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Corrêa
— Rafaela?
Despertei quando o médico me chamou.
— Seus exames ficaram prontos, querida.
— E está tudo bem comigo, doutor? — Tentei sentar, enquanto o
fitava, aflita. Bruno me ajudou e também olhava interrogativo para o
médico diante de nós.
— Graças a Deus, seus exames estão normais sim.
Respirei aliviada ao ouvi-lo, e apertei de leve a mão de Bruno, que
me sorriu.
— Então, já posso ir? — perguntei, animada.
— Ainda não. Pelo exame clínico e pelas perguntas que te fiz,
acredito que esteja passando por algo muito comum nos dias atuais,
que se chama síndrome de Burnout.
— Síndrome do quê? — Olhei para ele, espantada, pois nunca
ouvira falar naquele nome.
— Burnout, querida. É uma doença caracterizada por um
esgotamento psíquico, relacionado ao trabalho excessivo. — Anotou
algo em sua prancheta enquanto falava: — Mas pedirei ao psiquiatra
para vir vê-la, ele poderá lhe explicar melhor.
— Me sinto mesmo esgotada... — Subitamente, senti-me triste. Eu
nunca imaginei que estivesse doente.
Percebendo minha tristeza, Bruno me envolveu num abraço e
sussurrou ao meu ouvido:
— Vai ficar tudo bem.
— Mandarei chamar o psiquiatra e a psicóloga de plantão para
conversarem com você, está bem? — O doutor Jarbas pousou sua
mão sobre a minha em um toque delicado.
— Tudo bem, obrigada — agradeci por educação, pois, só de
pensar que mais pessoas me encheriam de perguntas, eu sentia de
novo vontade de chorar. Não conseguia acreditar no que estava
acontecendo.
Antes de se despedir, o médico ainda disse que estava
prescrevendo uma medicação calmante injetável, que eu tomaria
junto com um soro e que passaria o resto do dia ali em observação.
Bruno ouviu atento e não disse nada, apenas segurou forte a minha
mão e passou o dia ao meu lado.
Mais tarde, o psiquiatra foi falar comigo e me explicou direitinho
tudo sobre a tal síndrome de Burnout.
— Olá, Rafaela! — cumprimentou alegre. — Sou o psiquiatra de
plantão. Como está se sentindo?
— Cansada. — Tentei sorrir.
— Imagino! — Ele me olhava simpático. — Se importa se eu te
fizer algumas perguntas? — Seu tom era tão amistoso que me senti
à vontade.
— Tudo bem — respondi, sentando na maca.
— Meu amor, vou até a lanchonete para que possam conversar.
Daqui a pouco, eu volto. Quer alguma coisa? — Bruno beijou minha
testa e me olhou com ternura.
— Pergunte para a enfermeira se eu posso comer algo, já estou
mesmo com fome.
— Está bem, vou perguntar. — Deu-me mais um beijo e saiu.
Depois disso, passei alguns minutos respondendo às perguntas do
psiquiatra.
— Rafaela, infelizmente o doutor Jarbas tem razão. — Seus olhos
fitavam os meus. — Pelo que aconteceu e pelo que conversamos, eu
acredito mesmo que seu diagnóstico seja síndrome de Burnout, ou
estresse extremo provocado pelo trabalho.
— Ah, não acredito nisso, doutor! — Não consegui conter o choro.
— Não fique assim. — Segurou minha mão na dele. — Com a vida
louca e corrida que as pessoas estão levando, esse diagnóstico tem
sido cada vez mais comum. Mas vai ficar tudo bem. — Sua voz era
calma e seu olhar, confiante.
— Espero que sim. — Soltei a mão dele para enxugar meu rosto,
sentindo-me triste. Todavia tentei acreditar em suas palavras.
— O Burnout, Rafaela, além de ser caracterizado por um estresse
extremo, tem algumas outras características muito parecidas com a
depressão e ansiedade — falava com calma. — Geralmente se
desenvolve depois de um esforço excessivo no trabalho, quando o
desejo de realização profissional se transforma em obstinação e
compulsão, gerando um desgaste emocional e físico intensos.
