Naturalmente o pregador se distingue acima de todos os demais
como homem de oração. Ele ora como um cristão comum, ou de outra forma seria hipócrita. Ora mais que os cristãos comuns, ou de outra forma estaria desqualificado para o cargo que assumiu. "Seria totalmente monstruoso", diz Bernard, "um homem estar no ofício mais elevado, e ser o mais baixo de alma; o primeiro na posição e o último no viver." Todas as suas outras formas de relacionamento são aureoladas pela preeminência da responsabilidade pastoral, e se ele for fiel a seu Senhor, tornar-se-á distinguido em todas elas por sua prática da oração. Como cidadão, seu país goza a vantagem da sua intercessão; como vizinho, os que estão à sombra dele são lembrados em suas súplicas. Ora como marido e como pai; luta para fazer das devoções domésticas um modelo para o seu rebanho; e se o fogo do altar de Deus há de bruxulear em algum outro lugar, é bem mantido na casa do servo escolhido do Senhor – pois ele vela para que os sacrifícios da manhã e da tarde santifiquem a sua habitação. Mas há algumas das suas orações que concernem ao seu ofício, e o nosso plano nestas preleções nos induz a falar mais destas. Ele eleva súplicas peculiares como ministro, e se aproxima de Deus nesta função além e acima de todas as suas outras abordagens em todos os seus outros relacionamentos. Tomo por suposto que, como ministro, ele está sempre orando. Toda vez que a sua mente se volta para o seu trabalho, quer esteja efetuando-o, quer não, lança uma petição, disparando os seus santos desejos como flechas bem dirigidas para o céu. Não está sempre no ato de orar, mas vive no espírito de oração. Se o seu coração está posto no trabalho, ele não consegue comer ou beber ou recrear-se ou dormir ou levantar-se de manhã, sem sentir sempre um ardor de desejo, um peso de ansiedade e uma simplicidade da sua dependência de Deus; assim, de um modo ou de outro, continua em oração. Se há algum homem debaixo do céu compelido a cumprir o preceito – "Orai sem cessar", certamente é o Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 55 ministro cristão. Cabem-lhe tentações peculiares, provações especiais, dificuldades singulares e deveres extraordinários; ele tem que se entender com Deus em formidáveis relacionamentos, e com os homens em misteriosos interesses; por isso ele tem muito mais necessidade da graça divina do que os homens comuns, e, sabedor disto, é levado a rogar constantemente ao Forte por força, e a dizer: "Elevo os meus olhos para os montes, de onde me virá o socorro". Certa vez Alleine escreveu a um amigo: "Embora eu seja propenso à agitação e a sair rapidamente dos eixos, considero-me, porém, como um pássaro fora do ninho, e não me tranqüilizo, enquanto não retomo a minha antiga maneira de manter comunhão com Deus, como a agulha da bússola, inquieta enquanto não se volta para o pólo. Posso dizer, pela graça, com a igreja: "De alma te desejei de noite, e com meu espírito dentro em mim te busquei de manhã". Cedo e de noite o meu coração está com Deus; a ocupação e o prazer da minha vida é buscá-Lo." Do mesmo teor deve ser o seu modo de ser e de agir, ó homens de Deus! Se vocês, na qualidade de ministros, não são de muita oração, são dignos de muito dó. Se futuramente, chamados para exercer pastorados, pequenos ou grandes, relaxarem nas devoções secretas, não só vocês merecerão dó; os seus rebanhos também o merecerão; em acréscimo, vocês serão censurados, e chegará o dia em que ficarão envergonhados e confusos. Dificilmente seria necessário recomendar-lhes os agradáveis usos da devoção particular, e, contudo, não posso abster-me de fazê-lo. Para vocês, como embaixadores de Deus, o propiciatório tem valor que ultrapassa todas as estimativas. Quanto mais familiarizados estiverem com a corte do céu, melhor se desincumbirão do seu encargo celeste. Dentre todas as influências estruturadoras que formam um honrado homem de Deus no ministério, não ser de nenhuma outra que seja mais poderosa que a sua familiaridade com o propiciatório. Tudo que o curso da faculdade pode fazer por um estudante é tosco e superficial, comparado com o refinamento espiritual excelente obtido pela Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 56 comunhão com Deus. Enquanto o ministro que ainda não tomou forma gira sobre o eixo da preparação, a oração é a ferramenta do grande oleiro com a qual molda o vaso. Todas as nossas bibliotecas e escritórios são uma simples vacuidade, comparados com os nossos quartos. Crescemos, ficamos cada vez mais poderosos, prevalecemos na oração secreta. As suas orações serão os seus assessores mais competentes, enquanto os seus discursos estão ainda na bigorna. Enquanto outros, do tipo de Esaú, andam à caça da sua porção, vocês, com o auxílio da oração, encontrarão saborosa refeição aí mesmo, em casa, e poderão dizer de verdade o que Jacó disse com tanta falsidade: "O Senhor, teu Deus, a mandou ao meu encontro". Se vocês puderem afundar suas canetas em seus corações, recorrendo ardorosamente ao Senhor, escreverão bem; e se puderem juntar o seu material de joelhos às portas do céu, não deixarão de falar bem. A oração, como exercício mental, trar-lhes-á à mente muitos assuntos, e assim os ajudará na seleção de um tópico, enquanto que, como elevada ocupação espiritual, limpará a sua visão interior para poderem ver a verdade à luz de Deus. Muitas vezes os textos se negarão a revelar os seus tesouros, enquanto não os abrirem com a chave da oração. De que maneira maravilhosa se abriram os livros para Daniel quando elevou súplicas a Deus! Quanta coisa Pedro aprendeu no eirado! O quarto é o melhor gabinete de trabalho. Os comentadores são bons instrutores, mas o próprio Autor é muito melhor, e a oração faz um apelo direto a Ele e O alista em nossa causa. É coisa grandiosa a gente orar compenetrado do espírito e da essência de um texto; penetrá-lo alimentando-se sagradamente dele, exatamente como o verme perfura o seu trajeto rumo ao miolo da noz. A oração fornece força à alavanca para levantar verdades de peso. Causa espanto pensar em como as pedras de Stonehenge [nome do monumento pré-histórico mais importante da Grã-bretanha] puderam ser colocadas em seus lugares. Causa mais espanto ainda pensar de onde alguns homens obtiveram tão admirável conhecimento de doutrinas Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 57 misteriosas. Acaso não foi a oração o potente maquinismo que operou a maravilha? Esperar em Deus muitas vezes transforma as trevas em luz. A perseverante perquirição no oráculo sagrado (oração) levanta o véu, e dá-nos graça sondar as profundas realidades de Deus. Observou-se muitas vezes que certo teólogo puritano, durante um debate, escrevia algo num papel que tinha diante de si. Outros, procurando curiosamente ler as suas anotações, nada viram na página, senão as palavras, "Mais luz, Senhor", "Mais luz, Senhor", repetidas muitas vezes; oração sumamente própria para o estudante da Palavra quando está preparando o seu sermão. Com freqüência vocês encontrarão novas correntes de pensamento saltando da passagem à sua frente, como rocha batida pela vara de Moisés. Novos veios de minério precioso se descortinarão ao seu olhar admirado quando vocês escavarem a Palavra de Deus e usarem diligentemente o martelo da oração. Às vezes vocês se sentirão como se estivessem inteiramente bloqueados, e de repente uma nova estrada se abrirá à sua frente. Aquele que tem a chave de Davi abre, e ninguém fecha. Se vocês viajaram alguma vez descendo o Reno. o cenário aquático daquele majestoso rio os terá surpreendido, lembrando muito o efeito de uma série de laços. Adiante e atrás o barco parece encerrado por maciças muralhas de rocha, ou ladeado de terraços de parreirais, até que num súbito virar de uma curva, eis em sua frente o rio, jubiloso e abundante, a fluir, avançando com todo o seu vigor. Assim, o laborioso estudante muitas vezes vê isso no texto; parece estar fortemente cerrado contra vocês, mas a oração impele o barco e dirige a proa para águas vigorosas, e vocês contemplam a larga e profunda torrente da verdade sagrada a fluir em sua plenitude, e levando- os com ela. Não é esta razão convincente para perseverar nas súplicas ao Senhor? Usem a oração como vara de sondagem, e as fontes de águas vivas saltarão das entranhas da Palavra de Deus. Quem vai contentar-se em ficar com sede, quando as águas vivas aí estão, prontas para quem quiser obtê-las?! Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 58 Os melhores e mais santos homens sempre fizeram da oração a parte mais importante do preparo para o púlpito. De McCheyne se diz: "Desejoso de dar a seu povo no dia do Senhor o que lhe tivesse custado algo, jamais sem motivo urgente, se apresentava diante dele sem antes meditar e orar muito. Seu princípio sobre esta questão foi incluído numa observação que fez a alguns de nós quando conversávamos sobre o assunto. Quando alguém lhe perguntou qual o seu conceito do diligente preparo para o púlpito, lembrou-nos Êxodo 27:20 – "Azeite batido – azeite batido para as lâmpadas do santuário". Entretanto, sua vida de oração foi maior ainda. Ele realmente não conseguia negligenciar a comunhão com Deus antes de comparecer perante a igreja reunida. Tinha necessidade de banhar-se no amor de Deus. Seu ministério era em tão grande parte a exposição de noções que primeiro santificaram a sua própria alma, que a saúde da sua alma era absolutamente necessária para o vigor e o poder das suas ministrações". "Para ele o começo de todo trabalho invariavelmente consistia no preparo da sua alma. As paredes do seu quarto eram testemunhas da sua vida de oração e de suas lágrimas, como também dos seus clamores." A oração lhes prestará singular assistência na transmissão do sermão. De fato, nenhuma outra coisa pode qualificar-vos tão gloriosamente para pregar como alguém que desce do monte da comunhão com Deus a fim de falar com os homens. Ninguém é tão capaz de pleitear com os homens como quem esteve pelejando com Deus em favor deles. Dizem de Alleine que "Ele derramava o coração quando orava e pregava. Suas súplicas e suas exortações eram tão afetuosas, tão cheias de zelo, vida e vigor, que conquistavam os seus ouvintes; ele se fundia sobre eles, de modo que amolecia, derretia, e às vezes dissolvia os mais duros corações". Jamais dissolveria coração nenhum se antes a sua mente não ficasse exposta aos raios tropicais do Sol da Justiça pela secreta comunhão com o Senhor ressurreto. Uma pregação deveras comovente, em que não há afetação, mas muita afeição, só pode brotar da oração. Não há retórica igual à do coração, e nenhuma escola onde Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 59 aprendê-la, senão aos pés da cruz. Seria melhor que vocês nunca aprendessem uma só regra de oratória humana, porém estivessem cheios de poder do amor oriundo do céu; isto seria melhor do que dominar Quintiliano, Cícero e Aristóteles, e ficar sem a unção apostólica. A oração não poderá torná-los eloqüentes à moda humana, mas os tornará verdadeiramente eloqüentes, pois falarão de coração; e não é este o sentido da palavra eloqüência? Ela trará rogo do céu sobre o seu sacrifício, e assim provará que é aceito pelo Senhor. Assim como vigorosas fontes de pensamento muitas vezes irromperão em resposta à oração, enquanto se preparam, também será na entrega do sermão. Muitos pregadores que se põem na dependência do Espírito de Deus lhes dirão que os seus pensamentos mais vívidos e melhores não são os que foram premeditados, mas as idéias que lhes vêm, voando como que em asas de anjos; inesperados tesouros trazidos de repente por mãos celestiais, sementes das flores do paraíso que vêm flutuando dos montes de mirra. Muitíssimas vezes, quando me sinto embaraçado no pensamento e na expressão, o meu secreto gemido de coração me tem trazido alívio; e passo a desfrutar liberdade maior do que a costumeira. Mas, como ousarei orar na batalha se nunca clamei ao Senhor enquanto afivelo a armadura?! A lembrança das suas lutas em casa fortalece o pregador agrilhoado quando no púlpito. Deus não nos abandonará, a menos que O abandonemos. Vocês verão, irmãos, que a oração lhes assegurará força suficiente para o seu dia. Como as línguas de fogo vieram sobre os apóstolos quando ficaram vigiando e orando, assim também virão sobre vocês. Ver-se-ão a si próprios, talvez quando poderiam ter desfalecido, subitamente revivificados, como que pelo poder de um anjo. Rodas de fogo serão ajustadas à sua carruagem. que começara a arrastar-se dificultosamente, e corcéis angélicos serão num instante atrelados em seu carro chamejante até você galgar os céus, como Elias, numa arrebatamento de inflamada inspiração. Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 60 Depois do sermão, como poderia o pregador consciencioso dar livre curso aos seus sentimentos e achar consolo para a sua alma se lhe fosse negado acesso à sede da misericórdia? Elevados ao mais alto grau de comoção, como podemos aliviar a nossa alma, senão com intercessões importunas? Ou, deprimidos pelo medo de fracassar, como seremos confortados senão chorando nossas mágoas diante do nosso Deus? Quantas vezes alguns de nós ficamos virando para um lado e para outro na cama a metade da noite por causa dos nossos conscientes defeitos no testemunho! Com que freqüência ansiamos por correr de volta ao púlpito para dizer outra vez, com maior veemência, o que tínhamos dito de maneira tão fria! Onde poderíamos achar descanso para o nosso espírito, senão na confissão do pecado, e nos ardentes rogos para que a nossa fraqueza ou estultícia de modo nenhum estorve o Espírito de Deus? Numa assembléia pública não é possível derramar todo o amor do nosso coração pelo rebanho que está a nosso cargo. Como José, o ministro afetuoso procurará onde chorar; suas emoções, por mais livremente que possa ele expressar-se, ficarão enjauladas quando ele estiver no púlpito, e somente pela oração secreta poderá abrir as comportas e fazê-las fluir para fora. Se não podemos persuadir os homens a favor de Deus, havemos de, pelo menos, esforçar-nos para persuadir a Deus a favor dos homens. Não podemos salvá-los; nem sequer podemos induzi-los a serem salvos, mas ao menos podemos deplorar a loucura deles e suplicar a intervenção de Deus. Como Jeremias, podemos tomar nossa a resolução: "E, se isto não ouvirdes, a minha alma chorará em lugares ocultos, por causa da vossa soberba; e amargamente chorarão os meus olhos, e se desfarão em lágrimas". A esses apelos tão comoventes o coração do Senhor nunca pode ser indiferente; no devido tempo, o lacrimoso intercessor se tornará jubiloso ganhador de almas. Existe clara conexão entre a agonia importuna e o verdadeiro sucesso, semelhante à que existe entre as dores de parto e o nascimento, entre semear em lágrimas e colher com alegria. Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 61 "Como é que a semente que você planta brota depressa assim?", perguntou um jardineiro a outro. "É porque a rego", foi a resposta. Temos que regar com lágrimas todos os nossos ensinamentos "quando ninguém está perto, exceto Deus", e o crescimento deles nos causará surpresa e deleite. Poderia alguém admirar-se com o sucesso de Brainerd, quando o seu diário contém anotações tais como a seguinte? - "Dia do Senhor, 25 de abril – Esta manhã passei cerca de duas horas ocupado com deveres sagrados e, extraordinariamente, pude agonizar pelas almas imortais; embora fosse bem cedo, e o sol mal começasse a brilhar, meu corpo ficou molhado de suor". O segredo do poder de Lutero esteve nessa mesma direção. Teodoro disse ele: "Escutei-o em oração, mas, bom Deus, com que vida e com que espírito ele orava! Era com tanta reverência, como se estivesse falando com Deus, mas com tão confiante liberdade, como se estivesse falando com um amigo". Meus irmãos, permitam-me rogar-lhes que sejam homens de oração. Pode ser que nunca venham a ter grandes talentos, mas se desempenharão satisfatoriamente sem eles, se forem abundantes na intercessão. Se não orarem sobre aquilo que semearam, Deus, na Sua soberania, talvez decida conceder uma bênção, mas vocês não terão direito de esperá-la, e se ela vier, não lhes trará conforto ao coração. Estive lendo ontem um livro do Padre Faber, finado religioso da Ordem do Oratório, em Brompton, maravilhosa composição de verdade e erro. Relata nele uma lenda do seguinte teor: Certo pregador, cujos sermões convertia homens aos montes, recebeu uma revelação do céu de que nenhuma das suas conversões se devia aos seus talentos ou à sua eloqüência, mas todas se deviam às orações de um irmão leigo iletrado, que ficava sentado nos degraus do púlpito, orando o tempo todo pelo sucesso do sermão. Poderá dar-se isso conosco no dia da revelação de todas as coisas. Talvez descubramos, depois de termos trabalhado demorada e cansativamente na pregação, que a honra toda pertence a outro construtor, cujas orações foram ouro, prata e pedras preciosas, ao Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 62 passo que os nossos sermões, sendo apregoados sem oração, não passaram de feno e palha. Quando tivermos terminado de pregar, não teremos terminado ainda de orar, se formos fiéis ministros de Deus, porque a igreja inteira, com muitas bocas, estará clamando, na expressão do macedônio: "Passa à Macedônia, e ajuda-nos" com oração. Se vocês estiverem habilitados a prevalecer em oração, terão muitas súplicas para fazer por outros que se juntarão ao seu redor e pedirão participação em suas intercessões, e assim vocês se verão comissionados com mensagens enviados ao trono da misericórdia a favor de amigos e ouvintes. Essa é sempre a cota que me cabe, e para mim é uma satisfação ter tais súplicas para apresentar ao meu Senhor. Vocês nunca podem ficar sem temas para oração, mesmo que ninguém lhos sugira. Observem as pessoas da sua igreja. Há sempre doentes entre elas, e muitas outras que são doentes da alma. Algumas não são salvas; outras estão procurando e não conseguem achar. Muitas vivem desanimadas, e não poucos crentes são infiéis ou lamurientos. Há lágrimas de viúvas e suspiros de órfãos para pôr no seu frasco e derramar perante o Senhor. Se você é um autêntico ministro de Deus, manter-se-á diante do Senhor como um sacerdote, usando espiritualmente o peitoral em que você porta os nomes dos filhos de Israel, intercedendo por eles, detrás do véu. Conheci irmãos que mantinham uma lista de pessoas pelas quais se sentiam especialmente incumbidos a orar, e não tenho dúvida de que aquele registro muitas vezes os lembrava de algo que de outra maneira teria fugido da sua memória. No entanto seu rebanho não o absorverá totalmente; a nação e o mundo requererão sua parte. O homem que for poderoso na oração poderá ser uma muralha de fogo ao redor do seu país, seu "anjo da guarda" e seu escudo. Todos já ouvimos sobre como os inimigos da causa do protestantismo temiam as orações de Knox mais que a exércitos de dez mil homens. O famoso Welch também foi um grande intercessor por seu país. Ele costumava dizer que "se admirava de como um cristão podia ficar no leito a noite inteira sem se levantar para Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 63 orar". Quando sua esposa, temendo que ele ficasse resfriado, foi até o quarto ao qual se havia retirado, ouviu-o clamar em frases entrecortadas: "Senhor, não me concederás a Escócia?" Ah! se ficássemos lutando assim a desoras clamando: "Senhor, não nos concederás as almas dos nossos ouvintes?" O ministro que não ora fervorosamente pela obra que realiza, só pode ser um homem fútil e vaidoso. Age como que se considerando auto-suficiente, e, portanto, como se não precisasse apelar para Deus. Todavia, que orgulho mais sem fundamento, conceber que a nossa pregação seja em si mesma tão poderosa que pode converter os homens dos seus pecados, e trazê-los para Deus sem a ação do Espírito Santo! Se formos verdadeiramente humildes de coração, não nos aventuraremos a meter-nos no combate enquanto o Senhor dos Exércitos não nos revestir de todo o poder, e nos disser: "Vai nesta tua força". O pregador que negligencia orar só pode ser muito desleixado quanto ao seu ministério. Não é possível que tenha compreendido a sua vocação. Não pode ter computado o valor de uma alma, nem avaliado o sentido da eternidade. Certamente não passa de um oficial, tentado ao púlpito porque o pedaço de pão que pertence ao ofício ministerial é-lhe muito necessário; ou não passa de um detestável hipócrita que gosta do louvor dos homens e não se preocupa com o louvor de Deus. Será por certo um simples palrador superficial, mais bem aprovado onde a graça é menos apreciada, e onde uma exibição vã é grandemente admirada. Ele não pode ser um daqueles que aram bem e colhem messes abundantes. É um reles vadio, não um trabalhador. Como pregador, tem nome de que vive, e está morto. Manqueja em sua vida como o coxo de Provérbios, cujas pernas eram desiguais, pois a sua oração é mais curta que a sua pregação. Temo que, uns mais, outros menos, a maioria de nós necessita de um auto-exame quanto a este assunto. Se alguém aqui se aventurasse a dizer que ora quanto deve, como estudante, eu questionaria seriamente a sua afirmação; e se estiver presente algum ministro, diácono ou Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 64 presbítero capaz de dizer que se dedica a Deus em oração em toda a extensão da sua possibilidade, eu gostaria de conhecê-lo. Só posso dizer que, se ele pode arrogar-se este grau de excelência, deixa-me bem para trás, pois eu não posso alegar isso em meu favor. Gostaria que fosse possível. E faço a confissão com grande medida de vergonha e confusão, mas sou obrigado a fazê-la. Se não somos mais negligentes do que os outros, isto não nos serve de consolo; as falhas de outros não nos inocentam. Quão poucos de nós poderíamos comparar-nos com o Sr. Joseph Alleine, cujo caráter mencionei anteriormente! "Quando estava bem de saúde", escreve sua esposa, "levantava-se constantemente às quatro horas, ou antes, e ficava aborrecido quando ouvia ferreiros ou outros artesãos em suas atividades antes de ele estar em comunhão com Deus, dizendo-me muitas vezes: "Como este ruído me envergonha! O meu Senhor não merece mais que o deles?" Das quatro às oito ficava em oração, em santa contemplação e cantando salmos, com que se deleitava muito, e o que praticava diariamente, a sós e com a família. Às vezes ele suspendia a rotina dos seus compromissos paroquiais e dedicava dias completos a esses exercícios secretos, para o que dava um jeito de ficar sozinho numa casa desocupada, ou senão em algum ponto isolado, em pleno vale. Ali fazia muita oração e meditação sobre Deus e o céu." Poderíamos ler, sem ruborizar-nos, a discrição que Jonathan Edwards faz de Davi Brainerd? "Sua vida", diz Edwards, "mostra o modo certo de se obter sucesso nos labores ministeriais. Ele o buscava como um soldado resoluto busca a vitória num assédio ou numa batalha; ou como um homem que disputa numa corrida um grande prêmio. Animado pelo amor a Cristo e às almas, como trabalhava sempre com fervor, não só na palavra e na doutrina, em público e em particular, mas também em orações dia e noite, "lutando com Deus" em secreto, e "com dores de parto", com gemidos e agonias inexprimíveis, "até ser Cristo formado" nos corações das pessoas às quais ele foi enviado! Como era sedento por uma bênção a seu ministério, e velava pelas almas "como Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 65 quem deve prestar contas"! Como ele ia "na força do Senhor" Deus, procurando e se pondo na dependência da influência especial do Espírito para assisti-lo e prosperá-lo! E que feliz fruto, afinal, depois de longa espera e de muitos aspectos tenebrosos e desanimadores; como um verdadeiro filho de Jacó, perseverava lutando através de toda a escuridão da noite, até romper o dia." Por certo nos causaria vergonha o diário de Henry Martyn, em que achamos assentamentos como estes: "24 de setembro – A determinação com que fui para a cama a noite passada, de devotar o dia de hoje à oração e ao jejum, pude pôr em execução. Em minha primeira oração por libertação de pensamentos mundanos, confiando no poder e nas promessas de Deus, firmando a minha alma enquanto orava, tive ajuda para desfrutar muita abstinência do mundo por quase uma hora: Li depois a história de Abraão, para ver com que familiaridade Deus Se revelara a mortais da antigüidade. Em seguida, orando por minha santificação pessoal, minha alma aspirou livre e ardentemente a santidade de Deus, e este foi o melhor período do dia". Talvez pudéssemos juntar-nos mais sinceramente a ele em seus lamentos após o primeiro ano do seu ministério, em que julgou "ter dedicado demasiado tempo às ministrações públicas, e pouquíssimo à comunhão a sós com Deus". Quanta bênção perdemos por sermos remissos nas súplicas, mal podemos imaginar, e nenhum de nós pode saber como somos pobres em comparação com o que poderíamos ser se vivêssemos habitualmente mais perto de Deus em oração. Vãos pesares e conjeturas são inúteis, mas uma vigorosa determinação a corrigir-nos será muito mais útil. Não só devemos orar mais, mas precisamos. O fato é que o segredo de todo o sucesso ministerial está em prevalecer na sede da misericórdia – no propiciatório. Uma fulgente dádiva do céu que a oração particular traz ao ministério é algo indescritível e inimitável, melhor para se experimentar do que para se contar; é um orvalho do Senhor, uma presença divina que Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 66 vocês reconhecerão de imediato quando lhes disser que é "a unção do Santo". Que será isto? Pergunto-me quanto tempo haveríamos de ficar espremendo o cérebro até podermos colocar claramente em palavras o que se quer dizer com pregar com unção. Contudo, quem prega sabe da sua presença, e quem ouve logo detecta a sua ausência. Samaria, em crise de fome, tipifica um discurso sem ela; Jerusalém, com suas testas repletas de substâncias gordas e de tutano, pode representar um sermão enriquecido por ela. Toda gente sabe o que é o frescor da manhã quando pérolas brilhantes