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espetaculariza e os ficcionaliza,-paradoxalmente, eles também pare- ceem se tornar mais reais, Porque 20 se converterem em personagens, © britho da tela os contagia e entdo se realizam de outta forma: ganham ‘uma rara consisténcia, que provém dessa irealidade hiperreal da legi- timaggo audiovisual ou miditica. Passam a habitar 0 imagindrio espe- tacular ¢, com isso, viram curiosamente mais ceais do que a realidade. Dessa forma eles se tornam marcas registradas, espécies de grifes ou mercadorias subjetivas que performam nas teas ¢ suscitam processos de identificacio nos sedentos espectadores. Transmuram naquilo que se deu em chamar celebridades, portanto: pura personalidade visfvel ‘em exposiglo € & venda nos mostruarios da mila 8. EU personagem e.o,panica da solidéo. _. De resto, a minha vida gira em torne da minba obra lierdsia ~ boa eu mé, que seja, ou possa sex. Tudo o ‘na vida, tem para mim um interesse sesundto. Fernaido Pessoa Hoje & mais fil ficarfamoso. Tem mais emissoras, mais revitta, E mole ssie numa foro, mostrar uma delicia ser forogeafado. Mas tenho medo de me sentir descartado, de ficar eprimida, Deve ser muito triste a sensagZo de ser querido numa semana e na seguinte inguém _mais pergontac por voce. Mas faz pate. Kleber Bamba: ‘Qual éa principal obra que produzem os autores € narradores dos no- vvos géneros autobiograficos? Uns personagem chamado ex. De fato, © ppara além da enorme varicdade de manifestagies desse tipo, 0 que to- dos criam e recriam incessantemente, 20 petformar as sas vidas nessas vitrines interarivas hoje onipresentes, é a propria personalidade. Essa auroconstrugio de si como um personagem visivel sexia, lo menos, tuma das metas prioritérias de grande pacte desses relatos cotidianos, ‘compostos por imagens auorreferentes ¢rextos extimista, numa sorte de espetéculo pessoal sempre & mostra ¢ em didlogo cor 08 demais ‘membros das diversas redes. Essas mensagens que, todos os dias, ator- ddoam as telas interconectadas permitem que os seus autores se tornem tum tipo de personagem decalcado nos padres midiaticos e, particular- _mente, inspirado nos moldes audiovisuais do cinema e da ‘leviséo. Por isso, esses canais de comunicagao ainda noves, simbolizados pelas midias sociais da internet e ontros dispositivos digitais, so também ferramentas para a criagao de si. Esses instrumentos de au toestilizagio, que operam ativando a visibilidade e a conexio perma~ nentes, agora se encontcam & disposicao de qualquer um. Isso sigs fica um setor crescente da populacfo mundial ~ voce. ew ¢ todos 16s osnerdoty 301 = mas também, 20 mesmo tempo, remete a outro sentido dessa ex- pressio. “Qualquer um” significa ninguém extraordinétio, em prin- ipio, por ter produzido uma obra valiosa ou alguma outra coisa de excepcional, e que tampouco se vé impelido a fazé-lo para virer um personagem mais ou menos paiblico. A insisténcia nessa ideia de que “agora qualquer um pode”, no tocante 8s préticas autorais que s€ desenvolvem nesses cerritdrios, encontra-se no ceme das louvagies democratizantes plasmadas em conceitos como os de “inchuséo digi- tal” ou “liberagio do polo emissor”, por exemplo, que do conta da superacio do esquema midistico unidirecional do broadcasting e sia némenos, muito recorrentes nas anélises mais entusiastas destes tanto no Ambito académueo como no jomalistico. 1 essa perspectiva a que levou vocé a ocupar o trono da persona- lidade do momento, aids, de acordo com o veredicto da revista Time ‘antes mencionado. Pois gragas a esse poderoso arsenal que ja esté & disposicio de praticamente qualquer um, de fato agora nao € 56 pos- sivel, mas tornou-se quase uma obrigagio cotidiana criar performan- ces transmiditicas de si para mostrar aos outros quem se é Além disso, e em que pese a suposta liberdade de escolha de cada usuétio, hd c6digos implicitos ¢ (érmulas bastante explicitas sobre como deve- tia sex essa autocriagio, em fungio de quais sio os eus mais valoriz dos desse show. As diversas verses dessas personalidades que perfor- mam em méltiplas telas admitem certa variabilidade individual, € sopezyss ~ sazoane $0 ops orueasod “easoiqns 9 soyonsia sossou OB! tuo epLoo{o> €1qo wx!aPEPION e anbsos 22911028 O85] “opSiqixe tuo soaxn no suadeuur seu supeuise|d 9 sopet soit -go owoo sepipusiua seaqo Suns sv OFU 9 “suaSruostad soLidgad srs 2p saiopeand 9 sazopenia sovains $o ‘sg “Btupuesg » AuayseEs »p sroursaxduia serSoyenso se no oBSeoqunui0> 9p Sota Sop adog} OF jo -yreduuoo ‘oonjand ofode assap tespoud saroine so anbiod soa14o9e ‘st sup 2d epe> ap ossamns op sopypur sono a sapbeatfensia se ‘sonuoureqynaeduionsoa seplnoseowoo wag 'oxSuiaxe sod ste100559p -o1 sep 2 501g sop sawesia Sopa sopexiop solrvaW09 so sTEIUSLE epuny oes anb oreja q ‘YousHZE no eIspIAAy eoRLD e pagsse ‘ou “r9pour opniuas ou O¥U ‘Souau ojad feugisixo ens v sewNsUO. ered souopenadse sop no s220313| Sop opSownBoy © 8px wooared Ogu seopsfiorgoine seaqo seaou se spepraneroiuy ex aseyup ep zesady seperoauoszenit 9 ovSisodx9 wo a1duros‘seprSiaipsaye sopepyyeuos -aad 9p yeansey owwaqjoueq wa fodura ap wi obedso ap seria] wos Sqgred 0 exuagy aq [ansstn no wo seso}9o1d sjeur eago ens & sesuEW © sou essod wan epe> anb eied ‘opepisiaiut 9 ersugnbauy ap seiua0se29 ‘nes8 two ‘sopeziian ops afoy 391N21U ep sonTerayu SIEUED 5Q “8EID -ugpuoi sesso opueiojs1 noqese [eqo[8 ogSeyndod vp souuansar9 8905 “10d 304 opSope [etso! ens w a ‘Sepueurop stes zezeuE ered opLIO 10} opeonsyjos oxnw ootusgi jeauuinnsu wp, “sete outs) oanod Srpapsuodun opis welia anb spa we wreraafoauosop 29 2 sopena joe wreso} “eau ‘soSen1 snas ap sunify erzyioUN|d PIeDs9 We coommowrafioy, opueuzor 2s av3s9 2092ed Qg6L 9p *PEDBP Ep a8uaPLLINP “easo eamyna ep saobtpuoo sareynoad seur nounnuze8 an , 1905 02/8 “pjoroinezeo oda, 2580 ‘oquetiod “oprea seu ofn298 OfDW 9p SIEW, “is ap exisous nb ojinbe 9 un peo 2 — ojsn 238 nop 29 a5 anb o ‘eprSiarpsnyye sopuptatia(qns sep oligo qos ssaghiquae sey sewnsuoa exed sepenbape sentauesiay sv se0qy[2 osioaxd 103 sod “Sepes9p seLiya yl ser0}piaU! owoD sepeueun oapta ap sesr9 sessop seoriplayquta syeu sagsiaa se ‘opour 01129 op ‘oes sour oyeIp 9 sottiensous sou ‘Sousjnnsuos sou afoy anb wo sepepazus svar sy ‘qvatieueturMeluaq oF! 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Como reza a famosa definicao de Guy Debord, em seu famoso manifesto de 1967: “o espetaculo nao é um conjunto de ima- gens, mas uma relagio social entre pessoas mediadas por imagens”? ‘A interatividade que atravessa os blogs ¢ os demais génezos autobio- graficos da internet seria, de acordo com esta perspectiva, uma das mais perfeitas formas do esperdculo. Algo que s6 podia ser vislum- brado como metifora ha meio sfculo, quando o ativista frances es- crevera e filmara as suas ardorosas teses, mas as midias sociais basea- das em redes digitais - que se popularizaram vérias décadas mais tarde - acabaram materializando tecnicamente uma tal profecia. “Também neste caso, os ntimeros podem ajudar a compreender a magnitude ¢ certos relevos do fendmeno. Em meados de 2004, a in- ternet albergava cerca de nove milhées de blogs considerados auto- biogedficos ou confessionais, enquanto a quantidade de leitores niio chegava sequer a dobré-los: quatorze milhdes. Em 2007, caleulou-se que cento ¢ quarenta milhées de usuarios j produziam contetidos para os diversos canais interativos da rede, enquanto o ntimero de Ieitores ¢ espectadores estimados para todo esse material era equiva- lente, Este quadro complementa uma situagio mais geral, marcada por uma diminuigio dos leitores ¢ um aumento dos autores em todo ‘0 mundo, inclusive no caso dos suportes analdgicos como 0 livto ‘impresso. Entre outros motivos, isso ocorre porque agora qualquer uum pode ser autor, nfo apenas leitor. Mas convém sublinhé-lo: este desequilibrio nas quantidades relativas nfo implica, necessariamen te, uma desaparigao das dilerengas entre ambas as categoria, “Durante séculos, house uma separagao rigida entre um pequeno unimero de escritores e um grande ntimero de Feitores”, apontou Wal- ter Benjamin em 1935, em sev célebre ensaio sobre a reprtutibilida~ ide técnica da obra de arte e consequente morte da aura.” Ac longo do século XX, tanto a alfabetizagao das massas como o incremento das facilidades téenieas conseguiram que esse abismo se atenuasse 5 DEBORD, op. ct, te 4 4+ RENJAMIN, Water “A obra de ate aa €paca de sua reproduubilaac sexes” (Br teen verso In ap, p. 184185, gradativamente, pois 0 niimero de autores se expandia cada xe? mais, Agora, no século XXI, nfo s6 persiste essa tendéncis rumo A demo- cratizagio da fala com o aumento da quantidade de autores: além disso, paralelamente, registra-se uma forte queda do piiblico leitor ~ pelo menos, naquele sentido moderno da leitura fi solitdria, Na internet, esse processo é mais evidente ainda: os autores de blogs, posts ¢ videos sio também os seus leitores e espectadores. Somos eu, voeé e todos nds que escrevemos relatos antobiograficos ¢ publicamos fotos e filmes, e também somos nds que interagimos com as criagSes dos outros ¢ as legitimamos através das leituras ¢ dos olha res, Ha uma certa reciprocidade nessas priticas, pois a0 confirmar ‘com um aceno a presenga do outro na esfera do visivel, esse gesto se torna necessétio: concede-Ihe reslidade existéncia Esses dados podem estar indicando algo celevante, embora bastan- te curioso: para além da qualidade da obra, no sentido dos objetos cviados (textos, fotos, sons, videos), nao é necessério que esta seja de fato “lida”. Algo que também acontece, paradoxalmente mas cada vez com maior frequéncia, no campo da literatura impressa tradicional, cou no Ambito artistico de um modo geral. Basta apenas que se constate a sua existéncias e se tal constatacao for publicada ma grande midia, com projeeo nacional ou inteenacional, pois entio melhor ainda, Isso também foi vaticinado por Debord, ao postular a just¥eativa tautol6- gica do espetéculo sempre reproduzindo a logica emgresarial do ibo- pe: “o que aparece & bom, ¢ 0 que é bom aparece”, Sobretudo, é im- portance que por meio desses recursos de exposicao ¢ visibilidade seja sublinhada a fungao-autor e, desse modo, que seja corstrida a figura s, das do autor. Esse seria um dos papéis primordiais dos comen ccurtidas ¢ de todos os outtas gestos daqueles que interage prOprias postagens: confirmar a subjetivicade de quem fala. Por ser alterdirigida, esta s6 pode st construir diante do espetho legitimador do olhar alheio. E, no caso especifico das midias socias, ssa legitimagio opera através dessa etiqueta das peqvenas trocas afirmativas. Gragas ao clique no polegar para cima, por exemplo, dado pelo outro que observa e julga, 0 autor-personszyem reconhe cido como portador de algum tipo de singularidade aparentada com a antiga personalidade artistica de estirpe romantica, Para poder Dehowdoty 307 Woe eepMOWBO coeeetd “egy apenas 120 AE 9 YS Yad IME OFS BPEPHARIONS 9p FOEIAPAD 2 3 faapuon seysonjone sop nsadoo ou aagpeRard y,“omRBEY Re STAD PREY» vaso atusiweuyt senunuan jpayssed el9g “seUAO.K op esaning- -ouionbail wsodso Buin 39 PlspUIpsO eprA e sa4lerRp 9p osm] wo> ee/e4 {Cinnog auaypoyy ewes, owo> epemos armousy>ey 495 eHapod! 