais, hoje tornar-se bruxa ou bruxo envolve um

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profundo engajamento espiritual e político, cuja figura da Deusa nos inspira
para um mundo mais igualitário e sustentável.

A WICCA NO BRASIL, UM BREVE ENSAIO DE SUAS CONQUISTAS:

Ao nos depararmos com a Wicca, no cenário brasileiro, seja pelas redes


sociais ou por publicações a respeito, tendemos a naturalizar a sua existência.
Como se seu florescimento tivesse simplesmente brotado do nada no território
nacional. Esse aspecto revela um caráter alienante, proporcionado pela falta da
apropriação da história da Wicca no Brasil. Essa alienação torna-se notória
quando, a maioria dos ditos wiccanianos e bruxos brasileiros negam esse fato
(sobretudo, os mais novos e iniciantes na religião) colocando apenas a Wicca,
em seu contexto nacional, a partir de uma “importação imediatista” de Gerald B.
Gardner.
Por essa razão, compreender os aspectos históricos que cerceiam a
disseminação da Wicca no Brasil, compreendendo suas conquistas e
paradigmas, é um caminho essencial para os que pretendem adentrar em seus
domínios e fazer parte de sua crescente e criativa comunidade, que através de

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um rico trabalho, tem colocado o nosso país como um pólo de importância, e
de respeito, para o desenvolvimento da Bruxaria, perante a comunidade
neopagã internacional. Compreender os aspectos históricos da Wicca no Brasil é
um motivo da conscientização do orgulho de sermos brasileiros e bruxos,
valorizando assim a nossa marca às futuras gerações de pagãos.
Para a produção desse ensaio, (que espero ver desenvolvido ainda mais,
seja por eu, ou por outros bruxos que se interessam sobre o tema) busquei nas
seguintes referências sua construção: a monografia de ARÁUJO, Kallyne F. P.
Wicca e a metamorfose da Bruxa. Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Curso de História. Natal/RN,
2015 (p. 37-42) (disponível em:
https://monografias.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/1110/1/Monografia-
Wicca_%20Kallyne%20Ara%C3%BAjo.pdf). E o artigo de FILHO, Celso L. T. A
institucionalização da Wicca no Brasil: entrevista com a bruxa wiccaniana
Mavesper Cy Ceridwen. REVER, Ano 14, Nº 02. Jul/Dez 2014. (disponível em:
https://revistas.pucsp.br/index.php/rever/article/view/21761).
Os autores referidos para a construção desse ensaio elucidaram que, é
difícil traçarmos uma origem ou fundação da Wicca no Brasil, exatamente pelo
caráter fluído e não institucionalizado que a própria religião possui. Outra

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consideração é a deliberada crença em uma “Bruxaria Hereditária” de
entrevistados, que usam das origens de seus antepassados, imigrantes
europeus, como sustentação histórica da Arte em solo nacional... Outra
dificuldade também enfrentada até hoje no cenário wiccaniano nacional, é o
insistente sincretismo brasileiro que tem ocorrido em diversas manifestações
religiosas e que, infelizmente a Bruxaria tem sido alvo. Por essa razão, traçar
limiares históricos da Wicca brasileira torna-se um trabalho de garimpo que
intenciona devolver a Arte seu lugar de legitimidade. Tudo isso revela também
que, pouco se debate a construção histórica da Wicca no Brasil, sejam por
publicações ou nos círculos de estudos ou debates
Para compreendermos a origem da Wicca brasileira, assim como se
compreende seu surgimento a partir de Gardner, precisamos compreender que
o Brasil, além de um encontro de culturas, também desde antes da onda New
Age já se configurava como um celeiro de manifestações esotéricas. A partir do
século XIX muitas escolas e idéias do místico e do esotérico surgiram por aqui.
Isso nos remete a mesma concepção que permitiu que a Wicca, pelas mãos de
Gardner, florescesse na Inglaterra da década de 50. Ou seja, havia uma
demanda social interessada no assunto que propiciaria o vicejar de idéias que
não eram compartilhadas pelo senso comum. Ou seja, uma comunidade. Isso

10
demonstra que muitos futuros adeptos da Wicca e do neopaganismo da década
de 90, conheceram antes outros caminhos de magia, que eram muito comuns
na época, antes que a Wicca se consolidasse como uma comunidade e
veiculasse uma prática coesa e ressonante com a sua comunidade internacional.
A primeira publicação sobre Wicca no Brasil foi à obra de Hans Holzer,
cujo título é “A verdade sobre a Bruxaria”. Holzer foi um pesquisador de
fenômenos psíquicos que, ao longo de vários anos, travou contato com alguns
membros da Arte, como Sybil Leek, Alex Sanders, na Inglaterra e nos EUA. A
obra do autor foi lançada no exterior em 1969, tempo esse que a Wicca há
muito tinha saído das concepções dos covens Gardnerianos e ganhado outros
aspectos. E em 1977, a obra seria traduzida e publicada no Brasil pela Editora
Record. Contudo a obra foi amistosa, e não causou tanto impacto no momento
de seu lançamento.
Em 1990 dá-se o lançamento da obra que influenciaria o pensamento
emergente da Wicca no Brasil, que foi a tradução, pela Editora Campus, do livro
“O Poder da Bruxa”, de Laurie Cabot. O livro já foi lido por centenas de bruxos
brasileiros e influenciou, desde seu surgimento, o estopim para o surgimento da
Wicca por aqui. Ainda citando a tradução de obras importantes como O Deus
dos Magos (1993) do casal Janet e Stewart Farrar, Feitiçaria: A tradição

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


Renovada de Doreen Valiente e Wicca: a Feitiçaria Moderna de Gerina Dunwich.
No ano 1991, também, começaram a despontar nas livrarias nacionais mais
traduções de livros sobre a Wicca, como a “Autobiografia de uma Feiticeira”, da
inglesa Louis Bourne. Mas vai ser em 1992 e 1994 que se vão ter livros
publicados por brasileiros, e um deles foi o livro “A Cozinha da Bruxa” e
“Revelações de uma Bruxa”, da escritora carioca Márcia Frazão.
Contudo, a autora não teve uma notoriedade, no sentido de um
protagonismo de pensar a Wicca como uma religião e comunidade que ela é
hoje. Isso só se daria mais tarde por meio de precursores e precursoras notórias.
Mas, é preciso compreender que além de iniciar todo um movimento
ideológico, livros como o de Márcia Frazão, só foram importantes para trazer a
Bruxaria em uma concepção de um caminho religioso possível. Entretanto, é
essencial compreender que muitas das idéias da comentada autora pouco, ou
nada, dialogam com o caráter realmente mistérico e iniciático que a Wicca
possuí hoje em sua concepção de religião neopagã. Na verdade muitas das
concepções de “Bruxaria” da autora se esbarram em um sincretismo comum e
brasileiro, que muito colaboraram na década de 90 para o mercado New Age,
que foi muito comum no Brasil, onde se observa um verdadeiro interesse

11
popular por cristais e linguagens alternativas que se esbarraram e se
misturavam entre astrologia, magia, Paulo Coelho e cristais.
Mas sem sombra de dúvidas, “A Dança Cósmica das Feiticeiras” da bruxa
norte americana, Starhawk, criadora da Tradição Reclaiming, influenciaria
definitivamente a subjetividade emergente e diânica da Bruxaria brasileira. A
obra traduzida pela Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A. chegou
ao publico brasileiro em 1993.
Assim como a literatura de Paulo Coelho, mais especificamente seu livro
“Brida” (1990), outras literaturas como as obras de Marion Zimmer Bradley, As
Brumas de Avalon (1983) que, segundo (2015, p.38) se Kallyne F. P. Araújo “se
tornou uma grande febre, pela forma como Bradley apresentou o ciclo
arthuriano através de uma visão feminina, de um culto voltado à Deusa desde
os tempos remotos, que foi substituída pela Virgem Maria com o advento do
Cristianismo na Inglaterra.”
Mas vai ser por um grupo de pessoas, na cidade de São Paulo que a
Wicca irá se formatar como uma prática coesa:

Duarte (2013) nos conta que entre a década de 1980 e 1990, um grupo
de praticantes, na cidade de São Paulo formou junta a loja Além da

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


Lenda, que tinha como proprietária a escritora Heloisa Galves. Esse grupo
era composto por Roberto Carvalho, Wagner Perico, Denise de Santi,
Michaella Enguel, Patrícia “Fox”, Cláudio “Crow” Quintino e Cláudia Hauy.
(ARÚJO, Kallyne F. P. 2015, p. 38).

Assim sendo, a Wicca começa a consolidar-se a partir da iniciativa de


agrupamentos de pessoas. E podemos vislumbrar as primeiras consolidações da
Arte por meio de aparatos institucionais, que permitiriam que a Bruxaria
ganhasse seu status de religião. E encontros como, o que aconteceu no ano de
1998, I Encontro de Bruxaria do Brasil, em São Paulo, organizado por Wagner
Périco e Denise de Santi. No mesmo ano formou-se a ABRAWICCA (Associação
Brasileira da arte e filosofia da Religião Wicca) como presidente da associação,
Claudiney Prieto, permitiria o real florescer e consonância da Wicca como algo
coeso e sólido diante de suas origens internacionais. (ARÚJO, Kallyne F. P. 2015,
p. 38).
Kallyne F. P. Araújo (2015, p. 38) nos conta que, “em 1999, Claudiney
Prieto lança o livro Ritos e Mistérios da Bruxaria Moderna, e em 2001 Wicca: A
religião da Deusa, que além de ser uma das suas principais obras, trouxe mais
notoriedade a Wicca para o público brasileiro.”

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Mas a entrada do século XXI, com a sua transição de paradigmas, trouxe
também muitas banalizações, seja pela deliberada veiculação hollywoodiana de
filmes como Harry Potter, que embora trouxesse uma visão positiva de bruxo,
nada de real se tinha da Bruxaria como religião. Mas que, em contrapartida
trouxe um interesse para o assunto.
No início dos anos 2000, pela editora Escala, iniciaram-se publicações de
uma autora, Eddie Van Feu, e de sua revista intitulada de Wicca, que constou de
63 edições. Contudo, as publicações da revista, embora tivesse uma linguagem
acessível e popular, nada contribuíram para o entendimento do que era a Wicca
como religião neopagã iniciática e mistérica. Em suas revistas, a autora
procurava mesclar temas relevantes a magia, de diversas escolas de
pensamento, tudo com um caráter reducionista. O produto final dessa onda
Pink Wicca foi à fabricação de uma massa popular que faz misturas até hoje e
chamam isso tudo de Wicca.
E na busca de um cenário que fosse real para a Wicca, tivemos o
surgimento de coletivos como UWB (União Wicca do Brasil, 2004) no Rio de
Janeiro, que surgiu a partir das idéias dos sacerdotes Diogo Ribeiro, Leo Maciel
e Og Sperle. E nessa toada temos então o surgimento, do que podemos chamar
de o primeiro processo de institucionalização da Wicca, com a criação da Igreja

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


da Bruxaria e Wicca do Brasil- IBWB, onde, Kallyne F. P. Araújo (2015, p. 40 e
41) nos conta que:

“(...) foi durante o 13° BBB (Brux@s Brasileir@s em Brasília) que um grupo
de bruxos debateram a criação de uma entidade religiosa registrada
conforme o código civil. O conselho de Elders18 foi formado por cinco
bruxos de tradições diferentes e assumiram a direção da IBWB (Igreja da
Bruxaria e Wicca do Brasil). Na palavra de Mavesper Cy Ceridwen em sua
entrevista a Celso Luiz Terzzeti Filho, que esta disponível no artigo A
institucionalização da Wicca no Brasil: entrevista com a bruxa wiccaniana
Mavesper Cy Ceridwen, ela afirma: Desde então, a proposta dividiu os
wiccanianos no Brasil em três grupos: os que eram a favor, contra ou os
que não ligavam para isso. A proposta da igreja é apresentada como uma
alternativa de proteção legal aos direitos dos Bruxos em relação às
garantias de liberdade de culto de sua religião. Para os críticos, é
puramente uma tentativa de centralização da Wicca nas mãos de uma
única organização. Para os defensores, uma oportunidade de terem sua
religião legitimada pelo poder público (FILHO, 2014, p.280).”

13
Na busca por espaços cada vez maiores, a Wicca precisou se
institucionalizar em parte. Por isso a primeira associação da Wicca no Brasil foi a
ABRAWICCA (1998) através de Wagner Perico e Denise de Santi, ao participarem
de um encontro público de praticantes da Arte no Brasil, onde nesse encontro
se teve a iniciativa de fazer uma associação para os praticantes, que resultou na
ABRAWICCA, e teve como seu primeiro presidente Claudiney Prieto, que deixou
a presidência da associação em 2003, sendo substituído por Mavesper Cy
Ceridwen (Márcia Bianchi) que já era assistente jurídica da associação (FILHO,
2014). Mas, nas palavras de Kallyne F. P. Araújo (2015, p. 42):

Embora Mavesper por muito tempo tenha mantido a palavra que não era
necessário que a ABRAWICCA se tornasse uma igreja, até porque todas
eram tratadas como associações de um modo geral, com as mudanças da
lei, ela também precisou se adaptar a essas mudanças e mudar a sua
posição. Essa idéia causou um choque no neopaganismo, mas para ela o
que tornava importante tomar essa decisão, eram as vantagens da
institucionalização serem bem maiores. Esse choque ele ocorre, porque o
paganismo é livre, não há autoridades centrais, ou um livro principal,
afirma Mavesper (2014) durante a entrevista. Ao que diz as vantagens no

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


sentido econômico, ela não concorda, pois acredita que as igrejas
deveriam pagar impostos de suas arrecadações, não devendo receber
nenhum beneficio com o dinheiro publico, mas que isso é outra questão
a se discutir. Então, devido a essas mudanças que ocorreram, uma
associação como a ABRAWICCA caso resolvesse fazer algum ritual em
algum parque, não poderia, porque apenas as entidades religiosas
possuem esse direito. Essa é uma das causas do porque se criar a IBWB e
se organizar como uma entidade religiosa. Os cinco Elders escolhidos
foram: Denise de Santi, Wagner Périco, Naelyn Wyvern e Michaella Engel,
que foi uma das primeiras a escrever um texto sobre bruxaria na década
de 1990 e que serviu de base para aqueles que se interessavam pela
Wicca na época. Mavesper ainda conta à Filho (2014), que ela acredita
que junto ao outros quatro Elders, representam a história da Wicca no
Brasil, além do Claudiney Prieto. Juntos, eles representam a fonte de que
muitos praticantes da Wicca no Brasil beberam. A intenção de
institucionalizar uma entidade religiosa da Wicca não é para mandar, ou
influenciar na vida dos bruxos ou como eles praticam a religião, mas para
institucionalizar perante a lei e oficializar os seus praticantes perante as
instituições (FILHO, 2014, p. 286).

