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Duas Paixões

A MAN OF THE LAND

Carol Devine

UMA MULHER FASCINANTE.


UM HOMEM IRRESISTÍVEL.
UM IMPETUOSO AMOR!
Sarah pegou as poucas roupas que possuía, o velho par de tênis e partiu. Deixou
para trás uma vida dura e o padrasto cruel. Foi em busca de um lugar tranquilo no campo,
onde pudesse viver seu amor pela terra.
Mas o destino, na forma de um belo e másculo cowboy, pregou-lhe uma peça. Sarah
sentiu nascer dentro de si um desejo e um amor nunca antes imaginados... Suas paixões
- pela terra e por Zach - se confundiram. E ela passou a lutar desesperadamente pelas
duas!

Digitalização: Vicky
Revisão: Deda Dantas
Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Querida leitora,
Como é bom poder apresentar a você um romance como Duas Paixões! Que
história densa, "quente", vibrante... Sarah e Zach vão levar você pelos caminhos da
paixão que vale a pena, do amor sem restrições, da libertação pelos sentimentos. E
você vai segui-los passo a passo, emocionando-se, deliciando-se com este magnífico
livro da Série Desejo, disto eu tenho certeza.
Com muito carinho,
Roberto Pellegrino Editor

Romances Nova Cultural


Copyright © 1995 by Carol Devine Rusley
Originalmente publicado em 1995 pela Silhouette Books Divisão da Harlequin
Enterprises Limited.
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob
qualquer forma.
Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited,
Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e o colofao são marcas registradas da Harlequin
Enterprises B.V.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas
vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

Título original: A Man Of The Land

Tradução: Renata Bagnolesi


EDITORA NOVA CULTURAL
uma divisão do Círculo do Livro Ltda.
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - 9 andar
CEP 01410-901 - São Paulo - Brasil

Copyright para a língua portuguesa: 1995


CÍRCULO DO LIVRO LTDA
Fotocomposição: Círculo do Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Circulo.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

PRÓLOGO

Sarah Solomon pegou a carne envenenada na mão e ficou imaginando se a


estricnina poderia ser absorvida através da pele humana. Em caso positivo, pagaria com
a própria vida — uma penitência apropriada considerando a magnitude do pecado cruel
que estava prestes a cometer. Mas se Butcher não morresse, ela morreria.
Certificando-se de estar na direção do vento, Sarah engatinhou em direção ao canil.
No silêncio da noite, o antigo galinheiro mais parecia uma sentinela com a cabeça
inclinada. No alto, a lua minguante projetava apenas algumas sombras. A noite era mais
do que perfeita para o que pretendia fazer.
Devido ao frio, vestira cada peça de roupa que possuía — camisa, meia-calça e
anágua, duas blusas de algodão, um suéter, a saia do dia-a-dia e a que usava em
ocasiões especiais, além do vestido de lã cinza utilizado no funeral de sua mãe.
A lama gelada entrava pelos buracos de suas meias de tricô. A noite, o primeiro ato
de rebeldia fora jogar na lareira seus deselegantes tamancos de madeira. Eles não só a
fariam andar mais devagar como deixariam pistas que todas as pessoas da Comunidade
reconheceriam.
Uma nuvem encobriu a lua minguante e Sarah caminhou às escuras até o canil,
prendendo a respiração o tempo todo. Teria de pegar Butcher de surpresa. Se ele a
ouvisse, perderia o controle de tudo.
Butcher era o orgulho da vida de Cal Solomon. Adestrara o cão para farejar e atacar,
cruzando sua melhor fêmea com um macho que ganhara em um canil de Great Falls.
Assim que os filhotes nasceram, Cal pegou o maior macho da cria, matou o reprodutor e
afogou os cachorrinhos restantes, para que Butcher não tivesse rivais ou companheiros.
Um ano depois, mesmo entre muitos outros, Butcher era o maior de todos, com a
cabeça e o peito avantajados e podia seguir o rastro do melhor deles. Mas, na hora de
matar, não tinha compaixão. Sarah vira os restos dos coiotes que o cão trucidara. Ela
teria muito poucas chances de escapar com os cachorros atrás de si, e menos ainda se
Butcher a atacasse.
Na calada da noite, o barulho das correntes tilintava através da porta. Apesar da
brutalidade do cão, sentiu pena. Sabia o que era estar acorrentado. Num movimento
rápido, abriu a porta com um puxão e colocou a carne para dentro. Butcher latiu com
raiva. Sarah disparou para um canto e olhou com atenção para a casa principal, tapando
as orelhas devido ao barulho. Podia ver, através da janela de Cal, a chama de uma vela
acesa. Ele abriu a janela e colocou a cabeça para fora, com o rifle nas mãos. O vento
forte balançava sua barba grossa.
— Quem está aí? — berrou.
Sarah permaneceu imóvel, mesmo sabendo que Cal não poderia vê-la. O menor
movimento, contudo, desviaria sua atenção. Se ele percebesse alguma coisa, atiraria
primeiro e faria perguntas depois. Cal sempre afirmava que um homem tem o direito de
proteger sua propriedade.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Ao som autoritário da voz do dono, Butcher parou de latir. O cão cheirou o rodapé,
ganindo como um lobo, um som longo e alto, perplexo por sentir um odor familiar. Pelo
menos, era o que Sarah imaginava e Cal deve ter reconhecido a reação do cão, pois
começou a praguejar.
— Cachorro maldito! Tinha que me acordar sem motivos — resmungou ele.
O brilho da vela desapareceu. Sarah voltou a respirar. A corrente de Butcher foi
arrastada com dificuldade, silenciando logo em seguida. O cão encontraria a carne. Ela
mordeu os lábios, sentindo remorsos pelo que fizera.
Sarah avistou os contornos difusos do celeiro e se dirigiu para lá, detendo-se só para
mergulhar a mão ensanguentada na tina dos cavalos. Uma fina camada de gelo cobria a
água, entorpecendo-lhe os dedos. Se ao menos fosse mais fácil aliviar o peso da
consciência.
O cheiro de esterco dos currais chegou até ela, contrastando com o suave aroma
das árvores florescentes. A mescla de aromas a fez lembrar-se de sua intenção:
encontrar uma nova vida fora da Comunidade. Olhou rápido para a cabana. Tudo
permanecia quieto.
Podia sentir o odor do celeiro antes mesmo de entrar, uma combinação de feno
embolorado, o cheiro forte de cavalos e vacas bem alimentados, uma mistura agradável e
familiar. Procurando pelo cadeado, abriu a porta o suficiente para se esgueirar e a fechou
com cuidado por causa do rangido das dobradiças.
— Twinkleberry? — murmurou ela.
Sarah ouviu um relincho e o som de cascos se agitando. O ar movimentou-se antes
de um focinho aveludado tocar seu ombro. Ela o alcançou com os braços, a face cheia de
lágrimas, e abraçou o enorme pescoço do animal.
— Adeus — disse ela, num fio de voz.
À medida que os animais foram acordando, ouvia-se o ranger das tábuas de
madeira. Sarah abraçou o outro Percheron castrado, Old Brown. A seguir, veio o
pescocinho de Nutkin, o cavalo de sela de Cal. Ela pensou em levá-lo para cavalgar, mas
Cal faria uma busca interminável se lhe roubasse algo tão valioso quanto um cavalo. Além
disso, fazia oito anos que não montava, desde que a mãe se casara com Cal,
transformando-o em seu padrasto.
Nos fundos do celeiro, encontrou a escada que levava ao palheiro. Subindo os
primeiros quatro degraus, esticou o corpo e tateou por debaixo do feno amontoado no
segundo andar. Então, tocou uma trouxa de algodão e, puxando o que já fora um fronha,
jogou-a ao chão. A sacola improvisada bateu com violência de encontro ao solo.
Ela pulou para o chão e colocou a mão dentro da sacola, ignorando suas provisões
principais, para pegar o pesado cilindro de metal que estava no fundo. Descobrira a
lanterna há uma semana sob um tijolo solto enquanto limpava o forno. Após examinar o
longo tubo de cromo e a base, ligou-a e de imediato descobriu a potência que possuía.
Luz sem combustível. Não seria necessário carregar velas ou um lampião. A lanterna faria
muita diferença na fuga.
Para Sarah, era um sinal de Deus. Um rangido da porta fez com que levantasse a
cabeça de maneira brusca. A silhueta de um homem se delineava na entrada do celeiro,
iluminada pela luz avermelhada de um lampião a óleo de carvão. Sarah escutou o som de
um rifle sendo armado.
— Apareça se não quiser morrer — disse Cal.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Ela abaixou-se e colocou o saco em suas costas, procurando pela porta dos fundos.
Precisava encontrar uma saída em poucos segundos. Sua coluna encostou na parede.
Agarrou o saco em uma das mãos e com a outra procurou a saída, o desespero afetando-
a mais do que a escuridão. Mesmo que achasse a porta, esta a levaria ao curral, ocupado
por novilhos e bezerros recém-nascidos. Teria de arriscar-se a perder alguns dedos
passando por ali calçando apenas meias.
Cal empurrou a porta com os quadris, abrindo-a por completo. As luzes vermelhas
se refletiam na pele oleosa acima da barba e em seus olhos, formando círculos no rosto
largo. Seu macacão de brim estava aberto do lado, deixando ver a malha vermelha de
sua roupa de baixo. Ele continuou a avançar, iluminando as paredes. Os cavalos
relincharam, nervosos.
Tarde demais para se esconder. Segurando o saco atrás da saia, Sarah apareceu.
— Olá, Cal.
— Que diabos você está fazendo aqui?
— Escutei Butcher latindo — disse ela, no inglês coloquial utilizado pela maioria das
pessoas da Comunidade. A tática a salvara de uma surra mais de uma vez. — Achei
melhor ver o que o deixou tão apreensivo. Porém não encontrei nada.
— Você checou o exterior da casa?
— Foi a primeira coisa que fiz. Não havia nada de estranho. Depois, achei que devia
verificar o curral. Os recém-nascidos com certeza são alvos mais fáceis para furtos. — Ela
virou-se, tentando fazer com que as mãos parecessem naturais ao deixar a trouxa
escondida ao seu lado.
— Basta — disse Cal, pegando o braço dela. — Volte para casa. Não é muito bonito
uma mulher ficar andando sozinha no meio da noite.
Sarah hesitou, com medo de que a repentina esperança de fuga pudesse ser
revelada em sua voz. Se Cal ficasse atrás, lhe daria os poucos minutos que necessitava
para correr até o pasto do sul. Ela passara uma hora andando de um lado para outro
naquele local, cruzando-o em várias direções a fim de deixar seu cheiro por toda parte.
Atravessar o rio lhe daria mais segurança, tão logo Cal descobrisse sua fuga e soltasse
os cachorros. Com um pouco de sorte, alcançaria a autoestrada ao amanhecer.
Ela avançou, passando ao lado dele, e saiu. Cal colocara um lampião no meio do
campo, entre a casa e o celeiro. Ele se alertaria de imediato no caso do mesmo se
apagar. Então Sarah deixou-o iluminar o caminho na medida em que apressava os
passos. A única barreira entre ela e a liberdade era o canil de Butcher. Ao chegar perto,
começou a correr.
Um ganido furioso a assustou e desejou nunca mais ouvir algo parecido. Sarah
cambaleou sem poder acreditar. Era Butcher. A fronha escapou de sua mão e caiu no
chão, espalhando o conteúdo. Ela ajoelhou-se, catando fósforos, sabão, um saco de
feijão. Além dos latidos, ouviu os berros de Cal.
— Sarah!
Ela olhou para cima e congelou. Cal vinha do celeiro, avançando em sua direção, o
rifle na mão, os olhos fixos nas poucas provisões esparramadas no chão. Quando
descobriu a lanterna, uma fúria intensa alterou sua expressão.
Ela pulou e correu. O tiro de um rifle estourou no ar. Os latidos de Butcher foram
mais altos do que sua batida de encontro às paredes do canil. Mesmo aterrorizada,
abaixou- se a fim de procurar um pau, uma pedra, qualquer coisa.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

De repente, o colarinho de seu casaco foi agarrado. Cal Ievantou-a de modo violento
e colocou-a contra a parede. As lascas de madeira machucavam sua face. Sarah rangia
os dentes para não soluçar. Não podia fazer nada agora além de choramingar.
Cal soltou um grito breve e alto e o cão parou de uivar na mesma hora. Então, ele
pegou nos ombros de Sarah e virou-a.
— Você realmente achou que poderia fugir de mim?
Sarah não respondeu.
— Há um amante esperando por você?
Ela ergueu o queixo diante da acusação familiar.
Cal cutucou-a com o rifle.
— Responda!
— Não existe nenhum amante. Você nunca me deu tempo suficiente para encontrar
um.
A pancada que levou na cabeça fez com que ela perdesse o equilíbrio e,
rodopiando, caísse na lama gélida. Sarah sentiu algo longo e duro pressionando seu
abdome e deu-se conta de que era a lanterna. Alcançou-a, juntou coragem e, com a ajuda
de Deus, também força e determinação.
Cal voou em cima dela, que se encolheu de forma a ficar um alvo menor e mais
difícil de ser atingido. Sarah viu o movimento dos pés dele e se preparou para virar-se de
lado de modo a receber o chute na barriga onde seria melhor absorvido pelas grossas
camadas de roupa.
Conseguindo antecipar-se, ela agarrou a perna de Cal que, surpreso, tentou feri-la
com a coronha do rifle. Entretanto, a intenção de Sarah não era desequilibrá-lo e sim
atingi-lo na virilha com a lanterna... o que fez com sucesso.
Berrando de dor, ele curvou-se em dois, mas agarrou a mão de Sarah que, ainda
com a lanterna nas mãos, bateu-a com força na têmpora de Cal. O enorme homem
desabou, caindo em cima dela.
Estremecendo, Sarah esquivou-se do corpo pesado sobre o seu. Erguendo-se,
ainda cambaleante, manteve a lanterna como uma arma e, enquanto tentava recuperar o
fôlego, apanhou o rifle caído ao lado de Cal. Temia que seu padrasto a atacasse de novo,
recuperado e enfurecido. Foi então que viu o fio de sangue escorrendo da cabeça dele e
teve certeza de que não estaria capacitado para persegui-la durante um bom tempo.
Sempre segurando o rifle, apanhou a trouxa caída ao chão, o saco de feijão e o sabão.
Não havia tempo a perder!
Com a corda do celeiro, amarrou as mãos e os pés de Cal. Verificou que não tinha
munição extra para o rifle, mas não pretendia voltar até a cabana a fim de buscá-la. Sabia
muito bem o que precisava fazer, o mais depressa possível. Tão logo Cal recuperasse os
sentidos, iria atrás dela, consumido pelo desejo de vingança. E usaria Butcher para
realizar a perseguição.
Com a ponta do rifle, Sarah empurrou a porta do canil. O grunhido que ouviu
arrepiou seus cabelos. Pela luz da porta entreaberta, avistou a carne que deixara e, bem
ao lado, Butcher grunhia, mostrando os perigosos dentes afiados.
Sarah estremeceu. Não o via tão perto há muito tempo, desde que cuidara dele
quando ainda era um cãozinho encantador. Se não fosse a corrente que ligava a grossa
coleira a um aro preso ao chão, seu pescoço já estaria entre os dentes de Butcher.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Mantendo o rifle apontado na direção dele, Sarah empurrou a carne para mais perto do
cão. Viu-o salivar, lambendo os beiços.
— Coma — ordenou Sarah. O cão olhou para ela, sacudindo o toquinho de cauda.
Mas não comeu. — O que devo fazer? Dar-lhe comida na boca?
Ele fungou o ar e seu focinho enrugou-se, mostrando cicatrizes de várias brigas.
Cuidadosa para manter a arma bem posicionada, Sarah levantou a carne com sua outra
mão e ficou segurando.
— Venha, garoto. Pegue.
Butcher olhou com interesse, porém algo parecia não lhe agradar. Ele sentou sobre
as patas e ergueu a cabeça, disciplinado e alerta, a pose de um bom cão.
— Última chance — disse ela, colocando a carne entre as patas dianteiras do
animal.
Ele permaneceu imóvel como uma estátua, o olhar fixo em Sarah, o abdome
tremendo de tensão, mostrando cada costela. Qual o motivo para não comer? E óbvio
que estava faminto. Ao olhar para ele, seus olhos ficaram mareados. Limpou-os, furiosa
pela idiotice, pois afinal seu futuro dependia da destruição de Butcher. A arma estava
carregada. Tudo o que precisava fazer era apertar o gatilho. Seria fácil matá-lo. Estava
acorrentado. Não poderia correr, nem se esconder.
Como ela sempre estivera.
Devagar, Sarah ajoelhou-se. Utilizando um dos trapos imundos de seu lençol, ela
pegou a carne e colocou a arma no chão. Não poderia matar, não cara a cara, a sangue
frio. Arrepiada, jogou a carne em um balde no canto do canil. Butcher levantou as orelhas
com o barulho, tão fora de seu alcance. Sarah fitou o cão, sentindo as batidas do coração
quase na garganta.
— Ele não lhe deixa nem ao menos um pouco de água, Butch?
O cachorro abaixou a cabeça. Caminhou para frente, sacudindo-se, e enviou uma
mensagem clara. Quase não acreditando no que via, Sarah deu um passo para trás.
Butcher andou até onde a corrente permitia e tentou rolar, porém não havia espaço
suficiente. Virou-se e olhou para Sarah, com o rabo balançando.
Ela estendeu a mão para o cachorro, que levantou as patas e abriu a boca imensa,
expondo a garganta. Aproximando-se de Butcher, abaixou-se, quase encostando nele. O
nariz molhado e gelado de Butcher tocou seus dedos. Assustada, ela recuou rápido.
Ele ofegou, lutando contra a corrente que prendia seu pescoço. Com a mão trêmula,
Sarah voltou a tocar a cabeça do animal, alisando-o várias vezes. O rabo de Butcher
abanou mais forte. Sarah chegou mais perto, de modo que ele não precisaria fazer tanta
força, e acariciou a testa enrugada. Então, esfregou as orelhas do jeito que Butcher mais
gostava. Será possível que ele ainda a adorava? Extasiado, o cão choramingou.
— Butcher, você se lembra?
Ele latiu, num som ao mesmo tempo contente e melancólico. Sentindo um nó na
garganta, Sarah procurou a coleira. O cão saltou a seus pés, tremendo por antecipação.
—Vou libertá-lo! Se vier comigo, não lhe prometerei um fornecimento constante de
comida, mas juro que você nunca mais será acorrentado. E terá sempre água fresca.
Sarah soltou a corrente e o cão saiu ao seu lado pela porta. Colocou o rifle ao lado
dos trapos que levava e seguiu adiante.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Do lado de fora, as árvores balançavam com o vento forte, os galhos estalando num
ruído sinistro. Logo abaixo, ouviu um som estranho. Ela virou-se, investigando com a luz
da lanterna. Butcher estava lambendo o sangue do rosto de Cal.
Abaixando-se, pegou o resto de suas provisões, que continuavam espalhadas, e
seguiu pelo campo. Butcher poderia vir ou ficar. O que importava era sua viagem.
Encontraria seu próprio lugar no mundo. Um lugar só seu.

CAPÍTULO UM

Zach Masterson não gostou do que viu ao sair do trailer. Na noite anterior, ao chegar
na Bar M, estava muito escuro para ver algo mais do que o contorno das construções da
fazenda. Agora, em plena luz do dia, perdeu algum tempo para perceber exatamente do
que sentira falta.
O lixo cobria o chão do pátio. A maior parte eram arados, peças de tratores,
ceifeiras, e até a carcaça enferrujada de uma velha caminhonete Chevy. Grande parte do
curral próximo ao celeiro principal já não existia mais e a cerca de arame farpado ao longo
da alameda que ia até a estrada estava caída como o rabo de uma mula velha. O
barracão parecia prestes a entrar em colapso, enquanto o galpão onde sua mãe
costumava manter uma vaca leiteira desabara. É óbvio que durante anos nenhum
investimento fora feito para a melhoria da fazenda.
Zach virou-se para a esquerda e parou ao lado de um dos algodoeiros que cercavam
o campo. A casa principal ainda estava em pé, confirmando sua gloriosa história. Com
certeza era a melhor construção da fazenda, a não ser pelas janelas fechadas por tábuas
e a pintura descascada.
Zach desejara ter passado com o trator por cima de tudo há dez anos atrás quando
tivera a chance, após a morte do pai. Ele seguiu até o celeiro, levantando poeira a cada
passo, concentrando-se no que teria de fazer durante as próximas semanas. Antes
chegar em Bar M, estava certo de poder vender a propriedade em pouco tempo. A
fazenda dos Masterson era famosa por seus magníficos pastos, uma raridade no
Colorado semiárido. As pastagens de feno teriam de ser cortadas e o gado vendido.
Ninguém compraria a propriedade nas condições em que se encontrava.
Ao parar próximo ao velho e enferrujado depósito de milho, calculou quanto dinheiro
e tempo necessitaria para colocar tudo em ordem. Dissera a seu sócio, Manuelo, que
ficaria longe dos negócios, Guias de Exploração da Amazônia, só por alguns dias, no
máximo duas semanas. Se tivesse que permanecer mais tempo, com certeza perderia
dinheiro, além da sanidade mental. Já estava sentindo saudades de Rio Negro e da
cobertura de folhas verdes e largas, da escuridão tão profunda no cair da noite, da vida na
selva. Aqui, o sol escaldante o incomodava. Tudo no Colorado era aberto, marrom e
exposto.
Zach escutou vozes e mudou de direção. Poderia suportar tudo, desde que tivesse
um final previsível. Certificara-se de não precisar mais de um mês para organizar a
fazenda e vendê-la. Jackson, o capataz, era o culpado por deixar a situação chegar a
esse ponto. Mas, com a cooperação de todos os capangas de Bar M, iria embora no final
de outubro.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Alcançou a cerca e cumprimentou os quatro homens agrupados com um aceno


rápido. Suspeitariam de seus motivos se parecesse muito amável. Três deles não
conheciam Zach, e Ty Cobum, o mais velho do grupo, não o via desde que deixara a
fazenda, há treze anos.
Coburn fitou-o e sorriu, mostrando os dentes amarelados pelo excesso de tabaco no
rosto ovalado. Zach não deu a mínima para os olhares em direção à sua camiseta verde
oliva e calças de camuflagem, pechinchadas em uma loja de artigos de guerra. A única
concessão que fizera ao uniforme de vaqueiro do condado foram as botas de lagarto que
comprara no aeroporto na noite anterior.
— Não passei pela inspeção?
— Está faltando alguma coisa.
— E o que poderia ser?
— Não poderá ser um vaqueiro respeitado sem um chapéu — disse Ty olhando para
a aba do chapéu Stetson, já gasto.
— Nunca serei um vaqueiro, respeitado ou de outro modo.
Precisar da cooperação deles não significava que deveria dissimular o motivo pelo
qual estava aqui.
— Que tal um cowboy?
Zach olhou de soslaio para o sol, parecendo levar a questão em consideração. Sabia
que a palavra cowboy, muito utilizada pela população urbana, era um termo abolido para
estes homens.
— Até há pouco tempo, eu saltava mais alto do que um gafanhoto — disse Zach.
— Você não mudou muito pelo que parece. Sempre fazendo graça com o que
deveria ter mais carinho — disse Ty, meneando a cabeça.
— O quê? Com os gafanhotos?
Dois dos homens riram da piada. Zach aproveitou-se do momento para estudar as
quatro faces, sombreadas pelos chapéus sempre presentes. Os homens eram robustos e
durões, e até o presente momento não ganhara o respeito de nenhum deles.
— Jackson contou a algum de vocês a razão do meu retorno à Bar M?
— Não. No entanto, há muitos rumores — Ty replicou.
Os outros homens pararam de rir e o clima de camaradagem sumiu de repente.
— Minha família decidiu vender a fazenda — disse ele, dirigindo-se ao grupo. —
Alguma pergunta?
Já esperava o súbito silêncio que ocorrera e aguardou mais alguns momentos
enquanto vestia as luvas de montaria. Não poderia haver desentendimentos, não quando
estivessem tratando do futuro deles.
— Esta fazenda não é o lar de qualquer membro da família Masterson há muito
tempo. E é por esta razão que estamos vendendo.
— E Bram? Não faz muito tempo que ele, como filho mais velho, certificou-me de
que Bar M nunca seria vendida — perguntou Ty.
— Bram agora está casado e com um filho a caminho. Ele e a esposa já possuem
um lar e têm outras coisas mais importantes para se preocupar do que a fazenda. Você já
deve saber, ninguém quer mantê-la. Bram teve de mudar de ideia.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Quatro contra um? — Ty perguntou referindo-se a todos os cinco membros da


família Masterson.
— Pleiteio isto há mais tempo, por isso fui o escolhido para tratar da venda — disse
Zach, assentindo com a cabeça.
— E quanto a nós? Quando vai nos demitir?
A pergunta veio de um dos homens da fazenda. Zach lembrou-se do nome do
sujeito, Jason Miller, recordando da breve descrição que Ty fizera durante a viagem do
aeroporto até Bar M. Sob o chapéu de palha os cabelos dele estavam aparados de modo
correto e a barba muito bem feita. Mesmo antes de verificar o dedo anular da mão
esquerda dele, Zach percebeu qual era o seu problema. Segurança no trabalho constituía
a prioridade número um quando um homem tinha uma família para sustentar.
— Você será pago durante o processo de venda, mais duas semanas como
segurança. Além disso, não farei nenhuma garantia. Quem comprar este local decidirá
quem sai e quem fica — disse ele.
Estudou as faces enrugadas, revelando evidentes sinais de ressentimento. Seria
melhor engolir tais mágoas do que tomá-las maiores. Zach havia guiado vários tipos de
expedições durante anos e aprendeu que o melhor era sempre dizer a verdade, ainda
mais se quisesse a equipe trabalhando de modo árduo, sem reclamar.
— Quero um bom preço pela fazenda. Para isso necessitamos de algumas reformas,
o que exigirá trabalho pesado e várias horas diárias de cada um de vocês. Caso queiram
demitir-se agora e receber seus salários, eu entenderei. Mas se ficarem, espero que
trabalhem até a venda de Bar M. — Olhou direto para Ty. — Você fica, Coburn?
— É claro que sim, chefe.
— Como até hoje, você continua sendo o capataz da fazenda. Se Jackson o
importunar, diga a ele para pegar o cheque do pagamento semanal.
— Certo, chefe.
Zach desviou sua atenção para a próxima ordem e observou os inúmeros cavalos no
curral. Planejava cavalgar de modo enérgico, tentando encontrar alguma velocidade,
coisa com que não topara desde que deixara Bar M.
Escolheu uma égua, a melhor do lote, trazida do pasto de verão. Coburn mencionou
que ela não fora montada durante toda a estação, o que só serviu para torná-la mais
arisca. Quinze minutos depois o animal estava amarrado, escovado, com rédeas e
selado.
— É como se você nunca tivesse ido embora — disse Cobum, balançando a cabeça.
— Algumas coisas nunca são esquecidas. — Zach apanhou as rédeas e também um
grande feixe da crina. A égua relinchou. — Pelo menos, assim espero — disse ele,
montando-a.
— Você tem certeza? Poderia pegar um cavalo mais novo e estreá-lo. Esta é
imatura e inexperiente.
— Abra o portão. Se ela tiver espaço, correrá — disse Zach.
A fêmea disparou num galope sem fim. Seguiram para oeste. As colinas
continuavam imensas. Um dia todas tinham feito parte das terras dos Masterson; em
breve, nenhuma mais faria. De maneira abrupta, puxou as rédeas e guiou a égua para o
lado, seguindo para o cume da montanha mais próxima.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Ao chegar no topo, o vento que soprava em seu rosto trazia um odor de madeira
queimada. Pinheiros, imaginou, devido ao cheiro forte. Incêndios inexplicáveis sempre
eram motivo de preocupação, pensou, ao contornar o vale raso pelo outro lado. A terra
era rochosa e mostrava ruínas de algo que havia sido um grande rio. Agora, restava
apenas um filete de água que seguia até o sopé da depressão.
O riacho era um imã para criaturas de todos os tipos, incluindo pessoas. Zach intuía
que andarilhos poderiam invadir a casa. Cerrou os dentes. Apoderar-se do terreno alheio
era inadmissível, ainda mais que existiam tantas trilhas públicas do lado esquerdo da
fronteira da fazenda.
Sentindo cheiro de fumaça, desviou o olhar para uma plantação de algodoeiros com
folhas douradas. Conduziu a égua devagar, cuidadoso com a aproximação e, ao chegar
ao sopé, guiou-a para o riacho, para não fazer barulho. Talvez estivesse ocupado por
posseiros. Nesta época do ano o fluxo do riacho era baixo e rápido. Algodoeiros,
salgueiros e carvalhos cresciam na beira da água, protegendo tudo que vinha adiante.
Zach rodeou um pouco mais o local e descobriu um clarão artificial perto das árvores e da
água. Voltou para trás, abrigando-se sob a sombra de um chorão gigante.
Não podia ver as feições da pessoa de onde se encontrava. Pelo menos pôde
perceber que a figura delicada pertencia a uma mulher. Atrás dela, o brilho do sol refletia
na água seus movimentos rápidos. Vestida com trajes longos, num conjunto branco
harmonioso, tinha todo o resto do corpo escondido por cabelos castanhos ondulados que
caíam até a cintura. Moça ou mulher?
Ela entrou no riacho e a correnteza levantou a bainha da anágua, que se enrolou no
meio das pernas. O recuo das ondas parecia forte, pois balançou e abriu os braços a fim
de equilibrar-se. Os cabelos dela caíam sobre os ombros como uma cortina, revelando
parte das costas. Tinha a cintura fina e bem definida, delicados buracos marcavam sua
coluna, e o quadril insinuava curvas provocantes.
Mulher. Definitivamente uma mulher. Ele conduziu a égua até o final da sombra,
diminuindo a distância para mais ou menos sessenta metros. Se ela virasse, de certo o
avistaria, mas era um jogo que Zach queira participar.
Ela alcançou uma rocha no meio do riacho e colocou a mão no topo, utilizando-a
como suporte. Colocou, então, sobre o granito manchado uma raiz amarronzada. Pegou
uma pedra do fundo da água e, antes de socar a raiz, molhou-a na água. Um líquido
branco começou a aparecer. Zach sentiu o odor. Quando misturada com água, a raiz de
iúca tinha perfume muito agradável e tornava-se um bom sabão. Ele mesmo já havia
usado.
Ela mergulhou as mãos na água, encharcando os cabelos e a frente da anágua. A
luz do sol iluminou o tecido ensopado, revelando o contorno de longas e esbeltas pernas.
Abaixou-se para pegar o fluido branco e aplicou-o na cabeça, formando uma espuma
abundante. Ficou massageando os cabelos e virou-se para que seu rosto pegasse um
pouco de sol. Possuía um elegante perfil, queixo adorável, dócil e forte. A camisa,
encharcada, moldava o corpo impecável.
Zach estudou o corpo esbelto com olhos apreciadores.
Ela abaixou-se de forma graciosa para enxaguar-se, fazendo com que Zach
desejasse vê-la nua. As roupas eram supérfluas nesta situação, pois estavam de tal forma
encharcadas que, se as tirasse, facilitaria muito sua vida. E a dele ainda mais. Só a ideia
de imaginá-la como veio ao mundo deixou-o excitadíssimo.
Sarah ouviu o barulho de madeira estalando se aproximando. Meu Deus, pensou
amedrontada, Cal a encontrara. Ela ergueu-se rápido como um tiro. Seus cabelos

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

balançaram no ar, formando um grande arco de gotas d’água. A égua relinchou de medo
e empinou diante da nova ameaça. Zach segurou as rédeas com firmeza, mantendo-a
com a cabeça em pé, a fim de evitar um ataque.
Aterrorizada, Sarah levantou as mãos. Só mesmo Cal para preparar-lhe uma
emboscada à luz do dia, quando menos esperava. Cambaleando, bateu os pés descalços
no riacho cheio de pedregulhos. Desequilibrou-se e caiu de costas. Ouviu o grunhido de
um cavalo assustado e uma voz masculina, baixa e calma.
— Calma garota!
Sarah sentou-se e tirou o cabelo dos olhos. Observou a elegância do cavaleiro, que
não parecia familiar, e o animal com olhar feroz era marrom com manchas pretas, como
Nutkin. Ela enrubesceu devagar ao reparar no modo firme de controlar o cavalo, com o
bíceps bronzeado de um lutador experiente.
— Você está bem? — perguntou ele.
Ainda sem fôlego, Sarah não respondeu. Ele permanecia em cima do animal com
facilidade, as mãos relaxadas e o estômago côncavo, da forma graciosa como os
cowboys o faziam. Estava sem o chapéu de abas largas que esperava ver. Pêlos pretos
cobriam o rosto, insinuando uma barba por fazer. Vestia uma camiseta verde oliva bem
justa em seu peito largo. Em vez dos tradicionais jeans, vestuário comum à maioria dos
vaqueiros, trajava calça manchada com as cores preto, verde e marrom. O que mais a
surpreendeu foram as botas pontudas novinhas.
Sarah abaixou a barra da anágua, olhando-o intrigada. Apesar das roupas um tanto
incomuns, tinha a aparência de um cowboy queimado do sol, robusto e muito encantador.
— Você sempre aparece com um corpo destes? — perguntou ela.
— Apenas para garotas como você — disse ele, piscando os olhos azuis.
Sarah tinha ouvido suficientes comentários desrespeitosos nos meses anteriores
para reconhecer uma insinuação. Bastante desapontada, ela encolheu o queixo. Ele
largou as rédeas e colocou as mãos no coração fingindo um falso pânico.
— Se olhar arrancasse pedaço! Ei, não tive a menor intenção de ofendê-la. Sorria e
diga que estou perdoado.
Encantada pela expressão arrependida dele, Sarah hesitou, indecisa sobre o
julgamento. Possuía um ar improvisado de autoridade, que inspirava confiança. Era um
homem da terra, testado pelo sol e pelo vento. Podia sentir isto através da maneira
segura com que ele se apresentava. Tinha de ser prudente, pois lera nos jornais histórias
sinistras do que acontecia quando se confiava demais nas pessoas, e além do mais, tinha
a aparência de um renegado. Notava através das roupas e dos cabelos mal tratados, e
também pelo olhar esfomeado que dirigira a ela ao avistá-la.
— Não sou um mal garoto, até que você me conheça direito. Deixe-me ajudá-la e
podemos recomeçar — disse ele, estendendo a mão.
Sarah deu um passo para trás, o que não era a reação que Zach esperava, e
escondeu o rosto da claridade que o sol provocava. Ela tinha os olhos castanhos-escuros,
grandes e apreensivos, e os cabelos molhados contrastavam com sua pele, suave como
argila de areia.
Zach segurava a rédea com uma das mãos, fazendo uma imitação de Gene Autry
com a outra. Afastando-se, Sarah foi para a margem do riacho sem parar de fitá-lo.
Desconfiada, não? Ao chegar em terra seca, penteou os longos cabelos molhados com os
dedos, mantendo-os longe dos ombros, a fim de evitar que pingasse em suas roupas,

