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© 2019 1. reimpressão
Capa
Hallina Beltrão
Revisão e diagramação
Carol Magalhães
Todos os direitos reservados pela Quintal Edições. Nenhuma parte desta publicação
poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica,
sem a autorização prévia da editora.
Quintal Edições
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Produção de ebook
S2 Books
Digo te amo pra todos que me fodem bem / Seane Melo. 1 reimpressão. – Belo Horizonte :
Quintal Edições, 2019.
ISBN 978-85-5703-027-5
Capa
Folha de rosto
Créditos
João
1
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Mateus
11
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Thiago
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JOÃO
1
Não podia acreditar no que tava acontecendo e nem segurar o
sorriso a cada nova mensagem que chegava.
Eu tava na minha, me acostumando aos dias de tédio, quando
pipocou uma mensagem dele no meu Facebook. Devia fazer uma
década que a gente se esbarrava nos rolês. Dessas coisas que
acontecem quando se mora em cidade pequena e se é classe
média num estado fodido como o Maranhão. Mas nunca rolou muita
interação. A gente tinha se falado por uns cinco minutos uma vez, e
eu, ou ele, não lembro, tinha aproveitado a deixa pra já enviar
convites de amizades nas redes sociais. Só que nada tinha
acontecido até aquele dia. Finalmente alguma coisa ia acontecer em
2016.
João veio puxar assunto sobre um dos meus poemas eróticos e
eu, mesmo que receosa – Putz, o que será que ele acha disso? –
agarrei a oportunidade pra engrenar uma conversa longa.
O papo tava fluindo bem e eu conseguia adivinhar, do outro lado
da tela, ele calculando cada palavra para chegar aonde queria: falar
putaria. Quando percebo que os caras tão querendo isso, sempre
fico meio aflita me perguntando se esse é algum tipo de pré-
entrevista pra saber se a transa promete. E entrevistas me deixam
aflita. Mais do que falar sobre sexo, preferia ter data, hora e lugar
agendados com ele pros próximos dias, mas também não queria
perder a chance de continuar interagindo, então aceitei entrar na
onda e, pra ser sincera, tava vibrando de excitação até ele mandar
essa:
“Quando a gente se encontrar, eu quero que você dance pra
mim.”
Deu merda!, meu cérebro apitou.
“Eu vou estar deitado e quero você nua dançando em cima de
mim.”
Ferrou.
Passei uns cinco minutos, paralisada, criando imagens mentais e
avaliando todos os cenários possíveis. Por um lado, achava bacana
que ele quisesse me ver de baixo pra cima. Esse deve ser bundista
como o Zanatto, [ 1 ] comemorei. Gostava de caras tarados em
bunda, não porque minha bunda fosse incrível, na real, era bem
mediana. Quer dizer, não sei quais os critérios de avaliação de
bunda, devem ser meio subjetivos e tudo, mas minha bunda era
pequena e tinha celulites e estrias, com certeza isso devia tirar uns
pontos. De toda forma, era uma bunda honesta com um formato
legal, e, na minha opinião, era mais divertida que os meus peitos.
Imaginei-o me olhando naquela posição. Daí pra sentar na cara, é
um pulo, avaliei, isso eu definitivamente vou gostar de fazer.
Quando começava a me animar com a perspectiva, sua frase
voltava à minha cabeça.
“Quando a gente se encontrar, eu quero que você d-a-n-c-e pra
mim.”
Não é que eu dance tão mal assim, também não sou boa, mas o
que pegava mesmo era todo o conceito de dançar pra alguém antes
do sexo. (Ou será que ele imaginou durante?). De dançar avisado,
ensaiado e com o propósito de realmente seduzir alguém. Isso ia
contra toda a minha filosofia de sentir qual putaria cada momento
pede, entende?
Matutei logo se isso não tinha a ver com as coisas que escrevia.
Sei lá, minhas amigas vivem me perguntando se os caras não me
abordam por conta dos poemas. Pra ser sincera, o que me
incomoda não é ser ou não abordada, e, sim, essa pulga atrás da
orelha das expectativas que criam em cima de mim. Outro dia, um
amigo de longa data me encontrou por acaso e soltou que nunca
tinha me imaginado daquele jeito.
“Migo, não viaja, não tem a ver com o que eu faço”, foi o que
disse na hora, mas, mentalmente, pensava Graças a deus que cê
não perde seu tempo me imaginando fudendo, né querido?
“Mas, pra escrever, tem que entender”, ele não quis dar o braço a
torcer. Entender não é fazer, pensei, mas nem quis discutir.
Ultimamente, tenho pensado que a minha sorte como mulher
heterossexual se aproximando dos trinta – mais perto dos 25 que
dos 30, Vanessa!, outra voz dentro de mim sempre contesta – é que
eu tenho uma boa imaginação. Consigo criar bem uns cenários,
sabe? Aposto que consigo encarar essa de dançar pro João.
No celular toca No Police, da Doja Cat. Olho João, de cueca,
deitado na cama. Tiro a calça jeans e vou engatinhando até
ficarmos cara a cara. Começo a rebolar um pouco naquela posição,
sento de joelhos e tiro a camiseta. Fico em pé na cama. Ensaio
movimentos lentos com o quadril e, eventualmente, passeio o pé por
cima dele. Tiro a calcinha e volto a rebolar, me posicionando
exatamente acima de sua cabeça. Vou descendo e paro a alguns
centímetros de distância do rosto dele para dar um suspense. Fico
de quatro, agora com a bunda na direção do seu rosto. E bato o
cabelo como a Britney Spears no macacão transparente de
swarovski em Toxic. João vai à loucura.
Pra funcionar, preciso imaginar a cena exatamente como se fosse
uma coreografia da Britney, sabe? Porque eu mesma nunca faria
isso sem fingir que tô na pele de outra pessoa e, tenho certeza, se
algum dia realmente topasse fazer algo do tipo, a realidade seria
outra. Pra começo de conversa, a música tocando seria da Nicki
Minaj…
“É essa música que você quer escutar agora?”, ele reclamaria.
“Cala a boca. A performance é minha”, diria, deixando o celular
no criado mudo e me virando para encará-lo.
Me aproximaria fazendo caras sensuais exageradas, puxando a
camisa que nem a Shakira em Chantaje, e cantarolando o refrão
“I’m feeling myself, I’m feeling myself”. Pressionaria meu quadril na
perna dele e bagunçaria seu cabelo ainda fazendo caras e bocas.
Viraria de costas e improvisaria um twerk mal executado contra seu
pau, fazendo uma bela demonstração de toda a minha falta de
flexibilidade. (Tenho que parar de pular os alongamentos). Ele me
seguraria pelo quadril e perguntaria sorrindo:
“Beleza, agora a gente já pode transar?”
“Nossa, que grosso! Tava te seduzindo”, me faria de ofendida.
“Ué, mas já deu, tô de pau duro.”
“Cê sempre tá de pau duro.”
“Ah é?”, perguntaria lisonjeado.
Eu confirmaria com a cabeça e enfiaria minha mão na cueca dele.
“Sempre acontece quando cê tá por perto”, sussurraria.
Eu amo o João da minha imaginação.
2
Jogo o livro pro lado e estico as pernas na cama tentando
encontrar um jeito de ficar mais tranquila. A tela do celular não para
de me convidar a apertar o botão de desbloqueio, mas, pela
ausência de luzes piscando, sei que não chegou notificação. João
não mandou mais nenhuma mensagem.
Ser mulher, em uma cidade como São Luís, é bem difícil. Lembro
a última que vez em que fui ao Veneto e sentei na mesa de uma
amiga. Uma outra garota, que eu não conhecia e continuo sem
saber o nome, contava a história de um cara que tava dando em
cima dela. Juro que não gosto de julgar as pessoas, mas a mina era
do tipo que me matava de preguiça.
“Eu topei sair com ele, né? Só que o boy tava crente que já ia me
comer no primeiro encontro!”, disse e esperou a expressão de “Que
absurdo!” da minha amiga.
Olhei pras duas e quase não me segurei. Pois me passa o
telefone desse homem, era o que queria ter dito, mas me contentei
em tomar um longo gole de cerveja e dar uma espiada ao redor para
ver quantos conhecidos conseguia localizar. O Veneto é um bar bem
caído só que, por algum motivo, parece ter o poder de reunir quase
todo o meu círculo pessoal.
Sentada na cama, penso novamente que não tenho a sorte
daquela mina e me flagro com um pouco de inveja. Que mania de
merda de achar que tem que esperar! Sinceramente, não faço a
mínima ideia de por que ainda saem repetindo isso. O que me
choca mais é todo mundo encarar isso como se fosse muito natural.
Às vezes até me pergunto se eu é que sou afobada, sabe? Tô
tentando trabalhar isso. Ô, se tô, dou uma bufada e espio o celular.
Nada.
Faz umas duas semanas que João puxou assunto e, desde
então, a gente se fala religiosamente todos os dias. Não sou uma
pessoa exatamente moderada, já fui de ficar trocando mensagens o
dia inteiro, mas como nós dois trabalhamos, falamos pouco até, só
que de um jeito bacana, que me faz ficar ansiosa, todos os dias,
esperando pela hora em que ele vai me chamar no WhatsApp. Acho
que deveria achar isso ótimo e tudo, mas depois de duas semanas
de uns papos bem legais, não consigo deixar de ficar aflita por não
me chamar pra sair. Por algum motivo, apostei que o convite ia rolar
nessa sexta. Lenda.
Concluo que não vai ter jeito e expulso o gato do quarto para me
masturbar em paz. Volto saltitando pra cama e finalmente aperto o
botão de desbloqueio do smartphone. Entro no WhatsApp e olho a
bolinha da foto de perfil da primeira conversa da lista.
“Essa vai ser pra você.”
Brinco em voz alta e dou uma piscadinha pra tela do celular
enquanto reparo que aquela foto minúscula talvez seja o único
material masturbável que tenho dele. João nunca me mandou um
nude. Pra falar a verdade, desde a nossa primeira e única conversa
mais sensual, quando disse que queria me ver dançando pelada em
cima dele, o assunto meio que morreu e, agora, tenho a impressão
de que ele sempre passa correndo de qualquer papo que possa
acabar em sexo. Eu até me esforço.
“Não vou cuspir no prato que comi, cara”, ele comenta sobre um
assunto qualquer.
“Olha, dependendo do prato, às vezes é bom cuspir. Se é que
você me entende”, eu soltaria apenas para ser ignorada na
mensagem seguinte.
Deito na cama, tiro a calcinha e me cubro com o lençol. Por
algum motivo, me dá um tesão gigantesco me masturbar embaixo
do lençol. Pensando bem, deve ser uma forma de fingir que não sou
eu que me toco. We never fuck alone, filosofo mentalmente,
brincando com o filme do Gaspar Noe.
Experimento deixar as pernas dobradas no ar ao mesmo tempo
em que amaldiçoo o autor da expressão frango assado. O filho da
mãe conseguiu arruinar a posição. Pior que ela vale muito à pena,
mas sempre tenho que fazer um esforço tremendo pra não pensar
no tal do frango. Desisto. Decido testar se esta noite não estou mais
no clima de ficar de pernas para cima e as apoio na parede. Demoro
em cada um dos preparativos na tentativa de criar uma expectativa
e tudo. Pra falar a verdade, quando a siririca tem essa finalidade,
digamos, de conter o fogo no rabo, sempre me empenho em fazer
tudo de forma impecável.
Puta merda, ele podia só me comer logo, reclamo ao mesmo
tempo em que dou o primeiro toque no meu clitóris. Gosto de
começar sequinha porque os movimentos são fortes e certeiros.
Preciso ter cuidado com a intensidade do toque, por isso, começo
sem pensar em nada e me concentro nas carícias. Dessa vez é
diferente, me obrigo a pensar nele para completar o momento de
catarse.
Quanto tento imaginá-lo, descubro que não criei imagens mentais
para o seu pau. Sei lá, acho complicado isso. Tenho medo de
imaginar um pau bonitão de ator pornô e criar uma expectativa
desnecessária. Por outro lado, também não consigo imaginar um
pau realista, sabe, torto ou com a cor da pele diferente da do corpo
e tal. E se ele tiver o pau pequeno? A questão me ocorre e abano a
cabeça para afastá-la. “Eu não pratico size shaming, João”, me vejo
explicando para sua versão imaginária e quase me perco pensando
em todas as transas boas que os paus pequenos me
proporcionaram.
É incrível como o corpo humano é lindo, né? Gente pelada é uma
parada linda de se ver, de verdade. E não tô falando de um corpo
impecável não. Porque os defeitos sempre parecem mais
particulares, é neles que a lembrança se apega, não sei se dá pra
entender… Já amei pau torto e pau médio de tudo. E quando tem a
cabeça redondinha? Putz, compensa tudo. Esses eu definia como
pau ergonômico, sem brincadeira. Também teve uma época que
encanei com pau grosso. Não podia ver um que a boca enchia
d’água. Mesmo! Na real, tenho quase certeza de que é meio
fisiológico e que eles fazem produzir mais saliva for real. Mas, pro
João da minha fantasia de siririca, eu não queria escolher nada,
porque escolher significaria ter uma preferência. E, comigo, essa
preferência só surgia depois de pegar, chupar e ter dentro de mim.
Minha preferência, João, era teu pau aqui em casa por pelo menos
quatro horas semanais, penso e deixo escapar um gemido.
“Caramba, não tô me ajudando.”
Sinto a lubrificação ficar mais intensa, mas demoro um pouco
mais dando tapinhas com a pontinha do dedo no clitóris ainda seco.
Então, meleco o indicador na vagina e espalho lubrificante por toda
a buceta. Começo a acelerar os movimentos, passando o dedo da
esquerda pra direita ou sei lá, nunca sei por qual lado começo
mesmo. Repito isso, mudando o ritmo aqui e ali, só para garantir
que não vou gozar logo. Ainda não decidi como quero gozar, então,
é melhor só deixar rolar.
Tento imaginar como João fode e percebo que tô bloqueada.
Ainda não sei se ele gosta mais de bunda ou peito. Saber isso já
faria toda a diferença pra adivinhar seu primeiro movimento na
transa, mas não tenho pistas. Bom, ele quer me comer, deve preferir
bunda, deduzo e automaticamente já consigo visualizar suas mãos
tentando agarrar toda a minha bunda de uma vez e uns dedinhos
safados, bem próximos do cu, posicionados propositalmente para
sondar se peço pra tirar ou não. Não peço, João.
Ele me puxa pela bunda para o seu colo. Não sei se mete rápido
ou prefere ir devagar, se olha nos olhos ou morde, se lambe, se
beija, se bate (Porra, não sei nada dele!), mas, como tenho a licença
poética da minha siririca, desapego da verossimilhança jornalística e
decido que João me fode sentado.
Odeio transar sentada, na real. Mas, enquanto aumento a
pressão do dedo e começo a me masturbar no esquema lixadeira
dos pornôs – às vezes gosto de fingir que sou um homem me
masturbando errado, confesso – fico imaginando os ombros dele
contraídos no esforço de me dar impulso para quicar. Nunca contei
isso, mas o fator decisivo preu ter começado a cumprimentar o João
em todos os rolês em que a gente se esbarrava nessa cidade foi
uma única e decisiva vez em que ele passou de regata por mim.
Enquanto o meu dedo sobe e desce, sinto que aquele momento se
repete em loop infinito.
Lambo o seu pescoço e mordo o seu ombro, enquanto seguimos
naquele sexo entrelaçado. João elogia minha buceta e me pede pra
gemer. É uma pena que ainda não consiga visualizar sua reação no
orgasmo, mas sei que goza. Só ele.
Não gozamos juntos. Preciso de concentração total, João. Lambo
o dedo e vou em direção ao clitóris já superestimulado. Paro de
pensar, só consigo fazer uma coisa por vez. Gozo um gozo gostoso
e sofrido, aquele de quem queria encharcar a cama de outra
pessoa. No mesmo instante, o celular acende a tela.
“Desculpa a demora, acho que cochilei”, João envia.
Não respondo nada. Me estico na cama, penso no quanto queria
sair do zero a zero e calculo quanto tempo ainda vou ter que
esperar para essa foda sair. Talvez eu precise de mais uma. Volto a
me cobrir com o lençol.
3
Hoje João me perguntou se sexo é muito importante pra mim e
fiquei imediatamente aliviada por ainda só conversarmos pelo
WhatsApp e ele não poder adivinhar minha expressão facial. Odeio
esse tipo de interrogação. Quer dizer, por um lado é legal que ele
queira voltar a falar sacanagem, mas a pergunta, sem exagero, me
soa quase como “você gosta de xixi na transa?”. Parece questão
eliminatória, sabe? Quem indaga ou tá atrás de alguém em quem
possa mijar ou odeia isso, tipo, teve algum trauma e prometeu se
prevenir de sair com qualquer um que insinue uma chuva dourada.
É, eu sei o nome, acho que li naquele livro da Bruna Surfistinha.
Respondi que não. Quem eu tô querendo enganar? Ele já leu
minhas poesias!
“Mas também não me imagino numa relação sem sexo”, tentei
corrigir. “Quer dizer, já passei muito tempo ficando com pessoas
sem sexo… Consigo curtir”, atenuei. “Mas, assim, num
relacionamento ideal tem sexo, né?”. Ainda em dúvida se tava
soando meio louca, quis completar: “Digo, tem que saber o que
cada um entende por sexo”.
“Merda. Tinha uma resposta certa pra essa pergunta, João?”
Depois da minha enxurrada de mensagens confusas, ele riu e
garantiu que não. Claro que tem, João, pensei. E acho que errei.
Por esse tempo que temos conversado, ele me parece um cara bem
monogâmico, sabe? Às vezes, cogito a possibilidade de estar me
cozinhando tanto só pra garantir que não vou transar com ele e
partir pra outra. Por isso, fiquei naquela de responder “pô, claro que
sexo é importante” e ele entender que eu queria trepar todo dia (eu
quero), que não consigo ficar sem isso (consigo, mas preferia não
precisar) ou que descarto caras quando a transa não é boa (olha, tá
muito difícil descartar hoje em dia, João). Na real, acho que o meu
maior medo era dele achar que dar muita importância pra sexo é o
mesmo que dar pouca importância pra envolvimento afetivo.
Dou uma bufada enquanto penso no quanto é óbvio que sexo
nunca é só sexo. Sabe, ouço umas amigas falando que queriam
encarar a transa como encaro e fico me perguntando se elas não
sabem que sou do tipo que sairia por aí pichando “bom mesmo é
transar beijando”. Tudo bem que curto muito dar de quatro também,
mas acho que deu pra entender, né? É que não foi porque, no último
ano, transei com mais caras do que algumas amigas nos últimos
cinco anos, que eu não quis amar todos eles. E não tô tentando
limpar a barra do sexo casual ou, pior, insinuando que começo toda
relação sexual querendo um relacionamento estável, não é isso. Só
sei que digo te amo pra todos que me fodem bem. Porque, no duro,
quando eles fazem direitinho, fico achando que entenderam alguma
coisa muito íntima sobre mim e meus desejos. Fico caidinha
mesmo.
Tô achando que o meu problema com os homens é sempre ter
que explicar essas coisas e, ainda assim, ter essa sensação
deprimente de que eles não entendem. É que os homens separam
as coisas, dizem. Mas eu não sei separar nada, nem consigo. Uma
vez me disseram que durante o sexo as almas se tocam, sei que é
uma coisa bem brega e questionável de se dizer – nem vou
comentar que já imaginei uma mãozinha saindo de um pênis
encostando em outra mãozinha que tá dentro da minha buceta – só
que serve pra explicar algumas coisas, sabe? Explica por que, às
vezes, é tão difícil fazer a transa evoluir com alguém que se recusa
a se abrir pra você. Tenho uma história assim com Ele, um boy que
nem gosto de falar o nome.
Liguei uma da manhã perguntando se podia dormir no apê dele
porque tava perto e não tinha grana prum táxi até minha casa. Ainda
naquela noite, Ele tinha curtido a foto que postei no Instagram com a
blusa que me fazia sentir gostosa. E quando Ele, o meu Você-Sabe-
Quem da transa, curtia alguma coisa minha, eu podia apostar que ia
pintar um booty call na semana. Já era uma rotina: a gente transava,
Ele sumia por umas semanas e reaparecia curtindo alguma foto ou
publicação (sempre em uma rede social diferente, incluindo o
Foursquare) para, em seguida, fazer um convite no chat.
Podia ter esperado a mensagem, mas ou a notificação da curtida
tinha atiçado meus hormônios ou eu já tava perto de menstruar e
nessa época fica foda. Então, aproveitei que tava pelas redondezas
e que realmente tava sem grana pra jogar essa ideia. Se colar,
colou. Do jeito que Ele era cuzão e queria ter todo o controle da
situação sempre, achei que ia ler a mensagem e me deixar num
daqueles vácuos de amargar.
Pra minha surpresa, Ele respondeu imediatamente, perguntando
em que rua eu tava. Enviei a localização e me disse pra esperar lá
mesmo. Tava num táxi voltando pra casa e ia passar pra me buscar.
Ainda me perguntei se tinha sido uma boa ideia e concluí que era
melhor nem pensar muito no assunto ou ia me arrepender.
Entrei no táxi e percebi que não tinha ensaiado nada para falar.
Hey! Ele também não parecia ter pensado no assunto. Olá. Depois
que ocupei um lugar ao seu lado, no banco traseiro, seguimos em
silêncio. O motorista olhou curioso pelo retrovisor, fingi que me
concentrava no cinto de segurança.
Em dois minutos, estávamos no elevador e eu tentava beijá-lo
enquanto Ele evitava alegando que os porteiros veriam tudo.
Sempre dizia a mesma coisa e eu continuava pedindo pra me comer
ali. Quando bebo um pouco, fico insuportável. E, confesso, me dava
um certo prazer fazer Ele revirar os olhos.
“Eles só vão ficar com inveja”, argumentei.
“Hum…” – Ele disse coçando a barba – “Cê tá animadinha, né?”
Sua indiferença só durou até a porta abrir, me pegou pelo braço,
me pressionou contra a parede e me beijou violentamente com boca
de álcool e cigarro. Parou repentinamente e lançou um olhar misto
de divertimento e censura.
“Que foi?”
“O que você tá fazendo aqui, hein?”
“Ué, tava sem grana prum táxi, não tinha arrumado carona ainda,
aí lembrei que cê morava por aqui.”
“Sei… você não veio aqui porque queria dormir comigo não, né?”,
perguntou desconfiado.
“Não”, respondi passando por baixo do seu braço e entrando na
porta que dava acesso à cozinha. “Se quiser durmo no sofá. Só
preciso de um lençol.”
“Hum… Melhor não, meu irmão pode chegar”, disse mais para si
mesmo. “Terminou? Então vamo dormir”, completou assim que me
viu devolver o copo em que tinha bebido água para a pia.
No quarto, começou a perguntar sobre a noite enquanto tirava
minha roupa e me beijava. Contei sobre as poucas músicas da festa
que tinha curtido e reclamei da fila do caixa ao mesmo tempo em
que ele chupava meus peitos. Qual o problema com o atendimento
em São Luís, né? Nunca vou entender. Eu me esforçava para falar e
dar detalhes irrelevantes apenas para parecer indiferente e não
entregar de cara o jogo. Ele sabia me agradar, sabia que eu estava
encharcada.