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Através de todos esses caminhos, trazido a luz até esse momento, a
Wicca no Brasil, tem florescido. A apropriação crítica que fazemos da sua
história nacional nos permite compreender a subjetividade presente no discurso
ideológico e na prática da Bruxaria, como instância religiosa. Bem como os
paradigmas de sua prática. Hoje vislumbramos conquistas. E a mais recente
delas foi, graças aos esforços de Claudiney Prieto (sacerdote da Wicca, e um dos
maiores propagadores da religião no Brasil) em parceria com a deputada Clélia
Gomes, a da instituição do "Dia Estadual dos Wiccanianos, Cultuadores do
Sagrado Feminino, Pagãos e Praticantes das Artes Mágicas” 1 em 13 de
Setembro de 2016. Sendo que, esse ano (2017) em 30 de Outubro, os bruxos
celebraram o primeiro ano de conquista da lei, com direito a honraria ao mérito
pagão, onde diversos membros da comunidade da Arte, muitos desses citados
ao longo desse ensaio, foram homenageados. Agora o projeto de lei busca
consolidar-se em outros estados, um deles o Rio de Janeiro.
Essa é a nossa história, que ainda esta para ser escrita. Uma história cujo
nascimento foi há pouco tempo, mas que já vêm dados frutos preciosos ao
mundo. Também uma história atravessada por muitas problemáticas, onde se
desemboca hoje na terrível banalização que a Wicca tem sofrido no território
nacional. Talvez essa banalização seja oriunda de uma falta de interesse em

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


como se deu sua disseminação no Brasil.

Deixo abaixo uma lista de sites da web que considero importantes para a
compreensão da Wicca como comunidade e como essa se relaciona com os
seus membros, bem como promove suas intervenções:

http://www.nemorensis.com.br/

http://www.wiccagardneriana.com.br/pages/brasil.html

http://www.amapagao.com/abrawicca

http://www.encontroregionaldebruxos.com.br/

http://www.worldgoddessday.com/brasil/

http://uniaowiccadobrasil.org.br/

http://www.tradicaodianicadobrasil.com.br/

1
Veja o projeto de lei completo: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2016/lei-16309-
13.09.2016.html

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A ÉTICA DAS BRUXAS:

Como já abordado, a Bruxaria Contemporânea/Wicca é uma Religião, por essa razão,


não apenas princípios de crenças e práticas a englobam, mas diretrizes éticas e valores
fazem parte de suas características essenciais, que em um nível global a torna uma religião
legítima e séria!
A ética wiccaniana esta espelhada na máxima: “faça o que desejar se ninguém
prejudicar”. Essa máxima, pouco compreendida pela maioria dos que adentram seus
domínios, ficou reduzida por muito tempo apenas como uma lei determinante a prática
mágicka dentro da religião. Quando na verdade ela expressa nossa atuação para além da
nossa conduta no Círculo Mágicko.
E a conduta ética de um bruxo contemporâneo relaciona-se a uma profunda atuação
e reflexão na sua vida e na vida de todo o planeta. Sendo assim, tornar-se bruxo é antes de
tudo permitir-se um desenvolvimento humano mais promissor e ético!
Contudo, para compreendermos os valores cultivados pela Bruxaria é preciso
localizar o que Ética quer dizer, já que ela é aquela palavra que muitos sabem o que é, mas
que é difícil de explicar.
“Ética” vem do grego Ethos, que significa os costumes e comportamentos de uma
determinada sociedade e época. Portanto, Ética tem a ver com todos os nossos atos, desde
o micro ao macro. Também Ética relaciona-se com nossas ocupações cotidianas e as
escolhas que tomamos ao longo de nossa vida. Partindo disso tudo, podemos supor que a
Ética Wiccaniana relaciona-se então a uma conduta que permeia as esferas do cotidiano do
bruxo, servindo como um pressuposto inteligente para tomada de decisões, cujos valores
estão implícitos nesse fazer.
Mas é preciso diferenciar Ética, de Moral, pois bruxos baseiam suas condutas de
forma ética e não moralista.
Moral basicamente quer dizer: acatar a regras instituídas como boas ou más, que são
construídas socialmente. Por essa razão, podendo ser transgredidas. Tornando assim quem
as transgride, um sujeito imoral. Porém, a Bruxaria não está a serviço da lógica maniqueísta
da vida, e sim a serviço de um equilíbrio inteligente de forças que não possuem
essencialmente valores de “bem” e “mal”. Mais uma conduta ética que coloca a vida em um
patamar de respeito, diversidade e homeostasia que permite ao bruxo uma visão holística
de si e do mundo.
E antes que adentremos a ética e os valores compreendidos e incentivados pela
Bruxaria Contemporânea/Wicca é preciso compreender de que forma a construção dela é
feita nos indivíduos que representam a sua religião.
A Bruxaria pressupõe que ninguém é essencialmente bom ou mal. Pensando em um
nível filosófico de Locke, somos uma tabula rasa a ser preenchida pelas experiências que
nos tornara Ser. Ou partindo de uma idéia da biologia, somos todos anlage ou a parte de
célula que se tornará. Por isso nascemos como potencias criativas de desenvolvimento
diverso, e quem determinará a maneira que vemos e nos comportamos será a cultura na
qual herdamos. E a cultura que muitos herdaram, antes mesmo de sabermos pronunciar
corretamente a palavra Wicca, é a cultura patriarcal vigente. E por isso, ao adentrarmos na
Bruxaria nos confrontamos e somos desafiados a rever todo esse aprendizado cultural
herdado. Por isso aprendemos outra lógica comportamental, cuja ética bruxa está implícita.
E essa desconstrução faz parte do próprio processo iniciático proposto pela nossa religião,
que sem essa desconstrução e reconstrução não se pode verdadeiramente vivenciar os
paradigmas propostos pela Wicca. Por isso, os nossos rituais servem de um apoio prático
para que, mais que refletir sobre os novos paradigmas, você possa vivenciá-los. Mas para
que isso ocorra naturalmente é preciso se permitir.
Portanto, um bruxo não se faz apenas pelo acúmulo de técnicas rituais, meditativas,
da posse de instrumentos e saberes. Não! Um bruxo legítimo, no sentido de despertar

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


profundo, se faz pelo seu comportamento que, tem em sua subjetividade a força motriz
para a sua atuação entre os mundos, no mundo, em todos os mundos. E é por essa razão
também que nós dizemos que a Bruxaria não pode ser vivenciada com legitimidade se há
em nós uma insistência em querer misturar filosofias/religiões que não dialogam com ela.
Em outras palavras não dá para ser bruxo e pagão e ao mesmo tempo espírita Kardecista,
por exemplo.
Por isso, uma Wicca consciente exige de nós um abandono sincero, nos provocando
profundas e significativas mudanças que serão construídas paulatinamente, já que a
Bruxaria entende que nada brota do nada, é preciso que tudo ocorra progressivamente. Isso
implica então que, jamais Bruxos auto-iniciados, iniciados de primeiro, segundo, terceiro
grau, Elders, etc., hão de serem sujeitos prontos, acabados, um resultado de uma equação.
Não! Mas sim indivíduos em constante nascimento, vida, morte e renascimento. Por isso
nunca olhe um bruxo e a si mesmo como “conhecido”, deixe-se apresentar de novo e de
novo...

Compreendendo tudo isso fica mais fácil adentrarmos a ética e valores próprios da
Bruxaria.
A Bruxaria é uma religião inteligente e de sujeitos autoconscientes (pelo menos é o
que se espera!), por isso, os princípios éticos como: “Faça o que desejar se há ninguém

17
prejudicar”, “Não proselitismo”, “Respeito Absoluto a Vida” e “Valorização da Diversidade”
não são uma espécie de mandamento da Deusa. Na verdade, muitos desses valores éticos
correspondem a uma forma contemporânea de uma conduta neopagã que dialoga com
questões pertinentes da atualidade. Isso demonstra que a Religião Wicca não é um caminho
fossilizado, como o fundamentalismo vigente. Somos uma religião de transformação em si
mesma, uma religião VIVA. Pois, se antes bastasse à aceitação a Rede Wicca e a Lei Tríplice,
hoje os wiccanianos são chamados para ter uma atitude ecológica, feminista, sustentável e
que pensa e valoriza as lutas sociais de classe, raça, liberdade religiosa e valorização da
diversidade. Por isso, ficou comum, mais proeminente a partir da década de 80, bruxas e
bruxos assumir para si uma postura sacerdotal que vai além da honra aos Deuses no Círculo
das Tradições. E sim ir às ruas protestarem, engajar-se em grupos de resistência, pedir
assinaturas para causas ambientais, etc. Com isso, estabeleceu-se que um bruxo ético, é
aquele que minimamente consiga ir além do aperfeiçoamento pessoal, mas um
aperfeiçoamento e desenvolvimento coletivo também.
Isso estabelece que, bruxos sejam indivíduos inteiramente frutos do contemporâneo,
que procura usar o passado pré-cristão como fonte de inspiração e não de reprodução
alienada. Que bruxos estão atentos aos telejornais, aos diálogos de sua família, de amigos,
colegas de trabalho, e que não se calaram perante as injustiças e desigualdades, podem até
não se manifestar diretamente, mas com certeza agirão!

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


É preciso dizer que a Bruxaria também é um ato de resistência, seja pela resistência
que o próprio nome provoca, seja pela resistência a liberdade religiosa e o respeito a ela.
Mas também nossa resistência está presente nos milhares de mulheres que foram caladas,
perseguidas, oprimidas e assassinadas pelo patriarcado. E que por isso somos agentes de
uma valorização de um novo paradigma, que não permitirá mais esse cenário em qualquer
nível, sendo essa uma tarefa a ser construída por todos os que se intitulam bruxos.
Por esse passado de opressão é que nós bruxos lutamos a favor do resgate do
Sagrado Feminino presente nas Deusas do passado, e hoje resgatado por mulheres e
homens com os diálogos promovidos pelo feminismo. Pensando assim em um resgate que
também seja político. É por conta da perseguição religiosa promovida por outras crenças
que nós bruxos lutamos a favor da preservação da cultura e dos povos nativos em todo o
globo. É por conta da violência sobre os inocentes que a Bruxaria não admite de forma
alguma atos de sacrifício de sangue de animais ou humanos, cujas mentiras a respeito disso
alimentaram por muito tempo o imaginário do senso comum com práticas inexistentes na
Wicca.
Um bruxo se faz pela sua ética, e sua ética constrói seus valores e seus valores
constroem suas condutas, suas condutas transformam a sua magia e a sua magia
transforma o mundo. Pense nisso!

18
RESPEITANDO OS PARADIGMAS DA RELIGIÃO:

A vida contemporânea espelhada nas redes sociais parece apontar um caminho cada
vez mais caótico no cenário brasileiro da Bruxaria Contemporânea/Wicca. Deixando assim
escapar uma impressão, errônea, de que a nossa religião é um território de ninguém. Tal
impressão tem fomentado muitas discussões nas redes e tem dividido há muito o
movimento neopagão no Brasil. Mas a verdade é que há mais pessoas pegando o que lhe
convém do que assumindo um comprometimento coerente na Wicca. Mas isso não quer
dizer que a BRUXARIA É TERRITÓRIO DE NINGUÉM!
Dizer que a Wicca não é território de ninguém não implica que a Bruxaria aposta em
uma “liderança” que guiará as bruxas de hoje para uma jornada profética. Nem muito
menos representam que as bruxas precisem fazer um concílio dos mais renomados nomes
da Arte para decidirem quais serão os eixos que nortearão a prática religiosa daqui para
frente. Mas implica sim, que a Bruxaria Contemporânea/Wicca tem suas bases fundamentais
que a caracterizam em um cenário global onde seus membros se reconhecem em uma
comunidade que, é criativa e viva em si e para si mesma. Por isso o respeito crítico aos seus
pressupostos, já dados, é primordial.
Partindo disso, a Wicca não é uma religião a ser completada por outras crenças, ela já
possuí as suas, e cabe ao comprometimento de quem por ela se envereda abrir mão de

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


uma antiga visão de mundo para outra. E abrir mão de um antigo paradigma, não
é lavagem cerebral! E sim, se relaciona ao próprio caráter iniciático que essa jornada
pretende provocar em quem nela decidir se guiar. Também isso não estabelece que as
bruxas contemporâneas menosprezem as crenças e religiões alheias, mas que simplesmente
elas não nos dizem respeito, pois se nos dissesse para que afinal reconstruir-se-ia uma nova
religião?
A sensação de que a Bruxaria Contemporânea/Wicca é um território de ninguém é
fruto também, de uma banalização, deliberada, de seus conteúdos que são veiculados pela
internet. Onde muitas pessoas, interessadas em seus aspectos, estão formando o seu
conhecimento inicial a respeito dela. E esse conhecimento prévio que precisa ser tão
essencial como coeso, e que na maioria das vezes não é, acaba por banalizar a continuidade
nos estudos e práticas da religião.
Uma das confusões mais comuns dos que começam a trilhar a nossa jornada é se
apropriar de nomes como bruxa, bruxaria, wicca, magia, feitiçaria, paganismo, etc., sem ao
menos conhecer os significados dos mesmos. Outra confusão bem comum, é que pelo fato
da Wicca ser um caminho mágicko-religioso muitos acabam confundindo-a apenas como
um sistema mágicko. E não é! A prática da magia natural esta presente sim, em sua
substância religiosa, mas não é só isso.

