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CH 80 – DEUSA ALENA – MERLINE LOVELACE

deusa Alena
Merline Lovelace 01

Dois inimigos mortais. Uma paixão proibida.


Bretanha, 67 d.C.
O coração indomável pulsava no peito de Alena, filha de uma
rainha e mãe deum rei. Como princesa celta, jamais se curvaria às
ordens dos invasores. Mas não podia imaginar que a mão de ferro
do Império Romano penetraria em sua alma com a força
arrasadora da paixão ! Marcus Valerius, comandante da Sétima
Legião, era a personificação da glória de Roma. Chegara à
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CH 80 – DEUSA ALENA – MERLINE LOVELACE

Bretanha para massacrar os rebeldes. Só não esperava defrontar-se


com uma bela e ardilosa deusa celta, com longos cabelos dourados
e veneno nos lábios carnudos !

Digitalização e Revisão :Cris Andrade


Copyright © 1994 by Merline Lovelace Publicado originalmente
em 1994 pela Harlequin Books, Toronto, Canada.
Todos os direitos reservados, inclusive o direito
de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.
Esta edição é publicada por acordo com a
Harlequin Enterprises B.V.

Todos os personagens desta obra, salvo os históricos,


são fictícios. Qualquer outra semelhança com pessoas
vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

Tradução: Glauce Saffi Boso Gordo


EDITORA NOVA CULTURAL
uma divisão do Círculo do Livro Ltda.
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - 2a andar
CEP 01410-901 - São Paulo - Brasil

Copyright para a língua portuguesa: 1996


CÍRCULO DO LIVRO LTDA.
Fotocomposição: Círculo do Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo.

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CH 80 – DEUSA ALENA – MERLINE LOVELACE
Destiny's Women

1 Alena - CH 80 May-1994
2 Sweet Song of Love - CH 70 Jul-1994
3 Siren's Call - CHE 05 Sep-1994

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CH 80 – DEUSA ALENA – MERLINE LOVELACE
CAPÍTULO UM
Bretanha, 67 d.C.

Ele a desejou desde o momento em que a viu.


Ela estava em pé no meio da arena. Em sua diáfana exuberância, jogava a cabeça para trás sempre que ria,
agitando a farta cabeleira loira que serpenteava até a cintura como se fosse um feixe de fios de ouro. Uma
túnica curta e rústica, encharcada de lama e suor, fazia o possível para resguardar suas formas esculturais,
enquanto o peito continuava a arfar devido aos seus esforços. Alvos de palha tombados pela arena
indicavam que ela e o pequeno grupo que a acompanhava tinham encerrado uma disputa de arremesso de
lanças.
Marcus Valerius conduziu o cavalo para a sombra de uma pequena cabana de sapé, sinalizando para que
sua patrulha parasse logo atrás. Enquanto admirava o corpo seminu da garota, começou a sentir fortes
cãibras nas costas e nos quadris, o que era natural após seis dias sobre uma sela de madeira.
O capitão sorriu com desdém do próprio desconforto. Já era um veterano de guerra, perfeitamente
adaptado às dificuldades da carreira militar, fato que o tornara um dos mais ilustres legionários de Roma.
Acima de tudo, orgulhava-se de sua autodisciplina, tão rígida e severa quanto o modo como comandava
suas tropas. Por todos esses motivos, estava surpreso que a simples visão de uma garota nativa,
desgrenhada e selvagem, o perturbasse daquela maneira, deixando seu sangue em ebulição.
Levando a mão ao punho da espada, observou aquela beleza loira recolher seus pertences e, ao lado dos
companheiros, seguir pela rampa de acesso ao portão da arena. Movido pela luxuria, calculou quanto ouro
aquela criatura sorridente iria lhe custar...
Não importa o preço, ela irá valer cada moeda, concluiu, ao examinar atentamente aquelas pernas longas
e firmes.
A parte os trajes rústicos, ela caminhava com a mesma graça e leveza das mais distintas jovens romanas.
Aliás, à medida que se aproximava, Marcus pôde notar os braceletes de ouro que ornavam-lhe os braços,
bem como os adornos de bronze que trazia na bainha da espada.
Mentalmente, refez o cálculo da quantia que estava disposto a pagar pelos favores daquela nativa.
Também reconsiderou as primeiras impressões acerca de sua idade... Estava diante de uma mulher
sensual e voluptuosa, não de uma garota em plena adolescência. Além disso, aquela mulher jamais
poderia ser avaliada sob critérios convencionais de beleza; seu encanto provinha da mistura de traços
exóticos e incomuns, mas absolutamente harmoniosos entre si. O nariz era pequeno e um pouco
arrebitado, contrastando com as maças do rosto salientes; a boca carnuda e bem desenhada deixava
entrever uma fileira de dentes pequenos e brancos como se fossem as mais valiosas pérolas; os olhos, de
um verde intenso e cintilante, sobressaíam-se como duas enormes esmeraldas, aumentando o ar de
arrogância daquele rosto oval. Embora fosse muito diferente das mulheres romanas, Marcus não poderia
pensar em melhor representante para a divina Vénus, a deusa da beleza e do amor.
Assim que o grupo atravessou os portões da arena, passando pela exausta patrulha romana, Marcus re-
primiu os pensamentos que lhe torturavam a carne, exibindo sua expressão mais séria e compenetrada,
como cabia a um militar de sua categoria.
A moça olhou de relance para o cavaleiro, mudando rapidamente de atitude ao constatar que se tratava de
um oficial romano. Em vez de continuar conversando alegremente com os companheiros, emudeceu,
fitando Marcus com seriedade e interesse.
Impassível, ele sentiu os olhares da jovem sobre sua túnica de montaria, o elmo e o manto rubro, todos
cobertos de lama e poeira de vários dias de viagem. Quando ela afinal encerrou aquela análise, tornou a
buscar os olhos do capitão, com um misto de desafio e desprezo.
Marcus sorriu, achando uma certa graça naquele antagonismo vão e infantil. Depois de mais de duas
décadas sob o domínio de Roma, essas tribos selvagens do norte da Bretanha ainda não haviam sido total-
mente domesticadas. O orgulho celta ainda reinava absoluto no sangue desse povo, em especial na
postura arrogante dessa mulher. Disposto a provocá-la, desviou o olhar do rosto agressivo para
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concentrar-se nos seios fartos e voluptuosos. Em seguida, voltou a encará-la, sem ocultar o desejo que ela
lhe despertava.
A mulher ficou transtornada de ódio ao sentir aquela inspeção maliciosa.
— Então esses são os grandes filhos de Roma, cujo exemplo de civilidade querem incutir em todos os
povos que conquistam? — ela indagou, com desdém. Não obstante a voz melodiosa, as palavras estavam
impregnadas de cinismo e raiva. — Pois parecem mais imundos do que os porcos que criam! —
completou, caindo na gargalhada.
Os soldados, atrás de Marcus, não tiveram dificuldade para entender o teor daqueíe comentário mordaz,
embora ela falasse uma variação local do latim vulgar. Indignados, empertigaram-se nas selas e muitos
chegaram a tirar as espadas das bainhas, prontos a punir aquela ousadia com sangue. No entanto, com um
único movimento, o capitão conteve os ânimos de sua tropa.
— Se nos considera sujos, é óbvio que essa dama ainda não reparou no estado deplorável de suas vestes,
ou em seus cabelos desgrenhados — Marcus declarou, irônico, olhando-a de alto a baixo com desprezo.
Faíscas de ódio saíram daqueles olhos verdes, enquanto o rubor tingia-lhe a tez clara de vermelho-fogo.
Apesar da fisionomia séria, Marcus riu-se interiormente daquela demonstração de raiva, prova irrefutável
de que conseguira atingi-la. Graças à sua longa experiência com as mulheres, sabia o poder devastador
que uma crítica à aparência, real ou imaginária, exercia sobre o sexo feminino. Todas, sem exceção, desde
as rotnanas mais nobres até as mais selvagens camponesas das províncias, perdiam a cabeça quando sua
vaidade feminina era atacada.
—Porco romano! — ela gritou, tirando a espada da bainha. Ao ver esse gésto, o pequeno grupo de nativos
colocou -se à sua frente, protegendo-a de possíveis ataques. —Em nossa terra, os homens não se atrevem
a insultar as mulheres que caminham pelas ruas, portanto é melhor que esteja preparado para sustentar
suas palavras ásperas com a espada.
Um sorriso pernicioso deu um novo colorido à expressão do romano. Sabia muito bem que não deveria
trocar insultos no meio da rua com uma nativa insolente. No entanto, não resistiu à tentação de baixar o
nariz empinado daquela mulher.
— Em Roma, as mulheres não desfilam pelas ruas quase despidas, pedindo para receberem um insulto.
Contudo, embora minha espada esteja sempre pronta para defender uma mulher e não atacá-la, não fugirei
de um desafio... Sugiro apenas um local mais retirado para esse tipo de embate entre os sexos...
Assim que compreendeu a malícia daquelas palavras, a jovem calou-se, baixando os olhos, embaraçada.
Porém um dos rapazes que a acompanhava decidiu defender a honra de sua conterrânea. Com as faces
rubras de ódio é valentia, ele ergueu a lança, mirando o coração de Marcus.
Apesar da tensão do momento, o capitão sentiu uma certa simpatia por aquele gesto de bravura. Era noto-
riamente sabido que qualquer um que atacasse, ou sequer insultasse, um oficial romano, poderia pagar a
afronta com a própria vida; mesmo assim, aquele rapaz estava disposto a desafiá-lo para vingar a honra de
unia mulher. Observando-o melhor, Marcus percebeu que seu oponente não passava de um rapazinho
malsaído das fraldas, cujo rosto ainda nem barba possuía. Aliás os homens e as mulheres que
acompanhavam a guerreira loira eram todos muito jovens, quase crianças.
Dominado pela lógica, Marcus concluiu que o melhor a fazer, naquele momento, seria acabar com aquela
confusão, antes que alguém saísse machucado. Porém a voz da mulher antecipou-se à sua ação.
— Não, Cwenton, não faça isso. — Com uma mistura insólita de energia e carinho, ela segurou o braço
do garoto, dizendo-lhe algo em sua língua nativa.
Ele a fitou perplexo, mas, após alguns instantes de hesitação, acabou baixando a lança.
— Sábia atitude — o capitão saudou a mulher por aquela iniciativa apaziguadora. Contudo, recebeu ape-
nas um olhar frio e rancoroso, capaz de fazer estremecer até mesmo o mais valente guerreiro.
Sustentando a expressão inatingível, Marcus observou-a afastar-se, seguida por seu pequeno séquito. En-
tretanto, em pensamentos, despiu aquele corpo cheio de curvas, deliciando-se com o balanço tentador de
seus quadris arredondados. Apesar do desejo que a jovem nativa lhe despertava, não fez a menor menção
de detê-la ou segui-la. Essa era uma cidade pequena, portanto não seria difícil encontrá-la quando assim o
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desejasse. Além disso, ser oficial romano lhe garantia certos privilégios na escolha e aquisição de
mulheres para servi-lo. Não precisava ter pressa: mais cedo ou mais tarde, aquela garota prepotente, de
seios fartos e cabelos loiros seria sua, tinha certeza absoluta...
Quando Marcus finalmente alcançou o acampamento romano, a oeste da cidade, as cãibras nas costas
estavam insuportáveis, fazendo-o sentir cada um de seus trinta e seis anos. Havia chegado à província da
Bretanha há apenas três semanas e ainda não conseguira se acostumar aos rigores daquele clima frio;
aliás, depois de cinco anos comandando tropas nos escaldantes desertos do norte da África, tal tarefa não
seria das mais fáceis. Além disso, passar os últimos seis dias sobre uma sela, inspecionando todos os
postos militares de seu novo comando, não fora de muita ajuda em sua adaptação. De qualquer forma,
assim que avistou as sólidas muralhas do forte, o cansaço desapareceu, substituído por uma sensação de
orgulho de fazer parte do grandioso Império Romano.
Situado no topo de uma colina íngreme, o forte formava um retângulo perfeito. Um fosso profundo o cer-
cava e, sobre suas muralhas, soldados atentos se revezavam na vigia dos arredores, munidos com arcos,
flechas e lanças.
O capitão retribuiu os cumprimentos calorosos dos sentinelas, enquanto atravessava os portões com sua
tropa. Lá dentro, inúmeras barracas de madeira dispu-nham-se ao redor de ruas pavimentadas com pedras,
como uma cópia rudimentar de uma típica vila romana. No fim da alameda mais larga, ficava o quartel-
general, as acomodações dos oficiais e o templo em homenagem a Marte, o deus protetor do Império. Nas
escadas do templo, cercado por flâmulas e estandartes de cada esquadrão que prestava serviço na
Bretanha, estava o tribuno Lineas Flavius, o segundo em comando depois de Marcus Valerius. Não
importava quão longe estivessem de casa, os acampamentos romanos reproduziam com perfeição a
atmosfera e a glória da cidade que todos traziam em seu corações: a poderosa Roma.
A diminuta patrulha que o acompanhava parou, em posição de sentido, diante do templo, sendo logo dis-
pensada por seu capitão. Em seguida, Marcus saltou do cavalo, entregando-o aos cuidados de um
ordenança, e foi ao encontro do tribuno.
— Venha comigo enquanto me banho e troco minhas vestes, Lineas. Os relatos sobre o acampamento
podem esperar até que eu tenha me livrado de toda essa lama.
— Mandei que os escravos preparassem seu banho, assim que a patrulha foi avistada na cidade — o
tribuno comunicou, com um largo sorriso no rosto. Lineas Flavius já servira ao lado de Marcus
anteriormente, de modo que conhecia seus hábitos muito bem. Sabia, por exemplo, que o capitão insistiria
em banhar-se após uma cavalgada, mesmo sob as temperaturas mais baixas.
— Excelente! — Marcus esticou os membros, sol tando gemidos de dor. — Meus ossos já estão come
çando a se rebelar contra essas longas cavalgadas.
— Mesmo? Então deve ser a idade que já está batendo à sua porta, meu caro Marcus! — Lineas brincou,
mostrando-lhe o caminho até as termas.
— Cuidado, fanfarrão! Não pode se gabar de sua juventude, é apenas alguns anos mais jovem do que eu!
— Em idade, talvez. Mas, em experiência, sou séculos mais jovem do que você.
—Exceto no que se refere às mulheres — Marcus acrescentou, jocoso. Toda a legião comentava e se di-
vertia com as proezas sexuais do tribuno.
Tão logo entraram no prédio, Marcus deixou-se mergulhar em pensamentos, recordando a primeira vez
que se encontrara com o tribuno Lineas Flavius...
Como todos os filhos dos nobres romanos, Lineas teria que servir o exército antes de assumir seu posto
como senador. Entretanto, em seu caso, a obrigação coincidira com a necessidade... O pai, o influente se-
nador Flavius, apressara sua ida para a Tunísia, quando duas jovens anunciaram, ao mesmo tempo, que
estavam grávidas de seu filho. Contudo, para a surpresa de todos, inclusive do próprio Marcus Valerius, o
jovem conquistador havia se mostrado à altura da severa disciplina e rigor físico do exército, como se
tivesse nascido para a carreira militar.
Lineas servira um ano na Tunísia sob o comando de Marcus que, logo de início, percebera o potencial de
liderança e as habilidades de engenharia do jovem tribuno. E, apesar da diferença de idade e de expe-
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riência, como o próprio Lineas lembrara, os dois homens tornaram-se grandes amigos, dividindo muitas
batalhas, uma respeitável quantidade de saques e mais de uma mulher. Ambos estavam entusiasmados por
estarem servindo juntos outra vez.
Assim que atravessaram o pátio interno, defronte às várias salas de banho, Marcus examinou com atenção
os detalhes arquitetônicos do prédio, o centro so-ciocultural daquele acampamento. Toda engenhosida-de
do tribuno estava representada ali, seja nas colunas de mármore que sustentavam e adornavam a constru-
ção, seja no sistema hidráulico e nas bombas que traziam água do rio mais próximo diretamente para as
piscinas das termas.
Após cumprimentar alguns oficiais que se exercitavam com pesos no pátio, o capitão entrou em uma das
câmaras, acompanhado por Lineas. Em seguida, escravos vieram despi-los, servindo-lhes frutas e vinho.
— Lembre-me de fazer uma oferenda extra a Marte esta noite. Devo agradecer ao deus da guerra pela
bondade de tê-lo enviado à Bretanha antes de mim. Somente você, Lineas Flavius, construiria uma terma
antes de terminar os estábulos ou os celeiros — Marcus comentou, bem-humorado, enquanto se dirigiam
para o frigidarium, ou seja, a sala de banhos frios.
Toda terma que se prezasse possuía o frigidarium, o tepidarium, sala onde os banhistas se acostumavam à
mudança de temperatura, e o caldarium, sala de banhos quentes. Além disso, para ser completa, devia
possuir recintos para descanso e troca de roupa, pátio para ginástica, piscinas e salas para refeições.
— Devo ter recebido algum aviso, em meus sonhos, de que você seria promovido e enviado para cá como
comandante — o tribuno respondeu, entre sorrisos.
De repente, ambos tiveram um minuto de hesitação antes de saltar nas águas gélidas do frigidarium. Sa-
biam que aquele banho frio iria reavivar seus corpos cansados para o verdadeiro prazer dos banhos
quentes; contudo, o primeiro passo era sempre o mais difícil.
— Depois de suas espetaculares vitórias no deserto, toda a corte jurava que receberia o comando da
guarda pretoriana. Afinal de contas, o imperador deve muito da popularidade que usufrui ao herói da
Tunísia — Lineas revelou, batendo os dentes de frio. — Sua campanha vitoriosa conseguiu distrair a
atenção do povo dos excessos de Nero, o que provavelmente esticou seu reinado por mais um ou dois
anos.
— De fato, Nero ofereceu-me a guarda — Marcus admitiu, sacudindo os ombros. — Entretanto não fui
feito para a vida na corte, como você, caro amigo. As intrigas e as fofocas da nobreza não possuem
nenhum atrativo para mim.
— Diz isso porque acabou de vir da corte de Nero, com todas aquelas orgias e mulheres sedentas de pra-
zer... Se tivesse ficado tanto tempo aqui, nos confins do mundo, como eu, pensaria diferente! Vou dizer-
lhe algo, Marcus, as mulheres da Bretanha são tão frias quanto os ventos que sopram do norte... Aliás são
mais geladas do que essa água que está nos congelando vivos!
Marcus riu. Conhecendo Lineas tão bem, sabia que ele adoraria estar em Roma, desfrutando das inúmeras
festas e orgias que infestavam a cidade sob o comando do pernicioso Nero. Porém, em vez de fazer
qualquer comentário, dirigiu-se ao tepidarium, mergulhando em suas águas mornas e relaxantes. Depois,
deitou-se em uma mesa de mármore para que os escravos massageassem suas costas doloridas,
esfregando óleos e unguentos em todo seu corpo. Só então, já refeito da longa jornada, mergulhou nas
águas escaldantes do caldarium.
— Bem, Lineas, já pode me fazer o relatório do acampamento — pediu, assim que o tribuno veio juntar-
se a ele, na piscina. — Suas cartas deram-me uma noção geral do que acontece por aqui, mas quero que
me coloque a par de todos os detalhes da situação.
— Como já informei anteriormente, capitão, não sofremos mais nenhum ataque do norte, e até mesmo as
tribos locais estão forçando as outras a manter a paz. —Em poucas palavras, o tribuno discorreu sobre as
atividades cotidianas do acampamento, tais como, ações disciplinares, roteiro das patrulhas, projetos de
engenharia para a região, despesas e coisas do gênero.
Marcus ouvia tudo atentamente, fazendo apartes quando queria mais detalhes.

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— A única novidade é que chegou essa manhã uma mensagem do governador da província — Lineas in-
formou, ao concluir os relatos. — Ele está enviando seu administrador-chefe para encontrá-lo. O homem
deverá chegar amanhã.
— Que razões o governador teria para enviar esse homem? — Marcus indagou, desconfiado.
— O administrador irá representar o governador no encontro anual dos reis das tribos da Bretanha.
Também deverá se encontrar com o jovem rei do clã local para tratar de alguns assuntos pendentes.
Talvez queira acertar com você alguma estratégia política para a região.
—Alguma idéia sobre quais seriam essas estratégias do governador? — Marcus inquiriu, pensativo.
Como bom estrategista, gostava de prever e analisar os possíveis atos de todos que o cercavam, fossem
compatriotas ou oponentes. Dessa forma, sempre apresentava soluções de imediato para qualquer
contratempo, fato que aumentou ainda mais sua fama entre os soldados.
— Não. Exceto por um ou dois ataques do norte, tudo tem estado calmo aqui, desde que o pai do jovem
rei morreu naquela grande rebelião, repelida com mão-de-ferro por Roma. — Lineas coçou a fronte,
tentando lembrar de algum detalhe que pudesse orientar Marcus Valerius. — O clã dos Lopocares está
justamente começando a se recuperar das severas penalidades que lhes impusemos por terem se rebelado,
portanto não estão em condições de fomentar discórdias...
— Também compartilho de sua opinião, caro Lineas. Enquanto examinava nossas linhas defensivas, pude
constatar que esse povo já está resignado com o nosso domínio. — Excluindo aquela loira desafiadora e
seu grupo de crianças... Mas, desse problema, cuidarei pessoalmente mais tarde..., pensou, sentindo
espasmos de desejo só de lembrar daquela bela mulher.
Alheio aos pensamentos do capitão, Lineas continuou a falar sobre a genealogia local:
— Os Lopocares são um clã pequeno dentro da gigantesca tribo dos Brigantes. Quando seu rei partiu para
o sul, a fim de liderar a rebelião contra Roma, a rainha dos Brigantes ficou furiosa, principalmente por ele
ser o marido de sua única filha. Por isso, o povo dessa região teve que enfrentar a cólera de Roma e da
rainha. Aliás, somando tudo isso às invasões do norte, é espantoso que esse clã tenha sobrevivido!
Após sua chegada à Bretanha, Marcus analisara rapidamente a situação local, de modo que estava ciente
das muitas rivalidades e disputas entre os clãs que ocupavam o território.
— Por que a rainha dos Brigantes nomeou um regente tão medíocre para administrar esse clã, se a
situação era desesperadora? — quis saber, entre um trago e outro de vinho. — Encontramo-nos apenas
uma vez, no entanto, foi o suficiente para constatar a falta de tutano daquele homem. Talvez seja sobre
isso que o governador queira tratar...
— Pode ser... — Lineas saiu da piscina, acomodan-do-se em um divã, onde os escravos trataram de polir
suas unhas e fazer-lhe a barba. — De fato, o regente é um bajulador, fraco e insuportável que procura
apenas aplacar a fúria de Roma e da rainha dos Brigantes. Contudo é uma figura meramente decorativa,
pois quem de fato governa esse clã é a mãe do jovem rei.
Marcus também deixou a piscina, deitando-se em uma mesa para mais uma sessão de massagens. Os
dedos ágeis dos escravos garantiam alívio imediato para todas as suas dores musculares.
— Eu mesmo já tive que tratar de alguns assuntos políticos com a princesa... Aliás, você também irá en-
contrá-la, agora que todas as decisões administrativas e militares estão em suas mãos.
Aquela insinuação sutil não escapou aos ouvidos atentos de Marcus que resolveu esclarecer o caso
imediatamente.
— Qual o problema, Flavius? Será que a idéia de administrar o forte na minha ausência acabou desper-
tando sua cobiça?
Lineas arregalou os olhos, pego de surpresa por aquela acusação.
— Para dizer a verdade, Marcus, se eu soubesse que ser promovido a tribuno sênior iria obrigar-me a
passar a maior parte do tempo resolvendo contendas entre camponeses e aldeões, teria pensado duas
vezes antes de estender minha permanência no exército.
Satisfeito com a eloqüência sincera do amigo, o capitão decidiu encerrar aquele assunto. Então permitiu-
se um rápido cochilo, enquanto os escravos terminavam de untá-lo com óleos perfumados. Depois vestiu-
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se com esmero, usando uma túnica branca, cinto ornado por um brasão de ouro e um manto de lã púrpura
para protegê-lo do frio intenso.
Acompanhado por Lineas, Marcus resolveu caminhar pelo acampamento antes de retornar à casa dos
oficiais. Os soldados dividiam-se em grupos na frente dan cabanas rindo e conversando alto. Alguns
limpavam suas armas e arreios, outros divertiam-se com Jogos de azar, um terceiro grupo preferia contar
velhas tintórias de batalhas... Porém todos erguiam-se para saudar respeitosamente seu capitão, assim que
Marcus passava por eles.
Quando os dois oficiais aproximaram-se do estábulo, surpreenderam, em meio ao monte de feno um dos
cavalariços trocando carícias intensas com uma moça de cabelos loiros. Teoricamente, nenhuma mulher
era admitida no acampamento, exceto as escravas que serviam aos oficiais. Havia inúmeros prostíbulos
nas encostas da colina, do lado externo do forte, bem como tavernas e lojas para satisfazer todo tipo de
desejo que os soldados pudessem acalentar. Contudo Marcus sabia que esse regulamento costumava ser
mais flexível quanto maior a distância de Roma, e muitos oficiais chegavam até a manter esposas ou
amantes, às vezes ambas, nos acampamentos. Ocasionalmente, algum soldado tinha a mesma sorte desse
cavalariço e conseguia trazer alguma mulher para passar a noite ali. Lineas deu uma sonora gargalhada,
chamando a atenção dos amantes para sua presença. Após o susto inicial, o cavalariço voltou a beijar a
jovem, sem perceber que estava diante do próprio capitão.
Marcus ficou em silêncio, observando aqueles longos cabelos loiros, muito parecidos com os da moça que
o desafiara naquela tarde. Logo a lembrança daquela mulher arrogante e sensual fez seu corpo estremecer
involuntariamente.
— Conhece alguma mulher de longos cabelos dourados que costuma treinar arremesso de lanças na are-
na? — Marcus questionou. Na verdade, conhecendo o apetite sexual de Lineas, tinha certeza de que ele
não só conhecia aquela mulher, como também já havia experimentado seus favores.
— Ora, Marcus, a metade das mulheres dessa tribo é loira, o restante tem cabelos vermelhos. E todas elas
carregam armas consigo — o tribuno respondeu, cínico.
O capitão o fuzilou com os olhos, à espera de uma explicação mais detalhada.
— Sei que a política de Roma é desarmar os povos mais rebeldes; tais providências também foram toma-
das aqui — Lineas corrigiu-se, com diplomacia. — Mas, como todos os homens adultos foram mortos na
rebelião, restando apenas os velhos e os meninos, não restava mais ninguém que pudesse caçar. Nossas
tropas não podiam ficar apenas caçando para alimentar toda a população, por isso, permiti que as
mulheres empunhassem lanças e flechas para garantir seu sustento. Se não tivesse feito isso, muita gente
teria morrido de fome nos últimos invernos.
Depois de esclarecer aquele ponto, Lineas analisou o rosto de Marcus, tentando adivinhar o que estava
passando pela mente do capitão.
— O que havia de tão especial naquela mulher?
— Ela chamou minha atenção, foi só — respondeu, encolhendo os ombros, como se desse pouca
importância ao fato. De modo algum, queria Lineas em seus calcanhares, a atrapalhar suas investidas
amorosas. O melhor a fazer seria acalmar aquela excitação nos braços de alguma escrava carinhosa até
que tivesse resolvido todos os problemas com o enviado do governador. Então, calmamente, poderia
entregar-se à procura e conquista daquela desafiadora mulher de cabelos cor-de-mel, colocando um ponto
final naquele assunto de uma vez por todas.

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CAPÍTULO DOIS

Lady Alena, filha da rainha Cartiman-dua, da tribo dos Brigantes, e viúva do rei Dugald, do clã dos
Lopocares, enrolou as pontas de seu vestido carmim entre as pernas e sentou-se no chão, sem nenhum
constrangimento. Feliz, balançou o cavalo de madeira à sua frente, simulando um trote apressado. Não
demorou muito e o garotinho que tentava equilibrar-se sobre o brinquedo, saltou do cavalo e jogou-se em
seus braços protetores, obrigando-a a agir rápido para não deixá-lo cair. Risos infantis juntaram-se às suas
gargalhadas, naquele momento de alegria e descontração familiar.
— Muito bem, Megarric! Você me pegou de surpresa com esse ataque repentino! Um guerreiro
habilidoso sempre ataca primeiro.
Alena observou, extasiada, o rosto sorridente do filho, emoldurado por uma profusão de cachos loiros.
Algumas vezes, não conseguia acreditar como seu marido, um homem amargo e cruel, poderia ter gerado
uma criança tão dócil, alegre e amorosa como Megarric. Aquela criança era a luz de sua vida, quem lhe
dava coragem e alento para continuar lutando por uma vida melhor. Enquanto pensava, prosseguiu com a
brincadeira, empurrando uma pequena carroça de madeira contra os soldadinhos do menino, enquanto ele
tentava defender seus comandados.
— Por todos os deuses, Alena! Dessa vez, você foi longe demais! — A crítica ecoou pelos aposentos com
o ímpeto de um trovão, introduzindo Peganthus, o regente dos Lopocares. Fitando o menino-rei com
impaciência, veio ao encontro deles.
Alena ignorou aquele gesto de desrespeito para com seu filho. Aliás, não prestava a mínima atenção às
atitudes do tio, o qual considerava um completo estúpido.
— Alena, para seu próprio bem, deve começar a ouvir meus conselhos. Quando vai aprender a não criar
atritos com os romanos? Estamos conseguindo pagar os tributos a Roma com extrema dificuldade. O que
iremos fazer se eles decidirem nos impor mais sanções?
— Meneou a cabeça para os lados, cheio de desânimo.
— Por que foi tão tola a ponto de insultar um oficial romano?
Dois pares de olhos deixaram os brinquedos de lado para fitar o semblante sinistro de Peganthus. O rosto
da criança demonstrava curiosidade e confusão, enquanto o de sua mãe exprimia apenas desgosto.
— Em vez de censurar minha atitude, tio, deveria preocupar-se em vingar as ofensas que aquele romano
dirigiu à minha pessoa. — Alena nem se dava mais ho trabalho de tentar esconder o desprezo que sentia
pelo regente. — Até mesmo os garotos que estavam comigo teriam feito aquele legionário pagar por sua
ousadia, se eu não os tivesse detido.
Peganthus ficou vermelho de cólera. Como de costume, Alena não perdera mais uma oportunidade de
depreciar seu caráter fraco e omisso. Desde que viera do sul para ocupar o posto de regente do rei
Megarric, hn três anos, era forçado a suportar as afrontas daquela mulher petulante. Aliás, todos os
seguimentos do clã pareciam empenhados em mostrar-lhe quem, de fato, comandava os Lopocares... Era
por Alena que os fazendeiros e os aldeões procuravam quando queriam aconselhar-se ou resolver
contendas, sem mencionar os escravos, que confirmavam cada ordem sua com ela antes de obedecê-lo.
No início, havia interpelado a sobrinha sobre suas interferências, porém ela reagira com impetuosidade,
redarguindo que, tão logo ele colocasse os interesses do clã acima de seu próprio bem-estar, todos passa-
riam a segui-lo. Também tentara ser enérgico com ela, recebendo em troca a promessa de que ela o
mataria se ousasse agredi-la. Apesar de todos esses problemas, Peganthus era o regente oficial designado
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pela rainha Cartimandua com as bênçãos de Roma, portanto agarrava-se àquele cargo com unhas e dentes,
não por orgulho ou responsabilidade, mas por pura ganância.
— Essa manhã, quando soube desse seu atrito com o legionário, cheguei a duvidar dos meus próprios ou-
vidos — tornou a dizer, sem se abalar com o desdém de Alena. — Precisamos ser cautelosos, pois
estamos no limiar de tempos muito difíceis... Como se não bastassem os romanos em nossos calcanhares,
os Brigantes estão voltando a nos importunar.
Alena continuava a brincar com o filho, como se mal estivesse ouvindo as longas explanações do tio.
— Agora que seu pai nos deixou em paz, sua mãe resolveu fazer-nos novas exigências. O grande proble-
ma é estarmos situados bem no centro do território dos Brigantes... — Peganthus continuou a falar, em-
bora estivesse irritado com o descaso de Alena. — Já não sei mais como satisfazer aqueles dois brigões,
ao mesmo tempo que preciso agradar Roma.
— Ora, tio, meus pais já mantinham essa disputa de influências muito antes de eu nascer — retrucou,
enquanto atacava o acampamento de Megarric com seus soldadinhos de madeira. — Aliás, o único
motivo pelo qual minha mãe casou-me com Dugald foi garantir que ele defendesse as fronteiras do norte,
enquanto ela poderia fomentar intrigas contra meu pai.
Alena respirou fundo, tomando coragem para prosseguir aquela conversa enfadonha e desagradável com
Peganthus que, como sempre, não levava a nada.
— É muito bom que a rainha Cartimandua se preocupe com as fronteiras... — Suas palavras eram ex-
tremamente irônicas e amarguradas, nem parecia estar falando da própria mãe. — Ela nos deve muito por
ter se mantido no trono todos esses anos, mas, em vez de nos agradecer, busca nos oprimir com acordos
cada vez mais injustos! Só gostaria que mamãe me deixasse em paz por algum tempo; contudo, isso seria
esperar muito... Logo ela irá arranjar-me um novo casamento, de acordo com suas próprias conveniências,
é claro!
Peganthus sentiu-se ainda mais aflito. Sua regência terminaria no instante em que Alena se casasse, pois,
de acordo com as leis, seu segundo marido deveria governar o reino até a maioridade de Megarric.
Embora não cansasse de reclamar dos dissabores daquele cargo, 0 dinheiro que desviava dos tributos para
seu cofre pessoal valia qualquer sacrifício.
Por sua vez, Alena também não tinha intenções de contrair um segundo matrimônio; sofrera o bastante
nas mãos de Dugald para desejar outro marido. Portanto, mesmo que fosse por motivos diferentes, pelo
menos em um assunto os dois estavam de acordo: queriam evitar novas núpcias a todo custo. Para sorte
de limbos, a rainha Cartimandua andava muito ocupada com seu próprio casamento e ainda não tivera
tempo de analisar a situação da filha com o devido cuidado.
Andando de um lado para outro, o regente vasculhava sua mente, à procura de argumentos que pudessem
convencê-la a se retratar.
— Como deve saber, um alto emissário do governador chegará de Londinium ainda esta tarde. Pois bem,
oficialmente, essa visita deve-se apenas ao encontro anual dos reis da Bretanha. No entanto, suspeito que
há razões mais importantes por trás disso... Talvez queiram aumentar nossos tributos, ou impor novas
sanções... — Recuperando a austeridade do início, bradou: — Já orei aos deuses, pedindo-lhes que sua
conduta de ontem não nos tenha colocado em má situação!
— Ora, Peganthus, acalme-se. Não podemos mudar o que já está feito. — Uma voz tranqüila e majestosa
ecoou de um dos cantos do aposento, chamando a atenção do regente para a presença de lady Nelwyn, a
irmã do falecido rei Dugald. Apesar de idosa, ela continuava a ser reverenciada por toda a tribo dos
Brigantes como uma grande sacerdotisa druida.
Peganthus aproximou-se devagar, bastante esperançoso, pois Nelwyn era a única pessoa que conseguia
controlar o temperamento rebelde e intempestivo de Alena.
— Melhor do que ninguém, você conhece os perigos de se desafiar o Império Romano, Nelwyn. Afinal,
eles mataram seu marido e a proibiram de praticar os antigos rituais celtas — Peganthus recordou,
ardilosamente, tentando conquistar seu apoio. — Alena precisa ser mais cautelosa, caso contrário, a ira de
Roma irá cair sobre nossas cabeças mais uma vez.
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— Meu marido morreu lutando, como grande guerreiro que era — ela replicou, sem alterar o tom de voz.
— Sua alma já renasceu em outro guerreiro, talvez
Megarric... —Seus olhos profundos brilharam ao observar oh cabelos dourados do sobrinho. Após uma
breve pausa, voltou a dizer: — Quanto aos rituais, nenhum homem, romano ou não, conseguirá me
impedir de reverenciar nossos deuses. Não temo a ira de Roma!
—Bah! Ambas são casos perdidos! — Pisando duro, o regente deixou os aposentos reais, como
normalmente fazia toda vez que acabava discutindo com as duas mulheres.
Nelwyn ergueu-se da poltrona onde estava e foi ao wnroulro de Alena e Megarric. Seus passos eram tão
leves e ligeiros que parecia deslizar pelo assoalho.
—Embora deteste fazer concessões a Peganthus, você sabe, tão bem quanto eu, que ele está certo —
alertou, impassível. — Deve ser mais cuidadosa com os latinos, Alena. Eles desprezam nossos deuses e
nossa cultura...
A jovem respirou fundo, antes de enfrentar o olhar perscrutador da sacerdotisa.
—Sei disso, Nelwyn... — admitiu, envergonhada, juro que não tinha intenções de causar confusão! Mas
acabei perdendo a calma...
Nelwyn sorriu, do alto de sua vasta sabedoria. Em seu coração, aquela jovem não era somente sua cu-
nhada, mas a filha que jamais tivera. Quando a rainha Cartimandua enviara Alena, com apenas seis anos
de idade, para desposar Dugald, o impiedoso rei confiara a educação da menina à irmã. Depois disso, ele
esquecera completamente da existência da noiva até que ela estivesse na idade de servi-lo como esposa.
Portanto, tivera toda a autonomia possível para desenvolver o espírito crítico e as habilidades inatas de
Alena, sem ter que dar satisfações a ninguém.
— Você perde a cabeça com muita facilidade — Nelwyn criticou, severa.
— Tem toda razão... Esse é meu grande defeito. — Percebendo a expressão intransigente da sacerdotisa,
corrigiu-se: — Ou melhor, é um dos meus maiores defeitos. Entretanto, como você mesma disse, já está
feito. Com um pouco de sorte, jamais tornarei a rever aquele porco romano, e esse incidente não irá nos
causar mais nenhum aborrecimento.
Nelwyn não disse nada. Contudo rugas de ironia surgiram ao redor de seus lábios, em uma evidente
demonstração de que previa outro desfecho para aquele incidente...
Disposta a encerrar aquele assunto, Alena ignorou os presságios da velha sacerdotisa, voltando a brincar
com o filho como fazia antes de Peganthus interrompê-la.
Marcus Valerius deixou o acampamento pouco depois do amanhecer para encontrar-se com o enviado do
governador. Levava consigo uma tropa de dez cavaleiros, mais por orgulho do que propriamente por
necessidade de proteção. Afinal, fazia parte da tática de domínio de Roma minar a resistência dos povos
conquistados com demonstrações ininterruptas de sua grandiloqüência. E, de fato, era um belíssimo
espetáculo observar os centuriões romanos desfilando em seus trajes garbosos, com o manto vermelho
sobre os ombros e os elmos de bronze reluzindo ao sol.
Sem perder os velhos hábitos militares, observou atentamente o comportamento da população nativa,
após atravessar os portões de Corstopitum, a cidade-sede do reino dos Lopocares. Mulheres saíam às
janelas para admirar o cortejo, enquanto crianças nuas brincavam do lado de fora das cabanas entre
galinhas, cabras e outros animais domésticos. Seus rostos expressavam curiosidade, em vez de medo ou
ódio, sinal de que as lembranças da sangrenta ocupação romana estavam começando a desaparecer de
suas memórias. Toda Corstopitum fora queimada em punição pela rebeldia de seu rei; por isso, a
população procurava abrigar-se em provisórias cabanas de madeira. A parte uma ou outra construção de
pedra, que sobrevivera àquela onda de destruições, todos os outros monumentos e residências celtas
haviam sido varridos da superfície da cidade. À medida que novas casas de alvenaria eram erguidas,
notavam-se as influências marcantes do estilo romano; aliás, o maior exemplo disso era o edifício real.
Totalmente destruído, o palácio fora refeito de acordo com a arquitetura de Roma, possuindo inúmeras
colunas, bem como extensas varandas circundando os pátios internos.