— Eu estava mesmo trabalhando demais e me sentindo exausta.
— Respirei fundo, tentando assimilar tudo aquilo.
— Com o tratamento, logo, logo, você começará a se sentir
melhor, eu te garanto! — Piscou para mim, fazendo-me sorrir. — Mas
terá que mudar seus hábitos de vida, arrumar tempo para descansar
e fazer coisas que te distraiam e das quais goste, está bem?
— Prometo que vou tentar — respondi, sentindo-me mais
animada.
O psiquiatra disse ainda que pessoas perfeccionistas, tanto na
vida pessoal quanto na profissional, estão mais propensas a essa
síndrome, pois buscam de forma excessiva uma excelência, às
vezes, impossível de se alcançar. Essas pessoas, como eu, têm
dificuldade em dizer “não” e vão acumulando funções, deixando de
lado a vida pessoal, e se dedicando cada vez mais e mais ao
trabalho, até não aguentarem e adoecerem de vez.
As explicações do médico me fizeram perceber que ele tinha toda
razão em dar o meu diagnóstico, pois eu me enquadrava em cada
descrição. Há tempos, as coisas haviam deixado de fazer sentido em
minha vida, e no fundo eu sabia que o trabalho excessivo era o
grande culpado. Ouvir aquilo tudo foi o começo do fim.
Capítulo Três
Um fim para um recomeço
“Foi muito complicado iniciar o tratamento. Contudo eu
sabia que não necessitava apenas de remédio, e sim de
encontrar a paz e a alegria que eu mandara embora há
tempos. Precisava mudar de vida, só não tinha ainda tomado
nenhuma grande atitude. Em breve, teria de tomar decisões
difíceis, mas necessárias.”
Não sei em que momento me perdi de mim, em que momento
deixei que o trabalho ocupasse o lugar mais importante de minha
vida. O fato é que demorei para entender certas coisas, e foi de uma
maneira muito difícil.
Depois da avaliação do psiquiatra e da conversa com a psicóloga,
recebi alta hospitalar com a prescrição de uma medicação
antidepressiva e ansiolítica para uso contínuo e um remédio para
dormir. Ainda recebi orientações para descansar, fazer atividade
física e mudar a rotina estressante em que eu estava, principalmente
no ambiente de trabalho. Também saí do hospital com as sessões de
terapia agendadas.
Cheguei em casa e liguei para Carina, assim que deitei em minha
cama, enquanto Bruno foi preparar algo para comermos. Durante
todo o tempo em que estive no hospital, levaram para mim apenas
um lanchinho. Fazia horas que eu não me alimentava direito, porém
não estava com muita fome naquele momento, andava sem apetite.
— Oi, Rafa! Como você está, amiga? — perguntou animada,
piorando um pouquinho mais meu mau humor.
— Eu tive um surto — falei na lata, sem ao menos responder ao
cumprimento dela, e sabia que aquela Rafaela amarga estava chata
demais.
— Como assim surto? Pelo amor de Deus, me diga o que está
acontecendo, Rafa! — implorou, desesperada, arrancando um
sorriso de meus lábios.
Coitada! Com meu exagero acabei a assustando. Sorri, ajeitando-
me entre os travesseiros.
— Calma! Me desculpa, não queria te assustar. — Tentei me
redimir, pois amava demais a Cacá.
— Ah, sua exagerada, quer me matar, é? Está desculpada, depois
de quase ter feito meu coração infartar. Mas, tudo bem, perdoada.
Agora, anda, desembucha e conta logo o que aconteceu! — Seu tom
de voz parecia bravo, mas já conhecia a Carina há tempo demais
para saber que, na verdade, se pudesse, ela teria me colocado no
colo naquele momento e me feito cafuné.
— Não estou bem, amiga... — comecei a contar, voltando a me
sentir triste. — Estava trabalhando e, durante uma conversa com a
Rita, minha chefe, acabei chorando e desmaiei. Fui parar em um
pronto-socorro de um hospital. — Fiquei em posição fetal, enquanto
enxugava uma lágrima que insistia em saltar de meus olhos.