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Contudo, a confusão mais terrível que tem sido usada para banalizar os seus
conteúdos e até mesmo comercializá-los, é acreditar que a liberdade prática que na Wicca
Eclética se vivencia representa um caldeirão de sincretismos. Entenda, a liberdade prática de
nossas crenças relacionam-se a ela e para ela mesma, e não o acréscimo de outras religiões
e espiritualidades. A reflexão que se deve tirar disso, é que: quando adentramos a Bruxaria
por escolha pessoal trazemos juntos nossos empréstimos religiosos, e que aos poucos
vamos percebendo que não dialogam com os paradigmas da Arte. Porém, o trilhar da
Wicca promove uma transformação de paradigma. Cabe a você a consciência e
responsabilidade de querer usar nossas lentes para enxergar o mundo ou não. Caso, não.
Saía para explorar. A Bruxaria não ata ninguém aos seus domínios e nem tem como
princípio o proselitismo. E se a questão de sua procura é a magia, é preciso então rever o
que você quer. A magia possui diversos sistemas e filosofias. Magia não é religião.
Bruxaria e Wicca são sinônimas, de uma mesma religião, que tem na natureza
manifesta sua inspiração e sabedoria. Com isso, podemos estabelecer um limiar. Há pessoas
que se denominam como bruxas e que praticam uma verdadeira salada de sistemas e
crenças. Isso implica que a Wicca não irá fiscalizar quem é legitimamente bruxa, como em
uma espécie de uma inquisição interna. Não. Mas se autodenominar bruxa e se apropriar
dos nossos rituais e simbolismos sem ao menos reconhecer sua fonte é no mínimo,
inescrupuloso, e combatido por nós que colocam a cara para bater e dizer: Sim, somos

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


Bruxas e a Wicca é a nossa religião! Como também, a Wicca em seu caráter iniciático
estabelece que, apenas acreditar que se é bruxo não te tornará bruxo.
A comunidade Wicca brasileira carece de pessoas que adentram os seus domínios e
que tomam os seus atributos com legitimidade. A apropriação dos conteúdos da Bruxaria
Contemporânea por parte de uma maioria acrítica tem banalizado o acesso para outros que
gostariam de encontrar na Arte uma verdadeira religião que fale ao coração. A verdade é
que, a Bruxaria esta para todos, mas nem todos estão para a Bruxaria. É preciso superar isso.
Mas felizmente existem pessoas cada vez mais conscientes que a expressa de forma
madura, desse modo florescendo criativamente a religião e sua comunidade.
O primeiro passo é admitir: o que você realmente quer buscar? Estabelecer um ponto
de partida para qualquer jornada é essencial. Também você não precisa querer ser bruxo
para poder participar (como convidado ou participante) de algum ritual da Arte. Existem
muitas tradições e covens que oferecem rituais públicos intentando exatamente a
proximidade das pessoas que se simpatizam com a Wicca poderem acessar uma parte de
sua vivência sem precisar ser ou se comprometer com algo. Assim como as outras religiões,
a Bruxaria, também promove meios para que os não pertencentes a ela possam conhecê-la,
até mesmo com o objetivo de ajudar a propagar uma visão positiva e verdadeira do que é
ser uma Bruxa.

20
É comum também que muitos não compreendem todos esses pressupostos
apresentados até agora. Muitos insistem em pegar o que lhes interessa da
Wicca e misturar com outras práticas bem incoerentes. E depois ainda saem dizendo
que a mesma é muito simplista, que é somente uma filosofia. Também saem forjando para
si títulos espirituais afirmando que a sua Bruxaria é a Tradicional. E ainda ficam irritados
quando questionados por pessoas, com o mínimo de coerência dentro da Bruxaria,
apontam o erro de seus paradigmas.
Toma tudo o que é nosso: celebrações, instrumentos, nomes e rituais. Mas na hora
de assumir a Arte não querem! Falar isso parece que bruxas e bruxos sérios são
fundamentalistas pagãos que estão querendo resgatar um tipo de ortodoxia wiccana. Ou
que somos arrogantes e detentores de um saber. Mas não é isso que estamos querendo
dizer.
O que precisa ser dito é: todas as religiões têm sua legitimidade preservada, e por
que a Bruxaria não pode ter? É preciso que se respeite a Bruxaria tal como é. Ou pega tudo
ou não pega. A Wicca não é uma religião alienada, ela reconhece que há outras religiões
além de si. Mas isso não quer dizer que ela afirma ou não a existência dessas como
verdades para si. Simplesmente não é da nossa ossada e ponto. Por exemplo, não há
demônios na Bruxaria, mas Evangélicos acreditam em demônios. Exato! Os Evangélicos
acreditam, nós não. Isso quer dizer que demônios não existam? Para nós não. Mas para os

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


Evangélicos sim. Percebe?
Vivenciar a Religião Wicca não lhe impede de conhecer outras religiões como uma
busca pessoal (Cuidado! Isso não quer dizer que você pode ser bruxo e budista ao mesmo
tempo, por exemplo). Mas é importante entender que a partir do momento em que você
leva essas outras coisas para dentro do Círculo Mágicko e para cima de seu Altar (e isso
pode ser entendido tanto literalmente ou não) e chama isso tudo de Bruxaria, ai você estará
desrespeitando duas ou mais crenças e práticas. Cuidado. Use o bom senso.
Preste Atenção! Somos uma religião. Somos uma comunidade. Possuímos a nossa
sabedoria resgatada das brumas do tempo, por mulheres e homens que deram a sua vida e
seu trabalho para que ela se tornasse a linda caminhada que ela é hoje. Certamente temos
muito a oferecer ao mundo e o mundo a nós. Mas para que isso aconteça é necessário o
respeito, sobretudo perante aquelas e aqueles que vivenciam com seriedade e
comprometimento o seu caminho, e que ficam muito ofendidos e tristes quando vêem
nossos conteúdos, tão profundos e sagrados, sendo veiculados de maneira tão distorcida,
ou na pior das hipóteses, sendo cuspidos após terem sido porcamente mastigados. Se não
pode compreender a Wicca busque outra estrada.

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CRENÇAS E PRÁTICAS DA WICCA:
A DEUSA E O DEUS.

A Bruxaria Contemporânea também estabelece uma relação com o divino e o


transcendente. Essa característica reforça ainda mais o seu caráter religioso, no sentido de
estabelecer um re-ligare.
E por ela não ser uma religião revelada, tem na natureza manifesta e seus ciclos a

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


inspiração para propor suas divindades. Mas não apenas na natureza, mas tendo como
pano de fundo, mitologias dos períodos pré-agrários e pré-cristãos que se tornaram fontes
coesas que estabelecem que nossos Deuses não sejam frutos apenas de uma criação
contemporânea, e sim oriundos de um pensamento arcaico reinterpretados sob a luz da
atualidade.
E quem são eles?
A Deusa e o Deus.
A Deusa e o Deus é o que caracteriza o corpo ideológico da Wicca, pois estabelecem
um princípio dinâmico da criação universal, bem como o equilíbrio da vida manifesta. A
Deusa e o Deus representam antes mesmo de um casal divino polarizado em gêneros
sexuais, forças que se complementam na ciranda da vida. Podendo ser entendidos como a
essência e a forma, por onde a vida transcendente se concretiza na vida imanente.
E é no período mais ancestral da cultura humana que encontramos a Deusa, e o Deus
como seu consorte. Ambos representando forças da natureza.
A Deusa manifestando um princípio criativo e feminino, cujas mulheres e a terra
encarnavam os seus atributos e significados, e um Deus manifestando um princípio
selvagem e masculino, cujos homens encarnavam os seus atributos e significados.

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A Deusa se relaciona então a força criativa e primitiva de toda a criação e o Deus é o
seu amante, consorte e filho que, ajudou-a na ordenação cósmica das coisas. Basicamente,
essa é a dinâmica divina que a Bruxaria encarna. Mas a Deusa e o Deus têm para as bruxas
contemporâneas os aspectos que circundam toda a sua Arte e inspira seus ritos sazonais e
lunares.
Para nós bruxas, a Deusa e o Deus funcionam como planos reais da existência, como
forças divinas que ajudam a humanidade e a natureza em seu desenvolvimento, bem como
energias que mantém as coisas como são. Mas nem por isso são forças distantes de nós,
estão presentes na Terra e no Céu, e em nós mesmos. E por estabelecerem uma profunda
conexão com todas as coisas da natureza manifesta, é na mesma que podemos encontrar
os seus significados que têm em nossos mitos, símbolos e rituais seus atributos encarnados.
E por essa aproximação com o todo, entendemos que os Deuses são um relacionamento
que estabelecemos, podendo ser acessados e ouvidos por meio de nossas práticas
meditativas e rituais. Também a Deusa e o Deus das Bruxas Contemporâneas/Wicca
possuem um atributo que é mágicko. Isso é. Eles emprestam a sua força para nos auxiliar
por meio da magia.
A Deusa é o princípio feminino manifesto e transcendente no universo. Ela é,
portanto para nós a Mãe do Todo. De seu corpo cósmico e de seu ventre, é que todas as
coisas surgem e para onde todas as coisas retornam. Ela é a própria esfera terrestre e o

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espaço exterior, além do cosmos e das galáxias. Ela é o escuro ventre criativo e destruidor
do universo. E nós, a alcançamos poeticamente através da Lua e suas fases.
Na Lua Crescente Ela espelha toda a sua juventude, impulsividade, rebeldia, coragem
e ímpeto. Ela é a Donzela, a jovem que nos instiga a nos lançar para a vida. Sua inspiração
promove o desenvolvimento e o crescimento de todas as coisas.
Na Lua Cheia Ela revela a sua abundância, sua imanência, sua maternidade e sua
paixão. O amor é a sua sabedoria e sua magia. Como Mãe nos instiga ao poder nutridor dos
laços, da responsabilidade. Sua inspiração promove em nós o apogeu e a plenitude de
todas as coisas.
Na Lua Minguante Ela revela a sua sabedoria, seu declínio, sua própria
impermanência manifestada na morte que recicla a vida. Como Anciã, nos instiga ao poder
da purificação, do recolhimento, do silêncio. Sua inspiração promove em nós a decadência e
a transformação de todas as coisas.
Já o Deus, seu consorte e filho, aparece como o Senhor dos Animais e da natureza
indomável e selvagem. Por essa relação como a fauna ele é representado com chifres. Ele é,
portanto o Deus Cornífero. Mais tarde, com o desenvolvimento das culturas agrárias Ele
passou a ser associado ao plantio e a colheita. Essa representação com os processos
agrícolas relacionou o Deus à vida solar e a dança da mesma que promove as estações do

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ano. Sua função passou a ser como, a energia que fecunda a Terra (Ventre Feminino) da
Deusa.
Compreender o desenvolvimento da cultura humana e suas respectivas mitologias,
desde o paleolítico até os dias de hoje, é um caminho de elucidação para entender quem é
a Deusa e o Deus, e quais sãos suas fontes de inspiração para uma interpretação prático-
relacional contemporânea com eles dentro de uma ótica neopagã na Wicca.

FEITIÇARIA:

Antes de tudo é preciso situar o que a palavra Feitiço quer dizer. Feitiço vem do
Latim facticius e quer dizer: artificial, não-natural. Mais tarde a palavra passou a representar
um objeto ou intenção sobrenatural provocada por um agente: o feiticeiro. Mas a idéia de
um feitiço como algo artificial pode nos dizer muito pouco sobre a natureza da intenção
implícita na feitiçaria na Bruxaria. Por tanto, um feitiço é uma intenção criada (artificial) por
um agente (a bruxa ou feiticeiro/a) para provocar uma ação no mundo objetivo ou
subjetivo. Desse modo, um feitiço é uma atitude simbólica, que funciona como uma lente,
uma intenção ritual que pretende provocar uma mudança. E a mecânica por de trás de um
feitiço é a própria Magia. Segundo Dion Fortune (1890 – 1946) a magia é a Arte de provocar

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


mudanças desejadas.
Entendido isso, se subentende então que feitiços, como uma mecânica mágicka, é
uma atitude ritual simbólica. Mas que símbolos são esses?
Em feitiçaria (ato de fazer feitiços) se trabalha a consciência analógica e da
congruência. Por exemplo, o pensamento mágicko herdado de nossos ancestrais, desde o
Paleolítico, demonstra que certo comportamento intencional provoca uma reação esperada:
ao molhar uma pedra com gotas de água intencionavam-se as chuvas, ao desenhar
símbolos nas paredes da caverna se intencionava uma boa caçada. Essa relação arbitrária do
símbolo como comportamento que gera uma conseqüência, é o pensamento mágicko.
Portanto, feitiços não são uma receita de bolo ou um número de elementos decorados de
um livro escrito por alguém, e sim um conjunto de símbolos congruentes que intentam um
objetivo. Partindo desse pressuposto, se entende que um bom feitiço é aquele que é capaz
de provocar uma relação analógica entre o agente (bruxa ou feiticeira) e o objeto desejado.
Em outras palavras, o que funciona para um não funciona para outro. E ainda mais, somente
quem deseja o fim é que pode executar o meio!
No entanto, é preciso situar a prática da feitiçaria dentro da Bruxaria
Contemporânea/Wicca para não corrermos o risco de que ambas, é a mesma coisa.
Bruxaria é uma religião neopagã iniciática e de mistérios, não revelada, não
institucionalizada e de orientação matricêntrica. Já Feitiçaria, por si mesma, não implica um