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Peganthus correu a recepcioná-lo, tão logo Marcus desmontou, fazendo de tudo para parecer prestativo e
cortês. Embora o comportamento falso e obsequioso demais do regente o desagradasse, retribuiu as
mesuras polidamente, deixando-se guiar até a sala principal. Ali, sentado em uma cadeira de couro,
defronte da lareira, estava um homem alto e forte, de cabelos grisalhos.
—Ave, capitão Valerius — o homem o saudou, levantando-se. — Trago-lhe cumprimentos do
governador.
— Ave — Marcus replicou, em tom neutro, trocando abraços com o emissário. Com o passar dos anos,
aprendera a conviver em paz com os nobres cidadãos romanos que administravam as porções mais
longínquas: do Império. A maioria não passava de um punhado de bastardos gananciosos e com sede de
poder que queriam exercitar todas as facetas de suas personalidades problemáticas antes de retornarem a
Roma, ao final dos três anos obrigatórios de serviços. No entanto, havia alguns que equilibravam
maturidade e bom senso no cumprimento de seus deveres, fazendo ótimos trabalhos nas províncias.
Cauteloso, iria esperar até conhecer melhor o emissário, antes de formar uma opinião a seu respeito.
— Lamentei não estar em Londinium quando chegou à província da Bretanha, capitão. Sua fama e
honrarias o precederam, de modo que queria muito conhecer o herói da Tunísia. — O administrador sor-
riu-lhe, parecendo sincero. Depois, dirigindo-se ao regente, disse: — Obrigado por sua hospitalidade,
lorde Peganthus. Mandarei chamá-lo assim que terminarmos nossa conversa.
Apesar de praticamente expulso de sua própria sala, Peganthus fez uma reverência e retirou-se, deixando
os dois romanos à vontade.
— Na verdade, é reconfortante ter alguém com sua experiência comandando a Sétima Legião — o admi-
nistrador prosseguiu, voltando a sentar-se.
— Para mim, foi uma honra ter sido escolhido pelo imperador para esse posto — Marcus respondeu, o
mais formal e solene possível. Nesses tempos de intrigas e traições, deveria ser muito cauteloso com as
palavras, pois fofocas maledicentes atravessavam mares e terras com a rapidez dos ventos, causando
reviravoltas injustas na vida de homens honrados. Além disso, tinha razões de sobra para sentir orgulho
de suas vitórias pessoais. Filho de um legionário e de uma escrava liberta, entrara para o exército aos dez
anos de idade, aprendendo, desde cedo, a rígida disciplina militar. Graças à sua capacidade de liderança e
inteligência, fora recebendo promoções ao longo dos anos. Mesmo assim, chegar ao cargo de comandante
de uma legião era uma honraria extremamente rara para alguém que não possuía sangue nobre.
— Embora esteja na Bretanha há apenas três semanas, o governador gostaria de saber suas impressões
sobre a lealdade das tribos do norte.
Marcus examinou o rosto do emissário, tentando descobrir aonde ele queria chegar com todos aqueles
rodeios.
— Enviei um relatório sobre esse assunto uma semana atrás — respondeu, sorvendo alguns goles de
vinho. — Os Brigantes parecem bons aliados e a rainha Cartimandua empenha-se como ninguém para
conter quaisquer indícios de revoltas entre sua tribo. Poucos líderes, como o falecido Dugald dos
Lopocares, ousam desafiar suas ordens e os que o fazem vêm a sofrer terríveis reprimendas. — Fez uma
pausa para observar melhor as reações de seu interlocutor, voltando a dizer, em seguida: — Não vejo
nenhum sinal de traição entre os Lopocares. O rei tem apenas cinco anos, portanto é jovem demais para
inspirar revoltas contra Roma. Quanto a Peganthus, o regente é um covarde e não possui herdeiros que
possam ameaçar o futuro do jovem rei. Aliás, segundo os rumores a respeito de suas preferências sexuais,
será difícil que ele venha a ter filhos...
Os dois romanos riram daquela insinuação maldosa, lembrando das maneiras afeminadas de Peganthus.
— O povo está começando a se recuperar das conseqüências de sua rebeldia e parece satisfeito com nosso
domínio — Marcus concluiu, sob o olhar aquiescente do emissário.
— O governador também pensa desse modo. Contudo, em longas conversas com a rainha Cartimandua,
na semana passada, ela mostrou-se bastante inquieta com os destinos desse clã... Embora a viúva do rei
Dugald seja sua própria filha, a rainha contou-nos que há boatos de que a jovem princesa esteja buscando

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alianças com as tribos selvagens do norte, o que seria prejudicial aos interesses de Roma. Já esteve em
contato com essa mulher?
— Ainda não. No entanto, meu tribuno falou-me que ela se preocupa bastante com seu povo e é muito
amada por todos.
— Exato. Aliás, também soubemos que ela é quem realmente governa esse clã. Esse é o problema... A
rainha Cartimandua teme que o regente seja fraco demais para controlar a filha, por isso, deseja que ela
retorne a Isurium para que despose alguém de sua inteira confiança.
— Cartimandua foi quem indicou Peganthus para ser o regente dos Lopocares — Marcus comentou, ten-
tando entender os meandros daquela situação delicada. — Por que concordamos com essa nomeação, se
ele não era o homem certo para esse cargo?
O velho meneou a cabeça, apreensivo.
— Todos os homens ligados a esse povo foram mortos após a rebelião. Peganthus estava com
Cartimandua em Isurium e não tomou parte desses levantes. Por essa razão, apesar de suas escassas
qualidades, recebeu essa regência como recompensa por ter sido leal.
— Se é do nosso interesse que essa mulher seja enviada para Cartimandua, eu mesmo cuidarei desse caso.
— Isso não será tão simples como parece — o emissário redarguiu, preocupado. — O reinado de
Cartimandua não é tão sólido quanto parece e até mesmo o clã de seu marido regularmente entra em
choque com seus desmandos. Na verdade, ele tentou tirá-la do trono, anos atrás, e Roma precisou enviar
tropas para conter os distúrbios. — O emissário deixou escapar um suspiro de desgosto diante daquelas
intermináveis contendas entre as tribos da Bretanha. — Grata por termos salvo sua coroa, Cartimandua
manteve a maioria dos clãs dos Hrigantes fora da grande rebelião. Entretanto, não podennos confiar nela.
Marcus deixou-se levar pelas lembranças... Estava a serviço na Germânia quando os relatos da rebelião na
Bretanha sacudiram o Império Romano. Para um Holdado, era difícil acreditar que uma mulher, a rainha
Moudicéia, pudesse ter liderado uma revolta tão sangrenta quanto aquela, que quase levara Roma a perder
uma de suas províncias. Aquela mulher causara a morto de quase setenta mil homens e a destruição de
três cidades, antes de ser capturada e morta. O governador daquela época lançara pesadas retaliações aos
clãs revoltosos, ao mesmo tempo que premiara todos os aliados de Roma.
— Então o governador pretende manter essa viúva como uma espécie de refém de Roma para garantir a
lealdade de Cartimandua? — Marcus indagou, de repente, adivinhando aonde o emissário queria chegar.
— Exatamente. Não confiamos o suficiente em Cartimandua para entregar-lhe a filha. Contudo, também
não podemos deixar a viúva sobre a tutela de Peganthus. — Deu um sorriso com um leve toque de
malícia. — O governador quer que você tome conta da princesa até que ele decida onde colocá-la.
Marcus engasgou com o vinho. Estava cheio de problemas militares para resolver naquela região, prin-
cipalmente relativos à defesa das fronteiras. A última coisa que precisava era aturar os caprichos
histéricos de uma viúva real. Na juventude, o breve casamento com a filha de um nobre gravara em sua
alma péssimas Impressões sobre a moral e os princípios da nobreza.
— Já informei Peganthus de que você removerá a viúva dessa casa e que também irá supervisionar a
educação do jovem rei. Aliás, deverá agir com discrição e diplomacia com o garoto — o emissário
revelou, enfatizando cada palavra. — Queremos que o futuro rei seja leal ao Império, mas,
simultaneamente, ele não poderá perder a proximidade com seu povo.
Marcus assentiu, relutante. Não seria difícil cuidar do menino, pois já havia transformado inúmeros
jovens em valorosos oficiais e guerreiros. Tomar conta da viúva seria o grande entrave daquela missão...
No fundo, não tinha a menor paciência ou jeito para lidar com mulheres, a não ser na cama... Num estalar
de dedos, encontrou a solução ideal para aquele problema: deixaria que Lineas se ocupasse da moça. O
tribuno ficaria irritado ao ser incumbido de mais um dever burocrático, no entanto, se ela fosse bonita,
com certeza, encontraria um jeito de tirar vantagem daquela situação.
Depois disso, os dois romanos discorreram mais um pouco sobre os problemas da Bretanha até que o
emissário pediu-lhe que contasse as novidades de Roma. Tendo chegado da capital há tão pouco tempo,
Marcus era uma fonte valiosa de informações, as quais o velho sorvia em absoluto êxtase. Gradualmente,
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o militar foi se sentindo à vontade na presença do nobre romano, chegando à conclusão de que ele era a
pessoa ideal para auxiliar o governador Maximus. Inteligente e perspicaz, o emissário complementava a
falta de tato de seu superior.
A chama da lareira já estava quase se extinguindo, quando finalmente mandaram dizer ao regente que
trouxesse lady Alena até eles. Ambos levantaram-se assim que Peganthus adentrou a sala, esbaforido.
— Venha, Alena. Sua presença é necessária aqui — ele murmurou, voltando-se para o vulto que per-
manecia na soleira.
Preguiçosamente, Marcus acompanhou o olhar de Peganthus, mais por dever do que por interesse. En-
tretanto o destino pregou-lhe uma enorme peça ao colocá-lo frente a frente com a jovem loira e selvagem
que o desafiara na arena. Embora tivesse trocado a túnica rústica e suja de lama por um belo vestido car-
mim, e os cabelos desgrenhados agora estivessem presos em uma longa trança dourada, a expressão orgu-
lhosa e arrogante continuava a mesma.
— Ave, administrador. Seja bem-vindo à terra dos Lopocares, o mais valente clã da tribo dos Brigantes.
— Suas palavras fluíam no mais castiço latim, enquanto suas maneiras eram plenas de dignidade, exa-
tamente o que faltava a Peganthus.
Marcus mordeu os lábios, contrariado. Esforçava-se para assimilar a dualidade daquela mulher ímpar que
o ofendera na rua com um pobre dialeto local, enquanto dominava o latim erudito e se portava com a
altivez de sua posição de viúva e mãe de reis.
E pensar que planejava comprar seus favores, pensou, com amargura.
— Seja bem-vinda, lady Alena — o administrador cumprimentou-a, estendendo-lhe a mão. — Trago-lhe
lembranças de sua mãe, a rainha Cartimandua, e do governador Maximus. Quero apresentá-la ao capitão
Marcus Vaíerius, o comandante da Sétima Legião, que chegou à Bretanha recentemente.
Só então ela prestou atenção no militar, empalidecendo ao reconhecê-lo.
— Lady Alena e eu já nos encontramos antes... — Marcus comunicou, irônico.
Surpreso, o velho romano fitou ambos à espera de maiores explicações. No entanto, como o legionário e a
dama permaneciam em silêncio, fez sinal para que todos se sentassem.
— Como sabe, lady Alena, estou aqui para representar o governador na reunião anual dos reis da Bre-
tanha — ele explicou, paciente. — Porém o governador Maximus também me incumbiu de uma missão
especial em seu reino...
Apesar dos olhos aflitos, Alena não fez nenhum comentário.
— A rainha Cartimandua quer que a enviemos de volta para sua corte, pois planeja casá-la com alguém
que esteja apto a cuidar dessas terras, até que seu filho tenha idade para assumir o trono.
— Minha mãe preocupa-se demais com o bem-estar de seus semelhantes — Alena retrucou, irônica. —
Todavia dispenso esse excesso de zelo. Estou muito bem aqui e, no momento, não tenho intenções de me
casar.
— Está viúva há vários anos. Sua mãe tem vários pretendentes para você — o velho declarou. — Mas não
se preocupe, saberemos conciliar os interesses de Roma e dos Brigantes, encontrando um homem que
satisfaça ambos os lados.
Ao ouvir aquelas palavras ásperas e francas, a mulher estremeceu, arregalando os olhos verdes com um
misto de apreensão e raiva. Apesar do pânico, continuou a desafiá-lo:
— Não pretendo me casar enquanto meu filho ainda for uma criança.
Marcus franziu as sobrancelhas, irritado com o arrojo daquela mulher. Como ela ousava desafiar os de-
sejos de Roma sem o menor constrangimento? Entretanto, apesar da ira, permaneceu em silêncio,
deixando que o administrador conduzisse a conversa.
— Sei que seu filho tem apenas cinco anos, porém estará sob os cuidados de seu tio enquanto durar essa
regência.
Alena não fez o menor esforço para esconder o desprezo que a presença de Peganthus lhe causava.

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— Meu tio tem pouco tempo para providenciar todos os cuidados que uma criança pequena requer. E
também não está tão familiarizado com os problemas de nosso clã como eu. Logo, minha presença em
Corsto-pitum é extremamente necessária.
Diante de tamanha teimosia, até mesmo o mais cauteloso diplomata acabaria perdendo a paciência.
— Apesar de seus argumentos, lady Alena — o administrador começou, tentando aparentar calma —
devo comunicá-la que o governador decidiu cuidar de seu futuro pessoalmente. Portanto, deverá deixar
esta casa, permanecendo sob a tutela de Marcus Valerius, até que decidamos com sua mãe que rumo
daremos à sua vida. Aliás, o capitão também recebeu instruções para supervisionar a educação de seu
filho.
Alena fitou Marcus, medindo-o de alto a baixo com ódio e desprezo. Contudo, dessa vez, sua arrogância
não conseguiu diverti-lo como na arena; ao contrário, agora, aquele olhar petulante e cheio de desdém
havia se transformado em uma afronta à sua autoridade de oficial romano, ferindo-lhe as entranhas com a
fúria de um punhal. Por fim, ela se voltou para o administrador, agindo como se o capitão nem sequer
existisse.
Marcus cerrou os punhos, furioso com aqueles insultos. Poucos homens ou mulheres ousavam desafiar
um comandante romano daquela maneira. Entretanto, iria fazê-la pagar por isso...
— Pode retirar-se agora, lady Alena — o administrador ordenou, plácidamente, como se estivesse acima
daqueles problemas. — Amanhã, retomarei minha jornada pelos reinos da Bretanha, mas, tão logo
regresse a Londinium, tornarei a discutir seu casamento com a rainha Cartimandua. Nesse meio tempo,
como já disse, ficará sob a responsabilidade do capitão Valerius.
Alena continuou imóvel no meio da sala. Embora fosse contra seus princípios implorar, ainda fez mais
uma tentativa para demovê-los daquelas intenções.
— Há muitos anos, vivo nestas terras na mais absoluta segurança, portanto, não necessito da proteção
desse homem.
Marcus já suportara demais tamanha humilhação. Nobre ou não, daqui para a frente, iria cuidar daquela
garota arrogante à sua própria maneira...
— Ainda não se deu conta de sua importância, lady Alena — provocou, sarcástico. — Seu filho herdará
estas terras em poucos anos, logo, devo zelar para que não seja raptada por alguém que não esteja de
acordo com os interesses de Roma.
— E quanto aos meus interesses e ao bem-estar do meu povo? — redarguiu, sem receio de demonstrar
sua hostilidade para com os desmandos do Império Romano.
— Basta! — Marcus ordenou, com a intolerância dos ditadores.— Arrume suas coisas e esteja pronta
para partir em uma hora.
Alena recuou, surpresa com aquela ordem ríspida. Seu rosto parecia esculpido em mármore, devido à ri-
gidez dos músculos. Sem retrucar, deixou a sala com a cabeça erguida e os ombros alinhados, como se
tivesse ganho uma batalha, ao invés de tê-la perdido.
Assim que ela desapareceu, os dois romanos voltaram a se concentrar na figura inexpressiva do regente.
Trêmulo e molhado de suor, Peganthus mais parecia um vulto disforme do que um homem de carne e
osso. Nem de longe, lembrava a tenacidade e o orgulho da jovem mulher que acabara de desafiar as
ordens de Roma; ao contrário, a amargura em sua face pálida era digna de piedade...
Inflexível, o administrador avisou:
— Você continuará desempenhando suas obrigações de regente, entretanto, estará sujeito à fiscalização
de Marcus Valerius. Agora vá e trate para que esteja tudo pronto para a partida de lady Alena.
Peganthus desapareceu da frente deles, sem esboçar qualquer reação.
— Temo que essa mulher tenha passado tempo demais sem a presença austera de um marido para impor-
lhe obediência — o velho comentou, sorrindo maliciosamente. — Terá muitos problemas para discipliná-
la.
Marcus retribuiu o sorriso. Agora não era mais uma questão de estado, domar o gênio rebelde e impulsivo
daquela mulher tornara-se um desafio pessoal.
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— Em pouco tempo, não irá reconhecê-la — garantiu, convencido de sua superioridade.
— Assim espero... — o velho declarou, erguendo-lhe um brinde.

CAPÍTULO TRÊS

Alena ficou imóvel no corredor entre a sala principal e seus aposentos, tentando controlar o ódio que
envenenava seu coração. Fizera um esforço sobre-humano para manter a compostura na frente dos
romanos, porém, agora que estava sozinha, sentia-se à beira de um colapso nervoso. O corpo tremia
violentamente, como se estivesse sendo sacudido pelas mais fortes ondas do mar, e a cabeça parecia
rodar, acompanhada por desagradáveis náuseas. Mesmo assim, não se permitia fraquejar em um momento
tão decisivo quanto aquele; pelo bem do filho e de seu povo, deveria continuar a ser forte. Lentamente,
relaxou os braços, deixando que pendessem ao longo do corpo, e, com um gemido de dor, examinou o
estrago que fizera em suas mãos, ao cravar-lhes as próprias unhas em um dos momentos mais
desesperadores daquele encontro.
Uma nova e revigorante golfada de ódio invadiu suas entranhas, ao recordar as palavras desprezíveis do
administrador... Roma iria cuidar de seu futuro daqui para a frente, pois sim, isso é o que pensavam! Iria
mostrar àqueles porcos romanos que não podia ser manipulada de um lado para outro como se fosse um
brinquedo!
— Alena, minha menina, o que aconteceu? — Aquela voz calma penetrou em sua mente conturbada, tra-
zendo-a de volta à realidade. Aos poucos, foi saindo daquele transe, encontrando um par de olhos que a
fitava com carinho e preocupação.
— Oh! Nelwyn... — suspirou, sentindo uma dor lancinante no peito. Às vezes gostaria de ser uma garota
qualquer, até mesmo uma escrava, apenas para poder chorar à vontade, sem ter que conter minhas
emoções em nome da honra. — A partir desse instante, estou sob a tutela de Roma... Em breve, serei
levada para um acampamento, onde ficarei até que o governador e minha mãe escolham meu próximo
marido.
A sacerdotisa recuou alguns passos ante o peso daquela revelação. No entanto, seu rosto continuava a
exibir a placidez e a determinação que a caracterizavam. Seu auto-controle era tão poderoso que ninguém
conseguia descobrir o que realmente estava sentindo ou pensando, a menos que ela assim o desejasse.
— Venha, precisamos conversar sobre isso.
— Não, Nelwyn, irei procurá-la mais tarde. Agora tenho que falar com meu filho.
A velha fez um gesto de aquiescência, deixando que Alena seguisse seus impulsos. Depois pousou dois
beijos afetuosos em seu rosto e desapareceu nos longos Corredores do palácio.
Com o coração apertado, a jovem dirigiu-se aos aposentos do filho, sabendo que iria enfrentar uma das
Conversas mais difíceis de toda sua vida... Como poderia encarar aqueles olhos brilhantes e infantis e
dizer-lhe que iria partir? Que os deuses lhe dessem forças para suportar tamanha provação!
Alheio àquele drama, o menino brincava feliz com lius soldados de madeira, sob os olhares amorosos dos
escravos que o serviam desde que nascera. Ao ver a mãe, fitou-a com seu sorriso mais terno.
— Como está a batalha, Megarric?—Alena indagou, esforçando-se para disfarçar a tristeza e a angústia.
—Veja, mamãe! — pediu, entusiasmado. — O exército dos Lopocares acabou de derrotar uma invasão do
sul!
— Ótimo! Mas agora deixe-os por um momento. Temos algo importante a conversar. — Ela ajoelhou-se
ao lado do filho, envolvendo-o em um longo abraço. Quisera jamais ter que se afastar do filho!
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Como todo menino que já pensa ser adulto, Megarric debateu-se para se soltar, ficando a fitá-la, curioso.
— Ficarei longe por algum tempo, meu filho. O governador resolveu colocar-me sob sua proteção, por
isso, serei levada para o acampamento romano. —Ante o olhar assustado e confuso do menino,
acrescentou: — Ele também decidiu que sua educação ficará a cargo do capitão romano.
Um brilho de entusiasmo iluminou aquele rosto pueril.
— Verdade, mamãe? Irei aprender a lutar como um soldado e liderar meus guerreiros em uma batalha?
Alena suprimiu um gemido de angústia. Apesar da juventude, Megarric já demonstrava a coragem e a
valentia características de seu povo, o que geralmente a deixava muito orgulhosa. Entretanto, nesse
momento, era doloroso constatar que ele aceitara sua partida com tanta facilidade, só porque poderia
treinar junto com soldados.
— Sim, querido, irá aprender tudo isso — respondeu, procurando sorrir. Acima de tudo, queria deixá-lo
alegre. — Só os deuses podem prever quanto tempo os romanos ficarão em nossas terras, portanto, já que
irá liderar os Lopocares um dia, é necessário que conheça suas táticas tão bem quanto as nossas.
— É por isso que me fez aprender a língua deles e não permitiu que eu fosse enviado para o treinamento?
Ela achou graça naquela queixa tardia. Era costume entre os nobres celtas deixar os filhos sob a tutela de
guerreiros valorosos, os quais deveriam treiná-los para lutar desde a mais tenra idade. Além de
desenvolver a habilidade e a independência dos jovens, esse procedimento ajudava a reforçar as alianças
entre os vizinhos, já que havia sempre o intercâmbio de clãs entre aluno e mestre. Megarric deveria ter
iniciado seu treinamento no ano anterior, no reino do oeste. Porém, como Alena ainda não suportava a
idéia de ficarem afastados, conseguira convencer Peganthus a adiar aquela partida por mais algum tempo.
— Bem, agora que irá aprender os segredos e habilidades dos romanos, quero que me mostre seus pro-
gressos diariamente. — Em silêncio, orou a Epona, a deusa-mãe, para que pudesse vê-lo todos os dias. O
estômago se contraiu de dor, ao lembrar que essa decisão iria depender da vontade daquele arrogante e
desprezível oficial.
Alena abraçou o menino mais uma vez, contando-lhe antigas lendas celtas sobre a honra e a coragem de
seu povo. Apenas quando uma escrava veio perguntar-lhe se precisava de algo, lembrou-se de que os
romanos a esperavam. Ternamente, despediu-se do filho que voltou a brincar com os soldadinhos como se
nada de grave tivesse acontecido. Então foi à procura de Nelwyn.
A sacerdotisa a esperava na penumbra de seus aposentos, segurando antigos amuletos celtas. Com res-
peito, Alena aproximou-se, pousando a cabeça no colo da mulher que considerava sua verdadeira mãe.
— Cuidará de Megarric até que eu volte, irmã? — indagou, quebrando um longo silêncio.
— Sabe que sim, minha querida. Agora, conte-me o que aconteceu.
Rapidamente, Alena relatou sua conversa com o emissário do governador.
— Por que esses romanos decidiram levá-la, após todos esses anos? Será que ficaram sabendo sobre seus
acordos com Beorth?
— Não posso afirmar nada... Mas devem suspeitar de algo. Disseram que querem ter a certeza de que não
me casarei com alguém hostil aos interesses de Roma. Sabe tão bem quanto eu que Beorth é esse homem.
— Sim. De todos os guerreiros que já conheci, Beorth é um dos mais valentes e jamais irá se submeter
aos caprichos de Roma. — Um pálido sorriso amenizou sua expressão severa. — Ele nem mesmo se
submeteu aos desmandos de Dugald, quando esteve aqui para ser treinado. Aliás, pude observar,
fascinada, a amizade de vocês dois florescer e tornar-se forte naqueles tempos difíceis.
— Beorth era tão impetuoso e atrevido, sempre lutando ou discutindo! — Alena riu, saudosa. — Mal
acreditou quando o superei no arremesso de lança! A partir daquele momento, conquistei seu respeito e
passamos a treinar juntos, rindo e correndo pelos campos como bons amigos. Com os anos, seus
músculos ficaram mais fortes e ele finalmente conseguiu me superar. Depois de me vencer algumas
vezes, deu-se por satisfeito.
— Não de todo... — a velha insinuou. — Beorth sempre a desejou. Na verdade, eu temia que você se
deitasse com ele antes, ou mesmo depois, de consumar seu casamento com Dugald.

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— Ele bem que tentou, irmã.... — admitiu, sorridente. — Mas eu jamais poderia quebrar os votos do meu
matrimônio.
— Essa é minha magnífica Alena! — Nelwyn exclamou, orgulhosa. — Desde pequena, já possuía cons-
ciência de seus deveres e honra sem que ninguém precisasse lembrar-lhe de nada... Era óbvio, para todos,
que o garoto a desejava; ele mal conseguia disfarçar esses sentimentos no último ano em que esteve
conosco. Foi uma bênção dos deuses os presságios que tive para enviá-lo de volta ao seu povo.
— Será que devemos agradecer os presságios ou sua interpretação para eles? — questionou, audaciosa.
Ante o olhar reprovador de Nelwyn, corrigiu-se: — Não fique zangada comigo! Sei que não iria
manipular o oráculo inescrupulosamente... A menos, é claro, que achasse o assunto de extrema
necessidade.
Nelwyn balançou a cabeça, pensativa.
— Às vezes surpreendo-me pensando se realmente interpretei aqueles sinais de maneira correta. Mandar
o garoto de volta para casa de forma tão repentina marcou o fim da mais longa trégua entre nossos povos.
O pai de Beorth jurou vingança por esse insulto e os ataques do norte tornaram-se muito mais selvagens.
— Se não tivessem essa desculpa, arranjariam qualquer outro pretexto. Nosso clã nunca se entendeu com
as tribos do norte. Além disso, depois que Beorth tornou-se rei, os ataques diminuíram de intensidade...
— Fez uma pausa, procurando colocar os pensamentos em ordem. Tudo estava acontecendo tão rápido
que já não tinha certeza de quase nada... — A última mensagem que me enviou era extremamente
tentadora, Nelwyn. Ele prometia interromper os ataques e libertar nossas terras do domínio de Roma se
nos uníssemos.
— Ele seria capaz disso...
Alena arregalou os olhos, esperançosa.
— Os deuses lhe disseram isso?
— Não, minha criança...
— Oh! Nelwyn, não sei o que fazer! Apenas Beorth poderia expulsar os romanos da Bretanha, se isso for
possível... Mas tenho receio de submeter nosso povo a novas lulas e privações, justamente quando
estamos nos recuperando das conseqüências da última rebelião.
Temo que Roma envie mais e mais tropas, massacrando tudo que encontrarem pelo caminho...
— Desde a destruição do templo sagrado de Mora e a proibição dos nossos rituais, os sacerdotes e sacer-
dotisas celtas não voltaram a se reunir para celebrar os solsticios anuais, portanto, a comunicação entre a
tribo foi quebrada. Não sei mais o que se passa a oeste, nem a leste, e tudo o que consigo saber vem dos
relatos discretos dos viajantes. Minha alma está cheia de rancor por causa desses invasores e Beorth seria
nossa única chance de liberdade.
Aleña baixou a cabeça, desanimada, como se carregasse um fardo enorme e pesado sobre os ombros.
— Os costumes selvagens de Beorth me assustam, embora ele não deva ser pior do que Dugald... — Er-
gueu os olhos, encarando a sacerdotisa. — Será que tenho o direito de hesitar quanto ao destino de meu
povo, apenas porque meu corpo teme as caricias de um homem?
Nelwyn sabia muito bem todas as humilhações e maus-tratos que Aleña sofrerá nas mãos de Dugald.
Portanto, jamais poderia condená-la por seus temores...
— A decisão de entregar-se a Beorth pertence apenas a você, minha menina. No entanto, irei orar aos
deuses à espera de algum presságio que possa ajudá-la. — Devagar, Nelwyn levantou-se, erguendo Alena
do chão. — Deve partir agora. Não se preocupe com seu filho, cuidarei dele com o mesmo amor com que
cuidei de você.
Alena beijou-a, agradecida, e partiu. Porém, mal alcançara o corredor, foi interceptada por Peganthus.
— Mulher, o que está fazendo? Será que pretende atrair toda a fúria de Roma sobre nossas cabeças? —
vociferou, destemperado. — O tempo que os romanos lhe deram para arrumar suas coisas já se esgotou e
vejo que ainda não tomou nenhuma providência.
Alena deu-lhe as costas, trancando-se em seus aposentos. Como um homem que descendia de guerreiros
destemidos poderia ser tão covarde como Peganthus? Talvez nunca encontrasse uma resposta para isso...
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Assim que o prazo de Alena se encerrou, Marcus despediu-se do administrador e foi ter com sua tropa. Já
enviara alguns soldados de volta ao acampamento para providenciar acomodações para a princesa, de
modo que estava tudo controle.
Montado em seu cavalo, suportou com estoicismo o sol quente e os latidos inoportunos dos cachorros,
acreditando que, a qualquer instante, Peganthus lhe entregaria a refém. Contudo, os segundos foram se
transformando em minutos e nem sinal de Alena. Ao final de meia hora de espera, resolveu dar um basta
naquela situação embaraçosa.
— Onde está ela? — interpelou Peganthus, na entrada no palácio.
— Já mandei chamá-la, capitão... — respondeu, beliscando-se de tão nervoso. — Ela está trancada em
seu quarto, mas tenho certeza de que...
Marcus não quis ouvir mais nada. Deixou Peganthus para trás e seguiu pelo corredor principal, abrindo
todas as portas que encontrava, à procura daquela mulher enervante.
Atraído pelo barulho das portas, não demorou muito o administador-geral surgiu no corredor, inquirindo
o regente co m o olhar.
— Não foi minha culpa, excelência — foi logo se desculpando. — Alena recusou-se a seguir as ordens
para arrumar sua bagagem. Não pude fazer nada a respeito...
De repente, uma gritaria assustadora tomou conta do palácio, vinda dos fundos. Ambos entreolharam-se,
perplexos, e dirigiram-se para o epicentro daquela confusão. No caminho, encontraram um bando de
escravas que fugia, em pânico, de um dos quartos. Logo em seguida, daquela mesma porta emergiu
Alena, com as faces afogueadas e os cabelos desgrenhados.
— Não ouse me tocar! — berrou para Marcus, que tentava agarrá-la.
Ignorando aquela ameaça, ele a segurou pelos ombros e deu-lhe uma vigorosa sacudida. Depois, carre-
gou-a no colo até a entrada. Peganthus e o administrador assistiram à cena boquiabertos, no entanto, não
emitiram nenhum comentário.
— Tenho uma proposta a lhe fazer... — ele disse, áspero. — Ou monta naquele cavalo e me acompanha
até o acampamento como uma boa garota, ou então irei colocá-la, amarrada, sobre minha sela, como se
fosse uma prenda de guerra. A escolha é sua.
Lágrimas de ódio e humilhação embaçaram os olhos de Alena.
— Bastardo! — explodiu, entre soluços. — Irá me pagar bem caro por essa afronta! — Para surpresa de
todos, virou as costas ao capitão e retrocedeu, decidida a voltar para a segurança de seu quarto.
Entretanto, antes que desse três passos, ele a deteve com um gesto brusco e violento, que chegou a rasgar
a manga de seu vestido carmim.
Sem lhe dar oportunidade de contra-ataque, Marcus a colocou sobre os ombros e a carregou para fora, en-
quanto ela esmurrava suas costas.
— Tire essas mãos sujas de cima de mim, seu infeliz! — ela protestava a plenos pulmões, enquanto ele
tentava colocá-la sobre o cavalo.
— Veja, Peganthus — o administrador murmurou, com ar divertido. — Parece que o capitão Marcus terá
bastante trabalho com essa mulher... Sinceramente, não gostaria de estar no lugar dele.
— Nem eu... — o outro admitiu, aliviado. Pelo menos por algum tempo, estaria livre da rebeldia e
impetuosidade de Alena.
— O que me diz, lady Alena? Cavalga sozinha ou terei que amarrá-la? — Marcus indagou, disposto a
cumprir aquela ameaça com prazer.
Ela olhou ao redor, reparando nas faces zombeteiras dos soldados. Cheia de revolta, aprumou os ombros e
ergueu o queixo, fitando Marcus, desafiadoramente. O sangue celta borbulhava em suas veias, clamando
por vingança; se tivesse uma espada ou mesmo um punhal ao seu alcance, não teria pensado duas vezes
para cortar-lhe a garganta, sem medir as conseqüências.
Riam enquanto podem, porcos romanos! Chegará o dia em que seus sorrisos irão se transformar em
caretas de dor! Pensou, recordando a proposta de Beorth para expulsar todos os latinos da Bretanha.
Contudo, naquele momento, não havia nada a fazer...
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Cansado de esperar por uma resposta, Marcus montou no seu garanhão preto e, diante da fisionomia per-
plexa da princesa, tomou-lhe as rédeas.
Alena não conseguia pensar em uma humilhação maior do que aquela: atravessar a cidade, sob os olhares
decepcionados de seu povo, sem poder guiar a própria montaria! Por orgulho, conteve as lágrimas que
ameaçavam desabar de seus olhos, ostentando uma expressão de frieza e superioridade. Contudo, ao
cruzar os portais do acampamento romano, sentiu uma pontada no estômago, como se tivesse acabado de
ser atingida por uma flecha. Ali, cercada de inimigos por todos os lados, sentiu-se solitária e frágil como
jamais imaginara ser possível. Mesmo assim, não esmoreceu; mordendo os lábios, sustentou seu ar de
arrogância.
Assim que pararam, Marcus desmontou, trocando algumas palavras com o sargento que havia retomado
antes para preparar acomodações para lady Alena. Então, aproximou-se dela, oferecendo-lhe ajuda para
desmontar.
Desprezando aquele gesto cavalheiresco, Alena saltou da sela com desenvoltura. No entanto, o resultado
final foi desastroso, já que a bainha do vestido enroscou na sela.
Com um sorriso sarcástico nos lábios, Marcus acompanhou as tentativas inúteis de Alena para soltar-se.
Por fim, resolveu ajudá-la, rasgando a parte enroscada do vestido com um puxão. Agora seu traje estava
completamente esfarrapado, além do rasgo no ombro, deixava à mostra parte de suas coxas.
— Se pretendia envergonhar-me, romano, teve sucesso absoluto. Agora deixe-me em paz! — admitiu,
soltando farpas de ódio pelos olhos.
— Você ficará nesta casa e não poderá receber nenhuma visita sem minha permissão — informou, com
rispidez, apontando para uma bela construção de pedra, próxima ao templo. — Mandarei buscar suas es-
cravas, bem como sua bagagem.
Alena ergueu a cabeça e caminhou até a casa no mais absoluto silêncio, como se estivesse desfilando
pelos salões de seu palácio.

CAPÍTULO QUATRO

O temperamento rebelde de Alena inflamava-se com extrema facilidade, entretanto, sua fúria, apesar de
intensa, passava rapidamente. Dessa vez, contudo, tinha a sensação de que jamais conseguiria se acalmar.
Transtornada, andava de um lado para outro, incitando a fúria dos deuses celtas sobre os romanos,
enquanto os escravos da casa encolhiam-se nos cantos, cheios de medo. Por fim, percebendo que era
injusto descontar a raiva em cima daquelas pessoas indefesas que não tinham a mínima culpa por seus
problemas, esforçou-se para conter aquele acesso de raiva. Aos poucos, a ira foi desaparecendo, dando
lugar a um esgotamento físico e mental. Exausta, deixou-se vencer pelo sono, deitada em um tapete de
pele de urso.
Quando voltou a abrir os olhos, a casa estava mergulhada na penumbra, com uma ou outra tocha acesa
pelos cômodos. Devia ter dormido por horas a fio, uma vez que o sol já havia se posto.
Megarric! Como ele estará? Indagou-se, aflita. Jamais havia passado uma só noite longe do filho e essa
distância lhe dava uma sensação de vazio e angústia.
— Acalme-se, Alena — murmurou, para si mesma, tentando interceptar mais um acesso de raiva, antes
que viesse à tona. Agora, mais do que nunca, precisava agir com lucidez e frieza, sem rompantes de
impetuosidade que só poriam tudo a perder. Teria que se adaptar às regras dos inimigos; se eles eram os
mestres da estratégia, deveria fazer o mesmo, superando-os. Só assim conseguiria assumir as rédeas de
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seu destino outra vez. Mas aquele capitão, o tal de Marcus Valerius, a tirava do sério apenas com aquela
voz irritante ou com os músculos desenvolvidos do dorso! O que haveria naquele homem para irritá-la
com tanta facilidade?
Disposta a afastar aqueles pensamentos, resolveu inspecionar a casa. Embora tivesse andado por todos os
cômodos anteriormente, o nervosismo a impedira de prestar atenção ao que quer que fosse. Só então
reparou no luxo e conforto daquela residência, que obedecia à risca aos padrões romanos. Os celtas
costumam empregar suas riquezas em gado, cavalos e jóias, reservando poucos ou nenhum cuidado para a
moradia. Portanto, apesar de ser da nobreza, não estava habituada àquela decoração sofisticada. Além de
móveis diferentes, peças de cerâmica, estatuetas e tapetes orientais que ornavam a casa, o que mais lhe
causou admiração foi um minúsculo pátio interno, para onde todos os cômodos convergiam.
Ali, havia um jardim cuidado com maestria, onde floresciam plantas exóticas trazidas de outras partes do
mundo. Em meio às flores, havia várias estátuas de garotas seminuas com flores nos cabelos e flautas ou
harpas nas mãos. No fundo do pátio, ladeado por colunas de mármore, destacava-se um pequeno altar
com três estatuetas de figuras humanas. Atenta, tentou memorizar todos os detalhes para, mais tarde, po-
der contar a Nelwym.
A imagem central era de um homem forte e atlético, com um emaranhado de cobras na cabeça em vez de
cabelos; as outras duas figuras, ocupavam-se em trazer-lhe oferendas.
Deve ser um dos muitos deuses romanos, Alena concluiu, achando graça naquela concepção de
divindade. Para seu povo, os deuses não possuíam formas definidas, muito menos eram representados por
figuras humanas; os celtas acreditavam que seus deuses eram espíritos que habitavam rios, montanhas,
árvores.
Ao lado do altar, ficava uma fonte de mármore com água cristalina. Encantada com aquela beleza, Alena
sentou-se na relva macia, esquecendo temporariamente todos os seus problemas e preocupações. Não de-
morou muito, duas escravas vieram ao seu encontro, indagando se podiam servir-lhe algo para comer. Ela
assentiu e, era poucos minutos, as moças trouxeram-lhe almofadas, para que pudesse se recostar, e uma
mesa baixa, que mais parecia um banquinho. Logo estava confortavelmente acomodada no jardim, sabo-
reando leite, queijos e frutas diversas. Mas, apesar de suas tentativas para ser gentil, as escravas agiam
com reservas, ainda assustadas com os gritos e as pragas daquela tarde.
Após a refeição, continuou sentada no jardim, admirando o céu estrelado. Sim, ao menos ainda podia se
dar a esse luxo sem receber ordens de ninguém. Mas logo iriam casá-la outra vez e teria que se submeter a
todas as vontades de seu novo senhor. Por que Cartimandua havia se lembrado dela, afinal? Não seria me-
lhor tê-la deixado ali mesmo com seu filho? Jamais iria entender o coração de sua mãe... Jamais... Às
vezes chegava a se indagar se ela realmente a amava...
Aos scis anos, fora enviada para Corstopitum, como a noiva do rei Dugald dos Lopocares e nunca mais
tornara a ver sua mãe, a rainha Cartimandua. Desde o princípio, soubera que aquele casamento não
passava de uma união de interesses de ambos os lados: Dugald queria uma trégua com os Brigantes, além
do rico dote de Alena; em troca, a rainha esperava que ele defendesse as fronteiras do norte. Quanto à
noiva, ficara esquecida, sob os cuidados de Nelwim, até o final de sua infância.
Alena riu, lembrando dos artifícios que usara para escapar da vigilância da sacerdotisa e correr pelos cam-
pos livremente. Graças àquelas escapadas diárias, aprendera a cavalgar e a usar armas com destreza,
igualando-se, em habilidade, aos melhores guerreiros; somente em força é que ficava em desvantagem em
relação aos homens.
Todo o clã dos Lopocares a vira crescer, passando a amá-la como se fosse uma filha. Com o tempo, o
povo começara a confiar-lhe seus problemas, os quais ela prontamente tentava resolver com o marido.
Aquela infância feliz chegara ao fim abruptamente, quando Dugald resolvera consumar seu casamento.
Apesar de virgem, Alena sabia muito bem o que a esperava na alcova do marido, pois privacidade era
algo que não existia naquele palácio. Além de já haver flagrado o marido fazendo sexo com suas
incontáveis concubinas, era muito comum, no palácio, que um banquete terminasse em orgia, com os
nobres atacando as escravas, depois de bastante vinho.
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As lembranças de sua noite de nupcias pareciam estar gravadas em sua memória a ferro, pois nem mesmo
o tempo tinha conseguido apagar a dor e a revolta que sentira ao ser tocada por Dugald. Após uma série
de rituais celtas, Alena fora conduzida ao leito do esposo, que a iniciara na arte do sexo sem um pingo de
sensibilidade. O marido cheirava mal, uma mescla desagradável de vinho com odor de cavalos, mas o
pior é que fora extremamente bruto e selvagem com sua esposa-menina, como, de fato, era com todas as
mulheres com quem se deitava.
Uma das vezes em que sua selvageria já estava passando dos limites suportáveis, Alena conseguira pegar
um punhal, ameaçando o marido de morte se ele continuasse a tocá-la. Contudo, embora ele a tivesse
poupado naquela noite, voltara a importuná-la sempre que desejava, deixando um rastro de hematomas
em seu corpo infantil. Por tudo isso, quando Dugald partira para guerrear contra os romanos, Alena
respirara aliviada, concentrando todas as suas energias em governar o reino. Por fim, os rebeldes foram
vencidos e, antes de Dugald ser capturado e morto pelos romanos, ainda estivera no leito da esposa uma
última vez. A conseqüência daquela noite de despedidas aparecera meses depois, ao descobrir que estava
grávida.
Após a morte dos líderes da rebelião, teve início um período de desgraça e sofrimento para todos os
Lopocares. Quase todos os homens adultos foram levados para longe, como escravos. Por obra de
Cartimandua, as filhas e esposas dos nobres foram poupadas da escravidão, graças um terrível motivo: a
própria rainha queria dá-las de presente para seus aliados. Quanto à filha, ordenara que retornasse para
sua corte, porém Alena se recusara a obedecer a mãe, alegando que não poderia se submeter a uma
viagem tão longa, grávida.
A vida em Corstopitum, sob o controle de Roma, havia se tornado um verdadeiro suplício. Centenas de
mulheres, crianças e velhos morreram de frio e de fome nos primeiros meses e, embora desfrutasse de
uma condição um pouco melhor, Alena também passara por inúmeras privações. Mesmo assim, não
arredara pé dali, suportando tudo ao lado de seu povo.
Com o passar do tempo, compreendera que deveria fazer algo para salvar o clã dos Lopocares da
destruição absoluta, por isso, aprendera a falar latim e começara a interferir nas questões políticas,
exigindo melhores condições de vida junto aos romanos. Gradualmente, os membros do clã voltaram a
pedir-lhe ajuda para resolver seus problemas, desconsiderando a figura patética de Peganthus, o regente
oficial do reino.
Após o primeiro ano de ocupação, os romanos trouxeram alguns homens do sul e permitiram a volta de
alguns Lopocares que não haviam tomado parte da rebelião. Casas foram construídas e as plantações e os
rebanhos voltaram a ser cuidados, melhorando um pouco a vida dos sobreviventes. Porém foi apenas com
a chegada do tribuno Lineas Flavius que tudo pareceu entrar nos eixos novamente.
Com seu charme e senso de humor. Lineas conquistara a amizade de Alena, fazendo várias concessões
aos Lopocares. No entanto, ele sempre fizera questão de demonstrar seu real interesse pela princesa,
convidando-a inúmeras vezes para compartilharem a mesma cama.
Pela primeira vez na vida, Alena sentira atração por um homem. Sim, tinha que admitir que chegara a
desejar ardentemente o corpo viril de Lineas junto ao seu, tocando suas partes mais íntimas... Porém as
lembranças da selvageria de Dugald foram mais fortes, dando-lhe forças para resistir às investidas do
romano. Tudo o que conhecia sobre sexo era a dor e a humilhação de se submeter à brutalidade de um
homem, portanto, estava convencida de que uma mulher jamais poderia sentir prazer naquele ato
libidinoso.
Dividindo o tempo entre as atribuições políticas e os cuidados com o bebê, Alena conseguira preencher
cada minuto de seu dia. Contudo, sempre que sentia a chama do desejo brotar em seu íntimo, alastrando-
se rapidamente por todas as partes do corpo, procurava gastar as energias com alguma atividade física
desgastante. Dessa forma, aliando sua necessidade de distração com a importância de ensinar aos jovens
do clã as técnicas de combate, conseguira a permissão de Lineas para treinar arremesso de lanças na
arena, construída pelos romanos.