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As belas artes da narrago tornavam extraordindrio nastado, mesmo que fosse algo aparentemente insignificante. Para ‘operat essa alquimia era preciso recorrer a generosas doses de intros- ecco, a personages cuidadosamente bosquejados e ao livre fluir da conseiéncia, dos pensamentos, das emogdes e dos sentimentos. Além disso, apesar das imensas peculiaridades de cada caso e da qualidade variavel das obras produzidas naquele longo ¢ intenso pe rfodo, em todos esses relatos paira um anseio de criar um universo com vocacao de totalidade a partir dos escombros de uma vida, mes- ‘mo que se trate de uma vida miniiscula, Essa pretensio evoca, mais uma vez, aquela metéfora arqueol6gica de Roma, em oposigio 20 recurso narrative mais atual ~ ¢ muito presente nos novos géneros autobiogeaficos, sobretudo na intemet — que costuma remeter & me- ‘fora instantinea de Pompeia. Por outro lado, o como daquele tipo de narragio oitocentista abrange uma outta ambigao desmesurada e jgualmente importante: a capacidade de oferecer pistas sobre o sen~ tido da vida, como diria Walter Benjamin, algo que constitui um dos ingredientes primordiais do romance modetno. ‘Naquele universo j4 definitivamente distante ~ ¢ que, inclusive, seguiu um caminho inaugurado bem antes, talvez no século XVI pe- los pioneitos Ensaios de Montaigne e pelos primeiros romances de due se tenha conhecimento ~ 0s individuos nao apenas liam aqueles textos, mas também costumavam escrever profusamente, Nos dié= ‘ios intimos ¢ nas trocas epistolares, pot exemplo, cles contavam 4 sua préptia histéria e construfam um ew no papel para fundar a sua especificidade. Tais relatos de si eram costurados diariamente cio do quarto proprio, ow em qualyier ou na solidao ¢ no sil tro local que pudesse desempenhar esse papel de refigio intimista, onde fosse possivel desenvolver am didlogo denso com a prépria interioridade, Assim como ocorre hoje em dia com os dispustives dligitais usados para perfosmar na visibilidade interconectada das redes, portanto, os didrios ¢ as eartas daquela época — assim como 195 romances ¢ 08 contos ~ também constitufam sites ferramentas para a avtocriagio. HU Paulette Recorrendo a esse arsenal de tecnologias anal6gicas, os sujeitos dos séculos XIX e XX entreteciam as complexas redes intersubjetivas ‘que alicergavam aquele universo. Mas, aléim disso, e sobretudo, esse instrumental Shes permitia edificar a singularidade indivichal de cada autor-natrador-personagem. Nao se tratava, porém, nesias préticas cotidianas ¢ muito expandidas naqueles tempos, de registos escritos sobre aquelas figuras ilustces que protagonizavam as biografias ce- hascentistas. Esses hAbitos no se restringiam aos perscnagens ex- traordinécios, euja ago no mundo era narrada para presetvar a sua lembranga publica na posteridade. Nestes casos, a0 cont:ério, qual- ‘quer um procurava se narrar ~ na intimidade mais sigilosa do diécio «e das cartas privadas ~ para ser alguém extraocdinéio, nnesmo que essa originalidade individual icasse pudicamente preservada entre as quatro paredes do lar. J 0s tempos que correm néo sfo tdo romnticos assim ~ € nem sequer to burgueses, pelo menos nesse sentido mais cléssico ~ ¢ as coisas tomaram a mudar. Agora, em vez de parecer que tudo existe para ser contado num livro, como na época de Mallarmé, tem se propagado a impressio de que s6 ocorre aquilo que é ex bido numa tcla. As difecengas no sio tio sutis como poderiam parecer, ou xefe- ridas a meras atualizagSes de suportes tecnolégicos out miditicos. Nao se teata apenas de uma passagem do livra impressc, que antes reinava quase absoluto, para as diversas telas eletrdnicas que hoje povoam nossas paisagens cotidianas. Em muitos sentidos, porém, reio é a mensagem, pois no hé dtividas que os diversos canais tam- bbém mocelam ou pefo menos afetam o contesdo que por les circula Assim, no € a mesma coisa contar algo num volume encadernado no século XIX, por exemplo, do que fazé-lo num dos telefones celu- laces que hoje carregamos conosco para toda parte. Eevidente que © mundo mudou muito entre um desser momentos histéricos e 0 outro, e ainda continua a mudat, propiciando assim 0 desenvolvimento de dispositivos técnicos ¢ sociocultursis destmados a suprir as novas demandas que foram wreindo, No quese refere as nartativas autobiogréficas eas subjeuvidaues de cada épaca, a muta~ 0 pode ser suil, mas € bastante intensa ¢ significativa. Antes, eudo existia para ver contado num livro, Ou scia, a realidad do mundo ostowdogs 311 devia ser metabolizada pela profusa interioridade dos autores paca verté-la no papel com a ajuda de recursos literdrios ou artisticos. De preferéncia, dali deveria emergir transformada numa obra de arte Mas agora 86 acontece aquilo que é exibido numa tela: tudo quanto faz parte do mundo 36 se torna mais real ~ ou realmente real ~ se parecer projetado como um relato audiovisual. Com essa transformagio, nfo 56 deixou de ser necessiio que a vida em questéo seja exeraordinaria, como era 0 caso das biografias renascentistas ou as sagas dos homens piblicos do século XVI, mas agora tampouco € um cequisito imprescindivel que ela seja bem narrada, como exigiam os impetos romanticos e as tradigoes bur- guesas. Porque neste novo contexto cabe & tela, ou & mera visibili- dade, a capacidade de conceder um brilho extraordinério & vida ‘comum recriada no rutilante espaga midistico. $io as lentes da c& mera e os holofotes que criam ¢ dio consistincia ao real, por mais anédino que seja 0 referente para 0 qual os flashes apontam. A apa- relhagem técnica da visibilidade € capaz de conceder uma aura de glamour a qualquer coisa e, nesse gesto, de algum modo também acaba realizando isso que mostra. por isso que os diversos discurs0s midiaticos contemporaneos néo se cansam de apregoar que, agora, qualquer um pode ser famo- 30, Nao deixa de ser verdade, levando em conta a incessante prolife- ragéo de celebridades que nascem e morrem sem nada ter feito de extraordindrio, ¢ sem que nada acerca delas tenha sido bem narrado a fim de transformar em excepcional algo aparentemente insignifi- cante; mas, apenas, por rer conquistado alguma visibilidade. Como tama sequela destes destocamentos, os termos famoso ou famosa, que costumavam ser adjetivos qualifiativos e, portanto, devia acom- rpanhar um digno substantive que ns justificasse {um artista famoso, uma attiz famosa, um famoso politico, etc.), hoje tém se transforma- cdo em substantivos autojustificaveis: um famose. uma famosa, um ‘grupo de famosos. Assim, a celebridade se autolegitima: € to tauto- Logica como 0 espeticulo pois ela € 0 espeticulo. Por que os famosos sio famosos? Eis a unica resposta possivel para grande parte dos ‘casos: os famosos so famosos por serem famosos. Ou sejai porque cles tm acesso a visibitidade. 312 Paes ‘Tanto as genuinas figuras iJustres de outrora quanto aos famosos de hoje em dia ~ nos casos em que a palavra ainda mantém a sua 10 de adjetivo -, como também a estes outros que sio subs- tantivamente famosos per se e que proliferam cada vex mais, a midia costuma resgati-los em seus papéis de qualquer um. Seja nas revistas de celebridades ou nos filmes biogesficos que esto na moda, famo- 06 e famosas das linhagens mais diversas so ovacionados, nesses suportes com esplendor midistico, por serem comuns Para que esse feito possa ser conseguido, as suas vidas devem ser fiecionalizadas; «, convertidas em extimidades, so mostradas em piblico sob a luz da mais resplandecente visibilidade. Desse modo, eferua-se uma su- perexposigio daqueles aspectos supostamente privades que, embora sendo banais ~ ou, talvez, precisamente por isso? -, se tornam fasci- nantes para a avidez. dos olhares alheios, Em decorréncia de todas essas operagées, que estio muito bem afinadas com o clima contempordneo, 2s vidas reais sio impelidas 2 ‘se estetizarem constantemente ¢ a performar em cena, como se esti vessem sempre na mira dos fotdgrafos paparazzi on num reality- -show. Para ganhar consisténcia e inclusive existéncia, conquistando a legitimaggo do olhar alheio, & preciso estilizat a propria vida como se pertencesse ao protagonista de um filme. Assim, cotidianamente, 1s sujeitos destes infcios do século XXI, familiacizados com as regras da sociedade do espetéculo, recorrem a uma infinidace de ferramen- tas ficcionalizantes disponiveis no mercado para se autoconstruit. ‘A meta é enfeitar e recriar 0 préprio eu como se fosse em personagem audiovisual. De fato, para saciar essa demanda de personalidades al- terdirigidas, as midias atuais oferecem um farto catélogo de estos lose que cada um pode escolher e emular: € possfvel copié-los, u logo descarti-los para substitui-los por outros sempre renovades. ‘Um complicado jogo de espelhos com os personazens midistiza