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substrato filosófico e religioso que a embase. Ela é simplesmente um conhecimento
reduzido de símbolos e rituais que visam atingir diversos objetivos por meio dos feitiços
que, foram passadas por uma tradição oral e sobrevivem em folclores e costumes
populares. Por essas razões, feiticeiras não são bruxas, mas bruxas são feiticeiras também!
Ressalvo que, existem certas práticas xamânicas que utilizam o termo Feitiçaria e
Feiticeiros/as para se denominarem, e por isso possui outro sentido, para mais leia as obras
de Carlos Castaneda.
Então, a feitiçaria resgatada pela Wicca é uma inspiração do paganismo e que foi
influenciada pelas práticas mágickas dos Grimórios de Alta Magia e Magia Cerimonial, mas
devido ao berço judaico-cristão dessas práticas muitas bruxas procuram resgatar métodos
mais ancestrais e xamanísticas que possuem uma profunda orientação matricêntrica e pagã
em seus simbolismos.
Mas qual é o caráter da feitiçaria dentro da Bruxaria?
Feitiçaria dentro da Bruxaria tem dois atributos:
1- permitir que a bruxa atinja por meio da mecânica da magia um objetivo;
2- feitiços, é outra forma de promover o autoconhecimento.
O primeiro atributo coloca que a bruxa é co-criadora de sua realidade, não é passiva
no mundo objetivo e subjetivo, ela é provocadora de suas mudanças apoiando a sua
atitude por meio da ética “faça o que desejar se ninguém prejudicar”. O segundo atributo

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


refere-se que a bruxa, ao travar contato com um “querer fazer um feitiço para atingir um
fim” pode revelar a ela o quanto realmente precisa disso ou daquilo, ou ainda outro caráter,
se ela deseja atrair amor para si pode ser que no ato ritual ela perceba que lhe falta atitudes
que valorizem o seu amor próprio. Com isso, um feitiço funciona como um disparador de
insights preciosos. Esse último atributo ainda implica que a magia menor (fazer feitiços)
constrói a magia maior (o autoconhecimento). Por essa razão, praticar magia na forma de
feitiços é algo presente na Bruxaria, como um de seus eixos. (Para saber mais leia
STARHAWK. A Dança Cósmica das Feiticeiras. Rio de Janeiro: Nova Era, 2007. Cap.7 e 9)
A criatividade em fazer feitiços respalda-se na assimilação dos símbolos e os seus
significados. E esses símbolos expressam-se desde palavras escritas, cantadas,
pronunciadas. Pode ser ainda cores, velas, símbolos desenhados, cristais e pedras, ervas na
forma de incensos, banhos, óleos, etc. E cada um desses múltiplos símbolos pertence a uma
relação congruente. Essa relação se expressa no axioma hermético: Assim como há em cima
há também embaixo! Compreender o que esse axioma representa é essencial. Esse axioma
é creditado ao famoso, e lendário magista Hermes Trimegisto. Através do mesmo entende-
se a relação interdependente da vida e a sua linguagem oculta.
Para melhor compreender isso, pense que uma rosa vermelha é um símbolo vegetal
que representa o conceito do amor romântico e da paixão. Em uma esfera superior por
assim dizer esse amor pode estar espelhado no planeta Vênus. Vênus é uma Deusa grego-

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latina que encarna esse atributo. Logo, uma rosa é um símbolo de Vênus e por isso do
amor! E foi nessa lógica que os povos antigos construíram seus ritos propiciatórios de
fertilidade da terra, de proteção, etc. E é nos povos Caldeus e Persas, que vamos ter a
grande relação analógica do acima e do abaixo presente no axioma hermético mencionado.
Foram estabelecidos atributos divinos aos sete planetas denominamos hoje de: Sol, Lua,
Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus e Saturno. Esses vistos a olho nu (nessa lógica o Sol e a Lua
são considerados planetas).
Os sacerdotes, desse antigo sistema religioso, acreditavam que esses corpos celestes
representavam suas divindades, e cada uma possuía um nome específico e um atributo. Elas
emprestavam e patrocinavam suas qualidades a elementos da natureza, animais, metais e
vegetais. Por essa razão, quando um mago-sacerdote queria pedir um auxílio aos seus
Deuses bastava que esse fizesse uso de elementos atribuídos a essas divindades em seus
rituais. Essa é a mesma intenção ritual, atual, dentro da Bruxaria!
Essa lógica dos magos-sacerdotes persas também inaugurou a Astrologia, pois a
aparição de certas estrelas e constelações permitia previsões de acontecimentos futuros
que influenciariam o plantio e a colheita, bem como a ordem social organizada pelos reis-
sacerdotes.
Com o passar do tempo, e a decadência desse sistema para os sistemas mais
monoteístas, essa lógica de congruência ficou restrita ao território dos ditos magos e

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místicos, e somente os conhecedores desse saber é que manipulavam essa sapiência. Esse
sistema, conhecido hoje dentro do jargão ocultista como Setenário Magístico, empresta
uma lógica simbólica muito rica, em que temos atributos que norteiam características da
vida que estão presentes em elementos da natureza. Essa influência é tão grande que esta
representada até hoje nos dias das semanas: Domingo é dedicado ao Sol, Segunda a Lua,
Terça a Marte, Quarta a Mercúrio, Quinta a Júpiter, Sexta a Vênus e Sábado a Saturno. É
importante o resgate dessas origens para compreendermos os seus conceitos.
Mais tarde vamos ter a influência do filósofo grego Empédocles (séc. V a.C) que vai
atribuir uma relação de causa e essência das características presentes na vida, bem como
sua organização através dos conhecidos Quatro Elementos: Terra, Ar, Fogo e Água. Mais
tarde Aristóteles (384-322 a.C), outro filósofo grego que vai retomar essa idéia elaborando-
a melhor. Hoje os quatro elementos são presentes na prática da magia ocidental e na
própria Bruxaria.
Contudo, essas relações simbólicas não estão presas no tempo em que foram
criadas, pelo contrário, elas se encontraram na medida em que aconteciam invasões e
mudanças de sistemas sociais por meio da influência de outras culturas, e em algum
momento o sistema dos persas encontrou-se com o sistema Elemental dos gregos e foi se
encontrando com os saberes dos egípcios, depois dos celtas, etc. Temos então, a partir dos
grimórios medievais a presença de um sistema mesclado e complexo que influenciaria as

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escolas de renascimento da Magia Ocidental (Golden Dawn, Rosa Cruz, Teosofia, etc.)
dando-nos todo o arsenal simbólico que hoje orientam Bruxas e Magistas em suas práticas
contemporâneas.
Por essa razão, é importante a bruxa iniciante conhecer essas relações simbólicas a
partir desses pressupostos, e a bruxa experiente expandirem-los, para que uma feitiçaria
real e positiva possa ser executada. E mais, permitindo que cada um construa os seus
próprios feitiços que, funcionaram como chaves que despertam o nosso poder pessoal.
Temos, por essa razão, tabelas de correspondências que podem lhe ajudar nesse sentido.
Há diferentes tipos de tabelas em diferentes grimórios ou Livro das
Sombras. Também há em cada Tradição da Arte um tipo de correspondência simbólica
diferente. Na verdade, as tabelas apenas expressam símbolos que se relacionam a um
conceito.
Mas não basta conhecer os símbolos (chaves) é preciso saber usá-los. Por esse
motivo um feitiço jamais será uma receita de bolo, onde se coloca ingredientes e se tem um
resultado. O feitiço é um veículo pelo qual a nossa intenção (energia) pode ser canalizada e
lançada no campo da ação. Então, antes que você saia por ai fazendo feitiços entenda os
símbolos, e mais, aprenda a trabalhar com técnicas de concentração, visualização e envio e
recebimento de energias. Através dessas técnicas é possível a manipulação das energias
presentes na natureza. Na Bruxaria, as divindades também emprestam seus atributos para

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os nossos atos de feitiçaria, por isso é importante que você conheça minimamente o caráter
de cada faceta da Deusa ou do Deus, ou Panteão de Deuses que se queira trabalhar antes
de invocá-las.
É aconselhável que se faça um feitiço dentro do corpo do Círculo Mágicko que pode
ser aberto para essa finalidade. O ritual do Círculo Mágicko é na Bruxaria
Contemporânea/Wicca o grande instrumento de poder e sabedoria das bruxas, e que
quando utilizado de forma correta permite-nos acessar energias reais que nos auxiliam em
nossa vida. Bem como também os instrumentos da Arte são fontes inesgotáveis de
simbolismos que auxiliam no momento da execução de um feitiço. Mas não é necessária a
abertura do Círculo para a realização de um ato mágicko!
E como estamos falando em Magia por meio da feitiçaria isso nos remete as nossas
crenças pessoais, permeadas pelo senso comum, como magia negra e magia branca.
Acreditar que a Magia tem uma cor, que delimita o seu espaço de intenção, é
demonstrar que pouco se conhece a respeito de seu funcionamento. Ao cromatizar a Magia
existe uma intencionalidade por de trás do discurso “cromático” que, se esbarra na lógica
maniqueísta veiculada e propagada há séculos pela opressão patriarcal. Mas para
compreender onde e quando a Magia ganha uma cor é preciso entender o mundo que a
produziu.

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Os primeiros registros de práticas mágickas são observados nos primeiros cultos aos
mortos, datando por tanto desde o Neolítico. Nesse período, o ser humano criou suas
ancestrais tecnologias para facilitar a sua sobrevivência, e a Magia foi uma delas. Através de
um princípio analógico e simpático, as primeiras feiticeiras e líderes espirituais dos clãs
matricêntricos auxiliavam na caça e na coleta, no plantio e na fertilidade da Terra por meio
de rituais. A Magia também era uma ferramenta subjetiva eficaz para aplacar a angústia
humana frente aos processos existenciais.
O declínio das culturas matrilineares fez com que pouco a pouco a Magia ganhasse
outro território, o do Sacerdócio, que passou progressivamente a ser veiculado pela figura
do homem em detrimento da mulher. A inserção da escrita e quem detinham o seu acesso
também delimitaria as novas configurações da Magia. À medida que as culturas se
desenvolveram, em grandes sociedades e impérios, organizados pelo eixo dos reis-
sacerdotes, as práticas mágickas, que outrora era de domínio feminino e de toda uma
coletividade, foi sendo elitizada.
A elitização da Magia cria então uma propaganda ideológica de difamação. A
difamação tinha uma intenção clara: não perder o poder conquistado pelo medo sobre as
culturas ditas “primitivas”, as matricêntricas. Com isso, a Magia assumiu suas primeiras
características morais. A Magia sobrevivente dos povos mais ancestrais, praticada pelos não
letrados, é aquela que vai sendo conhecida como baixa, negativa, selvagem, e por isso foi

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


sendo associada aos demônios de seus próprios difamadores. E em contrapartida a Magia
dos sacerdotes era a alta, a positiva, a divina, e por essa razão foi sendo associada aos seres
superiores, de luz e ao transcendente.
E nesse cenário construído, a Magia vai sendo absorvida dessa maneira na cultura e
no imaginário do senso comum. Cada vez mais suas práticas vão perdendo sua
originalidade e ganhando outras formatações. Mas é com a inserção do Cristianismo que a
Magia por fim começa a ganhar seu caráter cromático, que hoje é perpetuado como uma
verdade.
O Cristianismo para ganhar seus domínios políticos precisou tomar e reinterpretar
para si antigas práticas pagãs. E a Magia estava diluída nesse bojo. E isso fez com que
muitos padres, que são os sacerdotes dessa religião-instituição, acessassem tal
conhecimento e começassem a trabalhar as tecnologias mágickas, por assim dizer, sob o
viés do misticismo judaico-cristão, que nada mais é que as práticas mágickas dos povos
hebreus. Com essa “nova Magia” pode-se julgar o que era a Magia Divina e a Magia
Profana. E claro, a divina era dos padres e sacerdotes letrados, brancos, homens e europeus
e a profana era dos camponeses, analfabetos, mestiços, escravos e MULHERES! Tanto que
as parteiras e curandeiras eram acusadas de feitiçaria, cuja ambigüidade de suas práticas
era interpretada como algo perigoso.

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Quando temos então a inserção da lógica satânica, o Cristianismo pode separar a
Magia ainda mais, através da dialética opressiva da Alta Magia versus a Baixa Magia.
A Alta Magia era a magia superior, do sacerdote e homem letrado, burguês e nobre.
A Baixa Magia era a magia camponesa, folclórica, remanescente dos cultos pré-agrários e
pré-cristãos. Portanto, a magia também estava dividida por classes sociais, ou melhor,
refletia as classes sociais bem como a lógica patriarcal, já que a dita Alta Magia tinha (e
ainda tem, já que muitos se identificam com esses conceitos) profundas raízes abrâamicas.
Esse conceito, que foi absorvido nas escolas esotéricas do séc. XIX (Golden Dawn,
Rosa Cruz, etc.), é que moldou o pensamento mágicko ocidental até os dias de hoje. Depois
a idéia mudou para a cor, mas conservando seus preconceitos, por isso até hoje quando
falamos em magia negra, estamos na verdade deturpando práticas ancestrais que pelo
estigma social assumiu um ar degradante, eurocêntrico e etnocêntrico. Até hoje muitos
associam práticas mágickas do Candomblé, por exemplo, com Magia Negra.
Por isso devemos desconstruir esse conceito. E a Magia na Bruxaria Contemporânea
vem favorecer isso, e trazer outro conceito que trabalha na lógica da intenção mágicka. Mas
é preciso salientar que por muito tempo a Bruxaria/Wicca foi embebida da substância da
Alta Magia através de seus percussores, como Gerald B. Gardner e outros. Ressalvo que isso
foi um momento histórico que teve sua importância, porém hoje a Bruxaria procura nas
práticas ancestrais matrilineares suas inspirações mágicko-rituais que, estão bem distantes

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


do esoterismo burguês que moldou as primeiras décadas de sua reconstrução.
Portanto, para a Bruxaria, a Magia realmente não tem cor, ela apenas possui
tonalidades das nossas intenções e isso é bem diferente de um conceito cromático que a
magia ganhou ao longo do tempo, sobretudo por atravessamentos históricos e sociais. Na
verdade, a Bruxaria pratica uma magia natural (dos elementos e das forças naturais e
imanentes da natureza manifesta).
Quando identificamos a magia como um veículo de manifestação de nosso intento
percebe-se que ela é só uma ferramenta e não um juízo de valor. A Magia precisa ser
entendida a partir disso. Precisamos abandonar esses (pré) conceitos se quisermos
realmente praticar a magia dentro da Wicca. Ela exige isso de nós! Para a Bruxaria, a Magia
é apenas um instrumento de poder com as forças da natureza manifesta, que auxiliam seus
buscadores em seu caminho de autoconhecimento e totalidade.
A Magia na Bruxaria é muito mais complexa do que se pensa, e esta além da mera
prática da feitiçaria. Por isso, uma bruxa consciente sabe que cromatizar a prática da Magia
é banalizar ela e perpetuar uma lógica de exclusão. Contudo, isso não quer dizer que não
exista pessoas desequilibradas o suficientemente para fazer um uso errado dessa
tecnologia, e com isso prejudicar a vida alheia, mas isso não faz com que a Magia seja boa
ou má, branca ou negra, vermelha, azul, amarela... Isso apenas demonstra que ela é uma
ferramenta. A ciência é uma ferramenta também, e com ela se construiu a bomba atômica,

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mas também se construiu todo o aparato tecnológico que salva vidas e as transforma. A
Magia é intenção, é ciência, e se quiser praticá-la com sinceridade abandone suas roupas
sociais e seus empréstimos morais, conheça-se!

