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Copyright © 2020 Renata R.

Corrêa

Versão impressa produzida pela Bendita editora

Este texto é uma releitura do original Um ano sabático, lançado em


2017.

Capa: Marco Mancen


Preparação de texto da edição de 2017: Carla Santos
Preparação de Texto da versão atual: André Dick
Revisão final: Nicole Cristofalo
Edição: Samantha Silvany
Diagramação do e-book: da autora usando Kindle Create,
baseando-se na diagramação do livro físico feita por Marco Mancen

Todos os direitos reservados.

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento
e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de
quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento
por escrito da autora.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código
Penal.
“Ainda bem que o que eu vou escrever já deve estar na
certa de algum modo escrito em mim. Tenho é que me copiar
com uma delicadeza de borboleta branca.”
Clarice Lispector em A hora da estrela, 1977, Ed. Rocco, p. 21.
Índice
Dedicatória
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e oito
Capítulo Vinte e nove
Epílogo
Síndrome de Burnout
Mensagem final
Obrigada
Agradecimentos
Biografia
Redes sociais
Dedicatória
Dedico este livro a todos que, de alguma forma, já passaram por
momentos difíceis na vida e que precisaram colocar pontos finais
para seguir em frente.
À minha família, meu marido, Klever e, em especial, aos meus
filhos, que foram concebidos porque nunca desisti de ser mãe,
mesmo quando tudo parecia improvável – também tive de colocar
meus pontos finais para que esse dia chegasse.
Aos que acreditaram em mim e me deram a oportunidade de
tornar este livro possível.
Ano sabático é um tempo de descanso da rotina que se
leva, aconselhável para quem está insatisfeito com o rumo
que a vida tem tomado. A expressão vem da palavra judaica
sabá, que significa “dia de descanso”. A cada sete anos, os
judeus ficavam um ano inteiro sem trabalhar, que servia para
que a terra pudesse se recuperar depois de seis anos de
colheita ininterrupta. Se até a terra precisa de uma pausa
para voltar a dar frutos, imagina uma pessoa! Isso deveria
ser uma rotina na vida, deveríamos programar um tempo
para nos refazermos, mas poucos têm coragem para isso,
pois significaria interromper projetos e, com a vida louca que
vivemos, com o capitalismo selvagem que nos destrói, não
há tempo para paradas longas. Férias de trinta dias, muitas
vezes, já parecem tempo demais...
Entretanto, às vezes, somos forçados a parar. Foi o que
aconteceu com minha personagem Rafaela. É a história dela
que agora vou contar!
Prólogo
Um ano sabático
“Eu já não estava suportando carregar meu mundo nas
costas. Precisava encontrar uma forma de ajeitar as coisas,
de descansar. Só não sabia por onde começar.”
— Rafaela, Rafaela! O que está acontecendo? — Ouvi a voz de
Rita, minha chefe, desesperada me chamando, mas não consegui
responder. — Acorda! Pelo amor de Deus, o que é isso? Chamem
um médico! Liguem pedindo uma ambulância! — Aquele pedido de
socorro foi a última coisa que me lembro de ouvir, antes de apagar.
Já desacordada, sonhei com Bruno, meu namorado, com a briga
que tivemos na noite anterior.
— Já não te reconheço, Rafa! — falou, exaltado, deixando-me
assustada e triste. — Você só pensa em trabalho, vive para o
trabalho, nunca tem tempo pra mim, foge e muda de assunto toda
vez que toco nas palavras filho e casamento. A gente quase não
conversa mais... — Ele estava visivelmente bravo, contudo, seu olhar
era triste.
— Para, Bruno! — gritei, sentindo-me exausta com aquela
conversa. — Não aguento tantas cobranças. Não vê que estou
cansada? — Abri os braços e gesticulei exasperada.
— Vejo sim! E acho que você precisa desacelerar... — Abaixou o
tom de voz, arrependido. — Não está certo o que está fazendo com
sua vida. — Aproximou-se e me envolveu em seus braços.
— Eu não estou feliz, Bruno, e não sei o que fazer... — Senti as
lágrimas brotarem de meus olhos e o gosto salgado chegando à
minha garganta.
— Que tal se a gente tirasse umas férias? — Levantou meu queixo
para me olhar nos olhos.
— Estou com a agenda cheia... — Fiz uma pausa, pensativa. — A
Rita me mataria se eu pedisse uns dias de folga agora. — Enxuguei
meu rosto com as mãos.
— Pelo amor de Deus, Rafa! Para de pensar nos outros e no que a
Rita vai achar, você precisa cuidar de si! — Ele me fitava com
preocupação.
— Vou ver o que faço... — Minha voz saiu fraca, cansada. Bruno
tinha razão, eu precisava dar um jeito na minha vida. Tudo estava
pesado demais. Eu já não estava suportando carregar meu mundo
nas costas. Precisava encontrar uma forma de ajeitar as coisas, de
descansar. Só não sabia por onde começar.
Depois de sonhar com a noite anterior, acordei sentindo a cabeça
pesada e meio tonta. Confusa, não sabia direito onde estava.
Estou num hospital?, pensei, atordoada, assim que consegui
enxergar direito o ambiente branco de corredores largos, com macas
por todo lado.
Como vim parar aqui? O que aconteceu, meu Deus?
Capítulo Um
O gatilho
“Dava tudo de mim para meu trabalho, mas, com o tempo,
aquelas horas excessivas sem descanso foram me deixando
esgotada. Começou a ficar difícil conciliar minha vida pessoal
e profissional.”
Gatilho é uma reação emocional diante de situações
negativas. De repente, você se sente deslocado, podendo ter
uma crise de ansiedade, depressão, culpa ou vergonha
quando alguém expressa qualquer desaprovação a seu
respeito, ou lhe diz algo que o faz ultrapassar o seu limite de
tolerância.
Eu vim de uma cidade pequena da redondeza, mudei para fazer
faculdade de Fisioterapia e acabei ficando. Conheci Bruno ainda
nessa época, mas só engatamos um namoro no final do meu curso.
Ele era um cara legal, pacífico, administrador de empresas e
descolado. Sua beleza chamava a atenção no campus universitário,
principalmente a minha. Apesar de que já nos conhecíamos, pois
tínhamos amigos em comum, nem acreditei no dia em que ele me
convidou para sair. Era véspera da formatura e eu estava feliz e
empolgada. Acho que meu estado de espírito me deixou mais bonita
e atraente aos olhos dele. Quando a gente está feliz, parece que fica
mesmo mais bonita, pois até então eu nunca tinha percebido
nenhum interesse por parte dele, em mim.
— Rafa, o que vai fazer hoje à noite? — Ele parecia sem jeito
naquele dia.
— Nada. Talvez assistir a algum filme na TV, por quê? — Encarei,
curiosa, aqueles lindos olhos negros.
— Pensei que talvez pudéssemos sair juntos, tomar uma
cervejinha, jogar conversa fora... O que acha? — A pergunta fez um
sorriso brotar em meus lábios. Nunca tínhamos saído só nós dois.
Fiquei empolgada com o convite.
— Eu adoraria! — Sorri timidamente, tentando disfarçar meu
entusiasmo.
Depois daquele dia, saímos juntos algumas vezes e acabamos
percebendo que tínhamos muito em comum, mesmo gosto musical,
sonhos parecidos, mesmo jeito divertido de ser. A conversa era
sempre descontraída e agradável. Em pouco tempo, começamos a
namorar.
— Sou um homem de sorte, sabia? — Olhou-me divertido,
enquanto acariciava meus cabelos, certo dia, quando estávamos
sentados no sofá de casa, namorando.
— É mesmo? — Contornei seus lábios com os dedos, olhando-o
admirada. — Posso saber por quê?
— Porque namoro a garota mais linda e divertida do mundo! —
exclamou exagerado, fazendo-me rir.
— Do mundo inteiro? — Arqueei a sobrancelha, desafiando-o.
— Pode apostar! — Tomou-me em seus braços e nos beijamos
apaixonados.
— Ahãm... — Carina, minha melhor amiga, com quem eu dividia o
apartamento, entrou na sala, limpando a garganta para chamar
nossa atenção. — Desculpa atrapalhar o casalzinho aí, só que estou
morrendo de fome, então pensei em pedir uma pizza. Vão querer?
O jeito dela nos fez sorrir, parecia constrangida por ter nos pego
aos beijos e amassos.
— Eu vou querer sim! — Levantei a mão, feito criança. — Estou
mortinha de fome.
— Também vou querer. — Bruno se ajeitou no sofá.
— Posso pedir uma grande, metade calabresa, metade frango com
catupiry? — Carina pousou o telefone no ar, aguardando
confirmação.
— Por mim sim, são minhas preferidas! E pra você, meu amor,
pode ser? — Voltei minha atenção para Bruno, acariciando sua mão.
— Pode sim. Também são os sabores de que mais gosto.
Em menos de uma hora, estávamos os três comendo pizza no
sofá da sala, conversando animados.

Os anos que passamos na faculdade talvez tenham sido os


melhores da minha vida.
Conheci Carina logo no início do curso. Ela era da minha turma.
Linda por dentro e por fora. Doce, ingênua e batalhadora como eu.
Também tinha vindo do interior, de uma família humilde. Ela lutou
para conquistar seus sonhos, o que me fazia admirá-la. Tínhamos o
biotipo bem parecido, fora os olhos. Nossos cabelos eram castanhos,
compridos e lisos, estatura mediana e corpo magro. A diferença
maior eram os olhos dela, verdes como o mar. Sabe aquele verde
que a gente não sabe ao certo se é azul ou verde? Então,
exatamente assim! Tirando a cor diferente dos olhos, bem que
poderíamos passar por irmãs. E, na falta da minha, Carina sempre
desempenhou muito bem esse papel. Em pouco tempo, após nos
conhecermos, fomos dividir um apartamento para diminuir os custos
com moradia.
Moramos juntas até seis meses após o final do curso, quando ela
se mudou, ao se casar com Matheus, seu namorado de longa data,
um jovem médico de sucesso. Após Cacá se casar, continuei
morando no mesmo apartamento.
Depois de formada, quando já estava namorando Bruno há um
tempinho, decidimos morar juntos no meu apartamento. Viver
debaixo do mesmo teto nos aproximou ainda mais.
Na mesma época, comecei a trabalhar em uma clínica de
fisioterapia famosa da cidade. A demanda era grande, e logo vieram
as cobranças de Rita, a dona do local, para que eu estendesse meus
horários, para que atendesse mais, pois, segundo ela, eu era jovem,
e aquele era o momento de trabalhar muito e juntar uma grana.
Eu sempre tive um defeito terrível que era não saber dizer não,
principalmente quando o assunto era trabalho. Eu acabava cedendo.
Outro traço marcante de minha personalidade era o perfeccionismo.
Dava tudo de mim para meu trabalho, mas, com o tempo, aquelas
horas excessivas sem descanso foram me deixando esgotada.
Começou a ficar difícil conciliar minha vida pessoal e profissional.
No primeiro ano de namoro, a vida era feliz. Eu e Bruno tínhamos
muitos planos. Entretanto, depois de quase quatro anos de namoro,
percebi que há muito o fogo da paixão deixara de arder para nós.
Acabamos nos transformando em grandes amigos e depois em
quase dois estranhos dividindo o mesmo apartamento, porque
deixamos de dividir a vida e os sonhos em algum momento. Com o
passar do tempo, com a rotina e o cansaço, comecei a ver meu
relacionamento ruir. De repente, as coisas passaram a não fazer
mais sentido. Eu não estava feliz.
Carina engravidou pouco mais de um ano depois de se casar. Foi
lindo vê-la grávida e feliz, construindo a família que sempre sonhou
ter, só que a situação toda abalou ainda mais meu relacionamento.
— Amor, a gente bem que podia começar a planejar uma data, né?
— Bruno me olhava desconfiado, enquanto eu lavava a louça do
jantar.
— De novo esse assunto, Bruno? — Virei-me para ele, irritada.
— Por que não? — Aproximou-se e, afastando meu cabelo, beijou
minha nuca.
— Ainda é cedo... já conversamos sobre isso. — Suspirei exausta.
— Agora que a Carina engravidou, seria bom se também
tivéssemos um filho — sussurrou ao meu ouvido.
— Pelo amor de Deus! — Afastei-me dele, levantando as mãos
molhadas. — Eu nem consigo planejar um casamento e já vem você
de novo com esta história de filho?
— Poxa vida, Rafa! Juro que não te entendo... — reclamou,
ofendido.
— Me desculpa! Vem cá — chamei após enxugar minhas mãos
num pano de prato. — Não quero que fique magoado, mas peço que
me entenda e que respeite minha opinião. Eu não quero nada disso
ainda. — Envolvi-o em um abraço.

Aquela não foi a única discussão. Volta e meia Bruno retornava ao


mesmo assunto, e eu só pensava em como ele podia desejar isso,
se nem ao meu lado direito ele estava. As coisas não estavam bem
entre nós. Passamos a discutir por bobagens com frequência. Aquela
insistência no assunto filhos e casamento me tirou ainda mais a
vontade de ir para a cama com ele. Aquilo me deixava estressada!
Não estávamos na mesma sintonia. Sentia que ainda não era meu
momento para constituir família. Nossa relação parecia beirar ao fim.
Bruno merece encontrar alguém que dê para ele o que deseja.
Não sou essa pessoa, e talvez nunca seja. Preciso dar um basta
neste relacionamento. Revirei-me na cama, atordoada pelos
pensamentos, antes de conseguir pegar no sono.
As semanas se seguiram, e tivemos outras discussões. Depois de
uma noite maldormida, após mais uma de tantas brigas, cheguei
atrasada ao trabalho, exausta já pela manhã.
— Bom dia, Rafaela! Como você está? — Rita se aproximou,
olhando-me preocupada.
— Bom dia, Rita! Eu estou bem, e você? — cumprimentei
enquanto entrava e me dirigi ao escaninho para pegar meu jaleco e
os prontuários dos pacientes do dia. Em seguida, percebi que
alguma coisa estava acontecendo, pois ela foi atrás de mim e parou
ao meu lado, encostando-se à parede. Analisava cada movimento
meu.
Apesar de ambiciosa e exigir o máximo dos seus funcionários,
para ter bons lucros com seu negócio, Rita não era má pessoa. Não
a julgava. Sabia o quanto ela tinha investido para construir aquela
clínica, pois os equipamentos eram caros. Entretanto, sempre achei
que, talvez, devesse valorizar mais quem trabalhava para ela, mas,
enfim, ninguém trabalhava ali forçado. Aceitávamos as condições
quando entrávamos para a clínica. Apesar de que não sabia se
tomara uma decisão acertada.
— O que foi, Rita? Por que está me olhando assim?
— Acho que precisamos conversar.
— Por mim, tudo bem — respondi, mexendo nas pastas que
estavam em minhas mãos, tentando disfarçar meu incômodo.
— Então, deixe essas coisas aí e venha comigo até minha sala. —
Desencostando-se da parede e ajeitando o jaleco com as mãos, Rita
se virou e começou a andar na direção que levava ao local.
Como estava de costas e não podia me ver, revirei os olhos e
bufei, antes de segui-la por aquele corredor largo, iluminado e
extenso que unia a recepção à sala dela. Pelo jeito, a conversa seria
chata.
— Entre e sente-se, por favor. — Apontou uma cadeira e, em
seguida, deu a volta na mesa para sentar-se de frente. Fiz o que
mandou, cabisbaixa, e comecei a sentir a ansiedade me dominar.
Algo me dizia que aquela conversa não seria muito boa.
Fazia um tempo que eu andava tendo crises de ansiedade.
Algumas vezes, tinha a impressão de que iria desmaiar, outras
parecia que não conseguiria respirar. Achava que era por ter dormido
pouco e mal e pelas chateações tanto no trabalho quanto em casa,
contudo não era nada que me preocupasse muito.
Nos dias em que estava pior, não tinha capacidade nem para
dirigir, pois parecia que todos os carros no trânsito estavam se
jogando para meu lado e ficava com a impressão de que iria
provocar um acidente a qualquer instante, então, decidi, para meu
próprio bem e das pessoas nas ruas, que em dias assim era melhor
deixar o carro na garagem e sair a pé.
Morava próximo ao meu trabalho, o que dava uns quinze minutos
de caminhada, logo, quando a ansiedade batia, ia andando e
aproveitava para inspirar e expirar profundamente, o que me ajudava
a relaxar e acalmar um pouco. Quando nada resolvia, ligava para a
Cacá, mesmo sabendo que ela poderia estar ocupada demais para
me dar atenção, já que sua filhinha de dez meses não lhe dava
tempo para nada.
Perdi minha melhor amiga para um bebê!, gritei mentalmente.
Minha atitude foi bem infantil, mas é que sentia muita falta dela, da
Cacá, da minha Cacá. Ela era só minha até o Matheus aparecer e
depois aquela criaturinha, linda por sinal: a Manuela. Eu não
costumava ser assim tão egoísta, como estava parecendo. Eu já não
sabia muito bem o que andava acontecendo comigo.
Inspire e expire devagar, pensei, enquanto tentava focar em Rita,
suplicando para que minha mente vagasse de volta para aquele
momento e conseguisse me concentrar.
— Rafaela, está me ouvindo? — Rita chamou minha atenção.
Acredito que devo ter perdido algo que ela falou enquanto tentava
me acalmar.
— Me desculpe. — Voltei meu olhar para ela. — É que estou com
a cabeça explodindo de dor — menti para tentar justificar minha falta
de atenção.
— Rafaela, querida, é justamente sobre você e como anda se
sentindo que é esta conversa — ela falou, e o fato de ficar repetindo
meu nome começou a me irritar. Olhei para os lados, para não ter de
olhar direto para ela.
Os tons de bege e marrom do papel de parede e as plantas de
folhagens do lado de fora da janela chamaram minha atenção. A sala
de Rita era muito bonita, ampla, com móveis sofisticados que mais
lembravam uma sala de estar de uma residência chique do que de
um consultório. Ali, ela atendia pacientes, e era também onde
conversava com os funcionários e fazia o serviço de escritório da
clínica.
— Não estou entendendo — respondi, sem olhar para ela.
— Tem alguma coisa acontecendo com você que queira me
contar? Você tem chegado atrasada, parece sempre aérea e
angustiada. Estou preocupada com sua saúde. Acho que você não
está bem.
“Acho que você não está bem.” A frase dela ficou reverberando em
minha cabeça e acabou rompendo uma barreira de proteção que eu
tinha criado. Aquilo foi o gatilho para detonar o que eu vinha sentindo
há tanto tempo e, inutilmente, tentava esconder dos outros e de mim
mesma.
Sem conseguir me controlar, comecei a chorar ridiculamente na
frente dela. No início, foram apenas lágrimas escorrendo uma depois
da outra de meus olhos, mas logo vieram os soluços e um tremor a
balançar meu corpo. Caí em prantos, fazendo Rita levantar depressa
e ir a meu socorro. Minha cabeça começou a girar e fiquei tonta.
Senti que desmaiaria.
— Meu Deus do céu, o que está acontecendo com você, querida?
— ela perguntava, sem parar, e eu não conseguia responder.
Simplesmente, não conseguia. Senti meu corpo fraco, minha visão
ficou ofuscada, e o rosto de Rita foi a última coisa que eu pude ver
antes de apagar.
— Chamem um médico! Liguem pedindo uma ambulância!
Percebi uma agitação de vozes, no entanto não vi mais nada.
Capítulo Dois
O começo do fim
É aquele momento determinante em que percebemos que
não dá mais para continuarmos como estamos. É quando
compreendemos que precisamos colocar um ponto final e
mudar o rumo do que quer que seja em nossas vidas.
Pontos finais costumam ser sofridos, no entanto muito
necessários.
Só virando uma página, poderemos começar a escrever
uma nova história.
Acordei confusa e fiquei assustada ao perceber que estava em um
hospital, deitada em uma maca muito dura por sinal. De repente,
avistei Bruno, que percebeu que eu havia acordado e veio correndo
ao meu encontro.
— O que aconteceu com você, meu amor? — Segurou minha
mão, preocupado.
— E-eu... n-não... sei... — gaguejei, atordoada.
— Rita disse que você caiu em prantos enquanto conversavam e
que acabou desmaiando. — Acariciou meus cabelos, ainda com a
expressão de preocupação na face.
— Ela disse que eu não parecia bem... — Subitamente, senti
vontade de chorar de novo, e, sem conseguir me controlar,
entreguei-me ao desespero, como uma criança assustada, sozinha e
perdida.
Meu Deus, o que fiz da minha vida? Quem é esta pessoa na qual
me transformei?
Chorava tanto que era capaz de sentir meu corpo chacoalhar.
— Calma, meu amor! Eu vou chamar uma enfermeira, só um
minuto. — Bruno me olhou com ternura, apesar de parecer
assustado. Deu um beijo em minha testa, afastando-se em seguida.
Poucos minutos depois, ele voltou com uma enfermeira, que me
encheu de perguntas, aferiu minha pressão e pulsação, anotou tudo
em um papel sobre uma prancheta e saiu, em busca de um médico.
Bruno ficou ao meu lado, mas eu não queria conversar. Só desejava
dormir e descansar.
Eu preciso descansar. Repeti isso como um mantra em
pensamento, até que adormeci.
— Rafaela? Está me ouvindo? — uma voz grave me fez despertar.
— Estou sim — respondi baixinho, fraca e sem ânimo.
— Sou o doutor Jarbas. Vou examiná-la e, em seguida, farei
algumas perguntas, tudo bem? — Colocou sua mão sobre a minha
de uma forma quase paternal. Eu apenas assenti com a cabeça, pois
não estava com a menor vontade de respondê-lo.
Depois de me examinar, de ter me enchido de perguntas e feito
várias anotações em sua prancheta, o médico se voltou para mim
com um sorriso gentil:
— Rafaela, ainda quero pedir alguns exames laboratoriais, e você
fará uma tomografia do crânio e um eletroencefalograma. Depois dos
exames, voltaremos a conversar, ok?
— É mesmo necessário tudo isso, doutor Jarbas? — Conferi o
nome dele no crachá e levei as mãos à cabeça, que começava a
doer.
— Sim, querida. Por causa do desmaio, precisamos descartar algo
mais grave. Mesmo eu acreditando que os exames virão normais,
eles precisam ser feitos por precaução. — Ele me olhava
calmamente sério. — Mas não se preocupe, tente descansar. Em
algumas horas, voltarei para te ver — despediu-se com um sorriso.
— Está bem... — respondi num muxoxo.
— Não fica assim, meu bem. — Bruno acariciou meus cabelos,
tentando me consolar.
— Não acredito que isso esteja acontecendo... — Fechei os olhos
e dei um suspiro longo.
Pouco tempo depois, colheram meu sangue para exames e me
levaram para a tomografia. E, em seguida, para o
eletroencefalograma. Deixaram-me de dieta zero até que o médico
visse os resultados. A fome já começava a bater. Ainda me sentindo
exausta, acabei adormecendo e nisso se passaram algumas horas.

— Rafaela?
Despertei quando o médico me chamou.
— Seus exames ficaram prontos, querida.
— E está tudo bem comigo, doutor? — Tentei sentar, enquanto o
fitava, aflita. Bruno me ajudou e também olhava interrogativo para o
médico diante de nós.
— Graças a Deus, seus exames estão normais sim.
Respirei aliviada ao ouvi-lo, e apertei de leve a mão de Bruno, que
me sorriu.
— Então, já posso ir? — perguntei, animada.
— Ainda não. Pelo exame clínico e pelas perguntas que te fiz,
acredito que esteja passando por algo muito comum nos dias atuais,
que se chama síndrome de Burnout.
— Síndrome do quê? — Olhei para ele, espantada, pois nunca
ouvira falar naquele nome.
— Burnout, querida. É uma doença caracterizada por um
esgotamento psíquico, relacionado ao trabalho excessivo. — Anotou
algo em sua prancheta enquanto falava: — Mas pedirei ao psiquiatra
para vir vê-la, ele poderá lhe explicar melhor.
— Me sinto mesmo esgotada... — Subitamente, senti-me triste. Eu
nunca imaginei que estivesse doente.
Percebendo minha tristeza, Bruno me envolveu num abraço e
sussurrou ao meu ouvido:
— Vai ficar tudo bem.
— Mandarei chamar o psiquiatra e a psicóloga de plantão para
conversarem com você, está bem? — O doutor Jarbas pousou sua
mão sobre a minha em um toque delicado.
— Tudo bem, obrigada — agradeci por educação, pois, só de
pensar que mais pessoas me encheriam de perguntas, eu sentia de
novo vontade de chorar. Não conseguia acreditar no que estava
acontecendo.
Antes de se despedir, o médico ainda disse que estava
prescrevendo uma medicação calmante injetável, que eu tomaria
junto com um soro e que passaria o resto do dia ali em observação.
Bruno ouviu atento e não disse nada, apenas segurou forte a minha
mão e passou o dia ao meu lado.
Mais tarde, o psiquiatra foi falar comigo e me explicou direitinho
tudo sobre a tal síndrome de Burnout.
— Olá, Rafaela! — cumprimentou alegre. — Sou o psiquiatra de
plantão. Como está se sentindo?
— Cansada. — Tentei sorrir.
— Imagino! — Ele me olhava simpático. — Se importa se eu te
fizer algumas perguntas? — Seu tom era tão amistoso que me senti
à vontade.
— Tudo bem — respondi, sentando na maca.
— Meu amor, vou até a lanchonete para que possam conversar.
Daqui a pouco, eu volto. Quer alguma coisa? — Bruno beijou minha
testa e me olhou com ternura.
— Pergunte para a enfermeira se eu posso comer algo, já estou
mesmo com fome.
— Está bem, vou perguntar. — Deu-me mais um beijo e saiu.
Depois disso, passei alguns minutos respondendo às perguntas do
psiquiatra.
— Rafaela, infelizmente o doutor Jarbas tem razão. — Seus olhos
fitavam os meus. — Pelo que aconteceu e pelo que conversamos, eu
acredito mesmo que seu diagnóstico seja síndrome de Burnout, ou
estresse extremo provocado pelo trabalho.
— Ah, não acredito nisso, doutor! — Não consegui conter o choro.
— Não fique assim. — Segurou minha mão na dele. — Com a vida
louca e corrida que as pessoas estão levando, esse diagnóstico tem
sido cada vez mais comum. Mas vai ficar tudo bem. — Sua voz era
calma e seu olhar, confiante.
— Espero que sim. — Soltei a mão dele para enxugar meu rosto,
sentindo-me triste. Todavia tentei acreditar em suas palavras.
— O Burnout, Rafaela, além de ser caracterizado por um estresse
extremo, tem algumas outras características muito parecidas com a
depressão e ansiedade — falava com calma. — Geralmente se
desenvolve depois de um esforço excessivo no trabalho, quando o
desejo de realização profissional se transforma em obstinação e
compulsão, gerando um desgaste emocional e físico intensos.
— Eu estava mesmo trabalhando demais e me sentindo exausta.
— Respirei fundo, tentando assimilar tudo aquilo.
— Com o tratamento, logo, logo, você começará a se sentir
melhor, eu te garanto! — Piscou para mim, fazendo-me sorrir. — Mas
terá que mudar seus hábitos de vida, arrumar tempo para descansar
e fazer coisas que te distraiam e das quais goste, está bem?
— Prometo que vou tentar — respondi, sentindo-me mais
animada.
O psiquiatra disse ainda que pessoas perfeccionistas, tanto na
vida pessoal quanto na profissional, estão mais propensas a essa
síndrome, pois buscam de forma excessiva uma excelência, às
vezes, impossível de se alcançar. Essas pessoas, como eu, têm
dificuldade em dizer “não” e vão acumulando funções, deixando de
lado a vida pessoal, e se dedicando cada vez mais e mais ao
trabalho, até não aguentarem e adoecerem de vez.
As explicações do médico me fizeram perceber que ele tinha toda
razão em dar o meu diagnóstico, pois eu me enquadrava em cada
descrição. Há tempos, as coisas haviam deixado de fazer sentido em
minha vida, e no fundo eu sabia que o trabalho excessivo era o
grande culpado. Ouvir aquilo tudo foi o começo do fim.
Capítulo Três
Um fim para um recomeço
“Foi muito complicado iniciar o tratamento. Contudo eu
sabia que não necessitava apenas de remédio, e sim de
encontrar a paz e a alegria que eu mandara embora há
tempos. Precisava mudar de vida, só não tinha ainda tomado
nenhuma grande atitude. Em breve, teria de tomar decisões
difíceis, mas necessárias.”
Não sei em que momento me perdi de mim, em que momento
deixei que o trabalho ocupasse o lugar mais importante de minha
vida. O fato é que demorei para entender certas coisas, e foi de uma
maneira muito difícil.
Depois da avaliação do psiquiatra e da conversa com a psicóloga,
recebi alta hospitalar com a prescrição de uma medicação
antidepressiva e ansiolítica para uso contínuo e um remédio para
dormir. Ainda recebi orientações para descansar, fazer atividade
física e mudar a rotina estressante em que eu estava, principalmente
no ambiente de trabalho. Também saí do hospital com as sessões de
terapia agendadas.
Cheguei em casa e liguei para Carina, assim que deitei em minha
cama, enquanto Bruno foi preparar algo para comermos. Durante
todo o tempo em que estive no hospital, levaram para mim apenas
um lanchinho. Fazia horas que eu não me alimentava direito, porém
não estava com muita fome naquele momento, andava sem apetite.
— Oi, Rafa! Como você está, amiga? — perguntou animada,
piorando um pouquinho mais meu mau humor.
— Eu tive um surto — falei na lata, sem ao menos responder ao
cumprimento dela, e sabia que aquela Rafaela amarga estava chata
demais.
— Como assim surto? Pelo amor de Deus, me diga o que está
acontecendo, Rafa! — implorou, desesperada, arrancando um
sorriso de meus lábios.
Coitada! Com meu exagero acabei a assustando. Sorri, ajeitando-
me entre os travesseiros.
— Calma! Me desculpa, não queria te assustar. — Tentei me
redimir, pois amava demais a Cacá.
— Ah, sua exagerada, quer me matar, é? Está desculpada, depois
de quase ter feito meu coração infartar. Mas, tudo bem, perdoada.
Agora, anda, desembucha e conta logo o que aconteceu! — Seu tom
de voz parecia bravo, mas já conhecia a Carina há tempo demais
para saber que, na verdade, se pudesse, ela teria me colocado no
colo naquele momento e me feito cafuné.
— Não estou bem, amiga... — comecei a contar, voltando a me
sentir triste. — Estava trabalhando e, durante uma conversa com a
Rita, minha chefe, acabei chorando e desmaiei. Fui parar em um
pronto-socorro de um hospital. — Fiquei em posição fetal, enquanto
enxugava uma lágrima que insistia em saltar de meus olhos.
— O que é isso, Rafa? — Seu tom era maternal. — Você quer que
eu vá para aí? Eu posso deixar a Manu na minha sogra por umas
horinhas e ir ficar com você — ofereceu tão docemente que não
consegui recusar, afinal eu precisava de um ombro amigo, de colo de
irmã e, por mais que Bruno estivesse em casa e me tratando com
delicadeza e presteza, eu queria evitar mais uma discussão, pois não
teria condições nenhuma para suportar outra briga, ou para ouvir
cobranças.
— Eu quero sim. — Acho que minha resposta soou quase como
um miado ao telefone, mas Cacá já estava acostumada comigo, com
meus dramas e luxos, então ela se despediu dizendo que em pouco
mais de meia hora chegaria a meu apartamento.
Assim que desliguei o telefone, Bruno entrou no quarto.
— Posso entrar? — perguntou, já entrando com a bandeja nas
mãos, onde havia pão com queijo e leite com chocolate.
— Claro. Obrigada pelo lanche — agradeci, sem encará-lo e,
mesmo que meu estômago já estivesse roncando de fome, eu ainda
não tinha ânimo para comer. — Senta aí! — Apontei a beirada da
cama.
— Rafa, me desculpe por ontem à noite — seu pedido fez meus
olhos marejarem e procurarem os dele, imediatamente. Encontrei
naquelas íris negras, que pareciam duas jabuticabas, culpa e pesar.
Bruno era um homem lindo. Moreno, alto e forte. Tinha um sorriso
encantador. Sempre adorei seus olhos, mas, naquele momento, fitá-
los só me causava tristeza.
Onde foi que erramos?, pensei, mas não tive coragem de dizer.
Eu ainda estava chateada com a briga da noite anterior. No fundo,
achava que nem o amava mais. Nossa briga foi a gota-d’água para
me ajudar a desabar. Eu estava a ponto de explodir, a conversa com
Rita só riscou o fósforo para detonar a bomba armada em mim.
Encarei minhas próprias mãos por alguns segundos e voltei a fitá-
lo.
— Está tudo bem! — Tentei forçar um sorriso. Deveria falar o que
sentia, só que não tinha coragem. Nem força.
Ele apenas assentiu, parecendo entender que eu não estava a fim
de conversar.
— Tudo bem, então. Vou colocar seu lanche aqui e vou deixá-la
sozinha para que possa descansar. — Levantou e me deu um beijo
na testa. Senti um aperto no peito.
Assim que saiu e fechou a porta do quarto, eu desmoronei. Chorei,
tentando não fazer barulho, pois a última coisa que eu queria no
momento era que ele voltasse e tentasse me consolar. Queria ser
consolada, sim, porém não por ele.
Pouco tempo se passou, e o interfone tocou. Imaginei que fosse
Cacá.
Logo depois, minha amiga anunciou sua presença, batendo de
leve na porta do meu quarto e a abrindo devagarzinho. Colocou a
cabeça no vão, o que fez um sorriso surgir no meu rosto inchado de
tanto chorar.
— Entra! — Enrolei-me no edredom e percebi que, apesar do
sorriso no rosto dela, seus olhos de esmeraldas pareciam
preocupados.
— O que aconteceu, meu amor? — Sentou na minha cama e me
puxou para um abraço apertado e aconchegante.
Antes de conseguir contar qualquer coisa, eu chorei. Chorei
desesperadamente, sentindo meu corpo balançar, e Carina me
apertou ainda mais contra seu peito.
— Calma, calma! Já vai passar... Seja o que for, Rafa, vai passar!
— Acariciou minhas costas. Aquilo era tudo o que eu precisava ouvir.
Quando consegui me acalmar, contei para minha amiga o que
estava acontecendo, principalmente dentro de mim. Falar em voz
alta fora ainda mais difícil, mas me senti leve ao acabar, sabendo
que fizera a coisa certa.
Quando Carina foi embora, eu dormi.
Passaram-se alguns dias. Logo no início, a medicação me deixou
sonolenta e com a boca seca. Além disso, algumas vezes, meu
coração disparava e ficava com a sensação de que iria morrer. Foi
muito complicado iniciar o tratamento. Contudo, eu sabia que não
necessitava apenas de remédio, e sim de encontrar a paz e a alegria
que eu mandara embora há tempos. Precisava mudar de vida, só
não tinha ainda tomado nenhuma grande atitude. Em breve, teria de
tomar decisões difíceis, mas necessárias.
Tive dias bons e dias ruins, e houve aqueles em que eu só queria
morrer, ou pelo menos dormir o dia inteiro, para ver se o tempo
passava logo e, quem sabe, eu acordasse daquele pesadelo.
Depois de algumas sessões de terapia, comecei a me sentir mais
determinada a mudar.
— Como você está hoje, Rafaela? — perguntou Fernanda, minha
psicóloga, assim que entrei em sua sala.
— Estou me sentindo melhor. — Sorri e sentei em um divã de
frente a ela, porque eu gostava que fosse assim. Nunca deitei
naquele divã. Era como se eu precisasse dos seus olhos para me
encorajar a dizer o que precisava, a me encontrar.
— Tem tomado as medicações? — Cruzou as pernas e pousou as
mãos sobre o joelho.
— Tenho sim. Já não estão me fazendo tão mal. Quase não sinto
mais os efeitos colaterais — respondi, enquanto analisava um
quadro de uma paisagem na parede logo atrás dela.
— Que bom. Fico feliz. Tomou alguma decisão importante esta
semana? — Seu questionamento me fez voltar a atenção para ela.
Fernanda era jovem, apesar de muito séria no trabalho, talvez
pouco mais velha que eu, que tinha 26 anos. Era bonita, rosto
delicado, o que fazia com que parecesse com uma boneca, e os
cabelos loiros estavam sempre presos.
— Tomei sim, Fernanda. Vou sair do emprego. Não estou feliz lá.
Acho que nunca estive, apenas fui levando. Trabalhava muito, mas
ganhava bem. Estava acomodada com a situação, e sempre tive
toda aquela dificuldade em dizer “não” que já te contei... Tudo isso
contribuiu para que eu fosse ficando e acabasse adoecendo. —
Ajeitei meu corpo no divã, sem desviar os olhos dela. — Às vezes,
me bate uma tristeza sem fim e fico me perguntando o que fui fazer
com a minha vida... — Lágrimas brotaram, e meu queixo ficou
trêmulo.
— Está tudo bem, querida. Vai ficar tudo bem. — Olhou-me com
doçura. — Estou orgulhosa de você, Rafaela. Consigo perceber sua
evolução desde que chegou aqui. A cada semana, sinto que está
mais segura. É a primeira vez que me conta que tomou uma decisão
importante. — Um meio sorriso surgiu em seus lábios. Ela parecia
sinceramente satisfeita com minha atitude.
— Obrigada. Não é fácil, de repente, ter de mudar a vida, porque a
rotina é algo confortável, que nos acomoda. — Fiquei pensativa,
desviando meus olhos dos dela por um instante.
— Você é forte e corajosa. Colocar pontos finais no que estava lhe
fazendo mal será a ferramenta principal para ajudá-la a se recuperar
e encontrar o caminho que a fará feliz — elogiou, arrancando-me um
sorriso discreto.
— Pontos finais... — falei, reticente, e fiz uma pausa dramática,
fazendo Fernanda me olhar pacientemente, encorajando-me a
continuar. — Tem outro ponto final importante que preciso colocar em
minha vida.
— E qual é? — A voz era calma, mas me observava interessada.
— Bruno — desviei meu olhar para minhas mãos, frias e trêmulas.
— Não estou feliz com meu namorado. Não estamos felizes juntos.
Não posso continuar assim, não é justo nem comigo, nem com ele.
— E você já falou alguma coisa com ele a respeito? — Virou-se
para pegar um copo com água em uma mesinha de canto ao lado de
sua poltrona.
— Não. Mas vou falar hoje.
Quando a sessão terminou, fui embora a pé, decidida a conversar
com Bruno.
— Bruno, precisamos conversar — falei, assim que ele entrou em
casa, ao voltar do trabalho no final do dia. — Sente aqui ao meu
lado, por favor. — Bati de leve a mão espalmada no assento do sofá.
— O que foi, meu amor? — Virou-se para mim, preocupado,
enquanto trancava a porta, depois caminhou até o sofá, onde eu
estava.
Assim que sentou ao meu lado, peguei as mãos dele e segurei
entre as minhas.
— Fomos muito felizes juntos, não fomos? — Sustentei seu olhar
no meu.
— Claro que fomos. Por que isso agora? — Parecia confuso.
— Fomos, Bruno... Mas não estamos mais felizes juntos, não é
mesmo? Nem ao menos parecemos um casal — falei,
corajosamente, sem desviar os olhos dos dele.
— Que isso, Rafaela? Não diga isso! — Seu semblante
entristeceu, e ele parecia surpreso com a conversa. — Eu gosto
muito de você e sou sim feliz ao seu lado.
— Será mesmo, Bruno? — Tentei segurar as lágrimas, a voz saiu
baixinha.
— Me perdoe pelas discussões bobas. Se você não quiser ter um
filho agora, se não quiser se casar comigo ainda, eu entendo! — Sua
aflição fez uma pontada de dor atingir o meu peito.
— Não é só isso...
— É o que mais então? — Elevou o tom de voz. — Sei que nos
últimos tempos não temos namorado muito, mas achei que era só
uma fase, que logo passaria. Você não me ama mais? — Seus olhos
encheram-se de lágrimas.
— Não, Bruno, infelizmente não te amo mais — sussurrei com
medo de ofendê-lo. Não queria magoá-lo, porque Bruno era um bom
rapaz e porque, no fundo, sabia que ele também não me amava
mais, apenas ainda não tinha enxergado aquilo.
Sua insistência nos últimos tempos para casarmos e termos um
filho não me parecia uma prova de amor e sim uma atitude
desesperada para salvar algo que já não era passível de salvação.
— Então, está tudo acabado, é isso? — questionou exasperado,
incrédulo. — Você está terminando comigo, Rafa? — Mais lágrimas
rolaram por sua face.
“Não chora!” Quis dizer, mas não tive coragem.
Eu não precisei responder, porque nós já sabíamos a resposta.
Puxei Bruno para um abraço que pareceu demorar uma eternidade.
— Eu preciso me reencontrar... — sussurrei ao seu ouvido.
— E por que eu não posso estar ao seu lado? — Seu corpo tremia
por causa do soluço provocado pelo choro.
— Me perdoa, mas para mim não dá mais — falei baixinho,
arrasada com aquela conversa, e afastei seu corpo do meu. Olhei
para ele terna, com pena, e enxuguei suas lágrimas com as mãos.
— Não podemos viver assim, sem aquele amor que um dia nos
uniu e brigando tanto. — Acariciei sua mão que estava na minha. —
Merece ter ao seu lado alguém que queira as mesmas coisas que
você, que sonhe com uma família, que o ame e que você também a
ame com a mesma intensidade. — Ele fechou as pálpebras
enquanto eu falava, o que me fez sentir culpada. Sabia que estava
sofrendo. — Espero que seja feliz, Bruno! — Beijei seu rosto. — Eu
sinto muito...
— Não, por favor... — tentou implorar, todavia eu estava decidida.
Assim que terminamos a conversa, fui para o quarto arrumar
minhas coisas em uma mala. Cada roupa que colocava nela me
trazia uma lembrança forte da época que eu era feliz. Desejava muito
recuperar aquilo.
Depois de me preparar para partir e me despedir do meu quarto,
liguei para a Carina.
— Posso dormir aí hoje, amiga? — perguntei ao passar e fechar a
porta atrás de mim.
— Claro! Venha — ela concordou sem me questionar.
Dei uma última olhada ao redor, despedindo-me dali. Passei pela
sala, sentindo um aperto no peito, deixando Bruno desolado no sofá.
Apesar de visivelmente transtornado, ele não tentou me impedir.
O contrato de aluguel do apartamento havia sido renovado em seu
nome. Eu não queria mais morar ali e, como sabia que ele gostava
de lá, decidi sair.
Meu ano sabático estava começando e, com ele, o fim de muitas
coisas. Um fim para um recomeço.
Capítulo Quatro
Voltando a ser eu mesma
“Às vezes, quando alguns pontos finais não são simples
opções, mas necessidade. É preciso coragem para colocá-
los, por mais difícil que seja, para que possamos mudar o
rumo de nossas vidas e voltarmos a ser nós mesmos.”
— Como você está, amiga? — Carina me deu um abraço
apertado, assim que cheguei à sua casa.
— Triste, sem rumo... Mas não dava para continuar como estava
— minha voz saiu fraca.
— Venha, entre. Quer ajuda pra descer algo do carro?
— Não precisa, obrigada. Trouxe somente esta mala mesmo. —
Apontei para ela, que estava nos meus pés.
— Tudo bem, vou pedir ao Matheus para guardar seu carro na
garagem. Fico feliz que tenha voltado a dirigir. — Trancou o portão
atrás de nós. — Preparei um lanchinho pra gente.
— Eu vim de carro, mas tem dias que ainda prefiro sair a pé.
Quando estou mais ansiosa, tenho medo. Fico apavorada pensando
que vou acabar provocando um acidente — confessei, com tristeza.
— A Manu já dormiu? — Virei-me para ela, após pegar minha mala
no chão.
— Já sim. Ela deita cedo. E, graças a Deus, já está dormindo a
noite toda! — Apesar da forma exagerada com que falou, percebi
que estava mesmo aliviada por voltar a dormir uma noite inteira. Sorri
com ela, que enlaçou seu braço ao meu para entrarmos.
Depois de me acomodar, comemos, conversando sobre minhas
angústias, e, quando me retirei para o quarto, apesar da cama
confortável e dos lençóis macios, demorei para adormecer. Sabia
que tinha tomado a decisão que devia, entretanto tinha tantos medos
e tantas coisas para colocar em ordem em minha vida que me sentia
perdida, sem saber por onde começar. Chorei baixinho, tentando não
ser ouvida, até que, sentindo-me emocionalmente exausta, acabei
pegando no sono.
No dia seguinte, acordei tarde. Logo que me levantei, tomei um
banho quente para relaxar. Ao me olhar no espelho, fiquei assustada
com minha cara péssima, olhos inchados e fundos. Só então reparei
que eu devia ter perdido peso nos últimos dias.
— Bom dia — cumprimentei Carina assim que desci as escadas e
a encontrei na sala com a pequena Manu nos braços.
— Bom dia! Conseguiu descansar? Dormiu bem? — Levantou do
sofá, vindo em minha direção.
— Demorei a pegar no sono, mas descansei sim. — Sorri. —
Obrigada por ter me acolhido.
— Não precisa agradecer. E pode ficar o tempo que precisar.
— Tenho de resolver algumas coisas, olhar um lugar novo para
morar. Não vou ficar aqui te incomodando por muito tempo. — Fiz
uma pausa, pensativa. — Mas é muito bom saber que tenho com
quem contar. — Envolvi Carina e Manu em um abraço. — Coisinha
fofa! — Apertei suas bochechinhas rosadas, assim que as desprendi
de meus braços.
— Vamos tomar um café? — chamou animada, encaminhando-se
para a cozinha.
— Claro. Acordei com fome. Cadê o Matheus? — Segui Carina,
olhando ao meu redor. Aquela casa era realmente linda!
— Já saiu para trabalhar.
— Estou pensando em ir até a clínica falar com a Rita. Ela já me
ligou algumas vezes perguntando quando voltarei.
— Sente aí, amiga. — Apontou uma cadeira, enquanto prendia a
filha no carrinho de bebê. — Mas você está pensando em voltar a
trabalhar? — Olhou-me preocupada e confusa. — O médico não te
mandou descansar?
— Mandou sim. — Sentei e me servi de suco de laranja, que
estava sobre a mesa. — E quanto a voltar a trabalhar... — Respirei
fundo para falar em voz alta a decisão que eu já tinha tomado. —
Não vou voltar.
— Ah, ainda bem! — Carina levantou os braços, gesticulando
exagerada.
— Você não está entendendo...
— Entendi sim, criou juízo e resolveu seguir as ordens médicas. —
Franziu o cenho, unindo as sobrancelhas, olhando-me confusa. —
Não é isso?
— Sim, porém não é só isso. Estou querendo dizer que vou sair da
clínica. Parar com a fisioterapia por enquanto. Já não tenho mais
aquela paixão que eu tinha pela profissão.
— Jura? — Arregalou os olhos, perplexa, e sentou à minha frente.
— Juro. Preciso dar um tempo em tudo, para tentar descobrir
coisas de que eu goste de verdade e que me façam feliz. — Bebi um
gole do suco.
— Está certíssima, amiga! — Pousou sua mão sobre a minha.
— Está na hora de eu tomar as rédeas da minha vida.
Ela concordou, e terminamos nosso desjejum.

