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O JOGO DO PODER

1974

AS TRÊS FACES DO PODER

Roteiro e seleção de trechos de obras de William


Shakespeare

por

Carlos Queiroz Telles

Tradução de Carlos Queiroz Telles 1974.

Observações:

Este texto foi composto apenas e exclusivamente


com trechos extraídos das peças teatrais de
William Shakespeare.

Após cada cena ou fala, estão indicadas as obras


de onde as mesmas foram extraídas.

Os atores devem entrar em cena fazendo o


soliloquio de Hamlet “Ser ou não ser”.

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Apresentação:

Coringa 1 - Para cantar uma velha canção e alegrar seus


ouvidos e divertir seus olhos, o velho William surgiu das
cinzas, vestindo de novo as fraquezas humanas. As histórias
que vamos contar, foram outrora contadas em festas, serões
e dias santos. Naqueles tempos, os senhores e as damas as
liam com muito respeito, porque elas pretendiam tornar os
homens dignos de glória. Se vocês, nascidos no dia de hoje,
quiserem aceitar as minhas rimas e encontrarem prazer em
ouvir cantar um velho, com grande alegria terei ressuscitado,
para poder consumir, mais uma vez, a tocha da minha vida.
(Péricles, Príncipe de Tiro)

Coringa 2 - Queiram perdoar os amáveis espectadores, se num


espaço tão reduzido um pequeno número de figurantes pretende
representar um milhão de personagens. Permitam que as nossas
pobres narrativas sejam engradecidas pela força da
imaginação de vocês. Nossas falhas devem ser supridas pelo
poder de seus pensamentos. Multipliquem um homem por mil e
criem todo um exército imaginário. Hoje, cabe à fantasia de
vocês a tarefa de vestir os reis, transporta-los de um lugar
para o outro, atravessar os tempos e resumir numa hora de
ampulheta os acontecimentos de muitos séculos. Permitam que
exercendo o papel de coro, eu possa preencher os intervalos
entre as histórias e que, nesse momento, na função de
prólogo, solicite a compreensão de todos para ouvir e julgar
a nossa peça. (Henrique V)

Vocês podem elogiar ou criticar, conforme tiverem vontade.


Boa ou má, essa é a regra do jogo. (Troilo e Cressida)

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Coringa 1 - Agora, sentemo-nos em terra para contar histórias
de reis desaparecidos. Uns foram destronados, outros mortos
na guerra; alguns perseguidos pelos fantasmas daqueles que
depuseram; muitos envenenados pelas esposas ou mortos
durante o sono, mas enfim, todos assassinados. Porque no
círculo oco que envolve a têmpora de um rei, a morte também
ostenta sua corte. É ela que domina, ridicularizando toda a
sua pompa, concedendo-lhe um sopro, uma pequena cena para
representar o papel de rei, tornar-se temível, matar com um
simples olhar, iludindo-se com seu egoísmo e com suas leis
inúteis, como se esta carne, que protege esta vida, fosse
feita de um bronze impenetrável. (Ricardo II)

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1ª PARTE – A AMBIÇÃO DO PODER

1.O Livre Arbítrio

Atriz - Esses últimos eclipses do sol e da lua nada nos


prenunciam de bom. O amor esfria. A amizade se dissolve. Os
irmãos se separam. Rebeliões nas cidades, revoltas nos
campos, traições nos palácios e rompimentos dos laços que
unem pais aos filhos. Penso que já vimos os melhores anos da
época em que vivemos. Discórdias, intrigas, conspirações e
desordens ruinosas nos acompanharão, inquietantemente, até
os nossos túmulos.

Ator - Essa é a maravilhosa loucura do nosso mundo. Quando


a gente anda de mal com a sorte, o que acontece quase sempre
por nosso própria culpa, achamos que o sol, a lua e as
estrelas são os responsáveis pelas nossas desgraças, como se
fossem canalhas por necessidade, loucos por determinação
celeste, patifes, ladrões e traidores pela força dos astros;
bêbados, vadios e adúlteros por ordem dos influxos
planetários; e como se apenas praticássemos o mal por
instigação divina! Admirável escapatória dos homens para
colocarem seus erros sob a responsabilidade de uma simples
estrela! (Rei Lear)

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Atriz - Eu as encontrei no dia da vitória e vim a saber mais
tarde, por testemunho irrefutável, que possuem mais do que
a mera inteligência humana. Quando mais ardia na ânsia de
fazer novas perguntas, elas se transformaram em ar e nele
desapareceram. Estava ainda pasmo de espanto quando chegaram
mensageiros do rei que me saudaram com “Tane de Cawdor”, o
mesmo título com que minutos antes, me haviam saudado as
três bruxas, vaticinando-me o futuro com as palavras “Salve,
rei que serás”. Pareceu-me bem que soubesses destas coisas
para que não perdesse a tua parte de júbilo, ignorando a
grandeza que te está prometida. Guarda isto em teu coração
e até breve.

És Glamis, e és Cawdor! E serás tudo o que te prometeram.


Temo a tua natureza; demasiado cheia do leite da ternura
humana para que tomes resolutamente o caminho mais curto.
Desejaria ser grande. Não te faltas ambição. Mas falta-te
aquela maldade indispensável para apoiá-la. A grandeza a que
aspiras, gostaria de obter santamente. Não gostas de
trapacear. Mas bem sei que não te incomodarias de atingi-la
pela deslealdade. Quiseras possuir o que te grita: “Faze
isto para conquistar-me”. Mas tens mais medo do ato do que
do remorso de cometê-lo. Ah, grande Glamis, vem depressa
para que eu verta em teus ouvidos toda minha coragem e
castigue com o vigor da minha língua tudo o que te separa do
circulo dourado com que a sorte e as forças sobrenaturais
parecem querer ver–te coroado...Ah, até o corvo fica rouco
anunciando com seu grasnar a entrada fatal do rei debaixo de
meu teto...Venham espíritos sinistros, protetores dos
desígnios assassinos. Castrem-me, encham-me da cabeça aos
pés da mais terrível crueldade. Tornem espesso o meu sangue
para impedir o acesso e a passagem do remorso, de modo que
nenhum sentimento de piedade abale a minha determinação
homicida e possa fazer paz entre ela e o ato final. Venham,
ministros do mal, seja onde for que, em substâncias
invisíveis, instigam tudo o que é contra o sentimento de
bondade natural. Vem noite tenebrosa, envolta no mais espesso
fumo do inferno para que meu punhal não possa ver o golpe
que vai desferir, nem o céu possa enxergar através do manto
da escuridão para gritar: Para! (Macbeth)

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Coringa 1 - Ora, vejam só como ela fala. Se conhecesse por
experiência própria, as intrigas da corte.... Se soubesse
como é arriscado abandonar ou mesmo manter o poder
conquistado, cuja simples obtenção já significa uma queda
irremediável.... Mal sabe ela que a vertigem escorregadia de
estar lá em cima, traz tanto sofrimento quanto a própria
queda. Isso sem falar nos horrores da guerra, desgraça de
ter que enfrentar o perigo em nome da honra e da glória.
Quem alimenta esse tipo de esperança, consegue quase sempre
apenas um epitáfio infame, como recordação de algum um belo
feito. E o que é pior: quantas vezes o mal não recebe a
recompensa que é devida ao bem. (Cimbelino)

(Ator e atriz)

Lady Mac – Grande Glamis! Valoroso Cawdor! Maior ainda nas


saudações futuras. Tua carta me transportou além deste
presente sem cor e agora estou sentindo o futuro.

Macbeth – Meu querido amor, o rei chegará esta noite.

Lady Mac – E quando partirá?

Macbeth - Amanhã...é o que diz.

Lady Mac – Que o sol nunca veja esse amanhã!... Teu rosto,
meu senhor, é como um livro em que os homens podem ler
estranhas coisas.... Para conquistar o mundo é preciso ser
semelhante ao mundo. Põe boas vindas em teus olhos, tuas
mãos e tua língua e apresenta-te como a flor inocente, mas
seja a serpente que se esconde debaixo dela. É preciso que
me ocupe daquele que esta para chegar, e quanto ao grande
negocio de hoje a noite, que dará majestade e poderio a todas
as nossas noites e dias futuros, deixa que tratarei de
tudo....

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Macbeth - Falaremos disso mais tarde.

Lady Mac – Limpa o teu olhar! Deixa serena tua fronte, pois
a aparência perturbada é que é perigosa. Deixa o resto a meu
cuidado.

Macbeth - Não vamos adiante com esse projeto. Ele acaba de


me cobrir de honras e conquistei uma estima valiosa de
pessoas de todas as classes, que devem ser usadas agora no
seu brilho tão recente e não desprezadas tão depressa...

Lady Mac - Tens medo de ser o mesmo em teus atos que és em


teus desejos? Queres desistir daquilo que consideras como o
ornamento da vida, para viver como um covarde em sua própria
estima, permitindo que um ‘’não me atrevo’’ débil substitua
um ‘’eu gostaria’’?

