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Das estruturas geológicas à edificação de uma


Cadeia de Montanhas; Do Ciclo das Rochas ao
Ciclo Tectónico

Article · December 2015

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Noel Moreira Rui Dias


Universidade de Évora Universidade de Évora
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Lisboa Geonovas 28, 2015, 33- 45
2015 ISSN: 0870-7375

Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de


Montanhas Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico

Noel Moreira1* & Rui Dias2

© Associação Portuguesa de Geólogos

Resumo: A interacção entre o Ciclo das Rochas e o Cic- 2


Departamento de Geociências da Escola de Ciências
lo Tectónico é inegável, sendo que a compreensão dos e Tecnologia da Universidade de Évora, CGE, LIR-
processos associados à génese das rochas só pode acon- IO-ECTUE e Centro de Ciência Viva de Estremoz,
tecer quando integrada no Ciclo Tectónico. Esta inter- Pólo de Estremoz da Universidade de Évora, Convento
acção é particularmente relevante quando está em causa das Maltezas, 7100-513 Estremoz, Portugal
a génese de rochas metamórficas e magmáticas, uma *autor correspondente: nmoreira@estremoz.cienciavi-
vez que as mesmas só podem ser geradas, à escala re- va.pt
gional, quando por acção da tectónica. No caso concre-
to do metamorfismo regional, os processos associados
ao Ciclo Tectónico desenvolvem nas rochas estruturas Introdução
que, pela sua análise geométrica e cinemática, per-
mitem compreender os fenómenos actuantes e conse- Um geólogo estrutural, quando colocado fren-
quentemente a evolução geodinâmica de uma região. A te a uma rocha deformada, tende a observar as es-
compreensão das inter-relações conceptuais permite o
entendimento da história evolutiva de Portugal Conti- truturas presentes na mesma, tentando explicar
nental; de facto a generalidade do território nacional as suas observações baseando-se nos princípios
revela a presença de uma antiga cadeia de montanhas básicos da geologia. Muito do trabalho deste geo-
(Cadeia Varisca), actualmente desmantelada pela acção cientista é realizado através do trabalho de campo,
dos processos relacionados com a dinâmica externa e
interna do nosso planeta. com observação, descrição e catalogação de diver-
sas estruturas que, no seu conjunto, permitam
Palavras-chave: Ciclo das Rochas, Ciclo Tectónico, Es- compreender e retratar os processos que levaram
truturas geológicas, Evolução geodinâmica.
ao desenvolvimento das mesmas e, consequente-
Abstract: The interaction between Rock Cycle and Tectonic Cycle mente, das próprias rochas que as contêm. Aliás, o
is undeniable. To understand rock genesis an integrated view with the par rocha-estrutura é fulcral no entendimento da
Tectonic Cycle processes is necessary. This interaction is particularly im- estreita ligação entre o Ciclo das Rochas e o Ciclo
portant in metamorphic and magmatic rocks genesis, because they can Tectónico. O trabalho de campo, só por si, é muitas
only be generated at a regional scale due the action of tectonic process- vezes insuficiente para a completa compreensão da
es. Concerning regional metamorphism, the Tectonic Cycle induces the complexa relação entre os diversos processos asso-
formation of geological structures. The geometric and kinematic analysis ciados à geodinâmica interna. Consequentemente,
of these structures allows to understand the phenomena that have been este trabalho deve ser acompanhado/complementa-
active and, consequently, the geodynamic evolution of any region. The do por ferramentas diversas, entre as quais se des-
design of this conceptual approach allows understanding of the geoevolu- tacam as modelações laboratoriais (análoga ou nu-
tionary history of Portugal, showing the presence, in most of the territory, mérica), que permitem a percepção e representação
of an ancient mountain chain, now destroyed due the action of external destes processos à escala de tempo humana, mas
and internal dynamic processes of the planet. também por outras áreas do saber geológico, como
Keywords: Rock Cycle, Tectonic Cycle, Geological structures, Geo- sejam a geoquímica ou a petrologia, entre outras.
dynamic evolution. Este trabalho pretende sintetizar algumas das
relações entre os dados estruturais e as consi-
1
Centro de Geofísica de Évora (CGE), Laboratório de derações de cariz geodinâmico propostas, inte-
Investigação de Rochas Industriais e Ornamentais da grando-as no contexto dos Ciclos das Rochas e
Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de
Évora (LIRIO-ECTUE), Pólo de Estremoz da Univer- Tectónico. Estas relações são geralmente clarifi-
sidade de Évora, Convento das Maltezas, cadas com exemplos relacionados com a evolução
7100-513 Estremoz, Portugal geodinâmica do Território Continental Portu-
guês, com especial foco no Soco Varisco Ibérico.
34 Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de Montanhas Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico

Estruturas geológicas como chave para a com- suas observações, a colheita de dados e as suas in-
preensão da Tectónica de Placas terpretações nos princípios básicos da Geologia.
Um destes princípios enuncia que a genera-
As estruturas geológicas podem ser agrupa- lidade dos sedimentos depositados em bacias se-
das em diferentes categorias, sendo a sua inter- dimentares originam camadas horizontais. Por
pretação dependente da sua natureza; estas po- isso, quando se observam camadas sub-horizon-
dem ser divididas em três categorias principais: tais, é possível concluir que não houve deforma-
contacto, primárias e secundárias (Davis & Rey- ção após a deposição; com efeito, as excepções são
nolds, 1996). A diferenciação entre estas cate- muito pouco frequentes e associadas a situações
gorias de estruturas está directamente relacio- muito particulares de sedimentação. Pelo mesmo
nada com os processos envolvidos na sua génese. motivo, quando observamos uma dobra afectan-
As estruturas de contacto incluem, como o pró- do diferentes camadas sobrepostas pode afirmar-
prio nome indica, relações geométricas en- -se que a actuação de forças levou à distorção da
tre duas ou mais unidades/corpos rochosos, forma original das camadas. Assim, para que uma
podendo ser subdivididas em contactos de- sucessão sedimentar inicialmente horizontal se
posicionais, intrusivos ou de corte/fractura. apresente dobrada ter-se-á de invocar a presença
As estruturas primárias podem definir-se como de forças capazes de deformar rochas, sendo qua-
características geométricas e texturais desenvolvi- se sempre necessário recorrer à ação Tectónica
das durante o processo de formação do corpo ro- de Placas para explicar a génese destas estruturas.
choso onde estão incluídas (Fig. 1A). A título de Para a compreensão de uma qualquer sequência
exemplo destaca-se, desde logo, a estratificação dobrada, esta deve começar por ser descrita e ana-
lisada no que respeita à sua geometria e cinemática.
ou as figuras de fluxo (e.g. flute cast), relacionadas
Considerando um outro princípio básico, o princí-
directamente com os processos que estão na ori-
pio da sobreposição das camadas, sabe-se que numa
gem das rochas sedimentares (Nichols, 2009).
sucessão de estratos não deformados, os mais antigos
As estruturas primárias são também comuns nas
se encontram na base da sequência e os mais recen-
rochas magmáticas, onde se podem identifi-
tes no topo. Contudo, quando se observam dobras
car estruturas relacionadas com as condições em
macroscópicas no campo a ideia de topo e base da
que as rochas se formaram. Neste tipo de rochas
sequência raramente se consegue obter apenas pelo
pode incluir-se, a título de exemplo, a presença conteúdo faunístico dos estratos. Aqui é essencial a
de texturas vesiculares ou em almofada em lavas observação de estruturas primárias (quando ocor-
ou fluxos magmáticos em rochas plutónicas (Da- rem) na análise das estruturas secundárias; algumas
vis & Reynolds, 1996). Estas estruturas são essen- estruturas primárias podem mostrar as relações
ciais para a compreensão dos processos genéticos entre base e topo de uma sequência (Figs. 1A e 2).
que levam à génese destas duas famílias de rochas. A título de exemplo, considera-se uma torrente
Por fim, as estruturas secundárias abrangem sedimentar, de carácter heterogéneo no que res-
configurações geométricas e texturais origi- peita à granularidade dos elementos constituintes.
nadas após a génese das rochas sedimentares e Quando a mesma se deposita em ambiente aquático,
magmáticas, geralmente associadas com proces- tenderá a organizar-se granulometricamente, sendo
sos de deformação e metamorfismo que, mui- que os elementos mais grosseiros depositar-se-ão na
tas vezes, surgem articulados (Fig. 1B). Aqui in- base da camada e os mais finos no topo da mesma; a
cluem-se estruturas como dobras, veios, folia- este fenómeno dá-se o nome de granotriagem (Fig.
ções, lineações, falhas e zonas de cisalhamento 1A4 e 2). A presença de uma sucessão estratos com
(vide capítulo seguinte; Davis & Reynolds, 1996). este tipo de estrutura permite compreender a po-
A correcta interpretação das estruturas geo- laridade da sequência e, consequentemente, quan-
lógicas é fulcral para a compreensão dos proces- do a mesma se encontra dobrada classificar a dobra
sos que levam à sua génese e, consequentemen- quanto à sua polaridade em Anticlinal ou Sinclinal.
te, no conhecimento da tectónica de placas, uma A granotriagem é apenas uma de muitas estrutu-
vez que grande parte dos processos por elas res- ras primárias que permitem determinar a polaridade
ponsáveis podem ser vistos à luz do Ciclo Tectó- de uma sequência sedimentar (Fig. 2). A presença,
nico. Para tal, os geólogos baseiam geralmente as por exemplo, de estruturas biogénicas (como cru-
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Figura 1 – Diversidade de estruturas geológicas recon-