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Fechando os olhos, lembrou-se do encontro com o capitão Marcus Valerius... Por que tivera que provocá-
lo, afinal? O que será que aquele romano tinha para deixar-lhe o sangue quente e os nervos à flor da pele?
Sua cabeça fervilhava de dúvidas, para as quais não conseguia encontrar respostas...
— Só sei de uma coisa... — murmurou, pensando alto. — Odeio esse homem com todas as forças do meu
ser!
Com tantos homens na Bretanha, por que tivera que ser entregue justamente aos cuidados daquele in-
tragável capitão? Até mesmo Dugald, apesar de maltratá-la na cama, sempre havia respeitado sua figura
em público. De uma coisa tinha certeza, não seria nada fácil negociar com Marcus Valerius,
especialmente porque acabava perdendo as estribeiras toda vez que o encontrava...
Com Lineas, nunca tivera aquele tipo de problema; costumavam conversar amigavelmente e o tribuno
sempre acabava lhe fazendo concessões. Suas únicas divergências eram sobre os pesados tributos que os
Lopocares ainda pagavam e a proibição das práticas de magia pelos druidas, os sacerdotes celtas.
Alena ergueu-se da relva, voltando para o interior da casa. Precisava arranjar um meio de controlar seu
mau gênio ou tudo estaria perdido. De repente, um ruído discreto interrompeu suas divagações, anuncian-
do a chegada de suas próprias serviçais.
Uma jovem de cabelos vermelhos como o fogo e pele rosada veio ao seu encontro, arregalando ainda
mais os olhos assustados ao reparar nos rasgos do vestido.
— Lady Alena, está tudo bem? Fiquei apavorada quando aquele romano invadiu seus aposentos e a levou
embora. Tive medo que lhe fizesse alguma maldade...
— Não posso dizer que me diverti... — Alena respondeu, irônica, tentando fazer piada à custa dos pró-
prios infortúnios. Entretanto, seu senso de humor era excessivamente mordaz e espirituoso para a
compreensão da tímida Ethelyn.
Ethelyn franziu o cenho; já perdera a conta do número de vezes que tentara entender as risadas e os
comentários ferinos de Alena, logo após ter sido molestada por Dugald. Tão pouco conseguira descobrir
por que sua senhora viera consolá-la em seu mísero catre de palha, todas as vezes em que também fora
vítima do desejo incontrolável do rei. Não passava pela cabeça da serva que aquelas gargalhadas
pudessem ser uma forma de protesto e manifestação de revolta.
— Vamos, Ethelyn, mostre-me o que trouxe — a princesa disse, tentando minimizar o espanto da serva.
Juntas reviraram todos os cestos que os soldados haviam trazido do palácio, porém não havia muito o que
olhar. Além de três vestidos acetinados, incluindo o que estava usando, alguns braceletes e uma
gargantilha de ouro, todas as suas jóias e objetos de uso pessoal haviam sido confiscados pelos romanos
após a rebelião. Como qualquer mulher, Alena também gostaria de comprar novos artigos de luxo,
principalmente agora que mercadores romanos haviam se fixado ao redor do acampamento, trazendo
tecidos, jóias e objetos tão belos e delicados como já mais vira antes. No entanto, não se permitia esse
tipo de vaidade, sabendo que o povo passava fome, do lado de fora do palácio.
Com um suspiro amargurado, despiu-se e pôde examinar melhor os estragos em seu belo traje carmim.
Seria difícil consertá-lo, mas valia a pena tentar.
— Ethelyn, veja o que pode fazer por esse vestido — ordenou, entregando-lhe a peça, porém a jovem
continuou imóvel, com uma expressão de horror no rosto. Acompanhando o olhar da moça, Alena acabou
descobrindo manchas roxas, quase negras, em seus braços e ombros. Surpresa, passou as mãos pelos
hematomas, sentindo calafrios de dor. Estava tão furiosa com o capitão que, até aquele instante, nem
havia percebido o quanto ele a machucara com seus modos brutos e insolentes.
Com os olhos injetados de raiva, ergueu as mãos ao céu, fazendo uma prece silenciosa, mas cheia de
fervor:
— Oh, grande mãe Epona, dai-me forças para derrotar esse maldito capitão Marcus Valerius! Ajude-me a
descobrir suas fraquezas e usá-las contra ele, transformando seus dias em um suplício. Pela honra do povo
celta, faça de mim um instrumento de vingança!

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CAPÍTULO CINCO

Lineas Flavius mal podia esperar para desincumbir-se de seus afazeres matutinos. Cheio de pressa, tomou
o café da manhã com os demais oficiais do acampamento, depois deu as ordens do dia aos centuriões, e só
então fez o que sua curiosidade exigia: procurar por Marcus Valerius.
O capitão estava sentado diante de uma larga mesa de carvalho, que fazia às vezes de escrivaninha, exa-
minando os despachos que seriam enviados ao governador. Erguendo os olhos dos papiros, cumprimentou
o tribuno.
— Salve, comandante. — Dispensando os rodeios. Lineas foi direto ao ponto. — Cheguei de uma
patrulha tarde da noite e fui impedido de entrar em minha própria casa. Como se não bastasse, os
soldados que faziam a guarda informaram-me que lady Alena fora trazida para o acampamento. O que
está acontecendo aqui?
Marcus analisou cada nuance do rosto de Lineas, disposto a descobrir o que realmente estava tirando o
sossego do tribuno. Talvez estivesse sentindo ciúmes por imaginá-la nos braços quentes e passionais do
rival...
— Conhece muito bem essa princesa? — indagou, enfatizando cada sílaba com malícia.
— O suficiente — Lineas redargüiu, evasivo, embora soubesse exatamente o que o capitão queria saber.
— Já tratamos sobre vários assuntos administrativos, como já lhe disse. — Fez uma pausa, retribuindo o
olhar perscrutador de Marcus — Ela é uma mulher muito carismática e charmosa, não acha?
— De fato... — Sabia muito bem os comentários que circulavam entre os soldados e não estava disposto a
pôr mais lenha naquela fogueira.
Lineas meneou a cabeça, impaciente com aquele excesso de discrição. Por todo o acampamento, não se
falava em outra coisa a não ser no confronto entre o capitão Marcus Valerius e lady Alena. Ouvira várias
versões sobre a briga, com direito a vestidos rasgados e dama carregada nos ombros, aos berros.
— Ora, Marcus, não queira esconder as coisas justamente de mim! Somos amigos, esqueceu? Conte-me
tudo o que aconteceu. Por que o governador enviou aquele emissário e o que lady Alena faz aqui no
acampamento?
Após uma breve hesitação, Marcus resumiu a conversa com o administrador e seus desdobramentos. En-
quanto falava, percebeu o fascínio que aquela mulher exercia sobre Lineas, pois, toda vez que
mencionava o nome da princesa, os olhos do tribuno brilhavam.

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— Então a rainha quer arranjar um novo marido para a filha, hein? Pelo que sei, o governador está certo
ao apoiar essa idéia... — Lineas admitiu, suspirando. — Lady Alena é inteligente, astuta e bonita demais
para virar a cabeça de qualquer homem.
— Como é que essas mulheres celtas adquirem tanto poder? — Marcus bradou, furioso. — Deviam ter
arranjado algum marido para essa garota, ou tê-la trancafiado há anos!
Lineas sacudiu os ombros.
— Também não entendo muito bem... — admitiu. — O que sei é que a sociedade celta confere certos
privilégios a suas mulheres. Ao contrário das romanas as celtas podem herdar terras e propriedades e, em
alguns casos, assumir importantes funções políticas e religiosas. Ah! Muitas delas sabem lutar com a
perícia de homens!
Marcus deu um sorriso involuntário, ao recordar a primeira vez que vira Alena. A imagem daquela mu-
lher exótica e atlética, empunhando armas, não saía de sua mente.
— De acordo com os relatos, havia um grande número de mulheres lutando na rebelião — Lineas con-
tinuou, ignorando os pensamentos dispersivos de seu superior. — Duvido que o contingente feminino
fosse tão grande como dizem, mesmo assim, nós dois já vimos coisas, nos campos de batalha, de deixar o
queixo caído.
— Não importa o número de mulheres-guerreiras, todas foram vencidas e mortas. Daqui para frente, lady
Alena deverá aprender a aceitar o governo de Roma, moldando seu comportamento selvagem aos nossos
interesses. — De repente, sentiu-se tomado por uma irritação tão profunda, quanto inexplicável, apenas
por referir-se à princesa. No fundo, sabia que o motivo era o desejo, cada vez mais forte, que sentia por
aquela mulher, mesmo sabendo que jamais poderia tê-la em seus braços. Disposto a reagir, ergueu-se com
violência, prendendo a espada ao cinturão. — Chame os outros oficiais. Quero revisar nossas estratégias
de defesa.
Nos dias que se seguiram, Marcus ocupou-se de corpo e alma com assuntos militares, delegando os cui-
dados com lady Alena a Lineas. No entanto, consciente de seus deveres para com o treinamento do jovem
rei, reservou uma tarde para visitá-lo.
Assim que Peganthus os colocou frente a frente, homem e menino observaram-se com cuidado. Havia
muito da mãe naquela criança loira, de pele clara e traços imponentes, contudo, os olhos azuis diferiam,
em cor e em formato, dos de Alena.
— Ave, rei Megarric. Sou o capitão Marcus Valerius, comandante da Sétima Legião. Como já deve saber,
fui incumbido de supervisionar seu treinamento com armas, por isso estou aqui.
A criança fez um leve meneio com a cabeça, consciente de sua autoridade. Contudo, por trás daquela
aparência de segurança e desenvoltura, havia um brilho de medo nos olhos do menino.
— Pedi ao regente que mandasse selar seu pônei. O que acha de cavalgarmos juntos?
— Está bem, comandante, aceito seu convite. — Solenemente, Megarric acompanhou o oficial romano
até o pátio e subiu em sua montaria, dispensando qualquer ajuda. De acordo com sua posição, os arreios e
a sela do pônei traziam adornos de bronze, que tilintavam a cada passo. Contudo, como qualquer criança,
o rei esqueceu sua imponência assim que Marcus o desafiou para uma corrida. Com uma manobra rápida,
o garoto atiçou o pônei, descendo a colina como uma flecha.
Marcus sentiu o sangue gelar, observando o corpo do menino chacoalhar de um lado para outro lá adiante.
Contudo, tão logo seu cavalo de guerra emparelhou com o pônei, pôde constatar que o menino tinha total
domínio da situação. Satisfeito com as habilidades do pupilo, imprimiu um ritmo forte à cavalgada,
galopando sem parar por quase uma hora, com o vento agitando-lhes os cabelos e o sol queimando seus
rostos.
Quando finalmente fizeram uma pausa ao lado de uma nascente, Megarric saltou da sela e foi dar de
beber ao pônei.
Alguém treinou esse menino muito bem, concluiu, impressionado.
— Cavalga como um autêntico guerreiro, rei Megarric — elogiou, também levando o cavalo à nascente.
— Que tal mostrar-me suas outras habilidades?
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O menino quedou a fitá-lo, com uma expressão de dúvida. Porém, quando Marcus entregou-lhe uma es-
pada de madeira, abriu um largo sorriso. De posse da arma, avançou sobre o capitão sem piedade.
— Hei! O que está fazendo, seu traquina? — Marcus gritou, quase perdendo o equilíbrio com aquele
ataque inesperado.
O menino riu, satisfeito.
— Mamãe sempre diz que é melhor atacar do que se defender, especialmente quando se tem o elemento
surpresa como aliado.
Marcus suspirou, recordando da dificuldade que tivera para agarrar aquela mulher e colocá-la sobre o
cavalo. Já devia ter percebido que Megarric só poderia ter sido treinado por Alena. Empunhando outra
espada de madeira, deu início a uma entusiástica batalha com o menino. Os dois riam como se fossem
velhos amigos, enquanto lutavam. E, embora o menino não quisesse admitir que estava cansado, o capitão
podia notar que seus braços ficavam cada vez mais trêmulos e seus golpes mais incertos.
— Por hoje chega, rei Megarric — declarou, encerrando os treinamentos do dia. — Poderemos continuar
nosso duelo em outra oportunidade.
O menino sorriu-lhe, satisfeito, concordando em retornar ao castelo. Assim que chegou, foi para os braços
de uma escrava idosa, que o tratava com os mimos de um bebê. Exausto, o menino fez-lhe sinais de
adeus, enquanto era levado para o interior do palácio.
Pelo menos, parte de minha missão será agradável, Marcus pensou, satisfeito com a índole de seu pupilo.
Porém não podia dizer o mesmo da mãe do garoto, a geniosa lady Alena.
Dias mais tarde, Marcus tomou consciência de seu primeiro erro em relação à princesa. Deixá-la sob os
cuidados de Lineas não fora uma decisão sábia.... O tribuno não parava de falar sobre ela, estando em ser-
viço ou não. Aliás, os guardas designados para vigiá-la também agiam da mesma forma, de modo que
lady Alena havia se tornado o assunto predileto em todo o acampamento. Por razões que preferia ignorar,
Marcus não suportava ouvir outros homens discorrendo sobre o corpo delgado da princesa ou seus
exuberantes cabelos loiros.
— Já chega, Flavius! — Marcus ordenou, numa dessas ocasiões, surpreendendo os oficiais que estavam
nas termas. Não era hábito do comandante ser ríspido com seus soldados, ainda mais sem nenhum motivo
aparente.
Os homens entreolharam-se, maliciosos. Todos haviam percebido que o capitão andava muito impaciente
nos últimos dias, em especial, quando o assunto era U princesa. Por outro lado, o tribuno parecia provocá-
lo, fazendo questão de exaltar a beleza de Alena, sempre que possível. Além disso, corria o boato de que
os dois homens já haviam disputado várias mulheres, quando serviam na Tunísia, e que, em uma dessa
ocasiões, Marcus chegara a conquistar uma bela grega, a qual Lineas vinha assediando sem sucesso.
— Os oficiais que estão de folga esta tarde reúnam-se nos estábulos — Marcus tornou a ordenar, ríspido.
—Faremos uma caçada para distrair nossas mentes e ocupar nossos corpos!
Lineas deu um sorriso jocoso, sem se importar com a aspereza de seu superior. Parecia convencido de seu
sucesso na disputa pelo amor de Alena.
Pouco tempo depois, uma tropa deixou as muralhas do forte, dirigindo-se para os bosques a toda
velocidade.
Subiram escarpas, atravessaram charcos, testando a pontaria em todos os animais que cruzavam seus ca-
minhos. Por fim, todo o grupo acabou desmontando em uma clareira para recuperar o fôlego e fazer uma
avaliação do número de presas abatidas.
De repente, um dos batedores retomou, esbaforido, chamando o capitão.
— O que foi homem? Diga logo!
— Veja isso, meu capitão — o homem indicou uma árvore alta e velha, poucos metros adiante.
Marcus dirigiu-se para lá, acompanhado por Lineas e outros oficiais. Atrás da referida árvore, havia um
altar de pedra, com uma das faces cobertas por desenhos de dragões, sol e estrelas.
— Então isso é um altar druida — murmurou, examinando atentamente as pedras. Havia marcas aver-
melhadas por todos os lados, provavelmente feitas com sangue de sacrifícios.
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— Se escavarmos este local, encontraremos ossos e restos de animais — um dos centuriões comentou,
com desprezo.
— E uma ou duas caveiras — Lineas acrescentou.
— Esses bárbaros têm um fascínio especial por cabeças. Os guerreiros costumavam decorar suas barracas
com os crânios de seus inimigos. Aliás, antes de proibirmos as práticas druidas, era comum sacrificarem
pessoas aos seus deuses.
Marcus observou toda a clareira, fixando sua atenção em um velho cedro, à direita do altar. Caminhando
até lá, desmembrou com a espada o mato que protegia suas raízes, deixando à mostra os resquícios de
uma fogueira.
— Isso está parecendo um daqueles recantos sagrados dos celtas — o capitão explicou, remexendo a terra
— Quando passei pela Cornualha, ouvi estórias sobre essas práticas... Dizem que fazem muitos sacrifícios
humanos, especialmente antes de batalhas. Em geral, colocam os prisioneiros em jaulas de madeira, ao
lado de grandes árvores, e os incendeiam. Os sacerdotes fazem suas previsões com base nos movimentos
agonizantes das vítimas.
— Não é de se admirar que essas práticas estejam proibidas — um dos homens bradou, cuspindo naquela
terra negra, túmulo de muitas vítimas. — Tais sacrifícios humanos são desprezíveis!
— Sim, entretanto não diferem dos espetáculos que estão ocorrendo no Coliseu — Lineas completou, sem
ocultar sua indignação. — A mais recente diversão de Nero é alimentar leões com homens, mulheres e
crianças indefesas!
Um dos centuriões mais velhos concordou:
— O imperador tem descontado sua ira sobre uma seita de fanáticos, chamados cristãos. Na última vez
em que estive em Roma, testemunhei o massacre de mais de duzentos deles nos festivais em homenagem
a Júpiter.
Marcus lançou um olhar de reprovação para Lineas. Embora não aprovasse as orgias sanguinolentas de
Nero, não podia admitir que seus homens fizessem críticas ao imperador. Na Tunísia, certa vez, fora en-
carregado de embarcar milhares de leões e panteras negras para os espetáculos do Coliseu.
Posteriormente, como convidado de honra de Nero, vira aqueles mesmos animais em ação, antes de partir
para a Bretanha. Ficara enojado e cheio de revolta com o que havia assistido dentro da arena. Como
militar, podia entender as atrocidades cometidas durante uma guerra, mas jamais conseguiria aceitar a
morte de pessoas inocentes apenas para distrair uma multidão de desocupados. Todos esses pensamentos
ficaram dispersos, quando um grito animalesco ecoou pela floresta, fazendo seu sangue gelar.
Imediatamente, deixou Nero e seus excessos de lado para concentrar-se na questão do altar dos celtas.
— Do modo como a grama cresce em torno destas árvores, podemos concluir que não tem havido sacri-
fícios aqui há vários meses. Mesmo assim, quero que patrulhas vigiem este lugar regularmente —
analisou, com objetividade. — Catullus, pegue um dos antílopes e deixe sobre o altar de pedras. Embora
não concordemos com o modo como esse povo honra seus deuses, não é sábio ofendê-los.
Os homens concordaram, aliviados. Como a maioria dos militares de Roma, haviam estado nos pontos
mais distantes do Império, trazendo consigo costumes e crenças desses lugares. Dessa forma, além da
religião oficial romana, veneravam uma grande quantidade de outros deuses. Logo, não havia necessidade
de se arriscarem a ser atingidos pela flecha ou lança de um nativo que tivera suas divindades desprezadas.
A patrulha retornou ao acampamento em seguida, ostentando inúmeros troféus de caça. Conforme atra-
vessavam as ruas, recebiam saudações entusiásticas dos soldados que, a essa hora, começavam a se reunir
ao redor de fogueiras para a principal refeição do dia: o jantar. O aroma delicioso de carne assada enchia
o ar, aumentando o apetite dos homens.
Depois de entregarem as carcaças dos animais para serem limpas e distribuídas pelo acampamento, os ofi-
ciais foram se lavar, reunindo-se novamente no salão principal para celebrar a caçada. Vários pratos
foram servidos, acompanhados por ánforas e mais ánforas de vinho, enquanto músicos e dançarinas
esforçavam-se para entreter os convivas.

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Quando retornou aos seus aposentos, Marcus já não sentia nenhum resquício daquela irritação
inexplicável que o vinha perseguindo há dias. Bem disposto, jogou-se na cama e chamou pela escrava
com quem andava compartilhando aquelas longas noites de insónia. Logo, uma garota atraente, de longos
cabelos ruivos, apareceu na porta, tentando sondar seu estado de ânimo. Em geral, ela apreciava o modo
apaixonado como ele a amava, porém, nos últimos tempos, Marcus estava tão desatencioso, que beirava a
insensibilidade. — Venha cá, minha pequena... Não vou mordê-la.
Deu uma risada gostosa, completando com malícia:
— Pelo menos, não do modo que causa dor. Ouvindo aquilo, ela correu para seus braços, ofertando-lhe os
lábios carnudos. Marcus a beijou sofregamente, enquanto as mãos trabalhavam com rapidez para livrá-la
da túnica que cobria suas formas arredondadas. Rindo, entregaram-se à paixão, com muitos beijos e
carícias.
Marcus tentava manter aceso o interesse por aquela escrava voluptuosa, embora, de vez em quando,
visões de uma cabeleira loira e um rosto arrogante atravessassem sua mente como raios. Frustrado,
procurava afastar aquelas imagens, concentrando-se apenas na linda mulher em sua cama. Contudo, no
auge da relação, enquanto a jovem gemia e gritava de prazer, a imagem de Alena apoderou-se de seus
pensamentos, roubando-lhe qualquer satisfação sexual.

CAPÍTULO SEIS

Na manhã seguinte, Marcus despertou com uma terrível dor de cabeça, que chegava a lhe causar enjôos.
Tirando o braço de baixo da cabeça da escrava, obrigou o corpo dolorido a deixar õ leito. Então vestiu a
túnica de linho, que jazia aos pés da cama, e rumou para as termas. Talvez as águas geladas do
frigidarium tivessem efeitos terapêuticos sobre seus males.
Ao retomar do banho, ainda tiritava de frio, mas as dores haviam desaparecido. Rapidamente, tomou o
café da manhã e mandou que um escravo fosse despertar Lineas, com ordens para que o tribuno o
encontrasse em uma hora, para juntos visitarem lady Alena. Já havia adiado aquele encontro por tempo
demais.
Alena estava na cozinha, instruindo os escravos sobre a preparação de seus pratos prediletos, ao ser sur-
preendida pela chegada de visitantes. De imediato, não deu nenhuma importância àquilo, continuando a
se dedicar aos seus afazeres. Certamente os soldados deviam estar lhe trazendo mais alguma encomenda
de Lineas, que abastecia a casa com o que havia de melhor na Bretanha. Porém nem tudo saiu como
imaginava...
Logo uma das servas veio dizer-lhe que o capitão Marcus Valerius a esperava no pátio, acompanhado
pelo tribuno Lineas Flavius. Involuntariamente, alisou a túnica rústica e velha que lhe cobria todo o
corpo, desprovida de qualquer adorno. Em silêncio, amaldiçoou aquele homem por visitá-la sem nenhum
aviso prévio, tirando-lhe a oportunidade de se vestir de acordo para aquela ocasião. Sim, pois o traje que
usava podia bastar para as brincadeiras que fazia com Megarric, ou então para algum trabalho doméstico,
mas, em definitivo, não era apropriado para receber um oficial romano! Por um segundo, ignorou os
chamados aflitos da serva, considerando a hipótese de mudar de roupa. No entanto, a lembrança do que
acontecera da ultima vez que o deixara esperando ainda era muito vivida em sua memória para correr os
riscos de passar por uma humilhação semelhante. Após lavar o rosto e as mãos em água com pétalas de
rosas, respirou fundo e foi encontrá-lo, fazendo o possível para permanecer calma. Sem fazer o menor
ruído, postou-se na entrada do pátio, à espera de que os romanos percebessem sua presença.
Marcus precisou observar aquela mulher duas vezes antes de identificá-la como a princesa arrogante que
tentara desafiá-lo, dias atrás. Os cabelos loiros agora estavam ocultos por uma touca cinza, enquanto
vestia uma túnica tão velha e esfarrapada que seus escravos se recusariam a usar. Perplexo, olhou para
Lineas, que sacudiu os ombros sem compreender o que estava acontecendo. Jamais imaginava encontrá-la

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metida dentro daqueles farrapos! Porém era obrigado a admitir que, mesmo assim, Alena continuava bela,
esbanjando orgulho e sensualidade por todos os poros.
Ela continuou imóvel, tentando não se irritar com as expressões de espanto e asco nos rostos dos dois
homens. Por fim, quando já estava prestes a perder n paciência, resolveu iniciar um diálogo.
— Ave, romano. Sinto não ter sido avisada sobre sua visita, caso contrário, teria preparado uma recepção
digna de sua posição. Todavia, sé fizer a gentileza de se acomodar, mandarei que sirvam vinho e queijos.
Havia se virado para cumprimentar Lineas, quando uma voz cavernosa a interpelou.
— Meu nome é Marcus Valerius. Pode me chamar de capitão, Marcus ou até mesmo Valerius, mas nunca
mais diga romano, principalmente com esse tom de ironia!
Alena arregalou os olhos, atônita. Nenhum homem ousara dirigir-se a ela com tamanha rispidez, nem
mesmo seu marido. Furiosa, mordeu os lábios até sentir o gosto acre de sangue.
— Muito bem, capitão — corrigiu-se, recorrendo a todo seu auto-controle para não ter um acesso de
raiva.
— Por favor, sente-se e diga-me o que o traz até aqui. Marcus não se moveu, perscrutando-a com olhos
de lince. O que estava acontecendo com aquela mulher que, de uma hora para outra, havia se
transformado em uma criatura dócil e calma? Ela devia estar tramando algo... Após alguns instantes de
observação, preferiu sentar-se em uma cadeira, esperando que ela se acomodasse à sua frente antes de
prosseguir.
— Vim para acertar detalhes de sua permanência. Quero que saiba exatamente o que pode ou não fazer
nesse acampamento.
Aquele tom autoritário fez o rubor subir às faces de Alena. Quem esse porco romano pensa que é para
tratar-me como uma de suas escravas? Pensou, com vontade de pular no pescoço dele e esganá-lo. Mas,
pensando no futuro de Megarric e de todo seu povo, conteve aqueles impulsos. Num gesto inesperado,
baixou a cabeça. Sabia que, se o encarasse, seu olhar agressivo iria trai-la.
— Quais serão os meus limites, capitão? Quero conhecer suas regras de cor para evitar o modo anima-
lesco como me tratou da última vez que nos encontramos. — Apesar das boas intenções, Alena não
conseguiu disfarçar por completo o desprezo que nutria por aquele homem. Lentamente, ergueu a cabeça,
fixando os olhos num ponto distante, atrás de Marcus.
O sarcasmo de Alena não passou despercebido aos ouvidos atentos do capitão, contudo, ele preferiu igno-
rar aquele deslize, levando em consideração os esforços da moça para parecer gentil.
— Por volta da mudança de lua, deverei receber novas ordens do governador a seu respeito. Até que isso
aconteça, ficará hospedada nesta casa, comportando-se calma e púdicamente. Não poderá entrar em
contato com seu tio, nem receber ninguém que não esteja autorizado por mim ou pelo tribuno Flavius. O
governador teme por sua segurança, por isso, pretendo enviá-la para Londinium tão logo seja possível.
Será que fui claro?
Alena sentiu seus esforços para manter a calma desmoronarem como um castelo de areia varrido pelas
ondas do mar. Como esse homem truculento ousava questionar-lhe o comportamento? Será que achava
que ela iria se submeter aos seus desmandos sem protestar? Tomada pela cólera, saltou da cadeira,
avançando pata cima dele.
— Está questionando minha conduta, capitão? Quem é você para ditar regras de comportamento para
mim, uma princesa celta? Você não passa de um reles sol-dado, um nada que Roma envia para as partes
mais remotas de seu Império conforme lhe convém!
Marcus também se levantou, mas sua expressão era de puro divertimento. Não demorou muito para que
ela perdesse a calma, trocando as maneiras dóceis por aquelas palavras desafiadoras. Contudo, se a
paciência não era uma das virtudes de Alena, sua coragem era digna de aplauso! Mesmo sabendo que ele
poderia detê-la facilmente com um movimento, escolhera atacá-lo...
O ar zombeteiro de Marcus feriu-lhe o orgulho. Magoada, examinou o pátio, à procura de alguma arma
que pudesse usar contra aquele insolente. Adivinhando-lhe as intenções. Lineas recuou alguns passos, ao

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notar aqueles olhos verdes vidrados em sua espada. Sem nada que pudesse usar, ela partiu para o ataque
com as mãos desnudas, tentando acertá-lo com as unhas.
— Não ria de mim, porco romano! — gritou, possessa. — Muitos homens já foram mortos por muito
menos do que isso!
De início, Marcus não reagiu, deixando-se atingir por um ou dois tapas; achava extremamente divertido o
destempero da moça. Contudo, além de homem, era um oficial de Roma e não poderia permitir que o
Império sofresse semelhante afronta. Por isso, sentiu-se na obrigação militar de imobilizá-la com seus
músculos.
— Controle seus nervos, mulher. Caso contrário, irei colocá-la sobre meus joelhos e surrá-la até que não
tenha fôlego sequer para chorar!
Lineas aproximou-se do capitão, horrorizado com aquela possibilidade. Em seus encontros com Alena,
ela se distinguira pela afabilidade e bom humor. Mas, embora quase não pudesse reconhecê-la, não iria
admitir que ela fosse maltratada diante de sua presença.
Um olhar feroz de Marcus bastou para deter a desobediência de seu subordinado, antes mesmo que essa
se concretizasse.
— Saia! — ordenou, inflexível.
O tribuno não sabia o que fazer... Por fim, entre a vontade e o dever, também acabou se decidindo pelo
respeito à hierarquia. Antes de deixar a casa, no entanto, ainda procurou acalmar Alena com um olhar
apaziguador. Acreditava que o capitão não iria feri-la, apenas discipliná-la um pouco... Restava saber
como ela iria reagir aos excessos disciplinares de Marcus...
Um silêncio aterrador tomou conta do pátio depois que o tribuno partiu.
Fui tola ao achar que um romano pudesse me ajudar, recriminou-se, amargurada, ao ver que Lineas a
abandonara.
Com uma das mãos, Marcus mantinha seus braços presos nas costas e, com a outra, apertava-lhe a gar-
ganta, trazendo-a para bem perto de seu corpo másculo. Estavam tão próximos que ela podia sentir-lhe os
músculos contraídos e o hálito quente. Estava completamente imobilizada, embora ainda insistisse em se
debater. Aos poucos, contudo, percebendo a inutilidade de seus movimentos, foi se aquietando.
— Ouça bem, princesa. Também não estou nada satisfeito com sua estadia nesse acampamento. Mas,
como costumo cumprir as ordens que recebo da melhor maneira possível, goste você ou não, vou mantê-
la aqui até que o governador decida seu futuro. — Apesar de pausada, sua voz não deixava a menor
dúvida quanto as suas intenções. — Caso ainda não tenha percebido, posso fazer de seu dias aqui algo
agradável ou transformá-los em um verdadeiro martírio. Tudo irá depender de suas atitudes...
Alena estremeceu, engolindo em seco. Enfrentava urna batalha feroz consigo mesma para decidir como
iria tratá-lo. De um lado, a prudência mandava que se acalmasse e fosse cordial com o romano; de outro,
linha vontade de matá-lo com suas próprias mãos! Não sabia o que fazer...
Marcus acompanhava aquele dilema com especial atenção, embora encobrisse seu interesse com uma
capa de frieza. Não queria que ela percebesse o quanto mexia com seus instintos de homem... Enquanto
esperava por uma resposta, o desejo queimava suas entranhas, como larva incandescente. Sim, sentia-se
como um vulcão prestes a explodir...
Por Vênus, que pele! Lisa e perfeita, como se fosse uma dádiva dos deuses! Pensou, sentindo a textura
suave daquela tez sobre seus dedos. Como gostaria de beijar cada centímetro daquele corpo perfumado,
afagar aqueles cabelos loiros, agora ocultos pela touca, e, por fim... Ah! Por fim, que prazeres não
descobriria nos braços daquela mulher?! Mas o que é isso? Lembre-se de quem é, Marcus Valerius!
Ralhou consigo mesmo, tentando escapar das armadilhas da paixão. Alena era uma princesa, uma
inimiga, e como tal deveria ser tratada! Não deveria jamais acalentar sonhos impossíveis que o levariam à
perdição!
— Está certo, capitão Marcus — disse, após uma longa pausa. — Devemos discutir os detalhes desse
impasse como duas pessoas civilizadas.

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— Ótimo. — Em retribuição, soltou-a, fazendo sinal para que tornasse a se sentar. Bastava observar os
lábios trêmulos e a palidez excessiva da face de Alena para perceber o quanto aquelas palavras amáveis
deviam ter-lhe custado. — Ambos nos antagonizamos desde o primeiro encontro, portanto, acho justo
que, daqui para a frente, tentemos frear nossos temperamentos explosivos.
Alena franziu as sobrancelhas, indignada.
— Então confessa que tentou hostilizar-me deliberantemente?
— Talvez, a princípio — admitiu, com um sorriso tímido.
— A princípio! E quanto às suas ordens para que eu me portasse púdicamente? Não tinha a intenção de
me insultar?
— Para ser franco, não. Concordo que me expressei muito mal, mas sou um homem acostumado a lidar
com guerreiros, não com a sensibilidade de uma mulher... — Ambos ficaram em silêncio, apenas se
fitando. Depois, desviando o olhar, Marcus propôs: — Que tal fazermos uma trégua? De minha parte,
farei o que for possível para que tenha tudo o que quiser, só precisa cooperar.
— Compreendo... — murmurou, perdida em conjecturas. Não tinha nenhuma vontade de fazer acordos
com aquele homem insensível. Todavia, precisava desesperadamente de sua ajuda... — Tenho apenas um
pedido a lhe fazer.
— Diga-me o que deseja e verei se é possível. Alena cravou as unhas na palma da mão. Odiava-se por ter
que suplicar algo a esse romano arrogante. Mesmo assim, engoliu o orgulho e falou:
— Gostaria de ver meu filho. Estamos habituados a passar muitas horas juntos e... e sinto muitas saudades
dele! — concluiu, com um fiapo de voz. Saudade era um termo leve demais para definir a dor e a angustia
que sentia cada vez que pensava em Megarric.
Encobrindo suas reais emoções com uma máscara de indiferença, Marcus analisou todos os ângulos
daquele pedido. Estava absolutamente perplexo com atitude de Alena. A maioria das nobres senhoras de
Roma entregava os filhos aos cuidados de amas e professores desde o nascimento até a idade adulta, man-
tendo pouco contato com eles. Sua própria esposa jamais demonstrara interesse em ter a filha por perto.
Aliás morrera ao dar à luz o segundo filho do casal, amaldiçoando a criança que lhe causara tanto sofri-
mento. Infelizmente, o menino também não conseguira sobreviver àquele parto dramático e a menina
acabara morrendo, um ano depois, durante um surto de cólera.
Desconfiado, buscou algum indício de afronta ou escárnio nos olhos de Alena. Em vez disso, achou
apenas preocupação e dor.
Está bem, serei magnânimo... Contudo, vigiarei de perto esses encontros para ter certeza de que Alena
não está tramando nada..., decidiu-se.
— Trarei seu filho para vê-la duas vezes por semana, após seu treinamento.
Alena empalidecen, como se todo o sangue tivesse deixado seu corpo.
— Treinamento?! Está treinando Megarric? — Imagens de garotos suados, caindo de exaustão, turvaram-
lhe a mente.
— Ele está tendo uma aula por semana com meu chefe-de-armas e outra com meu chefe de cavalaria.
Embora duvido que precise aprender mais alguma coisa sobre cavalos.
— Megarric é apenas um bebê, capitão! — Alena protestou, trocando a palidez pelo vermelho da raiva.
— Por acaso, instruiu seus homens a serem cautelosos com ele?
— Sim, lady Alena. Você mesma poderá constatar o quanto Megarric está bem, assim que ele vier visitá-
la. — Por Marte, queria mantê-la sob controle, calma e passiva como toda prisioneira deveria ser. Mas,
quando ela ficava zangada, prestes a ter um ataque de nervos, Marcus sentia a excitação brotar em seu
íntimo, dominando-lhe o corpo com a fúria de um maremoto. Aflito com aquelas sensações, ergueu-se,
aproximando-se dela.
Alena também se levantou, tentando esboçar um sorriso que exprimisse gratidão. Ao mesmo tempo, era
revoltante saber que devia um favor a àquele romano!
— Que recompensa terei por essa concessão, lady Alena? — indagou, bem-humorado.

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Confusa, cravou os olhos no rosto de Marcus, tentando adivinhar seus pensamentos. Não conseguia en-
tender o que poderia dar-lhe em troca... Tinha poucas jóias e nenhum dinheiro. De repente, estremeceu,
concluindo que a única coisa que ele poderia querer era seu corpo. Tomada pela indignação, endireitou os
ombros e ergueu a cabeça.
— Não tenho nada para oferecer-lhe pelas visitas de meu filho... Mas, se me disser o que pretende
conseguir em troca desse favor, farei o possível para consegui-lo.
Marcus riu ao entender o porquê do olhar afetado e orgulhoso de Alena. Até aquele momento, tudo o que
queria barganhar com a princesa era seu bom comportamento. No entanto não seria má idéia tê-la em sua
cama... Era uma pena que não pudesse exigir-lhe tal coisa...
— Não se preocupe, princesa. Não lhe negarei seu pedido. Contudo, ficarei com isso como recompensa
por nosso acordo...
Antes que ela pudesse adivinhar-lhe as intenções, Marcus passou os braços em torno de sua cintura,
puxando-a para perto de si. Depois cobriu aqueles lábios sensuais com os seus, demonstrando uma
voracidade incontrolável e, pior, contagiante!
Perplexa demais para resistir, Alena entregou-se aquele beijo, sentindo uma estranha sensação invadi-la...
Era uma mistura exótica de calor e arrepios, torpor e deleite, algo que jamais experimentara antes... Tudo
parecia girar ao seu redor, mas não era algo ruim como uma tontura, ao contrário, era uma sensação
deliciosa!
Logo, mãos hábeis passaram a acariciar-lhe os seios arrancando-lhe gemidos de puro prazer. Contudo,
esses toques também trouxeram à tona as lembranças das caricias grosseiras de Dugald, se é que aquilo
pudesse ser considerado caricia... Instintivamente, refutou as ondas de excitação que varriam seu corpo,
tornando-se fria e rebelde outra vez.
Marcus deu um grito de dor ao ser atingido, de surpresa, no joelho por um chute de Alena. Porém, aquilo
foi só o começo. Movida por uma fúria incontrolável, ela cerrou os punhos e passou a dar-lhe golpes no
peito e nos ombros.
— Por Juno, mulher! — bradou, imobilizando-a com facilidade mais uma vez. — Isso foi apenas um
beijo! Se não o queria, não devia tê-lo correspondido!
Alena enrubesceu, recordando as caricias que lhe fizera naqueles breves momentos de paixão. Não con-
seguia entender como aquilo fora acontecer... Embora estivesse viúva há vários anos, jamais sentira
desejo por homem algum. Por que então aquele romano detestável conseguira despertá-la para a luxúria?
Ainda excitado, Marcus enfrentou aquele olhar de raiva e desprezo, tentando parecer irônico. Porém, aos
poucos, o remorso começou a perturbá-lo... Alena estava sob os seus cuidados e, embora ela não fosse
uma virgem inocente, deveria zelar por sua integridade. Sim, outro homem já havia tocado aquele corpo
macio e tentador, sorvendo o mel daqueles lábios convidativos... Inesperadamente, sem dizer uma
palavra, deu-lhe as costas e partiu, deixando-a sozinha no meio do pátio.

