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Orpheu ‘XXI

Volume 1 – 2022

PORTUGrAL
CONDIÇÕES

Convidamos todos os aqueles cuja simpatia esteja com a índole


desta revista a enviarem-nos colaboração nos vários géneros e
tipologias de texto. No caso de não ser incluída na nossa publicação
devolveremos os originais.
Toda a correspondência deve ser dirigida aos directores (ou
diretores), através do email: revistaorpheuxxi@gmail.com

ORPHEU’XXI publicará um número incerto de páginas online.


1
ORPHEU’XXI
Revista Lusófona de Vanguarda

Ano 1 – 2022 n.º 1 Jan/Fev/Mar

VOLUME 1

SUMÁRIO
introdução
julieta dos espíritos manter a ignorância de ti
nuno m. boulevards au détour de paris
pedro mello margens (génesis, pangeia da
existência e desintegração da
metamorfose)
silvie wacknbath mentiras vivas como a
verdade/água ilusória & eu
serei...

capa desenhada por julieta teixeira


2
Introdução

O papel de uma revista é permitir o desfolhar de cada


pessoa nas suas próprias páginas de existência.
A ORPHEU’XXI é uma homenagem e uma obrigação sentida
por cada um dos autores desta nova edição para com Luiz de
Montalvôr, Mário de Sá-Carneiro, Ronald de Carvalho,
Fernando Pessoa, Alfredo Pedro Guisado, José de Almada
Negreiros, Côrtes-Rodrigues e Álvaro de Campos (considerando
a sua individualidade, ainda que heteronómica), que em janeiro
de 1915 lançavam a revista Orpheu, revista, que mais do que
revista se tornou ensaio corporizado em três atos, que se
eternizaram na História da Arte e da Literatura de Portugal para
o Mundo.
Julieta dos Espíritos, Nuno M., Pedro Mello e Silvie
Wackanbath, revisitam no século XXI, neste janeiro de 2022, no
designado Dia da Palavra em homenagem a S. Jerónimo,
primeiro tradutor da Bíblia para Latim, a conhecida Vulgata.
Os autores não pretendem que a ORPHEU’XXI seja uma
continuidade da Orpheu, mas um novo rebento no tronco
plantado pelos grandes nomes que citámos e que nos honramos
agora alimentar para que cresça e possa ser revista para o
desfolho de cada leitor, a partir das palavras dos autores, nas
suas escritas livres de regras e livres em formas.
Bem vindo(a) a esta viagem que agora se inicia e obrigado
por embarcar connosco na ORPHEU’XXI.
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4
Manter a ignorância de ti
Textos de
JULIETA DOS ESPÍRITOS

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Capítulo I
Manter a ignorância de ti e conhecer-te, é difícil. És instável por
natureza e a natureza é instável. És inevitavelmente tempestuoso e
molhas quem entra na tua tempestade.
E sem querer, molhaste-me. A água que agora me cai pelo rosto
mistura-se com as lágrimas que não te quero mostrar.
Respingaste-me com momentos alargados de um tempo de deceções e
agruras que revelam quem és, quem sou e que nos leva, possivelmente,
a ser mais nós, a entendermo-nos... ou não. Mas pelo menos senti-me
mais forte de coração.
Olhas-me e reconheces o que pedes sem medo da minha incerteza.
Deambulas à minha volta, num circuito que é meu, é de todos, mas que
para ti é só teu. Os teus olhos contam e procuram solução para a dor de
um possível erro, de um possível medo que tiveste, o de não saber viver.
Mas eu também não sei!!! Passo a passo calco os dias de mim, de ti,
do António ou do Francisco e aprendo o caminho para não me perder,
para não errar, mas não adianta!!! Porque o erro caminha connosco,
ajuda-nos a levantar do tombo, a equilibrar do tropeço e a mudar de
caminho sem medo de errar de novo.
Agora és tu que deixas cair a lágrima que não te quis mostrar e abres
os braços no meio do mundo e ris e cantas e danças e perguntas:
- É difícil conhecer-me?!
- Não! (respondi)
- E porquê? (perguntas novamente)
- Porque libertei a minha ignorância.
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Capítulo II
Uma escova de Dentes
Sei que se não desistir de te procurar, algures num jardim, numa
entrada mais escondida ou ao dobrar duma esquina, acabo por te
encontrar e é isso que faço, procuro.
Dia após dia, na minha rotina diária, procuro com olhos sedentos
daquela pessoa que por breves momentos de braços abertos, dançou, riu
e cantou p'ra mim.
Mas não, não consigo encontrar-te. Outros haverá que te procuram e
se calhar por isso mudas de sítio para lhes dares o que me deste naquele
dia, "o libertar da minha ignorância" ou se calhar estou a forçar o
Universo.
Por mais que pense, ainda não descobri em que momento da minha
vida e porquê, te tornaste num lugar no meu mapa.
Procuro-te, porque sinto a tua falta e porque me fizeste sentir que um
peso nos ombros nem sempre é pesado.
Algum fundamento tem de ter este teu "desaparecimento" e se calhar
tenho de voltar ao sítio onde te encontrei naquele dia.
E fui. E sentei-me à tua espera.
Na espera do segundo momento, vi alguém próximo, deitado de braços
amarrados ao peito. Tal como o salto do meu coração, saltei e aproximei-
me na esperança de que fosses tu, abriu os olhos e... Não, não eras.
Como que mecanicamente, levo a mão à bolsa na procura de algum
dinheiro para lhe dar e pergunto:
- Está bem? Tem fome? Precisa de alguma coisa?
- Sim, preciso (respondeu sem desamarrar os braços do peito).
- Do quê? (perguntei novamente)
- Duma escova de dentes.
Por segundos senti-me tola e ele percebeu.
Levantou-se então e mostrou-me o seu saco, onde tinha alguma
comida (sandes, peças de fruta, sumo), papel higiénico e uma manta já
gasta.
7
- Tá ver? (disse) Só preciso duma escova de dentes.
- Ok e pasta e gel de banho? (perguntei)
- Não preciso, onde tomo banho tem sabão.
- Então e a pasta? (perguntei novamente)
- Olhe lá bem p'ra mim, já não preciso de ter os dentes brancos, é só a
escova p'ra tirar o "lixo".
- Ok, eu vou buscar a escova, espere aqui que eu lha trago.
- Eu espero, eu espero, tenho tempo.
E lá fui comprar meia dúzia de escovas de dentes.
Quando voltei, entreguei-lhas.
- Obrigado (disse)
Guardou as escovas e tornou a deitar-se amarrando novamente os
braços ao peito.
Vim embora.
Não eras tu naquele sítio, era uma outra versão de ti.
Também eu mudei. A minha versão atual está mais sábia.
Ah ah ah ah, uma escova de dentes!

