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Cinco Sculos de Carne de Vaga
Cinco Sculos de Carne de Vaga
antropofagia literária
Carlos Fausto
Nuevo Texto Crítico, Año XII, Número 23/24, Enero-diciembre 1999, pp.
75-82 (Article)
[ Access provided at 25 Aug 2022 16:52 GMT from UFRN-Universidade Federale do Rio Grande do Norte ]
CINCO SECULOS DE CARNE
DE VACA
ANTROPOFAGIA LITERAL
E ANTROPOFAGIA LITERARIA
___________________CARLOS FAUSTO___________________
Pós-Graduacáo em Antropología Social do Museu Nacional / UFRJ
recebia pedras, frutos, cacos de cerámica, que deveria lançar contra a au-
diencia, mostrando sua ferocidade e coragem.
A derradeira manhä chegava com o fim da cauinagem. Levado ao ter-
reiro, pintado e decorado, preso por uma corda, o cativo esperava o carras-
co que, portando um diadema rubro e o manto de penas de ibis vermelha,
aproximava-se de sua presa, imitando uma ave de rapiña. Das mäos de um
velho matador, o algoz recebia a borduna. Tinha inicio, entáo, o célebre
diálogo ritual com a vítima, imortalizado pelos cronistas.
Após o breve coloquio, em que cada parte reafirmava vinganças pasea-
das e anunciava vinganças futuras, um golpe concreto e presente, desferido
contra a nuca do cativo, rompia-lhe o cranio e lançava-o ao chao. As velhas
acudiam com cabaças para recolher o sangue que se espalhava. Nada deve-
ria ser perdido, tudo precisava ser consumido e todos deviam fazê-lo: as
mäes besuntavam seus seios de sangue, para que seus bebés também pudes-
sem provar do inimigo. Se a comida era pouco e muitos os convivas, desfru-
tava-se o caldo de pés e mäos cozidas; se, ao contrario, o repasto era farto,
os hospedes levavam consigo partes moqueadas (Fausto 1992).
O único que nâo comía era o matador, que iniciava um longo período
de resguardo, no qual deveria se abster de uma série de alimentos e ativida-
des. Recluso, despossuído de seus bens pessoais, escarificado e tatuado, o
homicida tomava um novo nome que, segundo alguns cronistas, só revelaría
durante uma cauinagem no final do resguardo. A re-nominaçâo, o tomar
nomes na cabeça de seus contrarios, permitía ganhar fama e renome: os
grandes guerreiros acumulavam cento e mais apelidos, para serem cantados
e contados (Monteiro [1610] 1949: 409). Era também promessa de imortali-
dade futura, de um destino postumo ao qual só os matadores tinham acesso.
De Inimigos e Cativos
A explicaçâo mais difundida sobre a antropofagia tupi é a de que, por
meio da devoraçâo, buscava-se incorporar as qualidades do inimigo. Recor-
demos "Y-Juca-Pirama":
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