— O que é isso, Rafa? — Seu tom era maternal. — Você quer que
eu vá para aí? Eu posso deixar a Manu na minha sogra por umas
horinhas e ir ficar com você — ofereceu tão docemente que não
consegui recusar, afinal eu precisava de um ombro amigo, de colo de
irmã e, por mais que Bruno estivesse em casa e me tratando com
delicadeza e presteza, eu queria evitar mais uma discussão, pois não
teria condições nenhuma para suportar outra briga, ou para ouvir
cobranças.
— Eu quero sim. — Acho que minha resposta soou quase como
um miado ao telefone, mas Cacá já estava acostumada comigo, com
meus dramas e luxos, então ela se despediu dizendo que em pouco
mais de meia hora chegaria a meu apartamento.
Assim que desliguei o telefone, Bruno entrou no quarto.
— Posso entrar? — perguntou, já entrando com a bandeja nas
mãos, onde havia pão com queijo e leite com chocolate.
— Claro. Obrigada pelo lanche — agradeci, sem encará-lo e,
mesmo que meu estômago já estivesse roncando de fome, eu ainda
não tinha ânimo para comer. — Senta aí! — Apontei a beirada da
cama.
— Rafa, me desculpe por ontem à noite — seu pedido fez meus
olhos marejarem e procurarem os dele, imediatamente. Encontrei
naquelas íris negras, que pareciam duas jabuticabas, culpa e pesar.
Bruno era um homem lindo. Moreno, alto e forte. Tinha um sorriso
encantador. Sempre adorei seus olhos, mas, naquele momento, fitá-
los só me causava tristeza.
Onde foi que erramos?, pensei, mas não tive coragem de dizer.
Eu ainda estava chateada com a briga da noite anterior. No fundo,
achava que nem o amava mais. Nossa briga foi a gota-d’água para
me ajudar a desabar. Eu estava a ponto de explodir, a conversa com
Rita só riscou o fósforo para detonar a bomba armada em mim.
Encarei minhas próprias mãos por alguns segundos e voltei a fitá-
lo.
— Está tudo bem! — Tentei forçar um sorriso. Deveria falar o que
sentia, só que não tinha coragem. Nem força.
Ele apenas assentiu, parecendo entender que eu não estava a fim
de conversar.
— Tudo bem, então. Vou colocar seu lanche aqui e vou deixá-la
sozinha para que possa descansar. — Levantou e me deu um beijo
na testa. Senti um aperto no peito.
Assim que saiu e fechou a porta do quarto, eu desmoronei. Chorei,
tentando não fazer barulho, pois a última coisa que eu queria no
momento era que ele voltasse e tentasse me consolar. Queria ser
consolada, sim, porém não por ele.
Pouco tempo se passou, e o interfone tocou. Imaginei que fosse
Cacá.
Logo depois, minha amiga anunciou sua presença, batendo de
leve na porta do meu quarto e a abrindo devagarzinho. Colocou a
cabeça no vão, o que fez um sorriso surgir no meu rosto inchado de
tanto chorar.
— Entra! — Enrolei-me no edredom e percebi que, apesar do
sorriso no rosto dela, seus olhos de esmeraldas pareciam
preocupados.
— O que aconteceu, meu amor? — Sentou na minha cama e me
puxou para um abraço apertado e aconchegante.
Antes de conseguir contar qualquer coisa, eu chorei. Chorei
desesperadamente, sentindo meu corpo balançar, e Carina me
apertou ainda mais contra seu peito.
— Calma, calma! Já vai passar... Seja o que for, Rafa, vai passar!
— Acariciou minhas costas. Aquilo era tudo o que eu precisava ouvir.
Quando consegui me acalmar, contei para minha amiga o que
estava acontecendo, principalmente dentro de mim. Falar em voz
alta fora ainda mais difícil, mas me senti leve ao acabar, sabendo
que fizera a coisa certa.
Quando Carina foi embora, eu dormi.
Passaram-se alguns dias. Logo no início, a medicação me deixou
sonolenta e com a boca seca. Além disso, algumas vezes, meu
coração disparava e ficava com a sensação de que iria morrer. Foi
muito complicado iniciar o tratamento. Contudo, eu sabia que não
necessitava apenas de remédio, e sim de encontrar a paz e a alegria
que eu mandara embora há tempos. Precisava mudar de vida, só
não tinha ainda tomado nenhuma grande atitude. Em breve, teria de
tomar decisões difíceis, mas necessárias.