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Capítulo III
As prateleiras onde arrumo a minha vida
Hoje saí tarde. Meti-me no carro e segui rumo a casa. Um pensamento
vagueava-me a cabeça e já não era a primeira vez, que preciso reformar-
me, reformar as prateleiras onde arrumo a minha vida. Há lá coisas que
já estão desatualizadas, coisas demais, insignificantes, coisas que nunca
foram mexidas e outras importantes, mas por acabar.
Quase sem dar conta cheguei ao meu destino, procurei
estacionamento e estacionei.
Saí do carro e olhei o relógio, ainda dava tempo. Sinto que hoje...
- Olá "Soutora", então? Está atrasada?!
- Olá, sr. Augusto (o homem do talho), não, não estou, porquê?
- Porque vem a olhar p'ro relógio!! Ah ah ah!
O sr. Augusto e as suas piadas, pergunto-me sempre porque lhe
respondo e acabo sempre por me rir também. E ele tinha razão, estava
atrasada, mas... Ainda dava tempo, a luz do dia ainda o permitia.
Pés ao caminho tentando ser a ninja do tempo, rumo a mais um ponto
da cidade, na ânsia de te encontrar e quem sabe, acabar uma das coisas
que tenho nas prateleiras.
No caminho sinto o cheiro desta chuva que não nos larga e lembro o
dia e um a um os conselhos que me deste sem saber, a lágrima, o riso, os
encontros que tive na tua procura (as outras versões tuas que também
outros conselhos me deram sem o saber) e dou por mim a concluir que
nada no Universo vive para si mesmo! Será?!
Dos nossos cinco sentidos, há três sentidos fundamentais que me
ajudam nesta procura e a compreender o que me rodeia, um já o referi
atrás, os outros são a visão e a audição. Ainda faltam dois, mas esses
deixo para um dia diferente e quem sabe usufruí-los contigo... Ah ah ah,
rio do meu divagar, com dificuldade, pois o passo acelerado que levo
deixa-me quase sem fôlego.
Começo a aproximar-me de outros sítios prováveis de te encontrar.
Em estado de alerta, abrando o ritmo, vou parando aqui e ali e observo.
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Encontro umas arcadas com colunas tão largas como o meu corpo, paro,
encosto-me e ali permaneço. É, hoje fico por aqui e espero.
No entretanto desta decisão, há algo que me chama atenção... Um riso,
uma cantoria que não me eram estranhos de todo (entusiasmo-me),
nada estranhos mesmo. Era ele, só podia meu Deus, era ele.
De coração fora do peito (e estupidamente) escondo-me atrás da
coluna e espreito.
És tu, sim és tu a fazer o que tão bem-fazes a outro transeunte que por
ti passa e sabe-se lá porquê, achas que precisa desse teu lado alegre e
perturbador. Revelas o teu tempo e esperas que ele to retribua. Tal como
fizeste comigo.
Está a anoitecer. O que é que eu faço? Revelo-me? Provavelmente nem
se vai lembrar de mim!? Não, não te vou desviar do caminho, pois já vi
que não andas na rua por nada.
E eu só queria contar-te um dos erros da minha vida, que naquele
primeiro encontro trouxeste ao de cima e que fizeste com que me pusesse
a olhar para as prateleiras onde arrumo a minha vida.
Venho embora, mas a caminho de casa vou calcando uma má decisão.
Isto não pode acabar assim...

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Boulevards
~ au détour de Paris ~
Textos de
NUNO M.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

11
Fartei-me de escrever sobre monarcas absolutos e herdeiros
incapazes, mas reinantes e consortes. Fartei-me de escrever sobre os
seus validos e ministros déspotas esclarecidos; confidentes e confessores;
Távoras e Mascarenhas – pessoas mortas que (já) não trazem felicidades
a ninguém. Fartei-me. Saio de casa e sento-me num banco a admirar –
ou a praguejar – Monsieur Jacques Bertin, director do Théâtre du
Gymnase Marie Bell, que com o seu ar francófono e voz intelectual exibe
charme cultural a um grupo de jovens aspirantes atores. Sentado neste
banco da movimentada Boulevard Bonne-Nouvelle, sinto-me só. Tudo
à minha volta é mesquinho: os transeuntes; os bon vivants dos cafés e
restaurantes; os cartazes do teatro… tudo. Ou será apenas
inconformismo e, até, autocondescendência. Queria ser eu a estar
naqueles hors-média; queria também ter a minha assinatura naquelas
encenações como tiveram Balzac e Alexandre Dumas pai e filho.
Penso na Bastilha. De súbito uma vontade de correr os boulevards
de Paris que me levassem até lá: Bonne-Nouvelle, Saint-Denis, Saint-
Martin, os boulevard du Temple, des Filles du Calvaire,
Beaumarchais… et voilà: la Place de la Bastille!
Trinta e seis minutos a pé. Está claro que poderia demorar pouco
mais de dez minutos de metro, mas precisava de ar (im)puro. Percorro
estas avenidas a pé, a passo ligeiro, depois de comprar Cigarillos Café
Crème goût vanille. A paisagem urbana não passa de um constante
entrecruzamento de planos que se cortam numa intersecção de
percepções e de sensações; imagens prolixas, inteligíveis, herméticas e
estrepitosas; pessoas apressadas para o trabalho, estudantes que
convivem, velhos que se passeiam, turistas que se deixam perder… e,
por fim, La Colonne de Juillet coroada pelo Le Génie de la Liberté! É
curioso: o que outrora fora palco de trevas e terror, é, para mim, salvação
e conforto – e para os parisienses, símbolo e génio de liberdade! Não
deixa de ser igualmente interessante que ainda antes de ser a terrorífica
prisão, o “Bastião de Saint-Antoine” servia muito mais como lugar de
lazer e depósito de armas do exército francês. Hoje é mais um lugar de
manifestação republicana, local regular de feiras, mercados e concertos;
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muito tumultuosa nas noites de Sexta-feira e de Sábado pela juventude


