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1ª EDIÇÃO
2020
Playlist
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Epílogo
Contato
Biografia
Preciso destacar que esse será um dos agradecimentos mais difíceis que
já escrevi, pois meu maior medo é esquecer o nome do tanto de pessoas que
me ajudaram nessa caminhada, que não foi fácil.
Esse livro me mostrou várias lições, que até então eu desconhecia. Com
o andamento dele pude perceber que algumas percepções minhas estavam
erradas, e agradeço primeiramente a Deus por ter me iluminado com uma boa
ideia, e assim dar andamento no mesmo e finalizá-lo.
Agradeço aos vários autores que estão perto de mim, que se tornaram
grandes amigos nessa caminhada. Não vou citar nomes, porque fatalmente
me esquecerei de alguns, mas eles sabem o quanto tenho carinho e torço pelo
sucesso de todos. Pude conhecer autores na Bienal do Rio de Janeiro que se
tornaram grandes amigos, e não somente colegas de profissão, e levarei isso
comigo por onde passar.
Agradeço também às minhas betas. Sei que dou um pouco de trabalho;
mando arquivos e mais arquivos; teimo que algumas partes que escrevi não
estão boas o suficiente, mas enfim, sem a ajuda delas esse livro não sairia,
principalmente esse sendo um assunto tão novo para mim. Então quero
agradecer à Mérice, Nane e a Má Bonfer (@loucuras_resenhas_spoilers),
Bia e Talita por toda a paciência que tiveram comigo. Nada melhor do que ter
uma visão diferente sobre alguns acontecimentos e vocês me ajudaram
imensamente em tudo. Não tenho palavras para dizer o quanto fui agraciado
por tê-las em minha vida me apoiando e tirando um tempinho para lerem as
minhas obras, então muito obrigado por tudo, de coração.
Agradeço também a minha revisora, Sara Rodrigues, que parou muitas
coisas que estava fazendo para corrigir o livro, para enfim ele estar na
Amazon no fim de Fevereiro.
Agradeço imensamente ao meu grupo de WhatsApp (Romances G.R.
Oliveira) por todas as palavras de carinho desde a sua criação. Sei que fiquei
um pouco ausente nos últimos meses, mas foi por uma boa causa, já que o
livro enfim foi finalizado. Espero que permaneçamos juntos por um longo
tempo, e que continuem me dando forças para que eu siga criando mais
histórias.
E, por fim, agradeço a todos os leitores que me acompanham em todas
as redes sociais que possuo. Sem vocês essa caminhada não seria possível, e
são as críticas positivas e negativas de vocês que ajudam a extrair o melhor
de mim a cada dia que se segue.
Muito obrigado a todos. Espero realmente que esse livro faça a diferença
na vida de vocês como fez na minha!
PLAYLIST
“Se entregue ao desconhecido...”
10 ANOS ATRÁS
ATUALMENTE...
O dia mais esperado havia chegado. É claro que não estou falando sério,
principalmente ao notar a face de Daniel.
Ele estava pronto para atacar suas presas: nós.
— Estarei diante de uma apresentação decente hoje?— questionou, com
seu tom autoritário.
— Espere e verá. — Francielle o fuzilou com os olhos, e ao que parece,
Daniel não gostou nada do seu tom de voz.
— Pode ter certeza — rebateu.
Novamente Francielle estava em uma sinuca de bico, e se a sua
apresentação não fosse de acordo com o que ele pediu tenho certeza de que
isso sobraria para todas as pessoas nessa sala.
Durante uma hora, e claramente com a força do ódio, Francielle
apresentou várias ideias para melhorarmos a questão da captação de novos
sócios na empresa.
Percebi que ela estava bastante nervosa, e por alguns momentos
tropeçava em algumas palavras. Além do mais, torci para que Daniel não
tivesse notado alguns pequenos erros gramaticais na apresentação.
Acho que ele não conseguirá prestar atenção em tudo.
Depois que a apresentação acabou todos nós fixamos o olhar na direção
de Daniel, que não expressava reação alguma. Ele somente fitava o teto, e
nem mesmo durante a exposição ele questionou algo.
— Meus parabéns, você mudou drasticamente a apresentação da
empresa em um dia. Realmente estou... surpreso.
Percebi o alívio no rosto de todas as pessoas presentes, e até mesmo
Francielle fechou os olhos, levemente agradecida.
— Não foi fácil, mas...
— Espera... — Ele passou a mão pelos cabelos, a interrompendo. —
Acho que não entendeu a minha surpresa. — Voltou sua atenção para todos
na sala de reuniões.
Merda! Já entendi...
Percebi quando ele se levantou e chegou perto dos gráficos que foram
mostrados, analisando o reflexo dos mesmos.
— 42 slides, 3932 palavras e espaçamento simples, duplos e múltiplos,
todos misturados. — Voltou sua atenção a todos nós. — O que há de errado
nisso?
Que pessoa conta o número de palavras e gráficos em uma
apresentação?
— Eu acho que... nada. É só questão de gosto — Francielle balbuciou.
— Hm. Você está me dizendo que não tem nada errado aqui? — Tocou
com a caneta no reflexo dos gráficos. — Tem certeza sobre isso?
— Sim, tenho.
Daniel passou uma das mãos pelo rosto e fechou os olhos, respirando
fundo logo em seguida.
— Acho que devem estar se perguntando: que tipo de doido conta
palavras e slides em uma apresentação, não é?
Pode apostar.
— A pessoa que faz isso é uma pessoa extremamente metódica com
tudo, que não deixa nada escapar aos seus olhos. Principalmente quando a
porra da palavra “vezes” está escrita veses, exatamente em 15 oportunidades!
Bateu com a palma da mão na mesa, atraindo a atenção até da faxineira
que estava no corredor ao lado.
— Isso que me mostrou é pior que lixo! Não só pelo tanto de erros
gramaticais e de concordância, mas o conteúdo é pobre! — seus olhos
soltaram faíscas. — Não, chamar o conteúdo de pobre é um elogio, isso aqui
está bem abaixo. Você não merece ser demitida uma vez, na verdade você
merece ser demitida no mínimo duas veses, dona Francielle.
— Você não é o meu chefe e nem o dono da empresa!
Ela não devia ter respondido.
Meu pai deu total liberdade para Daniel fazer o que quisesse na Argo’s,
e ele pode tomar qualquer decisão nesses seis meses.
— Ah... — Chegou mais perto dela, claramente a intimidando. — Eu
sou o seu chefe sim, queira você ou não! Tenho plenos poderes, e será assim
por no mínimo cento e oitenta dias — Tomou outro fôlego, e cravou seus
olhos nos dela. — Tem certeza de que vai querer bater de frente com a pessoa
que irá recuperar os tempos de glória da empresa?
— Você não sabe se conseguirá — balbuciou, não o encarando.
— Conseguirei! E sabe por quê? Pelo simples fato de que me acostumei
a trabalhar com pessoas que não querem nada com nada ou não são
inteligentes o suficiente para bolarem um simples projeto. Em qual delas você
se encaixa?! — vociferou.
Pensei que Francielle iria voar no pescoço de Daniel e arrancar seu terno
sob medida, mas ela simplesmente falou: — Eu sou inteligente e sei
arquitetar um projeto.
— Entendo — balançou a cabeça concordando. — Seu problema então é
não querer nada com nada.
— Eu...
— Você passa 10 horas na empresa — a interrompeu. — É privilegiada
porque faz 3 cafés da manhã! Uau... alguém aqui faz 3 cafés da manhã?! —
Voltou-se a nós, com a expressão engraçada. — Acho que nem o Bill Gates
faz! — concluiu.
Não estou entendendo aonde ele quer chegar.
— Sua obrigação é focar em seu trabalho durante 8 horas, mas passa no
mínimo uma hora tomando café; conversando fiado pelo corredor; atendendo
ligações no banheiro; paquerando o Felipe do RH; além de vigiar seu filho
pelo telefone todos os dias.
Quando olhei para Francielle, a percebi branca feito papel.
Não é possível que ele havia acertado tudo. Como ele possui tanta
informação em tão pouco tempo?
— Estou mentindo?!
Ela não respondeu nada, somente abaixou a cabeça.
— Te fiz uma pergunta — pontuou, com o tom mais alto.
— Não está... — falou baixinho, claramente confessando sua culpa por
tudo que foi dito.
— Estou me sentindo no aprendiz — Alfredo, que estava ao meu lado,
disse. — O problema é que todos podem ser demitidos de uma vez!
Fechei os olhos e sorri.
Não era o momento para tal, independentemente disso ele estava certo.
— Vamos fazer o seguinte — percebi-o respirando fundo novamente. —
Eu vou tentar, pela última vez, mostrar para vocês o que eu quero, e se não
me entregarem exatamente como pedi, todos vocês irão procurar um novo
emprego na semana que vem.
Várias pessoas na sala começaram a falar ao mesmo tempo, e a
incredulidade em nossos rostos era notável. Jogar essa bomba do nada foi o
ápice da reunião, e minha preocupação só aumentou.
— Não quero conversa fora de hora, prestem atenção em mim! — falou,
e automaticamente os cochichos cessaram.
— Definitivamente estamos participando do Aprendiz — novamente
Alfredo falou, mas dessa vez nem dei tanta moral, já que a frase procurar um
novo emprego não me caiu bem.
— Todos irão trabalhar em conjunto nesse projeto. Vou falar somente
uma vez o que desejo, e é bom memorizarem, anotarem, entenderem e
colocarem em prática. Fui claro?
Ninguém disse nada, somente observaram Daniel de soslaio, ainda
surpresos.
— Fui claro?! — elevou o tom.
— Sim — todos na sala fizeram coro.
— Então me escutem com atenção. — Andou pela sala e foi em direção
ao centro dela, atraindo nossos olhares.
— Não necessariamente a venda é a parte mais importante de uma
empresa. Vamos começar por esse ponto. — Fez uma pequena pausa. — Para
se chegar no estágio de “vender algo” precisamos de um planejamento antes,
e até mesmo antes de tal planejamento precisamos do mais importante:
ideias. O problema da Argo’s parte desse ponto crucial, já que não vejo nada
inovador aqui. Vocês se acostumaram tanto com o básico que as outras
empresas do ramo imobiliário ultrapassaram vocês, e no fim todos aceitaram
de bom grado!
— Você está dizendo que quer...
— Ideias inovadoras! — me interrompeu. — E não isso que me
apresentaram duas vezes! Estou cansado de saber o que a empresa faz ou
deixa de fazer, ou até mesmo ideias que já foram usadas, e foi exatamente
isso que me foi entregue. Nas duas vezes. Preciso de algo inovador para
captar investidores, e não o que estão fazendo nos últimos meses, até porque
está estampado na cara de vocês que não estão tendo resultado algum.
Daniel sabe o que está falando, e vejo que agora todos estão prestando
atenção em suas palavras, e como pedido anotando tudo. Felizmente tenho
uma boa memória, e prefiro prestar atenção em suas palavras e não me perder
escrevendo algo. O problema é que mesmo nesses momentos de tensão não
consigo deixar de repará-lo de outra forma, o desejando. A culpa é dele em
ser tão atraente e sexy, meu foco fica distorcido, e isso não é nada bom. É
difícil encarar aqueles olhos que exalam poder e autoridade nos analisando
metodicamente.
— Quero modelos de projetos, e não um modelo apenas. Não quero
somente ideias, quero soluções se essas ideias não derem certo. É necessário
que tenham um plano para tudo. Plano A, plano B, plano Z se for necessário.
— Ajeitou melhor sua gravata. — Vocês são adultos, e estão nesse cargo
porque em algum momento o mereceram, mas eu não fui a pessoa quem os
colocou nessa posição, e agora precisam provar para mim que estão aptos a
permanecerem, se assim desejarem.
Agora temos um CEO de verdade.
Por mais que seja narcisista, grosso e arrogante, ele sabe como mudar
essa situação, e farei minha parte para que tudo corra bem.
— Toda ideia nasce de um problema — continuou. — E o que mais
temos aqui são problemas! Nesse ponto será fácil, então é melhor se
esforçarem, do contrário daqui alguns dias os problemas de vocês serão
maiores do que hoje.
Encarou todos nós por mais alguns segundos, mas logo depois disse algo
que realmente me preocupou: — Teremos uma mudança na apresentação do
projeto da semana que vem. A pessoa que irá apresentar esse novo projeto
será você, Beatriz.
Agora posso dizer que estou encrencada...
Meu trabalho será mais árduo do que pensei inicialmente.
Mudar a mentalidade das pessoas e fazê-las pensar grande é complexo,
ainda assim preciso tomar uma posição e colocar na cabeça de todos que só
irão colher resultados positivos se seguirem o meu conselho.
Hoje eles perceberam que não estou para brincadeira, e que vou dar tudo
de mim por esse trabalho, a pergunta que fica é: eles levam a sério o cargo
em que estão no momento? Saberei disso na próxima apresentação.
