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2º Ano Fil - Sae Digital
2º Ano Fil - Sae Digital
Curitiba 2022
FICHA CATALOGRÁFICA
S132
SAE, ensino médio: 2. série: filosofia: livro do professor : SAE DIGITAL S/A. -
1. ed. - Curitiba, PR : SAE DIGITAL S/A, 2022.
ISBN 978-65-5995-063-8
CDD: 109
CDU: 316.7
Pilares pedagógicos..............................................................IV
Ensino Médio..........................................................................VI
Protagonismo
Uma prática pedagógica estruturada no protagonismo considera o estudante como centro do
processo de sua aprendizagem. Tem como ponto de partida os conhecimentos prévios que ele
possui para, a partir deles, promover o fortalecimento de sua identidade, a sua autonomia e o de-
senvolvimento das habilidades necessárias à concretização de seu projeto de vida e sua atuação
na sociedade com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
Transformação da realidade
Com base no entendimento da educação como agente transformador da realidade, o sistema
de ensino do SAE Digital incorpora à sua proposta pedagógica um trabalho sistemático com te-
mas contemporâneos de relevância social que afetam a vida humana em escala local, regional e
global. Ao promover a consciência dos direitos e deveres de todo ser humano, o exercício pleno da
cidadania e a tomada de decisões para iniciativas concretas de impacto socioambiental, visamos
à manutenção do estado democrático de direito e à transformação da realidade.
Mundo da ciência e da
Meu mundo Mundo revisitado Mundo transformado
tecnologia
Conhecimento de Conhecimento
Pensamento complexo Saberes ressignificados
mundo científico
PI_EM21_2_FIL_LU_LP
PI_EM21_2_FIL_LU_LP
Inter e
Conhecimento prévio Currículo escolar Ações transformadoras
transdisciplinaridade
IV FIL
Outras considerações a
respeito de tecnologia
digital relevante
O projeto de Tecnologia Digital Relevante –
SAE Digital também tem como enfoque aproxi-
mar a produção do SAE Digital às metodologias
contemporâneas da aprendizagem:
● Por desenvolver o conteúdo digital pro-
duzido em consonância com o material
impresso pode ser considerado como
um modelo híbrido de ensino.
● Por promover a autonomia do aluno em
seu processo de aprendizagem, os ob-
jetos digitais podem ser considerados
como metodologia ativa.
● Por promover o uso de diversas mídias
digitais, os objetos digitais podem con-
tribuir para o letramento digital.
● Por ofertar feedbacks do desempe-
nho dos alunos, pode contribuir com
a regulação e a autorregulação da
aprendizagem.
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PI_EM21_2_FIL_LU_LP
FIL V
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PI_EM21_2_FIL_LU_LP
VI FIL
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FIL VII
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VIII FIL
Racionalismo e empirismo
1 Origem e desafios do racionalismo moderno • René Descartes • Baruch Spinoza • Empirismo •
Francis Bacon• John Locke • David Hume: o empirismo cético
Idealismo
3
Immanuel Kant • Georg W. F. Hegel
Fenomenologia e existencialismo
6
Fenomenologia • Existencialismo
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grandes transformações
FIL IX
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X FIL
Desenvolvimento do conteúdo:
após o momento de sensibilização,
propomos o desenvolvimento do
conteúdo por meio de um texto teórico
construído alinhado aos pilares Rigor
conceitual e conteúdo relevante e
Complexidade e saberes múltiplos.
DIGITAIS
PLATAFORMA ADAPTATIVA
ENTENDEU A AULA DE HOJE?
A plataforma adaptativa permite que você resolva exercícios encaminhados
pelo professor e revise o conteúdo visto na semana. Veja como é fácil:
1 3
Após assistir à videoaula, 3 questões
4 deverão ser respondidas para finalizar
a tarefa e verificar seu aprendizado.
Quando alguma atividade da plataforma adaptativa for agendada, aluno e responsável serão comunicados
por meio de um aplicativo. Além de enviar um lembrete da tarefa ao aluno, essa ferramenta permite ao
responsável o acompanhamento, em tempo real, do desempenho do estudante e o momento em que o
exercício é concluído.
SAE QUESTÕES
O QUE O ENEM ESTÁ AVALIANDO?
Com o aplicativo SAE QUESTÕES você poderá aprimorar seus estudos solucionando as questões
presentes nas edições da avaliação do ENEM.
TEMAS DA ATUALIDADE
Acessando o item “Atualidades” do aplicativo, é possível acompanhar o canal “DOBRADINHA SAE”, que traz,
semanalmente, um professor de redação juntamente com um professor de outra disciplina debatendo
temáticas da atualidade e dando dicas e sugestões de como escrever e estruturar uma boa redação.
No entanto, vale salientar que nessa fase é muito proporcionarão um aproveitamento ideal do seu tempo
bilidades a serem desenvolvidas e os conhecimentos a O local de estudo deve ser tranquilo e silencioso.
serem adquiridos e consolidados serão mais facilmen- Para que a sua concentração e a retenção do que se
te obtidos com uma metodologia de apoio e uma estra- estuda sejam maiores. Evite sons, música, televisão
tégia de estudo, estabelecidas conforme suas caracte- ou quaisquer outras distrações. Embora não pareça,
rísticas de disponibilidade de tempo, preferências por essas interferências podem atrapalhar, e muito, sua
horários, entre outras variáveis. concentração.
Há diferentes formas de organizar seu tempo Para quaisquer áreas do conhecimento, inicie seu
para estudar além daquele em que você está na sala estudo com uma rápida revisão do que foi desenvol-
de aula com seus professores e colegas. Há quem vido em sala de aula, tanto recorrendo ao seu mate-
prefira estudar assim que chega em casa (ou no am- rial do sistema SAE, quanto às anotações feitas em seu
biente destinado ao estudo), enquanto outros prefe- caderno. Dedique alguns minutos a isso. Em seguida,
rem ocupar-se com outras atividades e iniciar o estu- cumpra as atividades passadas pelos professores: as
do individual mais tarde. É uma opção pessoal. pesquisas da seção de fechamento dos capítulos (se
rão ajudá-lo, independente de quaisquer variáveis. Procure fazer todas as questões ou atividades, pois a
Inicialmente, observe sua postura em sala de aula, du- quantidade deles é programada para que haja a fixa-
Ao iniciar as aulas, faça um “aquecimento” do con- O tempo de estudo também é muito importante.
teúdo: enquanto o professor prepara o ambiente de Procure destinar ao menos meia hora de estudo em
trabalho, realize uma rápida leitura daquilo que será casa para cada aula dada em sala de aula. Com isso, os
exposto na aula. Isso o ajudará a entender melhor os conteúdos a serem estudados não se acumulam e você
conteúdos e a sequência de ideias. Além disso, reco- evita trabalhos mais intensos e desgastantes nas datas
apontamentos feitos pelo professor é indispensável Lembre-se de que método de estudo é algo desen-
para seu estudo posterior. volvido individualmente e pode passar por ajustes.
Contudo nada substitui o trabalho feito pelo aluno so-
mado àquele desenvolvido na escola.
Bom estudo!
LIVRO
10
Racionalismo
e empirismo
28
Filósofos do
Habilidades
contrato social
40
Idealismo
• H1 – Interpretar historicamente e/ou geograficamente
fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
• H2 – Analisar a produção da memória pelas sociedades
humanas.
53
A filosofia no
• H3 – Associar as manifestações culturais do presente
aos seus processos históricos.
• H4 – Comparar pontos de vista expressos em diferentes
século XIX fontes sobre determinado aspecto da cultura.
64
A passagem do
• H5 – Identificar as manifestações ou representações
da diversidade do patrimônio cultural e artístico em
diferentes sociedades.
74
• H23 – Analisar a importância dos valores éticos na
estruturação política das sociedades.
• H24 – Relacionar cidadania e democracia na organização
Fenomenologia e das sociedades.
84
Filósofos
Existencialismo
contemporâneos
e a compreensão
da democracia
100 Filosofia da
contemporânea
Ciência, Filosofia
da Arte e estética,
Pós-modernidade
Racionalismo e
mo
om
empirismo
Trest/W.C
Origem e desafios do racionalismo moderno • René Descartes • Baruch Spinoza • Empirismo • Francis Bacon • John Locke •
David Hume: o empirismo cético
Filosofia
mód. 01/08
01
Filosofia
Filosofia
moderna: o
moderna: o
racionalismo
empirismo
de Descartes
START
Leia o texto e responda às questões.
Enquanto eu queria pensar que tudo era falso, era necessário que eu, ao pensar, fosse alguma coisa. E, con-
tando que esta verdade “eu penso, logo existo” era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes supo-
sições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro
As questões devem ser princípio da Filosofia que procurava. Depois, examinando com atenção o que eu era, vi que eu podia supor
respondidas com base que não tinha corpo algum e que não havia qualquer mundo, ou qualquer lugar onde eu existisse; mas nem
na experiência pessoal
de cada aluno e naquilo por isso podia supor que não existia. Vi, por fim, que, se tivesse parado de pensar, apesar de tudo o que eu
que já foi estudado em já tivesse imaginado alguma vez como verdadeiro, não teria qualquer razão para crer que eu tivesse existido.
Filosofia. A ideia é que se
pense como é possível Compreendi por aí que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar. Essa subs-
chegar ao conhecimento, tância, para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material. Dessa maneira, esse
iniciando uma investiga- “eu”, isto é, a alma pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, é mais fácil conhecer
ção sobre os processos
do conhecer. do que ele. Ainda que o corpo nada fosse, a alma não deixaria de ser tudo o que ela é.
(DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural, 1987. Col. Os Pensadores.)
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10 FIL
Rivi/W.Commons
na história do pensamento ocidental. A Matemática passou a
ocupar um lugar central no pensamento filosófico, uma vez que
ela é puramente objetiva e, por meio dela, seria possível deci-
frar o mundo. Novas questões, então, surgiram. Simplesmente Glossário
devemos ignorar os pensamentos e reflexões e passar a confiar Paradigma: padrão que
exclusivamente naquilo que a experiência comprova? Analisar a serve como modelo a ser
possibilidade de utilização da razão humana de um modo con- imitado ou seguido; modelo.
fiável e de forma a não cometer os erros do passado – é esse o
desafio do racionalismo moderno.
Se o modo de pensar antigo já não é suficiente para dar con-
ta de explicar um mundo cada vez mais complexo, buscam-se
novos caminhos. Diante disso, surgiram duas grandes correntes
filosóficas que se enfrentaram durante a Idade Moderna: o racio-
Glossário
nalismo e o empirismo.
Astrônomo observa o céu com a utilização
O racionalismo é a linha de pensamento que prioriza a razão de um telescópio. A utilização dos sentidos Empiria: doutrina que
para a busca do conhecimento torna-se pressupõe o conhecimento
como a única instância capaz de produzir um conhecimento marca da Filosofia da Idade Moderna.
de dados, elementos e
seguro e confiável. O saber instituído no passado não permitia acontecimentos com base
conhecer o real com o grau de segurança necessário para se alcançar a certeza no conhecimento exclusiva na experiência,
e a verdade dos fatos. por meio unicamente das
faculdades sensitivas (em
O racionalismo moderno tem como primeiro passo responder às seguintes questões: todo oposição ao que é conheci-
conhecimento confiável ruiu, então, em que confiar? Como construir o caminho ao saber de modo do por intermédio da lógica
seguro? e da racionalidade).
Os racionalistas afirmavam que era possível testar tudo aquilo que se percebe pelos sentidos.
As experiências metódicas, ainda que aplicadas na prática por via da experiência, só são devida-
mente comprovadas com uma adequada utilização da razão. Não basta a empiria: é preciso cál-
culos matemáticos, raciocínios lógicos, que demonstrem que aquela experiência de fato resulta
em algo correto. Portanto, é preciso aprimorar o modo de se utilizar a razão, para que ela possa
explicar como determinado experimento trouxe uma verdade.
Entre os principais nomes do racionalismo estão os filósofos René Descartes e Baruch Spinoza.
maior grau de certeza e exatidão possíveis. HALS, Frans. Retrato de René Descartes (1596-1650). c. 1649-1700. Óleo
sobre tela, 77,5 x 68,5 cm. Museu do Louvre, Paris (França).
FIL 11
“Assim, toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes equivalem à metafísica, o tronco é a física e os
ramos que saem deste tronco são todas as outras ciências, que se reduzem a três principais, a saber: a me-
dicina, a mecânica e a moral; penso na mais elevada e mais perfeita moral, que, pressupondo um inteiro
conhecimento das outras ciências, é o último grau da sabedoria.
Ora, como não é das raízes, nem do tronco das árvores, que se colhem os frutos, mas somente das extre-
midades dos seus ramos, assim a principal utilidade da filosofia depende daquelas partes que só se podem
aprender em último lugar.”
Galhos: todas as
outras ciências
Tronco: física
ock
ee/Shutterst
wad
Su
pa
Raízes: metafísica
Lupo/W.Commons
O método cartesiano
O método cartesiano é o conjunto de regras fáceis e certas que possibilitam a correta con-
dução da razão na elaboração do conhecimento verdadeiro. Além disso, não se trata de conhe-
cer a verdade simplesmente por conhecer, mas sim de um grandioso esforço empreendido por
Descartes com o objetivo de construir um método aplicável à própria vida.
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O método cartesiano foi apresentado primeiramente na obra Regras para a orientação do espí-
Capa de uma das primeiras rito, na qual foram enumeradas 21 regras, as quais Descartes reduziu para quatro no Discurso do
edições do Discurso do método.
método. Essa simplificação decorreu do fato de Descartes ter entendido que as ações funcionam
melhor se existirem poucas leis, sendo necessário que estas sejam seguidas rigorosamente.
12 FIL
dem naturalmente aos outros. Trata-se da síntese que reorganiza o objeto estudado, impon-
do-lhe uma lógica de raciocínios que permite sua melhor compreensão, pois permite passar Observe
do conhecido ao desconhecido. O primeiro objetivo de Des-
cartes ao criar o método era
4) Regra da enumeração e revisão: consiste na revisão e enumeração de todos os passos
conduzir bem a própria vida.
dados no estudo do problema. Assim, antes de utilizá-lo
Ao final dessas etapas, volta-se novamente à evidência, visto que só ao ultrapassar rigoro- para a busca da verdade e
samente essas regras se obterá um conhecimento claro e distinto. Não podemos simplesmente compreensão do mundo e
dos fenômenos, era preciso
confiar em um conhecimento imediato, é preciso testá-lo, analisá-lo. Faz-se isso por meio do mé- verificar se esse método
todo dedutivo, que decompõe e confirma o conhecimento imediato. E é com a confirmação pela fazia com que o filósofo
dedução que voltamos à evidência e que conduz ao ato intuitivo. vivesse da melhor forma
possível.
O alcance da evidência ocorre por meio do ato intuitivo, visto que esse é um conceito da mente
pura, decorrente apenas da razão, trazendo conhecimentos mais corretos do que a própria dedu-
ção. O método dedutivo é realizado mediante raciocínios, portanto não pode ter a evidência de Glossário
um conhecimento imediato como o intuitivo. A dedução procede por etapas, enquanto a intuição
Ato intuitivo (ou intuição):
é instantânea e completa, ou seja, vai direto à coisa, tal como quando olhamos um objeto. Quando refere-se àquele momento
enxergamos algo, não o vemos por parte ou etapas, mas a figura inteira. em que temos uma evidência,
Método indutivo é aquele que parte de premissas particulares verdadeiras para se alcançar uma constatação de forma
instantânea sobre alguma
uma conclusão universal provável. Por exemplo: coisa.
Premissa particular 1: ao observarmos um corvo, constatamos que este é negro.
Premissa particular 2: ao observarmos outro corvo, constatamos que este também é negro. Observe
Premissa particular 3: ao observarmos um terceiro corvo, constatamos que este também é A intuição não é fruto de
negro. sorte ou do acaso, mas sim
Ao observarmos um número “n” de corvos, constatamos que todos eles são negros. Logo, de um grande esforço e
estudo que vêm antes e que
todo corvo é negro (conclusão). possibilita a intuição. Isaac
Método dedutivo é aquele que parte de uma premissa universal verdadeira para chegar a uma Newton, por exemplo, jamais
conclusão menor, que necessariamente deverá ser verdadeira. teria a intuição sobre as leis
da gravidade ao ter a maçã
Ex.: Todo homem é mortal. caindo em sua cabeça se
Sócrates é homem. já não fosse um estudioso
sobre o assunto.
Logo, Sócrates é mortal (conclusão).
A ideia de que Sócrates é mortal já se encontrava implicitamente na primeira afirmação.
A primeira intuição é apenas imediata, não é capaz de entender o objeto em suas múltiplas par-
tes, por isso é preciso que seja confirmada pela dedução. Até porque, como o próprio Descartes
afirma, como podemos ter certeza de que tivemos uma intuição ou apenas má imaginação?
A dúvida metódica
Descartes estabelece a necessidade da existência de uma dúvida geral, a qual possa ser aplica-
da a todos os conhecimentos, a todas as coisas, isto é, deve-se colocar tudo em dúvida. A dúvida me-
tódica deve colocar em dúvida nossas certezas sobre as coisas, nossos hábitos, nossas relações
etc. É preciso verificar tudo, e, a partir disso, tentar distinguir o que é verdadeiro do que é falso.
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FIL 13
Stefan Holm/Shutterstock
Glossário
como falso tudo aquilo que não se pode conhe-
Indubitável: é tudo aquilo
cer com certeza. Questiona-se se nada é ver-
de que não se pode duvidar.
Descartes busca um funda- dadeiro e se tudo é falso. Mas se tudo é falso,
mento seguro para servir qual a segurança que podemos ter de que é
como base na busca pela possível conhecer algo verdadeiro? Ou ainda,
certeza. será que existe algo que seja indubitável?
Descartes põe tudo em dúvida, passando a
Observe
questionar desde a Matemática e todos os ou-
A ideia de negar tudo para tros saberes até colocar em xeque a própria
então sair em busca do existência. Quem garante que não estamos so-
verdadeiro conhecimento O pensador, de Rodin. O ser pensante é a primeira evidência de existên-
nhando nesse exato momento?
é constante na história da cia para Descartes, pois ainda que eu coloque a existência de tudo em
Filosofia. Como exemplo, Com base no argumento do sonho, dúvida, essa dúvida é um pensamento, e para isso ocorrer, é necessário
que alguém esteja pensando. Portanto, “penso, logo existo”, pois não
podemos citar Sócrates Descartes concluiu que: posso pensar sem existir.
com a máxima “Só sei que
nada sei”.
● se posso duvidar de minha própria existência, significa que sou capaz de pensar.
● se sou capaz de pensar, quer dizer que posso afirmar, negar ou duvidar que existo.
● se posso afirmar, negar ou duvidar de minha própria existência, significa que eu penso.
Atenção ● se eu penso, eu existo: cogito ergo sum. Penso, logo existo.
(DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 91-92.)
Mathiasrex/W.Commons
cartesiana de não aceitar nada como verda-
deiro segue até hoje como um dos pilares do
conhecimento científico. A resposta à questão
só poderá ser aceita como verdadeira depois
de devidamente comprovada.
A primeira certeza fundamental alcançada
pela aplicação do método é a intuição da cons-
ciência de si mesmo como ser pensante. O co-
gito ergo sum torna-se o princípio primeiro da
filosofia de Descartes, a certeza fundamental
que lhe garante uma base sólida para alcançar
o conhecimento seguro e verdadeiro.
Com a certeza do cogito cartesiano, o fun-
damento da Filosofia não é mais Deus ou o Ser,
mas a própria razão humana como consciência FORSBERG, Nils. Disputa de Rainha Cristina e René Descartes. 1884.
Óleo sobre tela. Museu Nacional de Versalhes, França. (detalhe) – René
pensante que duvida. Descartes na corte da Rainha Cristina, da Suécia.
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Digital Storm/Shutterstock
o mundo imaterial, ou res cogitans (coisa consiste somente em que
pensante), e o mundo material, ou res extensa sou uma coisa que pensa
ou uma substância da qual
(coisa extensa), sendo que ambos os mundos
toda a essência ou natureza
são incomunicáveis. Descartes propõe, então, consiste apenas em pensar.
que tanto o corpo humano quanto os corpos E embora talvez (ou, antes,
no reino animal são regidos por leis físicas da certamente, como direi logo
mecânica. Descartes compara o corpo humano mais) eu tenha um corpo ao
qual estou muito estreita-
com um relógio: assim como o relógio pode mente conjugado, todavia,
funcionar mecanicamente, o corpo humano, já que, de um lado, tenho
que é considerado uma máquina, também uma ideia clara e distinta
funciona em conformidade com as leis físicas de mim mesmo, na medida
em que sou apenas uma
da mecânica.
coisa pensante e inextensa,
Com exceção do ser humano, todos os ou- e que, de outro, tenho uma
tros seres vivos possuem apenas res extensa. ideia distinta do corpo, na
medida em que é apenas
No entanto, o dualismo corpo-alma está pre-
uma coisa extensa e que
sente no ser humano, pois além de ser “coisa não pensa, é certo que este
extensa” (res extensa), o ser humano também é eu, minha alma, pela qual
“ser pensante” (res cogitans). Descartes sinteti- eu sou o que sou, é inteira e
za a separação entre corpo (res extensa) e alma verdadeiramente distinta de
Ao comparar o corpo humano com um relógio, Descartes concluiu que, meu corpo e que ela pode
(res cogitans) em sua obra Meditações metafísi- assim como o relógio, o corpo está condicionado às leis da mecânica. ser ou existir sem ele.”
cas. O livro é composto de seis “meditações”. (DESCARTES, René. Discurso do
método; Meditações; Objeções
O cogito ergo sum foi a primeira evidência de Descartes. Porém, o cogito limita-se a verificar a e respostas; As paixões da alma;
Cartas. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural,
existência do ser pensante, que é o verdadeiro eu ou alma para Descartes. A essência limita-se ao 1979. Coleção Os Pensadores.)
ser que pensa, de tal forma que o corpo não é essencial para definir a natureza humana.