dos subúrbios parisienses. (Lembras-te de como gostávamos de passear
abraçados, depois dos almoços de Domingo, pelas ruas em volta desta
praça? E dos lanches no Café des Phares ou na Boulangerie La Bastille,
hoje, já inexistente?)
Perco a noção das vezes que dou voltas à praça, numa tarde de sol
de Inverno, nem quantas vezes olhei apático as montras da Rue Jacques-
Coeur e da Rue de Lesdiguières. Como estão diferentes! Como está tudo
tão diferente… Os prédios são os mesmos, um pouco enegrecidos do
fumo, algumas lojas mantem-se inalteradas, outras mudaram de
gerência, nome, produto. As ruas são agora muito mais confusas e
agitadas. Como confuso e agitado está mon cœur. Entro na rua dedicada
a Santo António, onde te pedi em casamento, e sento-me no Le Rempart,
paredes meias com a antiga muralha da Bastilha.
O tempo pareceu ter parado. Olho em todas as direcções, à procura
de um sinal teu. Eureka!, encontrei: numa mesinha, junto à última
janela que dá para a Rue Saint-Antoine, mesmo no canto, onde nos
sentávamos a lanchar e onde escrevi, secretamente, com um garfo, as
minúsculas, minúsculas iniciais dos nossos nomes, seguidas da data do
pedido: loucuras inconscientes de apaixonados que valorizam os mais
triviais momentos para eternizar a ilusão de um instante. Sento -me
nessa mesa e não preciso de procurar muito para as encontrar. Sei
exactamente onde as havia escrito. Portanto, se a mesa fosse a mesma,
as nossas iniciais estariam lá. Assim é. Estou convencido de que aquela
mesa será a laje do nosso amor, enquanto aquela mesa não for
substituída por outra, enquanto ali permanecer, coexistiremos a
eternizarmo-nos.
Volto para casa a pé. Então desci a Boulevard Henri IV, e
descontraidamente, sigo pelo Quai de Béthune até que me apercebi que
tomara o caminho errado. Aquele já não era o caminho para casa: já não
vivo num prédio do século XVII no cais dedicado aos Orleães com vista
para o Sena; já não vou à Bibliothèque Polonaise de Paris e os sinos de
Notre-Dame de Paris já não me despertam ao Domingo manhã.
Permiti-me, finalmente, ficar algum tempo a admirar o número 8 do
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Quai d'Orléans e ouvir soar os sinos da Catedral. Sento o teu respirar


no meu pescoço junto com a brisa fresca do Sena. Tocam sete badaladas,
o sol pouco a pouco desaparecera e eu permanece no cais à tua espera…
ouvindo-te no vento.
Hoje não volto para casa. Sigo caminho ao longo d o Quai
d'Orléans e atravesso a Pont Saint-Louis, Quai aux Fleurs, Quai de la
Corse, Pont Notre-Dame, Rue Saint-Martin, atravesso o Square de la
Tour-Saint-Jacques e, vislumbrando La Tour Saint-Jacques, « Je suis le
ténébreux, – le veuf, – l'inconsolé, / Le prince d'Aquitaine à la tour abolie» de
Gérard de Nerval, lapidado numa pedra.
Continuando pela Rue de Rivoli em direcção à Rue Nicolas Flamel,
Rue des Lombards, Rue Saint-Martin, ao cruzar-me com a Rue de
Montmorency, não resisto em me espreitar a casa do grande alquimista
– que saudade dos tempos que não vivi, das experiências que não fiz!
Sigo a marcha voltando à Saint-Martin, depois Rue Réaumur,
Montmartre, Rue du Faubourg Montmartre, Rue des Martyrs, Rue la
Vieuville, Drevet, Gabrielle e por fim Place du Tertre.
Num misto de revolta e saudade imagino-te menina e moça com
sonhos de artista; uma jovem bailarina, amante de um pintor mais perto
do fim e de um olhar desiludido mas intenso – olhos de quem viu demais,
por paixão e profissão –; mediador de gestos e pensamentos; litúrgico e
complexo na sua sensualidade. E tu, menina de vinte e poucos anos,
louca e jovem, com a vida toda pela frente, com olhos vivos e
apaixonados de quem quer agarrar a vida, despes-te para ele e para que
ele te pinte com fúria ou doçura, conforme o estado de espírito do pintor,
das telas e das tintas. Imagino Place du Tertre e Montmartre com este
novo casal apaixonado a viver num caótico atelier de pintura entre
tintas, telas, pincéis lençóis e alcofas: num ninho de arte e de amor!
E tal como eu te disse um dia, também o pintor diz à sua bailarina
que chegara a hora de ela partir, de dançar, saltar viver: voar! O seu
sorriso fez-se triste. Parte com a morte na alma. Corre toda a Paris,
vivendo e experimentando todos os gozos e prazeres da idade à procura
do que lhe pudesse matar o sentimento de orfandade. No entanto,
apresar de todas estas orgias, o seu sorriso permanece triste como breu.
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Falta-lhe a cor do seu pintor que de longe-a-longe a observa escondido
entre arbustos e montras de cafés.
Em algum dia, a bailarina desejará visitar o seu artista, mas não o
irá encontrar no estúdio. Deter-se-á sentada à porta toda à noite,
esperando o pintor como quem espera Godot. Decide partir de vez.
Voando não se sabe de onde, pousa, no seu ombro esquerdo, um pássaro
de cores exóticas, vivas e excêntricas: a companhia que precisa para lhe
encher o quarto e a vida de cantos e mil cores, o mais belo e seguro
confidente e companheiro. Com ele irá para todo o lado preso ao seu
ombro.
Anos depois, num dia triste, já ela uma bailarina de sucesso,
saberá, no fim de um espectáculo no Ballet de l'Opéra National de Paris,
que o seu pintor morrera. Nesse instante, ao olhar o pássaro,
compreende que também ele tinha de voar. Liberta-o na margem sul do
Sena com uma lágrima escorrendo pela face num dia de nevoeiro e
poesia, devolvendo as cores que roubara à Natureza em memória do
velho pintor que partia e que nunca mais as poderia pintar.

die XXI Ianuarii anno MMXXII

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16
Margens
(Génesis, Pangeia da Existência e a desintegração da
metamorfose)
Textos de
PEDRO MELLO

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Génesis
A viagem ao Centro de Nós, começa no momento em que aceitamos
que não somos um, mas vários Seres em busca da mesma conquista
por caminhos diferentes.