Tive dias bons e dias ruins, e houve aqueles em que eu só queria
morrer, ou pelo menos dormir o dia inteiro, para ver se o tempo
passava logo e, quem sabe, eu acordasse daquele pesadelo.
Depois de algumas sessões de terapia, comecei a me sentir mais
determinada a mudar.
— Como você está hoje, Rafaela? — perguntou Fernanda, minha
psicóloga, assim que entrei em sua sala.
— Estou me sentindo melhor. — Sorri e sentei em um divã de
frente a ela, porque eu gostava que fosse assim. Nunca deitei
naquele divã. Era como se eu precisasse dos seus olhos para me
encorajar a dizer o que precisava, a me encontrar.
— Tem tomado as medicações? — Cruzou as pernas e pousou as
mãos sobre o joelho.
— Tenho sim. Já não estão me fazendo tão mal. Quase não sinto
mais os efeitos colaterais — respondi, enquanto analisava um
quadro de uma paisagem na parede logo atrás dela.
— Que bom. Fico feliz. Tomou alguma decisão importante esta
semana? — Seu questionamento me fez voltar a atenção para ela.
Fernanda era jovem, apesar de muito séria no trabalho, talvez
pouco mais velha que eu, que tinha 26 anos. Era bonita, rosto
delicado, o que fazia com que parecesse com uma boneca, e os
cabelos loiros estavam sempre presos.
— Tomei sim, Fernanda. Vou sair do emprego. Não estou feliz lá.
Acho que nunca estive, apenas fui levando. Trabalhava muito, mas
ganhava bem. Estava acomodada com a situação, e sempre tive
toda aquela dificuldade em dizer “não” que já te contei... Tudo isso
contribuiu para que eu fosse ficando e acabasse adoecendo. —
Ajeitei meu corpo no divã, sem desviar os olhos dela. — Às vezes,
me bate uma tristeza sem fim e fico me perguntando o que fui fazer
com a minha vida... — Lágrimas brotaram, e meu queixo ficou
trêmulo.
— Está tudo bem, querida. Vai ficar tudo bem. — Olhou-me com
doçura. — Estou orgulhosa de você, Rafaela. Consigo perceber sua
evolução desde que chegou aqui. A cada semana, sinto que está
mais segura. É a primeira vez que me conta que tomou uma decisão
importante. — Um meio sorriso surgiu em seus lábios. Ela parecia
sinceramente satisfeita com minha atitude.
— Obrigada. Não é fácil, de repente, ter de mudar a vida, porque a
rotina é algo confortável, que nos acomoda. — Fiquei pensativa,
desviando meus olhos dos dela por um instante.
— Você é forte e corajosa. Colocar pontos finais no que estava lhe
fazendo mal será a ferramenta principal para ajudá-la a se recuperar
e encontrar o caminho que a fará feliz — elogiou, arrancando-me um
sorriso discreto.
— Pontos finais... — falei, reticente, e fiz uma pausa dramática,
fazendo Fernanda me olhar pacientemente, encorajando-me a
continuar. — Tem outro ponto final importante que preciso colocar em
minha vida.
— E qual é? — A voz era calma, mas me observava interessada.
— Bruno — desviei meu olhar para minhas mãos, frias e trêmulas.
— Não estou feliz com meu namorado. Não estamos felizes juntos.
Não posso continuar assim, não é justo nem comigo, nem com ele.
— E você já falou alguma coisa com ele a respeito? — Virou-se
para pegar um copo com água em uma mesinha de canto ao lado de
sua poltrona.
— Não. Mas vou falar hoje.
Quando a sessão terminou, fui embora a pé, decidida a conversar
com Bruno.
— Bruno, precisamos conversar — falei, assim que ele entrou em
casa, ao voltar do trabalho no final do dia. — Sente aqui ao meu
lado, por favor. — Bati de leve a mão espalmada no assento do sofá.