Esse ponto é fundamental como mudança de paradigma na história moderna, pois apresenta
a cisão entre corpo e alma. Ambos devem ser analisados de forma diferente. O corpo é uma má-
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quina e, para ser entendido, deve seguir as leis físicas que regem a matéria. A alma é o ser que
pensa, que, por não ser extenso, não pode ser analisado matematicamente.
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Outra diferença marcante entre os dois racionalistas é a seguinte: enquanto Descartes parte
da dúvida metódica, Spinoza parte da evidência, da certeza. Spinoza também pensava que era
preciso partir de algo certo para descobrir uma verdade, mas ao contrário de Descartes, cuja pri-
meira evidência é o ser pensante, para Spinoza a primeira evidência, aquela que sustenta todas
as outras, não é o cogito ergo sum, mas Deus.
A ideia de Deus
Glossário
Há dois conceitos importantes na obra de
Sabotes/W.Commons
Ente: o que existe, ou o que Spinoza a serem observados para que seja
se supõe que exista; ser
ou coisa. Indivíduo, pessoa possível compreender a concepção de Deus.
(ente querido). Tudo que ● Substância: é aquilo que existe por si
existe de maneira concreta, só, que não necessita de outro ser para
fática, que faz parte da
realidade circundante. existir. Assim, apenas Deus é substância
como causa que origina os outros seres.
Por isso, somente Deus é livre, porque
possui a “causa de si em si mesmo”.
● Atributos ou modos da substância: são os
entes que, embora possuam essência
própria, somente existem por participa-
rem da única substância. Dessa forma,
todo o Universo, por ser obra de Deus,
participa da substância, mas é um atri-
buto divino.
No entanto, a ideia de Deus para Spinoza
não deve ser confundida com o deus pessoal
bíblico, pois, para o filósofo, a entidade divina
não possui intelecto nem vontade – isso signi- Vitral com a imagem de Spinoza onde é possível ler a inscrição: “Aperfei-
ficaria reduzi-lo à forma humana. çoar a compreensão nada mais é do que entender Deus”.
“Entendo por Deus um ser absolutamente infinito, isto é, uma substância constituída por uma infinidade
de atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita.”
(SPINOZA, Baruch. Ética: demonstrada à maneira de geômetras. Tradução de: MELVILLE, Jean. São Paulo: Martin Claret, 2009.)
Com base nisso, Spinoza concluiu que “Deus é Natureza”, tal como permaneceu na célebre
Glossário expressão Deus sive Natura. Dessa forma, a natureza é dividida em duas categorias:
Panteísmo: é a expressão ● natureza naturante, que corresponde a Deus;
utilizada para designar a
crença de que Deus está ● natureza naturada, que corresponde a todas as criações divinas, incluindo o mundo e os
em tudo. Assim, a natureza seres humanos.
é Deus, os animais são Para Spinoza, o Deus é imanente, e não transcendente, ou seja, Ele se identifica e está na na-
Deus etc.
tureza, no mundo, e não fora dele, porque fora dele e da natureza nada existe. É aqui que surge o
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polêmico panteísmo spinozista, que inclusive lhe custou perseguição religiosa na época.
16 FIL
W.Commons
por si só. Por isso, Spinoza decide não partir do explicação precisará ser
fundamentada, explicada
método, mas de uma evidência que, em sua fi- – lembra o nominalismo
losofia, é Deus. Se em Descartes o conhecimen- introduzido pelo franciscano
to deve ser organizado metodicamente, em Guilherme de Ockham.
Esse filósofo argumentava
Spinoza ele deve ser emendado para entrar em que, para descrevermos
harmonia com Deus, tese defendida na obra algo, precisávamos antes
entender os conceitos
Tratado sobre a correção do intelecto. Em outras daquilo que usaríamos para
palavras, há uma ordem perfeita no mundo, e o descrever algo e que para
ser humano precisa aprimorar o seu intelecto, entender esses conceitos
precisávamos de explicações
que é o ato de emendar, para poder captar me- anteriores, e que isso iria
lhor essa verdade que emana de Deus e que se Ilustração de Spinoza diante da comunidade judaica em Amsterdã. até o infinito, assim como
apresenta no mundo. a crítica de Spinoza ao
método.
Empirismo Filme
O empirismo é uma corrente filosófica que preza a experiência como critério para se alcançar
Bantam
a verdade e o conhecimento, negando o caráter absoluto da verdade, ao menos daquela verdade
acessível ao ser humano. Defende a ideia de que toda verdade pode ser posta à prova, logo pode
ser modificada, corrigida ou superada. As ideias são obtidas por meio das experiências e do uso
dos sentidos.
Francis Bacon
Ponto de Mutação
Francis Bacon nasceu no ano de 1561 na
Inglaterra. Participou de vários movimentos Ano: 1991
nos setores políticos e sociais pelos quais pas- Diretor: Bernt Capra
sava a corte inglesa, principalmente no reina- Sinopse: Uma cientista, um
do de Jaime I. político e um poeta discu-
tem sobre o modo de olhar
A filosofia de Francis Bacon é inicialmente a a vida, mostrando de um
tentativa de construção de uma nova filosofia, lado o mecanicismo trazido
que deixe para trás a velha tradição que vem por Descartes e a possível
necessidade de uma visão
desde os gregos e que durante a Idade Média mais holística. Um bom
e o Renascimento se tornou “as vozes da ver- filme para compreender a
dade”. Para Bacon, é um absurdo que os ho- importância do mecani-
mens tenham deixado de tentar interpretar a cismo de Descartes e, ao
mesmo tempo, contemplar
natureza pela via da experiência para prefe-
os próximos rumos que a
rirem ouvir discursos de poucos pensadores ciência poderá tomar.
como Platão, Aristóteles e Tomás de Aquino.
Preferir palavras vazias de um filósofo à natu-
reza é afrontar a própria criação de Deus, que Desconhecido. Francis Bacon. 1731. Óleo sobre tela. 76,5 x 63,2 cm. Galeria
Nacional (EUA).
é o mundo.
Com isso, Francis Bacon inaugura um novo cenário para a revolução científica, cada vez mais
preocupado com objetivos práticos e úteis à sociedade em geral. Com Bacon, a Filosofia passa cada
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vez mais a investigar a utilidade das coisas e não tanto o porquê e a causa primeira. Assim, mais
importante do que tentar descobrir a essência do ser humano ou de Deus é delimitar o alcance do
conhecimento humano e como esse saber pode ajudar as pessoas em geral. Em outras palavras, a
Filosofia precisa ser mais prática e menos abstrata.
FIL 17
à verdade científica.
Para uma melhor aplicação do método,
Bacon argumenta que é importante identificar
e superar os ídolos, que são ideias já arraiga-
das no intelecto humano. Tais ideias prejudi-
cam o pensar e a busca da verdade. Os ídolos
são falsas noções e, por isso, devem ser com-
batidos. Observe a seguir quais são os ídolos
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Gravura que ilustra momento de discussão entre Francis Bacon e nobres definidos por Bacon.
da época.
18 FIL
John Locke
o entendimento humano ex-
põe claramente os objetivos
de seus estudos em relação
à questão do conhecimento,
John Locke foi um filósofo inglês que se no- indicando, principalmente,
Godfrey Kneller/W.Commons
tabilizou como sistematizador do empirismo, sua busca por descobrir o
que o ser humano é capaz
defendendo que todo o conhecimento huma- ou não de conhecer.
no deriva de experiências sensíveis advindas
“Não nos diz respeito
dos cinco sentidos. Nasceu em 1632, formou- conhecer todas as coisas,
-se e lecionou na Universidade de Oxford. Mais mas apenas as que se
tarde atuou no exercício de cargos e funções referem à nossa conduta.
políticas na defesa da monarquia parlamen- [...] Sendo bem examinadas
as capacidades de nossos
tar, sendo congratulado por seu posiciona- entendimentos, divisando
mento quando esta se firmara em 1689, com o horizonte entre as partes
Guilherme de Orange. iluminadas e as escuras
das coisas – entre o que
A obra-prima de Locke é o Ensaio sobre o en- podemos e não podemos
tendimento humano, publicada em 1690. A obra compreender – , os homens
nasceu de uma série de reuniões frustrantes concordariam, talvez com
de Locke com os seus amigos, em que todos menos escrúpulos, em
reconhecer nossa ignorância
traziam opiniões completamente distintas so-
acerca de umas coisas e
bre o conhecimento dos mais variados assun- empregariam seus pensa-
tos, sem que se chegasse a qualquer consenso. KNELLER, Sir Godfrey Kneller. Retrato de John Locke. 1697. Óleo sobre
tela. 64 x 74 cm. Coleção privada, Inglaterra. mentos e discursos com
Tal situação provocou em Locke a seguinte dú- mais proveito e satisfação
vida: como podemos determinar se tal conhecimento está correto ou não se antes sequer sabe- na resolução de outras.”
(LOCKE, John. Ensaio acerca do enten-
mos o que o ser humano pode conhecer? Assim, nasce o projeto filosófico principal de Locke, que dimento humano. Tradução de: AIEX,
Anoar. São Paulo: Nova Cultural, 1999.)
é investigar os limites do conhecimento humano, ou seja, o que e até onde o ser humano é capaz
de conhecer. Locke tentará sistematizar o empirismo, determinando seu funcionamento e limite.
“[...] parece-me provável que as ideias simples que recebemos da sensação e da reflexão são os limites dos
nossos pensamentos, para além dos quais a nossa mente não é capaz de avançar nem um pouco, quaisquer
REMBRANDT. A Lição de Anatomia
que sejam os esforços que diligencie, nem é capaz de fazer quaisquer descobertas quando inquira acerca da do Dr. Tulp. 1632. Óleo sobre tela.
natureza e das causas ocultas dessas ideias.” 169,5 x 216,5 cm. Mauritshuis,
Haia, Holanda. – O racionalismo
e o empirismo contribuíram para
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(LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. Tradução de: SOVERAL, o desenvolvimento das ciências
Eduardo Abranches de. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.) naturais, como a medicina.
FIL 19
Ideias simples São ideias singulares, como dor, prazer, ser humano, água etc.
As ideias simples podem ser combinadas, construindo assim ideias complexas
Ideias complexas que, para existirem, dependem de ideias simples que as sustentem. Ex.: ideia
de humanidade, que depende da ideia simples de ser humano.
São nomes utilizados para identificar várias coisas. É a capacidade humana de
Ideias gerais
criar nomes.
Ideias que expressam relação entre ideias. Ex.: ideia de semelhança, de
Ideias de relação
diferença, de identidade etc.
É importante notar, portanto, que embora o conhecimento se inicie com os sentidos, segundo
Locke, depois esse material captado recebe trabalho intelectual operado pela mente. O fruto
desse trabalho são ideias novas e mais complexas que as ideias simples captadas diretamente do
mundo externo.
Glossário
David Hume: o empirismo cético
O ceticista nega a possibili- David Hume foi um filósofo cujo empirismo assumiu tendência
dade de se ter uma certeza
ceticista, colocando em xeque grande parte da capacidade racional
absoluta sobre determinada
verdade e, desse modo, do ser humano. Os limites do conhecimento humano, a existência da
questiona o conhecimento metafísica, de causas e efeitos, de Deus e de tantos conceitos que por
de cunho metafísico, moral séculos perduraram serão ameaçados pela filosofia de Hume.
e religioso.
David Hume nasceu em 1711, em Edimburgo, na Escócia. Na ju-
ventude se apaixonou pelo estudo dos clássicos da Filosofia e, aos 18
anos, ele afirmou ter recebido uma intuição que lhe revelara um “novo
cenário de pensamento”, o qual lhe trouxe sua visão filosófica referen-
te à ciência da natureza humana. RAMSAY, Allan. Retrato de David
Hume (1711-1776). 1766. Óleo sobre
tela, 76,2 x 63,5 cm. Galeria Nacional
O novo cenário do pensamento de Hume está exposto principalmente em sua obra Tratado
sobre a natureza humana, na qual ele aborda uma tentativa de introduzir o método experimental
de raciocínio em assuntos morais.
David Hume entende que o método construído por Bacon com base na observação e no mé-
todo da indução experimental possibilitou a Newton desenvolver sua física mecanicista. O que
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Hume objetivava agora era aplicar esse método também à natureza humana, visando, nesse sen-
tido, fundar definitivamente a ciência do ser humano em bases experimentais.
20 FIL
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mínios do saber. apenas de sua causa.
Para o filósofo, sempre que se estabelece
As impressões, as ideias e os princípios a relação de causa e efeito em algo parte-se
de associação da experiência, pois todo conhecimento tem
como princípio a experiência. Além disso, o
A partir do novo método experimental, conhecimento empírico nos revela a impossi-
Hume realiza sua construção da natureza hu- bilidade de estender uma descoberta empírica
mana. Para alcançar esse objetivo, ele afirma para além dos sentidos. Para descobrir a cau-
que os conteúdos da mente humana são per- sa, teria que utilizar o raciocínio. Para Hume, a sensação de frio é
cepções, as quais se dividem em impressões e uma impressão, pois é sentida
O problema é que o raciocínio procede a pelo corpo. Diferente das ideias,
ideias.
partir de experiência e, posteriormente, com que são pensadas e construídas a
● Impressões: são as percepções que se a memória, que, por sua vez, também decorre partir das impressões.
apresentam com maior força e vivacida- de experiências passadas. Disso resulta que o
de à mente, como as sensações, paixões ser humano não consegue provar a existência
e emoções. de causas, apenas de efeitos; e mesmo que Biografia
● Ideias: são percepções posteriores que exista a causa, não há provas de que ela ex- Immanuel Kant (1724-1804)
se originam de uma impressão. Em ou- plique a ocorrência direta de seu efeito, de tão foi um filósofo alemão que
tras palavras, uma ideia só se forma caso distante que está do mesmo. contribuiu de forma decisiva
a pessoa já possua alguma impressão para a questão da natureza
Esse raciocínio se faz pelo hábito. Todas as do conhecimento. Kant foi
acerca do objeto. relações de causa e efeito são apenas raciocí- responsável por realizar a
Isso significa que as impressões são senti- nios decorridos de hábitos. Hume afirmou que síntese entre empirismo e
das. Já as ideias são pensadas, são construções não há garantia nenhuma de que o Sol nascerá racionalismo.
mentais. amanhã, só porque observamos, pelo hábito,
Hume segue a linha de pensamento inicia- que o Sol nasce todos os dias.
da por Locke, defendendo a inexistência de Essa crítica será tão contundente que coloca-
ideias inatas. Para Hume, as ideias são pen- rá em crise toda a construção metafísica antes Observe
sadas e elas derivam de impressões, que são de Hume. Anos depois, após ler a obra de Hume, O racionalismo defende
sentidas. Isso significa que nunca podemos ter Kant se veria forçado a permanecer dez anos a tese da necessidade da
ideias inatas, todas as nossas ideias se origi- apenas revisando o próprio pensamento, ta- razão como “concatenação
nam do contato com o mundo exterior. manha a imponência do argumento do filósofo das verdades”, e não como
faculdade, no sentido de
escocês. que ela não pode ser dife-
Relação de causa e efeito Para finalizar, observe algumas diferen- rente do que é e, portanto,
ças do racionalismo para o empirismo, as não pode sofrer desmenti-
Uma das mais polêmicas investidas de dos e não exige confirma-
Hume é a crítica à relação entre causa e efeito, duas principais correntes filosóficas da Idade ções. A tese do empirismo
Moderna. é de que essa necessidade
não existe e que, portanto,
toda e qualquer “concatena-
ção de verdades” deve ser
Racionalismo X Empirismo posta à prova, controlada e
Não existem ideias inatas. Todas as ideias que eventualmente modificada
Existem ideias que são inatas ao ser humano, que ou abandonada.
o ser humano possui são aprendidas com as
já estão com ele desde que nasceu. Uma dessas (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de
experiências sensíveis, na observação do mundo filosofia. São Paulo: Martins Fontes,
ideias seria a de Deus.
externo. 2003. p. 326-327.)
O ser humano adquire o conhecimento mediante As experiências sensíveis são o principal meio para
o uso da racionalidade, que, bem orientada pelo a aquisição do conhecimento. Tudo que sabemos
método, permite distinguir o verdadeiro do falso. aprendemos por meio dos cinco sentidos.
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FIL 21
Do cartesianismo ao espinosismo
[...] No prefácio das Obras póstumas de Espinosa, redigido por amigos que privaram de sua intimidade, a
formação do filósofo é descrita assim: desde cedo ele foi nutrido nas letras e estudou teologia; uma vez decidi-
do a dedicar-se à Filosofia, buscou dedicar-se por inteiro a ela, e nem quis preceptores nem aderiu a qualquer
filósofo; não obstante, afirma o texto, “para realizar esse propósito, os escritos filosóficos do nobilíssimo e
Sherlock Holmes sumo filósofo René Descartes lhe foram de grande auxílio”.
Ano: 2010 Tem-se aí uma indicação preciosa para podermos avaliar toda a peculiaridade da postura de Espinosa
Diretor: Guy Ritchie perante o cartesianismo.
Sinopse: Mais uma adapta- Ainda que tenha sido por vezes identificado como “cartesiano”, ele nunca foi um sequaz da filosofia do
ção para o cinema do famo-
so detetive inglês Sherlock francês, dela se afastando em vários pontos; por outro lado, fato notável, tampouco se preocupou em refutá-la
Holmes. Esse filme é um encarniçadamente. O que as Obras póstumas nos sugerem é que a relação entre Espinosa e o cartesianismo
exemplo, do começo ao fim, é, primordialmente, uma relação de aprendizado; como se ele aprendesse a filosofar e pensar modernamente
da busca pelo conhecimento lendo e estudando Descartes. E por isso mesmo pôde divergir do cartesianismo com a serenidade e a segurança
pelo uso apurado dos senti-
de quem o havia bem-digerido e refletido.
dos. O personagem Sherlock
Holmes é um exemplo da Eis uma das constantes da obra espinoseana: um duradouro e profundo diálogo com o legado cartesiano
busca pelo saber por meio que vai da juventude à madureza do filósofo. Uma reflexão que não passa pelo mero esquadrinhamento do
do empirismo.
cartesianismo em busca de seus erros e acertos, mas revela toda sua profundidade na medida em que Espinosa
desce ao âmago da revolução cartesiana e põe-se a meditar sobre o seu elemento fundamental: o método, ou
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seja, o problema do modo correto de filosofar e muito particularmente a introdução da geometria ou mate-
mática como procedimento modelar para a Filosofia.
Esse é o ponto que o próprio Descartes, renovador em praticamente todos os campos do saber que afron-
tou, identificava como sua maior novidade. E é essa uma das questões cruciais de Espinosa, tanto do jovem
– não se enganará o leitor que ler o Tratado da emenda do intelecto como testemunha da meditação prolongada
sobre o Discurso do método – quanto do filósofo maduro. Com efeito, se é no descuido com a correta “ordem
Viagem ao Centro da Terra
do filosofar” (ordo philosophandi) que a Ética chegará a identificar a causa dos maiores erros; estará aí tam-
Ano: 1959
bém, na estrita observância da boa ordem, ao menos a condição de possibilidade dos grandes acertos.
Diretor: Henry Levin
[...]
Sinopse: Uma grande
aventura do escritor Julio
Verne tem a sua primeira
(SANTIAGO, Homero. Do cartesianismo ao espinosismo. Disponível em: <https://revistacult.
adaptação para o cinema
uol.com.br/home/do-cartesianismo-ao-espinosismo/>. Acesso em: 5 set. 2018.)
nessa versão de 1959. Esse
filme mostra a enorme con-
tribuição que o empirismo 1. De acordo com o texto lido, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas.
trouxe para a humanidade, ( F ) Espinosa discordou completamente do cartesianismo.
ao mudar a metodologia de
( F ) Inicialmente, Espinosa discordou do cartesianismo, e, depois de uma análise mais profunda, passou a
aquisição do conhecimento.
concordar totalmente com ele.