Entremos em bonança no Mundo das Margens, um mundo onde se


dissocia o indissociável.
Depois de entrar nesta viagem não há retorno, há o confronto com a
Existência Mútua, um confronto com o real sentido de sermos uns nos
outros, uns com os outros, uns para os outros, uns dos outros.
No Mundo das Margens não há solidão, mas há solitários. Há
peregrinos que sacrificam vidas que não lhes pertencem, porque são
vidas mútuas, na permanente procura do Bem Superior, do supra-
tesouro da Existência.
Antes de entrar no Mundo das Margens, pense se é capaz de se
confrontar com o pior dos confrontos, decida se quer respirar do Vapor
que alimenta as Margens, um vapor que ensurdece os Sentidos.
Antes de entrar no Mundo das Margens pense, reflicta, inspire, sinta-
se vivo, pois vai confrontar-se com uma possibilidade de Morte que
talvez não tenha percebido existir.
E assim começa o Tudo, assim começa o Mundo das Margens, no Big-
Bang da sua decisão. É você que decide se quer ou não que ele exista, é
você que decide se quer confrontar-se com a obra que será por si mesmo
criada.
A coragem dos Decididos permitirá a compreensão das Margens, num
Mundo que se tornará real através das Retinas da Margem que as
Criou…
Faça-se assim a sua vontade…
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Pangeia da existência
No ventre que une a primeira forma de Amor numa forma de Amar,
emerge uma Margem, na submersão da Vontade involuntária. É na
Água da Verdade que surge o primeiro contacto com a inspiração
húmida do Amor, nuns pulmões ainda em aprendizagem… Submersos
num Nós, personificado num Tu!
Se atentos, ainda nos sentimos afogar nesse Amor. Ainda sentimos os
pulmões em Aprendizagem! Deixaremos de facto de estar submersos?
A Água da Verdade não continuará a encher os nossos pulmões? Cada
gota da Chuva que resulta do Vapor que exala do Nós marca nas águas
do nosso rio a impressão digital, que nos torna a identidade diluída na
Unicidade partilhada...
Cada círculo que parte do confronto da gota com o rio, liga as Margens
até ao epicentro do confronto de Nós, na calmaria de Nós e na ligação
do Nós, nas imperceptíveis ondas que a Elipse do Choque afaga nas
nossas Margens!
A ligação das Margens é um potente confronto que resulta do ciclo da
água da Verdade. Se a ligação é confronto, por isso é calmaria! Pois são
identitários… Apenas sentimos a calmaria porque o confronto existe.
É a primeira noção de Saudade! Quando deixamos a submersão do útero
para a imersão no Vapor da mesma Água! Percebemos que estamos Sós,
na conquista e na sedução dos outros Sós, cujo rio da Existência liga,
como Margens que se atraem e se repelem no contínuo da mútua
existência!
Acontece o confronto com o vapor da Água da Verdade, no momento
em que gritamos ao Mundo a Sobrevivência do Choque da Emersão.
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A Água da Verdade é o verdadeiro sentido da Identidade de nós,
Margens. Muito antes de Sermos Margens, já Existimos diluídos nesta
Água. É na Certeza de uma diluição identitária, que os grãos de areia
se vão conjugando e moldando para a Criação de Nós, um Nós imortal
que sobrevive às quatro estações da Existência, às quatro estações da
Água da Verdade.
O que é a imortalidade, senão o rasto das folhas de Outono que esboçam
no Céu da Existência o Esboço do Amor... As mesmas folhas que caem
sobre a Água da Verdade e, em forma de ondas de água, voltam a tocar
as Margens... E o primeiro Esboço de Amor personifica-se nesse
momento, no momento em que o Útero nos abre a Janela ao Mundo das
Margens.
Nesse momento, o do choque com a metamorfose para o Real,
percebemos o Sentido da Solidão Acompanhada. Um sentido de Estar e
Ser, olhando em volta a forma ainda não compreendida das Margens
que nos acompanham.
A percepção de que estamos Sós na Mútua Existência, reporta-nos ao
momento em que sentimos o seu odor. Numa memória remota e
enevoada, sentimos a forma como apaziguou a saudade, o momento que
que ingerimos o alimento do Amor primeiro. O leite materno é na
verdade o Maná que nos orienta de forma apaziguadora para o conflito
com a Real Solidão… Uma Solidão apaziguada pela pertença e
dependência, na confiança do Puro Amor Materno.
Uma Mãe é assim ponte, para o contacto com outras Margens, que vão
acrescentando grãos de areia, aos primeiros que nos dá o privilégio de
ver moldados em Nós. Por entre as Sete Colinas da Vida, corremos na
Liberdade de Crescer solitariamente acompanhados, percebendo que
nem sempre as bases onde (sobre) vivem as Margens pintam beleza na
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natureza morta, que é cenário das suas Vidas. A Natureza é morta,


