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cujos sons - ele sabia agora - podiam ecoar tanto dentro como fora.
E o próprio texto, protegido de estranhos por suas capas, tornava-se
posse do leitor, conhecimento íntimo do leitor, fosse na azáfama do
scriptorium, no mercado ou em casa (Manguei, 1997: 68).
Assim, a impressão em papel por meio de tipos móveis trouxe consigo uma
maneira específica de ler o texto. Entre os séculos XVI e XVIII, “o triunfo dos
brancos sobre os pretos", isto é, a aeração da página pela multiplicação dos
parágrafos que quebram a continuidade ininterrupta do texto, e aquela das
alíneas, que, entre idas e vindas à linha, tornam a ordem do discurso imedia-
tamente mais legível, produziu um tipo de leitura que fragmenta os textos em
unidades separadas, e que reencontra, na articulação visual da página, as
conexões intelectuais ou discursivas do raciocínio (Chartier, 1998a: 18-19).
Desde o século XVI, junto com as formas mais nobres de livros,
começaram a surgir publicações precárias, pouco cuidadas e pouco custosas,
vendidas por mascates e destinadas àqueles que não queriam entrar nas
livrarias. O conjunto dessas coleções e séries veio dar impulso à multiplicação
dos livros garantida pela invenção de Gutenberg. Mesmo assim, a produção do
livro não tinha ainda a dimensão que viria adquirir no século XIX e início do
século XX com a industrialização da atividade gráfica e com a proliferação das
tiragens graças aos livros de bolso. Essas diferentes formas do livro também
funcionam como índices de práticas distintas de leitura. Mesmo quando se
trata da leitura de livros, da decifração do código das letras impressas, a
prática da leitura não é um ato monolítico. Mesmo depois de fixada a
genealogia da nossa maneira contemporânea de ler em silêncio e com os olhos,
continuaram existindo leituras em voz alta com sua dupla função: de um lado,
comunicar o texto aos que não sabem decifrar, de outro lado, cimentar as
formas de sociabilidade em espaços comunitários. Também existem nítidas
distinções que separam a leitura intensiva da leitura extensiva. Enquanto a
primeira, reverenciai e respeitosa, apoiada na escuta e na memória, confronta-
se com livros pouco numerosos, a segunda “consome muitos textos, passa com
desenvoltura de um a outro, sem conferir nenhuma sacralidade à coisa lida”
(Chartier, 1998a: 23). Há ainda leituras eruditas e leituras vacilantes, leitura
como intelecção abstrata e leitura como engajamento do corpo etc.
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO
O aspecto sem dúvida mais espetacular naquilo que vem sendo chamado
de “era digital", na entrada do século XXI, está no poder dos dígitos para
tratar toda e qualquer informação — som, imagem, texto, programas
informáticos — com a mesma linguagem universal, bites de 0 e 1, uma espécie
de esperanto das máquinas. Graças à digitalização e à compressão dos dados,
todo
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO
e qualquer tipo de signo pode ser recebido, estocado, tratado e difundido, via
computador. Aliada à telecomunicação, a informática permite que esses dados
cruzem oceanos, continentes, hemisférios, conectando numa mesma rede
gigantesca de transmissão e acesso, potencialmente qualquer ser humano no
globo. Tendo na multimídia seu suporte e na hipermídia sua linguagem, esses
signos de todos os signos estão disponíveis ao mais leve dos toques, no clique
de um mouse. Nasce aí um terceiro tipo de leitor, um leitor imersivo, distinto
dos anteriores.
Diferentemente do leitor do livro, que tem diante de si um objeto
manipulável, a tela sobre a qual o texto eletrônico é lido não é mais
manuseada diretamente, imediatamente pelo leitor imersivo.