CAPÍTULO SETE

Nos dias que se seguiram. Lineas Flavius acompanhou com vivido interesse o desenrolar dos
acontecimentos. Nem Marcus e, muito menos, Alena voltaram a mencionar aquele confronto, agindo
como se nada tivesse acontecido. No entanto, o tribuno tirava suas conclusões dos pequenos detalhes que
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passou a observar em ambos, tais como: o nervosismo do capitão sempre que precisava resolver algum
assunto ligado à princesa, ou o desdém nos olhos dela à simples menção do nome dele.
Em pouco tempo. Lineas tornou-se um visitante assíduo da casa da princesa, tanto por obrigação, quanto
por prazer... Além da incumbência de Marcus para cuidar de todas as funções burocráticas referentes à
estadia de Alena, não perdia uma oportunidade de tentar seduzi-la, embora todas as suas investidas
fossem infrutíferas. Numa dessas tardes, fora procurá-la para discutir as alegações de Peganthus de que
seria impossível reunir a quantidade de cereais exigida por Roma.
— De fato, tribuno, não conseguiremos manter índices tão elevados de impôstos. Por isso, peço-lhe que
reduza nossas cotas.
— Não posso tomar uma decisão desse porte sem consultar Marcus Valerius.
— Antigamente, você costumava acertar esses detalhes comigo.
Um brilho de divertimento surgiu nos olhos de Lineas, assim que percebeu despeito na voz de Alena.
— Sim, mas isso foi antes da chegada do capitão. Junto com ele, também veio um grupo de cavaleiros,
portanto, agora temos mais quarenta homens, com suas respectivas montarías, para alimentar. Desse
modo, não posso autorizar uma diminuição dos tributos quando, na realidade, precisamos de um
acréscimo.
— Tribuno Flavius, sabe que esse ano as chuvas da primavera destruíram as plantações — respondeu, in-
dignada. — Se taxar ainda mais os camponeses, eles acabarão morrendo de fome. Aliás, mortos não
poderão cultivar os alimentos que seus soldados precisam. Caso Marcus Valerius teime em ser inflexível,
pagará com a própria destruição de seu regimento no ano seguinte.
Flavius franziu a testa, reparando nas inflexões de ódio com que ela se referia ao capitão.
— Está enganada, lady Alena. Marcus não é tão intransigente como pensa. Todavia ele espera que eu
encontre uma solução para esse impasse, sem que Roma seja prejudicada.
— Será que não podemos pagar esse decréscimo na cota de cereais com outro tipo de produto? — Alena
indagou, astuta. — Temos um excelente artesão em um dos nossos vilarejos, cujas selas e arreios são fa-
mosos em toda Bretanha. Ele está muito velho e fraco, mas posso enviar-lhe garotos que o ajudem a
fundir o ferro e curtir o couro.
Lineas arregalou os olhos, bastante interessado naquela proposta. Os cavalariços celtas eram conhecidos
como os melhores em todo o mundo. Aliás, os romanos haviam aprendido com eles a usar selas e pôr
ferraduras nos cavalos para proteger suas patas. Ademais, as tropas mantinham uma disputa acirrada
pelos arreios e outros acessórios retirados dos guerreiros celtas vencidos. Com certeza, pagariam qualquer
preço para ter essas preciosidades em mãos.
— Sim, lady Alena, esse acordo parece interessante — declarou, por fim. — Se acha que esse homem é
capaz de produzir esses apetrechos em grande quantidade, pedirei ao chefe das cavalariças que faça uma
lista de tudo o que iremos precisar.
— Discutiremos esse ponto, assim que eu vir essa lista.
Lineas balançou a cabeça, apreensivo.
— Por Hércules, pelo jeito que está conduzindo as coisas, nós, os romanos, acabaremos lhe pagando
tributo.
Alena deu uma gargalhada expansiva.
— Ora, pelo menos, não pode dizer que não tentei. Aproximando-se, Lineas aproveitou a oportunidade
para desviar a conversa para áreas mais pessoais.
— Sabe que eu poderia dar-lhe muito, muito mais do que isso, Alena... — dizendo isso, tomou-lhe a mão
entre as suas, fazendo-lhe caricias lascivas e envolventes nos dedos.
— Lineas Flavius, não há uma maneira de fazer os romanos entenderem o significado de um "não"?
— Posso saber para quem mais teve que dizer não?
— Pois vai continuar morrendo de curiosidade, tribuno! E solte a mão da princesa! — Uma voz poderosa
ecoou pela sala.
Alena e Lineas voltaram-se para trás, dando com a presença imponente de Marcus Valerius.
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— Desculpe a falha dos meus servos em não terem anunciado sua presença, capitão. Isso não tomará a
acontecer — ela apressou-se a dizer. A frieza da voz contrastava com o rubor das faces.
Atento àqueles detalhes, Marcus riu-se interiormente. Gostaria de saber se o carmim daquele rosto era
causado pelas investidas de Lineas ou então pela lembrança do beijo que trocaram no último encontro...
Sim, ele próprio não conseguia esquecer as delícias daqueles lábios e o calor daquela pele macia em
contato com a sua...
Procurando afastar aqueles pensamentos, olhou para Lineas. Uma alegria imensa dominava sua alma por
ter presenciado Alena rejeitar as caricias do tribuno, um mestre na arte da sedução. Aliás, poucas
mulheres tinham conseguido essa façanha. No fundo, temia que, mais cedo ou mais tarde, ela acabasse
cedendo aos desejos do rival.
— Pedi à serva para que não me anunciasse — revelou, aproximando-se do casal. Depois, dirigindo-se ao
tribuno, disse: — Está dispensado, Flavius.
O outro recebeu aquela ordem com uma careta de desagrado, porém acatou-a sem retrucar. Antes de sair,
fez uma reverência respeitosa para Alena, mas, em contrapartida, lançou um olhar malicioso para Marcus.
Seus instintos de conquistador lhe diziam que o capitão também estava interessado naquela bela mulher
de cabelos loiros e temperamento indócil.
Enfim a sós com a causadora de suas insônias e calafrios noturnos, Marcus a fitou demoradamente, ali-
mentando sonhos que jamais poderiam se concretizar... Contudo, seu rosto era um completo mistério e
nem mesmo a alma mais astuta poderia descobrir o que se passava em seus pensamentos. Após alguns
instantes de hesitação, chamou-se à realidade, recordando o objetivo daquela visita.
— Estou a caminho do gymnasium onde o rei Megarric treina. Pensei que gostaria de ver como ele está
evoluindo.
Deusa Alena
— É claro que irei! — respondeu, de imediato. — Megarric tem me falado bastante sobre o treinamento,
mas quero ver seu progresso com meus próprios olhos. — Para ter certeza de que não está sofrendo
nenhum abuso..., acrescentou, mentalmente. Entretanto, no fundo, sentia que o menino estava sendo bem
tratado, pois seus olhos azuis cintilavam de felicidade sempre que falava das lições de luta e arremesso
que os romanos estavam lhe dando.
Minutos mais tarde, Marcus e Alena estavam cavalgando lado a lado a caminho do gymnasium. Dessa
vez, no entanto, ela comandava o próprio cavalo, mostrando uma destreza sem igual. Não era de se
admirar que o pequeno Megarric cavalgasse tão bem, já que a mãe era tão habilidosa.
Fascinado, Marcus observava o balanço rítmico daquele corpo sensual sobre a sela, suspirando cada vez
que as pregas da túnica se entreabriam e deixavam entrever-lhe as coxas bem torneadas. Minerva, ajude-
me! Rogou à deusa da sabedoria, em completo desespero. O que havia de tão especial naquela mulher do
norte para deixá-lo nesse estado de obsessão? Pensava nela o tempo todo, de dia e de noite, suando frio
ou, às vezes, sentindo um calor insuportável.
O gymnasium ficava a oeste do acampamento, aos pés da colina, e consistia em uma imensa área des-
campada, circundada por muros de pedra em três de seus lados. Ali, a cavalaria treinava e, nos dias de
festas, os melhores homens faziam demonstrações de suas habilidades. Contudo, nessa tarde, apenas dois
cavaleiros ocupavam o centro do campo, embora houvesse um grande número de romanos assistindo ao
treinamento. Assim que viram Marcus, todos levantaram-se para saudar seu capitão, mas logo os olhares
convergiram para Alena, que se mantinha forte e altiva sobre o cavalo, como a própria imagem da deusa
Diana, a caçadora.
Alheia ao frisson que causara, ela só tinha olhos para a figura diminuta que fazia manobras de guerra no
centro do gymnasium, montando um pônei igualmente minúsculo.
De repente, o menino saltou um enorme obstáculo e, com um galope vigoroso, atingiu o alvo
estabelecido, deixando o instrutor a comer poeira.
— Isso mesmo, Megarric! — Alena gritou, orgulhosa de seu menino.
Percebendo a presença da mãe, Megarric veio ao seu encontro mais do que depressa.
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— Olá, mamãe. Salve, Marcus Valerius — cumprimentou, com a dignidade que sua posição exigia. Po-
rém, apesar das atitudes precoces para um garoto de cinco anos, as faces coradas e o olhar travesso
tinham o brilho da juventude. Analisando o rosto do capitão, comentou, desgostoso: — Não me agrada
cavalgar nesse local fechado.
Marcus achou graça naquele tom imponente e distinto, próprio de um monarca. Todavia permaneceu
sério.
— Infelizmente, majestade, terá que continuar praticando aqui por mais algum tempo. Precisa treinar o
controle do cavalo em espaços restritos, cercado pelos sons das batalhas. Assim que aprender essas mano-
bras, eu mesmo o levarei para cavalgar pelos arredores.
Estava preparado para ouvir resmungos e protestos comuns a crianças daquela idade, ainda mais em um
menino criado para ser um rei. No entanto, para sua surpresa, Megarric deu apenas um suspiro de
decepção e acatou suas sugestões, resignado. Voltando-se para os soldados, ordenou: — Façam as
manobras de ataque com o rei entre vocês. Quero ver como ele está se saindo.
Alena e Marcus ficaram juntos, observando o desempenho do menino, enquanto o instrutor comandava as
manobras. Mesmo cercado por homens e cavalos gigantescos, os cachos loiros de Megarric eram perfei-
tamente visíveis, saltitando de um lado para o outro sobre o pônei.
Com um sorriso de satisfação, ela viu que o filho executava todas as manobras em perfeita sincronia com
a tropa, virando à esquerda, à direita e alternando a marcha dos cavalos na hora certa. A uma ordem do
instrutor, os cavaleiros aumentaram a velocidade, cruzando a arena de ponta a ponta para atingir, com
suas lanças, alvos de madeira. Embora estivesse a grande distância, Alena pôde ouvir a voz infantil do
filho, protestando por não ter uma arma.
De súbito, um mensageiro adentrou o gymnasium, esbaforido, indo direto ao encontro de Marcus.
— Capitão, acabam de chegar notícias de que nosso posto em Cilurnium está sendo atacado por selvagens
da Caledônia. O tribuno Flavius está reunindo uma tropa e aguarda instruções suas.
— Acompanhe lady Alena até sua casa — ordenou, tenso. Antes de desaparecer em uma nuvem de
poeira, iiinda virou-se para ela e comunicou: — O instrutor levará Megarric até você tão logo os treinos
acabem.
O sol já estava se pondo quando Marcus partiu de Corstopitum, acompanhado por uma enorme tropa,
rumo ao posto de Cilurnium, cerca de catorze milhas a oeste. Os guerreiros estavam fortemente armados
com arcos, lanças e espadas, além de terem os corpos protegidos por armaduras de bronze. Também
levavam aríetes, gigantescas catapultas e carroças com mantimentos, de modo que o ritmo da companhia
era muito vagaroso.
Em geral, um grupo daquele porte levaria quase um dia inteiro para vencer distância semelhante; contudo,
o capitão pretendia chegar ao posto atacado antes do amanhecer. Para conseguir tal proeza, além de impor
uma marcha puxada, estava cortando caminho através de trilhas indicadas por batedores bretões.
Após mais de três horas de jornada estafante, fizeram a primeira pausa para que homens e animais
pudessem recuperar o fôlego. A paisagem não era nada agradável: estavam às margens de um córrego
escuro, que parecia ainda mais sinistro à luz do luar, cercado por árvores tão altas quanto antigas.
Sem deixar que o local o impressionasse, Marcus desmontou, refrescando a fronte na água gelada. Sua
mente estava muito longe dali, preocupada com o estado em que iria encontrar Cilurnium.
— Não estou gostando desse bosque, capitão. A mata é muito fechada e escura... — um dos centuriões
mais velhos veio lhe dizer.
Marcus fitou o guerreiro com atenção. O rosto taciturno estava marcado por várias cicatrizes e, junta-
mente com o corpo musculoso, não deixava dúvidas a respeito de sua coragem e experiência. Contudo,
apesar da força e vitalidade que inspirava, o homem estava inquieto demais, assustado com os maus
presságios do lugar.
— Dizem que os nativos mantêm altares secretos nesta região, onde cultuam deuses exóticos, sacrifican-
do até mesmo virgens em sua honra.
Marcus jogou a cabeça para trás, dando uma estrondosa gargalhada.
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— Duvido que haja muitas virgens por aqui desde que nossas legiões tomaram conta desta província. Tais
histórias são inventadas pelos bretões para nos afastar do gado que eles teimam em tentar esconder. —
Contudo, embora se esforçasse para não dar atenção ao sangue supersticioso dos latinos que corria em
suas veias, também estava incomodado com o silêncio e a atmosfera densa daquele bosque. Quanto mais
cedo pudessem sair dali, melhor. — Dê ordens aos homens para partirmos — informou, por fim, para
alívio do centurião.
Enquanto a companhia se preparava para partir, Marcus sentiu um arrepio estranho eriçar-lhe todos os
pelos do corpo. Intrigado, aguçou olhos e ouvidos, tentando entender por que aquilo estava acontecendo,
Geralmente, seu corpo reagia daquela forma sempre que estava em batalhas.
— Centurião, coloque os homens longe do córrego — ordenou, atento aos seus instintos de guerreiro. An-
tes que sua ordem pudesse ser cumprida, gritos tenebrosos cortaram o ar, num misto de sons humanos e
animalescos.
Não demorou muito e uma saraivada de flechas caíram sobre os romanos, deixando um rastro de sangue e
gemidos de dor. Após essa primeira investida, os itnmigos saltaram sobre a companhia, empunhando
impadas e facões para uma feroz luta corpo a corpo.
Pegos de surpresa, os soldados levaram alguns instantes para reagir, porém, assim que o fizeram, seus
inimigos começaram a sentir na pele por que Roma dominava todo o mundo conhecido.
No meio da confusão, um nativo saltou sobre Marcus, derrubando-o do cavalo. Apesar da dor, o capitão
atracou-se com seu oponente, vindo a cravar-lhe a espada no peito. Enquanto tirava a arma daquele corpo
Hem vida, uma imagem ficou gravada para sempre em sua memória: o homem estava completamente nu,
com a pele coberta por tinta azul-escura. A visão de tamanha selvageria inflamou-lhe os ânimos, fazendo-
o brandir a espada sobre a cabeça e invocar a proteção de Marte. Então lançou-se sobre os inimigos,
ceifando suas vidas sem piedade.
Além de triste, uma batalha sempre é extremamente cruel, ou mata-se ou acaba-se morto... Por fim, derro-
tados, os inimigos debandaram, mergulhando na escuridão do bosque. Como não conheciam as
redondezas, Marcus impediu seus homens de seguirem os selvagens, chamando todos de volta à clareira
onde os combates haviam se iniciado.
A luz de tochas, os romanos fizeram um breve inventário dos estragos e baixas, aproveitando para
sacrificar os inimigos capturados. Como alerta a todos os que pretendessem se rebelar contra o domínio
de Roma, os corpos dos oponentes foram amarrados às árvores, com lanças cravadas em seus corações.
Nesse momento, não tinham tempo a perder, interrogando ou prendendo prisioneiros, precisavam chegar
a Cilurnium antes que mais algum incidente os surpreendesse.
Quando o centurião veio comunicar-lhe que dois homens e três cavalos haviam morrido, seu olhar fixou-
se no ombro de Marcus, encharcado de sangue.
— Está ferido, capitão?
Até aquele instante, Marcus não se dera conta do próprio ferimento, tão ocupado estava à frente de seus
homens. Ao examinar o ombro atingido, sentiu uma forte fisgada no braço direito. No entanto, como bom
comandante, respondeu:
— Foi apenas um corte superficial, cuide primeiro dos que estão em estado mais grave.
Graças a uma organização impecável, em pouco tempo, os feridos foram tratados, postos nas carroças e a
companhia pôde retomar a marcha. Porém, antes de
partirem, fizeram uma oferenda a Plutão, o deus dos mortos, para que os protegesse pelo resto da viagem.
Uma hora mais tarde, após atravessarem um bosque, viram-se no cume de uma colina. Lá de cima,
puderam avistar, com grande alívio e satisfação, os contornos do forte de Cilurnium.
Gradativamente, a pálida luz da aurora ia substituindo a escuridão da noite pela claridade do dia, agindo
como um bálsamo sobre os ânimos dos soldados, homens corajosos que haviam enfrentado a morte na-
quela trágica incursão para o norte. Entretanto, apesar da pressa, passou-se mais uma hora até que
chegassem às muralhas do forte, pois tiveram que descer ravinas íngremes e traiçoeiras.

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Tão logo atravessaram os portões do forte, os feridos foram levados para o hospital, enquanto Marcus e os
demais oficiais reuniram-se numa pequena casa que servia de quartel-general para Cilurnium.
— Os caledônios atacaram ao amanhecer, capitão — o centurião em comando no posto informou. — O
que nos salvou foi o fato de metade dos nossos homens estar fora, patrulhando a região. Desse modo,
puderam contra-atacar os invasores que tentavam incendiar o forte.
Nervoso, o homem fez uma pausa para recuperar o fôlego. As mãos ainda estavam sujas de fuligem e san-
gue, lembranças dos horrores daquela noite.
— A primeira investida foi tão desorganizada quanto selvagem. Aqueles homens atiravam-se contra
nossas muralhas como feras ensandecidas, usando flechas incendiárias e diversos aríetes. Perdemos cinco
homens e tivemos inúmeros feridos — voltou a explicar, ante os olhares inquisidores do capitão. —
Aproveitando uma pausa no ataque, enviei um pequeno destacamento para fora do forte com os objetivos
de reunir os homens que patrulhavam a região e avisar o destacamento de Corstopitum sobre o que estava
nos acontecendo. Por sorte, nossas patrulhas retornaram bem a tempo de repelir o segundo ataque dos
bárbaros.
— Tem mais alguma coisa a acrescentar? — Marcus indagou, notando o olhar apreensivodo centurião.
— De fato, capitão, houve alguns detalhes curiosos... Da segunda vez que nos atacaram, estavam em
número bastante reduzido perto do enorme contingente da primeira investida. Tive a impressão de que
aquilo era uma manobra audaciosa...
Intrigado, Marcus passou os dedos por uma das espadas retiradas daqueles bárbaros. A lâmina era quase
um palmo mais longa do que as espadas romanas e o punho era enfeitado com estranhas figuras
esculpidas em bronze. De repente, como se tivesse encontrado a resposta para aquele enigma, voltou-se
para o centurião:
— Estou começando a achar que esses selvagens dividiram-se de propósito para atacar o destacamento
que estava vindo de Corstopitum. Deviam imaginar que mandaríamos reforços para defender Cilurnium.
O que me intriga é quem estaria por trás dessa astuta estratégia de guerra...
— Pelos corpos dos guerreiros mortos, podemos dizer que são da tribo dos Selgovaes — um decurião
informou, cuspindo para o lado com nojo. — Eles são conhecidos por seus ataques rápidos e cruéis, bem
como pelo costume de jamais fazer prisioneiros homens.
— Dizem que são o povo mais selvagem e violento da Caledônia, ou seja, das terras ao norte da província
da Bretanha — outro oficial acrescentou, com os olhos brilhando de ódio. — Vivem nus, mesmo nas
estações mais frias, habitam tendas precárias e suas mulheres servem a todos os homens da tribo. Há
boatos de que podem sobreviver nos pântanos por vários dias, alimentando-se apenas de raízes e cascas
de árvores.
— É por isso que estou perplexo com a estratégia que usaram dessa vez — o primeiro centurião tornou a
dizer. — Esses guerreiros são indisciplinados e selvagens demais para se preocuparem com qualquer tipo
de tática de guerra. Atacam em bandos e fogem quando estão sendo derrotados... — Coçou a cabeça,
desorientado, corrigindo-se: — Pelo menos, costumavam agir assim até essa noite.
Um outro oficial, que até o momento permanecera em silêncio, aproximou-se de Marcus Valerius com ar
grave.
— Talvez a resposta para essa mudança de comportamento seja o novo líder dos Selgovaes, um gigante
de cabelos ruivos, chamado Beorth. Por diversas vezes, enquanto patrulhava as fronteiras, enfrentei
ataques desse bastardo sanguinário e posso afirmar que ele é muito sagaz e inteligente'.
O capitão riu com desprezo da astucia do jovem bárbaro e fez uma série de comentários picantes e mali-
ciosos sobre o que iria fazer com ele quando o pegasse. Logo, esquecendo-se dos horrores da batalha,
todos os oficiais estavam rindo, crentes de que o comandante conseguiria exterminar aqueles selvagens.
Embora tivesse desdenhado do poderio dos caledônios, Marcus sabia que não seria nada fácil derrotá-los.
Contudo, preferia guardar as preocupações para si mesmo, visto que era de vital importância manter o
moral das tropas elevado. Aliás, pensando nisso, sua primeira providência em Cilurnium foi ordenar
sacrifícios em honra de Aeon, o principal deus do culto de Mitra, uma religião que havia penetrado na
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sociedade romana vinda da Ásia, com raízes na antiga civilização babilónica. Mitra era um culto de luta,
de esforço e de disciplina, reservado apenas aos homens, portanto, con vinha perfeitamente ao espírito
dos legionarios de Roma.
Iniciado nesse culto há longa data, Marcus presidiu a cerimônia, com participação maciça da tropa.
— Aeon está satisfeito, soldados de Roma! — bradou, após sacrificar um touro. — Com a ajuda dos
deuses, vingaremos nossos companheiros mortos e esmagaremos nossos inimigos! — Depois, com a
eloqüência que lhe era característica, exortou a habilidade de seus homens, convocando-os a lutar.
Nas semanas que se seguiram, Marcus empreendeu inúmeros ataques às aldeias de Selgovaes que faziam
fronteira com as terras da Bretanha. Queria que aquele povo bárbaro compreendesse, de uma vez por
todas, que não se pode desafiar o poderoso Império Romano impunemente.
— E aterrador, não? — o sargento Praxas indagou, com asco, ao final de mais um ataque vitorioso. En-
quanto os romanos recolhiam seus mortos e feridos, os batedores celtas, que estavam a serviço de Roma,
ocupavam-se cortando cabeças de mortos e moribundos caledônios.
Marcus demorou alguns instantes para compreender a que o companheiro estava se referindo. Apesar da
atmosfera de morte e destruição que os cercava, sua mente estava muito longe dali... Como não poderia
deixar de ser, pensava na primeira e única mulher que ousara desafiá-lo, tanto com palavras, quanto com
gestos. Sim, seus pensamentos eram todos de Alena, aquela jovem de corpo tentador e espírito rebelde
que o estava levando à loucura!
— Eles acreditam que a cabeça de um homem contém sua alma, por isso, a guardam como um valioso
troféu de guerra — o capitão explicou, com expressão de absoluta indiferença. Após todos aqueles anos
de campanha pelos confins do Império, nenhum costume bárbaro era exótico demais, a ponto de
impressioná-lo.
Finalmente, após uma série de lutas sangrentas, Marcus retornou ao forte de Corstopitum, satisfeito com
os resultados daquela incursão. Embora não tivesse conseguido capturar Beorth, muitos de seus guerreiros
haviam sido mortos, o que significava paz, mesmo que temporária, para as fronteiras do norte.
Lineas Flavius veio encontrá-lo na entrada das termas. Porém o sorriso de boas-vindas desapareceu como
fumaça, ao atentar para o estado deplorável de seu comandante.
— Já passou da idade de empreender caçadas a rebeldes — censurou, meneando a cabeça, inconformado.
Em vez de ficar ofendido, Marcus sorriu. Sabia que o tribuno estava certo. A maioria dos comandantes
não participava mais de batalhas; eram muito mais úteis para o exército planejando estratégias do que
arriscando a vida em combates.
— Sim, sei que deveria delegar essas operações para os oficiais mais jovens como você, tribuno Flavius
— respondeu, bem-humorado. — Mas gosto de conhecer o caráter do meu inimigo pessoalmente. —
Enquanto entravam no edifício, indagou: — Quais as novidades?
Embora recebesse inúmeros relatórios sobre a situação dos diversos postos sob seu comando, havia uma
defasagem de dias entre a emissão e o recebimento da correspondência.
— Não há muito o que lhe dizer... Um mercador trouxe boatos de que a rainha Cartimandua está en-
frentando novas crises com seu marido. — Provou o vinho que um escravo lhe entregara antes de prosse-
guir. — Da última vez que entraram em conflito, ela precisou recorrer à ajuda de Roma para manter os
interesses imperialistas do consorte sob controle.
Marcus bufou. Falar sobre a rainha Cartimandua lhe trazia a lembrança da filha, a princesa Alena...
— A rainha está exigindo o retorno de lady Alena.
— Lineas comunicou, como se lesse os pensamentos do superior. — Ela quer ter a certeza de que a filha
irá se casar com um de seus aliados.
— Cartimandua pode protestar o quanto quiser. A princesa permanecerá aqui até que eu decida o con-
trário. Como Alena está? — indagou, tentando parecer o mais desinteressado possível.
Lineas riu, com cinismo.

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— Ela está ótima... Mas tem energia demais para ficar confinada. Desde que você partiu, ela tornou-se...
— hesitou, escolhendo cada palavra com cuidado especial. — Bem, quero dizer, Alena envolveu-se com
uma série de atividades do acampamento.
— Que tipo de atividades? — bradou, mal conseguindo crer no que ouvia.
— Ela está coordenando algumas de nossas atividades.
— Diga logo o que quero saber!
— Lady Alena está organizando torneios entre nossos soldados e os campeões locais.
— Lineas... — Marcus ralhou. Se conhecia o tribuno, sabia que deveria haver muito mais além daquilo.
— Também conquistou o respeito e a consideração dos soldados. Muitos dariam a própria vida para
protegê-la.
— Pensei ter lhe dado ordens expressas para que ninguém a visse sem sua permissão! Será que não é
capaz de controlar os passos de uma única mulher? — questionou, tomado pela ira.
Lineas fitou o capitão, com ar desolado.
— Juro que não sei como tudo isso aconteceu, Marcus... Proibi todas as visitas que pudessem ter algum
caráter político, exceto as do rei Megarric — tentou desculpar-se. — Quando nosso chefe de engenharia
pediu permissão para consultá-la, pensei que não haveria o menor problema. Os Lopocares recusavam-se
a cooperar na construção de alguns edifícios, a menos que tivessem o consentimento de Alena. Em
seguida, o mestre-quarteleiro pediu que ela intercedesse junto aos camponeses para aumentar a
arrecadação de suprimentos. Depois disso, ela simplesmente assumiu o controle da situação!
— Por todos os deuses, como foi deixar que isso acontecesse? — recriminou o tribuno, com profundo
desgosto. — Bem, estou cansado demais para tratar desse assunto agora. Preciso de um banho quente, um
pouco de vinho e uma longa noite de sono. Verei lady Alena amanhã!

CAPÍTULO OITO

Sobrecarregado por suas inúmeras atribuições civis e militares, Marcus só arranjou tempo para visitar a
casa de Alena no final da tarde seguinte.
Uma tímida serva de cabelos ruivos veio atender à porta, ficando em estado de choque ao dar com o co-
mandante romano. A jovem permaneceu imóvel, a fitá-lo com olhos esbugalhados, enquanto balbuciava
palavras incompreensíveis.
Farto de esperar, Marcus deixou a serva para trás e entrou no vestíbulo, colocando o elmo de bronze sobre
uma mesa de mármore. Depois, seguindo o ruído de risadas e vozes infantis, deslocou-se até o pátio;
porém não entrou de imediato, escondeu-se sob a sombra de uma coluna para admirar a cena sem ser
visto.
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No meio do jardim, estava Alena, rindo e brincando com o filho, em puro êxtase. Vestia a mesma túnica
rota de outrora, no entanto, o traje parecia adequado para suas peripécias. Estava deitada no chão, com as
pernas encolhidas sobre o ventre, equilibrando o menino nos joelhos.
Mesmo a distância, Marcus não deixava escapar um só movimento de Alena, hipnotizado por sua beleza e
alegria. Além disso, cada vez que ela levantava as pernas, a túnica subia um pouco, deixando entrever-lhe
as coxas firmes e alvas. Diante daquela visão inebriante, seus instintos masculinos vinham à tona,
clamando para serem saciados. Embora tivesse vontade de correr para o pátio e tomá-la em seus braços,
afogando-a em um mar de beijos insaciáveis, conteve as próprias emoções e permaneceu atrás da pilastra
até que mãe e filho, vencidos pelo cansaço, terminassem de brincar.
— Boa tarde, rei Megarric.
Aquela voz cavernosa, vinda das sombras, assustou ambos. O menino levantou-se, apressado, enquanto a
mãe puxou a túnica para baixo, até cobrir os tornozelos.
— Você voltou! — O garoto correu para os braços de Marcus que o girou nos ares, em incansáveis
rodopies.
Alena observou a cena sem expressar qualquer emoção, fosse de alegria ou de desagrado; parecia até uma
estátua de mármore, bela e fria. Contudo, apesar da aparência imperturbável, cada fibra do corpo se con-
torcía de ódio por ver seu único e amado filho brincando com seu pior inimigo.
Quando finalmente colocou o menino no chão, o romano dirigiu-se à dama, cumprimentando-a, solene:
— Princesa.
Alena fez um leve aceno com a cabeça, alinhando os ombros e empinando o nariz. Seu orgulho exacer-
bado estava bastante ferido por ter sido vista rolando no chão com o filho. Sentindo o rosto corar de
vergonha e de raiva, jurou que açoitaria pessoalmente qualquer escravo que tornasse a permitir que
Marcus Valerius entrasse em sua casa antes de ser anunciado.
— Capitão — retribuiu o cumprimento, com voz baixa, mas altiva. Em seguida, convidou-o a sentar-se
no solarium, dizendo a si mesma que não deveria se importar por estar vestindo um traje tão velho.
Galante, Marcus fez sinal para que sua bela anfitriã o precedesse, seguindo-a de perto, novamente com o
menino no colo. A mesma serva tímida de antes veio ao encontro deles, quando cruzaram o vestíbulo,
ficando ainda mais nervosa na presença do capitão.
— Princesa, a escolta do rei Megarric já chegou. Informei o oficial que o capitão estava aqui e ele res-
pondeu que aguardaria.
Sem dizer uma palavra, Alena virou-se para Marcus e pegou o filho nos braços. Por um momento,
afundou o rosto nos cabelos cacheados do menino e então colocou-o no chão.
— Vá com Ethelyn, Megarric. Iremos nos ver daqui há dois dias, em sua próxima visita. — Forçou um
sorriso para alegrá-lo.
O sorriso desapareceu daquele rosto infantil e até mesmo o azul dos olhos tornou-se opaco e sem vida.
Mas, apesar da tristeza, Megarric portou-se com toda a dignidade, despediu-se do capitão e retirou-se com
a serva.
Nem Alena, nem Marcus, fizeram qualquer tentativa para retomar a conversa depois que o menino se foi.
Lutando contra a dor que esmigalhava seu coração cada vez que o filho partia, ela levou o romano para o
solarium e ordenou que lhe servissem vinho e frutas.
— Lineas Flavius disse-me que estava no norte, capitão — mencionou, quebrando aquele longo silêncio.
O modo educado como ela se referira ao tribuno perturbou seus nervos.
— Sim — limitou-se a dizer, de mau humor.
Alena retesou os músculos ante aquela resposta descortés. Cruzando os braços sobre o ventre, encarou-o,
insolente.
— Acabei de retornar e, para meu espanto, descobri que todo meu acampamento está praticamente a seus
pés, princesa. — Fez-lhe uma reverência carregada de ironia e sarcasmo. — O mestre-quarteleiro vem
consultá-la todos os dias, o chefe de armas aceitou sua sugestão de fazer torneios semanais com os jovens
nativos, e também fiquei sabendo que enviou um grupo dos meus soldados para buscar cavalos no sul.
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— Estamos com escassez de montarias na cidade. Ademais, seus homens precisavam de algo para fazer,
além de construir prédios e estradas — Alena retrucou, sacudindo os ombros. — Aliás, se lhe interessa
saber, estou habituada a governar esse reino e sei exatamente o que meu povo precisa. O imbecil que
vocês romanos colocaram como regente só se preocupa com seu próprio bem-estar. Alguém deve cuidar
dos Lopocares, não acha?
Ao terminar seu pequeno discurso, os olhos verdes de Alena cintilavam, desafiadores. Parecia mais uma
guerreira, destemida e indomável como os selvagens da Caledônia, do que uma dama acostumada ao con-
forto de um palácio. Mas, assim que seu olhar encontrou o dele, mordeu os lábios e tratou de moderar seu
comportamento.
— Dizem que destruiu muitos acampamentos dos Selgovaes nessa excursão para o norte, capitão.
— Por Júpiter! Será que até o administrador passou a lhe fazer relatórios sobre as atividades das milícias?
— indagou, amargurado. Contudo, por trás daquela aparente irritabilidade, percebia-se um certo ar de di-
vertimento em suas maneiras. — Deveria permanecer sob vigilância intensa, princesa. No entanto parece
estar melhor informada sobre a situação do acampamento do que a maioria dos meus homens.
— O administrador sabe que esse assunto é do meu interesse. Há muito tempo, os Selgovaes vêm desres-
peitando as fronteiras, saqueando nossas terras. Antes da chegada dos romanos, vivíamos em guerra com
eles.
— E agora?
— Agora, há poucos guerreiros Lopocares para lutar contra qualquer um, como bem sabe. Devemos
confiar em suas tropas para nos defenderem, ou então fazer uma aliança com os Selgovaes para nos
rebelarmos contra o domínio de Roma. — Fez uma pausa, cravando olhos impiedosos no rosto do
capitão. — Nenhuma dessas hipóteses será agradável para meu povo...
— Ora, acabou se esquecendo da terceira e única opção. — Diante da enorme interrogação que surgiu no
rosto de Alena, prosseguiu: — Sua mãe pretende casá-la com um guerreiro poderoso, que irá proteger
essas terras para Megarric e para Roma.
— Gostaria que não colocasse os nomes de Megarric e Roma juntos. Não são a mesma coisa!
Para perplexidade de Alena, o inimigo deu um longo suspiro e, meneando a cabeça para a frente, assentiu:
— De fato, está certa... Não queremos destruir seu povo como teima em acreditar. Se você cooperar co-
nosco, seu filho poderá ser reconhecido como um dos reis aliados de Roma, o que irá permitir-lhe
governar com poucas interferências, justamente como acontece com sua mãe.
— Minha mãe não é o exemplo que quero para meu filho — atacou, sem pestanejar. — Cartimandua é
uma parasita de Roma que só se mantém no trono graças à ajuda da Sétima Legião. Seu próprio povo,
liderado por meu pai, já tentou destroná-la várias vezes.
— E todas as tentativas falharam, princesa — Marcus advertiu. — Se até seu pai não pôde derrotá-la,
mesmo contando com o auxílio de um exército, como pretende desafiar os desejos da rainha Cartimandua,
sem ter nenhuma ajuda?
Alena calou-se, mordendo os lábios de ódio. Mais do que ninguém gostaria de jogar na cara do capitão a
proposta que Beorth lhe fizera, mas a prudência a impedia de satisfazer esse desejo. Apesar de ainda não
ter dado uma resposta definitiva ao rei, sabia que aqueles ataques recentes eram um sinal, uma
demonstração de força dos Selgovaes. No entanto, segundo os relatos dos oficias romanos, soubera que a
excursão de Marcus Valerius pelo norte causara muitas baixas nos exércitos de Beorth. Desde que ficara a
par dessas notícias, uma dúvida atroz atormentava seus pensamentos: aquelas tribos selvagens seriam
suficientes para derrotar o exército de Roma? Pressionada pela necessidade de obter mais detalhes sobre
os combates, deu uma resposta surpreendente:
— Não pretendo desafiar minha mãe. Só quero adiar esse casamento até decidir o que é melhor para mim.
— Ela levantou-se e andou pela sala, ansiosa para mudar de assunto. — Ainda não tive a oportunidade de
agradecer-lhe pelo modo como vem tratando meu filho. Como já deve ter percebido, Megarric é o que há
de mais importante em minha vida.

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Surpreso com aquela súbita mudança de comportamento, Marcus também resolveu utilizar a mesma
tática.
— Ele é um bom menino, princesa. Você o educou muito bem.
Alena ficou boquiaberta com aquele elogio inesperado. Até onde podia lembrar, aquelas eram as
primeiras palavras gentis que aquele homem lhe dirigia. O estranho era que, no fundo, sentia-se feliz com
aquilo.
Ele é meu inimigo! Nada que diga ou faça pode alterar isso! Ralhou consigo mesma, lutando contra
aquela enxurrada de emoções contraditórias que, de repente, a tomara de assalto.
Ainda estava meio confusa com os próprios sentimentos, quando ele se levantou, ajeitando as dobras do
manto, em uma clara indicação de que iria partir.
— Lembro-me de ter prometido ao rei Megarric liberá-lo da arena assim que fosse possível. Para tanto,
pretendo levá-lo comigo em minhas cavalgadas pelo reino. Amanhã poderá se juntar a nós, se quiser.
— Claro que quero — respondeu, de um só fôlego. — Sinto como se estivesse trancada nessa casa há sé-
culos. Preciso sentir o sol em minha pele e o vento batendo em meu rosto durante um galope.
— Então até amanhã, princesa.
Marcus já havia percorrido metade do caminho até seus aposentos quando percebeu que não resolvera o
problema da intromissão de Alena nos assuntos do acampamento e do reino. Amanhã colocarei um ponto
final nessa questão, pensou, convicto do sucesso. No entanto, as coisas não saíram como planejara...
Ele ficou tão fascinado por aquela mulher de cabelos esvoaçantes, a qual cavalgava com indizível prazer
ao lado do filho, que expulsou todos os pensamentos referentes àquele impasse para os recantos mais
ermos e sombrios de sua memória. E, durante uma gloriosa tarde de sol, os três cavalgaram juntos pelo
vale, acompanhados apenas por uma pequena escolta. Aliás, só retornaram para o acampamento quando
as trombetas já chamavam os soldados para o jantar.
Nos dias e semanas que se sucederam, aquelas cavalgadas repetiram-se incessantemente até se trans-
formarem em um hábito. Com o menino entre eles e uma tropa a segui-los, a certa distância, Marcus e
Alena visitavam todos os vilarejos e as fazendas das redondezas. O clima ameno do final de verão
também colaborou para o sucesso daqueles passeios, pois, a não ser por alguns chuviscos passageiros, o
sol se fez presente todos os dias.
Durante esse tempo, Marcus passou a conhecer mais de perto os anseios e as necessidades daquele povo,
o que, sem dúvida alguma, lhe seria de grande valia na administração de mais essa província de Roma.
Também pôde observar o modo resoluto e, ao mesmo tempo, carinhoso como Alena governava, sempre
em nome de Megarric. Em cada aldeia ou fazenda, os vassalos a procuravam, trazendo-lhe todo tipo de
problema, embalados por uma certeza: sua senhora encontraria uma solução adequada para tudo. Somente
agora, depois de testemunhar o quanto essa mulher forte e determinada estava unida à sua tribo, Marcus
começava a compreender os sacrifícios que ela se dispunha a enfrentar pelos Lopocares.
No final de uma dessas tardes, passavam por uma fazenda, algumas léguas a leste de Corstopitum, quando
camponeses vieram encontrá-los, pedindo-lhes que parassem. Um homem destacou-se do grupo e, após
uma reverência respeitosa para Alena e o rei Megarric, começou a explicar-lhes seus problemas: pleiteava
uma redução de impostos por causa da morte de sua única vaca leiteira.
Marcus permaneceu em silêncio, observando o desenrolar dos acontecimentos. Ficava fascinado com a
diplomacia e a sagacidade de Alena que, apesar de resolver a contenda sozinha, fazia questão de que Me-
garric também participasse da conversa, ajudando-o discretamente nas respostas que dava ao homem. Em
tese, aquele problema só poderia ser resolvido por Peganthus, o regente, porém, pela determinação de
Alena e pelo olhar aliviado do fazendeiro, Marcus tinha certeza de que haviam acertado tudo.
— Você parece conhecer cada pessoa do reino, princesa — comentou, enquanto a mulher do fazendeiro
lhes oferecia canecos de cerveja.
Alena deu um gole, sacudindo os ombros com indiferença.

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— Vim para esse reino muito criança. Embora lady Nelwyn tivesse tentado me educar para ser apenas
uma boa esposa, eu conseguia fugir a maior parte dos dias e ficava vagando por essas colinas e vales.
Todos aqui me conhecem muito bem.
Marcus tentou comparar a liberdade de Alena com a vida confinada das garotas romanas. Duvidava de
que sua esposa alguma vez tivesse saído da casa do pai desacompanhada, antes de terem se casado.
— E, quando se tornou uma mulher, seu marido não esperava que se comportasse como uma boa esposa,
interessada apenas nos afazeres domésticos? — indagou, ao acaso, enquanto observava o jovem rei
mostrar sua minúscula espada para um grupo de crianças locais.
— Dugald passava a maioria do tempo em guerras. Marcus virou-se, de repente, intrigado pela frieza com
que ela se referira ao marido.
Sem perceber que estava sendo observada com tanto interesse, Alena relaxou sobre a sela, atenta à
conversa das crianças. Após alguns instantes, tornou a falar:
— Dugald amava as batalhas, independente de suas causas. Os homens o acompanhavam, é claro, exceto
os velhos e os inválidos. Portanto, passei a administrar os assuntos do reino, visitando as propriedades dos
nossos vassalos. Aliás, sou muito melhor nessas questões do que tecendo ou cozinhando — admitiu, sem
falsa modéstia.
Marcus retribuiu o sorriso. Seus olhares se cruzaram e, por um instante, ambos tiveram a sensação de que
não havia mais nada ao redor, apenas uma névoa mágica e tênue a envolvê-los. Por fim, a algazarra das
crianças quebrou o encanto daquele momento, trazendo-os de volta à realidade.
Meio constrangido, o capitão deu-lhe as costas, ocupando-se em convencer Megarric de que não deveria
levar um dos porquinhos da fazenda para o palácio. Alena, por sua vez, ficou a alisar a crina do cavalo,
perdida em pensamentos.
Por mais que tentasse, não conseguia entender por que, nos últimos tempos, vinha se sentindo tão bem
junto daquele homem. Sim, pois não podia mais negar que a presença de Marcus a alegrava e divertia,
como se fossem bons amigos... Aliás, na verdade, não era como amigo que ele a agradava...
No início, dissera a si mesma que aquele romano de cabelos escuros e corpo musculoso não tinha nenhum
atrativo para as mulheres do norte, habituadas a homens corpulentos e ruivos. Mas, cada vez que seus
olhos pousavam sobre aqueles músculos definidos, plenos de força e agilidade, precisava esforçar-se para
desviar a visão. Como mulher, sentia a virilidade que emanava dele por cada poro, por cada fio de cabelo,
chegando a desejar ser tocada por aquelas mãos...
Pare com isso, Alena! Chamou-se à razão, resistindo bravamente contra aquele torpor que ameaçava
dominar-lhe os sentidos.
Graças ao orgulho e senso de dever, ela conseguiu se recompor, tornando a ostentar a mesma aparência
inatingível de sempre. Contudo, por trás dessa barreira, havia uma mulher que ansiava descobrir um
mundo de prazeres e sentimentos que até agora lhe fora negado.
Somente na privacidade de seus aposentos, permitia-se pensar em Marcus, não como o soldado inimigo
que ameaçava seu povo, mas apenas como homem. Arrepios de prazer percorriam-lhe o corpo só de lem-
brar daquele rápido beijo que ele lhe dera, semanas atrás. Era maravilhoso e intrigante o fato de um sim-
ples beijo ser capaz de desencadear tantas sensações boas e desconhecidas... Afinal, os beijos de Dugald,
embora raros, só lhe causavam repulsa e asco.
Numa tentativa de se concentrar no presente, voltou a observar a conversa entre Marcus e Megarric no
exato momento em que ele acabara de convencê-lo a devolver o porquinho para os filhos do fazendeiro.
Apesar de ser um militar, o capitão tratava as crianças com tanto jeito e desenvoltura que Alena indagou-
se se não teria filhos, ou mesmo uma esposa, em alguma parte do Império.
Não sabia nada a respeito do passado ou das preferências de Marcus. Conversavam muito pouco e,
quando o faziam, apenas comentavam aspectos administrativos do reino ou banalidades. Nunca falavam
sobre si, ocultando ao máximo o que lhes ia pelas almas.
Alena deu uma boa olhada em Marcus, enquanto ele se despedia dos fazendeiros. Seus modos mesclavam
autoridade com simpatia e, por isso mesmo, ele estava ganhando a confiança dos nativos. De fato, nas
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últimas semanas, aquele romano arrogante e convencido havia conquistado até mesmo seu respeito. De
repente, uma luz acendeu-se em sua cabeça...
E se Marcus for a resposta que espero? Indagou-se, esperançosa. Se fosse assim, não precisaria entregar-
se à selvageria de Beorth, nem aos caprichos de sua mãe. Todos os problemas estariam resolvidos! Aos
poucos, a euforia foi passando e Alena tratou de afastar essas idéias malucas da cabeça. Contudo, no
íntimo, prometeu-se voltar a analisar essa hipótese com mais cuidado.
Enquanto galopavam de volta a Corstopitum, uma chuva fina passou a acompanhá-los, tornando a marcha
mais lenta e cansativa. Entretanto, antes de poderem finalmente descansar sob um teto, ainda deviam
deixar o rei Megarric no palácio e levar para o acampamento alguns barris do vinho de Peganthus.
Desde a chegada de Marcus, o regente havia perdido toda sua autoridade e tinha plena consciência disso.
Ocupava-se com banquetes e reuniões, sem importância alguma, com os membros mais velhos da tribo.
Seus dias na regência estavam contados e odiava Alena por tê-los antecipado. Mesmo assim, na presença
do capitão, ainda teimava em tratá-la com falsa cortesia, tornando tais encontros ainda mais
desagradáveis.
Com o coração amargurado por ter que se despedir do filho, Alena voltou a acompanhar os romanos para
sua nova casa. Porém, ao deixar o palácio, a natureza brindou-a com uma surpresa: em vez da garoa, a lua
cheia reinava absoluta no firmamento, encantando por sua beleza e vitalidade. Sem chamar a atenção dos
romanos, saudou o astro celeste, pedindo que lhe desse forças para cumprir seu destino. Afinal, como
todo celta, conhecia e respeitava a influência das fases lunares sobre a vida das pessoas. Sentindo-se mais
animada e bem-disposta, após essa rápida oração, passou a observar, com grande curiosidade, a
verdadeira cidade que surgira entre Corstopitum e o forte nos últimos meses.
As toscas barracas de madeira, antes ocupadas por mercadores, artesãos estrangeiros e prostitutas, esta-
vam sendo substituídas, em ritmo vertiginoso, por ricas construções de pedra. Era fascinante ver aquelas
fachadas de mármore, com suas imensas colunas, sem falar nos exóticos trajes de seus moradores. Em vez
das túnicas retas e disformes dos celtas, os estrangeiros usavam vestidos longos e cheios de pregas, presos
aos ombros por broches de prata ou ouro e amarrados à cintura com fitas ricamente bordadas. Eram as
togas, vestes romanas destinadas apenas às mulheres da nobreza que, com o passar do tempo, haviam se
difundido pelos quatro cantos do Império.
Inesperadamente, uma das prostitutas aproximou se do grupo e soltou os broches, deixando seus belos
seios à mostra. Mantinha os olhos fixos no capitão, fazendo-lhe gestos convidativos e insinuantes.
Alena virou a cabeça para o lado oposto. Contudo, pôde perceber claramente a chama do desejo ardendo
nos olhos castanhos de Marcus. Dominada por um sentimento confuso, mescla de raiva com despeito,
apertou os dentes com força, morrendo de vontade de furar os olhos daquela moça oferecida. Não queria
receber as atenções desse homem, mas, por razões que fugiam ao racional, também não queria vê-lo
interessado em outra mulher.
Apesar dos gracejos dos soldados, imperou a rígida disciplina militar e todos seguiram adiante sem qual-
quer pausa. Pouco depois, estavam cruzando os portões do acampamento, ainda excitados pela
exuberância da prostituta. Como já era costume, o guarda que vigiava a casa caminhou até Alena para
ajudá-la a desmontar, mas foi repelido pelo capitão que prontamente desceu do cavalo e ofereceu-se para
ampará-la.
Com o coração acelerado, sentiu as mãos fortes de Marcus erguê-la no ar, como se fosse uma pluma, e,
depois, descê-la devagar, rente ao seu corpo másculo e sedutor. Porém, para sua surpresa, em vez de colo-
cá-la no chão, ele a manteve no colo, ordenando aos soldados que se retirassem.
Alena estava desesperada. Lutava bravamente para resistir aos espasmos de prazer que lhe tomavam de
assalto cada vez que aquelas mãos deslizavam por sua cintura, roçando pelos seios. Queria esmurrá-lo,
forçando-o a soltá-la de qualquer maneira, mas seu corpo parecia ter adquirido vontade própria e insistia
em ter seus desejos saciados. Tinha que fazer alguma coisa depressa ou acabaria sucumbindo aos dotes
sedutores de Marcus...

