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Deixa Acontecer

Naturalmente
Rossana da Piedade

Deixa acontecer
naturalmente
FICHA TÉCNICA

Título
Deixa acontecer naturalmente

Autor
Rossana da Piedade

Contactos:
rossanadapiedade@gmail.com
Tlm +244 923 507 410

Revisão linguística, formatação e paginação


Caneta de Estilo – Consultoria linguística
canetadeestilo@gmail.com

Capa – Concepção e realização


Designer:
Jony Lamento
Email: jonylamento@gmail.com

Depósito Legal: 9872/2020

1.ª Edição: Dezembro 2020


Deixa acontecer

Ah, não tente explicar


Nem se desculpar
Nem tente esconder
Se vem do coração
Não tem jeito, não
Deixa acontecer

O amor é essa força incontida


Desarruma a cama e a vida
Nos fere, maltrata e seduz
É feito uma estrela cadente
Que risca o caminho da gente
Nos enche de força e de luz

Vai debochar da dor


Sem nenhum pudor
Nem medo qualquer
Ah, sendo por amor
Seja como for
E o que Deus quiser

Vinícius de Moraes
Agradecimentos

Obrigada, Fernanda Carrilho, por embarcares neste


desafio tão especial.

Estendo a minha gratidão a todos (alguns dos quais


já agradeci pessoalmente), por me fazerem viver
grandes momentos com as vossas histórias.
Família, amigos, amigos leitores, muito obrigada por
fazerem parte da minha vida.

Desejo um Natal muito feliz e um 2021 cheio de


esperança e concretização de sonhos.
Nota da Autora

O livro Deixa acontecer naturalmente, não é apenas


mais um livro! O seu lançamento (ainda que virtual),
que se inicia no dia 24 de Dezembro, reveste-se de
um quádruplo objectivo:
— Comemorar os dez anos de existência do meu
primeiro romance, Depois da Tempestade, de que
tanto me orgulho;
— Ser um presente natalício para os meus queridos
leitores, que são, indubitavelmente, os melhores do
Mundo;
— Revelar que já se encontra em fase de escrita a
continuação (que tanto me têm solicitado) do meu
primeiro livro;
— Por último, e não menos importante, homenagear
alguém que foi muito importante (na minha vida e de
muitas pessoas) e que hoje, se ainda estivesse
connosco, estaria a comemorar mais um aniversário.

Acreditem, ou não, a ideia deste livro surgiu-me há


pouco mais de um mês — dia 12 de Novembro. Nessa
altura, e com a cabeça em completa ebulição, falei
com a Fernanda Carrilho (Directora Executiva da
Caneta de Estilo – Consultoria Linguística), minha
revisora e consultora literária/editorial e, também,
minha amiga. Perguntei-lhe o que achava do ousado
projecto e se conseguiríamos cumprir o meu prazo —
24 de Dezembro. Ela ouviu-me, atentamente,
discutimos alguns aspectos e embarcou comigo nesta
aventura de escrever, editar e lançar um livro em
pouco mais de um mês.
O livro foi sendo lançado parcialmente em quatro
momentos, que corresponderam aos dias 24, 26, 28 e
30 de Dezembro de 2020. No último dia do ano, segue
a versão integral, mas com ligeiros pormenores disse-
minados ao longo dos seus doze capítulos.
Presumo que se estejam a questionar acerca do
motivo desta inusitada forma de publicar um livro.
Eu explico: a ideia seria lançar o livro integral no dia
24 de Dezembro, no entanto, apesar de este ano
haver muitas restrições, esta é uma época que acaba
por ser de muita agitação, reuniões familiares,
jantares prolongados, e poucos leriam o livro na sua
totalidade nesse dia. Contudo, se a leitura for
doseada, há maiores probabilidades de irem lendo e
digerindo o seu conteúdo. Por último, o leitor irá
criando expectativas sobre a evolução da história,
mas terá refrear a sua curiosidade e aguardar pela
tranche seguinte.

Dei-lhe o título Deixa acontecer naturalmente porque,


na vida de Paloma, as coisas acontecem
naturalmente e é, também, desta forma que devem
acontecer na vida de cada um de nós.
Trata-se de um livro que, pelas mãos de Paloma e
Ronaldo, retrata (ainda que de forma ligeira) a
história de muitas mulheres e de muitos homens.
Para o input necessário com vista a gerar o realismo
e a veracidade que queria imprimir ao livro,
entrevistei algumas Palomas em Luanda. Foram
horas de conversa e muitos apontamentos. Também
conversei com alguns Ronaldos. São poucos, mas é
bom saber que eles existem. E foi assim que criei e
dei vida às personagens principais.
O que vão ler são histórias reais de fracassos e
superação, hesitação e firmeza, (des)amor e amor,
bloqueios e desbloqueios, recuos e avanços, e,
sobretudo, a busca de viver com intensidade tudo o
que sentem.

É com um imenso prazer que neste Natal, após um


ano verdadeiramente atípico e doloroso, vos
presenteio com este livro, um miminho para os meus
leitores.

Desejo-vos uma boa leitura e, claro, muita


aprendizagem!
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 1

A conversa interior e a observação dos nossos


sentimentos ajudam a decidir e a agir o que é
melhor para nós.

— Beija-me, é a última vez. — pedi. — Eu quero ficar


com uma boa lembrança de nós.
— Porquê a última, Paloma? — questionou Erick,
incrédulo.
— Porque o que tu queres de mim não é o que eu
quero para mim. — respondi, destacando a diferença
entre o que ambos queríamos, e continuei. — Eu
quero atenção, carinho, cuidado e dedicação. Mesmo

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Rossana da Piedade

que sejas a pessoa tão ocupada que dizes ser, acabas


por ter tempo para comer, tomar banho, vestir, sair
com amigas e amigos, estar com a família e te
dedicares ao trabalho. E, na tua vida, eu estou,
apenas, depois de muitas horas, em último plano. —
respirei fundo e continuei. — Por isso, esta relação
não corresponde ao que mereço. Almejo muito mais,
farei tudo por isso e estou certa de o conseguir.
— Paloma, que disparate, eu sou louco por ti…
— Erick... — interrompi-o, cobri-lhe a boca com os
meus lábios e ficámos, assim, durante algum tempo.
Depois, afastei-me e fiquei a olhar para ele.
— Vês como nos damos bem e...
Cortei-lhe, de novo, a palavra:
— Erick, percebe, de uma vez por todas: eu sei que
gostas de mim, que até és o meu panco, como me
dizes. No entanto, não me podes dar mais do que me
dás, nem eu posso cobrar isso. Cada um dá o que
pode e cabe ao outro decidir se, com isso, se sente
feliz e confortável. Eu confesso que não me sinto

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Deixa acontecer naturalmente

assim. Quero ser amada, desejada, mimada, mereço


isso. Ou achas que não mereço? — perguntei-lhe.
— Mereces, sim… — respondeu.
Continuei, estava imparável.
— Tu também, Erick! Mas não te interessas tanto
como eu. Como cobrar de uma pessoa algo que ela
própria não vê como importante? Eu sou a única que
se esforça e não quero mais isto para mim. Não estou
zangada contigo, mas chega uma hora em que
precisamos decidir, e não perder tempo, quando
temos mais coisas para viver e fazer. Consegues
entender?
— Paloma, não precisas exagerar dessa forma. Eu
quero continuar contigo e sinto-me bem contigo. Tu
sabes bem isso!
— Eu sei e repito: também me sinto bem contigo, mas
não quero continuar assim. Estaremos melhor desta
forma. E como a relação, para além de sentimento, é
decisão, eu prefiro sofrer agora, mesmo gostando de
ti, mas a saber que isso passa, do que não sofrer
agora e, no futuro, ser pior para ambos. No início,

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Rossana da Piedade

foste atencioso e carinhoso, mas não conseguiste


manter essa postura. Depois deixaste de ser intenso,
na tua entrega, e lá tenho eu de insistir para tudo,
menos para sexo. E, meu querido, eu sei que valho
muito mais do que isso!
Acabei, assim, a relação de meses que me arrasava
imenso. Era muito apaixonada por ele. Ah, como era!
Mas chega uma altura em que, por mais que custe,
precisamos seguir em frente, conscientes do que
queremos. Tinha foco e muitos planos, que acabaram
por ocupar o meu tempo. Queria estar com ele, mas
de forma diferente. Sentia que me dava migalhas e,
mesmo assim, só após muita insistência.
O Erick era o homem que, na altura, chamei de
―ideal‖. Namorámos durante sete meses, foi tudo
muito intenso e maravilhoso nos dois primeiros.
Eram mensagens, telefonemas, presentes, saídas,
conversas e, quando estávamos juntos, não tínhamos
tempo para mais ninguém. Vivíamos o aqui e agora,
como eu gosto. Aliás, este é o meu lema. Embora não
fôssemos aquele casal de trocas constantes de

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Deixa acontecer naturalmente

mensagens, mas de manhã o ―Bom dia‖, o ―Bom


apetite‖ ao almoço, a ―Boa tarde‖, a ―Boa noite‖ antes
de adormecer não faltavam. E tudo acontecia de
forma natural e sem cobranças, cada um de nós
tomava iniciativa. Quando eu lhe dizia, por exemplo,
que não tinha tempo ou que não dava para estarmos
juntos, ele ficava ansioso por me ver e eu gostava
desse encanto, que era literalmente correspondido.
Ah, como eu gostava dele, da sua companhia e das
conversas, como adorava a sua boca, abraçá-lo, tocá-
-lo e, mesmo sem fazer amor, o facto de estar com ele
deixava-me imensamente feliz. Deliciava-me com
aqueles lábios e cada beijo parecia que era o
primeiro. Era tão especial beijá-lo que me acalmava,
me deixava bem-disposta, animada e excitada.
Confesso que aquela boca parecia que tinha algo para
me fazer recuar nas minhas decisões.
Depois do terceiro mês, as coisas mudaram imenso. O
Erick mandava mensagens muito vagas, não
expressava o que sentia, não tinha muito tempo para
mim e isso deixava-me confusa. Ora era totalmente

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Rossana da Piedade

entregue, ora não parecia ter vontade sequer de


responder.
Eu chamava-o de ―homem de lua‖. Nas fases em que
ele andava ausente, física e psicologicamente,
fartava-me e deixava de insistir. Depois, lá vinha ele
mostrar, de alguma forma, que era ao contrário do
que percebia, e que gostava de mim.
Falava com ele e garantia-me que não passava de
impressão, que eu era exagerada e que só sabia
cobrar. Mas eu sentia que isso não era verdade,
porque era recíproco e a mudança foi mesmo da água
para o vinho. No início, ainda reflecti sobre a
possibilidade de ser, mesmo, muita cobrança e que
tínhamos de viver apenas os momentos, que eram de
muita loucura. Fazia tudo para estar com ele e tinha
inúmeras iniciativas. Ele chamava-me louca, safada
e amante perfeita, mas tinha de ser. Não sou da
opinião de que só, apenas, o homem tem direito ao
prazer. Eu tinha de ter muito prazer, exigia isso.
Quando me envolvo, entrego-me sem tabus, mas,
perante o seu comportamento, com o tempo também

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Deixa acontecer naturalmente

comecei a afastar-me. Não podia estar, por exemplo,


a enviar-lhe mensagens, a dizer que tinha saudades e
receber, unicamente, um ―Ok‖. Não precisava
responder da mesma forma, mas somente um ―Ok‖?
Eu dizia-lhe, por exemplo, que o queria ver e ele
respondia ―A sério?!‖, como se não soubesse o que
dizer.
Nem queria saber dos meus gostos, interesses,
desejos, de que forma resolvia os meus problemas,
como estava a família e filhos. Os meus primos
diziam que eu era muito mimada, como qualquer
outra mulher. Que nós queremos tudo do nosso jeito e
que isso não pode ser, pois cada um tem uma forma
diferente de amar e de estar na vida. Os homens são
mais pelo físico e as mulheres querem romance e com
a mesma intensidade. Eu argumentava que até podia
ser mais físico/sexual, mas que com aquele ambiente
frio e distante, e sem estarmos juntos, era como se
não existisse. Sem esquecer que, se ele via a minha
insistência em perceber o que se passava, em querer
mostrar o que queria (e eu era bastante expressiva

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Rossana da Piedade

em relação ao que sentia), podia ter conversado


comigo, mas, pelo que notei, ele já nem sequer estava
interessado em conversar. Parecia daqueles homens
que, depois de se cansarem, querem cansar as
mulheres até elas desistirem. Por isso, facilitei-lhe a
vida. Terminei tudo. Ou seja, fiz-lhe um enorme
favor.
A diferença é quando se começa com muito encanto e
o interesse é mais sexual e se confunde com o resto,
mas também há pessoas que do sexual as coisas
evoluem para algo mais perene. Aproximam-se. O
Erick talvez tenha tentado, mas não conseguiu.
Assumo que, no início, chorei de raiva. Não que já
não tivesse feito o mesmo, ou seja, estar com alguém
somente por uns beijos e, depois, perder o interesse.
A única diferença era que eu conversava, era sincera,
porque, quando não conseguia estar ao lado da
pessoa, preferia dizer.
Confesso que fiquei irritada por não ter reparado nos
sinais. Reconheço que no início foi muita entrega,
aquela fase das descobertas em que se fala de tudo,

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Deixa acontecer naturalmente

em que se quer ver, se quer conhecer, mas, depois,


sumiu-se esta magia inicial. Eram sinais atrás de
sinais e nada de olhar para além do que sentia. Até
chamei burra a mim própria e pensei que já não era
miúda para errar desta forma. Com o tempo, percebi
que a questão não é a idade, não há idade certa para
amar, apenas maturidade para gerir os sentimentos e
comportamentos. Quando se gosta, devemos sentir-
-nos seguros de estar a fazer o que é certo, ou seja, o
que faz bem, não só a nós como ao outro.
Recordo como, nos primeiros tempos, o Erick era tão
extraordinariamente presente e tão louco em termos
de criatividade. Por exemplo, chegava a ligar de
madrugada a dizer que queria ver-me, fazer amor
comigo e dormir ao meu lado, como se estivesse na
sua casa e, afinal, já se encontrava à minha porta.
Outras vezes, aparecia de manhã cedo e preparava-
-me o pequeno-almoço. Também era frequente
encomendar comida para mim quando eu me
queixava de cansaço. Ou seja, não podia ―piar‖ que lá

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Rossana da Piedade

estava ele pronto a ajudar, a aliviar o meu cansaço e


a diminuir as minhas preocupações.
Percebi que o Erick deu o que tinha e conseguia. Se,
de repente, deixou de sentir como eu (e o amor tem
destas coisas), deveria ter sido directo e não arrastar
a situação. É aqui que entra a questão da
reciprocidade, porque sou dedicada e sincera e gosto
de receber isso em troca.
Para meu grande espanto, decorridas duas semanas
desde o nosso último beijo, ele começou a ligar com
alguma insistência. No entanto, como eu considerava
a nossa relação um capítulo, definitivamente, encer-
rado, não atendia. A sua estratégia mudou e passou a
enviar sucessivas mensagens. Queria saber como
estava, perguntava pelos meus filhos, dizia ter
saudades da sua alegria e brincadeiras, que sentia
muito a minha falta e insistia para nos encontrarmos
e esclarecer melhor as coisas. Um dia, até me enviou
um ramo de flores e uma caixa bombons a pedir
desculpa, pois tinha pensado muito, estava a mudar e
queria voltar a tentar.