Macbeth – Por favor, cala-te! Atrevo-me a tudo que pode se


atrever um homem; quem a mais se atreve, homem não é.

Lady Mac - Diz me então quem foi o animal selvagem que te


levou a revelar-me esse projeto? Quando ousaste faze-lo eras
um homem; mais homem ainda serias se a mais te atrevesses!
Já amamentei e sei quanto é doce amar o terno ser que suga
o meu leite. Pois quando estivesse sorrindo para mim eu teria
arrancado o bico de meu seio de seus lábios inocentes e ter-
lhe-ia esmagado o crânio, se o tivesse jurado como juraste...

Macbeth - Se fracassarmos?

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Lady Mac – Fracassarmos?... Empertiga tua coragem e coloca-
a de pé que não fracassaremos. Quando o rei estiver dormindo,
a viagem cansativa de hoje cedo, o levará a sono profundo,
levarei seus dois camareiros a beber vinho preparado por
mim, de modo que a memória, essa sentinela do cérebro, se
transformará em fumaça e a parte que contem o raciocínio em
simples alambique. Quando saturados de bebida, durmam o sono
dos porcos, totalmente insensíveis, que não poderemos fazer,
tu e eu, com o rei indefeso? E porque não imputar o nosso
crime aos oficiais irresponsáveis e indecentemente bêbados?

Macbeth - Só dês ao mundo filhos homens, pois de tua têmpora


indomável só poderá nascer machos. Quem não ficará convencido
da culpa dos camareiros quando os tivermos manchado de
sangue, usando as próprias adagas?

Lady Mac - E quem ousará duvidar quando prorrompermos em


prantos e gritos de horror diante do cadáver do rei?

Macbeth – Estou resolvido! Vou preparar todos os meus


músculos e meus nervos para essa terrível façanha. Agora
vamos representar o papel de bons anfitriões.... Um rosto
falso deve esconder a traição. (Macbeth)

Coringa 2 - Ai, pobre pátria, que tem medo de ver a própria


face! Não pode mais ser chamada de nossa mãe, mas de nosso
túmulo. Pátria onde só podem sorrir aqueles que não sabem de
nada; onde passam desapercebidos os lamentos, os gemidos e
os gritos atroam nos ares; onde as dores mais violentas são
consideradas prazeres. Ninguém quer saber por quem tocam os
sinos de finados e os homens de bem perdem a vida sem que
tenham adoecido. (Macbeth)

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Coringa 1 – Enfim, que o céu perdoe a todos nós! Uns sobem
à custa do pecado, outros caem por causa da virtude; muitos
saem de uma selva de vícios sem ter que prestar contas a
ninguém, enquanto outros são condenados por uma única falta!
(Medida por Medida)

Coringa 2 - Eu prefiro nem ter consciência, ela é uma coisa


muito perigosa. A consciência transforma um homem num
covarde. Ele não pode roubar sem que se acuse, não pode
jurar sem que tape a própria boca, não pode dormir com a
mulher do próximo sem se denunciar. A consciência é um
espírito incômodo e envergonhado que se amotina no peito dos
homens. Enche a gente de problemas! Quem tiver a intenção de
viver bem, trate de confiar em si mesmo e dispensar os
serviços de sua consciência. (Ricardo II)

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2.O Ressentimento

Ator - Cobiço uma coroa da qual estou afastado. Amaldiçoo


todos os obstáculos que me separam dela, mas afirmo que me
livrarei de todos os obstáculos, ainda que pareça impossível.
Meus olhos enxergam longe, meu coração sonha alto, mas bem
menor é o poder da minha mão. Vamos supor então que nenhum
reino me esteja reservado, que outros prazeres eu posso
esperar do mundo? Do amor eu não posso esperar nada. Ele me
repudiou no próprio vente de minha mãe; corrompendo a
natureza para que fizesse de mim um verdadeiro caos disforme.
Nestas condições, eu lá sou homem para ser amado? É melhor
nem pensar nisso. Bem, já que essa terra não me proporciona
outro prazer senão o de mandar, contrariar e dominar aqueles
que são mais belos do que eu, procurarei minha felicidade
nesta ambição de um reino e enquanto viver, considerarei o
mundo um inferno, até que esta cabeça, carregada por este
corpo disforme, seja cindida por uma gloriosa coroa. Se
necessário, abrirei meu caminho com um machado sangrento.
Pensando bem, eu posso sorrir e assassinar sorrindo; posso
me mostrar alegre aos que atormentam o meu coração; posso
molhar minha face com lágrimas hipócritas e compor um rosto
para todas as ocasiões! E se eu posso fazer tudo isso, não
poderei conseguir a coroa? Ora, ... eu a alcançarei ainda
que estivesse mais longe! (Henrique IV)

Coringa 2 - Fico espantado de que os homens tenham a coragem


de confiar nos homens! Se eu fosse um grande personagem,
teria medo de beber em público, deixando desprotegida minha
garganta. É coisa mais do que provada: os homens poderosos
nunca devem tirar a armadura do pescoço. (Timão de Atenas)

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Coringa 1 - Ah! As crises do tempo que atravessamos... quase
não me atrevo a dizer nada, mas cruéis são os dias em que
somos traidores por acaso, quando ouvimos falar do que temos
medo, sem sabermos ao certo do que devemos ter medo, quando
somos jogados de um lado para o outro, num mar agitado e
violento. Mas enfim.... Quando as coisas não podem ser ainda
piores, ou param onde estão ou voltam a ser o que eram
anteriormente. (Macbeth)

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3. O orgulho (As concessões)

Volumnia – Oh! Meu filho! Gostaria mais que você fortalecesse


o seu poder ao invés de esgotá-lo inutilmente. Eu tenho o
coração tão pouco maleável quanto o sou, mas tenho um cérebro
que sabe utilizar minha cólera em proveito dos meus
interesses.

Coriolano – O que devo fazer?

Volumnia – Voltar ao lugar onde estão os tribunos.

Coriolano – Está bem. E depois? E depois?

Volumnia – Retire o que você havia dito.

Coriolano – Voltar atrás diante deles? Eu não faria isso nem


perante os deuses, quanto mais em frente deles!

Volumnia – Você é muito intransigente. É claro que eu aprovo


esse excesso de nobre orgulho, mas não quando as necessidades
falam.

Coriolano – Basta! Chega! Por que a senhora insiste nisso?

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Volumnia – Porque agora você deve falar ao povo, não de
acordo com os seus pensamentos, nem segundo os impulsos de
seu coração, mas com palavras murmurada da boca para fora,
mesmo que sejam palavras falsas e sílabas sem valor conforme
sua convicção. Eu dissimularia minha natureza sem perder a
honra, se fosse para salvar a minha fortuna e os meus amigos
em perigo. Mas você, não. Para salvaguardar o seu orgulho,
você prefere mais exibir um ar severo diante do populacho,
em lugar de obter com um sorriso a sua simpatia. Sou eu quem
lhe pede, meu filho. Apresente-se ao povo e para conquistar
sua amizade, diga a todos que você que, daqui para frente
pertencer e dedicar a eles seu poder e a sua pessoa. O povo
está sempre pronto a perdoar, desde que lhe peçam. Basta uma
boa palavra.

Coriolano – O meu coração vai ter então que suportar uma


mentira da minha língua? Está bem. Eu o farei. Para a praça
pública! A Senhora me impôs um papel que eu nunca conseguirei
representar com naturalidade.

Volumnia – Vamos, meu filho querido. Você mesmo reconhece


que foram meus elogios que fizeram de você um guerreiro.
Muito bem, para que você possa receber ainda mais elogios,
represente agora esse papel que você nunca representou.

Coriolano – Está bem, eu vou representa-lo. Esquecerei toda


a minha formação para que se apodere de mim a alma de alguma
prostituta! Que minha voz de guerreiro se transforme em som
de flauta com falsetes de eunuco. Que o sorriso de um canalha
se fixe no meu rosto. Que a língua de um mendigo se mova
entre os meus lábios e que meus joelhos armados que só se
dobravam nos estribos, dobrem-se como se estivesse pedindo
esmolas!... Não!... Eu não farei nada disso! Não vou deixar
de honrar minha consciência, nem permitir que meu corpo
imponha para sempre uma baixeza à minha alma.

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Volumnia – Faça então o que quiser. É mais desonroso para
mim ficar suplicando um favor seu, do que desonroso para
você suplicar um favor do povo. Que caia tudo em ruinas!
Mais vale que sua mãe suporte as consequências do seu
orgulho, do que viver com medo por causa da sua teimosia. Eu
desprezo a morte com um coração tão forte quanto o seu, faça
o que quiser. Sua valentia foi minha, você a sugou do meu
peito, mas o orgulho é exclusivamente seu.

