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FÁBULAS

Versão Portuguesa de Nicolau Firmino


Capa: estúdios P. E. A. (sobre ilustração de Gustavo Doré)
© da versão portuguesa Editorial Inquérito, 1990
Direitos reservados por Editorial Inquérito, Lda.
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excepção não deve de modo nenhum ser interpretada como
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antológicas ou similares donde resulte prejuízo para o
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procedimento judicial
CLÁSSICOS INQUÉRITO
FÁBULAS
FEDRO Versão portuguesa de NICOLAU FIRMINO
4." edição
Editor Francisco Lyon de Castro
EDITORIAL INQUÉRITO, LDA., Travessa da Queimada, 23, l.9,
Dt.° 1200 LISBOA PORTUGAL
Edição n.9:816120/01778
Execução técnica: Gráfica Europam, Lda., Mira-Sintra -Mem
Martins
EDITORIAL INQUÉRITO LIMITADA LISBOA
Depósito legal n.*: 53820/92

CLÁSSICOS INQUÉRITO
Fiel à sua longa tradição de servir a cultura, a Editorial
Inquérito pretende, com esta colecção, divulgar obras-primas
que são monumentos imperecíveis a marcar a história cultural
da Humanidade.
Obrigatórias para especialistas e estudiosos, estas obras, de
que muitos leitores ouviram falar e que não deixariam de
conhecer directamente se a elas tivessem fácil acesso, ficarão
assim ao alcance de todos e não apenas de alguns.
Obras publicadas nesta colecção (o * indica edições bilíngues):
- ÉdipoRei, Sófocles
- As Suplicantes, Ésquilo
- Medeia, Eurípides
- Antígona, Sófocles
- As Bacantes, Eurípides
- As Vespas, Aristófanes
- Os Persas, Ésquilo
- Prometeu Agrilhoado, Ésquilo
- Novelas Exemplares, Cervantes
- As Aves, Aristófanes
- Arte Poética, Horácio*
- As Nuvens, Aristófanes*
- Uma História Verídica, Luciano*
- Anfitrião, António José da Silva, «O Judeu»
- Em Defesa do Poeta Árquias, Cícero
- Hermotimo ou as Escolas Filosóficas, Luciano*
- UAllegro* HPenseroso, John Milton*
- A História Trágica da Vida e Morte do Doutor Fausto,
Christopher
Marlowe*
- íon, Platão*
- Fábulas, Fedro
- O Rapto de Prosérpina, Clautliano*

NOTA DO EDITOR
A presente edição respeita o texto das anteriores, embora se
tenha procedido à sua actualização ortográfica.

Ao eminente beirão
Dr. Carlos Castanheiro dos Santos com a admiração e a
estima
do tradutor

ÍNDICE
Prefácio .... 15
LIVRO PRIMEIRO
Prólogo 23
O lobo e o cordeiro 23
As rãs pediram um rei 24
O gralho orgulhoso e o pavão 25
Um cão levando carne por um rio 26
A vaca, a cabrinha, a ovelha e o leão 26
As rãs para o sol 27
A raposa para uma máscara de tragédia 27
O lobo e o grou 28
Um pardal conselheiro duma lebre 28
O lobo e a raposa, sendo juiz um macaco 29
O burro e o leão à caça 30
O veado junto da fonte 30
A raposa e o corvo 31
De sapateiro a médico 32
O burro a um velho pastor 33
A ovelha, o veado e o lobo 33
A ovelha, o cão e o lobo 34
A mulher parturiente 34
A cadela de parto 35
Os cães famintos 35
O leão velho, o javali, o touro e o burro 36
A doninha e o homem 36
O cão fiel 37
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A rã rebentada e o boi 37
Os cães e o crocodilo 38
A raposa e a cegonha 38
O cão, o tesouro e o abutre 39
A raposa e a águia 40
O burro escarnecedor do javali 40
As rãs temendo os combates dos touros 41
O milhafre e as pombas 42

LIVRO SEGUNDO
O autor 45
O bezerro, o leão e o ladrão 46
A velha, a rapariga e o homem 46
Esopo para um certo homem, acerca do êxito dos
maus 47
A águia, a gata e o javali 47
César para um atriário 48
A águia e a gralha 50
Os dois machos e os ladrões 50
O veado junto dos bois 51
O autor sobre a estátua de Esopo 52

LIVRO TERCEIRO
Fedro a Eutico 57
A velha para a ânfora 59
A pantera e os pastores 59
Esopo e o camponês 60
O cortador e o macaco 61
Esopo e o petulante 62
Amosca e a mula 62
O lobo para o cão 63
A irmãeoirmão 64
Sócrates para os amigos 65
Um acontecimento no império de Augusto 65
Um coxo para um homem ruim 67
O frango para a pérola 68
As abelhas e os zangãos, sendo juiz a vespa
69
Acerca do jogo e da severidade 69

O cão e o cordeiro 70

A cigarra e a coruja 71

As árvores na protecção dos deuses 72


O pavão para Juno, acerca da sua voz 72

Esopo responde a um palrador 73


O poeta a Eutico 74

LIVRO QUARTO
O poeta a Particulão 79
O burro e os galos (sacerdotes de Cibele) 80
A doninha e os ratos 80

Acerca da raposa e da uva 81

O cavalo e o javali 82

Esopo intérprete dum testamento 82


Combate dos ratos e das doninhas 84

Fedro a um certo detractor 85

A víbora a um oficial de ferreiro 86


A raposa e o bode 86
Acerca dos vícios dos homens 87
O ladrão e a lanterna 87
Prova-se que as riquezas são más 88
O leão reinando 89

Acerca das cabras barbadas 90


O piloto e os marinheiros 90
Embaixada dos cães a Júpiter 91
O homem e a srpente 92
A raposa e o dragão 93
Fedro acerca das fábulas 94
Acerca de Simónides 94
A montanha parturiente 95
A formiga e a mosca 96
Simónides guardado pelos deuses 97
Epílogo - A Particulão 98

LIVRO QUINTO
Prólogo - O poeta 101
O rei Demétrio e o poeta Menandro
101
Os viandantes e o ladrão 102
O calvo e a mosca
O homem e o burro
O chocarreiro e o camponês
Um calvo e um certo homem igualmente falto de cabelo
Príncipe, tocador de flauta
O tempo
O touro e o novilho
O cão, o porco e o caçador
APÊNDICE
O macaco e a raposa
O autor
Prometeu e Dolo
O autor
O autor
Esopo e o escritor
Pompeu Magno eo seu soldado
O pai de famílias e Esopo
Esopo e o vencedor gímnico
O burro a uma lira
Um galo levado em liteira pelos gatos
Uma porca parturiente e um lobo
Esopo e o escravo fugitivo
O cavalo de quadriga vendido para uma atafona
O urso faminto
O viandante e o corvo
O pastor e a cabrinha
A serpente e o lagarto
A gralha e a ovelha
O servo e o senhor
A lebre e o boieiro
A borboleta e a vespa
A cotovia e a raposa
O autor - Epílogo

NOVAS FÁBULAS
O rato e a rã 131
O rato da cidade e o rato do campo 131
Um burro que fazia festas ao dono 132
O leão e o rato 133
O milhafre doente 134
As aves e a andorinha 134
As lebres e as rãs 135
O lobo e o cabrito 135
O escravo desertor e o leão 136
Os animais, as aves e o morcego 138
O gavião e o rouxinol 138
As ovelhas e os lobos 139
O camponês e as árvores 140
Os membros e o estômago 140
Dois homens e os macacos 141
A espada e o viandante 142
Uma raposa metamorfoseada em homem 142
O burro e o boi 142
O mosquito e o touro 143
O cavalo e o burro 143
Bibliografia 145

**
PREFÁCIO
O favor do público, que esgotou a edição anterior, contribuiu
para me animar a trazer à publicidade esta nova edição da
Tradução das Fábulas de Fedro.
Já não procurarei demonstrar, como fiz nas edições da Eneida
e dos Comentários da Guerra Gaulesa, o proveito que das
minhas traduções têm tirado os seus compradores. As
sucessivas edições dos meus humildes trabalhos, impressos em
Portugal e no Brasil, são um testemunho inconfundível do seu
préstimo e convencem-me de que já estou dispensado de me
justificar no futuro das razões por que as tenho escrito.
Seria infantilidade pretender agradar a todos com os meus
trabalhos ou com os actos da minha vida. O próprio Fedro, há
vinte séculos, encontrava detractores da sua obra, onde se lê a
cada passo: Calumniari siquis autem voluerit (1 - Prólogo);
Hunc obtrectare si volet malignitas (IV - a Particulão1), etc. O
mun-
1
Particulão e Eutico, aos quais Fedro se dirige, deviam ter
sido figuras apagadas, pessoas de humilde condição, como era
Fedro. Os dicionários apenas os citam como nomes de
homens, não os tomem talvez como nomes de animais, uma
vez que tudo está personificado nas Fábulas.
7

0
0

mundo não pode girar em sentido oposto. Sempre houve, há e


continuará a haver discordantes e detractores do trabalho
alheio. Vem isto a propósito de eu também dizer que os
processos, que por questões de ensino me têm sido levantados
na Polícia', dos quais tenho saído sempre incólume e espero
continuar a sair no futuro, Deo juvante, não serão nunca
motivo para que eu desanime ou afrouxe nas minhas
actividades, mas são antes um estímulo para que eu continue a
servir o público com o meu estudo e humilde labor.
Depois, lá está o futuro para ser juiz imparcial e julgar se eu,
homo per me cognitus, nulla commenda-tione majorum, nullis
Reipublicae favoribus (more Ciceroniano)... fui mais útil à pátria
ou se foram aqueles que, vivendo de ordenados do Estado, e
pouco ou nada fazendo para utilidade dos cidadãos, andaram a
perseguir e a tentar aniquilar a actividade de quem tem direitos
à vida e direitos de cidadão escritos na Constituição vigente.
Por isso, digo como o fabulista escreveu de Sócrates (III - X):
Cedo invidiae, dummodo absolvar cinis.

***
Fedro, escravo liberto de Augusto, expõe a Eutico, no início do
livro III, os motivos por que foram inventadas as fábulas: A
escravidão exposta, porque não ousava dizer o que queria,
levou os seus sentimentos para as fábulas e iludiu a denúncia
com gracejos. Por isso Fedro seguiu pelo caminho de Esopo,
forjou mais histórias do que ele, e escolheu algumas para as
aplicar à sua desgraça pessoal...
O assunto das fábulas está sempre palpitante de actualidade
através das gerações e das suas camadas sociais. Há-de haver
sempre lobos a implicar com os cordeiros, rãs a pedirem novos
governos, gralhos que querem parecer pavões, e cães... Estas
fábulas, ao mesmo tempo que distraem o espírito, encerram
lições de grande proveito.
Às fábulas recorreram o P.e Manuel Bernardes, quando citou a
narração do homem médico do leão (Nov. Fáb. IX), Bocage,
Filinto Elísio, a Marquesa de Alorna, Curvo Semedo, e muitos
dos nossos melhores escritores. As fábulas são tão antigas
como o próprio género humano. Lembro-me de ter ouvido, há
25 anos, ao meu professor de Francês, Rev.mo Cónego José
Lourenço Tavares, que os pretos, povo sem cultura e sem
escrita, conheciam pela tradição oral muitas fábulas de Fedro.
O mesmo ilustre professor escreveu também na sua Gramática
de Kikongo algumas fábulas das que ouviu aos indígenas do
Congo.
Na Bibliografia, sendo todos os exemplares da minha
biblioteca particular, cito diversas traduções em prosa e em
verso, e até adaptações que do assunto das fábulas se têm
feito.
1
Em Agosto e Setembro de 1940 e 31 de Março de 1943, a
contrastar com a portaria de louvor publicada no Diário do
Governo de 6 de Junho de 1942.
16

3
7
1
Antigo missionário do Congo, douto filólogo, autor duma
Gramática da Língua do Congo, mandada publicar pelo
Governo Geral de Angola, na Imprensa Nacional-Luanda em
1915. O meu antigo e querido professor disse-me ultimamente
que fora reeditada há pouco tempo esta sua Gramática, sem o
seu conhecimento e sem a sua autorização.
Clássicos Inquérito 2
Nesta edição, juntei muitas fábulas novas, que traduzi
directamente da edição da Biblioteca Teubneriana, organizada
pelo professor Luciano Mueller, contendo as novas fábulas que
o italiano Nicolau Perotti no século XV deixara na sua
compilação, encontrada em Nápoles em 1808. Quis substituir
com palavras honestas o assunto de todas as fábulas, mas
desisti de traduzir algumas mais escabrosas e indigestas para
os estômagos fracos dos adolescentes, lembrado daquela
máxima de Juvenal: máxima reverenda puero debetur. Segui
tanto quanto foi possível o texto latino com a tradução literal
portuguesa, para confronto e estudo do mesmo texto latino,
pelo que nem sempre pude escrever português muito correcto.
Resta-me também agora terminar como Fedro
:
Hoc illis dictum est, qui stultitia nauseant Et, ut putentur
sapere, caelum vituperant.

**
Fábulas Esópicas
de Fedro, escravo forro de Augusto
18
Lisboa, Novembro de 1943.
NICOLAU FIRMINO

00

**
LIVRO PRIMEIRO

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0
0

Eu compus em versos de seis pés este assunto que o autor


Esopo inventou. A vantagem do livrinho é dupla, porque
provoca o riso e porque dirige a vida com um conselho
assisado. Se alguém, pois, quiser censurar que falem até as
árvores, e não somente os animais, lembre-se de que nós nos
divertimos com narrativas fingidas.
4
10

**
O lobo e o cordeiro
É fácil oprimir o inocente.
5
11
Um lobo e um cordeiro, forçados pela sede, tinham vindo ao
mesmo regato. O lobo estava mais acima e o cordeiro muito
mais abaixo. Então o ladrão, excitado pela goela insaciável,
levantou a causa da contenda. Diz: - Porque fizeste turva a
água a mim que estou bebendo? O lanígero cordeiro, cheio de
medo, diz em resposta: - Peço-te que me digas como posso
fazer aquilo de que te queixas, ó lobo? A água decorre de ti
para os meus tragos. Aquele, venci-
23
6
12

vencido pelas forças da verdade, diz: - Antes destes seis meses


disseste mal de mim. O cordeiro respondeu: - Então
certamente eu não tinha ainda nascido: - Por Hércules, diz
aquele, o teu pai disse naquele tempo mal de mim. E assim
despedaça com uma injusta morte o cordeiro arrebatado.
Esta fábula foi escrita por causa daqueles homens que
oprimem os inocentes com falsos pretextos.

**
As rãs pediram um rei
Do mal o menos.
Quando Atenas prosperava sob leis justas, uma liberdade
insolente agitou a cidade e à anarquia relaxou a antiga
disciplina. Então, conspirados uns contra os outros os
componentes das facções, o tirano Pisístrato ocupou a
cidadela. Como os atenienses chorassem a sua triste
escravidão, não porque ele fosse cruel, mas porque todo o
fardo é pesado para os desacostumados, e tivessem começado
a queixar-se, Esopo referiu então uma tal fabulazinha:
«As rãs, divagando pelas livres lagoas, pediram a Júpiter com
grande gritaria um rei que reprimisse pela força os costumes
dissolutos. O pai dos deuses riu-se e deu-lhes um pequeno
barrote que, atirado às águas, aterrou a raça medrosa com o
súbito movimento e com o barulho. Como este barrote jazesse
por muito tempo mergulhado no limo, uma rã por acaso
levanta tacitamente a cabeça fora da lagoa, e, examinado o rei,
chama todas as rãs. Aquelas, deposto o temor, aproximam-se
dele nadando ao desafio, e a turba insolente salta para cima do
barrote. Como tivessem humilhado este barrote com toda a
espécie de insultos, enviaram a Júpiter rãs que pedissem outro
rei, porque era inútil o que lhes tinha sido dado. Então enviou-
lhes uma cobra da água, que começou a comê-las uma a uma
com dente cruel. As rãs impotentes em vão fogem à morte. O
medo embarga-lhes a voz. Por isso, secretamente dão recados
a Mercúrio para Júpiter, a fim de que socorra as aflitas. Então o
deus, em resposta, diz: - Porque não quisestes suportar o bom
rei, aguentai o mau.»
Vós também, ó cidadãos, diz Esopo, suportai este mal, para
que não venha um mal maior.
24

**
O gralho orgulhoso e o pavão

Ninguém está contente com a sua sorte.

Esopo deu-nos este exemplo, para que não nos agrade


vangloriarmo-nos com os bens alheios, e para que agrade
antes passar a vida no seu próprio estado.
Um gralho, inchado de vão orgulho, apanhou as penas que
tinham caído a um pavão e enfeitou-se com elas. Depois,
desprezando os seus, misturou-se ao formoso bando dos
pavões. Aqueles arrancam as penas à ave impudente, e
afugentam-na com os bicos. O gralho muito mal tratado
começou, entristecido, a voltar para a própria raça, repelido
pela qual sofreu uma triste ignomínia. Então um certo dentre
aqueles, que primeiramente tinha desprezado, disse: - Se ti-
25
tivesses estado contente com as nossas moradas, e tivesses
querido suportar o que a natureza nos dera, nem terias
experimentado aquela afronta, nem a tua desventura sentiria
esta repulsa.

**
Um cão levando carne pelo rio
Quem tudo quer, tudo perde.
Perde com razão o bem próprio aquele que cobiça o alheio.
Enquanto um cão, nadando, levava um pedaço de carne por
um rio, viu a sua imagem no espelho das aguas e, cuidando
que outra presa era levada por outro cão, quis tirar-lha: porém
a avidez foi lograda, e não só soltou a comida que tinha na
boca, mas muito menos ainda pôde alcançar a que desejava.

**
A vaca, a cabrinha, a ovelha e o leão
Não acompanhes com quem pode mais do que tu.
A aliança com o poderoso nunca é segura. Esta fabulazinha
atesta a minha asserção.
Uma vaca, uma cabrinha e uma ovelha sofredora de injúria
foram companheiras de um leão nos bosques. Como estes
tivessem apanhado um veado de grande corpulência, feitos os
quinhões, o leão falou
assim: - Eu tomo a primeira parte, porque sou chamado leão;
dar-me-eis a segunda, porque sou corajoso; então a terceira
seguir-me-á, porque tenho mais força; será maltratado, se
alguém tocar na quarta
parte.
Deste modo a desonestidade sozinha levou toda a presa.