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Deixa acontecer naturalmente

Nunca cheguei a responder, pois todas as tentativas


anteriores saíram furadas. Voltar a (re)viver traumas
deixados por outras relações, que esperava que não
fossem acabar, e o desânimo de deixar de viver
intensamente grandes momentos de entrega, prazer
e planos futuros, deixaram-me verdadeiramente
desanimada.
Eu não conseguia aceitar nem perdoar e vi que isso
me fazia muito mal. Tive de fazer uma auto-análise
sobre como me sentia, tirar tudo o que de negativo
tinha dentro de mim, aceitar as minhas perdas e
pensamentos nocivos para, depois, eles poderem
evaporar e não deixar mágoas. Se acumulamos e,
simplesmente, dizemos ―Não vou pensar nisso‖,
estamos redondamente enganados, porque voltamos
a fazê-lo vezes sem conta. Por isso, aceitava e deixava
que o tempo diminuísse a dor do sentimento perdido
e as saudades de tudo o que vivemos, daquele corpo,
daquele olhar que me despia por completo e da
cumplicidade que existira, em quase tudo.

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Rossana da Piedade

A partir daí, percebi que, realmente, cada um dá o


que tem e pode. Cabe a cada um de nós aceitar ou
rejeitar essa situação, pois todos somos diferentes na
nossa forma de estar e agir. Só assim poderemos
evoluir de forma positiva e estas lições se tornarem
páginas de aprendizagem na nossa vida.
Por falar em aprendizagem, mantive a ideia de que
viver cada minuto é o que importa. Não sabemos o
dia de amanhã. Há um ano ninguém poderia
imaginar que, por causa de um vírus, ficaríamos
confinados meses, inclusive com proibição de sair de
casa! Que a liberdade de andar na rua e mostrar o
rosto sem uma máscara nos seria arrebatada! Mas
não se fala apenas em fatalidades, catástrofes ou
doenças, pois os sentimentos também alteram, as
pessoas mudam e ficamos, somente, com o que
vivemos e somos. Por tudo isso e muito mais, nunca
deveremos deixar de ser quem somos.
Quando começámos a namorar, abdiquei da presença
de algumas pessoas para estar com ele e, agora, tinha
de recuperar o meu ―eu‖ verdadeiro.

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Deixa acontecer naturalmente

Um aspecto positivo na nossa relação foi o facto de


me ter ajudado a ver que amar faz bem, mas, quando
uma relação adoece, o melhor é, mesmo apaixonada,
não deixar de viver e continuar a agir como antes de
conhecer essa pessoa.

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Capítulo 2

A vida prega-nos com cada partida... e, quando


menos esperamos, conhecemos pessoas que nos
marcam e que nos mostram que podemos viver
de forma diferente.

Conheci o Ronaldo no elevador de uma repartição


pública, no dia em que fui fazer o pagamento de um
serviço. Como era no 3º andar, optei por ir de
elevador e, enquanto esperava no hall, cantava e
dançava, mexendo lentamente os braços. Quando
chegou, abriu-se a porta e, para além de outras
pessoas que estavam à espera, ele também entrou.

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Rossana da Piedade

Durante a subida continuei concentrada na minha


maravilhosa kizomba. Na realidade, o que mais fazia
era dançar e cantar e, por isso, sempre fui conhecida
como uma pessoa alegre e animada. Cheguei ao
andar que pretendia, saí daquele exíguo espaço e
continuei animada pelo corredor. Tratei de tudo e,
quando entrei novamente no elevador, o Ronaldo
também lá estava. Como estávamos próximo, meteu
conversa comigo, dizendo que já nos tínhamos
cruzado na subida e que estava surpreendido porque
eu estava sempre animada e a dançar. Eu ri-me,
baixei o som e disse que esse era o meu estado
habitual. Perguntou o que eu ouvia e disse-lhe que
eram músicas do Paulo Flores. Elogiou o meu bom
gosto e eu sorri novamente.
Saímos do elevador e constatei que fazíamos o mesmo
caminho. Tive de guardar o telefone por uma questão
de segurança, uma vez que tinha o carro distante e a
zona era perigosa. E, por este mesmo motivo, ele
disponibilizou-se a acompanhar-me até ao carro.

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Deixa acontecer naturalmente

— Não é preciso, obrigada. A rua é perigosa, mas não


é a primeira vez que venho a este edifício. —
tranquilizei-o. — Sei que, estando o carro distante,
corremos risco de assaltos, mas, até hoje, apenas ouvi
falar e nada aconteceu comigo. — disse, com um ar
seguro.
— Mas, como estou aqui consigo, faço questão de
acompanhá-la, se não for incómodo, claro. —
acrescentou.
— Está bem, aceito! — esbocei um sorriso e, só
naquele momento, reparei nele.
Era alto, forte, com uma barriga saliente, dava-lhe de
40 anos para cima, olhos bem esbugalhados e um
sorriso agradável.
— Prazer, sou a Paloma! — apresentei-me.
— Prazer, Paloma, sou o Ronaldo! — retribuiu.
Nessa altura, rimo-nos e continuámos a caminhar.
Ronaldo era simpático e foi o caminho todo a colocar
questões. Eu não fiz muitas, mas fui respondendo às
suas.

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Rossana da Piedade

— Vai agora para o trabalho ou para casa? —


perguntava, acompanhando-me sempre do lado onde
eu tinha a carteira, como se estivesse a proteger-me,
e achei esse gesto muito fofo. — Posso tratá-la por tu
ou mantemos esta formalidade?
— Podes tratar-me por tu, não sou das pessoas a
quem isso faz diferença. Acredito mais na educação e
respeito do que na forma de tratamento. Por isso,
sem qualquer problema.
Realmente, era assim mesmo que eu pensava, e dizia
sempre isso às amigas. Muitas pessoas são tratadas
por ―você‖, mas sem respeito nenhum, e, com o meu
à-vontade, orgulho-me de ser boa a cortar isso.
— Vou trabalhar, mas só meio período. Pedi o dia, no
entanto, recebi uma mensagem e tenho de terminar
algo. Só depois irei, então, para casa. — esclareci. —
E tu?
— Eu vou trabalhar e sem hora para terminar...
enfim, mas já estou habituado a esta rotina, que nem
consigo ficar em casa o dia todo. — respondeu,
sorrindo.

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Deixa acontecer naturalmente

— És das poucas pessoas que vejo com tanto


entusiasmo pelo trabalho. Trabalhas em que ramo?
— agora era eu que estava curiosa.
— Sou Director de uma empresa de venda de
material hospitalar e de escritório. Temos oficinas e
estação de serviço, é muita responsabilidade. Porém,
como gosto do que faço, não me arrependo e fico feliz
pelo resultado.
— Sediados, apenas, em Luanda?
— Luanda e Cabinda e, com o tempo, temos
pretensão de expandir.
— Parabéns pelo crescimento da vossa empresa e por
ver como estás feliz com o que fazes.
— E tu, não és? Parece que estranhas ver-me feliz no
trabalho, como se isso fosse algo raro.
— Realmente, não é muito comum. Mas eu tenho um
dos meus lemas que é: se não está bom, prefiro
desistir, a não ser que precise muito. E, quando
preciso muito, é porque é importante, e, nessa altura,
foco-me inteiramente. Não sou de ficar a sofrer
quando, na vida, tenho a oportunidade de escolher o

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Rossana da Piedade

que é melhor para mim e o que quero e, quase


sempre, escolho ser feliz.
— Agora surpreendeste-me. É raro ver pessoas tão
positivas e alegres e percebi isso, no elevador, pela
tua animação logo pela manhã. Muito boa aura! —
elogiou.
— A vida é isso. Vamos ser felizes, nada de tristezas
quando podemos viver o melhor e da melhor forma.
— Eu sou um calmo divertido, mas no meu canto, ou
com pessoas com quem lido muito bem. Prefiro ter
poucos amigos e saber que posso contar sempre com
eles, do que muitos e não viver na sinceridade.
Parece que tenho muito a aprender contigo sobre
relaxar e divertir-me mais. — e deu uma gargalhada.
— Vamos embora, vamos aproveitar, sim. Podes
contar comigo! — prometi.
Trocámos os contactos telefónicos e, mal entrei para o
carro, tranquei as portas e saí dali. Claro que
continuei a ouvir música e a dançar no carro, Como é
costume em Luanda, apanhei um tráfego intenso,
mas não lamentei, simplesmente, aproveitei para me

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Deixa acontecer naturalmente

distrair com a música. Depois de algum tempo, lá


cheguei ao serviço. A meio da tarde, recebi uma
mensagem do Ronaldo a perguntar se estava tudo
bem e a desejar-me bom trabalho. E esta foi a
primeira de imensas. Não vão acreditar, as mensa-
gens não pararam! Como nem sempre podia escrever,
trocávamos áudios.
Ele foi almoçar a um restaurante na Marginal,
mandou-me fotos do mar, e comentou que aquela era
a sua distracção predilecta. Não ouvia tanta Kizomba
como eu, mas gostava de apreciar o mar e ouvir
música. Era mais fã do Elton John, Júlio Iglésias,
Erykah Badu, Maria Bethânia. Eu também gostava,
porém não ouvia com a mesma frequência que ele.
Eram gostos diferentes, mas era bom trocar ideias
sobre os gostos musicais e literários. Falando de
livros, percebemos que ambos gostávamos do
Pepetela e ficámos de partilhar alguns.
Quando dei por mim, ele foi a minha ocupação
durante todo o dia. Eu estava compenetrada a
consultar vários emails de trabalho, mas, simulta-

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Rossana da Piedade

neamente, ia respondendo às suas mensagens.


Estava na área de Marketing e havia muitos clientes
que me tinham enviado algumas respostas sobre os
projectos enviados e isso levou-me um certo tempo.
Saí do serviço e recebi a mensagem dele a perguntar
se podia ligar. Ainda hesitei em dizer que sim, pois
tínhamos acabado de nos conhecer e, nessas coisas,
eu sou mais cautelosa. Já trocávamos mensagens, era
o suficiente e ainda falámos sobre isso. Ele
concordou, mas disse que gostava de falar comigo e,
como teria muito trabalho a seguir, preferia falar
rapidamente ao telefone. Conversámos durante meia
hora e, depois, percebi que foi chamado para uma
reunião. Quando desligámos eu já estava perto de
casa. Estacionei, segui para o apartamento, larguei
as minhas coisas sobre o sofá e fui tomar um banho.
Pouco tempo depois, já estava a vestir uma roupa
mais prática para ir dançar salsa com umas amigas
e, como sempre, foi muito divertido. Quando regressei
a casa já passava das 22 horas. Desfrutei de um
banho mais demorado, vesti o pijama, tomei uma

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Deixa acontecer naturalmente

sopa e enviei uma mensagem a desejar-lhe feliz noite


e a dizer que iria dormir. Passados 15 minutos, ele
respondeu e, a partir daí, foram mensagens atrás de
mensagens, e ficámos nisto até às 2 horas da
madrugada. Por um momento, não vou negar, pensei
no Erick e como tudo começou, mas ainda bem que
percebi que pensei nele, porque assim consegui
desviar o meu pensamento. Comecei a cogitar que se
tratava, apenas, de um amigo, mas que, no dia
seguinte, lhe iria perguntar se tinha falta de amigos,
a julgar pela frequência e rapidez com que respondia
às mensagens. Mas, como sou muito impulsiva,
acabei por perguntar na hora e a resposta, uma vez
mais, levou-me ao Erick. Ronaldo disse que tem
alguns amigos, é feliz com os que tem, mas que algo
em mim lhe chamou a atenção e que, desde a
primeira mensagem, só tem vontade de trocar mais
mensagens comigo. Levei um tempo a responder, mas
depois procurei, uma vez mais, alterar os meus
pensamentos. Cada caso é um caso e, se o encanto
passar, vamos viver o que der, nem que seja apenas

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Rossana da Piedade

mensagens. Para quê antecipar e sofrer já? Na


verdade, eu também gostava de trocar mensagens
com ele, mas não lhe estava a dar exclusividade.
Estava, também, a trocar mensagens com outros
amigos e divertia-me imenso. Quando olhei para o
relógio, e já muito cansada, despedi-me, apaguei as
luzes e desliguei completamente.
De manhã encontrei uma mensagem dele. Estranhei
pela hora, eram apenas 6 horas. Depois de ter
perguntado porque madrugou, disse-me que o filho de
cinco anos estava a passar a semana com ele, acordou
e queria ver bonecos e ele aproveitou para treinar e
resolveu enviar a mensagem.
O Kiame era um menino adorável, muito calminho e
obediente, mas não prescindia dos desenhos anima-
dos logo pela manhã, por esse motivo, o Ronaldo já
estava desperto. Na realidade, Ronaldo sempre fora
uma pessoa de descansar pouco. Estranhei porque só
tinha dormido quatro horas, eu dormira mais e
estava a morrer de sono. Mas, antes de ir trabalhar,
tinha de passar pela loja de um cliente, era esse o

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Deixa acontecer naturalmente

motivo de estar a pé àquela hora, caso contrário iria


dormir, pelo menos, até antes das 7 horas.
O Ronaldo convidou-me para almoçar, mas como
tinha de visitar outros clientes, para discussão dos
projectos, num ponto da cidade e o meu escritório é
no lado oposto, receava que não desse tempo. De
facto, as minhas previsões estavam certas, e nunca
teria chegado a horas de poder almoçar com ele. Já
no escritório, seguiram-se horas de muito trabalho,
ficámos muito tempo sem nos falarmos e só à noite
voltámos a trocar mensagens. Como já tinha
combinado, fui ter com duas amigas com quem me
diverti muito. Era habitual tirarmos, uma vez ou
duas por semana, um dia para fazermos algo: ir ao
cinema, jantar, dançar, almoçar, tomar o pequeno-
-almoço. Enfim, o importante era estarmos juntas.
Durante esse tempo, não trocámos mensagens, pois
estava a divertir-me e preferi não olhar muito para o
telefone. Quando cheguei a casa retomámos as
mensagens, mas, desta vez, antes da meia-noite
desliguei. Já não queria dormir cansada.