Coriolano - Acalme-se, por favor. Eu vou a praça pública,


minha mãe, não me critique mais. Vou me comportar como um
charlatão para conquistar a amizade do povo e roubar seu
coração. Voltarei para casa, idolatrado por toda a plebe de
Roma. Pronto, já estou indo. Voltarei cônsul, ou nunca mais
a Senhora confie na habilidade da minha língua para o oficio
de adulador. (Coriolano)

Coringa 2 - Encubram sempre o seu amor ilegal com alguma


aparência de mistério. Não permitam que a sua língua seja a
primeira a alardear os seus próprios pecados. O aspecto
amável e as palavras corteses condizem com a deslealdade. O
vício deve ter sempre um ar de virtude. Sejam simpáticos,
embora culpados, disfarcem seus pecados com atitudes de santo
e o mais importante: sejam pecadores em silencio. Que ladrão
é suficientemente ingênuo para sair por aí contando os
próprios furtos? O vício, manejado habilmente, ganha uma
espécie de boa fama e as más ações são sempre duplicadas
pelas más palavras.

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4. A persuasão (A demagogia)

Ator - Romanos, compatriotas e amigos! Escutai-me defender


minha causa e permanecerei em silêncio para que possais
ouvir-me. Sabeis que sou honrado e respeitai minha honra
para que possais crer no que digo. Julgai-me com vossa
sabedoria e alertai vossos sentidos para que possais ser
ainda melhores juízes. Se houver nessa assembleia algum
grande amigo de Cesar, afirmo-lhe que a amizade de Bruto por
Cesar não era menor do que a deles. Se então este amigo
perguntar porque Bruto se ergueu contra Cesar, eis a minha
resposta: “. Não que amasse menos a Cesar, mas amava mais a
Roma. Tereis preferido que Cesar vivesse e vós morrêsseis
todos escravos, ou que Cesar morresse e vós vivêsseis todos
livres? Cesar gostava de mim e eu choro por ele; Cesar foi
feliz e eu me alegro por ele; Cesar foi valente e eu o
venero; mas, como Cesar foi ambicioso, eu o matei. Há
lágrimas pela sua amizade; júbilo pela sua alegria; honra
pelo seu valor e morte pela sua ambição. Quem é aqui tão
servil que deseja ser escravo? Se existir, que fale, porque
eu o ofendi. Quem é aqui tão estupido que não queira ser
romano? Se existir, que fale, porque eu o ofendi. Quem é
aqui tão mesquinho que não ame sua pátria? Se existir, que
fale, porque eu o ofendi. Espero uma resposta. As causas de
sua morte estão registradas no Capitólio. A glória que lhe
valeram seus méritos não foi diminuída, nem foram exagerados
os crimes que lhe valeram a morte. “(Julio Cesar)

Coringa 2 - Eis aqui o que poderia chamar de uma farsa, um


embuste e uma patifaria. Uma bela provocação para atirar uma
facção rival sobre outra, provocando um morticínio
sangrento! (Troilo e Cressida)

Os homens são donos de seu próprio destino. A culpa não é


das estrelas, mas de nós mesmos, quando consentimos em ser
inferiores ou rebaixados! (Julio Cesar)

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5.A miséria (A necessidade)

(Ator e atriz)

Alcoviteiro - Vamos procurar no mercado. A cidade está cheia


de fregueses e já perdemos dinheiro demais nesta temporada
por falta de mercadoria.

Alcoviteira - É... Nunca tivemos uma tal falta de mulheres.


Só sobraram três infelizes, que mal conseguem dar conta do
recado. De tanto trabalhar, as coitadinhas estão caindo aos
pedaços.

Alcoviteiro - Nós precisamos arranjar mulheres novas, seja


lá ao preço que for. Em qualquer oficio, se não houver
consciência profissional, a gente não prospera nunca.

Alcoviteira - É isso mesmo. Não se vai para a frente


dependendo só de pobres abandonadas. E olhe que já eduquei
quase uma dúzia.

Alcoviteiro - É verdade. Com onze anos todas já estavam bem


corrompidas. O jeito agora é ir ao mercado.

Alcoviteira - Que remédio... E é bom andar depressa antes


que uma ventania mais forte carregue ou arrebente as nossas
mercadorias. Elas mal se aguentam em pé.

Alcoviteiro - Pior impossível. Aquele estrangeiro infeliz


que outro dia dormiu com uma delas, já foi dessa para a
melhor.

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Alcoviteira - Em dois minutos ela transformou o coitado em
comida para os vermes. Foi tiro e queda. Vamos ao mercado.

Alcoviteiro - Ah...se a gente conseguisse faturar bastante


agora, podíamos viver depois tranquilamente e até largar o
negócio...

Alcoviteira - Mas para que a gente precisa se aposentar,


homem? Desde quando é vergonha ganhar dinheiro depois de
velho?

Alcoviteiro - O que sei é que nosso crédito não é


proporcional ao nosso lucro; e o nosso lucro é bem menor que
os riscos. O ideal era a gente ganhar logo o bastante para
passar o cadeado na porta. E além disso, nós não andamos em
muito boas relações com os deuses...

Alcoviteira - Essa não! Todo mundo peca tanto quanto nós!

Alcoviteiro - Tanto ou mais! O problema é que nosso negócio


não chega nem a ser um ofício, quanto mais uma profissão.
(Péricles, O Príncipe de Tiro).

Coringa 2 - Mas afinal, o que é honra? Uma palavra. E o que


há nessa palavra honra? Ar. Bela vantagem! Quem é dono da
honra? Aquele que morreu quarta feira passada. Ele a sente?
Não. Ele a escuta? Não. Será que a honra pode substituir uma
perna? Não. Ou um braço? Não. Então a honra não tem nenhuma
habilidade cirúrgica? Não. Mas será que ela é uma coisa
insensível? Sim, para os mortos. Então nunca poderia viver
entre os vivos? Não. Por que? A maledicência não permitiria.
(Henrique IV)

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Coringa 1 - O bom pregador é aquele que segue seus próprios
conselhos. Por mim, acho mais fácil ensinar o bem para vinte
pessoas do que ser uma delas e obedecer minhas próprias
recomendações. (O Mercador de Veneza)

Coringa 2 - Se eu fosse rei do mundo, sabe o que eu faria?

Coringa 1 - Proibiria a embriaguez por falta de bebida...

Coringa 2 - Na minha república, eu faria tudo ao contrário.


Não admitiria o comércio; proibiria a magistratura, a
literatura seria desconhecida; a riqueza, a pobreza e a
escravidão abolidas; nada de contratos, heranças, limites,
áreas de terra e cultivo; não haveria metal, trigo, vinho ou
azeite; também não haveria ocupações, todos, absolutamente
todos, seriam ociosos; nada de soberania. A natureza
produziria tudo em comum sem suor e sem esforço. A traição
e a calunia, a lança e o punhal, as armas de fogo ou qualquer
outro tipo de máquina desapareceriam. Porque a natureza
forneceria em abundância todo o necessário para alimentar
meu povo inocente.

Coringa 1 - E não haveria casamento entre seus súditos?

Coringa 2 - Todos seriam vadios: prostitutas e patifes!

(A Tempestade)

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2◦ PARTE: O EXERCÍCIO DO PODER.

1.A Justiça

Coringa 1 - “Hermione, estás aqui acusada e processada por


traição, por haveres cometido adultério e conspirado para
tirar a vida de nosso soberano e senhor, teu real esposo. “

Hermione - Já que tudo o que tenho a dizer contradiz as


acusações e deverei ser a única testemunha dos meus próprios
argumentos, não me adiantará de grande coisa afirmar: “Sou
inocente”. Pode economizar suas ameaças. O espantalho com
que o senhor deseja aterrar-me, eu mesma o procuro. A vida
para mim já não significa nenhum bem. Em cada canto do reino,
estou sendo chamada de prostituta, com um ódio indecente.
Fui arrastada para esse lugar, ao ar livre, sem que me desse
tempo sequer para me agasalhar. Agora, meu soberano, diga-
me quais são as felicidades que posso esperar da vida, para
que eu deva temer a morte. Sendo assim, continue o
julgamento. No entanto, meu senhor, escute isso para que não
se engane ao meu respeito. Quanto à minha vida, esta vale
tanto para mim quanto um pedaço de palha, mas quanto à minha
honra, que queria manter imaculada, afirmo que se devo ser
condenada por suposições, ausentes todas as provas, fora as
que inventem os seus ciúmes, o que se passa aqui é um absurdo
e não a justiça! (Conto de Inverno)

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Coringa 1 - Uma coisa é ser tentado, outra é cair em tentação.
É bem possível que se encontre num júri, decidindo a vida de
um prisioneiro, dois ladrões entre os doze jurados, mais
culpados que o próprio homem que estão julgando. A justiça
só se apodera daquilo que descobre. Que importa as leis que
ladrões condenem ladrões? (Medida por Medida).