recobrem cada folha da grama, mas quem pode descrevê-lo e, quanto mais, produzi-lo por si mesmo? Assim é o mistério da unção espiritual; sabemos o que é, mas não a podemos explicar a outros. É tão fácil como insensato falsificá-la, como fazem alguns que usam expressões que pretendem demonstrar fervente amor, mas, com mais freqüência indicam sentimentalismo piegas ou mera gíria. "Querido Senhor!" "Doce Jesus!" "Cristo precioso!" são expressões despejadas por atacado por eles, a ponto de deixar a gente com náuseas. Estas familiaridades podem ter sido não somente toleráveis, mas até belas, quando caíram pela primeira vez dos lábios de um santo de Deus, falando como que da glória excelsa, mas quando repetidas petulantemente, não só são intoleráveis, como também indecentes, senão profanas. Alguns têm tentado imitar a unção por meio de entonação e gemidos inaturais; virando os olhos pondo à mostra só o branco do globo ocular; e levantando as mãos de modo sumamente ridículo. Ouvem-se a entonação e o ritmo de McCheyne repetidos constantemente pelos escoceses; preferimos o seu espírito a seu maneirismo; e todo mero maneirismo sem poder é como repugnante carniça de toda forma de vida desolada, odiosa e nociva. Certos irmãos pretendem obter inspiração mediante esforços e altos gritos; mas ela não vem. Sabemos que alguns interrompem o sermão, e exclamam: "Deus os abençoe" , e que outros gesticulam de maneira selvagem, e metem as unhas nas palmas das mãos como se estivessem tendo convulsões de febre celestial. Bolas! Essa Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 67 coisa toda cheira a camarim e palco. Instilar fervor nos ouvinte mediante simulação dele pelo pregador, é uma abominável fraude que deve ser desprezada pelos honestos. "Simular sentimento", diz Richard Cecil, "é repugnante e logo percebido mas sentir verdadeiramente é o caminho para o coração dos outros." Unção é uma coisa que não se pode fabricar, e suas imitações são piores do que indignas; entretanto, seu valor é inestimável, e ela é necessária além de toda medida, se é que vocês desejam edificar os crentes e levar pecadores a Jesus. Àquele que pleiteia secretamente com Deus é entregue este segredo; sobre ele pousa o orvalho do Senhor, e o cerca o perfume que alegra o coração. Se a unção que levamos não provém do Senhor dos Exércitos, somos enganadores, e desde que só com oração podemos obtê-la, perseveremos em súplicas insistentes e constantes. Deixem o seu velo na eira dos rogos até umedecer-se com o orvalho do céu. Não ministrem no templo enquanto não se lavarem na pia perto do altar. Não se considerem mensageiros da graça a outros enquanto vocês mesmos não tiverem visto o Deus da graça, e enquanto não tiverem recebido a Palavra da Sua boca. O tempo passado em quieta prostração da alma perante o Senhor é extremamente revigorante. Davi fez isso diante do Senhor (2 Sm. 7:18); é uma grande coisa manter esses "aconchegos sagrados", com a mente receptiva, como uma flor aberta abeberando-se dos raios solares, ou como a sensível chapa fotográfica captando a imagem diante de si. A quietude, que alguns não conseguem suportar porque revela a sua pobreza interior, é como um palácio de cedro para o sábio, pois ao longo dos seus pátios sagrados o Reí em Sua formosura condescende em passear. "Ó sagrado silêncio! tu és represa do coração, sim, do âmago da gente; produto de celeste natureza; gelo da boca e degelo da mente." (Flecknoe) Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 68 Inestimável como o dom da elocução possa ser, a prática do silêncio em alguns aspectos o sobrepuja em muito. Acham que sou quacre? Bem, que o seja. Nisto eu sigo George Fox com o maior afeto, pois estou persuadido. de que a maioria de nós pensa bem demais da linguagem falada que, afinal, é apenas o invólucro do pensamento. A contemplação em silêncio, o culto silente, o arrebatamento sem articulação de palavras, são meus, quando tenho diante de mim as minhas melhores jóias. Irmãos, não neguem ao seu coração as alegrias do alto mar; não deixem de lado a vida de maior profundidade, ficando sempre a tagarelar entre as conchas quebradas e as ondas espumosas da praia. Recomendo-lhes seriamente que, quando estiverem estabelecidos no ministério, celebrem períodos especiais de devoção. Se as orações feitas ordinariamente não estiverem mantendo a vida e o vigor das suas almas, e notarem que se enfraquecem, fiquem sozinhos por uma semana, ou até por um mês, se possível. Ocasionalmente temos feriados nacionais; por que não termos com freqüência dias santos? Sabemos de irmãos mais ricos que acham tempo para uma viagem a Jerusalém; não poderíamos dispensar tempo para uma viagem menos difícil e muito mais proveitosa à cidade celestial? Isaac Ambrose, que foi pastor em Preston, autor do famoso livro, Looking to Jesus (Olhando para Jesus), sempre reservava um mês por ano para reclusão numa cabana em uma floresta de Garstang. Não admira que fosse um teólogo tão cheio de poder, desde que passava com regularidade tanto tempo no monte com Deus. Noto que os romanistas estão acostumados a manter o que chamam de "Retiros", aonde certo número de sacerdotes se acolhe por um tempo, procurando a quietude completa, para passar o tempo todo em jejum e oração, com o fim de inflamar de ardor as suas almas. Podemos aprender dos nossos adversários. Seria uma grande coisa de vez em quando um grupo de irmãos verdadeiramente espirituais passar juntos um dia ou dois em real e consumidora agonia de oração. Num retiro só de pastores, estes poderiam ter muito mais liberdade do Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 69 que num grupo misto. Períodos de humilhação e de súplicas para a igreja toda também nos beneficiarão, se nos dedicarmos a isso de coração. Os nossos períodos de jejum e oração no Tabernáculo têm sido de fato dias de grande elevação. Nunca os portais do céu estiveram mais amplamente abertos; nunca os nossos corações estiveram mais perto do centro da glória. Aguardo sequioso o nosso mês de devoção especial, como os marinheiros quando calculam que se aproximam de terra. Mesmo que o nosso trabalho público fosse posto de lado para dar-nos lugar à oração especial, poderia ser grande ganho para as nossas igrejas. Uma viagem pelos rios da comunhão e da meditação seria bem recompensada por um frete de sentimento santificado e de pensamento elevado. O nosso silêncio poderia ser melhor do que as nossas vozes, se passássemos com Deus a nossa solidão. Foi uma atitude grandiosa a que o velho Jerônimo tomou quando pôs de lado todas as suas prementes ocupações para realizar um propósito que ele entendia ser um chamamento do céu. Tinha a seu cargo uma grande igreja, tão grande que qualquer de nós gostaria de ter igual. Mas ele disse a seu povo: "Agora há necessidade de que o Novo Testamento seja traduzido; vocês precisam encontrar outro pregador. A tradução precisa ser feita. Vejo-me forçado a partir para o deserto, e não voltarei enquanto não concluir a minha tarefa". Lá se foi com os seus manuscritos, e orou e trabalhou, e produziu uma obra – a Vulgata Latina – que durará enquanto o mundo existir; de modo geral, a mais maravilhosa tradução da Escritura Sagrada. Como num retiro, estudo e oração igualmente e juntamente puderam produzir uma obra imortal, se às vezes disséssemos aos nossos ouvintes, quando nos sentíssemos impulsionados a fazê-lo: "Diletos amigos, precisamos realmente sair um pouco para renovar a nossa alma na solidão"; o nosso aproveitamento logo se tornaria patente, e embora não escrevêssemos Vulgatas Latinas, ainda assim realizaríamos uma obra imortal, capaz de resistir ao fogo. Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 215 AS CRISES DE DESÂNIMO DO MINISTRO
Como está registrado que Davi, no calor da batalha, abateu-se,
assim se pode escrever de todos os servos do Senhor. Crises de depressão acometem a maioria de nós. Animados como possamos ser normalmente, a intervalos temos que ser derrubados. O forte nem sempre está vigoroso, o sábio nem sempre é expedito, o bravo nem sempre é corajoso, e o alegre nem sempre está feliz. Pode ser que existam aqui e ali homens de aço a quem o ralar e o rasgar não causam nenhum dano perceptível, mas por certo a inércia desgasta mesmo a estes; e quanto aos homens comuns, o Senhor sabe e os faz saber que não passam de pó. Sabendo pela mais penosa experiência o que significa uma profunda depressão de espírito, sendo visitado por ela freqüentemente e a intervalos não demorados, achei que poderia ser consolador para alguns dos meus irmãos se partilhasse meus pensamentos sobre isso para que os mais jovens não imaginem que algo estranho lhes acontece quando tomados em alguma ocasião pela melancolia; e para que os mais deprimidos saibam que a pessoa sobre quem o sol está brilhando jubilosamente nem sempre andou na luz. Não é necessário provar com citações de biografias de ministros eminentes que a maioria deles, senão todos, passou por períodos de terrível prostração. A vida de Lutero poderia ser suficiente para dar mil exemplos, e ele não era de modo nenhum do tipo mais fraco. Seu espírito grandioso esteve muitas vezes no sétimo céu da exultação, e com igual freqüência às bordas do desespero. Nem mesmo seu leito de morte ficou livre de temporais, e ele soluçou no seu último sono como um fatigado menino grande. Em vez de multiplicar casos, demoremos nas razões pelas quais estas coisas são permitidas. Por que será que os filhos da luz andam às vezes em trevas espessas? Por que será que os arautos da alvorada às vezes se acham numa noite que vale por dez? Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 216 Não será primeiro porque são homens? Sendo homens, estão enquadrados na fraqueza e são herdeiros da tristeza. Com acerto disse o sábio nos textos apócrifos de Eclesiástico 40:1-5,8: "Grande fardo foi imposto a todos os homens, e um pesado jugo posto sobre os filhos de Adão, desde o dia em que eles saem do ventre da mãe até ao dia da sua sepultura (em que eles entram) no seio da mãe comum de todos. Os seus cuidados, os sobressaltos do coração, a apreensão do que esperam, e o dia em que tudo acaba (perturbam-nos a todos), desde o que está sentado sobre um trono de glória, até àquele que jaz abatido na terra e na cinza; desde aquele que está vestido de púrpura e traz coroa, até ao que se cobre de linho cru. Tudo é furor, inveja, inquietação, perplexidade, temor da morte, rancor obstinado e contendas. Isto acontece a todos os viventes, desde os homens até aos animais, mas para os ímpios é sete vezes pior". A graça nos protege de grande parte disso, mas devido não termos maior porção da graça, continuamos sofrendo até males que poderiam ser evitados. Mesmo sob a economia da redenção, é mais que evidente que temos que suportar debilidades; de outra forma não haveria necessidade do prometido socorro do Espírito nessas circunstâncias. É preciso que às vezes enfrentemos durezas. Aos homens de bem foram prometidas tribulações neste mundo, e os ministros podem esperar maior parte do que outros, para aprenderem a simpatizar com o sofredor povo do Senhor, e assim possam ser aptos pastores de um rebanho enfermo. Poderiam ter sido enviados espíritos desencarnados para proclamarem a Palavra, mas não teriam penetrado os sentimentos dos que, estando neste corpo, gemem deveras, sobrecarregados que estão; os anjos poderiam ter sido ordenados evangelistas, mas os seus atributos celestiais os teriam incapacitados para terem compaixão dos ignorantes; poderiam ter sido modelados homens de mármore, mas a sua natureza impassível seria um sarcasmo para a nossa fragilidade e uma zombaria das nossas necessidades. Foi a homens, e homens sujeitos às paixões humanas, que o sapientíssimo Deus escolheu para serem os Seus vasos de bênçãos; daí estas lágrimas, estas perplexidades, estas quedas. Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 217 Além disso, na maioria somos, de um modo ou de outro, fisicamente defeituosos. Aqui e ali encontramos um ancião que não se lembra de que alguma vez tenha sido posto de lado. Mas a grande maioria de nós trabalha com uma ou outra forma de deficiência do corpo ou da mente. Certas doenças do corpo, principalmente as relacionadas com os órgãos do aparelho digestivo, o fígado e o baço, são tremendas fontes de desânimo, e, lute o homem quanto puder contra tais influências, haverá momentos e circunstâncias em que por algum tempo o vencerão. Quanto às doenças mentais, haverá alguém que seja inteiramente são? Não estamos todos um pouco fora do equilíbrio? Mentes há que parecem ter um matiz sombrio essencial á sua própria individualidade. Pode se dizer deles: "A melancolia os marcou para si"; mentes finas aliás, e governadas pelos princípios mais nobres, mas muito inclinadas a olvidar o alvor da prata e a lembrar somente a nuvem. Homens assim podem cantar com o poeta: "Partido o coração, harpas desafinadas, por música, suspiros e gemidos, são nossas canções para a melodia das lachrymae, que a pele e ossos estamos reduzidos" Thomas Washbourne.