“Desconfiei que essa festa ia ser uma merda”, sentenciou depois
que parei de falar. “Me chupa?”
Dei um beijo nele e esperei que se deitasse, conhecia sua
posição preferida. Deitei em cima dele, com a bunda virada pra sua
cara e comecei o boquete. Acho que aprendi a gostar de oral com
Ele. Ficava realizada quando o pau ficava, hum, como eu poderia
dizer? Não é só duro. E duraço é de lascar, né? Tenho que arrumar
uma analogia pra explicar isso, esse estado em que a coisa fica tão
dura que parece que lateja, entende? Só que, quando penso em
latejar, me lembro logo de um furúnculo que tive criança. Passou um
dia latejando antes de estourar. Bom, até que a analogia funciona.
Se é que você me entende.
Não sei por que tô perdendo meu tempo com isso. O que tava
dizendo é que, quando eu deixava ele nesse estado que ainda não
sei descrever sem assumir um ar de romance de banca com direito
a membro rígido e tudo, era quase como se uma fadinha
aparecesse e dissesse no meu ouvido: “Toma aqui tua estrelinha de
chupadorona”.
Mas isso acontecia bem pouco, na real. Ele era bem difícil de
estimular ou manter estimulado e, quando seu pau parecia estar
mais pra lá do que pra cá, eu respirava fundo, tentava não levar pro
lado pessoal e sugeria alguma outra coisa, rapidinho, só pra não
levar a culpa pela sonolência do rapaz. Parêntese. Precisamos falar
sobre o tanto de cara que vive meia bomba. Um dia ainda
problematizo isso na internet. Fecha parêntese. Nessa noite, o
serviço tava moleza. Talvez fosse o álcool ou Ele tava com muito
tesão mesmo. A empolgação foi tão grande que não demorou preu
sentir uns dedinhos inspecionando a minha buceta. Já que você
insiste. Abri mais as pernas pra incentivar a exploração.
Se tinha uma coisa que ele fazia bem, era me masturbar. Isso e…
Tirou o indicador da minha buceta e começou a massagear o meu
cu. Sim, isso. Automaticamente, meu cu deu uma relaxada, mas,
meu lado racional achou que era melhor segurar a onda. Putz, será
que eu caguei hoje? Melhor não arriscar. Ainda com o seu pau na
boca, dei um pequeno gemido de protesto. “Não tomei banho desde
que saí de casa, baby”, sussurrei em seguida. Ele recuou e eu
continuei a chupá-lo. Ficamos assim por alguns minutos até ele
estremecer de prazer e, impulsivamente, segurar minhas duas
coxas dobradas e me puxar pra cima. Antes que eu percebesse,
lambeu meu cu. Como reação, tirei a bunda do alcance da sua boca
e voltei pra posição inicial.
“Porra, assim não dá.”
Fingi que não era comigo e continuei o boquete.
“A gente nunca vai dar certo se você não me deixar chupar seu
cu, cara.”
Escutei aquilo, parei de chupá-lo e girei meu corpo pro lado.
Fiquei deitada na cama, olhando para o teto. Incrédula.
“Cê não vai dizer nada?”, perguntou.
“Você é um babaca.”
“Por quê?”
“Porra, a gente transa há mais de um ano e cê acha que isso não
é dar certo?”
Ele riu.
“Volta pra cá.”
“Não tô no clima.”
“Eu quero que você me chame de babaca na minha cara.”
“Ah é?”, comecei a me animar.
O safado sabia me broxar como ninguém, mas também acertava.
“Me dá um tapa.”
Sentei em cima dele enlouquecendo de tesão. Idiota. Ele me
jogou de volta na cama e me dominou. Como sempre.
Depois que nos limpamos, do jeito que a preguiça permitiu, e
jogamos a camisinha fora, Ele ensaiou um abraço desajeitado. A
gente não sabia brincar de ser carinhoso.
“Sabe…”, eu comecei, “às vezes, quando cê tá me fodendo,
tenho vontade de dizer que te amo”.
As palavras mal saíram e o tempo do quarto já tinha fechado.
Não sei por quanto tempo ele ficou em silêncio, mas pareceu uma
década até eu ouvir:
“Tenho um monte de trampo pra fazer amanhã, cê pode dormir
aqui até oito da manhã, beleza?”
Apertei o botão do relógio para iluminar o visor. Quase 4 horas da
madrugada. Que arrombado.
Lembrei disso porque, sempre que penso em como os caras se
equivocam achando que as minas querem amorzinho, Ele me vem à
mente. O figura era campeão mundial no equívoco. Fico exaltada só
de pensar, sabe? Às vezes, tinha vontade de ser diretona com Ele e
jogar a real. Teria dado meu cu e liberado todos os beijos gregos
que quisesse. Era só dar abertura pruma intimidade, entende? Era
só Ele não agir como se estivesse na quarta série, na hora de ir
embora. No começo, ficava até meio ofendida, porque parecia que
ele tinha medo de mim e tudo, que achava que tava me passando a
mensagem errada. Mas, depois de um ano dessa palhaçada, eu só
ria internamente.
Pensando melhor agora, talvez Ele soubesse que aquilo nunca ia
dar em romance. Mas deve ter olhado essa minha cara de quem
geme chorando e simplesmente decidido que fazia parte da nossa
fantasia sexual fingir que eu era louca e ele, irresistível. De toda
forma, acho que eu desempenhava bem o papel.
Já sabia que Ele nunca ia entender o meu lance, preciso gostar
das pessoas pra chegar aonde quero. Me pergunta o que eu quero,
João! Acho que só quero mais sexo. Sexo no meio da semana, sexo
rapidinho, sexo na saída do trabalho, sexo sem calcinha bonita,
sexo sem tomar banho, sexo sem frescura, sexo sem clima, sexo
menstruada…sexo sem me preocupar se você tá me achando
louca.
Talvez seja melhor eu nunca dizer isso pra ele, não sei. Aliás,
ainda não entendo por que raios João quer saber se sexo é muito
importante pra mim. As duas hipóteses mais simples para essa
dúvida são: 1) João é viciado em sexo; 2) João tem problemas
sexuais.
Porra, será que ele não fica duro?
4
Eu não tava num dia bom. Cheguei no trampo ranzinza e saí
quase superando todos os meus recordes de mau humor. Tava tudo
uma bosta, sem nenhum motivo aparente. É aquela coisa que
começa com a descoberta de que o desodorante acabou e vai
crescendo de acordo com a quantidade de vezes em que te dão um
trabalho ridículo e em que o café da firma acaba antes de você
chegar na copa.
Tava organizando os papéis na mesa pra vazar quando João me
mandou uma mensagem. Só de ver o nome dele na notificação,
senti uma melhora instantânea. Mas bom mesmo foi ler o que tinha
escrito: ele finalmente queria me encontrar.
“Ai, meu deus, João! Tô relendo essa mensagem pela milésima
vez porque ainda não sei se dá pra acreditar.”
“É sério, pô! Preciso comer alguma coisa antes de ir pra pós.
Bora?”
“Claro!”, digitei e acrescentei três emojis com corações nos olhos.
“Topa uma tapioca?”
A empolgação foi tão grande que nem pensei duas vezes. Só no
caminho pro carro me dei conta de que era a primeira vez que ia
encontrá-lo desde que a gente tinha começado a se falar no
WhatsApp. Agora é sério! Eu me via naquele momento decisivo em
que ia encontrar alguém com quem já tinha alguma intimidade,
correndo o risco de perceber que não tinha intimidade nenhuma no
fim das contas. É bizarro como a presença física da pessoa pode
inibir a gente. Sei lá como eu ia reagir diante da materialidade do
João, né? Ainda mais levando em consideração a quantidade de
vezes em que tinha chamado ele pra foder. Será que também ia
querer me atirar em cima dele na vida real? Pior: será que ia querer
me atirar nele sem estar depilada, com essa calcinha desbotada e
essa cara oleosa de um dia inteiro de trampo? Quase entrei em
desespero e mandei uma mensagem com uma desculpa qualquer.
Puta merda, não era assim que tinha imaginado nosso primeiro
encontro! Até que lembrei que ele tinha dito que ia pra pós, não ia
dar tempo de rolar nada. Isso já eliminava a maior parte dos
problemas. Ficava só a cara oleosa.
Cheguei primeiro e aproveitei pra tentar tomar alguma
providência no banheiro da lanchonete. Quando saí, o espaço
estava do mesmo jeito, com as mesmas duas mesas ocupadas.
Escolhi uma mesa um pouco afastada para que pudéssemos
conversar, mas não tão perto do banheiro, porque não me
imaginava curtindo uma paquerinha e fungando o cheiro de água
sanitária barata que vinha de lá. Demorou uns dez minutos de
olhadas ansiosas pro celular e tentativas frustradas de terminar uma
página do livro que lia até que o vi se aproximando de camisa de
botão e calça jeans. Lembrei de um tweet do Neymar, de longe eu já
sabia, o perfume tava #exalando. O João é bem gato, gostoso pra
caramba. Já falei do ombro dele, né? Apesar da camisa social
cobrindo tudo, ainda conseguia acompanhar todo o desenho dos
braços e do peitoral. Nunca gamei tanto num ombro, juro. Eu podia
ter ficado animada com aquela visão, mas, na real, fiquei meio
nervosa por ele estar arrumado e comecei a sorrir de orelha a
orelha. É foda, não paro de rir quando tô nervosa.
Ele sorriu de volta e parou na minha frente.
Continuei sentada olhando sorridente em sua direção, porque não
sabia mais o que fazer mesmo. Tava me sentindo um manequim de
loja que algum engraçadinho montou com a ordem dos membros
invertida. Tão torta e fora do eixo que achava que não conseguia me
mexer.
“Não vai nem levantar pra me dar dois beijinhos?”, João soltou
com um olhar faiscante.
Ao ouvir isso, até recuperei minha consciência. Putz, ele vai usar
essa desculpa ridícula pra me beijar. Metade de mim achava uma
puta falta de criatividade, outra metade, dava graças a deus pela
possibilidade de evitar todo o lenga lenga que precede o primeiro
beijo. Levantei da mesa sem hesitação e já fui em direção a ele
achando graça. Para minha surpresa, não, para minha decepção,
quer dizer, não sei… enfim, João foi lá e deu dois beijinhos certeiros
nas minhas bochechas. Bem no meio das bochechas mesmo, pra
não sobrar a menor insinuação de que era uma tentativa de beijar
minha boca. E saiu dos dois beijinhos muito satisfeito consigo
mesmo. Pelo visto, ele curtia mesmo me tirar do sério.
“Olha, ainda bem que você não tentou me beijar com essa tática.
Teria sido decepcionante”, tentei sair por cima.
Ele riu e se aproximou de mim. “Eu nunca faria isso”, disse e, aí
sim, me beijou.
Às vezes, eu me sinto muito boba. Quando alguém me beija pela
primeira vez e o beijo é bom, sempre me sinto assim. Fico
completamente absorta, por alguns segundos não passa nada pela
minha cabeça. Acho que sou meio supersticiosa até. Mesmo que
saiba que o encaixe de um beijo não diz nada sobre o dos corpos
(aliás, já trepei muito bem com caras que o beijo me dava vontade
de desistir), um primeiro beijo bom deixa a gente mais confiante de
que todo o resto promete.
“Graças a deus que você beija bem, cara. Já pensou ter passado
quase um mês chalerando um boy que beija mal?”
“Nossa, tu me faz parecer uma pessoa horrível”, ele disse me
censurando enquanto se sentava. “Pô, parece que eu sou o cara
mais fresco do mundo, que não aproveita que tem uma gostosa
dando mole…”
“Uhhh, gostosa”, tentei parecer irônica pra esconder que tinha
ficado sem graça. Não sei receber elogio. Um dia ainda me lembro
de procurar um tutorial pra isso no YouTube.
Ele percebeu meu constrangimento e aproveitou pra me dar um
beijo demorado. Foi difícil retomar o raciocínio, mas, depois de
alguns segundos rindo feito uma retardada, lembrei do que tava
morta de curiosidade pra saber.
“Bom, acho que, hum, agora que a gente já se encontrou, se
beijou e tudo… – comecei mas quase parei quando vi que ele já
esboçava um sorriso ah, o que é? Cê sabe onde eu quero chegar.
Vamo desenrolar isso, João. O que tá faltando?”
“Vanessa…”, começou dizendo meu nome, vi logo que a coisa
era séria. “Não sei direito como te falar isso sem parecer fresco ou
louco”.
Me ajeitei na cadeira e esperei ele continuar. Enquanto
aguardava, comecei a ficar com medo de verdade. Me dei conta do
quanto tava na dele e de como seria fácil sair de lá com o coração
partido.
“É que nunca conversei com uma mina que nem tu…”
“Que nem eu como?”
“Hum… que escreve poesia e esse tipo de poesia que tu escreve,
sabe? Que fala abertamente das coisas…”
“Mas que diferença faz?”
“Faz muita, sério – Não tô falando que me sinto intimidado, não é
isso. Tudo bem que às vezes fico encanado pensando se tu, sei lá,
transformaria nossa transa em alguma poesia. Não sei se me
sentiria confortável de me identificar, entende?”
“Mano, eu não descrevo a minha…”
“Não, calma”, me interrompeu. “Ainda nem cheguei onde eu
queria. Comecei só falando do que me deixa desconfortável. Não
vou te mentir dizendo que não penso isso, entende? Mas, na
verdade, eu vejo um lado beeem positivo nisso das poesias.
Quando leio, fico te imaginando, não consigo não te imaginar e,
cara, é uma experiência muito louca. O que tô querendo dizer é
que… é óbvio que quero te comer… mas, sei lá, é gostoso ficar te
atiçando e ficar imaginando, saca? Não sei se queria partir logo pra
ação e perder a chance de uns dirty talk contigo. Pô, falar
sacanagem contigo deve ser muito bom!”
“Não é, João. Não é nada demais, no duro. Não tenho a menor
criatividade pra isso”, tentei pronunciar as frases de forma dramática
pra ver se ele desistia da ideia ridícula.
“Duvido”, ele ria.
“É, sério, João”, eu disse ficando nervosa de verdade. “Não sei
imaginar as pessoas da vida real assim, sem ter tido um contato
físico mesmo, sabe? E esse negócio de sexo virtual é tipo um outro
gênero textual, tem outra estrutura, tem que causar um efeito no
outro e eu não sei o que tu gosta, cada um é diferente…”
“Mas tu pode me falar das coisas que tu gosta.”
“Não é assim que funciona comigo, João. É sério, sou um
desastre nisso.”
“Cara, mas vamos tentar, sei lá…”
Quando chegamos ao local onde eu tinha estacionado o carro, se
despediu de mim com outro beijo demorado, me puxando pra mais
perto do seu corpo.
“Poxa…”, choraminguei quando nos separamos.
Segurou meu cabelo com as duas mãos, me forçando a encará-
lo.
“Para de reclamar, Vanessa, vai ser gostoso. A gente vai ficar se
instigando…”
“Pô, mas já começa por aí, olha que palavra ridícula: instigar. Tem
verbo melhor, João, tem verbo melhor…”
Ele riu e me deu um último selinho antes de se afastar.
Às 23h, mandou uma mensagem perguntando se eu ainda tava
acordada. “Ainda, tentando adiantar uma leitura.”
“Tu gosta de apanhar?”
Encaro as letras no teclado sem saber por onde começar.
Sim, escrevo.
Apago.
Mais ou menos.
Apago.
Depende.
Apago.
Depende de quê? Me pergunto e fecho os olhos tentando pensar
numa resposta simples e verdadeira. Não penso em nada, na
cabeça só me vem uma mão desenhada em vermelho na pele. Na
minha bunda. E os dentes, as marcas, no tornozelo.
“É complicado…”
5
Não podia contar pro João, mas não conseguia pensar em levar
uma palmada sem lembrar de tudo o que experimentei com Ele.
Talvez por isso seja tão difícil falar seu nome até hoje, quer dizer,
não só por isso, mas com certeza é um começo.
Ele me disse que gostava de sexo intenso. Eu ri. “Intenso, tipo,
com tapinhas?”, tirei onda.
“Não, nada a ver com isso”, Ele respondeu sério.
Percebi que tinha ficado zangado, pois, ainda naquele dia, tinha
ensaiado um tapa na minha bunda no meio da transa. Pareceu
brincadeira, na real, de tão fraquinho, tive até que segurar o riso.
Nunca nenhum cara tinha feito aquilo. Aquilo de dar tapa durante a
transa. Parecia cena surreal de pornô malfeito e aquele primeiro
tapa só confirmou isso. Fui ligando a imagem da cama antiga, do
espelho de moldura barata e do cara que queria bancar o ator pornô
pra se sentir bom de cama e quase caí na gargalhada no meio da
transa mesmo, vai entender.
“Intenso como?”, perguntei.
“Hm... acho que rápido. E meio bruto, não sei explicar”, desviou
do assunto.
Ficamos deitados em silêncio. Quando Ele não tava a fim de
papo, não tinha o que fazer. Já pensava em me levantar pra tomar
banho quando se chegou mais uma vez pra mim, o pau já ficando
duro de novo. Não precisou avisar, era o round two.
Só me lembro que tava de quatro quando Ele me pediu pra
conduzir.
“Continua sozinha, cansei.”
Um gentleman, sabe? Mantive o ritmo por um tempo, pareceram
15 ou 20 minutos, mas não excluo a possibilidade de terem sido só
dois, até começar a perder o fôlego. Ele me disse pra não parar.
Recuperei o ritmo por mais um tempo para, em seguida, voltar a
reduzir. Não, não, não é pra parar. Continuei. E então aconteceu. A
mão, o som da palmada e o gemido. A mão, eu nunca vi, também
não vi o vermelho. Lembro que olhava pro lençol suado embaixo de
mim quando senti. A partir daí, na cabeça, a única imagem que se
formava era a da mão e da pele vermelha.
Na verdade, até hoje não sei se senti ou ouvi primeiro. Aquele
barulho agudo de mão espalmando carne macia. O barulho e a
surpresa, que saiu na forma de gemido.
Também não sei exatamente qual foi a sensação. Ou pior, se
senti, se doeu, se ardeu. Não teve nada a ver com isso. Foi tipo um
puxão, sabe, um solavanco. Como se Ele tivesse interrompido meu
movimento e me puxado de volta. Nem sabia que ia longe, mas a
palmada, a palma dele, o pá agudo, o vermelho que iria ficar, me
trouxeram de volta abruptamente. De volta de onde? Não sei, mas,
por alguns segundos, fui só carne, só contato, ali, eu existia e
pulsava naquele pequeno ponto onde o vermelho começava a se
desenhar na minha bunda.
Não sei se dá pra entender, parece que tô filosofando, mas, se
fosse filosofar mesmo, poderia simplesmente dizer o que constatei
naquele momento: meu rabo lateja, logo, existo.
A velocidade aumentou sem que me desse conta. Não sei se era
Ele, se era eu. Ele parecia mais duro, eu, mais lubrificada. Veio de
novo. E mais uma vez.
Lembro do dia seguinte, no banho. De passar o sabonete pelas
pernas e sentir uma dor próxima ao tornozelo direito. Analisei o local
e achei um hematoma na forma de uma mordida. Não lembrava que
Ele tinha mordido aqui. Só lembrava da barriga…, pensei ao mesmo
tempo em que achava o hematoma próximo a uma das costelas. E
da parte interna das coxas…, identifiquei mais um pra coleção. E…
fui levando a mão ensaboada à bunda.
Me peguei sorrindo sozinha pro chuveiro. Ainda via Ele, suado,
me lançando um olhar de acusação e cumplicidade.
“Você gosta!”
Ensaboei com cuidado o meu corpo. Eu gosto, gosto quando
deixa marca.
6
Achei que João ia se animar depois dos nossos sexting, já que,
pra mim, definitivamente tava cada vez mais difícil de segurar a
onda, mas ele, mesmo me mandando nude de pau duro (e que
pau!), não marcava um encontro. Passei uma semana planejando
parar de falar, mas João não era só gostoso, ele já tinha se tornado
parte da minha vida. Odeio quando os caras usam essa estratégia,
sério.
Sabia que essa dependência dele era consequência da carência
fodida que sentia. Esse realmente não tá sendo um ano bom. Ainda
tava lidando com todas as merdas que tinha acumulado da época
em que morei fora, com a desilusão com o crush do Rio e com a
insatisfação com o meu trampo. Então, ter pelo menos uma
perspectiva de transa e todo esse friozinho na barriga que ele me
dava, já parecia muito lucro. Só que pensar no quanto isso era
perigoso pra minha saúde mental, me deixava meio ansiosa pra
encontrar uma solução.
Jorge mandou mensagem numa quarta à noite me convidando
pra dar uma volta na praia. Tava pronta pra começar uma nova série
na Netflix, mas acabei topando ir. Ele é o meu melhor amigo e, pelo
convite, senti que precisava conversar. Logo que começamos a
caminhar, me perguntou sobre os meus rolos. “Não tá fácil, sabe?”
Tentei explicar a minha enrolação com João, sem citar nomes,
porque todo mundo se conhece em São Luís e não queria correr o
risco dele ficar me zoando.
“Ah, Vanessa, esse cara tá claramente te cozinhando. Se pá, ele
tá com outra, te guardando na geladeira”, sentenciou quando
terminei de contar.
A explicação dele era boa, mas não me surpreendia porque eu
mesma já havia chegado a ela várias vezes. Nem tudo fazia sentido,
claro, já que não podia negar que João dedicava até bastante tempo
pras nossas conversas e, quando tentei ficar um dia sem falar, veio
puxar assunto até meio ressentido. De toda forma, ainda era a
explicação que parecia mais coerente. Pra ser sincera, nunca tinha
caído naquela de que ele queria só criar mais expectativas antes de
a gente transar. Tentei afastar esses pensamentos da cabeça e
desviei o assunto pra vida amorosa de Jorge. “E o teu namoro,
migo, como tá?”
“Eu acabei com a Ana, Nêssa.”
“Como assim? Quando?”
“Tá com uma semana.”
“Mas você tá bem?”, perguntei preocupada apesar de, no fundo,
ter ficado meio feliz.
Jorge deu uma risada safadinha de canto de boca.
“Nêssa, eu sou uma pessoa horrível, já peguei outra mina essa
semana mesmo.”
“Ah porra!”, dei uma cotovelada de leve nele, “mas cê ficou bem
depois?”
“Fiquei, sabe, até mais do que esperava.”
“Jorge”, comecei, “sabe o que eu acho?”, nem esperei ele
responder, “a gente bem que podia se pegar agora. Sempre disse
que te pegaria, mas cê nunca tá solteiro, acho que agora é o
momento perfeito, sabe?”
“Nêssa, não viaja”, respondeu rindo.
“É sério. Pensa só, a gente é superamigo, conversa abertamente
sobre tudo. Nunca peguei um amigo, mas acho que a gente podia
fazer funcionar, de uma forma leve, entende?”
“Cara, tu é muito doida”, ele comentou ainda sorrindo e, vendo
que eu esperava por uma resposta mesmo, completou: “Tenho que
pensar direito, tá? Tem muitos outros fatores aí, mas vou pensar
nisso”.