dos dispara processos de identificacdo efémeros e fugazes, que pro movem as inémeras vantagens de reciclar regularmente a propria identidade. Nao é casual que agora existam, inclusive, profissionais especializados em oferecer assessoria para quem descja se aperle goat nessa tarefa cada vez mais capital. Trata-se dos consoltores de imagem. que até pouco tempo atrés destinavam seus servigos exclu~ Dehowdete 513 sivamente 4s empresas, depois ampliaram-seu escopo para aconse- Ihar politicos e outras figuras piiblicas, mas nos ltimos anos come- ‘garam a projetar cardapios orientados para osindividuos particulares. Agora, portanto, qualquer um pode ser cliente dessas companhias € consumir taisservigos, especialmente orientados aqueles que necessi- tam de ajuda para polie o sou aspecto ¢ exibic uma aparéncia ade- ‘quada & sua personalidade, Pois, afinal, todos queremos ser persona- gens como aqueles que brilham nas telas, mas nao é tio facil assim: ‘mesmo com a “competéncia midiética” adquitida nos tltimos tem- pos, ainda assim é preciso trabalhar ¢ se esforgar constantemente, além de er sorte e, também, pagar por iss. (Os novos canais inaugurados na internet na virada do século, como 1 blogs e as redes sociais, no fazem mais do que reforgat essa dind- mica: a passagem da introdiregdo para a alterdiregio, algo que se per- cebe tanto nos processos de construgio das subjetividades como nos tipos de sociabilidades que elas propiciam. He iniimeras vantagens no abandono de certas limitagSes inerentes a0 tipo de configuracao histé- rica do homo peychologicus; nesse sentido, convém no esquecer que a transformagio hist6rica que passon a estimular as personalidades alterditigidas envolveu um conjunto de lucas politcas, filos6ficas, ar- tisticas e socioculturais que levaram A iniimeras conquistas no plano das liberdades individusis, por exemplo. Abriram também possibilida- des inéditas 20 privilegiar 0 comtato com os outros em ver de se afincar ‘no complicado cerne de cada um. Entretanto, novos problemas surgi- ram, muitos deles decorrentes do papel que © mercado desempenha atwalmente nesses jogos, com infiltracées antes impenséveis tanto no ‘campo da subjetividade como no corpo e nos afetos. ‘Ao permitirem que qualquer um seja visto, ido, cuvido, avaliado € julgndo por um péblico composto potencialmente por milhdes de pes- sas —mesmo que nao se tenha nada especifico para dizer ow mostrar as midias sociais também incitam a posicionar 9 propria perwonali- dade no mercado das aparéncias. Nao & rar0, portanto, que essa injun- Glo suscite a configuragio de subjetividades muito vulneraveis 20 ¥ redicto do olhar slheio. Hé o risco de uma grande fragilidade nesse estimulo & autoexposigfo permanente, assim como a densidade exces: siva podia ser um problema dificil de lidar para o carater introdirigido. 34 pau si Enquanto a.culpa-sqsafronxa como.o principal acticulador daquelas subjetividades mais antiquadas ~e, cambém, como mecanismo de con- trole social num contexto em que a moral ea lei costumavam coincidit ¢ estavam internalizadas no Amago de cada um ~, a vergonha passa a desempenhar um papel cada vez mais temivel numa sociedade assom- brada pela constante ameaga do bullying generalizado.? Assim, compassando a libertagio de alguns pesos enfercujados que vinham azrelados iqueles modos de ser oitocentistes, uma certa falta de sentido pode pairar sobre as existéncias puramente alterdiri- gidas da contemporaneidade, O mero fato de se exibir de modo atraente pode nio ser suficiente para sustentar a prOpria experincia; além disso, a necessidade de abocanhar um geande ntimero de segui- dores pode levar a um contato meramente instrumental com 03 ou tr0s, que sto valorados apenas em sua condigo de audiéncia poten- cial para a propria trivialidade. Por isso, apesar da estridéncia que insiste nessa exibicio de mundos felizes por toda parte, uma falta de consisténcia invisivel parece estar gerando fortes doses de sofrimen: to, insatisfagao ¢ solido. Problematicas tipicamente contempord: nneas, que decorrem dessas novas situagSes, embora tenhamos nos livrado de outros dramas antes predominantes. Apesar da “democratizagio” recentemente alavancada pelas n dias sociais, as manifestagBes desses conflitos nao se limitam & inter- net. A atual paisagem midiética e atistica esta repleta de sintomas, alguns dos quais se renovam e intensificam em alta velocidade. Um deles & a enorme demanda por participar nos reality-shows da televi- so, um género que no existia ha crés dfcadas e que, agora, tem se deseavolvida em incontaveis vertentes. Na selegdo dos candidacos paca a sérims edigio do programa Biz Brother Brasil, por exemplo, 1 dispura foi com vezes mais acirrada que no cobigaco vestibular para estudar medicina nas melhores universidades do pais. Esses da~ dos sugetem que também se deslocaram os imagindrio: de sucesso, enquanto os rotciros de identificagdo migram das instituigdes mo: SIBILIA, Pai, “Vivien fa idea: ns nara ecnolouas ye aco esol. Ins Le ‘monde iplantique Buenos kites, 20 fe. 2015, p. 18:19, SIbILIA, Rau. Balyng ealpao ergucnza?™ 1h La dpoca, APA, ne 6 Buenos Aes, maego 2015, Ostoranty 315 dernas outrora mais respeitadas, bergos do caréter introdirigido, paca as promessas transmididticas das celebridades que seduzem as, pessonalidades alterdirigidas. ‘Uma ilustragio desses sonhos hoje triunfantes é dada pelo jovem protagonista de Storytelling, um filme de Todd Solondz estreado no ‘ano 2000. Para esse personagem ficticio, filho de uma familia de classe :média que morava nom subiirbio de Nova York, a tnica possibilidade de fugir da abulia e da apatia em que se encontrava imerso, sufocado numa vida sem nenhuma consisténcia, era a excitante promessa de apacecer na televisio © ser famoso. Esse era 0 Gnico afeto capaz de mobilizé-lo, mesmo que ele no pudesse sequer imaginar uma azo para tal visibilidade, e sem que essa falta de sentido parecesse impoctar ‘a ninguém, Semelhante, ainda, € um caso pateticamente real ocorrido ‘em 2007, quando um garoto de dezenove anos de idade matou uma dezena de pessoas com uma arma de fogo num centro comercial da regio central dos Estados Unidos. No bilhete que deixou antes de cometer svicidio, 0 adolescente confessava seus motivos € sua inten- fio: morter “com estilo” para poder, enfim, “scr famoso”.# E justamente isso o que procura explicar Neal Gabler em seu livro Vida, o filme: essa voraz. sede de visibilidade e celebridade que marca as expetiéacias subjetivas contemporéneas. Com tal objetivo, 0 en- safsta estadunidense analisa 0 que ele considera “a transformagio da realidade em entretenimento”. Como um avango ainda mais radical da logica da sociedade do espetaculo na cultura contemporanea, uma série de fatores teriam levado a conversio de nossas vidas em filmes: lifes, como o proprio autor as denomina, num trocadilho que fusiona as palavras life vida) e movies (filmes). Através de um pas- seio histérico bem documentado, Gabler mostra que 0 entrevenimen- to lateja na medula dos Estados Unidos. Com a sua influéncia cultu- ral ¢ econémica desdobrada em nivel global a partic da segunda erade do século XX, as caracteristicas peculiares dessa sociedade teriam se generalizado em todo o planeta, preparando o terreno para oy fendmenos aqui analisados. * "Aiague em shopping dos EUA ata nove e dea Sree tends; ages queria Ser lunvaa”. I © Globo, Rio de Janeiro, 6 des. 2007, 36 Patsseame Dexde os primérdios dessa nagao, sempre de accrdo com a andl se de Gables, a cultura popular ~ logo transmutada em cultura de ‘massa ~teria sido uma espécic de bandeira levantaca pelo povo esta- dunidense em oposicio as rangosas pretens6es da clea cultura euro- peizante. Junto com esse brasio, eram defendidor valores como a informalidade e a diversio, tidos como mais democ-iticos e antiaris- tocréticos ~ e, portanto, também mais estadunidenses, Assim, nesse “ex-estrela lo seriado Baywatch”, a noticia proveniente da Agéncia Reuters dis- corria sobre o tema do titulo ao longo de sete pardgrafos, que descre- viam as vicissitudes do relacionamento entre essa celebridede e seu ma- rido, Rick Salomon, “conhecido principalmente por um video de 2003 ‘no qual aparece fazendo sexo com Paris Hilton”.!* Talvex. tudo isso se justifique porque, no regime de visibilidade aque vigora na sociedade esperacutar, qualquer destino é considerado mais vazio ¢ desolador que ser famoso sem motivo algum sobrett- 4o, nfo ser famoso. “E triste que existam tantos privilégios dos quais se beneficiam as celebridades e que as pessoas comuns jamais irto coahecer”, disse Woody Allen ao comentar seu filme de 1999, preci- samente intitulado Celebrity, “Aljuém que ensina mum kairo pobre, onde faz um trabalho difeil que além disso & perigoso > no qual se compromete realmente, € muito mal pago, enquanto wma celebrida~ 1 Rio de ‘Pamela Anderson pede dvéreio, max depos moda de is" Ine O Joneeo, 18 dex. 2007, Osiow sot 323 de que faz um filme idiota com acidentes de casros e efeitos especiais secebe vinte milhdes de délares”, completava o cineasta.! ‘Com essa classe de personagens se mostrando sem pausa nas vi- tines mididticas, e operando como os modelos mais admiraveis de estilos de vida que se possam imaginar ~ e, obviamente, cobicar -, ro surpreende que as subjetividades introdirigidas tenham perdido primazia. E que, em compensagio, hoje prolifere um tipo de eu que deve se ocupar de colocar em cena a sua personalidade a todo mo- mento ¢ em qualquer Ingas, sem diferenciar entre os ambitos pabli cos e privados da existéncia. Os modos performéticos de ser ¢ estar no mundo se rornaram no apenas legitimos, mas até mesmo necessétios para sobreviver neste novo meio ambiente, Por isso, foi se esfacelando aquela antiga consternacdo a respcito dos disfarces ¢ da falsa encenacio, que eram avaliados de modo negativo porque traiam o substrato mais auténtico do proprio cariter, entendido como uma esséncia fixa e estavel — uma verdade interior ~ a qual era ‘moralmente necessario permanecer fiel. ‘Seguindo os novos modelos ¢ contribuindo para entronizé-los, por tanto, os meios de comunicacio prometem 0 acesso & fama para qual- quer tum que assim 0 desejar, que esteja disposto 2 batalhar um pouco por isso e, também, que tenha alguma sorte para poder se destacar na concorréncia com todos os demas, Lm exemplo éa blogucira brasileica CClarah Averbuck, que for egitimada pela midia tradicional e virou até personagem de cinema: em sintonia com essa trajetéria, ela declarou {que nfo se preocupa por dclimitar as feonteicas entre sua vida e a “pee- tensa fieco” de suas obras. Uma de seus clones argentinos, Lola Copa~ cabana, que também jé foi mencionada nestas paginas e percorrey um caminho semelbante, hoje garante ser "honesta” pois afirma que ela é idéntica & sua personagem c que nio existe em sua vida “nada inconfes- sével”, nada que ocultar. Longe dos tormentos que ainda assombravam cs astros de Hollywood cs anos 1950, portanto, 0 ew destas novas celebridades consteuides na visibilidade como personagens de si mes- ras parece coincidir exaramente com tudo 0 que delas se ve. 1% Apud JULVE, Corinne." reeen apace’, I: Liberte Paes mn entre oan Spinrad et Woody Aller 23 jan. 1999. 