( F ) Os pensamentos de Descartes e Espinosa não possuem relação alguma.
( V ) Inicialmente, Espinosa concordou com Descartes, e, em seguida, passou à criticá-lo.
( V ) A principal divergência entre o pensamento de Espinosa e Descartes é a questão do método de investigação.
2. Explique a crítica de Espinosa à concepção de Deus postulada por Descartes.
A crítica de Espinosa à concepção de Deus, em Descartes, é que este o coloca como transcendente e infinito, sendo incompreen-
sível para os homens. Ao contrário dessa concepção, Espinosa definiu Deus como natureza, ou seja, como causa primeira de tudo
o que existe para além dos desígnios humanos e, dessa forma, Ele poderia ser compreendido a partir de princípios matemáticos.
3. Segundo o texto, a obra de Espinosa é um diálogo com a de Descartes, ainda que divergindo deste em vários
aspectos. O diálogo de ideias é uma das características mais importantes da Filosofia, pois, a partir dele, novas
ideias surgem. Explique, com suas palavras, como esse diálogo acontece entre as obras de Espinosa e Descartes.
Espera-se que os alunos identifiquem a questão central da matéria lida, “a divergência entre Espinosa e Descartes refere-se ao
método”, e concluam que o pensamento filosófico se constrói com base no diálogo de ideias, em que os pensadores confrontam
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ideias de outros pensadores, propondo ideias convergentes ou divergentes. Dessa forma, a matéria lida mostra como o cartesia-
nismo teve grande importância para Espinosa que, ao criticá-lo, tinha-o “digerido muito bem”.
22 FIL
a) Verdadeiro. Spinoza encontrou o conhecimento e a felicidade método como o caminho indispensável para se alcançar a verdade.
como sentido da vida humana.
2. O que é o método cartesiano?
b) Falso. Spinoza despersonifica o Deus cristão, que possui atribu-
tos sobre-humanos, definindo-o a partir de princípios geométri- É o método proposto por Descartes, que tem por objetivo dividir o conheci-
cos e identificando-o com a natureza.
mento em partes menores a fim de estudar e buscar a verdade nessas partes
c) Verdadeiro. Sendo Deus perfeito, como a natureza o é, Ele é com-
pleto – não tem vontade. individuais. Alcançando a verdade das partes individuais, passa-se à verdade
d) Falso. Devido à sua perfeição, Deus não possui desejos. do todo. Divide-se em quatro etapas: em um primeiro momento, toma-se
e) Falso. Spinoza estabelece seu método a partir da investigação
da origem dos fenômenos. como verdadeiro apenas aquilo que é evidente. Na segunda etapa, passa-se
3. (Unicamp-2015) A maneira pela qual adquirimos qualquer conhe- a dividir um problema complexo em partes mais simples; na terceira etapa,
cimento constitui suficiente prova de que não é inato.
organizam-se os pensamentos, classificando-os do mais simples ao mais
(LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento
humano. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p.13.) complexo, impondo uma lógica de raciocínio para melhor compreensão.
O empirismo, corrente filosófica da qual Locke fazia parte, Finalmente, há a enumeração e revisão, que visa certificar que o pesquisador
a) afirma que o conhecimento não é inato, pois sua aquisição
não esqueceu ou omitiu nada.
deriva da experiência.
b) é uma forma de ceticismo, pois nega que os conhecimentos 3. (Unicamp-2014) A dúvida é uma atitude que contribui para o
possam ser obtidos. surgimento do pensamento filosófico moderno. Nesse comporta-
mento, a verdade é atingida através da supressão provisória de todo
c) aproxima-se do modelo científico cartesiano ao negar a exis- conhecimento, que passa a ser considerado como mera opinião.
tência de ideias inatas. A dúvida metódica aguça o espírito crítico próprio da Filosofia.
d) defende que as ideias estão presentes na razão desde o nas-
(BORNHEIM, Gerd A. Introdução ao filosofar. Porto
cimento.
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FIL 23
A Filosofia diferencia opinião, conhecimento e verdade. Em seu estudo, o Apesar de questionar os conceitos da tradição, a dúvida radical da
filosofia cartesiana tem caráter positivo por contribuir para o(a)
rigor metodológico é indispensável, o espírito crítico surge quando se opõem a) dissolução do saber científico.
opinião e verdade. Com o pensamento moderno, o questionamento racional b) recuperação dos antigos juízos.
c) exaltação do pensamento clássico.
fundamentou a Filosofia.
d) surgimento do conhecimento inabalável.
4. Por que Bacon não utiliza os silogismos de Aristóteles para aquisição e) fortalecimento dos preconceitos religiosos.
do conhecimento?
2. C1:H4 (Enem-2013)
Bacon almejava uma nova forma de compreender o mundo e, para isso,
Texto I
acreditava que a lógica antiga não poderia ser utilizada se o objetivo era Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde
meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões
construir uma nova forma de conhecimento. Bacon também acreditava que
como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princí-
Aristóteles não estudava profundamente a natureza e os seus silogismos pios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto.
Era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-
eram meros exercícios de lógica. -me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar
tudo novamente a fim de estabelecer um saber firme e inabalável.
5. Segundo Bacon, o ser humano pode conhecer a essência das coisas?
Justifique sua resposta. (DESCARTES, R. Meditações concernentes à Primeira
Filosofia. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Adaptado.)
Não, pois isso somente pode ser feito por Deus, cabendo ao ser humano a
Texto II
descrição e quantificação, baseando-se na ciência. O ser humano poderá É o caráter radical do que se procura que exige a radicalização
do próprio processo de busca. Se todo o espaço for ocupado pela
compreender “como” as coisas funcionam e não “porquê” elas são como são. dúvida, qualquer certeza que aparecer a partir daí terá sido de alguma
A metafísica dos filósofos anteriores era entendida como um mero discurso.
forma gerada pela própria dúvida, e não será seguramente nenhuma
daquelas que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida.
6. Como surgiu o anseio de Locke de delimitar até onde o ser humano (SILVA, F. L. Descartes: a metafísica da modernidade.
pode conhecer? São Paulo: Moderna, 2001. Adaptado.)
Locke indagava: como podemos determinar o conhecimento se nem sabemos A exposição e a análise do projeto cartesiano indicam que, para
viabilizar a reconstrução radical do conhecimento, deve-se
o que o ser humano pode conhecer? Então, o objetivo de Locke é investigar
a) retomar o método da tradição para edificar a ciência com
os limites do conhecimento humano, isto é, até onde o ser humano pode legitimidade.
b) questionar de forma ampla e profunda as antigas ideias e
conhecer.
concepções.
7. Para Locke, existem alguns conhecimentos que são inatos, ou tudo c) investigar os conteúdos da consciência dos homens menos
deriva de nossa experiência? esclarecidos.
Para Locke, todo conhecimento deriva de nossa experiência. Portanto, quan- d) buscar uma via para eliminar da memória saberes antigos e
ultrapassados.
do nascemos nossa mente é uma tabula rasa, como um papel em branco, e
e) encontrar ideias e pensamentos evidentes que dispensam ser
nossas experiências vão construindo o nosso saber. questionados.
3. C1:H1 (Enem-2013) Os produtos e seu consumo constituem a meta
declarada do empreendimento tecnológico. Essa meta foi proposta
pela primeira vez no início da Modernidade, como expectativa de que
o homem poderia dominar a natureza. No entanto, essa expectativa,
convertida em programa anunciado por pensadores como Descartes
e Bacon e impulsionado pelo Iluminismo, não surgiu “de um prazer
de poder”, “de um mero imperialismo humano”, mas da aspiração de
libertar o homem e de enriquecer sua vida, física e culturalmente.
(CUPANI, A. A tecnologia como problema filosófico: três enfoques.
Scientiae Studia, São Paulo, v. 2, n. 4, 2004. Adaptado.)
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GABARITO ONLINE
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02
Filosofia
moderna:
os filósofos
contratualistas
START
[Pelo Estado de Natureza] Cada um está obrigado a preservar-se, e não abandonar sua posição por vontade
própria; logo, pela mesma razão, quando sua própria preservação não estiver em jogo, cada um deve, tanto
quanto puder, preservar o resto da humanidade, e não pode, a não ser que seja para fazer justiça a um infrator,
tirar ou prejudicar a vida ou o que favorece a preservação da vida, liberdade, saúde, integridade ou bens de
outrem.
(LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.)
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As imagens acima fazem referência às Grandes Navegações, período do século XV ao XVII, em que os europeus exploraram exaustivamente os mares
em busca de novos territórios e rotas de comércio. A preocupação marcante na Idade Moderna foi a ampliação de territórios para o fortalecimento dos
Estados.
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Absolutismo: forma de
Thomas Hobbes
governo na qual uma pessoa
(geralmente um monarca) Thomas Hobbes nasceu em 1588, na Inglaterra, e realizou
detém o poder de forma ab- seus estudos em Oxford, onde aprendeu filosofia escolásti-
soluta e assim não depende ca e grego. Ele abordou temas políticos, destacando-se como
de qualquer outra pessoa ou um filósofo do absolutismo, sistema predominante na época.
instituição para governar.
Hobbes defendia que uma única pessoa, no caso o monarca,
Armada Invencível: foi uma deveria concentrar todo o poder.
esquadra de portugueses e
espanhóis que tinha como Hobbes viveu em um período marcado por guerras, tais
objetivo derrotar os ingleses quais o da derrota da Armada Invencível e da Guerra Civil. A
e dar fim à Guerra Anglo-Es- turbulência desse período foi um dos fatores que o estimulou
panhola.
a acreditar que o ser humano é por natureza egoísta, que pre-
judica um ao outro e tende a entrar em conflitos. Diante dessa
Glossário perspectiva, somente um pacto poderia fazer com que as pes-
soas se tornassem capazes de viver pacificamente.
Leviatã: O termo Leviatã
existia antes de Hobbes e A existência constante de guerras e violência comprova,
WRIGHT, John Michael. Thomas Hobbes. Sec
XVII. Óleo sobre tela. Retrato de Galeria Nacional
correspondia a um monstro (Inglaterra). para Hobbes, que o ser humano é por natureza um ser mau e
marinho de grandes propor- violento. Dessa forma, é preciso superar o Estado de Natureza
ções. Existem referências
da palavra Leviatã na Bíblia,
para entrarmos no Estado Civil, controlando essa “natureza violenta” com leis e força política
no livro de Jó, que seria um emanadas de um poder soberano.
monstro marítimo em forma
de crocodilo.
A natureza humana
Todos os argumentos hobbesianos sobre o Estado, a sociedade, a lei e o direito são sustenta-
LOUTHERBOURG, Philip James de. dos por sua análise do ser humano. Qual é a natureza humana? Para Hobbes o ser humano é um
Derrota da Armada Espanhola.
1796. Óleo sobre tela, 214,6 x ser desejante que vive para satisfazer a si próprio.
278,1 cm. Museu Marítimo Nacio-
nal (Inglaterra). Um dos episó-
O desejo, aliás, é elemento fundamental da filosofia de Hobbes. A vida humana é uma procura
dios da Guerra dos Trinta Anos. inquietante e desenfreada pela realização de desejos: é o desejo de continuar vivo, de viver bem,
Hobbes presenciou momentos com conforto e segurança. É também o desejo de ser feliz.
como este em que a segurança
da população é colocada em xe- O filósofo inglês discorda de Aristóteles e daquilo que defendiam em geral os filósofos antigos
que, o que acabou contribuindo
para a formulação de suas ideias e medievais. Para ele, não existe um bem último e supremo na vida humana, um estágio de felici-
centralizadoras de poder. dade em que o ser humano alcançaria a realização plena.
O desejo é insaciável, por mais que seja satisfeito, sempre surge um novo desejo. Ora, se o ser
humano é um ser desejante e está sempre na busca de realizar seus desejos, isso significa que
ele vive, acima de tudo, para satisfazer as próprias vontades; por esse motivo, Hobbes acreditava
que as pessoas são egoístas no Estado de Natureza. E essa é a essência do Estado de Natureza em
Hobbes.
Nesse “estado natural, ou Estado de Natureza”, os indivíduos são completamente livres, ou
seja, prevalecem os seus instintos e a competição, fatores que levam à desconfiança e ao anseio
por glória, e que tornam esse Estado um local de “guerra de todos contra todos”.
Como não há leis no Estado de Natureza – e se não há leis, não há justiça nem injustiça – a
tônica passa a ser a luta dos fortes tentando dominar os fracos.
O Estado de Natureza é abordado no Livro I da obra Leviatã, quando Hobbes investiga a natu-
reza humana. O filósofo destaca que as pessoas agem pensando apenas em si, que não conside-
ram se estão prejudicando alguém, e que atuam segundo a tendência natural de tentar dominar
os outros. Assim, pode-se dizer que o ser humano é naturalmente inimigo dele mesmo, tal como
Hobbes expressou em sua célebre sentença: “O homem é o lobo do homem” (homo homini lupus).
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Abraham Bosse
um abriria mão de sua liberdade individual, em
favor de alguém ou alguma instituição que lhe
garantisse a segurança necessária para viver
em sociedade. Se todos se submeterem, por
meio de um pacto social, a uma única autori-
dade, esta possuirá poder para proibir os seres
humanos de usarem violência uns contra os ou-
tros. É por conta do medo de perder a vida, para
Hobbes, que o ser humano aceita viver debaixo RIGAUD, Hyacinthe. Luis XIV da França. 1701. Óleo sobre tela, 277 x 194 cm.
Museu do Louvre (França). – Luis XIV (1638-1715) é considerado um dos
das leis do Estado Civil. A busca por segurança maiores monarcas da França. Ele construiu o famoso Palácio de Versa-
é a razão principal de se criar o contrato social. lhes. É um exemplo do rei absolutista de Hobbes, pois comandava todas
as ações da França, fossem elas de caráter interno ou externo. Atribui-se
O contrato social é o que viabiliza a convi- a ele a célebre frase: “O Estado Sou Eu”. Seu governo durou 72 anos. Capa do original em inglês do
vência em sociedade, pois a partir dele se estabelece uma pessoa ou assembleia para controlar o Leviatã. A imagem representa o
monarca absolutista, que se eleva
poder. Esse controle deve visar ao interesse comum, limitando os deveres e direitos individuais. perante o território para exercer
Antes do contrato social, não há povo nem interesse comum, apenas uma multidão desorganiza- sua soberania. É interessante
observar que seu corpo é formado
da. Depois do contrato social, há um povo que aceita reduzir sua liberdade em troca de ordem e por pessoas, demonstrando que é
leis que sirvam a seus interesses. a própria população que constrói a
soberania do governante.
Para Hobbes, é o Estado, que possui poderes absolutos, representado na figura do monarca,
que cria as leis, visando manter a ordem na sociedade. Assim, a sociedade civil seria governada
por um monarca, considerado soberano, e o povo seria seu súdito.
A única exceção é quando o Estado não cumpre a sua função principal, que é garantir paz e segu-
rança na sociedade. Os indivíduos transferem tudo ao monarca, menos o direito à própria vida.
John Locke
John Locke é conhecido por ser um dos fun-
Godfrey Kneller/W.Commons
Glossário
dadores do liberalismo político, por defender
a liberdade do indivíduo como o valor mais Liberalismo: refere-se ao
movimento que tem por fi-
elevado. nalidade dar mais liberdade
Locke, assim como Hobbes, concebe a exis- ao indivíduo em relação ao
tência do Estado de Natureza e do Estado Civil, Estado, pois acredita que o
ser humano possui direitos
porém os apresenta de modo divergente. No
fundamentais que devem
Estado de Natureza, de Locke, o ser humano é ser respeitados pela sobera-
bom, vivendo em perfeita liberdade e age bus- nia estatal, como o direito à
cando o bem-estar e a felicidade. propriedade privada.
No Estado de Natureza, os seres humanos
vivem juntos conforme a razão e têm igualda-
de de direitos e deveres. Nele, são regidos pela
lei da natureza que determina serem todos os
indivíduos iguais e independentes, devendo
cada um agir de modo a não prejudicar o ou-
tro. Cada um pode viver e garantir seu susten-
to segundo suas próprias habilidades, desde
que não agrida o outro. A liberdade natural
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No Estado de Natureza, para sobreviver, o Trazendo a discussão sobre
a importância da proprieda-
ser humano se apossa de partes da natureza, de privada para a organiza-
tendo como fim a produção de alimentos para ção social e crescimento de
sua sobrevivência e a de seu grupo. É nesse uma nação na atualidade,
momento, em que cada indivíduo apropria-se vejamos o que diz Denis
Rosenfield:
daquilo que é necessário para a subsistência,
que se instaura o direito de propriedade. Desse "O desenvolvimento das
últimas décadas, com a
modo, Locke entende que o direito de proprie- ampliação da economia de
dade precede o nascimento do Estado Civil, mercado em todo o mundo,
sendo esse um direito natural e individual. deve-se ao fortalecimento
do direito de propriedade,
Locke relaciona o direito de propriedade que propiciou o crescimento
à ideia de trabalho, que possibilita a transfor- do espírito empreendedor
mação da natureza. O ser humano apropria-se e da livre-iniciativa. Se não
de algo quando retira o objeto de seu estado há o respeito ao direito de
propriedade, a economia se
natural, aprimorando-o para o uso humano. No momento em que o ser humano se apodera de algo que era da natu- desorganiza e o mercado
Isso acontece com a agricultura, a pecuária, a reza, ele se torna o proprietário dessa coisa. Ao retirar a maçã da árvore, funciona aleatoriamente,
por exemplo, aquela maçã passa a ser sua, e não mais da natureza.
fabricação de ferramentas etc. perdendo o seu caráter pro-
priamente contratual. [...]
Na natureza tudo é de todos, não há propriedade privada. Portanto, é quando um indivíduo
A propriedade privada
transforma algo proveniente da natureza (pedaço de terra, colheita de frutas, extração de miné- floresce onde os marcos
rios etc.) em um produto mais elaborado (terra cultivada, frutas para serem consumidas, metais e institucionais possibilitam
pedras preciosas), que tenha mais serventia ao ser humano, que ele se apropria da coisa. De fato, o seu fortalecimento. Isso
uma terra cultivada, por exemplo, é mais útil não só ao proprietário como à coletividade, que esta significa que as sociedades
que cresceram economica-
mesma terra em estado natural, conforme trecho abaixo: mente e se desenvolveram
socialmente são aquelas
que asseguraram a proteção
"O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos, pode-se dizer, são propriamente dele. Qualquer coisa das invenções, a aquisição
dos bens e a validade dos
que ele então retire do estado com que a natureza a proveu e deixou, mistura-a ele com o seu trabalho, e contratos, confiando na
junta-lhe algo que é seu, transformando-a em sua propriedade. Sendo por ele retirada do estado comum livre-iniciativa. Há um nexo
em que a natureza a deixou, a ela agregou, com esse trabalho, algo que a exclui do direito comum dos essencial entre a iniciativa
demais homens." individual e os marcos legais
e institucionais que a ga-
rantam e a legitimem. Nessa
perspectiva, não há possibi-
(LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: Martins Fontes, 1998.) lidade de que o empreende-
dorismo se desenvolva se os
Locke estabelece que cada pessoa tem direito à propriedade que conquistar com o próprio direitos de propriedade não
trabalho necessário para sua sobrevivência, isto é, que não seja excessivo aquilo que o proprie- são garantidos, criando uma
tário possa cuidar. insegurança jurídica que
termina coibindo iniciativas
O direito à propriedade é um direito inalienável. O esforço do trabalho gera bens e esses bens individuais."
se tornam propriedades privadas. Depois, é necessário proteger a propriedade, e, para isso, os (ROSENFIELD, Denis. Justiça, demo-
cracia e capitalismo. Rio de Janeiro:
indivíduos transferem esse poder, mediante um contrato social com os demais indivíduos, a uma Elsevier, 2010.)
esfera superior que é capaz de julgar imparcialmente possíveis conflitos.
Em síntese, o ser humano, para Locke, aceita submeter-se a viver em sociedade para, acima de
tudo, defender a sua propriedade, o seu interesse.
Jean-Jacques Rousseau
Jean-Jacques Rousseau nasceu em 1712, em
Genebra, na Suíça. Esse filósofo abordou diver-
sas temáticas, bem como política e educação.
Sua obra principal é O Contrato Social, em
que expôs seus pensamentos sobre a natureza
humana, a distinção entre Estado de Natureza
e Estado Civil, a diferenciação entre a vontade
de todos e a vontade geral, além da importân-
cia dos direitos e deveres para adequada con-
dução da sociedade.
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FIL 33
Cleo M/W.Commons
mano no Estado de Natureza é íntegro e justo,
mas é corrompido pela sociedade. Esse dese-
quilíbrio se dá com a introdução da proprieda-
de privada na sociedade. A partir dela, os seres
humanos passam a lutar uns contra os outros
pela posse dos bens, gerando inveja, violência
e desigualdade social.