Estas enfermidades podem não ser infensas à carreira do homem de
especial valor; pode até ser que lhe sejam impostas pela sabedoria divina como necessária habilitação para o seu peculiar curso de serviço. Algumas plantas devem as suas qualidades medicinais ao pântano em que crescem; outras ás sombras de que dependem para florescer. Há frutos preciosos que vicejam graças à lua, bem como graças ao sol. Os barcos precisam de vela e também de lastro; puxar uma carreta não é difícil quando a estrada desce morro abaixo. Provavelmente em muitos casos foi a dor que desenvolveu o gênio, dando caga à alma que de outra forma poderia ter ficado a dormir como um leão em sua cova. Não fosse Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 218 por sua asa quebrada, alguns poderiam ter-se perdido nas nuvens, até mesmo alguns daqueles pombos seletos que agora trazem nas suas bocas o ramo de oliveira e mostram o caminho para a arca. Mas quando no corpo e na mente há causas que predispõem ao abatimento do espírito, não é para espantar-nos se em momentos tenebrosos o coração sucumba a elas; o que causa espanto em muitos casos é – e se se pudesse pôr por escrito a vida interior, os homens poderiam ver que é assim – como alguns ministros não largam do seu trabalho de jeito nenhum, e ainda trazem um sorriso no rosto. A graça continua tendo os seus triunfos, e a paciência os seus mártires; mártires em nada menos dignos de honra porque as chamas atingem os seus espíritos mais do que os seus corpos, e a sua fogueira é invisível aos olhos humanos. Os serviços ministeriais de Jeremias são tão aceitáveis como os de Isaías, e mesmo o rabugento Jonas é um verdadeiro profeta do Senhor, como Nínive pôde bem perceber. Não desprezem os coxos, pois está escrito que eles pegam a presa; honrem, porém, aqueles que, em seu desalento, prosseguem ainda. Lia, de olhos tenros ou baços, foi mais frutífera do que a formosa Raquel, e as aflições de Ana foram mais divinas do que a vanglória de Penina. "Bem-aventurados os que choram", disse o Varão de Dores, e que ninguém os repute diferentemente quando as suas lágrimas vêm temperadas pela graça. Temos o tesouro do evangelho em vasos de barro, e se no vaso houver um defeito aqui e ali, que ninguém se espante. Quando empreendemos a nossa obra fervorosamente, tomamo-nos vulneráveis à depressão. Quem pode agüentar o peso das almas sem às vezes afundar no pó? As entranhadas aspirações pela conversão dos homens, se não plenamente satisfeitas (e quando são?), consomem de angústia e desapontamento a alma. Ver os interessados irem por água abaixo, os piedosos se esfriarem, os crentes professos abusarem dos seus privilégios, e os pecadores ficarem mais descarados – ver estas coisas não é suficiente para esmagar-nos contra o solo? O Reino não vem como queremos, o venerável Nome não é santificado como desejamos, e por Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 219 isso temos que chorar. Como podemos sentir-nos doutro modo se não entristecidos, enquanto os homens não crêem em nossa mensagem, e não se revela o braço do Senhor? Todo trabalho mental tende a cansar-nos e a deprimir-nos, pois o muito estudo enfado é da carne; mas o nosso trabalho é mais que mental – é do coração, é labuta do íntimo da nossa alma. Quantas vezes, nas noites do dia do Senhor, nós nos sentimos como se a vida se nos esvaísse por completo! Depois de despejar as nossas almas sobre os nossos ouvintes, sentimo-nos como um jarro vazio que uma criança poderia quebrar. Provavelmente, se fôssemos mais semelhantes a Paulo, e velássemos pelas almas numa proporção mais nobre, saberiam.os melhor o que é ser consumido pelo zelo da casa do Senhor. É nosso dever e nosso privilégio esgotar as nossas vidas por Jesus. Não nos compete sermos espécimes vivos de homens em fina conservação, mas, sim, sacrifícios vivos, destinados a serem consumidos; cabe-nos gastar e gastar-nos, e não banhar-nos em alfazema e mimar a nossa carne. Esse trabalho de alma que um fiel ministro realiza produz ocasionais períodos de exaustão, quando o coração e carne falham. As mãos de Moisés ficaram pesadas na intercessão, e Paulo clamou: "E para estas coisas quem é idôneo?" Mesmo João Batista parece ter sofrido suas crises de desânimo. e os apóstolos ficaram cheios de assombro e tiveram angustioso medo. A nossa posição na igreja também conduz a isto. Um ministro plenamente habilitado para o seu trabalho normalmente será em si mesmo um espírito que está acima, além e à parte dos demais. O mais afeiçoado dentre o seu povo não pode penetrar os seus pensamentos, cuidados e tentações peculiares. Nas fileiras militares os homens andam ombro a ombro, com muitos companheiros, mas conforme o oficial sobe na hierarquia, os homens da sua posição vão sendo cada vez em menor número. Há muitos soldados, poucos capitães, menos coronéis, mas somente um comandante-em-chefe. Assim, em nossas igrejas, o homem que o Senhor eleva como líder vem a ser, no mesmo grau em que é Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 220 homem superior, homem solitário. Os picos de montanhas ficam solenemente isolados e falam a sós com Deus quando Ele visita as suas terríveis soledades. Os homens de Deus que se elevam acima dos seus semelhantes mantendo mais íntima comunhão com as realidades celestiais, em seus momentos de maior fraqueza acham falta da simpatia humana. Como seu Senhor no Getsêmani, buscam em vão receber conforto dos discípulos que dormem ao seu redor; choca-os a apatia do seu pequeno grupo de irmãos, e voltam para a sua agonia secreta com uma carga muito mais pesada a premi-los, porque encontram dormindo os seus mais caros companheiros. Ninguém senão quem a suportou conhece a solidão de uma alma que ultrapassou os seus irmãos, em dedicação ao Senhor dos Exércitos; ela não se atreve revelar-se, temendo que os homens chamem-na de loucura; não consegue ocultar-se, pois um fogo queima seus ossos. Somente diante do Senhor ela acha repouso. A comissão do Senhor enviando os Seus discípulos dois a dois põe de manifesto que Ele sabia o que havia nos homens; mas, para um homem como Paulo parece que não se achou parceiro. Barnabé, Silas, Lucas eram montes baixos demais para poderem conversar com uma sumidade tipo Himalaia como o apóstolo dos gentios. Esta solidão que, se não me engano muitos dos meus colegas experimentam, é fértil fonte de depressão; e os nossos encontros fraternais de ministros, e o cultivo de santo intercâmbio com as mentes afins, com a bênção de Deus nos ajudarão grandemente a escapar do lago. Pouca dúvida pode haver de que os hábitos sedentários tendem a produzir desânimo em alguns temperamentos. Burton, em sua Anatomy of Melancholy (Anatomia da Melancolia), tem um capítulo sobre esta causa do abatimento; e, citando um dentre miríades de autores de cuja contribuição se serve, diz: "Os estudantes negligenciam os seus corpos. Os outros homens olham por suas ferramentas: o pintor lava os seus pincéis; o ferreiro cuida do malho, da bigorna e da forja; o lavrador conserta os ferros do seu arado e Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 221 afia o seu machado, se estiver cego: o falcoeiro ou caçador terá especial cuidado dos seus falcões, cães, cavalos etc.; o músico aperta e desaperta as cordas do seu alaúde, afinando-o – somente os estudiosos negligenciam o instrumento (quero dizer, os seus cérebros e os seus espíritos) que usam diariamente." Disse bem Lucan: "Não torça demais o cordão para que não arrebente". Ficar sentado muito tempo numa só posição, com os olhos fitos num livro, ou movendo uma caneta, é, em si mesma, fatigante à natureza; mas, acrescentem-se a isto um quarto mal ventilado, um corpo que passou muito tempo sem exercício muscular, e um coração sobrecarregado de preocupações, e teremos todos os elementos necessários para arranjar um fervente caldeirão de desespero, principalmente nos sombrios meses de cerração: "Quando o dia é envolto num manto, quando a mata insalubre goteja, e a folha se incrusta na lama". Se um homem for de natureza alegre como um pássaro, dificilmente poderá manter-se assim ano após ano contra esse processo suicida. Fará do seu escritório uma prisão e de seus livros carcereiros de um presídio, enquanto do lado de fora da sua janela a natureza acena-lhe com a vida saudável e chama-o para a alegria. Aquele que esquece o zumbir das abelhas na urze, o arrulho dos pombos selvagens na floresta, o canto dos pássaros no arvoredo, o ondular do regato por entre o junco, e os lamentos do vento entre os pinheiros, não tem por que se espantar caso o seu coração olvide cantar e sua alma fique pesarosa. Passar um dia respirando o ar fresco das montanhas, ou fazer uma excursão na umbrosa tranqüilidade das copadas faias, servirá para varrer as teias de aranha das cabeças cheias de vincos dos nossos fatigados ministros que já andam meio mortos. Uma tragada de ar marinho, ou uma firme caminhada contra o vento, não dará graça à alma, que é o que há de melhor, mas dará oxigênio ao corpo, coisa que vem em segundo lugar. "Coração pesaroso em ar pesado está; todo vento que sobe, a angústia expulsará." Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 222 As samambaias e os coelhos, os ribeiros, as trutas, os abetos e os esquilos, as primaveras e as violetas, o terreiro da fazenda, o feno recém- colhido, e os lúpulos fragrantes – todas essas coisas são o melhor remédio para os hipocondríacos, os mais seguros tônicos para os decadentes, a melhor restaurarão dos que sofrem estafa. Por falta de oportunidade, ou de inclinação, estes grandes remédios são negligenciados, e o estudante vai se tornando uma vítima auto-imolada. As ocasiões mais propícias para as crises de desânimo, na medida em que eu as tenho experimentado, podem ser resumidas num breve catálogo. Dentre elas devo mencionar em primeiro lugar a hora de grande sucesso. Quando um desejo há muito tempo acalentado finalmente se cumpre, tendo Deus sido grandemente glorificado por nosso intermédio, havendo-se alcançado grande triunfo, então estamos sujeitos a desfalecer. Talvez se pudesse imaginar que, em meio a favores especiais, a nossa alma pairaria nas alturas do êxtase e se regozijaria com júbilo indescritível, mas o que se dá geralmente é o inverso. Raramente o Senhor expõe os Seus guerreiros aos perigos da exultação pela vitória. Ele sabe que poucos deles podem suportar um teste desses e, portanto, quebra-lhes a taça com rigor. Vejam Elias depois de ter caído fogo do céu, depois de terem sido mortos os sacerdotes de Baal, depois que a chuva alagou a terra árida! Para ele nada de notas de música de autocomplacência, nada de pavonear-se como um conquistador em roupagens de vitorioso. Ele foge de Jezabel, e, sentindo a repulsão do seu distúrbio intenso, suplica pedindo para morrer. Aquele que nunca haveria de ver a morte anseia pelo repouso do sepulcro, como César, o monarca do mundo, em seus momentos de pesar chorava como uma menina doente. A pobre natureza humana não pode agüentar tensões como as que advém das vitórias celestiais; tem que sobrevir uma reação. O excesso de alegria ou de emoção tem que ser pago com depressões subseqüentes. Enquanto uma provação dura, a força é igual à emergência; mas quando passa, a fraqueza natural reivindica o direito de mostrar-se. Sustentado Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 223 secretamente, Jacó pode lutar a noite inteira, mas tem que coxear de manhã, depois de concluída a peleja, para que não se gabe além da medida. Paulo pode ser arrebatado ao terceiro céu e ouvir