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— Está pretendendo me estuprar? — indagou, ocultando a paixão que a assediava por trás daquele co-
mentário áspero. Olhando ao redor com desdém, acrescentou: — Aqui mesmo, no meio da rua? Por
acaso, aquela prostituta inflamou seu sangue a tal ponto que se esqueceu de quem sou?
Um brilho malicioso tomou conta dos olhos dele.
— De modo algum, princesa. Nenhuma prostituta seria capaz de fazer-me esquecer de suas curvas... —
respondeu, alisando as pernas bem torneadas de Alena. Depois, irônico, garantiu: — Aliás não pretendo
estuprá-la no meio da rua...
Com uma manobra rápida e inesperada, Alena escapou daqueles braços lascivos e, sem perder o fôlego,
correu para casa. O guarda abriu-lhe a porta, observando a cena com enorme interesse, porém, antes que
pudesse fechá-la, o capitão também a transpôs.
— Dentro da casa, no entanto, tudo fica diferente... — Marcus murmurou, mordaz, fechando a porta para
desespero do guarda que ficou, morrendo de curiosidade, do lado de fora.
Antes que Alena pudesse reagir, viu-se novamente envolvida pelos braços abrasadores e experientes do
capitão.
— Não seja ridículo! — protestou, acuada como uma gata. — Só preciso gritar e uma legião de servos e
escravos virá defender-me!
— Isso mesmo... — respondeu, sussurrando em seu ouvido.
Aquela voz rouca penetrou em sua mente, agindo como um poderoso anestésico. Em questão de segun-
dos, todas as suas defesas ruíram, enquanto um frisson percorria-lhe a espinha, fazendo vibrar de
excitação até as partes mais íntimas de seu corpo. Apesar de seduzida, Alena ainda tentou reagir,
buscando forças para isso nos confins de sua alma.
— Está abusando de sua autoridade, capitão... Pense nas conseqüências desse ato... — argumentou, com
voz trêmula.
— Já pensei — assentiu novamente, sem retroceder um milímetro.
— Mas... — Todos os seus protestos foram calados por um beijo tempestuoso e avassalador. Queria
gritar, pedir ajuda, mas seus lábios recusavam-se terminantemente a se soltar dos dele, como se
estivessem experimentando o incomparável néctar dos deuses.
— Se pretende gritar, faça-o agora, princesa... — ele voltou a sussurrar, fazendo uma rápida pausa para
recuperar o fôlego.
Alena cravou os olhos verdes naquele rosto severo, agora transfigurado pela luxúria. Sabia que tinha que
reagir, afastá-lo de si antes que fosse tarde demais... Contudo, não queria pensar em mais nada, queria
apenas saciar a fome de prazer que ele lhe despertava... Em silêncio, entregou-se a novos beijos e caricias,
cada vez mais ousadas...
Com um brilho vitorioso no rosto, Marcus desatou-lhe o cinto e mergulhou as mãos sob a fenda da túnica,
acariciando aquela pele alva e acetinada.
A cada toque, Alena gemia, em puro êxtase, desejando mais e mais... Estava à mercê daquele homem, de
seus caprichos e carinhos, porém não se importava mais com isso, queria apenas ser amada e sentir-se
especial, como toda mulher gostaria de ser...
De repente, percebeu que a única barreira entre sua pele nua e o corpo viril de Marcus era aquela farda
úmida e cheia de lama. Incapaz de se conter, começou a rir, cada vez com maior intensidade.
Com uma expressão de orgulho, Marcus a fitou, convencido de suas habilidades na arte da sedução.
— Parece que minhas caricias a deleitam, princesa... Alena riu ainda mais alto, descobrindo um modo de
afastá-lo de si, já que não poderia controlar os próprios impulsos.
— Talvez devesse planejar suas investidas com mais cuidado, capitão... — retrucou, sarcástica. — Essa
lama toda em suas vestes distraiu-me completamente de seus beijos.
Aquela frase teve um efeito devastador sobre Marcus. No mesmo instante, ele a soltou para examinar o
traje coberto de barro e cheirando a cavalo. Quando tornou a fitá-la, um sorriso de desdém emoldurava a
boca de Alena, que, com enorme rapidez, já havia fechado a própria túnica.

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— Não tornarei a me esquecer desses detalhes, princesa — garantiu, com uma expressão indecifrável no
rosto. Em seguida, retirou-se, pisando duro, enquanto ela continuava a rir.
O ruído daquelas risadas ainda ecoava pela cabeça de Marcus, mesmo depois de ter atravessado várias
ruas do acampamento para chegar à sua própria residência. Seus ânimos só se acalmaram quando en-
controu Lineas Flavius à sua espera, no vestíbulo.
A princípio, o tribuno agiu de acordo com o protocolo, saudando o superior com respeito.
— Ave, capitão. Esse despacho do governador acaba de chegar e... — Interrompeu a frase, de súbito,
fitando Marcus horrorizado. — Que cheiro é esse? Parece que andou rolando pelos estabules.
Marcus Valerius cerrou os punhos, recordando as palavras mordazes e o riso descontrolado de Alena.
— Não, mas salvei o palácio de receber, como ilustre morador, um legítimo suíno — retrucou,
amargurado.
— O rei Megarric aceitou o presente de um fazendeiro local e tive que exercitar toda minha diplomacia
para demovê-lo daquela idéia infeliz!
Lineas arqueou as sobrancelhas, fazendo um esforço enorme para não rir.
— Desde quando, faz parte dos deveres do comandante da Sétima Legião manusear animais domésticos?
— Desde que o garoto e sua mãe assim o esperem — redargüiu, sem perda de tempo. Em seguida, irri-
tado com toda aquela situação, explodiu: — Já chega de falar sobre isto! Neste momento, gostaria de ter
aquele maldito leitão para o jantar por todos os dissabores que me causou! Bem, quais são as notícias do
governador?
Surpreso com aquela mudança repentina de assunto. Lineas ficou a observá-lo. Marcus não costumava
perder a paciência por causa de uma simples brincadeira, algo de estranho estava acontecendo com o
capitão...
— Vamos logo, tribuno! Estou à espera de um relatório!
— O governador manda que a princesa Alena seja enviada para sua mãe. Evidentemente, a rainha Car-
timandua acabou por persuadi-lo a aceitar seus planos.
— Deixe-me ver o despacho — ordenou, tenso.
A mensagem era bastante sucinta, dizendo apenas que a princesa Alena deveria ser conduzida até
Isurium, a capital do reino de Cartimandua. O próprio governador estaria lá para recebê-la de Valerius e
ouvir do capitão os relatos sobre as campanhas no norte. Após ler o despacho, Marcus ficou em silêncio,
como se estivesse em choque. Então, recuperando-se, comunicou:
— Avise a princesa para que esteja pronta para partir amanhã. Também providencie que possa se despedir
do filho. — Encarou o tribuno com autoridade, acrescentando: — Irá assumir total responsabilidade pelo
bem-estar do menino enquanto eu estiver fora. — Em seguida, virou-se e saiu.
Lineas ficou parado ali, por algum tempo, fazendo conjecturas sobre um possível envolvimento entre Ale-
na e Marcus. Apesar de haver um consenso, no acampamento, de que o capitão deveria compartilhar da
mesma cama que aquela bela refém, enquanto ela estivesse sob sua guarda, todos acreditavam que isso
não havia acontecido. O que, aliás, era de se estranhar para um homem que fazia tanto sucesso entre as
mulheres, como Marcus Valerius... Sabendo, por experiência própria, o quanto essa mulher mexia com os
desejos de um homem. Lineas ficava ainda mais surpreso com a aparente castidade do companheiro.
Bem, os dois ainda terão uma bela jornada pela frente, antes de se separarem..., o tribuno lembrou, com
um sorriso maroto na face. Como ninguém, conhecia todas as táticas e artifícios para seduzir uma dama
durante uma viagem longa e tediosa. Se o capitão a quer, como imagino, não irá desperdiçar essa oportu-
nidade de jeito algum...

CAPÍTULO NOVE

No dia seguinte, Marcus dirigiu-se à casa de Alena, comandando uma tropa de cinqüenta homens e vinte
cavaleiros. Estava de péssimo humor, praguejando ao menor deslize dos soldados. Pretendia ter partido
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mais cedo, porém tivera uma manhã bastante atribulada para acertar detalhes administrativos e militares
que requeriam atenção especial, já que ficaria várias semanas longe do forte. Para piorar, quando
acreditava ter concluído todas essas tarefas, chegara, do sul, um carregamento de moedas de ouro. A
quantia precisava ser conferida e guardada na galeria subterrânea, debaixo do altar do templo de Marte,
impreterivelmente antes que partisse. Portanto, após todos esses contratempos, seu rosto era uma carranca
ignóbil que metia medo em todos que o fitavam.
A situação de Alena não era muito diferente. Não havia palavras para expressar todo o ódio, a revolta e a
frustração que a dominavam por ser obrigada a enfrentar essa viagem. Era o fim de seus sonhos de
liberdade...
E pensar que estava começando a confiar nesses romanos! Recriminou-se, amargurada, ainda sentindo o
gosto dos lábios de Marcus Valerius. Recebera a trágica notícia de sua partida nas primeiras horas do dia,
da boca do próprio Lineas Flavius, que também lhe trouxera Megarric para um último adeus.
Preocupada com os destinos de seu povo, conseguira que um escravo de confiança fosse até o palácio, le-
vando uma mensagem secreta para Nelwyn. A sacerdotisa precisava avisar Beorth de sua partida para
Isurium e dos planos que a rainha Cartimandua lhe reservava. Talvez o jovem bárbaro do norte fosse a
única alternativa que lhe restava...
Durante seu breve encontro com Megarric, entretanto, Alena teve que fazer um esforço sobre-humano
para manter a voz calma e despreocupada. Sempre fora franca com o filho sobre os assuntos políticos e
administrativos do reino, por isso, Megarric sabia que a mãe deveria se casar outra vez algum dia.
Portanto, agora que esse momento havia chegado, não poderia demonstrar raiva ou insegurança, sob pena
de deixá-lo confuso. Com tato, conseguiu dizer-lhe que iria para Isurium contrair novas nupcias e, em
breve, estaria de volta. Depois, aproveitaram o tempo juntos para rir e brincar como se nada de mal
estivesse acontecendo.
O resto do dia arrastou-se em uma longa e angustiante espera. Por fim, quando o sol já estava se pondo, a
serva anunciou a chegada do capitão, causando uma crise de nervos em sua senhora, que estava pronta
para aquela jornada desde o amanhecer.
Marcus sorriu, aliviado, ao encontrar toda a bagagem de Alena no vestíbulo. No fundo, temia ter que
arrastar aquela mulher geniosa para fora e colocá-la sobre o cavalo à força, como acontecera da outra vez.
— Saudações, lady Alena. Fico satisfeito por ver que está pronta para partir. — Estava começando a
pensar que a princesa só possuía aqueles pobres andrajos que usava para cavalgar ou brincar com o filho,
quando seus olhos pousaram sobre a magnânima figura em pé, no centro do solarium.
Dessa vez, ela estava trajada como uma nobre, usando uma túnica amarela, bordada nas mangas e na
bainha com fios de ouro e prata. Os cabelos, presos no alto da cabeça e enfeitados por um diadema de
pérolas, eram a moldura perfeita para seu rosto altivo e infinitamente belo.
Ainda mais irritada com aquela análise, Alena mordeu os lábios, mal vendo a hora de se livrar da
presença daquele homem perturbador. Pelo menos, esse casamento teria esse aspecto positivo...
— Bem, capitão, sugiro que partamos o mais breve possível. Desde que fui informada sobre essa viagem,
mandei preparar os cavalos, de modo que os pobres animais estão selados há horas. — Solene, pôs o man-
to de veludo púrpura sobre os ombros e caminhou até a porta.
Marcus cruzou os braços e permaneceu imóvel, onde estava, bloqueando a passagem da imponente dama.
Então, ambos se fitaram demoradamente.
Ali, diante de seus olhos, Alena via apenas o soldado romano, inflexível e dominador como todos os
latinos. Não havia o mínimo vestígio do homem que girava seu filho no ar, com carinhos paternais, ou
que cavalgava a seu lado pelas colinas do reino.
— Vamos, capitão, temos uma viagem pela frente — tentou mais uma vez, engolindo o orgulho e a de-
cepção. — Se não se importa, gostaria de fazer esse trajeto com o máximo de dignidade.
— Se pretende manter sua dignidade intacta, princesa, deve tomar mais cuidado com suas palavras. Já lhe
avisei que não iria tolerar esse tom de voz prepotente e autoritário! Só partiremos quando eu assim o
ordenar.
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Embora não houvesse necessidade de tanta rispidez, Marcus agira daquela forma brusca de propósito. Sua
intenção era lembrá-la, e a si mesmo, de seus respectivos papéis. Seu dever era levá-la até o governador, e
o dela era apresentar-se para o casamento. Não importava o quanto aquilo o magoasse; como bom
soldado, iria cumprir suas obrigações corretamente.
Após alguns instantes de tensão, ele deixou a sala, dando ordens para que a bagagem da dama fosse car-
regada. Em seguida, um oficial veio buscá-la, ajudando-a a montar.
Marcus já estava montado, tomando as derradeiras providências, quando percebeu a presença da frágil
serva de Alena, ao lado de sua senhora. Estivera tão entretido com a correria daquela manhã que nem ao
menos se lembrara de que a princesa iria precisar de alguma companhia feminina. Agora que se dera
conta desse detalhe, a irritação que sentia era imensurável. Se já seria difícil atravessar a Bretanha
levando uma mulher, imagine então tendo que levar duas!
Ethelyn, a serva, observou sua senhora montar e, temerosa, aproximou-se do animal que lhe fora reser-
vado. Jamais cavalgara em toda sua vida, ocupando-se apenas dos serviços domésticos. Havia crescido
junto da princesa e a amava com total devoção, sendo capaz de protegê-la com sua própria vida, se fosse
necessário. Portanto, apesar do medo, segurou as rédeas, sem saber como conseguiria subir naquele
cavalo imenso. De repente, mãos fortes a puseram sobre a sela, arrancando-lhe gemidos de susto.
Praxas riu do embaraço da moça, enquanto a ensinava noções básicas de equitação.
— Não se preocupe, cuidarei para que não caia — garantiu, cordial.
A jovem sorriu-lhe, timidamente. Mal podia entender o latim, porém não havia dúvidas quanto à segu-
rança que o sargento lhe inspirava.
Mesmo a distância, Marcus não perdeu aquela cena, rindo, por dentro, dos modos desajeitados da moça.
Contudo, sua fisionomia continuava taciturna e sombria como antes. Por fim, deu ordem de partida, se-
guindo à frente de seus homens.
O percurso entre Corstopitum e Isurium atravessava toda a Bretanha, passando por vales e colinas íngre-
mes. Por sorte, os soldados haviam terminado de pavimentar aquele caminho, poucos dias antes. Embora
não fosse tão larga ou plana como a célebre Via Fosse, que cortava diagonalmente o sul da província,
ligando o forte Lincoln aos confins de Gales, a nova estrada era uma importante conquista de Roma, que
tornaria a comunicação entre seus diversos acampamentos mais rápida e eficaz.
Para facilitar as viagens, os romanos também haviam construído abrigos, à beira das estradas, em
intervalos regulares. Marcus planejara pernoitar no primeiro desses locais, mas, com o atraso da partida,
seria impossível chegar até lá antes do raiar de um novo dia. Desse modo, seriam forçados a acampar em
campo aberto, o que aumentava as chances de serem atacados por nativos, insatisfeitos com a remoção da
princesa.
Quando a escuridão tornou-se absoluta, acompanhada por uma chuva torrencial, mesmo a contragosto,
Marcus ordenou que a tropa parasse em uma enorme clareira. De imediato, os soldados começaram a
erguer um abrigo temporário, cortando algumas árvores ao redor, sob a vigilância severa de seu capitão.
Alena observava o trabalho incessante daqueles homens com enorme interesse, tendo Ethelyn e o sar-
gento Praxas a seu lado. Estava fascinada pela disciplina e perfeccionismo dos romanos, que se
entregavam aquela tarefa antes mesmo de comerem ou descansarem daquela marcha exaustiva. De
repente, com o canto dos olhos, viu que Marcus Valerius caminhava apressado em sua direção. Sem
perder tempo, desceu do cavalo e o encarou, desdenhosa. Não iria se perdoar se permitisse que aquele
homem desprezível pusesse as mãos em seu corpo outra vez.
— Princesa, não deverá sair do perímetro desse acampamento sob hipótese alguma. O sargento Praxas irá
providenciar uma tenda para você e sua serva.
Ela ajeitou as dobras do manto, agindo como se não tivesse prestado atenção àquela ordem. Depois,
ergueu a cabeça, lançando-lhe um olhar desafiador.
— Ainda estamos nas terras da minha tribo... Não teme sofrer um ataque aqui?
— Não temo nada! — assegurou, arrogante. — Em todo caso, estou preparado para qualquer imprevisto.
Afinal você é valiosa demais para a rainha e o governador, não é?
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— Então é neles que pensa toda vez que me olha, Marcus Valerius? — retrucou, escarnecendo do fascínio
que sabia exercer sobre ele. Depois, deu-lhe as costas e foi para junto de Ethelyn sabendo que havia
iniciado um jogo perigoso e sem retomo.
Marcus contraiu os músculos da face, sentindo o sangue ferver de ódio. Contudo, deixou que ela se
Cosse, preferindo concentrar sua atenção na montagem do acampamento. Afinal, não era exatamente ódio
que sentia por aquela mulher lasciva como Vênus, mas traiçoeira como a própria Juno, a deusa famosa
por suas intrigas e vinganças...
Somente uma hora mais tarde, o capitão permitiu-se relaxar na tenda de couro erguida no centro do
abrigo. Ali, acompanhado pelos outros oficiais, tirou a armadura e sentou-se para discutir os planos para o
dia seguinte.
— Vejam aquilo! — um dos centuriões exclamou, apontando para a pequena tenda de Alena.
Todos olharam na direção indicada, vendo a princesa, sentada do lado de fora, sorrir para o soldado que
lhe servia a comida.
Marcus sentiu o coração parar, diante de tanta formosura. Porém levou apenas alguns segundos para
perceber que todos os homens do acampamento também a admiravam com olhos sedentos de desejo. Já
vivera o bastante no exército para saber os transtornos que uma presença feminina poderia causar a
qualquer tropa, ainda mais sendo um mulher tão exuberante e sensual quanto Alena... Precavido e
incomodado por ciúmes, foi ao encontro da princesa.
— Termine sua refeição e vá para a cama — disse, áspero. — Amanhã teremos um dia muito duro e
cansativo.
Num piscar de olhos, o sorriso meigo e afável da princesa transformou-se em uma expressão de mágoa e
rancor. Vendo aquilo, Marcus se arrependeu por ter sido tão grosseiro, todavia, como não podia mais
voltar atrás, manteve-se impassível.
Ofendida com os desmandos do romano, Alena levantou-se e deixou o prato no chão. A pobre serva,
assustada com o desenrolar daquela cena, escondeu-se atrás de sua senhora.
— Perdi a fome, capitão — respondeu, insolente, preparando-se para entrar na tenda. No entanto, antes
que desse dois passos, foi detida por Marcus que a segurou pelos ombros.
— Voltará a comer, princesa — advertiu, ameaçador. — Amanhã iremos percorrer muitas milhas e não
quero vê-la desmaiar de fome ou fraqueza.
— Nunca desmaiei em toda minha vida! — Seu olhar feroz parecia lançar farpas sobre Marcus. — Posso
lhe garantir que não vou atrapalhar sua marcha. Aliás, estou ansiosa para que isso tudo chegue ao fim!
No fundo, Alena se recusava a aceitar o verdadeiro motivo de sua mágoa. O que lhe doía era a sensação
de que ele queria se livrar dela o quanto antes.
— Sente-se e volte a comer — repetiu, entre dentes, em um tom que não admitia recusas. Enfatizando as
palavras, pressionou-lhe os ombros para que ela tornasse a se sentar.
— Está bem! — aceitou, percebendo que aquela seria a única maneira de se ver livre dele. Depois,
massageou os ombros doloridos e voltou a comer, ignorando por completo a presença do capitão.
Marcus deveria estar feliz por ter feito valer sua vontade, mas, ao contrário, sentia-se melancólico. In-
dependente do resultado, cada altercação com Alena parecia cravar uma seta em seu peito. Não queria vê-
la triste ou contrariada, entretanto, sem entender por que, perdia o controle na presença dela, acabando
por dizer ou fazer coisas que não queria.
Macambúzio, voltou para junto dos oficiais, descarregando toda a frustração no nacos de carneiro assado,
que devorou com voracidade assustadora. Contudo, seus olhos penetrantes não desviavam um segundo
daquela dama impiedosa e inatingível, que roubara seu coração. Pelo menos, seu semblante feroz e irado
serviu para desencorajar outros comentários a respeito de Alena, de modo que o resto da noite transcorreu
na mais perfeita calma e normalidade.
Ao amanhecer, a tropa retomou a marcha para o sul, cavalgando horas seguidas antes de fazer a primeira
pausa do dia, junto a um riacho de águas claras e gélidas.

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Mais do que depressa, Alena desmontou sozinha e foi se refrescar no riacho, enquanto Praxas ajudava
Ethelyn a descer do cavalo. Porém, ao tocar o solo, a pobre serva soltou um gemido lancinante e perdeu o
equilíbrio, sendo amparada pelos braços do sargento.
Cuidadoso, Praxas pousou a moça sobre a grama e correu a chamar a princesa.
— Sinto muito, lady Alena... — sussurrou, assim que sua senhora sentou-se a seu lado. — Não conse-
guirei montar naquele animal de novo.
— Acalme-se, Ethelyn. Deixe-me ver seus ferimentos. A serva baixou a cabeça, constrangida, o que
chamou a atenção da princesa para o círculo de curiosos que se formara em torno de ambas.
Alena virou-se para aquela turba, fuzilando cada um daqueles rostos com reprovação e desprezo. Não
demorou muito e todos se dispersaram, deixando-a sozinha com a serva. Satisfeita, ergueu a saia da moça
e quase teve um colapso nervoso ao ver o estado lastimável em que a pobre moça estava. Suas coxas e
nádegas estavam totalmente esfoladas, cobertas de sangue e bolhas.
— Pela Grande Deusa, Ethelyn! — exclamou, num sussurro abafado. — Por que não me disse o que
estava acontecendo? Teríamos tratado desses ferimentos antes que ficassem desse jeito...
Ethelyn limitou-se a chorar baixinho, cheia de dor e de vergonha, enquanto Alena examinava melhor as
feridas. De repente, uma sombra gigantesca recaiu sobre as duas, provocando-lhes sobressaltos.
— Preciso de ungüento e ataduras, capitão — exigiu, tornando a se concentrar em Ethelyn, que estava
mortalmente pálida. Após a discussão da noite anterior, havia decidido não se dirigir a Marcus nunca
mais. Entretanto, não podia pensar nesse tipo de desaforo diante do sofrimento da moça.
— Praxas! — ele chamou, sendo obedecido de imediato. — Traga ataduras, sabão e água. — Ante a
expressão horrorizada de Alena, redargüiu: — E tudo o que temos, princesa! Se serve para meus
soldados, também servirá para essa garota inexperiente!
Depois que os ferimentos foram limpos e enfaixados, a cor começou a voltar ao rosto de Ethelyn, embora
ainda continuasse ligeiramente febril. No entanto, sua alegria durou pouco...
Vendo que a serva já fora medicada, Marcus deu ordem de partida, obrigando todos a voltarem às res-
pectivas montarlas. Estavam parados ali há tempo demais e ainda deveriam percorrer muitas milhas se
não quisessem dormir em campo aberto outra vez.
Condoído, Praxas tomou a moça no colo e a pôs em sua garupa, tentando tornar-lhe a viagem menos
penosa.
Marcus abriu a boca para protestar, ordenando que a serva cavalgasse sozinha em seu próprio cavalo,
mas, ao perceber a simpatia de Alena pelo gesto bondoso do sargento, calou-se.
No meio da tarde, chegaram à pequena cidade de Lavatra. Embora ainda fosse possível alcançar o
segundo abrigo romano antes do pôr-do-sol, o capitão decidiu pernoitar ali mesmo, em consideração a
Ethelyn, cada vez mais abatida.
O chefe local recepcionou os romanos calorosamente, oferecendo a própria casa para hospedar os oficiais
e as mulheres. A cabana era muito rústica, sem janelas e composta por um único cômodo, porém era
quente e limpa, o que levou Marcus a aceitar aquela oferta de bom grado. Então, para garantir o mínimo
de privacidade para Alena e sua acompanhante, mandou improvisar uma divisória de couro, separando a
sala em dois ambientes distintos. Em seguida, deixou as duas sob os cuidados de Praxas e tornou a
montar, a fim de verificar a disposição dos guardas nos arredores da cidade.
Alena cuidou de Ethelyn o melhor que pôde. Com a ajuda da esposa do chefe, passou um preparado de
ervas e raízes nas feridas e trocou as faixas de linho, já sujas de sangue, por outras limpas. Para
completar, deu-lhe de beber um chá calmante, misturado com vinho, que a fez dormir em pouco tempo.
Depois de comer e descansar por algum tempo, Alena começou a se sentir inquieta, trancafiada naquela
cabana. Andou de um lado para outro de seu pequeno domínio, até que, por fim, resolveu sair para tomar
um pouco de ar fresco.
Lá fora, as estrelas brilhavam no céu, enquanto uma brisa fria soprava do norte, prenuncio do outono que
se aproximava. Bastou um olhar mais aguçado pelas cabanas dispostas em círculo, para constatar que não

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haveria outra coisa a fazer ali, além de dormir. Mesmo assim, era preferível ficar algumas horas sob o luar
do que presa entre quatro paredes.
De repente, um ruído de gritos e risadas masculinas chamou sua atenção para o acampamento dos
soldados, atrás das cabanas. Movida pela curiosidade, esgueirou-se até lá, vendo que disputavam tiro ao
alvo. Sua alma rebelde e aventureira vibrou de alegria com aquele torneio, no entanto, graças à prudência,
preferiu assistir aos desafios escondida entre os arbustos.
Depois de meia hora de observação, compreendeu que Praxas continuava invicto, apesar de ser desafiado
por todos os outros.
— Muito bem, sargento — gritou, sem conseguir se conter por mais tempo. — Vejo que é o campeão!
Mas não acho que tenha enfrentado rivais à sua altura...
Praxas franziu a testa, intrigado. Estava junto do capitão, quando viram Alena arremessando lanças, e
ficara fascinado com sua destreza. No íntimo, ficava imaginando se ela também seria tão hábil no manejo
de um arco.
— Gostaria de tentar me vencer, princesa? — convidou, respeitoso.
— Claro que sim! — Alena avançou, enquanto os romanos lhe abriam passagem, boquiabertos com ta-
manha coragem. — Pelos deuses, é muito bom ter um arco nas mãos outra vez! — exclamou, exultante,
analisando a arma que lhe entregaram.
— Gostou do nosso arco? — um dos centuriões quis saber, ao vê-la tão entretida.
— Não é ruim... Mas os arcos celtas são muito mais precisos — respondeu, provocando uma enxurrada
de risos entre os guerreiros. No entanto, todos silenciaram assim que ela atirou algumas flechas para se
acostumar à arma.
Em pouco tempo, um novo alvo, feito de couro de vaca com círculos pintados de vermelho, foi posto na
estaca, ficando acertado que fariam três etapas de cinco tiros cada.
— Você primeiro, princesa — Praxas sugeriu, meio irônico. — Quero avaliar seu potencial.
Alena não se fez de rogada, arregaçou as mangas e prendeu uma parte da saia na cintura para ter mais
mobilidade. Mirando no alvo, colocou três das cinco setas bem na mosca e as outras duas, quase lá.
— Passei no teste, sargento? — retrucou, provocadora. — Bem, agora é sua vez. Mal posso esperar para
ver a famosa perícia romana em ação.
Praxas riu, deixando à mostra os buracos dos vários dentes que perdera nas batalhas ao longo dos anos.
Depois foi para sua marca e atirou, empatando com a princesa.
A disputa já estava na última fase, quando Marcus Valerius retornou à cidade, após aquela ronda no turna,
acompanhado por um oficial e pelo chefe da cidade. Atraídos pela algazarra, os três foram direto para o
acampamento dar uma olhada no que estava acontecendo.
O capitão quase caiu para trás, quando viu sua bela refém no meio dos homens, empunhando um arco,
com a mesma expressão alegre e altiva da primeira vez que a vira.
— Em nome de Júpiter, será que essa mulher não consegue ficar longe de encrenca? — pensou alto. Por
causa do esforço físico, o peito de Alena arfava, salientando os seios voluptuosos, sem falar nas longas
pernas, totalmente à mostra.
Gritos de viva ecoaram pelo ar, quando ela lançou seu último tiro, pondo as cinco setas na mosca. Logo
todos se calaram para que Praxas pudesse se concentrar. O sargento fez o melhor que pôde, mas sua
última seta ficou alguns milímetros fora da mosca.
Alena riu de felicidade, recebendo aplausos da multidão.
— Foi um oponente leal, sargento. Por isso, concordo em lhe dar outra chance de recuperar sua honra.
— Nem pense nisso! — uma voz inconfundível ergueu-se do bosque.
Todo o grupo silenciou, enquanto o capitão avançava com passos firmes e majestosos, como se estivesse
em um desfile militar. Parando diante da mulher, arrancou-lhe o arco e as flechas das mãos.
— Já chega de algazarra! Volte para a cabana e fique lá!

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O rubor subiu às faces de Alena, deixando-as vermelhas como as línguas de fogo que saíam da fogueira.
Por alguns segundos, não fez o menor movimento, tomada por uma cólera infernal. Mas, de repente,
cruzou os braços, medindo Marcus de alto a baixo.
— Não sou um bebê ou uma camponesa para ser tratada dessa maneira! — bradou, enfurecida como lima
leoa.
Marcus suspirou, profundamente exasperado. Quando será que essa mulher iria aprender a não desafiá-lo?
Então, partiu para o ataque, imobilizando-a com um abraço inexpugnável.
Alena jamais havia experimentado tamanha humilhação. Tremia dos pés à cabeça, em convulsões de ódio
e vergonha. Tinha vontade de chorar, mas não podia dar mais essa vitória ao inimigo. Oh! Grande Deusa,
dai-me forças para que esse porco romano pague por essa afronta! Clamou, em silêncio, recorrendo à
divindade máxima de seu povo. De súbito, um calor insuportável tomou-lhe o corpo, como se tivessem
lhe ateado fogo. Em pânico, queria gritar, mas a voz havia desaparecido. Logo tudo começou a girar e a
vista ficou embaçada... Quando percebeu, havia conseguido se soltar e, mais, jogara Marcus no chão!
A Grande Deusa veio em meu auxílio! Pensou, emocionada. Porém não teve tempo de avaliar as
conseqüências daquela manifestação divina, já que Marcus havia se erguido e vinha em sua direção,
furioso.
Dessa vez, Alena não podia pedir a ajuda dos deuses.
Precisava fazer algo para provar ser digna da atenção da Grande Deusa. Com um gesto desesperado,
conseguiu tomar a faca da bainha de um soldado que observava a contenda e encarou o capitão, como se
estivesse possuída por forças sobrenaturais.
— Toque-me de novo, romano, e corto sua garganta! — gritou para Marcus, pronta para morrer ou ser
morta.

CAPÍTULO DEZ

Um silêncio aterrador abateu-se sobre o acampamento, cobrindo tudo com um manto de tensão e medo.
Por um décimo de segundo, tudo ficou estático e inerte, como se o mundo tivesse parado de girar. Os
corações não bateram, o vento parou de soprar, as criaturas da floresta silenciaram... Todos pareciam
congelados em um transe hipnótico, incapazes de desviar os olhos dos protagonistas daquele drama:
Marcus e Alena. Os dois continuavam a se encarar com animosidade, dispostos a levar adiante aquela
contenda.
De repente, um relâmpago cortou os céus com uma fúria animalesca, seguido por um trovão igualmente
poderoso. Essa manifestação da natureza, apesar de violenta, teve o mérito de libertar as pessoas do
estado catatônico em que se encontravam.
— Dê-me a faca — Marcus ordenou, fria e calmamente. No entanto, seu olhar era a mais perfeita per-
sonificação da raiva.
— Nunca! — Alena sentiu um pavor descontrolado dominar-lhe o espírito. Embora fosse alta e ágil,
aquele homem tinha o dobro do seu tamanho e era muito mais forte, portanto, mesmo com a faca, não
tinha chances de sobrepujá-lo... Estou perdida... Estou perdida..., aquele pensamento ecoava em sua
mente, sem parar, levando-a ao desespero. Apesar disso, permanecia irredutível.

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Marcus continuou a encará-la, torcendo para que houvesse um pingo de juízo naquela cabeça teimosa que
a levasse a se render. Poderia desarmá-la com facilidade, mas temia que Alena viesse a se ferir com a
faca. Não sabia o que fazer, mas não poderia permitir que aquela disputa se estendesse por muito tempo...
Finalmente, Praxas conseguiu sair daquele transe e pôde avaliar a gravidade da situação. Conhecia Mar-
cus Valerius há tempo demais para saber o quanto era severo e até cruel com os insolentes e os rebeldes.
Ficou banhado de suor só de pensar no que poderia acontecer à princesa! Admirava a coragem e a ousadia
daquela mulher e não queria que nada de mal lhe acontecesse. Logo, se quisesse evitar uma desgraça,
precisava agir rápido.
Aproveitando-se do elemento surpresa, o sargento saltou sobre a jovem, arrancando-lhe a faca da mão.
Depois, com perícia e tato, segurou-lhe o outro braço.
— Já chega, princesa. Acalme-se — disse, enquanto ela se debatia desesperadamente.
Alena ficou imóvel, perscrutando o rosto cheio de cicatrizes do soldado. Minutos atrás, haviam competido
juntos, rindo como velhos companheiros. Agora ele a fitava com amargura. Precisava aprender a não
confiar nesses romanos...
— Leve-a de volta à cabana e certifique-se de que não poderá sair — Marcus mandou, sem dirigir um
único olhar para Alena.
Praxas levou a princesa embora, enquanto os demais legionarios continuavam imóveis, à espera de prová-
veis reprimendas do capitão.
— Voltem aos seus postos! — bradou, para alívio de todos. Depois saiu sem destino pelo bosque, espe-
rançoso de que uma boa caminhada conseguisse acalmar seus nervos. O coração estava acelerado, o estô-
mago se contorcía de dor e a cabeça latejava...
— Ah! Alena... Alena... — murmurava, de quando em quando, no mais profundo desespero.
Atormentado pela imagem daquela mulher, vagou i a esmo pelos arredores por muito tempo. Quando
afinal conseguiu pôr os pensamentos em ordem, viu que já era hora de voltar à cidade e aos problemas.
Não podia, nem queria, fugir de tudo para sempre.
Tão logo adentrou a praça circular, para onde convergiam todas as cabanas, o sargento Praxas correu para
encontrá-lo.
— Capitão, não foi culpa de lady Alena... — foi logo dizendo. Apesar do tom respeitoso, havia um certo
atrevimento em sua atitude, pois a hierarquia militar o impedia de abordar um superior sem que tivesse
sido solicitado.
Marcus Valerius interrompeu a marcha e encarou o legionario. Seu olhar, inflexível e profundo, parecia
capaz de vasculhar a alma de um homem, se assim o quisesse, e, por si só, já era uma punição àquela ou-
sadia. No entanto, o sargento suportou aquele martírio com coragem, sem desviar os olhos uma única vez.
— Por que não está vigiando a princesa? — reclamou, austero.
— Já cuidei disso, capitão. Coloquei dois guardas na porta da cabana.
— Então, por que me abordou, sargento?
— Senhor, encorajei a princesa a competir comigo — respondeu, cheio de dignidade. — Portanto, sou eu
que mereço uma punição, não ela.
Marcus sentiu orgulho de seu soldado. Estava diante; de um homem íntegro e corajoso, que servia Roma
com lealdade há quase vinte anos. Em pouco tempo, o sargento poderia dar baixa no exército e voltar para
a capital, onde receberia honrarías e uma soma em dinheiro pelos excelentes serviços prestados. Mesmo
assim, era capaz de pôr tudo isso em jogo apenas para defender uma mulher nativa que mal conhecia.
— Ainda não decidi qual será a punição de lady Alena — Marcus respondeu, sem qualquer emoção na
voz. — Todavia, não o considero responsável pelos atos da princesa. Ela agiu de acordo com seu
temperamento explosivo e deverá arcar com as conseqüências disso. Agora, vá cuidar dos seus afazeres,
sargento.
Ante aquela posição inflexível, não havia mais o que pleitear. Acabrunhado, Praxas retirou-se, deixando o
capitão a sós.

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Apesar de exausto, Marcus evitou a cabana do chefe, preferindo juntar-se aos demais oficiais, instalados
em outro casebre cedido pelos habitantes da cidade. Pelo menos ali, em meio ao vinho e às três jovens
que haviam se oferecido para distrair os romanos em troca de algumas moedas de ouro, poderia rir um
pouco, esquecendo todos os dissabores que Alena estava lhe trazendo.
Aquela verdadeira orgia avançou noite adentro, terminando apenas quando os romanos e as mulheres
celtas acabaram adormecendo pelo chão, vencidos pelo cansaço e pela bebida.
Mesmo com o corpo pesado e a cabeça girando, Marcus ergueu-se e voltou à cabana do chefe. Não iria
dormir no chão duro, amontoado com outros oficiais, só porque uma petulante mulher bárbara ousara
desafiá-lo!
Na penumbra da cabana, Alena jazia em um catre de peles, toda encolhida e com os olhos vidrados. Dor-
mir parecia impossível e, embora já houvesse se passado várias horas desde seu confronto com Marcus
Valerius, ainda não conseguira recuperar o equilíbrio. Olhou para a direita, invejando o sono profundo de
Ethelyn, que não acordaria tão cedo graças ao efeito miraculoso das ervas.
Pelo menos, se tivesse sobrado um pouco daquele chá..., pensou, desanimada. Não era do seu feitio fugir
dos problemas, mas não seria nada mal esquecer tudo por algumas horas... No fundo, estava com medo
das represálias de Marcus, afinal havia ameaçado um oficial romano com uma faca!
De súbito, a porta da cabana se abriu e o capitão entrou, cambaleante. Esbarrando nos poucos móveis, ele
começou a se despir, tirando a sandália e a armadura.
Assim que compreendeu que ficara se martirizando naquele cubículo, enquanto ele aproveitara para beber
e, quem sabe até, dormir com outras mulheres, Alena ficou possessa de ódio. Como a ave Fênix, que
renasce das próprias cinzas, sentiu as forças voltarem, recuperando a coragem e a ousadia que lhe eram
peculiares.
— Porco romano! — desabafou, em um tom suficientemente alto para que ele a ouvisse. Entretanto, mal
acabou de dizer aquilo, já estava arrependida até o último fio de cabelo. Não era sábio provocá-lo, ainda
mais sabendo que ele estava embriagado... Amedrontada, cobriu a cabeça com as peles, tentando fingir
que estava dormindo.
Talvez ele não tenha ouvido..., pensou, mesmo sabendo que aquilo seria impossível. A garganta estava
seca e o coração batia depressa, esperando pelo derradeiro confronto...
Da mesma forma que as grandes tempestades são precedidas por períodos de intensa calmaria, um si-
lêncio absoluto tomou conta da cabana, tornando aquela espera ainda mais angustiante para Alena. De re-
pente, quando ela já acreditava que nada iria acontecer, a tormenta teve início...
A cortina de couro, que separava os ambientes, foi arrancada com violência, e Marcus caminhou até seu
catre, como se estivesse tomando posse de uma cidade sitiada.
— Devia ter ficado quieta, princesa. Já havia me decidido a deixar esse nosso acerto de contas para ama-
nhã, mas, como vejo que sua língua continua afiada e seu espírito, indomável, não há necessidade de es-
perarmos mais... — dizendo isso, jogou as cobertas de Alena para longe, deixando à mostra uma mulher
pálida e trêmula. Porém aqueles olhos verdes ainda o fitavam com escárnio e desafio, o que o estimulou a
prosseguir.
— Afaste-se de mim, romano! — vociferou, ao vê-lo agachar-se ao seu lado.
— Não dessa vez, Alena! — Com um gesto rápido, Marcus jogou-se sobre ela, iniciando uma luta
acirrada para imobilizá-la.
A princesa se debatia com todas as forças, tentando se libertar daqueles braços vigorosos que mais pare-
ciam duas muralhas intransponíveis. Por fim, parou, exausta. Para piorar, durante a luta, sua túnica havia
se rasgado, revelando os seios exuberantes e o ventre macio.
Embevecido por aquela visão, Marcus acariciou seus mamilos com os lábios, fazendo-a gemer. Depois,
carinhosamente, afastou uma mecha de cabelos dourados dos seus olhos e a fitou, cheio de desejo.
— Venho sonhando com esse momento há várias semanas... — Em seguida, deu-lhe um beijo sôfrego e
desesperado, semelhante ao próprio amor que nutria por aquela mulher.
Quase sem fôlego, Alena juntou o resto de coragem que lhe sobrara e ainda tentou reagir:
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— Pare com isso, capitão!
— Não, Alena... — sussurrou, com voz rouca. — Eu a desejo desde a primeira vez que a vi, selvagem e
orgulhosa, naquela arena. — Fez uma caricia em seu pescoço, deixando sua pele arrepiada. — Aliás, não
acredito que não sinta nada por mim.
Alena queria gritar a plenos pulmões que o desprezava, ou melhor, que sentia nojo e asco de suas caricias
infames, mas não conseguiu dizer uma palavra. Um torpor havia tomado conta de seu corpo, deixando-a
leve e sonolenta, incapaz de reagir aos toques sensuais de Marcus. Aquele corpo quente sobre o seu,
aquela respiração ofegante próxima de seu pescoço, aquele membro viril roçando em suas coxas... Tudo
isso a estava levando à loucura!
Passiva, deixou que ele explorasse, com os lábios, cada parte de seu corpo, vibrando de êxtase a cada
instante. Embora já tivesse dado à luz um filho, sempre pensara que uma mulher jamais poderia sentir
prazer em uma relação sexual, que só os homens tinham esse privilégio... Mas estava descobrindo que
não havia limites para esse prazer e que todos, sem exceção, poderiam desfrutá-lo. De repente, como se
despertasse de um sonho, passou a retribuir as caricias de Marcus, massageando suas costas e beijando
seu dorso nu.
Surpreso, ele gemeu de satisfação, ficando ainda mais excitado. Logo os dois amantes se entregaram a um
festival de beijos e afagos, buscando saciar aquela febre de desejo que os alucinava.
Ao sentir que o momento crucial estava se aproximando, Alena fechou os olhos, preparando-se para a dor
que viria. Contudo, para sua surpresa e alívio, nada se passou como esperava... Não houve dor, nem
repulsa, como nas vezes em que Dugald a possuíra; tudo o que sentiu foi êxtase e euforia, uma sensação
de felicidade plena, impossível de ser definida com palavras...
Seus corpos nus mexiam-se em movimentos rítmicos, semelhantes ao vaivém das ondas do mar, emba-
lados por gemidos e sussurros. A princípio, vagarosos, esses movimentos foram aumentando de
intensidade até se tornarem frenéticos, desesperados, como a própria busca pelo prazer. Quando afinal
alcançaram o clímax, abraçaram-se com mais força, entregando-se a um longo beijo... Depois, ofegantes e
exaustos, continuaram deitados na mesma posição, saboreando o amor compartilhado.
À medida que as batidas de seu coração voltavam ao normal, Alena foi recuperando o raciocínio, até ago-
ra bloqueado por uma enxurrada de sensações tão maravilhosas, quanto desconhecidas. Com uma rapidez
incrível, passou da alegria à prostração, e desta para um estado de revolta e vergonha.
Odiava Marcus Valerius com todas as suas forças! Tinha uma infinidade de razões para isso: ele era
inimigo de seu povo; a seduzira e, pior, mostrara-lhe um mundo de delícias e prazeres que julgava
incapazes de existir. Esse ódio só não era mais forte do que o desprezo que sentia por si mesma. Por que
não repelira aquele homem quando tivera a oportunidade de fazê-lo? Em vez disso, aceitara e
correspondera a suas caricias com bastante empenho! O mais degradante era ter gostado... Sim, havia
gostado muito de se deitar com o romano, e essa verdade era dura demais para aceitar!
Com um gesto impetuoso, empurrou Marcus para o lado e cobriu o corpo nu com o que restara de sua
túnica esfarrapada. Mesmo sob a luz tênue da fogueira, prestes a se extinguir, seus olhos verdes reluziam
de odio, como se pertencessem a uma pantera selvagem e não a uma mulher.
Espantado com aquela mudança repentina, Marcus, a encarou em busca de uma resposta. Porém tudo o
que recebeu foi um grito feroz:
— Saia daqui!
Ainda tentou tocá-la, procurando reatar os vínculos que os uniram durante alguns minutos... Mas isso só
conseguiu irritá-la ainda mais...
— Saia daqui! — ela repetiu, com fúria redobrada. Compreensivo, ele se ergueu, vestiu a túnica de lã, que
jazia no chão, e deixou a cabana. Sua mente também era palco de um gigantesco conflito interior, onde
emoções contraditórias, como alegria e satisfação, lutavam com culpa e remorso.
Abandonada com seus dilemas, Alena jogou-se sobre as peles do catre, as mesmas que haviam servido de
ninho de amor para os amantes, e, pela primeira vez em muitos anos, entregou-se às lágrimas.