Depois do café da manhã, fui a pé até a clínica, que ficava a uma


meia hora de caminhada da casa da Carina. Ao chegar, conversei
com a Rita, agradeci pelo tempo que estive lá e pedi minha demissão
Como fazemos escolhas tão erradas em nossas vidas? Como nos
permitimos trabalhar tão excessivamente a ponto de adoecer?
Fui embora sem olhar para trás. Nenhuma lembrança do tempo
que estive ali era verdadeiramente importante para eu querer levar.
Todas poderiam ser apagadas e não fariam falta alguma.
Quando comecei a trabalhar lá, estava empolgada, mas, de
repente, me vi trabalhando horas demais, todos os dias da semana,
inclusive aos sábados. E o pior era que existia um clima de
competitividade horrível. O cansaço extremo e chateações
constantes no trabalho foram sugando aos poucos minha energia e
tirando minha alegria de viver. Algo que eu amava tanto fazer tinha
se tornado um verdadeiro tormento. Chegou a um ponto em que eu
nem me reconhecia mais. Não era nem a sombra da mulher doce,
alegre, forte, decidida e determinada que eu fora.
Às vezes, quando alguns pontos finais não são simples opções,
mas necessidade, é preciso coragem para colocá-los, por mais difícil
que seja, para que possamos mudar o rumo de nossas vidas e
voltarmos a ser nós mesmos.
Pelo caminho, eu inspirava e expirava lenta e profundamente,
sentindo uma alegria invadir minha alma, e fui em paz, com a certeza
de que tinha tomado a decisão mais acertada que poderia. Eu ainda
teria algumas coisas para resolver, como analisar bem minha conta
bancária e meus gastos para ver como conseguiria me manter, mas,
naquele momento, não queria pensar nisso.
Chega de preocupações por hoje. Ao menos por hoje. Procurei
manter a mente livre de coisas ruins.

Dormi mais uma noite na casa da minha amiga, mas não dava
para ficar por lá. Ela tinha sua vida, marido e filha. Acordei decidida a
encontrar outro lugar para ficar. Foi então que me lembrei de um ex-
paciente, que era dono de um hotel simples na cidade. Liguei para
ele e expliquei minha situação. Gentilmente, acabou me dando um
baita de um desconto, então resolvi que iria naquele mesmo dia.
— Cacá, vou ficar num hotel por enquanto. Obrigada por ter me
recebido aqui — agradeci enquanto tomávamos o café da manhã, no
dia seguinte.
— Ah, não! Mas por quê? Eu te disse que poderia ficar o tempo
que quisesse... — reclamou chateada.
— Ai, amiga, preciso ficar sozinha por um tempo, para poder
refletir melhor sobre tudo o que está acontecendo. — Segurei a mão
dela na minha e sorri carinhosa.
— Tudo bem, então... — Fez beicinho e depois sorriu. — Mas
pode voltar quando quiser e me ligue sempre que precisar conversar.
— Obrigada. Você é a melhor amiga do mundo!
Sorrimos uma para a outra, cúmplices.

Os dias se passaram. Eu estava instalada no hotel do meu ex-


paciente. Falava diariamente com Carina ao telefone e com os meus
pais, que insistiam que eu voltasse para a fazenda. Ainda não sabia
que rumo daria para a minha vida e aquilo me preocupava, tanto que
tinha sido o tema da minha última sessão de psicoterapia.
Depois de alguns dias no hotel, Bruno, que continuou morando em
nosso antigo apartamento, mandou uma mensagem no meu celular
dizendo que eu poderia ir buscar minhas coisas, que ainda tinham
ficado por lá, quando quisesse. Depois que terminamos, aquela era a
primeira mensagem que eu recebia dele. Respondi combinando de
voltar para pegá-las quando ele não estivesse.
No dia combinado, fui até lá. Levei algumas caixas para facilitar
minha mudança pessoal. Ao destrancar a porta e entrar, e olhar para
aquele apartamento tão lindo, decorado em tons de amarelo e
marrom, para nossa mesa de jantar redonda de tampo de vidro, com
um pequeno e charmoso lustre de cristal sobre ela, e para a sala de
TV, bem ao lado, com aquele sofá marrom de veludo, onde tantas
vezes nos deitamos, assistimos a filmes, conversamos e até nos
amamos, eu poderia ter sentido arrependimento ou até chorado, mas
não.
Não senti nada além de uma angústia sobre a incerteza em
relação ao meu futuro, porque, de certa forma, Bruno era meu apoio
e minha segurança. Percebi que ainda havia fotos nossas em porta-
retratos pela sala e parei para olhar. Aquelas lembranças de um
tempo bom fizeram um sorriso brotar em meus lábios. Peguei o
porta-retratos e beijei a foto, despedindo-me daquele casal que um
dia se amou. E, secretamente, desejei que fôssemos felizes, cada
qual com seu caminho.
Encaixotei minhas coisas e saí. Antes de ir embora, passei a
chave debaixo da porta. Um táxi me aguardava. Era assim que
deveria ser. Mais um ponto final necessário, sem remorsos.

— Como você está se sentindo hoje? Como foram esses dias? —


perguntou Fernanda, na semana seguinte, assim que sentei naquele
divã azul de veludo, que já tinha se tornado um velho conhecido meu
de tantas vezes que estive ali.
— Forte. — Esfreguei as mãos, enquanto olhava para os olhos
âmbar dela, atrás dos óculos, sempre complacentes.
— Muito bem. Quer falar mais sobre isso? — perguntou com seu
habitual tom calmo de voz, e, então, contei que havia saído da clínica
e terminado com Bruno, e que estava temporariamente em um hotel,
mas já olhando outros lugares para morar. Falei ainda sobre minha
angústia a respeito de como seria minha vida dali para frente e,
quando Fernanda disse que a sessão chegara ao fim, dei-me conta
de que nem vi a hora passar.
É isso aí, Rafaela! Parabéns pelo progresso! Sorri assim que entrei
no carro, colocando as duas mãos sobre o volante, sentindo-me
confiante. Depois de muitos dias sem dirigir, aquela era a primeira
vez que eu tinha saído de carro e não fiquei apavorada, nem com
medo de provocar um acidente. Aos poucos, minha vida ia voltando
à normalidade.
Capítulo Cinco
De volta às origens
“Um pouco de proteção e afeto genuíno podem ser tudo
que precisamos, em momentos de incertezas.”
Assim que entrei no carro, liguei para Carina.
— Oi, Rafa! — atendeu alegre.
— Oi, amiga! Como vai? — Parada em frente à recepção do prédio
onde ficava o consultório da Fernanda, falei ao telefone.
— Eu vou bem, e você?
— Estou bem... Na verdade, ligando para te fazer um convite. Está
ocupada agora?
Desde que a Manuela nasceu, Cacá parara de trabalhar. Ela
queria poder curtir a filha, e Matheus a apoiou em sua decisão. Mais
à frente, voltaria a se preocupar com a carreira. Era o que costumava
me dizer. Então, imaginei que talvez conseguisse me acompanhar na
busca por um imóvel.
— Quer sair comigo para ver alguns apartamentos?
— Ah, amiga, vou adorar! Estou precisando mesmo sair um pouco.
Tem horas que essa vida de dona de casa e mãe cansa. Vou arrumar
a Manu e a deixarei na minha sogra, daí poderemos ter um tempinho
só para nós duas. — Fiquei empolgada com a sua animação. —
Daqui a pouco, passo no hotel para te pegar.
Agradeci, e nos despedimos. Então, desliguei o celular, dei a
partida no carro e fui até o meu hotel.
Pouco depois que cheguei, o telefone do meu quarto tocou. Era da
recepção, avisando que a Carina estava à minha espera. Dei uma
olhada no espelho para verificar se estava apresentável. Satisfeita
com minha imagem, saí do quarto, tranquei a porta e me dirigi à
recepção.
— Oi, amiga linda! — cumprimentei-a com um beijo no rosto e um
abraço apertado.
— Oi, meu amor! Que bom te ver assim. — Afastou-se um
pouquinho para me analisar. — Parece mesmo bem — concluiu
contente, fazendo-me sorrir.
— Estou melhor sim. A cada dia que passa, vou me sentindo mais
forte. Ainda choro, amiga, mas sei que estou fazendo as escolhas
necessárias.
Mexi nos cabelos dela, ajeitando-os atrás de suas orelhas,
enquanto me perdia na imensidão do carinho verde-esmeralda de
seus olhos.
— Sei que vai conseguir superar tudo isso. — Segurou minha mão
livre entre as suas. — Agora, vamos! — chamou, empolgada. —
Vamos no meu carro, ele está aqui na porta. — Puxou-me em
direção à saída.
Concordei e a segui.
— Aqui, amiga. — Apontou para seu carro, destrancando-o. —
Entra aí.
Assim que entramos naquele BMW branco e lindo, ela questionou,
enquanto ligava o som e colocava Beyoncé para tocar:
— Para onde vamos?
Dei o endereço para ela, que o jogou no GPS.
— É relativamente perto daqui. — Sorriu, enquanto conferia o
mapa.
Seguimos o caminho conversando amenidades. Poucos minutos
depois, parávamos em frente ao prédio.
— É aqui! — concluiu animada, desligando o carro.
Desci e olhei para o prédio. Era bonito, apesar de um pouco
antigo. Mesmo que fosse praticamente no centro da cidade, a rua
não era tão movimentada.
Eu havia visto o apartamento em um site de uma imobiliária. A
chave estava disponível para mim na recepção. Gostei do lugar. Era
bem pequeno, um “quarto e sala”, mas estava mobiliado e tinha tudo
de que eu necessitaria. Além do mais, gostei do fato do prédio ter
uma academia, que ficava aberta vinte e quatro horas por dia.
Precisava iniciar logo alguma atividade física, como o médico
recomendara, pois me ajudaria a descansar a mente e relaxar. Além
de tudo, o preço pedido era razoável. O corretor explicara que o
aluguel estava barato porque o apartamento precisava de uma
reforma. O prédio havia passado recentemente por uma reforma, e
muitos proprietários aproveitaram a oportunidade para modernizar
seus imóveis, mas contou que o dono daquele que eu estava
visitando não teve condições na época.
— Gostei daqui. O que acha? — Virei-me para Carina, depois de
olhar ao meu redor. Ela já tinha aberto cada porta de armário e
analisado cada cantinho daquele lugar.
— É. Acho que serve — deu-me seu parecer acompanhado de
uma piscadinha. — É pequeno, mas já olhei bem e tem tudo o que
possa precisar. E o prédio me parece seguro; apesar de antigo, a
localização é boa e o preço pedido está ótimo. — Sorriu satisfeita.
— Então, é esse! Vou ligar para o corretor. Obrigada por ter vindo.
Eu te amo! — Agarrei-me ao seu pescoço e a enchi de beijos.
— Eca! — resmungou, limpando minha saliva em suas bochechas
com uma falsa cara de nojo, fazendo-me rir. — Eu também te amo,
Rafa, só que não precisa me encher de baba! — Revirou os olhos,
rindo em seguida.
— Espera um minutinho, antes de irmos, para eu ligar para o
corretor?
— Claro!
— Obrigada. Torce os dedos aí para dar certo. — Abri minha bolsa
à procura de meu celular.
— Na torcida! — Levantou as mãos para me mostrar os dedos
cruzados em sinal de pedido de sorte.
Assim que o corretor atendeu, identifiquei-me e disse que queria
ficar com o apartamento, se estivesse tudo certo. Ele pediu alguns
instantes para checar no sistema deles. Aguardei na linha, andando
de um lado para o outro. Carina não desgrudava os olhos de mim;
parecia aflita. Poucos minutos depois, o corretor voltou a falar
comigo e explicou que eu poderia, sim, alugar o imóvel, mas que, por
conta das burocracias da imobiliária, ele só estaria disponível dentro
de uma semana. Sem ter o que fazer quanto àquilo, respondi que
aguardaria. Então, ele pediu que comparecesse à imobiliária para
assinar a documentação.
— Deu certo! — contei eufórica, assim que desliguei.
— Que ótimo, amiga. Fico feliz por você! — Carina me puxou para
um abraço. — Quando se muda?
— Vou ter de esperar uma semana. — Dei mais um abraço nela e
guardei o celular na bolsa. — Já podemos ir. Obrigada por ter vindo
comigo.
— Não precisa agradecer.
Quando saímos de lá, fomos até uma cafeteria onde fizemos um
lanche e ficamos jogando conversa fora.
— E o Bruno, Rafa, não te procurou? — Seus olhos me fitavam,
curiosos.
— Não. Nosso único contato, depois que saí de casa foi a
mensagem dele dizendo que eu poderia buscar minhas coisas
quando quisesse. — Tomei um gole do meu café.
— E como está sendo isso pra você? Hora nenhuma se
arrependeu?
— Não, Cacá. Eu já não amava o Bruno. — Sustentei seu olhar no
meu. — É esquisito estar sozinha, depois de tantos anos com
alguém. De repente, minha vida virou um turbilhão de mudanças,
mas espero conseguir encontrar meu rumo, tanto para o lado
pessoal quanto profissional.
— Vai encontrar, amiga. — Segurou minha mão, carinhosa.
Depois de passarmos algumas horinhas juntas, voltamos para o
hotel. Carina só me deixou na porta e foi embora.

Entrei e fiquei pensando no que eu poderia fazer nos próximos


dias. Ela, Matheus e Manuela iriam viajar no final de semana para a
casa de uns parentes dele, então eu não teria companhia.
Quando resolvem parar com tudo o que estão fazendo e dar um
tempo na vida, muitas pessoas aproveitam para viajar. Bem, eu não
tinha dinheiro para me sustentar por um longo tempo sem trabalhar e
ainda gastar em viagens. Isso estava fora de cogitação. O mais
longe que eu conseguiria ir, provavelmente, seria até minha cidade
natal visitar meus pais; na verdade. Eu já estava morrendo de
saudades deles e de meus irmãos.
Naquela noite, fiquei revirando na cama, enquanto refletia sobre
minhas decisões. No dia seguinte, acordei tarde. Antes de ir tomar o
café, liguei para a minha mãe.
— Oi, filha. Como você está? — Sua voz doce encheu meu
coração de ternura e saudades.
— Bem, mãezinha. Estou querendo ir para aí hoje.
— Que ótimo! Venha, sim, filha! — Sua voz soou animada.
— Não vou incomodar? — Roí um cantinho da unha, preocupada.
— Deixa de bobeira, menina! — ralhou comigo. — Você nunca
incomoda, filha. — Sua voz mudou subitamente para um tom suave.
— A que horas deve chegar?
— Acredito que, saindo daqui agora, chegarei para o almoço.
— Então, vou preparar uma de suas comidas preferidas e
estaremos te esperando.
— Até daqui a pouco, mãe. Te amo!
Desliguei o telefone me sentindo animada. Desci para o desjejum,
antes de organizar minhas coisas para sair do hotel.
Enquanto comia, senti certo nervosismo, ao pensar em dirigir na
estrada. No entanto, enfrentar nossos medos de frente nos fortalece.
Ter coragem não significa não ter medo, e, sim, agir apesar dele.
Depois do café, voltei para o quarto para pegar minhas coisas.
Com tudo arrumado, fui até a recepção, fiz check-out e saí. Antes de
pegar a estrada, passei na imobiliária para assinar a papelada do
contrato de aluguel. Lá foi tudo bem rápido, então, em pouco mais de
meia hora, eu iniciava minha viagem.
Dirigir na rodovia era mais um desafio em minha vida, mas
consegui enfrentá-lo com calma, e a viagem de duzentos quilômetros
foi bastante agradável e tranquila.

Ao chegar à fazenda, buzinei escandalosamente, anunciando que


estava ali. Meus pais moravam na zona rural bem pertinho da
cidadezinha onde nasci, que ficava a dez quilômetros. Eles gostavam
da tranquilidade do campo e de cultivar a terra, então nunca
quiseram sair de lá.
Em instantes, avistei minha mãe correndo em minha direção.
— Oi, filha! Como você está linda! — mamãe cumprimentou,
estendendo-me as mãos. — Estou preocupada com você, meu bebê!
— Oi, mãe! Que saudade! — Envolvi-a em um abraço apertado. —
Deixe-me olhá-la melhor — pedi, afastando nossos rostos. — A
senhora também está linda! — concluí, e me aproximei outra vez
para beijar sua face. — Senti tantas saudades, mãe, tanta falta do
seu colo... — Meus olhos marejaram.
— Vamos entrar! — Enxugou meu rosto com suas mãos. — Não
gosto de te ver tristinha — concluiu, encarando-me preocupada. —
Seu pai já está vindo e ajudará você a trazer suas malas. — Ela me
fez rir, pois “minhas malas” se resumiam a uma pequena bagagem
de mão e minha mochila com meu notebook que eu mesma poderia
muito bem carregar a pé por quilômetros de distância, se fosse
necessário, e a casa estava a poucos metros do carro, já que o
restante das minhas coisas encaixotadas eu as deixaria dentro do
carro mesmo até o dia de me mudar para o apartamento que
alugara. Mas não quis desagradá-la e apenas concordei,
encaminhando-me de braço dado com ela em direção à porta de
entrada.
A casa deles era uma típica construção de fazenda, com uma
cerca baixa de madeira na frente, varanda grande ao redor, com
detalhes em tijolinhos à vista. Na varanda, ficavam algumas cadeiras
velhas de balanço, um banco de madeira e duas redes penduradas
entre pilastras.
— Hum... Que cheirinho gostoso de café! — Inalei o aroma no ar
assim que entramos.
— Preparei um lanche especial para esperá-la, meu bem —
mamãe disse feliz, e, em seguida, meu pai entrou pela porta da
cozinha, com a roupa suja de terra e um chapéu na cabeça.
— Minha filha, que saudade! — Gesticulou, abrindo os braços,
caminhando em minha direção, e, assim que ele me abraçou,
desabei.
— Eu também estava com muita saudade, pai. — Entre lágrimas e
soluços, abracei-o carinhosamente e me lembrei de tantas vezes que
aqueles braços foram tudo o que necessitava para me sentir
protegida.
Um pouco de proteção e afeto genuíno podem ser tudo que
precisamos, em momentos de incertezas.
— Não chora, minha florzinha! — Afastou-se de mim, olhando-me
sério, meio sem jeito, parecendo não saber o que fazer frente a
tantas lágrimas. — Vou pegar sua mala e já volto! Vá sentando e
coma, minha querida. Você está muito magrinha! — Em seguida, ele
saiu apressadamente, deixando-me na companhia da minha mãe.
“Coitado! Ele não sabe muito bem como lidar com minhas
emoções”, pensei, ao vê-lo se afastar. Apesar de sempre ter sido um
ótimo pai, era um homem rústico, quase um bicho do mato. E,
quanto ao “magrinha”, mesmo se eu pesasse cem quilos, para o meu
pai ainda assim estaria magra e precisando comer.
Sentei em um banco de madeira grande que ficava de frente a
uma mesa retangular igualmente comprida, que meus pais tinham há
décadas no mesmo lugarzinho naquela cozinha. Respirei fundo,
enquanto minha mãe me servia o café recém-passado em uma
xícara bonita e antiga de porcelana que eles ganharam de presente
de casamento.
— Minha filha, me explica melhor. Que história é essa de largar
tudo o que estava fazendo para dar um tempo na vida? Estou
preocupada com você. — Sentou no banco à minha frente, séria,
franzindo a testa.
— Não fica preocupada assim não, mãezinha. Eu não estava feliz,
além de muito cansada e estressada. Fui obrigada a parar. O médico
mesmo recomendou que eu desacelerasse e tentasse procurar
coisas que me fizessem feliz. — Segurei as mãos dela.
— Como você acha que não vou me preocupar, filha? — Apertou
seus dedos nos meus.
— Mãe, eu acabei tomando decisões erradas ao longo dos anos
que terminaram por tirar minha alegria e minha saúde. Estava num
ritmo louco de trabalho. Aquilo não poderia mesmo ser normal. Mas,
como lhe disse ao telefone, estou fazendo terapia, tenho descansado
bastante e procurado relaxar, e estou tomando as medicações que o
psiquiatra passou.
— E como está de verdade, meu amor? — sua voz abrandou.
— Tenho me sentido melhor, mas é claro que estou angustiada...
— Fiz uma pausa, emocionada. — Mas não dava para fazer de conta
que eu não sabia os motivos da minha aflição e de ter adoecido,
porque isso é uma doença, mãe, tem até um nome todo invocado —
tentei fazer graça, mesmo triste com as lembranças dos últimos dias.
— Não dava para continuar levando uma vida infeliz, mãe... — Olhei
para ela, enxugando com as mãos algumas lágrimas que teimavam
em cair, todavia tentei acalmá-la, colocando um sorriso forçado no
rosto.
— Está bem, minha filha. Não quero aborrecê-la, só fico
preocupada. Como você vai se sustentar sem trabalhar? —
Estendeu de novo sua mão para pegar a minha.
— Eu tenho um dinheiro guardado, dará para me manter. E não
pretendo ficar sem fazer nada. Só preciso encontrar algo de que eu
realmente goste, que não exija tanto de mim a ponto de me deixar
doente e que me faça feliz. — Entrelacei meus dedos nos dela, e,
naquele momento, meu pai entrou com minha bagagem.
— Tudo bem por aqui? — Olhou para nós duas, desconfiado,
deixando minha bolsa em um canto do chão e tirando o chapéu para
coçar a cabeça.
— Está sim, paizinho. Deixa isso aí que daqui a pouco levo para o
quarto. Venha sentar com a gente. — Bati de leve a mão no banco
apontando o meu lado.
— Tem certeza de que não quer descer aquelas caixas que estão
no carro? — Veio em minha direção.
— Tenho sim. — Sorri, enquanto ele se abaixava para me beijar a
face.
Meu pai se sentou, e nós três ficamos conversando sobre o tempo
e sobre meus irmãos.
Minha irmã caçula casou-se bem nova e morava na cidade, onde
trabalhava como professora; e meu irmão, o mais velho dos três,
comprou um pedaço de terra próximo à fazenda do meu pai e
morava lá com sua esposa e dois filhos. Eles plantavam café e milho
e vendiam para uma cooperativa na cidade.
Fui a única da família que quis estudar mais e decidiu mudar para
a cidade grande. Adorava a vida no campo, amava minha família,
contudo sentia que não pertencia àquele lugar. Na verdade, ainda
não tinha encontrado um local para pertencer, e isso era algo que
ainda procurava, dentre tantas outras coisas.
Depois do café, pedi a meu pai para arriar um cavalo para mim e
fui dar um passeio pela fazenda. Fazia muito tempo que não andava
a cavalo, mas não perdi o jeito. Como andar de bicicleta, é dessas
coisas que a gente aprende e nunca esquece. O dia estava
ensolarado. Galopei um pouco, deixando o trote relaxar minha
mente, enquanto o vento soprava meus cabelos. Parei à beira de um
riacho para me refrescar. Apeei do animal, prendendo as rédeas num
tronco de árvore, para que não fugisse. Tirei as botas velhas, que
tinha encontrado no meu antigo quarto, e sentei à beira do rio,
colocando os pés na água. Fiquei ali admirando a paisagem e
pensando na vida. Aquela tranquilidade me trouxe paz. Senti que,
por mais difícil que fosse minha caminhada dali em diante, seria forte
o suficiente para enfrentar o que fosse preciso.
Eu já tinha sido tão batalhadora... isso estava dentro de mim. Ver
de onde eu saí e tudo o que conquistara com meu esforço –
faculdade, trabalho, meu carro, o dinheiro que tinha guardado –
fizera-me compreender que seria capaz de superar tudo o que
estava passando.
Depois de descansar por algum tempo, sequei meus pés em uma
toalha que estava sobre o arreio, calcei as botas, subi no cavalo e
galopei de volta à casa dos meus pais.

— Mãããããe! — Entrei gritando por ela, que veio correndo ao meu


encontro enxugando as mãos em um avental, então me dei conta de
que devia tê-la assustado.
— O que foi, minha filha? — perguntou, aflita.
— Desculpa, não queria assustá-la! — Sentei para tirar minhas
botas, com remorso por tê-la preocupado. — Só estou precisando de
um banho. A senhora me empresta uma toalha limpa?
— Claro, filha! — Ela foi até seu quarto buscar uma para mim.
Assim que me entregou, corri para o banheiro, pulando que nem uma
moleca, fazendo minha mãe rir.
Tomei um banho demorado, deixando a água morna relaxar cada
músculo do meu corpo e, ao pensar em minha vida e repassar os
últimos acontecimentos mentalmente, senti-me mais forte. Depois do
banho, vesti um vestidinho velho que nem me lembrava mais que
tinha, mas estava no guarda-roupa do quarto que um dia fora meu,
deixei os cabelos molhados soltos e passei um gloss labial. Sorri
para minha imagem refletida no espelho e saí do quarto.
— Você ficava linda neste vestido e ainda fica — meu pai falou
assim que me viu, quando entrei na sala. — Venha cá, minha
garotinha! — Estendeu-me a mão, como fazia quando eu era
criança.
Agradeci e sentei em seu colo, onde fiquei assistindo um pouco de
novela com ele e minha mãe.
— Filha, tem certeza de que não quer voltar para casa? — Papai,
franzindo o cenho, fez cafuné em meus cabelos e imaginei o quanto
deve ter sido difícil para ele me fazer aquela pergunta.
— Tenho, pai. — Esbocei um sorriso, pensativa. — Amo vocês,
mas aqui não é mais meu lugar. Estou em busca de mim mesma e
terei que fazer isso sozinha. — Beijei o rosto dele, que apenas
assentiu meneando a cabeça, ainda visivelmente preocupado.
Ficamos conversando até que o sono bateu e decidi ir me deitar.
— Boa noite, meus amores! — despedi-me deles com beijos em
suas faces e fui para o meu quarto.

Deitei-me em minha cama e fiquei encarando o teto.


Quando foi que tudo mudou? Como podemos desejar tanto algo,
conquistar com luta e depois perceber que não era nada daquilo?
Fiquei me lembrando da época do vestibular, dos dias e noites
estudando que nem uma louca, da alegria de ser aprovada para uma
Faculdade Federal, da felicidade que senti quando Rita me convidou
para trabalhar na clínica dela. Era difícil identificar o exato momento
que parei de fazer tudo por prazer e meu trabalho se tornou apenas
uma obrigação, meu ganha-pão, deixando de ser meu sonho para se
tornar meu pior pesadelo.
Preciso voltar a sonhar.

No dia seguinte, acordei me sentindo bem-disposta.


— Bom dia, mãe! Bom dia, pai! — cumprimentei os dois, enquanto
entrava na cozinha.
— Bom dia, minha filha! — responderam em coro.
— Dormiu bem? Conseguiu descansar? — Mamãe quis saber.
— Dormi sim. Estou me sentindo descansada e bem-disposta. —
Sentei ao seu lado.
— Que bom que descansou, minha filha! Agora vamos comer. —
Ela me serviu um copo de leite com café.
— Estou querendo ir à cidade hoje. Será que a Marcela estará em
casa? — perguntei e mordi um pedaço de biscoito de polvilho
delicioso que minha mãe fizera.
— Ela trabalha só de manhã, filha. Vá na parte da tarde que você
encontrará com sua irmã. Aceita um pedaço de queijo fresco?
— Aceito sim, obrigada. — Peguei uma fatia, que me ofereceu. —
Então, agora de manhã, vou visitar o Augusto e depois do almoço irei
até a cidade. — Comi um pedaço do queijo, que estava uma delícia.
— Seu irmão vai adorar vê-la, meu amor! — Papai levantou e
pegou seu chapéu para sair. — A uma hora dessas, com certeza ele
deve estar em casa — concluiu, sorridente.
— Vou só terminar meu café e já vou então, pai! — falei com a
boca cheia, fazendo minha mãe ralhar comigo, o que me fez rir.
Terminei meu café da manhã, escovei os dentes e saí.

Fui de carro. A estrada entre as duas fazendas era de terra, mas


estava boa e o trajeto era relativamente curto. Liguei o som do carro
e saí cantarolando alegremente “A hora é agora”, de Jorge e Mateus.
♪♫ Oooh ooh ooh, na na na na na na
Aumente o som pra ficar bom
a nossa festa não tem hora pra acabar
o teu sorriso abre as portas do paraíso
vem comigo pra gente dançar
a melhor hora sempre é agora
e o melhor lugar é sempre onde você está...♪♫

Em pouco tempo, cheguei lá.