— O que foi, meu amor? — Virou-se para mim, preocupado,
enquanto trancava a porta, depois caminhou até o sofá, onde eu
estava.
Assim que sentou ao meu lado, peguei as mãos dele e segurei
entre as minhas.
— Fomos muito felizes juntos, não fomos? — Sustentei seu olhar
no meu.
— Claro que fomos. Por que isso agora? — Parecia confuso.
— Fomos, Bruno... Mas não estamos mais felizes juntos, não é
mesmo? Nem ao menos parecemos um casal — falei,
corajosamente, sem desviar os olhos dos dele.
— Que isso, Rafaela? Não diga isso! — Seu semblante
entristeceu, e ele parecia surpreso com a conversa. — Eu gosto
muito de você e sou sim feliz ao seu lado.
— Será mesmo, Bruno? — Tentei segurar as lágrimas, a voz saiu
baixinha.
— Me perdoe pelas discussões bobas. Se você não quiser ter um
filho agora, se não quiser se casar comigo ainda, eu entendo! — Sua
aflição fez uma pontada de dor atingir o meu peito.
— Não é só isso...
— É o que mais então? — Elevou o tom de voz. — Sei que nos
últimos tempos não temos namorado muito, mas achei que era só
uma fase, que logo passaria. Você não me ama mais? — Seus olhos
encheram-se de lágrimas.
— Não, Bruno, infelizmente não te amo mais — sussurrei com
medo de ofendê-lo. Não queria magoá-lo, porque Bruno era um bom
rapaz e porque, no fundo, sabia que ele também não me amava
mais, apenas ainda não tinha enxergado aquilo.
Sua insistência nos últimos tempos para casarmos e termos um
filho não me parecia uma prova de amor e sim uma atitude
desesperada para salvar algo que já não era passível de salvação.
— Então, está tudo acabado, é isso? — questionou exasperado,
incrédulo. — Você está terminando comigo, Rafa? — Mais lágrimas
rolaram por sua face.
“Não chora!” Quis dizer, mas não tive coragem.
Eu não precisei responder, porque nós já sabíamos a resposta.
Puxei Bruno para um abraço que pareceu demorar uma eternidade.
— Eu preciso me reencontrar... — sussurrei ao seu ouvido.
— E por que eu não posso estar ao seu lado? — Seu corpo tremia
por causa do soluço provocado pelo choro.
— Me perdoa, mas para mim não dá mais — falei baixinho,
arrasada com aquela conversa, e afastei seu corpo do meu. Olhei
para ele terna, com pena, e enxuguei suas lágrimas com as mãos.
— Não podemos viver assim, sem aquele amor que um dia nos
uniu e brigando tanto. — Acariciei sua mão que estava na minha. —
Merece ter ao seu lado alguém que queira as mesmas coisas que
você, que sonhe com uma família, que o ame e que você também a
ame com a mesma intensidade. — Ele fechou as pálpebras
enquanto eu falava, o que me fez sentir culpada. Sabia que estava
sofrendo. — Espero que seja feliz, Bruno! — Beijei seu rosto. — Eu
sinto muito...
— Não, por favor... — tentou implorar, todavia eu estava decidida.
Assim que terminamos a conversa, fui para o quarto arrumar
minhas coisas em uma mala. Cada roupa que colocava nela me
trazia uma lembrança forte da época que eu era feliz. Desejava muito
recuperar aquilo.
Depois de me preparar para partir e me despedir do meu quarto,
liguei para a Carina.
— Posso dormir aí hoje, amiga? — perguntei ao passar e fechar a
porta atrás de mim.
— Claro! Venha — ela concordou sem me questionar.
Dei uma última olhada ao redor, despedindo-me dali. Passei pela
sala, sentindo um aperto no peito, deixando Bruno desolado no sofá.
Apesar de visivelmente transtornado, ele não tentou me impedir.
O contrato de aluguel do apartamento havia sido renovado em seu
nome. Eu não queria mais morar ali e, como sabia que ele gostava
de lá, decidi sair.
Meu ano sabático estava começando e, com ele, o fim de muitas
coisas. Um fim para um recomeço.