As rãs para o sol


De mau pai maus filhos.
Esopo viu as bodas muito concorridas dum seu vizinho
ladrão, e imediatamente começou a contar:
Um dia, como o Sol quisesse casar, as rãs levantaram um
clamor até aos astros. Júpiter, muito impressionado com o
barulho, pergunta a causa do queixume. Então uma certa
habitante da lagoa diz: - Agora um só Sol seca todos os lagos e
obriga-nos a nós, desgraçadas, a morrer numa habitação seca.
O que sucederá, se criar filhos?
26

**
A raposa para uma máscara de tragédia
As honras não honram os néscios.
Uma raposa vira por acaso uma máscara de tragédia e disse:
- Oh quão grande beleza, mas não tem cérebro!

27

Isto foi dito para aqueles aos quais a fortuna concedeu honra
e glória, mas tirou o senso comum.

**
O lobo e o grou
É perigoso fazer bem aos maus.

O que reclama dos maus a recompensa dum serviço erra duas


vezes: primeiramente, porque ajuda os indignos; depois,
porque já não pode retirar-se impunemente.
Como um osso engolido estivesse atravessado na goela dum
lobo, este, vencido pela dor, começou a convencer por um
prémio, um após outro, para que lhe extraíssem aquele mal.
Finalmente um grou foi persuadido pelo juramento e,
confiando o comprimento do seu pescoço à goela, fez ao lobo a
perigosa operação. Como reclamasse daquele a paga
combinada, o lobo diz: - És ingrato tu que tiraste da minha
boca a cabeça sã e salva e pedes recompensa!

**
Um pardal conselheiro de uma lebre
Não insultes os infelizes.

Mostraremos em poucos versos ser loucura não se acautelar a


si e dar conselhos aos outros.
Um pardal censurava uma lebre apanhada por
uma águia e soltando sentidos gemidos. Diz-lhe:

- Onde está aquela tua conhecida velocidade? Porque pararam


assim os teus pés?

Enquanto fala, um gavião arrebata o próprio pardal


desprevenido, e mata aquele que gritava num vão queixume.

A lebre, semi-morta, diz:

- Eis aqui a consolação da minha morte! Tu, que, há pouco,


seguro, zombavas dos meus males, deploras os teus destinos
com um queixume semelhante.

**
O lobo e a raposa, sendo juiz um macaco
No mentiroso ninguém acredita, ainda quando diz a
verdade.
Todo aquele que se tornou conhecido uma vez por uma
vergonhosa fraude, perde o crédito, ainda que diga a verdade.
Esta abreviada fábula de Esopo atesta isto.
Um lobo acusava uma raposa pelo crime de furto; aquela
negava que estivesse envolvida na culpa. Então o macaco
sentou-se como juiz entre eles. Como um e outro tivessem
defendido a sua causa, diz-se que o macaco proferira a
sentença:
- Tu, lobo, não pareces ter perdido o que reclamas; creio, ó
raposa, teres tu furtado o que negas astutamente.

28 29

**
O burro e o leão à caça
O cobarde e fanfarrão é digno de riso.

O destituído de valor, ostentando a sua glória com palavras,


engana os desconhecedores, mas serve de troça aos
conhecidos.
Como um leão quisesse caçar, tendo um burro por
companheiro, cobriu-o com ramos e ao mesmo tempo
aconselhou-lhe que assustasse os animais com uma voz
desusada, para que ele próprio os apanhasse, quando fugiam.
Então o orelhudo solta subitamente um zurro com todas as
forças, e aterra os animais com o novo prodígio. Enquanto
estes, assustados, procuram as saídas conhecidas, são
derrubados pelo ataque horrendo do leão. Depois que este leão
se cansou da carnificina, chama o asno e manda-o conter a
voz. Então aquele burro, insolente, diz:

- Que tal te parece o efeito da minha voz?

- Notável! - diz o leão - de tal modo que, se eu não conhecesse


o teu valor e a tua raça, teria fugido com semelhante medo.
**
O veado junto da fonte
Muitas vezes é o mais útil o que se despreza.

Esta narração assegura que muitas vezes se encontram mais


úteis as coisas que se tiverem desprezado, do que as louvadas.

30

Como um veado tivesse bebido junto duma fonte, parou e viu


a sua imagem na água. Enquanto ali, maravilhado, louva os
chifres esgalhados e censura a demasiada delgadeza das
pernas, assustado de repente pelas vozes dos caçadores,
começou a fugir pelo campo e enganou os cães com a corrida
ligeira. Então um bosque abrigou o animal, no qual bosque,
embaraçado pelos chifres retidos, começou a ser ferido pelas
cruéis mordeduras dos cães. Diz-se que ele então, moribundo,
soltara esta voz:

- Oh, infeliz de mim que finalmente agora compreendo como


me foram úteis as coisas que eu tinha desprezado, e quanto de
luto tiveram as que eu tinha louvado.

**
A raposa e o corvo

Nada há mais traiçoeiro do que um adulador.

Aquele que gosta de ser louvado com palavras enganosas


sofre castigos vergonhosos, com tardio arrependimento.
Como um corvo, pousado no alto duma árvore, quisesse
comer um queijo roubado duma janela, a raposa viu este
corvo, e em seguida começou a falar assim: - Ó corvo, que
esplendor é o das tuas penas! Quanta graça ostentas no corpo
e no rosto! Se tivesses voz, nenhuma ave te seria superior!
Mas, enquanto aquele néscio quer mostrar a voz, soltou da
boca o queijo que a raposa astuta rapidamente agarrou com os
dentes ávidos. Somente então é que a estupidez do corvo
ludibriado gemeu.

31

Com esta fábula prova-se quanto vale o engenho; o saber


vence sempre a força.

**
O burro a um velho pastor
O pobre muda de amo, mas não de condição.

Um velho tímido apascentava um burrinho num


prado. Aquele, assustado com o clamor inesperado dos
inimigos, aconselhava o burro a fugir, para que não
pudessem ser apanhados. Mas este tranquilamente
respondeu.

- Pergunto. Porventura julgas que o vencedor me há-de


pôr duas albardas?

O velho disse que não.

- Portanto, que me importa a quem sirva, contanto que


traga a minha albarda?

Diria eu com razão que isto diz respeito àqueles cuja


loucura é a fonte da desvergonha. Na mudança de
governo muitas vezes os pobres nada mudam além do
nome do seu senhor. Esta pequena fabulazinha indica
só isto verdadeiro.

**
De sapateiro a médico

A opinião do vulgo é falaz.

Como um mau sapateiro, perdido pela pobreza, tivesse


começado a exercer clínica num lugar desconhecido, e
vendesse um contra-veneno com um falso nome, adquiriu para
si fama com os seus rodeios palavrosos. Como então jazesse
abatido por uma grave doença, o rei da cidade, por causa de o
experimentar, pediu uma taça; depois, fingindo que misturava
um veneno ao antídoto daquele, tendo deitado só água,
mandou beber àquele mesmo sapateiro, tendo-lhe prometido
uma recompensa. Então ele, com o medo da morte, confessou
que se tinha feito célebre, não por algum conhecimento da arte
médica, mas pela estupidez do vulgo. Convocada uma reunião,
o rei pronunciou estas palavras:

- De quão grande loucura julgais vós ser, que não duvidais


confiar as vossas cabeças a quem ninguém entregou os pés
para serem calçados?

**
A ovelha, o veado e o lobo
Guarda-te do fiador infiel.

Quando um tratante chama homens maus para serem fiadores,


não deseja regular o assunto, mas aumentar o mal.
Um veado pedia a uma ovelha um alqueire de trigo, sendo o
lobo fiador. Mas aquele, temendo previamente o engano, disse:
- O lobo costumou sempre roubar e ir-se embora, e tu
costumas fugir da vista com ímpeto veloz. Onde vos procurarei,
quando chegar o dia do vencimento?

32 33

**
A ovelha, o cão e o lobo
O caluniador por fim vem a receber a paga.

Os mentirosos costumam pagar as penas do malefício.

Como um cão caluniador reclamasse duma ovelha um


pão que ele pretendia ter-lhe emprestado, o lobo,
citado como testemunha, disse que era devido não
somente um, mas afirmou que eram dez. A ovelha,
condenada pelo falso testemunho, pagou aquilo que
não devia. Depois de poucos dias a ovelha viu o lobo
jazendo numa armadilha.

- Esta recompensa da fraude - diz ela - é dada pelos


deuses.

**
A cadela de parto
Fecha a tua casa aos maus.

Como uma cadela de parto tivesse pedido a outra cadela que


a deixasse depor a cria na sua casota, obteve esta permissão
facilmente. Depois dirigiu novas preces àquela que exigia o seu
lugar, pedindo um breve tempo, até que pudesse retirar os
cachorros mais fortes. Decorrido também este tempo, começou
a exigir com mais insistência o covil. Disse então a inquilina: -
Se puderes ser igual em forças a mim e à minha prole, sairei
do lugar.
As carícias do homem perverso contêm em si ciladas que os
versos aqui escritos aconselham que evitemos.

**
A mulher parturiente
Os males sempre chegam muito cedo.

Ninguém procura de bom grado o lugar que o molestou.

Estando próxima de dar à luz, decorridos os meses, uma


mulher estava deitada no chão, soltando lastimosos gemidos. O
marido aconselhava-a a que reclinasse o corpo na cama, para
que melhor se libertasse do peso da natureza.

- De modo nenhum - diz ela - eu confio que posso acabar com


o mal naquele lugar que me é suspeito.

**
Os cães famintos
Muitas vezes a ignorância ocasiona a ruína.

Um projecto estúpido não só carece de realização, mas


também arrasta os mortais para a desgraça.
Uns cães viram um coiro mergulhado num rio. Para que,
extraído, pudessem comê-lo mais facilmente, começaram a
beber a água, mas pereceram rebentados, antes que
atingissem o que tinham desejado.

34 35
**
O leão velho, o javali, o touro e o burro
O infeliz até para os mais cobardes serve de escárnio.

Como um leão abatido pelos anos e abandonado pelas forças


jazesse, exalando o último alento, um javali veio para ele com
os dentes fulminantes e vingou com uma dentada uma antiga
ofensa. Em seguida o touro varou o corpo inimigo com os
chifres infestos. O burro, quando viu que o animal feroz sofria
impunemente, quebrou-lhe a cabeça aos coices. Então aquele
leão, expirando, disse:

- Sofri indignamente que os animais fortes me insultassem;


mas, porque sou obrigado a suportar-te, ó desonra da
natureza, certamente me parece morrer duas vezes.

Todo aquele que perdeu a antiga dignidade é objecto de


zombaria até para os cobardes, na sua grave queda.

**
A doninha e o homem
A quem morre por gosto não se lhe reza pela alma.

Como uma doninha, apanhada por um homem, quisesse


evitar a morte iminente, disse:

- Peço-te. Perdoa-me a mim que te limpo a casa dos ratos


daninhos.

Ele respondeu:

- Se fizesses isso por minha causa, ser-me-ia grato, e teria


dado agora o perdão a ti suplicante. Mas porque trabalhas,
para que gozes os restos que eles estão para roer, e ao mesmo
tempo

36

comas os mesmos ratos, não queiras atribuir-me um vão


benefício. E, falando assim, entregou a malvada à morte.

Devem reconhecer que isto foi dito para si aqueles cujo


interesse particular serve a eles próprios e ostentam com
demasiado impudor um vão merecimento.

**
O cão fiel
Os benefícios dos maus devem ser suspeitos.

O homem repentinamente liberal é agradável aos néscios,


porém arma laços vãos aos experimentados.
Como um ladrão nocturno tivesse atirado um pedaço de pão
a um cão, tentando se aquele podia ser subornado pela comida
atirada, disse o cão:

- Olá! Queres fechar a minha boca, para que eu não ladre em


defesa da propriedade do meu dono? Enganas-te muito,
porque esta súbita bondade manda-me vigiar, para que não
alcances lucro por minha culpa.

**
A rã rebentada e o boi
Não tentes lutar com os grandes.

O fraco sucumbe, quando quer imitar o poderoso.


Uma rã viu uma vez um boi num prado e, tocada
Pela inveja de tamanha corpulência, inchou a pele ru-

37

rugosa; então perguntou aos seus filhos se era maior do que o


boi. Aqueles negaram. De novo esticou a pele com maior
esforço e perguntou de semelhante modo quem era maior. Eles
disseram que era o boi. Quando, indignada por fim, quer
inchar-se mais fortemente, jazeu com o corpo rebentado.

**
A raposa e a cegonha
Amor com amor se paga.
Diz-se que uma raposa convidou primeiro uma
cegonha para uma ceia, e lhe pusera num prato chato
um caldo líquido que a cegonha, faminta, de nenhum
modo pôde saborear. Como esta tivesse convidado a
raposa, colocou-lhe diante uma garrafa cheia de
comida migada. Ela própria satisfaz-se, metendo o bico
nesta garrafa, e atormenta com fome a convidada.
Como a raposa lambesse em vão o gargalo da garrafa,
ouvimos dizer que a ave de arribação falou assim:
- Cada um deve sofrer com igual ânimo os seus
exemplos.

A ninguém se deve fazer mal. Se alguém, porém, nos


tiver lesado, a fábula aconselha que deve ser castigado
com igual direito.

**
Os cães e o crocodilo
Não há rede para o gavião e o abutre.
Os que dão maus conselhos aos homens cautelosos não só
perdem o trabalho, mas também são escarnecidos
vergonhosamente.
Contou-se que os cães bebem a correr no rio Nilo, para que
não sejam apanhados pelos crocodilos. Como, pois, um cão
tivesse começado a beber, correndo, um crocodilo falou assim:

- Lambe com vagar quanto te agrade. Não queiras temer.

Mas aquele respondeu:

- Fá-lo-ia, palavra de honra, se eu não soubesse que tu eras


desejoso da minha carne.

38

**
O cão, o tesouro e o abutre
O avarento é o algoz de si mesmo.
Esta narrativa pode aplicar-se aos avarentos e àqueles que,
tendo nascido humildes, procuram ser chamados ricos.
Um cão, desenterrando uma ossada humana, encontrou um
tesouro, e, porque violara os Manes, foi--lhe inspirada a cobiça
das riquezas, para que pagasse o castigo à santa religião. Por
isso, enquanto guarda o ouro, esquecido da comida, foi
dizimado pela fome. Conta-se que um abutre, poisando sobre
ele, dis-sera:

- Ó cão, com razão jazes aqui tu que ambicionaste subitamente


as riquezas, tu nascido num canto, criado no esterco.

39
**
A raposa e a águia
O grande não despreze o pequeno.
Os homens, embora elevados, devem temer os humildes,
porque o caminho da vingança está aberto para um engenho
hábil.
Uma águia roubou uma vez os cachorros duma raposa e pô-
los no ninho aos seus filhos, para que os tomassem como
alimento. A mãe, tendo seguido esta, começa a pedir-lhe que
não trouxesse a si, infeliz, tamanho luto. Aquela desprezou a
petição, como que segura no próprio lugar. A raposa tirou
então dum altar uma tocha acesa e envolveu de chamas toda a
árvore, misturando a dor da inimiga à perda do sangue. A
águia, para que arrancasse os seus ao perigo da morte,
restituiu suplicante os filhos incólumes à raposa.

**
O burro escarnecedor do javali
Uma palavra de zombaria custa muitas vezes caro.

Como um burrinho fosse ao encontro dum javali, disse:

- Eu te saúdo, ó irmão.

Aquele, indignado, repudia a cortesia e pergunta-lhe porque é


que mente assim. O burro, mostrando-lhe o pé, responde:

- Se tu dizes que eu não sou semelhante a ti, certamente esta


pata é semelhante ao teu focinho.

Como o javali quisesse fazer um ataque honroso, conteve a sua


ira e disse:
- A vingança seria bastante fácil para mim, mas não quero
sujar-me com sangue desprezível.
**
As rãs temendo os combates dos touros

Os males públicos recaem sempre sobre o povo.


Os humildes sofrem, quando os poderosos estão em
discórdia.
Uma rã, vendo duma lagoa um combate de touros, diz:

- Ai! Que grande calamidade nos está iminente!

Interrogada por outra, porque dizia isto, visto que aqueles bois
combatiam acerca da primazia da manada e passavam a vida
longe delas, disse:

- A nossa morada está separada e a nossa raça é diferente,


mas aquele que fugir expulso do reino do bosque virá para os
esconderijos retirados da lagoa e esmagar-nos-á com o seu
duro pé, a nós, calcadas. Deste modo, o furor daqueles chega
até à nossa cabeça.
Enquanto os loucos muitas vezes procuram um breve riso,
atingem os outros com uma grave afronta e atraem sobre si
um grave perigo.

40 41

**
O milhafre e as pombas
Vê em quem confias.

Aquele que se entrega a um homem mau para ser defendido,


enquanto procura auxílio, encontra a sua ruína.
Como as pombas tivessem fugido muitas vezes do milhafre e
tivessem evitado a morte com a rapidez do voo, o ladrão
volveu o seu plano para a astúcia e enganou com uma fraude a
raça inerme das pombas. Disse:

- Porque levais uma vida inquieta antes do que me elegeis rei,


com uma aliança estabelecida, a mim que vos torne seguras de
toda a injúria? Aquelas, confiadas, entregam-se ao milhafre
que, tendo tomado o reino, começou a comê-las uma a uma e
a exercer o poder com as unhas cruéis. Então uma daquelas
que sobreviviam disse: - Com razão somos castigadas nós que
confiámos a vida a este ladrão.

FIM DO PRIMEIRO LIVRO

**
LIVRO SEGUNDO

42

O género literário de Esopo está encerrado em exemplos, nem


outra coisa qualquer se procura por meio de fábulas, senão
que se corrija o erro dos mortais e que a actividade cuidadosa
se aperfeiçoe.
Qualquer, pois, que tenha sido a matéria de narrar, contanto
que cative os ouvidos e conserve o seu propósito, recomenda-
se pelo assunto, não pelo nome do autor. Na verdade, com
todo o cuidado guardarei o costume do velho Esopo; mas, se
me agradar intercalar alguma coisa, para que a variedade
destas palavras deleite os sentidos, desejaria que tu, leitor,
recebas à boa parte, assim, contanto que a concisão
recompense aquela benevolência. Para que o elogio desta não
seja verboso, atende, por que deves negar aos cobiçosos o que
pedem e também oferecer aos moderados o que não
houverem pedido.