— Augusto! — gritei ao descer do carro, e logo ele apareceu à
porta. Sempre achei linda a casa dele, com sua fachada bege, em
detalhes de porcelanato escuro imitando madeira, uma casa de ares
modernos para o meio rural.
— Quem é vivo sempre aparece! — Sorriu contente em me ver,
vindo com os braços abertos em minha direção.
— Ah, nem faz tanto tempo assim. Vem cá e me dá um abraço! —
Puxei-o de encontro a mim. — Cadê todo mundo? — Olhei ao meu
redor enquanto entrávamos na casa dele, em sua sala enorme, mas
sem muitos móveis. Apenas um sofá gigantesco em “L” e uma
estante toda de madeira do chão ao teto em frente a ele compunham
o ambiente. O móvel planejado ostentava um aparelho de TV de
cinquenta polegadas.
— A Roberta foi até a cidade levar as crianças para a escola. Entre
e sente aí! — Apontou o sofá. — Aceita um café? — ofereceu ainda
de pé, enquanto eu sentava.
— Não. Obrigada. Acabei de comer. Senta aqui do meu lado!
Vamos conversar. — Estendi minha mão para ele. — Como estão as
coisas por aqui?
— Estão bem. Os meninos cada dia maiores! É muito emocionante
ver o desenvolvimento deles.
— Tenho tantas saudades... — Dei um sorriso pesaroso.
— Você bem que poderia vir mais aqui, né?
— Prometo que vou passar a vir sim.
Trocamos olhares cheios de carinho.
— E você e a Roberta? Está tudo bem com vocês?
— Está sim. Roberta é minha companheira pra tudo. A gente se
entende, ela me apoia e abraçou a causa da fazenda junto a mim.
Não teria dado certo se não fosse desse jeito. — Seus olhos
brilhavam ao falar da esposa.
— Fico feliz. Desejo encontrar um amor assim.
— Ainda não foi o Bruno, né? — perguntou meio sem jeito.
— Não, irmão, ainda não era ele. Mas eu acredito no amor, sabe?
— Arqueei uma sobrancelha, divertida.
— Ah, sei sim! — Sorriu abertamente. — Você sempre foi uma
romântica sonhadora.
Seu comentário fez com que gargalhássemos. Naquele instante,
lembrei-me da minha infância e adolescência. Eu era muito
romântica e sonhadora mesmo. Recordei de algumas poesias que
escrevi. Fazia tanto tempo, que aquelas recordações haviam se
perdido.
Estar com meu irmão me fez ter saudades de quando éramos
crianças e morávamos todos juntos.
Enquanto ele falava, eu o observava. Augusto havia se tornado um
homem incrível. Além de muito bonito – moreno, cabelos e olhos
castanhos, uma barba charmosa por fazer, alto, magro, mas forte,
com braços com músculos definidos devido ao trabalho pesado no
campo –, ele era muito seguro de si e feliz pela vida que escolhera.
Após algum tempo de conversa, despedi-me dele com lágrimas nos
olhos e pensativa sobre minha própria vida.
— Ainda vou ficar uns dias por aqui! Se tiver tempo, leve as
crianças para eu ver lá na casa do pai — falei, enquanto entrava no
carro. — Amo você, irmão! — gritei após dar a partida na ignição. Ele
sorriu, e eu saí.
Na volta, liguei o som do carro, sintonizando a rádio local. Tocava
“Trem bala”, da Ana Vilela.
♪♫ Não é sobre chegar no topo do mundo e saber
que venceu
É sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu
É sobre ter abrigo e também ter morada em outros corações
E assim ter amigos contigo em todas as situações... ♪♫

Aquela letra linda me fez refletir ainda mais sobre a vida e as


escolhas que fazemos. Sobre o que verdadeiramente importa.

Assim que cheguei à casa dos meus pais, já da porta senti o


cheirinho do almoço. Eles tinham o costume de almoçar cedo.
— Mãe, cheguei! — gritei ao entrar.
— Já estamos na cozinha, filha. Venha, vamos almoçar! — gritou
de volta.
Comemos os três juntos.
— Como foi a conversa com seu irmão? — Mamãe me olhava
enquanto se servia de macarronada.
— Foi ótima. Estava com tantas saudades, e ele continua daquele
jeito fofo de sempre. — Sorri, enquanto enchia meu copo de suco de
limão.
— Ah, seu irmão sempre foi muito amoroso mesmo. Tenho sorte
de ele morar aqui pertinho. — Dava para sentir o orgulho dela em
seu olhar e sua voz.
— Vai na cidade à tarde? — perguntou meu pai.
— Vou sim, quero me encontrar com a Marcela.
— Você precisa vir mais aqui, filha. — Ele me fitou meio sem jeito.
— Eu virei, paizinho. Prometi isso agorinha para o Augusto. —
Segurei sua mão, acariciando-a.
Logo após o almoço, saí novamente para ir até a cidade ver minha
irmã.

— Marceeela! — gritei, enquanto tocava a campainha da casa


dela, que tinha um portão baixo de grade na frente, que ficava
sempre destrancado.
Nenhuma residência da cidade tinha interfone. Todas ainda
possuíam campainha e muitas pessoas tinham o hábito de deixar
suas portas abertas. Parecia que o lugar havia parado no tempo.
Todo mundo se conhecia, e nunca se ouviu falar de casos de assalto
ou violência. As crianças brincavam nas ruas, e os carros andavam
devagar.
— Rafaela, que saudade! — gritou ela, enquanto corria em minha
direção e pulou sobre mim, agarrando-se ao meu pescoço, quase me
derrubando ao chão.
— Ei, que saudade! Mas assim você me derruba — resmunguei,
tentando me equilibrar. — Não tem mais cinco anos de idade,
mocinha! Não consigo te segurar sobre mim — brinquei, apertando o
nariz dela.
— Você está linda, irmã! — Afastou-se para me olhar de cima a
baixo.
— Obrigada! Você também está linda! — retribuí o elogio,
observando que minha irmã estava mesmo muito bem.
Marcela sempre fora muito bonita, magra, mas tinha um corpo bem
feito, os cabelos castanho-claros lisos, compridos e brilhantes. Os
olhos cor de mel eram os mais claros da família, e o sorriso, sempre
largo no rosto, deixava-a ainda mais bonita.
— Venha, vamos entrar! — Puxou-me pela mão.
— Como estão as coisas por aqui, irmã? — perguntei, enquanto
entrava na sala, que era pequena, mas tinha uma mobília bonita em
tons de madeira clara e um sofá bege, e a forma como os móveis
ficavam dispostos deixava o ambiente muito aconchegante.
— Estão bem. Sente-se! — Apontou o sofá. — Continuo dando
aulas e, como já te falei outras vezes, adoro a turminha para a qual
estou lecionando, e o José continua na cooperativa, trabalhando na
parte da administração. E com você, como andam as coisas?
Terminou mesmo com Bruno? E que história é essa de largar tudo,
irmã? — encheu-me de perguntas, cruzando as pernas e apoiando o
cotovelo no joelho e a mão no queixo, aproximando-se de mim,
interessada nas respostas.
— Acabou tudo mesmo, irmã. Não estávamos felizes, andávamos
discutindo muito, eu já não o amava mais. Estava tão cansada de
tudo... — Fiz uma pausa, e aqueles olhinhos lindos me olhavam com
ternura e preocupação. — E, quanto ao meu emprego, você sabe,
né? Eu realmente não estava feliz, além de me matando de
trabalhar. Foi isso que me adoeceu. — Desviei meu olhar do dela,
sentindo-me um pouco angustiada.
— Calma, Rafa! Vai dar tudo certo, irmã. Tenho certeza! — Pegou
minha mão entre as dela. — Já decidiu o que vai fazer?
— Ainda não. Estou numa fase de tentar ajeitar as coisas primeiro,
para depois recomeçar a fazer planos. Meu objetivo por esses dias é
conseguir descansar, relaxar e distrair a mente. — Apertei minha
mão na dela. — Mas aluguei um apartamento, semana que vem já
me mudo.
— Ah, que coisa boa! E como ele é? Onde fica? — mudou
rapidamente o tom de preocupação da voz para empolgação.
— Fica bem próximo ao centro. O lugar é ótimo! O prédio é antigo,
o apartamento é pequenininho e está precisando de reforma, mas
está mobiliado, o que facilita minha vida, e o preço pedido estava
muito bom, coube bem em meu orçamento. Gostei e já fechei o
negócio logo de cara.
— Por falar em orçamento, irmã, como você vai fazer para pagar
suas contas? — Voltou a me olhar séria e preocupada.
— Bem, eu tenho um dinheiro guardado, e também pretendo
encontrar alguma coisa que eu goste de fazer que me gere alguma
renda, fique tranquila... — respondi, meio sem jeito.
— Ei, me desculpa! — Aproximou-se de mim e me puxou para um
abraço. — Eu não quis te deixar constrangida. Eu te amo, irmã, e te
apoio. Penso que viemos nesta vida para sermos felizes, para
realizar sonhos. Se você não estava feliz, tomou a decisão certa. As
coisas vão se ajeitar! — Ouvi-la falar acalentou meu coração e eu
realmente queria poder acreditar naquelas palavras.
Espero ter tomado decisões certas desta vez.
Ficamos conversando por um tempo e, antes de me despedir, eu a
fiz prometer que iria me visitar.
— Eu já vou indo — despedi-me e a abracei em seguida. — Amo
você!
— Eu também te amo! Se cuida! — disse, enquanto eu entrava no
carro.
Antes de voltar para a fazenda, resolvi dar uma volta pela cidade.
Era nostálgico olhar para tudo, mas, definitivamente, aquele não era
meu lugar.
Será que encontrarei um dia um lugar para chamar de meu?
Capítulo Seis
Em busca de mim mesma
“Em detrimento do trabalho e da carreira profissional, aos
poucos abandonei tudo que mais gostava, até que me
transformei em uma pessoa que já não reconhecia mais.”
Assim que cheguei à fazenda, senti um cheiro gostoso vindo da
cozinha e fui até lá.
— O que está fazendo aí, mãe? — Encostei-me no portal, após
entrar, tentando espiar de longe o fogão.
— Estou assando pão de queijo e um bolo de cenoura. Daqui a
pouco, estará pronto. Está com fome? — Voltou-se para mim, com
um sorriso no rosto, limpando as mãos no avental que usava.
— Não. — Aproximei-me dela para beijar seu rosto. — Só achei o
cheirinho gostoso.
— Como foi o passeio na cidade e a conversa com sua irmã? —
Parou o que estava fazendo por um instante e me olhou com ternura.
— A conversa foi boa. Estava com saudades da Marcela. Ela está
tão linda, né, mãe?
— Está sim. Vivendo a melhor fase da vida, feliz com o trabalho e
com o casamento... Ai, filha, me desculpa por isso — ficou sem jeito
com o próprio comentário, como se a felicidade de minha irmã
pudesse me ofender.
— Não precisa se desculpar. — Enlacei meus braços sobre os
ombros dela. — Fico feliz por minha irmã e também irei encontrar
meu caminho, mãe...
Como será daqui para frente, meu Deus?
Senti uma angústia me invadir, mas fiz de tudo para disfarçar.
— Vai encontrar seu caminho sim, filha — falou, ainda abraçada
comigo.
— Vou para meu quarto descansar um pouco. — Soltei-me dos
braços dela. — Assim que o pão de queijo e o bolo ficarem prontos,
a senhora me avisa?
— Aviso sim!
Beijei sua testa antes de sair da cozinha.
Quando entrei no quarto, vi um baú onde minha mãe guardava
cadernos e coisas da época da escola. Resolvi abri-lo para dar uma
espiadinha. Um sorriso iluminou meu rosto ao pegar uma agenda
velha onde eu costumava escrever poesias. Sentei no chão com ela
nas mãos e me pus a ler aquelas coisas.
Nossa, que lindo!
Emocionada, senti meus olhos marejarem.
Não me lembrava mais que escrevia tão bem!
Folhear aquela agenda me fez recordar como me fazia bem
escrever. Sempre que estava triste ou angustiada com alguma coisa,
corria para o quarto e escrevia. Também o fazia quando me sentia
alegre e empolgada. Poemas, versos, textos, sempre coisas
relacionadas a minhas emoções e sentimentos, e, tantos anos
depois, conseguia finalmente entender a profundidade daquelas
palavras e o sentido que escrever tinha para mim.
— Por que parei de escrever? — perguntei-me em voz alta, sem
conseguir encontrar uma resposta ou mesmo me lembrar de quando
foi que deixara de fazer aquilo.
Acho que escrevi minhas últimas “coisas poéticas” quando entrei
para a faculdade. Depois fiquei sem tempo e acabei deixando esse
meu hábito de lado. Mas não só a escrita ficou para escanteio. Em
detrimento do trabalho e da carreira profissional, aos poucos
abandonei tudo o que mais gostava, até que me transformei em uma
pessoa que já não reconhecia mais.
Fechei a agenda, segurando-a firme em minhas mãos, como se
nela estivesse a resposta que tanto procurava.
— Rafaela, o bolo ficou pronto, vem comer! — mamãe chamou,
batendo de leve na porta do quarto, interrompendo meus
pensamentos.
— Já vou! — gritei de volta. Coloquei a agenda sobre a cama e
saí.
Depois de lancharmos, voltei para o quarto e fiquei encarando
aquela agenda velha.
Vou voltar a escrever. É isso! Eu amava escrever. Vou voltar! Será
que ainda consigo?
Fiquei um pouco atordoada com meus pensamentos e tive um
mal-estar, que me fez ter a impressão de que iria desmaiar. Para
acalmar, comecei a respirar profunda e lentamente e, aos poucos,
voltei a sentir o efeito da oxigenação no cérebro. Então, levantei
devagar e procurei nas gavetas da escrivaninha velha, que ainda
existia no quarto, no mesmo local que ficava quando eu morava ali,
algum papel que pudesse usar. Não encontrando nada, decidi
começar a escrever no meu computador mesmo. Sentei e tentei
buscar inspiração.
Sobre o que escreverei? Tamborilei os dedos na mesa.
— Meu Deus! Isso é mais difícil do que eu imaginava! —
resmunguei diante do nada que havia em minha mente. Nenhuma
ideia, nem umazinha, nada, simplesmente nada.
Que saco! Bufei irritada e decidi deitar um pouco para descansar.
Quando consegui pegar no sono, sonhei com um romance lindo,
algo que não li, nem vi em filme algum. Algo que estava sendo criado
pela minha mente. Acordei enlouquecida e, de um pulo só, saí da
cama, corri para a escrivaninha e me pus a escrever. Escrevi sem
parar, até que o primeiro capítulo estava pronto! Dez páginas de uma
vez, e aquela história já estava completa dentro da minha cabeça. Só
precisava organizar as ideias e transcrevê-las para o computador.
— Pronto, é isso aí! — exclamei contente olhando para aquelas
páginas na tela. — Agora preciso de dedicação para terminar o que
comecei. Dez por cento de inspiração e noventa de transpiração, não
é o que costumam dizer? — Um sorriso surgiu em meu rosto.
Eu estava feliz, sentia-me bem como há muito não sentia. Era isso!
Eu iria aproveitar meu tempo para escrever e quem sabe assim
tentar me reencontrar, buscar em mim aquela Rafaela alegre,
empolgada e apaixonada pela vida que um dia eu fora.
Fechei o notebook e peguei a agenda velha sobre a cama,
abraçando-a apertado contra meu peito, como quem se agarra a
uma tábua de salvação. Coloquei-a de volta na gaveta e saí do
quarto com um sorriso no rosto e paz no coração.
Capítulo Sete
Voltando a viver
“Nenhuma decepção amorosa deve me impedir de tentar
outra vez. Devo me permitir amar de novo, mesmo que meu
coração já tenha sido partido.”
Nos dias seguintes em que fiquei na fazenda, quase não saí do
quarto. Queria escrever, e as ideias não paravam de surgir. Cacá me
mandou mensagens perguntando como estava sendo minha
temporada. Resolvi responder a ela:

“Amiga, por aqui está tudo bem. Estou matando saudades, mas
tenho uma novidade pra te contar. Comecei a escrever um livro!
Hahaha. Depois te explico melhor. E com vocês, como estão as
coisas por aí? Beijos. Te amo!”

Ela visualizou e respondeu imediatamente:

“Como assim um livro? Quero saber tudinho sobre isso. Fique


bem. Beijos. Também te amo. Mande um abraço para seus pais.”

A semana passou rápido, e eu precisava ir embora, pois tinha


terapia. Voltaria para o hotel que estava me servindo
temporariamente de moradia. Além da terapia, tinha retorno com o
psiquiatra.
— Foi muito bom ter você aqui conosco por esses dias, minha
filha! — mamãe falou, abraçando-me enquanto nos despedíamos,
fazendo lágrimas brotarem em meus olhos.
— Eu também achei, mãe. Foi ótimo, estava com saudades de
vocês e de me sentir amada e protegida. Obrigada por tudo. Te amo!
— Apertei-a com carinho em meus braços, segurando-me para não
chorar como uma garotinha indefesa. — Bem que vocês poderiam ir
me visitar, né? — resmunguei, enquanto entrava no carro. Meu pai
tivera que ir até a cidade, então havíamos nos despedido mais cedo.
— Qualquer hora nós vamos sim, filha! — Mamãe tentou segurar o
choro. Toda vez que eu ia até lá era a mesma coisa na hora de nos
despedirmos: ela sempre chorava.
— Ficarei esperando. — Sorri e acenei um tchau pela janela do
carro. Dei partida e saí.
Passei os duzentos quilômetros ouvindo músicas do Luan Santana
e do Jorge e Mateus e pensando na história que estava escrevendo,
empolgadíssima! Já havia escrito quarenta páginas. Distraída com
meus pensamentos, nem vi o tempo passar e, de repente, avistei ao
longe a cidade.

Ao chegar, fui direto para o hotel do meu conhecido, pois precisava


de algum lugar para descansar e almoçar, até que estivesse em meu
apartamento.
— Oi, dona Rafaela. Voltou? — cumprimentou o senhorzinho, que
estava na recepção naquele dia.
— Voltei. Aluguei um apartamento, mas só vão me entregá-lo
daqui dois dias. Posso ficar aqui? — Fiquei envergonhada, pois
sabia que ele acabaria me cobrando bem mais barato que o normal.
— Claro, filha! O hotel está praticamente vazio. Pode usar um dos
quartos, não vou lhe cobrar as diárias, pague apenas pelas
refeições. — Sorriu e segurou minha mão. — Pegue a chave. Você já
sabe por onde ir.
Fiquei muito grata com a gentileza e plantei um beijo estalado na
bochecha daquele senhor de setenta anos tão simpático.
Ele lembra meu avô! Sorri ao olhar para ele enquanto agradecia
mais uma vez.
Entrei no quarto e abri minha mala. Depois retirei meu notebook da
mochila e o coloquei sobre uma mesinha que havia ao lado da cama.
Ao procurar o que vestir, pensei que precisava logo digitar o que
estava em minha cabeça. Então, tomei um banho rápido, pedi um
lanche pelo telefone e, depois de comer, abri meu computador e
continuei a digitar meu romance, que ainda não tinha um título.
Após horas digitando, comecei a sentir o cansaço me dominar e
meus dedos doerem. Só então me dei conta de como já estava
tarde. Salvei meu trabalho, enviei para mim mesma por e-mail, por
segurança, e fui dormir.
Na manhã seguinte, voltei ao psiquiatra, que me encheu de
perguntas e depois me examinou.
— Rafaela, o tratamento está dentro do esperado. — Olhava-me
calmo e sério. — Vamos manter as doses das medicações, está
bem?
— Tudo bem, doutor.
— Depois, à medida que for melhorando, irei reduzir as doses
gradativamente. — Parou de falar um instante para digitar alguma
coisa em seu computador. — Continua fazendo terapia?
— Continuo sim. — Sorri sem mostrar os dentes.
— Ótimo. Mas vou reforçar o que disse antes: mais importante que
os remédios para sua recuperação será sua mudança de estilo de
vida. Não basta descansar, precisa fazer atividade física e procurar
encontrar coisas que a distraiam, que você goste.
— Pode deixar, doutor, já estou tentando fazer isso. Só ainda não
iniciei as atividades físicas.
— Está bem, mocinha, mas não deixe de fazer algum exercício, de
movimentar seu corpo. Assim que começar verá o quanto lhe
ajudará. Até breve.
— Obrigada, doutor. Até breve.
Despedi-me dele e, ao sair do seu consultório, procurei algum
lugar para almoçar e acabei parando em um self-service. Após o
almoço, fui direto para o consultório da Fernanda.
— Como você está, Rafaela? Como passou esses dias? — quis
saber, enquanto me sentava no divã.
— Estou me sentindo feliz, Fernanda! — comecei com um sorriso
no rosto e, diferentemente das outras sessões em que eu passava a
maior parte do tempo nervosa, naquele dia eu estava me sentindo
tranquila e feliz.
— Que bom. Fico contente em ouvir isso. Gostaria de me contar o
motivo de sua felicidade? — Ajeitou os óculos no rosto.
— Fui passar uns dias na casa de meus pais na fazenda e acabei
encontrando uma agenda velha com coisas que eu costumava
escrever. — Cruzei as pernas e apoiei minhas mãos sobre o joelho.
— E como foi isso pra você?
— Ler aquelas coisas me fez lembrar como gostava de escrever,
como me fazia bem, então decidi tentar novamente. Estou
escrevendo um romance, Fernanda! — Arregalei os olhos e encobri
a boca com as mãos, o que a fez sorrir.
— Olha só, que incrível! — exclamou, gesticulando comedida.
— Incrível mesmo! Escrever tem me feito muito bem. Estou
resgatando dentro de mim uma Rafaela que andava esquecida, e
isso tem me deixado feliz. — Fiz uma pausa, perdendo-me por
alguns instantes em pensamentos. — Agora estou empolgadíssima
para terminar o romance e tentar publicá-lo!
Naquela sessão de terapia, acabei falando o tempo todo sobre
livros e escrita. Saí de lá me sentindo mais leve e com a sensação
de que estava no caminho certo.

Ao voltar para o hotel, já no quarto, liguei na imobiliária e


combinaram de me entregar no dia seguinte o apartamento que eu
alugara. Aproveitei para escrever mais um pouquinho antes de
dormir.
Acordei cedo e, depois de tomar meu café da manhã, voltei para o
quarto e ajeitei minhas coisas para sair. Passei na recepção para
fazer o check-out e pagar pelas refeições.
À tarde, eu me mudei. Coloquei minhas coisas no carro e, antes de
ir para meu novo apartamento, passei em um supermercado para
comprar comida e itens de higiene pessoal e limpeza.
Ao chegar à minha nova morada, respirei fundo após destrancar a
porta e tive uma sensação boa de que um novo ciclo começava.
Foi fácil ajeitar minhas poucas coisas que se resumiam a roupas,
sapatos e alguns objetos pessoais. Com tudo em seu devido lugar,
voltei ao meu computador para escrever mais algumas páginas.
Depois de algumas horas escrevendo, resolvi dar uma parada para
um lanche e descansar. Animada com o novo rumo que minha vida
estava tomando, decidi que já era hora de voltar a fazer atividade
física. Então, após o lanche, vesti uma roupa de ginástica, amarrei
meus cabelos desgrenhados em um rabo de cavalo, para domar os
fios, e desci para a academia do prédio.
O local estava vazio, o que me deixou mais à vontade. Dei uma
olhada rápida nos aparelhos e acabei optando pela esteira mesmo.
Comecei andando e, aos poucos, fui aumentando a velocidade até
conseguir manter um ritmo de uma corrida leve. O suor escorrendo
por meu rosto e a liberação de adrenalina e endorfina em meu
organismo me deram uma nova disposição. Decidi que faria daquilo
um hábito.
Voltei para o apartamento exausta, tomei um banho e dormi.

No dia seguinte, acordei cedo, animada e bem-disposta. Assisti um


pouco de TV, depois escrevi mais algumas páginas da minha história
e preparei um macarrão ao molho branco, com peito de frango e
legumes, para almoçar.
Fazia tempo que eu não cozinhava, pois andava comendo muito
fora de casa. Adorei a sensação prazerosa de preparar minha
própria refeição.
Coisas tão simples que nos alegram... Hum... que cheirinho
gostoso!, refleti sorridente, inalando o aroma no ar.
Depois do almoço, sentei de frente à TV, na sala. Bateu-me um
sono e acabei cochilando no sofá. Acordei assustada ao perceber
que horas eram. Passava das cinco da tarde. Disposta a continuar
com as caminhadas na esteira, vesti meu traje de ginástica e desci
para a academia do prédio.
Estava há alguns minutos correndo, distraída, quando um rapaz
entrou na academia tirando minha concentração. Ele era atraente e
muito bonito, mas não dessas belezas de capa de revista. Tinha uma
beleza enigmática: pele morena, olhos negros e rosto de traços
marcantes. Era magro, alto e, como estava de short curto e camiseta
sem mangas, pude reparar que seu corpo não ostentava grandes
músculos, apesar de visíveis e definidos.
— Olá! Boa tarde! — cumprimentou-me assim que entrou e, em
seguida, olhou ao seu redor, como se estivesse procurando algo.
Tive de diminuir a velocidade bruscamente para não cair. De um
modo estranho, a presença dele me deixou um pouco abalada.
— Boa tarde! — Sorri um pouco constrangida.
Enquanto caminhava, fiquei reparando no rapaz ao meu lado, que
parecia distraído, ouvindo músicas em seus fones de ouvido.
Terminei meu exercício, acenei um tchau para ele e voltei ao meu
apartamento. Precisava escrever algumas cenas que estavam em
minha cabeça, antes que eu as esquecesse.
Tomei um banho rápido, preparei um lanche e, depois de comer,
sentei-me em frente ao computador.

Mantive a mesma rotina diariamente e, sempre que eu ia até a


academia, encontrava com aquele moreno bonito, que me
cumprimentava sorridente e simpático, mas com o qual nunca
havíamos conversado. Comecei a ficar intrigada, querendo saber
sobre ele.
Depois de quatro dias apenas me cumprimentando, o rapaz
resolveu puxar conversa. No horário em que usávamos a academia,
estávamos sempre sozinhos.
— Oi! Tudo bem? — Sorriu enquanto se ajeitava na esteira ao meu
lado.
— Bem, e você? — Queria conversar, no entanto não sabia o que
dizer.
— Tenho te visto por aqui nos últimos dias, mas nunca a vi antes.
Mudou recentemente? — A voz dele era grave e mansa, e seus
olhos fitavam os meus.
— Faz poucos dias. Você mora aqui há quanto tempo? — Diminuí
a velocidade da esteira, para que pudesse conversar com mais
facilidade e, enquanto respirava profundamente, senti minha
pulsação desacelerando aos poucos, junto ao novo ritmo da
caminhada.
— Pouco mais de um ano. — Bebeu um gole de água de uma
garrafinha que trouxera consigo. — E tenho certeza de nunca tê-la
visto; eu jamais esqueceria um rosto como o seu — seu comentário
me fez corar.
— E o que tem de especial em meu rosto? — Virei-me para
encará-lo, intrigada. E como eram lindos aqueles olhos negros!
Isso é algum tipo de piada que não estou entendendo?, pensei,
aguardando uma resposta.
— Você tem um rosto muito bonito e olhos tão expressivos que
nunca vi igual — falou galanteador, com um belo sorriso estampado
na face. — Desculpa, ainda não me apresentei: meu nome é
Fernando, sou professor de Língua Portuguesa e revisor de textos.
— Jura? — Arregalei os olhos, encabulada.
— Juro — respondeu rindo. — Mas por que o espanto?
— Bem, é que... ai, nem sei como dizer isso, mas é que... estou
es-escrevendo um li-livro — gaguejei ridiculamente. Não sabia se ele
me acharia descolada, legal ou apenas louca e boba.
— Ei, não precisa ficar envergonhada. Isso é muito bom! A
propósito, qual é o seu nome? Você ainda não me disse. — Enxugou
a testa em uma toalha em seguida, sem diminuir o ritmo acelerado
que estava caminhando.
— Rafaela. —Sorri com cara de tola.
— Muito bem, Rafaela. Foi bom conhecê-la. Depois, se quiser,
posso revisar seu texto. Está com o celular aí?
— Estou sim. — Desliguei a esteira, que diminuiu o ritmo
rapidamente até parar de vez.
— Então, anota meu número. Daí, quando precisar, é só ligar! —
Deu-me uma piscadinha, fazendo minhas pernas perderem as
forças.
Tive de me segurar na esteira, ao descer, para não cair. Aquele
cara estava me deixando desconcertada. Em seguida, peguei meu
celular na bolsa, no chão ao meu lado, e anotei o número dele.
— Eu já vou. Tinha um tempinho que estava aqui, estou cansada.
Foi bom conhecê-lo! Até mais, Fernando! — Guardei o aparelho de
volta na bolsa e me dirigi para a porta.
Eu já estava de saída do local, quando ouvi um barulho, virei-me e
vi que ele desacelerou sua esteira bruscamente e desceu dela, vindo
em minha direção.
— Até qualquer hora, Rafaela! — despediu-se me estendendo a
mão e com um sorriso no rosto.
Quando apertei sua mão, o toque foi quase como um choque.
Olhei para ele encabulada. Era como se houvesse uma espécie de
energia diferente entre nós. Percebi que também me olhou confuso.
Uau! Nunca tinha sentido isso antes...
Não conseguia parar de encará-lo, e ele não desviou o olhar do
meu.
— A gente se vê! — despedi-me sem jeito, e saí apressada da
academia. Chamei o elevador, que pareceu demorar um século para
chegar. Assim que ele fechou as portas, encostei-me à parede
interna e fiquei sorrindo feito idiota.
O que foi isso, meu Deus?
Ao chegar ao meu apartamento, tomei um banho rápido, um copo
de suco e fui me deitar, exausta. Mas, apesar do cansaço, demorei
para dormir. Um certo sorriso e um belo par de olhos negros tiraram
completamente o meu sono. Fiquei pensando que nenhuma
decepção amorosa deve me impedir de tentar outra vez. Devo me
permitir amar de novo, mesmo que meu coração já tenha sido
partido.
Capítulo Oito
Dois “quase amigos”
“Não há porta que se feche, sem que uma janela se abra. É
preciso reconhecer as novas oportunidades. Às vezes,
demora para que conheçamos de fato quem temos ao lado,
outras vezes não leva mais que alguns segundos.”
Na manhã seguinte, acordei tarde, com o corpo ainda dolorido pela
atividade física do dia anterior. Quando olhei no relógio, vi que já era
quase meio-dia, então decidi pular o café da manhã e ir direto para o
almoço. Enquanto escovava os dentes e me olhava no espelho do
banheiro, pensei que gostaria de experimentar coisas novas, novos
sabores.
Hum, que tal comida árabe hoje? Arqueei as sobrancelhas,
animada com a ideia.
Então, decidida a comer comida árabe, arrumei-me depressa e
saí. Ao chegar ao restaurante, escolhi uma mesa que tinha vista para
a rua. Sentei solitária e fiquei analisando o cardápio. Com a decisão
tomada sobre o que comer, chamei o garçom e fiz meu pedido. O
local era próximo ao meu apartamento, mas eu tinha ido de carro.
Naquele momento, dei-me conta de que talvez vendê-lo seria uma
boa forma de conseguir um dinheiro para me deixar mais segura
financeiramente por um tempo, até as coisas se ajeitarem.
Estava distraída, olhando pela janela, verificando se estava tudo
ok com meu carro, que estacionei em frente, quando senti uma mão
grande e quente sobre meu ombro.
— Rafaela. Que bom encontrá-la aqui! Como vai? — Fernando
sorria de orelha a orelha.
Fiquei muda diante dele, perplexa pela coincidência. Se bem que,
pela proximidade de nosso prédio, não era tão improvável assim ele
querer comer ali. Tentei disfarçar, mas fiquei um pouco constrangida
diante dele.
Um homem tão charmoso assim chega a ser um desaforo, meu
Deus!, pensei, enquanto tentava articular os lábios obrigando as
palavras a saírem.
Fernando exalava charme. O sorriso era lindo e tentador, tinha o
olhar confiante e a postura de quem sabia o que queria da vida.
— Oi! — cumprimentei, meio sem jeito. — Estou bem, e você?
— Bem também — respondeu, sem tirar o sorriso do rosto e
sustentando meus olhos nos dele. — Posso sentar com você? —
Apontou para a cadeira à sua frente. — Ou está esperando alguém?
— Não. Quero dizer. Pode sentar. Não estou esperando ninguém
— respondi, tentando não gaguejar.
— Então, também gosta de comida árabe? — Tirou o celular do
bolso, após se acomodar, e o colocou sobre a mesa em seguida.
— Para falar a verdade, o máximo que já comi de comida árabe
foram quibes e esfihas. — Arregalei os olhos, divertida, e coloquei a
mão sobre a boca, o que fez Fernando rir. — Mas decidi que está na
hora de experimentar novos sabores.
— Eu gosto bastante! Venho muito aqui. Além da comida ser
saborosa, o ambiente é agradável e fica bem perto de onde
moramos, não é mesmo? — Gesticulou, apontando para a rua, como
se pudesse ver dali onde ficava o nosso prédio.
Acompanhei o movimento dele e acabei olhando para a rua
também. Ao perceber algumas pessoas transitando apressadas, um
casal conversando chamou minha atenção. Percebi que a moça
parecia bastante ansiosa, as mãos não paravam de mexer e tinha os
olhos assustados. Vê-la naquele estado fez minhas próprias mãos
começarem a suar frio e ficarem trêmulas. Desde que as crises de
ansiedade começaram, toda vez que via alguém com sintomas
semelhantes aos meus, algo imediatamente disparava em mim um
sinal de alerta e sentia a descarga de adrenalina percorrer meu
corpo, deixando-me agitada e ansiosa.
— Está tudo bem com você? — Fernando chamou minha atenção,
parecendo perceber que algo não estava normal.
— Desculpa... Está sim — menti, voltando a encará-lo.
— Então me conta: sobre o que é o livro que está escrevendo? —
perguntou com um sorriso no rosto e percebi que me olhava
interessado na resposta que ouviria.
— Ah, sim, é claro — comecei a falar e, sem conseguir formar uma
frase que fizesse sentido, acabei me sentindo uma tola. Tive de parar
por um instante e respirar fundo para conseguir respondê-lo. — É um
romance sobre um casal que se conhece na época da faculdade. —
Dei de ombros, como se estivesse dizendo “nada de mais”. Contudo,
ele continuava interessado.
— Gostaria de ler algumas páginas. Se quiser me mostrar como
está ficando, será um prazer! — disse tão natural e gentil que
imediatamente senti meus músculos relaxarem.
— Está bem. Quem sabe um dia! — Sorri, tímida. — Quer fazer
seu pedido? Eu já fiz o meu — mudei o rumo da conversa
entregando o cardápio a ele.
— Obrigado, mas não preciso do cardápio, já sei o que vou pedir
— respondeu, pegando-o de minhas mãos e colocando sobre uma
cadeira ao seu lado, o que me fez acreditar que ele realmente devia
ir muito ali.
Então, levantou o dedo chamando o garçom e fez seu pedido.
— Você tem namorado? — perguntou, sem rodeios, assim que o
garçom se afastou, tão direto que me fez engasgar com minha
própria saliva e começar a tossir.
— Não... — Desviei meu olhar dele, nervosa, o que me fez apertar
meus próprios dedos de uma mão contra a outra. — Coloquei alguns
pontos finais em minha vida recentemente — falei, sem saber se
devia e voltei a mirá-lo. — E meu relacionamento foi um deles.
— Às vezes, pontos finais são necessários — concluiu, com certo
ar sério de sabedoria. Ou seria de tristeza? — Eu também andei
colocando alguns. Também estou sozinho. — Passou os dedos no
celular sobre a mesa, e, naquele momento, achei seu olhar meio
perdido.
— É... — foi só o que consegui dizer.
— O que vai fazer hoje à noite? — Soltou o aparelho e voltou a me
dar atenção.
— Nada de mais. Escrever um pouco e depois dar uma corridinha
na esteira da academia do prédio, talvez. Não tenho grandes planos
— respondi num muxoxo, o que o fez sorrir de novo.
— Gostaria de assistir a um filme comigo? — Estendeu sua mão
até tocar na minha, e seu contato fez meu corpo arrepiar, de um jeito
bom. Mesmo desconcertada, mantive minha mão na dele. Seu
convite soou com tamanha naturalidade que ficou quase impossível
rejeitá-lo.
— Pode ser. É... Está bem — Mais uma vez, respondi com
palavras meio desconexas e percebi que o sorriso se alargou no
rosto dele.
— Então, combinado! Às sete horas fica bom pra você? —
perguntou, enquanto o garçom se aproximava com nossos pratos.
Para quem não tem nada para fazer, qualquer hora estaria boa.
Foi impossível evitar a autocrítica.
— Está sim! — Balancei a cabeça afirmativamente e o encarei,
pensativa.
Por mais que parecesse cedo, afinal fazia pouco tempo que eu
terminara com Bruno, sentia algo diferente na presença de
Fernando. Uma vontade estranha de saber mais sobre ele, de tê-lo
por perto, como se o simples fato de estar ao seu lado de algum
modo me acalmasse. Estava decidida a ser mais leve e aceitar as
novas possibilidades que a vida me apresentasse. Ele me parecia
uma delas. Eu queria ver no que ia dar.
— O que foi? — Sua mão procurou a minha, despertando-me do
devaneio. — Ficou longe de repente...
— Desculpa. Não foi nada, só estava pensando na vida. — Desfiz
nosso contato e ajeitei meu cabelo atrás da orelha, um pouco sem
graça.
Então, almoçamos e ainda conversamos algumas amenidades.
Assim que terminamos, despedimo-nos e cada um saiu em direção
ao seu carro.
— Eu acabei mesmo de marcar um filminho na casa de um
desconhecido? — questionei-me ao olhar no espelho do quebra-sol,
balançando a cabeça incrédula com minha coragem, mas, ao mesmo
tempo, satisfeita com minha decisão de aceitar o convite de
Fernando. — Preciso contar isso para a Cacá, urgente! — Peguei o
telefone e liguei para ela.
— Oi, amiga! Que saudades! — atendeu, alegre.
— Oi, querida! Também estou com saudades! Está fazendo o quê?
Posso ir até aí? — perguntei, sentindo uma agitação tomar conta de
mim.
— Nada de mais. Estou brincando com a Manu. Pode vir sim. Vou
adorar. Venha logo.
— Até daqui a pouquinho, então. Beijos.
Desliguei o telefone e fiquei me encarando pelo espelho, sentindo-
me animada.
Seria apenas um encontro de dois “quase amigos”, ou seria de fato
um encontro amoroso o que acabei de marcar com o professor
gatinho?
Dei a volta na chave na ignição para ligar o motor. No caminho
para a casa da Carina, fiquei pensando na vida e em minhas últimas
decisões, sentindo o coração acelerar.
Não há porta que se feche, sem que uma janela se abra. É preciso
reconhecer as novas oportunidades. Às vezes, demora para que
conheçamos de fato quem temos ao lado, outras vezes não leva
mais que alguns segundos.
Capítulo Nove
Primeiro encontro
“Eu queria amar de novo, queria ter a chance de encontrar
alguém que me aceitasse como eu era, sem críticas e
cobranças excessivas.”
Mal toquei o interfone, a Carina veio correndo abrir para mim,
cumprimentando-me com um abraço de lado, pois estava com a
pequena Manu no colo, tão linda quanto a mãe e com os mesmos
olhinhos de esmeralda.
— Oi, Rafa. Entra. Que saudades!
— Oi, Cacá. Como a Manu tem crescido rápido! Passo alguns dias
sem vê-la e me assusto com a diferença que faz. — Sorri para a
garotinha, que me sorriu de volta mostrando dois dentinhos.
— Ah, isso é verdade! Bebês crescem muito rapidamente — falou
com um sorrisão no rosto enquanto fechava o portão. — Agora
vamos entrar que Manu almoçou cedo, já está com fome e sono. Vou
preparar uma mamadeira pra ela.
Assim que entramos na casa da Carina, que era imensa, e tinha
um pé-direito alto, paredes claras em tons pastéis e janelas enormes
de vidro temperado, que conferiam elegância ao imóvel e permitiam
a claridade entrar, tornando todos os ambientes naturalmente
iluminados de dia, tropecei em uma boneca e quase caí.
— Me desculpe por isso, amiga. — Cacá sorriu. — Mas, depois
que a gente tem filho, a casa fica assim, é brinquedo pra todo lado!
Apenas assenti, e ela me entregou aquela criaturinha nos braços.
— Fica com ela um pouquinho, enquanto faço a mamadeira? Pode
brincar no chão, fique à vontade!
Sem aguardar minha resposta, virou as costas e saiu.
Meu Deus! Eu tenho sobrinhos, mas não estou acostumada a ficar
com eles e com nenhuma outra criança, quanto mais com um bebê.
O que eu faço agora? Olhei para ela receosa, e a pequena sorriu
para mim toda fofa.
Não posso negar que essa criaturinha é mesmo linda! Dando-me
por vencida, sentei com ela no chão para brincarmos.
— Tudo bem por aí? — perguntou Cacá ao voltar alguns minutos
depois com a mamadeira pronta nas mãos.
— Está sim. Essa lindinha é muito boazinha. Brincou comigo sem
reclamar.
— Eu te falo que ela é boazinha e calma, mas você não acredita!
Fica sempre com receio de pegá-la nos braços, de brincar com ela.
Crianças não mordem, Rafa. Se bem que... — fez uma pausa,
pensativa. — De vez em quando até mordem! — completou,
sorridente. — Você me dá licença um minutinho, amiga; vou ali
colocá-la para dormir e já volto.
— Claro! Fique tranquila. Vou ligar a TV aqui, tudo bem? —
perguntei, jogando-me no sofá.
— Fique à vontade. — Saiu levando a filha nos braços pelo
corredor afora.
Eu fiquei zapeando os canais, mas ela voltou rapidinho.
— Já dormiu? — perguntei, espantada, fazendo Carina sorrir.
— Sim. Ela tem dormido cada vez melhor e mais fácil, graças a
Deus, porque eu andava exausta, amiga! Vou te falar uma coisa, não
é que eu esteja reclamando, mas, quando pequenininhas, crianças
dão muito trabalho, principalmente nos primeiros meses de vida:
dormem pouco, acordam muitas vezes na madrugada. Nem sei
como as mães sobrevivem! — Jogou-se ao meu lado.
— Está vendo só?! Por esse e outros motivos, claro, não quero ter
filho tão cedo. Não estou preparada para virar um zumbi —
comentei, fazendo minha amiga gargalhar junto comigo, ao apertar o
nariz dela, brincando.
Eu até pensava em algum dia ter filhos, mas não era algo que
desejasse para um futuro próximo. Lembrei-me de todas as vezes
em que eu e Bruno brigamos porque ele ficava insistindo que queria
casar e ser pai. Não me compreendia, nem respeitava minha
decisão. As discussões eram sempre desgastantes. Senti-me
aliviada ao pensar que aquilo tinha chegado ao fim.
— Deixa de ser boba e me conte logo que história é essa de
escrever um livro — Carina me trouxe de volta à realidade,
supercuriosa para me ouvir. — Acho que você nunca me disse que
escrevia.
— Não devo ter dito mesmo, porque, para ser sincera, nem eu me
lembrava mais. — Arregalei os olhos, fazendo Carina rir. — Então,
eu estava lá na casa dos meus pais e encontrei uma agenda velha
onde costumava escrever alguns poemas, coisas assim. Comecei a
ler aquilo e me lembrei de como me sentia bem escrevendo. Era uma
catarse, me entende?
— Pronto, já começou a falar difícil — reclamou, em tom de
gozação.
— Ah, deixa de ser otária! — revidei, bagunçando os cabelos dela,
que gargalhou alto.
— Desculpa, pode continuar — tentou se redimir, ainda segurando
o riso.
Deus, quantos anos essa garota acha que tem?
Revirando os olhos, continuei:
— Então, me deixe falar sem ficar interrompendo. Estamos
parecendo duas adolescentes conversando.
— Pode continuar... — Simulou derrota, deixando os braços
caírem ao lado do corpo.
Hoje ela está terrível!
Meneei a cabeça, tentando fazer cara de séria.
— Depois que li aquelas coisas na minha agenda velha, bateu
uma vontade louca de voltar a escrever, de sentir aquele bem-estar
que a escrita me proporcionava, uma sensação de alívio e
aconchego, então tentei pensar em qualquer coisa e nada me vinha
à mente, até que resolvi descansar, acabei pegando no sono e
sonhei com uma história incrível! Acordei louca para escrever e, de
repente, já tinha concluído o primeiro capítulo.
— Meu Deus, então isso é sério mesmo, amiga? Desculpe pela
criancice e pelas gozações — Ela me puxou para um abraço. — E
como está se sentindo? — Encarou-me com aqueles olhos
profundos do mar do Caribe.
— Estou bem. Empolgada! Querendo terminar logo a história.
Tenho escrito quase o dia todo.
— Ah, que linda! Fico feliz em ouvir isso. Parabéns, depois vou
querer ler, hein?!
— Mas não era só isso que queria te contar... — continuei,
reticente, tentando fazer suspense.
— O que mais aconteceu que não estou sabendo ainda? —
Arregalou os olhos e esfregou as mãos, parecendo o mais animado
dos seres humanos da face da Terra.
— Tenho um encontro hoje à noite — soltei de uma vez,
sustentando o olhar dela para ver sua reação.
— Como assim um encontro? — Deu um gritinho histérico.
— Shhh... Sua louca! — Fiz sinal de silêncio, colocando o dedo
indicador à frente da boca. — Assim você acorda sua filha! —
repreendi-a, rindo, e ela imediatamente levou as duas mãos à boca,
tapando-a, com os olhos arregalados.
— Eu quero saber quem é ele — sussurrou pausadamente dessa
vez.
— Você não existe! — Meneei a cabeça. — É um carinha que
mora lá no prédio, nos conhecemos na academia e hoje o encontrei
por acaso, na hora do almoço, em um restaurante de comida árabe.
— Desde quando você gosta de comida árabe? — questionou,
confusa.
— Foco, mulher! — Segurei-a pelos ombros. — O cara é um gato!
Não desses lindos de morrer, mas tem um charme que nunca vi igual
— sussurrei, imitando o jeito dela.
— Tomara que esse gato não seja um rato! — falou e se
arrependeu imediatamente. — Desculpa, amiga, eu não devia ter dito
isso. Tomara que ele seja um cara legal, foi o que quis dizer.
— Está tudo bem. Também espero que ele seja, pelo menos até
agora o Fernando me pareceu bem legal, interessante, com certo ar
de mistério, entende?
— Ui! Já gostei.
Fiz careta e mostrei a língua para ela.
Ainda conversamos um tempinho, depois nos despedimos e voltei
para casa.