OS INSTRUMENTOS DE PODER:

A Wicca é uma religião, cujas crenças e práticas pretendem levar seus seguidores a
um contato íntimo com o divino imanente na natureza manifesta, a Deusa ou os Deuses
Antigos.
Esse contato e relacionamento promovem o autoconhecimento em seus praticantes,
bem como o desenvolvimento de suas habilidades psíquicas.
Por essa razão, rituais de um profundo simbolismo, que são baseados na mudança
das estações e das fases da Lua, os elementos da natureza, etc., se utilizam de instrumentos
operacionais que facilitam à dinâmica subjetiva presente em nossos rituais.

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


Esses instrumentos são ferramentas que facilitam a liberação do poder pessoal da
Bruxa durante o processo ritual. Por esse motivo, são chamados de Instrumentos ou
Ferramentas Mágickas, ou de Poder.
A Bruxaria Contemporânea/Wicca deve sua reconstrução religiosa e prática, tal qual é
hoje, graças aos esforços de Gerald B. Gardner e outros e outras que os sucederam. E essa
herança reconstrucionista é que inspirou a utilização de instrumentos ou ferramentas de
trabalho dentro do cenáculo ritual das bruxas contemporâneas. Nossas ferramentas de
poder foram inspiradas em práticas pré-cristãs, no folclore medieval e, sobretudo nas
escolas esotéricas do séc. XIX que floresceram na Europa nesse período.
Devido à própria complexidade da reconstrução da Bruxaria, e suas muitas tradições,
é difícil delimitar instrumentos comuns a todas as bruxas e bruxos na atualidade, contudo
há aqueles que se tornaram essenciais para a prática da Wicca na atualidade, sobretudo a
Wicca Eclética e Solitária. Mas é preciso ter a crítica de que, a nossa religião foi sendo
apropriada pela lógica consumista, o que a tornou também um produto a ser consumido,
fazendo com que por meio dessa ideologia “instrumentos de bruxas” surgissem como se
fossem necessários para uma prática coesa e séria. O que é uma grande mentira, já que
para se fazer Bruxaria precisa-se de muito pouco.
O consumismo esotérico ilude muitos praticantes da Arte na atualidade. Essa ilusão
faz com que se tenha crença de que a Bruxaria esteja no exterior, nos instrumentos, nas

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roupas pretas, nos cristais e amuletos, nas velas, nisso e naquilo. Quando na verdade nada
disso torna ninguém legitimamente uma bruxa. Essa realidade também se faz, pois pouco
se compreendem da própria crença, prática e simbolismos existentes dentro de nossas
ferramentas e seu real papel em nossa vida espiritual.
Antes de tudo, os instrumentos da Bruxaria são veículos de acesso que, quando
utilizados da maneira correta, tornam-se facilitadores do transe, da visualização ativa e da
canalização de energias presentes na própria habilidade psíquica da bruxa (o) em operar
com as forças a sua volta. O que nos faz refletir que o grande instrumento da bruxa é ela
mesma. Outro papel dos instrumentos da Arte é representar as forças que a bruxa convoca
em seus rituais, bem como as forças que ela se devota.
Então podemos compreender que os Instrumentos da Bruxaria
Contemporânea/Wicca assumem dois papéis: um mágicko operacional que auxilia a Bruxa
ou Bruxo em seu trabalho ritual; e um devocional que auxilia a Bruxa ou Bruxo a honra e
serviço aos seus Deuses Tutelares.
Os Instrumentos mais comuns à Bruxaria, que são quase que cem por cento
presentes na maioria das Tradições/Covens ou caminho Solitário/Eclético são: Altar,
Athame, Bastão, Cálice, Caldeirão, Pantáculo e Vassoura. Além desses, alguns utensílios
compõe nossos rituais como: água, incenso e incensário, óleos, sal e velas e castiçais.
Altar: o Altar na prática e religião das bruxas tem um duplo significado; um que

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


funciona como mesa operacional de um ato ritual, onde estão depositados os instrumentos
de maneira harmônica que auxiliam no processo ritualístico; e outro que é devocional, onde
a bruxa ou bruxo dedica-se a honra de seus Deuses e forças, onde faz suas meditações e
direciona suas intenções. O Altar é orientado para o Norte, que representa a Terra e por isso
a Grande Mãe. Geralmente é retangular e de madeira, uma mesa, coberto com uma toalha
negra. Mas outras cores podem cobrir o Altar de acordo com a celebração ou proposta
ritual. O Altar de uma Bruxa é o seu instrumento de conexão e magia.
Athame (Spirit Blade): é uma adaga ou faca com dois fios de corte (não precisa ter
corte) com o cabo preto. É um instrumento de direcionamento da energia, é com ele que
traçamos o Círculo Mágicko e desenhamos símbolos no ar. É associável ao elemento Ar, e
por essa razão sempre fica ao lado Leste no Altar. Simboliza também a força fálica e
masculina da divindade, o Deus.
Bastão: também conhecido como Varinha, é um instrumento de invocação. Feito de
alguma árvore sagrada ou até mesmo de cobre, com cristais encravados. Ele funciona como
o braço espiritual da bruxa, que alcança os outros mundos e capta suas energias. É
relacionável ao elemento Fogo. É colocado ao Sul do Altar. Representa a energia masculina
da divindade, o Deus.
Cálice: é uma taça, geralmente de cobre ou prata, mas pode ser de vidro ou cristal.
Representa a energia de devoção e honra aos Deuses. É relacionável a Água, e por isso fica

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ao Oeste do Altar. É o instrumento de ligação do Sagrado Feminino, e por isso representa a
Deusa e a Lua.
Caldeirão: geralmente é de ferro e com três pés que simbolizam as três faces da
Deusa: Donzela, Mãe e Anciã. Fica ao centro do Altar, pois representa o Espírito e o Útero
Cósmico da Grande Mãe. Simboliza a transformação das energias, o renascimento.
Geralmente ateia-se fogo dentro dele para certos rituais.
Pantáculo: é um disco plano de madeira do tamanho de um prato com símbolos
desenhados que representam uma determinada tradição ou intenção. Ele é usado para selar
energias e materializá-las, também é usado como proteção. É relacionável a Terra, e fica ao
Norte do Altar. Representa a Deusa em seu aspecto telúrico.
Vassoura (Besson): feita pela própria bruxa, é uma vassoura mágicka que funciona
como um instrumento de fertilidade, proteção e banimento das energias contrárias as
intenções do ritual. Varre-se o ar com ela, o espaço ritual, com a intenção de limpar as
energias. Representa a união do Sagrado Masculino (cabo) com o Sagrado Feminino
(cerdas).
Todos esses instrumentos descritos acima precisam passar por um ritual de
consagração, antes do uso. A intenção desse ritual, é não só purificar a ferramenta de
quaisquer energias contrárias à Arte, como também devotá-los de forma sagrada a prática,
para que assim eles se tornem veículos de canalização de seu poder pessoal e

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


autoconhecimento. Existem inúmeras formas de se consagrar um instrumento, bem como
momentos específicos.
Sobre os utensílios que auxiliam no ritual:
Água: responsável pela magnetização e purificação do ambiente.
Incenso: além de purificação, promove a conexão com o plano supra-sensível da
natureza, além de servir de mensageiro de nossas intenções ao coração dos Deuses.
Óleos: são de base vegetal e auxiliam, de acordo com o significado, no abençoar e
imantar o corpo da bruxa ou um instrumento, e ainda velas, com mais energia intencional.
Sal: deve ser marinho, permite que as energias antes de iniciar um ritual, sejam
banidas e purificadas, confere proteção das energias nocivas. Também auxilia no
aterramento das energias. Para utilizá-lo mistura-se com água e se consagra em seguida.
Velas: possuem muitas cores que trazem um significado. Representam a energia
espiritual, a própria energia devocional e mágicka presente em um rito.
Os utensílios também devem sofrer uma consagração antes do uso em ritual! A
consagração dos mesmos tem a intenção de despertar a sua força e direcioná-la para um
determinado propósito.
Os Instrumentos da Bruxaria compõe um significado simbólico rico, mais profundo e
complexo do que o exposto acima. Pesquisar o seu uso e sabedoria torna a prática de
qualquer buscadora/buscador da Wicca mais rica.

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A essência dos instrumentos reside na mensagem de que, a Natureza é o nosso Altar
e Templo, e nós somos o veículo da manifestação de sua Totalidade.

O CÍRCULO MÁGICKO E OS QUATRO ELEMENTOS:

Um dos primeiros rituais que se aprende no processo de aspiração a este caminho é


o do Círculo Mágicko. Pois ele compõe em si, grande parte da ritualística da Bruxaria
Contemporânea/Wicca.
No caminho da Deusa, o círculo mágicko é o seu Templo. Na magia, o círculo, é uma
área fora do tempo, com a finalidade de proteger-nos das forças contrárias ao nosso
intento, bem como acumular energia para um propósito ritual. Portanto, ele tem dois
aspectos: ele é tanto um espaço para mágicka quanto é manifestação simbólica de um
Templo. E quando o desenhamos no ar temos que ter a consciência de que ele não é
exatamente um círculo, mas é verdadeiramente uma esfera de luz e poder.
Esta esfera, que chamamos de Círculo Mágicko é uma esfera “fora do tempo”.
Estamos entre dois lugares, o mundo mágicko e o mundano, e no fim em nenhum deles e
ao mesmo tempo estando em todos os mundos possíveis. Sendo assim, o Círculo Mágicko
é a nossa própria estadia no Submundo Arcaico dos Deuses propiciadores da gnose da

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Bruxaria. Por essa razão, o Círculo em suas manifestações mais primitivas relaciona-se ao
culto aos mortos. Por isso, dizemos que ao estar dentro do Círculo, estamos “entre os
mundos”: o dos vivos e dos mortos.
O círculo é uma esfera interior de consciência, é o micro cosmo da bruxa e do bruxo,
fundindo-se com o macro cosmo da Deusa e do Deus. É uma escada de percepções
vibrantes em diferentes tons. Ele também pode ser o círculo da vida, onde atuamos e as
forças atuam em nós.
É preciso compreender o círculo além de um ato ritual, para encarná-lo como um
símbolo que nos possibilita olhar a vida. Já que círculo nos mostra que tudo é cíclico, tudo
tem um começo e um fim/renascimento. Sendo ele a Roda da Vida, em que a Deusa e o
Deus tecem seu poder sobre nós, onde tecemos dentro dele os poderes e desvelamos os
mistérios.
Quando se lança um círculo se faz necessário chamar as forças primordiais que
moldaram e compõe a natureza, assim como sua formação básica: os quatro elementos. Ou
como chamamos: os Guardiões das Torres de Vigília.
Esse conceito de chamar os quadrantes, quando se faz um determinado ritual, foi
introduzido a Wicca por causa da Magia Cerimonial. Porém, a origem dos Guardiões
Elementais é muito antiga e podemos traçar suas origens em muitas culturas.

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Os elementos possuem tanto um aspecto físico, invisível e interior. Conhecê-los é
fundamental. Cada tradição carrega em si uma direção para os elementos e às vezes
assumem outras características e importâncias.
Tradicionalmente os elementos são relacionáveis a pontos cardeais dentro do círculo
da seguinte maneira: Terra/Norte, Ar/Leste, Fogo/Sul e Água/Oeste.
O Norte é um ponto tradicional de abertura e convocação do círculo em muitas
tradições, sobretudo àqueles de inspiração Diânica. Ele representa a Terra e por isso a
Deusa.
O Leste esta relacionado com o elemento Ar representando o amanhecer, a Luz, a
clareza e coisas relacionadas com esse elemento. Sobretudo em tradições, cuja inspiração,
está na Magia Cerimonial.
Sul é o Fogo, é o calor, e também o espírito e a transformação.
O Oeste é o entardecer, a morte, onde a barca dourada do Sol se põe ao fim do dia
em busca do eterno renascimento.
A estrutura do círculo Wicca segue um padrão ritualístico semelhante em todas as
Tradições. Mas às vezes essa estrutura pode sofrer pequenas alterações. A ritualística do
Círculo Mágicko, bem como os outros rituais criados, e sua respectiva liturgia, por Gerald B.
Gardner, funcionam como um verdadeiro template que dentro de uma visão Eclética da
Wicca, são verdadeiras chaves meditativas que despertam a consciência para os planos

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


supra-sensíveis da natureza manifesta.
Outro ponto importante é o que será feito dentro do espaço criado. O corpo de um
rito está embasado dentro do corpo do círculo. Podemos dizer que, o ritual do círculo
mágicko é por si só, uma fórmula, para compor todos os outros rituais.
Tradicionalmente o padrão wiccaniano de traçar o círculo tem esses respectivos
passos:

Preparação; é toda a parte que se usa para preparar a si, os objetos, ambiente para o
fim ritualístico específico, sendo que cada componente é usado e colocado sobre o altar, as
ferramentas da Arte são sempre usadas independentes de quaisquer simbolismos rituais.
Limpeza: Limpeza de energias não compatíveis, seja no local, seja das pessoas que
farão o ritual. É o marco do ingresso em um momento e espaço sagrados.
Centramento: Conexão com as energias telúricas que deve estar presentes em todos
os rituais, conexão com a Deusa em seu aspecto de Mãe Terra.
Estrutura;
Traçado do Círculo Mágico e Invocação dos Deuses: Criação do espaço sagrado,
onde as energias deveram ser chamadas, energias essas: os Quadrantes como Vigias e
Testemunhas do Rito, sendo eles os quatro elementos da natureza Terra, Ar, Fogo e Água.
Depois invocação da Deusa e o Deus de acordo com aspecto do Rito.