34 Pale Ss Nom universo onde codos desejam ser famosos, nfo-surpreende que scjam vatios os atalhos dispontveis para chegar Ik ~ ¢, gragas @ essa conquista, mergulhar na promessa de uma felicicade espetaculac, Em tese, pelo menos, bastaria saber aproveitar bem « atual profuséio de novos géneros de expo itiea pessoal: dos reality-shows.as redes sociais como Facebook, Twitter ou Instagran, passando pelos blogs ¢ pelos sites de video que configuram o paraiso dos youtubers [Em todos esses canais, 0 que conta é se mostrar ¢ se saber vender. En- tetanto, para se destacar entre tanto espetdculo igualmente alterdiri- gido, é preciso ter muita habilidade na hora de exibir um ent auténtico e real ~ ou, pelo menos, que assim parega. A evential obra que se posta produzir sempre sera acess6ria: 6 terd valor se contribuir para ‘ornamentar a valiosa imagem pessoal. Pois 0 importante é 0 que voce 40 personagem que cada um encarna na vida real ¢ mostra na tela, © somente em fungio disso teré valor tudo o que voeé (no) faz Em que consiste, enteeranto, esse ser alguém? Em que sentido, como e por que, esse tipo de personalidade precisa taato capitalizar 0 que faz mostrando-o de um modo atraente? Sem chegat aos extremos dese perguntar 0 que fazem ou fizeram figuras como Kim Kardashian, Daniella Cicareli, Paris Hilton ow Bruna Surfistinha para se tornarem as celebridades que elas so ou que algum dia foram ~ em boa parte, gragas & internet -, convém voltar a atengio para YewTibe, win des- ses novos palcos que permitem ser um personagem que se mostra, Em 2007, esse imenso site era visicado diariamente por cem milhdes de pessoas que assistiam a setenta mil videos por minutos desde entio, porém, os niimeros nfo param de se maltiplicar exsonencialmente. De fato, trata-se de um dos maiores responsiveis pele eleiéo de voct como a personalidade do momento, configurando-se como a platafor- ‘na que tem permitido 2 varios jovens de todo 0 mundo se tornarem ricos ¢ famosos, enquanto muitos outros tentam segur esses pastos. Nao por acaso, o servico se apresenta com o benjaminiano slo- gan Broadcast yonrself, algo assim como “mostte-se para um pi- blico de massa”, Entre 0 gigantesco acervo de videos casciros em constante crescimento, que sto enviados por usudrios de todas as procedéncias ¢ com os contetidos mais diversos, uin dos filmes mais vistos de toda a sua hist6ria se chama Evolicin da danga. clipe, onowdoty 535 que ja foi assistido por dezenas de milhges de pessoas, tem seis mi- nutos de dura¢io e mostra um homem dangando trechos de misicas populares das dltimas décadas, em ordem cronolégica ¢ de forma uum tanto desajeitada. O sujeito que danga diante da cémera é um exemplo perfeito do vocé condecorado pela revista Tin aparentemente comum ¢ to real como qualquer um de nds - ou, pelo menos, assim parece. Algons anos atras, antes mesmo do estouro desse site nos merca- dos, um video caseiro de um minuto ¢ meio de duracio, conhecido como Numa Nusna Dance, ciculow pela internet até se transfocmar zo fenmeno da hora. Um estudante tinha publicado na rede esse bre- ve clipe, no qual ele mesmo dangava nos compassos de uma misica popular romena sem jamais se levantar da cadeira diante do computa- dos farendo caretas ¢ mexendo os bracos enquanto seus labios faziam aa mimica da letra. O filme se propagov a toda a velocidade por e-mail c,em seguida, foi assistido por milhdes de pessoas. Muitos tentaram imité-lo, langendo também na internet os famosos memes: videos conde eles préprios faziam exatamente a mesma coisa, entre outras parédias inspiradas na peca original. A onda foi crescendo tanto que acabou despertando a curiosidade da midia, que convocou © autor a se manifestar no espaco puiblico da imprensa tradicional. Assim, © inesperado sucesso daquele video despretensioso con- verteu 0 seu protagonisia num personagem notério. De repente, Gary Brolsma tornou-se uma celebridade procurada pelos grandes meios de comunicacio. Varias emissoras de televisio transmitiram 0 video, como a CNN ¢ VEEL, ¢ 0 jovem foi entrevistado no popular programa Good Morning America. Foi assim como Brolsma teve ‘casio de demonstrar que, realmente, nfo tinha nada a dizer. Pior ainda: sentiu-se assediado e humilhado, apés ter detonado um fend: meno que ninguém conseguia explicar. “Por que dois milhdes de pessoas querem ver um gordinho de culos balangando os bracox « dancando uma miisica romena?”, pergntava o jornal The New York Tames em pleno ange desses debates, ocorridos em 2005, “Flou- n tempo em que os talentos vergonhosos eram um assunte pu ramente privado”, explicava a reportagem. “Com a internet, porém, « humilhagée ~ como tudo o mais ~ tornow-se publica.” 326 Pedatite Diante desse tipo de reagées, 0 rapaz’se sentiu vitima de uma espé- cie de bullying de dimensdes astrondmicas. Em consecuéncia, ele re- solveu cancelar uma apresentagio no programa Today Show, da rede de televisio NBC, ¢ se refugiou na casa de sua familia. O préprio New York Times recebeu uma resposta negativa quando tencou localizar a nova celebridade para the arrancar mais depoimentos, pois Gary esta- vya envergonhado e nao queria mais falar com os jornalistas. O artigo do periédico conclufa com um desafio para os leitores: “Coloque um video de voo€ mesmo tocando a flauta com seu nariz ot dangando em roupas intimas, e as pessoas de Toledo a Turcomenistzo poderio vé- -lo”. meses mais tarde se tornaria a invengio do ano, ¢ para todos aqueles {que nos tornamos as personalidades do momento. Num esforgo por medir 0 grau de fascinio exercido pela subita cestrela da internet, o famigerado clipe foi exibido na escola publica de Nova Jersey onde Gary estudara quando crianca. Surpreende: temente, talvez, a turma de doze ou treze anos de idade que viu Sem divida, um par de étimas dicas paca aquilo que alguns 6 filme nao pareceu muito impressionada com os talentos de seu colega mais velho. “£ uma bobagem”, rematou un dos alunos. “0 que mais ele faz2”, perguntou outro. Enquanto um terceito ~ talvez.o mais antenado a respeito das novas tendéncias de espeta- cularizagdo de si via internct ~ extrait a seguinte conclusio: “eu também deveria fazer um video desses ¢ virar famoso”. No entan- to, apesar do turbilhdo que quase 0 arrasou na vertigem da fama inesperada, 0 sufocado Gary Brolsma se recuperou rapidamente € conseguiu dar a volta por cima, Ele resolveu aproveitar o conselho de seus amigos: “eu Ihe disse, “Gary, esta é uma oportunidade nica que vocé tem para set faimo- s0.., Voc deveria abragi-la"", conforme relatou um colega. Na épo- 2, 05 jornalistas lembraram que este seria sequer o primeiro caso de alguém que pula do anonimate pur: celebridade devido a ‘um episédio constrangedor desvendado na internet. Como diria Guy Dehord: na sociedade do espetéculo, até» humilhagio pode se con OHFUFR, Al, (GE, Jason, “tee fame «rot sees fora dancer of he Suns Mma Ine The Nee Yer Tes, 26 Fes 2005, oshowdets 327 n costo famoso), da a os xeality-shows messas,como I want a fanrous face (Eu quero rede MTV. Também se enquadram nesta vend de transformagio om geral, tais como Beleza comprada ¢ Exireme ‘makeover (Maguiagem extrema), mesmo que nestes casos a intengio dos candidatos néo seja se parecer com ninguém em particulas, mas apenas mudar. Ou, mais precisamente, melhorat, tendo sempre como modelo os pardmetros mididticos. Gragas a uma atualizagio ecnolégica radical do aspecto fisico, os patticipantes desses programas de televisio abandonam seus ve~ Thos e desgascados ews, encarnados em estilos corporais pouco valo- rizados no atval metcado das aparéncias. Nesse processo, & vista de todos, eles trocamn as suas subjetividades-lixo por teluzentes subjeti- vidades-luxo, como diria Suely Rolnike, S40 intimeros os candidatos, que desejam participar dessas transformagées. Aqueles que t@m a sorte de sorem escolhidos submetem-se sem nenhuma reserva no s6 4s cirurgias propostas pela equipe da produgo, mas também a uma infinidade de outros procedimentos tendentes a modificar diversas cazacteristicas de seu aspecto fisico. Nesse conjunto esto contem pplados tanto a forma e 0 tamanho de seus corpos, como @ cor € 0 volume dos cabelas, os dentes ¢ as roupas que vestem, mas também a decoracio de suas casas ¢ seus estilos de vida. ‘Nas mntiiplas edigdes desse tipo de programas, que vem sendo pro- duzidos ¢ transmitides com bastante sucesso em diversos paises do ‘mundo, parece haver uma constante: a idea de que alterando # pr6pria ‘aparGacia é possivel modar radicalmente e se tornar outra pessoa, Ao teansformar 08 tragos visiveis do que se &, ocorte uma mudanga de per~ sonalidade. Ao fazer esse upgrade do lixo pata o lox0, 0 suite a0 $6 vita outro, mas toma-se alguém “melhor”. Em mos dos profisionais contratados pela televisio, 2 transformagio sempre visa a adequar 0s corpos desajustados dos participantes para que obedegam 