No caminho, não parava de pensar na minha vida, sobre como


tinha sido meu relacionamento com o Bruno e o que eu sentia falta
quando estávamos juntos. Eu queria amar de novo, queria ter a
chance de encontrar alguém que me aceitasse como eu era, sem
críticas e cobranças excessivas. Estava inegavelmente interessada
em Fernando. Talvez nosso suposto encontro não fosse dar em
nada, talvez estivesse só criando expectativas irreais, mas eu estava
feliz.

Cheguei ao meu apartamento me sentindo eufórica. Tomei um


banho rápido e demorei escolhendo o que vestiria. Queria ficar
bonita e atraente. Antes de sair, dei uma olhada no espelho e gostei
do que vi. Estava com um vestido curto, floral, levemente rodado,
cabelos soltos e batom rosa mate. Meu coração estava um pouco
acelerado, e as mãos suando frio. Respirei fundo para me acalmar,
enquanto trancava a porta.
Às sete da noite, toquei a campainha do apartamento de
Fernando.
— Boa noite. Você está linda! — Observou-me de cima a baixo, o
que fez meu rosto corar.
— Ah, obrigada — agradeci, sorrindo sem jeito, enquanto olhava
para minha própria roupa.
— Venha, entre! — Estendeu-me a mão, tão gostosa e quente. Se
eu pudesse jamais a soltaria.
Ao entrar, percebi que o apartamento dele era igual ao meu, mas
dava para ver que tinha passado por uma reforma; o piso fora
trocado por um porcelanato cinza fosco. Observei uma fotografia em
um porta-retratos e notei que havia poucos objetos pessoais sobre o
rack da TV e a mesa da sala.
— Sua família? — Apontei para a foto.
— Sim. São meus pais ao meu lado. Eles já faleceram.
— Sinto muito... Não tem irmãos? — Virei-me para ele, e seus
olhos prenderam os meus.
— Não. Meus pais eram mais velhos quando nasci. Minha mãe
teve alguns abortos antes de engravidar de mim, e depois não
conseguiu engravidar de novo. — Havia certa tristeza em seu olhar.
— Sinto muito. — Quando percebi estava acariciando seu rosto.
Ele anuiu e deixou que minha mão ficasse em contato com sua
pele por alguns instantes.
— Rafaela, posso te chamar de Rafa? — Pegou minha mão que
estava em seu rosto e a beijou, fazendo um arrepio bom percorrer
meu corpo.
— Claro. Estou tão acostumada a ser chamada assim que é mais
fácil ficar incomodada por me chamarem pelo nome mesmo do que
pelo apelido. — Eu estava completamente perdida na profundeza
daquelas íris negras. Hipnotizada.
— Dei uma avaliada em alguns filmes, mas quero que você
escolha — continuou a falar sem desviar os olhos dos meus. —
Venha, vamos sentar ali no sofá. — Apontou o móvel e, naquele
momento, infelizmente, soltou sua mão da minha.
Caminhei poucos passos até o sofá e sentei. Enquanto ele ligava a
TV, fiquei-o observando. Eu já não tinha dúvidas de que ele era o
homem mais charmoso que já vira. Sentia-me feliz por estar ali.
Então, ele voltou e sentou ao meu lado.
— São estas as opções. — Colocou os filmes na tela para eu
escolher.
Havia uma comédia, um romance e um thriller. Eu certamente
escolheria o romance em outros tempos, todavia, disposta a
experimentar novas coisas, escolhi o terror.
— Este aqui! — Apontei sorrindo para o filme escolhido.
— Jura? — Franziu o cenho e me olhou intrigado. — Pensei que
escolheria o romance, ou talvez a comédia. — Coçou a cabeça,
confuso, o que me fez rir.
— Eu escolheria o romance sim, você tem razão. — Pousei minha
mão sobre a dele, sentindo-me à vontade em sua presença. — Mas
é que estou naquela fase da vida de experimentar coisas novas,
lembra?
— Aaah, sim, você me falou mesmo sobre isso! — Gesticulou
exageradamente, como se dissesse “explicado, então”.
Não consegui segurar o riso.
— Que tal uma pipoca de micro-ondas? — Levantou, como se
soubesse que a resposta seria um sim.
— Ótima ideia, adoro pipoca! — Bati palminhas, animada e
sorridente, e levantei para acompanhá-lo até a cozinha.
— E aí, Rafa, está gostando de morar aqui? — Diminuiu a
distância entre nós, deixando-me tensa.
— Estou. O lugar é ótimo, e adorei o fato de o prédio ter academia.
— Mudei o peso do meu corpo de uma perna para outra, tentando
não demonstrar o quanto a proximidade dele mexia comigo.
— Você tem razão. Esses também foram motivos que me
ajudaram a escolher aqui, quando estava procurando apartamento.
— Estendeu a mão em minha direção e acariciou meu rosto, fazendo
meu coração disparar.
— Você é tão linda e delicada — sussurrou o elogio.
— Obrigada. — Senti meu rosto esquentar e, de repente, meu
corpo todo também aqueceu.
Nossa! O que está acontecendo comigo, meu Deus?
Fiquei um pouco aflita com meus sentimentos. Fernando ainda era
um desconhecido, mas minha vontade era de me jogar em seus
braços naquele momento e tomar sua boca na minha.
O micro-ondas apitou informando que nossa pipoca estava pronta,
para meu alívio ou desespero. Senti pelo modo como me olhou que
Fernando estava tão mexido quanto eu. Talvez se não tivéssemos
sido interrompidos pelo barulho, um beijo tivesse acontecido. Mas,
infelizmente, o clima fora quebrado. Respirei fundo e o ajudei a
carregar a pipoca para a sala, enquanto ele pegava copos e
refrigerante.
De volta ao confortável sofá de camurça marrom, Fernando
colocou o filme e sentou ao meu lado, bem próximo de mim. Naquele
instante, senti o cheiro gostoso e suave que ele exalava e cheguei à
conclusão de que adorava aquele perfume.
Mal o filme começou, e o medo que eu sentia era tanto que tinha
de me agarrar ao braço do Fernando para me sentir segura. Por
vezes, ainda fechava os olhos para não ver o que estava passando.
Ele ria e tirava um sarro da minha cara, dizendo: “Foi você que
escolheu, agora, aguenta!”. Mas em momento algum me arrependi
da escolha, ela foi bem acertada, pois acabei “tirando uma
casquinha” daquele homem charmoso, que não parecia se importar
nem um pouco com a situação. Na verdade, Fernando parecia estar
gostando tanto quanto eu. Em certo momento, ele segurou minha
mão na dele e a levou à boca, beijando-a. Estremeci. Estava difícil
resistir a tanta tentação.
— Você é muito divertida! — Apertou meu nariz, assim que o filme
acabou, e percebi um sorriso travesso se formar em seu rosto.
— Sou nada! — Gesticulei com a mão, negando, fazendo-o rir
novamente.
— Como foi sua tarde hoje? — Ajeitou o corpo no sofá para ficar
de frente para mim.
— Bem, foi legal! — Arqueei a sobrancelha, pensativa. — Escrevi
mais algumas páginas do meu livro, depois entrei na internet para
pesquisar algumas receitas para fazer.
— Hum, então gosta de cozinhar? — pareceu animado com a
informação.
— Gosto, mas não costumava procurar receitas, acabava fazendo
arroz, feijão, carne, salada, macarrão... “o de sempre” — fiz sinal de
aspas com os dedos. — Quase todas as vezes em que cozinhava,
que, na verdade, eram bem raras. Mas estou disposta a aprender
pratos novos! — Sorri, empolgada. — Além disso, cozinhar em casa
é uma forma de economizar a grana do almoço — falei, acho que
mais para mim mesma do que para ele, vendo-o assentir.
— Você bem que poderia me convidar para experimentar tais
receitas, então. — Aproximou-se mais de mim, e a voz grave e
sensual fez aquela tensão de horas antes retornar com tudo. Senti o
corpo formigar.
Estávamos a poucos centímetros de distância e, por mais bacana
que Fernando fosse, não podia negar que causava um efeito
perturbadoramente sedutor em mim. Seu olhar me invadia, e seu
cabelo era tão brilhante e sedoso, liso, com um corte moderno
caindo um pouco sobre o rosto, que minha vontade era de tocá-lo.
Na verdade, senti vontade de afundar meus dedos nele e puxá-lo
para mim e tomar sua boca na minha com voracidade. Tive de
desviar meu olhar para me controlar. Honestamente, nunca senti
nada parecido por nenhum amigo. Aquilo não podia ser só um
encontro de amigos...
Será que estou ficando louca? Enquanto o escutava falar,
analisava cada detalhe de seu rosto.
— Ei, o que foi? — Trouxe-me de volta à realidade.
— Desculpe-me, é que eu estava aqui me lembrando das receitas
— menti, sem conseguir convencer, e ele sorriu percebendo o que
estava causando em mim.
Eu continuava achando que ele também estava sentindo o mesmo.
— Estou pensando em fazer um yakisoba amanhã. Quer jantar
comigo? — convidei, aproveitando a deixa que me dera.
— Olha só! Que delícia! Quero sim. Vou adorar — Esfregou as
mãos em comemoração, bastante animado, de forma quase infantil,
o que me fez sorrir.
— Bem, já está tarde. Vou indo. Adorei a noite! — Beijei o rosto
dele, que me puxou para um abraço, fazendo meu coração palpitar.
— Eu também adorei conhecê-la melhor. Nossa noite foi muito
agradável mesmo — sussurrou ao meu ouvido. E depois que o
abraço terminou, seus dedos acariciaram minha face enquanto
nossos olhares se demoraram um no outro.
— Bem, já vou. — Levantei, totalmente sem jeito, desejando não ir
embora, e Fernando me acompanhou.
— Boa noite e até amanhã — ao despedir-se de mim, já à porta,
segurou minha mão na dele por um longo instante. Seus olhos me
analisavam.
Parecíamos desejar muito mais. Aproximei-me e o beijei na
bochecha. Minha boca quase tocou o canto da dele e pude sentir seu
hálito quente, o que fez minhas pernas amolecerem.
— Tem certeza de que já quer ir? — Segurou meu rosto com as
duas mãos, falando baixinho, fazendo-me arfar.
Eu não queria ir, mas também achava que talvez ainda não fosse o
momento de ficar. Estava confusa, não queria precipitar as coisas.
Então, apenas assenti com a cabeça e pude perceber um
desapontamento no olhar de Fernando.
— Tudo bem, então. — Soltou-me, ainda me encarando. — Até
amanhã, linda.
Ao entrar no meu apartamento, joguei-me na cama e fiquei
olhando o teto, pensativa.
O que acabou de acontecer ali naquela despedida? Acho que isso
foi mesmo um encontro! Mas por que será que ele não tentou me
beijar, se parecia estar sentindo o mesmo que eu?
Capítulo Dez
Um jantar a dois
“Trocamos olhares cúmplices e sorrisos nervosos.
Tínhamos medo, mas estávamos envolvidos por uma magia
que eu ainda não conhecia.”
Na manhã seguinte, acordei tarde e não consegui tirar o sorriso e
os olhos de Fernando da cabeça. Olhei para meu celular e tinha uma
mensagem da Carina.

“Como foi o encontro? Quero saber tudo. Me liga quando


acordar! Beijos.”

Sorri ao ler, mas decidi ligar depois, pois as medicações que


tomava me deixavam com uma sensação enorme de ressaca no dia
seguinte, então não conseguia levantar muito cedo e acordava louca
para beber água e, muitas vezes, mal-humorada.
Decidida a vender meu carro, fui até a garagem do prédio para
tirar algumas fotos, que anunciaria em algum site.
Estava ficando receosa com meu orçamento, mas, naquele dia,
nem essa preocupação conseguiu afastar Fernando de meus
pensamentos.
Será que ele também está pensando em mim?
Passei a manhã todo meio aérea, sorrindo à toa. Era muito
gostoso redescobrir a euforia de voltar a paquerar.

À tarde, enquanto me vestia para ir à academia, peguei meu


celular para ligar para Carina.
— Oi, amiga! E aí, como foi? — perguntou ao atender, ansiosa e
empolgada, sem nem me cumprimentar direito, o que me fez revirar
os olhos.
— Boa tarde para você também, Cacá! — respondi, sentando para
calçar os tênis, então segurei o celular entre o pescoço e o ombro
para amarrar os cadarços.
— Tá, boa tarde, agora desembucha logo! — Fingiu estar irritada,
o que me fez gargalhar.
— Ai, Cacá, sei lá, foi bem legal, acho que Fernando também
pareceu interessado em mim, mas acredita que ele nem tentou me
beijar? — disse indignada, mas ainda tinha dúvidas se queria que ele
tivesse tentado. A noite fora perfeita. Talvez o beijo naquele
momento estragasse tudo, por mais que eu tivesse desejado ser
beijada.
— Você queria que ele tivesse tentado? — Carina perguntou,
adivinhando meus pensamentos.
— Ai, amiga, juro que não sei, mas o fato é que marcamos outro
encontro hoje. Convidei Fernando para jantar aqui em meu
apartamento — contei, já esperando ouvir um gritinho do outro lado
da linha, que não demorou a chegar.
— Rafa, isso é ótimo! Depois quero saber como foi, agora tenho
que desligar. Beijos. Boa sorte!
— Obrigada. Beijos — despedi-me dela, sentindo certa ansiedade.
Respirei fundo, tentando me acalmar, e saí do apartamento para ir à
academia.
O questionamento interno: Será que o que estou fazendo é mesmo
certo? Será que é hora de eu querer me envolver de novo?, afligiu-
me, enquanto eu trancava a porta de casa.

Entrei desconfiada na academia, pensando que talvez Fernando


estivesse lá, mas, depois de dar uma boa olhada, vi que não tinha
ninguém. Conferi as horas no celular. Ainda era cedo para o horário
que costumávamos nos encontrar ali. Então, escolhi a mesma esteira
de sempre e me pus a caminhar, distraída com meus pensamentos,
e com um belo par de olhos negros que não me saía da cabeça.
Depois de uma hora alternando entre minutos de corrida leve e
caminhada, voltei ao meu apartamento. Eu ainda queria sair para
comprar algumas coisas para o jantar. Tomei um banho rápido,
preparei uma listinha de compras e saí.
Quando voltei, ao colocar as compras sobre o balcão da cozinha,
escutei o alerta de mensagens do celular. Corri para olhar, desejando
que fosse Fernando.

“Oi! Como está? Adorei a noite de ontem. Sonhei com você.


Estou ansioso pelo jantar de hoje.”

Ler as palavras de Fernando fez meu corpo formigar, e aquela


velha e muito bem conhecida sensação de ansiedade começou a me
dominar.
Digitei, sem demora, sentindo as mãos trêmulas.

“Estou bem. Também adorei nossa noite. Curiosa para saber sobre
esse sonho.
; ) Até daqui a pouco!”

Fiquei por alguns instantes encarando o celular e respirei fundo


várias vezes até conseguir me acalmar. Meu coração estava
disparado.
Combinamos o jantar para as oito da noite. Era por volta das seis,
então comecei a preparar o yakisoba. Deixei tudo quase pronto e fui
tomar outro banho. Escolhi um vestido vermelho justo, decote alto,
tipo canoa, e a saia levemente rodada, de um tecido encorpado, que
me caía muito bem. Passei um perfume suave, gloss nos lábios e
deixei os cabelos soltos, bagunçando as ondas com as mãos, para
parecer desarrumado, com um ar sexy. Tinha acabado de desligar o
fogão quando a campainha tocou. Era ele.
— Oi! — cumprimentei, sem conseguir esconder meu entusiasmo,
assim que abri a porta.
— Uau! Você está ainda mais linda! — Fernando me elogiou,
pegando minha mão e me fazendo dar uma voltinha. Meu rosto
afogueou e torci para ele não ter percebido.
— Obrigada. — Ajeitei a saia do vestido com as mãos, um pouco
desconcertada. — Venha, entre! — Apontei o interior do
apartamento.
Nossos apartamentos eram iguais, exceto pelo de ele estar mais
novo, por ter sido reformado. No meu havia um pouco mais de
objetos pessoais. Eu tinha levado um quadro, mas não tive coragem
de furar a parede para pendurar, então estava encostado sobre um
aparador. Entretanto, a forma como estava disposto acabou ficando
um charme. Um porta-retratos ao lado da TV exibia uma foto de
minha família em frente à casa de meus pais na fazenda. E, na parte
debaixo do rack, coloquei alguns livros. Fernando entrou olhando ao
redor.
— São seus pais e seus irmãos? — perguntou, pegando o porta-
retratos.
— Sim — Sorri com ternura, sentindo um saudosismo me invadir.
— Eles ainda moram em minha cidade natal. — Aproximei-me dele.
— Na verdade, meus pais e meu irmão moram no campo, a poucos
quilômetros da cidade, e minha irmã mora na cidade mesmo. Tanto
ela como meu irmão são casados, e meu irmão já tem dois filhos, um
casalzinho — comentei, orgulhosa e alegre.
— Uma bela família! — elogiou, devolvendo o objeto a seu lugar.
— Que cheirinho bom de comida! — Fernando fechou os olhos,
inspirando fundo para inalar o aroma no ar.
— Acabei de fazer o yakisoba. Acho que ficou bom. Espero que
goste. Agora, venha! — Estendi minha mão para ele, e, quando seus
dedos tocaram os meus, uma onda de eletricidade me percorreu,
como na noite anterior. Fiquei subitamente sem jeito. — Vamos nos
servir, que já estou morta de fome! — chamei, tentando aliviar aquela
tensão que sentia.
Fernando me acompanhou até a cozinha, de mãos dadas comigo.
Servimos nossos pratos e voltamos para a sala, onde sentamos em
cadeiras confortáveis de tecido bege diante de uma pequena mesa
redonda de tampo de vidro. A sala de jantar era conjugada com a de
TV, tudo pequeno, em uma espécie de miniatura de casa, mas de
tamanho suficiente para quem morava sozinho.
— Hmmm... — Fernando revirou os olhos, depois da primeira
garfada. — Isto aqui está uma delícia! — Ainda de boca cheia,
apontou o garfo para a comida, o que me fez sorrir.
— Obrigada. Fico feliz que esteja gostando — agradeci, satisfeita,
pairando meu garfo por um instante no ar, enquanto o observava
comer.
Durante o jantar, Fernando me contou do seu dia. Falava,
empolgado e com um brilho nos olhos, sobre as aulas e o trabalho
de revisor, um serviço que prestava como freelancer para algumas
editoras pequenas. Eu, por minha vez, contei sobre o progresso com
a escrita do meu romance e falei da empolgação em experimentar
receitas novas na cozinha.
Conversávamos de forma amistosa e natural, como se já nos
conhecêssemos há muito tempo. Eu estava supercuriosa para saber
o que ele sonhara comigo, no entanto não tive coragem de
perguntar. Porém, outro assunto me incomodava: algo em Fernando
tinha um ar de tristeza e mistério, e eu realmente queria saber qual
sua história.
— Ontem, no restaurante, você me disse que não tem namorada,
mas percebi certa tristeza ao responder... Passou por alguma
situação ruim, recente, digo, em relação à sua vida amorosa? — Em
momento algum, tirei minha atenção dele. E pude perceber que ele
não esperava que eu tocasse naquele assunto. Tarde demais.
— Bem... — Desviou seus olhos dos meus por um instante e
depois voltou a me fitar. — Eu fui noivo, Rafa.
Fiquei muda ao ouvi-lo e quase me arrependi de ter perguntado,
porque, pelo jeito, lá vinha chumbo grosso!
— Estávamos de casamento marcado, mas ela terminou tudo
comigo e sumiu no mundo — a voz saiu fraca e baixinha. Franziu o
cenho, ficando com o semblante triste, e percebi seus olhos
marejarem, o que cortou meu coração.
Não tive coragem de dizer nada.
Maldita boca grande! Minha curiosidade acabou com minha noite,
se é que aconteceria alguma coisa..., martirizei-me em pensamento.
— Eu nunca mais a vi — continuou, percebendo que eu não o
interromperia. — Ela foi embora do país. Tentei mandar e-mail, entrar
em contato, só que nunca houve resposta. Sei que fui burro de correr
atrás, mas fiquei inconformado. Queria entender os motivos dela,
que não me deu chance para conversarmos. — Havia um vinco entre
suas sobrancelhas.
— Me perdoe... — comecei a falar, sem saber o que dizer. — Eu
não devia ter perguntado. — Segurei as mãos dele nas minhas.
— Está tudo bem. Já passou. Ser abandonado sem motivo
aparente não é nada fácil, mas sei que um dia vou me recuperar e
tocar no assunto não me deixará triste, porém lembrar ainda dói... —
confessou, sem tirar as mãos das minhas, o que fez meu coração
ficar apertadinho no peito.
Será que ele tem medo de se envolver de novo?
Acariciei sua mão, sorrindo.
— Não conheci sua ex, não sei os motivos dela, mas nem todo
mundo é igual, Fer. Tenho certeza de que ainda encontrará alguém
que o valorize e que queira passar o resto de seus dias ao seu lado.
— Meu coração palpitou assim que minhas palavras saíram da boca.
Ele não disse nada, apenas meneou a cabeça.
Ficamos o restante do jantar em silêncio, trocando apenas olhares
cúmplices.
— Deixa eu te ajudar a lavar isso — falou, enquanto retirava os
pratos da mesa, assim que terminamos.
Concordei e tratei de ajudá-lo, enxugando a louça que ele lavava.
Enquanto isso, conversamos mais um pouco, dessa vez assuntos
mais leves.
— Posso ver seu texto? — Olhou-me diretamente nos olhos,
enquanto enxugava as mãos no pano de prato que eu segurava, o
que provocou certa agitação em mim.
— Será? — Senti-me um pouco envergonhada, receosa de que
ele pudesse odiar a minha escrita, contudo feliz pelo “climão” ter
desaparecido de vez.
— Sério. Deixa eu ler! — Aproximou-se de mim, acariciando meu
rosto. Estremeci em expectativa. Naquele momento desejei muito
mais.
Golpe baixo!
— Ah, está bem... Venha aqui comigo no quarto que vou pegar
meu notebook. — Entrelacei meus dedos entre os dele, puxando-o
pela mão para que me acompanhasse, ainda com uma vontade
enorme de consolá-lo, ou de ser tomada em seus braços.
Ao chegar ao quarto, liguei o notebook que estava sobre a cama,
abri o arquivo e virei a tela para ele.
— Aqui está. Pode ler. — Apontei para o texto.
Fiquei sentada do lado dele calada e aguardei ansiosamente por
trinta minutos até que ele leu tudo do início até o ponto onde eu
havia parado.
— Está ficando ótimo! — exclamou, parecendo-me sincero, o que
fez minha tensão aliviar.
— Jura? Acha mesmo que está bom ou falou só para eu não ficar
sem graça? — Arqueei uma sobrancelha, encarando-o, enquanto
roía o cantinho entre o dedo e a unha do polegar da mão direita.
— Juro! — Aproximou-se de mim provocante e sussurrou ao meu
ouvido, fazendo meu corpo todo arrepiar. Fiquei estática. Não movi
um milímetro sequer do lugar. — Você é linda! Encantadora... e
escreve muito bem. — Passou os dedos sobre meus lábios, o que
me fez arfar.
Eu te quero!, pensei, mas não disse nada.
Então, ele encostou seu rosto no meu, bochecha com bochecha, e
mordiscou minha orelha. Meu coração golpeou meu peito e senti
minha intimidade latejar de desejo. Fechei meus olhos enquanto
seus lábios percorreram o caminho até minha boca e me permiti ser
beijada por ele. Um beijo quente, calmo, gostoso. Beijo de quem
sabe o que quer, mas não tem pressa. Foi prazeroso e quase
torturante. Meu corpo tremia. Eu queria mais. Percebendo, ele me
abraçou forte. Depois me beijou com mais urgência e, quando
nossos lábios se afastaram, encostou sua testa na minha.
Estávamos ofegantes. Trocamos olhares cúmplices e sorrisos
nervosos. Tínhamos medo, mas estávamos envolvidos por uma
magia que eu ainda não conhecia.
Beijar Fernando era algo mágico, como se naquele instante nada
mais no mundo importasse. Foi diferente de todos os beijos que dei
em Bruno, mesmo na época em que ainda estávamos apaixonados.
Nunca tinha sentido uma ligação tão forte como aquela. Tive até
medo de me apaixonar e acabar machucada.
Depois do beijo, deitamo-nos de costas na cama, um ao lado do
outro. O sorriso bobo não deixava nossos rostos.
— Rafa, conhecer você foi a melhor coisa que me aconteceu nos
últimos tempos. — Acariciou meu rosto e entrelaçou sua mão na
minha. Então, virou-se para mim e levou meus dedos à sua boca,
beijando-os provocantemente. Deixei escapar um gemido, e ele
sorriu malicioso. Desprendeu nossas mãos e passeou as dele pelo
meu corpo, fazendo-me arfar.
— Acho que já está tarde... — Desvencilhei-me dele, girando na
cama e sentando. Apesar de excitada, e de desejar muito mais do
que estava acontecendo, tinha medo.
— Você está me mandando embora? — Sentou e arqueou a
sobrancelha, sério e desapontado, enquanto me analisava.
— Não! — A voz saiu mais alta do que pretendia. — Não é isso,
imagina. Eu nunca te mandaria embora... — Abaixei o tom de voz e
acariciei seu rosto. — Mas é que você deve ter que acordar cedo, e
eu também preciso descansar e...
— Está tudo bem, Rafa — interrompeu-me, beijando de leve meus
lábios, entendendo que eu estava dando um monte de desculpas por
medo do que poderia acontecer. — A noite foi ótima. Amanhã a
gente se fala. Já vou. — Levantou e me estendeu a mão para que eu
levantasse também.
— Foi ótima sim. — Acariciei o rosto dele. — Venha, eu te
acompanho até a porta. Senti-me uma tola naquele momento.
— Obrigado pelo jantar e... — fez uma pausa encarando minha
boca, parado, encostado no batente da porta —, por tudo.
— O prazer foi meu. — Sorri timidamente e nos despedimos.
Quando ele saiu fiquei suspirando.
Somos arrebatadas quando nos sentimos incluídas na vida de
quem está com a gente, quando percebemos o quanto somos
importantes e esse alguém faz questão de que saibamos disso.
Capítulo Onze
São detalhes que conquistam
“O clima entre nós era maravilhoso, um misto de bem-estar
e serenidade, que me fez momentaneamente esquecer o
mundo lá fora. É muito bom quando quem está com a gente
faz questão, com pequenos gestos e atitudes, de que nos
sintamos especiais, únicas.”
Depois que Fernando saiu, fechei a porta e fiquei encostada nela.
Eu não estava acreditando no que tinha acabado de acontecer.
Fernando era um cara muito legal, e beijá-lo foi incrível. Sentia que
dali para frente estaria encrencada. Como não me envolver com ele?
Como negar tudo o que estava começando a existir entre nós? Eu
não sabia o que aconteceria, mas estava interessadíssima em
descobrir. Obviamente demorei a dormir naquela noite. O cheiro de
Fernando ainda estava em meu quarto, o que me deixou ainda mais
atordoada.

No dia seguinte, acordei tarde, sentindo-me leve, como há muito


não sentia. Depois de um rápido desjejum, fui andar na esteira da
academia do prédio e voltei para o apartamento na hora do almoço.
Assim que entrei, meu telefone tocou. Vendo que era Fernando, eu
atendi rapidamente.
— Oi, Rafa. Sou eu, o Fernando. Tudo bem com você? —
cumprimentou, como se eu não soubesse que era ele quem estava
chamando. Mesmo que eu não tivesse seu número gravado, sua voz
já tinha se tornado inconfundível para mim.
— Estou bem. E você? — perguntei, enquanto me sentava no sofá
para tirar os tênis de caminhada.
— Bem também. Não consigo tirar você do pensamento... —
sussurrou e fez uma pausa, fazendo meu coração acelerar.
— Você também não sai do meu. Adorei o beijo ontem. — Fui
honesta, porque estávamos conversando ao telefone, pois,
provavelmente, não teria coragem de falar isso a ele cara a cara.
Não ainda.
— Quer almoçar comigo?
Seu convite me deixou ansiosa, só com a ideia de vê-lo outra vez
e, quem sabe, ter a sua boca na minha. Algo em Fernando mexia
muito comigo. Ele me tocou profundamente; sua conversa era
gostosa e tinha o poder de me fazer sentir bem e à vontade.
— Eu adoraria! — respondi, sem demora, colocando os pés sobre
o assento do sofá e envolvendo os joelhos com meu braço livre,
como se naquela posição “quase fetal” pudesse me acalmar.
— Então, se arrume que passarei pra te pegar em meia hora! —
ordenou, fazendo-me rir.
— Está bem, senhor Fernando! Mas posso, pelo menos, saber
aonde vamos comer?
— Isso é surpresa.
— Ok, então. Até daqui a pouco! — desliguei o telefone, eufórica,
e corri ao banheiro para me arrumar.
Eu queria muito conversar com a Cacá, todavia, sem tempo hábil,
conformei-me em deixar o papo para depois.
Após um banho rápido, escolhi um vestido curto de malha,
estampado e alegre, como meu humor estava. A garota que me
fitava do espelho parecia feliz. Sorri para minha imagem, sentindo o
coração aquecido. Passei blush, lápis nos olhos e gloss labial.
Amarrei os cabelos em um rabo de cavalo e fiquei satisfeita com o
resultado.
Conferi as horas no celular e vi que estava no horário combinado,
então peguei minha bolsa e me dirigi para a portaria do prédio.