porque as escolhas se tornam curarizantes, quando não projectam a
Essência da Vida.
Quão turbulentas se tornam as Águas, quando as Margens se
contrariam na rotineira procura do que é Materialmente dispensável...
A procura de areias devolutas pela infelicidade, leva ao afundar das
Margens pelo pesar do supérfluo! É a Sintonia com o Essencial que
mantém fluída a Sobrevivência das Margens!
Assistimos ao afundar de muitas das Margens que (sobre) viviam no
mesmo cenário em que crescíamos. Crescemos na aprendizagem, com os
erros que as afundaram, e as outras Margens, as afundadas, foram-se
tornando uma Atlântida submersa na Água da nossa Verdade e por isso
a gratidão é plena.
Aprender é olhar sobre os ombros e sentir o refrescar da água que se
rebate em nós, com o impacto das pedras que em erros se afirmam como
luzes, no embate com a Verdade! Quando aprendemos somos Luz e
iluminamos o Caminho de Nós, tornando-se as Margens como partilhas
iluminadas pelos erros, que se tornam afinal, possibilidades. Errar e
Aprender iluminam o Futuro das Margens, sob o efeito comburente do
Amor.
Podemos na verdade assumir que Amamos todas as Margens do (s)
nosso(s) cenário(s), mesmo que numa incompreensão de Amar pintada
em abstracto numa tela de revolta.
Se Amamos assim, é porque Ela, Margem de Concepção, nos moldou
com a (s) core (s) do Amor. Questionamos diariamente qual a cor do
Amor? A cor das Sombras? Se o Amor é de todas as cores será Negro?
Se exala Luz, emitindo todas as cores será Branco?
Na Verdade o Amor é Incolor, Inodoro, Insípido... O Amor é da cor da
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Água da Verdade... São as Margens que, através dos reflexos, dos grãos
de areia partilhados, dos odores das quatro estações da Existência, lhe
conferem cor... A Vida das Margens transforma o Amor numa Tisana,
com a cor, sabor e odor da identidade de cada Margem.
Beber a Tisana do Amor é beber a Vida das Margens e Ela, Margem de
Concepção, foi a primeira a mergulhar nas nossas Águas a Essência
corante da Tisana Suprema. Permite que assim, tingidos de Amor,
olhemos a submersão das Margens curarizadas, como fonte de Luz e
Crescimento, numa capacidade Aprendida de tolerar e Amar em
permanência.

A Tisana suprema permite às Margens concebidas saborear, na


maturidade dos Sentidos, o Amor na sua primeira manifestação. As
Margens de Concepção são promotoras da libertação do Amor na Água
da Verdade, que orienta o rumo das Margens.
A Gratidão torna-se vazia no tanto por preencher, quando se entende o
Contributo de uma Margem de Concepção para o crescimento de uma
Margem Concebida.

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A desintegração da metamorfose
A Existência molda por vezes Margens confusas. Margens que lançam
grãos de Esperança noutras Margens e no momento em que se
avizinham como grãos de Identidade, dissolvem-se na Água da Verdade.
Na remota memória de uma Margem, esses grãos de areia dissolvidos,
tornam-se gotas de longínqua Dor! Uma Dor moldada num sorriso, na
dádiva do Presente, na dádiva do Perdão.
O Perdão permite às Margens manterem-se ligadas pela inesquecível
memória das neblinas de separação. Perdoar uma Margem é entendê-la
como única, mas igualmente como um afecto mútuo que fere, que
promove uma cicatriz abaulada na areia de outra Margem... Mesmo
preenchida com a Água da Verdade, aquando da Maré cheia, permanece
presente, numa memória perdoada, mas lembrada na Eternidade.
Assim, no tectónico caminhar da Sobrevivência, os abaulamentos
cicatriciais tornam-se aprendizagens. Na Verdade, cada Margem tem
nas suas cicatrizes a Identidade, a distinta Vivência dos afectos, o único
e inigualável molde que lhe confere Valor. As Cicatrizes das Margens
conferem-lhes Valor Acrescentado, o Valor da Aprendizagem pela Dor.
A Dor da Desilusão torna-se, com o limar do Tempo, uma reconstrução
de uma Margem antes vista como de inevitável pertença, para uma
Margem que passa a ser de inevitável distância. É uma distância
aproximada, a da desilusão entre as Margens, pois o afastamento da Dor
une-as para Sempre no Perdão.
Quando uma tempestade invade a Existência, as gotas de chuva
tornam-se punhais de Dor que cortam a Água da Verdade... Mas
quando entram no profundo azul da Verdade, entram em Metamorfose
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de Algodão... A Dor é tempestade, com o Fado de se tornar Algodão e a
Verdade o caminho.
A Dor torna-se algodão, quando soprada pela brisa da partilha...
Quando das Margens sopram ventos de altruísmo e pertença, dissipa-
se o algodão sobre a Água da Verdade... A partilha e o altruísmo tornam
suave o horizonte da existência, com a Dor de Algodão esvoaçando rumo
à Verdade.
Aprender é olhar sobre os ombros e sentir o refrescar da água que se
rebate em nós, com o impacto das pedras que em erros se afirmam como
luzes, no embate com a Verdade!
Quando aprendemos somos Luz e iluminamos o Caminho de Nós,
tornando-se as Margens como partilhas iluminadas pelos Erros, que se
tornam afinal, possibilidades. Errar e Aprender iluminam o Futuro das
Margens, sob o efeito Comburente do Amor.
Perdoamos constantemente, pois o Perdão é combustível para a chama
da Sobrevivência! Sem Perdão, aliado ao Comburente de Amor, não
sobreviveriam as Margens. Perdoar é permitirmo-nos viver em
Existência Mútua. Todo o Sobrevivente o é, porque é perdoado… Os
que não perdoam, promovem o suicídio, afogando-se na Água da
Verdade, mas serão sempre perdoados pelos sobreviventes. Assim, na
mútua sobrevivência pelo Perdão, persiste a Humanidade das Margens.
Reconhecemos que somos marginais quando percebemos que a Verdade
é a Água que nos une, separando-nos. Uma Água de Nascente Divina
que nos apoia na Marginalidade, para nos conduzir à Semelhança da
Criação. Semelhança apenas percebida no momento em que olhamos os
outros Marginais em Perspectiva Superior. Assim, Existimos
Mutuamente numa Semelhança Marginal, banhados pela Verdade
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Divina.
São as pedras do Perdão que rolam pelo Rio e moldam o percurso de um
pecado Imaculado. Ser Humano e Existir é moldar muitas pedras na
Beleza do Perdão! O júbilo destas pedras que se arrastam no Destino
sem Destino, é Luz sob o entardecer de Nós... As Pedras do Perdão doam
o Amor das Margens à Foz da Mútua Existência. Por isso devemos
Gratidão às Margens que nos magoam. Devem-nos o respeito da
Distância, mas são merecedoras de Gratidão.
O Sentido de cada Margem, é o Sentido equilibrado entre o que as outras
Margens permitem e a Ousadia identitária do que cada uma É. Somos
assim aquilo que ousamos, no confronto elíptico com a permissão alheia.
Assim se Manifesta a Existência: num Equilíbrio orientado para a
Ousada aceitação Mútua. Uma aceitação que nos revela a Alma.
O Espelho da Alma está na verdade nas Mãos. As Mãos que deixam
passar por entre os espaços dos dedos, os grãos de areia das Margens,
para a Água da Verdade.
Cada Margem faz das mãos uma ampulheta que deixa o Tempo
murmurar a Vida e o Tempo desvendar a Alma... O Tempo desliza nas
mãos o reflexo da Alma. Um Tempo sem Tempo, uma Eternidade vazia.
É a Distância do Perdão de Margens que jamais se Encontrarão, mas
permanecerão Unidas pela Aprendizagem Mútua.
Uma desunião em permanente ligação que só permite a troca através do
vapor da Água da Verdade, um vapor que eleva a Essência do Passado
de cada uma das Margens, na única Verdade, revelada num Futuro
enevoado, mas de distância certa.
E assim, distantes em proximidade perdoada, continuarão Margens,
que se desconhecem, numa desilusão outrora partilhada, numa
metamorfose em Perdão.
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Mentiras vivas como a Verdade,
Águas Ilusórias
&
Sou e Serei…