20s padrBes de belera hegemdnicosirradiados pela midia. Convém enfacizar, porés, ‘que todos os candidatos se submetem néo apenas voluntariamente, mas ‘com um entusiasmo digno de quem ganhow 0 acesso a0 paraiso. Tam ‘bém em toxos 08 casos, o final da histrie parece ser feliz, como parodia Co tiulo de um desses programas: The swam, evocendo com certa ironia ‘@ clissica conto O patinko feio, de Hans Christian Andersen. © furor ativado por esta curiosa moda, que ainda continua a gerar -metamorfoses ¢ audiéncia, de algum modo preanuncia a possbilidade dde uma aplicago cosmética do polémico transplant de face, um pro- cedimento cirirgico que obteve farta publicidade nos dltimos anos. A sua primeira consumacio sofreu certo atraso, apeser de ter sido anunciada como tecnicamente visvel com varios meses de antecedén- cia. A demora se deveu a “problemas éticos ¢ espirituais” ligados 20 {ato de que o rosto (ainda?) esté fortemente vinculado a ideia de uma identidade inaliendvel de cada sujeito. Mesmo assim, os primeiros tra- tamentos foram efetuados a partir de 200, com varios casos bem-su- cedidos. Até agora, todos foram reparadores, visando a recuperat os tragos faciais de pacientes que sofreram acicentes graves ou tecriveis doengas. Entretanto, vale lembrar que foi exatamente assim como o- rmegou a polémica hist6ria da cirurgia estética: no final do século XIX « inicios do XX, tais procedimentos so eram considerados éticos na ‘medida em que visassem a reparar malformagées congénitas ow feridas de guetta, por exemplo. Jé aquelas intervengées que procurassem alte- rat as formas visiveis de corpos consideredos normais, perseguindo apenas os fieis caprichos da beleza, eram condenadas pot serem imo- rais, indigoas de uma profiss2o séria e nobre como a medicina. De todo modo, nao & necessario cecorrer a nenhuum desses casos radicais, mesmo sendo sintomaticos do deslocamentc do eixo das subjetividades aqui em foco. Embora (ainda?) se localizem em seus extremos, todos esses exemplos fazem parte de um repertério técnico cultural cada vez mais familiar, que inclui tatuagens, crurgias, picr- cings, aplicagdes de botox, musculacZo ¢ muitfssimos outcos instr ‘mentos para a modelagem corporal. So todas estratégias as quais se considera licito recorrer quando se trata de satisiazer um imperative cada vez mais insistente e dificil de ser atingido: 0 desejo quase obsi- gatério de ser singulae E, além disso. que essa originalidade indivi- dual esteja & mostra ‘Com esse fim, 0 préprio corpo se torna objeto de design, um cam- po de autocriagio capaz de permitir a rio sonhada distineao exibindo uma personatidade aparentemente auténtica ¢ obedienre & moral da boa forma. A generalizagio dessas dinamicas s6 pode ncorrer no atual ambiente sociocultural, no qual esto ocorrendo fortes wansformagses omowdots 331 verter em mercadoria. Outro amigo do gatoto acrescentou 0 seguin- te: “ouvi muita gente dizendo que nfo tinha nada de extraordinario, que o clipe no mostrava talento algum, mas quem se importa com {sso?”. E ainda outro comentou que “ele sempre foi muito ambicio- 50”. Talvez tudo isso explique por que o novo clipe do rapa7, chama- do Nova Numa, o regresso de Gary Brolsmal, com trés minutos ¢ meio de darago, em poucos meses chegou a conguistar oito milhdes de espectadores no jé estabelecido YouTube. Evidentemente, o jovem soube capitalizar a stbita fama, embar- cando na oportunidade que a internet the oferecera, Nzo apenas com seu novo clipe, bem produzido € com um tom de autoparddia um tanto cinica, mas também através do portal que inaugarou na rede, denominado NewNuma.com. Entre outras coisas, 0 site exibia ale- {gremente uma logomarca que revelava uma cuidadosa elaboracio € incluia uma caricatura dele préprio, na qual eram explorados habil- mente todos aqueles atributos que antes tinham sido objeto de debo- che. Evidentemente, o jovem tinha sido bem assessorado ¢ accitara a assessoria dos profissionais desse tipo de servigos de autovendagem, Foi até anunciado um concurso internacional para estimulay a inica~ fo dos talentos de Brolsma, prometendo recompensar 0 melhor cli= pe Nona Numa com um generoso prémio em délares, ¢ voct eta gentilmente convidado a participat, Se 0 solo em cima do qual foi edificado este personagem parece pouco firme, destinado a se derrubar na costumeita fagacidade do _género, 0 fato € que muitos ainda 0 aplaudem e reverenciam, O sa- paz conta com um entusiasta clube de fas, por exemplo, que mantém tum site devicade a cultué-Io, chamado Garybrolsmia.net € definido da seguinte forma: “um santurio on-line para Gary Brolsma, cele- bridade da interner, famoso por seu playback da danca Nima Numa”. E nao é s6 isso: mesmo mais de uma década apos o (inlfeliz episddio inicial que 0 tornou famoso, basta digitar seu nome nua site de pesquisas da rede para que aparegam centenas de milhares de documentos a ele referidos ~ af incluida, talvez, a present Em sintese, este caso € um drimo exemple de espetacularizaciio de si através da inteznet: ama verdadeira montagem de um shou do ex ‘que jé fez ~ ¢, sem duvida, ainda faré ~ muita escola. 22k Pavlsseie TT «Tanto 0 aperfeigoamento como a popularizacio dos dispositivos cigitais de comunicacio contsibuiram para expandic esses sonhos de autoestilizagio imagética: agora vocé realmente pode escolher 0 per- sonagem que deseja ser, encarné-lolivremente e mostré-lo como qui- sex. Depois, a qualquer momento ¢ sem muito compromisso, c3s0 tenha se entediado ou se por acaso quises, serd pessivel mudar ¢ co- rmecar tudo outra vez com uma roupagem identitéria renovada e ou- tras estratégias de difusio. Somente neste contex:o € possivel com- preender a jogada do australiano Nicael Holt, wim estudante de filosofia e surfisia que tinha vinte ¢ quatro anos ce idade, em 2007, qoando publicou um antincio no site de leilbes eBay. Nele, 0 rapaz oferecia a sua vida A venda, dispontvel para quem quisesse compré- sla. “Voc quer ser eu?”, propunha 0 jovem, com ¢ intengao de sedu- zit os eventuais clientes. O pacore incluia nome e sobrenome, hist6- ria pessoal, amigos, trabalho, ex-namoradas fu:uras candidatas a cocupar essa posiglo, bem como um telefone, seu enderego, todos os seus pertenees, a prancha de surf ¢ 0 diceito de ser Nicael Holt fox- ralmente assinado e garantido pelo (ex-)proprietirio. Focam varios 05 interessados no negécio, que finalmente se encerrou pelo prego de 5.800 délares, montante que incluia também 0 imprescindivel cursi- tho bisico de quatro semanas paca aprender 2 ser Nicael Holt. © comprador recebeu ainda garantias com relagio as incertezas do futuro, pois o vendedor declarou que “ele pode ficar com @ minha vida o tempo que quiser, eu vou criar uma nova vida para mim se ele quiser ficar com aquela”." Embora menos espirituosos ou pitorescos, ha outros casos extee- mos dessa tendéncia de troca, compra e venda de personalidades de ccasido, que s6 podem ter florescido num ambiente em que as subje- tividades nao se fundam mais em esséncias dusamente introdirigida Um conjunto bastante eloquenre dessas estrarégins alterditigidas & composto por aqueles que se submerem a violentas cirurgias plisi- cas para parecerse com seus idolos, por exemplo, especialmente os ‘que se inscrevem nos reality-shows que vendem 2 exibem tais pro~ "© PAMDARAM, Jamie; ALLELY, Sarl. “Te forsale ith enemies", In: The Age, Mel ‘bout, 19 jan, 2007 Ostow det 329 histéricas, Entre elas, destaca-se que a esséncia de cada sujeito deixou de emanat da sua interioridade para se projetar na visiblidade. Nesse movimento, esta se desamarrando a Ancora que costumava enlagar as origens pessoais a um passado emoldurado nas instituigdes tradicio- pais, bem como a um percurso existencial Gnico ¢ imodificavel. Embora todas essas novidades paregam propiciat maiores liber dades ¢ uma abectura para infinitas possibilidades antes reprimi- das, 0 ditame de “ser diferente” no costuma se apresentar como tuma opgéo entre outras, mas como um genuino mandato que néo pode ser descuidado. Para conseguic sucesso nessa empseitada, ¢ preciso converter 0 proprio ex mum show, espetaculaciaar a propr personalidade com esteatégias performaticas € aderegos récnico recorrendo a métodos comparaveis aos de uma grife pessoal que deve ser bem posicionada no mercado. Nesse sentido, a imagem de cada um é teatada como um capital to valioso que é necessério cui- di-lo e cultivé-lo, a fim de nao perder 0 controle nessa proposta de fencarmat um personagem sempre atraente no competitive mercado dos olhares. Para tanto, o catilogo de téticas mididticas e de marke- ting pessoal a nossa disposicdo é, hoje em dia, incrivelmente vasto, ¢ rio deixa de se ampliar ¢ renovar sem pausa. Essa florescente riqueza de recursos para a propria espetaculari- zagéo contribu, também, para desorbitar os contornos da esfera fn- timas ¢, no mesmo movimento, acentua 0 descrédito com relagio & aco politica. Assim é como ganham novo f6lego as tiranias da insi- midade denunciadas por Richard Sennett em 1974. De modos acen- tuados e complexos, pois agora nao se solicita & celebridade que « sua singular personalidade produza obra alguma, por exemplo, ov {que se manifeste no espago piblico & moda antiga. Basta, apenas {que cla exiba um estilo mais ou menos rutilante © uma agitada ex idade. Enquanto os limites do que se pode dizer ¢ mosteas no espa- ‘50 piblico se alargam compulsivamente, a nocao de intimidade vai se desmanchando e se reconfigura. Em boa medida, ao que parece, a intimidade deixou de ser aquele tcrritério onde imperavam o segredo e o pudor, como titeis grades que serviam para proteger tudo aquilo que se considerava estricamente pri- vado. Aquele precioso acervo que, em boa medida, continus 2 se des 232 Paste obrar no espaco privado de qualquer um ainda ¢ mito valorizado na hora de definir quem se €. Afinal, nele se aglomeram 0s afetos, os hé- bitos coridianos, os gostos e os desejos, 08 sonhos 2 as fantasias, os sentimentos ¢ a5 emocdes, as pequenas ¢ grandes delcias do dia a dia, bem como os sofrimentos