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Orpheu ‘XXI

Volume 1- Nº3 – 2022

PORTUGrAL
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CONDIÇÕES

Convidamos todos os aqueles cuja simpatia esteja com a índole


desta revista a enviarem-nos colaboração nos vários géneros e
tipologias de texto. No caso de não ser incluída na nossa publicação
devolveremos os originais.

Toda a correspondência deve ser dirigida aos directores (ou


diretores), através do email: revistaorpheuxxi@gmail.com

ORPHEU’XXI publicará um número incerto de páginas online.


1
ORPHEU’XXI
Revista Lusófona de Vanguarda

Ano 1 – 2022 n.º 3 Out/Nov/Dez


capa desenhada por julieta teixeira

VOLUME 1
SUMÁRIO
julieta dos espíritos introdução
O brilho
À procura do Natal
Quando o natal rima com chocolate
O Natal é…
nuno m. imagina
decolores i
ah os dias felizes
decolores ii
sou um poema
pedro mello margens (Irmãos de
Sangue…Irmãos no sangue, Aqua
Veritati e Renascitur ex cinere e
Revelação)
Na minha igreja
Despe as luzes
silvie wacknbath Amor binário
Introspeção fragmentada
Imagens reflexivas
berth patrício Mosteiro de Tibães (em quiasmo)
2
3
Introdução

No número 3 da ORPHEU’XXI deixamos o Amor entrar da


forma que ele puder.
Época de brilhos, de luzes, de encontros, mas também de
desencontros, onde o limiar entre o estar e o ser é tão ténue que
só as palavras os podem dissecar na sua diferença e na sua
imagem refletida um do outro.
Se noutras línguas estar e ser se escrevem da mesma forma,
na língua lusitana até nas letras que se constituem como as suas
células, são diferentes. Contudo, apesar de diferentes no
genótipo, podem ser confundidas no fenótipo de quem as vive.
Quantas vezes estamos e pensamos ser e outras vezes somos e
expressamos estar?
Natal e renovação de ano é um bom momento para deixar
as palavras ser o vento que guie o barco da nossa existência na
resposta a estas palavras. 4
5
❖ O Brilho
❖ À procura do Natal
❖ Quando o natal rima com chocolate
❖ O Natal é…

Textos de
JULIETA DOS ESPÍRITOS

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O Brilho

As luzes lá fora brilham como nunca. Cheira a azevinho e bolos de


bolina, a açúcar queimado, a canela. Meninos a puxar pelos pais para ir
ver aquela montra, divertidos, alegres e corados. Está frio e entrar
naquela loja da montra que os meninos viram, aquece-me um pouco o
corpo e o coração.
Jingle bell, Jingle bell, Jingle bell rock, a música da loja interrompe-
me o pensamento, mas continuando, é hora de ajudar o Pai Natal e
aproveitar o momento mágico da escolha do presente.
Presente, palavra que me remeteu para o tempo em que punha o
sapatinho no fogão à espera do que o menino Jesus lá pusesse. Sim, era
o menino Jesus e não o Pai Natal que trazia o presente.
Aquele pijama fofinho com ursinhos. Ahh!... aquele par de sapatos de
verniz, ou aquele conjunto de tachos para fazer a sopinha no fogão de
lata, ou aquelas meias com bolinhas de lado. Coisas simples, mas tão
intensas, tão lindas.
O meu coração disparou como se estivesse a viver o momento, a
alegria, o êxtase de desembrulhar o presente, a ouvir o som do rasgar do
papel do embrulho.
Jingle bell, Jingle bell, Jingle bell rock... Outra vez a música e venho
novamente para o presente.
Presente, de novo a palavra que me transporta para algo estranho a
espreitar pela porta do guarda-fatos, era um embrulho vermelho e verde,
com um laço enorme e cheio de caracóis. O que seria aquilo? Eu não
fazia anos?!!!
Jingle bell, Jingle bell, Jingle bell rock... Aaahhhh, esta música já me
tira do sério. E não, naquela noite não ouvia o Jingle bell, ouvia músicas
de natal deliciosas ao som de uma harpa, num disco de vinil.
A árvore montada na sala durante a noite, para que ao acordar tivesse
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a surpresa... e tinha, só queria era ter sido eu a colocar as bolas e as


pinhas e as estrelas, o pisca-pisca e as fitas e o algodão a fazer de neve, o
presépio. Mas as bolas eram de partir e caras e não se podiam
desperdiçar. Restava-me olhar e sentir o brilho das luzes entrar-me nos
olhos a percorrer-me o corpo todo.
- Boa tarde, preciso de ajuda? (interrompeu a empregada da loja)
- Desculpe, boa tarde. Não, obrigada, estava só a tirar umas ideias.
- Já tem pouco tempo (lembrou com ar brincalhão e empreendedor).
Não, não estava só a tirar umas ideias, a verdade é que entrei na loja
para me abastecer do brilho das luzes e deixá-lo entrar novamente pelos
olhos a percorrer-me o corpo todo. E entender porque aquele embrulho
estava à espreita no guarda-fatos...

Julieta dos Espíritos

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À procura do Natal

Por uma rua desta cidade, por entre os pingos da chuva e com um
nevoeiro que nos faz sentir molhados até aos ossos, caminho sem certeza
de nada.
Há uma montra que se desfaz, outra que se faz. Há um carro que passa
e... Arreda que vai doido, o estúpido molhou-me. Praguejo, não devia,
eu sei.
Cheguei ao fim da rua e virei à direita, ups, choquei-me com outra
pessoa.
- Desculpe (disse eu, desviando o guarda-chuva para olhar para a
pessoa).
Sorrimos e ambos seguimos caminho.
Tudo se cruza e descruza, se alinha e desalinha, se movimenta e pára,
se concentra, se distrai e choca, tudo se empurra e se desculpa.
Mais uma montra, mas esta chamou-me a atenção. Tudo nela é lindo
e brilhante, mas com o preço tudo se desvanesse num instante.
Em frente que atrás vem gente, sigo o meu caminho, afinal nem sei
porque parei. Vim para a rua sem certeza de nada.
Não, não é verdade.
Vim à procura dos olhares que sorriem, do fervilhar do sangue nas
veias quando vemos uma montra como aquela onde tudo era lindo e
brilhante.
Vim à procura das luzes que cintilam, dos cantos que ecoam. Dos
cheiros que despertam sabores que nos fazem recordar. Dos sorrisos e
gargalhadas de mouras encantadas que acordam os anjos.
Vim à procura de mãos que se enlaçam, de respirações ofegantes por
olhares que se cruzam em gestos atentos.
Vim à procura de burgueses envergonhados da pobreza feliz.
Vim à procura de crianças soltas com olhos irrequietos e mãos
bailarinas com pais enfeitiçados.
Vim à procura do poder do vagabundo que nos pára e abraça.
Vim à procura do ladrão que... num gesto súbito fica de garganta seca
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e desiste da acção.
Vim à procura do mistério da vida.
Apetece-me fechar o guarda-chuva, estender os braços e rodopiar,
procurar alguém para dançar (foi só uma vontade que se me deu),
porque vim à procura do Natal.