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

porém em vão. Tinha a camisa ensopada, evidenciando os seios redondos e firmes. A


água devia estar gelada, pois os mamilos estavam eretos sob a blusa transparente.
Zach não podia ajudá-la, mas sorriu. Talvez estivesse certa de suspeitar dele, pois
não era um homem de rejeitar o que lhe ofereciam de graça.
— Meu nome é Zach Masterson. E o seu?
Ela balançou a cabeça, sem responder, o que deixou-o irritado. Mas que diabos,
pensou. Havia mais de um meio de comunicação. Zach prendeu as rédeas na sela, tirou a
camiseta e ofereceu-a para Sarah muito pomposo.
— Mesmo não sabendo seu nome, não posso resistir a uma donzela aflita.
Intimidada pela audácia dele, Sarah passeou os olhos desde o braço até os
músculos fortes do peito.
— Não fique aí com a boca aberta. Pegue-a — ordenou ele, balançando a camiseta
na frente do nariz dela.
A boca de Sarah de fato permanecera aberta. Pior, havia outras manifestações
físicas tomando conta dela. Não só enrubescera, como também sentia um nó no
estômago como se tivesse engolido uma dúzia de borboletas.
— Venha. Nada de sacanagens, prometo. Não posso deixá-la aí tremendo. Você
está quase nua.
— Nua? — gaguejou ela.
— Ela fala! Eu achei que estava diante de uma surda muda.
— Não estou nua — anunciou Sarah colocando as mãos nos quadris, indignada com
a audácia dele. Será que a achara tão atrevida que pensara que ela seria capaz de tomar
banho sem nenhuma peça de roupa?
— A expressão de um anjo, o corpo de uma Vênus e a voz de uma sereia. Você
também sabe cantar? — disse ele, tentando tirar um sorrisinho dela.
Sarah examinou-se, imaginando se ele debochava dela. Não seria a primeira vez
que alguém comentaria de suas roupas desde o dia em que deixara a Comunidade.
— Você precisa de algo melhor. Não que eu esteja fazendo algum julgamento ou
coisa parecida, mas achei que o mínimo que poderia fazer era oferecer-lhe minha
camiseta — disse ele jogando-a para Sarah.
Ela pegou a camiseta, colocou-a ao redor dos braços, e os vestígios de calor do
corpo dele esquentaram-lhe o corpo.
— Pare de olhar para mim dessa forma estúpida!
— Se não quer que eu a observe, coloque algumas roupas.
— Para seu conhecimento, estas são as minhas roupas.
— Ah, é?
O olhar fixo dele atingiu-a como um insulto.
— Antiquadas talvez, mas roupas são sempre a mesma coisa.
— Antiquadas?
— Antiquadas e dignas. — disse ela, soletrando cada sílaba. — E decerto cobrem
mais do que muitos trajes que já avistei por aí.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Zach se impressionou pela escolha arcaica das palavras dela, e não conseguia
distinguir o leve sotaque.
— Seu sotaque é alemão?
Espantada pela exatidão da percepção dele, Sarah só conseguiu piscar, surpresa.
Alguns dos fundadores da Comunidade, sua mãe entre eles, haviam sido da seita
menonita, descendentes de imigrantes alemães. O holandês da Pensilvânia havia sido a
segunda língua que falara na juventude.
— Você não parece com uma alemã, muito menos com estes cabelos e olhos
escuros.
— Eu tenho um pouco de sangue dos americanos nativos.
— Índios americanos nativos?
— Exato. Do lado do meu pai — disse ela, admirada por ter revelado tanto. Desde
que fugira, tomava muito cuidado sobre o que falava a respeito de seu passado.
Tremendo de novo virou-se de costas e enxugou rápido o rosto.
— A vista não é nada mal daqui — comentou ele, com um ar de deboche.
— Se você tivesse um mínimo de decência, não ficaria olhando.
— E perder o espetáculo?
— E pensar que eu achei que fosse um cavalheiro...
— Não sacrifiquei minha camiseta? Você não reconhece um gesto cortês?
— Um verdadeiro cavalheiro não debocha do modo como outra pessoa se veste. E
muito menos fica bisbilhotando uma mulher quando ela lava os cabelos.
— Ele estaria desculpado se a dama estivesse em suas terras.
— Esteja certo de que ao anoitecer estarei fora daqui.
Sarah abaixou-se e pegou uma colcha que estava na grama e colocou-a em volta
dos ombros rígidos. Muitas peças de roupa estavam espalhadas sobre arbustos que
cresciam na margem do riacho.
— Dia de lavanderia? — perguntou ele.
Ajeitando a colcha em volta dos ombros, Sarah dirigiu-se até um recipiente de
propileno que estava instalado ao lado. A barra da anágua arrastava no chão e as pontas
do xale improvisado estavam gastas pelo uso. Secando seus pés descalços, enfiou-os em
um par de tênis Nike surrado, quase sem o logotipo. Os calçados haviam tido dias
melhores. Ela não usava meias.
Seria uma fugitiva? Por experiência, Zach podia reconhecer tanto os traços de
pobreza como os de riqueza. Mas a julgar pelo modo como ela se expressava, fora
educada muito bem. Recordou-se das fortes curvas do seu corpo, escondidas pelo xale, e
torcia para que fosse maior de idade.
Zach inspecionou a área atrás dela, procurando pistas de um possível namorado.
Talvez explicasse a recepção fria. De certo não estaria aqui sozinha. A superfície fora
limpa de galhos, porém não havia nenhum tipo de equipamento. Ele não via uma barraca
nem um saco de dormir, porém uma sacola estava pendurada num galho de um
algodoeiro. O tecido era indefinido e não parecia grande o suficiente para conter comida
para duas pessoas.
Ao lado da sacola havia diversos ramos de ervas secas, colocados de cabeça para
baixo e também um jarro plástico de água. Pedaços de madeira formando algo parecido

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

com uma fogueira estavam amontoados, cobertos por um saco com lixo, indicando que
pretendia ficar mais tempo. Mas Zach não podia entender o por quê. Ela não tinha um
abrigo.
— Você está perdida? — perguntou ele.
Sarah emitiu um som semelhante a uma risada e virou-se para uma pequena
fogueira. Rodeado por rochas, o fogo estava coberto com uma grelha com diversas latas
em cima que soltavam fumaça. O odor parecia com artemísia.
— O que está cozinhando? — questionou ele, tentando puxar outro assunto.
Sarah prendeu os cabelos molhados entre o xale. Zach ergueu as sobrancelhas,
indignado com o contínuo tratamento silencioso e esporeou a égua até a margem,
parando perto do lugar onde ela se refugiara. Havia uma pequenina Bíblia preta e um
grosso dicionário com capa de papelão, que não eram exatamente materiais de leitura em
um acampamento. Outros artigos pessoais estavam dispostos em ordem lado a lado. Não
possuía muito: creme dental, escova de dentes, pente, talheres, um chapéu de palha, um
estilete e fósforos.
— Eu fiz uma pergunta — disse ele.
O silêncio continuou.
— Você deve achar o cheiro bom para que consiga comer.
Sarah fitou-o. Zach encarou o olhar, questionando-se o que poderia fazer para
quebrar o gelo. Ela amarrou o xale para que o mesmo não escorregasse e pegou o pente.
Considerando as diversas hipóteses enquanto ela se penteava, escolheu a mais óbvia.
— Aonde está o seu namorado?
As mãos de Sarah ficaram imóveis.
— Ele não gostará nada de me encontrar aqui, e não o censurarei por isso.
— De quem você está falando? — indagou ela.
— Do cara que está acampado com você.
Zach falou do modo mais casual possível, porém a reação dela o surpreendeu. Ela
parou de mexer nos cabelos e, juntando todos seus pertences no meio do recipiente,
agarrou-o.
— Foi algo que eu disse?
— Tenho que ir embora.
— O que aconteceu? — Zach perguntou, ameaçando desmontar do cavalo. — Você
tem uma luta ou algo parecido?
Em um instante ela pegou suas coisas e segurou a perna dele, forçando-o a
permanecer na sela. Assustada, a égua moveu-se para o lado. Zach segurou as rédeas
com muita força, sem tirar os olhos da face pálida da moça. Quem seria esse homem que
provocava tanto pânico e medo nela.
— Não deixe o seu cavalo — disse ela. — Ele ficará muito mais irado se encontrá-lo
aqui. Ela olhou para trás dos ombros dele, procurando algo entre as árvores. — Aonde
você o viu?
Zach abaixou-se e segurou o queixo dela, forçando-a a olhá-lo nos olhos. — Ele te
machucou?

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Os salmos dizem que se deve livrar dos perversos pela espada e dos homens
pelas mãos.
A expressão bíblica soou de modo teatral. Quando criança, maquinava para ser
expulso das escolas em que era matriculado, inclusive a escola de domingo. Ele manteve
seu olhar, estudando o desafio nos olhos dela.
— Nem todos os homens são perigosos. Ninguém deseja ferir-se, ainda mais pelas
mãos de outra pessoa.
Ela ficou calada. — Meu pai costumava dizer a mesma coisa.
— Seu pai era um homem muito sábio. Ele lhe deu um nome?
— Sarah — respondeu ela, depois de um tempo.
— Sarah do quê?
— Sarah... Smith.
Zach memorizou a pausa que ela dera entre o nome e o sobrenome para futuras
referências. Sarah não era uma boa mentirosa. Ele deixaria que fosse embora, mas
estendeu a mão num sinal de boas-vindas, com os dedos quase tocando o rosto dela.
— Você me parece muito pura — disse ele, mantendo a expressão indiferente,
permitindo-a decidir o que faria.
Após uma espera que pareceu quase um ano, a mão dela saiu do xale. Pelo menos
tinha noções básica de boas maneiras. Zach estava começando a ficar admirado. —
Prazer em conhecê-lo, Zacharias — disse ela, de modo sóbrio.
— É só Zach.
— Zach — repetiu ela, inclinando a cabeça.
— Sarah — disse ele, saboreando o som.
Recordara da brisa da primavera, fresca e com promessas.Apertou a mão dela, mas
resistiu à investigação, deixando-a para mais tarde. E este momento existiria. Ela era
tanto um mistério quanto um desafio, sua principal ocupação na vida.
— E quem é esse cara de quem você tem tanto medo?
— Não precisa se preocupar. Vou sair de suas terras ao cair da noite, prometo.
— Quando vim para cá, podia enxergar milhas. Porém não vi ninguém além de você.
— Você disse que o vira.
— Disse? Eu pensei apenas ter perguntado pelo seu namorado.
— Ah! Bom, como pode observar, sou uma mulher sozinha.
Sarah expos o fato de modo natural, como uma declaração, deixando-o mais uma
vez espantado pela maneira curiosa como colocava as coisas.
— Ela me lembra um outro cavalo que conheci. — disse Sarah, acariciando a égua.
— Qual é o nome dela?
— Como se chamava o outro animal?
— Nutkin.
— Então é Nutkin o nome dela.
Ela sorriu pela primeira vez. Dois dos dentes da frente eram um pouco tortos,
imperfeição que a tornava mais atraente. Certo de ser bem-vindo, tirou a bota do estribo e

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

passou a perna pela sela. Todavia, não percebera um amontoado marrom que estava
perto das árvores. Mas ouviu o grito de Sarah e o relincho da égua quando o cão atacou.
— Não Butcher!
A égua afastou-se, guinchando surpresa e aterrorizada. Sem equilíbrio, Zach tombou
para frente da sela. As rédeas escaparam de suas mãos, acertando o animal na face, que
começou a girar. Ele tentou sentar direito e quase não conseguiu.
Butcher era um cachorro uivante, perverso e feroz que latia como um demônio. A
égua entrou no riacho espirrando água para todos os lados, assustando-se cada vez
mais. Ladrando como um louco, o cão enfiou-se no meio das patas da besta como uma
abelha venenosa, deixando-a fora de si. Do canto do olho, Zach viu Sarah tirar o xale e
atirar-se na água atrás deles, gritando e movimentando os braços. Tentou afastar a égua,
berrando para que ela se afastasse. O animal, porém, empinou muito alto, arremessando-
o. Ele deu uma cambalhota violenta no ar. A superfície da água balançava, refletindo os
raios de sol.
A última coisa que Zach viu foram pedras. Montes de pedras.

CAPÍTULO DOIS

Sarah jogou-se no riacho, agarrou a coleira de Butcher e afastou-o dos galhos que
flutuavam. Ouviu o grito de Zach e tirou o cão de circulação, com medo de ser pisoteada.
Perdeu os sapatos devido à correnteza e sua anágua levantou-se. O cavalo assustou-se
e deu um salto, chutando as patas traseiras. Sarah esquivou-se bem na hora.
Ela ouviu um grande barulho de água e a égua passou galopando a seu lado,
seguindo para longe do riacho, sem controle. Virando a cabeça para o outro lado, avistou
Zach. Estava caído com o rosto para baixo, num local onde havia muitas pedras na
superfície.
— Oh, meu Deus!
Ordenando que Butcher ficasse quieto, ela ajoelhou-se e virou Zach para cima. O
sangue intenso inundava a face dele, saindo de algum lugar perto da parte superior da
cabeça. Ela tirou a camisa e limpou-lhe as sobrancelhas, procurando pelo corte.
Encontrou-o um pouco acima da testa, perto da linha dos cabelos. Era um machucado
grande, com mais ou menos oito centímetros, bastante profundo. A correnteza era tão
forte que limpava o sangue, intensificando o silêncio assustador.
Sarah tirou a cabeça dele da água e pressionou o ferimento com as pontas de seus
dedos. Com a outra mão ela umedeceu a camisa e colocou-a no rosto dele.
— Zach?
O sangue e a lama tinham sido lavados, porém ele ainda continuava com os olhos
fechados. Contra a pele pálida, a barba rala por fazer se destacava.
— Acorde! — suplicou ela, sacudindo-o.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Não houve nem um sinal. O único movimento vinha do fluxo constante de sangue
que escorria através dos dedos dela. Em pânico, Sarah deu uns tapas na face de Zach,
que ficaram marcados. Contudo, isso não era o pior, os lábios dele estavam ficando azuis
e quase não respirava. Ela deitou a cabeça dele em uma pedra e calculou a distância até
a margem mais próxima. Tinha de tirá-lo da água o mais depressa possível.
Sarah levantou-se, segurou os braços dele, porém era muito pesado. Observando a
altura do corpo de Zach, procurou pensar. Não tinha nenhum arranhão no peito, todavia,
se estivesse com hemorragia interna, movê-lo seria a pior coisa a fazer. Tinha de tirá-lo
com urgência da água gélida e fazer com que respirasse direito, caso contrário ele
morreria.
Sarah tirou-lhe as botas, jogando-as em terra firme. Retomando à posição anterior,
atrás da cabeça dele, abaixou-se e colocou as mãos ao lado dos ombros de Zach.
Algumas pedrinhas machucavam suas juntas. Fazendo caretas, ela levantou. Deus, como
era pesado! Com as pernas em baixo das dele, as mãos passando pelas axilas e envoltas
no peito e os dedos entrelaçados, ela colocou-o sentado.
A cabeça de Zach tombou para frente, fazendo com que água e sangue molhassem
a anágua dela. Ela saltou para trás, tentando não escorregar nas pedras lisas. Ele
deslizou alguns centímetros. Sarah olhou para cima e, juntando todas as forças que
possuía, puxou-o de novo, arrastando-o mais um pouco. Deste modo levaria a vida toda.
— Butcher! — gritou ela.
O cão se aproximou.
— Puxe!
Para mostrar-lhe o que queria, ajoelhou-se no leito do riacho pedregoso e puxou
com tanta força que o suor começou a escorrer de sua testa. Um passo, lento e
torturante. Dois. Quanto tempo se passara desde que Zach havia caído? Quinze batidas
do coração? Cem?
— Ajude-me! — berrou.
Butcher mordeu um pedaço de tecido nos quadris de Zach e, junto com ela, puxou o
corpo pesado. Sarah sentia os braços como se estivessem sendo arrancados e as
pedrinhas machucavam-lhe os pés delicados. Tentou conter o pânico contando seus
passos.
— Três... quatro... cinco... seis...
Ao pisar na lama seca, sentiu-se aliviada. Puxou mais um pouco e deitou Zach na
margem. Ele estava meio na água, meio em terra firme, porém essa posição bastava.
Pelo menos metade dele estava em solo seco. O sangue escorria de modo ininterrupto,
mas ela não podia dar atenção a isto, não agora. Sarah abaixou-se, colando as orelhas
no peito dele para escutar o coração. As batidas eram fortes, graças a Deus.
Sentindo-se energizada, colocou uma das mãos atrás do pescoço e verificou a boca,
relembrando os passos que o pai lhe ensinara há muito tempo. Chamava de
ressuscitamento. Algo que ela deveria aprender, afinal adorava nadar com os amigos em
Birch Point.
Apertou o nariz de Zach com os dedos, respirou fundo, abaixou-se e encaixou a
boca nos lábios dele, que estavam muito gelados. Soltou o ar, levantou e inspirou mais
uma vez. Há um minuto atrás esta boca sorria para ela. Ninguém tão cheio de vida
poderia ser apagado da existência. Deus, me ajude, por favor. Ele é muito jovem para
morrer. Num ritmo que achava ser natural, Sarah abaixou-se sobre ele inúmeras vezes,
sempre de olho no movimento do peito.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Butcher estava ao lado, andando e rosnando. O cão não era simpático com
estranhos, ainda mais quando ficavam tão perto de Sarah. Entre as respirações, ela
chamou-o, ordenando que fosse ficar de guarda perto da árvore mais próxima. Colocando
os dedos no pescoço de Zach, a fim de tirar sua pulsação, teve a impressão de que as
batidas cardíacas estavam mais lentas.
Receosa por talvez ter sido muito acanhada antes, ela levantou o queixo e inspirou
de maneira mais profunda. Ao lado dos dedos dela, os músculos da garganta de Zach se
endureceram. Sarah afastou-se, porém nada aconteceu.
— Respire — ordenou, balançando-o, procurando desesperada por um sinal vital.
Ele tossiu, o que a deixou aliviadíssima. Sarah virou-o de lado, colocando folhas
entre o ombro dele. Zach curvou-se em posição fetal e tossiu outra vez, expelindo muco e
água barrenta que misturou-se com o sangue que jorrava do ferimento.
Sarah procurou entre os pequenos arbustos que cresciam em volta do riacho e, ao
achar o que procurava, levantou-se e enfiou na boca. Zach gemeu e virou-se de costas,
tremendo e ofegando. Ela ajoelhou-se e empurrou o joelho contra a coluna dele,
forçando-o a ficar de lado. Cuspiu a erva que estava mastigando nas mãos, procurando
quase às cegas pelo ferimento escondido entre os cabelos.
A camisa dela estava presa no cinto dele. Com a mão livre, Sarah tirou-a com o
maior cuidado e, após colocar a erva em cima do machucado, cobriu-o com a blusa,
usando-a como uma bandagem. Zach precisaria levar alguns pontos, mas o primeiro
passo era estancar o sangue. Os músculos das costas de Zach retesaram-se e ele
expeliu um pouco de água mesclada com plasma.
— Jesus! — exclamou ele.
Espantada pela evocação do nome de Cristo, Sarah inclinou-se para poder ver
melhor o rosto de Zach. Seus atos anteriores não condiziam com os de um homem que
acreditava em Deus. Ele contraiu o maxilar. Devia estar sentindo uma dor terrível.
— Shh — disse ela, diminuindo um pouco a pressão da bandagem. — Daqui a
pouco você estará melhor.
Zach quase não podia escutá-la. As batidas de seu coração faziam-no sentir-se
como se estivesse girando em um furacão vermelho. Palavras não eram nada, somente
pedacinhos flutuando na superfície, mas ele tentava pegá-las, temendo ser sugado para o
fundo do redemoinho.
— Você bebeu bastante água. Tente engolir e veja se faz bem para sua garganta.
— Dói — disse ele, obedecendo-a.
— Aonde você sente dor?
A névoa nos olhos desapareceu, permitindo-o certificar-se das redondezas. Estava
deitado em um solo duro, curvado para a direita. Alguém abaixou-se sobre ele por trás.
Podia sentir os joelhos pressionados em suas costas de forma a evitar que rolasse.
— Sarah?
— Você se lembra? Isto é um bom sinal.
Não sabia o motivo pelo qual o nome dela viera à sua mente, mas a voz de Sarah
era suave e superava o sentimento de ter um sonho ruim. Agradecido pelo ponto de
referência, abriu os olhos. Focalizou a grama. Atrás via água e pedras. Algo pesado
apertava a parte superior de sua cabeça. O frio tomava conta do resto do corpo,
principalmente abaixo da cintura.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Sarah pressionou o peito contra o lado descoberto dele, cobrindo-o com um pouco
de seu calor. A pele de Zach estava suada e fria ao toque, o que a fez perder a
respiração. Sentiu-se arrepiada e os mamilos enrijeceram. Ela mordeu os lábios,
desejando que ele não estivesse consciente o suficiente para perceber. Zach descobriu
que, se olhasse para o lado, poderia ver um rosto que o observava.
— Estou com frio — disse ele. — Muito frio.
— Eu sei — respondeu Sarah. — Vou pegar um xale para você assim que o sangue
estancar.
Ele sentiu-se mais relaxado, grato por perceber que ela conhecia os perigos da
hipotermia. — O que... aconteceu?
— Você caiu no riacho.
As palavras dela misturaram-se com a lembrança de água e pedras, fazendo com
que ele se sentisse nauseado.
— Preciso levantar — murmurou ele.
— Agora não. Você está sangrando demais.
— Eu quero. E agora.
Zach tentou sentar-se.
— Não.
Ela curvou-se, abaixando-o com metade do corpo. Zach esforçou-se para se livrar
do peso de Sarah, que era pequena e não seria difícil. Descontente por sua fraqueza,
puxou-a, de qualquer forma precisava apoiar-se em algo. Mas, se não fosse cuidadoso,
poderia ficar seriamente doente.
— Pare! Você está aumentando o sangramento.
— Dane-se — gemeu, deitando de novo.
— Mastigue isto. Vai fazer a dor passar — disse ela, mantendo o ferimento
pressionado.
Ao abrir a boca para perguntar o que era, ela enfiou as folhas que tirara de um
galho. Zach sentiu um leve sabor de menta fresca. Resistiu ao primeiro instinto de cuspi-
las e mastigou devagar. A náusea diminuiu de modo gradativo. Após poucos minutos, ele
tirou-as da boca e olhou para Sarah, sentindo-se bem melhor.
— O que era aquilo?
— Erva dos gatos.
— O que você me deu para comer?
— É uma planta da família da menta. Não só alivia seu estômago, como também
tem um leve efeito sedativo.
— Não me diga que você é um daqueles tipinhos esquisitos de Boulder.
— Como?
— Você sabe. Hippies. Homeopatas. Nova era. Alguém que tira significados
cósmicos ao pegar ervas e transformá-las em remédios ou coisas do gênero.
— Tenho algum conhecimento sobre ervas medicinais — disse ela, franzindo as
sobrancelhas. — Sente-se melhor?

20
Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Estava, porém não queria admitir, não enquanto ela estivesse tão preocupada.
Tentava algo com esta mulher. Vendo os olhos suaves e os lábios carnudos dela, pôde
entender o por quê. Zach decidira conquistar sua simpatia.
— Eu me lembro que minha égua se assustou. Está tudo bem?
— Ela fugiu antes que eu pudesse pegá-la. Butcher amedrontou-a, peço desculpas.
— Butcher?
— Meu cachorro.
— Aquele animal feroz que me atacou é seu?
— Ele não é tão violento quanto parece. Estava apenas tentando me proteger.
— Pulando no meu pescoço? Espero que você tenha tido o bom senso de amarrá-lo.
— Ordenei-lhe que ficasse ao lado da árvore, onde está agora. Ele é muito bem
treinado.
— Treinado para quê? Para combate?
— Ele não machucou você. Ao cair, você, bateu a cabeça em uma pedra.
— E como está o machucado? — perguntou ele, colocando a mão na testa a fim de
investigar. Seus dedos alcançaram um pano que mais parecia uma viseira.
— Não fui capaz de estancar o sangue. O corte tem mais ou menos o comprimento
de um dedo.
— Quanto tempo estive fora?
— Fora? — perguntou ela, confusa pelo modo com que ele empregara a palavra.
— Inconsciente.
— Somente alguns minutos.
— O pior de tudo é que eu caí do cavalo no meu primeiro passeio pela fazenda.
Também quebrei algo? Os garotos na cocheira não vão acreditar ao me ver assim.
Então ele estava bem o suficiente para estar ciente do ocorrido. Sarah virou o
pescoço de Zach a fim de examinar- lhe as pupilas e verificar se estavam do mesmo
tamanho. Elas mantinham-se iguais, indicando que não havia hemorragia dentro da
cabeça. Seria o pior de tudo.
A cor voltava para as bochechas dele. Admirada pela rapidez com que se
recuperava, Sarah espiou para dentro do curativo improvisado. Abaixo do cataplasma o
sangue continuava a escorrer do ferimento. Ela pressionou com muito mais força.
— Ai!
— Desculpe-me. O sangue não vai parar se eu não apertar bem forte.
— Você também é enfermeira?
— Amadora.
— Aonde aprendeu tudo isto?
Ela encolheu os ombros pensando no que dizer. Durante anos tratara de várias
doenças que a mãe tivera, mas não podia explicar sem que Zach fizesse mais perguntas.
E ele já sabia bastante a seu respeito.
— De onde eu venho, todos conhecem um pouco sobre as propriedades das ervas.
— Aonde fica esse lugar?

21
Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— É uma cidade muito pequenina que aposto nunca deve ter ouvido falar.
— Será mesmo?
— Fica a muitos quilômetros daqui.
— Mais uma razão para você me contar. Eu já viajei para lugares muito bonitos e
distantes.
— Ah, é? — perguntou ela, determinada a mudar de assunto. — Pensei que você
morasse nesta fazenda.
— Não, você está enganada. Faz muito tempo que ninguém vive aqui. Eu saí de
casa.
— Saiu porque quis? — perguntou Sarah, quase não acreditando. De onde vinha
nenhum homem deixava o lugar onde nascera.
— Por que está surpresa?
— Há muitas coisas valiosas, e a terra é uma delas.
— Você fala como meu pai. Quando eu era menino, ele empenhou tudo para
conseguir manter este local. Sabe o que aconteceu a ele? Teve úlcera e um ataque
cardíaco fatal aos quarenta e nove anos. Acha que eu quero ir pelo mesmo caminho?
— Sinto muito pela morte de seu pai. O meu também morreu quando eu era jovem,
antes da hora. Mas você nasceu aqui. Seu sangue está neste local.
— Só vim para cá pois convenci o resto de minha família a vender a fazenda. Não
vejo a hora de me ver livre desse estorvo.
Sarah surpreendeu-se com a veemência das palavras de Zach, ainda mais por ele
ter o jeito de um perfeito cowboy.
— Mas você cavalga muito bem. É óbvio que tem jeito com cavalos.
— Há mais coisas a se fazer do que lidar com tais animais.
— O jeito como se comporta, suas mãos, seus olhos...
— Agora eu sei que você é de Boulder — interrompeu ele. — Só faltava me afirmar
que nos encontramos em vidas passadas.
— Como disse?
— Não ligue. Só me lembro de ter caído na água e não muito mais. Quem me puxou
para fora?
— Eu!
Zach apertou os pulsos dela, medindo-os com um polegar e indicador bastante
calejados. Sarah teve a certeza que ele trabalhava com as mãos. Elas eram a essência
da força.
— Você não pode ter me arrastado para fora sozinha. Quanto você pesa? Sessenta
quilos? Eu peso oitenta e sete.
Zach era de fato forte. Os vigorosos músculos contra os seios dela comprovavam
isto. Sarah mudou de posição.
— Butcher me ajudou.
— Espero que não tenha se machucado. Meu cavalo atropelou você?

22
Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Não, não aconteceu nada disso — disse ela, sem a intenção de mencionar os
cortes nos pés ou as juntas doloridas. Não se comparavam ao que ele devia estar
sentindo.
— Então por que está tremendo?
— Um leve estremecimento tomou conta das mãos dela, devido à pressão que
exercia ao segurar a bandagem por tanto tempo.
— Estou bem.
— Você está com frio?
— Não muito.
Não era mentira. O calor criado entre o corpo de ambos a esquentava. Apesar do
estado em que se encontrava, Zach emanava uma intensa vitalidade.
— O sangue a incomoda?
— Meus braços estão cansados, só isso.
— Descanse um pouco, eu posso segurar o curativo por algum tempo.
— A pressão deve ser constante ou o sangramento irá piorar.
— Dê um tempo a si mesma, Sarah. Você não pode estar confortável sentada atrás
de mim com os braços estendidos dessa forma e, além do mais, treme como uma vara
verde.
— Já disse que estou bem.
— Venha cá, sente-se aqui. — disse ele, retirando a grama seca. — Você vai ficar
toda dolorida caso não mude de posição.
Sarah afastou-se um pouco para provar que podia relaxar. O tremor das mãos
diminuíra, mas agora tinha muita pressão na coluna, arqueada para esconder a parte
superior de seu corpo dos olhos de Zach.
— Pronto, agora sinto-me bem melhor.
— Está bem... Eu posso sentir seus joelhos contra minhas costas.
— Estou bem, é sério.
— Mas que diabos, Sarah. Coloque seu traseiro na grama ou eu o farei.
A linguagem grosseira dele era enervante, deveria sentir-se ofendida por ouvir tais
coisas. Durante sua viagem, ela trabalhara entre pessoas que usavam palavras muito
piores no dia-a-dia.
— Você me escutou?
Dedos ásperos tocaram a cintura dela. Sarah mordeu os lábios, apenas
contorcendo-se à medida que Zach apalpava-lhe os quadris cobertos e a fina camada de
pele de suas costelas.
Quando ele falou, Sarah pôde notar que Zach percebera o tamanho de seu apuro.
— Acho que entendi qual é seu problema. Esta bandagem é sua blusa, certo?
Sem conseguir achar graça da situação, Sarah pressionou mais ainda sua coluna,
tentando, assim, evitar que as mão dele a explorassem mais.
— Eu falei que estou bem.

23
Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Eu também. De fato estou me sentindo cada vez melhor. — Apesar da posição


dela, Zach continuou a afagá-la, chegando cada vez mais perto dos seios.
— Pare de passar a mão ao redor de minhas pomas.
— Pomas? — disse Zach, caindo na gargalhada. — Aonde arranjou uma palavra
como esta?
— É um termo perfeitamente normal — disse ela, cerrando os dentes.
— É claro que sim. Quem é você Sarah? Uma freira que perdeu o caminho do
convento?
— Remova suas mãos agora, senhor, senão farei com que sinta-se muito
arrependido por ter sobrevivido da queda no riacho — disse ela, enfatizando cada sílaba.
— Não enquanto você não me obedecer e sentar-se aqui — disse ele, acariciando
os quadris de Sarah de um modo muito familiar, gostando da situação. — Estou
esperando.
Com certeza ele se recuperava bastante rápido. Possuía a estrutura de um boi, bem
como as maneiras. E o pior de tudo é que ela só poderia safar-se das garras dele
soltando o curativo. Zach bem que merecia tal tratamento, mas se o corte continuasse a
sangrar, ela teria um problema bem maior para lidar.
— Muito bem. Se você tirar sua mão, moverei meu traseiro. Mas só se fechar os
olhos — disse ela, aguardando que o fizesse.
— E perder esta delícia?
— Não vai fazer o que pedi?
— Sem chances.
Sarah já escutara a expressão antes durante sua viagem, e sabia o que significava.
Mas que bode teimoso!
— Por que você precisa ser tão cabeça dura?
— Você teve algumas experiências com esses tipos, não é, Sarah?
— Como muitos da espécie, sempre querendo que sua vontade prevaleça — disse
Sarah mordendo os lábios nervosa, tentando manter a compostura. — Só para você não
se esquecer, eu estou nessa posição pela sua saúde e não pela minha. Seria muito
simpático de sua parte que fizesse o que estou lhe pedindo.
— Bela tentativa, Sarah — disse ele, dando um tapinha nos quadris dela.
— Por que você não pode me fazer pelo menos este favor?
— Dê-me um simples motivo do porquê eu deveria — disse ele, passando os dedos
pela anágua de Sarah.
— Pelo simples fato de eu ter tirado você da água e fazer com que respirasse de
novo.
— O que? — O dedo dele parou na hora.
— Para seu conhecimento, perdi meus sapatos no riacho, minha camisa está
arruinada, minha anágua, então, nem se fala.
— O que disse?
— Que nunca mais vou poder usar essas roupas. E meu único par de calçados
decentes foram por água abaixo.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Não, antes disso. Você fez respiração boca-a-boca em mim?