Coringa 2 - Eu mostrarei a vocês que em qualquer lugar


existem bons exemplos da profissão de ladrão. O sol é um
ladrão que, com sua potente força de atração, rouba o mar
imenso; a lua é uma ladra consumada, pois subtraí do sol a
sua pálida luz; o mar é um ladrão que absorve as lágrimas
que forçam a lua a derramar; a terra é uma ladra que só se
alimenta e prolifera com excrementos alheios. Tudo e qualquer
coisa é um ladrão. As próprias leis, pelo poder brutal que
nelas existe são um furto desenfreado; (Timão de Atenas)

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2.A prepotência

(Ator e atriz)

Cleópatra - Antônio morreu?.... Se disseres isso, vais matar


a tua senhora. Mas se ele esta livre e passando bem, se forem
essas as notícias que me trazes, terás dinheiro e poderás
beijar as veias mais azuis dessas mãos; mãos que foram
tocadas por lábios de reis, que tremiam ao beija-las.

Mensageiro – Em primeiro lugar, minha senhora, ele esta


passando bem.

Cleópatra - Sendo assim, tens aqui mais dinheiro, mas


cuidado: É costume dizer que os mortos estão passando bem.
Se for este o sentido das tuas palavras, mandarei fundir e
derramar pela tua garganta agourenta, todo ouro com que te
presenteei.

Mensageiro - Queira me escutar, minha senhora...

Cleópatra - Fala. Eu te escutarei, mas tua cara não me revela


nada de bom. Um ar tão desagradável não prenuncia boas
notícias. Se Antônio não estiver bem e gozando de saúde,
deverias vir uma fúria coroada de serpentes, e não com
formalidade.

Mensageiro - Por favor, permita que eu fale.

Cleópatra - Estou com uma vontade louca de espancar-te, antes


mesmo que fales. Entretanto, se me disseres que Antônio esta

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vivo, passando bem, amigo de Cesar e não seu prisioneiro,
farei cair uma chuva de ouro e pérolas sobre tua cabeça.

Mensageiro - Ele esta passando bem, minha senhora.

Cleópatra - Ótimo.

Mensageiro - É amigo de Cesar.

Cleópatra - És um homem honrado.

Mensageiro – Cesar e Antônio estão mais amigos que nunca.

Cleópatra - Eu farei a tua fortuna.

Mensageiro - Entretanto, minha senhora...

Cleópatra - Não gostei desse, “entretanto”. Atenua tuas boas


palavras anteriores. O “entretanto” é uma espécie de bom
carcereiro capaz de soltar algum monstruoso malfeitor.
Retira já esse, “entretanto” e derrama logo em meus ouvidos
o conteúdo das tuas noticias, sejam boas ou más. Ao mesmo
tempo. Dizes que Antônio é amigo de Cesar, goza de boa saúde
e além disso está livre.

Mensageiro - Livre, minha senhora? Não. Eu não disse


semelhante coisa. Ele está preso a Otávia.

Cleópatra - Por que vínculo?

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Mensageiro – O mais forte de todos, a cama.

Cleópatra - Estou ficando pálida.

Mensageiro - Ele se casou com Otávia, minha senhora.

Cleópatra - Que a pior peste caia sobre ti.

Mensageiro - Tenha paciência, senhora.

Cleópatra - Que estás dizendo?...Fora daqui canalha.


Chutarei teus olhos como se fossem bolas, arrancarei teus
cabelos, mandarei que te açoitem com arame e que cozinhem
macerado e ardendo em salmoura e vinagre.

Mensageiro - Senhora, eu só trago a notícia do casamento.


Ele não foi realizado por mim.

Cleópatra - Dize somente que não é verdade e eu te darei uma


província, te perdoarei por me teres encolerizado e ainda
concederei tudo aquilo que tua humilde posição possa
mendigar.

Mensageiro - Antônio esta casado, minha senhora.

Cleópatra - Cão. Viveste demais.

Mensageiro - Agora só me resta correr. Eu não fiz mal algum,


minha senhora. Só cumpri meu dever.

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Cleópatra - Ele se casou? Não posso odiar-te mais do que já
te odeio, se repetires que sim.

Mensageiro - Ele se casou, minha senhora.

Cleópatra - Os deuses te confundam. Continuas insistindo?

Mensageiro - Eu deveria mentir, minha senhora?

Cleópatra - Ah. Seria melhor que tivesses mentido e seria


melhor ver metade do meu Egito submerso e transformado num
poço de serpentes escamosas. Anda, vai te embora. Eu teria
horror de ti, mesmo que fosses mais belo que Narciso. Mas
ele se casou mesmo?

Mensageiro - Peço perdão a Vossa Majestade.

Cleópatra - Está mesmo casado?

Mensageiro - Não se ofenda, minha senhora, com quem não


pretende ofende-la. Não é nada justo ser punido por uma coisa
que lhe é exigida. Ele se casou com Otávia.

Cleópatra - Tens certeza do que dizes? Então, vai te embora.


A mercadoria que trouxestes de Roma é cara demais para mim.
Que ela fique em tuas mãos e acabe por te arruinar. (Antônio
e Cleópatra)

24
Coringa 1 - Que uma mulher tenha me concebido, é coisa que
lhe agradeço: que me tenha criado, também é coisa pela qual
merece meus mais humildes agradecimentos; mas depois do que
acabamos de assistir, queiram me perdoar todas as mulheres.
Não querendo cometer a injustiça de desconfiar de algumas,
reservo-me o direito de desconfiar de todas. Antes de morrer
de cólera, de doença ou de fome que morrer de amor. E para
concluir, resolvi viver solteiro. Se alguém provar que o
amor me fez perder mais sangue do que vinho pode me dar,
permito desde já que arranquem meus olhos com a pena de um
poeta qualquer e me pendurem na porta de um bordel, como se
eu fosse um cupido cego.

(Muito Barulho por Nada)

25
3.A CORRUPÇÃO

Coringa 2 - Mas afinal de contas, o que vem a ser um devasso?

Coringa 1 - É um bobo bem vestido, que se parece um pouco


com você. É um espírito. As vezes aparece sob a forma de um
senhor respeitável, outras vezes como advogado,
frequentemente como um filósofo e de um modo geral sob todas
as formas com que a humanidade passeia dos treze aos oitenta
anos. (Timon de Atenas)

(Ator e atriz)

Ângelo - Teu irmão vai morrer.

Isabel - Eu sei.

Ângelo - E o delito que cometeu justifica a pena que lhe foi


pronunciada.

Isabel - É verdade.

Ângelo - Suponhamos, porem, que ainda exista um meio de


salvar-lhe a vida, embora se trate de uma causa perdida.
Imagines que sejas o objeto dos desejos de um certo homem
cujo prestigio como juiz, ou o próprio poder de seu cargo,
possibilitaria livrar teu irmão das algemas da lei, e que
não existisse outro expediente para salva-lo, a não ser
entregar teu corpo a suposta pessoa de quem acabamos de
falar. Que farias, neste caso?

26
Isabel - Faria por meu irmão o que faria por mim mesma.
Encontrando-me condenada à morte, eu me enfeitaria para
entrar no túmulo, como um leito cobiçado apaixonadamente,
mas não cederia o meu corpo à vergonha.

Ângelo - Nesse caso, teu irmão morreria.

Isabel - E seria a melhor solução. É preferível para um irmão


sacrificar a própria vida do que para a irmã resgata-la ao
preço de uma morte eterna.

Ângelo - Esse procedimento não seria tão cruel quanto a


sentença que tanto condenaste?

Isabel - O resgate forçado e o livre perdão são duas coisas


diferentes. A clemência legítima não é parente da redenção
vergonhosa.

Ângelo - Todos nós somos frágeis.

Isabel - Prefiro então que meu irmão morra, sendo único


servidor do pecado e herdeiro de todas as fraquezas.

Ângelo - Vamos falar claramente – eu te amo.

Isabel – Meu irmão se tornou criminoso por causa do amor, e


o senhor me diz que ele deve morrer por causa disso.

Ângelo – Ele não morrerá, se me deres o teu amor.

27
Isabel – Hipocrisia. Hipocrisia. Tome cuidado ou eu o
denunciarei. E agora assina já a graça para meu irmão ou
então eu gritarei ao mundo, com todas as minhas forças, que
tipo de homem é o senhor.

Ângelo – E quem iria acreditar em tuas palavras? Meu nome


sem mácula, a austeridade da minha vida, a posição que ocupo,
e meu testemunho contra o teu pesariam com tal peso sobre
tua acusação, que te afogarias na própria denuncia
transformada em difamação. Pois bem, agora que já comecei,
soltarei as rédeas da minha sensualidade. Consintas em
satisfazer meu desejo, deixes de lado todos esses rubores e
sutilezas e resgates teu irmão, te entregando a mim. Caso
contrário, não apenas ele morrerá, como tua recusa ainda irá
lhe infligir uma longa e terrível tortura. Aguardo tua
decisão até amanhã, mas saibas que por esse sentimento que
agora guia minha conduta, serei um carrasco para teu irmão.
E quanto a ti, podes falar o que bem quiseres: minha
falsidade é mais forte que tua correção. (Medida por Medida)

Coringa 2 - Qual homem vivo que não deprave ou seja


depravado? Qual homem que morre, sem levar para o túmulo a
marca de um pontapé dado por um amigo? Eu, por mim, tenho
medo que as pessoas que hoje dançam na minha frente venham
me pisotear um dia com os próprios pés. E sei que não seria
o primeiro, porque os homens sempre fecham suas portas contra
o sol poente. (Timon de Atenas)

Coringa 1 - Louco é aquele que confia na mansidão de um lobo,


na saúde de um cavalo, na amizade de um jovem e no juramento
de uma prostituta. (Rei Lear)

28
4.A TORTURA.