Por vezes há alturas em que não temos nada para dizer, ou nem sabemos
sequer o que dizer, ou escrever. Ficamos "prostrados", por vezes
incrédulos com tudo o que se passa à nossa volta.
São os gestos que desajeitados e sem vontade se manifestam. Para quê?
Se não tem vontade, não faça nenhum, todos temos esses momentos.
São os olhares a despirem-te a alma. Sim, mesmo de máscara os olhares
estão lá.
São os elogios a alguém para tu ouvires. É, não sou surda. Mas se é
um elogio a alguém que merece, para quê "metê-lo no mesmo saco" dos
que não têm valor algum, só para que o outro, que quer (magoar? talvez,
não sei) ouça???!!!
São os "E se" antes dos "Gosto, mas e se".
É a frase já gasta do "São estas as horas de chegar?" em vez da
"Aconteceu alguma coisa para chegares a esta hora?!"
É o chegares junto de um grupo e esse grupo "disfarçar" o tema de
conversa (e por vezes o tema nem tem haver contigo). E sim, mea culpa,
também já o fiz.
É o passares por um "pedinte" e se calhar até vais distraído, passas
sem lhe prestar atenção e o mesmo manda-te p'ro raio que te parta, ou
pior.
É o dares uma pequena ajuda, ao pedinte e este olha para o que deste
e pergunta; "Só??!!" com aquele desprezo que te gela o peito.
São as críticas aos risos abertos e desculpem, mas até acho que são os
medos dos risos abertos.
É o leres um livro e interpretá-lo à tua maneira. Sim, também o faço,
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mas tentando não "danificar" o original. É, as más interpretações, por


vezes levam a guerras.
São os silêncios ensurdecedores, que querem sejamos sempre nós a
quebrá-los, mas porque raio não o contrário? "Ai e tal, não me ligas..."
"Liga tu, carago".
É, como de vez em quando digo, tiro o meu chapéu aos psicólogos. É
muito difícil ser e entender o ser humano.
É, Natal é hoje.

Julieta dos Espíritos

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Quando o natal rima com chocolate

O sol vai-se despedindo dando lugar ao frio que a cada minuto aperta os
nossos casacos mais quentes. As luzes cintilam e parecem caminhar ao
nosso lado indicando-nos que o natal está a cada passo dado. Os cheiros,
esses variam a cada esquina, sigo um, o do chocolate.
Joaninha, a menina doce que ficou à espera da minha promessa para ir-
mos ver "as ruas do natal de chocolate", como ela diz, não saía da minha
cabeça. Joaninha adora chocolate e eu também.
É. Estava na hora de a ir buscar, de fazer cumprir a minha promessa na
primeira pessoa.
Acelerei o passo, estou ansiosa por estar com a Joana e contar-lhe que
tinha decidido ir já, agora, mostrar-lhe "as ruas do natal de chocolate".
Ensiná-la descobrir, a distinguir os seus aromas, a côco, a café, a
citrinos, a nozes, enfim uma imensidão de aromas e sabores
chocolatados. Fazê-la descobrir as formas, as cores, a poesia, o calor, o
rubor até (quando nos deliciamos com o picante, mas esses sou eu que
vou degustar, a Joaninha só descobrirá pelo meu rubor, ah ah ah).
Mostrar-lhe o humor, sim porque o chocolate muda-nos o humor, dá-
nos alento, embriaga-nos, muda-nos até a mente, faz-nos rir.
O chocolate mesmo amargo, adoça-nos. Pode até acompanhar-nos num
filme.
Pelo caminho já há montras com árvores de natal enfeitadas com bolas
de chocolate, pais Natal de chocolate. Há montras com neve de algodão
doce, com chuva de pintarolas a cair sobre guarda-chuvas de chocolate
abertos e havia também os fechados, da Regina (do meu tempo de
criança, huuummm como eram bons), com montanhas de chocolate e
cascatas de presentes chocolatados envoltos em pratas coloridas e fitas
brilhantes de todas as cores.
Hhuuummm, o cheirinho que paira no ar, levou-me até ao filme
"Charlie e a fábrica de chocolate".
Ai, mortinha por ver a Joaninha lambuzar-se em chocolate, se calhar
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nada melhor do que a levar à fábrica do chocolate. Não, o mistério das


"ruas do natal de chocolate" seria muito mais divertido e menos
"problemático" na degustação, ah ah ah ah.
Cheguei.
A Joaninha estava à espreita na janela e num ápice abriu-a a gritar "Tu
vieste, tu vieste", fechou a janela já enfeitada como se estivesse a nevar.
Imagino-a acorrer para me abrir a porta, Joaninha era toda uma alegria
corporal.
E eis que a porta se abre;
- Joaninha, o que é isso na tua cara?!!!! (perguntei fingindo que não
sabia)
- Chocolate, é chocolate! (respondeu com aquele ar de que eu já sabia o
que era) Estive a ajudar a avó a fazer bolo de chocolate. Anda, ainda há
muito (disse puxando-me pela mão a colar de chocolate).
- Mas eu vim buscar-te!...
- Eu sei, eu sei, a avó diz que posso ir contigo. Dás-me um beijinho?
Vais ficar com a boca dociiiiinha, ah ah ah ah (riu-se como se fosse eu,
às "bandeiras despregadas").
E lambuzei-me naquela cara fofa e cheia de chocolate.