Nesse momento, o ser humano sente que
a liberdade e a igualdade, direitos naturais de
cada indivíduo, estão ameaçadas diante dos
males introduzidos pela desigualdade social. É
preciso, então, uma solução que possa reme-
diar os riscos causados. Para Rousseau, a saída
é a instauração do Contrato Social.
No Estado de Natureza vigora a “lei do mais
forte”. Quando os seres humanos sentem que
DUNOY, Alexandre-Hyacinthe. Rousseau meditando no parque La Rochecordon, perto de Lyon. 1770. Óleo sobre
tela. Museu Marmottan Monet, Paris. sua conservação está prejudicada, consentem
em unir suas forças e criar o pacto social que
garantiria sua conservação. A função do contrato social é criar o Estado Civil, no qual os seres
humanos podem proteger a liberdade e igualdade que possuem por natureza. A união de forças e
interesses será sempre elemento determinante naquilo que se refere ao contrato social.
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O Estado Civil e o Contrato Social se fun-
dam e se mantêm conforme a vontade geral. A
partir disso, Rousseau apresenta a valorização
da sociedade, em detrimento do indivíduo, e o
entendimento de que as pessoas constituem
um corpo coletivo, sendo formado a partir da
união de forças e interesses.
O Contrato Social não é instituído por uma
soma de indivíduos, mas pelo consenso geral
entre todos. É o próprio povo que aceita criar
leis e instituições e eleger pessoas para repre-
sentá-lo no poder, com a condição de que es-
tes sirvam ao interesse geral.
Desse modo, um dos elementos centrais
na constituição da sociedade é a vontade ge-
ral. Diferentemente da vontade de todos, que
se constitui pela soma de vontades particula-
res, a vontade geral preza pelo interesse co-
mum. A primeira ressalta particularidades e a
segunda, o coletivo. Destaca-se, também, que
a vontade geral não consiste em unanimidade,
mas em um consenso do que seria adequado
para o bem da coletividade.
A vontade geral é o princípio que orienta
as forças do Estado, de modo a fazer com que Pintura que carrega vários símbolos relacionados à Revolução Francesa
traz Rousseau em posição de destaque, demonstrando a influência das
este atue objetivando o bem comum. ideias do filósofo nesse movimento.
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Verstar
tendência faz com que a vontade geral seja sempre reta com a utilidade pública. No entanto, é
importante destacar que mesmo assim, por vezes, o povo, detentor da soberania, toma decisões
que impossibilitam a concretização da vontade geral. Esta nunca erra, pois tem em vista apenas
o interesse comum. O que pode estar errado é o raciocínio do povo em como utilizá-la. Rousseau
afirma que mesmo com a maioria do povo opinando, não há segurança de que se está em harmo-
nia com a vontade geral. Ensaio sobre a Cegueira
O imperativo no contratualismo rousseauniano é a prevalência de uma ordem que mantenha Ano: 2008
o povo como detentor do poder no centro das atuações. Desse modo, a soberania encontra-se Diretor: Fernando Meirelles
com o povo e não com o monarca. Em síntese: o povo institui leis e representantes para governar Sinopse: Uma epidemia
para o próprio povo. que torna as pessoas cegas
toma conta de uma cidade,
fazendo com que os conta-
minados sejam colocados
em quarentena. Porém,
em determinado momen-
to o número de pessoas
infectadas cresce tanto que
se torna impossível suprir
as necessidades básicas de
todos. Surge então a luta
pela sobrevivência, em que
se pode fazer uma alusão ao
estado de guerra de Thomas
Hobbes. Para este filósofo,
enquanto não houver um
Estado forte que controle
os indivíduos, há grande
possibilidade de o caos
tomar conta do convívio
entre eles.
Columbia Pictures
A Guerra do Fogo
DAVID, Jacques-Louis. O juramento de Péla. 1791. Óleo sobre tela, 66 x 101,2 cm. Palácio de Versalhes, França. – Os representantes do terceiro Estado Ano: 1981
francês, caracterizado por toda a população, exceto os nobres e os clérigos, ao serem impedidos de participar da reunião dos Estados-Gerais, temeram Diretor: Jean-Jacques
um golpe político do Rei Luis XVI e se trancaram em uma quadra de tênis. Então, reuniram-se e fizeram um juramento de unidade política, marcando
o início da união do povo para a derrubada da monarquia na Revolução Francesa. No contexto de Rousseau, isso se deve ao fato de que o Estado não Annaud
mais correspondia à vontade livre dos cidadãos. Sinopse: Na Pré-História, vá-
rios grupos de homínideos
Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau foram importantes contratualistas que lutam entre si pela detenção
abordaram em suas teorias como se daria a passagem do Estado de Natureza do ser humano do fogo. Sendo incapazes
para a convivência em sociedade e a criação de um Estado. de compreender o processo
que gera o fogo, aquele que
Eis algumas diferenças entre os contratualistas: para Hobbes, o ser humano já nasce mau, o tem toma cuidado para
enquanto os outros entendem que por natureza o ser humano é bom; o que diferencia Locke de que a chama não se apague
Rousseau é que o segundo afirma que a sociedade é responsável por corromper o ser humano. e passa a ser perseguido
por aqueles que almejam
Quanto à soberania, Hobbes determina que o monarca deve deter o poder, que só a sua ri- possuir este instrumento
gidez é capaz de controlar os seres humanos e possibilitar que convivam em segurança; Locke que na época é sinônimo
defende que os indivíduos são livres, que por escolha própria aderem ao pacto para a ampliação de poder. Este filme pode
da liberdade de cada um. Já Rousseau afirma que ao adentrar o estágio, as pessoas consentem ce- nos trazer uma ideia sobre
o hipotético Estado de
der seu poder a alguém que vá zelar pelo interesse comum. Assim, o povo encontra-se soberano. Natureza mencionado pelos
Desse modo, os contratualistas diferenciam-se quanto às suas posições, mas permanecem contratualistas.
em consenso quanto às concepções de que o pacto é aquele que fundamenta a sociedade e o
Estado. O pacto é, sobretudo, fruto da atividade humana, é vontade humana. A origem da socie-
dade e do Estado está na decisão do ser humano em viver na coletividade.
A conclusão remete à discussão da introdução. Em termos políticos, a modernidade origina o momento em que não se busca mais
fundamentos políticos e jurídicos na metafísica ou na teologia, mas na vontade humana.
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Glossário Leia o texto e analise a obra de arte para responder ao que se pede.
Estado de natureza, para Rousseau, é aquele que antecede à adesão ao pacto social. Seria um estado de inocência e bondade,
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d) do socialismo científico.
e) do anarquismo.
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uma sociedade civil ou política.” e) A soberania é estabelecida como poder absoluto orientado
(LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. pela vontade geral e legitimado pelo pacto social para garantir
São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 67.) a conservação do Estado.
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GABARITO ONLINE
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03
Filosofia
contemporânea:
Kant e Hegel
START
Leia o texto e responda às questões.
Após a leitura em voz alta
do texto, inicie um debate Conceito de idealismo
sobre as questões propos-
tas. Na questão 1, solicite o O conceito idealismo tem duas grandes acepções. Por um lado, trata-se da capacidade da inteligência para
uso do termo “idealismo” na
linguagem comum, cotidia- idealizar. Por outro lado, o idealismo é uma corrente filosófica que considera a ideia como sendo o princípio
na. Espera-se que os alunos do ser e do conhecer.
concluam que, nesse uso, o
termo significa algo difícil O idealismo filosófico, como tal, afirma que a realidade que se encontra fora da própria mente não é cognoscí-
ou até mesmo impossível vel por si só, já que o objeto do conhecimento humano é sempre construído pela atividade cognoscitiva.
de realizar. Na questão,
pedem-se as duas acepções
do termo mencionadas no (Disponível em: <https://conceito.de/idealismo>. Acesso em: 19 set. 2018.)
texto. Para cada uma das
acepções, solicite que os
alunos redijam uma frase, 1. Na linguagem comum, o que significa “idealismo”? Escreva uma frase usando o termo no sentido comum.
em um intervalo de tempo Significa algo praticamente impossível de se realizar.
determinado (3 minutos,
por exemplo) e, em seguida,
que alguns voluntários Sugestão de resposta: Meu avô era um idealista, sonhava em mudar o mundo.
apresentem suas respostas.
Promova um breve debate 2. Quais as duas acepções de “idealismo” mencionadas no texto? Escreva uma frase empregando este termo nas
sobre as frases apresen- duas acepções apresentadas.
tadas, direcionando as
respostas para o conteúdo Primeira acepção
que será desenvolvido neste A primeira acepção considera “idealismo” como capacidade da inteligência humana, no sentido de criar, ter ideias e idealizar.
módulo.
Frase
beeboys/Shutterstock
Segunda acepção
A segunda acepção considera o termo usado filosoficamente que, neste caso, afirma a impossibilidade de se conhecer a realida-
de que está fora da mente, porque o ser humano é constituído pela atividade cognoscitiva.
Frase
Sugestão de resposta: Nada do que vemos na realidade existe fora da mente humana.
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A fase crítica de Kant é aquela que busca delimitar o alcance do conhecimento, até que ponto
o ser humano pode conhecer. Busca também determinar a origem do conhecimento humano e
o fundamento do agir prático. Em outras palavras, Kant busca encontrar fundamentos para o co-
nhecimento e para a ética na própria racionalidade humana, mas para isso é preciso responder
à pergunta: qual o limite da nossa racionalidade? As principais obras da fase crítica são: Crítica da
razão pura (1781), Crítica da razão prática (1788) e Crítica da faculdade do juízo (1790).
Teoria do conhecimento
A teoria do conhecimento de Kant concentra-se, principalmente, na obra Crítica da razão
pura. Neste livro, o filósofo busca delimitar o alcance do conhecimento humano, com a pergunta
chave: o que pode o ser humano conhecer? Para Kant, o intelecto humano é finito, não consegue
conhecer tudo, mas precisamos saber onde está esse limite.
Para Kant, conhecer é dar forma a uma matéria. A matéria é sempre inerente ao objeto,
enquanto a forma necessita da participação do sujeito. Isso significa que o conhecimento é
formulado pelo sujeito quando este descobre as qualidades do objeto.
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Para Kant, conhecer significa emitir um juízo sobre o objeto. O juízo é o exercício
racional do ser humano de reunir várias características do mesmo objeto na mesma
proposição, na mesma sentença.
Ao provar um limão e constatar que ele possui sabor azedo, eu estou dando
forma a algo que já existe no limão. O sabor azedo é do limão, mas a noção que
expressa que aquele sabor é azedo é criação humana.
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ações tendo em vista um determinado fim. Ou seja, em toda a ação buscamos um resultado, um
interesse, que pode ser a aquisição de um bem, o prazer, a felicidade etc., sempre algo específico.
Já os imperativos categóricos não buscam um fim ou interesse, mas a ação tendo em vista o
dever de agir daquele modo. A ação conforme o imperativo categórico é boa em si mesma, não
depende do resultado para ser justificada, a tal ponto que ela poderia ser praticada por qualquer
pessoa. Eis um dos enunciados de Kant sobre o imperativo categórico:
“O imperativo categórico é, portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que
possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.”
(KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de: QUINTELA, P. Lisboa: Edições 70, 1995. p. 59.)
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seguindo um imperativo hipotético, pois estaria deixando de roubar não por ver a regra como racio-
nal, mas pela finalidade, por não desejar ser presa.
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Georg W. F. Hegel
Biografia Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em
Stuttgart (Alemanha) em 1770. Até a juventude
Friedrich Wilhelm Joseph
recebeu educação protestante, o que influen-
von Schelling (1775-1854)
foi um dos representantes ciou na primeira fase de sua carreira, em que
do Idealismo Alemão, assim predominaram estudos teológicos. Formou-se
como Hegel. na Universidade de Tübingen, onde foi amigo
Johann Christian Friedrich do filósofo Schelling e do poeta Hölderlin.
Hölderlin (1770-1843) foi Nesse período cultivou enorme interesse pe-
um poeta e romancista
los clássicos da filosofia e da literatura gre-
alemão que teve como um
dos principais temas de ga. Acompanhou com grande entusiasmo
seus trabalhos as tragédias os acontecimentos da Revolução Francesa e
gregas. as conquistas de Napoleão Bonaparte, por
qual nutria grande admiração. Depois seguiu
carreira de professor lecionando em várias
universidades.
Embora tenha produzido obras desde
jovem, a carreira de Hegel tem seu apogeu
Glossário
com os seus trabalhos de maturidade, como
Protestantismo é a deno- Fenomenologia do Espírito, e depois Ciência da
minação conferida a um dos Lógica, Enciclopédia das ciências filosóficas e
ramos do cristianismo. Teve Linhas fundamentais da filosofia do direito.
seu início com Martinho
Lutero no século XVI, quan- O pensamento de Hegel é muito amplo e
do este publicou 95 teses complexo, pois o filósofo ousava construir um
questionando determinados verdadeiro sistema que englobasse todo o
preceitos utilizados pela SCHLESINGER, Jakob. Retrato do filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
saber, da metafísica (lógica) à ética. Não sem 1831. Óleo sobre tela. Alte Nationalgalerie, Alemanha.
Igreja Católica.
razão, Hegel é conhecido como o filósofo que
Suspender é a tradução do
termo alemão aufhebung, tentou pensar o Absoluto. De sua densa filoso-
utilizado pelo filósofo, que fia, bastante célebre ficou a sua concepção de
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contém dois elementos: dialética.
conservar e atualizar.
Ou seja, cada novo dado Hegel parece escrever em movimento, de
contém em si o anterior, modo que uma seção da obra suspende a seção
atualizando-o. anterior, e depois é suspendida pela seção
seguinte. Cada parte engendra a parte seguinte.
Para Hegel a verdade não está aqui ou ali,
neste ou naquele conceito, mas na totalidade
do movimento que suspende concepções
anteriores e gera novos conceitos.
Essa é a noção de dialética que ficou
famosa posteriormente como tese, antítese e
síntese. Primeiro há a tese, apresentada em um
argumento; depois a antítese, que é a negação
do argumento anterior. Por fim, há a síntese
que suspende a antítese gerando nova tese. E,
daí em diante, trata-se de um processo cíclico
infinito ascendente.
Na obra Fenomenologia do espírito, entrela-
çam-se duas propostas.
a) Hegel apresenta nesta obra o percurso
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A formação profissional é essencial para o indivíduo satisfazer seus interesses na sociedade civil, pois é apenas sabendo fazer bem algum ofício que
ele poderá ser contratado por alguém, abrir uma empresa, estabelecer parcerias de negócios, fazer contratos etc. As figuras ilustram quatro profissões:
professor, médico, advogado e engenheiro.
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rem deixar de respeitar o contrato social? Ou
seja, o direito positivo, formal e abstrato, por-
que é reduzido a leis e contratos, não conse-
gue impedir a violação ao direito, o crime. Isso
acontece pois existe a ação individual que, se
quiser, pode ir contra o direito.
E esta é a segunda seção: a moralidade.
Aqui Hegel analisa o mundo interior do
Africa Studio/Shutterstock
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movimento da vontade livre. O fundamento da ética não é exterior ao indivíduo, mas está dentro
dele. Isso se dá porque a ética está concentrada nos costumes de seu povo. Ou seja, eu reconheço
os costumes de meu povo como meus. Assim, quando sigo as determinações do direito, não estou
sendo coagido por uma instituição externa a agir assim, mas o faço por decisão própria.
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senta, pois se discordamos e entendemos que há um modo mais adequado de se viver em socie-
dade, podemos tentar transformar os costumes vigentes. A sociedade está sempre em modifica-
ção. Os costumes se renovam, e este processo inicia-se com a vontade livre dos indivíduos em se
atualizarem. É por isso que os costumes são internos no cidadão, pois cada indivíduo participa da
atualização destes.
A sociedade do reino ético tem a família
como instituição de base. Na família os indiví-
Um Sonho de Liberdade duos se reconhecem como um só. Os pais e os
Ano: 1994 filhos fazem parte de um único ser: o ser fa-
Diretor: Frank Darabont miliar. A essência da família é a educação dos
Sinopse: Andy é um jovem filhos para a sociedade civil e o Estado. Os pais
banqueiro de sucesso que devem formar as crianças para poderem con-
sofre uma reviravolta em
tribuir social, econômica e politicamente junto
sua vida quando é conde-
nado injustamente à prisão aos demais indivíduos. Para Hegel, a família
perpétua pelo assassinato tem em vista o bem universal: a sua finalidade
de sua mulher. Vivendo na é formar alguém para ajudar a sociedade civil.
prisão, a única coisa que o
move é a esperança de um Na sociedade civil a realidade é bem
dia ser novamente livre. diferente. Aqui vale o interesse singular.
Junto com um colega da Trabalhamos e nos relacionamos no mercado
prisão, passa a arquitetar buscando benefícios.
um plano para fugirem. Este
Hegel defende que a Constituição deve estar acima de todos os indi-
filme serve para mostrar a víduos em uma nação. Acima, a imagem do político Ulysses Guimarães Porém, ao se buscar o próprio interesse,
força que a ideia de liberda- depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, resultado de também há contribuição para com o bem ge-
de pode ter no imaginário longa luta democrática em nosso país. Abaixo dela, a estátua da justiça
na entrada do Supremo Tribunal Federal, instituição que julga os casos ral. Ao trabalhar e gerar produtos e dinheiro,
de cada pessoa, e muitas em que se estabelecem dúvidas quanto à interpretação correta de algum
vezes é a única força capaz por exemplo, a economia se movimenta e logo
artigo da Constituição.
de impulsionar uma pessoa a riqueza geral é incrementada. Contudo, devi-
a seguir adiante. do aos indivíduos perseguirem acima de tudo
o benefício singular, corre-se o risco das pes-
soas perderem de vista a dimensão universal
do bem comum.
Dessa forma, o Estado surge como uma
instituição acima de todos, que tem por finali-
dade a realização do bem comum e da liberda-
de dos indivíduos. O Estado não é uma institui-
ção que coage as pessoas, tal como a relação
do Leviatã com seus súditos em Hobbes, con-
forme visto no capítulo anterior, mas pode ser
entendido como uma instituição criada pelos
indivíduos que protege as leis e a comunida-
de. O Estado possui uma Constituição, a qual
até o governante deve se submeter. Somente
a Constituição está acima de todos, preceito
valioso, sobretudo para os nossos dias, em
que defendemos a Constituição Federal como
aquilo que se eleva sobre cada brasileiro, e, ao
mesmo tempo, protege o interesse de todos os
indivíduos. E isso é um princípio de liberdade,
pois se obedeço à Constituição, obedeço àqui-
lo que eu lutei para construir. E se em algum
momento aquilo não for mais o que queremos,
podemos modificá-la e atualizá-la, tal como ce-
lebra sempre a dialética hegeliana.
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MAGRITTE, René. As férias de Hegel. 1953. Óleo sobre tela, 61 x 50 cm. Coleção privada.
1. Na obra As férias de Hegel, Magritte faz uma brincadeira com o conceito hegeliano de dialética. De acordo
com a análise da obra e com seus conhecimentos, relacione o título e a obra de arte de Magritte com a
dialética de Hegel.
A dialética, para Hegel, é o confronto de ideias contrárias que, na obra de arte, podem ser representadas pelo guarda-chuva e
pelo copo d’água. Desse confronto, nascem novas ideias, como a que o artista propõe ao inverter a figura do guarda-chuva, que
deveria conter a água, com o copo que retém o líquido em seu interior. Estando o copo d’água sobre o guarda-chuva, este não
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mente de nós. A realidade de cada coisa para si mesma é seu noumenon. De acordo com a moral kantiana, a “falsa promessa de pagamento”
representada no texto
2. De acordo com Kant, o que são os imperativos categóricos?
a) assegura que a ação seja aceita por todos a partir da livre
São fundamentos racionais puros desprovidos de qualquer experiência empí- discussão participativa.
rica. Diferentemente dos imperativos hipotéticos, os imperativos categóricos b) garante que os efeitos das ações não destruam a possibilidade
de vida futura na terra.
não buscam um fim, mas a própria ação é o fim almejado. Outra característica c) opõe-se ao princípio de que toda ação do homem possa valer
é que buscam sempre o universal, ou seja, é um princípio que pode ser como norma universal.
d) materializa-se no entendimento de que os fins da ação humana
praticado por todos sem prejudicar a liberdade de ninguém.
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Curitiba: SEED-PR, 2009. p. 309.) e assim elas estão articuladas tal como engrenagens de uma
grande máquina.
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GABARITO ONLINE
1. Faça o download do aplicativo SAE Questões ou qualquer aplicativo
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de leitura QR Code.
2. Abra o aplicativo e aponte para o QR Code ao lado.
3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela.
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Filosofia
moderna:
os filósofos
contratualistas
START
Leia o texto e debata as questões a seguir com os colegas e o professor.
gerasimov_foto_174/Shutterstock
3. No século XXI, você acha que a sociedade humana atingiu o estágio positivo, ou seja, do progresso
absoluto?
Resposta pessoal.