de todo tipo que temperam a vida de vocd, exe todos nis. De fato, tudo isso talvez seja ainda mais prezado agora que na cultura oitocentista, quando se considerava algo valioso porém. menor, cultivad & sombra dos grandes feitos piblicos. A novidade mais gritante, porém, que ainda nos deixa perplexos ‘e motiva toda sorte de debates, é que boa parte desse universo agora deve ser exposto: os outros precisam ter acesso a isso que cada um realmente € © que portanto no pode permanecer oculto entre paredes ¢ pudores. Por isso esta se tornando extimicade, ou seja, um palco onde cada um pode ~ ¢ deveria ~ encenar 0 show de sua pré- pria personalidade, Com esses complexos deslocamentos, os termos ppersistem ¢ continuam sendo usados de modos semelsantes- pablico, privado, intimo -, mas boa parte de seus sentidos t2m se redefinido radicalmente, levando a reforgar a ideia de que est ocorrendo uma madanga de regime. Isto é, uma verdadeira mutagéo hist6rica no campo das subjetividades, no tipo de relacdo que podemos ter conos- 0, com 0s outros e com o mundo. # preciso considerar que tudo isto est acontecendo numa época nna qual 0 fetichismo da mercadoria, enunciado por Karl Marx no séeulo XIX como um componente fundamental do capitalismo, estendera-se pela superficie do planeta, cudo cobrinds com seu verniz, dourado e com suas coruscantes alegrias do marksting. Absoluta- mente cudo se vé hoje catapultado por essa logica comercial c empre- sarial, inclusive aguilo que se acreditava pertencer ao niicleo mais intimo ¢ sagrado de cada suicito: a personalidade. Apesar de sua novidade, no € algo que tenha surgido de repent, impulsionado pela funcionalidade dos aparelhos digitais c peln voracidade do capi- talismo do século XI. Ao contrario, hé uma dense genealogia por tds de todos esses processos, que compreende iongss mutacées his- téricas envolve fatores de diverso tipo ~ nio apenas tecnolégicos, _mas também socioculturais, politicos, ecoudmicos ¢ morais =, todos afetando a configuragdo das subjetividades. Ostowdote 538 ‘Afinal, j& nos anos 1930, Walter Benjamin lamentava essa mer cantilizagio dos personagens visiveis, que ento eram poucos ¢ mui- to exclusivos, embora extremamente deseféveis. Ao se referit ao cul: to das estrelas de cinema que se alastrava naguela época, 0 autor detectou que quando “a magia da personalidade” dos astros da grande tela era explorada pela industria cinemarogratica, cla se via reduzida “ao claro putrefato que emana do seu cardter de mercado- ria”. Agora, quase um século depois dessa reflexio ter sido datilo- grafada numa maquina toscamente analégica, esse culto a personali- dade inspirado nos moldes do esteelato cinematografico extrapolou largamente o ambiente restrito as stars de Hollywood. A mercadoria estendeu seu claro putrefato por toda parte, até tocar com seu raio indgico 08 perfis de qualquer um: vocé, ex e todos nds, que reclama- ‘mos 0 nosso dieito universal 8 celebridade. ‘Tanto nas telas interconectadas pelos celulares, como em toda parte, as subjetividades atuais se tornam clones empacotados daque- les astros de cinema. Para estar & altura desse glamour em sua versio caseira, basta recorrer as “identidades prét-d-porter” hoje dispont- veis; ou seja, personalidades prontas para usar que, com bastante assiduidade, sio decalcadas nos charmosos moldes hollywoodiancs. ‘Mas sempre se trata de perfis padronizados e facilmente descarta- veis, como bem diagnosticara Suely Rolnik no final da década de 1990.!7 Assim como esta ocorrendo com os corpos humanos ¢ seus diversos componentes, os modos de ser também se transformam em meseadorias: pequenos espetéculos mais ou menos ef€meros, langa- dos aos nervosos vaivéns do mercado global. Desse modo, as personalidades se tornam fetiches desciados € co- bigacos, que podem ser no apenas admirados ¢ emulados por qual- quer um, mas também literalmente comprados ¢ vendidos como mercadorias, Alguns se tornam repentinamente valorizados quando ixcompem no espaco visive! como lustrosas novidades, mas logo siv deseartados por terem ficadi- obsoletos, fora de moda, batidos, out OLNIK, uel, “Tosiomanos de Wenidade: sabjevidede e {ola LINS, Datil (org. Gadernos de Subjvvidade. Campinas: Papirus, 1997, 19.24 Se Patasoas Porisso, as vezes a ansiedade chega 20s limites da exasperagao: esses disfarces do ex que se colam a pele devem ser renovados constante: mente, sempre procurando a tio desejade singularidade ou otigina- lidade, Busca-se algo que parega auténtico e real, mesmo sendo cla- samente performatico, e que permita se destacar de todos os demais, Enfim: 0 que se busca desesperadamente é algo que evogue a velha aura definitivamente perdida. ‘A propésito disso, nos reality-shows que tanto proliferaram no inicio do século XXI, chama atengio a repetida alusio a autenticida- de dos participantes, como um ingrediente dos mais prezados na pré- pria constituigio subjetiva — ¢, sobretudo, como um zequisico paca veneer 0 jogo em que o programa se baseia. Algo semelkante acontece nas redes sociais da internet, bem como em outros teatios da sociabi- lidade contemporiinea. Em tais casos, porém, trata-se de uma auten- ticidade performética, que se joga e se esgota no campo das aparén- cias. im vez de se basear numa fidelidade a verdade do 2w fincada nas préprias profundezas, esse ser auténtico das subjetividades alerditigi- das & julgado pela sua capacidade de convencer a audiéacia com o seu realismo. A performance, portanto, deve ser bem realizadas se for, 0 pliblico aprovard o grau de autenticidade apresentado. © Casualmente, esse é também um dos termos aos que Benjamin recorze quando procura definir 0 que seria a aura, aquela singulari- dade do aqui e agora que tornava tnica a obra de arte original ¢ a dotava de qualidades quase sagradas. Essa autenticidade teria agoni: zado com 0 desenvolvimento da reprodutibilidade técnica aplicada aos objecos axtisticos. Se a extrapolagao for tolerdvel, seria possivel acrescentar que a autenticidade pessoal também teria expirado com 0 desvanecimento da interioridade psicol6gica, ou seja, aquele Ama- {go essencial que tornava cada sujeito moderno intrinsecamente Gni- co. Assitn, a aura pessoal também teria se apagado com a prolifera- io de cépias, simulacrose falsificacts de subjetividades descartaveis na sociedade do esperaculo, ¢ com 0 estimulo a produsdo de perso- nalidades alterditigidas, Dai a vontade atual por recompor de algum » SIDA, a “Autenticidade performance: «consragi des camo pesonagem ria « 17.9.3, UNISINOS, Post Alege, st 7 2015, p, 353-364 omowdet 338 modo a aura perdida, por se aproprias de qualquer coisa que parega aparentada com aquela auréola de unicidade tio dificil de se conse- {guir hoje em dia. E dai também o deslocamento da aura, que aban- dou a obra de arte mas agora é procurada com crescente insisténcia na figuea estilizada do autor ~ ou de qualquer um. Neste novo quadro, tanto 0 corpo como a personalidad consti- tuem superficies lisas nas quais todos os sujeitos devem exercer a sua arte. Converter a imagem que cada um projeta numa sorte de obra de arte; essa parece ser, de fato, a principal tarefa dos actistas de si, visando a se tornar um personagem 0 mais auratico ¢ atraente possi- vel. Por isso & necessétio ficcionalizar o préprio ex como se estivesse sendo constantemente filmado, como se vivesse dentro de wm reality show ou nas paginas multicoloridas de uma revista; ou, enti, algo quo jf acontece praticamente com qualquer um: nos incanséveis per- fis das zedes sociais da internet. Eassim como aprendemos a encenar, todos os dias, 0 show do ex fazendo da prépria personalidade um espeticulo orientado 20s alhares dos outros, “Estamos enjoados de assistir aos atores interpretando emogoes falsas”, afirmava o sinistro produtor do reality-show montado no filme O show de Truman. Grande sucesso cinematografico de 1998, esse longa-metragem mostrava a vida de um sujeito adotado ao nas- cer por uma emissora de televisio. Dois atores foram contratados para interpretar os pais da crianga, cuja vida se desenvolvia numa cidade cenografica semeada de cimeras de video, que transmitiam tudo quanto ali ocorria para os lares do mundo inteiro. O tinico que Jgnorava essa encenacdo e essa transmisso em tempo real era 0 pro- tagonista, Truman Burbank, que pensava estar vivendo uma vida normal, Ele encantava os especradores justamente por isso: porque nao era um ator que interpretava as emoxdes falsas de um persona- {gem fiticio, mas simplesmente vivia e mostrava suas emogGes autén- ticas de personagem real, como bem explicara seu produtor. Uma artimanha cuja sedug3o Walter Benjamin j4 captara ha vé- rias décadas, alids: no sio os personagens ficricios os que mais fas- cinamn 0 piblico da midia audiovisual, mas as personalidades reais, “A realidade nua e crua ~ até mesmo # aparéncia de.tealidade nua e rua, sem dramatizago ~ é um entretenimento melhor”, constatov 0 336 Pasa siis ‘ensaista Neal Gabler em seu livro de 1998, apés comentar 0 fenéme- no da rede Court-TV, uma emissora de televisio especializada em ‘ransmitic um dos espetéculos mais apreciados pelo piiblico estadu- nidense: julgamentos reais. “Drama excelente, sem roteiro”, prome- tia entdo 0 slogan dessa progcamacio. Levando enr conta esse pano de fundo, portanto, para ilustrar esta tendéncia ta vigorosa na cul: tura contemporinea, néo € necessicio recorrer & tragédia quase mo- derna ~ ¢, afinal de contas, fieticia — do filme Truman Show, cujo protagonista afunda no desespero ao descobrir que sua vida inteira tinha sido um (mero?) espetéculo para olhos alheics. Ja na realidade e poucos anos depois daquela estreia cinemato- gifica, em 2005, noticiou-se que quase trinta mil candidatos teria se inserito para participar de um reality-show sem previséo de fim, atendendo & convocacio de uma rede de televisio alem’. Ou seja, uma espécie de Truman Show consentido, eterno ¢ realmente real [A decisio da emissora teria sido tomada em fungio do persistente sucesso da série Big Brother naquele pafs, cuja edigéo finalizada na- {quele ano se manteve com altos indices de audiéncia durante doze meses. “Daf a ideia de computar o ‘breve prazo’ de 365 dias até @ vvertigem: por que nio eriar um Big Brother que dure décadas, vidas, getagdcs inteiras?”