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Harmonização: Harmonizar-se com a energia chamada no círculo, afim de que se
possa começar o trabalho ritual.
Conexão com a energia dos Deuses: Feita de diversas formas: meditação,
dramatização, dança, visualização criativa; neste momento o ritual acontece em si.
Feitiçaria: Este é um ato opcional em rito, sendo que o círculo poderá ser aberto para
este propósito ou não, mas o feitiço deve vir de acordo com o propósito do ritual.
Cone de Poder: É o momento de liberação da energia evocada, afim de que se
cumpra seu objetivo ou comunique-se com as outras realidades. É o ápice e declínio do
ritual.
Grande Rito: É a celebração da União do Divino Feminino e do Divino Masculino, pela
junção simbólica do Cálice (vagina) e do Athame (pênis), que evocam o ato criador, origem
da vida. É a consumação da energia elevada em ritual.
Celebração: Momento de compartilhamento de comida e bebida, onde oferendas de
alimentos podem ser direcionadas a Deusa e ao Deus.
Fechamento do círculo e encerramento do Ritual, aterramento da energia.

OS ANCESTRAIS:

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Os mistérios também estão presentes nos indivíduos do passado. Esses indivíduos
através de sua subjetividade forjaram como peças de um quebra cabeça a realidade interna
e externa da totalidade do que somos hoje. Na verdade, nada mais somos do que acumulo
de acertos e erros através de uma complexa teia ancestral de variações e seleções que
deram certo dentro de um contexto específico.
A ancestralidade vive através do uso da memória, e o uso desta, através das histórias,
sejam as acadêmicas - cientifica, seja as orais e populares, funcionam então como uma
ponte de reconhecimento do presente e uma bussola para o futuro. Acessar e reverenciar a
ancestralidade nesse sentido, como pretende a Bruxaria Contemporânea/Wicca, é se
permitir refletir e se inspirar, ou espantar-se com um passado individual-coletivo e com ele
aprender, ensinar e criar uma nova realidade.
Na Wicca reconhecemos que são quatro os ancestrais que devem ser trabalhados e
buscados:
Ancestrais da Arte correspondem a todas as nossas antepassadas e antepassados
na Bruxaria ou nos caminhos mágickos, são aquelas que sussurram os segredos da Arte em
nosso coração.
Ancestrais do Sangue correspondem a todas e todos os nossos antepassados
sanguíneos, a nossa família com todo o seu histórico de vida e singularidade.

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Ancestrais do Espírito são aqueles antepassados que passaram em nossas vidas
cuja ligação não tem haver com o sangue propriamente dito, mas há uma irmandade de
almas.
Ancestrais da Terra são aqueles longínquos, presentes em algum passado remoto,
que estão presentes na Terra, no sentido literal da palavra, em que vivemos.
Cada um desses ancestrais tem a capacidade de nos tocar e fazer-nos tocar facetas
desconhecidas de nós mesmos. Podem ser portadores de lembranças amargas ou doces, e
ainda aqueles que revelam algum dom herdado e na qual sem motivo aparente sentimos
uma afinidade.
Na Wicca trabalha-se os ancestrais através de rituais meditativos. Também o uso de
oráculos é feito para contatá-los. Cria-se um espaço para esse tipo de contato através de
um altar dedicado para eles. Lá é feito meditações, orações e oferendas de alimentos.

RITOS DE PASSAGEM:

Poucos sabem, mas a Bruxaria Contemporânea/Wicca não apenas celebra as


mudanças e os ciclos da vida (nascimento/vida/morte/renascimento) através dos rituais
sazonais e lunares cuja Deusa e Deus estão manifestados. Ela também ritualiza a vida social
de seus membros por meio de celebrações, Ritos de Passagem, que dentro de uma
orientação e inspiração neopagã sacraliza momentos importantes na vida individual e

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coletiva de sua comunidade.
A inspiração para esses rituais advém dos períodos pré-cristãos cujos membros de
clãs primitivos tinham um profundo senso de coletividade. Essa coletividade era tão vital
para nossos ancestrais que, ritos de passagem marcavam momentos e os ajudavam a
simbolizar as transformações sofridas pela cultura e a natureza manifesta em seu próprio
corpo.
Esses ritos, ainda possuiam funções de iniciação, permitindo que os mais jovens
ascendessem a responsabilidades de trabalho perante o clã primitivo. Ainda esses ritos os
preparavam para o casamento, a vida adulta, a maternidade, sexualidade, etc.
E nós hoje resgatamos esses ritos e os reconstruímos dentro dos paradigmas
contemporâneos de nossa religião. Essa reconstrução demarca que a Wicca é uma religião
completa em si mesma. Genuinamente pagã, que pretende oferecer desde a esfera do
sagrado até a esfera das relações culturalmente construídas outro paradigma na dinâmica
da vida social e sua relação com a natureza.
Nos ritos de passagem as faces da Deusa e do Deus são trazidos e vivenciados em
nossos próprios processos anatomo-fisiológicos. Assim sendo, funcionam como mais um
portal dentro dos mistérios a serem buscados por cada um de seus membros, tanto
solitariamente como coletivamente.

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Todos esses rituais de passagem se estabelecem dentro da ritualística do Círculo
Mágicko. Também possuem uma forte relação analógica com as fases da Lua e a estação do
ano. E o melhor lugar para celebrá-los é na natureza, o nosso legitimo templo.
Basicamente os Ritos de Passagem na Wicca falam de acesso iniciático e mistérico:
Iniciações Femininas, Iniciações Masculinas e Iniciações Humanas.
Os ritos de passagem presentes na Bruxaria Contemporânea/Wicca são:
Blessingway: esse é uma cerimônia ritual de celebração do nascimento de uma
criança, que acontece desde o momento que o casal ou a mãe descobre estar gestando até
o dia do nascimento. Um altar é criado para meditações de ligação entre os pais e o futuro
bebê.
Wiccaning: é um ritual cerimonial de unção (semelhante ao batizado) do recém-
nascido. Nessa cerimônia bênçãos e proteções são conferidas ao recém nascido por meio
de seus pais bruxos e pagãos.
Menarca: esse é o rito de transição do Sagrado Feminino manifestado no útero das
mulheres. Por essa razão esse ritual de passagem é realizado somente por mulheres, e para
mulheres. Essa ritual marca a transição da menina para a fase de amadurecimento vindo
com a primeira menstruação. É um rito coletivo, onde as mulheres maduras passam
segredos e ensinam as mais novas a honrarem seu sangue e seu Sagrado Feminino. Rituais
menstruais são feitos mensalmente pelas mulheres da Arte, onde um altar específico é

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usado.
Transição Masculina: com a mesma conotação do rito de menarca, mas voltado
para os meninos e realizado por homens. É o ritual de transição do menino para a vida
adulta. Onde os homens ensinam a honrar o seu phalus (pênis) e o seu Sagrado Masculino.
Posteriormente rituais mensais e meditativos podem ser feitos, com um altar específico para
tanto.
Handfasting: ritual de casamento dentro da Wicca. É um ritual cerimonial onde um
casal decide se casar. Mas para nós o casamento é vivenciado de maneira cíclica, e caso, o
casal, não queira mais renovar seus votos (separação) é feito então um ritual de despedida,
chamado de Handparting.
Croning e Sanging: é o rito de cerimônia da entrada da terceira idade para as
mulheres (Croning) e para os homens (Sanging). Geralmente é quando se tem as primeiras
manifestações da menopausa nas mulheres e da andropausa nos homens. Esse rito eleva a
importância que a Arte estabelece aos mais velhos e o respeito por seus ensinamentos e
sabedoria.
Réquiem: é o nosso rito funerário. Esse é um ritual vivenciado desde o velório,
enterro e um pós enterro, cuja intenção ritual não é apenas celebrar a vida vivida do
moribundo, como também orientar sua passagem para a “Terra do Verão” (plano espiritual).
Esse rito tem relação com os Ancestrais da Arte.

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OS SABÁS:

A Bruxaria Contemporânea/Wicca é uma religião que se inspira nos tempos pré-


agrários, em que o culto e a celebração das mudanças da natureza eram vistas pelos povos
antigos como dias sagrados, e rituais de adoração há esses dias eram como expressões de
suas divindades.
Nos bruxas e bruxos vemos o ano não como uma extensão linear, mas como uma
Roda Sagrada, chamada de a Roda do Ano, contendo oito celebrações ritualísticas que se
inspiram e foram reconstruídas nos tempos pré-cristãos.
Mais tarde essas celebrações foram cristianizadas para melhor aceitação da nova
religião sobre o povo. O Natal, por exemplo, é uma festa que sempre foi pagã.
Hoje denominamos esses rituais sazonais de Sabás.
Os Sabás estão ligados diretamente ao Sol e a Terra que circunda em torno dele
formando as estações do ano: Inverno, Primavera, Verão e Outono. Por essa relação sazonal
compreende-se, portanto, que as estações e suas respectivas celebrações por parte da
Wicca é vista de acordo com o Hemisfério em que elas estão, mas isso também não é uma
regra.

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


Cada Sabá possui uma celebração única, onde temas como Nascimento,
Desenvolvimento, Apogeu, Declínio, Morte e Renascimento são celebrados por meio de
rituais.
Celebrar os Sabás, todos, por meio de rituais é um importante elo com as forças
mutantes da natureza. É conectar-se e estar aberto aos seus mistérios que se tornam
verdadeiros instrumentos de autoconhecimento e desenvolvimento íntimo e psíquico.
Nos tempos pré-cristãos, os ritos sazonais eram vistos muito mais objetivamente do
que meramente algo subjetivo, como é hoje. Isso se deve ao fato de que vivemos sobre
outra forma de organização social e de produção de alimento. Antigamente, plantar e
colher eram uma atitude muito mais próxima da vida comum de todas e todos. Hoje, porém
o contexto mudou, e os Sabás tornaram-se expressões de transformações mais internas
onde a natureza espelha essa dança.
A mitologia e o nome de cada Sabá que praticamos esta ligada diretamente ao
contexto celta-germânico, porém nada impede de adaptá-lo a outra cultura e panteão
divino, desde que se respeite o seu pano de fundo ritual. O pano de fundo básico dos Sabás
na Wicca em geral, é vista como uma atuação da Deusa e do Deus, no processo de
nascimento, vida, morte e renascimento.
Basicamente os Sabás são compreendidos da seguinte maneira:

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Quatro Celebrações Sazonais: Equinócio de Primavera (Ostara), Solstício de Verão
(Litha) que marcam a parte ascendente do ano, Equinócio de Outono (Mabom) e Solstício
Inverno (Yule) que marcam a parte descendente do ano.
Mais Quatro celebrações entremeadas entre os equinócios e solstícios que marcam o
momento de apogeu e declínio de cada estação e suas respectivas forças, como: Beltane
(Apogeu/Declínio da Primavera), Lammas (Apogeu/Declínio do Verão), Samhain
(Apogeu/Declínio do Outono) e Imbolc (Apogeu/Declínio do Inverno).

OS ESBÁS:

A Lua no céu, seja em qualquer fase, representa diretamente a idéia da Deusa. Desde
os primórdios da humanidade, este satélite, fez com que seres humanos de todos os
lugares criassem mitos e ritos em torno dela.
Para muitos povos antigos e pagãos, a Lua era muito mais feminina que masculina,
pois as plantações, marés, rios, fluxos menstruais e reprodução de animais estavam ligados
diretamente aos fluxos lunares.
A Lua era mais importante nos tempos antigos do que ela é hoje, já que os povos
orientavam-se diretamente com sua luz e seu ciclo no céu. Hoje é muito raro encontrar

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pessoas que sabe, sem olhar na folhinha do calendário, em qual fase ela esta.
Para nós, a Lua rege também nossas marés internas, alimentando nossas almas com
seu eterno ciclo de nascimento, vida, morte e renascimento. Sendo cada fase lunar um
aspecto de nossa Deusa, assim como todos os seus mistérios.
A Bruxaria Contemporânea/Wicca sempre foi um caminho mais lunar, o Sol tem
importância sim para nós, porém a Lua é o brilho da noite através da luz solar. Sendo assim,
ela é o espelho cósmico do desconhecido para a Terra.
Os fluxos de energia da natureza supra-sensível dependem da Lua. Os ritos para a
Lua nas religiões da Deusa é muito comuns e importantes. Na Wicca, chamamos estes
rituais de Esbás, que possuem a mesma conotação religiosa dos Sabás, porém voltados
para a Lua. Que em seu contexto simbólico, representam as forças internas, o aprendizado
da magia através dos ensinamentos da Deusa.
Os símbolos clássicos da Lua são as cores brancas e prateadas, os animais noturnos
como as corujas, gatos e lobos são animais sagrados relacionados a ela. Ela rege tudo
aquilo que é da alma, do mundo onírico, psíquico, mágicko, inspiração e o amor. Todas as
águas, principalmente a de lagos e oceanos são os espelhos naturais dela. E são pontes de
grande poder e magia.
Em algumas tradições celebram-se dois Esbás (Lua Escura/Nova e Lua Cheia) durante
o mês lunar. Cada fase corresponde a um contexto de faceta da Deusa e energias a serem

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buscadas. Mas é mais comum celebrar a Lua Cheia que, encarna em si mesma, a Totalidade
da Deusa. As correntes astrais formadas nessa fase são importantes elos de poder e magia
para a alma dos bruxos, e seu desenvolvimento psíquico, pois carregam pontes entre as
forças internas com as forças externo-internas da Deusa.
Em muitos ritos de Esbás existe uma cerimônia chamada: Atrair a Lua. Esta é uma
face importante no contexto do rito lunar, pois é nesse momento, que através de
invocações o bruxo se conecta profundamente com a energia da Deusa que é invocada
através da Lua, unindo-se desta forma a seus poderes e aprendendo os seus mistérios
internos.
Nos Covens, esta cerimônia é feita por uma Alta-Sacerdotisa que canaliza os poderes
da Deusa através da ajuda do Alto Sacerdote. Esse momento de canalização, quando a
Lua/Deusa invade o corpo da Alta Sacerdotisa permite que essa, através de um rito oracular,
revele alguns mistérios.
Nessas cerimônias tão antigas da Lua, é que surgiram lendas fantásticas na Inquisição
ao nosso respeito, em que uma assembléia de bruxas se reunia nuas em uma clareira no
bosque à luz do luar, e ouviam de uma Bruxa Rainha (a Alta-Sacerdotisa) os mistérios da
magia; que na verdade nada mais eram que a voz da Deusa manifestada internamente
dentro de cada um de nós, que por meio da canalização ocorria uma ligação sagrada e
mágicka.

