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Copyright © 2019 by Seane Melo

© 2019 1. reimpressão

Capa
Hallina Beltrão

Revisão e diagramação
Carol Magalhães

Todos os direitos reservados pela Quintal Edições. Nenhuma parte desta publicação
poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica,
sem a autorização prévia da editora.

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Produção de ebook
S2 Books

M528 Melo, Seane

Digo te amo pra todos que me fodem bem / Seane Melo. 1 reimpressão. – Belo Horizonte :
Quintal Edições, 2019.

ISBN 978-85-5703-027-5

1. Ficção brasileira. I. Título.


CDD: B869.3
CDU: 869.0(81)-3
Ficha catalográfica: Fernanda de Paula Moreira – CRB 2629
Sumário

Capa
Folha de rosto
Créditos
João
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Mateus
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Thiago
21
22
23
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25
26
27
28
29
30
JOÃO

1
Não podia acreditar no que tava acontecendo e nem segurar o
sorriso a cada nova mensagem que chegava.
Eu tava na minha, me acostumando aos dias de tédio, quando
pipocou uma mensagem dele no meu Facebook. Devia fazer uma
década que a gente se esbarrava nos rolês. Dessas coisas que
acontecem quando se mora em cidade pequena e se é classe
média num estado fodido como o Maranhão. Mas nunca rolou muita
interação. A gente tinha se falado por uns cinco minutos uma vez, e
eu, ou ele, não lembro, tinha aproveitado a deixa pra já enviar
convites de amizades nas redes sociais. Só que nada tinha
acontecido até aquele dia. Finalmente alguma coisa ia acontecer em
2016.
João veio puxar assunto sobre um dos meus poemas eróticos e
eu, mesmo que receosa – Putz, o que será que ele acha disso? –
agarrei a oportunidade pra engrenar uma conversa longa.
O papo tava fluindo bem e eu conseguia adivinhar, do outro lado
da tela, ele calculando cada palavra para chegar aonde queria: falar
putaria. Quando percebo que os caras tão querendo isso, sempre
fico meio aflita me perguntando se esse é algum tipo de pré-
entrevista pra saber se a transa promete. E entrevistas me deixam
aflita. Mais do que falar sobre sexo, preferia ter data, hora e lugar
agendados com ele pros próximos dias, mas também não queria
perder a chance de continuar interagindo, então aceitei entrar na
onda e, pra ser sincera, tava vibrando de excitação até ele mandar
essa:
“Quando a gente se encontrar, eu quero que você dance pra
mim.”
Deu merda!, meu cérebro apitou.
“Eu vou estar deitado e quero você nua dançando em cima de
mim.”
Ferrou.
Passei uns cinco minutos, paralisada, criando imagens mentais e
avaliando todos os cenários possíveis. Por um lado, achava bacana
que ele quisesse me ver de baixo pra cima. Esse deve ser bundista
como o Zanatto, [ 1 ] comemorei. Gostava de caras tarados em
bunda, não porque minha bunda fosse incrível, na real, era bem
mediana. Quer dizer, não sei quais os critérios de avaliação de
bunda, devem ser meio subjetivos e tudo, mas minha bunda era
pequena e tinha celulites e estrias, com certeza isso devia tirar uns
pontos. De toda forma, era uma bunda honesta com um formato
legal, e, na minha opinião, era mais divertida que os meus peitos.
Imaginei-o me olhando naquela posição. Daí pra sentar na cara, é
um pulo, avaliei, isso eu definitivamente vou gostar de fazer.
Quando começava a me animar com a perspectiva, sua frase
voltava à minha cabeça.
“Quando a gente se encontrar, eu quero que você d-a-n-c-e pra
mim.”
Não é que eu dance tão mal assim, também não sou boa, mas o
que pegava mesmo era todo o conceito de dançar pra alguém antes
do sexo. (Ou será que ele imaginou durante?). De dançar avisado,
ensaiado e com o propósito de realmente seduzir alguém. Isso ia
contra toda a minha filosofia de sentir qual putaria cada momento
pede, entende?
Matutei logo se isso não tinha a ver com as coisas que escrevia.
Sei lá, minhas amigas vivem me perguntando se os caras não me
abordam por conta dos poemas. Pra ser sincera, o que me
incomoda não é ser ou não abordada, e, sim, essa pulga atrás da
orelha das expectativas que criam em cima de mim. Outro dia, um
amigo de longa data me encontrou por acaso e soltou que nunca
tinha me imaginado daquele jeito.
“Migo, não viaja, não tem a ver com o que eu faço”, foi o que
disse na hora, mas, mentalmente, pensava Graças a deus que cê
não perde seu tempo me imaginando fudendo, né querido?
“Mas, pra escrever, tem que entender”, ele não quis dar o braço a
torcer. Entender não é fazer, pensei, mas nem quis discutir.
Ultimamente, tenho pensado que a minha sorte como mulher
heterossexual se aproximando dos trinta – mais perto dos 25 que
dos 30, Vanessa!, outra voz dentro de mim sempre contesta – é que
eu tenho uma boa imaginação. Consigo criar bem uns cenários,
sabe? Aposto que consigo encarar essa de dançar pro João.
No celular toca No Police, da Doja Cat. Olho João, de cueca,
deitado na cama. Tiro a calça jeans e vou engatinhando até
ficarmos cara a cara. Começo a rebolar um pouco naquela posição,
sento de joelhos e tiro a camiseta. Fico em pé na cama. Ensaio
movimentos lentos com o quadril e, eventualmente, passeio o pé por
cima dele. Tiro a calcinha e volto a rebolar, me posicionando
exatamente acima de sua cabeça. Vou descendo e paro a alguns
centímetros de distância do rosto dele para dar um suspense. Fico
de quatro, agora com a bunda na direção do seu rosto. E bato o
cabelo como a Britney Spears no macacão transparente de
swarovski em Toxic. João vai à loucura.
Pra funcionar, preciso imaginar a cena exatamente como se fosse
uma coreografia da Britney, sabe? Porque eu mesma nunca faria
isso sem fingir que tô na pele de outra pessoa e, tenho certeza, se
algum dia realmente topasse fazer algo do tipo, a realidade seria
outra. Pra começo de conversa, a música tocando seria da Nicki
Minaj…
“É essa música que você quer escutar agora?”, ele reclamaria.
“Cala a boca. A performance é minha”, diria, deixando o celular
no criado mudo e me virando para encará-lo.
Me aproximaria fazendo caras sensuais exageradas, puxando a
camisa que nem a Shakira em Chantaje, e cantarolando o refrão
“I’m feeling myself, I’m feeling myself”. Pressionaria meu quadril na
perna dele e bagunçaria seu cabelo ainda fazendo caras e bocas.
Viraria de costas e improvisaria um twerk mal executado contra seu
pau, fazendo uma bela demonstração de toda a minha falta de
flexibilidade. (Tenho que parar de pular os alongamentos). Ele me
seguraria pelo quadril e perguntaria sorrindo:
“Beleza, agora a gente já pode transar?”
“Nossa, que grosso! Tava te seduzindo”, me faria de ofendida.
“Ué, mas já deu, tô de pau duro.”
“Cê sempre tá de pau duro.”
“Ah é?”, perguntaria lisonjeado.
Eu confirmaria com a cabeça e enfiaria minha mão na cueca dele.
“Sempre acontece quando cê tá por perto”, sussurraria.
Eu amo o João da minha imaginação.
2
Jogo o livro pro lado e estico as pernas na cama tentando
encontrar um jeito de ficar mais tranquila. A tela do celular não para
de me convidar a apertar o botão de desbloqueio, mas, pela
ausência de luzes piscando, sei que não chegou notificação. João
não mandou mais nenhuma mensagem.
Ser mulher, em uma cidade como São Luís, é bem difícil. Lembro
a última que vez em que fui ao Veneto e sentei na mesa de uma
amiga. Uma outra garota, que eu não conhecia e continuo sem
saber o nome, contava a história de um cara que tava dando em
cima dela. Juro que não gosto de julgar as pessoas, mas a mina era
do tipo que me matava de preguiça.
“Eu topei sair com ele, né? Só que o boy tava crente que já ia me
comer no primeiro encontro!”, disse e esperou a expressão de “Que
absurdo!” da minha amiga.
Olhei pras duas e quase não me segurei. Pois me passa o
telefone desse homem, era o que queria ter dito, mas me contentei
em tomar um longo gole de cerveja e dar uma espiada ao redor para
ver quantos conhecidos conseguia localizar. O Veneto é um bar bem
caído só que, por algum motivo, parece ter o poder de reunir quase
todo o meu círculo pessoal.
Sentada na cama, penso novamente que não tenho a sorte
daquela mina e me flagro com um pouco de inveja. Que mania de
merda de achar que tem que esperar! Sinceramente, não faço a
mínima ideia de por que ainda saem repetindo isso. O que me
choca mais é todo mundo encarar isso como se fosse muito natural.
Às vezes até me pergunto se eu é que sou afobada, sabe? Tô
tentando trabalhar isso. Ô, se tô, dou uma bufada e espio o celular.
Nada.
Faz umas duas semanas que João puxou assunto e, desde
então, a gente se fala religiosamente todos os dias. Não sou uma
pessoa exatamente moderada, já fui de ficar trocando mensagens o
dia inteiro, mas como nós dois trabalhamos, falamos pouco até, só
que de um jeito bacana, que me faz ficar ansiosa, todos os dias,
esperando pela hora em que ele vai me chamar no WhatsApp. Acho
que deveria achar isso ótimo e tudo, mas depois de duas semanas
de uns papos bem legais, não consigo deixar de ficar aflita por não
me chamar pra sair. Por algum motivo, apostei que o convite ia rolar
nessa sexta. Lenda.
Concluo que não vai ter jeito e expulso o gato do quarto para me
masturbar em paz. Volto saltitando pra cama e finalmente aperto o
botão de desbloqueio do smartphone. Entro no WhatsApp e olho a
bolinha da foto de perfil da primeira conversa da lista.
“Essa vai ser pra você.”
Brinco em voz alta e dou uma piscadinha pra tela do celular
enquanto reparo que aquela foto minúscula talvez seja o único
material masturbável que tenho dele. João nunca me mandou um
nude. Pra falar a verdade, desde a nossa primeira e única conversa
mais sensual, quando disse que queria me ver dançando pelada em
cima dele, o assunto meio que morreu e, agora, tenho a impressão
de que ele sempre passa correndo de qualquer papo que possa
acabar em sexo. Eu até me esforço.
“Não vou cuspir no prato que comi, cara”, ele comenta sobre um
assunto qualquer.
“Olha, dependendo do prato, às vezes é bom cuspir. Se é que
você me entende”, eu soltaria apenas para ser ignorada na
mensagem seguinte.
Deito na cama, tiro a calcinha e me cubro com o lençol. Por
algum motivo, me dá um tesão gigantesco me masturbar embaixo
do lençol. Pensando bem, deve ser uma forma de fingir que não sou
eu que me toco. We never fuck alone, filosofo mentalmente,
brincando com o filme do Gaspar Noe.
Experimento deixar as pernas dobradas no ar ao mesmo tempo
em que amaldiçoo o autor da expressão frango assado. O filho da
mãe conseguiu arruinar a posição. Pior que ela vale muito à pena,
mas sempre tenho que fazer um esforço tremendo pra não pensar
no tal do frango. Desisto. Decido testar se esta noite não estou mais
no clima de ficar de pernas para cima e as apoio na parede. Demoro
em cada um dos preparativos na tentativa de criar uma expectativa
e tudo. Pra falar a verdade, quando a siririca tem essa finalidade,
digamos, de conter o fogo no rabo, sempre me empenho em fazer
tudo de forma impecável.
Puta merda, ele podia só me comer logo, reclamo ao mesmo
tempo em que dou o primeiro toque no meu clitóris. Gosto de
começar sequinha porque os movimentos são fortes e certeiros.
Preciso ter cuidado com a intensidade do toque, por isso, começo
sem pensar em nada e me concentro nas carícias. Dessa vez é
diferente, me obrigo a pensar nele para completar o momento de
catarse.
Quanto tento imaginá-lo, descubro que não criei imagens mentais
para o seu pau. Sei lá, acho complicado isso. Tenho medo de
imaginar um pau bonitão de ator pornô e criar uma expectativa
desnecessária. Por outro lado, também não consigo imaginar um
pau realista, sabe, torto ou com a cor da pele diferente da do corpo
e tal. E se ele tiver o pau pequeno? A questão me ocorre e abano a
cabeça para afastá-la. “Eu não pratico size shaming, João”, me vejo
explicando para sua versão imaginária e quase me perco pensando
em todas as transas boas que os paus pequenos me
proporcionaram.
É incrível como o corpo humano é lindo, né? Gente pelada é uma
parada linda de se ver, de verdade. E não tô falando de um corpo
impecável não. Porque os defeitos sempre parecem mais
particulares, é neles que a lembrança se apega, não sei se dá pra
entender… Já amei pau torto e pau médio de tudo. E quando tem a
cabeça redondinha? Putz, compensa tudo. Esses eu definia como
pau ergonômico, sem brincadeira. Também teve uma época que
encanei com pau grosso. Não podia ver um que a boca enchia
d’água. Mesmo! Na real, tenho quase certeza de que é meio
fisiológico e que eles fazem produzir mais saliva for real. Mas, pro
João da minha fantasia de siririca, eu não queria escolher nada,
porque escolher significaria ter uma preferência. E, comigo, essa
preferência só surgia depois de pegar, chupar e ter dentro de mim.
Minha preferência, João, era teu pau aqui em casa por pelo menos
quatro horas semanais, penso e deixo escapar um gemido.
“Caramba, não tô me ajudando.”
Sinto a lubrificação ficar mais intensa, mas demoro um pouco
mais dando tapinhas com a pontinha do dedo no clitóris ainda seco.
Então, meleco o indicador na vagina e espalho lubrificante por toda
a buceta. Começo a acelerar os movimentos, passando o dedo da
esquerda pra direita ou sei lá, nunca sei por qual lado começo
mesmo. Repito isso, mudando o ritmo aqui e ali, só para garantir
que não vou gozar logo. Ainda não decidi como quero gozar, então,
é melhor só deixar rolar.
Tento imaginar como João fode e percebo que tô bloqueada.
Ainda não sei se ele gosta mais de bunda ou peito. Saber isso já
faria toda a diferença pra adivinhar seu primeiro movimento na
transa, mas não tenho pistas. Bom, ele quer me comer, deve preferir
bunda, deduzo e automaticamente já consigo visualizar suas mãos
tentando agarrar toda a minha bunda de uma vez e uns dedinhos
safados, bem próximos do cu, posicionados propositalmente para
sondar se peço pra tirar ou não. Não peço, João.
Ele me puxa pela bunda para o seu colo. Não sei se mete rápido
ou prefere ir devagar, se olha nos olhos ou morde, se lambe, se
beija, se bate (Porra, não sei nada dele!), mas, como tenho a licença
poética da minha siririca, desapego da verossimilhança jornalística e
decido que João me fode sentado.
Odeio transar sentada, na real. Mas, enquanto aumento a
pressão do dedo e começo a me masturbar no esquema lixadeira
dos pornôs – às vezes gosto de fingir que sou um homem me
masturbando errado, confesso – fico imaginando os ombros dele
contraídos no esforço de me dar impulso para quicar. Nunca contei
isso, mas o fator decisivo preu ter começado a cumprimentar o João
em todos os rolês em que a gente se esbarrava nessa cidade foi
uma única e decisiva vez em que ele passou de regata por mim.
Enquanto o meu dedo sobe e desce, sinto que aquele momento se
repete em loop infinito.
Lambo o seu pescoço e mordo o seu ombro, enquanto seguimos
naquele sexo entrelaçado. João elogia minha buceta e me pede pra
gemer. É uma pena que ainda não consiga visualizar sua reação no
orgasmo, mas sei que goza. Só ele.
Não gozamos juntos. Preciso de concentração total, João. Lambo
o dedo e vou em direção ao clitóris já superestimulado. Paro de
pensar, só consigo fazer uma coisa por vez. Gozo um gozo gostoso
e sofrido, aquele de quem queria encharcar a cama de outra
pessoa. No mesmo instante, o celular acende a tela.
“Desculpa a demora, acho que cochilei”, João envia.
Não respondo nada. Me estico na cama, penso no quanto queria
sair do zero a zero e calculo quanto tempo ainda vou ter que
esperar para essa foda sair. Talvez eu precise de mais uma. Volto a
me cobrir com o lençol.
3
Hoje João me perguntou se sexo é muito importante pra mim e
fiquei imediatamente aliviada por ainda só conversarmos pelo
WhatsApp e ele não poder adivinhar minha expressão facial. Odeio
esse tipo de interrogação. Quer dizer, por um lado é legal que ele
queira voltar a falar sacanagem, mas a pergunta, sem exagero, me
soa quase como “você gosta de xixi na transa?”. Parece questão
eliminatória, sabe? Quem indaga ou tá atrás de alguém em quem
possa mijar ou odeia isso, tipo, teve algum trauma e prometeu se
prevenir de sair com qualquer um que insinue uma chuva dourada.
É, eu sei o nome, acho que li naquele livro da Bruna Surfistinha.
Respondi que não. Quem eu tô querendo enganar? Ele já leu
minhas poesias!
“Mas também não me imagino numa relação sem sexo”, tentei
corrigir. “Quer dizer, já passei muito tempo ficando com pessoas
sem sexo… Consigo curtir”, atenuei. “Mas, assim, num
relacionamento ideal tem sexo, né?”. Ainda em dúvida se tava
soando meio louca, quis completar: “Digo, tem que saber o que
cada um entende por sexo”.
“Merda. Tinha uma resposta certa pra essa pergunta, João?”
Depois da minha enxurrada de mensagens confusas, ele riu e
garantiu que não. Claro que tem, João, pensei. E acho que errei.
Por esse tempo que temos conversado, ele me parece um cara bem
monogâmico, sabe? Às vezes, cogito a possibilidade de estar me
cozinhando tanto só pra garantir que não vou transar com ele e
partir pra outra. Por isso, fiquei naquela de responder “pô, claro que
sexo é importante” e ele entender que eu queria trepar todo dia (eu
quero), que não consigo ficar sem isso (consigo, mas preferia não
precisar) ou que descarto caras quando a transa não é boa (olha, tá
muito difícil descartar hoje em dia, João). Na real, acho que o meu
maior medo era dele achar que dar muita importância pra sexo é o
mesmo que dar pouca importância pra envolvimento afetivo.
Dou uma bufada enquanto penso no quanto é óbvio que sexo
nunca é só sexo. Sabe, ouço umas amigas falando que queriam
encarar a transa como encaro e fico me perguntando se elas não
sabem que sou do tipo que sairia por aí pichando “bom mesmo é
transar beijando”. Tudo bem que curto muito dar de quatro também,
mas acho que deu pra entender, né? É que não foi porque, no último
ano, transei com mais caras do que algumas amigas nos últimos
cinco anos, que eu não quis amar todos eles. E não tô tentando
limpar a barra do sexo casual ou, pior, insinuando que começo toda
relação sexual querendo um relacionamento estável, não é isso. Só
sei que digo te amo pra todos que me fodem bem. Porque, no duro,
quando eles fazem direitinho, fico achando que entenderam alguma
coisa muito íntima sobre mim e meus desejos. Fico caidinha
mesmo.
Tô achando que o meu problema com os homens é sempre ter
que explicar essas coisas e, ainda assim, ter essa sensação
deprimente de que eles não entendem. É que os homens separam
as coisas, dizem. Mas eu não sei separar nada, nem consigo. Uma
vez me disseram que durante o sexo as almas se tocam, sei que é
uma coisa bem brega e questionável de se dizer – nem vou
comentar que já imaginei uma mãozinha saindo de um pênis
encostando em outra mãozinha que tá dentro da minha buceta – só
que serve pra explicar algumas coisas, sabe? Explica por que, às
vezes, é tão difícil fazer a transa evoluir com alguém que se recusa
a se abrir pra você. Tenho uma história assim com Ele, um boy que
nem gosto de falar o nome.
Liguei uma da manhã perguntando se podia dormir no apê dele
porque tava perto e não tinha grana prum táxi até minha casa. Ainda
naquela noite, Ele tinha curtido a foto que postei no Instagram com a
blusa que me fazia sentir gostosa. E quando Ele, o meu Você-Sabe-
Quem da transa, curtia alguma coisa minha, eu podia apostar que ia
pintar um booty call na semana. Já era uma rotina: a gente transava,
Ele sumia por umas semanas e reaparecia curtindo alguma foto ou
publicação (sempre em uma rede social diferente, incluindo o
Foursquare) para, em seguida, fazer um convite no chat.
Podia ter esperado a mensagem, mas ou a notificação da curtida
tinha atiçado meus hormônios ou eu já tava perto de menstruar e
nessa época fica foda. Então, aproveitei que tava pelas redondezas
e que realmente tava sem grana pra jogar essa ideia. Se colar,
colou. Do jeito que Ele era cuzão e queria ter todo o controle da
situação sempre, achei que ia ler a mensagem e me deixar num
daqueles vácuos de amargar.
Pra minha surpresa, Ele respondeu imediatamente, perguntando
em que rua eu tava. Enviei a localização e me disse pra esperar lá
mesmo. Tava num táxi voltando pra casa e ia passar pra me buscar.
Ainda me perguntei se tinha sido uma boa ideia e concluí que era
melhor nem pensar muito no assunto ou ia me arrepender.
Entrei no táxi e percebi que não tinha ensaiado nada para falar.
Hey! Ele também não parecia ter pensado no assunto. Olá. Depois
que ocupei um lugar ao seu lado, no banco traseiro, seguimos em
silêncio. O motorista olhou curioso pelo retrovisor, fingi que me
concentrava no cinto de segurança.
Em dois minutos, estávamos no elevador e eu tentava beijá-lo
enquanto Ele evitava alegando que os porteiros veriam tudo.
Sempre dizia a mesma coisa e eu continuava pedindo pra me comer
ali. Quando bebo um pouco, fico insuportável. E, confesso, me dava
um certo prazer fazer Ele revirar os olhos.
“Eles só vão ficar com inveja”, argumentei.
“Hum…” – Ele disse coçando a barba – “Cê tá animadinha, né?”
Sua indiferença só durou até a porta abrir, me pegou pelo braço,
me pressionou contra a parede e me beijou violentamente com boca
de álcool e cigarro. Parou repentinamente e lançou um olhar misto
de divertimento e censura.
“Que foi?”
“O que você tá fazendo aqui, hein?”
“Ué, tava sem grana prum táxi, não tinha arrumado carona ainda,
aí lembrei que cê morava por aqui.”
“Sei… você não veio aqui porque queria dormir comigo não, né?”,
perguntou desconfiado.
“Não”, respondi passando por baixo do seu braço e entrando na
porta que dava acesso à cozinha. “Se quiser durmo no sofá. Só
preciso de um lençol.”
“Hum… Melhor não, meu irmão pode chegar”, disse mais para si
mesmo. “Terminou? Então vamo dormir”, completou assim que me
viu devolver o copo em que tinha bebido água para a pia.
No quarto, começou a perguntar sobre a noite enquanto tirava
minha roupa e me beijava. Contei sobre as poucas músicas da festa
que tinha curtido e reclamei da fila do caixa ao mesmo tempo em
que ele chupava meus peitos. Qual o problema com o atendimento
em São Luís, né? Nunca vou entender. Eu me esforçava para falar e
dar detalhes irrelevantes apenas para parecer indiferente e não
entregar de cara o jogo. Ele sabia me agradar, sabia que eu estava
encharcada.
“Desconfiei que essa festa ia ser uma merda”, sentenciou depois
que parei de falar. “Me chupa?”
Dei um beijo nele e esperei que se deitasse, conhecia sua
posição preferida. Deitei em cima dele, com a bunda virada pra sua
cara e comecei o boquete. Acho que aprendi a gostar de oral com
Ele. Ficava realizada quando o pau ficava, hum, como eu poderia
dizer? Não é só duro. E duraço é de lascar, né? Tenho que arrumar
uma analogia pra explicar isso, esse estado em que a coisa fica tão
dura que parece que lateja, entende? Só que, quando penso em
latejar, me lembro logo de um furúnculo que tive criança. Passou um
dia latejando antes de estourar. Bom, até que a analogia funciona.
Se é que você me entende.
Não sei por que tô perdendo meu tempo com isso. O que tava
dizendo é que, quando eu deixava ele nesse estado que ainda não
sei descrever sem assumir um ar de romance de banca com direito
a membro rígido e tudo, era quase como se uma fadinha
aparecesse e dissesse no meu ouvido: “Toma aqui tua estrelinha de
chupadorona”.
Mas isso acontecia bem pouco, na real. Ele era bem difícil de
estimular ou manter estimulado e, quando seu pau parecia estar
mais pra lá do que pra cá, eu respirava fundo, tentava não levar pro
lado pessoal e sugeria alguma outra coisa, rapidinho, só pra não
levar a culpa pela sonolência do rapaz. Parêntese. Precisamos falar
sobre o tanto de cara que vive meia bomba. Um dia ainda
problematizo isso na internet. Fecha parêntese. Nessa noite, o
serviço tava moleza. Talvez fosse o álcool ou Ele tava com muito
tesão mesmo. A empolgação foi tão grande que não demorou preu
sentir uns dedinhos inspecionando a minha buceta. Já que você
insiste. Abri mais as pernas pra incentivar a exploração.
Se tinha uma coisa que ele fazia bem, era me masturbar. Isso e…
Tirou o indicador da minha buceta e começou a massagear o meu
cu. Sim, isso. Automaticamente, meu cu deu uma relaxada, mas,
meu lado racional achou que era melhor segurar a onda. Putz, será
que eu caguei hoje? Melhor não arriscar. Ainda com o seu pau na
boca, dei um pequeno gemido de protesto. “Não tomei banho desde
que saí de casa, baby”, sussurrei em seguida. Ele recuou e eu
continuei a chupá-lo. Ficamos assim por alguns minutos até ele
estremecer de prazer e, impulsivamente, segurar minhas duas
coxas dobradas e me puxar pra cima. Antes que eu percebesse,
lambeu meu cu. Como reação, tirei a bunda do alcance da sua boca
e voltei pra posição inicial.
“Porra, assim não dá.”
Fingi que não era comigo e continuei o boquete.
“A gente nunca vai dar certo se você não me deixar chupar seu
cu, cara.”
Escutei aquilo, parei de chupá-lo e girei meu corpo pro lado.
Fiquei deitada na cama, olhando para o teto. Incrédula.
“Cê não vai dizer nada?”, perguntou.
“Você é um babaca.”
“Por quê?”
“Porra, a gente transa há mais de um ano e cê acha que isso não
é dar certo?”
Ele riu.
“Volta pra cá.”
“Não tô no clima.”
“Eu quero que você me chame de babaca na minha cara.”
“Ah é?”, comecei a me animar.
O safado sabia me broxar como ninguém, mas também acertava.
“Me dá um tapa.”
Sentei em cima dele enlouquecendo de tesão. Idiota. Ele me
jogou de volta na cama e me dominou. Como sempre.
Depois que nos limpamos, do jeito que a preguiça permitiu, e
jogamos a camisinha fora, Ele ensaiou um abraço desajeitado. A
gente não sabia brincar de ser carinhoso.
“Sabe…”, eu comecei, “às vezes, quando cê tá me fodendo,
tenho vontade de dizer que te amo”.
As palavras mal saíram e o tempo do quarto já tinha fechado.
Não sei por quanto tempo ele ficou em silêncio, mas pareceu uma
década até eu ouvir:
“Tenho um monte de trampo pra fazer amanhã, cê pode dormir
aqui até oito da manhã, beleza?”
Apertei o botão do relógio para iluminar o visor. Quase 4 horas da
madrugada. Que arrombado.
Lembrei disso porque, sempre que penso em como os caras se
equivocam achando que as minas querem amorzinho, Ele me vem à
mente. O figura era campeão mundial no equívoco. Fico exaltada só
de pensar, sabe? Às vezes, tinha vontade de ser diretona com Ele e
jogar a real. Teria dado meu cu e liberado todos os beijos gregos
que quisesse. Era só dar abertura pruma intimidade, entende? Era
só Ele não agir como se estivesse na quarta série, na hora de ir
embora. No começo, ficava até meio ofendida, porque parecia que
ele tinha medo de mim e tudo, que achava que tava me passando a
mensagem errada. Mas, depois de um ano dessa palhaçada, eu só
ria internamente.
Pensando melhor agora, talvez Ele soubesse que aquilo nunca ia
dar em romance. Mas deve ter olhado essa minha cara de quem
geme chorando e simplesmente decidido que fazia parte da nossa
fantasia sexual fingir que eu era louca e ele, irresistível. De toda
forma, acho que eu desempenhava bem o papel.
Já sabia que Ele nunca ia entender o meu lance, preciso gostar
das pessoas pra chegar aonde quero. Me pergunta o que eu quero,
João! Acho que só quero mais sexo. Sexo no meio da semana, sexo
rapidinho, sexo na saída do trabalho, sexo sem calcinha bonita,
sexo sem tomar banho, sexo sem frescura, sexo sem clima, sexo
menstruada…sexo sem me preocupar se você tá me achando
louca.
Talvez seja melhor eu nunca dizer isso pra ele, não sei. Aliás,
ainda não entendo por que raios João quer saber se sexo é muito
importante pra mim. As duas hipóteses mais simples para essa
dúvida são: 1) João é viciado em sexo; 2) João tem problemas
sexuais.
Porra, será que ele não fica duro?
4
Eu não tava num dia bom. Cheguei no trampo ranzinza e saí
quase superando todos os meus recordes de mau humor. Tava tudo
uma bosta, sem nenhum motivo aparente. É aquela coisa que
começa com a descoberta de que o desodorante acabou e vai
crescendo de acordo com a quantidade de vezes em que te dão um
trabalho ridículo e em que o café da firma acaba antes de você
chegar na copa.
Tava organizando os papéis na mesa pra vazar quando João me
mandou uma mensagem. Só de ver o nome dele na notificação,
senti uma melhora instantânea. Mas bom mesmo foi ler o que tinha
escrito: ele finalmente queria me encontrar.
“Ai, meu deus, João! Tô relendo essa mensagem pela milésima
vez porque ainda não sei se dá pra acreditar.”
“É sério, pô! Preciso comer alguma coisa antes de ir pra pós.
Bora?”
“Claro!”, digitei e acrescentei três emojis com corações nos olhos.
“Topa uma tapioca?”
A empolgação foi tão grande que nem pensei duas vezes. Só no
caminho pro carro me dei conta de que era a primeira vez que ia
encontrá-lo desde que a gente tinha começado a se falar no
WhatsApp. Agora é sério! Eu me via naquele momento decisivo em
que ia encontrar alguém com quem já tinha alguma intimidade,
correndo o risco de perceber que não tinha intimidade nenhuma no
fim das contas. É bizarro como a presença física da pessoa pode
inibir a gente. Sei lá como eu ia reagir diante da materialidade do
João, né? Ainda mais levando em consideração a quantidade de
vezes em que tinha chamado ele pra foder. Será que também ia
querer me atirar em cima dele na vida real? Pior: será que ia querer
me atirar nele sem estar depilada, com essa calcinha desbotada e
essa cara oleosa de um dia inteiro de trampo? Quase entrei em
desespero e mandei uma mensagem com uma desculpa qualquer.
Puta merda, não era assim que tinha imaginado nosso primeiro
encontro! Até que lembrei que ele tinha dito que ia pra pós, não ia
dar tempo de rolar nada. Isso já eliminava a maior parte dos
problemas. Ficava só a cara oleosa.
Cheguei primeiro e aproveitei pra tentar tomar alguma
providência no banheiro da lanchonete. Quando saí, o espaço
estava do mesmo jeito, com as mesmas duas mesas ocupadas.
Escolhi uma mesa um pouco afastada para que pudéssemos
conversar, mas não tão perto do banheiro, porque não me
imaginava curtindo uma paquerinha e fungando o cheiro de água
sanitária barata que vinha de lá. Demorou uns dez minutos de
olhadas ansiosas pro celular e tentativas frustradas de terminar uma
página do livro que lia até que o vi se aproximando de camisa de
botão e calça jeans. Lembrei de um tweet do Neymar, de longe eu já
sabia, o perfume tava #exalando. O João é bem gato, gostoso pra
caramba. Já falei do ombro dele, né? Apesar da camisa social
cobrindo tudo, ainda conseguia acompanhar todo o desenho dos
braços e do peitoral. Nunca gamei tanto num ombro, juro. Eu podia
ter ficado animada com aquela visão, mas, na real, fiquei meio
nervosa por ele estar arrumado e comecei a sorrir de orelha a
orelha. É foda, não paro de rir quando tô nervosa.
Ele sorriu de volta e parou na minha frente.
Continuei sentada olhando sorridente em sua direção, porque não
sabia mais o que fazer mesmo. Tava me sentindo um manequim de
loja que algum engraçadinho montou com a ordem dos membros
invertida. Tão torta e fora do eixo que achava que não conseguia me
mexer.
“Não vai nem levantar pra me dar dois beijinhos?”, João soltou
com um olhar faiscante.
Ao ouvir isso, até recuperei minha consciência. Putz, ele vai usar
essa desculpa ridícula pra me beijar. Metade de mim achava uma
puta falta de criatividade, outra metade, dava graças a deus pela
possibilidade de evitar todo o lenga lenga que precede o primeiro
beijo. Levantei da mesa sem hesitação e já fui em direção a ele
achando graça. Para minha surpresa, não, para minha decepção,
quer dizer, não sei… enfim, João foi lá e deu dois beijinhos certeiros
nas minhas bochechas. Bem no meio das bochechas mesmo, pra
não sobrar a menor insinuação de que era uma tentativa de beijar
minha boca. E saiu dos dois beijinhos muito satisfeito consigo
mesmo. Pelo visto, ele curtia mesmo me tirar do sério.
“Olha, ainda bem que você não tentou me beijar com essa tática.
Teria sido decepcionante”, tentei sair por cima.
Ele riu e se aproximou de mim. “Eu nunca faria isso”, disse e, aí
sim, me beijou.
Às vezes, eu me sinto muito boba. Quando alguém me beija pela
primeira vez e o beijo é bom, sempre me sinto assim. Fico
completamente absorta, por alguns segundos não passa nada pela
minha cabeça. Acho que sou meio supersticiosa até. Mesmo que
saiba que o encaixe de um beijo não diz nada sobre o dos corpos
(aliás, já trepei muito bem com caras que o beijo me dava vontade
de desistir), um primeiro beijo bom deixa a gente mais confiante de
que todo o resto promete.
“Graças a deus que você beija bem, cara. Já pensou ter passado
quase um mês chalerando um boy que beija mal?”
“Nossa, tu me faz parecer uma pessoa horrível”, ele disse me
censurando enquanto se sentava. “Pô, parece que eu sou o cara
mais fresco do mundo, que não aproveita que tem uma gostosa
dando mole…”
“Uhhh, gostosa”, tentei parecer irônica pra esconder que tinha
ficado sem graça. Não sei receber elogio. Um dia ainda me lembro
de procurar um tutorial pra isso no YouTube.
Ele percebeu meu constrangimento e aproveitou pra me dar um
beijo demorado. Foi difícil retomar o raciocínio, mas, depois de
alguns segundos rindo feito uma retardada, lembrei do que tava
morta de curiosidade pra saber.
“Bom, acho que, hum, agora que a gente já se encontrou, se
beijou e tudo… – comecei mas quase parei quando vi que ele já
esboçava um sorriso ah, o que é? Cê sabe onde eu quero chegar.
Vamo desenrolar isso, João. O que tá faltando?”
“Vanessa…”, começou dizendo meu nome, vi logo que a coisa
era séria. “Não sei direito como te falar isso sem parecer fresco ou
louco”.
Me ajeitei na cadeira e esperei ele continuar. Enquanto
aguardava, comecei a ficar com medo de verdade. Me dei conta do
quanto tava na dele e de como seria fácil sair de lá com o coração
partido.
“É que nunca conversei com uma mina que nem tu…”
“Que nem eu como?”
“Hum… que escreve poesia e esse tipo de poesia que tu escreve,
sabe? Que fala abertamente das coisas…”
“Mas que diferença faz?”
“Faz muita, sério – Não tô falando que me sinto intimidado, não é
isso. Tudo bem que às vezes fico encanado pensando se tu, sei lá,
transformaria nossa transa em alguma poesia. Não sei se me
sentiria confortável de me identificar, entende?”
“Mano, eu não descrevo a minha…”
“Não, calma”, me interrompeu. “Ainda nem cheguei onde eu
queria. Comecei só falando do que me deixa desconfortável. Não
vou te mentir dizendo que não penso isso, entende? Mas, na
verdade, eu vejo um lado beeem positivo nisso das poesias.
Quando leio, fico te imaginando, não consigo não te imaginar e,
cara, é uma experiência muito louca. O que tô querendo dizer é
que… é óbvio que quero te comer… mas, sei lá, é gostoso ficar te
atiçando e ficar imaginando, saca? Não sei se queria partir logo pra
ação e perder a chance de uns dirty talk contigo. Pô, falar
sacanagem contigo deve ser muito bom!”
“Não é, João. Não é nada demais, no duro. Não tenho a menor
criatividade pra isso”, tentei pronunciar as frases de forma dramática
pra ver se ele desistia da ideia ridícula.
“Duvido”, ele ria.
“É, sério, João”, eu disse ficando nervosa de verdade. “Não sei
imaginar as pessoas da vida real assim, sem ter tido um contato
físico mesmo, sabe? E esse negócio de sexo virtual é tipo um outro
gênero textual, tem outra estrutura, tem que causar um efeito no
outro e eu não sei o que tu gosta, cada um é diferente…”
“Mas tu pode me falar das coisas que tu gosta.”
“Não é assim que funciona comigo, João. É sério, sou um
desastre nisso.”
“Cara, mas vamos tentar, sei lá…”
Quando chegamos ao local onde eu tinha estacionado o carro, se
despediu de mim com outro beijo demorado, me puxando pra mais
perto do seu corpo.
“Poxa…”, choraminguei quando nos separamos.
Segurou meu cabelo com as duas mãos, me forçando a encará-
lo.
“Para de reclamar, Vanessa, vai ser gostoso. A gente vai ficar se
instigando…”
“Pô, mas já começa por aí, olha que palavra ridícula: instigar. Tem
verbo melhor, João, tem verbo melhor…”
Ele riu e me deu um último selinho antes de se afastar.
Às 23h, mandou uma mensagem perguntando se eu ainda tava
acordada. “Ainda, tentando adiantar uma leitura.”
“Tu gosta de apanhar?”
Encaro as letras no teclado sem saber por onde começar.
Sim, escrevo.
Apago.
Mais ou menos.
Apago.
Depende.
Apago.
Depende de quê? Me pergunto e fecho os olhos tentando pensar
numa resposta simples e verdadeira. Não penso em nada, na
cabeça só me vem uma mão desenhada em vermelho na pele. Na
minha bunda. E os dentes, as marcas, no tornozelo.
“É complicado…”
5
Não podia contar pro João, mas não conseguia pensar em levar
uma palmada sem lembrar de tudo o que experimentei com Ele.
Talvez por isso seja tão difícil falar seu nome até hoje, quer dizer,
não só por isso, mas com certeza é um começo.
Ele me disse que gostava de sexo intenso. Eu ri. “Intenso, tipo,
com tapinhas?”, tirei onda.
“Não, nada a ver com isso”, Ele respondeu sério.
Percebi que tinha ficado zangado, pois, ainda naquele dia, tinha
ensaiado um tapa na minha bunda no meio da transa. Pareceu
brincadeira, na real, de tão fraquinho, tive até que segurar o riso.
Nunca nenhum cara tinha feito aquilo. Aquilo de dar tapa durante a
transa. Parecia cena surreal de pornô malfeito e aquele primeiro
tapa só confirmou isso. Fui ligando a imagem da cama antiga, do
espelho de moldura barata e do cara que queria bancar o ator pornô
pra se sentir bom de cama e quase caí na gargalhada no meio da
transa mesmo, vai entender.
“Intenso como?”, perguntei.
“Hm... acho que rápido. E meio bruto, não sei explicar”, desviou
do assunto.
Ficamos deitados em silêncio. Quando Ele não tava a fim de
papo, não tinha o que fazer. Já pensava em me levantar pra tomar
banho quando se chegou mais uma vez pra mim, o pau já ficando
duro de novo. Não precisou avisar, era o round two.
Só me lembro que tava de quatro quando Ele me pediu pra
conduzir.
“Continua sozinha, cansei.”
Um gentleman, sabe? Mantive o ritmo por um tempo, pareceram
15 ou 20 minutos, mas não excluo a possibilidade de terem sido só
dois, até começar a perder o fôlego. Ele me disse pra não parar.
Recuperei o ritmo por mais um tempo para, em seguida, voltar a
reduzir. Não, não, não é pra parar. Continuei. E então aconteceu. A
mão, o som da palmada e o gemido. A mão, eu nunca vi, também
não vi o vermelho. Lembro que olhava pro lençol suado embaixo de
mim quando senti. A partir daí, na cabeça, a única imagem que se
formava era a da mão e da pele vermelha.
Na verdade, até hoje não sei se senti ou ouvi primeiro. Aquele
barulho agudo de mão espalmando carne macia. O barulho e a
surpresa, que saiu na forma de gemido.
Também não sei exatamente qual foi a sensação. Ou pior, se
senti, se doeu, se ardeu. Não teve nada a ver com isso. Foi tipo um
puxão, sabe, um solavanco. Como se Ele tivesse interrompido meu
movimento e me puxado de volta. Nem sabia que ia longe, mas a
palmada, a palma dele, o pá agudo, o vermelho que iria ficar, me
trouxeram de volta abruptamente. De volta de onde? Não sei, mas,
por alguns segundos, fui só carne, só contato, ali, eu existia e
pulsava naquele pequeno ponto onde o vermelho começava a se
desenhar na minha bunda.
Não sei se dá pra entender, parece que tô filosofando, mas, se
fosse filosofar mesmo, poderia simplesmente dizer o que constatei
naquele momento: meu rabo lateja, logo, existo.
A velocidade aumentou sem que me desse conta. Não sei se era
Ele, se era eu. Ele parecia mais duro, eu, mais lubrificada. Veio de
novo. E mais uma vez.
Lembro do dia seguinte, no banho. De passar o sabonete pelas
pernas e sentir uma dor próxima ao tornozelo direito. Analisei o local
e achei um hematoma na forma de uma mordida. Não lembrava que
Ele tinha mordido aqui. Só lembrava da barriga…, pensei ao mesmo
tempo em que achava o hematoma próximo a uma das costelas. E
da parte interna das coxas…, identifiquei mais um pra coleção. E…
fui levando a mão ensaboada à bunda.
Me peguei sorrindo sozinha pro chuveiro. Ainda via Ele, suado,
me lançando um olhar de acusação e cumplicidade.
“Você gosta!”
Ensaboei com cuidado o meu corpo. Eu gosto, gosto quando
deixa marca.
6
Achei que João ia se animar depois dos nossos sexting, já que,
pra mim, definitivamente tava cada vez mais difícil de segurar a
onda, mas ele, mesmo me mandando nude de pau duro (e que
pau!), não marcava um encontro. Passei uma semana planejando
parar de falar, mas João não era só gostoso, ele já tinha se tornado
parte da minha vida. Odeio quando os caras usam essa estratégia,
sério.
Sabia que essa dependência dele era consequência da carência
fodida que sentia. Esse realmente não tá sendo um ano bom. Ainda
tava lidando com todas as merdas que tinha acumulado da época
em que morei fora, com a desilusão com o crush do Rio e com a
insatisfação com o meu trampo. Então, ter pelo menos uma
perspectiva de transa e todo esse friozinho na barriga que ele me
dava, já parecia muito lucro. Só que pensar no quanto isso era
perigoso pra minha saúde mental, me deixava meio ansiosa pra
encontrar uma solução.
Jorge mandou mensagem numa quarta à noite me convidando
pra dar uma volta na praia. Tava pronta pra começar uma nova série
na Netflix, mas acabei topando ir. Ele é o meu melhor amigo e, pelo
convite, senti que precisava conversar. Logo que começamos a
caminhar, me perguntou sobre os meus rolos. “Não tá fácil, sabe?”
Tentei explicar a minha enrolação com João, sem citar nomes,
porque todo mundo se conhece em São Luís e não queria correr o
risco dele ficar me zoando.
“Ah, Vanessa, esse cara tá claramente te cozinhando. Se pá, ele
tá com outra, te guardando na geladeira”, sentenciou quando
terminei de contar.
A explicação dele era boa, mas não me surpreendia porque eu
mesma já havia chegado a ela várias vezes. Nem tudo fazia sentido,
claro, já que não podia negar que João dedicava até bastante tempo
pras nossas conversas e, quando tentei ficar um dia sem falar, veio
puxar assunto até meio ressentido. De toda forma, ainda era a
explicação que parecia mais coerente. Pra ser sincera, nunca tinha
caído naquela de que ele queria só criar mais expectativas antes de
a gente transar. Tentei afastar esses pensamentos da cabeça e
desviei o assunto pra vida amorosa de Jorge. “E o teu namoro,
migo, como tá?”
“Eu acabei com a Ana, Nêssa.”
“Como assim? Quando?”
“Tá com uma semana.”
“Mas você tá bem?”, perguntei preocupada apesar de, no fundo,
ter ficado meio feliz.
Jorge deu uma risada safadinha de canto de boca.
“Nêssa, eu sou uma pessoa horrível, já peguei outra mina essa
semana mesmo.”
“Ah porra!”, dei uma cotovelada de leve nele, “mas cê ficou bem
depois?”
“Fiquei, sabe, até mais do que esperava.”
“Jorge”, comecei, “sabe o que eu acho?”, nem esperei ele
responder, “a gente bem que podia se pegar agora. Sempre disse
que te pegaria, mas cê nunca tá solteiro, acho que agora é o
momento perfeito, sabe?”
“Nêssa, não viaja”, respondeu rindo.
“É sério. Pensa só, a gente é superamigo, conversa abertamente
sobre tudo. Nunca peguei um amigo, mas acho que a gente podia
fazer funcionar, de uma forma leve, entende?”
“Cara, tu é muito doida”, ele comentou ainda sorrindo e, vendo
que eu esperava por uma resposta mesmo, completou: “Tenho que
pensar direito, tá? Tem muitos outros fatores aí, mas vou pensar
nisso”.
Dois dias depois, mandou mensagem me chamando pra ir pro
Veneto. Não sabia se isso era um sim, um não ou se simplesmente
não significava nada, de toda forma, era legal poder voltar a sair
com ele. Quando ele namorava, isso nunca acontecia com
frequência. Perguntou se eu tava a fim de beber ou se podia ser a
carona dele, respondi que podia, ando meio sem paciência pra
encher a cara. No caminho, foi me explicando que ainda não tinha
se decidido sobre a minha proposta e que, talvez, rolasse dele
encontrar uma mina com quem tava de rolo no Veneto. Fiquei meio
desapontada com a possibilidade de ficar sozinha no rolê enquanto
ele se pegava com outra, mas a vantagem de ser o Veneto é que
provavelmente encontraria muito mais gente conhecida.
Encontramos muitos amigos, mas Jorge não quis se sentar com
nenhum deles e sugeriu que a gente procurasse um lugar nos
fundos. Enquanto o rolo dele não dava as caras, Jorge bebia e
ficava falando besteira no meu ouvido pra competir com o barulho
da galera jogando sinuca e eu cogitava a possibilidade de a tal mina
que ele queria pegar ser só uma invenção. Senti um calor na nuca e
girei na direção do caixa para dar de cara com João me encarando.
Estremeci imediatamente, porque meu olhar pulou do rosto dele
imediatamente pro ombro de fora. Ai, mentira que ele tá de regata!
Veio andando em minha direção, enquanto meus hormônios
confirmavam que aquela visão era absolutamente deliciosa. Chegou
na mesa e foi direto cumprimentando Jorge, comentando alguma
coisa sobre quadrinhos. Então se virou pra mim, toda envergonhada
e derretida na cadeira de plástico amarela da Skol, e veio me dar
dois beijinhos.
“Quanto tempo, Vanessa! Quase nunca te vejo por aqui”, disse.
“Pois é, ando meio sem vida social mesmo. Só Jorge pra me tirar
de casa”, comentei inocentemente, mas percebi que ficou
desconfortável. Deu um último olhar de relance pra nossa mesa e
disse que tinha que procurar um amigo.
“Ixi, o pessoal deve estar achando que a gente tá se pegando”,
Jorge falou assim que João se afastou. “Tomara que isso não
chegue no ouvido da Ana, mas, pensando bem, acho que ela não
acreditaria que eu tava pegando alguém se falassem que era você.”
“Bem se vê que ela não sabe de nada”, respondi com um sorriso
sugestivo pra ele, que me censurou. “Esse cara é bem gato, né?
Esse João. Eu pegaria demais”, mudei de assunto.
“Deixo a parte do gato por tua conta, mas, cara, eu amo esse
moleque. Ele é muito gente boa.”
“Imagino… Sabe o que acho engraçado? Nunca ter visto ele com
ninguém”, mandei uma indireta pra sondar se Jorge tinha alguma
informação que me podia ser útil.
“Nossa, cê lembra da Tati? A Tati, gatíssima, dava MUITO em
cima dele e ele nunca deu bola. Um dia ela me contou. Não sei qual
é a dele mesmo.”

O assunto morreu, mas não pude deixar de me sentir poderosa.


Sabia de outras amigas minhas que tinham dado mole e que ele
fingiu que nem viu, mas não sabia que essa era uma fama tão
generalizada. De repente, a foto do pau dele no meu celular me
pareceu um prêmio mega valioso.
Continuamos sozinhos na mesa até uma mina se aproximar.
Jorge levantou todo animado e saquei na hora que era a mina de
quem tinha falado. Sou meio desapegada, mas também sou
ciumenta e, de cara, não curti a mina. Depois que me apresentou
pra ela, dei logo uma desculpa de que precisava ir ao banheiro. Em
vez de encarar a fila, sempre gigantesca, do banheiro do Veneto, fui
pra calçada do bar ver quem encontrava de conhecido. Um cara que
me paquerava no Twitter me cumprimentou de longe e me chamou
pra roda dele. Fui, não pelo cara, mas porque era exatamente o
lugar em que João estava. O papo na roda era academia.
Aparentemente, um dos caras tinha se matriculado numa academia
e pedia dicas de treino pra João, que parecia superconstrangido.
Depois de falar umas coisas apressadamente, me olhou e sorriu
com malícia.

“Mas sabe uma coisa que homem tem que treinar? Perna.
Pergunta sobre isso pra Vanessa, o treino dela deve ser ótimo”,
soltou.
Ninguém na roda notou que aquilo parecia uma cantada, então,
fingi que tinha levado a sério e comecei a falar sobre agachamento
pro cara do Twitter que escutava superinteressado. Quando o
assunto se esgotou, dei mais uma vez a desculpa de que ia ao
banheiro e João se adiantou dizendo que também ia entrar pra
pegar mais uma cerveja.

“Cê tá planejando ficar aqui até que horas?”, perguntou assim


que nos afastamos do grupo.
“Ah, não sei, tô meio com sono já e nem tô bebendo porque tô
dirigindo.”
“Jorge veio contigo?”
“Veio, mas não sei se vai voltar comigo. Acho que o rolo dele
chegou aí”, me apressei em contar.
“Hum…”
“Que foi?”
“Tô tentando pensar na melhor forma de te pegar hoje.”
“Ei!”, exclamei com tom de ofensa, “tá achando que é assim?”
“Achei que cê também queria…”, João tentou explicar, realmente
sem graça.
“Claro que quero, João”, disse sorrindo. “Só não achei que ia ser
hoje.”
“Também não, na real, mas tô morrendo de vontade”, disse
baixinho. “Mas o Veneto é foda, aqui não rola, todo mundo vai
saber.”
“É, aqui não rola”, concordei pensando que também não queria
que Jorge soubesse. “Estacionei o carro meio longe…”, de repente
me ocorreu.
“Bom, tu pode ir pegar alguma coisa lá e eu digo que vou contigo
por segurança. Só tenho que deixar essa cerveja na roda.”

Tive a sensação de que o tempo que levou até pegarmos a


cerveja e voltarmos pra roda transcorreu em câmera lenta. Sou
péssima com mentira, mas quando disse, toda constrangida, que
precisava pegar uma coisa no carro, geral achou que devia ser um
absorvente ou coisa do tipo. Seguimos em silêncio pela rua mal
iluminada e atravessamos a avenida até chegar ao local onde tinha
estacionado o carro. Ainda bem que não tinha nem sombra do
flanelinha que disse que ia ficar guardando o carro. Apertei o botão
do chaveiro eletrônico, destravei as portas do carro e entrei pelo
lado do motorista. João deu a volta e sentou ao meu lado.

“E agora?”, perguntei, nervosa, assim que nos vimos cara a cara.


Antes que fechasse os olhos completamente, senti o calor do sorriso
dele próximo aos meus lábios. Quando nos beijamos a sensação foi
a de tomar uma bebida gelada e refrescante que imediatamente me
subiu à cabeça, era uma embriaguez gostosa, sabe? Não pensei
mais no flanelinha, nas pessoas que passavam pela rua ou na
possibilidade de nossos amigos sacarem tudo. Queria me fundir ao
corpo dele do jeito que pudesse e desse dentro do meu celta velho.
“Nunca transei no carro, sabia?”, confessei pra ele entre uma
pausa pra respirar e outra.
“Não acredito, você é safada, Vane”, disse me olhando muito
tarado e me puxando pra si.
“É que só tive dinheiro pra ter carro depois de morar só”, comecei
entre beijos. “Daí fazia mais sentido ir logo pra cama, pro sofá, até
pro chão, né?”, completei e voltei a beijá-lo. João concordou com a
cabeça sem parar de me beijar.

“Não sei se hoje rola de a gente transar”, disse enquanto eu,


sentada no seu colo, sentia o pau duro na calça jeans.
“Cê tá sem camisinha?”, fiz a pergunta que tava rodando na
minha cabeça há uns cinco minutos.
“Tô”, lamentou.
“E agora?”, choraminguei.

Nem cheguei a ouvir a resposta dele. “Deixa eu te chupar.” Os


sons só chegaram aos meus ouvidos no mesmo instante em que
senti a língua dele passear entre os meus pequenos lábios e parar,
dramaticamente – quer dizer, pra mim foi dramático – no meu
clitóris. Voltei ao estado de embriaguez. Pra ser bem sincera,
algumas perguntas de ordem bem prática rodavam na minha
cabeça, coisas do tipo como ele consegue fazer isso parecer
confortável nesse carro tão apertado? ou como conseguiu se livrar
da minha calcinha tão rápido?, mas antes que conseguisse formular
qualquer pensamento coerente, a língua dele me fazia estremecer e
flutuar e derreter outra vez.
A proximidade do gozo me fez acordar da embriaguez. “Também
quero te chupar, vem cá.” Parecia uma dança estranha e
impressionante. Coloquei seu pau na boca e comecei a chupá-lo
com muita vontade, como se fosse uma batalha contra um desejo
incontrolável que crescia dentro de mim e que João continuava a
atiçar me masturbando. Gozei como há tempos não gozava. Aliás,
isso era algo que sempre tentei explicar pro meu ex. “Gozei do jeito
bom”, às vezes dizia enlaçando-o com as pernas. O jeito bom era o
gozo que acontecia depois de todos os estímulos certos, às vezes
era algo que rolava até de surpresa e com uma intensidade muito
maior. Era o que fazia meu coração disparar. O gozo ruim era um
gozo curto, às vezes interrompido ou meio frustrado, tipo quando ele
mudava o movimento no mesmo instante em que o gozo começava.
Mas o gozo ruim também era o sofrido, o que ocorria depois da
repetição de vários movimentos que, por si só, não eram tão bons.
João tinha acertado todos os movimentos e definitivamente tinha
feito meu coração disparar, as pernas tremerem e um pé se
contorcer – Caramba, nem lembrava que meu pé ficava assim –
mas tinha um quê de dor que me extrapolou ali e que me fez deixar
a cabeça pendendo no seu colo por alguns minutos.

“Vane, acho que a gente precisa voltar”, disse passando a mão


com carinho pelos meus cabelos e me dando beijinhos no rosto.
Amanheci com isso na cabeça. Entrei no Twitter e vi que uma
amiga tava fazendo uma enquete sobre quantos parceiros sexuais
tivemos na vida. Antes de responder, já me censurava internamente
por ter transado com tão poucas pessoas na vida, mas decidi fazer
a conta direitinho. Comecei a contagem por ordem cronológica,
marcando nos dedos, e minha lista chegou ao fim no número dez.
Fiquei olhando para os meus dedos quase sem acreditar que ainda
dava pra enumerar todas as minhas experiências ali, quando o
celular se acendeu com a chegada de uma nova mensagem do
João. Percebi que tinha esquecido de incluí-lo na contagem.

Caralho, eu transei com o João!

De repente, era um sábado bonito.


7
Ele morde o lábio enquanto aumenta o ritmo. Está de joelho na
cama, segurando minhas pernas esticadas em seu peito e, volta e
meia, faz uma pequena careta pelo esforço físico. Me olha. Quero te
fazer gozar, porra!, leio nos pensamentos dele.
Não diz isso, respondo mentalmente, enquanto desvio o olhar e
deixo escapar mais um gemido. É a minha posição preferida. A essa
altura, ele já sabe disso só pelo escândalo que faço quando me
come desse jeito. Acabo voltando o olhar pra ele e me perdendo nas
contrações que seu corpo faz com o movimento. Fico imaginando a
bunda dele se contraindo a cada estocada.
Depois da nossa pegação no carro, João subitamente passou a
arrumar tempo pra me ver. Até fiquei com vontade de fazer
perguntas e investigar a mudança súbita, mas, no fundo, alguma
coisa de mim ficava repetindo: você quer mesmo saber, Vanessa?
Acho que é melhor continuar acreditando que só faltava aquele
empurrãozinho pra ele criar coragem ou para sacar que nossa
transa não ia ser uma decepção. E não é uma decepção, exceto por
um detalhe.
“Gostoso”, sussurro.
No canto da boca ele esboça um sorriso e continua. Vejo uma
gota de suor se desenhar no comecinho da testa deslizando
lateralmente. O suor, a respiração, as caretas. Tudo parece repetir a
pergunta que não pronuncia: vai gozar?
Contraio o abdômen e tento contrair também os músculos da
vagina. É um truque que uso quando começo a me masturbar e fico
com preguiça, me ajuda a acelerar o orgasmo. A sensação dele
entrando e saindo de mim fica mais intensa. Gemo mais, digo que
vou explodir. Ele diz que deixa. Por alguns instantes acho mesmo
que a sensação tá se expandido mais do que meu corpo aguenta e
que logo vai me ultrapassar, mas passa. Quando se queima a
largada, o juiz manda recomeçar. Voltei para a estaca zero, mas
João continua na competição. Começa a ficar vermelho e faz mais
caretas.
“Eu não vou aguentar.”
“Vem, beibe.”
Desaba em cima de mim. Man down. Não falamos nada. Ele rola
para o lado, tira a camisinha com uma mão e passa o outro braço
por baixo da minha nuca. Continuamos em silêncio. Sorrio pra ele e,
com o dedo, seco algumas novas gotas de suor que se formam em
sua testa.
“Foi bom?”, pergunta.
“O que cê acha?”, sorrio para tranquilizá-lo.
Ele sorri de volta.
Continuamos sem nada dizer das coisas que passam pela nossa
cabeça. Quer dizer, sei do que se passa na minha, na dele, só
imagino. O pior é isso. De todas as histórias de transa que já
confidenciamos pro outro, tem uma do João que não sai dos meus
pensamentos. Na verdade, nem foi uma história, foi mais um
comentário sobre uma ex. Uma ex que era muito sensível, gozava
rápido e tal. “Uma vez ela gozou cem vezes”, me contou.
Não sei como é a ex que gozava cem vezes, mas imagino um
corpo magro, bronzeado, uma bunda impecável e um cabelo longo e
cacheado emoldurando seu corpo que não para de se contorcer. No
silêncio do quarto, só ouço o gemido dela. No olhar de canto de olho
que João me lança, imagino a comparação. “Por que você não
goza?”
“Porque não gosto!”, me rebelo mentalmente.
“Não gosta?”, imagino o olhar de surpresa e pena que João faria.
“Como não gosta?”
“O gozo, João, é a morte do desejo”, eu recitaria. É a minha
resposta pronta pra pergunta que nenhum cara faz, diga-se de
passagem. “É como aqueles ditos budista ou sei lá, nunca li nada de
budismo, mas vi essa coisa de um sábio que diz que o bom da
viagem não é o ponto de chegada, mas o percurso. Eu acho isso,
cara, eu acho que o bom da transa é o percurso”, me vejo dando
explicações no meu diálogo imaginário.
Enquanto me recuso a abrir mão da vida do desejo, a ex do João
o mata cem vezes. E eu olho para essa imagem que não sai da
minha cabeça e julgo que aquilo não pode ser bom. Não pode. O
gozo chega pequeno, mas vai crescendo até se apoderar de tudo.
Eu gosto quando chega nas pernas. Já nos pés, me dá um pouco
de medo, talvez pela visão dos dedos contorcidos. Imagino os
dedos dos pés da ex do João se entrelaçando cem vezes, sem
parar. Não pode ser bom.
Acho que os homens aprenderam que mulher gosta de ouvir
“quero te dar prazer” ou “pra mim não tem graça se a mulher não
goza”. Mas noventa por cento das vezes soa muito falso. Na real,
acho que é porque tenho certeza que eles aprenderam a repetir
isso, que falam essa bobeira pra impressionar, como se fosse uma
nova versão de abrir a porta do carro. Mas isso não me faz querer
descer do carro e abrir as pernas. Me dá preguiça e uma sensação
de cansaço absurda. Quando fiquei tão exausta?
João acredita nisso. O conto da ex que gozava cem vezes é
quase um conto de fadas, com moral da história e tudo, pra falar
sobre o que ele gosta, sobre o que marca as lembranças dele. Não
basta lubrificar e gemer. Ele quer a prova irrefutável de que foi bom.
Quer fazer gozar. Eu gosto dele, sabe? Não acho que seja um
cínico. O olhar que lança de dentro de mim é o de quem quer
agradar. De quem quer me ver tão entregue quanto ele fica quando
goza comigo. Só que a expectativa dele me mata.
Não sei amar os homens que me amam, essa é a merda. Não
suporto desapontá-los, mas não posso dar isso pra eles. Já tentei.
Juro que quis gozar, com gritos e esguichos, com um pau dentro de
mim, no entanto, algo dentro de mim se recusa. Diz que não é hora.
Que meu gozo é tímido e cruel. Explica que ele é só meu e não
prêmio que eu possa dar pra outro.
Ele é só meu, repito aliviada para a menina de 19 anos que um
dia achou que era frígida. Estico a frase na cabeça, pensando em
todas as revistas femininas que li. Que falavam para relaxar, para
não pensar em nada. Às vezes não sei se essas revistas falam de
sexo mesmo ou de meditação, é cada uma. Quero ver não pensar
em nada com o olhar de expectativa do João de vigília depois de um
gemido mais alto.
“Quero te chupar”, diz apoiando a cabeça no cotovelo e me
olhando.
Não, não quer, penso. “Não tô muito a fim, beibe”, respondo.
“Sério?”, pergunta assustado e, suspeito, também um pouco
aliviado.
O susto dele é como um tapa na cara. Não é você que tem todo
um discurso feminista? Vai abrir mão do seu prazer agora? É desse
jeito que a reação soa aos meus ouvidos. O meu prazer, acho
irônico. Ele sabe, no fundo sabe, o que me dá prazer. Ele sente
todos os arrepios, todos os reflexos involuntários, a dança, porque
há uma dança, do corpo indo ao encontro do outro. Mas é difícil fugir
das convenções, dos símbolos. É preciso que comece e acabe. E
eu deixo o fim em suspenso. Devo ser chata pra caralho. Mas nem a
pau me coloco nessa situação. Consigo até ver os olhinhos me
inspecionando. A boca mergulhada em mim. E aí eu ia invocar que
ele ficava impaciente e então travaria total. E ia pedir pra parar de
chupar e falar algo como “Hoje não é meu dia” e dar de ombros e
fazer cara de quem não entendia o que podia estar acontecendo.
Sem ter coragem de dizer que era a porra do olhar.
“Eu quero fazer alguma coisa”, ele soltou depois de mais um
tempo em silêncio. “Me diz o que tu quer que eu faça.”
Deito de lado e puxo-o para se encaixar em mim. “Não faz nada,
só fica dentro de mim”, peço. Ele é pego de surpresa, mas me
obedece feliz.
“Te amo, cara”, ele termina de pôr uma nova camisinha e diz se
enfiando em mim. Eu rio.
Ficamos assim por alguns minutos, fazendo movimentos muito
preguiçosos.
“Me ama por quê?”
“Por causa da tua buceta”, ele responde depois de dez segundos.
“O que tem ela?”
“É macia, tão molhada e… quentinha.”
“Ah, porra, João.”
Quentinha é foda, quentinha é difícil de aturar. Que buceta não é
quentinha?
“Shhhh”, ele ordena pra me provocar. E então beija as minhas
costas.
“A gente podia ficar assim pra sempre”, digo, não sei se pra ele
ou pra mim.
Pra sempre. Nem penso realmente nos significados dessas
palavras, mas, enquanto sinto o cheiro quente de João me encobrir,
prometo que não vou encanar com o nosso sexo, que não preciso
ficar insegura quanto a ele estar satisfeito, que não é como se ele
fosse deixar de me mandar mensagens sem aviso só porque existe
tanto que ainda não conseguimos dizer pro outro.
8
Ele disse as duas palavras e eu continuei nua, deitada de bruços,
olhando pra parede, sem processar. Será que ele vai tentar comer
meu cu?, foi a primeira hipótese que se passou pela minha cabeça.
Mas logo a afastei. É óbvio que ninguém decide comer o cu dos
outros assim, sem nem perguntar, sem nem dar umas
massageadas, tentar enfiar um dedinho como se ninguém fosse
notar ou mesmo dar umas boas lambidas. Ainda assim ele tinha
feito a pergunta e ela dificilmente tinha outro significado:
“Tem lubrificante?”
Eu tinha. E o que me incomodava era a dificuldade de entender
por que ele precisava de um lubrificante. Na real, a resposta tava na
cara, mas eu tava em choque ou em negação. Pouco antes, ele me
comia por trás. Eu, com as coxas coladas uma na outra, tentava
potencializar a sensação dele entrando. Gostava da posição, mas
ela tinha uma mística ou uma matemática, depende do ceticismo de
cada um, né? Fato é que era preciso alcançar um ângulo exato do
pau na buceta para que o prazer fosse absurdo e, naquele dia em
particular, eu e João não tínhamos acertado o ponto. Enquanto ele
entrava e saía, tentava não pensar nisso e não ficar aflita com o
calor. Mas os pingos de suor que volta e meia escorriam do peito
dele para as minhas costas não ajudavam. Ele deve ter lido meus
pensamentos, porque tentou enfiar a mão por baixo de mim para me
masturbar, mas, no movimento, o pau acabou escorregando pra
fora. Nada demais. Dei uma arrebitada na bunda pra facilitar o
encaixe e esperei. Ele tentou enfiar e o pau travou logo na
entradinha.
Então, fez a pergunta.
Levantei da cama sem dizer uma palavra. Só quando estava com
o K-Y na mão, caminhando em direção a ele como um refém de
guerra, foi que respondi desnecessariamente: “tenho”. Lambuzou o
pau com o produto sem dar nenhuma explicação. Fiquei de joelhos
na cama, perto dele, esperando alguma palavra. Algum “vou usar
isso pra ajudar, tá?” ou, melhor, um “você vai ver como vai ficar
gostoso”. Qualquer coisa para me tirar daquele torpor, daquela
sensação horrível e afastar de mim aquele constrangimento. Eu
tinha secado. EU TINHA FICADO SECA COM O CARA
GOSTOSÃO QUE EU TINHA PASSADO MESES TENTANDO
PEGAR.
João me olhou animado e deslizou a mão suja de lubrificante do
meu colo à minha barriga. Fez para me provocar e me ver
reclamando (“Você não para de reclamar, sabia?”), mas a ação não
provocou nenhum efeito. Estava mergulhada no meu drama
pessoal: eu. tinha. secado.
“Ei, o que aconteceu?”
“Nada”, disse no automático.
“Hum… deixa disso. Vem cá”, disse envolvendo meu corpo
desanimado num abraço. “Me conta o que tá pegando…”
“É isso, João”, indiquei o pau, ainda duro, dele.
“Meu pau?”
“Não.”
“A camisinha?”
“Não.”
“Então o que é?”
“O lubrificante…”
“O que que tem?”
O QUE QUE TEM? Francamente, eu tinha que explicar tudo pra
ele.
“Nunca precisei usar isso, João”, confessei quase ofendida por
ele não ter notado em três semanas de foda. “Se tinha uma coisa da
qual me orgulhava, era de estar sempre molhada”, disse me
jogando na cama, dramaticamente.
João caiu na gargalhada e eu puxei o lençol para cobrir minha
cabeça. Era sério, lubrificar muito era a minha marca, fazia parte do
que eu era. Deixar a cama dos caras encharcada era um
constrangimento que tinha ajudado a formar meu caráter. Isso pra
falar dos menores dos constrangimentos. Eu lubrificava demais e
isso tinha moldado a forma como eu gostava de transar, definia
minha personalidade. Eu era afobada e impaciente na maior parte
das vezes, ficava entediada com caras que curtiam demais
preliminar. Às vezes eu me recriminava, achava que podia ser uma
lombra muito errada que me fazia perder boas experiências, mas
não via sentido numa coisa que tinha por objetivo me “preparar”
quando eu não podia estar mais preparada. Adorava saber que ia
transar, adorava a expectativa, saía do chuveiro excitada sem
sequer me tocar e, enquanto escolhia a calcinha, já sabia que tava
molhada.
“Cê tá bem?” Uma vez um cara me perguntou pouco antes de se
enfiar dentro de mim. “Tô, por quê?” Perguntei sem entender nada.
“Você tá escorrendo”, disse apontando para o meio das minhas
coxas, onde se via um pequeno filete transparente escorrendo. A
voz quase não saiu de tanta vergonha. “Tô com muito tesão”,
confessei como se fosse um crime e saí de lá perguntando pra
todas as minhas amigas se era normal.
Lubrificar demais tinha mais um embaraço. Oito entre dez caras
reclamavam na hora de me chupar. “É muito difícil de respirar.” Eu
fazia cara de “ops!”, dava de ombros e perguntava se eles não
queriam brincar de outra coisa. Vida que segue, sabe? E, por mais
que às vezes fosse ruim, no fundo, era algo que me dava orgulho.
Toda vez que eu ouvia alguém falar sobre como anticoncepcional
secava, tinha que segurar minha cara de superioridade. Ohh girrrl,
imagina se eu não usasse, hein? Não ficava dolorida ou assada na
mesma frequência que algumas amigas e, lubrificante, bom, só
praquelas outras incursões.
Ainda tinha tido um cara que tinha me feito amar isso. Depois,
ficava puto por ter que trocar a roupa de cama numa frequência
descomunal, mas, na hora, ele se divertia em me lambuzar com o
meu próprio lubrificante.
“Aposto que dá pra comer teu cu assim”, ele dizia esfregando a
mão da buceta até o cu. “Tão molhadinha”, elogiava, jogando beijos,
como se estivesse interagindo com um bebê.
Eu sorria. Ainda consigo lembrar das brincadeiras como se
acontecessem agora.
“Nêssa?”
“Oi.”
“Você tá absurdamente molhada hoje”, ele dizia se deitando ao
meu lado, exausto.
“É?”
“Você lubrificou tanto que teve um momento em que eu fiquei
pensando caralho, se eu tropeçar, é capaz de escorregar e entrar
inteiro nela.”
Ele sempre mangava de mim, mas não ficava chateada. Gostava
da imagem. Imaginava minhas pernas abertas e o rastro de
lubrificante – me recuso a falar sumo, sabe? – como cachoeira, e
ele inteiro se enfiando em mim. Ele inteiro dentro de mim. Era meio
violento imaginar isso, sei lá, mas na hora não imaginava como se
ele se machucasse. Só visualizava cada parte dele em um contato
profundo comigo e aquela cara que ele fazia quando metia, aquela
lambida tradicional nos lábios. Se eu pudesse, pegava ele como se
fosse um vibrador e ficava enfiando e tirando até sentir as
contrações no útero. Sempre finalizava minha cena imaginária com
uma gozada desproporcional em sua cara e ele meio atordoado,
meio em êxtase.
Mas isso tudo tinha ficado no passado. O que tinha mudado?
Será que o anticoncepcional finalmente tinha se virado contra mim?
Será que era o antidepressivo? Será que o João não me dava tanto
tesão? Será que ninguém me dava mais tanto tesão? Deve ser só
cansaço. A gente devia estar transando há muitas horas. Mas isso
também não costumava ser um problema…
“Tô ficando velha, João”, compartilhei a minha conclusão.
“Vanessa, não encana”, disse depois de ter conseguido parar de
rir. “É só um lubrificante. Todo mundo usa.”
“Eu não usava.”
“Mas qual o problema em usar?”
“Não sei, João, é que ainda é estranho pra mim…”
Já pensou se eu sou dessa geração que não gosta mais de
transar? Me perguntei lembrando de uma reportagem sobre a tal
geração Y transar 60% menos que as gerações anteriores. Não sei
bem qual era a porcentagem exata, mas, com o lubrificante e uns
beliscões que João me deu nos peitos – acho que é o novo truque
dele – a gente conseguiu continuar e gozar, cada um no seu tempo.
Quando me levantei e avisei que ia banhar João continuou deitado.
“Acho que a toalha que te dei da última vez ainda tá no banheiro”,
adiantou.
Fiquei encarando-o na cama por mais alguns segundos ainda me
decidindo se avisava que dizer que ia tomar banho, na real, também
era um convite. Normalmente, não precisava falar duas vezes,
sempre íamos juntos. Entrei no banheiro sem saber se fechava a
porta ou deixava aberta. Acabei fechando. Enquanto fazia xixi no
box e pensava que isso não seria possível com ele ali, me ocorreu
outra hipótese pra falta de lubrificação. Tudo bem que eu não
precisava de muito estímulo antes, mas e se agora preciso?
Comecei a encarar maçaneta do banheiro pensativa. E se o que
preciso é de mais intimidade?
9
Fazia uma semana que João não falava nada sobre marcar
alguma coisa e eu estava dando graças a deus por isso, tinha tempo
que não me sentia tão desanimada com sexo. E não tinha a ver com
o ciclo hormonal e essas coisas, nem com o fato de a minha
frequência de transas ter aumentado consideravelmente depois que
eu e João começamos a sair. Fiquei evitando buscar uma
explicação pra isso porque desconfiava que a resposta não ia me
deixar feliz, mas uma ideia não saía da cabeça: só tive dois tipos de
trepadas em toda a minha vida. Sabe, duas categorias em que daria
para enquadrar todas as minhas fodas. Fiquei procurando um nome
que desse conta dessa oposição e a primeira coisa que me veio à
mente foi “sexo em um relacionamento” e “sexo casual”. Mas seria
equivocado dividir as experiências assim, porque, na real, não era
de um status de relacionamento que se trata. Sempre pensei que
tinha mais a ver com relações de poder.
Não sabia se dava pra entender. Pra mim, existiam as fodas
equilibradas ou, por que não dizer, democráticas. Aquelas em que
todos eram iguais perante as roupas jogadas no chão e o espelho
de teto do motel. Todos tinham direito a receber prazer e a
experimentar o famoso sexo-com-significado. Como mulher, tinha
direito a um homem que me amasse, me desejasse, perdoasse
minhas estrias e confiasse nas condições higiênico-sanitárias da
minha buceta. (Eu acho louco como uns caras ainda agem como se
eu devesse ficar realmente grata por eles enfiarem a boca entre
minhas pernas sem perguntar da última ida ao ginecologista.) Como
parte dessa relação sexual equilibrada, tinha o dever de me
preocupar com o prazer do outro e desejar, sobretudo, agradá-lo.
Por que isso tinha a ver com amar e tudo.
Desde o início, as fodas equilibradas eram o meu ideal, o que eu
buscava e a única forma que imaginava de ser feliz no sexo. Mas,
de certa forma, confesso que a democracia das transas me
decepcionou. Me desapontou como as democracias desapontam
quando se finge que não há disparidades e privilegiados, sabe?
Dava até uma bad tocar nesse assunto depois do golpe, quer dizer,
do impeachment da Dilma. Enfim, no início, o que me deixava
maluca era isso de querer mais o prazer do outro. Ele jurava que só
queria me dar prazer, eu dava qualquer coisa pra ouvi-lo gemendo e
nenhum dos dois chegava a lugar nenhum. Não sei com os outros,
mas esse lance de orgasmo sincronizado nunca rolou comigo. Se
ele gozava primeiro, gozava resignado. “Não consegui segurar”,
justificava envergonhado sem me saber vitoriosa. Se o contrário, me
sentia menos mulher e experimentava certa culpa por ter feito o
homem que eu amava se esforçar por mim. Eu dou trabalho, eu sei.
Mas isso era só no começo, claro. Com o tempo, ele aceitava que
o meu gozo era naturalmente mais difícil e eu concordava que ele
precisava mais, pra não ficar com as bolas inchadas e a coisa toda.
Então, os esforços para conquistar o meu orgasmo reduziam
enquanto eu sempre era convocada a, bom, digamos assim,
demonstrar o meu amor. Claro que eu sentia que tinha uma
responsabilidade maior, mas nunca pensei em me rebelar contra
isso, afinal, o amor da mulher tinha menos limites, devia ser mais
exposto, demonstrado de mais formas, não era mesmo? O pornô
tava aí pra confirmar. Volta e meia escutava os homens comparando
“Fulana é a minha preferida, chupa melhor que sicrana, bate palma
com a bunda, cavalga bonito, enfia até a garganta” e tal, mas nunca
ouvia ninguém comparar o que dois atores faziam, não tinha um
“esse mete mais rápido e chupa melhor, aquele enfia rebolando”. Se
eu falasse isso pra alguém, certeza que iam me perguntar o que
amor tinha a ver com pornô. Nem sabia se saberia explicar bonito e
com bons argumentos, mas tinha tudo a ver. Bastava ouvir uma vez
um “acho que você poderia tentar me agradar um pouco mais, sei
lá, usar a criatividade, experimentar umas coisas diferentes”, para
perceber que o pornô era um discurso que tava lá o tempo todo, no
sexo casalzinho. No fim, parecia que o amor sobrava pra mulher
mesmo ou que o afeto feminino era que tinha que ser o ativo. O
amor ajoelhava no chão, lambia das bolas à chapeleta, amar o
outro, engolia o pau, como a si mesmo, até a garganta, até
engasgar, até ele gozar.
Eu sabia que tava bem ranzinza. Juro que nem sempre via as
coisas desse jeito. Vinha pensando assim porque tava com esse
desânimo e precisava encontrar uma explicação. Tava botando
minhas experiências na mesa.
Uma vez, saí com um boy, acho que foi o Mateus, e, por algum
motivo, começamos a falar do livro O professor do desejo.
“Tem alguma coisa nesses personagens atormentados pela
sexualidade que amo. Acho que me identifico com isso deles se
sentirem reprimidos e insatisfeitos”, confessei.
Ele levantou uma sobrancelha pra mim.
“Você se sente insatisfeita?”
Assenti e dei uma colherada na sua tigela de açaí. Ele não disse
mais nada. Depois, fiquei achando que podia ter se ofendido, já que
a gente tinha transado algumas vezes. Mas, na real, ele podia ter
perguntado. Insatisfeita como? Então, eu estaria pronta pra
responder: insatisfeita porque, de um jeito, sempre parecia
incompleto e, de outro, parecia insustentável.
O sexo insustentável era o segundo tipo. Eu descobri o que eram
as fodas com relações de poder desiguais quando Ele, o babaca
que não pode ser nomeado, enfiou um dedo em mim, no seco.
Talvez ele nem soubesse escrever meu nome ainda. Vai que a
minha mãe tivesse decidido escrever Wanessa com w? Era nosso
segundo encontro, mas o primeiro “oficial” já que tínhamos trocado
nossos números numa balada. E, naquele instante da dedada,
decididamente, eu ainda não estava molhada, mal tínhamos
começado a nos beijar. Ele meteu a mão por baixo do meu vestido,
afastou a calcinha pro lado e enfiou o dedo, como se o espaço para
ele sempre tivesse estado ali e o conhecesse muito bem, como se
eu não fosse apertada pra caramba. Doeu, claro, foi pior que
consulta ao ginecologista. Arregalei os olhos, surpresa e em
choque, enquanto aquele dedo ia se enfiando em mim com
indiferença. Não se importou com a reação, na real, ficou me
encarando como se me desafiasse a reclamar e eu, acreditando
desobedecer, calei. E fechei os olhos. E logo depois gemia
conforme o movimento dos dedos – porque logo se seguiram mais
dois. Aí, sim, lubrifiquei feito uma condenada.
Nessa época, eu ainda curtia ele, achava interessante e
inteligente, mas aquilo de enfiar o dedo sem ter esperado um pouco
mais me despertou uns sentimentos confusos. Não me senti
abusada, o encontro tinha toda a cara de que ia acabar em sexo
mesmo, senti mais como se estivesse transando com um cara de 17
anos que nunca teve uma namoradinha de criação cristã. De um
lado, ainda me sentia atraída por suas opiniões sobre os livros do
Borges, mas de outro, sabia que era um babacão. Ter consciência
disso me fez descobrir o descompromisso com o prazer do outro e
aprender que, com aquele tipo, era melhor aprender a buscar meu
prazer por conta própria. Ele tá muito enganado se acha que vai me
usar! Em rebelião, procurei me satisfazer em cada momento. Na
posição que Ele mais gostava, procurava a melhor inclinação de
quadril para melhorar o ângulo da penetração. No boquete, sarrava
na sua perna enquanto o devorava. Naquelas relações desiguais,
me sentia livre e, ironicamente, respeitada. Acho que ter a obrigação
de demonstrar qualquer coisa, sempre me travou antes. Nessas
relações, isso não existia e, sem o imperativo, eu acabava querendo
retribuir, me sentia poderosa por ter a escolha de ceder, ceder por
mim, em nome do meu prazer.
Às vezes, lembrava disso e tinha certeza que era louca. Mas a
maior loucura não era essa. Foi ter passado a procurar por esses
caras, sabe, que tinham essa coisa, que me deixavam sem saber o
que esperar. Às vezes errava feio, mas criei uma fórmula que até
funcionava bem. O truque era privilegiar a atração física e só não
abrir mão de um mínimo de bom humor e bom senso
(Primeiramente, Fora Temer). A regra principal, no duro, era não
admirar. Quanto menos se aproximava do que eu considerava o
ideal, mas fácil era ceder, não ter vergonha, me libertar de mim
mesma.
O irônico é que nunca cheguei lá. E é por isso que tenho pensado
tanto nisso, nesses dois tipos de foda. É por isso que me identifico
com o David Kepesh, o personagem do livro que comentei com
Mateus. Quando chego perto de um sexo não tão seguro e
ensaiado, recuo. Aprendo a amar aqueles que deveriam me libertar,
tento reinserir a transgressão na norma, porque tenho medo do que
quero ou porque não confio nos homens que não posso amar. É
complicado. Quando minhas amigas me perguntam o que eu tô
fazendo com o João, não sei o que falar. A gente não tem quase
nada em comum. Definiria ele como um cara de academia e de
farra. Ele até que não corresponde ao estereótipo “marombeiro”,
quase nunca fala de nada disso, na real, e o peitoral, o ombro e
aquela bunda durinha compensam qualquer ressalva. Mas sei que
ele gosta de ficar bebendo até cair ou fumando maconha no Centro
Histórico e numas conveniências da cidade. Acho que esse é o tipo
de coisa que eu nunca teria coragem de fazer. Desde que voltei a
morar aqui e comecei a trabalhar na firma, na verdade, mal tenho
vontade de sair. A gente basicamente conversa sobre True
Detective e Black Mirror, as únicas séries que vimos em comum,
mas, se eu pudesse escolher, preferia que ele também assistisse Ru
Paul’s Drag Race. Esse reality show e as poesias que voltei a
escrever são as coisas que mais me empolgam hoje. João até
começou a falar comigo por conta das poesias, mas desconfio que
sou a única poeta que ele lê.
Abro o Twitter e dou de cara com um link prum texto novo do
Mateus. Fico chateada porque, mesmo depois de ter deixado de
segui-lo, ainda aparecem outras pessoas reproduzindo suas coisas
nas minhas redes sociais. Odeio ser lembrada do quanto gosto das
coisas que ele escreve. Ser lembrada da existência dele, me faz
pensar que talvez tenha me afastado demais dos homens que me
entendem. Em grande parte, por medo deles me subjugarem sem a
minha permissão, sem que fosse para o meu prazer. Esperava que
João pudesse ser um meio-termo.
A verdade é que tô ficando entediada. Quase dois meses de
fodas em que a gente reencena a primeira. E o problema não é nem
a variedade ou a qualidade. Pelo contrário, posso dizer que está
entre as melhores transas que já tive, não que a transa média das
mulheres seja lá essas coisas – já tô bem resignada de que a minha
vida sexual nunca vai ser um romance erótico clássico com direito a
pelo menos três ménages e um grupal – mas com o João não posso
reclamar, nada excede, nada falta, nada sai do lugar. Mas queria
que saísse, eu queria. Queria ser só carne. Acho que preciso parar
de guardar tudo isso na minha cabeça e experimentar falar dessas
coisas com o João. Ainda tá em tempo de ser incrível, né?

“Beibe, tem algum desejo que você gostaria de realizar, sei lá,
uma fantasia…”, pergunto como quem não quer nada quando nos
encontramos de novo com o pretexto de ver os novos episódios de
Black Mirror da Netflix.
“Tipo algema e chicote?”, João pergunta debochado.
“É, tipo isso, mas pode ser outra coisa, qualquer coisa. Tô
perguntando uma coisa que tu tenha vontade de fazer, não tô
esperando que tu me venha com um clichê pronto.”
“Hum… fora fazer um ménage contigo e com aquela mina que
tava me dando mole no Twitter?”
Revirei os olhos e preferi nem comentar. Às vezes era impossível
conversar sério com o João.
“Ah, cê já transou vendada? Acho que dava pra gente fazer isso
e… – Hum… Sabe uma coisa que eu tinha curiosidade? Transar
sem penetração um dia…”
“Hum…” – Penetração era o meu mundo e ele sabia, mas, na
hora, até que me interessei pela proposta. – “Certo. O que você
imagina pra essa experiência?”, perguntei cautelosa.
“Sei lá, acho que a gente podia começar por um 69, né?”
Dei graças aos deuses por ele nunca ter ouvido a minha tirada
clássica. Sabe por que se chama 69? Porque existem 68 posições
melhores!
“Prefere de lado ou um em cima do outro?”
10
Acordei com o barulho das crianças do condomínio jogando bola
ou sei lá. Em outras épocas, teria ficado zangada e tentado colocar
aqueles protetores auriculares no ouvido para voltar a dormir, mas,
ultimamente, ficava feliz por aquelas crianças existirem e gritarem
tanto porque isso me obrigava a sair da cama aos domingos. Olhei
pela janela da varanda, observei meio sem ver a partida de
queimado na quadra em frente e pensei que, a despeito de mim,
fazia um dia lindo, daqueles em que fazia parecer um pecado não ir
à praia. Pensei na praia cheia, em onde iria estacionar o carro, no
horário do sol (já eram 10h da manhã) e suspirei desestimulada.
Esse é um daqueles anos em que me sinto cansada na maior
parte do tempo e me flagro pensando no João e em como queria
descomplicar minhas relações. Eu só queria casar, sabe? Às vezes,
acho que as pessoas não esperam isso de mim, sei lá, que me
acham desapegada dessas coisas. Mas, por mim, já tinha casado
cinco vezes. Casado sem anel, aliança, pedido ou joelhos no chão.
Sem vestido, sem festa, sem “é só um almoço”, sem “vai ser um
churrasco só pros mais íntimos”.
Por mim, a gente acordaria no outro dia, depois da foda cansada
pós-balada, e ele perguntaria:
“Vai fazer o que hoje?”
“Sei lá, acho que vou procurar alguma coisa pra assistir.”
“Fica aí. A gente toma café e depois banha de piscina.”
“Beleza.”
E daí eu ficaria, mesmo sem ter lembrado de levar protetor solar.
E, em algum momento, a gente voltaria a sentir fome e ele diria pra
sairmos pra almoçar. E daí daria sono e a gente deitaria, mas
decidiria transar, transaria e dormiria. E daí acordaria com fome, ele
diria que ia ver o que tinha na geladeira e me ofereceria um misto.
“Não posso comer queijo, tenho intolerância a lactose.”
“Então pode ser só o presunto com requeijão?”
“Requeijão também não posso”, riria da cara dele – só quando
perguntasse se eu queria café puro ou com leite é que começaria a
perder a graça.
A gente comeria e eu me ofereceria para lavar a louça. Ele
procuraria um pano de prato limpo nas gavetas quase vazias do
armário da cozinha e ficaria me esperando entregar as primeiras
louças limpas. Quando eu já estivesse pra terminar, ele viria me
abraçar por trás. Pressionando o pau duro na minha bunda e me
fazendo molhar a camisa na pia.
“Ow, eu podia ter quebrado alguma coisa”, eu reclamaria.
E daria pra ele do mesmo jeito. Ele ficaria com preguiça de vestir
uma roupa e ligaria a TV. Então a gente assistiria a alguma coisa
muito ruim por quase duas horas, até ele decidir que a gente podia
estar assistindo a algo decente. E daí já seriam 23h e ele ia estar
com preguiça de levantar e vestir uma roupa pra se despedir de mim
e não seria perigoso eu voltar sozinha? “A cidade do jeito que tá…”,
ele ia argumentar enquanto contornava meu mamilo com o dedo
indicador. E só quando eu parasse de olhar pra ele e começasse a
rir olhando praquela arrumação é que ele perceberia. Então
apertaria um bico pra me provocar e depois começaria a chupar
meus peitos.
Duas horas da manhã, ele levantaria dizendo que tinha que mijar
e voltaria com a ideia brilhante de fazer pipoca. A gente comeria
pipoca, olharia pro relógio e concordaria que era melhor dormir.
E daí eu acordaria com mais um “fica aí”, que eventualmente
viraria “só preciso dar um pulo no supermercado, cê se importa? Tô
sem café e o papel higiênico tá pra acabar”. “Claro que não. É bom
que compro protetor de calcinha e um leite sem lactose.” A gente
caminharia lado a lado e ele seguraria minha mão para evitar que eu
continuasse esbarrando nele. No supermercado, a conversa sobre a
marca preferida de tapioca começaria no hortifruti e terminaria no
caixa.
“CPF na nota?”
“Não”, responderia no automático.
“Ei, coloca o meu então!”, me adiantaria. E ganharia 30 centavos
de restituição de impostos graças a ele.
Nós carregaríamos as compras pra casa e, ao chegar,
esqueceríamos de guardar os frios. Ele começaria a rir de um vídeo
do YouTube e insistiria preu ver. “Genial, olha aqui!” Eu não acharia
graça e nós teríamos nosso primeiro desentendimento. Ele
aproveitaria pra sugerir um sexo de reconciliação.
“É o mais gostoso que tem.”
“Prefiro o de antes das pazes”, eu discordaria. “Com aquela raiva
reprimida, sabe?”
“Tá valendo!”, responderia jogando as almofadas no chão pra me
comer no sofá.
Eu vestiria meu sutiã e consultaria as horas no celular. “Casa
comigo?”, ele pediria olhando minhas coxas. “Beleza, ainda nem
escureceu lá fora”, eu responderia sem confessar que estava era
com preguiça de me calçar. A partir de então eu viveria o eterno
retorno da sarrada na pia, do sexo no chuveiro, teria um cara
pegando nos meus peitos enquanto mexia o brigadeiro na panela e
todas as deliciosas monotonias da vida doméstica. Eu assistiria a
desfiles de cuecas velhas e manchadas da primeira fila. Veria pau
murcho balançando, cofrinho peludo e ainda aproveitaria um
momento de descuido para dar uma mordida na bunda dele e uma
fungada no pau com cheiro de guardado em calça jeans no eterno
verão maranhense. Então reclamaria do cheiro e acrescentaria que
os pentelhos estavam tão grandes que ficavam grudando na
garganta. E ele devolveria dizendo que bem que eu podia depilar as
pernas. E depois daria pra ele do mesmo jeito. Uma vez antes de
sair pro trabalho, meia vez antes de dormir e outra meia vez quando
eu acordasse de madrugada e ele ainda estivesse vendo algum
documentário lixo sobre ETs. Voltaria a dormir antes de acabar.
Por mim, não teria nenhum problema em casar. Só não saberia
descasar, não sou muito boa em acabar as coisas. Deixaria nas
mãos dele, como sempre deixo. E seria dolorido, né? Então
começaria a repensar esse lance de casamento. Diria que não era
pra mim, sabe, me acostumo fácil, me apego demais. Repetiria isso
e assistiria a 500 dias com ela pra lembrar como é quando só um
gosta. Então sairia com mais gente que não pode ficar pra dormir,
que tem que estar na rodoviária até 10h da manhã, que tá com uns
projetos. Até encontrar outra pessoa que estaria com o dia livre, e o
seguinte também e, talvez, mais um.
Por mim, eu teria casado cinco vezes. Porque o primeiro, o
segundo e o terceiro só ficaram por três encontros. O quarto era
aquariano. E o quinto era o João. Já tô falando dele no passado.
Ontem, João disse que preferia dormir em casa. E eu fiquei com
esse domingo pra decidir se deixo logo ele pra lá e tomo a iniciativa
de acabar nosso lance ou se espero para ver ele se distanciar mais
a cada dia.
MATEUS

11
Pego na barra da camisa e me preparo para tirá-la de uma vez.
Sempre tiro rápido, como se não quisesse dar uma chance para a
insegurança aparecer. Será que ainda vai me achar bonita?, tento
evitar a pergunta e me seguro para não avisar que meu colesterol
aumentou. Ele me interrompe antes que eu comece. “Deixa eu tirar,
eu adoro tirar a tua roupa.” Respondo com um beijo demorado e
levanto os braços. Vai subindo a camisa devagar, comemorando
cada pedaço de pele revelado com beijos e cócegas causadas pela
barba. Quando termina, sentado na cama, me inspeciona. Não diz
nada por um tempo.
“Agora deixa eu ver se essa bunda tá durinha mesmo.”
Besta. Eu rio.
“Você é linda”, diz ao meu ouvido me abraçando.
“Eu sei”, respondo achando graça e dando um cheiro no seu
pescoço.
Ele me dá um tapinha na bunda para me punir por acabar com o
momento romântico, enquanto me pego sorrindo, aliviada. Me sinto
bonita mesmo.
Nem sempre era assim. Em geral, me sentia muito como uma
impostora, principalmente quando alguém dava a entender que eu
era segura de mim. Comecei a pensar isso outro dia quando tava no
carro e, pela milésima vez, coloquei The Weekend pra tocar. Quase
todas as músicas falavam de sexo. Acho que The Weekend tinha
música de transa para todos os gostos e que, se pá, tinha até uma
pras pessoas que têm tara com balão. Tava mergulhada no meu
pensamento costumeiro de como eu e o cantor devíamos encaixar
bem já que ele sempre descrevia coisas de que eu gostava muito,
quando começou a tocar uma música e fiquei hipnotizada ouvindo-o
cantar que ela [a mulher da letra] nunca se sentiria tão bonita, nunca
se sentiria tão linda, quanto quando ele a comesse. Oh when I make
it there, ele prometia no autofalante do celular.
Fiquei me perguntando por que alguém tinha achado importante
colocar aquilo na música e me questionei se tinha a ver com a
imagem que os caras faziam das mulheres como inseguras ou coisa
do tipo. Na real, talvez tivessem botado aqueles versos apenas pra
causar um efeito, podia ser uma parada meio vazia mesmo, só que
pensar nessa transa que faz a gente se sentir bonita, mexeu
comigo.
Me veio logo aquele olhar na mente, sabe? Todo mundo deve ter
tido uma experiência assim: de tirar a roupa e o olho do cara brilhar.
Lembrei de um que me marcou demais, porque não era só o olhar,
parecia que tava escrito “puta que pariu” na cara dele, como se não
desse pra acreditar que eu tinha, por escolha própria, decidido dar
pra ele. A surpresa do sujeito era tão grande que, na hora, até fiquei
em dúvida se tinha sido uma decisão boa mesmo. A transa,
infelizmente, foi bem esquecível, mas, quando lembro dele, consigo
ver de novo aquele olhar. O olhar de admiração é um ponto fraco do
ser humano, vai por mim.
Então, eu entendia bem o que era isso de um cara que te come e
que te faz sentir bonita. Sei lá, com o The Weekend podia ser tudo
mais profundo; ele podia ter lombrado com uma transa que vai
fundo no nosso bloqueio, uma foda que proporciona um vínculo, um
contato íntimo, aquela coisa de sentir que existe no outro e
descobrir uma beleza dentro da gente. Vai que foi isso que ele
pensou, né? Mas fiquei pensando em como eu, muitas vezes,
depositava na transa toda uma esperança de recuperar a
autoestima e me bateu a bad.
Minha vida sexual todinha passou pelos meus olhos. Ou a minha
vida mesmo, antes do sexo. Lembrei que, quando era virgem, não
imaginava como poderia deixar de ser. Tinha namorado, ou seja,
tinha a demanda, mas achava que ia ser complicado demais. O
mais engraçado era que, pra mim, o grande quebra-cabeça era a
hora de tirar a roupa. Tinha medo que ele descobrisse que eu não
era bonita. Eu achava que roupa, sutiã e calcinha não tinham o
objetivo de esconder o que poderia causar desejo, mas de esconder
o que era feio, sabe? Os pneus, as celulites, as estrias e todo o
combo imperfeição. Ainda assim, perdi a virgindade e poderia falar
que tudo se resolveu, mas não foi bem assim. Aquele meu
namorado me achar bonita não me falava nada da minha beleza;
pensava que ele não via problema no meu corpo porque me amava
e toda aquela história de amar o feio, ele parecer bonito e etc.
Quando o namoro acabou, tava convencida de que não rolaria
transa por muito tempo porque encontrar alguém que me amasse
não ia ser como encontrar promoção de meia vagabunda nas lojas
Americanas. E daí veio o cara com o olhar de admiração. Depois
mais alguns. Confesso que não era sempre que ficava encanada
com esse lance de me achar bonita, mas tinha uns dias em que era
difícil aturar minha cara no espelho. Se chegava um cara, me olhava
pelada e dizia “teu peito aumentou” ou qualquer outra merda do tipo,
era uma luta pra fingir que aquilo não significava que provavelmente
eu tinha ganhado uns quilos, em vez de só ficar feliz com meus
peitos maiores.
Mesmo assim, até os 24 anos, nunca parava pra refletir sobre
isso, porque eu achava que encanar com meu corpo era uma
besteira. Sei lá, tanta coisa pra encanar, né? Tinha coisas sérias
para resolver, como a falta de coragem pra ler Graça Infinita, do
Foster Wallace, fora o trampo e as coisas da vida real adulta que
começava a ter que enfrentar, tipo ligar pro atendimento da Net.
Então, nunca aceitei ver algum problema na forma como lidava com
a minha autoestima.
Até que conheci o Daniel. Um homão da porra como dizem hoje
em dia. E, descobri depois, a gente tinha um monte de coisa em
comum. Eu nunca fui boa com paquera e o Daniel não dava sinal
nenhum. Então, respirei fundo e disse pra mim mesma que ia sentar
e esperar por aquele homem. Esperei por três infinitos meses, até
que uns amigos fizeram uma festinha e a gente saiu do zero a zero.
“Tava querendo fazer isso há muito tempo”, ele disse depois que me
beijou. Por mim eu teria tirado a calcinha naquela varanda, naquele
exato momento. Que foda, eu pensava mal acreditando que
finalmente estava acontecendo. A gente ficou na pegação a noite
toda e, na hora em que todo mundo se despedia, fiquei esperando
ele me chamar pra casa dele. Nada.
Ficamos nessa por mais alguns encontros até que ele fez o
convite. Vou poupar os detalhes pra chegar logo na parte que
interessa. Depois de muita esfregação e beijo e chupada, a gente
tirou a roupa, ele colocou a camisinha e… broxou. “Não pensa
besteira, não é você, não sei o que tá acontecendo”, foi nessa noite
que ouvi pela primeira vez o clássico masculino pós-broxada. Fingi
que tudo bem e agi naturalmente com ele, conversamos a
madrugada inteira. Tentamos mais vezes e nunca rolou, mas
sempre nos divertíamos juntos. Eu tentava não pensar em
explicações praquilo até que, uma noite, passando pela praia de
carro, dei de cara com ele sentado em um barzinho ao lado de uma
mina que podia ser modelo. Aí doeu, doeu com direito a tomar um
miniporre e me jogar na piscina em uma festa em que mais ninguém
estava na água. E a minha conclusão brilhante foi a de que ele
broxou porque me achava feia, porque a minha cartela do padrão de
beleza nunca ia dar bingo. Às vezes eu tinha umas conclusões
geniais.
Foram meses sem sair com ninguém e mais um monte de tempo
pra aceitar que me sentir bonita era uma questão importante pra
mim. E não dava preu esperar que outros me ensinassem isso.
Outro dia tava conversando com uma amiga e ela me contava sobre
a época em que estava solteira e conseguia transar toda semana
com mais de um cara.
“Mas eu me sentia usada, sabe?”
“Vai se foder, Jéssica” – não consegui segurar – “Eu aceito essa
merda de se sentir usada de qualquer pessoa, menos de ti”. Ela era
meu maior orgulho em termos de mulher sexualmente empoderada
que sabia o que queria, não podia deixar que destruísse minhas
ilusões.
Jéssica riu.
“Tá, usada não, mas não tinha significado, entende?”
Respondi que não entendia.
Não sabia que significado as pessoas esperavam em uma foda,
sabe? Significado já era uma palavra errada, tinha a ver com uma
parte da linguagem que nem deveria estar no sexo, pra começo de
conversa. Imagina que louco se terminasse a parada lá e o cara
virasse pra mim: “mas o que você entendeu dessa transa?”. Daqui a
pouco criariam uma transa-ensaio até. Ficava imaginando o Godard
transando e a mina comentando:
“Naquele momento em que pedi pra você enfiar com força e você
começou a fazer movimentos circulares no meu clitóris com uma
mão e pressionou o meu pescoço com a outra, acho que finalmente
entendi o limite da linguagem. É o corpo, a morte, o real é
inapreensível”.
Tudo bem, sabia que não era disso que as pessoas falavam
quando se referiam a uma transa sem significado. Mas aí era que
tava. Qual significado esperavam?, vivia me perguntando. Não disse
para a minha amiga, mas a época em que ela estava solteira e
transava sempre era a mesma em que ela tentava esconder o
quanto estava com a autoestima baixa. E não era por causa das
transas. Na verdade, parecia exatamente o contrário. A autoestima
baixa era o motivo dela querer se afirmar como corpo desejável e as
transas pareciam “vazias” porque ela não conseguia sair daquelas
experiências com uma sensação permanente de que era bonita e
objeto de tesão. O outro legitimava tudo e ele precisava retornar pra
reafirmar aquilo. Essa era a minha teoria. Caramba, eu tava bem
profunda mesmo.
No meu caso, não sabia quando tinha conseguido melhorar isso,
mas sabia que tinha mudado um pouco, ainda que existessem uns
sinais aqui e ali me dizendo que precisava passar pelo teste
novamente. Ainda estremecia na hora de me despir, não sei se era
puro medo de uma rejeição ou se era porque, despida, corpo
exposto, o discurso encontrava seu limite. Não existia “você tem que
se amar”, “abaixo à ditadura da beleza” passava longe; no segundo
em que o fecho do sutiã se abria, minha relação com o meu corpo
estava escancarada. Tive que aprender a me sentir bem na minha
carne pra chegar até aqui.
Até aqui, com Mateus nos meus braços de novo, sentindo o
cheiro familiar da pele dele me inundar de alegria. O Natal ainda
nem estava perto, mas parecia que eu tinha ganhado presente
antecipado. Há uma semana estava assistindo ao desmonte
silencioso do meu rolo com João; há dois dias, Mateus tinha brotado
no meu Instagram, elogiando meu vídeo irônico de blogueirinha
fitness na academia e avisando que estava na cidade, com um
trecho de uma música do Talking Heads: “Why am I going out of my
head, whenever you’re around? The answer is obvious, love has
come to town”.
“Tava com saudades”, ele diz baixinho no meio da penetração.
Não sei se queria que eu ouvisse.
“Também tava”, deixo escapar entre gemidos e sinto o impacto
das duas palavras assim que termino de falar.
Ele me abraça apertado, quase com violência, como se
pudéssemos resolver tudo sem precisar de palavras. Constato que
uma pitada de ressentimento me deixa mesmo excitada. Será que
isso conta como sexo de reconciliação?
12
Acordei antes de Mateus, mas não consegui me levantar. A
cabeça parecia meu quarto quando eu deixava a bagunça ir
tomando todos os espaços. Precisava colocar cada pensamento no
lugar, mas não fazia ideia de como faria isso. Mateus roncou um
pouco mais alto ao meu lado e me fez encará-lo. Talvez precisasse
começar por ele.
Fazia quase dois anos de quando nos conhecemos e quase um
ano de quando seu sumiço tinha deixado de me afetar. Acho que
era bem mais boba antes, sabe, sei lá, tudo parecia muito intenso,
confuso, e até hoje me pergunto o que tinha a perder, por que não
tentei jogar a real pra ele. Foda-se, Vanessa, você não vai voltar pra
isso!, me proibi. Mas era muito estranho estar ao seu lado e não
achar que tinha voltado pro mesmo lugar. Tinha sido outra cama,
outra cidade, outra rua, a vista da janela era diferente, ainda assim...
“Parece que foi ontem”, me disse na noite passada, quando
argumentei que já estava na hora dele parar de me zoar pela noite
em que a gente se conheceu.
Não parece, senti uma pontada de tristeza, quer dizer, não
parecia até ontem. A frase e a forma com que me comeu me
deixavam em dúvida se ele queria que tudo significasse algo. Será
que Mateus queria apagar o ano que passamos separados sem que
nada tivesse realmente acontecido?, foi a pergunta com que acordei
hoje. Mas a pergunta mais importante já sabia: o que eu queria?
Só topei encontrar com ele porque achei que tinha tudo sob
controle. Que não haveria conversa ou transa perfeita que me
fizesse esquecer que aquele foi um cara que me abalou de verdade,
mas, no primeiro sorriso envergonhado que me deu, parecia que
tinha sido ontem, parecia que não tinha sido nada, e não era
verdade. Eu mesma nunca tinha sacado o que raios tinha
acontecido. Então talvez fosse isso, talvez só agora tivesse
percebido que não houve motivo pra se afastar e que, depois
daquele ano em que voltei pra São Luís, ainda dava pra sentir o frio
na barriga e lembrar do momento em que me conheceu e disse pra
si mesmo que ia me pegar.
Segurei o riso pra não acordá-lo. Aquela hipótese até eu tinha
dificuldade de aceitar. Acho que o melhor é conversar com ele
quando acordar, não fiquei um ano tentando superar esse cara pra
deixar ele ir embora sem me dar respostas, combinei comigo
mesma. Mas quando pensava em por qual pergunta deveria
começar, outra parte de mim dizia que tudo aquilo era inútil. Não
tinha me prometido que não significaria nada? Por que tentar
preencher todos os vazios – porque foram só vazios que deixou –
agora? Melhor que fique vazio, Vanessa.
Mateus acordou, me beijou de língua e ficou sorrindo da minha
agonia, eu tinha pânico de estar com bafo e ele sabia. Perguntei se
queria café e fiz menção de levantar para fugir de outros beijos
matinais, mas Mateus me segurou e escorregou na cama para me
chupar. Quando o prazer subiu pelo ventre e se aproximou da
garganta, de repente, tive medo do som que poderia sair de mim,
medo de que os gemidos escapassem como as perguntas que mal
conseguia conter. Contive o prazer, a dúvida e o medo no silêncio
até meu corpo inteiro me sacodir e me surpreender com um
orgasmo.
Mateus deitou em cima de mim satisfeito e me deu um selinho
molhado.
“Tudo bem?”, perguntou.
“Tudo”, respondi encarando o teto.
“Why so serious, gata?”
“É que fazia tempo que não gozava com oral...”, comentei.
“Ihh, acho que cê anda escolhendo meio errado os caras, viu?
Não tão com nada”, disse como se estivesse brincando, mas sem
conseguir esconder a satisfação. Mateus se levava tão a sério que
às vezes eu precisava fazer um esforço imenso pra não rir da cara
dele. Outras vezes só era um pé no saco mesmo.
Pensei no João e discordei mentalmente. Era foda comparar duas
pessoas, odiava isso, mas o comentário de Mateus meio que me
forçou àquilo. João era unanimidade, sabe, não tinha uma amiga
minha que tivesse coragem de dizer que ele não era gato e olha que
nem todo mundo curte um cara de cabeça raspada. Na real, eu
mesma sempre fui gamada em cabelo e barba, mas, quando se
tratava do João, isso não fazia a menor diferença, porque ele era
gostoso demais, vai tomar no cu, não conseguia nem pensar nele
sem me exaltar. Mateus era bonito e tinha uma altura difícil de
encontrar em São Luís, mas, bom, nunca foi padrão de beleza e, na
transa, era meio preguiçoso, nunca queria meter rápido, ficar por
cima por muito tempo ou tentar posições novas. Também goza mais
rápido.
Mas era só olhar pro sorriso bobo do Mateus que os cálculos
caíam por terra. Na verdade, nada disso era problema, sentia que a
nossa transa preguiçosa lavava a minha alma, sabe? Pra ser bem
sincera, às vezes ficava meio sem paciência quando João queria
transar porque sabia que ele não conseguia fazer isso sem ficar
louco e tentar me virar do avesso. Uma vez a gente transou depois
de jantar e quase morreu, eu juro. Mas o problema também nunca
foi o João; o lance era que o Mateus tinha esse negócio que me
dava uma vibe boa, que me fazia relaxar.
Ele voltou a me chupar para ver se conseguia me fazer gozar de
novo. “Ou se foi sorte de principiante”, brincou. Soltei um gemido
para avisar que estava gostoso e estranhei minha própria voz, me
calei. Foram três ou quatro minutos de silêncio, durante os quais a
língua de Mateus me amava de cima a baixo, em círculos, da
esquerda para a direita também. Não nos olhamos, estava perdida
dentro de mim mesma, não precisava que soubesse que sentia
prazer, não precisava arquear as costas pra lhe dar uma visão
melhor dos meus seios, foi só conforto até o novo orgasmo nos
sacodir.
“Tá de parabéns, hein?”, prendi a cabeça dele entre as minhas
pernas e brinquei.
“Idiota”, Mateus retrucou tentando se libertar.
13
“E essa transa? Quando é que rola de novo?”, Luísa leu em voz
alta. “É assim que ele te chama pra sair, Vanessa?”, perguntou com
uma cara assustada.
“É”, dou de ombros e tomo um gole de cerveja.
Naquela noite, Luísa tinha me chamado pra degustar umas
cervejas especiais e comer queijos caros do novo empório do seu
bairro. Era o único tipo de programa que a gente conseguia fazer
nos últimos tempos e gostávamos de dizer que era o início da
aceitação da nossa idade; apesar da brincadeira, eu mesma
continuava preocupada com a minha falta de vontade de sair de
casa. Quando tinha sido a última vez em que saí de casa sem ser
pra uma transa quase certa?, me peguei pensando ao receber o
convite dela.
“Na verdade, a mensagem chega a ser romântica”, completei e
observei Luísa quase se engasgar. “É que ele me mandou uma
quase igual logo depois do nosso primeiro encontro, ano passado”,
expliquei sem disfarçar que tava derretida.
“O Mateus foi aquele que tu só conheceu no Rio, né?”
Aham. A história do meu primeiro encontro com o Mateus era
uma das que quase nunca contava pra ninguém e era bem raro ter
algo da minha vida que ainda não tivesse contado e recontado mil
vezes. Mas, depois de ter ficado com Mateus pela primeira vez,
senti aquele medo de falar em voz alta antes de acontecer. Poderia
ser paixão, poderia ser amor, talvez desse certo de cara, talvez a
gente se complicasse, minha única certeza era de que era especial.
Tenho uma foto que a Luísa tirou no outro dia, em que estou
sentada numa escada, olhando séria pra câmera. Já me disseram
que é a minha foto mais bonita, mas tenho um pouco de dificuldade
de olhá-la e encontrar aquela certeza que tive, de que o Mateus era
especial pra mim, quer dizer, de que era mútuo. Porque o Mateus é
especial pra mim de qualquer jeito, já disse que ele é foda e aquele
primeiro encontro foi surreal. Nem se tivessem me contado o que ia
acontecer, eu teria acreditado. Parecia história de cinema mesmo,
sabe? Só que talvez não parecesse com o tipo de filme que a gente
imagina quando ouve “parece história de cinema”. O filme que a
nossa história me lembra, na verdade, é um filme alemão chamado
3 (Drei). Basicamente é a história de um casal que não parece muito
feliz. A mulher começa a dar mole prum cara e transa com ele
enquanto o marido, nesse meio tempo, descobre que tá com câncer
no testículo, tem que tirar uma das bolas e acaba recuperando a
confiança na sua virilidade com um cara do clube que pede pra
chupar o pau dele. Parece horrível, mas o filme é um dos meus
preferidos, talvez por um pequeno detalhe, que me lembra daquele
primeiro encontro com o Mateus.
Eu morava em São Paulo na época e a maior parte dos meus
amigos maranhenses iam pro Rio assistir a um show. Arrumei uma
desculpa e uma promoção de passagem aérea e me mandei pra lá.
Sempre ficava hospedada na casa de algum amigo quando viajo
assim, mas todos os maranhenses pareciam ter ido praquele show e
as pessoas que poderiam me receber já estavam hospedando
outros. Como a Luísa também ia e tinha decidido pagar uma
hospedagem, fiquei com ela em um hotel pequeno em Copacabana.
Um dia antes do show, os maranhenses decidiram se encontrar
em algum barzinho pra beber. Luísa estava por trás do combinado e
convenceu todo mundo de que o melhor lugar era Copacabana. Na
real, ela só não queria mais gastar dinheiro com táxi e uber ou
correr riscos desnecessários. Assim, sentamos num bar com o
nome de alguma marca de cerveja a duas quadras do nosso hotel.
Eu conhecia quase todos do grupo reunido, ainda que só de vista,
porque São Luís é um ovo, era o que a gente dizia antes de
descobrir o que é ser classe média, estudar em escola particular e
entrar numa universidade em um Estado com baixo IDH. Só o
Mateus era desconhecido e nem reparei direito nele até que Luísa
começou a me provocar preu contar como tinha passado uma
cantada em um cara na praia mais cedo.
“Que vacilão”, Mateus deixou escapar quando disse que o cara
tinha ficado assustado e ido embora. Fiquei meio envergonhada
com a interrupção, mas tentei disfarçar.
Depois de uma ou duas horas, algumas pessoas começaram a ir
embora e o pessoal na mesa foi se chegando até que me deparei
com Mateus, sorrindo, sentado ao meu lado. Ficamos conversando
sobre alguma banalidade e ele mandava bem demais nos
comentários. Esse cara é retardado, sempre me flagrava rindo.
“Gente, vamo pedir mais bebida?”, Luísa lançou a ideia na mesa.
“Vamos pedir outra coisa, cansei de chopp”, alguém disse.
“Eu encaro uma tequila”, adiantei.
“Ai, fala sério, tequila é coisa de gente fresca. Vamo tomar
cachaça!”, Mateus ordenou.
Eu e Luísa nos entreolhamos e reviramos os olhos internamente,
mas o pessoal da mesa já tinha aderido à ideia.
“Ah, não sei…”, comecei.
“Cachaça é bom, cê vai ver, é bom pra muitas coisas…”, Mateus
disse baixinho do meu lado.
“Ah é? Bom pra quê?”, ele tinha começado a insinuar putaria e
agora eu o desafiava a ir até o fim.
“Vai te deixar soltinha”, ele respondeu sem hesitar com um sorriso
safado.
“Você por acaso tá tentando me embebedar pra me pegar,
Mateus?”
“Tá louca?”, ele me olhou sério.
O garçom chegou com as doses de 51, limão e sal. Logo depois
de brindarmos e virarmos a bebida, Mateus disse no meu ouvido:
“Dizem que é bom pra dar o cu.”
Não sei em que momento a gente se beijou. Só lembro da Luísa
ter se engraçado com um dos meninos da mesa, que também tava
hospedado ali perto, e ter me dado a chave do nosso quarto.
Mateus sorria tanto que parecia que ia sair voando. Pensei em falar
que ainda nem tinha decidido se ia dar pra ele, mas, como se lesse
meus pensamentos, me beijou antes que eu abrisse a boca. “Vou
com você pro hotel”, anunciou. Respondi com o meu bom sorriso
“vai sonhando”. O álcool começou a bater pesado e decidi que
queria voltar pro hotel, também decidi que queria dar pro Mateus.
Pedimos a conta e fomos andando pelo calçadão, inalando o cheiro
copacabânico de maresia e mijo. No meio do caminho, olhamos
uma farmácia e Mateus me avisou que precisava comprar
camisinha. Ele pegou um pacote e continuou andando pelos
corredores da farmácia.
“Mateus, o caixa é ali na frente”, tentei ajudar.
“Calma, linda, eu sei que você quer muito me ver pelado, mas
acho melhor a gente garantir que não vai ser dolorido, né?”, disse e
me deu uma piscadinha. Quando entendi o que tava insinuando,
não sabia se caía na gargalhada ou se ficava zangada. Fiquei
olhando aquele cara meio desengonçado, mas bonito, se dirigir ao
caixa com o pacote de camisinha e uns sachês de KY, enquanto me
decidia se ele era muito engraçado ou só meio babaca mesmo.
Sabe quando o cara é tão babaca que você não acredita que pode
ser verdade e daí acha que ele é, na verdade, irônico? Pensando
bem, acho que tento limpar demais a barra dos caras. Mas ou é isso
ou ficar sem transar um tempão, não?
Quando chegamos ao quarto, Mateus me prensou na parede e
começou a me agarrar com vontade. No meio de um beijo, minha
cabeça começou a rodar. Pedi pra ele parar um pouco e me sentei
na cama. “Que foi?”
“Acho que bebi demais”, respondi triste.
“Sério? Mas tava vendo o tanto que você tava bebendo e não foi
muito”, ele tentou me tranquilizar.
“É que sou fraca.”
“Cê tá com vontade de vomitar? Cê quer deitar um pouco? Vou
pegar água pra você”, Mateus ficou andando pelo quarto
preocupado enquanto eu tirava o tênis e me jogava na cama.
“Acho que tô mal mesmo, cara”, anunciei. “Desculpa, mas acho
que não vou conseguir transar de boa assim.”
“Tá ficando louca? Não se preocupa com isso. Eu fico aqui
contigo, amanhã a gente faz essas coisas”, disse deitando ao meu
lado e me dando um selinho.
Não lembro quanto tempo ficamos deitados conversando, mas
lembro de ter olhado pra ele e dito “tudo bem, acho que a gente
pode transar um pouco”. Mateus sorriu e, em menos de um minuto,
tava só de cueca em cima de mim.
“Claro que eu sabia que ia rolar”, se gabou.
Quando entrou em mim, a cabeça voltou a rodar, mas dessa vez
a sensação não era ruim, era incrível. Perdi a noção do tempo que
passamos transando quando, finalmente, me pediu pra comer o cu.
Eu tava alucinada de tesão, mas, antes de responder, me senti
muito sóbria e comecei a ponderar; o pau era grosso, mais grosso
do que eu tinha arriscado nas minhas raras experiências anais, e
que horas eu tinha cagado mesmo? Antes de ir ao bar, lembrei
aliviada. Ainda assim, Mateus era praticamente um estranho, e se
não quisesse respeitar meus limites? Ensaiei o não mentalmente,
quando ele lubrificou o dedão com cuspe e massageou meu ânus.
“Eu deixo”, respondi sem pensar mais em nada, “mas tem que ser
de ladinho. Só consigo de ladinho, fico meio tensa de quatro”,
confessei.
Mateus sorriu (“Como quiser, Madame”) e se deitou na cama
atrás de mim depois de encher o pau de lubrificante e espalhar com
a mão também no meu cu. “Ainda nem acredito que isso tá
acontecendo”, sussurrou ao meu ouvido enquanto ia delicadamente
tentando abrir espaço no meu cu com o pau. Quando conseguiu
enfiar tudo, respiramos em alívio e êxtase. Ele começou a me
masturbar ao mesmo tempo que estocava meu cu. Lembro de ter
pensado que nunca tinha sido tão gostoso, realmente estava mais
fácil, me sentia... soltinha. Logo mudamos pra posição de quatro e,
quando constatei que a cachaça realmente tinha feito efeito, criei
coragem pra pedir algo que desejava desde o dia em que assisti ao
filme 3 (Drei).
“Come meu cu tipo papai e mamãe?”, pedi. Só mais tarde
descobri que o nome da posição era missionário, mas, felizmente,
Mateus sacou do que eu tava falando. Na real, na hora achei que
ele tava demorando pra processar porque ficou meio paralisado,
sem saber o que fazer. Foi então que conseguiu dizer:
“Caralho, sempre quis fazer isso!”
Deitou-me na cama e ficou de joelhos acima de mim. Foi
levantando minhas pernas com cerimônia até fazer o meu quadril
também se inclinar, segurou o pau e se deteve por alguns instantes
encarando o meu cu. Então se enfiou dentro de mim mais uma vez
e me comeu olhando nos olhos.
“Vanessa, eu tô apaixonado!”, disse fazendo uma careta de
prazer, um olho fechado, o outro aberto, a boca meio torta pro lado
esquerdo.
“Eu também”, respondi com os olhos marejados. Sempre soube
que tinha vocação pra chorona, só não sei se ali foi o sexo ou o
álcool. De toda forma, essa foi uma das cenas mais lindas da minha
vida.
Coloquei o despertador para acordar a tempo do café da manhã
do hotel, Mateus acordou junto e disse que achava melhor ir pra
casa já que eu e Luísa tínhamos planos para o dia. Logo que dei a
primeira mordida no pão, meu cérebro caiu em si. Caramba, acho
que não posso nem soltar um peido hoje. No mesmo momento, meu
celular acusou uma notificação do Mateus:
“E esse cu? Quando é que rola de novo?”.
Quase engasguei. Caralho, esse homem é louco!
“Hoje não, calma lá.”
“Eita, ele tá de ressaca assim?”
14
Nunca tinha ouvido falar que cu ficava de ressaca, mas, depois
daquele dia, achei que não podia existir uma analogia melhor. Na
hora foi tudo muito bom, muito fácil, tava tudo soltinho, funcionou
mesmo o lance da cachaça, sabe? Mas lembro de que essa
sensação de que estava tudo solto durou o dia inteiro. Tinha a
impressão de que se tivesse uma dor de barriga, a parada ia
simplesmente escorregar pra fora de mim. Luísa ainda inventou de
almoçar feijoada num restaurante na Floresta da Tijuca. “Pô, sábado
no Rio de Janeiro, tem que ser feijoada!”, até hoje me lembro dela
falando, eu suando frio. Nunca tinha dado o cu assim, na real,
sempre tinha sido uma coisinha rápida. Naquele dia, a gente perdeu
a noção do tempo, só soube quando caiu a ficha de que o cu tava
mesmo de ressaca. É engraçado ninguém nunca falar disso, nem os
amigos gays que gostam de contar detalhes. Lembro que o Arthur,
uma vez, disse que saiu com um cara com o pau da grossura de
uma latinha e que no outro dia não conseguia sentar. É a única
recordação que tenho de alguém mencionando alguma dor e esse
exemplo nem vale, porque a ressaca do cu não tem nada a ver com
conseguir sentar ou não. Sentar era a única coisa que me fazia
esquecer do cu, na verdade. Acho que o mais perturbador do sexo
anal é isso: depois, você fica sentindo o seu cu o tempo todo, como
se ele tivesse querendo te avisar que tá chegando a hora de ir ao
banheiro, mas não é verdade. Só nesse dia descobri que antes não
sentia ele, quer dizer, contraindo sentia, mas quem anda por aí
contraindo o cu? Vai por mim, ignorar o cu é uma benção.
A ressaca durou só um dia, mas um dia sofrido tentando não
pensar na feijoada e não ficar preocupada. Nunca tinha sentido
nada parecido, então, tava morrendo de medo de ter dado algo
errado. Será que alguém desenvolvia hemorroida assim? Só não
joguei a pergunta na busca do Google porque tava com vergonha de
ficar com isso salvo no celular. No outro dia, fiquei me perguntando
por que ninguém falava sobre isso. Teria sido tão mais tranquilo não
ter passado o dia inteiro com o cu na mão. Mas isso não é só com o
anal, ninguém nunca fala nada sobre dor depois de transar. Aliás,
ninguém nunca fala nada prático, né? Não sei quanto tempo já fiquei
em bar ouvindo minhas amigas falarem sobre os maiores paus ou
os mais grossos que já viram de pertinho. Gosto das conversas, na
real, é engraçado ouvir todas as histórias, como se conheceram,
como paqueraram, de que jeito foram transar, onde e,
principalmente, que cara fizeram quando viram o catramolho do
cara. Catramolho é uma palavra que a gente só usa para paus
especiais, porque quando você vai pronunciando as sílabas ca-tra-
mo-lho já dá uma ideia da dimensão do troço. E toda garota já fez
uma cara ou teve uma epifania quando se deparou com um, é essa
história que minhas amigas contam. Só contam as partes divertidas
ou abreviam demais as partes ruins – “a gente tentou de quatro mas
não rolou” – como se fosse sempre simples assim. Na verdade, não
sei por que até hoje a gente fala de pau grande como se fosse uma
vantagem, uma espécie de carta na manga pra deixar as amigas
com inveja.
Na noite de cervejas especiais da Luísa, assim que as meninas
chegaram, a conversa não foi diferente. Rita começou o assunto,
falando do cara que tava pegando. Jéssica emendou um “saudades
do Paulo” que fez todo mundo cair na risada. Era muito bom falar
dos homens assim, dava uma sensação de que a gente não era
vulnerável, que a gente escolhia. Uma vingancinha boba contra a
liberdade que os homens sempre tiveram, sabe? A única regra era
não falar de marido ou namorado, ninguém mencionava essa regra,
mas a gente se dava conta disso instintivamente. Fiquei pensando
nessas coisas até Jéssica me chamar pra conversa. Ela me
perguntou sobre um cara com quem saí uma só vez, que lembrava
o novo peguete da Rita. Conferi a foto dele no celular e confirmei
que não era a mesma pessoa.
“Mas o que aconteceu com esse boy? Ele é tão lindo, miga.”
Concordei que ele era bonito, fazendo pouco caso. Mas logo
emendei: “também foi o maior pau que já vi na vida”, como se fosse
vantagem e, imediatamente, me senti uma farsante.
“Olha, quem diria! Nunca ia adivinhar que ele tinha esse dote
todo.”
O boy era bem branco, daqueles que a barba crescia ruiva, e
magro, mais pra magro que pra sarado. Achei graça do comentário
de Jéssica porque mostrava bem como a gente criava uns
estereótipos irreais pra pau grande. Quem diria que não seria um
negão, né?
“Ele tinha mesmo”, disse e fiz uma careta. “Na real, foi uma
transa bem ruim”, as meninas me olharam surpresas. “Fiquei
machucada, sabe? Na hora que ele saiu de mim, a camisinha tava
toda ensanguentada.”
As meninas ficaram constrangidas, disfarçaram, deram o assunto
por encerrado. Também não quis dar mais detalhes daquele dia,
mas me chateou que fosse sempre cada uma por si, com as suas
dúvidas e as suas experiências ruins. Como se falar que sentiu dor
fosse algo que tornasse a gente anormal. Desde que comecei a
transar, sempre tive medo de fazer algum comentário que desse a
entender que tinha alguma IST. Terminei de contar a história do cara
que me machucou e me perguntei se elas estavam pensando que
sangrar assim não era normal ou se estavam pensando nas
doenças que podia ter pegado nesse dia. Deixa de ser paranoica,
Vanessa!, tomei um gole de cerveja.
Rita e Jéssica conversavam algo entre si, Luísa e Marcela tinham
levantado pra pegar mais cerveja e Mari se aproximou de mim.
“Depois cê ficou sentindo uma dor tipo cólica?”, me perguntou
sorrindo.
“Oi?”, demorei a entender do que ela falava até lembrar da
história que tinha contado há pouco. “Nossa, fiquei! Na verdade,
achei que era cólica mesmo”, confessei.
Mari caiu na gargalhada. “Não, Vanis, é que ele era um jumento
mesmo”, continuou rindo. “Tô rindo, mas é horrível, já passei por
isso demais com o meu ex, na época ficava achando que o
problema era comigo, que devia ser sensível demais.”
“Se for por isso também sou”, comentei.
“Cê também tem uma sensação de que o boy te rasgou, às
vezes?”.
“Ixi, já vou fazer xixi pós-transa de olhos fechados esperando o
ardido”, caímos na gargalhada. Mulher só se fode.
Fiquei pensativa por um momento, mas criei coragem para falar.
“Tem uma coisa do pós-transa que eu curto.”
“O quê?”
“Aquela sensação da perereca pulsando no outro dia, já sentiu?
Como se o sangue estivesse circulando mais intensamente por lá”,
disse rindo.
As meninas assentiram com a cabeça. “Tá transando bem, hein,
miga?”, Jéssica me provocou.
Tomei um gole do copo de cerveja que tinham acabado de
completar e pensei com carinho no pau grosso do Mateus. Luísa me
lançou um olhar de impaciência, como quem dizia de novo não,
Vanessa.
15
Não consigo parar de pensar no Mateus e no dia em que a gente
se conheceu. Às vezes parece que tô flutuando, sinto isso enquanto
dirijo pela Avenida Litorânea a caminho do trabalho. Quase passo
por dois pardais acima do limite de velocidade. Os limites de
velocidade deveriam dar um desconto. Desde que o João se afastou
ou antes, quando as coisas começaram a esfriar mesmo, tinha a
sensação de que só me arrastava. Nasci aqui, mas me sinto cada
vez mais sozinha, principalmente nesse caminho pro trabalho, rumo
às oito horas diárias de esvaziamento. Não sei se já disse que odeio
meu trabalho, mas deixa pra lá. Nessa semana, o mar não tá com a
cor marrom de sempre. Ontem, quando descia a ladeira da
Holandeses até a praia, vi uma faixa de mar bem esverdeada. Até o
mar tá mais bonito depois que Mateus reapareceu. Todo dia fico
com um olho no trânsito e outro no calçadão, vai que ele passa
correndo. Abaixo o vidro, desligo o ar condicionado, sinto o cheiro
da maresia e canto Medo Bobo com Maiara e Maraísa. Mateus nem
imagina que foi essa a música que escolhi pro nosso reencontro.
Gosto dela e acho que quase tudo cai como uma luva, tirando uma
coisinha aqui e outra ali. No meu trecho preferido, a personagem da
música canta que não era só mais uma loucura da sua cabeça.
Sinto que tô flutuando de alívio.
Quando Mateus se afastou de mim, o mais difícil foi engolir o
orgulho e admitir que só podia ter sido loucura da minha cabeça
sim. Tive que me convencer de que não foi especial, que não existiu
conexão diferente, nunca foi recíproco, afinal, quis parar de me ver
sem se dar ao trabalho de me explicar o porquê. Depois de um ano
e alguns casos que nunca me fizeram sentir o mesmo, sempre que
pensava nele, ainda precisava repetir para mim mesma que não
valia a pena voltar a pensar naquele mês – e foi só um mês – em
que estivemos juntos. Agora, alívio resumia tudo, alívio e um pouco
de orgulho também, pra falar a verdade. Eu gosto de estar certa. Ele
voltou, tinha sido especial, então.
Não consigo parar de pensar no que a gente pode fazer junto, no
que a gente pode repetir, principalmente. Nem acredito que tô há
tanto tempo sem dar o cu! O foda de sexo anal é que nunca
consegui desenrolar isso muito bem em relações casuais. A primeira
vez que aconteceu foi com um namorado. Quando comecei a
transar, na real, achei que cu era um lugar que nunca ia querer
explorar, só associava com dor. Tinha pra mim que precisava ter tido
algum sinal de que ia gostar antes, tipo uma amiga que me contou
que adorava cagar, sabe? Eu nunca adorei isso, sei lá, só era uma
coisa que acontecia. Foi preciso meu namorado passar um dedinho
por ali e massagear com jeitinho preu descobrir que podia rolar.
Esse foi o primeiro passo, mas só consegui levar isso pra frente
depois de ter resolvido duas questões. Acontece que, ainda que
pudesse ser prazeroso de alguma forma, tinha medo de que a dor
prevalecesse e não tinha nada no mundo que me convencesse a
tirar a prova. O teste foi um acidente.
A gente ia mudar de posição, ele pediu preu ficar de lado. Eu,
completamente molhada, sentia as coxas grudando com o líquido
que tinha escorrido pras pernas. Ele gostava de passar a mão na
minha buceta e me masturbar um pouco sempre que a gente
mudava de posição. Era o jeito dele checar se eu ainda tava bem
lubrificada. Depois disso vinha sempre uma piadinha, vivo falando
disso. Já aguardava pela mão dele e pela piada. “Amor, a gente vai
ter que chamar um encanador, acho que tem um vazamento aqui.”
“Idiota”, eu replicava rindo. “Gostosa”, ele respondia encaixando o
pau na minha buceta. Naquele dia foi igual, ele passou a mão, fez
uma piada qualquer sobre meu excesso de lubrificação e encaixou o
pau. Não sei se escorregou ou se foi ele que encaixou errado de
propósito. Esperei a sensação familiar do pau se acomodando
dentro de mim, mas quanto mais ele avançava, menos familiar me
parecia. Contraí o corpo quando caiu a ficha do que tava
acontecendo e tentei formular uma frase para avisá-lo quando a
penetração foi interrompida. Desencaixou o pau do meu cu e me
abraçou, pedindo desculpas e perguntando por que não avisei.
“Acho que não entendi o que tava acontecendo”, disse. Foi uma
descoberta feliz pra nós dois.
Depois que a dor deixou de ser a maior preocupação, outra
questão ganhou proporção: dar o cu requeria planejamento. Não
dava pra simplesmente iniciar uma transa e, no meio, o boy soltar
um “vamos fazer uma coisa diferente hoje?” como acontecia nos
filmes. E se eu passasse um cheque ou, pior, se desse vontade de
cagar mesmo, pra valer, real e oficial? Sabia que fazer chuca era
uma possibilidade, mas até isso me parecia um problema. Como é
que eu jogaria um jato de água no meu cu? Qual era a forma mais
prática, tranquila e limpinha? Será que não ia dar algum problema,
sei lá, era difícil confiar na qualidade da água da Caema. Tive que
abrir o jogo com o meu namorado, disse que não tinha coragem de
fazer chuca, mas que podíamos tentar em um dia que eu tivesse ido
ao banheiro direitinho. Isso é o básico, descobri num vídeo do
YouTube, tem que ter cagado no dia se quiser dar o cu. Esperamos
o meu intestino estar bem regular e decidimos encarar. Foi
esquisito, é esquisito, na real, mas um esquisito gostoso. E foi bem
bonito, também, porque tive que confiar muito nele naquele dia.
Combinamos que se eu sentisse dor, ele ia parar. E isso aconteceu
algumas vezes naquele dia, não por causa de dor mesmo, mas por
insegurança. É difícil colocar algo no seu cu, depois de passar a
vida toda colocando pra fora. Dá tela azul no cu no começo, acho. O
foda mesmo é isso, parece que o corpo não sabe identificar outra
sensação que não seja dor de barriga, mas precisa avisar que tá
rolando alguma coisa.
“Não tá bom, amor?”, ele perguntou quando fiquei parada demais.
“Não sei, mas continua”, respondi sem ter coragem de dizer que
não sabia se o que sentia era dor de barriga ou prazer.
O namoro não durou muito mais para que pudéssemos ir além de
poucas experiências anais. Então, veio o Mateus, como uma
confirmação de que eu curtia aquilo. E depois mais nada. Às vezes
eu até jogava a ideia, joguei pro João, por exemplo. Ele nunca
encostava ali, mas a gente já tava saindo há algum tempo, achava
que tinha intimidade suficiente pra rolar. Fiz a proposta, ele pareceu
animado, disse que a gente podia tentar sim, mas deu pra trás
quando falei do meu medo de chuca. Acho que não tava disposto a
correr o risco de dar merda. E ele não foi o primeiro a dar pra trás.
Acho foda que todo mundo vive falando sobre como héteros são
aficionados em cu ou sobre como o pornô mainstream criou esse
fetiche do anal, só que, na hora H, os caras só querem cu se for
depilado, limpinho, seguro, de quatro. Esse lance da posição é outra
coisa. Dar o cu de ladinho sempre foi mais confortável pra mim,
quase nunca rolou legal de quatro, infelizmente só descobri na
prática.
Por isso tô sem dar o cu há tanto tempo. Às vezes não dá pra
sacar se o cara vai querer, se vai saber fazer ou se vai aceitar os
meus limites. Pra perceber tudo isso, sinto que é preciso de um
pouco mais de intimidade e a maior parte dos homens só quer ficar
por três encontros. No mundo do sexo casual é proibido completar
um mês.
Mas agora o Mateus voltou, já disse que não paro de pensar
nisso, e só sinto euforia, alívio e vontade de dar o cu. Tô até
cogitando fazer chuca.
16
Depois que me enviou a mensagem perguntando quando
sairíamos de novo, Mateus ficou repentinamente muito ocupado.
Isso me deixou muito irritada, confesso, mas tava tentando não
encanar muito. Principalmente porque todas as explicações que ele
me dava eram meio justas. Estava na cidade há poucos dias, depois
de quase um ano sem visitar a casa dos pais, a mãe queria que ele
fosse com ela para o interior do Maranhão, visitar alguns parentes, e
o pai queria passar uns dias em Barreirinhas. Eu sabia que Mateus
adorava tudo aquilo, especialmente, ter uma desculpa pra ficar só
na manha, de sunga o dia inteiro, numa paisagem paradisíaca.
Conseguia perceber racionalmente que era normal estar ocupado e
tendo esse momento de lazer com a família, mas não conseguia
deixar de ficar aflita com a falta de demonstração de interesse em
mim.
Logo depois que nos vimos, ele começou a me bombardear com
gifs bobos e links sobre coisas que tinha mencionado e eu ainda
não conhecia. Também tinha me mandado um vídeo, pelo Snapchat,
em que se filmou tomando banho, supostamente um vídeo para me
seduzir. Eu respondia tudo com ironia ou fazendo alguma piada com
a cara dele. Ele reclamava de volta, mas eu não conseguia deixar
de implicar com as pessoas de que gostava muito. Acho que era o
meu jeito de não querer entregar que sou louca por ele. Mas, com
Mateus, sempre acontecia uma coisa no mínimo estranha, que me
deixava puta da vida. Ele gostava de falar, sobretudo, dele e das
coisas que tava fazendo, escrevendo ou planejando. Eram assuntos
que, em geral, me interessavam também ou que ele conseguia me
convencer de que eram interessantes. Só me incomodava quando
eu tentava mudar o foco da discussão ou, ainda, quando tentava
puxar conversa primeiro. Nessas ocasiões, Mateus costumava ser
monossilábico ou demorar horas pra me responder.
Formava um contraponto interessante com João. Eu e João
conseguíamos passar horas trocando mensagens no celular, no
entanto, pessoalmente, parecíamos ter menos assunto. Quando não
estávamos transando, saíamos pra comer ou procurávamos alguma
coisa pra ver na Netflix. Com Mateus, era o contrário.
Pessoalmente, a gente não conseguia calar a boca e parar de
implicar um com o outro, mas, pelo celular, era horrível disputar o
controle dos assuntos com ele. Mateus sabia ser bem babaca e isso
me deixava aterrorizada. Parecia que tudo o que tinha acontecido
da primeira vez já começava a se repetir. Tentava repassar o
momento em que ele disse que era como se a gente tivesse se
conhecido ontem e, principalmente, o momento em que perguntou
se eu não queria passar um fim de semana com ele, só nós dois,
em algum lugar, no próximo feriado.
Não tem por que se preocupar, Vanessa!, repeti pra mim mesma
tentando me acalmar e finalmente começar a escrever os releases
que a chefe tinha pedido.
Dei uma checada no Twitter enquanto não me ocorria um jeito
mais criativo para iniciar o texto e vi uma interação entre João e a
Mina do Twitter, a menina que eu sempre implicava que dava em
cima dele. Pela interação, eles estavam se pegando, mais que isso,
se pegando sério. Tão rápido? Empalideci na frente do computador,
me sentindo a mulher mais patética do mundo. Como eu podia
sofrer logo por dois boys que não me davam condição?
Fechei a aba da rede social e procurei pensamentos que
pudessem me acalmar. Talvez a minha aflição com Mateus não
tivesse a ver com o que ele estava realmente fazendo ou deixando
de fazer. O que me afligia era aquela sensação de estar
acumulando rejeições, sem sentir que estava chegando a algum
lugar. Quase não me reconheço, transar era tão mais fácil antes.

Faz cinco anos. Foi na época em que saí com Ele, o cara que
não gosto de falar o nome. Tinha acabado um namoro longo e não
fazia ideia se conseguiria transar com alguém que conhecesse há
pouco tempo, porém me sentia disposta a tentar. Foi um amigo em
comum que nos apresentou, em um bar de São Paulo, quando eu
tinha acabado de me mudar. Ele me deu um beijo demorado na
bochecha e ficou me lançando olhares do outro lado da mesa a
noite inteira. Me senti lisonjeada com o flerte, não era o meu tipo
físico preferido, mas, mesmo antes que Arthur se virasse pra mim e
me mandasse correr, eu já sabia que era cilada e estava adorando.
Durante cinco anos de namoro, sempre me tomaram como uma
garota exemplar ou, pior, como extremamente puritana. Só quando
tudo acabou, minhas amigas souberam que, afinal, eu e meu
namorado tínhamos relações sexuais frequentes. Ainda consigo
lembrar da cara delas, de Marcela confessando “eu nunca ia
desconfiar!” e de Jéssica falando “meu deus, não, não tô pronta pra
te imaginar como um corpo sexual”. Luísa foi a única que ficou
calada e deu de ombros. Acho que ela já me imaginava como um
corpo sexual antes mesmo do início desse namoro. “É foda ser
bissexual”, ela gostava de dizer e me lançar uns olhares sugestivos,
que, no fundo, eu não sabia dizer se eram irônicos ou não.
Fico mais verborrágica que o normal quando o assunto é namoro
e sexo heterossexual. Sou grata ao Pedro, esse meu primeiro
namorado, por muita coisa. Outro dia mesmo li uma matéria que
falava de uma pesquisa não sei das quantas, que concluiu que
havia uma relação entre uma boa primeira vez e o restante da vida
sexual das pessoas. Depois que li isso, até cogitei mandar uma
cesta de café da manhã pra ele, com um cartãozinho.
“Obrigada por ter me comido naquela tarde mesmo que eu não
parasse de chorar e reclamar que doía demais. Você me garantiu
uma primeira vez planejada com uma pessoa que eu amava e
confiava e os cientistas estão alegando que isso é muito importante.
Obrigada mesmo, eu não sei se teria coragem de foder uma pessoa
chorando.”
Não tô brincando, sou 200% consciente do meu privilégio de ter
tido essa experiência com ele. No entanto, quando começamos as
nossas relações, descobri que não sabia absolutamente nada sobre
isso. Pra ser sincera, não gosto de lembrar desse começo. Culpo a
minha criação cristã até hoje.
Naquele dia do bar em que Ele flertava comigo, eu ainda não
estava tão distante da garotinha comportada que todo mundo
conhecia. Mas uma conspiração do universo fez com que eu
estivesse tendo o meu primeiro momento “subindo pelas paredes”
da vida na hora em que conheci Ele. E, pro que eu queria, ele era
perfeito.
Homens com fama de cafajestes me atraíam, talvez, ainda
atraiam. Só que não tinha nada a ver com a vontade de mudar o
cara ou de querer me sentir mais poderosa que outras mulheres
caso conseguisse a exclusividade dele. O que me seduzia era a
experiência, que n’Ele sobrava e em mim faltava. Pelo menos, era o
que acreditava na época. Pensando bem, acho que passei boa
parte desses primeiros anos esperando encontrar um homem que
tirasse todas as minhas dúvidas. Não preciso dizer que ninguém me
deu isso. O que Ele me deu foi trabalho, quero dizer, me fez
perceber que eu mesma tinha que buscar o que queria. Descobri
algumas coisas com Ele, mas o que fui obrigada a aprender mais
rápido foi que ele não estava disponível pro meu desejo, só eu pro
dele. Meus amigos perguntavam por que me mantinha disponível
então, eu respondia: “é cômodo, é descomplicado e já sei que vai
ser bom” (na época, ainda me satisfazia sem esforço). Permaneci
na minha preguiça por alguns meses até conhecer outra pessoa.
Era quase uma repetição dos mesmos passos. Um amigo nos
apresentou em uma balada, ele tinha fama de pegar geral, eu não vi
problema em fazer parte das estatísticas. Mas enquanto o primeiro
encarnava o boy lixo, daqueles que acham que mulheres gamam
quando não são bem tratadas, o segundo conseguia ser o cara mais
doce do mundo. Com ele aprendi que não dava para confundir mãos
dadas e passeios em sorveterias com intenção de relacionamento.
Enquanto um novo mundo de corpos, ritmos, tamanhos e larguras
se abria pra mim, Ele sentiu o laço se desfazendo. Não sei se
chegou a me ver descendo a rua Augusta de mãos dadas com
Jonas ou se apenas sentiu o cheiro. Gosto de acreditar que homem
sente o cheiro de outro. O resultado foi que sua agenda voltou a se
abrir pra mim. Pensei em mandar se foder, mas, sabe, eu meio que
sentia falta das palmadas e do ritmo frenético de meter, gostava de
descrever a foda dele como britadeira.
Cheguei na sua casa com um sorriso malicioso e emendei um
beijo na boca. Ele sorriu aliviado, imaginei que tinha estado com
medo de que eu estivesse na defensiva. Foi então que algo inédito
aconteceu.
“Tenho um presente pra você”, disse caminhando até a cozinha.
“Uhh… um presente, é?”, tentei fazer pouco caso.
“Achei o refrigerante do Maranhão na Liberdade e trouxe pra ti.
Lembra que a gente conversou sobre isso?”, Ele voltou com uma
latinha de Guaraná Jesus e dois copos.
“Você também gosta?”, perguntei curiosa com os copos.
“Nunca tomei. Tava esperando você pra experimentar”,
respondeu nos servindo. “Deixa eu ver se você vai perder seu posto
de maranhense mais gostosa pra essa bebida”, me desafiou com
olhar predador.
Adorava quando fazia aquela cara. Às vezes até pensava que Ele
não era realmente bonito, mas aquele olhar sempre me deixava
balançada. Tomei um gole do refrigerante pra segurar o comentário,
mas assim que desceu pela garganta me peguei falando:
“Você nunca me elogia. Que milagre é esse?”, fiz minha cara de
desconfiada.
Ele deu de ombros. “Não achei que precisasse elogiar”, disse.
“Você é perfeita.”
Deixei a boca abrir de tão incrédula. Tinha algo naquele “perfeita”
que me incomodou imediatamente. A princípio, achei que tinha sido
a forma como disse, não parecia um elogio, pelo contrário, parecia
uma crítica. Ele estava sendo sarcástico? A ideia da perfeição
também me entristeceu de uma forma inesperada. Acho que, de
alguma maneira, alimentava a ideia de que não estivesse sempre
disponível pra mim porque eu não correspondia às suas
expectativas sobre o corpo feminino desejável, não estava pronta
pra considerar que o problema pudesse estar em outro lugar. Será
que me acha burra?, lembro de ter me ocorrido. Só muito mais tarde
parei de tentar encontrar as justificativas para os relacionamentos
falhados em mim mesma. Quer dizer, pelo menos acho que não
faço mais isso.
O refrigerante não foi a única coisa inédita que aconteceu
naquele dia. Ele parecia muito mais excitado que de costume. Aliás,
isso era uma coisa que tinha descoberto com Ele: nem todos os
homens se excitam com a mesma facilidade. Meu parceiro anterior
me dava a impressão de que só era preciso passar a mão de
qualquer jeito pro pau ficar duro, o oral também não parecia
desafiador, eu tinha sucesso 10 entre cada 10 vezes. Ele me dava
mais trabalho, mas era um trabalho gostoso porque não sentia que
poderia ser a boca de qualquer mulher em vez da minha. Ainda
assim, nunca conseguia fazê-lo gozar com oral e Ele sempre me
explicava que era porque precisava de muita velocidade na mão e
nenhuma garota conseguia pegar seu ritmo.
Transamos muito gostoso no dia e enquanto eu tentava rebolar
um pouco mais em cima dele, ficava repetindo: “O que deu em
você?”. Eu sussurrava “saudades” entre um gemido e outro. A
transa com ele sempre acontecia em dois atos. Transávamos por
um tempo e parávamos para descansar um pouco antes de
tentarmos finalizar. Demorávamos muito pra gozar, mas enquanto
eu me esforçava pra esperar a hora dele, Ele quase nunca me
chupava, tampouco tentava me masturbar até o fim e, já que gozar
com penetração estava mais pra conto de fadas na minha vida, eu
me contentava com o prazer do meio e não com o do fim. Não
consigo lembrar disso sem me sentir otária. Hoje não sei se
aceitaria transar com alguém que não estivesse disposto a me
chupar, só não sei dizer se isso se deve ao fato de não ter
encontrado tantos caras que metessem como ele ou se mudei ao
ponto de não conseguir chegar no mesmo grau de excitação com
esse tipo de transa.
Naquele dia, enquanto descansávamos, Ele afirmou que eu
estava diferente. Soube na hora que ele já tinha descoberto sobre
os meus encontros com Jonas e pensei em comentar. Mas não
havia nenhuma relação entre o que tava acontecendo na cama dele
e os meus encontros com o outro. Jonas era muito mais contido na
cama, era mais bonito, tinha um corpo lindo e uma mania de ficar
repetindo “chupa meu pau” quando eu já tava chupando, também
respondia com mais facilidade aos meus truques com a língua, nada
além disso. Voltei a repetir que era impressão, só tava muito
excitada.
“Não sei não”, respondeu desconfiado me espiando de canto de
olho. Na hora, saquei que a ideia de que eu estivesse transando
com outro cara o perturbava e excitava. Algo também me disse que
aquele era um terreno muito delicado; se admitisse o que Ele sabia,
aqueles encontros acabariam; se negasse, de forma dissimulada e
pouco convincente, atiçaria o desejo. Pensei em como éramos
diferentes. Eu, ao contrário, adorava quando me falava de outras
garotas. Minha vida devia ser uma cena de bacanal do Reinaldo
Moraes, mas eu meio que me acostumei demais com a monogamia.
Depois que eu disse que ele estava paranoico e peguei no seu pau,
Ele veio pra cima de mim e começou a me beijar e me morder.
Acabou parando entre as minhas pernas, aprovando minha
depilação (também teria feito isso pro outro? imaginei que se
perguntava). Me chupou rapidamente (babaca) e passou a língua
pela parte interna das minhas coxas, um truque que só Ele fazia e
me deixava louca. Então começou a me morder nas coxas e até nos
grandes lábios, me fazendo gemer. Antes de me entregar
completamente à sensação, ainda disse mais por maldade que por
precaução, “Não quero que você deixe marca dessa vez, ok?”.
Contrariado, gozou me comendo.
Quando saiu do banho, eu estava sentada na sua cama, ainda
pelada, sorrindo pra tela do celular. Jonas tinha acabado de mandar
uma mensagem fofa. Ele perguntou irritado por que eu tava rindo.
Quase disse que era só uma piada de um amigo, mas tinha gostado
daquele jogo. “Não é nada”, levantei, dei um selinho e uma palmada
na sua bunda antes de me trancar no banheiro com o celular a
pretexto de tomar banho.
Durante quase um mês, foi moleza administrar os dois.
Costumavam estar disponíveis semana sim, semana não. Em outra
situação, essa espera pelo próximo encontro teria me enchido de
ansiedade e medo de ser rejeitada; saindo com dois caras, todos os
meus fins de semana passaram a ser preenchidos. Até que, uma
vez, os dois ficaram disponíveis no mesmo fim de semana. Então
tive que fazer uma escolha: Jonas, que tinha o pau menor e não me
mordia, na sexta, Ele no sábado.

Bem que eu podia arrumar alguém pra me impedir de pensar


tanto no Mateus. Mas quem?
17
Acordei atordoada me perguntando por que meus olhos estariam
abertos se o quarto ainda tava na maior escuridão. Senti um arrepio
no corpo encolhido e matei a charada. João tinha colocado o ar
condicionado no talo e, pra completar, tinha puxado a coberta.
Fiquei com raiva, mas segurei o impulso de puxar o edredom todo
de uma vez pra não acordar o bonitão. Em vez disso, dei um puxão
leve, de teste, e descobri que ele tinha rolado por cima de parte do
pano. Desgraçado. Então aceitei a opção que restava e fui me
aconchegar no calor do seu corpo, de conchinha. Deixei meu nariz
pertinho do pescoço dele e, antes de cair no sono, só lembro de ter
pensado em como era fácil estar ali.
Antes, quando ele começou a me beijar, lembro de ter relaxado o
corpo, aliviada: tá normal. Também foi natural quando baixou um
dos lados do meu sutiã e chupou meu peito. Nunca falei isso pra
ninguém, mas eu odeio quando querem me comer vestida. Às vezes
invoco que só quero transar de um jeito que seja bonito de olhar. É
coisa minha, me dá agonia ver meu peito meio esmagado pela
pressão do sutiã embolado pra baixo. Só que, naquela hora, achei
excitante porque dava pra medir um pouco da vontade dele. Apertei
a cabeça dele contra o meu colo para ver se, esmagados um contra
o outro, nada de fora ficasse entre a gente, nem o Mateus, nem o
sumiço, nem a Mina do Twitter.
Quando amanheceu, meu corpo gritava de dor, minhas pernas
pareciam enrijecidas. Pelo visto, não devia ter ficado sem cobertor
só naquela hora. Mas, no fundo, eu achava que a dor era alguma
tentativa do meu inconsciente de me fazer ter uma ressaca moral.
Tomei um café aguado que João preparou e saí dizendo que tava
atrasada pro trampo (tava mesmo) com um pedaço de pão ainda na
mão. Dei um selinho de despedida. “A gente vai se falando.”
Na noite anterior, ainda lembro dele me puxar pela mão e me
levar para o quarto. Antes que me empurrasse para a cama, troquei
de lado pra indicar que queria começar por cima. Tudo corria bem,
mas eu ainda tinha medo de dar um passo em falso e acabar
pensando no Mateus. Por isso queria controlar, quando sou eu que
tô fazendo só consigo me concentrar no movimento e não penso
mais em nada. Em geral, isso é uma desvantagem, sabe, em vez de
apreciar os estímulos, o meu cérebro fica repetindo pula pula pula
tenta rebolar tenta rebolar tenta rebolar, porra perdeu a
coordenação, volta a rebolar volta a rebolar, não, não, a coxa tá
doendo senta mais pra trás, senta mais pra frente, aí! não para de
pular pula pula pula pula, pula devagar, puuuula, isso, puuuula
puuuula reboooooola reboooooola, fica só na cabecinha-cabecin--
cabe… Ali, não pensar parecia uma boa ideia.

“A gente devia voltar a transar mais vezes”, as palavras saíram


da minha boca antes que tomasse consciência do que queriam
dizer. João sorriu, passeando a mão pela minha bunda.

No trabalho, fiquei o dia todo meio confusa. Que situação!, não


parava de reclamar pra mim mesma. Até outro dia, tava super na do
João, botando fé que ia ser uma experiência gostosa e que ia durar,
sabe? E daí ele começou a ficar distante e deu uma sumida básica.
Se quer saber, não conheço tanto ele, mas tenho quase certeza que
ele tava a fim de pegar a Mina do Twitter e não sabia como
administrar. Enfim, não vou mentir que foi super de boa, porque toda
vez que rola uma parada dessa parece que coloco mais uma
mãozada de areia no meu prédio da desilusão amorosa. E ele já é
imenso, dá quase um Palace II. Eu não conto pra ninguém, mas fico
tentando sufocar a ideia de que todos os homens se cansam de
mim.
Daí, tava à beira de ter uma crise existencial porque o João,
querendo ou não, tinha me dado a falsa esperança de que ainda
tinha algum cara com quem dava pra conversar e transar, quando o
Mateus reapareceu. O Mateus era foda. Parece que deu as caras só
pra me lembrar como era quando tava realmente empolgada com
alguém. E ele me empolgava demais, sério, num minuto a gente
tava reclamando do trabalho e no outro eu já tava jurando que um
dia dava umas chicotadas nele com certeza, “se é isso que você
quer”.

“E eu vou te amarrar na minha cama”, ele prometia.

Deu pra ver que o João curtiu quando eu tava no controle, por
isso, acho, não quis deixar por menos. Colocou meus pés ao redor
da cabeça e mandou ver. Porra, sempre me esqueço como ele é
foda. Fecho os olhos e ainda consigo ver minhas duas mãos
fincadas nas suas pernas enquanto ele me come de joelho numa
velocidade que não acredito. No final, ele gozou, eu não gozei, mas
fiquei jogada na cama, aliviada. Tem umas metidas que lavam a
nossa alma, né? Felizmente, esse negócio de pensar em outro
durante a transa é mais coisa de letra sertaneja e pagode anos 90
que realidade. Isso eu já sabia pela minha experiência de 5 anos
atrás e voltava a confirmar.
No meio do expediente, não aguentei e conversei com Luísa
sobre isso. Ela não vê problema na situação. Mas o problema, ainda
não tive coragem de dizer pra ela, é que parece que nada acontece.
Não sei se o Mateus desistiu de sair comigo de novo ou se ele só tá
vivendo a vida dele achando que está tudo ótimo entre nós. A única
coisa que sei é que não tá rolando uma dormida juntinho na
frequência que descobri que queria.
Acho que vou enlouquecer. Ainda quero o Mateus, acho fácil
estar com o João e as duas coisas não são excludentes, né? Então
o que explica esse peso na consciência? Sempre curti esse papo de
poligamia, mas, na real, talvez não tenha mais vocação pra isso. Ou
talvez seja essa sensação absurda de estar transando em círculos.
Só tô requentando os caras que já me magoaram, não me aparece
ninguém novo.
Mas o raciocínio que me leva a isso é bem simples até. É só
pegar um ah, já sei que a transa dele é boa e que ele não vai pedir
pra mijar em mim, adicionar um vou poder sair e transar sem ter que
passar uma semana conhecendo uma nova pessoa, misturar com
não é como se tivesse chovendo possibilidade, né? e finalizar com
um preciso exibir esse um centímetro de bunda que ganhei depois
que entrei na academia e comecei uma dieta. Pronto.

“Ei, você ainda precisa me apresentar esse novo centímetro de


bunda”, finalmente chega uma mensagem do Mateus.
Caralho!
“Que dia dá pra você?”
“Melhor você me dizer.”
“Ué, depois do trabalho eu tô sempre de boa”, não me faço de
difícil.
“Hum… Vou ver e te falo, então.”
Filho da puta!
Fico encarando a tela do celular possessa de raiva. Digito: ou me
fode ou sai de cima, Mateus. Mas não tenho coragem de enviar, sei
como ele fica chateado e infantil quando acha que tô exigindo mais
do que posso.
“Claro, vamos marcar”, respondo com sarcasmo.
Aparece na tela que Mateus está digitando. A notificação aparece
e desaparece por um tempo. Até que finalmente recebo uma
mensagem. É inacreditável como ele consegue me tirar do sério. Ele
realmente me surpreende, alguém poderia dar um prêmio de Maior
Boy Lixo em linha reta da América Latina pra esse cara. A
mensagem dele era só um emoji. O emoji da bostinha.
18
Ainda não parei de pensar no Mateus. Até tô vivendo a vida,
sabe, saindo mais, dando trela prum cara no Instagram, um tal de
Thiago que gosta de comentar meus stories, e aceitando os convites
do João pra “assistir alguma coisa” no apê dele. Mas toda vez que
fico sozinha, especialmente no trânsito, acabo pensando no Mateus
e na nossa transa da semana passada.
Achei que podia ser falta de trilha sonora, então salvei o CD Ao
vivo em Goiânia de Maiara e Maraísa no Spotify pra ficar ouvindo no
carro. Era pra isso me distrair, na real, me fazer pensar em dançar
arrocha ou promover qualquer fruição irônica que me rendesse uns
tweets legais. Mas, ontem, quando tocou Encontro com o passado,
me flagrei pensando se essa podia ser a minha música tema com o
Mateus.

Será que algo em mim te fez lembrar


Das noites que a gente se amou
debaixo do chuveiro (Não)
O meu cheiro gostoso no seu travesseiro
O jeito que eu fazia na hora de amar

Tirando a parte do amor debaixo do chuveiro que sempre achei


meio supervalorizada e que a gente nunca fez mesmo, achei que
seria legal ele sentir saudades do meu cheiro no travesseiro.
Modéstia à parte, acho que sei comprar bem meus shampoos. Tô
tentando um desses low poo agora, sabe? Uma parada sem
parabenos e petrolatos, seja lá o que sejam. Espuma menos, mas
acho que ainda me permite deixar um cheirinho em travesseiros.

Das noites que a gente se amou


debaixo do chuveiro (Não)
O meu cheiro gostoso no seu travesseiro (Não)
O jeito que eu fazia na hora de amar

Depois me toquei que esse lance de cheiro no travesseiro


também não combinava muito com o Mateus, só que ainda assim
seria legal se a última parte combinasse com a gente, sabe, se eu
soubesse que ele gosta do jeito que eu faço na hora de amar. Aliás,
essa é uma das coisas que mais gosto em Maiara e Maraísa. Acho
meio bobo, mas confesso que gosto delas viverem cantando que
transam bem.
Antes de escutar Encontro com o passado, eu tava jurando que a
minha música com ele tinha que ser Show Completo. Eu tenho
ânsias de vômito na parte do brincando de amar. Ainda tem muito
pudor no feminejo pra falar diretamente de sexo, né? Mas o resto é
sensacional. Os pontos altos pra mim são marca pra amanhã, diz
que não tá aguentando, diz também que é meu fã. Aí pula pra e
quando a gente se encontrar de novo vai ter show completo na
cama, no chão, no teto, do jeitim que você quer. Na estrofe seguinte
ainda tem um com direito a re-pe-te-co que me faz fechar os olhos
de tanta emoção.
Não tô sendo irônica, eu juro. Tudo que queria é que o Mateus
fosse meu fã ou que eu pudesse me gabar de fazer mexidinho e
gostosinho. Só que, quando constato isso, não deixo de me
censurar por ter um desejo tão bobo.
Uma vez tava conversando com a Cíntia, uma mina que é uma
referência pra mim, sobre o que as mulheres entendem por serem
sexualmente livres. E ela tava me contando do relato de uma mina
que se achava foda porque arrasava na cama, chupava muito, fazia
os caras pirarem e tudo. Mas daí ela caiu em si que não fazia nada
pelo seu próprio prazer, sacou? Por isso, escreveu o relato pra falar
que tem um outro jeito do patriarcado escravizar as mulheres e
deixar a nossa vida sexual uma bosta.
Eu concordo. Às vezes, conversando com umas minas, reparo
que, se o papo é sexo, sempre vai ter uma para dizer que faz
qualquer cara gozar com oral ou outra pra se gabar de cavalgar por
horas e horas (essa eu invejo demais! Tô fazendo agachamento na
academia e ainda assim a perna treme com dois minutos de
quicada), e daí já sei que a conversa vai virar uma competição pra
ver quem dá mais prazer pros boys, quem é melhor de cama. Olha
só que merda!
Acho que Maiara e Maraísa ainda tão nessa vibe, sabe? Mas
acho honesto admitir que não é fácil sair disso. Sei lá, tive pelo
menos um relacionamento longo o suficiente pra saber que todo
sexo é esquecível. Que não é um boquete impecável que faz uma
pessoa te imaginar do lado dela por seis temporadas de Mad Men.
É tipo um restaurante novo, na real. Cê vai lá, come uma vez e o
prato é incrível, na segunda vez, continua muito bom, na terceira,
você acha só ok, talvez sua barriga não esteja muito boa, na quarta,
cê já tá jurando que só podem ter mudado o cozinheiro. Mas talvez
nada tenha mudado.
Talvez seja por isso que só me lembro das primeiras relações que
tive com alguém. Nem se quisesse conseguiria descrever todas as
minhas transas, só se anotasse logo em seguida e, ainda assim, se
eu bem me conheço, ia ficar com preguiça logo no início e ia deixar
a parada mais ou menos assim:

Transa 23: Ver transa 22


Transa 24: Idem
Transa 25: Ibidem (finalmente achei uma aplicação pra essa
merda)
Transa 26/2: A gente parou no meio porque o supermercado
fechava às 14h.

O lance é que mesmo sabendo tudo isso, lá no fundo, ainda


quero ser uma foda especial. Talvez porque ser boa nisso é tudo o
que me sobra nesses relacionamentos. Claro que tento afastar isso
da cabeça na hora do rala e rola, se não fico tão performática que
parece que tô fora do corpo, me dirigindo. Isso, empina assim a
bunda que fica visualmente mais agradável. Agora geme um pouco
e vira pra câmera três. Já pensou? Na hora até que controlo, mas,
uns dias depois, quando me pego no trânsito escutando Maiara e
Maraísa cantarem olha eu andando de mão dada no meio do povo,
onde é que você tava esse tempo todo?, é difícil não pensar em
como seria daora ser essa foda especial pro cara com quem me
imagino de mãos dadas entrando numa Tok Stok e comprando
lençol mil fios.
“É sério que também tem sertanejo nessa playlist?”, Mateus
reclama enquanto me aproveito pra subir em cima dele.
“Pô, é Maiara e Maraísa”, replico, agora olhando-o nos olhos e
sorrindo. Me sentia plena por estarmos conseguindo nos ver pela
segunda semana consecutiva.
“Mas essa nem é das boas, sei lá, a boa num é aquela 10%?”, ele
se remexe embaixo de mim.
“Essa é ótima, prestenção.”

Mas e aí?
Que foi aquilo ontem à noite, hein?

“Recaída, um deslize, né?”, acompanho a música com um sorriso


de provocação.
“Ih…”, ele tenta falar, enquanto continuo, “Fala a verdade aí,
assume que eu já virei amor uô uô” e fico dando cheiros no seu
pescoço. Ele ri, me abraça forte e completa com um beijo.
“Quando eu voltar pro Rio, cê vai querer me visitar?”, pergunta
com a voz transbordando de carinho e ainda me abraçando.
Sinto meu corpo se enrijecer instantaneamente. Que parte de
voltar pro Rio eu perdi?

“Eu te hospedo lá em casa. Você pode me esperar vestida com


aquele maiô preto do seu Instagram. Só não pode me acordar cedo,
se me acordar cedo eu te mato.”
“Ai, que escrotinho, você, hein?”, implico fazendo cara de nojo só
pra disfarçar que tô sem chão.
Uma vez ele me disse que gostava da música Regime Fechado,
de Simone e Simaria, mas acho que a música Por Mais 3 Horas, de
Marília Mendonça, tem mais a ver com o que acho que sente por
mim. Toda sede, depois de um gole passa.
19
Desde que Mateus me avisou que ia embora, a sensação de que
minha vida tava fora de controle se agravou. Voltei no psiquiatra
porque tínhamos uma consulta de retorno já agendada e, depois de
trinta minutos falando sobre como odiava meu trabalho e sobre
como achava que estava me autossabotando ao perder datas de
inscrição em concursos que, afinal, podiam me tirar daquele lugar
(por que nunca crio coragem pra falar dele ou do João?), saí de lá
com uma nova receita e várias recomendações de não dirigir à
noite. O novo antidepressivo me deixou sonolenta nos dois
primeiros dias. Me esforcei para não atrasar na saída do trabalho e
sair antes de escurecer, com medo de que algo pudesse acontecer.
Tudo estava indo bem, achei que a adaptação já estava quase
concluída uma noite, quando peguei o carro para ir ao
supermercado comprar um bolo de tapioca pra jantar. No meio do
caminho, simplesmente esqueci meu destino e passei dois
segundos sem ideia de onde estava até recobrar a consciência.
Voltei pra casa sem bolo, suando frio, amedrontada, mas essa foi a
última ocorrência ruim. Ou, bom, a penúltima.
Acordei com o corpo pesado. Abri os olhos, comecei a distinguir a
arara de roupas do meu quarto e imediatamente tomei consciência
dos roncos de Mateus. Antes de virar para encará-lo, eu já
adivinhava que ia estar dormindo pelado e de boca aberta,
ocupando mais da metade da cama. Estava de costas pra mim e a
maior parte do lençol já tinha escorregado pra fora, deixando sua
bunda peluda de fora. Não sei como podem achar isso feio, pensei
quase sem conter um impulso de passar a mão. Adorava acordar
vendo aquela bunda e adorava ainda mais dormir sabendo que
tinha…
Encarei o teto insegura e tentei recuperar algum detalhe da noite
passada, mas o compartimento do meu cérebro que deveria ter
guardado essas lembranças parecia completamente vazio, de um
jeito que eu só havia experimentado na ressaca do meu aniversário
de 25 anos. Me esforcei para lembrar algo anterior à noite, mas, no
esforço de lembrar, voltava muito o filme, como se não conseguisse
apertar o botão de parar na hora certa.
“Você vai mesmo voltar pro Rio?”
Vi a cara de surpresa do Mateus, dando de ombros. “Ué, achei
que você sabia que eu só tava passando um tempo aqui.”
Não, não, isso foi no fim de semana, abanei a cabeça e tentei
focar nas lembranças que realmente procurava. Quarta-feira, 23 de
novembro, mais conhecida como a noite passada. Mas o estômago
já começava a revirar só de lembrar que ele ia embora, que nunca
passou pela sua cabeça ficar. O mais foda era o rosto tranquilo que
não parava de aparecer no projetor do meu cérebro, de um jeito
torturante que quase me fazia querer sair correndo. Por que não
tinha uma sombra, sabe, ou um tique ou qualquer sinal de incômodo
com a ideia de me deixar?
Balancei a cabeça. Não quero pensar nisso agora, disse pra mim
mesma em uma tentativa de controlar o que vinha à mente. Noite
passada, noite passada, implorei mentalmente por alguma
lembrança até que finalmente uma luz se acendeu. Na real, não foi
exatamente uma luz, foi o som do alarme do meu celular, mas de
repente a cena começou a voltar.
Eu conferia se não tinha nada preso no meu dente no espelho do
banheiro quando Mateus tocou a campainha. Caminhei um pouco
ansiosa demais, tentando me lembrar de ser natural. Quando abri a
porta, me deparei com ele escorado na parede, me olhando feito
bobo com a cabeça pendendo prum lado. Desarmei. Joguei meus
braços em volta do seu pescoço e dei logo um beijo.
A minha euforia continuou, lembro disso. Eu tava animada,
ansiosa até, pra transar com ele, pra ter uma ótima noite e não
pensar mais em quem ia e quem ficava. Mas Mateus não parecia
estar na mesma vibe. Depois de me dar mais uns beijos, ele sentou
no sofá e perguntou se podia dar uma olhada no placar dos jogos
que passavam na tevê. “Claro, fica à vontade.” Sentei ao seu lado e
ficamos nos revezando entre conversar e ver algum lance mais
perigoso dos jogos. Foi então que o alarme do celular tocou: 23h.
Avisei que era o despertador do meu remédio e fui à cozinha
pegar um copo d’água. Normalmente, aquele era o horário do meu
anticoncepcional, mas, agora, tinha se tornado também o horário do
meu antidepressivo. Tirei um comprimido da cartela e hesitei por
alguns segundos antes de tomar. Enquanto bebia a água, avaliei
que ainda estava ansiosa demais. Talvez, olhei para outra caixa de
remédio, também fosse uma boa ideia tomar o remédio pra dormir.
Antes que pensasse duas vezes, engoli o comprimido e fui me juntar
ao Mateus jogado no meu sofá. Enquanto lembrava disso, deitada
na cama, senti meus batimentos cardíacos desacelerarem. Puta
merda, Vanessa!
Não sei quanto tempo se passou. Mas lembro de sentir o Mateus
me abraçando, me beijando e me convidando pra ir ao quarto. Dei
uma leve despertada e o conduzi pelo pequeno corredor. Mateus, de
repente, parecia muito animado e me olhava com tanto desejo,
como se sua cabeça tivesse trabalhando a todo vapor no roteiro de
putarias daquela noite, que me dava vontade de rir. Tentei tirar a
roupa de uma forma sensual para provocá-lo, mas quando levantei
uma das pernas pra tirar o short e a calcinha, quase caí no chão.
Mateus segurou o riso e pediu pra me ajudar.
“Eu ainda não tinha pedido pra você fazer isso. Tá vendo no que
dá?”, me zoou.
Dei uma bufada de brincadeira e mandei ele ficar quieto. “Vem cá
que hoje eu não vou te dar nenhuma chance”, prometi ficando de
joelhos e desabotoando a sua bermuda. Passeei com a boca pela
virilha antes de finalmente dar a primeira lambida no seu pau.
Mateus gemeu de leve, avisando que tinha sido um bom começo.
Lembro da sensação da minha boca completamente preenchida
pelo pau dele. Lembrava um pouco às vezes em que transei
chapada com João, não era tão seco, mas tinha uma intensidade
maior, como se eu o experimentasse em câmera lenta. A sensação
tava me fazendo explodir, pensava que nunca tinha sido tão
gostoso... Depois, só lembro dele se afastando de mim com uma
careta. “Te machuquei?”, perguntei meio atordoada.
As lembranças não iam só até aí. A gente recomeçou. Mateus
deitou na cama e eu pedi pra montar em cima dele. “Vou ser
cuidadosa, eu juro.” Ultimamente, tava fazendo questão de ficar por
cima, sabe? Achava meio chato não conseguir aguentar tanto tempo
nessa posição. Não sei que merda era essa que cansava tão rápido.
E olha que eu era acostumada a caminhar, sabe, e até a correr uns
5k, mas na hora da transa, não sei o que dava. Acabei concluindo
que era falta de prática e que tava na hora de ganhar resistência. O
engraçado era que, há uns 4 anos, eu nunca me preocuparia com
isso, mas o tempo não tava passando só pra mim, nera?
Antigamente os caras metiam numa velocidade absurda, mas agora
tava diminuindo, diminuindo, e eu sentia que se não conseguisse
manter a velocidade por conta própria, o bagulho ia ficar feio. Ou eu
teria que procurar caras em outras faixas etárias… Não sei por que
tô viajando nisso agora.
Comecei lentinha e fui ganhando ritmo, tentando sincronizar com
um leve rebolado. Apoiei minhas mãos no peito do Mateus e fiquei
vendo sua expressão de prazer. Me posicionei para ficar
completamente deitada sobre ele e continuei cavalgando. Até que
não senti mais nada. Quando dei por mim, Mateus empurrava meu
corpo em direção à cama. Olhei pra ele sem entender.
“Vou ficar por cima”, explicou. Nos encaixamos novamente e só
lembro de ter gemido e avisado “tá gostoso”.
Puta merda, Vanessa! A cada esforço que fazia para lembrar de
mais alguma coisa, um gemido que fosse, uma mordida, um beijo,
mais tinha certeza de que era fato: eu tinha apagado no meio da
transa. Tinha dado PT. Esperei, suando frio, Mateus acordar por
uma hora infinita. Em outra ocasião, teria tentado acordá-lo ou teria
começado a me arrumar para não me atrasar pro trabalho, mas o
medo do que ele poderia estar achando de mim me paralisou na
cama. Finalmente ele se mexeu um pouco mais e lentamente foi
abrindo os olhos. Dei bom dia em uma voz que me pareceu
completamente falsa e dei um beijinho em seu ombro. Sorriu pra
mim. Com a coragem restabelecida, decidi arriscar:
“O que você achou da noite passada?”, sondei.
“Ah, foi…”, se espreguiçou na cama, “foi tudo bem”. Depois de
dois segundos acrescentou: “que horas são?”.
20
Fiquei tentando não notar que ele tinha voltado a ficar
monossilábico. Também não puxei muito assunto. No fundo, não
queria ter que falar da última vez, não queria ter que explicar ou me
desculpar. Sabia que ia acabar me desculpando, mas também
achava que ele podia me perguntar e fazer esse esforço pra
resolver as coisas. Se tinha uma coisa que odiava nos
relacionamentos casuais e que já tinha experimentado várias vezes
esse ano, era esse medo involuntário de que tudo acabasse depois
de uma transa ruim. Se o relacionamento se justificava pelo sexo,
então era razoável cair fora quando as coisas não estivessem mais
aquela maravilha, nera? Acho que era assim que os caras
pensavam e queria também aceitar essa lógica sem nenhuma
resistência. Mas eu insistia, ficava nessa de esperar que as coisas
magicamente melhorem, já que também não tinha coragem de falar.
Por exemplo, o João gostava de meter numa posição que quase
sempre me machucava, como se o pau dele fizesse uma pressão
em direção ao meu cu que me dava a sensação horripilante de que
uma hora eu ia rasgar. O Mateus não sabia me masturbar, quando
me comia de bruços e inventava de enfiar a mão pra me tocar, fazia
com uma pressão tão grande que eu quase nunca conseguia conter
um gemido mais alto, um gemido de dor. E eu nunca, nunca, tinha
dado um soco na cara de ninguém, mesmo que fosse a minha
vontade. Mas, falando sério, não sei o que me dava que não
conseguia falar, simplesmente não dava. Já tinha percebido que
ficava seca quando o João me comia na posição que não gostava e
isso comprometia um pouco tudo que vinha depois. Também sabia
que minha buceta ficava parecendo uma flor inchada depois que
Mateus me masturbava. Todas essas coisas eram horríveis e
aconteciam com o meu corpo, mas não saía uma palavra. Minha
estratégia era sempre sair correndo ou, no caso da transa, desviar,
mudar de posição, pedir outra coisa. Às vezes, me pegava dizendo
coisas como “hoje eu tô meio sensível, melhor não fazer”, assumia
sempre a culpa. Era sempre o meu corpo que estava com alguma
anomalia, nunca era a habilidade deles em questão. Tinha pra mim
que, no sexo casual, ninguém estava disposto a rever seu jeito de
trepar. Nunca conversei com nenhum parceiro sobre isso, mas
estava bem convicta dessa minha impressão. Então eu ia
contornando, contornando, um não deixava que me chupasse, pra
outro mentia que masturbação me dava aflição, outros não deixava
que encostem no meu cu e já tinha tido até mesmo que inventar
uma desculpa para que parassem de espremer meu peito, eu
contornava até encontrar onde podia ficar confortável ou com o que
podia sentir prazer, era sempre limitado. Às vezes tinha a ilusão de
que era só um ajuste fácil, como os ajustes que me pediam no
boquete, mas tinha medo de não saber falar com jeitinho e de ferir
algum ego masculino.
Hoje, me veio à mente o rosto aborrecido do meu ex-namorado.
Estamos no seu quarto, um caos de livros, revistas, roupas e CDs.
Estou sentada na cama de calça jeans e sutiã, limpando as unhas
pela milésima vez. Tinha acabado de dizer que não estava
conseguindo mais sentir tanto prazer com as nossas relações,
achava que tinha dito no tom casual que vim ensaiando no ônibus.
Mas ele estava com o rosto aborrecido, “eu te pergunto o que tu
quer, como tu quer e tu sempre me diz que não sabe”.
“Mas eu não sei”, choramingo torcendo as mãos. “Me ajuda a
descobrir, por favor, a gente podia, sei lá, assistir uns filmes pornôs
juntos”, sugeri.
Ele responde que eu posso fazer isso sozinha, como se o
problema das relações pouco prazerosas fosse só meu. Tento
argumentar que não sei por onde começar, tenho medo de pegar
vírus no computador de casa que divido com meus dois irmãos. Ele
me diz que o pornhub é seguro o suficiente. “E depois?”, pergunto.
“Aí tu procura o que quiser.”
Mas o que eu quero? acho que não sei até hoje. E, agora me dou
conta, são duas coisas que se embaralham, tenho medo de magoá-
los ao insinuar que não sabem como fazer comigo, ao mesmo
tempo em que temo que me façam a pergunta: o que você quer que
eu faça?
Esperei a vida toda que aparecesse um homem que me desse
essa resposta. Ele, o grande babaca da minha história, ainda foi o
que mais me deixou numa posição confortável, apesar de também
não saber o que eu queria, ele não tinha nenhum interesse em
perguntar. Só que eu já saí dessa, puta que pariu, Vanessa, com 27
anos, tu não pode mais entrar numa dessa, me repreendo.
Encaro a água caindo do chuveiro enquanto decido se me
masturbo ou não naquela noite. Pego a ducha e miro uns jatos
d’água na minha buceta antes mesmo de decidir. O sexo não está
tão bom pro Mateus, penso, nem conseguimos fazer anal. “O sexo
não está bom pra mim”, digo em voz alta. Talvez não devesse ter
medo de que ele fosse embora, deveria cair fora antes.
Quem eu quero enganar? Imagino a despedida de Mateus
enquanto a água me estimula, como se tocasse mil pontinhos de
prazer ao mesmo tempo. Imagino dois dias de aconchego, a gente
pelado o tempo todo, testando todas as posições do mundo. Saio do
banheiro e mando: “Queria te ver antes de tu ir embora.” Então, fico
um tempo parada, olhando pra tela.
“Eita, tô meio ocupado.”
Respiro fundo. É foda ficar imaginando ele na masturbação,
porque sempre acabo confundindo o Mateus da vida real com o da
imaginação. Envio um emoji triste.
“Não consegue nem uma horinha pra gente se ver?”
“Cê pode na sexta?”
“Putz, sexta é o único dia que não posso. Vai ter um jantar do
meu pai.”
“Quinta?”
“Quinta tá ótimo.”
Eu tinha até depilado a bunda e enfiado um dedinho ensaboado
no meu cu (Não foi dessa vez, chuca) esperando pela quinta-feira.
Não parava de criar roteiros de como seria e o que falaríamos. Mas
no dia combinado, já acordei com uma mensagem de Mateus
dizendo que não ia rolar e perguntando se eu podia na sexta.
“Aconteceu alguma coisa? Na sexta é o jantar do meu pai, ele vai
cozinhar um charque que trouxe da Paraíba e preparar arroz de
leite, vai um monte de amigos dele, não posso deixar de ir”,
expliquei com o coração estilhaçado. Nunca se prepare para uma
transa, nunca se prepare para uma transa, meu cérebro começou a
querer me dar lição de moral.
“Aconteceram vários imprevistos, tenho muitas missões pra
resolver antes de viajar, retorno em médico, ida a correio, pegar
umas coisas que minha mãe encomendou não sei por que, e ainda
tenho que levar ela ao trabalho porque tamo só com um carro hoje.”
“Hum…eu poderia te acompanhar nessas coisas.”
“Não, Vanessa, é só coisa chata.”
“Mas pelo menos a gente teria mais tempo junto antes de você ir
embora.”
Mateus não disse mais nada. Me arrumei para ir ao trabalho e
passei todo o expediente da manhã checando o celular para ver se
tinha respondido. Não acreditava que tivesse coragem de me
ignorar. Será que eu tinha sido muito insistente?

Saí da casa do meu pai às 23h. Todo mundo me perguntou por


que eu ia tão cedo e tive que inventar um treino de Crossfit na
manhã seguinte. Passei na casa de Mateus para buscá-lo e fomos
pro meu apartamento. Ele tinha me pedido desculpas na noite
anterior e, no carro, deu um grande suspiro antes de começar a me
contar tudo que realmente tinha acontecido, as brigas com a família
e uma complicação inesperada com os documentos que enviou para
assumir um novo emprego no Rio. Escutei tudo calada, às vezes só
dizendo que podia ter me falado antes. Ele passava a mão no meu
cabelo enquanto percorríamos a Holandeses. Em um retorno, pediu
para irmos pela praia e ficou falando sobre como deveríamos ter
passeado mais juntos e caçado pokemons ali. Respondi que só
tinha três pokestop na praia e seguimos em silêncio. Pra mim, era
dolorido demais ouvir aquelas coisas.
Cheguei em casa e tirei o short para mostrar que estava usando o
maiô preto de que ele gostava. Mateus riu e veio passar a mão em
mim, mas continuamos conversando. Ele me fazia rir e eu pensava
que, no fim das contas, gostava mais daqueles momentos que da
transa em si. Quer dizer, com ele, era como se fosse o mesmo
pacote. Na hora em que estava por cima dele, apalpava cada
centímetro do seu peitoral largo com minúcia, ia movendo as mãos
como se estivesse escaneando. Me perguntou por que eu tava
olhando daquele jeito, respondi que queria me lembrar do quanto
achava ele lindo. “Quando eu tava buchudo não era assim que tu
me olhava”, quis encher meu saco. “Cala a boca, sempre tive tesão
em ti.” Paramos de falar quando ele fez uma careta, acho que ficava
muito excitado comigo por cima. Acelerei pra ver o resultado e
Mateus se inclinou um pouco para pegar na minha nuca. Continuei
até que gozasse. Depois que também me fez gozar com oral e que
eu emendei mais um boquete, ficamos abraçados na cama. Ele
esparramado na cama reclamando de alguma chatice minha e eu
meio silenciosa me deixando engolfar pela sua presença. Era a
última vez.
Demos um último beijo quando o deixei na porta de casa na
manhã seguinte. Ele me disse pra avisar quando fosse ao Rio. E me
surpreendi pensando que não doeu ouvir aquilo. Acho que já estava
preparada para a ausência de promessas. Sorri de volta porque não
sabia o que dizer. “Boa viagem”, desejei, dando partida no carro.
Agora já deu né, Vanessa?
THIAGO

21
Uma vez tive rolo com um cara que morava em outro estado. Foi
dessas coisas de conhecer a pessoa pela internet, começar a
conversar, conversar por mais um de mês e daí já iniciar uma
contagem regressiva pelos três meses que ainda faltavam até a
gente descobrir se encaixava gostoso. Encaixava, pois, na verdade,
essa é a história do início de um quase namoro. Mas só tô
lembrando dela agora, porque sempre serve de parâmetro quando
me meto nessas furadas.
Foram três meses de conversa diária e, hoje, sabendo como
acabou, até me surpreendo pensando no que raios eu e ele
poderíamos ter pra conversar. Lembrar do que a gente falava é
difícil mesmo, mas, do que a gente não falava, é bem fácil. Na
época, achava engraçado, pra falar o mínimo, que a gente gastasse
tanto tempo conversando online e, nem por um minuto, o papo
acabasse em putaria, sabe? Pensando bem, o João também fez
isso comigo, né? Mas esse era um cara que falava abertamente de
várias coisas, inclusive das meninas com quem trepava, e eu nunca
soube ser discreta sobre minha intimidade, só que sempre que tava
chegando em algum assunto que pudesse deixar alguma pista do
que a gente gostava na transa, ele pedia pra parar. Eu lembro que
achava graça e tinha um pouco de medo também. É óbvio que ele
tem o pau pequeno, pensava. Quem já conheceu um cara
“pauzudo” sabe: não é preciso nem terminar de digitar o manda
nudes pro celular indicar o download de uma foto. Esses caras têm
simplesmente muito orgulho do pau pra perder tempo com
suspense, né? No caso dele, dizia que não era isso, era mais pra
preservar as surpresas e evitar fantasiar coisas de um jeito que
poderia não se concretizar. Eu não sabia se dava pra controlar
expectativas, mas também tinha o medo de revelar algo que
gostasse e acabar influenciando no jeito dele me comer. Gosto
quando a mágica acontece por acaso, sabe?
A primeira vez que essa experiência me serviu de parâmetro foi
quando entrei no Tinder, logo depois desse rolo. Conheci dois caras
no aplicativo. Tenho um pouco de vergonha de dizer isso: sou do
tipo que entra lá pra conversar. Então, um virou só meu amigo.
Conversamos por meses, nunca marcamos nada, depois ele casou,
teve filho e me manda um meme natalino do filho todo ano. O outro
foi o que escolhi pra tirar o atraso e, olha, o sujeito era bem mais do
que “o que tem pra hoje”. Pela bio, eu tinha encontrado aquela calça
perfeita, que não ficava folgada na cintura, não apertava demais as
coxas e dava uma levantada de cortesia na bunda. E tava tão certa
de que o cara era tudo que tava procurando, que não me preocupei
com essas coisas de expectativa. Expectativa o quê? Era real: revi
mil vezes a foto e tive certeza de que o papel que ele segurava era
um panfleto pra reeleição da Dilma de 2014. Sabia até que tinha
escrito “coração valente” no adesivo colado à sua camisa. Pronto,
só precisei daquilo. Fui conversar com o cara dando mole demais.
Bebi umas cervejas com minhas amigas e já deixei um aviso de que
tava tarada. Ele achou graça, também tava, “sempre tô aliás”, me
disse. Nunca tive muito jeito pra dirty talk, tipo isso de “tô vestindo
uma camisola transparente azul bebê jujuba de maçã verde”. Mas a
gente começou bem.
“Eu gosto muito de transar, sabe? Uma vez fiz uma viagem com
uma garota com quem saía e perdemos todos os passeios turísticos
porque transamos sem parar.”
Eu, já deitada na cama, mordia o lábio e fechava os olhos de
empolgação imaginando aquele cara me comendo de ladinho em
uma manhã preguiçosa numa pousada em Olinda. Disse isso pra
ele. “Agora foi você quem me deixou de pau duro”, respondeu.
A conversa seguiu até eu ter que levantar da cama duas vezes
para fazer xixi e tentar dar um jeito em toda aquela lubrificação.
Marcamos a foda pro outro dia.
Não preciso dizer que não foi essas maravilhas, né? No papel,
quer dizer, no backup daquela conversa, tava ali mais do que
comprovado que nós curtíamos as mesmas coisas. Só que, em
cima daquela cama de solteiro, mesmo enquanto o beijava, só
conseguia pensar que nada daquilo me surpreendia. A foda ficou
tão certa, mas tão certa, mas tão certa, que a gente deve ter perdido
alguma coisa essencial da incerteza. Nessas horas eu até fico
tentada a achar que um dos grandes motores da foda é aquela
incerteza de se o cara vai tentar enfiar um dedo no meu cu de
surpresa. Pelo menos aprendi uma lição, era o que eu pensava até
bem recentemente.
Thiago puxou assunto por mensagem privada no Instagram.
Nunca entendi qual é a lógica aleatória do meu cérebro pra decidir
pra quem dou mole, mas, naquela primeira mensagem, já apitou um
“vai fundo”. Conversei um pouco e decidi que, no fim das contas,
minha vida já tava complicada o suficiente com a volta do Mateus (já
que ainda tava iludida achando que tinha voltado de vez) e, de vez
em quando, com o João, portanto, talvez fosse melhor só ficar na
minha. Depois que Mateus foi embora, decidi levar a sério o
conselho do psiquiatra de me exercitar diariamente e até embarquei
de verdade no Crossfit, depois de ter feito uma aula experimental
para cobrir a mentira que tinha contado para a minha família. Estava
focada em tornar o meu trabalho mais agradável, tinha pedido
aumento pro chefe, estava me alimentando melhor e, confesso, já
sentia algumas mudanças no meu corpo com apenas um mês de
atividades frequentes. Claro que ter feito academia antes me
ajudava.
Um dia, saí do treino às 20h, e postei um vídeo levantando peso
pela primeira vez. Eram só 10 kg, ainda não tinha conseguido
passar disso, de toda forma, ninguém precisava saber que era
pouco e queria dividir aquilo. Eu me meto em cada uma. Então,
Thiago voltou a puxar assunto (Mateus também, mas ignorei) e foi
daquelas coisas loucas, sabe, parecia que tinha adivinhado o dia da
minha carência fodida. Quando dei por mim, conversar com ele
tinha se tornado rotina e, por mais que tentasse não me empolgar,
era difícil não comemorar um homem com uma barba farta daquela
que ainda por cima parecia ter o meu senso de humor, nera?
Ele queria me comer, tava na cara, não podíamos chegar em
nada perto de uma insinuação de pegação pra ele já me pedir um
nude em piadas cifradas. Mas eu me lembrava do meu quase ex, do
boy do Tinder e recusava. Recusei, recusei, até que um dia acordei
tão gostosa que me senti obrigada a registrar. E daí fiquei com o
nude ali, na tela do celular, pedindo, não, implorando para ser
apreciado, por um “tá de parabéns, hein?” que fosse. Mandei pra
ele.
Com o tempo, ficou ainda mais difícil. Tentei seguir a regra do
quase ex, mas, um dia, eu tava lá, de pijama, com o celular na mão,
ele em outra cama, de cueca, assistindo jogo, com outro celular na
mão. Digitando…
“O que cê tá fazendo?”
“Já tô deitada, decidi dormir cedo hoje. E você?”
“Também deitado”, enviou e logo em seguida começou a digitar
uma nova mensagem. “Mas, me diz, tá vestindo O QUÊ?”
Fiquei rindo da cara de pau dele. Olhei prum lado, olhei pro outro,
escolhi responder.
“Tô vestindo um shortinho rosa e uma camisa branca soltinha…”
“Hum…”
“…com letras verdes, onde se lê ‘Tá tranquilo, tá vacinado’.”
“Claro, sempre bom garantir que todas as vacinações estão em
dia, né?”
Eu ri. Ele começou a digitar novamente, mas antes da mensagem
chegar, enviei:
“E o que você queria fazer comigo?”
“Pera, cê não tava me zoando?”
“Tava, mas agora tô com vontade de ver no que isso pode dar,
sabe? Quer me lamber onde, Thiago?”
Devia ter parado ali. Odiava fazer as coisas já sabendo que podia
ser um erro, pensava batendo a mão na testa enquanto o celular
concluía o download de uma foto do pau dele. Prendi a respiração,
olhando o pau negro, grosso e de tamanho admirável de Thiago.
Confessei que tinha ficado com água na boca, também me sentia
molhada em outro lugar, mas quis tirar uma dúvida.
“Por acaso isso é uma cueca do Super Homem?”
“É sim, você ficou completamente seduzida, né?”
“Bom, sinto te desapontar, Thiago, mas eu não manjo nada de
quadrinhos.”
“Olha, Vanessa, se você quiser, vai ser um prazer te mostrar mais
coisas.”
“Posso te mandar um nude pesadão?”
“Essa é a hora certa prum nude pesadão, sabe?”
Hesito por alguns instantes até criar coragem (espero que ele não
me ferre, suplico pra mim mesma) para mandar um close da minha
buceta molhada. Ele responde com um áudio. Tem uma voz bonita,
um leve sotaque carioca e me diz todas as coisas certas. Vai me
chupar, quer muito me comer, não diz de um jeito forçado, é meio
sem jeito e engraçado, repete meu nome várias vezes, enquanto
escuto um clec clec de uma punheta sendo batida ao fundo. Perco a
vergonha e gravo um áudio pra ele, enquanto começo a me
masturbar. Quero sentir aquele pau dentro de mim, que tesão do
caralho, Thiago. Continuamos por áudio até eu gozar. No momento
do gozo, gravo do jeito que consigo, pra que me ouça gemendo. Ele
me diz que também goza. Modéstia à parte, acho que gemo legal.
Depois do sexting, nos despedimos para dormir. Começo a ficar
ansiosa em relação a ele. Agora eu quero mais, mas ele mora em
Niterói.
22
“Tô muito ansiosa pra te ver”, enviei antes que pudesse pensar
duas vezes, mas era verdade. Estava tão ansiosa, há tantos dias,
que a conversa, antes fluindo naturalmente sobre qualquer assunto,
agora não passava de sinônimos pra “quero te ver”.
A resposta demora e, como ele é do tipo que desativa as
notificações de leitura, não sei se leu ou não. Dou uma espiada na
janela ao lado da minha cama e assisto, espantada, à mudança do
tempo. Acordei achando que era um dia bonito e cheio de
oportunidades promissoras, como ir à feira, correr na praia, sair pra
tomar um café ou simplesmente começar um livro novo. Mas as
nuvens se moviam numa velocidade atípica e metade do céu já
exibia uma coloração acinzentada sem graça.
Acordei achando que era bonita e interessante, feliz por ter
alguém atraente que parecia devolver o meu interesse na mesma
moeda. Mas isso tinha sido antes daquela mensagem. Talvez já
tenha dito isso demais. Será que ele vai achar que estou levando
tudo muito à sério? Será, será, será, será, será, vou lendo na nuvem
que avança cada vez mais rápido deixando o dia estranho. É difícil
não saber com o quê estou lidando. Há poucos minutos fazia sol,
agora, não sei mais o que esperar e, de alguma forma, o silêncio me
encara e diz que a culpa é minha.
Tenho esse poder de deixar tudo pesado, de complicar, de nublar.
Sou eu. O João, o Mateus, o Thiago, fui eu. Passo pelo espelho do
guarda-roupa e volto, assustada, pra constatar que acordei na
minha versão de louca. Nada ali é tranquilo, tudo diz desespero. Sei
o que acontece, mas ainda assim faço o teste: experimento dizer “tô
muito ansiosa pra te ver porque parece que a química vai ser boa e
curti demais aquela foto do seu pau”, porém, o som que sai da
minha boca é diferente e soa, inconfundivelmente, com “estou
completamente apaixonada por você e não quero nada menos que
um relacionamento monogâmico e estável”.
Abaixo a cabeça desanimada, já estou familiarizada com aquilo.
É chato e demora a passar, às vezes, permanece por meses.
Dependendo do cara, a experiência é tão chocante que ele nunca
mais consegue me ouvir. Quer dizer, tô pressupondo que algum
deles já me escutou realmente, mas não tenho essa certeza. Na
verdade, quando isso acontece com um cara por quem nem estou
tão interessada, até acho graça e brinco. Já sei que “nossa, podia
transar com você toda semana” vai soar como “estou querendo
engravidar e acho que nosso filho seria lindo, espero que puxe o
seu nariz” e digo de propósito para ver sua fisionomia se fechar
como o dia de hoje.
Com Thiago, é diferente. Não quero que corra, não agora. Não
quero que comece a medir cada gesto e a economizar em cada
carinho. Quero saber como pode ser por inteiro antes que
comecemos a escrita em entrelinhas. Digo para o espelho que não
quero jogar e prometo ser sincera, mas o som que escuto é “quero
namorar, posso estar dizendo que estou de boa, mas é tudo parte
de um jogo para que você esteja namorando comigo antes que
possa se dar conta”. Tenho vontade de chorar e me desespero
pensando se ainda vou encontrar uma forma de dizer o que sinto e
soar exatamente como gostaria. O espelho frio sugere que o melhor
é não falar, nunca falar. Essas coisas acontecem porque você
insiste em falar!, censura.
Olho decidida pro meu reflexo de louca e planejo mentalmente
que não vou mais falar. Vou deixar acontecer, calada. Balanço a
cabeça satisfeita com a minha decisão e percebo que minha
imagem começa a voltar ao normal. Vai passar! Não vou estragar
tudo dessa vez, prometo para mim mesma e decido sair da frente do
espelho para passar um café.
Ele responde a minha mensagem com um áudio de dois minutos.
Encho a xícara de café com leite antes de apertar o play. Beberico
minha bebida enquanto ouço atentamente a mensagem hesitante.
“Não quero namorar, ainda estou traumatizado com meu último
relacionamento”, ele repete por dois minutos das formas mais
diferentes possíveis e não consigo não me sentir cansada. Olho pra
xícara cheia e acho irônico que meu único pensamento seja o de
que o leite está derramado.
O sentimento que ganha é uma certa tristeza, mas, confesso, ela
também divide espaço com uma porção de raiva. Decido terminar
de beber o conteúdo da xícara antes de responder e então aperto o
botão de gravar. Do outro lado aposto que Thiago ouve:
Eu entendo que você saiu de um relacionamento há pouco tempo
e não quer algo sério no momento. Mas, sabe, acho que isso aqui
não é qualquer coisa. Quando nós nos encontrarmos, tenho certeza
que você vai ficar apaixonado e não vai pensar em outra coisa
exceto me pedir em namoro. Tá na cara que é isso que vai
acontecer.
Ao fim do áudio ecoa a minha risada. Na minha cozinha, continuo
rindo com sarcasmo do que disse. “Olha, não vou mentir: gosto de
conversar contigo e tu parece ser um cara interessante, sabe? Mas
daí achar que quero namorar quando ainda nem sei se tu me come
bem, acho meio forçado. Sei lá, sair contigo é tranquilo, mas, na
real, nunca parei pra pensar se realmente te aceitaria como parceiro
sem saber se tu bebe demais, se não vai deixar a pia sempre cheia
de louça, se ao menos lava as cuecas, saca?”
Levanto pra preparar uma tapioca e colocar alguma coisa além
de café na barriga. Deixo o celular na mesa, pois acho que, muito
em breve, vai parar de me responder. Ouço a vibração na bancada
e desbloqueio a tela pra descobrir que chegou um novo áudio dele.
A voz dele é amistosa e reconfortante, se desculpa pelo áudio
anterior e diz que está muito defensivo porque realmente não ficou
bem depois da última namorada, tem medo de me magoar.
“Mas eu sei que não deveria ficar te falando isso, porque com
você sempre dá pra conversar e resolver. Acho que a gente
conseguiria transar e ficar de boa, sabe, Vanessa?”
“Olha, acho que tenho que concordar contigo, Thiago.”
23
Ao todo, estávamos conversando há dois meses e, Thiago não
sabia, mas tava pensando em tentar encontrá-lo nas férias. Ainda
não tinha tido coragem de jogar a ideia, mas já tava meio que
planejando. Minha chefe me informou que a partir de fevereiro do
próximo ano seria possível tirar esses dias e eu poderia passar uns
dias em São Paulo e reservar, sei lá, uma semana pra ir pro Rio.
Queria jogar essa sugestão, ele mesmo já tinha até feito uma piada
sobre passagens da Gol pra visitar “alguém do outro lado do
mundo”, mas ainda era dezembro e fevereiro parecia tão longe.
Decidi perguntar logo, mas antes de digitar a mensagem, recebi um
e-mail estranho. Empalideci no assunto “Re: Trabalhe Conosco”.
Tentei fazer minha cabeça voltar a funcionar, não me lembrava de
ter me inscrito para nenhuma vaga de emprego, pelo menos, não
pelos últimos quatro ou cinco meses. Só lembrava de… Abri o e-
mail e confirmei que a resposta era pra uma vaga no Rio, para a
qual tinha me inscrito em agosto.
“E agora?”, perguntei no grupo de Whatsapp das minhas amigas.
“Vai pra entrevista, Vanessa! Tu odeia teu trabalho”, Luísa foi a
primeira a responder.
“O salário é bom?”
“É mais que o dobro.”
“Vai, claro que vai”, Jéssica aparece.
“Mas o que eu falo aqui? E as passagens?”
Jéssica me ajudou com a mentira que eu diria pra minha chefe e
Luísa me mandou começar a procurar as passagens. Voltei pra casa
com uma liberação e passagem marcada pro Rio de Janeiro pra dali
a sete dias. A entrevista caía numa terça e o voo de volta era na
quinta de manhã. Antes de enviar uma mensagem pra amiga que
sempre me hospedava por lá, contei da viagem inesperada pra
Thiago. E agora tinha que aguentar esse frio na barriga.
Olho pro relógio e constato que ainda tenho pelo menos uma
hora pra imaginar tudo que pode dar errado. Pode não ter química,
ele pode ficar nervoso, pior, ele pode tremer, posso ser afoita, o
beijo pode ser simplesmente ruim. E se eu não lubrificar nada? E se
ele broxar? E se eu não gostar do cheiro ou do sorriso e tesão zero?
E se quiser sair correndo, mas decidir ficar um pouco mais por
educação, e ele ficar me lançando aquele olhar de “não sei se você
quer que eu te beije, por favor me dá uma pista”? Thiago faz muito
esse tipo de coitadinho, que amo e odeio ao mesmo tempo. Será
que vai rolar climão quando a gente se olhar?
Da janela, vejo ele, com a roupa do trabalho, me esperando na
praia. Então, ele vê meus tênis, minhas pernas e depois meu corpo
todo na medida em que desço as escadas estreitas de um desses
ônibus mais caros que fazem o percurso Rio-Niterói. Caminho em
sua direção com um sorriso no rosto, tentando disfarçar a vergonha.
“Finalmente”, digo e nos abraçamos sem jeito. Ele me segura um
pouco mais no abraço e chego perto de seu ouvido pra dizer num
sussurro.

“Sabe, Thiago, eu preciso mesmo fazer xixi.”


24
Meu voo tá atrasado e não tenho o que fazer enquanto aguardo,
quer dizer, trouxe o livro que Marcelo me emprestou, mas não
consigo pensar em nada que não seja essas duas noites que dormi
com Thiago. Ainda nem sei se o espresso fez efeito e se estou
completamente desperta, na real. Sei que acordei muito cedo, umas
5h da manhã, junto com ele. Tomamos banho, nos vestimos e
caminhamos até o lugar onde ele pegou um ônibus pralgum ponto
do Rio, enquanto peguei o que me deixaria no Galeão. Acho que
não consigo parar de pensar nisso porque não quero perder
nenhum detalhe. Contive o desejo de escrever alguns versos sobre
ele ainda que soubesse que isso ainda ia acontecer. Por ora, não
quero abstrair, romantizar, não quero nada que vá além do que
aconteceu.
Quando fecho os olhos ainda sinto o frio na barriga e o primeiro
beijo que me inebriou. Foi a conclusão perfeita para aqueles dois
meses de conversas e o caminho insosso no uber até o seu
apartamento. Thiago parecia um pouco relutante e menos
engraçado ao vivo, mas já tinha imaginado que isso aconteceria. Às
vezes acho que isso também tem a ver comigo. Consigo ser muito
solta nas conversas virtuais, ao vivo, me sinto um pequeno coelho
acanhado, mas gosto de acreditar que me veem como uma fêmea
intimidadora.
Thiago se perdeu num monólogo sobre quase ter se atrasado
para me encontrar, o que explicava as roupas sociais que vestia em
vez de uma camiseta de super-herói qualquer. Eu acenava com a
cabeça e me sentia grata por ele estar se empenhando em quebrar
o gelo.
Subimos no elevador fazendo comentários sobre o prédio rosa e
gracioso onde ele morava e finalmente entramos na sua casa.
Coloquei minha mochila no sofá, enquanto ele pegava água pra nós
dois e se desculpava pela bagunça, a diarista não tinha podido ir no
dia anterior. Lembrei que eu tinha exigido a casa toda arrumada pra
me receber e que ele tinha brincado, dizendo que na hora que
estivesse me comendo, ia falar no meu ouvido: “o que você achou
da minha colcha de cama, Vanessa? Elogia minha colcha, vai”.

“A diarista não veio, mas você trocou a roupa de cama, né?”,


provoquei.
Thiago se mexeu agoniado. “Olha, Vanessa, confesso que esse
detalhe passou completamente batido, mas se você fechar os olhos,
assim, por uns 10 minutos, a gente pode fingir que estava tudo ok”,
disse dando um passo em direção ao quarto.
“Thiago!”, só tive tempo de reagir, chamando o nome dele. Queria
dizer que não precisava, que era só por conta da nossa piada
anterior, que eu só queria quebrar o gelo, só queria…
Ele congelou os passos ao me ouvir e se virou na minha direção.
Quando dei por mim, na real, não dei por mim. O que ficou na minha
cabeça foi uma espécie de colisão dos nossos corpos. Lembro que
o sentia inteiro contra mim, mas nenhum dos dois parecia estar
colocando força no abraço. Eu bagunçava o seu cabelo enquanto o
beijava sem parar, sem conseguir pensar em nada pra fazer depois.
Não sei o que teria acontecido se tivéssemos parado pra respirar,
pra nos ajeitar, pra tirar o sapato. Sei que não paramos por um
tempo que parecia uma eternidade de endorfina, andamos pela
casa, esbarrando em tudo, daquele jeito. No quarto, Thiago
começou a tentar tirar minha roupa do jeito errado. Talvez eu ainda
consiga lembrar de tudo o que dissemos, todos os detalhes.