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Rossana da Piedade

O Ronaldo mostrou que teve saudades e que, volta e


meia, olhava para o telefone desejando, ver uma
mensagem minha. Desta vez, fui eu a ligar e a falar
sobre essa vontade em querer estar comigo e só
pensar em mim. Não queria que ficasse assim e,
depois, a conversa não passasse de falar em nós,
principalmente sentimentos. Gostava de conhecê-lo e
falávamos de tudo um pouco. Ele, como empresário e
director, tinha imensas histórias para contar e
falávamos muito de negócios, ambiente de trabalho,
gestão do tempo, conduzir reuniões, porque também
lidava com muitos clientes.
Falámos ao telefone e, da mesma forma que eu sou
muito sincera, o Ronaldo também o é, o que nos levou
a falar sobre a importância da amizade, mas, ao
mesmo tempo, do interesse dele por mim. Ele sabia
que eu não demonstrei interesse, mas, mesmo assim,
disse que iria insistir e não é homem de misturar as
coisas. Achava-me interessante, não só pelo físico,
mas também pela conversa, a forma como encarava a
vida e como olhava para a minha família, principal-

40
Deixa acontecer naturalmente

mente para os meus filhos. Garantiu que não se iria


precipitar e deixar levar, apenas, pelo desejo que
despertei nele, desde o primeiro minuto.
Para mim foi melhor assim, ficou tudo esclarecido.
Continuámos a falar de sentimentos e relaciona-
mentos até à hora em que fui vencida pelo cansaço e
me despedi.
Mas, mesmo assim, adormeci com uma dúvida a pairar
na minha cabeça. Será que ele conseguiria manter a
postura que prometera?...

41
Rossana da Piedade

42
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 3

Cuidar da mente e corpo é uma das formas de


cuidar do nosso Eu interior e transmitir para o
exterior quem somos.

Dava-me uns 30 anos, quando me via ao espelho.


Muita gente dizia que nem parecia ter 38 anos, mas
eu também fazia por isso. Para além da boa genética
familiar, treinava todas as semanas, na marginal e
no ginásio. Tinha o grupo com quem me divertia
muito e esforçava-me e cansava-me bastante nos
treinos, mas gostava do resultado, não só pelo físico,
mas também por causa da disposição, concentração,

37
Rossana da Piedade

humor e sono tranquilo que me proporcionava. Não


há dúvida que as vantagens do exercício físico são
maravilhosas e vemos os resultados de forma rápida.
Não gostava de faltar aos treinos e, quando não dava
por causa do trabalho, treinava em casa, e, como
adorava dançar, ajudava imenso. As pessoas
focavam-se mais no meu físico — 1,70, cintura fina,
perna grossa, rabo saliente, seios redondos e rosto
magro —, mas eu era mais feliz pela forma como me
sentia, desde o momento em que acordava até à hora
de dormir. Tinha uma energia maravilhosa. As
minhas amigas, inclusive, reclamavam porque
dançava a noite toda, não me importava de ter
programas e não deixava de aproveitar a vida com
mais pessoas que amava, apesar de ter os meus
filhos, com quem passava muito tempo.
Tinha o Carlos com nove anos e a Cynthia com
quatro. Os finais de semana, na sua maioria, eram
passados comigo e não com o pai. Mas, durante a
semana, era frequente ficarem com ele e com a
madrasta. Eles davam-me muito apoio para os levar

38
Deixa acontecer naturalmente

e ir buscar à escola, em momentos de mais trabalho e


pressão. Nessas alturas, ficava com imensa saudade
porque éramos muito próximos, mas aproveitava bem
quando estávamos juntos. Eles chamavam-me de
rainha e eu tratava-os por príncipes. Eram, sem
dúvida, a minha grande alegria, e vê-los saudáveis,
inteligentes, educados e amáveis era uma bênção e
eu agradecia todos os dias por isso.
Aprendi a agradecer por tudo o que tinha e sabia que
era feliz.

39
Rossana da Piedade

40
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 4

Só damos o que conhecemos de nós e nos


sentimos confortáveis a dar.

Depois da conversa com o Ronaldo, sobre os seus


sentimentos, ele afastou-se. Ao aperceber-me disso,
falei com ele. Disse-lhe que compreendia perfeita-
mente a sua situação, mas pedi-lhe para que o
fizesse, somente, no caso de não se sentir bem, e não
por minha causa. Quis ter aquela conversa para
esclarecer e vermos como seria dali em diante. A
relação esfriou, sim, e ele dizia que estava sem jeito e
cansado de, apenas, trocar mensagens, e não

41
Rossana da Piedade

conseguir estar um tempo comigo. Realmente, já


andávamos há imensos dias nesse clima a trocar
mensagens e a falar ao telefone. Eu reconhecia que
era preciso esclarecer todas as situações e definir
objectivos para evitar que não se repetisse o que
aconteceu com o Erick, em que a falta de diálogo
ditou o fim da relação. Por isso, quando o Ronaldo
propôs um jantar a dois, não hesitei em aceitar. Ele
disse a brincar:
— Tira um tempo na tua agenda para o teu
quarentão, minha trintona!
Como eu me considerava e respondia:
— Eu sou trintona, quase a quarentar, e muito feliz.
— piscava-lhe o olho.
Combinámos jantar no dia seguinte e o Ronaldo fez
questão de me ir buscar a casa. Queria evitar que
regressasse de carro sozinha. Eu, ainda, comentei
que sempre conduzi tarde, por isso, não seria agora
que tinha de ser diferente. Ele respondeu que se
sentia mais seguro. Como era o primeiro encontro

42
Deixa acontecer naturalmente

não me importei e, pontualmente, às 19 horas ele


apanhou-me.
— Uau, estás linda, Paloma! Estou sem palavras. —
dizia, de olhos deslumbrados.
— Obrigada! — agradeci, assim que entrei para o
carro.
Na realidade, eu achava que estava bem simples.
Levava um vestido azul justo até ao joelho e umas
sabrinas e, como tinha aplicado as tranças compri-
das, fiz um apanhado. Estava com pouca make up
porque não gosto muito, apenas passei um batom
vermelho nos lábios e lápis nos olhos.
— Esse vestido fica-te a matar... – ele humedeceu os
lábios e vi que ficou embaraçado — És linda e
percebe-se que os treinos que fazes não são em vão.
Tens um corpo que desconcerta qualquer homem,
mas já deves saber isso.
Perante a sua observação, ri-me por ver a sua
sinceridade e o quanto eu tinha mexido com ele.
Contrariamente, isso não estava a acontecer comigo.
Quando nos conhecemos, gostei da sua forma de ser,

43
Rossana da Piedade

mas não senti nada de especial durante todo o tempo


em que trocámos mensagens e falámos ao telefone.
Pelas conversas que mantínhamos, percebia que era
inteligente, responsável, dedicado, cheio de planos,
simples e educado, o que me levou a ter interesse por
ele. Como disse, logo no início, ele não era bonitão,
mas tinha o seu charme e era um homem raro, no
que se refere a alguns valores que eu admiro.
Dando resposta à sua observação, esclareci:
— Isso não mexe muito comigo. Eu gosto de ter
amigos, divertir-me, mas não fico, propriamente, feliz
por ver que tenho vários homens interessados em
mim, sobretudo se for um interesse de cariz sexual.
Prefiro que gostem da minha companhia, assim como
eu gosto de ter amigos.
— Noto que dizes com frequência frases do género:
―Estou feliz sozinha‖, ―Sinto-me com a minha
companhia‖, e ―Não preciso da companhia de um
homem para me sentir bem‖, como se quisesses dar a
entender que um homem não te faz falta e, caso o
tenhas, não é algo prioritário. Estou certo?

44
Deixa acontecer naturalmente

— Não é isso. Se gostar realmente de alguém, tudo


muda de figura. Mas, neste momento, por não gostar
de alguém, não abdico de viver os momentos,
aproveitar a amar e a cuidar dos meus, como se não
houvesse amanhã.
— Encanta-me essa tua maneira de ser, deixas as
pessoas com quem convives bem-dispostas, anima-
das, com muita força de vontade e positivas.
— Tu também és assim... só que um pouco mais sério,
apesar do teu bom sentido de humor...
— Deve ser por isso que nos entendemos, somos
parecidos. E nem imaginas o quão bem me fazes.
— Eu também gosto de conversar e estar contigo.
— Que bom, e ainda dizem que os opostos é que se
atraem; eu penso o contrário, sabias? Quando
encontramos alguém que se assemelha a nós, temos
gostos parecidos, aí é que as coisas dão certo. É como
se a pessoa fosse o nosso espelho, e isso também
acontece nas amizades, porque o sentimento pode
esfriar, mas as afinidades mantêm-se e fortalecem a
relação.

45
Rossana da Piedade

— Eu penso da mesma forma, até nas amizades.


Precisamos ter coisas em comum para nos manter-
mos unidos e, como nunca é na totalidade, temos
aspectos diferentes que nos ensinam e, eventual-
mente, aprendemos a gostar. Adoro aprender! —
reconheci.
— Vejo que sim! Da mesma forma que és espontânea
e gostas de pessoas, também aceitas a diferença.
— Estou a aprender a aceitar as pessoas. Não é fácil,
leva o seu tempo, mas gosto sobretudo de pessoas
felizes, naturais que não ligam muito para o que os
outros dizem, se não for algo que importe, e que
afecte os restantes, e sim porque a outra pessoa
pensa e vê o mundo de forma diferente.
— Pois, mas é complicado saber o que precisamos
melhorar, o que deve ser feito...
— Quando nos conhecemos aprendemos a ser, a fazer
o que devemos e queremos e somos responsáveis
pelos nossos actos. — Adorava esse assunto, por isso,
percebi que interrompi o Ronaldo — Temos de ver
quem opina e sobre o que opina. Imagina que eu

46
Deixa acontecer naturalmente

opino sobre a tua vida, só porque não concordo com


alguma coisa ou não me sinto confortável com algo.
Não tenho de dizer que não o faças, mas deixar que o
faças sem que isso prejudique ou desrespeite alguém.
É preciso termos cuidado na maneira de achar que
podemos fazer e dizer tudo, mas quando esses
aspectos não são maus, não tenho de deixar de fazer
pensando no outro e esquecendo-me de mim. Muita
gente faz isso, sabias?
— Agora vejo que és muito firme. És bastante
decidida e, raramente, mudas o teu ponto de vista.
Eu ri-me e confirmei.
— Como te disse, isso depende, não sou inflexível,
mas não me deixo influenciar por tudo o que dizem
sobre mim. Aí, sou muito o que gosto, sinto e que não
prejudica ninguém. Gosto de aproveitar bem a vida
com quem estiver comigo e divirto-me, inclusive,
sozinha. E como gosto da minha companhia... — disse
sorrindo.
— Sabes que também sou assim. Gosto do meu canto,
sair sozinho, conhecer locais novos, sou muito

47
Rossana da Piedade

cauteloso com as amizades e gosto de estar em


família.
— Voltando ao que tinha dito antes, o melhor é,
primeiro, gostarmos de nós. Sentirmo-nos bem
sozinhos, perceber do que gostamos, não gostamos,
quem queremos perto de nós, os assuntos que nos
interessa e, depois, sim, saber com quem vamos
conviver e até onde.
Continuámos a conversar e, quando chegámos ao
restaurante, fomos encaminhados para a nossa mesa,
que ficava junto a uma janela virada para o mar, tal
como ele gostava. Disse-me que ligou e reservou
aquela mesa, pois era dos seus cantos preferidos.
Sentámo-nos e ficámos, algum tempo, a observar
aquele esplendor.
— O mar encanta-me. Transmite-me paz, tranqui-
lidade e uma energia muito positiva. — disse,
enquanto mantinha o ar deslumbrado sobre o mar.
— Eu também penso o mesmo, Ronaldo. Por isso,
treino muitas vezes na praia e, no final, adoro dar um
mergulho. Rejuvenesce-me por dentro e por fora.

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Deixa acontecer naturalmente

Antes, vinha com amigas, agora, quando posso, venho


sozinha e faço meia hora de exercício, uma hora de
corrida, um mergulho, seguido de um cocktail a olhar
o mar.
— Vejo que és mesmo de fazer muita coisa sozinha,
Paloma.
— Podes crer. Como te disse no carro, primeiro gosto
de ―estar comigo‖ e, como adoro a minha companhia,
quem não me convence ou não me transmite algo
positivo, eu excluo das minhas relações. Pessoas
muito negativas, não, obrigada! — disse, com um ar
firme.
— Então, não aceitas as pessoas como elas são, como
disseste há pouco? Podem ser negativas, mas é o que
são, Paloma.
— Não concordo. Uma coisa é lidar com alguns
defeitos, e todos temos os nossos, mas as pessoas
negativas, a que me refiro, são aquelas que só
criticam, não fazem nada por elas, não querem
melhorar, não se valorizam, não falam de coisas
construtivas, só falam dos outros e do passado.

49
Rossana da Piedade

Parece que não querem progredir. Que ganho terei


com a sua companhia? Nenhum! Eu preocupo-me
com as pessoas, pelo que tento ajudar, mas não posso
tentar ser psicóloga e prescrever uma terapia. Tento
lidar e ajudar, mas cada um tem de decidir o que
quer e como quer viver a vida.
Ronaldo riu-se, humedeceu os lábios e, depois, ficou a
escolher a comida.
— Sempre foste assim, Paloma? Essa tua maneira de
ser mudou com algumas situações?
— Para ser sincera, sempre fui alegre, animada,
firme e positiva, mas confesso que já fui de ouvir
mais, ceder mais e respeitar mais a decisão dos
outros. Mudei quando percebi que quem me aconse-
lhava não fazia o mesmo e quem ditava regras nem
sempre as aplicava no seu dia-a-dia, entre muitos
outros exemplos que poderia citar. Vi, também, que
precisava mudar e buscar a tão famosa felicidade.
Nessa altura, vi a expressão dele e percebi que me
iria colocar mais questões e continuei.