45

**
O bezerro, o leão e o ladrão
A virtude sempre encontra recompensa.

Um leão estava sobre um bezerro prostrado. Interveio um


ladrão de estrada pedindo uma parte. Dar--te-ia -disse o leão-
se não costumasses torná-la por ti. E repeliu o malvado. Um
viandante inofensivo foi levado ao mesmo lugar e, vista a fera,
recuou o pé. Ao qual o leão sossegado diz: - Não há motivo por
que temas, e toma afoitamente a parte que é devida à tua
moderação. Então, dividido o dorso, demandou as selvas, para
que desse aproximação ao homem. Exemplo sem dúvida
notável e louvável; porém a cobiça é rica e o acanhamento é
pobre.
**
Esopo para um certo homem acerca do êxito dos maus
A impunidade é incentivo para os delitos.
Um certo homem, ferido pela mordedura dum cão furioso,
atirou ao malfazejo um pedaço de pão tinto de sangue, coisa
que ouvira dizer ser o remédio da ferida. Então Esopo assim
falou:

- Não queiras fazer isto na presença de muitos cães, para que


não nos devorem vivos, quando souberem ser tal o prémio da
culpa.
O bom êxito dos malvados atrai muitos.
****
A velha, a rapariga e o homem
Acautela-te com as mulheres.

Aprendemos sem dúvida pelos exemplos que os homens de


todas as maneiras são roubados pelas mulheres, quer amem,
quer sejam amados.
Uma mulher não grosseira, que ocultava os anos com
elegância, amava um homem de meia idade; e uma formosa
donzela também grangeara os afectos daquele mesmo homem.
Enquanto ambas querem parecer iguais a ele na idade,
começaram a arrancar alternadamente os cabelos ao homem.
Como julgasse que ele se adornava com o cuidado das
mulheres, tornou-se repentinamente calvo, porque a rapariga
arrancara totalmente os cabelos brancos e a velha, os cabelos
pretos.

46

**
A águia, a gata e o javali
Um homem enganador é fonte de males.
Uma águia fizera o ninho no alto dum carvalho. Uma gata
dera à luz no meio do mesmo carvalho, tendo encontrado ali
uma cavidade. Uma fêmea do javali, habitante dos bosques,
tinha posto a cria junto do tronco. Então a gata destruiu assim
pela fraude e Pela sua malícia celerada este convívio casual.
Trepa

47

ao ninho da águia e diz: - Uma desgraça está preparada para ti


e talvez para mim, infeliz, porquanto, porque vês o javali cavar
a terra todos os dias, o insidioso quer deitar a terra o carvalho,
para que facilmente oprima no chão a nossa prole. Espalhado o
terror e desvairados os sentidos, a gata desceu ao covil do
javali cerdoso e diz:

- Os teus filhos estão em grande perigo, porquanto, logo que


tiveres saído a pastar com o tenro rebanho, a águia está
preparada para te roubar os porquinhos. Depois que encheu de
temor este lugar, também a astuta se escondeu na sua
cavidade segura. Em seguida, vagueando de noite com o pé
suspenso, logo que se encheu de alimento e à sua prole,
simulando pavor, espreita todo o dia. A águia, temendo a
queda, está pousada nos ramos; o javali não sai fora, para
evitar a rapina dos filhos. Para que dizer mais coisas? Finaram-
se de inanição com as suas crias e forneceram largo pasto à
gata e aos seus gatinhos.
Quanto de mal prepara muitas vezes um homem bilíngue a
credulidade néscia pode ter isto como prova.
ro corrigir esta raça de homens, se, todavia, eu puder, com
uma narração verdadeira. O custo do meu trabalho é prestar
atenção.
Como Tibério César, dirigindo-se a Nápoles, tivesse vindo para
a sua casa de campo de Misena, a qual, construída pela mão
de Lúculo, no alto dum monte, olha ao longe para o mar da
Sicília e vê a seus pés o mar da Toscana, um dos escravos do
átrio, de cinto levantado, o qual tinha a túnica solta desde os
ombros com uma banda de linho de Pelúsio, de franjas
pendentes, andando o seu senhor a passear pelos jardins
verdejantes, começou a borrifar, com um balde de madeira, a
terra escaldante, ostentando um obséquio cortês, mas é
mofado. Depois, por caminhos curvos conhecidos, corre para
outro passeio, fazendo cair a poeira. César conhece o homem e
percebe a acção. Como julgou aquilo ser não sei o que de bom,
o senhor diz: - Olá! Aquele, na verdade, acode de um salto,
alegre com o desejo duma gratificação certa. Então a
majestade de tão grande príncipe divertiu-se assim: - Não
fizeste muito e o teu trabalho pereceu em vão; as bofetadas1
em minha casa vendem-se por muito mais caro.

**
César para um atriário
Nada de excessos.

Há em Roma uma certa espécie de buliçosos, correndo


apressadamente, ocupada na ociosidade, cansando-se
gratuitamente, nada fazendo, mexendo-se muito, molesta a si
mesmo e odiosa aos outros. Que-

-----------------
1 Alusão a uma cerimónia praticada no acto de libertar os
escravos.

48 49
**
A águia e a gralha
Se ao poder se junta a malícia, quem poderá escapar-lhe?
Ninguém está suficientemente defendido contra os poderosos;
se, porém, um conselheiro maléfico se veio juntar, ruiu tudo
aquilo que a força e a maldade atacam.
Uma águia levantou uma tartaruga para o alto. Como esta
tartaruga tivesse escondido o corpo na sua casa córnea, nem,
escondida, pudesse ser lesada de modo nenhum, uma gralha
veio pelo ar, e, voando perto, diz:

- Arrebataste com as garras uma presa sem dúvida excelente;


mas, se eu não te tiver mostrado o que deve ser feito por ti,
em vão te fatigará com o seu grave peso. Prometida uma
parte, aconselha-a a que quebre dos altos astros sobre um
rochedo a concha dura, despedaçada a qual, se alimente
facilmente com a comida. A águia, induzida por estas palavras,
obedeceu aos conselhos, e logo dividiu liberalmente a iguaria
com a mestra. Assim, aquela que fora protegida por um dom
da natureza, inferior às duas, morreu de morte desgraçada.

**
Os dois machos e os ladrões
OS ricos têm mais que temer.

Dois machos iam carregados com bagagens. Um levava


cestos com dinheiro: o outro, sacos abarrota-

50
abarrotados de muita cevada. Aquele, rico com a carga, está
sobranceiro com a cabeça levantada, e sacode com o pescoço
um guizo sonoro. O companheiro segue-o com passo tranquilo
e sossegado. De súbito os ladrões vêm duma emboscadae, no
meio do assalto, fe-rem com um ferro o macho, roubam as
moedas e desprezam a vil cevada; como, pois, o macho,
roubado, chorasse as suas desgraças, o outro diz: - Na
verdade, folgo que eu tivesse sido desprezado, porque nada
perdi e não fui maltratado com ferida.
Com este argumento está segura a pobreza dos homens; as
grandes riquezas estão expostas ao perigo.

**
O veado junto dos bois
A quem dói o coração é ao dono do furão.
Um veado, enxotado dos esconderijos dos bosques, para que
evitasse a morte iminente dos caçadores, dirigiu-se cego de
pavor para uma quinta próxima, e escondeu-se num estábulo
oportuno. Aqui um boi disse ao escondido.

- Que quiseste para ti, ó desgraçado, pois que


espontaneamente correste para a morte, e confiaste a tua vida
ao tecto dos homens? Mas ele, suplicando, disse:
- Poupai-me vós somente; as alternativas da noite sucedem ao
espaço do dia; sairei novamente, oferecida a ocasião. O boieiro
traz a folhagem e nem por isso vê nada. Depois todos os
campinos vão e vêm, e ninguém repara. O caseiro passa
também; nem ele descobre alguma coisa. Então o veado
satisfeito começou a agradecer aos bois paca-

51

pacatos por lhe terem dado hospitalidade num tempo adverso.


Um boi respondeu:

- Desejamos, na verdade, que tu estejas salvo, mas, se vier


aquele que tem cem olhos, a tua vida volver-se-á em grande
perigo. Entre estas coisas o próprio dono voltou da ceia e,
porque tinha visto há pouco os bois delgados, aproximou-se do
estábulo, dizendo:

- Porque há pouca folhagem? Falta palha para as camas! Que


trabalho é tirar estas teias de aranha?

Enquanto examina as coisas uma por uma, vê também os


elevados chifres do veado. Convocada a criadagem, ordena
que este seja morto e leva a presa.
Esta fábula mostra que o dono vê muito mais nas suas coisas.

**
O autor sobre a estátua de Esopo
A inveja segue e persegue a virtude.
Os atenienses erigiram uma estátua ao génio de Esopo, e
colocaram este escravo sobre um pedestal, para que os
homens soubessem que o caminho da honra está aberto para
todos, e a glória não é dada ao nascimento, mas sim à virtude.
Porque outro anterior tinha impedido que eu fosse o primeiro
homenageado, procurei, o que me restou, que ele não
estivesse só: nem isto foi inveja, mas emulação. Porém, se o
Lácio for favorável ao meu trabalho, terá mais autores que
oponha à Grécia. Mas, se a inveja quiser criticar o trabalho, não
roubará, todavia, a consciência do valor merecido.
Se o nosso zelo chega aos teus ouvidos, e o teu espírito
saboreia fábulas fictícias, com arte, a minha felicidade afasta
todo o queixume. Porém, se o meu douto trabalho vai ter com
aqueles que a natureza infausta trouxe à luz, nem podem
qualquer coisa senão censurar os melhores, suportarei com o
coração endurecido a desgraça fatal, até que a fortuna tenha
vergonha do seu crime.

FIM DO SEGUNDO LIVRO

52 53

**
LIVRO TERCEIRO
**
FEDRO A EUTICO
Se desejas ler os livros de Fedro, é necessário, Eutico, que
estejas livre de ocupações, para que o teu espírito livre sinta o
vigor da minha poesia. Dizes, porém, que o teu talento não é
de tanto valor para que num momento de uma hora pereça
para os teus deveres. Não é, pois, motivo para isto, que não
convém a ouvidos ocupados ser tocado pelas tuas mãos. Dirás,
talvez: virão algumas férias que me chamarão ao estudo com o
espírito livre. Porventura terás tu, pergunto eu, umas bagatelas
insignificantes, antes que empregues cuidados no governo da
tua casa, restituas aos amigos os tempos perdidos, dês
atenção a tua mulher, repouses o espírito, dês descanso ao
corpo, para que cumpras com mais vigor a tarefa costumada?
O fim e o género de vida deve ser mudado por ti, se pensas
transpor o limiar das musas. Eu, a quem a minha mãe deu à
luz no cimo do monte Piério, no qual a divina Mnemósine, nove
vezes fecunda, deu à luz, para Júpiter Tonante, o coro das
Artes, embora eu tenha nascido na própria escola de Febo, e
tenha arrancado do coração inteiramente o cuidado de possuir,
e me tenha dedicado a esta vida, convidado pela glória não
forçada, todavia, sou recebido desdenhosamente na
companhia dos poetas.
57

Que crês tu acontecer àquele que procura com toda a vigília


acumular grandes riquezas, preferindo um lucro agradável a
um trabalho douto? Mas, enfim, seja o que for, como disse
Sinão, quando foi levado ao rei da Dardânia, traçarei o terceiro
livro no estilo de Esopo, dedicando-o à tua honra e aos teus
serviços. Se leres este livro, folgarei; se o não leres, os
vindouros certamente terão com que se deleitem.
Agora ensinarei abreviadamente por que foi inventado o
género das fábulas.
A escravidão exposta, porque não ousava dizer o que queria,
levou os seus sentimentos próprios para as fábulas e iludiu a
denúncia com gracejos fingidos. Ora pelo caminho daquele
Esopo eu fiz o caminho e pensei mais coisas do que ele
deixara, escolhendo algumas para as aplicar à minha desgraça.
Se outro acusador, porém, se outra testemunha, enfim outro
juiz, além de Sejano, existisse, confessaria que eu era digno de
tamanhos males, nem aliviaria a minha dor com estes
remédios. Se alguém errar na sua suspeição, e levar para si o
que será comum a todos, loucamente revelará a consciência da
sua alma. Quereria, todavia, ser desculpado para com este,
pois nem-eu tenho intenção de apontar indivíduos, mas sim
mostrar a própria vida e costumes dos homens. Dirá, talvez,
alguém que eu empreendi um trabalho pesado. Se o Frígio
Esopo e se Anacársis da Cítia puderam criar com os seus
génios fama imortal, eu que estou mais perto da Grécia
letrada, porque abandonarei num sono inerte a honra da
pátria? Quando a nação da Grécia conta os seus escritores e
Apolo é o pai de Lino, e Musa é a mãe de Orfeu, que moveu as
pedras com o seu canto e domou os animais ferozes, e deteve
com uma suave demora os ímpetos do Hebro? Por is-
58

isso, Inveja, afasta-te daqui, para que não gemas em vão,


porque me é devida uma glória costumada. Induzi-te a ler;
peço-te que me dês uma opinião sincera com a conhecida
franqueza.

**
A velha para a ânfora
Do bom até o rasto deleita.
Uma velha viu estar no chão uma ânfora esvaziada, que
espalhava ainda ao longe um suave aroma de borra de vinho
de Falerno e do excelente barro. Depois que a sôfrega aspirou,
com todas as narinas, dis-se:

- Ó suave aroma! Que bem diria eu ter estado antes de ti, visto
que os restos são tais!

Quem me conhecer, dirá a que fim alude isto.

**
A pantera e os pastores
Ninguém se arrependa de fazer o bem.
Igual reconhecimento costuma ser dado pelos desprezados.
Uma pantera caiu uma vez imprudentemente numa cova. Uns
camponeses viram-na; uns amontoam paus, outros carregam-
na de pedras; alguns, pelo contrário, compadecidos da que ia
morrer certamente, ainda que ninguém a ferisse dentre eles,
atiraram-

59
-lhe um pedaço de pão, para que sustentasse o alento.
Sobreveio a noite; vão-se embora para casa, seguros, como
que havendo de encontrá-la morta no dia seguinte. Porém ela,
logo que refez as forças enfraquecidas, libertou-se da cova com
um salto veloz e apressa-se com o passo acelerado para o seu
covil. Decorridos poucos dias, atira-se pela frente, trucida o
gado, mata os próprios pastores e, devastando todas as coisas,
enfurece-se com irada impetuosidade. Então os que tinham
poupado a fera, temendo por si, não recusam o dano do gado,
pedem somente pela sua vida. Mas ela diz:

- Eu lembro-me de quem me atacou com pedras e de quem


me deu pão. Vós deixai de temer. Volto-me como inimiga para
aqueles que me feriram.

**
Esopo e o camponês
A experiência vale mais do que o saber.
Diz-se vulgarmente que um homem de experiência é mais
esperto do que um adivinhador, mas não se diz a causa.
Começa agora pela primeira vez a conhecer qual seja a causa
com esta fabulazinha.
As ovelhas deram à luz cordeiros de cabeça disforme a um
certo camponês que tinha rebanhos. Aterrado com o prodígio,
acorre, entristecido, aos adivinhos para os consultar. Este
adivinho responde que aquele prodígio ameaçava a vida do
dono dos cordeiros, e que o perigo deve ser afastado com uma
vítima imolada. Aqueloutro, porém, afirma que outro mal é
descoberto, e que significava que os seus próprios filhos lhe
nasceriam defeituosos, mas que isto podia ser expiado com
uma vítima maior. Para que direi mais coisas? Discordam com
opiniões variadas e agravam o cuidado do homem com uma
preocupação maior. Estando ali então Esopo, velho de nariz
bem assoado1, ao qual a natureza nunca pôde enganar, disse:

- Ó rústico, se queres expiar com sacrifício, dá aos teus


pastores o que é justo2.

**
O cortador e o macaco
As aparências iludem.

60

Um certo homem viu que um macaco estava dependurado à


porta dum carniceiro num açougue, entre outras mercadorias e
comestíveis. Perguntou a que sabia. Então o cortador,
gracejando, disse:

- Garante-se que o sabor é tal qual a cabeça.

Julgo que isto foi dito mais por gracejo do que por verdade,
visto que por um lado tenho encontrado muitas vezes homens
formosos que são péssimos, e por outro lado tenho conhecido
muitos de semblante feio que são óptimos.
1
i. e.: de engenho agudo.
2
i. e.: uxores.

61

**
Esopo e o petulante
Quem com ferro mata com ferro morre.
Por esta fábula pode certamente ser escarnecido aquele que
sem valor faz vãs ameaças.
O bom êxito arrasta muitos à desgraça.
Um certo petulante atirara uma pedra a Esopo. Ele disse:

- Tanto melhor!

Em seguida deu-lhe um asse, e prosseguiu assim:

- Não tenho mais, palavra de honra, mas mostrar-te-ei onde


possas receber mais. Eis aí vem um rico e poderoso. Atira
igualmente uma pedra a este homem, e receberás um prémio
digno.

Aquele petulante, persuadido, fez o que lhe foi aconselhado,


mas a esperança enganou a impudente audácia; porquanto,
sendo preso, pagou as culpas numa cruz.

**
A mosca e a mula
As gabarolices são dignas de riso.

Uma mosca poisou no temão e, censurando a mula, diz:

- Quão vagarosa és! Não queres andar mais depressa? Tem


cautela não te pique eu o pescoço com o ferrão.

Aquela respondeu:

- Não me movo com as tuas palavras, mas temo aquele que,


sentado no assento da frente, governa o meu jugo com flexível
chicote, e me refreia a boca com espumantes freios. Por isso,
deixa a tua frívola insolência. Eu sei onde se deve parar e
quando se deve correr.
62

**
O lobo para o cão
O pobre livre é mais feliz do que o rico escravo.
Direi abreviadamente quão doce é a liberdade.
Um lobo, abatido pela magreza, encontrou-se casualmente
com um cão bem alimentado. Depois, logo que pararam,
saudando-se um ao outro, disse o lobo:

- Pergunto-te, ó cão, donde provém que assim estejas nédio?


Ou com que comida fizeste tão grande corpulência? Eu, que
sou mais forte, morro à fome.

O cão com singeleza respondeu:

- O mesmo pacto te é facultado, se és capaz de prestar igual


serviço a um
dono.

- O quê, diz ele, que sejas o guarda da porta e defendas dos


ladrões a casa durante a noite? Eu, sem
dúvida, estou já preparado. Agora suporto as neves e
as chuvas nos bosques, arrastando uma vida áspera.
Quanto mais fácil é para mim viver debaixo de telha e
saciar-me ociosamente de abundante comida! - Portanto, vem
comigo. Enquanto caminham, o lobo vê o
pescoço do cão limado pela cadeia.

- Donde provém isto, amigo?

- Não é nada.
- Dize, peço-te, todavia.

- Porque pareço fogoso, prendem-me durante o dia,


para que eu descanse com a luz, e vigie quando vier a
noite. Solto ao crepúsculo, vagueio por onde me pareceu. O
pão é-me lançado espontaneamente; o dono
dá-me os ossos da sua mesa, a criadagem lança-me
pedaços, e cada um a iguaria que enfastia. Assim o

63

meu estômago enche-se sem fadiga.