hecidas em unidades metassedimentares do Maciço
Ibérico. (A) Exemplos de estruturas primárias – (A1)
Icnofósseis do género Cruziana (NW de Espanha); (A2)
Icnofósseis do género Skolithos (Ordovícico da Apúlia);
(A3) figuras de fluxo, com figuras de arraste e Flute casts
(Grupo do Flysch do Baixo Alentejo, litoral SW de Por-
tugal); (A4) granotriagem em sequências turbidíticas
do Grupo do Flysch do Baixo Alentejo (os círculos de
maiores dimensões indicam a base da camada). (B) Es-
truturas secundárias associadas a processos de defor-
mação – (B1) boudins em níveis de metagrauvaques, com
os locais de maior estiramento (necks) evidenciados pela
presença de veios de quartzo (Almograve, Grupo do
Flysch do Baixo Alentejo); (B2) dobras assimétricas em
rochas calcossilicatadas (Barragem do Caia, NE Alente-
jano); (B3) famílias de cisalhamentos conjugados com
veios de quartzo en-echelon (Almograve, grupo do Flysch
do Baixo Alentejo); (B4) Estruturas delta à microescala
(Abrantes, micaxistos granatíferos).
Figure 1 - Geological structures recognized in metasedimentary units of
the Iberian Massif. (A) Examples of primary structures - (A1) Cru-
ziana ichnofossils (NW Spain); (A2) Skolithos ichnofossils (Or-
dovician, Apulia); (A3) flow figures, with aspects of drag and flute casts
(Baixo Alentejo Flysch Group ,SW Portugal coastline); (A4) sor-
ting in turbidite sequences of the Baixo Alentejo Flysch Group (the
larger circles indicate the base layer). (B) secondary structures associated
with deformation processes - (B1) boudins in metagreywacke levels, with
necks evidenced by the presence of quartz veins (Almograve, Baixo
ziana ou Skolithos), de fluxo ou de carga permitem Alentejo Flysch Group); (B2) asymmetric folds in calc silicate ro-
também estabelecer a polaridade da sequência (Fig. cks (Caia Dam, NE Alentejo); (B3) families of conjugated shears
2). Os Skolithos, muito comuns nas sequências do with quartz veins en-echelon (Almograve, Baixo Alentejo Flysch
Ordovícico de Portugal (e.g. Sá et al., 2005; 2011), Group); (B4) delta micro scale structures
são estruturas que representam uma construção ha- (Abrantes, mica garnetiferous).
bitacional em galeria que se desenvolve perpendi-
cularmente à superfície do substrato, com forma mesmo à génese de um supercontinente que pos-
geralmente cónica (e.g. Key, 2014). Estas estrutu- teriormente se fragmentou. Estas relações reve-
ras de origem biogénica apresentam-se como bons lam-se fundamentais para a compreensão da Tec-
critérios para identificar o topo da bancada, apre- tónica de Placas (actual e do passado) e consequen-
sentando aí formas circulares, que são interpretadas temente da dinâmica associada ao Planeta Terra.
como sendo a extremidade do habitáculo, ou seja, a Zonas de Cisalhamento e estruturas associadas;
saída para o meio externo; contudo, por vezes estes o que elas nos dizem?
seres perfuram mais do que uma camada, poden-
do aparecer marcas circulares no topo e na base da Qualquer corpo, quando sujeito a um campo de
camada, dificultando a determinação da polaridade tensões, pode variar a sua forma (i.e. distorção),
da sucessão. A deflexão das laminações internas dos posição e/ou orientação (i.e. rotação e/ou transla-
leitos e a forma cónica dos Skolithos são também ção), adoptando uma configuração distinta da sua
critérios a ter em conta na análise da polaridade. forma inicial; a esta propriedade dá-se o nome de
A análise de estruturas à micro- e mesoesca- deformação (e.g. Fossen, 2012). A deformação das
la e das suas relações geométricas pode permitir o rochas não se distribui geralmente de forma ho-
seu entendimento das estruturas à macroescala e, mogénea nos corpos rochosos, sendo comum que a
em última instância, compreender a relação des- mesma se concentre em zonas planares que acomo-
tas estruturas com a edificação de uma antiga ca- dam a deformação entre blocos relativamente rígi-
deia de montanhas, actualmente desmantelada, ou dos (e.g. Passchier & Trouw, 2005; Fossen, 2012).
36 Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de Montanhas Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico

Figura 2 – Quadro esquemático de síntese com estruturas sedimentares que permitem aferir sobre a polaridade de uma
sequência sedimentar (adaptado de Nichols, 2009).
Figure 2 - Schematic synthesis framework with sedimentary structures to define the polarity of the sedimentary sequence (adapted from Nichols, 2009).

Figura 3 – A) - Modelo sintético da conexão entre falha, gerada em ambientes frágeis (superficiais), e zona de cisalha-
mento, de carácter dúctil. A transição entre estas duas zonas é gradual e depende de vários factores, tais como gradiente
geotérmico e composição mineralógica da crosta. No caso de crostas continentais dominadas pela presença de granitos,
essa passagem desenvolve-se entre os 10 e 15 km (adaptado de Fossen, 2012). B) - Esquema exemplificativo da relação entre
variações da orientação de uma zona de cisalhamento transcorrente à macroescala e a sua cinemática (adaptado de Kearey
et al., 2009). (1) - génese de estruturas em flor negativas associadas a inflexões que provocam extensão local; (2) génese de
zonas constritivas locais e consequente formação de estruturas em flor positivas.
Figura 3 - A) - Synthetic Model connection between fault generated in fragile environments (surface), and shear zone, ductile character. The transition
between these two regions is gradual and depends on various factors such as geothermal gradient and mineralogical composition of the crust. In the case of
continental crust dominated by the presence of granite, this passage develops between 10 and 15 km (adapted from Fossen, 2012). B) - Diagram of the rela-
tionship between changes in direction of transcurrent shear zone at the macroscale and its movement (adapted from Kearey et al., 2009): (1) negative flower
structures genesis associated with inflections which bring about local extension. (2) - genesis of local and consequent formation of positive flower structures
constricting areas.
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Estas zonas tabulares, de espessura variável, apre- profundidade, apresentam por vezes evidências su-
sentam geralmente deformação não-coaxial, com perficiais da sua actuação: as falhas. Contudo, im-
predomínio da deformação dúctil, que reflecte o porta referir que a existência de falhas não implica
deslocamento contínuo entre os dois blocos rígidos a existência de uma zona de cisalhamento em pro-
que a delimitam, sendo usualmente denominadas fundidade, podendo a mesma estar apenas relacio-
de zona de cisalhamento (Fig. 3A). A sua deforma- nada com questões tectónicas locais e superficiais.
ção leva ao desenvolvimento de fabrics, estruturas e As falhas são assim situações particulares de zo-
paragéneses minerais que reflectem as condições de nas de cisalhamento, com características próprias,
pressão e temperatura, o tipo de escoamento, bem desenvolvidas em regimes superficiais com defor-
como sua a cinemática (Passchier & Trouw, 2005). mação frágil (Fig. 3A, Fossen, 2014). As falhas po-
Associado a zonas de cisalhamento dúcteis geram-se dem ser definidas como estruturas planares discre-
comummente rochas metamórficas foliadas, com tas (i.e. onde a espessura da zona de maior defor-