50
Deixa acontecer naturalmente

— Comecei primeiro a fazer mais por mim, em


termos de saídas, interesses pessoais e percebi que
me fazia bem. Decidi ser eu mesma, ou seja, ser a
minha voz interior a dar-me as respostas que
precisava. Isso ajudou-me imenso. Sou teimosa,
confesso, mas estou a aprender a prestar atenção ao
que me dizem. É um treino diário, constante. E,
antes que perguntes, sim, já melhorei.
O Ronaldo ficou com uma expressão de dúvida que
me fez rir.
— A sério, Ronaldo! Sei que sou terrível quando
cismo com algo. Mas, da mesma forma que sou assim,
também procuro depois analisar os pontos e vejo se é
favorável, ou não, mudar o meu ponto de vista. Não
sou de todo durona.
— Assim é diferente. Sabes que existe o outro e que
podes aprender com alguém, porque a ideia que me
passas é que és muito ―eu quero assim‖, ―eu sou
assim‖... Vou ter tempo de perceber se és ou não
teimosa.

51
Rossana da Piedade

Ficámos um tempo em silêncio, pedimos a comida e,


enquanto aguardávamos, comecei a beber o meu
cocktail. Apreciámos o mar, reparava que olhava
muito para mim e percebi que estava encantado.
Sabia que ele tinha outros interesses e aparentava
muito desejo. Já conhecia aquele olhar e como
conhecia... Em alguns casos gostava, claro, mas
quando tinha interesse. Mas quando não queria algo
mais, ou fosse alguém que, depois, iria ser persis-
tente e não conseguiríamos ser amigos, afastava-me
logo. Incomoda-me quando o interesse é, apenas,
sexual.
Não sabia porquê, mas, em relação ao Ronaldo,
gostava e até dava por mim, também, a olhar para
ele. Como disse, não era bonito ou charmoso, mas
gostava de estar com ele; nem sei se era o hábito,
mas fazia-me bem.
— Deves estar incomodada pela forma como olho
para ti! — exclamou. — Vou ser sincero: mexes
mesmo comigo.

52
Deixa acontecer naturalmente

Ficou, em silêncio, sério e olhou-me fixamente e


confessou:
— Pode parecer estranho, mas gostei logo de ti... não
foi pelo corpo, talvez tenha sido por essa tua maneira
de ser, não sei, mas o meu santo bateu, de imediato,
com o teu. Não te estou a pedir nada, simplesmente
quero que saibas o que sinto e que sou mais velho, o
suficiente, para saber separar as coisas. Se nunca
olhares para mim com a mesma intenção, mas não te
preocupes, sei lidar com isso e não quero deixar de
ser teu amigo. Sempre serei teu panco, porque
conhecer-te está a ser uma experiência maravilhosa.
— Ainda bem que falámos melhor sobre isso. Gosto
de estar aqui contigo, de conversar, trocar
mensagens, mas dizer que sinto algo mais, não posso,
pois não estaria a ser sincera contigo.
— Paloma, não precisas de te justificar e eu sei
posicionar-me, está descansada. — procurou tranqui-
lizar-me.
— Calma, Ronaldo. Eu entendo e, também, sou
adulta para perceber que, quando alguém tem

53
Rossana da Piedade

interesse, as coisas podem ser diferentes em função


do que se sente. Mas parece que, de facto, sabes
separar as coisas e eu gosto disso.
Tomei mais um gole do cocktail, enquanto olhava
para ele.
— Vamos deixar as coisas como estão, mas é bom
cada um perceber o que se passa com o outro. Já me
disseste que tens interesse e eu disse-te que não te
vejo dessa forma, por isso, será mais fácil lidar. Sei
que não me vais cobrar e, quando estiveres a querer
mais, eu saberei gerir a forma como lidar. Não te vou
afastar por isso. — sosseguei-o.
— Que bom! — Respirou de alívio. — Eu gosto de
dizer o que sinto e deixar que o tempo resolva e
responda a tudo. Quando falo em tempo, refiro-me a
nós, à relação, aos sentimentos e intensidade da
relação. Pode ser que passe a ser mais intenso e o
sentimento da tua parte se altere. Se não, o meu é
que se deve alterar e, como disse, manter a amizade.
— Que bom, Ronaldo... — sentia-me bastante mais
tranquila.

54
Deixa acontecer naturalmente

Depois, não falámos mais sobre isso, começámos a


comer, rimo-nos de algumas histórias, situações que
ele contava das viagens e da família.
Mesmo sendo calmo, tinha um sentido de humor que
eu gostava. Era bom ver como nos divertíamos e
estava a aprender bastante com ele.
Na altura de pagar a conta, ainda me prontifiquei
para a dividirmos, mas ele não aceitou. Contudo,
prometeu que, se um dia não tivesse como pagar, iria
dizê-lo, pois não tinha esses problemas quanto a ser a
mulher a pagar. Porém, como era o primeiro jantar,
insistia que queria ser ele a pagar, pois queria
mimar-me, eu aceitei e fiquei sensibilizada pelo seu
cavalheirismo.
Saímos do restaurante e fomos a ouvir música no
caminho para casa. Claro, eu não me limitava a
ouvir, cantava e dançava. Ele conduzia e olhava para
mim e ria-se. Só repetia:
— Adoro o teu sentido de humor! — e abanava a
cabeça.
E eu ia insistindo:

55
Rossana da Piedade

— Dança, solta-te Ronaldo!


Mas ele limitava-se a rir.
Chegámos a minha casa e, como ele tinha receio da
insegurança ao ficarmos no carro a conversar, pediu
que eu entrasse e que continuássemos a conversar ao
telefone. O facto de ele ser agradável, amoroso e
carinhoso comigo, para além de divertido, educado e
culto, levavam-me a apreciar imenso a sua compa-
nhia.
Será que o meu interesse por ele estava a aumentar?

56
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 5

Alegria faz o corpo ficar enérgico durante todo


o dia. Além disso, emite a mensagens e as
pessoas recebem o reflexo do que somos.

Quando entrei em casa, trocámos poucas mensagens,


pois estava cheia de sono, apenas falámos sobre a
noite divertida e maravilhosa e dormimos. No dia
seguinte, assim que peguei no telefone, encontrei
uma mensagem dele de ―Bom-dia‖. Como sempre,
dormiu pouco. Respondi à mensagem e fui trabalhar.
Durante o caminho cantei, dancei e enviei-lhe um
áudio com as músicas que ouvia. Ele riu-se pela

57
Rossana da Piedade

minha energia, mas começava a perceber que esse


era o meu estado habitual e os meus filhos faziam o
mesmo, quando estávamos no carro e em casa.
Seguiam bem os meus passos, a alegria contagia. Ah,
e como! No serviço, os meus colegas gostavam da
minha energia e, quando era preciso ir ter com algum
cliente, era eu a representar a empresa, mas eles
sentiam a minha falta. Habituei-me a rir, a contar
muitas histórias divertidas para descontrair,
almoçávamos muitas vezes juntos, cantávamos no
carro, contávamos piadas e o ambiente geral era de
partilha, ajuda mútua, resolução de dificuldades
juntos, e tudo isto me fazia muito bem. Fora do
horário de trabalho, tinha duas colegas com quem
dançava Salsa, às Quartas e Sextas-feiras, e até já
tinha convidado o Ronaldo para ir connosco. Ele
agradeceu e disse que o faria logo que tivesse
disponibilidade.
Depois de uns dias a trocar mensagens, as conversas
eram raríssimas, algumas vezes por causa do
trabalho, outras porque percebi que o Ronaldo

58
Deixa acontecer naturalmente

evitava sufocar-me. Ele estava muito cauteloso e eu


também, porque não queria estar constantemente
naquele clima: ele criando expectativas ou não
sabendo como lidar comigo. Falávamos sobre isso de
forma a não haver más interpretações que interfe-
rissem na nossa amizade. Sentia a sua falta, mas
sabia que, se me desse mais, numa altura em que
ainda não me sentia confortável, dificilmente poderia
resultar bem.
Numa quarta-feira de manhã, ele ligou-me e pergun-
tou se podia ir comigo à Salsa e eu fiquei feliz. Os
meus colegas não queriam ir e ele seria o meu par.
Fui buscá-lo ao serviço, porque estava sem carro, e
fomos o caminho a conversar sobre algumas situações
do trabalho dele e sobre o ambiente da Salsa.
Quando chegámos, já estava muita gente a dançar e
gostei de ver que ele estava animado. Primeiro,
ficámos a ver os outros casais e, depois, também
dançámos. Fiquei agradavelmente surpreendida ao
ver que era divertido dançar com ele. Soltava-se,
sabia levar-me bem e cantava algumas músicas. Vi-o

59
Rossana da Piedade

mais descontraído e conseguiu desligar-se do traba-


lho, o que para mim foi óptimo.
Pedimos um cocktail para mim e uma cerveja para
ele e acreditam que até dançou mais na cadeira?
Ainda comentei que estranhava o seu à-vontade e
reforçou que gostava de dançar, e que nessas alturas
só tinha horas para entrar numa festa e não para
sair. Mesmo que não dançasse muito Kizomba,
gostava de dançar na cadeira e beber as suas
cervejas.
Como ele dizia: ―nem sempre os calmos são quietos
todos os dias, com todas as pessoas e em todos os
lugares‖. Eu já sabia e ria-me disso, parecia que
aquela mensagem era mais para ele, porque tinha
muitos amigos tímidos e sabia bem que estes são
uma surpresa, assim como os extrovertidos muitas
vezes são quietos e, em determinadas situações, não
sabem como reagir.
Depois chegaram uns amigos meus que ficaram um
tempo do nosso lado. Dancei algumas músicas e vi
que o semblante dele mudou radicalmente. Mesmo

60
Deixa acontecer naturalmente

quando pedi para dançarmos, resistiu e estava muito


sério. Depois lá se levantou, mas dançou só aquela
música e voltou a sentar-se. Como eu queria dançar,
deixei-o com as trombas dele e continuei na pista,
com amigos, até à hora de irmos para casa.
Chegámos ao carro e comecei logo a falar com ele
sobre a forma como mudou por me ver dançar.
— Ronaldo, é assim: já sabes que gosto de dançar e
quando saio é para me divertir, não para ficar todo o
tempo sentada. Já estou habituada a dançar com os
meus amigos, por isso, não é porque saí contigo que
vou deixar de dançar com eles.
— Mas podias dançar menos e respeitar que estavas
comigo, ou isso era assim tão difícil? Fiquei ali
sozinho, e eles a esfregarem-se em ti.
— Ronaldo, não te admito! Contigo não foi esfregar,
mas com eles já foi? Só porque não foi contigo, não
consegues ver como algo normal e não me consegues
respeitar. Podes não gostar porque achas que ficaste
sozinho, como se fosses uma criança perdida na festa,
mas não. E, também, não foram grandes danças,

61
Rossana da Piedade

para fazeres essa expressão. — procurei ficar mais


calma, de forma a passar a mensagem certa, evitando
o tom de voz mais alto, que leva a esquentar o clima
de discussão. Aí, é a forma como cada um fala e não
sobre o que deve ser dito. — Como te disse, sei bem
os meus limites e até onde devo dar abertura aos
homens. E isso não é porque estavas ali comigo, mas
porque esse limite tem de ser todos os dias. Sou
divertida, animada demais, mas não aceito que
confundam, quando tal acontece pontualizo. Nesse
sentido, se tu prestasses atenção irias ver que, ainda,
tentaram falar contigo, porque pensaram que eras
meu namorado. Mas não foste nada simpático e se
fizeste ciúmes desnecessários e ficas assim, por coisas
tão pequenas, não vamos conseguir lidar!
— Não... — interrompi-o.
— Nunca tolerei isso a homem nenhum, quem está
comigo tem de confiar em mim. Até o Erick, apesar
de tudo, nunca me fez cenas destas, sempre respeitou
a minha maneira de ser e nunca se sentiu inseguro
por sair com amigos.

62
Deixa acontecer naturalmente

Ao ouvir aquele nome, percebi que até dele sentia


ciúmes, pois já não era a primeira vez que, vindo o
nome dele à conversa, os seus olhos raiavam entre o
ciúme e alguma raiva.
Fingiu não ter ouvido o nome do meu ex e retomou:
— Não foi bom para mim ver-te dançar daquela
forma. A sério, fiquei possuído pelo ciúme. — ele ficou
mais calmo — Gosto de ti e reparei que os homens se
babavam contigo e, mesmo que digas que não, a
dança aproxima as pessoas e permite aos interessa-
dos ficarem mais encostados e ousados. Eu notei bem
isso, Paloma. Sei que não foi o teu caso e só te
querias divertir, mas fiquei com ciúmes, admito.
— Como dizes, és adulto, tens de saber controlar-te.
Não aturo esse tipo de comportamento e não sou tua
namorada. — continuei séria e preferi falar tudo. —
Temos de ver até que ponto dá para convivermos,
porque não quero cenas dessas de novo, não é bom
para nenhum dos dois. Queremos coisas diferentes e,
como te disse, essa sou eu e não gosto quando me

63
Rossana da Piedade

fazem mudar só porque não gostam, e não porque é


errado.
— Desculpa, Paloma. Tens razão, exagerei e não sou
teu namorado...
— Mesmo que fosses, Ronaldo, essas cenas não tolero
mesmo e porque eu também não as faço.
Ficámos um tempo em silêncio e depois ele prometeu
que iria aprender a controlar-se e que não precisá-
vamos de nos afastar. Não gostei e não sei como seria
dali para a frente. Percebi que ele, também, estava
pensativo.
Fomos o caminho todo sem falar, eu a cantar e ele
sério. Deixei-o em casa do primo e fui para a minha.
Quando cheguei a casa, peguei no telefone e
encontrei uma mensagem dele a dizer que queria
continuar a ver-me, falar comigo e que reconhecia
que precisava controlar-se mais. Além disso, gostava
do facto de eu ser firme, segura e ter a frontalidade
de dizer as coisas na hora certa, no momento exacto e
da forma correcta. Frisou que me admirava e, apesar
de ter ficado aborrecida, gostei de ver que sabia reco-

64
Deixa acontecer naturalmente

nhecer e que estava disposto a melhorar. Também, se


não o fizesse, nunca iria lidar comigo.
Tomei o meu banho, vesti-me para dormir e fiquei na
cama a trocar mensagens com os meus amigos e fiz
uma videochamada com os meus filhos. Fico sempre
tão feliz por falar com eles, saber como estão e ouvir
as histórias que me contam do seu dia-a-dia. No final
de semana, estaria com eles e já estava a programar
onde levá-los.
Focar-me em coisas que me fazem bem e que gosto
sempre me ajudou a esquecer de outras stressantes e,
por isso, desliguei-me da discussão com o Ronaldo.
No dia seguinte, como não tinha qualquer mensagem
do Ronaldo, mandei uma de ―Bom-dia‖ acompanhada
de uma música. Ele só respondeu depois de umas
horas. Não era habitual e percebi que estava sem
jeito. Esperei que não fosse habitual esse comporta-
mento de se afastar em vez de resolver as coisas e
andar de trombas por muitos dias. Para mim, passou
e está resolvido, falo o que deve ser dito e espero
mudanças, e prefiro não tocar no mesmo assunto. A