.” Assim, foi anunciado que o resto da vida das dezesseis pessoas finalmente escolhidas pela produgio do programa iia transcorrer numa cidade cenogréfica, com todas suas agdes (¢ jnagdes) constantemente registradas por dezenas de cAmeras que as transmitiriam ao vivo pela televisio. [As mnidias sociais da intemet também pracuram dar vazo a essa insistent demanda atual: que qualquer um se worne autor e nartador de tum personagem atraente, 2lzuém que cotidianamente faz de sua extimi: dade um espetéculo destinado & maior quantidade de gente possivel Fsse personagem se chama ene deseja lazer de si mesmo umm show, Mas 0 que catacteriza mesmo um personagem? Qual seria a diferenga ‘com relagio a uma pessoa real? So muiissimay as tespustas possiveis pata cssas questdes; a maioria dela, porém, orhita en: sorno & oposiclo 0, que ndo parece muito provetosa para analisa centre realidade e fi CORREA, Sipo, “Gran Hermano depot ido Nai. xeon ef 2008, wow does 337 ‘as questoes aqui apresentades. Jé uma critica lterdria de origem portu- guesa, Ana Bela Almeida, fornece uma resposta instigante: a difecenga residiia na solidéo. E, sobretudo, na capacidade de estarinos 2 565. ‘A solido € uma habilidade cada vez mais rara, inclusive sem mui- to sentido entre nés, conforme sugere também o romancista Jona- than Franzen no préprio titulo de seu livro de ensaios: Comro estar 56, publicado em 2002. Além de seus textos bem sintonizados com a problemética aqui em debate, essa obra proporciona um interessante sinal dos tempos: apesar de constituir uma espécie de lamentagao da cultura letrada ameagada pelos irrefreveis avangos da sociedade do espeticulo, a edicora hispanica que publicou a obra do autor estadu- nidense catalogou-a apressadamente como sendo um volume de au- toajuda: “superagio pessoal”, resume a ficha bibliogréfica, no que aparenta ser uma leitura demasiadamente literal do titulo do live. Se a0 longo dos séculos XIX € XX proliferaram ardorosas teivin- dicagées da solido ~ seja para ler, como o fizera Marcel Proust, scja para que as damas pudessem escrever em seus quartos préprios, como defendera Virginia Woolf -, os romancistas de hoje em dia também escrevem ensaios sobre o tema. Alguns, como Franzen, per sguntam desesperadamente, ja desde o titulo de seus livros, como es tar a s6s para poder ler e escrever, sim, mas sobretudo para ser lido, Outros, como Ricardo Piglia, também gritam suas pendrias a partir da capa e dedicam seus escritos a O sltimo leitor. Ou, como Alberto Manguel, defendem a Ieitura como um desradeiro ato de rebeldia e cia num ambiente a todas lures adverso. Contudo, de regresso as sutis diferengas entre pessoa ¢ per sonagem, vale retomar a proposta de Almcida antes comentada, ‘Ao contrario do que ainda teima em ocorrer com os comuns mor tais, 08 personagens jamais esto sozinhos. Sempre ha alguém para observar 0 que eles fazem, para acompanhar com avidez, todos seus tos, seus pensamentos, sentimentos e emogoes. “HA sempre um lei- tor, uma camera, um olhar sobre a personagem que he tira o acd ter humano”."* Entretanto, nem sempre ha testemunhas do nosso 28 ALMEIDA, Ana Bela Eae «home e prsonayen uma questi dentin” (Cierkiosd Lisboa, 2003, 338 Paesione heroismo de cada dia, © menos ainda de nossas misérias cotidianas. Com demasiada frequéncia,aliés, ningaém nos olha. Que importa, enti, se em algum momento somos bons ¢ belos, kinicos, singulares, guase imortais? Ou, entéo, meramente comuns como voc? © eu? Se ninguém nos vé, neste contexto cada ver mais dominado pela l6gi- implesmene nfo fornos. ca da visibilidade, podetfamos pensar que s (On pior ainda: que nao existimos. Seria nessa solido, portanto, nesse isolamento intimo ¢ privado {que foi tio fundamental para a construgao de um modo de ser histé- rico muito importante na nossa genealogia ~ 0 homo psychologicus dos tempos medemnos -, onde reside 0 grande abismo que ainda nos separa das personagens. Pois essas figuras quase humanas, as perso- ragens, que muitas vezes também parecem estar na mcis completa ¢ tectivel soliddo, de fato sempre esto & vista. Tudo, na vida deles, contece sob 0s holofotes atentos da Ieitura, por exemplo. Ou, me- Ihor ainda: na existEncia desses seres que agora qualquer um gostatia de ser, tudo ocoree sob as lentes das cferas de Hollywood ou da TV Globo. Ox, pelo menos, nem que seja de uma modesty webcam ca- seira, como aquelas que brilharam jf faz algum tempo, plugadas aos computadores de mesa de qualquer um. Ou, entio, daguelas cde: ras mais ou menos ocultas que, num elevador ou numa loja, adver rem-nos com um sorriso amatelo que “voce esté sexdo filmado”. Ou, € clazo, daguilo que tem se tornado imprescindiva hoje em dia: © onipresente olho de vidro do telefone celular. Apés certa experiéncia com os novos géneros de nio-ficga0 que invadiram as telas nos élkimos anos, em 2005, a rede Globo de tele- visio editow uma norma segundo a qual os participantes dos reality -shuws produzidos pela emissora ~ tais como popular Big Brother Brasil ~ passariam a ser tratados legalmente como personagens. Iss0 significa que o seu estatura legal mudou: dai em diante eles se equi- parariam aos herdis ou vildes fiticios das telenovelas, por exemplo. A nova regea contsadiz abertamente um dos princfpins basicos do reality-show como género, que supostamente mostta na tela sitwa- ses teais vivenciadas por pessoas reais. No entanto, a norma no foi ivulgada ¢ nem discutida, passou quase inadvertida porque itamente jusfdicos ¢ comerciais, © objetivo era muito seus fins eram es Othow dots 339 proibir os anincios publicitérios em que os participantes pucessem tirar proveito dos “personagens que encarnam na ficgio” 2 O que sem diivida desperta algumas perplexidades, pois nao deveria se tra- tar de fieglo alguma, visto que os personagens que esses “persona~ ‘gens” encarnam e mostram na tela sio eles préprios. Ao tratar os participantes desses programas como seres ficticios, potém, a emi sora procurou proteger a imagem que a empresa cria deles e que considera de sua propriedade. O que nao deixa de fazer sentido, pois se é apenas a visibilidade o que confece realidade a estas construgées subjetivas, entio a ¢elevisio é a Gnica proprietécia de tais imagens. Sem a visibilidade concedida pelas cdmeras ¢ plas telas, esses perso- nagens simplesmente nao existiriam. ‘Vale a pena retornar, agora, ao problema da solidao, porque talvez esse né resida no coragao desta dnsia to atual pela autoconstrugio como personalidades alterdicigidas tao sedentas de reconhecimento piiblico. Para isso, porém, vale a pena efetuar outro breve recuo his- ‘rico. Quando Walter Benjamin se referia& agonia da experiéncia na modernidade, ele aludia as implicacies do modo de vida instaurado pelo capitalismo urbano e industrial, que dinamitou as condigées ne- cessérias para uma experiéncia coletiva e partilbada. Dilacerou-se aquela tradigio fortemente sedimentada no grupo.e, ao mesmo modo, também se desmoronasam as possibilidades de vivenciar experiéncias pautadas pela transcendéncia. Esse distanciamento das tradigdes co- runitécias ¢ do além, que alimentou as fabulosas possibilidades aber- tas pelo individualismo moderno ¢ contemporaneo, também fechou ‘outras portas. Nesse saldo negativo seria necessério anotar, entre as novidades entio geradas, 0 nosso problema: a solidi. “Se no ha um cho comum de vivencias, memérias ou tradigoes, se nossa vida 6 permanentemente influenciada pelos imaginérios pos- {0s em circulagio pelos meios de comunicagio”, perpunta-se Beatriz Jaguaribe em seus ensaios sobre o renovado auge do sealismo na acu- alidade, “como forjar conexdes de significados que rompam 0 casulo da solidao?". Uma resposta poderia apontar para a internet: se esse 1 CASTRO, Dani. “Para Glob, ‘bigbrother’ &personager”. In: Fhe de S Polo. ‘Sho Paulo, 21 mae 2005 340 es fechamento na prépria individualidade se cormnou cada ver mais her- mético, talvez as novas priticas estejam temtando fornecer um alfvio para essa asfixia. Ao tomar piblico © que cada un & ¢, de algum ‘modo, permitir 2 exibi¢Zo compartilhada ds prépria solidao, as mi- dias sociais ofereceriam uma via para “expor a expetiéncia que marca ja dos andnimos, emboca justamente essa experiéncia nao possua lastros totalizantes ¢ nem coletivos’ ‘Numa sociedade aterrorizada com os perigos derivados da falta de seguranga no espago piblico, estimula-se um crescente isolamento individual, inclusive um verdadeiro insulamento por tras dos muros dos condominios fechaclos das megal6poles e nos refigios virtuais do ciberespaco. B também por isso que se multiplicam os convites para acompanhar em detalhe, mesmo que seja a uma prudente distancia, (05 aspectos mais fatimos e triviais das rotinas domésticas de qualquer uum. Mais do que uma intromiss4o, nestes casos o olhar alhcio pode se converter numa presenga desejada e reconfortarte. Longe do tio falado temor & invasio da privacidade, portanto, trata-se aqui de wma verdadeira vontade de evaséo da prépria intimidade, um anscio de ulteapassar os velhos limites para abrir infileragdes ros antigos muros divisores , de algum modo, teeer contatos apesar de tudo. ‘Nessa imagem ecoam os desejos de transparéncia total dos autores de blogs com furor confessional, que em seguida pipocaram ¢ se espa- Ibaram nas redes cociais da internet. Mas também vém & toma as refle -xbes de um dos arquitetos das casas nio-privadas entes comentadas, ‘que foram expostas nam museu nova-iorquino no Gh mo ano do século passado, No catilago da exposigao., cle se perguntav2 0 seguinte: “por {que uim grupo invisvel de pessoas excolheria viver por detrés de pare des, em verde revelar suas vidas?” "Vina pergunta absolutamente com teimpordinea, embora tivsse soado bastanre impertinent algun tempo atrds. Hoje em dia, porém, ela rcperciate