- Olha lá! Se te apetece ausentar-te, há licença?

Diz o cão:

- Não há inteiramente.

- Goza tu, ó cão, as coisas que louvas. Não quero reinar, desde
que não seja livre para mim.

**
A irmã e o irmão
É muito belo tudo o que é muito bom.

Aconselhado por este preceito, examina-te muitas vezes.


Um certo homem tinha uma filha muito feia e o mesmo tinha
um filho admirável pelo belo rosto. Estes, brincando
puerilmente, viram por acaso um espelho como foi posto no
toucador da mãe. Este gaba-se de ser formoso; aquela zanga-
se, nem suporta os gracejos do irmão, gloriando-se, como
quem tomava tudo por injúria. Corre, portanto, para o pai a fim
de ferir por sua vez o irmão, e com grande rancor acusa o
filho, porque, tendo nascido homem, tocou num objecto das
mulheres. Aquele pai, abraçando um e outro e colhendo beijos,
e repartindo por ambos o doce amor, disse:

- Quero que vós useis do espelho todos os dias. Tu, filho, para
que não corrompas a beleza com os vícios da maldade. Tu,
filha, para que venças esta face feia com os bons costumes.

64

**
Sócrates para os amigos
Onde acharás um amigo fiel?
O nome de amigo é vulgar, mas a lealdade é rara.
Como tivesse construído para si uma pequena casa Sócrates
(cuja morte eu não evito, se alcançar a fama dele, e resigno-
me à emulação, contanto que seja absolvido depois de morto),
não sei quem do povo, como costuma suceder, disse a
Sócrates:

- Pergunto--te. Tu, um homem tal, constróis uma casa tão


pequena?

Diz Sócrates:

- Oxalá eu encha esta casa de verdadeiros amigos.

**
Um acontecimento no império de Augusto
Não acredites de leve, e menos no que murmura.
É igualmente perigoso acreditar e não acreditar. Citarei
abreviadamente um exemplo de uma e outra coisa.
Hipólito, filho de Teseu, morreu, porque se deu crédito à sua
madrasta acusadora; Tróia ruiu, porque se não deu crédito à
profetisa Cassandra. Portanto, a verdade deve ser investigada
convenientemente, antes que um mau juízo julgue
levianamente. Mas não exaltes a antiguidade fabulosa; narrar-
te-ei o que sucedeu no meu tempo.
Um certo marido, como amasse a esposa e preparasse já a
toga viril para o filho, com 17 anos, foi chamado à parte por
um liberto seu, que esperava ser o

65

imediato herdeiro, se o filho faltasse. Este liberto, como tivesse


dito muitas coisas falsas acerca do filho, e mais acerca dos
pretensos crimes de sua casta mulher, acrescentou isto que
sabia que muito havia de magoar o esposo: que um adúltero
vinha muitas vezes ter com ela. Irritado o marido com o falso
crime da esposa, simulou uma viagem para a casa de campo e
escondeu-se secretamente na povoação. Em seguida, entrou
subitamente em casa, pela noite, dirigindo-se directamente ao
quarto da esposa, no qual a mãe mandara dormir o filho,
vigiando com mais diligência a sua idade adulta.
Enquanto procuram uma luz, enquanto os criados correm de
um lado para o outro, sem conter o arrebatamento da sua ira
furiosa, o marido aproxima-se do leito, e toca numa cabeça às
apalpadelas, na escuridão. Logo que notou que tinha o cabelo
cortado, atravessa-lhe o peito com uma espada, nada
respeitando, contanto que vingue o seu ressentimento. Trazida
a luz, logo que viu o filho e a inocente esposa que dormia na
sua alcova, e que, prostrada no primeiro sono, nada tinha
sentido, antecipou em si o castigo do crime, e arrojou-se sobre
a espada que a sua credulidade havia desembainhado.
Os acusadores procuraram a mulher e trouxeram--na a
Roma, à presença dos juizes centúnviros. Uma suspeita má
recai sobre a inocente, porque ela possuía bens. Assistem os
advogados que defendem corajosamente a causa da esposa
inocente. Então os juizes pediram ao divino Augusto que os
ajudasse a fazer justiça, visto que uma incerteza do crime os
tinha embaraçado. Depois que este fez desaparecer as trevas
da calúnia e mostrou a fonte certa da verdade, diz:

- liberto sofra o castigo por causa do mal, porque

66

julgo que a mulher, privada do filho, e ao mesmo tempo


despojada do marido, é antes digna de compaixão do que de
ser condenada. Porém, se o pai de família tivesse averiguado
os crimes denunciados, teria feito desaparecer subtilmente a
mentira e não teria derrubado desde os alicerces a sua casa
com um funesto crime.
Nada o ouvido despreze nem acredite todavia imediatamente,
visto que também cometem culpas aqueles que menos se
julgam, e são acusados de fraudes aqueles que não praticam
crimes.
Este facto pode também advertir as pessoas simples de que
não julguem segundo a opinião de outrem, porque a
parcialidade, que forma juízos diferentes, dos mortais, ora se
deixa levar pela afeição1, ora pelo seu desafecto. Ser-vos-á
conhecido o que por vós próprios conhecerdes com os olhos.
Contei isto em muitas palavras, visto que atingimos alguns com
a excessiva brevidade de narrar.

**
Um coxo para um homem ruim
Cada um é como Deus o fez.

Um coxo contendia com um certo homem mau que, além de


palavrões grosseiros e duma disputa in-

----------------
1 Cfr. Fernão Lopes - Crónica de D. João I - Prólogo:
«Grande licença deu a afeiçom a muitos... Esta mundanal
afeiçom
fez a alguns estoriadores desviar da direita estrada...»
2
Nos textos costuma vir eunuchus, em vez
de claudus.

67

insolente, lhe exprobrou o defeito do seu corpo inválido. Eis aí -


diz o coxo - é isso somente o que mais sinto, porque me falta a
facilidade de te perseguir. Mas, porque é que, ó doido, me
acusas de um defeito casual e sem culpa? Somente é
vergonhoso para o homem o que sofre por sua própria culpa.

**
O frango para uma pérola
Muitas vezes despreza-se o melhor.

Enquanto o filho duma galinha' procura comida numa


estrumeira, encontrou uma pérola. Diz:

- Jazes num lugar indigno, tu, uma coisa de tanto valor! Se


alguém, desejoso do teu valor, tivesse visto isto, há muito
terias voltado para o antigo esplendor. Porque te encontrei eu,
a quem a comida é muito mais preferível, nem a ti pode ser
útil, nem a mim qualquer coisa.
Conto isto àqueles que me não entendem.

**
As abelhas e os zangãos, sendo juiz a
vespa
A obra descobre o seu autor.

Umas abelhas fizeram os favos no alto de um carvalho; os


zangãos inertes diziam que estes favos eram seus. A pendência
foi levada para o tribunal, sendo juiz uma vespa. Como esta
conhecesse lindamente uma e outra família, propôs às duas
partes esta decisão. O corpo não é dissemelhante e a cor é
igual, de tal modo que o assunto com razão cai inteiramente
em dúvida. Mas, para que a minha consciência não peque
irreflectidamente, tomai os cortiços e colocai mel nos alvéolos,
para que pelo sabor do mel e pela forma do favo apareça o
autor destes, dos quais agora se trata.
Os zangãos rejeitam a decisão; a condição proposta agrada
às abelhas. Então aquela vespa dirimiu a questão com esta
sentença: Está manifesto quem não pode fazer o mel e quem o
fez. Portanto, restituo às abelhas o seu fruto.
Eu teria omitido em silêncio esta fábula, se os zangãos não
tivessem recusado o contrato pactuado.

**
Acerca do jogo e da severidade
Descansa, para melhor trabalhares.

Um frango.

Como um certo ateniense tivesse visto Esopo jogando às


nozes, num grupo de rapazes, parou e riu-se
68
como de um louco. Logo que o velho Esopo, antes
escarnecedor do que digno de ser escarnecido, viu isto, pôs um
arco afrouxado no meio do caminho, e disse:

- Olá, sábio, explica o que fiz.

Aquele matuta e inquieta-se por muito tempo, e não


compreendeu a causa da pergunta feita. Finalmente dá-se por
vencido. Então o sábio, vencedor, disse:

- Depressa partirás o arco, se o tiveres sempre retesado; mas,


se o afrouxares, será útil, quando quiseres.
Deste modo, deve dar-se algumas vezes recreio ao espírito,
para pensar melhor, logo que volte a ti para pensares.

**
O cão e o cordeiro
Quem dá a educação é mais pai do que quem dá o
nascimento.
Um cão disse a um cordeiro que andava balando entre as
cabrinhAs:

- Louco, enganas-te, não está aqui a tua mãe; e mostra-lhe ao


longe as ovelhas dispersas. Não procuro aquela que concebe
quando lhe apraz, depois traz o peso desconhecido durante
certos meses, e finalmente deixa cair a carga, mas aquela que
me sustenta, dando-me a teta, e priva os filhos de leite, para
que me não falte.

- Contudo aquela que te deu à luz é melhor.

- Não é assim. Como soube ela se eu nasci negro ou branco?


Admitamos que o sabia. Como eu fosse criado macho, deu-me
sem dúvida um grande benefício pelo nascimento, para que eu
aguardasse em cada hora o carniceiro. Aquela cuja influência
foi nula em me gerar, porque há-de ser melhor do que a que
se compadeceu de mim, que jazia no chão, e
espontaneamente me dá provas de doce benevolência? É a
bondade e não o parentesco que faz os pais.
O autor quis provar com estes versos que os homens resistem
às leis e são captados pelos benefícios.

70

**
A cigarra e a coruja
O melhor e o mais seguro é tratar bem a todos.

Aquele que não se presta à complacência de outrem sofre


muitas vezes o castigo do seu orgulho.
Uma cigarra fazia um insuportável barulho a uma coruja,
acostumada a procurar nas trevas a sua alimentação e a tomar
o sono durante o dia num escavado tronco. Foi rogada para
que se calasse. Começou a gritar muito mais fortemente.
Novamente feita uma prece, inflamou-se mais. A coruja, logo
que viu que nenhum auxílio havia para si, e que as palavras
inúteis eram desprezadas, interpelou a faladora com este ardil:

- Visto que as tuas melodias, que tu julgas soarem como a


cítara de Apolo, não me deixam dormir, tenho tenção de beber
o néctar que Palas há pouco me deu; se não tens fastio, vem;
bebamos juntamente. Aquela, que ardia em sede, logo que
conheceu que a sua voz era louvada, voou avidamente. A
coruja, saindo da sua cavidade, perseguiu aquela assustada e
entregou-a à morte. Assim, sendo morta, concedeu aquilo que
negara viva.
71

**
As árvores na protecção dos deuses
A árvore deve ser estimada pelo fruto e não pelas folhas.
Os deuses escolheram um dia as árvores que queriam que
estivessem sob a sua protecção. O carvalho agradou a Júpiter,
mas a murta agradou a Vénus; o loureiro, a Febo; o pinheiro, a
Cibele, e o elevado choupo, a Hércules. Minerva, admirando-se,
perguntou-lhes porque escolhiam árvores estéreis. Júpiter disse
como causa: Para que não pareçamos vender a honra pelo
fruto. Mas, por Hércules, alguém dirá o que quiser -disse
Minerva- a oliveira é-nos mais agradável por causa do fruto.
Então o pai dos deuses e criador dos homens assim disse: Ó
filha, com razão tu és chamada sábia por todos. Se não é útil
aquilo que fazemos, é vãa glória.

A fabulazinha aconselha a não fazer nada que não seja útil.

**
O pavão para Juno acerca da sua voz
Contente com o teu, não cobices o alheio.

Um pavão veio para Juno, suportando indignamente que lhe


não tivesse dado os cantos do rouxinol, dizendo que aquele era
admirado por todas as aves, e que ele era escarnecido, logo
que soltava a voz. Então a deusa, por causa de o consolar,
disse:

- Mas excede-

72
-lo na beleza, excede-lo na grandeza; o esplendor da
esmeralda brilha no teu pescoço, e desdobras uma cauda
esmaltada de penas pintadas.
O pavão diz:

- Para que me serve uma beleza muda, se sou vencido na voz?

- Por vontade dos destinos vos foram dados os dotes; a ti, a


beleza; as forças à águia, a melodia ao rouxinol, o agouro ao
corvo, à gralha os presságios sinistros; e todas estão contentes
com os próprios dotes. Não queiras ambicionar o que te não foi
dado, para que a enganosa esperança não recaia em
queixume.

**
Esopo responde a um palrador
Homens que parecem e não o são.

Como Esopo fosse o único criado para o seu senhor, foi


mandado preparar a ceia mais cedo. Procurando, pois, o fogo,
percorreu algumas casas, e encontrou finalmente onde
acendesse a luz. Então tornou mais curto o caminho que fora
mais longo para ele à volta, procurando o lume; porquanto,
começou a voltar para casa em linha direita através da praça.
Então um certo palrador da multidão diz:

- Ó Esopo, o que fazes tu com uma luz, estando o sol em meio


dia?

Responde Esopo:

- Procuro um homem1; e, apressando-se, foi para casa. Se


aquele importuno

--------------
1
Diógenes é que saiu de casa com uma candeia acesa à
procura de um amigo verdadeiro.

73

reflectiu isto na sua mente, certamente compreendeu que ele,


que intempestivamente tinha escarnecido de Esopo ocupado,
não pareceu homem ao velho.

**
O poeta a Eutico
Quem dá depressa dá duas vezes.

Restam-me coisas que eu escreva, mas, ciente, omito--as.


Primeiramente, ó Eutico, para que te não pareça demasiado
importuno a ti, a quem a variedade de muitos assuntos aperta;
depois, se alguém fortuitamente quer tentar os mesmos, para
que possa ter alguma coisa de trabalho que reste; ainda que
abunde tão grande quantidade de matéria que falta o artista
para o trabalho, e não o trabalho para o artista. Peço que dês à
nossa brevidade o prémio que prometeste: mostra-te fiel à
palavra, porque a vida todos os dias está mais próxima da
morte, e tanto menos do teu benefício chegará a demora
consumir mais tempo. Se cumprires a promessa
apressadamente, o uso se tornará mais longo; fruirei por mais
tempo, se mais rapidamente tiver começado; enquanto existem
alguns restos de vida cansada, há lugar para o auxílio; um dia
a tua bondade esforçar-se-á baldadamente por me ajudar a
mim, enfraquecido pela velhice, quando tiver deixado de ser
útil o benefício, e a morte, próxima, exigir a dívida. Julgo
loucura fazer-te pedidos, quando espontaneamente a
misericórdia está inclinada ao bem. Muitas vezes o réu obteve
perdão, tendo confessado: quanto mais justamente deve o
perdão

74

ser dado a um inocente? É esse o teu papel; depois, por uma


vicissitude semelhante, chegarão as vezes de outros. Decide o
que sofre a consciência, o que permite a fé, e faze que eu seja
defendido gravemente como teu juízo. O meu espírito
ultrapassou o termo que se propôs; mas dificultosamente se
contém o espírito, o qual, cônscio da sincera integridade, é
oprimido pelas insolências dos maus. Perguntarás quem sejam;
aparecerão com o tempo. Eu, enquanto o meu juízo se
conservar, recordarei perfeitamente a máxima que em rapaz li
outrora. É um crime para o plebeu murmurar publicamente.

FIM DO TERCEIRO LIVRO

75

**
LIVRO QUARTO
O POETA A PARTICULÃO
Como eu tivesse resolvido pôr termo à obra com esta tenção,
para que houvesse bastante matéria para os outros, condenei
no coração silencioso o meu desígnio. Porquanto, se alguém
existe também desejoso de tal glória, de que modo deixará de
apurar o que terei omitido, para que ele deseje entregar isso
mesmo à fama, quando uma concepção de ideias e um estilo
próprio existe para cada qual?
Portanto, não foi o capricho mas uma razão sólida que me
deu a causa de escrever. E assim, ó Particulão, visto que te
deleitas com as fábulas (a que chamo Esópias, e não de Esopo,
porque ele deixou poucas e eu escrevo muitas, servindo-me do
género antigo, mas de coisas novas), quando houver vagar,
lerás o quarto livrinho.

Se a malignidade quiser censurar este livrinho, é lícito que o


critique, contanto que não possa imitá--lo. A glória está
adquirida para mim, visto que tu e visto que os semelhantes a
ti trasladais as minhas palavras para os vossos escritos, e me
julgais digno de longas recordações. Não desejo um aplauso
iletrado.

79

**
O burro e os galos (sacerdotes de Cibele)
Infelicíssimo é o que, sendo desgraçado em vida, ainda o é
mais depois de morto.

O que nasceu infeliz não só passa uma vida triste, mas até
depois da morte o persegue a dura miséria do destino.
Os galos, sacerdotes de Cibele, costumavam levar para os
peditórios um burro que trazia as cargas. Como este tivesse
sido morto com o trabalho e com as cargas, tirada a pele,
fizeram para si tambores. Interrogados depois por um certo
homem sobre o que tinham feito ao seu jumento Delicio,
falaram deste modo:

- Julgava que ele depois da morte havia de estar seguro, mas


eis que outras pancadas são dadas ao morto.

disse sem razão, ajuntarei uma fabulazinha acerca da doninha


e dos ratos.

**
A doninha e os ratos
Velhaco não engana velhaco.

Como uma doninha, enfraquecida pelos anos, e pela velhice,


não pudesse já alcançar os ratos velozes, envolveu-se em
farinha e colocou-se num lugar escuro. Um rato, julgando que
era comida, saltou, e, apanhado, sucumbiu à morte; outro rato
morreu de igual modo, depois também um terceiro; seguindo-
se outros, veio também um rato matreiro pelos anos, que já
tinha evitado muitas vezes laços e ratoeiras, e, vendo de longe
as ciladas da astuciosa inimiga, diz:

- Assim tenhas saúde, como és farinha tu que jazes aí.

Parece-te brincar, e na verdade brincamos com a pena leve,


enquanto não temos nada mais importante; mas observa
diligentemente estas ninharias. Quão grande utilidade
encontrarás debaixo delas! Não são sempre as coisas aquilo
que parecem; a primeira aparência engana a muitos; um
espírito invulgar compreende aquilo que o trabalho do poeta
escondeu num recanto interior. Para que se não julgue que eu
80

**
Acerca da raposa e da uva
O soberbo finge que despreza o que não pode conseguir.

Uma raposa, obrigada pela fome, apetecia uma uva, saltando


com todas as forças. Como não pôde atingir aquela uva,
afastando-se, disse: Ainda não está madura; não quero comê-
la verde.
Os que deprimem com palavras aquelas coisas que não
podem fazer deverão aplicar a si este exemplo.