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


Os Esbás caracterizam um dos rituais de mais proeminência na Bruxaria
Contemporânea/Wicca, que somados aos ritos de Sabás talham na alma das bruxas e
bruxos, uma transformação interior preciosa que nos devolve, gradativamente, ao contato
com a natureza e seus mistérios.
Enquanto os Sabás têm a função de trabalhar os grandes ciclos da vida, que se
manifestam na mudança das estações e por isso são mais longos, os Esbás procuram
trabalhar os ciclos subjetivos e nossas flutuações emocionais e psíquicas. Desse modo os
mistérios da Deusa e do Deus são celebrados.

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INICIAÇÃO E TRADIÇÃO:

Há duas formas de manifestar a prática devocional e mágicka na Bruxaria


Contemporânea/Wicca: por meio de um grupo fixo e unido por laços profundos chamado
de Coven, que geralmente tem uma orientação de uma Tradição; e a outra é por um
caminho solitário que pode ter uma tradição pela qual se inspira a prática, mas geralmente
bruxos solitários são ecléticos.
Coven de bruxas é um grupo de indivíduos que decidiram praticar a Arte e vivenciar
o seu mistério de maneira coletiva, mas essa coletividade é intimista e reservada, por essa
razão somente seus membros e iniciados é que tem acesso aos seus conteúdos e práticas.
É comum que um Coven tenha uma Tradição que o embase, essa Tradição tem um
direcionamento prático e devocional muito específico que a caracteriza diante do cenário
global da Arte. Contudo, todas elas possuem um eixo comum que a legitimam como uma
Tradição genuinamente Wicca.
As Tradições possuem fundadoras e/ou fundadores, que geralmente emprestam o
seu nome para a linhagem iniciática que criaram cujos mistérios são passados pelas
sucessivas iniciações. Para acessar uma tradição, é preciso passar por um estágio de
aprendizagem e prática que o próprio Coven da Tradição estabelece. Não é acessível para

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todos!
Um Coven tradicional possui sempre treze indivíduos que compõe o seu corpo,
todos eles só são reconhecidos como pertencentes àquele Coven quando são elevados ao
status de iniciados.
Um Coven bem estruturado possui uma dinâmica espiritual semelhante a uma
colméia de abelhas que, procuram em grupo, atingir um objetivo em comum. Por isso seus
membros precisam ser escolhidos seriamente, pois mais que laços sociais são forjados em
seu interior. Covens possuem uma aura de segredo exatamente por dividir a intimidade de
cada pessoa presente nele e sua relação com o divino em sua vida.
Dentro de um Coven Tradicional cada um dos treze membros tem funções
específicas, tanto dentro de trabalho ritual, como dentro da parte objetiva que mantém a
harmonia do Coven funcionando. Por essa razão, é comum Covens possuírem uma
liderança que é espelhada na Alta Sacerdotisa, ou Alto Sacerdote, ou os dois. Ainda existem
Covens que se utiliza de uma liderança rotativa e democrática. Outros, cujos membros não
possuem um líder, apenas entram em um consenso comum para suas deliberações.
Existem Covens e Tradições da Arte que seus membros apenas são mulheres, outros
homens, e ainda mistos. Tudo depende do tipo de mistério fortemente orientado dentro do
Coven e/ou Tradição.

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Hoje existem mais bruxas e bruxos solitários querendo entrar em Covens do que
Covens sérios que possam abarcá-los de maneira inclusiva, por essa razão membros de
Tradições ou não, tem incentivado a prática coesa e solitária da Bruxaria
Contemporânea/Wicca, seja através de uma vasta literatura, seja através de programas de
treinamento e cursos de orientação prático-teórico.
O Caminho Solitário, como uma alternativa para se trilhar a Wicca, possuí sim uma
legitimidade, que pode não possuir a formalidade de uma tradição, mas que busca
inspiração no que há de mais acessível nelas para a sua construção. Por isso, é comum que
a jornada solitária seja eclética por natureza. Por essa razão precisamos definir esse
ecletismo.
Eclético, como adjetivo, quer dizer aquilo que selecionamos por parecer melhor
diante do que esta disponível e acessível para nós, em doutrinas, métodos ou estilos.
Também, tem a ver com a composição de diversos elementos colhidos em diferentes
fontes.
Portanto, eclético como caminho solitário da Wicca, quer dizer que o buscador do
mesmo seleciona práticas e teorias da Bruxaria, e não de outras religiões, para compor sua
jornada. Mas seleciona dentro do critério que atenda a sua realidade. Assim sendo, recolhe
informações de diversas tradições que depositaram e transferiram o seu saber dentro de
literaturas, palestras, workshops, rituais coletivos e públicos, troca com pessoas mais

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experientes da religião, e assim constroem seu próprio estilo.
Esses elementos da Bruxaria que parecem dispares, possuem um eixo comum que a
caracterizam como uma prática que, é reconhecida diante da comunidade que a preserva.
Então assim sendo, um caminho solitário surgido da vontade do buscador que ainda não é
iniciado formalmente em uma tradição legítima da Arte, é eclético! E dentro de seu
ecletismo, coeso e fundamentado com os pressupostos que norteia a Bruxaria da
perspectiva da Wicca, ele pode construir seu trilhar, que é tangível tanto quanto uma
Tradição, que mesmo com suas limitações não deixara de ser uma vivencia significativa e
transformadora ao indivíduo comprometido.
Já as Tradições da Arte, oferecem um programa de treinamento e desenvolvimento
de habilidades e apreensão das técnicas e rituais que circundam seus mistérios. E isso é
oferecido e proporcionado por outros que já passaram por essa aquisição.

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Logo há uma formatação por onde o dedicado e/ou Iniciado terá que
percorrer. Mas mesmo que o caminho pareça dado, isso não representa uma
facilidade e nem muito menos um caminho cortado. É só um caminho
mapeado, e que por essa razão merece nossa atenção e respeito.
Porém, a prática Solitária e Eclética, tem uma natureza caótica em si.
Caótica, pois há um desejo muito sincero no indivíduo que trava sua jornada,
mas há pouco respaldo prático e teórico que atendam aos seus anseios. Esse
abismo cria uma tensão, pois demora em ser preenchido com conteúdos que
sejam realmente coerentes. Por isso, um solitário precisa antes de tudo ter uma
construção de conteúdos essenciais e mínimos (não menores) que sustentaram
um ponto de partida.
O caminho solitário da Arte não é algo revelado, e sim algo a ser
revelado constantemente pelo buscador. O próprio trilhar, constante e
sistemático, é o descortinar dos mistérios para a abertura de outros. E essa
sensação promove, em muitos que o percorrem, de que estão perdidos. E estão
mesmo! Mas, esse estar perdido não é de todo, ruim, quando você aprende a
entregar-se a própria vivência com calma e alma.
É preciso compreender que trilhar a Wicca não é uma corrida ao poder. É
uma vivencia de autoconhecimento e transformação de paradigmas. Sendo que,

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as experiências rituais e apreensão de técnicas meditativas e psíquicas presentes
como parte do treinamento (ou auto-treinamento pela via solitária) são
meramente lentes que nos desapropriam do lugar comum que herdamos da
cultura, e nos leva a outro patamar da experiência humana na vida vivida. Assim
sendo, tornar-se bruxo, seja em qualquer via, solitária ou tradicional, não é
tornar-se um super-herói de poderes fantásticos ou um personagem da
literatura. E sim, permitir-se dar a si mesmo outra lente para a sua experiência
humana diante do sagrado e do numinoso presente no complexo viver, na
natureza manifesta e subjetiva presente em todo o Universo.
Costumo dizer que, o sujeito que percorre o caminho solitário da
Bruxaria é semelhante a uma lagarta, e por isso é metamorphosis, do latim. Essa
palavra representa uma mudança de forma, que acontece no próprio indivíduo
que vivencia com respeito, a Wicca, e como tal é semelhante a metamorfoses
das borboletas.
Como lagartas, os solitários iniciam sua jornada, esguios, e
completamente distintos das borboletas (bruxos experientes) que já batem
honrosos suas asas pelos céus dos mistérios. São famintos de saber, e nessa
fome existe muita inocência. Comem todas as folhas verdes (livros) que vêm

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pela frente. São vorazes. Comem tudo. Como se ao comer estivessem já
vivenciando a Arte.
Mas percebem que há muito pela frente, que os livros não revelam
muitas coisas além das entrelinhas e que por isso precisam partir rumo a uma
consistência prática. Recolhem-se resignados em seus casulos de auto-
treinamentos, meditações, vivencias rituais, procurando experienciar tudo de
maneira idiossincrática. E recolhidos começam a ouvir os Antigos, a Deusa e o
Deus a sussurrar em vossos corações, já que agora podem realmente ouvir os
mistérios que sempre estiveram latentes, mas que aguardavam um legítimo
desabrochar.
E lá no casulo permanecem fechados, reclusos, provocando em si,
reflexões profundas. Vivenciando sem preocupação a Arte. Sem terem que
provar a alguém que estão ou são algo. Vivem. E um dia, quando se sentirem
prontos procuram sofrer por si mesmos uma auto-iniciação que promove a
saída do casulo preparando-se para o vôo para novos horizontes, que poderá
ser na via solitária ou em alguma Tradição. Mas agora podem realmente
entender, debater, questionar e ouvir, pois carregam dentro de si, uma chama
que já os despertou para a sabedoria. Cabendo então mais entrega ou não. É
sempre uma escolha...

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


Um erro comum, que de antemão já intento que você evite, é não sair
por ai consumindo materiais ditos como de um bruxo. Não vai ser a aquisição
de ferramentas, instrumentos, roupas, imagens, pingentes, cristais que você se
tornará um praticante da Arte. Isso só pressupõe uma mera simpatia pelos seus
conteúdos, e na pior das hipóteses uma adesão sem critério a indústria cultural.
Cuidado! Bruxaria não é sobre bens adquiridos, é sobre experiência interior com
o sagrado presente na natureza manifesta.
Por essa razão se você deseja percorrer um caminho solitário é essencial
que você se debruce em literaturas, procurando desenvolver em si um auto-
treinamento. Esse trabalho interior é precioso, e você verá o quão é verdadeiro,
quando realmente chegar a um trabalho ritual solitário fundamentado.
A natureza meditativa, expansiva e psíquica desses treinamentos,
proporciona uma abertura e um autoconhecimento precioso no neófito. E que
são verdadeiras chaves que destrancam o acesso a rituais. Pois de nada valerá
um ritual sem minimamente apreender técnicas de meditação, concentração,
percepção, acúmulo, canalização e envio de energia, visualização, respiração,
etc. Sem eles, acredite, você estará mistificando uma experiência profunda, e na
pior das hipóteses realizando um teatro ocultista de baixo orçamento. Talvez
ainda a experiência visual de velas e coisas que você tenha vai lhe dar a

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sensação de uma pseudo experiência ritual, quando na verdade não passará de
uma mera exposição de conteúdos do seu próprio ego. E de forma triste, você
acreditará nessas pseudo-sensações, colocando-as como legítimas, e as
chamará de Deuses, espíritos, vozes, etc., quando na verdade fazem parte de
um conteúdo subjetivo extremamente caótico.
Por essa razão, o trabalho na Bruxaria exige de nós uma verdadeira
sinceridade e reflexão que é constante. Por isso desde já se aproprie do hábito
de escrever. Crie um diário. Esses registros, escritos a mão, proporcionam um
concatenar da mente com a experiência vivida em ritual ou fora dele. Com esses
registros você alcança mais profundidade, e começa a nomear experiências
subjetivas para posteriormente começar a nomear as que são extra-subjetivas, e
que afloram na experiência não verbal de um ritual efetivo de Bruxaria.
Somente após essa apropriação mínima das técnicas rituais, é então que
se pode começar a trabalhar técnicas com as ferramentas da Arte, e depois tudo
isso unido em um ritual. Não que isso representa um “pode” e um “não pode”,
mas é preciso compreender o que realmente é necessário.
O Caminho Solitário pode ser caótico, mas é gratificante quando
abraçado com todos os pressupostos levantados até agora. E para vivê-lo basta
ser criativo, inteiro e fundamentado.