Textos de
Silvie Wacknbath

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Mentiras vivas como a Verdade
Vejo o silêncio do universo face às desigualdades e á dor alheia em cada
batimento cardíaco. Ouço sombras… as sombras da minha alma que
gritam implorando resolução e onde cada momento de reflexão se torna
mera alucinação.
Tento a meditação, mas fico dobrada em joelhos que se encontram crus,
nus e sangrentos por cada semelhante meu que me confessa em verdade
a sua desumanização.
Perdoo-lhes cada invasão de mentira aplacando-me com anestésicos de
esperança, sufocando, calando, silenciando.
Dizem-se portadores da verdade transcendente, no entanto são mero
amor altruísta e desumano, de intelecto cristalino e desmedido fazendo
disso um sentimento imaculado. São espíritos tristes e exilados em
simples mortais.
O remorso é a pulsação em taquicardia da inclinação, para a invocação
de exoneração, da vida que se pretende viva e sem morte.
O meu cérebro é um bloco de matizes em constantes mutações e no meu
ventre permanecem as feridas de guerra, mas apesar de me tentarem
com um sepulcro em vida, atrás dos meus olhos permanecerá sempre a
luz e no meu peito…
No meu peito um coração vasto, livre e selvagem como um continente
africano.
Todos os dias comtemplo as sombras da inquisição imorais de silêncio
no Éden, onde vejo anjos que caminham sobre as águas perfumadas com
hortênsias.
Se eu tivesse um dia que escolher entre a minha alma e as minhas
paixões, eu escolheria a caneta que tenho nas mãos que, apesar de pesada
sempre que a uso torna a minha alma melhor por dentro.
Muitas vezes passo por muda, surda, cega, prepotente ou simples
ignorante. É sempre um carretel cheio de círculos e enigmas que cada
vez mais parecem longe de uma linha reta.
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Na minha embarcação e comigo ao leme não tem lugar, nem qualquer
tipo de vaga para pessoas sem paixão, para pessoas sem verdade de
bolsos estreitos e espinhosos que inibem os outros, utilizando o olhar ou
apenas uma palavra que seja, como flecha venenosa.
E quando me perguntam porquê somente lhes respondo: “Se essas
pessoas tivessem alma não procurariam outra para por uma simples
paixão adicionar à sua incompletude e então assim sentirem-se vivos,
completos e tocando à omnisciência.”
Não existe magnitude suficiente para a verdade essencialmente aquela
que uma mulher enxerga, precisando apenas de confiar nos seus
instintos biológicos.
Vale sempre a pena ver a verdade da mente e a verdade do coração, com
um senso de consciência, sem nunca cair no comum hino do vulgar. Se
alguém um dia vos disser que consegue ouvir as lágrimas de uma
mulher e sentir as suas dores para além da superfície corpórea, então
esse alguém é um dos poucos “escolhidos”.
Os escolhidos, são abençoados para dançar em sonhos de campos
Elíseos, ornamentados por pétalas perfumadas e ordenados pelas
estrelas, onde o longe se faz perto e o silêncio se faz grito.
Os escolhidos, podem atravessar essa ponte no tempo, ungidos pelo
dever e cumpridos de sabedoria e conhecimento. Não haverá pedágios
nem nenhum obstáculo mental no seu portador, para dar lições sem
qualquer fé ou numa qualquer tentativa de erro.
Quando se fala em verdade, o seu dialeto e a troca dessa mesma
linguagem é o presente mais bonito que qualquer ser humano pode
compartilhar com outro, é amor em respeito sem costuras rasgadas e
infortúnios, e constrói pontes sem qualquer outra disparidade de mal-
entendidos e frustrações.
Precisamos de aniquilar a mentira e substituí-la por pessoas com alma
pura, com toque, com visão, com sensibilidade e todos nós sabemos que
vivemos cegos na nossa própria arrogância, nas vaidades complexas e
assim surge a própria morte do que apelidamos de se ser humano.
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O amor interior começa dentro do nosso templo sagrado e o nosso
templo sagrado tem o brilho das boas sementes, (as sementes que foram
semeadas contra o pecado Pai se falarmos no sentido bíblico)
Dentro de cada um de nós há guarda numinoso da aura que na sua
forma mais pura, eu considero o Santo gral do nosso universo terreno,
Esse guarda numinoso de aura permite à boca que fala ser a voz da
razão, permite aos olhos que veem olhar com admiração e nunca com
condenação, e aos ouvidos (aqueles que realmente conseguem ouvir)
ouvir os sons harmónicos da aprendizagem, da evolução e da superação.
Todos nós quando nascemos damos um suspiro, um sopro de vida assim
também como dizem que quando morremos daremos um último suspiro
da vida terrena, não me preocupo nunca no que acontece entre um
suspiro e outro em relação a mim como pessoa e ser individual, mas,
preocupa-me desde que eu dei o primeiro sopro de vida e até ao último
suspiro da morte deixar a humanidade um pouco melhor, do que quando
a encontrei.
Sei que no alto de uma qualquer colina, existirá sempre o meu sopro e
este dará significado às vidas vindouras, abraçará os humanos quando
os ventos de tornarem demasiadamente frios e superará os jogos
mentais, as humilhações, as farsas e outras graças nela desgraças da
própria autoaversão humana, sem respeito pelos seus direitos, mas
essencialmente pelos seus deveres.
Por isso vivam em pleno equilíbrio, valorizando o que realmente deve
ser valorizado e a terem discernimento e total clareza das mentiras vivas
como a verdade!