(Atriz e Coringa)

Catarina - Quanto pior me trata, mas finge gostar de mim.


Será que casou comigo para fazer-me morrer de fome? Os
mendigos que param na porta da casa do meu pai, só precisam
estender a mão para receber uma esmola e se por acaso não a
recebem, é certo que encontram caridade em outra parte. Mas
eu, que nunca pedi nada, que jamais tive necessidade de pedir
nada, estou agora esfomeada por falta de comida e tonta por
falta de sono. Ele pragueja a noite inteira para me manter
acordada e substitui com palavras a minha alimentação. E o
que me mortifica mais ainda do que todas essas privações, é
que ele faz tudo isso em nome de um perfeito amor. Quem ouve
ele falar, pode supor que a comida ou o sono me causarão uma
enfermidade fatal ou morte imediata. Por favor, Grumio, vá
buscar-me alguma coisa para comer, seja lá o que for, desde
que seja comível.

Grumio – O que a senhora diria de um pé de porco?

Catarina - Excelente! Traga logo esse pé, por favor.

Grumio - Tenho medo que seja uma carne muito indigesta. Não
seria melhor uma dobradinha bem gorda, cuidadosamente assada
na grelha?

Catarina - Seria ótimo! Vai buscar essa dobradinha, meu


bondoso Grumio.

Grumio - Estou na dúvida. Penso que também possa ser muito


indigesta. Que tal um assado de carne de vaca com mostarda?

29
Catarina - É um dos meus pratos favoritos!

Grumio - Sim, mas a mostarda é um pouco picante demais.

Catarina - Então traga o assado sem mostarda.

Grumio - Impossível! Sem mostarda não se pode servir um bom


assado.

Catarina - Então os dois juntos, ou um sem o outro, ou o que


você quiser!

Grumio – Como queira. A mostarda sem o assado.

Catarina - Anda! Saia já daqui seu traidor. Você só me


alimenta com o nome dos pratos! Maldito seja você e todo
esse bando que se diverte com minha desgraça. Fora daqui,
vamos, estou mandando! (SAI O CORINGA) (A Megera Domada)

Atriz - (a parte). Não são um ano ou dois que nos permitem


conhecer um homem. Todos eles não passam de estômagos, para
quem nós nada mais somos do que alimentos. Primeiro eles
comem vorazmente e depois, quando estão fartos, vomitam-nos
(Otelo)

(ENTRA O ATOR)

30
Petruchio - Vamos logo. Continuemos a viagem para a casa de
seu pai. Santo Deus! Como a lua brilha clara e serena!

Catarina – Mas que lua? É o sol! Não há luar nenhum agora!

Petruchio – Eu estou dizendo que é a lua que está brilhando


com tanta claridade!

Catarina – E eu sei que é o Sol que está brilhando com tanta


claridade!

Petruchio - Ah! Pelo filho de minha mãe, ou seja, eu mesmo,


juro que será a lua ou a estrela que eu bem entender, antes
de continuarmos essa viagem para a casa de seu pai. Chega.
Podem levar os cavalos de volta. Você está sempre me
contradizendo. Não faz outra coisa senão me contradizer.

Catarina - Por favor, não vamos parar aqui, já viemos de tão


longe. Que seja a lua ou o sol ou o que você bem quiser. E
se você preferir chamar uma lamparina de sol, eu juro que
não será outra coisa para mim.

Petruchio – Eu estou dizendo que é a lua.

Catarina – Pois que seja a lua!

Petruchio - Então você está mentido, pois aquele é o


abençoado sol!

31
Catarina – Então abençoado seja Deus! É o abençoado Sol! E
não será mais o sol se você disser que não é, e voltará a
ser a lua conforme tua vontade! O que você quiser que seja,
será também para Catarina. (A Megera Domada)

Coringa 1 - Logo que são possuídas, as coisas perdem o seu


valor. A essência do prazer esta na conquista. A mulher que
não sabe que os homens dão muito valor aquilo que não
conseguiram, não sabe de nada. Ainda esta para nascer quem
encontre tantos prazeres no amor conquistado como no amor
desejado. Foi a experiência do amor que me ensinou esse
provérbio: “Quem obtém é um senhor, quem não obtém é um
escravo”. (Triolo e Cressida)

32
5. A Humilhação

Coringa 1 - Não imploro a riqueza, Ó deuses imortais! Não


imploro nada para ninguém, a não ser para mim mesmo. Que a
loucura nunca me deixe confiar em ninguém, seja por juramento
ou por assinatura, nas lágrimas que chora alguma prostituta,
num cão que pareça estar adormecido ou mesmo num carcereiro
que esteja a me colocar em liberdade. E principalmente nos
meus amigos, se deles eu precisar. Amém! (Timão de Atenas)

(Ator e atriz)

Regan – Sinto-me feliz por vê-lo, Alteza.

Lear – Acredito que sim, Regan. Se não estivesse feliz eu me


divorciaria do túmulo de tua mãe, ò Regan, minha querida
Regan, tua irmã não presta. Ó Regan, como um abutre ela
enterrou aqui (mostra o coração) as presas afiadas da
ingratidão. Mal posso falar... não acreditarias de que
maneira tão torpe… Ò Regan.

Regan – Calma, senhor, por favor. Espero que esteja tão longe
de aprecia-la devidamente quanto ela de faltar a seu dever.

Lear – Como? Que dizes?

33
Regan - Não posso acreditar que minha irmã tenha faltado com
sua obrigação. Se por acaso reprimiu as ordens de seus
seguidores, terá sido por motivos tão justos que a isentam
de qualquer censura.

Lear – Pois eu a amaldiçoo.

Regan – Ora, o senhor este velho, beirando a senilidade,


deve pois, ser governado e dirigido pelo bom senso dos que
percebem o seu estado melhor do que o senhor. Por isso peço-
lhe, vá dizer-lhe que a ofendeu.

Lear – Pedir-lhe perdão? Vê só que cena edificante seria


para a família: (ajoelhando-se) “Querida filha, confesso que
estou velho. A velhice é inútil, de joelhos, pois, imploro
que me dê roupa, casa e comida”.

Regan - Pare, senhor; essas comédias são desagradáveis. Volte


para a casa de minha irmã.

Lear - Nunca, Regan. Que todas as vinganças mantidas em


reserva pelo o céu caiam sobre aquela ingrata. Que os seus
jovens ossos fiquem paralíticos, que sua beleza desapareça
para abater-lhe o orgulho!

Regan - Ò deuses benditos! O senhor lançará as mesmas


maldições sobre mim no dia em que se levantar de mau humor.

Lear – Não, Regan, nunca. És feita de ternura e conheces


melhor os deveres filiais e as dívidas da gratidão. Tu não
esqueceste que te dei metade de meu reino.

Regan – Por favor, meu pai, reconheça sua fraqueza e


comporte-se de acordo. Volte para a casa de minha irmã,
porque agora não posso recebê-lo.

34
Lear – Voltar para ela? Não, preferiria ficar sem qualquer
abrigo e enfrentar a inclemência do tempo, ser companheiro
do lobo e do mocho, sentindo na carne, os apertos da
necessidade. Voltar para ela, nunca! Por favor, minha filha,
não me faças ficar louco. Não irei importunar-te, minha
criança.

Regan – Nada disto. Eu não o esperava e não estou preparada


para recebê-lo. E reconheça que o senhor este velho e que
minha irmã sabe o que faz.

Lear - Mas eu te dei tudo...

Regan - E não foi sem tempo.

Lear - Fiz de ti e de tua irmã... minhas guardiãs, minhas


depositarias, e agora...

Regan – Torno a repetir, senhor. Volte para a casa de minha


irmã.

Lear – Ò deuses, estais vendo aqui um velho tão cheio de


amarguras quanto de anos. Pensais que estou chorando? Não,
não vou chorar; tenho todos os motivos para chorar, mas esse
coração se esfacelará em mil pedaços antes que eu chore.
(Sai)

Regan – Fechem as portas.

35
Coringa 1 - Quem possui um livro onde estão escritos todos
os atos dos poderosos, agirá sabiamente se o mantiver
fechado. Os reis são deuses na terra e mesmo quando estão
errados, a vontade deles é a própria lei. E se Deus se
extraviar, quem terá coragem para dizer que Deus esta agindo
mal? O melhor é não tocar em certos assuntos, que quando não
são divulgados, parecem ainda mais monstruosos. Todos amam
a própria barriga que alimenta seu corpo. Permitam então que
minha língua se cale, por amor a minha cabeça. (Péricles,
Príncipe de Tiro)

36
6. A SABEDORIA DA LOUCURA.