Sarah, piscou, confusa. Boca-a-boca descrevia muito bem o ato.
— Como disse?
— Estou dizendo que quero uma resposta bem clara. Você fez ou não boca-a-boca
em mim?
— Você não estava respirando — disse ela, irritada.
— Deixe-me ir por partes. Meu cavalo me joga para cima, caio de cara no riacho e
ainda por cima corto minha cabeça. Aí vem você, me tira da água, me faz respirar e utiliza
metade de suas roupas para parar meu sangramento. Isto resume tudo?
— Creio que sim — disse ela, ajeitando o curativo, a fim de ver melhor o rosto de
Zach. Não havia mais demônios nos olhos dele.
— Você salvou minha vida!
Sarah suspirou, lembrando-se de uma velha lenda dos índios Cheyenne. Dizia-se
que ao salvar um homem da morte, ele lhe pertence até que retribua esse favor.
— Se fosse eu quem tivesse caído, você faria o por mim?
— É uma declaração incrível, minha cara. Raras pessoas hoje em dia se preocupam
em salvar a vida de alguém, seja amigo, parente ou estranho.
Sarah recordou-se do dia em que um casal idoso a encontraram largada no canto da
estrada, após sete horas de corrida, tentando deixar a Comunidade para trás. Eles a
levaram para a casa deles e, além de alimentá-la, ofereceram uma carona até Helena, há
cem quilômetros de distância.
— Você está enganado, Zach.
— De onde você vem? Da terra do faz de conta?
Percebendo seu desdém, Sarah sentiu uma pontada no coração.
— De Montana — murmurou ela.
— Nem em Montana crescem pessoas como você! Qual é o seu jogo?
— Jogo?
— O que pretende de mim?
— Nós nos encontramos por acaso. Não há nada que eu poderia querer.
— Nada, ela diz. Aonde eu ouvi isso antes?
— O que eu deveria ter feito, deixar que se afogasse?
Zach inclinou a cabeça um pouco para frente, como se estivesse lutando com algum
demônio em seu interior que ela não podia ver. Sarah sabia que cada ser vivo tinha a sua
própria sina para trilhar, mais difícil para ele por ser incapaz de se abrir. Sentiu um súbito
impulso de colocar o rosto nos ombros dele, em sinal de empatia. Mas conteve-se,
intrigada com a fúria repentina de Zach.
— Peço desculpas — disse ela, oferecendo todo o conforto que ainda dispunha.
— Pelo amor de Deus, garota, não me faça mais favores — disse ele, de modo rude.
— Não entendo. Eu ofendi você?
— Esqueça, não é nada.
— Mas você está magoado.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Eu disse para esquecer.


Sarah ouviu o tom irado da resposta dele e hesitou. Ainda tinha muito que aprender
sobre a vida fora da Comunidade. O relacionamento entre homens e mulheres, descrito
de um modo no lugar onde crescera, era muito diferente do lado de fora.
Ela estudou as linhas do rosto dele e os olhos fixos, distantes. Sim, Zach Masterson
sentia-se traído. Mas além disso havia um homem possuído por algo mais profundo, a
solidão da juventude. Ele a fazia lembrar uma águia solitária, voando por um céu cheio de
nuvens trovejantes.

CAPÍTULO TRÊS

Deitado na margem do rio, com cada um de seus músculos tensos, Zach pensava
em Sarah. O silêncio pairava entre ambos. Aonde estavam os argumentos, as ordens, as
recriminações? Ela não iria pedir que fechasse os olhos?
Parecia que não, pois estava com a testa encostada no ombro dele. O gesto era
singelo, quieto e o afetava bastante. Que diabos Sarah pensava estar fazendo?
— Vou me mover agora — disse ela.
O coração de Zach disparou. Os joelhos de Sarah desencostaram das costas dele,
tirando-lhe o quentinho. A pressão do curativo diminuiu e Zach ouviu pedrinhas se
movimentando. A barra da anágua de Sarah passou como um fantasma pelo lado
esquerdo de seu rosto. O vento gelou o peito dele, onde o suor brotara.
Zach permaneceu com os olhos bem abertos, mantendo seu orgulho. O fato de
visualizar apenas um pedaço de grama não significava nada. Absolutamente nada. Sarah
colocou as mãos de Zach para o lado, num gesto tentador. Então sentiu o odor de tecido
molhado, ao mesmo tempo em que se posicionou ao lado da cabeça dele.
— Zach? — perguntou Sarah.
— O que é?
— Eu me sinto bem mais confortável agora. Muito obrigada.
Zach não gostou da reação que teve ao escutar essas duas palavras. Era como
derramar sal em uma ferida. Ele é quem deveria estar agradecendo, e não Sarah.
Enfureceu-se mais ainda pela gratidão não solicitada. Zach não se sentia ressentido pelo
fato de Sarah ter lhe salvo a vida. Era muito pior. Estava péssimo por dever algo a ela. O
que mais detestava na vida era dever algo a uma pessoa.
Para piorar as coisas, um intenso calor passou por seu corpo, em cada parte onde
ela tocara enquanto se movimentava. Mesmo agora podia imaginar como Sarah deveria
estar, sentada retraída e de modo adequado... e de seios à mostra. Em circunstâncias
normais, ele aquietaria sua tensão sexual com um jogo. Mas nem isso podia fazer. O
show de dignidade que ela dera merecia respeito, mesmo se fosse fingimento.
Zach fechou os olhos.
— O sangramento parou?

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Ainda não me atrevi a diminuir a pressão para olhar. Você já perdeu muito
sangue.
— Mas estou bem agora — disse ele, desejando nada mais do que sair de perto
dela, a fim de sentir outros cheiros além dos de iúca e menta. Talvez isso diminuísse sua
dor de cabeça.
— Vou verificar — disse ela, retirando com delicadeza a bandagem.
— Então?
— Muito improvisado. Deixe-me apertar o curativo para não recomeçar a sangrar.
— Você não tem outra coisa que possa usar — disse ele, percebendo o barulho de
Sarah rasgando sua anágua em faixas.
— Meu vestido cinza é de lã e não conseguiria rasgá-lo com facilidade. Minha blusa
de algodão seria o ideal, mas aí terei só uma para vestir.
— Não tem importância.
— Tem razão, você está certo. Ela está limpinha. Vou pegá-la — disse ela
levantando-se rápido,
Zach apanhou o tornozelo dela, que possuía uma estrutura óssea incrível, delicada e
forte.
— Esta mesmo é suficiente.
— Zach, não seja tolo. Você está coberto de razão. Para esse tipo de ferimento é
muito importante que o curativo seja higiênico — disse Sarah, tentando esquivar-se das
garras dele.
Ele segurou-a com mais firmeza, desejando ser obedecido.
— Não vou deixar que rasgue mais uma de suas roupas.
— Não tem problema.
— Mas para mim há.
— Se o corte infeccionar, nunca me perdoarei.
— Deixe que eu me preocupe com isso.
— Mas...
— O que quero dizer, Sarah, é que a última coisa que necessito é de mais um
sacrifício de sua parte.
Sarah ajoelhou-se e Zach sentiu um leve toque da anágua em seu braço.
— Zach, por favor. Você não deve sentir-se agradecido — disse ela, colocando a
mão delicada em um dos lados do rosto dele.
Sarah passou o dedo pela linha tensa do maxilar de Zach e suspirou. O som foi
suave, como seu nome, e por algum motivo estúpido, fez com que ele sentisse vontade
de ceder. Ela estava incitando-o a fazê-lo.
— Muito bem. Vou usar as faixas que rasguei de minha anágua.
Zach aceitou de imediato, com medo que, se não fosse cuidadoso, Sarah perceberia
a força que tinha sobre ele. E estar atraído fisicamente por ela também não ajudava em
nada. Quando mais ele dizia a si mesmo que lutar por ela era impossível, que não a teria,
que a distância entre ambos tomara-se muito grande, mais irritado ficava.

27
Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Ande logo — disse ele, nervoso e tenso.


Ela tirou as tiras a amarrou-as ao redor da cabeça dele cantarolando bem baixinho.
A música era Amazing Grace, um dos únicos hinos que Zach conhecia, pois tinha a
versão de Judy Collins gravada em uma fita. Quando voltasse ao Brasil, jogaria fora.
Quando Sarah terminou, Zach sentou-se de modo abrupto, mantendo os olhos
fechados e esquivando-se das tentativas de ajuda dela.
— Estou bem — disse ele, apesar da tontura que sentia. — Coloque algumas
roupas.
Sarah retirou-se por alguns instantes, voltando alguns momentos depois e colocando
uma caneca quente nas mãos de Zach.
— É chá de casca de salgueiro — disse ela.
— Vá vestir algo já!
Desta vez ela se foi, deixando um leve odor de madeira. Zach sorveu o chá fazendo
caretas, ciente de precisar de calor e líquidos. Um xale foi colocado ao redor de suas
costas.
— Sarah!
— Eu já vou — murmurou Sarah. — Pare de ser cabeça dura!
Zach queria poder ir atrás dela, jogá-la no chão e mostrar o quão cabeça dura podia
ser. Mas, em vez disso, ajeitou o xale em volta dos ombros. Quanto antes ele se
esquentasse, mais rápida seria sua recuperação, livre para fugir Sarah.
— Você está bem vestida? — perguntou ele.
— Sim — respondeu Sarah, bem próxima.
Assustado, Zach abriu os olhos e pôde vê-la de frente, usando o vestido cinza. Tinha
gola alta, mangas longas e cobria seu corpo do pescoço aos pés. A fileira de botões
negros brilhantes seguia as curvas do corpo, fazendo-o imaginar o que havia por baixo.
— Isto é realmente um vestido decente — disse ele, bebendo o resto do chá.
— É um pouco formal, eu sei.
— Você parece estar pronta para o meu funeral.
— Não se eu puder ajudar. — Sarah segurava a camiseta dele. — Achei isto na
margem do riacho. Está quase seca.
Ele grunhiu um muito obrigado inaudível, tirou o xale, pegou a camiseta e, com
cuidado, colocou-a na cabeça. Sarah alargou um pouco a gola, a fim de que não entrasse
em contato com o ferimento e seus dedos tocaram sua orelha. Zach pretendia não ligar.
Ela abaixou a camiseta até o queixo dele.
— Por quê você não usa jeans como as outras pessoas? — perguntou ele, tentando
fazer com que ela parasse.
— Você também não está usando.
— Mas, pelo menos, minhas calças cobrem as pernas.
— Saias refrescam no verão e aquecem mais no inverno.
— E também não são nada práticas. Você não tem algo mais leve? Seu vestido de
lã é tão sóbrio como os que minha avó usava.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— As outras roupas estão molhadas.


— Ah, é mesmo — disse ele, pegando no punho da manga dela.
— E esta também não está muito seca — disse ele, verificando que o traje estava
um pouco úmido.
— Ficarei bem aquecida. A lã mantém a umidade mais longe da pele do que o
algodão.
Era verdade, mas Zach surpreendeu-se por ela saber. Mais pontos obscuros. Por
que Sarah não poderia ser uma simples novata? Então poderia considerar o fato de que
ela o salvara uma simples fatalidade. Além do mais, fatalidades não precisavam de tantos
agradecimentos.
Ele puxou a camiseta e descobriu que uma manga estava fora do lugar. Tentou
colocá-la, mas não conseguiu, pois Sarah estava ao lado, o que o fazia sentir-se como um
tolo. Em silêncio, ela arrumou a manga, tocando o peito dele com seus dedos de fada.
Zach foi tomado por uma vontade intensa de manter aquelas mãos ali, de tê-la próximo de
si. Ficou quase agradecido por ter perdido tanto sangue. Tinha o mesmo efeito em seu
sexo do que um chuveiro molhado.
— Pronto — disse ela, dando um passo para trás. — Você está vestido!
— Que maravilha!
— Venha — disse Sarah, pegando no braço dele. — Vou ajudá-lo a ficar em pé.
Zach levantou-se, irritado por ela tratá-lo como um inválido, o que, a julgar pela
moleza das pernas, ele era.
— Tem certeza que está bem?
— Muito — disse ele, com medo de cair de tontura. Focalizou a árvore mais próxima,
concentrando-se em colocar um pé na frente do outro. Sarah mantinha-se perto dele
como uma sombra. Zach queria mandá-la embora, porém se desmaiasse de novo, nunca
se veria livre dela.
O cão aproximou-se para investigar. Zach colocou a mão na árvore para se apoiar.
Butcher fazia jus ao nome. Tinha uma face preta cheia de cicatrizes e o tipo de patas
longas que atingiam velocidade muito rápido. Os olhos eram pequeninos e o animal
mantinha o rosto abaixado, como um cão escoteiro. Suas orelhas eram cortadas, assim
como o rabo, dando-lhe, de certo modo, ares de urso. Talvez fosse por causa do corpo
musculoso.
— Você gosta de cachorros? — perguntou ela.
— Gosto de vê-los bem. Prenda-o, por favor.
— Butcher só quer fazer amigos.
— Ele já teve sua grande chance.
— Ele não vai machucá-lo.
— Amarre-o — ordenou Zach, apertando o braço de Sarah.
Ela olhou durante um momento para ele, com os olhos um pouco mais escuros do
que a casca da árvore.
— Já que você insiste...
Ele observou-a, sentindo-se mais tonto do que nunca. Utilizando uma corda que tirou
de sua sacola, Sarah amarrou uma ponta na coleira do cão e a outra numa árvore do lado

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

oposto do acampamento. Zach estudou o tipo físico de Butcher para não reparar muito na
competência dela, que podia dar nós melhor do que um marinheiro.
— É cruzamento de pit bull com beagle? — perguntou ele.
— O pai era pit bull e a mãe cão de caça. Ele pode farejar um cervo há dois
quilômetros de distância.
— Mas ele não foi capaz de me descobrir tão rápido.
— Ele estava caçando — disse Sarah, afagando as orelhas de Butcher, com um
sorriso sereno nos lábios e um pouco irritada.
— Caçando o quê?
— O jantar. Ela caminhou até um amontoado de pelos marrons que estava no chão
e pegou-o. Era um coelho morto.
— Foi por isso que você não o escutou quando estava no cavalo. Ele não latiu, pois
estava com a boca cheia.
Sarah amarrou uma corda nas patas traseiras do animalzinho e pendurou-o em um
galho. Utilizando uma pinça, selecionou uma das latas dispostas na grade.
— Mais chá?
Agora que ela tinha as mãos ocupadas, Zach pode notar que os pulsos de Sarah
estavam machucados.
— Você não me disse que estava ferida.
— Meus ferimentos são bem menores do que o seu. Pode ficar sossegado que
tratarei deles depois.
— Você tem algo mais além dos pulsos?
Ela colocou chá em sua própria xícara e bebeu, tendo a expressão hesitante ao
observar a borda. Zach franziu as sobrancelhas. Sarah não seria tão relutante, a não ser
que tivesse algo maior do que um simples arranhão.
— Mostre-me, Sarah.
Ela ofereceu-lhe a xícara e Zach pegou-a em silêncio. Sarah levou as mãos até a
saia, levantando-a. Ergueu, então, uma perna e depois a outra. Os cortes não eram
profundos, mas em grande quantidade, cobrindo toda a sola dos pés. Ele lembrou-se de
algo que ela dissera sobre ter perdido os sapatos no riacho.
— Você não tem algo melhor para calçar além daquele tênis Nike surrado?
— Era meu único par de sapatos — disse ela, abaixando a saia.
— Você está brincando comigo? — Mesmo tendo bastante conhecimento da vida no
campo, não era possível que ela tivesse somente com um par de tênis gastos pelo uso e
alguns trajes compridos. — Qual é a sua idade?
— Vinte e quatro.
— Estou surpreso por ter conseguido viver tanto — disse ele, mais uma vez
impressionado pelo modo como ela colocava as coisas e sentindo impulsos de
responsabilidade.
— Aonde estão minhas botas?
— Deixei-as perto do fogo para secarem.
— Você vai usá-las quando nós sairmos daqui.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Ela olhou chocada.


— Elas são imensas, eu sei, mas temos alguns quilômetros até chegarmos na parte
principal da fazenda. Assim que chegarmos lá, devolverei tudo que perdeu. Tênis, roupas,
tudo.
— Não há necessidade.
— É claro que há.
— Zach, você não entende. Eu não posso ir com você, devo continuar meu caminho.
— Por causa do homem que te amedronta tanto? Quem é ele?
— Meu padrasto.
— Com certeza, um padrasto não pode ser uma ameaça a alguém da sua idade.
— Talvez não na maioria dos lugares, mas ele me considera sua propriedade.
— Estou cansado de argumentar. Você virá comigo.
— Mas...
Ele levantou o queixo dela, forçando-a a olhar para ele e perceber o quão sério
estava falando.
— Não vou permitir que machuque ainda mais seus pés.
Sarah abaixou a cabeça e passou a pontinha da língua pelos lábios. Era um gesto
nervoso, que chamou atenção dele, que a preferia assim, um pouco mais insegura.
— É muita bondade sua — disse ela.
Zach abaixou as mãos, apoiando-se na árvore, tentando parecer indiferente.
— Eu devo muito a você. Acho que quinhentos dólares são o suficiente para as
roupas. Bem, por minha vida devo fazer uma oferta maior. Dez mil dólares parecem
suficientes?
— Dez mil dólares?
A expressão de choque no rosto de Sarah demonstrava que não estava esperando
por isto.
— Não fique surpresa. Eu tenho essa quantia.
— Não estou duvidando de que você possui essa quantia, pois quem tem uma
fazenda é uma pessoa rica.
— O dinheiro nada tem a ver com a fazenda. Desde que saí de casa, tenho viajado
pelo mundo, trabalhando como posso e juntando tudo que ganho, só para provar para
meu pai que não sou um vagabundo como ele achava. E após treze anos, consegui
prová-lo. Pena que ele não possa estar presente para conferir.
— Tenho certeza que sim. Porém, não é disso que preciso.
— Leve em conta como um sinal de gratidão.
— Dez mil dólares é mais do que um simples sinal de gratidão, Zach.
— Para você talvez, não para mim.
— Contudo, não posso aceitar seu dinheiro — disse ela, irritada.
— É claro que pode, você acabou de dizer que o faria.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Eu falei que você podia substituir as coisas que perdi. Meu sapato e minha
camisa talvez valham cinquenta dólares, se muito.
— Use o que sobrar para comprar mais vinte pares de sapatos e mais cem dessas
camisas. O dinheiro é seu.
— Eu devo ser indelicada para que você me entenda? Eu não preciso!
— Doe para sua entidade favorita se quiser.
— É por isso que você acha necessário oferecer uma quantia dessas? Pelo fato de
minhas roupas estarem rasgadas aparento ser uma instituição de caridade?
— Se a carapuça servir... Resolveremos assim que chegarmos na fazenda.
Sarah enrubesceu, mas Zach recusou-se a sentir-se culpado. Ela era muito honesta
para sua própria bondade.
— Por que você está agindo assim? — perguntou ela.
— Por que eu posso.
Ele pôde ver a honestidade nos olhos dela tomar-se um pouco obscura e fria.
— Você pretende me arrastar até sua fazenda mesmo contra minha vontade?
Ela falou com a voz firme. Isto o fez sentir-se por baixo, reprimido, como um aluno
conversando com o professor. Queria que fosse ao contrário, que ela ficasse
amedrontada. Desse modo, a distância entre ambos continuava imensa. Sarah era uma
mulher sozinha e se não tomasse consciência do perigo que a ameaçava, ele daria uma
pequena demonstração. Se Zach tivesse sorte, encontraria algo a respeito dela que não o
agradasse e mataria dois coelhos com uma cajadada só.
— Sarah — murmurou ele — Não será contra sua vontade.
— Eu já deixei bem claro que não tenho a mínima intenção de ir com você. Agora se
me der licença, vou seguir meu caminho.
— Eu acho que não. Zach pegou o braço dela.
— Largue-me, por favor.
— Não antes de eu conseguir o que desejo.
— E o que ambiciona?
— Você.
— Está bem — disse ela, nervosa — Acompanharei você até a fazenda e lá nós
discutiremos a recompensa. Agora pode me soltar?
— Sarah, estou surpreso. Uma promessa feita sob obrigação não é bem uma
promessa.
— Eu dou minha palavra — disse ela, com os dentes cerrados.
— Preciso de algo melhor do que isso. Sele seu juramento com um beijo.
— Eu preferia beijar uma cobra — disse Sarah, esquivando-se.
Zach segurou-a com mais força.
— Podemos arranjar isto.
A princípio ela pensou que Zach estava brincando, mas ao verificar seu rosto não
teve tanta certeza. Ele tinha uma expressão vingativa.
— Por que você me trata com tanto desprezo?

32
Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

A verdade doía, mas Zach tinha vantagem física e estava prestes a prová-la, tanto
para ele quanto para Sarah. Com um movimento ágil, pressionou-a contra a árvore. Com
a respiração ofegante, Sarah tentou afastar-se. A adrenalina dava mais forças a ele, coisa
que um homem ferido não esperava. Ficou imaginando a paixão de Sarah assim que seus
lábios se tocaram, sentindo o agradável odor de iúca.
Butcher começou a latir com violência. Zach ignorou o cão, usando a boca e os
dentes para expandir o beijo através da pele macia do pescoço de Sarah.
— Pare! — choramingou ela.
Ele continuou seu caminho até as orelhas com a língua. Sarah se debatia, tentando
livrar-se de Zach, o que o fazia sentir-se mais determinado. Havia uma certa satisfação
em possuí-la dessa maneira, com vontade, especialmente por ela passar a impressão de
estar dominando a situação.
— Ei!
Com o som do tiro, Sarah livrou-se dele e correu para Butcher, soltando-o e
agarrando-o pela coleira. Escondeu-se atrás da árvore, esticando o pescoço para
observar.
— Quem está aí? — Zach perguntou.
— Dois homens montados vindo em nossa direção, trazendo um terceiro cavalo —
disse ela, lançando-lhe um olhar interrogativo. Parou por um momento, esforçando-se
para tentar ver mais em meio à poeira.
— Creio que seja o seu, mas eles estão muito longe para que eu possa afirmar com
certeza.
— Devem ser meus capangas — disse ele, imaginado que Coburn organizara uma
busca ao ver que a égua retornara sozinha. — Arrume suas coisas, Sarah.
— Eu nunca irei com você!
— Não seja idiota. Você não pode permanecer aqui sozinha.
— Eu não ficarei. Disse que sairia das suas terras ao anoitecer.
— O sol está para se pôr. Você vai caminhar no escuro e ainda por cima sem
sapatos?
— Eu já fiz isso antes.
Não sabia como, mas algo dizia que ela de fato o fizera.
— Não estou oferecendo alternativas — disse ele, imaginado que se Sarah fosse
homem não precisaria ser tão cauteloso. — Vou repetir. Estes homens que estão nos
cavalos são meus capangas. Somos em três e você está só.
— Tenho Butcher.
— Em quem você apostaria? Em uma mulher com um cachorro e a pé ou em três
homens a cavalo?
Ela respondeu ao tirar sua trouxa do galho e preparar-se para seguir seu caminho,
com uma determinação que Zach não podia acreditar, como um novilho prestes a fugir do
abate.
— Não ouse — disse ele.
— O que não devo ousar?
— Ir embora sem mim.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Você é tão esperto que é capaz de ler pensamentos, sr. Masterson? — disse ela,
parando de empacotar suas coisas.
— Não um bom leitor de mentes, mas um estudioso da natureza humana.
— Zach! — Berrou uma voz masculina.
— Olá, Coburn, Miller — disse ele, sem tirar os olhos de Sarah, que por sua vez não
piscava. Meu Deus, como ela era teimosa. Apesar de seu aborrecimento, concedeu-lhe
um sorriso de vitória.
— Então era aqui que estava escondido — Coburn estava montado em um
Appaloosa ligeiro, e aparentava preocupação. Atrás dele vinha Miller, trazendo Nutkin.
— Levei um tombo — disse Zach.
— O ferimento foi grave?
— Só um pequeno corte na cabeça.
— Eu e meus companheiros imaginamos que havia algo de errado assim que vimos
que a égua voltara sozinha.
— Ela está bem?
— Eu não a trouxe de volta? Você acha que pode voltar cavalgando?
— Se for bem devagar — disse Zach, pegando as rédeas e abraçando-a no
pescoço. Desta vez ela não tremeu.
— Mas que diabos aconteceu? — perguntou Miller.
— Ela pisou em falso no meio do riacho e me jogou para cima.
— Parece que ela queria mesmo acertar você — disse Coburn, descendo do cavalo
para espiar o machucado na cabeça de Zach.
— Eu bati numa pedra. Fiquei desacordado por um tempo, mas Sarah me puxou
para fora da água e cuidou de mim.
— Aquela coisinha minúscula que vimos?
— É. Ela está acampando aqui.
— Não está mais — disse Miller.
Zach verificou as redondezas e não acreditou. O fogo estava apagado e a grelha, o
recipiente de propileno e a manta haviam sumido. Ele olhou adiante. Lá estava ela,
caminhando, a saia cinza balançando com o vento. Butcher ia na frente, guiando-a.
— Quer que eu vá atrás dela, chefe?
Irado por Sarah ter ido embora assim, sem nenhuma palavra, Zach calçou as botas
e montou na égua. Ele manteve-se calmo, tentando evitar o impulso de galopar, pois de
certo cairia mais uma vez de cara no chão. E também deveria estar aliviado com a partida
de Sarah. Muito aliviado. A saída abrupta de Sarah significava que não devia nada a ela.
— Não. Se ela quis ir, deixe-a em paz.
— O que essa belezoca fazia aqui?
— Eu é que sei?
— Olhe aqui chefe! O que eu faço com isto? Quer guardar?
Miller pegou o pano vermelho que estava no chão e passou-o para Zach. Achando
necessário ter algo em caso do corte abrir de novo, rasgou-o em dois. Foi só quando o

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

tecido chegava ao fim que percebeu que o trapo ensanguentado um dia fora a camisa de
Sarah. Só um pequeno pedaço ficara branco, a parte da gola.
E foi este pequenino ponto que sensibilizou-o. Ela literalmente sacrificara suas
roupas. E ele não tinha oferecido nada em troca. Nada, somente raiva. De fato, Sarah
estava certa ao ter recusado o dinheiro. Deveria ter percebido antes que o dinheiro
poderia ofendê-la. Mas ele a queria longe de si.
A mão de Zach fechou-se em volta da roupa, formando uma bola. Ele olhou em
direção à cordilheira. Sarah desaparecera sem deixar rastros, como se nunca tivesse
existido. A não ser pela evidência que tinha nas mãos, não acreditaria que ela o tirara do
riacho, o fizera respirar e não permitira que sangrasse até a morte.
Colocou o pedaço de pano no bolso traseiro e pegou as rédeas.
— Mudei de ideia. Vá atrás dela, Coburn, e depois acomode-a no trailer até que eu
retome do hospital. Preciso levar alguns pontos nesse ferimento.
— Está bem, chefe.
— Coburn!
— Sim?
— Cuidado com o cachorro! Ele é muito nervoso.

CAPÍTULO QUATRO

Sarah acordou atordoada. Estava deitada em uma cama macia, muito mais do que
podia esperar. Também sentia-se aquecida, sensação que não experimentava há tempos.
Observou o pequenino aposento com um simples movimento dos olhos. As primeiras
luzes matinais adentravam pela minúscula janela ao lado da cama.
Janela, parede, cama... Há quanto tempo não experimentava tanto conforto!
Levantando a cabeça, sentiu dores nas costas e nos braços e lembrou-se onde estava.
No trailer de Zach Masterson. Pelo menos os capangas de Bar M denominavam-no
assim. Na noite anterior, contudo, quando Sarah tirou a colcha, não sentiu o cheiro dele
nos lençóis. Não teria dormido lá caso tivesse sentido o menor vestígio.
Espreguiçou-se, movimentando os membros. Butcher agitou-se na manta onde
encontrava-se deitando e fungou, estranhando o tecido grosso que cobria seu corpo.
Sarah deu a mão a ele que, contente, abanou o rabo.
— Salvar a vida de um homem nos garante ao menos uma boa noite de sono, não é,
garoto? — disse ela, afagando-o.
Butcher deitou-se contente e descontraído. O luxo de um travesseiro sob sua cabeça
a fez relaxar também. Na maioria das vezes tinha usado sua trouxa para tal finalidade. O
travesseiro, porém, era melhor, muito melhor. E os homens que a trouxeram para o trailer
também, comparados ao chefe.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Ela franziu as sobrancelhas, relembrando. Zach Masterson era um homem perigoso.


E fascinante. Talvez viesse a confiar nele após um tempo, o que achava difícil. Sarah
quase nunca se enganava ao julgar o caráter de alguém. Zach a agarrara tão de repente.
O beijo deixou-a atordoada, ainda mais pelo fato de estar quase sentindo admiração por
ele. Mesmo ferido, sabia lidar muito bem com a situação.
Ela levantou-se de imediato, com a intenção de estar muito longe da fazenda
quando Zach retornasse. Passara a noite sem sentir alguma obrigação para com o sr.
Coburn e o sr. Miller, que trataram-na com simpatia e respeito. Concordou em
permanecer, pois ambos afirmaram que seu chefe só retomaria do hospital no dia
seguinte. Eles não tentaram manipulá-la ou fazer com que se sentisse uma criança
incapaz cuidar de si mesma.
Abaixando a cabeça, Sarah verificou os pés. Agradeceu por ter tantos calos,
formados de tanto andar durante a viagem, confirmando que os machucados não eram
tão profundos. Remexendo na trouxa, tirou algumas faixas absorventes de pele de coelho
guardadas para emergências e enfaixou os pés, improvisando um par de mocassins.
Vestiu a blusa de algodão e a saia marrom, desejando ter tempo para tomar outro banho.
O banheiro do trailer era pequeno, porém tinha água corrente, luxo que não sentiu-se
acanhada em desfrutar. Na noite anterior até lavara os cabelos de novo, deliciando-se
com a abundante espuma do xampu.
Lavou o rosto com sabonete e água quente. Forasteiros pareciam não gostar de tais
confortos, mas tendo vivido sem eles durante tanto tempo, ela os apreciava. A seguir,
prendeu os cabelos e empacotou depressa seus pertences, pois o céu já tinha clareado
bastante. Calculou que seriam sete horas, muito mais tarde do horário em que costumava
acordar.
Colocando a sacola nas costas, deu uma última olhadela pelo trailer, encolheu os
ombros e abriu a porta. Um vento frio deixou-a arrepiada. A geada cobria toda a sujeira do
campo. Até que o sol estivesse mais alto, ela teria que andar rápido para manter-se
aquecida. Pelo menos, o chão gelado entorpeceria os ferimentos de seus pés.
Uma luz brilhava no grande galpão ao lado da construção rústica onde os
empregados dormiam. Os capangas cuidavam dos animais da fazenda. Ordenando a
Butcher que parasse, Sarah avistou, nas proximidades do celeiro, uma casa com vários
algodoeiros de folhas douradas na frente. As janelas estavam fechadas por tábuas,
propiciando alguma garantia de privacidade. Se pudesse se dirigir até a parte de trás da
casa, conseguiria sair da propriedade sem que alguém a visse.
Caminhou alerta, sempre verificando se um dos capangas a descobrira. Seus pés
deixavam pegadas pretas, em contraste com o chão esbranquiçado pela geada. Não
tentou escondê-las, deixaria que o sol o fizesse. Butcher acompanhava Sarah cauteloso,
sempre com o focinho atento para alguma anormalidade.
Ela sentiu um cheirinho de café e recuou. A simples ideia de caminhar quilômetros e
quilômetros com o estômago vazio era desconfortante, principalmente ao se lembrar do
jantar que o sr. Coburn lhe oferecera na noite anterior. Fazia tempo que não comia tão
bem. Para se distrair um pouco, Sarah entrou no meio das pequenas árvores, fora do
alcance de olhares curiosos. Deixou que Butcher bisbilhotasse entre as folhas caídas,
enquanto estudava a casa.
Tinha dois andares, quatro janelas e uma grande chaminé de tijolos; era cercada por
uma grande varanda, destruída em alguns lugares. Pedregulhos cobriam o terraço. A
pintura estava descascada revelando tábuas acinzentadas e madeira podre. Uma porta
um dia ocupara a entrada principal. Agora pendia, prestes a cair. Todas as venezianas
haviam caindo, demonstrando um ar de abandono.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Apesar da precária manutenção, podia perceber que a construção tinha sido de