-------------
Clássicos (nº. 20 - 6

81

**
O cavalo e o javali
Quem deseja vingar-se busca o seu dano.

Enquanto um porco montês se revolve, turvou a água com que


um cavalo estava acostumado a mitigar a sede. Daqui nasceu
uma contenda. O cavalo, animal de pés sonantes, irado contra
a fera, pediu o auxílio do homem que, erguendo o dorso, levou
contra o inimigo. Depois que o cavaleiro matou este javali com
dardos arremessados, diz-se que falou deste modo:

- Folgo que eu tenha prestado auxílio às tuas preces, porque


tomei uma presa e aprendi quão útil és. E, assim, obrigou-o a
suportar os freios contra a sua vontade. Então aquele cavalo,
entristecido, diz:

- Enquanto eu demente procuro a vingança duma pequena


questão, encontrei a escravidão.

Esta fábula aconselhará os irascíveis a sofrer antes


impunemente do que a entregar-se a outrem.

**
Esopo intérprete dum testamento
Os homens não se medem aos palmos.

Contarei aos vindouros, em breve narrativa, que muitas vezes


numa só pessoa há mais juízo do que numa multidão.
Um certo homem, ao morrer, deixou três filhas: uma formosa
e que prendia os homens com os olhos; outra, porém, fiadeira
de lã, honesta, e que vivia no

82

campo, e uma terceira filha, dada ao vinho e muito feia. O


velho, porém, fez herdeira a mãe destas, sob a condição de
distribuir igualmente toda a fortuna pelas três filhas, mas de tal
modo que não possuam ou fruam os bens doados, e que, logo
que deixassem de possuir estas coisas, pagassem cem
sestércios à mãe. A notícia espalha-se em Atenas. A mãe
diligente consulta os jurisperitos. Ninguém explica de que modo
não possuam o que lhes tenha sido doado, nem recebam o
fruto: depois, por que modo pagarão dinheiro elas que nada
receberam. Depois que foi passada uma demora de longo
tempo, nem se pôde compreender o sentido do testamento, a
mãe procedeu de boa-fé, tendo desprezado o direito.
Para a formosa separa o vestuário, ornatos e enfeites de
mulheres vaidosas e garridas, um lavatório de prata e imberbes
eunucos; para a fiadeira de lã, campos, rebanhos, uma casa de
campo, trabalhadores, bois, cavalgaduras e instrumentos
agrícolas: para a bêbeda, uma adega cheia de antigas vasilhas,
uma casa bonita e deliciosas hortas. Como deste modo
quisesse dar a cada uma as coisas doadas, e aprovasse isto o
povo, que as conhecia, Esopo apresentou-se subitamente no
meio da multidão, dizendo:

- Oh! se a vontade, morto o pai, permanecesse, quão


gravemente sofreria que os atenienses não tivessem podido
interpretar a sua vontade!

Depois, sendo instado, desfez o erro de todos:

- Dai à rústica fiadeira a casa e os adornos com as lindas


hortas e os vinhos velhos; concedei àquela que passa a vida na
bebedeira as vestes, as pérolas, os lacaios, e as outras coisas.
Dai à formosa os campos, as videiras, e os rebanhos com os
pastores. Nenhuma pode suportar que possua coisa alheia aos
seus costu-

83

costumes. A feia venderá os enfeites para comprar vinho; a


formosa venderá os campos para comprar enfeites; porém a
que folga com os rebanhos e se entrega à lã venderá por
qualquer quantia a casa em que se vive à grande. Deste modo,
nenhuma possuirá aquilo que lhe tiver sido doado, e pagarão à
mãe a quantia estipulada, segundo o preço das coisas que
cada uma tiver vendido.
Assim a sagacidade dum só homem descobriu o que escapou
à ignorância de muitos.

**
Combate dos ratos e das doninhas
Os raios caem nos altos montes.
Como os ratos, cuja história se pinta até nas tabernas,
vencidos pelo exército das doninhas fugissem e corressem
precipitadamente em volta dos seus buracos apertados,
recolhidos dificultosamente, evitaram, todavia, a morte. Os
chefes daqueles, que tinham ligado penachos às cabeças, a fim
de que tivessem no combate um sinal visível, que os soldados
seguissem, ficaram presos nas portas e foram apanhados pelos
inimigos. O vencedor enterrou-os no infernal abismo do
insaciável ventre, imolados pelos seus dentes ávidos.
Qualquer que seja o povo que um incidente funesto oprime,
a grandeza dos chefes corre perigo: o povo miúdo esconde-se
em abrigo fácil.

**
Fedro a um certo detractor
O néscio pensa que só ele acerta.

Tu, zombeteiro narinanga, que deprimes os meus escritos e te


enfastias de ler este género de graças, suporta o livrinho com
um pouco de paciência, enquanto desenrugo a severidade da
tua fronte, e Esopo aparece em coturnos ou estilos novos.
Oxalá que o pinheiro da Tessália nunca tivesse caído a golpes
de machado no cume do bosque de Pelion, nem Argos, para o
audacioso caminho da morte prometida, tivesse construído
como auxílio de Palas1 uma embarcação que foi a primeira que
franqueou as enseadas do inóspito mar, para desgraça dos
gregos e dos bárbaros! Porquanto, não só a família do soberbo
Eetes chora, como também os reinos de Pélias jazem por terra
com o crime de Medeia, encobrindo de vários modos o seu
carácter cruel, dali efectuou a fuga pelos membros do seu
irmão, aqui manchou as mãos das filhas de Pélias com a morte
do pai.
Que te parece? Dizes que também isto é insulso e dito com
falsidade, porque Mimo muito mais antigo subjugou com uma
armada o mar Egeu e vingou com justo castigo o ímpeto dos
inimigos.
Por isso, o que te posso fazer, leitor Catão, se nem as
fabulazinhas, os apólogos, nem as fábulas grandes, as
tragédias, te agradam? Não queiras ser inteiramente importuno
às letras e letrados, para que te não causem maior enfado.

-------------
1 Alusão à expedição dos Argonautas.

85

Isto foi dito para aqueles que pela loucura desdenham e


criticam o céu, para que se julgue que são sábios.

**
A víbora a um oficial de ferreiro
Quem diz o que quer ouve o que não espera.

O que com dente mordaz ataca um mais mordaz sinta que


está pintado nesta fábula.
Uma víbora veio para a oficina de um ferreiro. Como esta
examinasse se havia alguma coisa de comida, mordeu uma
lima. Aquela lima, contumaz, diz:

- Louca, por que me tentas ferir com o dente a mim que me


acostumei a roer todo o ferro?
**
Acerca dos vícios dos homens
Vemos o argueiro nos olhos dos vizinhos e não vemos as
trancas nos nossos próprios olhos.

__ Júpiter colocou-nos dois alforges: colocou-nos atrás das


costas um saco cheio dos defeitos próprios, e suspendeu-nos
adiante do peito outro saco carregado com os defeitos alheios.
Por esta razão não podemos ver as nossas culpas, mas, logo
que os outros cometam uma falta, somos censores.

**
A raposa e o bode
Os malvados perdem os outros, para não perecerem eles
próprios.

Como uma raposa inconsciente tivesse caído num poço, e


fosse enclausurada por uma margem bastante alta, um bode
sequioso veio para o mesmo lugar. Ao mesmo tempo o bode
perguntou à raposa se a água era doce e abundante. Aquela,
maquinando uma fraude, disse:

- Desce, amigo; é tão grande a bondade da água que a minha


vontade não pode ser saciada.

O bode barbado atirou-se. Então a raposinha saiu do poço,


firmando-se nos elevados chifres, e deixou o bode preso no
poço fechado.

86

**
O ladrão e a lanterna
A Deus nunca se esconde um malfeitor, porque Deus vê
tudo.

O homem astuto, logo que caiu em perigo, procura


encontrar refúgio com o mal de outrem.

Um ladrão acendeu uma lanterna no altar de Júpiter e roubou


o próprio Deus com a luz dele. Como este se afastasse,
carregado com o sacrílego roubo, de repente a imagem santa
de Júpiter soltou esta voz:

- Ainda que estas coisas tenham sido ofertas de perversos,


odiosas até para mim, que não me ofendo de me serem
roubadas, todavia, ó celerado, pagarás a culpa

87

com a vida, quando de futuro chegar o dia designado para o


castigo. Mas, para que o nosso fogo, por meio do qual a
piedade honra os deuses venerandos, não alumie ao crime,
proíbo que haja tal troca de luz.
Por isso, hoje nem é permitido acender a lanterna na
lâmpada dos deuses, nem o fogo sagrado em uma lanterna.
Quantas coisas úteis contenha esta narrativa, não outro do que
aquele que a inventou, as explicará.
Primeiramente significa que muitas vezes encontrarás como
teus principais inimigos os que tu próprio tiveres alimentado;
em segundo lugar mostra que os crimes são punidos não com
a cólera dos deuses, mas pelo tempo marcado pelos destinos;
finalmente proi-be que o bom se associe com o mau no uso de
alguma coisa.
Prova-se que as riquezas são más
As riquezas são incentivo dos crimes.
As riquezas com razão são odiadas pelo homem forte, porque
um cofre cheio impede a verdadeira glória.
Hércules, recebido no céu por causa do seu valor, como
tivesse saudado os deuses que o felicitavam, vindo Pluto, que é
filho da Fortuna, desviou dele os olhos. O pai dos deuses
perguntou-lhe a causa. Hércules disse: Odeio a riqueza, porque
é amiga dos maus e ao mesmo tempo corrompe todas as
coisas com o lucro oferecido.

88

**
O leão reinando
A sinceridade sempre é louvável.

Não há nada mais útil para o homem do que falar com


sinceridade. Esta sentença na verdade deve ser aprovada por
todos, mas a sinceridade costuma ser levada à perdição.

Como um leão se tivesse feito rei das feras e quisesse


conseguir fama de equidade, desviou-se do antigo costume e,
contente entre elas com frugal comida, administrava justiça
perfeita com incorrupta fé*.
Reinava uma paz profunda e uma concórdia rara, que a cruel
fome do monarca em jejum fez desapare-cer. Clamando o
estômago e esgotada a força do corpo, fingiu que ele estava
doente com uma infecção das fauces. Imediatamente interroga
acerca da doença as feras que estão junto dele. O urso, mais
próximo dele, tomado do seu cheiro infecto, diz bastante
sinceramente que as suas fauces purgam. Pagou em breve o
castigo da sua odiosa verdade. O macaco, tímido e adulador,
gritou em voz alta que o príncipe exalava cheiro semelhante a
canela. A mentira foi paga com a súbita morte. Então a
cautelosa raposa pediu que o leão a desculpasse de dizer a sua
opinião sobre a enfermidade do leão, alegando que ela tinha a
pituitária doente e mucosa, a qual pituitária lhe impedia o
olfacto. Com esta habilidade evitou a morte.
* Os restantes versos, perdidos, foram compostos, em subs-
tituição, pelo padre Brottier.
09
A verdade e a falsidade têm prejudicado muitos. Com os
chefes a astúcia é muitas vezes preferível.
diz: É necessário folgar moderadamente e queixarmo--nos sem
precipitação, porque a dor e a alegria mistu-ram toda a vida.
Acerca das cabras barbadas
Não é o fato mas é a virtude que faz os homens iguais.
Embaixada dos cães a Júpiter
O excessivo respeito faz às vezes cometer faltas de respeito.
Como as cabrinhas tivessem obtido de Júpiter a barba, os
bodes entristecidos começaram a indignar--se, porque as
fêmeas tivessem igualado a sua digni-dade. Deixai - disse
Júpiter - que elas usufruam uma glória vã e usurpem o ornato
da vossa função, contanto que não sejam iguais a vós em
força.
Este argumento aconselha-te a que sofras que se-jam
semelhantes a ti na aparência os que são desiguais em valor.

**
O piloto e os marinheiros
Na prosperidade teme, na adversidade espera.

Como um certo homem se queixasse acerca das suas


desgraças, Esopo inventou esta fábula com o fim de o
consolar:
Uma nau, batida pelas cruéis tempestades, entre as lágrimas
dos passageiros e o medo da morte, logo que o dia de súbito
se muda para um aspecto sereno, começou a ser levada em
segurança com os ventos fa-voráveis e a inspirar demasiada
alegria aos navegantes. Então o piloto, feito experiente com os
perigos,

90

Os cães enviaram outrora embaixadas a Júpiter, pedindo-lhe


melhores tempos para a sua vida; que ele os livrasse dos maus
tratos dos homens, porque lhes davam pão misturado com
berros, e suportavam a maior fome no lodo imundo. Os
embaixadores parti-ram com passos não velozes. Enquanto
procuram alimento nas estrumeiras com os focinhos, tendo
sido chamados, não respondem. Com dificuldade os encontra
por fim Mercúrio e arrasta-os muito perturba-dos. Logo que
viram o semblante do grande Júpiter, cheios de temor, sujaram
todo o palácio real. Repeli-dos, porém, com varadas, saem
fora. O grande Júpi-ter proibeos de regressar.
Admirados porque os embaixadores não lhes sejam
restituídos, julgando que alguma acção torpe tivesse sido
cometida pelos seus, depois de algum tempo mandam que
outros sejam nomeados. A fama denunciou os embaixadores
anteriores. Temendo de novo que alguma coisa semelhante
lhes aconteça, co-brem a cauda com muitos perfumes.
Entregam os mandatos; os embaixadores são enviados; sem
demo-ra estão à vista. Tendo pedido entrevista, prontamen-te
a obtêm. Então o Máximo Progenitor sentou-se e agita o raio.
Todas as coisas começaram a tremer. Os
91
cães abalados, porque houvera um súbito fragor, ex-pelem
repentinamente perfumes misturados com por-caria.
Todos clamam que a injúria deve ser vingada. Jú-piter, antes
de os punir, falou assim:
Não é próprio dum rei não soltar as embaixadas, nem é difícil
impor um castigo à falta destes. Não proíbo que eles vão
embora, mas quero que sejam atormentados pela fome, nem
possam saciar o seu es-tômago. Mas, em vez da atenção do
vosso pedido, le-vareis esta recompensa. Porém aqueles que
vos envia-ram tão tímidos nunca carecerão dos maus tratos
dos homens. São enviados para um antro, e não serão soltos
imediatamente.
Por isso eles e os vindouros aguardam agora em-baixadores,
e todo aquele cão que vê chegar de novo outro cão vai cheirar-
lhe a cauda.
O homem e a serpente
Quem faz bem ao mau torna-o pior.
O que leva auxilio aos maus tempo depois arrepende-se.
Um certo homem levantou uma cobra entorpecida pelo gelo,
e ele próprio, compassivo contra si, aque-ceu-a no seio:
porquanto, logo que ela se refez, ma-tou imediatamente o
homem. Como outra tivesse per-guntado a esta a causa do
crime, respondeu: Para que ninguém aprenda a fazer bem aos
maus.
A raposa e o dragão

O avarento é guarda e não senhor do


seu ouro.
Uma raposa, cavando o covil, enquanto tira a ter-ra e prolonga
muitos buracos bastante interiormente, chegou à gruta
recôndita dum dragão, que guardava os seus tesouros
escondidos. Logo que viu este, disse: Peço-te que concedas
primeiramente perdão à minha imprudência; depois, se vês
claramente quanto não é conveniente à minha vida o ouro,
respondas clara-mente. Que fruto tiras deste trabalho? ou que
tama-nho prémio é que te prives do sono e passes a vida nas
trevas? Aquele dragão diz: - Nenhum, mas isto foi--me
atribuído pelo supremo Júpiter. - Por isso, disse a raposa, nem
tiras para ti nem dás a alguém qual-quer coisa? - Assim agrada
aos destinos. - Não quero que te ires, se eu falar livremente.
Quem é se-melhante a ti, nasceu estando os deuses irados. Tu
hás-de ir para ali, para onde foram, os teus ante-passados,
porque atormentas o miserável espírito com um entendimento
cego? A ti digo, ó avarento, alegria do teu herdeiro, tu que
privas os deuses do incenso e a ti próprio da comida, que triste
ouves o músico som da cítara, a quem aflige a suavidade das
flautas, a quem os preços das comidas arrancam ge-midos,
que, enquanto ajuntas ao património pequenas quantias de
quadrantes, atormentas o céu com sór-dido perjúrio, que
cerceias ao funeral toda a despesa, para que a morte não tire
algum interesse do que é teu.
92
Fedro acerca das fábulas
Merece louvor quem aperfeiçoa o inventado.
Ainda que a inveja dissimule o que depois pense julgar,
todavia, compreendo-o lindamente. Dirá que é de Esopo tudo
aquilo digno de memória; se alguma coisa lhe sorrir menos,
porfiará com qualquer aposta que foi inventada por mim.
Quero que um tal seja re-futado agora mesmo com a minha
resposta. Quer esta obra seja inepta, quer digna de ser
louvada, ele a in-ventou, a nossa mão a aperfeiçoou. Mas
continuemos a ordem proposta do nosso intento.
Acerca de Simónides Ninguém pode roubar-
nos as verdadeiras riquezas.
O homem douto tem sempre as riquezas em si.
Simónides, que escreveu insignes melodias, para que mais
facilmente aliviasse a pobreza, começou $ percorrer as cidades
nobres da Ásia, cantando o IQU-vor dos vencedores em troca
duma determinada paga. Depois que se tornou rico com este
género de lucro, quis voltar à pátria por via marítima. Era,
porém, na-tural da ilha de Cia, segundo dizem. Subiu para um
navio que uma horrível tempestade e ao mesmo tem-po a
velhice destruíram no meio do mar. Uns juntam os cintos,
outros as coisas preciosas, como amparo para a vida.
94
Um certo homem demasiado curioso disse: Ó Si-mónides, tu
nada tomas das tuas riquezas? Responde Simónides: Tenho
comigo todas as minhas coisas. Então poucos escapam a nado,
porque muitos perece-ram carregados com o peso. Sobrevêm
os ladrões, roubam o que cada um salvou do naufrágio,
deixam-
-nos nús.
Por acaso estava perto a antiga cidade de Clazo-mena, que os
náufragos demandaram. Aqui, um cer-to homem dado ao
estudo das letras, que tinha lido muitas vezes os versos de
Simónides, e era o maior admirador dele, ausente, recebeu-o
em sua casa, tendo-o reconhecido gostosamente pela própria
con-versação. Dispensou ao homem fato, dinheiro e cria-
dagem. Os outros levam o seu painel, mendigando comida.
Logo que Simónides viu aqueles, levados pe-lo acaso ao seu
encontro, disse: Eu tinha dito que to-das as coisas estavam
comigo; o que vós tirastes desa-pareceu.
A montanha parturiente
Não prometas mas executa obras grandes.
Uma montanha dava à luz, soltando graves gemi-dos. E
havia nas terras a maior espectativa. Então ela deu à luz um
rato.
Isto foi escrito para ti que, quando prometes gran-des coisas,
nada realizas'.
95
A formiga e a mosca
A verdadeira glória obscurece a fingida.
Simónides guardado pelos deuses
Tem segura a sua recompensa o que serve a Deus.
Uma formiga e uma mosca contendiam forte-mente sobre
qual das duas valia mais. A mosca assim começou primeiro:
Porventura podes comparar-te às nossas honras? Habito entre
os altares; percorro os templos dos deuses, e, quando se
sacrifica, provo as entranhas; poiso na cabeça do rei, quando
me parece, e toco levemente os castos lábios das matronas.
Nada faço e gozo das melhores coisas. Que coisa semelhan-te
a estas te cabe, ó rústica?
- A companhia dos deuses é na verdade gloriosa, responde a
formiga, mas para aquele que é convida-do, e não para aquele
que é odiado. Frequentas os al-tares? Isto é, és enxotada,
quando ali vens? Mencio-nas os reis e os lábios das matronas?
Ainda por cima também te gabas daquilo que o pudor deve
ocultar. Nada fazes? Por isso, quando há necessidade, nada
tens. Quando eu cuidadosamente acumulo grãos para o
inverno, vejo que tu te alimentas de esterco, em vol-ta do
muro. Quando os frios te obrigam a morrer, in-teiriçada, então
uma casa abastecida me recebe incó-lume. Desafias-me no
verão, mas calas-te, quando há a bruma. Rebati, na verdade,
bastante a tua soberba.
Uma tal fabulazinha distingue os caracteres da-queles
homens, que se adornam com falsos elogios, e daqueles cujo
mérito demonstra uma sólida honra.
Disse eu, mais acima, quanto valiam as letras entre os
homens. Agora transmitirei à memória quão gran-de honra lhes
é concedida pelos deuses.
Aquele mesmo Simónides, acerca do qual falei, encarregado
por um certo preço, a fim de que escre-vesse o louvor de um
certo atleta vencedor, deman-dou um lugar retirado. Como a
exiguidade do assun-to reprimisse a inspiração, usou da
liberdade poética do costume, e entrepôs os astros gémeos,
filhos de Leda, referindo o prestígio de semelhante glória.
Apro-vou a obra; mas aceitou uma terça parte da recom-
pensa. Disse o atleta: Dar-ta-ão aqueles, dos quais são as duas
terças partes do louvor. Mas, para que não julgues que tu és
despedido com ira, promete-me que tu vens para a ceia
comigo. Quero convidar hoje os parentes, no número dos quais
és para mim. Simónides, ainda que enganado e magoado pela
injúria, prometeu, dissimulando custosamente; voltou à hora
marcada e pôs-se à mesa.
O banquete resplandecia com a hilaridade dos copos,
quando, de repente, dois jovens, cobertos de pó, banhados em
muito suor, com uma beleza sobre--humana no corpo,
recomendam a um certo escravo-zinho que chame Simónides
para junto deles; que era do interesse dele; que o servo não
faça demora. O homem, perturbado, chama Simónides. Apenas
este se afastara um passo do banquete, a ruína da abóbada
oprimiu subitamente os outros. Nem alguns jovens foram
encontrados à porta. Logo que a ordem do

97 98

facto narrado se divulgou, todos souberam que a presença das


divindades Castor e Polux dera ao poeta a vida em lugar da
recompensa.

**
Epílogo - O poeta a Particulão
Nunca falta que escrever.

Restam ainda muitas coisas que eu poderia e abunda a copiosa


variedade das coisas; mas a cias moderadas são agradáveis, e
as imoderadas dem. Pelo que, ó Particulão, varão integérrim
me que há-de viver nos meus escritos, enquant timação
permanecer nas letras latinas, se não a o meu intelecto, aprova
pelo menos a bre\ quanto mais fortemente são enfadonhos os
po
FIM DO QUARTO LIVRO
**
LIVRO QUINTO

98
facto narrado se divulgou, todos souberam que a presença das
divindades Castor e Polux dera ao poeta a vida em lugar da
recompensa.

**
Epílogo - O poeta a Particulão
Nunca falta que escrever.

Restam ainda muitas coisas que eu poderia dizer, e abunda a


copiosa variedade das coisas; mas as argúcias moderadas são
agradáveis, e as imoderadas ofendem. Pelo que, ó Particulão,
varão integérrimo, nome que há-de viver nos meus escritos,
enquanto a estimação permanecer nas letras latinas, se não
aprovas o meu intelecto, aprova pelo menos a brevidade,
quanto mais fortemente são enfadonhos os poetas.
FIM DO QUARTO LIVRO

**
LIVRO QUINTO

PRÓLOGO - O POETA
Se algumas vezes inseri o nome de Esopo, ao qual já há muito
restituí o que lhe devi, sabei que é por causa da autoridade;
como no nosso século fazem alguns artistas que encontram um
preço maior para as suas obras, se em novo mármore
inscreveram o nome de Praxíteles, na prata desgastada um
Miron, na madeira um Zêuxis. Pois a mordaz inveja favorece
mais a antiguidade fingida do que os méritos presentes. Mas
sou levado a uma fábula dum tal exemplo.

**
O rei Demétrio e o poeta Menandro
Como muitas vezes se engana o juízo dos homens.
Demétrio, que foi chamado Falério, ocupou Atenas com poder
usurpado. Como é costume do povo, corre-se por um lado e
pelo outro, e à porfia, gritando: Viva com felicidade! Os
próprios magnates beijam aquela mão pela qual são oprimidos,
gemendo tacitamente a triste alternativa da sorte. Ainda mais,
os preguiçosos e os que só procuram o descanso, para

101

que o facto de terem faltado os não prejudique, vêm em último


lugar; entre estes, Menandro, notável pelas comédias, as quais
Demétrio, desconhecendo pessoalmente o próprio poeta, tinha
lido, e tinha admirado o talento do homem, todo perfumado,
de vestes roçagantes, que vinha com passo delicado e
lânguido.
Logo que o tirano e usurpador Demétrio viu este poeta no
último grupo, disse:

- Quem é aquele efeminado que ousa vir para a minha


presença?

Os que estão perto responderam:

- Este é o escritor Menandro.

Mudado imediatamente, disse:

- Não pode haver homem mais formoso.

**
Os viandantes e o ladrão
O forte de palavra é ligeiro de pés.
Como dois soldados tivessem ido ao encontro de um ladrão,
um fugiu, o outro, porém, parou e defendeu--se com a sua
forte mão direita. Depois de derrubado o ladrão, o
companheiro tímido acorre e desembainha a espada; em
seguida, deitado o capote para as costas, diz:

- Deixa-mo cá! Vou tratar de fazer-lhe sentir com que homens


se meteu.

Então o que tinha combatido até ao fim diz:

- Eu desejaria que tu há pouco me tivesses ajudado ao menos


com estas palavras. Teria sido mais resoluto, julgando-as
verdadeiras. Agora esconde o ferro e a língua igualmente inútil,
para que possas enganar outros que te não conheçam. Eu, que
verifiquei com quão grandes forças foges, sei quanto se não
deve acreditar no teu valor.

102

Esta narrativa deve ser aplicada àquele que é forte numa


ocasião favorável, e fugitivo nas empresas duvidosas.

**
O calvo e a mosca
O que peca por vício não merece perdão.

Uma mosca mordeu a cabeça desnudada de um calvo.


Procurando ele apanhar esta mosca, deu em si próprio uma
forte palmada. Então ela, escarnecendo:

- Quiseste vingar com a morte a picada dum pequenino


insecto. Que farás a ti que juntaste a afronta ao agravo?

Respondeu o calvo:

- Comigo facilmente me reconcilio, porque sei que não foi com


intenção de ofender, mas desejava, até com maior incómodo,
matar-te, malvado animal duma raça desprezível, que te
deleitas a sugar o sangue humano.
Esta fábula ensina a conceder o perdão àquele que peca
involuntariamente, pois o que é nocivo, de caso pensado, julgo
que tal é digno de qualquer castigo.

**
O homem e o burro
Feliz o que escarmenta em cabeça alheia.

Como um certo homem tivesse imolado um varrão ao divino


Hércules, ao qual devia uma promessa pela sua saúde,
ordenou que as sobras da cevada se

103

deitassem ao burro. Aquele burro, rejeitando estas, falou


assim:
- Com muito gosto apeteceria aquela comida, se não tivesse
sido morto aquele que se nutriu com ela.
Aterrado com a reflexão desta fábula, evitei sempre o lucro
perigoso. Mas diz-se: Os que roubaram riquezas continuam
latentes. - Eia, vamos! Enumeremos os que, sendo presos,
pereceram. Encontrar-se-á maior número de castigados. A
temeridade é um bem para poucos, e é um mal para muitos.

**
O chocarreiro e o camponês
As preocupações pervertem o juízo.

Os mortais costumam enganar-se com parcialidade, e,


enquanto se mantêm no preconceito do seu erro, são levados
para se arrependerem, quando os factos se tornam evidentes.
Um certo rico, indo celebrar uns jogos cénicos, notáveis,
convidou a todos com a promessa de um prémio, para que
cada um mostrasse a novidade que pudesse. Vieram os
dançarinos aos desafios da glória; entre estes um chocarreiro,
conhecido pela delicada graça, disse que ele tinha para
oferecer um género de espectáculo que nunca fora
apresentado no teatro. O boato espalhado alvoroça a cidade.
Os lugares, pouco antes vazios, faltam à multidão. Porém,
depois que ele parou sozinho na cena, sem nenhum aparato,
sem ajudantes, a expectação por si só impôs o silêncio.
Ele baixou repentinamente a cabeça para a dobra

104

do manto, e com a sua voz de tal modo imitou a voz de um


porquinho, que afirmavam que um verdadeiro porco se
ocultava sob o manto, e mandavam que este manto fosse
sacudido. Feito isto, logo que nada foi encontrado, enchem o
homem de muitos louvores, e todos o acompanham com o
maior aplauso.
Um camponês, ao ver que isto era feito, disse:

- Não me vencerá, palavra de honra!

e imediatamente prometeu que ele havia de fazer melhor no


dia seguinte. A multidão torna-se maior; já a prevenção
preocupa os espíritos, e sentam-se para escarnecer, não para
observar. Apareceu um e outro. O chocarreiro é o primeiro a
grunhir, e move aplausos e levanta gritos. Então o camponês,
simulando que ele encobria um porquinho sob os vestuários (o
que fazia na verdade, mas escondendo-o, porque nada tinham
encontrado no primeiro), puxou a orelha ao verdadeiro porco,
que tinha ocultado, e com a dor solta a voz da natureza.
O povo aclama que o chocarreiro tinha imitado muito mais
semelhantemente, e insiste que o camponês seja posto fora.
Mas ele tira do seio o próprio porquinho e, provando o torpe
erro com uma prova manifesta, declara:

- Eis aí, que juizes sois*!

-------------
' Quando há poucos anos na América do Norte houve um
«concurso de imitadores do cómico Charlot», o próprio
Charlot, disfarçado, entrou no mesmo concurso dos seus
imitadores. O júri então classificou o autêntico imitado em 5.º
lugar.

105

**
Um calvo e um certo homem igualmente falto de
cabelo
Nem tudo fica bem a todos.

Um calvo encontrou casualmente um pente numa


encruzilhada. Aproxima-se outro igualmente falto de cabelos.

- Alto! - diz ele - dividamos em comum o que quer que seja de


lucro.
Aquele mostra o achado e ao mesmo tempo acrescentou:

- A vontade dos deuses favorece; mas por causa do destino


invejoso encontrámos um carvão, em vez dum tesouro, como
dizem.
A queixa fica bem àquele a quem a esperança enganou.

**
Príncipe, tocador de flauta
A vaidade néscia é escarnecida por todos.

Nas ocasiões em que um espírito vão, seduzido por uma aura


fugaz, se arrojou uma insolente confiança, a louca leviandade
facilmente vai ter ao ridículo.
Príncipe, tocador de flauta, foi um pouco mais conhecido do
que os outros, acostumado a acompanhar com a flauta a
Batilo, na cena. Este, por acaso, em uns jogos (não me recordo
bem em quais), enquanto se muda o cenário, deu uma grave
queda e partiu a tíbia, canela da perna esquerda, como tivesse
preferido perder duas tíbias ou flautas direitas. Leva-

106

levado nos braços e gemendo muito é conduzido a casa.


Passam alguns meses, até que a cura chega à sanidade. Como
é costume dos espectadores, essa espécie de gente divertida
começou a desejar aquele, por cujos sons o vigor do dançarino
costumava ser excitado.
Um certo nobre devia dar uma festa. Como Príncipe
começava a andar, induziu-o, por dinheiro e por preces, a que
somente se mostrasse no próprio dia dos jogos. Logo que este
chegou, a notícia acerca do tocador de flauta espalha-se pelo
teatro. Uns afirmam que ele morreu, outros que ele sem
demora vai aparecer à vista. Baixado o pano, depois de
ribombarem os trovões, os deuses falaram conforme o costume
tradicional. Então o coro entoou um hino desconhecido para o
flautista, que há pouco tinha aparecido, e cujo sentido era
este:

- Alegra-te, Roma, que estás salva com o restabelecimento do


príncipe Augusto!

Todos se levantaram para aplaudir. O tocador de flauta atira


beijos, julgando que os admiradores o felicitam. A ordem
equestre compreende o louco erro, e manda que o hino seja
repetido com grande mofa. Este hino repete-se. O nosso
homem curva-se todo no palco. Os cavaleiros, troçando dele,
aplaudem. O povo julga que este pede uma coroa. Porém, logo
que o facto se conheceu em todas as bancadas do teatro,
Príncipe, com uma perna ligada por uma facha branca, e com
vestes brancas, e com sapatos também brancos,
ensoberbecendo-se com a honra da casa divina de Augusto,
por todos foi posto fora pelas orelhas.

107
**
O tempo
O tempo voa e não volta.

Tudo leva o tempo.


Um calvo com a fronte cabeluda e a nuca nua, com veloz
carreira, equilibrando-se sobre uma navalha (o qual deterás, se
o apanhares; uma vez escapado, nem o próprio Júpiter o pode
fazer recuar) significa a breve ocasião das coisas. Os antigos
fingiram uma tal imagem do Tempo, para que a negligente
demora não impedisse a execução do nosso trabalho.
**
O cão, o porco e o caçador
Não dês lições ao que sabe mais do que tu.

Como um cão forte tivesse sempre satisfeito ao seu dono


contra todas as feras velozes, com o peso dos anos começou a
perder as forças. Um dia, atirado à luta dum cerdoso javali,
agarrou-lhe uma orelha, mas por causa dos dentes cariados
soltou a presa. Então o caçador, descontente, censurava o cão.
O velho cão da Lacónia em resposta disse:

- Não te faltou a minha coragem, mas as minhas forças. Louva


o que fomos, se já condenas o que somos.
Vês claramente, ó Fileto, por que razão escrevi isto, pois a
minha sátira já é fraca.

**
O touro e o novilho

Como um touro, lutando com os chifres numa porta estreita,


dificultosamente pudesse entrar para o curral, um novilho
ensinava-lhe de que modo devia dobrar-se.

- Cala-te! Sei isto antes que tu tivesses nascido.

Quem ensina um mais instruído julgue que isto é dito para si.

FIM DO QUINTO LIVRO

108 109
**
APÊNDICE

**
O MACACO E A RAPOSA
O avarento não dá de bom grado até aquilo que lhe sobra.

Um macaco pedia à raposa uma parte da sua cauda, para que


pudesse cobrir honestamente as nádegas nuas. A maligna
raposa respondeu-lhe assim: Ainda que se torne mais
comprida, todavia, arrastá-la-ei mais apressadamente pela
lama e pelos espinhos, do que repartirei contigo uma parcela,
por mais pequena que seja.

**
O autor
Não se deve pedir mais do que é justo.

Se a natureza tivesse criado o género humano segundo o meu


agrado, seria muito mais assisado, porquanto ter-nos-ia
concedido todas as comodidades que a indulgente fortuna
concedeu ao animal: as forças do elefante, a impetuosidade do
leão, a longevidade da gralha, a glória do touro feroz, a plácida
mansidão do cavalo veloz, e entretanto a sua astúcia pró-

113

própria permaneceria no homem. Sem dúvida Júpiter ri-se


consigo mesmo no céu, ele que por uma grande prudência
recusou estas coisas aos homens, para que a nossa audácia
não lhe tirasse o ceptro do mundo.

Mentira. É fácil o assentimento aos que negam que esta


mentira tem pés.
Os disfarces aproveitam algumas vezes indevidamente aos
homens, mas na ocasião própria aparece, todavia, a Verdade.

**
Prometeu e Dolo
(Acerca da verdade e da mentira) Não há segredo que
tarde ou cedo não seja descoberto.
O autor
Deve dar-se valor ao sentido e não às palavras.
Outrora Prometeu, oleiro da nova geração, fizera também a
verdade com subtil cuidado, para que pudesse administrar a
justiça entre os homens. Chamado subitamente por Mercúrio,
mensageiro do grande Júpiter, encomenda a fabricação ao
falaz Dolo, que havia pouco recebera para aprendizagem. Este,
cheio de cuidado, enquanto teve tempo, fez com hábil mão um
simulacro com igual semblante, com a mesma estatura da
Verdade, e semelhante em todos os membros. Quando estava
quase toda admiravelmente erguida, faltou-lhe o barro para
fazer os pés. O mestre voltou; Dolo, perturbado com este
medo, sentou-se apressadamente no seu lugar. Prometeu,
admirando uma tão grande semelhança, quis que se visse a
glória da própria arte. Por isso, lançou igualmente na fornalha
as duas estátuas. Cozidas estas e tendo-lhe infundido a vida, a
sagrada Verdade começou a andar com modesto passo, mas a
imagem incompleta ficou como que pegada no próprio lugar.
Então a falsa imagem e a obra do furtivo trabalho foram
chamadas

114

Ixião, o qual se diz que anda preso a uma roda, ensina que a
volúvel fortuna se muda.
Sísifo, arrastando com grande trabalho pelos altos montes
acima uma pedra, que se precipita do cume, com suor sempre
baldado, mostra que as misérias do homem são sem fim.

Porque, se Tântalo tem sede, estando no meio dum lago,


descrevem-se os avarentos, aos quais rodeia a posse dos bens,
mas nada podem tocar.

As criminosas e infelizes Danaides transportam agua em bilhas,


nem conseguem encher os tonéis furados. Assim se perderá
tudo aquilo que se der à luxúria.

Titio está estendido por nove geiras, concedendo para triste


tormento o fígado, que lhe renasce, e volta a ser devorado pelo
corvo.

Quanto maior lugar da terra alguém possui, com este


argumento se demonstra que é afectado com mais grave
cuidado. A antiguidade disfarçou propositadamente a verdade,
para que o sábio compreendesse e o ignorante errasse.

115

**
O autor
Acerca do oráculo de Apolo.
Aquele Esopo, aborrecido com a péssima obra, disse:

- Eu aprovo fortemente que te louves. Com efeito, nunca te


sucederá isso, seres louvado por outro.

Dize, ó Apolo, eu te peço, o que nos é mais útil, tu que habitas


Delfos e o formoso Parnasso. O que é? Os cabelos da sagrada
sacerdotisa arrepiam-se, o tripé da Pítia move-se, a imagem
geme no interior do templo, os loureiros tremem, e o próprio
dia empalidece. Pítia, tocada pela inspiração divina, solta a sua
voz:
- Ouvi, ó povos, os conselhos do deus de Delos: honrai a
piedade, cumpri as promessas dos deuses, defendei com as
armas a pátria, os pais, os filhos, as castas esposas; repeli com
o ferro o inimigo; socorrei os amigos, perdoai aos infelizes;
favorecei os bons; ide ao encontro dos enganadores; vingai os
delitos, reprimi os ímpios, temei os maus, não confieis
demasiadamente em ninguém.

Dizendo estas coisas, a virgem delirante e bem desvairada,


porque perdeu as coisas que disse, caiu desfalecida.

**
Esopo e o escritor
Acerca dum mau escritor que se vangloriava.

Um certo homem recitara a Esopo uns maus escritos, nos


quais se gabava muito ineptamente. Por isso, desejando saber
o que o velho sentia, disse:

- Porventura pareci-te demasiado orgulhoso, ou temos uma vã


confiança no talento?

116

**
Pompeu Magno e o seu soldado
Quão difícil é conhecer o homem.
Um soldado de Pompeu Magno, de grande corpulência,
falando com voz doce e caminhando com indolência, adquirira
a reputação incontestável de efeminado.
Este, tendo de noite armado uma cilada às bestas de carga
do general, roubou-lhe os machos, juntamente com o fato,
ouro e grande soma de dinheiro. A notícia divulga por diversas
partes este facto. O soldado é acusado e levado à tenda do
general. Então Pompeu Magno disse:

- Como? Acaso ousaste roubar--me, ó companheiro?

Aquele soldado cospe imediatamente para a mão esquerda e


desfaz a saliva com os dedos, dizendo:

- Assim os meus olhos ceguem, ó imperador, se eu vi ou toquei


em alguma coisa.

Então um homem de ânimo sincero ordena que esta desonra


dos acampamentos seja afastada, e não acredita que tamanha
audácia quadre bem ao seu carácter. Decorreu um breve
tempo, e um bárbaro, confiado no seu pulso, desafiava um dos
romanos. Cada um teme por si, e até os principais capitães
ficam perplexos. Por fim, o efeminado no vestuário, mas outro
Marte nas forças, dirige-se ao general que estava sen-

117

sentado em frente da tribuna, e com voz efeminada diz:

- Dás licença?

Porém Pompeu, irritando-se como de acção inconveniente,


ordena que o homem seja posto fora.
Então um certo homem mais velho dentre os amigos do
general disse:

- Eu julgo que este, no qual o prejuízo é pequeno, pode expor-


se à sorte melhor do que um homem forte, o qual, vencido por
uma casualidade, te acuse de temeridade.

Pompeu deu o assentimento, e permitiu que o soldado


avançasse contra o bárbaro. Este soldado, com a admiração do
exército, cortou a cabeça do inimigo mais rapidamente do que
se conta, e voltou vencedor. Então Pompeu a estas coisas
juntou:

- De bom grado, ó soldado, eu te concedo uma coroa, porque


vingaste a honra do império Romano, mas os meus olhos
ceguem do mesmo modo, disse, imitando aquele vergonhoso
juramento do soldado, se tu há pouco não roubaste as minhas
bagagens.

**
O pai de famílias e Esopo
Como se deve domar a juventude fogosa.

Um pai de família tinha um filho cruel. Quando este se tinha


afastado da vista do pai, maltratava os servos com muitos
açoutes e dava livre curso à impetuosa juventude. Esopo, por
isso, conta ao velho isto abreviadamente.
Um certo homem jungia um boi velho com um novilho. Como
este, afastando o jugo do pescoço desigual alegasse, para
escusa, as lânguidas forças da sua idade, aquele camponês
disse: Não há motivo por que temas. Não faço isto para que
trabalhes, mas para que domes este que com os pés e com os
chifres torna muitos inutilizados.
Também tu, se não retiveres cuidadosamente contigo este
filho, e não lhe reprimires com clemência o génio feroz, toma
cuidado em que não acresça a queixa da tua criadagem.
A mansidão é um remédio para a crueldade.

**
Esopo e o vencedor gímnico
Como se contém algumas vezes a vaidade.
Como o sábio frígio Esopo tivesse visto casualmente um
vencedor do certame gímnico vangloriando-se, perguntou-lhe
se o adversário dele tinha mais força. Aquele respondeu:

- Não digas isso, as minhas forças foram muito maiores. Por


isso -disse Esopo - totalmente mereceste esta glória, se, sendo
mais forte, venceste um menos válido? Serias tolerável, se por
acaso dissesses que tu tinhas vencido com arte e coragem um
que era mais forte do que tu.
119 120

**
O burro a uma lira
Dá Deus as nozes a quem não tem dentes.
Um burro viu uma lira que jazia num prado. Aproximou-se e
experimentou as cordas com a unha. Tocadas as cordas,
soaram. Linda coisa, mas, por Hércules, correu mal para mim -
disse o burro - porque sou desconhecedor da arte. Se alguém
mais hábil a tivesse encontrado, teria deleitado os ouvidos com
os cantos divinos.
Deste modo os talentos muitas vezes perdem-se por
infelicidade.

**
Uma porca parturiente e um lobo
Deves fazer a experiência dum homem, antes que te confies à
sua fidelidade.

Como uma porca, oprimida pelas dores de parto, estivesse a


gemer, doente de cama, um lobo veio ter com ela e,
prometendo-lhe auxílio, disse que ele podia desempenhar as
funções de parteira. Porém, como esta conhecia a fraude do
malvado coração, recusou o serviço suspeito do pérfido, e
disse:
- Basta, contanto que te afastes para bem longe.

Porque se ela se tivesse confiado à perfídia do lobo, teria


deplorado os seus destinos, obedecendo à dor.

**
Um galo levado em liteira pelos gatos
Devemos evitar as carícias traiçoeiras.

Muitas vezes a excessiva negligência conduz os homens ao


perigo.
Um galo tinha gatos portadores de liteira. Logo que uma
raposa viu que este era transportado todo vaidoso, falou assim:

- Aviso-te de que te acauteles do engano; porquanto, se


reflectisses nos semblantes deles, verificarias que levavam uma
presa e não uma carga.

Depois que a sociedade dos gatos começou a ter fome,


despedaçou o amo e repartiu entre si o cadáver.

120
**
Esopo e o escravo fugitivo
A um mal não se deve juntar outro mal.

Um escravo, que fugiu a um senhor de má natureza, sendo


conhecido da vizinhança, foi ter com Esopo.

- Porque estás tu perturbado?

- Falar-te-ei claramente, ó pai (visto que és digno do ser


chamado com este nome), porque em ti depõe-se em
segurança uma queixa.
Os açoutes sobejam-me; os alimentos faltam-me; em seguida
mandam-me para a quinta sem lanche. Se o senhor ceia em
casa, estou de pé toda a noite. Se foi convidado, estou lá na
rua até amanhecer. Tomei a liberdade; embora já com a
cabeça branca, ainda sir-

121

sirvo. (Se eu fosse consciente de alguma culpa em mim,


suportaria isto de ânimo resignado.) Nunca me senti farto, e
sobre isto, eu, infeliz, sofro um domínio cruel. Por estas causas
e por outras, que seria longo expor, deliberei ir-me para onde
os pés me levarem.

- Ouve, pois - diz-lhe Esopo: Como não tenhas feito nenhum


mal, experimentas estes maus tratos, como dizes. Porém, se
tiveres delinquido com a fuga, avalias que tormentos tu deves
suportar?
Com tal conselho foi dissuadido da fuga.
**
O cavalo de quadriga vendido para uma atafona
Devemos sofrer de ânimo resignado tudo o que suceder.

Um certo homem furtou um cavalo de quadriga, afamado por


muitas vitórias, e vendeu-o para um moinho. Como tivesse sido
conduzido das mós para beber, viu que os seus companheiros
iam para o circo, para que executassem as lutas agradáveis
nos divertimentos. Com lágrimas a borbulhar, diz:

- Ide, felizes, e com a corrida celebrai o dia festivo sem mim.


Eu, de infeliz sorte, chorarei os meus destinos ali, aonde a mão
criminosa dum ladrão me levou.

**
O urso faminto
A fome aguça o instinto aos animais.
Se alguma vez no bosque faltam alimentos ao urso, corre
para um litoral fragoso, e, agarrando-se a um penedo, deixa
cair a pouco e pouco as pernas cabeludas na água. Logo que
os caranguejos se prenderam entre os pêlos destas pernas,
saindo para terra, sacode a presa do mar, e o astucioso goza
do manjar colhido por um lado e pelo outro.
Por isso, a fome estimula o engenho até aos ignorantes.
**
O viandante e o corvo
Os homens são muitas vezes enganados com palavras.

Um certo homem, tomando um caminho errado através dos


campos, ouviu: Eu te saúdo! e, demorando-se um
poucochinho, logo que viu que ninguém estava presente,
retomou o passo. A mesma voz de um lugar oculto o saúda
pela segunda vez. Animado pela voz acolhedora, parou, a fim
de que recebesse igual cortesia quem quer que fosse. Como
ele, olhando em volta por muito tempo, tivesse permanecido
no seu erro, e tivesse perdido o tempo de percorrer algumas
milhas, um corvo mostrou-se, e, voando por cima, repetiu
indefinidamente «Ave, eu te saúdo». Então, percebendo que
ele tinha sido enganado, diz:

- Ora mal hajas por isto, ave péssima, que assim detiveste os
passos de quem se apressava.

122 123

**
O pastor e a cabrinha
Não há nada por tal forma oculto que não seja
descoberto.

Um pastor quebrara com o cajado um chifre a uma cabrinha.


Começou a pedir-lhe que não o denunciasse ao amo.

- Embora ferida indignamente, calar-me-ei, todavia: mas a


própria acção denunciará o que tu cometeste, respondeu a
cabra.

**
A serpente e o lagarto
Onde faltam as forças deve usar-se da astúcia.

Uma serpente tinha agarrado por acaso um lagarto pela


frente. Como quisesse devorar este com a goela aberta, aquele
apanhou um raminho que estava perto e, conservando-o
atravessado na boca muito forte, refreou com uma demora
engenhosa a ávida goela. A serpente soltou da boca a presa
inútil.

**
O servo e o senhor
Quem nos ofende é quem lança as infâmias ao rosto.

Como um criado tivesse dito um agravo a Sócrates, o qual


tinha subornado a esposa do seu senhor, e ele soubesse isto
conhecido pelos circunstantes, disse: Agradas a ti, porque
agradas a quem não deves; mas não impunemente, porque
não agradas a quem deves.

**
A gralha e a ovelha
Muitos maltratam os fracos e submetem-se aos fortes.
Uma gralha odiosa pousara sobre uma ovelha. Como a
ovelha tivesse esta sobre o dorso, contra a vontade e por
muito tempo, diz:

- Se tivesses feito isto a um cão dentudo, terias sido castigada.


Aquela péssima gralha em resposta diz: Desprezo os fracos e
eu mesma cedo aos fortes. Sei a quem hei-de maltratar, ao
qual, dolosa, deva acariciar; por isso, prolongo até aos mil
anos a minha velhice.

124

**
A lebre e o boieiro
Vêem-se caras, não se vêem corações.
Como uma lebre fugisse dum caçador com pé ligeiro, e, vista
por um boieiro, se escondesse num silvado, disse:

- Ó boieiro, peço-te pelos deuses e por todas as tuas


esperanças que não me descubras; nunca fiz nenhum mal a
este campo.

O camponês, porém, diz:

- Não tens que temer; esconde-te tranquila.

E logo o caçador, perseguindo-a:

- Ó boieiro, pergunto por fa-

125

Favor, acaso a lebre veio para aqui?

- Veio mas foi-se por aqui, para a esquerda; e com o aceno


indica o lado direito.

O caçador, de apressado que ia, não compreendeu, e afastou-


se da vista. Então o boieiro assim disse à lebre:

- Acaso é grato a ti o facto de eu te ter ocultado?

- Não nego inteiramente que tenho e dou os maiores


agradecimentos à tua língua; pelo contrário desejo que sejas
privado dos teus pérfidos olhos.

**
A borboleta e a vespa
Deve encarar-se a sorte presente e não a passada.

Uma borboleta, andando a esvoaçar, vira uma vespa. Ó sorte


iníqua.' Enquanto viviam os corpos, de cujos restos nós
recebemos a vida, eu fui eloquente na paz, forte nos
combates, a primeira em todas as artes entre as minhas
contemporâneas. Eis tudo o que sou agora! Voo, feita leve pó
e cinza! Tu, que foste besta de carga, maltratas com o teu
ferrão cravado a qualquer que te apetece. Mas a vespa soltou
uma voz digna dos seus costumes picantes:

- Vê, não o que tenhamos sido, mas o que somos agora.

**
A cotovia e a raposa
Não se deve dar crédito aos loucos.

A ave que os camponeses chamam cotovia* porque


efectivamente faz o ninho na terra, encontrou-se fortuitamente
com a malvada raposinha; e, logo que a viu, levantou-se
bastante alto com asas. Aquela raposinha diz: Eu te saúdo.
Peço-te que me digas por que motivo fugiste de mim, como se
a comida no prado não fosse em abundância para mim: grilos,
escaravelhos, abundância de gafanhotos? Não há motivo para
teres medo. Eu amo-te muito por causa dos teus pacíficos
costumes e vida honesta.

Aquela cotovia pelo contrário respondeu:

- Tu, na verdade, falas bem. Eu não sou igual a ti no campo,


mas no ar. Mas anda daí; confio-te a minha vida.

**
O autor - Epílogo
Acerca daqueles que lêem o livrinho.
A maldade e a probidade dos homens louvam igualmente o
que a minha Musa compõe, o quer que isto seja; porém esta
probidade louva com sinceridade; aquela maldade irrita-se em
silêncio.

126
(·) Terraneola, derivada de terraneus.

127

**
NOVAS FÁBULAS
Clássicos Inq. 20 - 9
**

O RATO E A RÃ
Um rato, para que pudesse mais facilmente atravessar um rio,
pediu auxílio a uma rã. Esta atou o rato ao seu próprio pé.
Depois, maquinando uma traição,, submergiu-se subitamente
no meio das águas, para que tirasse a vida ao companheiro.
Enquanto este luta bastante fortemente em sentido contrário,
um milhafre que voava sobre eles agarrou com as unhas ávidas
o rato avistado, e ao mesmo tempo levou consigo este rato e a
rã.
O que maquina a outrem a sua ruína deve acautelar
semelhantes perigos aos seus merecimentos.

**
O rato da cidade e o rato do campo
Um tal testemunho de velho autor aconselha a viver antes
seguro na pobreza do que, sendo rico, ser atormentado com
todas as coisas.

Outrora um rato da cidade, recebido na hospitalidade dum


rato do campo, tomou a ceia num estreito buraco. O
hospedeiro dava-lhe as habituais dádivas do campo: aveias,
bagos, cevada juntamente com bo-

131
Bolotas. O outro, tendo-se alimentado com estas coisas, com
grande aborrecimento, conseguiu por meio de súplicas que o
rato do campo, abandonadas as suas habitações, começasse a
viver consigo a vida da cidade. Vieram para a cidade e
entraram numa soberba casa, e introduziram-se num celeiro
cheio de todas as comidas boas. Enquanto eles ali usufruem os
restos admiráveis das comidas desconhecidas até então do
rato do campo, o dispenseiro apressado empurrou a porta. Os
ratos fogem aterrados com esta súbita aber-tura. Dentre estes
ratos o rato da cidade esconde-se nos seus abrigos; o outro,
procurando em vão as saídas na nova casa, atrapalhou-se,
acreditando que ele estava próximo da morte. Finalmente,
logo que o caseiro deixou o celeiro fechado, o rato da cidade
diz:

- Goza novamente estas iguarias! Não há nada já a temer!

Porém, o rato do campo cheio de temor respondeu:

- Tu, que desconheces ser movido pelos sustos da morte,


alimenta-te todos os dias com tais iguarias. Alimentos mais
frugais sustentam-me melhor a mim seguro do inimigo.

**
Um burro que fazia festas ao seu dono
Conta-se que um burro, logo que viu que um cão fazia festas
ao seu dono e era saciado liberalmente da mesa deste,
respondeu:

- Se o patrão assim estima um cão muito imundo e dificilmente


adaptado aos seus usos, em quanto apreciará ele isto, se eu
lhe prestar um obséquio igual, visto que lhe sou útil em muitas
coisas, e igualmente gozo de bebida e de comida lim-

132

Limpa! Sem demora finalmente, julgo eu, mudará para melhor


o estado da minha sorte.

Enquanto pensa consigo estas coisas, o dono entrou no


estábulo. O burro apressado e, zurrando, coloca as patas sobre
os dois ombros do dono, e sobrecarrega-lhe o corpo com o seu
peso desacostumado, e suja-lhe o fato e emporcalha o próprio
dono, lambendo-o. Os criados são chamados com a gritaria do
dono; tomam pedras e varas e levam o orelhudo semi-morto
para o curral com os membros e as costas partidas.
A fabulazinha aconselha que uma pessoa inferior não
desempenhe as funções de outra mais cortês.

**
O leão e o rato
Os ratos do campo andavam brincando, enquanto um leão
dormia. Um da multidão destes ratos passou por acaso, de um
salto, sobre o leão deitado. O leão, acordado, apanhou aquele
com rápido ímpeto. Aquele rato pede-lhe que lhe seja dado
perdão, porque foi contrariado que prevaricara com
imprudência. O leão, não julgando glorioso vingar-se do rato,
soltou-o sem punição. Poucos dias depois, enquanto o leão
vagueava de noite, caiu numa cova. Conheceu que ele estava
aprisionado, e começou a rugir com estrondosa voz. O rato
acorreu ao som enorme deste leão, e diz: Não há motivo para
que temas. Dar-te-ei agradecimentos iguais ao benefício que
de ti recebi. E ao mesmo tempo percorreu com os olhos os nós
da rede, e começou a cortar com os dentes os laços desta
133

armadilha. E finalmente soltou os membros da ingente fera.