Assim que cheguei, avistei o carro de Fernando. Sorri com sua


pontualidade e me encaminhei em sua direção.
— Você está linda! — elogiou, logo que abri a porta do Sandero
prata para entrar.
— Obrigada — agradeci, enquanto me sentava no banco do
carona. — Como vai? — Beijei-lhe a face e pude sentir que, mesmo
tendo trabalhado a manhã toda, ele ainda estava cheiroso.
— Melhor agora. — Segurou minha mão e a levou aos lábios para
um beijo, o que me deixou agitada.
— Aonde vamos? — perguntei, curiosa, enquanto Fernando dava
a partida no carro.
— Já disse que é surpresa. — Sua voz tinha certo ar de mistério, o
que me fez rir, e foi então que me dei conta de que já adorava esse
jeito dele.
— Está certo... Já que não vai me dizer, vou ter que aguentar a
ansiedade e esperar até chegarmos. — Fiz beicinho, dando-me por
vencida, quando percebi um sorrisinho travesso surgir no canto da
boca dele.
Fernando ligou o som do carro, tocava U2. Fomos conversando
trivialidades durante o percurso. Algum tempo depois, parou o carro
em um local que eu ainda não conhecia.
— Chegamos! — Virou-se para mim, sorrindo, contente.
Descemos do carro e pude ver que ele estava me levando a um
restaurante de comida tailandesa.
— Ah, que legal! — Dei um gritinho infantil. — Obrigada por isso!
— Agarrei-me ao pescoço dele, como se estivesse ganhando o
melhor presente do mundo.
— Como você disse que está a fim de experimentar novos sabores
e que as únicas coisas da comida árabe que conhecia eram esfiha e
quibe, imaginei que nunca tivesse experimentado comida tailandesa.
— Passou o braço em minha cintura, olhando-me nos olhos. O calor
do corpo dele contra o meu fez meu ventre formigar.
— E você tem razão, eu nunca experimentei mesmo! — respondi,
bastante eufórica, feliz por perceber que Fernando estava querendo
me agradar e mimar.
Ao entrarmos, achei o lugar bem bonito, com uma decoração
exótica em tons de vermelho e laranja. As mesas eram todas de
madeira e, ao invés de cadeiras, havia bancos vermelhos em cada
uma. A iluminação do lugar era colorida e aconchegante. Fernando
me confessou que também nunca experimentara comida tailandesa.
— Esta também é a minha primeira vez — sussurrou ao meu
ouvido como se estivesse dividindo comigo um segredo, e o contato
com seu hálito quente fez minha pele arrepiar.
Sentamos, e uma garçonete, com um vestido que mais parecia um
lenço de seda amarrado em seu corpo, veio nos atender. Olhamos
atentamente o cardápio e fizemos nossas escolhas. Enquanto
esperávamos os pratos ficarem prontos, conversamos.
— Rafa, você me disse que estava colocando alguns pontos finais
em sua vida, dando um tempo para si e decidida a experimentar
novas coisas, mas o que aconteceu? — Segurou minha mão, mas,
antes que eu pudesse responder, ele completou: — Acho que agora
é a minha vez de conhecer seus segredos. — Sorrindo torto, olhou-
me ternamente, o que fez qualquer medo de me abrir desaparecer
no mesmo instante.
— Eu não estava feliz — comecei a falar, sustentando seus lindos
olhos negros nos meus. — Acabei fazendo escolhas erradas,
priorizei o trabalho, esquecendo-me de mim, e acabei adoecendo.
Chamam de síndrome de Burnout, já ouviu falar?
— Não, acredito que nunca tinha ouvido falar... — respondeu
pensativo, parecendo procurar na memória aquele nome.
— Trata-se de um esgotamento psíquico, um tipo de estresse
extremo, provocado por excesso de trabalho em detrimento da vida
pessoal, que leva a pessoa a ter sintomas de ansiedade e
depressão, até entrar em colapso.
Fernando parecia bem atento à minha explicação.
— Depois de ser diagnosticada, percebi que estava passando da
hora de mudar, o que incluía os pontos finais. Estou fazendo
tratamento com remédios, para os sintomas de depressão e
ansiedade, e terapia. Larguei o trabalho e estou procurando me
reencontrar. — Despudoramente, eu fui franca, sem medo de
julgamentos, porque Fernando me fazia sentir bem e à vontade.
— E como tem sido o tratamento? Como está se sentindo? —
perguntou baixinho, sem desviar sua atenção de mim, enquanto
brincava com a ponta dos dedos sobre minha mão, fazendo carinho,
com movimentos circulares.
— Não foi nada fácil no início. As decisões que tomei, os efeitos
colaterais das medicações, as primeiras sessões de terapia... — Fiz
uma pausa para pensar. — Mas estou bem melhor agora, depois de
algumas semanas. Tenho me sentido mais confiante.
— Fico feliz por você. — Beijou minha mão e sorriu cúmplice.
O clima entre nós era maravilhoso, um misto de bem-estar e
serenidade, que me fez momentaneamente esquecer o mundo lá
fora. É maravilhoso quando quem está com a gente faz questão, com
pequenos gestos e atitudes, de que nos sintamos especiais, únicas.
Envolvida por ele, quase não percebi quando a garçonete chegou
com nossos pedidos.
Os pratos eram lindos e muito saborosos. Achei as combinações
de alimentos diferentes e exóticas e os temperos riquíssimos, tudo
com um sabor incrível, que não estamos habituados a experimentar
na nossa culinária no dia a dia. Achei uma pena quando terminamos
de comer e Fernando disse que tínhamos de ir embora, pois
precisava voltar para o trabalho. Ele não quis dividir a conta comigo,
falou que fazia questão de pagar e que aquele almoço especial foi
um presente que deu não só a mim, mas a ele mesmo também.
Fiquei feliz e agradecida. Estar mais uma vez ao lado dele só
reforçou minha certeza de que ele era um cara diferente, especial, e
que eu adorava sua companhia.
— Podemos nos ver hoje à noite? — Acariciou meu rosto, assim
que parou o carro em frente ao nosso prédio.
— Podemos sim. Vou contar as horas para te ver outra vez. —
Beijei rapidamente seus lábios num selinho e desci do carro,
apressada, como se assim pudesse fugir do que estava sentindo.
Acenei um tchau e mandei um beijo no ar com a mão.
Entrei em meu apartamento me sentindo eufórica, mas, ao mesmo
tempo, com medo.
— O que é isso que estou sentindo por Fernando? — questionei
ao me atirar no sofá. — Preciso conversar com a Carina. Agora!
Capítulo Doze
Empolgada
“O que eu estava sentindo só podia ser paixão, talvez
amor, quem sabe, era um sentimento forte demais, uma
vontade de querer estar perto, de saber tudo sobre ele e de
poder contar cada detalhe da minha vida.”
— Oi, amiga! — Carina atendeu animada, o que me fez sorrir
abertamente. — Como você está?
— Oi, Cacá! Estou bem e você? — Ajeitei-me entre as almofadas,
depois de tirar meus sapatos.
— Estou ótima! Aqui doida para saber suas novidades. Alguma pra
contar? — Acho que escutei um barulhinho como se ela estivesse
roendo a unha.
— Deixa as pobres das suas unhas em paz, amiga! — ralhei,
fazendo-a gargalhar.
— Como você sabe? — perguntou, espantada.
— Já te conheço há tempo suficiente para identificar este
barulhinho terrível! Mas vamos deixar nossas unhas de lado, afinal
também tenho roído as minhas, mesmo não devendo. O fato é que
tenho sim novidades, amiga! — exclamei, eufórica, e pude ouvir um
gritinho de empolgação do outro lado da linha.
— Conta, conta, conta! — falou logo, parecendo uma garotinha
animada.
— Eu e Fernando nos beijamos. — Dei uma pausa para ouvir mais
um gritinho. — E hoje ele me levou para almoçar em um restaurante
tailandês; foi tão lindo! — contei, afundando meu rosto em uma
almofada. — Ai, amiga, será que devo mesmo me envolver com ele?
— E por que não deveria, Rafa? — perguntou, confusa.
— Eu ainda não te contei, mas Fernando me confessou que sua
ex-namorada, que, na verdade, era noiva dele, o abandonou,
terminando o relacionamento sem explicações e mudando do país...
— Fiquei receosa por estar dividindo com ela algo tão íntimo sobre
ele.
— Nossa! Nem sei o que dizer... mas ele te disse isso assim,
de boa?
— Não, contou depois de eu ter insistido que algo nele me pareceu
misterioso e triste quando disse que não tinha namorada. — Parei,
lembrando da carinha de dor dele ao me dizer. — Amiga, ele ainda
está muito machucado, imagino que não deva estar querendo se
envolver, apesar de demonstrar interesse por mim. Tenho medo de
ser eu a sofrer, caso a gente tenha algo e ele não queira levar
adiante... — confessei com vontade de chorar, pois não sabia
mesmo se ainda tinha escolha quanto ao que estava sentindo por
ele.
— Complicado mesmo, hein? Mas, se quer um conselho, vá com
calma, então. Apenas deixe rolar e veja no que dá.
— É... Vou tentar. Combinamos de nos vermos de novo hoje à
noite. Depois te conto como foi.
— Boa sorte, amiga!
Despedimo-nos, desliguei o telefone e fiquei ainda um tempo no
sofá, escondida entre as almofadas, tentando me livrar dos
pensamentos que insistiam em ficar em minha mente.

Às sete da noite, Fernando me mandou uma mensagem. Eu


estava no quarto e havia esquecido o celular na sala. Assim que ele
apitou, corri para ler enquanto sentava no sofá.

“Está em casa?”

Respondi sem demora:

“Estou sim! : )”

“Posso ir até aí agora?”

“Claro. Venha!”

Em seguida, levantei para dar uma verificada no espelho em como


estava meu visual.
Acho que estou ok.
Sorri para minha imagem refletida, quando a campainha tocou.
— Oi! Como passou o dia? — perguntei, ao abrir a porta e, em
seguida, dei um beijo em sua bochecha.
— Passei bem. E você? — Colocou a mão para se apoiar no
portal.
— Bem também. Venha, entre! — chamei, nervosa, apontando
para o interior do apartamento.
Então, ele entrou e eu fechei a porta. Fernando estava lindo, usava
camiseta branca e bermuda cinza de um tecido leve, cheirava banho
recém-tomado e seus cabelos ainda estavam molhados, com alguns
fios caindo sobre o rosto, deixando-o sexy, com a barba por fazer.
— Você já jantou? — quis saber, enquanto sentávamos no sofá.
— Ainda não e, para falar a verdade, já estou faminta! — Passei a
mão em minha barriga, exagerada, fazendo Fernando rir.
— Também estou com fome. — Sorriu e acariciou meu rosto. —
Quer sair para comer, ou acha melhor pedirmos alguma coisa?
— Tenho uns ovos ali na geladeira. Que tal se eu fizer uma
omelete para nós? — Toquei a mão dele, que ainda estava em mim.
— Adoro omelete! — respondeu, animado. — Pode ser, então. Eu
te ajudo na cozinha.
— Então, vamos. — Levantei, estendendo a mão para ele.
— Não sem antes você me dar um beijo que ficou me devendo
hoje — sussurrou sedutor e puxou meu corpo de encontro ao dele.
Fazendo uma onda de frenesi me percorrer, daquele jeito que eu
costumava ler nos livros.
Estou frita!
Sorri, tentando disfarçar minha aflição. Eu não podia me apaixonar
assim tão facilmente, eu nem o conhecia direito! Ou será que podia?
Eu era uma confusão de sentimentos.
— Ah, é? Fiquei te devendo um beijo? Não estou lembrada de ter
prometido um... — Mordi o lábio inferior, fazendo um esforço
tremendo para colocar o ar para dentro dos pulmões, e nossas bocas
estavam tão próximas que eu podia sentir o calor do hálito dele, que
tinha um aroma suave de menta e estava me enlouquecendo.
— Foi uma promessa implícita. — Envolveu minha cintura com
seus braços definidos, apertando ainda mais meu corpo contra o
seu. Estava ficando difícil resistir.
— Não gosto de ficar devendo nada a ninguém — falei manhosa
ao pé do ouvido dele e pude perceber sua pele arrepiar, o que me
fez sorrir satisfeita com o efeito que lhe causava.
Não falamos mais nada, e ele simplesmente me beijou. Agarrei-me
ao seu pescoço enquanto passeava suas mãos por minhas costas,
provocando arrepios gostosos. Depois de um beijo longo, nós
ficamos por alguns instantes nos encarando com sorrisos bobos
estampados nos rostos, ofegantes.
— Promessa cumprida, agora é hora de matarmos a fome —
minha voz saiu um pouco vacilante, pela excitação. — Venha me
ajudar a cozinhar. Anda logo! — Puxei-o comigo para a cozinha,
fazendo-o rir.
Enquanto cozinhávamos, conversamos.
— Vou ter que viajar amanhã e ficarei a semana toda fora a
trabalho. — Olhou-me receoso, enquanto quebrava os ovos para
mim.
— Não acredito! — Fiz beicinho e continuei a misturar os
ingredientes para o recheio, tentando disfarçar o quanto tinha ficado
triste e confusa.
Afinal, por que eu fiquei tão triste? O que está acontecendo
comigo, porra?
— Nem eu. Não queria ficar longe de você, mas a gente pode se
falar ao telefone todos os dias, ok?
— Ok... — Parei o que estava fazendo e fiquei admirando o rosto
dele.
Tão lindo!
— O que foi? — Arqueou as sobrancelhas enquanto me entregava
o recipiente com os ovos já batidos.
— Nada. — Peguei a tigela das mãos dele e deixei meus dedos
tocarem os seus. — É que sua presença me faz bem — afirmei, sem
conseguir sustentar seu olhar. Meus sentimentos ainda eram
confusos. Mesmo assim, estava feliz de tê-lo conhecido e do que
nascia entre nós.
Então, ele se aproximou, beijou meu pescoço e depois meus
lábios, fazendo meu coração apertar dento do peito ao pensar que
ficaríamos alguns dias longe.
— Linda! Você também está me fazendo bem.
Assim que terminei a omelete, Fernando me ajudou a arrumar os
pratos na mesa.
A noite foi muito agradável. Jantamos conversando e sorrindo um
para o outro o tempo todo. Volta e meia, sua mão alcançava a minha
e ele me fazia um carinho. Falamos sobre assuntos variados e
acabamos descobrindo que tínhamos muitos gostos em comum.
Mais tarde, após me ajudar a lavar a louça, Fernando se despediu:
— Linda, já vou. Preciso arrumar minhas coisas para viajar. Adorei
jantar com você. Obrigado pela omelete, estava deliciosa. — Puxou-
me pela cintura, envolvendo-me em seus braços.
— Eu também adorei, Fer. Obrigada pelo almoço hoje. Achei muito
fofo da sua parte. Estou adorando te conhecer melhor. — Enlacei
meus braços no pescoço dele e o puxei para um beijo.
— Desse jeito acho que não vou embora — sussurrou ao meu
ouvido, assim que nossas bocas desgrudaram.
Ainda ficamos um tempinho nos despedindo e prometendo nos
falar ao telefone nos próximos dias.
Quando ele foi embora, tive certeza de que levava com ele um
pedacinho do meu coração.
Não foi fácil dormir naquela noite. O que eu estava sentindo só
podia ser paixão, Talvez, amor. Quem sabe? Era um sentimento forte
demais, uma vontade de querer estar perto, de saber tudo sobre ele
e de poder contar cada detalhe da minha vida. Depois de tanto
revirar na cama, acabei adormecendo.

Na manhã seguinte, acordei com uma mensagem dele.

“Estou saindo de viagem agora. Adorei ontem à noite! Aviso


você quando eu chegar lá. Um beijo e tenha um bom-dia!”

Ler sua mensagem me agitou, as mãos ficaram trêmulas e me


lembrei de cada instante que passamos juntos desde o primeiro dia
em que nos vimos.
Oh, meu Deus! Estou mesmo frita!
Voltei para a cama e fiquei por alguns instantes encarando o teto,
sentindo um pouco de dificuldade para respirar, o coração acelerado.
Inspirei e expirei lenta e profundamente várias vezes, procurando me
acalmar.
Ao longo do dia, recebi outra mensagem do Fernando me dizendo
que havia chegado bem e uma de Cacá querendo saber como tinha
sido a noite. Deixei para responder à minha amiga depois e
aproveitei meu tempo para escrever mais algumas páginas do meu
livro.
Num momento de pausa, enquanto assistia a um telejornal, fiquei
sabendo que estava tendo na cidade um evento cultural e que
naquela noite teria uma palestra com uma escritora, e dona de uma
editora, sobre a arte de escrever, voltada para autores iniciantes.
Fiquei animada com a notícia e decidi que iria. Antes de sair, mandei
uma mensagem para Carina.

“Estou ferrada, amiga! Acho que estou mesmo apaixonada. E


Fernando viajou a trabalho hoje. ficaremos alguns dias sem nos
vermos. Talvez seja até bom. Talvez eu esteja enganada quanto à
paixão...”

Carina respondeu em seguida:

“Fique calma, amiga, o que tiver de ser, será! Sei que é uma
frase bastante clichê, mas acredito mesmo nisso. Se precisar de
mim, é só chamar. Te amo!”

Fui sozinha ao evento e prestei bastante atenção a cada dica que


ouvi ali. Acabei me dando conta de que, se queria ser uma escritora
profissional, precisava, de alguma forma, me apresentar aos leitores.

Voltei para casa pensativa e, quando cheguei, liguei para


Fernando.
— Oi, Fer! Como foi seu dia? — perguntei, assim que ele atendeu,
enquanto sentava no sofá de casa.
— Foi bom. Tive uma reunião longa com o pessoal que faz o
material da escola onde trabalho. Eles estão com uma proposta de
mudança em algumas coisas e me ofereceram para participar do
novo material. Fiquei contente. Foi uma conversa produtiva —
respondeu, com empolgação nítida na voz, o que me deixou feliz por
ele.
— Acabei de chegar de um evento literário — falei, enquanto tirava
meus sapatos. — Voltei para casa pensando que preciso começar a
me apresentar ao mercado. — Massageei meus pés que estavam
doloridos por causa do salto alto.
— Concordo. Por que não cria um blog e um Instagram literário?
Acho que é uma boa ideia para começar.
— Ótima ideia! Vou fazer isso agora — fiquei empolgada. — Acho
que posso escrever alguns textos refletindo sobre a vida e os
relacionamentos; talvez as pessoas gostem.
— Isso mesmo! Além de conquistar leitores, você também estará
sempre treinando sua escrita.
— Obrigada pela dica. Depois a gente se fala mais. Um beijo —
despedi-me dele, pois não queria estender o assunto, não queria
falar sobre nós, nem sobre a saudade que estava sentindo. Não
queria forçar a barra. Talvez fosse mesmo bom ficar um tempo longe
dele. Desliguei e corri para meu computador.
Após dar uma pesquisada em alguns blogs, acabei fazendo um
bem simples, vinculado ao meu e-mail, e criei também uma nova
conta no Instagram. Uma hora depois, postei meu primeiro texto, que
tratei logo de compartilhar no Facebook. Já era tarde, e eu estava
cansada, então fui me deitar.
Todas as noites, tomava duas medicações antes de dormir: um
antidepressivo, que também era ansiolítico, e um remédio para
dormir. Ao pegar a cartela, vi que ambas só tinham mais um
comprimido. Era sexta-feira à noite, e meu médico não trabalhava no
sábado. Comecei a entrar em pânico de pensar que passaria o final
de semana sem medicação, pois os remédios não eram vendidos
sem receita.
Tentando encontrar alguma solução, acabei partindo os
comprimidos ao meio. Mesmo que a dose fosse só a metade, pelo
menos teria medicação garantida para aquela noite e a seguinte.
Tomei as metades e fui dormir.
Medos e angústias são nossos demônios, que nos aterrorizam e,
às vezes, impendem-nos de tomarmos atitudes importantes, ou
simplesmente de seguir em frente.
É preciso conhecermos nossas fraquezas e pelo menos tentarmos
encará-las de frente.
Não sei se pela agitação do dia e pela empolgação de ter criado
meu blog e Instagram literários, ou se foi por ter tomado só meio
comprimido de meus remédios, mas o fato é que demorei a dormir.
Minha cabeça estava fervilhando de ideias. De repente parecia que
minha vida estava dando uma guinada, novas oportunidades
surgindo. Eu estava feliz e me sentia cada dia mais forte. Dentre
tantos pensamentos e já meio sonolenta, a imagem de Fernando
várias vezes me veio à mente, fazendo-me, depois de um longo
tempo, adormecer feliz.
Capítulo Treze
Lutando contra meus demônios
“Fiquei desesperada com o que sentia. Percebi que
precisava de ajuda. Precisava conversar ou até mesmo de
alguma medicação, pois não é fácil lidar sozinha com os
próprios demônios.”
Apesar de ter adormecido em paz e feliz, tive muitos pesadelos.
Acordei com a sensação de nem ter dormido e não estava me
sentindo nada bem.
Arrastei meu corpo da cama, obrigando-me a levantar. Fiquei
assustada ao ver minha imagem refletida no espelho.
Estou com a cara péssima! Que sensação horrível é essa?
Alisei meu rosto com as mãos e, de repente, comecei a chorar
sem saber bem o motivo, mas a agonia era tamanha que não
consegui conter as lágrimas seguidas de soluços.
Voltei para o quarto e me joguei na cama afundando meu rosto no
travesseiro. Chorei muito, desesperadamente. Acho que devo ter
ficado assim por algumas horas. Quando o choro cessou, meu corpo
estava em frangalhos. Sentia uma fraqueza enorme e dor para todo
lado.
O que está acontecendo comigo?
Fiquei desesperada com o que sentia. Percebi que precisava de
ajuda. Precisava conversar ou até mesmo de alguma medicação,
pois não é fácil lidar sozinha com os próprios demônios.
Entretanto, era sábado: nem Fernanda, nem meu psiquiatra
atendiam. Talvez falar com alguém pudesse me acalmar. Pensei em
ligar para minha mãe ou para minha irmã, todavia acabei desistindo
da ideia, pois as deixaria muito preocupadas. Então, liguei para
Carina.
— Oi, amiga. — Sua voz soou aflita.
— Aconteceu alguma coisa? — Esqueci momentaneamente dos
meus problemas, ao perceber que alguma coisa errada estava
acontecendo com ela.
— A Manu teve febre a noite toda. Estou com ela no pronto-
socorro desde a madrugada. Resolveram deixá-la em observação
enquanto alguns exames ficam prontos.
— Nossa, Cacá, espero que não seja nada sério. Vou desligar,
então, não quero te atrapalhar. Depois a gente se fala. Me dê
notícias, por favor. Beijos. Fique bem.
— Beijos. Obrigada, amiga. Fique bem você também.
Carina já estava ocupada com suas próprias angústias, não era
justo eu contar a ela que não estava bem, mas o fato é que eu não
estava. Pressentia que uma crise de pânico me rondava. Eu
precisava desabafar, ser acalentada, e, mesmo pensando que talvez
eu não devesse ligar para ele e que Fernando pudesse estar em
reunião, peguei meu celular e liguei.
— Oi, Rafa! Como você está? — atendeu, alegre, e ouvir a voz
dele me fez voltar a chorar.
— Oi, Fer... — cumprimentei, sem conseguir conter as lágrimas.
— Você está chorando? O que aconteceu?
— Dormi muito mal, estou me sentindo péssima. Fazia tempos que
não ficava assim, desde que comecei o tratamento. Não vi que
minhas medicações estavam acabando e, para ter remédio hoje à
noite, acabei partindo os comprimidos e tomei só as metades ontem,
mas acho que a dose não foi suficiente. Estou muito angustiada —
falei, ainda chorando.
— Minha linda, calma, respira fundo, não fica assim. Oh, faz o
seguinte, tenta ligar a TV, ou o rádio ou vá para a academia fazer
uma caminhada, mas se não melhorar acho que você deve procurar
um pronto-socorro. Talvez algum médico possa lhe dar a receita das
medicações — falou carinhoso, fazendo, aos poucos, meu coração
voltar a bater no ritmo normal.
— Está bem. — Enxuguei o rosto com a mão. — Vou fazer isso,
mas se não surtir efeito vou procurar um pronto-atendimento mesmo.
Obrigada por falar comigo. — Encolhi toda na cama.
— Não tem que agradecer nada. Vou estar o dia todo em reunião,
mas me dê notícias, ficarei esperando. Um beijo.
Despedi-me dele e ao me levantar me dei conta de que queria
muito ter ouvido um “estou sentindo sua falta”.
Talvez eu não tenha dado espaço para ele falar, talvez tenha sido
isso. Pensar assim só me fez chorar mais uma vez. Que merda, que
merda!
Fui até a sala e liguei a TV, aumentando o volume do som. Torci
para que o barulho me distraísse e afastasse de mim aquela
sensação ruim. Então, fui até a cozinha e enchi um copo de leite, que
misturei com achocolatado, e bebi de uma golada só. Voltei para a
sala e sentei no sofá zapeando os canais da TV.
Sem conseguir prestar atenção a nada, e com a visão ainda um
pouco embaçada por causa das lágrimas, percebi logo que aquilo
não iria funcionar.
Desesperada para me sentir melhor, coloquei uma roupa de
ginástica e fui para a academia do prédio.
Fernando tem razão, talvez caminhar melhore meu ânimo.
Assim que cheguei lá, procurei logo minha esteira preferida e
comecei andando bem devagar, respirando profundamente. Liguei
uma música no meu celular e coloquei fones de ouvido, prendendo o
aparelho ao meu corpo, em um suporte próprio. Aos poucos fui
aumentando a velocidade até que consegui manter uma corrida em
um trote leve.
A música e a descarga de endorfina em meu corpo, promovida
pela corrida, fizeram, aos poucos, minha tensão amenizar e fui
relaxando. Corri por dez minutos e então voltei a caminhar. Fiquei
aliviada ao perceber que aquilo estava funcionando. Cerca de uma
hora depois, quando voltei para o apartamento, estava me sentindo
bem melhor. Eu precisava contar para Fernando e tranquilizá-lo.
Então, mandei uma mensagem. Ele não visualizou na hora. Com
medo de incomodá-lo e decidida a não ficar sozinha em casa, tomei
um banho rápido e saí.

Antes de iniciar o tratamento, tive várias crises esquisitas assim.


Bruno sempre ficava irritado, não conseguia entender minha
mudança de humor e minha aflição. Achava que era exagero meu.
Seu comportamento só fazia minha angústia piorar. Muitas vezes, saí
a esmo pelas ruas e acabei sentando em alguma praça para ficar
vendo o movimento, torcendo para que aquela sensação ruim fosse
embora. Chorei sozinha tantas vezes que até perdi a conta. Agora eu
entendia que aquilo era provocado por uma doença. Estava me
tratando, tinha mudado meu estilo de vida, sentia-me forte na maior
parte do tempo, porém tudo ainda era muito recente e delicado. Eu
sabia que estava andando numa corda bamba e a qualquer
momento poderia cair.
De repente, meu celular tocou. Era Fernando. Ver seu nome na
tela fez meu coração disparar.
— Alô.
— Oi, minha linda. Como você está? Está em casa? Vi sua
mensagem dizendo que se sentia melhor, mas queria me certificar,
precisava te ouvir. — A voz mansa e o jeitinho carinhoso dele fizeram
um sorriso brotar em meus lábios. Como era bom saber que mesmo
à distância ele conseguia cuidar de mim.
— Caminhar me ajudou a relaxar e amenizou a sensação ruim que
estava sentindo. Agora estou na rua, vim naquela feirinha que tem
aqui perto do nosso prédio.
— Fico mais tranquilo. Você já comeu alguma coisa hoje?
— Pra ser sincera, só tomei um copo de leite, mas vou comprar
algo agora. Adoro pastel de feira. Estou pensando em comer um. —
Sentei no meio-fio da calçada para poder conversar. — Mas e você?
Nem te perguntei, como estão as coisas por aí hoje?
— Está tudo bem. Hoje tive uma reunião a manhã toda, mas agora
vamos sair para almoçar. Ei, Rafa, estou ficando louco de
saudades... — A declaração foi quase um sussurro e suas palavras
aqueceram meu coração.
Ele confessou! Também estava sentindo minha falta.
Tive vontade de levantar e sair dançando para comemorar, todavia
me contive em apenas sentir aquela felicidade que sua confissão me
proporcionou.
— Eu também, Fer. Estou sentindo muito a sua falta. Queria que
estivesse aqui — minha voz saiu mais manhosa do que pretendi, o
que me deixou um pouco envergonhada.
— Daqui a pouquinho estarei de volta e poderemos matar a
saudade.
— Tomara que esses dias passem bem rápido — falei tímida.
— Também vou torcer para isso, minha linda. Agora tenho que
desligar. Por favor, vá me dando notícias de como está. Se eu não
puder atender, me deixe mensagem que depois te retorno.
— Está bem. Um beijo.
— Beijo.
Desliguei o telefone e fiquei encarando a tela do celular.
Como um relacionamento que nem bem tinha começado podia ser
tão bom, tão diferente de tudo o que eu já tinha vivido?
A sensação ruim desaparecera. Estava alegre, feliz por perceber
que Fernando correspondia aos meus sentimentos por ele. De
repente, peguei-me fazendo planos, coisa que há muito não fazia.
Comi meu pastel preferido, um X-tudo, e passei a tarde toda na
feira, que vendia comida e artesanato.

Quando voltei para casa, a angústia que sentia havia amenizado e


meu pensamento estava todo ocupado por certo rapaz gentil de
olhos negros.
Antes de ir me deitar, li uma mensagem dele.

“Minha linda, espero que esteja mesmo se sentindo melhor.


Adorei falar com você. Estava com saudade de ouvir sua voz.
Nossos beijos não me saem da cabeça. Durma bem e tenha
bons sonhos. Precisando, é só chamar.”

Depois de ler a mensagem, mesmo sabendo que eu teria


novamente apenas metade da dose das minhas medicações, nem
me preocupei. De alguma forma, sentia que dormiria melhor.
O dia havia começado péssimo, mas estava terminando bem. Às
vezes, quando estamos em um momento de transição, tentando
superar algo e recomeçar em um novo rumo, alguns dias são mais
difíceis que outros, mas está tudo bem ser assim. Tudo passa. A
incerteza que nos atordoa e a agonia que aperta o peito também
passarão.
Capítulo Quatorze
Dias difíceis
“Válvulas de escape, atividades que nos relaxem, são
muito importantes para controlarmos nossas pressões e
ansiedade, principalmente nos dias mais difíceis, naqueles
em que duvidamos de nossa capacidade de seguirmos em
frente e deixarmos nossos medos e traumas para trás.”
Apesar de ter adormecido rapidamente e me sentir bem, tive mais
uma noite terrível. Não consegui dormir direito e tive muitos
pesadelos. Acordei acabada e, quando olhei no relógio do celular, vi
que já era tarde. Percebi que tinha uma mensagem do Fernando, o
que me fez me sentir um pouco melhor. Ele perguntava como eu
estava e pedia que eu ligasse assim que acordasse. Louca para falar
com ele, liguei sem demora.
— Bom dia, linda! Como você está? Passei a noite toda
preocupado com você ontem, mas tive medo de ligar e acordá-la,
caso estivesse dormindo. — Sua voz grave fez meu coração bater
mais forte. — Estou com saudades, Rafa — falou em um tom mais
baixo.
Ouvir mais uma vez que ele sentia saudades de mim aqueceu meu
coração.
— Bom dia, Fer! Desculpa não ter dado mais notícias. —
Aconcheguei-me entre os travesseiros. — Passei a tarde toda lá
feirinha, o que me fez espairecer um pouco, e acabei me acalmando,
mas a noite foi terrível!
— Não conseguiu dormir de novo? — Seu tom de voz era de
preocupação.
— Não — respondi em meio a um bocejo. — Estou um caco!
— Vou repetir o que disse ontem. Se não estiver aguentando,
procure um pronto-socorro. Não fique em casa sozinha passando
mal, você promete isso? — disse tão carinhoso que a única coisa
que desejei naquele momento foi que estivesse comigo, para poder
me envolver em seus braços. Eu não havia procurado um pronto-
atendimento porque não queria ficar sozinha num corredor de
hospital aguardando ser atendida. Só de imaginar a cena chegava a
estremecer.
— Prometo! E você, dormiu bem? — Fiquei preocupada de meus
problemas tê-lo feito dormir mal.
— Apesar de ter ficado muito preocupado com você, dormi bem
sim. O que está pensando em fazer hoje? Por que não passa o dia
com a sua amiga?
— Fico aliviada em saber que não te tirei o sono. Agora, quanto a
passar o dia com a Cacá, a Manu, filhinha dela, está com febre.
Ontem elas foram ao hospital. Não quero incomodá-la.
— Nossa, que chato. Espero que não seja nada grave.
— Ainda não sei o que ela teve, mais tarde vou ligar pra Carina.
— Linda, vou ter que desligar agora. Vou para outra reunião. Mais
tarde te ligo, mas se precisar pode me chamar, viu?
— Está bem, Fer. Obrigada pelo carinho comigo.
— Imagina, não tem nada que agradecer. Você já é importante pra
mim e me preocupo com seu bem-estar.
— Mais tarde a gente se fala. E Fer... Você também já é muito
importante pra mim.
Levantei com a cabeça um pouco pesada pela noite maldormida,
mas com uma sensação gostosa por ter falado com Fernando.
Em seguida, fui direto para o banheiro. Escovei os dentes e tomei
uma ducha fria para tentar me despertar. Saí do banho me sentindo
melhor. Fiz um lanche e liguei meu notebook.
Entrei no meu blog e Instagram recém-criados e vi que minhas
postagens já tinham tido algumas poucas visualizações. Olhando
para aquele número, fiquei na dúvida se deveria me sentir feliz ou
preocupada, mas resolvi ficar com a primeira opção. Depois de dar
uma navegada pela internet, voltei ao meu romance, disposta a
continuar com aquela história. Passei horas envolvida com a escrita
e só parei quando meus dedos começaram a doer.
Escrever era terapêutico e me ajudava a fugir das minhas aflições.
Era minha válvula de escape.
Válvulas de escape, atividades que nos relaxem, são muito
importantes para controlarmos nossas pressões e ansiedade,
principalmente nos dias mais difíceis, naqueles em que duvidamos
de nossa capacidade de seguirmos em frente e deixarmos nossos
medos e traumas para trás.
Almocei e assisti a um filme. Quando terminou, mandei uma
mensagem para Carina perguntando como a Manu estava. Ela logo
respondeu:

“Já estamos em casa. Ela está bem. É uma pneumonia, mas


poderá tomar as medicações em casa.”

“Que bom que puderam ir para casa. Espero que sua garotinha
linda fique bem logo. Beijos, amiga. Te amo!”