primeira. Como um lugar magnífico como esse podia chegar a tal estado? O sr. Coburn
desculpara-se pela bagunça do galpão onde haviam jantado. Por que eles moram e
trabalham fora da casa? Uma cerca de estacas formava um grande e espaçoso lugar para
crianças brincarem. Havia até uma balança velha pendurada nos galhos grossos de um
imenso carvalho dourado. Do outro lado, uma macieira sem folhas projetava diversos
tipos de sombras na laje, como a dos ossos de uma mão magra.
Hipnotizada, Sarah puxou o portão principal e caminhou. Na sua cabeça imaginava
as tábuas pintadas de branco e as venezianas de preto, enquanto videiras verde
esmeralda cobriam a cerca da varanda. Podia ver laços nas cortinas das janelas e
calêndulas plantadas nas jardineiras.
Restaurada em seu pensamento, a casa era como uma que tinha visto em um livro,
trazendo-lhe à lembrança o cheiro de pão assado e feno e também a presença singela de
uma senhora com cabelos grisalhos na varanda, descascando ervilhas. Com bastante
concentração, Sarah podia até escutar crianças brincando, felizes da vida.
Lembrava-se dos dias antes da chegada de Cal, quando a saúde de sua mãe era
perfeita e o pai ainda vivia. E Granny, que também morava com eles. O lar deles era
muito menor do que este, tinha apenas um andar com seis aposentos. Na infância, Sarah
era dominada por um sentimento de alegria constante, com muita camaradagem e boas
intenções.
Nos fundos da casa, Sarah deparou com um enorme jardim, lotado de mato. Alguém
havia plantado flores e vegetais no verão anterior, os anuais já haviam morrido, mas os
perenes cresciam de forma violenta. Ela parou para colher algumas framboesas e comeu-
as parada na varanda, onde raios de sol pairavam como mel. Alerta, Sarah observou
Butcher fuçando entre remanescentes talos de milho e abóboras secas, à procura do que
mais adorava, esquilos.
O odor de terras e plantas era familiar, e pássaros se alimentando nos girassóis
fizeram-na sorrir. Ficou presumindo como seria ter uma casa e um jardim iguais para viver
como sempre sonhara.
Colocou as mãos na cintura, imaginando que maravilha seria se estabelecer num
lugar assim. Contudo, não podia perder tempo com devaneios. O gelo derretendo
indicava que as estações em breve mudariam. Tinha de encontrar um local seguro para
passar o inverno, além de um emprego que a sustentasse, um caminho que a preparasse
para o futuro.
Sarah também queria se manter distante de uma desgraça mais imediata, Zach. A
seu modo de ver, ele representava uma ameaça tão grande quanto Cal. Ele não gostaria
nada de não encontrá-la na fazenda quando retomasse. Devia partir antes para Boulder.
Melhor, talvez devesse ir até Denver. Apesar do rebuliço de cidade grande, poderia ser
mais fácil se esconder entre os bandos de pessoas que viviam lá.
Ajeitou rápido a trouxa e assobiou para Butcher. Ele veio correndo, ultrapassando-a,
ansioso para ir embora. Caminhando pelo jardim, Sarah virou-se a fim de dar uma última
olhadela na casa. As janelas do andar superior pareciam olhos, olhos em um rosto
solitário. Não poderia ajudar, mas a imagem lembrava a expressão de Zach quando se
deu conta de tudo que ela tinha feito para salvá-lo.
Sabia bem o que era solidão. Contudo, vivia assim desde a morte do pai e do
sofrimento da mãe com uma doença crônica. A casa expressava de maneira perfeita a
sensação, como um espelho colocado em frente a um rosto de uma alma perdida. Uma
alma que Zach estava prestes a vender.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Durante o dia podia entender a teimosia e a raiva dele. Sabia o quanto era difícil
fugir do passado. Talvez pudesse permanecer tempo suficiente para contar a Zach. Mas
ambos eram estranhos e com certeza ele zombaria dela; além do mais, Sarah fora capaz
de salvar-lhe a vida, mas não era forte o suficiente para salvar a alma dele. Deus era
testemunha da magnitude dos problemas de Sarah para manter-se viva.
Decidida, entrou no pomar localizado atrás do jardim. Butcher acompanhou-a. Mais
adiante podia ver uma cerca de arame farpado e, atrás desta, a estrada. Andou sem parar
e ouviu um suspiro mais profundo do que o barulho que fazia ao caminhar entre as
árvores. Olhando para trás, sentiu um nó na garganta. A casa chamava por ela, como se
possuísse uma voz.
— Adeus — murmurou.
Butcher latiu e, voltando, circulou em volta dela. Sarah seguia entre as folhas.
Escutou mais suspiros, como se fossem seu nome sendo cantarolado. Abaixou o queixo
contra o peito, limpou os olhos e forçou as pernas a prosseguirem. Era idiotice remoer-se
por algo que não .poderia ter. Os Patriarcas diziam que se devia ter cuidado com os
desejos intensos porque eles costumam conduzir ao pecado. O décimo mandamento
proibia que se cobiçasse o que pertencia ao próximo. Devia ir agora, encontrar uma
cidade, um trabalho, um lugar para morar.
Uma casa para morar. A casa de seu próximo, a do homem amado? Sarah parou,
imaginando se seria errado cobiçar uma casa onde ninguém morava? E ainda mais se o
dono não a queria. Ela virou-se devagar e avistou as construções da fazenda, distantes.
Deveria tentar? Não tinha muita noção do valor do dinheiro, porém dez mil dólares talvez
bastassem para uma casa abandonada. Nem mesmo alguém tão cabeça dura como Zach
discutiria o assunto.
Mas e se Cal a encontrasse ali? Ela não queria colocar a vida dos outros em perigo.
Sarah não tinha como saber se ou quando ele apareceria. Talvez tivesse se esquecido
dela. Agora, com uma oportunidade dessas nas mãos, começou a acreditar que tudo era
possível. Sarah chamou Butcher, levantou as saias e começou a correr. Cheia de
esperanças para o futuro, ela poderia suportar qualquer coisa, até mesmo Zach. Se ele
quisesse fazer um acordo, aceitaria. Mas não seria com o dinheiro dele, e sim com a
recompensa oferecida.
Sarah estava na cozinha do galpão e manejava com habilidade a massa que fazia. A
manteiga que adicionara cheirava muito bem. Pegou um pouco de sal e colocou na boca,
maravilhada com a sensação. Há tempos que não comia sal. O prazer inundou sua boca.
Sujou um pouco a saia com farinha, mas não importava, estava muito contente por poder
fazer pão, um de seus passatempos prediletos. Sentia-se bastante calma e alegre por
estar ali.
Há tempos não preparava um café da manhã assim. Observou as provisões que
utilizara e ficou confortada ao perceber que algumas coisas nunca mudavam. Até mesmo
a fumaça do ar era igual, um odor de bacon e ovos, café e biscoitos. Butcher estava
deitado num canto, com a barriga cheia e a cabeça entre as patas. Atrás, estavam os
homens, demonstrando que seus estômagos reclamavam de fome. Sarah os observou e
sorriu. Homens famintos eram idênticos em todo o mundo, seja em uma fazenda moderna
ou nos confins rústicos da Comunidade. E ela sabia muito bem como alimentá-los.
— Mais café, senhores? — perguntou ela.
— Você está nos mimando, Sarah — disse Ty Coburn, sentado na ponta da mesa
com os outros capangas.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Estou só retribuindo a gentileza de uma noite sob um teto de verdade. — admitiu


ela. — Há muito tempo que eu não tenho o prazer de cozinhar. Tinha esquecido o quanto
me agrada.
— Para nós também. Não temos um café da manhã como este desde que a sra.
Barton se aposentou — acrescentou Mel Lawson.
— E nunca mais comeremos estes biscoitos deliciosos e tão saborosos. Por que não
contratamos esta linda moça? Com todo o trabalho que Masterson nos designou, seria
muito bom se tivéssemos uma alimentação decente — disse Jason Miller.
— Tem razão, estou exausto de mexer na cozinha — falou Mel.
— O que você me diz, senhorita? Interessada? — perguntou Ty, pensativo.
— Quem sabe. Estou procurando um emprego — disse ela, tentando conter o
excitamento que tomava conta de si.
— O único problema é que a fazenda está prestes a ser vendida.
— Ah, é? Zach comentou comigo que tinha voltado para cá para se livrar da
propriedade, mas não tive certeza do que ele estava querendo dizer.
— Significa que todos os homens da fazenda estarão muito ocupados nas próximas
semanas juntando o gado e levantando as cercas. E seria bem melhor se tivéssemos
comida de manhã cedo e na volta também.
— Eu entendo e gosto bastante de cozinha, mas também preciso de um lugar para
ficar.
— Uma cama e um teto? Que tal o trailer? — perguntou Cal.
— Eu pensei que Zach estivesse hospedado lá.
— Ele costuma dormir fora, a não ser que o tempo esteja muito ruim. E acho que ele
não fará nenhuma restrição, pelo menos até experimentar sua comida.
— E que tal o casarão? Percebi que está abandonado.
Houve um pequeno silêncio enquanto os homens trocaram olhares.
— Não será possível — disse Cal.
— Por que não?
— Ninguém coloca os pés lá dentro há anos, Sarah. Está uma bagunça.
— Eu limpo tão bem quanto cozinho.
— Você terá que discutir isso com Zach. Foi ele quem abandonou a casa após a
morte do pai.
— Por quê? É um lugar tão maravilhoso.
— Não tenho o direito de falar. O que eu posso fazer, todavia, é oferecer a
hospitalidade do trailer. É meio velho, mas a sra. Barton, que morou lá durante nove ou
dez anos, cuidou bem dele. E caso você não se importe em trabalhar num local que em
breve será vendido, pedirei a Zach para contratá-la. Será muito agradável compartilhar de
uma presença feminina outra vez.
— Eu ficaria bastante agradecida.
O barulho de um carro fez com que Butcher se levantasse, latindo e cheirando o ar.
Sarah foi até a janela. Um táxi amarelo deixara Zach entre a poeira. Ele usava um jeans
preto que devia ser novo, um cinto e uma jaqueta que escondia todos os músculos,

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

expondo só o pescoço bronzeado. Continuava sem chapéu. O vento movimentou os


cabelos negros e Zach colocou a mão tentando segurá-los com um gesto rápido e
impaciente.
— Falando no Diabo... — comentou Ty, de seu lugar na mesa.
Butcher latiu, nervoso. Sarah ordenou que se calasse e apontou o canto onde estava
a manta de lã. Butcher obedeceu o comando, mas permaneceu alerta. Colocou a
cafeteira no seu devido lugar, trêmula, certa da importância do momento. Todos seus
planos iriam por água abaixo, a menos que fizesse com que Zach concordasse com ela.
A porta se abriu. Sarah virou-se rápido para olhar direto para ele e encostou no
balcão. Zach Fizera a barba. O cheiro dele tomou conta do ambiente. Sarah forçou-se a
encontrar seus olhos, tentando evitar lembranças desagradáveis. Mas a vitalidade que
definia Zach Masterson teve um impacto maior, e o curativo branco na testa reforçava
muito mais.
— Você está aqui. Que bom — disse ele.
— E um bom dia do fundo do meu coração — disse ela, sabendo que não deveria
ser grossa e cruzando os braços.
— Pensei que nós não o veríamos antes da tarde — disse Coburn, limpando a
garganta.
—Você sabe que não suporto hospitais. Convenci o médico a me liberar mais cedo.
— A cabeça está bem?
— Eu viverei. Não estou vendo trabalho sendo feito por aqui — disse, olhando pela
porta.
— Nós já estávamos de saída. — disse Ty, afastando a cadeira. Com licença, Sarah.
Os homens colocaram a louça na pia, pegaram os chapéus e saíram em silêncio, um
a um, passando por Zach, que quase não se moveu. Coburn foi o último e parou para
conversar. Sarah não podia ver a expressão dele, pois estava de costas. Olhos azuis
especulativos olhavam em sua direção. Ela concentrou-se rápido na pia, enquanto o rubor
lhe subia à face. Quando a porta se fechou, continuou a lavar a louça, esperando que
Zach desse o primeiro passo. Ele ficou na porta, observando-a.
— Você deve estar louca — disse ele, afinal.
— E não deveria?
— Eu esperava que uma noite bem dormida pudesse torná-la um pouco mais
serena.
— Você é quem precisa se acalmar.
— Oh! Ela acertou!
Percebeu um pouco de tensão na voz dele, mas sentiu uma mínima indicação de
concessão. — Você aceita uma xícara de café? — disse ela, parando com o trabalho.
— Muito obrigado.
Sarah serviu Zach, sem precisar colocar um pano para proteger as mãos.
— Significa que estou perdoado? — perguntou ele, quando recebeu a xícara.
— Não.
— Sarah — disse ele, pegando no braço dela. Butcher latiu na mesma hora.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Sarah levantou a mão e disse algumas palavras para o cachorro, que sossegou na
hora, porém sem tirar os olhos de Zach.
— Ele dá um novo significado à palavra cão de guarda.
— Eu mencionei ontem o tamanho de sua devoção. Não provoque-o de novo.
Zach deu um passo para trás, impressionado tanto com a proteção do animal quanto
com a habilidade de Sarah para controlá-lo. — Será que alguns biscoitos de bacon o
acalmariam?
— Ele não comerá da sua mão.
— Depois do que lhe fiz ontem, suponho não poder culpá-lo. Ofereça você a ele.
— Também não aceitará. Ele foi treinado por uma pessoa para não comer nada
além do que estivesse na sua tigela.
— Tente — disse ele, cruzando os braços.
— Aqui, Butcher — disse ela, oferecendo um biscoito a ele.
— Eu não me aproximaria se fosse você.
— Como a maioria das criaturas, ele nunca atacaria alguém que ama — disse ela,
aproximando-se do cão, ignorando o rosnado. — Não se mova, eu não posso garantir sua
segurança, pelo menos agora.
— Eu nem sonharia com isso — observou Zach, encostando de modo casual no
balcão. — Todavia, não havia nada de eventual na maneira em que observava a
interação entre a mulher e o cachorro.
— Aqui, Butcher — disse ela, segurando o biscoito e dizendo palavras dóceis. Ao
invés da postura ameaçadora, ele esticou o focinho para cheirar o alimento e balançou o
rabo. Mas, conforme Sarah dissera, não o pegou.
— Jogue no chão.
— Tome, garoto — disse ela, jogando o biscoito entre as patas do animal.
— Mostre ao desconfiado Zach sua personalidade marcante.
Butcher nem se deu ao luxo de cheirar. Tinha os olhos fixos em Sarah, que o
recompensou com um sorriso gentil. O cão aproximou-se para ser afagado.
— Estou danado — disse ele.
— Uma vez tentei dar-lhe um pedaço de carne crua — acrescentou ela, acariciando
Butcher antes de pegar o biscoito do chão. — Ele nem sequer tocou no bife.
— Deve ter sido treinado por uma pessoa muito experiente.
— Sim. Um verdadeiro perito.
— Foi ele, não foi? Seu padrasto — perguntou Zach, franzindo a sobrancelha.
— Sim.
— É por isso que ele está atrás de você? Você roubou seu cachorro?
— Cal não gosta de perder nada que possui — disse ela, ansiosa por mudar de
assunto. — Mandou Butcher para o canto e apontou para o curativo de Zach. — Você
tomou pontos no seu ferimento?
— Veja sozinha — disse ele, abaixando a cabeça.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Ela não acreditou na expressão divertida de Zach. Com certeza ele estava armando
alguma. — Eu não quero perturbar o machucado.
— O curativo precisa ser trocado de duas em duas horas. Você gostaria de ter a
honra?
Um pedido assim direto seria difícil de negar. Mas ela queria certificar-se de que
Zach estava bem, que a ferida cicatrizava. Então, pensou, poderia pedir emprego com a
consciência tranquila. Sarah caminhou para frente, colocando-se diante dele. Mesmo
quando Zach se abaixou, ela teve que ficar na ponta dos pés para poder enxergar direito
e colocou as mãos nos ombros másculos para equilibrar-se.
Sentia-se orgulhosa do modo casual que tirava os cabelos de cima do curativo. O
machucado não era muito grande, quase imperceptível devido à cor de Zach, e os pontos
tinham sido bem feitos.
— As pessoas que cuidaram de mim no hospital ficaram espantadas por não haver
nenhum sinal de infecção. Aquela coisa verde que você colocou em cima agiu bastante
bem.
— O milefólio é um ótimo anticéptico, além de estancar o sangue.
— Você precisa me mostrar a plantinha. Quem sabe eu não necessite algum dia.
— Os pontos estão doendo?
— Agora não.
— Estou vendo que o seu bom humor voltou — disse ela, colocando o curativo de
volta.
— Eu o perdi por um bom tempo, não?
Surpresa por Zach tê-lo admitido, ela levantou-se. — O que você faz, Zach, quando
não está ocupado vendendo a fazenda da família?
— Uau, uma pergunta pessoal. Devo estar fazendo progressos. Faço de tudo um
pouco. No presente, meu amigo e eu temos um negócio de turismo, onde levamos
pessoas para a floresta amazônica.
— Na América do Sul?
— No Brasil, para ser mais exato. Você já esteve lá?
— Não.
— Acho que iria gostar. Lá existem muitos tipos de plantas.
— Que tipos de pessoas vocês levam para a floresta?
— Cientistas, na maioria das vezes, de uma pequena cidade chamada Rio Negro.
Eles fazem pesquisas ambientais para tentar salvar as florestas. Nós somos uma das
poucas equipes que têm conexões tanto com o governo quanto com os nativos, portanto
podemos levar as pessoas aonde elas quiserem.
— A cavalo?
— Algumas vezes. Mas na maioria, de barco — disse ele, oferecendo a mão para
Butcher cheirar. O cão rosnou.
— Ele ainda não está preparado. Dê um tempo.
— Eu sei. Mas que cabeça dura!
— Você tem cachorros?

42
Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Qual o motivo da pergunta?


— Seu jeito com animais.
— Você vai recomeçar com aquela história de cowboy? Nós estamos tendo uma
conversa tão agradável.
Ele levantou-se para se servir de mais café e ofereceu para Sarah.
— Não, obrigada — disse ela, sorrindo. — Prefiro chá.
— Como você pode ter percebido, não sei muito bem como me desculpar — disse
ele, colocando o bule no balcão e estudando Sarah.
— Estou vendo.
— E você não vai facilitar, não é mesmo?
Zach ameaçou sorrir. Nos olhos dele, Sarah via uma expressão de lembrança que
lhe recordava a casa. Ao invés de responder a pergunta, foi até a sacola que deixara na
porta e tirou a primeira coisa que tinha comprado após ter saído da Comunidade, uma
tigela de plástico.
— É de Butcher — disse ela, dando-a para Zach.
— Muito obrigado. De todas as maneiras.
Um curioso calor correu através das veias de Sarah, o calor de um sentimento que
ambos sentiam. Não importava que ele não era o mais eloquente dos homens. — De
nada.
Sarah observava Zach enquanto ele picava os biscoitos em pedacinhos e colocava a
vasilha no chão.
— Aqui, garoto.
Butcher ignorou o comando. Ela não interferiu, para ver como Zach manipulava a
situação. Ele ajoelhou no chão e, paciente, esperou. Quando o cão começou a comer,
ficou segurando a tigela para que Butcher limpasse o recipiente. Um ato carinhoso, que
foi recompensado quando o cão terminou e cheirou os dedos de Zach.
— Coburn me disse que você está procurando um emprego — disse ele, afagando
Butcher com suas mãos largas e muito fortes.
— Sim — disse ela, respirando fundo. Eu quero pagar a dívida que tenho com você.
— Sua dívida?
— Pretendo comprar sua casa.
— Eu não tenho uma casa.
— A casa principal, do outro lado das árvores.
Ele parou de acariciar Butcher.
— Você só pode estar brincando — disse ele, lavando as mãos. Ninguém vive lá há
anos. Além disso, faz parte da fazenda. Não posso vendê-la sozinha.
— Então, quero comprar tudo — disse Sarah, estendendo-lhe a toalha.
— Como?
— A fazenda. Eu gostaria de comprá-la.
— Com o quê?
— Com os dez mil dólares que você me ofereceu ontem.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Eu não sei que escola você frequentou, mas com certeza não tinha matemática.
Só a terra vale pelo menos quinze vezes esse valor.
— É por isso que eu preciso de um emprego.
— Ah, claro. Sua lógica é perfeita.
— Você está desconsiderando a minha oferta?
— Acredite se quiser.
— Então eu tenho uma sugestão alternativa. Permita-me morar na casa a fim de
ajudá-lo a deixá-la em ordem para a venda.
— Em troca do quê? De um milhão de dólares?
— O preço dos consertos. Como você mesmo disse, ninguém mora lá há anos. Está
quase em ruínas — disse ela, olhando-o com muita seriedade.
— Foi Coburn que enfiou isso na sua cabeça? — perguntou Zach, com uma
pontadinha de humor.
— Não. Contudo, quando eu expus minha ideia, ele me disse que você talvez não
permitisse que eu ficasse na casa. E falou que você a fechou sozinho depois que seu pai
morreu.
— Sobre o que mais vocês conversaram? — disse Zach, olhando para a porta.
— Nada mais — disse ela, cautelosa. — Ele é, acima de tudo, um homem leal.
— Sim, ele é. Mas, você se lembra de que eu devo a você, e não você a mim.
— Tudo que você me deve é uma camisa e um par de sapatos.
Zach olhou para baixo, lembrando-se, os pés dela estavam descalços, dez dedos o
acusando, coisa que Sarah não fizera a manhã toda. O olhar dele percorreu o
comprimento da saia marrom e parou na blusa de algodão, cáqui. O efeito total era
monocromático, em tons de marrom, como uma pequenina fotografia antiga. E não só a
roupa fazia com que Sarah parecesse de outra época, mas também a pele, os cabelos
presos e as maneiras, exigindo um respeito que ele ainda não estava pronto para dar.
— Por que eu tenho a sensação que você está totalmente fora de seus costumes
aqui?
— Não, não sou eu quem estou, e sim você — disse Sarah, sorrindo.

CAPÍTULO CINCO

Sarah poderia dizer que a resposta que dera não o agradara muito. Zach ergueu as
sobrancelhas e ela sentiu-se como se estivesse pisando em uma camada muito fina de
gelo.
— Sentindo-se um pouco ousada?
— Ousada pode ser. Impetuosa também.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Ela não se esquecera da força dele, nem de suas mudanças repentinas de humor.
Mas pensava saber o que estava por trás.
— Você já teve tempo o suficiente para pensar no assunto. Vai me contratar?
Zach ficou imaginando o que seria mais importante para ela, a casa ou o emprego.
— Você prepara duas refeições por dia e mantém as áreas comuns do galpão
limpas e, em troca, eu lhe darei uma cama, um teto e duzentos dólares por semana.
— Perfeito. E sobre a casa?
— Vou pensar.
— Não tenho muito tino com negócios, mas sei que será bastante difícil vendê-la
nessas condições.
— Se alguém tiver muito interesse nas terras, nem ligará para a casa. Há alguns
anos, pensei em demoli-la sozinho.
— Por quê? — perguntou ela, horrorizada.
— Pertencia a meu pai. Nós não nos entendíamos muito bem.
— E sua mãe?
— Ela foi embora quando eu tinha oito anos. Divórcio.
— Apesar de tudo, a casa foi bem construída e manteve-se em pé ao longo do
tempo. Eu sei que deve valer alguma coisa.
— É possível.
— Com certeza você obterá um preço melhor se as construções estiverem em bom
estado.
— Eu já falei, vou pensar.
— Não foi por isso que você contratou os capangas para ficarem mais um mês?
— Basta, Sarah. Vou considerar o que disse, pensarei a respeito. Agora temos mais
coisas com que nos preocupar. — Ele pegou um molho de chaves que estava pendurado
ao lado da porta.
— Aonde nós vamos?
— Fazer compras, lembra? Uma camisa nova e um par de sapatos.
O plano de Zach era levá-la à loja de departamentos mais próxima, dar dinheiro
suficiente para repor as lingeries e os tênis, e então, oferecer um adiantamento para que
comprasse tudo que precisava. Fazer compras era um martírio para Zach. Portanto, ele
queria fazê-las o mais rápido possível. Mas, enquanto dirigia, reconsiderou o destino. Ele
não queria nada barato, e não existia uma lei que dissesse que ele teria de repor peças
iguais. Seria simpático se Sarah aceitasse um pouco da generosidade de Zach. Então ele
dirigiu alguns quilômetros extras até o Crossroads Mall e levou-a à Amsterdam’s, a loja de
departamentos mais cara da cidade. A primeira parada foi no departamento de crédito.
Ele teve que segurar na mão de Sarah, pois desde a entrada pela elegante porta de vidro,
ela manteve-se distraída.
— Eu sei que você não vê a hora de fazer suas compras, mas vou lhe dar um cartão
para que você use sozinha.
Ele abriu uma conta em seu nome e colocou Sarah como co-signatária. Quando ela
teve que assinar, sua mão tremeu, e Zach se lembrou do sobrenome com que ela se
apresentara hesitante, Smith.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Não se preocupe, enquanto eu pagar as contas, tudo é legal.


Ela assentiu, mas Zach pode ver que estava preocupada.
— Você melhorará assim que comprar algumas roupas novas. Ele colocou o cartão
na mão dela e caminharam até a passagem principal. — Encontrarei você no lugar onde
entramos — disse ele, consultando o relógio. — Daqui duas horas. Acho que é o
suficiente.
— Você vai me deixar aqui?
Zach percebeu que fora a primeira palavra que Sarah dissera desde que haviam
deixado a fazenda.
— Eu também tenho algumas coisas para comprar. E será mais rápido se ficarmos
separados.
— Mas e se algo sair errado? Ela olhou para o cartão como se fosse um objeto
estranho.
— O que daria errado? O cartão tem um limite de crédito, então você não poderá ir
tão longe. Zach viu que os olhos dela estavam cheios de lágrimas. Qual seria o
problema?
— Eu achei que fôssemos ficar juntos — disse ela.
— Mais tarde ficaremos juntos. Daqui duas horas, almoçaremos — ofereceu ele,
imaginando que fosse surtir efeito.
— Zach, por favor — disse ela, agarrando o braço dele. Eu não sei o que devo fazer.
Ela olhou para o lado e viu dois manequins com roupões de seda. Zach não pôde
ajudar, só ficou imaginando Sarah dentro deles.
— Veja, eles têm muita variedade. Se você olhar bem, poderá encontrar algo que
goste. Agora eu tenho que ir.
— Mas eu nunca fiz isso.
— Isso o quê?
— Eu nunca comprei roupas desse tipo.
— Sarah, é como comprar qualquer outra coisa — disse ele, demonstrando
impaciência. — Deus do céu, ela agia como se nunca tivesse entrado em uma loja. —
Você vê algo que gosta e leva até a caixa registradora. Mostre o cartão à pessoa que lá
estiver e pronto.
— É só isso?
— E só isso!
Ele a deixou parada na frente da arara de penhoares, saindo pela ala de saias. Zach
tinha horror de mulheres grudentas e a falta de colaboração de Sarah o irritara mais do
que o normal. Até então ela não pareceu ser do tipo. Zach olhou para trás, esperando que
ela encontrasse algo no meio de tantas roupas. Sarah continuava imóvel no local onde a
deixara. Se escondeu atrás de alguns manequins. Pôde ver um outro comprador que,
lotado de compras e com duas crianças, a forçara a sair do caminho.
Voltando à realidade, Sarah olhou ao redor. O teto parecia fascinante. Zach também
olhou para cima. Luzes fluorescentes, sistema de incêndio e autofalantes. Nada de
especial. Ela tocou o roupão de seda e, como se tivesse levado um choque, recuou,
chocando-se com uma arara de vestidos. Alguns caíram e os cabides tilintavam no chão

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

de mármore. Sarah abaixou-se depressa para pegá-los, torcendo para que ninguém
estivesse olhando. A sorte é que, como era cedo, não havia muitos fregueses na loja.
Ela tentou colocar os cabides de volta na arara. Por alguma razão tudo parecia novo
para Sarah: as luzes, a variedade de cores e texturas, o imenso volume de mercadorias.
Zach acelerou o passo, incerto do que ela diria ao vê-lo mais cedo. Ele tocou no ombro de
Sarah, que virou-se, com a mesma expressão que a vira ontem. Solitária. Uma mulher
solitária.
— Venha — disse ele. — Vou ajudá-la a começar.
Ele pegou na mão de Sarah e caminharam até a seção de lingerie. Duas vendedoras
estavam conversando atrás da caixa registradora. Ele chamou a mais idosa, a de cabelos
grisalhos e que parecia uma matrona, esperando que, devido à idade, Sarah se sentiria
mais à vontade.
— Com licença, madame — disse ele. — Tenho aqui uma jovem senhorita que
necessita de sua ajuda.
— Sim, senhor.
— Esta é Sarah. Sarah, esta é a senhora...
— Sra. Schwartz.
— Sra. Schwartz, Sarah acabou de chegar de uma viagem ao exterior e, agora que
está de volta aos Estados Unidos, precisa de lingerie nova.
— Bem, você veio ao lugar certo, minha querida. Qual é o seu número?
— Eu acho que a senhora terá de se encarregar disso, sra. Schwartz. Já faz tanto
tempo... — disse Zach, notando o silêncio de Sarah.
— Está bem. Venha comigo, querida.
— Zach? — perguntou Sarah.
— Está tudo bem — disse ele, apertando-lhe a mão. A sra. Schwartz levará você até
o provador para descobrir o seu tamanho. E eu esperarei aqui.
Elas retomaram alguns minutos depois. A vendedora parecia satisfeita e Sarah,
escandalizada.
— Manequim 40 — anunciou a sra. Schwartz.
Zach franziu as sobrancelhas, indignado pelo fato da senhora achar necessário
divulgar em bom tom as medidas de Sarah. Por sorte não havia outros fregueses na loja.
— Ela precisará de tudo — disse ele. — Da cabeça aos pés.
As duas vendedoras pegaram diferentes tipos de sutiãs, calcinhas, chinelos e
camisolas.
— Zach, é inconcebível que um homem compre tantas roupas desse tipo para uma
mulher—disse Sarah, chegando bem perto dele.
— Sarah, você perdeu sua camisa e seu tênis por minha causa. Eu só estou
substituindo...
— Você está comprando muito mais do que eu perdi.
— Você vai trabalhar para mim. É importante que todos na fazenda usem roupas em
bom estado.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Mas eu nunca poderei lhe pagar, nem mesmo se eu trabalhar durante muito
tempo.
Ele tirou Sarah do olhar curioso das vendedoras.
— Sarah, vou dizer de novo. Você deve usar roupas normais, e roupas de baixo
decentes. Você sabe que suas roupas estão tão gastas que chegam até a ser
transparentes? Deixe-me comprá-las para você.
As bochechas dela enrubesceram e Sarah não discutiu mais. Retomando ao caixa,
ela seguiu, indecisa, a sra. Schwartz até o provador. Zach sentou-se em uma cadeira do
lado de fora. Ele ficaria até certificar-se que Sarah estava bem, depois iria embora.
A senhora idosa voltou dois minutos depois, com um olhar de aprovação. — Venha
comigo, senhor.
— O que há de errado? — perguntou ele, indignado. Se continuasse assim, ficariam
na loja o dia todo.
— A senhorita se recusa a cooperar. Ela nem mesmo responde às minhas
perguntas.
Zach nem se atreveu a falar alguma coisa. A sra. Schwartz parecia começar a se
irritar. Talvez Sarah também se sentisse assim. Ele a seguiu até a entrada do provador e
parou. Será que Sarah estaria sufocada dentro daqueles cubículos? Espelhos de prata
cobriam as paredes e as cadeiras cor-de- pêssego delicadas pareciam não suportar mais
do que um gatinho, e não um ser humano. Uma porta estava fechada.
— Ela diz não acreditar como tais coisas possam custar tão caro. Sarah se recusou
a experimentar algo até que você viesse aqui. Eu lhe disse o pouco que seu dinheiro
estava comprando — murmurou a sra. Schwartz. — Por quanto tempo esteve fora?
— Pode deixar que eu cuido disso — disse Zach.
— Por favor, veja o que vai fazer. Esperarei na caixa registradora, ao lado da
entrada do provador. Não gostaria que uma de nossas clientes encontrassem um homem
aqui.
— Não, com toda razão.
Zach esperou até que a senhora desaparecesse para bater na porta de Sarah.
— Sou eu — disse ele.
— Graças a Deus — disse Sarah, destrancando a porta. Zach pegou na maçaneta,
mas não abriu.
— Qual é o seu problema, Sarah?
— A senhora já se foi?
— Acho que sim.
— Eu quero que você, e mais ninguém, veja estes trajes íntimos.
— Bem, se for necessário, mas eu penso que não deveria vê-la assim.
— Ontem eu usava menos roupas do que agora.
— Sarah, eu não poderia estar aqui dentro. Este local é só para mulheres. A sra.
Schwartz é quem deveria ajudar, não eu.
— Eu não gosto dela.
— Chamarei outra vendedora, então.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Não quero mais ninguém. Você me disse que poderia ver minhas roupas. O que
você acha que aconteceria se eu usasse isso?
Ela jogou um sutiã por cima da porta. Zach abaixou para pegá-lo. Sarah abriu a
porta, indignada, vestindo um robe de flanela que cobria quase seu corpo inteiro. Zach
sentiu-se agradecido.
— Se você quisesse algo com mais tecido, era só pedir — disse ele, erguendo o
sutiã.
— O que eu quero é um corpete e uma camisa de algodão. Quando eu pedi para a
sra. Schwartz, ela riu na minha cara.
— Bem, ela não deveria ter feito isso — disse Zach, imaginado a cena. — Sarah,
ouça. Sei que você não está costumada a usar esse tipo de lingerie. Sei que elas
parecem estranhas se comparadas a um corpete, mas se adaptarão da mesma forma.
— Homens usam essas coisas?
— Não, mas sei do que estou falando — disse ele, imaginando a quantidade de
sutiãs que já tinha aberto em toda sua vida.
— Como?
— Tenho mãe e duas irmãs — safou-se ele, com rapidez.
— Irmãs?
— Sim.
— É difícil para mim imaginar você como membro de uma família normal. Elas não
moraram na fazenda?
— Quando meus pais se divorciaram, meu pai ficou com a custódia dos meninos e
minha mãe com as meninas. Ela mudou-se para a Flórida e, desde então, não as vi mais.
— Ele colocou o sutiã nas mãos de Sarah. — Ande logo, eu pretendo sair daqui antes do
final do próximo século.
Ela colocou as mãos em cima das dele, evitando, assim, que Zach fechasse a porta.
— Sua família se dividiu em duas?
— Acredite, foi o melhor caminho — disse ele, afastando-se do provador. —
Encontrarei você na caixa registradora.
— Quantos irmãos você tem?
— Dois.
— Quais os nomes deles?
— Por favor, Sarah, conversaremos sobre isso mais tarde, está bem? Depois que
você terminar.
— Fale agora, enquanto eu descubro como se coloca esta coisa.
Os pensamentos lascivos de Zach devem ter transparecido em seu rosto, pois Sarah
apontou um dedo para ele.
— Eu disse para você conversar comigo de lá — disse ela, apontando para a
cadeira.
— Eu falei, só mulheres.
— Que diferença faz? Você e eu somos os únicos aqui.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Para Zach seria um prazer ficar.


— Por favor, Zach. Conversar fará com que eu me sinta menos constrangida.
— Constrangida?
— Pode confessar. Todos podem falar só de olhar para mim o quanto sou ignorante.
— Então você nunca usou um sutiã antes? Isso não a toma ignorante.
— Eu nem sei como colocá-los.
— Chamarei a vendedora para ajudá-la.
— Ela rirá de mim outra vez, ainda mais quando souber que eu não sei vesti-los.
Fique comigo, Zach. Por favor.
— Se você prometer vestir essa coisa o mais rápido possível, ficarei aqui.
Zach puxou a porta, fechando-a, e observou a cadeira antes de encostar na parede
do lado oposto da cabine de Sarah. De onde estava, podia ver, por baixo da porta, os
dedos, os pés delicados e as panturrilhas dela. Por sorte, pensou ele com cinismo no
olhar, ou seria azar, o ângulo não era bom para que visse o corpo todo dela. Mas os trinta
centímetros inferiores das pernas estavam visíveis, graças a Deus.
— E então? — ela perguntou.
— Então, o quê?
Sarah ficou nas pontas dos pés, virando-se para frente e para trás. As solas
pareciam ter melhorado, os cortes cicatrizavam rápido.
— Os nomes.
Um tecido rosado escorregou pelas pernas dela até o chão, e ela tirou a calcinha.
— Como? — perguntou Zach, dirigindo o olhar para o teto, com a boca seca.
— Você disse que tinha dois irmãos. Como eles se chamam?
— O primeiro, Abraham — disse ele, tentando pensar. Porém, o teto não ajudava.
— E depois?
— Elizabeth. — Zach não podia mais suportar e olhou para o vestíbulo. Sarah
estava provando uma lingerie de seda marfim.
— Quem mais?
— Joseph.
— E sua outra irmã? — disse ela, abaixando-se para subir a calcinha.
— Lacy.
— Que tipo de nome é esse?
— Margaret — disse ele. — O nome dela é Margaret.
— Todos nomes bíblicos.
— Como?
— Todos os nomes da sua família vêm da Bíblia. Os nossos também.
Zach ouviu um barulho de seda. Sarah devia estar provando algo por cima das
calcinhas. Ele tentou prosseguir a conversa, fazendo perguntas.
— Nossos?