Dois dias depois, mandou mensagem me chamando pra ir pro
Veneto. Não sabia se isso era um sim, um não ou se simplesmente
não significava nada, de toda forma, era legal poder voltar a sair
com ele. Quando ele namorava, isso nunca acontecia com
frequência. Perguntou se eu tava a fim de beber ou se podia ser a
carona dele, respondi que podia, ando meio sem paciência pra
encher a cara. No caminho, foi me explicando que ainda não tinha
se decidido sobre a minha proposta e que, talvez, rolasse dele
encontrar uma mina com quem tava de rolo no Veneto. Fiquei meio
desapontada com a possibilidade de ficar sozinha no rolê enquanto
ele se pegava com outra, mas a vantagem de ser o Veneto é que
provavelmente encontraria muito mais gente conhecida.
Encontramos muitos amigos, mas Jorge não quis se sentar com
nenhum deles e sugeriu que a gente procurasse um lugar nos
fundos. Enquanto o rolo dele não dava as caras, Jorge bebia e
ficava falando besteira no meu ouvido pra competir com o barulho
da galera jogando sinuca e eu cogitava a possibilidade de a tal mina
que ele queria pegar ser só uma invenção. Senti um calor na nuca e
girei na direção do caixa para dar de cara com João me encarando.
Estremeci imediatamente, porque meu olhar pulou do rosto dele
imediatamente pro ombro de fora. Ai, mentira que ele tá de regata!
Veio andando em minha direção, enquanto meus hormônios
confirmavam que aquela visão era absolutamente deliciosa. Chegou
na mesa e foi direto cumprimentando Jorge, comentando alguma
coisa sobre quadrinhos. Então se virou pra mim, toda envergonhada
e derretida na cadeira de plástico amarela da Skol, e veio me dar
dois beijinhos.
“Quanto tempo, Vanessa! Quase nunca te vejo por aqui”, disse.
“Pois é, ando meio sem vida social mesmo. Só Jorge pra me tirar
de casa”, comentei inocentemente, mas percebi que ficou
desconfortável. Deu um último olhar de relance pra nossa mesa e
disse que tinha que procurar um amigo.
“Ixi, o pessoal deve estar achando que a gente tá se pegando”,
Jorge falou assim que João se afastou. “Tomara que isso não
chegue no ouvido da Ana, mas, pensando bem, acho que ela não
acreditaria que eu tava pegando alguém se falassem que era você.”
“Bem se vê que ela não sabe de nada”, respondi com um sorriso
sugestivo pra ele, que me censurou. “Esse cara é bem gato, né?
Esse João. Eu pegaria demais”, mudei de assunto.
“Deixo a parte do gato por tua conta, mas, cara, eu amo esse
moleque. Ele é muito gente boa.”
“Imagino… Sabe o que acho engraçado? Nunca ter visto ele com
ninguém”, mandei uma indireta pra sondar se Jorge tinha alguma
informação que me podia ser útil.
“Nossa, cê lembra da Tati? A Tati, gatíssima, dava MUITO em
cima dele e ele nunca deu bola. Um dia ela me contou. Não sei qual
é a dele mesmo.”
“Mas sabe uma coisa que homem tem que treinar? Perna.
Pergunta sobre isso pra Vanessa, o treino dela deve ser ótimo”,
soltou.
Ninguém na roda notou que aquilo parecia uma cantada, então,
fingi que tinha levado a sério e comecei a falar sobre agachamento
pro cara do Twitter que escutava superinteressado. Quando o
assunto se esgotou, dei mais uma vez a desculpa de que ia ao
banheiro e João se adiantou dizendo que também ia entrar pra
pegar mais uma cerveja.
“Beibe, tem algum desejo que você gostaria de realizar, sei lá,
uma fantasia…”, pergunto como quem não quer nada quando nos
encontramos de novo com o pretexto de ver os novos episódios de
Black Mirror da Netflix.
“Tipo algema e chicote?”, João pergunta debochado.
“É, tipo isso, mas pode ser outra coisa, qualquer coisa. Tô
perguntando uma coisa que tu tenha vontade de fazer, não tô
esperando que tu me venha com um clichê pronto.”
“Hum… fora fazer um ménage contigo e com aquela mina que
tava me dando mole no Twitter?”
Revirei os olhos e preferi nem comentar. Às vezes era impossível
conversar sério com o João.
“Ah, cê já transou vendada? Acho que dava pra gente fazer isso
e… – Hum… Sabe uma coisa que eu tinha curiosidade? Transar
sem penetração um dia…”
“Hum…” – Penetração era o meu mundo e ele sabia, mas, na
hora, até que me interessei pela proposta. – “Certo. O que você
imagina pra essa experiência?”, perguntei cautelosa.
“Sei lá, acho que a gente podia começar por um 69, né?”
Dei graças aos deuses por ele nunca ter ouvido a minha tirada
clássica. Sabe por que se chama 69? Porque existem 68 posições
melhores!
“Prefere de lado ou um em cima do outro?”
10
Acordei com o barulho das crianças do condomínio jogando bola
ou sei lá. Em outras épocas, teria ficado zangada e tentado colocar
aqueles protetores auriculares no ouvido para voltar a dormir, mas,
ultimamente, ficava feliz por aquelas crianças existirem e gritarem
tanto porque isso me obrigava a sair da cama aos domingos. Olhei
pela janela da varanda, observei meio sem ver a partida de
queimado na quadra em frente e pensei que, a despeito de mim,
fazia um dia lindo, daqueles em que fazia parecer um pecado não ir
à praia. Pensei na praia cheia, em onde iria estacionar o carro, no
horário do sol (já eram 10h da manhã) e suspirei desestimulada.
Esse é um daqueles anos em que me sinto cansada na maior
parte do tempo e me flagro pensando no João e em como queria
descomplicar minhas relações. Eu só queria casar, sabe? Às vezes,
acho que as pessoas não esperam isso de mim, sei lá, que me
acham desapegada dessas coisas. Mas, por mim, já tinha casado
cinco vezes. Casado sem anel, aliança, pedido ou joelhos no chão.
Sem vestido, sem festa, sem “é só um almoço”, sem “vai ser um
churrasco só pros mais íntimos”.
Por mim, a gente acordaria no outro dia, depois da foda cansada
pós-balada, e ele perguntaria:
“Vai fazer o que hoje?”
“Sei lá, acho que vou procurar alguma coisa pra assistir.”
“Fica aí. A gente toma café e depois banha de piscina.”
“Beleza.”
E daí eu ficaria, mesmo sem ter lembrado de levar protetor solar.
E, em algum momento, a gente voltaria a sentir fome e ele diria pra
sairmos pra almoçar. E daí daria sono e a gente deitaria, mas
decidiria transar, transaria e dormiria. E daí acordaria com fome, ele
diria que ia ver o que tinha na geladeira e me ofereceria um misto.
“Não posso comer queijo, tenho intolerância a lactose.”
“Então pode ser só o presunto com requeijão?”
“Requeijão também não posso”, riria da cara dele – só quando
perguntasse se eu queria café puro ou com leite é que começaria a
perder a graça.
A gente comeria e eu me ofereceria para lavar a louça. Ele
procuraria um pano de prato limpo nas gavetas quase vazias do
armário da cozinha e ficaria me esperando entregar as primeiras
louças limpas. Quando eu já estivesse pra terminar, ele viria me
abraçar por trás. Pressionando o pau duro na minha bunda e me
fazendo molhar a camisa na pia.
“Ow, eu podia ter quebrado alguma coisa”, eu reclamaria.
E daria pra ele do mesmo jeito. Ele ficaria com preguiça de vestir
uma roupa e ligaria a TV. Então a gente assistiria a alguma coisa
muito ruim por quase duas horas, até ele decidir que a gente podia
estar assistindo a algo decente. E daí já seriam 23h e ele ia estar
com preguiça de levantar e vestir uma roupa pra se despedir de mim
e não seria perigoso eu voltar sozinha? “A cidade do jeito que tá…”,
ele ia argumentar enquanto contornava meu mamilo com o dedo
indicador. E só quando eu parasse de olhar pra ele e começasse a
rir olhando praquela arrumação é que ele perceberia. Então
apertaria um bico pra me provocar e depois começaria a chupar
meus peitos.
Duas horas da manhã, ele levantaria dizendo que tinha que mijar
e voltaria com a ideia brilhante de fazer pipoca. A gente comeria
pipoca, olharia pro relógio e concordaria que era melhor dormir.
E daí eu acordaria com mais um “fica aí”, que eventualmente
viraria “só preciso dar um pulo no supermercado, cê se importa? Tô
sem café e o papel higiênico tá pra acabar”. “Claro que não. É bom
que compro protetor de calcinha e um leite sem lactose.” A gente
caminharia lado a lado e ele seguraria minha mão para evitar que eu
continuasse esbarrando nele. No supermercado, a conversa sobre a
marca preferida de tapioca começaria no hortifruti e terminaria no
caixa.
“CPF na nota?”
“Não”, responderia no automático.
“Ei, coloca o meu então!”, me adiantaria. E ganharia 30 centavos
de restituição de impostos graças a ele.
Nós carregaríamos as compras pra casa e, ao chegar,
esqueceríamos de guardar os frios. Ele começaria a rir de um vídeo
do YouTube e insistiria preu ver. “Genial, olha aqui!” Eu não acharia
graça e nós teríamos nosso primeiro desentendimento. Ele
aproveitaria pra sugerir um sexo de reconciliação.
“É o mais gostoso que tem.”
“Prefiro o de antes das pazes”, eu discordaria. “Com aquela raiva
reprimida, sabe?”
“Tá valendo!”, responderia jogando as almofadas no chão pra me
comer no sofá.
Eu vestiria meu sutiã e consultaria as horas no celular. “Casa
comigo?”, ele pediria olhando minhas coxas. “Beleza, ainda nem
escureceu lá fora”, eu responderia sem confessar que estava era
com preguiça de me calçar. A partir de então eu viveria o eterno
retorno da sarrada na pia, do sexo no chuveiro, teria um cara
pegando nos meus peitos enquanto mexia o brigadeiro na panela e
todas as deliciosas monotonias da vida doméstica. Eu assistiria a
desfiles de cuecas velhas e manchadas da primeira fila. Veria pau
murcho balançando, cofrinho peludo e ainda aproveitaria um
momento de descuido para dar uma mordida na bunda dele e uma
fungada no pau com cheiro de guardado em calça jeans no eterno
verão maranhense. Então reclamaria do cheiro e acrescentaria que
os pentelhos estavam tão grandes que ficavam grudando na
garganta. E ele devolveria dizendo que bem que eu podia depilar as
pernas. E depois daria pra ele do mesmo jeito. Uma vez antes de
sair pro trabalho, meia vez antes de dormir e outra meia vez quando
eu acordasse de madrugada e ele ainda estivesse vendo algum
documentário lixo sobre ETs. Voltaria a dormir antes de acabar.
Por mim, não teria nenhum problema em casar. Só não saberia
descasar, não sou muito boa em acabar as coisas. Deixaria nas
mãos dele, como sempre deixo. E seria dolorido, né? Então
começaria a repensar esse lance de casamento. Diria que não era
pra mim, sabe, me acostumo fácil, me apego demais. Repetiria isso
e assistiria a 500 dias com ela pra lembrar como é quando só um
gosta. Então sairia com mais gente que não pode ficar pra dormir,
que tem que estar na rodoviária até 10h da manhã, que tá com uns
projetos. Até encontrar outra pessoa que estaria com o dia livre, e o
seguinte também e, talvez, mais um.
Por mim, eu teria casado cinco vezes. Porque o primeiro, o
segundo e o terceiro só ficaram por três encontros. O quarto era
aquariano. E o quinto era o João. Já tô falando dele no passado.
Ontem, João disse que preferia dormir em casa. E eu fiquei com
esse domingo pra decidir se deixo logo ele pra lá e tomo a iniciativa
de acabar nosso lance ou se espero para ver ele se distanciar mais
a cada dia.
MATEUS
11
Pego na barra da camisa e me preparo para tirá-la de uma vez.
Sempre tiro rápido, como se não quisesse dar uma chance para a
insegurança aparecer. Será que ainda vai me achar bonita?, tento
evitar a pergunta e me seguro para não avisar que meu colesterol
aumentou. Ele me interrompe antes que eu comece. “Deixa eu tirar,
eu adoro tirar a tua roupa.” Respondo com um beijo demorado e
levanto os braços. Vai subindo a camisa devagar, comemorando
cada pedaço de pele revelado com beijos e cócegas causadas pela
barba. Quando termina, sentado na cama, me inspeciona. Não diz
nada por um tempo.
“Agora deixa eu ver se essa bunda tá durinha mesmo.”
Besta. Eu rio.
“Você é linda”, diz ao meu ouvido me abraçando.
“Eu sei”, respondo achando graça e dando um cheiro no seu
pescoço.
Ele me dá um tapinha na bunda para me punir por acabar com o
momento romântico, enquanto me pego sorrindo, aliviada. Me sinto
bonita mesmo.
Nem sempre era assim. Em geral, me sentia muito como uma
impostora, principalmente quando alguém dava a entender que eu
era segura de mim. Comecei a pensar isso outro dia quando tava no
carro e, pela milésima vez, coloquei The Weekend pra tocar. Quase
todas as músicas falavam de sexo. Acho que The Weekend tinha
música de transa para todos os gostos e que, se pá, tinha até uma
pras pessoas que têm tara com balão. Tava mergulhada no meu
pensamento costumeiro de como eu e o cantor devíamos encaixar
bem já que ele sempre descrevia coisas de que eu gostava muito,
quando começou a tocar uma música e fiquei hipnotizada ouvindo-o
cantar que ela [a mulher da letra] nunca se sentiria tão bonita, nunca
se sentiria tão linda, quanto quando ele a comesse. Oh when I make
it there, ele prometia no autofalante do celular.
Fiquei me perguntando por que alguém tinha achado importante
colocar aquilo na música e me questionei se tinha a ver com a
imagem que os caras faziam das mulheres como inseguras ou coisa
do tipo. Na real, talvez tivessem botado aqueles versos apenas pra
causar um efeito, podia ser uma parada meio vazia mesmo, só que
pensar nessa transa que faz a gente se sentir bonita, mexeu
comigo.
Me veio logo aquele olhar na mente, sabe? Todo mundo deve ter
tido uma experiência assim: de tirar a roupa e o olho do cara brilhar.
Lembrei de um que me marcou demais, porque não era só o olhar,
parecia que tava escrito “puta que pariu” na cara dele, como se não
desse pra acreditar que eu tinha, por escolha própria, decidido dar
pra ele. A surpresa do sujeito era tão grande que, na hora, até fiquei
em dúvida se tinha sido uma decisão boa mesmo. A transa,
infelizmente, foi bem esquecível, mas, quando lembro dele, consigo
ver de novo aquele olhar. O olhar de admiração é um ponto fraco do
ser humano, vai por mim.
Então, eu entendia bem o que era isso de um cara que te come e
que te faz sentir bonita. Sei lá, com o The Weekend podia ser tudo
mais profundo; ele podia ter lombrado com uma transa que vai
fundo no nosso bloqueio, uma foda que proporciona um vínculo, um
contato íntimo, aquela coisa de sentir que existe no outro e
descobrir uma beleza dentro da gente. Vai que foi isso que ele
pensou, né? Mas fiquei pensando em como eu, muitas vezes,
depositava na transa toda uma esperança de recuperar a
autoestima e me bateu a bad.
Minha vida sexual todinha passou pelos meus olhos. Ou a minha
vida mesmo, antes do sexo. Lembrei que, quando era virgem, não
imaginava como poderia deixar de ser. Tinha namorado, ou seja,
tinha a demanda, mas achava que ia ser complicado demais. O
mais engraçado era que, pra mim, o grande quebra-cabeça era a
hora de tirar a roupa. Tinha medo que ele descobrisse que eu não
era bonita. Eu achava que roupa, sutiã e calcinha não tinham o
objetivo de esconder o que poderia causar desejo, mas de esconder
o que era feio, sabe? Os pneus, as celulites, as estrias e todo o
combo imperfeição. Ainda assim, perdi a virgindade e poderia falar
que tudo se resolveu, mas não foi bem assim. Aquele meu
namorado me achar bonita não me falava nada da minha beleza;
pensava que ele não via problema no meu corpo porque me amava
e toda aquela história de amar o feio, ele parecer bonito e etc.
Quando o namoro acabou, tava convencida de que não rolaria
transa por muito tempo porque encontrar alguém que me amasse
não ia ser como encontrar promoção de meia vagabunda nas lojas
Americanas. E daí veio o cara com o olhar de admiração. Depois
mais alguns. Confesso que não era sempre que ficava encanada
com esse lance de me achar bonita, mas tinha uns dias em que era
difícil aturar minha cara no espelho. Se chegava um cara, me olhava
pelada e dizia “teu peito aumentou” ou qualquer outra merda do tipo,
era uma luta pra fingir que aquilo não significava que provavelmente
eu tinha ganhado uns quilos, em vez de só ficar feliz com meus
peitos maiores.
Mesmo assim, até os 24 anos, nunca parava pra refletir sobre
isso, porque eu achava que encanar com meu corpo era uma
besteira. Sei lá, tanta coisa pra encanar, né? Tinha coisas sérias
para resolver, como a falta de coragem pra ler Graça Infinita, do
Foster Wallace, fora o trampo e as coisas da vida real adulta que
começava a ter que enfrentar, tipo ligar pro atendimento da Net.
Então, nunca aceitei ver algum problema na forma como lidava com
a minha autoestima.
Até que conheci o Daniel. Um homão da porra como dizem hoje
em dia. E, descobri depois, a gente tinha um monte de coisa em
comum. Eu nunca fui boa com paquera e o Daniel não dava sinal
nenhum. Então, respirei fundo e disse pra mim mesma que ia sentar
e esperar por aquele homem. Esperei por três infinitos meses, até
que uns amigos fizeram uma festinha e a gente saiu do zero a zero.
“Tava querendo fazer isso há muito tempo”, ele disse depois que me
beijou. Por mim eu teria tirado a calcinha naquela varanda, naquele
exato momento. Que foda, eu pensava mal acreditando que
finalmente estava acontecendo. A gente ficou na pegação a noite
toda e, na hora em que todo mundo se despedia, fiquei esperando
ele me chamar pra casa dele. Nada.
Ficamos nessa por mais alguns encontros até que ele fez o
convite. Vou poupar os detalhes pra chegar logo na parte que
interessa. Depois de muita esfregação e beijo e chupada, a gente
tirou a roupa, ele colocou a camisinha e… broxou. “Não pensa
besteira, não é você, não sei o que tá acontecendo”, foi nessa noite
que ouvi pela primeira vez o clássico masculino pós-broxada. Fingi
que tudo bem e agi naturalmente com ele, conversamos a
madrugada inteira. Tentamos mais vezes e nunca rolou, mas
sempre nos divertíamos juntos. Eu tentava não pensar em
explicações praquilo até que, uma noite, passando pela praia de
carro, dei de cara com ele sentado em um barzinho ao lado de uma
mina que podia ser modelo. Aí doeu, doeu com direito a tomar um
miniporre e me jogar na piscina em uma festa em que mais ninguém
estava na água. E a minha conclusão brilhante foi a de que ele
broxou porque me achava feia, porque a minha cartela do padrão de
beleza nunca ia dar bingo. Às vezes eu tinha umas conclusões
geniais.
Foram meses sem sair com ninguém e mais um monte de tempo
pra aceitar que me sentir bonita era uma questão importante pra
mim. E não dava preu esperar que outros me ensinassem isso.
Outro dia tava conversando com uma amiga e ela me contava sobre
a época em que estava solteira e conseguia transar toda semana
com mais de um cara.
“Mas eu me sentia usada, sabe?”
“Vai se foder, Jéssica” – não consegui segurar – “Eu aceito essa
merda de se sentir usada de qualquer pessoa, menos de ti”. Ela era
meu maior orgulho em termos de mulher sexualmente empoderada
que sabia o que queria, não podia deixar que destruísse minhas
ilusões.
Jéssica riu.
“Tá, usada não, mas não tinha significado, entende?”
Respondi que não entendia.
Não sabia que significado as pessoas esperavam em uma foda,
sabe? Significado já era uma palavra errada, tinha a ver com uma
parte da linguagem que nem deveria estar no sexo, pra começo de
conversa. Imagina que louco se terminasse a parada lá e o cara
virasse pra mim: “mas o que você entendeu dessa transa?”. Daqui a
pouco criariam uma transa-ensaio até. Ficava imaginando o Godard
transando e a mina comentando:
“Naquele momento em que pedi pra você enfiar com força e você
começou a fazer movimentos circulares no meu clitóris com uma
mão e pressionou o meu pescoço com a outra, acho que finalmente
entendi o limite da linguagem. É o corpo, a morte, o real é
inapreensível”.
Tudo bem, sabia que não era disso que as pessoas falavam
quando se referiam a uma transa sem significado. Mas aí era que
tava. Qual significado esperavam?, vivia me perguntando. Não disse
para a minha amiga, mas a época em que ela estava solteira e
transava sempre era a mesma em que ela tentava esconder o
quanto estava com a autoestima baixa. E não era por causa das
transas. Na verdade, parecia exatamente o contrário. A autoestima
baixa era o motivo dela querer se afirmar como corpo desejável e as
transas pareciam “vazias” porque ela não conseguia sair daquelas
experiências com uma sensação permanente de que era bonita e
objeto de tesão. O outro legitimava tudo e ele precisava retornar pra
reafirmar aquilo. Essa era a minha teoria. Caramba, eu tava bem
profunda mesmo.
No meu caso, não sabia quando tinha conseguido melhorar isso,
mas sabia que tinha mudado um pouco, ainda que existessem uns
sinais aqui e ali me dizendo que precisava passar pelo teste
novamente. Ainda estremecia na hora de me despir, não sei se era
puro medo de uma rejeição ou se era porque, despida, corpo
exposto, o discurso encontrava seu limite. Não existia “você tem que
se amar”, “abaixo à ditadura da beleza” passava longe; no segundo
em que o fecho do sutiã se abria, minha relação com o meu corpo
estava escancarada. Tive que aprender a me sentir bem na minha
carne pra chegar até aqui.
Até aqui, com Mateus nos meus braços de novo, sentindo o
cheiro familiar da pele dele me inundar de alegria. O Natal ainda
nem estava perto, mas parecia que eu tinha ganhado presente
antecipado. Há uma semana estava assistindo ao desmonte
silencioso do meu rolo com João; há dois dias, Mateus tinha brotado
no meu Instagram, elogiando meu vídeo irônico de blogueirinha
fitness na academia e avisando que estava na cidade, com um
trecho de uma música do Talking Heads: “Why am I going out of my
head, whenever you’re around? The answer is obvious, love has
come to town”.
“Tava com saudades”, ele diz baixinho no meio da penetração.
Não sei se queria que eu ouvisse.
“Também tava”, deixo escapar entre gemidos e sinto o impacto
das duas palavras assim que termino de falar.
Ele me abraça apertado, quase com violência, como se
pudéssemos resolver tudo sem precisar de palavras. Constato que
uma pitada de ressentimento me deixa mesmo excitada. Será que
isso conta como sexo de reconciliação?
12
Acordei antes de Mateus, mas não consegui me levantar. A
cabeça parecia meu quarto quando eu deixava a bagunça ir
tomando todos os espaços. Precisava colocar cada pensamento no
lugar, mas não fazia ideia de como faria isso. Mateus roncou um
pouco mais alto ao meu lado e me fez encará-lo. Talvez precisasse
começar por ele.
Fazia quase dois anos de quando nos conhecemos e quase um
ano de quando seu sumiço tinha deixado de me afetar. Acho que
era bem mais boba antes, sabe, sei lá, tudo parecia muito intenso,
confuso, e até hoje me pergunto o que tinha a perder, por que não
tentei jogar a real pra ele. Foda-se, Vanessa, você não vai voltar pra
isso!, me proibi. Mas era muito estranho estar ao seu lado e não
achar que tinha voltado pro mesmo lugar. Tinha sido outra cama,
outra cidade, outra rua, a vista da janela era diferente, ainda assim...
“Parece que foi ontem”, me disse na noite passada, quando
argumentei que já estava na hora dele parar de me zoar pela noite
em que a gente se conheceu.
Não parece, senti uma pontada de tristeza, quer dizer, não
parecia até ontem. A frase e a forma com que me comeu me
deixavam em dúvida se ele queria que tudo significasse algo. Será
que Mateus queria apagar o ano que passamos separados sem que
nada tivesse realmente acontecido?, foi a pergunta com que acordei
hoje. Mas a pergunta mais importante já sabia: o que eu queria?
Só topei encontrar com ele porque achei que tinha tudo sob
controle. Que não haveria conversa ou transa perfeita que me
fizesse esquecer que aquele foi um cara que me abalou de verdade,
mas, no primeiro sorriso envergonhado que me deu, parecia que
tinha sido ontem, parecia que não tinha sido nada, e não era
verdade. Eu mesma nunca tinha sacado o que raios tinha
acontecido. Então talvez fosse isso, talvez só agora tivesse
percebido que não houve motivo pra se afastar e que, depois
daquele ano em que voltei pra São Luís, ainda dava pra sentir o frio
na barriga e lembrar do momento em que me conheceu e disse pra
si mesmo que ia me pegar.
Segurei o riso pra não acordá-lo. Aquela hipótese até eu tinha
dificuldade de aceitar. Acho que o melhor é conversar com ele
quando acordar, não fiquei um ano tentando superar esse cara pra
deixar ele ir embora sem me dar respostas, combinei comigo
mesma. Mas quando pensava em por qual pergunta deveria
começar, outra parte de mim dizia que tudo aquilo era inútil. Não
tinha me prometido que não significaria nada? Por que tentar
preencher todos os vazios – porque foram só vazios que deixou –
agora? Melhor que fique vazio, Vanessa.
Mateus acordou, me beijou de língua e ficou sorrindo da minha
agonia, eu tinha pânico de estar com bafo e ele sabia. Perguntei se
queria café e fiz menção de levantar para fugir de outros beijos
matinais, mas Mateus me segurou e escorregou na cama para me
chupar. Quando o prazer subiu pelo ventre e se aproximou da
garganta, de repente, tive medo do som que poderia sair de mim,
medo de que os gemidos escapassem como as perguntas que mal
conseguia conter. Contive o prazer, a dúvida e o medo no silêncio
até meu corpo inteiro me sacodir e me surpreender com um
orgasmo.
Mateus deitou em cima de mim satisfeito e me deu um selinho
molhado.
“Tudo bem?”, perguntou.
“Tudo”, respondi encarando o teto.
“Why so serious, gata?”
“É que fazia tempo que não gozava com oral...”, comentei.
“Ihh, acho que cê anda escolhendo meio errado os caras, viu?
Não tão com nada”, disse como se estivesse brincando, mas sem
conseguir esconder a satisfação. Mateus se levava tão a sério que
às vezes eu precisava fazer um esforço imenso pra não rir da cara
dele. Outras vezes só era um pé no saco mesmo.
Pensei no João e discordei mentalmente. Era foda comparar duas
pessoas, odiava isso, mas o comentário de Mateus meio que me
forçou àquilo. João era unanimidade, sabe, não tinha uma amiga
minha que tivesse coragem de dizer que ele não era gato e olha que
nem todo mundo curte um cara de cabeça raspada. Na real, eu
mesma sempre fui gamada em cabelo e barba, mas, quando se
tratava do João, isso não fazia a menor diferença, porque ele era
gostoso demais, vai tomar no cu, não conseguia nem pensar nele
sem me exaltar. Mateus era bonito e tinha uma altura difícil de
encontrar em São Luís, mas, bom, nunca foi padrão de beleza e, na
transa, era meio preguiçoso, nunca queria meter rápido, ficar por
cima por muito tempo ou tentar posições novas. Também goza mais
rápido.
Mas era só olhar pro sorriso bobo do Mateus que os cálculos
caíam por terra. Na verdade, nada disso era problema, sentia que a
nossa transa preguiçosa lavava a minha alma, sabe? Pra ser bem
sincera, às vezes ficava meio sem paciência quando João queria
transar porque sabia que ele não conseguia fazer isso sem ficar
louco e tentar me virar do avesso. Uma vez a gente transou depois
de jantar e quase morreu, eu juro. Mas o problema também nunca
foi o João; o lance era que o Mateus tinha esse negócio que me
dava uma vibe boa, que me fazia relaxar.
Ele voltou a me chupar para ver se conseguia me fazer gozar de
novo. “Ou se foi sorte de principiante”, brincou. Soltei um gemido
para avisar que estava gostoso e estranhei minha própria voz, me
calei. Foram três ou quatro minutos de silêncio, durante os quais a
língua de Mateus me amava de cima a baixo, em círculos, da
esquerda para a direita também. Não nos olhamos, estava perdida
dentro de mim mesma, não precisava que soubesse que sentia
prazer, não precisava arquear as costas pra lhe dar uma visão
melhor dos meus seios, foi só conforto até o novo orgasmo nos
sacodir.
“Tá de parabéns, hein?”, prendi a cabeça dele entre as minhas
pernas e brinquei.
“Idiota”, Mateus retrucou tentando se libertar.
13
“E essa transa? Quando é que rola de novo?”, Luísa leu em voz
alta. “É assim que ele te chama pra sair, Vanessa?”, perguntou com
uma cara assustada.
“É”, dou de ombros e tomo um gole de cerveja.
Naquela noite, Luísa tinha me chamado pra degustar umas
cervejas especiais e comer queijos caros do novo empório do seu
bairro. Era o único tipo de programa que a gente conseguia fazer
nos últimos tempos e gostávamos de dizer que era o início da
aceitação da nossa idade; apesar da brincadeira, eu mesma
continuava preocupada com a minha falta de vontade de sair de
casa. Quando tinha sido a última vez em que saí de casa sem ser
pra uma transa quase certa?, me peguei pensando ao receber o
convite dela.
“Na verdade, a mensagem chega a ser romântica”, completei e
observei Luísa quase se engasgar. “É que ele me mandou uma
quase igual logo depois do nosso primeiro encontro, ano passado”,
expliquei sem disfarçar que tava derretida.
“O Mateus foi aquele que tu só conheceu no Rio, né?”
Aham. A história do meu primeiro encontro com o Mateus era
uma das que quase nunca contava pra ninguém e era bem raro ter
algo da minha vida que ainda não tivesse contado e recontado mil
vezes. Mas, depois de ter ficado com Mateus pela primeira vez,
senti aquele medo de falar em voz alta antes de acontecer. Poderia
ser paixão, poderia ser amor, talvez desse certo de cara, talvez a
gente se complicasse, minha única certeza era de que era especial.
Tenho uma foto que a Luísa tirou no outro dia, em que estou
sentada numa escada, olhando séria pra câmera. Já me disseram
que é a minha foto mais bonita, mas tenho um pouco de dificuldade
de olhá-la e encontrar aquela certeza que tive, de que o Mateus era
especial pra mim, quer dizer, de que era mútuo. Porque o Mateus é
especial pra mim de qualquer jeito, já disse que ele é foda e aquele
primeiro encontro foi surreal. Nem se tivessem me contado o que ia
acontecer, eu teria acreditado. Parecia história de cinema mesmo,
sabe? Só que talvez não parecesse com o tipo de filme que a gente
imagina quando ouve “parece história de cinema”. O filme que a
nossa história me lembra, na verdade, é um filme alemão chamado
3 (Drei). Basicamente é a história de um casal que não parece muito
feliz. A mulher começa a dar mole prum cara e transa com ele
enquanto o marido, nesse meio tempo, descobre que tá com câncer
no testículo, tem que tirar uma das bolas e acaba recuperando a
confiança na sua virilidade com um cara do clube que pede pra
chupar o pau dele. Parece horrível, mas o filme é um dos meus
preferidos, talvez por um pequeno detalhe, que me lembra daquele
primeiro encontro com o Mateus.
Eu morava em São Paulo na época e a maior parte dos meus
amigos maranhenses iam pro Rio assistir a um show. Arrumei uma
desculpa e uma promoção de passagem aérea e me mandei pra lá.
Sempre ficava hospedada na casa de algum amigo quando viajo
assim, mas todos os maranhenses pareciam ter ido praquele show e
as pessoas que poderiam me receber já estavam hospedando
outros. Como a Luísa também ia e tinha decidido pagar uma
hospedagem, fiquei com ela em um hotel pequeno em Copacabana.
Um dia antes do show, os maranhenses decidiram se encontrar
em algum barzinho pra beber. Luísa estava por trás do combinado e
convenceu todo mundo de que o melhor lugar era Copacabana. Na
real, ela só não queria mais gastar dinheiro com táxi e uber ou
correr riscos desnecessários. Assim, sentamos num bar com o
nome de alguma marca de cerveja a duas quadras do nosso hotel.
Eu conhecia quase todos do grupo reunido, ainda que só de vista,
porque São Luís é um ovo, era o que a gente dizia antes de
descobrir o que é ser classe média, estudar em escola particular e
entrar numa universidade em um Estado com baixo IDH. Só o
Mateus era desconhecido e nem reparei direito nele até que Luísa
começou a me provocar preu contar como tinha passado uma
cantada em um cara na praia mais cedo.
“Que vacilão”, Mateus deixou escapar quando disse que o cara
tinha ficado assustado e ido embora. Fiquei meio envergonhada
com a interrupção, mas tentei disfarçar.
Depois de uma ou duas horas, algumas pessoas começaram a ir
embora e o pessoal na mesa foi se chegando até que me deparei
com Mateus, sorrindo, sentado ao meu lado. Ficamos conversando
sobre alguma banalidade e ele mandava bem demais nos
comentários. Esse cara é retardado, sempre me flagrava rindo.
“Gente, vamo pedir mais bebida?”, Luísa lançou a ideia na mesa.
“Vamos pedir outra coisa, cansei de chopp”, alguém disse.
“Eu encaro uma tequila”, adiantei.
“Ai, fala sério, tequila é coisa de gente fresca. Vamo tomar
cachaça!”, Mateus ordenou.
Eu e Luísa nos entreolhamos e reviramos os olhos internamente,
mas o pessoal da mesa já tinha aderido à ideia.
“Ah, não sei…”, comecei.
“Cachaça é bom, cê vai ver, é bom pra muitas coisas…”, Mateus
disse baixinho do meu lado.
“Ah é? Bom pra quê?”, ele tinha começado a insinuar putaria e
agora eu o desafiava a ir até o fim.
“Vai te deixar soltinha”, ele respondeu sem hesitar com um sorriso
safado.
“Você por acaso tá tentando me embebedar pra me pegar,
Mateus?”
“Tá louca?”, ele me olhou sério.
O garçom chegou com as doses de 51, limão e sal. Logo depois
de brindarmos e virarmos a bebida, Mateus disse no meu ouvido:
“Dizem que é bom pra dar o cu.”
Não sei em que momento a gente se beijou. Só lembro da Luísa
ter se engraçado com um dos meninos da mesa, que também tava
hospedado ali perto, e ter me dado a chave do nosso quarto.
Mateus sorria tanto que parecia que ia sair voando. Pensei em falar
que ainda nem tinha decidido se ia dar pra ele, mas, como se lesse
meus pensamentos, me beijou antes que eu abrisse a boca. “Vou
com você pro hotel”, anunciou. Respondi com o meu bom sorriso
“vai sonhando”. O álcool começou a bater pesado e decidi que
queria voltar pro hotel, também decidi que queria dar pro Mateus.
Pedimos a conta e fomos andando pelo calçadão, inalando o cheiro
copacabânico de maresia e mijo. No meio do caminho, olhamos
uma farmácia e Mateus me avisou que precisava comprar
camisinha. Ele pegou um pacote e continuou andando pelos
corredores da farmácia.
“Mateus, o caixa é ali na frente”, tentei ajudar.
“Calma, linda, eu sei que você quer muito me ver pelado, mas
acho melhor a gente garantir que não vai ser dolorido, né?”, disse e
me deu uma piscadinha. Quando entendi o que tava insinuando,
não sabia se caía na gargalhada ou se ficava zangada. Fiquei
olhando aquele cara meio desengonçado, mas bonito, se dirigir ao
caixa com o pacote de camisinha e uns sachês de KY, enquanto me
decidia se ele era muito engraçado ou só meio babaca mesmo.
Sabe quando o cara é tão babaca que você não acredita que pode
ser verdade e daí acha que ele é, na verdade, irônico? Pensando
bem, acho que tento limpar demais a barra dos caras. Mas ou é isso
ou ficar sem transar um tempão, não?
Quando chegamos ao quarto, Mateus me prensou na parede e
começou a me agarrar com vontade. No meio de um beijo, minha
cabeça começou a rodar. Pedi pra ele parar um pouco e me sentei
na cama. “Que foi?”
“Acho que bebi demais”, respondi triste.
“Sério? Mas tava vendo o tanto que você tava bebendo e não foi
muito”, ele tentou me tranquilizar.
“É que sou fraca.”
“Cê tá com vontade de vomitar? Cê quer deitar um pouco? Vou
pegar água pra você”, Mateus ficou andando pelo quarto
preocupado enquanto eu tirava o tênis e me jogava na cama.
“Acho que tô mal mesmo, cara”, anunciei. “Desculpa, mas acho
que não vou conseguir transar de boa assim.”
“Tá ficando louca? Não se preocupa com isso. Eu fico aqui
contigo, amanhã a gente faz essas coisas”, disse deitando ao meu
lado e me dando um selinho.
Não lembro quanto tempo ficamos deitados conversando, mas
lembro de ter olhado pra ele e dito “tudo bem, acho que a gente
pode transar um pouco”. Mateus sorriu e, em menos de um minuto,
tava só de cueca em cima de mim.
“Claro que eu sabia que ia rolar”, se gabou.
Quando entrou em mim, a cabeça voltou a rodar, mas dessa vez
a sensação não era ruim, era incrível. Perdi a noção do tempo que
passamos transando quando, finalmente, me pediu pra comer o cu.
Eu tava alucinada de tesão, mas, antes de responder, me senti
muito sóbria e comecei a ponderar; o pau era grosso, mais grosso
do que eu tinha arriscado nas minhas raras experiências anais, e
que horas eu tinha cagado mesmo? Antes de ir ao bar, lembrei
aliviada. Ainda assim, Mateus era praticamente um estranho, e se
não quisesse respeitar meus limites? Ensaiei o não mentalmente,
quando ele lubrificou o dedão com cuspe e massageou meu ânus.
“Eu deixo”, respondi sem pensar mais em nada, “mas tem que ser
de ladinho. Só consigo de ladinho, fico meio tensa de quatro”,
confessei.
Mateus sorriu (“Como quiser, Madame”) e se deitou na cama
atrás de mim depois de encher o pau de lubrificante e espalhar com
a mão também no meu cu. “Ainda nem acredito que isso tá
acontecendo”, sussurrou ao meu ouvido enquanto ia delicadamente
tentando abrir espaço no meu cu com o pau. Quando conseguiu
enfiar tudo, respiramos em alívio e êxtase. Ele começou a me
masturbar ao mesmo tempo que estocava meu cu. Lembro de ter
pensado que nunca tinha sido tão gostoso, realmente estava mais
fácil, me sentia... soltinha. Logo mudamos pra posição de quatro e,
quando constatei que a cachaça realmente tinha feito efeito, criei
coragem pra pedir algo que desejava desde o dia em que assisti ao
filme 3 (Drei).
“Come meu cu tipo papai e mamãe?”, pedi. Só mais tarde
descobri que o nome da posição era missionário, mas, felizmente,
Mateus sacou do que eu tava falando. Na real, na hora achei que
ele tava demorando pra processar porque ficou meio paralisado,
sem saber o que fazer. Foi então que conseguiu dizer:
“Caralho, sempre quis fazer isso!”
Deitou-me na cama e ficou de joelhos acima de mim. Foi
levantando minhas pernas com cerimônia até fazer o meu quadril
também se inclinar, segurou o pau e se deteve por alguns instantes
encarando o meu cu. Então se enfiou dentro de mim mais uma vez
e me comeu olhando nos olhos.
“Vanessa, eu tô apaixonado!”, disse fazendo uma careta de
prazer, um olho fechado, o outro aberto, a boca meio torta pro lado
esquerdo.
“Eu também”, respondi com os olhos marejados. Sempre soube
que tinha vocação pra chorona, só não sei se ali foi o sexo ou o
álcool. De toda forma, essa foi uma das cenas mais lindas da minha
vida.
Coloquei o despertador para acordar a tempo do café da manhã
do hotel, Mateus acordou junto e disse que achava melhor ir pra
casa já que eu e Luísa tínhamos planos para o dia. Logo que dei a
primeira mordida no pão, meu cérebro caiu em si. Caramba, acho
que não posso nem soltar um peido hoje. No mesmo momento, meu
celular acusou uma notificação do Mateus:
“E esse cu? Quando é que rola de novo?”.
Quase engasguei. Caralho, esse homem é louco!
“Hoje não, calma lá.”
“Eita, ele tá de ressaca assim?”
14
Nunca tinha ouvido falar que cu ficava de ressaca, mas, depois
daquele dia, achei que não podia existir uma analogia melhor. Na
hora foi tudo muito bom, muito fácil, tava tudo soltinho, funcionou
mesmo o lance da cachaça, sabe? Mas lembro de que essa
sensação de que estava tudo solto durou o dia inteiro. Tinha a
impressão de que se tivesse uma dor de barriga, a parada ia
simplesmente escorregar pra fora de mim. Luísa ainda inventou de
almoçar feijoada num restaurante na Floresta da Tijuca. “Pô, sábado
no Rio de Janeiro, tem que ser feijoada!”, até hoje me lembro dela
falando, eu suando frio. Nunca tinha dado o cu assim, na real,
sempre tinha sido uma coisinha rápida. Naquele dia, a gente perdeu
a noção do tempo, só soube quando caiu a ficha de que o cu tava
mesmo de ressaca. É engraçado ninguém nunca falar disso, nem os
amigos gays que gostam de contar detalhes. Lembro que o Arthur,
uma vez, disse que saiu com um cara com o pau da grossura de
uma latinha e que no outro dia não conseguia sentar. É a única
recordação que tenho de alguém mencionando alguma dor e esse
exemplo nem vale, porque a ressaca do cu não tem nada a ver com
conseguir sentar ou não. Sentar era a única coisa que me fazia
esquecer do cu, na verdade. Acho que o mais perturbador do sexo
anal é isso: depois, você fica sentindo o seu cu o tempo todo, como
se ele tivesse querendo te avisar que tá chegando a hora de ir ao
banheiro, mas não é verdade. Só nesse dia descobri que antes não
sentia ele, quer dizer, contraindo sentia, mas quem anda por aí
contraindo o cu? Vai por mim, ignorar o cu é uma benção.
A ressaca durou só um dia, mas um dia sofrido tentando não
pensar na feijoada e não ficar preocupada. Nunca tinha sentido
nada parecido, então, tava morrendo de medo de ter dado algo
errado. Será que alguém desenvolvia hemorroida assim? Só não
joguei a pergunta na busca do Google porque tava com vergonha de
ficar com isso salvo no celular. No outro dia, fiquei me perguntando
por que ninguém falava sobre isso. Teria sido tão mais tranquilo não
ter passado o dia inteiro com o cu na mão. Mas isso não é só com o
anal, ninguém nunca fala nada sobre dor depois de transar. Aliás,
ninguém nunca fala nada prático, né? Não sei quanto tempo já fiquei
em bar ouvindo minhas amigas falarem sobre os maiores paus ou
os mais grossos que já viram de pertinho. Gosto das conversas, na
real, é engraçado ouvir todas as histórias, como se conheceram,
como paqueraram, de que jeito foram transar, onde e,
principalmente, que cara fizeram quando viram o catramolho do
cara. Catramolho é uma palavra que a gente só usa para paus
especiais, porque quando você vai pronunciando as sílabas ca-tra-
mo-lho já dá uma ideia da dimensão do troço. E toda garota já fez
uma cara ou teve uma epifania quando se deparou com um, é essa
história que minhas amigas contam. Só contam as partes divertidas
ou abreviam demais as partes ruins – “a gente tentou de quatro mas
não rolou” – como se fosse sempre simples assim. Na verdade, não
sei por que até hoje a gente fala de pau grande como se fosse uma
vantagem, uma espécie de carta na manga pra deixar as amigas
com inveja.
Na noite de cervejas especiais da Luísa, assim que as meninas
chegaram, a conversa não foi diferente. Rita começou o assunto,
falando do cara que tava pegando. Jéssica emendou um “saudades
do Paulo” que fez todo mundo cair na risada. Era muito bom falar
dos homens assim, dava uma sensação de que a gente não era
vulnerável, que a gente escolhia. Uma vingancinha boba contra a
liberdade que os homens sempre tiveram, sabe? A única regra era
não falar de marido ou namorado, ninguém mencionava essa regra,
mas a gente se dava conta disso instintivamente. Fiquei pensando
nessas coisas até Jéssica me chamar pra conversa. Ela me
perguntou sobre um cara com quem saí uma só vez, que lembrava
o novo peguete da Rita. Conferi a foto dele no celular e confirmei
que não era a mesma pessoa.
“Mas o que aconteceu com esse boy? Ele é tão lindo, miga.”
Concordei que ele era bonito, fazendo pouco caso. Mas logo
emendei: “também foi o maior pau que já vi na vida”, como se fosse
vantagem e, imediatamente, me senti uma farsante.
“Olha, quem diria! Nunca ia adivinhar que ele tinha esse dote
todo.”
O boy era bem branco, daqueles que a barba crescia ruiva, e
magro, mais pra magro que pra sarado. Achei graça do comentário
de Jéssica porque mostrava bem como a gente criava uns
estereótipos irreais pra pau grande. Quem diria que não seria um
negão, né?
“Ele tinha mesmo”, disse e fiz uma careta. “Na real, foi uma
transa bem ruim”, as meninas me olharam surpresas. “Fiquei
machucada, sabe? Na hora que ele saiu de mim, a camisinha tava
toda ensanguentada.”
As meninas ficaram constrangidas, disfarçaram, deram o assunto
por encerrado. Também não quis dar mais detalhes daquele dia,
mas me chateou que fosse sempre cada uma por si, com as suas
dúvidas e as suas experiências ruins. Como se falar que sentiu dor
fosse algo que tornasse a gente anormal. Desde que comecei a
transar, sempre tive medo de fazer algum comentário que desse a
entender que tinha alguma IST. Terminei de contar a história do cara
que me machucou e me perguntei se elas estavam pensando que
sangrar assim não era normal ou se estavam pensando nas
doenças que podia ter pegado nesse dia. Deixa de ser paranoica,
Vanessa!, tomei um gole de cerveja.