Após todos saírem da sala de reuniões, notei uma pessoa agachada perto
da porta, e quando firmei meus olhos, vi que eu estava certo. Quando me
levantei, eis que tal pessoa saiu em disparado a passos largos. Tentei
visualizar quem era, mas não consegui muitas informações, somente que se
tratava de uma mulher, e que os cabelos eram longos, além disso notei que a
pessoa vestia uma blusa amarela...
Para piorar ainda mais a minha situação do dia a intranet estava uma
porcaria. Além de tudo, alguns sites estão bloqueados, e necessito deles para
resolver alguns assuntos.
Fiz algumas ligações e não encontrei Álvaro em lugar algum.
Bufei, saindo novamente da minha sala e perdendo mais tempo.
Os segundos são preciosos quando temos que mudar drasticamente a
situação de uma empresa, principalmente quando ela está à beira da falência.
Ao passar pelo RH, notei Beatriz e Luiza indo pelo mesmo corredor que
me encaminhava.
— Onde está o cara do TI? Liguei no ramal dele e não o encontrei —
perguntei, atraindo a atenção das duas mulheres.
— Digamos que ele é meio...
— Problemático! Vou falar sem enrolação — Luiza foi direto ao ponto,
interrompendo Beatriz. — Não faz nada com nada, falta quando mais
precisamos, enrola com prazos, e inventa desculpas a todo o momento
quando confrontamos ele sobre os problemas que ele inventa.
— E por que ele continuou na empresa por todo esse tempo?
— Meu pai não encontrou alguém melhor pelo valor que é pago — foi a
vez de Beatriz falar — Quando quer ele trabalha, e...
— Quando quer?! — estreitei os olhos, incrédulo. — Isso só pode ser
uma brincadeira de mau gosto! Alguma de vocês sabe o horário de trabalho
dele?
— Tecnicamente ele começa às 14h e fica até 22h. Bom, eu...
— Quero esse cara do TI na minha sala quando chegar, se ele chegar! —
interrompi Beatriz. — E vocês irão me avisar quando isso acontecer.
Entenderam?!
Ambas se entreolharam, um pouco assustadas.
— Sim, faremos isso.
Não me dei ao trabalho de falar mais nada, e logo em seguida voltei para
a minha sala.
Eu consegui algumas informações sobre ele, só não pensei que era pior
do que eu esperava. Tinha alguns relatórios sobre Álvaro, mas em relação ao
seu trabalho executado não vi nenhuma reclamação, só que ouvindo o que
Beatriz e Luiza disseram fiquei com inúmeras dúvidas. Eu precisaria resolver
isso o quanto antes...
— Vocês dois: sala de reuniões às 16h, sem atrasos! — falei para Diego
e Renata.
— Eu... vou participar mesmo? — ela questionou, animada.
— Sim, e se acostume, pois em breve terá muito trabalho — saí da sala,
mas logo percebi Diego em meu encalço quando virei o corredor.
— Precisamos falar sobre Renata.
— Algum problema?
— Não, é que esse trabalho estou acostumado a fazer sozinho, e...
— Essa conversinha de novo? — o interrompi.
— Vai mesmo deixar essa pirralha fazer essa parte do meu serviço,
Daniel? Pensei que iria cair na real e mudar de opinião.
— Vou ter que repetir quantas vezes isso, Diego? Quero que ensine a ela
tudo sobre tecnologia. E se coloque um pouco no lugar dela.
— A questão não é essa. Você sabe que é complicado trabalhar assim. A
maioria das pessoas que trabalham com TI gostam de ficar de boa no canto
delas, e essa menina conversa muito.
— É o cúmulo — cruzei meus braços. — Você falando que ela conversa
muito?!
Bufou.
— Ensine o que ela perguntar, não vou repetir mais isso.
— Deseja também que eu seja a babá dela? Poderia incluir no pacote
premium — grunhiu, debochando.
— Digamos que é mais fácil ela ser a sua babá.
Comecei a andar e nem o deixei responder.
Logo após chegar em meu escritório, pedi para que Beatriz viesse ao
meu encontro. Agora mais do que nunca precisava dela para fins...
profissionais.
Sim, sou um homem detestável!
Não é normal sonhar acordada com seu chefe te beijando...
Meu foco na empresa deve ser outro, mas quando ele me toma para si é
complicado pensar em algo que não seja seus lábios em contato com os meus,
sua língua dançando pela minha boca, seu corpo entrelaçado ao meu...
Isso tudo só piorou minha imaginação quando ele solicitou a minha
presença em sua sala. Novamente.
Mal entrei no local e logo Daniel disparou a falar: — Preciso que monte
uma apresentação para hoje, exatamente às 16h. Napoleão está aqui na
cidade, e pelo que vi continua interessado em um dos nossos projetos, só que
ele mudou, e agora precisa...
Estranho... cadê o meu por favor seguido de um beijo?
Sorri feito uma idiota na sua frente ao pensar nessa cena impossível.
— Por acaso eu falei alguma frase engraçada? — vociferou, claramente
irritado por achar que estava rindo do que ele falava.
— Não, me desculpe. — Abaixei levemente a cabeça.
Daniel continuou falando por mais dois minutos, e cada segundo que se
passava mais eu ficava preocupada. Eu não teria tempo para fazer tudo que
ele pedia, tenho certeza.
— Eu estava saindo para o almoço agora, e voltaria somente às 14h —
rebati.
— Você disse certo: voltaria às 14h! Isso é mais importante, e você tem
pouco tempo. A apresentação deve ser feita pra já.
Nada é mais importante que comida!
Mesmo abdicando do meu almoço, não teria tempo hábil para montar
uma apresentação decente, mas aí lembrei de algo que poderia me salvar.
— Então, vou usar a mesma que preparamos na viagem para Belo
Horizonte, já que...
— Não vai! — me interrompeu — Eu disse que Napoleão mudou de
ideia, e quer saber sobre ROI (Retorno de Investimento), ganho a curto e
longo prazo, valores futuros e tempo de contrato, então você precisará
montar um novo portfólio.
Ele só pode estar brincando se quer essa apresentação pronta hoje!
— Isso é impossível, Daniel! — disse o óbvio. — Simplesmente não dá
tempo!
— Eu gosto do impossível, lá a concorrência é menor. Tenho certeza de
que já ouviu esse ditado.
— Mas...
— Não tem “mas” — bateu uma das mãos na mesa. — Você quer ser a
melhor no que faz?
— Sim — balbuciei.
— Então “invente” algo rápido e com uma boa qualidade! Não faça eu
me arrepender das minhas decisões, porque dificilmente erro! E se você
errar, eu errei te colocando onde está!
Ainda há outro problema: se por um milagre eu conseguir fazer o que
ele pediu, como ele irá estudar os projetos e apresentar a Napoleão em um
tempo tão curto?
— Tem outro problema nisso tudo — balbuciei.
— Que tipo de problema?
— Não dará tempo de você estudar o que fiz e apresentar para
Napoleão. Não nesse horário apertado — disse o óbvio, e logo Daniel sorriu
de forma sarcástica, cruzando os braços em seguida.
— E quem te disse que serei eu a pessoa que irá apresentar o projeto?!
Em questão de minutos minha vontade mudou bruscamente: não quero
beijá-lo, quero matá-lo!
Levei minhas mãos à cabeça, preocupada.
Além de montar tudo, meu tempo será nulo para estudar o portfólio.
Ótimo!
Alguns minutos depois da minha lamuria recebi um e-mail de Daniel,
explicando um pouco mais do que era preciso ser feito, e vi que nada é tão
ruim que não possa piorar!
A cópia encaminhada a mim possuía vários adendos, e alguns mínimos
detalhes para serem mencionados na apresentação. Minha tarde seria longa,
ou nem tanto, já que eu estava correndo contra o relógio...
Após fechar com Napoleão, nos dez dias seguintes conseguimos mais
dois investidores. Todas as apresentações de projetos foram feitas por
Beatriz, e a cada dia ela se tornava mais confiante em sua nova função.
Estávamos reerguendo aos poucos a empresa.
Em certos momentos é difícil convencer alguém conhecedor do
mercado de investimentos a confiar seu dinheiro em algo que está
financeiramente debilitado, mas evidentemente meu nome ajuda na maioria
das situações, e querendo ou não passo credibilidade a esses prováveis
investidores.
Beatriz estava trabalhando bastante, e devo reconhecer seu esforço.
Inicialmente pensei que ela não se adaptaria em outro setor, mas fui
surpreendido de forma positiva, e ela está dando conta do recado. Claro que
ainda precisa aprimorar certos aspectos, mas estou feliz com o seu
crescimento, apesar de não falar abertamente a ela.
— Alguma novidade, Rodrigo? — questiono ao vê-lo entrar em minha
sala, com cara de poucos amigos.
Neste meio tempo que ele está na empresa algumas coisas foram
descobertas, mas nada tão sério. Fico mais calmo em tê-lo como auditor, pois
ele é muito bom no que faz, e não me deixa às cegas.
— Sim. Como previ, há algo muito estranho nas finanças da Argo’s, e
não posso afirmar com certeza ainda, mas há dinheiro sendo desviado.
Isso foi o que inicialmente pensei, mas quanto e quem está desfalcando,
essa é a pergunta que não quer calar!
— Certeza?
— 99% de chance. Só preciso saber agora a fonte, e isso vai dar um
pouco de trabalho.
— Você tem o tempo que precisar — falei, já pensando em quais seriam
meus próximos passos.
— Certo.
— Eu quero que você faça outra coisa: tome conta da Argo’s enquanto
eu estiver fechando com investidores fora da cidade. Agora mais do que
nunca é necessário que fique aqui e não se disperse. Preciso mudar minha
tática, estando um passo a frente desse sujeito.
— Concordo.
— Continue o bom trabalho e me mantenha informado quando eu
estiver ausente.
Depois que Rodrigo saiu da sala repensei o que ele havia me dito.
Em 90% dos casos quem está desviando dinheiro de uma empresa é
alguém que trabalha na mesma, e que possui um cargo elevado, então isso
gera algumas suspeitas em minha cabeça, apesar disso não vou me precipitar,
esperarei até obter as informações necessárias. Baseando nesses registros
tomarei minha decisão...
Tudo estava indo bem após a volta do almoço, mas foi só olhar o visor
do meu celular que percebi duas ligações perdidas, ao observar o número que
havia me ligado, logo me alarmei.
Não esperei a próxima ligação, e logo retornei, sendo prontamente
atendido por Josué.
— Daniel, te liguei há pouco...
— Aconteceu alguma coisa com ela? — o interrompi, afoito e prevendo
o pior.
— Sua mãe teve uma crise. Liguei para te informar e...
Josué não falou nada, e isso me deixou um pouco mais nervoso.
— Diga de uma vez! — aumentei o tom.
— Estou ligando também para insistir mais uma vez que venha visitá-la.
Por um breve momento senti um grande alívio se espalhando pelo meu
corpo. Pensei que o pior poderia ter acontecido, e não sabia como reagiria a
essa situação.
— Não vou! — disse por fim.
— Daniel, ela é sua mãe. Por mais que tenha feito tudo aquilo, você
precisa de alguma forma perdoá-la, se perdoar.
— É muito fácil falar, difícil é se colocar em meu lugar. E como não é o
seu caso, me faça um favor, guarde sua opinião para si mesmo.
— Por favor, só considere vir. Hoje é dia de visita, e vocês podem ao
menos conversar. Ela vai gostar de rever o filho.
— Ela sim, já eu não posso afirmar que o sentimento seja recíproco.
— Só pense, por favor. O horário que a clínica recebe visitas é das 18h
às 21h.
Não pensei que poderia ter o mesmo sentimento de anos atrás ao ver as
crianças em minha frente brincando no parque.
Observar a felicidade no rosto delas enquanto se divertiam fizeram
algumas lembranças aflorarem. Esse local específico foi um dos meus
refúgios quando eu ainda era adolescente.
Nunca tive a oportunidade de brincar e fazer amizades como uma
criança normal. Sempre fui um menino distante e triste, mas que gostava de
observar as crianças da minha idade em seus momentos de felicidade.
Eu não tive apoio na transição da minha infância para a adolescência, e
isso continuou até o início da minha fase adulta. Acho que no fundo me sinto
frustrado por não experimentar essa sensação, e agora não há mais o que
fazer, infelizmente.
Sou um homem adulto, e não posso voltar no tempo. Mas, se eu
pudesse, com toda a certeza mudaria várias coisas.
Depois que arrumei os meus pertences resolvi descer para um dos bares
do hotel.
O que Daniel me disse ainda estava martelando em minha cabeça, e
estava fervendo de raiva. Acabei não percebendo quando uma pessoa sentou-
se ao meu lado.
— Sei que está chateada pelo que ele falou — foi Renata quem disse
essas palavras. — Apesar de tudo, eu entendo que se sentiu frustrada.
— Como você sabia que isso iria acontecer? — a questionei, já que ela
balançou a cabeça em negação quando eu havia dito essas palavras horas
atrás.