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— O meu povo.
— Que povo?
— A Comunidade.
— É esse o nome da cidade que você mora?
— É como nós a chamamos. O nome oficial é conhecido como Comunidade
Fraterna.
— Soa como um culto religioso.
— Não é como aqueles que eu li a respeito nos jornais. Não há conversa sobre
guerras, muito menos estocagem de armas. A Comunidade foi fundada nos princípios da
harmonia, espiritualidade e simplicidade. Nós vivemos como os fazendeiros há centenas
de anos.
— Você quer dizer, como a seita dos Amish?
— Sim, minha mãe me contou sobre as Velhas Fraternidades. Nós também levamos
uma vida simples, mas algumas pessoas seguem à risca os ensinamentos da Bíblia.
Aqueles que fundaram a Comunidade vêm de diferentes tradições. Meu pai me explicou
como, há trinta anos atrás, muitas pessoas de sua geração escolheram seguir os passos
dos antepassados. A Comunidade foi fundada para comemorar vidas assim.
— Você quer dizer, a Comunidade não pertence a um grupo religioso organizado?
— Exato. A crença de meu pai, por exemplo, era o Grande Espírito. Já minha mãe,
foi criada com base no catolicismo, então fui batizada em nome de Jesus.
— E qual é a sua fé?
— Hoje em dia, ambas. A meu ver, o Grande Espírito é uma outra designação para
Deus, o Criador de todos nós.
Zach ficou espantado, pois, com todo o conhecimento religioso dela, tinha crenças
similares.
— Isto deve ficar pendurado nos meus ombros dessa forma? — perguntou ela,
abrindo a porta.
Ela vestia a calcinha de seda e uma camisola combinando, com o sutiã em baixo, no
lugar certo. Mas as alças estavam frouxas e caiam sobre o braço.
— Não, a menos que você seja a Madonna.
— Com certeza se os sutiãs fossem uma invenção moderna, a Madonna não
poderia ter usado.
— Eu estava falando de outra Madonna — disse ele, percebendo as limitações da
experiência de Sarah. Não se espantava ao ver que ela agia como sábia em um minuto e
no outro como uma tola. Tinha muito pouco conhecimento da vida moderna. — Uma
cantora.
— Que tipo de cantora?
— Muito popular hoje em dia. Ela é um pouco mais liberal com o vestuário do que
você ou a Virgem Maria. Pronto — disse ele, apertando as alças. — Como se sente?
— Estranha.
— Pois está ótimo.
— Todas as mulheres usam isso embaixo de qualquer roupa?

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— À noite você pode tirá-lo. Estou querendo dizer que para dormir, você não precisa
usar nada. Quero dizer...
— Você não precisa ficar embaraçado, Zach. As mulheres da Comunidade também
não usam os corpetes à noite.
Era uma ironia Sarah dizer a ele que não ficasse sem graça. Durante a hora
seguinte, Zach ajudou-a a apertar alças, abrir fechos, sentindo-se útil. Ele descobriu que
era filha única e tinha sido educada na escola da Comunidade, junto com as outras
crianças. Aos quinze anos, o pai morreu num acidente de trator. A mãe, então, contratou
um homem chamado Cal para ajudar nos trabalhos e, dentro de um ano, estavam
casados. Sarah nunca gostara dele, porém ficou sobre o mesmo teto apenas para cuidar
da mãe doente. Quando ela morreu, Sarah deixara a Comunidade, querendo conhecer
novos modos de vida.
Zach também contou um pouco de si, sobre as viagens que fizera pelo mundo todo.
Ao deixarem o provador, esperou chegarem até o caixa, onde a sra. Schwartz fazia as
contas, para fazer a Sarah sua melhor confissão. Quando criança, roubava as calcinhas
das irmãs e confeccionava paraquedas para seus homenzinhos do Exército.
A sra. Schwartz olhou para eles, boquiaberta. Sarah e ele estavam caminhando com
as sacolas de compras, quando ela perguntou o que era um paraquedas. — Um
equipamento que serve para reduzir a velocidade da queda durante um salto de avião.
— Você já saltou?
— Muitas vezes!
— E não ficou com medo? — perguntou ela, com os olhos arregalados. — Tenho
visto aviões voando no céu, muito altos.
— É óbvio que eles precisam voar alto. A outra parte da brincadeira é o rush de
adrenalina.
— O que é um "rush" de adrenalina"?
Ele a guiou até a ilha principal e tentou explicar como era a sensação, o impulso que
o levava a escalar a montanha mais alta e velejar pelos mares mais tempestuosos, em
busca da aventura mais ousada.
— Agora é a vez do Brasil, que possui a última floresta virgem da terra. Depois,
pretendo ir para o Polo Sul, para a Antártida. É o único continente onde ainda não estive.
— Eu aprendi nas minhas lições de geografia, que na Antártida é muito frio. Você
não cansa de tanto viajar? Nunca pensou em se estabelecer em algum lugar?
— Eu adoro a minha liberdade.
— Que liberdade?
Ela de certo não compreendera. Conversar com alguém tão ingênuo como Sarah era
quase impossível. Pensou bem antes de definir sua filosofia de vida em uma só palavra.
— Responsabilidade.
— Você não deseja ser responsável?
— Só para mim mesmo.
— E com sua família, seus irmãos e irmãs?
— Meu irmão mais velho, Bram, mantém contato, mas a única coisa que tenho em
comum com o resto é o nome.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Mas com certeza você pode criar uma nova família. Não pensa em casar e ter
filhos?
— Para que eu ia querer uma esposa e um filho? Eles só atrapalhariam meu
caminho. Eu adoro a minha vida do jeito que é.
— Você é um daqueles rapazes alegres que não gostam de mulheres?
— Você está achando que sou gay?
— Sim, este é o termo. Você acabou de me dizer que adora ficar na corda bamba.
— Eu não sou gay, Sarah.
— Como não? — perguntou ela, confusa.
— Você realmente quer saber como eu sou?
Ele pegou no queixo dela e olhou a boca delicada.
— Para poder saber, precisa ficar bem quieta. Promete?
— Por que eu devo me manter calada?
— Por que eu vou beijá-la de um modo que nunca ninguém a beijou antes.

CAPÍTULO SEIS

— Beijar-me? Aqui, agora? Por quê? Sarah fez a última pergunta em pânico e
esticou os braços para afastá-lo de si. Mas ele segurava seu queixo e tinha a outra mão
atrás do pescoço dela, puxando-a para perto.
Diferente do dia anterior, os dedos não estavam sendo forçados e Zach tinha um
sorriso agradável. Ela experimentou uma sensação muito agradável. Os lábios deles se
tocaram de leve. Sarah sentiu um aroma de menta, que tomou conta do ambiente. Ao
colocar a mão no peito dele sentiu as batidas do coração. O mesmo ritmo apoderava-se
dela. A delicadeza daqueles lábios carnudos era um contraste marcante. Talvez fosse por
isso que ela se sentia tão atraída por Zach.
Sentiu-se perdida, pois o medo que esperava sentir não apareceu. Os dedos dele
percorriam o pescoço de Sarah, que não tinha vontade de fazer nada para impedi-lo. Em
vez, sentia um doce ímpeto de antecipação.
— Abra-a para mim, Sarah — murmurou ele.
Ela não tinha ideia do que Zach queria até que a língua dele contornou a linha
daquela boca doce. Sentiu-se toda arrepiada e, se não segurasse em algo, cairia no chão.
Amparou-se com firmeza na camisa dele. Meus Deus, salve-me!
Zach pegou nos braços de Sarah, interrompendo o beijo. Ela estava com os olhos
arregalados. Ele ignorou a vontade de beijá-la de novo. Por enquanto bastava.
— Não sou gay, Sarah. Entendeu?

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Você não está contente por ter me beijado? — perguntou ela, colocando as mãos
na cabeça sem compreender nada.
A ingenuidade de Sarah teve um efeito perverso. Ele inclinou-se para o ouvido dela
e sussurrou uma definição mais clara. Mesmo, sem mencionar maiores detalhes, Sarah
enrubesceu.
— Mas como? — perguntou ela, chocada.
— Vou deixar por conta da sua imaginação.
Ela ficou inteira vermelha. Foi então que Zach desejou ensinar mais coisas a ela
além de um beijo. Pegando-a pela mão, ele levou-a até o departamento de roupas
esportivas. Sarah estava tão chocada com a conversa, que nem se dignou a dizer algo.
Ele chamou uma vendedora, desta vez muito mais jovem, e pediu que escolhesse
algumas roupas para uma jovem senhorita com manequim 40.
A moça pareceu captar de imediato o gosto de Sarah, pois voltou com dúzias de
roupas em estilo conservador. Meia hora depois, Sarah estava com um vestido rodado até
os joelhos. Era simples, porém elegante, e caiu como uma luva, tanto que Zach comprou
mais um, azul. Também comprou duas saias, cinco blusas, três jeans, mesmo ouvindo
que nunca iria vê-la usando.
— Veremos — disse ele.
Sarah ficara calada o tempo todo durante a escolha das roupas; com os sapatos,
todavia, foi muito diferente. Ela queria um par de tênis Nike. Quando viu os possíveis
calçados para usar com os vestidos, quase caiu para trás. A moda ditava os saltos
plataforma. Por fim decidiram levar um par de tênis baixinhos de couro e chinelos de
flanela. O inverno se aproximava e recordou-se de como o chão de madeira da velha
casa poderia ser frio. Ou melhor, do trailer. O piso do trailer também deveria ser bastante
gelado. Compraram diversos tipos de meias, para todas as ocasiões. Estavam lotados de
sacolas, caminhando para a saída quando Sarah parou na frente de um balcão de
cosméticos.
Ela passou todas as sacolas para Zach, que sentiu-se como um perfeito cabide. Já
estavam lá há três horas, tempo mais que suficiente. Foi até o carro, deixou as compras e
voltou para o departamento de cosméticos. Encontrou Sarah perto de onde a deixara.
Pudera, ela agia como uma criança em uma loja de balas, abria cada vidro de perfume
para sentir o cheiro, experimentava cada creme. Zach estava exausto e com pressa para
comer.
— Vamos, Sarah — disse ele, colocando a mão na cintura dela.
— Espere Zach, você precisa cheirar isto.
Ela segurava um frasco com uma tampa em forma de diamante, que ele cheirou. O
aroma era delicado, como flores silvestres. Uma moça enfiada em um avental branco
apareceu e perguntou se desejavam ajuda.
— Só estamos olhando — respondeu Zach, imaginando assim que a mulher os
deixaria sozinhos.
— E a senhora, madame? Ela sorriu para Sarah, mostrando todos seus brilhantes
dentes brancos. Zach verificou o crachá com o nome Mystee e suspirou.
— Temos uma promoção especial esta semana — disse ela. — Você gostaria de
uma limpeza de pele gratuita?
— Não custa nada? — perguntou Sarah, intrigada.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Sarah, acredite em mim — disse Zach, pegando em seu braço. — Não custa
nada agora, mas pode ter certeza de que a hora que terminar, alguma quantia precisará
ser desembolsada.
— Não, senhor — disse Mystee. — Não há nenhuma obrigação em comprar.
— Posso, Zach?
— Nós estamos aqui há mais de três horas. Já é mais de uma hora da tarde. Você
não está com fome ou cansada?
Ela devolveu, relutante, uma amostra de sabonete.
— Só vai levar alguns minutos, senhor — interferiu Mystee. — Nós temos alguns
produtos maravilhosos formulados para renovar a pele. Como este spray de água mineral.
Ela espirrou no braço de Sarah.
Zach sentiu o odor do líquido. Muito agradável e parecia a iúca que ela usava nos
cabelos.
— Acha que podemos desperdiçar alguns minutos, Zach?
Ele tinha certeza de que o tratamento demoraria bem mais do que simples minutos.
— Talvez mais tarde.
— Por favor — disse Sarah, pegando no braço dele.
— Está bem — resmungou Zach. — Mas nem um pingo de maquilagem.
— Ela tem uma pele tão bela que não necessita — disse Mystee. — E garanto que a
senhora sempre terá uma pele muito bela se seguir os passos básicos de limpeza e
hidratação.
Os cuidados demoraram vinte minutos. Parecia que nunca alguém tinha tratado da
pele de Sarah e, vendo o brilho nos olhos dela, teve a certeza. Quando Mystee pegou um
lápis delineador, Zach levantou-se para interferir.
— Eu disse, nenhuma maquilagem.
— Você tem toda razão. Ela possui traços tão perfeitos que não precisam de
retoques — disse ela, com voz suave. — Só vou passar um pouquinho de lápis nos olhos
negros para realçar o brilho profundo. Um colorido trará mais vida. E um pouquinho de
batom não faz mal a ninguém.
Ele manteve-se calado enquanto Mystee terminava, mas seu coração quase parou
quando Sarah se levantou. Não era nem o vestido novo, nem a maquilagem, e sim o
brilho no olhar.
— Você gostou, Zach?
— Muito.
— Agora ninguém vai rir de mim.
Zach acabou comprando um monte de produtos, só para ver Sarah sempre tão bela
e contente. Então foram para um restaurante almoçar. Assim que sentaram, ela apoiou os
cotovelos na mesa e permaneceu pensativa, consciente dos olhares.
— Sim, eles estão olhando para você — disse Zach.
— Ah, é?
— As mulheres estão olhando com ciúmes de você. E os homens com ciúmes de
mim.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Sarah riu e o chamou de terrível mentiroso. Concentrou- se, então, no cardápio, pois
a fome também era muita, lendo-o com atenção. A garçonete veio atendê-los. Sarah
pediu um hambúrguer, fritas e um copo de leite. Zach escolheu o mesmo, só que em vez
de leite, cerveja.
— E aí? — perguntou ele, após a moça ter ido embora. — Você está gostando?
— Demais! E você?
— Eu abomino fazer compras — disse ele, pegando na mão de Sarah. — Mas a
acompanharei todas as vezes que quiser.
— Você jura?
— Há uma coisa que você deve saber a meu respeito, Sarah. Quando eu prometo
algo, sempre cumpro. Promessa é dívida.
— Isso me faz lembrar a discussão que tivemos mais cedo.
— Que discussão? — perguntou ele, tentando descobrir do que se tratava.
— Você deve ter tido muito tempo para pensar enquanto eu experimentava as
roupas. Eu quero saber da casa.
Sarah o persuadira. Não havia outra explicação. Zach tomou a decisão quando
retornavam a Bar M, no final da tarde. Com Sarah ao seu lado, lotada de sacolas em
volta, ele percebeu, devagar, como ela o induzira a reconsiderar uma das mais sérias
promessas que já fizera em toda sua vida.
Não foi a insistência que o fez repensar no seu posicionamento em relação à casa, e
sim o entusiasmo de Sarah só de pensar na ideia de mudar-se para lá. O modo como
explicava o que pretendia fazer na residência, se ele permitisse, cheia de brilho nos olhos,
fez com que Zach decidisse ceder.
Ele gostava da confiança que Sarah transmitia. Ela era muito otimista e cheia de
vida e quando queria alguma coisa ia até o fim. Considerando seu passado, Zach pensou
que ela seria diferente, mais humilde e simples, ou talvez mais acanhada. Apesar de ter
crenças definidas, alguns pragmatismos as complementavam. Sarah tinha a mente
aberta. Então como poderia negar um pedido tão simples?
Há dez nos atrás, no dia do funeral de seu pai, Zach tinha fechado a casa, irado.
Sentia raiva do lar, da família, da vida na fazenda, de tudo. reabri-la significaria relembrar
de todas as feridas, feridas essas que ele esquecera ao fechá-la. Mas, vendo os planos
de Sarah, não pôde deixar de perceber a magia do que ela propunha. Ofereceriam
propostas maiores para Bar M, se as construções estivessem em boas condições. E o
melhor, sua dívida com ela seria paga por completo. Comprar roupas fora fácil, muito fácil.
Ela arriscara muito mais além de simples trajes ao tirá-lo do riacho. Os ferimentos nas
mãos e nos pés comprovavam isso.
Em certas ocasiões, as pessoas deveriam pensar antes nos outros do que em si
próprias. E mesmo tendo sempre rejeitado esse conceito, reconheceu que estava na hora
de conceder um favor. Ele deixaria Sarah fazer o que quisesse. E isso não significava que
teria que pôr os pés dentro da casa. Só supervisionaria o trabalho. E as refeições
continuariam a ser servidas no galpão. Ser chefe tinha alguns privilégios.
Ao longo dos anos anteriores, Zach algumas vezes imaginava como seria chegar em
casa após um longo e árduo dia de trabalho, e ter uma mulherzinha esperando, com
comida bem feita e bastante carinho. Com Sarah, ele poderia fazer uma experiência, sem
arriscar-se a perder a autonomia. Ela sabia desde já que o emprego seria temporário, que
quando a fazenda fosse vendida, eles se separariam.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Se fosse de outro modo, Zach não teria aceitado a proposta. Sarah o persuadira.
Não havia outra explicação.
Sarah estava parada na porta da casa principal, desfrutando seu novo domínio cheia
de orgulho. Passara as últimas semanas sozinha limpando um único aposento, a grande
cozinha. Agora tudo brilhava, as paredes, e cada prato, talher, tigela, tudo fora lavado e
colocado nos devidos lugares.
O cheiro de pão tomava conta do ambiente e, na mesa de refeições, colocara um
vaso de cerâmica cheio de pequeninas margaridas, que encontrara ao limpar o jardim.
Descobrir as margaridas fora uma surpresa muito agradável, a última em uma semana
cheia delas. A primeira foi quando Zach deixou que morasse na casa. Desde as compras,
o relacionamento deles havia melhorado, tomaram-se amigos. Bons amigos.
Sarah enxugou as mãos no avental e espiou pela janela em cima da pia da cozinha.
Podia ver o telhado do celeiro no meio das árvores. Zach estava no terraço, trabalhando
em um buraco de fossa. Vestia o que chamava de roupas da selva: uma calça de
camuflagem e botas pesadas com solado grosso. Suas costas nuas evidenciavam o dia
de inverno, claro e ensolarado, com temperatura de mais ou menos quinze graus. Após a
primeira nevada no início da semana, os dias permaneceram belos. Zach aproveitou a
oportunidade para fazer alguns reparos no exterior das construções.
O sol reluzia no martelo que Zach tinha nas mãos. Ele era incansável e não parava
até o crepúsculo. Começava o trabalho bem cedo. Às vezes ia até o galpão tomar um
café, lá pelas 5h00 horas, quando Sarah chegava para preparar o café da manhã.
Esta fora uma das condições que Zach impusera ao permitir que ela morasse lá.
Todas as refeições serão servidas no galpão. Na ocasião achou uma boa ideia, pois a
cozinha da casa estava imunda, sem condições de uso. Mas agora sabia que era um
acordo permanente. Sarah viu um sorriso nos lábios de Zach. Diversas vezes ele se
recusara em aproximar-se da casa. Uma surpresa nada estranha.
Sarah tentou de todas as maneiras trazê-lo para ver os progressos que estava
fazendo. Ele era muito simpático, demonstrando uma tolerância que não tinha com mais
ninguém. Zach contratara um encanador e um eletricista para tomarem a casa habitável e
depois de uma semana chegaram os pintores. Mas ele se recusava a inspecionar o
serviço, argumentando que o que ela decidisse, ele também acharia ótimo.
Quando perguntou a Zach se a casa trazia lembranças desagradáveis, ele
desconversou de imediato. Então Sarah se contentou em aprender mais sobre ele e a
família com os objetos e artigos existentes e com os não existentes também. Alguém
devia gostar de plantas, pois havia vasos de barro em todos os aposentos, em todos os
cantos. Sarah não poderia comprar plantas para encher todos; começou, então, plantando
flores do jardim e sementes que encontrara na cozinha. Com alguma sorte brotariam em
breve.
O volume de livros amontoado em cada estante era um problema. A maioria eram
brochuras, as páginas caiam ao abrir. Limpou com cuidado as capas, atenta às
declarações apaixonadas contidas na primeira página. Algum dia o pai de Zach havia
amado muito a esposa. Não existia fotografias da fazenda, da família, de nada. Durante
sua viagem, Sarah se acostumara com os aspectos visuais da sociedade moderna, de
como eram as imagens. Jornais, revistas, televisão, filmes de ficção — tudo que
observava envolvia fotos, pedaços da vida congelados. E essa casa não possuía nada,
nem mesmo um simples calendário.
Sarah desviou a atenção para as batatas na pia e começou a descascá-las, entre
seus devaneios. Amanhã cuidaria da sala principal, que precisava de uma boa ventilada.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Metade dos móveis jogaria fora, pois encontrara ninhos de ratos entre eles e as cortinas
estavam lotadas de traças. A seguir viria o grande aposento onde ela e Butcher dormiam.
Não fizera nada além de limpar o colchão e lavar os lençóis. E também havia os quartos
no andar de cima. Ela só tivera tempo para dar uma espiadela. Por que raios Zach não se
aproximava da casa?
Sarah olhava como Zach trabalhava com precisão no terraço e colocou a mão na
vidraça. Podia sentir o calor dele contra a palma da mão. Isso a fez lembrar da ocasião
em que ele a beijara, um beijo verdadeiro. Tinha colocado a mão no peito dele e sentira
como o coração batia com mais intensidade. Como batia o seu agora.
Decidiu ir ao encontro de Zach. Ela o persuadira uma vez. Poderia fazê-lo de novo.

CAPÍTULO SETE

Do lugar onde estava, Zach pôde avistar Sarah se aproximar carregando uma
bandeja com jarra e dois copos. Ah, pensou ele, uma nova tentativa de suborno. Como
sempre, Butcher a seguia. Latindo num tom brincalhão, tentava atacar a barra da saia de
Sarah, que ainda insistia em usar suas roupas velhas. Alegava que não havia motivos
para vestir as novas enquanto limpava a sujeira de anos.
Sarah estava enlouquecendo Zach. Ele não desistira da ideia de seduzi-la, porém
estava levando mais tempo do que o necessário com cortesias. Era uma campanha, e
campanhas necessitavam de concessões. Ela também tinha um plano de sedução, só
que muito diferente. Todos os dias Sarah queria mostrar a ele alguma coisa nova que
fizera na casa.
Era um sentimento sincero e ela estava orgulhosa de seu progresso. Todas as vezes
Zach recusava o convite de modo delicado, não desejando visitar o local que se
associava aos piores dias de sua vida. Além do mais, Sarah já estava consciente que a
casa seria vendida em breve.
— É para mim? — perguntou ele, brincando.
Zach sempre ria sozinho, apreciando o brilho nos olhos dela. Há algum tempo atrás,
Sarah não seria capaz de confiar nele o bastante para demonstrar tanto senso de humor.
Ele queria Sarah. Por Deus, como a desejava! E uma incompatibilidade por causa da
casa não o impediria de tê-la.
Desde que percebeu que Sarah não iria com facilidade para sua cama, desviava o
pensamento para outras coisas, imaginando quando ficariam sozinhos. Zach se fazia
indispensável. Levava-a às compras, na livraria e para depositar o salário na caderneta de
poupança aberta em seu nome. A noite, quase sempre depois do jantar, eles se divertiam
assistindo filmes ou jogando cartas.
Não era o caminho mais sedutor para se conquistar uma mulher, mas o que podia
fazer? Agarrá-la na primeira ocasião? Já fizera isso uma vez, não obtendo êxito. Agora

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

vivia na fazenda e, às vezes, sentia vontade de ficar mais algumas semanas, meses
talvez.
Sarah conseguia transformar todo o negativismo em coisas positivas. Os homens
adoravam sua comida. Ela trabalhava como um demônio no jardim, cuidando das plantas
saudáveis e arrancando as ervas daninhas. Até adubara algumas para florescerem no
ano seguinte.
Colocara um novo varal nos postes de alumínio na extremidade sul da casa e todas
as manhãs ensolaradas estendia roupas lavadas, que balançavam com a brisa. Um
cheiro constante de pão pairava pelos campos, sonhos fresquinhos apareciam na mesa
do café da manhã e Sarah fazia um pão crocante e macio, o melhor dessa região de São
Francisco. Como sobremesa, servia doces diversos, tortas, pães, bolos. Os homens
nunca haviam sido tão bem alimentados. E ele nunca se sentira tão faminto.
Com um vigor comparado ao dela, Zach também pegava pesado para colocar a
fazenda logo à venda. E comentava sempre que confiava no belo trabalho de Sarah, que
com frequência o convidava a ver os resultados. E perguntaria mais inúmeras vezes,
incansável. Ele queria parar com isso. Não conhecia outra forma a não ser fazer uma
proposta bastante indecente. Zach se escondeu atrás das telhas. Butcher não seria
problema, pois agora o cão o tratava com um pouco de simpatia, mesmo quando Sarah
não estava por perto. Assim que Sarah entrou no celeiro, Zach pulou do esconderijo,
colocando-se bem na frente dela.
— Oh! — gritou ela, quase derrubando a bandeja. — Você me assustou!
Butcher latiu, mas Zach estava agora ao lado de Sarah.
— É para mim? — perguntou ele, pegando um copo.
— Quieto Butcher. Sim. É limonada. Achei que você talvez estivesse com sede.
— E acertou na mosca — disse ele, servindo-se do suco e certo de ter tocado os
dedos dela.
Com os olhos fixos em Sarah, Zach bebeu o suco tão rápido que o líquido até
escorreu pelo seu pescoço. — Tenho algo para mostrar a você no celeiro — falou Zach,
enxugando a boca com o braço e entrando.
Ela deixou a bandeja no chão e o seguiu. Butcher tentou segui-los, porém Zach não
permitiu.
— Feche a porta — disse Sarah. — Assim ele ficará do lado de fora.
Zach a fechou, tomando o cuidado de não trancar a porta para não assustá-la
demais.
— O que você tem para me mostrar? — perguntou ela, parada no meio do grande
depósito e olhando ao redor.
— Eu tapei o buraco do teto.
— Eu vi do lado de fora. Você fez um excelente trabalho.
Zach tirou um gelo do copo e colocou-o entre os dentes, sugando-o. O resto colocou
nas mãos, deixando derreter.
— Está calor aqui — disse ele.
— Eu achei que estivesse um pouco mais fresquinho.
— Eu percebi. Você está usando saias longas outra vez.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Não gosto de usar minhas roupas novas enquanto faço a limpeza. Não há
necessidade.
— Trocando as boas pelas velhas. Acho que já ouvi isso. Mas você já parou para
pensar como eu me sentiria se as usasse?
— Posso garantir que minhas roupas íntimas são decentes.
— Não foi isso que eu quis dizer — disse ele, erguendo o copo e deixando as gotas
de água caírem em sua cabeça.
— O que você quer dizer? — perguntou ela, afastando-se.
— Você é uma ingrata. Gastei um dinheirão com as roupas e acho que tenho o
direito de vê-la com elas
— Se eu bem me lembro, não queria gastar tanto. Foi você quem insistiu.
— É verdade. E já passou pela sua cabeça qual o motivo?
— Você me disse que se sentiria melhor se todos seus empregados estivessem bem
vestidos. Estou muito agradecida por sua generosidade.
— Não pense que estava sendo bondoso, Sarah. Eu falei a verdade, mas não tudo.
Eu a quero desde então.
— Você me quer?
— Desde a primeira vez que a vi — disse ele, percebendo que Sarah ficara nervosa.
— No sentido bíblico. Você deseja uma explicação mais detalhada?
— Você quer dizer fornicação?
— Se é assim que você chama... — disse Zach, colocando o copo na porta de uma
baia. — Que palavra mais horrorosa, Sarah. Fazer amor descreve melhor o ato.
— Não concordo. Não existe amor entre nós.
Zach tocou-a no rosto, retirando alguns fios de cabelo da testa dela.
— Seja sincera.
— O que você está dizendo?
— É só uma palavra, Sarah. As pessoas falam tanto por aí que até perdeu o
significado. Mas para mim não. Se você tiver vontade de dizer, vá em frente.
Ela continuou olhando para Zach, estarrecida.
— Você está falando de algo sagrado, algo puro. O amor é paciente e belo. Ele
afugenta o orgulho, o egoísmo e a raiva. Os erros são perdoados. O amor não se encanta
com o diabo, caminha lado a lado com a verdade. E o verdadeiro sentimento nunca
acaba.
— Eu prefiro uma variedade mais física — disse ele, beijando-a na mão.
— Não! — berrou Sarah, retirando a mão. — Você está errado.
— Então por que nos faz sentir tão bem? É como estar no paraíso.
— O paraíso é o reino de Deus.
— Exato.
— Eu não sou sua salvadora.
— Como você tem tanta certeza? Talvez Deus tenha a enviado para esta finalidade.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Pode até ser. Mas não para o que você tem em mente.
— Por que não?
— Por que a fornicação antes do matrimônio é contra todas as leis de Deus. Será
que você é tão depravado que não sabe nada da palavra divina?
— Talvez eu seja. E talvez Deus a tenha enviado para isso. Me eduque, Sarah. Me
evangelize.
— Nem pensar — disse ela, parecendo muito irritada.
— Não há uma passagem da Bíblia que diz que você deve conquistar adeptos em
todos os lugares? Me conquiste, Sarah.
— Você deve ter perdido o senso.
— Estou obcecado, admito. Obcecado por você. E você está aqui para me tentar?
— Eu achei que fosse o contrário.
— Eu tento você? Que revelação! Não fazia a menor ideia.
Percebendo o erro que acabara de cometer, Sarah tentou consertá-lo da melhor
forma.
— Como eu tento você, Sarah? — perguntou Zach, pegando nas mãos dela.
— Com essa conversa idiota. É inconcebível que um homem e uma mulher discutam
com tanta franqueza.
— Inconcebível? — disse ele, levantando a cabeça. Talvez devêssemos deixar
nossos corpos falar por nós.
Os demônios estavam de volta aos olhos de Zach. Com as bochechas queimando,
olhou as mãos entrelaçadas. As dele eram bronzeadas, largas e muito másculas.
— Por favor, Zach. Não fale assim. Sou tão humana quando você.
— É mesmo, Sarah? — disse ele, apertando os dedos dela num gesto de simpatia.
— Sim — disse ela, desviando o olhar. Zach tinha um sorriso afável e ao mesmo
tempo faminto.
— Bem, isso significa que eu tenho uma chance?
— Não, Zach, sou casta e desejo continuar assim.
— Você está querendo me dizer que é virgem? — perguntou ele, acariciando a
bochecha de Sarah. — Para falar a verdade, eu só descobri isso há pouco.
— Então você entende que seu desejo é impossível.
— Sarah, tudo que eu compreendo é que você traçou uma linha, a qual não deverá
ser ultrapassada. Você não imagina que é um desafio muito grande para uma pessoa
como eu? Eu venho extrapolando essas linhas há muito tempo. Você não sabe que é uma
tentação? — indagou Zach, colocando as mãos no rosto dela.
Ele tocou a face de Sarah com seus lábios tenros e suaves. Não, pensou ela,
fechando os olhos. Mas eu sei que você é muito tentador. Sarah tentou liberar-se do
sentimento que tomava conta dela. O diabo parecia estar encarnado em Zach, que a
seduzia com sutileza. Ele a segurava com leveza e acariciava seu pescocinho dócil com
os dedos. Não tentara beijá-la, apenas a tocava com suavidade. Não havia por onde se
esquivar. Ela poderia escapar nesse instante. E por que não o fazia?

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Zach levantou a cabeça e sorriu. Sarah não correspondeu. Não podia. Não enquanto
estivesse parada permitindo que ele fizesse o que bem entendia. Mordendo os lábios,
procurou o rosto dele, esperando respostas. Sim, Zach era muito bonito. E qualquer
mulher devia pensar assim. Era um rosto perfeito, como aqueles que via em anúncios de
televisão. Parecia um artista de cinema. Uma expressão cheia de vida, de um homem que
ultrapassava barreiras.
— Por favor — falou Zach.
E ainda por cima inspirava confiança, induzindo-a a comprar sua ideia. Ela queria
ser beijada, tocada, abraçada. Mas no fundo de seu coração, Sarah sabia que ele só
queria seu corpo. E não poderia fazer nada sem arriscar a alma.
— Por que eu?
— Você sabe por quê? — respondeu ele, beijando a testa de Sarah, falando
baixinho. — Fiz a mesma pergunta para mim mesmo. Você é o tipo de mulher que eu
sempre procurei evitar. Daquelas que algum dia fará um homem muito, mas muito feliz.
— Ainda bem que você me compreende, Zach. Obrigada. Eu fiquei com medo que
não ficasse claro. Eu quero me resguardar para o casamento.
— É justo, Sarah. Mas, e se você estivesse para morrer amanhã? Não faria amor
com alguém só para experimentar?
— Só Deus sabe a hora em que a morte deve chegar. Não devemos antecipá-la.
— Você tem razão. E sabe para que a morte foi inventada? Eu estou convencido de
ter sido para que as pessoas vivam suas vidas com muita intensidade. Deixe-me mostrar
como — disse ele, tocando o seio de Sarah.
— Não! — gritou ela, segurando a mão de Zach. — Minha virgindade é uma dádiva
e só posso oferecê-la a uma pessoa, ao homem com quem me casar. Não deixarei que
ninguém a tire. Prefiro morrer!
— Mas que dramático, Sarah. E se você não se casar? Morrerá solteirona?
— Então eu serei uma solteirona com virtudes. Por favor, Zach.
Ele respondeu à tentativa de fuga, agarrando-a nos quadris. — Só um beijo, Sarah.
Que danos você poderia sofrer com um beijo?
Sarah sentia-se atordoada. O calor daquele corpo contra o seu era insuportável.
Zach tocou no nariz delicado dela, beijando-o em seguida. Depois roçou seu nariz no de
Sarah, e recuou antes de qualquer protesto, Ela se recordara de uma ocasião em que vira
dois lobos fazendo a mesma coisa, um correu e o outro foi atrás, num ritual de caça e
acasalamento.
— É melhor que eu volte para o meu trabalho agora.
— Para mim está bem — disse ele, sem sair do lugar, impedindo sua passagem.
Quando Sarah andou, Zach se posicionou de novo na frente dela e continuou assim
a cada passo. Ela sentia vontade de rir, mas não o faria para não incitá-lo. Quando
conseguiu chegar até a porta, ele colocou a mão na maçaneta.
— Qual é a senha, Sarah?
O tom de voz de Zach quase a derrubou. Ele estava bem atrás dela, perto o
suficiente para tocá-la se virasse.
— Eu não sei — respondeu ela, com voz trêmula.
— Adivinhe!