Coringa 2 - A loucura, quando se manifesta por palavras


sensatas, parece sabedoria, mas os sensatos, quando ficam
loucos, perdem para sempre a prudência. (Noite de Reis)

Lear – Sim, em cada polegada, um rei. Vede como tremem meus


súditos quando olho para eles. Perdoarei a vida desse homem.
Qual foi seu crime? Adultério? Não morrerás. Morrer por
adultério? Jamais. Que prospere a cópula. Faltam-me
soldados. Que a luxuria se espalhe desordenadamente. Olhe lá
como aquele juiz injuria aquele ladrão. Presta atenção.
Troca-os de lugar e adivinha depois qual seja o juiz e qual
seja o ladrão. Já viste um cão de fazenda ladrar contra um
mendigo? E o infeliz correr do cachorro? Nesta cena pudeste
contemplar a grande imagem da autoridade: um cão que é
obedecido, quando exerce sua função. E tu, velhaco patife,
detém a tua mão sanguinária. Por que açoitas essa prostituta?
Açoita-te a ti mesmo, já que o desejas cometer com ela o
crime pelo qual a estas castigando. O usurário enforca o
ladrão que rouba: os pequenos vícios são vistos através dos
andrajos, mas a púrpura e o arminho escondem tudo. Coloca
uma couraça de ouro no pecado e a terrível lança da justiça
se quebrará impotente contra ele, veste o pecado com farrapos
e a palha de um pigmeu o atravessará. Ninguém é pecador,
ninguém, repito, ninguém. Quando nascemos, choramos por ter
vindo para esse grande palco de loucos. (Rei Lear)

37
7. A Clemencia.

(Ator e Atriz)

Volumnia - Você é meu filho e meu guerreiro. Ajudei a formar


o seu caráter e, no entanto, estou aqui como suplicante.

Coriolano - Cale-se, por favor, não ordene que retire meus


soldados ou capitule novamente diante dos artesãos de Roma.
Não me diga que pareço desnaturado, nem procure aplacar a
minha cólera e impedir a minha vingança, com suas frias
razões.

Volumnia - Mesmo que permanecêssemos caladas e nada


falássemos, nossas roupas e o estado de nossos corpos
revelariam a vida que estamos levando desde seu exilio. Mas
como poderíamos implorar pela nossa pátria, como é nosso
dever e pela sua vitória, como também é nosso dever?
Ai...devemos perder a pátria ou perder sua pessoa, que é
nossa alegria na pátria. Sofremos uma inevitável desgraça,
qualquer que seja o lado que desejemos vencedor. Precisamos
vê-lo como estrangeiro renegado, arrastado pelas algemas nos
pulsos, ou marchando triunfante sobre as ruínas de sua cidade
e conquistando a vitória por ter derramado o sangue de sua
esposa e seu filho. Não pretendo esperar que a sorte decida
essa guerra, meu filho. Se não conseguir convencê-lo a
exercer uma nobre benevolência para com as duas partes, em
vez de destruir uma delas, fique sabendo que você não
marchará para atacar o seu país sem passar primeiro sobre o
ventre da mãe que trouxe você ao mundo. E tenha certeza de
que outro modo você não poderá passar.

Coriolano - Quem não quiser comover-se como se fosse mulher,


não deverá contemplar rostos de crianças ou de mulheres. Já
esperei demais.

38
Volumnia - Não, não nos deixe assim. Diga que minha súplica
é injusta e então expulsa-me daqui. Mas se isso não for
verdade, que os deuses o castiguem por ter negado essa
obediência a que uma mãe tem direito. Ajoelhem-se mulheres!
Vamos humilhá-lo com nossas genuflexões! Ajoelhem-nos pela
última vez; depois partiremos para Roma e lá morreremos em
companhia de nossos vizinhos. E se ele nos mandar embora eu
me calarei até que nossa cidade esteja em chamas.

Coriolano - Ò minha mãe; O que foi que a senhora fez? Veja:


Os céus se abrem, os deuses nos contemplam e zombam desta
cena contra a natureza. Ò minha mãe, minha mãe. A senhora
conquistou uma vitória gloriosa para Roma, porque infligiu
ao seu filho uma derrota muito perigosa, talvez mortal. Mas
que assim seja. (Coriolano)

Coringa 2 - A verdadeira clemência nunca é forçada, cai sobre


o solo como uma doce chuva do céu, é duas vezes bendita,
abençoa a quem concede e a quem recebe. É o que há de mais
poderoso, no que é todo-poderoso; assenta melhor do que a
coroa na cabeça de rei assentado em seu trono. O cetro pode
mostrar força e o poder que torna os reis temíveis. Mas a
clemência está acima do cetro; tem seu trono no coração dos
reis; é um atributo do próprio Deus e o poder terrestre se
aproxima tanto quanto possível do poder de Deus, quando a
clemência integra a justiça. (O Mercador de Veneza)

39
8. A Revolta

Coringa 1 - Ah! Nação miserável, submetida ao poder


sanguinário de um tirano usurpador. Quando brilhará para ti
o dia da felicidade? (Macbeth)

Atriz - Que tormentos requintados, tirano, tu me reservas?


Que rodas? Que cavaletes? Que fogueiras? Vais mandar que me
esfolem? Cozer no chumbo ou no óleo? A que tortura inédita
ou antiga serei submetida, eu, cuja menor palavra já me
condenou a sofrer o que de pior possas inventar? Mas não te
arrependas destas coisas, porque elas pesam muito mais do
que todas as penitencias que queira tentar. O único que te
resta é o desespero. Em jejum, durante dez mil anos seguidos,
com mil joelhos jús no alto de uma montanha desolada e com
inverno sem fim, em perpétua tempestade, não conseguirias
que os deuses olhassem para o lugar onde estivesses. (Conto
de Inverno)

Coringa 1 - Somos considerados maus cidadãos: os patrícios


são bons cidadãos. A sobra dos poderosos bastaria para
socorrer-nos. Se nos dessem apenas o que lhes é supérfluo,
enquanto estivesse em bom estado, poderíamos acreditar que
nos auxiliam por humanidade, mas eles julgam que somos caros
demais para sermos sustentados. A magreza que nos aflige, o
espetáculo de nossa miséria, são o retrato que mostra
detalhadamente a abundância deles. Nosso sofrimento é lucro
para eles. Vinguemo-nos com nossas armas, antes que nos
transformemos em esqueletos, porque os deuses sabem que eu
estou falando assim porque tenho fome de pão e não sede de
vingança. (Coriolano)

40
Coringa 2 - Nem torres de pedra, nem muralhas de bronze
forjado, nem masmorras sem ar, nem correntes de ferro, podem
sujeitar a força do espírito! A vida, quando se cansa dessas
barreiras do mundo, nunca perde o poder de libertar-se a si
mesma. E já que eu sei isso, saiba também o mundo inteiro
que da parta da tirania que eu suporto, poderei libertar-me
quando tiver vontade. (Julio César)

41
3ª Parte: A perda do poder

(Prólogo)

Coringa 1 - Assim devoramos o tempo, abreviando as mais


longas distâncias. Com um simples desejo, podemos atravessar
os mares, em casca de nós, viajando com a imaginação de
vocês, de terra em terra, de porto em porto. Autorizados por
vocês, podemos também, com toda naturalidade, empregar uma
só língua em vários países onde acontecem as nossas cenas.
(Péricles, o príncipe de Tiro)

Coringa 2 - Agora vamos falar de túmulos, de vermes e de


epitáfios. Nosso papel será feito de pó e com a chuva de
nossos olhos descreveremos a dor sobre a face da Terra. Vamos
escolher os executores de nossas vontades para que possamos
falar de testamentos. Mas, pensando bem, tudo é inútil... O
que mais podemos legar a terra, fora os corpos que nela
depositaremos? Mais nada temos do que a morte e essa pequena
estatueta de frágil argila que serve de massa e revestimento
para os nossos ossos. (Ricardo II)

42
1.A profecia.

Coringa 1 - Há na vida de todos os seres humanos, elementos


que reproduzem fatos desaparecidos. Observando-os com
cuidado, um homem pode prever, quase infalivelmente, o
desenvolvimento essencial das coisas futuras, que repousam
nas suas próprias sementes e nas suas frágeis origens. Todas
estas coisas, o tempo cultiva e faz florescer. (Henrique IV)

Cassandra – Chorai Troianos, chorai! Dai-me dez mil olhos


que eu os encherei com lágrimas proféticas! Virgens
adolescentes, homens maduros e velhos enrugados, suaves
recém-nascidos que só sabem chorar, vinde todos aumentar
meus clamores! Paguemos antecipadamente uma parte dos
gemidos que o futuro nos reserva. Chorai, troianos, chorai!
Habituai vossos olhos as lágrimas! Tróia não permanecerá de
pé! Nosso irmão Páris, é a tocha que está queimando a todos
nós. Chorai troianos, chorai! Gritai comigo: Helena é
desgraça! Tróia arderá se Helena não partir! (Troilo e
Cressida)

43
2.A soliedariedade.