— Bom, eu te falei que eu o conheço há algum tempo, e entendo os
métodos que utiliza. E ele gosta de estar no comando de tudo.
— Mas ele está! — retruquei.
— Beatriz, do jeito que falou, você parecia ser a CEO e ele o gerente de
vendas, então... acho que sabe o que veio depois.
É... posso ter exagerado um pouquinho, ainda assim não acho que fiz
algo errado. Como Emiliano disse, fui proativa, e parece que esse é o meu
defeito.
— Vou esquecer esse assunto. É melhor — sorri. — E como anda seu
novo trabalho? — mudei de assunto.
— Muito bom. — Sorriu de orelha a orelha. — Diego pode ser um chato
às vezes, mas estou aprendendo muito, e ele só vem nessas reuniões por
minha causa, sabia?
— Como assim?
— É que você e Daniel têm trabalho a fazer quando viajam pra
conseguir investidores, né? E como eu disse que queria aprender, Daniel me
colocou na equipe, mas alguém precisaria ficar comigo e me explicar alguns
assuntos que não entendo, então Diego ficou encarregado de me auxiliar,
sabe? Apesar de não parecer, ele é muito inteligente e atencioso.
Por essa eu não esperava.
Sempre me perguntei o papel dele nas viagens já que ele ficava mais na
dele, só no computador, mas agora tenho minha resposta. Ele basicamente
está aqui por Renata.
— Bom, eu vou para o meu quarto, pois tenho muitas séries para
assistir. Espero que fique bem e não se importe tanto com as grosserias do
Daniel.
— Obrigada por isso — falei.
— Não precisa me agradecer.
Renata é muito madura para a sua idade. Além de tudo parece entender
Daniel como ninguém.
Ela é uma fã, Beatriz!
Meu cérebro destacou e logo sorri. Olhando para a frente vi a variedade
de bebidas que estavam dispostas nas prateleiras, e como minha missão era
esquecer o que tinha feito, nada melhor do que uma dose de álcool.
Havia tomado pelo menos duas doses de whisky e estava terminando a
terceira. Seria a minha última, já que amanhã no período da noite precisaria
trabalhar.
Quando despretensiosamente olhei para o meu lado esquerdo eis que vi
o próprio demônio, o enviado do mal estava se sentando perto de mim...
É incrível que até nos momentos que preciso relaxar esse infeliz está no
meu pé!
— Dia difícil? — perguntou, e quase mandei ele tomar naquele lugar.
— O que acha? — rebati, com o meu sorriso mais falso.
— Não sei, foi por isso que perguntei.
Babaca imbecil!
— Sim. Na maioria das vezes sou uma idiota querendo ajudar, mas
claramente atrapalho. Pelo menos na visão de certas pessoas.
— Verdade, atrapalha mais que ajuda.
Estava no meu limite. E ver a cara desse insuportável está piorando
consideravelmente meu humor.
— Eu faço o meu melhor, é uma pena não ser reconhecida!
— Tenho uma ideia: peça demissão! Não fique em um lugar onde acha
que seu chefe não gosta de você.
— Olha aqui...! — coloquei o dedo em riste puta da vida. — Não tenho
culpa de você ser um homem tão amargurado que odeia tudo e todos, e faz
questão de descontar suas frustrações logo em mim! Se ninguém suporta a
sua presença saiba que a culpa é exclusivamente sua, já que é uma pessoa
infeliz, que não se importa com ninguém além de si mesmo. E se você ainda
não entendeu vou clarear sua mente, eu não sou seu saco de pancadas! —
falei mais alto a última frase e o imbecil apenas sorriu, abaixando a cabeça.
Não entendi essa reação, pensei que ele iria retrucar, ou até mesmo me
demitir.
Ser demitida em um bar seria o auge da minha carreira! O famoso o
auge do auge!
Sim, normalmente me excedo nas palavras e depois fico remoendo sobre
minhas precipitadas atitudes.
E do nada ele se pronunciou...
— Sabe de uma coisa...? — me olhou de soslaio de uma forma divertida.
— Há alguns anos tive um amigo chamado Alexandre, e infelizmente nos
distanciamos quando saí da cidade.
Daniel falou a frase e parou no instante seguinte. Não entendi o ponto de
ele mudar o assunto tão abruptamente e simplesmente parar de falar.
Eu ainda estava muito brava com toda aquela situação, mas precisava
ouvi-lo assim como ele fez.
— Nós brigávamos muito... — prosseguiu, voltando-se para a enorme
variedade de whiskys em sua frente. — ... e acabamos criando um código
para evitar que nossa amizade acabasse.
Ok! Não estou entendendo, mas sou curiosa e quero saber do que essa
pessoa adorável está falando.
— Código?! — me interessei, apesar de não estar entendendo quase
nada.
— Chamávamos de 30 segundos da verdade. Já ouviu algo parecido?!
— Não.
— Basicamente um falava o que quisesse para o outro durante os trinta
segundos seguintes. Sem ressentimentos. No começo pensei que não
adiantaria, mas quando desabafávamos, alguns problemas diminuíam, nos
sentíamos mais leves e seguíamos em frente.
— E você está dizendo...?
Virou-se para mim, olhando no fundo dos meus olhos.
— ... que pode dizer o que quiser sobre mim nos próximos trinta
segundos, e que isso não afetará em nada nossa relação na Argo’s. Te dou a
minha palavra.
Daniel e seus jogos...
Sei o quão difícil é vencê-lo em algo, e também entendo que ele é mais
inteligente do que a maioria das pessoas, então, melhor não me arriscar.
— Você é meu chefe... — pontuei. — Não acho bom falar certas coisas.
— Eu já te provei que tenho palavra. Não confia em mim?
— É que...
— Essa é a sua chance, Beatriz! — fui interrompida. — Se não
consegue falar a verdade é porque você é covarde!
— E você um idiota, vamos começar desse ponto! — falei.
Foi ele quem pediu...
— Começou bem — tomou um gole de whisky. — Continue.
— É um homem tirano dentro da Argo’s, e como já tinha falado se
importa consigo mesmo e está pouco se fodendo para as pessoas à sua volta.
Não aceita ajuda quando temos boas ideias, é bipolar e gosta de me deixar
embaraçada me olhando desse jeito. Além disso, não admite estar errado em
momento algum, é narcisista e age como um Deus até mesmo andando – não
queria, mas preciso admitir. Por outro lado, posso dizer que é uma das
pessoas mais inteligentes que conheci, e mais competentes também. Você
tem saída para absolutamente tudo, e não se abala, por isso é o melhor no que
faz. Além disso é um espelho para mim na parte empresarial, mas continua
sendo um babaca escroto na maioria do tempo.
Ele sorriu, mas ainda não havia terminado meu tempo.
— Como também posso afirmar que carrega uma dor imensa em seu
peito, e é incapaz de falar sobre ela para alguém, ou até mesmo admitir o
quanto ela te afeta, provavelmente isso tem a ver com o seu passado, ou se
fosse falar de uma forma mais clara, o início da sua vida adulta, já que...
— Seu tempo acabou — me interrompeu, e eu não sabia de fato se os
trinta segundos haviam acabado, ou se foi eu tocar em assuntos pessoais que
o fez me cortar.
— Então... acho que é a sua vez... — sibilei, esperando o pior.
Daniel respirou fundo, fazendo o que ele faz de melhor, me encarar
intensamente, analisando-me de cima a baixo, parecendo tentar encontrar as
melhores palavras.
— Deixe-me ver... O que posso falar de Beatriz Fonseca? — fitou o
teto. — Bom, você é toda estressadinha, não gosta de ser colocada no limite,
e acostumou-se tanto com o seu chefe antigo que não está se permitindo
crescer da forma adequada. Pensa muito e não faz, e quando resolve tomar
alguma atitude não respeita a hierarquia da empresa. Vejo que tem ambições
altas na vida, mas oscila demais e não tem um foco, já que qualquer
discussão entre nós dois te abala muito, e você perde o rumo, por assim dizer.
Infelizmente, você se subestima, e cabe a mim te provar que seu papel é tão
importante quanto o meu, só que para isso eu preciso pegar pesado, já que
ninguém sobe na vida com amor, e sim com a dor.
Por um lado ele está certo. Me deixo levar por algumas emoções na
maior parte do tempo, e de alguma forma ele mexe comigo, tanto pelo lado
bom quanto pelo ruim.
— E posso dizer mais... — abriu um largo sorriso. — Você é uma das
mulheres mais esforçadas com quem tive o prazer de trabalhar, é inteligente e
muito batalhadora. Por mais que eu entregue trabalhos de curto prazo, você
os faz. Além de tudo, é uma das poucas pessoas que tem a audácia de me
encarar e falar o que pensa, e se tem uma coisa que admiro é a sua
sinceridade.
— Daniel, acho que o seu tempo acabou...
— Mas eu não acabei! — falou, com o tom firme. — O fato é que não é
só isso que me chama atenção. Sua beleza me fascina, principalmente quando
faz de tudo para sustentar o olhar quando conversamos. Vê-la tentando estar
firme em minha presença só me faz ter uma admiração a mais por ti, pois
poucos conseguem. Algumas vezes quando estou perto de você acabo
divagando, pois só consigo admirar a linda mulher que preenche todo o
ambiente, e isso não é nada bom, principalmente para um homem que nem
eu, alguém que não se permite sentir, que mantém o foco exclusivamente em
trabalhar. — Respirou fundo, desviando seu olhar. — É só isso. Alguma
consideração? — cruzou os braços, e novamente aquele lindo sorriso
transpareceu em sua boca.
— Olha... acho que extrapolou os trinta segundos — sorri, visivelmente
sem graça e ajeitando meu cabelo, pensativa.
— Eu sei. — Virou o restante do whisky, se levantando em seguida. —
Tenha uma boa noite, Beatriz — falou, me deixando no bar tentando absorver
suas últimas palavras.
“No momento certo todos os segredos serão revelados...”
Eu tinha trabalho a fazer, porém não estava com cabeça para isso, e o
pingo de concentração que me restava usei para finalizar uma pequena parte
do projeto que estava sobre a mesa.
Nosso hotel é beira-mar, localizado na Barra da Tijuca. E nesse exato
momento, da minha suíte assistia Daniel seguir em direção à praia.
Está sendo complicado digerir as palavras que ele me disse minutos
atrás. Fico cada vez mais confusa, não conseguindo por meus pensamentos
em ordem, ainda mais agora, enquanto testemunho o mesmo sentado na areia
observando o vasto mar à sua frente, assim como o vi em Florianópolis.
Havia algo diferente nele que me incomodava, me deixando inquieta.
Ele parecia estar triste, levemente chateado. Uma lembrança me atingiu,
de anos atrás, quando o vi nessa mesma situação enquanto fitava o horizonte,
preocupado...
Resolvi ignorar meus princípios e quando dei por mim estava a poucos
metros dele. Às vezes não é bom pensar, e sim fazer.
— Sem sono? — perguntei, já me sentando.
— Um pouco, e você?
— Eu também. Terminei agora uma parte do meu trabalho, não posso
me acomodar, meu chefe é bastante exigente — sorri, e por um segundo ele
fez o mesmo.
— Sei como é, tive alguns piores.
— Conta outra... — analisei o mar em minha frente e depois percebi
que ele havia girado seu corpo, e agora observava meu rosto.
— Pelo jeito alguém acha que eu comecei por cima.
— Me diga você. Não conheço sua história tão bem quanto Renata,
então... posso estar pensando que você foi uma pessoa privilegiada, que sua
família era bem financeiramente, que seus pais te deram toda atenção e apoio
do mundo, que foi muito mimado e bem cuidado, e que frequentou as
melhores escolas e faculdades, sempre rodeado por vários amigos em sua
infância...
Logo após terminar a frase notei seu semblante triste, e me preocupei de
imediato.
— Você teria acertado... — voltou-se ao mar.
— Teria?
— Sim, se essas palavras fossem contrárias — sorriu minimamente,
ainda olhando para frente.
— Acho que está me testando de alguma forma, como no bar.
— Posso omitir, mas não minto. Sou um homem muito sincero, quando
é preciso.
— Então, o que está dizendo é que, não teve privilégios, nem apoio do
seus pais, que sua família foi negligente com você em sua infância sem o
mínimo de cuidado, e que era sozinho sem amigos? Porque quando diz que
foi contrário é isso que vem em minha mente.
— Sim, é isso mesmo que você entendeu. Mas, some isso a coisas um
pouco piores. Se eu estivesse passado somente por essas dificuldades que
mencionou, acho que eu não teria tantos problemas nessa fase da minha vida
— falou, sem me olhar.
— Daniel...
— Foi o que aconteceu, pode acreditar — fez contato visual. — E terei
sempre que carregar as marcas desse meu passado de merda.
O seu rosto estava realmente abatido, e ele não estava se parecendo em
nada o homem que me acostumei a ver na Argo’s.