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Eu não sei. Eu não consigo pensar, queria dizer. Não quando você está assim tão
próximo, tão amável e tão carinhoso.
— Vou dar uma pista.
De súbito, percebeu os lábios dele na nuca. Ela estendeu a mão para a porta, mas
estava tão atordoada que não sabia ao certo se deveria puxá-la ou empurrá-la para sair.
Neste instante de hesitação, Zach passou as mãos em volta da cintura dela. Agora podia
sentir a língua quente acariciando seu pescoço. Nunca sentira algo parecido. Sarah
sentiu-se tonta e com certeza ele percebera, pois tocou em seus seios, transformando a
tontura num prazer tão intenso que a fez perder a respiração.
Ele a virou com astúcia, tomando vantagem com a surpresa dela e pousou seus
lábios nos de Sarah. Só que não era um beijo, e sim uma exploração de dentes e línguas
entre um homem e uma mulher. Ela passou as mãos pelos braços, ombros e pescoço de
Zach, agarrando-o pelos cabelos, precisando apoiar-se em algo. O perigo estava à vista e
o desejo era intenso, convidativo, silenciosamente convidativo. Ficou na pontinha dos pés.
Os corpos de ambos estavam agora bem juntinhos e Zach a empurrou, excitado, até a
parede ao lado da porta.
Há um minuto atrás, Sarah se espantaria com a violência desse ato, mas o que ela
sentia era muito mais forte. Era um sentimento que a consumia por completo. Queria
Zach perto. Precisava dele perto. Zach tirou a blusa de dentro da saia sem que ela
percebesse. Mas sentiu como aquelas mãos calorosas a acariciavam. Ele tocou nos seios
de Sarah, fazendo círculos com os dedos. Ela arqueou as costas contra o peito dele, o
que não adiantou muito. A intensidade do beijo repercutia o empurrão dos quadris. Oh,
Senhor! Ela o desejava com tanta intensidade.
Sarah tirou os lábios de leve. Ambos ficaram se observando num silêncio total. Os
olhos azuis de Zach chamavam-na com uma fome que não podia ignorar. Teve que se
concentrar muito para resistir. Parecia que ia desmontar a qualquer instante. Uma
tentação terrível e maravilhosa.
Até então, ela não havia entendido a ligação entre o corpo e a alma. O desejo era
um sentimento vivo, forte e grande. O Apóstolo Paulo estava certo. O amor não é errado.
E muito menos algo a ser temido. Os olhos de Zach eram um caleidoscópio azul e
turquesa, procurando os dela. Sarah pôde sentir a rigidez do membro dele contra si entre
as poucas peças de roupa que os separavam.
— Não — murmurou ela.
— Sim — disse Zach, com ternura.
Ele abaixou a cabeça e a beijou com delicadeza. Sarah sentiu lágrimas nos olhos.
Os lábios de ambos se uniram num beijo ardente. Ela passava a mão nos cabelos dele,
despenteando-o; seu coração, contudo, era muito sábio e uma lágrima escorreu-lhe pela
face.
— Zach você precisa me escutar — disse ela, ciente do quanto ele significava.
— Sou todo ouvidos.
— Não, não é.
Sarah virou um tapa no rosto de Zach, enfurecida. — Não.
Ele passou a mão nas marcas de dedos em seu rosto com uma expressão
triunfante.
— Nunca mais faça isso comigo — disse ela, chorando e fugindo.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Nobreza, descobriu Zach, era um assunto difícil. Não ajudava em nada o fato de não
saber lidar muito bem com os interesses de outra pessoa. Tentara tratar Sarah como uma
rainha. A rainha da neve. Ele a vira todos os dias, durante uma semana e não a tocara.
Os pequenos toques não contavam, muito menos os olhares que dirigia a ela. E esses
gestos causavam um pânico terrível em Zach. Um medo de saber que nunca a possuiria.
Sarah, por sua vez, procurava conter seus sentimentos. Seguia Zach com o olhar
quando estavam no mesmo lugar e sempre levava limonada para ele, que terminava os
trabalhos no celeiro. Era a ocasião em que relaxava, pois ela não tentava seduzi-lo. Em
vez disso, contava sobre o que fizera durante o dia. Nunca alguém conseguira fazê-lo
ficar tão compenetrado em uma conversa. Um fato preocupante. O Brasil o salvou.
Prometera a Manuelo voltar no final de outubro, daqui duas semanas. Ele e os capangas
fizeram um bom trabalho, os campos arados, o gado vendido e as construções em bom
estado. Então preparou-se para a venda.
O agente de imóveis estava otimista. A cidade de Boulder crescia com rapidez e os
terrenos estavam sendo bastante valorizados. Os construtores procuravam terras para
dividir e construir pequenas casinhas. Zach ficou imaginando o que a fazenda significava
para Sarah e os capangas. Há alguns anos nada que acontecesse naquele lugar o
interessaria. E agora estava na hora de provar. O dia tão esperado chegara, cinco dias
antes do Dia das Bruxas. Foi até o escritório ao lado do galpão acertar os últimos detalhes
da venda. Quando o agente de imóveis telefonou, não hesitou um instante, pois a oferta
era muito convidativa, aceitando na hora. Saiu da sala, foi até o celeiro e selou Nutkin,
pois precisava arejar a cabeça. Seguiu na direção do vento e, quinze minutos depois,
estava na beira do riacho onde vira Sarah pela primeira vez. Ver o local facilitaria as
coisas. É lógico que venderia a fazenda. É óbvio também que se despediria de Sarah. Isto
era definitivo. Zach não queria vínculos com o passado e muito menos com o futuro.
Olhou para o cume das montanhas distantes. Nunca voltaria. E mesmo sabendo que
fazia a coisa certa, sentia uma dor imensa no fundo do coração. Apesar da fazenda
simbolizar tudo o que sempre rejeitara na vida, sentiria falta. Da terra, das montanhas, do
ar puro. Deus, como sentiria falta. E de Sarah também. Tomando cuidado para continuar
bem escondida, Sarah ajoelhou-se no chão cheio de pedras e encolheu-se. Zach estava
perto do riacho, fitando a água gélida, como uma estátua entre as árvores sem folhas. Um
arrepio percorreu seu corpo, provocado ao mesmo tempo pela brisa fria como também
pelo olhar solitário de Zach. Ela conhecia bem uma cena de adeus.
Na semana seguinte após o beijo no celeiro, ela ficou pensando por que se sentira
tão atraída. Mas agora conseguira entender. Sarah podia perceber de modo claro que era
difícil para Zach, como também seria para ela, despedir-se do único lugar onde se sentira
em casa de verdade.
Ela queria se aproximar e dizer que não precisava ficar aflito, que em qualquer lugar
onde constituísse um lar, encontraria o consolo tão procurado. Mas agora sabia que não
era verdade. Talvez para Sarah, mas não para Zach. Ele não poderia viver em paz
sabendo que sua antiga residência fora destruída. Podia ver de maneira clara o bem e o
mal que a rejeição às raízes fizeram a Zach. Sabia que ele era autoconfiante, capaz e
forte o suficiente para enfrentar qualquer desafio. Mas isso o mantinha isolado e afastado,
incapaz de apreciar as dádivas concedidas. E, principalmente, as relacionadas com Bar
M.
Um cavaleiro e boiadeiro tão hábil estava perdido nas florestas do Brasil. Talvez isso
não fosse uma tragédia tão grande, pois a solidão era o único alimento disponível para
uma alma perdida. Porém, tornava-o sem raízes e sem paz. E Sarah não podia ver
alguém tão querido viver sem harmonia. Precisava ajudá-lo de uma forma que ele não

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

rejeitaria, o mais cedo possível. A fazenda estava prestes a ser vendida e o tempo se
esgotando.
O beijo no celeiro a fez descobrir algo diferente sobre si mesma. Como era humana
e vulnerável. Na Bíblia, a tentação soava como uma simples questão do certo e do
errado. Ele estava errado em pressioná-la de tal maneira, sem dar importância às crenças
de Sarah. Mas seria correto ficar observando um homem vender o que era sua alma — o
verdadeiro local do nascimento?
Muito devagar, ela saiu do esconderijo, dirigindo-se para a casa, pensando, rezando.
O que faria para que Zach enxergasse? A resposta apareceu quando Sarah parou no
pátio e Butcher veio correndo para cumprimentá-la. Como não queria que Zach
descobrisse que o seguia, ordenou ao cão que permanecesse atrás. O animal estava tão
contente por vê-la que corria em círculos em volta dela, fazendo muita festa. O prazer, a
demonstração de tanto amor e devoção a fizeram ter um estalo. Era disso que Zach
sentia falta. Ajoelhando-se no chão, abraçou Butcher, que ganiu e lambeu o queixo de
Sarah.
— Você é meu garoto. Eu também te amo muito — disse ela, acariciando-o.
Butcher virou-se para todos os lados, deixando o pescoço bem à mostra, pronto para
um longo carinho. Ao ficar observando o cão, tão querido, uma luz clareou seus
pensamentos. Como não tivera essa ideia antes?
Sentiu um arrepio de medo pelo corpo todo, pelo simples fato de Zach estar levando
vantagem da situação. Para realizar esse trabalho, teria que se entregar por completo, de
corpo e alma. Ela teria que fazer muito mais além de admitir que o amava. Deus, o que
tencionava fazer? A cena no celeiro veio à mente de Sarah. Poderia acreditar que Zach
dizia a verdade quando afirmava que ela era a coisa que mais desejava no mundo? Sarah
observou Butcher, extasiado. Valeria a pena se entregar a Zach, a pessoa que mais
queria bem?

CAPÍTULO OITO

Dois dias depois, Zach pediu a Sarah que preparasse um almoço especial para os
capangas. No final da refeição, anunciou que aceitara uma proposta e vendera a fazenda
no dia anterior. De acordo com os termos do contrato, teria um mês para deixar o local.
Todos estavam livres para ir embora na hora que quisessem, mas Zach pagaria as quatro
semanas seguintes. Não garantia que continuassem na fazenda, pois o novo proprietário,
provavelmente, construiria um conjunto habitacional.
Um longo silêncio tomou conta da cozinha improvisada no galpão. Miller foi o
primeiro a quebrá-lo. Empurrou o prato de sobremesa para frente, colocou o chapéu na
cabeça, levantou-se e saiu.
— Peço desculpas, Sarah, mas é que não estou mais com fome.
Coburn repetiu o gesto, junto com os outros dois capangas, deixando Sarah e Zach
sozinhos.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Deixe que eu tiro a mesa — disse ele, de imediato. — Caso você também queira
ir embora.
— Quando você pretende partir?
Sarah fez a pergunta de modo delicado, sem nenhuma pontinha de rancor. Talvez
Zach devesse esperar por isso, conhecendo-a, mas ficou mais impressionado ainda ao
imaginar como seria difícil para ela.
— Depois de amanhã, quando todos os papéis oficiais forem assinados. Coburn e o
agente de imóveis tomarão conta do resto.
Ela olhou para baixo, comeu um pouquinho e ficou pensativa.
— O que você pretende fazer? — perguntou ele.
— Antes de vir para cá, eu tencionava ir para Boulder. E ainda acho que vou para lá,
tentar encontrar um emprego, um lugar para morar.
— E seu padrasto? — perguntou Zach, sorvendo seu café.
— O quê tem ele?
— Você não está com medo de ele vir atrás de você?
— Não sei — disse ela, encostando-se na cadeira. — Talvez seja idiotice preocupar-
se. Gostaria de me sentir segura em qualquer lugar que estivesse.
— Você já pensou na hipótese de trabalhar para mim no Brasil?
Zach lançou a pergunta, mas agora que a ouvia, sentiu o quanto queria que seu
pedido fosse aceito.
— Para o Brasil? Fazer o quê?
— A mesma coisa que você faz aqui. Cozinhar, limpar, criar um lugar onde as
pessoas se sintam bem-vindas. Os cientistas gostam de um pouco de conforto, e Manuelo
e eu temos um grupo ocasional de turistas. Nossos clientes esperam ser bem tratados,
com uma boa comida e uma cama macia para dormir.
— E o que você pretende, Zach?
— Não vou mentir para você, Sarah. Gostaria que você morasse comigo.
— Supunha que você fosse dizer isso — disse ela, com tristeza nos olhos.
Zach percebeu que teria de oferecer algo muito melhor. Pegou uma das mãos de
Sarah, colocando-a entre as suas.
— Depois, espero poder me casar com você no final do próximo ano, se ambos
acharmos ser a coisa certa.
Sarah arregalou os olhos.
— Eu sei. Eu falei que nunca me casaria, mas acho que estou querendo abrir uma
exceção.
Sarah olhou para ele com ar desapontado.
— Um ano?
— Eu preciso ter certeza que será a melhor coisa para nós dois.
— E viver no pecado é a coisa certa?
— Sarah, me ouça. Sei que tudo isso é contra os seus princípios, mas tente
enxergar do meu ponto de vista. Meus pais disseram que pertenciam um ao outro e veja

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

só no que deu. Um divórcio complicado e amargo que terminou por desunir minha família.
Bram, meu irmão mais velho está no segundo casamento. O primeiro foi um desastre.
Você pode me culpar por eu não desejar algo parecido?
— Não, não posso julgá-lo. Mas também não posso mudar meu modo de ser.
— Você deve saber que eu nunca convidei uma mulher para viver comigo antes.
Minha liberdade significa muito para mim. No entanto estou convidando você, Sarah.
— Por que eu?
— Por que você acha?
— Por você ter começado a se preocupar comigo?
— Algo parecido.
— Sei.
— Acho que é um sentimento mais forte — disse ele, incapaz de falar em amor. Era
uma palavra muito forte e Zach precisava ter absoluta certeza de seus sentimentos antes
de comprometer-se. Agora podia sentir o quanto ela esperava por isso. Zach ajoelhou-se,
tentando demostrar o que não conseguia dizer.
— Você viria comigo para o Brasil, Sarah?
— Nós viveríamos na floresta?
— Minha moradia fica em um vilarejo bem simples perto do rio, onde as pessoas
vivem mais ou menos como na Comunidade, da forma que me contou. Acho que você
gostaria.
— Existem montanhas nesse lugar?
— Não — disse ele, apertando a mão de Sarah. — Não como aqui. Mas é um lugar
arborizado e cheio de vida. Você poderá ter um jardim como jamais sonhou.
— E se eu não gostar, Zach? Nunca vivi em lugar algum além daqui e de Montana,
que são bastante parecidos, com uma paisagem vasta e céu aberto.
— Há lugares assim por todo o mundo. Eu adoraria mostrá-los a você.
— E que tal ficar aqui?
— Não é possível, Sarah. Bar M já era — disse ele, franzindo as sobrancelhas.
— Sim. Eu estou vendo que sim.
Zach esperou, inapto a dizer qualquer coisa, com medo de suas chances
diminuírem. Sabia que desse modo seria difícil, e lembrou-se do poder que Sarah exercia
sobre ele. Mas gostaria que ela aceitasse sua proposta.
— Antes de responder se vou com você para o Brasil, tenho uma oferta para lhe
fazer.
Um sentimento de temor tomou conta de Zach, pois sabia muito bem o que Sarah ia
dizer.
— Sarah, a fazenda está vendida, junto com a casa. Não existe nenhuma chance de
eu entrar, nem mesmo para dar uma olhada.
— Gostaria de ouvir de você que fiz um bom trabalho.
— Não preciso repetir isso a você, Sarah. Tudo que você faz é com perfeição. Estou
certo que seu trabalho foi magnífico.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Mas eu queria que visse com seus próprios olhos. Senão não vou achar que a
casa está apresentável.
— De certo o novo proprietário gostará. Ele me dirá se algo precisar ser alterado.
— Estou disposta a fazer uma troca com você, de modo a convencê-lo.
— Que tipo de troca?
— Meu corpo. Me deitarei com você como David fez com Betsabá.
— Você não pode estar falando sério? — disse ele, quase caindo para trás.
— É algo que você quer, não é?
— E sobre você se resguardar para o casamento?
— Você falou tanto do quanto sua liberdade significa. Minha virgindade significa
tanto para mim quanto sua liberdade para você.
— Sarah, é só uma casa.
— É mais do que uma simples casa. É um lar. Assim que você vir o interior, tenho
certeza que mudará de opinião.
— Você acha que vivenciarei algum tipo de manifestação divina ao entrar? Não
acontecerá, Sarah. Eu não me importo com o que você fez, essa casa é só o lugar onde
nasci. E nunca conseguirei esquecer as coisas horríveis que aconteceram lá.
Sarah apertou os lábios, tentando explicar-se melhor. Como dar esperanças a um
homem que as perdera há muito?
— Você está me rejeitando? — perguntou ela, fitando-o nos olhos.
Zach abaixou os olhos e Sarah entendeu que ele compreendera muito bem o tom
ameaçador na sua voz.
— Não faça brincadeiras comigo, Sarah. Se você está falando sério, não poderá
voltar atrás.
— Eu nunca tive tanta certeza de algo em toda minha vida.
Zach hesitou, seu dedo estava no pulso de Sarah e podia sentir sua pulsação bem
forte.
— Você gostaria que eu inspecionasse a casa? Isso é tudo?
— Sim.
— Quanto tempo irá demorar?
— O tempo suficiente para você ver todos os aposentos.
— E o que vem primeiro, a minha parte na troca ou a sua?
— A sua — disse ela, rápido.
— Sem chances — disse ele, querendo saber aonde Sarah queria chegar. —
Primeiro nós dormiremos juntos, caso contrário não há acordo.
— Dormir juntos?
— É um modo de dizer, Sarah — explicou ele. — E nesse caso cai como uma luva.
Eu a quero ao meu lado a noite inteirinha.
— A noite toda?

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Se essa é nossa primeira chance de ficar juntos, quero vê-la ao meu lado ao
dormir e ao clarear do dia.
Sarah engoliu em seco, mas agora era tarde. Tinha ido longe demais e não podia
voltar atrás. Zach partiria em dois dias. O tempo estava acabando. E ela tinha certeza que
Deus faria, de algum modo, tudo dar certo.
— Aonde faremos isso?
Zach encostou na cadeira, aproveitando o instante para pensar. O trailer seria o
lugar lógico, mas ele não o sugeriria. Ficariam apertados na pequena cama, e parecia um
pouco profano levar Sarah a um lugar tão limitado e na vista de todos os capangas.
— Nós iremos a um hotel — disse ele.
— Como em Uma Linda Mulher — aquele filme com a prostituta?
Zach mudou rapidinho de ideia.
— Você tem uma sugestão melhor?
— Na casa. Parece justo, não?
Zach meneou a cabeça. Teve que reconhecer que a casa oferecia uma das coisas
mais importantes — privacidade. E eles se encontrariam ao mesmo tempo.
— E Butcher? A casa é território dele. Tenho certeza que não gostará nem um
pouco de me ver lá dentro.
— Pode deixar comigo. Ele não vai nos incomodar.
Vendo a cor retomar à face dela, ele percebeu que nunca deveria ter sugerido um
hotel. Zach olhou para as mãos unidas deles e lembrou-se do dia em que a vira pela
primeira vez, lavando os cabelos naquela tarde ensolarada. Desejou-a para si. E aqui
estava ela, oferecendo-se para dormirem juntos. Um ato espontâneo, sem garantias para
o futuro. Se Sarah não fosse para o Brasil, pelo menos teria se livrado da obsessão de tê-
la. O preço talvez fosse muito alto, porém a recompensa era mais alta, bem maior do que
imaginara. Zach continuaria livre.
— Você conduz uma troca bem difícil, Sarah Smith.
Apertaram-se as mãos e despediram-se, concordando num encontro na casa após o
jantar. Depois que Sarah foi embora, Zach levantou-se e foi até a janela para observá-la.
Ele deveria estar triunfante, mas não, sentia-se um pouco triste.
A tristeza, contudo, não o fizera mudar de ideia. Eles iriam fazer amor. Zach olhava
para o relógio ansioso, de cinco em cinco minutos, louco para que a hora do jantar
chegasse. As cinco, tomou um longo banho e barbeou-se, vestiu uma simples camiseta
branca e uma calça jeans, não poderia deixar que os capangas percebessem que algo
extraordinário aconteceria esta noite. Sarah também usava suas roupas normais
enquanto lavava a louça. Ela comeu muito pouco. Parecia estar nervosa, nervosa como
uma noiva.
Zach ofereceu-se para enxugar a louça e Sarah agradeceu num murmúrio. Mas foi o
aperto de mão secreto que ela lhe deu, escondido dos outros homens, que o fez parar
para pensar. Depois que Sarah se foi, pela primeira vez ocorreu- lhe que talvez ambos
compartilhassem da mesma vontade de estar juntos, não só ele.
Quando terminou de guardar a louça, despediu-se dos homens e seguiu para a
casa, pelo celeiro, no caso de alguém estar observando. Foi então que percebeu que
deveria ter levado algo. Champanha, flores, bombons, algo. Olhou para o céu escuro, viu

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

que tinha mais alguns minutos e mudou de direção. Algum tempo depois estava de volta,
com uma garrafa de vinho em uma das mãos e um buquê de amores-perfeitos na outra.
Não se sentira ansioso até botar os pés no degrau da escada da varanda. Zach
parou um instante, tomado por um sentimento de claustrofobia que a casa lhe causava. A
porta da frente se abriu, iluminando a varanda.
Sarah estava usando uma calça jeans. Como uma segunda pele, a calça lhe caia
muito bem, fazendo as pernas esbeltas parecerem mais longas. A blusa de seda fora
comprada naquela primeira compra. A cor creme combinava com a pele dela. Tinha o
cabelo preso e algo diferente em seu estilo. Ela o prendera bem no alto da cabeça e
deixara alguns fios cair na face. Meu Deus!
— Entre — disse ela. — Está frio aqui fora.
Zach subiu os degraus devagar até chegar à porta. Pôde sentir o calor saindo da
casa. Ela deu um passo para trás, a fim de deixá-lo entrar, porém ele não se moveu.
Sarah conduziu-o para dentro, mas o barulho da porta se fechando soou tão
derradeiro, que ele sentiu urgência em agarrá-la. Mas, ao contrário, concentrou-se em
detalhes da aparência, percebendo que a casa fora preparada com muito cuidado, só
para ele. Ela passara só um brilho labial, que tornava seus lábios maravilhosos; os cílios
tinham um pouco de rímel também. Ligeiramente nervosa, pensou Zach.
— Trouxe estas flores para você — disse ele, colocando o buquê nas mãos dela.
— Que lindas! — Sarah cheirou-as e fechou os olhos, perdida em pensamentos. —
Nunca ninguém me deu flores antes.
— É uma tradição.
— Tradição?
— Trazer flores.
— Um belo costume. Muito obrigada.
— E também trouxe um vinho. Um Chadonnay Califórnia. Mil novecentos e oitenta e
nove foi um bom ano.
Ela sorriu, porém a explicação dele nada significava. Zach relembrou-se de suas
palavras. Um ano bom? Estava mais nervoso do que Sarah.
— Posso tirar seu casaco? — perguntou ela.
O interior da casa estava quente.
— Obrigado.
Sarah colocou as flores e o vinho em uma mesinha e pendurou o casaco de Zach
num cabide num canto ao lado da porta de entrada.
A silhueta do corpo de Sarah estava muito bem definida na calça jeans que usava.
Sentiu diversos odores. Canela, tinta fresca e cera de limão. Zach lembrou-se de sua
promessa, tão importante para ela. Ele talvez fosse um patife por deixar ela prosseguir
com sua parte no compromisso.
— Você se importa se eu der uma olhada?
— Por favor.
Determinado, Zach observou o hall. Ele não se lembrava das arandelas de metal
que ornavam as paredes do aposento. A sua esquerda estava a escada que levava ao

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

segundo andar. À direita, uma grande abertura conduzia até ã sala de estar, cenário de
muitas brigas de família.
Espiou de maneira detalhada. O que chamou a atenção dele em primeiro lugar
foram as janelas. Ela removera todas as cortinas que ficavam penduradas desde o teto
até o chão. Sarah as substituíra por painéis de renda, a fim de deixar o vidro à mostra.
Por cada uma das janelas podia ver a claridade da noite. As paredes amarelo-ouro
contrastavam de forma harmoniosa. O tapete enorme que Zach lembrava da sua infância
não estava mais lá, deixando à vista o brilhante chão de madeira de carvalho. Ele
continuou, apalermado com a transformação. Podia reconhecer tudo que via.
A antiga cadeira de balanço de sua mãe permanecera no canto direito, com um
abajur iluminando-a. Um canapé de madeira, com aparência bastante desconfortável,
descansava na parede oposta, mas suas almofadas o tomavam mais convidativo. A
lareira, que antes tinha sido de mogno, fora pintada de branco. No topo desta, Sarah
colocara dúzias de velas de diferentes cores e tamanhos, em delicados candelabros.
— Aonde você as encontrou? — perguntou Zach, pegando uma das velas e voltando
ao passado.
— No sótão. Você se lembra de tê-las visto antes?
— Quando alguma das crianças fazia aniversário, minha mãe nos pedia para fazer
um desejo e então assoprar as velas.
— Fazer um desejo e assoprar as velas. Para quê?
— É uma tradição. Quando um aniversário é comemorado, um bolo é feito e
pequeninas velas são colocadas em cima, uma para cada ano de vida. Antes de assoprá-
las, você deve fazer um pedido, e se conseguir apagar todas de uma só vez, seu desejo
se realizará.
— Que tipo de pedido?
— Qualquer um — disse ele, observando como Sarah olhava para a porta. —
Quanto maior e mais impossível, melhor.
— Verdade? — Sarah passou o dedão do pé pelo chão lustrado e ficou pensativa. —
Sempre acontece?
— Se você tiver bastante força de vontade e realmente desejar que se torne real,
acontece.
— O que você pediu no seu último aniversário?
— Desculpe, mas não posso contar. É uma das regras. Se contar seu desejo a
alguém, não há a mínima chance. — Zach colocou a vela no candelabro e pegou uma
caixa de fósforos. — Você gostaria de tentar?
— Não é o meu aniversário.
— Vamos fingir que é. Venha cá — disse ele, acendendo a vela.
Sarah hesitou, mas Zach segurou a vela na frente dela de um jeito esquisito. Ele não
ofereceu outra chance para ela, além de desejar ou de obedecer.
— O que devo pedir? — perguntou ela.
Zach apagou todas as luzes da sala, deixando apenas a do hall acesa. A chama da
vela iluminava os rostos de ambos.
— Como eu disse, faça um desejo e assopre.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Hesitante, Sarah esperou um momento, então encheu o peito de ar e assoprou. O


espaço entre eles ficou bastante escuro. Tudo que ela podia enxergar direito era o brilho
dos dentes de Zach.
— Agora beije-me — disse ele.
— É uma parte da tradição?
Zach pôde perceber a ingenuidade em sua expressão. Agora os olhos dela refletiam
a noite, uma noite em que ele queria se perder por completo.
— Sim — mentiu ele.
Ela teria que ir muito devagar para sentir o leve toque nos lábios dele. Não
acostumada ao papel de agressora, Sarah tinha a boca muito tentadora e o que oferecia
era mais doce ainda. Como um passarinho vindo se alimentar na mão de um humano.
Como era corajosa, pensou Zach. E teria que lutar contra si próprio para não tirar
vantagem disso.
Zach deixou-a ir para trás sem tocá-la de maneira alguma e então acendeu as luzes.
— Eu desagrado você? — indagou ela, confusa.
— Não — disse ele, sorrindo com sinceridade. — Eu só queria provar que não vou
atacá-la na primeira oportunidade. Nós temos a noite toda, não é?
— O que mais você quer me mostrar? — perguntou ele, pegando a mão de Sarah.
Ela levou-o até um corredor perto dos fundos da casa. Era um lugar não só cheio de
luz, como também de vida. Vida em fotos. A primeira coisa que o pai dele tinha feito após
o divórcio fora tirar todas as lembranças de Mary Masterson da casa. Zach não se
lembrava de quase nenhum adorno nas paredes, muito menos fotos de família.
Os retratos que Sarah colocara eram de tempos felizes. Tempos que Zach não se
lembrava. Ele era um pequenino bebê. Se por acaso estivesse em alguma foto, estaria
com certeza de cueiros. Sendo o mais novo da família, sempre estava na frente das fotos,
rodeado por um irmão, uma irmã e outra irmã. Bram, Liz, Meg e ele.
— Você ficou chateado por eu tê-las colocado aqui? — Sarah perguntou, ficando de
braços dados com Zach. — Eu sabia que seria por pouco tempo, mas a casa tem uma
história. Eu gostaria de mostrá-la.
— Não, eu não ligo — disse ele, comprovando suas palavras e observando cada
foto com minúcia. Nem mesmo a fotografia do casamento dos pais o incomodou. Eles
pareciam um casal de apaixonados, feitos um para o outro.
Sarah mostrou a Zach o escritório no final do hall, um local que ele se recordava
estar sempre cheio de livros amontoados em cima de uma mesa. Agora era muito colorido
— cor-de-laranja, vermelho vivo e verde escuro. E a estante de mogno antigo continuava
maravilhosa, ainda mais agora muito bem polida. Nos cantos, ela colocou alguns potes de
argila com ervas comuns: manjericão, salsinha e sálvia. A velha mesa de seu pai estava
no centro do quarto. Cada detalhe fora restaurado com bastante cuidado. Não havia nada
em cima do tampo bem polido além de um velho livro com capa de couro.
Zach teve um estalo na memória e começou a relembrar do pai sentado na mesa
durante a maior parte do dia, cuidando da contabilidade da fazenda.
Com o declínio da indústria de gado nos anos setenta, Matthew Masterson fizera de
tudo para que Bar M tivesse um bom desempenho agrícola. Expandiu a fazenda,
comprando mais terras para oeste. O que não esperava, contudo, era a elevação e a
queda da inflação. Uma vez que os valores da propriedade faliram, empréstimos foram

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

solicitados e ele perdera tudo que havia comprado, mais a metade do imóvel que
oferecera como garantia extra. A partir de então, a família passou a viver num impasse,
sempre esperando pelo que poderia acontecer.
Um sentimento de fracasso penetrou na atmosfera da casa naqueles dias. Zach
odiou tudo aquilo, assim como a mãe. Ela não era capaz de viver na incerteza. Muito
menos seu pai. Mas isso era algo que Matthew Masterson jamais admitiria. Sarah apertou
o braço de Zach, fazendo-o lembrar-se de quanto tempo ficara parado observando a
mesa.
— Em que você está pensando? — perguntou ela.
— Que você fez um trabalho bárbaro — respondeu ele, não querendo entrar em
detalhes.
Zach imaginou ter dito a coisa certa, pois Sarah dirigiu-se para a cozinha. Ele a
seguiu, admirando os fios de cabelo soltos em sua nuca. Como eram maravilhosos!
— Sarah, me desculpe. O escritório está lindo. De verdade.
Ele parou. Este tinha sido o território de sua mãe e nem se lembrava muito bem.
Aberto, arejado, o ambiente revelava a personalidade de Sarah. Os armários foram
pintados de branco para combinar com a geladeira, a máquina de lavar e o fogão. Tudo
brilhava.
— Uau! — disse ele.
Ela colocou a mão na testa de Zach, que sentiu um imenso prazer. Seria desse
modo que lembraria dela, em pé na cozinha com um sorriso encantado nos lábios. Este
aposento definia o melhor de Sarah, o coração e a alma de qualquer casa, um lugar
aconchegante para aqueles que almejavam um lar.