Capítulo Quatro
Voltando a ser eu mesma
“Às vezes, quando alguns pontos finais não são simples
opções, mas necessidade. É preciso coragem para colocá-
los, por mais difícil que seja, para que possamos mudar o
rumo de nossas vidas e voltarmos a ser nós mesmos.”
— Como você está, amiga? — Carina me deu um abraço
apertado, assim que cheguei à sua casa.
— Triste, sem rumo... Mas não dava para continuar como estava
— minha voz saiu fraca.
— Venha, entre. Quer ajuda pra descer algo do carro?
— Não precisa, obrigada. Trouxe somente esta mala mesmo. —
Apontei para ela, que estava nos meus pés.
— Tudo bem, vou pedir ao Matheus para guardar seu carro na
garagem. Fico feliz que tenha voltado a dirigir. — Trancou o portão
atrás de nós. — Preparei um lanchinho pra gente.
— Eu vim de carro, mas tem dias que ainda prefiro sair a pé.
Quando estou mais ansiosa, tenho medo. Fico apavorada pensando
que vou acabar provocando um acidente — confessei, com tristeza.
— A Manu já dormiu? — Virei-me para ela, após pegar minha mala
no chão.
— Já sim. Ela deita cedo. E, graças a Deus, já está dormindo a
noite toda! — Apesar da forma exagerada com que falou, percebi
que estava mesmo aliviada por voltar a dormir uma noite inteira. Sorri
com ela, que enlaçou seu braço ao meu para entrarmos.
Depois de me acomodar, comemos, conversando sobre minhas
angústias, e, quando me retirei para o quarto, apesar da cama
confortável e dos lençóis macios, demorei para adormecer. Sabia
que tinha tomado a decisão que devia, entretanto tinha tantos medos
e tantas coisas para colocar em ordem em minha vida que me sentia
perdida, sem saber por onde começar. Chorei baixinho, tentando não
ser ouvida, até que, sentindo-me emocionalmente exausta, acabei
pegando no sono.
No dia seguinte, acordei tarde. Logo que me levantei, tomei um
banho quente para relaxar. Ao me olhar no espelho, fiquei assustada
com minha cara péssima, olhos inchados e fundos. Só então reparei
que eu devia ter perdido peso nos últimos dias.
— Bom dia — cumprimentei Carina assim que desci as escadas e
a encontrei na sala com a pequena Manu nos braços.
— Bom dia! Conseguiu descansar? Dormiu bem? — Levantou do
sofá, vindo em minha direção.
— Demorei a pegar no sono, mas descansei sim. — Sorri. —
Obrigada por ter me acolhido.
— Não precisa agradecer. E pode ficar o tempo que precisar.
— Tenho de resolver algumas coisas, olhar um lugar novo para
morar. Não vou ficar aqui te incomodando por muito tempo. — Fiz
uma pausa, pensativa. — Mas é muito bom saber que tenho com
quem contar. — Envolvi Carina e Manu em um abraço. — Coisinha
fofa! — Apertei suas bochechinhas rosadas, assim que as desprendi
de meus braços.
— Vamos tomar um café? — chamou animada, encaminhando-se
para a cozinha.
— Claro. Acordei com fome. Cadê o Matheus? — Segui Carina,
olhando ao meu redor. Aquela casa era realmente linda!
— Já saiu para trabalhar.
— Estou pensando em ir até a clínica falar com a Rita. Ela já me
ligou algumas vezes perguntando quando voltarei.
— Sente aí, amiga. — Apontou uma cadeira, enquanto prendia a
filha no carrinho de bebê. — Mas você está pensando em voltar a
trabalhar? — Olhou-me preocupada e confusa. — O médico não te
mandou descansar?
— Mandou sim. — Sentei e me servi de suco de laranja, que
estava sobre a mesa. — E quanto a voltar a trabalhar... — Respirei
fundo para falar em voz alta a decisão que eu já tinha tomado. —
Não vou voltar.
— Ah, ainda bem! — Carina levantou os braços, gesticulando
exagerada.
— Você não está entendendo...