— Eu acredito, só não sei o que pensar.
Virei-me em direção a ele, e foi aí que abruptamente Daniel colocou a
mão na camisa e a retirou subitamente.
Aconteceu tudo tão rápido que fiquei sem reação observando seu peito,
aquela barriga...
— Daniel...?
Rapidamente ele pegou uma de minhas mãos, pousando-a no lado
esquerdo da sua barriga, sua pele estava quente onde eu tocava.
— Essa cicatriz foi feita por uma faca.
— Espera... você tomou uma facada?!
— Em partes, sim. Isso acontece quando sua mãe é uma viciada em
heroína, êxtase e crack. — Olhou bem no fundo dos meus olhos, e engoli em
seco. — Durante minha infância e adolescência fui torturado, molestado e
constantemente diminuído por ela e por todos os namorados que ela teve
nesse meio tempo, que não foram poucos. Essa marca foi feita quando um
dos homens que minha mãe se envolveu, tinha por diversão torturar, e dessa
forma esquentou uma faca de cortar carne no fogão, e logo passou ela do lado
esquerdo da minha barriga, deixando um corte que sangrava, mas que
aparentemente era superficial. Ele disse que cortaria a minha garganta se eu
gritasse, e não sei como aguentei a dor quando aquela faca quente entrou em
contato com a minha pele... — Respirou fechando os olhos. — E sabe o que é
pior, Beatriz? — Seus olhos estavam visivelmente frios, como se ali não
houvesse nenhum tipo de sentimento. — Minha mãe viu tudo, mas estava tão
alta por causa das drogas que para ela tudo era divertido.
Não estava preparada para ouvir isso, principalmente por causa da forma
que fora falada.
Eu nem ao menos sei descrever meus sentimentos agora. Nojo, ódio,
repulsa da sua mãe e dos homens que fizeram isso com ele.
— E o seu pai?
— Nunca o conheci. Ele foi embora de casa quando completei três anos
de idade, e acho que o entendo no fim das contas. Ele dever ter se cansado de
viver com uma viciada.
— Eu... nem sei o que dizer.
— Está vendo essas marcas escuras em meu corpo?
Olhei na direção que ele mostrava, e pude ver alguns locais escuros no
mesmo. O tempo deve ter clareado tais manchas, contudo posso imaginar que
elas eram mais vivas anos atrás.
— Sim.
— Bitucas de cigarro. Um dos meus padrastos me queimava quando
bebia demais, mas isso é o de menos, já que pelo menos nesses dias ele não
me batia e nem me molestava.
Fiquei enojada ao ouvir suas palavras.
Nunca poderia imaginar que isso tivesse acontecido com ele. Daniel
parece ser um homem extremamente forte, e erradamente pensei que ele teve
suporte desde o começo da sua vida, mas pelo visto não foi o que aconteceu.
— E, por fim, o cara que me destruiu, também foi um dos meus
padrastos, me assustava com uma máscara horrível do Jason. Eu me
escondia pela casa, e ele me procurava chamando meu nome, me apavorando
ainda mais, tenho certeza de que ele sentia prazer em me caçar. Na maioria
das vezes eu urinava nas calças e chorava, o que acabava me denunciando, aí
ele me encontrava, e... bom, ele foi o homem que mais me machucou e
consecutivamente me molestou. — Novamente Daniel respirou fundo,
voltando-se a imensidão do mar. — Essa é a minha história, Beatriz. Não
quero que sinta pena ou dó de mim, não te contei isso para esse fim, só quero
que entenda que todos nós temos problemas e algumas atitudes que tomamos
refletem aquilo que passamos. Sei muito bem que eu poderia ser uma pessoa
melhor, mais razoável. Não vou esconder isso. Sou um homem falho e
assumo meus erros.
Abaixei minha cabeça, tentando evitar a todo custo que as lágrimas
escorressem pelo meu rosto, ele não iria querer isso.
— A realidade é que não tive escolha, nem uma vida normal quando
criança, nem mesmo na adolescência — suspirou. — Fui um menino sozinho,
traumatizado, que teve que aprender que a vida não é fácil, mas sabe o
motivo de quase ninguém saber disso?
— Qual?
— Não gosto de ser taxado como coitado ou similar. Posso estar errado,
mas pena é um dos piores sentimentos que podemos ter por alguém.
Ele falava com tanta naturalidade nesse momento. Claramente tinha se
acostumado com sua dor.
— E o que te fez seguir em frente? Tenho certeza de que precisou se
agarrar a alguma coisa.
— Sempre há — esboçou um pequeno sorriso. — Mas prefiro guardar
para mim.
Definitivamente Daniel abala meu psicológico.
E não estou dizendo isso por obter informações do seu traumático
passado, e sim por perceber que no fim das contas ele é humano, e sente
como todos os outros. Mas infelizmente o fardo que leva é
insuportavelmente mais pesado do que qualquer um que eu conheça.
— Quer me perguntar mais alguma coisa?
Na verdade sim, mas precisava mudar o rumo da nossa conversa, me
acalmar um pouco. Então direcionei para o presente. Mais claramente,
Daniel e eu, de modo a deixar o clima mais leve.
— Me responda uma coisa... — Cheguei mais perto, analisando seu
corpo com um sorriso acanhado. — É errado desejar seu chefe na maior parte
do tempo?
Ele elevou uma sobrancelha, me fitando divertido, acho que o deixei
surpreso com a minha pergunta.
— Não se o chefe em questão for eu — sorrindo, mordeu o lábio
inferior, me olhando com desejo.
— Ótimo... porque te ver sem camisa está acabando com meu
psicológico.
Mal vi quando ele se levantou e me pegou no colo, logo então começou
a andar, e não sei ao certo em qual local da praia ele me levou.
Poderíamos ser presos? Sim, mas realmente não estava ligando.
— Beatriz, ainda serei o seu chefe amanhã, e vou te tratar como tal. É
bom deixar isso bem claro. — Franziu o cenho.
— O amanhã está longe, e não vamos nos preocupar, vamos manter o
foco no hoje, e de preferência no agora.
Eu não podia esperar e nem queria.
Após ser colocada no chão, retirei sua calça. Daniel não falou nada,
somente me observou.
— Espero que não fique só aí me olhando — provoquei, e foi assim
que suas mãos me envolveram por completo. Logo em seguida Daniel
posicionou minhas costas na areia e sem pestanejar retirou minha blusa, logo
fiquei sem meu sutiã também. O rosto dele havia mudado bruscamente, e
agora posso ver um homem extremamente desejoso e decidido me olhando.
— Hoje iremos terminar o que começamos dias atrás... — disse,
tomando a minha boca.
Não houve cerimônia nem preliminares. E, por incrível que pareça, eu
queria assim. Nas outras oportunidades ele me provocou ao máximo, e dessa
vez estava desesperada para que o ato se consumasse.
Percebi quando ele abriu sua carteira e pegou um preservativo, e ao
retirar sua boxer e envolver a camisinha em seu pau, pude vê-lo já pronto pra
mim.
— Quero que me coma nessa posição — mordi os lábios, queria olhar
nos seus olhos, apreciar seu rosto, logo ele me lançou um olhar perverso.
— Sou eu quem decido como vou te foder, Beatriz! Eu estou no
comando!
Sem adicionar uma palavra sequer, ele retirou a minha calcinha, e logo
se posicionou em minha entrada.
— Não gosto de nada devagar — sussurrou pertinho do meu ouvido.
Eu sei, me lembro muito bem...
— Nem eu.
Queria Daniel em mim o mais rápido possível, e meu desejo foi
cumprido quando ele enfiou seu pau em minha boceta, fazendo com que eu
me contorcesse, devido ao primeiro contato. Apesar da forma brusca, eu
estava muito excitada e encharcada, e ele não teve dificuldade alguma para
me penetrar.
Os movimentos começaram calmos, mas só no começo mesmo, porque
logo pude comprovar o motivo de ele ter dito que não gostava de nada lento.
Daniel me estocava forte, e por várias vezes fechei meus olhos, tentando
assimilar a dor e o prazer, que se misturavam dentro de mim.
Após alguns segundos daquela sensação, percebi sua mão tocando meu
queixo, fazendo com que eu abrisse meus olhos, que não tinha percebido que
os mantinha fechados, observando seu corpo sob o meu.
— Quero que olhe bem no fundo dos meus olhos.
— Por quê? — murmurei, entregue, e um sorriso sacana apareceu em
seu rosto.
— Pois assim que me ver na empresa se lembrará o quanto te fodi sem
pudor algum essa noite.
Sem direito de resposta ele me puxou, fazendo com que eu me
levantasse.
Sem aviso prévio ele me botou de costas e segurou meus braços de um
jeito firme, fazendo com que meu corpo se apoiasse em uma parte da rocha
em minha frente, que nem percebi que estava ali e logo voltou a estocar
minha boceta ferozmente.
Enquanto me fodia, uma de suas mãos estava no meio das minhas pernas
estimulando meu clitóris. A sensação nos minutos seguintes foi tão boa que
tive meu primeiro orgasmo da noite, e praticamente desfaleci, mas Daniel
enlaçou meu corpo, me deixando praticamente imóvel.
Ele segurava meu quadril com tanta força que provavelmente seus dedos
me marcaram, isso quando a palma de sua mão não batia em minha bunda,
aumentando o ímpeto da penetração.
— Sua bunda é uma perfeição. Eu poderia observá-la o dia inteiro.
— E se contentaria em só observar? — provoquei, e foi aí que ele tirou
o pau da minha boceta e espalhando ainda mais toda a minha
lubrificação resvalou no meu ânus.
Como anteriormente, ele nem sequer falou nada, somente entrou em
mim, a ardência misturada ao extremo prazer, essa sensação...
Ter seu enorme pau estocando violentamente meu ânus e uma de suas
mãos apertando o bico do meu seio me levou aos céus e ao inferno
simultaneamente.
Ele literalmente me fodia como se fosse um animal, sem o mínimo de
arrependimento ou compaixão.
— Daniel...
Mal consegui balbuciar seu nome, tamanha era a névoa de luxúria em
que eu me encontrava.
— Eu não mandei abrir a boca!
Os minutos que se seguiram foram intensos e impactantes para mim.
A maneira como Daniel me tratou há dez anos era diferente, e nas
poucas oportunidades em que olhei seu rosto percebi bastante raiva
acumulada.
— Vire-se. — Saiu de mim e logo retirou a camisinha, com uma mão
ele segurou meu rosto e com a outra ele se masturbava. — Não desperdice
nada!
Ajoelhei-me em sua frente, mas foi por apenas poucos
segundos, porque logo o inevitável aconteceu. Daniel gozou, e como uma boa
menina não desperdicei uma gota sequer...
Minutos depois que o sexo acabou ele pegou suas roupas, e ao reparar
seu rosto, percebi que ele não estampava a raiva que observei instantes atrás.
Relembrei do passado, e algo tocou em meu coração para que dissesse a
ele que eu era a mulher na praia naquela noite tanto tempo atrás, só que ainda
não sei bem a maneira de falar. Pode ser um choque, não sei. Ainda assim,
resolvi criar forças.
— Preciso te revelar algo — respirei fundo. — Algo que escondi desde
o momento em que o vi em minha frente. Há aproximadamente dez anos,
encontrei uma pessoa na praia da Joaquina em Florianópolis, e...
— ...vocês transaram na praia, atrás das rochas, como hoje. Não foram
ditos nomes porque ele não queria ver aquela pessoa de novo, já que foi um
erro ela atrapalhar o que ele faria naquela noite.
Fiquei em choque após ele completar minha frase.
— Eu sempre soube que era você, Beatriz. Seu rosto não saiu da minha
memória, principalmente porque foi você a pessoa que me impediu de
cometer o pior erro da minha vida.
— Você...
— Posso parecer fraco, mas eu iria tirar minha vida naquele dia.
Trabalhei até às 18h em ponto, e nesse dia tentei de toda forma evitar
cruzar com Daniel na Argo’s, mas não foi possível, já que precisei passar pela
cozinha, e lá estava ele…
Provocá-lo é bom, principalmente quando o resultado foi como o da
última vez.
Não sou de ferro e entendo o motivo do meu corpo ficar tão eufórico
quando o vejo. Há algo nele que me atrai, e isso se torna perigoso, já que não
pretendo e nem quero me aproximar para ter alguma vantagem na empresa.
— Espero que não tenha se esquecido da reunião amanhã — disse, mas
nem sequer sustentou o olhar.
— Sim. — Passei ao seu lado e foi inevitável esbarrar nele.
Além de gostoso, o infeliz é perfumado…
— Vou ser direto, Beatriz : é melhor nos evitarmos dentro da empresa.
Tá aí algo que não esperava ouvir. Se fosse meses atrás eu soltaria
foguetes, mas agora com meu plano em prática não gosto nada dessa frase.
Ele precisa sofrer...
— O que eu fiz dessa vez? — perguntei como quem não quer nada.