CAPÍTULO NOVE

Sarah acomodou Zach na mesa da cozinha, servindo-lhe um pedaço de torta de


maçã e uma xícara de café. O tempo passava rápido. Só faltavam os cinco aposentos do
piso superior. Só Deus sabia como tinha medo de mostrar o quarto maior.
Mas Zach parecia não ligar. Encostando-se na cadeira, comeu despreocupado sua
torta. Ele não estava reagindo da forma como Sarah esperava. Zach contava histórias
sobre o passado, mesmo as que sucediam o divórcio dos pais. Na realidade, ele parecia
ser o rebelde da família e, a julgar pelos atos, sentia-se orgulhoso do fato. Zach admitia
que o pai não pensava da mesma forma. Mas que pai agiria assim? Sarah não notava a
dor de um filho incompreendido. Ao contrário, afirmava o oposto: que ele, e não o pai, era
o responsável.
Sarah procurou-o com o olhar.
— Não é culpa sua — disse ela.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— É claro que é. Eu nunca poderia ser como meu pai sonhava. Nem ao menos
tentei — Zach colocou o garfo na mesa. — Ele queria que eu ajudasse com os afazeres
da fazenda, e seguisse seus passos. E você pode adivinhar que me tornei exatamente o
contrário.
— Você era uma criança na ocasião, não?
— Filhos de fazendeiros precisam crescer rápido, Sarah. Você sabe disso. E ouça o
que vou dizer: crianças de pais divorciados amadurecem mais rápido ainda.
Sarah ensaiou um movimento para tocar a mão dele, num sinal de compreensão,
mas Zach levantou-se para levar a louça até a pia.
— Todos que meu pai amava viraram-se contra ele. O divórcio e a dissolução da
família nunca entraram na sua cabeça. E como poderia? Eu, por exemplo, não deixei. Me
rebelava em qualquer lugar, na escola, na igreja. Até mesmo após sua morte, eu voltei,
não para o funeral, mas sim para fechar a casa. Foi a maneira que encontrei para fixar a
memória dele. Foi quando comecei a campanha para convencer a todos a aceitarem a
venda da fazenda.
— O que pelo visto você conseguiu.
— Sim.
— Como você terá coragem de sair deste lugar após ter colocado um pouco de si
em cada canto?
— Acho que posso superar. Mas aqui deverá ser o lar de outras pessoas. E espero
que a família que viver nesta casa seja muito feliz.
Zach não teve coragem de contar a ela que o novo proprietário com certeza
destruiria todas as construções para erguer um conjunto habitacional. Até mesmo para ele
a ideia era deprimente.
— Você me faz lembrar meu pai, Sarah, já percebeu?
Sarah sabia que ele estava sendo brincalhão e os demônios voltaram a seus olhos.
Zach parecia impaciente, porém permaneceu imóvel. Levantou a mão, apontando o
indicador para ela.
Sarah respirou fundo. Muito devagar, apoiou as mãos na mesa.
— Tão hesitante, não, Sarah? Você acha que eu iria deixar a minha parte da troca
de lado?
Sarah estava quase dizendo sim, mas não disse nada. Esta parte era com Deus.
Fora a leitura da Bíblia durante a noite que fez com que decidisse oferecer seu corpo a
Zach. Além do mais, o Gênese diz que Abraão ofereceu o único filho como prova de sua
fé. A virgindade dela parecia minúscula em comparação.
Zach enrolou um dedo em uma das mechas que se desprendera do penteado, sem
dizer nada. Só havia fome em seu olhar.
— Há alguns aposentos que você não viu ainda, no piso superior — murmurou ela.
— Eu só quero ver um quarto agora — disse ele, beijando-a com delicadeza no
rosto. — O que tiver a maior cama.
E assim começaria, pensou Sarah.
Ela pegou a mão dele e conduziu-o pelas escadas até o dormitório dos pais. Zach
observou-a abrir a porta e entrar, com a cabeça baixa. Adivinhou ser este o quarto onde
Sarah dormia. Só Deus sabe como ela fantasiara, esparramada na cama imensa, sob

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

lençóis branquíssimos e perfumados. Mas ao vê-lo ao vivo, percebeu como tinha a


imaginação pobre. Sem cor, sem beleza, sem vida, o oposto da realidade.
Zach ultrapassou-a e acendeu as luzes. A primeira coisa que viu foi a tapeçaria
pendurada atrás da cama. Azul era a cor predominante no quarto, nas almofadas, na
madeira das janelas e também nas paredes. Até o teto era azul, fazendo-o recordar o céu
do Colorado. Não existia céu mais azul e mais lindo em todo o mundo.
Na cama, Sarah colocara uma colcha branca. Num dos cantos avistou uma roca,
com certeza ela a encontrara no sótão, mas Zach não se lembrava dela. Havia alguns
novelos de lã numa cesta no chão.
— Fiar é muito relaxante — comentou Sarah, percebendo que ele observava as
linhas.
Zach olhou para Sarah, bastante pálida, mais ainda por causa da luz.
— Não se esqueça de ver o banheiro — disse ela, indo abrir a porta de um
pequenino aposento todo pintado de preto e branco. Toalhas azul claro tinham sido
penduradas nos suportes.
— Lindo — disse ele, sem tirar os olhos de Sarah.
Ela mordeu os lábios e retornou para o quarto. Zach seguiu-a perguntando por quê
tinha deixado que Sarah o convencesse a entrar na casa. A resposta se encontrava nas
batidas de seu coração.
— Você tem velas aqui? — perguntou ele.
Sarah abriu a gaveta de um dos criados-mudos e retirou dois castiçais de prata
reluzente, cada um com uma vela azul.
— Acenda-as, Sarah — disse Zach, tirando as botas.
— Eu prefiro o escuro.
— Pois eu quero vê-la por inteiro.
Ela pegou uma caixa de fósforos e acendeu uma, duas, três vezes, até que a chama
pegasse fogo. A sombra refletia seus dedos trêmulos. Sarah colocou um castiçal em cada
uma das mesinhas-de-cabeceira.
Zach apagou as luzes. Sarah virou-se de costas para ele, e com o súbito movimento
de seus cotovelos, pôde perceber que ela estava mexendo nos botões da blusa.
— Não — disse ele.
Ela olhou curiosa para Zach, com as mão sobre os seios.
— Não é assim que o ato se realiza?
— Eu quero despi-la sozinho.
A boca dela se abriu em sinal de protesto.
— Mas não agora — disse Zach, retirando as mãos geladas de Sarah da blusa.
Guiou-a até a penteadeira. — Primeiro tenho outra coisa em mente.
— Ah, é? — perguntou Sarah, levantando as sobrancelhas, o que a fez parecer mais
jovem.
— Você tem uma escova de cabelos? — indagou Zach, sorridente.
— Para que você precisa de uma?
— Para penteá-la, sua tonta.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Você quer escovar meus cabelos?


— Se você permitir.
Sarah abriu uma das gavetas, retirou sua escova e deu-a para ele. Colocou as mãos
sobre os ombros dela e fez com que se sentasse na banqueta da penteadeira, diante do
espelho oval. A face refletida estava mais pálida do que nunca. Zach posicionou-se atrás
e começou a tirar os grampos.
— Feche os olhos — disse ele.
Sarah hesitou. Zach massageou o pescoço dela, relaxando o nó de tensão sob os
cabelos e abaixou-se para que ficassem lado a lado no espelho.
— Por favor.
Zach colocou as mãos em volta do colo de Sarah, que fechou devagar as pálpebras.
O silêncio tomava conta do ambiente. Ele começou a cantarolar bem baixinho sua canção
favorita, Amazing Grace. A luz das velas iluminaram os longos cachos de Sarah,
tomando-os um pouco avermelhados. Depois de um bom tempo, Zach pôs a escova na
penteadeira e passou os dedos por aqueles cabelos tão sedosos e perfumados.
Como sempre, Sarah estava consciente do que provocava nele. Ele separou uma
mecha de cabelos e colocou-a para frente, deixando-a cair no ombro. Sentiu um calor
intenso tomar conta de si. Usando o dedo indicador, delineou com delicadeza as linhas do
pescoço dela, descendo um pouco mais.
Os olhos de Sarah se abriram. Mantendo a mão dentro da blusa, Zach esticou o
dedão para acariciar o rosto dela. Fechou as mãos em forma de concha nas bochechas
macias e quentes, admirando o contraste dos olhos negros com suas mãos bronzeadas.
— Lembre-se muito bem como você se sente agora — murmurou ele, ajoelhando-se
atrás dela.
Sarah ergueu a cabeça, assentindo. Tinha os olhos sonolentos e as pupilas
dilatadas possuídas por um brilho intenso. Zach abriu o primeiro botão da blusa dela,
observando o progresso pelo espelho. Desabotoou o próximo botão e também o seguinte,
descendo até alcançar a cintura.
Ela usava um sutiã marfim delicado. Zach estava maravilhado.
Ele arrancou sua camiseta. Acima das linhas rígidas dos ombros, o bronzeado
reluzia com a luz dourada das velas. Zach colocou as mãos na cintura de Sarah, que
respirou fundo, arqueando-se para trás. Não tinha para onde ir, pois ele estava bem atrás.
Tocou-a por dentro da blusa, descobrindo o estômago rígido de tensão. Pressionou sua
palma contra a pele macia. Sarah prendeu a respiração. Sorrindo um pouco, Zach
apalpou a parte descoberta dos seios, esperando pela reação. Ela curvou-se para trás,
deitando a cabeça nos ombros dele.
Zach cobriu os seios de Sarah com as mãos, deliciado com a maciez da sua pele. A
visão de tocá-la de maneira tão íntima o excitou ao máximo. Beijou o pescoço delicado,
desfrutando cada instante. Como tinha esperado por esse momento! Ela cheirava a rosas,
um odor feminino e sedutor. Continuou a beijá-la, sentindo o gostinho salgado da pele
macia.
Tenha paciência, pensou ele. Fantasiando, abriu o fecho frontal do sutiã enchendo
as mãos com os seios macios e perfeitos de Sarah. Acariciou os mamilos enrijecidos com
suavidade. Ciente de sua missão, examinou o rosto dela no espelho. Tinha os olhos
fechados e a boca entreaberta, revelando parte dos dentes brancos. Zach encostou o
queixo na bochecha de Sarah e ela virou-se para ele, procurando com ânsia sua boca.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Apesar do ângulo não ser muito confortável, Zach sorveu o lábio inferior de Sarah,
sentindo-se no céu. Ela se entregou ao beijo, permitindo que todas suas emoções
viessem à tona naquela carícia singela. Ela abriu os olhos outra vez, parecendo um pouco
amedrontada.
— Prometo que não vou machucá-la — murmurou Zach, no ouvido de Sarah.
— Eu sei — respondeu ela, porém a expressão vulnerável não se alterou.
Um ímpeto de empatia tomou conta de Zach. Sarah tinha razão em estar assustada,
pois nunca tinha feito amor. Pegando na mão de Sarah, levantou-a.
— Vamos dançar.
— Dançar?
— Você nunca ouviu falar? — perguntou ele, abotoando o sutiã e a blusa dela.
— É claro que sim — respondeu ela, indecisa sobre o que fazer em tal situação. —
Mas como poderemos? Não há música.
— Você não consegue ouvi-la?
Conduziu-a em círculos, cantarolando uma música, com rapidez.
— Oh! — exclamou ela, agarrando-o com força.
— Está muito rápido?
Zach abraçou-a e uniu-se a ela, na posição de dança clássica.
— Nós vamos valsar bem devagar.
— Mas eu não sei como.
— Nem eu, mas podemos tentar — disse ele, cantando uma versão da valsa
Danúbio Azul.
Ele guiou-a bem lentamente pelo quarto não tendo certeza do pé que deveria ir
primeiro, o direito ou o esquerdo. A expressão de Sarah estava concentrada. Tentou
acompanhá-lo, e Zach percebeu como ela estava se esforçando para agradá-lo.
Zach soltou-a, puxando-a para mais perto de si.
— Quando você tiver dúvida, faça o passo do quadrado — disse ele, bem próximo
do lóbulo da orelha de Sarah, desejando que as palavras mágicas espantassem todos os
medos.
Sarah descobriu que se movesse as pernas na direção oposta das dele, se
encontrariam num só ritmo. Fechou os olhos, deliciando-se com o silêncio. Deixou que o
instinto a conduzisse. Ela virou-se e colou suas bochechas nas dele, conseguindo, então,
um movimento natural.
Então era assim que se dançava.
Zach pressionou-se mais contra Sarah, rendendo-se ao movimento dos dois corpos
em um só. Segurou a cabeça dela com uma das mãos, intensificando o sentimento de
proximidade. Ela começou a cantarolar uma música que ele desconhecia, uma canção
que misturava elegância e dança. Desfrutaram, maravilhados, o momento tão intenso.
Sarah olhou para Zach sorrindo.
— Como Fred e Ginger — disse ele
— Quem são Fred e Ginger?
Ele riu e colocou a cabeça contra o peito dela.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Você não pode vê-los? Eles estão dançando bem ao nosso lado. Ginger está
usando um vestido de lã longo, parecido com aquele seu cinza, só que o dela é rosa. Fred
está com uma capa preta comprida, camisa branca com babados e calças pretas com
uma listra branca do lado.
— Um homem usa camisa com babados?
— Ah, sim. Ele fica muito elegante assim. Por que você não observa?
Zach virou a cabeça para o lado, indicando que ela devia fazer o mesmo.
Sarah obedeceu, olhando por cima dos ombros musculosos de Zach. Não havia
nada além das paredes azuis manchadas pelas sombras emitidas pelas velas e as
janelas pretas devido à escuridão da noite.
— Me fale o que você está vendo, Sarah — disse Zach. — Eu preciso ouvir você
dizer que acredita na magia do que está acontecendo aqui agora.
Zach abaixou os braços, abraçando-a na cintura, puxando-a mais para si. O balanço
de seus corpos recomeçou e tomou-se cada vez mais íntimo, mais concentrado no lugar
onde ela podia sentir o calor e a rigidez dele. Ficou ainda mais confusa e perdida.
Meus Deus! Será que vou conseguir resistir agora?
Olhando para ele, a sensação de estar à beira de um precipício aumentou mais
ainda. Os olhos de Zach estavam cheios de desejo e tinha o maxilar tenso, fazendo o
máximo para conseguir controlar-se. Com um grande choque, Sarah percebeu que Deus
não a libertaria. Zach não seria perdoado. Muito menos ela.
Sarah sentiu-se tonta. Balançou a cabeça para voltar ao normal, mas a única
realidade era Zach, esperando por um sinal. Dela ou de Deus, imaginou, em pânico. O
que esperava? Um grande clarão pela janela? Um anjo num cavalo vermelho? Quanta
ingenuidade!
Seu corpo foi tomado por um imenso alívio. Uma tranquilidade admitida pelo fato do
Diabo ter ganho a parada. Sarah poderia ser ela mesma agora. Nem santa, nem
pecadora. E também não seria mais uma mulher sozinha por muito mais tempo.
Ela abriu a boca para falar, mas não saiu nada. Zach deve ter percebido que algo
importante estava acontecendo, pois parou de dançar e abraçou-a com menos força.
— Sarah, eu não posso obrigá-la a fazer isso. Você está tremendo inteira. Deveria
ter imaginado que isso aconteceria... mas meu desejo por você era tão intenso. — Ele
colocou seu rosto no pescoço dela. — Peço desculpas.
— Está tudo bem — disse Sarah, entrelaçando as mãos no pescoço dele
— Não, não está. Está errado. Você diz isso da boca para fora.
— Como toda essa magia que está acontecendo entre nós pode ser considerada um
erro? — murmurou ela, percebendo a resistência de Zach. — Eu desejo muito ter você
desse jeito.
— Eu não mereço, Sarah. Estava preparado para tirar sua virgindade esta noite,
mesmo sabendo que ia contra todos os seus princípios. Como você pode oferecer um
presente tão maravilhoso a um homem como eu?
— Como eu não poderia? — respondeu ela, tocando-o com a língua. Sentiu vontade
de arrancar um pedacinho dele, o homem que tanto amava.
— Sarah... — disse ele, num suspiro.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Ela tocou-o outra vez com a língua, sentindo-o por completo enquanto desabotoava
sozinha sua blusa. Zach tinha o cheiro da terra, quente, rico.
— Eu preciso saber por que você está fazendo isso — disse ele, forçando-a a
encará-lo. Mas só percebeu um sentimento de vitória no olhar de Sarah.
— Não. Você deve me beijar aqui. Bem aqui —- disse ela, mostrando no peito dele o
lugar onde desejava ser acariciada. — E aqui também — completou Sarah, beijando seu
mamilo.
Zach respirou fundo. Levou seus dedos até a cabeça de Sarah, que repetiu o gesto,
com a língua e os dentes, mantendo a delicadeza. Ele gemeu de prazer.
— Você vai se arrepender por isso.
— Não vou mesmo — prometeu ela. — Tenho absoluta certeza do que estamos
fazendo. — disse Sarah, abaixando a cabeça para beijar os dedos de Zach e seu peito
másculo. — Nunca vou me arrepender.
— Ah, vai. Eu farei a mesma coisa que você fez comigo. Será como uma tortura,
porém muito prazerosa, e você me implorará para parar.
Zach colocou-a na pequena cômoda, derrubando um vaso de flores. A água molhou
a calça jeans de Sarah, deixando-a envergonhada. Ele tentou tirar o excesso de água,
alisando-a por todas as partes molhadas. A expressão de Sarah era de total surpresa.
— Eu a queria molhada. Não pense que foi um acidente.
Zach deslizou os dedos na parte interna das coxas, abrindo-as de forma que
pudesse ficar bem mais próximo de sua amada. Seus olhos estavam no mesmo nível do
queixo de Sarah, onde começou a beijá-la, iniciando um caminho de incríveis sensações
ao longo do pescoço. Ela sentiu um arrepio intenso. Ele afastou a blusa entreaberta com
os dentes, expondo os seios maravilhosos e depois tocou os mamilos com seus lábios
ávidos.
Sua língua continuava a acariciá-la, roçando os delicados bicos com muito amor.
Sarah respirava com dificuldade e encolheu os ombros, estonteada pelas sensações
tomando conta de seu corpo. Nunca sentira algo tão delicioso. Ofegante, Zach respirou
bem junto dela, imaginando as contrações de outras partes do corpo que o fascinava. Os
mamilos responderam de imediato, enrijecendo. Observando a excitação de Sarah, levou
a boca à parte inferior de um seio, e com a mão tocou o outro com delicadeza.
Ela arqueou as costas, aproximando-se mais do homem amado, entregando-se por
completo ao beijo cheio de paixão que se iniciava. Ele retirou a camisa dos ombros,
jogando-a no chão. A pele abaixo da cintura dela estava tão quente como se estivesse
ardendo em febre. A barreira de madeira da cômoda contra a parte inferior de seu corpo
era muito dolorosa, mas mesmo assim Zach comprimia o peito contra os seios nus de
Sarah. Eles ficaram mais próximos, e com o movimento dos dedos de Zach tocando-a na
coluna, Sarah sentiu um desejo intenso de tê-lo sem demora. Ele abriu as mãos, dando
suporte às costas tensas.
Zach deu alguns passos para trás, o suficiente para desabotoar seu jeans. Estava
tão excitado que teve medo de machucá-la. Sabia, porém, que precisaria ser muito terno
ao invadir aquele corpo que jamais fora tocado antes. Levantando-a da cômoda, segurou-
a no colo e aconchegou-a em seus braços. Sarah colocou os braços e as pernas ao redor
dele e foram caminhando assim juntinhos até a cama, com os lábios colados num beijo
cheio de amor. Zach a acariciava de forma suave, com a paciência de um homem que
queria ter a certeza que a mulher estava satisfeita e pronta para recebê-lo.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Caminhando devagar, deitou Sarah com a cabeça no travesseiro. Retirou um


pequenino pacote do bolso e tirou o jeans e a cueca ao mesmo tempo, estendendo-se
para descansar ao lado dela. Ao ver o tamanho do membro de Zach, ela arregalou os
olhos. Mas ao virar-se para escondê-lo e ficar por cima dela, ambos ficaram se olhando,
extasiados.
Zach precisava controlar a ânsia, pois seu maior desejo era mergulhar naquele
corpo de mulher e sentir que ela o envolvia com sua feminilidade. Em vez disso,
continuou a beijá-la da mesma forma que antes, só que desta vez não com tanta ternura.
Sugou-a com ardor, querendo ser acompanhado. Sarah respondeu ao silencioso pedido
com volúpia surpreendente, pois, afinal, ela ainda era uma virgem totalmente
inexperiente.
Ele começou a tentar abrir o zíper da calça de Sarah, que ajudou-o, ambos com as
mãos trêmulas. Parecia que uma eternidade se passara antes que a a peça de roupa
fosse tirada por completo. As calcinhas dela eram feitas de cetim marfim. Zach percorreu
o elástico por toda a volta, sabendo que precisava ser muito cuidadoso neste momento.
Era uma tortura ter que esperar tanto, mas como recompensa podia observar a silhueta
do corpo quase nu sob a luz de velas. A pele de Sarah cintilava como o brilho de uma
pérola exótica. O perfil dela mostrava os mamilos eretos como um minúsculo botão de
rosa, formado na última luz do dia, enquanto que os seios pareciam misteriosos, um
mistério que ele apenas começava a desvendar.
— Você é tão maravilhosa!
— Tanto quanto você — respondeu Sarah, passando a mão pelo contorno da cueca,
só que Zach estava nu.
Zach respirou fundo, tentando esconder a surpresa por Sarah tê-lo tocado de
maneira tão espontânea.
— Dói? — perguntou ela, ao colocar a mão no pescoço de Zach. — E que quando
você me toca aqui, sinto-me tão bem, mas talvez seja diferente para um homem.
— Não, não dói. Eu apenas não estava esperando uma carícia sua.
— Por que não?
— Por que você é nova no assunto, Sarah. Eu achei que você fosse ficar
envergonhada.
— É tarde demais para acanhamentos, Zach. Você me tocou em todos os lugares
possíveis. Eu quero fazer o mesmo com você.
Ela colocou a mão no meio do peito dele e seu coração bateu com mais velocidade
na medida em que ela descia.
— Eu ainda não toquei você em todos os lugares, querida.
Zach colocou o dedo no elástico da calcinha e abaixou-a um pouco, a fim obter um
espaço para poder fazer o que queria.
— Você quer dizer... Eu devo tocá-lo aí?
Sarah colocou os dedos na parte mais sensível do sexo de Zach, que respirou
fundo, sentindo o corpo todo tremer de excitamento.
— Eu machuquei você? — perguntou ela, assustada, com uma certa timidez no
olhar.
— Não, nem pense nisso — falou ele, pegando na mão de Sarah. Colocou-a sob
seu estômago para que ela se acalmasse e esperou que as forças voltassem para poder

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

responder. — Há similaridades entre o corpo de um homem e de uma mulher que você


precisa saber.
— Quais são?
Zach enfiou a mão por dentro da calcinha dela, tocando os macios pelos pubianos.
— Há certas partes do corpo que são muito sensíveis.
Sarah comprimiu os lábios. Zach acalmou-a com um beijo tenro, deixando a mão
escorregar mais uma vez até o pequeno triângulo de roupa. Ela permaneceu estarrecida,
com a boca inerte aberta sob a de Zach, que tomou vantagem e iniciou um beijo intenso
com língua e dentes. Sarah emitiu um pequeno som e arqueou as costas, elevando os
quadris com o toque das mãos dele.
Ele a acariciava por cima da calcinha. Quando não estava aguentando mais, tirou-a
e ela ergueu os quadris para ajudá-lo. Os dedos de Sarah percorriam a barriga dele até o
ponto mais sensível do corpo, como era o seu. Zach refazia as carícias dela, sorrindo.
Sarah continuou a tocá-lo, deslizando a mão pelo membro ereto de Zach. Os dedos dele
tocaram a carne mais macia e úmida que jamais vira, fazendo com que Sarah fechasse
as pernas em volta, com a respiração ofegante. Ele podia perceber a intensidade da
excitação dela e abriu-a devagar com um dedo, observando-lhe a expressão no rosto todo
rosado.
— Zach — murmurou ela.
— Confie em mim, Sarah. Não tenha medo, deixe acontecer.
Zach voltou a acariciar o corpo que vibrava de desejo com os lábios. Buscou os
seios rijos e sugou os mamilos eretos até ouvi-la gemer de paixão. Acariciou as coxas
esguias que se abriram ao seu toque, tentando esperar pelo momento da posse. Ele
respirou fundo e disse a si mesmo que teria que se conter por ela. Sarah merecia mais do
que um homem apressado e desesperado.
Aproximou-a de si, ambos tremendo, não tendo mais forças para resistir. Zach a
penetrou num movimento abrupto e esperou que o rápido gemido de dor se perdesse no
silêncio do quarto. Então, Sarah ergueu mais os quadris e colocou as pernas em tomo da
cintura dele.
Zach quase não podia suportar. Eles criaram um mundo próprio e perderam-se nele,
totalmente extasiados. Sarah ouviu sua própria voz erguer-se em uma melodia que
cantava a paixão e o prazer físico, enquanto se afastava da realidade para mergulhar nas
sensações mais inebriantes. E quase não se reconheceu na mulher de paixões explosivas
no momento em que ambos uniram suas vozes para celebrar o clímax.
O ato culminou em silêncio, um momento de êxtase onde ambos permaneceram
maravilhados diante da perfeição com que seus corpos haviam se transformado em um
só. Zach finalmente estava nos braços de sua amada.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

CAPÍTULO DEZ

Zach despertou com o raiar do sol. As fracas luzes entravam no dormitório através
das cortinas, fazendo com que tudo parecesse um pouco nebuloso. Exceto Sarah. Ele
abaixou o lençol até a cintura e apoiou o cotovelo na cama, de forma que pudesse vê-la
adormecida. Parecia muito mais jovem enquanto dormia. Pequeninos leques pretos
cobriam suas pálpebras contrastando com as bochechas pálidas, como o mármore sob a
luz do luar. Que contraste!
Pegou um cacho de cabelos, ajeitando-o no travesseiro. Fez isso com as outras
mechas soltas, até que todas estivessem acomodadas de modo impecável. Um anjo,
pensou ele. Seu adorado anjinho. Ela se agitou, puxando as cobertas para baixo como se
estivesse com muito calor. Zach ajudou-a a tirá-las, e as mãos de Sarah relaxaram, uma
sobre o estômago e a outra sob o queixo. Sombras contornavam os seios e a curva das
costelas, suavizando as curvas magníficas de seus mamilos eretos. Não conseguindo se
conter, ele abaixou-se para beijá-la, somente com os lábios para não acordá-la com a
barba por fazer.
Ela deliciou-se ainda adormecida e Zach pensou no enorme sacrifício que Sarah
fizera. Sua liberdade parecia insignificante comparada ao que ela lhe dera. Queria
despertá-la para dizer essas palavras, façanha que não conseguira até agora. Que amor,
pensou ele. Meu amorzinho. Mas havia uma coisa que queria dar-lhe antes que Sarah
acordasse, o pagamento do trato. Iria ver o resto da casa.
Levantou-se da cama e vestiu seu jeans. O chão estava gelado, mas não queria
perder tempo calçando meias e botas. Deixou a porta entreaberta e dirigiu-se ao hall, com
pressa, impaciente agora que a decisão já fora tomada.
Poucas coisas no seu quarto de infância tinham mudado. A única coisa que estava
sentindo falta era dos inúmeros pôsteres que costumava manter pendurados nas paredes
recém- pintadas de azul. Mas não pôde deixar de recordar-se das diversas brigas que
tivera com pai, que não aprovava a ideia de papelões estampados com modelos de maiô,
carros e astros do rock pendurados do chão até o teto.
Continuou seu caminho, apalpando a cama estreita, a cômoda, a escrivaninha que
jamais usara por achá-la ridícula. No cabide ao lado do closet, um chapéu de cowboy
estava pendurado. Era de feltro preto e tinha uma faixa de couro na mesma cor. Ganhara
do pai no décimo sétimo aniversário.
Zach não havia sido capaz de disfarçar seu horror. E, com a graça de Deus, saíra de
casa uma semana depois. Tocou o chapéu com os dedos, de lado a lado. Nunca colocara
o chapéu, muito menos tivera vontade. O presente do pai, ainda por cima, viera
acompanhado de uma mensagem enigmática que dizia que Zach sempre viveria na
sombra de um outro homem, dançando o mesmo ritmo dele. Engolindo a seco, tirou o
chapéu do cabide e segurou-o entre as mãos.
Agora podia perceber com clareza sua escolha. Como Sarah estivera certa ao
insistir que ele entrasse na casa. Ao revoltar-se contra o pai, rebelou-se contra tudo que
dizia respeito a Bar M. Em vez de permanecer na propriedade, optou por sua liberdade.
Parecia ser sua independência final, mas de súbito Zach percebeu como sua ânsia por
aventura fora apenas um desejo veemente, que nunca tinha sido apagado, nem no

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Himalaia e muito menos na Amazônia. Estava tão ocupado em busca do último desafio
que não percebera já ter alcançado. A terra, pensou ele. A terra.
Dirigiu-se até a janela e observou o jardim, um pequeno microcosmo da fazenda dos
Masterson, que sustentara cinco gerações. Na juventude, Zach tinha que acusar alguém
ou alguma coisa. A mãe, o pai, o lar onde crescera. Agora reconhecia que também havia
cometido erros. Afastava as pessoas deliberadamente, espantando-as com seu medo.
Sarah em especial. Ela salvara sua vida, oferecendo a ele um amor que jamais tivera ou
quisera ter.
Como não poderia amá-la? Sarah possuía tudo de mais puro, verdadeiro e
maravilhoso. Sim, ela era doida e teimosa, e tinha personalidade própria. Zach estava
apaixonado por todas as qualidades dela. Agora tinha a certeza de seus sentimentos.
Nunca se sentira assim, tendo alguém que discordasse de seus preciosos ideais. Mas o
amor era assim. Uma reorganização de prioridades. A vontade de compreender além de
si, de oferecer toda sua capacidade.
Zach apertou com força o chapéu que tinha nas mãos. Foi até o espelho e, muito
devagar, colocou-o na cabeça.
— Você o encontrou!
Ele virou-se. Sarah estava encostada no batente da porta, vestindo um roupão de
flanela. Seus cabelos caiam sobre um dos ombros, como uma queda d’água refletindo os
raios de sol. Ela uniu as mãos sobre o coração como se fosse rezar e percebeu o orgulho
no olhar de Zach.
— Fica muito bem em você.
Não muito confiante no tom de voz de Sarah, lutou contra o instinto de arrancar o
chapéu e torcendo para que ela não percebesse ter sido testemunha de um momento
muito importante. Em vez disso, virou-se para se admirar no espelho.
— Você acha?
— Tenho certeza.
Ela caminhou para frente e parou na frente de Zach, perto o suficiente para poder
tocá-lo, encostando o queixo nos ombros bronzeados e largos dele. Agora, de certa
forma, sentia-se mais forte, muito mais do que ele queria admitir. Reconheceu o fato,
levantando os braços trêmulos e indicando que Sarah ficasse a seu lado.
Ela se posicionou bem atrás de Zach, abraçando-o.
— Acho que essa cor combina bastante com você — disse ela, levantando o rosto e
sorrindo.
— Você não acha que eu pareço um daqueles patifes de filmes de faroeste?
— Homens de boa índole também usam chapéus pretos. Serve direitinho.
— Como se tivesse sido feito para mim — admitiu ele, ciente do fato.
Zach beijou a testa dela e pousou sua cabeça na de Sarah.
— Já estou acordado há algum tempo, fuçando por aqui. Este foi meu quarto.
A pressão dos braços de Sarah no peito dele aumentou.
— Eu imaginei que fosse. Encontrei um montão de troféus com seu nome no closet.
— São dos Rodeios Little Britches. Eu era muito bom.
— E tenho certeza que ainda é.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— É como andar de bicicleta. Há algumas coisas no decorrer da vida que você


nunca esquece.
— São as coisas que você não deve esquecer.
— Eu bem que tentei — disse ele, olhando para baixo, procurando sorrir, mas se
remoendo por dentro. — Oh, Sarah.
Ela conduziu Zach até a cama e sentou-se na ponta. Ele ajoelhou-se na frente de
Sarah, amedrontado de forma que nunca estivera antes. O tão familiar rush de adrenalina
não estava mais ali. Em vez disso, sentiu algo mais brando, um sentimento cheio de
esperança, muito diferente da morte tão ameaçadora. Abaixou a cabeça, deixando-se
acalmar pela presença doce de Sarah.
Sarah tirou o chapéu da cabeça dele e colocou-o a seu lado na cabeceira da cama.
Vendo-o pendurado, relembrou-se do pai segurando as abas, com mãos fortes e
calejadas de tanto apertar as cercas de arame farpado e de cortar feno. Zach chorou pela
primeira vez em muitos anos, relembrando a solidão de sua juventude, necessitando ser
amparado, porém temendo a rejeição.
Ela o abraçou por um longo tempo, tentando consolá-lo com palavras dóceis e
amáveis. Sarah passou a mão pelo rosto dele, enxugando as lágrimas e tirando o cabelo
dos olhos. Quando criou coragem, fez a pergunta que estava entalada em sua garganta
há exatas cinco semanas:
— Como você soube que eu precisava vir aqui?
— Também fui obrigada a fugir das pessoas e dos lugares que conhecia. Não é
difícil reconhecer quando uma pessoa passa pela mesma situação.
Ele ergueu a cabeça e sentou-se sobre os calcanhares, querendo ver o rosto de
Sarah. — Mais uma demonstração de sabedoria herdada de seu pai.
— Ele foi um homem sábio.
— Eu gostaria de saber um pouco mais a respeito dele.
— Você primeiro — disse Sarah. — Foi ele quem deu esse chapéu a você?
— Ele podia ser teimoso como uma mula e bastante cabeça dura. Tinha verdadeira
paixão por coisas vindas da natureza. A neve no inverno, as chuvas do verão, as
montanhas e as campinas. E animais. Amava os animais. Nós tínhamos uma porção
deles, cavalos, cachorros, gatos, coelhos, em quantidades enormes.
— Parece-me que vocês dois foram feitos do mesmo tecido.
Zach ficou imaginando a imensa paixão de Sarah por montanhas, além do
tratamento especial que dedicava a Butcher. — Meu pai de certo teria adorado conhecê-
la. Sabe o que mais me lembro dele?
— O que?
— De como ele podia sentir o cheiro do vento e dizer com precisão quando viria a
tempestade, e também saber quanto tempo o trigo necessitaria para crescer e ser colhido.
Ainda por cima, percebia na hora se alguma cabeça de gado estava faltando. Ele tinha
uma confiança enorme em si mesmo... um senso de... sei lá... é muito difícil de explicar.
— Um homem da terra?
— Sim, um homem da terra — disse ele, dando um beijo na mão de Sarah.
Sarah sentia uma imensa admiração por Zach, que por fim encontrara seu
verdadeiro caminho. Ele estava cheio de energia, com muitos planos na cabeça. Durante

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

os dias seguintes, encontrou-se com o novo dono da Bar M e ofereceu-se para comprá-la
de volta, interessado em pagar até vinte por cento acima do valor que vendera. O
proprietário, contudo, negou, alegando ter grandes ideias em mente.
Por sorte, Zach conseguiu comprar a casa. O engenheiro iria demoli-la de qualquer
jeito, mas não recusou-se a vendê-la e ganhar alguns dólares extras. Então Sarah
contatou um perito para remover a casa. A construção era uma excelente obra de
arquitetura, antiga o suficiente para ser qualificada como histórica. Era uma caixa plana. O
técnico iria dividi-la em duas partes, colocá-las em carretas e transportá-las para onde o
casal quisesse. O que significava que precisavam encontrar uma nova fazenda.
Sarah queria ter vista para as montanhas e Zach precisava de uma região grande o
suficiente para criar gado Nelore. Mesmo se tivesse comprado Bar M de volta, não
bastaria. Agora havia muitas pessoas vivendo no vale de Boulder, e o que sobrara do
terreno original dos Masterson não era o bastante para um rebanho. Então chegaram à
conclusão que queriam uma fazenda enorme, algo perto da cadeia frontal das Montanhas
Rochosas.
Era mais fácil falar do que fazer. Zach possuía uma quantia razoável de dinheiro
aplicado, economizado de suas viagens, e ela não tinha nada. A parte dele na venda da
fazenda não era muito alta, não após ter sido dividida entre todos os cinco membros da
família. Eles começariam de baixo e trabalhariam duro até se estabelecer.
Zach confessou ser muito difícil viver na pobreza, queria oferecer muito mais à
Sarah. Ela tranquilizou-o, dizendo que Deus os iluminaria em todos os instantes. Ele jurou
que transformaria a nova Bar M num sucesso. Durante uma semana ficaram escolhendo
entre a lista de fazendas à venda no Colorado e em Wyoming, além de compartilhar muito
amor. No domingo decidiram fazer uma viagem de três semanas com o pequeno trailer
em busca do novo destino.
Zach foi até a cidade na segunda-feira para comprar algumas provisões essenciais
antes de partirem. Assim que viu a caminhonete chegando, Sarah correu para vestir seu
casaco. O dia estava claro e frio e um vento gelado congelava até os ossos. Ao sair da
casa, notou que o automóvel não era a conhecida picape Ford Ranger que pertencia à
fazenda. Esta era preta, seminova, com faróis de milha no teto. Os vidros fumê
delineavam a silhueta de um homem que usava um boné de beisebol.
Ty saiu do galpão e dirigiu-se até Sarah.
— Você está esperando alguém?
— Não — respondeu ela, apertando os olhos devido à claridade dos faróis do carro.
— Você acha que pode ser o novo proprietário?
Ty encolheu os ombros, impaciente, e postou-se nas escadas do galpão. Butcher
veio correndo de seu local favorito de caça, atrás do celeiro principal e parou entre Sarah
e Cobum, latindo.
A caminhonete estacionou na frente do galpão, perto da Chevy de Ty. A janela se
abriu e Coburn acelerou os passos para conversar com o motorista. Sarah avistou um
grosso pescoço bronzeado e o contorno de ombros bastante largos. O homem
gesticulava muito com as mãos, apontando para o celeiro depois o galpão.
Sarah ficou petrificada, sua respiração diminuiu. Não poderia ser Cal. O rosto deste
homem estava muito bem barbeado. Além do mais, as pessoas da Comunidade não
possuíam caminhonetes, muito menos sabiam como dirigi-las.
Na frente dela, Butcher continuava a latir. Considerava a fazenda inteira como seu
território e fazia questão de mostrar a todos, ainda mais para Ty e Zach. Os visitantes