Rita e Jéssica conversavam algo entre si, Luísa e Marcela tinham
levantado pra pegar mais cerveja e Mari se aproximou de mim.
“Depois cê ficou sentindo uma dor tipo cólica?”, me perguntou
sorrindo.
“Oi?”, demorei a entender do que ela falava até lembrar da
história que tinha contado há pouco. “Nossa, fiquei! Na verdade,
achei que era cólica mesmo”, confessei.
Mari caiu na gargalhada. “Não, Vanis, é que ele era um jumento
mesmo”, continuou rindo. “Tô rindo, mas é horrível, já passei por
isso demais com o meu ex, na época ficava achando que o
problema era comigo, que devia ser sensível demais.”
“Se for por isso também sou”, comentei.
“Cê também tem uma sensação de que o boy te rasgou, às
vezes?”.
“Ixi, já vou fazer xixi pós-transa de olhos fechados esperando o
ardido”, caímos na gargalhada. Mulher só se fode.
Fiquei pensativa por um momento, mas criei coragem para falar.
“Tem uma coisa do pós-transa que eu curto.”
“O quê?”
“Aquela sensação da perereca pulsando no outro dia, já sentiu?
Como se o sangue estivesse circulando mais intensamente por lá”,
disse rindo.
As meninas assentiram com a cabeça. “Tá transando bem, hein,
miga?”, Jéssica me provocou.
Tomei um gole do copo de cerveja que tinham acabado de
completar e pensei com carinho no pau grosso do Mateus. Luísa me
lançou um olhar de impaciência, como quem dizia de novo não,
Vanessa.
15
Não consigo parar de pensar no Mateus e no dia em que a gente
se conheceu. Às vezes parece que tô flutuando, sinto isso enquanto
dirijo pela Avenida Litorânea a caminho do trabalho. Quase passo
por dois pardais acima do limite de velocidade. Os limites de
velocidade deveriam dar um desconto. Desde que o João se afastou
ou antes, quando as coisas começaram a esfriar mesmo, tinha a
sensação de que só me arrastava. Nasci aqui, mas me sinto cada
vez mais sozinha, principalmente nesse caminho pro trabalho, rumo
às oito horas diárias de esvaziamento. Não sei se já disse que odeio
meu trabalho, mas deixa pra lá. Nessa semana, o mar não tá com a
cor marrom de sempre. Ontem, quando descia a ladeira da
Holandeses até a praia, vi uma faixa de mar bem esverdeada. Até o
mar tá mais bonito depois que Mateus reapareceu. Todo dia fico
com um olho no trânsito e outro no calçadão, vai que ele passa
correndo. Abaixo o vidro, desligo o ar condicionado, sinto o cheiro
da maresia e canto Medo Bobo com Maiara e Maraísa. Mateus nem
imagina que foi essa a música que escolhi pro nosso reencontro.
Gosto dela e acho que quase tudo cai como uma luva, tirando uma
coisinha aqui e outra ali. No meu trecho preferido, a personagem da
música canta que não era só mais uma loucura da sua cabeça.
Sinto que tô flutuando de alívio.
Quando Mateus se afastou de mim, o mais difícil foi engolir o
orgulho e admitir que só podia ter sido loucura da minha cabeça
sim. Tive que me convencer de que não foi especial, que não existiu
conexão diferente, nunca foi recíproco, afinal, quis parar de me ver
sem se dar ao trabalho de me explicar o porquê. Depois de um ano
e alguns casos que nunca me fizeram sentir o mesmo, sempre que
pensava nele, ainda precisava repetir para mim mesma que não
valia a pena voltar a pensar naquele mês – e foi só um mês – em
que estivemos juntos. Agora, alívio resumia tudo, alívio e um pouco
de orgulho também, pra falar a verdade. Eu gosto de estar certa. Ele
voltou, tinha sido especial, então.
Não consigo parar de pensar no que a gente pode fazer junto, no
que a gente pode repetir, principalmente. Nem acredito que tô há
tanto tempo sem dar o cu! O foda de sexo anal é que nunca
consegui desenrolar isso muito bem em relações casuais. A primeira
vez que aconteceu foi com um namorado. Quando comecei a
transar, na real, achei que cu era um lugar que nunca ia querer
explorar, só associava com dor. Tinha pra mim que precisava ter tido
algum sinal de que ia gostar antes, tipo uma amiga que me contou
que adorava cagar, sabe? Eu nunca adorei isso, sei lá, só era uma
coisa que acontecia. Foi preciso meu namorado passar um dedinho
por ali e massagear com jeitinho preu descobrir que podia rolar.
Esse foi o primeiro passo, mas só consegui levar isso pra frente
depois de ter resolvido duas questões. Acontece que, ainda que
pudesse ser prazeroso de alguma forma, tinha medo de que a dor
prevalecesse e não tinha nada no mundo que me convencesse a
tirar a prova. O teste foi um acidente.
A gente ia mudar de posição, ele pediu preu ficar de lado. Eu,
completamente molhada, sentia as coxas grudando com o líquido
que tinha escorrido pras pernas. Ele gostava de passar a mão na
minha buceta e me masturbar um pouco sempre que a gente
mudava de posição. Era o jeito dele checar se eu ainda tava bem
lubrificada. Depois disso vinha sempre uma piadinha, vivo falando
disso. Já aguardava pela mão dele e pela piada. “Amor, a gente vai
ter que chamar um encanador, acho que tem um vazamento aqui.”
“Idiota”, eu replicava rindo. “Gostosa”, ele respondia encaixando o
pau na minha buceta. Naquele dia foi igual, ele passou a mão, fez
uma piada qualquer sobre meu excesso de lubrificação e encaixou o
pau. Não sei se escorregou ou se foi ele que encaixou errado de
propósito. Esperei a sensação familiar do pau se acomodando
dentro de mim, mas quanto mais ele avançava, menos familiar me
parecia. Contraí o corpo quando caiu a ficha do que tava
acontecendo e tentei formular uma frase para avisá-lo quando a
penetração foi interrompida. Desencaixou o pau do meu cu e me
abraçou, pedindo desculpas e perguntando por que não avisei.
“Acho que não entendi o que tava acontecendo”, disse. Foi uma
descoberta feliz pra nós dois.
Depois que a dor deixou de ser a maior preocupação, outra
questão ganhou proporção: dar o cu requeria planejamento. Não
dava pra simplesmente iniciar uma transa e, no meio, o boy soltar
um “vamos fazer uma coisa diferente hoje?” como acontecia nos
filmes. E se eu passasse um cheque ou, pior, se desse vontade de
cagar mesmo, pra valer, real e oficial? Sabia que fazer chuca era
uma possibilidade, mas até isso me parecia um problema. Como é
que eu jogaria um jato de água no meu cu? Qual era a forma mais
prática, tranquila e limpinha? Será que não ia dar algum problema,
sei lá, era difícil confiar na qualidade da água da Caema. Tive que
abrir o jogo com o meu namorado, disse que não tinha coragem de
fazer chuca, mas que podíamos tentar em um dia que eu tivesse ido
ao banheiro direitinho. Isso é o básico, descobri num vídeo do
YouTube, tem que ter cagado no dia se quiser dar o cu. Esperamos
o meu intestino estar bem regular e decidimos encarar. Foi
esquisito, é esquisito, na real, mas um esquisito gostoso. E foi bem
bonito, também, porque tive que confiar muito nele naquele dia.
Combinamos que se eu sentisse dor, ele ia parar. E isso aconteceu
algumas vezes naquele dia, não por causa de dor mesmo, mas por
insegurança. É difícil colocar algo no seu cu, depois de passar a
vida toda colocando pra fora. Dá tela azul no cu no começo, acho. O
foda mesmo é isso, parece que o corpo não sabe identificar outra
sensação que não seja dor de barriga, mas precisa avisar que tá
rolando alguma coisa.
“Não tá bom, amor?”, ele perguntou quando fiquei parada demais.
“Não sei, mas continua”, respondi sem ter coragem de dizer que
não sabia se o que sentia era dor de barriga ou prazer.
O namoro não durou muito mais para que pudéssemos ir além de
poucas experiências anais. Então, veio o Mateus, como uma
confirmação de que eu curtia aquilo. E depois mais nada. Às vezes
eu até jogava a ideia, joguei pro João, por exemplo. Ele nunca
encostava ali, mas a gente já tava saindo há algum tempo, achava
que tinha intimidade suficiente pra rolar. Fiz a proposta, ele pareceu
animado, disse que a gente podia tentar sim, mas deu pra trás
quando falei do meu medo de chuca. Acho que não tava disposto a
correr o risco de dar merda. E ele não foi o primeiro a dar pra trás.
Acho foda que todo mundo vive falando sobre como héteros são
aficionados em cu ou sobre como o pornô mainstream criou esse
fetiche do anal, só que, na hora H, os caras só querem cu se for
depilado, limpinho, seguro, de quatro. Esse lance da posição é outra
coisa. Dar o cu de ladinho sempre foi mais confortável pra mim,
quase nunca rolou legal de quatro, infelizmente só descobri na
prática.
Por isso tô sem dar o cu há tanto tempo. Às vezes não dá pra
sacar se o cara vai querer, se vai saber fazer ou se vai aceitar os
meus limites. Pra perceber tudo isso, sinto que é preciso de um
pouco mais de intimidade e a maior parte dos homens só quer ficar
por três encontros. No mundo do sexo casual é proibido completar
um mês.
Mas agora o Mateus voltou, já disse que não paro de pensar
nisso, e só sinto euforia, alívio e vontade de dar o cu. Tô até
cogitando fazer chuca.
16
Depois que me enviou a mensagem perguntando quando
sairíamos de novo, Mateus ficou repentinamente muito ocupado.
Isso me deixou muito irritada, confesso, mas tava tentando não
encanar muito. Principalmente porque todas as explicações que ele
me dava eram meio justas. Estava na cidade há poucos dias, depois
de quase um ano sem visitar a casa dos pais, a mãe queria que ele
fosse com ela para o interior do Maranhão, visitar alguns parentes, e
o pai queria passar uns dias em Barreirinhas. Eu sabia que Mateus
adorava tudo aquilo, especialmente, ter uma desculpa pra ficar só
na manha, de sunga o dia inteiro, numa paisagem paradisíaca.
Conseguia perceber racionalmente que era normal estar ocupado e
tendo esse momento de lazer com a família, mas não conseguia
deixar de ficar aflita com a falta de demonstração de interesse em
mim.
Logo depois que nos vimos, ele começou a me bombardear com
gifs bobos e links sobre coisas que tinha mencionado e eu ainda
não conhecia. Também tinha me mandado um vídeo, pelo Snapchat,
em que se filmou tomando banho, supostamente um vídeo para me
seduzir. Eu respondia tudo com ironia ou fazendo alguma piada com
a cara dele. Ele reclamava de volta, mas eu não conseguia deixar
de implicar com as pessoas de que gostava muito. Acho que era o
meu jeito de não querer entregar que sou louca por ele. Mas, com
Mateus, sempre acontecia uma coisa no mínimo estranha, que me
deixava puta da vida. Ele gostava de falar, sobretudo, dele e das
coisas que tava fazendo, escrevendo ou planejando. Eram assuntos
que, em geral, me interessavam também ou que ele conseguia me
convencer de que eram interessantes. Só me incomodava quando
eu tentava mudar o foco da discussão ou, ainda, quando tentava
puxar conversa primeiro. Nessas ocasiões, Mateus costumava ser
monossilábico ou demorar horas pra me responder.
Formava um contraponto interessante com João. Eu e João
conseguíamos passar horas trocando mensagens no celular, no
entanto, pessoalmente, parecíamos ter menos assunto. Quando não
estávamos transando, saíamos pra comer ou procurávamos alguma
coisa pra ver na Netflix. Com Mateus, era o contrário.
Pessoalmente, a gente não conseguia calar a boca e parar de
implicar um com o outro, mas, pelo celular, era horrível disputar o
controle dos assuntos com ele. Mateus sabia ser bem babaca e isso
me deixava aterrorizada. Parecia que tudo o que tinha acontecido
da primeira vez já começava a se repetir. Tentava repassar o
momento em que ele disse que era como se a gente tivesse se
conhecido ontem e, principalmente, o momento em que perguntou
se eu não queria passar um fim de semana com ele, só nós dois,
em algum lugar, no próximo feriado.
Não tem por que se preocupar, Vanessa!, repeti pra mim mesma
tentando me acalmar e finalmente começar a escrever os releases
que a chefe tinha pedido.
Dei uma checada no Twitter enquanto não me ocorria um jeito
mais criativo para iniciar o texto e vi uma interação entre João e a
Mina do Twitter, a menina que eu sempre implicava que dava em
cima dele. Pela interação, eles estavam se pegando, mais que isso,
se pegando sério. Tão rápido? Empalideci na frente do computador,
me sentindo a mulher mais patética do mundo. Como eu podia
sofrer logo por dois boys que não me davam condição?
Fechei a aba da rede social e procurei pensamentos que
pudessem me acalmar. Talvez a minha aflição com Mateus não
tivesse a ver com o que ele estava realmente fazendo ou deixando
de fazer. O que me afligia era aquela sensação de estar
acumulando rejeições, sem sentir que estava chegando a algum
lugar. Quase não me reconheço, transar era tão mais fácil antes.
Faz cinco anos. Foi na época em que saí com Ele, o cara que
não gosto de falar o nome. Tinha acabado um namoro longo e não
fazia ideia se conseguiria transar com alguém que conhecesse há
pouco tempo, porém me sentia disposta a tentar. Foi um amigo em
comum que nos apresentou, em um bar de São Paulo, quando eu
tinha acabado de me mudar. Ele me deu um beijo demorado na
bochecha e ficou me lançando olhares do outro lado da mesa a
noite inteira. Me senti lisonjeada com o flerte, não era o meu tipo
físico preferido, mas, mesmo antes que Arthur se virasse pra mim e
me mandasse correr, eu já sabia que era cilada e estava adorando.
Durante cinco anos de namoro, sempre me tomaram como uma
garota exemplar ou, pior, como extremamente puritana. Só quando
tudo acabou, minhas amigas souberam que, afinal, eu e meu
namorado tínhamos relações sexuais frequentes. Ainda consigo
lembrar da cara delas, de Marcela confessando “eu nunca ia
desconfiar!” e de Jéssica falando “meu deus, não, não tô pronta pra
te imaginar como um corpo sexual”. Luísa foi a única que ficou
calada e deu de ombros. Acho que ela já me imaginava como um
corpo sexual antes mesmo do início desse namoro. “É foda ser
bissexual”, ela gostava de dizer e me lançar uns olhares sugestivos,
que, no fundo, eu não sabia dizer se eram irônicos ou não.
Fico mais verborrágica que o normal quando o assunto é namoro
e sexo heterossexual. Sou grata ao Pedro, esse meu primeiro
namorado, por muita coisa. Outro dia mesmo li uma matéria que
falava de uma pesquisa não sei das quantas, que concluiu que
havia uma relação entre uma boa primeira vez e o restante da vida
sexual das pessoas. Depois que li isso, até cogitei mandar uma
cesta de café da manhã pra ele, com um cartãozinho.
“Obrigada por ter me comido naquela tarde mesmo que eu não
parasse de chorar e reclamar que doía demais. Você me garantiu
uma primeira vez planejada com uma pessoa que eu amava e
confiava e os cientistas estão alegando que isso é muito importante.
Obrigada mesmo, eu não sei se teria coragem de foder uma pessoa
chorando.”
Não tô brincando, sou 200% consciente do meu privilégio de ter
tido essa experiência com ele. No entanto, quando começamos as
nossas relações, descobri que não sabia absolutamente nada sobre
isso. Pra ser sincera, não gosto de lembrar desse começo. Culpo a
minha criação cristã até hoje.
Naquele dia do bar em que Ele flertava comigo, eu ainda não
estava tão distante da garotinha comportada que todo mundo
conhecia. Mas uma conspiração do universo fez com que eu
estivesse tendo o meu primeiro momento “subindo pelas paredes”
da vida na hora em que conheci Ele. E, pro que eu queria, ele era
perfeito.
Homens com fama de cafajestes me atraíam, talvez, ainda
atraiam. Só que não tinha nada a ver com a vontade de mudar o
cara ou de querer me sentir mais poderosa que outras mulheres
caso conseguisse a exclusividade dele. O que me seduzia era a
experiência, que n’Ele sobrava e em mim faltava. Pelo menos, era o
que acreditava na época. Pensando bem, acho que passei boa
parte desses primeiros anos esperando encontrar um homem que
tirasse todas as minhas dúvidas. Não preciso dizer que ninguém me
deu isso. O que Ele me deu foi trabalho, quero dizer, me fez
perceber que eu mesma tinha que buscar o que queria. Descobri
algumas coisas com Ele, mas o que fui obrigada a aprender mais
rápido foi que ele não estava disponível pro meu desejo, só eu pro
dele. Meus amigos perguntavam por que me mantinha disponível
então, eu respondia: “é cômodo, é descomplicado e já sei que vai
ser bom” (na época, ainda me satisfazia sem esforço). Permaneci
na minha preguiça por alguns meses até conhecer outra pessoa.
Era quase uma repetição dos mesmos passos. Um amigo nos
apresentou em uma balada, ele tinha fama de pegar geral, eu não vi
problema em fazer parte das estatísticas. Mas enquanto o primeiro
encarnava o boy lixo, daqueles que acham que mulheres gamam
quando não são bem tratadas, o segundo conseguia ser o cara mais
doce do mundo. Com ele aprendi que não dava para confundir mãos
dadas e passeios em sorveterias com intenção de relacionamento.
Enquanto um novo mundo de corpos, ritmos, tamanhos e larguras
se abria pra mim, Ele sentiu o laço se desfazendo. Não sei se
chegou a me ver descendo a rua Augusta de mãos dadas com
Jonas ou se apenas sentiu o cheiro. Gosto de acreditar que homem
sente o cheiro de outro. O resultado foi que sua agenda voltou a se
abrir pra mim. Pensei em mandar se foder, mas, sabe, eu meio que
sentia falta das palmadas e do ritmo frenético de meter, gostava de
descrever a foda dele como britadeira.
Cheguei na sua casa com um sorriso malicioso e emendei um
beijo na boca. Ele sorriu aliviado, imaginei que tinha estado com
medo de que eu estivesse na defensiva. Foi então que algo inédito
aconteceu.
“Tenho um presente pra você”, disse caminhando até a cozinha.
“Uhh… um presente, é?”, tentei fazer pouco caso.
“Achei o refrigerante do Maranhão na Liberdade e trouxe pra ti.
Lembra que a gente conversou sobre isso?”, Ele voltou com uma
latinha de Guaraná Jesus e dois copos.
“Você também gosta?”, perguntei curiosa com os copos.
“Nunca tomei. Tava esperando você pra experimentar”,
respondeu nos servindo. “Deixa eu ver se você vai perder seu posto
de maranhense mais gostosa pra essa bebida”, me desafiou com
olhar predador.
Adorava quando fazia aquela cara. Às vezes até pensava que Ele
não era realmente bonito, mas aquele olhar sempre me deixava
balançada. Tomei um gole do refrigerante pra segurar o comentário,
mas assim que desceu pela garganta me peguei falando:
“Você nunca me elogia. Que milagre é esse?”, fiz minha cara de
desconfiada.
Ele deu de ombros. “Não achei que precisasse elogiar”, disse.
“Você é perfeita.”
Deixei a boca abrir de tão incrédula. Tinha algo naquele “perfeita”
que me incomodou imediatamente. A princípio, achei que tinha sido
a forma como disse, não parecia um elogio, pelo contrário, parecia
uma crítica. Ele estava sendo sarcástico? A ideia da perfeição
também me entristeceu de uma forma inesperada. Acho que, de
alguma maneira, alimentava a ideia de que não estivesse sempre
disponível pra mim porque eu não correspondia às suas
expectativas sobre o corpo feminino desejável, não estava pronta
pra considerar que o problema pudesse estar em outro lugar. Será
que me acha burra?, lembro de ter me ocorrido. Só muito mais tarde
parei de tentar encontrar as justificativas para os relacionamentos
falhados em mim mesma. Quer dizer, pelo menos acho que não
faço mais isso.
O refrigerante não foi a única coisa inédita que aconteceu
naquele dia. Ele parecia muito mais excitado que de costume. Aliás,
isso era uma coisa que tinha descoberto com Ele: nem todos os
homens se excitam com a mesma facilidade. Meu parceiro anterior
me dava a impressão de que só era preciso passar a mão de
qualquer jeito pro pau ficar duro, o oral também não parecia
desafiador, eu tinha sucesso 10 entre cada 10 vezes. Ele me dava
mais trabalho, mas era um trabalho gostoso porque não sentia que
poderia ser a boca de qualquer mulher em vez da minha. Ainda
assim, nunca conseguia fazê-lo gozar com oral e Ele sempre me
explicava que era porque precisava de muita velocidade na mão e
nenhuma garota conseguia pegar seu ritmo.
Transamos muito gostoso no dia e enquanto eu tentava rebolar
um pouco mais em cima dele, ficava repetindo: “O que deu em
você?”. Eu sussurrava “saudades” entre um gemido e outro. A
transa com ele sempre acontecia em dois atos. Transávamos por
um tempo e parávamos para descansar um pouco antes de
tentarmos finalizar. Demorávamos muito pra gozar, mas enquanto
eu me esforçava pra esperar a hora dele, Ele quase nunca me
chupava, tampouco tentava me masturbar até o fim e, já que gozar
com penetração estava mais pra conto de fadas na minha vida, eu
me contentava com o prazer do meio e não com o do fim. Não
consigo lembrar disso sem me sentir otária. Hoje não sei se
aceitaria transar com alguém que não estivesse disposto a me
chupar, só não sei dizer se isso se deve ao fato de não ter
encontrado tantos caras que metessem como ele ou se mudei ao
ponto de não conseguir chegar no mesmo grau de excitação com
esse tipo de transa.
Naquele dia, enquanto descansávamos, Ele afirmou que eu
estava diferente. Soube na hora que ele já tinha descoberto sobre
os meus encontros com Jonas e pensei em comentar. Mas não
havia nenhuma relação entre o que tava acontecendo na cama dele
e os meus encontros com o outro. Jonas era muito mais contido na
cama, era mais bonito, tinha um corpo lindo e uma mania de ficar
repetindo “chupa meu pau” quando eu já tava chupando, também
respondia com mais facilidade aos meus truques com a língua, nada
além disso. Voltei a repetir que era impressão, só tava muito
excitada.
“Não sei não”, respondeu desconfiado me espiando de canto de
olho. Na hora, saquei que a ideia de que eu estivesse transando
com outro cara o perturbava e excitava. Algo também me disse que
aquele era um terreno muito delicado; se admitisse o que Ele sabia,
aqueles encontros acabariam; se negasse, de forma dissimulada e
pouco convincente, atiçaria o desejo. Pensei em como éramos
diferentes. Eu, ao contrário, adorava quando me falava de outras
garotas. Minha vida devia ser uma cena de bacanal do Reinaldo
Moraes, mas eu meio que me acostumei demais com a monogamia.