Depois de conversar por mensagem com a Carina, peguei um


romance para ler e assim mantive minha mente ocupada enquanto
as horas do dia passavam.
No final da tarde, mandei uma mensagem para Fernando dizendo
que estava bem e reforcei que já sentia saudades dele. Algum tempo
depois, ele me ligou, e atendi alegre.
— Oi, Rafa, que bom ouvir sua voz assim mais animada! Está se
sentindo bem?
— Graças a Deus, hoje estou bem melhor que ontem. Só o corpo
que está dolorido, acho que por não ter dormido direito à noite.
— Fico aliviado e feliz em saber.
— E você, o seu dia foi produtivo? — perguntei interessada em
saber e querendo prolongar nossa conversa. Era muito bom ouvir a
voz dele, mesmo que ao telefone.
— Foi sim. Fechamos várias parcerias para o material que iremos
produzir. Foi bem bacana. Hoje à noite, teremos um jantar de
confraternização.
— Que ótimo. Espero que se divirta.
— Obrigado, Rafa. Mas sabe como são esses jantares de
negócios, né? Sempre uma chatice!
Eu não sabia como eram os tais jantares, mas pensar que fossem
chatos até me deixou mais tranquila.
— Amanhã cedo, ligarei no consultório do meu médico pedindo um
encaixe.
— Faz muito bem. Depois me conte se conseguiu. Agora vou
desligar. Amanhã a gente se fala. Descanse, linda! Um beijo.
Despedimo-nos e desliguei o telefone um pouco desconfortável
com a tal confraternização. Eu não havia perguntado a Fernando se
tinham mulheres no grupo. Pensar que poderia ter me fez sentir
ciúmes.
Incomodada com aquilo e preocupada em como seria minha noite,
preparei um chá de camomila para tomar. Estava exausta, então fui
logo para a cama. Fiquei nela revirando de um lado para o outro,
contei mil carneirinhos e repassei mentalmente toda a história que
estava escrevendo. O sono demorou a chegar, mas adormeci em
paz.
Capítulo Quinze
Meu porto seguro
“Em pouco tempo, Fernando se tornara meu porto seguro.
Não uma tábua de salvação, longe disso, mas com ele sentia
segurança e paz. Podia ser eu mesma, sem receios. Era
muito bom saber com quem contar.”
A primeira coisa que fiz na segunda-feira, assim que acordei, foi
ligar no consultório do meu psiquiatra e pedir um encaixe de
urgência. Depois, liguei para a clínica da Fernanda e também pedi
para adiantar minha sessão para aquele dia ainda. Após os
telefonemas, levantei e fui ao banheiro. Ao me olhar no espelho, tive
um susto danado com minha aparência. Estava com uma cara
péssima! Tinha olheiras profundas. Parecia que eu estava há uma
semana sem dormir.
O que a falta de uma noite bem dormida faz com a gente!, concluí,
espantada, enquanto alisava meu rosto com as mãos.
Tomei um banho rápido, comi qualquer coisa e saí para a consulta
com o psiquiatra. Lá, contei a ele que as medicações acabaram e
passei muito mal sem elas. Ele me examinou, conversou comigo por
alguns minutos e me deu uma nova receita, aconselhando-me a ficar
atenta para não deixar a medicação acabar sem já ter comprado
outras caixas. Como era só um encaixe, foi uma consulta rápida, o
que, na verdade, até me deixou aliviada.
Estava com saudades de Fernando, que já ocupava meu
pensamento mais do que talvez deveria. Então, antes de sair da
clínica, mandei uma mensagem de bom dia e contei que tinha
conseguido me consultar.
Almocei em um self-service que ficava próximo ao consultório da
Fernanda, pois logo depois do almoço seria meu horário com ela.
Aproveitei e já tomei minhas medicações, mesmo sabendo que
tomá-las naquele horário me deixaria sonolenta ao longo do dia, mas
é que eu precisava delas.
Assim que me recebeu à porta, percebi que estava preocupada.
— O que aconteceu, Rafaela? Como está se sentindo? —
perguntou minha psicóloga, já tão querida por mim.
Contei a ela que havia passado muito mal sem as medicações,
mas, de repente, percebi que não era esse o foco que queria dar à
nossa conversa. Enquanto respondia, a imagem do Fernando veio à
minha mente, fazendo-me sorrir. Ele era meu tema!
Em pouco tempo, Fernando se tornara meu porto seguro. Não
uma tábua de salvação, longe disso, mas com ele sentia segurança
e paz. Podia ser eu mesma, sem receios. Era muito bom saber com
quem contar, mesmo que estivéssemos nos falando apenas por
telefone. A conversa era sempre leve e descontraída, e não havia
cobranças ou obrigações, apenas uma vontade enorme de estar
perto.
Sentia que Fernando era um presente que a vida estava me
dando, depois de tantas tristezas e escolhas erradas. Ainda não
sabia o que aconteceria dali para frente, mas tê-lo próximo a mim já
me deixava feliz. Um dia a gente aprende que nem todo mundo que
deixamos entrar vai nos magoar. E só poderemos amar e ser
amadas de novo se deixarmos as portas abertas e nos permitirmos.
Após uma hora falando sobre ele e em como estava sendo
importante para mim, a sessão chegou ao fim. Saí de lá aliviada e,
de certa forma, feliz! Liguei para Carina assim que entrei no carro.
— Oi, amiga, como você está? — atendeu, com voz de cansada.
— Oi, Cacá! Estou bem — menti, porque não queria preocupá-la,
enquanto olhava o movimento da rua através da janela do carro. — E
a Manu, está melhor?
— Está sim, graças a Deus. De ontem para hoje ela já não teve
febre, mas ainda está amuadinha e tem dormido muito de dia e
acordado chorando algumas vezes durante a noite. Estou exausta,
amiga!
— Imagino que não deva mesmo ser fácil passar a noite
praticamente em claro, preocupada com a filha doente, mas fico feliz
que ela esteja melhorando. Vou só esperar mais uns dias e vou
visitá-los.
— Venha sim, já estou com saudades!
— Eu também. Depois nos falamos mais, agora vai cuidar da sua
criaturinha. Beijos.
— Só você para chamar minha filha de criatura e não me deixar
chateada, Rafa! — riu do outro lado da linha. — Beijos. Se cuida,
amiga! Até mais.
Assim que desliguei o telefone, dei partida no carro e fui para casa,
pois o sono já começava a bater.
Capítulo Dezesseis
Muito mais que um amigo
“Só vale a pena entregar o nosso coração a quem estiver
disposto a cuidar bem dele. Além de nos amarmos, é muito
bom quando nos permitimos sermos amadas.”
Passei os dias seguintes escrevendo tanto meu romance quanto
textos para o blog e Instagram e, quando me sentia cansada, ia para
a academia do prédio. Todos os dias, sem falta, falei com Fernando
por telefone e por mensagens. Estava com muitas saudades dele e
louca para nos vermos de novo.
Sentindo-me bem melhor, liguei para minha mãe e para minha
irmã. Conversar com elas era sempre bom, mas, definitivamente, eu
tinha decidido não falar a respeito de meus dias ruins. Não achava
justo preocupá-las sabendo que estavam longe. Eu costumava ir
mais à fazenda, entretanto, com a loucura em que minha vida foi se
transformando, passei a ir até lá cada vez com menos frequência, e
minha mãe sempre se queixava disso. Com a nova vida que estava
levando, tinha feito um propósito de ir visitá-los mais vezes.
Enfim, a semana passou. Fernando me ligou avisando que estava
voltando.
— Oi, Fer, que saudade! — atendi toda animada ao ver que era
ele.
— Oi, linda! Também estou louco de saudade! Estou te ligando
para dizer que já estou voltando. Estou saindo daqui agora, em
pouco mais de três horas estarei aí.
— Que ótimo! Venha devagar. Não vá correr na estrada, é
perigoso, hein?! — minha advertência fez com que ele desse uma
risada gostosa.
— Pode deixar! Não costumo correr, também acho perigoso. Quer
almoçar comigo?
— Quero sim! Vou preparar um almoço pra te esperar.
— Imagina, Rafa, não precisa. Podemos comer fora. — Sua voz
soou preocupada.
— Faço questão — respondi, abrindo a geladeira para ver o que
eu tinha lá.
— Se faz questão, tudo bem. Vou adorar comer algo preparado
por você. Até daqui a pouco.
Em uma das nossas várias conversas, ele me dissera que
adorava feijoada. Então, saí para comprar os ingredientes, pois,
ao olhar a geladeira, constatei que não tinha nada que precisava
em casa. Voltei depressa para preparar tudo a tempo.
Quando ele chegou, mandou-me uma mensagem dizendo que iria
só tomar um banho e desceria para meu apartamento. Com tudo
pronto, desliguei as panelas e fui tomar meu banho também.
Quando o interfone tocou, corri para atender, ansiosa, sentindo o
coração disparado.
Ao abrir a porta e me deparar com ele, fiquei sem reação. Queria
pular logo em seus braços, mas nossos olhares se prenderam por
alguns instantes e aquele silêncio em que trocamos apenas sorrisos
falou mais que mil palavras. Eu não estava louca, Fernando também
sentia o mesmo que eu, não era difícil perceber.
— Que saudade estava de você! — falei, segundos depois,
aproximando-me e envolvendo-o em um abraço apertado,
confortável e gostoso.
— Eu também senti muito a sua falta! — sussurrou ao meu ouvido.
E, antes de me soltar, sua boca alcançou a minha e me beijou com
sofreguidão, tirando-me completamente o ar. Assim que o beijo
terminou, ainda ficamos de testas coladas, parados à porta.
— Vamos entrar — falei baixinho. — Preparei um almoço especial
pra você. — Puxei-o pela mão, fazendo-o sorrir.
— Hummm... Que cheiro gostoso. Não acredito que você fez
feijoada pra mim! — Apertou meu nariz, alegre, ao chegarmos à
cozinha.
— Ah, não! Você adivinhou pelo cheiro... — reclamei, fazendo
beicinho.
Conversamos sem parar, enquanto nos servíamos. Fernando me
contou da viagem e das reuniões de negócios, satisfeito por tudo ter
saído como esperava. Contei a ele do meu livro e que eu estava
melhor.
Era estranho olhar para Fernando. Parecia que fazia um ano que
não o via, mas, por outro lado, era como se tivéssemos nos visto no
dia anterior. Confuso como o que eu sentia por ele. Não era só um
amigo que beijei. Longe disso! Em pouco tempo, Fernando ocupava
um espaço muito especial em minha vida, e eu já não podia negar
que também no meu coração.
Depois de almoçarmos e de ele ter elogiado umas mil vezes a
feijoada, o que me deixou muito feliz, chamei-o até o quarto, onde
meu notebook estava, para mostrar meu romance e meu blog, mas o
blog e Instagram ele já tinha conhecido. Fernando leu pacientemente
as novas páginas, e eu o esperei terminar, calada ao seu lado, e,
sem conseguir controlar minha ansiedade, acabei roendo o cantinho
entre o dedo e a unha.
— Rafa, isto aqui está muito bom! Você já está quase terminando,
não está? — Virou-se para mim e acariciou meu rosto, o que fez meu
corpo aquecer.
— Obrigada! Acho estou que sim — respondi, empolgada.
— Estou com saudades de outra coisa... — Aproximou-se de mim
e sussurrou ao meu ouvido. Seu hálito quente em minha pele me fez
buscar por ar.
— Também estou com saudades. Aquele beijo à porta não foi o
suficiente, não é? — Encostei meus lábios nos dele, provocando-o.
— Não mesmo! — Suas mãos habilidosas envolveram meu
pescoço, puxando-me para si. — Linda! — Fernando me beijou,
explorando minha língua e minha boca lentamente, fazendo-me
desejar tê-lo mais que tudo. Estava tão excitada que já me sentia
molhada.
— Estava morrendo de saudades, Fer... — Minha voz saiu
ofegante entre um beijo e outro.
— Eu também! — Beijou-me novamente de forma lasciva. — Você
não me sai do pensamento. O que está fazendo comigo, porra? —
perguntou assim que nossos lábios se desprenderam.
— Tenho me questionado o mesmo de você — suspirei e voltei a
beijá-lo, afundando meus dedos em seus cabelos.
— Quero você! — falou, ao desgrudar sua boca da minha, e suas
palavras estavam carregadas de intensidade.
— Eu também te quero — confessei, sem vergonha alguma,
sustentando seu olhar no meu.
— Mas quero que seja especial — mordiscou meu pescoço,
enquanto bagunçava meus cabelos com suas mãos urgentes, em um
carinho gostoso.
— Eu não tenho dúvidas de que será especial... — Senti meu
corpo formigar.
Então, Fernando me soltou e se afastou alguns centímetros me
analisando.
— Hoje à noite — falou, fazendo-me estremecer. — Quero
preparar um jantar romântico pra você, com tudo o que tem direito.
A proposta dele me fez sorrir, nervosa. Eu queria aquilo mais que
tudo. Aproximei-me outra vez e o beijei com paixão.
— Adorarei que seja assim. Você é muito especial pra mim, Fer.
Pode apostar!
Ele sorriu abertamente e encheu meu rosto de beijinhos.
— Você também é pra mim, Rafa!
Abracei-o, feliz com a nova chance que a vida estava me
oferecendo.
Ao nos despedirmos, momentos depois, já à porta, não queria me
desgrudar dele.
— Até mais tarde — sussurrei ao seu ouvido.
— Contarei os minutos — falou assim que o abraço terminou,
demorando seus olhos nos meus. — Infelizmente, preciso que ir
agora. Tenho um texto para revisar.
Depois de mais alguns últimos beijos, ele se foi. Fechei a porta e
encostei a testa nela, respirando fundo para tentar me acalmar,
ansiosa pela nossa noite romântica.
Eu queria entrar de cabeça naquela relação e me permitir uma
nova chance de ser feliz ao lado de alguém.
Todo mundo merece um romance daqueles de novela, uma
paixão avassaladora, um amor arrebatador. Mas, principalmente,
merecemos ter ao nosso lado alguém que nos admire, respeite,
apoie e que esteja disposto a seguir em frente juntos. Uma relação
se faz a dois e é necessário companheirismo e, por vezes, abdicação
de ambas as partes. Os dois lados precisam aprender a ceder para
que dê certo.
Só vale a pena entregarmos nosso coração a quem estiver
disposto a cuidar bem dele e, além de nos amar, se permita ser
amado.
Capítulo Dezessete
Um romance daqueles de novela
“Ele despertava minha libido, e meu corpo estremecia ao
seu toque, em um misto de calmaria e vendaval, daqueles
romances que só acontecem em novelas, filmes e livros, que
nos tiram do chão e nos levam ao céu.”
Passei a tarde toda ansiosa e empolgada pelo nosso jantar
romântico “com tudo a que eu tinha direito”. Sentia-me como uma
adolescente prestes a ter seu primeiro encontro amoroso. Fernando
era um homem incrível, diferente de todos que conheci.
Às sete da noite, comecei a me arrumar. Tomei um banho
demorado e usei um óleo corporal perfumado para hidratar a pele.
Escolhi um vestido amarelo de um tecido leve, coloquei uma lingerie
branca de renda, calcei sandálias de salto e deixei os cabelos soltos
e propositalmente bagunçados, com aquele visual sexy que um bom
cabelo bagunçado proporciona. Caprichei na maquiagem, pois,
assim como Fernando estava querendo me impressionar,
preparando uma noite romântica, eu também queria ficar bonita para
ele.
No horário combinado, toquei a campainha do seu apartamento.
Meu coração estava acelerado, e as mãos suando frio. Fernando me
atendeu com um sorriso de orelha a orelha.
— Nossa, você está ainda mais linda! — Seus olhos se
demoraram nos meus, antes de me reparar de cima a baixo, o que
me aqueceu.
— Você também está muito bonito — elogiei, sem conseguir parar
de observá-lo. Ele estava de camisa preta slim, com um corte
perfeito para seu corpo, realçando os músculos dos braços e calça
jeans. O cabelo molhado caía sexy sobre o rosto. O perfume que
usava era o mesmo que eu já conhecia bem e que tanto me
acalmava.
— Venha, vamos entrar! — Estendeu-me a mão grande e quente.
Assim que entrei, percebi que o apartamento estava à meia-luz.
Havia apenas uma luminária acesa na sala e sobre a pequena mesa
de jantar um candelabro com duas velas acesas e um vaso solitário
com uma rosa vermelha. Ele dispôs os pratos e talheres de forma
requintada, usando lenços de tecido combinando com o suplat.
Onde ele foi arrumar essas coisas lindas?
Apesar do pensamento, resolvi não perguntar nada para não
quebrar o clima de romance que ele criara. Estava admirando tudo
embasbacada, com o coração palpitando, quando ele me chamou de
volta à realidade.
— Sente-se aqui, meu bem. — Puxou, gentilmente, uma cadeira
para mim.
Meu bem! Ele me chamou de meu bem!
Empolgada, sentei-me sorrindo. Estava feliz por estar ali com ele.
Depois de tantas angústias vividas nos últimos meses de minha vida,
de tantos medos e de tudo pelo que passei ao decidir mudar
drasticamente minha história, aquele estava sendo um momento
mágico, que me fazia esquecer tudo e pensar que o que aconteceu
tinha mesmo de acontecer para que nós dois nos conhecêssemos e
estivéssemos ali juntos naquela hora.
— Aceita um vinho? — Pegou uma garrafa na geladeira. — Uma
tacinha não deve fazer mal, né? Digo, por conta das medicações que
está usando... — falou com tanto cuidado, que me fez sorrir.
— Aceito sim. Uma taça não há de ter problemas. — Não consegui
tirar um sorriso tolo da cara. O olhar dele, sedutor, queimava-me feito
brasa.
Então, Fernando veio até à mesa e encheu nossas taças com um
vinho branco chileno.
— A nós dois! — Ergueu a sua em minha direção para um brinde,
após sentar-se.
— A nós dois e aos recomeços que a vida nos proporciona! —
Brindei quando tilintamos.
— Você é uma mulher linda e encantadora, Rafa. — Sua mão
procurou a minha sobre a mesa. Entrelaçamos nossos dedos e nos
perdemos um no olhar do outro por alguns instantes.
— Obrigada, Fer. E você é um homem gentil, romântico e doce. Eu
não poderia estar mais feliz neste momento. Acho que esperei
alguém como você minha vida toda — minha voz saiu baixinha,
embargada pela emoção e por lágrimas de felicidade que teimavam
em brotar em meus olhos.
— Sabe o quanto me deixou apavorado ao constatar o que estava
sentindo por você? — Um sorriso nervoso surgiu no canto dos lábios
dele.
— Não... — Meu coração parecia querer sair pela boca. — Jura?
Quero dizer... O que sente por mim é assim tão forte e especial?
— Pode apostar, linda! Mais do que eu gostaria. Devagarzinho
você chegou e, de repente, começou a tomar conta dos meus
pensamentos mais horas do dia do que seria imaginável.
Trocamos olhares cúmplices e apaixonados. Nada mais importava
naquele instante. Era como se existisse só nós dois.
Depois de um breve silêncio em que nossos olhares falaram mais
do que palavras seriam capazes de expressar, voltamos a conversar
trivialidades.
— Quer ouvir uma música? — perguntou já se levantando.
— Adoraria!
Fernando foi até a sala e colocou uma música suave e romântica
para tocar. Suas intenções estavam nítidas em cada detalhe daquela
noite. Da sala foi até a cozinha e voltou com uma panela de arroz e
outra de strogonoff de frango.
— Quer ajuda aí? — ofereci, espiando o que ele fazia.
— Não precisa, linda. Já estou voltando.
— Queria eu mesmo fazer o jantar para você e, como esta é uma
das únicas receitas que sei, foi a escolhida — falou, enquanto me
servia, com uma carinha de cachorro abandonado, o que me fez
sorrir. Tão fofo!
— Está uma delícia! E não me importo com luxo — falei, depois da
primeira garfada. — Pra falar a verdade, tudo aqui pra mim hoje está
perfeito! — Estendi minha mão até tocar a dele.
— Obrigado, minha linda. Você é perfeita! Perfeita pra mim. —
Entrelaçou nossos dedos. — Rafa... — começou a falar parecendo
meio sem jeito, desviando a atenção para nossas mãos. — Eu juro
que não tinha a menor intenção de me envolver seriamente com
outra mulher tão cedo, depois do que me aconteceu. — Fez uma
pausa, procurando outra vez meu olhar. — A Letícia deixou meu
coração em pedaços, me fez perder a fé no amor — disse sério.
Então, era esse o nome da vadia filha de uma p..., pensei, irritada.
Não, ela não vai estragar meu momento!
— Fer... — não aguentei e acabei o interrompendo. — Eu não sou
ela! Jamais faria isso. Nunca deixaria chegar tão longe, não
esperaria marcar um casamento para depois terminar tudo. Acho que
as pessoas têm direito a mudarem de opinião, a se arrependerem.
Eu mesma não estou fazendo isso com minha vida? Também
terminei um relacionamento, mas, no fundo, sabia que meu ex já não
me amava mais, só não tinha enxergado. — Percebi que seus olhos
marejaram.
Agora estraguei a noite mesmo! Eu e minha boca grande!
— Me perdoe, não queria te deixar mais triste, mas quero que
saiba que não sou ela, nada tenho a ver com uma pessoa assim.
Apavorada, levantei para dar a volta na mesa e sentar no colo
dele, aconchegando-o em um abraço.
— Eu sei que você não é ela, minha linda — falou ao meu ouvido,
enquanto fazia um carinho em meus cabelos. — Rafa, você é
incrível! Linda, meiga, frágil e forte ao mesmo tempo. Eu não queria
me deixar envolver, mas parece que não tive muita escolha, não é
mesmo?
A pergunta dele me fez sorrir satisfeita.
Acho que isso foi uma declaração de amor!
Senti meus cílios baterem numa velocidade impressionante, quase
tão rápido quanto as batidas de meu coração, que parecia querer
saltar do peito. Trocamos um beijo apaixonado e, depois disso, não
precisávamos dizer mais nada. Ficamos calados por alguns minutos,
apenas nos olhando, fazendo carinho um no outro. Sentei
novamente na cadeira ao lado dele e voltamos a comer.
Após jantar, Fernando me convidou para dançar. Fechei as
pálpebras, deixando-me levar pelo ritmo da música lenta que tocava
e me embriagando no perfume dele, que passeava suas mãos por
minhas costas, provocando arrepios bons. Cada centímetro do meu
corpo o desejava, de uma forma que eu nunca desejara um homem.
Tudo para mim era novo: a calma, segurança e paz que Fernando
me trazia. Porém, ao mesmo tempo, ele despertava minha libido, e
meu corpo estremecia ao seu toque, em um misto de calmaria e
vendaval, daqueles romances que só acontecem em novelas, filmes
e livros, que nos tiram do chão e nos levam ao céu.
Em determinado momento, Fernando me pegou no colo e me
levou para o quarto.
— Linda, esperei tanto por isso... — sussurrou enquanto me
carregava.
— Eu também, Fer — mal acabei de dizer e seus lábios
encontraram os meus, urgentes e apaixonados.
Naquele instante, minha respiração ficou ofegante e meu coração
batia acelerado. Fernando me deitou com cuidado na sua cama e
passeou suas mãos por meu corpo, deixando uma trilha de beijos em
seguida.
Seus carinhos tocavam não só meu corpo, como também minha
alma. Eu me sentia confortável, sem medos, cobranças, receios ou
vergonha. Eu estava louca de desejo e, sem pensar em mais nada,
me entreguei ao amor. Livramo-nos de nossas roupas entre sorrisos
nervosos e beijos apaixonados.
— Você é tudo o que sonhei pra mim, minha linda. — Segurou
meu rosto entre suas mãos, fazendo meus olhos se prenderem aos
dele. Depois passeou suas mãos por minha pele nua, tocando nos
lugares certos, fazendo ondas de prazer me percorrerem.
— Você também... — sussurrei agonizante, contorcendo-me e
gemendo manhosa com seus carinhos, desejando
desesperadamente tê-lo dentro de mim.
Fernando, então, me beijou com volúpia e depois desceu a boca
explorando meu corpo. Sua atenção especial aos meus mamilos me
fez soltar um gemido alto. Agarrei seus cabelos implorando por mais.
Seus lábios percorreram as laterais de minha barriga, atiçando-me.
Quando alcançou meu ponto mais sensível, arfei.
— Que delícia! — Deixei escapar, já meio fora de mim.
Ele nada disse e se empenhou ainda mais em me dar prazer.
Agarrei o lençol, sentindo meu corpo todo formigar e meus músculos
enrijecerem com o orgasmo que se anunciava. Meu mundo girou e
me senti indo ao céu e me partindo em mil pedaços. Logo, o
relaxamento provocado pelo gozo veio e sorri satisfeita.
Ainda ofegante, puxei Fernando, fazendo-o deitar de bruços e
retribuí sua atenção dedicada a mim. Ao segurar seu membro, ele
gemeu. Iniciei um movimento de vai e vem o sentindo latejar entre
meus dedos. Logo minha boca o levou à loucura.
— Puta merda, Rafa! — Puxou-me para cima de si e o ajudei a se
encaixar em mim. Fiquei por cima dele e cavalguei, primeiro
lentamente e depois com luxúria, intensificando a velocidade dos
movimentos.
Ofegantes e suados, Fernando virou na cama e me colocou de
quatro. Enquanto me penetrava, massageava meu clitóris. Suas
investidas ficaram cada vez mais vigorosas e minha mente já estava
nublada, entorpecida pelo prazer. Fui à loucura, atingindo o clímax e
o levando em seguida junto comigo.
Desabamos exaustos na cama, suados e resfolegantes. Ele me
aconchegou em seu peito, dizendo palavras carinhosas, enquanto
aos poucos nossas respirações e pulsações voltavam ao ritmo
normal.
A noite foi perfeita, e o sexo simplesmente maravilhoso.
Capítulo Dezoito
Bom demais para ser verdade
“Quase tudo na vida aprendemos de verdade com nossos
erros, tropeços e quedas. É preciso cair para aprender a
levantar. É preciso errar para não desistir de tentar acertar.”
No dia seguinte, tomamos café da manhã na cama dele.
— A noite foi incrível! — Arqueei uma sobrancelha, encarando-o
um pouco tímida.
— Você é incrível. — Aproximou-se e me beijou com ternura. — E
gostosa pra caramba!
Ri do elogio. Fernando era “gostoso pra caramba” e tudo tinha sido
perfeito.
— Promete não me abandonar? — falou baixinho, desviando os
olhos dos meus. Senti um nó se formar em minha garganta.
— Ei... — Levantei o queixo dele com as pontas dos meus dedos.
— Isso não vai acontecer. Eu prometo.
Em seguida, beijamo-nos de novo com paixão. Eu podia sentir seu
medo; era palpável. Mas meu coração já era dele, e eu sabia que, se
dependesse só de mim, aquilo não acabaria nunca mais.
— Te amo, Rafaela, e não quero te perder... — sua confissão fez
meus olhos se encherem de lágrimas.
— Pode até ser loucura dizermos isso assim tão rápido, mas
também te amo, Fer!
Estávamos com as testas coladas, acariciando o rosto um do
outro.
Ficamos assim por um tempo, trocando carícias.
— Infelizmente, preciso ir — falei, assim que nossos lábios se
desprenderam, depois de mais um beijo quente.
— Fica mais um pouco — implorou, sedutor.
— Adoraria ficar, mas sei que tem seus textos para entregar e não
quero atrapalhar.
— Queria dizer que não é verdade, mas tenho mesmo muito
trabalho pra fazer. A gente se fala mais tarde?
— Claro! — Levantei à procura de minhas roupas.
Ainda nos beijamos e dissemos tchau mais algumas vezes antes
de eu realmente sair de lá.
Não é fácil se despedir quando a vontade é ficar. Quando tudo o
que mais queremos é passar o dia todo juntos, ou, sendo mais
francos, até mesmo a vida.

Assim que voltei para o meu apartamento, estava tão eufórica que
precisava conversar. Liguei para Carina antes mesmo de fechar a
porta.
— Bom dia, querida! Como vai? — atendeu. Sua voz já não
parecia tão cansada como antes.
— Bom dia, Cacá! Estou bem, e você? — perguntei, ainda
trancando a porta da sala.
— Bem também.
— Amiga, preciso te ver. Tenho novidades pra contar, mas queria
falar pessoalmente. Está ocupada agora? — Tentei controlar minha
ansiedade e empolgação.
— Não, a Manu acordou cedo, brincou e agora acabou de dormir.
Venha! Vou adorar te ver!
— Estou indo, então. Até daqui a pouco! — Desliguei o telefone e
apenas tomei um banho rápido, coloquei uma roupa e saí.
Pouco mais de uma hora depois, eu estacionava meu carro em
frente à casa de minha amiga.

— Oi, Rafa! Estou aqui morta de curiosidade! — falou ao abrir o


portão para mim e me puxar para um abraço apertado. — Venha,
vamos entrar! Aceita um suco, água, qualquer coisa? — perguntou,
enquanto caminhávamos de braços dados em direção à sala.
— Não. Obrigada.
Assim que nos sentamos, desembuchei de uma vez:
— Dormi com Fernando e foi maravilhoso. Ele é incrível! E muito
gostoso! Estou apaixonada, amiga. Encrencada, quero dizer. —
Escondi o rosto nas mãos.
— Ei, calma! Então, aconteceu? Ai, amiga, não fica assim não!
Apaixonar-se nem sempre é sinônimo de encrenca. Não seja
pessimista! Quero os detalhes sórdidos. — Bateu palminhas,
parecendo uma criança feliz.
— Nem pensa que vou te contar detalhes. Pode esquecer! — Ri,
negando com o indicador.
Ainda conversamos por um tempo. Foi uma visita agradável,
permitiu-me contar tudo a ela. Estava feliz e empolgada. Foi bom
poder dividir com minha amiga o que acontecia em meu coração.
Voltei para casa, cantarolando feliz.

Após nossa primeira noite de amor, Fernando e eu engatamos de


vez o namoro e ficamos cada vez mais unidos. Passamos a almoçar
e jantar juntos todos os dias. Eu continuava escrevendo em meu blog
e Instagram e frequentando semanalmente as sessões de terapia.
Depois de algumas semanas juntos, certo dia, Fernando chegou ao
meu apartamento com uma caixa de presente.
— Uau! Patins! — dei um gritinho de empolgação, levando as
mãos à boca, quando abri o embrulho.
— Gostou? — perguntou, com um sorriso largo no rosto,
sentando-se ao meu lado no sofá da sala.
— Adorei! Mas só tem um probleminha. — Arqueei a sobrancelha
e fiz bico. — Eu não sei andar de patins... — confessei, um pouco
envergonhada.
— Não tem problema algum. — Acariciou o meu rosto. — Na
verdade, fico até mais feliz de saber que acertei em lhe dar um
presente que lhe fará aprender algo novo. Não tem sido exatamente
este seu propósito de vida: descobrir coisas novas, experimentar? —
Olhou-me com um sorrisinho travesso no canto da boca, enquanto
levantava uma sobrancelha.
— Você tem razão! — Segurei os patins nas mãos e os apertei
contra meu peito. — Você me ajuda com isso?
— Será um prazer, minha linda!
Então, após aquele dia, eu e Fernando passamos a ir aos finais de
tarde, depois que ele chegava do trabalho, e aos finais de semana, a
uma praça, relativamente próxima de onde era o prédio em que
morávamos. A praça tinha uma pista de patinação, o que foi ótimo
para que ele me ensinasse a andar de patins.
Nas primeiras vezes, levei muitos tombos, mas ele estava sempre
ao meu lado para me ajudar a amortecer as quedas, entretanto não
as impedia.
“É caindo que a gente aprende a andar!”, ele costumava dizer. E
penso que aquelas palavras eram muito sábias. Quase tudo na vida
aprendemos de verdade com nossos erros, tropeços e quedas. É
preciso cair para aprender a levantar. É preciso errar para não
desistir de tentar acertar.
Depois de duas semanas indo todos os dias àquela pista de
patinação, enfim consegui andar sozinha, sem precisar me segurar
nele, e naquele dia não houve nenhum tombo. Apenas patinei
suavemente, como se soubesse fazer aquilo desde sempre.
Depois que se consegue superar a adversidade e o resultado
esperado é alcançado, as pedras no caminho costumam ser
esquecidas. O sofrimento dura enquanto o estamos vivenciando;
depois o que sobra são vagas lembranças do que passamos. A
capacidade humana de esquecer a dor e de seguir em frente é que
nos faz ter forças para enfrentar tudo de novo, se preciso for.

Já fazia algumas semanas que havíamos assumido nosso


relacionamento, e eu estava cada dia mais feliz. Certo dia, em um
fim de tarde, voltando da academia, percebi que meu celular estava
sem bateria. Imaginei que Fernando já tivesse chegado do trabalho e
decidi dar uma passadinha no apartamento dele antes de ir para o
meu. Toquei a campainha, e ele demorou para atender. Eu já estava
me virando para ir embora, quando a porta abriu.
— Pois não? — Um par de olhos azuis me observava com
curiosidade.
— O Fernando está? — Fiquei meio atônita, tentando imaginar
quem seria aquela moça, já que meu namorado não tinha irmã. —
Quem é você? — Olhei para ela desconfiada.
— Eu sou a Letícia, noiva dele, e você quem é? — Senti um súbito
mal-estar como se tivesse levado um soco no estômago. E só então
reparei em como a desgraçada era linda. Loira, alta, seios fartos e...
Não, não, não!
— Você está grávida? — perguntei, sem responder à pergunta que
me foi feita, tentando não gaguejar, apontando para a barriga dela,
que ainda estava pequena, mas já era evidente.
— Ah, sim! — Alisou o próprio ventre, e algo nela era pura
antipatia. — Fernando e eu vamos ter um bebê! — exclamou, cheia
de si, parecendo vitoriosa. — Mas você quem é? —Insistiu, mais
uma vez.
— Ninguém. — Tentei segurar o choro e saí sem olhar para trás.
Decidi pegar as escadas para não esperar pelo elevador e ter de
encará-la por mais alguns instantes.
Meu Deus, o que está acontecendo? Cadê ele? Por que ela está
ali sem ele? Será que ele já sabia que Letícia está grávida e não me
contou? Mas por quê? Que merda é essa?
Desci as escadas correndo e chorando que nem uma louca,
desesperada, sentindo uma tristeza enorme e uma sensação de
traição e impotência me dominar. Meu mundo estava ruindo mais
uma vez.
Capítulo Dezenove
Pesadelo
“— Amor e ódio, muitas vezes, são muito próximos —
quando dei por mim, já havia falado. Tarde demais para me
arrepender!”
Cheguei ao meu apartamento e me atirei no sofá em prantos. Eu
não conseguia raciocinar direito. Se Fernando me dizia que nunca
mais soube de Letícia, será que sabia da gravidez? Se sabia,
quando foi que a maldita engravidou, antes ou depois da separação?
O filho que ela esperava seria realmente dele? Tentei enxugar meu
rosto, organizar minhas ideias e coloquei o celular para carregar.
Assim que ele deu sinal de vida, liguei para Fernando, mesmo com
um medo danado de que aquela coisa explodisse em minha mão por
eu falar com ele conectado à tomada. Depois de dois toques, meu
namorado atendeu:
— Oi, meu bem, estava pensando em você!
— A Letícia está em seu apartamento e está grávida de um filho
seu! — falei, tentando não gritar e chorar. — O que ela está fazendo
lá? Você já sabia disso? — disparei uma pergunta atrás da outra,
sem me preocupar em cumprimentá-lo antes. Eu precisava saber.
— O que você disse? — Soou chocado com o que acabara de
ouvir.
— Você não a encontrou ainda? Não sabia sobre a gravidez? —
Abaixei consideravelmente o tom de voz, sentindo-me perdida,
culpada talvez.
— Não! — ele berrou, atordoado do outro lado da linha. — Estou
indo pra casa agora! Me espere em seu apartamento, por favor. —
Desligou sem ao menos dizer “tchau”.
Quem ficou em estado de choque fui eu.
Ele não sabia...
Menos de uma hora depois, Fernando tocava a campainha do meu
apartamento.
— Oi... — falei, ao abrir a porta e percebi que Fernando estava
ofegante e parecia furioso.
— Posso entrar? — Segurou o batente, transtornado.
— Claro, venha! — Dei espaço para que ele entrasse.
— Pelo amor de Deus, me diga que você está brincando comigo.
— Enfiou as duas mãos nos cabelos, depois de deixar seu corpo
desabar no sofá.
Sentei devagarzinho ao seu lado, com receio. O olhar de Fernando
estava perdido. Ele estava visivelmente confuso e perturbado.
Magoado, como se estivesse revivendo tudo o que passou ao ser
abandonado.
— Me perdoe por isso, Fer — falei, sem saber o que dizer. — Eu
estava na academia, e a bateria do meu celular acabou. Queria te
ver um pouquinho. Achei que já tivesse chegado em casa, então fui
direto para o seu apartamento, toquei, e, quando a porta abriu, dei de
cara com uma moça loira, de olhos azuis. Fiquei confusa a princípio,
sem saber quem ela era e o que fazia ali, até que me disse se
chamar Letícia e ser “sua noiva”. — Fiz sinal de aspas com os
dedos, minha voz fraca pela tristeza. — Eu fiquei puta de raiva a
princípio. Afinal, como ela entrou ali?
— Ela tem as chaves — respondeu, interrompendo-me. — A
maldita foi embora levando uma cópia das minhas chaves. — Ele
parecia cansado, desolado.
— Isso explica — falei mais para mim do que para ele. — E só
quando ela me disse quem era reparei em sua barriga de grávida.
Perguntei, e confessou que está grávida de um filho seu. Porra, um
filho, Fernando? Você sabia disso? — questionei exasperada, sem
conseguir controlar as lágrimas que desciam de meus olhos. Era
mais forte que eu.
— Não! Já te disse! — Ele levantou, irritado, com o rosto vermelho
e os olhos em chamas. Era ódio o que eu via neles. — Isso não faz o
menor sentido! Se ela estava grávida de mim, por que fugiu? —
Andava de um lado para outro na minha frente.
— Talvez ainda não soubesse que estava grávida quando foi
embora e depois que descobriu tenha se arrependido. — Dei um
palpite, roendo minhas unhas. — Você ainda a ama? — Procurei seu
olhar, com medo da resposta.
— Não, Rafa! Eu a odeio! — gritou, como se eu tivesse culpa do
que estava acontecendo.
— Amor e ódio, muitas vezes, são muito próximos — quando dei
por mim, já havia falado. Tarde demais para me arrepender!
— Não repita isso! — gritou, sentando de novo no sofá e me
segurando pelos ombros.
Tive medo. Ele estava fora de si. Eu, que havia parado de chorar,
recomecei, daquela vez aos prantos, chacoalhando o corpo. Eu não
merecia que ele gritasse comigo. Parecendo perceber a burrada que
estava fazendo, Fernando me puxou para si e me apertou contra seu
peito, beijando meus cabelos.
— Me perdoa. Eu não devia ter gritado — sussurrou ao meu
ouvido. — Você não tem culpa. Rafa, eu amo você! Ouviu? —
Segurou meu rosto entre suas mãos, fazendo-me encará-lo.
Não consegui responder. Apenas o abracei, escondendo meu
rosto no seu pescoço.
— E o que vai acontecer agora? — perguntei, assim que consegui
me acalmar um pouquinho, soltando-me com delicadeza de seus
braços.
— Nós vamos ter que ir lá. Preciso ouvir da boca dela o que está
acontecendo. — Virou-se de lado, para ficar de frente para mim. —
Mas quero que esteja ao meu lado. Você vem comigo? — Levantou
do sofá e me estendeu a mão.
— Tudo bem. Eu vou! — Dei minha mão para ele, que me ajudou a
levantar.
Às vezes, nossa vida vira uma bagunça, mas é preciso manter a
cabeça no lugar. Nem sempre conseguimos controlar nossos
sentimentos. E quando algo do passado, que nos causou dor,
ressurge para nos atormentar, fica difícil não transpirar ódio. Mas a
ira nos impede de ver as coisas com clareza. Sentia que o que
estava acontecendo era um pesadelo. Eu só queria acordar.
Capítulo Vinte
Transpirando ódio
“Fiquei parada observando a cena, disposta a entrar na
briga por Fernando se fosse preciso. Pois amar também é
querer defender quem se ama. Cerrei os punhos, sentindo o
ódio me dominar.”
Assim que Fernando destrancou a porta de seu apartamento, deu
de cara com Letícia sentada tranquilamente em seu sofá em frente à
TV, assistindo a sei lá o quê e comendo pipoca. Minha vontade foi de
avançar nela e arranhar sua linda carinha cínica. Só me controlei em
respeito à sua condição, por estar carregando um filho naquela
barriga.
— Você pode me explicar o que está acontecendo aqui? —
Fernando perguntou gritando, irritado.
Eu, que estava logo atrás dele, encolhi como se pudesse me
esconder ali.
— Estou comendo pipoca e assistindo a um filminho, espero que
não se importe! — respondeu dissimulada, mexendo os pés
branquelos, com as unhas pintadas de vermelho, em cima do
assento do sofá, o que me fez bufar de ódio.
Vaca!
— Levanta já daí! Anda! — Fernando gritou, mais uma vez,
avançando na direção dela e a pegando pelo braço grosseiramente.
— Você está me machucando! — resmungou.
— Dá pra me explicar o que faz em meu apartamento? —
perguntou, fuzilando-a com o olhar.
Fiquei parada observando a cena, disposta a entrar na briga por
Fernando se fosse preciso. Pois amar também é querer defender
quem se ama. Cerrei os punhos, sentindo o ódio me dominar.
— Sei que errei, meu amor, mas as pessoas erram, não é mesmo?
— perguntou, com uma voz melosa, levantando sua mão para
acariciar o rosto dele.
Amor? Jura? Que cara de pau essa menina!
— Tire suas mãos de mim! — ele falou bruscamente, afastando a
mão dela de seu rosto.
— Eu estava confusa, Fernando, tive medo, por isso fugi. Mas
estou arrependida, estou de volta. Eu ainda amo você!
— Como ousa? — Os olhos dele estavam estreitados e o cenho
franzido. O rosto avermelhado e as veias do pescoço ingurgitadas.
Ele transpirava ódio e mágoa. Nunca imaginei vê-lo assim.
— Quem é essazinha aí? Ela esteve aqui mais cedo — Letícia
tentou mudar de assunto, apontando em minha direção.
— Minha namorada! — Fernando gritou e veio até mim.
Envolvendo-me pela cintura, ele me puxou para si.
— Rápido, hein? — debochou, e a cada segundo eu gostava
menos dela.
— Agora, chega! — Fernando foi ríspido. — Esse filho é meu? —
Apontou para a barriga dela, fazendo meu coração congelar.
— É claro que é seu! — gritou de volta, fingindo estar ofendida.
Aquela mulher para mim era pura falsidade, e eu começava a
questionar se era mesmo de Fernando o bebê que ela carregava.
— Pois bem, Letícia, vamos esclarecer algumas coisas. Eu não te
amo mais — Fernando começou a falar calmamente dessa vez. —
Porém, eu jamais viraria as costas para um filho. Essa criança não
tem culpa de nada que você me fez e eu a amarei, pode estar certa
disso, e nunca deixarei que nada lhe falte, muito menos carinho.
Senti vontade de chorar ao ouvi-lo falar. Eu ainda não havia sido
tocada pela maternidade, mas ouvir Fernando defender um filho que
ainda nem tinha nascido me fez perceber que ele certamente seria
um bom pai e, por um instante, senti certa inveja de Letícia.
Claro que eu não queria ser ela. Nunca em minha vida
abandonaria Fernando como ela fez, sem explicações e fugindo,
mas, por um instante, quis ser eu a carregar o filho dele no ventre.
Ela nada disse enquanto ele falava.
— Agora eu e a Rafaela vamos levá-la para a casa dos seus pais.
— Ele se virou em minha direção.
— Acho melhor não ir — falei baixinho, para que só ele ouvisse.
— Por favor, Rafa. — Fernando me olhou suplicante, e não
consegui negar. Assenti com a cabeça, apertando a mão dele, que
estava na minha. Virou-se em seguida para ela, dizendo: — Amanhã
ligarei para um ginecologista que conheço, que também é escritor e
meu cliente, e marcarei uma consulta pra você. Faço questão de
levá-la e também quero acompanhar a ultrassonografia.
Letícia pareceu incomodada, pois se remexeu no mesmo lugar
torcendo o bico.
— Não precisa... — resmungou, encarando os próprios pés.
— Faço questão — Fernando respondeu firme, encerrando o
assunto.
Logo depois, nós saímos e Fer a deixou na porta da casa dos pais
dela. Ninguém falou nada durante o percurso.