Foi assim que um rato restituiu aos bosques um leão cativo.
Este exemplo opõe-se a que alguém despreze os humildes.

**
O milhafre doente
Como um milhafre estivesse doente há muitos meses e
dificilmente visse que havia esperança de vida para si, pedia à
mãe que fosse visitar os lugares sagrados e fizesse votos pela
saúde do filho.

- Farei isso, disse ela, mas receio que não alcance o auxílio. Tu
que, quando tinhas saúde, devastaste todos os santuários dos
deuses e profanaste todos os altares, o que julgas que ainda
as minhas preces podem fazer?

**
As aves e a andorinha

Como as aves vissem o linho dum campo serôdio, e não


procurassem a causa, convocadas todas, diz-se que uma
andorinha falou assim:

- A nossa situação volver-se-á em grande perigo, se deixamos


amadurecer a semente lançada à terra. Porquanto, as redes
são feitas do produto desta semente, das quais o engano dos
homens usa para a nossa ruína.

As aves riram-se. Em seguida, logo que a sementeira


frutificou, a andorinha de novo diz:
- A nossa ruína está iminente. Agora finalmente arranquemos
o gérmen nocivo. Novamente todas escarneceram das palavras
previdentes. Logo que ela viu que o seu plano era desprezado,
entregou-se imediatamente à fidelidade dos homens, e sob os
beirais das casas destes homens viveria para o futuro. Porém
aquelas aves que tinham desprezado o salutar conselho, feitas
redes do linho, morrem aprisionadas.

134

**
As lebres e as rãs
Quem não pode suportar o mal próprio, olhando os alheios,
acostume-se a sofrer os seus infortúnios.

Como as lebres estivessem aterradas com o súbito ruído,


resolveram afogar-se nas águas do rio próximo, para
acabarem de vez com os constantes sustos. Chegaram junto
da margem, que era abundante em rãs. Todas as rãs,
abaladas com a vinda inopinada da multidão de lebres,
atiraram-se imediatamente ao rio. Uma lebre então disse:

- Há também outros que têm temor. Levemos, como os


outros, a vida que o destino nos deu.

**
O lobo e o cabrito
Uma cabrinha, que ia pastar, aconselhou ao seu filho que não
abrisse a porta a ninguém, porque ela sabia que as feras iam à
volta dos estábulos dos reba-

135
Rebanhos. Em seguida dirigiu-se a um bosque. Pouco depois
veio o lobo e, imitando a voz das mãe do cabrito, disse:

- Abre as portas, pois trago-te leite nas tetas cheias.

O cabrito, ouvindo ao mesmo tempo pelas fendas da porta e


tomando conta da visão, diz:

- Conheço a voz da minha mãe, mas não o aspecto dela. E ela


mesmo proibe-me de te receber, pois procuras o meu sangue
com a aparência dela.
Prova-se com uma tal fábula quanto é bonito que os filhos
obedeçam aos pais.

**
O escravo desertor e o leão
A severidade dum rosto austero desaprova o facto de
constantemente brincarmos com fábulas fictícias, atribuindo a
voz ora ao irracional ora à árvore, e odeia a verdade, porque é
dita com riso. Mas vê diligentemente as causas das coisas. Em
toda a natureza conhecerás afeições iguais, o ódio e a amizade
e o prazer com tristeza. Porém, se a natureza tivesse dotado os
outros seres com a voz, assim como dotou os homens, ver-se-
ia com palavras prudentes que os irracionais combatiam com
os peitos de pessoas sábias. Para que não pareça que eu disse
estas coisas demasiado imprudentemente, confiaremos à
memória deste século um acontecimento admirável, e que
dificilmente os vindouros acreditarão.

Um escravo*, oprimido pelas assíduas ameaças do


-------------

* Androclo.
136

seu senhor, fugiu para lugares desertos. Enquanto percorre os


lugares, se por acaso lhe proporcionavam alguma coisa de
alimento, chegou à caverna dum leão que estava ausente.
Enquanto se demora ali, a própria fera entrou, digna de horror
à vista e soltando grandes rugidos. O escravo tremeu, aterrado
com o súbito monstro, e procura os esconderijos. Logo que o
leão o viu, aproximou-se suplicante, agitando brandamente a
cauda, e mostrou a pata, soltando lastimosos gemidos. O
escravo recobra o ânimo, e vê logo um grande espinho na
planta da pata. Arrancou o espinho e curou o leão ferido, com
mezinhas, que o acaso lhe proporcionara. A fera restabelecida
viveu durante três anos com o escravo naquela mesma
espelunca, e forneceu alimento ao novo sócio, trazendo
sempre as melhores partes da presa. Finalmente o homem,
movido pelo aborrecimento da vida ferina, retirou-se para
lugares habitados e em breve foi aprisionado e levado para a
cidade ao seu senhor que tratou de o entregar às feras. Era
dado no circo um grandioso espectáculo, insigne não só pelo
número mas também pelas forças das feras, as quais na
totalidade muito superava um só leão enorme na aparência e
demonstrando ferocidade no semblante. Este leão lançado
subitamente ao servo conteve o passo e parou como que
admirado. Em seguida aproximou-se dele com passo
sossegado e acariciou levemente com a língua aquele já semi-
morto. Logo que este depôs o medo, reconheceu o leão, que
fora curado com o seu trabalho, e que também um cativeiro
trouxera a Roma. Este espectáculo admirável prende os
espíritos dos espectadores. É feito um clamor do povo. O
próprio César, movido de compaixão, manda que o homem
seja levado à sua presença, e procura-lhe os fac-
137

Factos. Logo que foi conhecedor destes casos, perdoou--lhe o


castigo, aplaudindo-o todos, e ao mesmo tempo entregou ao
escravo o leão como presente. Este escravo, entre os aplausos
da multidão que se congratulava, mostrou ao povo a fera por
toda a cidade.

Esta fera de ânimo recordado mostra quantos homens não


venceu com o seu procedimento!

**
Os animais, as aves e o morcego

Os rebanhos faziam guerra com as aves e travavam muitas


vezes combates duvidosos. Porém um morcego, temendo
resultados variados, envolveu-se ora no partido deste, ora no
daquele, segundo a esperança da vitória era maior em cada
um. Como os combatentes tivessem chegado a um estado de
paz, aquele morcego foi condenado pelo crime de traição, e foi
afastado para sempre duma e outra gente. Assim, ele voa
sempre sozinho nas noites escuras.
Aquele que ao mesmo tempo se junta a partidos opostos fica
sempre igualmente desprezado por uns e por outros.

**
As ovelhas e os lobos
Como as ovelhas e os lobos tivessem lutado num combate,
aquelas venceram, auxiliadas com a protecção dos cães. Os
lobos, então, enviados embaixadores, pediram às ovelhas uma
aliança com esta lei: que os cães recebessem reféns da paz, e
eles próprios entregariam os seus cachoros. O pacto é feito
segundo a proposta. Pouco depois os lobos, violado o direito,
aparecem de todos os lados e matam as ovelhas privadas de
defensor.
Aquele que se despojou dos próprios defensores, esse mesmo
entregará a cabeça à espada dos inimigos.

**
O gavião e o rouxinol
Enquanto um gavião poisa casualmente no ninho dum
rouxinol, para que observasse os campos, encontrou os filhos
do rouxinol no ninho. A mãe pedia-lhe que lhe poupasse a sua
prole.

- Farei - disse - o que queres, se tu cantares bem.

Então aquele rouxinol cantou, posto que o seu entusiasmo


tivesse desaparecido com o medo. Logo que acabou de cantar,
o gavião, violando a promessa, disse:

- De modo nenhum cantaste bem. E roubou um dos


passarinhos com as unhas cruéis. Por acaso um astuto caçador
de aves veio para ali de diversas partes. O próprio gavião,
enganado com a armadilha daquele, sem se lembrar da
varinha enviscada, caiu em poder de outrem.
Deste modo morrem muitas vezes os que pensam na morte
dos outros.

138 139

**
O camponês e as árvores
Os que dão auxílio aos seus inimigos deitam-se a perder.

Feita uma machada, um camponês pedia que as árvores lhe


dessem um cabo robusto, e estas mandaram entregar-lhe um
cabo de zambujeiro. Recebeu o cabo, e, como fosse
apropriado para a machada, imediatamente ele cortou os
carvalhos da floresta. Conta-se que então um carvalho assim
disse a um freixo:

- Nós, que lhe demos o cabo, com razão sofremos isto -


sermos derrubados.

**
Os membros e o estômago
Quando os partidos fazem discórdia na cidade, toda a
república se volve em perigo.
Os restantes membros do corpo tinham negado ao estômago
as costumadas ofertas de comida, porque ele somente entre
todos usufruia uma ociosidade despreocupada, e não lhe
forneciam alguma comida a ele que a pedia. Como
permanecessem no seu propósito, depois de alguns dias todos
os membros foram afrouxados por causa do estômago em
jejum. Por fim, quando quiseram de novo ingerir alimento, o
estômago não pôde recebê-lo, estando já obstruídas as vias do
aparelho digestivo.

**
Dois homens, um mentiroso e outro verdadeiro, e os
macacos

Nada há mais útil para o homem do que falar bem. Esta


máxima deve na verdade ser aprovada por todos, mas a
sinceridade costuma ser levada à ruína. Um mentiroso e um
verdadeiro, viajando ao mesmo tempo, chegaram casualmente
à terra dos macacos. Vendo estes um macaco, que se dizia rei,
imediatamente ele ordenou que fossem levados para junto de
si. Ao mesmo tempo mandou permanecer todos os macacos
que os acompanhavam, e que um trono fosse ali posto, visto
que ouvira dizer ser costume dos homens. Em seguida
interrogou os que tinham sido levados à sua presença:

- Que tal me julgais, ó hóspedes?

O mentiroso respondeu:

- Pareces o máximo rei.

- E quem são estes que vês estar junto de mim?

- Estes são os purpurados, e os experientes na paz e na


guerra.

O macaco, folgando com estas mentiras, mandou que o


homem fosse remunerado com um prémio. Aqui o verdadeiro
pensou consigo: Se o outro recebeu um prémio tão excelente,
porque disse uma mentira, com quão grande prémio serei eu
pre-enteado, se sem demora disser a verdade?

O macaco perguntou então ao que pensava estas coisas:

- Que tal te pareço ser eu, e que te parecem ser estes meus
companheiros? Respondeu:

- Não só tu me pareces um macaco muito ignóbil, mas


também igualmente todos os macacos semelhantes a ti.
Irado com ele, porque dissera a verdade, o macaco entregou-o
à sua própria raça para o fazerem em pedaços.

140 141

**
A espada e o viandante
Um viandante encontrou uma espada estendida no meio do
caminho e perguntou-lhe:

- Quem te perdeu?

Ao qual a espada respondeu:

- Perdeu-me na verdade um só homem, porém eu já tenho


perdido a muitos. Antes que pereça, o nocivo serve de ruína a
muitos.

**
Uma raposa metamorfoseada em homem
Nenhuma fortuna encobre a torpeza natural.
Como Júpiter tivesse transformado uma raposa com o
semblante humano, logo que a leviana se sentou no trono das
leis, viu um escaravelho que saía dum canto e com o passo
acelerado saltou para a presa conhecida. Os deuses do céu
riram-se. O grande pai Júpiter corou e expulsou dos assentos a
raposa repudiada, prosseguindo com estas palavras:

- Vive com aquela norma da qual és digna, porque não podes


ser digna dos nossos benefícios.
**
O mosquito e o touro

Como um mosquito tivesse provocado um touro com as suas


forças, todos os povos vieram, para que observassem a luta.
Então aquele diz:

- É bastante o facto de teres vindo para mais perto; com


certeza no teu pensar fui feito igual a ti. Em seguida levantou-
se pelos ares com a pluma leve, e iludiu a multidão e humilhou
as ameaças do touro.
Se este tivesse sido lembrado da sua cerviz robusta, teria
desprezado um adversário do qual se devia envergonhar, nem
a tola vaidade se teria jactado. Deprime-se a si próprio o que
se compara aos indignos.

**
O burro e o boi
Um burrinho e um boi puxavam um carro ligado ao mesmo
jugo. Enquanto o boi se esforça mais fortemente, partiu um
chifre. O burro impassível com a grave fatalidade do
companheiro não lhe presta nenhum auxílio. Logo que o boi foi
prostrado com a excessiva carga, o boieiro carregou sobre o
burro a carne do boi morto. O orelhudo desfalece acabrunhado
com mil chagas e expirou caído no meio do caminho. Então as
aves que vieram ter com a nova presa disseram: Se te tivesses
tornado afável para com o boi, que te suplicava auxílio, não
nos alimentarias com a tua morte prematura.

142 143
**
O cavalo e o burro
Um burro pedia a um cavalo uma pequena porção de cevada.
Respondeu:

- Se me fosse permitido, dar-ta-ia pela minha dignidade. Mas,


quando chegarmos aos costumados estábulos, dar-te-ei como
presente um saco cheio de farinha.

O burrinho em resposta a este diz:

- Tu que negas uma coisa tão pequena, o que julgarei eu que


tu hás-de fazer a mais?
Com esta fábula conhecerão que são designados aqueles que
prometem grandes coisas, e negam até as coisas pequenas no
valor.

FIM DE TODAS AS FÁBULAS

**
BIBLIOGRAFIA
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quinque. Nouvelle edition... suivie des imitations de La
Fontaine par M. A. Caron. Paris. Librairie Classique Eugène
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1937 e de 1942, das «Fábulas de Fedro» anotadas (sic) por
Francisco Júlio Martins Sequeira, pro-fessor do Liceu Camões.
Livro aprovado por despacho ministerial de 9 de Julho de
1937, mediante parecer da 3.a secção da Junta Nacional de
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Phèdre. Fables Choisies annotées par Fernand
Flutre. Col. René Vaubourdolle. Lib. Hachette. Paris.
Phoedri Fabularum Aesopiarum Libri
quinque. Emendavit annotavit supplevit Lucianus Mueller.
Lipsiae. In Aedibus B. G.
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Phaedri Liberti Augusti Fabularum libri
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Phaedrus para uso das escolas, anotado por Augusto Epifâ-
nio da Silva Dias. 4.a edição, melhorada. Lisboa, 1894.
Fábulas de Fedro. Texto latino anotado por Augusto Epifâ-nio
da Silva Dias. Edição actualizada por Nicolau Firmino. Lis-boa
1942.
Fábulas de Fedro. Texto Latino anotado por Eduardo Anto-
nino Pestana e António J. Sá e Oliveira. Lisboa, 1943.
Fábulas de Fedro. Edição organizada por José Pereira Tava-
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Fábulas de Fedro, anotadas por F. A. Xavier Rodrigues. Lis-
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Nouveau recueil de Fables d'Ésope par E. Ragon. Paris, 1911.
Fábulas de Esopo, reduzidas a rima, por Miguel do Couto
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Les Auteurs Latins par deux traductions françaises... par une
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Fables de Phèdre traduites en français par M. D. Marie. Pa-ris
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Fables de Phèdre. Sem rosto. De 1'imprimerie de Knapen, au
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Fables de Phèdre. Traduction nouvelle avec des notes par M.
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Tradução literal das Fábulas de Phedro, com o texto acen-
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1886.
Fábulas de Phedro vertidas para português por A. B. Santos
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Fábulas de Phedro. Tradução em verso de A. I. de Mesquita
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Tradução de todas as Fábulas de Phedro do original latino
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Cinquenta Fábulas de Fedro, adaptadas por José Pereira Ta-
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Tradução Literal das Fábulas de Fedro, contidas nas selectas
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Fedro (Julius Phaedrus). 20 Fábulas ilustradas da Selecta
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Chompré. A. Paris, 1776.
Diccionário abreviado da Fábula por Mr. Chompré. Lisboa,
1807.
0
:t
f

6
.
L
DADOS BIOGRÁFICOS
DANIEL JOSÉ RODRIGUES - «Diplomado com o Curso
Superior do
Comércio pelo Instituto Industrial e Comercial do Porto.
Natural de Varge,
anexa da freguesia de Aveleda, concelho de Bragança, nasceu
a 1 da Maio
de 1877; filho de Martinho José Rodrigues, natural de Varge, e
de D. Erme-
linda Carlota, natural de Gimonde. Em 1898 (?) foi nomeado
professor
interino do Liceu de Bragança, de onde, em 1900, transitou
para o do
Porto. Em 1901 fez concurso para as cadeiras liceais, terceiro
grupo (inglês
e alemão), e, ficando aprovado, foi despachado para o Liceu
Nacional de
Bragança por decreto de 17 de Abril de 1901. Em Janeiro de
1903 foi
nomeado sócio do Instituto de Coimbra. ,
Traduziu do inglês o VIGÁRIO DE WAKEFIELD, de Olivier
G0ldsm>itk Lisboa, Guimarães e Companhia, 1904, 8.° de VIII-
231 págs, O prólogo, que vem à frente da obra e ocupa VIM
págs., é obra do tradutor.
: ROMANZAS (Complemento ao ROMANCEIRO). Separata do
INSTI-
TUTO,-Coimbra, Imprensa da Universidade, 1907. 4.r de 19.
págs. rÉ uma
colecção de sete romanzas coligidas na região bragançana,
acompanhadas
de comentários, |-.--. | | -
A notável folciorista D. Carolina Michaêlis de Vasconcelos, em
os seus
ESTUDOS SOBRE O ROMANCEIRO PENINSULAR, 1907-1909,
págs. 7 6 9,
e outros, refere-se elogiosamente às ROMANZAS, «que a meu
ver (dela)
se compõem de decalcos bastante fiéis, embora abreviados, de
textos
asturianos, talvez de introdução recente». r
O ENSINO DA GRAMÁTICA NAS LÍNGUAS VIVAS (separata de
O INSTITUTO); vol. LVI. Coimbra, 1909. 8.° de 14 págs.. [I
O RIO D'ONORENSE (Dialecto trasmontano). Separata do
INSTITUTO,
volume LV, Coimbra 1909. 8.° de 22 págs.. -
Tem em preparação LENOiAS ALEMÃS E LENDAS
PORTUGUESAS, e
tem colaborado n'0 NORDESTE, DISTRITO DE BRAGANÇA,
ILUSTRAÇÃO
TRASMONTANA e INSTITUTO DE COIMBRA.
A propósito deste nosso ilustre conterrâneo, diz o grande
sábio José Leite de Vasconcelos, que ele é «autor de alguns
trabalhos etnográficos acerca da província, e a quem, se não
esmorecer, está reservada proveitosa

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