— Entendi sim, criou juízo e resolveu seguir as ordens médicas. —
Franziu o cenho, unindo as sobrancelhas, olhando-me confusa. —
Não é isso?
— Sim, porém não é só isso. Estou querendo dizer que vou sair da
clínica. Parar com a fisioterapia por enquanto. Já não tenho mais
aquela paixão que eu tinha pela profissão.
— Jura? — Arregalou os olhos, perplexa, e sentou à minha frente.
— Juro. Preciso dar um tempo em tudo, para tentar descobrir
coisas de que eu goste de verdade e que me façam feliz. — Bebi um
gole do suco.
— Está certíssima, amiga! — Pousou sua mão sobre a minha.
— Está na hora de eu tomar as rédeas da minha vida.
Ela concordou, e terminamos nosso desjejum.
Dormi mais uma noite na casa da minha amiga, mas não dava
para ficar por lá. Ela tinha sua vida, marido e filha. Acordei decidida a
encontrar outro lugar para ficar. Foi então que me lembrei de um ex-
paciente, que era dono de um hotel simples na cidade. Liguei para
ele e expliquei minha situação. Gentilmente, acabou me dando um
baita de um desconto, então resolvi que iria naquele mesmo dia.
— Cacá, vou ficar num hotel por enquanto. Obrigada por ter me
recebido aqui — agradeci enquanto tomávamos o café da manhã, no
dia seguinte.
— Ah, não! Mas por quê? Eu te disse que poderia ficar o tempo
que quisesse... — reclamou chateada.
— Ai, amiga, preciso ficar sozinha por um tempo, para poder
refletir melhor sobre tudo o que está acontecendo. — Segurei a mão
dela na minha e sorri carinhosa.
— Tudo bem, então... — Fez beicinho e depois sorriu. — Mas
pode voltar quando quiser e me ligue sempre que precisar conversar.
— Obrigada. Você é a melhor amiga do mundo!
Sorrimos uma para a outra, cúmplices.
“Amiga, por aqui está tudo bem. Estou matando saudades, mas
tenho uma novidade pra te contar. Comecei a escrever um livro!
Hahaha. Depois te explico melhor. E com vocês, como estão as
coisas por aí? Beijos. Te amo!”
“Estou bem. Também adorei nossa noite. Curiosa para saber sobre
esse sonho.
; ) Até daqui a pouco!”
“Está em casa?”
“Estou sim! : )”
“Claro. Venha!”
“Fique calma, amiga, o que tiver de ser, será! Sei que é uma
frase bastante clichê, mas acredito mesmo nisso. Se precisar de
mim, é só chamar. Te amo!”
“Que bom que puderam ir para casa. Espero que sua garotinha
linda fique bem logo. Beijos, amiga. Te amo!”
Assim que voltei para o meu apartamento, estava tão eufórica que
precisava conversar. Liguei para Carina antes mesmo de fechar a
porta.
— Bom dia, querida! Como vai? — atendeu. Sua voz já não
parecia tão cansada como antes.
— Bom dia, Cacá! Estou bem, e você? — perguntei, ainda
trancando a porta da sala.
— Bem também.
— Amiga, preciso te ver. Tenho novidades pra contar, mas queria
falar pessoalmente. Está ocupada agora? — Tentei controlar minha
ansiedade e empolgação.
— Não, a Manu acordou cedo, brincou e agora acabou de dormir.
Venha! Vou adorar te ver!
— Estou indo, então. Até daqui a pouco! — Desliguei o telefone e
apenas tomei um banho rápido, coloquei uma roupa e saí.
Pouco mais de uma hora depois, eu estacionava meu carro em
frente à casa de minha amiga.
O texto era curto, mas devo ter demorado alguns minutos para
conseguir lê-lo e compreender tudo o que dizia, de tanta
perplexidade e euforia.
— Eu fui aceita! Meu livro será publicado! — gritei alegre feito
criança, levantando depressa e dando pulinhos ridículos. — Preciso
ligar para a Carina, para o Fernando e para a minha mãe!
FIM
Síndrome de Burnout
O trabalho é uma atividade que pode ocupar grande parcela da
vida de um indivíduo e de seu convívio em sociedade, e nem sempre
possibilita a realização profissional, podendo, ao contrário, causar
problemas, desde insatisfação até exaustão.