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EverettHistorical/Shutterstock
Carlo S/Shutterstock
A Revolução Industrial foi
um conjunto de mudanças
tecnológicas nos processos
de produção de produtos
que irromperam primeiro na
Inglaterra, no século XVIII,
e depois no século XIX por
toda a Europa. O libera-
lismo econômico, aliado a
invenções como a máquina
a vapor, foram fatores que
contribuíram para a eclosão
da revolução.
À esquerda, exemplo de uma fábrica na época da Revolução Industrial. Nesse período, os produtos passam a ser fabricados em maior escala devido
à organização do trabalho por linhas de produção. Nelas, cada pessoa ou grupo de pessoas era responsável apenas pela construção de uma parte do
produto. À direita, uma linha de produção atual em que não trabalham pessoas, apenas máquinas, demonstrando os rumos que a produção industrial
assumiu.
Porém, nem tudo se revelaria de modo tão esperançoso. Junto à euforia da visão de progres-
so infinito surgiam evidentes contradições sociais: aumento da pobreza de muitos, condições
sub-humanas de trabalho, monopólio do poder por parte de poucos, alienação do povo pela
Saiba mais burguesia. Ou seja, na mesma proporção crescia o sentimento de injustiça promovido por um
Continuando neste movi- desenvolvimento que desencadeava profunda desigualdade social entre burgueses e trabalha-
mento, o positivismo irá dores. A desigualdade social será objeto da contundente crítica elaborada por Marx aos avanços
fazer com que as ciências se do capitalismo.
especifiquem cada vez mais
para que haja uma melhor Em síntese, o século XIX é, sobretudo, o período da luta pela construção de uma nova socie-
compreensão do objeto que dade, um novo mundo. O ser humano finalmente parece ter se conscientizado de que é o único
é analisado. Surgirão ramos responsável pela sua existência e é responsabilidade dele fazer a sociedade progredir.
mais específicos (exemplos
podem ser citados, como a Neste capítulo serão estudadas três vertentes da Filosofia no século XIX: o positivismo de
microbiologia, nanotecnolo- Auguste Comte, o utilitarismo de John Stuart Mill e o materialismo histórico de Karl Marx.
gia etc.), o que fará com que
o pesquisador inevitavel-
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As condições adversas do trabalho, jornadas exaustivas, baixíssima remuneração e o fato de crianças e mulheres trabalharem o mesmo número de horas
que os homens, foram alguns fatores que contribuíram para a elaboração do pensamento filosófico do século XIX.
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foi um dos mais importantes
tas não podem ser submetidas à empiria, não representantes do Círculo
podem ser comprovadas. O método empírico de Viena. Esse movimento
revelou-se o mais próximo da verdade, o úni- filosófico nega a metafísica
co que permite ao homem entender como as para privilegiar o exercício
da lógica. O sistema filo-
leis naturais funcionam e assim usá-las a seu sófico do Círculo de Viena
favor. Não sem razão é o método empírico que tornou-se conhecido como
se aliou à indústria, gerando grande desenvol- “positivismo lógico”.
vimento tecnológico.
Assim como o positivismo, a ciência não se Observe
preocupa com conceitos abstratos, mas ape- O positivismo, então, é tam-
nas com coisas, com fatos, o positivismo jurí- bém o ápice da linha de pen-
dico não se preocupa com a ideia de lei ou com samento empírica que surge
o conceito de justiça, mas com a Constituição, com a Revolução Científica e
atravessa toda a modernida-
com o Código Civil, com uma lei específica, ou
Auguste Comte. de. Observa-se uma gradativa
seja, com leis reais e existentes em cada socie- desvalorização da Teologia
Para explicar a dinâmica social, Auguste dade. Também o positivismo lógico negará a e da Metafísica que se inicia
Comte postulou a “lei dos três estágios”, que Metafísica, demonstrando que apenas a empi- de modo discreto com os
consiste na própria lei que governa o desen- ria é necessária para confirmar ou negar um modernos, mas que no século
volvimento individual e coletivo dos homens. XIX atinge o seu auge.
fenômeno. O conhecimento positivo é aquele que
Segundo ele, a história da humanidade teria extrai leis baseando-se em investigações compro- Glossário
atravessado três estágios: teológico, metafísi- vadas sobre fatos.
co e positivo. Constituição
Outra marca do positivismo é que o cientis-
● Estágio teológico: nesse estágio, o ser A Constituição de um Estado
ta e filósofo não devem se preocupar em en- (instância política de um
humano vê o mundo e seus fenômenos tender a origem das coisas, a essência, como país) é sua lei fundamental,
como o resultado de ações provocadas sempre defendeu a Metafísica e a investigação ou seja, o conjunto das nor-
por agentes sobrenaturais. A compreen- filosófica em geral, mas como as coisas funcio- mas e princípios que regerão
são de toda a realidade é permeada por todas as leis do Estado,
nam e de que modo podem servir ao homem.
em todos os níveis. Assim,
uma forma encantada de percepção: o O positivismo é prático. nenhuma lei, decreto ou
vento, a água, o Sol, as estrelas, o desti- medida, seja municipal, es-
Comte também apresentou uma classifi-
no de cada um... tudo é fruto de deuses tadual ou federal, poderá em
cação das ciências, que vai das ciências com
e espíritos. seu teor contradizer o que
objetos de estudo mais simples às mais com- está estabelecido na Consti-
● Estágio metafísico: passa-se a entender plexas: Astronomia, Física, Química, Biologia tuição. O Brasil já teve várias
a realidade a partir de ideias, conceitos, e Sociologia. A Teologia e a Metafísica foram constituições aprovadas
avança-se do sobrenatural ao abstrato. excluídas por não serem passíveis de serem (ger., a não ser em situações
Neste estágio surge a ideia de essência de exceção, por corpo de
estudadas de modo positivista, bem como a representantes da sociedade
como a força oculta em cada coisa capaz moral, pois esta é o estudo do agir humano e, especialmente designado
de fazê-la existir. A planta cresce porque portanto, está incluída na Sociologia. para isso: a Assembleia
existe uma essência invisível nela que Constituinte): a monarquista,
A Matemática também não aparece na clas- de 1824 (seguida de atos adi-
a permite se desenvolver. A essência é
sificação das ciências estipuladas por Comte cionais em 1834, 1840, 1847);
aquilo que define o que é cada coisa, é a
por ser a base natural e lógica de todas elas, a primeira republicana, de
parte mais importante de cada ser. 1891, reformada em 1926; a
ou seja, fundamenta e está presente em todas
● Estágio positivo: é o ápice da evolução aquelas citadas. Por fim, a Filosofia não é ciên- segunda republicana, de 1934
(extinta em 1937 pelo Estado
que nasce quando o homem descobre, cia, mas o estudo metodológico delas, a inves- Novo); a terceira republi-
com a observação atenta da natureza, tigação que vê as conexões e relações entre as cana, de 1946; as de 1967 e
que é possível entender e prever fenô- várias ciências, ou seja, os princípios que as 1969 (sob o regime militar);
menos naturais. O estágio positivo não fundamentam. e a de 1988, novamente sob
está nas ideias, mas na realidade, nas regime democrático.
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positivismo, sobretudo de Comte.
Para o francês, a Sociologia deveria des-
cobrir as leis que regem o funcionamento da
sociedade, tal como a Física descobre as leis
que regem os fenômenos físicos. Com esse en-
tendimento concreto, a Sociologia poderia in-
clusive prever o funcionamento da sociedade
e se antecipar aos acontecimentos. Para isso,
a Sociologia seria dividida em estática social e
dinâmica social.
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O positivismo influenciou os movimentos de proclamação da República
do Brasil. Nota-se, inclusive, o reflexo dessa relação estampado na
própria bandeira do Brasil, onde podemos avistar o lema “Ordem e
Progresso”, típico do positivismo. Essa influência se deve, basicamente, à
empatia de intelectuais da época pelo movimento positivista de Auguste
Comte.
Em conjunto, a estática social e a dinâmica
social indagam sobre a ordem e o progresso da
sociedade, respectivamente. Isto é, entende-
-se como se mantém a sociedade organizada,
evitando que caia em desastres ou regressões
e, por outro lado, compreende-se como ela
evolui. Isso tudo seria possível conhecendo as
Comte é o pai da Sociologia. Nela, a sociedade passa a ser o próprio objeto
de estudo em que se busca as leis, causas e fenômenos que a integram. leis da sociedade.
Faz-se, portanto, uma abordagem similar àquela das Ciências Naturais
(Física, Química etc.). Mas como conhecer as leis da sociedade?
A estática social estuda as condições que Comte inspira-se nas ciências naturais para
dão base à existência de qualquer sociedade lançar o método a ser seguido pela Sociologia:
em qualquer período histórico. Tais condições observação, experimento e o método compara-
são a sociabilidade entre os homens, o núcleo tivo. Esse estudo é apoiado em uma pesquisa
familiar e a divisão do trabalho. histórica do desenvolvimento da sociedade.
Biografia
“O credo que aceita a utilidade ou o princípio da maior felicidade como a fundação moral sustenta que
Jeremy Bentham (1748-1832)
foi um filósofo e jurista as ações são corretas na medida em que tendem a promover a felicidade e erradas conforme tendam a pro-
inglês que, juntamente com duzir o contrário da felicidade. Por ‘felicidade’ se entende prazer e ausência de dor; por infelicidade, dor e
Mill, difundiu o utilitarismo. privação de prazer.”
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bastante do pensamento individualista que
se manifestava tanto no empirismo como no
liberalismo – as duas correntes que o influen-
ciam – não se pode reduzi-lo a uma filosofia do
egoísmo, na qual a ação se restrinja a buscar
o prazer. A felicidade aqui deve ser entendida
como envolvendo tanto a felicidade individual
quanto a coletiva. A felicidade é o maior dos
bens, de modo que não haveria como o indiví-
duo ser feliz quando isso ferisse o bem comum.
O indivíduo deve se guiar tendo em vista a
liberdade de seguir os critérios que ele enten-
de como os melhores para si. Cada pessoa de-
veria realizar aquilo que lhe parece o ideal para
desenvolver o próprio potencial. Esta liber-
dade de guiar-se na vida é percebida por Mill
como um “direito natural”. O indivíduo possui
uma liberdade absoluta que somente pode ser
restringida quando interferir na liberdade dos
demais, conforme assinala o filósofo: John Stuart Mill.
“Esse princípio é o de que a autoproteção constitui a única finalidade pela qual se garante à humanidade,
individual ou coletivamente, interferir na liberdade de ação de qualquer um. O único propósito de se exer-
cer legitimamente o poder sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é
evitar dano aos demais.”
Dessa forma, a única coação permitida à liberdade individual é quando esta ameaça a liberda-
de dos outros indivíduos. O argumento que se revela é que, para Mill, o desenvolvimento coletivo
e do bem comum é potencializado quando há espaço ao desenvolvimento individual.
Com isso, Marx demonstra que a Filosofia em grande parte se reduz à ideologia, no sentido de
que não passa de um discurso pretensamente verdadeiro, mas que no fim busca apenas validar
ou justificar determinada visão de mundo, determinada opinião etc.
Nessa perspectiva, a religião é identificada como ideologia, no sentido de que afasta o homem
da verdade. A religião também é um discurso produzido para favorecer apenas uma parte da so-
ciedade. O homem que se contenta com a religião está satisfeito em não buscar a verdade. Essa
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acomodação é proveitosa para a burguesia que controla o povo. É por isso que Marx afirma que
a religião é o ópio do povo.
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A primeira imagem mostra o trabalho realizado por abelhas para a produção do mel. Na imagem seguinte, edifícios em Dubai, nos Emirados Árabes. Os animais têm capacidade de criar em confor-
midade com o instinto biológico que possuem. Já os seres humanos vão além e elaboram obras diferenciadas segundo sua capacidade de pensar e sua imaginação criativa.
O problema é que essa concepção de trabalho também não se revela na realidade. A verdade
é que o indivíduo é alienado de seu trabalho, ele emprega sua força e inteligência em uma ação da
qual não usufruirá do resultado. O dilema do proletário é que quanto mais trabalha, mais riqueza
gera para o patrão, tornando-se também uma mercadoria.
“O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção
aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais merca-
dorias cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalori-
zação do mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalhador não produz somente mercadorias, ele produz
a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias
em geral.”
(MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de: RANIERI, Jesus. São Paulo: Boitempo, 2004.)
A alienação pelo trabalho conduz a outro forte argumento de Marx: o materialismo histórico,
em contraposição ao idealismo de Hegel, que consiste na tese de que não é a consciência do
homem que define o seu ser, mas o ser social que define a consciência do homem. Em outras
palavras, o homem seria influenciado pela infraestrutura econômica e superestrutura ideológica.
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entanto, que o movimento
socialista é posterior a
Karl Marx, e que o próprio
movimento do marxismo já
é um efeito das ideias do
filósofo.
Filmes
Pathé Vidéo
Ilustração de autor desconhecido em que mulheres marcham unidas, em 1789, pelo ideal da Revolução Francesa. Apesar de toda a fundamen-
tação teórica que houve para a existência da Revolução Francesa por meio do iluminismo e dos contratualistas, quem a efetivou no mundo
foram as pessoas. Logo, é uma transformação material, concreta, vinda das pessoas, que provoca uma movimentação social.
Germinal
Ano: 1993
Nesse sentido, a maior influência na vida social ficaria por conta da economia e da ideologia,
Diretor: Claude Berri
que controlariam as estruturas políticas e jurídicas. Não são, portanto, as ideias abstratas que
Sinopse: retrata as
movem a sociedade e a história, mas as transformações materiais, concretas. O que vale é saber
condições miseráveis dos
quem detém os meios de produção, ou seja, quem controla o mundo do trabalho e, assim, movi- trabalhadores da França do
menta a economia. Religião, direito, política, Metafísica são todos discursos ideológicos sempre século XIX em contraste com
favoráveis ao interesse daqueles que controlam os meios de produção, vale dizer, da classe domi- a privilegiada condição da
nante. Por isso não é a ideia que condiciona a matéria, mas o contrário. nobreza. É um bom filme
para compreender a Revolu-
Seguindo seu primeiro grande inspirador, Marx utilizará a concepção hegeliana de dialética ção Industrial e seus efeitos
para explicar o seu materialismo histórico na perspectiva das transformações sociais. Marx, po- na sociedade moderna.
rém, inverte a dialética, passando das ideias aos fatos, da abstração ao concreto.
Warner Bros.
A história se desenvolve na busca por resolver as contradições sociais envolvendo partes da
sociedade. Em cada sociedade desenvolvem-se conflitos internos, como as desigualdades sociais,
a escravidão etc. A história demonstra que o homem tenta solucionar estas questões, porém isso
sempre leva a uma nova contradição. Sempre haverá a intensa luta entre classes dentro de uma
sociedade, de tal forma que a história das sociedades revela os inúmeros conflitos de classes:
livres e escravos, patrícios e plebeus, barões e servos, membros das corporações e aprendizes,
em suma, opressores e oprimidos.
Cada período possui sua contradição. A Revolução Industrial e a explosão burguesa derruba-
ram o mundo feudal com a máquina a vapor, modificando os meios de produção principalmente 2001 – Uma Odisseia no
manufatureiros da Idade Média. Antes do crescimento burguês havia os nobres, que detinham o Espaço
poder, e os servos, determinados apenas a trabalhar. Porém, no mundo industrial os burgueses Ano: 1968
substituem os nobres, explorando os operários tal como os nobres exploravam os servos. Diretor: Stanley Kubrick
Assim, se o burguês nega a realidade feudal, a nova realidade será negada pelo proletariado Sinopse: este clássico do
que, ao fazer a revolução, tomará dos proprietários burgueses os meios de produção, eliminando cinema traz a trajetória da
humanidade desde os seus
a divisão social que existe entre as duas classes.
primórdios, nas primeiras
Com Marx a Filosofia não se contenta mais em apenas contemplar a realidade, mas busca demonstrações da raciona-
transformá-la. Isso evidencia-se no esforço deste pensador em fazer contundente crítica social à lidade humana em ação, até
a viagem espacial a planetas
sua época, ao demonstrar que instituições como o Estado, o direito e a religião, em grande parte,
do Universo. É um filme que
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(BARAQUIN, Noëlla; LAFFITTE, Jacqueline. Dicionário universitário dos filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 70.)
1. De acordo com o texto lido, qual é o mais real de todos os seres para os positivistas?
O mais real de todos os seres, para os positivistas, é a humanidade, tanto as gerações passadas, que não estão mais vivas,
2. Conforme o texto, por que novidades radicais são impossíveis na história dentro da perspectiva positivista?
Você concorda com esse ponto de vista? Justifique sua resposta.
Porque as novidades radicais perturbam a ordem e, consequentemente, o progresso. Como os positivistas entendem a história
como um processo evolutivo, de um estado mais primitivo para outro mais civilizado, não é possível que novidades radicais
venham a surgir, causando “involuções”, já que o progresso máximo seria atingido pela ciência e tecnologia.
Os alunos devem expressar suas opiniões pessoais a respeito do ponto de vista positivista.
perfeição, pois, por meio delas, seria possível controlar e organizar a sociedade.
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2. (IFRN) De acordo com Auguste Comte, no seu Curso de Filosofia A característica do Estado positivo que lhe permite garantir não
Positiva, cada uma das nossas concepções principais, cada ramo só a ordem, como também o desejado progresso das nações, é ser
de nossos conhecimentos, tudo isso enquanto escalada do conhe-
a) espaço coletivo, onde as carências e desejos da população se
cimento humano, passou por três estágios históricos diferentes,
realizam por meio das leis.
a saber:
b) produto científico da física social, transcendendo e transfor-
a) estado teológico, metafísico e científico.
mando as exigências da realidade.
b) estado fictício, do senso comum e positivo.
c) elemento unificador, organizando e reprimindo, se necessário,
c) estado abstrato, cético e positivo. as ações dos membros da comunidade.
d) estado fictício, abstrato e metafísico. d) programa necessário, tal como a Revolução Francesa, devendo,
Resposta: A portanto, se manter aberto a novas insurreições.
Para Comte, os três estágios de desenvolvimento das sociedades e) agente repressor, tendo um papel importante a cada revolução,
humanas são: por impor pelo menos um curto período de ordem.
• Teológico: predomina a crença em forças sobrenaturais que 2. C1:H3 (Unifesp) [...] a multiplicação dos confortos materiais; o avan-
regem o funcionamento do mundo. ço e a difusão do conhecimento; a decadência da superstição; as fa-
• Metafísico: estágio em que as sociedades humanas passam a re- cilidades de intercâmbio recíproco; o abrandamento das maneiras;
fletir sobre sua história, seus feitos, criando assim ideias abstratas. o declínio da guerra e do conflito pessoal; a limitação progressiva
• Positivo: seria o estágio mais avançado que a sociedade tecno- da tirania dos fortes contra os fracos; as grandes obras realizadas
lógica poderia alcançar. em todos os cantos do globo graças à cooperação de multidões.
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Filosofia
contemporânea:
passagem do
século XIX para
o século XX
START
Observe a imagem, leia o poema e responda às questões.
Nesta abertura, a proposta
é abrir uma troca de ideias
sobre o sofrimento, tendo ACORDAR VIVER
o poema de Drummond
e a obra de Munch como Como acordar sem sofrimento?
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disparadores. Após realizar
a leitura de ambos, lançar Recomeçar sem horror?
as perguntas propostas
para a turma, aguardando O sono transportou-me
que voluntários busquem àquele reino onde não existe vida
respostas para as questões.
Enfatizar que o diálogo filo- e eu quedo inerte sem paixão.
sófico está aberto a ideias
convergentes e, também, às Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
divergentes, portanto, pode
não haver um ponto de vista a fábula inconclusa,
único sobre o assunto, assim suportar a semelhança das coisas ásperas
como pode, também, haver
uma concordância parcial de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
ou total nas opiniões. De
qualquer maneira, cada Como proteger-me das feridas
voluntário que se manifestar
deve apresentar opiniões que rasga em mim o acontecimento,
pessoais a respeito, cabendo qualquer acontecimento
a você intermediar com
outras ideias, que devem que lembra a Terra e sua púrpura
ser solicitadas aos outros
alunos, de forma que todos demente?
possam expressar seus
pontos de vista. Ao final da E mais aquela ferida que me inflijo
troca de ideias, solicitar o a cada hora, algoz
registro escrito das conclu-
sões individuais, chamando do inocente que não sou? MUNCH, Edvard. Angústia.
Angústia 1896. Impressão
a atenção dos alunos para
o formato diferenciado do Ninguém responde, a vida é pétrea. sobre madeira. 49 x 40 cm. MoMA, (EUA).
espaço de registro. Sugerir
que, nos espaços menores,
sejam registradas ideias
soltas ou palavras-chave (ANDRADE, Carlos Drummond de. Farewell. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p. 12.)
que auxiliem na redação
da conclusão final de cada 1. A vida humana é feita de sofrimentos?
aluno.