Julieta dos Espíritos

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Natal é:

Ter família longe, mas tê-la no Ouvir o som da tua voz, da tua
coração. respiração.

Poder comer glúten, mas ter Dizer que estás lindo/a.


amigos que não podem.
Sentires-te lindo/a.
Saber um número de telefone de
Dizer obrigado.
cor.
Pôr a força à frente da vontade.
Não esperar que liguem,
ligamos nós. Ser destranbelhado/a, mas que
se foda.
Ser tolerante à lactose, mas ter
amigos que não são. Ter amigos que nos amam.
Ter roupa a mais no armário e Beber um copo de vinho à tua, à
dá-la a quem não tem nenhuma. nossa saúde.
Saber o dia de anos de um Sentir o aconchego dum beijo.
amigo sem a ajuda do Facebook
(mea culpa). Gostar de chocolate quente.

Nascimento. Cantar.

Não ficar ofendido com merdas Tropeçar e levantar.


insignificantes (mea culpa). Ter cara de queijo.
Dizer olá. Recordar a lareira acesa de
outros tempos.
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Comer um gelado no inverno.


Manter vivas as brincadeiras Tomar um café contigo ou sem
de criança. tigo.

Gargalhar até ficarem a olhar Pentear a avó.


p'ra ti (e depois?!).
Enfardar 4 pães (e depois?!).
Ligar o botão do amor.
Dizer "ta que pariu" quando o
Parar com o blá blá blá e dedo mindinho do pé vai contra
abraçar (há sempre um jeito). o pé da cama.

Abraçar uma árvore. Perdoar.

Abrir a janela e respirar. Sorrir.

Deixar entrar a novidade. Não achar que somos a última


bolacha do pacote (até porque
Esperar anciosamente Jesus.
essa está quase sempre
O sino da Igreja a dizer que já esmigalhada).
nasceu.
Saber parar.
Lembrarmo-nos de quem já
Querer, poder e conseguir.
partiu.
Amar os animais.
Amar as crianças.
Saber viver com a artrose.
Comprar o que para nós é o
melhor presente. Ser.

Sermos o presente. Todos os dias.

Dar a mão ao velhote.

Rezar.
Julieta dos Espíritos
15
❖ imagina
❖ decolores i
❖ ah os dias felizes
❖ decolores ii
❖ sou um poema
Textos de
NUNO M.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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imagina senti do sono de seu pai

imagina para amanhã e sei que nada será oculto


como eu imagino hoje que escreveremos
um mundo que rima com a tinta das nossas escolhas
comigo nos pergaminhos feitos da
contigo nossa pele
connosco amarrotada desenhada
manchada
imagina para amanhã o tempo da vida que imagino
que junto à encosta para amanhã
os destinos tomam forma
e fluem mais além muitos fecha os olhos respira
mais além deixa-te insuflar pelo sopro da
da dor que transborda as vida
planícies deixa-te despertar é
que os vencedores pisaram apenas a vida
um sorriso uma lágrima
eu imagino para amanhã e volta a rasgar o ventre com
meu amor vida
que seremos o que com uma lágrima de alegria
acreditamos ser
que o mundo iluminar-se-á se nós sonhássemos mais uma
que o futuro surgirá luminoso vez
– já surge, que eu já o vejo – tudo o que poderíamos tecer
se rodopiássemos o futuro em
eu li no rosto de um menino abraços
esta esperança inefável imagina como eu imagino
que imagino já para amanhã para amanhã
compreendi no seu sorriso como o mundo seria mais doce
meigo imagina
ouvi do silêncio de sua mãe
nuno m.
decolores i

todos estes ruídos ao longo do corredor


gritam preto ou branco
portanto preto ou branco
– talvez cinzento quem sabe –
é o nome com que decidiram crismar-se
é uma marca na sua pele a tatuagem tribal

não consigo respirar


sob o peso desse absurdo-barulho incolor
e o cinzento não me veste bem
pois o meu nome é azul magenta amarelo verde laranja roxo

eu quero viver rir ser livre


com cores vivas
é isso que eu significo
é isso que me caracteriza

nuno m.

18
ah os dias felizes louvat os dias felizes
pois os anjos anunciam e
escondido pela cortina levam pedidos
opaca da minha janela
julgo ver o mundo são tantas as dores as
desmoronar desaparecer máscaras de ferro
mas os pássaros continuam as mordaças nos nossos
nos seus ninhos sorrisos
todos os dias eles cantam a que apenas tu és a
pulmões cheios esperança
num idioma que conheço e que resiste existe e dá
como todos finjo ter sentido à vida
esquecido o fim de uma sombra
o começo de outro mundo
eu sei que o meu o coração de uma esperança
está preso a uma bigorna enquanto cruzo
mas ao observar as tuas enlaçando os meus dedos
penas deixo que a vida dance em
ó fénix sábia mil vezes pianos de cauda
renascida louvo os dias felizes
a minha fé sorri pois os anjos anunciam os
e desnivela o nível do meus desejos de amor
infortúnio
retoma os seus velhos ah as pessoas amar-se-ão
hábitos um pouco mais
e (re)aprende dançarão sobre pianos de
(re)descobrindo a tua cauda
sabedoria louvarão os dias felizes
– amar
para amar é necessário ah os dias felizes
deixar a vida dançar em
pianos de cauda nuno m.
decolores ii

por vezes olho para o céu


e admito tenho inveja dos pássaros
gostava de voar para testemunhar os nossos actos desumanos
e poder voar, voar para outros amanhãs
mas são os decepcionantes que dividem tudo
por isso rezo para que o sopro te traga de volta
para que o teu sopro mude tudo
para que sejamos vivos risonhos livres
com cores vivas
é isso que eu significo
é isso que me caracteriza
nuno m.