Segundo o psiquiatra Dr. Gustavo Resende Pereira, de
Uberlândia-MG, a síndrome de Burnout (do inglês to burn out,
queimar por completo), também chamada de síndrome do
esgotamento profissional, foi assim denominada pelo psicanalista
nova-iorquino Freudenberger, após constatá-la em si mesmo, no
início dos anos 1970.
Conforme explicou o médico, a dedicação exagerada à atividade
profissional é uma característica marcante de Burnout, mas não a
única. O desejo de ser o melhor e sempre demonstrar alto grau de
desempenho é outra fase importante da síndrome: o portador de
Burnout mede a autoestima pela capacidade de realização e sucesso
profissional.
Renata.
Mensagem final
Quando decidi escrever esta história, queria que ela transmitisse
uma mensagem muito clara: a de que não devemos colocar nossos
objetivos profissionais em primeiro lugar e abdicar de nossa vida
pessoal. Muitas vezes, o trabalho excessivo pode sugar nossa
energia e, na verdade, nem nos satisfazer mais. Ele pode
simplesmente estar roubando nossa alegria de viver, e a vida é muito
curta para ser levada dessa forma. Desejo que tenha sonhos e que
lute por eles, mas sem se esquecer de quem você é. Desejo que
tenha tempo para curtir a família, para passear em um final de tarde
ou em um final de semana, para ler bons livros e assistir a bons
filmes. Que tenha tempo e disposição para jogar conversa fora com
os amigos, com o(a) namorado(a) ou marido/esposa. Desejo que
leve a vida de forma mais leve e que, acima de tudo, seja feliz! Não
queira ser super-heroína; a gente não precisa disso.
Um grande abraço,
Renata.
Obrigada
Muito obrigada por ter lido esta história! Se gostou dela, peço que a
indique para uma amiga ou amigo e a avalie na Amazon com pelo
menos uma frase. As avaliações são muito importantes para os
autores, pois incentivam outras pessoas a lerem também. Se leu
pelo aparelho Kindle, depois entre no site por seu celular ou
computador, já que apenas as estrelas no leitor de livros digitais não
são exibidas.
Beijos,
Renata.
Agradecimentos
Sempre e em primeiro lugar, agradeço a Deus o dom da escrita e
por me permitir realizar meus sonhos.
Ao meu marido pelo apoio, incentivo, compreensão e por ter me
dado uma família linda.
Às minhas leitoras queridas do meu grupo do WhatsApp. Meninas,
vocês são demais! Obrigada por se empolgarem tanto quanto eu
com minhas histórias! Espero tê-las sempre perto de mim.
E a todos os meus leitores, os que me leem há muito tempo e os
que estão chegando agora. Vocês fazem tudo isso ter sentido!
Agradeço ainda às minhas queridas amigas escritoras pelo
companheirismo nessa jornada, por escutarem meus desabafos, por
me apoiarem, celebrarem comigo minhas conquistas e sempre me
ensinarem algo, em especial a Beatriz Cortes, Cinthia Freire e Edna
Nunes, por terem sido minhas leitoras betas deste romance,
ajudando-me a lapidá-lo.
Também preciso agradecer a Carla Santos pela primeira
preparação de texto e revisão desta obra. Aprendi muito com você,
Carlinha!
Um muito obrigada aos meus parceiros de blogs e Instagrams.
Vocês são incríveis!
Não poderia deixar de agradecer ao meu agente, Felipe Colbert,
por ter acreditado em meu trabalho. É uma honra fazer parte do seu
time!
Por último e não menos importante, agradeço à Samantha Silvany
pelo convite para integrar o time de autores da Bendita editora e pela
confiança no meu trabalho. É uma grande honra para mim, e desejo
que seja uma parceria de sucesso!
Biografia
Pisciana, dramática e chocólatra assumida. Renata dos Reis
Corrêa nasceu em 04/03/1981, em Guimarânia, interior de Minas
Gerais, e atualmente mora em Uberlândia com o marido e os dois
filhos, um casal de gêmeos.
Obras: