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2ªSérie

Curitiba 2022

ENSINO MÉDIO LIVRO DO PROFESSOR | Filosofia

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© 2022 – SAE DIGITAL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer
processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

FICHA CATALOGRÁFICA
S132

SAE, ensino médio: 2. série: filosofia: livro do professor : SAE DIGITAL S/A. -
1. ed. - Curitiba, PR : SAE DIGITAL S/A, 2022. 

128 p. : il. ; 28 cm.

ISBN 978-65-5995-063-8

1. Filosofia  (Ensino médio) - Estudo e ensino. I. Inteligência Educacional e


Sistemas de Ensino. II. Sistema de Apoio ao Ensino: o passo a frente.

CDD: 109
CDU: 316.7

Gerência de conteúdo educacional Rita Egashira Vanzela


Gerência editorial Tassiane Aparecida Sauerbier
Coordenação editorial Emanoelle Almeida
Edição Caroline Schlegel, Hector Ribeiro Molina
Coordenação de Revisão Fabiana Teixeira Lima
Revisão Ana Paula Gurski Ferraz, Brunno Freire, Everson Caetano, Igor Spisila, Juliana Basichetti Martins, Katieli
da Silva, Ludmilla Borinelli, Marcela Batista Martinhão, Marcela Vidal Machado, Priscila Sousa, Thainara
Gabardo, Victor Truccolo
Cotejo Anna Karolina de Souza, Rafaella Ravedutti
Qualidade Mariana Chaves, Raul Jungles
Projeto gráfico Thiago Figueiredo Venâncio
Arte da capa Cinthia Satoko Fujii de Siqueira, Deny Mayer Machado, Scarllet Gabardo Anderson, Wagner de Oliveira
Ramari
Iconografia Ana Paula de Jesus Gonçalves Cruz, Paulo Gustavo Costa
Ilustrações Carlos Morevi, Deny Mayer Machado, Scarllet Gabardo Anderson
Supervisão de Produção Visual Marina Prado Pereira de Mello
Diagramação André Lima, Bruna Aparecida de Andrade, Bruno Gogolla, Fernanda Wolf, Flávia Sousa Gonçalves, Gustavo
Ribeiro Vieira, Kássio Nery, Luana Santos, Luciana Nesello Künzel, Luisa Piechnik Souza, Nadiny Silva, Ralph
Glauber Barbosa, Raphaela Candido, Silvia Santos, Tarliny Silva, Thiago Figueiredo Venâncio
Coordenação de processos Janaina Alves
Processos Luana Rosa de Souza, Vitor Ribeiro
Colaboração externa Clarice Yumi Yokoi Bogut (Diagramação), Estevam Cezar Maia Goulart (Diagramação)
Autoria Fernanda Tavares Paulino, Josemar Soares

Todos os direitos reservados.

SAE DIGITAL S/A.


R. João Domachoski, 5. CEP: 81200-150
Mossunguê – Curitiba – PR
0800 725 9797 | Site: sae.digital

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SUMÁRIO

Pilares pedagógicos..............................................................IV

Tecnologia digital relevante – SAE DIGITAL...................... V

Ensino Médio..........................................................................VI

Conhecimentos de Filosofia .............................................VIII

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Pilares pedagógicos
Os pilares pedagógicos do sistema de ensino do SAE Digital vêm ao encontro das habilidades espe-
radas dos aprendizes, expostos a um ambiente que exige leitura plural do mundo, caracterizada por
constantes mudanças nos campos científico, tecnológico e político.
Os desafios da atualidade preveem uma formação que priorize a capacidade de refletir e in-
terpretar as realidades local e global, bem como agir de acordo com as necessidades coletivas,
por meio do desenvolvimento da empatia, da resiliência e do senso de cooperação.
Para desenvolver habilidades que atendam a tão complexas necessidades, as estratégias do SAE
Digital estão fundamentadas em quatro pilares do trabalho pedagógico: protagonismo, rigor concei-
tual e conteúdo relevante, complexidade e saberes múltiplos e transformação da realidade.

Protagonismo
Uma prática pedagógica estruturada no protagonismo considera o estudante como centro do
processo de sua aprendizagem. Tem como ponto de partida os conhecimentos prévios que ele
possui para, a partir deles, promover o fortalecimento de sua identidade, a sua autonomia e o de-
senvolvimento das habilidades necessárias à concretização de seu projeto de vida e sua atuação
na sociedade com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Rigor conceitual e conteúdo relevante


Esse pilar, que abarca duas ideias complementares, corrobora o entendimento de que a edu-
cação deve sempre se pautar em bases conceituais do conhecimento acadêmico e científico. Na
era da informação, a escola assume o papel de propulsora da pesquisa para a escolha, a apropria-
ção e a produção do conhecimento por parte dos professores e dos estudantes, a fim de garantir
a sistematização dos processos de ensino e de aprendizagem pautados na relevância do currículo
e na precisão da cientificidade.

Complexidade e saberes múltiplos


O paradigma atual do conhecimento requer a superação da disposição estanque do currículo
escolar. Trazemos como proposta para o trabalho pedagógico o pilar complexidade e saberes
múltiplos visando ao desenvolvimento do pensamento complexo, que só se efetiva por meio de
um trabalho inter e transdisciplinar. Promover a religação dos saberes com vistas à formação de
leitores competentes e capazes de atuar em um cenário complexo é um dos compromissos impre-
teríveis dos quais a escola não pode se eximir.

Transformação da realidade
Com base no entendimento da educação como agente transformador da realidade, o sistema
de ensino do SAE Digital incorpora à sua proposta pedagógica um trabalho sistemático com te-
mas contemporâneos de relevância social que afetam a vida humana em escala local, regional e
global. Ao promover a consciência dos direitos e deveres de todo ser humano, o exercício pleno da
cidadania e a tomada de decisões para iniciativas concretas de impacto socioambiental, visamos
à manutenção do estado democrático de direito e à transformação da realidade.

Matriz de pilares do SAE


Rigor conceitual
Complexidade e Transformação da
Protagonismo e conteúdo
múltiplos saberes realidade
relevante

Mundo da ciência e da
Meu mundo Mundo revisitado Mundo transformado
tecnologia

Conhecimento de Conhecimento
Pensamento complexo Saberes ressignificados
mundo científico
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Inter e
Conhecimento prévio Currículo escolar Ações transformadoras
transdisciplinaridade

Autonomia Compreensão Reflexão Iniciativa concreta

IV FIL

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Tecnologia digital relevante – SAE DIGITAL
São recursos digitais – livros, atividades, jogos, realidade aumentada, vídeos, animações, apli-
cativos, plataforma adaptativa, avaliações, ferramentas de gestão escolar, de gestão da aprendi-
zagem e de desenvolvimento dos profissionais da Educação – concebidos com intencionalidade
pedagógica, integração à proposta e aos conteúdos dos materiais impressos e dinâmica eficiente,
a fim de que cumpram um papel efetivo no processo educativo, seja por meio
a) da interação do aluno com o conteúdo digital, que tenha como propósito contribuir com a sua
aprendizagem;
b) da sensibilização/motivação do aluno para a aprendizagem;
c) da promoção da apropriação de conceitos ou do desenvolvimento de habilidades e atitudes;
d) do controle do desempenho e das adaptações e personalizações necessárias a uma aprendizagem
significativa;
e) da gestão do desempenho e aprendizagem do aluno;
f ) da formação permanente do professor.

Outras considerações a
respeito de tecnologia
digital relevante
O projeto de Tecnologia Digital Relevante –
SAE Digital também tem como enfoque aproxi-
mar a produção do SAE Digital às metodologias
contemporâneas da aprendizagem:
● Por desenvolver o conteúdo digital pro-
duzido em consonância com o material
impresso pode ser considerado como
um modelo híbrido de ensino.
● Por promover a autonomia do aluno em
seu processo de aprendizagem, os ob-
jetos digitais podem ser considerados
como metodologia ativa.
● Por promover o uso de diversas mídias
digitais, os objetos digitais podem con-
tribuir para o letramento digital.
● Por ofertar feedbacks do desempe-
nho dos alunos, pode contribuir com
a regulação e a autorregulação da
aprendizagem.
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FIL V

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Ensino Médio
Há alguns anos os documentos oficiais que regulam a educação básica preveem o currículo do
Ensino Médio organizado em quatro grandes áreas do saber:
● linguagem e suas tecnologias;
● matemática e suas tecnologias;
● ciências da natureza e suas tecnologias;
● ciências humanas e suas tecnologias.
A integração dos componentes curriculares em quatro grandes áreas atende à necessidade
educacional e social premente de superar a fragmentação do currículo escolar. Outras necessida-
des da sociedade do século XXI também estão presentes no documento da BNCC, como o desen-
volvimento de competências e habilidades e a formação integral dos estudantes.
Essas e outras diretrizes são contempladas nos pilares pedagógicos SAE Digital – Protagonismo;
Rigor conceitual e conteúdo relevante; Complexidade e saberes múltiplos; Transformação da rea-
lidade – que estão presentes nos livros que compõem a coleção do Ensino Médio. Elas podem
ser percebidas tanto no que tange à organização curricular integrada proposta pela BNCC, como
também no que diz respeito aos objetivos de aprendizagem nesse documento, conforme consta
no texto a seguir:
“O Ensino Médio deve atender às necessidades de formação geral indispensáveis ao exercício
da cidadania e construir `aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e
os interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade contemporânea’, como
definido na Introdução desta BNCC (p. 14; ênfases adicionadas).
Para atingir essa finalidade, é necessário, em primeiro lugar, assumir a firme convicção de
que todos os estudantes podem aprender e alcançar seus objetivos, independentemente de suas
características pessoais, seus percursos e suas histórias. Com base nesse compromisso, a escola
que acolhe as juventudes deve:
● favorecer a atribuição de sentido às aprendizagens, por sua vinculação aos desafios da reali-
dade e pela explicitação dos contextos de produção e circulação dos conhecimentos;
● garantir o protagonismo dos estudantes em sua aprendizagem e o desenvolvimento de suas
capacidades de abstração, reflexão, interpretação, proposição e ação, essenciais à sua auto-
nomia pessoal, profissional, intelectual e política;
● valorizar os papéis sociais desempenhados pelos jovens, para além de sua condição de estu-
dante, e qualificar os processos de construção de sua(s) identidade(s) e de seu projeto de vida;
● assegurar tempos e espaços para que os estudantes reflitam sobre suas experiências e
aprendizagens individuais e interpessoais, de modo a valorizarem o conhecimento, confia-
rem em sua capacidade de aprender, e identificarem e utilizarem estratégias mais eficientes
a seu aprendizado;
● promover a aprendizagem colaborativa, desenvolvendo nos estudantes a capacidade de tra-
balharem em equipe e aprenderem com seus pares; e
● estimular atitudes cooperativas e propositivas para o enfrentamento dos desafios da comu-
nidade, do mundo do trabalho e da sociedade em geral, alicerçadas no conhecimento e na
inovação.” (BNCC, 2018).

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VI FIL

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Anotações
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FIL VII

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Conhecimentos de Filosofia
Desde o seu nascimento com os gregos antigos, a Filosofia tenta responder àquelas perguntas mais profundas que
fazemos a nós mesmos, por exemplo: De onde as coisas vêm? Qual o sentido da existência? O que é conhecimento? Como
devo agir? Como devem proceder as ciências? O que é a verdade?
A Filosofia é a aventura fascinante do ser humano de tentar conhecer a si mesmo e ao mundo; e essa é uma aventura
que já atravessa muitos séculos, exigindo esforços de grandes pensadores, como Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes,
Kant, Nietzsche, Foucault, Hannah Arendt, entre muitos outros. Este livro propõe um percurso pelas ideias de tais homens
e mulheres mostrando que o que os move não são interrogações que habitam apenas a mente dos filósofos, mas sim
questões que são, no fundo, de toda a humanidade.
Estudar Filosofia ajuda a desenvolver nossa capacidade de compreensão do mundo, a qualificar o nosso senso crítico
e a aplicar o que aprendemos intelectualmente no cotidiano. Tudo isso é essencial para os dias atuais, pois vivemos em
um período complexo em que a globalização, a internet, o mercado de trabalho, a família, a sociedade e as relações inter-
pessoais são só alguns dos elementos dos quais os jovens têm de dar conta. Entender esses elementos de um modo mais
profundo certamente é essencial para se construir uma existência mais autônoma, crítica e responsável pelo aprimora-
mento da própria sociedade.
A Filosofia sempre teve implicações na trajetória da história humana. Cada período histórico, com suas grandes re-
voluções, costumes, modos de pensar e de viver, teve como pano de fundo a fundamentação de grandes autores que
pensavam sua própria época e que por vezes apontavam novos rumos para a história.
Na primeira série, será estudada a origem da Filosofia na Grécia Antiga. A mitologia é o ponto de partida para entender
o nascimento dessa ciência e, na sequência, estudar os grandes filósofos daquele período: os pré-socráticos, os sofistas,
Sócrates, Platão e Aristóteles, os mais célebres nomes da Filosofia grega, e, por fim, o helenismo. Serão estudadas as con-
siderações de Platão sobre a origem e o fundamento do conhecimento e a importância da educação para a formação do
Estado, bem como os principais pontos do pensamento lógico, ético e político de Aristóteles.
Será estudada, também, a Filosofia Medieval, analisando-se o fortalecimento da moral cristã com a fundamentação
de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, que tiveram influências diretas de Platão e Aristóteles, respectivamente.
Por fim, serão estudados o humanismo renascentista e a revolução científica – extraordinário período que rompe com
uma tradição de mais de mil anos com o surgimento da ciência moderna – abordando pensadores como Leonardo da
Vinci, Maquiavel, Galileu e Isaac Newton.
Na segunda série, será estudada a Filosofia da Idade Moderna à Contemporânea, iniciando com o estudo do racio-
nalismo e empirismo, com os pensadores Descartes, Spinoza, Bacon, Locke e Hume, para fundamentar as bases de uma
ciência metódica e objetiva.
Também serão estudados os filósofos do contrato social, uma vez que muito do que se entende por Estado, por socie-
dade civil, direito e liberdade vem da Idade Moderna, com Hobbes, Locke e Rousseau. As normas e as formas de organi-
zação da sociedade foram defendidas, criticadas e influenciadas por esses brilhantes filósofos modernos. Também serão
estudados os filósofos do idealismo, Kant e Hegel.
No período do século XIX, será trabalhado o surgimento de correntes de pensamento, como positivismo, utilitarismo
e marxismo, e a influência que ainda têm em nosso tempo. Depois, na passagem do século XIX para o século XX serão
estudados filósofos como Schopenhauer, Nietzsche e Bergson.
Por fim, serão estudados pensadores e ideias da Filosofia Contemporânea, como Husserl, Heidegger, Sartre, Hannah
Arendt, Foucault, entre outros filósofos contemporâneos, além de pensar em crises ocorridas na atualidade, como as
duas Guerras Mundiais, a Guerra Fria, os dilemas da globalização etc.
Vive-se uma época conturbada em que se observa a relativização de hábitos e valores que por séculos foram os alicer-
ces do comportamento humano. A razão moderna, as religiões, as ciências e o Estado não foram capazes de evitar tantas
crises que atingem as esferas social, econômica e política no mundo todo. Estudar o pensamento desses filósofos nos
faz entender melhor nosso próprio tempo, carregado de antagonismos, diversidade e incertezas. Por fim, será dedicada
atenção à Filosofia da Ciência, à alguns aspectos da Filosofia da Arte e da Pós-modernidade.
A terceira série tem caráter revisional, sendo abordados os conteúdos da primeira e segunda séries de modo mais
sucinto, sem perder a característica reflexiva da Filosofia.
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VIII FIL

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Filosofia – 2.a série
Livro Módulo Frente única

Racionalismo e empirismo
1 Origem e desafios do racionalismo moderno • René Descartes • Baruch Spinoza • Empirismo •
Francis Bacon• John Locke • David Hume: o empirismo cético

Filósofos do contrato social


2
Os contratualistas • Thomas Hobbes • John Locke • Jean–Jacques Rousseau

Idealismo
3
Immanuel Kant • Georg W. F. Hegel

A filosofia no século XIX


4 Contexto histórico • O positivismo de Auguste Comte • O utilitarismo de John Stuart Mill •
O materialismo histórico de Karl Marx

A passagem do século XIX para o século XX


5
Arthur Schopenhauer • Friedrich Nietzsche • Henri Bergson

Fenomenologia e existencialismo
6
Fenomenologia • Existencialismo

Filósofos contemporâneos e a compreensão da democracia contemporânea


7 Breve panorama da Filosofia nos séculos XX e XXI • Fundamentos filosóficos para a compreensão
da democracia contemporânea

Filosofia da Ciência, Filosofia da Arte e estética, Pós-modernidade


8 Introdução à Filosofia da Ciência • Investigações sobre o belo • Interpretação filosófica de
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grandes transformações

FIL IX

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Anotações

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X FIL

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ALUNO
MATERIAL DO
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Estrutura didática
Os livros da 1.ª e da 2.ª série apresentam uma organização de conteúdos e propostas de atividade que evidencia a
sequência didática da coleção e oferece ferramentas para auxiliar a prática dos professores e o estudo dos alunos.

Arrase no Enem: sempre


que o módulo trabalhar um
tema recorrente no Enem,
estará disponível por meio de
QR Code uma videoaula do
curso Arrase no Enem.

Seção Start: As atividades


propostas nas páginas de
abertura têm por objetivo
sensibilizar os alunos a res-
peito do conteúdo a ser ex-
plorado. Nelas são propostas
leituras, observação de ima-
gens e reflexões que servem
como ponto de partida para
a exploração do conteúdo e a
apreensão de novos saberes
e, também, para levantar
os conhecimentos prévios
dos alunos acerca do tema,
garantindo o protagonismo
do aluno em seu processo
de aprendizagem.

Desenvolvimento do conteúdo:
após o momento de sensibilização,
propomos o desenvolvimento do
conteúdo por meio de um texto teórico
construído alinhado aos pilares Rigor
conceitual e conteúdo relevante e
Complexidade e saberes múltiplos.

Terceira coluna: Nas colunas ex-


ternas das páginas encontram-se
as seções que complementam o
desenvolvimento do conteúdo. Essa
ampliação pode acontecer com indi-
cações de filmes, sites e livros, intro-
dução de exemplos, complementos
e curiosidades, indicação de pontos
de atenção, explicação de termos e
conceitos e sugestões de reflexões
de pesquisas.

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Seção Disciplina & sociedade/arte/cultura/meio ambiente/
tecnologia: nas seções que finalizam a exposição teórica dos módulos
são propostas atividades que propiciam a aplicação dos conceitos e,
em muitos casos, a reflexão, a análise e a construção de novos saberes.
As  propostas podem indicar um trabalho coletivo com o objetivo de
estimular a interação com a comunidade em que se vive, alinhando-se aos
pilares de Complexidade e saberes múltiplos e Transformação da realidade.

Atividades Concluindo a sequência didática dos


Atividades:
livros, os alunos são apresentados a um grupo de
questões dos mais relevantes vestibulares e do
Enem como forma de testar seus conhecimentos
e como autoavaliação. Elas são organizadas
em quatro seções: Resolvidos, Praticando,
Desenvolvendo habilidades e Complementares
Complementares.
Dentro de cada uma das seções, as questões são
organizadas por seu grau de dificuldade. Todas
as seções apresentam questões fáceis, médias
e difíceis.
Na seção Desenvolvendo habilidades são
indicadas as competências e habilidades do Enem
exploradas em cada uma das questões.
Na seção Complementares há um grupo maior de
questões, dentre as quais encontram-se questões
desafio, conexões e discursivas.
Ainda na seção de atividades, você irá observar a
presença de QR Codes nas questões das últimas
provas do Enem. Esse QR code irá direcionar os
alunos para um vídeo no qual as questões são
comentadas.
Por fim, os QR Codes presentes ao final da seção de
atividades direcionam os alunos e os professores
aos gabaritos das questões, e os professores a
comentários de apoio e solucionários.

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CONHEÇA OS RECURSOS

DIGITAIS
PLATAFORMA ADAPTATIVA
ENTENDEU A AULA DE HOJE?
A plataforma adaptativa permite que você resolva exercícios encaminhados
pelo professor e revise o conteúdo visto na semana. Veja como é fácil:

Selecione a disciplina disponível e resolva


os 4 exercícios propostos na plataforma.

Caso seu desempenho esteja abaixo


Acesse o site ava.sae.digital
do esperado, você deverá assistir a
e insira seu login e senha.
2 uma videoaula sobre o conteúdo.

1 3
Após assistir à videoaula, 3 questões
4 deverão ser respondidas para finalizar
a tarefa e verificar seu aprendizado.

COMO VOCÊ E SUA FAMÍLIA ACOMPANHAM SEU DESEMPENHO?

Quando alguma atividade da plataforma adaptativa for agendada, aluno e responsável serão comunicados
por meio de um aplicativo. Além de enviar um lembrete da tarefa ao aluno, essa ferramenta permite ao
responsável o acompanhamento, em tempo real, do desempenho do estudante e o momento em que o
exercício é concluído.

As notificações serão enviadas quando:


Dmi T; Omelchenko; photka; Gts; GCapture/Shutterstock

• uma atividade for encaminhada; • Acesse a Play Store (Android) ou a App


Store (IOS) de seu smartphone e faça o
• restarem 24 horas para o encerra-
download do aplicativo SAE NOTIFICA.
mento do período para a atividade;
• No aplicativo, insira seu login e senha
• os exercícios forem resolvidos;
(aluno e responsável, conforme cadas-
• a tarefa não foi realizada. tro da escola).

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ARRASE NO ENEM
Quer acessar centenas de aulas para arrasar no ENEM?
Acesse a plataforma adaptativa com seu login e senha e clique em ARRASE NO ENEM. Você vai
encontrar inúmeras videoaulas com conteúdo completo para o ENEM.
E não acaba aí!
Você poderá contar com roteiros de estudos em formato PDF presentes em cada videoaula disponível.
Também é possível acessar as aulas pelos QRcodes presentes nas aberturas dos módulos.

SAE QUESTÕES
O QUE O ENEM ESTÁ AVALIANDO?
Com o aplicativo SAE QUESTÕES você poderá aprimorar seus estudos solucionando as questões
presentes nas edições da avaliação do ENEM.

TEMAS DA ATUALIDADE
Acessando o item “Atualidades” do aplicativo, é possível acompanhar o canal “DOBRADINHA SAE”, que traz,
semanalmente, um professor de redação juntamente com um professor de outra disciplina debatendo
temáticas da atualidade e dando dicas e sugestões de como escrever e estruturar uma boa redação.

QRCODE NAS QUESTÕES ENEM


As questões do ENEM possuem QR codes. Depois de resolver essas questões, confira o vídeo com a resolução
comentada. Para isso, acesse o item “Leitor QRcode” do aplicativo e posicione a câmera de seu smartphone em frente ao
código da questão. Para ter acesso a esse recurso, basta:

1. Baixar o aplicativo SAE QUESTÕES, disponível na Play Store (Android) e também


na App Store (IOS).

2. Fazer um cadastro informando um e-mail válido e elaborar uma senha de acesso.

SIMULADOR – TABELA PERIÓDICA

Em consonância com o Ano Internacional da Tabela


Periódica dos Elementos Químicos, declarado pela
ONU, apresentamos como Objeto Digital um simulador
da Tabela Periódica, que possibilita ao aluno e ao
professor interagirem de forma dinâmica e interativa
com os 118 elementos químicos.

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Organize seu estudo
O Ensino Médio é uma importante etapa de sua Outra etapa essencial para seu estudo autônomo
formação escolar e educacional, com a qual o SAE irá ocorre fora da escola: em casa ou em outro ambiente
ajudá-lo a se desenvolver em diferentes dimensões ao destinado a esse fim. Para esses momentos, aconselha-
longo dos três anos que estaremos juntos. -se uma série de atitudes que poderão ser ajustadas e

No entanto, vale salientar que nessa fase é muito proporcionarão um aproveitamento ideal do seu tempo

importante desenvolver um método de estudo. As ha- e energia.

bilidades a serem desenvolvidas e os conhecimentos a O local de estudo deve ser tranquilo e silencioso.
serem adquiridos e consolidados serão mais facilmen- Para que a sua concentração e a retenção do que se
te obtidos com uma metodologia de apoio e uma estra- estuda sejam maiores. Evite sons, música, televisão
tégia de estudo, estabelecidas conforme suas caracte- ou quaisquer outras distrações. Embora não pareça,
rísticas de disponibilidade de tempo, preferências por essas interferências podem atrapalhar, e muito, sua
horários, entre outras variáveis. concentração.

Há diferentes formas de organizar seu tempo Para quaisquer áreas do conhecimento, inicie seu
para estudar além daquele em que você está na sala estudo com uma rápida revisão do que foi desenvol-
de aula com seus professores e colegas. Há quem vido em sala de aula, tanto recorrendo ao seu mate-
prefira estudar assim que chega em casa (ou no am- rial do sistema SAE, quanto às anotações feitas em seu
biente destinado ao estudo), enquanto outros prefe- caderno. Dedique alguns minutos a isso. Em seguida,
rem ocupar-se com outras atividades e iniciar o estu- cumpra as atividades passadas pelos professores: as
do individual mais tarde. É uma opção pessoal. pesquisas da seção de fechamento dos capítulos (se

Entretanto, há determinadas atitudes que pode- houver) e, principalmente, os exercícios propostos.

rão ajudá-lo, independente de quaisquer variáveis. Procure fazer todas as questões ou atividades, pois a

Inicialmente, observe sua postura em sala de aula, du- quantidade deles é programada para que haja a fixa-

rante os trabalhos feitos em classe. ção dos conteúdos.

Ao iniciar as aulas, faça um “aquecimento” do con- O tempo de estudo também é muito importante.

teúdo: enquanto o professor prepara o ambiente de Procure destinar ao menos meia hora de estudo em

trabalho, realize uma rápida leitura daquilo que será casa para cada aula dada em sala de aula. Com isso, os

exposto na aula. Isso o ajudará a entender melhor os conteúdos a serem estudados não se acumulam e você

conteúdos e a sequência de ideias. Além disso, reco- evita trabalhos mais intensos e desgastantes nas datas

menda-se usar um caderno de anotações. Anotar os que antecedem as avaliações.

apontamentos feitos pelo professor é indispensável Lembre-se de que método de estudo é algo desen-
para seu estudo posterior. volvido individualmente e pode passar por ajustes.
Contudo nada substitui o trabalho feito pelo aluno so-
mado àquele desenvolvido na escola.

Bom estudo!

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ANUAL
SUMÁRI
FILOSOFIA

LIVRO
10
Racionalismo
e empirismo

28
Filósofos do
Habilidades
contrato social

40
Idealismo
• H1 – Interpretar historicamente e/ou geograficamente
fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
• H2 – Analisar a produção da memória pelas sociedades
humanas.

53
A filosofia no
• H3 – Associar as manifestações culturais do presente
aos seus processos históricos.
• H4 – Comparar pontos de vista expressos em diferentes
século XIX fontes sobre determinado aspecto da cultura.

64
A passagem do
• H5 – Identificar as manifestações ou representações
da diversidade do patrimônio cultural e artístico em
diferentes sociedades.

século XIX para • H12 – Analisar o papel da justiça como instituição na


organização das sociedades.
o século XX

74
• H23 – Analisar a importância dos valores éticos na
estruturação política das sociedades.
• H24 – Relacionar cidadania e democracia na organização
Fenomenologia e das sociedades.

84
Filósofos
Existencialismo

contemporâneos
e a compreensão
da democracia
100 Filosofia da
contemporânea
Ciência, Filosofia
da Arte e estética,
Pós-modernidade

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ns

Racionalismo e
mo
om

empirismo
Trest/W.C

Origem e desafios do racionalismo moderno • René Descartes • Baruch Spinoza • Empirismo • Francis Bacon • John Locke •
David Hume: o empirismo cético
Filosofia
mód. 01/08

01
Filosofia
Filosofia
moderna: o
moderna: o
racionalismo
empirismo
de Descartes

START
Leia o texto e responda às questões.

Enquanto eu queria pensar que tudo era falso, era necessário que eu, ao pensar, fosse alguma coisa. E, con-
tando que esta verdade “eu penso, logo existo” era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes supo-
sições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro
As questões devem ser princípio da Filosofia que procurava. Depois, examinando com atenção o que eu era, vi que eu podia supor
respondidas com base que não tinha corpo algum e que não havia qualquer mundo, ou qualquer lugar onde eu existisse; mas nem
na experiência pessoal
de cada aluno e naquilo por isso podia supor que não existia. Vi, por fim, que, se tivesse parado de pensar, apesar de tudo o que eu
que já foi estudado em já tivesse imaginado alguma vez como verdadeiro, não teria qualquer razão para crer que eu tivesse existido.
Filosofia. A ideia é que se
pense como é possível Compreendi por aí que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar. Essa subs-
chegar ao conhecimento, tância, para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material. Dessa maneira, esse
iniciando uma investiga- “eu”, isto é, a alma pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, é mais fácil conhecer
ção sobre os processos
do conhecer. do que ele. Ainda que o corpo nada fosse, a alma não deixaria de ser tudo o que ela é.

(DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural, 1987. Col. Os Pensadores.)

1. É possível conhecer sem os cinco sentidos?


Resposta pessoal.

2. A razão se basta a si mesma no processo de conhecimento?


Resposta pessoal.

3. O que é mais importante: o conhecimento sensível ou o co-


nhecimento intelectual?
Resposta pessoal.

4. A dúvida esclarece ou confunde?


Resposta pessoal.
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Origem e desafios do racionalismo moderno
A revolução científica foi uma grande quebra de paradigmas

Rivi/W.Commons
na história do pensamento ocidental. A Matemática passou a
ocupar um lugar central no pensamento filosófico, uma vez que
ela é puramente objetiva e, por meio dela, seria possível deci-
frar o mundo. Novas questões, então, surgiram. Simplesmente Glossário
devemos ignorar os pensamentos e reflexões e passar a confiar Paradigma: padrão que
exclusivamente naquilo que a experiência comprova? Analisar a serve como modelo a ser
possibilidade de utilização da razão humana de um modo con- imitado ou seguido; modelo.
fiável e de forma a não cometer os erros do passado – é esse o
desafio do racionalismo moderno.
Se o modo de pensar antigo já não é suficiente para dar con-
ta de explicar um mundo cada vez mais complexo, buscam-se
novos caminhos. Diante disso, surgiram duas grandes correntes
filosóficas que se enfrentaram durante a Idade Moderna: o racio-
Glossário
nalismo e o empirismo.
Astrônomo observa o céu com a utilização
O racionalismo é a linha de pensamento que prioriza a razão de um telescópio. A utilização dos sentidos Empiria: doutrina que
para a busca do conhecimento torna-se pressupõe o conhecimento
como a única instância capaz de produzir um conhecimento marca da Filosofia da Idade Moderna.
de dados, elementos e
seguro e confiável. O saber instituído no passado não permitia acontecimentos com base
conhecer o real com o grau de segurança necessário para se alcançar a certeza no conhecimento exclusiva na experiência,
e a verdade dos fatos. por meio unicamente das
faculdades sensitivas (em
O racionalismo moderno tem como primeiro passo responder às seguintes questões: todo oposição ao que é conheci-
conhecimento confiável ruiu, então, em que confiar? Como construir o caminho ao saber de modo do por intermédio da lógica
seguro? e da racionalidade).
Os racionalistas afirmavam que era possível testar tudo aquilo que se percebe pelos sentidos.
As experiências metódicas, ainda que aplicadas na prática por via da experiência, só são devida-
mente comprovadas com uma adequada utilização da razão. Não basta a empiria: é preciso cál-
culos matemáticos, raciocínios lógicos, que demonstrem que aquela experiência de fato resulta
em algo correto. Portanto, é preciso aprimorar o modo de se utilizar a razão, para que ela possa
explicar como determinado experimento trouxe uma verdade.
Entre os principais nomes do racionalismo estão os filósofos René Descartes e Baruch Spinoza.

René Descartes Saiba mais


René Descartes foi um pensador francês A lógica clássica teve início
do século XVII, considerado por muitos estu- com Aristóteles e representa
diosos o fundador da filosofia moderna. Essa o estudo de regras para
afirmação decorre do fato de ele ter sido uma conduzir o pensamento de
forma adequada na elabo-
influência marcante e revolucionária no campo
ração do conhecimento. São
do pensamento, produzindo-a mediante suas estudados os raciocínios
críticas às heranças culturais, filosóficas e cien- que devem ser feitos para
tíficas deixadas pelos antigos e medievais. se pensar com coerência.
Descartes, avesso à lógica
A filosofia de Descartes se tornaria uma de Aristóteles, propôs uma
das principais fundamentações da revolução nova maneira de conduzir
científica. As descobertas iniciadas por a razão para se conhecer
Copérnico e continuadas por Galileu, Newton e corretamente. A Matemática
tornou-se imprescindível
outros grandes cientistas abriram as portas ao para a compreensão do
questionamento de ideias que até então eram mundo.
consideradas incontestáveis. Inaugura-se um
período de dúvidas, de incertezas, pois a antiga
lógica clássica, que vinha desde Aristóteles,
resultou insuficiente para compreender
as novas complexidades do mundo. Era
preciso repensar a Filosofia, os princípios do
conhecimento e criar novos caminhos para que
fosse possível compreender a realidade com
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maior grau de certeza e exatidão possíveis. HALS, Frans. Retrato de René Descartes (1596-1650). c. 1649-1700. Óleo
sobre tela, 77,5 x 68,5 cm. Museu do Louvre, Paris (França).

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Filme Descartes foi o primeiro filósofo a propor um método seguro

Wellcome Library, London


de investigação. Galileu já construíra um método científico, que

Versatil Home Video


exigia a observação e o questionamento rigorosos de dados co-
lhidos pela experiência, porém faltava a construção racional para
poder compreender esses dados. Descartes foi o filósofo que es-
truturou o caminho mais seguro e preciso de investigação, conhe-
cido como método cartesiano.
Proveniente de família nobre, Descartes nasceu em 31 de mar-
ço de 1596. O pensador foi educado em um colégio jesuíta com
sólida formação filosófica e científica. Esses estudos lhe permiti-
Descartes
ram conhecer a filosofia escolástica da Idade Média, fato que in-
Ano: 1974
fluenciaria seus pensamentos em relação ao desenvolvimento de
Diretor: Roberto Rossellini Desenho de Descartes, publicado em 1664,
temáticas referentes a Deus, tais como a busca pela comprovação representando o percurso da sensação de
Sinopse: Roberto Rossellini da existência de Deus e o desejo de conciliar fé e razão. Os estudos dor no corpo humano. – O tema de análise
realizou diversos filmes da filosofia dos modernos é a questão
biográficos sobre filósofos das filosofias antiga e escolástica lhe ajudaram, ainda, a construir sobre a validade do conhecimento e da
uma sólida formação em conceitos metafísicos, que seriam essen- forma correta de uso das faculdades que o
como Sócrates e Agostinho. ser humano possui para elaborá-lo.
Nesse filme, apresenta os ciais para o seu método.
principais pensamentos
de Descartes, sendo que Descartes considerou a metafísica essencial por indicar quais temas os cientistas devem estu-
alguns trechos dos livros do dar, direcionando o que se deve procurar, quais os problemas que envolvem tal assunto e quais
filósofo foram integralmente regras devem ser utilizadas para solucionar essas questões.
reproduzidos no filme.
O filósofo francês afirmava que o método, a física e a metafísica apresentam vínculos e fun-
ções inter-relacionadas, sendo essa ideia apresentada em sua obra Princípios da filosofia. Nela,
Descartes afirma que:

“Assim, toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes equivalem à metafísica, o tronco é a física e os
ramos que saem deste tronco são todas as outras ciências, que se reduzem a três principais, a saber: a me-
dicina, a mecânica e a moral; penso na mais elevada e mais perfeita moral, que, pressupondo um inteiro
conhecimento das outras ciências, é o último grau da sabedoria.
Ora, como não é das raízes, nem do tronco das árvores, que se colhem os frutos, mas somente das extre-
midades dos seus ramos, assim a principal utilidade da filosofia depende daquelas partes que só se podem
aprender em último lugar.”

(DESCARTES, René. Princípios da Filosofia. Porto: Areal Editores. p. 55.)

Galhos: todas as
outras ciências

Tronco: física
ock
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wad

Su
pa

Raízes: metafísica
Lupo/W.Commons

O método cartesiano
O método cartesiano é o conjunto de regras fáceis e certas que possibilitam a correta con-
dução da razão na elaboração do conhecimento verdadeiro. Além disso, não se trata de conhe-
cer a verdade simplesmente por conhecer, mas sim de um grandioso esforço empreendido por
Descartes com o objetivo de construir um método aplicável à própria vida.
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O método cartesiano foi apresentado primeiramente na obra Regras para a orientação do espí-
Capa de uma das primeiras rito, na qual foram enumeradas 21 regras, as quais Descartes reduziu para quatro no Discurso do
edições do Discurso do método.
método. Essa simplificação decorreu do fato de Descartes ter entendido que as ações funcionam
melhor se existirem poucas leis, sendo necessário que estas sejam seguidas rigorosamente.

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Seguindo os passos de Galileu, Descartes via no mundo uma harmonia matemática, que pas- Importante
sou a ser concebida como a linguagem universal capaz de descrever e entender o mundo. Porém,
“[...] nunca aceitar coisa
para o filósofo francês, a matemática comum não era capaz disso, já que não havia um método
alguma como verdadeira
que guiasse o pesquisador nas investigações, pois carecia de uma base sólida e segura que justifi- sem que a conhecesse
casse os resultados obtidos. Para atingir esse objetivo, Descartes formulou seu método. evidentemente como tal; ou
seja, evitar cuidadosamente
As quatro regras do método cartesiano a precipitação e a preven-
ção, e não incluir em meus
1) Regra da evidência: considerar como verdadeiro apenas aquilo que seja absolutamente juízos nada além daquilo
que se apresentasse tão
evidente, isto é, sobre o qual não paire a menor dúvida, de modo que se evite a precipitação clara e distintamente a meu
e a prevenção. espírito, que eu não tivesse
2) Regra da análise: indica a divisão de um problema complexo em parcelas mais simples, nenhuma ocasião de pô-lo
em dúvida.”
examinando cada parte de acordo com a regra de evidência. (DESCARTES, René. Discurso do
método. Tradução de: GALVÃO, Maria
3) Regra da síntese: ressalta a importância de se ordenar os pensamentos, classificando-os do Ermantina. São Paulo: Martins Fontes,
mais simples ao mais complexo, lembrando de organizar também aqueles que não prece- 2003.)

dem naturalmente aos outros. Trata-se da síntese que reorganiza o objeto estudado, impon-
do-lhe uma lógica de raciocínios que permite sua melhor compreensão, pois permite passar Observe
do conhecido ao desconhecido. O primeiro objetivo de Des-
cartes ao criar o método era
4) Regra da enumeração e revisão: consiste na revisão e enumeração de todos os passos
conduzir bem a própria vida.
dados no estudo do problema. Assim, antes de utilizá-lo
Ao final dessas etapas, volta-se novamente à evidência, visto que só ao ultrapassar rigoro- para a busca da verdade e
samente essas regras se obterá um conhecimento claro e distinto. Não podemos simplesmente compreensão do mundo e
dos fenômenos, era preciso
confiar em um conhecimento imediato, é preciso testá-lo, analisá-lo. Faz-se isso por meio do mé- verificar se esse método
todo dedutivo, que decompõe e confirma o conhecimento imediato. E é com a confirmação pela fazia com que o filósofo
dedução que voltamos à evidência e que conduz ao ato intuitivo. vivesse da melhor forma
possível.
O alcance da evidência ocorre por meio do ato intuitivo, visto que esse é um conceito da mente
pura, decorrente apenas da razão, trazendo conhecimentos mais corretos do que a própria dedu-
ção. O método dedutivo é realizado mediante raciocínios, portanto não pode ter a evidência de Glossário
um conhecimento imediato como o intuitivo. A dedução procede por etapas, enquanto a intuição
Ato intuitivo (ou intuição):
é instantânea e completa, ou seja, vai direto à coisa, tal como quando olhamos um objeto. Quando refere-se àquele momento
enxergamos algo, não o vemos por parte ou etapas, mas a figura inteira. em que temos uma evidência,
Método indutivo é aquele que parte de premissas particulares verdadeiras para se alcançar uma constatação de forma
instantânea sobre alguma
uma conclusão universal provável. Por exemplo: coisa.
Premissa particular 1: ao observarmos um corvo, constatamos que este é negro.
Premissa particular 2: ao observarmos outro corvo, constatamos que este também é negro. Observe
Premissa particular 3: ao observarmos um terceiro corvo, constatamos que este também é A intuição não é fruto de
negro. sorte ou do acaso, mas sim
Ao observarmos um número “n” de corvos, constatamos que todos eles são negros. Logo, de um grande esforço e
estudo que vêm antes e que
todo corvo é negro (conclusão). possibilita a intuição. Isaac
Método dedutivo é aquele que parte de uma premissa universal verdadeira para chegar a uma Newton, por exemplo, jamais
conclusão menor, que necessariamente deverá ser verdadeira. teria a intuição sobre as leis
da gravidade ao ter a maçã
Ex.: Todo homem é mortal. caindo em sua cabeça se
Sócrates é homem. já não fosse um estudioso
sobre o assunto.
Logo, Sócrates é mortal (conclusão).
A ideia de que Sócrates é mortal já se encontrava implicitamente na primeira afirmação.
A primeira intuição é apenas imediata, não é capaz de entender o objeto em suas múltiplas par-
tes, por isso é preciso que seja confirmada pela dedução. Até porque, como o próprio Descartes
afirma, como podemos ter certeza de que tivemos uma intuição ou apenas má imaginação?

A dúvida metódica
Descartes estabelece a necessidade da existência de uma dúvida geral, a qual possa ser aplica-
da a todos os conhecimentos, a todas as coisas, isto é, deve-se colocar tudo em dúvida. A dúvida me-
tódica deve colocar em dúvida nossas certezas sobre as coisas, nossos hábitos, nossas relações
etc. É preciso verificar tudo, e, a partir disso, tentar distinguir o que é verdadeiro do que é falso.
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A dúvida metódica consiste em considerar

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Glossário
como falso tudo aquilo que não se pode conhe-
Indubitável: é tudo aquilo
cer com certeza. Questiona-se se nada é ver-
de que não se pode duvidar.
Descartes busca um funda- dadeiro e se tudo é falso. Mas se tudo é falso,
mento seguro para servir qual a segurança que podemos ter de que é
como base na busca pela possível conhecer algo verdadeiro? Ou ainda,
certeza. será que existe algo que seja indubitável?
Descartes põe tudo em dúvida, passando a
Observe
questionar desde a Matemática e todos os ou-
A ideia de negar tudo para tros saberes até colocar em xeque a própria
então sair em busca do existência. Quem garante que não estamos so-
verdadeiro conhecimento O pensador, de Rodin. O ser pensante é a primeira evidência de existên-
nhando nesse exato momento?
é constante na história da cia para Descartes, pois ainda que eu coloque a existência de tudo em
Filosofia. Como exemplo, Com base no argumento do sonho, dúvida, essa dúvida é um pensamento, e para isso ocorrer, é necessário
que alguém esteja pensando. Portanto, “penso, logo existo”, pois não
podemos citar Sócrates Descartes concluiu que: posso pensar sem existir.
com a máxima “Só sei que
nada sei”.
● se posso duvidar de minha própria existência, significa que sou capaz de pensar.
● se sou capaz de pensar, quer dizer que posso afirmar, negar ou duvidar que existo.
● se posso afirmar, negar ou duvidar de minha própria existência, significa que eu penso.
Atenção ● se eu penso, eu existo: cogito ergo sum. Penso, logo existo.

Descartes aceita qualquer


argumento contrário, não
importando se ele é fraco “E enfim, considerando que todos os mesmos pensamentos que temos quando despertos nos podem tam-
ou não. A regra é: se tem um bém ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso, que seja verdadeiro, resolvi fazer de conta
argumento contrário, eu vou que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de
aceitá-lo, pois o objetivo meus sonhos. Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria
é chegar a algo que não
tenha nenhum argumento necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo,
contrário. era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar,
julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como primeiro princípio da Filosofia que procurava.”

(DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 91-92.)

É importante assinalar que essa postura

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cartesiana de não aceitar nada como verda-
deiro segue até hoje como um dos pilares do
conhecimento científico. A resposta à questão
só poderá ser aceita como verdadeira depois
de devidamente comprovada.
A primeira certeza fundamental alcançada
pela aplicação do método é a intuição da cons-
ciência de si mesmo como ser pensante. O co-
gito ergo sum torna-se o princípio primeiro da
filosofia de Descartes, a certeza fundamental
que lhe garante uma base sólida para alcançar
o conhecimento seguro e verdadeiro.
Com a certeza do cogito cartesiano, o fun-
damento da Filosofia não é mais Deus ou o Ser,
mas a própria razão humana como consciência FORSBERG, Nils. Disputa de Rainha Cristina e René Descartes. 1884.
Óleo sobre tela. Museu Nacional de Versalhes, França. (detalhe) – René
pensante que duvida. Descartes na corte da Rainha Cristina, da Suécia.

As ideias e as provas da existência de Deus


Descartes já provou a existência do ser pensante. Agora, o pensador francês precisa provar
se é certo que existe a árvore, o mundo, Deus etc. Existem várias ideias na mente do sujeito que
precisam ser confirmadas, como as ideias de Deus e mundo.
Para o filósofo francês, há três tipos de ideias:
Tipo de ideias Inatas Adventícias Factícias
São ideias que existem em nós mesmos, Ideias construídas por nós
Ideias que vêm de fora e representam
Definição que nascem com a nossa consciência; e que não são reais, ou
coisas completamente diferentes de nós.
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fazem parte do ser pensante. seja, são imaginadas.


Ideia de Deus, de perfeição, de formas Ideia de uma árvore, de um animal, de
Exemplos Seres mitológicos.
geométricas. um carro.

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As ideias factícias não existem, são criações do sujeito. Resta então saber se as outras duas, as
inatas e adventícias, possuem realidade. O que está em xeque é: o ser humano tem evidência de
que existe, mas será que tem a evidência de que pode conhecer algo fora dele? A primeira e mais
importante pergunta é acerca da existência de Deus.
Para Descartes, a ideia de Deus é uma ideia inata na consciência humana. Todos nascem com a
ideia de um ser infinito e eterno, que seja o princípio da criação. Descartes apresenta três provas
para a existência de Deus:

1.ª prova Observe


Se existe em nós a ideia de um ser eterno e infinito, esse ser necessariamente precisa existir.
“E, primeiramente, porque
2.ª prova sei que todas as coisas
Se nenhum ser humano é perfeito, como pode ter a ideia de um ser perfeito? Ora, do nada, nada que eu concebo clara e
distintamente podem ser
se faz; do ser imperfeito não pode surgir um ser perfeito. A simples ideia de um ser perfeito em nós produzidas por Deus tais
revela que essa ideia nos foi inserida por um outro ser, um ser perfeito. como as concebo, basta
3.ª prova que possa conceber clara
e distintamente uma coisa
Nós não podemos sustentar a nossa existência. Sabemos que existimos, mas não de onde vie- sem a outra para estar certo
mos ou por que existimos. Essa garantia de existência só pode provir de um ser maior, perfeito. de que uma é distinta ou
diferente da outra, já que
podem ser postas separa-
A terceira prova é muito importante, pois garante a questão da fundamentação do método damente, ao menos pela
onipotência de Deus, e não
de pesquisa. Se o ser humano é sustentado por um ser perfeito e eterno, há uma certeza de que
importa por que potência
o ser humano pode conhecer algo certo e indubitável, pois conhece o mundo a partir da ordem se faça essa separação, para
estabelecida por esse ser perfeito e divino. que seja obrigado a julgá-
-las diferentes. E, portanto,
A partir de tal ideia, Descartes entende que a razão humana é sustentada e iluminada pela
pelo próprio fato de que
garantia da verdade de seu criador. Portanto, ele também pode se dedicar ao estudo do mundo. conheço com certeza que
Nesse aspecto, as considerações de Descartes são radicalmente opostas às dos medievais. A exis- existo, e que, no entanto,
tência de Deus não serve de pretexto para a obediência das normas prescritas nas Escrituras, mas noto que não pertence
para confirmar a possibilidade de o ser humano conhecer. necessariamente nenhuma
outra coisa à minha natu-
reza ou à minha essência, a
O dualismo e mecanicismo cartesiano não ser que sou uma coisa
que pensa, concluo efetiva-
Segundo Descartes, há uma divisão entre mente que minha essência

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o mundo imaterial, ou res cogitans (coisa consiste somente em que
pensante), e o mundo material, ou res extensa sou uma coisa que pensa
ou uma substância da qual
(coisa extensa), sendo que ambos os mundos
toda a essência ou natureza
são incomunicáveis. Descartes propõe, então, consiste apenas em pensar.
que tanto o corpo humano quanto os corpos E embora talvez (ou, antes,
no reino animal são regidos por leis físicas da certamente, como direi logo
mecânica. Descartes compara o corpo humano mais) eu tenha um corpo ao
qual estou muito estreita-
com um relógio: assim como o relógio pode mente conjugado, todavia,
funcionar mecanicamente, o corpo humano, já que, de um lado, tenho
que é considerado uma máquina, também uma ideia clara e distinta
funciona em conformidade com as leis físicas de mim mesmo, na medida
em que sou apenas uma
da mecânica.
coisa pensante e inextensa,
Com exceção do ser humano, todos os ou- e que, de outro, tenho uma
tros seres vivos possuem apenas res extensa. ideia distinta do corpo, na
medida em que é apenas
No entanto, o dualismo corpo-alma está pre-
uma coisa extensa e que
sente no ser humano, pois além de ser “coisa não pensa, é certo que este
extensa” (res extensa), o ser humano também é eu, minha alma, pela qual
“ser pensante” (res cogitans). Descartes sinteti- eu sou o que sou, é inteira e
za a separação entre corpo (res extensa) e alma verdadeiramente distinta de
Ao comparar o corpo humano com um relógio, Descartes concluiu que, meu corpo e que ela pode
(res cogitans) em sua obra Meditações metafísi- assim como o relógio, o corpo está condicionado às leis da mecânica. ser ou existir sem ele.”
cas. O livro é composto de seis “meditações”. (DESCARTES, René. Discurso do
método; Meditações; Objeções
O cogito ergo sum foi a primeira evidência de Descartes. Porém, o cogito limita-se a verificar a e respostas; As paixões da alma;
Cartas. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural,
existência do ser pensante, que é o verdadeiro eu ou alma para Descartes. A essência limita-se ao 1979. Coleção Os Pensadores.)
ser que pensa, de tal forma que o corpo não é essencial para definir a natureza humana.
Esse ponto é fundamental como mudança de paradigma na história moderna, pois apresenta
a cisão entre corpo e alma. Ambos devem ser analisados de forma diferente. O corpo é uma má-
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quina e, para ser entendido, deve seguir as leis físicas que regem a matéria. A alma é o ser que
pensa, que, por não ser extenso, não pode ser analisado matematicamente.

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Baruch Spinoza
Baruch Spinoza nasceu em 1632 em Amsterdã, nos Países
Baixos. Iniciou seus estudos pela Bíblia Sagrada (língua hebraica e
latina) e teve acesso aos ensinamentos de várias ciências.
A filosofia racionalista de Spinoza possui influência não apenas
da cultura judaica, mas também de seus estudos envolvendo os
autores gregos, latinos, escolásticos e modernos.
O racionalismo de Spinoza diferencia-se do elaborado por
Descartes. Neste, a Filosofia aparece, sobretudo, como uma ten-
tativa de se construir um método que possibilite ao ser humano
conhecer a verdade. Para Spinoza, o objetivo maior não é conhe-
cer, mas dar sentido à vida. Por isso, a filosofia spinozista possui
fundo ético com objetivo claro: auxiliar o ser humano a alcançar a Desconhecido. Retrato de Baruch de
felicidade. Spninoza. 1665. Óleo sobre tela.

Outra diferença marcante entre os dois racionalistas é a seguinte: enquanto Descartes parte
da dúvida metódica, Spinoza parte da evidência, da certeza. Spinoza também pensava que era
preciso partir de algo certo para descobrir uma verdade, mas ao contrário de Descartes, cuja pri-
meira evidência é o ser pensante, para Spinoza a primeira evidência, aquela que sustenta todas
as outras, não é o cogito ergo sum, mas Deus.

A ideia de Deus
Glossário
Há dois conceitos importantes na obra de

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Ente: o que existe, ou o que Spinoza a serem observados para que seja
se supõe que exista; ser
ou coisa. Indivíduo, pessoa possível compreender a concepção de Deus.
(ente querido). Tudo que ● Substância: é aquilo que existe por si
existe de maneira concreta, só, que não necessita de outro ser para
fática, que faz parte da
realidade circundante. existir. Assim, apenas Deus é substância
como causa que origina os outros seres.
Por isso, somente Deus é livre, porque
possui a “causa de si em si mesmo”.
● Atributos ou modos da substância: são os
entes que, embora possuam essência
própria, somente existem por participa-
rem da única substância. Dessa forma,
todo o Universo, por ser obra de Deus,
participa da substância, mas é um atri-
buto divino.
No entanto, a ideia de Deus para Spinoza
não deve ser confundida com o deus pessoal
bíblico, pois, para o filósofo, a entidade divina
não possui intelecto nem vontade – isso signi- Vitral com a imagem de Spinoza onde é possível ler a inscrição: “Aperfei-
ficaria reduzi-lo à forma humana. çoar a compreensão nada mais é do que entender Deus”.

“Entendo por Deus um ser absolutamente infinito, isto é, uma substância constituída por uma infinidade
de atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita.”

(SPINOZA, Baruch. Ética: demonstrada à maneira de geômetras. Tradução de: MELVILLE, Jean. São Paulo: Martin Claret, 2009.)

Com base nisso, Spinoza concluiu que “Deus é Natureza”, tal como permaneceu na célebre
Glossário expressão Deus sive Natura. Dessa forma, a natureza é dividida em duas categorias:
Panteísmo: é a expressão ● natureza naturante, que corresponde a Deus;
utilizada para designar a
crença de que Deus está ● natureza naturada, que corresponde a todas as criações divinas, incluindo o mundo e os
em tudo. Assim, a natureza seres humanos.
é Deus, os animais são Para Spinoza, o Deus é imanente, e não transcendente, ou seja, Ele se identifica e está na na-
Deus etc.
tureza, no mundo, e não fora dele, porque fora dele e da natureza nada existe. É aqui que surge o
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polêmico panteísmo spinozista, que inclusive lhe custou perseguição religiosa na época.

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Teoria do conhecimento
Glossário
Spinoza distanciou-se de Descartes ao defender o paralelismo entre a ordo idearum e a ordo
rerum, e não a separação cartesiana entre a res cogitans e a res extensa. Spinoza criticava o dualis- As expressões ordo idearum
e ordo rerum significam or-
mo cartesiano, alegando que ele impossibilitava a compreensão do mundo. Para Spinoza, Deus dem das ideias e ordem das
como ser pensante gera a ordem das ideias e Deus como ser extenso gera a ordem dos corpos. coisas, respectivamente.
Porém, ambas as ordens derivam da mesma essência, que é Deus. Com isso, Spinoza defende
que há um paralelismo perfeito entre as duas ordens, ou seja, a ordem das ideias está conectada
à ordem das coisas. Ambas passam a ser entendidas como faces diversas de um mesmo aconte-
cimento: uma no plano do pensamento e outra no plano das coisas.
A teoria do conhecimento de Spinoza diferenciou-se da de Descartes por rejeitar o método
também. Para o pensador holandês, todo método deve ser justificado por uma argumentação A não utilização do método
anterior, que precisa ser justificada por outra, e assim até o infinito. – já que este sempre
precisará de uma explicação
Logo, nenhum método pode ser justificado e que, por sua vez, essa

W.Commons
por si só. Por isso, Spinoza decide não partir do explicação precisará ser
fundamentada, explicada
método, mas de uma evidência que, em sua fi- – lembra o nominalismo
losofia, é Deus. Se em Descartes o conhecimen- introduzido pelo franciscano
to deve ser organizado metodicamente, em Guilherme de Ockham.
Esse filósofo argumentava
Spinoza ele deve ser emendado para entrar em que, para descrevermos
harmonia com Deus, tese defendida na obra algo, precisávamos antes
entender os conceitos
Tratado sobre a correção do intelecto. Em outras daquilo que usaríamos para
palavras, há uma ordem perfeita no mundo, e o descrever algo e que para
ser humano precisa aprimorar o seu intelecto, entender esses conceitos
precisávamos de explicações
que é o ato de emendar, para poder captar me- anteriores, e que isso iria
lhor essa verdade que emana de Deus e que se Ilustração de Spinoza diante da comunidade judaica em Amsterdã. até o infinito, assim como
apresenta no mundo. a crítica de Spinoza ao
método.

Empirismo Filme
O empirismo é uma corrente filosófica que preza a experiência como critério para se alcançar

Bantam
a verdade e o conhecimento, negando o caráter absoluto da verdade, ao menos daquela verdade
acessível ao ser humano. Defende a ideia de que toda verdade pode ser posta à prova, logo pode
ser modificada, corrigida ou superada. As ideias são obtidas por meio das experiências e do uso
dos sentidos.

Francis Bacon
Ponto de Mutação
Francis Bacon nasceu no ano de 1561 na
Inglaterra. Participou de vários movimentos Ano: 1991
nos setores políticos e sociais pelos quais pas- Diretor: Bernt Capra
sava a corte inglesa, principalmente no reina- Sinopse: Uma cientista, um
do de Jaime I. político e um poeta discu-
tem sobre o modo de olhar
A filosofia de Francis Bacon é inicialmente a a vida, mostrando de um
tentativa de construção de uma nova filosofia, lado o mecanicismo trazido
que deixe para trás a velha tradição que vem por Descartes e a possível
necessidade de uma visão
desde os gregos e que durante a Idade Média mais holística. Um bom
e o Renascimento se tornou “as vozes da ver- filme para compreender a
dade”. Para Bacon, é um absurdo que os ho- importância do mecani-
mens tenham deixado de tentar interpretar a cismo de Descartes e, ao
mesmo tempo, contemplar
natureza pela via da experiência para prefe-
os próximos rumos que a
rirem ouvir discursos de poucos pensadores ciência poderá tomar.
como Platão, Aristóteles e Tomás de Aquino.
Preferir palavras vazias de um filósofo à natu-
reza é afrontar a própria criação de Deus, que Desconhecido. Francis Bacon. 1731. Óleo sobre tela. 76,5 x 63,2 cm. Galeria
Nacional (EUA).
é o mundo.
Com isso, Francis Bacon inaugura um novo cenário para a revolução científica, cada vez mais
preocupado com objetivos práticos e úteis à sociedade em geral. Com Bacon, a Filosofia passa cada
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vez mais a investigar a utilidade das coisas e não tanto o porquê e a causa primeira. Assim, mais
importante do que tentar descobrir a essência do ser humano ou de Deus é delimitar o alcance do
conhecimento humano e como esse saber pode ajudar as pessoas em geral. Em outras palavras, a
Filosofia precisa ser mais prática e menos abstrata.

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Crítica a Aristóteles
Algo muito importante, que já estava im-
plícito em Galileu e outros cientistas: se não
Com as mudanças impactantes da revolu- podemos descobrir a essência de algo, pelo
Observe ção científica, Bacon acreditava que as ciências menos podemos descrever o objeto. Com a
As ideias aristotélicas não poderiam ser pautadas e avaliadas por indução não podemos qualificar o objeto, mas
influenciaram de maneira uma lógica antiquada (a lógica clássica), pois podemos quantificá-lo. A ciência não alcança a
profunda o pensamento esta havia auxiliado a perpetuar vários erros essência, mas consegue descrever os atributos
ocidental. A lógica de do objeto estudado, como peso, velocidade, e
Aristóteles só passou a ser
até então, como a ideia de que a Terra está pa-
contestada quase 1 500 anos rada no centro do Universo. É necessária, por- assim por diante. E essa descoberta é um pas-
depois do seu surgimento, o tanto, uma nova lógica, que deixe para trás os so importantíssimo para o progresso científi-
que demonstra a força das velhos erros. co: o mundo moderno substitui a qualidade
ideias do filósofo grego. pela quantidade.
Para o filósofo inglês, a lógica de Aristóteles
era apenas e tão somente um exercício de si- Em outras palavras: não é possível des-
logismos sem verificação e comprovação prá- cobrir o “porquê” e o “o quê” algo é, mas sim
tica. A indução de Bacon é o início de uma me- “como” algo funciona, o que significa desco-
todologia científica, pois é uma indução que se brir a “lei” que rege cada fenômeno. A crítica
constata na observação da própria natureza. de Bacon à tradição aristotélica gerou diversas
É uma indução experimental e ocorre quando o repercussões. Ora, captar as leis que possibili-
pesquisador observa o mundo externo e cons- tam esses acontecimentos é o que Bacon cha-
tata que os fenômenos naturais funcionam de mará de causa formal, o objetivo das ciências
determinado modo. para ele. Buscar a forma é buscar a verdadeira
Observe natureza da coisa, a natureza que gera tantos
Além disso, a lógica aristotélica nada des-
O método indutivo é a ma- cobre de novo, mas apenas ajuda a anunciar efeitos. Nesse ponto, Bacon passa a ser critica-
neira utilizada atualmente aquilo que alguém já sabe. A indução baconia- do pela tradição filosófica. Ele tanto atacou os
pela ciência para adquirir na permite adquirir novos conhecimentos, pois antigos por se alinharem a concepções meta-
novos conhecimentos. Na físicas abstratas, mas também ele, em última
Medicina, para descobrir
quando um pesquisador descobre, após obser-
var um determinado número de fenômenos, instância, tentou encontrar uma causa formal,
a eficácia de um novo
medicamento, por exemplo, que todos ocorrem de um mesmo modo, é pos- uma essência nos objetos.
são feitos testes sobre os sível fazer uma generalização e, a partir de en-
efeitos destes em um grupo
controlado de pessoas.
tão, postular uma lei. Dessa forma, observa-se O método baconiano
que a ciência progride, e não apenas anda em
Na Engenharia, para verificar O método baconiano é o método indutivo.
a superioridade de um novo círculos sobre o que já se conhece.
Esse método apresenta-se com grande segu-
sistema de freios para carro, Um fato interessante é que Bacon anuncia rança, pois possui etapas que necessitam de
fazem-se testes em vários suas ideias inovadoras em uma obra que ele
terrenos, com várias condi-
vasta observação sobre os fenômenos estuda-
intitulou Novum organum. Organon é o conjun- dos. As etapas consistem em três períodos: a
ções climáticas, em vários
carros. Dessa forma, ob- to das obras de Aristóteles sobre a lógica, e acumulação dos fatos, a classificação e a deter-
serva-se que em situações Bacon pretende justamente substituir a lógica minação da causa.
distintas o fenômeno se aristotélica.
manifesta do mesmo modo. ● Acumulação dos fatos: consiste em ca-
No caso dos medicamentos,
observou-se que todas
Quantificação e não qualificação talogar todas as observações retiradas
da natureza, organizá-las e coletar gran-
as pessoas que tomaram A crítica de Bacon à tradição aristotélica ge- de número de acontecimentos.
determinado remédio se
curaram, por exemplo. Com rou diversas repercussões. Bacon não defende ● Classificação: registra-se os dados obti-
os freios, pôde-se chegar a inexistência de uma metafísica, mas que esta, dos na primeira etapa em tabelas.
à conclusão de que alguns por ser a filosofia primeira, o mais puro de to- ● Determinação da causa: consiste em
deles frearam com maior dos os conhecimentos, é conhecida apenas por interpretar os resultados adquiridos até
rapidez e segurança do que
Deus, o Criador. Todos os discursos dos filóso- então e, assim, chegar às respostas pela
outros em determinado tipo
de terreno. fos sobre metafísica não passam de opiniões e, verificação da semelhança das tábuas já
inclusive, falácias. A metafísica existe, mas o ser produzidas.
humano não possui meios de descobrir a essên- Ao passo disso, formar a experimentação
cia de algo, o que define o ser. novamente para última verificação da sua ve-
racidade; apenas desse modo é que se chegará
losbuffo/W.Commons

à verdade científica.
Para uma melhor aplicação do método,
Bacon argumenta que é importante identificar
e superar os ídolos, que são ideias já arraiga-
das no intelecto humano. Tais ideias prejudi-
cam o pensar e a busca da verdade. Os ídolos
são falsas noções e, por isso, devem ser com-
batidos. Observe a seguir quais são os ídolos
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Gravura que ilustra momento de discussão entre Francis Bacon e nobres definidos por Bacon.
da época.

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1) Ídolos da tribo: é a tendência humana a ver mais do que realmente existe, a dar mais
qualidade em algo do que aquilo que se verificou na prática. Os ídolos da tribo se referem à Biografia
inclinação humana em tentar simplificar a realidade. As superstições, em geral, nascem des- Guilherme de Orange
ses ídolos, pois surgem de experiências não comprovadas. Por fornecerem respostas mais (1533-1584) foi um membro
simples, as pessoas preferem as respostas mais complexas proporcionadas pelas ciências da nobreza dos Países Bai-
e pela Filosofia. xos e um dos precursores do
movimento de Independên-
2) Ídolos da caverna: em referência à alegoria da caverna de Platão, em que as pessoas pre- cia da Holanda.
ferem viver nas sombras a encontrar o verdadeiro conhecimento.
3) Ídolos do foro ou do mercado: são as ideias que surgem do mercado. A multidão, ao entrar
em contato entre si, troca muitas ideias e palavras, simplificando-as e perdendo o real signi-
ficado que possuem. Com isso, a linguagem torna-se defasada e o ser humano, sem saber
se expressar adequadamente por meio das palavras, também torna-se limitado por elas.
4) Ídolos do teatro: por fim, estes se referem às doutrinas filosóficas, que para Bacon tam-
bém não passam de opiniões e invenções humanas (por isso teatrais). Para Bacon, as filoso- Observe
fias nada mais são do que máscaras da realidade.
O seguinte trecho da
introdução do Ensaio sobre

John Locke
o entendimento humano ex-
põe claramente os objetivos
de seus estudos em relação
à questão do conhecimento,
John Locke foi um filósofo inglês que se no- indicando, principalmente,

Godfrey Kneller/W.Commons
tabilizou como sistematizador do empirismo, sua busca por descobrir o
que o ser humano é capaz
defendendo que todo o conhecimento huma- ou não de conhecer.
no deriva de experiências sensíveis advindas
“Não nos diz respeito
dos cinco sentidos. Nasceu em 1632, formou- conhecer todas as coisas,
-se e lecionou na Universidade de Oxford. Mais mas apenas as que se
tarde atuou no exercício de cargos e funções referem à nossa conduta.
políticas na defesa da monarquia parlamen- [...] Sendo bem examinadas
as capacidades de nossos
tar, sendo congratulado por seu posiciona- entendimentos, divisando
mento quando esta se firmara em 1689, com o horizonte entre as partes
Guilherme de Orange. iluminadas e as escuras
das coisas – entre o que
A obra-prima de Locke é o Ensaio sobre o en- podemos e não podemos
tendimento humano, publicada em 1690. A obra compreender – , os homens
nasceu de uma série de reuniões frustrantes concordariam, talvez com
de Locke com os seus amigos, em que todos menos escrúpulos, em
reconhecer nossa ignorância
traziam opiniões completamente distintas so-
acerca de umas coisas e
bre o conhecimento dos mais variados assun- empregariam seus pensa-
tos, sem que se chegasse a qualquer consenso. KNELLER, Sir Godfrey Kneller. Retrato de John Locke. 1697. Óleo sobre
tela. 64 x 74 cm. Coleção privada, Inglaterra. mentos e discursos com
Tal situação provocou em Locke a seguinte dú- mais proveito e satisfação
vida: como podemos determinar se tal conhecimento está correto ou não se antes sequer sabe- na resolução de outras.”
(LOCKE, John. Ensaio acerca do enten-
mos o que o ser humano pode conhecer? Assim, nasce o projeto filosófico principal de Locke, que dimento humano. Tradução de: AIEX,
Anoar. São Paulo: Nova Cultural, 1999.)
é investigar os limites do conhecimento humano, ou seja, o que e até onde o ser humano é capaz
de conhecer. Locke tentará sistematizar o empirismo, determinando seu funcionamento e limite.

Ensaio sobre o Entendimento Humano


Desde o princípio de sua obra, Locke esclarece o desejo de explorar e determinar a capacidade
de conhecimento do entendimento humano, de modo a estabelecer seus limites.
Nesse aspecto, o grande diferencial trazido por Locke é que o único modo de se obter a ideia
é por meio de experiências sensíveis, sendo elas as responsáveis por originar e limitar o entendi-
mento do ser humano.

“[...] parece-me provável que as ideias simples que recebemos da sensação e da reflexão são os limites dos
nossos pensamentos, para além dos quais a nossa mente não é capaz de avançar nem um pouco, quaisquer
REMBRANDT. A Lição de Anatomia
que sejam os esforços que diligencie, nem é capaz de fazer quaisquer descobertas quando inquira acerca da do Dr. Tulp. 1632. Óleo sobre tela.
natureza e das causas ocultas dessas ideias.” 169,5 x 216,5 cm. Mauritshuis,
Haia, Holanda. – O racionalismo
e o empirismo contribuíram para
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(LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. Tradução de: SOVERAL, o desenvolvimento das ciências
Eduardo Abranches de. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.) naturais, como a medicina.

FIL 19

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Pode ser discutido com os Locke apresenta a ideia como uma construção do pensar humano, mas que somente pode
estudantes sobre o quanto existir depois de captada pelos sentidos.
de conhecimento cabe em
nós. Pegue o exemplo de Se as ideias não são inatas, significa que tudo aquilo que conhecemos vem da experiência
uma tela em branco para
pintura e verifique se há sensível. Ou seja, quando o ser humano nasce, sua mente é uma tábula rasa, um papel em branco,
finitude na pintura, se há onde as experiências vividas são impressas.
momentos em que não exis-
te possibilidade de pintar. Algo grandioso na filosofia de Locke decorre dessa questão: se tudo que aprendemos é pela
experiência, esta também passa a ser a base e o limite do entendimento humano. Isso pode pa-
recer simples, mas, para captar a sua importância, é necessário compreender que antes dele a
maioria dos pensadores da tradição filosófica não havia estabelecido os sentidos como o limite
do entendimento humano. Os sentidos sempre eram vistos como uma forma inicial do conheci-
mento, que posteriormente passava para a esfera da mente e da alma, permitindo ao ser humano
construir e entender ideias metafísicas e conceitos abstratos. Os sentidos eram vistos como uma
dimensão inferior do conhecimento humano.
A experiência para Locke divide-se em dois tipos:
● Experiências relativas a objetos externos: dão origem às ideias de sensações, como as
que se referem a cores, sons e sabores.
● Experiências de operações internas do espírito: baseiam-se em reflexões, sendo seus
exemplos as ideias de vontade e de percepção.
A experiência externa e as operações internas permitem ao ser humano criar ideias comple-
xas, como a ideia de humanidade, de Deus e de substância, ideias que não podem ser expressas
de modo empírico direto, pois exigem uma operação intelectual.
Para Locke, há quatro tipos de ideias: simples, complexas, gerais e de relação.

Ideias simples São ideias singulares, como dor, prazer, ser humano, água etc.
As ideias simples podem ser combinadas, construindo assim ideias complexas
Ideias complexas que, para existirem, dependem de ideias simples que as sustentem. Ex.: ideia
de humanidade, que depende da ideia simples de ser humano.
São nomes utilizados para identificar várias coisas. É a capacidade humana de
Ideias gerais
criar nomes.
Ideias que expressam relação entre ideias. Ex.: ideia de semelhança, de
Ideias de relação
diferença, de identidade etc.

É importante notar, portanto, que embora o conhecimento se inicie com os sentidos, segundo
Locke, depois esse material captado recebe trabalho intelectual operado pela mente. O fruto
desse trabalho são ideias novas e mais complexas que as ideias simples captadas diretamente do
mundo externo.

Glossário
David Hume: o empirismo cético
O ceticista nega a possibili- David Hume foi um filósofo cujo empirismo assumiu tendência
dade de se ter uma certeza
ceticista, colocando em xeque grande parte da capacidade racional
absoluta sobre determinada
verdade e, desse modo, do ser humano. Os limites do conhecimento humano, a existência da
questiona o conhecimento metafísica, de causas e efeitos, de Deus e de tantos conceitos que por
de cunho metafísico, moral séculos perduraram serão ameaçados pela filosofia de Hume.
e religioso.
David Hume nasceu em 1711, em Edimburgo, na Escócia. Na ju-
ventude se apaixonou pelo estudo dos clássicos da Filosofia e, aos 18
anos, ele afirmou ter recebido uma intuição que lhe revelara um “novo
cenário de pensamento”, o qual lhe trouxe sua visão filosófica referen-
te à ciência da natureza humana. RAMSAY, Allan. Retrato de David
Hume (1711-1776). 1766. Óleo sobre
tela, 76,2 x 63,5 cm. Galeria Nacional

A ciência da natureza humana Escocesa, Escócia.

O novo cenário do pensamento de Hume está exposto principalmente em sua obra Tratado
sobre a natureza humana, na qual ele aborda uma tentativa de introduzir o método experimental
de raciocínio em assuntos morais.
David Hume entende que o método construído por Bacon com base na observação e no mé-
todo da indução experimental possibilitou a Newton desenvolver sua física mecanicista. O que
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Hume objetivava agora era aplicar esse método também à natureza humana, visando, nesse sen-
tido, fundar definitivamente a ciência do ser humano em bases experimentais.

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Hume defende que o estudo da natureza que sustenta praticamente toda a metafísica
humana deve ser entendido como mais im- da tradição filosófica. Desde os gregos, sem-
portante do que a Física e outras ciências, pois pre entendeu-se que algo ocorre devido à con-
estas apenas existem porque o ser humano as sequência de uma causa, de forma que, para
estuda. Sendo assim, para se estudar adequa- entender o que algo é, torna-se necessário re-
damente a Física, antes é necessário se enten- tornar à origem e descobrir a sua causa, isto
der adequadamente o ser humano. é, aquilo que criou tal objeto ou fenômeno.
A defesa fundamental de Hume é que os Em síntese: sempre se defendeu uma relação
seres humanos pudessem compreender e ex- direta entre causa, e efeito, de tal modo que,
plicar o alcance e a força de seu entendimen- entendendo a causa podemos entender o efei-
to, assim como a natureza de suas ideias e das to. Porém, David Hume afirma que o efeito é
operações de seus raciocínios. Dessa forma, diferente da causa, de tal forma que a mente
efetuariam progressos imensuráveis nos do- humana não pode entender o efeito partindo

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mínios do saber. apenas de sua causa.
Para o filósofo, sempre que se estabelece
As impressões, as ideias e os princípios a relação de causa e efeito em algo parte-se
de associação da experiência, pois todo conhecimento tem
como princípio a experiência. Além disso, o
A partir do novo método experimental, conhecimento empírico nos revela a impossi-
Hume realiza sua construção da natureza hu- bilidade de estender uma descoberta empírica
mana. Para alcançar esse objetivo, ele afirma para além dos sentidos. Para descobrir a cau-
que os conteúdos da mente humana são per- sa, teria que utilizar o raciocínio. Para Hume, a sensação de frio é
cepções, as quais se dividem em impressões e uma impressão, pois é sentida
O problema é que o raciocínio procede a pelo corpo. Diferente das ideias,
ideias.
partir de experiência e, posteriormente, com que são pensadas e construídas a
● Impressões: são as percepções que se a memória, que, por sua vez, também decorre partir das impressões.
apresentam com maior força e vivacida- de experiências passadas. Disso resulta que o
de à mente, como as sensações, paixões ser humano não consegue provar a existência
e emoções. de causas, apenas de efeitos; e mesmo que Biografia
● Ideias: são percepções posteriores que exista a causa, não há provas de que ela ex- Immanuel Kant (1724-1804)
se originam de uma impressão. Em ou- plique a ocorrência direta de seu efeito, de tão foi um filósofo alemão que
tras palavras, uma ideia só se forma caso distante que está do mesmo. contribuiu de forma decisiva
a pessoa já possua alguma impressão para a questão da natureza
Esse raciocínio se faz pelo hábito. Todas as do conhecimento. Kant foi
acerca do objeto. relações de causa e efeito são apenas raciocí- responsável por realizar a
Isso significa que as impressões são senti- nios decorridos de hábitos. Hume afirmou que síntese entre empirismo e
das. Já as ideias são pensadas, são construções não há garantia nenhuma de que o Sol nascerá racionalismo.
mentais. amanhã, só porque observamos, pelo hábito,
Hume segue a linha de pensamento inicia- que o Sol nasce todos os dias.
da por Locke, defendendo a inexistência de Essa crítica será tão contundente que coloca-
ideias inatas. Para Hume, as ideias são pen- rá em crise toda a construção metafísica antes Observe
sadas e elas derivam de impressões, que são de Hume. Anos depois, após ler a obra de Hume, O racionalismo defende
sentidas. Isso significa que nunca podemos ter Kant se veria forçado a permanecer dez anos a tese da necessidade da
ideias inatas, todas as nossas ideias se origi- apenas revisando o próprio pensamento, ta- razão como “concatenação
nam do contato com o mundo exterior. manha a imponência do argumento do filósofo das verdades”, e não como
faculdade, no sentido de
escocês. que ela não pode ser dife-
Relação de causa e efeito Para finalizar, observe algumas diferen- rente do que é e, portanto,
ças do racionalismo para o empirismo, as não pode sofrer desmenti-
Uma das mais polêmicas investidas de dos e não exige confirma-
Hume é a crítica à relação entre causa e efeito, duas principais correntes filosóficas da Idade ções. A tese do empirismo
Moderna. é de que essa necessidade
não existe e que, portanto,
toda e qualquer “concatena-
ção de verdades” deve ser
Racionalismo X Empirismo posta à prova, controlada e
Não existem ideias inatas. Todas as ideias que eventualmente modificada
Existem ideias que são inatas ao ser humano, que ou abandonada.
o ser humano possui são aprendidas com as
já estão com ele desde que nasceu. Uma dessas (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de
experiências sensíveis, na observação do mundo filosofia. São Paulo: Martins Fontes,
ideias seria a de Deus.
externo. 2003. p. 326-327.)

O ser humano adquire o conhecimento mediante As experiências sensíveis são o principal meio para
o uso da racionalidade, que, bem orientada pelo a aquisição do conhecimento. Tudo que sabemos
método, permite distinguir o verdadeiro do falso. aprendemos por meio dos cinco sentidos.
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O ser humano conhece por meio dos cinco


A razão é o instrumento do conhecimento.
sentidos.

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FILOSOFIA E LINGUAGEM

Filme Warner Bros


Leia o texto a seguir para responder ao que se pede.

Do cartesianismo ao espinosismo
[...] No prefácio das Obras póstumas de Espinosa, redigido por amigos que privaram de sua intimidade, a
formação do filósofo é descrita assim: desde cedo ele foi nutrido nas letras e estudou teologia; uma vez decidi-
do a dedicar-se à Filosofia, buscou dedicar-se por inteiro a ela, e nem quis preceptores nem aderiu a qualquer
filósofo; não obstante, afirma o texto, “para realizar esse propósito, os escritos filosóficos do nobilíssimo e
Sherlock Holmes sumo filósofo René Descartes lhe foram de grande auxílio”.
Ano: 2010 Tem-se aí uma indicação preciosa para podermos avaliar toda a peculiaridade da postura de Espinosa
Diretor: Guy Ritchie perante o cartesianismo.
Sinopse: Mais uma adapta- Ainda que tenha sido por vezes identificado como “cartesiano”, ele nunca foi um sequaz da filosofia do
ção para o cinema do famo-
so detetive inglês Sherlock francês, dela se afastando em vários pontos; por outro lado, fato notável, tampouco se preocupou em refutá-la
Holmes. Esse filme é um encarniçadamente. O que as Obras póstumas nos sugerem é que a relação entre Espinosa e o cartesianismo
exemplo, do começo ao fim, é, primordialmente, uma relação de aprendizado; como se ele aprendesse a filosofar e pensar modernamente
da busca pelo conhecimento lendo e estudando Descartes. E por isso mesmo pôde divergir do cartesianismo com a serenidade e a segurança
pelo uso apurado dos senti-
de quem o havia bem-digerido e refletido.
dos. O personagem Sherlock
Holmes é um exemplo da Eis uma das constantes da obra espinoseana: um duradouro e profundo diálogo com o legado cartesiano
busca pelo saber por meio que vai da juventude à madureza do filósofo. Uma reflexão que não passa pelo mero esquadrinhamento do
do empirismo.
cartesianismo em busca de seus erros e acertos, mas revela toda sua profundidade na medida em que Espinosa
desce ao âmago da revolução cartesiana e põe-se a meditar sobre o seu elemento fundamental: o método, ou
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seja, o problema do modo correto de filosofar e muito particularmente a introdução da geometria ou mate-
mática como procedimento modelar para a Filosofia.
Esse é o ponto que o próprio Descartes, renovador em praticamente todos os campos do saber que afron-
tou, identificava como sua maior novidade. E é essa uma das questões cruciais de Espinosa, tanto do jovem
– não se enganará o leitor que ler o Tratado da emenda do intelecto como testemunha da meditação prolongada
sobre o Discurso do método – quanto do filósofo maduro. Com efeito, se é no descuido com a correta “ordem
Viagem ao Centro da Terra
do filosofar” (ordo philosophandi) que a Ética chegará a identificar a causa dos maiores erros; estará aí tam-
Ano: 1959
bém, na estrita observância da boa ordem, ao menos a condição de possibilidade dos grandes acertos.
Diretor: Henry Levin
[...]
Sinopse: Uma grande
aventura do escritor Julio
Verne tem a sua primeira
(SANTIAGO, Homero. Do cartesianismo ao espinosismo. Disponível em: <https://revistacult.
adaptação para o cinema
uol.com.br/home/do-cartesianismo-ao-espinosismo/>. Acesso em: 5 set. 2018.)
nessa versão de 1959. Esse
filme mostra a enorme con-
tribuição que o empirismo 1. De acordo com o texto lido, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas.
trouxe para a humanidade, ( F ) Espinosa discordou completamente do cartesianismo.
ao mudar a metodologia de
( F ) Inicialmente, Espinosa discordou do cartesianismo, e, depois de uma análise mais profunda, passou a
aquisição do conhecimento.
concordar totalmente com ele.
( F ) Os pensamentos de Descartes e Espinosa não possuem relação alguma.
( V ) Inicialmente, Espinosa concordou com Descartes, e, em seguida, passou à criticá-lo.
( V ) A principal divergência entre o pensamento de Espinosa e Descartes é a questão do método de investigação.
2. Explique a crítica de Espinosa à concepção de Deus postulada por Descartes.
A crítica de Espinosa à concepção de Deus, em Descartes, é que este o coloca como transcendente e infinito, sendo incompreen-

sível para os homens. Ao contrário dessa concepção, Espinosa definiu Deus como natureza, ou seja, como causa primeira de tudo

o que existe para além dos desígnios humanos e, dessa forma, Ele poderia ser compreendido a partir de princípios matemáticos.

3. Segundo o texto, a obra de Espinosa é um diálogo com a de Descartes, ainda que divergindo deste em vários
aspectos. O diálogo de ideias é uma das características mais importantes da Filosofia, pois, a partir dele, novas
ideias surgem. Explique, com suas palavras, como esse diálogo acontece entre as obras de Espinosa e Descartes.
Espera-se que os alunos identifiquem a questão central da matéria lida, “a divergência entre Espinosa e Descartes refere-se ao

método”, e concluam que o pensamento filosófico se constrói com base no diálogo de ideias, em que os pensadores confrontam
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ideias de outros pensadores, propondo ideias convergentes ou divergentes. Dessa forma, a matéria lida mostra como o cartesia-

nismo teve grande importância para Espinosa que, ao criticá-lo, tinha-o “digerido muito bem”.

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Resolvidos  Resposta: A
a) Correto. O empirismo defende a ideia de que não há conheci-
1. Marque V para verdadeiro e F para falso nas alternativas a seguir. mento que não passe pela via sensível.
( ) Descartes acreditava que a dúvida era o ponto inicial para b) Incorreto. O empirismo não é cético, ao contrário, propõe que a
a busca do conhecimento, tanto é que duvidou até de sua experiência sensível é o ponto de partida para adquirir conhe-
própria existência. cimentos.
( ) Descartes ao duvidar da própria existência comprovou-a me- c) Incorreto. O empirismo afirma justamente que não existem
diante a constatação: “Penso, logo existo”. Isso significa dizer ideias inatas.
que, se o ser humano pensa, ele obrigatoriamente deve existir,
d) Incorreto. Para os empiristas, todo conhecimento se forma a
logo, o ato de pensar comprova sua existência.
partir da experiência e jamais anteriormente a ela.
( ) Na razão moderna o teocentrismo é o grande foco de estudo.
( ) Descartes, por ser um racionalista, nega a existência de Deus.
4. (UFF) Leia o texto.
“A mente, tendo recebido do exterior as ideias [...], ao dirigir seu
 Resposta:
olhar para dentro, sobre si mesma, e ao observar suas atividades
a) Verdadeiro. Para buscar um conhecimento seguro, Descartes próprias em relação às ideias que já possui, tira de lá outras ideias,
primeiro duvidou de tudo até chegar a uma certeza indubitável. que podem ser objeto de sua contemplação tanto quanto aquelas
b) Verdadeiro. Após duvidar de tudo, inclusive da própria existên- que recebeu das coisas exteriores.”
cia, Descartes concluiu que o fato de pensar, duvidar, cogitar A posição que se evidencia no fragmento de texto transcrito an-
comprova a existência. teriormente é o (a):
c) Falso. Na modernidade, o teocentrismo passa a ser substituído a) empirismo de Locke.
pelo antropocentrismo. b) metafísica de Bacon.
d) Falso. Apesar de ser racionalista, Descartes não nega a existên- c) racionalismo de Descartes.
cia de Deus, pelo contrário, comprova-a por meio do método.
d) ceticismo de Hume.
2. Marque V para verdadeiro e F para falso nas alternativas a seguir e) existencialismo de Heidegger.
relacionadas a Spinoza.
 Resposta: A.
( ) O objetivo da filosofia de Spinoza é dar sentido à vida.
O trecho refere-se à ideia de tábula rasa, postulada por Locke.
( ) O Deus de Spinoza assemelha-se ao Deus bíblico com carac-
terísticas pessoais.
( ) Deus não tem vontade nem amor, porque isso o tornaria Praticando
imperfeito.
1. Por que Descartes é considerado o fundador da filosofia moderna?
( ) Deus possui muitos desejos e cabe ao ser humano compreen-
dê-los. Porque ele provocou uma verdadeira revolução do pensamento, criticando a
( ) Assim como Descartes, Spinoza parte da dúvida para a aquisi- herança cultural, filosófica e, em termos de elaboração do conhecimento deixada
ção do conhecimento.
 Resposta: pelos medievais, inseriu novos modos de construção do saber, concebendo o

a) Verdadeiro. Spinoza encontrou o conhecimento e a felicidade método como o caminho indispensável para se alcançar a verdade.
como sentido da vida humana.
2. O que é o método cartesiano?
b) Falso. Spinoza despersonifica o Deus cristão, que possui atribu-
tos sobre-humanos, definindo-o a partir de princípios geométri- É o método proposto por Descartes, que tem por objetivo dividir o conheci-
cos e identificando-o com a natureza.
mento em partes menores a fim de estudar e buscar a verdade nessas partes
c) Verdadeiro. Sendo Deus perfeito, como a natureza o é, Ele é com-
pleto – não tem vontade. individuais. Alcançando a verdade das partes individuais, passa-se à verdade
d) Falso. Devido à sua perfeição, Deus não possui desejos. do todo. Divide-se em quatro etapas: em um primeiro momento, toma-se
e) Falso. Spinoza estabelece seu método a partir da investigação
da origem dos fenômenos. como verdadeiro apenas aquilo que é evidente. Na segunda etapa, passa-se

3. (Unicamp-2015) A maneira pela qual adquirimos qualquer conhe- a dividir um problema complexo em partes mais simples; na terceira etapa,
cimento constitui suficiente prova de que não é inato.
organizam-se os pensamentos, classificando-os do mais simples ao mais
(LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento
humano. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p.13.) complexo, impondo uma lógica de raciocínio para melhor compreensão.

O empirismo, corrente filosófica da qual Locke fazia parte, Finalmente, há a enumeração e revisão, que visa certificar que o pesquisador
a) afirma que o conhecimento não é inato, pois sua aquisição
não esqueceu ou omitiu nada.
deriva da experiência.
b) é uma forma de ceticismo, pois nega que os conhecimentos 3. (Unicamp-2014) A dúvida é uma atitude que contribui para o
possam ser obtidos. surgimento do pensamento filosófico moderno. Nesse comporta-
mento, a verdade é atingida através da supressão provisória de todo
c) aproxima-se do modelo científico cartesiano ao negar a exis- conhecimento, que passa a ser considerado como mera opinião.
tência de ideias inatas. A dúvida metódica aguça o espírito crítico próprio da Filosofia.
d) defende que as ideias estão presentes na razão desde o nas-
(BORNHEIM, Gerd A. Introdução ao filosofar. Porto
cimento.
EM21_2_FIL_01

Alegre: Editora Globo, 1970, p. 11. Adaptado.)

FIL 23

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A partir do texto, é correto afirmar que: Desenvolvendo Habilidades
a) a Filosofia estabelece que opinião, conhecimento e verdade
são conceitos equivalentes. 1. C1:H1 (Enem-2014) É o caráter radical do que se procu-
ra que exige a radicalização do próprio processo de
b) a dúvida é necessária para o pensamento filosófico, por ser busca. Se todo o espaço for ocupado pela dúvida,
espontânea e dispensar o rigor metodológico. qualquer certeza que aparecer a partir daí terá sido de
c) o espírito crítico é uma característica da Filosofia e surge quan- alguma forma gerada pela própria dúvida, e não será seguramen-
do opiniões e verdades são coincidentes. te nenhuma daquelas que foram anteriormente varridas por essa
d) a dúvida, o questionamento rigoroso e o espírito crítico são mesma dúvida.
fundamentos do pensamento filosófico moderno. (SILVA, F. L. Descartes: a metafísica da modernidade.
 Anotações: São Paulo: Moderna, 2001. Adaptado.)

A Filosofia diferencia opinião, conhecimento e verdade. Em seu estudo, o Apesar de questionar os conceitos da tradição, a dúvida radical da
filosofia cartesiana tem caráter positivo por contribuir para o(a)
rigor metodológico é indispensável, o espírito crítico surge quando se opõem a) dissolução do saber científico.
opinião e verdade. Com o pensamento moderno, o questionamento racional b) recuperação dos antigos juízos.
c) exaltação do pensamento clássico.
fundamentou a Filosofia.
d) surgimento do conhecimento inabalável.
4. Por que Bacon não utiliza os silogismos de Aristóteles para aquisição e) fortalecimento dos preconceitos religiosos.
do conhecimento?
2. C1:H4 (Enem-2013)
Bacon almejava uma nova forma de compreender o mundo e, para isso,
Texto I
acreditava que a lógica antiga não poderia ser utilizada se o objetivo era Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde
meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões
construir uma nova forma de conhecimento. Bacon também acreditava que
como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princí-
Aristóteles não estudava profundamente a natureza e os seus silogismos pios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto.
Era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-
eram meros exercícios de lógica. -me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar
tudo novamente a fim de estabelecer um saber firme e inabalável.
5. Segundo Bacon, o ser humano pode conhecer a essência das coisas?
Justifique sua resposta. (DESCARTES, R. Meditações concernentes à Primeira
Filosofia. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Adaptado.)
Não, pois isso somente pode ser feito por Deus, cabendo ao ser humano a
Texto II
descrição e quantificação, baseando-se na ciência. O ser humano poderá É o caráter radical do que se procura que exige a radicalização
do próprio processo de busca. Se todo o espaço for ocupado pela
compreender “como” as coisas funcionam e não “porquê” elas são como são. dúvida, qualquer certeza que aparecer a partir daí terá sido de alguma
A metafísica dos filósofos anteriores era entendida como um mero discurso.
forma gerada pela própria dúvida, e não será seguramente nenhuma
daquelas que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida.
6. Como surgiu o anseio de Locke de delimitar até onde o ser humano (SILVA, F. L. Descartes: a metafísica da modernidade.
pode conhecer? São Paulo: Moderna, 2001. Adaptado.)
Locke indagava: como podemos determinar o conhecimento se nem sabemos A exposição e a análise do projeto cartesiano indicam que, para
viabilizar a reconstrução radical do conhecimento, deve-se
o que o ser humano pode conhecer? Então, o objetivo de Locke é investigar
a) retomar o método da tradição para edificar a ciência com
os limites do conhecimento humano, isto é, até onde o ser humano pode legitimidade.
b) questionar de forma ampla e profunda as antigas ideias e
conhecer.
concepções.
7. Para Locke, existem alguns conhecimentos que são inatos, ou tudo c) investigar os conteúdos da consciência dos homens menos
deriva de nossa experiência? esclarecidos.
Para Locke, todo conhecimento deriva de nossa experiência. Portanto, quan- d) buscar uma via para eliminar da memória saberes antigos e
ultrapassados.
do nascemos nossa mente é uma tabula rasa, como um papel em branco, e
e) encontrar ideias e pensamentos evidentes que dispensam ser
nossas experiências vão construindo o nosso saber. questionados.
3. C1:H1 (Enem-2013) Os produtos e seu consumo constituem a meta
declarada do empreendimento tecnológico. Essa meta foi proposta
pela primeira vez no início da Modernidade, como expectativa de que
o homem poderia dominar a natureza. No entanto, essa expectativa,
convertida em programa anunciado por pensadores como Descartes
e Bacon e impulsionado pelo Iluminismo, não surgiu “de um prazer
de poder”, “de um mero imperialismo humano”, mas da aspiração de
libertar o homem e de enriquecer sua vida, física e culturalmente.
(CUPANI, A. A tecnologia como problema filosófico: três enfoques.
Scientiae Studia, São Paulo, v. 2, n. 4, 2004. Adaptado.)
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Autores da filosofia moderna, notadamente Descartes e Bacon, e o


projeto iluminista concebem a ciência como uma forma de saber
que almeja libertar o homem das intempéries da natureza. Nesse

24 FIL

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contexto, a investigação científica consiste em 6. C1:H1 (Enem-2015) Todo o poder criativo da mente se
a) expor a essência da verdade e resolver definitivamente as reduz a nada mais do que a faculdade de compor,
disputas teóricas ainda existentes. transpor, aumentar ou diminuir os materiais que nos
b) oferecer a última palavra acerca das coisas que existem e ocupar fornecem os sentidos e a experiência. Quando pensa-
o lugar que outrora foi da filosofia. mos em uma montanha de ouro, não fazemos mais do que juntar
duas ideias consistentes, ouro e montanha, que já conhecíamos.
c) ser a expressão da razão e servir de modelo para outras áreas
Podemos conceber um cavalo virtuoso, porque somos capazes de
do saber que almejam o progresso.
conceber a virtude a partir de nossos próprios sentimentos, e po-
d) explicitar as leis gerais que permitem interpretar a natureza e demos unir a isso a figura e a forma de um cavalo, animal que nos
eliminar os discursos éticos e religiosos. é familiar.
e) explicar a dinâmica presente entre os fenômenos naturais e (HUME, D. Investigação sobre o entendimento
impor limites aos debates acadêmicos. humano. São Paulo: Abril Cultural, 1995.)
4. C1:H1 (UEL) E quando considero que duvido, isto é, que sou uma Hume estabelece um vínculo entre pensamento e impressão ao
coisa incompleta e dependente, a ideia de um ser completo e considerar que
independente, ou seja, de Deus, apresenta-se a meu espírito com
a) os conteúdos das ideias no intelecto têm origem na sensação.
igual distinção e clareza; e do simples fato de que essa ideia se
encontra em mim, ou que sou ou existo, eu que possuo esta ideia, b) o espírito é capaz de classificar os dados da percepção sensível.
concluo tão evidentemente a existência de Deus e que a minha c) as ideias fracas resultam de experiências sensoriais determi-
depende inteiramente dele em todos os momentos da minha vida, nadas pelo acaso.
que não penso que o espírito humano possa conhecer algo com d) os sentimentos ordenam como os pensamentos devem ser
maior evidência e certeza. processados na memória.
(DESCARTES, René. Meditações. Tradução de: GUINSBURG, Jacó; e) as ideias têm como fonte específica o sentimento cujos dados
PRADO JÚNIOR, Bento. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 297-298.)
são colhidos na empiria.
Com base no texto, é correto afirmar: 7. C1:H1 (Enem-2015) Pode-se admitir que a experiência
a) O espírito possui uma ideia obscura e confusa de Deus, o que passada dá somente uma informação direta e segura
impede que essa ideia possa ser conhecida com evidência. sobre determinados objetos em determinados períodos
b) A ideia da existência de Deus, como um ser completo e inde- do tempo, dos quais ela teve conhecimento. Todavia, é
pendente, é uma consequência dos limites do espírito humano. esta a principal questão sobre a qual gostaria de insistir: por que
esta experiência tem de ser estendida a tempos futuros e a outros
c) O conhecimento que o espírito humano possui de si mesmo é
objetos que, pelo que sabemos, unicamente são similares em
superior ao conhecimento de Deus.
aparência. O pão que outrora comi alimentou-me, isto é, um corpo
d) A única certeza que o espírito humano é capaz de provar é a dotado de tais qualidades sensíveis estava, a este tempo, dotado
existência de si mesmo, enquanto um ser que pensa. de tais poderes desconhecidos. Mas, segue-se daí que este outro
e) A existência de Deus, como uma ideia clara e distinta, é impos- pão deve também alimentar-me como ocorreu na outra vez, e que
sível de ser provada. qualidades sensíveis semelhantes devem sempre ser acompanha-
das de poderes ocultos semelhantes? A consequência não parece
5. C1:H4 (Enem-2012) de nenhum modo necessária.
Texto I
(HUME, D. Investigação acerca do entendimento
Experimentei algumas vezes que os sentidos eram humano. São Paulo: Abril Cultural, 1995.)
enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente
em quem já nos enganou uma vez. O problema descrito no texto tem como consequência a
a) universabilidade do conjunto das proposições de observação.
(DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.)
b) normatividade das teorias científicas que se valem da expe-
Texto II riência.
Sempre que alimentarmos alguma suspeita de que uma ideia c) dificuldade de se fundamentar as leis científicas em bases
esteja sendo empregada sem nenhum significado, precisaremos empíricas.
apenas indagar: de que impressão deriva esta suposta ideia? E se d) inviabilidade de se considerar a experiência na construção
for impossível atribuir-lhe qualquer impressão sensorial, isso servirá da ciência.
para confirmar nossa suspeita.
e) correspondência entre afirmações singulares e afirmações
(HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento. universais.
São Paulo: Unesp, 2004. Adaptado.)
8. C1:H1 (Enem-2013) O contrário de um fato qualquer é sempre
Nos textos, ambos os autores se posicionam sobre a natureza possível, pois, além de jamais implicar uma contradição, o espírito
do conhecimento humano. A comparação dos excertos permite o concebe com a mesma facilidade e distinção como se ele esti-
assumir que Descartes e Hume vesse em completo acordo com a realidade. Que o Sol não nascerá
a) defendem os sentidos como critério originário para considerar amanhã é tão inteligível e não implica mais contradição do que a
um conhecimento legítimo. afirmação de que ele nascerá. Podemos em vão, todavia, tentar
demonstrar sua falsidade de maneira absolutamente precisa. Se
b) entendem que é desnecessário suspeitar do significado de uma ela fosse demonstrativamente falsa, implicaria uma contradição
ideia na reflexão filosófica e crítica. e o espírito nunca poderia concebê-la distintamente, assim como
c) são legítimos representantes do criticismo quanto à gênese não pode conceber que 1 + 1 seja diferente de 2.
do conhecimento.
(HUME, D. Investigação acerca do entendimento
d) concordam que conhecimento humano é impossível em rela- humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999. Adaptado.)
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ção às ideias e aos sentidos.


e) atribuem diferentes lugares ao papel dos sentidos no processo
de obtenção do conhecimento.

FIL 25

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O filósofo escocês David Hume refere-se a fatos, ou seja, a eventos 4. (UnB) No quadro geral do pensamento moderno, em que se dis-
espaço-temporais, que acontecem no mundo. cute a questão do método, é correto afirmar que, na concepção
Com relação ao conhecimento referente a tais eventos, Hume de Bacon, o método é:
considera que os fenômenos a) independente da experiência, pois os homens são obrigados
a) acontecem de forma inquestionável, ao serem apreensíveis a renunciar às noções do senso comum.
pela razão humana. b) dedutivo, pois se apoia em analogias, ou seja, mesmo indire-
b) ocorrem de maneira necessária, permitindo um saber próximo tamente procura estabelecer relações de semelhanças entre
ao de estilo matemático. os fatos.
c) propiciam segurança ao observador, por se basearem em dados c) predominantemente embasado na experiência, já que requer
que os tornam incontestáveis. um contato direto com os próprios fatos.
d) devem ter seus resultados previstos por duas modalidades de d) experimental, pois implica um predomínio da razão sobre a
provas, com conclusões idênticas. simples experiência.
e) exigem previsões obtidas por raciocínio, distinto do conheci- e) construtivista, pois, por meio do contato indireto com os fatos,
mento baseado em cálculo abstrato. pretende construir modelos do real, combinando os procedi-
mentos racionalistas e empiristas.
Complementares 5. (UEL) A ideia ilusória da vontade livre deriva de percepções inadequa-
das confusas; a liberdade, entendida corretamente, no entanto não é
1. (UFSJ-2012) Ao analisar o cogito ergo sum – penso, logo existo, de o estar livre da necessidade, mas sim a consciência da necessidade.
René Descartes, conclui-se que: (SCRUTON, Roger. Espinosa. Tradução de: KÖNKE,
a) o pensamento é algo mais certo que a própria matéria corporal. Angélica Elisabeth. São Paulo: Unesp, 2000. p. 41.)
b) a subjetividade científica só pode ser pensada a partir da acei-
Com base no texto e nos conhecimentos sobre liberdade em
tação de uma relação empírica fundada em valores concretos.
Spinosa, considere as afirmativas a seguir.
c) o eu cartesiano é uma ideia emblemática e representativa da I. A liberdade identifica-se com escolha voluntária.
ética que insurgia já no século XVI.
II. A liberdade significa a capacidade de agir espontaneamente,
d) Descartes consegue infirmar todos os sistemas científicos e segundo a causalidade interna do sujeito.
filosóficos ao lançar a dúvida sistemático-indutiva respaldada
pelas ideias iluministas e métodos incipientes da revolução III. A liberdade e a necessidade são compatíveis.
científica. Estão corretas as afirmativas:
2. (UFU-2011) Na obra Discurso sobre o método, René Descartes pro- a) I e II.
pôs um novo método de investigação baseado em quatro regras b) I e IV.
fundamentais, inspiradas na geometria: evidência, análise, síntese c) II e III.
e controle. Assinale a alternativa que contenha corretamente a
d) I, III e IV.
descrição das regras de análise e síntese.
e) II, III e IV.
a) A regra da análise orienta a enumerar todos os elementos
analisados; a regra da síntese orienta decompor o problema 6. (UFU) No escrito publicado postumamente, Regras para a orientação
em seus elementos últimos, ou mais simples. do espírito, Descartes fez o seguinte comentário:
b) A regra da análise orienta a decompor cada problema em seus “Mas, toda vez que dois homens formulam sobre a mesma
elementos últimos ou mais simples; a regra da síntese orienta coisa juízos contrários, é certo que um ou outro, pelo menos, esteja
ir dos objetos mais simples aos mais complexos. enganado. Nenhum dos dois parece mesmo ter ciência, pois, se
c) A regra da análise orienta a remontar dos objetos mais simples as razões de um homem fossem certas e evidentes, ele as poderia
até os mais complexos; a regra da síntese orienta prosseguir expor ao outro de maneira que acabasse por lhe convencer o
dos objetos mais complexos aos mais simples. entendimento.”
d) A regra da síntese orienta a acolher como verdadeiro apenas (DESCARTES, René. Regras para a orientação do espírito. Tradução
de: GALVÃO, Maria Ermantina. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 6-7.)
aquilo que é evidente; a regra da análise orienta descartar o
que é evidente e só orientar-se, firmemente, pela opinião. Para alcançar a verdade das coisas, isto é, o conhecimento certo
3. (UFPE) Considerando o empirismo de Locke, é certo afirmar: e evidente, é necessário um método composto de regras muito
simples que evitem os enganos e as opiniões prováveis.
a) Locke realiza uma fisiologia do entendimento, mostrando a
gênese empírica de cada ideia. Segundo Descartes, somente duas ciências podem auxiliar na fun-
damentação do método para a investigação da verdade. São elas:
b) Para Locke, a substância nominal corresponde, em última
análise, à essência das coisas. a) Teologia e Filosofia.
c) A mente é uma tabula rasa e ideias como Deus não podem b) Mecânica e Física.
ser provadas. c) Fisiologia e Filologia.
d) Para Locke, o conhecimento da experiência nos permite com- d) Aritmética e Geometria.
preender a constituição elementar dos objetos.
e) A relação de causa e efeito é própria à natureza e, por isso, ela
pode ser percebida e apreendida pela experiência.
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7. (UEL) Tomemos [...] este pedaço de cera que acaba de ser tirado 9. Qual a mudança da aplicação do método experimental feita por
da colmeia: ele não perdeu ainda a doçura do mel que continha, Hume em relação ao modo como era aplicado por Bacon?
retém ainda algo do odor das flores de que foi recolhido; sua cor, sua
figura, sua grandeza, são patentes; é duro, é frio, tocamo-lo e, se nele 10. Na filosofia de Hume, por que é fundamental compreender que as
batermos, produzirá algum som. Enfim, todas as coisas que podem ideias sempre derivam de impressões?
distintamente fazer conhecer um corpo encontram-se neste. Mas
eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo: o que nele restava 11. (UEL-2013) Leia o texto a seguir:
de sabor exala-se, o odor se esvai, sua cor se modifica, sua figura se Hume considerou não haver nenhuma razão para supor que,
altera, sua grandeza aumenta, ele torna-se líquido, esquenta-se, mal dado o que se chama um “efeito”, deva haver uma causa invariavel-
o podemos tocar e, embora nele batamos, nenhum som produzirá. mente unida a ele. Observamos sucessões de fenômenos: à noite
A mesma cera permanece após essa modificação? Cumpre confes- sucede o dia, ao dia, a noite etc., sempre que se solta um objeto,
sar que permanece: e ninguém o pode negar. O que é, pois, que se ele cai no chão etc. Diante da regularidade observada, concluímos
conhecia deste pedaço de cera com tanta distinção? Certamente que certos fenômenos são causas e outros efeitos. Entretanto,
não pode ser nada de tudo o que notei nela por intermédio dos podemos afirmar somente que um acontecimento sucede a ou-
sentidos, visto que todas as coisas que se apresentavam ao paladar, tro – não podemos compreender que haja alguma força ou poder
ao olfato, ou à visão, ou ao tato, ou à audição, encontravam-se pelo qual opera a chamada “causa”, e não podemos compreender
mudadas e, no entanto, a mesma cera permanece. que haja alguma conexão necessária entre semelhante “causa” e
(DESCARTES, René. Meditações. Tradução de: GUINSBURG, Jacó; seu suposto “efeito”.
PRADO JÚNIOR, Bento. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 272.)
(FERRATER-MORA, J. Dicionário de filosofia,
Com base no texto, é correto afirmar que para Descartes: Tomo I, São Paulo: Loyola, 2000, p. 427.)
a) os sentidos nos garantem o conhecimento dos objetos, mesmo
a) Com base na filosofia de Hume, explique a importância do
considerando as alterações em sua aparência.
conceito de casualidade para o conhecimento dos fenômenos
b) a causa da alteração dos corpos se encontra nos sentidos, o naturais.
que impossibilita o conhecimento dos mesmos.
b) Explique a leitura que Hume faz do empirismo.
c) a variação no modo como os corpos se apresentam aos sentidos
revela que o conhecimento destes excede o conhecimento
sensitivo.
d) a constante variação no modo como os corpos se apresentam
aos sentidos comprova a inexistência dos mesmos.
e) a existência e o consequente conhecimento dos corpos têm
como causa os sentidos.
8. (UEL-2015) Leia o texto a seguir:
As ideias produzem as imagens de si mesmas em novas ideias,
mas, como se supõe que as primeiras ideias derivam de impressões
que lhes correspondem.
(HUME, D. Tratado da natureza humana. Tradução de: FONTES,
Serafim da Silva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 35.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a questão da


sensibilidade, razão e verdade em David Hume, considere as
afirmativas a seguir.
I. Geralmente as ideias simples, no seu primeiro aparecimento,
derivam das impressões simples que lhes correspondem.
II. A conexão entre as ideias e as impressões provém do acaso,
de modo que há uma independência das ideias com relação
às impressões.
III. As ideias são sempre as causas de nossas impressões.
IV. Assim como as ideias são as imagens das impressões, é tam-
bém possível formar ideias secundárias, que são imagens das
ideias primárias.
Assinale a alternativa correta:
a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

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FIL 27

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Filósofos do
contrato social
Os contratualistas • Thomas Hobbes • John Locke • Jean-Jacques Rousseau
Filosofia
mód. 02/08

02
Filosofia
moderna:
os filósofos
contratualistas

START

Leia o texto e responda às questões.

[Pelo Estado de Natureza] Cada um está obrigado a preservar-se, e não abandonar sua posição por vontade
própria; logo, pela mesma razão, quando sua própria preservação não estiver em jogo, cada um deve, tanto
quanto puder, preservar o resto da humanidade, e não pode, a não ser que seja para fazer justiça a um infrator,
tirar ou prejudicar a vida ou o que favorece a preservação da vida, liberdade, saúde, integridade ou bens de
outrem.

(LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.)

1. O ser humano é bom ou mau por natureza?


Resposta pessoal.

2. Por que necessitamos de uma instituição chamada Estado?


Resposta pessoal.

3. O que é o pacto social?


Resposta pessoal.

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metamorworks/Shutterstock

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Os contratualistas
Além do forte embate entre racionalistas e O período moderno vive o reflexo do im-
empiristas na teoria do conhecimento, a Idade pacto causado pelo movimento humanista.
Moderna também foi marcada por inovações Agora o homem sabe que ele é o responsável
na filosofia política e do direito. No âmbito da por si próprio e tem o dever de se preocupar
teoria do conhecimento, a passagem da Idade com as questões do Estado e da sociedade.
Média para a Moderna é representada pelo íco- Os conceitos de Estado, sociedade civil, so-
ne da racionalidade, uma faculdade eminente- berania, poder, a separação dos três poderes
mente humana. A fé, diferente de outrora, já (Judiciário, Legislativo e Executivo) tornam-se
não tem tanto vigor para determinar o que é fundamentais para a modernidade.
verdadeiro e o que não é. Na Idade Moderna, O fundamento do direito e da política é o
a aposta para se alcançar o conhecimento ver- Estado e a sociedade. A validade das leis, a au-
dadeiro está no ser humano e em suas capaci- toridade do Estado e a origem da sociedade
dades, e não em uma entidade divina. Para o são temas discutidos na modernidade. As dis-
medieval, a felicidade estava em uma vida que cussões são centradas nas próprias relações
permitia aproximar-se de Deus. humanas, em suas relações políticas, econômi-
Na filosofia política essa passagem se dá de cas e jurídicas.
forma semelhante. Os medievais fundamenta- Alguns elementos são centrais para a abor-
vam a política e o direito em leis divinas, man- dagem das teorias dos contratualistas, como
damentos emanados por Deus e que deveriam as questões referentes à natureza humana (se
ser obedecidos pelos homens. Para os moder- o homem nasce bom ou mau), sobre a neces-
nos, o problema da organização das leis e da sidade ou não de se viver em sociedade, e de
política torna-se uma questão fundamental- como e por que se dá a passagem do Estado
mente humana, que deve ser enfrentada ten- de Natureza (estado em que o homem encon-
do em vista a realidade histórica, social, eco- tra-se antes de formar as sociedades) para o
nômica, política e institucional em que se vive. Estado Civil (formação de sociedades). Em li-
Para os pensadores modernos vale, acima nhas gerais, investiga-se a razão de o ser hu-
de tudo, a realidade, o que fez surgire ques- mano viver em sociedade e qual a melhor for-
tões de ordem prática, como: Quais problemas ma de se viver em sociedade.
temos que solucionar? Quem pode fazer leis? Os principais teóricos do contratualismo
Quem organiza o Estado? Trata-se, portanto, são: Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau e
de aprender a utilizar a razão como instrumen- o empirista John Locke.
to de aprimoramento da vida ética, política e
jurídica.
Mastrox/W.Commons

SILVA, Oscar Pereira da. Desembarque de Pedro Álvares


Cabral em Porto Seguro em 1500. 1922. Óleo sobre
tela, 190 x 330 cm. Museu Nacional, Rio de Janeiro.

As imagens acima fazem referência às Grandes Navegações, período do século XV ao XVII, em que os europeus exploraram exaustivamente os mares
em busca de novos territórios e rotas de comércio. A preocupação marcante na Idade Moderna foi a ampliação de territórios para o fortalecimento dos
Estados.
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Glossário

Absolutismo: forma de
Thomas Hobbes
governo na qual uma pessoa
(geralmente um monarca) Thomas Hobbes nasceu em 1588, na Inglaterra, e realizou
detém o poder de forma ab- seus estudos em Oxford, onde aprendeu filosofia escolásti-
soluta e assim não depende ca e grego. Ele abordou temas políticos, destacando-se como
de qualquer outra pessoa ou um filósofo do absolutismo, sistema predominante na época.
instituição para governar.
Hobbes defendia que uma única pessoa, no caso o monarca,
Armada Invencível: foi uma deveria concentrar todo o poder.
esquadra de portugueses e
espanhóis que tinha como Hobbes viveu em um período marcado por guerras, tais
objetivo derrotar os ingleses quais o da derrota da Armada Invencível e da Guerra Civil. A
e dar fim à Guerra Anglo-Es- turbulência desse período foi um dos fatores que o estimulou
panhola.
a acreditar que o ser humano é por natureza egoísta, que pre-
judica um ao outro e tende a entrar em conflitos. Diante dessa
Glossário perspectiva, somente um pacto poderia fazer com que as pes-
soas se tornassem capazes de viver pacificamente.
Leviatã: O termo Leviatã
existia antes de Hobbes e A existência constante de guerras e violência comprova,
WRIGHT, John Michael. Thomas Hobbes. Sec
XVII. Óleo sobre tela. Retrato de Galeria Nacional
correspondia a um monstro (Inglaterra). para Hobbes, que o ser humano é por natureza um ser mau e
marinho de grandes propor- violento. Dessa forma, é preciso superar o Estado de Natureza
ções. Existem referências
da palavra Leviatã na Bíblia,
para entrarmos no Estado Civil, controlando essa “natureza violenta” com leis e força política
no livro de Jó, que seria um emanadas de um poder soberano.
monstro marítimo em forma
de crocodilo.
A natureza humana
Todos os argumentos hobbesianos sobre o Estado, a sociedade, a lei e o direito são sustenta-
LOUTHERBOURG, Philip James de. dos por sua análise do ser humano. Qual é a natureza humana? Para Hobbes o ser humano é um
Derrota da Armada Espanhola.
1796. Óleo sobre tela, 214,6 x ser desejante que vive para satisfazer a si próprio.
278,1 cm. Museu Marítimo Nacio-
nal (Inglaterra). Um dos episó-
O desejo, aliás, é elemento fundamental da filosofia de Hobbes. A vida humana é uma procura
dios da Guerra dos Trinta Anos. inquietante e desenfreada pela realização de desejos: é o desejo de continuar vivo, de viver bem,
Hobbes presenciou momentos com conforto e segurança. É também o desejo de ser feliz.
como este em que a segurança
da população é colocada em xe- O filósofo inglês discorda de Aristóteles e daquilo que defendiam em geral os filósofos antigos
que, o que acabou contribuindo
para a formulação de suas ideias e medievais. Para ele, não existe um bem último e supremo na vida humana, um estágio de felici-
centralizadoras de poder. dade em que o ser humano alcançaria a realização plena.
O desejo é insaciável, por mais que seja satisfeito, sempre surge um novo desejo. Ora, se o ser
humano é um ser desejante e está sempre na busca de realizar seus desejos, isso significa que
ele vive, acima de tudo, para satisfazer as próprias vontades; por esse motivo, Hobbes acreditava
que as pessoas são egoístas no Estado de Natureza. E essa é a essência do Estado de Natureza em
Hobbes.
Nesse “estado natural, ou Estado de Natureza”, os indivíduos são completamente livres, ou
seja, prevalecem os seus instintos e a competição, fatores que levam à desconfiança e ao anseio
por glória, e que tornam esse Estado um local de “guerra de todos contra todos”.
Como não há leis no Estado de Natureza – e se não há leis, não há justiça nem injustiça – a
tônica passa a ser a luta dos fortes tentando dominar os fracos.
O Estado de Natureza é abordado no Livro I da obra Leviatã, quando Hobbes investiga a natu-
reza humana. O filósofo destaca que as pessoas agem pensando apenas em si, que não conside-
ram se estão prejudicando alguém, e que atuam segundo a tendência natural de tentar dominar
os outros. Assim, pode-se dizer que o ser humano é naturalmente inimigo dele mesmo, tal como
Hobbes expressou em sua célebre sentença: “O homem é o lobo do homem” (homo homini lupus).
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O Estado de Natureza
Imagine um período da história em que
não houvesse Estado, nem leis organizadas,
de forma que todos pudessem viver e fazer
aquilo que desejassem. Esse seria o Estado de
Natureza. Sem Estado e sem regras, nesse lu-
gar somente poderiam subsistir os interesses
individuais. Desta forma, a violência seria uma
constante na vida das pessoas, que viveriam
num estado de guerra de todos contra todos,
gerando situações de medo e insegurança.
Para Hobbes, esse medo constante deu ori-
gem ao Estado. Para ter mais segurança, cada

Abraham Bosse
um abriria mão de sua liberdade individual, em
favor de alguém ou alguma instituição que lhe
garantisse a segurança necessária para viver
em sociedade. Se todos se submeterem, por
meio de um pacto social, a uma única autori-
dade, esta possuirá poder para proibir os seres
humanos de usarem violência uns contra os ou-
tros. É por conta do medo de perder a vida, para
Hobbes, que o ser humano aceita viver debaixo RIGAUD, Hyacinthe. Luis XIV da França. 1701. Óleo sobre tela, 277 x 194 cm.
Museu do Louvre (França). – Luis XIV (1638-1715) é considerado um dos
das leis do Estado Civil. A busca por segurança maiores monarcas da França. Ele construiu o famoso Palácio de Versa-
é a razão principal de se criar o contrato social. lhes. É um exemplo do rei absolutista de Hobbes, pois comandava todas
as ações da França, fossem elas de caráter interno ou externo. Atribui-se
O contrato social é o que viabiliza a convi- a ele a célebre frase: “O Estado Sou Eu”. Seu governo durou 72 anos. Capa do original em inglês do
vência em sociedade, pois a partir dele se estabelece uma pessoa ou assembleia para controlar o Leviatã. A imagem representa o
monarca absolutista, que se eleva
poder. Esse controle deve visar ao interesse comum, limitando os deveres e direitos individuais. perante o território para exercer
Antes do contrato social, não há povo nem interesse comum, apenas uma multidão desorganiza- sua soberania. É interessante
observar que seu corpo é formado
da. Depois do contrato social, há um povo que aceita reduzir sua liberdade em troca de ordem e por pessoas, demonstrando que é
leis que sirvam a seus interesses. a própria população que constrói a
soberania do governante.
Para Hobbes, é o Estado, que possui poderes absolutos, representado na figura do monarca,
que cria as leis, visando manter a ordem na sociedade. Assim, a sociedade civil seria governada
por um monarca, considerado soberano, e o povo seria seu súdito.
A única exceção é quando o Estado não cumpre a sua função principal, que é garantir paz e segu-
rança na sociedade. Os indivíduos transferem tudo ao monarca, menos o direito à própria vida.

John Locke
John Locke é conhecido por ser um dos fun-
Godfrey Kneller/W.Commons

Glossário
dadores do liberalismo político, por defender
a liberdade do indivíduo como o valor mais Liberalismo: refere-se ao
movimento que tem por fi-
elevado. nalidade dar mais liberdade
Locke, assim como Hobbes, concebe a exis- ao indivíduo em relação ao
tência do Estado de Natureza e do Estado Civil, Estado, pois acredita que o
ser humano possui direitos
porém os apresenta de modo divergente. No
fundamentais que devem
Estado de Natureza, de Locke, o ser humano é ser respeitados pela sobera-
bom, vivendo em perfeita liberdade e age bus- nia estatal, como o direito à
cando o bem-estar e a felicidade. propriedade privada.
No Estado de Natureza, os seres humanos
vivem juntos conforme a razão e têm igualda-
de de direitos e deveres. Nele, são regidos pela
lei da natureza que determina serem todos os
indivíduos iguais e independentes, devendo
cada um agir de modo a não prejudicar o ou-
tro. Cada um pode viver e garantir seu susten-
to segundo suas próprias habilidades, desde
que não agrida o outro. A liberdade natural
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consiste em viver conforme a lei natural. Se to-


dos se respeitarem tal como ela determina, a
vida, a segurança e a liberdade poderiam ser
John Locke. conservadas.
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Locke, então, não apresenta o Estado de Natureza e o “estado de guerra” como sinônimos.
Neste último vigoram a violência e as inimizades, diferentemente do primeiro.
No “estado de guerra” não há Estado nem juiz imparcial capaz de determinar a diferença entre
o que é justo e o que é injusto. Assim, a violência pode existir sem freios entre os indivíduos. No
Estado de Natureza também não há Estado e juiz imparcial, pois ali privilegia-se a liberdade do
indivíduo, e espera-se que os homens mantenham respeito entre si. Dessa forma, sempre existe
o risco de o Estado de Natureza transformar-se em “estado de guerra”. Como impedir que nessa
total liberdade alguém não furte um bem do outro?
Para Locke, para evitar a queda em um “estado de guerra”, deve-se instituir uma autoridade
comum e imparcial que possa julgar os conflitos. O Estado e a sociedade civil nascem, então, para
organizar as relações entre os indivíduos, pois no Estado de Natureza cada um seria “juiz da pró-
pria causa”, fazendo aquilo que lhe convém.
No Estado de Natureza, os indivíduos possuem a liberdade natural, que consiste em estar livre
de qualquer autoridade a não ser a da lei de natureza. No Estado Civil, a liberdade consiste em
viver sob as regras do Poder Legislativo, que são iguais para todos que vivem naquela sociedade.
As leis são estabelecidas no Estado Civil conforme o consentimento geral, isto é, prevalece a
decisão da maioria. Quanto à subordinação, todos os indivíduos encontram-se subordinados ao
Poder Legislativo, sendo esse a fonte das leis que conduzem e orientam o comportamento dos
indivíduos e que norteiam as ações das autoridades. Logo, o monarca não possui poderes abso-
lutos, como em Hobbes.
Para Locke, o poder soberano se origina do consentimento do povo e só se mantém perante
esse consentimento. A autoridade legislativa permanece enquanto o povo consentir, e, sendo
essa considerada ilegítima, o poder retorna para o povo. O povo fica encarregado de instituir uma
nova ordem, segundo os princípios que tenham sido estabelecidos.
Assim, no Estado Civil, busca-se a garantia da paz e da liberdade, sendo o objetivo maior a
garantia do direito de propriedade que já existia no Estado de Natureza.
De fato, o direito à propriedade é um dos argumentos principais da filosofia política de Locke,
como veremos agora.

Congresso Nacional, sede do Poder Legislativo do Brasil. Assim como


na filosofia política de Locke, os brasileiros têm no Poder Legislativo o
instituto responsável pela criação das leis, estabelecendo as diretrizes
para a conduta em sociedade.
ESB Professional/Shutterstock

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A propriedade como direito natural Reflita

Aleksandra H. Kossowska/Shutterstock
No Estado de Natureza, para sobreviver, o Trazendo a discussão sobre
a importância da proprieda-
ser humano se apossa de partes da natureza, de privada para a organiza-
tendo como fim a produção de alimentos para ção social e crescimento de
sua sobrevivência e a de seu grupo. É nesse uma nação na atualidade,
momento, em que cada indivíduo apropria-se vejamos o que diz Denis
Rosenfield:
daquilo que é necessário para a subsistência,
que se instaura o direito de propriedade. Desse "O desenvolvimento das
últimas décadas, com a
modo, Locke entende que o direito de proprie- ampliação da economia de
dade precede o nascimento do Estado Civil, mercado em todo o mundo,
sendo esse um direito natural e individual. deve-se ao fortalecimento
do direito de propriedade,
Locke relaciona o direito de propriedade que propiciou o crescimento
à ideia de trabalho, que possibilita a transfor- do espírito empreendedor
mação da natureza. O ser humano apropria-se e da livre-iniciativa. Se não
de algo quando retira o objeto de seu estado há o respeito ao direito de
propriedade, a economia se
natural, aprimorando-o para o uso humano. No momento em que o ser humano se apodera de algo que era da natu- desorganiza e o mercado
Isso acontece com a agricultura, a pecuária, a reza, ele se torna o proprietário dessa coisa. Ao retirar a maçã da árvore, funciona aleatoriamente,
por exemplo, aquela maçã passa a ser sua, e não mais da natureza.
fabricação de ferramentas etc. perdendo o seu caráter pro-
priamente contratual. [...]
Na natureza tudo é de todos, não há propriedade privada. Portanto, é quando um indivíduo
A propriedade privada
transforma algo proveniente da natureza (pedaço de terra, colheita de frutas, extração de miné- floresce onde os marcos
rios etc.) em um produto mais elaborado (terra cultivada, frutas para serem consumidas, metais e institucionais possibilitam
pedras preciosas), que tenha mais serventia ao ser humano, que ele se apropria da coisa. De fato, o seu fortalecimento. Isso
uma terra cultivada, por exemplo, é mais útil não só ao proprietário como à coletividade, que esta significa que as sociedades
que cresceram economica-
mesma terra em estado natural, conforme trecho abaixo: mente e se desenvolveram
socialmente são aquelas
que asseguraram a proteção
"O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos, pode-se dizer, são propriamente dele. Qualquer coisa das invenções, a aquisição
dos bens e a validade dos
que ele então retire do estado com que a natureza a proveu e deixou, mistura-a ele com o seu trabalho, e contratos, confiando na
junta-lhe algo que é seu, transformando-a em sua propriedade. Sendo por ele retirada do estado comum livre-iniciativa. Há um nexo
em que a natureza a deixou, a ela agregou, com esse trabalho, algo que a exclui do direito comum dos essencial entre a iniciativa
demais homens." individual e os marcos legais
e institucionais que a ga-
rantam e a legitimem. Nessa
perspectiva, não há possibi-
(LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: Martins Fontes, 1998.) lidade de que o empreende-
dorismo se desenvolva se os
Locke estabelece que cada pessoa tem direito à propriedade que conquistar com o próprio direitos de propriedade não
trabalho necessário para sua sobrevivência, isto é, que não seja excessivo aquilo que o proprie- são garantidos, criando uma
tário possa cuidar. insegurança jurídica que
termina coibindo iniciativas
O direito à propriedade é um direito inalienável. O esforço do trabalho gera bens e esses bens individuais."
se tornam propriedades privadas. Depois, é necessário proteger a propriedade, e, para isso, os (ROSENFIELD, Denis. Justiça, demo-
cracia e capitalismo. Rio de Janeiro:
indivíduos transferem esse poder, mediante um contrato social com os demais indivíduos, a uma Elsevier, 2010.)
esfera superior que é capaz de julgar imparcialmente possíveis conflitos.
Em síntese, o ser humano, para Locke, aceita submeter-se a viver em sociedade para, acima de
tudo, defender a sua propriedade, o seu interesse.

Jean-Jacques Rousseau
Jean-Jacques Rousseau nasceu em 1712, em
Genebra, na Suíça. Esse filósofo abordou diver-
sas temáticas, bem como política e educação.
Sua obra principal é O Contrato Social, em
que expôs seus pensamentos sobre a natureza
humana, a distinção entre Estado de Natureza
e Estado Civil, a diferenciação entre a vontade
de todos e a vontade geral, além da importân-
cia dos direitos e deveres para adequada con-
dução da sociedade.
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LA TOUR, Maurice Quentin. Retrato de Jean-Jacques Rousseau. Séc.


XVIII. Pastel sobre papel, 45 cm x 35,5 cm. Museu Antoine-Lécuyer
(França).

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Estado de Natureza
Rousseau possui visão diferente de Hobbes acerca do Estado de Natureza, aproximando-se
de Locke. Para Rousseau, o ser humano é bom por natureza. Nesse estado, ele possui liberdade
e igualdade. Liberdade porque nessa condição o ser humano não depende de mais ninguém a
não ser de si mesmo para obter alimentos e tudo aquilo que é necessário para a vida. Igualdade
porque todos nascem com as mesmas condições e oportunidades.
Desse modo, segundo Rousseau, o ser hu-

Cleo M/W.Commons
mano no Estado de Natureza é íntegro e justo,
mas é corrompido pela sociedade. Esse dese-
quilíbrio se dá com a introdução da proprieda-
de privada na sociedade. A partir dela, os seres
humanos passam a lutar uns contra os outros
pela posse dos bens, gerando inveja, violência
e desigualdade social.
Nesse momento, o ser humano sente que
a liberdade e a igualdade, direitos naturais de
cada indivíduo, estão ameaçadas diante dos
males introduzidos pela desigualdade social. É
preciso, então, uma solução que possa reme-
diar os riscos causados. Para Rousseau, a saída
é a instauração do Contrato Social.
No Estado de Natureza vigora a “lei do mais
forte”. Quando os seres humanos sentem que
DUNOY, Alexandre-Hyacinthe. Rousseau meditando no parque La Rochecordon, perto de Lyon. 1770. Óleo sobre
tela. Museu Marmottan Monet, Paris. sua conservação está prejudicada, consentem
em unir suas forças e criar o pacto social que
garantiria sua conservação. A função do contrato social é criar o Estado Civil, no qual os seres
humanos podem proteger a liberdade e igualdade que possuem por natureza. A união de forças e
interesses será sempre elemento determinante naquilo que se refere ao contrato social.

Estado Civil e Contrato Social

Memesto/W.Commons
O Estado Civil e o Contrato Social se fun-
dam e se mantêm conforme a vontade geral. A
partir disso, Rousseau apresenta a valorização
da sociedade, em detrimento do indivíduo, e o
entendimento de que as pessoas constituem
um corpo coletivo, sendo formado a partir da
união de forças e interesses.
O Contrato Social não é instituído por uma
soma de indivíduos, mas pelo consenso geral
entre todos. É o próprio povo que aceita criar
leis e instituições e eleger pessoas para repre-
sentá-lo no poder, com a condição de que es-
tes sirvam ao interesse geral.
Desse modo, um dos elementos centrais
na constituição da sociedade é a vontade ge-
ral. Diferentemente da vontade de todos, que
se constitui pela soma de vontades particula-
res, a vontade geral preza pelo interesse co-
mum. A primeira ressalta particularidades e a
segunda, o coletivo. Destaca-se, também, que
a vontade geral não consiste em unanimidade,
mas em um consenso do que seria adequado
para o bem da coletividade.
A vontade geral é o princípio que orienta
as forças do Estado, de modo a fazer com que Pintura que carrega vários símbolos relacionados à Revolução Francesa
traz Rousseau em posição de destaque, demonstrando a influência das
este atue objetivando o bem comum. ideias do filósofo nesse movimento.
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A soberania consiste, então, no exercício da vontade geral. Isso se torna possível porque dife- Filmes
rente da vontade particular, que tende às preferências, a vontade geral tende à igualdade. Essa

Verstar
tendência faz com que a vontade geral seja sempre reta com a utilidade pública. No entanto, é
importante destacar que mesmo assim, por vezes, o povo, detentor da soberania, toma decisões
que impossibilitam a concretização da vontade geral. Esta nunca erra, pois tem em vista apenas
o interesse comum. O que pode estar errado é o raciocínio do povo em como utilizá-la. Rousseau
afirma que mesmo com a maioria do povo opinando, não há segurança de que se está em harmo-
nia com a vontade geral. Ensaio sobre a Cegueira
O imperativo no contratualismo rousseauniano é a prevalência de uma ordem que mantenha Ano: 2008
o povo como detentor do poder no centro das atuações. Desse modo, a soberania encontra-se Diretor: Fernando Meirelles
com o povo e não com o monarca. Em síntese: o povo institui leis e representantes para governar Sinopse: Uma epidemia
para o próprio povo. que torna as pessoas cegas
toma conta de uma cidade,
fazendo com que os conta-
minados sejam colocados
em quarentena. Porém,
em determinado momen-
to o número de pessoas
infectadas cresce tanto que
se torna impossível suprir
as necessidades básicas de
todos. Surge então a luta
pela sobrevivência, em que
se pode fazer uma alusão ao
estado de guerra de Thomas
Hobbes. Para este filósofo,
enquanto não houver um
Estado forte que controle
os indivíduos, há grande
possibilidade de o caos
tomar conta do convívio
entre eles.

Columbia Pictures
A Guerra do Fogo
DAVID, Jacques-Louis. O juramento de Péla. 1791. Óleo sobre tela, 66 x 101,2 cm. Palácio de Versalhes, França. – Os representantes do terceiro Estado Ano: 1981
francês, caracterizado por toda a população, exceto os nobres e os clérigos, ao serem impedidos de participar da reunião dos Estados-Gerais, temeram Diretor: Jean-Jacques
um golpe político do Rei Luis XVI e se trancaram em uma quadra de tênis. Então, reuniram-se e fizeram um juramento de unidade política, marcando
o início da união do povo para a derrubada da monarquia na Revolução Francesa. No contexto de Rousseau, isso se deve ao fato de que o Estado não Annaud
mais correspondia à vontade livre dos cidadãos. Sinopse: Na Pré-História, vá-
rios grupos de homínideos
Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau foram importantes contratualistas que lutam entre si pela detenção
abordaram em suas teorias como se daria a passagem do Estado de Natureza do ser humano do fogo. Sendo incapazes
para a convivência em sociedade e a criação de um Estado. de compreender o processo
que gera o fogo, aquele que
Eis algumas diferenças entre os contratualistas: para Hobbes, o ser humano já nasce mau, o tem toma cuidado para
enquanto os outros entendem que por natureza o ser humano é bom; o que diferencia Locke de que a chama não se apague
Rousseau é que o segundo afirma que a sociedade é responsável por corromper o ser humano. e passa a ser perseguido
por aqueles que almejam
Quanto à soberania, Hobbes determina que o monarca deve deter o poder, que só a sua ri- possuir este instrumento
gidez é capaz de controlar os seres humanos e possibilitar que convivam em segurança; Locke que na época é sinônimo
defende que os indivíduos são livres, que por escolha própria aderem ao pacto para a ampliação de poder. Este filme pode
da liberdade de cada um. Já Rousseau afirma que ao adentrar o estágio, as pessoas consentem ce- nos trazer uma ideia sobre
o hipotético Estado de
der seu poder a alguém que vá zelar pelo interesse comum. Assim, o povo encontra-se soberano. Natureza mencionado pelos
Desse modo, os contratualistas diferenciam-se quanto às suas posições, mas permanecem contratualistas.
em consenso quanto às concepções de que o pacto é aquele que fundamenta a sociedade e o
Estado. O pacto é, sobretudo, fruto da atividade humana, é vontade humana. A origem da socie-
dade e do Estado está na decisão do ser humano em viver na coletividade.

A conclusão remete à discussão da introdução. Em termos políticos, a modernidade origina o momento em que não se busca mais
fundamentos políticos e jurídicos na metafísica ou na teologia, mas na vontade humana.
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FILOSOFIA E LINGUAGEM

Glossário Leia o texto e analise a obra de arte para responder ao que se pede.

Oiticica: árvore nativa do


Brasil. Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos
Aljôfar: pérola irregular. lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
Rorejar: gotejar. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfuma-
Gará: ave típica das áreas de do. Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava
pântano. sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia
Ará: arara. que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta.
Uru: cesto indígena. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre
Crautá: em Tupi, refere-se a
esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto. Iracema
diversas plantas da família saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. En-
das bromeliáceas. quanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado
no galho próximo, o canto agreste. A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe
aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a
selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que
matiza o algodão.
[...]

(ALENCAR, José. Iracema. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/


Livros_eletronicos/iracema.pdf>. Acesso em: 5 set. 2018.)

1. A obra Iracema, de José de Alencar, representa adequadamente o surgimento do Romantismo no Brasil.


Classificada como pertencente à primeira geração do Romantismo brasileiro, Iracema caracterizou-se pelo
indianismo e naturalismo, entre outros aspectos. Qual a relação dessa abordagem literária com o “mito do
bom selvagem”, postulado por Jean-Jacques Rousseau?
Segundo Rousseau, o ser humano é naturalmente bom, sendo a sociedade que o corrompe. O mito do bom selvagem se baseia
nessa ideia de uma bondade inata ao ser humano. No caso da obra Iracema, de José de Alencar, é possível notar a idealização
da figura de Iracema, que é apresentada de forma romantizada. É possível observar essa característica pelos elogios que o
narrador faz de Iracema, comparando-a com a beleza e a diversidade da natureza.
2. Selecione, do texto e da obra de arte, pelo menos dois aspectos que comprovam a concordância da obra
Iracema com o “mito do bom selvagem” de Rousseau e explique cada um deles nesse contexto.
Texto
O aluno pode escolher dois dos seguintes aspectos:
Idealização da personagem: “Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e
mais longos que seu talhe de palmeira”. “Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos.” “O favo da
jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.” “Mais rápida que a corça
selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara.”
“O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.”
Simplicidade/inocência: “Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta.” “Banhava-lhe o corpo a sombra da
oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite.” “Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce manga-
ba que corou em manhã de chuva.” “Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o
sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.”
MEDEIROS, José Maria. Iracema. 1884.
Óleo sobre tela, 167,5 x 250,2 cm. Naturalismo: “A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela.”
Museu Nacional de Belas Artes, Rio
de Janeiro. (detalhe) Obra de arte
O aluno pode escolher dois dos seguintes aspectos:
Inocência: a nudez da personagem.
Simplicidade: é possível observar que a personagem vive da forma mais natural possível.
Naturalismo: integração da personagem na natureza, bem como ausência de construções ou de interferência humana na
paisagem, exuberância da paisagem.
3. Pela leitura do texto e da análise da obra de arte, descreva o Estado de Natureza para Jean-Jacques Rousseau.
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Estado de natureza, para Rousseau, é aquele que antecede à adesão ao pacto social. Seria um estado de inocência e bondade,

em que os humanos viveriam harmoniosamente, vivendo daquilo que a natureza oferece.

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Resolvidos Desenvolvendo Habilidades
1. Como é o ser humano no Estado de Natureza, segundo Thomas 1. C3:H14 (Unesp-2014) A China é a segunda maior economia do
Hobbes? mundo. Quer garantir a hegemonia no seu quintal, como fizeram os
Estados Unidos no Caribe depois da guerra civil. As Filipinas temem
 Resposta:
por um atol de rochas desabitado que disputam com a China. O
No Estado de Natureza o ser humano é egoísta e age sempre tendo em Japão está de plantão por umas ilhotas de pedra e vento, que a
vista os próprios interesses. Isso acarretará no inevitável enfrentamen- China diz que lhe pertencem. Mesmo o Vietnã desconfia mais da
to entre os homens, a fim de satisfazerem seus interesses. Portanto, é China do que dos Estados Unidos. As autoridades de Hanói gostam
necessário um governo que seja forte e centralizador para que o ser de lembrar que o gigante americano invadiu o México uma vez. O
humano possa viver de maneira harmônica. gigante chinês invadiu o Vietnã dezessete.
(PETRY, André. O século do pacífico. Veja, 24.04.2013. Adaptado.)
2. Estado de Natureza e Estado de Guerra são sinônimos para Locke?
Qual a sua relação? A persistência histórica dos conflitos geopolíticos descritos na
reportagem pode ser filosoficamente compreendida pela teoria
 Resposta:
a) iluminista, que preconiza a possibilidade de um estado de
Para Hobbes o Estado de Natureza e o Estado de Guerra são a mesma emancipação racional da humanidade.
coisa, o que não ocorre para Locke. Segundo este, o ser humano vive de
b) maquiavélica, que postula o encontro da virtude com a fortuna
forma livre no Estado de Natureza. Porém, na falta de um juiz que defina
como princípios básicos da geopolítica.
o que é justo e injusto, as pessoas podem prejudicar umas às outras
tendo em vista os próprios interesses, criando um Estado de Guerra. c) política de Rousseau, para quem a submissão à vontade geral
é condição para experiências de liberdade.
d) teológica de Santo Agostinho, que considera que o processo
Praticando de iluminação divina afasta os homens do pecado.
1. O que é o contrato social e qual a sua relação com a expressão e) política de Hobbes, que conceitua a competição e a descon-
“homo homini lupus”? fiança como condições básicas da natureza humana.
O contrato social é um pacto firmado entre as pessoas a fim de garantir o Texto para responder às questões 2 e 3.
convívio pacífico entre os homens. O homem é o lobo do próprio homem, O texto abaixo, de John Locke (1632-1704), revela algumas carac-
terísticas de uma determinada corrente de pensamento.
ou seja, se deixados em total liberdade, os seres humanos podem acabar
“Se o homem no Estado de Natureza é tão livre, conforme disse-
agredindo-se uns aos outros. Dessa forma, o contrato social é necessário mos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao
maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade,
para limitar a liberdade humana, permitindo que os homens convivam sem por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e
controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio responder
provocar violência entre eles. que, embora no Estado de Natureza tenha tal direito, a utilização
2. Para Locke, como se dá o nascimento do direito à propriedade? do mesmo é muito incerta e está constantemente exposto à inva-
são de terceiros porque, sendo todos senhores tanto quanto ele,
A propriedade nasce por meio do trabalho, a partir do momento em que
todo homem igual a ele e, na maior parte, pouco observadores da
o trabalho transforma o que era de todos em propriedade particular. Por equidade e da justiça, o proveito da propriedade que possui nesse
estado é muito inseguro e muito arriscado. Estas circunstâncias
exemplo, a maçã que está na árvore é de todos, mas a partir do momento obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está
cheia de temores e perigos constantes; e não é sem razão que
que eu executo o trabalho de retirá-la da árvore, aquela maçã passa a ser procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que
estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação
minha propriedade.
da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de propriedade”.
3. Se o homem no Estado de Natureza de Rousseau é naturalmente (Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1991.)
bom, o que faz com que ele se corrompa e se torne mau?
2. C1:H1 (Enem) Do ponto de vista político, podemos considerar o
É a sociedade que o corrompe, por meio do desequilíbrio que é provocado
texto como uma tentativa de justificar:
por problemas de ordem social. a) A existência do governo como um poder oriundo da natureza.
b) A origem do governo como uma propriedade do rei.
c) O absolutismo monárquico como uma imposição da natureza
humana.
d) A origem do governo como uma proteção à vida, aos bens e
aos direitos.
4. O que é a vontade geral? e) O poder dos governantes, colocando a liberdade individual
É a vontade de todos tendo em vista o bem comum. Ela reflete o que a acima da propriedade.
sociedade realmente precisa naquele momento. Diferencia-se da vontade de 3. C1:H1 (Enem) Analisando o texto, podemos concluir que se trata
de um pensamento
todos, que é a união das vontades particulares, mas que não está necessaria- a) do liberalismo.
mente relacionada ao que é bom para a sociedade naquele momento. b) do socialismo utópico.
c) do absolutismo monárquico.
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d) do socialismo científico.
e) do anarquismo.

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4. C1:H1 (Enem-2015) A natureza fez os homens tão iguais, A partir do texto citado, é correto afirmar:
quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, em- (1) Um dos fundamentos da sociedade política é a renúncia en-
bora por vezes se encontre um homem manifestamen- tre os membros contratantes do poder natural em nome do
te mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que poder político.
outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, (2) A sociedade política é fundada para a preservação da
a diferença entre um e outro homem não é suficientemente con- propriedade.
siderável para que um deles possa com base nela reclamar algum
(3) A lei na sociedade civil é estabelecida com base na lei da
benefício a que outro não possa igualmente aspirar.
natureza.
(HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)
(4) Para que haja sociedade política se faz necessário um núme-
Para Hobbes, antes da constituição da sociedade civil, quando dois ro mínimo de cidadãos.
homens desejavam o mesmo objeto, eles (5) A sociedade política não anula ou suprime os direitos e ga-
a) entravam em conflito. rantias da lei natural, ao contrário, as protege de qualquer
b) recorriam aos clérigos. um que queira violá-las.
c) consultavam os anciãos. Soma ( )
d) apelavam aos governantes. 4. (UEM-2014) Suponhamos os homens chegando àquele ponto
e) exerciam a solidariedade. em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no Estado
de natureza sobrepujam, pela sua resistência, as forças de que
Complementares cada indivíduo dispõe para manter-se neste estado. Então, esse
estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano, se não
1. (UFU) Segundo Hobbes (1588-1679), podemos definir Estado de mudasse de modo de vida, pereceria. [...] ‘Encontrar uma forma
Natureza como sendo o lugar onde de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada
a) todos são bons por natureza, mas a vida em sociedade os associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se
corrompe. a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão
livre quanto antes’. Esse, o problema fundamental cuja solução o
b) os homens são bons, “bons selvagens inocentes”, vivendo em contrato social oferece.
estado de felicidade original.
(ROUSSEAU, J-J. O Contrato Social. São Paulo:
c) todos são proprietários de suas vidas, de seus corpos, de seus Editora Nova Cultural, 2005, p. 69-70.)
trabalhos, portanto, todos são proprietários.
A partir do trecho citado, assinale o que for correto.
d) reina o medo entre os indivíduos, que temem a morte violenta,
que vivem isolados e em luta permanente, guerra de todos (1) A sociedade civil que nasce do contrato social exige a instala-
contra todos. ção de um poder político absoluto sobre todos os cidadãos.
(2) O estado de natureza pode colocar em risco a vida humana
2. (UFU-2016) Leia o enunciado abaixo: e, no limite, até o gênero humano.
[...] esforçar-me-ei por mostrar de que maneira os homens (3) O contrato social proposto é um acordo entre os homens
podem vir a ter uma propriedade em diversas partes daquilo que para solucionar, entre outras dificuldades, os problemas rela-
Deus deu em comum à humanidade, e isso sem nenhum pacto tivos à conservação da vida presente no estado de natureza.
expresso por parte de todos os membros da comunidade.
(4) A liberdade política na sociedade civil é mais limitada em
(LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo. Tradução de Julio relação à liberdade presente no Estado de Natureza.
Fisher. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 406. – grifo do autor.)
(5) A sociedade civil deve proteger não somente os indivíduos
Assinale a alternativa que apresenta o fundamento natural da contratantes, mas também as suas propriedades.
propriedade privada segundo Locke. Soma ( )
a) A propriedade privada surgiu com o pacto de consentimento
em que alguns abdicam da posse do que é comum, dando-o 5. (UEL) O Estado ou a cidade mais que uma pessoa moral, cuja vida
como bem de um indivíduo pelo seu mérito. consiste na união de seus membros, e se o mais importante de seus
cuidados é o de sua própria conservação, torna-se-lhe necessária
b) A propriedade privada é antes de tudo uma dadiva divina que
uma força universal e compulsiva para mover e dispor cada parte
alguns obtêm e outros não, por isso não resulta do trabalho do
da maneira mais conveniente a todos. Assim como a natureza dá
indivíduo e sim da bondade de Deus.
a cada homem poder absoluto sobre todos os seus membros, o
c) O fundamento da propriedade privada é o poder estatal que, pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos
em última instância, é o verdadeiro proprietário, e que no uso os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral,
de seu poder redistribui o bem público. ganha, como já disse, o nome de soberania.
d) O fundamento da propriedade privada consiste essencialmente (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de: MACHADO,
na propriedade de si mesmo; cada pessoa tem como direito Lourdes Santos. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1994. p. 48.)
inalienável a propriedade de si mesma.
De acordo com o texto e os conhecimentos sobre os conceitos de
3. (UEM-2015) Como qualquer sociedade política não pode existir Estado e soberania em Rousseau, é correto afirmar:
nem subsistir, sem ter em si o poder de preservar a propriedade, e, a) A soberania surge como resultado da imposição da vontade de al-
para isso, castigar as ofensas de todos os membros dessa sociedade, guns grupos sobre outros, visando a conservar o poder do Estado.
haverá sociedade política somente quando cada um dos mem-
b) O estabelecimento da soberania está desvinculado do pacto
bros renunciar ao próprio poder natural, passando-o às mãos da
social que funda o Estado.
comunidade em todos os casos que não lhe impeçam de recorrer
à proteção da lei por ela estabelecida. [...] Sempre que, portanto, c) O Estado é uma instituição social dependente da vontade
qualquer número de homens se reúne em uma sociedade de tal impositiva da maioria, o que configura a democracia.
sorte que cada um abandone o próprio poder executivo da lei de d) A conservação do Estado independe de uma força política
natureza, passando-o ao público, nesse caso e somente nele haverá coletiva que seja capaz de garanti-lo.
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uma sociedade civil ou política.” e) A soberania é estabelecida como poder absoluto orientado
(LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. pela vontade geral e legitimado pelo pacto social para garantir
São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 67.) a conservação do Estado.

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6. (Mackenzie) Assinale a alternativa em que aparecem as principais 9. (UFU) Interprete o fragmento abaixo.
ideias de Jean-Jacques Rousseau em sua obra O Contrato Social. “O princípio da vida política reside na autoridade soberana.
a) Cada homem é inimigo do outro, está em guerra com o pró- O poder legislativo é o coração do Estado, o poder executivo, o
ximo e por essa razão cria o Estado para sua própria defesa e cérebro que dá movimento a todas as partes.”
proteção. (ROUSSEAU, J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril
b) O Estado é uma realidade em si e é necessário conservá-lo, Cultural, 1978. Coleção Os Pensadores.)
reforçá-lo e eventualmente reformá-lo, reconhecendo uma
única finalidade: sua prosperidade e grandeza. Defina, segundo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o conceito
de soberania e, em seguida, explique em que essa concepção se
c) O governante deve dar um bom exemplo para que os súditos diferencia dos outros contratualistas.
o sigam. Através da educação e de rituais, os homens de ca-
pacidade aprenderiam e transmitiriam os valores do passado.
d) Que as classes dirigentes tremam ante a ideia de uma revolu-
ção! Os trabalhadores devem proclamar abertamente que seu
objetivo é a derrubada violenta da ordem social tradicional.
e) A única esperança de garantir os direitos de cada indivíduo é
a organização da sociedade civil, cedendo todos os direitos
à comunidade, para que seja politicamente justo o que a
maioria decidir.
7. (UEL) Hobbes realiza o esforço supremo de atribuir ao contrato uma
soberania absoluta e indivisível [...]. Ensina que, por um único e mes-
mo ato, os homens naturais constituem-se em sociedade política
e submetem-se a um senhor, a um soberano. Não firmam contrato
com esse senhor, mas entre si. É entre si que renunciam, em pro-
veito desse senhor, a todo o direito e toda liberdade nocivos à paz.
(CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a
nossos dias. Tradução de: CRISTINA, Lydia. 7. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1995. p. 73.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o contrato político


em Hobbes, considere as afirmativas a seguir.
I. A renúncia ao direito sobre todas as coisas deve ser recíproca
entre os indivíduos.
II. A renúncia aos direitos, que caracteriza o contrato político,
significa a renúncia de todos os direitos em favor do soberano.
III. Os procedimentos necessários à preservação da paz e da
segurança competem aos súditos cidadãos.
IV. O contrato que funda o poder político visa pôr fim ao estado
de guerra que caracteriza o estado de natureza.
Estão corretas apenas as afirmativas:
a) I e II. d) I, III e IV.
b) I e IV. e) II, III e IV.
c) II e III.
8. (UFU) O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros.
O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do
que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o. Que poderá legiti-
má-la? Creio poder resolver esta questão [...]. A ordem social é um
direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito,
no entanto, não se origina da natureza: funda-se, portanto, em
convenções.
(ROUSSEAU, J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril
Cultural, 1978. (Coleção Os Pensadores).)

O que significa afirmar que para Rousseau (séc. XVIII), os indivíduos,


quando criam a soberania e nela se fazem representar, são cidadãos,
enquanto se submetem às leis e à autoridade do governante que
os representa, são súditos?

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Idealismo
Immanuel Kant • Georg W. F. Hegel
Filosofia
mód. 03/08

03
Filosofia
contemporânea:
Kant e Hegel

START
Leia o texto e responda às questões.
Após a leitura em voz alta
do texto, inicie um debate Conceito de idealismo
sobre as questões propos-
tas. Na questão 1, solicite o O conceito idealismo tem duas grandes acepções. Por um lado, trata-se da capacidade da inteligência para
uso do termo “idealismo” na
linguagem comum, cotidia- idealizar. Por outro lado, o idealismo é uma corrente filosófica que considera a ideia como sendo o princípio
na. Espera-se que os alunos do ser e do conhecer.
concluam que, nesse uso, o
termo significa algo difícil O idealismo filosófico, como tal, afirma que a realidade que se encontra fora da própria mente não é cognoscí-
ou até mesmo impossível vel por si só, já que o objeto do conhecimento humano é sempre construído pela atividade cognoscitiva.
de realizar. Na questão,
pedem-se as duas acepções
do termo mencionadas no (Disponível em: <https://conceito.de/idealismo>. Acesso em: 19 set. 2018.)
texto. Para cada uma das
acepções, solicite que os
alunos redijam uma frase, 1. Na linguagem comum, o que significa “idealismo”? Escreva uma frase usando o termo no sentido comum.
em um intervalo de tempo Significa algo praticamente impossível de se realizar.
determinado (3 minutos,
por exemplo) e, em seguida,
que alguns voluntários Sugestão de resposta: Meu avô era um idealista, sonhava em mudar o mundo.
apresentem suas respostas.
Promova um breve debate 2. Quais as duas acepções de “idealismo” mencionadas no texto? Escreva uma frase empregando este termo nas
sobre as frases apresen- duas acepções apresentadas.
tadas, direcionando as
respostas para o conteúdo Primeira acepção
que será desenvolvido neste A primeira acepção considera “idealismo” como capacidade da inteligência humana, no sentido de criar, ter ideias e idealizar.
módulo.
Frase
beeboys/Shutterstock

Sugestão de resposta: Idealizei uma fonte de água neste jardim.

Segunda acepção
A segunda acepção considera o termo usado filosoficamente que, neste caso, afirma a impossibilidade de se conhecer a realida-

de que está fora da mente, porque o ser humano é constituído pela atividade cognoscitiva.
Frase
Sugestão de resposta: Nada do que vemos na realidade existe fora da mente humana.
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Immanuel Kant
Immanuel Kant nasceu em 1724, em
Königsberg, na Prússia (atual Alemanha), cida- Curiosidade
de que habitou durante toda a vida. Dedicou
Königsberg atualmente
sua vida à Filosofia. Na primeira fase de seu se chama Caliningrado e
pensamento, estudou pensadores como faz parte da Rússia, porém
Aristóteles, Descartes, David Hume, entre ou- naquela época integrava
tros. Também teve destaque em suas leituras a a Prússia, que hoje é a
Alemanha.
Revolução Científica.
Um dos pontos mais marcantes sobre o
pensamento de Kant é o impacto da leitura do
Tratado da natureza humana, de David Hume,
que por meio do empirismo demonstra a fra-
queza do argumento metafísico tradicional de
“causa e efeito”. Hume assinala que a relação
entre causa e efeito, um dos pilares da meta-
física desde os gregos, é fruto da imaginação
humana, proveniente do hábito e não algo real.
A força dessa crítica atinge inclusive o pró-
prio Kant, pois nos escritos da fase inicial de
sua filosofia (denominada como pré-crítica),
ele se baseava nas concepções tradicionais da
metafísica. Após o impacto da leitura da obra
de Hume, Kant entra em um período de me-
ditações profundas que o leva a renovar seu
pensamento, criando um modo original de fi-
losofar, a fim de que desse respostas às críticas
de Hume. O resultado dessa nova postura é o BECKER, Gottlieb. Immanuel Kant (1724-1804). 1768. Óleo sobre tela.
criticismo. Schiller-National Museum, Alemanha.

A fase crítica de Kant é aquela que busca delimitar o alcance do conhecimento, até que ponto
o ser humano pode conhecer. Busca também determinar a origem do conhecimento humano e
o fundamento do agir prático. Em outras palavras, Kant busca encontrar fundamentos para o co-
nhecimento e para a ética na própria racionalidade humana, mas para isso é preciso responder
à pergunta: qual o limite da nossa racionalidade? As principais obras da fase crítica são: Crítica da
razão pura (1781), Crítica da razão prática (1788) e Crítica da faculdade do juízo (1790).

Teoria do conhecimento
A teoria do conhecimento de Kant concentra-se, principalmente, na obra Crítica da razão
pura. Neste livro, o filósofo busca delimitar o alcance do conhecimento humano, com a pergunta
chave: o que pode o ser humano conhecer? Para Kant, o intelecto humano é finito, não consegue
conhecer tudo, mas precisamos saber onde está esse limite.
Para Kant, conhecer é dar forma a uma matéria. A matéria é sempre inerente ao objeto,
enquanto a forma necessita da participação do sujeito. Isso significa que o conhecimento é
formulado pelo sujeito quando este descobre as qualidades do objeto.
kim7/Shutterstock

Para Kant, conhecer significa emitir um juízo sobre o objeto. O juízo é o exercício
racional do ser humano de reunir várias características do mesmo objeto na mesma
proposição, na mesma sentença.

Ao provar um limão e constatar que ele possui sabor azedo, eu estou dando
forma a algo que já existe no limão. O sabor azedo é do limão, mas a noção que
expressa que aquele sabor é azedo é criação humana.
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A primeira diferença que ele faz entre os tipos de juízo é a separação entre os juízos a priori e
a posteriori.
● Juízos a priori: ocorrem sem a presença da experiência, apenas segundo o intelecto do su-
jeito, como as operações matemáticas. São universais e ocorrem sempre da mesma forma.
● Juízos a posteriori: formam-se por meio da experiência sensível e não podem ser universais.
Kant prossegue distinguindo os juízos sintéticos dos juízos analíticos.
● Juízos analíticos: analisam o conteúdo sem trazer novos conhecimentos. São típicos do racio-
nalismo. Exemplo: “todo corpo é extenso”. A informação “ser extenso” relativa ao corpo não
acrescenta conhecimento ao sujeito, pois para ser um corpo é obrigatório ser extenso, isto é,
ocupar um lugar no espaço.
● Juízos sintéticos: são aqueles conhecimentos derivados da experiência e que ampliam o
conhecimento sobre o objeto. Derivam da tradição empirista. Exemplo: “esse corpo possui
massa de 10 kg”. A informação “massa de 10 kg” acrescenta uma informação a mais sobre o
objeto, pois o corpo seguiria existindo com outra massa.
No entanto, a ciência não pode se basear
em juízos que apenas explanam sem ampliar
conhecimentos e em juízos que não sejam uni-
versais e necessários, que possam agir apenas
como generalizações. A ciência deve se basear
em outro tipo de juízo, o qual concilie a univer-
salidade, a necessidade e a ampliação do co-
nhecimento. Esse juízo seria o sintético a priori.
Kant encontrou esse juízo nas operações c a
aritméticas, na geometria e em algumas das
principais proposições da física. Por exemplo,
em uma soma o resultado é um conhecimento b
sintético, pois é um elemento inovador, mas o
conhecimento é a priori, pois não precisou de
uma experiência para ser obtido.
Pelos juízos, Kant demonstra que o ser hu-
mano pode conhecer muitas coisas diferen-
ciando a coisa em si (noumenon) de fenômeno.
a2 = b2 + c2
Fenômeno, conforme sua origem etimo-
lógica na língua grega, significa “aquilo que se
manifesta aos nossos olhos”. Ou seja, aquilo
que percebemos com os sentidos. O fenôme- Não precisamos da experiência para identificar que no triângulo retân-
gulo o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos
no é o objeto visto pelo sujeito. Diferentes quadrados dos comprimentos dos catetos adjacentes.
sujeitos podem perceber o mesmo objeto de
modos distintos.
Para além dos fenômenos, deve existir uma realidade em si mesma para cada coisa. Kant cha-
ma isto de noumenon ou a coisa em si.
Resta, então, a questão final: o ser humano pode conhecer o noumenon ou apenas os
fenômenos?
Observe Retoma-se a teoria dos três tipos de juízos apresentada. O juízo sintético a priori parece ser o
mais elevado, pois acrescenta conhecimento e alcança o universal. Se algum juízo pode abarcar
Kant acredita que só a coisa em si, seria este. Porém, este juízo segue sendo sintético, isto é, dependente da sensibi-
podemos conhecer algo se
pudermos ter uma experiên- lidade, do contato do sujeito com o objeto. Não podemos contactar a coisa em si, mas apenas o
cia sensível que comprove fenômeno. Portanto: a coisa em si existe, mas só é possível conhecer fenômenos. E este é o limite
tal fato. Mesmo os juízos da racionalidade humana. O ser humano de fato pode conhecer muitas coisas, mas apenas aquilo
sintéticos a priori descritos que aparece a ele, ou seja, apenas fenômenos.
anteriormente, que a
princípio descartam uma Foi dito que a razão pura busca os princípios que delimitam o alcance do conhecimento huma-
experiência comprobatória, no e de como o ser humano pode conhecer. Essa procura, em princípios provenientes estritamen-
podem ser verificados pela te da racionalidade humana, não norteia apenas a teoria do conhecimento do filósofo alemão,
experiência.
mas também o seu pensamento moral e jurídico. Se a razão pura estuda os princípios que possibi-
litam o conhecimento, a razão prática estuda os princípios que deveriam nortear o agir humano.
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O pensamento moral e jurídico de Kant Importante

Na filosofia moderna, essa


A metafísica em Kant não noção foi ilustrada por
busca apenas conhecer as coisas, Kant, que diz: “O dever-ser
exprime uma espécie de
mas também o agir humano. Essa necessidade e uma relação
distinção encontra-se ao final da com princípios que não se
Crítica da razão pura, quando Kant verificam absolutamente na
distingue a metafísica da natureza da natureza. Nesta, o intelecto
pode conhecer só o que é,
metafísica dos costumes. A primeira
foi ou será. É impossível
busca o ser, ou seja, conhecer o que que alguma coisa deva ser
as coisas são. Já a segunda procura diferente do que foi de fato
desvendar o dever-ser, isto é, como em suas relações temporais.
o ser humano deve agir. A primeira Quando se observa o curso
da natureza, o dever-ser não
tem escopo teórico, a segunda, tem o menor significado.
prático. A primeira é identificada Não podemos perguntar
com a razão pura, a segunda, com a o que deve acontecer na
razão prática. E é na metafísica dos natureza, assim como não
ANÔNIMO. Queda da Bastilha. sd. Óleo sobre tela, 58 x 73 cm. Museu da História da
podemos procurar saber
costumes que adentramos agora. França. – As ideias de Kant sobre o Direito e a Moral foram influenciadas pela Revolução
Francesa, movimento em que a população retirou o poder das mãos da monarquia e que propriedades deve ter
Observe como Kant a apresenta. instaurou uma nova Constituição, segundo a qual a França seria dominada pelo povo. o círculo, mas apenas o que
acontece nela, ou quais
propriedades este possui.
O dever-ser exprime uma
“[...] contém os princípios que determinam a priori e tornam necessários o fazer e o deixar de fazer. Ora, ação possível, cujo princípio
a moralidade é a única conformidade das ações a leis que pode ser derivada, de um modo completamente a é apenas um conceito, ao
priori, de princípios. Em decorrência disso, a metafísica dos costumes é propriamente a moral pura, a qual passo que o princípio de
uma ação natural só pode
não se funda sobre qualquer Antropologia (quaisquer condições empíricas).”
ser um fenômeno. É verdade
que a ação deve ser possível
nas condições naturais se
(KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultural, 1996.)
o dever-ser visar a elas;
Kant busca uma moralidade que não se fundamente em aspectos empíricos ou históricos, mas tais condições não
atingem a determinação
mas somente na racionalidade humana, não partindo do aspecto do comportamento, mas da do arbítrio, mas apenas o
busca de um princípio moral que antecede a experiência. O filósofo analisa o mecanismo da ra- efeito e a consequência
cionalidade para encontrá-lo. A moral não pode provir de um aspecto ou outro, mas da própria dela no fenômeno” (Crít.
racionalidade humana. A questão é: existem princípios na racionalidade humana que por si só ga- R. Pura, Dial., cap. II, seç. 9,
§ 3). Essas determinações
rantem fundamento às leis morais? Para Kant, sim, e a resposta está nos imperativos categóricos.
de Kant deixam claro que a
Os imperativos categóricos estão formulados na obra Fundamentação da Metafísica dos esfera do dever-ser é a ação
Costumes, na qual se buscam os princípios supremos da moralidade, aqueles que originariam humana: o dever-ser, que
não tem sentido no mundo
todas as ações morais e leis. E esses princípios supremos derivam da única coisa no mundo que é
natural, é o princípio do
boa sem limitação: a boa vontade, que consiste na ação executada tão somente pelo dever. E agir mundo humano.
pelo dever é agir conforme a boa vontade apenas. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de
Filosofia. São Paulo: Martins Fontes,
Há dois tipos de imperativos: os hipotéticos e os categóricos. Os imperativos hipotéticos são as 2007. p. 267.)

ações tendo em vista um determinado fim. Ou seja, em toda a ação buscamos um resultado, um
interesse, que pode ser a aquisição de um bem, o prazer, a felicidade etc., sempre algo específico.
Já os imperativos categóricos não buscam um fim ou interesse, mas a ação tendo em vista o
dever de agir daquele modo. A ação conforme o imperativo categórico é boa em si mesma, não
depende do resultado para ser justificada, a tal ponto que ela poderia ser praticada por qualquer
pessoa. Eis um dos enunciados de Kant sobre o imperativo categórico:

“O imperativo categórico é, portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que
possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.”

(KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de: QUINTELA, P. Lisboa: Edições 70, 1995. p. 59.)

Mas o problema é: Qual ação poderia ser considerada um imperativo categórico?


Vamos dar um exemplo que diferencie os dois tipos de imperativos: a regra “não roubar”. Se uma
pessoa não rouba por entender que esta regra promove um bem em si mesma por ter um valor uni-
versal, ela está seguindo um imperativo categórico, pois obedece estritamente pelo dever de seguir a
regra racional. Agora, se uma pessoa não rouba porque isso acarretaria em ser presa, ela não estaria
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seguindo um imperativo hipotético, pois estaria deixando de roubar não por ver a regra como racio-
nal, mas pela finalidade, por não desejar ser presa.

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Outro ponto importante, tendo em vista a moralidade racional proposta por Kant, é o ser
humano que encontra, pelo exclusivo uso da própria racionalidade, o fundamento para agir. O
ser humano é o legislador de si mesmo, é o indivíduo que formula leis racionais para ele mesmo
seguir. A lei não deriva da natureza, nem de Deus, nem da autoridade do soberano ou do contrato
social, mas da pura razão. As palavras a seguir são a conclusão de Kant em sua Crítica da razão
prática: “Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre nova e crescente: [...] o
céu estrelado acima de mim e a ‘lei moral em mim’”.

Georg W. F. Hegel
Biografia Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em
Stuttgart (Alemanha) em 1770. Até a juventude
Friedrich Wilhelm Joseph
recebeu educação protestante, o que influen-
von Schelling (1775-1854)
foi um dos representantes ciou na primeira fase de sua carreira, em que
do Idealismo Alemão, assim predominaram estudos teológicos. Formou-se
como Hegel. na Universidade de Tübingen, onde foi amigo
Johann Christian Friedrich do filósofo Schelling e do poeta Hölderlin.
Hölderlin (1770-1843) foi Nesse período cultivou enorme interesse pe-
um poeta e romancista
los clássicos da filosofia e da literatura gre-
alemão que teve como um
dos principais temas de ga. Acompanhou com grande entusiasmo
seus trabalhos as tragédias os acontecimentos da Revolução Francesa e
gregas. as conquistas de Napoleão Bonaparte, por
qual nutria grande admiração. Depois seguiu
carreira de professor lecionando em várias
universidades.
Embora tenha produzido obras desde
jovem, a carreira de Hegel tem seu apogeu
Glossário
com os seus trabalhos de maturidade, como
Protestantismo é a deno- Fenomenologia do Espírito, e depois Ciência da
minação conferida a um dos Lógica, Enciclopédia das ciências filosóficas e
ramos do cristianismo. Teve Linhas fundamentais da filosofia do direito.
seu início com Martinho
Lutero no século XVI, quan- O pensamento de Hegel é muito amplo e
do este publicou 95 teses complexo, pois o filósofo ousava construir um
questionando determinados verdadeiro sistema que englobasse todo o
preceitos utilizados pela SCHLESINGER, Jakob. Retrato do filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
saber, da metafísica (lógica) à ética. Não sem 1831. Óleo sobre tela. Alte Nationalgalerie, Alemanha.
Igreja Católica.
razão, Hegel é conhecido como o filósofo que
Suspender é a tradução do
termo alemão aufhebung, tentou pensar o Absoluto. De sua densa filoso-
utilizado pelo filósofo, que fia, bastante célebre ficou a sua concepção de

Hegel-Fan/W.Commons
contém dois elementos: dialética.
conservar e atualizar.
Ou seja, cada novo dado Hegel parece escrever em movimento, de
contém em si o anterior, modo que uma seção da obra suspende a seção
atualizando-o. anterior, e depois é suspendida pela seção
seguinte. Cada parte engendra a parte seguinte.
Para Hegel a verdade não está aqui ou ali,
neste ou naquele conceito, mas na totalidade
do movimento que suspende concepções
anteriores e gera novos conceitos.
Essa é a noção de dialética que ficou
famosa posteriormente como tese, antítese e
síntese. Primeiro há a tese, apresentada em um
argumento; depois a antítese, que é a negação
do argumento anterior. Por fim, há a síntese
que suspende a antítese gerando nova tese. E,
daí em diante, trata-se de um processo cíclico
infinito ascendente.
Na obra Fenomenologia do espírito, entrela-
çam-se duas propostas.
a) Hegel apresenta nesta obra o percurso
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que o indivíduo deve realizar para sair do seu es-


Ilustração da Harper's Magazine (1895) que simboliza o momento em
tágio mais inculto até o Saber Absoluto. Trata-se, que Hegel se deparou com Napoleão Bonaparte, a quem descreveu
como “este espírito do mundo montado a cavalo”. Para Hegel, Napoleão
portanto, de um trabalho de formação humana. era a figura da liberdade, da mudança, do progresso da humanidade.

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b) As menções ao “indivíduo universal” e à
“manifestação cultural” indicam que Hegel
também está preocupado com a formação cul-
tural da sociedade como um todo, ou seja, da
humanidade em geral e não apenas do indiví-
duo singular.
Fenomenologia porque é o estudo do fe-
nômeno, em uma acepção próxima àquela de
Kant. A Fenomenologia, então, é o movimento
pelo qual a consciência vai superando suas vá-
rias fenomenologias, de modo que possa sur-
gir a essência para além dos fenômenos.
O primeiro estágio é a Consciência. Aqui o
indivíduo quer entender o mundo. É a atitude
intelectual de observar os fenômenos, des-
crever suas características tal como fazem os
cientistas, buscando definir leis, conceitos etc.
Porém, esbarra naquilo que já disse Kant: o CARAVAGGIO, Michelangelo Merisi da. Narciso. 1596. Óleo sobre tela,
ser humano tenta conhecer a essência, mas 110 x 92 cm. Galeria Nacional de Arte (Itália). – O ser humano questiona
e admira a realidade ao seu redor no sentido de compreendê-la. Esse
encontra apenas aquilo que se manifesta para questionamento inicia-se com a observação do mundo exterior a ele e
ele, portanto, fenômeno. A antítese que tentará passa pela compreensão de ser humano. O quadro Narciso, do pintor
Caravaggio, aponta para a admiração do homem pelo próprio homem
superar essa dificuldade é a segunda seção, in- quando Narciso admira sua beleza ao vê-la refletida no lago.
titulada Consciência de si.
Hegel apresenta como Consciência de si
porque esta busca entender justamente a si
mesma, e não a um objeto externo. Se o limite
do conhecimento é o próprio sujeito, é preciso
entendê-lo.
Porém, o conhecer a si não pode ser uma
experiência apenas intelectual e teórica, como
fazia a consciência, pois esta se revelou limita-
da. Deve ser prática, de ação na vida em geral.
A consciência de si atravessa experiências
na existência com os outros, com o mundo e
consigo mesma. Ela é conhecida na busca do
reconhecimento do outro, nos conflitos que
envolvem a existência, no trabalho etc. É esse A luta por reconhecimento e a busca pela valorização de direitos são
a tônica de vários movimentos de grupos sociais e étnicos. A imagem
o sentido do conhecer prático, em oposição ao ilustra a luta de operários em São Paulo, em 1917. Ao desejarem condi-
conhecimento apenas teórico. A consciência ções de trabalho mais dignas, fazem uma paralisação. Os operários estão
ao lado das máquinas com os braços alinhados ao corpo em posição de
de si aprende com o mundo ao agir nele. protesto.

A força que impulsiona a consciência a realizar ações no mundo é o Desejo. Primeiramente


o desejo é apenas biológico, é o desejo de se alimentar, de se proteger da natureza, é o desejo
sexual etc. Porém, nesse patamar o desejo humano pouco difere do desejo animal. Para superar
o plano natural, a consciência de si precisa desejar algo além do biológico. E isso surge na figura
do Outro, ou seja, de outro indivíduo. Afirmar-se como sujeito é conquistar o reconhecimento rdonar/Shutterstock

como consciência de si independente. Esta é a passagem da dialética do reconhecimento, em que


ambas as consciências tentarão obter o reconhecimento do outro. Depois do reconhecimento,
então, elas entram em conflito. Trata-se da parábola do senhor e do servo, uma das mais célebres
passagens hegelianas.
Essa parábola consiste na dialética em que as duas consciências de si se envolvem em um con-
flito de vida ou morte. E a razão disso se dá por ambas quererem se afirmar como consciências
de si autônomas, mas para isso precisam que uma reconheça a outra como tal. Sendo assim, é
preciso que uma vença a outra.
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O conflito é de tal forma dramático que elas devem colocar a Liberdade como um bem acima
da Vida, ou seja, para vencer é necessário arriscar tudo, é preciso a coragem de colocar a própria
existência em risco. É nesse ponto que a igualdade desmorona. Uma consciência aceita o risco. A
outra treme diante do perigo e recusa-se a colocar a vida em risco. A primeira vence a segunda. A
derrotada torna-se serva da vencedora, que agora é senhor.
De agora em diante a consciência serva precisa trabalhar para o senhor. Tudo aquilo que o
servo produz, o senhor usufrui. O servo reconheceu o outro como seu senhor, logo deve aprender
a servi-lo.
No entanto, o trabalho traz uma grande
novidade. Pelo esforço de produção, o servo
passa a elaborar o mundo, passa a dominar a
natureza e refazê-la conforme a sua vontade.
No servo, o medo havia se apoderado com-
pletamente de seu âmago. Ele havia tremido
diante da morte. O servo viu sua existência ser
reduzida a existir para um outro, o senhor. E
esse foi o momento de formação, pois na hu-
mildade o servo aprendeu a trabalhar e trans-
formar o mundo e a partir daí conquistar a sua
liberdade para agir conforme a sua vontade. O
servo liberta-se pelo trabalho e não pela luta.
Passemos agora à condição do senhor, que
também vive um impasse existencial. O senhor
não reconheceu o servo, mas o servo reconhe-
ceu o senhor. Portanto, o senhor só é reco-
nhecido por alguém que nem ele mesmo reco-
nhece. O senhor torna-se ocioso e ineficiente.
Imagem da Revolução Francesa, em que os trabalhadores conseguiram O servo, acostumado à ação laboral contínua,
se libertar de suas condições de dependência da monarquia e deseja-
ram construir sua própria civilização. logo liberta-se dele e o supera.
Destaque a importância
que o trabalho tem para Podemos fazer um paralelo com a história moderna: a nobreza não reconhecia o valor dos
a própria formação do ser burgueses. Estes, tendo que trabalhar para sobreviverem, logo aprendem a lógica do mercado e
humano e da sociedade,
e que não é apenas uma da economia, e depois de alguns séculos constroem força política capaz de derrubar os nobres.
maneira de enriquecimento O resultado disso é a Revolução Francesa: a nobreza permaneceu estática e reclusa no ócio, os
financeiro. cidadãos dedicaram-se ao trabalho e venceram. Depois da consciência de si, a síntese será a razão
que, articulando junto à consciência e à consciência de si, torna-se teórica e prática ao mesmo
tempo. Por meio da razão, o ser humano analisa e compreende o mundo, mas também age nele
e o transforma. O saber e o agir no mundo são a base da filosofia política de Hegel, apresentada
na sua obra Linhas fundamentais da filosofia do direito.

Linhas fundamentais da filosofia do direito


Nas Linhas fundamentais da filosofia do direito o filósofo expõe o seu pensamento político e
jurídico. O objetivo dessa obra é a realização da ideia de liberdade no mundo, que é aquilo que
Hegel chama de eticidade. Como realizar a liberdade? O que é a liberdade?
Tal como em todo o seu sistema filosófico, aqui também o argumento é constituído de três
momentos: direito abstrato, moralidade e eticidade.
O direito abstrato é o momento em que se analisam o direito positivo e formal e a relação
jurídica entre os indivíduos. Direito positivo é o direito que está posto na lei, no código, na consti-
tuição, no contrato etc. É o direito que está escrito. No Brasil temos o Código Penal, o Código Civil
e tantas outras leis.
Para Hegel, o fundamento do direito positivo é a propriedade. Eu tenho o direito de ter uma
propriedade, mas também o dever de respeitar o direito do outro ter a sua propriedade. Eu con-
quisto a propriedade pelo trabalho, pelo ato de retirar algo da natureza e depois transformo-a em
um objeto remodelado conforme a vontade humana. O argumento possui relação com aquele de
Locke, visto anteriormente.
Depois que conquisto a propriedade, posso negociá-la com outros. É nesse ponto que se faz
o contrato. Alguém concorda em ceder um bem e o outro em pagar por este bem. Há um acordo
mútuo no qual cada parte assume uma obrigação (entregar o bem ou pagar por ele).
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A formação profissional é essencial para o indivíduo satisfazer seus interesses na sociedade civil, pois é apenas sabendo fazer bem algum ofício que
ele poderá ser contratado por alguém, abrir uma empresa, estabelecer parcerias de negócios, fazer contratos etc. As figuras ilustram quatro profissões:
professor, médico, advogado e engenheiro.

Porém, para Hegel, o problema do contrato

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é que ele não pode impedir a agressão contra
o direito, que consiste no seguinte: por mais
que ambos os indivíduos pactuem o acordo,
qual a garantia que um deles não decida vo-
luntariamente quebrar o contrato?
Essa crítica de Hegel buscava uma con-
traposição à teoria dos filósofos do contrato
social, que parte da ideia de consenso entre
pessoas. Com a crítica hegeliana fica a dúvida:
qual a garantia dos indivíduos de não decidi-

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rem deixar de respeitar o contrato social? Ou
seja, o direito positivo, formal e abstrato, por-
que é reduzido a leis e contratos, não conse-
gue impedir a violação ao direito, o crime. Isso
acontece pois existe a ação individual que, se
quiser, pode ir contra o direito.
E esta é a segunda seção: a moralidade.
Aqui Hegel analisa o mundo interior do
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indivíduo, ou seja, as pulsões, os instintos,


as preferências, as opiniões, os desejos, tudo
aquilo que faz o sujeito agir de um modo e não
de outro. Na moralidade cada indivíduo tem
uma ideia de Bem, que é uma moral interior
que coordena todas as suas ações. O sujeito
vê aquilo como o verdadeiro bem, aquilo a ser
procurado porque lhe proporciona felicidade.
Na primeira figura, a família: instituição relevante no sistema de Hegel.
O problema é que isso é subjetivo e variável a Nas outras duas, tem-se a representação do trabalho e da atividade
cada sujeito. Em tudo que agimos procuramos de cada pessoa como possibilidade de desenvolvimento pessoal. Além
disso, o fruto do trabalho de alguns serve para benefício de outros.
um bem, e isso serve para qualquer ação,
inclusive a criminosa. Alguém só agride outro porque vê naquele ato um ganho, um bem, seja o
furto da propriedade de alguém ou mesmo a lesão cometida contra outro. Resultado: as ideias de
Bem e Mal são relativas de sujeito para sujeito.
Logo, o subjetivismo individual não pode ser a base do direito. É preciso algo objetivo que
organize a sociedade. E este é o terceiro momento: a eticidade.
A eticidade constitui-se de leis e instituições, sendo estas a família, a sociedade civil e o Estado.
É o reino ético que realiza a ideia de liberdade. Isso significa que aqui o indivíduo é livre, pois se ele
segue o direito e as instituições é porque entendeu que foi ele quem os estabeleceu conforme o
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movimento da vontade livre. O fundamento da ética não é exterior ao indivíduo, mas está dentro
dele. Isso se dá porque a ética está concentrada nos costumes de seu povo. Ou seja, eu reconheço
os costumes de meu povo como meus. Assim, quando sigo as determinações do direito, não estou
sendo coagido por uma instituição externa a agir assim, mas o faço por decisão própria.
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Filme É de fundamental importância entender que os costumes se atualizam historicamente. Viver
conforme os costumes não significa que devemos nos adaptar à vida social tal como ela se apre-

Columbia Pictures
senta, pois se discordamos e entendemos que há um modo mais adequado de se viver em socie-
dade, podemos tentar transformar os costumes vigentes. A sociedade está sempre em modifica-
ção. Os costumes se renovam, e este processo inicia-se com a vontade livre dos indivíduos em se
atualizarem. É por isso que os costumes são internos no cidadão, pois cada indivíduo participa da
atualização destes.
A sociedade do reino ético tem a família
como instituição de base. Na família os indiví-
Um Sonho de Liberdade duos se reconhecem como um só. Os pais e os
Ano: 1994 filhos fazem parte de um único ser: o ser fa-
Diretor: Frank Darabont miliar. A essência da família é a educação dos
Sinopse: Andy é um jovem filhos para a sociedade civil e o Estado. Os pais
banqueiro de sucesso que devem formar as crianças para poderem con-
sofre uma reviravolta em
tribuir social, econômica e politicamente junto
sua vida quando é conde-
nado injustamente à prisão aos demais indivíduos. Para Hegel, a família
perpétua pelo assassinato tem em vista o bem universal: a sua finalidade
de sua mulher. Vivendo na é formar alguém para ajudar a sociedade civil.
prisão, a única coisa que o
move é a esperança de um Na sociedade civil a realidade é bem
dia ser novamente livre. diferente. Aqui vale o interesse singular.
Junto com um colega da Trabalhamos e nos relacionamos no mercado
prisão, passa a arquitetar buscando benefícios.
um plano para fugirem. Este
Hegel defende que a Constituição deve estar acima de todos os indi-
filme serve para mostrar a víduos em uma nação. Acima, a imagem do político Ulysses Guimarães Porém, ao se buscar o próprio interesse,
força que a ideia de liberda- depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, resultado de também há contribuição para com o bem ge-
de pode ter no imaginário longa luta democrática em nosso país. Abaixo dela, a estátua da justiça
na entrada do Supremo Tribunal Federal, instituição que julga os casos ral. Ao trabalhar e gerar produtos e dinheiro,
de cada pessoa, e muitas em que se estabelecem dúvidas quanto à interpretação correta de algum
vezes é a única força capaz por exemplo, a economia se movimenta e logo
artigo da Constituição.
de impulsionar uma pessoa a riqueza geral é incrementada. Contudo, devi-
a seguir adiante. do aos indivíduos perseguirem acima de tudo
o benefício singular, corre-se o risco das pes-
soas perderem de vista a dimensão universal
do bem comum.
Dessa forma, o Estado surge como uma
instituição acima de todos, que tem por finali-
dade a realização do bem comum e da liberda-
de dos indivíduos. O Estado não é uma institui-
ção que coage as pessoas, tal como a relação
do Leviatã com seus súditos em Hobbes, con-
forme visto no capítulo anterior, mas pode ser
entendido como uma instituição criada pelos
indivíduos que protege as leis e a comunida-
de. O Estado possui uma Constituição, a qual
até o governante deve se submeter. Somente
a Constituição está acima de todos, preceito
valioso, sobretudo para os nossos dias, em
que defendemos a Constituição Federal como
aquilo que se eleva sobre cada brasileiro, e, ao
mesmo tempo, protege o interesse de todos os
indivíduos. E isso é um princípio de liberdade,
pois se obedeço à Constituição, obedeço àqui-
lo que eu lutei para construir. E se em algum
momento aquilo não for mais o que queremos,
podemos modificá-la e atualizá-la, tal como ce-
lebra sempre a dialética hegeliana.
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FILOSOFIA E ARTE
Analise a obra e responda à questão.

MAGRITTE, René. As férias de Hegel. 1953. Óleo sobre tela, 61 x 50 cm. Coleção privada.

1. Na obra As férias de Hegel, Magritte faz uma brincadeira com o conceito hegeliano de dialética. De acordo
com a análise da obra e com seus conhecimentos, relacione o título e a obra de arte de Magritte com a
dialética de Hegel.
A dialética, para Hegel, é o confronto de ideias contrárias que, na obra de arte, podem ser representadas pelo guarda-chuva e

pelo copo d’água. Desse confronto, nascem novas ideias, como a que o artista propõe ao inverter a figura do guarda-chuva, que

deveria conter a água, com o copo que retém o líquido em seu interior. Estando o copo d’água sobre o guarda-chuva, este não

perde sua função de “reter” a água, mesmo que contida no copo.


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Resolvidos 3. Explique o que significa a concepção de dialética para Hegel.
A concepção de dialética para Hegel pode ser explicada como um “movimen-
1. (UEL) De acordo com Kant, o ato de conhecer é efetuado por meio
da relação sujeito e objeto, em que se fixam dois pressupostos to”. Esse “movimento” pode ser percebido na própria maneira como Hegel
fundamentais. Por um lado, objetos que possam ser percebidos;
por outro, o sujeito que assimila a representação dos objetos. O expõe sua obra, ou seja, por meio de seções em que a anterior possibilita
sujeito apreende as representações numa ordem de sucessão,
sustentação para a posterior. A dialética de Hegel é composta de tese,
pois se estas ocorressem de forma simultânea, não seria possível
processar o conhecimento dos objetos. Assim, uma das condições antítese e síntese. De início, tem-se a tese como argumento. Posteriormente,
para assegurar o conhecimento empírico envolve, já na própria
estrutura do sujeito, uma dimensão a priori de temporalidade. tem-se a antítese como negação do argumento, e, por fim, há a síntese, ou
Com base no texto, é correto afirmar: seja, a superação da antítese e a formação de uma nova tese.
a) A construção do conhecimento empírico dispensa a incorpo-
ração, pelo indivíduo, de dimensões temporais.
b) O tempo é apreendido empiricamente a partir dos sinais de
degeneração e envelhecimento dos objetos.
c) O tempo é anterior à experiência e condição para que o co-
4. (UFPA) No início do século XIX, mais precisamente com Hegel, a arte
é concebida no interior do domínio do absoluto, isto é, da verdade
nhecimento dos objetos aconteça numa sequência regular
enquanto tal e dos elementos que a expõem. Tendo em vista essa
e uniforme.
concepção, é correto afirmar:
d) A existência do tempo é condicionada aos objetos, os quais
a) O absoluto não se expressa, de uma vez por todas, no domínio
garantem a noção de temporalidade do sujeito.
artístico.
e) A relatividade da noção de tempo resulta do movimento con-
b) Ao apresentar o absoluto sob forma sensível, isto é, concreta
tingente dos objetos e da percepção do sujeito.
e singular, a obra de arte não efetiva a transfiguração da
 Resposta: C realidade.
a) Incorreto. O tempo é, para Kant, uma das categorias fundamen- c) Na atividade artística, apenas alguns de seus traços essenciais
tais do entendimento. estão ligados ao ser verdadeiro.
b) Incorreto. O tempo é apreendido como uma sucessão de fatos, d) A beleza é, enquanto produto da arte, manifestação sensível
sem o qual seria impossível formar o conhecimento. do absoluto.
c) Correto. O tempo, assim como o espaço, é uma categoria a prio- e) Na arte, a totalidade que se torna aparição cumpre suficiente-
ri do entendimento. mente suas determinações.
d) Incorreto. O tempo existe independentemente dos outros objetos.  Anotações:
e) Incorreto. O tempo é percebido como uma sucessão de fatos.
Hegel pensou a arte e seu produto, a beleza, como manifestações sensíveis
2. O que é o juízo e qual a diferença entre juízos a priori e juízos a
do absoluto. Assim como a filosofia, a arte também leva ao domínio da
posteriori?
 Resposta: verdade.
O juízo é uma reunião de sentenças sobre determinado objeto em
uma proposição. É um exercício racional do ser humano que busca Desenvolvendo Habilidades
identificar o objeto. Existem os juízos a priori e os juízos a posteriori.
O juízo a priori é desprovido da experiência, formulado de acordo 1. C1:H1 (Enem-2017) Uma pessoa vê-se forçada pela
com o intelecto do sujeito. O juízo a posteriori é experimental, isto é, necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito
formulado a partir de alguma experiência empírica. bem que não poderá pagar, mas vê também que não
lhe emprestarão nada se não prometer firmemente
Praticando pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promes-
sa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma:
1. Qual a diferença entre fenômeno e noumenon para Kant? não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta ma-
neira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima de ação
Fenômeno é a forma pela qual as coisas se apresentam para nós por meio de seria: quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo em-
prestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá.
nossos sentidos. Conhecemos a árvore segundo nossa visão humana, mas não
(KANT, I. Fundamentação da metafísica dos
conhecemos a árvore em si, como essência. Mas a árvore existe independente- costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980.)

mente de nós. A realidade de cada coisa para si mesma é seu noumenon. De acordo com a moral kantiana, a “falsa promessa de pagamento”
representada no texto
2. De acordo com Kant, o que são os imperativos categóricos?
a) assegura que a ação seja aceita por todos a partir da livre
São fundamentos racionais puros desprovidos de qualquer experiência empí- discussão participativa.
rica. Diferentemente dos imperativos hipotéticos, os imperativos categóricos b) garante que os efeitos das ações não destruam a possibilidade
de vida futura na terra.
não buscam um fim, mas a própria ação é o fim almejado. Outra característica c) opõe-se ao princípio de que toda ação do homem possa valer
é que buscam sempre o universal, ou seja, é um princípio que pode ser como norma universal.
d) materializa-se no entendimento de que os fins da ação humana
praticado por todos sem prejudicar a liberdade de ninguém.
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podem justificar os meios


e) permite que a ação individual produza a mais ampla felicidade
para as pessoas envolvidas.

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2. C1:H4 (Enem-2013) Até hoje admitia-se que nosso co- Com base na citação anterior, assinale o que for correto.
nhecimento se devia regular pelos objetos; porém, (1) O livre arbítrio constitui uma ameaça para a realização da
todas as tentativas para descobrir, mediante conceitos, liberdade.
algo que ampliasse nosso conhecimento, malogravam- (2) A liberdade deve ser pensada em dois planos distintos: o
-se com esse pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar primeiro, autorreferencial ou subjetivo, e o segundo, insti-
se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo tucional ou objetivo.
que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento.
(3) A efetividade do Estado e das instituições sociais constitui
(KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1994. Adaptado.) um obstáculo para os desejos particulares dos indivíduos.
O trecho em questão é uma referência ao que ficou conhecido (4) O exercício da liberdade é característico de um processo his-
como revolução copernicana na filosofia. Nele, confrontam-se duas toricamente definido.
posições filosóficas que (5) A liberdade é uma síntese da religião com o
a) assumem pontos de vista opostos acerca da natureza do autoconhecimento.
conhecimento. Soma ( )
b) defendem que o conhecimento é impossível, restando-nos
somente o ceticismo. Complementares
c) revelam a relação de interdependência entre os dados da
experiência e a reflexão filosófica. 1. (UEM) [...] a própria experiência é um modo de conhecimento que
requer entendimento, cuja regra tenho que pressupor a priori em
d) apostam, no que diz respeito às tarefas da filosofia, na primazia
mim ainda antes de me serem dados objetos e que é expressa em
das ideias em relação aos objetos.
conceitos a priori, pelos quais portanto todos os objetos da expe-
e) refutam-se mutuamente quanto à natureza do nosso conhe- riência têm necessariamente que se regular e com eles concordar.
cimento e são ambas recusadas por Kant.
(KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 13.)
3. C1:H1 (Enem-2012) Esclarecimento é a saída do homem
de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A Com base na filosofia de Kant, assinale o que for correto.
menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu en- (1) O método de Kant é chamado criticismo, pois consiste na
tendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem crítica ou na análise reflexiva da razão, a qual, antes de par-
é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se en- tir ao conhecimento das coisas, deve conhecer a si mesma,
contra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem fixando as condições de possibilidade do conhecimento,
de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Tem coragem aquilo que pode legitimamente ser conhecido e o que não.
de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclare- (2) Para Kant, uma vez que os limites do conhecimento científi-
cimento. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão co são os limites da experiência, as coisas que não são dadas
grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os à intuição sensível (a coisa em si, as entidades metafísicas
libertou de uma condição estranha, continuem, no entanto, de como Deus, alma e liberdade) não podem ser conhecidas.
bom grado menores durante toda a vida.
(3) Kant mantém-se na posição dogmática herdada de Hume.
(KANT, I. Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? Para os dois filósofos, o conhecimento é um fato que não
Petrópolis: Vozes, 1985. Adaptado.) põe problema. O resultado da crítica da razão é a constata-
Kant destaca no texto o conceito de Esclarecimento, fundamental ção do poder ilimitado da razão para conhecer.
para a compreensão do contexto filosófico da Modernidade. Escla- (4) O sentido da revolução copernicana operada por Kant na
recimento, no sentido empregado por Kant, representa filosofia é que são os objetos que se regulam pelo nosso
a) a reivindicação de autonomia da capacidade racional como conhecimento, não o inverso. Ou seja, o conhecimento não
expressão da maioridade. reflete o objeto exterior, mas o sujeito cognoscente constrói
o objeto do seu saber.
b) o exercício da racionalidade como pressuposto menor diante
das verdades eternas. (5) Com a sua explicação da natureza do conhecimento, Kant
supera a dicotomia racionalismo-empirismo. O conheci-
c) a imposição de verdades matemáticas, com caráter objetivo, mento, que tem por objeto o fenômeno, é o resultado da
de forma heterônoma. síntese entre os dados da experiência e as intuições e os
d) a compreensão de verdades religiosas que libertam o homem conceitos a priori da razão.
da falta de entendimento. Soma ( )
e) a emancipação da subjetividade humana de ideologias pro-
2. (UFU) A respeito do conceito de dialética, Hegel faz a seguinte afir-
duzidas pela própria razão.
mação: “O interesse particular da paixão é, portanto, inseparável da
4. C1:H1 (UEM-2013) A filosofia de Hegel constitui, assim, exemplo participação do universal, pois é também da atividade do particular
de um grandioso e radical investimento especulativo, qualificado e de sua negação que resulta o universal.
como Ideia de liberdade. Ao mesmo tempo em que tem a pretensão (HEGEL, G. W. F. Filosofia da história. 2. ed. Tradução de:
de analisar a liberdade segundo um modo conceitual (lógico-onto- RODRIGUES, Maria; HARDEN, Hans. Brasília: UnB, 1998. p. 35.)
lógico), quer, também, compreendê-la como uma forma histórica
de sua manifestação. Ou, dito de outro modo, sem abandonar o seu Com base no pensamento de Hegel, assinale a alternativa correta.
caráter autorreferencial (subjetivo), o filósofo pretende efetivá-la a) O particular é irracional, por isso é a negação do universal,
na sua necessária forma institucional (objetiva). [...] Se a liberdade portanto, a história não é guiada pela razão, mas se deixa
subjetiva não alcançar essa dimensão e se circunscrever no âmbito conduzir pelo acaso cego dos acontecimentos que se sucedem
dos interesses e desejos particulares dos indivíduos nas suas rela- sem nenhuma relação entre eles.
ções privadas, o próprio princípio da liberdade se vê ameaçado.
b) O universal é a somatória dos particulares, de modo que a his-
(MARÇAL, J. [Org.] Antologia de textos filosóficos. tória é tão só o acumulado ou o agregado das partes isoladas,
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Curitiba: SEED-PR, 2009. p. 309.) e assim elas estão articuladas tal como engrenagens de uma
grande máquina.

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c) O particular da paixão é a ação dos indivíduos, sempre em opo-
sição à finalidade da história, isto é, do universal da razão que
governa o mundo, mas esta depende da ação dos indivíduos,
sem os quais ela não se manifesta.
d) O universal é a vontade divina que por intermédio da sua ação
providente preserva os homens de todos os perigos, evitando
que se desgastem com suas paixões, assim, o humano é pre-
servado desde o seu surgimento na Terra.
3. (UEM) A dialética idealista de G. W. F. Hegel criticou o inatismo, o
empirismo e o criticismo kantiano. Hegel opõe-se à concepção
de uma razão intemporal; na filosofia hegeliana, a racionalidade
não é mais um modelo a ser aplicado, mas é o próprio tecido do
real e do pensamento. Contra a concepção intemporal da razão,
Hegel afirma que a razão é história, e isso é o que há nela de mais
essencial. Assinale o que for correto.
(1) Sendo a razão história, ela se torna, para Hegel, relativa, isto
é, o que vale hoje não vale mais amanhã, nenhuma época
pode, portanto, alcançar verdades universais.
(2) O movimento dialético da razão se realiza, para Hegel, em
três momentos, na apresentação de uma tese, enquanto
afirmação, na constituição de uma antítese, como negação
da tese, e na formação de uma síntese, como superação da
antítese.
(3) Para Hegel, a história não é a simples acumulação e justapo-
sição de fatos e de acontecimentos no tempo, mas resulta
de um processo cujo motor interno é a contradição dialética.
(4) A concepção de história de Hegel e a concepção de história
formulada por Marx no materialismo histórico são idênticas.
(5) Hegel critica Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant por
terem dado mais atenção à relação entre sujeito humano e
natureza do que à relação entre sujeito humano e cultura
ou história.
Soma ( )
4. (UEL) Sabe-se que para Hegel a história universal não recobre o
curso empírico da humanidade. A história propriamente dita nasce
apenas com o Estado, quando a vida social ganha uma forma sob
o efeito dessa instância que confere a seus elementos expressão
pública e consciência. Somente então é assegurada a permanência
do sentido.
(LEFORT, Claude. As formas da história. Ensaios de
antropologia política. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 37.)

Com base no texto, considere as afirmativas a seguir.


I. Hegel partia do mundo empírico para explicar a história.
II. Segundo Hegel, a formação da consciência se dá com o sur-
gimento do Estado.
III. Hegel, ao analisar o surgimento da história, desconsidera a
organização do Estado.
IV. A noção de Estado só ganha sentido se relacionada à dimensão
da vida social.
Estão corretas as afirmativas:
a) I e II.
b) II e IV.
c) III e IV.
d) I, II e III.
e) I, III e IV.

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A filosofia no
século XIX
Contexto histórico • O positivismo de Auguste Comte • O utilitarismo de John Stuart Mill •
O materialismo histórico de Karl Marx
Filosofia
mód. 04/08

04
Filosofia
moderna:
os filósofos
contratualistas

START
Leia o texto e debata as questões a seguir com os colegas e o professor.

O positivismo acompanhou e estimulou a organização técnico-industrial da sociedade moderna e fez uma


exaltação otimista do industrialismo. Nesse sentido, pode-se compreendê-lo como produto da sociedade
técnico-industrial que, ao mesmo tempo, leva esta sociedade a desenvolver-se consolidar-se.
Basicamente, a característica essencial do positivismo, tal qual o concebeu Comte, é a devoção à ciência,
vista como o único guia da vida individual e social, única moral e única religião possível. Desse modo, em
última análise, o positivismo é compreendido como a “religião da humanidade”.

(Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/positivismo-ordem-progresso-


e-a-ciencia-como-religiao-da-humanidade.htm>. Acesso em: 28 set. 2018.)

1. A ciência e a tecnologia trouxeram progressos? Quais?


Resposta pessoal.

2. A ciência e a tecnologia trouxeram retrocessos? Quais?


Resposta pessoal.

gerasimov_foto_174/Shutterstock
3. No século XXI, você acha que a sociedade humana atingiu o estágio positivo, ou seja, do progresso
absoluto?
Resposta pessoal.

4. É possível não haver progresso?


Resposta pessoal.
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Biografia Contexto histórico
Charles Darwin (1809-1882)
foi um cientista naturalista Neste momento será estudada a Filosofia no século XIX, era de ouro das ciências e da
que se tornou conhecido Revolução Industrial. A efervescência desse período se deve à satisfação das enormes con-
pela sua teoria da “seleção quistas científicas: a Biologia descobrira os seres microscópicos e os males que causavam tantas
natural” para explicar a
evolução das espécies.
doenças; a Física revelara as leis que governam os fenômenos naturais; e Darwin mudara para
sempre a forma como vemos e entendemos o homem e os seres vivos com a sua teoria da seleção
natural. A imagem de uma ciência aliada à indústria alegrava a todos e proporcionava a sensação
de que finalmente o homem descobrira a chave da felicidade e da verdade. Em breve as doenças,
guerras, pobreza e todos os grandes males que acometem a humanidade seriam extintos, pois
a ciência é capaz de conhecer as leis e as causas dos fenômenos e prevê-los. Com a ascensão da
ciência, a ideia do progresso da humanidade prevaleceria na época.
Este é justamente o espírito do positivismo iniciado por Comte e que depois se alastraria por
Glossário toda a Europa, influenciando inúmeros pensadores.

EverettHistorical/Shutterstock

Carlo S/Shutterstock
A Revolução Industrial foi
um conjunto de mudanças
tecnológicas nos processos
de produção de produtos
que irromperam primeiro na
Inglaterra, no século XVIII,
e depois no século XIX por
toda a Europa. O libera-
lismo econômico, aliado a
invenções como a máquina
a vapor, foram fatores que
contribuíram para a eclosão
da revolução.

À esquerda, exemplo de uma fábrica na época da Revolução Industrial. Nesse período, os produtos passam a ser fabricados em maior escala devido
à organização do trabalho por linhas de produção. Nelas, cada pessoa ou grupo de pessoas era responsável apenas pela construção de uma parte do
produto. À direita, uma linha de produção atual em que não trabalham pessoas, apenas máquinas, demonstrando os rumos que a produção industrial
assumiu.
Porém, nem tudo se revelaria de modo tão esperançoso. Junto à euforia da visão de progres-
so infinito surgiam evidentes contradições sociais: aumento da pobreza de muitos, condições
sub-humanas de trabalho, monopólio do poder por parte de poucos, alienação do povo pela
Saiba mais burguesia. Ou seja, na mesma proporção crescia o sentimento de injustiça promovido por um
Continuando neste movi- desenvolvimento que desencadeava profunda desigualdade social entre burgueses e trabalha-
mento, o positivismo irá dores. A desigualdade social será objeto da contundente crítica elaborada por Marx aos avanços
fazer com que as ciências se do capitalismo.
especifiquem cada vez mais
para que haja uma melhor Em síntese, o século XIX é, sobretudo, o período da luta pela construção de uma nova socie-
compreensão do objeto que dade, um novo mundo. O ser humano finalmente parece ter se conscientizado de que é o único
é analisado. Surgirão ramos responsável pela sua existência e é responsabilidade dele fazer a sociedade progredir.
mais específicos (exemplos
podem ser citados, como a Neste capítulo serão estudadas três vertentes da Filosofia no século XIX: o positivismo de
microbiologia, nanotecnolo- Auguste Comte, o utilitarismo de John Stuart Mill e o materialismo histórico de Karl Marx.
gia etc.), o que fará com que
o pesquisador inevitavel-
Everett Historical/Shutterstock

mente perca o contato com


a totalidade. Esse movi-
mento irá gerar a crise das
ciências, que será melhor
estudada posteriormente.
A partir daquele momento
será necessário um retorno
à capacidade interdisciplinar
do ser humano de estudar a
realidade.
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As condições adversas do trabalho, jornadas exaustivas, baixíssima remuneração e o fato de crianças e mulheres trabalharem o mesmo número de horas
que os homens, foram alguns fatores que contribuíram para a elaboração do pensamento filosófico do século XIX.

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O positivismo de Auguste Comte
Biografia

Hans Kelsen (1881-1973)


foi um dos mais influen-
Auguste Comte (1798-1857) é o funda- esforço é direcionado àquilo que pode- tes juristas do século XX.
dor e maior representante do positivismo na mos experimentar (ver, tocar, ouvir). Defendeu que a Ciência Jurí-
Filosofia, linha de pensamento que de certo O positivismo é o reino das ciências, so- dica deveria especificar seu
modo dominaria posteriormente tanto a pes- estudo nas leis, deixando
bretudo as empíricas. Conhecer é entender, de lado estudos valorativos,
quisa científica como as correntes filosóficas. o que existe de concreto. Estuda-se o fenô- por exemplo, sobre o que é
O positivismo jurídico de Kelsen e o positivis- meno natural da chuva, o desenvolvimento justo ou injusto. Acreditava
mo lógico de Carnap são repercussões da tri- biológico dos seres vivos e tudo que existe de que esta deveria ser tarefa
lha iniciada por Comte. da Filosofia ou Sociologia.
real e concreto no mundo. O positivismo não
estuda ideias, conceitos, abstrações, pois es- Rudolf Carnap (1891-1970)

Aegis Maelstrom/Shutterstock
foi um dos mais importantes
tas não podem ser submetidas à empiria, não representantes do Círculo
podem ser comprovadas. O método empírico de Viena. Esse movimento
revelou-se o mais próximo da verdade, o úni- filosófico nega a metafísica
co que permite ao homem entender como as para privilegiar o exercício
da lógica. O sistema filo-
leis naturais funcionam e assim usá-las a seu sófico do Círculo de Viena
favor. Não sem razão é o método empírico que tornou-se conhecido como
se aliou à indústria, gerando grande desenvol- “positivismo lógico”.
vimento tecnológico.
Assim como o positivismo, a ciência não se Observe
preocupa com conceitos abstratos, mas ape- O positivismo, então, é tam-
nas com coisas, com fatos, o positivismo jurí- bém o ápice da linha de pen-
dico não se preocupa com a ideia de lei ou com samento empírica que surge
o conceito de justiça, mas com a Constituição, com a Revolução Científica e
atravessa toda a modernida-
com o Código Civil, com uma lei específica, ou
Auguste Comte. de. Observa-se uma gradativa
seja, com leis reais e existentes em cada socie- desvalorização da Teologia
Para explicar a dinâmica social, Auguste dade. Também o positivismo lógico negará a e da Metafísica que se inicia
Comte postulou a “lei dos três estágios”, que Metafísica, demonstrando que apenas a empi- de modo discreto com os
consiste na própria lei que governa o desen- ria é necessária para confirmar ou negar um modernos, mas que no século
volvimento individual e coletivo dos homens. XIX atinge o seu auge.
fenômeno. O conhecimento positivo é aquele que
Segundo ele, a história da humanidade teria extrai leis baseando-se em investigações compro- Glossário
atravessado três estágios: teológico, metafísi- vadas sobre fatos.
co e positivo. Constituição
Outra marca do positivismo é que o cientis-
● Estágio teológico: nesse estágio, o ser A Constituição de um Estado
ta e filósofo não devem se preocupar em en- (instância política de um
humano vê o mundo e seus fenômenos tender a origem das coisas, a essência, como país) é sua lei fundamental,
como o resultado de ações provocadas sempre defendeu a Metafísica e a investigação ou seja, o conjunto das nor-
por agentes sobrenaturais. A compreen- filosófica em geral, mas como as coisas funcio- mas e princípios que regerão
são de toda a realidade é permeada por todas as leis do Estado,
nam e de que modo podem servir ao homem.
em todos os níveis. Assim,
uma forma encantada de percepção: o O positivismo é prático. nenhuma lei, decreto ou
vento, a água, o Sol, as estrelas, o desti- medida, seja municipal, es-
Comte também apresentou uma classifi-
no de cada um... tudo é fruto de deuses tadual ou federal, poderá em
cação das ciências, que vai das ciências com
e espíritos. seu teor contradizer o que
objetos de estudo mais simples às mais com- está estabelecido na Consti-
● Estágio metafísico: passa-se a entender plexas: Astronomia, Física, Química, Biologia tuição. O Brasil já teve várias
a realidade a partir de ideias, conceitos, e Sociologia. A Teologia e a Metafísica foram constituições aprovadas
avança-se do sobrenatural ao abstrato. excluídas por não serem passíveis de serem (ger., a não ser em situações
Neste estágio surge a ideia de essência de exceção, por corpo de
estudadas de modo positivista, bem como a representantes da sociedade
como a força oculta em cada coisa capaz moral, pois esta é o estudo do agir humano e, especialmente designado
de fazê-la existir. A planta cresce porque portanto, está incluída na Sociologia. para isso: a Assembleia
existe uma essência invisível nela que Constituinte): a monarquista,
A Matemática também não aparece na clas- de 1824 (seguida de atos adi-
a permite se desenvolver. A essência é
sificação das ciências estipuladas por Comte cionais em 1834, 1840, 1847);
aquilo que define o que é cada coisa, é a
por ser a base natural e lógica de todas elas, a primeira republicana, de
parte mais importante de cada ser. 1891, reformada em 1926; a
ou seja, fundamenta e está presente em todas
● Estágio positivo: é o ápice da evolução aquelas citadas. Por fim, a Filosofia não é ciên- segunda republicana, de 1934
(extinta em 1937 pelo Estado
que nasce quando o homem descobre, cia, mas o estudo metodológico delas, a inves- Novo); a terceira republi-
com a observação atenta da natureza, tigação que vê as conexões e relações entre as cana, de 1946; as de 1967 e
que é possível entender e prever fenô- várias ciências, ou seja, os princípios que as 1969 (sob o regime militar);
menos naturais. O estágio positivo não fundamentam. e a de 1988, novamente sob
está nas ideias, mas na realidade, nas regime democrático.
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(Disponível em: <http://www.


coisas e busca-se compreender como aulete.com.br/constituicao>.
Acesso em: 19 set. 2018.)
elas funcionam. Estuda-se o animal, a
planta, a cidade, o homem em suas leis
biológicas, químicas, físicas e sociais. O
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O nascimento da Sociologia é um mérito do

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positivismo, sobretudo de Comte.
Para o francês, a Sociologia deveria des-
cobrir as leis que regem o funcionamento da
sociedade, tal como a Física descobre as leis
que regem os fenômenos físicos. Com esse en-
tendimento concreto, a Sociologia poderia in-
clusive prever o funcionamento da sociedade
e se antecipar aos acontecimentos. Para isso,
a Sociologia seria dividida em estática social e
dinâmica social.

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O positivismo influenciou os movimentos de proclamação da República
do Brasil. Nota-se, inclusive, o reflexo dessa relação estampado na
própria bandeira do Brasil, onde podemos avistar o lema “Ordem e
Progresso”, típico do positivismo. Essa influência se deve, basicamente, à
empatia de intelectuais da época pelo movimento positivista de Auguste
Comte.
Em conjunto, a estática social e a dinâmica
social indagam sobre a ordem e o progresso da
sociedade, respectivamente. Isto é, entende-
-se como se mantém a sociedade organizada,
evitando que caia em desastres ou regressões
e, por outro lado, compreende-se como ela
evolui. Isso tudo seria possível conhecendo as
Comte é o pai da Sociologia. Nela, a sociedade passa a ser o próprio objeto
de estudo em que se busca as leis, causas e fenômenos que a integram. leis da sociedade.
Faz-se, portanto, uma abordagem similar àquela das Ciências Naturais
(Física, Química etc.). Mas como conhecer as leis da sociedade?
A estática social estuda as condições que Comte inspira-se nas ciências naturais para
dão base à existência de qualquer sociedade lançar o método a ser seguido pela Sociologia:
em qualquer período histórico. Tais condições observação, experimento e o método compara-
são a sociabilidade entre os homens, o núcleo tivo. Esse estudo é apoiado em uma pesquisa
familiar e a divisão do trabalho. histórica do desenvolvimento da sociedade.

Já a dinâmica social envolve as condições Como conclusão, a filosofia positivista


que explicam o desenvolvimento da sociedade de Comte é, sobretudo, a busca por uma re-
conforme a lei dos três estágios. Exemplo disso forma social, por um desenvolvimento de
seria o estágio teológico no período do feuda- humanidade.
lismo, marcado pelo poder militar; as grandes Comte influenciaria pensadores que rea-
transformações em ideias no estágio metafísi- lizariam percursos muito diferentes daquele
co, que vai da Reforma Protestante à Revolução realizado por ele. Um deles se tornaria notá-
Francesa. Por último, o estágio positivista fica vel como um positivista utilitarista: John Stuart
marcado pela sociedade industrial. Mill.

O utilitarismo de John Stuart Mill


John Stuart Mill também proporcionou valiosas contribuições à corrente empirista, seguindo
a estrada de Locke e outros britânicos. Contudo, é da vertente de sua filosofia moral e política
que este capítulo se limitará a tratar: o utilitarismo, que embora seja influenciado por Bentham,
recebe em Mill sua forma mais célebre.
O princípio básico do utilitarismo de Mill é:

Biografia
“O credo que aceita a utilidade ou o princípio da maior felicidade como a fundação moral sustenta que
Jeremy Bentham (1748-1832)
foi um filósofo e jurista as ações são corretas na medida em que tendem a promover a felicidade e erradas conforme tendam a pro-
inglês que, juntamente com duzir o contrário da felicidade. Por ‘felicidade’ se entende prazer e ausência de dor; por infelicidade, dor e
Mill, difundiu o utilitarismo. privação de prazer.”

(MILL, John Stuart. Utilitarismo. In: MILL, John Stuart. Liberdade/utilitarismo.


Tradução de: OSTRENSKY, Eunice. São Paulo: Martins Fontes, 2000.)
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Porém, ainda que o utilitarismo carregue

Muneyama/Shutterstock
bastante do pensamento individualista que
se manifestava tanto no empirismo como no
liberalismo – as duas correntes que o influen-
ciam – não se pode reduzi-lo a uma filosofia do
egoísmo, na qual a ação se restrinja a buscar
o prazer. A felicidade aqui deve ser entendida
como envolvendo tanto a felicidade individual
quanto a coletiva. A felicidade é o maior dos
bens, de modo que não haveria como o indiví-
duo ser feliz quando isso ferisse o bem comum.
O indivíduo deve se guiar tendo em vista a
liberdade de seguir os critérios que ele enten-
de como os melhores para si. Cada pessoa de-
veria realizar aquilo que lhe parece o ideal para
desenvolver o próprio potencial. Esta liber-
dade de guiar-se na vida é percebida por Mill
como um “direito natural”. O indivíduo possui
uma liberdade absoluta que somente pode ser
restringida quando interferir na liberdade dos
demais, conforme assinala o filósofo: John Stuart Mill.

“Esse princípio é o de que a autoproteção constitui a única finalidade pela qual se garante à humanidade,
individual ou coletivamente, interferir na liberdade de ação de qualquer um. O único propósito de se exer-
cer legitimamente o poder sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é
evitar dano aos demais.”

(MILL, John Stuart. A liberdade. In: MILL, John Stuart. Liberdade/utilitarismo.


Tradução de: OSTRENSKY, Eunice. São Paulo: Martins Fontes, 2000.)

Dessa forma, a única coação permitida à liberdade individual é quando esta ameaça a liberda-
de dos outros indivíduos. O argumento que se revela é que, para Mill, o desenvolvimento coletivo
e do bem comum é potencializado quando há espaço ao desenvolvimento individual.

O materialismo histórico de Karl Marx


Observe
Nem tudo era progresso esperançoso no século  XIX.
Também houve pensadores que se opuseram ao modo como Marx não era contra a Igreja,
se guiava a sociedade industrial. Entre eles, destaca-se Karl pois acreditava que ela
Marx. havia desempenhado o seu
papel social, mas, com o
Marx iniciou sua trajetória intelectual dedicando-se ao passar dos séculos, ajudou
estudo do pensamento de Hegel, mas logo passaria a ver in- a alienar o povo com seus
consistências na obra deste, tornando-se um de seus grandes dogmas e assim impedi-los
de buscar a verdade.
críticos. Na Filosofia do direito, Hegel tentara justificar a impor-
tância fundamental do Estado a partir de uma argumentação
lógica que demonstrasse a existência anterior dessa institui-
ção à sociedade civil. Além disso, Hegel teria defendido que
o monarca era como governante legítimo em um sistema de
governo que não privilegiava a democracia. Para Marx, Hegel
pensou encontrar a essência do Estado, o seu conceito, quan-
do na verdade nada mais fez do que a melhor justificação do
Estado prussiano. Karl Marx.

Com isso, Marx demonstra que a Filosofia em grande parte se reduz à ideologia, no sentido de
que não passa de um discurso pretensamente verdadeiro, mas que no fim busca apenas validar
ou justificar determinada visão de mundo, determinada opinião etc.
Nessa perspectiva, a religião é identificada como ideologia, no sentido de que afasta o homem
da verdade. A religião também é um discurso produzido para favorecer apenas uma parte da so-
ciedade. O homem que se contenta com a religião está satisfeito em não buscar a verdade. Essa
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acomodação é proveitosa para a burguesia que controla o povo. É por isso que Marx afirma que
a religião é o ópio do povo.

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Além da religião, também o direito é ideologia a serviço da classe dominante, a começar por
uma das bases da sociedade: o trabalho.
O trabalho, para Marx, é a possibilidade de humanizar a natureza, imprimindo ao mundo ex-
terno as ideias e projetos do homem. As aranhas e as formigas também transformam a natureza,
fabricando suas moradas, mas o que as diferencia mesmo do pior dos arquitetos é que este sem-
pre carrega em sua obra a ideia que concebeu anteriormente à prática.

StudioSmart/Shutterstock

shutterlk/Shutterstock
A primeira imagem mostra o trabalho realizado por abelhas para a produção do mel. Na imagem seguinte, edifícios em Dubai, nos Emirados Árabes. Os animais têm capacidade de criar em confor-
midade com o instinto biológico que possuem. Já os seres humanos vão além e elaboram obras diferenciadas segundo sua capacidade de pensar e sua imaginação criativa.

O problema é que essa concepção de trabalho também não se revela na realidade. A verdade
é que o indivíduo é alienado de seu trabalho, ele emprega sua força e inteligência em uma ação da
qual não usufruirá do resultado. O dilema do proletário é que quanto mais trabalha, mais riqueza
gera para o patrão, tornando-se também uma mercadoria.

“O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção
aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais merca-
dorias cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalori-
zação do mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalhador não produz somente mercadorias, ele produz
a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias
em geral.”

(MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de: RANIERI, Jesus. São Paulo: Boitempo, 2004.)

A alienação pelo trabalho conduz a outro forte argumento de Marx: o materialismo histórico,
em contraposição ao idealismo de Hegel, que consiste na tese de que não é a consciência do
homem que define o seu ser, mas o ser social que define a consciência do homem. Em outras
palavras, o homem seria influenciado pela infraestrutura econômica e superestrutura ideológica.
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Marx compara a sociedade a um edifício em que a infraestrutura se refere às fundações, que Saiba mais
dizem respeito às bases em que a sociedade é criada; já a superestrutura diz respeito ao edifício
O materialismo histórico
em si.
de Marx contribuirá para o
surgimento do movimento
A infraestrutura A superestrutura socialista do século XX. Os
São as fundações de uma sociedade e referem-se movimentos revolucionários
É a própria estrutura em si. Representa as ideias, terão como objetivo des-
às forças econômicas de um povo. É o homem
os costumes e as instituições (políticas, religiosas, tituir o poder opressor do
que se relaciona dialeticamente com a natureza
jurídicas etc.) que caracterizam a sociedade. Estado para a estruturação
por meio do trabalho.
de uma sociedade com divi-
são igualitária de riquezas.
É importante destacar, no

Steve Strummer/W.Commons
entanto, que o movimento
socialista é posterior a
Karl Marx, e que o próprio
movimento do marxismo já
é um efeito das ideias do
filósofo.

Filmes

Pathé Vidéo
Ilustração de autor desconhecido em que mulheres marcham unidas, em 1789, pelo ideal da Revolução Francesa. Apesar de toda a fundamen-
tação teórica que houve para a existência da Revolução Francesa por meio do iluminismo e dos contratualistas, quem a efetivou no mundo
foram as pessoas. Logo, é uma transformação material, concreta, vinda das pessoas, que provoca uma movimentação social.
Germinal
Ano: 1993
Nesse sentido, a maior influência na vida social ficaria por conta da economia e da ideologia,
Diretor: Claude Berri
que controlariam as estruturas políticas e jurídicas. Não são, portanto, as ideias abstratas que
Sinopse: retrata as
movem a sociedade e a história, mas as transformações materiais, concretas. O que vale é saber
condições miseráveis dos
quem detém os meios de produção, ou seja, quem controla o mundo do trabalho e, assim, movi- trabalhadores da França do
menta a economia. Religião, direito, política, Metafísica são todos discursos ideológicos sempre século XIX em contraste com
favoráveis ao interesse daqueles que controlam os meios de produção, vale dizer, da classe domi- a privilegiada condição da
nante. Por isso não é a ideia que condiciona a matéria, mas o contrário. nobreza. É um bom filme
para compreender a Revolu-
Seguindo seu primeiro grande inspirador, Marx utilizará a concepção hegeliana de dialética ção Industrial e seus efeitos
para explicar o seu materialismo histórico na perspectiva das transformações sociais. Marx, po- na sociedade moderna.
rém, inverte a dialética, passando das ideias aos fatos, da abstração ao concreto.

Warner Bros.
A história se desenvolve na busca por resolver as contradições sociais envolvendo partes da
sociedade. Em cada sociedade desenvolvem-se conflitos internos, como as desigualdades sociais,
a escravidão etc. A história demonstra que o homem tenta solucionar estas questões, porém isso
sempre leva a uma nova contradição. Sempre haverá a intensa luta entre classes dentro de uma
sociedade, de tal forma que a história das sociedades revela os inúmeros conflitos de classes:
livres e escravos, patrícios e plebeus, barões e servos, membros das corporações e aprendizes,
em suma, opressores e oprimidos.
Cada período possui sua contradição. A Revolução Industrial e a explosão burguesa derruba-
ram o mundo feudal com a máquina a vapor, modificando os meios de produção principalmente 2001 – Uma Odisseia no
manufatureiros da Idade Média. Antes do crescimento burguês havia os nobres, que detinham o Espaço
poder, e os servos, determinados apenas a trabalhar. Porém, no mundo industrial os burgueses Ano: 1968
substituem os nobres, explorando os operários tal como os nobres exploravam os servos. Diretor: Stanley Kubrick
Assim, se o burguês nega a realidade feudal, a nova realidade será negada pelo proletariado Sinopse: este clássico do
que, ao fazer a revolução, tomará dos proprietários burgueses os meios de produção, eliminando cinema traz a trajetória da
humanidade desde os seus
a divisão social que existe entre as duas classes.
primórdios, nas primeiras
Com Marx a Filosofia não se contenta mais em apenas contemplar a realidade, mas busca demonstrações da raciona-
transformá-la. Isso evidencia-se no esforço deste pensador em fazer contundente crítica social à lidade humana em ação, até
a viagem espacial a planetas
sua época, ao demonstrar que instituições como o Estado, o direito e a religião, em grande parte,
do Universo. É um filme que
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existiam para manter a exploração do proletariado. mostra o impacto da evolu-


ção científica na história da
humanidade.

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FILOSOFIA E CIÊNCIA

Leia o texto e responda às questões.

“Instituir a humanidade”. Rumo à ordem pelo progresso


Distante do materialismo como do espiritualismo, o positivismo sustenta que o que está em questão nas
ciências é um ser que é o mais real de todos os seres: a “Humanidade”, no duplo sentido de o que é humano
e de conjunto de homens – o “Grande Ser” social, composto “de mais mortos do que vivos” e da sociedade
futura tanto quanto das sociedades passadas. Ora, a humanidade está em crise, dilacerada entre forças retró-
gradas que concebem a ordem de maneira reacionária e forças revolucionárias que só sabem destruir. Mas
“só se destrói o que se respeita”: uma novidade radical é impossível na história, a qual manifesta um progres-
so contínuo do espírito humano, desde o estado em que o homem era apenas superior ao macaco ao estado
moderno, em que a ciência e a indústria lhe indicam caminhos para a plena realização da sua humanidade.
É preciso ajudar esta lutando contra o que retarda a sua marcha: a desordem, no duplo sentido do termo,
anarquia social e ausência de hierarquia (confusão de todos os planos da realidade), “ordem” significando
ao mesmo tempo comando e hierarquia. O progresso não destrói a ordem, mas é seu desenvolvimento.
“Ordem e Progresso” é a divisa do positivismo, selando seu grandioso projeto de “instituir a humanidade”, de
estabelecê-la em bases sólidas e organizá-la de acordo com seus fins.

(BARAQUIN, Noëlla; LAFFITTE, Jacqueline. Dicionário universitário dos filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 70.)

1. De acordo com o texto lido, qual é o mais real de todos os seres para os positivistas?
O mais real de todos os seres, para os positivistas, é a humanidade, tanto as gerações passadas, que não estão mais vivas,

quanto as gerações futuras, que ainda estão por vir.

2. Conforme o texto, por que novidades radicais são impossíveis na história dentro da perspectiva positivista?
Você concorda com esse ponto de vista? Justifique sua resposta.
Porque as novidades radicais perturbam a ordem e, consequentemente, o progresso. Como os positivistas entendem a história
como um processo evolutivo, de um estado mais primitivo para outro mais civilizado, não é possível que novidades radicais
venham a surgir, causando “involuções”, já que o progresso máximo seria atingido pela ciência e tecnologia.

Os alunos devem expressar suas opiniões pessoais a respeito do ponto de vista positivista.

3. Qual o papel da ciência e da indústria (tecnologia) no progresso da história, segundo os positivistas?


Tanto a ciência quanto a indústria seriam responsáveis por conduzir a humanidade a uma situação cada vez melhor rumo à

perfeição, pois, por meio delas, seria possível controlar e organizar a sociedade.

Lightspring/Shutterstock
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Resolvidos 2. Explique o que significa a expressão presente na bandeira brasileira
– Ordem e Progresso – para o positivismo.
1. (Fuvest) Com efeito, a política científica evidencia que a separação
Está relacionada às divisões da Sociologia propostas por Comte em Estática
entre o poder espiritual e o poder temporal é a condição indispen- social e dinâmica social. A parte estática da Sociologia busca compreender as
sável de toda Ordem e de todo Progresso na sociedade moderna. bases que propiciam o surgimento e a organização da sociedade. Essa parte
estuda, portanto, a relação entre os homens, o núcleo familiar e a divisão
(LEMOS, Miguel. Rio de Janeiro, 1890.)
do trabalho e está relacionada ao estudo da Ordem da sociedade. A parte
dinâmica da Sociologia busca a significação das condições que explicam o
As afirmações apresentadas no texto correspondem às ideias: desenvolvimento da sociedade por meio dos três estágios: teológico, metafí-
a) evolucionistas. sico e positivo. Portanto ela estuda o Progresso da sociedade.
b) positivistas.
c) católicas. 3. Qual é o princípio básico do utilitarismo de Stuart Mill?
d) românticas. Para Stuart Mill, o grande fundamento da moral é a busca do homem pelo
e) republicanas. prazer. No entanto, esse prazer não está relacionado apenas à satisfação de
prazeres do corpo e, portanto, a um tipo de hedonismo. É o prazer relaciona-
 Resposta: B do à busca pela felicidade, tanto individual quanto coletiva.
a) Incorreto. As ideias evolucionistas foram elaboradas por Darwin e
dizem respeito à evolução das espécies por meio da seleção natural.
b) Correto. O positivismo defende a ideia de que a ordem e o pro- Desenvolvendo Habilidades
gresso da sociedade se dão por meio da ruptura entre o poder
espiritual (transcendente) e o temporal (real). 1. C3:H11 (Enem-2015) O filósofo Auguste Comte
(1798-1857) preenche sua doutrina com uma imagem
c) Incorreto. As ideias católicas defendem a palavra de Cristo como do progresso social na qual se conjugam ciência e po-
enviado de Deus para salvar os homens. lítica: a ação política deve assumir o aspecto de uma
d) Incorreto. O romantismo é um movimento que abrange diversas ação científica e a política deve ser estudada de maneira científica
áreas do conhecimento, como a literatura, o teatro, a música e a (a física social). Desde que a Revolução Francesa favoreceu a inte-
Filosofia, e caracteriza-se pela idealização dos fatos, pelo nacio- gração do povo na vida social, o positivismo obstina-se no progra-
nalismo, naturalismo etc. ma de uma comunidade pacífica. E o Estado, instituição do “reino
e) Incorreto. As ideias republicanas defendem o fim da monarquia absoluto da lei”, é a garantia da ordem que impede o retorno po-
e o início da República, em que o governante pode ser escolhido tencial das revoluções e engendra o progresso.
por meio do voto (direto ou indireto). (RUBY, C. Introdução à filosofia política. São Paulo: Unesp, 1998. Adaptado.)

2. (IFRN) De acordo com Auguste Comte, no seu Curso de Filosofia A característica do Estado positivo que lhe permite garantir não
Positiva, cada uma das nossas concepções principais, cada ramo só a ordem, como também o desejado progresso das nações, é ser
de nossos conhecimentos, tudo isso enquanto escalada do conhe-
a) espaço coletivo, onde as carências e desejos da população se
cimento humano, passou por três estágios históricos diferentes,
realizam por meio das leis.
a saber:
b) produto científico da física social, transcendendo e transfor-
a) estado teológico, metafísico e científico.
mando as exigências da realidade.
b) estado fictício, do senso comum e positivo.
c) elemento unificador, organizando e reprimindo, se necessário,
c) estado abstrato, cético e positivo. as ações dos membros da comunidade.
d) estado fictício, abstrato e metafísico. d) programa necessário, tal como a Revolução Francesa, devendo,
 Resposta: A portanto, se manter aberto a novas insurreições.
Para Comte, os três estágios de desenvolvimento das sociedades e) agente repressor, tendo um papel importante a cada revolução,
humanas são: por impor pelo menos um curto período de ordem.
• Teológico: predomina a crença em forças sobrenaturais que 2. C1:H3 (Unifesp) [...] a multiplicação dos confortos materiais; o avan-
regem o funcionamento do mundo. ço e a difusão do conhecimento; a decadência da superstição; as fa-
• Metafísico: estágio em que as sociedades humanas passam a re- cilidades de intercâmbio recíproco; o abrandamento das maneiras;
fletir sobre sua história, seus feitos, criando assim ideias abstratas. o declínio da guerra e do conflito pessoal; a limitação progressiva
• Positivo: seria o estágio mais avançado que a sociedade tecno- da tirania dos fortes contra os fracos; as grandes obras realizadas
lógica poderia alcançar. em todos os cantos do globo graças à cooperação de multidões.

Portanto, a alternativa correta é a letra A. (MILL, Stuart, 1830.)

O texto apresenta uma concepção


Praticando a) de progresso, que foi dominante no pensamento europeu,
tendo chegado ao auge com a belle époque.
1. Segundo Comte há uma lei que explica as fases de desenvolvimento b) da evolução da humanidade, a qual, por seu caráter pessimista,
de uma sociedade. Cite qual é essa lei e explique-a. foi desmentida pelo século XX.
Comte refere-se à lei dos “três estágios”, que divide o percurso da humanida- c) positivista, que serviu de inspiração a Charles Darwin para
de em três momentos: o teológico, o metafísico e o positivo. No primeiro es- formular sua teoria da evolução natural.
tágio, o homem entende o mundo a partir da crença em seres sobrenaturais
que criam os fenômenos. No estágio metafísico, o homem passa a entender d) relativista das culturas, a qual considera que não há superiori-
as coisas por meio de conceitos, ideias e abstrações. O terceiro estágio dade de uma civilização sobre outra.
do progresso da humanidade é o próprio positivismo, em que o homem
compreende ser capaz de entender e inclusive prever os fenômenos naturais.
e) do desenvolvimento da humanidade que, vista em perspectiva
histórica, revelou-se profética.
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Nessa etapa ultrapassa-se a barreira do abstrato para adentrar a própria


realidade dos fatos. Busca-se agora a compreensão de seu funcionamento.

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3. C1:H1 (UEL) Analise a figura a seguir. Complementares
1. (UEG-2013) A Sociologia nasce no séc. XIX após as revoluções bur-
guesas sob o signo do positivismo elaborado por Augusto Comte.
As características do pensamento comtiano são:
a) A sociedade é regida por leis sociais tal como a natureza é
regida por leis naturais; as ciências humanas devem utilizar
os mesmos métodos das ciências naturais e a ciência deve
ser neutra.
b) A sociedade humana atravessa três estágios sucessivos de
evolução: o metafísico, o empírico e o teológico, no qual pre-
domina a religião positivista.
c) A Sociologia como ciência da sociedade, ao contrário das
ciências naturais, não pode ser neutra porque tanto o sujeito
quanto o objeto são sociais e estão envolvidos reciprocamente.
d) O processo de evolução social ocorre por meio da unidade
entre ordem e progresso, o que necessariamente levaria a uma
sociedade comunista.
(NOVAES, Carlos Eduardo. Capitalismo para 2. (FUNCAB-2014) O filósofo liberal John Stuart Mill, um dos principais
principiantes. São Paulo: Ática, 1995. p.123.)
expoentes do utilitarismo, colocou a liberdade como a “pedra de
A figura ilustra, por meio da ironia, parte da crítica que a perspectiva toque” de sua teoria política. Esta se baseia no princípio de que:
sociológica baseada nas reflexões teóricas de Karl Marx (1818-1883) a) Os interesses da maioria não podem ser conciliados com os
faz ao caráter ideológico de certas noções de Estado. Sobre a rela- da minoria, já que no sistema democrático esta é governada
ção entre Estado e sociedade segundo Karl Marx, é correto afirmar: por aquela.
a) A finalidade do Estado é o exercício da justiça entre os homens b) A esfera da liberdade individual deve ser ampliada, em nome
e, portanto, é um bem indispensável à sociedade. do interesse próprio, a despeito de causar danos à sociedade
b) O Estado é um instrumento de dominação e representa, como um todo.
prioritariamente, os interesses dos setores hegemônicos das c) A liberdade se restringe ao direito do indivíduo de participar
classes dominantes. como cidadão dos negócios públicos (do Estado), através da
c) O Estado tem por finalidade assegurar a felicidade dos cidadãos elaboração da lei.
e garantir, também, a liberdade individual dos homens. d) O governo deve visar à felicidade para um número cada vez
d) O Estado visa atender, por meio da legislação, a vontade geral maior de pessoas.
dos cidadãos, garantindo, assim, a harmonia social. e) A liberdade, entendida como a não interferência do Estado
e) Os regimes totalitários são condição essencial para que o na esfera privada, é inconciliável com a igualdade entre os
Estado represente, igualmente, os interesses das diversas indivíduos na esfera pública.
classes sociais. 3. (UEG-2015) Para Marx, diante da tentativa humana de explicar a
4. C1:H1 (Enem-2013) Na produção social que os homens realidade e dar regras de ação, é preciso considerar as formas de
realizam, eles entram em determinadas relações conhecimento ilusório que mascaram os conflitos sociais. Nesse
indispensáveis e independentes de sua vontade; tais sentido, a ideologia adquire um caráter negativo, torna-se um
relações de produção correspondem a um estágio instrumento de dominação na medida em que naturaliza o que
definido de desenvolvimento das suas forças materiais de deveria ser explicado como resultado da ação histórico-social
produção. A totalidade dessas relações constitui a estrutura dos homens, e universaliza os interesses de uma classe como
econômica da sociedade — fundamento real, sobre o qual se interesse de todos. A partir de tal concepção de ideologia,
erguem as superestruturas política e jurídica, e ao qual constata-se que
correspondem determinadas formas de consciência social. a) a sociedade capitalista transforma todas as formas de cons-
ciência em representações ilusórias da realidade conforme os
(MARX, K. Prefácio à Crítica da economia política. In: MARX, K.; ENGELS,
F. Textos 3. São Paulo: Edições Sociais, 1977. Adaptado.) interesses da classe dominante.
b) ao mesmo tempo que Marx critica a ideologia ele a considera
Para o autor, a relação entre economia e política estabelecida no um elemento fundamental no processo de emancipação da
sistema capitalista faz com que classe trabalhadora.
a) o proletariado seja contemplado pelo processo de mais-valia. c) a superação da cegueira coletiva imposta pela ideologia é um
b) o trabalho se constitua como o fundamento real da produção produto do esforço individual principalmente dos indivíduos
material. da classe dominante.
c) a consolidação das forças produtivas seja compatível com o d) a frase “o trabalho dignifica o homem” parte de uma noção
progresso humano. genérica e abstrata de trabalho, mascarando as reais condições
d) a autonomia da sociedade civil seja proporcional ao desenvol- do trabalho alienado no modo de produção capitalista.
vimento econômico.
e) a burguesia revolucione o processo social de formação da
consciência de classe.
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4. (UFU) Leia o fragmento a seguir, de Karl Marx.
“Com o próprio funcionamento, o processo capitalista de produção
reproduz, portanto, a separação entre a força de trabalho e as con-
dições de trabalho, perpetuando, assim, as condições de exploração
do trabalhador. Compele sempre o trabalhador a vender sua força
de trabalho para viver, e capacita sempre o capitalista a comprá-la.”
(MARX, K. O capital. Tradução de: SANT’ANNA, Reginaldo. 11.
ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987. p. 672. v. II., livro I.)

De acordo com o filósofo alemão, a condição do trabalhador na


economia capitalista clássica é:
I. de realização plena da sua capacidade produtiva, alcançando a
autonomia financeira e a satisfação dos valores existenciais tão
almejados pela humanidade, desde os primórdios da história.
II. de alienação, pois os trabalhadores possuem apenas sua ca-
pacidade de trabalhar, que é vendida ao capitalista em troca
do salário, por isso, a produção não pertence ao trabalhador,
sendo-lhe estranha.
III. de superação da sua condição de ser natural para tornar-se ser
social, liberto graças à divisão do trabalho, que lhe permite o
desenvolvimento completo de suas habilidades naturais na
fábrica.
IV. de coisa, isto é, o trabalhador é reificado, tornando-se merca-
doria, cujo preço é o salário, ao passo que as coisas produzidas
pelo trabalhador, na ótica capitalista, parecem dotadas de
existência própria.
Assinale a alternativa que apresenta as assertivas corretas.
a) II e IV.
b) I e II.
c) II e III.
d) III e IV.

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A passagem do século
XIX para o século XX
Arthur Schopenhauer • Friedrich Nietzsche • Henri Bergson
Filosofia
mód. 05/08

05
Filosofia
contemporânea:
passagem do
século XIX para
o século XX

START
Observe a imagem, leia o poema e responda às questões.
Nesta abertura, a proposta
é abrir uma troca de ideias
sobre o sofrimento, tendo ACORDAR VIVER
o poema de Drummond
e a obra de Munch como Como acordar sem sofrimento?

aboikis/Shutterstock
disparadores. Após realizar
a leitura de ambos, lançar Recomeçar sem horror?
as perguntas propostas
para a turma, aguardando O sono transportou-me
que voluntários busquem àquele reino onde não existe vida
respostas para as questões.
Enfatizar que o diálogo filo- e eu quedo inerte sem paixão.
sófico está aberto a ideias
convergentes e, também, às Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
divergentes, portanto, pode
não haver um ponto de vista a fábula inconclusa,
único sobre o assunto, assim suportar a semelhança das coisas ásperas
como pode, também, haver
uma concordância parcial de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
ou total nas opiniões. De
qualquer maneira, cada Como proteger-me das feridas
voluntário que se manifestar
deve apresentar opiniões que rasga em mim o acontecimento,
pessoais a respeito, cabendo qualquer acontecimento
a você intermediar com
outras ideias, que devem que lembra a Terra e sua púrpura
ser solicitadas aos outros
alunos, de forma que todos demente?
possam expressar seus
pontos de vista. Ao final da E mais aquela ferida que me inflijo
troca de ideias, solicitar o a cada hora, algoz
registro escrito das conclu-
sões individuais, chamando do inocente que não sou? MUNCH, Edvard. Angústia.
Angústia 1896. Impressão
a atenção dos alunos para
o formato diferenciado do Ninguém responde, a vida é pétrea. sobre madeira. 49 x 40 cm. MoMA, (EUA).
espaço de registro. Sugerir
que, nos espaços menores,
sejam registradas ideias
soltas ou palavras-chave (ANDRADE, Carlos Drummond de. Farewell. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p. 12.)
que auxiliem na redação
da conclusão final de cada 1. A vida humana é feita de sofrimentos?
aluno.
2. Quais são os dois maiores sofrimentos da existência humana?
3. Existe um sofrimento pior do que outro?
4. Quando não há sofrimento, qual a sensação que normalmente você sente?
5. Existem ações capazes de cessar o sofrimento? Se sim, quais? Se não, por quê?
6. O sofrimento é inevitável?
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Neste capítulo serão estudados aqueles pensadores que contribuíram para abrir passagem Observe
à Filosofia do século XX: Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche e Henri Bergson. Com esses
Este momento filosófico
autores, o ser humano concreto, identificado no aqui e agora do mundo, passa cada vez mais a
acompanha a caminhada
ser o ponto de partida filosófico. Isto é, aos poucos a concepção filosófica que reinava no mundo da ciência e de seu impacto
moderno, de como era possível ao ser humano conhecer e desvelar a realidade, passa a ser subs- na humanidade. Em um
tituída por algo mais prático e concreto: a existência. Como o ser humano deve agir no mundo? primeiro momento, a ciência
Ética, valores, metafísica, entre outros conceitos filosóficos se mesclam na tentativa desses pen- era a resposta definitiva ao
problema do conhecimento.
sadores em conceber a finalidade da existência humana. O ser humano poderia
conhecer tudo e encontrar

Arthur Schopenhauer
o caminho para a felicidade
por meio das ciências. Um
bom exemplo que ilustra
este momento é o positivis-
Marx já havia criticado a Filosofia em geral por reduzir-se
mo de Comte, doutrina em
a discurso ideológico que, embora buscasse encontrar a ver- que toda e qualquer forma
dade, sempre se limitava a defender posições e interesses da de conhecimento deveria
classe dominante, que seria aquela que detém o poder. Dessa ser científica. No entanto,
forma, a Filosofia perderia seu caráter grandioso para se tor- com os filósofos deste ca-
pítulo, começa-se a chegar
nar instrumento de alienação do povo. ao entendimento de que as
Schopenhauer não envereda por esse viés político-social ciências foram incapazes de
de modo tão enfático, porém sua crítica à filosofia hegeliana responder ao anseio natural
do ser humano em querer
segue linha semelhante ao afirmar que Hegel construiu seu saber quem é, porque existe,
pensamento tendo em vista os interesses do Estado prussia- para onde deve ir etc. É
no, instituição que o assistia. Schopenhauer dizia que a ver- possível notar a passagem
dade professada por Hegel era uma “verdade remunerada”, da ciência objetiva, positiva,
para uma forma de conheci-
ou seja, era escrita sob encomenda. A Filosofia não poderia
mento mais subjetiva.
se rebaixar a esse ponto, de tal forma que ele apresenta a
sua “verdade não remunerada” na obra O Mundo como vonta-
de e como representação, ou seja, não uma verdade visando a Demonstrar aos alunos
Arthur Schopenhauer. interesses pessoais, mas a própria verdade. esta relação entre sujeito,
objeto e representação. Peça
A tese inicial da obra demonstra que o mundo inteiro é representação do sujeito: para que algum deles fale
o nome de algum objeto da
sala, por exemplo, “lápis”.
Imediatamente, todos aque-
les que ouvem essa palavra
“‘O mundo é minha representação’. Esta é uma verdade que vale em relação a cada ser que vive e conhece, imaginam um lápis, que é
embora apenas o homem possa trazê-la à consciência refletida e abstrata. E de fato o faz. Então nele apa- uma representação do lápis
rece a clarividência filosófica. Torna-se-lhe claro e certo que não conhece o Sol algum e terra alguma, mas concreto. Portanto, todas
as interpretações, relações,
sempre apenas um olho que vê um Sol, uma mão que toca uma terra. Que o mundo a cercá-lo existe apenas compreensões que estejam
como representação, isto é, tão somente em relação a outrem, aquele que representa, ou seja, ele mesmo.” relacionadas ao lápis sem-
pre serão feitas com base
nesse lápis imaginário e não
(SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução de: BARBOZA, Jair. São Paulo: Unesp, 2005.) em um lápis real.

Tudo que existe no mundo é representação, ou seja, é a interpretação de cada sujeito sobre o
objeto analisado. O Sol existe para mim porque eu o vejo, assim como todas as coisas existem por-
que entro em contato com elas. Percebe-se a influência do argumento kantiano sobre o fenômeno,
que demonstra que apenas é possível conhecer o objeto como ele se manifesta para nós, ou seja, Glossário
como fenômeno, e não a coisa em si (noumenon). A teoria do conhecimento na Filosofia Moderna
em grande parte apoia-se neste fundamento, de que os objetos externos que conhecemos depen- Dicotomia: qualquer divisão
de um conceito em apenas
dem, sobretudo, da imagem que temos deles em nossa própria consciência. dois componentes, geral-
Descartes duvidou de que todo o mundo externo poderia ser nossa imaginação. Locke afir- mente opostos em algum
mou que é possível conhecer por meio de ideias, que nascem como percepções sensíveis, mas aspecto (ex.: sujeito/objeto;
democracia/ditadura; ama-
que depois são construídas intelectualmente em nossas consciências. Parece ser inquestionável, dorismo/profissionalismo).
para os modernos, que todo o conhecimento sustenta-se na dicotomia sujeito e objeto. O objeto
A coisa em si é a coisa
nunca é independente, ele é objeto porque um sujeito o conhece. em sua própria realidade
Para Schopenhauer todos os objetos existem para o sujeito mediante as categorias do tempo, independentemente do ser
humano, que, segundo Kant,
espaço e da causalidade. Isto é, todos os objetos os quais fazemos representações devem estar em
não pode ser apreendida
um lugar e momento e devem seguir a regra das causas e efeitos, de forma que um objeto, para pelas pessoas.
existir, precisa ter sido posto por outro em um tempo e espaço.
Todo o mundo é minha representação e não um mundo real dos objetos em si mesmos. Isso
significa que o mundo é fenômeno. Como sabemos, Kant também defendeu tal tese. Porém
Schopenhauer aqui discorda, pois para ele o ser humano pode conhecer para além dos fenôme-
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nos e representações, ou seja, ele pode conhecer a própria coisa em si. Essa é a argumentação
da segunda parte da obra O mundo como vontade.

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O ser humano sente que vive em um mundo como representação pela utilização dos sentidos,
pelo corpo. Porém, nesse momento, percebe-se que todo movimento, por mais que seja apenas
fenômeno, foi gerado por algo, ocorreu devido a uma vontade, que é a força essencial presente
em qualquer movimento no mundo. Há uma vontade biológica que produz a evolução dos seres
vivos, assim como há uma vontade que permeia a construção de um prédio. Tudo o que é fenô-
meno, deve ser fenômeno de alguma coisa e essa coisa se revela como vontade.
Nas pessoas, nos animais, nas plantas, no próprio mundo, tudo se gera, se movimenta e
vive porque há uma vontade invisível que permite. Sem essa vontade primordial, nada existiria.
Existem forças físicas, químicas e biológicas que explicam como funciona o Universo. Mas por que
essas leis funcionam? Por que essas forças existem? Porque há uma vontade por trás que as gera.
A vontade impulsiona o movimento da própria natureza e a vontade é cega, livre, sem objetivo e
irracional. Ou seja, não há um plano pensado nessa vontade, mas apenas livre movimento que dá
vida a todas as coisas.
A existência humana situa-se em um mundo movido pela vontade irracional, que sempre as-
pira a mais, sempre exige manutenção e proliferação da vida. A natureza é uma enorme cadeia de
seres movida pela vontade rumo a uma evolução infinita. A vida humana é contínua aspiração ao
Observe próprio crescimento. É por isso que todo indivíduo vive sempre um estado angustiante, porque
Um dos grandes exemplos quanto mais se desenvolve, mais deseja seguir se desenvolvendo.
de experiência estética Essa vontade de crescimento é insaciável, de tal forma que só pode trazer dor e sofrimento ao
ocorre com a música. Ao
ser humano. A existência humana não tem um sentido delimitado, apenas a busca pela satisfação
ouvirmos uma música,
ela imediatamente nos dos desejos.
transporta a uma sensação, O sofrimento está no querer, pois enquanto o ser humano quer algo é porque a carência do
um sentimento, que para objeto que ele deseja lhe traz sofrimento. E como o ser humano nunca poderá deixar de querer,
Schopenhauer é a possibili-
dade de entrar em contato está destinado a sofrer. Com isso, entende-se que a saída desse estado de sofrimento somente se
com a vontade criadora das fará mediante o deixar de querer, que, para Schopenhauer, seria possível por meio de uma postura
coisas. ética diante da vida, assim como pela contemplação das obras de arte.

REMBRANDT. O rapto de Europa. 1632. Óleo sobre tela. 64,6 x 78,7 cm. Getty Center, Los Angeles (EUA).
A contemplação da obra de arte propicia ao ser humano momentos em que ele se distancia do querer incessante da vontade.
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A experiência estética possibilita ao sujeito eliminar o querer incessante, mergulhar comple-


tamente na pura contemplação, de modo que o intelecto abstém-se de buscar incessantemente
modos de satisfazer a vontade insaciável.

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Porém, a experiência estética proporciona momentos de eliminação do desejar, mas não a ne- Glossário
gação completa da vontade, que é o ponto culminante da ética de Schopenhauer. Um exemplo da
Asceta é aquele que nega
negação da vontade seria o asceta, tal como os santos cristãos e sábios budistas. O asceta nega a
todos os desejos, toda a
vontade de viver e distancia-se de questões mundanas. Ele se retira do “jogo da vida” porque com- condição natural visando
preendeu que a vida é a busca pela eterna satisfação da vontade e, por esse motivo, é sofrimento. uma meta espiritual.
A visão trágica da existência humana de Schopenhauer influenciará outro grande filósofo: Niilismo: redução ao nada;
Nietzsche. não existência. Atitude inte-
lectual que considera as ver-
dades e valores tradicionais

Friedrich Nietzsche como sendo desprovidos


de sentido e utilidade. Em
sentido figurado: absoluta
Friedrich Nietzsche concorda que a exis- falta de crença. Na filosofia,

Friedrich Hartmann/W.Commons
é representado pela dou-
tência humana é trágica, a ponto de demons-
trina segundo a qual não
trar ser esta a beleza dos gregos antes de existe nada de absoluto. Na
Sócrates, sobretudo os grandes tragediógra- política, é representado pela
fos. Contudo, ainda que a vida seja trágica, ela doutrina segundo a qual a
deve ser vivida com um “sim”, com ação, e não sociedade só poderá ser re-
formada após sua completa
resignação e derrota. Nietzsche sentia-se um destruição.
profeta de uma nova era, aquele que anun-
ciaria a transformação dos valores e a neces-
sidade urgente do super-homem. Suas críticas
ferozes atingirão o positivismo, o cristianismo,
o romantismo e vários outros pensadores que
ajudaram a construir uma moral do ressenti-
mento, da submissão e de negação à vida.
Nas obras Além do bem e do mal e A gene-
alogia da moral, Nietzsche investiga a origem
da moral ocidental, revelando os traços que
exaltam uma moral do ressentimento e da
compaixão, uma moral de vencidos e que, por
Saiba mais
isso, precisam ir contra os vencedores. Nessa
análise Nietzsche diferencia uma “moral de se- O advento do cristianismo
Friedrich Nietzsche. nhores” de uma “moral de escravos”: reforçará essa direção com
o espírito do sacrifício e da
submissão, com o pecado
e a culpa, com o supremo
“Enquanto toda a moral aristocrática nasce de uma triunfante afirmação de si mesma, a moral dos escravos
paradoxo do “deus morto”,
opõe um ‘não’ a tudo o que não é seu, a um de outro modo, a um não ele mesmo; esse ‘não’ é seu ato criador. Cristo, o “crucificado”,
Essa mudança total do ponto de vista dos valores – essa orientação necessária para o exterior em lugar do como Nietzsche se refere
retorno a si mesmo – evidencia precisamente ressentimento: a moral dos escravos necessitou sempre, em pri- a ele. Nossa cultura seria
meiro lugar, para emergir de um mundo oposto e exterior, em termos fisiológicos, de estimulantes externos fraca e decadente devido
ao predomínio das “forças
para simplesmente agir – sua ação é fundamentalmente reação.” reativas” que a construíram.
A verdade e a moral são os
(NIETZSCHE, Friedrich. A genealogia da moral. Tradução de: BRAGA, Antonio Carlos. São Paulo: Escala, 1998.) instrumentos que os fracos
inventaram para submeter e
Enquanto os senhores exaltam o individualismo, a coragem e a generosidade, os escravos pregam controlar os fortes, os guer-
a submissão e o ressentimento. Assim, por exemplo, celebram a figura do asceta, que, ao fugir do reiros. A tradição ocidental é
resultado desse processo.
mundo e renegar toda a condição material, parece ser livre de si e dos outros, quando na verdade
O objetivo de Nietzsche
utiliza dessa conduta negadora justamente para agredir e dominar os outros. Grande parte da fun-
é, assim, duplo: revelar e
damentação dessa moral de escravos está no cristianismo, que honra valores como a compaixão e a criticar esse processo; e res-
submissão ao outro, e ainda defende a existência de um mundo sobrenatural superior à Terra, o que taurar os valores primitivos
reforça ainda mais a atitude de rejeição aos valores terrenos, os únicos verdadeiros. Nietszche quer perdidos. Seu estilo icono-
trazer a moral de volta à Terra, uma moral ligada à saúde, vitória e coragem. clasta e irônico – “fazer filo-
sofia com um martelo” – é
No fundo, a moral ocidental, em sua raiz, é instrumento para transformar os indivíduos em sub- a forma pela qual pretende
missos à autoridade. Uma investigação profunda revelará que os valores não se justificam por si só, escapar da maneira tradicio-
nem mesmo aquelas “verdades imutáveis” proferidas por séculos, como a existência de uma ordem e nal de filosofar, criando um
novo estilo filosófico. Seu
finalidade no mundo, por exemplo. Diante de tantas mentiras, o ser humano cai em um enorme vazio, interesse pela música de
pois ao perder tais conceitos, valores, e inclusive Deus, só resta o nada, o abismo: niilismo. E nesse Wagner, com quem depois
nada o ser humano encontra-se só, mas também entende que não existe finalidade nem sentido na rompeu, pela poesia épica,
existência e no mundo; há apenas uma vontade que movimenta a história e todas as coisas. E é pre- pelos mitos germânicos visa
contrapor-se à racionalidade
ciso aprender a amar essa condição, porque é a única real, é preciso amar o mundo em sua ausência
filosófica e à moral cristã.
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de sentido. Isso significaria dizer “sim” à vida, aceitá-la em sua verdade. (MARCONDES, Danilo. Iniciação à his-
tória da filosofia: dos pré-socráticos
a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar,
2007. p. 249.)

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Porém isso não significa que não exista um

Maxim Maksutov, iku4/Shutterstock


Importante
sentido na existência humana. Esse sentido
O super-homem de existe e seria o do homem terreno se tornar
Nietzsche não possui
relação com o herói dos um super-homem, ou o além-do-homem. Com a
quadrinhos, ou algum outro morte do cristianismo e de Deus, caem todos
tipo de herói. O super- os valores pretensamente sobrenaturais, res-
-homem de Nietzsche é um tando apenas a Terra.
tipo de homem superior que
é responsável pela própria O super-homem precisa ser um novo ho-
vida, não entregando as mem, um “além do homem”, substituindo a
rédeas de sua existência moral do ressentimento do “tu deves” pelo “eu
a uma instituição externa.
quero”, isto é, valores que reforcem a condição
O super-homem é aquele
que transcendeu as morais autônoma e responsável do homem. O super-
existentes em seu mundo. -homem é livre, age por coragem e não por
submissão a outro. O super-homem precisa
ser corajoso o suficiente para não mais se esconder e ser capaz de criar seus próprios valores e
praticá-los. Trata-se de uma atitude de renúncia à servidão, à fraqueza e às mentiras. O homem é
um ser terreno, e precisa aprender a cultivar valores terrenos. Além de tudo, o homem é inteligen-
te e capaz de grandes feitos, não podendo mais ser limitado a obedecer servilmente os desejos de
outros. A autonomia existencial é condição indispensável para o super-homem.

Observe
Henri Bergson
Henri Bergson, grande expoente do espiritualismo evolucio-
Henri Manuel/Library of Congress

Yuri Gagarin foi o primeiro


homem enviado ao espaço. nista na Filosofia, segue uma linha bastante diversa da filosofia
Ao avistar a Terra, a primeira
trágica de Schopenhauer e Nietzsche. Seu pensamento exer-
frase que pronunciou, extasia-
do, foi: “A Terra é azul!”. Um ceria grande influência na passagem da Filosofia Moderna à
momento como esse na vida Filosofia Contemporânea.
de Gagarin não pode ter o
mesmo valor que um momen- Um dos principais argumentos de sua filosofia é a questão
to qualquer de sua vida. da consciência ou vida que, por ser uma energia criadora em
constante atividade, não pode ser reduzida à matéria. Com isso,
Mike Trukhachev/Shutterstock

Bergson efetua uma crítica consistente ao positivismo.


Exemplo de limitação da visão positivista é a ideia de tempo,
a qual consistiria em redução mecânica, como se a duração fosse
uma sequência de instantes uns após os outros. A ideia de tempo
para os positivistas remete à ideia sequencial do ponteiro de um
relógio. Porém, a consciência percebe o tempo como duração,
Henri Bergson. na qual o presente é lembrança do passado e espera do futuro.
O tempo mecânico é sempre igual, de modo que os instantes variam apenas quantitativamen-
te. Já para a consciência, na qual o tempo como duração nunca se repete, pois cada instante é
novidade, há sempre diferença qualitativa. Há momentos que se tornam eternos, que passam a
representar sentimentos, valores e emoções que repercutem de tal forma na vida do indivíduo
Glossário que não podem ser igualados a qualquer instante.
Devir é o vir-a-ser, a cons- A ideia de duração como o tempo percebido pela consciência, na condição que transcende o
tante mudança. Significa mecanicismo, é o fundamento para a liberdade em Bergson. Para a consciência, todo o seu passa-
o contínuo movimento de
do permanece vivo e influenciando o presente, de modo que a vida da consciência é eterno devir,
transformação.
pois sendo os momentos todos diferentes, nada passa a ser previsível.
Em outras palavras, a história dos acontecimentos é sempre a história da consciência. Não
há determinismo, se em cada instante há a vontade da consciência, a cada momento o “eu” pode
modificar as decisões e traçar novos caminhos.

“Então, quando se afirma que os nossos atos dependem do nosso caráter, não se está dizendo outra coisa
senão que eles dependem de nós, do que somos, ou melhor, do que nos tornamos. Se coincidimos com o que
somos, então somos livres. É verdade que os nossos atos nem sempre brotam da raiz profunda do nosso eu:
eles frequentemente são hábitos e, enquanto tais, mostram-se mecanizados e previsíveis como os fenômenos
externos. Neles, portanto, não somos livres. Mas, se os nossos atos brotam do profundo de nós mesmos, se
expressam a totalidade de nossa pessoa, a sua liberdade é indubitável. Quanto mais ficamos na superfície e
nos assemelhamos às coisas, mais as nossas ações tornam-se previsíveis; quanto mais descemos à profundi-
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dade, mais somos nós mesmos e mais são imprevisíveis as nossas ações”.

(REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia antiga. São Paulo: Paulus, 1990. v. 3.)

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A dinâmica da consciência introduz uma das ideias mais célebres de Bergson: a evolução cria-
dora. A vida é evolução criadora, é impulso livre e imprevisível em constante movimento. Nessa
fluidez do movimento, a matéria surge somente quando o impulso vital se paralisa. Para Bergson,
a vida é energia sempre em movimento, por isso não é matéria. Quando se torna matéria (pedra,
água, ser humano, fogo etc.), é porque aquela energia foi paralisada em um espaço e tempo. Com
isso, Bergson demonstra que a realidade do mundo é muito mais profunda e misteriosa do que
pensamos, e a consciência, por ser energia e estar em contato com o impulso vital, é capaz de
intervir na evolução criadora.
Essa evolução criadora gera tudo o que existe no mundo, inclusive o processo de desenvol-
vimento das espécies vivas. Entre as tantas espécies, algumas se revelam mais inteligentes que
as outras. No ser humano, a evolução criadora gerou duas formas de conhecer algo: o instinto e
a inteligência, duas faculdades que utilizam meios diferentes para conhecer, mas que podem se
tornar complementares.
O instinto está ligado aos órgãos naturais, já a inteligência, à capacidade de criar relações,
ideias, conceitos. O instinto é inconsciente, enquanto a inteligência é consciente. Quando agimos
por instinto, muitas vezes nem nos damos conta disso, já pela inteligência isso não pode ocorrer,
pois o indivíduo sabe que está pensando.
O instinto conhece objetos, enquanto a inteligência apenas relações entre objetos. Pelo instin-
to eu desejo a maçã, desejo correr etc. Por meio da inteligência, eu entendo o que é uma maçã, ou
seja, uma ideia sobre um objeto. Por isso ambos são limitados. Assim surge um dilema: há coisas
que a inteligência não pode entender, pois não vão direto à coisa mesma; enquanto outras o ins-
tinto, embora pudesse entendê-las, não as encontrará nunca, pois não consegue procurá-las, já
que é inconsciente.
Contudo, a inteligência nunca está completamente separada do instinto, e quando o encontro
acontece, temos o momento da intuição. A intuição nos leva ao interior do objeto, revela-nos o Biografia
que ele tem de essencial e inexprimível. A intuição entra no interior da vida, e conhece a verdade
Edmund Husserl (1859- 1938)
dos objetos tal como são na dinâmica da evolução criadora.
foi um filósofo e matemático
O filósofo alemão Edmund Husserl enaltece a intuição e a metafísica como acesso do ser alemão que evidenciou a
humano ao que existe de mais sagrado e elevado no interior da vida. A preocupação em remeter crise das ciências no início
do século XX, em que o ser
o ser humano ao interior da vida se tornará uma discussão impactante e altamente profunda na
humano havia estudado
Filosofia do século XX. tanto o meio externo que
esqueceu de si mesmo.

Mesmo a consciência nunca consegue entender o objeto em si mesmo, pois, como


afirmaria o próprio Bergson “mil fotos de Paris não são Paris”.

ESB Professional, rotto/Shutterstock


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FILOSOFIA E ARTE

A RELAÇÃO ENTRE VONTADE E ARTE NA


Filmes
FILOSOFIA SCHOPENHAUERIANA
Schopenhauer defende a tese de que o modo de conhecimento puramente estético manifesta-se nas
pessoas que conseguem suprimir momentaneamente o seu querer interior, cessando completamente essa
relação ilusória (o véu de maia) entre o sujeito que intui e o objeto intuído. Assim, a fruição estética se
dá epistemologicamente no momento em que o sujeito desprende-se das suas particularidades e o objeto
revela-nos apenas o essencial do mundo. A obra de arte do gênio artístico é considerada a via de acesso para
a contemplação imediata do arquétipo imorredouro do mundo, seja a arquitetura, a pintura a poesia ou a
música. Isso acontece porque há uma transição do conhecimento comum para o conhecimento estético.
Aquele que capta o mundo pelas lentes da arte deixa de ser indivíduo, pois esquece momentaneamente a sua
vontade particular, para se tornar puro sujeito do conhecimento destituído de vontade. Podemos confirmar
Quando Nietzsche Chorou
essa assertiva em um trecho da Metafísica do belo:
Ano: 2007
Diretor: Pinchas Perry
Como foi dito, é possível uma transição do conhecimento comum, que concebe somente coisas isoladas,
para o conhecimento da Ideia. Mas isso é uma exceção. Semelhante transição ocorre subitamente.
Sinopse: retrata a história
de Nietzsche – antes de O conhecimento se liberta da servidão da Vontade: justamente por aí o sujeito de tal conhecimento
ficar famoso – que busca a cessa de ser indivíduo, cessa de conhecer, meras relações em conformidade com o princípio de razão,
resolução de seus proble- cessa de conhecer nas coisas só os motivos de sua vontade, tornando-se puro sujeito do conhecimento
mas pessoais indo até um destituído de vontade: com tal, ele concebe em fixa contemplação o objeto que lhe é oferecido, exterior
terapeuta, que foi mentor
de Sigmund Freud. Por meio
à conexão com outros objetos ele repousa nessa contemplação, observa-se nela. (SCHOPENHAUER,
desse filme, é possível se 2003, p. 45)
familiarizar com Nietzsche, a O puro sujeito do conhecimento destituído de vontade mergulha por completo no objeto e perde-se nele,
fim de facilitar a compreen-
são de suas ideias.
esquecendo-se dos próprios desejos e das formas subordinadas do fenômeno, concebidas pelo princípio de
razão, tornando-se uma espécie de espelho do mundo como representação. O ímpeto do querer conhecer
se “esvai” momentaneamente e sujeito e objeto entram em pleno equilíbrio diante da imponência da Ideia
que preenche e acalanta o espírito daquele homem que não mais reflete e conceitua, mas apenas intui e
compreende o mundo despretensiosamente de modo absoluto. Essas considerações preliminares, referentes
ao modo de conhecimento estético em Schopenhauer, é o primeiro passo para compreendermos porque a
música é considerada objetivação imediata da Vontade e não representações alheias ao princípio de razão
suficiente. [...]

(Disponível em: http://www.revistasisifo.com/2016/11/a-musica-como-objetivacao-imediata-da.html. Acesso em: 10 set. 2018.)


Náufrago
Ano: 2000 1. Qual a relação entre arte e vontade, segundo Arthur Schopenhauer?
Diretor: Robert Zemeckis Para Schopenhauer, apenas a arte é capaz de cessar o sofrimento humano derivado da vontade. A contemplação estética, desta
Sinopse: um homem sofre
um trágico acidente aéreo forma, nos torna puros sujeitos do conhecimento, sem interferência da vontade.
e fica totalmente sozinho
perdido em uma ilha. Desi-
ludido com a vida, o homem
até tenta cometer suicídio,
mas o mecanismo que ele
constrói não funciona e
2. De todas as linguagens artísticas, qual era a mais importante para Schopenhauer? Você concorda com Scho-
ele fracassa. A sua imensa penhauer? Por quê?
frustração em não ter o A música, porque ela é pura manifestação da fruição estética, em que um conhecimento comum se transforma em conhecimento
controle, nem mesmo sobre
a forma como queria morrer, estético.
faz com que entre em uma
nova jornada, buscando um
novo sentido para a existên-
cia em um lugar onde não
há moral nem instituições.
3. Selecione a obra de arte que, na sua opinião, faz cessar os seus sofrimentos. Cole-a ou transcreva-a no espa-
ço abaixo e apresente para os colegas e o professor, explicando por que essa obra lhe traz o sentimento de
plenitude (ausência de sofrimento).
Essa atividade pode ser feita em conjunto com o professor de Arte. Você pode sugerir algumas linguagens artísticas para
os alunos escolherem aquela que mais lhes agrada e, dentro dela, uma obra específica que lhes traga o sentimento de
plenitude. Sugestão das linguagens: fotografia, artes plásticas, poesia, dança, música, teatro, cinema etc. Em uma data
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previamente estipulada, solicite que os alunos tragam o resultado da pesquisa e apresentem-no para a turma, justificando
o porquê daquela obra específica lhes trazer o sentimento de plenitude. Separe um tempo para possibilitar um momento
de apreciação estética das obras apresentadas pelos alunos.

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Resolvidos 2. (UEM-2015) Nem aos mais cuidadosos dentre eles [os metafísicos]
ocorreu duvidar aqui, no limiar, onde mais era necessário: mesmo
1. O que Schopenhauer quis dizer ao afirmar que o mundo inteiro é quando haviam jurado para si próprios de omnibus dubitandum
uma representação do sujeito? [de tudo duvidar]. [...] Com todo o valor que possa merecer o que
 Resposta:
é verdadeiro, veraz, desinteressado: é possível que se deva atribuir
à aparência, à vontade de engano, ao egoísmo e à cobiça um valor
O indivíduo conhece somente representações das coisas. A pessoa mais alto e mais fundamental para a vida. É até mesmo possível
não captura aquele objeto, mas tão somente a imagem que ela tem que aquilo que constitui o valor dessas coisas boas e honradas
dele. Essa relação é uma influência clara dos conceitos de “fenômeno” consista exatamente em serem insidiosamente aparentadas, atadas,
e noumenon de Kant, em que ele diz que o homem só conhece os unidas, e talvez até essencialmente iguais a essas coisas ruins e
fenômenos das coisas, ou seja, como aquilo se manifesta ao sujeito, aparentemente opostas. Talvez! – Mas quem se mostra disposto a
e nunca conhecerá o noumenon, que é a essência da coisa em si. ocupar-se de tais perigosos ‘talvez’? Para isso será preciso esperar
O homem nunca conhecerá o objeto em sua forma independente, o advento de uma nova espécie de filósofos, que tenham gosto e
mas sempre conhecerá sobre a sua perspectiva limitadora enquanto pendor diversos, contrários aos daqueles que até agora existiram
homem. – filósofos do perigoso ‘talvez’ a todo custo. – E, falando com toda
2. (Cesgranrio) Segundo Nietzsche, o advento da razão produz re- a seriedade: eu vejo esses filósofos surgirem.
flexos significativos na mais alta manifestação cultural grega. Um (NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal. In: MARCONDES, D.
desses efeitos é que: Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein.
2a. ed. rev. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 145-146.)
a) a comédia ática passa a dar menos relevo aos elementos
apolíneos. A partir da citação acima, assinale o que for correto.
b) a dialética socrática invade a cena trágica, expulsando dela (1) “Além do bem e do mal” representa a suspeita de que o valor
a música. da verdade não se opõe ao valor da mentira.
c) o diálogo entre os personagens trágicos passa a ter a história (2) Os positivistas são, para Nietzsche, uma nova classe de filó-
como conteúdo. sofos, que surgirá depois da teologia empirista.
d) o papel do coro é ampliado nas tragédias de Sófocles. (3) O exercício da dúvida, entre muitos filósofos que diziam du-
e) os elementos apolíneos da tragédia são transferidos do diálogo vidar de tudo, era apenas o primeiro passo para fundamen-
para o prólogo. tar a certeza.
 Resposta: B (4) A filosofia é perigosa, razão pela qual F. Nietzsche e Giordano
Bruno foram queimados na fogueira.
3. Como o super-homem é definido por Nietzsche? (5) A aparência, mesmo oposta logicamente ao conceito de
 Resposta: verdade, é necessária para a manutenção da vida.
O super-homem é alguém livre que age segundo a sua construção Soma ( 21 ) 01 + 04 + 16
de valores. Assim, o homem reforça a sua condição de autônomo e
responsável pela própria vida. É o destino que deve trilhar o homem Desenvolvendo Habilidades
terreno, em que os valores pretensamente sobrenaturais caíram. Em
vez da moral que vem de fora e diz “tu deves fazer isto”, é preciso que 1. C1:H1 (Enem-2016) Sentimos que toda satisfação de
o homem cultive a moral que vem de dentro e diz “eu quero”. nossos desejos advinda do mundo assemelha-se à
esmola que mantém hoje o mendigo vivo, porém
Praticando prolonga amanhã a sua fome. A resignação, ao contrá-
rio, assemelha-se à fortuna herdada: livra o herdeiro para sempre
1. (UEM) A filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900) é marcada por de todas as preocupações.
uma nova relação entre o racional e o irracional, na medida em que (SCHOPENHAUER, A. Aforismo para a sabedoria
o irracional adquire validade por corresponder à necessidade de da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2005.)
um movimento de afirmação da vida. Com base nessa afirmação,
assinale o que for correto. O trecho destaca uma ideia remanescente de uma tradição filo-
sófica ocidental, segundo a qual a felicidade se mostra indissocia-
(1) Para Nietzsche, o Iluminismo não libertou os homens de
velmente ligada à
seus prejuízos, mas reforçou ainda mais seus mitos, como a
crença na razão e no conhecimento científico. a) consagração de relacionamentos afetivos.
(2) O recurso metodológico proposto por Nietzsche é a genea- b) administração da independência interior.
logia, isto é, movimento teórico que recorre à gênese de um c) fugacidade do conhecimento empírico.
discurso, conceito ou prática, apontando suas arbitrarieda- d) liberdade de expressão religiosa.
des e interesses.
e) busca de prazeres efêmeros.
(3) Para Nietzsche, o conhecimento é fruto de um lento proces-
so de acumulação e comprovação empírica, cuja finalidade 2. C1:H1 (Enem-2016) Vi os homens sumirem-se numa grande tris-
é salvar os fenômenos. teza. Os melhores cansaram-se das suas obras. Proclamou-se uma
doutrina e com ela circulou uma crença: Tudo é oco, tudo é igual,
(4) Contra a moral dos aristocratas e nobres, Nietzsche defende
tudo passou! O nosso trabalho foi inútil; o nosso vinho tornou-se
os fracos, isto é, a moral dos escravos.
veneno; o mau-olhado amareleceu-nos os campos e os corações.
(5) A “vontade de potência” é a afirmação do nacional-socia- Secamos de todo, e se caísse fogo em cima de nós, as nossas cinzas
lismo alemão, expresso na doutrina do super-homem e no voariam em pó. Sim; cansamos o próprio fogo. Todas as fontes se-
antissemitismo nietzschiano. caram para nós, e o mar retirou-se. Todos os solos se querem abrir,
Soma (03 ) 01+02 mas os abismos não nos querem tragar!
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(NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Ediouro, 1977.)

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a) reforça a liberdade do cidadão. 2. (UEM-2014) Entre variadas acepções do realismo, podemos defi-
b) desvela os valores do cotidiano. ni-lo como a tese que afirma a autonomia da existência das coisas
em relação ao ato de conhecer, isto é, a teoria que sustenta que
c) exorta as relações de produção.
a existência dos objetos é separada e independente da existência
d) destaca a decadência da cultura. subjetiva. As acepções do idealismo também variam. Podemos
e) amplifica o sentimento de ansiedade. definir o idealismo como a tese segundo a qual os fenômenos,
isto é, os objetos do conhecimento empírico, dependem de nossas
3. C1:H1 (Enem-2015) A filosofia grega parece começar ideias ou representações. A partir dessa definição de realismo e de
com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a idealismo e de suas consequências para o problema do conheci-
origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo ne- mento, assinale o que for correto.
cessário deter-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três
razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo (1) O realismo entende a matéria como a realidade dotada de
sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem existência objetiva.
imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, em- (2) A frase de Schopenhauer “O mundo é minha representação”
bora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: é de teor idealista.
Tudo é um. (3) O idealismo toma o “eu penso” como princípio fundamental
(NIETZSCHE, F. Crítica moderna. In: Os pré- do conhecimento.
socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.) (4) A atividade do pensamento, segundo o realismo, não pro-
duz a realidade empírica.
O que, de acordo com Nietzsche, caracteriza o surgimento da
filosofia entre os gregos? (5) As teses do idealismo e do realismo prejudicam o conhe-
cimento, pois são discussões teóricas sem comprovação
a) O impulso para transformar, mediante justificativas, os elemen-
empírica.
tos sensíveis em verdades racionais.
Soma ( )
b) O desejo de explicar, usando metáforas, a origem dos seres
e das coisas. 3. (UFPR) Nasceu em Paris, em 1859. Escreveu a evolução criadora e
c) A necessidade de buscar, de forma racional, a causa primeira sua tese, intitulada “Ensaio sobre os dados imediatos da consciên-
das coisas existentes. cia”, foi publicada em 1889. Matéria e memória foi sua obra de maior
sucesso. Membro da Academia Francesa, em 1928 recebeu o prê-
d) A ambição de expor, de maneira metódica, as diferenças entre mio Nobel de literatura. Sua filosofia pretendia ser fiel à realidade,
as coisas. entendendo-a como algo que não pode ser concebido, reduzido,
e) A tentativa de justificar, a partir de elementos empíricos, o nem envolvido pelos “fatos” dos positivistas.
que existe no real. O texto acima se refere a:
a) Martin Heidegger.
Complementares b) Friedrich Nietzsche.
c) Jean Lacroix.
1. (UEM) Friedrich Nietzsche critica o pensamento socrático-platônico
e a tradição da religião judaico-cristã por terem desenvolvido uma d) Henri Bergson.
razão e uma moral que subjugaram as forças instintivas e vitais 4. (UFU-2015) Quero ensinar aos homens o sentido do seu ser: o qual
do ser humano, a ponto de domesticar a vontade de potência do é o super-homem [Übermensch], o raio vindo da negra nuvem
homem e de transformá-lo em um ser fraco e doentio. Assinale o homem.
que for correto.
(NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Tradução de: SOUSA,
(1) Ao criticar a moral tradicional racionalista, considerada hi- Paulo César de. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 21.)
pócrita e decadente, Nietzsche propõe uma moral não re-
pressiva, que permite o livre curso dos instintos, de modo No fragmento, o filósofo propõe algo que possa fazer com que as
que o homem forte possa, ao mesmo tempo, acompanhar pessoas ultrapassem as convenções sociais que tornam os homens
e superar o movimento contraditório e antagônico da vida. submissos à moral do escravo e ao espírito de rebanho. Assinale a
(2) Para Nietzsche, o super-homem deveria ter a missão de criar alternativa que expressa a tarefa a ser realizada para a superação
uma raça capaz de dominar a humanidade, sendo, por isso, da submissão humana.
necessário aniquilar os mais fracos. a) Ensinar o sentido do ser significa admitir que há uma verdade
(3) Nietzsche concorda com o marxismo, quando este afirma secreta e superior ao homem que o torna pequeno e submisso
que a história da humanidade é a história das lutas de clas- à moral vigente, mas que lhe promete recompensas em uma
ses, e considera que o socialismo é a única forma de organi- vida além deste mundo.
zação social aceitável. b) Ensinar o sentido do ser equivale ao estabelecimento do critério
(4) Nietzsche identifica dois grandes tipos de moral, isto é, a para a transvaloração de todos os valores sociais, o que dará
moral aristocrática de senhores e a moral plebeia de escra- ao homem a prerrogativa para formar os seus próprios valores.
vos. A moral de escravos é caracterizada pelo ressentimen- c) Ensinar o sentido do ser significa descobrir o Deus da tradição
to, pela inveja e pelo sentimento de vingança; é uma moral como o fundamento que faz de cada indivíduo um escravo que
que nega os valores vitais e nutre a impotência. deve se sentir feliz com a sua situação, pois só assim obterá
(5) Os valores que constituem a moral aristocrática de senhores uma felicidade eterna.
são, para Nietzsche, eternos e invioláveis. Devem orientar d) Ensinar o sentido do ser significa promover o espírito de reba-
a humanidade com uma força dogmática, de modo que o nho que acolhe o super-homem e o faz entender que a virtude
homem não se perca. está na subordinação da vida aos ditames da moral do escravo
Soma ( ) que faz da fraqueza a maior virtude.
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5. (UFU) Leia atentamente o texto a seguir:
O cristianismo, por sua vez, esmagou e alquebrou completa-
mente o homem, e o mergulhou como que em um profundo lama-
çal: então, o sentimento de total abjeção, fazia brilhar de repente o
esplendor de uma piedade divina, de tal modo que o surpreendido,
atendido pela graça, lançava um grito de embevecimento e por um
instante acreditava carregar o céu inteiro em si.
(NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano. São Paulo:
Nova Cultural, 1987. p. 59. Coleção. Os Pensadores.)

Com base no texto de Nietzsche, responda às seguintes questões.


a) O cristianismo pode ser considerado “moral do escravo” ou
“moral do senhor”?
b) Selecione uma frase do texto que apresenta a característica
fundamental do cristianismo para Nietzsche.
c) Com base na frase selecionada, explique se, para Nietzsche, o
cristianismo é uma doutrina que nega ou que valoriza a força,
a saúde e a vida.

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de leitura QR Code.
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Fenomenologia e
Existencialismo
Fenomenologia • Existencialismo
Filosofia
mód. 06/08

06
Filosofia
contemporânea: o
existencialismo e
a fenomenologia

START

Leia o texto e responda às questões.


“Não posso dizer que me sinta aliviado nem contente; pelo contrário, estou esmagado. Somente, atingi
o meu fito: sei o que queria saber; compreendi finalmente tudo o que vem me sucedendo desde janeiro. A
náusea não me abandonou, e não creio que me abandone tão cedo; mas deixei de sofrer com ela, não se trata
já duma doença nem dum acesso passageiro: a náusea sou eu.
Estava então há bocadinho no jardim. A raiz do castanheiro mergulhava na terra, mesmo por baixo do meu
banco. Não me lembrava, porém, que era uma raiz. As palavras tinham se evaporado, e, com elas, o signifi-
cado das coisas, os seus modos de emprego, os pálidos pontos de referência que os homens lhes traçaram à
superfície. Estava sentado, um pouco curvado, cabisbaixo, sozinho em frente daquela massa negra e nodosa,
completamente em bruto e que metia medo. E depois tive aquela iluminação.
Fiquei sem respiração. Nunca, antes destes últimos dias, eu tinha pressentido o que queria dizer “existir”.
Era como os outros, como os que passeiam à beira-mar nos seus trajes de primavera. Dizia, como eles: “O mar
é verde; aquele ponto branco é uma gaivota”; mas não sentia que essas coisas existiam, que a gaivota era uma
“gaivota existente”; geralmente a existência esconde-se. Está presente à nossa volta, em nós, somos nós; não
se podem dizer duas palavras sem falar dela, e afinal não lhe tocamos. Quando eu julgava pensar nela, é de
crer que não pensava em nada, tinha a cabeça vazia, ou quando muito uma palavra na cabeça, a palavra ser.”

(SARTRE, Jean-Paul. A Náusea. Lisboa: Europa-América, 1976.)


Glossário

Fito: intento, objetivo, alvo,


mira. 1. Você já teve a impressão de que tudo perdeu o sentido? Qual foi a sensação?

2. Na sua opinião, qual é o sentido da existência humana?

3. Você acredita que, ao nascermos, já temos um destino traçado?


Fona/Shutterstock

As questões propostas nesta seção têm o objetivo de fomentar a discussão acerca da existência humana, partindo da leitura e
interpretação do texto A náusea, de Sartre. As questões podem ser trabalhadas oralmente. Os alunos podem registrar indivi-
dualmente as respostas ou você pode solicitar primeiro o registro escrito individual, para depois abrir um debate. Nesse caso, os
alunos podem e devem rever suas respostas, afim de complementá-las, modificá-las ou até mudá-las completamente.
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Fenomenologia
O termo fenomenologia surgiu, com

Psychiatrick/Wikimedia
Immanuel Kant, para designar o fenômeno
da consciência e da experiência para apreen-
der apenas os fenômenos, mas nunca a coisa
em si. Com o pensamento de Hegel, o termo
adotou o sentido de investigação histórica da
evolução da autoconsciência por meio da ra-
zão até formar conhecimentos. No século XX,
ganhou novos significados a partir do pensa-
mento do filósofo e psicólogo alemão Franz
Brentano (1838-1917), que teve importantes
repercussões na filosofia do século XX.

Chiorbone da Frittole/Wikimedia
Glossário

Imanente: aquilo que está


inseparavelmente contido
na natureza de um ser ou
de um objeto; inerente. É
o oposto de transcendente
(aquilo que está “fora” de
O filósofo e matemático Edmund Husserl fundou a fenomenologia na um objeto).
busca por estabelecer um novo método de pesquisa que investigasse a
“própria coisa”. Epoché: termo grego
que significa “suspensão
Husserl teve como um de seus objetivos do juízo”, “colocar entre
principais repensar a forma de como se faz parênteses”.
ciência. O grande problema, segundo o filóso-
fo, era que as ciências se pautavam demais nos
objetos ou nos métodos e teorias, quando na
verdade o correto seria ir direto à coisa mesma,
buscar a essência das coisas. Para algo ser ver-
dade, é necessário que se tenha a evidência de
que aquilo é verdadeiro. Perguntas como “O
que significa ir direto à coisa? e “Como ter a evi-
dência de que algo é verdadeiro?” serviram de
Franz Brentano deixou sua importante contribuição para o pensamento guia aos estudos de Husserl.
do século XX a partir do conceito de intencionalidade da consciência.
As ciências buscam explicar tanto os fenô-
De acordo com Brentano, a consciência e o menos da natureza (ciências naturais) quanto
pensamento possuem um aspecto fundamen- os fenômenos sociais (ciências sociais e huma-
tal, que é a intencionalidade, ou seja, onde hou- nas). Sendo ambos “fenômenos”, como é pos-
ver consciência, haverá consciência de alguma sível percebê-los? Fenômeno é algo que apare-
coisa, uma vez que a consciência intencional ce para nós quando estamos vendo, sentindo e
se dirige ao objeto, apreendendo tanto aquilo percebendo (conhecimento empírico). A ques-
que ele é quanto aquilo que ele significa. tão é que eles estão impregnados de subjeti-
O matemático alemão Edmund Husserl vidade, que nada mais é do que as diferentes
(1859-1938), aluno de Brentano, deu continui- perspectivas sobre um mesmo fenômeno. No
dade à ideia de intencionalidade da consciên- entanto, o estudo dos fenômenos deve levar
cia na tentativa de superar a dicotomia entre às coisas mesmas (essências), sem a interfe-
sujeito e objeto, herdada da modernidade. rência da subjetividade – entendida aqui como
Ele se interessou em saber como acontece o a capacidade de julgamento, característica do
processo de abstração, já que tudo o que é ser humano. Como o ser humano tende a jul-
construído mentalmente passa de alguma for- gar, classificar, ordenar e dar sentido a todos
ma pela experiência sensível. Para Husserl, a os fenômenos que capta, é necessário realizar
grande questão é como um conteúdo intencio- a “suspensão do julgamento” para se chegar
nal pode estar contido no fenômeno mental, à objetividade do conceito. A essa suspensão
concluindo, assim, que o conteúdo possui um de julgamento Husserl deu o nome de epoché.
caráter imanente, característico do ato men- Quando se estipulam muitas explicações so-
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tal, que deixa para segundo plano tudo o que é mente com raciocínios, esquece-se de verificar
exterior ao estado mental. a coisa mesmo na prática.

FIL 75

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A partir dessas percepções, Husserl passou a formalizar a sua crítica contundente às ciências
contemporâneas: as ciências sempre se preocuparam demais em estudar o objeto, e se esque-
ceram do ser humano, aquele quem faz ciência. Husserl destacou que seria perigoso tornar as
ciências autônomas do espírito, uma vez que elas não funcionam adequadamente sem ele. Em
sua obra A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental, Husserl aborda a crise
das ciências sob o aspecto do declínio em relação àquilo que as ciências podem significar para a
existência humana.
O filósofo alemão percebeu que a ciência perdeu o vínculo com a existência humana, deixan-
do de cumprir seu papel central, o de auxiliar a humanidade. Desse modo, por mais que a ciência
evoluísse, não significava que as pessoas viveriam melhor. Husserl defende que as ciências de-
vem partir do sujeito e servir a ele.

Gorodenkoff/Shutterstock
Para Husserl, a ciência foi criada pelo e para o ser humano.

Existencialismo
Os estudos realizados pela fenomenolo-

Lafit86/Wikimedia
gia no fim do século XIX e o contexto histórico
conturbado da virada para o século XX foram
decisivos para a formação da corrente filosófi-
ca existencialista, em que o ser humano passa
a ser investigado em seu caráter existencial,
ou seja, no aqui e no agora da existência. O
existencialismo também recebeu influên-
cias do materialismo histórico (marxismo) e
da psicanálise (descoberta do inconsciente).
Realizando uma crítica a toda metafísica tra-
dicional, o existencialismo apontou a falta de
sentido da existência humana, já que não há
nada que possa definir previamente a condi-
ção do ser humano de estar lançado no mun-
Fiódor Dostoiévski, escritor russo que influenciou profundamente o
do, vivendo e convivendo uns com os outros. existencialismo, pois suas tramas sempre envolviam dilemas humanos,
como a angústia e o sentido da existência.
As duas grandes guerras mundiais também
levaram os filósofos contemporâneos, dentre
eles os existencialistas, a criticarem a noção Søren Kierkegaard
de progresso postulada pelos positivistas,
uma vez que a ciência e a técnica passaram Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855)
a ser usadas contra a humanidade, enquan- nasceu em Copenhague, na Dinamarca, e é
to deveriam trabalhar a favor dessa mesma considerado fundador do existencialismo
humanidade. de vertente cristã. Na infância, recebeu uma
educação extremamente religiosa de seu
Os primeiros pensadores considerados
pai. Estudou Teologia, Filosofia, Literatura e
existencialistas são o filósofo norueguês Søren
História. Focou seus estudos nas escolhas
Kierkegaard (1813-1855) e o escritor russo
humanas e no compromisso pessoal que cada
Fiódor Dostoiévski (1821-1881). No século XX,
um assume com sua própria vida. Kierkegaard
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destacaram-se o alemão Martin Heidegger


criticou severamente a Igreja Luterana, onde
(1889-1973), aluno de Husserl, e o francês Jean-
foi formado, alegando que esta não praticava
Paul Sartre (1905-1980).
o cristianismo, mas “brincava de ser cristã”.

76 FIL

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● Estágio estético: o indivíduo vive apenas

Brian0918/Wikimedia
para desfrutar de prazeres momentâ-
neos. É a pessoa que vive dia após dia
apenas praticando ações que tragam
prazeres imediatos. Porém, chegará o
momento em que ela perceberá que a
sua vida se resume apenas à procura
dos prazeres, sem um sentido de exis-
tência mais profundo. Quando desper-
tar para essa consciência, é preciso ter
a coragem de mudar de estilo de vida e
realizar um “salto” para o estágio ético.
● Estágio ético: entende-se que é preciso
adotar determinadas escolhas para se
viver conforme uma razão universal. Por
exemplo, temos a escolha de casar, a de
viver conforme as leis etc. Você escolhe
Kierkegaard. viver naquelas condições porque passa a
entender que para você é melhor. O in-
Foi um pensador notável por defender o
divíduo não vive mais apenas em função
valor concreto do indivíduo contra a filosofia
dos prazeres, mas pensa naquilo que
tradicional de sua época, que para ele sempre
pode trazer-lhe benefícios. O problema
se preocupou em discutir o conceito de indi-
é que mesmo aqui a felicidade não se
víduo, o conceito de homem, ou o “homem
completa, pois ainda estamos no plano
ideal”, esquecendo-se de que além do concei-
das instituições. Vive-se conforme a mo-
to de homem existe o próprio homem concreto.
ral de uma religião, de um lugar etc. É
Com isso, Kierkegaard valorizava muito em sua
preciso realizar um novo “salto” para o
filosofia as experiências da vida humana.
próximo estágio, o religioso.
A obra de Kierkegaard esteve ligada dire-
● Estágio religioso: é quando as pessoas
tamente à própria vida, pois várias de suas
abandonam todos os velhos hábitos
grandes ideias foram resultados de suas pró-
e ideologias para encontrar a verdade
prias vivências. Kierkegaard entendeu que as
transcendente, divina.
pessoas em geral aparentavam serem felizes
por fora, mas por dentro eram amarguradas e A existência é um caminho difícil, que exige
escondiam segredos de sua angústia. Ele per- do indivíduo a tomada de decisões a cada mo-
cebeu esse sofrimento em seu pai, que nunca mento. Mas é justamente essa dificuldade que
ofendia ninguém, mas em momentos de de- torna a vida repleta de entusiasmo. Mesmo o
sespero revelava a pessoa angustiada que era. desespero, quando aparece, é uma oportu-
nidade que a vida oferece ao ser humano de
O filósofo também descobriu, em seu noi-
mudar seus hábitos e fazer um “salto” para um
vado interrompido com Regina Olsen, que o
estilo de vida mais aprimorado, dedicado à fé.
matrimônio era muito mais uma dimensão ins-
Illustration Forest/Shutterstock

titucional do que de fé. Não seria por meio do


matrimônio que a transcendência com Deus
seria atingida, pois a transcendência do indi-
víduo era algo que acontecia interiormente.
Logo, o matrimônio não seria um requisito es-
sencial para a transcendência.
Em sua perspectiva religiosa, Kierkegaard
acreditava que a verdadeira fé não estava liga-
da a instituições ou à conservação da fé, e sim
à vivência da fé. Era preciso experimentá-la,
pois era por meio dela que o ser humano trans-
cendia sua condição, ligando-se a Deus. É uma
fé que se vive na existência, entendendo cada
situação e momento da vida como um aprendi-
zado. Essa transcendência, portanto, não está
no conceitual, no genérico, no abstrato, mas na
existência concreta, naquilo que cada pessoa
enfrenta em sua vida, percorrendo três está-
gios: estético, ético e religioso. Para Kierkegaard, o desespero humano nos impulsiona para o grande
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“salto” para a fé.

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Martin Heidegger
do ser consigo mesmo é exatamente o senti-
mento de angústia, que pode nos levar a uma
Heidegger (1889-1976) foi um filósofo ale- existência verdadeiramente autêntica e não
mão que retomou a discussão sobre a ontolo- apenas compartilhada pelo senso comum.
gia, fazendo sua ligação com a ideia do tempo.

View Apart/Shutterstock
Foi aluno de Edmund Husserl e posteriormen-
te viria a influenciar grandes nomes como
Jean-Paul Sartre e Hannah Arendt. Heidegger
iniciou sua carreira com estudos teológicos,
porém, a percepção de que sempre quando
buscava algo transcendental encontrava ape-
nas “coisas” levou-o a se dedicar ao estudo da
existência concreta.

Pit rock/Shutterstock
Para Heidegger, a vida cotidiana nos conduz ao afastamento de nós mes-
mos, pois nos perdemos num anonimato do “a gente”, que não sou eu
nem você, mas uma massa indistinguível de indivíduos. A angústia abre
nosso ser à existência verdadeiramente autêntica, ou seja, a aceitarmos
quem somos e a vivermos de forma autônoma e consciente.

Jean-Paul Sartre
Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi um filóso-
Martin Heidegger foi um dos mais importantes filósofos do século XX. fo francês que consolidou o existencialismo
como corrente filosófica. Além de intelectual,
A grande contribuição de Heidegger para a foi também um ativista político, apoiando as
filosofia foi a retomada da origem da metafísi- causas sociais da época.
ca tradicional no sentido de “estudo do ser en-

Lunavorax/Shutterstock
quanto ser”, desfazendo inúmeros equívocos
epistemológicos cometidos pelos pensadores
ao longo da história. Heidegger dizia que, longe
de ter superado os gregos, a humanidade se-
quer conseguiu compreendê-los, por isso esse
retorno à origem levou-o a uma reconstrução
de todo o legado filosófico da tradição. O pen-
samento de Heidegger é bastante complexo,
além de possuir uma linguagem específica,
criada pelo filósofo para comportar a profun-
didade de suas reflexões.
Na difícil empreitada para reconstruir a me- Jean-Paul Sartre foi um dos filósofos mais populares de todos os tem-
pos, pois foi um dos únicos pensadores contemporâneos a lecionar para
tafísica, Heidegger iniciou sua investigação por o Ensino Médio, aproximando-se, assim, das causas estudantis.
aquele ser que estava mais próximo e, ao mes-
mo tempo, mais distante de nós mesmos: o da- Kierkegaard trouxe para a filosofia o valor
sein, termo alemão que significa, literalmente, singular e concreto do indivíduo; Husserl po-
ser-aí, usado pelo filósofo como sinônimo de sicionou o homem no centro das crises cientí-
ser humano. Por ser-aí, Heidegger designa o ficas e institucionais de sua época; Heidegger
ser humano em sua condição existencial, lan- buscou encontrar um sentido para a existência
çado em um mundo pré-configurado, convi- humana. Porém, é com Sartre que o existencia-
vendo com os outros e carregando uma única lismo encontra a sua forma definitiva, pois para
certeza: a da morte. Por isso, o ser-aí (dasein) é o filósofo francês a expressão existencialismo é
um ser-com-os-outros e um ser-para-a-morte. justamente o centro de seu pensamento.
Ao descortinar o horizonte de nossa exis- Sartre segue a linha iniciada por Heidegger
tência e verificar que nossa única certeza na na busca por um sentido para a existência que,
vida é a morte, Heidegger busca mostrar como em sua obra A Náusea, se revela como absur-
nossa condição existencial está permeada pela da e gratuita. Nesse romance, o personagem
angústia, que é o sentimento deste vazio exis- principal, Roquentin, tem um momento de
tencial. Porém, ele via a angústia como uma iluminação: o entendimento de que o mundo
disposição afetiva privilegiada, pois ela é o sen- por si só é sem sentido e que todas as coisas
timento extremo que nos leva ao encontro de simplesmente estão ali apenas por estar, sem
nós mesmos. Ao longo da existência, na condi- motivo algum. Não há um ser necessário nem
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ção de ser-com-o-outro, o dasein se perde na um Deus que justifique e explique a existência,


trama de significados, tecida ao longo da his- dando-lhe um sentido.
tória, que precisa se reencontrar. O reencontro

78 FIL

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A partir da experiência da minha própria li- Reflita
berdade posso entender que o outro também
Pensando nas ações
é livre, não é possível ignorá-lo e a presença
praticadas no seu dia a dia,
dele modifica o nosso modo de pensar. Em quais delas você entende o
vez de pensarmos apenas em nós, tentamos sentido de realizá-las? Redi-
entender quem ele é, o que está a fazer etc. ja um texto em seu caderno
Logo, o outro é esta pessoa que invade a nossa apresentando o resultado
de suas reflexões.
subjetividade.
A relação com o outro influenciará Glossário
Sartre na sua concepção de liberdade
em  O  Existencialismo é um Humanismo. Nessa Demiurgo: concepção platô-
nica de Deus que aparece no
obra, o tom dramático do absurdo da existência
Timeu. Demiurgo é o artífice
reduz-se e Sartre tenta explicar novamente do mundo, que cria todas
o que ele entende por liberdade, que é as coisas. Logo, para Sartre,
justamente a possibilidade de cada pessoa ser o homem é o deus e artífice
o demiurgo do próprio destino. Mas o outro do próprio destino.
também é demiurgo do seu próprio destino,
então, para que eu exerça do melhor modo
MUNCH, Edvard. O grito. 1910. Têmpera e pastel sobre cartão, 83 x 66 cm.
Galeria Nacional Oslo, Noruega. possível minha liberdade, preciso respeitar Filmes
O sentimento de náusea descrito por Sartre é uma metáfora para des- também a liberdade do outro. Por isso, a minha
crever o desconforto da existência humana. A obra O Grito, de Munch,
expressa bem esse sentimento: as linhas retas de um lado e curvas do liberdade carrega junto a responsabilidade
outro dão a sensação de vertigem, característica da existência. para com toda a humanidade.
Sartre afirmava que a existência humana

Kamil Macniak/Shutterstock
não possuía uma essência pronta e acabada,
segundo a qual devemos agir; ao contrário
disso, não há nada que nos determine pre-
viamente, pois é a cada escolha e decisão que
construímos a nossa essência. Sartre dizia que Beleza Americana
a existência precede a essência, indicando Direção: Sam Mendes
uma inversão no pensamento tradicional, que Ano: 1999
sustentava a ideia de um Deus ou uma cau-
Sinopse: O filme abor-
sa primeira que nos determina. Em vez disso, da os estereótipos e
Sartre afirmava que primeiro precisamos exis- as convenções que a
tir para então podermos criar nossa própria es- sociedade empurra para os
sência, derrubando qualquer ideia de destino. indivíduos na atualidade.
O filme demonstra como a
existência humana não pode
ser fixada em estereótipos,
Com efeito, se a existência precede a essên- pois nada – coisa, pessoa ou
cia, nada poderá jamais ser explicado por refe- Somos livres para escolher nosso “destino”. Junto com a liberdade, vem ideia – é capaz de preencher
rência a uma natureza humana dada e definiti- a responsabilidade por nossas escolhas. o sentido da existência.
va, ou seja, não existe determinismo, o homem
Por fim, uma última concepção limita a li-
é livre, o homem é liberdade.
berdade absoluta: a ideia de necessidade. Todos
temos liberdade absoluta, mas todos nasce-
(SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo.
mos em situações diferentes. Alguns nascem
A imaginação: Questão de método. Seleção de textos ricos, outros pobres, alguns em um país, ou-
de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita tros em um país diferente, e assim por diante.
Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado
Ou seja, a situação em que vivemos implica
Júnior. 3. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 9.)
limitações que precisamos superar. A ideia de
Na obra O Ser e o Nada, há um momento liberdade total do indivíduo, tão defendida por O Sétimo Selo
em que o ser humano é apresentado como a Sartre, ecoa ainda hoje, pois o filósofo francês, Direção: Ingmar Bergman
consciência que está no mundo, mas que não ao mesmo tempo em que proclama tal liber- Ano: 1957
é igual a este mundo. O mundo é completo, a dade, responsabiliza cada pessoa pelo que faz Sinopse: Quando um
consciência é vazia e, por ser vazia, está aberta de sua vida. Hoje é cada vez mais comum as cavaleiro retorna da guerra,
às possibilidades. A consciência pode agir no pessoas afirmarem que não conseguem ter ele encontra a Morte à sua
espera e convence-a a jogar
mundo, aliás, ela é livre para agir no mundo. êxito pessoal ou profissional porque a família, uma partida de xadrez em
Aqui chegamos a uma das ideias mais impor- a empresa, o Estado, ou alguém não permitiu, que coloca sua vida em jogo.
tantes de Sartre: a liberdade. Nesse aspecto, a porém, segundo Sartre, tudo que acontece co- Ao conseguir adiar o final
condição humana abriga um paradoxo: “esta- nosco é porque aceitamos, de um modo ou de dessa partida, o cavaleiro
começa a enfrentar diversos
mos condenados a ser livres”. Não há determi- outro, seja ativamente ou passivamente. O in-
dilemas existenciais relati-
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nismo nem Deus que possa escolher o destino divíduo deve decidir a cada momento o que faz vos às ações que tomou em
humano. de sua vida. sua vida até então.

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FILOSOFIA E EXISTÊNCIA

Essa questão é fundamental Leia o texto e responda às questões.


para a compreensão do exis-
tencialismo e pode ser am-
pliada com um debate sobre A subjetividade concreta
os conceitos de concreto e
abstrato. Listar exemplos Pode-se dizer, sem muito erro, que o tema que mais longamente animou o pensamento de Sartre foi o
de “coisas” concretas e
abstratas, solicitando outros tema da subjetividade – ou, em sua terminologia, a consciência. Em fórmula literária, ele dizia que o que lhe
exemplos para os alunos. interessava era o homem concreto em sua vida cotidiana, no bar, na rua, no trabalho, ou, mais amplamente,
Dê exemplos simples, de o homem no mundo. Essa fórmula, evidentemente, não é apenas retórica. Ela exprime um modo de fazer
início, como: pensamento,
ideia, julgamento (abstrato) filosofia que interessava a Sartre desde a juventude e que ele julgou encontrar formulado nos pensadores
e mesa, cadeira, corpo alemães Husserl e Heidegger.
(concreto); depois, instigue
os alunos a mencionarem Essa fórmula se alimenta da oposição entre abstrato e concreto, ou entre aquilo que se oferece apenas
exemplos mais específicos, abstratamente, por meio de conceitos e símbolos, e aquilo que se oferece, digamos assim, em “carne e osso”.
como: beleza, infinito,
número (abstrato), a ca- Se eu disser “Inglaterra”, posso visar o sentido desse nome abstratamente, em pensamento, por meio de
deira do professor, o corpo conceitos (“A Inglaterra é uma ilha” etc.); posso também ir à Inglaterra, conhecer a ilha e conviver com sua
humano (concreto). Depois, gente. De um modo a outro, o nome Inglaterra ganhou um sentido que apenas a corporeidade pôde dar.
problematizar a divisão en-
tre os objetos listados como Mas o que seria uma subjetividade visada por meio de conceitos e uma subjetividade concreta? Pensemos
concreto: quando digo “a
minha escrivaninha”, estou no corpo. A anatomia define o corpo de ninguém em especial, nenhum corpo singular: pode ser o corpo de
me referindo àquela mesa todos, mas também não é o corpo de ninguém, nenhum corpo concreto. De modo análogo, o fisiologista
em que estudo e trabalho, pode dizer, por exemplo, que a visão se faz por raios luminosos que alcançam a retina e projetam nela uma
quando estou em casa – ou
seja, existe um fator afetivo imagem invertida do objeto, mas nada disso, a bem dizer, é efetivamente experimentado por mim. Posso
em relação àquela mesa dizer que minha mão é esse pedaço de carne e ossos, e isso não é falso, mas não é assim que eu a vivo con-
particular; quando falo ape- cretamente: eu vivo como esse desvelamento tátil de objetos, do liso, do rugoso, do quente, do frio etc. Qual-
nas “mesa”, apesar de supor
que uma mesa sempre quer um pode fazer a seguinte experiência: se minha mão direita toca a minha mão esquerda, a primeira é
será um corpo físico, estou tocante e a segunda é tocada; se essa passar da condição de tocante (o que posso fazer a qualquer momento),
me referindo à uma ideia
geral do que seja mesa, e minha mão direita, por sua vez, que passa à condição de tocada. Jamais toco minha mão enquanto essa é
não a uma mesa específica. tocante, do mesmo modo que jamais vejo meu olho enquanto este é vidente: quando vejo meu olho (por
Nesse ponto, problematizar exemplo, no espelho), meu olho visto passa à condição de objeto e não coincide mais comigo, enquanto eu
a questão da objetividade
(conceito) e subjetividade sou esse sujeito que vê e desvela o mundo.
(percepção sobre ideias, [...]
conceitos e coisas). Com
relação ao corpo humano,
listado como sugestão de
corpo concreto, é possível (MOUTINHO, Luís Damon. Sartre: a liberdade sem desculpas. In: FIGUEIREDO, Vinicius et al. Seis
problematizar essa questão, filósofos na sala de aula. São Paulo: Berlendis e Vertecchia, 2006. p. 196-198.)
que será melhor abordada
na sequência do texto e 1. De acordo com o texto lido, qual foi a influência de Husserl e Heidegger no pensamento de Sartre?
constitui-se na ideia central
do existencialismo. Enfatizar Husserl influenciou Sartre em seu conceito de subjetividade, que coincide com a consciência, ao passo que Heidegger teve in-
também, na leitura do texto,
a questão do conceito e fluência na ideia de que o ser humano deve ser investigado enquanto ser no mundo. Isso se expressa nas situações cotidianas,
símbolo (abstrato) em opo-
sição à do corpo de carne e pois é aí que se situa a existência.
osso (concreto).
2. Segundo o texto, a fórmula central do existencialismo reside em uma oposição entre dois conceitos. Quais
são eles? Descreva-os.
Trata-se da oposição entre os conceitos de abstrato e concreto. Entende-se por abstrato aquilo que não possui
rstock
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Morett
o/Sh um corpo físico, podendo ser uma ideia, um pensamento, uma fala, uma imagem, um sentimento etc. Por concre-
Del
ano
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to, entende-se aquilo que possui corpo ou que é palpável (ideias são abstratas, mas podem ser ou não palpáveis).

3. Releia o trecho a seguir e analise a imagem.


[...] Qualquer um pode fazer a seguinte experiência: se minha mão direita toca a minha mão
esquerda, a primeira é tocante e a segunda é tocada; se essa passar da condição de tocante (o
que posso fazer a qualquer momento), minha mão direita, por sua vez, que passa à condição
de tocada. Jamais toco minha mão enquanto essa é tocante, do mesmo modo que jamais
vejo meu olho enquanto este é vidente [...]
De acordo com o trecho lido e com a análise da imagem, redija um texto, em seu caderno,
explicando o conceito de “subjetividade concreta”, fundamental para o existencialismo.
Releia o trecho com os alunos, realize o exercício das mãos, enfatizando a condição que cada
mão assume como tocante (agente) ou tocada (paciente) e relacione a descrição do texto
com a imagem inspirada na obra de Escher. Na leitura da imagem, pode-se ainda explorar
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o conceito existencialista que diz que o homem se faz a si mesmo a cada passo que dá; no
caso da imagem, as próprias mãos estão se desenhando, ou seja, tornando-se um corpo
concreto que desenhará sua trajetória de vida, em vez de possuir um destino determinado (a
existência precede a essência). Outro aspecto importante é a questão da condição humana
como sujeito e objeto do conhecimento e, portanto, concreto e abstrato ao mesmo tempo.
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Resolvidos Praticando
1. (UEM-2011) A fenomenologia é um método e uma filosofia que 1. (Unicentro) Qual o postulado básico da fenomenologia?
surge no final do século XIX, com Franz Brentano, tendo como um a) A fenomenologia afirma que o conhecimento não passa de
dos principais representantes o filósofo Edmund Husserl. Sobre a uma interpretação da realidade, isto é, de uma atribuição de
fenomenologia, assinale o que for correto.  sentidos determinada por uma escala ontológica de valores,
(1) A fenomenologia de Edmund Husserl procura superar as constituindo-se, portanto, numa metafísica dos costumes. 
teorias do conhecimento empirista e idealista, como tam- b) Em nome da verdade subjetiva, a fenomenologia recusa o pro-
bém o dualismo entre o sujeito e o objeto.  jeto da filosofia moderna, recusando o pensamento analítico.
(2) Para a fenomenologia, a consciência é sempre consciência Seu postulado básico afirma que o real deixa de ser racional. 
de alguma coisa; portanto, não há uma realidade pura, iso- c) A fenomenologia procede por decomposição, enumeração e
lada do homem, mas a realidade enquanto ser percebido.  categorização dos objetos, fragmentando-os. Seu postulado
(3) O filósofo alemão Martin Heidegger pertencente à escola básico é estabelecer a dicotomia entre razão e experiência. 
fenomenológica, resgata um conceito de verdade desen- d) A fenomenologia pretende realizar a superação da dicotomia
volvido pelos gregos arcaicos: o conceito de alétheia, que razão-experiência no processo do conhecimento, afirmando
significa o não oculto, aquilo que se mostra ou se desvela.  que toda consciência é intencional, ou seja, o objeto só existe
(4) O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty defende uma con- para um sujeito que lhe dá significado. 
cepção dualista para a matéria e o espírito. De um lado, es- e) O postulado básico da fenomenologia é a metafísica fenome-
tão os objetos e o corpo, de outro, o sujeito e a consciência.  nológica, isto é, voltada para o reconhecimento do ser em si dos
(5) A Gestalt, corrente da Psicologia que se desenvolveu no co- fenômenos, portanto, vinculada a uma noção de ser abstrata
meço do século XX, ao reconhecer a influência da fenome- e a uma consciência transcendental. 
nologia, opõe-se à psicologia de tendência positivista.   Anotações:
 Resposta: 23 (01 + 02 + 04 + 16)
A fenomenologia é a corrente filosófica que compreende o modo como o
01) Correto. Husserl desenvolveu a fenomenologia para romper
com o empirismo e para quebrar a dicotomia entre sujeito e objeto, conhecimento se dá para cada indivíduo. Ao deixar de lado suposições,
postulada principalmente pelo cartesianismo.
preconceitos e generalizações, pretende superá-las.
02) Correto. Para a fenomenologia, a consciência é sempre intencional,
ou seja, dirigida ao objeto.
04) Correto. Heidegger volta às origens da metafísica grega e retoma
o conceito de alétheia (verdade) como desvelamento. 2. Martin Heidegger definiu o ser humano como dasein. O que sig-
nifica esse conceito?
08) Incorreto. Merleau-Ponty, como representante da fenomenologia,
 Anotações:
defendia a ruptura com o conceito dualista sujeito/objeto.
16) Correto. A Psicologia da Gestalt também se opôs ao Positivismo, Dasein significa a condição humana de estar lançado no mundo sem um
influenciando a formação do existencialismo.
sustentáculo, vivendo e convivendo com os outros, tendo apenas a morte
2. Em que consiste o método fenomenológico?
como única certeza.
Esse método ficou conhecido como redução fenomenológica e con-
siste em colocar as próprias percepções do pesquisador em dúvida. 3. (UFSJ-2012) A angústia, para Jean-Paul Sartre, é
Husserl propõe, então, que suspendamos nossos juízos, crenças e
a) tudo o que a influência de Schopenhauer determina em Sartre:
teorias para que nos concentremos no fenômeno que aparece à cons-
a certeza da morte. O Homem pode ser livre para fazer suas
ciência, ou seja, o modo como se dá o conhecimento de determinado
escolhas, mas não tem como se livrar da decrepitude e do fim. 
objeto na consciência.
b) a nadificação de nossos projetos e a certeza de que a relação
3. Cite os três estágios da vida para Kierkegaard, explicando cada Homem X natureza humana é circunstancial, objetiva, e pode
um deles. ser superada pelo simples ato de se fazer uma escolha. 
No estágio da estética, o indivíduo vive apenas para desfrutar de c) a certificação de que toda a experiência humana é idealmente
prazeres momentâneos, ou seja, vive dia após dia apenas praticando sensorial, objetivamente existencial e determinante para a vida
ações que tragam prazeres imediatos. Porém, chegará o momento em e para a morte do Homem em si mesmo e em sua humanidade. 
que perceberá que a sua vida se resume a isso, sem qualquer sentido de
existência além dos prazeres. No estágio ético, entende-se que é preciso d) consequência da responsabilidade que o Homem tem sobre
adotar determinadas escolhas para se viver conforme uma razão aquilo que ele é, sobre a sua liberdade, sobre as escolhas que
universal. É no estágio religioso que os seres humanos fazem a grande faz, tanto de si como do outro e da humanidade, por extensão. 
passagem, quando se tornam capazes de abandonar todos os velhos  Anotações
hábitos e ideologias para encontrar a verdade transcendente, divina.
Sartre relaciona conceitos como liberdade, escolhas, consequência e respon-
4. Como Martin Heidegger trata da existência humana?
O sentido da existência é aquilo que preenche a pessoa, torna-a mais sabilidade ao buscar um sentido para a existência. De acordo com sua ideia
autêntica e realizada, e não pode ser caracterizado como algum de que a existência precede a essência, o ser humano está em constante
momento ou situação. Heidegger afirma que a pessoa não nasce
com um sentido na existência, pois o sentido deve ser construído ao busca de sentido para a existência. Diante disso, o indivíduo encontra a
longo da vida.
liberdade para agir no mundo.
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Desenvolvendo Habilidades sequer que, ao criar o homem que desejamos ser, não crie ao mes-
mo tempo uma imagem do homem como julgamos que deve ser”.
1. C1:H4 (Enem-2016) Sartre.
Ser ou não ser – eis a questão. Considerando a concepção existencialista de Sartre e o texto
Morrer – dormir – Dormir! Talvez sonhar. Aí está o apresentado, é incorreto afirmar que
obstáculo! a) o homem é um projeto que se vive subjetivamente.
Os sonhos que hão de vir no sono da morte b) o homem é um ser totalmente responsável por sua existência.
Quando tivermos escapado ao tumulto vital c) por haver uma natureza humana determinada, no homem a
Nos obrigam a hesitar: e é essa a reflexão essência precede a existência.
Que dá à desventura uma vida tão longa.  d) o homem é o que se lança para o futuro e que é consciente
(SHAKESPEARE, W. Hamlet. Porto Alegre: L&PM, 2007.) deste projetar-se no futuro.
e) em suas escolhas, o homem é responsável por si próprio e por
Este solilóquio pode ser considerado um precursor do existencia-
todos os homens, porque, em seus atos, cria uma imagem do
lismo ao enfatizar a tensão entre
homem como julgamos que deve ser.
a) consciência de si e angústia humana.   
4. C1:H1 (UEMA-2011) O tema da liberdade é discutido por muitos
b) inevitabilidade do destino e incerteza moral.   
filósofos. No existencialismo francês, Jean-Paul Sartre, particular-
c) tragicidade da personagem e ordem do mundo.    mente, compreende a liberdade enquanto escolha incondicional.
d) racionalidade argumentativa e loucura iminente.    Entre as afirmações abaixo, a única que está de acordo com essa
e) dependência paterna e impossibilidade de ação.    concepção de liberdade humana é:
a) O homem primeiramente tem uma essência divinizada e depois
2. C1:H4 (UFU-2011) Jean-Paul Sartre (1905-1980) encontrou um
uma existência manifestada na história de sua vida.
motivo de reflexão sobre a liberdade na obra de Dostoiévski Os
irmãos Karamazov: “se Deus não existe, tudo é permitido”. A partir b) O homem não é mais do que aquilo que a sociedade faz com
daí teceu considerações sobre esse tema e algumas consequências ele.
que dele podem ser derivadas.  c) O homem primeiramente existe porque sendo consciente é
[...] tudo é permitido se Deus não existe e, por conseguinte, o um ser em si e para o outro.
homem está desamparado porque não encontra nele próprio d) O homem é determinado por uma essência superior, que é o
nem fora dele nada a que se agarrar. Para começar, não encontra Deus da existência, pois, primeiramente não é nada.
desculpas. [...] Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar
e) O homem primeiramente não é nada. Só depois será alguma
dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado,
coisa e tal como a si próprio se fizer.
porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma
vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz.  5. C1:H4 (UFU-2012) Leia o excerto abaixo e assinale a alternativa que
(SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São
relaciona corretamente duas das principais máximas do existen-
Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 9. Coleção “Os Pensadores”.) cialismo de Jean-Paul Sartre, a saber:
I. “a existência precede a essência”
Com base em seus conhecimentos sobre a filosofia existencialista
II. “estamos condenados a ser livres”
de Sartre e nas informações acima, assinale a alternativa correta. 
Com efeito, se a existência precede a essência, nada poderá jamais
a) Porque entende que somos livres, Sartre defendeu uma filosofia
ser explicado por referência à uma natureza humana dada e defini-
não engajada, isto é, uma filosofia que não deve se importar
tiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é
com os acontecimentos sociais e políticos de seu tempo. 
liberdade. Por outro lado, se Deus não existe, não encontramos já
b) Para Sartre, a angústia decorre da falta de fé em Deus e não prontos valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta.
do fato de sermos absolutamente livres ou como ele afirma “o [...] Estamos condenados a ser livres. Estamos sós, sem desculpas.
homem está condenado a ser livre”.  É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a
c) As ações humanas são o reflexo do equilíbrio entre o livre- ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como no
-arbítrio e os planos que Deus estabelece para cada pessoa, entanto é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável
consistindo nisto a verdadeira liberdade.  por tudo o que faz.
d) Para Sartre, as ações das pessoas dependem somente das esco- (SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um humanismo.
lhas e dos projetos que cada um faz livremente durante a vida e 3ª Ed. São Paulo: Nova Cultura, 1987.)
não da suposição da existência e, portanto, das ordens de Deus. 
a) Se a essência do homem, para Sartre, é a liberdade, então jamais
3. C1:H1 (Unioeste-2012) “O que significa aqui o dizer-se que a exis- o homem pode ser, em sua existência, condenado a ser livre, o
tência precede a essência? Significa que o homem primeiramente que seria, na verdade, uma contradição.
existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O
b) A liberdade, em Sartre, determina a essência da natureza
homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível,
humana que, concebida por Deus precede necessariamente
é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa
sua existência.
e tal como a si próprio se fizer. (…) O homem é, não apenas como
ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe c) Para Sartre, a liberdade é a escolha incondicional, à qual o ho-
depois da existência, como ele se deseja após este impulso para mem, como existência já lançada no mundo, está condenado
a existência; o homem não é mais que o que ele faz. (…) Assim, o e pela qual projeta o seu ser ou a sua essência.
primeiro esforço do existencialismo é o de por todo o homem no d) O Existencialismo é, para Sartre, um Humanismo, porque a
domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade de existência do homem depende da essência de sua natureza
sua existência. (…) Quando dizemos que o homem se escolhe a si, humana, que a precede e que é a liberdade.
queremos dizer que cada um de nós se escolhe a si próprio; mas
com isso queremos também dizer que, ao escolher-se a si próprio,
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ele escolhe todos os homens. Com efeito, não há de nossos atos um

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Complementares (5) O existencialismo sartreano, centrado na liberdade indivi-
dual, configura-se como uma doutrina egoística, apolítica
1. (UFFS) Husserl considerava a si mesmo e a Heidegger como os e amoral.
pensadores que desenvolviam e aplicavam a fenomenologia Soma ( )
na reflexão filosófica, mas o estudo dos pensadores indica que
Heidegger se distanciava do fundador da fenomenologia. Assinale 5. (IFE) Analisando a fenomenologia de Husserl, está correto afirmar
a alternativa que demonstra esse distanciamento. que:
a) Heidegger, ao contrário de Husserl, assumia o conceito de ser a) a fenomenologia resgata o psicologismo do final do século
como evidente. XIX, no intuito de apresentar a consciência como epicentro na
b) Heidegger considerava a fenomenologia como a própria forma construção do conhecimento.
de se filosofar, enquanto que Husserl a via como método. b) segundo Husserl, a fenomenologia é sinônimo de fenomenis-
c) Heidegger evidencia uma preocupação com a metafísica, ao mo no sentido de que tudo que existe é apenas um fenômeno
passo que Husserl construiu uma fenomenologia antimetafísica. da consciência e se resolve nela por meio da construção de
d) Heidegger, ao contrário de Husserl, buscou resolver o problema esquemas.
do ser recorrendo à consciência. c) a tarefa da fenomenologia é investigar, sobretudo, a significa-
e) A redução em Heidegger se refere a dados existenciais da ção das vivências da consciência, levando em consideração o
consciência, e em Husserl, ao homem concreto. conceito de intencionalidade.
d) a epoqué proposta por Husserl visa à suspensão do conheci-
2. Observe as afirmativas abaixo sobre o existencialismo: mento para resgatar nos objetos da consciência a coisa em si
I. Existencialismo e essencialismo são sinônimos. e os esquemas que permitem a construção da objetividade
II. O objeto de estudo do existencialismo é o ser humano em sua do objeto.
condição de existência. e) o problema levantado pelo conceito de epoqué é análogo ao
III. O existencialismo foi uma corrente que somente abrangeu a aventado por Descartes na Primeira Meditação, visto que ela
filosofia. é o primeiro passo para demonstrar a existência do mundo.
Estão corretas: 6. Por que Husserl criticou as ciências? O que é a epoché?
a) I. c) III. e) I, II e III.
b) II. d) I e II.
7. Por que é perigoso tornar as ciências autônomas do espírito?
3. (UFU) Segundo Jean-Paul Sartre, filósofo existencialista contem-
porâneo, liberdade é:
I. escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e 8. (UFPR) Os trechos abaixo foram retirados de O Existencialismo é um
de seu mundo. Humanismo, de Sartre.
II. aceitar o que a existência determina como caminho para a “Consideremos um objeto fabricado, como, por exemplo, um livro
vida do homem. ou um corta-papel; esse objeto foi fabricado por um artífice que
III. sempre uma decisão livre, por mais que se julgue estar sob o se inspirou num conceito; tinha, como referenciais, o conceito de
poder de forças externas. corta-papel assim como determinada técnica de produção [...]
IV. estarmos condenados a ela, pois é a liberdade que define a Desse modo, o corta-papel é, simultaneamente, um objeto que é
humanidade dos humanos. produzido de certa maneira e que, por outro lado, tem uma utilida-
de definida [...] Podemos assim afirmar que, no caso do corta-papel,
Estão corretas, apenas:
a essência – ou seja, o conjunto das técnicas e das qualidades que
a) I e IV. c) I, II e IV. e) I, III e IV. permitem a sua produção e definição – precede a existência.”
b) II e III. d) III e IV. “O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível
4. (UEM) “Porém, se realmente a existência precede a essência, o de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente
homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. [...] O
do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é, homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo [...] Se
de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência. Assim, realmente a existência precede a essência, o homem é responsá-
quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não vel pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo
queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita é o de pôr todo homem na posse do que ele é, de submetê-lo à
individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens.” responsabilidade total de sua existência.”
(SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Compare os dois trechos anteriores, considerando a relação esta-
São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 6.) belecida pelo autor entre essência e existência.
Sobre o existencialismo sartreano, assinale o que for correto. 9. (IFPR-2011) A definição usual do termo grego techne relaciona-se
(1) Com o lema “a existência precede a essência”, Sartre nega- com “arte, manufatura”, como um modo usual de se fazer algo,
va haver uma natureza humana; o homem primeiro existe como habilidade e destreza, geralmente em contraste com a ideia
e posteriormente se define conforme suas escolhas e o que de episteme (“ciência”). Em sua conferência A Questão da Técnica,
decide fazer de si mesmo. Heidegger ultrapassa essa definição usual. Produza um texto em
que você discuta a noção de techne em Heidegger e, com base
(2) O homem, criatura decaída, está lançado à própria sorte até
nessa discussão, esclareça a frase: “a essência da técnica não é de
encontrar o sentido de sua existência na graça de Deus, de
modo algum algo tecnológico”.
quem recebeu o livre-arbítrio.
(3) Diferente das coisas, só o homem é livre, está “condenado
a ser livre”, pois nada mais é que seu projeto; consciente de
sua existência, é totalmente responsável por ela.
(4) O homem, ao delinear seu projeto, o faz na convicção de
que o que é bom para si é bom para todos; a imagem do ho- GABARITO ONLINE
1. Faça o download do aplicativo SAE Questões ou qualquer aplicativo
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mem que desejamos ser é, ao mesmo tempo, a imagem do de leitura QR Code.


homem como julgamos que deve ser, de modo que nossa 2. Abra o aplicativo e aponte para o QR Code ao lado.
responsabilidade envolve toda a humanidade. 3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela.

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Filósofos contemporâneos e a
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compreensão da democracia
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Mari Dein

contemporânea
Breve panorama da Filosofia nos séculos XX e XXI • Fundamentos filosóficos para a
compreensão da democracia contemporânea
Filosofia
mód. 07/08

07
Filosofia Saiba mais
contemporânea:
breve panorama
da filosofia nos
séculos XX e XXI

START
Leia o texto e realize a atividade sugerida.

O que é globalização?
[...]
O processo de globalização é um fenômeno do modelo econômico capitalista, o qual consiste na mun-
Realizar um debate
após a leitura do texto, dialização do espaço geográfico por meio da interligação econômica, política, social e cultural em âmbito
usando as questões planetário. Porém, esse processo ocorre em diferentes escalas e possui consequências distintas entre os países,
como orientação. Você sendo as nações ricas as principais beneficiadas pela globalização, pois, entre outros fatores, elas expandem
pode acrescentar outras
questões propostas pela seu mercado consumidor por intermédio de suas empresas transnacionais.
turma. Após o debate, so-
licitar registro individual O desenvolvimento e a expansão dos sistemas de comunicação por satélites, informática, transportes e
das conclusões a que os telefonia proporcionaram o aparato técnico e estrutural para a intensificação das relações socioeconômicas
alunos chegaram. em âmbito mundial. Esse processo é uma consequência da Terceira Revolução Industrial, também conhecida
como Revolução Técnico-Científico-Informacional, uma vez que, por meio dos avanços tecnológicos obtidos,
foi possível promover maior integração econômica e cultural entre regiões e países de diferentes pontos do
planeta.
[...]

(Disponível em: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/o-que-globalizacao.htm>. Acesso em: 5 out. 2018.)

A globalização é um processo que vem ocorrendo desde o final do século XX e se esten-


de pelo século XXI. Como você, sendo um jovem “digital nato”, percebe esse processo em
seu cotidiano?
Debata esse assunto com os colegas e professor, usando as perguntas a seguir como
orientação para o debate.
kentoh/Shutterstock

● Quais aspectos da globalização são mais visíveis em seu cotidiano nos âmbitos político,
social, econômico e cultural?
● Qual a importância do diálogo e da comunicação em um mundo globalizado?
● Que valores você considera essenciais para viver numa “aldeia global”?
● Quais são os aspectos positivos e negativos da globalização?
● A globalização favorece ou desfavorece a democracia?
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Breve panorama da Filosofia
Observe

nos séculos XX e XXI


“Em 1957, um objeto
terrestre, feito pela mão
do homem, foi lançado ao
A filosofia do século XX é resultado dos grandes acontecimentos deste período, como as duas Universo, onde durante
algumas semanas girou em
grandes Guerras Mundiais, a Guerra Fria, a queda do Muro de Berlim e o avanço da globalização e torno da Terra segundo as
do neoliberalismo. É um período em que cada vez mais são exigidas tolerância e relativização de mesmas leis de gravitação
tantos costumes e ideologias, tendo em vista os catastróficos conflitos que arrasaram o planeta que governam o movimento
nas primeiras décadas do século XX. dos corpos celestes – o Sol,
a Lua e as estrelas. É verda-
ba mais A posterior divisão do mundo entre capitalistas e comunistas deixou marcas que ainda le- de que o satélite artificial
varão bastante tempo para serem dissipadas, pois seguem influenciando de maneira decisiva não era nem lua nem estre-
a filosofia política. Por fim, o fenômeno da globalização nasce alavancando novas dinâmicas e la; não era um corpo celeste
que pudesse prosseguir
novos modos de viver.
em sua órbita circular por
um período de tempo que

Sergei Bachlakov/Shutterstock
para nós, mortais limitados
ao tempo da Terra, durasse
uma eternidade. Ainda
assim, pôde permanecer nos
céus durante algum tempo;
e lá ficou, movendo-se no
convívio dos astros como se
estes o houvessem proviso-
riamente admitido em sua
sublime companhia.”
Hannah Arendt
Esse trecho representa o
momento de acelerado
desenvolvimento das tecno-
logias no século XX. Arendt
trata de maneira poética
o satélite, comparando-o
aos corpos celestes. O
crescimento tecnológico afe-
tará diretamente todos os
campos, inclusive a filosofia.
Além disso, é importante
notar que vivemos uma
época completamente
distinta das anteriores, com
globalização, rápida evo-
lução tecnológica, mundo
Muro de Berlim na atualidade. virtual, avanços da genética,
robótica etc.
O século XX foi a época em que cada vez mais as pessoas deixaram de ser apenas membros
de suas nações, pois o desenvolvimento tecnológico nos meios de transporte e de comunicação
aproximou muitas culturas e muitos povos. Trata-se, sobretudo, de um século conturbado, que Saiba mais
viu muitas guerras, muitos regimes totalitários, além de mudanças e avanços nas ciências.
A Teoria da Relatividade de
O século XX é também consequência de grandes avanços científicos que emergem desde o
Einstein trouxe uma relação
século XIX, como a Teoria da Evolução das Espécies de Darwin, a psicanálise de Freud, a Teoria da pioneira entre massa e
Relatividade de Einstein e mais recentemente as grandes descobertas da genética e das neuro- energia, gerando inúmeras
ciências. A partir desses avanços, nos deparamos com questões intrincadas que outras épocas conclusões, como o fato de
não enfrentaram, como as questões bioéticas da clonagem e da robótica. que o comprimento, a massa
e o tempo de um objeto
Movimentos sociais, culturais e científicos manifestaram-se na construção filosófica da con- variam de acordo com a sua
temporaneidade. A filosofia contemporânea investiga várias áreas do conhecimento, como a lógi- velocidade.
ca, a ética, a filosofia política e a filosofia do direito, envolvendo-se com questões interdisciplina-
res, como a filosofia da ciência, a bioética e a filosofia da linguagem.
Dentro dessa amplitude de linhas de estudo, alguns filósofos deixaram influências marcantes
Glossário
na forma de pensar da atualidade: Max Scheler e a sua cosmologia de valores; Jürgen Habermas e
a ação comunicativa; Hannah Arendt e a sua discussão sobre poder e violência; e Michel Foucault Neurociências: esse termo
com suas teorias da arqueologia do saber e da genealogia do poder. reúne os estudos focados
no sistema nervoso, por
exemplo os estudos sobre
comportamento e processo
de aprendizagem. É um
estudo inovador, pois busca
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relacionar-se com outras


áreas, como a linguística.

FIL 85

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Max Scheler e a cosmologia dos valores
Max Scheler foi um filósofo alemão que

Domínio público
nasceu em Munique, em 22 de agosto de 1874,
e faleceu em Frankfurt, no ano de 1928. Tem
como ponto fundamental de seu pensamen-
to a crítica ao formalismo de Kant , feita por
meio do desenvolvimento da ética dos costu-
Glossário mes. Estudou medicina, filosofia e sociologia.
Interessou-se pelo método fenomenológico
O imperativo categórico
kantiano recomenda: “Age proposto por Edmund Husserl após entrar em
somente segundo uma má- contato com seus discípulos, desenvolvendo
xima tal, que possas querer esse método em seus estudos.
ao mesmo tempo que se
torne lei universal”. A ética de Kant está na dimensão do dever.
O homem precisa agir desse ou daquele modo
porque há um imperativo categórico que o
impele. Para Scheler, é a mesma coisa que di-
zer “tu deves porque deves”.
A crítica de Scheler é forte: quando agimos
apenas pelo dever, não vemos realmente o que
há de importante naquilo que estamos fazen-
do. É agir simplesmente por agir. Fazemos isso
ou aquilo porque temos que fazer. E esse tipo
de ação bloqueia a vida, pois não há algo de
Max Scheler. valor.
Para Scheler, o problema em Kant é que ele não distinguiu bens de valores. Para Scheler, a dife-
rença é que os bens são coisas que têm valor. Exemplos: a lei é um bem porque tem a justiça como
valor; uma máquina é um bem porque tem uma utilidade como valor. O bem é material, enquanto
o valor é a essência do bem.
Scheler traz uma grande novidade na questão da ética: não é necessário analisar a ação pelo
dever de agir daquele modo, mas pelo valor que aquela ação tem. Dessa forma, ele sustenta a sua
cosmologia dos valores. O ser humano vive em um mundo que já tem seus valores, os quais man-
têm uma hierarquia: há valores mais elevados que outros. Observe a tabela com a hierarquia in-
tuída por Scheler.

Valores Atributo
Valores sensoriais (alegria-tristeza; prazer-dor) Satisfações imediatas
Valores da civilização (útil-danoso) Técnico
Valores vitais (nobre-vulgar) Herói
Valores culturais ou espirituais Gênio
a) Estéticos (belo-feio) Artista
b) Ético-jurídicos (justo-injusto) Legislador
c) Especulativos (verdadeiro-falso) Sábio
Valores religiosos (sagrado-profano) Santo

Observa-se como nessa hierarquia os


Alf Ribeiro/Shutterstock

valores ascendem dos mais comuns e práti-


cos, como os sensoriais e da civilização, para
valores cada vez mais transcendentes. Para
alcançar os valores culturais ou espirituais é
necessária uma racionalidade aprimorada,
que possibilite intuir valores estéticos, ético-ju-
rídicos e especulativos. Já os valores religiosos
somente podem ser compreendidos com pro-
funda intuição emocional, um verdadeiro sen-
timento de evidência daquilo que é sagrado e
daquilo que não é.
Essa ideia de hierarquia possui relação
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A agricultura é um exemplo de saber técnico, em que são necessários


vários conhecimentos para se adquirirem alimentos pelo cultivo da
também com a sociologia do saber, em que terra. Na imagem, plantação de café em Minas Gerais.

86 FIL

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Scheler distingue três tipos de saberes (religioso, metafísico e técnico), que permitem entender
três tipos de realidades (espiritual, psíquica e física).
O saber técnico coloca o homem diante da natureza, permitindo que a domine e a utilize para
seu próprio benefício. Aqui está a maioria dos conhecimentos técnicos e científicos, como a téc-
nica da agricultura, que auxilia o homem a extrair da terra alimentos e outros produtos para seu
consumo.
O saber metafísico é o que se refere à verdade e aos valores. Em geral, aqui se situa o conhecimento Glossário
filosófico, que busca acima de tudo a verdade e não apenas a utilização prática dos saberes.
Escola de Frankfurt: o
Por fim, o saber religioso é o saber definitivo, pois abre as portas para o homem entrar em conjunto dos trabalhos
contato direto com o Ser supremo. dessa escola é conhecido
como Teoria Crítica e trata

Jürgen Habermas: a ação comunicativa


de uma reflexão sobre a
crise da sociedade da época.
Tais pensadores buscam
Jürgen Habermas é um filósofo e sociólo- intervir na prática social

360b/Shutterstock
go alemão que nasceu em Düsseldorf em 18 por meio da busca de uma
de junho de 1929. Estudou filosofia, história, nova ordem para as relações
sociais.
literatura, economia e sociologia. Foi membro
da segunda geração da Escola de Frankfurt. Razão instrumental: termo
cunhado pela Escola de
Atualmente aposentado, participa de debates, Frankfurt que designa
atua em jornais e publica novos trabalhos com a razão quando esta é
frequência. utilizada como instrumento
de dominação, poder e
Habermas formou-se em 1954 pela exploração e não mais como
Universidade de Bonn, com um trabalho sobre uma forma de acesso aos
Max Scheler. Posteriormente tornou-se assis- conhecimentos.
Jürgen Habermas.
tente do filósofo e sociólogo Theodor Adorno no
Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Nesse local surgiu a corrente de pensamento neomarxista,
conhecida como Escola de Frankfurt, da qual Habermas é o guia atualmente.
A obra de Habermas abrange os principais problemas sociais e humanos a partir da comuni-
cação. Sua teoria, a do “agir comunicativo”, tenta estabelecer uma nova dinâmica para os tempos
atuais, seja na dimensão política, social, científica, jurídica etc.
A Teoria da Ação Comunicativa é uma crítica à concepção de razão instrumental postulada
pelos pensadores da primeira fase da Escola de Frankfurt, que, limitada à busca de resolução de
determinados meios, exclui o discurso ético, por exemplo. A razão instrumental não engloba em
si a ética e os valores humanos, é uma racionalidade mecânica que busca tão somente resolver
alguma questão, sem perceber as implicações que isso pode acarretar na sociedade.
O mais importante para a atualidade, na visão de Habermas, é o estabelecimento do consenso.
Por meio dele, poderíamos elaborar normas e valores morais que trariam benefícios a toda cole-
tividade e não apenas a partes dela.
Destaca-se a importância da linguagem e da comunicação. Com a ação comunicativa os indi-
víduos estão a todo momento interagindo uns com os outros, criticando e refletindo, de modo
que o resultado desse envolvimento seja produto da própria comunicação, e não da imposição de
alguém ou de alguma instituição.
Um dos objetivos de Habermas com a ação comunicativa é permitir que os novos valores e
normas sejam criados pelo próprio ser humano em constante comunicação entre si, de forma
democrática e igualitária.

Tendo em vista que o ser humano não é influenciado unicamente pelo meio em que vive, mas
também atribui um sentimento às suas ações, graças à linguagem ele pode expressar intenções,
desejos, expectativas e, a partir de então, com a racionalidade, pode iniciar a construção de cami- Universidade de Bonn, na
Alemanha.
nhos que o levarão ao êxito da vida em sociedade.
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Com a ação comunicativa, os valores e as normas passam a ter validade, pois foram discuti-
dos e aceitos consensualmente pelas pessoas. Os indivíduos podem aceitar ou refutar ideias, de
forma que o consenso que resulta da relação entre as pessoas pode criar, modificar ou retirar
valores. Isso é muito importante, pois ajuda a tornar a sociedade mais livre para escolher aquilo
que ela quer para si.
Ajudar a sociedade a ser mais livre é essencial para Habermas, pois ele busca recuperar o
mundo da vida (no sentido de Husserl). Segundo ele, encontram-se na sociedade duas esferas: o
sistema e o mundo da vida. O sistema é toda a reprodução material guiada pela lógica das comuni-
cações, da política e da economia. Além disso, esse sistema cria valores que as pessoas são impe-
lidas a seguir.

Rawpixel.com/Shutterstock
Já o mundo da vida é a esfera da própria
ação comunicativa, ou seja, é a dimensão das
pessoas comunicando-se e buscando o con-
senso, produzindo ideias que valorizem e aju-
dem a sociedade.
Glossário O problema é que o mundo da vida foi “co-
O Estado Democrático de lonizado” pelo sistema. E isso significa que em
Direito é aquele no qual geral não fazemos as coisas com base em um
todos estão submetidos exercício crítico e consciente daquilo que é me-
ao Direito, ou seja, tanto o lhor para nós, mas que apenas vamos seguin-
indivíduo quanto o poder O estilo de vida da atualidade, por exemplo, nos induz ao consumo de
do as “regras” do sistema. mais coisas do que realmente precisamos.
público respeitam e agem
de acordo com o Direito. Portanto, é importante que as pessoas façam o esforço de retornar ao mundo da vida, o que
Democrático designa a ocorreria pela ação comunicativa. Pela comunicação, que exige crítica, diálogo e reflexão, seria
forma pela qual esse Estado
possível superar esse sistema e criar valores que sejam de fato importantes para a sociedade.
de Direito é exercido.
A teoria da ação comunicativa também é importante para a fundamentação do Estado
Democrático de Direito. Para Habermas, somente uma teoria do discurso é capaz de promover
a soberania popular a partir das relações intersubjetivas entre os indivíduos. Com isso a sobera-
nia popular alcançaria a própria rede de comunicação. A ação comunicativa pode, ainda, ajudar a
opinião pública a fundamentar os princípios do Estado Democrático de Direito, pois este se guiará
pelos preceitos motivados pela própria população.
Com isso percebe-se como Habermas encontra na linguagem uma dimensão de amplo signi-
ficado. A linguagem não é apenas o instrumento de comunicação entre as pessoas, é na verdade
um mundo intersubjetivo em que podem dialogar múltiplas subjetividades, opiniões, visões e
entendimentos. Por meio da linguagem é possível colocar concepções morais e científicas em dis-
cussão. Sendo a linguagem uma dimensão intersubjetiva, é essencial compreender que ela pode
se tornar o principal veículo de promoção do bem comum, já que ela não é propriedade deste ou
daquele indivíduo, mas de todos, pois na linguagem pode prevalecer a dinâmica da compreensão
mútua.

Hannah Arendt: os direitos humanos e a diferença entre poder e


violência
Biografia Hannah Arendt foi uma filósofa de origem
judaica nascida em Linden, na Alemanha, no
Karl Jaspers (1883-1969) foi
ano de 1906 e que faleceu no ano de 1975. Foi
um filósofo e psiquiatra ale-
mão. Devido à sua formação aluna de Heidegger, Husserl e Karl Jaspers.
em medicina e seus estudos Perseguida pelo nazismo, ficou exilada nos
filosóficos, sempre buscou Estados Unidos desde 1941. Trabalhou em uni-
unir a ciência à filosofia. versidades americanas, lecionando principal-
mente a disciplina de Filosofia Política.
O pensamento de Hannah Arendt está
ligado às suas experiências enfrentadas na
Segunda Guerra Mundial, quando foi persegui-
da pelos nazistas. A sua filosofia é uma respos-
ta a todo o horror presenciado naqueles anos,
nos quais a convivência entre os povos foi aba-
lada diante da assombrosa violência que sacu-
Hannah Arendt. diu o mundo.
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A violência desse período serviu de estímulo para suas reflexões sobre a relação entre poder
Glossário
e violência. Em geral as pessoas entendem que a violência é um conteúdo fundamental do po-
der, como se para se exercer o poder fosse obrigatoriamente necessária a violência. Isso porque Declaração Universal dos
quem está no poder pode, com a sua própria vontade, obrigar outros a agir de determinado Direitos Humanos: é um
documento que foi produ-
modo. zido em 1948 depois dos
Nesse ponto, Arendt discorda, pois para ela alguém só pode chegar ao poder se antes existir acontecimentos bárbaros
um consenso entre várias pessoas definindo aquele poder. Logo, se o consenso entre pessoas es- da Segunda Guerra Mundial.
As nações emergentes
tipula o poder, isso significa que a meta do poder não pode ser algo individual, mas um objetivo do período pós-guerra
comum, benéfico a todos, do contrário não faria sentido existir um consenso para estabelecer o formularam esse documento
poder. A violência é a destruição da cooperação, do consenso. Quando alguém age com violência que versa sobre os direitos
com o outro significa que está contra aquele outro, não há consenso, não há trabalho coletivo. inerentes ao homem,
como o direito à vida e à
A violência aparece quando justamente o poder do consenso foi quebrado. Aqueles que es- liberdade.
tão no poder já não possuem apoio dos demais, não há convivência, então, como querem manter
o status ainda assim, decidem apelar para a violência, tentando garantir desse modo o poder, que
Saiba mais
então é violento, uma forma já deturpada do verdadeiro e legítimo poder.
As reflexões sobre o poder e a violência conduziram Hannah Arendt a fazer contribuições Os direitos humanos
incluem o direito à vida e
decisivas na construção dos direitos humanos e da cidadania. à liberdade, a liberdade
No mundo moderno, para se ter direitos, é imprescindível ter uma nacionalidade, fazer parte de opinião e de expressão,
de um país. Uma pessoa só tem liberdade, dignidade, segurança e tantos outros direitos garanti- o direito ao trabalho e à
educação, entre muitos ou-
dos se o país do qual é membro garante em sua Constituição tais direitos. tros. Todos merecem esses
Porém, Hannah Arendt viu a Alemanha nazista retirar o direito à nacionalidade dos judeus re- direitos, sem discriminação.
sidentes no país, que se tornaram, assim, apátridas, pessoas sem uma nacionalidade. Perdendo O Direito Internacional
a nacionalidade, nada mais garantia que possuíssem qualquer direito. Os judeus da Alemanha dos Direitos Humanos
estabelece as obrigações
ficaram, então, sem ter para onde ir. Não havia mais lugar para eles, tornaram-se descartáveis,
dos governos de agirem de
excedentes no mundo, perderam, portanto, a própria condição humana. Nesse cenário emble- determinadas maneiras ou
mático, os judeus foram colocados em campos de concentração. de se absterem de certos
atos, a fim de promover
A partir dessa catástrofe, Arendt percebeu que chegara o momento do direito transcender o
e proteger os direitos
seu status nacional, pois este já não garantia a segurança dos indivíduos. Era necessário, portan- humanos e as liberdades de
to, algo consensual entre as nações e que devesse ser respeitado pelo todo: eis o surgimento dos grupos ou indivíduos.
direitos humanos no plano internacional. Desde o estabelecimento
Dessa forma a filósofa constrói também a sua ideia de cidadania, que é o “direito a ter direi- das Nações Unidas, em
1945 – em meio ao forte
tos”, isto é, não importa a nacionalidade, pois mesmo que o indivíduo não tenha uma, ninguém lembrete sobre os horrores
pode violar a segurança, a liberdade, a vida e outros direitos fundamentais desse indivíduo. da Segunda Guerra Mundial
Hoje, os Direitos Humanos estão consolidados internacionalmente, porém, em sua origem, –, um de seus objetivos
fundamentais tem sido pro-
receberam essa contribuição filosófica valorosa de Hannah Arendt. mover e encorajar o respeito
aos direitos humanos para
todos, conforme estipulado
na Carta das Nações Unidas:
“Considerando que os
povos das Nações Unidas
reafirmaram, na Carta da
ONU, sua fé nos direitos
humanos fundamentais,
na dignidade e no valor do
ser humano e na igualdade
de direitos entre homens e CL-Medien/Shutterstock
mulheres, e que decidiram
promover o progresso social
e melhores condições de
vida em uma liberdade
mais ampla, … a Assembleia
Geral proclama a presente
Declaração Universal dos
Diretos Humanos como o
ideal comum a ser atingido
por todos os povos e todas
as nações…”.
Campo de concentração na Polônia, utilizado durante a Segunda
Guerra Mundial. (Disponível em: <https://nacoesuni-
das.org/direitoshumanos/>. Acesso
em: 7 out. 2018.)
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Filme
“A privação fundamental dos direitos humanos manifesta-se, primeiro e acima de tudo, na privação de

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um lugar no mundo que torne a opinião significativa e a ação eficaz. Algo mais fundamental do que a liber-
dade e a justiça, que são os direitos do cidadão, está em jogo quando deixa de ser natural que um homem
pertença à comunidade em que nasceu, e quando o não pertencer a ela não é um ato da sua livre escolha,
ou quando está numa situação em que, a não ser que cometa um crime, receberá um tratamento indepen-
dente do que ele faça ou deixe de fazer. Esse extremo, e nada mais, é a situação dos que são privados dos
seus direitos humanos. São privados não do seu direito à liberdade, mas do direito à ação; não do direito de
pensarem o que quiserem, mas do direito de opinarem. Privilégios (em alguns casos), injustiças (na maioria
das vezes), bênçãos ou ruínas lhes serão dados ao sabor do acaso e sem qualquer relação com o que fazem,
Hannah Arendt fizeram ou venham a fazer.”
Diretora: Margarethe Von
Trotta
Ano: 2013 (ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução de: RAPOSO, Roberto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 317.)

Michel Foucault: arqueologia do saber e genealogia do poder


Sinopse: Conta a história
do julgamento de Adolf Ei-
chmann, para o qual Arendt
Michel Foucault (1926-1984) foi um filósofo e professor francês. Fez

LEAS/Reprodução
foi convidada a acompanhar
para escrever uma reporta- críticas a várias instituições sociais, como hospitais e prisões, e à medi-
gem para o NY Times. Nesse cina. Buscou compreender a transformação do conjunto formado pelo
período surge uma nova
tese de Arendt que entra em poder, pelo conhecimento e pela verdade.
confilto com a concepção Em suas obras tratou de temas como: as possibilidades para as con-
que a comunidade judaica dições da experiência da medicina moderna; a evolução da economia,
tinha das atrocidades da
Segunda Guerra. das ciências naturais e da linguística; a formação e utilização do discur-
so, o conceito de comunicação e sua relação com o discurso; a tecnologia
do poder; a compreensão de si mesmo como um ser sexual para a moral
e a ética; um sistema de controle não reconhecido ou compreendido
pelos conceitos tradicionais de autoridade política e social; entre outros. Michel Foucault.
Michel Foucault foi um dos principais repre-
UNESCO/Michel Ravassard

sentantes do estruturalismo, um movimento de intelectuais surgido nos


anos 1950, sobretudo na França, e que teve o impacto de outros nomes
como Claude Levi-Strauss na antropologia e Jacques Lacan na psicologia.
Foucault é o representante na filosofia.
O estruturalismo pode ser sintetizado como uma resistência ao ex-
cessivo idealismo subjetivista de que o “eu” é completamente livre (crítica
ao existencialismo) e, por isso, o ser humano tem o poder de fazer tudo
aquilo que deseja. Também a concepção finalista da história (positivismo),
aquela que acredita haver um sentido na história humana, é frontalmen-
Levi-Strauss, principal repre-
sentante do estruturalismo na te rebatida pelos pensadores estruturalistas.
antropologia e um dos principais
intelectuais do século XX. Para as ciências, estrutura é um conjunto de leis que define o com-
portamento dos objetos e o modo como eles se desenvolvem. São regras
que estruturam a forma de determinado objeto existir. Exemplos: a estrutura do átomo, na física;
e a estrutura das línguas, na linguística.
Biografia Foucault e os outros estruturalistas não se limitam a esse conceito, mas criam o uso filosófico.
Ferdinand de Saussure As descobertas científicas até o século XX revelaram muitos condicionamentos que restrin-
(1857-1913) foi um filósofo gem a liberdade humana. A psicanálise de Freud, por exemplo, defende que repetimos durante
e linguista suíço que con- toda a existência certos complexos adquiridos no primeiro período da vida.
tribuiu com o surgimento
do estruturalismo. Inovou Ferdinand de Saussure apresentou os complexos mecanismos que estruturam a linguagem,
no campo da linguística e é limitando nossa capacidade de expressão; o marxismo trouxe a força das instituições e da econo-
visto como o pai da Semio- mia e sua influência na vida social; por fim Levi-Strauss enfatizou que todas as culturas carregam
logia, ou Semiótica, ciência determinados mitos, valores e ideias que são comuns a qualquer cultura.
que estuda os fenômenos
culturais como os sistemas Estudando mitos de várias culturas Levi-Strauss percebeu que eles podem ser organizados e
de signos. interpretados carregados de significados comuns. Isso demonstraria que mesmo quando pensa,
quando cria mitos, o ser humano cria sempre as mesmas ideias. Se nem nos mitos o homem é
livre, em mais nada pode ser. Há várias estruturas que empurram o ser humano a fazer sempre
determinadas coisas.
O ser humano se vê condicionado por estruturas econômicas, linguísticas, psicológicas, cultu-
rais etc. O objetivo do estruturalismo é evidenciar essas estruturas que limitam a liberdade huma-
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na. O existencialismo exaltou o ser humano; o estruturalismo quer explicá-lo.

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Foucault trouxe o estruturalismo para o cen- que envolve vários pontos, e o Estado é apenas
tro das discussões humanistas, evidenciando mais um deles.
que a alegação historicista de que a história teria Os poderes não estão situados, são antes
um sentido, uma finalidade, não existe, porque a relações de poder exercidas sobre os indiví-
história seria descontínua, conforme demonstra duos, influenciando na sua maneira de pensar
na obra As Palavras e as Coisas (1966). e agir. Há uma estrutura, um sistema de poder
Para Foucault, a história é desenvolvida e que funciona como uma máquina e que man-
controlada por estruturas que agem no nível tém todas as relações de poder, oprimindo os
inconsciente e que ele chamou de epistemas. indivíduos. O poder não é apenas fenômeno
Cada época possui determinadas relações jurídico, como a capacidade de o Estado ou de
entre as ciências e os vários discursos cientí- uma instituição exercer violência sobre o indi-
ficos e filosóficos. Como exemplo dessas rela- víduo ou a sociedade.
ções está a aplicação da teoria da evolução de O poder possui uma dimensão negativa e
Darwin aos campos da História e da Psicologia. uma dimensão positiva. O poder não é apenas
Essas relações entre as ciências e os discur- negativo, no sentido de oprimir violentamen-
sos são os epistemas de uma época. Foucault te o indivíduo, seja por retirar-lhe a liberdade
chamou o estudo dos epistemas de arqueolo- ao prendê-lo num presídio, seja a própria vio-
gia do saber, título de uma de suas obras mais lência física da tortura, por exemplo. O poder
importantes. também é positivo, pois em muitos casos bus-
ca adestrar e desenvolver a pessoa. A escola e
Aceitar a ideia de uma continuidade na his-
a fábrica, por exemplo, exercem poder sobre o
tória seria acreditar que o ser humano é o su-
indivíduo, restringem-lhe a liberdade de pen-
jeito que a constrói livremente, de forma que
sar ao forçá-lo a seguir determinados valores
tudo que aconteceu pode ser explicado como
morais. Mas, por outro lado, esse rigor aprimo-
aquilo que realmente desejou fazer. Além dis-
ra a capacidade de estudo na escola e a capaci-
so, repercute a história como algo linear, orga-
dade de trabalho na fábrica.
nizado e que possui um sentido determinado,
como se a mesma se dirigisse para determina- O exercício do poder produz efeitos nos
da situação. indivíduos, modificando as acepções de como
entendemos e estudamos o ser humano. Há
A história é feita de rupturas e trans-
uma relação indissociável entre saber e po-
formações. Há vários elementos que in-
der. O nascimento dos hospícios, por exemplo,
fluenciam as grandes modificações nas
exerceram poder sobre os indivíduos, sepa-
organizações sociais. A história não é con-
rando os saudáveis dos loucos. Por outro lado,
trolada pelo ser humano nem possui qual-
transformou os loucos em doentes mentais. O
quer projeto próprio, seja ele divino, seja
resultado disso é que os doentes mentais pas-
humano. O que está por trás da crítica de
saram a ser estudados por uma ciência pró-
Foucault é uma possível origem e natureza
pria, a Psiquiatria.
metafísica na história, como se esta possuísse
uma essência que a explicasse. As ciências humanas são exemplos de
como é forte a relação entre poder e saber.
A história e o saber terão ainda outro efei-
Não há ciência neutra, em especial as huma-
to importante na filosofia de Foucault: a sua
nas, toda ciência carrega um discurso ideológi-
concepção de genealogia do poder. Com esta
co, que se funda na genealogia do poder, isso
abordagem busca-se apresentar a relação en-
porque as ciências e os discursos em geral sur-
tre saber e poder.
gem devido às condições sociais, econômicas
Foucault estudou várias dimensões do e políticas que permitiram seu surgimento. A
poder impelido sobre o indivíduo e as formas ciência carrega consigo a ideologia desse sur-
de violência que surgiram na história contra gimento. Conclui-se, portanto, que há uma re-
os loucos, doentes ou presos. O autor escre- lação mútua entre o saber e o poder: a prisão
veu obras importantes sobre essas temáticas, exerce poder, mas influenciou o surgimento da
como História da Loucura e Vigiar e Punir. criminologia, tal como o hospício influenciou a
O ponto de partida seria discutir se o Psiquiatria.
Estado é o centro do poder que determina as As pesquisas de Foucault ajudam a enten-
demais formas de poder sobre o indivíduo ou der como a humanidade vive em um sistema
se é apenas mais um poder a influenciar a vida. que possui regras invisíveis, espalhadas por
Quais são as outras formas de poder? O hospi- toda parte. Há uma estrutura de poderes que
tal exerce poder na sociedade, pois separa os impelem a agir desse modo e não de outro.
saudáveis dos doentes, tal como a prisão se- Isso não é necessariamente negativo, pois o
para os cidadãos dos criminosos. Além disso, poder também contribui gerando saber. O
outras instituições, mais silenciosas, como a importante é que o indivíduo busque enten-
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Igreja e a escola, também exercem poder in- der-se e entender cada vez mais esse sistema,
fluenciando na construção dos valores morais. identificando as ideologias que influenciam os
Logo, o poder sobre o indivíduo é uma rede modos de vida.

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Fundamentos filosóficos para a compreensão da
Livro

democracia contemporânea
Editora Brasiliense

É necessário que todas essas decisões sejam atribuídas aos cidadãos em geral, ou apenas alguns – a uma
magistratura única, por exemplo, ou então a diversos juízes; ou estas a alguns, aquelas a outros; ou umas
a todos e outras a certa quantidade de cidadãos. Além disso, o que está na sua essência, de acordo com o
O que É Democracia
espírito da democracia, é conferir a todos os direitos de resolver sobre tudo; nisso consiste a igualdade que
Autor: Dennis L. Rosenfield
o povo anseia incessantemente.
Editora: Brasiliense
Esse livro faz parte da
coleção Primeiros Passos,
que traz em cada volume Aristóteles
um apanhado geral sobre os
mais variados assuntos. Por A democracia é uma forma de governo adotada por muitos países na atualidade. Em nosso
meio desse livro, é possível país, ela é resultado de uma luta de várias décadas, em um processo longo e violento que envol-
compreender os concei- veu muitas mortes e exílios no confronto com a ditadura militar. A democracia não é uma forma
tos-chave de democracia e
suas implicações na história
de governo perfeita, certamente há ainda muito a ser aperfeiçoada. Porém, é inegável o valor
da humanidade. que ela possui, por ser uma forma de governo que permite a todas as pessoas lutarem por seus
direitos e participarem das decisões políticas.
A democracia busca dar ao povo a prerrogativa de governar a si próprio por meio de repre-
sentantes escolhidos pelo próprio povo. Para tal, baseia-se também numa série de direitos, os
chamados direitos fundamentais, que possuem o escopo de garantir condições mínimas de uma
existência digna a todos os cidadãos. Em suma, a democracia precisa reduzir as desigualdades so-
ciais e oferecer espaço a todos para desenvolverem as próprias potencialidades. Em teoria, todos
são tratados igualmente como pessoas, como cidadãos.
Arquivo Nacional

Nas imagens, a polícia tenta conter as manifestações contra o regime militar e jovens expressam o desejo do fim da ditadura no Brasil. Arquivo Nacional

Reflita
O grande dilema das democracias contem-
rodrigo gavini/Shutterstock

Segundo as leis, todos te-


porâneas é superar o formalismo, ou seja, a
mos os mesmos direitos. No
entanto, não ficamos com a garantia de direitos apenas nas leis, para efe-
impressão de que aqueles tivar-se na prática. Uma democracia é um sis-
que possuem maior poder tema tão complexo que por vezes nos provoca
econômico conseguem pri- dúvidas se realmente estamos num governo
vilégios com o sistema? Nós
escolhemos representantes democrático.
(presidentes, governadores,
prefeitos, senadores, depu-
tados etc.), mas, na prática,
eles realmente governam
para nós? E os escândalos Sendo a democracia o governo do povo, o voto para a escolha do
de corrupção? O povo governante representa um dos grandes momentos do regime demo-
crático. Porém, é importante destacar que essa não é a única forma de
conseguiu o poder, mas esse participação que o cidadão pode ter.
poder se restringe ao voto?
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E o povo, quem é? Enfim,


são várias as interrogações
que podemos fazer.

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Política – Aristóteles
Aristóteles afirmava que o homem é um animal político, ou seja, que nasce já tendendo à vida
em comunidade. Depois de estudar acerca de como deveria ser a conduta humana na obra Ética
a Nicômaco, na Política o autor tratou da organização do Estado em oito livros.
Diferente de seu mestre Platão, Aristóteles era mais realista e não idealizava um Estado per-
feito, mas buscava a compreensão das formas de governo existentes e de que forma estas podem
ser aprimoradas. Ele dividiu as formas de governo em três, sendo que todas possuem a sua forma
degenerada ou corrupta:

Forma de governo Forma degenerada desse governo


Monarquia (governo de um só) Tirania
Aristocracia (governo de um grupo) Oligarquia
Democracia Demagogia

Aristóteles entendia que a democracia é uma forma corrupta de governo, pois ela acaba por Edição em português da Política,
se caracterizar pelo fato de a maioria governar tendo em vista os seus interesses e não aquilo de Aristóteles.

que seria melhor para a sociedade. Assim, a democracia, em geral, se resume a ser o governo da
maioria e não do povo inteiro ou da comunidade como um todo.

O Contrato Social – Jean-Jacques Rousseau


Glossário

Contratualistas: denomina-
A obra O Contrato Social refere-se às ideias de Rousseau sobre a formação do Estado e da so- ção atribuída aos filósofos
ciedade civil. Uma das grandes ideias trazidas pelo autor e que difere de todos os pensadores iluministas que conferem a
um contrato ou pacto social
contratualistas anteriores é a atribuição do poder soberano ao povo. Desse modo, a soberania
o surgimento e o estabeleci-
não emana mais das mãos de um monarca, como defendia Hobbes, mas do próprio povo. O cida- mento da vida civil.
dão no Estado de Rousseau possui uma dupla identidade: é ao mesmo tempo governante de to-
dos e governado por todos. É importante observar que aqui já se delineia um aspecto essencial
da ideia de democracia para modernos e contemporâneos: a democracia é o governo do povo e
para o povo.
Esse governo nasce da ideia do contrato so-

Domínio público
cial, momento em que o homem cede alguns
de seus direitos ao Estado para tornar a sua
vida mais qualificada, fazendo surgir dessa
forma o Estado civil. Para Rousseau, não existe
nada mais voluntário que o contrato social. Os
rumos do Estado civil se dão por meio do que
o autor entende por vontade geral, uma von-
tade coletiva que diz respeito àquilo que será
o melhor para todos. Esta é diferente da von-
tade particular de uma pessoa, em que há um
anseio tendo em vista um desejo meramente
pessoal. A vontade geral também não pode
ser confundida com a vontade de todos ou da
maioria, que se refere à soma das vontades
particulares, mas que não condiz necessaria-
mente com o que é o melhor para aquele povo.
A democracia funciona como vontade de todos
ou vontade geral?
A vontade geral é a chave para o governo
democrático em Rousseau, em que o interesse
comum aliado à soberania que está nas mãos
do povo promove o governo de todos. O con-
trato social realizado por cada indivíduo, que
decide abrir mão de parte de sua liberdade
para viver melhor conforme o bem comum, é
decisivo tanto para os ideais iluministas, que
influenciariam a Revolução Francesa, como
Frontispício da primeira edição de O Contrato Social, de Rousseau.
para o sentido atual da democracia.
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Filmes
Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Karl Marx

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Com Karl Marx a filosofia tomou novos rumos. Para Marx, é momento da filosofia não mais se
limitar a entender o mundo, é preciso modificá-lo.
Para Marx, Hegel, ao fim de tudo, acabou servindo também ao sistema e ideologia dominante,
a ideologia burguesa. Como o Estado prussiano era muito forte, Hegel acabou servindo a ele,
subvertendo seu pensamento para poder justificar a monarquia constitucional e a ideologia que
a sustentava.
V de Vingança Para Marx, a religião pode ter sido importante em outros tempos, mas na sua época não seria
Diretor: James McTeigue mais necessária, pois havia se tornado um instrumento de alienação. Por isso, ela seria o “ópio do
Ano: 2005
povo”, desviando o olhar dos homens da opressão que recebem das classes dominantes.
Sinopse: Um herói solitário Superada a religião, é preciso desmascarar o direito e a política, pois estes também são utiliza-
chamado “V” luta contra o dos como instrumentos de alienação do povo, uma vez que não mostram com clareza a verdade,
totalitarismo em que vive ou seja, a opressão das classes dominantes ao proletariado. Em seu período, o direito e a política
a sociedade de Londres tinham sua representação máxima e sublime na filosofia do direito de Hegel. Assim, derrotar
em um futuro próximo. Por
meio da comunicação com a Hegel seria desmascarar essas visões que seguem alienando o povo.
população, aos poucos, con- Hegel não defendia a democracia, mas uma monarquia constitucional. Marx enfrentou esse
segue o apoio do povo para pensamento, demonstrando que apenas a democracia permite liberdade e direitos a todos. Para
tentar modificar o sistema
de governo vigente. Marx, a democracia é a verdade, pois somente ela pode justificar a si mesma. A democracia não
se justifica com as ideias e sistemas, mas com a realidade, com as pessoas reais. É nesse espírito
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que o texto a seguir pode ser melhor compreendido.


O pensamento de Marx é demasiadamente importante para os nossos dias, pois sua demo-
cracia foi arduamente perseguida por tantas pessoas ao redor do mundo que moveram lutas
ferozes na busca de seus direitos. Antes de Marx, a democracia foi sempre vista como a busca
pelo bem comum, o bem da coletividade. Mas qual coletividade? Há como beneficiar todos? Ora,
se não aplicada corretamente, a democracia pode resultar em mais alienação, sendo utilizada
para favorecer as classes dominantes e oprimindo o povo. Antes de Marx, Hegel já havia sinali-
Apocalypse Now
zado a divisão entre classes na sociedade, mas foi Marx quem lutou por igualdade, reclamando
Diretor: Francis Ford Copolla
o direito dos proletários de buscarem seus espaços. Por isso, Marx segue tão vivo hoje como em
Ano: 1979 seu tempo.
Sinopse: O filme se passa
no ano de 1969 na Guerra

Domínio público
do Vietnã, em que soldados
americanos recebem uma
missão de capturar outro
soldado americano, que
acreditam ter ficado louco.
Quando chegam lá, porém,
percebem que esse soldado
é respeitadíssimo pelos
vietcongues. Surgirá, então,
a discussão dos valores, a
quem obedecer, por que se
está lutando nessa guerra
etc.
LC Barreto Produções

O que é isso Companheiro?


Diretor: Bruno Barreto
Ano: 1993
Sinopse: Retrata os anos
de ditadura militar no
Brasil, momento em que
os militares utilizaram a
violência para a manutenção Criança operando máquina no período da Revolução Industrial. Foram situações como essa que inspiraram a filosofia de Marx.
do poder. Questiona até que
ponto a violência é útil aos
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objetivos do povo.

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FILOSOFIA E POLÍTICA
Leia o texto a seguir sobre o contexto do século XXI no que diz respeito à globalização, à de-
mocracia, à comunicação e à liberdade.

Democracia e redes sociais


A democracia é a expressão política da busca da liberdade. Nela, nenhum poder é absoluto.
No mundo contemporâneo, liberdade e democracia são a regra. É evidente que experiências autoritárias
sobrevivem na Coreia do Norte, em Cuba, na Venezuela, na Síria ou na Turquia. É verdade também que a
democracia contemporânea enfrenta um mal-estar coletivo expresso em eventos como a eleição de Trump
ou o Brexit. Há um acúmulo de angústias e decepções com os efeitos colaterais da globalização. E um esgota-
mento claro das formas tradicionais de organização da representação política da sociedade. No Brasil, então,
isto se manifesta de forma radical. É preciso ousadia e capacidade inovadora. Reinventar a democracia como
expressão institucional do sonho de liberdade. A pior democracia é preferível que a “melhor” ditadura.
Simplesmente porque há mecanismos de autocorreção de rumos. Mas se queremos obstruir o caminho
daqueles que ameaçam o horizonte democrático, temos que tornar a democracia mais efetiva na resolução
dos problemas concretos da vida das pessoas e aproximar o sistema decisório e seus atores da sociedade.
Na democracia, para que o debate flua, as decisões sejam tomadas e os líderes, escolhidos, são essenciais
o processo de comunicação entre todos e o nível cultural, educacional e de informação.
A internet e as redes sociais marcaram uma verdadeira revolução no relacionamento humano, no com-
portamento social e no processo de comunicação. Há quanto tempo você não recebe uma carta de alguém
pelo correio? Como toda inovação, as redes sociais são neutras do ponto de vista moral e valorativo. Podem
servir para campanhas humanitárias ou importantes mobilizações sociais, mas também podem se prestar
como ferramenta da pedofilia ou do crime organizado. As redes não são, em si, boas ou más. 
O uso e o comportamento dos usuários é que define a qualidade. As redes levam à exposição excessiva,
à “morte” da privacidade, ao mascaramento da solidão. Mas as redes podem ser instrumentos poderosos
na reinvenção da democracia. Não é impossível imaginar, daqui a algumas décadas, o exercício de uma
democracia virtual direta.
[...]

(PESTANA, Marcus. Democracia e redes sociais. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.


com.br/opiniao/colunas/redes-sociais-e-democracia/>. Acesso em: 4 out. 2018.)

1. Relacione o conceito de liberdade que você registrou na questão anterior com os termos diálogo, comuni-
cação e democracia.
Chamar a atenção dos alunos para os verbos mencionados pelo autor como desdobramentos da liberdade, enfatizando a

relação dela com o pensamento individual, a opinião coletiva e a comunicação. Reforçar que valores como respeito, tolerância,

capacidade de ouvir e aceitar ideias diferentes etc. são fundamentais para o exercício da liberdade em um regime democrático.

Dessa forma, a comunicação, exerce um importante papel, tanto positivamente quanto negativamente.

2. No segundo parágrafo do texto, o autor afirma que é necessário “reinventar a democracia como expressão
institucional do sonho de liberdade”. Na sua opinião, o que precisa mudar na democracia brasileira para que
ela realmente concretize o “sonho de liberdade” dos cidadãos?

Essa questão também deve ser debatida com a turma, fazendo uma análise do contexto atual, considerando-se a concreti-
Arthead/Shutterstock

zação dos sonhos de liberdade e como é possível alcançá-los.

3. No terceiro parágrafo do texto, o autor afirma que “as redes [sociais] não são, em si, boas ou más”. O que define
a “bondade” ou a “maldade” das redes sociais? E o que isso tem a ver com liberdade e democracia?
É o uso que se faz dela, podendo ser bom ou ruim. Logo, o que define o “caráter” das redes são os próprios usuários. Nesse

momento, é importante debater exemplos que ferem a democracia e a liberdade, como o preconceito, a intolerância, os

discursos de ódio e as fake news.


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Resolvidos 2. (PUCPR) O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma repre-
sentação da sociedade; mas é também uma realidade fabricada
1. Assinale a alternativa incorreta sobre o pensamento de Max Scheler. por essa tecnologia específica de poder que se chama “disciplina”.
a) Scheler critica o formalismo de Kant. (FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. p. 161.)
b) Scheler dizia que a ação deve ser analisada pelo valor que
Assinale as alternativas corretas:
ela traz.
I. Foucault quer afirmar que os indivíduos, nesse modelo de
c) O valor por trás da lei é a justiça.
sociedade, são constituídos como efeitos da atuação de estra-
d) O bem é imaterial, enquanto o valor é a essência do bem. tégias de poder correlatas a técnicas de saber.
e) Scheler mudou por completo toda a questão da ética. II. Para Foucault, o poder fundamentalmente reprime, recalca,
 Resposta: D censura, mascara, anulando os desejos individuais.
a) Correto. Scheler critica o imperativo categórico postulado por III. A disciplina produz realidade, produz rituais de verdade, produz
Kant. indivíduos úteis e dóceis.
b) Correto. Scheler estabeleceu uma hierarquia dos valores. IV. Para Foucault, é o indivíduo que possui o poder. É ele quem
dá sentido ao mundo.
c) Correto. Para Scheler, a justiça é o valor mais importante na ela-
boração das leis. V. A disciplina, como estratégia privilegiada de fabricação do
indivíduo e produção de verdades, existe desde a época do
d) Incorreto, pois o bem é material e o valor, imaterial (essência do
cristianismo primitivo.
bem).
a) II, IV e V.
e) Correto. Scheler propõe uma revisão de toda a ética, desde Kant.
b) I e III.
2. Quais são os três tipos de saberes para Max Scheler? Explique c) II e III.
cada um deles.
d) I e II.
 Resposta:
e) III, IV e V.
Os três tipos são: religioso, metafísico e técnico. O saber religioso é
o saber definitivo, pois coloca o homem em contato com o Deus  Anotações:
supremo. O saber metafísico é o que está relacionado à verdade e
Para Foucault, o indivíduo é dominado e reprimido pelo poder. Ao ter seus
aos valores. O saber técnico é o que permite ao homem entrar em
contato com a natureza a fim de dominá-la, para que esta possa desejos anulados, torna-se dócil e fácil de manipular e ser disciplinado.
trazer-lhe algum benefício.
3. O que é a teoria da ação comunicativa, segundo Habermas?
 Resposta:
Significa que nem as ciências nem a vivência humana estão agindo
tendo em vista o mundo da vida, mas apenas interesses mercadoló-
gicos e políticos. 3. (UFU) “As instâncias do Poder, que os cidadãos acreditavam terem
instalado democraticamente, estão, sob o peso da crítica, em vias de
perder sua identidade. A opinião não lhes confere mais o certificado
Praticando de conformidade que a legitimidade deles exige. Jürgen Habermas
[...] vê nessa situação ‘um problema de regulação’. A opinião pública,
1. (UEG-2013) “As histórias, resultado da ação e do discurso, revelam abalada em suas crenças mais firmes, não dá mais sua adesão às
um agente, mas este agente não é autor nem produtor. Alguém regulações que o direito constitucional ou, mais amplamente, o
a iniciou e dela é o sujeito, na dupla acepção da palavra, mas nin- direito positivo do Estado formaliza”.
guém é seu autor. “ (GOYARD-FABRE, Simone. O que É Democracia?. Tradução de:
(ARENDT, Hannah. A condição humana. In: SÁTIRO, A.; WUENSCH, A. M. BERLINER, Cláudia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 202-203.)
Pensando melhor: iniciação ao filosofar. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 24.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre os Estados De-
A filósofa alemã Hannah Arendt foi uma das mais refinadas pensa- mocráticos de Direito na contemporaneidade, é correto afirmar:
doras contemporâneas, refletindo sobre eventos como a ascensão a) A atual identidade das instâncias do poder é confirmada pela
do nazismo, o Holocausto, o papel histórico das massas etc. No “crítica”.
trecho citado, ela reflete sobre a importância da ação e do discurso
b) Legalidade e legitimidade das instâncias de poder são coinci-
como fomentadores do que chama de “negócios humanos”. Nesse
dentes nos Estados Democráticos de Direito.
sentido, Arendt defende o seguinte ponto de vista:
c) A regulação das instituições de poder deve ser independente
a) A condição humana atual não está condicionada por ações
da opinião pública.
anteriores, já que cada um é autor de sua existência.
d) A legitimidade das instâncias de poder deve ser baseada no
b) A necessidade do ser humano de ser autor e produtor de ações
Direito Positivo.
históricas lhe tira a responsabilidade sobre elas.
e) A opinião pública é que deve dar legitimidade às instâncias
c) O agente de uma nova ação sempre age sob influência de teias
de poder.
preexistentes de ações anteriores.
 Anotações:
d) O produtor de novos discursos sempre precisa levar em conta
discursos anteriores para criar o seu.
Habermas defende a ideia de que a ação comunicativa pode ajudar a opinião
 Anotações:
pública a fundamentar os princípios do Estado Democrático de Direito, pois
Para Hannah Arendt, a importância da ação está ligada às ações anteriores e
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este se guiará pelos preceitos motivados pela própria população.


o agente dessa ação é influenciado por essas ações anteriores.

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4. (UFRJ) De acordo com o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, Desenvolvendo Habilidades
o contrato social “estabelece entre os cidadãos uma tal igualdade
que eles se comprometem todos nas mesmas condições e devem 1. C1:H1 (Enem) A lei não nasce da natureza, junto das fontes frequen-
gozar dos mesmos direitos. [...] sua situação [dos indivíduos], por tadas pelos primeiros pastores: a lei nasce das batalhas reais, das
efeito desse contrato, se torna realmente preferível à que antes vitórias, dos massacres, das conquistas que têm sua data e seus
existia, e em vez de uma alienação, não fizeram senão uma troca heróis de horror: a lei nasce das cidades incendiadas, das terras
vantajosa de um modo de vida incerto e precário por um outro devastadas; ela nasce com os famosos inocentes que agonizam
melhor e mais seguro, da independência natural pela liberdade, no dia que está amanhecendo.
do poder de prejudicar a outrem pela segurança própria, e de sua
(FOUCAULT, M. Aula de 14 de janeiro de 1976. In: Em defesa
força, que outras podiam dominar, por um direito que a união da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.)
social torna invencível”.
(ROUSSEAU, J-J. Do Contrato Social. São Paulo: Abril O filósofo Michel Foucault (séc. XX) inova ao pensar a política e a lei
Cultural, 1978. Coleção Os Pensadores.) em relação ao poder e à organização social. Com base na reflexão
de Foucault, a finalidade das leis na organização das sociedades
Considerando as trocas a que se refere o trecho anterior: modernas é
a) identifique, com base no texto, dois elementos que são subs- a) combater ações violentas na guerra entre as nações.
tituídos e dois que são conquistados pelos indivíduos que se b) coagir e servir para refrear a agressividade humana.
comprometem com o “contrato social”;
c) criar limites entre a guerra e a paz praticadas entre os indivíduos
b) discuta em que medida essa substituição pode ser considerada de uma mesma nação.
vantajosa.
d) estabelecer princípios éticos que regulamentam as ações
 Anotações: bélicas entre países inimigos.
Os elementos substituídos são: modo de vida incerto e precário, indepen- e) organizar as relações de poder na sociedade e entre os Estados.

dência natural, poder de prejudicar a outrem e sua força, que outras podem 2. C1:H1 (UEL) [...] É certo que nem mesmo as guerras, e muito menos
as revoluções, são sempre inteiramente marcadas pela violência.
dominar. Os elementos conquistados são: um modo de vida melhor e mais Onde quer que a violência domine de forma absoluta, como, por
exemplo, nos campos de concentração dos regimes totalitários,
seguro, liberdade e segurança própria, um direito que a união social torna não apenas as leis [...] mas tudo e todos devem permanecer em
invencível. Essa substituição pode ser considerada vantajosa, porque permite silêncio. É em virtude desse silêncio que a violência é um fenômeno
marginal no campo político, pois o homem, na medida em que é
um padrão de vida social que estipula limites para a liberdade de cada um e, um ser político, está dotado do poder da fala [...].
além disso, promove a segurança e a justiça entre os cidadãos. (ARENDT, Hannah. Da Revolução. Brasília: UnB, 1988. p. 15.)

Com base no texto sobre o tema violência e revolução, é correto


afirmar que
5. Segundo Hannah Arendt, qual a relação entre poder e violência? a) a violência em muitos casos se explica pela ausência da ação
 Anotações: política, que é uma forma de equacionar problemas e conflitos
nas relações de poder.
A violência aparece quando justamente o poder do consenso foi quebrado. b) diante da violência absoluta, tudo se cala: os homens, a política
Aquele ou aqueles que estão no poder já não possuem apoio dos demais, e as instituições, menos as leis.
c) as guerras e as revoluções são fenômenos políticos essencial-
não há convivência, então, como querem manter o status do poder, decidem mente marcados por violência.
apelar para a violência, uma forma já deturpada do verdadeiro e legítimo d) o conceito de política no texto ilustra bem a ideia de que poder
e violência não se separam, sendo, por isso, fatos intrínsecos.
poder.
e) para a autora, a violência está impregnada de modo irreversível
no campo político.

6. De acordo com Hannah Arendt, qual a primeira manifestação da 3. C1:H4 (UEL) Observe a charge e leia o texto a seguir.
privação dos direitos humanos? Essa privação é anterior ao direito
à liberdade e justiça? Justifique sua resposta.
 Anotações:

É a privação de um lugar no mundo que torne a opinião significativa e a ação

eficaz. Essa privação é anterior ao direito, à liberdade e à justiça, pois são

os direitos do cidadão que estão em jogo quando deixa de ser natural que

um homem pertença à comunidade em que nasceu, quando o não pertencer


“É evidente, pois, que a cidade faz parte das coisas da natureza,
a ela não é um ato da sua livre escolha, ou quando está numa situação em que o homem é naturalmente um animal político, destinado a
viver em sociedade, e que aquele que, por instinto, e não porque
que, a não ser que cometa um crime, receberá um tratamento, independente qualquer circunstância o inibe, deixa de fazer parte de uma cidade,
do que ele faça ou deixe de fazer. é um ser vil ou superior ao homem [...]”.
(ARISTÓTELES. Política. Tradução de: CHAVES, Nestor
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Silveira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p. 13.)

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Com base no texto de Aristóteles e na charge, é correto afirmar: IV. O exame atua numa ampla rede de instituições psiquiátricas,
a) O texto de Aristóteles confirma a ideia exposta pela charge pedagógicas e médicas, classificando as condutas em termos
de que a condição humana de ser político é artificial e um de normalidade e anormalidade.
obstáculo à liberdade individual. V. Para Foucault, as ciências que tomaram o homem como objeto
b) A charge apresenta uma interpretação correta do texto de de saber, a partir do final do século XVIII, não têm nada a ver
Aristóteles, segundo a qual a política é uma atividade nociva com a vigilância, a normalização e o exame disciplinares.
à coletividade, devendo seus representantes serem afastados Assinale a(s) alternativa(s) correta(s):
do convívio social. a) II e V.
c) A charge aborda o ponto de vista aristotélico de que a dimen- b) II e IV.
são política do homem independe da convivência com seus
c) I e II.
semelhantes, uma vez que o homem basta-se a si próprio.
d) III, IV e V.
d) A charge, fazendo alusão à afirmação aristotélica de que o
homem é um animal político por natureza, sugere uma crítica e) I, III e IV.
a um tipo de político que ignora a coletividade privilegiando 2. Acerca do pensamento de Habermas, analise as afirmativas abaixo:
interesses particulares e que, por isso, deve ser evitado.
I. O mais importante para a atualidade, na visão de Habermas, é
e) Tanto a charge quanto o texto de Aristóteles apresentam a ideia o estabelecimento do consenso.
de que a vida em sociedade degenera o homem, tornando-o
II. A ação comunicativa objetiva permitir que os novos valores
um animal.
e normas sejam criados pelo próprio homem em constante
4. C1:H1 (Enem-2012) O homem natural é tudo para si mesmo; é a comunicação entre si.
unidade numérica, o inteiro absoluto, que só se relaciona consigo III. Em geral, durante toda a história, os valores foram passados às
mesmo ou com seu semelhante. O homem civil é apenas uma pessoas pela comunicação entre elas.
unidade fracionária que se liga ao denominador, cujo valor está em
IV. O mundo da vida é a esfera da própria ação comunicativa.
sua relação com o todo, que é o corpo social. As boas instituições
sociais são as que melhor sabem desnaturar o homem, retirar-lhe V. O mundo da vida encontra-se livre da influência do sistema.
sua existência absoluta para dar-lhe uma relativa, e transferir o Estão corretas:
eu para a unidade comum, de sorte que cada particular não se a) I e II.
julgue mais como tal, e sim como uma parte da unidade, e só seja
b) I, II e III.
percebido no todo.
c) I, II e IV.
(ROUSSEAU, J.-J. Emilio ou da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 1999.)
d) Todas as alternativas estão incorretas.
A visão de Rousseau em relação à natureza humana, conforme e) Todas as alternativas estão corretas.
expressa o texto, diz que:
a) O homem civil é formado a partir do desvio de sua própria
3. Assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas.
natureza. ( ) Hannah Arendt escreveu sobre os direitos humanos a partir
de suas experiências com o preconceito que sofreu por ser
b) As instituições sociais formam o homem de acordo com a sua
estrangeira.
essência natural.
( ) Em geral, as pessoas não relacionam violência com poder.
c) O homem civil é um todo no corpo social, pois as instituições
sociais dependem dele. ( ) Para Arendt, alguém só pode chegar ao poder se antes existir
um consenso entre várias pessoas definindo aquele poder.
d) O homem é forçado a sair da natureza para se tornar absoluto.
( ) A violência aparece quando justamente o poder do consenso
e) As instituições sociais expressam a natureza humana, pois o
foi quebrado.
homem é um ser político.
4. (IFE-2010) Assinale a alternativa incorreta.
Complementares a) A ética do discurso de Jürgen Habermas desconsidera a gui-
nada pragmático-linguística na filosofia contemporânea e
1. (PUCPR) “O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida continua buscando justificações universalistas.
ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção b) Habermas apresenta sua ética do discurso como sendo cogni-
normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é tivista, formalista e procedimentalista.
específico, o exame”. c) A ética do discurso de Habermas constitui-se, entre outras
(FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 143.) coisas, de uma reformulação do imperativo categórico kan-
tiano, que passa a ser apresentado em termos pragmáticos
I. Vigiar, muito mais que aplicar um olhar constante sobre o
onde o ego transcendental é substituído pela comunidade
indivíduo, significa dispô-lo numa estrutura arquitetural e
de comunicação.
impessoal, na qual ele se sinta vigiado.
d) O ideal de uma comunicação não coercitiva e igualitária está
II. Punir é o único objetivo da disciplina.
na base da justificativa filosófica da ética do discurso de J.
III. Punir primeiramente tem a finalidade de uma ortopedia moral, Habermas.
de normalização, não somente de um comportamento, mas
e) A ética do discurso de Habermas se baseia nas teses fornecidas
do conjunto da existência humana, seja obstaculizando a
por este mesmo pensador para a construção do conceito de
virtualidade de um comportamento perigoso mediante o uso
razão comunicativa.
de pequenas correções, seja incentivando condutas desejáveis
a partir de recompensas e vantagens.
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5. (UEL) “Uma vez que constituição significa o mesmo que governo,
e o governo é o poder supremo em uma cidade, e o mando pode
estar nas mãos de uma única pessoa, ou de poucas pessoas, ou da
maioria, nos casos em que esta única pessoa, ou as poucas pessoas,
ou a maioria, governam tendo em vista o bem comum, estas cons-
tituições devem ser forçosamente as corretas; ao contrário, consti-
tuem desvios os casos em que o governo é exercido com vistas ao
próprio interesse da única pessoa, ou das poucas pessoas, ou da
maioria, pois ou se deve dizer que os cidadãos não participam do
governo da cidade, ou é necessário que eles realmente participem”.
(ARISTÓTELES. Política. Tradução de: KURY, Mário
da Gama. 3. ed. Brasília: UnB, 1997. p. 91.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre as formas de go-


verno em Aristóteles, analise as afirmativas a seguir.
I. A democracia é uma forma de governo reta, ou seja, um
governo que prioriza o exercício do poder em benefício do
interesse comum.
II. A democracia faz parte das formas degeneradas de governo,
entre as quais se destacam a tirania e a oligarquia.
III. A democracia é uma forma de governo que desconsidera o
bem de todos; antes, porém, visa a favorecer indevidamente
os interesses dos mais pobres, reduzindo-se, desse modo, a
uma acepção demagógica.
IV. A democracia é a forma de governo mais conveniente para as
cidades gregas, justamente porque realiza o bem do Estado,
que é o bem comum.
Estão corretas as afirmativas:
a) I e III.
b) I e IV.
c) II e III.
d) I, II e III.
e) II, III e IV.
6. De acordo com o pensamento de Habermas, explique alguma
consequência provocada pela frase: “O mundo da vida foi coloni-
zado pelo sistema”.
7. (UFG) No ensaio “A crise na educação”, na obra “Entre o passado
e o futuro”, Hannah Arendt menciona três pressupostos básicos
subjacentes à crise contemporânea na educação: “o primeiro é o de
que existe um mundo da criança e uma sociedade formada entre
crianças, autônomas, e que se deve, na medida do possível, permitir
que elas governem”; o segundo tem a ver com o ensino, com o fato
de que “sob a influência da Psicologia moderna e dos princípios
do Pragmatismo, a Pedagogia transformou-se em uma ciência do
ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente da matéria
efetiva a ser ensinada”; o terceiro pressuposto básico “é o de que só é
possível compreender e conhecer aquilo que nós mesmos fizemos,
e sua aplicação à educação é tão primária quanto óbvia: consiste
em substituir, na medida do possível, o aprendizado pelo fazer”.
Tendo em vista essas observações e atentando notadamente para
o segundo pressuposto, responda: como garantir a especificidade
da Filosofia no ensino médio? Justifique e fundamente sua resposta.

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Filosofia da Ciência,
Filosofia da Arte e estética,
/A
AL S
SAE DIGIT

Pós-modernidade
Introdução à Filosofia da Ciência • Investigações sobre o belo • Interpretação filosófica de grandes transformações
Filosofia
mód. 08/08

08
Filosofia
Filosofia da
da Arte e
Ciência
estética

START

Depois da leitura do tex-


to, promover uma conver- A proposta de uma Filosofia do Método Científico
sa com a turma, usando
as questões 1 e 2 como A ciência, o conhecimento científico, suas explicações e, ainda, os resultados da pesquisa aplicada, marcam
guia, e ampliar o debate nossa época. A Filosofia, como referencial necessário do pensamento crítico, tem na ciência um tema funda-
para abordar as questões mental. Cabe ao Filósofo pensar sobre que tipo de conhecimento é o conhecimento científico, seu alcance e
3 e 4. O objetivo é
fazer com que os alunos sua validade. A esta tarefa epistemológica vem se acrescentar uma tarefa mais específica que é a da reflexão
compreendam o papel acerca do método científico.
da Filosofia da Ciência,
bem como percebam os A Filosofia do Método Científico tem como objeto de reflexão e análise os métodos efetivamente empre-
efeitos positivos e nega- gados pelos cientistas em suas explicações, visando distinguir seus procedimentos específicos, avaliar seu
tivos dela no cotidiano,
favorecendo, desta forma, alcance, evidenciando as consequências filosóficas de sua adoção, bem como os princípios filosóficos que
o pensamento crítico e o sustentam suas metodologias. O filósofo do método científico não tem o propósito de decidir qual é o método
diálogo argumentativo. adequado nem ensinar ou propor procedimentos metodológicos. Seu objetivo não é a própria pesquisa cientí-
fica, mas as atitudes e os pressupostos filosóficos que estão por detrás da adoção do(s) método(s) científico(s).
[...]

(ARAÚJO, Inês Lacerda. Introdução à Filosofia da Ciência. Curitiba: Editora da UFPR, 1993. p. 13.)

De acordo com o texto lido, responda:


1. Qual é o papel da Filosofia para a construção do conhecimento científico?
Resposta pessoal.

2. Qual é o objetivo da Filosofia da Ciência?


Resposta pessoal.
zffoto/Shutterstock

3. Como a ciência interfere em sua vida cotidiana?


Resposta pessoal.
zffoto/Shutterstock

4. Os efeitos da ciência no dia a dia são positivos, negativos ou ambos? Cite exemplos.
Resposta pessoal.
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Introdução à Filosofia da Ciência
Grande parte da Filosofia do século XX dialoga constantemente com os avanços científicos
em suas mais variadas áreas: Física, Biologia, Química, Medicina, Ciência da Computação etc. A
consolidação da pesquisa científica e os avanços por ela conquistados são tão evidentes que os
grandes pensadores da atualidade não podem se esquivar de incluir a ciência em suas reflexões.

Exército dos Estados Unidos/W. Commons

Michael Holley/C. Commons

Glenn Fleishman/W. Commons


À esquerda, o ENIAC, o primeiro computador do mundo, produzido em 1943 e que pesava 30 toneladas, ocupando várias salas. No meio, o Altair 8800,
um dos primeiros computadores pessoais, em 1975. À direita, um tablet, que mistura características de um aparelho celular com um notebook. É
notável a sua diferença de tamanho e funções em relação aos seus ancestrais.
No decorrer de toda a história da Filosofia, muitos autores investigaram a possibilidade e o al-
cance do conhecimento, os meios que o homem utiliza para conhecer, a construção dos métodos,
além do papel dos sentidos e da racionalidade. Nos séculos XVI e XVII, vários estudiosos, entre
eles Bacon e Descartes, procuraram estabelecer um método para o desenvolvimento da ciência, o
que eles consideravam necessário para excluir do campo científico os conhecimentos de natureza
subjetiva. Dessa forma, procurava-se estabelecer como ciência apenas aquela forma de saber
que possibilita alto grau de certeza em suas conclusões.
A Filosofia da Ciência é o campo da pesquisa filosófica que se ocupa principalmente da análise
dos procedimentos e da lógica da explicação científica. Entre os principais temas discutidos por
essa disciplina está o modo de se desenvolver teorias e pesquisas científicas. O filósofo inglês Francis Bacon
Sendo assim, a Filosofia deve ser considerada como fundamental para o desenvolvimento estudou e propagou o método
indutivo para a busca do conhe-
da ciência, uma vez que direciona sua aplicação através da elaboração e crítica de métodos. A cimento científico.
Filosofia auxilia na descoberta dos limites da ciência e demonstra, dessa forma, que a ciência não
pode ser compreendida como um saber absoluto sobre as coisas do homem.
O conhecimento científico é aquele que busca leis gerais para os fenômenos, aspira à objetivi- O método indutivo é aquele
dade, à racionalidade, à comprovação e certeza dos fatos. que se baseia na observação
e análise de várias ocorrên-
Uma característica importante abordada por esses filósofos da ciência é que ela, diferente- cias de determinado fenô-
mente da Filosofia, não busca encontrar verdades inquestionáveis e absolutas. O conhecimento meno para depois passar
científico é apresentado como um processo de conhecimento a partir do qual se adquire o saber à generalização. Da análise
dos singulares é possível
por meio da criação de novas teorias, da refutação das antigas e da dialética existente entre elas. descobrir novos dados. Já no
Desse modo, é a partir da crítica e negação das teorias vigentes e da descoberta de novos proble- método dedutivo parte-se
mas que a ciência vai se desenvolvendo. de uma primeira premissa,
que deve ser dividida em
partes menores e então
A Lógica da Pesquisa Científica – Karl Popper analisadas e reagrupadas
novamente. No processo
dedutivo a veracidade das
Karl Raimund Popper (1902-1994) estudou Matemática, Filosofia e Física. No decorrer de seus premissas já está implícita,
estudos, Popper abordou causas sociais, filosóficas e políticas. Todavia, veremos apenas algumas sendo que o objetivo deste
movimento é explicitá-las.
de suas ideias acerca da epistemologia e Filosofia da Ciência.
Em seus estudos, o filósofo austríaco apresentou severas críticas a alguns dos fundamentos
pelos quais vinham sendo desenvolvidas as teorias acerca do conhecimento científico.
Popper criticou o emprego da indução, defendendo que, por mais que uma teoria se demons-
tre provável, sempre haverá a possibilidade de ela ser refutada por uma prova posterior. Desse
modo, o filósofo indicou que apesar de uma teoria não poder ser comprovada conclusivamente,
ela pode ser conclusivamente desmentida com apenas um enunciado contrário.
A concepção da neutralidade dos cientistas na produção de suas teorias, predominante na atuali-
dade, foi uma das questões refutadas por Popper, tendo em vista que as pessoas sofrem influências
externas, tais como a cultura e a tradição que possuem. O pesquisador seria impossibilitado de
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desenvolver suas críticas sem que elas tivessem o crivo de seus valores pessoais.

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Uma de suas principais obras é A Lógica da Pesquisa Científica (1934). Nessa obra, ele apresenta
uma nova forma de se compreender o desenvolvimento da pesquisa científica por meio da imple-
mentação de um novo critério de verificação: a falseabilidade. Toda pesquisa científica deve ser
falseável, isto é, pode ser negada, pois aquilo que não é falseável não é científico.
Essa visão de Popper é relevante, pois, ao não crer em verdades definitivas, ele apresenta que
as teorias são tanto o início quanto o fim do processo investigativo da ciência, de modo que não
seria possível a formação de um conhecimento único, absoluto e verdadeiro.
Decorre do raciocínio popperiano que a ciência é exposta tendo como uma de suas finalidades
inventar teorias que sejam refutáveis e testá-las procurando um meio de contradizê-las. Há algo
surpreendente na teoria de Popper: o erro é indispensável para o desenvolvimento científico. Na
proposição de teorias audaciosas e no esforço de refutá-las, descobrindo e criticando seus erros,
é que a ciência elabora novas teorias e constrói métodos mais consistentes. Por isso, a refutação
de uma teoria deve ser considerada um triunfo, ou seja, é a oportunidade de se aperfeiçoar ou
recriar teorias e desenvolver o conhecimento científico.
Desse modo, Popper caracterizou a refutabilidade como característica essencial da ciência. Se
uma teoria não pode ser refutada, ela não é científica e pode ser dogmática ou metafísica. Sendo
assim, a essência da Filosofia da Ciência de Popper pode ser compreendida como a ideia de que
o desenvolvimento da ciência se pauta nas sucessões de hipóteses ousadas e em sua refutação.
Popper afirmou que quanto mais uma teoria se dispõe a explicar, mais vulnerável se torna.
Isso ocorre porque, ao abranger mais conteúdo, ela apresenta mais elementos que podem ser
contraditos.

A Estrutura das Revoluções Científicas – Thomas Kuhn


Thomas Kuhn (1922-1996) foi um físico teórico americano que desenvolveu suas ideias em
contato com a história da ciência e com preocupações de natureza filosófica. Suas teorias são um
marco nos estudos referentes ao desenvolvimento científico.
A principal obra de Kuhn é A Estrutura das Revoluções Científicas, publicada em 1962, em que
ele apresenta uma abordagem histórica do desenvolvimento científico. Nela o autor sustenta que
a constituição da comunidade científica e o desenvolvimento das ciências ocorrem através de
paradigmas.
Thomas Kuhn trouxe uma abordagem inovadora ao apresentar a Filosofia da Ciência, a par-
tir da tentativa de se explicar a história das revoluções científicas na perspectiva dos paradig-
mas, termo utilizado amplamente nas Ciências Sociais para explicar o desenvolvimento da histó-
Stahlkocher/W. Commons

ria e que poderia ser aplicado também para se entender a história da ciência. Para Kuhn, ocorre
uma revolução científica quando há uma quebra de paradigma, ou seja, rompe-se com a tradição
científica predominante de então. Isso pode acontecer tanto em uma dimensão extraordinária, como
a ciência de Galileu (que rompe com a tradição aristotélica-ptolomaica de tantos séculos) ou o im-
pacto das obras de Darwin e Einstein, quanto em escalas menores que atingem apenas os cientistas
ligados àquela área de estudo, por exemplo a descoberta do microscópio eletrônico.
Kuhn desenvolveu sua teoria afirmando que o progresso da ciência ocorre com base na su-
cessão de tradições para resolução de problemas. Ele determinou que cada tradição possui os
próprios métodos, teorias e modos de desenvolvimento. Cada tradição é a responsável pelo de-
senvolvimento das teorias dos cientistas em um período de tempo, até que essa tradição seja
derrubada por uma outra que exercerá essa mesma função.
As ideias desenvolvidas pelas tradições foram chamadas por Kuhn de paradigmas. Tais pa-
radigmas podem ser entendidos como modos de classificar e abordar o mundo. No geral, eles
abrangem os problemas a serem investigados, os dados a serem avaliados e as técnicas usa-
das em busca da resolução dos conflitos que envolvem conhecimentos científicos. Desse modo,
os paradigmas constituem modelos de problemas e soluções que servem de orientação aos
pesquisadores.
A quebra de paradigmas é essencial para a mudança dos rumos do desenvolvimento científico
e para o progresso da ciência. Kuhn definiu que essa ruptura na história da ciência ocorre porque
ela é formada pela alternância de fases normais e revolucionárias. Durante a primeira fase os
cientistas desenvolveram seus estudos com base nos paradigmas estabelecidos para a época.
Na fase revolucionária ocorreu uma crise no paradigma vigente, destacando o acúmulo de falhas
encontradas no paradigma e a necessidade de trocá-lo por um que se adapte aos novos proble-
mas da ciência.
As revoluções científicas caracterizam-se quando ocorre a ruptura de um paradigma seguido, que
se torna ineficaz a partir do surgimento de novas questões. É necessária, então, a busca de um novo
Exemplo de um microscópio
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eletrônico. paradigma que solucione os novos problemas.

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Contra o Método – Paul Feyerabend Observe

Ian Fleming descobriu


Para Feyerabend, o anarquismo pode não ser a melhor via de ação política, mas certamente é acidentalmente a penicilina.
um ótimo caminho para a ciência, pois somente algo não submisso a regras poderia se desenvol- Ele esqueceu algumas
ver livremente, possibilitando aos pesquisadores liberdade de pensar e desenvolver teorias como culturas de microrganismos
melhor lhes convenha. expostas ao ar livre quando
saiu de férias. Ao retornar,
A aceitação da predominância de uma teoria foi vista por Feyerabend como um modo de notou que um fungo havia
induzir os pesquisadores a elaborarem teorias previsíveis. Por isso, ele denominou essas teo- se proliferado em algumas
rias desenvolvidas com base no padrão como ciências auxiliares, sendo estas complementares à partes e que este havia eli-
minado a bactéria que ali se
primeira. encontrava. Fleming não se
Além de instituir que não existem regras únicas para o desenvolvimento da ciência, Feyerabend valeu de um método para ir
defendeu que os cientistas devem estar sempre criando novas teorias, em especial teorias revo- em busca de um bactericida,
e isso só foi possível graças
lucionárias. Esse é um fator essencial para o progresso do conhecimento científico, tendo em a um evento não previsto e
vista que, ao propor teorias inovadoras, torna-se possível questionar e invalidar teorias antigas e aleatório.
estimular o surgimento de outros problemas e outras teorias.
Ele defendeu, ainda, que não existem regras únicas e definitivas, que todas elas já foram vio-
ladas mediante alguma circunstância. Isso é necessário para o progresso da ciência, pois este Saiba mais
só ocorre através de quebras de regras metodológicas e da liberdade de ação, já que é isso que
No campo político também
possibilita aos pesquisadores a criação de teorias inovadoras. tivemos o movimento
O pluralismo metodológico de Feyerabend defende que não se deve ajustar as novas teorias anárquico. Este tinha
como premissa o governo
às já aceitas. Esse procedimento limita a inovação teórica e faz com que prevaleça a teoria mais
destituído de qualquer
antiga, e não aquela que é necessariamente melhor. Essas contradições de teorias aceitas são forma de coerção ou de
importantes para a ciência, uma vez que a uniformidade lhe debilita o poder crítico. hierarquia que não tivesse
sido livremente aceita pelos
Segundo Feyerabend, a ciência estagna perante o comando de uma única teoria; todo tipo
homens daquela sociedade.
de regra é bloqueadora e limita a ação. Apenas o princípio de que “vale tudo” poderia facilitar o É importante destacar que
desenvolvimento científico. anarquia não se refere à
ausência de ordem, sendo

Investigações sobre o belo


que essa interpretação
pejorativa veio por meio das
propagandas antianarquis-
tas do final do século XIX
A cada momento e lugar entramos em contato com a poesia, pintura, música. Quando se está e início do século XX. Na
em uma casa, vê-se que ela foi projetada por alguém, com aquele formato, aquele desenho... ar- Filosofia, a anarquia pode
quitetura é arte! Quando se prova várias peças de roupa, testando qual fica melhor para aquele ser interpretada de forma
análoga: a não utilização
dia, para aquela ocasião, é arte, pois a moda é a arte de se vestir bem. E o que significa buscar
de um método não significa
aquela melhor roupa para aquela melhor ocasião? Não se veste da mesma forma para ir ao colé- que a pesquisa não terá
gio, a uma festa, a um evento formal ou à praia... Em cada situação há uma proporção diferente, uma ordem ou sequência de
há um ideal... Essa roupa é a mais proporcional para esta ocasião! Arte é proporção ao belo. procedimentos, mas sim que
não é o método o grande
Adan Jones/Creative Commons

Alyoshin/Creative Commons

responsável pela veracidade


do resultado.

Em geral os filósofos partem


da ideia do belo para dis-
cutir a estética, assim como
eles partem da ideia do bem
para discutir ontologia e
ética. O feio é uma deturpa-
ção do belo, tal como o mal
é uma deturpação do bem.
Por isso o feio só existe por
causa do belo, enquanto
este existe por si só. O
mesmo vale para o bem e o
mal. São discussões lógicas
essenciais para se entender
a prerrogativa do belo como
algo natural e o feio como
corrupção do belo natural.
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Imagens da Igreja da Ressurreição de Cristo, em São Petersburgo, na Rússia, um exemplo de arquitetura. Seu interior possui área de sete mil metros
quadrados repletos de mosaicos de 32 artistas diferentes. Existem pedras preciosas, como a jaspe, decorando o altar. Sua fachada alterna aspectos
simétricos (janelas, portas) com aspectos assimétricos (as abóbodas das torres não se repetem).

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E em tudo podemos encontrar essa pro- Avançando no tempo encontram-se os ro-
porção ao belo. Arte não é apenas a pintu- manos enaltecendo os seus poetas, sobretu-
ra, a música, a poesia. Arte não é apenas da do Virgílio, que em sua obra Eneida apresenta
Vinci, Beethoven, Shakespeare... A arte pode Eneias como nobre sobrevivente de Troia que
estar em qualquer coisa, em qualquer ação... depois de muito viajar chegaria às terras onde
Sempre que existe proporção ao belo, há arte. hoje é a Itália. Se Homero é o poeta que canta
Não é comum ouvirmos quando um time a bravura grega, Virgílio é o mesmo com os ro-
de futebol faz uma partida coletivamente fan- manos, assim como, posteriormente, Camões
tástica que “esse time jogou como música”? Ou seria para os portugueses. Também podería-
seja, aquele time fez um jogo tão sublime, tão mos citar outros poetas, como Ovídio e Fedro.
fantástico, que cada jogador parecia fazer par-
te de uma obra de arte. Cada jogador é uma
nota que no final juntos formam uma bela
canção.

Nejron Photo/Shutterstock
SOLIMENA, Francesco. Dido recebendo Eneias. 1720. Óleo sobre tela,
207 x 310 cm. Galeria Nacional, Londres.
A transição da Idade Média para o
Os esportes exigem a constante busca pela perfeição nos movimentos.
O resultado disso são belas imagens que mostram o ser humano na Humanismo Renascentista, bem como o apo-
busca pela superação de seus limites. geu deste último, ocorreu por meio de grandes
Existe uma atitude referente ao estético, artistas. O poeta Petrarca defende a necessi-
que é justamente o hábito constante de em dade de falar do homem e não da natureza;
cada pequena coisa de nosso dia a dia buscar Dante faz o homem protagonista no Inferno,
fazer determinada ação do modo mais perfeito no Purgatório e no Paraíso em sua Divina
e belo possível. Comédia. É o homem protagonista que os hu-
E assim como a proporção ao belo permi- manistas tanto proclamavam.
te que tantas ações não consideradas conven- Na pintura, Leonardo, Michelangelo,
cionalmente como “artísticas” se tornem arte, Cimabue, Giotto e outros elevam o homem a
devido ao apelo estético, a mesma proporção uma posição única na história: o homem como
ao belo nos ensina que nem toda poesia ou mú- partícipe do cosmos e de Deus. A proporção
sica é bela! Como identificar essa proporção? E divina está na natureza (no cosmos) e no ho-
mais, como aplicá-la em nosso dia a dia? mem, tal como está apresentado no Homem
Desde os povos antigos, como os gregos, a Vitruviano de Leonardo da Vinci.
arte foi utilizada como pedagogia para ensinar A música é pedagogia e elevada expres-
o homem a identificar e utilizar o apelo estéti- são espiritual entre os modernos, sobretudo
co na própria vida. na Alemanha. Os compositores Bach, Mozart,
Homero foi o grande defensor da virtude da Beethoven, Wagner e os poetas românti-
coragem por meio de seus personagens guer- cos Goethe, Schiller e Hölderlin inspiraram a
reiros, como Aquiles e Ulisses. Hesíodo ensinou Filosofia Alemã e a própria cultura.
ao povo que o trabalho é o caminho da auto-
nomia existencial transformando a própria vida
em poesia. Nas tragédias e nas comédias são
delineadas circunstâncias morais, políticas, so-
ciais e psicológicas que depois serão bastante
discutidas pelos filósofos.
Contudo, mais que somente poesia, os gre-
gos viam a própria vida como atitude estética:
a ginástica era a arte para o corpo, a música,
para a alma.
O Inferno de Dante, de Botticelli.
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A medida, a proporção e o belo
Contudo, para além da história e do local,
Homero, Virgílio, Dante, Leonardo, Beethoven
em um ponto são harmônicos: tentaram de- em Platão
monstrar como a arte pode ser a mais elevada
A introdução trouxe a noção de que o belo
manifestação espiritual do homem. Pela arte
é a palavra-chave que expressa a experiência
é possível transcender nossa realidade indi- Hegel, por sinal, não apenas
artística. Porém, o que viria a ser o belo? Como
vidual e alcançar o belo em si, a essência do distinguir algo belo daquilo que não o é? Um
será amigo de Schiller, rece-
belo que está depois dos símbolos literários, bendo influência deste em
dos primeiros pensadores a responder essa sua filosofia, como também
musicais e imagéticos. A arte, em sua dimen- questão foi Platão. afirmará que as tragédias,
são mais profunda, torna-se um diálogo do ho- sobretudo as gregas e as de
Na obra Filebo, Platão – por intermédio de Shakespeare, teriam papel
mem com o mundo e com o ser. primordial em sua formação
Sócrates – discute com seus interlocutores so-
bre qual seria o bem mais elevado da vida hu- na juventude.
mana. Enquanto aqueles dizem ser o prazer, o
filósofo afirma ser o conhecimento.
Para encontrar uma resposta, Platão e seus
adversários investigam uma vida repleta de
prazeres sem a inteligência e depois uma basea-
da apenas no conhecimento sem a experiência
dos prazeres. A primeira se vê reduzida a uma
existência animal, enquanto a segunda não é
desejada por ninguém, pois não traz felicidade.
Entram em consenso, então, que o maior bem
deve ser uma mistura de ambos.

Wilhelm Richard Wagner (1813-1883) foi um grande maestro, compositor,


diretor de teatro e ensaísta. Uma de suas mais famosas composições
é a Cavalgada das Valquírias, que foi diversas vezes usada como trilha
sonora em filmes.
Compreender um pouco mais sobre a fan-
tástica experiência artística é o objetivo princi-
pal deste capítulo. É também o grande objeto
de estudo da Filosofia da Arte.
Filosofia da Arte, ou Estética, é o ramo da
Filosofia que estuda a arte, a fruição do belo, o
prazer estético. Como o homem sente a arte?
Como nasce a arte? O que afinal é a arte? São
todas perguntas muito profundas que vários
filósofos tentaram responder. Afinal, o que se
está procurando não é simplesmente descre-
ver ou caracterizar uma obra de arte, mas en-
VINCI, Leonardo da. O Homem Vitruviano. c. 1492. Lápis e tinta sobre
tender essa relação tão íntima e especial que o papel, 34 x 26 cm. Gallerie dell'Accademia, Itália. – Da Vinci, assim como
homem tem com a arte. outros pensadores, buscou identificar a proporção das coisas.

O que define o que é belo e o que não é? O maior bem então é a vida conforme a in-
Uma pintura é bela por ser bela em si mesma teligência e os prazeres misturados, mas em
ou por que o sujeito diz que ela é bela? No pri- que medida? Um mais que o outro ou iguais?
meiro caso temos uma beleza intrínseca ao E aqui revela-se o primeiro e mais importante
objeto. Logo, todos devemos perceber esta bem: a medida. O melhor modo de realizar a
beleza por ser uma qualidade da própria pin- vida é encontrar a proporção ideal entre a inte-
tura. No segundo caso nós definimos o que é ligência e os prazeres. Dessa forma é possível
a beleza. A beleza passa a ser algo subjetivo, fruir dos prazeres de modo sábio, bem como
dependendo da apreciação do homem. aproveitar a inteligência trazendo satisfação e
Enfim, vejamos o que pensaram Platão e felicidade. Quando algo perde a proporção tor-
Aristóteles, depois Kant e Schopenhauer. na-se desordenado, ruim, ineficaz.
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A medida como o “primeiro bem” nos de-

Serghei Starus/Shutterstock
monstra como os gregos eram fascinados por
esta ordem natural no mundo. Além disso, se
ela é o primeiro bem, de agora em diante todos
os bens devem ser proporcionais, medidos,
precisos.
Mas o que seria a medida ou proporção?
Qual a sua essência, ou seja, aquilo que define
se algo é proporcional ou não a tal ponto que,
quando se retira determinado elemento, o ob-
jeto deixa de ser proporcional? Se por um lado
não é fácil encontrar a essência de um bem tão

Victor Salgado/Creative Commons


elevado como a medida, podemos fazer o es-
forço inverso, isto é, como seria uma coisa sem
proporção? E a primeira característica que se
identifica de imediato é: algo sem proporção é
desordenado, feio.
Com isso resulta que o belo é o elemento
central da proporção. O argumento platônico
é surpreendente. Em um dado momento do
diálogo os participantes tentam descobrir qual
seria o conceito de bem, ou seja, o que seria
o bem que depois geraria todos os bens. Não
Acima, escultura da Grécia Antiga de um jogador olímpico de disco. Abai-
tiveram êxito nessa missão, mas descobriram xo, um jogador de discos. Para os gregos, a imitação da beleza existente
na realidade era uma das funções da arte. No caso, a escultura grega
que o primeiro bem é a proporção. Agora en- procura imitar o corpo e os movimentos de um atleta real.
contram o segundo bem: o belo. Adiante en-
A imitação nas artes, segundo Aristóteles,
contrariam o terceiro bem: a verdade. Platão
consiste em representar, seja através de cores,
reconhece não conseguir conceituar o bem em
linhas, palavras etc., coisas e ações tornando-
si, mas afirma ter certeza que este está escon-
-as tão próximas da realidade quanto possível.
dido junto aos três primeiros bens: proporção,
Característica essencial, portanto, é a veros-
beleza e verdade.
similhança. A mimese era utilizada como um
O belo antes da verdade é certamente um meio de aprender, de adquirir conhecimentos,
dado surpreendente, e a proporção antes do pois para tal é necessário comparar e imaginar.
belo revela ainda que nada pode ser belo sem
Aristóteles entende que a arte proporcio-
ser proporcional, ordenado. Ora, a arte tem
na prazer e que está relacionada tanto com a
como escopo expressar o belo. A arte, então,
parte intelectual quanto com a parte sensível. A
ocupa-se do segundo bem mais importante da
apreciação da obra deve ter em vista tanto sua
vida humana! Antes da verdade, da justiça, en-
semelhança com a realidade quanto sua bele-
tre outros bens, a existência precisa ser bela.
za que deriva do estilo de como a imitação foi
Com isso reafirma-se: a arte, por ser expres-
executada. O filósofo inclusive destaca que o
são do belo, é a mais elevada manifestação da
apreciador pode sentir prazer na arte tanto se
natureza humana, pois o coloca na proporção
conhece o original e vê a perfeição com que este
que o aproxima da ordem natural e do ser e,
é imitado, como se não conhece o original – nes-
por fim, do próprio bem.
te caso a imitação é realizada de modo tão belo

Aristóteles e a arte como


que causa prazer assim mesmo.
Nas representações artísticas em busca da
imitação verossimilhança os artistas não precisam copiar
exatamente seu modelo, fazendo-lhe uma có-
Os filósofos gregos estudavam as artes a
pia fiel. Eles precisam manter as características
partir da poesia, da pintura, da escultura e da
essenciais e modificar aquilo que possibilite que
música e apresentavam que a essência dessas
a obra se torne perfeita. Desse modo, o artista
manifestações era a imitação, que em grego
imita o que é essencial e necessário e modifica
correspondia ao termo mimesis. Por exemplo,
as demais características para representá-las
na pintura e escultura os artistas reproduzem
não como são, mas como deveriam ser.
a aparência de corpos e objetos que conside-
ram belos. O surgimento da arte como imitação não
causa espanto. Já dissemos na introdução que
Aristóteles afirma que a imitação nas artes
a arte deve encontrar aquela proporção esté-
ocorre como uma tendência natural dos ho-
tica que já existe na natureza. A arte, assim,
mens. Ele defende tal tese demonstrando que
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inicia-se como imitação da natureza, depois,


desde a infância os homens aprendem a falar,
passa a imitar os mitos e, por fim, a própria
a se vestir, a comer e a andar imitando aqueles
realidade humana.
com quem convivem.

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Porém, não qualquer mito nem qualquer Exemplo disso estava na
parte da natureza, mas aquelas que inspiram mitologia. A mesma história,
como Prometeu Acorren-
algo de valor, de belo. A arte, para os gregos, tado, foi narrada tanto por
também está inserida no contexto da paideia, a Hesíodo como por Ésquilo,
preocupação com a formação humana. Os poe- porém cada um modificou
alguns aspectos, deixan-
tas e tragediógrafos gregos deveriam escrever do-a no modo como eles a
obras que, além de despertar o prazer estético entendiam como perfeita.
Isso possui relação com a
nos ouvintes, fizessem um tipo de pedagogia, proposta de paideia dos
louvando aquelas virtudes que os gregos tanto gregos. A arte não servia
cultivavam, como a coragem e a sabedoria. Um apenas para divertir, mas
também para educar os
exemplo bastante interessante dessa questão cidadãos. Logo, os aspectos
é o que ocorreu ao tragediógrafo Frínico. Esse que não eram essenciais
autor apresentou uma tragédia cujo enredo para a formação poderiam
ser modificados.
causou tanta desmotivação e sentimento de
covardia na população que foi multado e proi- VAN GOGH, Vincent. Noite estrelada. 1887. Óleo sobre tela, 74 x 92
cm. MoMA (EUA). – A natureza é uma das grandes fontes de inspira-
bido de apresentar novamente aquela história ção dos artistas.
em Atenas.

O juízo estético em Kant


O filósofo alemão Immanuel Kant possibilitou uma
compreensão inovadora acerca do belo, tendo para tal re-
formulado os problemas que envolviam a arte e a realida-
de. Ao invés de estudar a essência do belo, Kant se dedicou
a estudar os princípios que possibilitam o conhecimento
objetivo e a capacidade de apreciar a beleza.
Na obra A Crítica da Faculdade do Juízo, Kant expõe os
juízos estéticos que não se baseiam em conceitos, mas
se ligam apenas à satisfação causada pela contemplação.
Desse modo, os juízos estéticos são aqueles que se relacio-
nam a uma satisfação interior contemplativa e que decor-
re de representações ou intuições.
Os juízos estéticos não discutem o “belo em si” ou o
“belo ontológico”, mas um belo que nasce da relação do É possível observar Immanuel Kant (a cima) e o Museu
sujeito com o objeto. O belo não é característica apenas do do Amanhã no Rio de Janeiro (abaixo), do arquiteto
espanhol Santiago Calatrava. Segundo Kant, o belo
objeto, mas da apreciação que o sujeito faz dele. O objeto não é apenas característica do objeto, mas existe a
nos proporciona um sentimento de prazer e este é um juí- contribuição do sujeito. Portanto, parte da beleza des-
ta estrutura vem de nós mesmos. Por isso, a estética
zo estético. Esse sentimento de prazer nasce da imagina- nunca será ciência, pois cada um vive a experiência de
senti-la de forma única.
ção do sujeito.
É por isso que para Kant a estética não pode se tornar uma ciência. Toda experiência esté-
tica é particular entre o sujeito apreciador e o objeto apreciado, é subjetiva e relativa àquela
situação. Eu não consigo estendê-la a todos os casos e a todas as pessoas. Aquilo que expresso
sobre a arte é muito mais relativo a mim do que à arte em si. Achamos bela determinada pin-
tura ou música porque as percebemos como bela e não porque vemos o belo da música ou da
pintura em si mesmo.
R.M. Nunes/Shutterstock
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Schopenhauer: a arte como
Mas então o homem não pode conhecer a
essência, a coisa em si, apenas representações
conhecimento das ideias limitadas ao tempo e ao espaço? Schopenhauer
afirma que é possível, e para isso parte de dois
Na história da filosofia, o valor da aprecia-
conceitos essenciais: a vontade e a ideia.
ção artística encontra um de seus pontos mais
altos no pensamento de Arthur Schopenhauer. O conceito de vontade aproxima-se do nou-
menon de Kant. A vontade é o princípio, a reali-
Dois pensadores influenciaram decisiva-
dade em si que gera os fenômenos. Ainda que
mente a estética schopenhaueriana: Platão
tudo neste mundo seja representação, relati-
e Kant. O primeiro havia defendido que em
vo aos sujeitos, as experiências, se existem, é
geral o homem vê apenas sombras, forman-
porque vieram de algo. Nada é possível existir
do opiniões com base em experiências sensí-
sem a vontade, que está tanto na intenciona-
veis e que dificilmente transcende este ponto
lidade biológica, que provoca o desenvolvi-
para acessar a ideia, que é a forma imutável
mento de uma planta, como em todas as ações
e perfeita da coisa. Também Kant afirmou que
do homem. A vontade é pura e eterna, e cada
o homem conhece apenas fenômenos, pois o
coisa, para além das formas fenomênicas re-
noumenon, a coisa em si, poderia ser acessa-
presentadas no mundo, existe como coisa em
da apenas mediante a razão pura, enquanto
si, como vontade. O mundo é objetividade da
o homem é capaz de intuir apenas a partir da
vontade, isto é, como a vontade se manifesta
sensibilidade. Sendo assim, nunca estudamos
no tempo, no espaço e em uma cadeia de cau-
o objeto em si, mas o objeto tal como aparece
sas e efeitos. O mundo é contingente, ou seja,
para nós.
poderia existir ou não, já a vontade é eterna e
imutável, pois gera o mundo.

Arthur Schopenhauer.
Rembrandt e Caravaggio são notáveis pela habilidade em utilizar
a luz em seus quadros, como podemos observar acima em O
Percebe-se que entre eles há algo em co- Banquete de Belsazar, de Rembrandt. Seu caráter é de tal forma
único que existe a técnica fotográfica chamada “Iluminação
mum: o homem não conhece as coisas em si Rembrandt”, que busca reproduzir o jogo de luzes que o pintor
mesmas, sua essência, mas apenas como elas criava em seus quadros.
aparecem a nós, como algo relativo ao sujeito.
A ideia é o conceito platônico. A vontade é
Schopenhauer concorda com estes princípios,
a coisa em si, a realidade do objeto. A ideia é a
afirmando que o homem conhece apenas as
objetividade adequada da vontade. Em outras
coisas por representação, isto é, como as coisas
palavras, é a forma universal e imutável da
são representadas por nós.
vontade. A ideia seria a representação perfei-
E quando o homem representa um objeto, ta e conforme a vontade. Tanto os fenômenos
o faz sempre tendo em vista três elementos: o como a ideia são representações da vontade,
tempo, o espaço e a cadeia de causas e efeitos. porém a última é representação perfeita, pois
Esses três elementos consistem inclusive no não está limitada às contingências do tempo,
caminho que a ciência percorre para descobrir espaço e cadeias de causa e efeito, enquanto
e conhecer algo. os fenômenos são representações limitadas
O filósofo dá o exemplo de quando temos da vontade.
diante de nós um animal. Esse animal é repre- Para Schopenhauer, a ciência não pode al-
sentação nossa, porque ele está entendido cançar a forma universal e imutável, a ideia,
como um animal neste lugar, neste momento, pois é incapaz de conhecer algo para além do
em contato conosco; logo, é representação mi- tempo, do espaço e das cadeias de causalida-
nha. Quando estudamos esse animal estamos de. A ciência sempre estuda este animal, aque-
analisando não a essência, mas a contingência le período histórico, certo acontecimento, este
apenas, não o animal em si, mas esse animal indivíduo, e assim por diante. Já a arte, por ou-
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relativo a mim. tro lado, é capaz de conhecer a ideia.

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A arte para Schopenhauer consiste no conhecimento das essências, de forma que as obras Filme
artísticas possibilitam que o observador intua as ideias que o artista procurou transmitir, permi-
tindo ao observador ter a mesma visão intuitiva do criador.

O Sorriso de Monalisa
Ano: 2003
Diretor: Mike Newell
Sinopse: Retrata a história
de uma jovem professora
que vai lecionar em uma
grande universidade e
enfrenta um problema: as
alunas conhecem todas as
informações sobre arte, mas
Guernica, de Picasso, que retrata o bombardeio sofrido pela cidade espanhola de Guernica, em 1937, pelos aviões alemães do nazismo. não são capazes de senti-la.
Analisam dados, mas não
Na arte o homem deixa de ser indivíduo (ou seja, “eu”, neste corpo, neste lugar e tempo) para
são críticas. Não sabem por
ser sujeito puro do conhecimento. Isto é, o sujeito abandona sua existência contingente e individual que algo é considerado bom
para se tornar a forma universal e imutável que acessa as ideias. ou ruim. Essa professora aos
poucos vai despertando o
Pela contemplação o sujeito esquece de si mesmo, abandona sua individualidade, deixa de
senso estético nas alunas.
desejar, de querer, torna-se uno com o objeto (pintura, música, poesia etc.), com a arte. A ciência
sempre investiga algo tendo em vista uma finalidade prática, uma necessidade, um querer.
O querer indica sempre carência de algo, pois se desejamos alguma coisa, é porque sentimos
uma necessidade e, se temos necessidades, temos de saciá-las. Logo, não estamos tranquilos e
felizes. Já na arte o sujeito apenas contempla, não lhe falta nada, não há carência e naquele mo-
mento a vida é serena e feliz.
Na arte apresenta-se ao sujeito o íntimo das coisas, a profundidade do ser. Schopenhauer
aqui não fala de qualquer experiência artística, não é a fruição de qualquer música, poesia, pintu-
ra, mas daquelas ditas obras superiores, que provocam tanto no artista como no apreciador um
verdadeiro mergulho dentro de si mesmo.
Para o filósofo, as artes podem ser organizadas em uma hierarquia, a partir do vínculo que se
faz entre o homem e a vontade a partir do conhecimento da ideia. Quanto mais próximo determi-
nada forma artística conduz o homem para a ideia, mais elevada ela é.
A hierarquia inicia-se com a arquitetura, passando depois pela escultura e pela pintura.
Contudo, não é na matéria que se encontram os graus mais elevados da arte, mas nas concep-
ções, nas ideias que elas exprimem. Por isso, acima delas estão a poesia e, por fim, a tragédia.
Contudo, uma arte não se situa na hierarquia, por estar muito acima das demais: é a música,
considerada a arte suprema. As outras artes são superiores umas às outras pelo grau em que
conseguem apresentar a ideia da coisa. Já a música não apresenta a ideia como objetividade ade-
quada da vontade, mas a própria vontade. Na música manifesta-se a coisa em si.
As outras artes apresentam por representação a essên-
cia. Pela poesia alcançamos uma intuição estética que nos
permite ver a ideia. Já na música há linguagem direta. A poe-
sia traz um discurso de metáforas que, por sua genialidade,
podem levar o apreciador a ter a intuição da ideia, do verda-
deiro conteúdo daquela poesia. Já na música não há metáfo-
ra, é diálogo da vontade com o apreciador, sem intermedia-
ção em representações.
A música é o que há de mais sublime. Para Schopenhauer,
ela revela os mistérios do mundo. As outras artes imitam a
natureza, a música revela a natureza. O mundo é fenômeno
da vontade (a coisa em si), mas a música revela a vontade!
De fato, não é fácil captar apenas intelectualmente o ar-
gumento de Schopenhauer sobre a música. É preciso sentir
a experiência de uma música elevada para levar o indivíduo
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ao íntimo do mundo. A música suprime a separação entre


sujeito e objeto, suprime a necessidade de representação, é
O maestro e compositor Johann Sebastian Bach
linguagem direta de íntimo a íntimo. (1685-1750), referencial da música barroca.

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Interpretação filosófica de grandes transformações
Saiba mais

Para a compreensão deste


capítulo é importante ter
em vista o significado que Um dos assuntos mais frequentes e complexos enfrentados pelos filósofos e sociólogos da
utilizamos para as seguintes atualidade é a era pós-moderna. Trata-se de um tema de grande importância, pois interfere dire-
expressões: tamente na vida de todos.
Idade Moderna – Período
que vai do século XV com
o fim do feudalismo até O que leva tantos a falar do “fim da história”, da pós-modernidade, da “segunda modernidade”, e da
metade do século XX, com
“sobremodernidade”, ou articular a intuição de uma mudança radical no arranjo do convívio humano e nas
o fim da Segunda Guerra
Mundial. condições sociais sob as quais a política-vida é hoje levada, é o fato de que o longo esforço para acelerar a
Pós Modernidade – Período velocidade do movimento chegou a seu “limite natural”. O poder pode se mover com a velocidade do sinal
que se inicia com a Guerra eletrônico – e assim o tempo requerido para o movimento de seus ingredientes essenciais se reduziu à ins-
Fria, após a Segunda tantaneidade. Em termos práticos, o poder se tornou verdadeiramente extraterritorial, não mais limitado,
Guerra Mundial, tendo como nem mesmo desacelerado, pela resistência do espaço (o advento do celular serve bem como um golpe de
característica marcante a
misericórdia simbólico em relação ao espaço: o próprio acesso a um ponto telefônico não é mais necessário
aceleração do fenômeno
da globalização. Utilizamos para que uma ordem seja dada e cumprida).
a expressão contempora-
neidade para a pós-moder-
Zygmunt Bauman
nidade.
Conhecer profundamente a realidade pós-moderna é essencial para depois fazermos esco-
lhas e mudanças no contexto social, político, econômico, jurídico e cultural. O indivíduo vive imer-
so em um mundo controlado pelo fenômeno da globalização, que relativiza hábitos e culturas,
estimula o consumismo, encurta distâncias entre as pessoas, facilita a comunicação, alimenta
estereótipos e estilos de vida. De fato, a pós-modernidade vem modificando as relações familia-
res, de amizade, de trabalho etc.
Mas o que é o indivíduo pós-moderno? O prefixo pós indica que ele é o indivíduo que vem
depois do moderno. Mas a qual intervalo de tempo refere-se o período moderno?
Ainda que sem unanimidade quanto a datas, podemos definir a Idade Moderna como o pe-
ríodo que vai do final do feudalismo (século XV) até o século XX.
O ser humano torna-se centro das preocupações na Idade Moderna, em contraposição a Deus
na Idade Média. O conhecimento é possível pelo uso da razão e não mais apenas pela fé, como
defendiam os medievais. A autoridade política e jurídica não é mais a Igreja, mas o Estado, que é
formado pelo povo, pela soberania e pelo território. O indivíduo não obedece aos mandamentos
e regras religiosas, mas as leis escritas em códigos e constituições, o direito positivado.
Aumenta consideravelmente o investimento em tecnologia, resultando na Revolução Industrial.
Por fim, o capitalismo se expande e se torna a tônica das relações comerciais e de trabalho.
Em linhas gerais, o homem moderno confiou exaustivamente em instituições e conceitos
como: liberalismo, Estado, razão, família, liberdade, direito.
A racionalidade moderna, representada sobretudo
Jornais em inglês, árabe e
alemão sendo vendidos em um pelo ideal Iluminista, foi construída com o objetivo de
mesmo estabelecimento. Muito formar o sujeito no intuito de que ele pensasse de forma
mais do que jornais, esta ima-
gem simboliza a aproximação de autônoma para fazer aquilo que ele mesmo entendesse
diferentes culturas. como o melhor para si. É a ideia do indivíduo autônomo,
convicto que pode revolucionar a sociedade.
Bill Ward/Creative Commons

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A questão é que por trás da promessa de Livros
felicidade baseada na racionalidade humana re-
velam-se as crises econômicas e sociais. Surge
a revolução dos proletários contra os empre-
gadores. O crescimento industrial e econômico
convive com as desigualdades sociais. O epílogo
da modernidade é a Segunda Guerra Mundial
e sua continuação na Guerra Fria. Como pôde
a razão humana não conseguir impedir tantas
catástrofes? A racionalidade passou a ser trans-
formada em discurso capaz de validar e proibir Filosofia da Ciência
qualquer coisa. Autor: Rubem Alves
Depois temos o fenômeno da globalização, Editora: Brasiliense

Martin Good/Shutterstock
que transforma o mundo inteiro em uma gran- Traz uma introdução sobre
de aldeia global. Suprime-se (no caso da inter- o tema, desmistificando
as principais concepções
net) ou pelo menos reduz-se (meios de trans- equivocadas sobre a ciência,
portes, como aviões) a distância entre as pes- demonstrando a diferença
soas. A informação lançada no Brasil é instan- entre esta e o senso comum.
taneamente recebida em toda a parte do glo- Aconselhável para entender
o objetivo e propósito da
bo. E, dessa forma, as culturas se encontram.
ciência, tornando mais fácil
Até algumas décadas atrás o indivíduo nas- a compreensão da Filosofia
cia em uma família, uma sociedade, uma cultu- da Ciência.
ra e nesse meio aprendia a fazer suas escolhas,
suas preferências, seus comportamentos, seu
estilo de vida. Hoje, ninguém mais pode alegar
que segue determinada cultura porque nasceu
ali, mas sim porque quis, pois certamente teve Acima, o Ford T, em 1921. Abaixo, o Koenigsegg Regera 2017, carro movi-
do a eletricidade, um dos mais modernos do mercado. O capitalismo
contato com outras culturas e, se decidiu per- provocou grande salto tecnológico no século XX, quando a evolução dos
manecer na sua, foi uma escolha. produtos tornou-se ainda mais uma exigência de mercado.

A globalização possui pontos favoráveis e desfavoráveis. No mundo globalizado estamos sem-


pre em contato com outras culturas, etnias, opiniões, tribos, grupos sociais, pessoas diferentes Admirável Mundo Novo
que praticam estilos de vida diferentes. Esse contato pode nos aprimorar, ampliando nossa ex- Autor: Aldous Huxley
periência cultural. Editora: Globo
Mas ela também traz dificuldades. Na esfera social: o aumento das desigualdades, o cho- O livro se passa no futuro
onde a ciência e a tecnolo-
que de culturas que nem sempre ocorre de forma pacífica. Na esfera existencial: aumenta- gia imperam no mundo. Os
-se a superficialidade nas relações humanas e no estilo de vida, pois todos passam a praticar as bebês são gerados por meio
mesmas rotinas e consumir os mesmos produtos, pois há um desejo de integrar um grupo social, de uma linha de produção,
ser reconhecido pelo outro. Assim, dos Estados Unidos da América ao Brasil, à Europa, África, que por sua vez organiza
a sociedade, produzindo
Ásia, todos conhecem as mesmas marcas e ouvem as mesmas músicas etc. E isso massifica as
pessoas de acordo com a
pessoas cada vez mais. demanda. As pessoas são
É nosso desafio transformar o mundo pós-moderno em um momento inovador na história, programadas a ter certo
tornando-o estímulo ao aprimoramento cultural e de relações humanas. tipo de conduta e raciocínio
desde a infância. Porém,
quanto maior é a tecnologia,
London Attractions Info

mais as pessoas parecem


se tornar burras e apáticas.
Este livro traz a antiga, mas
pertinente, discussão: até
que ponto a ciência de fato
contribui para o aprimora-
mento do ser humano?

Demonstrar como era a


realidade das pessoas antes
da internet. Eu só poderia
ver fotos de outros países
se comprasse um livro, ou
tivesse alguém próximo que
viajou para o exterior. Hoje
basta digitar as informações
desejadas no Google. Se eu
queria fazer uma pesquisa
sobre determinado assunto,
antes eu precisaria ir atrás
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de livros, revistas, jornais


etc. Hoje, com alguns cli-
Africana trabalhando em um mercado em Londres. O choque entre as culturas é uns dos efeitos da globalização. ques, obtemos a informação
que desejamos.

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Jean-François Lyotard – O Pós- Anthony Giddens –

Bracha L. Ettinger/Creative Commons


Moderno Modernidade e Identidade
A obra O Pós-Moderno (1979), do filósofo O britânico Anthony Giddens é um dos prin-
francês Jean-François Lyotard, é considerada cipais estudiosos acerca da pós-modernidade
por muitos um trabalho pioneiro nas discus- dentro do pensamento sociológico. Sua vasta
sões sobre pós-modernidade. A formação produção acadêmica acompanha estudos da
Jean-François Lyotard.
intelectual de Lyotard inclui Kant, Hegel e, so- transição da modernidade para a pós-moder-
bretudo, Marx. De fato, como veremos mais nidade em várias dimensões: social, política,
Observe
adiante, há nítida influência deste último na econômica, cultural etc.
O mundo cibernético possui sua concepção de saber (conhecimento) como A discussão se concentrará na direção para
várias linguagens de pro- informação que gera poder. a qual o autor tem se voltado em seus estudos
gramação, que servem para
executar ações nos softwa- Lyotard tem como um de seus argumentos mais recentes: a relação entre modernidade e
res. A crítica de Lyotard é o desenvolvimento industrial, cada vez mais identidade. Trata-se de uma profunda análise
que no futuro todas aquelas cibernético, na passagem da modernidade à sociológica incrementada por reflexões psico-
informações que não pós-modernidade. E este fenômeno vem cau- lógicas essenciais acerca da afirmação da iden-
puderem ser transformadas
em linguagem informática
sando uma modificação substancial no modo tidade do “eu” em sua conexão com o mundo
cairão no desuso. como vemos e entendemos as ciências e sua exterior.
função para a sociedade. Giddens apresenta a contemporaneida-
Algo muito diferente acon- Para os modernos, a ciência era o saber por de como a “alta modernidade”, uma vez que
tecia com a preocupação
da paideia entre os gregos, excelência, o mais elevado. ela alarga e intensifica o fenômeno moderno.
humanitas com os renas- A ciência foi e ainda é, em grande parte, a Antes da modernidade o indivíduo integrava
centistas e bildung com os uma cultura com determinada tradição, que
alemães dos séculos XVIII e bandeira dos intelectuais contra todo tipo de
XIX, para os quais o conhe- discurso religioso e filosófico, sobretudo o me- perpassava a família, os costumes, a religião, a
cimento mais do que visar tafísico. O saber científico, por muito tempo, moral, mas sempre ligada à comunidade. Com
algo específico, era motiva- o advento da modernidade o indivíduo passa a
do a formar indivíduos a se carregou aquela aura de conhecimento verda-
tornarem pessoas melhores. deiro, seguro, capaz de ser aplicado com exati- integrar a sociedade e outras instituições mui-
Havia uma preocupação to maiores, como o Estado. A sociedade, em
com a formação integral do dão na vida em geral.
homem. Hoje tudo é mais oposição à comunidade, é repleta de conflitos,
A questão é que o avanço da tecnologia
fragmentado e direcionado, pois nela interagem culturas diversas, classes
somos estimulados a apren- vem demonstrando que também a ciência não
sociais diferentes, interesses contrários. É um
der somente aquilo que difere muito de mais uma forma de organizar,
no futuro possa trazer um ambiente menos seguro, e o sujeito sente-se
estocar e distribuir informações. A Informática
retorno prático, sobretudo mais desprotegido e solitário.
financeiro. Mas e a formação revela que a informação é a fonte de todo tipo
como autoconhecimento, de conhecimento. Hoje, informação é basica- A alta modernidade amplia drasticamen-
como fica nessa história? te essa realidade, pois da sociedade estamos
mente a transmissão de um conteúdo, sem a
pretensão de ser verdadeiro ou não, formador passando a uma sociedade global, na qual a
A maioria dos autores deste internet e tantos outros veículos de mídia ins-
capítulo não utiliza mais o ou não. O importante é que aquele conteúdo
termo pós-modernidade. Na cumpra uma finalidade. Exemplo: a autoesco- tantaneamente comunicam pessoas de todas
percepção deles o que se la transmite o conhecimento que lhe possibi- as partes do globo, difundindo estilos de vida,
vive hoje é uma continuação comportamentos e culturas. Já não somos ci-
da modernidade, e não lita realizar uma prova para habilitar-se como
outro momento histórico. condutor de veículos automotivos. É um saber dadãos que integramos apenas a sociedade
Assim Giddens chama de específico visando um fim. Hoje o conheci- em que nascemos, mas convivemos com ques-
alta modernidade, Bauman tões que nascem em lugares tão distantes que
de modernidade líquida etc. mento é uma forma de produto, ou seja, pa-
gamos para receber uma informação bastante muitas vezes nunca visitamos ou visitaremos.
O saber consumir produtos específica. Essa relação entre mídia e difusão de es-
adequados é certamente um tilos de vida é particularmente enfática na
exercício importantíssimo A questão central então é: qual a posição
da afirmação da própria da ciência no cenário pós-moderno? questão do consumismo, que provoca a todos
identidade, um exercício de a seguirem os mesmos hábitos, comprarem as
maturidade. O ato de com- Além disso, como se dá a relação entre po-
mesmas roupas, os mesmos alimentos, reali-
prar produtos não significa pulação e ciência? Que caminho adotar?
apenas consumir, mas saber zarem as mesmas diversões. A combinação de
comprar o objeto adequado Por fim, é importante aproveitar esta temá- aspectos globais, mídia e consumismo é um
para este momento, saber tica para refletir sobre como damos importân- forte acelerador da massificação entre as pes-
adquirir produtos refinados,
ou algo que denote um cia às informações hoje em dia. São tantas que soas, pois saber que pessoas do mundo inteiro
estilo que agrade a perso- circulam em nossa mente, desde as revistas e compram aqueles produtos ou praticam aque-
nalidade do indivíduo. Mas livros que lemos até as páginas de internet vi-
a afirmação da identidade les hábitos é certamente um estímulo à pessoa
é um processo ainda mais sitadas. Quanto desse material que buscamos decidir seguir o mesmo caminho.
profundo, é antes um realmente é útil e fundamental para nossas
trabalho de afirmação do Contudo, além dessa análise voltada ao
vidas?
indivíduo diante da vida, apelo consumista, é importante que o leitor
diante de si mesmo, ao fazer
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tente captar outro sentido por trás desse tex-


uma carreira com êxitos,
uma vida que lhe dê tran- to: o esforço do indivíduo em afirmar sua iden-
quilidade e felicidade por tidade mesmo diante da pressão do mercado
ter feito as coisas certas.
de consumo. Afinal, diante de tantas escolhas

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possíveis oferecidas pelas marcas, ele deve es- elas podem muito bem continuar existindo de Filmes
colher qual marca? Em geral, o indivíduo passa modo muito mais amplo e eficaz. A moldura
a comprar aquele tipo de roupa, aquele tipo externa modificou-se, mas o interior perma-
de carro que lhe identifique, que lhe caracteri- nece. A realidade líquida está presente em
ze. É a tentativa de construir a identidade por cada instituição. A modernidade líquida não
meio daquilo que usa. Porém, isto é realmente precisa mais do tempo e do espaço. Exemplos
afirmação da própria identidade ou consumo disso são os telefones celulares, em que duas
estereotipado? pessoas podem se comunicar do lugar onde
estiverem, e a internet, que elimina todas as
Zygmunt Bauman – distâncias entre as pessoas. Amor sem Escala

Modernidade Líquida A modernidade líquida é mais fluida, capaz


de se relativizar às várias circunstâncias, mas
Ano: 2009
Diretor: Jason Reitman
O polonês Zygmunt Bauman é certamente sempre mantendo intacta a estrutura interna Sinopse: O filme retrata
um dos mais perspicazes analistas da realida- das instituições. A família hoje não se limita à a vida de um executivo
de social contemporânea. Para referir-se à pós- formação tradicional “pai, mãe e filhos”, acei- especializado em demitir
tando tantos outros modelos, mas a ideia de pessoas, um indivíduo que
-modernidade, Bauman prefere utilizar a ex-
praticamente atravessa a
pressão “modernidade líquida”, desde a obra família, o núcleo da instituição, permanece. O sua existência em aero-
lançada com o mesmo nome em 2000. mesmo vale para as demais instituições. Ao se portos, aviões e situações
flexibilizar a instituição consegue-se envolver relacionadas. Demonstra a
E o que seria a modernidade líquida? É a
mais pessoas. superficialidade das rela-
modernidade atual, que se contrapõe à mo- ções humanas e a solidão,
dernidade dos séculos anteriores, uma mo- A realidade atual é bastante dinâmica: o pois como se está sempre
dernidade sólida. O sólido é um corpo que é que é moda hoje, amanhã deixa de ser. O que em um lugar diferente, o
obrigado a ocupar determinado lugar no tem- é certo hoje, amanhã está em dúvida. Há uma encontro com cada pessoa é
apenas momentâneo.
po e no espaço. Ele não pode estar aqui e ali sensação constante de incerteza quanto ao
ao mesmo tempo. O sólido representa várias futuro.
instituições que denotam a modernidade. O E essa incerteza afeta todas as áreas da
sólido é a instituição fixada em um lugar, é li- vida. As relações de trabalho são temporárias,
mitada, de tal forma que o interesse é que as podendo ser extintas a qualquer momento. As
pessoas situem-se dentro daquele espaço limi- relações afetivas não são eternas e questões
tado para que assim sejam mais facilmente vi- diversas podem provocar reviravoltas. Há a
giadas e controladas. Tradicionalmente a famí- preocupação com a própria segurança, pois a
lia se situava numa casa, em um espaço, com violência urbana aumenta. O futuro é impre-
todos os membros residindo no mesmo lugar. A Rede Social
visível, não há garantia que amanhã a pessoa
desfrutará de um momento mais feliz. Ano: 2010
Hoje a realidade é outra. A instituição da
Diretor: David Fincher
família tornou-se diversificada e relativizada, Esta incerteza constante gera laços afeti-
Sinopse: Filme que traz a
haja vista o elevado número de divórcios, pais vos cada vez mais superficiais. Hoje as pessoas história real da criação do
solteiros, filhos resultantes de casamentos di- tendem a não ser profundas em seus relacio- Facebook, uma das maiores
ferentes vivendo juntos, entre outras tantas namentos, tanto afetivos como de trabalho, redes sociais do mundo.
circunstâncias. pois não há certeza que este relacionamento Além da história principal,
terá durabilidade. o filme traz importantes as-
O pensador alemão Ulrich Beck chegou a pectos para o nosso estudo,
declarar que a família é uma instituição morta! como a situação atual do
A mesma situação corresponderia para a esco- jovem perante a sociedade,
o que o leva a se agregar
la, o Estado etc. Porém, cabe a questão: estaria
a redes sociais, como
mesmo morta? Ou será que, na verdade, ela será o futuro das relações
não teria se adaptado? interpessoais depois deste
fenômeno inevitável de
Nesse ponto se introduz a noção de moder-
“virtualização” dos amigos,
nidade líquida. As instituições na atualidade desejos, produtos etc.
não precisam mais se limitar ao tempo/espaço,

Zygmunt Bauman foi um filósofo e sociólogo polonês. Sua produção in-


fluenciou toda uma geração de pensadores a partir da ideia da descrição
e da crítica do que chamou de modernidade líquida. Bauman morreu em
janeiro de 2017.
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Massimo Demelas/Shutterstock, kirsty pargeter/Freepik

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FILOSOFIA E PÓS-MODERNIDADE

Zygmunt Bauman tem mais de cinquenta livros publicados e, para um escritor teórico, alcançou um pú-
blico considerável aqui no Brasil, vendendo cerca de 200 mil títulos.
[...]
Pode-se explicar o apelo de sua obra pela relativa simplicidade com que esmiúça aspectos diversos da
“modernidade líquida”, seu conceito fundamental. É assim que ele se refere ao momento da História em
que vivemos. Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para
ser “sólido”. Disso resultariam, entre outras questões, a obsessão pelo corpo ideal, o culto às celebridades, o
endividamento geral, a paranoia com segurança e até a instabilidade dos relacionamentos amorosos. É um
mundo de incertezas. E cada um por si. “Nossos ancestrais eram esperançosos: quando falavam de ‘progres-
so’, se referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Nós estamos assustados: ‘progresso’,
para nós, significa uma constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração”, afirma. [...]

(PRADO, Adriana. Sociólogo polonês cria tese para justificar atual paranoia contra a violência
e a instabilidade dos relacionamentos amorosos. Disponível em: https://istoe.com.br/102755_
VIVEMOS+TEMPOS+LIQUIDOS+NADA+E+PARA+DURAR+/ Acesso em: 5 out. 2018.)

Escolha um dos aspectos mencionados no texto que caracterizam a modernidade líquida e redija um texto
explicando qual a relação do aspecto escolhido com o conceito de modernidade líquida de Zygmunt Bauman.
Arthimedes/Shutterstock

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Resolvidos Segundo Popper, “indução” é:
(1) A passagem de enunciados particulares a universais através
1. (UEL) O positivista desaprova a ideia de que possam existir pro- de uma inferência.
blemas significativos fora do campo da ciência empírica ‘positiva’ (2) Um método físico para o exame tanto das partículas quanto
– problemas a serem enfrentados por meio de uma teoria filosófica do universo.
genuína. O positivista não aprova a ideia de que deva existir uma
(3) Um raciocínio cuja justificação lógica não é evidente.
epistemologia (Teoria do conhecimento abstrato).
(4) Um método impróprio no caso da zoologia, mas não no das
(POPPER, Karl R. A Lógica da Pesquisa Científica. Tradução demais ciências.
de: HEGENBERG, Leônidas. São Paulo: Cultrix, 1974. p. 53.)
(5) Um método lógico que nos permite concluir com segurança
Com base no texto, é correto afirmar que Karl Popper: se certas teorias são validadas pela observação.
a) Defende a ideia de que a filosofia é uma ciência. Soma (05) (01+04)
b) Atribui aos positivistas a tese de que a filosofia é uma ciência.  Anotações:
(01)Correto, a indução parte da observação de objetos particulares para atingir a
c) Afirma que as teorias filosóficas devem resolver os problemas
universalidade dos conceitos.
científicos. (02)Incorreto. A indução para Popper é a construção de conceitos universais a
d) Descreve a rejeição do positivista à epistemologia. partir da observação de casos particulares.
(04)Correto, já que a indução não considera aquilo que não foi observado.
e) Desaprova a ideia de que deva existir uma epistemologia. (08)Incorreto, a indução para Popper é imprópria para as ciências como um todo.
 Resposta: C (16)Incorreto, pois, como Popper afirmou, não é porque não se observou cisnes
negros numa amostragem que eles não existam.
a) Incorreto. Popper quer que a filosofia seja reduzida à verificação
lógica dos argumentos científicos.
b) Incorreto, porque para os positivistas, a filosofia também tem
seu papel restringido à verificação dos argumentos científicos.
c) Incorreto, a filosofia deve se prestar à averiguação dos conceitos
científicos, a partir de princípios lógicos.
d) Correto. Popper afirma que os positivistas rejeitam qualquer es-
pécie de epistemologia, por considerar sua abordagem como
“pseudoproblemas”. 2. (UEM) A epistemologia de Thomas Kuhn tem como tese fundamen-
e) Incorreto. Apesar de Popper reduzir o papel da filosofia à abor- tal a mudança de paradigmas que provoca as revoluções científi-
dagem lógica, ele não descartava a possibilidade de se fazer cas; enquanto a epistemologia de Karl Popper se caracteriza pelo
epistemologia, uma vez que o próprio princípio de falseabilida- princípio da falseabilidade. Assinale o que for correto.
de está contido na epistemologia. (1) Para Thomas Kuhn, as mudanças de paradigmas nas teorias
2. (CESPE-UnB) Platão rejeita a arte porque científicas desorganizam a ciência a ponto de impedir um
avanço do conhecimento.
a) ela não representa nada.
(2) Para Thomas Kuhn, a revolução copernicana que substitui
b) ela representa diretamente as formas. a explicação ptolomaica geocêntrica pela explicação he-
c) ela é cópia da cópia, isto é, porque ela representa a natureza, liocêntrica caracteriza uma mudança de paradigma e uma
que por sua vez representa as formas. revolução na ciência astronômica.
d) ela é causa do belo. (3) Para Karl Popper, o valor de uma teoria não se mede pela
 Resposta: C sua verdade, mas pela possibilidade de ser falsificada.
a) Incorreto. Apesar da crítica de Platão à arte, ele não a reduziu ao (4) Para Thomas Kuhn, o paradigma é uma visão de mundo
“nada”, apenas afirmou que ela é um simulacro das ideias. expressa em uma teoria; o paradigma serve para auxiliar o
cientista na resolução de seus problemas.
b) Incorreto, porque ela é uma cópia da cópia da realidade.
(5) Considerando o princípio da falseabilidade, a ciência, para
c) Correto, já que a arte imita a imitação das formas. Karl Popper, não se desenvolve de modo linear.
d) Incorreto. O belo, para Platão, residia no mundo das ideias. Soma (30) (02+04+08+16)
 Anotações:
Praticando (01) Incorreto, a mudança de paradigma, para Kuhn, é o mesmo que uma
revolução científica.
(02) Correto, pois tanto o geocentrismo como o heliocentrismo são
1. (UFPR) Leia com atenção esta passagem introdutória de A Lógica paradigmas.
da Investigação Científica (1934), de Karl Popper: (04)Correto, pois, para Popper, a teoria científica só deve ser considerada
1. O problema da indução: válida se ela puder ser refutada em algum momento.
(08) Correto, pois o paradigma constitui-se como um modelo internamente
“Costuma-se chamar de ‘indutiva’ a uma inferência se ela passa coerente.
de enunciados singulares (também chamados, algumas vezes, (16) Correto, uma vez que as teorias científicas devem passar pelo crivo da
falseabilidade.
enunciados ‘particulares’), tais como as descrições dos resultados
de observações ou experimentos, aos enunciados universais, tais
como hipóteses ou teorias. Ora, de um ponto de vista lógico, está
longe de ser óbvio que estejamos justificados ao inferir enunciados
universais a partir dos singulares, por mais elevado que seja o nú-
mero destes últimos; pois qualquer conclusão que obtemos dessa
maneira pode acabar sendo falsa: não importa quantas ocorrências
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de cisnes brancos possamos ter observado, isso não justifica a


conclusão de que todos os cisnes são brancos.”

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3. (UNISC-2013) O problema da mímesis em Platão e Aristóteles até Com base no texto e nos conhecimentos sobre Popper, assinale
hoje tem ressonância no mundo contemporâneo. Grande parte do a alternativa correta.
público recusa a arte produzida na contemporaneidade por conta a) Os enunciados metafísicos devem ser eliminados do discurso
da estética platônica. Aristóteles liberta a arte dos limites determi- científico por serem destituídos de conteúdo cognitivo.
nados por Platão e afirma que Mímesis é basicamente, para esses
b) O problema da demarcação encontra solução na lógica
filósofos antigos, imitação da natureza. Justifique:
indutiva.
Inicialmente ocorre o debate entre Platão e seus adversários se a vida ideal c) O problema da demarcação, assim como o problema da
seria aquela repleta de prazeres ou a dedicada ao conhecimento. Chega-se indução, não tem uma solução racional.
a conclusão de que a vida voltada aos prazeres reduz-se a uma vida animal,
mas que a vida dedicada somente ao conhecimento é desencorajante. Logo, d) A metafísica deve ser eliminada por não constituir um proble-
a vida deve se dividir em prazeres e conhecimento. E qual é esta medida? É ma cientificamente relevante.
preciso encontrar uma proporção. Por isto ela é o primeiro e mais importante
bem. Quando algo é desproporcional, e portanto desprovido do primeiro e) Os enunciados metafísicos não fazem parte do discurso cien-
bem, conclui-se que é feio. O oposto do feio é o belo. Portanto, o belo é o tífico por não serem passíveis de falseamento.
segundo bem mais importante, pois algo proporcional é também belo. A
arte é a expressão do que é belo, e portanto se ocupa da manifestação do 2. C1:H4 (UEL-2015) Leia os textos a seguir.
segundo bem mais importante do homem. Antes de algo ser verdadeiro ou A arte de imitar está bem longe da verdade, e se executa tudo, ao
justo é preciso que seja belo. Isso significa que nem toda pintura, música que parece, é pelo facto de atingir apenas uma pequena porção
ou poesia pode ser considerada bela, mas apenas quando possui em si a de cada coisa, que não passa de uma aparição.
proporção, que é o primeiro bem. Para Platão, toda criação é imitativa, ou
seja, faz uma referência vaga e repleta de falhas àquilo que é perfeito, à ideia. (Adaptado de: PLATÃO. A República. 7.ed. Trad. de PEREIRA, Maria
Para Aristóteles, a criação é imitação no sentido de representação e, sobre a Helena da Rocha. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993. p.457.)
arte dramática, por exemplo, ele afirmará que esta representação possui um
efeito catártico. Portanto, ambos viam a arte a partir do viés da imitação da O imitar é congênito no homem e os homens se comprazem no
natureza, porém o primeiro de acordo com uma posição negativa e o segundo imitado.
de acordo com uma posição positiva.
(Adaptado de: ARISTÓTELES. Poética. 4.ed. Trad. de SOUZA, Eudoro de.
São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 203. Coleção “Os Pensadores”.)

Com base nos textos, nos conhecimentos sobre estética e a


4. (UERJ) No admirável mundo novo das oportunidades fugazes e questão da mimesis em Platão e Aristóteles, assinale a alternativa
das seguranças frágeis, a sabedoria popular foi rápida em perceber correta.
os novos requisitos. Em 1994, um cartaz espalhado pelas ruas de
a) Para Platão, a obra do artista é cópia de coisas fenomênicas,
Berlim ridicularizava a lealdade a estruturas que não eram mais
um exemplo particular e, por isso, algo inadequado e inferior,
capazes de conter as realidades do mundo: “Seu Cristo é judeu.
tanto em relação aos objetos representados quanto às ideias
Seu carro é japonês. Sua pizza é italiana. Sua democracia, grega.
universais que os pressupõem.
Seu café, brasileiro. Seu feriado, turco. Seus algarismos, arábicos.
Suas letras, latinas. Só o seu vizinho é estrangeiro”. b) Para Platão, as obras produzidas pelos poetas, pintores e es-
cultores representam perfeitamente a verdade e a essência do
(ZYGMUNT, Bauman. Adaptado. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.)
plano inteligível, sendo a atividade do artista um fazer nobre,
Alteração de valores culturais em diversas sociedades é um dos imprescindível para o engrandecimento da pólis e da filosofia.
efeitos da globalização da economia. O cartaz citado no texto iro- c) Na compreensão de Aristóteles, a arte se restringe à repro-
niza uma referência cultural que pode ser associada ao conceito de: dução de objetos existentes, o que veda o poder do artista
a) Localismo de invenção do real e impossibilita a função caricatural que
a arte poderia assumir ao apresentar os modelos de maneira
b) Nacionalismo
distorcida.
c) Regionalismo
d) Aristóteles concebe a mimesis artística como uma atividade
d) Eurocentrismo que reproduz passivamente a aparência das coisas, o que
 Anotações: impede ao artista a possibilidade de recriação das coisas
a) Incorreto, pois o cartaz faz referência às influências multiculturais na segundo uma nova dimensão.
cultura ocidental. e) Aristóteles se opõe à concepção de que a arte é imitação e
b) Correto, o cartaz critica o nacionalismo, uma vez que nossa cultura possui
influências multiculturais. entende que a música, o teatro e a poesia são incapazes de
c) Incorreto, pois o regionalismo só considera elementos locais. provocar um efeito benéfico e purificador no espectador.
d) Incorreto, pois no final do trecho lido, Bauman afirma que apenas o
vizinho é estrangeiro. 3. C1:H1 (UEMA) Considere o texto a seguir para responder à questão:
O juízo estético em Kant é uma intuição do inteligível no sensível,
em que o sujeito não proporciona nenhum conhecimento do
objeto que provoca, não consiste em um juízo sobre a perfeição
do objeto, é válido independentemente dos conceitos e das sen-
Desenvolvendo Habilidades sações produzidas pelo objeto.
(TAVARES, Manoel; FERRO, Mário. Análise da obra fundamentos da metafísica
1. C1:H1 (UEL) Leia o texto a seguir: dos costumes de Kant. Lisboa- Portugal: Editorial Presença, [s.d.]. p. 43-44.)
“Denomino problema da demarcação o problema de estabelecer Então, para Kant, a estética é uma intuição de ordem
um critério que nos habilite a distinguir entre as ciências empíricas, a) Objetiva.
de uma parte, e a matemática e a lógica, bem como os sistemas
b) Cognitiva.
‘metafísicos’ de outra. Esse problema foi abordado por Hume, que
tentou resolvê-lo. Com Kant, tornou-se o problema central da teoria c) Subjetiva e cognitiva.
do conhecimento”. d) Subjetiva e objetiva.
e) Subjetiva.
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(POPPER, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. Tradução de: HEGENBERG,


Leônidas; MOTA, Octanny Silveira. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 35.).

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4. C1:H1 (Unesp-2015) A fonte do conceito de autonomia da arte é o III. O autor utilizou as aspas com o intuito de inverter o sentido
pensamento estético de Kant. original de palavra.
Praticamente tudo o que fazemos na vida é o oposto da apreciação a) Somente I está correta.
estética, pois praticamente tudo o que fazemos serve para alguma
b) Somente II está correta.
coisa, ainda que apenas para satisfazer um desejo. Enquanto objeto
de apreciação estética, uma coisa não obedece a essa razão instru- c) Somente III está correta.
mental: enquanto tal, ela não serve para nada, ela vale por si. As d) I e II estão corretas.
hierarquias que entram em jogo as coisas que obedecem à razão e) II e III estão corretas.
instrumental, isto é, nas coisas de que nos servimos, não entram
em jogo nas obras de arte tomadas enquanto tais. Sendo assim, 2. (CEFET-PR) Assinale a alternativa correta segundo o texto.
a luta contra a autonomia da arte tem por fim submeter também a) Às minorias democráticas industriais é dispensado o mesmo
a arte à razão instrumental, isto é, tem por fim recusar também à tratamento médico que era experimentado em Auschwitz.
arte a dimensão em virtude da qual, sem servir para nada, ela vale b) Alguns pretensos patriotas começarão uma guerra que tornará
por si. Trata-se, em suma, da luta pelo empobrecimento do mundo. o Holocausto insignificante.
(Antônio Cícero. “A autonomia da arte”. Folha de c) A tortura sistemática de animais faz parte do dia a dia de todos
São Paulo, 13.12.2008. Adaptado.) os pesquisadores que recebem prêmios.
De acordo com a análise do autor, d) O aumento constante do número de armas mortais torna o
a) A racionalidade instrumental, sob o ponto de vista da filosofia mundo tão violento quanto o Holocausto de Auschwitz.
de Kant, fornece os fundamentos para a apreciação estética. e) Os nossos intelectuais acreditam saber precisamente o que a
b) Um mundo empobrecido seria aquele em que ocorre o esva- humanidade necessita e se esforçam por recriar as pessoas à
ziamento do campo estético de suas qualidades intrínsecas. sua semelhança.
c) A transformação da arte em espetáculo da indústria cultural 3. (PUC-Rio) A globalização pode ser descrita como um processo de
é um critério adequado para a avaliação de sua condição difusão de ideias e valores, de produção e de trocas comerciais que
autônoma. atravessam e rompem as fronteiras nacionais. As opções abaixo
d) O critério adequado para a apreciação estética consiste em sua apresentam exemplos da teia global, à exceção:
validação pelo gosto médio do público consumidor. a) da intensa velocidade de propagação de ideias e da instanta-
neidade na transmissão dos acontecimentos mundiais.
e) A autonomia dos diversos tipos de obra de arte está priori-
tariamente subordinada à sua valorização como produto no b) da ampliação dos fluxos de bens e de informações que circulam
mercado. e interagem em escala mundial.
c) da retração do espaço territorial do Estado-nação e do alarga-
Complementares mento da ação das grandes corporações.
d) da simetria dos circuitos da mídia e da informação eletrônica
Texto para as questões 1 e 2 com uma recíproca fertilização cultural.
“Declaro que Auschwitz [maior campo de concentração nazista e) do aumento da velocidade e da eficiência dos sistemas multi-
na 2.ª Guerra Mundial] é a manifestação extrema de uma atitude modais de transportes e comunicações.
que ainda prospera em nosso meio. Ela se revela no tratamento 4. (PUC-Rio) A globalização procura expandir os mercados e portan-
dispensado às minorias nas democracias industriais; na educação, to os lucros, que é o que de fato movimenta os fluxos de capital.
inclusive na educação de perspectiva humanitária, que em geral Ela condiciona, hoje, a evolução da economia. Sobre a economia
consiste em transformar jovens maravilhosos em cópias apagadas globalizada, analise as seguintes afirmativas:
e convencidas de seus professores; torna-se manifesta na ameaça
nuclear, no aumento constante do número e da potência de armas I. A globalização acelerou e alargou, geograficamente, os fluxos
mortais e na disposição de alguns pretensos patriotas a dar início de produtos e serviços.
a uma guerra perto da qual o Holocausto encolheria e se tornaria II. O comércio internacional tornou-se, nas últimas décadas, um
insignificante. Ela se mostra na destruição da natureza e das cultu- dos indicadores mais representativos da economia globalizada.
ras “primitivas”, sem que se dê a menor atenção àqueles cuja vida III. A abertura dos mercados e as estratégias mundiais das gran-
fica, assim, privada de significado; na colossal vaidade de nossos des corporações atestam a interdependência da economia
intelectuais, na sua crença de que sabem precisamente o que a hu- mundial.
manidade necessita e nos seus esforços implacáveis para recriar as
IV. O petróleo, devido a seu valor estratégico, dá origem a intensos
pessoas à sua própria e triste semelhança; na megalomania infantil
fluxos comerciais entre países produtores e consumidores.
de alguns de nossos médicos que chantageiam os seus pacientes
com o medo, mutilam-nos e depois os perseguem com elevadas Assinale:
contas; na falta de sentimento de muitos pretensos pesquisadores a) se apenas as afirmativas II e III estão corretas.
da verdade que torturam sistematicamente os animais, estudam b) se apenas as afirmativas I e IV estão corretas.
o seu desconforto e recebem prêmios por tal crueldade. No meu
c) se apenas as afirmativas I, II e III estão corretas.
entender, não existe nenhuma diferença entre os carrascos de
Auschwitz e esses “benfeitores da humanidade”. d) se apenas as afirmativas II, III e IV estão corretas.
(FEYERABEND, Paul. Adeus à Razão, 1987.) e) se todas as afirmativas estão corretas.
1. (CEFET-PR) Leia as seguintes afirmações sobre o uso de aspas em
“benfeitores da humanidade” e depois assinale a alternativa correta: GABARITO ONLINE
I. O seu uso se justifica pela intenção do autor de intensificar o 1. Faça o download do aplicativo SAE Questões ou qualquer aplicativo
de leitura QR Code.
caráter positivo da expressão. 2. Abra o aplicativo e aponte para o QR Code ao lado.
II. O uso das aspas está correto por se tratar de uma expressão 3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela.
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típica da linguagem oral.

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