20
sou um poema
um verso em branco
que espera o futuro

advém-me
compõe-me
declama-me
renova-me
renasce-me
habita-me

espero-te como folha lisa


espero-te em branco

nuno m.
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❖ Margens (conclusão)
(Irmãos de Sangue…Irmãos no sangue, Aqua Veritati,
Renascitur ex cinere e Revelação)

❖ Na minha igreja
❖ Despe as luzes
Textos de
PEDRO MELLO
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

22
Irmãos de Sangue, Irmãos no Sangue
Senti no momento que que te percebi no meu caminho em
cruzamento paralelo, que somos parte de Nós, num Eu
partilhado em dois corpos.

Olhando no horizonte das Margens, percebemos que existem


linhas boreais que determinam a existência de Margens Irmãs.
São as dinâmicas cores da Existência Mútua que indicam a
irmandade das Margens. Cores primárias que se combinam num
colorir de partilha e confiança.

Uma Margem Irmã, partilha com a outra Margem o sentido da


tinta permanente, convertida num Sangue de prole marginal.
Um Sangue em azul convertido, quando a Verdade da Água que
as (des) une indica uma pertença Eterna, uma pertença
involuntária.

No momento em que percebemos a acompanhada viagem com


uma Margem Irmã, sentimos a responsabilidade do Exemplo. O
Exemplo do que queremos Ser, o Exemplo do que queremos que
não Seja e o Exemplo de o Sermos simplesmente.

A manifestação do Amor em irmandade, não se restringe à


partilha de grãos de Margens de Concepção, pode existir
irmandade sem genótipo. Pode existir Irmandade, através da
partilha diária da Lua reflectida na Água entre Margens.
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A Lua é o Sentido obscuro do Ser, que se ilumina em Luz doada,


projectando-a na Água da Verdade. Se a Luz é doada, permite à
Lua ser doadora de outrem e a relação fraternal é isso mesmo:
doar a outra Margem a Luz, outrora partilhada pelas Margens de
Concepção.

Ser em fraternidade com uma Margem é permitirmo-nos à


protecção de outrem. É permitirmo-nos à sincronização de um
Nós que não de dissipa, de um Nós que permanece em cada Eu…
Mesmo quando tentamos ser conscientes na decisão de não o Ser,
a fraterna identidade com outra Margem jamais se desconstrói.

E assim, duas penínsulas, geradas pelas mesmas ou por


diferentes Margens, tornam-se irmãs de Sangue ou Irmãs no
Sangue, do mesmo Sangue que é a Água promotora da
Existência da Marginalidade. Tornam-se companheiras na
leitura silenciosa das emoções uma da outra e na permanente
vigilância e procura do Real Sentido que cada uma orienta para
a sua Existência.

Em Margens Irmãs, a Solidão não persiste, na permanência que


pode apesar de tudo presentear cada uma. Ter uma fraterna
relação com uma Margem é acompanhar a Solidão da Certeza de
um Alguém presente, mesmo que na distância. Uma companhia
que permite securizar o caminho, com um sorriso de lua em
crescente, num reflexo mobilizado na Água entre as Margens.

E as Margens que se amam em Fraternidade, possibilitam uma


Vida de maior Felicidade, reencontrada na diária alegria de se
saberem presentes. Abraçam-se na distância de um sopro de
Pena.

Guardam segredos, partilhas, identidades, por entre os rios que


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desaguam na Água de uma Verdade Una, mas que as separa no


individualismo das vivências. Irmãs de Sangue ou Irmãs no
Sangue, as cores de Margens de Fraternidade serão sempre
resultado da fusão de Confianças Primárias.

Quantas relações fraternais lhe permitem ser Margem com


redes? Quem é ou quem são na Verdade as suas Margens Irmãs?
Na consciência da irmandade entre si com as outras Margens,
entenderá que o Sangue é tão-somente o que lhes confere Vida e
não necessariamente os que lhe confere condição.

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Aqua Veritati

Senti no momento em que me olho em volta de mim, que sou Eu


e todas as pontes são Eu, porque sei agora que Eu sou um Nós
que caminha para Mim...

As Margens unem-se não só na submersão dos solos, mas


igualmente na conjugação láctea da via estrelar... Cada estrela é
uma guia que desenha as linhas entre as Margens... E é no (s)
Mundo (s) de cada uma das Margens, que o Sentido de Ser (mos)
se concretiza. As Margens são na verdade o esboço para a
Abstracção de Nós na Tela Mútua!

No Mundo da Existência, a Verdade sob a forma líquida,


evaporada, sublime e de Luz, permite criar o Ecossistema para a
sobrevivência das Margens. Permite-se a Mútua sobrevivência
das Margens pelo equilíbrio da Verdade nas suas múltiplas
formas.

Cerrar os olhos permite presenciar no interior na nossa Margem


o confronto do Céu com a Água da Verdade... A carícia da Brisa
no rosto da Margem é na verdade a réplica da força desse
confronto... Do confronto do Céu com a Verdade, nasce a Carícia
violentada da Razão entre as Margens. Uma Razão alimentada
pelo Sonho.

Onírica é a forma como se caminha sobre a Água da Verdade.


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Sob a Luz penetrante do Amor por entre as névoas da incerteza,


contemplamos as Margens que nos Fazem o que Somos. E é
assim, num sonhado caminhar sobre as Águas que
contemplamos o Milagre, onde tudo Acontece e onde o Nada se
torna o Tudo... O Milagre de Estarmos e Sermos em Nós e nos
Outros.

Jamais seremos com os Outros sem aceitar a Verdade de Nós. A


Negação é uma contracorrente... Negar é afastar das Margens a
Água da Verdade. Aceitar o negável é afundar as Margens em
Águas incertas, mas negar o inegável é deixar seco o fértil solo...
Viver é tornar ecossistémica a simbiose entre o Negar e o Aceitar!

Redentora é a Vida, quando partilhada com a convicção de


Amar! São salvas as Margens da turbulência dos movimentos
tectónicos da Fuga da Verdade, quando se Grita em Una Voz a
Liberdade Divina de Fugir para dentro de Nós. Entrar em Nós e
no Nós é olhar a Redenção de Viver, com a Verdade de quem
Ama!