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

eram muito mal recebidos. Sarah manteve-se atrás dele, tentando enxergá-lo melhor. Ty
e ele estavam conversando com calma. Entre os latidos, podia escutar a voz de Cobum,
mas não a do estranho.
Caminhando para frente, chamou Butcher e ordenou que ficasse quieto. Ele ganiu e
andou em círculos, erguendo o focinho para sentir o cheiro do ar. Sarah notou algo a mais
na caminhonete, algo que a diferenciava dos outros automóveis. A pequena placa na
parte traseira do carro estava gravada com o nome da cidade de Montana.
Sarah sentiu um embrulho no estômago. Acelerou o passo.
— Zach Masterson é com quem você deve conversar sobre esse assunto. Ele está
para chegar. Se quiser esperar... — disse Ty, enquanto Sarah se aproximava.
Coburn tocou na aba de seu chapéu e deu um passo para trás, bloqueando a visão
dela e quase pisou em Butcher. O cão ladrou e deitou-se, fazendo festa nos pés de Ty, o
rabo balançando forte.
— Ei, sua mula velha — disse ele, abaixando-se para acariciar o animal. — Você
resolveu ser meu amigo?
— Ty, cuidado!
Ela correu em sua direção, mas já era tarde demais. A porta da caminhonete se
abriu. Sarah reconheceu as botas que tocaram o chão. Ty virou-se com o barulho e foi
acertado na têmpora com a ponta de um rifle. Ele cambaleou. Sarah correu até Ty, que já
estava inconsciente, e tentou segurá-lo. Dando um passo para trás, deitou o corpo dele
no chão.
— Sua idiota. Você não disse a ele que eu não gosto de ser contrariado?
Ela olhou para cima, a fim de ver Cal sair da caminhonete. Ele estava com a arma
nas mãos. Butcher continuou a sacudir a cauda.
— Não — disse ela. — Você não tem esse direito.
— Eu fui casado com sua mãe. Isso nos torna parentes. O quinto mandamento me
dá esse direito.
— Eu nunca honrarei você. Meu pai está morto.
Cal apontou a espingarda contra a cabeça de Ty. — Caso você não queira que esse
homem termine como seu pai, é bom mudar de ideia. E bem rápido.
Zach chegou da cidade e estranhou. A caminhonete de Ty Coburn não estava lá, o
que significava que ele não teria ajuda para descarregar as compras. Deu marcha ré e
colocou sua caminhonete bem próxima do trailer. Quando Ty retomasse, eles retirariam
as compras. Então, pensou Zach consigo mesmo, Sarah e ele poderiam planejar quando
sairiam à procura de uma fazenda nova.
Zach pegou a correspondência e o buquê de flores que estavam no assento do
passageiro e dirigiu-se para a casa. O vento forte despenteou os cabelos sob o chapéu
preto de cowboy. Zach não estava ligando a mínima.
Deliciando-se com o frio, deixou o vento penetrar por seu sobretudo. Era novo em
folha. Ele precisava de um agora que decidira ficar com Sarah e morar em algum lugar
perto das Montanhas Rochosas. Manuelo aceitara sua decisão de não retomar ao Brasil,
ainda mais por Zach ter vendido a sua parte por um preço simbólico de um dólar.
— Sarah? — chamou ele, ao entrar na casa.
— Estou na cozinha.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Ela devia estar ocupada com alguma coisa. Normalmente Sarah corria para seus
braços assim que ele chegava, não fazendo diferença se estivessem separados há dias
ou há horas. Zach parecia não ligar para isso, mas por dentro sentia-se o homem mais
feliz do mundo.
— Você sabe aonde Ty foi?
Zach pendurou seu sobretudo no cabide, deixou o chapéu pendurado no corrimão
da escada, pegou as flores e as cartas. Sarah decerto gostaria delas, pois não havia
quase nenhuma no jardim.
— Não.
— Aonde está Butcher? — perguntou ele, ao entrar na cozinha. — Senti falta dos
latidos ao entrar.
Ela estava parada na pia, vestida com a saia marrom e a blusa de algodão. Os
cabelos estavam presos como usava antes. Era estranho, pois agora costumava usá-los
soltos, ainda mais quando Zach se oferecia para penteá-los.
— Suponho que esteja caçando.
Ele colocou as coisas na mesa e abraçou-a por trás, massageando-a no pescoço
com uma das mãos. — Você deve ter trabalhado bastante, pois até está com as roupas
velhas.
Sarah retribuiu o beijo que ele lhe dera, tirando a mão da água muito quente que
escorria da torneira.
— Aonde estão suas luvas de borracha? A água está muito quente.
— Não me incomoda — disse ela. Estou acostumada.
— Pode ter certeza que eu vou comprar uma máquina de lavar para nossa casa
nova. Não quero vê-la trabalhando como uma escrava.
Ele soltou-a e voltou para pegar as cartas.
— Eu preciso conversar com você sobre isso, Zach.
— Eu também preciso conversar com você — disse ele, escolhendo as cartas. —
Enquanto estava na cidade, ouvi uns rumores sobre uma proposta de venda das terras na
área do rio Wind em Wyoming, ao sul de Grand Tetons. É um lugar muito bonito, Sarah.
Eu peguei o número do telefone e se o preço for justo, acho que devemos passar por lá
em primeiro lugar, amanhã mesmo.
— É sobre isso que eu queria conversar. Não irei viajar com você.
Zach parou de mexer nas cartas e fitou-a. Ela estava virada para ele, com as mãos
enroladas no avental. Pôde, então, perceber a gravidade do assunto. Sarah estava muito
abatida e com olheiras.
— Você não está se sentindo muito bem?
— Estou ótima.
— Se for necessário adiarmos a viagem por alguns dias até que você esteja melhor,
tudo bem. Parece que há uma frente fria vindo por aí. E eu tenho permissão do novo
proprietário de ficar aqui até encontrarmos um lugar para morar.
— Não é bem isso — disse ela. — Eu mudei de ideia.
— Sarah, você precisa vir comigo. Eu não quero comprar nada sem a sua
aprovação. Será a nossa casa, o nosso lar.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Zach, por favor. Não dificulte ainda mais as coisas para mim.
— Do que você está falando? — perguntou ele, começando a ficar preocupado.
— Estou indo embora.
— Indo embora?
— Eu decidi esperar e falar com você, pois não queria que viesse atrás de mim. É
tudo.
Sarah passou por Zach, que agarrou-a pelo braço.
— O que você disse?
Ela olhou para ele quase chorando. — Não posso fazer isso — murmurou Sarah.
— Não pode fazer o quê? — perguntou ele, apertando-a cada vez mais forte. O que
ela dissera? Que estava indo embora?
— Solte-me — disse ela, em tom amigável.
— Não enquanto você não me contar o que está acontecendo.
— Estou deixando você.
As palavras soaram como uma martelada em sua cabeça.
— Por quê? — perguntou nervoso.
Mas no momento em que fez a pergunta, soube que não estava preparado para
ouvir a resposta. Zach a amava mais que tudo. E se Sarah não o amasse, não queria
ouvir. Ela era muito especial.
— Eu...
— Espere — interrompeu Zach. — Sente-se aqui — disse ele, puxando uma cadeira
com violência. Estava furioso, porém tentando pensar, imaginando se fizera ou dissera
algo de errado. — Eu te amo, Sarah. Não ligo se tiver de casar com você amanhã para
prová-lo, ou perambular dentro de um trailer até o fim do mundo ou mesmo ficar
trancafiado com você num quarto até o fim de nossas vidas.
Sarah estava imóvel, parecia uma estátua. Zach pegou a mão dela, sentindo muito
medo. Obrigou-a a olhar para ele.
— Me explique o por quê, Sarah.
— Não quero mais ficar com você. Só isso.
Zach não acreditou, pois a voz dela estava trêmula e demonstrando insegurança.
Sentia-se dominado por um sentimento de amor e paixão incontroláveis.
— Você não sabe o que está falando.
— Sim, eu sei. E tenho certeza absoluta. Estou dizendo adeus. E não pense em ir
atrás de mim. Eu não tenho a menor intenção de vê-lo.
— Sarah, não faça isso conosco — disse ele, com lágrimas escorrendo pelo rosto.
— Não existe mais nós, Zach.
Ele levantou-se e elevou as mãos. — E o que estivemos fazendo no quarto durante
a semana passada?
— Foi um sonho. Um sonho idiota.
Zach agarrou-a pelos braços, totalmente fora de controle.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Não foi um sonho e muito menos idiota, Sarah. O que existe entre nós é o
sentimento mais real e puro que já experimentei em toda minha vida. E eu sei que você
sente a mesma coisa. Nós não tivemos muito tempo para expressar nosso amor através
de palavras, mas não interessa, o amor vale mais do que palavras.
Ele abaixou-se e beijou-a, não sabendo mais como agir. Não tinha como provar seu
amor. Depois do primeiro momento de choque quando seus lábios se encontraram, Sarah
esquivou-se.
— Não, não, não. Você está errado. Vá embora e me deixe sozinha.
Sarah saiu de perto dele chorando como um bebê, como se seu coração estivesse
partido ao meio. Zach nunca a vira chorar. Ficou assustado e não conseguia entendê-la.
Pelo visto, nunca descobriria o motivo. Não podia ajudá-la. Nunca se sentira tão
imprestável em toda sua vida.
Chutou a cadeira que atrapalhava sua passagem, jogando-a contra a parede. Sarah
olhou-o, assustada. É óbvio que ela queria que Zach fosse embora, pois quase berrara ao
expulsá-lo. E ele estava certo que se continuassem no mesmo local, acabaria
espancando-a. Estava tão frustrado e nervoso que não enxergava nada à sua frente. Não
vestiu o chapéu nem o sobretudo, deixando o frio penetrar em seus ossos.
Passou como um furacão pelo jardim, deixando pegadas profundas na grama.
Precisava bater em algo. Mas, em vez disso, enfiou as mãos nos bolsos, procurando uma
resposta, uma que fizesse sentido. Sentia uma imensa dor no estômago e seus músculos
estavam tensos, impedindo-o de pensar. Isso não podia estar acontecendo. Não com ele.
Beliscou-se para ter certeza que não era um sonho ruim. Como Sarah poderia deixá-lo?
Entrou no pomar, cego pelo frio e pelo brilho do sol. As lágrimas queimavam-lhe a
face. Sentiu que se desse mais um passo seu pulmão explodiria. Estava quase sem
fôlego, quase morrendo. Morrendo por causa de Sarah.
Encostou-se numa árvore, relembrando-se as ocasiões em que fora grosso com ela.
Mesmo levando em consideração seus temores do passado, Zach não se considerava
bom o suficiente. Ainda era capaz de atos brutais, fato comprovado pela cadeira
destruída.
A verdade é que Zach nunca seria bom o suficiente para Sarah. Como nunca o fora
com seus pais ou qualquer outra pessoa. Sentiu-se amado de verdade por ela. Nunca
encontrara alguém assim, tão puro e cheio de vida. Ela se entregou por completo, não
ligando para o passado. Uma alma maravilhosa. E nunca mentia, o que era muito pior.
Ouvi-la dizer que não queria mais nada com ele, foi como se jogassem ácido em seus
olhos.
Sarah não machucava as pessoas com essa intenção. Ela daria sua própria vida
para salvar a de outra pessoa. Zach bateu a cabeça contra um tronco. A casca machucou
sua cabeça, mas a dor não era nada em comparação ao que sentia por dentro. O vento
sibilava entre as árvores, ecoando as palavras na cabeça dele. Ela daria sua própria vida.
Sua própria vida. Sua vida.
Ele ficou bem quieto.
Virando-se, olhou para a casa. Parecia um perfeito quadro — o contraste das telhas
pretas com a pintura branca. Tudo era tão belo, o jardim, a cerca, os varais sempre cheios
de roupas. Mas Zach sabia que antigamente também era assim. E observar podia ser
decepcionante.
Ele correu.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

CAPÍTULO ONZE

Os maiores temores de Zach estavam se realizando. Na metade do caminho para a


casa, escutou um tiro. Vinha do exterior, da frente. Ele passou pelo jardim, cortou
caminho pelos algodoeiros entre a residência e o celeiro, e avistou Sarah sendo
carregada para dentro do trailer por um homem forte. A barra da saia dela foi a última
coisa que viu antes da porta bater.
Ele percorreu o campo, chegando devagar ao trailer. Todos estavam dentro de seu
minúsculo interior: Sarah, Coburn, Butcher... e Cal. O estranho homem que segurava a
espingarda só poderia ser ele. Presas por suspensórios, suas calças eram do mesmo
tecido marrom da saia dela, e uma camiseta simples, de algodão, cobria seu imenso
peito. Butcher estava bem ao lado, como se uma coleira invisível estivesse entre o
pescoço do animal e as mãos de Cal. Parecia que os meses com Sarah não haviam
diminuído o controle dele sobre Butcher.
— Não se mova, senão acabo com ele — berrou Cal. Zach percebeu a potência da
arma, uma Remington 742 semi-automática, apontada para a cabeça de Coburn. O velho
capataz da fazenda estava sentado em uma cadeira, preso nos pés e nas mãos por
correntes de metal. Estava inconsciente e sua têmpora tinha uma coloração amarelada
com sinais de sangue seco pelo pescoço.
— Eu não vou a lugar nenhum — disse Zach, levantando as mãos.
Ele olhou para Sarah, que estava no canto oposto de Coburn, com os pulsos atados
por uma corda. Zach quase não percebeu o aceno dela, que queria dizer como estava
chateada pelas coisas que fora obrigada a dizer. Tinha as bochechas muito vermelhas e
os olhos evidenciavam choro.
Cal apontou a arma para Zach.
— Nós tentamos nos livrar de você, mas parece que não queria ir embora, não é?
Agora venha compartilhar da nossa festinha. Sente-se.
Sabendo que teria que agir rápido tão logo a oportunidade aparecesse, acomodou-
se no canto da cama perto de Cobum. Os anos da selva tinham lhe ensinado como fazer
uma arma com qualquer objeto e o trailer estava lotado de possibilidades. Na minúscula
cozinha, havia facas nas gavetas e copos no armário. Tinha que pensar rápido. A cadeira
de Coburn e as gavetas da cômoda também poderiam ser utilizadas e, se fosse o caso,
até a cama entraria em jogo. Se pudesse apanhar a corrente que estava diante de Sarah,
teria uma grande vantagem. O importante era distrair a atenção, enquanto tentava mantê-
la em segurança, assim como o capataz.
Cal olhou para Sarah e ordenou que amarrasse Zach.
Sarah pegou a corrente. Cal deixara mais ou menos uma polegada de espaço entre
a corda em seus pulsos, para que pudesse usar as mãos, mas não os braços. Quando ela
se aproximou, Zach percebeu que andava devagar, como se fosse penoso. Olhou para
baixo e viu que os tornozelos dela também estavam amarrados e calçava pesados
tamancos de madeira.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Nenhum dos dois tente alguma coisa — advertiu Cal.


Zach observou-a amarrar seus pulsos com a corrente. Sarah tinha os dedos
gelados. Ele manteve o olhar na direção oposta dela, mas movimentou a perna para
empurrá-la para o lado.
Sarah ajoelhou-se na frente de Zach e prendeu-o com a corrente, dos pulsos até os
tornozelos. Zach entrou em ação. Saltou da cama, colocando Sarah atrás de si, ao
mesmo tempo que olhava para os pés da cadeira de Coburn. Derrubou-a para trás, fora
de perigo.
A arma disparou. Zach virou-se para o lado e cobriu a cabeça com as mãos. A
corrente foi arremessada para cima. Cal ergueu um braço para tentar bloquear, e o rifle
caiu no chão. Zach pegou a arma, mas foi acertado no braço.
— Corra, Sarah, corra — berrou Zach.
— Butcher! — comandou Cal. — Ataque!
O cachorro aproximou-se de Zach rosnando em suas costas.
— Não Butcher! — gritou Sarah.
Zach sentia o animal atrás de si, ofegante. Sabendo que Sarah talvez pudesse
controlá-lo, fez um último esforço e largou a arma, que caiu no chão, fora de seu alcance.
Cal urrou, demonstrando toda sua ira, fazendo com que Butcher latisse feito um louco.
Sarah gritou de novo e Zach procurou manter Cal longe deles, tentando acertá-lo com o
rifle, empurrando-o com o pé. Cal levantou-se num movimento ágil e bateu nas costelas
dele com a arma.
Zach ainda tentou alcançar a espingarda, em vão, pois Cal foi mais rápido.
— Não — choramingou Sarah, dirigindo-se para Cal. Ele direcionou a arma na
direção de Zach, afastando Sarah, segurando-a pelas roupas. Ela se desequilibrou nos
tamancos de madeira.
— Seu queridinho pode se considerar um homem morto.
— Não! Por favor!
Zach curvou-se, tomado pela imensa dor que sentia do lado esquerdo. Estava
enfurecido. O homem não só tentava matá-lo, como também quebrara algumas de suas
costelas.
— Sarah, salve-se. Não se preocupe comigo.
Sarah tentou chegar até ele, mas Cal a impediu, agarrando-a pelo pescoço, forçando
seu peito contra a coluna dela. Ela estava com os olhos arregalados, cheios de terror.
— Eu não vou matá-lo. Butcher vai fazê-lo.
— Não!
Zach olhou para Sarah sem poder fazer nada ao vê-la tentando se livrar do braço em
volta de seu pescoço. Mas não podia comparar sua força com a de Cal. Butcher latia
muito, excitado, da porta do trailer, com os olhos brilhando.
— Venha aqui, garoto — chamou Cal.
— Não, Butcher — ordenou Sarah.
O cão ficou andando em círculos, sem saber o que fazer. Cal empurrou Sarah para
longe de si, para o outro lado da trailer.
— Venha, Butcher.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Fique — comandou Sarah, com voz trêmula.


Butcher ganiu e levantou a cabeça, olhando de Cal para Sarah, de Sarah para Cal.
— Butcher! — berrou Cal, carregando a arma. — Venha. O cachorro atendeu o
comando de imediato.
— Pare!
Butcher inclinou-se e olhou para Sarah, com o rabo balançando. Moveu-se na
direção de Cal.
— Muito bem, garoto. Venha! — Cal deu um passo para frente, com a arma na mão.
— Butcher, não — disse Sarah, passando por Cal, com a intenção de alcançar o cão
antes.
Cal esticou a perna para que ela tropeçasse. Sarah quase caiu no chão, mas
conseguiu segurar-se na beirada da cama. Zach cerrou os dentes e tentou segurá-la com
sua mão cheia de sangue.
Sentindo o apoio de Zach, Sarah acalmou-se. Cal riu e deu uma ordem a Butcher
para que ficasse de guarda na porta. Cruzando o trailer, chegou perto de Zach e enfiou a
arma na barriga dele.
Sarah uniu as mãos em sinal de desespero.
— Não o machuque mais, Cal. Por favor.
Gargalhando, Cal apertou com mais força. Zach gritou de dor.
— Uma bala encravada dentro do corpo é a melhor tortura, Sarah. Você sabia
disso?
— Por favor — suplicou ela. — Pare.
— Como você pode ver, ele ainda não morreu. A bala está instalada em seu braço.
Mesmo hoje em dia a medicina moderna não consegue controlar a infecção resultante. É
uma morte lenta. Muito lenta.
Apertou o cano com mais intensidade. Zach fechou os olhos para não berrar. A dor
era imensa.
— Cal, não. — Sarah implorou, sentindo as lágrimas escorrerem pela face. — Eu
farei qualquer coisa.
— Qualquer coisa?
— Não, Sarah — pediu Zach.
Cal afundou mais ainda a arma. — Você cale a boca, namoradinho.
— Cal, eu imploro que não faça mais nada a ele. Eu irei com você para onde quiser.
Não o machuque.
— Sarah, não.
— Ah, sim. Uma proposta bastante interessante. Deixe- me pensar por um minuto.
Ele apontou o rifle para Sarah. Zach mordeu os lábios, evitando, assim, qualquer tipo
de demonstração sonora de seu pânico.
— Eu voltarei com você para a Comunidade. Será como era antes.
— Não exatamente. Antes você era minha enteada. Agora eu a quero como minha
esposa. E nós não poderemos voltar para a Comunidade. Quando você fugiu, os anciãos

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

encontraram a lanterna e descobriram que eu estava fazendo coisas proibidas, como usar
o caminhão para expandir o acesso ao meu gado. E por isso fui banido. Significa que
você terá de dizer adeus a todas as pessoas e a tudo que algum dia conheceu. — Cal
apontou para Zach. — O namoradinho se inclui na lista.
— Se você não ferir mais Zach e Cobum, eu irei com você para qualquer canto e
farei o que mandar.
— Não, Sarah — implorou Zach.
— Jure perante Deus — disse Cal.
— Não, querida — murmurou ele, tentando apoiar-se em um cotovelo. Se
conseguisse chegar mais perto de Cal, talvez pudesse puxar os pés dele por trás.
— Pare de se mover e feche a matraca — disse Cal, agarrando Sarah pelo braço
com violência e colocando-a na sua frente. — Ou então a despirei aqui e agora e farei
tudo que sempre desejei.
Isso afetou Zach de maneira muito profunda. Não podia admitir que Sarah jurasse
por Deus ser submissa a Cal. Ele juntou todas as forças para mover-se para frente.
— Agora diga adeus ao seu amante, Sarah, você nunca mais o verá.
Zach abriu os olhos e pôde avistá-la ajoelhada perto dele. Praticamente sem
sentidos, ele ficou de joelhos, quase não conseguindo enxergar. Como poderia salvá-la?
Segurou a mão dela e tentou comunicar-se em sussurros.
— Querida, você não pode fazer isso. Não vá com Cal, pois ele a matará.
— Eu te amo. E sempre te amarei mais do que qualquer coisa nessa vida. Meu
coração pertence a ti, amor.
— Não diga isso a ele! — berrou Cal — Você pertence a mim, só a mim.
Cal bateu a arma no teto, bem em cima da cabeça de Sarah.
— Diga a ele que você não o ama e que eu tomarei seu lugar.
Sarah posicionou-se sobre Zach, tentando evitar que o reboque caísse nele.
Arrastou-o até a parede, quase inconsciente.
— Sarah...
A chuva de reboque parou logo. Cal apontou o rifle para ela.
— Saia de perto dele!
Sarah virou-se sem saber como proteger Zach, Butcher ganiu e esfregou suas
garras no chão do trailer.
— Fique aí, cachorro imbecil — berrou Cal.
Sarah queria ver aonde Butcher estava, mas a ponta da arma estava muito perto de
seu rosto.
— Agora olhe direto nos olhos do seu amante e diga que não o ama.
Sarah não se moveu.
— Fale já!
Ela meneou a cabeça, numa negativa. Zach abriu os olhos, encontrou a mão de
Sarah e apertou-a.
— Fale, Sarah. Ele a matará se não o fizer.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Está certo — complementou Cal. Se você não disser que não ama esse idiota eu
a matarei.
— Não — murmurou ela.
— Nós sabemos qual é o verdadeiro sentimento. Pode dizer o que ele quer ouvir, eu
não ligo.
Sarah observou muito atenta a face de seu amado e sabia que preferia morrer a
dizer tais absurdos para Cal.
— Zach, você é meu verdadeiro amor. Caso acontecer qualquer coisa, quero que
saiba que estará para sempre dentro do meu coração e que eu o amarei até o fim de
meus dias.
Sarah manteve-se sentada sobre seus pés, como estava. Zach utilizou todas as
forças e chutou as pernas a fim de acertar Cal e derrubá-lo. Porém este foi mais rápido,
esquivou-se do chute como uma mosca, e puxou Sarah pelos cabelos.
— Eu o matarei com minhas próprias mãos se você machucá-la, seu calhorda.
Tentou erguer-se em vão, estava muito fraco e o ferimento sangrava bastante.
Cal jogou Sarah na cama e deitou-se em cima. Ela berrou. Com dificuldade, Zach
usou a parede como apoio para tentar ficar em pé. O pequeno trailer balançou. Zach
cambaleou e caiu perto da cama. Além da dor imensa que sentia na cabeça, ouviu um
latido muito alto. Pôde ver Butcher pular em cima de Cal. Escutou um berro e o som de
carne sendo rasgada.
Cal caiu no chão, tinha os olhos esbugalhados e as mãos no pescoço
ensanguentado.
Zach caiu deitado no chão agradecendo a Deus. Sarah estava a salvo.
O terror acabara.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

EPÍLOGO

Sarah estava parada à janela do quarto principal, observando o imenso pátio. A noite
começava a despontar. Um homem usando um longo casaco de pele de carneiro com
uma lanterna na mão se aproximava. Era Ty Coburn.
Ela sorriu. O homem de cabelos grisalhos insistia em afirmar que sua devoção
imortal à fazenda dos Masterson se devia à comida de Sarah. Ela prometera fazer sua
torta favorita de framboesas como sobremesa para o jantar, caso Ty concordasse em
preparar o café para os capangas esta manhã.
Desde o incidente com Cal, Cobum sempre insistia para que Sarah fizesse a torta.
Virando-se de costas para a janela, Sarah observou Zach, deitado de costas sobre
alguns lençóis e mantas. Ele colocara um jeans ao ir buscar o pequeno Matthew para a
mamada das 3h00 horas da madrugada. Segurava uma fralda sobre o estômago, e o
peito permanecia nu.
Ela foi até a cama, sentou-se na extremidade do colchão, afrouxando o roupão
devido ao calor do quarto. Com a chegada do bebê coincidindo com o frio do inverno,
Zach insistira em deixar o moderno sistema de calefação aceso o tempo todo.
O cansaço dominava sua expressão. Ela devia deixá-lo descansar. Entre a colheita
recém-completada e o nascimento do filho, Zach dormira pouco nas últimas semanas.
Mas Sarah escolhera com cautela esta manhã e, desde que arranjara um dos capangas
para fazer os serviços matinais, ele poderia dormir um pouco mais, até que Matthew
acordasse de novo para mamar mais uma vez. O bebê era muito faminto.
Ela pegou com cuidado a bolinha azul e cobriu a pequenina cabeça com a touca.
Beijando a testa minúscula do bebê, Sarah levou-o de volta para o quarto dele, no final do
corredor. Se tivesse sorte, Matthew lhe daria pelo menos uma hora de sossego antes de
despertar para o dia.
Quando retomou, Zach tinha virado de lado, de costas para ela. Sarah tirou o roupão
e deitou-se nua ao lado dele. Os pés estavam congelando. Abraçou-o para que o calor
dele a esquentasse. A cicatriz comprida no braço de Zach, fez com que se lembrasse do
terrível dia em que Cal apareceu para buscá-la. Depois que Butcher o havia atacado e
matado, ela desatara num choro histérico. Zach ainda tentara confortá-la, mas a bala
cravada em seu braço sangrava muito e ele perdeu os sentidos.
Sarah correu para o galpão e telefonou para 911, o número para qualquer
emergência. Quando a ambulância chegou, deu-se conta que era a primeira vez que via
uma tão de perto e sentia-se ao mesmo tempo aliviada e aterrorizada. Os ferimentos de
Zach e Ty eram graves; seus conhecimentos não chegavam a tanto para cuidar deles
com simples ervas medicinais.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

Chamaram a polícia quando o corpo de Cal foi descoberto, e levaram Butcher para o
canil. Só após uma longa investigação e uma demonstração de Sarah do quão bem o cão
tinha sido treinado, o coronel emitiu um atestado de morte acidental. O oficial guardião de
animais dissera a ela que voltaria a ter a custódia do cão, mas não poderiam viver em
Boulder. Como estavam de mudança, ela concordou na hora.
Zach insistiu em casar-se de imediato, perante um juiz, no hospital onde Ty e ele se
recuperavam. Coburn ainda estava um pouco zonzo devido à pancada na cabeça. Ficou
sentado em uma cadeira de rodas e testemunhou como padrinho. Betsy Miller, a esposa
de Jason Miller, que por acaso era enfermeira no hospital e uma visita frequente, foi
madrinha de Sarah.
Ela usou um vestido branco bem simples, que comprara na Amsterdam’s. Quando
Zach percebeu que ainda tinha a etiqueta de preço, riu e tirou-a. Ele vestia jeans e botas,
nada mais, pois suas costelas estavam enfaixadas devido à fratura.
Celebraram outra cerimônia um mês depois, perante Deus, no início do ano no
jardim da nova residência em Wind River Valley. Como padrinhos vieram Bram, o irmão
de Zach, e sua linda esposa, Mandy. Joe, Elizabeth e Meg também compareceram. Todos
os Masterson estavam lá, contemplando Zach e Sarah realizarem os tradicionais votos.
Mais aquecida agora, Sarah beijou-o primeiro e depois ficou acariciando o amado.
Como era maravilhoso! Foi tomada por um sentimento de amor tão grande que virou-o de
lado, deitando no peito dele. Ficou assim, escutando as batidas de seu coração, a
felicidade emanando por todos os lados. Aqui era seu lugar, pensou ela.
— O que você está fazendo comigo, querida? — perguntou Zach, com voz de sono.
— O que você acha que estou fazendo? — disse ela, passando a mão pelo braço
dele, dessa vez com mais firmeza, para despertá-lo de vez.
Ele espreguiçou-se. Sarah levantou e beijou sua testa, depois a boca, meio
adormecida, mas bem aberta junto da dela. Zach abraçou-a com força querendo mostrar
sua excitação.
— Estou sonhando? Já faz tanto tempo.
— Três meses — murmurou ela, pensando nas seis semanas de gravidez e nas seis
semanas de recuperação, longas semanas sem fazer amor, só carinhos e beijos.
— Como pude aguentar por tanto tempo? Devo estar louco.
Sarah afastou as pernas em resposta, sentindo o sangue correr mais rápido em suas
veias. Lembrou-se da vida gerada há tão pouco tempo, na noite do casamento deles
perante Deus. Ela estava ansiosa para senti-lo dentro de si e recordou-se das precauções
que utilizara, um presente que daria ao marido, para terem um tempo para si. Queriam
mais filhos, mas eles viriam quando os pais estivessem prontos.
— Você tem certeza, Sarah? Parece tão cedo. E você está tão cansada por cuidar
do bebê.
— E você também.
— É, mas pelo menos eu durmo enquanto você o amamenta.
As mãos dele brincaram com os seios de Sarah, bem maiores agora. Um pinguinho
de leite saiu de um dos bicos, mostrando que Matthew não a secara por completo.
— Sim — disse ela. — Tenho certeza absoluta. Eu quero você e agora.

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Desejo NC 59 – Duas Paixões – Carol Devine

— Eu também quero. Mas não estou preparado, querida. Quero dizer, conversamos
sobre esperar para ter mais filhos, mas não decidimos qual de nós é responsável pelo
controle de natalidade.
— Psiu. Não precisa se preocupar. A enfermeira do condado me visitou ontem à
tarde.
— Pensei que ela tivesse vindo para aplicar as vacinas em Matthew.
— E também para me examinar. Ela disse que estou mais saudável do que nunca.
— Você está muito bem. E tão bem que eu gostaria de possuí-la agorinha.
— Então o faça — disse ela, posicionando-se.
Zach gemeu. Não aguentava mais, queria-a de todo jeito. Mas segurou-a e fez com
que olhasse em seus olhos.
— Sarah, nós conversamos sobre isso. Eu preciso usar preservativos até que
estejamos preparados para ter mais filhos. E no momento não tenho nenhum.
— Não há necessidade de um preservativo, Zach.
Ela pulou em cima dele e acariciou seu sexo. O sentimento era estranho, pois Zach
sabia que iria arriscar-se. Então lembrou-se do quanto desejava essa mulher. Não
permitiria que Sarah tivesse mais filhos agora, em tão pouco tempo. Ele começou a
afastá-la, mas ela abaixou, guiando-o para dentro de si. Por um momento, pensou que
quase não fosse aguentar de tanto prazer.
— A enfermeira me deu algo especial, assim nós podemos fazer isso sem nenhum
medo. É uma capinha de borracha...
Zach não escutou o resto, pois estava gozando cada sensação. O corpo dela cobria
todo o seu, Sarah o excitava como ninguém nunca o fizera. Zach pegou os cabelos dela e
acariciou-os, sentindo a maciez. Como estava feliz. Soltou-os, deixando que formassem
uma cortina entre suas cabeças. Beijou-a com muita ternura e afeto, tentando conter o
imenso desejo de explodir por dentro.
Sarah se ergueu e sentou-se em cima dele. Zach sentiu conforto e volúpia, como um
eco da alma, totalmente tomado pela confiança que ela aprendera a ter, pela pureza
criada por ambos. Segurou os quadris dela, embalado pelos movimentos, escutando o
ritmo da respiração.
Então abraçou-a empurrando-a com intimidade e muito rápido. E ficaram assim,
juntinhos, unidos de corpo e alma, no lugar onde seus corações, corpos e almas se
encontravam.
Em casa. Finalmente um lar.

CAROL DEVINE é autora de inúmeros romances de sucesso e recebeu o "Coração


de Ouro” de 1992 para escritores de séries românticas contemporâneas. Mora no
Colorado, com o marido e três filhos (incluindo gêmeos idênticos), e seu passatempo
predileto é colecionar tranqueiras e tênis Reeboks. Atuou também como presidente da
Associação de Escritores de Ficção de Rocky Mountain.

Romances Nova Cultural

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