com seu evtx por que no? 5 JAGUARIBE, Heatre, “Reabsme jae soscowncta unc gre". Es O cogue do Real esta, mine cadnna Ri de Je te Roe 2007, 9.57, 2B RILEY, Terence. The umpritate home, Sova York: The Miseum of Modern Aat [MOMA), 199°, Apu FRANCO FERRA7, Marie rating, “Feconfigutagdes dp Ini edo priv: mais da soe, tsnoldgia comeyxdnea, I: fumacos Porta Alege: PUCRS, «15, ape. 2001. p42 oseneets 341 Esta repentina busca de visibilidade, portanto, essa ambigio de fazer do proprio ew um espetdcalo capaz de atraic a atengio dos ou- tos, pode ser também uma tentativa mais ou menos desesperada de satisfazer um vetho desejo humano, demasiadamente humano: afit- .gentar os fantasmas da solidao. Uma meta especialmente complicada quando florescem subjetividades projetadas no vistvel, que se des- vencilham da vetusta incora fornecida pelo cardter interiorizado dos sujeitos oitocentistas, deslocando seu eixo para jogar toda a énfase ‘nos contatos ¢ naquilo que os outros veem. Acontece que aquele s- ago intimo e denso, que constituia a sOlida base de interioridade, precisava de solidao e siléncio para se autoconstruir: devia se forta- lecer & sombra dos olhares alheios. Algo que no acontece com as subjetividades aleerdirigidas, justamente, mas todo o contratio: para clas, a solidao pode ser apavorante “Nao 0 faco por dinheiro, aparecer me deixa feliz”, contava em 2007 uma adolescente que entéo publicava suas fotos eréticas num blog. “Ainda nem consigo acreditar que os rapazes falam de mim”, diz emocionada, aludindo aos comentérios que ela recebe de seus visitantes e espectadores através da internet. “E como ter fast”, resu- mia orgulhosa. “Passo o dia inteiro no computador do meu quarto”, explicava outra garota de treze anos de idade, entrevistada na mes- ima reportagem sobre o assunto. “No Messeriger tenho 650 contatos ‘com 05 quais converso 0 dia inteiro, além disso, tenho trés fotologs essoais, onde publico minhas fotos e escrevo sobre a minha vida”, prosseguia, para finalizar com a seguinte conclusio: “assim conheci witos garotos”.** Esse fascinio suscitado pelo exibicionismo ¢ pelo voy contra terreno fértil numa sociedade atomizada por um) indivi dualismo com beiradas narcisistas, que precisa ver sua bela smagem refletida no olhar alheio para ser. E quanto maior for a quantidade de admiradores que 110s aplauclem ¢ cuctem, melhor servieao para sustentar a tio culruada autoestima, Mas estas forcas sio cen! gas: isolam, separam, encapsulam. E, por isso mesmo, tendem a es » GORODISCHER, Julian “Micsos pero no los toques” In: Kollng Stones, Buenot Aires, 24 sil 2007 342 pada facelar aqueles nés sociais que poderiam propiciar una ultrapassa gem das tiranias da intimidade, aquelas grades voluntérias que se instauraram no inicio do século XIX ¢ ainda parecem nos asfixiar, mesmo que @ elas tenham se justaposto as nova tiranias da visibilidade, No entanto, uma eventual reformulagio em chave contemporé nea daqueles lagos cortados pela experiéncia moderna >ossibilitaria, talvez, enxergar 0 outro como outro, em vex de devoré-lo no inchago do proprio ex sempre privatizante. Algo que costumara ocorrer no antigo espaco piblico pintado por Rchard Sennett, por exemplo, onde ndo era necessério transmutar a maior quantidade possivel de anénimos em amigos intimos (ou éxtimos} paca poder engrossar a propria lista de contatos pessoais; ¢, desse modo, ganhar mais pres: tigio em chave de ibope pessoal. Com o exercicio desse saudavel distanciamento que hoje nos resul- 1a to longinguo, os outros ~ ou seja, todos aqueles que no so en nem vocé e nenhum de nés~ néo s6 deixariam de exigir ua conversio necesséria nessas categorias do Ambito privado on doméstico, como rampouco se transformariam em mero objeto de desconfianga, Gio ou indiferenca. Esse movimento de ultrapassagem das tiranias do eu permitisia avistay,talvez, no horizonte algum sonho coletivo: uma transcendéncia dos mesquinhos limites individuais, cuja estreiteza po- devia se diluie num futuro distinto. Algo que, enfim, possa se projetar para além das avarentas contrigées de um ew sempre presente, apavo- rado pela prépria solidao e incitado a se disfargar de personagem vi sualmente atraente para tentar abafar todos esses temores. Até mes- ‘mo. talvez ~¢ por que nao? -, produair algo tio antiquado como uma obra, ou inventar outras formas de ser e estar no mundo. onewdets 348 PAULA SIBILIA O show do Eu A intimidade como espetaculo 28 EDIGAO, REVISTA CONTRAPORTO 4. EU, eu, eu... vocé e todos nés Parece-me indispensivel dizer quem sou. [.] ‘A desproporeio entre 2 arandeza la minha tarefa © ‘ pequenes de meus coniemporineos manifestou-se 1 fato de que no me ouviram, sequer me vitsm.(.) Quer sabe respira 0 ac de meus estos sabe que é tum ac das alturas, um ar forte, # presiso ser feito para cl, eno hi o pecigo nada pequeno de se resfriar Frardvich Nietasche Aqui nfo vou contar a ninguém os “det passos” para nada, nem vou dar dieas de o que fazer ou no para ter sucesso Bsse vai ser apenas um relato das ligdes que o mondo e a vida me ensinaram até ‘ste momento, Nesta curta, mas interse trajet6ria, muita gente fez quest#o de nfo me encergar.. Bruna Surfistinba ‘Como alguém se torna o que é? Tsso perguntava Friedrich Nietzsche logo no subtitulo de sua autobiografia, significativamente intitulada Ecce Homo c redigida em 1888, nos meses prévios a0 episédio c nhecido como “colapso de Turim”, Apés esse acoatecimento, o fil sofo alemao mergulharia numa longa década de sembras ¢ vazio, até morrer “desprovido de espirito”, de acordo com os amigos que 0 visitaram, Nas fafscas dese livro, o autor revisa sua trajetSria com a firme ambigao de “dizex quem sou”. Para isso, solcita a seus lewores que 0 ougam, “pois eu sou tale tal; sobretudo, no me confundam!” E claro que atributos como a modéstia ¢ a humildade estdo radical- imente ausentes nesse texto, mas isso no pode sucpreender em al- zuém que se orgulhava de ser opasio “A espécie de homem que até agora se venerou como virtuosa”, preferindo ser um sétiro a um santo.! Essa atitude, porém, fez com que muitos de seus contempora [NIETZSCHE, Hedeich. Cece Homi como algun se ornao gu€, $80 aslo: Con parka das Leas, 1995, p17. Oshom ints rneos enxergassem em sua obra uma mera evidéncia da loucura, Suas fortes palavras, aquilo to “imenso ¢ monstruoso” que ele tinha a dizes, foram lidas como sintomas de um fatidico diagn6stico sobre as falhas de caréter daquele eu que falava: megalomania ¢ excentricida- de, entre outros epitetos de calibre semelhante.? ‘Mas por que comegar tum ensaio sobre a exibigao da intimidade na cultura globalizada do inicio do século XXI citando as excentrici- dades de um filésofo tido por megalomaniaco no final do XIX? Tal- vvez haja um motivo vélido, que permanecers fatente ao longo destas| paginas ¢ procuraré reencontrar seu sentido antes do ponto final Por enquanto, bastard tomar alguns elementos dessa provocacdo que ‘vem de tio longe, na tentativa de disparar o nosso problema. Quali ficadas entio como doencas mentais ou desvios patol6gicos da nor malidade exemplar, hoje a megalomania e a excentricidade nao pare- com desfrutar daquela mesma demonizagao. Numa atmosfera como 2 atual, que estimula a hipertrofia do ew até 0 paroxisio, que enal- tece ¢ premia o desejo de ser diferente © querer sempre mais, si0 outros 0s desvarios que nos assombram. Outras so nossas dores porque outras também sfio nossas delicias, outeas as presses que cotidianamente se descarregam sobre nossos COrpos € Outras as po- téneias (¢ impoténcias) que cultivamos. Um sinal destes tempos foi enunciado no final de 2006 pela revis- ta Time, que é um icone do arsenal midiético mais tradicional, 20 encenar seu ritual de escolha da personalidade do ano. Naquela edi- Gio criou-se uma noticia que foi ecoada pelos meios de comunicagio de todo o planeta: e, come costuma acontecer, logo seria esquecida no rurbilhao de cados indxuos que a cada dia sto produzidos e em seguuida descartados. A revista estadunidiense vem repetindo essa ce- riménia hé quasr un século, com o intuito de apontar “as pessoas «que mais aferaram 0 notickério e nossas vidas, para 0 bem si para 0 mal, incorporando o que foi importame no ano”. Assim, ninguém menos que Adolf Hitler foi eleito em 1938, Maharma Gandhi em 1930, 0 Ayatollah Khomeini em 1979, Mikhail Gorbachev em 1989, FRANCO FERRAZ, Maria Crisiny Nite futons, Rue de Hino Relame Duma, 194, . 49-82, 1 Pausini George Bush em 2004 e Mark Zuckerberg, 0 eriadot de Facebook, em 2010. Mas quem foi a personalidade do ano em 2006, de acordo com o respeitado veredicto da Time? Voeé! Sim, vocé, Ow melhor no apenas vocé, mas também en ¢ vodos nds. Ou, mais precisamente ainda, cada um de nds: as pessoas comuns. Um espelho brilhava na capa da publicagio e convidava seus leitores a nele se contemplarem, como Nazcisos satisfeitos de-verem suas personalidades cintilando rng mais alto pédio da midia. Quis foram os motivos dessa cutiosa escolha? Acortece que vocd eu, todos 16s, estamos contribuindo para modificar os modos de se fazer arte, politica e comércio, de acordo com o texto publicado na revista, alterando-se com isso a maneira de percebermos © mundo. N6s, e nao eles ~isto é, a grande midia de massa -, tal como eles pro- prios se ocaparam de sublinhar naquela ocasio. Assim, nesse jé lon ginquo 2006, os editores da revista ressaltavam 0 aumento inaudito de conteiido produzido pelos usuarios da internet, tanto nos blogs {que estavam em voga na época como nas redes sociais de relaciona- mento que entio despontavam, tais como MySpace ¢ Orkut, bem como nos sites de compartilhamento de videos como 9 também re- cente YouTube. Em vireude desse estouro de criatividade e visibilida- de mididtica, entre aqueles que antes costumavam scr meros leitores ‘ou espectadores passivos, teria chegado “a hora dos amadores”, sem- pre segundo a mesma revista, Em funcio disso, a concusio foi a se- ‘2uinte: “por comarem as rédeas da midia global, por forjarem a nova

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