coisas indizíveis, mas um espinho na carne, um mensageiro de Satanás para esbofeteá-lo, tem que ser a seqüela inevitável. Os homens não podem suportar felicidade sem mistura; mesmo os bons homens não estão habilitados ainda para terem "suas frontes cingidas de lauréis e murta", sem que sofra secreta humilhação para mantê-los no lugar próprio. Arrancados do solo em turbilhão por um avivamento, levados para as alturas pela popularidade, exaltados pelo sucesso na conquista de almas, seríamos como a palha que o vento dispersa, se a disciplina da graça e da misericórdia não quebrasse as naves da nossa vanglória com poderoso vento oriental, e não nos fizesse ir a pique, desnudos e desamparados, lançando-nos na Rocha dos Séculos. Antes de alguma grande realização, certa medida da mesma depressão geralmente ocorre. Divisando as dificuldades que se nos antepõem, os nossos corações sucumbem dentro de nós. Os filhos de Enaque se agigantam diante de nós, e somos como gafanhotos aos nossos próprios olhos na presença deles. As cidades de Canaã são muradas até aos céus, e quem somos nós para esperar capturá-las? Estamos dispostos a largar as armas e a fugir o mais depressa possível. Nínive é uma grande cidade, e deveríamos fugir para Társis, e não ir ao encontro das suas ruidosas multidões. Já procuramos um navio que nos leve tranqüilamente para longe do terrível cenário, e só o medo do temporal refreia os nossos covardes passos. Foi esta a minha experiência quando no começo me tornei pastor em Londres. O meu sucesso me aterrorizou; e a idéia da carreira que parecia abrir-se, muito longe de entusiasmar-me, lançou-me às maiores profundezas, das quais pronunciei o meu miserere e não achei lugar para cantar gloria in excelsis. Quem era eu para continuar liderando tão grande multidão? Queria ir para a minha obscuridade aldeã, ou emigrar para a América e encontrar um ninho no ermo onde fosse idôneo para as Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 224 coisas que se exigissem de mim. Mas precisamente aí a cortina estava se levantando sobre a obra da minha vida, e temi o que poderia sobrevir. Eu espero que não tenha sido falta de fé, mas eu estava temeroso e completamente tomado pelo senso da minha inépcia. Estava com medo de uma obra que a Providência repassada da graça divina preparava para mim. Senti-me como simples criança, e tremi quando ouvi a voz que dizia: "Levanta-te, malha as montanhas, e faz delas palha". Esta depressão me sobrevém sempre que o Senhor está preparando maior bênção para o meu ministério; a nuvem é negra antes de romper- se, e produz escuridão antes de entregar o seu dilúvio de misericórdia. A depressão passou a ser para mim como um profeta rusticamente vestido, um João Batista, anunciando a próxima vinda de bênçãos mais ricas do meu Senhor. Assim pensaram homens muito melhores. O brunimento do vaso aparelha-o para uso do Senhor. A imersão no sofrimento precede o batismo do Espírito Santo. O jejum abre o apetite para o banquete. O Senhor se revela no interior do deserto, enquanto o Seu servo cuida das ovelhas e o aguarda em solitário temor. O deserto é o caminho para Canaã. O fundo vale leva para a montanha altaneira. A derrota é preparativo para a vitória. O corvo é enviado antes da pomba. A hora mais escura da noite precede o raiar do dia. Os marinheiros descem às profundezas, mas a onda seguinte os faz subir aos céus; suas almas se derretem de angústia antes de serem trazidos por Ele ao porto desejado. Em meio a uma longa tirada de trabalho ininterrupto, pode-se achar a mesma aflição. Não se pode dobrar o arco o tempo todo sem temer quebrá-lo. O repouso é necessário à mente tanto quanto o sono ao corpo. Nossos sabbaths – nossos domingos – são os nossos dias de trabalho, e se não descansarmos nalgum outro dia, ficaremos prostrados. Mesmo a terra precisa ficar sem lavradio e ter os seus períodos sabáticos; assim conosco. Daí a sabedoria e compaixão do nosso Senhor, quando disse aos Seus discípulos: "Vinde vós aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco". O quê?! Quando o povo está desfalecido? Quando as multidões estão como ovelhas nas montanhas sem pastor? E Jesus fala Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 225 de descanso? Quando os escribas e fariseus, quais lobos vorazes, rondam o rebanho, leva Ele os Seus discípulos para um tranqüilo lugar de repouso? Algum zelote queimando como ferro em brasa denuncia esse atroz esquecimento das presentes e prementes necessidades? Deixe-o enfurecer em sua estultícia! O Mestre sabe de algo melhor do que esgotar os Seus servos e extinguir a luz de Israel. O tempo de repouso não é tempo perdido. É economia juntar novas forças. Vejam o ceifeiro no dia de verão, com tanto que ceifar antes de pôr-se o sol. Faz pausa em seu labor. É preguiçoso? Busca a sua pedra e começa a esfregá-la para cima e para baixo em sua foice, soando "roque-froque, roque-froque, roque-froque". Essa música é ociosa? Estará ele desperdiçando preciosos momentos? Quanto poderia colher durante o tempo que passa tocando aquelas notas na lâmina da foice! Mas ele está afiando a ferramenta, e conseguirá muito mais quando tornar a por força naqueles longos movimentos que fazem a erva cair prostrada em fiadas diante dele. Exatamente assim uma pequena pausa prepara a mente para prestação de maior serviço à boa causa. Os pescadores têm que consertar as suas redes, e de vez em quando nós temos que reparar o nosso desgaste mental e pôr o nosso maquinismo em ordem para serviços futuros. Mover o remo dia a dia, como o escravo das galés que não conhece dia de descanso, não presta para os mortais. A corrente que toca o moinho corre, e corre sempre, sem parar, mas nós necessitamos ter nossas pausas e nossos intervalos. A quem pode ajudar ficar sem fôlego quando se continua a corrida sem interrupção? Mesmo os animais de carga devem ser deixados no pasto ocasionalmente; o próprio mar faz pausa na baixa-mar e na preamar; o solo guarda o sábado dos meses hibernais; e o homem, ainda quando elevado à posição de embaixador de Deus, ou descansa ou desfalecerá; ou limpa a sua lâmpada, ou terá luz fraca; ou reabastece a sua energia, ou ficará velho prematuramente. É sábio tirar férias ocasionais. Na contagem final, faremos mais, fazendo menos de vez em Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 226 quando. Seguir no trabalho mais e mais, para sempre, sem recreação, pode servir para os espíritos emancipados deste "barro pesado", mas enquanto estivermos neste tabernáculo, temos que uma vez ou outra gritar, alto!! e servir ao Senhor mediante santa inação e consagrado lazer. Que nenhuma tenra consciência duvide da legitimidade de deixar o serviço ativo por algum tempo, mas aprenda com a experiência de outros a necessidade e o dever de fazer oportuno repouso. Um golpe esmagador às vezes deixa o ministro muito abatido. O irmão em que mais se confiava torna-se um traidor. Judas levanta o calcanhar contra o homem que confiava nele, e o coração do pregador lhe falha na hora. Todos nós estamos prontos demais para ver uma arma carnal, e dessa propensão surgem muitas das nossas tristezas. O golpe é igualmente demolidor quando um honrado e estimado irmão se rende a alguma tentação, e leva à desgraça o santo nome pelo qual era chamado. Qualquer coisa é melhor do que isto. Isto leva o ministro a ansiar por uma cabana em algum vasto deserto onde possa ocultar a cabeça para sempre, e não ouvir mais as zombarias blasfemas dos ímpios. Dez anos de trabalho não tiram tanto da vida como o que perdemos em poucas horas por causa de Aitofel, o traidor, ou de Demas, o apóstata. As contendas, também, e as divisões, as calúnias e as críticas tolas, muitas vezes prostram santos homens e os fazem ir "como com uma espada nos ossos". As palavras duras ferem profundamente certas mentes delicadas. Muitos dos melhores ministros, pela própria espiritualidade do seu caráter, são excessivamente sensíveis – sensíveis demais para um mundo como este. "Um coice que mal move um cavalo, mata um bom teólogo." Pela experiência a alma enrijece-se para os rudes golpes que são inevitáveis em nossa guerra; mas, no início, essas coisas nos abalam completamente e nos mandam para casa envoltos no horror de grandes trevas. As provações de um verdadeiro ministro não são poucas, e as que são causadas por crentes professos ingratos são mais duras de agüentar do que os mais grosseiros ataques de inimigos confessos. Oxalá nenhum Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 227 homem que anda em busca de tranqüilidade mental e de quietude na vida entre no ministério; se o fizer, fugirá dele desgostoso. A poucos toca passar pelo horror de densas trevas como o que me coube experimentar depois do deplorável incêndio ocorrido no Teatro Musical de Surrey. Senti-me oprimido além da conta e fora dos limites por um enorme fardo de miséria. O tumulto, o pânico, as mortes, estiveram dia e noite diante de mim e tornaram minha vida uma carga. Então cantei em meu pesar: "O tumulto dos meus pensamentos apenas aumentou minha aflição; fana-se o espírito, e fica desolado e débil o meu pobre coração". Desse pesadelo de terror fui despertado num momento pela abençoada aplicação à minha alma do texto: "Deus com a sua destra o elevou". O fato de que Jesus continua sendo grandioso, sofram os Seus servos o que sofrerem, conduziu-me de volta à razão calma e à paz. Se tão terrível calamidade sobrevier a um dos meus irmãos, oxalá tenha paciente esperança e aguarde pela salvação de Deus. Quando as aflições se multiplicam, e os desencorajamentos se seguem uns aos outros em longa sucessão, como mensageiros de Jó, daí, também, em meio à perturbação da alma ocasionada pelas más notícias, o desânimo despoja o coração de toda a sua paz. O constante gotejar dissolve pedras, e as mentes mais bravias sentem-se corroídas pelas repetidas aflições. Se um guarda-comida escassamente suprido é provação agravada pela doença da esposa ou pela perda de um filho, e se as observações nada generosas dos ouvintes vêm seguidas pela oposição dos presbíteros e pela frieza dos membros da igreja, então, como Jacó, somos capazes de lamentar: "Todas estas coisas vieram sobre mim". Quando Davi retornou a Ziclague e viu que a cidade fora queimada, os seus bens foram saqueados, suas esposas foram raptadas, e as suas próprias tropas estavam prontas para apedrejá-lo, lemos: "Davi se reanimou no Senhor seu Deus". E foi bom para ele agir assim pois, do Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 228 contrário, teria desfalecido se não cresse que veria a bondade do Senhor na terra dos viventes. Angústias acumuladas aumentam o peso umas das outras; dão-se as mãos e, como bandos de salteadores, destroem brutalmente o nosso conforto. Onda após onda é trabalho duro para o nadador mais vigoroso. O lugar em que dois mares se encontram força demais a quilha mais navegável. Se houvesse uma pausa sistemática entre as bofetadas da adversidade, o espírito ficaria prevenido; mas quando vêm súbita e pesadamente, como pancadas de saraiva grossa, bem pode acontecer que o peregrino fique aterrorizado. O último grama da carga quebranta o lombo do camelo, e quando esse último grão é lançado sobre os nossos lombos, por que espantar-nos se por um pouco de tempo ficamos prontos para render o espírito?! Este mal também nos atinge sem que saibamos a razão, caso em que é a coisa mais difícil eliminá-lo. Não se pode arrazoar com depressão desmotivada. Tampouco pode a harpa de Davi encantá-la e expulsá-la com os seus suaves argumentos. É