Na sobrevivência simbiótica das Margens, existem as Margens


de Aliança, Margens de Confidência. Os segredos que cada
Margem esconde, por entre as folhagens da sua Existência,
conferem a sua identidade obscura. A partilha torna-se a aliança
que confere aos segredos o Sentido da Existência Mútua. Os
segredos são trilhos para a Aliança entre as Margens.

Na partilha contínua dos Segredos, da Negação, da Aceitação,


alimenta-se o Medo. O Medo torna límpida a Água da Verdade.
É o Entendimento da Incerteza, como um conflito sinuoso entre
as Margens, que promove a sua Magnética Aproximação. Temer
é proteger os caudais da Existência, com o paredão do Amor!
27

Medo e Amor tornam-se aliados na Sobrevivência das Margens!


A Mútua Existência torna-se assim uma Dinâmica mobilização
das Margens com o Mundo Ecossistémico da Verdade. Movem-
se as Margens pelas tectónicas Emoções que as Revelam! Como
feixes de Luz que irrompem as sombras, as emoções alimentam
a Vida entre as Margens! A Paixão, a Alegria, iluminam...a Raiva,
a Tristeza sombreiam. É o Equilíbrio da Luz e da Sombra que na
Pangeia que identifica as Margens, as separa e as une... As
Emoções conferem às Margens a possibilidade de serem
Margens!

Através da turbulência das interacções, entre parenteses de


Alegria, a Pangeia que Somos desmaterializa-se em Margens que
se acompanham na partilha dos reflexos na Água da Verdade.
Uma turbulência na procura da Felicidade. Da mesma forma que
a Paixão é ponte para o Amor entre as Margens, a Alegria é ponte
para a Felicidade.

A Alegria é um Estado Gasoso da Felicidade diluída na Água da


Verdade... É o vapor animado da Alegria, que consuma as
vertiginosas danças das folhas nas Margens e que entre o Céu e
a Água da Verdade se congrega em nuvens de identidade e
pertença. Olhar o Céu a partir das Margens é contemplar a
possibilidade de sublimação, reflectida na Felicidade! Todas as
Margens caminham na e para a Felicidade.

Mas nem todas as Margens entendem a Meta. Existem Margens


que se desmarginalizam na contradição! Pedaços de terra que se
deleitam na Água da Verdade, desejando passarem ao estado
líquido, mas não sabendo se na verdade é na forma de grãos de
areia que querem permanecer. São estas as (des) Margens que
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permitem às outras, as Margens, contemplar os reflexos das


possibilidades do Ser e não Ser! São estas as Margens promotoras
de Aprendizagem através do Perdão.

A Existência de todas as Margens, nas Quatro Estações da Água


da Verdade, permite às Margens entardecer no ciclo de Vida da
Eternidade, permanecendo na Imortalidade do Ser, depois do
Estar. O que é a Imortalidade, senão o rasto das folhas de Outono
que esboçam no Céu da Existência o Esboço do Amor... As
mesmas folhas que caem sobre a Água da Verdade e em forma
de ondas elípticas de água voltam a tocar as Margens. Morrer, na
conjugalidade com a Vida, é submergir na Água da Verdade.

Um encontro com a Eternidade é um Compromisso com a


Existência Mútua... A Eternidade é a Imortalidade dos Mortais...
Só se torna Eterno quem é Mortal e assume a Mortalidade no
Amor. O Pó a que voltaremos, é o mesmo que nos molda a Vida
com as mãos em partilha e é do Pó que se materializam as
Margens.

O auge da Beleza Existencial, reafirma-se quando as folhas de


Outono, do Renascer de Nós, se tocam na Água da Verdade... É
no toque do Renascimento diário de Nós, que se invadem as
Veias da Existência de um hematócrito de Beleza que espelha a
Vida, a Fé e a Razão de Sermos Margens! A Consciência de
Renascerem juntas, torna diário o Belo Existir das Margens.

Uma Margem submersa na Água da Verdade, permanece na


memória das outras Margens, como uma firme ilha de Amor.
Submergir na Verdade é permanecer na Imortalidade do
Passado! O que Foi, torna-se um Eterno Será, no É que
29

permanece no verbo Amar.


Na névoa do Silêncio que acompanha a superfície da Água da
Verdade, cerrando os olhos, podemos sentir, no limiar dessa
névoa com a superfície líquida, o sussurrar da Eternidade das
Margens submersas e que agitam os aparentemente inertes grãos
de areia que connosco partilharam.

Nesse momento, percebemos que a tinta permanente do Amor,


que usamos para escrever a nossa História, está na Verdade nas
mãos de um Único Escritor. É Ele que nos permite usar a Tinta,
no Azul da Verdade que nos Envolve.

O grande Poeta da Existência não se Materializa na Visão


Terrena, mas na Visão proporcionada pelo Amor. Saber-Te
orientador, permite à Água da Verdade, mesmo na turbulência,
ser límpida e mostrar o fundo, onde os grãos flutuantes revelam
uma única Margem, que assim deixa de o Ser... Afinal, sem a
Água, as Margens são uma só aglomeração de grãos de uma
mesma Existência... E em representação de todas as Margens que
sou (mos) a Gratidão Emerge, pois afinal somos um Nós que
caminha para Ti.

Mesmo que tentemos fugir de Nós, mergulhar na Fuga de Nós é


a corajosa cobardia de procurar na profundidade da Água da
Verdade a única imagem do Nós que afinal existe também na
superfície... A Verdade da Superfície, está sustentada pela
mesma Verdade da Profundidade! É na Profundidade das águas
que percebemos que as Margens se unem também por terra e são
Uma Só na Multiplicidade.
30

Como não existe Solidão, apesar de poder ser Solitário, entenda


que a relação entre as Margens que o rodeiam e a Margem que é,
nunca podem não influenciar os seus destinos. É na Água da
Verdade que reside a identidade dos destinos, por isso, mesmo
que tente mentir a si mesmo, a Verdade é Líquida, trespassa os
moldes da mentira.

31
Renascitur ex cinere

E assim percebemos que na revelação de Nós, renascemos para


um eu feito em cinzas, em pedaços de um todo flutuante em fino
Pó.