65
Rossana da Piedade

vida e as coisas têm de caminhar e viver novas


experiências, não posso ficar na mesmice. Isso cansa.
Fui trabalhar e, por volta das 10 horas, recebi uma
chamada de uma empresa de cestas especiais,
dizendo que tinham uma encomenda para mim. À
hora combinada, entregaram um bouquet de flores.
Continha várias espécies de variadas cores, mas
predominavam o laranja e o branco. Ainda pensei no
Erick e na fase em que me enviava flores e fiquei na
dúvida, por isso, apressei-me a abrir o envelope onde
estava o cartão. Ri-me quando vi que era oferta do
Ronaldo e que vinha com um cartão, onde a única
mensagem era uma pergunta: ―Jantas comigo hoje?‖
Agradeci ao estafeta e fui para a minha mesa. Liguei-
lhe a agradecer pela surpresa e mostrei-me
agradada. Ainda comentei que as minhas colegas
disseram que ficaram felizes por ver que a durona
gostava de rosas. Ele ficou feliz e disse que era o seu
pedido de desculpas. Voltou a fazer a pergunta sobre
o jantar e eu disse-lhe que sim. Falámos mais um

66
Deixa acontecer naturalmente

tempo e depois, como ele tinha uma reunião,


desligou.
Fui para casa, escolhi uma saia verde e uma blusa
branca. A saia tinha racha à frente e um cinto que
tinha de dar um laço. A blusa era simples com uma
renda à frente e escolhi umas sandálias altas. Pintei
ligeiramente os lábios e dei um jeito às minhas
tranças. À hora marcada, com a sua pontualidade
britânica, lá estava o Ronaldo. Fomos jantar ao
restaurante de um amigo dele e gostei de conhecer
outros amigos. Foram muito simpáticos, educados e
todos eles com bastantes e boas perspectivas sobre o
nosso país. Mas eu, devido ao rumo que as coisas
tomaram, tornei-me céptica em muitos aspectos e não
partilhava do seu entusiasmo. Frequentemente, a
política leva a grandes discussões, mas eles não eram
de falar de forma agressiva e respeitavam as dife-
rentes opiniões. Como estavam em distintos ramos,
opinavam sobre as suas áreas e falavam da mudança
que sentiam no país, comparada aos outros anos.
Acabámos por jantar todos juntos e o Ronaldo esteve

67
Rossana da Piedade

mais animado. Beberam bastante cerveja e eu uns


cocktails. Saímos do restaurante já passava da meia-
-noite. O Ronaldo queria café e eu sugeri que
continuássemos a conversar na minha casa. Era para
ser, apenas, um café e terminar a conversa, mas
acabaram todos por ficar até às 2 horas.
Quando saíram, reparei que o Ronaldo queria
despedir-se com um beijo, mas hesitou. Já em sua
casa, mandou-me mensagem a desejar ―Boa noite‖ e,
tal como suspeitava, disse que me queria beijar desde
o momento em que entrei para o carro, quando me foi
buscar para jantar. Vi logo que tinha de ser eu a ter a
iniciativa, mas queria mais tempo com ele. Eram,
apenas, os primeiros encontros e queria perceber
melhor o que sentia por ele. Por vezes, devemos arris-
car e aproveitar os momentos. Este é o meu lema.
Mas, como ele era mais sério e responsável e não era
muito de curtir, queria ir com mais cautela e dizia,
para mim: ―deixa acontecer naturalmente‖.

68
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 6

O que o destino nos reserva acontece quando


chega o momento certo. Nessa altura, as coisas
encaixam-se sem esforço, fluem e tomam o rumo
certo.

Os meus filhos ficaram comigo uma semana e mal


consegui estar com o Ronaldo, apenas tomámos
juntos o pequeno-almoço duas vezes. Dediquei-me aos
miúdos, o que me ajudou a relaxar, porque tive uma
semana de término de muitos projectos e três reu-
niões. Nem dei pelo tempo passar e mal falávamos,
porque ele, também, estava com muito trabalho.

69
Rossana da Piedade

Quando dei por mim, já não conversávamos com a


mesma frequência.
A correria faz com que nos distraiamos e coloquemos
de parte muitos momentos e pessoas especiais.
Mesmo tendo saudades, nem sempre dava para
falarmos como antes e, depois, cada um ficava no seu
canto. Mesmo quando os miúdos voltaram para o pai,
eu dei prioridade às minhas amigas, à Salsa, às
caminhadas, ao ginásio, ao trabalho e a mim própria.
Numa Sexta-feira, o Ronaldo ligou-me a perguntar o
que estava a fazer. Respondi que estava a descansar,
depois de ter ido de tarde ao cinema com uma amiga.
Já tinha tomado banho e estava de robe. Ainda
assim, perguntou se podia sair com ele e nem preci-
sava preocupar-me com a indumentária, porque não
precisaria sair do carro. Disse que sim, vesti uns
calções, uma blusa sem alças, chinelos e fui ter com
ele ao portão. Confessei que estava surpresa com
aquele telefonema. Ele disse que se continuássemos
daquela forma que nos iríamos afastar, por isso,
pensou em surpreender-me quando saía do serviço.

70
Deixa acontecer naturalmente

Entretanto, fez um sinal para olhar para trás, onde


se encontrava uma cesta de alimentos coberta com
papel celofane, ao lado da qual havia duas taças e
uma garrafa de vinho.
— Uau, isso é que é uma surpresa... pensaste em
tudo isso, assim, de repente? — questionei, agrada-
velmente surpreendida.
— Mais ou menos... — revelou. — Na verdade, já
andava a pensar nisto há alguns dias, quando
constatei que a rotina nos tinha afastado um pouco.
Nessa altura, passei por uma loja gourmet e achei a
cesta perfeita. — revelou. — E hoje, quando percebi
que poderia ser mais um dia sem nos vermos, achei
que era o momento certo para inverter esta tendên-
cia.
— Sim, senhor, grande surpresa! Realmente, foi
muito boa ideia.
Curiosa como sou, comecei a ver o que continha a
cesta e vi morangos, sushi, uma tábua de queijos,
chocolates... Olhei para ele e disse, em tom de elogio:

71
Rossana da Piedade

— Ainda dizem que não existem homens românticos


e criativos.
— Modéstia à parte, sou muito romântico e, embora
mais comedido, gosto de surpreender e fazer coisas
diferentes. Detesto a tal mesmice nas relações, que
tu, também, já tinhas referido não gostar.
— Agora, eu já sou menos, mas gosto de mimar e ser
cuidada.
— Mudaste muito, então? — quis saber.
— Muito. Prefiro não me entregar sem ter a certeza
de que há reciprocidade. Quando vejo que me dou
demais e sem que o outro corresponda, afasto-me
rápido. Da mesma forma que me entrego, assim me
afasto. Simples, sou ―toma lá, dá cá‖.
— Parece comportamento militar, de homem. És
bastante durona contigo e com o teu coração. — ele
riu-se e ajudou-me a abrir a tábua. — Eu, também,
sou muito duro em algumas situações, mas tu estás a
fazer soltar o meu lado mais flexível. Falo a sério,
não é paquera. É o que sinto, é diferente e gosto
disso! — terminou, com um olhar ternurento.

72
Deixa acontecer naturalmente

— A sério, gostas? — indaguei.


— Muito. É bom estar apaixonado e sinto que vale a
pena tentar contigo. Tens muito do que gosto numa
mulher e, também, muito do que preciso para
aprender a lidar com determinadas situações. —
pegou na minha mão e encostou-se mais a mim. —
Eu fiquei muitos anos sem conseguir entregar-me aos
sentimentos porque fui magoado. As mulheres só
queriam namorar sem se esforçarem, sem se dedica-
rem, sem reciprocidade, só queriam uma troca:
dinheiro da minha parte e sexo da parte delas. Como
se o sexo fosse uma troca e não intimidade. Fartei-
-me. Já chorei muito por mulheres e pelas suas
atitudes egoístas e mesquinhas.
— A sério? — deixei-me rir e fiquei a imaginar aquele
homem grande a chorar. — Estou a tentar, mas não
consigo imaginar-te nessa cena.
— Sofri, chorei e, também, já fiz chorar. Já errei
muito e tens razão quando reclamaste que não resol-
vo as situações e, simplesmente, me afasto e fico a

73
Rossana da Piedade

corroer-me, em vez de as ultrapassar. Mas nem


sempre fui assim.
— Os tais traumas das relações anteriores. Ou seja,
em cada relação ficamos com um pedaço da outra
pessoa e saímos com novos hábitos. Daí o receio de
nos entregarmos por medo de sofrer, medo de
quebrar a independência, porque depois ficamos ape-
gados e não sabemos lidar com a interdependência.
— Tens razão. Reconheço em mim o que ficou de
algumas relações, nomeadamente, a forma como olho
para a intimidade. É muito difícil perceber como isso
nos afecta e como precisamos mudar o nosso lado e
não nos influenciarmos pelo passado. Contudo, é algo
que leva o seu tempo.
— Realmente, eu também estou em fase de mudança.
Tal como tu, passei por uma situação que me blo-
queou e, consequentemente, fez com que me fechasse.
Eu era muito romântica e dedicada e, após sofrer
essa desilusão, adoptei esta postura.
— Vamos mudar juntos, Paloma? Aceitas o desafio?
Quero-te muito, nem imaginas o quanto...

74
Deixa acontecer naturalmente

Não o deixei acabar de falar e beijei-o. Ficámos


algum tempo presos naquele carinhoso momento…
— Será o tal falado efeito afrodisíaco do sushi? —
perguntou visivelmente agradado com o meu avanço.
— Será isso, Paloma?
— Parvo... — retorqui. — foi só algo que teria de
suceder no momento certo. Não tinha dia nem hora
marcados, apenas iria acontecer naturalmente.
— Sabes que, por alguns momentos, pensei que não.
E, perante isso, preferi lidar contigo como amiga e
preservar a amizade, porque não te quero perder. Sei
que nem sempre ficamos com quem gostamos e o
início pode marcar a diferença.
— Eu também, por um tempo, olhava para ti como
amigo e não pensava que fosse gostar de ti. Mas, com
o tempo e a convivência passei a gostar, não por
hábito, mas pelas tuas qualidades. — vi pela sua
expressão que gostou do que ouvia e eu continuei. —
És muito dedicado, empenhado no que fazes, e
disponível para as pessoas. Calmo, mas ao mesmo
tempo divertido, alguém que não gosta de rotina.

75
Rossana da Piedade

Embora não sejas de saídas como eu, gostas de


quebrar essa rotina. És responsável, sincero e...
beijas bem. — pisquei-lhe o olho.
— Essa parte não sabia... mas que bom que nos
entendemos no beijo... e acredito que no resto
também. — vi-o com um sorriso carregado de espe-
rança.
Ele voltou a beijar-me e explorámos melhor as nossas
bocas. Foi um beijo lento e girei bem a minha boca
nos seus grossos lábios. Quem diria que nos
beijávamos. Eu que falava dos lábios grossos e nariz
grande, não me via a beijá-lo, embora fosse estranho,
porque me sentia bem com ele, o que era um sinal de
que lhe dava uma oportunidade. Tinha muitos
amigos pretendentes, mas preferia estar com ele e
notava que tinha mais do que esperava, tendo-o ao
meu lado.
Não foi pelo físico nem como já me envolvi com
homens pela atracção sexual, como no caso do Erick.
Ronaldo era alguém que me fazia bem e de quem
gostava, sem olhar para o que via antes nos outros

76
Deixa acontecer naturalmente

homens. Era um homem de valores que eu admirava


e que me encantava.
Afastámo-nos e Ronaldo não me deixou servir as
iguarias. Preparou o pão com queijo, patê doce e eu,
apenas, abria a boca para comer. Esta experiência
era algo que nunca tinha tido e estava a gostar e,
como tal, não impunha qualquer tipo de barreira. Só
queria curtir o momento, deixar acontecer natural-
mente.
Bebemos toda a garrafa de vinho e acabei por ficar
cheia de sono. Ele, ainda, queria ficar mais algum
tempo, mas eu disse que não seria boa companhia,
embora pudesse ficar com ele. Ele riu-se, mas viu que
estava cansada e acabou por me deixar em casa. Mal
cheguei, como só pensava na minha cama, deitei-me
sem mudar de roupa e adormeci instantaneamente.
No dia seguinte, acordei com a chamada do Ronaldo
para saber como estava, se havia dormido bem e que
planos tinha para aquele dia. Disse-lhe que estaria
com amigas, tínhamos combinado ir à praia e
almoçar juntas. Ele disse-me que ficaria em casa e, se

77
Rossana da Piedade

eu quisesse, podia passar por lá ou sairmos para dar


uma volta.
Fiquei com elas até perto das 18 horas. Depois, liguei
para o Ronaldo e, como estava em casa, fui ter com
ele. Quando cheguei, notei a sua atrapalhação ao ver-
-me com uma bata transparente através da qual se
notava o fato de banho cor de laranja. Deu-me um
rápido beijo na boca e, enquanto fechava a porta ria-
-se atrapalhado.
— Uau, estás linda. — elogiou. — Essa cor fica-te
bem. Bela escolha!
— Obrigada, Ronaldo. Muito obrigada por tão
espontâneo elogio.
Ronaldo fechou a porta, abraçou-me, deu-me um beijo
longo e, de bocas unidas, levou-me até ao sofá, onde
continuámos sentados aos beijos. Depois, as mãos
percorreram os nossos corpos, a respiração ficou mais
ofegante e, quando dei por mim, encontrava-me sem
a bata. Confesso que estava muito excitada, mas
como achava que era cedo para isso, tirei a mão dele,
continuei no colo, mas afastei-me ligeiramente.

78
Deixa acontecer naturalmente

— Vamos com calma, pode ser? — pedi em tom de


exigência.
— Não queres, Paloma? Não queres o mesmo que eu?
— questionou-me com o olhar um pouco perdido.
— Quero muito! — dei-lhe vários beijos seguidos nos
lábios. — Quero sim, mas não nos vamos apressar. É
o segundo dia juntos, temos muito tempo para
vivermos esses momentos.
— Queres adiar o sexo? — ele ficou mais sério. —
Assim, tem de ser depois de quanto tempo?
— Ronaldo, não estou a estipular tempo como se
fosse uma virgem, apenas quero que tenhamos mais
algum tempo nosso sem passarmos para o sexo.
— Muda alguma coisa fazer já, daqui a uma semana
ou um mês?
— Muda, sim: a intimidade! É necessário mais tempo
para nos conhecermos, para nos curtirmos e se for
amanhã, que seja, mas com mais tempo.
— Vocês são complicadas, a sério. Até tu, que me
pareces bem decidida e determinada, reages assim.

79
Rossana da Piedade

— Para algumas coisas sim, Ronaldo, não para tudo!


E não é bem planos a contar que vamos casar e ter
filhos ou viver longos anos ou curtos, mas apenas ir
aos poucos. Não precisamos ter pressa. Vamos curtir,
namorar, deixar rolar. Sei que, para ti, isso é um
momento, mas, sem sexo, também o é.
Nesse dia, o clima esfriou, ficámos mais um tempo
em casa a conversar sobre sexo, sobre como o homem
e a mulher pensam, mas sem muita aproximação.
Ronaldo estava excitado e, como não teria mais nada,
preferiu controlar-se.
Fui para casa e continuámos a falar ao telefone sobre
a nossa tarde. Para os homens essa cena do sexo é
mais importante do que para nós, mulheres. Eu sou
conhecida como a louca, a divertida, falo sobre tudo,
sou bem frontal, como já devem ter notado, mas há
coisas, como o trabalho, vínculo familiar, e intimi-
dade que sou muito determinada. Não quer dizer que
tenha prazo ou local certo, porque sou louca e
disposta a variar, mas é a questão de ir sem pressa,
sem forçar situações.

80
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 7

A rejeição atinge-nos de diferentes formas e,


quando descobrimos o que nos aflige e o que
está associado a ela, libertamo-nos e seguimos
em frente.

No dia seguinte, convidei o Ronaldo para almoçar e,


depois de algum tempo de seriedade, passámos a rir
mais e brincávamos um com o outro. Quando voltá-
mos a falar do momento no sofá, percebi que ele se
sentiu rejeitado, não pensou em mais nada, apenas
encarou a situação como se eu não sentisse qualquer

81
Rossana da Piedade

desejo por ele, como se não sentisse atracção a ponto


de me envolver sexualmente com ele.
— Ronaldo, parece que o mais importante para ti é o
sexo, não a oportunidade de estarmos juntos,
aproveitarmos para nos conhecermos melhor,
divertimo-nos...
— Paloma, o problema resume-se ao seguinte: tu
estás a pensar em ti, por isso, esperas que seja a tua
vontade, não consegues ver o meu lado: um homem
que te deseja e que te quer...
— Espera aí, Ronaldo. Uma coisa é ficares chateado
porque estavas muito excitado e não aconteceu nada.
Outra é que, por isso, me acusas de egoísmo. Por que
sou egoísta? Por não fazer sexo quando queres?
— Estás a ver, Paloma... és tu e não os outros. Vê se
começas a olhar para os outros!
Saí da mesa e disse-lhe que pensasse bem antes de
voltar a falar comigo. Ronaldo manteve-se sentado
com a razão dele, como mais tarde me viria a dizer.
Fui para o carro bem chateada, mas como tenho a
música como terapia, comecei a cantar e a dançar e

82
Deixa acontecer naturalmente

esqueci-me dele por um bom tempo. Não podia perder


tempo com atitudes infantis, por isso, quando come-
çasse a pensar nele, focava-me nas coisas que me
preocupavam, sobretudo no trabalho.
Já era habitual não dar importância ao que não
merecia atenção ou no que não me queria focar.
Pensava sempre no que me fazia bem e, assim, fiquei
dias sem falar com o Ronaldo. Ele, também, não
ligava nem mandava mensagens e dei tudo por
terminado entre nós. Para mim, foi um homem
maravilhoso com o qual não deu para ter algo mais.

83
Rossana da Piedade

84
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 8

Todos nós emitimos mensagens que são


percebidas e interpretadas pelos outros de
diferentes formas.

Passadas cerca de duas semanas sem ter notícias do


Ronaldo, ele enviou uma mensagem de ―Bom dia‖.
Depois, perguntou se estava tudo bem, como se
encontravam os miúdos, como ia o trabalho e, por
fim, disse que tinha imensas saudades minhas.
Nessa altura, abri-me um pouco, desbloqueei-me e
percebi que, também, sentia a falta dele e disse-lhe,
precisamente, isso. Ele perguntou-me por que não lhe

85
Rossana da Piedade

cheguei a enviar uma mensagem a pedir perdão pelo


facto de o ter deixado no restaurante. Desculpou-se
por me chamar egoísta e pediu para conversarmos.
Combinámos que nos iríamos encontrar no final de
semana. Eu preferi o Domingo, porque na Sexta e
Sábado tinha compromissos com amigos e família e
não pretendia desmarcar nenhum deles.
Diverti-me imenso durante todo o fim-de-semana e
no Domingo, conforme o combinado, Ronaldo foi à
minha casa no final do dia. Quando chegou,
estávamos ambos muito sérios e tensos. Pedi-lhe
para se sentar e ele assim o fez. Começou por
perguntar como estava, como tinha sido o meu dia e,
depois, falou sobre o seu.
— Paloma, sei que ficaste chateada comigo porque te
acusei de egoísta e te disse que te desejo muito, sendo
que tu querias algo diferente. Mas o teu comporta-
mento podia ser outro. Foste muito impulsiva e, em
vez de tentarmos resolver as coisas, começámos a
afastar-nos e a levantar mais problemas.
Eu nada disse, fiquei, apenas, a ouvi-lo.

86
Deixa acontecer naturalmente

— Sei que estava ansioso e desejo-te desde o primeiro


momento, por isso, encarei aquele teu ―não‖ como
falta de interesse. — calou-se por um tempo e conti-
nuou. — Geralmente, e sobretudo no trabalho, não
sou tão inseguro, mas contigo fiquei, principalmente
por ver que és espontânea, que já viveste muita coisa
e senti que parecia que comigo não querias mais
nada.
— Ronaldo, como tu também já viveste experiências
diferentes e parecias mais maduro, agora pareces-me
inseguro, ciumento e só dizes o que te apetece, sem te
controlares. Via-te mais firme, mais resolvido,
alguém que não se deixa levar por tudo o que lhe
acontece, que consegue gerir as situações e sabe dar a
volta por cima das mesmas. Mas, afinal, não és assim
tão firme!
— Tens razão ao olhares para mim dessa forma, mas
não sou sempre assim, acredita! Sou bem resolvido,
mas, como te disse, foi por pensar que não gostas
assim tanto de mim...

87
Rossana da Piedade

— É por gostar de ti, para além do sexo, que apostei


nesta relação. Não estou apaixonada de perder o
fôlego, de ficar 24 horas a pensar em ti. Mas gosto de
falar contigo, estar contigo, de te beijar, admiro-te,
excitas-me, mas não é por acelerarmos a relação que
muda o que sinto por ti. Por ver algo mais é que não
estou preocupada em viver já tudo.
Ele olhava-me atento.
Confesso que me irritava, sobremaneira, tocar no
mesmo assunto sem que existissem melhorias no
comportamento, sem nova abordagem ou solução,
mas continuei.
— Peço, também, desculpas pelo ocorrido no
restaurante, sei que não foi correcto. Desculpa, mas
passo-me com situações como aquela de falar de
qualquer forma, não se ouvir, assuntos repetitivos...
A coisa tem de evoluir, não ficar na mesmice; não
tenho paciência, juro!
— Mas, Paloma, não gostas que se fale de qualquer
forma, mas tu falas. Quando estás nervosa não ouves
ninguém e a tua opinião é que conta. Espero que

88
Deixa acontecer naturalmente

percebas que a mudança deve vir dos dois. Temos o


direito de cobrar e o dever de fazer, cada dia, melhor.
Só assim haverá uma evolução positiva. Sei que devo
aprender tudo o que já disseste e estou disposto a tal,
porque é o certo, como dizes, vai fazer-me bem e irá
evitar muitas situações desagradáveis e dolorosas
para ambos. Mesmo no serviço, por vezes, dizem-me
que sou explosivo e, nesse sentido, procuro controlar-
-me bastante. Vejo que, afinal, somos os dois
teimosos e que precisamos melhorar bastante e não
desistir da nossa relação.
— Tens razão, sei que sou teimosa. Mas essas situa-
ções acontecem, sobretudo, com injustiças, ausência
de empatia, pessoas que não sabem tratar o outro,
preguiçosos e comodistas. Enfim, já sabes como sou.
— Vamos conhecer-nos aos poucos. Vamo-nos encai-
xando gradualmente, muitos acertos por aqui, muitas
melhorias por ali, mas, sobretudo, muita coisa por
aproveitar. Tens razão em não falar do mesmo, as
coisas precisam evoluir, e nós também. — concordou.
— Vês, temos muito que aprender um com o outro.

89
Rossana da Piedade

— Ok. Mas, acima de tudo, peço-te que controles os


teus ciúmes, principalmente porque estou no meu
limite e, ainda agora, começámos o caminho... Se não
for assim, tal como digo sempre, o melhor é cortar
logo de início.
A conversa passou a ser à volta dos comportamentos,
relacionamentos e mudanças que, de uma forma
geral, cada um já tinha feito ou precisava fazer.
Conhecemo-nos um pouco mais e, depois de muita
conversa, namorámos muito. Foram muitos beijos,
muitos toques e muita risada. Curtimos o nosso
momento. Eu fiquei sentada no colo dele e nem vimos
as horas passar. Como ficámos com fome, fomos para
a cozinha. Fiz algo rápido, uma massa com atum, e
jantámos na varanda.
Já passava das 23 horas quando o Ronaldo foi para
casa e, como não podia deixar de ser, falámos ao
telefone. Mas foi por pouco tempo, pois antes da
meia-noite já estava a dormir.
Seria desta que a nossa história avançaria de vez?

90
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 9

O coração precisa de ser carregado todos os


dias e ter alguém ao nosso lado, para ajudar
nesta tarefa; desta forma, enche-se rápido de
coisas boas.

A nossa rotina era enviar mensagens logo de manhã


a desejar o ―Bom-dia‖, partilhar vídeos e mensagens
recebidas pelas redes sociais, notícias e debates sobre
variados temas. Gostava muito de aprender com ele!
Partilhávamos o decorrer do dia, algumas vezes,
tomávamos o pequeno-almoço ou almoçávamos
juntos. Ambos nos entregávamos com respeito e

91
Rossana da Piedade

sinceridade e tudo corria de forma natural. O


Ronaldo era, de facto, romântico e não dizia que me
amava só por mensagens, fazia-o também pessoal-
mente. Não era de oferecer presentes, mas de cuidar,
dar atenção, procurar saber de que forma podia
ajudar-me com as despesas de casa, gostava de sair,
divertir-se com amigos e continuava viciado no
trabalho. Eu adorava sair, estar com a família e
amigos, ser espontânea, curtir a cantar, dançar e rir.
Aliás, a minha vida era só alegria e tudo acontecia
naturalmente.
Fomos dançar Salsa e, desta vez, o Ronaldo esteve
mais animado e cumprimentou os meus amigos.
Quando dancei com alguns, vi que fazia umas
caretas, que tentava disfarçar. Dancei a maioria do
tempo com ele, mas não deixei de dançar com amigos
com quem já me sentia à vontade. Quando saímos,
falei com ele sobre a dança e percebi que ele
disfarçava os ciúmes. Por isso o avisei que, se tinha
algo a comentar, que o fizesse de imediato, sem fingir
que estava tudo bem. Ele disse que precisava de se

92
Deixa acontecer naturalmente

habituar à dança e ao meu à-vontade. Tinha a noção


que eu sabia impor-me, mas era algo diferente para
ele. Procurava gerir os pensamentos e agir de forma
mais descontraída e gostei de perceber que se
esforçava. Ainda combinámos que, de vez em quando,
iria sozinha para que se mentalizasse que, com ou
sem ele ao meu lado, o meu comportamento seria o
mesmo. A Paloma não finge para agradar, principal-
mente na dança e entre amigos. Seria bom ir sem ele
porque adorava dançar, estaria mais descontraída e,
também, para ele perceber que isso não mudaria
nada na nossa relação.
Um dia, cheguei a casa tão cansada que me sentei no
sofá a petiscar uma sandes. Pensei no Ronaldo, era
notório o esforço de autocontrolo que ele fazia,
relativamente aos ciúmes. Queria recompensá-lo por
isso e pela sua dedicação nos miminhos que me fazia,
pelo que comecei a pensar em algo para o surpreen-
der. E, de repente:

93
Rossana da Piedade

— Paloma, como não te lembraste mais cedo? Praia!


— e comecei a entusiasmar-me com a surpresa que
lhe iria fazer: um piquenique na praia.
Vesti-me rapidamente e fui ao supermercado antes
que fechasse. Comprei um espumante, uma tábua de
queijos como ambos apreciávamos, duas embalagens
de patê, morangos, entre outros petiscos, e voltei
para casa. De caminho, liguei-lhe e perguntei o que
estava a fazer. Respondeu que ainda se encontrava
na empresa, tinha sido um longo dia de trabalho,
mas estava quase a dar tudo por terminado.
— Ai, o meu amor está a precisar de relaxar e receber
muitos miminhos. — disse, não revelando o enorme
entusiasmo que se tinha apoderado de mim. — E se
nos encontrássemos? — perguntei, em ar de convite.
— Um convite da Paloma é uma ordem. Vou ter a tua
casa?
— Ah, isso aí ainda não vou revelar. Primeiro
termina as coisas aí no escritório e, depois, voltamos
a falar. Ok?
— Sim, chefe! — respondeu no meio de risos.

94
Deixa acontecer naturalmente

Despedimo-nos, o tempo era pouco e ainda tinha


muito que fazer.
Ao chegar a casa, coloquei tudo sobre a mesa e,
quando me preparava para colocar tudo numa cesta,
exclamei:
— Onde vou, agora, arranjar uma cesta?!
Cestas eram objectos que não tinha e o meu entusias-
mo começou a desvanecer-se. De repente, os meus
olhos ganharam outro brilho:
— Uma caixa de papelão, envolta com um papel
bonito.
Como tenho o hábito de guardar as caixas de peque-
nos electrodomésticos, porque acho que dão sempre
jeito, não foi difícil encontrar uma com o tamanho
adequado.
Coloquei uma mantinha em baixo e fui dispondo os
alimentos que comprara e tapei com uma toalha.
Entretanto, enviei uma mensagem a dizer que o
nosso local de encontro seria na nossa praia, dentro
de uma hora.

95
Rossana da Piedade

Como resposta à minha mensagem, ele quis saber:


―Praia? Nada melhor para colocar fim a este longo
dia de trabalho. Levo fato ou calção de banho?‖
―Bermudas e T-shirt‖, respondi e fui arranjar-me
para o encontro. Optei por um vestido fluído que me
marcava a cintura e segui para o local.
Já na praia, coloquei a tolha na areia e dispus os
petiscos, o espumante e os copos de pé alto foram
colocados no centro da improvisada mesa que rodeei
com velas. Por fim, coloquei a mantinha ao lado e
sentei-me à espera do Ronaldo.
Passados cerca de 10 minutos, ele ligou:
— Em qual dos restaurantes estás?
Nessa altura, acendi as velas e disse-lhe:
Dirige-te ao areal e onde vires luz, cá estarei eu.
— Paloma... — a sua voz pareceu emocionada.
Ao identificar o local, Ronaldo voou para lá.
Ao chegar, abraçou-me e, escondendo uma lágrima,
disse:
— Afinal, a trintona durona também é romântica.

96
Deixa acontecer naturalmente

Seguiram-se horas maravilhosas a comer, namorar,


rir...

97
Rossana da Piedade

98
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 10

Os momentos especiais podem acontecer em


minutos segundos e horas.

Numa sexta-feira, Ronaldo ligou-me para sairmos e,


como estava com muito trabalho, pediu-me para ir
ter ao seu serviço. Cheguei e fiquei na recepção à
espera. Quando terminou a reunião enviou-me uma
mensagem, fui até à sala dele e fiquei no sofá,
enquanto ele assinava alguns documentos. A deter-
minada altura, levantei-me, encostei-me e comecei a
beijar-lhe o pescoço. Ele ria-se e tentava fechar o
computador. Eu continuava a beijá-lo suavemente

99
Rossana da Piedade

para que o conseguisse desligar. Depois, afastou a


cadeira, virou-se para mim, beijámo-nos intensa-
mente e as nossas mãos percorriam o corpo todo.
Como estava de vestido, ele afastou a minha lingerie
e começou a tocar-me com bastante desejo, e eu já
estava completamente excitada e a gemer de prazer.
— Paloma, tu deixas-me louco. Desejo-te todos os
dias.
Era tudo muito intenso e nós sentíamo-nos tão
imersos que nos esquecemos que estávamos no escri-
tório. Fomos interrompidos por um colega que bateu
algumas vezes e, como ele não respondia, avisou, do
outro lado da porta, que o Director Geral chamava
por ele. Ele respondeu que já iria à sua sala.
Beijámo-nos rápido, ele afastou-se, endireitou-se e,
antes de sair, ainda nos beijámos de novo. Depois foi
ao encontro dos colegas e eu fiquei à espera dele.
Passado meia hora, ele foi ter comigo e disse-me que
a reunião se iria prolongar, pediu desculpas e
perguntou se iria esperar ou se preferia ir-me

100
Deixa acontecer naturalmente

embora. Optei por esta última porque tinha fome e


estava cansada.
Fui para casa, preparei o jantar a contar com ele,
mudei de roupa, usei um vestido amarelo leve e
fiquei a ver televisão. O Ronaldo ligou-me a dizer que
tinha de terminar algo urgente e não sabia a que
horas iria conseguir despachar-se. Por isso, naquele
dia, não deu para estarmos juntos.
Continuei a ver televisão e, de repente, comecei a
sentir uma dor de estômago, que nunca tinha sentido
antes, e que me começou a incomodar imenso. Achei
por bem ir tomar um chá de folha de louro e
descansar. Troquei mensagens com o Ronaldo para o
colocar a par e ele ficou preocupado, quando percebeu
que já estava há algum tempo com aquela dor.
Perguntou se podia ir ter comigo para ajudar. Eu
disse-lhe que preferia descansar. As dores persis-
tiram durante a noite e incomodaram-me bastante,
mas, quando aliviaram, dormi bem.
No dia seguinte, encontrei uma mensagem dele
preocupado e, quando ia responder, ouvi o toque da

101
Rossana da Piedade

campainha. Levantei-me, com algum cuidado, e fui


abrir a porta. Foi nítida a sua preocupação quando
olhou para o meu rosto e viu a forma como andava.
Perguntou logo se queria ir ao hospital e eu disse-lhe
que não. Ele insistiu muito, mas eu prometi que
aguentava e tomaria um comprimido para passar,
depois de comer algo. Perante a minha teimosia,
exigiu que me sentasse, foi até à cozinha e fez-me um
chá e uma tosta. Como estava enjoada, tive alguma
dificuldade em comer, mas fiz um esforço para ter
algo no estômago.
Após a sua constante insistência, aceitei ser levada
ao hospital. A caminho, as dores aumentaram e notei
a aflição dele, que só dizia:
— Baby, aguenta, estamos a chegar.
No hospital agilizou tudo e fui atendida em pouco
tempo. O médico fez exames e perceberam que tinha
apendicite e precisava ser operada com urgência.
Quando me disseram, pedi para avisarem o Ronaldo,
pois sabia que estava preocupado. Pedi também para
lhe entregarem o meu telefone para ele manter

102
Deixa acontecer naturalmente

contacto com a minha família. A minha mãe e a


minha irmã mais nova já estavam a caminho.
Fui operada nesse dia e, no seguinte, acordei ainda
fraca e com muitas dores. Estava com a minha mãe
no quarto. As enfermeiras pediram para não fazer
esforço, reforçaram o soro e eu reclamava de fome.
Conversei um pouco com a minha mãe e depois
entrou a minha mana. A minha mãe, para além da
preocupação com o meu estado e do que poderia fazer
por mim, iria buscar os miúdos ao fim do dia para eu
poder vê-los. As enfermeiras disseram-me que o
Ronaldo tinha ficado no corredor, ajudou a minha
mãe a manter-se calma e conversou com a minha
irmã. Parecia nervoso, mas não queria transparecer
por causa do nervosismo delas.
— O Ronaldo gosta muito de ti. — disse-me a minha
mãe. — Está muito preocupado e ansioso por te ver,
nem aceitou ir para casa. É raro ver homens assim,
preocupados, dispostos a ajudar, muito educados.
Parece ser uma pessoa simples.

103
Rossana da Piedade

— É verdade, Paloma. — reconheceu, também, a


minha mana. A Naysa estava feliz por mim e percebi
que já o via como cunhado. — Gostei dele! Embora
estivéssemos todos aflitos e ansiosos por notícias, isso
ficou muito claro.
Ri-me, mas não comentei. Não me aguentava com as
dores, só queria voltar a dormir.
A minha mãe perguntou se queria que ele entrasse
um pouco, de forma a deixá-lo mais calmo. Respondi
que sim e as duas encaminharam-se para a porta.
Eu, ainda, disse que não precisavam de sair, mas
preferiram assim.
O Ronaldo entrou e via-se que estava aliviado pelo
facto da operação ter corrido bem e de estar ali
comigo. Deu-me um beijo na testa e ficou perto de
mim, com expressões de aflição pelo curativo que eu
tinha e por perceber que tinha dores.
— Estás bem, querida? Nem imaginas como fiquei
preocupado quando ouvi que serias operada. Não
poderia imaginar que de uma dor, supostamente
ligeira, passasses para uma operação...

104
Deixa acontecer naturalmente

— Eu sei..., a minha mãe disse-me que estavas


nervoso, mas que tentaste acalmá-las. — calei-me e
fiquei a olhar para ele, depois, apenas disse: —
Obrigada, Ronaldo!...
— Fiz o que tinha de ser feito, querida. E ver-te
assim, fora de perigo, deixa-me feliz.
Não conversámos muito porque estava cansada e
acabei por adormecer. O Ronaldo saiu e, passadas
umas horas, ligou para saber como estava. Respondi
que continuava com dores, mas, em relação ao
período da manhã, tinha melhorado um pouco. Fui
cuidada pela minha mãe e mana.
Saí do hospital ao fim de três dias e, no mesmo dia, o
Ronaldo foi à minha casa e ficou bem à-vontade com
os meus pais e a minha mana. Eu continuava com
dores e, por isso, de repouso absoluto. Antes de ir,
ligou a avisar e a perguntar se precisava de algo, ou
se queria algo em especial. Respondi que não.
Contudo, apareceu com uns DVDs com músicas do
Djavan e Elton John, para me ajudar a distrair, e
levou também um livro do qual já tínhamos falado.

105
Rossana da Piedade

Afinal, ele já tinha pedido a um amigo para o


comprar em Portugal e foi um mimo especial, fiquei
surpresa. Não contava mesmo. Agradeci com muitos
beijinhos e abraços.
Ronaldo, ainda, comentou que, se conseguisse ver-me
sempre assim, ele já estaria feliz. Não contava que
me fosse surpreender daquela forma. Mas ele disse-
-me que estava mais sorridente e eu nem pensava na
minha dor.
Ficámos um tempo juntos, até ele se ir embora, e
depois fiquei com a minha família. Ouvi a minha
irmã dizer que deveria aproveitar o homem maravi-
lhoso que tinha ao lado e eu ri-me, porque não
gostava de conselhos e elas sabiam disso, perfeita-
mente. Sempre fui mais de fazer por mim. Continuei
a rir-me e disse que estava a curtir cada momento e
deixava, simplesmente, acontecer.
Os meus pais pediam para ser menos rabugenta,
impulsiva e dona do meu nariz e, também, não me
dedicar tanto aos meus imensos amigos. Não era o
assunto que me interessava, mas estava a aprender a

106
Deixa acontecer naturalmente

filtrar o que era importante e o que não era, esquecia


e bloqueava, por isso, já estava treinada. Viram pela
minha expressão de que não estava satisfeita, mas
não queriam inibir o seu ponto de vista.
Concordava com eles, o Ronaldo era maravilhoso,
carinhoso, atencioso, calmo, educado, inteligente,
divertido, focado no que quer e no que faz. Adorava
homens do seu estilo que, no plano profissional, eram
o meu espelho. Percebi que estava mais encantada à
medida que o ia conhecendo melhor.
O Ronaldo, também, admitiu por mensagens que
estava encantado e, em tom de brincadeira, disse que
tenho demasiada energia e que nunca me tinha visto
tão calma, como nesses dias. Era rotina estar mais no
sofá, na cama e, como ficava cansada, dormia
bastante, nem eu acreditava que ficava com sono.
Desliguei-me de algumas coisas, como o trabalho,
para cuidar de mim e como recebia sempre visitas,
quando não tinha, dormia bem.
Ronaldo aparecia com fruta, iogurte, sumos e, quando
não conseguia ir, mandava o motorista do serviço

107
Rossana da Piedade

fazer a entrega. Era demasiada a frequência com que


começou a enviar mensagens para saber se as dores
tinham passado, se comia, se dormia bem e cedo, se
tinha visitas... Confesso que havia algo nele diferente
do que via em outros homens, com os quais tinha
grandes discussões e debates. Eu era mesmo contra o
machismo e os meus amigos já sabiam que não
deixava passar nada e estranhavam quando não
debatia. Sabiam que, quando não opinava, é porque
não valia a pena, porque escolho com o que me
preocupar, nem tudo é para dar importância, e
respeito a opinião dos outros.
Ronaldo até dizia que me admirava por isso, era
muito firme, determinada e muito preocupada com o
próximo, carinhosa, atenciosa, dedicada, mas muito
fria quando não concordo com algo. Realmente, ele
conhecia-me bem e procurava aprender a lidar com a
minha maneira de ser e eu com a dele para nos
encaixarmos, e gostava de conhecê-lo cada vez mais.
Ronaldo também era de dar e gostar de receber e,
quando não estava satisfeito, batalhava sim, mas se

108
Deixa acontecer naturalmente

não for recíproco, ele desiste porque quer ser feliz. E


gosto da sua forma de se entregar, o que estava a
ajudar na subida de escalão no relacionamento.
Estávamos a ficar mais amigos, mais preocupados,
mais cúmplices, mais divertidos, mais intensos, mas,
ao mesmo tempo, cada um tinha a sua ocupação.
Estávamos na fase de nos entregarmos sem medo,
com muita reciprocidade, partilhando dos mesmos
interesses e objectivos. Eu era muito orgulhosa,
confesso, mas o facto de ver a entrega dele,
preocupação por mim, interesse em resolver as
coisas, faz-me ainda mais analisar e ter maior
atenção na forma como me expresso. Como se diz, as
barreiras muitas vezes são quebradas quando
estamos confortáveis e felizes. Sei que ninguém muda
do dia para a noite, se é que mudamos. A Psicologia,
muitas vezes, fala em mudanças, mas prefiro
melhorar certos comportamentos e o encaixe na
relação. Cada um aprende a lidar com os defeitos dos
outros, a revelar os seus e a vermos a melhor forma

109
Rossana da Piedade

de gerir o que nos acontece e aproveitar também os


momentos.
— Sim, isso chama-se equilíbrio na relação. É assim
que eu penso. — dizia-me várias vezes o Ronaldo.
Eram muitos momentos de conversa sobre os
relacionamentos, família, papel do homem, mulher,
submissão. Por vezes, os debates prologavam-se, mas
aprendia a conhecê-lo e ele percebia o meu ponto de
vista e maneira de ser.

110
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 11

Os estímulos, quando são percebidos e aceites,


fazem milagres e até a pessoa mais hermética se
abre e dificilmente se volta a fechar na sua
concha.

Quando tirei os pontos, queria curtir com os meus


filhos e acabei por me desleixar nas lides casa. Deixei
de cuidar de muita coisa e, agora, só queria tempo
para me organizar e ser eu a cuidar de tudo. Sentia
imensa falta de passear, porque estava saturada de
estar em casa, fosse deitada ou sentada no sofá. No

111
Rossana da Piedade

entanto, era preciso fazer tudo com calma, porque


ainda tinha dores ligeiras.
Os meus meninos davam-me mimos e só queriam
ficar comigo, pois tiveram de ficar mais tempo com o
pai, principalmente nesta fase. Tínhamos combinado
que depois recuperariam o tempo comigo e eu estava
feliz por saber que já faltava pouco para isso.
Passei a sair aos poucos, a trabalhar em teletrabalho,
mas, de uma forma geral, mantinha-me por casa
porque ficava cansada. Vi o Ronaldo, algumas vezes,
mas ele estava muito ocupado a viajar pelas
províncias, no entanto, falávamo-nos todos os dias e
trocávamos mensagens. Não havia cobranças, era
tudo natural e quando um não respondia, era mais de
demonstrar saudades e querer saber do outro do que
cobrar.
Numa Sexta-feira, o Ronaldo ligou-me a dizer que me
iria buscar e levou-me a casa dele. Encontrei uma
mesa decorada, com pratos brancos, taças de vinho e
um jarro de água. Encantada com aquele romântico
cenário, abracei-o, beijei-o e agradeci-lhe pelo mimo.

112
Deixa acontecer naturalmente

Como foi uma das primeiras saídas, ele preferiu que


fosse na casa dele. Pediu-me para ficar na sala,
enquanto foi acabar de fazer o jantar e entregou-me o
comando para mudar de música, mas acabei por
seleccionar uma e fui ter com ele à cozinha. Ficámos
a conversar, a rir e ele a dar-me a provar a comida.
Nem me quis deixar ajudar. Era, definitivamente, o
meu dia de mimos.
Fez uma massa com marisco, que estava com um
cheiro maravilhoso, comprou sushi e fez pão de alho,
que me deu para acompanhar com o vinho, enquanto
terminava o jantar e, de quando em vez, dava-me um
beijo e cantava. Era muito animado e raramente
ficava indisposto.
Quando a comida ficou pronta, levou-a para a mesa,
colocou uma música do Nelson Freitas e dançámos
bem encostados. Acabámos por ficar parados aos
beijos e depois sentámo-nos para jantar. Servimo-nos,
e íamos conversando tranquilamente, enquanto
saboreávamos o vinho e a comida, que não deixei de
elogiar, bem como a excelente companhia.

113
Rossana da Piedade

— Fui apanhada de surpresa, sabes... — ele riu-se e


parecia vaidoso.
— Quando te digo que sou mais velho, duvidas. Essas
coisas não são para miúdos que pensam mais em
sexo, não sabem cortejar as ladies, não sabem manter
a chama acesa.
— É verdade, tu pareces mais do estilo de manter e
não de mudar na totalidade com o tempo. Quando
digo ―totalidade‖ é que, por vezes, a rotina, os
problemas e o cansaço nos dominam por completo,
mas quando já é natural e decidimos que é uma
forma de vida, não se muda com facilidade.
— É isso mesmo, eu digo-te sempre que decidi ser
feliz. Não quero sofrer, gosto que me tratem bem e
me mimem. Prefiro deixar as coisas, simplesmente,
acontecerem e não estou aqui para mendigar nada.
Claro que se sofre e tu viste quando ficámos sem nos
falar, por causa dos meus ciúmes e impulsividade,
quase que te perdia. Sofri muito, mas sinto que estou
a melhorar e a esforçar-me pela mudança, porque tu
vales a pena. E enquanto valer, vamos fazer isso,

114
Deixa acontecer naturalmente

mas quando não dá, sabes como penso, desisto. Sofro,


mas mantenho o rumo que defini para a minha vida,
para ficar bem comigo próprio.
— Concordo contigo. A vida é para ser bem
aproveitada e viver grandes momentos. Bola para a
frente e espírito alegre sempre!
— Alegria é contigo Paloma, desde o primeiro dia.
Não preciso ver mais nada e admiro essa tua
maneira de ser.
Saímos da mesa, levámos tudo para a cozinha, o
Ronaldo queria arrumar, mas depois decidiu dar
apenas um jeito, e deixar para a senhora que iria no
dia seguinte arrumar, porque queria aproveitar os
momentos comigo. Tirou o gelado, serviu-nos numa
taça e fomos para a varanda, que tem uma vista
maravilhosa. Acabámos o gelado, eu estava sentada
num dos bancos e ele puxou-me para o seu colo e
beijou-me. Fiquei de frente para ele e foi um beijo
maravilhoso e prolongado. As nossas línguas
entendiam-se muito bem e cada beijo fazia-me
despertar desejos que anteriormente escondia de

115
Rossana da Piedade

mim mesma. Dei por mim mais entregue e com


vontade de não parar de beijá-lo.
Explorámos primeiro a boca, depois as nossas mãos
percorriam os nossos corpos e os lábios dele desceram
para o meu pescoço e ombros.
— Paloma, quero-te tanto, gosto tanto de ti. –
Ronaldo dava-me muitos beijos na boca, enquanto
falava do que sentia. — Quero que te entregues sem
medo e que seja tudo no nosso momento. Quero, sim,
estar mais vezes contigo, fazer amor, conversar, rir,
passear, fazer parte da tua rotina e peço que te
entregues ao que sentes, como eu. Deixa-me ser
completamente teu. Vamos viver como dizes, viver e
desfrutar do momento.
— Estás a conseguir desbloquear os meus medos,
insegurança e a deixar-me levar pelo que sinto.
Também gosto de ti, Ronaldo.
— Paloma, não estou a cobrar que seja igual, mas
que seja de coração e sejas, acima de tudo, sincera
contigo mesma e que te permitas amar, sem te
esconderes na Paloma divertida e impenetrável,

116
Deixa acontecer naturalmente

porque quer agir como os homens que não sabem o


que perdem, por não serem sinceros com o que
sentem e querem viver.
Em vez de falar, beijei-o e, sim, estava a soltar-me
cada vez mais e sabia que com o Ronaldo valia a
pena. Era maravilhoso e tinha de deixar acontecer
naturalmente.
Ronaldo, mesmo aos beijos, levou-me ao colo para o
quarto. Beijou-me durante um tempo e começou a
explorar-me com a boca e a passar a mão pelo meu
corpo. Tirou-me a roupa lentamente, tocou o meu
corpo completamente nu, ficou a apreciá-lo e,
lentamente, subiu para o meu rosto e continuou aos
beijos. Fiquei por cima dele e também explorei o seu
corpo até que ficámos mais próximos e com ele, já
dentro do meu corpo, mexíamo-nos lentamente.
Foram bons minutos de prazer, até que comecei a ter
dores e tivemos de parar. Ronaldo, como sempre, foi
carinhoso e preocupado comigo. Nem me deixava
deitar, só queria que ficasse no seu colo e protegia a
recente costura.

117
Rossana da Piedade

Disse-lhe que estava bem, mas que precisávamos dar


mais tempo. Ele beijou-me e disse que o importante
era estarmos juntos e que teríamos muito tempo pela
frente.
Adormecemos abraçados, mas depois afastei-me,
porque gosto do meu espaço. Mas senti que, com o
tempo, poderia voltar a gostar de dormir abraçados.
Ronaldo voltou a encostar-se, aguentei durante
algum tempo e depois afastei-me.
No dia seguinte, acordei primeiro. Como a senhora da
limpeza ainda não tinha chegado, arrumei a cozinha
e preparei o pequeno-almoço, que levei à cama e
acordei o meu fofo com um beijo. Ele despertou e
disse que ficou surpreso com o pequeno-almoço na
cama e era a ideia dele, mas estava tão cansado que
não conseguiu acordar. Preparei torradas, chá, ovos
mexidos e fruta. Comemos na cama e depois fomos
para a sala. Ronaldo estava preocupado com as
minhas dores, mas já eram ligeiras. Acreditava que
ainda não podia fazer esforço e era preciso, apenas,
ter cuidado.

118
Deixa acontecer naturalmente

Acabámos por tomar banho juntos, tive ajuda para


passar o gel de banho e ele limpou-me com bastante
cuidado.
— Meu querido, estou a sentir-me especial, a sério!
— Uau! A Paloma está encantada! — disse e fez
cócegas. — A Paloma está romântica! Será que estou
a conseguir que mostres quem és? Vamos conseguir
amar-nos sem medo, Paloma?
— Se continuar assim, acredito que não será difícil...
— Se continuares assim, Paloma, depende de ti,
sabes disso. Eu dou o que tenho e quero que tires
tudo o que tens dentro de ti, pois anseio conhecer-te.
Atirei-lhe com a almofada e ficámos na cama a
conversar até à hora em que fui para casa. Tinha um
almoço de família e ele tinha uma saída com amigos,
uma despedida de solteiro de um amigo.
Não falámos ao telefone, mas trocámos mensagens de
saudades e revivemos a noite anterior. Depois, tanto
eu como ele estávamos ocupados e, no dia seguinte,
contámos como foi o resto do dia. Ronaldo estava
divertido a contar alguns momentos da despedida de

119
Rossana da Piedade

solteiro do amigo, ouvia e não conseguia parar de rir.


Era calmo, mas tinha uma forma de contar as coisas
que me encantava.
No momento em que ele fez uma pausa no que
contava, disse-lhe que tinha saudades dele e que
estava muito envolvida.
— Já notei, Paloma, e sabes o que sinto e o que quero
para nós desde o início. Nunca foi brincadeira, por
isso este é o Ronaldo. Não sou de fingir para ter sexo
e despender energias só para isso. Quero fazê-lo com
quem é mais importante para mim e que será um
ganho a longo prazo. Esforçar-se para fingir que
agrada só por esse motivo é pura perda de tempo e
magoa as mulheres. Não o fiz, nem o farei, porque
gosto de ti.
— Eu sei e adoro esse Ronaldo. És muito espontâneo
em tudo, até a trabalhar. Adoro isso em ti.
— E eu adoro... — calou-se por uns minutos e
prosseguiu como deveria ter calculado. — Posso
passar pela tua casa para ver se, realmente, tens
saudades minhas?

120
Deixa acontecer naturalmente

— Claro! Quando se fala em saudades é isso, não é


preciso dizer tudo. Vem que eu fico à tua espera.
Ronaldo apareceu e ficámos aos beijos e intensos
abraços até à hora que adormecemos no meu sofá. De
madrugada, ele saiu para ir a casa e preparar-se
para mais um dia de trabalho. Ainda comentou que,
dentro de algum tempo, deveríamos ter roupas em
casa um do outro e eu ri-me da pressa dele. Queria
que primeiro conhecesse os miúdos. Quando chegou o
esperado dia, embora ele estivesse apreensivo, correu
muito bem. Com o seu ar calmo, mas brincalhão, não
foi difícil gostarem dele. Adorávamos estar os quatro
em casa, mas não queria que estivessem sempre
juntos, pois o Ronaldo não gostava muito de barulho.
Chegámos mesmo a discutir uma vez quando gritou
com o meu filho. Reconheceu que, no que respeitava
ao barulho, era impaciente e o filho dele já sabia.
Brincava, mas tinha de ser arrumado, organizado e
tinha noção de que havia horas para fazer barulho.
Isso também se devia muito à sua ex-mulher, que era
muito firme com o menino, que até parecia uns dois

121
Rossana da Piedade

anos mais velho, pelos comportamentos que tinha. Eu


achava que havia algum exagero na educação dele,
mas se o pai e mãe estavam em sintonia quanto à
mesma, não era eu que me iria meter no assunto. Em
relação aos meus filhos, por um lado, concordei com
ele, em estabelecer limites, sobretudo quanto à
arrumação, mas pedir às crianças para não fazerem
barulho é complicado, sim. Mas imaginem, ele gritou
com o meu filho e eu gritei com ele à frente dos
miúdos, que foram para o quarto. Ronaldo estava
calmo, mas eu mudei rápido. Ele deixou-me falar e
nada de interromper. Depois de me ouvir falar, expôs
os seus argumentos e eu percebi. Mas pedi paciência
com as crianças.
Realmente, a calma e a forma como ele procurava
resolver as coisas ajudavam muito, porque se
fôssemos sempre os dois explosivos seriam mais
brigas. Como se costuma dizer, deve haver sempre
um mais calmo na relação, que penso que sejam as
mulheres. Mas, contrariamente à maioria, eu sou
extremista, até nas discussões, embora não seja fácil

122
Deixa acontecer naturalmente

lidar com ele, mas estávamos a aprender a saber


como lidar e superar as situações.

123
Rossana da Piedade

124
Deixa acontecer naturalmente

Capítulo 12

Deixar acontecer naturalmente é um processo


que deve ser feito sem medo, com tempo e com
muita firmeza, e, tendo em consideração o que
somos, queremos e nos faz bem, é um processo
em constante mudança e descoberta.

Passadas Eu e o Ronaldo sabíamos bem o que é ser


espontâneo e prático na vida. Tudo era feito de forma
natural e sem grandes programações. Ronaldo dizia
que as mulheres idealizam muito, mas eu era uma
mulher que, também, gostava de viver o aqui e agora,
quando me sinto confortável. Se deu vontade é o

125
Rossana da Piedade

agora, sem precisar de muita organização, como, por


exemplo, decorar o quarto para ter uma romântica
noite de amor. O que mais queria era curtir e
demonstrar o que sentia. Atenção, também não sou
contra os preparativos, até porque já decorei quarto
de hotel para nós, já mandei mensagem de amor
através de uma empresa, já ofereci presentes que
levei tempo a preparar, mas, de uma forma geral, eu
era do momento.
Gostava, por exemplo, quando ele preparava um final
de semana fora da confusão do centro da cidade,
fazíamos as nossas caminhadas, saíamos para
dançar, dançávamos em casa, abríamos as nossas
garrafas de vinho, assistíamos os nossos filmes,
líamos e debatíamos livros e cozinhávamos juntos.
Também era bom quando ele cozinhava para mim,
sem aquela pressão que a mulher sente ao chegar a
casa depois de um dia de trabalho. Ele fazia-o com
prazer e resultava melhor.
Cuidava das minhas coisas, mas comecei a ceder em
relação a algumas responsabilidades, como

126
Deixa acontecer naturalmente

pagamentos, manutenção do carro e ar condicionado,


que queria ser ele a fazer.
Ajudava-o no serviço com a minha experiência de
marketing e, por isso, algumas vezes, encontrávamo-
-nos no escritório dele, e nessas alturas também
aproveitávamos para namorar.
Confesso que existiam alguns pontos em que
divergíamos e que, às vezes, me deixavam um pouco
apreensiva. Um deles era a educação dos meus filhos
e o facto de ele falar da ex-mulher como uma mãe
exemplar e fazer comparações entre os nossos filhos
e, ainda, ter alguns ciúmes quando eu ia dançar
Salsa com os meus amigos ou falava do Erick. Mas o
balanço pendia mais para uma relação saudável.
A relação estava, de facto, a amadurecer cada vez
mais e eu tinha um amigo, cúmplice, companheiro
para a dança, saídas, caminhadas e orientador em
projectos. Sentia-me feliz e, ainda bem, que deixei
acontecer naturalmente.
Com a ajuda do tempo, quando menos esperamos,
começamos a deixar-nos levar, perdemos medos,

127
Rossana da Piedade

quebramos barreiras, destruímos bloqueios e


entregamo-nos sem reservas.

Fim

128
Deixa acontecer naturalmente

Índice

Agradecimentos 7
Nota da Autora 9
Capítulo 1 15
Capítulo 2 29
Capítulo 3 37
Capítulo 4 41
Capítulo 5 57
Capítulo 6 69
Capítulo 7 81
Capítulo 8 85
Capítulo 9 91
Capítulo 10 99
Capítulo 11 111
Capítulo 12 125

37

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