como lutar com o nevoeiro, enfrentar esta situação informe, indefinível e trevosa de desamparo. Nem a gente mesmo tem dó de si neste caso, porque parece irrazoável, e até pecaminoso, ficar angustiado sem causa evidente; e, todavia, o homem está deveras angustiado, no mais profundo do seu espírito. Se os que se riem dessa melancolia apenas sentissem por uma hora a sua dor, o riso deles seria silenciado pela compaixão. Uma disposição resoluta poderia talvez sacudi-la de nós, mas onde poderíamos achar resolução quando todo o ser está frouxo? O médico e o pastor podem unir as suas habilidades nesses casos, e ambos se vêem de mãos ocupadas, e mais que ocupadas. O ferrolho de metal que tão misteriosamente tranca a porta da esperança e mantém os nossos espíritos em tétrica prisão, requer mão celestial que o force a abrir-se; e quando se vê essa mão, clamamos com o apóstolo: "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação; que nos consola em toda a nossa Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 229 tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados de Deus" (2 Coríntios 1.3-4). É o Deus de toda a consolação que pode: "Com doce e esquecido antídoto varrer do pobre peito o perigoso entulho que pesa no coração". Simão afunda enquanto Jesus não o toma pela mão. O demônio no interior do ser rasga e fere a pobre criança enquanto a palavra de autoridade não lhe ordena que saia dela. Quando nos dominam horríveis temores, e nos vemos prostrados por intoleráveis demônios da noite, só precisamos que surja o Sol da Justiça, e os males gerados em nossas trevas serão expulsos; entretanto, nada menos que isto porá em fuga o pesadelo da alma. Timothy Rogers, autor de um tratado sobre a melancolia, e Simon Browne, escritor de alguns hinos notavelmente belos, experimentaram em seus próprios casos como é vão o socorro do homem, se o Senhor retirar a luz da sua alma. Se se perguntar por que tantas vezes os servos do Rei Jesus têm que atravessar o Vale da Sombra da Morte, a resposta não está longe. Tudo isso promove o modo de agir do Senhor, que se resume nestas palavras: "Não por força nem por violência, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor". Os instrumentos serão empregados, mas a sua fraqueza intrínseca se manifestará claramente; não se fará nenhuma divisão da glória, nenhuma diminuição da honra devida ao Grande Trabalhador. O homem será esvaziado de si, e depois será enchido do Espírito Santo. Em sua própria apreensão do fato, ele será como uma folha seca levada pela tempestade, e depois será fortalecida transformando-se num muro de bronze contra os inimigos da verdade. Encobrir ao obreiro o orgulho é a grande dificuldade. O sucesso ininterrupto e a alegria inapagável por ele iriam além do que as nossas cabeças podem suportar. Nosso vinho tem que ser misturado com água, se não, transtorna os nossos miolos. Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 230 Meu testemunho é que os que são honrados pelo Senhor em público, geralmente têm que sofrer castigo secreto, ou têm que carregar uma cruz peculiar, a fim de que de algum modo não se exaltem a caiam no lago do diabo. Com que freqüência o Senhor chama Ezequiel de "Filho do homem"! Em meio aos seus vôos penetrando esplendores superlativos, exatamente quando, com os olhos límpidos, é capacitado a contemplar a glória sublime, a expressão "Filho do homem" cai em seus ouvidos, serenando o coração que, de outra forma, poderia intoxicar-se com a honra a ele conferida. Tais mensagens humilhantes mas salutares murmuram aos nossos ouvidos as nossas depressões; falam-nos de maneira inequívoca que somos apenas homens, frágeis, débeis, sujeitos a desfalecer. Mediante todos os tombos dos Seus servos, Deus é glorificado, pois eles são levados a engrandecê-lo quando Ele os coloca a Seus pés, e precisamente quando prostrados no pó, sua fé lhe rende louvor. Falam com o maior dulçor da Sua fidelidade, e ficam firmados com a maior solidez em Seu amor. Homens amadurecidos assim, como são alguns idosos pregadores, dificilmente ter-se-iam produzido se não tivessem sido esvaziados vaso a vaso, e não tivessem sido levados a ver a sua própria vacuidade e a vaidade de todas as coisas que os cercam. Glória seja dada a Deus pela fornalha, pelo malho e pela lima. O céu estará todo cheio de bem-aventurança porque nos enchemos de angústia cá embaixo, e a terra será mais bem cultivada por causa do nosso treinamento na escola da adversidade. A lição da sabedoria é: não desfaleçam pela aflição de alma. Não a considerem coisa estranha, mas parte da experiência ministerial comum. Se o poder da depressão for extraordinário, não pensem que toda a sua utilidade está perdida. Não repudiem a sua confiança, pois terá por prêmio grande recompensa. Mesmo que o pé do inimigo esteja sobre os vossos pescoços, tenham esperança de levantar-se e dominá-lo. Lancem o fardo do presente, o pecado do passado e o medo do futuro, todos juntos, aos cuidados do Senhor, que não abandona os Seus santos. Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 231 Vivam o dia presente – sim, a hora. Não ponham confiança em disposições de espírito e em sentimentos. Atentem mais para um grão de fé que para uma tonelada de agitação emocional. Confiem em Deus somente, e não se inclinem a ceder às necessidades de ajuda humana. Não se surpreendam quando os amigos falharem com vocês: este é um mundo falho. Jamais contem com a imutabilidade dos homens; com a inconstância vocês podem contar sem temer decepção. Os discípulos de Jesus O abandonaram; não se espantem, então, se os vossos adeptos se apartarem indo atrás de outros mestres: como não eram tudo o que vocês tinham quando eles estavam em vossa companhia, nem tudo vos deixou quando partiram. Sirvam a Deus com todas as suas forças enquanto arde a candeia, e depois, quando se apagar por algum tempo, terão o mínimo para lamentar. Contentem-se em nada ser, pois é o que são. Quando a vacuidade oprimir dolorosamente a consciência, ralhem consigo mesmos, lembrando-se de que nunca sonharam estar cheios, exceto no Senhor. Dêem pouco valor às recompensas atuais; sejam agradecidos pelos pequenos prêmios recebidos durante o percurso, mas busquem a recompensadora alegria vindoura. Continuem servindo ao Senhor com redobrado fervor quando não se lhes apresentar nenhum resultado visível. Qualquer simplório pode seguir pelo caminho estreito na luz; a rara sabedoria da fé nos capacita a prosseguir no escuro com precisão infalível, visto que ela põe a mão na do Grande Guia. Entre este ponto e o céu ainda poderá ocorrer mau tempo, mas o Senhor da aliança tomou providências para tudo. Em nada saiamos do caminho que a vocação divina induziu-nos a seguir. Bom ou ruim, o púlpito é nossa torre de vigia, e o ministério é a nossa guerra; compete-nos, quando não pudermos ver o rosto de Deus, confiar à sombra das Suas asas. Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 232 A CONVERSAÇÃO COMUM DO MINISTRO
Nosso tema agora será a conversação comum que o ministro
mantém quando se mistura com os homens em geral e se supõe que esteja bem descontraído. Como deverá ordenar o seu falar entre os seus semelhantes. Primeiramente e acima de tudo, permitam-me dizer, que ele trate de não se dar ares ministeriais, mas que evite tudo que seja bombástico, oficial, vaidoso e pretensioso. "Filho do homem" é um nobre título; foi dado a Ezequiel, e a Alguém que foi maior do que ele. Não deixem que o embaixador do céu seja outra coisa que filho do homem. Na verdade, é bom que se lembre de que quanto mais simples e despretensioso ele for, mais intensamente se assemelhará àquele menino-homem, o santo menino Jesus. É possível fazer esforço demais para ser grande ministro, e isso resulta em tornar-se homem bastante pequeno; mas, quanto mais verdadeiro homem você for, mais verdadeiramente será o que um servo do Senhor deve ser. Os mestres e os ministros geralmente têm uma aparência que lhes é peculiar; num sentido errôneo, eles "não são como os demais homens". Como demasiada freqüência eles são pássaros mosqueados, dando a impressão de que não se sentem à vontade entre os outros habitantes da região, mas, sim, sem jeito e fora do comum. Sempre que vejo um flamingo com o seu andar altivo e grave, uma coruja piscando na sombra, ou uma cegonha seriamente perdida em seus pensamentos, sou irresistivelmente levado a lembrar-me de alguns dos meus dignos irmãos, colegas de magistério e de ministério, que são tão maravilhosamente extraordinários em todas as ocasiões, que mal chegam a ser divertidos. É fácil adquirir o modo respeitável, imponente, nobre, importante, austero; mas vale a pena adquiri-lo? Theodore Hook uma vez marchou até um cavalheiro que desfilava na rua com grande pompa, e lhe perguntou: "O senhor não é uma personalidade de grande importância?" – e às vezes a gente se sente Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 233 inclinado a fazer a mesma coisa com certos irmãos de traje clerical. Conheço irmãos que, dos pés à cabeça, no traje, no tom, nos modos, na gravata e nas botinas, são tão completamente clericais que nenhuma partícula de virilidade é visível. Um recente rebento da teologia precisa andar pelas ruas de batina, e outro da Igreja Anglo-Católica publicou nos jornais com muita satisfação que atravessara a Suíça e a Itália usando em toda parte o seu barrete de clérigo; poucos rapazes teriam tido tanto orgulho de um abominável gorro. Nenhum de nós corre perigo de ir tão longe assim em nosso modo de vestir-nos; mas podemos assemelhar-nos àquilo em nosso maneirismo. Alguns parecem ter um colarinho branco apertando as suas almas; a sua masculinidade é sufocada por aquele trapo engomado. Certos irmãos mantêm um ar de superioridade que eles julgam impressionante, mas que é simplesmente ofensivo, e eminentemente oposto ás suas pretensões como seguidores do humilde Jesus. O orgulhoso duque de Somerset dava ordens a seus criados por meio de sinais, não condescendendo em falar com seres tão baixos; os filhos dele nunca ficavam sentados em sua presença, e quando dormia de tarde, suas filhas ficavam, uma de cada lado dele, durante o seu augusto repouso. Quando elementos vaidosos como Somerset entram no ministério, assumem dignidade de outras maneiras quase igualmente absurdas. "Parado aí; sou mais santo do que tu", é o que está escrito na testa deles. Uma vez, um bem conhecido ministro foi censurado por um sublime irmão por sua indulgência para com algum luxo, e o grande argumento foi a despesa. "Bem, bem", replicou ele, "pode haver algo nisso. Mas, lembre-se, não gasto com a minha fraqueza a metade do que você gasta com goma". Este é o artigo que estou criticando, a terrível goma ministerial. Se algum de vocês cedeu nisso, vigorosamente o exorto a ir lavar-se "sete vezes no Jordão", e tire-a de si, sem deixar nenhuma partícula dela. Estou persuadido de que uma razão pela qual os nossos operários tão universalmente querem distância dos ministros é porque detestam as suas maneiras artificiais e antimasculinas. Se nos Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 234 vissem, no púlpito e fora dele, agindo como homens de verdade, e falando com naturalidade, como homens sinceros, eles nos rodeariam. Ainda vale a observação de Baxter: "A falta de tom e de expressão familiares é um grande defeito da maioria das nossas prédicas, coisa que devemos ter todo o cuidado de corrigir". O erro do ministério é que os ministros querem clericalizar o evangelho. Temos que ter humanidade junto com a nossa "divindade" (teologia), se