Quando as Margens se permitem encontrar na compreensão de


não Existirem, promove-se a destruição do seu Mundo. Sem a
ecossistémica partilha de Amor, a Água da Verdade deixa de ter
sentido e a Luz partilhada da Lua passa a calor de insuportável
Solidão. O desamor promove a encriptante evaporação da Água
da Verdade e a revelação das superfícies obscuras entre as
Margens.

Assim, para se manterem Margens, depois do abandono da


Água, terão de tornar identitária a secura dos desfiladeiros,
renascer das cinzas da apatia. E passa a apatia a tornar-se o pó
que separa as Margens, que deixaram de o Ser.

É desolador um Mundo sem Margens, um Mundo em que uma


única superfície, marcada pelas irregularidades das cicatrizes de
Dor, não se permite Amar, não se permite partilhar.

É doentia a transmissível desarmonia que as Margens podem


proporcionar-se sem Amor.

No Mundo das Margens, as que não amam e não submergem,


mantêm-se desérticas, sem Vida, na Vida das outras Margens.
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São presságios de um Mundo sem Margens que se revela, num


Futuro impossibilitado numa verdade alternativa.
Permitam-se as Margens Amadas, manter o tectónico
movimento da atracção com outras Margens de Amor, que
possibilite um epicentro de confronto que oriente a Água da
Verdade para o Espraio das Margens desamadas, trocando grãos
de Areia, do seu genótipo mais puro. Grãos de areia fértil, que
restituam em simbiose a Vida às Margens desamadas.

Existem porém Margens que nasceram para desertificar, para se


tornarem vazias de sentimentos, psicopatas de Existência e que
se mantém Margens à custa das outras, das Margens orientadas
para o Amor. A permissão de um deserto a ser Margem, é a
maior manifestação de Altruísmo, é a maior manifestação de
entrega Suprema. Uma Margem é tão mais Margem quanto mais
permitir a um desmarginal tornar-se marginal.

É na entrega suprema das Margens, que buscam o supra-


altruísmo, que reside o renascimento e a sobrevivência do seu
Mundo. Renascer das Cinzas não é mais do que ser salvo pela
Água da Verdade. Só uma Margem altruísta permite a
sobrevivência do seu Mundo.

O Amor torna-se assim, na concretização do Poeta Divino, a


possibilitada sobrevivência das Margens.

Qual a sua disposição para o Altruísmo supremo? Qual a sua


disponibilidade para promover a marginalização de uma
Margem desamada? Quando a sua resposta for positiva será
ainda mais Margem que outrora.
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Revelação
Entendo agora que mergulho em mim, a toxicidade da pertença
que me invade em Nós, um Nós que se reconstrói para além dos
Tempos, um veneno que dá Vida para além da Morte.

Depois do entendimento do Amor como o combustível da


sobrevida de uma Margem, surge a questão inevitável da razão
de existirmos. Se uma Margem vive pelo Amor e para o Amor, o
que é o meio do caminho?

Compreendemos então um caminho de trilhos emocionais, que


se conjugam no sentido dele, o Sentimento Real, o Sentimento
Divino. As Margens caminham por trilhos de Emoção para o
Sentimento Divino.

A procura do Amor, é então a conquista de um trilho que se


conjuga na construção do carácter de uma Margem. Mesmo as
Margens desamadas, trilham as Emoções. Todas as Margens
trilham as Emoções. É na sinuosa conquista das batalhas
emocionais, que as Margens aprendem o Perdão. É na sinuosa
conquista das batalhas emocionais, que as Margens se constroem
como Marginais.

As Emoções revelam assim as vontades, as pretensões de uma


Margem face a outras, ao mesmo tempo que desenham nas
rochas profundas da Margem o seu carácter.

Através das Emoções, as Margens entendem as Estações da


Existência. É no calor da Sedução, que o Verão se manifesta pelo
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Desejo entre as Margens. É no entardecer das folhas, que o


Outono manifesta a Imortalidade das Margens. É do gelar da
Água da Verdade, que as verdadeiras intensões das Margens
circulam na profundidade e é no florescer da aurora boreal que
emerge a fraternidade entre as Margens.

São as Emoções que conferem forma às Margens e são os


Sentimentos que lhes conferem Identidade Mútua. Emoções e
Sentimentos, permitem Humanizar as Margens… A
Espiritualidade de uma Margem existe na suprema dinâmica
entre Emoções e Sentimentos.

Mesmo quando desérticas de Amor, as Margens humanizam-se


na Suprema Dinâmica. Não moldarão na sua Alma a Felicidade,
mas conseguem ter traços de Saudade. Uma Margem desamada
continua a poder envenenar-se em pertença, mas uma pertença
vazia, que se converte em Antónimo de Amor.

As Margens que se orientam com e para o Amor, também tocam


o Ódio. É impossível valorizar o Amor sem ter experienciado o
seu oposto. É impossível valorizar o Bem se não o entendermos
face ao Mal. A diferença está no Perdão. Na capacidade de
respeitar a distância de uma Margem que magoa. As Margens
que buscam o Amor, conseguem converter a Dor em Algodão,
tornando o Ódio macio, moldável, deformável pela Água da
Verdade. O Perdão converte o Ódio em gotas de tolerância e a
tolerância facilmente desliza para o Amor.

Não poderá haver Amor sem a tolerância, a dádiva do Perdão.


Sem perdoar não se Ama. Não perdoar é não entender uma
Margem como Humana e não se pode Amar uma Margem não
35

Humana – Perdão e Tolerância convertem no Elixir da


Humanização de Margens que se Amam.
O Sentido das Margens está então na conversão do Mal em Bem,
na Metamorfose da Negra Emoção em Luz. Todas as Margens
tem a capacidade de se converter em Luz, mas nem todas tem a
Humanização para o pretender.

Assim, o Mundo das Margens torna-se num perfeito


ecossistema, onde a desumanização promove a desagregação do
Mal, na sobrevivência da Luz pelas Margens Humanizadas.

Cada um de Nós, Margens, compreende-se neste homeostático


sistema. As lágrimas da perda são para as Margens que
Amamos, todas elas- As desamadas, pelo Perdão que não as
permite jamais aproximar e as Amadas pela Eternidade que a
Saudade perpetua no Amor.