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CAPÍTULO ONZE

Na manhã seguinte, Alena despertou com um ruído abafado, vindo do outro extremo da cabana. Ainda
zonza de sono, viu um jovem ordenança remexendo nas sacolas espalhadas pelo chão. A cortina de couro,
que deveria dividir os dois ambientes, estava caída em um canto, o que lhe trouxe terríveis recordações...
Em uma fração de segundo, tudo o que acontecera naquela noite lhe veio à mente, enchendo-a de remorso
e vergonha. Não foi um sonho! De fato, deitei-me com Marcus Valerius!
Constrangida, cobriu-se até o pescoço com as peles, indagando-se se o rapaz poderia perceber o que havia
acontecido ali entre ela e seu comandante. Não queria que ninguém, absolutamente ninguém, ficasse
sabendo daquele seu momento de fraqueza...
Deve ter feito algum ruído com aqueles movimentos, pois o ordenança deixou de lado suas atividades e
virou-se para ela, respeitoso.
— Salve, lady Alena. O capitão Marcus Valerius ordena que se prepare para continuarmos a viagem. Os
cavalos estão sendo selados, e logo partiremos.
— Retire-se para que eu possa me vestir — respondeu, com a imponência de uma princesa. Deu uma
olhada para Ethelyn, que continuava a dormir, e acrescentou, enfática: — Diga a seu capitão que
retomaremos a viagem assim que eu e minha serva estivermos devidamente preparadas!
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Ao dar com os olhos arregalados do ordenança, mordeu os lábios, percebendo que havia sido prepotente
em excesso. Seria mais sábio suavizar seu discurso.
— Por favor, traga-me pão e um jarro de leite de cabra. Cuidarei de minha serva e, em um instante,
estaremos prontas. — Entretanto o "instante" de Alena significou quase uma hora de espera.
A primeira coisa que fez, ao ver-se sozinha, foi trocar a túnica rasgada pelo rico traje amarelo. Depois
jogou os farrapos na fogueira, destruindo uma das provas de seu envolvimento com Marcus. Seu orgulho
exacerbado exigia que até mesmo a serva não desconfiasse de nada. Ainda bem que estava usando uma
roupa velha, pensou, aliviada, enquanto as chamas consumiam o tecido.
Feito aquilo, foi acordar Ethelyn, que dormia pesadamente sob o efeito dos soníferos. Os ferimentos ainda
estavam bastante ruins, mas, após serem tratados com mais uma camada de bálsamo e recobertos com
ataduras limpas, a própria moça declarou-se disposta a enfrentar a sela.
Enquanto isso, Marcus esperava, impaciente, andando de um lado para outro do vilarejo. Os efeitos
desagradáveis do excesso de cerveja, somados ao seu envolvimento com a princesa, haviam lhe
prejudicado a capacidade de decisão. Em outros tempos, não teria pensado duas vezes para invadir a
cabana e carregar aquela mulher insolente para fora à força, se preciso fosse. Agora, não sabia o que
fazer... Por sorte, quando sua paciência já estava prestes a explodir, Alena surgiu triunfante, seguida pela
serva.
Praxas acomodou Ethelyn em seu cavalo, enquanto outro soldado ajudou a princesa a montar.
Ela está ainda mais bela..., Marcus concluiu, admirando aquela face impassível, como se fosse esculpida
em mármore. Porém teve o cuidado de esconder seus sentimentos sob uma máscara de indiferença e auto-
ridade, antes de ir encontrá-la.
— Está tudo bem? — perguntou, baixinho, para que os soldados não o ouvissem.
Ela lançou-lhe um olhar frio como a neve e respondeu, entre os dentes:
— E um pouco tarde para se preocupar com meu bem-estar, não acha?
— Gostaria de me desculpar pela noite passada, embora, no íntimo, não esteja arrependido pelo que acon-
teceu... — admitiu, extremamente sincero.
Ela queria desviar o rosto, mas, mesmo a contragosto, não conseguia deixar de fitá-lo. Era como se
estivesse magnetizada por aqueles olhos escuros e aquela expressão dura...
— Ao tocá-la, falhei em meus deveres de militar, pois você estava sob minha tutela; no entanto, aceitarei
qualquer punição que o governador julgar cabível — prosseguiu, sem demonstrar nenhum traço de
emoção. — Prometo que aquilo jamais irá se repetir.
— Ah! — exclamou, desdenhosa. — Espera que eu acredite nisso, depois de ter me seduzido?
— Dou-lhe minha palavra! Aliás, também quero que me prometa não causar mais confusões como a de
ontem à noite.
— E se eu não prometer? — desafiou, irônica.
— Nesse caso, terei que tomar algumas medidas drásticas para coibi-la. Falo sério, princesa. Temos
muitas milhas pela frente e não permitirei que abale minha imagem junto de meus homens.
— Acredita na palavra de uma mulher, capitão?
— Acredito na sua, lady Alena.
Ela o fitou por alguns instantes, de modo enigmático. Por fim, disse, convicta:
— Não posso lhe dar minha palavra sobre isso, capitão! O que considera um desvio de comportamento,
para mim, é apenas uma maneira de me defender. Portanto, irei desafiar suas ordens sempre que achar
necessário. Tome as medidas que quiser contra mim...
Uma ruga apareceu na testa de Marcus, porém esse foi o único sinal de desagrado. Mantendo a calma,
afastou-se de Alena e ordenou que a patrulha partisse.
No dia que se seguiu, Alena e Marcus não tornaram a conversar, nem mesmo quando chegaram ao abrigo
romano, onde iriam passar a noite. Cada qual fazia o possível para ignorar o outro. Contudo, se aparente-
mente demonstravam indiferença, no íntimo, não conseguiam pensar em outra coisa...

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Alena não tirava da cabeça os momentos de paixão que haviam desfrutado juntos, relembrando cada to-
que, cada beijo, com saudades e volúpia. Embora se negasse a admitir, ansiava por novos encontros, de-
sesperadamente... Quanto a Marcus, também enfrentava o mesmo problema, mas com um agravante: em
vez de ter diminuído, seu desejo por aquela mulher havia aumentado. Agora que provara da maciez da-
quela pele e da doçura daqueles lábios, queria mais...
Apenas na tarde do terceiro dia de jornada é que esses dois teimosos voltaram a se falar, e, ainda assim,
de modo reservado e pomposo.
— Chegaremos a Catterick em menos de uma hora, princesa. O líder dessa guarnição é um velho conhe-
cido meu, o que tornará nossa estadia ali muito mais confortável.
Ela fez um leve aceno com a cabeça, sem demonstrar nenhum interesse pelo assunto.
— Catterick é um dos mais importantes centros comerciais da Bretanha, famoso pelo requinte e pela
variedade de suas mercadorias, vindas de todos os cantos do Império — prosseguiu, sem se abalar com a
frieza de Alena, pois sabia como chamar sua atenção... — Talvez queira comprar algum brinquedo
diferente ou algo especial para Megarric.
Os olhos de Alena se acenderam, como por um passe de mágica.
— Sim, gostaria muito de fazer isso! — exclamou, sorrindo. Ficava feliz só de pensar na alegria do filho
quando recebesse tal presente.
— Assim que chegarmos, cuidarei para que alguém a acompanhe até o mercado. Até mais tarde, princesa.
— Sem mais delongas, afastou-se, levando na alma a lembrança daquele sorriso encantador.
Tudo aconteceu conforme Marcus dissera. Chegaram a Catterick no tempo estipulado e foram recebidos
com honrarlas por Quintus Nuntius, o oficial em comando, que entregou Alena aos cuidados de sua
esposa, uma senhora de meia-idade.
A princípio, Alena ficou arredia em relação à outra mulher. Era a primeira vez que se encontrava com
uma autêntica nobre romana e não estava disposta a tolerar desaforos da esposa de um dos invasores da
Bretanha.
Graças ao seu gênio afável e experiente, Júlia Petrônia logo conseguiu acabar com aquele mal-estar,
conquistando o respeito e a simpatia de sua hóspede. Sempre acompanhando o marido, já estivera nos
quatro cantos do Império; às vezes, morando em tendas ou cabanas precárias, em outras, como agora, em
palácios luxuosos. Depois de providenciar para que Ethelyn recebesse os cuidados necessários, levou
Alena para um passeio no mercado da cidade.
Alena jamais poderia imaginar que existissem artigos tão delicados e magníficos como os que viu em
Catterick. Havia ánforas de Rodes, azeite de oliva da Hispânia, ervas aromáticas da Ásia, jóias do Egito,
artigos de toalete de Creta, tecidos da Síria... Eram tantas coisas que nem sabia para que lado olhar!
Júlia alegrava-se com o encantamento da convidada, contudo, sabiamente, mantinha uma postura discreta
i para que ela não se sentisse ofendida ou menosprezada.
Ao final do passeio, Alena havia comprado apenas uma espada de madeira com o cabo de prata, com
figuras de animais em alto-relevo, a qual, tinha certeza absoluta, Megarric iria adorar!
— Por que não leva algo para você, querida? — Júlia insistiu, com delicadeza. —Acaso não achou nada
que a agradasse?
Gostei de tudo! Alena tinha vontade de gritar, mas, por orgulho, reprimiu o gesto. Jamais diria à nobre
romana que tinha apenas três moedas de ouro em seu poder. Desde que fora para o forte romano,
Peganthus vinha se recusando a lhe enviar dinheiro, alegando que o próprio Império Romano devia arcar
com suas despesas pessoais.
Apesar do silêncio de Alena, lady Júlia logo compreendeu o motivo daquela abstinência e, cheia de tato,
informou:
— Sabe que o capitão Marcus Valerius entregou-me uma certa quantia para satisfazer seus desejos, não é
mesmo?
Alena a fitou, perplexa.

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— Pois bem, querida, deve fazer uso desse dinheiro — prosseguiu, cautelosa. — E uma princesa e, como
tal, merece estar vestida quando aparecer na corte. Além disso, a maior parte desse dinheiro deve vir dos
impostos de seu próprio reino.
— Certamente que sim — retrucou, áspera.
— Não fique ressentida comigo, meu bem. Já vi mui tas terras e povos diferentes, mas, em todos os
lugares, a história é a mesma: os homens arrasam tudo, e nós, as mulheres, ficamos para consertar a
bagunça que deixaram!
Alena riu da espontaneidade da anfitriã. Então, decidiu aceitar seu conselho, afinal não queria apresentar-
se para a mãe trajada como uma mendiga. Em pouco tempo, comprou três belíssimos cortes de fazenda,
um diadema grego e um par de sandálias romanas.
— Agora vem a melhor parte do dia: as termas — Julia anunciou, ao deixarem o mercado.
— Se não se importa, lady Júlia... — murmurou, evasiva. — Prefiro repousar um pouco...
Salvo algumas exceções, os povos da época não davam aos banhos a mesma importância que os romanos.
Portanto, era natural que Alena se sentisse constrangida diante de um costume tão estranho à sua cultura.
— Bobagem, querida! Garanto que irá se sentir muito melhor depois de um bom banho quente! —
dizendo isso, puxou a jovem pelas mãos, sem lhe dar oportunidade de recusar o convite.
Hesitante, Alena acompanhou a anfitriã até a parte feminina das termas de Catterick, onde conheceu um
dos mais importantes hábitos culturais romanos. Todavia, as mulheres romanas que estavam ali não foram
tão simpáticas ou amáveis quanto lady Júlia, limitando-se a olhá-la com desprezo e ironia.
— Não se incomode com elas — Júlia recomendou, percebendo a atmosfera de antagonismo ao redor. —
No fundo, só estão com inveja de seu belo corpo e de seus cabelos sedosos.
Havia algo de maternal naquela mulher, que cativou Alena a ponto de fazê-la aceitar de bom grado seus
conselhos. Fechando os olhos para o escárnio das outras, desfrutou das delícias da terma, permitindo,
inclusive, que as escravas massageassem seu corpo com óleos aromáticos. Ao término das duas horas que
passou ali, sentia-se uma nova mulher, mais bonita e revigorada!
Quando as duas finalmente retornaram ao palácio de Quintus Nuntius, lady Júlia entregou um dos tecidos
de Alena a uma de suas servas, com ordens para que aprontasse uma túnica a tempo do jantar. Em
seguida, conduziu a hóspede até um amplo e confortável aposento, onde Ethelyn já se encontrava, e des-
pediu-se. Ambas precisavam aprontar-se para o banquete daquela noite.
Ethelyn penteou os cabelos de sua senhora à moda celta, fazendo um coque de trancas no alto da cabeça
de Alena. Depois, enfeitou o penteado com o diadema grego, feito com filetes de ouro que lhe caíam
sobre a testa. Nesse meio tempo, a serva de lady Júlia aprontou o novo traje: uma legítima toga.
Alena vestiu aquela roupa estranha, sentindo o toque suave do tecido em sua pele. Parecem as mãos de
Marcus a me tocar..., pensou, inesperadamente, corando logo depois.
Para afastar aquelas idéias libidinosas, tentou se concentrar nos preparativos para o banquete, calçando as
sandálias novas e pondo um conjunto de colar e braceletes de ouro e esmeraldas, tão verdes quanto seus
olhos e a roupa que vestia.
— Minha nossa! Ficou ainda mais bonita! — Júlia exclamou, de súbito, entrando nos aposentos.
Alena sorriu para a anfitriã, agradecida pelo elogio. Em seguida, deixou-se conduzir ao salão principal,
onde todos os convidados já estavam presentes, entretidos por uma trupe de acróbatas egípcios. Porém,
assim que entrou no recinto, majestosa e exótica, todos se viraram para admirá-la. Sem dúvida, era a
mulher mais bonita daquela festa, quiçá de toda a Bretanha!
Marcus Valerius sentiu uma pontada no estômago ao vê-la tão linda. Queria beijar aquela boca carmim,
acariciar aqueles seios exuberantes, amá-la com toda intensidade! Porém, mais uma vez, trancou seus sen-
timentos no fundo da alma, portando-se com o máximo de decoro e frieza. Ainda bem que cuidara para
que ela se sentasse longe, pois não agüentaria senti-la tão perto, sem poder tocá-la...
Alena ocupou seu lugar à mesa, que era bem mais baixa que o normal e fora arrumada em "U". Não havia
cadeiras, mas sim uma profusão de almofadas onde as pessoas se recostavam, ficando quase deitadas.

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Apenas o lado de fora era ocupado; o lado interno ficava livre para apresentações de bailarinas e
acróbatas.
Durante todo o banquete, Marcus não tirou os olhos de Alena, embora conseguisse disfarçar seu interesse
por ela com maestria, rindo e conversando animadamente com as pessoas que o rodeavam.
— Linda moça, não acha? — lady Júlia indagou, perspicaz, enquanto os demais se entretinham com uma
apresentação de malabaristas.
— Sim... — respondeu, lacônico.
— Que planos o governador tem para ela? — a dama insistiu.
— Não sei ao certo. Ele e a rainha Cartimandua pretendem arranjar-lhe um novo marido. — Nesse ponto,
tomou um gole de vinho para sufocar a mágoa que isso lhe causava. — Minhas ordens são para levá-la,
em segurança, até Isurium.
— Hum! Aquela mulher ambiciosa é capaz de vender a própria filha para se manter no trono! — lady
Júlia exclamou, num acesso de nervos.
Marcus encarou a anfitriã, interessado.
— Conhece Cartimandua?
— Tive o desprazer de conhecê-la quando moramos em Isurium. — Retesou os músculos da face,
assumindo um ar duro e crítico. — Ela é ardilosa e traiçoeira como uma cobra! Suas festas igualam-se às
de Nero, em selvageria e depravação.
Aquelas palavras causaram um grande impacto em Marcus, principalmente por saber que lady Júlia era
uma mulher bondosa e de bom caráter, avessa a maledicencias ou fofocas.
— Mas... — estava a ponto de indagar-lhe algo mais, quando observou Alena, ao acaso. No mesmo
instante, o ciúme turvou-lhe o pensamento.
Ela ria e conversava animadamente com dois oficiais romanos que estavam fazendo de tudo para seduzi-
la.
— Desculpe-me, lady Júlia, mas já está tarde. Amanhã partiremos assim que o sol raiar.
A mulher fez um gesto aquiescente, rindo por dentro do ciúme do capitão. Também havia percebido o
interesse da princesa por Marcus Valerius, pois a moça não parou de fitá-lo, com o rabo dos olhos,
durante todo o jantar. Havia se afeiçoado a Alena, apesar do pouco tempo de convivência, e torcia para
que fosse feliz. Quem sabe acabassem ficando juntos?
Sem perder tempo, Marcus levantou-se, agradeceu a boa acolhida e comunicou que iria se retirar, acom-
panhado pela princesa. Dessa forma, Alena não teve outra alternativa, a não ser segui-lo.
Ambos caminharam em silêncio pelos corredores até chegarem à porta dos aposentos de Alena.
— Boa noite, capitão — despediu-se, ríspida, evitando encará-lo.
— Por todos os deuses, mulher! — Não conseguiu mais sufocar a ira que envenenava seu coração, aca-
bando por perder as estribeiras. — Será que não percebeu o olhar de luxúria que aqueles homens lhe lan-
çavam? Mais um pouco, acabariam se atirando sobre você ali mesmo, no salão!
Ela franziu a testa, com desprezo.
— Não julgue os outros por si mesmo, romano! Fora de si, Marcus a agarrou pela cintura, apertando-a de
encontro ao corpo. Aquela proximidade fez com que ambos estremecessem, ansiando algo mais...
— Já lhe disse para não me chamar de romano! Alena mordeu os lábios de raiva. Mesmo assim, achou
melhor retroceder para não piorar a situação. Queria afastar-se dele o mais depressa possível, antes que
não pudesse mais conter o desejo que lhe queimava as entranhas como brasa.
— Desculpe-me por isso, capitão Marcus Valerius — corrigiu-se, com uma pitada de sarcasmo na voz.
— Oh! Alena... Alena... — murmurou, em uma súplica comovente. — Por que é tão cruel comigo? Sabe
que eu a desejo mais do que tudo na vida! Você também me quer... Vejo isso em seus olhos!
— Solte-me... Prometeu que não tornaria a me tocar! — recordou, resistindo contra o torpor que
ameaçava fazê-la perder a cabeça.
— Sim, e vou cumprir minha palavra! — Com um suspiro, soltou-a. — Mas a paixão que sentimos con-
tinuará a existir...
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Alena ajeitou a toga, com o peito arfando e as pernas trêmulas. Preciso ser forte... Preciso ser forte...,
repetia para si mesma, em um conflito gigantesco entre a razão e o sentimento.
— Não há nada entre nós, Marcus! Nosso único vínculo são as garras de Roma que, não contente em ter
escravizado meu povo, ainda tenta dominar meu espírito!
— Deve seguir seu destino, mulher! — retrucou, rude. — Quanto a mim, tenho ordens a cumprir...
— Ah! — desdenhou, tomada por uma cólera intensa. Odiava-se por desejar esse homem que, num mo-
mento, parecia amá-la e, no seguinte, a desprezava. — Esse não é o meu destino, mas o que vocês
romanos traçaram para mim! Podem adorar suas divindades de mármore em templos luxuosos, mas os
meus deuses estão vivos! Eles estão no ar e nas águas, nas árvores e nas colinas que nos cercam, e,
segundo sua vontade, serei livre para lutar por minha gente!
— Aceite o fato de que não tem escolha, Alena. Afinal o que poderia fazer para alterar a decisão do
governador?
Ela calou-se, acabrunhada. Seu olhar era vago e distante, como se os pensamentos estivessem a milhas
dali.
Pelo que conhecia daquela jovem guerreira, Marcus não duvidava de que ela lutaria contra os desígnios
do governador até o último suspiro. Então, de repente, um calafrio percorreu-lhe a espinha, deixando-o
gelado de pânico. Sim, temia pelo que pudesse acontecer a Alena, caso ousasse desafiar o poder de Roma.
— Alena, ouça-me, você não tem escolha — repetiu, em tom mais brando, próximo da ternura.
Deixando aquele transe temporário, ela o encarou, séria.
— Há sempre uma alternativa, cabe a nós encontrá-la. Nunca se esqueça disso, soldado. — Em seguida,
cruzou as portas do aposento, deixando Marcus atônito, do lado de fora.

CAPÍTULO DOZE

Ao amanhecer, a patrulha de Marcus partiu de Catterick rumo ao sul, atravessando regiões ermas,
cercadas por bosques. Sob seu comando inflexível, venciam milhas e mais milhas com uma rapidez
impressionante para um grupo daquele porte. No entanto, apesar da fortaleza aparente, o capitão
enfrentava um dos períodos mais difíceis de sua vida... As palavras de Alena haviam causado uma

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verdadeira reviravolta em sua cabeça, colocando em xeque conceitos e crenças que jamais havia
questionado antes.
Será que nós realmente podemos traçar nossos destinos? Essa idéia era urna verdadeira heresia para um
homem acostumado à disciplina militar, em que as ordens devem ser cumpridas, sem discussão. Apesar
disso, não conseguia encontrar um argumento sólido o bastante para refutar esse novo conceito, de modo
que essa pergunta continuava a incomodá-lo.
Com certeza, Marcus Valerius não estava em um de seus melhores dias, pois, além desse conflito, sentia
uma certa angústia e ansiedade, cujos motivos não conseguia identificar. Seu espírito estava em sobres-
salto como se, a qualquer instante, algo fosse acontecer... Entretanto, não deu a menor importância para
essa intuição.
Quando o sol já alcançava seu zênite, ordenou uma parada para descanso, a primeira do dia. Tudo estava
tão calmo e tranqüilo que não havia motivos para maiores cuidados. Esse foi seu grande erro...
Assim que os homens começaram a desmontar, uma saraivada de flechas caiu sobre a patrulha,
acompanhada por gritos horripilantes. Antes que os soldados tivessem tempo de se refazer do susto, um
grupo compacto de cavaleiros inimigos saiu das sombras da floresta, iniciando uma luta feroz e
sanguinária.
Alena ainda estava montada e, na confusão, acabou se separando de Ethelyn, que permaneceu na garupa
do sargento Praxas. Com o coração aos pulos, viu os três soldados que a cercavam serem massacrados por
homens altos e vigorosos, cujos corpos nus estavam cobertos por pinturas azuis. No meio daqueles gritos,
distinguiu uma voz profunda e gutural:
— Aqui, Alena! Fique atrás de mim!
Ela virou-se naquela direção, vendo um guerreiro corpulento, que se distinguía dos demais pela feroci-
dade com que enfrentava os inimigos, bem como por uma farta cabeleira ruiva.
— Beorth! — gritou, quase sem fôlego. Emoções contraditórias, tais como, alegria e revolta, esperança e
raiva, a tomaram de assalto, deixando-a em um estado de prostração.
Sem pestanejar, o gigante ruivo tomou-lhe as rédeas do cavalo, afastando-a do centro dos combates.
— Tirem-na daqui! — ordenou a dois de seus homens. Em seguida, sob o olhar atônito da mulher, re-
tornou à luta.
Enquanto galopava colina abaixo, escoltada pelos guerreiros de Beorth, Alena compreendeu que aquela
era a oportunidade com a qual vinha sonhando há meses! Recompondo-se do susto e das imagens assus-
tadoras da batalha, atiçou o cavalo e pôs todo o coração naquela fuga!
Enquanto isso, Marcus tentava se desvencilhar de um grupo de inimigos que o havia cercado. Brandindo
a espada no ar, golpeava os selvagens impiedosamente, motivado por um único pensamento: Alerta.
— Formação de defesa, Marcellus! Infantaria na retaguarda, centurião! — gritou para os oficiais, tentan-
do pôr ordem naquele caos.
De súbito, um guerreiro enorme abriu caminho entre os combatentes, deixando um rastro de sangue e dor
atrás de si. Seus olhos ferozes estavam vidrados no capitão.
— Até que enfim nos encontramos, romano!
Por alguns segundos, os dois homens ficaram frente a frente, medindo forças. O ódio que nutriam um
pelo outro era tão intenso e profundo, que tinham a sensação de que não existia mais nada ao redor.
Com um berro animalesco, Beorth deu início àquela luta, tentando atingir o pescoço do romano. Sabia
que aquele era o líder dos romanos pela postura corajosa e pela autoridade que emanava, portanto, fazia
questão de levar aquela cabeça como troféu.
Marcus amparou o golpe com a espada, logo partindo para o contra-ataque. Astuto, também percebeu que
aquele homem não era um simples guerreiro, mas o líder dos selvagens, o que estimulou seu desejo de
sangue.
Nos primeiros minutos da luta, ambos estavam em pé de igualdade, atacando e defendendo, enquanto ma-
nobravam os cavalos que, assustados pelo barulho ensurdecedor do choque das armas, tentavam

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debandar. Porém, com uma rapidez extraordinária, Marcus conseguiu desviar-se de um golpe e atacar
com um mesmo movimento, surpreendendo o gigante ruivo.
A lâmina penetrou o ombro direito de Beorth, dilacerando carne e ossos. Uma cascata de sangue jorrava
pelo corte, enquanto o braço tremia em espasmos involuntários, com os movimentos comprometidos.
Apesar da gravidade do machucado, não se deixou abater; transferiu a espada para a mão esquerda e
voltou a golpear o inimigo. A dor e o ódio lhe serviam de elixir, tornando-o ainda mais violento.
Nesse momento, foram enredados por um grupo de combatentes, que travavam uma luta feroz, sendo
obrigados a digladiar com outros homens. Contudo, entre um golpe e outro, Marcus podia ver os esforços
do rival para aproximar-se outra vez.
Dando uma olhada panorâmica pelo campo de batalha, percebeu, aterrorizado, que Alena havia
desaparecido. Ninguém pode imaginar a dor atroz que sentiu! O coração parecia esmigalhado, sob o peso
de mil 'blocos de pedra, enquanto as vísceras queimavam, como se estivessem sendo cozidas em óleo
fervente. Apertando os olhos, viu o vulto desejado afastar-se rapidamente em direção ao vale, junto com
uma dupla de selvagens.
Dai-me forças, poderoso Marte! Suplicou, sentindo novas energias brotarem do âmago de seu espírito.
Desvencilhando-se dos inimigos, lançou-se numa cavalgada impetuosa, exigindo o máximo do cavalo e
de si mesmo. Cego de desespero e cólera, enfrentou ravinas e escarpas sem recuar ou diminuir a marcha.
Parecia não temer a morte, nem mais nada, isto é, seu único medo era perder aquela mulher!
— Alto lá! — gritou para os bárbaros que acompanhavam Alena, quando finalmente os alcançou.
Surpresos, os bárbaros voltaram-se para matá-lo, atacando ao mesmo tempo, enquanto Alena observava a
cena, petrificada.
Por obra dos deuses ou talvez apenas pelo ódio exacerbado que envenenava seu sangue, naquele
momento, Marcus reunia em seu corpo a força de vários homens, o que o colocava em posição vantajosa,
apesar de sua aparente desvantagem. Por tanto, com o primeiro golpe, feriu mortalmente um dos homens,
partindo para cima do outro com uma fúria irracional.
Ao ver o corpo do guerreiro rolar pelo chão, sem vida, Alena despertou daquele transe... Precisava fugir
agora, antes que fosse tarde demais! Sem pensar duas vezes, prosseguiu o galope, deixando Marcus e o
guerreiro para trás. À frente, no vale, havia uma floresta densa. Se conseguisse chegar até lá, estaria
salva!
Sua felicidade durou pouco... Logo o ruído de patas sobre o cascalho, aproximando-se rapidamente, a fez
estremecer de pavor. Virando-se, viu que o romano estava no seu encalço. Sua montaria não era páreo
para o imponente cavalo de guerra de Marcus, por isso era uma questão de tempo ser alcançada.
De fato, pouco depois, para desespero de Alena, os cavalos ficaram emparelhados. Mesmo assim, não se
deu por vencida e continuou o galope até que ele conseguiu agarrar-lhe as rédeas, freando os animais. Em
pânico, ela saltou da sela e saiu correndo em direção à floresta.
Inesperadamente, braços musculosos envolveram sua cintura, erguendo-a no ar.
— Fique quieta! Ou não responderei por meus atos! — Marcus ameaçou, veemente, apertando-a com
mais força.
Percebendo a inutilidade de seus esforços, Alena foi parando de se debater até ficar totalmente imóvel.
Contudo, ainda não satisfeito por tê-la subjugado, ele amarrou-lhe as mãos com uma tira de couro, para
ter certeza de que não teria mais nenhuma surpresa desagradável até voltarem para perto da patrulha.
Enquanto cavalgavam de volta, Alena reprimiu o choro, dando adeus a todas as suas esperanças de
liberdade...
Quando os dois chegaram ao local do ataque, viram que os bárbaros haviam desaparecido, restando
apenas os romanos vitoriosos, que tentavam contabilizar suas perdas.
— Quantas baixas? — Marcus foi logo indagando.
— Apenas oito, capitão. Mas conseguimos abater uma dúzia deles! — o oficial informou, exultante,
apontando para os corpos dilacerados.

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Marcus observou os cadáveres, ficando decepcionado por não encontrar o gigante ruivo entre eles.
Depois, virou-se para Alena e cortou as amarras que a prendiam, o que deu a entender aos soldados que
ela fora feita prisioneira pelos bárbaros.
Ela perscrutou seu rosto severo, sem entender por que ele estava acobertando sua fuga. Mas não teve
tempo de encontrar uma resposta, deixando-a sob a guarda de Praxas, Marcus afastou-se, ocupando-se
com os preparativos da partida.
O resto do dia foi extremamente tenso e difícil, sobretudo para os feridos, que ainda tiveram que enfrentar
a marcha até a cidade mais próxima, muitas milhas adiante. Portanto, foi com enorme júbilo que todos
avistaram as luzes de Beldae, no meio da escuridão. Estavam salvos!
— Lady Alena ficará aqui esta noite! — Manu ordenou, referindo-se a um cômodo escuro e sem já- nelas,
do prédio central de Beldae.
— Mas, capitão... — o administrador da cidade pro curou demovê-lo daquela idéia. — Esse local serve de
depósito de mantimentos, não é adequado para hospedar uma princesa. Ela ficará muito melhor em minha
casa.
Marcus fitou o homem com ferocidade, de um modo que não admitia contestações.
— Já está decidido!
Ninguém mais discutiu aquela ordem, nem mesmo Alena, que entrou no local de seu cativeiro com toda
dignidade. Ethelyn tentou acompanhá-la, mas foi barrada pelo capitão.
— Você ficará lá fora.
A serva lançou um olhar desesperado para a princesa, como se jamais fosse vê-la novamente. Porém,
apesar do medo, não retrocedeu um passo.
— Mas minha senhora precisa de mim... — retrucou, suplicante.
— Saia!
A moça baixou a cabeça, mas continuou imóvel no mesmo lugar.
Alena observava o desenrolar daquela cena comovida com a fidelidade de Ethelyn. A pobre serva, sempre
tão tímida e medrosa, seria capaz de desafiar o próprio capitão romano para permanecer a seu lado.
Definitivamente não poderia permitir que ela sofresse nenhuma punição, precisava interferir, e rápido!
— Saia, Ethelyn — murmurou, calma e pausadamente, como se demonstrasse que ficaria bem. Aquelas
eram suas primeiras palavras desde que fora recapturada por Marcus naquela tarde.
Diante do pedido de sua senhora, a moça virou-se saiu, acompanhada por Praxas. Enfim a sós com Alena,
Marcus Valerius andou em círculos, pensando na melhor maneira de iniciar aquela conversa difícil. Sua
cabeça fervilhava de hipóteses sobre aquele ataque e, em nome do dever, precisava apurar tudo com rigor.
— Quando esse ataque foi planejado? — inquiriu, de súbito. Sua voz era fria e cortante como a lâmina de
uma espada.
Alena aprumou os ombros, mantendo o semblante enigmático.
— Não foi planejado, pelo menos, não o foi por mim!
— Não brinque comigo, princesa! — ameaçou, cerrando os punhos. — Esses bárbaros vieram das terras
do norte, além de Corstopitum. Seu líder chama-se Beorth, não é?
— Sim.
— Ele é o rei do clã dos Selgovaes?
— Isso mesmo.
— Ele jamais avançara tanto assim para o sul anteriormente. Por acaso, estava atrás de você? — Na
verdade, não precisava fazer aquela pergunta, pois já tinha certeza absoluta daquilo. Contudo, queria
testar a confiança de Alena.
— Beorth sabia que eu estava a caminho de Isurium. Mandei-lhe uma mensagem, antes de partir de Cors-
topitum. Mas jamais podia imaginar que ousaria seguir-me pelo território controlado por Roma.
Marcus estava boquiaberto pela franqueza de Alena e também por sua cumplicidade com aqueles
bárbaros.
— Há quanto tempo vem se comunicando com ele?
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— Desde que meu marido foi morto — respondeu, sem pestanejar. Depois, como se pensasse alto,
explicou: — Beorth me quer... Ou as terras de meu filho, não sei ao certo... Talvez queira ambos...
— Seria capaz de se casar com aquele selvagem? — Sua indignação beirava as raias do insuportável.
— Que diferença isso pode fazer para mim? — retrucou, revoltada. —Afinal, os casamentos não passam
de meros acordos políticos, não é?
— Cuidado, mulher! Se esses planos chegarem aos ouvidos do governador, sua vida não valerá nada!
— Eu sei... — Fez uma pausa, mergulhando nas reminiscências de sua memória. — Conheço Beorth
desde que era criança. Ele sempre foi destemido e indomável como as próprias tempestades... Acima de
tudo, está determinado a repelir, de seus domínios, as invasões de Roma, chegando até mesmo a se aliar
com os caledônios, históricos inimigos de seu povo.
— Se o conhece há tanto tempo, por que não se uniu a ele antes?
Alena encolheu os ombros. Como poderia explicar-lhe algo que nem mesmo ela entendia?
— Adiei essa decisão o máximo que pude...
— Já lhe disse que não tem escolha!
— E eu respondi que sempre há uma alternativa! O que aconteceu foi que fiz a escolha errada... — Seus
olhos verdes cravaram-se no rosto do capitão, desafiadores.
Marcus retesou os músculos, angustiado. A linha entre o amor e o ódio era tão tênue... Num momento,
gostaria de estrangular aquela mulher teimosa e rebelde por ter conspirado contra Roma, mas, no minuto
seguinte, daria tudo para tê-la em seus braços... Definitivamente, jamais conseguiria entender os
sentimentos!
— O que vai fazer comigo, capitão? — quis saber, petulante.
Forçado a abandonar seus devaneios poéticos, ele meneou a cabeça, com um sorriso misterioso nos
lábios.
— Seja o que for, princesa, será a primeira a saber! - fez suspense. — Agora durma! Amanhã chegaremos
a Isurium de qualquer maneira! — Em seguida, deu meia-volta e partiu, deixando-a sozinha com seus te-
mores, naquele quarto escuro e abafado.

CAPÍTULO TREZE

—Então, filha, finalmente acatou as ordens de sua rainha e veio a Isurium.


Alena ajoelhou-se diante da mãe, sem coragem de fitá-la. Não tinha medo de Cartimandua; receava
apenas não ser capaz de controlar o próprio temperamento e acabar discutindo com a rainha.
—Levante-se! — Cartimandua ordenou, impaciente. — Venha sentar-se perto de mim.
Alena obedeceu, passando a ocupar um banco de madeira ao lado do trono da rainha dos Brigantes.

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Após analisar a filha de alto a baixo, sem um pingo de amor maternal ou afeto, Cartimandua voltou sua
atenção para Marcus Valerius, o comandante da Sé tima Legião. Um brilho lascivo tomou conta de seus
olhos, ao atentar para as pernas musculosas e os ombros desenvolvidos do romano.
— Salve, rainha Cartimandua — Marcus cumprimentou, respeitoso, embora não lhe fizesse nenhuma
reverência. Os romanos jamais se curvavam para os reis que eles mesmos haviam mantido no poder após
conquistarem suas terras. Perspicaz, observou mãe e filha juntas, analisando ora uma, ora outra. O curioso
era que as duas conseguiam ser tão parecidas e, ao mesmo tempo, tão distintas!
Fisicamente, uma era a cópia da outra; tinham traços idênticos, os mesmos olhos verdes e cabelos cor-de-
mel. No entanto, as expressões de seus rostos eram muito diferentes, fazendo com que, à primeira vista,
fosse difícil identificar seus pontos em comum. Alena era a imagem da justiça, da perseverança e da fé,
enquanto Cartimandua ostentava um brilho cruel e interesseiro na face.
— O governador Maximus contou-me suas proezas na África, capitão — ela o saudou, fazendo-lhe sinal
para que se sentasse entre os membros de sua corte.
— Aliás, ele me garantiu que se há alguém capaz de pacificar as tribos selvagens do norte, esse homem é
você!
— Isso será feito, majestade. Contudo, essa é uma tarefa extremamente árdua.
Um sorriso de desdém percorreu os lábios da rainha.
— Dugald havia me prometido manter aquela gentalha bem longe das fronteiras do reino dos Brigantes.
Dei-lhe ouro e armas suficientes para isso, como dote de minha filha. Contudo, ele mostrou-se um total
fracasso!
— Dugald manteve as fronteiras em paz por muitos anos, rainha-mãe — Alena comentou, espirituosa.
Embora nunca tivesse amado o marido, ele fora um guerreiro valente e dedicado ao seu povo, por isso
não iria tolerar que sua memória fosse achincalhada daquela maneira.
— Sim, de fato ele fez isso até tomar-se um traidor, levando seu povo a lutar na grande rebelião! — Car-
timandua retrucou, seus olhos estavam púrpura de raiva. Não estava habituada a ser contestada por nin-
guém, muito menos pela filha.
— Ele só queria salvar os Lopocares da destruição!
— Alena voltou a atacar. — Quando os romanos começaram a controlar a quantidade de armas em poder
do nosso povo, impuseram altos impostos e proibiram nossas práticas religiosas, Dugald achou que era
necessário fazer algo.
Marcus amaldiçoou Alena por aquela intervenção. Temia por seu futuro e não queria que pairasse sobre
ela nenhuma suspeita de conivência com os traidores. Mas como fazer para conter seu gênio
intempestivo?
— Seu marido era um tolo! — Cartimandua vociferou, cerrando os punhos.
— A senhora mesma o escolheu para mim, rainha-mãe!
Por um momento, os presentes prenderam a respiração, crentes de que a rainha teria um de seus temíveis
acessos de cólera, tal era sua expressão de ódio e desagrado pela afronta da filha. Porém, aos poucos, os
músculos da face foram se descontraindo, o olhar tornou-se menos intransigente e acabou dando uma
gargalhada, o que surpreendeu a todos, inclusive Alena.
Cartimandua nunca fora o tipo de mulher maternal, embora tivesse dado à luz muitos filhos. De toda sua
prole, apenas Alena continuava viva; os outros haviam morrido ainda crianças, ou na guerra. Mesmo
assim, jamais sentira afeto ou consideração por aquela filha, que enviara para longe aos seis anos de
idade. Porém descobrir que essa mesma menina havia herdado seu espírito crítico e desafiador era uma
grata surpresa. Acima de tudo, gostava de pessoas fortes.
— Dessa vez, farei melhor, minha filha — respondeu, bem-humorada, pondo um ponto fínal naquela
discussão. Contudo, seu olhar era extremamente ardiloso.
Alena engoliu em seco. Não estava em posição de contrariar a mãe, muito menos irritá-la. Todavia, seu
sangue fervia, impulsionando-a a falar o que considerava justo.

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— Aliás os dois nobres que se ofereceram para desposá-la estão presentes nesta sala — Cartimandua
prosseguiu, satisfeita com a agonia que suas palavras causavam à filha. Virando-se para a corte, ordenou:
— Adiantem-se os pretendentes.
Dois vultos destacaram-se da multidão, apresentando seus respeitos à rainha. O primeiro era um guerreiro
alto e forte, de longos cabelos loiros e tez marcada por uma cicatriz no queixo; aparentava uns trinta e
sete anos e sua expressão era fria e maldosa como a da própria Cartimandua. O segundo, ao contrário, era
um rapaz recém saído da adolescência, cuja pele alva, ornada por uma cabeleira ruiva, não possuía
nenhum sinal de lutas ou batalhas já enfrentadas. O contraste entre ambos era gritante.
— Este é lorde Berk — Cartimandua apresentou, referindo-se ao mais jovem dos dois.
Tímido, o príncipe baixou os olhos, limitando-se a fazer uma reverência para Alena.
— O outro é lorde Eadgar — anunciou, sem esconder a preferência por esse pretendente.
Eadgar aproximou-se da princesa, encarando-a de um modo voluptuoso e intenso. Contudo, não era ape-
nas desejo que Alena percebia em seus traços, mas sim cobiça.
— Rainha Cartimandua, agora que conheci sua filha, mal vejo a hora de decidirmos essa questão — lorde
Eadgar declarou, sem tirar os olhos de Alena. Parecia até uma serpente que enfeitiça suas vítimas com o
olhar, antes de devorá-las.
— O governador Maximus deverá estar presente às negociações — Marcus Valerius advertiu, autoritário.
Aquela situação o estava deixando louco de ciúmes e de ódio. Simplesmente havia desconsiderado a
figura de lorde Berk, embora este também fosse seu rival; porém a presença do outro pretendente, lorde
Eadgar, era insuportável... Devo tomar cuidado com esse homem...
— Mas é claro que sim, capitão Valerius! — Cartimandua apressou-se a dizer, com veemência. —
Qualquer decisão a respeito do futuro de Alena só será tomada na presença do ilustre governador da
Bretanha!
Alena mordeu-se de ódio. Era revoltante o modo como discutiam sobre sua vida, ignorando por completo
sua presença.
— E quanto a mim? — inquiriu, de repente, surpreendendo a todos por sua ousadia. — Minha opinião
sobre esse matrimônio não será ouvida?
Mais uma vez, Marcus sentiu o sangue gelar, devido à impaciência e falta de tato de Alena. Será que ela
não tinha senso de perigo?
Cartimandua fitou-a com desprezo. Já estava incomodada com os apartes inconvenientes da filha. Igno-
rando totalmente aquela pergunta, comunicou:
— Mandei preparar um aposento especial para você, Alena. Agora pode se retirar. Seu pai, lorde
Venutius, está fora no momento, mas deve retornar amanhã, quando você poderá revê-lo.
Os olhos de Alena soltaram faíscas. Fora dispensada como se não passasse de um criança! Se
Cartimandua pensa que pode me tratar dessa maneira, está muito enganada! Vou mostrar-lhe que não sou
um brinquedo que ela manipula de acordo com sua vontade! Irritada, ergueu-se do banco e já estava
prestes a se rebelar contra aquela ordem, quando a voz de Marcus ecoou pelo salão.
— A princesa Alena estará sob minha responsabilidade até a chegada do governador Maximus. Portanto
ficará hospedada no forte romano. — Sabia que estava abusando de sua autoridade, mas estava disposto a
enfrentar as conseqüências de seus atos. O que importava era não deixar Alena ali, onde, sem sombra de
dúvidas, acabaria discutindo com a rainha, o que viria a piorar ainda mais sua frágil situação.
Aquele comunicado teve o efeito de um terremoto, abalando, em segundos, todas as estruturas de boa
convivência entre os dois povos. Enquanto os membros da corte entreolhavam-se espantados, a rainha
ficou lívida, raciocinando a melhor maneira de agir.
Até mesmo Alena ficou surpresa e chocada com a atitude de Marcus. É óbvio que preferia ficar no forte,
onde poderia gozar de pequena liberdade, em vez de submeter-se aos desmandos da mãe. Todavia, Carti-
mandua era a rainha e, como tal, tinha plenos poderes sobre sua pessoa. Logo, essa ordem era uma afronta
ao que restara da soberania celta.

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Longos minutos de apreensão e nervosismo se passaram antes que a própria Cartimandua se dignasse a
falar, dando um rumo àquele impasse.
— Faça como quise, capitão — assentiu, com antipatia. Apesar de ofendida, não iria criar caso com os
romanos por um motivo tão banal como aquele. Não era à toa que se mantinha no poder há tantos anos,
afinal sabia como ninguém domar sua impulsividade e esperar por um momento mais propício para o
ataque.
— Ótimo! Nesse caso, eu e lady Alena iremos nos retirar.
De repente, lorde Eadgar tomou a palavra, dirigindo-se à rainha e sua filha.
— Majestade, se me permite a intromissão, gostaria de convidar a princesa para a caçada que faremos
amanhã. — Sua voz estava impregnada de astucia e segundas intenções. — Talvez, passando algumas
horas em minha companhia e na de lorde Berk, ela não se sinta tão excluída das decisões que envolvem
sua vida.
A rainha deliciou-se com as pretensões do nobre. Eadgar não perdia uma só oportunidade de levar van-
tagem em algo, agindo com tato e perspicácia. Talvez esse fosse o tipo de genro que precisava...
— E uma idéia adorável! — Alena respondeu, antes que alguém fizesse alguma objeção àquele convite.
Queria cavalgar pelos campos, sentindo-se livre outra vez, longe da vigilância da mãe ou de Marcus
Valerius.
— Estou de acordo, lorde Eadgar — a rainha disse, ansiosa para ver aonde aquilo iria chegar.
Marcus cerrou os punhos, contrariado. Aquele passeio não o agradava nem um pouco. No entanto, diante
da animação de Alena e do consentimento de Cartimandua, não podia se opor, abusando mais uma vez de
suas prerrogativas de oficial romano. E, antes que mais alguma contrariedade o pegasse de surpresa,
despediu-se da corte e partiu para o forte de Isurium, levando uma Alena quieta e reticente consigo.
Alena sentia-se como um pássaro que, após viver no cativeiro, fora colocado em liberdade. Como previra,
Marcus não pudera acompanhá-la por causa de problemas burocráticos no forte e, como a rainha não era
afeita a muitos exercícios físicos, estava longe de seus principais repressores. Era maravilhoso poder
vagar à toa pelos bosques e pradarias sem ter que explicar seus passos a ninguém! Embora soubesse que
essa sensação era temporária, isso lhe dava forças para continuar lutando contra todos que pretendiam
oprimi-la.
— Pelos deuses, você é uma excelente caçadora! — lorde Eadgar exclamou, ao vê-la abater um enorme
porco-do-mato no primeiro arremesso. — Como aprendeu a usar a lança tão bem?
Orgulhosa por seu feito, deixou aquele estado de êxtase e meditação em que se encontrava, para se con-
centrar em seu interlocutor.
— Após a rebelião, sobraram apenas velhos e crianças, de modo que as mulheres tiveram que aprender a
caçar para sobreviver.
— Deve ter passado por maus bocados, não foi? — redargüiu, tentando parecer emotivo; contudo, soava
totalmente falso.
Alena fez um gesto afirmativo, cada vez mais incomodada com o caráter pernicioso de seu provável
futuro marido. Porém, procurando manter a objetividade, achou melhor aproveitar a ocasião para sondar-
lhe as intenções. Enquanto os outros membros da caçada se ocupavam com o animal abatido, afastou-se
do grupo, fazendo sinal para que lorde Eadgar a seguisse.
— Por que se prontificou a me aceitar como esposa? — indagou, indo diretamente ao ponto. — Com
todos os tributos que pagamos a Roma e a Cartimandua, Corstopitum não é um reino muito próspero.
Além disso, seu papel será apenas de regente, já que a coroa pertence a meu filho.
Atônito com aquele excesso de franqueza, Eadgar levou alguns segundos para se recuperar. Por fim, re-
feito do susto, acabou expondo suas idéias.
— Ora, minha cara princesa, apesar desses problemas, Corstopitum é um ponto estratégico para o Império
Romano. Quanto aos tributos, não irão durar para sempre. Logo esse casamento também irá trazer-me
vantagens, como dinheiro e destaque em toda Bretanha. Quando seu filho assumir o trono, pretendo
ganhar algumas terras para dirigir meu próprio reino.
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— Não se esqueça que há um forte romano em Corstopitum, de modo que estará sob permanente
vigilância do Império — advertiu, sagaz.
— Não me importo nem um pouco com esses invasores! — bradou, cuspindo longe. — Perdi as terras de
minha família durante a rebelião e só não me opus ao seu domínio porque não sou um tolo! Não há como
vencê-los, lutando diretamente. Devemos usar alguns artifícios...
Alena gostou daquela resposta, mas ainda precisava esclarecer certos pontos...
Nesse momento, chegaram às margens de uma fonte cristalina, ladeada por frondosas árvores. Então Ead-
gar convidou-a a desmontar para saciar a sede. Estavam a sós, já que não havia o menor sinal dos outros
caçadores.
— Quero que saiba que sua figura será meramente decorativa, lorde Eadgar — ela admitiu, após tomar
alguns goles de água. — Desde os tempos de meu marido, estou habituada a tomar a frente nas questões
administrativas e pretendo continuar assim.
Eadgar deu um boa gargalhada.
— Ora, deve estar brincando! Por que eu iria me sujeitar a isso quando posso ter tudo o que desejo?
— Meu povo sempre me procura para resolver seus problemas e eles só irão mudar se você provar ser
digno de confiança, o que acho difícil de acontecer!
— Sua miserável! — explodiu, transtornado pela ofensa. — Vou lhe mostrar que nenhuma mulher pode
me tratar assim!
— A não ser Cartimandua, é claro! — retrucou, provocativa.
Deixando de lado o papel de galanteador, Eadgar aproximou-se, com os olhos vidrados nos seios de Ale-
na. Lembrava o próprio Dugald, quando estava prestes a molestar alguma mulher.
— Não tente me tocar, seu verme! — berrou, agarrando uma pedra no chão.
— Vai me impedir, é? — retrucou, continuando a avançar.
Indignada, Alena agiu rápido, dando-lhe um chute no joelho. Depois correu em direção ao cavalo,
tentando montar antes que Eadgar se recuperasse do golpe. No entanto, ele a alcançou, quando já estava
com o pé no estribo, agarrando-a pelos ombros.
Ela não esmoreceu. Mexia frenéticamente os braços e as pernas, procurando libertar-se daquele homem
desprezível.
Eadgar gemia de dor toda vez que ela conseguia acertá-lo com um tapa ou um chute, porém, por ser mais
forte, conseguiu jogá-la ao chão, deitando-se sobre Alena. Eram evidentes suas intenções de tomar posse
daquele corpo antes mesmo de ser declarado seu marido. Ao tentar beijá-la, entretanto, recebeu uma mor-
dida tão forte na orelha, que começou a sair sangue do ferimento.
— Vai se arrepender por isso, mulher! — gritou, erguendo o braço para esbofeteá-la.
— Pare com isso! — uma voz ordenou, imperiosa. Com o coração aos pulos, Alena respirou aliviada.
Reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Só podia ser Marcus Valerius!
— Afaste-se da princesa, seu canalha! — ele tornou a gritar, puxando o agressor pelo braço.
Com os olhos injetados de cólera, Eadgar fitou o oponente, levando as mãos à espada. Marcus também
segurou sua arma, à espera do ataque. Contudo, o embate entre os dois não saiu disso; pois, ao avaliar sua
situação, o nobre viu que seria bobagem bater-se contra um oficial romano, ainda mais por causa de uma
mulher.
— Quando estivermos casados, Alena, juro que irá pagar por essa humilhação! — Em seguida, montou
no cavalo e desapareceu no horizonte.
— Belo pretendente, não? — indagou, cínico, virando-se para a princesa. Não estava zangado, ao contrá-
rio, parecia estar se divertindo com o que acontecera.
Alena ergueu-se do chão, ajeitando o vestido e os cabelos o melhor que pôde.
— Há quanto tempo estava aí? — quis saber, perspicaz. — O que foi que ouviu?
— O suficiente.
O rubor subiu-lhe às faces, tingindo-as de carmim.
— Seu patife! Se estava aí há mais tempo, por que não me defendeu de Eadgar?
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— Ora, Alena, quem precisava de defesa era o pobre homem! Levou tantos tapas e pontapés que deve
estar todo roxo. — Riu-se, lembrando da cena. — Só intervi ao ver que estava realmente em perigo.
— Homens! — exclamou, com desprezo. — Como foi que me encontrou, hein? Será que estava me se-
guindo a distância?
— Não. Juntei-me à caçada tão logo terminei meus compromissos. Porém não havia o menor sinal de
vocês dois — explicou, procurando esconder a angústia que aquela descoberta havia lhe causado. —
Então, seguindo as indicações de alguns membros, fui na direção onde haviam sido vistos pela última vez.
E, para sua sorte, consegui encontrá-los.
Alena não fez nenhum comentário. Mas, no íntimo, estava feliz que ele tivesse chegado para salvá-la. Es-
tranho, apesar das brigas, desde que o conhecera, seus destinos pareciam ligados, e isso não a
desagradava tanto como gostaria... Será que essa é a vontade dos deuses? Será?
Imersos em pensamentos, cada qual com suas próprias incertezas e preocupações, retornaram para o forte.
Ainda teriam que enfrentar um desagradável banquete na corte de Cartimandua, onde seriam apresentados
a Venutius, o rei.

CAPÍTULO CATORZE

Lorde Venutius não demonstrou nenhum afeto ao rever a filha, de quem estivera afastado por mais de
vinte anos. Limitou-se a saudar Alena com a cabeça, como se ela não passasse de uma estranha que
visitava o palácio.
Triste com a atitude do pai, Alena sentiu-se frágil e abandonada, embora seu porte altivo não desse ne-
nhum sinal do que se passava em sua alma. Pensando no grande amor que sentia por Megarric, não
conseguia entender o descaso que seus pais haviam demonstrado por ela e seus irmãos. Aliás, para
Venutius e Cartimandua, os filhos sempre significaram uma maneira de conseguir acordos vantajosos
para o reino e nada mais. As lembranças do amor e da devoção de lady Nelwyn, no entanto, agiram como
um bálsamo, aquietando as feridas do coração.
Depois das saudações, todos os convidados foram conduzidos à enorme mesa do banquete, onde os lu-
gares haviam sido previamente determinados pela rainha. Sem esconder seu interesse por Marcus
Valerius, Cartimandua tivera o cuidado de colocá-lo a seu lado, enquanto reservara para Alena uma das
pontas. Não queria estragar sua noite com a impertinencia da filha.
Ali, bem perto daquela mulher astuta e inteligente, Marcus deixou-se envolver por seus encantos. Carti-
mandua era muito bonita e sabia ser cativante e sedutora quando assim o desejava. Porém, de vez em
quando, ele olhava de soslaio para onde Alena estava, vendo que ela permanecia quieta e macambúzia.
Atenta a tudo, a rainha não demorou a perceber o interesse pessoal do romano por sua jovem e bela filha.
Ainda bem que a coloquei longe de nós..., pensava a todo instante, sem um pingo de escrúpulos.
— Mas o que é isso capitão? — perguntou, indignada, quando ele se demorou mais do que devia na
contemplação de Alena. — Não estou acostumada a dividir a atenção de meus acompanhantes com
ninguém, especialmente com outras mulheres.
— Perdoe-me rainha... — retrucou, beijando-lhe a mão — Não pretendia ofendê-la. Estava apenas cum-
prindo meus deveres, afinal lady Alena está sob minha custódia.
— Sei... — murmurou, sarcástica. Porém, esquecendo o despeito, voltou a jogar todo seu charme sobre o
capitão, o qual, verdade seja dita, estava se divertindo bastante com aquilo tudo.
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Cansado de ser desprezado por Alena, Marcus via nas atenções de Cartimandua uma maneira de mini-
mizar seu sofrimento. Só não compreendia a total indiferença de lorde Venutius diante do comportamento
da esposa. Qualquer um na corte podia ver claramente que a rainha estava tentando seduzi-lo, mesmo
assim, o marido não movia uma palha para detê-la, nem se mostrava ultrajado. Entre um gole e outro de
vinho, Marcus lembrou-se das histórias que ouvira sobre os dois monarcas...
O casamento de Cartimandua e Venutius marcara a união de dois reinos prósperos, que, juntos, tornaram-
se invencíveis e dominaram toda a Bretanha, até a chegada dos romanos. Entretanto, com o controle do
Império, o rei viu seu poder declinar em favor da esposa, que ganhava cada vez mais prestígio e atribui-
ções. Revoltado, incitou seus guerreiros contra a rainha e, conseqüentemente, contra os invasores que
ameaçavam seu reinado.
Com o apoio de Roma, Cartimandua esmagou as revoltas, consolidando sua posição no trono. Não obs-
tante ter executado todos os nobres fiéis ao marido, miraculosamente poupou-lhe a vida e restituiu-lhe a
coroa, embora sem qualquer poder de decisão. Talvez tivesse imaginado que esse seria o maior castigo
que poderia ter-lhe imposto, ou então, no fundo, devia sentir algum amor por ele. Seja qual for o motivo,
ninguém jamais descobriu...
Do outro lado da mesa, Alena mal conseguia conversar com as pessoas que a cercavam, de tão nervosa
que estava. Também não podia comer, pois sentia uma espécie de nó na garganta que a impedia de
engolir qualquer coisa. Ainda bem que fora lorde Berk, e não o desprezível lorde Eadgar, quem ficara a
seu lado! Mas nem mesmo os rumos de seu destino a preocupavam nesse momento, só tinha um
pensamento: Marcus Valerius e Cartimandua, rindo e conversando como se fossem namorados!
Já perdera a conta do número de histórias picantes, para dizer o mínimo, que ouvira sobre os amantes da
rainha, porém não queria acreditar que Marcus pudesse se tornar mais uma das conquistas de sua mãe!
Aquela possibilidade a deixava magoada, ofendida e furiosa! Contudo, recusava-se a admitir que estava
com ciúmes... Ciúmes!? Eu!? Nunca!, repetia para si mesma, cada vez que essa idéia lhe vinha à mente.
Durante toda a noite, conteve a raiva que ameaçava transbordar, agindo de modo calmo e discreto. No,
entanto, ao vê-lo beijar a mão de Cartimandua, acabou perdendo as estribeiras. Se Marcus queria guerra,
era isso que iria ter!
No mesmo instante, concentrou-se na figura tímida de lorde Berk, com quem havia trocado meia dúzia de
palavras até agora. Sim, devia esquecer Marcus Valerius e pensar em seu futuro. Já que lorde Eadgar
havia se mostrado um perfeito canalha, sua única esperança era convencer o jovem príncipe a ajudá-la.
Não foi difícil iniciar um diálogo com seu segundo pretendente, que logo se transformou em uma
conversa bastante animada. Entretanto, precisava falar-lhe em particular, longe dos ouvidos bisbilhoteiros
dos outros nobres. Com um pouco de charme, convenceu Berk a acompanhá-la até o jardim. Faltava
apenas conseguir a permissão da rainha, pois, exceto os oficiais romanos, ninguém deixava a presença de
Cartimandua, sem que ela assim determinasse.
— Rainha-mãe, peço-lhe licença para me ausentar por um instante na companhia de lorde Berk — disse,
respeitosa. — Está um pouco abafado aqui e gostaria de respirar o ar fresco da noite.
Cartimandua perscrutou o rosto da princesa, adivinhando-lhe as intenções. Definitivamente, Alena tam-
bém herdara seu poder de sedução.
— Podem ir — permitiu, com os olhos cheios de malícia.
Alena retirou-se, acompanhada por lorde Berk. Sabia que ele esperava muito mais do que uma simples
conversa, mas estava disposta a se submeter a isso... Queria que ele a desejasse tanto, a ponto de lutar
com unhas e dentes para desposá-la. Se Eadgar fosse o escolhido, estaria perdida! Todavia, assim que fi-
caram a sós, nos jardins do palácio, toda sua coragem evaporou.
Para sua surpresa, o antes tímido e desajeitado Berk foi quem tomou a iniciativa. Sorrateiramente, enla-
çou-a pela cintura, deixando-a sentir seus músculos contraídos. Então, beijou seus lábios com uma desen-
voltura de fazer inveja a homens mais experientes. Mesmo assim, Alena não sentiu nenhum prazer, ao
contrário, teve que se esforçar para não empurrá-lo para longe.

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— Sinto interromper, mas precisamos retornar ao forte, princesa — Marcus comunicou, de repente, mais
irônico do que nunca.
O que ele está fazendo aqui? Ela indagou, corando Berk também ficou sem jeito, soltando Alena de
imediato.
— Bem, boa noite... — disse, recuperando a timidez característica. Sem perder um minuto, afastou-se,
deixando Alena e Marcus sozinhos.
— E isso que espera de um marido? — ele foi logo indagando, jocoso. — Ele não passa de um rapazote,
mal saído das fraldas!
— Ora, capitão, vocês o escolheram para mim, lembra-se?
— Ah! E mesmo assim tentou seduzi-lo? — seu tom era acusador. — Está brincando com fogo, Alena!
Essa tarde, tentou conquistar o apoio de lorde Eadgar, mas, ao descobrir que ele é um cretino ambicioso,
passou a se interessar por Berk. Onde quer chegar com tudo isso?
— E o que há de errado nisso? Todos estão jogando com minha vida, como se eu fosse um brinquedo!
Por que não posso usar meu corpo em causa própria?
Ele ficou em silêncio. O semblante estava pesado e a testa, cheia de rugas de preocupação.
— Alena... Alena... — murmurou, com ternura. — Não percebe que a quero?
Diante daquela declaração, ela ficou petrificada. Por um instante, perdeu a noção da realidade. Sentia-se
nas nuvens, como se estivesse na própria morada dos deuses. Mas logo recobrou a consciência, vendo
com amargura a ironia daquela situação... O homem que a fizera descobrir o amor estava apaixonado por
ela! Porém estavam separados por uma barreira intransponível: ela era celta, ele, romano. Mesmo que não
houvesse Eadgar, Berk, nem os interesses de sua mãe, jamais poderiam construir uma vida juntos!
— Quero ficar a seu lado... Quero que seja minha mulher! — ele confessou, enfático. — Sei que também
me deseja... Por que rejeita o que sente por mim?
— Isso é loucura!
— Não, estou apenas seguindo seu conselho! Não disse que devemos encontrar nossos próprios cami-
nhos? Pois então, estou lutando por minha felicidade!
— Não tem o direito de me propor isso! — protestou, próxima às lágrimas. — Acha que eu aceitaria o
papel de concubina, ainda mais de um romano? Meu povo iria me desprezar! Até mesmo Megarric teria
vergonha de mim!
— Ninguém ousaria maltratá-la, Alena. Esqueceu que sou o comandante da Sétima Legião?
— Sim, mas e quando tiver que regressar a Roma? — inquiriu, atenta a todos os ângulos daquele proble-
ma. — Sei muito bem que voltará para casa um dia...
Aquele argumento agiu como um balde de água fria nos ânimos de Marcus. De fato, sabia que o fim de
sua carreira militar seria em Roma, a capital do Império.
— Até lá, viveremos um grande amor, Alena...
— Infelizmente, não posso abdicar da minha honra, Marcus... É tudo o que me restou... — Uma lágrima
furtiva escapou-lhe dos olhos, único indício do sofrimento que dilacerava seu coração.
Os dois ficaram calados, fitando-se intensamente.
— Venha, vou levá-la para o forte — ele disse, por fim, com uma indiferença absoluta. Nem parecia o
mesmo homem que, poucos minutos atrás, havia confessado seu amor...
Talvez seja melhor assim..., Alena pensou, tentando se conformar com aquele tratamento ríspido. No
fundo, temia não ter forças suficientes para resistir aos seus próprios desejos, desistindo de tudo pelo
amor daquele homem!

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CAPÍTULO QUINZE

Marcus Valerius preparou-se com esmero para o encontro com o governador Trebellius Maximus. Após
banhar-se, vestiu uma túnica branca curta, bordada em ouro nas mangas e na bainha. Uma corrente,
trazendo a insígnia de sua patente, pendia em seu pescoço, enquanto, na cintura, pôs um cinturão de prata,
usado apenas em ocasiões de gala. Para arrematar, jogou um manto vermelho sobre as costas, preso aos
ombros por broches de ouro. O elmo e a espada haviam recebido um polimento extra, de modo que
brilhavam a grande distância.
Ao inspecionar a tropa, viu que tanto os homens, quanto suas respectivas montarlas, estavam impecáveis,
proporcionando uma bela visão a quem quer que os visse. Então, deu ordem a Praxas para que mantivesse
os guerreiros perfilados na entrada do palácio, postando-se, ele próprio, no alto da escadaria, ao lado de
Cartimandua e Venutius. Logo depois, a comitiva do governador chegou, sendo recebida em triunfo por
uma das divisões da Sétima Legião.
Trebellius Maximus cumprimentou os monarcas com um aristocrático aceno de cabeça, desmanchando-se
em sorrisos para com o capitão Valerius, seu principal comandante no norte da Bretanha.
— Salve, Marcus Valerius. Vejo que sobreviveu perfeitamente bem à sua refém. Meu administrador nar-
rou-me com riqueza de detalhes todo o "entusiasmo" da princesa ao ser colocada sob sua guarda — disse,
irônico e malicioso.
Marcus meneou a cabeça, sorridente, lembrando-se da cena patética em que arrastara Alena para fora do
palácio, enquanto ela gritava e se debatia como uma fera.
— Ela não gostou nem um pouco daquilo, mas teve que se conformar com seu destino, excelência — res-
pondeu, discreto, ciente do interesse de Cartimandua por esses detalhes pitorescos.
— Venha, vamos decidir, de uma vez por todas, o destino da princesa, para que possa se ver livre dessa
responsabilidade. Depois poderemos conversar sobre suas expedições ao norte.
Cartimandua conduziu-os para o salão do trono, onde apenas lorde Berk e lorde Eadgar esperavam por
eles. Depois que os escravos serviram vinho e queijos, a rainha iniciou as negociações:
— Tenho duas ofertas para a mão de minha filha, excelência. Ambos os pretendentes são guerreiros va-
lorosos, capazes de comandar Corstopitum para mim... Quero dizer, para os Brigantes — corrigiu-se,
após receber um olhar feroz de Venutius. — Lorde Eadgar tem me servido lealmente há vários anos e não
tomou parte da rebelião contra o Império. Tem uma tropa de cinqüenta homens e dez cavalos que poderá
levar consigo para o norte. Como dote de Alena, prometi entregar-lhe duas arcas, uma com ouro, a outra
com armas.
Marcus sentiu um enjôo no estômago. Os dotes eram assuntos de grande importância nos acertos
matrimoniais, porém Cartimandua abordava o tema com tanta frieza que parecia impossível acreditar que
se referia à vida da própria filha.
— O outro pretendente é lorde Berk, o filho caçula do rei Aellyn, dos Atribates. Tem apenas vinte
homens, mas promete desenvolver o comércio com as tribos do sul, o que seria fantástico para nossa
economia.
— Trarei... mais guerreiros, rainha — interrompeu, hesitante. — Prometi a lady Alena, ontem à noite,
duplicar o número de soldados, cada qual com sua própria montaria. Meu pai irá honrar esse compro-
misso — acrescentou, diante dos olhares incrédulos de todos.
Lorde Eadgar fitou o jovem com ódio. Não iria permitir que aquele fedelho estragasse seus planos!
Virando-se para a rainha, argumentou:
— Não posso arranjar mais homens, mas desisto da arca de armas. Meus guerreiros já estão adequada-
mente armados.
Cartimandua esfregou as mãos, satisfeita.

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— Pelo visto, ambos estão dispostos a tudo para conseguir esse casamento — deu um sorriso malicioso.
— Certamente, Alena despertou-lhes a luxúria, acirrando as negociações... Parece que ela herdou muito
de mim...
Marcus tirou uma sacola de couro das dobras do manto, colocando-a sobre a mesa.
— Já basta de discursos. Sou eu quem vai se casar com a princesa — comunicou, categórico. — Dispenso
qualquer dote e lhe entrego essas mil moedas de ouro para selar nosso acordo, majestade.
Cinco rostos viraram-se para ele em completa perplexidade. Por alguns instantes, ninguém conseguiu
falar ou se mover. Então, passado o susto inicial, todos saíram daquele estado catatônico, falando ao
mesmo tempo. Por fim, o governador deu um basta naquela confusão, com um só gesto.
— Venha, Valerius. Precisamos ter uma conversa em particular.
Os dois homens isolaram-se em um dos cantos do imenso salão, enquanto os outros retomavam a
discussão.
— O que significa isso, capitão? E um herói de Roma, venerado pelo povo e respeitado por Nero. Merece
uma esposa melhor do que uma simples nativa! — Estava furioso, com o rosto pálido e os olhos
esbugalhados. — Deveria desposar uma nobre romana, o que seria de grande ajuda para sua carreira e
fortuna.
— Já fui casado com uma patrícia antes, governador. Ela costumava deixar minha cama fria e meus
ânimos ainda mais gelados... Essa mulher celta, não. Parece feita de fogo, pois faz meu sangue ferver só
de pensar nela...
— Ora, meu caro Marcus. Se esse é o problema, fique com ela por uma noite ou duas — sugeriu, astuto.
— Verá que essa paixão toda não passa de fogo de palha...
— Já fiz isso, excelência... Mas, em vez de diminuir, meu desejo por essa mulher cresceu
assustadoramente.
O governador cocou a cabeça, impaciente.
— Pois bem, se o caso é tão grave assim, fique com ela de vez. Torne-a sua concubina, mas não precisa
desposá-la. Enquanto ela estiver sob sua proteção, ninguém poderá obrigá-la a desposar ninguém.
— Está subestimando lady Alena, governador Maximus. Já lhe propus esse acordo e ela o repeliu de
imediato. Disse que jamais se tornaria minha amante ou de qualquer outro homem, principalmente um ro-
mano. Permita esse casamento, excelência. Em troca, cuidarei das terras do norte para Roma como nem
um outro pretendente poderia fazer — concluiu, cheio de convicção. Estava disposto a conseguir Alena e
nada iria detê-lo.
Trebellius meneou a cabeça, desorientado. Que solução daria para aquele impasse? O capitão da Sétima
Legião de Roma casado com uma nativa... Intolerável! Entretanto, pouco a pouco, idéias contrárias
começaram a pipocar em sua mente... Posso tirar muitas vantagens desse casamento! Marcus Valerius
ficará em débito moral comigo para sempre. Também cuidará daquelas terras com muito mais empenho;
quem sabe até consiga expandir nossas conquistas até a Caledônia? Além disso, os nativos não poderão
mais sonegar os impostos, já que o regente é um romano. Seu período na Bretanha estava se esgotando e,
em breve, retornaria para Roma. Portanto, seria imprescindível levar um relatório de conquistas e vitórias
se almejava disputar as eleições para cônsul.
Quando já estava se decidindo por um "sim", uma idéia nefasta intrometeu-se em seus pensamentos... E
se essa mulher conseguir levar Marcus para seu lado, fazendo-o aderir à causa dos celtas? Seria a ruína do
meu futuro político! Porém a cobiça falou mais alto e, pensando no ouro dos impostos, desprezou os
eventuais problemas que poderia ter.
— Está certo, capitão. Aprovo seu pedido, mas espero que não venha a se arrepender mais tarde.
— Provavelmente, irei me arrepender umas três ou quatro vezes por dia, excelência — brincou. Sentia-se
muito feliz por ver que seus sonhos estavam se transformando em realidade. — Mesmo assim, é isso o
que quero! Será difícil, no começo, controlar aquela dama, mas, em pouco tempo, mostrarei a ela quem é
que manda!
Maximus riu.
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— Pelo que ouvi sobre ela, duvido muito que algum homem consiga colocar-lhe o cabresto. Mas se quer
tentar, boa sorte.
Os dois romanos voltaram risonhos e bem-humorados para junto dos demais, que os esperavam, ansiosos.
— Concordo com o casamento do capitão Marcus Valerius e a princesa Alena — Maximus anunciou,
imponente.
— Mas eu não! — Venutius gritou, exasperado. — Não vou entregar minha filha aos conquistadores ro-
manos! Isso já é demais!
— Cale-se, idiota! — Cartimandua ordenou, mostrando quem é que dava as ordens ali. — Foram esses
"conquistadores" que pouparam sua vida miserável e o mantiveram no trono quando ousou lutar contra
eles e contra mim! Gastei toda minha persuasão e mais ouro do que você vale para comprar sua liberdade,
portanto, pare de me causar problemas! Além disso, será muito mais vantajoso para nós se Roma admi-
nistrar as fronteiras do norte.
Marcus ficou de queixo caído ao presenciar aquela briga entre seus futuros sogros. Ao menos, deveriam
ter a decência de não discutir em público. Por sorte, o governador logo interveio, pondo um fim naquela
demonstração de desrespeito e vulgaridade.
— Basta! A princesa Alena dos Lopocares irá desposar o capitão Marcus Valerius. Esse acerto será van-
tajoso tanto para o Império Romano, quanto para o reino dos Brigantes.
— E quanto às terras? — Cartimandua indagou, com os olhos ávidos de cobiça.
— As terras pertencem a Megarric. Cuidarei delas até que ele tenha idade para ser coroado — Marcus
respondeu.
— Vejo que subestimei as qualidades de minha filha... Ela deve ser uma mulher e tanto para ter con-
quistado um capitão romano... — comentou, irônica e com uma ponta de inveja na voz.
— Conforme já estava estabelecido, o casamento será esta noite — o governador disse, erguendo-se e
encerrando aquela tensa e surpreendente reunião.
Marcus despediu-se de todos com rapidez e correu para pegar o cavalo. As poucas milhas que o
separavam do forte nunca pareceram mais longas. Tinha conseguido afinal! Porém, para que tudo desse
certo, ainda faltava uma parte difícil, talvez, a pior... Precisava comunicar Alena que iria se casar com ela.
Alena passou o dia todo angustiada, andando de um lado para outro de seus aposentos no forte romano.
Estavam decidindo seu futuro e o de Megarric e ela estava ali, isolada de tudo. Se Eadgar fosse o
escolhido, os tempos difíceis de Dugald estariam de volta, ou, quem sabe, seriam ainda piores... Pelo bem
de todos, principalmente o seu, Berk deveria vencer aquela disputa. De repente, lembrou-se da terceira
alternativa: ser a amante de Marcus Valerius...
Oh! Epona, dai-me forças para resistir a essa tentação! Orou, em prantos. Se o futuro de Megarric e dos
Lopocares não estivesse em suas mãos, certamente não teria pensado duas vezes para aceitar a proposta
de Marcus. Viver com ele, casada ou não, era tudo o que mais desejava no mundo! Mas, infelizmente,
uma princesa não tinha o direito de pensar em sua felicidade pessoal, enquanto toda uma nação iria sofrer
as conseqüências de sua escolha. Era melhor se conformar com o destino...
A vida era uma grande ironia! Dias atrás, lutava ferozmente contra a concepção dos romanos de que tudo
já fora traçado pelos deuses e, agora, estava descobrindo uma certa lógica nisso... Como havia mudado!
Podia dizer o mesmo de seus sentimentos para com Marcus Valerius. Há alguns meses, nutria o mais pro
fundo ódio por ele e, de uma hora para outra, percebera que o amava com todas as suas forças! Sim, pois
o que sentia não era apenas paixão ou desejo temporário, era tudo isso junto com carinho, ternura! Talvez
o amasse desde o começo, apenas não havia se dado conta disso. Afinal, o amor e o ódio são sentimentos
muito intensos e persistentes, dizem até que são lados distintos da mesma moeda...
Para deixar tudo mais confuso, Ethelyn voltara com as previsões do sacerdote, dizendo que os deuses ha-
viam abençoado aquela união e que Alena seria muito feliz. Mas como poderia encontrar a felicidade
longe do homem que amava?

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Quando o sol atingiu seu ponto culminante, viu que já era hora de começar a se preparar para a cerimônia
de seu casamento. Afinal, não poderia apresentar-se perante toda a corte como uma escrava, mal vestida e
despenteada.
Com o coração dolorido, visitou as termas do forte, passando por todo o ritual do banho romano. Quando
retornou para junto de Ethelyn, perfumada e com o corpo besuntado com óleos aromáticos, sentia-se uma
nova mulher. E verdade que ainda estava triste, mas ganhara um ânimo extra para enfrentar o que tivesse
que acontecer.
— Usarei o traje furta-cor, cujo tecido compramos em Catterick — comunicou, sem nenhuma alegria na
voz.
— Ficará linda, princesa! — Ethelyn exclamou, trazendo a roupa pedida. — Será a noiva mais bonita que
a Bretanha já viu!
E a mais triste..., acrescentou, mentalmente.
Destituída de entusiasmo, vestiu a roupa e deixou que a serva penteasse seus longos cabelos loiros. Por
fim, colocou o conjunto de gargantilha, brincos e diadema de ouro com esmeraldas, ficando à espera de
notícias. Entretanto, ainda passaram-se quase duas horas até que Marcus retornasse do palácio.
Ao vê-la tão bela e exuberante, deitada entre as almofadas, ele teve vontade de abraçá-la, sufocando-a de
beijos. Contudo, precisava ser paciente, ainda devia comunicar-lhe a decisão do governador.
— Essa é a mesma mulher que vi na arena, suja de lama e com os cabelos desgrenhados? — indagou,
com os olhos brilhando de alegria. Porém esses galanteios passaram despercebidos a ela, que estava mais
interessada em esvaziar o conteúdo de seu cálice. Não levou mais do que alguns segundos para perceber
que ela havia bebido vinho demais...
— Já decidiram meu futuro? — retrucou, sem coragem de fitá-lo.
— Sim...
— Ótimo. Então, saia daqui e deixe-me a sós! Já não estou mais sob sua responsabilidade! — acrescen-
tou, malcriada, sem dar-lhe a chance de contar o desfecho das negociações.
Marcus ficou vermelho de cólera. Teria muito trabalho para dominar aquela mulher. Mas, pelos deuses,
iria valer a pena!
— Parece que andou bebendo em excesso...
— E daí? O que tem a ver com isso?
— Não será nada distinto levar uma noiva bêbada para a cerimônia na corte, não acha?
— Não me importa o que os outros pensam! — Agora que o momento estava chegando, sentia a
amargura crescer cada vez mais, como se fosse um veneno que se alastrava por seu corpo. — Além do
mais, é melhor que eu não esteja sóbria quando aquele garoto for exigir seus direitos de marido.
— Ele jamais fará isso, Alena.
Ela ficou mortalmente pálida, como se a vida estivesse se esvaindo de seu corpo. A muito custo,
conseguiu indagar:
— Como assim? Quer dizer que Eadgar foi o escolhido? Será que aquele abutre conseguiu o que queria?
Mas como?
— Se parar de praguejar poderá ouvir o que tenho a lhe dizer. Não vai se casar nem com Berk, nem com
Eadgar. Eu serei seu marido, Alena. Eu!
Ela o fitou, estarrecida. A cabeça rodava e o estômago doía, sentia-se longe dali, entre as nuvens do
horizonte. Por alguns minutos, não esboçou a mínima reação, havia emudecido, o rosto estava sem cor e
os olhos vidrados, desprovidos de qualquer emoção.
Preocupado, Marcus aproximou-se, sacudindo-a de leve pelos ombros.
— Alena... Alena... — chamou, com ternura. — O que está sentindo?
Aos poucos, ela foi se recuperando. Piscou os olhos algumas vezes, enquanto a cor ia voltando à sua face.
— O... que... foi... que... disse? — balbuciou, com um fiapo de voz.
— Iremos nos casar esta noite.

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— Casar!? — repetiu, em pânico. — Não podemos! Você é romano, eu sou celta e nada irá mudar isso!
Nossos deuses são diferentes, as casas onde vivemos também... Vocês até escrevem livros!
— Temos costumes diferentes, é verdade. Mas você poderá aprendê-los — argumentou, tentando acalmá-
la.
— E se eu não conseguir ou não quiser aprendê-los? O que fará então? — desafiou, empinando o nariz.
— Nesse caso, só me restará fazê-la me amar, apesar de todas as nossas diferenças.
Aquele argumento a silenciou por completo, destruindo qualquer barreira que ainda tentasse erguer entre
eles. Erguendo-se, deu a mão a Marcus e os dois deixaram os aposentos.
Ao ver que lady Alena iria partir, Ethelyn correu ao encontro do capitão, enquanto ele ajudava a princesa
a montar.
— Para onde vai levar minha senhora? — indagou, preocupada.
Marcus riu-se por dentro do arroubo de coragem da serva. Dando um sorriso para a noiva, respondeu:
— Para nossa cerimônia de casamento. Volte para o quarto e prepare tudo para as nossas nupcias. Vol-
taremos tarde.