Sem mais nem menos ele segurou uma das minhas mãos e logo bateu a
porta que estava atrás de nós. Não entendi nada do que estava acontecendo
ali, mas queria descobrir.
— Vou te explicar… estou tentando a todo custo me concentrar, mas
certa pessoa torna isso impossível quando me olha com desejo, claramente
me provocando… — Estreitou os olhos. — Aqui eu sou seu chefe, nada
mais. Não quero que confunda trabalho com prazer.
— Eu?! Não estou confundindo nada. Só transamos duas vezes e ponto.
Acabou.
— O problema é exatamente esse, inferno! — grunhiu perto da minha
boca. — A vontade de te comer novamente só aumenta a cada vez que vejo
você passar com esse rabo gostoso em minha frente.
— Daniel...
— Quanto mais me provoca, mais vontade tenho de te curvar sobre
minha mesa, te foder de uma maneira bem bruta e depois sentir você gozando
em minha boca enquanto te chupo… e isso me fode como homem.
Palavras sujas… adoro!
Agora sim ele está falando a minha língua.
— Então… há algo que podemos fazer. — Cheguei pertinho da sua boca
e quando ele fechou os olhos, resvalei meus lábios sobre seu rosto, chegando
bem pertinho da sua orelha e falei algo que ele não esperava: — Ligue para
as garotas de programa que costuma contratar, elas sim irão te satisfazer
como bem quiser, eu sou somente uma funcionária, como já deixou bem
claro.
Nem preciso dizer o quão incrédulo ele ficou, mas resolvi sair da
cozinha, deixando-o plantado na mesma.
Se ele me quer de verdade, terá que provar. Não são simples palavras de
baixo calão que me farão cair no papo de um homem, nem que ele seja
Daniel Falcão…
Estou frustrado. Beatriz está fodendo com meu psicológico e sabe muito
bem disso. O que ela fez alguns dias atrás no meu escritório ainda está
entalado em minha garganta, e lembrar seu corpo, aquela boceta...
Se controle, homem!
Sempre me gabei de nunca ficar sonhando acordado por nenhuma
mulher, mas isso infelizmente está acontecendo. Não posso misturar as
coisas, nós dois somos funcionários da Argo’s, e como ela mesmo disse, nada
mais.
Resolvi sair mais cedo da empresa, por volta das 18h, ou melhor
dizendo, sair no horário correto, pois minha carga horária é maior que isso...
Ultimamente só estou trabalhando, e quando não estou na empresa fico
enclausurado em casa. Não sou um homem que tem esse costume, mas acho
que os efeitos de tudo que se passou na cidade contribuem para que eu não
tenha tanta vontade de me divertir aqui. Queria muito mudar esse aspecto, só
ainda não sei como farei.
Após chegar em casa, repensei sobre os próximos passos do meu
trabalho que ainda me espera. Rodrigo ainda não descobriu quem é a pessoa
que desviou ou desvia dinheiro, mas em breve terei informações concretas,
confio no seu potencial.
Meus pensamentos foram interrompidos pelo barulho do celular, e
novamente ao perceber o número que estava me ligando fiquei alarmado.
Deixei-o tocar por pelo menos dez segundos, ainda duvidoso se
atenderia. É sempre complicado atender uma ligação da clínica, e momentos
assim acabam por me deixar com vários sentimentos conflitantes.
Após pensar por mais alguns segundos resolvi atender, e novamente
ouvi a voz de Josué do outro lado da linha.
— Daniel?
— Olá, Josué.
— Antes que me pergunte, nada de mau aconteceu com a sua mãe, eu
liguei para te dar uma excelente notícia.
— Excelente notícia? — repeti, com o pé atrás.
— Depois de muito tempo analisando o comportamento dela, chegamos
à conclusão de que sua mãe está reabilitada, e não temos mais o porquê a
mantermos internada, então dentro de em um mês ela poderá sair. — O quê?!
Eu só podia ter ouvido uma piada. E de muito mau gosto.
— Isso mesmo, ela está bem melhor, e...
— Não! Não acredito nisso! — reiterei.
A linha ficou muda durante alguns segundos, e logo ouvi a voz dele
novamente.
— Pensei que ficaria feliz, acreditamos que sua mãe está curada,
totalmente livre do vício.
— Eu não acho que ela se recuperou — disse o óbvio. — Ela estava em
outra cidade quando a encontrei, usava drogas todos os dias, e das mais
pesadas, quase morrendo de overdose, praticamente foi levada à força para a
clínica, e mesmo nesse ano tentou fugir daí várias vezes. Isso sem contar as
oportunidades em que ela tentou se matar, que vamos ser sinceros aqui, não
foram poucas.
Resolvi desabafar.
Nesse ano minha mãe deu mais trabalho do que os outros dois, e tentou
suicídio em três oportunidades, além de ter planejado fugir da clínica em
quatro momentos.
— Daniel... faz mais de três anos que ela está internada. Isso é bastante
tempo, estamos acompanhando sua mãe de perto e acreditamos que ela não
usará mais, houve uma grande melhora nos últimos meses, principalmente
quando te viu.
— Conta outra!
Posso soar um monstro falando que não acredito na plena recuperação
dela, mas conheço bem a mãe que possuo, e por mais que tenha o
pensamento de que as pessoas mudam, quando drogas são envolvidas o
buraco é mais embaixo.
Eu realmente queria estar errado...
— Bom, é isso. Espero que tenha uma boa noite, Daniel. — Ele
simplesmente desligou na minha cara.
Inferno!
Fiquei relembrando essa conversa quando me deitei na cama.
Olhei em meu celular e já se passava das 3h da manhã. Não consegui
pregar o olho, fiquei olhando para o teto do meu quarto com apenas uma
certeza, a de que agora tenho mais uma preocupação...
Tive uma semana de bosta, e para piorar, hoje é um dos piores dias do
ano para mim.
23 de Agosto…
Nessa data vários acontecimentos do meu passado vêm à tona, mas em
especial foi o dia em que eu já não aguentava mais e somente decidi morrer...
Beatriz estava comigo em meu escritório, mas nem sequer falamos
muita coisa. Hoje é o dia de revisar e finalizar os documentos e projetos para
a apresentação de amanhã, que farei ao Gabriel, e se der errado tê-lo como
investidor, provavelmente a Argo’s terá consequências negativas em curto
prazo, podendo até mesmo falir.
— ... muita coisa repetida. Não acha?
Observei-a, mas não consegui identificar o começo da frase.
— É. Pode ser.
Beatriz franziu o rosto e cruzou os braços.
— Realmente posso mudar a última parte da apresentação de amanhã?
— Claro que não!
— Meu Deus... você acabou de concordar nesse segundo!
— Estou com a cabeça longe, e...
— ... resolveu concordar para não ficar feio dizer que não prestou
atenção em mim, e não ouviu nada do que eu disse até agora.
Ela é esperta. Até demais para o meu gosto.
— Pelo jeito a convivência comigo está fazendo você se tornar uma
pessoa melhor.
— Melhor não sei, mas esperta e confiante sim — sorriu. — Você pode
ter todos os defeitos do mundo, e são vários, só que mesmo indiretamente
aprendo muito com meu chefe.
Pelo menos posso dizer que consigo fazer as pessoas se superarem
quando a questão é trabalho.
— Gosto dos seus elogios.
— Na verdade... foram mais críticas — deu uma piscadela. — Por isso
deixei para o final esse pequeno gesto.
Sorri brevemente, mas logo meu semblante tornou-se sério.
Ao novamente observá-la, percebi que seu rosto estava terno, e havia
algo ali que eu não gostava. Ela parecia de alguma forma estar com pena de
mim.
— Não gosto que me olhem dessa forma, Beatriz — pontuei, mas ela
continuou a me analisar, impassível.
— Deve ser ruim para você, não é?
— Do que está falando?
— A convivência comigo. — Deu um sorriso sem graça, e não entendi o
ponto que ela queria chegar.
— Seja um pouco mais clara.
— Aprendi muito sobre trabalho estando ao seu lado, mas também sobre
pessoas, mais especificamente você, então, posso dizer que está bastante
encrencado quando tenta esconder algo de mim. Passei a te conhecer melhor
do que pensa. Não duvido nada que eu seja a pessoa que mais tem contato na
empresa, e... até mesmo fora dela.
Ainda não sei o que essa mulher está fazendo com a minha cabeça, mas
tenho certeza que a cada dia que passa fica mais difícil ignorá-la, e pela
primeira vez na minha vida estou com vontade de me abrir com alguém,
contar meus medos e desejos sem receio algum.
— O que disse não deixa de ser verdade — confirmei.
— Então... por que não fala tudo logo de uma vez?
Abaixei levemente a cabeça.
— Há mais partes da minha história que não conhece, e uma delas é que
minha mãe está em uma clínica de reabilitação. — Talvez contando para
alguém, aliviasse pelo menos um pouco essa amargura que carrego no peito.
Durante alguns minutos contei o básico a ela, não queria me aprofundar
nesse assunto que tanto fode o meu psicológico.
— Ela será liberada, e não sei o que faço quando isso efetivamente
acontecer. Ela basicamente só tem a mim e... acho que entende depois de
tudo que contei naquele dia que estávamos na praia.
Beatriz ficou pensativa por alguns segundos, e logo chegou mais perto,
com o rosto amigável.
— Eu posso te dar a minha opinião.
— Ou pode ficar com a boca fechada — dei uma segunda opção.
— Olha... isso não vai acontecer — disse, com uma firmeza notória. —
Qual é a sua escolha?
— Sinceridade, essa sempre vai ser a minha escolha.
— Sua mãe fodeu com você, e perdão por essa palavra. Sei que não me
contou tudo, mas só de lembrar o que me disse naquele dia eu fico possessa
de raiva. Você possui traumas que não tem a menor ideia se em algum dia irá
se dissipar, e é tudo culpa dela.
— Mas...? — perguntei, sabendo que tinha um porém nisso tudo que ela
estava me dizendo.
— Ela é a sua mãe. Foi ela quem te trouxe ao mundo, e se não há nada
de bom para se apegar, tente se lembrar disso. Enfim, como disse, ela irá sair
da reabilitação, e pode ser que ela tenha mudado, ao menos um pouco.
— Sua ideia é que eu ignore tudo e fique com ela? — perguntei, com
certa raiva.
— Não mesmo! Minha ideia é que esteja presente quando ela precisar.
Não seja um filho da puta, assim como ela foi com você. Basicamente isso. A
visite quando necessário, pergunte do seu progresso, enfim, tente observar e
perceber se ela se transformou, porque no fim todo mundo merece uma
segunda chance, e essa está sendo a dela, e... provavelmente a última se te
conheço bem.
Vejo nos olhos de Beatriz que ela quer me ajudar, ou pelo menos tentar
me confortar de certa maneira. Ela pode achar que não, contudo ela me
ajudou falando desse jeito.
— Obrigado por isso — fui sincero.
Apesar de suas palavras, ainda há mais coisas em jogo, e não só a
respeito da minha mãe, e sim relacionado ao que penso sobre mim.
— Saiba que geralmente não faço isso, mas...
Beatriz me surpreendeu ao vir para mais perto e segurando meu braço,
fazendo com que eu me levantasse em seguida. Logo depois, me deu um
abraço apertado. Pela primeira vez após acontecer tantas tragédias em minha
vida, me senti querido por alguém, mas o que ela disse em seguida me deixou
muito mais perplexo: — Eu sei exatamente que dia é hoje, Daniel.
— O que está insinuando?
— 23 de agosto. — Observou minha face. — Você me contou o que
faria nesse dia anos atrás, e sei que essa data deve te marcar tanto de uma
forma negativa quanto positiva.
Como uma pessoa pode saber tanto de mim? Aquilo aconteceu há tanto
tempo.
Será que de alguma forma tive um papel importante na vida dela como
ela teve na minha?
— Sim. Foi o dia que eu decidi acabar com a minha vida, mas...
— ... mas não o fez. Para a sua sorte, acabou encontrando com um anjo
na praia, e ele te iluminou — falou sorrindo e piscando os olhos.
Não pude deixar de sorrir ao ouvi-la falar dessa maneira.
— Eu realmente te subestimei. Mas você superou minhas expectativas,
Beatriz.
Em tudo.
— Às vezes é bom se abrir, e quando quiser conversar estarei por aqui.
Essa foi nosso último diálogo após realmente focarmos no trabalho que
tínhamos a fazer. Ela sabe que não gosto de falar do meu passado, e me deu
espaço não dizendo mais nada.
Na verdade posso afirmar que suas poucas palavras fizeram uma parte
de mim ficar mais tranquilo...
Diego não perdeu tempo e logo avisou Renata que a solicitei por alguns
dias.
— Então quer dizer que ficarei com você por um tempo? — chegou
perguntando, sem cerimônias.
— Sim. Gostou?!
— Mais ou menos.
— Mais ou menos?! — repeti.
— Sei que Diego deve estar pesquisando alguma coisa secreta e por isso
estou aqui. Mas não tem problema.