2. Quais são os dois maiores sofrimentos da existência humana?
3. Existe um sofrimento pior do que outro?
4. Quando não há sofrimento, qual a sensação que normalmente você sente?
5. Existem ações capazes de cessar o sofrimento? Se sim, quais? Se não, por quê?
6. O sofrimento é inevitável?
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Arthur Schopenhauer
o caminho para a felicidade
por meio das ciências. Um
bom exemplo que ilustra
este momento é o positivis-
Marx já havia criticado a Filosofia em geral por reduzir-se
mo de Comte, doutrina em
a discurso ideológico que, embora buscasse encontrar a ver- que toda e qualquer forma
dade, sempre se limitava a defender posições e interesses da de conhecimento deveria
classe dominante, que seria aquela que detém o poder. Dessa ser científica. No entanto,
forma, a Filosofia perderia seu caráter grandioso para se tor- com os filósofos deste ca-
pítulo, começa-se a chegar
nar instrumento de alienação do povo. ao entendimento de que as
Schopenhauer não envereda por esse viés político-social ciências foram incapazes de
de modo tão enfático, porém sua crítica à filosofia hegeliana responder ao anseio natural
do ser humano em querer
segue linha semelhante ao afirmar que Hegel construiu seu saber quem é, porque existe,
pensamento tendo em vista os interesses do Estado prussia- para onde deve ir etc. É
no, instituição que o assistia. Schopenhauer dizia que a ver- possível notar a passagem
dade professada por Hegel era uma “verdade remunerada”, da ciência objetiva, positiva,
para uma forma de conheci-
ou seja, era escrita sob encomenda. A Filosofia não poderia
mento mais subjetiva.
se rebaixar a esse ponto, de tal forma que ele apresenta a
sua “verdade não remunerada” na obra O Mundo como vonta-
de e como representação, ou seja, não uma verdade visando a Demonstrar aos alunos
Arthur Schopenhauer. interesses pessoais, mas a própria verdade. esta relação entre sujeito,
objeto e representação. Peça
A tese inicial da obra demonstra que o mundo inteiro é representação do sujeito: para que algum deles fale
o nome de algum objeto da
sala, por exemplo, “lápis”.
Imediatamente, todos aque-
les que ouvem essa palavra
“‘O mundo é minha representação’. Esta é uma verdade que vale em relação a cada ser que vive e conhece, imaginam um lápis, que é
embora apenas o homem possa trazê-la à consciência refletida e abstrata. E de fato o faz. Então nele apa- uma representação do lápis
rece a clarividência filosófica. Torna-se-lhe claro e certo que não conhece o Sol algum e terra alguma, mas concreto. Portanto, todas
as interpretações, relações,
sempre apenas um olho que vê um Sol, uma mão que toca uma terra. Que o mundo a cercá-lo existe apenas compreensões que estejam
como representação, isto é, tão somente em relação a outrem, aquele que representa, ou seja, ele mesmo.” relacionadas ao lápis sem-
pre serão feitas com base
nesse lápis imaginário e não
(SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução de: BARBOZA, Jair. São Paulo: Unesp, 2005.) em um lápis real.
Tudo que existe no mundo é representação, ou seja, é a interpretação de cada sujeito sobre o
objeto analisado. O Sol existe para mim porque eu o vejo, assim como todas as coisas existem por-
que entro em contato com elas. Percebe-se a influência do argumento kantiano sobre o fenômeno,
que demonstra que apenas é possível conhecer o objeto como ele se manifesta para nós, ou seja, Glossário
como fenômeno, e não a coisa em si (noumenon). A teoria do conhecimento na Filosofia Moderna
em grande parte apoia-se neste fundamento, de que os objetos externos que conhecemos depen- Dicotomia: qualquer divisão
de um conceito em apenas
dem, sobretudo, da imagem que temos deles em nossa própria consciência. dois componentes, geral-
Descartes duvidou de que todo o mundo externo poderia ser nossa imaginação. Locke afir- mente opostos em algum
mou que é possível conhecer por meio de ideias, que nascem como percepções sensíveis, mas aspecto (ex.: sujeito/objeto;
democracia/ditadura; ama-
que depois são construídas intelectualmente em nossas consciências. Parece ser inquestionável, dorismo/profissionalismo).
para os modernos, que todo o conhecimento sustenta-se na dicotomia sujeito e objeto. O objeto
A coisa em si é a coisa
nunca é independente, ele é objeto porque um sujeito o conhece. em sua própria realidade
Para Schopenhauer todos os objetos existem para o sujeito mediante as categorias do tempo, independentemente do ser
humano, que, segundo Kant,
espaço e da causalidade. Isto é, todos os objetos os quais fazemos representações devem estar em
não pode ser apreendida
um lugar e momento e devem seguir a regra das causas e efeitos, de forma que um objeto, para pelas pessoas.
existir, precisa ter sido posto por outro em um tempo e espaço.
Todo o mundo é minha representação e não um mundo real dos objetos em si mesmos. Isso
significa que o mundo é fenômeno. Como sabemos, Kant também defendeu tal tese. Porém
Schopenhauer aqui discorda, pois para ele o ser humano pode conhecer para além dos fenôme-
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nos e representações, ou seja, ele pode conhecer a própria coisa em si. Essa é a argumentação
da segunda parte da obra O mundo como vontade.
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REMBRANDT. O rapto de Europa. 1632. Óleo sobre tela. 64,6 x 78,7 cm. Getty Center, Los Angeles (EUA).
A contemplação da obra de arte propicia ao ser humano momentos em que ele se distancia do querer incessante da vontade.
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Friedrich Hartmann/W.Commons
é representado pela dou-
tência humana é trágica, a ponto de demons-
trina segundo a qual não
trar ser esta a beleza dos gregos antes de existe nada de absoluto. Na
Sócrates, sobretudo os grandes tragediógra- política, é representado pela
fos. Contudo, ainda que a vida seja trágica, ela doutrina segundo a qual a
deve ser vivida com um “sim”, com ação, e não sociedade só poderá ser re-
formada após sua completa
resignação e derrota. Nietzsche sentia-se um destruição.
profeta de uma nova era, aquele que anun-
ciaria a transformação dos valores e a neces-
sidade urgente do super-homem. Suas críticas
ferozes atingirão o positivismo, o cristianismo,
o romantismo e vários outros pensadores que
ajudaram a construir uma moral do ressenti-
mento, da submissão e de negação à vida.
Nas obras Além do bem e do mal e A gene-
alogia da moral, Nietzsche investiga a origem
da moral ocidental, revelando os traços que
exaltam uma moral do ressentimento e da
compaixão, uma moral de vencidos e que, por
Saiba mais
isso, precisam ir contra os vencedores. Nessa
análise Nietzsche diferencia uma “moral de se- O advento do cristianismo
Friedrich Nietzsche. nhores” de uma “moral de escravos”: reforçará essa direção com
o espírito do sacrifício e da
submissão, com o pecado
e a culpa, com o supremo
“Enquanto toda a moral aristocrática nasce de uma triunfante afirmação de si mesma, a moral dos escravos
paradoxo do “deus morto”,
opõe um ‘não’ a tudo o que não é seu, a um de outro modo, a um não ele mesmo; esse ‘não’ é seu ato criador. Cristo, o “crucificado”,
Essa mudança total do ponto de vista dos valores – essa orientação necessária para o exterior em lugar do como Nietzsche se refere
retorno a si mesmo – evidencia precisamente ressentimento: a moral dos escravos necessitou sempre, em pri- a ele. Nossa cultura seria
meiro lugar, para emergir de um mundo oposto e exterior, em termos fisiológicos, de estimulantes externos fraca e decadente devido
ao predomínio das “forças
para simplesmente agir – sua ação é fundamentalmente reação.” reativas” que a construíram.
A verdade e a moral são os
(NIETZSCHE, Friedrich. A genealogia da moral. Tradução de: BRAGA, Antonio Carlos. São Paulo: Escala, 1998.) instrumentos que os fracos
inventaram para submeter e
Enquanto os senhores exaltam o individualismo, a coragem e a generosidade, os escravos pregam controlar os fortes, os guer-
a submissão e o ressentimento. Assim, por exemplo, celebram a figura do asceta, que, ao fugir do reiros. A tradição ocidental é
resultado desse processo.
mundo e renegar toda a condição material, parece ser livre de si e dos outros, quando na verdade
O objetivo de Nietzsche
utiliza dessa conduta negadora justamente para agredir e dominar os outros. Grande parte da fun-
é, assim, duplo: revelar e
damentação dessa moral de escravos está no cristianismo, que honra valores como a compaixão e a criticar esse processo; e res-
submissão ao outro, e ainda defende a existência de um mundo sobrenatural superior à Terra, o que taurar os valores primitivos
reforça ainda mais a atitude de rejeição aos valores terrenos, os únicos verdadeiros. Nietszche quer perdidos. Seu estilo icono-
trazer a moral de volta à Terra, uma moral ligada à saúde, vitória e coragem. clasta e irônico – “fazer filo-
sofia com um martelo” – é
No fundo, a moral ocidental, em sua raiz, é instrumento para transformar os indivíduos em sub- a forma pela qual pretende
missos à autoridade. Uma investigação profunda revelará que os valores não se justificam por si só, escapar da maneira tradicio-
nem mesmo aquelas “verdades imutáveis” proferidas por séculos, como a existência de uma ordem e nal de filosofar, criando um
novo estilo filosófico. Seu
finalidade no mundo, por exemplo. Diante de tantas mentiras, o ser humano cai em um enorme vazio, interesse pela música de
pois ao perder tais conceitos, valores, e inclusive Deus, só resta o nada, o abismo: niilismo. E nesse Wagner, com quem depois
nada o ser humano encontra-se só, mas também entende que não existe finalidade nem sentido na rompeu, pela poesia épica,
existência e no mundo; há apenas uma vontade que movimenta a história e todas as coisas. E é pre- pelos mitos germânicos visa
contrapor-se à racionalidade
ciso aprender a amar essa condição, porque é a única real, é preciso amar o mundo em sua ausência
filosófica e à moral cristã.
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de sentido. Isso significaria dizer “sim” à vida, aceitá-la em sua verdade. (MARCONDES, Danilo. Iniciação à his-
tória da filosofia: dos pré-socráticos
a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar,
2007. p. 249.)
FIL 67
Observe
Henri Bergson
Henri Bergson, grande expoente do espiritualismo evolucio-
Henri Manuel/Library of Congress
“Então, quando se afirma que os nossos atos dependem do nosso caráter, não se está dizendo outra coisa
senão que eles dependem de nós, do que somos, ou melhor, do que nos tornamos. Se coincidimos com o que
somos, então somos livres. É verdade que os nossos atos nem sempre brotam da raiz profunda do nosso eu:
eles frequentemente são hábitos e, enquanto tais, mostram-se mecanizados e previsíveis como os fenômenos
externos. Neles, portanto, não somos livres. Mas, se os nossos atos brotam do profundo de nós mesmos, se
expressam a totalidade de nossa pessoa, a sua liberdade é indubitável. Quanto mais ficamos na superfície e
nos assemelhamos às coisas, mais as nossas ações tornam-se previsíveis; quanto mais descemos à profundi-
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dade, mais somos nós mesmos e mais são imprevisíveis as nossas ações”.
(REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia antiga. São Paulo: Paulus, 1990. v. 3.)
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previamente estipulada, solicite que os alunos tragam o resultado da pesquisa e apresentem-no para a turma, justificando
o porquê daquela obra específica lhes trazer o sentimento de plenitude. Separe um tempo para possibilitar um momento
de apreciação estética das obras apresentadas pelos alunos.
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06
Filosofia
contemporânea: o
existencialismo e
a fenomenologia
START
As questões propostas nesta seção têm o objetivo de fomentar a discussão acerca da existência humana, partindo da leitura e
interpretação do texto A náusea, de Sartre. As questões podem ser trabalhadas oralmente. Os alunos podem registrar indivi-
dualmente as respostas ou você pode solicitar primeiro o registro escrito individual, para depois abrir um debate. Nesse caso, os
alunos podem e devem rever suas respostas, afim de complementá-las, modificá-las ou até mudá-las completamente.
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Psychiatrick/Wikimedia
Immanuel Kant, para designar o fenômeno
da consciência e da experiência para apreen-
der apenas os fenômenos, mas nunca a coisa
em si. Com o pensamento de Hegel, o termo
adotou o sentido de investigação histórica da
evolução da autoconsciência por meio da ra-
zão até formar conhecimentos. No século XX,
ganhou novos significados a partir do pensa-
mento do filósofo e psicólogo alemão Franz
Brentano (1838-1917), que teve importantes
repercussões na filosofia do século XX.
Chiorbone da Frittole/Wikimedia
Glossário
tal, que deixa para segundo plano tudo o que é mente com raciocínios, esquece-se de verificar
exterior ao estado mental. a coisa mesmo na prática.
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Gorodenkoff/Shutterstock
Para Husserl, a ciência foi criada pelo e para o ser humano.
Existencialismo
Os estudos realizados pela fenomenolo-
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gia no fim do século XIX e o contexto histórico
conturbado da virada para o século XX foram
decisivos para a formação da corrente filosófi-
ca existencialista, em que o ser humano passa
a ser investigado em seu caráter existencial,
ou seja, no aqui e no agora da existência. O
existencialismo também recebeu influên-
cias do materialismo histórico (marxismo) e
da psicanálise (descoberta do inconsciente).
Realizando uma crítica a toda metafísica tra-
dicional, o existencialismo apontou a falta de
sentido da existência humana, já que não há
nada que possa definir previamente a condi-
ção do ser humano de estar lançado no mun-
Fiódor Dostoiévski, escritor russo que influenciou profundamente o
do, vivendo e convivendo uns com os outros. existencialismo, pois suas tramas sempre envolviam dilemas humanos,
como a angústia e o sentido da existência.
As duas grandes guerras mundiais também
levaram os filósofos contemporâneos, dentre
eles os existencialistas, a criticarem a noção Søren Kierkegaard
de progresso postulada pelos positivistas,
uma vez que a ciência e a técnica passaram Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855)
a ser usadas contra a humanidade, enquan- nasceu em Copenhague, na Dinamarca, e é
to deveriam trabalhar a favor dessa mesma considerado fundador do existencialismo
humanidade. de vertente cristã. Na infância, recebeu uma
educação extremamente religiosa de seu
Os primeiros pensadores considerados
pai. Estudou Teologia, Filosofia, Literatura e
existencialistas são o filósofo norueguês Søren
História. Focou seus estudos nas escolhas
Kierkegaard (1813-1855) e o escritor russo
humanas e no compromisso pessoal que cada
Fiódor Dostoiévski (1821-1881). No século XX,
um assume com sua própria vida. Kierkegaard
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para desfrutar de prazeres momentâ-
neos. É a pessoa que vive dia após dia
apenas praticando ações que tragam
prazeres imediatos. Porém, chegará o
momento em que ela perceberá que a
sua vida se resume apenas à procura
dos prazeres, sem um sentido de exis-
tência mais profundo. Quando desper-
tar para essa consciência, é preciso ter
a coragem de mudar de estilo de vida e
realizar um “salto” para o estágio ético.
● Estágio ético: entende-se que é preciso
adotar determinadas escolhas para se
viver conforme uma razão universal. Por
exemplo, temos a escolha de casar, a de
viver conforme as leis etc. Você escolhe
Kierkegaard. viver naquelas condições porque passa a
entender que para você é melhor. O in-
Foi um pensador notável por defender o
divíduo não vive mais apenas em função
valor concreto do indivíduo contra a filosofia
dos prazeres, mas pensa naquilo que
tradicional de sua época, que para ele sempre
pode trazer-lhe benefícios. O problema
se preocupou em discutir o conceito de indi-
é que mesmo aqui a felicidade não se
víduo, o conceito de homem, ou o “homem
completa, pois ainda estamos no plano
ideal”, esquecendo-se de que além do concei-
das instituições. Vive-se conforme a mo-
to de homem existe o próprio homem concreto.
ral de uma religião, de um lugar etc. É
Com isso, Kierkegaard valorizava muito em sua
preciso realizar um novo “salto” para o
filosofia as experiências da vida humana.
próximo estágio, o religioso.
A obra de Kierkegaard esteve ligada dire-
● Estágio religioso: é quando as pessoas
tamente à própria vida, pois várias de suas
abandonam todos os velhos hábitos
grandes ideias foram resultados de suas pró-
e ideologias para encontrar a verdade
prias vivências. Kierkegaard entendeu que as
transcendente, divina.
pessoas em geral aparentavam serem felizes
por fora, mas por dentro eram amarguradas e A existência é um caminho difícil, que exige
escondiam segredos de sua angústia. Ele per- do indivíduo a tomada de decisões a cada mo-
cebeu esse sofrimento em seu pai, que nunca mento. Mas é justamente essa dificuldade que
ofendia ninguém, mas em momentos de de- torna a vida repleta de entusiasmo. Mesmo o
sespero revelava a pessoa angustiada que era. desespero, quando aparece, é uma oportu-
nidade que a vida oferece ao ser humano de
O filósofo também descobriu, em seu noi-
mudar seus hábitos e fazer um “salto” para um
vado interrompido com Regina Olsen, que o
estilo de vida mais aprimorado, dedicado à fé.
matrimônio era muito mais uma dimensão ins-
Illustration Forest/Shutterstock
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View Apart/Shutterstock
Foi aluno de Edmund Husserl e posteriormen-
te viria a influenciar grandes nomes como
Jean-Paul Sartre e Hannah Arendt. Heidegger
iniciou sua carreira com estudos teológicos,
porém, a percepção de que sempre quando
buscava algo transcendental encontrava ape-
nas “coisas” levou-o a se dedicar ao estudo da
existência concreta.
Pit rock/Shutterstock
Para Heidegger, a vida cotidiana nos conduz ao afastamento de nós mes-
mos, pois nos perdemos num anonimato do “a gente”, que não sou eu
nem você, mas uma massa indistinguível de indivíduos. A angústia abre
nosso ser à existência verdadeiramente autêntica, ou seja, a aceitarmos
quem somos e a vivermos de forma autônoma e consciente.
Jean-Paul Sartre
Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi um filóso-
Martin Heidegger foi um dos mais importantes filósofos do século XX. fo francês que consolidou o existencialismo
como corrente filosófica. Além de intelectual,
A grande contribuição de Heidegger para a foi também um ativista político, apoiando as
filosofia foi a retomada da origem da metafísi- causas sociais da época.
ca tradicional no sentido de “estudo do ser en-
Lunavorax/Shutterstock
quanto ser”, desfazendo inúmeros equívocos
epistemológicos cometidos pelos pensadores
ao longo da história. Heidegger dizia que, longe
de ter superado os gregos, a humanidade se-
quer conseguiu compreendê-los, por isso esse
retorno à origem levou-o a uma reconstrução
de todo o legado filosófico da tradição. O pen-
samento de Heidegger é bastante complexo,
além de possuir uma linguagem específica,
criada pelo filósofo para comportar a profun-
didade de suas reflexões.
Na difícil empreitada para reconstruir a me- Jean-Paul Sartre foi um dos filósofos mais populares de todos os tem-
pos, pois foi um dos únicos pensadores contemporâneos a lecionar para
tafísica, Heidegger iniciou sua investigação por o Ensino Médio, aproximando-se, assim, das causas estudantis.
aquele ser que estava mais próximo e, ao mes-
mo tempo, mais distante de nós mesmos: o da- Kierkegaard trouxe para a filosofia o valor
sein, termo alemão que significa, literalmente, singular e concreto do indivíduo; Husserl po-
ser-aí, usado pelo filósofo como sinônimo de sicionou o homem no centro das crises cientí-
ser humano. Por ser-aí, Heidegger designa o ficas e institucionais de sua época; Heidegger
ser humano em sua condição existencial, lan- buscou encontrar um sentido para a existência
çado em um mundo pré-configurado, convi- humana. Porém, é com Sartre que o existencia-
vendo com os outros e carregando uma única lismo encontra a sua forma definitiva, pois para
certeza: a da morte. Por isso, o ser-aí (dasein) é o filósofo francês a expressão existencialismo é
um ser-com-os-outros e um ser-para-a-morte. justamente o centro de seu pensamento.
Ao descortinar o horizonte de nossa exis- Sartre segue a linha iniciada por Heidegger
tência e verificar que nossa única certeza na na busca por um sentido para a existência que,
vida é a morte, Heidegger busca mostrar como em sua obra A Náusea, se revela como absur-
nossa condição existencial está permeada pela da e gratuita. Nesse romance, o personagem
angústia, que é o sentimento deste vazio exis- principal, Roquentin, tem um momento de
tencial. Porém, ele via a angústia como uma iluminação: o entendimento de que o mundo
disposição afetiva privilegiada, pois ela é o sen- por si só é sem sentido e que todas as coisas
timento extremo que nos leva ao encontro de simplesmente estão ali apenas por estar, sem
nós mesmos. Ao longo da existência, na condi- motivo algum. Não há um ser necessário nem
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não possuía uma essência pronta e acabada,
segundo a qual devemos agir; ao contrário
disso, não há nada que nos determine pre-
viamente, pois é a cada escolha e decisão que
construímos a nossa essência. Sartre dizia que Beleza Americana
a existência precede a essência, indicando Direção: Sam Mendes
uma inversão no pensamento tradicional, que Ano: 1999
sustentava a ideia de um Deus ou uma cau-
Sinopse: O filme abor-
sa primeira que nos determina. Em vez disso, da os estereótipos e
Sartre afirmava que primeiro precisamos exis- as convenções que a
tir para então podermos criar nossa própria es- sociedade empurra para os
sência, derrubando qualquer ideia de destino. indivíduos na atualidade.