“Tem que abrir o zíper, viu, atrás”, avisei antes que ficasse irritado
com aquele obstáculo. Na mesma hora, meu vestido se afrouxou.
“Imaginei que cê não soubesse”, comentei rindo. “Gostou?”,
perguntei quando ele parou um segundo me examinando de
calcinha e sutiã, “Que bom”. Deixei que me beijasse novamente.
“Mas é meio injusto cê ainda estar todo vestido, né?”
Thiago tirou a blusa de dentro da calça e desafivelou o cinto,
enquanto eu comentava, “Já parou pra pensar que essa parte é
sempre frustrante? Nunca é sensual como nos filmes. É sempre
meio sem jeito, o botão não quer abrir, a calça engata no pé… Tipo
isso”, comecei a rir apontando pra Thiago meio desequilibrado
tirando a calça. Ele revirou os olhos. “Ops, achei que cê tinha feito
de brincadeira.”
“Engraçadinha, essas calças são meio chatas de tirar, tem que
puxar por baixo, sabe, Vanessa? É todo um esforço”, explicou
enquanto eu ria. “Deixa de graça, vem cá, vem”, me puxou e
recomeçou a me beijar com o mesmo tesão de antes. Tentei enfiar a
mão na sua cueca. “Hum…”, comentou entre beijos, me ajudando a
puxar o elástico da cueca, “Essa cueca é meio apertada mesmo,
mas, olha, tá ótimo”, eu o masturbava de leve e Thiago retribuía por
dentro da minha calcinha. “Cê gosta assim, né?”, perguntou no
mesmo instante em que gemi e fiz menção de abaixar a sua cueca,
agoniada. “Calma! A gente vai chegar lá.”
“Deixa eu tirar logo essa cueca, Thiago, quero te chupar”,
terminei a frase fazendo cara de fofinha e ele assentiu. “Tá animado
mesmo, né?”, ri vendo o seu pau pular da cueca em minha direção.
Comecei a masturbá-lo e, por um tempo, o silêncio reinou. Homens
silenciosos no sexo às vezes me deixam aflita, como era nossa
primeira vez, precisava ainda descobrir como ele gostava. “Tá bom
assim?”, perguntava e voltava a chupar. “Quer que eu também te
masturbe com a mão? Vou fazer devagarinho, tá?”
“Hã? O quê? Tá ótimo, Vanessa, tá muito...”, olhei pro seu rosto
com o pau na boca a tempo de ver a palavra “bom” se desenhar nos
seus lábios, sem que nenhum som saísse. Ele parecia
completamente perdido e isso me fez lubrificar ainda mais.
“Eu quero que você me coma, vem, fica por cima”, levantei de
uma vez sem conseguir mais segurar e me joguei na cama ao nosso
lado. Thiago olhou para a minha buceta e começou a se inclinar
como se fosse me chupar, mas o impedi. “Não, não, agora não, vou
querer depois, agora te quero dentro de mim. A camisinha tá
perto?”. Ele se virou para o criado mudo enquanto eu sussurrava
“pega logo”.
“Prontinho”, ele exibiu o pau empacotado antes de passar a mão
na minha buceta. “Hum, tá bem molhadinha”, comentou enquanto
eu tentava puxá-lo pra mim com as pernas. “Tô indo”, enfiou
“ahhhhhh. Caralho!”.
“Caralho”, concordei sentindo seu pau me preencher, era
realmente grosso. “Tira todo e entra de novo”, ele me obedeceu.
“Aaaaaai. Tá perfeito, tá muito gos…”
“Caralho, que buceta hmmmm...”
Passamos algum tempo sem conseguir formar palavras. Pra mim
pareceu mais uma eternidade, durante a qual tentei decorar tudo.
Jurei que o cheiro dele era muito másculo porque não sabia
encontrar outra palavra, era um cheiro de pele e suor que, descobri
naquela hora, me excitava. Thiago suava por todos os lugares,
estávamos completamente encharcados, era verdade, mas isso só
me dava vontade de pedir mais, me afogar nos lençóis dele. Não
parecia cansado, nem perto de gozar, e eu sentia seu saco
balançando e batendo na minha bunda de um jeito que era
engraçado e surpreendentemente gostoso.
“Quando cansar me avisa, tá?”, achei por bem falar, já que não
tínhamos mudado de posição ainda.
“Tá tranquilo. Deixa só eu te ajeitar. Vou passar essa perna pra
cá, ok?”, respondeu colocando minha perna no seu ombro. “Assim
fica bom, não tá te incomodando?” Fiz que não e perguntei se não
fazia muita pressão no ombro (realmente preciso me alongar mais).
“Não, tá tranquilo no meu ombro, tá pesando não”, recomeçou a me
comer. “Gostosa, porra, que gostosa. Quero te fuder muito”,
comentei que podia ficar transando com ele por muito mais tempo.
Ele riu com o canto da boca “é, dava pra ficar assim por um bom
tempo. Tá bom, né?. Ahhhhh”, gemeu quando deu uma acelerada
no ritmo.
“Vem, ah, vem, (ah ah ah), tu vai me mataaaaaar”, soltei e Thiago
parou como se achasse que estivesse fazendo algo errado. “Hã?”,
demorei pra entender, “Tá ótimo! Falei no bom sentido, sempre acho
que vou morrer mesmo. É que tem uma hora que vem uma
sensação que parece que vô AHHHHHHHHHHHHH (desgraçado)”.
Ele soltou um sorriso maldoso e satisfeito.
“Quando tu cansar avisa, tá?”, voltei a repetir sem acreditar que
ele ainda nem estava perto de gozar enquanto eu já sentia meu
corpo tremer como se fosse se dilacerar.
“Tô de boa, mas cê quer mudar de posição? Pode ser de quatro.
Tanto faz, posso ficar na cama ou fora, acho que não vai fazer
diferença, cê que diz”. Sugeri que ficasse em pé e me deitei de
bruços com as pernas de fora da cama. Mal nos ajeitamos, ele
voltou a me penetrar. “Por mim tá bom assim, sabe, a vista é linda
daqui”. De quatro, o pau de Thiago me estimulava ainda mais e o
saco batia certinho no meu clitóris. “Geme pra mim, vai safada!”, eu
fazia praticamente um escândalo. “Quer mais rápido? (Ahhhh)
Posso te dar um tapa? Mais forte? Esse gemido tá me deixando
louco, geme vai, tá gostando do meu pau?”
“Não guento AHHHHHHH”, disse quase sem ar sentindo o meu
útero se contrair e fincando as unhas no colchão já sem nenhum
lençol. “Vem cá, vem cá”, sussurrei, esticando meus braços para
trás e puxando a sua perna pra mim. Thiago parou e ia sair de mim.
“Não tira, só deita em cima de mim, me come assim. Deixa só eu
passar minha perna aqui por baixo, isso, tá gostoso pra você? Pra
mim tá ótimo”, continuamos.
*gemidos e sons incompreensíveis*
“Eu acho que tô chegando perto, não sei se aguento muito mais”,
ele me avisou. “Nontepobema”, foi o som que consigo fazer com o
polegar de Thiago enfiado na minha boca.
Ele gargalhou e comecei a rir também, mas quase engasguei
com o seu dedo, o que fez com que ele risse mais. “Porra, Thiago,
para de rir! Tu que não tirava a porra do dedo da minha boca. A
culpa não é minha.” Ele tentou parar de rir pra falar.
“Desculpa”, continuou rindo alto, “desculpa, foi inesperado, só
isso”, riu mais um pouco. Me remexi embaixo dele e empurrei o seu
corpo pro lado. “Vem cá, não faz assim, vai, vem cá, eu deixo você
me punir”, tentou consertar
“Não sei…”, me fiz de difícil, “Tá, tudo bem, vou ficar um pouco
por cima”, me ajeitei e comecei a quicar em cima dele. Thiago se
preparou pra me masturbar, mas eu antecipei. “Calma, se for me
masturbar tem que ser bem leve, ok?”, ele sorriu e começou.
“Aimeudeus (assim)”.
Minhas pernas começaram a ficar doloridas, sentia o músculo da
coxa emitir aquela sensação de rasgação. “Pera, acho que se eu
deitar um pouco é mais fácil pra mim. Não tenho muita coordenação
motora. Ficou bom, né?”, Thiago começou a fazer sua cara de
desnorteado.
“Caralho, Vanessa, tu é muito gostosa.” Perguntei se precisa
acelerar. “Não, tá ótimo, faz no teu ritmo. Não tem ninguém
reclamando aqui, tem? Eu tô tipo (ahh) no céu, sabe? Tá muito bom,
cara, que coisa linda te olhar sentando no meu pau.” Ele disse e eu
percebi minha bunda se balançando. Empolgada com os elogios,
voltei a levantar o tronco pra me exibir um pouquinho. “Isso, rebola,
rebola, dá vontade de agarrar essa bunda com toda a força
(aaaahhhh)”, ele disse com as duas mãos espalmadas na minha
bunda, mas rapidamente voltei a sentir a coxa latejando. (Porra,
agachamento!) Ele percebeu que meu movimento desacelerava.
“Não, tudo bem, se precisar parar um pouco, sem problema.”
“Acho que se eu mexer a perna assim”, coloquei os pés no
colchão para ficar de cócoras, “fica mais fácil de pegar impulso”,
testei. “Beeem mais fácil, tá vendo?”
“Taquepariu”, ouvi Thiago soltar entre dentes cerrados.
“Pega no meu peito, isso. Ahh, ahhh, ahhh. Que delícia, cara.
Fazia tempo que queria sentar em você”, confessei. “Olha, Vanessa,
estou a sua disposição, sabe? Assim, pode contar comigo”, ele
disse do mesmo jeito que eu amava escutar nos áudios de
WhatsApp. “Tu tá à disposição, é?”, ri e joguei a cabeça pra trás,
“olha que posso querer de novo, hein? Vou voltar pra posição de
antes, tenho mais velocidade”, fiz menção de mover a perna, mas
Thiago me segurou.
“Não, segura mais um segundo assim, eu vou AHHHHHHHHHH.”
“Ufa, que bom que deu certo, né? Também cansei.”
“Meu deus, eu tô acabado, Vanessa.”
“Pode descansar”, disse carinhosamente e depois sussurrei, “mas
só 15 minutos”.
Thiago me levou para jantar num boteco, voltamos pela orla,
pegamos alguns pokemons e voltamos pra casa. Transamos mais
uma vez e já devia passar das duas da manhã quando
adormecemos. Ele acordou às 5h pra trabalhar e eu fiquei dormindo
até as 10h. Saí pra tomar café da manhã e pra almoçar e fiquei
dando voltas pelo bairro até a hora dele sair do trabalho. Transamos
assim que chegou. Na noite anterior, eu tinha perguntado se não
queria ir tomar uma cerveja com dois amigos meus que também
estavam na cidade, ele tinha dito que sim, mas teve um imprevisto
no trabalho. Disse que eu não precisava ficar, mas fiquei. Então ele
abriu um panetone e pediu uma pizza, enquanto eu lia Gamiani ou
Duas noites de excesso, o livro que Marcelo me emprestou, no sofá.
Comemos a pizza e conversamos por horas no sofá. Quando
decidimos deitar, Thiago me olhou com carinho e disse que até ficar
só sentado conversando comigo era gostoso. Transamos de novo e
dessa vez eu quis chorar, não só porque a barriga tava cheia e eu
não conseguia cagar na casa alheia ainda mais depois de ter
comido tanto queijo, ou não só porque tava com os hormônios à flor
da pele a poucos dias de menstruar, mas porque eu odiava dizer
adeus e porque tinha algo de muito triste na quantidade de vezes
em que ele repetiu que a gente ia se ver de novo com certeza. Meu
cérebro dizia vocês não vão mais se ver, mas meu coração dizia
que iríamos, era tudo verdade, olha o jeito que ele me olha, olha o
jeito que a gente fode. Sorri de um jeito confiante, mas, na verdade,
queria chorar.
25
“Não estou surpresa com o sumiço dele, sabe?”
Respondo pra Luísa depois que me pergunta de Thiago. E ainda
completo “ele vive dizendo que tem trauma do último
relacionamento e nós moramos em estados diferentes.
Racionalmente, não faz o menor sentido, né?”.
“É, miga, acho que ele pode ter ficado um pouco amedrontado
com a conexão que cês tiveram.”
Sorrio pra tela do celular e quase digo pra Luísa que a amo. É
muito fofo que esteja me dizendo essas coisas que não combinam
nada com as linhas de raciocínio que costuma seguir, acho que
sabe o quanto tô triste. Por isso não diz o que provavelmente tá
pensando: então, ele só queria te comer, né?
Essa é a explicação mais difícil de aceitar, não porque eu ache
dolorosa, mas porque espero mais dele e, no fundo, acredito que
Thiago não me subestimaria. Não preciso ser enganada pra ter
vontade de transar com ele. Nesse aspecto, acho que respeito muito
o meu desejo, sabe? Se eu vejo um cara e o acho atraente, já não
me faço de rogada. Dependendo do cara, o esforço que talvez ele
tenha que fazer pra me pegar seja apenas o de ficar calado e não
me decepcionar com alguma merda machista antes que eu esteja
perto de gozar. Com Thiago, sinto que jogamos o mesmo jogo em
condições quase iguais, é óbvio que só fomos até o fim porque
estava divertido continuar.
Mas isso não me ajuda a entender e, mais que entender (meu
psiquiatra me recomendou parar de procurar explicações pra tudo,
aliás), não me ajuda a não ficar triste porque faz mais de 12 horas
que Thiago tá me deixando no vácuo. Antes disso, ele já tinha
começado a demorar uma ou duas horas pra me responder e eu
fingia que não notava ao mesmo tempo em que já voltava a
repassar os dois dias anteriores em busca do que eu poderia ter dito
de errado. Lembrei de um momento em que ele disse que não
queria um relacionamento, o contexto da conversa me foge, mas
lembro que disse e eu dei uma bufada impaciente. “Thiago, as
pessoas têm que parar de achar que relacionamento significa
relacionamento estável e monogâmico. Isso que a gente tem até
agora, essas mensagens que a gente troca diariamente há dois
meses, isso é um relacionamento, tu entende? Não é como se eu
fosse te pedir mais, o que a gente tem agora tá ótimo pra mim.” Não
lembro que cara ele fez, talvez não tenha tido coragem de encará-lo
quando disse.
Enquanto finjo que trabalho na frente do computador, me retraio
com a constatação de que Thiago não estava mais disposto nem a
manter o que a gente tinha. No fundo, não sei se seria suficiente pra
mim – confesso que ainda não tinha desistido da ideia de passar as
férias com ele –, mas acho que me sentiria mais feliz que agora.
À noite chega uma nova mensagem dele. Uma mensagem vazia
em reposta a uma outra mensagem vazia que eu tinha enviado no
dia anterior. Penso em não responder para, quem sabe, devolver o
sofrimento que ele me causa. Porém, quando o porteiro interfona
pra avisar que tinha encomenda pra mim (meu aspirador novo!),
penso que mulheres com aspiradores não têm mais idade praquela
merda.
“Então, Thiago, não queria ter esse tipo de conversa, mas tô
achando que tu tá mais distante. Aconteceu alguma coisa?”
“Bom, aconteceram algumas coisas na minha cabeça. Me
desculpa, Vanessa, você é sensacional, fora de série, maravilhosa,
não tem nada a ver com você. Essas coisas acontecem comigo de
vez em quando, sabe, desculpa não estar falando tanto, não queria
que isso te deixasse triste.”
Tento ler a mensagem como se fosse uma boa notícia, acho
difícil.
No dia seguinte, não falamos quase nada e, assim, a conversa
vai rareando, ainda que sempre me responda de forma muito
simpática e carinhosa. O problema pra mim é que não parece
mesmo tão interessado quanto antes.
Recebo uma resposta sobre a entrevista de emprego que fiz no
Rio. Tremo por alguns minutos antes de abrir e, quando crio
coragem, descubro que ainda não há um resultado.
“Recebi um e-mail da empresa lá e eles querem conversar
comigo por Skype.”.
Penso em jogar a mensagem no grupo das amigas, em vez disso,
mando pra Thiago. Tenho quase certeza que não vai dar pra mim,
não vou ficar com a vaga, mas, no fundo, quero que saiba que tem
alguém interessado em mim, mesmo que não no mesmo sentido em
que queria que ele estivesse. Ele faz a maior festa, me parabeniza,
diz que tem certeza que não conseguiram resistir ao meu sorriso e
inteligência. Digo que acho que não vai dar na verdade, tinha muito
mais gente qualificada no dia da entrevista, ele me conforta e tenta
me animar.
“Às vezes eu fico surpreso com o quanto você é uma boa
redatora, sabe?”
Fico feliz que minha estratégia tenha surtido efeito, ele me admira
afinal, mas por que isso não me deixa mais feliz?
“Eu sou normal, Thiago.” Em seguida acrescento, “Sabe, é bom
estar conversando assim de novo com você”.
A conversa prossegue até que me pego confessando que me
senti muito mal com o distanciamento dele, me sentia rejeitada.
“Você se sentiu usada? Tipo, como se eu só quisesse transar
com você?”, ele pergunta de volta.
Leio e quase tenho um surto de raiva.
“Não, Thiago, não tem nada a ver com se sentir usada. Eu
sentiria a mesma coisa se você tivesse parado de me escrever
depois de olhar a minha cara ou depois de ler um poema meu. Não
tem a ver com sexo, saca? Eu usufruí da nossa transa tanto quanto
você (talvez mais, penso). Sei lá, acho que é mais medo de você ter
me conhecido e visto que não era o que esperava.”
Medo de que todo mundo se entedie comigo depois que meus
truques já estão revelados, como na música Liability, da Lorde.
“Não, Vanessa, não tem a ver com você.”
Vai te páporra!
Foda de homem é isso. Sabem dizer que a culpa não é nossa,
mas assumir uma parcela disso, nem pensar. Espero um pouco pra
ver se ele complementa, se vem uma explicação a mais, se diz que
é ele, é ele porque…
tá apaixonado por outra garota. não conseguiu superar a ex
mesmo e toda vez que fica com alguém não consegue não pensar
em como era melhor com ela. quer pegar geral. não quer pegar
ninguém. tá com uma doença terminal e não quer me envolver
nisso. foi diagnosticado como bipolar. acha que não aguenta um
lance a distância apesar deu ser ótima.
Ele podia só escolher uma explicação mixuruca qualquer e me
ajudar a seguir em frente.
26
Thiago posta uma foto de cabelo molhado com um sticker de
gorro de Papai Noel e uma camisa listrada no stories do Instagram,
na véspera do Natal. Não tô sendo stalker. Minha mãe e minha irmã
estão no apartamento pro Natal e não tenho muita coisa pra fazer
enquanto elas discutem por alguma coisa que alguém deveria ter
vigiado no fogo. Estou vendo todas as postagens que aparecem pra
mim, inclusive as do Mateus e, agora, do Thiago. Tiro um print da
foto torcendo pra que ele não seja notificado, mas não me contento
só com isso, comento que tá lindo. Ele agradece, me elogia de volta.
Decido checar o perfil dele e vejo que ele tem duas fotos novas que
não curti. Na verdade, estou evitando fazer isso pra, mesmo
achando que ele nem percebe, fazer com que sinta que tô dando
menos atenção.
Acabo pensando que isso é bobagem, a gente tá falando com
uma frequência boa desde a minha mensagem sobre o resultado da
entrevista e ele sabe falar o que eu quero ouvir, confesso. Volta e
meia comenta sobre alguma foto minha no privado, me chama de
gostosa, e, quando um dos dois fica bêbado, nossas mensagens
são sempre sobre o quanto foi bom transar com o outro. A gente faz
planos de cu, de chupadas – afinal, um dos meus maiores
arrependimentos foi ter pedido pra ele pular essa parte – de
trepadas épicas e de vários repetecos. Então, de alguma forma,
sinto que não perdeu completamente o interesse em mim, mas que
também não posso esperar nada além disso. Apesar de esperar
sim. Por isso me censuro, repito que não devo, enquanto minha
cabeça finge que é apenas uma contagem regressiva até o dia em
que ele descobrirá que quer ficar comigo porque a gente consegue
conversar e transar bem. Não tô sendo madura, tô sendo paciente,
porque acho que é importante me dar algum crédito e acreditar que
o que a gente tem é especial, como sinto que é.
Decido que posso jogar a resolução de não curtir as fotos dele
pro alto. Não é a garota indisponível que quero interpretar, quero ser
a moça boazinha que tá ali sendo amável o tempo todo. Sempre
gosto mais dessas nos livros. Gosto de ver como elas se dedicam
pro que querem, sei lá, eu gosto de gente que sabe o que quer. Eu
mudo muito de ideia. Vou curtir essa foto sim, porque ele é bem fofo
tirando selfie com a mãe. Dou dois cliques sobre a foto e rolo a tela
para ler os comentários. Thiago consegue ter sempre as melhores
legendas, mas, pelo visto, não sou a única a curtir. Além das
meninas que curtem, ainda tem as que comentam, umas elogiam as
piadas, outras elogiam ele mesmo. Impulsivamente, começo a clicar
em alguns nomes de usuárias e inspecionar suas fotos. São todas
lindas, solteiras, que pulam carnaval, fazem pole dance, têm muitos
amigos e moram no Rio, em Brasília, São Paulo, Curitiba, qualquer
lugar mais próximo que São Luís.
“E se ele também conversa com elas?”, pergunto no grupo das
amigas.
“Amiga, o cara tem um monte de seguidor na internet e, da
mesma forma que ele veio puxar assunto contigo, pode estar
fazendo com muito mais gente. Sinceramente, depois dele ter te
pegado e meio que se afastado, acho que é isso mesmo que tá
fazendo”, Luísa responde.
“Miga, já te disse que eu mesma já puxei assunto com ele antes
de saber que cês tavam conversando. A gente não concretizou
nada, mas, sabe, ele dava bastante corda”, Jéssica entra na
conversa.
“Ai, miga, não sei. Assim, ele pode estar dando em cima dessas
meninas porque afinal tu nem tá lá, né? Mas isso não significa que
ele não gosta de ti”, Marcela me diz.
“Mas a real é que, se isso tá te fazendo mal, tu deveria tomar
uma providência. Sei lá, eu me afastaria”, Luísa tenta ajudar.
“É, Vane, não dá pra ficar mal assim. Ou tu realmente se afasta
ou tenta abrir o jogo com ele e falar dessas questões”, Marcela
sugere.
Fico deitada no sofá, morgada do almoço de Natal, pensando que
esse tipo de conversa é tudo que Thiago não quer nesse momento
da vida. Quero poupá-lo, mas não quero sofrer também. Será que
uma conversa me deixaria mais calma? Será que as respostas dele
seriam o que quero ouvir? Pensar que ele conversa com outras
garotas como conversa comigo me provoca uma sensação horrível.
Como se o que a gente teve soasse irreal, forçado. Mas foi? O mais
engraçado é que não é exatamente o fato de sair com outras
pessoas que me incomoda, eu faço o mesmo – João me chamou
pra sair antes do ano acabar ontem, quando me enviou uma
mensagem de “Feliz Natal” e respondi que tudo bem. O que pega,
pra mim, é imaginar que ele também seja carinhoso e atencioso
com todas, que converse durante horas, que seja como é comigo ou
melhor. Começo a ficar com raiva e, de certa forma, me sinto
enganada, mas não sei localizar o momento do engano.
Tinha um cara na internet, não lembro o nome, que dizia que a
monogamia é a regra nos relacionamentos e que, tudo que foge à
regra, tem que ser comunicado e acordado. Com o Thiago é
complicado, ele me disse que não queria um namoro, mas, na
minha cabeça, isso nunca significou que estava no mercado
investindo em mais de uma garota ao mesmo tempo. Ele deveria ter
sido mais claro?
Quando voltamos a conversar, acabo repetindo que quero vê-lo
de novo. Ainda não saiu o resultado do trampo no Rio, mas, na pior
das hipóteses, eu ainda tinha o plano do carnaval. Ele dá respostas
evasivas que me irritam.
“Será que não dava meio que pra gente marcar uma data, pelo
menos aproximada, de quando seria possível a gente se ver de
novo?”
“Hum… O que você tinha em mente?”
“Carnaval, em fevereiro, acho que consigo.”
“Putz, carnaval não dá pra mim. E tô fazendo planos pros feriados
de abril todos.”
Tenho vontade de jogar o celular na parede. Por um segundo,
penso em nunca mais responder, mas não aguento.
“Thiago, na boa, tu não consegue arrumar um tempo pra mim até
abril? O ano ainda nem virou! Preciso te falar que parece que tu tá
me cozinhando?”
Thiago manda um áudio de dois minutos que começa com um
suspiro. E, em seguida, é só pedrada. Dois minutos de todas as
coisas que não queria ouvir, cento e vinte segundos em que o
roteiro mental que tô escrevendo pra gente é jogado no lixo.
Ele não quer me cozinhar, gosta de mim, me acha incrível demais
pra me deixar mal, pede desculpas se soou assim. Diz que não
queria perder a oportunidade de sair de novo comigo, mas, agora,
acha que seria canalha da parte dele continuar com isso. Porque ele
é uma bagunça, ele não quer relacionamento, ele é a pior espécie
de homem que existe, ele tá quase com uma fobia de criar vínculos,
ele já fez muita merda, muita merda, eu nem imagino, se ele
pudesse, nesse momento da vida dele, parar de sentir vontade de
transar, até faria essa opção, mas o signo dele é escorpião (isso ele
diz ironicamente), então…
Não termina o áudio com nenhuma mensagem conclusiva, mas
simplesmente acaba tudo. Não é uma decisão minha, não é um “se
você ainda quiser nessas condições”, não fica margem pra isso.
Sinto raiva de mim mesma por ter começado a conversa, ao mesmo
tempo, admito que queria ter esclarecido tudo desde quando
voltamos a nos prometer futuros encontros, mas, agora que está
tudo acabado, sinto que vou sentir falta da voz tranquila de Thiago
preenchendo os meus dias.
27
Luísa me chamou pra passar o réveillon com ela, no sítio da
Ester, em São José de Ribamar. Jéssica talvez vá, Marcela tem que
passar com a família, “mas vai ser divertido”, ela me prometeu.
Combinamos de ir no mesmo carro, cedo, pra não ter nenhum
problema com gente alcoolizada dirigindo, e iniciamos a missão de
secar uma grade de litrão na beira da piscina assim que terminamos
de cumprimentar quem já tinha chegado.
A gente adorava ir pra lá, eu, particularmente, adorava porque
nunca tinha muita gente. Eram só uns amigos próximos da Ester, a
maior parte já conhecida, todo mundo tão bacana que eu me
perguntava por que não tentava sair com eles mais vezes ao ano.
Entre um copo e outro, muitos brindes e piadas internas que nem
sempre dava pra acompanhar, alguém começou a botar funk pra
tocar. Lorena, amiga nossa de longa data, tava arrasando no
quadradinho, enquanto eu ficava tentando imitar meio sem
coordenação. Michel e Michael, casal de amigos gays que tinham o
melhor nome do mundo, volta e meia vinham rebolar e pular
freneticamente no coreto com a gente. Luíza e Ester também se
revezavam entre beber, dançar e ficar sentadas olhando pro nada.
Um casal que via pela primeira vez nas festas do sítio veio se juntar
a mim e Lorena na pista.
Em um momento da festa, Michel começou a reclamar que não
tocava Anitta e Ester teve que fiscalizar a lista do Spotify para
impedir que os bêbados continuassem a estragar a ordem. Meu
fechamento já tinha tocado três vezes e ainda não estávamos nem
perto da contagem regressiva. Quando ouvi as primeiras notas, já
me posicionei para fazer a coreografia de Sim ou não. Tinha perdido
algumas horas do meu fim de semana na frente do computador
aprendendo a dançar essa música. Era o tipo de coisa que fazia
quando invocava que queria ser mais gostosa. Dançar numa festa
de amigos era sempre a melhor experiência, era quase melhor que
dançar sozinha em casa, porque tinha gente olhando, mas esses
olhares não me inibiam, me faziam querer dar a minha melhor
performance. Enquanto eu encarnava Anitta e dançava o refrão (Se
quiser jogar, Vem, mas tem que arriscar, Vem, vai ser sim ou não Ou
não, ou não, não, ou não), o casal novo se posicionou ao meu lado
para imitar meus passos. Estabelecemos uma parceria silenciosa
durante toda a festa, dançamos juntos, desenvolvemos coreografia
de grupo, ora o namorado dançava mais colado de mim, ora era a
moça. Não achava estranho, estavam os dois ali, a poucos metros
de distância um do outro, não achei que ninguém fosse ficar com
ciúmes. E não ficaram.
“Oi, eu sou a Mari”, em um momento a moça voltou pro lugar
onde dançávamos com dois copos de cerveja gelada.
Eu ri do absurdo de não saber ainda o nome deles. “Prazer,
Vanessa”, disse brindando.
“Ele é o Ian”, apontou se referindo ao namorado, mais afastado,
que procurava um copo onde pudesse colocar um pouco do caldo
de ovos da mãe da Ester.
Sorri sem saber o que mais dizer e voltei a dançar com o meu
copo. Mari me acompanhou. Começamos a sensualizar num funk
melody, dançando uma de frente pra outra. Tava concentrada em
segurar o copo e descer até o chão, por isso, quando me levantei
levei um susto com o beijo que Mari me deu. Fiquei congelada com
as mãos meio afastadas do corpo, uma ainda segurando o copo,
outra sem saber se eu deveria abraçá-la. Mas beijei de volta, porque
era isso que eu fazia quando alguém me surpreendia ou quando a
situação nunca passou pela minha cabeça. Definitivamente, não
terminaria o ano apostando que uma garota me beijaria, muito
menos numa festa em que o namorado dela estava presente. Isso é
treta, Vanessa!, meu cérebro finalmente voltou a trabalhar. Me
afastei de Mari, ela sorria pra mim como eu costumava sorrir depois
de um beijo que tava esperando há muito tempo e que se revelou
realmente bom, eu sorri de volta pra tentar disfarçar que ia dar o
fora. Olhei prum lado e pro outro e percebi que todo mundo tava um
pouco mais afastado. Tinham começado a se jogar na piscina no
momento em que Mari me beijava. Ian conversava com uma outra
amiga de Ester, Lívia, perto da panela do caldo. Ninguém parecia ter
notado. Coloquei a mão na cabeça e disse pra Mari que finalmente
estava cansada, pior, tava sentindo uma dor de cabeça daquelas.
Contei que tinha passado o último dia do ano enfrentando fila no
supermercado com mamãe, aturando todo aquele barulho do
supermercado Mateus lotado, “fui no da Cohama”, acrescentei
dando o máximo de detalhes pra parecer convincente.
Sentei em uma cadeira ao lado da piscina e vi o pessoal brincar
na água. Não quis me jogar, agora que tinha falado da dor de
cabeça, realmente tava começando a sentir todo o meu corpo
reclamar. Luísa sentou comigo e trouxe uma garrafa de cerveja pra
me ajudar a voltar a dançar. Ficamos bebendo, tranquilas, fazendo
eventualmente algum comentário sobre a festa, sobre a música ou
sobre o que as pessoas estavam fazendo. Mais pessoas sentaram
ao nosso redor e continuaram bebendo, até que Lívia quis começar
uma disputa de lap dance. Mari e Jéssica, que afinal tinha chegado
no sítio, também fizeram suas performances e a coisa parecia que
ia morrer quando Ian também se ofereceu. Então eu tava lá,
sentada, só na minha, quando ele veio rebolar no meu colo. E dava
pra ver que tava se empenhando, pra falar a verdade, não sabia se
achava estranho ou se me sentia muito lisonjeada com ele fazendo
o corpo ondular sobre o meu, quase encostando. Na última
ondulação, ele ficou muito próximo de mim e terminou o movimento
me dando um selinho. Procurei o olhar de Mari e a encontrei
sorrindo pra gente. Meu Deus, o que tá acontecendo?
Escutei a voz de Luísa falar que a garrafa tava vazia, então me
levantei e disse que ia pegar mais no isopor. O casal não me seguiu,
pra minha felicidade. Ainda tava tentando ligar os pontos, pensando
se aquilo era mesmo o que tava pensando. Tava meio difícil de não
achar que aquele casal tinha me escolhido prum ménage. Ai,
putaqueopariu, pensei enfiando a mão no freezer. Participar de um
ménage era um sonho de vida pra mim, mas sempre tinha
imaginado, sei lá, com o João e uma outra garota aleatória. Sabe,
com um cara que eu já conhecesse e tivesse tesão e uma mina
desconhecida, mas que nós dois achássemos atraente. Não tinha
certeza se saberia lidar com um casal, pior, nem tinha certeza se
aquele casal em específico fazia meu tipo, sei lá, às vezes meu
tesão não é nenhum miojo. Se eu topasse, ia ser minha primeira vez
com uma mulher e, meu deus, o que eu ia fazer com ela? Odeio não
ter tempo de planejar as coisas!
Comecei a sentir dor de cabeça de verdade. Quando senti a
presença de alguém atrás de mim, virei quase sobressaltada, mas
tentando disfarçar sempre, e dei de cara com a Lívia. Ela estendeu
os braços pra mim e nos abraçamos, embriagadas. Na hora, achei
que tinha sido só uma manifestação de carência de duas bêbadas,
mas então ela começou a falar no meu ouvido:
“Vane, tu já conheceu os meus amigos, né? Então, Mari e Ian tão
ficando lá em casa, a gente tá saindo, se é que tu me entende
(pausa pra uma risadinha). A gente tava conversando e eles
sugeriram de te chamar pra dormir lá em casa. Não quer voltar com
a gente?”
Sempre tive dificuldade pra dizer não. E, naquele momento, tava
esperando alguém sair de uma moita gritando que era uma
pegadinha. Quer dizer que eu só tinha transado com três caras o
ano inteiro, algo que deve ter me gerado, sei lá, umas quinze noites
com sexo de um total de 365 dias, e agora, último dia de 2016, quer
dizer, já é dia primeiro de 2017, eu recebia um convite, mas não um
convite qualquer, eu ia sair do zero direto pra um a quatro. E não
qualquer foursome, um a quatro com duas mulheres além de mim. É
muito pouco pau pra alguém tão fálica quanto eu, fazia as contas.
Enquanto eu pensava essas coisas, só dava um sorriso pra Lívia.
Não sei o que ela tava conseguindo entender daquele sorriso,
porque eu não conseguia me decidir entre euforia, nervosismo e
vontade de chorar. Uma parte do meu cérebro gritava que era uma
oportunidade única, outra ficava repetindo de forma preocupante,
mas são duas mulheres, duas mulheres, Vanessa! e uma terceira
parte só doía. Definitivamente eu tava com dor de cabeça, com os
pés inchados e os joelhos davam umas pontadinhas. Não devia ter
quicado tanto, simplesmente desnecessário ter passado a noite
descendo até o chão, me censurava. Reuni todas as minhas forças
pra responder.
“Poxa, Li, meio que é meu sonho fazer umas coisas assim.”
“Eu sei, Vane, sempre te saquei”, ela disse abrindo o sorriso.
“Mas hoje eu tô 200% sem condições, sabe?”
“Ah, mentira, tu tava dançando feito uma louca.”
“Pois é, exatamente por isso. Tô sentindo dor em todas as partes
do meu corpo agora”, fiz uma cara de tristeza pra soar ainda mais
convincente.
“Mas a gente vai tá deitado, tu não vai sentir dor nenhuma”, disse
e piscou pra mim.
“Não, Li, não tô querendo estragar esse momento fazendo as
coisas no estado que tô agora.”
Lívia concordou, nos abraçamos mais uma vez e voltamos pro
grupo com as cervejas. Sentei ao lado de Luísa, triste e orgulhosa
de mim. Não teria dado pra aproveitar a situação com tantas
questões e naquele estado.
“Tô exausta”, anunciei pra Luísa e coloquei minha cabeça no seu
ombro. Ela não reclamou, mas depois de alguns minutos disse:
“Eu sei por que todo mundo quer te pegar.”
“Hã?”, perguntei achando graça.
“É porque teu cabelo é muito cheiroso”, respondeu e deu um
cheiro na minha cabeça ainda apoiada no seu ombro. Ri, mas me
senti curiosa.
“Cê sacou que tão querendo me pegar? Achei que ninguém tinha
visto.”
“Bom, eu vi a menina te beijar, o namorado dela e acho que a
Lívia também, né?”
“Pois é, Lulys. Tô achando que é uma piada de mau gosto o
destino ter me arrumado um a quatro logo hoje”, confessei.
“Relaxa, é só continuar usando esse shampoo”, me consolou
rindo.
Continuei encostada no seu ombro, agora também sentindo o seu
perfume e pensando no quanto era gostoso estar com ela. Olhei pra
cima e vi que Luísa ria olhando pra algum ponto à nossa frente e
não pude deixar de pensar em como era linda e tinha o sorriso mais
lindo do mundo, a gente gostava de dizer que parecia a Anna
Kendrick. Pensei em esperar que reparasse meu olhar e, por muito
pouco, estaríamos nos beijando. Talvez pra ela eu não dissesse
não. Mas o pensamento me deixou um pouco atordoada, me afastei
e fiquei rezando praquela tensão só ter rolado nos meus
pensamentos. Luísa olhava pra Mari dançando.
“Eu pegaria ela, sabe?”
Eu ri aliviada por ela não ter notado e por também não sentir
ciúmes do comentário.
“A minha maior dúvida é quanto ao namorado, não sei se é meu
tipo”, continuou.
Fiquei assentindo com a cabeça, sem falar nada.
“Será que eles topariam se eu fosse no teu lugar?”, se virou pra
me olhar.
“Ué”, dei de ombros, “Tu pode tentar, mas não esquece que eu tô
de carona”.
Ficamos em silêncio.
“Tu tá falando sério?”, perguntei meio incrédula após alguns
minutos.
“Bom, alguma hora eu tenho que deixar de ser a amiga que não
transa, né?”
28
Dormi na casa da Ester. Tomei café da manhã às 12h, com a
família dela, porque ninguém queria pular o café no primeiro dia do
ano. Dei graças a deus, café da manhã é sagrado. Mamãe chegou
para me buscar assim que levantei da mesa, já que Luísa tinha me
deixado sem carona. Cheguei em casa e dormi mais um pouco.
Acordei às 18h para almoçar e fiquei vendo séries na sala com
minha mãe e minha irmã. Parecia um domingo típico na nossa casa
naquela época do ano. O celular não exibia quase nenhuma
notificação, só Ester enviava fotos da festa no grupo. Pensei em
fazer uma lista de metas, em começar um bullet journal como todo
mundo das minhas redes sociais parecia estar fazendo, mas não
tive forças pra levantar do chão da sala e ir fazer outra coisa.
Era quase meia noite quando Jéssica me mandou mensagem, eu
já me preparando pra dormir. Começou me perguntando da Luísa,
se era só impressão ou ela tinha mesmo pegado um casal, respondi
que não sabia porque ela ainda não tinha dado as caras. Jéssica riu,
eu também. “Quem diria!” Tentou puxar mais algum assunto sobre o
resultado que eu tava esperando pra vaga no Rio, mas eu não tinha
muito o que dizer, ainda não deram a resposta.
“Hum… podes crer. Tomara que role logo.”
“Tomara.”
“Mudando de assunto, Vane, tu chegou a entrar no Twitter hoje?”,
na hora em que mandou essa mensagem percebi que todo o resto
tinha sido apenas uma introdução para chegar ao assunto que ela
realmente queria.
“Não, por quê?”
“Então, parece que tá rolando uma exposed party do Thiago”, me
enviou com um emoji triste.
“Como assim?”, senti como se alguém espremesse meu
estômago e tive que segurar a vontade de vomitar.
“Cara, tem umas minas acusando ele de abuso, muitas minas,
pra falar a verdade.”
O mal estar e vontade de vomitar aumentaram, mas sabia que
isso não ia acontecer. Era só o meu cérebro sem saber lidar com a
situação, misturando as sensações, não era vômito, era… Não
sabia o que era que dava quando a gente descobria que alguém
que a gente pegou, e por quem a gente tá apaixonada, tinha
abusado de outras meninas, devia ter uma sensação só pra isso,
mas, na falta dessa informação, meu cérebro achou que o que eu
sentia era vontade de colocar tudo o que tava dentro de mim pra
fora. Talvez estivesse certo, no fim, bem que eu queria colocar pra
fora qualquer sentimento que eu tivesse por Thiago, bem que queria
esquecer tudo, fazer passar rápido, desintoxicar.
“Mas ele não fez nada com você, né?”, Jéssica mandou quando
fiquei muito tempo sem responder.
“Não, não fez”, forcei minha cabeça a voltar a funcionar. Digitei e
fiquei inspecionando todas as minhas memórias pra procurar esse
momento em que também me tornaria estatística de abuso, mas
não encontrava nada além do meu ego ferido.
“Pois é, lembrei que tu só fala coisas boas dele. Claro, tem esse
lance dele paquerar um monte de gente na internet, pelo visto, isso
tava rolando mesmo, tem gente falando de 30 meninas, sabe?”
Engoli a seco. Ele deveria ter me falado sobre elas?
“Do que tão acusando ele? O que tão dizendo que ele fez?”,
perguntei antes que pudesse me conter. Ao mesmo tempo em que
queria só bloqueá-lo do celular e fingir que nunca aconteceu,
também não conseguia realmente aceitar Thiago como um
abusador.
“O que consegui ver até agora não é muito claro. Basicamente,
ele ficava conversando com as meninas, pegava e depois não
queria mais. Daí tão falando que é abuso psicológico, falta de
responsabilidade afetiva, já vi gente chamando de ghosting também
e gaslighting”, me disse. “Bom, foi o que ele fez contigo, né?”
“Foi. Assim, a gente conversava muito, aí a gente se encontrou,
transou e depois ele deu uma superafastada. Mas não acho que foi
ghosting ou abuso psicológico, gaslighting tá fora de cogitação, ele
nunca nem tentou insinuar que eu tava doida ou exagerando, todas
as vezes em que confrontei ele sobre esse afastamento, ele tava
disposto a conversar e manteve a posição de que não queria um
relacionamento.”
“Era o que eu tava imaginando mesmo. Então, Vane, não encana
com essa história. Deixa rolar e fica em paz.”
Quando Jéssica encerrou a conversa, tive medo de ter soado
apaixonada ou louca. Meu maior receio era não conseguir enxergar
o abuso sofrido e, ainda por cima, estar defendendo um agressor.
Deus me livre defender homem, era uma frase que a gente
costumava repetir no nosso grupo do WhatsApp e que agora eu
repetia baixinho como pra me lembrar. Mas a cada vez em que
tentava pensar em Thiago estuprando alguém ou sendo
manipulador, misógino, sentia que mergulhava num abismo. Então
era louca de achar que o conhecia e que podia até amá-lo?
Tive vergonha da minha ingenuidade, do meu idealismo, do
orgulho que sentia ao acreditar que eu tinha facilidade para amar os
outros, que todas as relações, incluindo as casuais, poderiam ser de
certa forma amorosas. Na hora até me veio o ator pornô, o Parker
Marx, na cabeça. Logo que comecei a assistir pornô feminista,
depois de ter lido a Virginie Despentes, me deparei com um filme
dele. E, meio que sem refletir, só assisti aos seus filmes por um
tempo. Não pensava sobre o assunto, até um dia ter que explicar
isso pra Luísa. “Me dá a sensação de que a gente se conhece,
sabe?, de que eu tô transando com a mesma pessoa”, assim que
acabei de dizer achei problemático, mas aceitei a atitude como algo
que fazia parte de mim. Eu já falei, digo te amo pra todos que me
fodem bem. Mas a integridade das pessoas que me comeram nunca
tinha sido uma questão pra mim. Até agora.
Tentei fechar os olhos, mas antes que desse por mim, a parte de
mim que não era abismo, varria o Twitter de cima a baixo. Li tudo
que pude apesar de, em um primeiro momento, ter pensado que
não conseguiria aguentar. Segui posts, pessoas, li respostas de
respostas de respostas de respostas. Tinha se tornado uma questão
pessoal. O que procurava eram provas de que não me equivoquei
em ter amado aquele homem. Em ainda amar.
Enxergava o comportamento dele nas descrições, relembraram
coisas que ele disse que soava como ele, mas tudo era apresentado
de um jeito que me parecia deturpado. A ex-namorada que tinha
deixado ele mal e que servia de escudo para que ele não entrasse
em um outro relacionamento tinha se tornado uma fórmula, uma
frase feita, mas quem poderia ter garantia disso? À repetição das
explicações e do comportamento, chamavam de padrão, mas não
poderia ser lida como coerência? Deus me livre defender homem,
deus me livre defender homem. Saí do Twitter antes que publicasse
alguma coisa e me arrependesse. Ainda poderia aparecer algo mais
concreto, pior, ainda poderia me dar conta de que também fui
abusada. Não, isso não, meu cérebro protestava, não sei das
outras, mas eu não fui.
Não exclui a possibilidade de ter tido mais sorte, talvez elas não
tenham tido coragem de confrontá-lo quando fazia merda. De certa
forma, nunca aguentei por muito tempo, logo nos primeiros dias em
que se afastou, joguei a real, disse que estava me sentindo rejeitada
com aquele comportamento. Nunca foi legal ouvir o que ele tinha
pra falar dos problemas dele com relacionamentos, mas me ajudou
a dimensionar aquilo tudo, sabe, a decidir em que caixinha eu
deveria enquadrá-lo. Não podia negar que também tinha minhas
mágoas porque, bem, criei expectativas, mas não tava segura do
quanto podia responsabilizar Thiago por isso.
O pior de tudo eram as piadas. Faziam com as meninas que
queriam denunciar Thiago e faziam com ele. Todo mundo dando
pitaco de um lado e do outro sem conhecer ninguém. Mordi o pulso
pra não responder um cara com foto do Naruto no perfil, que
chamava Thiago de feio e dizia que era um milagre descobrir que
ele transava. Trava prestes a descer o nível quando me toquei que
era só um cara com uma foto de desenho. Tinha mais gente
pegando pesado. A central feminista chegou, com análises em
tempo real, tentando discutir se “abuso” era a definição correta. Foi
um segundo de alívio que acabou na mensagem seguinte, quando
mudaram de “não foi abuso” para “mas é misoginia tratar as
mulheres como objeto”. Loucos não eram eles, a mais louca era eu,
que esperava que desconhecidos me explicassem o comportamento
dele e como eu deveria me sentir em relação a isso.
Imaginei Thiago lendo tudo aquilo do outro lado e senti vontade
de vomitar mais uma vez. Quis falar com ele, mas tinha certeza que
não me responderia. Ainda assim, peguei o celular e comecei a
rascunhar uma mensagem. Não queria dizer que estava do lado
dele, nem mandar a sororidade pra puta que pariu, é preciso
acreditar nas vítimas, Vanessa, mas também queria demonstrar
algum apoio. Pensei que ele teria que responder pelo que fez de
errado, com quem fez. Porém, não eram só as atitudes erradas que
o definiam. Seria aterrorizante ser reduzida, de um dia pra outro, a
todas as merdas que já fiz na vida.