Antônio – Óh! Poderoso Cesar! Caíste tão baixo? Todas as


tuas conquistas, glórias, triunfo e riquezas ficaram
reduzidas a tão pouco? Adeus.... Meus senhores, ignoro quem
mais pretendeis matar, quem mais deve esvair-se em sangue se
for eu mesmo, nenhuma hora é tão propícia como esta que se
viu a morte de Cesar, nenhuma arma é tão preciosa como vossas
espadas, enriquecida pelo sangue mais nobre do mundo! Se me
odiais, eu suplico que aplacai agora vossos ressentimentos
com estas mãos ensanguentadas e fumegantes! Ainda que eu
viva mais cem anos nunca estarei tão preparado para a morte.
Nenhum outro lugar poderia ser mais digno que este, junto de
Cesar. Nenhuma outra execução melhor do que a vossa, que
assumistes o poder de decisão de nossos tempos. (Julio Cesar)

Coringa 2 - Todos aqueles que seguem o próprio nariz, acabam


dirigidos pelos olhos, exceto os cegos, e não há nariz entre
vinte que não possa farejar quem esteja fedendo. (Rei Lear)

Antônio – Não duvido de vossa sabedoria, cada um de vós pode


estender-me a mão ensanguentada. Senhores que direi? Minha
reputação está agora sobre um chão tão escorregadio, que só
podereis me considerar como um covarde ou como um adulador.
Ó César! Se eu tivesse tantos olhos quanto as tuas feridas
e as minhas lágrimas escorressem tanto quanto teu sangue, eu
me sentiria mais digno unindo-me aos teus carrascos. Perdoa-
me, Júlio! (Julio César)

Coringa 2 - Quando a roda da sorte rolar colina abaixo,


abandonem suas posses e saiam da frente para não quebrarem
o pescoço; mas, se a grande roda estiver subindo a colina,
podem subir tranquilamente atrás dela. (Rei Lear)

44
Antônio – Perdoa-me pedaço sangrento de terra, que eu me
humilhe perante teus verdugos! És a ruína do mais nobre homem
que já viveu. Ai das mãos que derramaram este sangue
precioso! Agora, diante de tuas feridas ainda aberta, eu
profetizo: cairá uma maldição sobre os ossos dos homens; os
furores da guerra civil.

45
3.O desespero.

Coringa 2 - Os homens costumam dar conselhos e proferir


palavras de consolo com relação as dores que não sentem; mas
quando passam pelos mesmos sofrimentos, os seus conselhos se
transformam em cólera. Todo homem prega a paciência para
aquele que sofre uma desgraça; mas nenhum tem a virtude ou
a coragem de se manter tão moralizador, quando a mesma
desgraça cai sobre a sua cabeça. (Muito barulho por nada).

Timon – Deixai-me olhar ainda uma vez para ti! Ó muralha que
rodeia esses lobos, mergulha no chão e não proteja mais
Atenas. Matronas, ficai depravadas! Filhos perdei a
obediência! Escravos e loucos arrancai das assembleias os
graves e veneráveis senadores e governai no lugar deles.
Virgens adolescentes transformai-vos em cloacas públicas sob
o olhar de vossos pais! Permanecei firmes, homens falidos,
e ao invés de pagar vossas dívidas, cortai o pescoço de
vossos credores. Roubai empregados de confiança. Vossos
patrões não passam de ladrões que saqueiam com a autoridade
da lei! Criadas, correi para o leito de vossos patrões,
porque vossa ama estará num bordel! Piedade, escrúpulo,
religião, paz, justiça, verdade, respeito, repouso, amizade,
instrução, costumes, cultos, profissões, hierarquia,
tradições e leis transformai-vos no oposto do que sois - e
viva o caos! Pragas que atormentais a humanidade, amontoai
ossos contágios infecciosos sobre Atenas, maduro para todas
as pestes! Que os reumatismos estropiem vossos governantes,
para que eles fiquem tão mancos quanto a sua moral! Que a
luxúria penetre na alma dos jovens, para que eles se afundem
na devassidão! Sarnas, úlceras, semeai vossos germes no
coração de todos os atenienses, para que eles contraiam uma
lepra universal! Que o hálito infeccione o hálito para que
a sociedade nada mais seja do que um veneno! Nada levarei de
ti, a não ser a minha nudez, cidade amaldiçoada! Ficai nua
também, com milhares e milhares de exilados! Timon se
refugiará nos bosques onde encontrará no animal mais
selvagem, maior afeto do que no gênero humano. Que os deuses
destruam os atenienses, permitindo que Timon veja crescer
com os anos o ódio que dedica a toda a raça humana! Amém!

46
Coringa 2 - Quando ouvimos um infeliz gemer oprimido pela
adversidade, pedimos que ele se cale; mas se tivéssemos que
carregar o peso da mesma desgraça, a gente se queixaria tanto
ou mais que ele. (Comédia dos Erros)

47
4.O SUICÍDIO.

Coringa 1 - É preciso que a gente pare para pensar nos sonhos


que podemos ter durante o sono da morte, quando nos tivermos
libertados dessa roda viva. É uma ideia que nos torna
prisioneiros da calamidade que é uma longa vida. Se não fosse
isso, quem aguentaria o próprio envelhecimentos, as injurias
de um opressor, os desaforos de um egoísta, as angustias de
um amor desprezado, a morosidade das leis, as insolências do
poder e as humilhações que um homem recebe em prol de suas
virtudes, quando ele mesmo, com um simples estilete poderia
encontrar paz e tranquilidade? Mas agora, silêncio. (Hamlet)

Cleópatra – Dá-me o manto. Coloca-me a coroa... sinto em mim


o ardente desejo da imortalidade. Nunca mais o sumo das
videiras do Egito refrescará esses lábios. Apressa-te
bondoso Iras. Mais depressa. Parece que estou ouvindo Antônio
chamar-me. Posso vê-lo erguer-se para apoiar minha nobre
ação. Eu o ouço zombar da felicidade de Cesar, sorte que os
Deuses concedem aos homens para servir de desculpa as suas
cóleras posteriores. Já vou, meu esposo. Agora, provo por
meu valor as honras do meu título e do meu nome. Sou fogo e
ar, abandono meus outros elementos a vida mais grosseira.
Então? Já está pronto? Venha agora, Iras para receber o
último calor dos meus lábios. Adeus querido Eharmiãn!....
Iras, um longo adeus... terei já o veneno nos meus lábios!
O gole da morte é como um abraço de um amante, que fere, mas
é desejado. Vem, picada mortal. Corta de uma só vez com teus
dentes afiados este nó complicado da vida. Pobre serpente
venenosa, enfurece-te e mata. Silêncio! Silêncio! Não vez
que tem uma criança sugando o meu seio, para que sua ama
adormeça? Tão suave como o bálsamo, tão brando como o ar,
tão doce.... Ó! Antônio!... Sim, eu também vou te alimentar.
Porque esperar mais tempo?... (Antônio e Cleópatra)

48
Coringa 1 - Deveria ter morrido mais tarde. Então haveria
lugar para uma tal palavra, o amanhã, o amanhã, o amanhã,
avança com pequenos passos, dia após dia, até a última sílaba
do tempo... E todos os nossos ontem iluminaram para os loucos
o caminho para a poeira da morte. Apaga, apaga tocha fugaz.
A vida é só uma sombra que passa, um mau ator que se agita
uma hora em cena, para cair no completo esquecimento. A
vida é uma história contada por um idiota, com grande furor
e alarde, significando nada. (Macbeth)

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5.RENUNCIA.

Coringa 2 – Ah, Ricardo! Vejo com o olhar de uma alma


acabrunhada, sua glória se precipita do céu à terra, como
uma estrela cadente. Seu Sol já esconde chorando no fundo do
Ocidente, prenunciando futuras tempestades, desgraças e
desordens. Seus amigos fugiram para se aliar aos seus
inimigos e todos os destinos marcham contra sua sorte nessa
hora. (Ricardo II)

Ricardo – Retiro da minha cabeça esse peso terrível, da minha


mão esse incomodo cetro, do meu coração esse orgulho real.
Lavo com minhas próprias lágrimas o óleo que me consagrou;
com minhas próprias mãos entrego minha coroa, com minhas
próprias palavras abjuro meu poder sagrado, com minha própria
voz anulo todos os juramentos de fidelidade; abdico toda
pompa e toda majestade, abandono meus domínios, minhas
rendas, minhas propriedades; nego meus atos, meus decretos
e minhas leis. Quando contemplar meu semblante, verdadeiro
livro em que estão escritos meus pecados, verei apenas o
necessário (O CORINGA ENTREGA-LHE UM ESPELHO) dá-me este
espelho, porque nele quero ler a verdade. Óh Espelho
adulador, tu me enganas da mesma maneira que me enganaram
meus súditos na prosperidade. Este rosto é aquele mesmo que
recebia, diariamente, dez mil homens em seu palácio? Este
rosto é aquele mesmo, que com o brilho do Sol cegava a todos
os que o contemplavam? Uma glória frágil brilha sobre este
rosto, tão frágil quanto a glória de um espelho (joga o
espelho no chão) ei-lo quebrado em cem pedaços. Assim como
o meu sofrimento, ele destruiu depressa o meu rosto. (Ricardo
III)

Coringa 2 - A imagem da morte é semelhante a um espelho que


nos mostra que a vida não é mais do que um sopro, e que
acreditar nela é um profundo erro. (Péricles – O Príncipe de
Tiro)

O fruto maduro é o primeiro a cair. Assim aconteceu com ele.