Mas como essa garota sabe disso?
— E antes que pense que ele me disse alguma coisa, já adianto que isso
não aconteceu. Eu só... sou observadora.
— Até demais para o meu gosto.
— Então, quer dizer que estou certa?
— Quem sabe... — deixei no ar, mas Renata me olhava com
desconfiança. — Agora vamos para a parte importante em estar comigo: o
que deseja saber?
Cheguei estressada na Argo’s, mas saí feliz.
Eu sei que é um pensamento bipolar, mas de uma forma estranha isso
aconteceu.
Ao sair da empresa, reparei que Daniel estava de óculos escuros
recostado em seu carro olhando para o céu. Ele estava pensativo, até demais
para o meu gosto, já que o observei por ao menos um minuto e não percebi
ele mudando de posição.
— Não combina com você ficar tão aéreo assim.
— E você tem toda a razão — assentiu.
— Algum problema?
— Problemas. No plural.
— Já experimentou sair sem rumo, correr no parque, ou até mesmo
encher a cara para esquecer deles?
— Pensar? Sim. Fazer? Não.
— Viver para a empresa que está trabalhando não é bom, e sei que faz
exatamente isso.
De uma forma lenta ele retirou seus óculos, me olhando.
— Desde quando ficou tão boa em interpretar o que faço ou deixo de
fazer? — perguntou, de forma divertida.
— Pode não parecer, mas reparo bastante em você. Até quando não
deveria.
— Ah, é? — notei malícia em seus olhos quando terminei a frase.
— Não desse jeito — suspirei. — Quer dizer, em alguns momentos sim,
exatamente da maneira que pensou.
— Gosto desse seu lado. Finalmente está falando o que pensa, como
hoje pela manhã. Acho que no fundo eu tenho parcela nisso.
— E eu acho que perdi o medo de conversar abertamente esses assuntos.
Você não é o monstro que deseja transparecer.
— A intenção era fingir que sou uma pessoa terrível até o fim do meu
contrato. Não consegui, merda! — Deu um pequeno soco na lataria do seu
carro, sorrindo logo depois.
E esse sorriso continua me desmontando...
— Ele está tão mudado que até está fazendo piadinhas.
— Verdade, mas não deveria. — Seu rosto ficou um pouco mais sério.
— No momento meu foco é resolver os problemas que se acumularam hoje.
— E acha que vai conseguir?
Daniel me lançou um sorrisinho debochado, mordendo o lábio inferior
em seguida, e confesso que aquilo foi sexy pra caralho.
— Eu consigo tudo que desejo, só não consegui você... ainda!
— Infelizmente não gosto de pessoas passageiras, e alguém será isso
para mim em menos de dois meses.
Lembro quando ele disse que não ficará na Argo’s, e provavelmente
nem em Florianópolis. Só que agora com a questão da sua mãe não sei quais
os seus próximos passos.
— Tem razão. — Chegou mais perto, mas não recuei. — Acho que
temos que aproveitar o pouco tempo que nos resta.
— E eu acho isso errado e perigoso para ambos.
— Perigoso, errado, estranho. O problema é que sempre gostei de
correr riscos em minha vida, e você me deixa confuso. Me desperta sensações
conflitantes. E quero saber exatamente o que é isso. Está me matando por
dentro não estar no controle de alguma situação, e a culpa é exclusivamente
sua, já que não sei o que pensar quando estou com você.
Isso seria uma declaração?
Não posso acreditar que Daniel Falcão esteja falando assim, e logo
comigo.
— Pois então saiba que eu estarei no controle da situação. Em todos os
momentos.
— Como queira. — Deu um passo para mais perto.
— E que posso pedir para que se afaste a qualquer instante — sibilei.
— Claro. — Mais um passo e estávamos a centímetros um do outro.
— E que...
Não foi possível terminar a frase, pois fui envolvida não só pelos seus
braços, mas sua boca se conectou à minha, e como das outras vezes não
consegui e nem queria me desvencilhar do seu corpo.
Confesso que é bom provocá-lo, não ceder aos seus caprichos, mas
quando nos tocamos fica difícil ignorar o reboliço que ele provoca em meu
corpo, e só consigo me entregar de corpo e alma...
Fui surpreendido com uma mensagem da minha mãe assim que cheguei
na Argo’s. Ela me convidou para jantar na minha antiga casa, e disse que
minha presença era importante.
Não sei o que pensar.
As duas pessoas que contratei para cuidar da minha mãe disseram que
ela está se portando como uma mulher normal, e que quando sai de casa vai
ao parque caminhar, fica observando a natureza, vai à praia... Então, por
enquanto ela não está fazendo nada errado aos meus olhos.
Isso me faz lembrar o que Beatriz me disse: “as pessoas merecem uma
segunda chance”. Apesar de tudo, não sei até que ponto a abstinência pode
afetá-la, ainda mais ela sabendo que está livre na cidade, e pode muito bem
dar um jeito de voltar a consumir.
Não quis pensar muito sobre esse assunto e foquei no trabalho que havia
em minha mesa, só que algo me chamou a atenção. Como tinha deixado a
porta da minha sala aberta, vi a hora em que Leopoldo passou na frente dela e
foi diretamente para a sala do irmão.
Bom, eu cumpri minha palavra e dei um prazo a ele, não falando nada
com Renan previamente. Confiei que Leopoldo conversaria com ele, e pelo
jeito assim o fez.
Pelo visto terei novidades até o meu expediente acabar...
Olhar por fora uma casa que me deu tanto sofrimento é uma coisa, agora
entrar é totalmente diferente. E pode ser pior.
Mesmo assim o fiz, e estou há cinco minutos aqui.
Sim, foi necessário contar os minutos. Quero saber exatamente qual será
o meu limite.
— Como está a nova vida? — perguntei, tentando puxar assunto.
— Boa. Estava com saudades de casa.
Infelizmente eu não posso dizer o mesmo. Estar aqui ainda não é algo
que me deixa em paz, mesmo após tanto tempo. Mas é bom fazer um esforço
às vezes.
— Entendo.
— E com o que está trabalhando agora?
Não me dei conta de que até hoje não havia dito a ela o ramo que atuo.
A falta de intimidade pode ser estranha às vezes. Até então minha mãe
achava que eu trabalhava com roupas.
— Sou o CEO de uma empresa da cidade.
— É o quê?!
Sorri.
Durante alguns minutos expliquei a ela o que fazia um diretor executivo
de uma empresa, bem como os meus passos anteriores antes de me tornar um.
— Você se tornou uma pessoa boa, ao contrário de mim.
— Cada um faz suas escolhas. Essa foi a minha.
É praticamente impossível não se lembrar de partes ruins da minha vida
enquanto estou aqui, tentando consertar uma parte do meu passado. Mas
quero ver se ela se recuperou a ponto de podermos ter conversas normais.
Apesar de tudo, sei que a relação de mãe e filho acabou se perdendo no
tempo, e tenho certeza de que não voltará, não após tudo que aconteceu
comigo.
Beatriz foi embora logo cedo, depois de tomar café da manhã comigo.
Confesso que adorei passar toda a noite com seu corpo colado ao meu. Após
sua saída tomei um belo banho, fui para a sala, e percebi que o meu celular
estava com o visor aceso. Quando o peguei, vi que sete ligações haviam sido
perdidas, e todas eram de Cinthia, uma das mulheres que estão cuidando da
minha mãe.
Rapidamente retornei a ligação, sendo prontamente atendido por ela.
— O que houve? — perguntei.
— Daniel... não sabemos onde sua mãe está. Ela simplesmente... sumiu!
E... não sei como aconteceu e onde procurá-la! — falou, claramente
desesperada.
Respirei fundo. Isso poderia acontecer, e felizmente ou infelizmente eu
havia me preparado para isso.
— Há quanto tempo deu falta dela?
— Provavelmente trinta minutos. Ela estava no banho, ou pelo menos
pensei.
— Tudo bem. Eu resolvo.
Deixei minha mãe em sua casa e depois conversei com Cinthia alguns
minutos. Pedi atenção redobrada com ela, principalmente até amanhã. Tudo
seria resolvido no dia seguinte.
Rodei pela cidade, pensando em tudo o que tinha acontecido, e após
várias horas cheguei em minha casa exausto mentalmente.
Ao olhar o meu celular, vi uma mensagem de Beatriz e não preciso nem
dizer o quanto era provocante.
Ela me desperta sensações que até então nunca havia experimentado, e
agora me tornei um homem que sente coisas esquisitas.
Essa sim foi uma frase esquisita!
Sim, sou péssimo na matéria amor. Antes, eu fodia por foder, transava
porque necessitava, mas agora estou provando um lado que é totalmente
novo... e me surpreende a cada dia que passa. Estou tremendamente caído por
ela. E ela sabe.
Em vez de responder sua mensagem, tomei outra atitude e liguei.
Precisava ouvir sua voz.
— Por essa eu não esperava — disse, após atender.
— O que eu fiz? — fiquei quieto apenas ouvindo sua voz.
— Me ligou. Mas gostei que isso aconteceu.
Provavelmente ela não sabe o quanto gosto de ouvir sua voz. Aprendi a
apreciar pequenos momentos ao lado dela, e quero que eles continuem.
— Você está muito calado. Aconteceu algum problema?
Pelo jeito Beatriz gosta de adivinhar alguns pensamentos. E consegue.
— Sim. Não. A realidade é que não sei bem — Me enrolei, não tinha
uma resposta exata.
— Se decida.
Novamente fiquei absorto em algumas lembranças desagradáveis e não
mencionei uma palavra sequer.
Acho que a imagem da minha mãe naquele lugar ainda não saiu da
minha cabeça, e pelo jeito não sairá tão cedo.
— Daniel, estou ficando preocupada.
— Amanhã conversaremos melhor, eu só precisava te ligar. Ouvir sua
voz. Não é nada sério.
— Como assim?
Sorri.
— Amanhã é um novo dia. Boa noite, Beatriz.
— Boa noite.
Após desligar o telefone fiquei deitado no sofá olhando para o nada.
Não combina comigo ser pensativo em outros assuntos que não sejam
trabalho... e agora amor. Mas estou refletindo muito sobre o que aconteceu
hoje de noite, e pela primeira vez acho que realmente eu posso estar amando
alguém.
— Esqueça isso e durma! — disse para mim mesmo, na esperança que
isso adiantasse.
Estava me preparando para dormir, mas não achei que a campainha
tocaria justamente quando deitei em minha cama.
Não é possível que seja ela.
Sim, era.
— Beatriz, o que eu disse sobre não se preocupar? — meneei a cabeça
em desacordo.
— Tarde demais. — Entrou em minha casa antes mesmo que eu
completasse a frase.
Suspirei.
Eu não devia ter ligado, era melhor conversarmos outro dia, quando a
minha cabeça estivesse mais fria.
— O que houve? — Sentou-se no sofá.
— Alguns probleminhas, coisa à toa.
— Você mente mal demais.
— Eu sei — assenti, sem ao menos disfarçar.
— Então...?
Suspirei de forma pesada e me sentei com ela.
Quem sabe melhoraria conversar com alguém sobre isso. Geralmente
não me abro com ninguém, e agora percebo que guardar certas coisas acaba
exigindo muito do nosso psicológico.
— Vou resumir a história.
Nos minutos que se seguiram expliquei a ela detalhe por detalhe da
minha noite, ela não me interrompeu em nenhum momento e prestava o
máximo de atenção.
Sobre certos acontecimentos não sou um homem detalhista, mas
conhecendo bem o gênio de Beatriz ela me faria inúmeras perguntas, então
disse tudo o que havia acontecido.
— Daniel, ela fez o certo. Sua mãe sabe que precisa de ajuda, e lá na
clínica ela estará rodeada de pessoas que estão lutando contra o mesmo vício,
e querendo ou não sendo suporte uns para os outros. Aqui ela só tem você, e
depois de tudo que aconteceu, ela com certeza se culpa por todo o sofrimento
causado... — fez uma pequena pausa. — Acho que ela sabe que nunca
voltarão a ter intimidade, e nem sei se você deseja isso.
Não disse nada por alguns segundos, só tentei absorver suas palavras.
— Apesar de tudo, no fundo, mas bem no fundo mesmo eu tinha
esperanças de que ela se curasse. Mas...
— ... o mundo das drogas é horrível e imprevisível — complementou.
— Sim. A questão maior é que ainda sou afetado por isso indiretamente.
Não tenho descanso na maioria das noites, e quando acho que estou me
acostumando, tenho lembranças ou pesadelos do que aconteceu há vários
anos.
— Isso vai passar.
— Não vai, Beatriz — dessa vez sorri, e vi que ela não havia entendido.
— Não é que eu esteja lamentando, isso só me prova que no fim eu venci, e
estou vivo. Entenda uma coisa: nós não confrontamos nossos demônios e os
derrotamos para sempre, precisamos confrontá-los todo santo dia e vencer
nossas batalhas diárias, mas no fim, eles sempre estarão lá, e não dá para
mudar isso. Todos nós possuímos traumas, e cada um lida de uma maneira.