Depois que eu disse que ele estava paranoico e peguei no seu pau,
Ele veio pra cima de mim e começou a me beijar e me morder.
Acabou parando entre as minhas pernas, aprovando minha
depilação (também teria feito isso pro outro? imaginei que se
perguntava). Me chupou rapidamente (babaca) e passou a língua
pela parte interna das minhas coxas, um truque que só Ele fazia e
me deixava louca. Então começou a me morder nas coxas e até nos
grandes lábios, me fazendo gemer. Antes de me entregar
completamente à sensação, ainda disse mais por maldade que por
precaução, “Não quero que você deixe marca dessa vez, ok?”.
Contrariado, gozou me comendo.
Quando saiu do banho, eu estava sentada na sua cama, ainda
pelada, sorrindo pra tela do celular. Jonas tinha acabado de mandar
uma mensagem fofa. Ele perguntou irritado por que eu tava rindo.
Quase disse que era só uma piada de um amigo, mas tinha gostado
daquele jogo. “Não é nada”, levantei, dei um selinho e uma palmada
na sua bunda antes de me trancar no banheiro com o celular a
pretexto de tomar banho.
Durante quase um mês, foi moleza administrar os dois.
Costumavam estar disponíveis semana sim, semana não. Em outra
situação, essa espera pelo próximo encontro teria me enchido de
ansiedade e medo de ser rejeitada; saindo com dois caras, todos os
meus fins de semana passaram a ser preenchidos. Até que, uma
vez, os dois ficaram disponíveis no mesmo fim de semana. Então
tive que fazer uma escolha: Jonas, que tinha o pau menor e não me
mordia, na sexta, Ele no sábado.
Deu pra ver que o João curtiu quando eu tava no controle, por
isso, acho, não quis deixar por menos. Colocou meus pés ao redor
da cabeça e mandou ver. Porra, sempre me esqueço como ele é
foda. Fecho os olhos e ainda consigo ver minhas duas mãos
fincadas nas suas pernas enquanto ele me come de joelho numa
velocidade que não acredito. No final, ele gozou, eu não gozei, mas
fiquei jogada na cama, aliviada. Tem umas metidas que lavam a
nossa alma, né? Felizmente, esse negócio de pensar em outro
durante a transa é mais coisa de letra sertaneja e pagode anos 90
que realidade. Isso eu já sabia pela minha experiência de 5 anos
atrás e voltava a confirmar.
No meio do expediente, não aguentei e conversei com Luísa
sobre isso. Ela não vê problema na situação. Mas o problema, ainda
não tive coragem de dizer pra ela, é que parece que nada acontece.
Não sei se o Mateus desistiu de sair comigo de novo ou se ele só tá
vivendo a vida dele achando que está tudo ótimo entre nós. A única
coisa que sei é que não tá rolando uma dormida juntinho na
frequência que descobri que queria.
Acho que vou enlouquecer. Ainda quero o Mateus, acho fácil
estar com o João e as duas coisas não são excludentes, né? Então
o que explica esse peso na consciência? Sempre curti esse papo de
poligamia, mas, na real, talvez não tenha mais vocação pra isso. Ou
talvez seja essa sensação absurda de estar transando em círculos.
Só tô requentando os caras que já me magoaram, não me aparece
ninguém novo.
Mas o raciocínio que me leva a isso é bem simples até. É só
pegar um ah, já sei que a transa dele é boa e que ele não vai pedir
pra mijar em mim, adicionar um vou poder sair e transar sem ter que
passar uma semana conhecendo uma nova pessoa, misturar com
não é como se tivesse chovendo possibilidade, né? e finalizar com
um preciso exibir esse um centímetro de bunda que ganhei depois
que entrei na academia e comecei uma dieta. Pronto.
Mas e aí?
Que foi aquilo ontem à noite, hein?
21
Uma vez tive rolo com um cara que morava em outro estado. Foi
dessas coisas de conhecer a pessoa pela internet, começar a
conversar, conversar por mais um de mês e daí já iniciar uma
contagem regressiva pelos três meses que ainda faltavam até a
gente descobrir se encaixava gostoso. Encaixava, pois, na verdade,
essa é a história do início de um quase namoro. Mas só tô
lembrando dela agora, porque sempre serve de parâmetro quando
me meto nessas furadas.
Foram três meses de conversa diária e, hoje, sabendo como
acabou, até me surpreendo pensando no que raios eu e ele
poderíamos ter pra conversar. Lembrar do que a gente falava é
difícil mesmo, mas, do que a gente não falava, é bem fácil. Na
época, achava engraçado, pra falar o mínimo, que a gente gastasse
tanto tempo conversando online e, nem por um minuto, o papo
acabasse em putaria, sabe? Pensando bem, o João também fez
isso comigo, né? Mas esse era um cara que falava abertamente de
várias coisas, inclusive das meninas com quem trepava, e eu nunca
soube ser discreta sobre minha intimidade, só que sempre que tava
chegando em algum assunto que pudesse deixar alguma pista do
que a gente gostava na transa, ele pedia pra parar. Eu lembro que
achava graça e tinha um pouco de medo também. É óbvio que ele
tem o pau pequeno, pensava. Quem já conheceu um cara
“pauzudo” sabe: não é preciso nem terminar de digitar o manda
nudes pro celular indicar o download de uma foto. Esses caras têm
simplesmente muito orgulho do pau pra perder tempo com
suspense, né? No caso dele, dizia que não era isso, era mais pra
preservar as surpresas e evitar fantasiar coisas de um jeito que
poderia não se concretizar. Eu não sabia se dava pra controlar
expectativas, mas também tinha o medo de revelar algo que
gostasse e acabar influenciando no jeito dele me comer. Gosto
quando a mágica acontece por acaso, sabe?
A primeira vez que essa experiência me serviu de parâmetro foi
quando entrei no Tinder, logo depois desse rolo. Conheci dois caras
no aplicativo. Tenho um pouco de vergonha de dizer isso: sou do
tipo que entra lá pra conversar. Então, um virou só meu amigo.
Conversamos por meses, nunca marcamos nada, depois ele casou,
teve filho e me manda um meme natalino do filho todo ano. O outro
foi o que escolhi pra tirar o atraso e, olha, o sujeito era bem mais do
que “o que tem pra hoje”. Pela bio, eu tinha encontrado aquela calça
perfeita, que não ficava folgada na cintura, não apertava demais as
coxas e dava uma levantada de cortesia na bunda. E tava tão certa
de que o cara era tudo que tava procurando, que não me preocupei
com essas coisas de expectativa. Expectativa o quê? Era real: revi
mil vezes a foto e tive certeza de que o papel que ele segurava era
um panfleto pra reeleição da Dilma de 2014. Sabia até que tinha
escrito “coração valente” no adesivo colado à sua camisa. Pronto,
só precisei daquilo. Fui conversar com o cara dando mole demais.
Bebi umas cervejas com minhas amigas e já deixei um aviso de que
tava tarada. Ele achou graça, também tava, “sempre tô aliás”, me
disse. Nunca tive muito jeito pra dirty talk, tipo isso de “tô vestindo
uma camisola transparente azul bebê jujuba de maçã verde”. Mas a
gente começou bem.
“Eu gosto muito de transar, sabe? Uma vez fiz uma viagem com
uma garota com quem saía e perdemos todos os passeios turísticos
porque transamos sem parar.”
Eu, já deitada na cama, mordia o lábio e fechava os olhos de
empolgação imaginando aquele cara me comendo de ladinho em
uma manhã preguiçosa numa pousada em Olinda. Disse isso pra
ele. “Agora foi você quem me deixou de pau duro”, respondeu.
A conversa seguiu até eu ter que levantar da cama duas vezes
para fazer xixi e tentar dar um jeito em toda aquela lubrificação.
Marcamos a foda pro outro dia.
Não preciso dizer que não foi essas maravilhas, né? No papel,
quer dizer, no backup daquela conversa, tava ali mais do que
comprovado que nós curtíamos as mesmas coisas. Só que, em
cima daquela cama de solteiro, mesmo enquanto o beijava, só
conseguia pensar que nada daquilo me surpreendia. A foda ficou
tão certa, mas tão certa, mas tão certa, que a gente deve ter perdido
alguma coisa essencial da incerteza. Nessas horas eu até fico
tentada a achar que um dos grandes motores da foda é aquela
incerteza de se o cara vai tentar enfiar um dedo no meu cu de
surpresa. Pelo menos aprendi uma lição, era o que eu pensava até
bem recentemente.
Thiago puxou assunto por mensagem privada no Instagram.
Nunca entendi qual é a lógica aleatória do meu cérebro pra decidir
pra quem dou mole, mas, naquela primeira mensagem, já apitou um
“vai fundo”. Conversei um pouco e decidi que, no fim das contas,
minha vida já tava complicada o suficiente com a volta do Mateus (já
que ainda tava iludida achando que tinha voltado de vez) e, de vez
em quando, com o João, portanto, talvez fosse melhor só ficar na
minha. Depois que Mateus foi embora, decidi levar a sério o
conselho do psiquiatra de me exercitar diariamente e até embarquei
de verdade no Crossfit, depois de ter feito uma aula experimental
para cobrir a mentira que tinha contado para a minha família. Estava
focada em tornar o meu trabalho mais agradável, tinha pedido
aumento pro chefe, estava me alimentando melhor e, confesso, já
sentia algumas mudanças no meu corpo com apenas um mês de
atividades frequentes. Claro que ter feito academia antes me
ajudava.
Um dia, saí do treino às 20h, e postei um vídeo levantando peso
pela primeira vez. Eram só 10 kg, ainda não tinha conseguido
passar disso, de toda forma, ninguém precisava saber que era
pouco e queria dividir aquilo. Eu me meto em cada uma. Então,
Thiago voltou a puxar assunto (Mateus também, mas ignorei) e foi
daquelas coisas loucas, sabe, parecia que tinha adivinhado o dia da
minha carência fodida. Quando dei por mim, conversar com ele
tinha se tornado rotina e, por mais que tentasse não me empolgar,
era difícil não comemorar um homem com uma barba farta daquela
que ainda por cima parecia ter o meu senso de humor, nera?
Ele queria me comer, tava na cara, não podíamos chegar em
nada perto de uma insinuação de pegação pra ele já me pedir um
nude em piadas cifradas. Mas eu me lembrava do meu quase ex, do
boy do Tinder e recusava. Recusei, recusei, até que um dia acordei
tão gostosa que me senti obrigada a registrar. E daí fiquei com o
nude ali, na tela do celular, pedindo, não, implorando para ser
apreciado, por um “tá de parabéns, hein?” que fosse. Mandei pra
ele.
Com o tempo, ficou ainda mais difícil. Tentei seguir a regra do
quase ex, mas, um dia, eu tava lá, de pijama, com o celular na mão,
ele em outra cama, de cueca, assistindo jogo, com outro celular na
mão. Digitando…
“O que cê tá fazendo?”
“Já tô deitada, decidi dormir cedo hoje. E você?”
“Também deitado”, enviou e logo em seguida começou a digitar
uma nova mensagem. “Mas, me diz, tá vestindo O QUÊ?”
Fiquei rindo da cara de pau dele. Olhei prum lado, olhei pro outro,
escolhi responder.
“Tô vestindo um shortinho rosa e uma camisa branca soltinha…”
“Hum…”
“…com letras verdes, onde se lê ‘Tá tranquilo, tá vacinado’.”
“Claro, sempre bom garantir que todas as vacinações estão em
dia, né?”
Eu ri. Ele começou a digitar novamente, mas antes da mensagem
chegar, enviei:
“E o que você queria fazer comigo?”
“Pera, cê não tava me zoando?”
“Tava, mas agora tô com vontade de ver no que isso pode dar,
sabe? Quer me lamber onde, Thiago?”
Devia ter parado ali. Odiava fazer as coisas já sabendo que podia
ser um erro, pensava batendo a mão na testa enquanto o celular
concluía o download de uma foto do pau dele. Prendi a respiração,
olhando o pau negro, grosso e de tamanho admirável de Thiago.
Confessei que tinha ficado com água na boca, também me sentia
molhada em outro lugar, mas quis tirar uma dúvida.
“Por acaso isso é uma cueca do Super Homem?”
“É sim, você ficou completamente seduzida, né?”
“Bom, sinto te desapontar, Thiago, mas eu não manjo nada de
quadrinhos.”
“Olha, Vanessa, se você quiser, vai ser um prazer te mostrar mais
coisas.”
“Posso te mandar um nude pesadão?”
“Essa é a hora certa prum nude pesadão, sabe?”
Hesito por alguns instantes até criar coragem (espero que ele não
me ferre, suplico pra mim mesma) para mandar um close da minha
buceta molhada. Ele responde com um áudio. Tem uma voz bonita,
um leve sotaque carioca e me diz todas as coisas certas. Vai me
chupar, quer muito me comer, não diz de um jeito forçado, é meio
sem jeito e engraçado, repete meu nome várias vezes, enquanto
escuto um clec clec de uma punheta sendo batida ao fundo. Perco a
vergonha e gravo um áudio pra ele, enquanto começo a me
masturbar. Quero sentir aquele pau dentro de mim, que tesão do
caralho, Thiago. Continuamos por áudio até eu gozar. No momento
do gozo, gravo do jeito que consigo, pra que me ouça gemendo. Ele
me diz que também goza. Modéstia à parte, acho que gemo legal.
Depois do sexting, nos despedimos para dormir. Começo a ficar
ansiosa em relação a ele. Agora eu quero mais, mas ele mora em
Niterói.
22
“Tô muito ansiosa pra te ver”, enviei antes que pudesse pensar
duas vezes, mas era verdade. Estava tão ansiosa, há tantos dias,
que a conversa, antes fluindo naturalmente sobre qualquer assunto,
agora não passava de sinônimos pra “quero te ver”.
A resposta demora e, como ele é do tipo que desativa as
notificações de leitura, não sei se leu ou não. Dou uma espiada na
janela ao lado da minha cama e assisto, espantada, à mudança do
tempo. Acordei achando que era um dia bonito e cheio de
oportunidades promissoras, como ir à feira, correr na praia, sair pra
tomar um café ou simplesmente começar um livro novo. Mas as
nuvens se moviam numa velocidade atípica e metade do céu já
exibia uma coloração acinzentada sem graça.
Acordei achando que era bonita e interessante, feliz por ter
alguém atraente que parecia devolver o meu interesse na mesma
moeda. Mas isso tinha sido antes daquela mensagem. Talvez já
tenha dito isso demais. Será que ele vai achar que estou levando
tudo muito à sério? Será, será, será, será, será, vou lendo na nuvem
que avança cada vez mais rápido deixando o dia estranho. É difícil
não saber com o quê estou lidando. Há poucos minutos fazia sol,
agora, não sei mais o que esperar e, de alguma forma, o silêncio me
encara e diz que a culpa é minha.
Tenho esse poder de deixar tudo pesado, de complicar, de nublar.
Sou eu. O João, o Mateus, o Thiago, fui eu. Passo pelo espelho do
guarda-roupa e volto, assustada, pra constatar que acordei na
minha versão de louca. Nada ali é tranquilo, tudo diz desespero. Sei
o que acontece, mas ainda assim faço o teste: experimento dizer “tô
muito ansiosa pra te ver porque parece que a química vai ser boa e
curti demais aquela foto do seu pau”, porém, o som que sai da
minha boca é diferente e soa, inconfundivelmente, com “estou
completamente apaixonada por você e não quero nada menos que
um relacionamento monogâmico e estável”.
Abaixo a cabeça desanimada, já estou familiarizada com aquilo.
É chato e demora a passar, às vezes, permanece por meses.
Dependendo do cara, a experiência é tão chocante que ele nunca
mais consegue me ouvir. Quer dizer, tô pressupondo que algum
deles já me escutou realmente, mas não tenho essa certeza. Na
verdade, quando isso acontece com um cara por quem nem estou
tão interessada, até acho graça e brinco. Já sei que “nossa, podia
transar com você toda semana” vai soar como “estou querendo
engravidar e acho que nosso filho seria lindo, espero que puxe o
seu nariz” e digo de propósito para ver sua fisionomia se fechar
como o dia de hoje.
Com Thiago, é diferente. Não quero que corra, não agora. Não
quero que comece a medir cada gesto e a economizar em cada
carinho. Quero saber como pode ser por inteiro antes que
comecemos a escrita em entrelinhas. Digo para o espelho que não
quero jogar e prometo ser sincera, mas o som que escuto é “quero
namorar, posso estar dizendo que estou de boa, mas é tudo parte
de um jogo para que você esteja namorando comigo antes que
possa se dar conta”. Tenho vontade de chorar e me desespero
pensando se ainda vou encontrar uma forma de dizer o que sinto e
soar exatamente como gostaria. O espelho frio sugere que o melhor
é não falar, nunca falar. Essas coisas acontecem porque você
insiste em falar!, censura.
Olho decidida pro meu reflexo de louca e planejo mentalmente
que não vou mais falar. Vou deixar acontecer, calada. Balanço a
cabeça satisfeita com a minha decisão e percebo que minha
imagem começa a voltar ao normal. Vai passar! Não vou estragar
tudo dessa vez, prometo para mim mesma e decido sair da frente do
espelho para passar um café.
Ele responde a minha mensagem com um áudio de dois minutos.
Encho a xícara de café com leite antes de apertar o play. Beberico
minha bebida enquanto ouço atentamente a mensagem hesitante.
“Não quero namorar, ainda estou traumatizado com meu último
relacionamento”, ele repete por dois minutos das formas mais
diferentes possíveis e não consigo não me sentir cansada. Olho pra
xícara cheia e acho irônico que meu único pensamento seja o de
que o leite está derramado.
O sentimento que ganha é uma certa tristeza, mas, confesso, ela
também divide espaço com uma porção de raiva. Decido terminar
de beber o conteúdo da xícara antes de responder e então aperto o
botão de gravar. Do outro lado aposto que Thiago ouve:
Eu entendo que você saiu de um relacionamento há pouco tempo
e não quer algo sério no momento. Mas, sabe, acho que isso aqui
não é qualquer coisa. Quando nós nos encontrarmos, tenho certeza
que você vai ficar apaixonado e não vai pensar em outra coisa
exceto me pedir em namoro. Tá na cara que é isso que vai
acontecer.
Ao fim do áudio ecoa a minha risada. Na minha cozinha, continuo
rindo com sarcasmo do que disse. “Olha, não vou mentir: gosto de
conversar contigo e tu parece ser um cara interessante, sabe? Mas
daí achar que quero namorar quando ainda nem sei se tu me come
bem, acho meio forçado. Sei lá, sair contigo é tranquilo, mas, na
real, nunca parei pra pensar se realmente te aceitaria como parceiro
sem saber se tu bebe demais, se não vai deixar a pia sempre cheia
de louça, se ao menos lava as cuecas, saca?”
Levanto pra preparar uma tapioca e colocar alguma coisa além
de café na barriga. Deixo o celular na mesa, pois acho que, muito
em breve, vai parar de me responder. Ouço a vibração na bancada
e desbloqueio a tela pra descobrir que chegou um novo áudio dele.
A voz dele é amistosa e reconfortante, se desculpa pelo áudio
anterior e diz que está muito defensivo porque realmente não ficou
bem depois da última namorada, tem medo de me magoar.
“Mas eu sei que não deveria ficar te falando isso, porque com
você sempre dá pra conversar e resolver. Acho que a gente
conseguiria transar e ficar de boa, sabe, Vanessa?”
“Olha, acho que tenho que concordar contigo, Thiago.”
23
Ao todo, estávamos conversando há dois meses e, Thiago não
sabia, mas tava pensando em tentar encontrá-lo nas férias. Ainda
não tinha tido coragem de jogar a ideia, mas já tava meio que
planejando. Minha chefe me informou que a partir de fevereiro do
próximo ano seria possível tirar esses dias e eu poderia passar uns
dias em São Paulo e reservar, sei lá, uma semana pra ir pro Rio.
Queria jogar essa sugestão, ele mesmo já tinha até feito uma piada
sobre passagens da Gol pra visitar “alguém do outro lado do
mundo”, mas ainda era dezembro e fevereiro parecia tão longe.
Decidi perguntar logo, mas antes de digitar a mensagem, recebi um
e-mail estranho. Empalideci no assunto “Re: Trabalhe Conosco”.
Tentei fazer minha cabeça voltar a funcionar, não me lembrava de
ter me inscrito para nenhuma vaga de emprego, pelo menos, não
pelos últimos quatro ou cinco meses. Só lembrava de… Abri o e-
mail e confirmei que a resposta era pra uma vaga no Rio, para a
qual tinha me inscrito em agosto.
“E agora?”, perguntei no grupo de Whatsapp das minhas amigas.
“Vai pra entrevista, Vanessa! Tu odeia teu trabalho”, Luísa foi a
primeira a responder.
“O salário é bom?”
“É mais que o dobro.”
“Vai, claro que vai”, Jéssica aparece.
“Mas o que eu falo aqui? E as passagens?”
Jéssica me ajudou com a mentira que eu diria pra minha chefe e
Luísa me mandou começar a procurar as passagens. Voltei pra casa
com uma liberação e passagem marcada pro Rio de Janeiro pra dali
a sete dias. A entrevista caía numa terça e o voo de volta era na
quinta de manhã. Antes de enviar uma mensagem pra amiga que
sempre me hospedava por lá, contei da viagem inesperada pra
Thiago. E agora tinha que aguentar esse frio na barriga.
Olho pro relógio e constato que ainda tenho pelo menos uma
hora pra imaginar tudo que pode dar errado. Pode não ter química,
ele pode ficar nervoso, pior, ele pode tremer, posso ser afoita, o
beijo pode ser simplesmente ruim. E se eu não lubrificar nada? E se
ele broxar? E se eu não gostar do cheiro ou do sorriso e tesão zero?
E se quiser sair correndo, mas decidir ficar um pouco mais por
educação, e ele ficar me lançando aquele olhar de “não sei se você
quer que eu te beije, por favor me dá uma pista”? Thiago faz muito
esse tipo de coitadinho, que amo e odeio ao mesmo tempo. Será
que vai rolar climão quando a gente se olhar?
Da janela, vejo ele, com a roupa do trabalho, me esperando na
praia. Então, ele vê meus tênis, minhas pernas e depois meu corpo
todo na medida em que desço as escadas estreitas de um desses
ônibus mais caros que fazem o percurso Rio-Niterói. Caminho em
sua direção com um sorriso no rosto, tentando disfarçar a vergonha.
“Finalmente”, digo e nos abraçamos sem jeito. Ele me segura um
pouco mais no abraço e chego perto de seu ouvido pra dizer num
sussurro.
“Tem que abrir o zíper, viu, atrás”, avisei antes que ficasse irritado
com aquele obstáculo. Na mesma hora, meu vestido se afrouxou.
“Imaginei que cê não soubesse”, comentei rindo. “Gostou?”,
perguntei quando ele parou um segundo me examinando de
calcinha e sutiã, “Que bom”. Deixei que me beijasse novamente.
“Mas é meio injusto cê ainda estar todo vestido, né?”
Thiago tirou a blusa de dentro da calça e desafivelou o cinto,
enquanto eu comentava, “Já parou pra pensar que essa parte é
sempre frustrante? Nunca é sensual como nos filmes. É sempre
meio sem jeito, o botão não quer abrir, a calça engata no pé… Tipo
isso”, comecei a rir apontando pra Thiago meio desequilibrado
tirando a calça. Ele revirou os olhos. “Ops, achei que cê tinha feito
de brincadeira.”