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


DEDICAÇÃO E INICIAÇÃO:

Como já visto anteriormente, a Bruxaria Contemporânea/Wicca é uma


religião iniciática e de mistérios, cuja inspiração de suas crenças e práticas se
encontra na ancestralidade pré-cristã.
Contudo, a compreensão deturpada de seus próprios processos
históricos, desde Gerald B. Gardner, faz com que a temática da Iniciação ou
Auto-Iniciação na Bruxaria se torne uma verdadeira disputa entre bruxas e
bruxos contemporâneos. Essa divisão ocorre muitas vezes por quem julga ser
detentor de um saber dito “Tradicional” (Coven/Tradição) diante de quem tem
um saber “fragmentado” (Eclético/Solitário).
Essa divisão pouco ajuda as neófitas e neófitos que queiram ir além e
cruzar os portões da responsabilidade iniciática e sacerdotal que, a Arte
promove em seus buscadores.
Quando verdadeiramente nos confrontamos, além do mero estudo e
prática devocional, com os paradigmas da Bruxaria e suas crenças Neopagãs,
vamo-nos defrontando com nossos empréstimos culturais e subjetivos de uma

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sociedade pautada na lógica patriarcal de berço abrâamica. Que através de seus
valores, de ser humano e de mundo, são bem distintos da Wicca. Esse encontro
provoca em nossa subjetividade uma desestabilização de crenças e valores.
Questionamentos começam a ser feitos, e através dos exercícios de
desenvolvimento meditativo e psíquico vamo-nos apropriando de nós mesmos
de outra maneira, e isso gera um autoconhecimento tão profundo e sistemático
que é como se cruzássemos a margem de uma antiga vida para uma nova. Pois,
tamanho é o horizonte que abrimos em nós que percebemos que, aquela parte
antiga não existe mais, e então um ritual de Auto-Iniciação ou Iniciação sela
esse momento.
Mas não apenas isso. Um ritual de Auto-Iniciação ou Iniciação deve
provocar no sujeito uma morte-renascimento simbólica que, não apenas
instaura isso em sua consciência, como também lhe abre para o compromisso
maduro e responsável que a Arte exige de nós.
O compromisso da Bruxaria é o seu Sacerdócio, que não apenas está em
promover os rituais da Arte e honrar os Deuses antigos, mas também envolve
uma consciência e dever para com a natureza manifesta, a sociedade e a
diversidade. Tornar-se bruxa ou bruxo é um compromisso a ser vivido e
enlaçado na vida vivida, não é uma religião que se adota aos domingos por

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


formalidade social.
A Bruxaria deve ser entendida como uma escolha consciente e profunda,
e esse é um dos passos principais para se intentar cruzar os portões da
Iniciação. Por essa razão não se é aconselhável se Auto-Iniciar ou Iniciar-se com
uma idade menor que vinte um anos. Existe uma razão lógica para isso. Antes
dessa idade não estamos maduros o suficientes. É preciso, para transitar na Arte
com o mínimo de consciência, ter sofrido experiências que só o tempo promove
em nós, além do mais, é um fardo, muitas vezes grande, para alguém em
tempos de estudo, início da construção de vida, etc.
Outro fator é que, segundo as tradições antigas é somente com os vinte
um anos de idade (um ciclo de três vezes sete) é que os nossos centros de
energia (que você pode chamar de Chakras se quiser) estão alinhados, já que na
puberdade eles estão em um processo de maturação. Pois sim, Auto-Iniciação
ou Iniciação envolve um despertar de forças sensíveis em nós. Essas forças não
dotam ninguém de qualidades sobre humanas, não é isso! É na verdade, um
maior aprofundamento de nosso poder pessoal, nossa conexão profunda com
os Deuses e suas forças tutelares. Por essa razão, é preciso que os nossos
centros de energia tenham sido trabalhados antes, e os exercícios de

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desenvolvimento psíquico e ritual têm esse propósito, além é claro de trabalhar
a nossa intuição e sensibilidade aguçada.
Por esses pressupostos, muitos Tradicionalistas não aconselham uma
Auto-Iniciação, já que é preciso que outro lhe conduza e ajude a cruzar os
portões. Mas, quando se pratica com entrega, profundidade e sinceridade, uma
Auto-Iniciação é tão válida quanto uma feita pelas mãos de uma Alta
Sacerdotisa ou Sacerdote de uma Tradição. Algo que é preciso compreender
nisso tudo, é que um ato ritual iniciático tem muito mais a ver com a nossa
capacidade de se colocar frente às transformações promovidas pela Bruxaria do
que uma inserção a uma comunidade.
A Bruxaria considera que existem somente dois tipos de membros de sua
comunidade, são eles: Iniciados de uma tradição/Coven da Arte e/ou Auto-
Iniciados (ecléticos/solitários), Dedicados de uma tradição/Coven e/ou Auto-
Dedicados (solitários). Esses dois nomes, Iniciados e Dedicados representam
dois estágios de aprendizado e comprometimento na Wicca.
Quando decidimos que iremos percorrer o caminho da iniciação ou auto,
somos conhecidos como Dedicados ou Auto-Dedicados. Ser Dedicado ou Auto-
Dedicado é ter passado por um ritual que marca a passagem de nosso mero
interesse na Arte para o nosso primeiro compromisso com ela, ou seja,

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


conhecer de modo mais aprofundado as suas crenças e práticas.
O período de dedicação ou auto-dedicação, é marcado pelo “Um Ano e
Um Dia” que representam a temporalidade de uma Roda do Ano completa e
treze Luas Cheias de um ano inteiro. Pressupõe-se que a dedicação a esses ritos,
somando aos exercícios meditativos e psíquicos, bem como a instrução que se
busca ou se recebe dos mistérios da Deusa e do Deus, sejam os suficientes para
elevar o Dedicado ao grau de Iniciado, ou auto. Então ocorre o ritual de Auto-
Iniciação ou Iniciação que, vai selar o compromisso para com a Arte e os Deuses
tutelares da Tradição ou do caminho solitário, fazendo com que esse se torne
uma bruxa ou bruxo.
Esse tornar-se, não quer dizer que antes você não podia ter o sentimento
de ser, mas apenas reafirma isso de forma consciente e madura, capacitando-o
ao diálogo com as forças existentes entre os mundos e o trabalho do ofício
sagrado da Bruxaria. Tudo isso pressupõe que, um bruxo iniciado de uma
tradição só é iniciado para aquela tradição, e não é de outra. Isso faz com que
se, o mesmo queira, reivindicar um título de outra tradição ele precisará sofrer
novamente todo o processo de dedicação como um neófito qualquer. Isso
estabelece que não se possam dar títulos de poder pessoal sem que você tenha
passado por uma etapa antes.

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A lógica é a mesma da graduação acadêmica, se você se formou em
letras isso não lhe dá o poder de ser matemático, você pode até gostar de
matemática, fazer cálculos tão bem quanto um formado, mas perante a uma
comunidade que representa acadêmicos de exatas você é um leigo acadêmico
de Letras, mas não de exatas! E o mesmo ocorre para um Auto-Iniciado. Porém
é preciso compreender o que isso quer dizer.
Não podemos interpretar isso como uma desvalorização da iniciação
alheia, como muitos bruxos excludentes fazem. Não. Deve-se olhar isso com a
compreensão de que, aquele indivíduo que se julga iniciado ou auto-iniciado é
de fato até que se prove o contrário, pois isso tem a ver com ele e seu
relacionamento íntimo com os Deuses, do mesmo modo que a sua auto-
iniciação ou iniciação diz respeito a você ou a sua Tradição. Graças aos Deuses a
Bruxaria não é uma religião institucionalizada e com uma liderança única que
nos represente o que nos torna uma espiritualidade de liberdade, que nos
coloca como co-autores para o acesso ao numinoso e aos mistérios.
Mas quem inicia-nos? Muitos pensam que é um determinado bruxo, mas
outro é meramente um canal, quem de fato inicia-nos é o nosso relacionamento
íntimo com os Deuses. Esse relacionamento, como já dito, através de práticas e
estudo comprometido e sério, é o único capaz de despertar a bruxa interior. Do

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


mais só será títulos.
Se você almeja percorrer uma Iniciação, em uma Tradição ou Coven, é
importante conhecer bem a Wicca, para que assim saiba o que lhe aguarda.
Geralmente Covens e Tradições sérias possuem um programa de entrevistas,
treinamento e rituais abertos para que você possa conhecê-los e eles a você,
antes de passar pela Dedicação. É preciso ter certo cuidado quando vamos
buscar Covens ou Tradições, pois existem muitas pessoas mal intencionadas
que apenas querem aumentar sua teia de bajuladores e seguidores. O que em
Bruxaria vale o conselho: antes só do que mal acompanhado. Alguns preferem a
segurança de uma Tradição, sobretudo para ter uma linearidade de estudos e
práticas que, quando sérias conduzem seus buscadores a uma verdadeira
metamorfose anímica.
Mas se você almeja percorrer uma Auto-Iniciação você precisa estar
completamente disposto a se dedicar em leituras, práticas e rituais que você ira
se comprometer a cumprir. Existe uma vasta literatura a ser consumida para
isso. Imagine-se como uma lagarta que precisa comer muitas folhas (ler livros)
antes de entrar no casulo. Depois faça, por meio dos estudos, um programa de
treinamento e estabeleça isso em um Ritual de Auto-Dedicação. Cumpra sua
meta, descreva seu aprendizado e suas impressões em um diário. Dialogue

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consigo mesmo. Trave contato com outros iguais a você. E quando perceber o
Ritual de Auto-Iniciação selará essa etapa.
A Bruxaria é uma religião muito bonita e profunda, e sua beleza esta
exatamente por abarcar o autoconhecimento. Iniciar-se é, portanto tornar-se
consciente disso, e manifestar de forma grandiosa essa consciência ao mundo.

Bibliografias Recomendadas:

As referências bibliográficas abaixo correspondem a uma base inicial


segura que oferecem ao ingressante nesse caminho um panorama geral do que
é a Bruxaria Contemporânea sobre diferentes, mas coesos, pontos de vista.
Essas leituras são essenciais, pois elas proporcionam pontes para outras mais
específicas. Foram muitas delas também responsáveis por uma construção e
divulgação geral da Arte, já que além de abordarem de modo amplo o que a
Wicca seja elas também deixam entrever o pensamento e posicionamento de
cada autor e bruxo a respeito da mesma. São elas:

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


CABOT, Laurie. O Poder da Bruxa, a Terra, a Lua e o Caminho Mágico
Feminino. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CANTRELL, Gary. Wicca: Crenças e Práticas. São Paulo: Madras, 2002.

PENCZAK, Christopher. O Templo Interior da Bruxaria: magia,


meditação e desenvolvimento psíquico. São Paulo: Madras, 2003.

PRIETO, Claudiney. Wicca Para Todos. 2009.

STARHAWK. A dança cósmica das feiticeiras: guia de rituais para


celebrar a Deusa. Rio de Janeiro: Nova Era, 2007.

VALIENTE, Doreen. Enciclopédia da bruxaria. São Paulo: Madras, 2009.

Abaixo segue referências bibliográficas que não foram escritas por


bruxos, mas por estudiosos e historiadores que ajudaram a formar os
fundamentos epistemológicos da Bruxaria Contemporânea, e que muito
influenciou o trabalho de Gardner e de outros precursores da Wicca, nas

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décadas posteriores ao surgimento da religião. São autores que devem ser lidos
para a construção de um conhecimento mais profundo a respeito de nossa
religião. Essas leituras são essenciais para a construção de um pensamento
crítico a respeito dos muitos aspectos que compõe a Wicca tal como ela é hoje.
Vejamos:

GARDNER, G. B.A Bruxaria Hoje. São Paulo: Editora Madras, 2003.

LELAND, Charles G. Aradia O Evangelho das Bruxas. São Paulo: Madras.

MURRAY, Margaret Alice. O Deus das feiticeiras. São Paulo: Gaia, 2002.

Agora veremos referências bibliográficas mais específicas que,


configuram uma abrangência maior sobre temas relevantes da própria prática
da Bruxaria. Essas leituras devem ser apreendidas após a compreensão inicial,
epistêmica e histórica da Wicca. São elas:

ANGELES, Ly de. Bruxaria: Teoria e Prática, rituais, encantamentos e


feitiçaria. São Paulo: Gaia, 2002.

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


CERIDWEN, Mavesper Cy. Wicca Brasil: guia de rituais das deusas
brasileiras. São Paulo: Gaia, 2003.

LASCARIZ, Gilberto de. Ritos e Mistérios Secretos do Wicca, um estudo


esotérico do Wicca tradicional. São Paulo: Editora Madras, 2010.

GRIMASSI, Raven. Bruxaria Hereditátria. São Paulo: Gaia, 2003.

GRIMASSI, Raven. Os Mistérios Wiccanos: antigas origens e


ensinamentos. São Paulo: Gaia, 2002.

PRIETO, Claudiney. Coven: criando e organizando seu próprio grupo.


São Paulo: Gaia, 2003.

PRIETO, Claudiney. Ritos de passagem: celebrando nascimento, vida e


morte na Wicca. São Paulo: Gaia, 2006.

50
Após essas referências bibliográficas específicas são importante leituras
que nos dão uma visão ampliada de mundo, que atravessam as temáticas da
Bruxaria, mas que não são sobre a Bruxaria. Essas referências configuram um
caráter de formação profunda no pensamento e nos estudos de cada praticante,
pois oferecem reflexões críticas frente a muitas questões como: psicologia,
mitologia, sagrado feminino, ecologia, política, feminismo, xamanismo,
ocultismo, Alta Magia que, estão presentes na própria substância do caminho
da Wicca. São elas:

CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.


CANDIDO.

ÉSTES, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e


histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco,
1994.

LÉVI, Eliphas (2001). Dogma e Ritual de Alta Magia (Edson Bini, trad.).
São Paulo: Madras. (Originalmente publicado em 1855). 5ªedição.

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017


JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1964.

NICHOLSON & ROSEN. A Vida Oculta de Gaia: A inteligência invisível


da Terra. São Paulo: Gaia, 1998.

PIOBB, P.V. Formulário de Alta Magia. Éditions Dangles: Paris, 1937.

TEDLOCK, Barbara. A Mulher no Corpo de Xamã: O feminino na


religião e na medicina. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

Espero que tenha sido útil ter colocado as referências bibliográficas desta
primeira edição da revista, como uma dica de leitura, para assim orientar seus
estudos. É claro que existem muitas outras bibliografias a serem estudadas.
Apenas coloquei literaturas que considero importante, e nas quais já li e pude
refletir criticamente sobre. Debater esses livros com outros que, já se
apropriaram deles, pode ser um caminho interessante para um aprofundamento
do tema. Existem muitas obras maravilhosas que ainda aguardam a sua leitura,
muitas estão disponíveis em inglês, mas isso não é um impedimento para que

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você as acesse. Pelo contrário, pode ser uma oportunidade de não só aprender
sobre Bruxaria, mas aprender uma nova língua.

O Moinho das Bruxas - # 1 – Solstício de Verão, 2017

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