Houve momentos em que cheguei ao fundo do poço e literalmente abracei o
capeta, e isso minha mente não irá apagar.
— Eu nem vou discutir sobre isso, acho que sabe mais do que ninguém
o que passou.
— Sim — sorri discretamente. — Ninguém bate mais forte que a vida, e
tenho certeza de que ninguém tem dimensão do que sofri para estar aqui. E
para mim hoje é como se fosse um ponto final.
Notei que ela me olhou desconfiada, mas logo cheguei um pouco mais
perto, admirando aquela linda mulher que ainda não sabe o quanto mudou
alguns aspectos meus como homem.
— Beatriz... — toquei seu rosto. — Hoje foi o último dia que falamos
sobre o passado. A partir de amanhã focaremos no presente, nosso presente.
O que passou se foi, e quero que meu presente seja a parte mais importante
da minha vida.
— Isso você não precisa me pedir duas vezes!
Acordei 6h30 da manhã, e por volta de 7h30m estava com a minha mãe
na porta da casa de reabilitação.
Antes de vê-la nesse dia confesso que pensei em vários cenários, mas no
fim, me equivoquei em todos, pois ela estava com o rosto bom, e me
parecia... feliz.
Não entendi aquele gesto, e até mesmo não acreditava que isso seria
pelo motivo de retornar para o lugar que ela quis tanto sair.
— Eu acho que isso é um adeus! — falou me surpreendendo.
— Não, não é um adeus.
Após as minhas palavras vi que ela pensou em falar algo, mas acabou se
calando, permanecendo em silêncio.
— Filho...
— Você tomou uma decisão sábia — a interrompi. — No fim das contas
você sabia que se ficasse em casa os vícios iriam te atormentar novamente, e
fez uma boa escolha.
— Sim — assentiu com a cabeça baixa.
— Saiba que não quero ter raiva de você. Pretendo seguir a minha vida
olhando para frente, e não remoendo o que passou. Não quero ter raiva do
que aconteceu comigo, quero deitar a cabeça em meu travesseiro e dormir em
paz. — Ela ergueu o rosto e fixei nossos olhares. — Você pode ter todos os
defeitos do mundo, mas me gerou, sem você eu não estaria aqui.
— Mas... eu sou uma viciada! — declarou com lágrimas nos olhos.
— Sim, você é — pontuei. — Mas independentemente disso, nunca
deixará de ser a minha mãe, aconteça o que acontecer.
“Nossa vida é formada por momentos de transição...”
Sexta-feira!
Ainda não estou acreditando que a partir de segunda-feira vou ser a
CEO da Argo’s. Ainda é muito para assimilar.
Durante toda a semana fiquei praticamente só na sala de Daniel ao invés
da minha. Por alguns momentos pensei que a minha cabeça iria explodir e já
estava bastante preocupada enquanto ele me ensinava algumas coisas.
Muitas informações.
Não pensei que o trabalho dele fosse tão extenso, e até mesmo o
questionei perguntando o porquê ele quis me ensinar durante uma semana só.
Sim, é isso mesmo que ouviram.
Esse era o plano dele desde o começo, me treinar por uma semana
somente! Daniel teve a capacidade de falar que preciso agir não só por
instinto no começo, mas também com a razão.
Ele não mudará, e o que parece é que Daniel já nasceu sendo CEO, o
que é incrível. O admiro como homem de negócios, e agora mais ainda como
pessoa sabendo de tudo que passou e superou ao longo da vida.
Pareço uma boba falando, né, mas não vou negar que estou
apaixonada.
Apesar disso, nessa semana específica evitamos falar sobre assuntos
pessoais, e até mesmo não nos encontramos de noite. Eu precisava de foco, e
ele sabia muito bem que eu estava determinada a absorver tudo. Só que como
ninguém é de ferro, tive uma ideia, até porque é o seu último dia e estou
precisando de um pouco de distração...
— Eu percebo quando para no tempo me olhando... — falou enquanto
assinava alguns papéis.
— O que vai fazer a partir de agora como mais novo desempregado? —
perguntei e ele sorriu.
Não havíamos conversado sobre isso, mas bem no fundo do meu peito
tinha medo do que Daniel pudesse fazer.
Me apeguei de tal forma a ele que não consigo pensar que ele não estará
perto de mim. Posso soar como uma tola ou até mesmo ingênua, mas quero
que a nossa história dure, e isso porque realmente nem temos uma história,
por assim dizer.
— No momento tirar férias desse tanto de papéis. Somente.
— E novos trabalhos...?
Daniel parou de assinar os documentos e olhou para mim, com um lindo
sorriso no rosto.
Isso... me desmonta por dentro mostrando esses dentes!
— Eu não te disse para não se desviar do foco, mas recebi três propostas
nessa última semana. Cada uma em um Estado diferente.
Confesso que fiquei triste após ouvir isso.
Sei bem da rotatividade que ele possui, trabalhando até mesmo em
regiões diferentes, mas um certo abatimento tomou conta de mim.
— E qual delas irá aceitar? — perguntei, com extremo receio.
— Nenhuma!
— Por quê?!
— Bom... — Juntou as mãos, me olhando de forma terna. — A verdade
é que não escolhemos o lugar que nascemos, mas escolhemos o lugar em que
queremos viver! E sinto em meu coração que confrontei tudo que precisava
em Florianópolis, e estou me sentindo bem na cidade. Além disso, certo
alguém está aqui. Não tenho o porquê sair — falou essas palavras com tanta
verdade que tive que me segurar. Percebi que ele falou tais palavras com toda
sua sinceridade, e eu gostei muito.
Respirei fundo. Não posso me descontrolar e extravasar a felicidade ao
ouvir essas palavras.
Se controle, aja como uma CEO fria ao menos agora!
— Daniel Falcão... — Ajeitei minha postura. — Eu só queria te dizer
que você foi a pessoa mais difícil com quem trabalhei! O mais grosso,
mandão, tirano, entre outras coisas. É claro que tivemos problemas, quis te
matar durante um tempo, mas aprendi muito, e agora me considero uma
pessoa perfeitamente capaz de te substituir, não só isso, mas fazer melhor do
que fez nesses seis meses!
Daniel arqueou as sobrancelhas me olhando de uma forma divertida.
— Continue.
— Então. Por mais que tenha sido difícil te engolir, saiba que ninguém
havia exigido tanto assim de mim, me forçando a cada dia melhorar, me
fazendo ter vontade de aprender e me superar, e espero que a entrevista com
Arquimedes para a vaga de CEO não tenha sido por segundas intenções.
— Segundas intenções?!
— Por estarmos juntos de alguma forma.
— Eu não confundo...
— ...trabalho com prazer. Eu sei. O que é uma pena, porque se não foi
um presente aquela entrevista, infelizmente não poderei retribuí-lo.
E o meu lado capetinha veio à tona...
— O que tem em mente?
— Não importa mais. — Levantei-me, fingindo expressar tristeza. —
Você foi bem claro que não mistura as coisas, então voltarei à minha sala...
— Virei as costas, mas logo após alguns passos fui enlaçada.
Isso mesmo, Daniel...
— Comigo não é assim que funciona. Nunca pare de falar algo e vire
suas costas. Quando se começa uma coisa, você tem que terminar —
sussurrou no pé do meu ouvido e logo estremeci.
— Não... — Virei-me encarando aqueles lindos olhos. — Na verdade
sei bem até demais!
Rapidamente peguei na maçaneta da porta, a trancando. Em seguida, o
puxei pela gravata e fomos em direção ao banheiro.
— Beatriz Fonseca...
— Adoro quando fala o meu nome inteiro, me dá mais vontade de
aprontar com seu corpo, sabia? — provoquei, beijando seu pescoço, e logo
em seguida mordendo seu lábio inferior. — Mas há um pequeno probleminha
hoje...
— Que seria...? — perguntou, arfando.
— Não tenho muito tempo.
Rapidamente me abaixei e alisei sua calça, na região onde seu pau dava
sinais de vida. Com uma agilidade que até eu mesma me surpreendi, retirei o
seu cinto, e ao reparar seu rosto...
Daniel esboçava o sorriso mais sacana possível, e logo uma de suas
mãos segurou uma bela porção dos meus cabelos...
Ao liberar seu pau, não perdi tempo e prontamente o coloquei todo na
boca, pelo menos uma boa parte.
— Caralho!
— Na verdade o caralho está na minha boca! Isso é um aperitivo para
hoje à noite.
Comecei a massagear suas bolas enquanto o chupava intensamente.
Daniel não permaneceu com seus olhos abertos por muito tempo, já que
há sensações que são melhores quando estamos literalmente no escuro, e um
bom boquete é uma delas. Não me perguntem como, eu só sei...
Comecei a intensificar os movimentos e logo ele começou a forçar seu
pau contra a minha boca, fazendo com que invariavelmente eu me
engasgasse. Infelizmente ele é um homem bem dotado...
Infelizmente nada, é justamente o contrário!
O boquete continuou por pelo menos cinco minutos, e eu ficava cada
vez mais excitada quando ouvia os gemidos de sua boca. Ouvi-lo e vê-lo
gemer enquanto o chupo é a oitava maravilha do mundo.
— Beatriz...
Eu sequer precisei ouvir outra palavra de sua boca, e logo o que eu tanto
queria aconteceu. Fui uma boa menina e engoli tudo, o olhando com aquela
cara.
— Puta que pariu! Quer me foder no meu último dia... — Se recostou
na pia com os olhos fechados.
— Não. — Me levantei. — Isso é para ter um excelente último dia de
trabalho. Considere um presente!
— A partir de hoje você será minha, porque agora tenho absoluta certeza
de que você me basta! — falou com os olhos incisivos, segurando
firmemente o meu queixo.
— E sou sua! — Me distanciei enquanto ele tentava se recompor. — E
espero que você me baste, porque é assim... não quero procurar em outro
lugar o que já tenho bem em minha frente!
Saí do banheiro e vi o homem me observando perplexo, balançando a
cabeça em negação.
Sempre irei provocar o tão renomado Daniel Falcão, isso ele pode
apostar...
— Por que está me olhando assim? — questionei Diego.
— Sei lá... você tá com cara de bobo, um ar alegre, típico daquelas
pessoas que acabaram de transar.
— Você sabe ao menos o que é isso?
— Pegou pesado... — fingiu espanto. — Mas ainda acho que deu uma
rapidinha por aí, ou melhor... por aqui, né?!
— Perdeu o respeito?! Não sei se sabe, mas ainda sou o chefe. —
Cruzei os braços, o encarando seriamente.
— Por hoje. Só.
— Mas sou — retruquei.
— Tá achando ruim?! Me demita!
Tive que rir. Diego é um idiota.
— Tenho uma ideia melhor: falar de trabalho!
— O que deseja saber?
— Conhecendo desse ramo, o que acha que Álvaro irá fazer já que
praticamente evaporou?
O homem sumiu no mundo e não devolveu a quantia que roubou da
Argo’s. Pelo menos não ainda. Apesar de tudo há meios de achá-lo, e estou
trabalhando nisso. Afinal, ainda tenho um dia como CEO, e isso é um assunto
que me interessa diretamente.
— Sumiu no mundo. Morreu. Virou pó.
— Você realmente está me falando que ele vai continuar fugindo?
— Simplesmente é o que eu faria. — Deu de ombros me deixando
perplexo.
— Diego, Diego... — Cruzei os braços, não entendendo.
— Eu sei, o pessoal do TI é estranho, e sou um dos muitos. Temos saída
para muita coisa, e essa seria uma. Só estou dizendo o óbvio. Viver no
anonimato é mais fácil do que pensa.
— Espero que ele caia na real.
— Ainda há o problema que provavelmente ele pode ter gastado esse
dinheiro com jogos, prostitutas, mangás... não necessariamente nessa ordem.
Alguns são sozinhos na vida e gostam.
— Pelo visto alguém está se descrevendo — um sorrisinho debochado
surgiu em minha face.
— Jamais!
— Sei...
— Agora se o ainda CEO da Argo’s me dá licença, preciso continuar
ensinando coisas interessantes para a fofinha.
— Que de fofa não tem nada... — sibilei.
— O que disse?
— Nada. Bom trabalho... e boa sorte — fiz uma pequena pausa. —
Outra coisa, sei que gosta de desafios, e tenho um agora: encontre Álvaro,
independentemente do tempo que leve.
— Agora você está falando minha língua. Pode deixar!
6 MESES DEPOIS
Sou prova viva do quanto nossa vida pode mudar em pouco tempo.
180 dias.
O tempo parece curto, e é no fim das contas, mas grandes coisas
aconteceram nesse meio tempo.
Mas vamos começar por partes...
Falando de Beatriz, posso dizer que ela se superou. Em todos os
aspectos possíveis.