Quando voltamos ao apartamento dele, era notória sua exaustão


tanto física quanto emocional.
— Durma aqui comigo. — Envolveu-me em seus braços assim que
sentamos no sofá. — Preciso de você! — sussurrou em meu ouvido.
Eu também precisava muito dele.
— Durmo sim, meu amor. — Senti o verdadeiro significado da
palavra “amor”, assim que ela saiu da minha boca e tocou
profundamente meu coração. — Eu amo você! — Achei que era o
momento certo para reafirmar.
— Eu também te amo, minha linda! — Acariciou meus cabelos,
sem tirar seus olhos negros dos meus, e suas palavras foram um
afago para minha alma tão sofrida.
Capítulo Vinte e Um
Apavorada
“Fiquei ansiosa pensando em como as coisas seriam por
lá. Senti medo, raiva e ciúme. Estava apavorada.”
No dia seguinte, acordei com a voz de Fernando ao telefone.
Entendi que ele estava ligando para marcar a consulta com o
ginecologista obstetra para a Letícia.
Meu Deus, será que conseguirei lidar com tudo isso?
Afundei minha cabeça no travesseiro, puxando o edredom sobre
mim, como se pudesse me esconder do mundo e de seus
problemas, meus problemas...
— Acordada? — Fernando perguntou, ao voltar para o quarto e
deitar ao meu lado.
— Estou sim — respondi, descobrindo minha cabeça. — Mas
queria que tudo tivesse sido um pesadelo — confessei, quase num
sussurro.
— Eu também... — falou baixinho, acariciando meu rosto. — Isso
não muda nada entre nós, entendeu? — Seus olhos procuraram os
meus.
Apenas assenti.
— Consegui marcar a consulta para hoje à tarde. Vou ligar na casa
dos pais da Letícia daqui a pouco pra avisar. Ainda estou muito
confuso, Rafa. Não consigo entender por que ela fugiu grávida de
mim. Por que só voltou agora, depois de mais de três meses? Por
que não contou antes que estava grávida? Têm muitas questões
atormentando minha mente, mas estamos falando de um filho, e, por
mais que eu não sinta nada pela Letícia, não posso virar as costas
para ela agora — falou, receoso, e senti um desconforto enorme ao
ouvir, pois eles se encontrariam muitas vezes, para sempre.
Será que estou preparada para lidar com isso?, pensei
preocupada e triste.
— É tudo muito estranho mesmo, meu amor. Mas você terá tempo
de sobra para descobrir o que realmente aconteceu. — Senti o peito
apertar.
— É...
Depois de tomarmos café da manhã juntos, fui para meu
apartamento e Fernando foi trabalhar, o que eu duvidava muito que
ele conseguisse, em virtude de tudo o que aconteceu.
Liguei para Carina depois de tomar um banho demorado e de ter
derramado mais algumas lágrimas debaixo do chuveiro. Aquela
situação toda estava me deixando muito abalada emocionalmente.
— Bom dia, amiga! — atendeu. — Como vai?
— Nada bem... — respondi, sem ao menos cumprimentá-la,
enquanto sentava na cama, ainda enxugando os cabelos com a
toalha de banho.
— O que aconteceu, Rafa? — perguntou, preocupada.
— A ex-noiva do Fernando ressurgiu das cinzas e apareceu com
uma surpresinha extra... — Fiz uma pausa enquanto penteava os
cabelos me encarando no espelho. Estava com uma cara péssima!
— Como assim? — perguntou, espantada.
— Ela está grávida, Cacá! — Deixei meu corpo desabar na cama,
ficando de barriga para cima, encarando o teto.
— Grávida? — ela gritou do outro lado da linha, incrédula. —
Grávida dele?
— Uhum... — resmunguei, sem ânimo algum. — Ela diz que é
dele. Isto tudo está acabando comigo, amiga!
— Calma, meu bem. — Tentou me consolar. — Mas como
Fernando reagiu?
— Ah, sei lá, ele tá tentando ser forte, mas sei que está arrasado.
Ele amava aquela mulher, ela o abandonou, deixou seu coração
despedaçado e agora volta, sabe Deus de onde, grávida, dizendo
que o filho é dele. É tudo muito bizarro, né? — Revirei os olhos.
— Muito estranho mesmo! Parece que algo nesta história não
bate. Por que ela fugiria se estava grávida dele?
— Talvez ela não soubesse… — respondi, questionando-me
mentalmente, mais uma vez, sobre aquilo.
— Amiga, a Manu acordou chorando, vou ter de desligar. Depois a
gente se fala mais. Qualquer coisa que precisar, estou aqui. Te amo!
Fique calma e vá me dando notícias.
— Está bem, amiga. Vai lá. Depois a gente se fala. Também te
amo!
Desliguei o telefone e passei o resto da manhã na cama, sem
ânimo para nada. Apenas reli alguns capítulos do meu romance, mas
não consegui escrever nenhuma linha. Almocei sozinha, pois
Fernando não teria tempo para voltar para almoçarmos juntos. Disse
que comeria qualquer coisa, pois a consulta seria a uma hora da
tarde. Fiquei ansiosa pensando em como as coisas seriam por lá.
Senti medo, raiva e ciúme. Estava apavorada.
Capítulo Vinte e Dois
Medo
“Às vezes, somos nossos piores carrascos. Criamos
fantasmas, alimentamos medos e superestimamos os
problemas, como se os víssemos por uma lente de aumento.
Não é fácil separar razão da emoção, mas devemos pelo
menos tentar.”
Embora a consulta fosse no primeiro horário da tarde, Fernando
demorou muito para voltar. Eu não quis ligar, não queria atrapalhar.
Por mais ansiosa que estivesse, tive de tentar me controlar. Andei de
um lado para outro no apartamento, até quase furar um buraco no
chão. Entrei um pouco na internet, tentei ler um livro que havia
começado, mas foi tudo em vão.
Não conseguia me concentrar em nada, e a ansiedade fazia
minhas mãos tremerem e meu coração bater acelerado. Aquela
velha conhecida sensação não era nada agradável. De repente,
alguém começou a tocar a campainha do meu apartamento
desesperadamente. Corri para atender. Era Fernando.
— Oi, amor. Como foi lá? — perguntei receosa, envolvendo-o em
um abraço.
— Ah, Rafa, foi estranho. O médico a avaliou, pediu alguns
exames de sangue e uma ultrassonografia. Vou tentar agilizar tudo.
— Ele ouviu o coração do bebê? — Senti um nó se formar na
garganta, assim que a pergunta saiu de minha boca.
— Ele tentou usar aquele sonar estranho, mas não conseguiu.
Disse que é normal, porque ainda são poucas semanas.
— Ah... — tentei espantar o incômodo que sentia. — Está com
fome?
— Estou sim, linda. Nem deu tempo de eu comer direito hoje.
— Então, venha comigo até a cozinha, vou preparar alguma coisa
pra você. — Levantei e dei a mão a ele, que levantou em seguida.
Sentindo uma angústia enorme, abracei-o apertado. Estava com
medo de perdê-lo.
— Vai ficar tudo bem — sussurrou ao meu ouvido.
— Estou apavorada, meu amor. — Senti o gosto salgado das
lágrimas em minha garganta.
— Eu também...
— Não quero te perder.
— Rafa — Afastou-se gentilmente para me olhar nos olhos. — Não
vou a lugar algum. Você não vai me perder. Promete que vamos
enfrentar isso juntos?
Apenas assenti com a cabeça e o abracei novamente.
Demorou para as coisas começarem a se ajeitar na minha vida, e
doía pensar que nosso relacionamento poderia ter um fim tão
precoce. Eu seria forte o bastante para enfrentar o que fosse preciso
para ficar com Fernando?
Respirei fundo, tentando me controlar. Às vezes, somos nossos
piores carrascos. Criamos fantasmas, alimentamos medos e
superestimamos os problemas, como se os víssemos por uma lente
de aumento. Não é fácil separar razão da emoção, mas devemos
pelo menos tentar.
Eu precisava acreditar que tudo ficaria bem.
Capítulo Vinte e Três
Nem tudo é o que parece ser
“Ainda bem que nem sempre as coisas são o que parecem
ser. Às vezes, deixamo-nos ludibriar e acreditamos em
mentiras travestidas de verdades. Descobrir dói, mas, como
toda dor, passa.”
Os dias se passaram e minha angústia em relação ao meu futuro
ao lado de Fernando só aumentava. Não voltei a ver a tal da Letícia,
todavia não conseguia parar de pensar nela e no filho que estava
esperando.
Somente na semana seguinte meu namorado conseguiu vaga para
que sua ex fizesse a ultrassonografia.
No dia do exame, fiquei em casa, ansiosa, olhando o celular de
cinco em cinco minutos à espera de notícias. Eu sabia que Fernando
se apaixonaria por aquele filho no momento em que o visse. E meu
medo era de que esse amor se estendesse à mãe da criança.
Ele me disse que depois da ultrassonografia iriam direto para o
consultório do ginecologista obstetra para mostrar os resultados. Só
me restava aguardar e torcer para que tudo terminasse bem.
No fim do dia, Fer me mandou uma mensagem:

“Está em casa? Por favor, me espere em seu apartamento.


Daqui a pouco estarei aí. Preciso muito de você.”

Fiquei preocupada com aquela mensagem e mais angustiada


ainda. Acabei com minhas pobres unhas.
Assim que Fernando chegou, percebi que estava alterado, furioso,
com o rosto vermelho. Parecia que ia ter um troço!
— O que aconteceu, meu amor? — perguntei, preocupada, logo
que abri a porta, puxando-o comigo e o levando até o sofá, onde
sentamos.
— Aquela vagabunda tentou me enganar! — disse exasperado,
quase gritando, e percebi que suas mãos tremiam.
— Calma, meu amor! — pedi, com medo de que ele passasse mal
na minha frente. — Respira fundo, tente se acalmar, vou buscar um
copo de água pra você.
Levantei e fui até a cozinha. Voltei depressa com um copo com
água para ele e sentei novamente ao seu lado. Assim que entreguei
o copo, ele bebeu.
— Agora me conta o que aconteceu. — Acariciei seus cabelos.
— O filho não é meu! Não teria como — revelou, fazendo meus
olhos se arregalarem.
Como ela pôde ser tão baixa? Por que isso? Para que tentar feri-lo
mais uma vez?, questionei-me ainda em choque com a notícia.
— Após ver a ultrassonografia, o médico perguntou novamente a
data da última menstruação de Letícia, que demorou para responder.
Aquilo pra mim não significou nada, até que o doutor insistiu e
percebi que ela estava pensando demais pra falar. Ela disse uma
data qualquer, e ele anotou e fez algumas contas. Segundo o
obstetra, pela última menstruação ela estaria entrando no quarto mês
de gestação, mas o exame de ultrassonografia não era condizente
com esse tempo. Eu fui um idiota mesmo! — interrompeu o relato
para se martirizar.
— Calma, meu amor — pedi mais uma vez em vão. — Não estou
conseguindo entender.
— O problema, Rafa... — Parou, virando de frente para mim,
encarando-me com os olhos arregalados, cheios de fúria. — O
problema é que, pela ultrassonografia, o feto deveria ter no máximo
doze semanas, o que daria três meses.
— Ela errou as contas, mas e daí? — perguntei, ainda sem
entender direito as coisas. — Não faz três meses que ela fugiu? O
filho pode ser seu sim... Ou não?
— Na verdade, Rafa, faz quatorze semanas, três meses e meio. A
idiota, depois de desmascarada pelo médico, confessou que fugiu
porque havia se apaixonado por outra pessoa. Covarde! Por que não
terminou comigo antes? — perguntou mais para si do que para mim,
transtornado.
Fiquei muda e estática, apenas ouvindo, com pena dele.
— Ela disse que, logo depois que fugiu, engravidou. Mas o cara a
abandonou. Que ironia do destino, não? — Abaixou o tom de voz,
enquanto segurava minhas mãos. — Grávida e só em outro país,
decidiu voltar. Porém, não queria criar o filho sozinha, já que o outro
disse que não assumiria a criança. Então, ela, muito espertamente,
sem dó nem piedade, resolveu tentar me dar um golpe. Só que sua
tentativa falhou rápido demais! — Balançou a cabeça em negativa,
inconformado.
— Meu Deus! — falei, em estado de choque. — Essa mulher é
perversa!
— A maldade em pessoa — concordou comigo. — Ainda bem que
tudo acabou antes de começar, antes que eu me envolvesse mais
com a criança. Eu tinha ficado tão emocionado durante o exame, ao
ouvir o coraçãozinho batendo acelerado naquele ser humano ainda
minúsculo. Achei que fosse meu filho. Até chorei, Rafa! Chorei! —
Sua voz estava cheia de mágoa e decepção. — Sou mesmo um
idiota! Saí de lá com vontade de matá-la. Ela ouviu de mim poucas e
boas e ficou caladinha, sem dar um “piu”. Voltamos para a casa dos
pais dela e fiz questão de desmascará-la na frente deles, que ficaram
mortos de vergonha. Agora quero tentar esquecer isso. Aquela lá já
não é problema meu. Pobre criança que ela está carregando! Muito
triste ter uma mãe sem caráter.
Fiquei atordoada com a história toda. Como alguém podia ser tão
manipuladora, mesquinha e maldosa assim? Fernando estava
precisando de colo, e foi isso que dei a ele, com todo meu carinho e
amor.
Ainda bem que nem sempre as coisas são o que parecem ser. Às
vezes, deixamo-nos ludibriar e acreditamos em mentiras travestidas
de verdades. Descobrir dói, mas, como toda dor, passa.
Quando se vem de uma relação fracassada, às vezes a gente
perde a fé no amor. Contudo quando esse sentimento sublime e
verdadeiro surge de novo, algo muda dentro da gente.
Capítulo Vinte e Quatro
Segundas chances
“Ainda bem que a vida nos dá segundas chances para
recomeçarmos, encontrarmos um novo rumo e um novo
amor. Para quem corre atrás do que quer, acredita, tem fé,
faz a sua parte, mais cedo ou mais tarde as coisas começam
a acontecer.”
Os dias se passaram e, aos poucos, fomos esquecendo o
incidente com a Letícia e sua tentativa de golpe. Carina ficou pasma
quando soube, mas não era para menos, não é? Nem cheguei a
contar nada para a minha família; achei melhor assim. Fernanda,
minha psicóloga, bem que tentou disfarçar, mas percebi que ela
também ficou chocada com o que ouviu.
Depois de alguns meses oficialmente junto com o Fernando, decidi
apresentá-lo aos meus pais. Em um final de semana, fomos para a
fazenda. Fui dirigindo o meu carro, que, infelizmente, apesar de ter
anunciado, não consegui vender, o que estava me deixando um
pouco apreensiva em relação ao meu capital guardado. Ficava
angustiada ao ver meu saldo bancário só diminuindo e comecei a
pensar que precisava encontrar alguma forma de ganhar dinheiro,
mas que fosse algo que não me desviasse dos meus planos de
descansar e aproveitar meu tempo livre para fazer coisas de que
gostava, experimentar outras novas e escrever.
Assim que chegamos, e descemos do carro, minha mãe veio ao
meu encontro.
— Oi, mãe! Que saudade! — Abracei-a apertado.
— Oi, minha filha! Como você está? — Afastou um pouco seu
corpo do meu, enquanto me segurava para me analisar, o que me
fez sorrir.
— Estou ótima! Mãe, pai, este é o Fernando. Fer, esses são meus
pais — apresentei-os, sorrindo.
— Seja bem-vindo à nossa casa! — Papai estendeu a mão para
ele, e, em seguida, foi a vez de mamãe cumprimentá-lo.
— Vamos entrar! Fiz um lanche para esperar vocês — ela chamou,
apontando para casa.
Assim que entramos, pude sentir o cheirinho gostoso de café
recém-passado e de bolo de fubá. Sentamos todos à mesa e
lanchamos enquanto meu pai perguntava a Fernando de onde ele
era, o que fazia da vida, quais seus planos para o futuro... aqueles
tipos de perguntas que os pais costumam fazer quando conhecem o
namorado da filha. Fernando respondia a tudo pacientemente e com
um sorriso nos lábios. Assim como eu, ele também veio de uma
família humilde do interior, de uma cidade a alguns quilômetros da
minha.
No dia seguinte à nossa chegada, meu irmão, esposa e sobrinhos,
assim como minha irmã e o marido, vieram almoçar conosco. Adorei
ver a família reunida, e uma sensação de paz me invadiu.
Conversamos durante todo o tempo em que estivemos juntos, e
fiquei com a impressão de que todos gostaram do Fernando, o que,
de certa forma, me deixou muito feliz. Não que eu precisasse da
aprovação da minha família para ter certeza de meus sentimentos
por ele, mas que foi bom, não poderia negar.
Passamos apenas o final de semana na fazenda e, no domingo à
tarde, fomos embora. Mais uma vez, mamãe encheu os olhos de
lágrimas ao se despedir de mim, mas não eram lágrimas de tristeza,
e sim de uma saudade antecipada.
Deixei que Fernando voltasse dirigindo meu carro e aproveitei para
admirar a estrada, olhando as plantações das fazendas que
margeavam o caminho, deixando o verde do campo descansar meus
olhos e mente.

Ao chegarmos de viagem, fomos para meu apartamento, tomamos


um banho juntos e fizemos amor debaixo do chuveiro. Saímos do
banheiro sem roupas e deitamos nus, um ao lado do outro, na minha
cama.
— Amei conhecer sua família. — Passeou seus dedos por minha
pele, provocando arrepios bons.
— Eles também gostaram muito de você. — Sorri, sem conseguir
me concentrar muito na conversa.
— Rafa... — Acariciou meu rosto.
— O que foi? — perguntei baixinho, sustentando seu olhar.
— Eu amo você! Obrigado por ter me salvado, por ter juntado os
caquinhos do meu coração e me dado uma nova chance de acreditar
no amor.
— Que lindo! — Acariciei seu corpo nu, vendo-o arrepiar. — Eu
também te amo, Fer! E você também me salvou, trouxe alegria para
a minha vida e me ajudou a encontrar um novo caminho a seguir. —
Aconcheguei meu corpo junto ao seu, sentindo-me feliz e em paz.
Com um sorriso no rosto, adormeci nos braços dele.
Ainda bem que a vida nos dá segundas chances para
recomeçarmos, encontrarmos um novo rumo e um novo amor. Para
quem corre atrás do que quer, acredita, tem fé, faz a sua parte, mais
cedo ou mais tarde as coisas começam a acontecer.
Capítulo Vinte e Cinco
Uma luz no fim do túnel
“O importante é ter paciência e perseverança, que a hora
da gente chega. Recomeçar nem sempre é fácil, mesmo
quando necessário, mas, se conseguirmos vislumbrar um
futuro diferente, melhor, isso nos enche de ânimo.”
Mais um mês se passou. Continuei nesse tempo tomando minhas
medicações e cada dia me sentindo melhor e mais controlada
emocionalmente.
Também continuava a fazer minha atividade física, na esteira, e,
aos finais de semana, Fernando e eu andávamos de patins na praça.
Todos os dias, escrevia para o meu blog e Instagram, que, aos
poucos, foram ganhando mais seguidores e tendo mais visualizações
nas postagens.
Semanalmente, ia às sessões de terapia e me sentia cada vez
mais forte.
Depois de cerca de dois meses, enfim, terminei de escrever meu
livro. Ansiosa para tentar publicá-lo, contei para Fernando e pedi que
ele o revisasse.
— Que notícia ótima, meu amor! — Abraçou-me, empolgado. —
Claro que o revisarei pra você! Me manda o arquivo ainda hoje, que
já começarei a revisá-lo.
— Fer... Será que conseguirei publicá-lo? — Tive medo da
resposta.
— Calma, meu bem! Vou revisá-lo e deixarei o arquivo prontinho
para ser enviado para as editoras, mas já conversamos sobre isso
antes e você sabe o quanto esse processo todo pode ser demorado
e que negativas farão parte disso. O importante é não desistir —
falou, calmamente, fazendo-me um carinho no rosto.
— Eu sei...
— Sua história é muito boa, e você tem conquistado um público
leitor, por causa do blog e do Instagram. Acho que tem chances, sim.
Vou te ajudar. — Puxou-me para outro abraço. — Se depois de tudo
não conseguir uma editora que queira te bancar, têm as aquelas para
as quais presto serviço, que publicam sob demanda. Não fica barato,
mas é uma opção... Outra alternativa seria publicar numa plataforma
digital, um e-book.
— Ah, Fer, quanto à publicação paga, não tenho dinheiro pra isso
agora e nem sei se valeria a pena. — Apertei-me nos braços dele,
como se assim pudesse me proteger de tudo. Mas, em relação ao e-
book, pode ser uma boa ideia mesmo.
— Vai dar certo, você vai ver!

Uma semana depois, Fernando me entregou meu livro revisado e


juntos escolhemos algumas editoras para eu enviá-lo para análise. A
maioria pedia um prazo de três meses, o que me deixou um pouco
angustiada, mas, sem poder fazer nada a respeito, continuei com
meu blog e o Instagram e aproveitei para colocar algumas leituras,
que tinha começado, em dia.
Atenta ao que andava acontecendo na cidade na área cultural,
acabei frequentando alguns eventos e em um deles conheci um
editor de um jornal local, muito simpático, que disse estar
acompanhando meu blog.
Conversamos por um longo tempo e ele me convidou para
escrever uma coluna literária semanal para o jornal, o que me deixou
feliz e aliviada, pois assim conseguiria ganhar algum dinheiro. Era
pouco o que me pagariam, porém já era alguma coisa. O convite
dele foi para mim uma luz no fim do túnel, daquele tipo que nos dão
esperança quando tudo parece perdido.
Quando batalhamos pelo que queremos e mantemos o foco e a fé,
as coisas aos poucos vão acontecendo.
Eu precisava de dinheiro, trabalhar seria bom. Já tinha passado
tanto tempo que eu anunciara meu carro, em uma tentativa de
levantar um capital extra, e não tinha aparecido nenhum interessado,
que decidi retirar a divulgação do site.
Naquela noite, Fernando não dormiu em meu apartamento, pois
tinha muito trabalho para entregar nos próximos dias. Sem querer
incomodá-lo, deixei para dar a notícia no dia seguinte, contudo
estava tão eufórica que não consegui dormir direito, mesmo tendo
tomado minhas medicações e uma xícara de chá de camomila.

No dia seguinte, enquanto almoçávamos juntos no meu


apartamento, contei a novidade.
— Que notícia maravilhosa, meu amor!
Eu havia feito um peixe assado em folha de bananeira que ficou
simplesmente delicioso. Era uma receita tirada de um canal de
culinária do YouTube. Desde que me mudei para aquele
apartamento, todos os dias experimentava receitas novas e eu, que
antes cozinhava muito pouco, estava me tornando “uma cozinheira
de mão cheia”.
— E não é? — respondi, com uma pergunta, orgulhosa de mim
mesma.
— Isto aqui está divino! — Apontou para a comida com o garfo. —
Quando você começa?
— Já querem que eu mande um texto para ser publicado na
semana que vem! — Deixei escapar um gritinho de empolgação,
enquanto comemorava batendo palminhas ridiculamente.
— Estou muito feliz por você e muito orgulhoso também. Te falei
várias vezes que o importante é ter paciência e perseverança, que a
hora da gente chega — concluiu com aquele velho tom de sabedoria
com que costumava me dar conselhos.
— Você tem razão, meu amor! O importante é ter fé, foco e
perseverar. Já aprendi isso com a vida. — Sorrimos cúmplices.

Nos dias seguintes, dediquei-me a escrever o melhor texto que eu


poderia sobre o assunto pedido e enviei por e-mail ao editor, que
poucas horas depois me respondeu dizendo que tinha adorado. E
então, semanalmente, passei a mandar meus textos para ele. Logo
veio meu primeiro pagamento, o que me deixou contente e aliviada,
pois, pela primeira vez depois de alguns meses, estava recebendo
algum dinheiro e não apenas gastando.
Carina ficou muito feliz quando soube da novidade e até saímos
juntos, os dois casais e a pequena Manu, para tomar um sorvete em
comemoração.
Mais um mês se passou e, aos poucos, minha vida estava se
tornando a que sempre sonhei para mim. Mais leve e
descompromissada, com mais tempo livre para fazer o que bem
entendesse. Eu me sentia feliz e, de certa forma, aliviada por tudo o
que foi ficando para trás. E mais ainda por ter ao meu lado uma
pessoa como o Fernando, que compartilhava dos mesmos ideais que
eu, que me punha para cima, nunca me cobrava nada, e quando eu
estava mal não me deixava desabar, nem desistir. Além de tudo,
tínhamos uma química absurda e eram raros os dias em que não
fazíamos amor.
Nada melhor do que deixar as incertezas, medos e angústias no
passado e seguir adiante, se permitir recomeçar. O que nos aguarda
pode ser maravilhoso! É preciso coragem para romper com ciclos
ruim, mudar a rota, mas, com certeza, vale a pena.
Comecei a me sentir tão bem que a Fernanda passou minhas
sessões de psicoterapia de uma vez por semana para uma vez a
cada quinze dias. Sentia que estava no caminho certo e fiquei
confiante de que, em breve, meu psiquiatra também pudesse me dar
a boa notícia de que reduziria minhas medicações, pois eu mesma já
não sabia ao certo o quanto ainda precisava delas. Tinha encontrado
na escrita e em Fernando a força de que tanto precisava e sabia que
eu, de alguma forma, também era a força dele.
“É isso aí, Rafaela! Finalmente as coisas estão entrando nos
eixos!”
Recomeçar nem sempre é fácil, mesmo quando necessário, mas,
se conseguirmos vislumbrar um futuro diferente, melhor, isso nos
enche de ânimo.
Olhei-me no espelho, antes de ir para a cama, orgulhosa e feliz por
encarar aquela Rafaela forte e determinada que um dia eu fora e que
acreditava estar voltando a ser.
Capítulo Vinte e Seis
Feliz de verdade
“É fundamental que aprendamos a celebrar as pequenas
vitórias. Isso nos motiva a seguir em frente. Cada passo em
direção ao nosso objetivo nos aproxima mais dele. Quando
temos um sonho em que acreditamos e nos esforçamos para
conquista-lo, desistir jamais será uma opção.”
Certo dia, acordei com uma crise de ansiedade, com aquela velha
sensação de sufocamento e vontade de chorar que eu tanto
conhecia, mas que há muito não sentia. Estava completando três
meses que eu enviara meu original para as editoras e não tivera
nenhuma resposta positiva, só “nãos”, que me deixavam cada vez
mais triste e decepcionada comigo mesma.
— Calma, meu bem — Fernando me aconchegou em seus braços,
assim que contei o motivo de o meu estado emocional estar tão
abalado.
— Não pensei que fosse ser tão difícil assim — resmunguei,
sentindo as lágrimas escorrerem de meus olhos e o gosto salgado
chegando à garganta.
— Não chora, meu amor. Vamos ver outras editoras e mandar seu
material de novo; tenha calma e fé. Não desista do seu sonho!
— Está bem, meu amor... Mas é que é tão duro receber tantos
nãos! Chego a duvidar do meu potencial e da qualidade da minha
obra.
— Seu livro é bom! A história é linda e original e sua escrita muito
envolvente. Tenho certeza de que tocará o coração de algum editor.
Você sabe que não é só a qualidade da história que conta, existem
muitos fatores que influenciam na hora da escolha do que publicar.
Já te falei isso. — Ele beijou minha testa.
— Está certo. Desculpe-me por minha fraqueza, mas é que dói, é
isso... — Escondi meu rosto nos braços dele.
— Amor, pensei agora em darmos uma fugidinha para um lugar
calmo e bonito para recarregarmos a energia. Que tal uma
cachoeira? — Mudou de assunto, todo animado, tentando me
alegrar.
— Acho que vou gostar disso. — Voltei meu rosto para ele,
enquanto enxugava as lágrimas com as mãos, sentindo-me mais
alegre e animada.
— Tem uma cachoeira que fica a poucos quilômetros daqui, onde
o pessoal costuma fazer rapel. O lugar é lindo e bem tranquilo.
Geralmente, vão poucas pessoas com um instrutor que conheço.
Quer experimentar descer a cachoeira numa corda? Que tal? —
Levantou as duas sobrancelhas, movimentando-as de uma forma
engraçada, fazendo-me rir.
— Não! Morro de medo de altura! — Cobri o rosto com as mãos.
— Mais um motivo para irmos, então! Vou ligar para esse cara que
conheço e te aviso se der certo. — Não me deu chances de
argumentar. — Agora preciso levantar, que ainda tenho que trabalhar
hoje.
— Está bem — resmunguei, dando-me por vencida.
— Rafa, tem outra coisa que estou querendo te propor há alguns
dias. — Olhou-me desconfiado, enquanto levantava da cama e
procurava suas roupas, o que aguçou minha curiosidade.
— Hum... diga! — Sentei para olhá-lo nos olhos.
— Estou dormindo mais noites na sua casa do que na minha e
almoço todos os dias aqui. Parece loucura morarmos em dois
apartamentos se passamos a maior parte do tempo juntos. Então,
pensei que talvez quisesse dividir um apartamento comigo. Com o
valor que pagamos aqui, podemos encontrar um apartamento maior,
o que acha? Assim poderíamos dividir as despesas e economizar
uma grana — falou devagarzinho, enquanto se vestia, e me pareceu
ansioso, como se estivesse com medo de minha resposta. As
palavras dele fizeram meu coração palpitar de alegria.
— Vou adorar morar com você! — foi só o que consegui dizer, pois
fiquei muito emocionada.
— Então, vamos procurar um apartamento maior! — exclamou,
sorridente, parecendo aliviado. — Agora preciso ir. Tenha um bom-
dia! — Beijou meus lábios em um selinho e saiu apressado.
Escutei a porta fechando e ainda fiquei por algum tempo deitada
na cama encarando o teto, sentindo o coração lentamente voltar a
seu ritmo normal.
Ele quer morar comigo!
Abobada, levantei com preguiça, escovei os dentes, tomei meu
café da manhã e me pus a procurar um apartamento em sites de
imobiliárias. Gostei de dois e deixei reservado um horário para irmos
vê-los.
Eu gostei logo de cara do primeiro. Era amplo, bem arejado, tinha
dois quartos, armários embutidos e duas vagas de garagem. A
localização era boa e o preço também. Ainda visitamos o segundo,
mas acabamos fechando o contrato de aluguel com o primeiro
mesmo, pois Fernando também gostou mais dele.
— Vida nova, casa nova! — comemorei, agarrando-me ao pescoço
do Fer, assim que assinamos o contrato.
Pagamos a multa de rescisão dos nossos contratos anteriores,
compramos alguns móveis pela internet e, no final de semana,
mudamo-nos. Foi uma loucura receber os móveis, desembalar,
colocar as coisas em seus devidos lugares. Ficamos exaustos, mas,
inegavelmente, estávamos muito felizes por resolvermos vivermos
juntos. Fernando me ajudou a escolher cada coisinha que
compramos e parecia tão empolgado que nem por um instante
questionei minha decisão. Quando terminávamos de colocar as
coisas no lugar, Fernando disse:
— Deixei marcado o passeio à cachoeira e o rapel para o final de
semana que vem.
A notícia fez minha pulsação aumentar.
Pelo visto, não vou conseguir escapar disso, pensei enquanto
colocava as panelas no armário da cozinha, depois de tê-las tirado
das caixas e as lavado.
— Sério isso, meu bem? — foi só o que consegui verbalizar diante
da angústia que comecei a sentir só de me imaginar descendo de um
ponto alto, molhado e escorregadio, presa a uma corda apenas.
— Você vai gostar — falou, com um sorrisinho no rosto,
percebendo que eu tinha ficado nervosa com a notícia.
Depois de tudo organizado em casa, encomendamos um jantar por
telefone. Enquanto esperávamos, acendemos uma vela em um
candelabro novo que colocamos sobre a mesa de jantar e dispomos
os pratos e talheres. Assim que recebemos a entrega, Fernando
abriu uma garrafa de vinho para comemorarmos.
— A nós dois, meu bem! — Estendeu sua taça em minha direção.
— Ao amor e a uma vida juntos! — Brindei, alegre, minha taça na
dele.
Depois de comermos, fizemos amor de uma forma deliciosa, como
se nossos corpos fossem o encaixe perfeito um para o outro. Nunca
havia pressa quando nos amávamos e era sempre intenso, sensual,
provocante e, ao mesmo tempo, me trazia uma paz enorme me
entregar a ele. Estar nos braços de Fernando era para mim como
estar no melhor lugar do mundo, de onde, se eu pudesse, nunca
sairia.