“Thiago, não consigo parar de pensar em como você tá com isso


que tá rolando no Twitter. Queria te dizer que você, pra mim, é um
cara incrível e que todas as experiências que tive com você foram
100% positivas. Não descarto a possibilidade de você ter errado
com alguém, todo mundo erra, mas você não é um abusador.
(Minha carteirinha de feminista foi confiscada agora)”.

Enviei antes de pensar duas vezes e de começar a questionar se


tinha sido muito boazinha. Tinha um medo irreal de que isso virasse
um print pra deslegitimar o relato das outras garotas, porém, todas
as conversas que tive com Thiago sobre depressão e alguns
pensamentos suicidas voltavam nessa noite e me faziam ter muito
mais medo de que ele se matasse. Se era quem eu julgava, estaria
devastado com tudo isso. Milhares de haters em poucas horas, um
espetáculo pra quem tava entediado por ter passado o dia inteiro
dormindo. O cenário me dava arrepios. Depois de apertar o botão
de enviar, me senti aliviada, mesmo sem esperar que respondesse.
Quase imediatamente chegou a notificação de um áudio, segurei a
respiração, indecisa. Eu queria saber o que ele diria? Não
descartava a possibilidade de ouvir um Thiago irado, xingando deus
e o mundo, completamente transtornado e raivoso. Não queria isso,
mas também não queria o que veio. Se ele tivesse chorado seria
mais fácil ouvir, mas a voz que saía do meu celular era uma
tentativa de calma e coerência deprimente. Eram os pedaços do
homem que eu conheci, sem brilho algum.
Depois que o áudio acabou, não soube mais o que dizer. Tinha
tanta coisa pra falar, tão pouca certeza.
“Espero que tudo se resolva, Thiago”, enviei.
“Obrigado, Vanessa.”
29
Parei de falar pra Luísa que ainda fico mal quando vejo uma foto
de Mateus, nem comentei nada sobre Thiago e as acusações de
abuso, apesar de já fazer três semanas e de ela ter tentado saber
como eu estava logo que ficou sabendo. Simplesmente não
respondi. Da última vez que conversamos sobre homens, tentamos
chegar no ponto que interessava. Luísa acreditava que eles eram
distrações que encontrei pra não lidar com os verdadeiros
problemas.
Acho que tenho um estoque quase ilimitado de problemas reais,
porque, no fim de todo relacionamento, era a essa mesma
conclusão que chegávamos. Luísa me disse a mesma coisa quando
meu último namoro acabou. O relacionamento não ia bem há quase
um ano, e, ainda assim, era do término que me queixava quando
precisava desabafar. Ela me escutou por um tempo, mas, depois de
me ouvir lamentar mais de mil vezes, disse que, alguma hora, eu ia
ter que admitir que o verdadeiro motivo do meu sofrimento era a
falta de trabalho. Isso foi na época em que fiquei desempregada por
seis meses e me senti a pessoa mais inútil do mundo.
Luísa tava certa daquela vez e, provavelmente, também tava
certa agora. O problema era que agora não tinha essa coisa óbvia
que faltava. Tinha emprego, pagava meu aluguel (uma parte, pelo
menos), comprei um aspirador de pó, andava de carro e ia pra
academia. Chamava isso de condições de existência, e as minhas
eram boas. Até incluia comer hambúrguer artesanal duas vezes por
mês, beber com os amigos, almoçar caranguejo na praia, comprar
biscoito importado e leite de castanha. Ainda conseguia viajar, nem
que fosse pra passar dois dias em Barreirinhas, sabe? Então, era
difícil me lamentar dessa coisa urgente que faltava, porque não era
uma coisa material ou algo de que as pessoas precisavam pra viver.
Ficava pensando nisso e às vezes achava que o problema não era
realmente o que faltava, mas o que sobrava.
O que sobra todo dia na minha vida é louça suja. E, enquanto
lavo, sobra tempo. Se não tivesse tanta louça pra lavar todos os
dias, aposto que não estaria nem aí pra nenhum desses caras com
quem saio. Talvez nem me apaixonasse por eles. Às vezes tenho
certeza que só começo a me envolver quando repasso todas as
lembranças enquanto o sabão escorre dos pratos. Do Thiago, por
exemplo, eu não imaginava que guardava tantos detalhes, mas, em
um desses tempos em que uma bucha circulava o fundo de uma
panela suja de qualquer coisa, suas palavras ganhavam brilho. Um
elogio bobo qualquer que ele fez ao meu sutiã, uma vez que
mencionou o pai, quando deixou escapar que tinha conversado com
o terapeuta sobre mim, todas as vezes em que usou “de novo” e “na
próxima vez”. Gosto dos detalhes que voltam durante o ensaboar
das louças, quer dizer, das louças fáceis, as pesadas são perigosas.
Depois de lavar um liquidificador engordurado com molho pesto não
sei dizer se realmente havia sempre um brilho apaixonado na forma
como Mateus me olhava ou se fui eu que o inventei com bucha e
detergente de coco. “Não quero pensar em nada disso hoje”, digo
pra pia.
Hoje a louça seria leve, não fosse a minha ideia brilhante de
tentar clarificar manteiga – deu tudo errado, mas esse é um assunto
que também quero evitar. Enfim, tenho uma panela engordurada pra
lavar e deus sabe como isso me faz querer viver no mundo das
ideias do Platão, acho que era dele. Bom, se a gente fosse mesmo
dividido entre corpo e alma, queria ter a opção de me separar do
meu corpo pelo menos em duas situações, na hora de lavar uma
louça engordurada e durante uma diarreia. Começo a rir da ideia
enquanto preparo a bucha para atacar. Esfrego os copos e os
talheres com foco e determinação – com certeza tem um método
pra fazer isso mais rápido, reclamo comigo mesma –, mas, quando
começo a enxaguar o primeiro dos copos, Thiago aparece na minha
mente servindo um copo de água e perguntando se gostei dos
copos novos. Fala que comprou no dia anterior, respondo que são
legais e, enquanto bebo a água, me pergunto se comprou pra me
agradar.
Thiago tinha um apartamento bonito, era uma das coisas que
gostava nele. Penso e fico automaticamente envergonhada. Se
escutasse alguma amiga dizendo isso de um cara, ficaria chocada,
confesso. Na real, antigamente, ia pensar que essa era uma outra
forma dela falar que o cara tinha dinheiro, mas não é isso ou não é
só isso. O lance é que os homens nunca parecem ligar muito pra
casa, né? Tava acostumada a sair com uns caras que ganhavam
melhor que eu e a casa parecia completamente improvisada. Isso
não me incomodava, porque também acho que os apartamentos
onde morei tinham essa cara de desleixo. Mas o apartamento de
Thiago era um lugar que sussurrava senta aqui, eu tenho o que
você precisa pra ficar bem. Acho que depois do nosso encontro,
cheguei mesmo a imaginar como seriam passar os fins de semana
lá caso conseguisse o trampo do Rio (esse resultado não sai
nunca!). Pra ser bem sincera, fiquei até me perguntando se não
inventaria umas desculpas pra passar logo uma semana. Acho que
deixei muito isso na cara. Será que me achou interesseira? Sinto
uma pontada no peito ao lembrar que, além de mim, outras 30
garotas deviam se fazer perguntas parecidas. Será que todas se
acham pouco interessantes como eu?
Hoje estou recriminando meu interesse pela casa dele. Ontem –
só cozinhei legumes no vapor – me censurava pelas piadas ruins.
Já pensei também que podia estar fedendo no último dia que
passamos juntos. Nessa hora até me veio uma lembrança de Thiago
tentando me abraçar a força, dizendo que eu tinha que fazer terapia
pra parar com essa ideia de estar fedendo. Sempre acho que tô
fedendo, mas tenho um cheiro forte mesmo, não é coisa da minha
cabeça. É que também não saio por aí falando “oi, passei dois
sabonetes diferentes e um hidratante pra vir aqui te encontrar”.
Enfim, prefiro acreditar que não era o meu cheiro, que minhas
piadas não devem ter sido tão ruins assim, mas, agora, me martirizo
pelo jantar que deixei que pagasse.
Percebo que já lavei quase tudo e agora só falta a panela onde
clarifiquei a manteiga. Respiro fundo, apoio a panela na pia e
começo a ensaboar, questionando o holograma de Thiago que a
minha cabeça reproduz ali, na minha cozinha.
“Você teve medo de a gente se envolver de verdade? Você
sequer cogitou que, comigo, podia ser um envolvimento de
verdade?”
Li um texto sobre isso uma vez. Inclusive, acho que li quando
Mateus ficou estranho do nada, da primeira vez. Foi Jéssica que me
mandou o link para me mostrar que provavelmente a culpa de o
lance não ter ido pra frente não foi minha, mas, sim, dele, que não
teve coragem de se envolver. No começo aceitei essa justificativa,
mas tenho muito azar ou todos os caras sofrem desse medo, porque
poderia usar isso pra explicar o comportamento de todos os caras
com quem me relacionei nesse último ano, sabe?
Jorge diz que sou uma mulher muito independente, que os caras
são uns bostas e não sabem lidar com mulheres assim, desconfio
que nem ele. Mas essa é uma explicação que questiona meu bom
gosto ou pelo menos meus critérios de seleção de parceiros. Bom,
isso é algo que tá realmente em questão agora, né?, uma parte
mais irônica do meu cérebro me dá uma alfinetada. Gostei e me
relacionei com esses homens porque eram bacanas, sabe, não
eram descaradamente machistas ou coisa do tipo. Não são, na
verdade. Acho que não dá pra achar que existe relacionamento
heterossexual sem nenhuma desigualdade, sempre tem aquela
coisinha que escapa, aquele livro que ele vai ler na praia enquanto
uma mulher termina a faxina, aquele sertanejo que a gente escuta
no carro em que o cara canta “vai namorar comigo sim, vai por mim”
e ele acha romântico, pelo amor de deus é só uma música,
enquanto pra mim é, no mínimo, preocupante imaginar um cara
querendo me obrigar a namorar. Sempre tem esse momento mínimo
em que vejo que não têm consciência do privilégio acumulado, mas
isso não é o mesmo que ser machista, sei lá, nenhum deles ousaria
insinuar que eu deveria fazer isso ou aquilo com o meu corpo, todos
ficavam chateados com desigualdade de salários, todos eram a
favor de maior representação feminina na literatura, no cinema e na
política, até onde sei. Então, é difícil acreditar que minha
independência amedronta algum deles, assim, pensando
racionalmente, não faz sentido pra mim.
Não coloquei música pra lavar a louça. Encaro o celular no balcão
ao lado e penso se vale a pena secar a mão pra colocar a música
da Lorde agora que só falta lavar a pia e o fogão. Tem essa música
que comecei a ouvir nos últimos dias, em que a Lorde canta que é
um pouco demais pra todo mundo. Sinto a ironia dela durante a letra
toda, é disso que gosto. Fico pensando em quantas garotas estão
por aí pensando que são demais pros caras. Boas, intensas,
difíceis, complicadas, bem resolvidas, independentes, ninguém diz o
que está demais, o que excede.
Penso em Thiago, nas suas pernas grossas, sua boca pequena,
lembro do apartamento, dos copos novos, da máquina de lavar com
secadora que eu disse que invejava. A sala tinha a cara dele, tinha
um capacho de quadrinhos e uma estante cheia de livros de autores
que nunca li, dos quais ficou me falando por algumas horas. Era de
lá de devia tirar as piadas boas e as mensagens que sempre me
surpreendiam. Acho Thiago bonito de verdade, apesar do que tão
falando no Twitter, além de inteligente e criativo, ele ainda postava
foto das coisas que cozinhava no Instagram. Em que eu sou demais
pra ele?
Agora tem mais essa pergunta, me irrito enquanto tiro a espuma
do fogão e vou finalizando toda a arrumação. Gosto de pensar nas
lembranças boas que ele deixou, mas não consigo ignorar que
tenho tantas perguntas. “Eu tenho muitas perguntas”, experimento
dizer em voz alta pra sentir como as palavras soam e pra testar se,
finalmente, elas trazem alguma resposta. Depois que as palavras
desaparecem no ar não fica mais nada. Puxo a banqueta e sento no
meio da cozinha com a cabeça entre as mãos. Tô ficando doida e a
culpa é de Thiago. A culpa é de todos eles, me corrijo. Não consigo
evitar lembrar do meu ex-namorado e do nosso término.
As lágrimas começaram a cair no meu rosto e ele me pediu pra
não chorar.
“Não faz assim, mozi.”
“Não consigo”, respondi tentando de verdade conter as lágrimas.
“É o melhor pra gente. Eu tô confuso, não quero te magoar,
conheci essa menina e, não sei, tô interessado mesmo. Pode ser
uma bobagem, eu ainda te amo, mas, não sei, não parece justo
continuar enquanto tô sentindo isso.”
Odeio términos. As frases de término são sempre bregas e
constrangedoras, pior, são mentirosas. Mas, agora, não me
parecem nocivas, pelo contrário. Foram aquelas palavras, por mais
tolas que fossem, que nos fizeram seguir em frente. Sabe, tenho
saudades de seguir em frente, de não ficar dando voltas assim. Por
que não me disseram o que faltava? Eu podia ter ficado com raiva,
poderia ter excluído todos das minhas redes sociais, mas também
poderia ter ficado completamente de boa, podíamos ser realmente
amigos... Eu podia estar melhor, podia não estar com medo de que
mais alguém apareça e seja horrível, eu podia...
“Eu podia ter tido escolha!”
A resposta estava ali o tempo todo. Era isso, era sobre poder, ter
poder pra algo. O que eles, todos eles, me negavam não era amor,
nem respeito, era poder. Nenhum deles me deixou escolher e não
tinha sido por medo. Talvez nem saibam disso tão nitidamente como
me parece agora, talvez seja apenas instintiva a vontade de tirar a
autonomia do outro, de ser a última palavra, ou às vezes, o último
silêncio. O que eu faria se João, Mateus e Thiago tivessem ficado
encontro após encontro por muitos meses, muitos beijos e fodas?
Enjoaria, exigiria algo, frequentaria a casa da mãe, viajaria com eles
nas férias, mudaria meus planos ou eles mudariam os seus? O que
diria se me falassem que não dava mais, que era outra, era medo,
não queriam, estavam chateados, me odiavam, me achavam
fedida? Choraria, falaria mal deles publicamente, os odiaria, enviaria
o emoji da bostinha risonha? Internamente, tenho convicção de que
nenhum dos três temia nada disso. Era simplesmente mais fácil me
paralisar num lugar em que sou apenas lembranças que ainda não
deram errado. Onde estou completamente sob controle. João e
Mateus pegaram minha autonomia, colocaram uma coleira e
amarraram num poste. Nunca tive espaço para decidir nosso
próximo passo, só me deixavam a opção da recusa completa, a
opção que não fazia sentido pros meus desejos.
Sentada na banqueta, em minha cozinha minúscula, sinto raiva e
vergonha. Mas quero resolver todos os quebra-cabeças, e Thiago é
o que falta. Antes de todas as denúncias acontecerem, na nossa
conversa do Natal, ele não me deu escolha. Até a virada do ano, eu
ainda ruminava involuntariamente a frase “se pudesse nem sentia
mais vontade de transar”. Essa tinha sido de doer, não podia ser
sério, mas, ao mesmo tempo, era devastador constatar o que aquilo
queria dizer. Claro, significava que não me queria, mas não dizia
daquele jeito suave de antes com um simples “não quero um
relacionamento”, Thiago reduzia ainda mais os ajustes: não quero
casual, nem um dia, nem uma transa. Diante disso, não era por
escolha, era por eliminação: eu tinha que seguir em frente. No
entanto, algo no ineditismo dessa conversa sempre me impedia de
ter raiva, por mais que o ego latejasse e gemesse dentro de mim.
Talvez a minha escolha estivesse antes. Talvez tenha sido a
pergunta que fiz. E o ineditismo foi ele não ter sumido sem me dar
respostas. As piores respostas, eu lembrava. Até agora não consigo
odiá-lo. Criei uma explicação para as denúncias, uma explicação
horrível, que de alguma forma fez sentido pra mim.
Queria entender por que eu pensava que ele não paquerava
outras garotas enquanto investia em mim e me lembrei de como me
fazia sentir especial e rara quando conversávamos. Ele tinha essa
coisa, que sempre voltava, essa mania de se chamar de merda, que
sempre julguei como tentativa de fazer charme, que eu inclusive
jogava na cara dele quando podia e que ele desmentia, garantindo
que até gostaria de se ver como eu o olhava. Era uma balança
desigual, eu sempre maravilhosa, gostosa e todas as qualidades
que ele conseguia encontrar e ele sempre só mais um com cara de
tiozão, pele bem morena, barriga levemente sobressalente, na corda
bamba entre normal e acima do peso, estatura mediana, barba
cheia, tentando jogar o melhor papo pra ter a oportunidade de sair
com alguém. Thiago jogava esse jogo, não podia defendê-lo. Mas,
quanto mais refletia sobre isso, mais concluía que não restava uma
saída muito diferente para um cara fora dos padrões de beleza.
Tem algo que sempre tive vergonha de admitir, não disse nem pra
Luísa, mas, talvez, o que tenha ferido meu ego foi a grande quebra
de expectativa que tive ao perceber que o cara que se achava um
merda não tinha ficado completamente deslumbrado em me pegar.
Por mais que ele tenha me dito que foi tão bom pra ele quanto pra
mim, não conseguia aceitar que ele não quisesse repetir, logo ele,
que se colocava tão abaixo de mim. Porém, a assimetria era falsa e,
no fundo, eu sabia desde o início, porque achava que ele era bonito
e sensacional de um jeito que faziam os comentários depreciativos
soarem quase irreais. Mas quem não se acha um impostor deve ter
problemas também, costumava ponderar naquelas ocasiões.
Dei uma olhada nas meninas que falaram dele e tive que admitir
que ele tinha muito bom gosto (filhodaputa). Talvez eu fosse a mais
feia delas ou a menos diferentona, sei lá, elas pareciam bem fodas,
sabe. Então imaginei o meu sentimento de ego ferido multiplicado.
Não tenho coragem de dizer que elas tão erradas, no fundo, acho
que tão certas, é bom ver alguns homens assustados. Na real,
comecei a imaginar como seria com o Mateus. Seria no mínimo
interessante. Mas sinto necessidade de resolver esse quebra-
cabeça e não paro de me perguntar por que é errado quando um
cara como Thiago pega 30 garotas, se ele avisou, pra todas elas,
que não queria nada sério. Então, tenho achado que tem a ver com
ele ser do jeito que ele é, mais um com cara de tiozão, e com as
expectativas que a gente coloca no tipo dele, o cara inteligente e
legal, o diferente do cara gostoso. Acho um pouco cruel que alguém
usando uma foto do Naruto sugira que ele não deveria ter
conversado tanto com as moças, porque eu não teria dado nem pro
João, top 5 dos caras mais gatos que já peguei, sem uma
conversinha antes.
Parece que tá tudo misturado e não consigo resolver. Ao mesmo
tempo em que é ótimo ver como nos sentimos cada vez mais
abertas pra falar de abusos, em como já há um espaço pra que isso
aconteça sem que todo mundo se volte contra nós, esse espaço não
parece estar longe, nem separado, daquele onde as ideias mais
conservadoras circulam. Não existe um certo machismo na ideia de
ser usada? Não sei, usada é uma palavra que não me desce, é
como se, ao aceitá-la, eu aceitasse também ser um objeto sem a
autonomia do consentimento. Não sei, tá tudo errado. Já era uma
bosta ser hétero e ter que aturar foda meia boca de macho que tem
medo de intimidade e chupa mal, agora piorou.
30
Acordei suando. Acabei de ter o pior pesadelo da minha vida,
mas não era assustador, era pesado de um outro jeito. Eu tava
andando num cenário deserto, sei lá, como se estivesse nas
nuvens, parecia aquela parte dos quadrinhos de Scott Pilgrim em
que ele fica entrando por umas portas. Eu andava por essas nuvens
e tinham várias sombras de homens. Eram só sombras, não dava
pra interagir, acho, mas também nem tentei. Eu só passava por eles,
seguindo em frente, mas aquilo tava me deprimindo pra valer. Uma
hora eu começava a chorar, me batia um desespero indescritível e
olhava pro lado e só tinham as sombras dos homens, só homens.
Eu continuava andando até avistar um cara que não parecia uma
sombra, começava a correr pra alcançá-lo. Quando cheguei perto,
fiquei tão feliz que comecei a chorar ainda mais, me joguei no chão
e abracei as pernas de Jorge, era o meu amigo. Continuei chorando
e sorrindo, até conseguir falar alguma coisa. E quando consegui,
pedi que ele me explicasse tudo, onde eu errava com os homens.
Jorge olhou pra mim assustado, saiu do alcance dos meus braços e
me disse que não sabia.
“O que eu tenho a ver com isso?”, me olhou sério.
Entrei em desespero. “Mas”, gaguejava, “eu te esperei tanto, eu
te procurei tanto...”
“Por quê?”, ele continuava perplexo.
“Porque achei que tu poderia me dar as respostas”, gemi e me
enrolei no chão de nuvens, chorando. Quando finalmente parei e
encarei Jorge, ele também tinha se tornado uma sombra.
Foi onde o sonho parou. Que bizarro!, pensava mais uma vez,
acostumando meus olhos ao escuro e finalmente reconhecendo o
meu novo teto, no Rio de Janeiro. Fazia dois meses que tinha me
mudado para começar no novo emprego na agência de publicidade,
fazia sentido ainda me sentir sozinha e deslocada naquela cidade.
Talvez isso explicasse o pesadelo. Peguei o celular pra checar as
horas e me deparei com uma mensagem de Thiago.
Tinha isso também, ontem bebi umas sozinha e mandei
mensagem pra ele no impulso. Não tinha tido notícias desde a
nossa última interação e ele tinha sumido da internet. Mesmo se não
tivesse sumido, eu não teria dado conta de saber mais sobre a
história dele. Mas bebi e comecei a pensar que tava carente e,
quando vi, já tava calculando que agora ele era o cara
geograficamente mais próximo de mim, não devia ser tão difícil ir
pra Niterói, que saudades do pau dele, meu deus. Mandei
mensagem. Só não tive coragem de ir direto ao ponto, ia me achar
louca, depois de tudo, eu ainda pensava em sexo? Eu mesma tava
disposta a ligar prum psicólogo que atendesse o meu plano no dia
seguinte. Mas Thiago respondeu rápido, disse que não tava muito
bem, me agradeceu por perguntar. Comecei a chorar na mesa da
cozinha, sem saber direito porquê, só chorei por um tempo que não
sei precisar. Bebi e chorei, até as minhas duas Colorados acabarem.
Fui deitar pensando que, ao lado de Thiago, eu só teria um papel
a desempenhar, um que dali pra frente deveria me impedir de
pensar no seu pau. Talvez seja mesmo hora de comprar aquele
massageador Magic Wand. Adormeci no meio da nossa conversa,
mas não sei explicar a relação dela com o sonho.
No celular, também tinha uma mensagem de Pedro, um cara do
meu novo trabalho.
“Não devia ter te beijado, devia ter te deixado subindo pelas
paredes de vontade.”
O WhatsApp me avisava que ele tinha mandado aquela
mensagem quase às 2h da manhã. E, antes disso, só tinha uma
mensagem minha, de um dia atrás, dizendo que ia pensar no caso.
Que sujeito esquisito, esse Pedro. A verdade é que eu tinha planos
reais de ficar sozinha por um tempo, mas, bom, o que ele tá me
sugerindo é diferente. Bem diferente.
Pra começo de conversa, no dia, ele nem tava bêbado, só eu
continuava bebendo. Laryssa, outra colega de trabalho que também
tava no bar com a gente, tinha levantado pra ir ao banheiro. E então
ele disse que a gente devia se pegar.
“Eu tenho esses mesmos problemas que você tava falando pra
Lary, isso de toda foda parecer a mesma, sabe? A gente vai fazer
diferente”, me garantiu.
Fiquei surpresa e incrédula, mas a Vanessa irônica dentro de mim
não queria deixar barato. Esse daí deve ter o pau pequeno, segurei
a vontade de zoá-lo pesado. Quando eu tinha ficado tão malvada?
“Ah é? Ia ser diferente por quê?”, desafiei.
“Porque a gente ia fazer um contrato”, disse pegando um
guardanapo da mesa e tirando uma caneta do bolso.
Putaqueopariu, só o que me faltava era aparecer um mané
querendo brincar de Cinquenta Tons de Cinza. Eu revirava os olhos
internamente.
“E quais seriam as regras desse contrato, Pedro?”, me forcei a
continuar a conversa.
“Acho que o primeiro podia ser que a gente vai sair mais de três
vezes.”
“Mas, assim, mais ou menos quanto tempo cê tem em mente?”,
perguntei com ironia.
“Acho que a gente não precisa estipular um tempo, sacou, pode
ser até a gente fazer algumas coisas que tem vontade”, continuou
muito seguro, sem demonstrar qualquer constrangimento.
“Tipo o quê?”, a proposta tinha começado a me interessar.
“Por mim, acho que a gente podia sair até você conseguir enfiar
um dedo no meu cu, por exemplo.”
Contraí todo o meu rosto pra garantir que não estava de boca
aberta, mas ele deve ter percebido como os meus olhos brilharam.
Uma Vanessa dentro de mim estava com os braços jogados pro
alto, gritando, meus sonhos estão se tornando realidade! Outra
parte ponderava que poderia ser perigoso aceitar aquela proposta
sem nem saber se havia química entre nós.
“Bom, papo reto”, eu já tava pegando as gírias da agência, “Tô
interessada na proposta? Tô. Maaaas acho essa conversa toda
muito esquisita pra ter com alguém que nunca me beijou”.
“Não quero te beijar agora”, respondeu descansando as costas
na cadeira e se afastando um pouco mais de mim com esse
movimento.
“Ah, qual é! Não vou nem levar essa conversa a sério se cê não
conseguir me beijar”, disse pulando a cadeira e sentando no lugar
que Laryssa ocupava pra ficar mais perto dele.
Fiquei parada, sorrindo, achando hilário o quanto parecia
constrangido. Pedro se aproximou de mim e, quando fechei os
olhos, só pensava que não era bem meu tipo de cara, mas até
lembrava o Parker Marx, meu ator pornô preferido.
“O beijo não foi bom.” Pedro me disse depois que se afastou de
mim. Fiquei rindo dele, era um rapaz um pouco desagradável.
Bom, nunca conheci um fetichista, adormeci ainda sorrindo. Era
minha chance de comer um cu.
[ 1 ] Rafael Zanatto é o autor do livro Não foi bem assim.

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