Veio daí a idéia de criar uma interface sensorial na WWW, da qual procede
a VRML, apresentada pela primeira vez em Orlando, no SIGGRAPH 1994, e
imediatamente implementada pela Silicon Graphics, a empresa mais potente
em infografia no planeta. Para operacionalizar as propostas de Pesce e seus
seguidores, que já haviam criado um primeiro ambiente virtual telemático, o
Labyrinth,
0 CIBERESPAÇO E SUA LINGUAGEM: A HIPERMlDIA
2. A LINGUAGEM HIPERMÍDIA
tragem que permitem aos pais programar seus computadores para que seus
filhos não tenham acesso a certos sites da internet. O V- chip também permite
filtrar programas de adultos ou de violência na TV. E agora as páginas da rede
estão ganhando novos códigos de conteúdo que não apenas nos ajudam a
filtrar o que não queremos receber, mas também a encontrar o material que
desejamos. Novas aquisições incluem programas que funcionam como agentes
que buscam informações na rede e avatares que permitem a construção de
imagens do usuário que interagem com outros avatares (Straubhaar e LaRose,
1997: 23). Os recursos acima da estrutura hipermidiática na internet, e a
necessidade de mapas para a navegação nos CD-Roms, colocam-nos diante do
terceiro traço definidor da hipermídia: seu cartograma navegacional.
A hipermídia é uma linguagem eminentemente interativa. Este é o seu
quarto traço definidor. O leitor não pode usá-la de modo reativo ou passivo.
Ao final de cada página ou tela, é preciso escolher para onde seguir. É o
usuário que determina qual informação deve ser vista, em que seqüência ela
deve ser vista e por quanto tempo. Quanto maior a interatividade, mais
profunda será a experiência de imersão do leitor, imersão que se expressa na
sua concentração, atenção, compreensão da informação e na sua interação
instantânea e contínua com a volatilidade dos estímulos. O desenho da
interface é feito para incentivar a determinação e a tomada de decisão por
parte do usuário. Isso significa que a interatividade em um sistema
informacional dá ao receptor alguma influência sobre o acesso à informação e
um grau de controle sobre os resultados a serem obtidos (Feldman, 1995: 6).
Também nas redes, a grande inovação da comunicação encontra-se no seu
caráter interativo que é inseparável do caráter hiper- textual e hipermidiático
de sua linguagem. Comparando-se com as outras mídias, de fato, a internet é a
única inteiramente dialó- gica e interativa (isso será detalhadamente
discutido no capítulo 10). O rádio e a televisão são capazes de colocar milhões
de pessoas na sintonia de um único acontecimento, mas sua comunicação é
assimétrica, tem um só sentido. A única reação que os receptores
0 CIBERESPAÇO E SUA LINGUAGEM: A HIPERMÍDIA
medida em que esta visava selecionar conceitos que fossem ope- rativamente
apropriados para ajudar a compreender a indagação que a pesquisa buscava
responder. Tratava-se de fazer avançar a pesquisa nos seus dois flancos, o
teórico e o empírico, de modo que um pudesse fornecer subsídios para o
outro. Foi, de fato, assim que se deu.
Antes de tudo, busquei conhecer mais profundamente os ambientes do
ciberespaço, habitar as arquiteturas líquidas, viajar um pouco nelas para que
meu olhar observador pudesse ficar mais atento. Em seguida, dei início às
gradativas e crescentes fases de observação e coleta de dados.
Nome
Idade
Grau de escolaridade
Usa computador?
Tem computador em casa?
Usa a internet?
Há quanto tempo?
Qual a freqüência de uso da internet?
Que tipos de uso faz da internet?
foram divididos em 3 grupos de 15, num total de 45 usuários. Para se ter uma
idéia do tipo de dados que foram coletados, a seguir, estão exemplos de três
entrevistas participativas:
Obs.: embora não tivesse computador em casa, o motivo principal para seu
acesso à rede devia-se ao fato de que, saindo do trabalho às 18 horas, “para
não pegar o trânsito infernal”, ele acessava a internet para gastar seu tempo
utilmente.
Nome: xxx
Sexo: feminino
Idade: 17 anos
Grau de escolaridade: cursinho
Há quanto tempo usa computador? Um ano
Tem computador em casa? Sim
Usa a internet? Sim
Há quanto tempo? 6 meses
Qual a freqüência de uso da internet? De duas a três vezes por
semana
Que tipos de uso faz da internet? Sites de bate-papo, e-mail.