é que desejamos ganhar as massas. Toda gente é capaz de perceber afetações e provavelmente o povo não se deixa levar por elas. Irmãos, joguem fora as suas pernas-de- pau, e andem firmados em seus pés; dispam-se do seu eclesiasticismo e vistam-se da verdade. Contudo, um ministro é um ministro, esteja onde estiver, e deve lembrar-se de que está sempre em serviço. Um policial ou soldado pode ficar de folga, mas o ministro nunca. Mesmo em nossas recreações devemos continuar perseguindo o grande objetivo das nossas vidas, pois somos chamados para sermos diligentes "a tempo e fora de tempo". Não há situação em que possamos achar-nos fora do alcance da pergunta do Senhor: "Que fazes aqui, Elias?", e devemos ser capazes de responder logo: "Tenho algo para fazer por Ti neste lugar, e estou tentando fazê- lo". É claro que de vez em quando o arco tem que ficar solto, frouxo, ou se não perderá a sua elasticidade, mas não há necessidade de cortar-lhe a corda. Estou falando por ora do ministro em suas ocasiões de descontração, e mesmo então digo que ele deve conduzir-se como embaixador de Deus, e apegar-se ás oportunidades de fazer o bem. Isto não estragará o seu repouso, e, sim, o santificará. O ministro deve ser como certa câmara que vi em Beaulieu, em New Forest, onde jamais se vê uma teia de aranha. É um grande quarto de despejo, e nunca é varrido. Apesar disso, nenhuma aranha o mancha com os emblemas da negligência. O teto é de castanheiro e, por alguma razão, não sei qual, as aranhas não se aproximam dessa madeira em nenhuma época do ano. A mesma coisa me foi mencionada nos corredores da Winchester School. Disseram-me: "Nunca vem nenhuma Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 235 aranha aqui". As nossas mentes devem de igual forma estar livres de hábitos ociosos. Nos nossos lugares públicos de descanso para os carregadores da cidade de Londres podemos ler as palavras, "Descanse, mas não vagabundeie"; e contém conselho digno de atenção. Não chamo de indolência o dolce far niente. Há um doce não fazer nada que é justamente o melhor remédio do mundo para a mente exausta. Quando a mente fica fatigada e em desordem, repousar não é mais ociosidade do que o sono; e ninguém diria que dormir no tempo próprio é preguiça. É muito melhor estar dormindo industriosamente do que ficar preguiçosamente acordado. Irmão, esteja pronto para fazer o bem, mesmo em seus períodos de repouso e em suas horas de lazer, e assim será de fato um ministro, e não lhe será preciso proclamar que o é. Fora do púlpito, o ministro cristão deve ser sociável. Ele não é enviado ao mundo para ser um eremita, ou um monge de La Trappe – da ordem dos trapistas. Sua vocação não consiste em postar-se no alto de uma coluna o dia todo, acima dos seus semelhantes, como aquele desatinado Simão Estilita dos velhos tempos. Não lhe cabe ficar pipilando no alto de uma árvore, como um rouxinol invisível, mas ser homem entre os homens, a dizer-lhes: "Sou como vocês, em tudo quanto se relaciona com o homem". De nada vale o sal no saleiro; tem que ser posto na comida; e a nossa influência precisa penetrar e temperar a sociedade. Afastando-se dos outros, como poderá beneficiá-los? O nosso Mestre foi a uma festa de casamento, comia com publicanos e pecadores, e contudo era mais puro do que aqueles beatos fariseus cuja glória estava em manter-se separados dos seus semelhantes. É preciso dizer a alguns ministros que eles são da mesma espécie dos seus ouvintes. É um fato notório mas bem o podemos declarar, que os bispos, os cônegos, os arcedíagos, os prebendados, os deãos rurais, os párocos, os vigários, e até os arcebispos, não passam de homens afinal de contas; e Deus não cercou um recanto sagrado da terra para lhes servir de câmara clerical, para ficarem sozinhos. Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 236 Não seria uma coisa má se houvesse um ressurgimento da santa conversação no pátio da igreja e no pátio de reuniões. Gosto de ver o arvoredo de grandes teixos com assentos ao redor. Parecem dizer: "Sente-se aqui, amigo, e fale sobre o sermão. Aí vem o pastor. Ele se juntará a nós, e teremos um bate-papo santo e agradável". Não é com todos os pregadores que nos interessaríamos em manter conversa; mas há alguns que, para conversar uma hora com eles, a gente daria uma fortuna. Gosto de um ministro cujo rosto me convida para fazê-lo meu amigo – um homem em cujo limiar de porta se lê: "Salve", "Bem-vindo", e se sente que não há necessidade daquela advertência encontradiça: "Cuidado com o cão". Dêem-me um homem que as crianças rodeiam, como os insetos rodeiam um jarro de mel; elas são juízes de primeira classe de um bom homem. Quando Salomão foi testado pela rainha de Sabá quanto à sua sabedoria, dizem os rabinos que ela levou consigo algumas flores artificiais, lindamente confeccionadas e delicadamente aromatizadas, como fac-símiles de flores verdadeiras. Ela pediu a Salomão que descobrisse quais eram artificiais e quais eram naturais. O sábio mandou os seus servos abrirem a janela, e quando as abelhas entraram, voaram imediatamente para as flores naturais, e não deram a mínima atenção às artificiais. Assim vocês verão que as crianças têm os seus instintos, e descobrem depressa quem é amigo delas, e acreditem que o amigo das crianças é alguém que vale a pena conhecer. Tenham uma boa palavra para dizer a todos e a cada membro da família – aos moços, às moças, às menininhas, a todos. Não se sabe o que um sorriso e uma frase cordial podem fazer. Quem tem o dever de fazer muito com os homens precisa amá-los e sentir-se à vontade com eles. O indivíduo destituído de cordialidade, melhor seria que fosse agente funerário e enterrasse os mortos, porque nunca terá sucesso quanto a influenciar os vivos. Encontrei algures a observação de que para ser pregador popular é preciso ter entranhas. Receio que a intenção desta observação seja Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 237 criticar suavemente certos irmãos pela tremenda corpulência que vieram a ter; mas há verdade nela. O homem deve ter grande coração, se quiser ter uma grande congregação. O seu coração deve ter tão ampla capacidade como aqueles nobres portos ao longo da nossa costa marítima, que têm largueza suficiente para abrigar toda uma frota. Quando um homem tem coração grande e amoroso, os homens vão a ele como os navios a um porto, e sentem paz quando ancorados a sota-vento da sua amizade. Tal homem é cordial, tanto em particular como em público; seu sangue não é frio, não é sangue de peixe, mas é cálido como a lareira a que vocês se aquecem. Nenhum orgulho e egoísmo lhes causa calafrios quando vocês se aproximam dele; ele mantém abertas todas as suas portas para recebê-lo, e num instante vocês ficam à vontade junto dele. Gostaria de persuadir vocês, cada um de vocês, a serem homens desse tipo. O ministro cristão deve ser alegre também. Não creio em andar por aí como certos monges que vi em Roma, que se saúdam uns aos outros em tons sepulcrais, e transmitem a prazenteira informação: "Irmão, temos que morrer", e a essa vívida saudação, cada um dos vívidos irmãos da ordem responde: "Sim, irmão, temos que morrer". Alegrou-me ser certificado, com base nessa boa autoridade, de que todos esses sujeitos indolentes estão prestes a morrer; de modo geral, é quase a melhor coisa que eles podem fazer. Mas, enquanto não se dá esse acontecimento, eles poderiam usar uma forma de saudação mais confortante. Sem dúvida há algumas pessoas que se impressionam com a aparência muito solene dos ministros. Ouvi falar de alguém que se convenceu de que tem que haver algo na religião católica romana, por causa da aparência extremamente faminta e chupada de certo eclesiástico. "Olhem", disse aquele, "como o homem está que é quase esqueleto por seus jejuns diários e suas vigílias noturnas! Como ele mortifica a sua carne!" Ora, as probabilidades são de que o emaciado sacerdote estivesse labutando com alguma doença interna, da qual se alegraria de coração se pudesse livrar-se, e não fosse o domínio do Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 238 apetite, mas a falta de digestão, que o tivesse reduzido tanto; ou talvez uma consciência atribulada, que o tivesse desgastado, reduzindo-lhe assim o peso. Certamente nunca achei um texto que mencione a proeminência dos ossos como evidência da graça. Se fosse assim, "O Esqueleto Vivo" deveria ser exibido, não apenas como uma curiosidade da natureza, mas como padrão de virtude. Alguns dos maiores velhacos do mundo têm sido na aparência tão mortificados como se vivessem de gafanhotos e mel silvestre. É erro vulgar supor que um semblante melancólico seja índice de coração agraciado. Recomendo jovialidade a todos os que desejam ganhar almas para Cristo; não leviandade e ostentação fútil, mas espírito cordial e feliz. Pegam-se mais moscas com mel do que com vinagre, e haverá mais almas levadas para o céu pelo homem que usa o céu no rosto, do que pelo que traz o tártaro no semblante. Os jovens ministros, e, na verdade, todos os demais, quando na companhia de outras pessoas, devem ter o cuidado de não monopolizar toda a conversação. Estão bem qualificados para fazê-lo, sem dúvida. Digo isso por sua capacidade para ensinar e por sua facilidade de expressão. Mas devem lembrar-se de que as pessoas não estão interessadas em receber instrução perpetuamente; gostam de ter a sua vez na conversa. Nada agrada tanto a algumas pessoas, como deixá-las falar, e talvez lhes seja benéfico agradá-las. Certa noite passei uma hora com um personagem que me honrou dizendo que achava que eu era uma companhia encantadora, com conversa muitíssimo instrutiva; contudo, não hesito em confessar que eu não disse quase nada, mas deixei que só ele falasse. Pelo exercício da paciência, ganhei a sua boa opinião e a oportunidade de lhe falar noutras ocasiões. À mesa não se tem mais direito de falar tudo, do que de comer tudo. Não devemos considerar-nos o Senhor Oráculo, diante de quem nenhum cão deve abrir a boca. Não. Permita-se que todos os membros do grupo contribuam dos seus depósitos, e terão os melhores Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 239 pensamentos sobre as palavras piedosos com as quais vocês procuram temperar o discurso. Haverá algumas ocasiões nas quais vocês estarão presentes, especialmente no início do seu ministério, quando todos ficarão atemorizados pela majestade da sua presença, e o povo será convidado porque o novo ministro estará ali. Tal posição faz-me lembrar a mais fina estatuária do Vaticano. Abre-se uma pequena sala, corre-se uma cortina, e, eis aí! diante de você ergue-se o grande Apolo! Se lhe couber a penosa sorte de ser o Apolo do grupo, dê fim ao absurdo! Se eu fosse o Apolo, gostaria de sair do pedestal e apertar a mão de toda gente, e melhor seria que você fizesse a mesma coisa, pois, mais cedo ou mais tarde, o alvoroço que fazem em torno de você terá fim, e o procedimento mais sábio será dar-lhe cabo você mesmo. O culto do herói é uma espécie de idolatria, e não deve ser estimulado. Os heróis agem bem quando, fazendo como os apóstolos em Listra, ficam horrorizados com as honras que lhes prestam, e correm pelo meio do povo, gritando: "Varões, por que fazeis essas coisas? Nós também somos homens como vós, sujeitos às mesmas paixões". Os ministros não precisarão fazer isso por muito tempo, pois, os seus estultos admiradores são bem capazes de virar-se contra eles e, se não os apedrejarem quase até à morte, irão até onde sua ousadia lhes permitir, em sua grosseria e