Ela não precisou demitir uma pessoa sequer na empresa para conseguir
os seus objetivos, e olha que ela traçou metas ousadas para o fim desse ano.
Se eu for comparar o período que estive como CEO da Argo’s e o dela,
posso dizer que em termos financeiros ela teve larga vantagem sobre mim. Eu
meio que fui apagar o fogo da empresa, e ela com as dívidas controladas está
fazendo o que esperei dela: crescendo cada dia mais!
Não estou menosprezando ou falando que facilitei sua gestão. Nada
disso.
Na verdade estou enaltecendo Beatriz porque ela conseguiu usar e
otimizar todos os recursos da empresa, fazendo com que isso resolvesse um
dos grandes problemas dela.
Não canso de dizer a ela que estou orgulhoso do seu trabalho, mesmo
não estando por dentro de tudo.
Quanto a mim, posso dizer que nesse meio tempo eu não fiz nada!
Na verdade, nada é uma palavra muito forte. Eu estudei. Muito.
Exaustivamente.
Fiz o que no passado eu fazia de melhor, e tracei um objetivo bem
definido em minha mente: montar uma empresa do zero!
Sim, Beatriz tem grande participação nisso, principalmente por ter
tocado sem parar nesse assunto. Acho que no fundo eu me cansei de
consertar coisas e agora quero criá-las.
Além de tudo, considero isso como um grande desafio em minha
carreira, e como sabem sou movido a desafios, e nunca mudarei isso.
Agora, tirando o foco sobre mim e falando dos meus amigos, posso
dizer que o óbvio aconteceu.
Rodrigo, como previsto, recusou a oferta de permanecer na Argo’s e
agora está no Rio de Janeiro trabalhando em uma empresa de informática, e
Diego apesar de ter continuado lá por um tempo, aceitou uma proposta e foi
para São Paulo trabalhar em um escritório de contabilidade.
Não, eu não confundi. É estranho pensar que um está trabalhando
teoricamente na área do outro, mas isso acontece com frequência. Apesar de
tudo, Diego falou que em breve pretende voltar para a Argo’s, que está com
saudades de Florianópolis e tudo mais.
Álvaro foi pego, graças a Diego. Meu amigo conseguiu rastreá-lo e logo
o encontramos. Posso dizer que nem foi tão difícil pegar a grana dele de
volta, já que ele não havia gastado. Confesso que me surpreendi, já que nem
Leopoldo e o irmão, muito menos Álvaro haviam gastado um centavo sequer
do que desviaram. Na minha opinião eles sabiam dos riscos de serem pegos, e
acabaram deixando a quantia em standby, por assim dizer. Acho que se ele
conseguisse roubar mais tempo, fatalmente essa quantia seria gasta, mas
descobrimos a tempo.
Outra novidade é que Renata está namorando e irá se casar mês que
vem.
Não, é claro que isso é mentira!
A destruidora de corações continua na Argo’s, e virou praticamente a
assistente da minha namorada.
Namorada!
Sim, minha primeira, e espero que única namorada, Beatriz!
Como disse, muitas coisas mudaram.
Apesar de estar mais em casa mexendo com projetos para novos
empreendimentos, estou “saindo” mais que de costume. Beatriz fez questão
disso, e graças a Deus melhorei espairecendo e me desligando do ambiente
empresarial.
Quanto a minha mãe, a visito mensalmente. Em algumas oportunidades
vou duas vezes ao mês, depende muito.
Nossas conversas ainda são as mesmas coisas, e sei que nunca iremos
estabelecer a conexão de mãe e filho, mas no fundo eu vejo que a ajudo
quando faço essas visitas esporádicas, e os funcionários da clínica dizem o
mesmo, principalmente Josué.
Percebo que ela quer melhorar, e se posso fazer isso como mínimo já me
sinto útil. Como Beatriz diz: todos merecem uma segunda chance!
— Vamos — Beatriz falou, beijando minha bochecha levemente.
— Preparada?! — perguntei.
— Para o quê?
— Ser zoada. Como nos acostumamos...
— Olha aqui, não vou conseguir entregar isso a tempo! Deixa de ser
tirana! — Luiza entrou na minha sala, minutos antes do nosso expediente
acabar e jogou os papéis em minha mesa.
— Se você não tem capacidade para fazer uma tarefa tão simples assim,
sugiro então que arrume outro emprego! — bradei.
— Tudo bem, Daniela Falcão! É isso que farei hoje mesmo!
— E tá perdendo tempo na minha sala por quê? Você sabe muito bem
onde é o RH! — Estreitei os olhos, impassível.
Nos encaramos por alguns segundos, mas ela não aguentou e caiu na
risada.
— Merda! Perdi dessa vez!
— Você e essas brincadeiras... vai chegar um momento que vou
acreditar que está realmente pedindo demissão — falei e já comecei a ler os
inúmeros papéis acumulados em minha mesa.
— Então... — ela disse baixinho, e logo olhou para mim com a
expressão séria.
— Então o quê? — Estreitei os olhos, risonha.
— Eu estou falando sério dessa vez, quero que me demita!
Olhei para ela, mas logo em seguida comecei a rir.
— Luiza, não vou cair nessa! — falei, mas a expressão dela não se
alterou, já que ela meneou levemente sua cabeça para baixo.
— Beatriz... acho que não entendeu. Eu realmente não estou brincando.
Não, ela não podia estar falando sério.
— Luiza...
— Eu até pensei que fazendo nossa brincadeira iria ajudar a amenizar
minha situação, mas no fundo não aliviou em nada.
— Espera um pouco, por que está me falando isso?
— Eu recebi uma proposta, e se não fosse exclusivamente por você, eu
já estaria na outra empresa há um bom tempo, mas eles continuam insistindo,
e você sabe de alguns dos meus sonhos, e eu preciso seguir meus passos.
Fechei meus olhos, respirando fundo.
— Me espelhei muito em você nesses meses, no seu crescimento, na sua
dedicação. Vi o quanto aprendeu com Daniel, e como atual CEO da Argo’s
estou vendo o quanto se tornou uma mulher competente e centrada. Quero
seguir os seus passos, e para isso preciso encarar novos desafios.
Eu queria ser firme agora e falar que não a demitiria, ou até mesmo não
ficar com os olhos marejados, mas não consegui.
— Qual é a empresa? — falei com certa dificuldade.
— A proposta que recebi é da GCR Turismo.
Claro...
Se há uma coisa que minha amiga ama de verdade é turismo.
Teve certa época que ela procurou várias agências de turismo e enviou
inúmeros currículos, mas o seu foco sempre fora a GCR Turismo. Não só por
ela ser a maior do nosso Estado, mas também pelas várias oportunidades que
ela teria para crescer.
— Vocês sempre quis trabalhar lá, mandou inúmeros currículos e tudo
mais durante um bom tempo.
— Sim, amiga. E tem dois meses que eles estão insistindo. Me desculpe,
de verdade, eu não sabia como te falar.
— Você não tem que me pedir desculpas se o seu objetivo é crescer.
Quem sou eu para impedir isso, que tipo de amiga eu seria?
— Quero falar mais uma coisa! — disse, ainda se controlando ao
máximo para não chorar.
— Pode dizer.
— Minha entrevista é hoje, e se por um acaso eu conquistar a vaga e me
demitirem de lá, irei voltar para a Argo’s! Beijos, e obrigada! — Enxugou
uma lágrima rebelde e logo saiu andando a passos largos da minha sala.
Luiza no fundo é chorona e sente mais do que eu, mas ela tenta se fazer
de forte a todo momento. O fato é que eu irei sentir falta da minha amiga,
mais do que ela pensa...
— Eu ainda não acredito que a minha filha irá se casar — minha mãe
repetiu pela milésima vez essa frase e me abraçou.
— Pois acredite! — falei.
— Não conheço tão bem Daniel como gostaria, mas nas vezes que o vi
percebi que ele é uma boa pessoa, e um homem sincero e íntegro.
Confesso que a primeira vez que Daniel veio em minha casa após
começarmos a namorar foi bastante estranho, em boa parte devido aos
acontecimentos na Argo’s, a questão do desvio e tudo mais.
Não preciso dizer que minha mãe entrou nesse assunto, o elogiando
quanto a sua integridade e ética, isso tudo na frente do meu pai. Foi mais um
sermão direcionado a ele, onde destacou as qualidades de Daniel.
Depois de alguns meses a nossa relação ficou mais tranquila. As
conversas entre meu pai e Daniel foram voltando de forma gradativa, e
percebi que isso não afetaria o nosso relacionamento.
— Ele é uma boa pessoa, mãe. Um guerreiro por estar aqui.
Minha mãe soube da maior parte da história de Daniel, e pela sua
própria boca. Nem preciso dizer que ela passou a admirá-lo cada vez mais.
— Sim. Um homem que passei a admirar. E por isso estou bastante feliz
em me casar com ele.
Realmente, ele me faz uma mulher bastante feliz.
Acho que toquei a campainha de Luiza umas cinco vezes até finalmente
ser atendida por ela.
— Beatriz! — se espantou.
— Amiga, me desculpe vir assim do nada.
— Fique tranquila, bobinha, entre. — Deu passagem e logo adentrei a
sua casa.
— E então, como foi a entrevista? — puxei assunto.
— Olha... sobre isso tenho uma péssima notícia. — Abaixou a cabeça,
levemente triste.
— Ah, não. Eles não vão te contratar, eles são malucos ou o quê?! —
Me preocupei.
— Ahhh, vão sim! Logo depois da entrevista eles disseram que serei a
nova funcionária da GCR Turismo.
— Não entendi o ponto.
— A péssima notícia é para você que não verá mais este corpinho
desfilando toda a sua beleza na Argo’s.
Sorriu, e logo dei-lhe um belo tapa.
— Que isso?!
— Pare de brincar com a minha cara! — grunhi. — Fiquei toda
preocupada!
— Eu, hein! Que maluca...
Sorri, e logo depois a abracei.
— Você merece, amiga.
— Meu Deus do céu, bipolar e toda melosa ela... — Fez cara de nojinho.
— Não quero pegar esse vírus neeeeem!
— Que vírus?!
— E eu sei lá como explicar?! Essa... coisa aí, a culpa é do Daniel,
certeza. Toda mole, melosa... credo.
Cruzei os braços, impassível.
— Me desculpe se estou amando.
— Essa palavra me deu um leve enjoo agora, amiga — botou a língua
para fora. — Acho que preciso ir ao banheiro...
Fiz o semblante mais dissimulado que consegui.
Luiza é avessa ao amor. Nunca tentou, para falar verdade.
A maioria das mulheres falam que ter namorado não é bom, que
preferem ficar sozinhas, mas pelo menos já fizeram o teste com algum
homem, só que ela não. Felizmente ou infelizmente ela nunca se apegou. Não
que eu saiba, pelo menos.
— Pois saiba de uma pequena novidade... — Cheguei pertinho dela. —
Vim lhe contar que irei me casar!
Ficamos nos olhando por uns quinze segundos, sem falarmos nada ou
alterarmos nossa face, mas depois...
— Amiga... — Vi que os olhinhos dela começaram a brilhar. — Meus
pêsames... — completou fechando a cara.
Eu deveria ter imaginado.
— Você não tem jeito — disse, contrariada.
— Bom, o lado bom de se casar é que...
Luiza parou de falar, olhando para os lados, logo em seguida para cima e
depois olhou profundamente para mim.
— Estou esperando. — Cruzei os braços.
— Olha... estou pensando em algum, mas sinceramente não vejo
utilidade alguma nisso.
Respirei fundo.
Preciso destacar que tenho vontade de agredi-la de vez em quando, e
usar meu réu primário.
— Você não tem jeito — falei. — Mas eu te amo, amiga.
— Ahh, que fofa. — Me abraçou — Agora é sério: espero que seja feliz
com Daniel, e por mais que esse lance de casar não seja algo que eu goste ou
vá fazer um dia, percebo o quanto estão felizes um ao lado do outro, então te
desejo todo o sucesso, porque você merece o mundo!
— E eu espero que um dia se apaixone e quebre a cara. E quando isso
acontecer, pode ter certeza de que irá se cansar de me ver, porque farei
questão de jogar isso na sua cara todos os dias possíveis, até o dia em que eu
morrer!
— Creeeedo! Pois bata na madeira!
Gargalhamos logo em seguida, mas ainda faltava uma coisa.
— Bom, eu vim te falar do casamento e comunicar que será a minha
madrinha, e que não aceito um não como resposta.
— Claro! Gosto de desfilar minha beleza onde quer que esteja.
Novamente a abracei, porém ficamos um bom tempo assim.
Eu irei sentir muita falta dela na rotina da empresa, mas tenho que
colocar na cabeça que todos nós temos sonhos, estou vivendo o meu, e agora
é a vez dela viver o dela e crescer, e tenho certeza de que um dia Luiza se
tornará a mulher que sempre desejou...
“E os problemas podem aparecer nas melhores horas...”
1 ANO DEPOIS