O filme demonstra como a
existência humana não pode
ser fixada em estereótipos,
Com efeito, se a existência precede a essên- pois nada – coisa, pessoa ou
cia, nada poderá jamais ser explicado por refe- Somos livres para escolher nosso “destino”. Junto com a liberdade, vem ideia – é capaz de preencher
rência a uma natureza humana dada e definiti- a responsabilidade por nossas escolhas. o sentido da existência.
va, ou seja, não existe determinismo, o homem
Por fim, uma última concepção limita a li-
é livre, o homem é liberdade.
berdade absoluta: a ideia de necessidade. Todos
temos liberdade absoluta, mas todos nasce-
(SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo.
mos em situações diferentes. Alguns nascem
A imaginação: Questão de método. Seleção de textos ricos, outros pobres, alguns em um país, ou-
de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita tros em um país diferente, e assim por diante.
Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado
Ou seja, a situação em que vivemos implica
Júnior. 3. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 9.)
limitações que precisamos superar. A ideia de
Na obra O Ser e o Nada, há um momento liberdade total do indivíduo, tão defendida por O Sétimo Selo
em que o ser humano é apresentado como a Sartre, ecoa ainda hoje, pois o filósofo francês, Direção: Ingmar Bergman
consciência que está no mundo, mas que não ao mesmo tempo em que proclama tal liber- Ano: 1957
é igual a este mundo. O mundo é completo, a dade, responsabiliza cada pessoa pelo que faz Sinopse: Quando um
consciência é vazia e, por ser vazia, está aberta de sua vida. Hoje é cada vez mais comum as cavaleiro retorna da guerra,
às possibilidades. A consciência pode agir no pessoas afirmarem que não conseguem ter ele encontra a Morte à sua
espera e convence-a a jogar
mundo, aliás, ela é livre para agir no mundo. êxito pessoal ou profissional porque a família, uma partida de xadrez em
Aqui chegamos a uma das ideias mais impor- a empresa, o Estado, ou alguém não permitiu, que coloca sua vida em jogo.
tantes de Sartre: a liberdade. Nesse aspecto, a porém, segundo Sartre, tudo que acontece co- Ao conseguir adiar o final
condição humana abriga um paradoxo: “esta- nosco é porque aceitamos, de um modo ou de dessa partida, o cavaleiro
começa a enfrentar diversos
mos condenados a ser livres”. Não há determi- outro, seja ativamente ou passivamente. O in-
dilemas existenciais relati-
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nismo nem Deus que possa escolher o destino divíduo deve decidir a cada momento o que faz vos às ações que tomou em
humano. de sua vida. sua vida até então.
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o conceito existencialista que diz que o homem se faz a si mesmo a cada passo que dá; no
caso da imagem, as próprias mãos estão se desenhando, ou seja, tornando-se um corpo
concreto que desenhará sua trajetória de vida, em vez de possuir um destino determinado (a
existência precede a essência). Outro aspecto importante é a questão da condição humana
como sujeito e objeto do conhecimento e, portanto, concreto e abstrato ao mesmo tempo.
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compreensão da democracia
utt
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Mari Dein
contemporânea
Breve panorama da Filosofia nos séculos XX e XXI • Fundamentos filosóficos para a
compreensão da democracia contemporânea
Filosofia
mód. 07/08
07
Filosofia Saiba mais
contemporânea:
breve panorama
da filosofia nos
séculos XX e XXI
START
Leia o texto e realize a atividade sugerida.
O que é globalização?
[...]
O processo de globalização é um fenômeno do modelo econômico capitalista, o qual consiste na mun-
Realizar um debate
após a leitura do texto, dialização do espaço geográfico por meio da interligação econômica, política, social e cultural em âmbito
usando as questões planetário. Porém, esse processo ocorre em diferentes escalas e possui consequências distintas entre os países,
como orientação. Você sendo as nações ricas as principais beneficiadas pela globalização, pois, entre outros fatores, elas expandem
pode acrescentar outras
questões propostas pela seu mercado consumidor por intermédio de suas empresas transnacionais.
turma. Após o debate, so-
licitar registro individual O desenvolvimento e a expansão dos sistemas de comunicação por satélites, informática, transportes e
das conclusões a que os telefonia proporcionaram o aparato técnico e estrutural para a intensificação das relações socioeconômicas
alunos chegaram. em âmbito mundial. Esse processo é uma consequência da Terceira Revolução Industrial, também conhecida
como Revolução Técnico-Científico-Informacional, uma vez que, por meio dos avanços tecnológicos obtidos,
foi possível promover maior integração econômica e cultural entre regiões e países de diferentes pontos do
planeta.
[...]
● Quais aspectos da globalização são mais visíveis em seu cotidiano nos âmbitos político,
social, econômico e cultural?
● Qual a importância do diálogo e da comunicação em um mundo globalizado?
● Que valores você considera essenciais para viver numa “aldeia global”?
● Quais são os aspectos positivos e negativos da globalização?
● A globalização favorece ou desfavorece a democracia?
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para nós, mortais limitados
ao tempo da Terra, durasse
uma eternidade. Ainda
assim, pôde permanecer nos
céus durante algum tempo;
e lá ficou, movendo-se no
convívio dos astros como se
estes o houvessem proviso-
riamente admitido em sua
sublime companhia.”
Hannah Arendt
Esse trecho representa o
momento de acelerado
desenvolvimento das tecno-
logias no século XX. Arendt
trata de maneira poética
o satélite, comparando-o
aos corpos celestes. O
crescimento tecnológico afe-
tará diretamente todos os
campos, inclusive a filosofia.
Além disso, é importante
notar que vivemos uma
época completamente
distinta das anteriores, com
globalização, rápida evo-
lução tecnológica, mundo
Muro de Berlim na atualidade. virtual, avanços da genética,
robótica etc.
O século XX foi a época em que cada vez mais as pessoas deixaram de ser apenas membros
de suas nações, pois o desenvolvimento tecnológico nos meios de transporte e de comunicação
aproximou muitas culturas e muitos povos. Trata-se, sobretudo, de um século conturbado, que Saiba mais
viu muitas guerras, muitos regimes totalitários, além de mudanças e avanços nas ciências.
A Teoria da Relatividade de
O século XX é também consequência de grandes avanços científicos que emergem desde o
Einstein trouxe uma relação
século XIX, como a Teoria da Evolução das Espécies de Darwin, a psicanálise de Freud, a Teoria da pioneira entre massa e
Relatividade de Einstein e mais recentemente as grandes descobertas da genética e das neuro- energia, gerando inúmeras
ciências. A partir desses avanços, nos deparamos com questões intrincadas que outras épocas conclusões, como o fato de
não enfrentaram, como as questões bioéticas da clonagem e da robótica. que o comprimento, a massa
e o tempo de um objeto
Movimentos sociais, culturais e científicos manifestaram-se na construção filosófica da con- variam de acordo com a sua
temporaneidade. A filosofia contemporânea investiga várias áreas do conhecimento, como a lógi- velocidade.
ca, a ética, a filosofia política e a filosofia do direito, envolvendo-se com questões interdisciplina-
res, como a filosofia da ciência, a bioética e a filosofia da linguagem.
Dentro dessa amplitude de linhas de estudo, alguns filósofos deixaram influências marcantes
Glossário
na forma de pensar da atualidade: Max Scheler e a sua cosmologia de valores; Jürgen Habermas e
a ação comunicativa; Hannah Arendt e a sua discussão sobre poder e violência; e Michel Foucault Neurociências: esse termo
com suas teorias da arqueologia do saber e da genealogia do poder. reúne os estudos focados
no sistema nervoso, por
exemplo os estudos sobre
comportamento e processo
de aprendizagem. É um
estudo inovador, pois busca
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FIL 85
Domínio público
nasceu em Munique, em 22 de agosto de 1874,
e faleceu em Frankfurt, no ano de 1928. Tem
como ponto fundamental de seu pensamen-
to a crítica ao formalismo de Kant , feita por
meio do desenvolvimento da ética dos costu-
Glossário mes. Estudou medicina, filosofia e sociologia.
Interessou-se pelo método fenomenológico
O imperativo categórico
kantiano recomenda: “Age proposto por Edmund Husserl após entrar em
somente segundo uma má- contato com seus discípulos, desenvolvendo
xima tal, que possas querer esse método em seus estudos.
ao mesmo tempo que se
torne lei universal”. A ética de Kant está na dimensão do dever.
O homem precisa agir desse ou daquele modo
porque há um imperativo categórico que o
impele. Para Scheler, é a mesma coisa que di-
zer “tu deves porque deves”.
A crítica de Scheler é forte: quando agimos
apenas pelo dever, não vemos realmente o que
há de importante naquilo que estamos fazen-
do. É agir simplesmente por agir. Fazemos isso
ou aquilo porque temos que fazer. E esse tipo
de ação bloqueia a vida, pois não há algo de
Max Scheler. valor.
Para Scheler, o problema em Kant é que ele não distinguiu bens de valores. Para Scheler, a dife-
rença é que os bens são coisas que têm valor. Exemplos: a lei é um bem porque tem a justiça como
valor; uma máquina é um bem porque tem uma utilidade como valor. O bem é material, enquanto
o valor é a essência do bem.
Scheler traz uma grande novidade na questão da ética: não é necessário analisar a ação pelo
dever de agir daquele modo, mas pelo valor que aquela ação tem. Dessa forma, ele sustenta a sua
cosmologia dos valores. O ser humano vive em um mundo que já tem seus valores, os quais man-
têm uma hierarquia: há valores mais elevados que outros. Observe a tabela com a hierarquia in-
tuída por Scheler.
Valores Atributo
Valores sensoriais (alegria-tristeza; prazer-dor) Satisfações imediatas
Valores da civilização (útil-danoso) Técnico
Valores vitais (nobre-vulgar) Herói
Valores culturais ou espirituais Gênio
a) Estéticos (belo-feio) Artista
b) Ético-jurídicos (justo-injusto) Legislador
c) Especulativos (verdadeiro-falso) Sábio
Valores religiosos (sagrado-profano) Santo
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go alemão que nasceu em Düsseldorf em 18 por meio da busca de uma
de junho de 1929. Estudou filosofia, história, nova ordem para as relações
sociais.
literatura, economia e sociologia. Foi membro
da segunda geração da Escola de Frankfurt. Razão instrumental: termo
cunhado pela Escola de
Atualmente aposentado, participa de debates, Frankfurt que designa
atua em jornais e publica novos trabalhos com a razão quando esta é
frequência. utilizada como instrumento
de dominação, poder e
Habermas formou-se em 1954 pela exploração e não mais como
Universidade de Bonn, com um trabalho sobre uma forma de acesso aos
Max Scheler. Posteriormente tornou-se assis- conhecimentos.
Jürgen Habermas.
tente do filósofo e sociólogo Theodor Adorno no
Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Nesse local surgiu a corrente de pensamento neomarxista,
conhecida como Escola de Frankfurt, da qual Habermas é o guia atualmente.
A obra de Habermas abrange os principais problemas sociais e humanos a partir da comuni-
cação. Sua teoria, a do “agir comunicativo”, tenta estabelecer uma nova dinâmica para os tempos
atuais, seja na dimensão política, social, científica, jurídica etc.
A Teoria da Ação Comunicativa é uma crítica à concepção de razão instrumental postulada
pelos pensadores da primeira fase da Escola de Frankfurt, que, limitada à busca de resolução de
determinados meios, exclui o discurso ético, por exemplo. A razão instrumental não engloba em
si a ética e os valores humanos, é uma racionalidade mecânica que busca tão somente resolver
alguma questão, sem perceber as implicações que isso pode acarretar na sociedade.
O mais importante para a atualidade, na visão de Habermas, é o estabelecimento do consenso.
Por meio dele, poderíamos elaborar normas e valores morais que trariam benefícios a toda cole-
tividade e não apenas a partes dela.
Destaca-se a importância da linguagem e da comunicação. Com a ação comunicativa os indi-
víduos estão a todo momento interagindo uns com os outros, criticando e refletindo, de modo
que o resultado desse envolvimento seja produto da própria comunicação, e não da imposição de
alguém ou de alguma instituição.
Um dos objetivos de Habermas com a ação comunicativa é permitir que os novos valores e
normas sejam criados pelo próprio ser humano em constante comunicação entre si, de forma
democrática e igualitária.
Tendo em vista que o ser humano não é influenciado unicamente pelo meio em que vive, mas
também atribui um sentimento às suas ações, graças à linguagem ele pode expressar intenções,
desejos, expectativas e, a partir de então, com a racionalidade, pode iniciar a construção de cami- Universidade de Bonn, na
Alemanha.
nhos que o levarão ao êxito da vida em sociedade.
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Já o mundo da vida é a esfera da própria
ação comunicativa, ou seja, é a dimensão das
pessoas comunicando-se e buscando o con-
senso, produzindo ideias que valorizem e aju-
dem a sociedade.
Glossário O problema é que o mundo da vida foi “co-
O Estado Democrático de lonizado” pelo sistema. E isso significa que em
Direito é aquele no qual geral não fazemos as coisas com base em um
todos estão submetidos exercício crítico e consciente daquilo que é me-
ao Direito, ou seja, tanto o lhor para nós, mas que apenas vamos seguin-
indivíduo quanto o poder O estilo de vida da atualidade, por exemplo, nos induz ao consumo de
do as “regras” do sistema. mais coisas do que realmente precisamos.
público respeitam e agem
de acordo com o Direito. Portanto, é importante que as pessoas façam o esforço de retornar ao mundo da vida, o que
Democrático designa a ocorreria pela ação comunicativa. Pela comunicação, que exige crítica, diálogo e reflexão, seria
forma pela qual esse Estado
possível superar esse sistema e criar valores que sejam de fato importantes para a sociedade.
de Direito é exercido.
A teoria da ação comunicativa também é importante para a fundamentação do Estado
Democrático de Direito. Para Habermas, somente uma teoria do discurso é capaz de promover
a soberania popular a partir das relações intersubjetivas entre os indivíduos. Com isso a sobera-
nia popular alcançaria a própria rede de comunicação. A ação comunicativa pode, ainda, ajudar a
opinião pública a fundamentar os princípios do Estado Democrático de Direito, pois este se guiará
pelos preceitos motivados pela própria população.
Com isso percebe-se como Habermas encontra na linguagem uma dimensão de amplo signi-
ficado. A linguagem não é apenas o instrumento de comunicação entre as pessoas, é na verdade
um mundo intersubjetivo em que podem dialogar múltiplas subjetividades, opiniões, visões e
entendimentos. Por meio da linguagem é possível colocar concepções morais e científicas em dis-
cussão. Sendo a linguagem uma dimensão intersubjetiva, é essencial compreender que ela pode
se tornar o principal veículo de promoção do bem comum, já que ela não é propriedade deste ou
daquele indivíduo, mas de todos, pois na linguagem pode prevalecer a dinâmica da compreensão
mútua.
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LEAS/Reprodução
foi convidada a acompanhar
para escrever uma reporta- críticas a várias instituições sociais, como hospitais e prisões, e à medi-
gem para o NY Times. Nesse cina. Buscou compreender a transformação do conjunto formado pelo
período surge uma nova
tese de Arendt que entra em poder, pelo conhecimento e pela verdade.
confilto com a concepção Em suas obras tratou de temas como: as possibilidades para as con-
que a comunidade judaica dições da experiência da medicina moderna; a evolução da economia,
tinha das atrocidades da
Segunda Guerra. das ciências naturais e da linguística; a formação e utilização do discur-
so, o conceito de comunicação e sua relação com o discurso; a tecnologia
do poder; a compreensão de si mesmo como um ser sexual para a moral
e a ética; um sistema de controle não reconhecido ou compreendido
pelos conceitos tradicionais de autoridade política e social; entre outros. Michel Foucault.
Michel Foucault foi um dos principais repre-
UNESCO/Michel Ravassard
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Igreja e a escola, também exercem poder in- der-se e entender cada vez mais esse sistema,
fluenciando na construção dos valores morais. identificando as ideologias que influenciam os
Logo, o poder sobre o indivíduo é uma rede modos de vida.
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democracia contemporânea
Editora Brasiliense
É necessário que todas essas decisões sejam atribuídas aos cidadãos em geral, ou apenas alguns – a uma
magistratura única, por exemplo, ou então a diversos juízes; ou estas a alguns, aquelas a outros; ou umas
a todos e outras a certa quantidade de cidadãos. Além disso, o que está na sua essência, de acordo com o
O que É Democracia
espírito da democracia, é conferir a todos os direitos de resolver sobre tudo; nisso consiste a igualdade que
Autor: Dennis L. Rosenfield
o povo anseia incessantemente.
Editora: Brasiliense
Esse livro faz parte da
coleção Primeiros Passos,
que traz em cada volume Aristóteles
um apanhado geral sobre os
mais variados assuntos. Por A democracia é uma forma de governo adotada por muitos países na atualidade. Em nosso
meio desse livro, é possível país, ela é resultado de uma luta de várias décadas, em um processo longo e violento que envol-
compreender os concei- veu muitas mortes e exílios no confronto com a ditadura militar. A democracia não é uma forma
tos-chave de democracia e
suas implicações na história
de governo perfeita, certamente há ainda muito a ser aperfeiçoada. Porém, é inegável o valor
da humanidade. que ela possui, por ser uma forma de governo que permite a todas as pessoas lutarem por seus
direitos e participarem das decisões políticas.
A democracia busca dar ao povo a prerrogativa de governar a si próprio por meio de repre-
sentantes escolhidos pelo próprio povo. Para tal, baseia-se também numa série de direitos, os
chamados direitos fundamentais, que possuem o escopo de garantir condições mínimas de uma
existência digna a todos os cidadãos. Em suma, a democracia precisa reduzir as desigualdades so-
ciais e oferecer espaço a todos para desenvolverem as próprias potencialidades. Em teoria, todos
são tratados igualmente como pessoas, como cidadãos.
Arquivo Nacional
Nas imagens, a polícia tenta conter as manifestações contra o regime militar e jovens expressam o desejo do fim da ditadura no Brasil. Arquivo Nacional
Reflita
O grande dilema das democracias contem-
rodrigo gavini/Shutterstock
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Aristóteles entendia que a democracia é uma forma corrupta de governo, pois ela acaba por Edição em português da Política,
se caracterizar pelo fato de a maioria governar tendo em vista os seus interesses e não aquilo de Aristóteles.
que seria melhor para a sociedade. Assim, a democracia, em geral, se resume a ser o governo da
maioria e não do povo inteiro ou da comunidade como um todo.
Contratualistas: denomina-
A obra O Contrato Social refere-se às ideias de Rousseau sobre a formação do Estado e da so- ção atribuída aos filósofos
ciedade civil. Uma das grandes ideias trazidas pelo autor e que difere de todos os pensadores iluministas que conferem a
um contrato ou pacto social
contratualistas anteriores é a atribuição do poder soberano ao povo. Desse modo, a soberania
o surgimento e o estabeleci-
não emana mais das mãos de um monarca, como defendia Hobbes, mas do próprio povo. O cida- mento da vida civil.
dão no Estado de Rousseau possui uma dupla identidade: é ao mesmo tempo governante de to-
dos e governado por todos. É importante observar que aqui já se delineia um aspecto essencial
da ideia de democracia para modernos e contemporâneos: a democracia é o governo do povo e
para o povo.
Esse governo nasce da ideia do contrato so-
Domínio público
cial, momento em que o homem cede alguns
de seus direitos ao Estado para tornar a sua
vida mais qualificada, fazendo surgir dessa
forma o Estado civil. Para Rousseau, não existe
nada mais voluntário que o contrato social. Os
rumos do Estado civil se dão por meio do que
o autor entende por vontade geral, uma von-
tade coletiva que diz respeito àquilo que será
o melhor para todos. Esta é diferente da von-
tade particular de uma pessoa, em que há um
anseio tendo em vista um desejo meramente
pessoal. A vontade geral também não pode
ser confundida com a vontade de todos ou da
maioria, que se refere à soma das vontades
particulares, mas que não condiz necessaria-
mente com o que é o melhor para aquele povo.
A democracia funciona como vontade de todos
ou vontade geral?