“Engraçadinha, essas calças são meio chatas de tirar, tem que
puxar por baixo, sabe, Vanessa? É todo um esforço”, explicou
enquanto eu ria. “Deixa de graça, vem cá, vem”, me puxou e
recomeçou a me beijar com o mesmo tesão de antes. Tentei enfiar a
mão na sua cueca. “Hum…”, comentou entre beijos, me ajudando a
puxar o elástico da cueca, “Essa cueca é meio apertada mesmo,
mas, olha, tá ótimo”, eu o masturbava de leve e Thiago retribuía por
dentro da minha calcinha. “Cê gosta assim, né?”, perguntou no
mesmo instante em que gemi e fiz menção de abaixar a sua cueca,
agoniada. “Calma! A gente vai chegar lá.”
“Deixa eu tirar logo essa cueca, Thiago, quero te chupar”,
terminei a frase fazendo cara de fofinha e ele assentiu. “Tá animado
mesmo, né?”, ri vendo o seu pau pular da cueca em minha direção.
Comecei a masturbá-lo e, por um tempo, o silêncio reinou. Homens
silenciosos no sexo às vezes me deixam aflita, como era nossa
primeira vez, precisava ainda descobrir como ele gostava. “Tá bom
assim?”, perguntava e voltava a chupar. “Quer que eu também te
masturbe com a mão? Vou fazer devagarinho, tá?”
“Hã? O quê? Tá ótimo, Vanessa, tá muito...”, olhei pro seu rosto
com o pau na boca a tempo de ver a palavra “bom” se desenhar nos
seus lábios, sem que nenhum som saísse. Ele parecia
completamente perdido e isso me fez lubrificar ainda mais.
“Eu quero que você me coma, vem, fica por cima”, levantei de
uma vez sem conseguir mais segurar e me joguei na cama ao nosso
lado. Thiago olhou para a minha buceta e começou a se inclinar
como se fosse me chupar, mas o impedi. “Não, não, agora não, vou
querer depois, agora te quero dentro de mim. A camisinha tá
perto?”. Ele se virou para o criado mudo enquanto eu sussurrava
“pega logo”.
“Prontinho”, ele exibiu o pau empacotado antes de passar a mão
na minha buceta. “Hum, tá bem molhadinha”, comentou enquanto
eu tentava puxá-lo pra mim com as pernas. “Tô indo”, enfiou
“ahhhhhh. Caralho!”.
“Caralho”, concordei sentindo seu pau me preencher, era
realmente grosso. “Tira todo e entra de novo”, ele me obedeceu.
“Aaaaaai. Tá perfeito, tá muito gos…”
“Caralho, que buceta hmmmm...”
Passamos algum tempo sem conseguir formar palavras. Pra mim
pareceu mais uma eternidade, durante a qual tentei decorar tudo.
Jurei que o cheiro dele era muito másculo porque não sabia
encontrar outra palavra, era um cheiro de pele e suor que, descobri
naquela hora, me excitava. Thiago suava por todos os lugares,
estávamos completamente encharcados, era verdade, mas isso só
me dava vontade de pedir mais, me afogar nos lençóis dele. Não
parecia cansado, nem perto de gozar, e eu sentia seu saco
balançando e batendo na minha bunda de um jeito que era
engraçado e surpreendentemente gostoso.
“Quando cansar me avisa, tá?”, achei por bem falar, já que não
tínhamos mudado de posição ainda.
“Tá tranquilo. Deixa só eu te ajeitar. Vou passar essa perna pra
cá, ok?”, respondeu colocando minha perna no seu ombro. “Assim
fica bom, não tá te incomodando?” Fiz que não e perguntei se não
fazia muita pressão no ombro (realmente preciso me alongar mais).
“Não, tá tranquilo no meu ombro, tá pesando não”, recomeçou a me
comer. “Gostosa, porra, que gostosa. Quero te fuder muito”,
comentei que podia ficar transando com ele por muito mais tempo.
Ele riu com o canto da boca “é, dava pra ficar assim por um bom
tempo. Tá bom, né?. Ahhhhh”, gemeu quando deu uma acelerada
no ritmo.
“Vem, ah, vem, (ah ah ah), tu vai me mataaaaaar”, soltei e Thiago
parou como se achasse que estivesse fazendo algo errado. “Hã?”,
demorei pra entender, “Tá ótimo! Falei no bom sentido, sempre acho
que vou morrer mesmo. É que tem uma hora que vem uma
sensação que parece que vô AHHHHHHHHHHHHH (desgraçado)”.
Ele soltou um sorriso maldoso e satisfeito.
“Quando tu cansar avisa, tá?”, voltei a repetir sem acreditar que
ele ainda nem estava perto de gozar enquanto eu já sentia meu
corpo tremer como se fosse se dilacerar.
“Tô de boa, mas cê quer mudar de posição? Pode ser de quatro.
Tanto faz, posso ficar na cama ou fora, acho que não vai fazer
diferença, cê que diz”. Sugeri que ficasse em pé e me deitei de
bruços com as pernas de fora da cama. Mal nos ajeitamos, ele
voltou a me penetrar. “Por mim tá bom assim, sabe, a vista é linda
daqui”. De quatro, o pau de Thiago me estimulava ainda mais e o
saco batia certinho no meu clitóris. “Geme pra mim, vai safada!”, eu
fazia praticamente um escândalo. “Quer mais rápido? (Ahhhh)
Posso te dar um tapa? Mais forte? Esse gemido tá me deixando
louco, geme vai, tá gostando do meu pau?”
“Não guento AHHHHHHH”, disse quase sem ar sentindo o meu
útero se contrair e fincando as unhas no colchão já sem nenhum
lençol. “Vem cá, vem cá”, sussurrei, esticando meus braços para
trás e puxando a sua perna pra mim. Thiago parou e ia sair de mim.
“Não tira, só deita em cima de mim, me come assim. Deixa só eu
passar minha perna aqui por baixo, isso, tá gostoso pra você? Pra
mim tá ótimo”, continuamos.
*gemidos e sons incompreensíveis*
“Eu acho que tô chegando perto, não sei se aguento muito mais”,
ele me avisou. “Nontepobema”, foi o som que consigo fazer com o
polegar de Thiago enfiado na minha boca.
Ele gargalhou e comecei a rir também, mas quase engasguei
com o seu dedo, o que fez com que ele risse mais. “Porra, Thiago,
para de rir! Tu que não tirava a porra do dedo da minha boca. A
culpa não é minha.” Ele tentou parar de rir pra falar.
“Desculpa”, continuou rindo alto, “desculpa, foi inesperado, só
isso”, riu mais um pouco. Me remexi embaixo dele e empurrei o seu
corpo pro lado. “Vem cá, não faz assim, vai, vem cá, eu deixo você
me punir”, tentou consertar
“Não sei…”, me fiz de difícil, “Tá, tudo bem, vou ficar um pouco
por cima”, me ajeitei e comecei a quicar em cima dele. Thiago se
preparou pra me masturbar, mas eu antecipei. “Calma, se for me
masturbar tem que ser bem leve, ok?”, ele sorriu e começou.
“Aimeudeus (assim)”.
Minhas pernas começaram a ficar doloridas, sentia o músculo da
coxa emitir aquela sensação de rasgação. “Pera, acho que se eu
deitar um pouco é mais fácil pra mim. Não tenho muita coordenação
motora. Ficou bom, né?”, Thiago começou a fazer sua cara de
desnorteado.
“Caralho, Vanessa, tu é muito gostosa.” Perguntei se precisa
acelerar. “Não, tá ótimo, faz no teu ritmo. Não tem ninguém
reclamando aqui, tem? Eu tô tipo (ahh) no céu, sabe? Tá muito bom,
cara, que coisa linda te olhar sentando no meu pau.” Ele disse e eu
percebi minha bunda se balançando. Empolgada com os elogios,
voltei a levantar o tronco pra me exibir um pouquinho. “Isso, rebola,
rebola, dá vontade de agarrar essa bunda com toda a força
(aaaahhhh)”, ele disse com as duas mãos espalmadas na minha
bunda, mas rapidamente voltei a sentir a coxa latejando. (Porra,
agachamento!) Ele percebeu que meu movimento desacelerava.
“Não, tudo bem, se precisar parar um pouco, sem problema.”
“Acho que se eu mexer a perna assim”, coloquei os pés no
colchão para ficar de cócoras, “fica mais fácil de pegar impulso”,
testei. “Beeem mais fácil, tá vendo?”
“Taquepariu”, ouvi Thiago soltar entre dentes cerrados.
“Pega no meu peito, isso. Ahh, ahhh, ahhh. Que delícia, cara.
Fazia tempo que queria sentar em você”, confessei. “Olha, Vanessa,
estou a sua disposição, sabe? Assim, pode contar comigo”, ele
disse do mesmo jeito que eu amava escutar nos áudios de
WhatsApp. “Tu tá à disposição, é?”, ri e joguei a cabeça pra trás,
“olha que posso querer de novo, hein? Vou voltar pra posição de
antes, tenho mais velocidade”, fiz menção de mover a perna, mas
Thiago me segurou.
“Não, segura mais um segundo assim, eu vou AHHHHHHHHHH.”
“Ufa, que bom que deu certo, né? Também cansei.”
“Meu deus, eu tô acabado, Vanessa.”
“Pode descansar”, disse carinhosamente e depois sussurrei, “mas
só 15 minutos”.
Thiago me levou para jantar num boteco, voltamos pela orla,
pegamos alguns pokemons e voltamos pra casa. Transamos mais
uma vez e já devia passar das duas da manhã quando
adormecemos. Ele acordou às 5h pra trabalhar e eu fiquei dormindo
até as 10h. Saí pra tomar café da manhã e pra almoçar e fiquei
dando voltas pelo bairro até a hora dele sair do trabalho. Transamos
assim que chegou. Na noite anterior, eu tinha perguntado se não
queria ir tomar uma cerveja com dois amigos meus que também
estavam na cidade, ele tinha dito que sim, mas teve um imprevisto
no trabalho. Disse que eu não precisava ficar, mas fiquei. Então ele
abriu um panetone e pediu uma pizza, enquanto eu lia Gamiani ou
Duas noites de excesso, o livro que Marcelo me emprestou, no sofá.
Comemos a pizza e conversamos por horas no sofá. Quando
decidimos deitar, Thiago me olhou com carinho e disse que até ficar
só sentado conversando comigo era gostoso. Transamos de novo e
dessa vez eu quis chorar, não só porque a barriga tava cheia e eu
não conseguia cagar na casa alheia ainda mais depois de ter
comido tanto queijo, ou não só porque tava com os hormônios à flor
da pele a poucos dias de menstruar, mas porque eu odiava dizer
adeus e porque tinha algo de muito triste na quantidade de vezes
em que ele repetiu que a gente ia se ver de novo com certeza. Meu
cérebro dizia vocês não vão mais se ver, mas meu coração dizia
que iríamos, era tudo verdade, olha o jeito que ele me olha, olha o
jeito que a gente fode. Sorri de um jeito confiante, mas, na verdade,
queria chorar.
25
“Não estou surpresa com o sumiço dele, sabe?”
Respondo pra Luísa depois que me pergunta de Thiago. E ainda
completo “ele vive dizendo que tem trauma do último
relacionamento e nós moramos em estados diferentes.
Racionalmente, não faz o menor sentido, né?”.
“É, miga, acho que ele pode ter ficado um pouco amedrontado
com a conexão que cês tiveram.”
Sorrio pra tela do celular e quase digo pra Luísa que a amo. É
muito fofo que esteja me dizendo essas coisas que não combinam
nada com as linhas de raciocínio que costuma seguir, acho que
sabe o quanto tô triste. Por isso não diz o que provavelmente tá
pensando: então, ele só queria te comer, né?
Essa é a explicação mais difícil de aceitar, não porque eu ache
dolorosa, mas porque espero mais dele e, no fundo, acredito que
Thiago não me subestimaria. Não preciso ser enganada pra ter
vontade de transar com ele. Nesse aspecto, acho que respeito muito
o meu desejo, sabe? Se eu vejo um cara e o acho atraente, já não
me faço de rogada. Dependendo do cara, o esforço que talvez ele
tenha que fazer pra me pegar seja apenas o de ficar calado e não
me decepcionar com alguma merda machista antes que eu esteja
perto de gozar. Com Thiago, sinto que jogamos o mesmo jogo em
condições quase iguais, é óbvio que só fomos até o fim porque
estava divertido continuar.
Mas isso não me ajuda a entender e, mais que entender (meu
psiquiatra me recomendou parar de procurar explicações pra tudo,
aliás), não me ajuda a não ficar triste porque faz mais de 12 horas
que Thiago tá me deixando no vácuo. Antes disso, ele já tinha
começado a demorar uma ou duas horas pra me responder e eu
fingia que não notava ao mesmo tempo em que já voltava a
repassar os dois dias anteriores em busca do que eu poderia ter dito
de errado. Lembrei de um momento em que ele disse que não
queria um relacionamento, o contexto da conversa me foge, mas
lembro que disse e eu dei uma bufada impaciente. “Thiago, as
pessoas têm que parar de achar que relacionamento significa
relacionamento estável e monogâmico. Isso que a gente tem até
agora, essas mensagens que a gente troca diariamente há dois
meses, isso é um relacionamento, tu entende? Não é como se eu
fosse te pedir mais, o que a gente tem agora tá ótimo pra mim.” Não
lembro que cara ele fez, talvez não tenha tido coragem de encará-lo
quando disse.
Enquanto finjo que trabalho na frente do computador, me retraio
com a constatação de que Thiago não estava mais disposto nem a
manter o que a gente tinha. No fundo, não sei se seria suficiente pra
mim – confesso que ainda não tinha desistido da ideia de passar as
férias com ele –, mas acho que me sentiria mais feliz que agora.
À noite chega uma nova mensagem dele. Uma mensagem vazia
em reposta a uma outra mensagem vazia que eu tinha enviado no
dia anterior. Penso em não responder para, quem sabe, devolver o
sofrimento que ele me causa. Porém, quando o porteiro interfona
pra avisar que tinha encomenda pra mim (meu aspirador novo!),
penso que mulheres com aspiradores não têm mais idade praquela
merda.
“Então, Thiago, não queria ter esse tipo de conversa, mas tô
achando que tu tá mais distante. Aconteceu alguma coisa?”
“Bom, aconteceram algumas coisas na minha cabeça. Me
desculpa, Vanessa, você é sensacional, fora de série, maravilhosa,
não tem nada a ver com você. Essas coisas acontecem comigo de
vez em quando, sabe, desculpa não estar falando tanto, não queria
que isso te deixasse triste.”
Tento ler a mensagem como se fosse uma boa notícia, acho
difícil.
No dia seguinte, não falamos quase nada e, assim, a conversa
vai rareando, ainda que sempre me responda de forma muito
simpática e carinhosa. O problema pra mim é que não parece
mesmo tão interessado quanto antes.
Recebo uma resposta sobre a entrevista de emprego que fiz no
Rio. Tremo por alguns minutos antes de abrir e, quando crio
coragem, descubro que ainda não há um resultado.
“Recebi um e-mail da empresa lá e eles querem conversar
comigo por Skype.”.
Penso em jogar a mensagem no grupo das amigas, em vez disso,
mando pra Thiago. Tenho quase certeza que não vai dar pra mim,
não vou ficar com a vaga, mas, no fundo, quero que saiba que tem
alguém interessado em mim, mesmo que não no mesmo sentido em
que queria que ele estivesse. Ele faz a maior festa, me parabeniza,
diz que tem certeza que não conseguiram resistir ao meu sorriso e
inteligência. Digo que acho que não vai dar na verdade, tinha muito
mais gente qualificada no dia da entrevista, ele me conforta e tenta
me animar.
“Às vezes eu fico surpreso com o quanto você é uma boa
redatora, sabe?”
Fico feliz que minha estratégia tenha surtido efeito, ele me admira
afinal, mas por que isso não me deixa mais feliz?
“Eu sou normal, Thiago.” Em seguida acrescento, “Sabe, é bom
estar conversando assim de novo com você”.
A conversa prossegue até que me pego confessando que me
senti muito mal com o distanciamento dele, me sentia rejeitada.
“Você se sentiu usada? Tipo, como se eu só quisesse transar
com você?”, ele pergunta de volta.
Leio e quase tenho um surto de raiva.
“Não, Thiago, não tem nada a ver com se sentir usada. Eu
sentiria a mesma coisa se você tivesse parado de me escrever
depois de olhar a minha cara ou depois de ler um poema meu. Não
tem a ver com sexo, saca? Eu usufruí da nossa transa tanto quanto
você (talvez mais, penso). Sei lá, acho que é mais medo de você ter
me conhecido e visto que não era o que esperava.”
Medo de que todo mundo se entedie comigo depois que meus
truques já estão revelados, como na música Liability, da Lorde.
“Não, Vanessa, não tem a ver com você.”
Vai te páporra!
Foda de homem é isso. Sabem dizer que a culpa não é nossa,
mas assumir uma parcela disso, nem pensar. Espero um pouco pra
ver se ele complementa, se vem uma explicação a mais, se diz que
é ele, é ele porque…
tá apaixonado por outra garota. não conseguiu superar a ex
mesmo e toda vez que fica com alguém não consegue não pensar
em como era melhor com ela. quer pegar geral. não quer pegar
ninguém. tá com uma doença terminal e não quer me envolver
nisso. foi diagnosticado como bipolar. acha que não aguenta um
lance a distância apesar deu ser ótima.
Ele podia só escolher uma explicação mixuruca qualquer e me
ajudar a seguir em frente.
26
Thiago posta uma foto de cabelo molhado com um sticker de
gorro de Papai Noel e uma camisa listrada no stories do Instagram,
na véspera do Natal. Não tô sendo stalker. Minha mãe e minha irmã
estão no apartamento pro Natal e não tenho muita coisa pra fazer
enquanto elas discutem por alguma coisa que alguém deveria ter
vigiado no fogo. Estou vendo todas as postagens que aparecem pra
mim, inclusive as do Mateus e, agora, do Thiago. Tiro um print da
foto torcendo pra que ele não seja notificado, mas não me contento
só com isso, comento que tá lindo. Ele agradece, me elogia de volta.
Decido checar o perfil dele e vejo que ele tem duas fotos novas que
não curti. Na verdade, estou evitando fazer isso pra, mesmo
achando que ele nem percebe, fazer com que sinta que tô dando
menos atenção.
Acabo pensando que isso é bobagem, a gente tá falando com
uma frequência boa desde a minha mensagem sobre o resultado da
entrevista e ele sabe falar o que eu quero ouvir, confesso. Volta e
meia comenta sobre alguma foto minha no privado, me chama de
gostosa, e, quando um dos dois fica bêbado, nossas mensagens
são sempre sobre o quanto foi bom transar com o outro. A gente faz
planos de cu, de chupadas – afinal, um dos meus maiores
arrependimentos foi ter pedido pra ele pular essa parte – de
trepadas épicas e de vários repetecos. Então, de alguma forma,
sinto que não perdeu completamente o interesse em mim, mas que
também não posso esperar nada além disso. Apesar de esperar
sim. Por isso me censuro, repito que não devo, enquanto minha
cabeça finge que é apenas uma contagem regressiva até o dia em
que ele descobrirá que quer ficar comigo porque a gente consegue
conversar e transar bem. Não tô sendo madura, tô sendo paciente,
porque acho que é importante me dar algum crédito e acreditar que
o que a gente tem é especial, como sinto que é.
Decido que posso jogar a resolução de não curtir as fotos dele
pro alto. Não é a garota indisponível que quero interpretar, quero ser
a moça boazinha que tá ali sendo amável o tempo todo. Sempre
gosto mais dessas nos livros. Gosto de ver como elas se dedicam
pro que querem, sei lá, eu gosto de gente que sabe o que quer. Eu
mudo muito de ideia. Vou curtir essa foto sim, porque ele é bem fofo
tirando selfie com a mãe. Dou dois cliques sobre a foto e rolo a tela
para ler os comentários. Thiago consegue ter sempre as melhores
legendas, mas, pelo visto, não sou a única a curtir. Além das
meninas que curtem, ainda tem as que comentam, umas elogiam as
piadas, outras elogiam ele mesmo. Impulsivamente, começo a clicar
em alguns nomes de usuárias e inspecionar suas fotos. São todas
lindas, solteiras, que pulam carnaval, fazem pole dance, têm muitos
amigos e moram no Rio, em Brasília, São Paulo, Curitiba, qualquer
lugar mais próximo que São Luís.
“E se ele também conversa com elas?”, pergunto no grupo das
amigas.
“Amiga, o cara tem um monte de seguidor na internet e, da
mesma forma que ele veio puxar assunto contigo, pode estar
fazendo com muito mais gente. Sinceramente, depois dele ter te
pegado e meio que se afastado, acho que é isso mesmo que tá
fazendo”, Luísa responde.
“Miga, já te disse que eu mesma já puxei assunto com ele antes
de saber que cês tavam conversando. A gente não concretizou
nada, mas, sabe, ele dava bastante corda”, Jéssica entra na
conversa.
“Ai, miga, não sei. Assim, ele pode estar dando em cima dessas
meninas porque afinal tu nem tá lá, né? Mas isso não significa que
ele não gosta de ti”, Marcela me diz.
“Mas a real é que, se isso tá te fazendo mal, tu deveria tomar
uma providência. Sei lá, eu me afastaria”, Luísa tenta ajudar.
“É, Vane, não dá pra ficar mal assim. Ou tu realmente se afasta
ou tenta abrir o jogo com ele e falar dessas questões”, Marcela
sugere.
Fico deitada no sofá, morgada do almoço de Natal, pensando que
esse tipo de conversa é tudo que Thiago não quer nesse momento
da vida. Quero poupá-lo, mas não quero sofrer também. Será que
uma conversa me deixaria mais calma? Será que as respostas dele
seriam o que quero ouvir? Pensar que ele conversa com outras
garotas como conversa comigo me provoca uma sensação horrível.
Como se o que a gente teve soasse irreal, forçado. Mas foi? O mais
engraçado é que não é exatamente o fato de sair com outras
pessoas que me incomoda, eu faço o mesmo – João me chamou
pra sair antes do ano acabar ontem, quando me enviou uma
mensagem de “Feliz Natal” e respondi que tudo bem. O que pega,
pra mim, é imaginar que ele também seja carinhoso e atencioso
com todas, que converse durante horas, que seja como é comigo ou
melhor. Começo a ficar com raiva e, de certa forma, me sinto
enganada, mas não sei localizar o momento do engano.
Tinha um cara na internet, não lembro o nome, que dizia que a
monogamia é a regra nos relacionamentos e que, tudo que foge à
regra, tem que ser comunicado e acordado. Com o Thiago é
complicado, ele me disse que não queria um namoro, mas, na
minha cabeça, isso nunca significou que estava no mercado
investindo em mais de uma garota ao mesmo tempo. Ele deveria ter
sido mais claro?
Quando voltamos a conversar, acabo repetindo que quero vê-lo
de novo. Ainda não saiu o resultado do trampo no Rio, mas, na pior
das hipóteses, eu ainda tinha o plano do carnaval. Ele dá respostas
evasivas que me irritam.