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A poesia das estrelas e as carícias de um vento de pleno inverno


adornavam a realidade de uma noite única dos aprendizes que se
preparavam para escutar os ensinamentos dos seus mestres.
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Lembro-me de um mestre que lhes fala numa calma apaziguadora...
"Quando acariciarem uma mulher façam-no suavemente, como uma
doce transição de lagarta a
borboleta... A mestria de um verdadeiro homem vive na sensibilidade do
seu toque, dos seus dedos.
Toca-a com a atenção suficiente com que se redescobre um precioso
diamante. Por vezes suavemente, por vezes firme, mas nunca trémulo
ou inseguro. Desperta cada célula do seu corpo ao mundo divino do
pleno êxtase. Pára por um instante e contempla a magnificência dos
seus lábios que fervendo em gélido controle começam a falar a mesma
língua, o mesmo idioma."
A música sobe de volume e começa a dança... E eis que a música pára e
os dançarinos caem de exaustão... E nesse, entretanto a mestre chega
descalça e em vestes translúcidas e esvoaçantes em odor de místicos
mirtilos...
"Quando acariciares um homem fá-lo com a doçura de uma mãe, não o
toque para o excitar, ele não necessita disso que vulgarmente encontra
em quem não sabe ser mulher. Ele só necessita de saber que te encontras
bem, segura e protegida. Com o teu cabelo sensibiliza cada sentido de
suas células. Cuida-o até que o ritmo do seu coração tenha uma
frequência constante e o prazer durará uma eternidade.
Quando a frequência dele se alterar acelerando, pára-o! Observa-o!
Ajuda-o a respirar profundamente para que conecte o seu interior!
A arte de fazer amor é divina pela simples razão que um através do outro
eternizam dois seres num só!"
...

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Água Ilusória...
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São ilhas achadas na cidade que vive de silêncio e de secura desperta.


Adiro a elas como a mão que tem nome e em ti acredita.
Como as luzes que acendem em ruas desertas.
Ruas de corpos desnudos e diluídos em tempos quedos.
Água Ilusória que abençoa Agostos fartos,
pelas horas de ceifa nas planícies do inacabado sonho.
Tempestade de espaços que teces em amores de bruma e diluis na neve
gélida e terrena.
É verdade não ilusão que vos olho.
E no direito que me assiste á solidão não sentida eu te procuro entre o
medo da noite e a água da chuva.
Sim ela me olha e me rejuvenesce…
Quando a sinto o nosso sol nasce outra vez sobre o mar.
Na praia munda onde se abeiram ventos, surdos e verticais.
Nessas ilhas achadas sou orquídea sem dono, sou vida em alento,
simplesmente a harmonia delicada, de um centro fixo e de novo inteiro.
Sou a árvore que não seca e vê a história desde o nanossegundo, ao
minuto, ao dia de um tempo sem tempo.
Momento a momento em que a garganta mestre, solta fortemente a sua
voz.
Não possuo más raízes, só flores e aromas, onde de caules verdejantes
me entrego, ao vento que me toca e retoca nestas ilhas achadas e
banhadas na água ilusória.
E que pergunto eu a quem chamo?!
Se em intenso grito de vida sou, a chama, a brasa, ou o fogo intenso que
te aquece e conforta?!!!
Dedilho liras em que nuvens pardas e minas negras se aprisionam,
vivendo em desonra a todo o tempo.
Olho e vejo-te pela janela entreaberta, por onde passas.
E o meu reflexo reconhece sorrindo o teu rosto que não mudou nestes
anos que passaram.
E eu continuo nas ilhas achadas…
Onde esperarei e espero acreditando reencontrar-te.
No sangue que me dá vida e corre nas veias deste corpo mudam-se os
rios de lugar.
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E por ti me disperso e divido …


Entre a noite de vela, em que te curo o dia num porto sentido e ferido.
Voas sozinho na palavra pequena do meu nome.
Vês-me sempre sem perder o vento, de pés assentes atrás do mar que
banha estas ilhas.
Ganho a lembrança de ser gaivota.
Sobrevoo em ti como água ilusória, que te completa enquanto vives a
imortalidade, bebendo do melhor
néctar de juventude escondido nestas ilhas achadas.
O elixir puro como diamante, fervorosamente quente que apelidam de
sangue.
Sobrevives serenamente, somente e apenas,
Porque bebes do meu sangue puro e quente de Mulher.
E eu continuo aqui vivendo na ancestral Água Ilusória.

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Sou e serei...
Sou…Palavras de limão, boca de gengibre, língua de gelo, garganta de água.
Pôr do sol, uma doçura tonta. A chuva é forte e a rua fica mais suave.
Raios salgados num olho aberto, escalas invertidas de conceito.
É o escuro para o cego e no crepúsculo do estado, o citrino rodopia opala no mapa celeste
envidraçado.
Enegrece o tambor. São teclas de atenuação.
Adoçando a areia nos olhos, os ponteiros do relógio enrolam-se em redor da ponta do fio
da videira.
E em pensamentos perdidos vivo o que me pertence...
Inicio a viagem de olhos cerrados. O meu corpo encontra-se junto de outros na mesma
ânsia de viajar, na mesma humildade de busca, de reencontro e de fuga. Cada um tem o
seu karma e um processo único de alienação para a cura dos seus chakras.
A simplicidade do caminho é concreta e é a única chave-mestra que abre e desbloqueia
a realidade que nós não vemos ou melhor, não sentimos.
O som alternado das taças tibetanas provoca inicialmente uma implosão no meu peito,
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a intensidade da minha energia parece rebentar de dentro para fora, embora a paz seja
anestesiante. Torna-se uma violenta luta do que retraio e deseja fluir apenas e elevar o
meu corpo numa vontade muito própria, uma vontade solitária e para além de mim.
Todas as memorias me assolam em milésimos de segundos, atropelam-se em caos,
visualizome aquando completa e em paz total. Relembro a distância do que fui outrora,
de como comecei a existência terrena. Ouço o meu próprio choro aquando do meu
nascimento e sinto a aragem fresca que me interrompe o conforto e distância do corpo
da minha mãe.
Sinto-me assustada e perdida tal como naquele momento 42 ciclos atrás.
Os cristais mais audíveis são interrompidos pela intempestiva sonoridade marítima e
sereno.
A respiração acalma, o ritmo cardíaco está no seu normal apaziguador.
Mas todo este processo de busca interior é um turbilhão constante, uma guerra sem
causa, sem mortos, sem sobreviventes, somente uma pessoa ferida, ou seja, Eu!
Alguém que aparentando ser ninguém, sangra sem sangue, que grita sem voz, que viaja
mundo sem sair daquele chão onde o seu corpo permanece deitado e aparentemente
inerte.
E o tempo dança em rodopio por entre cada um de nós...
As respirações ansiosas e afogueadas dão lugar á calmaria, alguns até adormecem num
sonho encantador.
De formas diferentes e concisas cada um viaja dentro de si mesmo. Cada um enfrenta
os diversos testes entre luz, escuridão, interrogativas e medos. Uma viagem onde todos
estão envoltos na sonoridade de cura e libertação e despidos de qualquer oxidação ou
poluição terrena.
Ainda gritei no meu silencio interno, "Eu sou amor, eu sou luz, eu sou a cura..."
E logo de imediato a voz do orador e mentor surgiu num cântico doce, num mantra
apaziguador e respondeu-me no breve instante daquele momento.
Então subitamente um vento quente aquece o meu corpo e vejo um azul profundo.
Consigo sentir o cheiro da terra, associo os cristais às gotas de orvalho, sinto-me a
caminhar sobre uma relva molhada e fresca. Sinto uma luz imensa como se do próprio
sol se tratasse ativando o meu ADN.
Humedeço os meus lábios que repentinamente são doces, parecem untados com mel e
sinto a pureza a ativar cada célula deprimida.
O diapasão limpa a mente e liberta o meu coração num ato de extração de qualquer
toxina.
Num relaxamento total encontro-me no topo da montanha da minha alma e a mente
pede-me somente para voar.
Então eu voo sem medo do abismo...estou finalmente dentro de mim.
E dentro de mim, sou simplesmente a base de uma suculenta coroa …E para sempre?!!!
Para sempre serei poetisa... Eu sou a poetisa que é possuidora de um interior selvagem
tal qual mata nativa.
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Eu possuo o silêncio, o grito e o eco assim como o sorriso do rouxinol.


Eu possuo o sobrenatural feminino, o místico que eternidades pretenderam possuir,
sobre o alto das pedras urdidas como druida em sonhos vividos que zelosamente guardo.
Sou como as torres de "Zénite", em longevidade alta do ficcional para a magnitude na
realidade de quem sou.
Uma mulher poderosa que dividiu em confusão o átomo de quem me desejou.
Mas continuo meramente uma simples e apaixonada poetisa.
Eu possuo os ventos ciclónicos a quem dei o meu nome por cândida doçura.
A doçura que em beijo explica a rotação do ar até ao gravítico cair do grão furioso.
Eu sou a poetisa do amor ancestral que de amor veio ao mundo terreno.
Eu possuo os poetas nórdicos e latinos dentro de mim.
Eu sou o prazer, mas também a dor e o amor.
Eu serei sempre uma poetisa...
Duma paixão intensa e marcante que queima através dos ossos vazios do meu frio e das
minhas brasas.
Eu bebo o néctar poluído da terra e o transformo em palavras, palavras essas que são o
antídoto para a fútil existência desse néctar!
Vivo-vos esquecendo-me de me viver, sei que será para sempre essa a minha cruz letal.
Recebo em gratidão a solidão de mulher a que fui destinada. Serei sempre a poetisa que
anda na eternidade do mundo sozinha!
Mas sou e serei… aquela que mesmo junto ao abismo ou sentada no limite do caos, o
amor e a paz terão sempre a oportunidade de lhe residir em permanência!
Sou partes de mim...
Sou a outra parte de mim, aquela que une dois mundos, aquela que se faz sendo voraz,
a que perfeita na sua imperfeição se faz inteira, sou a criadora e a criatura, sou a
escuridão do dia e a luz da noite, sou o arco, a flecha e o alvo, porque a força nunca seca
o fruto de Mulher!
Sou e serei…
Sou o fio condutor da vela apagada cujo pavio se reacende na colina onde reencarnou o
tímido Beija-Flor.
Sou a outra parte de mim, aquela que abraça os ventos das marés açoitando-os numa
correnteza nunca vencida, sou a diferença da indiferença e a indiferença da diferença,
sou desprezível ao conceito de mulher?! Não!
Tenho a coragem da verdade e a impulsividade curiosa e penetrante da felina, sou Vida!
Sou partes de mim...
Sou e serei…
Tenho a meiguice e a ingenuidade de menina-mulher, a sensualidade e o mistério de
uma sereia, o coração puro de poeta e a força de ser Mulher, o que me faz gigantesca é
saber perdoar e o que me faz pequena é a humildade...Sou a pureza nua que naufraga
sem velas de hipocrisia numa gôndola de verdade, sou a paz que reina e vence na solidão.
Sou a outra parte de mim, sou partes de mim...!
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Sou e serei…!
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