A vontade geral é a chave para o governo
democrático em Rousseau, em que o interesse
comum aliado à soberania que está nas mãos
do povo promove o governo de todos. O con-
trato social realizado por cada indivíduo, que
decide abrir mão de parte de sua liberdade
para viver melhor conforme o bem comum, é
decisivo tanto para os ideais iluministas, que
influenciariam a Revolução Francesa, como
Frontispício da primeira edição de O Contrato Social, de Rousseau.
para o sentido atual da democracia.
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Com Karl Marx a filosofia tomou novos rumos. Para Marx, é momento da filosofia não mais se
limitar a entender o mundo, é preciso modificá-lo.
Para Marx, Hegel, ao fim de tudo, acabou servindo também ao sistema e ideologia dominante,
a ideologia burguesa. Como o Estado prussiano era muito forte, Hegel acabou servindo a ele,
subvertendo seu pensamento para poder justificar a monarquia constitucional e a ideologia que
a sustentava.
V de Vingança Para Marx, a religião pode ter sido importante em outros tempos, mas na sua época não seria
Diretor: James McTeigue mais necessária, pois havia se tornado um instrumento de alienação. Por isso, ela seria o “ópio do
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povo”, desviando o olhar dos homens da opressão que recebem das classes dominantes.
Sinopse: Um herói solitário Superada a religião, é preciso desmascarar o direito e a política, pois estes também são utiliza-
chamado “V” luta contra o dos como instrumentos de alienação do povo, uma vez que não mostram com clareza a verdade,
totalitarismo em que vive ou seja, a opressão das classes dominantes ao proletariado. Em seu período, o direito e a política
a sociedade de Londres tinham sua representação máxima e sublime na filosofia do direito de Hegel. Assim, derrotar
em um futuro próximo. Por
meio da comunicação com a Hegel seria desmascarar essas visões que seguem alienando o povo.
população, aos poucos, con- Hegel não defendia a democracia, mas uma monarquia constitucional. Marx enfrentou esse
segue o apoio do povo para pensamento, demonstrando que apenas a democracia permite liberdade e direitos a todos. Para
tentar modificar o sistema
de governo vigente. Marx, a democracia é a verdade, pois somente ela pode justificar a si mesma. A democracia não
se justifica com as ideias e sistemas, mas com a realidade, com as pessoas reais. É nesse espírito
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do Vietnã, em que soldados
americanos recebem uma
missão de capturar outro
soldado americano, que
acreditam ter ficado louco.
Quando chegam lá, porém,
percebem que esse soldado
é respeitadíssimo pelos
vietcongues. Surgirá, então,
a discussão dos valores, a
quem obedecer, por que se
está lutando nessa guerra
etc.
LC Barreto Produções
objetivos do povo.
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1. Relacione o conceito de liberdade que você registrou na questão anterior com os termos diálogo, comuni-
cação e democracia.
Chamar a atenção dos alunos para os verbos mencionados pelo autor como desdobramentos da liberdade, enfatizando a
relação dela com o pensamento individual, a opinião coletiva e a comunicação. Reforçar que valores como respeito, tolerância,
capacidade de ouvir e aceitar ideias diferentes etc. são fundamentais para o exercício da liberdade em um regime democrático.
Dessa forma, a comunicação, exerce um importante papel, tanto positivamente quanto negativamente.
2. No segundo parágrafo do texto, o autor afirma que é necessário “reinventar a democracia como expressão
institucional do sonho de liberdade”. Na sua opinião, o que precisa mudar na democracia brasileira para que
ela realmente concretize o “sonho de liberdade” dos cidadãos?
Essa questão também deve ser debatida com a turma, fazendo uma análise do contexto atual, considerando-se a concreti-
Arthead/Shutterstock
3. No terceiro parágrafo do texto, o autor afirma que “as redes [sociais] não são, em si, boas ou más”. O que define
a “bondade” ou a “maldade” das redes sociais? E o que isso tem a ver com liberdade e democracia?
É o uso que se faz dela, podendo ser bom ou ruim. Logo, o que define o “caráter” das redes são os próprios usuários. Nesse
momento, é importante debater exemplos que ferem a democracia e a liberdade, como o preconceito, a intolerância, os
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dência natural, poder de prejudicar a outrem e sua força, que outras podem 2. C1:H1 (UEL) [...] É certo que nem mesmo as guerras, e muito menos
as revoluções, são sempre inteiramente marcadas pela violência.
dominar. Os elementos conquistados são: um modo de vida melhor e mais Onde quer que a violência domine de forma absoluta, como, por
exemplo, nos campos de concentração dos regimes totalitários,
seguro, liberdade e segurança própria, um direito que a união social torna não apenas as leis [...] mas tudo e todos devem permanecer em
invencível. Essa substituição pode ser considerada vantajosa, porque permite silêncio. É em virtude desse silêncio que a violência é um fenômeno
marginal no campo político, pois o homem, na medida em que é
um padrão de vida social que estipula limites para a liberdade de cada um e, um ser político, está dotado do poder da fala [...].
além disso, promove a segurança e a justiça entre os cidadãos. (ARENDT, Hannah. Da Revolução. Brasília: UnB, 1988. p. 15.)
6. De acordo com Hannah Arendt, qual a primeira manifestação da 3. C1:H4 (UEL) Observe a charge e leia o texto a seguir.
privação dos direitos humanos? Essa privação é anterior ao direito
à liberdade e justiça? Justifique sua resposta.
Anotações:
os direitos do cidadão que estão em jogo quando deixa de ser natural que
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GABARITO ONLINE
1. Faça o download do aplicativo SAE Questões ou qualquer aplicativo
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de leitura QR Code.
2. Abra o aplicativo e aponte para o QR Code ao lado.
3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela.
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Pós-modernidade
Introdução à Filosofia da Ciência • Investigações sobre o belo • Interpretação filosófica de grandes transformações
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Filosofia
Filosofia da
da Arte e
Ciência
estética
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(ARAÚJO, Inês Lacerda. Introdução à Filosofia da Ciência. Curitiba: Editora da UFPR, 1993. p. 13.)
4. Os efeitos da ciência no dia a dia são positivos, negativos ou ambos? Cite exemplos.
Resposta pessoal.
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desenvolver suas críticas sem que elas tivessem o crivo de seus valores pessoais.
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ria e que poderia ser aplicado também para se entender a história da ciência. Para Kuhn, ocorre
uma revolução científica quando há uma quebra de paradigma, ou seja, rompe-se com a tradição
científica predominante de então. Isso pode acontecer tanto em uma dimensão extraordinária, como
a ciência de Galileu (que rompe com a tradição aristotélica-ptolomaica de tantos séculos) ou o im-
pacto das obras de Darwin e Einstein, quanto em escalas menores que atingem apenas os cientistas
ligados àquela área de estudo, por exemplo a descoberta do microscópio eletrônico.
Kuhn desenvolveu sua teoria afirmando que o progresso da ciência ocorre com base na su-
cessão de tradições para resolução de problemas. Ele determinou que cada tradição possui os
próprios métodos, teorias e modos de desenvolvimento. Cada tradição é a responsável pelo de-
senvolvimento das teorias dos cientistas em um período de tempo, até que essa tradição seja
derrubada por uma outra que exercerá essa mesma função.
As ideias desenvolvidas pelas tradições foram chamadas por Kuhn de paradigmas. Tais pa-
radigmas podem ser entendidos como modos de classificar e abordar o mundo. No geral, eles
abrangem os problemas a serem investigados, os dados a serem avaliados e as técnicas usa-
das em busca da resolução dos conflitos que envolvem conhecimentos científicos. Desse modo,
os paradigmas constituem modelos de problemas e soluções que servem de orientação aos
pesquisadores.
A quebra de paradigmas é essencial para a mudança dos rumos do desenvolvimento científico
e para o progresso da ciência. Kuhn definiu que essa ruptura na história da ciência ocorre porque
ela é formada pela alternância de fases normais e revolucionárias. Durante a primeira fase os
cientistas desenvolveram seus estudos com base nos paradigmas estabelecidos para a época.
Na fase revolucionária ocorreu uma crise no paradigma vigente, destacando o acúmulo de falhas
encontradas no paradigma e a necessidade de trocá-lo por um que se adapte aos novos proble-
mas da ciência.
As revoluções científicas caracterizam-se quando ocorre a ruptura de um paradigma seguido, que
se torna ineficaz a partir do surgimento de novas questões. É necessária, então, a busca de um novo
Exemplo de um microscópio
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Imagens da Igreja da Ressurreição de Cristo, em São Petersburgo, na Rússia, um exemplo de arquitetura. Seu interior possui área de sete mil metros
quadrados repletos de mosaicos de 32 artistas diferentes. Existem pedras preciosas, como a jaspe, decorando o altar. Sua fachada alterna aspectos
simétricos (janelas, portas) com aspectos assimétricos (as abóbodas das torres não se repetem).
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Nejron Photo/Shutterstock
SOLIMENA, Francesco. Dido recebendo Eneias. 1720. Óleo sobre tela,
207 x 310 cm. Galeria Nacional, Londres.
A transição da Idade Média para o
Os esportes exigem a constante busca pela perfeição nos movimentos.
O resultado disso são belas imagens que mostram o ser humano na Humanismo Renascentista, bem como o apo-
busca pela superação de seus limites. geu deste último, ocorreu por meio de grandes
Existe uma atitude referente ao estético, artistas. O poeta Petrarca defende a necessi-
que é justamente o hábito constante de em dade de falar do homem e não da natureza;
cada pequena coisa de nosso dia a dia buscar Dante faz o homem protagonista no Inferno,
fazer determinada ação do modo mais perfeito no Purgatório e no Paraíso em sua Divina
e belo possível. Comédia. É o homem protagonista que os hu-
E assim como a proporção ao belo permi- manistas tanto proclamavam.
te que tantas ações não consideradas conven- Na pintura, Leonardo, Michelangelo,
cionalmente como “artísticas” se tornem arte, Cimabue, Giotto e outros elevam o homem a
devido ao apelo estético, a mesma proporção uma posição única na história: o homem como
ao belo nos ensina que nem toda poesia ou mú- partícipe do cosmos e de Deus. A proporção
sica é bela! Como identificar essa proporção? E divina está na natureza (no cosmos) e no ho-
mais, como aplicá-la em nosso dia a dia? mem, tal como está apresentado no Homem
Desde os povos antigos, como os gregos, a Vitruviano de Leonardo da Vinci.
arte foi utilizada como pedagogia para ensinar A música é pedagogia e elevada expres-
o homem a identificar e utilizar o apelo estéti- são espiritual entre os modernos, sobretudo
co na própria vida. na Alemanha. Os compositores Bach, Mozart,
Homero foi o grande defensor da virtude da Beethoven, Wagner e os poetas românti-
coragem por meio de seus personagens guer- cos Goethe, Schiller e Hölderlin inspiraram a
reiros, como Aquiles e Ulisses. Hesíodo ensinou Filosofia Alemã e a própria cultura.
ao povo que o trabalho é o caminho da auto-
nomia existencial transformando a própria vida
em poesia. Nas tragédias e nas comédias são
delineadas circunstâncias morais, políticas, so-
ciais e psicológicas que depois serão bastante
discutidas pelos filósofos.
Contudo, mais que somente poesia, os gre-
gos viam a própria vida como atitude estética:
a ginástica era a arte para o corpo, a música,
para a alma.
O Inferno de Dante, de Botticelli.
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O que define o que é belo e o que não é? O maior bem então é a vida conforme a in-
Uma pintura é bela por ser bela em si mesma teligência e os prazeres misturados, mas em
ou por que o sujeito diz que ela é bela? No pri- que medida? Um mais que o outro ou iguais?
meiro caso temos uma beleza intrínseca ao E aqui revela-se o primeiro e mais importante
objeto. Logo, todos devemos perceber esta bem: a medida. O melhor modo de realizar a
beleza por ser uma qualidade da própria pin- vida é encontrar a proporção ideal entre a inte-
tura. No segundo caso nós definimos o que é ligência e os prazeres. Dessa forma é possível
a beleza. A beleza passa a ser algo subjetivo, fruir dos prazeres de modo sábio, bem como
dependendo da apreciação do homem. aproveitar a inteligência trazendo satisfação e
Enfim, vejamos o que pensaram Platão e felicidade. Quando algo perde a proporção tor-
Aristóteles, depois Kant e Schopenhauer. na-se desordenado, ruim, ineficaz.
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monstra como os gregos eram fascinados por
esta ordem natural no mundo. Além disso, se
ela é o primeiro bem, de agora em diante todos
os bens devem ser proporcionais, medidos,
precisos.
Mas o que seria a medida ou proporção?
Qual a sua essência, ou seja, aquilo que define
se algo é proporcional ou não a tal ponto que,
quando se retira determinado elemento, o ob-
jeto deixa de ser proporcional? Se por um lado
não é fácil encontrar a essência de um bem tão
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Arthur Schopenhauer.
Rembrandt e Caravaggio são notáveis pela habilidade em utilizar
a luz em seus quadros, como podemos observar acima em O
Percebe-se que entre eles há algo em co- Banquete de Belsazar, de Rembrandt. Seu caráter é de tal forma
único que existe a técnica fotográfica chamada “Iluminação
mum: o homem não conhece as coisas em si Rembrandt”, que busca reproduzir o jogo de luzes que o pintor
mesmas, sua essência, mas apenas como elas criava em seus quadros.
aparecem a nós, como algo relativo ao sujeito.
A ideia é o conceito platônico. A vontade é
Schopenhauer concorda com estes princípios,
a coisa em si, a realidade do objeto. A ideia é a
afirmando que o homem conhece apenas as
objetividade adequada da vontade. Em outras
coisas por representação, isto é, como as coisas
palavras, é a forma universal e imutável da
são representadas por nós.
vontade. A ideia seria a representação perfei-
E quando o homem representa um objeto, ta e conforme a vontade. Tanto os fenômenos
o faz sempre tendo em vista três elementos: o como a ideia são representações da vontade,
tempo, o espaço e a cadeia de causas e efeitos. porém a última é representação perfeita, pois
Esses três elementos consistem inclusive no não está limitada às contingências do tempo,
caminho que a ciência percorre para descobrir espaço e cadeias de causa e efeito, enquanto
e conhecer algo. os fenômenos são representações limitadas
O filósofo dá o exemplo de quando temos da vontade.
diante de nós um animal. Esse animal é repre- Para Schopenhauer, a ciência não pode al-
sentação nossa, porque ele está entendido cançar a forma universal e imutável, a ideia,
como um animal neste lugar, neste momento, pois é incapaz de conhecer algo para além do
em contato conosco; logo, é representação mi- tempo, do espaço e das cadeias de causalida-
nha. Quando estudamos esse animal estamos de. A ciência sempre estuda este animal, aque-
analisando não a essência, mas a contingência le período histórico, certo acontecimento, este
apenas, não o animal em si, mas esse animal indivíduo, e assim por diante. Já a arte, por ou-
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O Sorriso de Monalisa
Ano: 2003
Diretor: Mike Newell
Sinopse: Retrata a história
de uma jovem professora
que vai lecionar em uma
grande universidade e
enfrenta um problema: as
alunas conhecem todas as
informações sobre arte, mas
Guernica, de Picasso, que retrata o bombardeio sofrido pela cidade espanhola de Guernica, em 1937, pelos aviões alemães do nazismo. não são capazes de senti-la.
Analisam dados, mas não
Na arte o homem deixa de ser indivíduo (ou seja, “eu”, neste corpo, neste lugar e tempo) para
são críticas. Não sabem por
ser sujeito puro do conhecimento. Isto é, o sujeito abandona sua existência contingente e individual que algo é considerado bom
para se tornar a forma universal e imutável que acessa as ideias. ou ruim. Essa professora aos
poucos vai despertando o
Pela contemplação o sujeito esquece de si mesmo, abandona sua individualidade, deixa de
senso estético nas alunas.
desejar, de querer, torna-se uno com o objeto (pintura, música, poesia etc.), com a arte. A ciência
sempre investiga algo tendo em vista uma finalidade prática, uma necessidade, um querer.
O querer indica sempre carência de algo, pois se desejamos alguma coisa, é porque sentimos
uma necessidade e, se temos necessidades, temos de saciá-las. Logo, não estamos tranquilos e
felizes. Já na arte o sujeito apenas contempla, não lhe falta nada, não há carência e naquele mo-
mento a vida é serena e feliz.
Na arte apresenta-se ao sujeito o íntimo das coisas, a profundidade do ser. Schopenhauer
aqui não fala de qualquer experiência artística, não é a fruição de qualquer música, poesia, pintu-
ra, mas daquelas ditas obras superiores, que provocam tanto no artista como no apreciador um
verdadeiro mergulho dentro de si mesmo.
Para o filósofo, as artes podem ser organizadas em uma hierarquia, a partir do vínculo que se
faz entre o homem e a vontade a partir do conhecimento da ideia. Quanto mais próximo determi-
nada forma artística conduz o homem para a ideia, mais elevada ela é.
A hierarquia inicia-se com a arquitetura, passando depois pela escultura e pela pintura.
Contudo, não é na matéria que se encontram os graus mais elevados da arte, mas nas concep-
ções, nas ideias que elas exprimem. Por isso, acima delas estão a poesia e, por fim, a tragédia.
Contudo, uma arte não se situa na hierarquia, por estar muito acima das demais: é a música,
considerada a arte suprema. As outras artes são superiores umas às outras pelo grau em que
conseguem apresentar a ideia da coisa. Já a música não apresenta a ideia como objetividade ade-
quada da vontade, mas a própria vontade. Na música manifesta-se a coisa em si.
As outras artes apresentam por representação a essên-
cia. Pela poesia alcançamos uma intuição estética que nos
permite ver a ideia. Já na música há linguagem direta. A poe-
sia traz um discurso de metáforas que, por sua genialidade,
podem levar o apreciador a ter a intuição da ideia, do verda-
deiro conteúdo daquela poesia. Já na música não há metáfo-
ra, é diálogo da vontade com o apreciador, sem intermedia-
ção em representações.
A música é o que há de mais sublime. Para Schopenhauer,
ela revela os mistérios do mundo. As outras artes imitam a
natureza, a música revela a natureza. O mundo é fenômeno
da vontade (a coisa em si), mas a música revela a vontade!
De fato, não é fácil captar apenas intelectualmente o ar-
gumento de Schopenhauer sobre a música. É preciso sentir
a experiência de uma música elevada para levar o indivíduo
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que transforma o mundo inteiro em uma gran- Traz uma introdução sobre
de aldeia global. Suprime-se (no caso da inter- o tema, desmistificando
as principais concepções
net) ou pelo menos reduz-se (meios de trans- equivocadas sobre a ciência,
portes, como aviões) a distância entre as pes- demonstrando a diferença
soas. A informação lançada no Brasil é instan- entre esta e o senso comum.
taneamente recebida em toda a parte do glo- Aconselhável para entender
o objetivo e propósito da
bo. E, dessa forma, as culturas se encontram.
ciência, tornando mais fácil
Até algumas décadas atrás o indivíduo nas- a compreensão da Filosofia
cia em uma família, uma sociedade, uma cultu- da Ciência.
ra e nesse meio aprendia a fazer suas escolhas,
suas preferências, seus comportamentos, seu
estilo de vida. Hoje, ninguém mais pode alegar
que segue determinada cultura porque nasceu
ali, mas sim porque quis, pois certamente teve Acima, o Ford T, em 1921. Abaixo, o Koenigsegg Regera 2017, carro movi-
do a eletricidade, um dos mais modernos do mercado. O capitalismo
contato com outras culturas e, se decidiu per- provocou grande salto tecnológico no século XX, quando a evolução dos
manecer na sua, foi uma escolha. produtos tornou-se ainda mais uma exigência de mercado.
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Zygmunt Bauman tem mais de cinquenta livros publicados e, para um escritor teórico, alcançou um pú-
blico considerável aqui no Brasil, vendendo cerca de 200 mil títulos.
[...]
Pode-se explicar o apelo de sua obra pela relativa simplicidade com que esmiúça aspectos diversos da
“modernidade líquida”, seu conceito fundamental. É assim que ele se refere ao momento da História em
que vivemos. Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para
ser “sólido”. Disso resultariam, entre outras questões, a obsessão pelo corpo ideal, o culto às celebridades, o
endividamento geral, a paranoia com segurança e até a instabilidade dos relacionamentos amorosos. É um
mundo de incertezas. E cada um por si. “Nossos ancestrais eram esperançosos: quando falavam de ‘progres-
so’, se referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Nós estamos assustados: ‘progresso’,
para nós, significa uma constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração”, afirma. [...]
(PRADO, Adriana. Sociólogo polonês cria tese para justificar atual paranoia contra a violência
e a instabilidade dos relacionamentos amorosos. Disponível em: https://istoe.com.br/102755_
VIVEMOS+TEMPOS+LIQUIDOS+NADA+E+PARA+DURAR+/ Acesso em: 5 out. 2018.)
Escolha um dos aspectos mencionados no texto que caracterizam a modernidade líquida e redija um texto
explicando qual a relação do aspecto escolhido com o conceito de modernidade líquida de Zygmunt Bauman.
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