Chegou a sua hora. Devemos continuar nossa peregrinação.
(Ricardo II)

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6. O ÓDIO.

Coringa 1 - A essência de todo o sofrimento tem vinte sombras


que se parecem com o próprio sofrimento, mas que não é ele.
Os olhos da dor, com a visão enlouquecida pelas lágrimas,
dividem a mesma coisa em diferentes objetos, como um cristal,
de muitas faces. (Ricardo II)

Margarida – Podem as maldiçoes atravessar as nuvens e invadir


os céus? Se assim for, daí passa em pesadas nuvens, para as
minhas breves maldições. Sucumba o vosso Rei vítima da
libertinagem, se a guerra não lhe trouxer a morte, porque
assassinou nosso Rei para que pudesse subir ao Trono
(A Elizabeth). Que teu filho Eduardo, hoje príncipe de Gales,
para fazer justiça ao meu filho Eduardo, que era príncipe de
Gales, morra em plena juventude, vítima da mesma violência.
Tu, que és Rainha, para minha alegria e vingança, sobreviva
a tua glória, tão desgraçada quanto eu sobrevivo. Viva o
bastante para chorar a morte de teus filhos e poder
contemplar, como eu contemplo agora, outra mulher de posse
de teus direitos, como tu agora estás dos meus. Teus dias de
felicidade terminam muito antes da morte e só depois de muito
sofrimento, possas morrer não sendo mais mãe, esposa, nem
rainha da Inglaterra. Peço a Deus que nenhum de vós tenha
morte natural, mas que vossos dias sejam ceifados por uma
tragédia imprevista.

Gloucester – Já acabastes com tuas feitiçarias, bruxa odiosa


e maldita?

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Margarida – E por acaso eu iria esquecer-me de ti? Para trás,
cão. Também deves me ouvir. Se o céu te reserva desgraças
tão horríveis, que superam as que desejo para ti, que as
guarde até que teus pecados estejam todos amadurecidos, e
então as arroje sobre ti, perturbador da paz de mísero
Universo. Que o verme do remorso roa constantemente tua alma.
Enquanto ainda viver que teus amigos sejam os teus mais
pérfidos traidores. Que jamais o sono feche teus olhos
fatais, a não ser para um pavoroso pesadelo que te agite
como um inferno de horrorosos horrendos demônios. Aborto,
suíno, foste marcado pelo espirito do mal, deformado ao
nascer como escravo da natureza e filho do inferno. Difamador
do ventre prenho da tua mãe. Produto maldito das tripas do
teu pai. Farrapo de honra. Odiado... (Ricardo III)

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7. A RESIGNAÇÃO.

Coringa 2 - O tempo, meus senhores, traz nas costas um saco,


onde coloca as esmolas para o esquecimento, esse enorme
monstro da ingratidão. São restos de boas ações do passado,
devoradas tão logo foram terminadas. Só a perseverança, meus
senhores, conserva vivas as honrarias. Ter feito significa
ficar imediatamente fora de moda, como uma armadura
enferrujada.

Wolsey - Eis o peso que me derrubou: o rei não está mais ao


meu alcance. Perdi para sempre minhas glórias. Nenhum sol
proclamará mais minha grandeza, nem iluminará o nobre cortejo
que esperava meus sorrisos. Quando não se lembrarem mais de
mim, o que acontecerá fatalmente, e eu estiver dormindo de
baixo de um mármore duro e frio, onde nem estará registrado
meu nome, contem o que aprenderam comigo. Digam que este
homem, que outrora percorreu as sendas da glória e sondou
todas as profundidades e perigos do poder, mostrou, em seu
próprio naufrágio, o caminho da grandeza que havia perdido.
Observem bem a minha queda e a causa da minha ruina. Eu
recomendo a todos: afastem-se da ambição. Por causa dela
caíram os anjos. Adeus. Um longo adeus a todo meu poder.
Este é o destino do homem hoje nasce com as folhas da
esperança; amanhã floresce e acumula sobre a si todos os
perfumes, no terceiro dia sobrevive uma geada mortífera e
queima raízes, derrubando o homem bom, ingênuo que se julgava
no auge da grandeza. Tenho ódio da pompa inútil e das glorias
deste mundo. Sinto meu coração se abrir para novos
sentimentos. Ah...como é infeliz o pobre homem que depende
do favor dos príncipes. Quando ele cai, cai como Lúcifer,
desesperado para sempre. (Henrique VIII)

Coringa 2 - O melhor remédio para os poderosos seria se


exporem ao que sentem os desgraçados, para então deixar cair
sobre eles o que lhes é supérfluo, mostrando que ainda há
justiça nos céus. (Rei Lear)

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8.O REMORSO.

Coringa 1 - Nada se ganha e tudo se perde quando se realiza


um desejo que não nos satisfaz. É bem melhor ser vitima do
que conviver com o crime numa alegria cheia de incerteza.

Lady Mac - Não há que faça desaparecer essa mancha. Mancha


maldita, desaparece, eu já disse. Bateu uma, duas...está na
hora, é preciso por mãos a obra. Como é escuro o inferno.
Que é isso, meu senhor? Que vergonha. Um soldado com medo?
Por que vamos recear que alguém descubra, se ninguém pode
pedir contas ao nosso poder? Mas quem poderia imaginar que
o velho tivesse tanto sangue nas veias? O Thane de Fife tinha
uma mulher, onde estará ela? Estas mãos nunca ficarão limpas?
Nunca? Nunca? Pare com isso, meu senhor. Pare com isso...
estes teus sobressaltos vão por tudo a perder. Sinto ainda
o cheiro do sangue, nem todos os perfumes das arábias
conseguirão faze-lo desaparecer destas mãos. Vá lavar as
tuas mãos, vá vestir o roupão. Por que estás tão pálido? Já
disse e repito: Bancquo este morto, enterrado e não pode
sair da cova. Vá deitar... estão batendo... depressa, vem,
depressa dá-me tua mão. O que está feito não pode ser
desfeito. Para a cama, para a cama, para a cama... (Macbeth)

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9. A DESILUSÃO.

Henrique - Eu preferia morrer, se esta fosse a vontade do


bom Deus. Pois o que existe no mundo fora a dor e o luto?
Acho que seria mais feliz levando a vida simples de pastor,
sentando-me em uma colina, como agora estou sentado,
brincando de desenhar relógios, linha por linha, olhando
como correm os minutos e assim contar quantos são necessários
para completar uma hora, em quantas horas termina o dia, em
quantos dias acaba o ano e quantos anos pode viver um homem
mortal. Depois, tendo descoberto isto, dividir assim o meu
tempo: Tantas horas para guardar o rebanho, tantas horas
para contemplar o céu, tantas horas para se divertir, tantas
horas para repousar. Há tantos dias minhas ovelhas cruzaram
com o carneiro; em tantas semanas darão cria; durante tantos
anos vou cortar a sua lã. Desse jeito, os minutos, as horas,
os dias, os meses e os anos teriam o destino que lhes foi
determinado e lavariam uma cabeça branca para o túmulo
tranquilo. Ah! Como essa vida não seria doce e adorável! É
mais agradável a sombra de um arbusto para um pastor, do que
a sombra de um dossel bordado para um rei amedrontado por
traições. E para concluir: a simples coalhada do pastor, a
bebida fria e clara que serve em sua garrafa de couro, o
sono que pode gozar a sombra fresca da árvore. Todas estas
coisas que pode desfrutar em paz e segurança, são superiores
aos refinamentos que rodeiam um príncipe, aos manjares
servidos em taças de ouro, ao leito suntuoso onde repousa um
corpo cercado pela desconfiança, e pela traição.

(Henrique VI)

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(Epílogo)

Coringa 2 - Nossa areia, agora, já correu quase toda. Mais


um pouco e ficarmos calados. (Péricles, Príncipe de Tiro)

Coringa 1 - Se nós, simples sombras, ofendemos a vocês,


pensem apenas nisso e tudo estará resolvido: vocês estiveram
dormindo enquanto apareciam estas visões. Sendo assim,
desejamos boa noite a todos. Deem-nos suas mãos se somos
amigos. (A tempestade)

FIM

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