menosprezo. Conquanto eu diga, "Não exagere no falar, e não assuma importância que não passa de impostura", digo porém, não seja mudo. As pessoas formarão uma estimativa a respeito de você e do seu ministério por aqui que notam em seu falar particular tanto como em seus discursos em público. Muitos jovens se arruinaram no púlpito por serem indiscretos na sala de visitas, e perderam toda a possibilidade de serem úteis por causa da sua insensatez ou frivolidade em meio a outras pessoas. Não seja um pedaço de pau inanimado. Na Feira de Antuérpia, entre muitas curiosidades anunciadas com enormes quadros e grandes alardes, avistei uma barraca em que havia "uma grande maravilha" que Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 240 se podia ver por apenas uns níqueis; era um homem petrificado. Não gastei a quantia exigida para a entrada, pois eu tinha visto de graça muitíssimos homens petrificados, no púlpito e fora dele – sem vida, negligentes, destituídos de bom senso, e completamente inertes, apesar de se ocuparem da atividade mais importante que o homem poderia exercer. Procure mudar a conversa, dando-lhe uso proveitoso. Seja comunicativo, alegre etc., mas labute para realizar alguma coisa. Por que você deveria semear vento ou arar pedra? Considere-se, depois de tudo, a si próprio como muito responsável pela conversação que é mantida onde você se encontra, pois é esta a estima em que normalmente será tido – que você será o timoneiro da conversação. Portanto, conduza-a para um bom rumo. Faça isso sem ser rude e sem forçar. Mantenha em boa ordem os pontos da linha, e o trem correrá pelos trilhos sem um solavanco. Esteja preparado para agarrar com destreza as oportunidades, e conduzir imperceptivelmente as coisas pela trilha desejada. Se o seu coração estiver posto nisto, e se o seu espírito estiver desperto, isto será bastante fácil, especialmente se você elevar uma oração pedindo direção. Nunca me esqueço da maneira como um indivíduo sedento apelou para mim em Clapham Common. Eu o vi num enorme carro no qual levava um pacote extremamente pequeno, e lhe perguntei por que não punha o pacote no bolso e deixava o veículo em casa. Disse-lhe eu: "É esquisito ver um carro tão grande para uma carga tão pequena". Ele parou e, olhando-me seriamente no rosto, disse: "Sim, senhor, é esquisito; mas, você sabe, hoje mesmo vi uma coisa mais esquisita ainda. Andei por aí trabalhando e suando todo este bendito dia, e até agora não encontrei nem um só cavalheiro que me parecesse disposto a dar-me uma garrafa de cerveja, até que encontrei você". Achei que ele manobrou com muita habilidade aquela virada na conversação, e nós, com muito melhor assunto em nossas mentes, devemos ser igualmente capazes de apresentar o tópico em que o nosso coração está posto. O homem agiu com tanta facilidade, que tive inveja Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 241 dele, pois eu não achei coisa simples assim apresentar o meu próprio tópico à sua consideração. Entretanto, se eu tivesse pensado tanto em como fazer-lhe bem quanto ele em como obter uma bebida, estou certo de que teria tido sucesso em atingir o meu objetivo. Se por todos os modos havemos de salvar alguns, devemos, como o nosso Senhor fez, falar à mesa com bom propósito em mente – sim, e à beira do poço, pelo caminho, na praia do mar, em casa e no campo. Ser um santo palestrante em prol de Jesus pode ser um ofício tão frutífero como ser um pregador fiel. Tenha em mira um alto grau de excelência em ambos os exercícios, e se for pedido o auxílio do Espírito Santo; você realizará o seu desejo. Aqui talvez eu deva inserir uma regra que, não obstante, creio que é completamente desnecessária com referência a cada um dos honoráveis irmãos a quem me dirijo nesta oportunidade. Não freqüentem as mesas dos ricos para obter o apoio deles, e nunca se façam uma espécie de parasita das recepções e dos banquetes. Quem é você que deva ser um bajulador deste ou daquele ricaço, quando os pobres do Senhor, os Seus enfermos, e as Suas ovelhas errantes precisam de você? Sacrificar o gabinete pastoral pela sala de visitas é um crime. Ser um agenciador da sua igreja, e surpreender as pessoas nas suas casas para atraí-las de modo que lotem os bancos da sua igreja, é uma degradação a que homem nenhum deve submeter-se. Ver ministros de diferentes denominações alvoroçando-se em volta de um homem rico, como abutres rodeando um camelo morto, deixa a gente enojado. Foi deliciosamente sarcástica aquela carta "de um velho e amado ministro a seu querido filho", por ocasião de sua entrada no ministério, da qual o seguinte extrato fere o ponto em questão. Dizem que ela foi transcrita da Smellfungus Gazette, mas desconfio que o nosso amigo Paxton Hood sabe tudo sobre a sua autoria. "Mantenha também um olho vigilante posto em todas as pessoas, especialmente as ricas ou influentes, que provavelmente venham para a sua cidade. Visite-as, e procure ganhá-las por meio de ato de devoção realizados na sala de visitas. Assim você poderá servir aos interesses do Mestre de maneira extremamente eficiente. É preciso tratar bem as pessoas, Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 242 e o resultado de longa experiência confirmará a minha convicção, de há muito acariciada, de que o poder do púlpito é uma ninharia, comparado com o poder da sala de visitas. Precisamos imitar e santificar, mediante a Palavra de Deus e oração, os exercício dos jesuítas. Estes obtinham sucesso, não tanto com o púlpito como o que tinham com o locutório. Neste você pode sussurrar – pode conhecer as pessoas em todas as suas pequenas idéias pessoais. "O púlpito é um lugar muito desagradável; é claro que é o grande poder de Deus, e assim por diante, mas é a sala de visitas que conta, e o ministro, mesmo que for bom pregador, não terá a mesma possibilidade de sucesso que terá aquele que for um perfeito cavalheiro. Tampouco homem nenhum terá qualquer perspectiva de êxito numa sociedade culta, se não for, não obstante tudo o que seja, um cavalheiro. Sempre admirei a caracterização do apóstolo Paulo feita por Lorde Shaftesbury em sua obra, Characteristics (características), de que ele era um fino cavalheiro. E eu lhe digo: seja um cavalheiro. Não que eu tenha necessidade de dizê-lo, mas estou persuadido de que somente desta maneira podemos esperar a conversão da nossa crescente classe média. Temos que mostrar que a nossa religião é a religião do bom senso e do bom gosto; que desaprovamos as emoções fortes e os fortes estimulantes; e, ah, meu caro rapaz, se você quiser ser útil, ore fervorosamente muitas vezes em seu quarto, para que você seja um cavalheiro. Se me perguntassem qual é o seu primeiro dever, eu diria, seja cavalheiro; e o segundo, seja cavalheiro; e o terceiro, seja cavalheiro". Os que recordam certa classe de pregadores que floresceram há cinqüenta anos, verão a agudeza da sátira deste extrato. O mal acha-se grandemente mitigado agora. Na verdade, receio que estejamos indo para o outro extremo. Com toda a probabilidade, uma conversação sensata às vezes pende para a controvérsia, e aqui muito bom homem topa com um tropeço. O ministro sensato será particularmente gentil na argumentação. Acima de todos os demais homens, ele não deve cometer o erro de imaginar que há força no mau gênio e poder no falar zangado. Um pagão que estava no meio de uma multidão em Calcutá, ouvindo um missionário discutir com um brâmane, sabia quem estava certo apesar de não entender a língua sabia que estava errado aquele que perdera a calma primeiro. Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 243 Na maioria dos casos, este é um modo muito precioso de julgar. Procure evitar discutir com as pessoas. Dê sua opinião, e permita que elas dêem as suas. Se você vê que uma vara é torta, e quer que o povo veja como ela é torta, ponha um bastão reto ao lado dela, e bastará. Mas se você for levado a uma controvérsia, empregue argumentos bem duros e palavras bem suaves. Muitas vezes não conseguimos convencer um homem dando puxões na sua razão, mas você pode persuadi-lo conquistando o seu afeto. Outro dia eu tive a desgraça de precisar de um par de botinas novas, e embora tenha pedido ao camarada que as fizesse grandes como canoas, tive que fazer um esforço terrível para calçá-las. Com um par de calçadeiras labutei como os homens que estavam a bordo do navio de Jonas, mas tudo em vão. Foi nesse instante que o meu amigo pôs na minha frente um pequeno pedaço de giz francês, e o trabalho foi feito num momento. Maravilhosa e gentilmente persuasivo era aquele giz francês. Cavalheiros, levem sempre consigo um pequeno giz francês à sociedade, um belo pacote de persuasão cristã, e logo descobrirão as virtudes dele. E finalmente, com toda a sua amabilidade, o ministro deve ser firme em seus princípios, e destemido para proclamá-los e defendê-los em todos os agrupamentos sociais. Quando ocorre uma boa oportunidade, ou se ele tiver produzido uma, não se demore a aproveitá-la. Forte em seus princípios, fervoroso na entonação e afetuoso de coração, fale como homem, e agradeça a Deus o privilégio. Não há necessidade de reticência – ela é desnecessária. As mais doidas fábulas dos espíritas, os mais rústicos sonhos dos reformadores utópicos, a mais tola tagarelice da cidade, e a mais fútil absurdidade do mundo frívolo, exigem quem os ouça, e os conseguem. E Cristo, não será ouvido? Sua mensagem de amor ficará sem ser proferida, por temer-se acusação de intrusão ou de hipocrisia? Far-se-á da religião um tabu – proibido o melhor e o mais nobre de todos os temas? Se esta for a regra de alguma sociedade, não concordaremos com ela. Se não a pudermos pôr fora de ação, Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 244 deixaremos a sociedade entregue a si mesma, como os homens abandonam uma casa contagiada pela lepra. Não podemos consentir que nos amordacem. Não há razão por que devamos ser amordaçados. Não iremos a nenhum lugar aonde não podemos levar conosco o nosso Mestre. Enquanto outros tomam a liberdade de pecar, nós nos renunciaremos à nossa liberdade de repreendê-los e adverti-los. Utilizada com sabedoria, a nossa conversação comum pode ser um poderoso instrumento para o bem. Encadeamentos de conceitos podem ser iniciados com uma só frase que talvez leve á conversão pessoas jamais alcançadas por nossos sermões. O método de segurar as pessoas pela lapela, ou de levar-lhes a verdade individualmente, tem obtido grande sucesso. Este é outro assunto, e dificilmente ficará bem sob o título de conversação comum. Mas concluiremos dizendo que é de esperar-se que nós, em nosso falar comum, não mais do que no púlpito, nunca sejamos vistos como uma refinada espécie de pessoas, cuja ocupação é tornar agradáveis as coisas para todos, e que nunca, por qualquer motivo ou circunstância possível, causam inquietação a quem quer que seja, por mais ímpias que suas vidas sejam. Tais pessoas vão e vêm entre as famílias dos seus ouvintes, e se divertem com elas, quando deviam chorar sobre elas. Sentam-se às suas mesas e se banqueteiam em sua comodidade, quando deviam exortá-las a fugirem da ira vindoura. São como o alarme americano de que ouvi falar, que era garantido que não o despertaria, se você não quisesse que o despertasse. Quanto a nós, cabe-nos semear, não somente no terreno plano e bom, mas também nas rochas e nos caminhos pisados, e no último e grande dia ter uma feliz colheita. Que o pão lançado por nós às águas em horas extraordinárias e em ocasiões estranhas, seja encontrado de novo depois de muitos dias!