“Será que não dava meio que pra gente marcar uma data, pelo
menos aproximada, de quando seria possível a gente se ver de
novo?”
“Hum… O que você tinha em mente?”
“Carnaval, em fevereiro, acho que consigo.”
“Putz, carnaval não dá pra mim. E tô fazendo planos pros feriados
de abril todos.”
Tenho vontade de jogar o celular na parede. Por um segundo,
penso em nunca mais responder, mas não aguento.
“Thiago, na boa, tu não consegue arrumar um tempo pra mim até
abril? O ano ainda nem virou! Preciso te falar que parece que tu tá
me cozinhando?”
Thiago manda um áudio de dois minutos que começa com um
suspiro. E, em seguida, é só pedrada. Dois minutos de todas as
coisas que não queria ouvir, cento e vinte segundos em que o
roteiro mental que tô escrevendo pra gente é jogado no lixo.
Ele não quer me cozinhar, gosta de mim, me acha incrível demais
pra me deixar mal, pede desculpas se soou assim. Diz que não
queria perder a oportunidade de sair de novo comigo, mas, agora,
acha que seria canalha da parte dele continuar com isso. Porque ele
é uma bagunça, ele não quer relacionamento, ele é a pior espécie
de homem que existe, ele tá quase com uma fobia de criar vínculos,
ele já fez muita merda, muita merda, eu nem imagino, se ele
pudesse, nesse momento da vida dele, parar de sentir vontade de
transar, até faria essa opção, mas o signo dele é escorpião (isso ele
diz ironicamente), então…
Não termina o áudio com nenhuma mensagem conclusiva, mas
simplesmente acaba tudo. Não é uma decisão minha, não é um “se
você ainda quiser nessas condições”, não fica margem pra isso.
Sinto raiva de mim mesma por ter começado a conversa, ao mesmo
tempo, admito que queria ter esclarecido tudo desde quando
voltamos a nos prometer futuros encontros, mas, agora que está
tudo acabado, sinto que vou sentir falta da voz tranquila de Thiago
preenchendo os meus dias.
27
Luísa me chamou pra passar o réveillon com ela, no sítio da
Ester, em São José de Ribamar. Jéssica talvez vá, Marcela tem que
passar com a família, “mas vai ser divertido”, ela me prometeu.
Combinamos de ir no mesmo carro, cedo, pra não ter nenhum
problema com gente alcoolizada dirigindo, e iniciamos a missão de
secar uma grade de litrão na beira da piscina assim que terminamos
de cumprimentar quem já tinha chegado.
A gente adorava ir pra lá, eu, particularmente, adorava porque
nunca tinha muita gente. Eram só uns amigos próximos da Ester, a
maior parte já conhecida, todo mundo tão bacana que eu me
perguntava por que não tentava sair com eles mais vezes ao ano.
Entre um copo e outro, muitos brindes e piadas internas que nem
sempre dava pra acompanhar, alguém começou a botar funk pra
tocar. Lorena, amiga nossa de longa data, tava arrasando no
quadradinho, enquanto eu ficava tentando imitar meio sem
coordenação. Michel e Michael, casal de amigos gays que tinham o
melhor nome do mundo, volta e meia vinham rebolar e pular
freneticamente no coreto com a gente. Luíza e Ester também se
revezavam entre beber, dançar e ficar sentadas olhando pro nada.
Um casal que via pela primeira vez nas festas do sítio veio se juntar
a mim e Lorena na pista.
Em um momento da festa, Michel começou a reclamar que não
tocava Anitta e Ester teve que fiscalizar a lista do Spotify para
impedir que os bêbados continuassem a estragar a ordem. Meu
fechamento já tinha tocado três vezes e ainda não estávamos nem
perto da contagem regressiva. Quando ouvi as primeiras notas, já
me posicionei para fazer a coreografia de Sim ou não. Tinha perdido
algumas horas do meu fim de semana na frente do computador
aprendendo a dançar essa música. Era o tipo de coisa que fazia
quando invocava que queria ser mais gostosa. Dançar numa festa
de amigos era sempre a melhor experiência, era quase melhor que
dançar sozinha em casa, porque tinha gente olhando, mas esses
olhares não me inibiam, me faziam querer dar a minha melhor
performance. Enquanto eu encarnava Anitta e dançava o refrão (Se
quiser jogar, Vem, mas tem que arriscar, Vem, vai ser sim ou não Ou
não, ou não, não, ou não), o casal novo se posicionou ao meu lado
para imitar meus passos. Estabelecemos uma parceria silenciosa
durante toda a festa, dançamos juntos, desenvolvemos coreografia
de grupo, ora o namorado dançava mais colado de mim, ora era a
moça. Não achava estranho, estavam os dois ali, a poucos metros
de distância um do outro, não achei que ninguém fosse ficar com
ciúmes. E não ficaram.
“Oi, eu sou a Mari”, em um momento a moça voltou pro lugar
onde dançávamos com dois copos de cerveja gelada.
Eu ri do absurdo de não saber ainda o nome deles. “Prazer,
Vanessa”, disse brindando.
“Ele é o Ian”, apontou se referindo ao namorado, mais afastado,
que procurava um copo onde pudesse colocar um pouco do caldo
de ovos da mãe da Ester.
Sorri sem saber o que mais dizer e voltei a dançar com o meu
copo. Mari me acompanhou. Começamos a sensualizar num funk
melody, dançando uma de frente pra outra. Tava concentrada em
segurar o copo e descer até o chão, por isso, quando me levantei
levei um susto com o beijo que Mari me deu. Fiquei congelada com
as mãos meio afastadas do corpo, uma ainda segurando o copo,
outra sem saber se eu deveria abraçá-la. Mas beijei de volta, porque
era isso que eu fazia quando alguém me surpreendia ou quando a
situação nunca passou pela minha cabeça. Definitivamente, não
terminaria o ano apostando que uma garota me beijaria, muito
menos numa festa em que o namorado dela estava presente. Isso é
treta, Vanessa!, meu cérebro finalmente voltou a trabalhar. Me
afastei de Mari, ela sorria pra mim como eu costumava sorrir depois
de um beijo que tava esperando há muito tempo e que se revelou
realmente bom, eu sorri de volta pra tentar disfarçar que ia dar o
fora. Olhei prum lado e pro outro e percebi que todo mundo tava um
pouco mais afastado. Tinham começado a se jogar na piscina no
momento em que Mari me beijava. Ian conversava com uma outra
amiga de Ester, Lívia, perto da panela do caldo. Ninguém parecia ter
notado. Coloquei a mão na cabeça e disse pra Mari que finalmente
estava cansada, pior, tava sentindo uma dor de cabeça daquelas.
Contei que tinha passado o último dia do ano enfrentando fila no
supermercado com mamãe, aturando todo aquele barulho do
supermercado Mateus lotado, “fui no da Cohama”, acrescentei
dando o máximo de detalhes pra parecer convincente.
Sentei em uma cadeira ao lado da piscina e vi o pessoal brincar
na água. Não quis me jogar, agora que tinha falado da dor de
cabeça, realmente tava começando a sentir todo o meu corpo
reclamar. Luísa sentou comigo e trouxe uma garrafa de cerveja pra
me ajudar a voltar a dançar. Ficamos bebendo, tranquilas, fazendo
eventualmente algum comentário sobre a festa, sobre a música ou
sobre o que as pessoas estavam fazendo. Mais pessoas sentaram
ao nosso redor e continuaram bebendo, até que Lívia quis começar
uma disputa de lap dance. Mari e Jéssica, que afinal tinha chegado
no sítio, também fizeram suas performances e a coisa parecia que
ia morrer quando Ian também se ofereceu. Então eu tava lá,
sentada, só na minha, quando ele veio rebolar no meu colo. E dava
pra ver que tava se empenhando, pra falar a verdade, não sabia se
achava estranho ou se me sentia muito lisonjeada com ele fazendo
o corpo ondular sobre o meu, quase encostando. Na última
ondulação, ele ficou muito próximo de mim e terminou o movimento
me dando um selinho. Procurei o olhar de Mari e a encontrei
sorrindo pra gente. Meu Deus, o que tá acontecendo?
Escutei a voz de Luísa falar que a garrafa tava vazia, então me
levantei e disse que ia pegar mais no isopor. O casal não me seguiu,
pra minha felicidade. Ainda tava tentando ligar os pontos, pensando
se aquilo era mesmo o que tava pensando. Tava meio difícil de não
achar que aquele casal tinha me escolhido prum ménage. Ai,
putaqueopariu, pensei enfiando a mão no freezer. Participar de um
ménage era um sonho de vida pra mim, mas sempre tinha
imaginado, sei lá, com o João e uma outra garota aleatória. Sabe,
com um cara que eu já conhecesse e tivesse tesão e uma mina
desconhecida, mas que nós dois achássemos atraente. Não tinha
certeza se saberia lidar com um casal, pior, nem tinha certeza se
aquele casal em específico fazia meu tipo, sei lá, às vezes meu
tesão não é nenhum miojo. Se eu topasse, ia ser minha primeira vez
com uma mulher e, meu deus, o que eu ia fazer com ela? Odeio não
ter tempo de planejar as coisas!
Comecei a sentir dor de cabeça de verdade. Quando senti a
presença de alguém atrás de mim, virei quase sobressaltada, mas
tentando disfarçar sempre, e dei de cara com a Lívia. Ela estendeu
os braços pra mim e nos abraçamos, embriagadas. Na hora, achei
que tinha sido só uma manifestação de carência de duas bêbadas,
mas então ela começou a falar no meu ouvido:
“Vane, tu já conheceu os meus amigos, né? Então, Mari e Ian tão
ficando lá em casa, a gente tá saindo, se é que tu me entende
(pausa pra uma risadinha). A gente tava conversando e eles
sugeriram de te chamar pra dormir lá em casa. Não quer voltar com
a gente?”
Sempre tive dificuldade pra dizer não. E, naquele momento, tava
esperando alguém sair de uma moita gritando que era uma
pegadinha. Quer dizer que eu só tinha transado com três caras o
ano inteiro, algo que deve ter me gerado, sei lá, umas quinze noites
com sexo de um total de 365 dias, e agora, último dia de 2016, quer
dizer, já é dia primeiro de 2017, eu recebia um convite, mas não um
convite qualquer, eu ia sair do zero direto pra um a quatro. E não
qualquer foursome, um a quatro com duas mulheres além de mim. É
muito pouco pau pra alguém tão fálica quanto eu, fazia as contas.
Enquanto eu pensava essas coisas, só dava um sorriso pra Lívia.
Não sei o que ela tava conseguindo entender daquele sorriso,
porque eu não conseguia me decidir entre euforia, nervosismo e
vontade de chorar. Uma parte do meu cérebro gritava que era uma
oportunidade única, outra ficava repetindo de forma preocupante,
mas são duas mulheres, duas mulheres, Vanessa! e uma terceira
parte só doía. Definitivamente eu tava com dor de cabeça, com os
pés inchados e os joelhos davam umas pontadinhas. Não devia ter
quicado tanto, simplesmente desnecessário ter passado a noite
descendo até o chão, me censurava. Reuni todas as minhas forças
pra responder.
“Poxa, Li, meio que é meu sonho fazer umas coisas assim.”
“Eu sei, Vane, sempre te saquei”, ela disse abrindo o sorriso.
“Mas hoje eu tô 200% sem condições, sabe?”
“Ah, mentira, tu tava dançando feito uma louca.”
“Pois é, exatamente por isso. Tô sentindo dor em todas as partes
do meu corpo agora”, fiz uma cara de tristeza pra soar ainda mais
convincente.
“Mas a gente vai tá deitado, tu não vai sentir dor nenhuma”, disse
e piscou pra mim.
“Não, Li, não tô querendo estragar esse momento fazendo as
coisas no estado que tô agora.”
Lívia concordou, nos abraçamos mais uma vez e voltamos pro
grupo com as cervejas. Sentei ao lado de Luísa, triste e orgulhosa
de mim. Não teria dado pra aproveitar a situação com tantas
questões e naquele estado.
“Tô exausta”, anunciei pra Luísa e coloquei minha cabeça no seu
ombro. Ela não reclamou, mas depois de alguns minutos disse:
“Eu sei por que todo mundo quer te pegar.”
“Hã?”, perguntei achando graça.
“É porque teu cabelo é muito cheiroso”, respondeu e deu um
cheiro na minha cabeça ainda apoiada no seu ombro. Ri, mas me
senti curiosa.
“Cê sacou que tão querendo me pegar? Achei que ninguém tinha
visto.”
“Bom, eu vi a menina te beijar, o namorado dela e acho que a
Lívia também, né?”
“Pois é, Lulys. Tô achando que é uma piada de mau gosto o
destino ter me arrumado um a quatro logo hoje”, confessei.
“Relaxa, é só continuar usando esse shampoo”, me consolou
rindo.
Continuei encostada no seu ombro, agora também sentindo o seu
perfume e pensando no quanto era gostoso estar com ela. Olhei pra
cima e vi que Luísa ria olhando pra algum ponto à nossa frente e
não pude deixar de pensar em como era linda e tinha o sorriso mais
lindo do mundo, a gente gostava de dizer que parecia a Anna
Kendrick. Pensei em esperar que reparasse meu olhar e, por muito
pouco, estaríamos nos beijando. Talvez pra ela eu não dissesse
não. Mas o pensamento me deixou um pouco atordoada, me afastei
e fiquei rezando praquela tensão só ter rolado nos meus
pensamentos. Luísa olhava pra Mari dançando.
“Eu pegaria ela, sabe?”
Eu ri aliviada por ela não ter notado e por também não sentir
ciúmes do comentário.
“A minha maior dúvida é quanto ao namorado, não sei se é meu
tipo”, continuou.
Fiquei assentindo com a cabeça, sem falar nada.
“Será que eles topariam se eu fosse no teu lugar?”, se virou pra
me olhar.
“Ué”, dei de ombros, “Tu pode tentar, mas não esquece que eu tô
de carona”.
Ficamos em silêncio.
“Tu tá falando sério?”, perguntei meio incrédula após alguns
minutos.
“Bom, alguma hora eu tenho que deixar de ser a amiga que não
transa, né?”
28
Dormi na casa da Ester. Tomei café da manhã às 12h, com a
família dela, porque ninguém queria pular o café no primeiro dia do
ano. Dei graças a deus, café da manhã é sagrado. Mamãe chegou
para me buscar assim que levantei da mesa, já que Luísa tinha me
deixado sem carona. Cheguei em casa e dormi mais um pouco.
Acordei às 18h para almoçar e fiquei vendo séries na sala com
minha mãe e minha irmã. Parecia um domingo típico na nossa casa
naquela época do ano. O celular não exibia quase nenhuma
notificação, só Ester enviava fotos da festa no grupo. Pensei em
fazer uma lista de metas, em começar um bullet journal como todo
mundo das minhas redes sociais parecia estar fazendo, mas não
tive forças pra levantar do chão da sala e ir fazer outra coisa.
Era quase meia noite quando Jéssica me mandou mensagem, eu
já me preparando pra dormir. Começou me perguntando da Luísa,
se era só impressão ou ela tinha mesmo pegado um casal, respondi
que não sabia porque ela ainda não tinha dado as caras. Jéssica riu,
eu também. “Quem diria!” Tentou puxar mais algum assunto sobre o
resultado que eu tava esperando pra vaga no Rio, mas eu não tinha
muito o que dizer, ainda não deram a resposta.
“Hum… podes crer. Tomara que role logo.”
“Tomara.”
“Mudando de assunto, Vane, tu chegou a entrar no Twitter hoje?”,
na hora em que mandou essa mensagem percebi que todo o resto
tinha sido apenas uma introdução para chegar ao assunto que ela
realmente queria.
“Não, por quê?”
“Então, parece que tá rolando uma exposed party do Thiago”, me
enviou com um emoji triste.
“Como assim?”, senti como se alguém espremesse meu
estômago e tive que segurar a vontade de vomitar.
“Cara, tem umas minas acusando ele de abuso, muitas minas,
pra falar a verdade.”
O mal estar e vontade de vomitar aumentaram, mas sabia que
isso não ia acontecer. Era só o meu cérebro sem saber lidar com a
situação, misturando as sensações, não era vômito, era… Não
sabia o que era que dava quando a gente descobria que alguém
que a gente pegou, e por quem a gente tá apaixonada, tinha
abusado de outras meninas, devia ter uma sensação só pra isso,
mas, na falta dessa informação, meu cérebro achou que o que eu
sentia era vontade de colocar tudo o que tava dentro de mim pra
fora. Talvez estivesse certo, no fim, bem que eu queria colocar pra
fora qualquer sentimento que eu tivesse por Thiago, bem que queria
esquecer tudo, fazer passar rápido, desintoxicar.
“Mas ele não fez nada com você, né?”, Jéssica mandou quando
fiquei muito tempo sem responder.
“Não, não fez”, forcei minha cabeça a voltar a funcionar. Digitei e
fiquei inspecionando todas as minhas memórias pra procurar esse
momento em que também me tornaria estatística de abuso, mas
não encontrava nada além do meu ego ferido.
“Pois é, lembrei que tu só fala coisas boas dele. Claro, tem esse
lance dele paquerar um monte de gente na internet, pelo visto, isso
tava rolando mesmo, tem gente falando de 30 meninas, sabe?”
Engoli a seco. Ele deveria ter me falado sobre elas?
“Do que tão acusando ele? O que tão dizendo que ele fez?”,
perguntei antes que pudesse me conter. Ao mesmo tempo em que
queria só bloqueá-lo do celular e fingir que nunca aconteceu,
também não conseguia realmente aceitar Thiago como um
abusador.
“O que consegui ver até agora não é muito claro. Basicamente,
ele ficava conversando com as meninas, pegava e depois não
queria mais. Daí tão falando que é abuso psicológico, falta de
responsabilidade afetiva, já vi gente chamando de ghosting também
e gaslighting”, me disse. “Bom, foi o que ele fez contigo, né?”
“Foi. Assim, a gente conversava muito, aí a gente se encontrou,
transou e depois ele deu uma superafastada. Mas não acho que foi
ghosting ou abuso psicológico, gaslighting tá fora de cogitação, ele
nunca nem tentou insinuar que eu tava doida ou exagerando, todas
as vezes em que confrontei ele sobre esse afastamento, ele tava
disposto a conversar e manteve a posição de que não queria um
relacionamento.”
“Era o que eu tava imaginando mesmo. Então, Vane, não encana
com essa história. Deixa rolar e fica em paz.”
Quando Jéssica encerrou a conversa, tive medo de ter soado
apaixonada ou louca. Meu maior receio era não conseguir enxergar
o abuso sofrido e, ainda por cima, estar defendendo um agressor.
Deus me livre defender homem, era uma frase que a gente
costumava repetir no nosso grupo do WhatsApp e que agora eu
repetia baixinho como pra me lembrar. Mas a cada vez em que
tentava pensar em Thiago estuprando alguém ou sendo
manipulador, misógino, sentia que mergulhava num abismo. Então
era louca de achar que o conhecia e que podia até amá-lo?
Tive vergonha da minha ingenuidade, do meu idealismo, do
orgulho que sentia ao acreditar que eu tinha facilidade para amar os
outros, que todas as relações, incluindo as casuais, poderiam ser de
certa forma amorosas. Na hora até me veio o ator pornô, o Parker
Marx, na cabeça. Logo que comecei a assistir pornô feminista,
depois de ter lido a Virginie Despentes, me deparei com um filme
dele. E, meio que sem refletir, só assisti aos seus filmes por um
tempo. Não pensava sobre o assunto, até um dia ter que explicar
isso pra Luísa. “Me dá a sensação de que a gente se conhece,
sabe?, de que eu tô transando com a mesma pessoa”, assim que
acabei de dizer achei problemático, mas aceitei a atitude como algo
que fazia parte de mim. Eu já falei, digo te amo pra todos que me
fodem bem. Mas a integridade das pessoas que me comeram nunca
tinha sido uma questão pra mim. Até agora.
Tentei fechar os olhos, mas antes que desse por mim, a parte de
mim que não era abismo, varria o Twitter de cima a baixo. Li tudo
que pude apesar de, em um primeiro momento, ter pensado que
não conseguiria aguentar. Segui posts, pessoas, li respostas de
respostas de respostas de respostas. Tinha se tornado uma questão
pessoal. O que procurava eram provas de que não me equivoquei
em ter amado aquele homem. Em ainda amar.
Enxergava o comportamento dele nas descrições, relembraram
coisas que ele disse que soava como ele, mas tudo era apresentado
de um jeito que me parecia deturpado. A ex-namorada que tinha
deixado ele mal e que servia de escudo para que ele não entrasse
em um outro relacionamento tinha se tornado uma fórmula, uma
frase feita, mas quem poderia ter garantia disso? À repetição das
explicações e do comportamento, chamavam de padrão, mas não
poderia ser lida como coerência? Deus me livre defender homem,
deus me livre defender homem. Saí do Twitter antes que publicasse
alguma coisa e me arrependesse. Ainda poderia aparecer algo mais
concreto, pior, ainda poderia me dar conta de que também fui
abusada. Não, isso não, meu cérebro protestava, não sei das
outras, mas eu não fui.
Não exclui a possibilidade de ter tido mais sorte, talvez elas não
tenham tido coragem de confrontá-lo quando fazia merda. De certa
forma, nunca aguentei por muito tempo, logo nos primeiros dias em
que se afastou, joguei a real, disse que estava me sentindo rejeitada
com aquele comportamento. Nunca foi legal ouvir o que ele tinha
pra falar dos problemas dele com relacionamentos, mas me ajudou
a dimensionar aquilo tudo, sabe, a decidir em que caixinha eu
deveria enquadrá-lo. Não podia negar que também tinha minhas
mágoas porque, bem, criei expectativas, mas não tava segura do
quanto podia responsabilizar Thiago por isso.
O pior de tudo eram as piadas. Faziam com as meninas que
queriam denunciar Thiago e faziam com ele. Todo mundo dando
pitaco de um lado e do outro sem conhecer ninguém. Mordi o pulso
pra não responder um cara com foto do Naruto no perfil, que
chamava Thiago de feio e dizia que era um milagre descobrir que
ele transava. Trava prestes a descer o nível quando me toquei que
era só um cara com uma foto de desenho. Tinha mais gente
pegando pesado. A central feminista chegou, com análises em
tempo real, tentando discutir se “abuso” era a definição correta. Foi
um segundo de alívio que acabou na mensagem seguinte, quando
mudaram de “não foi abuso” para “mas é misoginia tratar as
mulheres como objeto”. Loucos não eram eles, a mais louca era eu,
que esperava que desconhecidos me explicassem o comportamento
dele e como eu deveria me sentir em relação a isso.
Imaginei Thiago lendo tudo aquilo do outro lado e senti vontade
de vomitar mais uma vez. Quis falar com ele, mas tinha certeza que
não me responderia. Ainda assim, peguei o celular e comecei a
rascunhar uma mensagem. Não queria dizer que estava do lado
dele, nem mandar a sororidade pra puta que pariu, é preciso
acreditar nas vítimas, Vanessa, mas também queria demonstrar
algum apoio. Pensei que ele teria que responder pelo que fez de
errado, com quem fez. Porém, não eram só as atitudes erradas que
o definiam. Seria aterrorizante ser reduzida, de um dia pra outro, a
todas as merdas que já fiz na vida.