Concluímos então que uma Margem, só o É, quando vive pelo


Amor e para o Amor, mas também porque também É e Está em
constante Amor.

Se afinal a Água da Verdade deixasse de correr, se o Mundo das


Margens se tornasse vazio de líquido, continuava o Amor a fluir
na transparência fusão da Una Superfície, que não parecendo, é
sempre um conjunto de Margens, separadas por um Amor que
as percorre, mas nem todas acaricia.

Água da Verdade e Amor são assim sinónimos, são a real


identidade das Margens, que caminham no Sentido da Una
Existência.

Bem-Aventurados os que conseguiram confrontar-se com o


36

percurso das Margens. Entenda, contudo, que o seu caminho está


agora renovado… Neste momento tem consciência do que é ser
Margem, tem consciência da responsabilidade que é ser Margem.
Envolva-se na sua Existência… Você é Mestre da sua Existência.

37
Na minha igreja,

onde os religados separam,

o joio do trigo aclamado

por aqueles que do trono instalado

olham de longe as feridas que saram!

Aqui, ajoelhado do alto,

do plano daqueles que se humilham,

na humilhada humildade,

de quem venera a Verdade,

vejo, de facto, os que brilham.

Na Palavra, que é sagrada,

não há lugar para as penas,

nem para as que escrevem os sermões,

nem as que esvaziam corações.

Precisam-se, de compaixão, mecenas!

Prefiro continuar de joelhos,

Aqui em baixo no alto,

Consigo ver, sem neblinas

que no presunçoso comando das sinas,


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é ao meu destino que não falto. Pedro Mello©, 2022


39
❖ Os amantes binários…
❖ Introspeção fragmentada
❖ Imagens reflexivas várias

Texto de
Silvie Wacknbath

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Photographer - Silvie Wacknbath


Os Amantes Binários

Os amantes binários são estrelas aladas imortais, deitados face-a-


face em cósmica intimidade.

No mesmo comprimento de onda, eles encontram-se em portais,


entre as galáxias que estão trancadas nos braços estelares de um
norte e de um sul encantados.

Entrelaçados e a viajar anos-luz, transcendendo o tempo e o espaço


para um local só deles. Talvez em cima nos mil céus, talvez nas
profundezas de um só inferno aprazível.

Muitas vezes cada um no seu polo sentem, mesmo que longe


geograficamente as energias fortes que abundam num gravitacional
de puxar, de dualidade única, empurrando ambos para intermináveis
lugares desconhecidos.

Os amantes binários são o alongamento do primordial-vórtice, em


quantum-êxtases...

Eles derretem água, terra, ar, e no seu fogo vulcânico tornam todos
os que os cercam cegos!

Cegos da luminosidade emitida em cada movimento de dentro e de


fora e os seus espasmos formam um estado de plasma, onde os
movimentos supersônicos dos seus polos magnéticos construídos
para um maciço de magnitude são com toda a certeza, interlúdios de
luxúria orgásmica.

Os sons doces de corpo, rara astronomia!


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Como é deliciosa a exploração do nosso nu!


Agarrando massa e matéria, beijando a nebulosa, eles estão
agradavelmente perturbados nos braços um do outro, sucumbindo
no eixo apertado.

Amantes binários são simples estrelas cadentes pelo céu em fluxos


de sóis infinitos, o "big bang" entre o toque real e presencial ou o
toque de alma, kármico, seja como for tudo eles sentem e vivem...

São ambos em cada registo e anatomia diferente, uma brilhante


super nova.

Esta fusão...branco calor, meteorito encarnado de elegante gosto,


preenche o buraco vazio,

tornando-o num todo.

Agora...?

Agora perguntam-se tantos.

Agora anseiam infinitamente, girando incansavelmente no universo


do amor, um no interior do outro.

E assim irão permanecer para sempre!

Consigo cerrar os meus olhos e ver tudo de novo…Essencialmente


ela, talvez por ser a norte e na primeira pessoa…

Ela:

“Penso em teu corpo…

Na noite que nos abraça, no tempo interminável.

Intenso beijo corporal de deleite angelical que transborda por entre


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meus peitos eretos de prazer, segundo a segundo como a metragem


do céu , da terra e do luar…
Deixas em mim o teu cheiro, as marcas do teu morder, invento-te
assim que penetras o meu corpo (aparentemente) frágil, de alma não
contida no amar desmesurado.

Mãos vazias as minhas, quando me amarras nessa cama que flutua


feito navio em turbulentas águas, estrada longa é o teu corpo onde
me perco, onde me encontro e sinto-me.

Dias e noites em delírio vendo passar amanheceres e anoiteceres num


mar de suor, gemidos e portos de abrigo.

Aninho-me nas tuas pernas …submissa aos teus caprichos e desejos


onde deslizo na montanha de “Elsior”…

Sinto o puxar dos meus cabelos longos num intenso chamamento de


amor!

O teu penetrar, o teu sussurrar, o teu doce e agreste amar deixa-me


louca, numa doce loucura de amar, afinal as nossas línguas sempre
falaram o dialeto universal, num diálogo que queima tal qual um
monólogo extasiante.

Luar sem fronteiras, amanhecer sem barreiras, pulsar como o sangue


quente nas veias de dois amantes , nas veias de dois poetas contidos
num só corpo, numa só alma…

Na mais doce loucura de ti…sim a ti…

Simplesmente pela loucura de te amar!”

Resumindo, do que aconteceu a seguir só posso dizer-vos que os


44

amantes binários são estrelas aladas imortais, deitados face-a-face


em cósmica intimidade. No mesmo comprimento de onda, eles
encontram-se em portais, entre as galáxias que estão trancadas nos
braços estelares de um norte e de um sul encantados.

©Silvie Wacknbath

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Photographer - Silvie Wacknbath
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Introspeção Fragmentada

Abro o meu coração.

Avanço para a palavra.

O céu chora e fala sem elas.

O pensamento acalma-se e descansa profundamente no seu interior.

Natural como a respiração também o tempo se silencia.