CAPÍTULO DEZESSEIS

Pela primeira vez na vida, Alena sentiu-se mal cavalgando. O trepidar incessante do cavalo, junto com os
efeitos nefastos do vinho, só faziam piorar o enjôo de estômago e as dores de cabeça. Sentia-se tão
indisposta que só percebeu que não estavam rumando para Isurium quando Marcus parou os cavalos
numa clareira. Olhando melhor, viu que era o mesmo lugar onde havia brigado com lorde Eadgar no dia
anterior. Contudo, não tinha forças nem para indagar o porquê de estarem ali, deixando que ele tomasse
todas as decisões.
Aproveitando-se dessa submissão temporária, Marcus ajudou-a a desmontar e começou a desatar-lhe o
vestido.
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— O que pensa que está fazendo? — indagou, ofendida, tentando cobrir os seios nus.
— Pare de resistir ou acabaremos rasgando seu traje! — retrucou, tentando fazê-la soltar as dobras do
tecido.
Alena gostaria de levar aquela discussão às últimas conseqüências, mesmo que seu lindo vestido novo
ficasse em farrapos, mas seu mal-estar era tão grande que aquietou-se como uma gentil e dócil ovelha. O
que mais queria, naquele momento, era deitar-se em algum lugar, à espera de que os efeitos da bebida
passassem. Maldita a hora em que tomara todo aquele vinho!
De repente, sentiu-se planando no ar como se fosse uma ave. Ao final dessa deliciosa sensação, o choque:
ele a jogara dentro das águas gélidas e cristalinas da nascente.
— Porco romano! — praguejou, sentindo a energia fluir outra vez por seu corpo. Aquilo foi só o começo,
em pouco tempo, desfilou uma verdadeira coleção de desaforos e pragas, capazes de dar inveja a qualquer
soldado.
Marcus ouviu tudo, rindo-se da impetuosidade da futura esposa. No íntimo, preferia mil vezes vê-la co-
lérica e agitada a apática. Aquela, de fato, era Alena, a mulher por quem havia se apaixonado!
— Diga o que quiser, mas, na verdade, lhe fiz um favor. Estava em estado lastimável... Pelo menos, o
banho frio irá cortar os efeitos da bebida.
De fato, apesar do frio, ela foi se sentindo cada vez melhor. A dor de cabeça passou, juntamente com as
náuseas e a moleza. Embora não quisesse admitir, ele agira certo. Seria uma vergonha apresentar-se à
corte de Cartimandua completamente alcoolizada!
— Já é o bastante. Venha, vou ajudá-la — Marcus disse, estendendo-lhe a mão.
— Fique longe de mim! Posso muito bem sair daqui sozinha!
— Você é quem sabe! — resmungou, irritado. Aquela mulher sabia como tirá-lo do sério.
— Vire-se!
— De jeito nenhum!
Vendo que não conseguiria convencê-lo, saiu da água mesmo assim, expondo toda sua nudez.
Marcus ficou boquiaberto diante de tanta beleza. Alena parecia a própria encarnação de Vênus, a deusa
que nascera das espumas do mar.
— Tome, enrole-se nisso para se esquentar — sugeriu, entregando-lhe o manto vermelho.
Alena estava tão furiosa que tinha vontade de jogar aquilo longe! Porém o corpo tremia de frio e a maciez
daquele tecido seco a seduziu. Deixando o orgulho de lado, embrulhou-se no manto e sentou na relva.
Queria se aquecer um pouco antes de vestir-se.
Marcus aproximou-se devagar, acariciando seus cabelos cor-de-mel, agora totalmente desgrenhados. Ale-
na queria afastar-se, repelir aquelas caricias com veemência, mas uma sensação nova e inexplicável a im-
pedia de se mover.
— Afaste-se... — pediu, sem muita convicção.
— Impossível... — dizendo isso, Marcus a tomou nos braços, silenciando qualquer tentativa de protesto
com um beijo longo e apaixonado.
Alena permitiu que ele explorasse sua boca com a língua, o que deixou sua pele toda arrepiada. Em vez
de repeli-lo, viu-se correspondendo àquelas caricias com tamanha voracidade que até ela própria ficou
surpresa.
Quando seus lábios separaram-se, os dois se encararam intensamente. Nesse momento, não havia mais
espaço para discórdia ou briga; refletidos nos olhos um do outro, viam apenas amor...
Sem que fosse preciso dizer uma palavra, Marcus a deitou sobre o manto vermelho, com a total aquies-
cência de Alena. Aliás, enquanto lutava para se livrar da indumentária o mais depressa possível, aqueles
olhos verdes não deixaram de fitá-lo, ávidos de luxúria. Depois, totalmente despido, deitou-se sobre ela,
que o recebeu cheia de mimos e dengos.
Dessa vez, ele a possuiu com fúria, como se tivesse enlouquecido de tanto desejo. Enquanto movimentava
os quadris em ritmo alucinante, também beijava seus lábios, pescoço e seios alternadamente, chegando,
por vezes, a mordiscá-los...
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Alena não se incomodou com a impetuosidade de Marcus; ao contrário, aqueles excessos de paixão pa-
reciam excitá-la ainda mais, arrancando-lhe longos gemidos de prazer.
Minutos depois, completamente extenuados, separaram-se, deitando lado a lado.
— Apesar de todas as nossas diferenças, nossos corpos se entendem à perfeição... — Marcus comentou,
acariciando-lhe a coxa bem-torneada.
Respirando fundo, ela o fitou, pensativa.
— Acha que isso é suficiente para justificar nosso casamento?
— Se não basta, pelo menos é um bom começo...
— Tudo o que sei é que me envergonho por desejá-lo, Marcus. Quando estamos fazendo amor, isso não
tem a menor importância, mas, depois que o desejo é saciado, só me resta a culpa e o remorso...
— Ninguém deve se envergonhar do que acontece entre um homem e uma mulher.
— Contudo, meu povo jamais irá aceitar esse casamento... — reclamou, com pesar. — E meu filho, o que
vai dizer sobre minha união com um romano? Todos irão me desprezar...
— Bobagem! Ninguém irá desprezá-la, Alena. Lembre-se, você não será minha concubina, mas minha
esposa! — Apoiou-se nos cotovelos, para contemplá-la em toda sua plenitude.
— O que sabe você sobre casamentos? — questionou, tomada pela revolta.
— Já fui casado anteriormente... — revelou, com o semblante carregado de tristeza. — Minha esposa fi-
cava em Roma, enquanto eu lutava pelo Império em terras longínquas e inóspitas... Morreu ao dar à luz
nosso segundo filho. Aliás, nossa primogênita também veio a morrer, pouco tempo depois...
Alena arregalou os olhos, interessada naquele relato. Até agora não sabia absolutamente nada a respeito
da vida dele, exceto que era um militar valente e heróico. Era muito bom descobrir essa faceta humana
em Marcus, poderia aproximá-los...
— Então não tem mais nenhum familiar vivo? — questionou, ávida por informações.
— Meus pais ainda vivem. — Sacudiu os ombros, com um sorriso amargurado nos lábios. — Que
irônico, eles também pertenciam a povos diferentes...
Alena arqueou as sobrancelhas, cada vez mais interessada. No entanto, não foi preciso fazer nenhuma
outra pergunta. O próprio Marcus Valerius incumbiu-se de saciar-lhe a curiosidade.
— Minha mãe era uma escrava egípcia que foi vendida para um rico mercador romano, ainda criança.
Aos catorze anos, teve seu primeiro filho, porém, embora seu próprio dono fosse o pai, ele não hesitou em
vender o menino no mercado. Dois anos mais tarde, acabei nascendo e, teria tido o mesmo fim de meu
irmão, se meu pai e senhor não tivesse morrido subitamente. — Fez uma pausa, emocionado com as
lembranças.
Alena acariciou-lhe o braço, encorajando-o a prosseguir.
— Mãe e filho foram vendidos no mercado e, graças ao bom Júpiter, fomos comprados por um legionario
que acabara de retornar a Roma, após ter prestado longos anos de serviço nas províncias. — Encarou Ale-
na, agitado e febril. Em seguida, num rompante de emoção, exclamou: — Esse homem foi meu
verdadeiro pai! Ele libertou minha mãe, casou-se com ela e me adotou, dando-nos todo amor e carinho do
mundo!
— Invejo sua família... — confessou, sem nenhum constrangimento. — Teve o amor de seus pais, en-
quanto os meus... Cartimandua e Venutius são extremamente egoístas, nunca me fizeram um só carinho...
Bem, acho que já deu para perceber como eles são, não é mesmo?
— Minha nossa! O casamento! — gritou, esbaforido. — Estamos atrasados para a cerimônia, Alena!
Precisamos correr! — De um pulo, levantou-se, vestindo-se ainda mais rápido do que havia se despido.
Queria oficializar sua união com Alena de qualquer modo, para que jamais tentassem afastá-lo da mulher
que amava!
Alena também começou a se vestir, porém sem a mínima animação. Ainda relutava em aceitar aquele
matrimônio, embora seu coração já o tivesse aceitado há muito tempo... Além do mais, não queria
apresentar-se à corte daquela maneira: descabelada e com a roupa suja de grama e poeira.
Adivinhando seus pensamentos, Marcus a tranqüilizou:
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— É a mulher mais bela de toda a Bretanha, Alena. Não deve haver um único homem, naquele palácio,
que não daria um braço para estar em meu lugar!
Ela esboçou um sorriso tímido, tentando ajeitar os cabelos. Por fim, conseguiu prendê-los em uma trança
grossa que chegava até quase sua cintura.
Os dois, então, tornaram a montar e seguiram direto para o palácio de Cartimandua, onde seus destinos
seriam unidos para todo o sempre!
Apesar dos elogios de Marcus, Alena sentiu-se terrivelmente insegura ao adentrar o salão principal, onde
toda a corte os esperava. Porém, conforme ele lhe garantira, as pessoas a olhavam com admiração, em vez
de escárnio e desprezo. Até mesmo sua mãe, sempre tão fria, pareceu fitá-la com respeito.
— Muito bem, capitão Marcus Valerius, faça seu juramento — o governador Maximus pediu, presidindo
aquela cerimônia multirracial ao lado de Venutius.
— Em nome do grande imperador Nero e sob as bênçãos de Júpiter, o senhor de todos os deuses, e de
Juno, sua esposa celestial, eu, Marcus Valerius, capitão da Sétima Legião, tomo a princesa Alena dos Lo-
pocares como esposa. Diante de todas essas testemunhas, prometo honrá-la e protegê-la, fazendo-a gerar
muitos filhos meus.
Seus olhos encontraram-se com os dela, que ainda hesitava em fazer seus votos. Com o silêncio prolon-
gado da noiva, um burburinho entre os presentes começou a tomar conta da sala, aumentando a tensão do
momento.
Marcus não desviou o olhar dos dela um só segundo, contudo, estava tranqüilo. Sabia que Alena não tinha
escolha, a não ser aceitá-lo como marido. Tudo o que tinha a fazer era esperar...
— Princesa, todos aguardam seu juramento — Venutius advertiu, irritado com aquela demora.
— Em nome de Enu, mãe de todos os deuses, eu, Alena dos Lopocares, aceito esse homem, Marcus Va-
lerius, como esposo, jurando-lhe fidelidade até que a morte nos separe.
Após os votos, Marcus tomou alguns goles de vinho em um cálice de ouro e o entregou a Alena, que fez a
mesma coisa. O casamento estava concluído!
Um gigantesco banquete teve início após a cerimônia, com grande fartura de carnes, queijos e vinho,
muito vinho. Cartimandua queria mostrar a todos os nobres da Bretanha o quanto era próspera e influente.
Havia também uma grande variedade de dançarinos, acróbatas e artistas que se revezavam para entreter
os convidados, dando um colorido especial à festa.
Após duas horas de comemoração, Marcus ergueu-se, disposto a partir.
— Mas o que é isso capitão? — Cartimandua protestou, cínica. — Não me diga que já vai se retirar. A
festa ainda nem chegou à metade...
— Lamento, rainha, mas tenho assuntos mais importantes a tratar... — Deu uma olhada maliciosa para a
noiva.
— Segundo a tradição, devemos ficar até o sol raiar — Alena retrucou, furiosa com aquela brincadeira.
Não queria expor sua vida íntima para ninguém, muito menos para sua mãe.
— Nós já quebramos a tradição ao nos casarmos, Alena. Portanto, alterarmos mais um costume, não irá
fazer muita diferença.
Ela mordeu os lábios, furiosa. Mesmo assim, aceitou acompanhá-lo, sem mais nenhum protesto. Também
estava ansiosa para ficar a sós com ele...
— Tome cuidado com as fronteiras do norte, capitão... Segundo dizem, o selvagem Beorth não ficará
nada satisfeito ao saber que um romano se casou com Alena... — Cartimandua fez questão de comentar,
maldosa, enquanto os noivos se retiravam.
Embora aparentemente não tivesse dado importância àquele comentário mordaz, Marcus sentiu o sangue
gelar. Pelo que já vira, aquele bárbaro iria dar-lhe muito trabalho... Porém não queria pensar em política
agora, quando poderia desfrutar de todas as delícias que sua bela esposa tinha a lhe oferecer...
— Talassio! Talassio! — os soldados gritaram em coro, quando Marcus e Alena atravessaram os portões
do forte.
— O que significa isso? — indagou, curiosa.
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— É uma antiga saudação, com votos de fertilidade para os casais. Aliás, de acordo com as tradições ro-
manas, também devo carregá-la até nosso leito nupcial para que tenhamos uma longa e agradável vida
juntos.
Ela riu daqueles costumes estranhos, mas não se opôs quando ele a pegou no colo e a levou até a cama.
Nesse momento, achou tudo muito excitante...
Marcus cobriu-lhe o rosto de beijos, enquanto suas mãos ágeis a despiam. Em seguida, desceu ao longo
do pescoço até chegar aos seios, beijando aquelas auréolas rosadas com sofreguidão. Após alguns
instantes, continuou descendo suas caricias, passando os lábios insaciáveis pelo ventre e pela cintura de
Alena. Entretanto, ainda faltava um pouco para chegar ao seu destino...
Ela gemia, contorcendo-se de prazer a cada toque. Sua excitação crescia assustadoramente, chegando a se
tornar insuportável... De repente, deu um grito de prazer, enquanto ele beijava sua virilha e suas coxas...
— Marcus... — chamou, apoiando-se nos antebraços. Já não suportava mais aquela espera.
Mais do que depressa, ele a abraçou, comprimindo os quadris sobre os dela em movimentos rápidos e
incansáveis. Seu corpo tremia, tomado por sucessivas ondas de prazer. Sentia-se no paraíso dos deuses!
Entregues à paixão, perderam a noção das horas, passando a contar o tempo pelos gemidos e delírios que
sentiam... Quando finalmente adormeceram, aconchegados um ao outro, o dia já estava raiando.
As comemorações do casamento duraram uma semana inteira. Foram dias de muita festa, cheios de
caçadas e torneios, onde cada nobre procurava demonstrar mais habilidades que o outro. Alheios a tudo
isso, Marcus e Alena só pensavam nos momentos em que ficariam a sós, quando poderiam prosseguir
com as descobertas de novas maneiras de se amarem...

CAPÍTULO DESSETE

Lady Nelwyn sentou-se em uma cadeira de espaldar alto, observando carinhosamente seu pequeno
Megarric brincar com seus soldadinhos de madeira. Seu semblante era sereno e imperturbável, como
sempre.
— Não sei como consegue manter a calma diante do caos que se aproxima! — Peganthus protestou, an-
dando em círculos pela sala.
— Irritar-me não iria mudar as coisas — argumentou, tranqüila. — Seria apenas um desperdício de
energia.
— O que será de nós, agora que esse romano desposou Alena? — continuou a se lamuriar, inconformado.
Nelwyn olhou para Megarric, certificando-se de que ele não prestava atenção à conversa dos adultos. De-
pois, respondeu, com um toque de sarcasmo:
— E simples, Peganthus, você retornará para o sul, de onde, aliás, jamais deveria ter saído.
O regente fez uma careta de ódio.
— Acha que serei o único a perder com esse casamento, minha cara Nelwyn? — Deu uma risada afetada.
— Seus dias como sacerdotisa druida estão contados! O marido irá obrigar Alena a persegui-la, quem
sabe até acabe condenada à morte!
A dama meneou a cabeça, rindo-se da ignorância do regente.
— É mais fácil os animais falarem a língua dos humanos do que um homem conseguir dominar o gênio
de Alena! Se Dugald, mesmo com toda sua selvageria e brutalidade, não conseguiu subjugá-la, não será
esse romano quem conseguirá tal proeza!
— Subestima Marcus Valerius, Nelwyn... Ele é forte e determinado. Tem fibra para lutar pelo que quer.
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— Se é como diz, então teremos um duelo de titãs.
Doze dias após o casamento, a comitiva de Marcus Valerius finalmente regressou a Corstopitum.
Esquecendo-se de todos os protocolos, Alena entrou na sala do trono, correndo ao encontro do filho.
Morta de saudades, quase o afogou em um mar de beijos e abraços.
Marcus veio logo atrás, triunfante, saudando os poucos nobres dos Lopocares que ainda permaneciam
vivos.
— Ave, rei Megarric — saudou o menino, com imponência e respeito. — Venho informar-lhe que
desposeí sua mãe, lady Alena. Prometi honrá-la e respeitá-la e administrar o reino até que você atinja a
maioridade.
Alena esperava que Megarric se mostrasse ofendido ou, ao menos, chateado com a notícia. Mas, para sua
surpresa, o filho abriu um sorriso de satisfação pelo enlace. Os outros nobres também pareceram muito
satisfeitos, rindo de orelha a orelha. No fundo, sentiam-se mais seguros; achavam que o romano iria lutar
pelos interesses dos Lopocares, defendendo-os dos bárbaros do norte e das exigências descabidas de
Cartimandua.
Confusa, Alena procurou pela ajuda de Nelwyn, isolando-se com a sacerdotisa em um dos cantos do
salão, enquanto Marcus, Megarric e os outros homens conversavam sobre os problemas do reino.
— Oh! Nelwyn, esse casamento me deixou desorientada! Não sei mais o que pensar sobre nada...
A sacerdotisa perscrutou aquele rosto jovem, à procura de respostas.
— O romano a está maltratando, criança? Ele abusa de seus direitos de marido?
Alena corou de imediato. Não gostava de falar sobre suas intimidades com ninguém, nem mesmo com
Nelwyn. Porém, sentindo que precisava de alguns conselhos, acabou desabafando...
— Não, pelo contrário... Marcus é muito carinhoso comigo... — Baixou os olhos, mostrando todo seu em-
baraço. — Esse é o problema! Quando me toca, desperta sensações que nem ao menos imaginava existir...
Entrego-me às suas caricias, em deleite absoluto, e anseio por mais e mais...
— Alena, minha criança! Finalmente tornou-se uma mulher!
A jovem arregalou os olhos, assustada.
— Não há nada de errado em desfrutar dos prazeres do sexo, criança — voltou a dizer, já que Alena per-
manecia muda, de espanto. — Ao contrário, essa é uma das bênçãos que os deuses nos concederam.
— Mas, Nelwyn... — retrucou, desconcertada pela própria ignorância nesses assuntos. — Ele é um ro-
mano, inimigo do nosso povo!
— Se ele consegue despertar esses impulsos em você, aproveite para descobrir mais sobre seu próprio
corpo — ensinou, do alto de sua vasta sabedoria. — Porém saciar os desejos da carne não significa
submeter-se em espírito. Conserve sua mente livre e independente, Alena.
— Sim, farei isso... O que também me intriga, Nelwyn, é a diferença de comportamento dele. Durante o
dia, trata-me com prepotência e frieza, mas, à noite, quando estamos no aconchego de nosso quarto,
torna-se outro homem, amoroso e passional!
— Alena... Alena... Ainda precisa aprender tantas coisas! Todos os homens são assim, com raras
exceções. Eles gostam de parecerem confiantes e egocêntricos, contudo, nos momentos de paixão, toda
essa arrogância cai por terra. — O olhar ficou perdido, tomado pela nostalgia. — Acha que não passei por
isso com meu esposo?
Em uma fração de segundo, Alena recordou-se dos tempos em que o cunhado ainda era vivo. Como Du-
gald, ele adorava guerrear e passava a maior parte do tempo longe. Contudo, quando estava na corte, ja-
mais o vira com outra mulher que não fosse Nelwyn.
— Nós nos amávamos e fomos muito felizes juntos. Mesmo assim, algumas vezes, tinha vontade de cor-
tar-lhe a garganta — admitiu, com voz calma e pausada. — Quero que entenda que, até mesmo nos casais
mais harmoniosos, desentendimentos acontecem.
Nesse instante, vendo que Marcus se aproximava, interromperam a conversa.
— Saudações, lady Nelwyn. Alena falou-me bastante sobre a senhora.
— Posso dizer o mesmo, capitão — retrucou, fazendo-lhe uma reverência com a cabeça.
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— Ótimo. Espero que nossa convivência seja a melhor possível, senhora, pois é uma pessoa muita esti-
mada por minha esposa e seu filho.
— Isso só o tempo dirá, capitão — afirmou, com coragem. Apesar da tranqüilidade, Nelwyn não fazia
concessões a ninguém. Dizia o que precisava, ou preferia calar-se.
— De fato, senhora...
Seguindo o protocolo, após um breve descanso, o casal foi até o forte, onde os legionarios esperavam an-
siosamente para saudá-los. Parece que tanto os romanos quanto os celtas haviam aprovado aquele matri-
mônio, esforçando-se para demonstrar seu agrado.
— Meu caro Marcus, saiu-se vencedor mais uma vez! — Lineas Flavius o cumprimentou, coberto de
malícia.
— Fiz o que pude... — retrucou, irônico. Porém o tribuno já estava concentrando suas atenções na noiva,
a quem saudou com um abraço. — Vá com calma, Lineas. Não se esqueça que a princesa agora é minha
esposa.
— Pelo menos, ficarei livre de sua concorrência com as outras mulheres — admitiu, zombeteiro,
passando os olhos pelo corpo perfeito de Alena.
Ela enrubesceu, constrangida com o teor do comentário e a natureza do olhar de Lineas. No entanto,
Marcus saiu em sua defesa, fechando a cara para os abusos do amigo.
Depois, em homenagem aos noivos, houve uma série de torneios e jogos, que ainda tiveram a vantagem
de promover a confraternização entre celtas e romanos.
Aquilo foi apenas o começo. Com o passar dos dias e semanas, o relacionamento entre os dois povos foi
se tornando cada vez mais estreito e amistoso, trazendo Denefícios para todos.
Alena continuava a decidir as questões relativas aos Lopocares, enquanto Marcus encarregava-se de
supervisioná-la, mantendo todas as suas atribuições militares. Aliás, embora passasse a maior parte do dia
no forte, todas as noites retornava para o palácio, a nova residência do casal.
Aos poucos, ele foi fazendo uma série de concessões aos habitantes locais, que estavam ganhando um
lugar especial em seu coração. E claro que a afeição aos Lopocares jamais poderia superar o amor que
sentia por Roma, a ponto de abalar sua fidelidade ao Império, entretanto, para desespero de Cartimandua
e do governador, havia conseguido a interrupção do pagamento de taxas abusivas cobradas por Isurium.
Quanto ao relacionamento entre Marcus e Alena, não houve mudanças... Atritavam-se durante o dia, para
se amarem à noite.
Nesse ritmo, chegaram aos meses de frio intenso, quando ocorria um dos principais acontecimentos re-
ligiosos da cultura celta: o solsticio de inverno.
A todo custo, Alena tentou fazê-lo entender a importância daquela data. Porém ele se mantinha irredutível
na proibição de quaisquer práticas druidas.
— Você é um hipócrita, mentiroso! — explodiu, com o sangue fervendo de ódio. — Finge importar-se
com os destinos de nossa gente, mas não passa de um capacho de Roma!
— Cale-se, mulher tola! — gritou, contendo-se para não dar-lhe um tapa. Acima de tudo, não admitia a
hipótese de agredi-la. — Não provoque um rompimento que será catastrófico para todos nós!
Alena respirou fundo, procurando ser mais racional.
— A saudação do inverno é vital para o meu povo, Marcus... Precisa permitir os cerimoniais!
— Já lhe disse, mais de mil vezes, que as práticas druidas foram banidas. Não tenho poder para revogar
essa lei!
— Ora, não precisa fazer um relatório nobre filho para o governador.
— Não me importo com o julgamento de Maximus, mas sim com minha consciência! Sou leal a Roma e
permanecerei, assim! Aliás, não quero mais ouvir falar desse assunto, entendeu? — Seu tom de voz
ameaçador não admitia desafios.
Vendo que havia perdido a batalha, Alena calou-se. Contudo, não havia desistido de seus propósitos. Pi-
sando duro, deixou a presença do marido e foi ter com Nelwyn, no outro extremo do palácio.

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— Marcus manteve a proibição dos rituais druidas — informou, jogando-se, desanimada, sobre uma
cadeira.
— Pude ouvir... Aliás é um milagre que as paredes inda continuem de pé, depois de tanta gritaria.
— O que faremos agora, Nelwyn?
A sacerdotisa pousou os olhos serenos nos seus, confortando-a.
— Ora, minha criança, faremos o mesmo de todos os anos: iremos celebrar o solsticio de inverno às
escondidas dos romanos.
Alena suspirou, cobrindo o rosto com as mãos.
— Sim, mas como conseguirei estar presente dessa vez, já que estou casada com Marcus? Ou será que
não devo comparecer à cerimônia?
— Nem pense nisso! — protestou, veemente. — Sua presença é indispensável, assim como a de
Megarric. O povo precisa ver que seus governantes ainda se impor-
tam com nossas raízes.
— Como faremos então?
— Paciência, criança... Para todo mal há uma solução.
Alena arqueou as sobrancelhas, intrigada com o tom misterioso da cunhada.
— Os romanos também comemoram o solsticio do inverno, fazendo cultos a Apolo... — Nelwyn
prosseguiu. — Logo não será difícil escapar à vigilância dos guardas.
— E quanto a Marcus? — tornou a insistir na pergunta, ficando mais aflita.
— Resolveremos a questão com algumas ervas para dormir... Com a ajuda dos deuses, estaremos de volta
ate que ele consiga despertar.
— Excelente!
No dia do solsticio de inverno, tudo saiu conforme Alena e Nelwyn haviam planejado... Deixaram o
palácio sem serem vistas, realizaram a cerimônia e regressaram em segurança para casa... Apenas um
detalhe saiu errado, Marcus Valerius acordou antes do previsto.
Ainda zonzo e com o corpo dormente, procurou pela esposa nos aposentos reais, mas nem sinal dela. In-
trigado, esforçou-se para despertar por completo, lavando o rosto com água fria. Em seguida, sem
levantar suspeitas, andou por todo o palácio à procura de Alena. Para seu desespero, em vez de encontrá-
la, descobriu que Megarric, Nelwyn e vários outros celtas também haviam desaparecido. Ela me enganou!
Concluiu, lembrando-se do solsticio. Daí a compreender que fora dopado foi um pulo... Lembrava-se
perfeitamente do cálice de vinho que ela lhe oferecera, antes do jantar, insistindo para que tomasse tudo.
A dor e a decepção que sentiu foram gigantescas. Parecia que haviam lhe extirpado uma parte do corpo.
O pior não era a desobediência de Alena, ao praticar um ato proibido, mas sim ter se sujeitado a dopá-lo
com alguma erva, aproveitando-se da absoluta confiança de que gozava. Cabisbaixo, voltou ao aposento e
sentou-se em uma cadeira, na penumbra, à espera da chegada da traidora...
Sem desconfiar de nada, Alena entrou no quarto, com a sensação de dever cumprido. Só então percebeu
que nem tudo havia dado certo... Marcus estava acordado, fitando-a de um modo assustador! Não havia
ódio, nem cólera no rosto dele, apenas tristeza, magoa e desprezo.
Com o coração acelerado, endireitou os ombros, esperando por uma reprimenda do marido. Mas ele per-
maneceu em silêncio. Os minutos foram passando e nada, nem uma palavra saiu daqueles lábios!
Marcus, por fim, levantou-se e deixou o quarto, completamente emudecido. No curto trajeto até a porta,
passou ao lado de Alena, sem lhe dirigir sequer um olhar. Agiu como se ela não existisse.
Alena ficou parada no meio do quarto, com o rosto banhado em lágrimas. O desprezo e a indiferença ab-
soluta de Marcus atingiram sua alma como lanças envenenadas. Sem dúvida, aquele era o pior castigo que
poderia receber. Sua esperança era que a raiva dele passasse logo e tudo pudesse voltar a ser como antes...
Na manhã seguinte, Marcus continuou a ignorar a esposa e, pior, mudou-se para o forte, fazendo questão
de deixá-la no palácio. Esse seu comportamento frio e distante repetiu-se dia após dia e, nem mesmo o
visível sofrimento de Alena, que agora vagava triste è com olheiras por Corstopitum, conseguiu
sensibilizá-lo.
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A cada noite, ela se deitava sozinha naquela enorme cama, sentindo-se a mais infeliz das mulheres! Qual-
quer coisa seria preferível àquele tratamento glacial que estava recebendo dele! Contudo, não sabia o que
fazer para conseguir o perdão de Marcus...

CAPÍTULO DEZOITO

— Já faz dois meses que se mudou para o forte. Não acha que já está na hora de voltar para o palácio? —
Lineas indagou, impaciente com a teimosia do amigo.
— Não pedi sua opinião — Marcus resmungou entre os dentes.
— Mesmo assim vou dizer o que acho disso tudo! É um completo idiota por deixar uma mulher como
Alena sozinha...
— Cuide de sua vida. Lineas, e pare de se meter na minha!
— Ora, Marcus, o que aconteceu de tão grave entre vocês para causar essa ruptura? Pareciam tão felizes...
Aliás, tanto os moradores de Corstopitum quanto nossos legionarios já estão ficando incomodados com
essa separação. Todos estavam muito satisfeitos com o casamento...
O capitão ficou em silêncio. Guardara segredo absoluto sobre o fato de ter sido dopado pela própria
esposa, de modo que ninguém conseguia entender o porquê daquela briga. Continuava a amá-la, é claro,
mas estava cheio de ressentimento e desconfiança. Por isso achava melhor manter-se afastado até
conseguir colocar os pensamentos em ordem... Afinal, não podia esquecer que era o comandante da
Sétima Legião e que Alena já havia tentado aliar-se aos inimigos do norte... Poderiam estar tramando um
complô para matá-lo...
Nesse momento, um legionario entrou na sala, baforido.
— Capitão, um mensageiro acaba de chegar do norte, trazendo notícias nada agradáveis... Nosso posto
está sendo atacado por bárbaros e o centurião em comando pede reforços.
Marcus levantou-se de um salto, dando ordens para e se preparasse uma patrulha. Partiria para o norte
ainda aquela tarde. De nada adiantou os argumentos de Lineas para que ficasse em Corstopitum,
mandando outro oficial para liderar o grupo. Estava decidido a lutar contra os exércitos de Beorth a
qualquer custo. Além das obrigações militares, tinha motivos pessoais para partir... Queria a cabeça
daquele bárbaro sanguinário que planejara se aliar a Alena, sua Alena!
Sem dizer adeus à esposa, rumou para o norte, dando início a um período de muitas lutas e incertezas para
o reino dos Lopocares. Ora os romanos conseguiam vencer os bárbaros, impondo-lhes grandes baixas; ora
eram os próprios bárbaros que derrotavam as patrulhas de Roma, abusando de emboscadas e ataques
surpresa.
Isolada em Corstopitum, Alena passava os dias aflita preocupada, temendo pela vida de Marcus. Se ao
menos tivesse alguma notícia, poderia acalmar-se um pouco, mas o marido não lhe enviara nenhuma carta
desde que partira para a guerra, há três meses.

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— Nunca ficou tão nervosa assim quando Dugald ia para a batalha — Nelwyn comentou, certo dia,
incomodada com o sofrimento da jovem.
— E que eu amo Marcus com toda a força do meu coração! — desabafou, caindo em um choro convulso.
— Oh! Minha criança... Acabou se apaixonando pelo romano... — Nelwyn concluiu, acariciando seus
longos cabelos loiros. Porém não havia nenhum sinal de reprovação em sua voz.
— Traí os ideais de meu povo...
— De modo algum. Fico imensamente feliz por você! — Nelwyn ergueu o rosto de Alena com as mãos,
obrigando-a a encará-la. — Tenho observado Marcus Valerius nos últimos meses e confesso que seu
desempenho me surpreendeu. Embora seja um romano, demonstrou interesse pelo bem-estar dos
Lopocares, chegando até a contrariar o governador e a rainha Cartimandua em relação aos nossos
impostos.
— Então, não me condena?
— Se os deuses, que tudo sabem, tudo vêem, abençoaram esse matrimônio, como eu poderia condená-lo?
Só me resta dar-lhe meu apoio e felicitações.
— Mas ele passou a me desprezar depois daquele incidente do solsticio, Nelwyn... — sussurrou, sentindo
uma dor atroz no peito. O sentimento que nutria por Marcus havia abrandado sua impetuosidade e
rebeldia; estava mais carinhosa e emotiva. — Acho que ele jamais irá me perdoar...
— Bobagem! Tudo o que precisa fazer é lutar por seu amor! Se quer viver com esse homem, vá até lá e
abra seu coração!
Sentindo a coragem renascecer, Alena ergueu-se de súbito, com a mesma determinação de antigamente.
— Tem razão! Preciso ir encontra lo!
Do mesmo modo que Marcus, ela partiu para o norte, recusando-se a dar ouvidos a todas as objeções que
lhe fizeram. Escondida dos romanos, levou apenas Ethelyn e dois jovens celtas como acompanhantes.
Com o coração cheio de amor e esperanças, não se importou com os perigos e as dificuldades da jornada,
alcançando os primeiros acampamentos romanos ao término do segundo dia de viagem. Marcus não
estava lá, mas os centuriões se incumbiram de localizá-lo. Em poucas horas, ele chegou, ofegante e
vermelho de fúria.
— O que pensa que está fazendo aqui? — inquiriu, rispido e autoritário.
A alegria no semblante de Alena desvaneceu-se como fumaça, dando lugar a uma expressão de tristeza e
abandono. Sabia que não seria fácil conseguir seu perdão, mas não esperava ser tratada com tanta
crueldade pelo homem que amava.
— Vim para vê-lo...
— E por quê? — interrompeu, arqueando uma das sombrancelhas. — Não acha estranho que uma
princesa deixe a segurança de seu palácio para encontrar o marido no centro de uma guerra? Ou será que
não era exatamente isso que pretendia...
Alena continuou a fitá-lo, sem entender aonde ele queria chegar com aquelas acusações. Sabia que aquela
viagem não fora nada prudente, mas o amor segue regras próprias, que escapam à compreensão e à lógica.
— Não se finja de inocente! — Marcus gritou, exasperado com a expressão de sofrimento de Alena. —
Veio ao encontro de Beorth, não foi? Finalmente resolveu se aliar àquele bárbaro!
Durante alguns segundos, Alena permaneceu impassível, sem mover um músculo. Então, a raiva foi
crescendo em seu íntimo, tomando proporções gigantescas. Viera em busca de perdão, poderia suportar o
desprezo e arrogância, mas jamais iria permitir que ele a acusasse injustamente de algo. Sua honra exigia
uma reparação!
— Infame, mentiroso! — berrou, desfigurada de ódio. Como ousa me dizer isso?
Marcus ia retrucar, mas um soldado entrou na tenda, trazendo notícias do campo de guerra.
— Capitão, Beorth acaba de nos enviar uma mensagem... — Abriu uma trouxa de couro, depositando o
conteúdo diante de Marcus. — Diz que capturou o rei Megarric e, em troca da vida do menino, exige a
cabeça da princesa Alena.

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Ela sentiu-se desfalecer, com os olhos grudados no pedaço de couro. Ali estava o medalhão que Megarric
herdara de Dugald, juntamente com mexas de seus cabelos loiros. Ao despertar, minutos depois, nos
braços de Marcus, não tinha forças sequer para falar.
— Meu filho... meu filho... — sussurrou, sentindo falta de ar.
— Já mandei apurar o que aconteceu... Parece que Megarric fugiu do castelo para segui-la e acabou cap-
turado pelos homens de Beorth. Uma patrulha romana vinha em seu encalço, após descobrir a fuga mas
parece que chegaram tarde.
— Oh! Grande Epona, proteja meu filhinho! Beorth quer se vingar de mim por eu ter desposado romano!
— Alena... — chamou, com doçura, nao conseguia suportar vê-la sofrer daquela maneira. Em um estalar
de dedos, a raiva, a desconfiança e o ressentimento dos últimos meses desapareceram completamente.
Como fora tolo a ponto de pensar que ela pudesse traí-lo!
— Precisa me matar, Marcus! Quanto antes Beorth receber o que quer, melhor para Megarric! — propôs,
séria.
— Isso jamais! Não vê que esse sacrifício não iria salvar seu filho? Aquele selvagem não pretende poupar
a vida de Megarric, sua proposta é apenas uma armadilha para destruir todos os herdeiros dos Lopocares!
Aquelas palavras a deixaram ainda mais aflita, contudo, sabia que Marcus estava com a razão. Beorth
estava cego de ódio e despeito. Nada iria impedi-lo de lavar sua honra com sangue!
— Alena, ouça... — pediu, com ternura. — Prometo-lhe que trarei Megarric de volta, são e salvo. Porém
deve voltar para Corstopitum, não há nada que, possa fazer aqui.
— Mas...
— Faça o que lhe digo, Alena, e tudo dará certo! Sua presença aqui só iria complicar a situação. Eu não
lutaria sossegado, sabendo que poderia ser capada a qualquer instante.
Abalada demais para reagir, ela concordou com o plano de Marcus, retornando para Corstopitum com a
pequena escolta de legionarios. Agora, mais do nunca, precisava confiar na palavra do marido.
Era tudo o que lhe restara...
Conforme prometera à esposa, Marcus Valerius empenhou-se ao máximo para derrotar Beorth e seus
guerreiros, incitando toda a Sétima Legião à luta. As batalhas foram ferozes e sangrentas, mas apesar do
grande número de mortos entre os bárbaros, Beorth. sempre conseguia escapulir no último momento. Por
fim as forças romanas conseguiram encurralá-lo em uma ravina.
Sem dúvida, aquele seria o combate derradeiro. Marcus só esperava recuperar o menino antes que o
selvagem o sacrificasse, pois, segundo os relatos dos batedores, sabia que Megarric ainda estava vivo.
Contudo, durante a batalha, os caledônios juntaram-se à tribo dos Selgovaes; com o intuito de massacrar
os romanos que, mesmo menor número, lutavam valorosamente.
E m meio à luta, Marcus podia ver Megarric amarrado a uma estaca, no alto do desfiladeiro. Beorth usava
o menino como isca para atrair a Sétima Legião àquela armadilha. Mesmo contra sua vontade, tinha que
admitir que o bárbaro fora muito esperto e sagaz. Seria difícil reverter aquela desvantagem se não tivesse
reforços.
— Recebemos alguma notícia de Corstopitum? — indagou ao centurião, enquanto os dois lados se pre-
paravam para mais um embate.
— Ainda não, capitão...
— Olhem! — um legionario gritou, chamando a atenção de todos para uma nuvem de poeira, vinda do
sul.
Apertando os olhos, logo puderam divisar uma enorme patrulha que se aproximava rápido. Porém não
eram romanos, traziam, nos estandartes, as cores da rainha Cartimandua.
Alena! Concluiu, satisfeito, sabendo que aquilo só poderia ser obra sua. Em desespero, a esposa devia ter
movido céus e terras para conseguir a ajuda para o marido e o filho.
Em pouco tempo, os guerreiros da rainha dos Brigantes se juntaram à Sétima Legião, expulsando os
caledônios e os Selgovaes de volta para o norte.

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No meio da confusão, Marcus correu para onde estava Megarric, derrotando os três guerreiros que o
vigiavam.
— Está tudo bem agora, rei Megarric — afirmou, cortando as amarras que prendiam o garoto.
— Cuidado, capitão! — o menino gritou, apavorado, alertando Marcus para um ataque-surpresa de
Beorth.
Marcus desviou-se do golpe de espada, ficando cara a cara com o inimigo.
— Então, nos encontramos de novo, romano... — o selvagem comentou, irônico, disposto a matar ou ser
morto.
— Desta vez, não conseguirá fugir, miserável!
Os dois homens atracaram-se numa disputa feroz e como da outra vez, estavam em pé de igualdade.
Sairia perdedor aquele que cometesse o primeiro descuido ou se cansasse antes...
Megarric observava cada golpe com aflição, torcendo a que o romano conseguisse superar a força e a
juventude do bárbaro Beorth. Porém o capitão já começava a dar mostras de cansaço. De repente,
tropeçou indo ao chão.
Beorth aproximou-se, pronto a cravar a espada no coração do inimigo, contudo, Marcus conseguiu
esgueirar-se para o lado no último instante. Então, usando o resto de suas energias, virou-se rápido e
acertou um golpe no pescoço do bárbaro, decepando sua cabeça ruiva.
Emocionado, Megarric jogou-se em seus braços. Estava salvo afinal!
Logo, gritos de felicidade dos legionarios anuncia-o fim da luta. Haviam vencido!

EPÍLOGO

As tropas de Marcus foram recebidas em Corstopitum com grande festa e emoção. Não apenas haviam
derrotado os saqueadores bárbaros, como também tinham conseguido salvar Megarric, o herdeiro do
trono. Contudo, ninguém estava mais alegre ou comovido do que Alena, que foi encontrá-los na entrada
na cidade.
Banhada em lágrimas, apertou o filho nos braços, lançando um olhar agradecido para Marcus. .
— Salve o rei Megarric! Salve a princesa Alena e o capitão Marcus Valerius! — a população gritava, en-
sandecida pela emoção e pela alegria.
Quando Alena finalmente matou as saudades de Megarric, horas depois, deixou o filho sob os cuidados
de Nelwyn e Cartimandua, que surpreendentemente viera para conhecer o neto, e trancou-se em seus
aposentos com Marcus Valerius. Precisavam ter uma longa conversa para desfazer todos os mal-
entendidos que haviam se colocado entre eles.
— Gostaria de agradecê-lo... — disse, um pouco sem jeito. Há tanto tempo vinha pensando no que dizer
naquele momento e, agora que estavam frente a frente, não sabia por onde começar.
— Faria qualquer coisa para não vê-la sofrer daquele modo, Alena... Além do mais, gosto muito do
menino, você sabe.
— Sim, eu sei... E Megarric também se sente amado por você. — Fez uma pausa, respirando fundo para
ter coragem de fazer o que era preciso. — Gostaria de pedir-lhe perdão por tudo o que aconteceu no
solsticio de inverno. Não tinha intenção de magoá-lo, apenas queria celebrar nossos ritos.
Ele sorriu, complacente.
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— Hoje eu entendo isso, Alena. Mas, na época, fiquei muito decepcionado... Felizmente, meu amor por
você muito maior do que esses desencontros.
— Oh! Marcus! Não faz idéia de como queria ouvir isso! Eu também o amo! — confessou, fitando-o
apaixonadamente. — No princípio, não queria admitir isso, as quando o vi partir para a guerra, sabendo
que poderia nunca mais retornar, fiquei desesperada! Só então vi que meu amor era muito maior do que as
diferenças entre nossos povos... Foi por esse motivo que fui para o norte, queria lhe dizer isso.
Marcus a abraçou, unindo seus lábios aos dela, como a muito tempo não fazia. Em seguida, carregou
Alena para a cama, onde esforçou-se para compensá-la por todo o tempo que ficaram afastados...
Mais dois meses se passaram até chegarem os emissários do imperador, com os prêmios pela vitória sobre
bárbaros.
Alena andava de um lado para outro do quarto, à espera de que Marcus retornasse. Tinha algo muito
portante para dizer-lhe...
— O imperador ficou muito satisfeito com nossas vitórias — ele disse, entrando, entusiasmado no quarto.
— Só poderia ficar satisfeito, foi uma grande batalha!
— Sim, Nero mandou distribuir cem moedas de ouro para cada soldado, sem falar nos oficiais, que
receberam quinhentas moedas de ouro, mais mil de prata.
— E quanto a você? — indagou, zangada. — O imperador não reconheceu seu valor?
— Isso é o mais fantástico, Alena querida! Além de uma elevada quantia em ouro, enviou-me o título de
senador. Farei parte do Senado de Roma, com terras e uma casa em meu nome!
Alena sentiu uma punhalada no coração. Mesmo assim, esforçou-se para não demonstrar sua tristeza. An-
tes de tudo, deveria ficar alegre pelas conquistas do marido, embora isso significasse que ele deveria
partir da Bretanha.
— Parabéns! Merece tudo isso, Marcus! — Desviou o olhar e indagou: — Quando deverá partir?
— Nunca!
— O quê? — perguntou, virando-se, depressa.
— Recusei o cargo e as terras, Alena. Jamais poderia deixá-la aqui ou forçá-la a me acompanhar para fora
da Bretanha.
— Oh! Marcus! Recusou todas aquelas honrarias por mim? — Seus olhos ficaram ainda mais verdes de
emoção.
— Você é o que há de mais importante na minha vida, Alena! Ainda não entendeu isso? — Passou os
braços em torno de sua cintura, puxando-a para junto do corpo.
— Já compreendi, capitão... Aliás, também tenho algo importante a lhe dizer... — Calou-se, fazendo um
pouco de suspense.
— O que foi? Aconteceu algo com Megarric? — quis saber, ficando preocupado com o modo reticente da
esposa. Aliás, há dias vinha notando diferenças em seu comportamento... Ela andava meio indisposta e
pensativa, recusando-se até mesmo a cavalgar!
— Calma! Megarric está muito bem, assim como todo o reino! Sabia que os Lopocares o estimam muito,
Marcus? — declarou, entre sorrisos.
— Por favor, Alena, chega de rodeios e diga logo o que a aflige! Não agüento mais essa ansiedade! —
pediu, irrequieto.
— Ora, ora, como os homens são engraçados! Ficam tão impacientes, enquanto nós, as mulheres,
carregamos seus filhos no ventre durante nove meses!
Marcus a soltou, ficando pálido como a lua.
— Está... querendo... dizer que... — balbuciou, quase m voz.
— Isso mesmo, seu bobo! Estou esperando um filho seu! — afirmou, levando as mãos do marido até a
barriga.
— Oh! Alena! Não poderia me dar um presente melhor!
— Venha, Marcus... — puxou-o para a cama, com na expressão sedutora na face. — Quero comemorar
chegada de nosso filho no mesmo lugar onde ele foi feito...
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— Sim, meu amor, construiremos nosso futuro nessa mesma terra onde nosso filho foi gerado!
Os dois se abraçaram, dando início a um longo extenuante ritual de paixão. Em nome do amor, haviam
derrotado todas as barreiras que os separavam, construindo seus próprios destinos! Ou será que os deuses
haviam planejado esse final desde o início?
* * *

MERLINE LOVELACE adquiriu uma fantástica bagagem cultural e um apurado senso crítico
durante os vinte e três anos de sua carreira militar. Também conseguiu seu próprio capitão, um
moreno alto e charmoso que lhe mostrou o quanto um militar pode ser romântico e apaixonado!
Atualmente, incentivada pelo marido, ela está se dedicando, com grande entusiasmo e sensibilidade,
à sua nova profissão: escrever romances históricos e contemporâneos. Com um estilo ágil e
apaixonado, suas histórias vêm emocionando milhares de leitoras em todo o mundo.

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