Durante a semana, estive tão envolvida com meu blog e Instagram


e escrevendo meu texto para o jornal que nem vi o tempo passar.
Carina foi me ajudar a organizar algumas coisas no apartamento
novo, o que me deixou alegre e agradecida. Minha amiga estava feliz
por mim; eu podia sentir em cada olhar carinhoso que ela me
direcionava.
Então, sábado chegou e acordamos bem cedo para pegarmos a
estrada para a tal cachoeira. Fui de roupa de banho por baixo do
vestido que usava e, quando desci do carro, estava desconfiada e
com medo. Mas bastaram poucos passos para o som da queda-
d’água acalmar minha mente. Fiquei deslumbrada com o visual
magnífico daquela natureza. A cachoeira era alta e rodeada de mata
verde e fechada. Os raios de sol que entravam entre as rochas e
árvores refletiam na água do rio, em um efeito dourado lindo! Depois
de contemplar aquele cenário onírico, fechei os olhos e abri os
braços, deixando o vento balançar meu corpo.
— Preparada? — o instrutor perguntou, enquanto vinha
carregando as cordas em minha direção.
— Mais ou menos. — Não consegui esconder meu medo.
— Não precisa ter receio! O equipamento é seguro. Sempre dou
manutenção nele e vou descer ao seu lado. Procure relaxar e
aproveitar ao máximo para curtir a descida. Vai ser uma experiência
incrível! — disse, todo animado.
Eu tinha minhas dúvidas de que aquela seria uma experiência
incrível, porém estava decidida a enfrentar meu pavor de altura. O
instrutor me ajudou a vestir o equipamento de segurança e me
aconselhou a usar uma calça legging ao invés do vestido para
proteger um pouco minhas pernas, caso eu as esbarrasse nas
pedras. Por sorte, eu tinha levado uma. Fernando me ajudou a me
trocar e ficou o tempo todo ao meu lado me acalmando. Depois foi a
sua vez de colocar o equipamento. Iríamos descer a cachoeira os
três juntos.
Superado o pânico inicial — que foi terrível quando comecei a
descida e olhei para baixo. Achei que fosse morrer, tive vontade de
chorar e de desistir ali mesmo, mas Fernando foi descendo devagar
ao meu lado, acompanhando meu ritmo e me mandando olhar para
frente e não para baixo —, eu consegui relaxar um pouco e,
inacreditavelmente, adorei a sensação do vento no rosto e dos
respingos da água a me molhar a todo instante. Aquela descida teve
um gosto de vitória pessoal. Eu tinha conseguido enfrentar de frente
um dos maiores medos que tinha na vida.
Quando alcançamos o rio, meu corpo tremia por causa da
descarga enorme de adrenalina, mas eu estava com um sorriso
estampado na cara e uma sensação maravilhosa de vitória. Depois
do rapel, o instrutor foi embora e não havia mais ninguém na
cachoeira, provavelmente porque ainda era muito cedo. Então, eu e
o Fer ficamos sozinhos naquele paraíso, brincando na água e
namorando sob os raios do sol da manhã.
É fundamental que aprendamos a celebrar as pequenas vitórias.
Isso nos motiva a seguir em frente. Cada passo em direção ao nosso
objetivo nos aproxima mais dele. Quando temos um sonho em que
acreditamos e nos esforçamos para conquista-lo, desistir jamais será
uma opção.
Definitivamente, eu era uma nova mulher, uma Rafaela de quem
me orgulhava muito de ser e estava feliz de verdade.
Capítulo Vinte e Sete
Pequenas vitórias, desistir jamais
“Era mais uma etapa que estava chegando ao fim, mais um
ponto final necessário para eu poder virar a página e
começar sozinha a escrever minha própria história.”
Os dias foram passando e, aos poucos, passei a ter cada vez mais
dias bons e menos dias ruins. Já estava há um bom tempo tomando
apenas metade da dose da medicação inicialmente prescrita e
continuava quinzenalmente frequentando a psicoterapia.
— Como você está se sentindo, Rafaela? — perguntou Fernanda,
após eu cumprimentá-la, enquanto me sentava no divã azul.
— Tenho me sentido incrivelmente forte e, na maioria dos dias,
feliz. Parece que, quando penso naquela Rafaela que entrou aqui
pela primeira vez, penso em outra pessoa totalmente diferente de
quem sou hoje. Quase não me reconheço mais naquela que eu era
— falei, olhando-a nos olhos, com as pernas cruzadas e a mão no
queixo.
— Fico muito feliz de ter podido, de alguma forma, ajudar você a
se reencontrar, porque apenas guiei você em alguns momentos; o
resto foi mérito seu. — Estendeu sua mão até tocar na minha.
— Sua ajuda foi muito importante — afirmei, segurando a mão
dela.
— Creio que sim, mas tenho percebido nas últimas sessões que
você já não precisa mais dela — disse, fazendo meus olhos
encherem de lágrimas de emoção.
— Você quer dizer... — comecei a falar sentindo o coração
acelerar o ritmo.
— Quero dizer que, a partir de hoje, você está de alta da terapia,
Rafaela! — interrompeu-me.
Não consegui segurar minha emoção, levantei-me e dei um abraço
apertado nela, que me desejou boa sorte antes de nos despedirmos.
Saí de lá feliz e orgulhosa de mais uma vitória na vida. Era mais uma
etapa que estava chegando ao fim, mais um ponto final necessário
para eu poder virar a página e começar sozinha a escrever minha
própria história. Depois de difíceis nove meses de tratamento, recebi
alta da psicóloga. Estava imensamente feliz, mas ainda faltava
enfrentar o psiquiatra.
Eu tinha consulta agendada para a tarde daquele mesmo dia.
Aguardei ansiosa na sala de espera, que era ampla e elegante, com
os móveis em tons de marrom claro e vinho. Ao observar o meu
redor, eu esfregava as mãos e balançava o pé que estava sobre a
perna cruzada, sentindo-me inquieta. Quando o doutor me chamou,
a notícia não foi a que eu tanto esperava, mas, de certa forma, me
deixou contente. Depois de me examinar e de conversarmos, ele
passou a medicação antidepressiva para dia sim e dia não, e o
remédio para dormir foi reduzido a um quarto de um comprimido. Ele
me explicou os motivos da redução lenta e gradual e fui obrigada a
concordar com sua conduta. Liguei para minha mãe para contar as
boas-novas assim que cheguei em casa. Ela ficou contente e
orgulhosa de mim.
Estava feliz com meu progresso com o tratamento. Tudo pelo que
passei ia a cada dia mais se tornando uma lembrança distante.
Minha vida estava mudada, eu era inegavelmente outra pessoa, mas
algo ainda me preocupava e entristecia por vezes: minha carreira
literária parecia não avançar. Eu continuava com o blog e
escrevendo para o jornal, mas, desde meu último envio de meu
original para as editoras, já havia se passado novamente três meses,
seis no total, e tinha recebido duas respostas negativas e uma
terceira editora nem se deu ao trabalho de me dizer um não;
simplesmente não houve resposta. Estava desanimada.
— Amor, estou pensando que deve ter alguma coisa errada com
meu livro — chamei a atenção do Fernando enquanto preparávamos
o jantar.
— Não tem não, linda! Mas, se quiser, posso ajudar você a dar
uma revisada nele de novo, de repente mudar alguma coisa que
queira — respondeu, enquanto mexia uma colher na panela de arroz,
falando de maneira calma e carinhosa.
— Eu quero sua ajuda sim. Depois do jantar, podíamos dar uma
olhada nele, pode ser? — perguntei, e experimentei o tempero do
feijão em seguida.
— Claro! Vamos fazer isso — respondeu, animado.
Então, depois de jantarmos, eu e Fernando nos sentamos em
frente ao meu notebook e fomos dar uma olhada no meu texto.
Ficamos algumas horas mexendo nele. Acabei excluindo algumas
partes e reescrevendo outras, melhorei algumas cenas e diálogos e,
por fim, fiquei satisfeita com o resultado.
— Amor, dessa vez, antes de mandarmos seu original para
análise, vamos escolher melhor alguma editora que tenha mais a ver
com ele, vamos priorizar umas duas e daí enviaremos o material, o
que acha? — Voltou-se para mim, e beijou meus lábios em um
selinho em seguida.
— Acho que você tem razão! — Aproximei meu corpo do dele,
envolvendo-o em um abraço, sentindo-me empolgada.
Depois de algumas horas conversando sobre editoras e
analisando os livros que andavam publicando, escolhemos duas
relativamente pequenas, mas que tinham uma boa distribuição em
nível nacional e que trabalhavam com a edição sem custos para o
autor, e então enviei o meu livro por e-mail. Após clicar em “enviar”,
cruzei os dedos para dar sorte e fiz uma pequena oração a Deus em
silêncio.
Enquanto aguardava uma resposta, decidi começar a escrever um
novo livro e assim mantive minha mente e meu tempo ocupados.
Aprendi a ser grata por minhas vitórias, apreciá-las, comemorá-las,
mesmo que pequenas. É impossível ser feliz o tempo todo. A
felicidade é feita de momentos, mais ou menos frequentes. Hoje eu
sei disso.
Capítulo Vinte e oito
Um dia muito feliz em minha vida
“É muito gostoso quando começamos a colecionar vitórias
e momentos de felicidade, principalmente quando chegamos
ao fundo do poço e tivemos os sonhos destruídos. Que
saibamos levantar após quedas, renascer e nos reinventar,
se for preciso. Valerá a pena!”
Dez meses depois de uma longa jornada em busca de mim
mesma e da felicidade perdida, acabei me tornando uma pessoa
melhor, mais forte, com menos medos, mais leve e, com certeza,
muito mais feliz.
Não é fácil reconhecer que a vida que está levando não é a que
imaginava; e muito mais difícil é ter coragem para mudar isso.
Porém, muitas vezes, é a única opção para não se perder de si
mesmo.
Foi assim comigo. Eu havia me perdido de mim mesma e queria
muito me reencontrar. Foi difícil, principalmente no começo porque,
de repente, eu perdi tudo o que julgava ser minha segurança: meu
emprego, meu relacionamento e meu ganho financeiro mensal.
A angústia foi o sentimento que mais me afligiu nos primeiros
meses do meu tratamento e do meu “ano sabático”. Realmente foi
um ano muito diferente dos outros. Dei um tempo para pensar na
vida, descansar, para experimentar coisas novas, enfrentar os medos
e descobrir novos sabores, incluindo o sabor do amor verdadeiro.
Meu relacionamento com Fernando não podia estar melhor.
Ficamos muito unidos. Nossos gostos e sonhos eram muito
parecidos. Ele era uma pessoa leve, fácil de lidar. Almoçávamos
todos os dias juntos e de vez em quando saíamos para jantar,
procurando escolher sempre lugares novos. Nos finais de semana,
íamos ao cinema e todos os domingos de manhã andávamos de
patins na praça. A cada quinze dias, viajávamos juntos para a casa
dos meus pais, e Fernando acabou se tornando um membro da
família. Quando estávamos lá, ele acordava cedo e ia com meu pai
visitar as plantações e ajudava com os afazeres rurais. Os dois se
deram muito bem, o que me deixava feliz.
Ainda aguardava uma resposta das editoras para onde eu havia
enviado meu original, mas já estava quase terminando meu segundo
livro, pois tinha bastante tempo livre para escrever. Naquele dia, tive
consulta com o psiquiatra e confesso que estava louca para ouvir da
boca dele que estava pronta para receber alta e parar de vez com as
medicações. Enquanto aguardava ser chamada, fiquei lendo um
romance muito divertido.
— Rafaela? — chamou a secretária. — Pode entrar, o doutor está
esperando.
Entrei no consultório roendo o cantinho do dedo. Ainda não tinha
conseguido parar com aquele mau hábito.
— Sente-se, querida! — O médico apontou a cadeira à sua frente.
— Como você está? — Olhou-me por cima dos óculos de leitura.
— Estou bem. Já tem um mês que parei a psicoterapia e tenho
conseguido seguir em frente sozinha. — Sustentei seu olhar. — Faz
muito tempo que não tenho uma crise de ansiedade e tenho dormido
bem.
— E a atividade física, continua fazendo? — perguntou, enquanto
digitava qualquer coisa no computador.
— Continuo sim. Depois que mudei de apartamento, acabei
comprando uma esteira usada e todos os dias faço uma hora de
caminhada que alterno com quinze minutos de corrida. Tem me feito
muito bem, já até perdi alguns quilos! — Alisei, divertida, minha
barriga, fazendo o psiquiatra sorrir.
— Tem conseguido descansar?
— Tenho sim, doutor.
— Está certo — falou, enquanto levantava. — Agora venha aqui,
deite-se que quero examiná-la. — Apontou para a maca.
Depois de ter me examinado e me feito mais algumas perguntas
sobre minha alimentação e meu lazer, ele falou, pousando as mãos
sobre a mesa:
— Você está mesmo muito bem! Não vejo mais necessidade de
continuarmos com as medicações — concluiu, fazendo meu coração
acelerar.
— O senhor está me dando alta, doutor? — Senti lágrimas
brotarem em meus olhos.
— Estou suspendendo suas medicações, mocinha! Mas ainda
quero vê-la nos próximos meses, para ter certeza de que ficará bem.
— Estendeu suas mãos para segurar as minhas.
As palavras dele soaram como música aos meus ouvidos. Não era
uma alta definitiva, mas, de certa forma, era uma alta, o que me
deixou extremamente feliz. Dei um abraço apertado nele antes de ir
embora, fazendo-o corar.
Aquela era mais uma vitória que merecia ser celebrada.

Segui cantarolando pelo caminho de volta para casa. Ao chegar,


liguei para minha mãe.

— Mãe, como a senhora está? — perguntei assim que ela


atendeu, enquanto trancava a porta do apartamento.
— Oi, filha! Estou bem. Com saudades! E você, como está?
— Acabei de vir do psiquiatra, mãe! — respondi, eufórica,
enquanto sentava no sofá da sala.
— E como foi, querida?
— Recebi alta! O médico suspendeu as medicações, mãezinha.
Não poderia estar mais feliz! — contei a ela sentindo uma agitação
boa percorrer meu corpo.
— Fico muito feliz, minha filha! Que coisa maravilhosa! E quando
vocês voltam por aqui?
— Acho que no próximo final de semana. Vou confirmar com o
Fernando e depois aviso a senhora. Agora tenho umas coisas para
fazer, vou desligar. Liguei mesmo só para contar a boa notícia.
— Muito boa notícia mesmo, filha! Obrigada por me contar. Estou
feliz por você e muito orgulhosa também. Fique com Deus. Um beijo.
Despedimo-nos e desliguei o telefone. Em seguida, mandei uma
mensagem para o Fernando.
“Amor, acabei de chegar em casa, meu psiquiatra me deu alta! Na
verdade, ele suspendeu as medicações, o que para mim foi como
uma alta. Estou muito feliz! Temos de comemorar. Amo você.”

Ele me respondeu alguns minutos depois:

“Que maravilha, meu amor! Estou feliz demais com a notícia!


Vamos comemorar sim. Que tal sairmos para almoçar?”

Em seguida, alegre feito criança, colocando os pés em cima do


sofá, eu mandei um emoji de carinha com olhinhos de coração.

“Adoraria sair para almoçar com você!”

“Passarei para te pegar ao meio-dia, então. Amo você!”

Digitei enquanto verificava as horas no celular:

“Também amo você! Até daqui a pouco!”

Passava pouco das onze, então, sem demora, levantei e corri ao


banheiro para me arrumar.

Ao meio-dia, Fernando chegou e me levou para almoçar em uma


cantina italiana. Adorava massas e fiquei contente com a escolha
dele. O lugar era um charme, mesmo de dia. Pequeno, com
mesinhas de madeira e decorado em tons de verde, vermelho e
branco, com fotos antigas de uma Itália que ainda não conhecia. Ele
estava visivelmente feliz e orgulhoso de mim.
— Linda, parabéns por mais essa vitória! — Pegou minhas mãos
nas suas, assim que sentamos, um de frente para o outro.
— Obrigada, Fer! Estou muito feliz mesmo, e você foi muito
importante durante essa caminhada. Obrigada por ter estado ao meu
lado de uma forma tão amável e gentil, serena, sem cobranças.
Obrigada por ter sido meu suporte e ter respeitado meu espaço sem
nunca me sufocar ou estar ausente. Você é um presente que a vida
me deu. Eu amo você! — falei, emocionada.
— Eu também te amo, Rafa! E você também é um presente pra
mim! — Beijou minhas mãos.
O dia ainda estava apenas na metade e já era um dos mais felizes
dos últimos tempos. Contudo, surpresas boas ainda me aguardavam.

Quando o Fer me deixou em casa depois do almoço, logo que


entrei, peguei meu notebook e liguei para dar uma espiada no blog,
no Instagram e verificar meus e-mails. Assim que abri a caixa de
entrada, quase senti meu coração parar. Tive de piscar algumas
vezes para ter certeza do que estava lendo. Na lista, havia um e-mail
de uma das duas últimas editoras para onde enviara meu livro, com
o título “sobre a análise de seus originais”. Cliquei nele para abri-lo,
sentindo as mãos trêmulas. A mensagem dizia:

“Parabéns! Depois de ser criteriosamente analisada por nossa


equipe, sua obra foi escolhida para ser publicada por nossa editora.
Bem-vinda ao time! Por favor, confirme o recebimento deste e-mail e
confirme também o telefone para contato, pois, em breve, ligaremos
para maiores informações.”

O texto era curto, mas devo ter demorado alguns minutos para
conseguir lê-lo e compreender tudo o que dizia, de tanta
perplexidade e euforia.
— Eu fui aceita! Meu livro será publicado! — gritei alegre feito
criança, levantando depressa e dando pulinhos ridículos. — Preciso
ligar para a Carina, para o Fernando e para a minha mãe!

É muito gostoso quando começamos a colecionar vitórias e


momentos de felicidade, principalmente quando chegamos ao fundo
do poço e tivemos os sonhos destruídos. Que saibamos levantar
após quedas, renascer e nos reinventar, se for preciso. Valerá a
pena!
Capítulo Vinte e nove
A vida que eu sempre quis para mim
“Coisas boas acontecem para quem sabe esperar, para
quem não desiste e para quem tem coragem de enfrentar o
que for preciso para colocar pontos finais necessários na
vida. Pontos finais, muitas vezes, significam justamente
novas oportunidades. É concluindo um ciclo que se inicia
outro.”
Foram essas palavras que usei para concluir um texto que postei
em meu blog, enquanto fazia um balanço sobre o meu ano sabático.
Eu não estava feliz há um ano. Tinha me transformado em uma
pessoa que não mais reconhecia e não me orgulhava disso. Tentei
fazer muito mais do que conseguia, mas entendi que não precisava e
nem queria mais ser uma super-heroína. Cansei de ser a Mulher-
Maravilha e precisei me redescobrir.
Estava acomodada, tinha medo de tomar decisões drásticas e
acabar me arrependendo, então apenas aceitava as coisas como
estavam e “ia levando a vida”. Mas a vida é muito curta para apenas
“ser levada adiante”; ela precisa ser vivida. Vivida de forma plena,
intensa, feliz. Não dá para colocar o trabalho em primeiro plano e se
esquecer da vida pessoal. Eu tinha feito isso e acabei pagando um
preço alto demais.
Ninguém é feliz vinte e quatro horas por dia, simplesmente pelo
fato de termos angústias e medos e também porque coisas tristes e
ruins inevitavelmente acontecem, mas não podemos ser tristes a
maior parte do tempo, porque significará que algo está muito errado.
Ainda bem que tive coragem para mudar tudo em minha vida. Meu
novo trabalho, além de me satisfazer, dava-me orgulho e me deixava
com tempo livre para fazer outras coisas, incluindo descansar e
cuidar de mim mesma. Tive um sonho realizado: meu livro seria,
enfim, publicado, e sentia que isso era só o começo de uma carreira,
que esperava que fosse longa e duradoura.
Escritos vivem para sempre, mesmo depois da morte do autor, e
era, no mínimo, meio maluco pensar que deixaria algo para outras
gerações, porque desejava mesmo que meus livros se perpetuassem
e que, de alguma forma, fizessem as pessoas felizes, que as
ajudassem a acreditar nos sonhos e a ter esperança na vida.
Aquele foi um dia mágico em minha vida. Um dia excepcional em
que só recebi notícias boas, que ficaria para sempre gravado em
minha memória e no meu coração.
Poucos dias depois do recebimento do e-mail da editora, que me
deu o melhor “sim” da minha vida, ligaram-me para explicar como
seria a publicação e o contrato que me enviariam para assinar. Li
tudo algumas vezes e assinei feliz.
Fazia dois meses após aquele dia do sim e um ano desde que
tudo recomeçara para mim, desde que renasci para uma vida
maravilhosa que me aguardava ter coragem para aceitá-la. Meu livro
estava sendo revisado e logo seria publicado. Enquanto isso, a
editora já está trabalhando na divulgação dele.
Passei a ter muitos compromissos e, além de escrever para o
jornal, acabei sendo convidada a escrever uma coluna para uma
revista mensal, o que me deixou alegre e superanimada. Fernando
se mostrava orgulhoso de mim e me ajudava muito, apoiando cada
decisão que eu tomava.
Parecíamos um casal em lua de mel, tamanha a intimidade entre
nós dois, mesmo depois de muito tempo juntos. Enfim, a vida entrou
nos eixos! Poderia dizer tranquilamente que tinha uma vida com a
qual sempre sonhei.
Epílogo

“Estava definitivamente encerrando um ciclo para começar


outro, cheia de expectativas e com o coração alegre e em
paz. Foi preciso muita coragem para mudar drasticamente
minha vida, mas, daquela vez, acreditava estar fazendo as
escolhas certas!”
Quatro meses depois de ter assinado o contrato de publicação do
meu livro, ele ficou pronto. Quando chegou a noite de lançamento, foi
difícil controlar a ansiedade. Olhei-me no espelho umas dez vezes
para ver como estava, amarrei e desamarrei os cabelos e troquei de
roupa umas três vezes. Enquanto aguardava a hora de sairmos,
fiquei andando de um lado para o outro e não parava de esfregar as
mãos. Escolhi um vestido vermelho, na altura dos joelhos e com a
saia levemente rodada e decote alto. Por fim, decidi deixar os
cabelos soltos. Passei uma maquiagem suave, que realçou meu
olhar, e um batom em um tom fechado de vermelho.
— Você está linda! — Fernando elogiou, olhando-me do banheiro,
enquanto terminava de se arrumar.
— Obrigada! — Sorri, tentando espantar o nervosismo.
— Calma, meu amor. Vai dar tudo certo!
— Vai, não é? — perguntei, indo em direção a ele querendo
apenas que suas palavras me deixassem mais calma.
— Vai sim! Venha cá. — Estendeu-me os braços, enquanto vinha
ao meu encontro.
— Estou nervosa e com um pouco de medo... — confessei,
envolvendo-me nos braços dele.
— Não precisa ficar assim. Hoje, a noite é sua! Vai lá e arrasa!
— E se não aparecer ninguém? — Aconcheguei meu rosto na
curva do pescoço dele, inalando aquele cheirinho gostoso que eu já
conhecia tão bem, cheiro de casa.
— Tenho certeza de que isso não vai acontecer, meu amor! Vai ter
gente sim, e todos estarão felizes por estarem lá nesse momento
com você. — Afagou meus cabelos. — Agora vamos, porque já está
na hora!
Quando chegamos, o local escolhido para o lançamento estava
bonito e arrumado, com algumas flores decorando o ambiente. Havia
uma mesa na parte central com uma pilha dos meus livros em
exposição. Vê-los assim fez meu coração palpitar e tive de respirar
fundo algumas vezes para me acalmar.
Minha família estava presente, todos estavam lá: meus irmãos,
minha cunhada com meus sobrinhos e meu cunhado, o que me
deixou imensamente feliz, pois sabia o quanto era difícil para eles
viajarem e se ausentarem de suas atividades. Eles tinham dito que
não poderiam vir, me enganaram direitinho!
Após abraços carinhosos e muita festa que fizeram comigo,
percebi no rosto de cada um o quanto estavam felizes por mim e
orgulhosos. Meu pai ficou tentando esconder a emoção, mas eu o
conhecia muito bem.
Havia muitas pessoas lá. A noite foi incrível! Carina e Matheus
deixaram a pequena Manu com os avós e foram me prestigiar.
Fernanda, minha psicóloga, também estava lá. Apareceram algumas
pessoas da época da faculdade, outras que conhecia da clínica, o
pessoal do jornal, da editora, e até pacientes antigos compareceram.
Eu era o centro das atenções, autografava livros e posava para fotos
ao lado dos compradores, sentindo-me realizada e feliz.
De lá, Fernando me levou para um jantar romântico em um
restaurante francês chique e caro da cidade. Meus pais e irmãos não
quiseram ir. Achei uma pena, mas disseram que estavam cansados.
Decidiram ir direto para o nosso apartamento, pois voltariam para a
fazenda na manhã seguinte, bem cedo.
Ao chegarmos ao restaurante, achei tudo um exagero e parecia
até um pouco absurdo irmos comer em um lugar daquele.
— Você merece! — meu namorado disse quando tentei
argumentar que não devíamos fazer aquilo.
Depois de sentarmos a uma mesa lindíssima – arrumada com uma
toalha branca de renda e suplats dourados sob pratos brancos de
uma porcelana fina –, iluminada por um castiçal de cristal
maravilhoso, Fernando pediu ao garçom que trouxesse um
champanhe. Sorri para ele e revirei os olhos assim que o garçom se
afastou.
— Você enlouqueceu? — perguntei, espantada.
— Nunca estive tão são em minha vida. — Sorriu, e me estendeu
as mãos. Ele estava muito elegante. Vestia uma calça social cor de
chumbo e camisa preta de mangas longas, com os punhos
dobrados, dando um ar despojado.
Assim que o garçom voltou e nos serviu, Fer tirou uma caixinha do
bolso, o que fez minhas pernas perderem as forças. Assim que notei
o que estava prestes a acontecer (ainda bem que estava sentada),
senti o coração bater forte e acelerado.
Não! Meu Deus! Será que é o que estou pensando?
Fiquei encarando-o com uma cara de tola apaixonada.
Então, ele calmamente abriu a caixinha exibindo um lindo anel de
noivado, fazendo lágrimas brotarem de meus olhos.
— Rafa, desde que a conheci minha vida mudou. Hoje conheço o
verdadeiro sentido das palavras amor e cumplicidade. —
Emocionado, sua voz estava embargada por lágrimas que surgiram
de seus olhos.
— Ai, meu amor... — deixei escapar, interrompendo-o por um
instante.
— Você é tudo pra mim! Quero envelhecer ao seu lado e dividir
com você a vida, as alegrias e vitórias, as angústias e os medos.
Rafaela, eu te amo como nunca amei ninguém na vida. Quer casar
comigo? — pediu, fazendo-me desabar em um pranto de alegria e
emoção.
— É claro que quero! Eu amo você!
Não precisava de mais nada na vida. Enfim, sentia-me feliz e
completa!
Ao lado de Fernando, eu conseguia imaginar meu futuro, uma
família, filhos, coisas que ainda não tinham sido despertadas em mim
quando estava com Bruno. Não sabia explicar bem o porquê. Talvez
nunca tenha amado Bruno de verdade, talvez fosse só paixão e
amizade. Mas o que sentia por Fernando tinha certeza de que era
amor. Um amor maduro e calmo.
Estava definitivamente encerrando um ciclo para começar outro,
cheia de expectativas e com o coração alegre e em paz. Foi preciso
muita coragem para mudar drasticamente minha vida, mas, daquela
vez, acreditava estar fazendo as escolhas certas!

FIM
Síndrome de Burnout
O trabalho é uma atividade que pode ocupar grande parcela da
vida de um indivíduo e de seu convívio em sociedade, e nem sempre
possibilita a realização profissional, podendo, ao contrário, causar
problemas, desde insatisfação até exaustão.
Segundo o psiquiatra Dr. Gustavo Resende Pereira, de
Uberlândia-MG, a síndrome de Burnout (do inglês to burn out,
queimar por completo), também chamada de síndrome do
esgotamento profissional, foi assim denominada pelo psicanalista
nova-iorquino Freudenberger, após constatá-la em si mesmo, no
início dos anos 1970.
Conforme explicou o médico, a dedicação exagerada à atividade
profissional é uma característica marcante de Burnout, mas não a
única. O desejo de ser o melhor e sempre demonstrar alto grau de
desempenho é outra fase importante da síndrome: o portador de
Burnout mede a autoestima pela capacidade de realização e sucesso
profissional.

Três características marcam a doença:


1- Exaustão física e emocional: dores musculares, cansaço
extremo, desânimo, distúrbios do sono, solidão, raiva, impaciência,
irritabilidade, mudanças bruscas de humor, sintomas depressivos
como baixa autoestima, raciocínio lento e desesperança.
2- Despersonalização ou ceticismo e distanciamento afetivo: a
pessoa se torna ranzinza, irônica e negativista. E a presença de
outras pessoas se torna indesejada.
3- Baixa produtividade no trabalho: decorrente da insatisfação
progressiva tanto na vida pessoal quanto profissional.

É uma doença grave. Precisa ser conhecida, falada, diagnosticada


e tratada.

O que tem início com satisfação e prazer termina quando esse


desempenho não é reconhecido. Nesse estágio, a necessidade de
se afirmar e o desejo de realização profissional se transformam em
obstinação e compulsão; o paciente nessa busca sofre, além de
problemas de ordem psicológica, forte desgaste físico, gerando
fadiga e exaustão. A síndrome de Burnout é reconhecida como risco
ocupacional para profissões que envolvem cuidados com saúde,
educação e serviços humanos.
O processo inicia com excessivos e prolongados níveis de
estresse no trabalho, que proporcionam o aparecimento dos fatores
multidimensionais da síndrome, com exaustão emocional,
distanciamento afetivo e baixa realização profissional.
A exaustão emocional abrange sentimentos de desesperança,
solidão, depressão, raiva, impaciência, irritabilidade, tensão,
diminuição de empatia, sensação de baixa energia, fraqueza,
preocupação, aumento da suscetibilidade para doenças, cefaleias,
náuseas, tensão muscular, dor lombar ou cervical, distúrbios do
sono.
O distanciamento afetivo provoca a sensação de alienação em
relação aos outros, sendo a presença desses, muitas vezes,
desagradável e não desejada.
Já a baixa realização profissional ou baixa satisfação com o
trabalho pode ser descrita como uma sensação de que muito pouco
tem sido alcançado e o que é realizado não tem valor.
Em algumas áreas de trabalho, parece haver maior tendência de
ocorrer essa síndrome, como os trabalhadores da área de saúde,
professores, policiais, jornalistas, taxistas, bancários, controladores
de tráfego aéreo, engenheiros, músicos e artistas.
Alguns estudos apontam relação da síndrome com transtornos
depressivos e de ansiedade. Altos níveis de exigência psicológica,
baixos níveis de liberdade de decisão, baixos níveis de apoio social
no trabalho e estresse devido a trabalho inadequado são preditores
significantes para subsequente depressão, até mesmo tentativas de
suicídio e ideação suicida, abuso/dependência ao álcool e outras
substâncias ilícitas, além de doenças psicossomáticas, como a
síndrome da fadiga crônica e fibromialgia.
O desequilíbrio na saúde profissional pode levá-lo a se ausentar
do trabalho, gerando licenças por auxílio-doença e a necessidade,
por parte da organização, de reposição de funcionários,
transferências, novas contratações e novo treinamento, entre outras
despesas. A qualidade dos serviços prestados e o nível de
produtividade certamente serão afetados, assim como a
lucratividade, sendo considerado o Burnout um grande problema no
mundo profissional da atualidade. Entrou para a Classificação
Internacional das Doenças (CID) como doença ocupacional,
relacionada ao trabalho, somente no ano de 2020.
A doença queima, destrói os sonhos da pessoa, tirando sua
esperança e alegria de viver. É como se de repente nada mais
fizesse sentido, todas as escolhas tomadas parecem ter sido erradas
e a pessoa se vê sem rumo, desanimada, cada dia mais infeliz.

O tratamento consiste principalmente em mudança de estilo de


vida e é aliado a psicoterapia e medicações adjuvantes, usadas por
um período máximo de um ano.
Se você se reconheceu no exposto aqui, procure ajuda
profissional.
“Síndrome” da Mulher-Maravilha
A “síndrome” da Mulher-Maravilha não é uma doença, no entanto
possui muitas semelhanças com a própria síndrome de Burnout.
A super-heroína Mulher-Maravilha, criada na década de 1940,
ainda hoje é citada para expressar força, coragem e combater o
conceito de inferioridade feminina.
No último século, as mulheres celebraram muitas conquistas em
relação a seus direitos sociais, como indivíduos e no mercado de
trabalho. No entanto, nunca deixaram de exercer todos os papéis
que já exerciam: esposas, mães, donas de casa, e cada vez com
uma cobrança maior para que façam tudo com perfeccionismo e
ainda se mantenham bonitas e bem-arrumadas, de preferência em
boa forma física.
Como lidar com tanta pressão sem adoecer de fato?
O empoderamento feminino veio junto com uma sobrecarga para
as supermulheres do século XXI.
Sufocadas por tantas obrigações e cobranças, essas últimas
muitas vezes de si mesmas, as mulheres modernas estão vivendo no
limite de suas capacidades físicas e mentais.
Não se cobre tanto. Não somos super-heroínas e não somos
obrigadas a dar conta de tudo sozinhas, de carregarmos o mundo
nas costas. Cuide de sua saúde física e emocional, permita-se ter
momentos diários de relaxamento. Tire um tempinho na semana só
para cuidar de si. Não deixe que a “síndrome” da Mulher-Maravilha
se transforme na síndrome de Burnout, uma doença cruel e
destruidora.
Não hesite em procurar ajuda profissional de um psicólogo, não
tenha medo de dizer não, de estabelecer seus limites e, se preciso
for, de se reinventar.

Renata.
Mensagem final
Quando decidi escrever esta história, queria que ela transmitisse
uma mensagem muito clara: a de que não devemos colocar nossos
objetivos profissionais em primeiro lugar e abdicar de nossa vida
pessoal. Muitas vezes, o trabalho excessivo pode sugar nossa
energia e, na verdade, nem nos satisfazer mais. Ele pode
simplesmente estar roubando nossa alegria de viver, e a vida é muito
curta para ser levada dessa forma. Desejo que tenha sonhos e que
lute por eles, mas sem se esquecer de quem você é. Desejo que
tenha tempo para curtir a família, para passear em um final de tarde
ou em um final de semana, para ler bons livros e assistir a bons
filmes. Que tenha tempo e disposição para jogar conversa fora com
os amigos, com o(a) namorado(a) ou marido/esposa. Desejo que
leve a vida de forma mais leve e que, acima de tudo, seja feliz! Não
queira ser super-heroína; a gente não precisa disso.

Um grande abraço,

Renata.
Obrigada
Muito obrigada por ter lido esta história! Se gostou dela, peço que a
indique para uma amiga ou amigo e a avalie na Amazon com pelo
menos uma frase. As avaliações são muito importantes para os
autores, pois incentivam outras pessoas a lerem também. Se leu
pelo aparelho Kindle, depois entre no site por seu celular ou
computador, já que apenas as estrelas no leitor de livros digitais não
são exibidas.

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Beijos,
Renata.
Agradecimentos
Sempre e em primeiro lugar, agradeço a Deus o dom da escrita e
por me permitir realizar meus sonhos.
Ao meu marido pelo apoio, incentivo, compreensão e por ter me
dado uma família linda.
Às minhas leitoras queridas do meu grupo do WhatsApp. Meninas,
vocês são demais! Obrigada por se empolgarem tanto quanto eu
com minhas histórias! Espero tê-las sempre perto de mim.
E a todos os meus leitores, os que me leem há muito tempo e os
que estão chegando agora. Vocês fazem tudo isso ter sentido!
Agradeço ainda às minhas queridas amigas escritoras pelo
companheirismo nessa jornada, por escutarem meus desabafos, por
me apoiarem, celebrarem comigo minhas conquistas e sempre me
ensinarem algo, em especial a Beatriz Cortes, Cinthia Freire e Edna
Nunes, por terem sido minhas leitoras betas deste romance,
ajudando-me a lapidá-lo.
Também preciso agradecer a Carla Santos pela primeira
preparação de texto e revisão desta obra. Aprendi muito com você,
Carlinha!
Um muito obrigada aos meus parceiros de blogs e Instagrams.
Vocês são incríveis!
Não poderia deixar de agradecer ao meu agente, Felipe Colbert,
por ter acreditado em meu trabalho. É uma honra fazer parte do seu
time!
Por último e não menos importante, agradeço à Samantha Silvany
pelo convite para integrar o time de autores da Bendita editora e pela
confiança no meu trabalho. É uma grande honra para mim, e desejo
que seja uma parceria de sucesso!
Biografia
Pisciana, dramática e chocólatra assumida. Renata dos Reis
Corrêa nasceu em 04/03/1981, em Guimarânia, interior de Minas
Gerais, e atualmente mora em Uberlândia com o marido e os dois
filhos, um casal de gêmeos.

É médica oftalmologista por formação, leitora voraz e uma


apaixonada pela escrita. Começou a escrever ainda adolescente,
mas só em 2014 entrou de vez para o mundo literário, ao criar seu
primeiro romance, história que começou como parte de um
tratamento para síndrome de Burnout que teve na época. Romântica
incorrigível, procura sempre passar uma mensagem de esperança
com seus textos, destacando o poder da figura feminina. Já publicou
22 títulos, dentre livros digitais e impressos, que vão desde o drama,
passando pela comédia romântica, até a literatura erótica, sendo
onze romances, além de contos, novelas e crônicas. Só na Amazon
suas histórias somam milhões de leituras.

Obras:

Contra todas as probabilidades – romance


As coisas não são bem assim – romance
Amores e desamores – contos
Crônicas reunidas – crônicas
De repente, tudo muda – romance
Impossível não te amar – romance
Um Natal inesquecível – conto
Um rock star em meu destino – conto
Nicolas Petrari – romance
Aquiles Petrari – novela
Mais que um olhar – romance
Poder e sedução – conto
Max – novela
Sorte ou azar? – romance
Proibido amor – novela
Safado amor – novela
Em direção ao CEO – romance
Box Irresistíveis paixões (Proibido amor, Safado amor e Bandido
amor) – novelas
Tentação de viúvo – romance
Tudo pra mim – romance
O bebê do meu melhor amigo – romance
Cansei de ser a mulher-maravilha – romance

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