Apenas o pensamento que se dissolve sobre a matéria.

A respiração acalma, acelera e cai sem ritmo concreto sobre a


incerteza do futuro.

A cinética flui para algo macio, quietude pura e centrada...

Olho para o céu amarelo e uma melodia sem nome invade a dor que
se faz presente em cada árvore que ainda permanece.

Nunca se esqueçam que envelhecem apenas os que sobrevivem


amarrados nas teias de um qualquer passado! Por isso queimem as
teias e vivam o hoje!

Desta forma não sentirão um envelhecimento, mas sim um


renascimento e uma constante reconstrução para o que desta
necessita.

Nunca digam que não o conseguem fazer, porque se eu me alimentei


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em cada momento de fome de vida e me reconstruí em cada morte


temporária qualquer outra mulher ou homem o consegue fazer!
Acorde abraçado à sua própria pele, tocando e sentindo cada pedaço
quente da sua carne, vestido pelo seu próprio desejo, intoxicado pelo
seu sabor e o único dono do brilho do seu olhar.

Porque acordar amando-se a si mesmo é adormecer amando todos os


outros na conjugação de dois verbos, o ser e o existir!!!

Nada nem ninguém encontra o seu caminho sem se perder muitas e


muitas vezes, por isso não faça uma equação seguinte sem solucionar
a primeira!

O primeiro passo na transformação pessoal é a disposição de fazer as


mudanças necessárias.

Você deve estar disposto a mudar a sua perspetiva para não aceitar a
opção finita quando existir uma quantidade infinita de opções.

Que seja o seu principal alimento uma alma com corpo e nunca um
corpo sem alma!

Eu sei que por vezes só desejamos uma caminhada ao luar onde os


nossos pés descalços possam estar em sintonia com o planeta Terra.
Como já diziam os Beatles: "No final, o amor que você recebeu é igual
ao amor que você deu", então, trate de continuar a espalhar amor por
onde passar, é simples.

Tenha paz no seu coração e voará tão alto que jamais será alcançado
pelo mal! Mantenha por perto quem lhe faz bem e esteja sempre
empenhado(a) em buscar novas maneiras de retribuir e agradecer.

Eu sei e compreendo que ainda existam dentro de si mares turbulentos


e sombrios em que você respira brânquias de passado sem reconhecer
o presente, apenas para resistir á sua própria racionalidade. Mas não
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fique sentado nesse fundo onde permanecem as ruínas cinzentas do


que foi, mas nade até á superfície para respirar o que vai ser e o que
será!

É que do passado e da saudade do que não se merece até os cavalos-


marinhos fogem de tão cansados que estão dessa sua inércia e
autocomiseração!

Você é incrivelmente corajoso quando toma a decisão de reconhecer


que algo não está bem alinhado e curar-se do seu sofrimento.

A cura não é linear, nunca o será.

A cura não acontece de um dia para o outro obviamente que é gradual


e trabalhada.

A cura requer paciência, muita bravura, e a vontade de olhar para tudo


o que causou a dor e a alteração da sua estrutura. E pouco a pouco
começar a deixar a energia do renascimento e da desintoxicação fluir
pelo seu corpo.

Isso não é fácil, mas que viagem valiosa essa!!!

Sairá do outro lado mais forte, mais sábio e livre da tirania do trauma
por outra pessoa infligido, ou simplesmente do curso da própria vida!

Lembre-se sempre de que quando o sangue ferve em ebulição


química, temos a magnânima capacidade só com um singelo olhar, de
tocarmos, beijarmos, abraçarmos e amarmos uma alma intensamente
perdida, no alcance longo e sinuoso de um trilho de constantes
desencontros...

Quando surgirem inesperadamente tempestades agrestes na sua


viagem, simplesmente ajuste as velas e navegue com mais
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personalidade e mais fome de vida, sobre um convés sem medo!


Eu sei como é essa metamorfose, porque é trivial a palha que quebra
as costas do camelo.

É sozinha a gota de chuva na imensa carência da terra.

É inoportuna a palavra que cai fora de hora e magoa o coração antes


de chegar ao ouvido.

É crucial o violino que salva uma canção da morte certa.

É amor a cumplicidade vivida num set ficcional que tenta retratar a


realidade.

É inesquecível a língua refreada duma suite orquestral cujo doce refrão


cede ao ritmo da batuta.

É inigualável percorrer com um corpo desnudo a trilha de uma vida


excessivamente vestida.

É! Podia não o ser, mas é.

É!

Mas só você é que tem o poder direcional!!!

Todos sabemos que os atalhos inesperados da vida fazem com que nos
percamos da viagem original, mas, se soubermos elevar a essência
humana nas diferentes tonalidades de cada obstáculo que em nós,
deposita o seu desacreditar encontraremos o caminho que
harmonizando e unificando em plenitude um mero corpo, fará dele
um viajante com alma, no risco inerente de uma outra e qualquer
viagem!

Há sempre uma força superior que nos alimenta e ouve, há sempre um


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murmúrio de esperança, há sempre braços erguidos que acreditam no


seu valor e capacidade de vencer, só tem de olhar atentamente cada
cenário que lhe fala em silêncio e erguer-se desse chão pois nem o céu
o limita, nem o cinzento o veste.

Para além do que os seus olhos alcançam há sempre cor e há sempre


vida!

Seja sempre grato!

© Silvie Wacknbath

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❖ Mosteiro de Tibães (em quiasmo)
(série dualidades)
Textos de
Berth Patrício

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Mosteiro de Tibães
(Em quiasmo)

Por Berth Patrício

Em Tibães há um mosteiro
um exército de árvores de pedras parideiras
filtro que sussurra
da luz intensa histórias e segredos
em tons diáfanos empapando
uma cerca de bênçãos… a terra…
isolada no claustro
no centro um carvalho
secular
narrativa afundando raízes e rizomas
que se alimenta eternamente…
avidamente nas cavalariças e retraites…
da antiga
“casa Mãe”.

(Como se chama essa mulher que perdeu os filhos?


Parece-me ter tido um nome para isso, que se perdeu…) 55
“Olhar de mãe” , Carvão, Pedro Melo, 1997
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