evidências de intensa recristalização e deformação mação é normalmente negligenciável), predomi-
plástica e na qual há alteração da dimensão (geral- nantemente frágeis, que concentram a deformação,
mente diminuição) dos grãos constituintes da rocha separando blocos nos quais a deformação não se faz
inicial (e.g. Sibson, 1977; Passchier & Trouw, 2005; sentir. Associado aos planos de falha formam-se
Fossen, 2012). A esta tipologia de rochas dá-se o geralmente rochas associadas à sua actividade, no-
nome de milonitos (e.g. Sibson, 1977, Fig. 3A). meadamente brechas de falha e cataclasitos (Fig 3A).
Até pela sua definição, as zonas de cisalhamento Verifica-se que, em profundidade (i.e. em regiões
parecem apresentar uma relação genética com fa- onde a pressão litostática e a temperatura são maio-
lhas. As zonas de cisalhamento, desenvolvidas em res), os materiais rochosos, quando sujeitos a de-

Figura 4 – Quadro resumo representando os principais indicadores cinemáticos reconhecidos numa zona de cisalhamento
(adaptado de Passchier & Trouw, 2005).
Figure 4 - Table summarisingthe main kinematic indicators recognized within a shear zone (adapted from Passchier & Trouw, 2005).
38 Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de Montanhas Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico

formação, não apresentam uma descontinuidade pontuais que não representam a sua dinâmica geral.
brusca como acontece com as falhas referidas an- Considera-se, a título de exemplo, uma zona de ci-
teriormente. Com efeito, a deformação deixa de se salhamento com movimentação transcorrente (i.e.
concentrar num “plano” passando a haver uma área onde os blocos adjacentes se deslocam essencial-
mais larga na qual os materiais sofrem deformação, mente segundo a horizontal), com inflexões da di-
desenvolvendo-se assim uma zona de cisalhamento. recção ao longo do seu traçado, como representado
As profundidades de transição entre a deformação na figura 3B. A interpretação desta estrutura só pode
dúctil e a deformação frágil são variáveis, dependen- ser realizada quando compreendida no seu todo,
do do gradiente geotérmico e da composição mine- uma vez que modificações locais na sua orientação
ralógica da crosta (Fossen, 2012). Considerando geral poderão induzir em erro, ostentando pon-
uma crosta essencialmente granítica, a profundida- tualmente cinemáticas distintas da sua cinemática
de de transição ocorre normalmente entre os 10 e geral devido às heterogeneidades locais induzidas
os 15 Km (Scholz, 1988; Fossen, 2012, Fig. 3A). pelas inflexões dos planos de falha/zonas de cisalha-
As falhas e as zonas de cisalhamento podem ser mento (Kearey et al., 2009). Estas heterogeneidades
descritas tendo em conta a sua geometria e a sua ci- podem induzir a génese local de zonas compressivas
nemática, ou seja, a movimentação relativa entre os (restraining bends) e, consequentemente, a génese de
blocos. A descrição destas características é fulcral estruturas de encurtamento com a eventual forma-
para a compreensão e interpretação da dinâmica das ção de estruturas com componente cavalgante (e.g.
mesmas. estruturas em push-up ou estruturas em flor positi-
No caso da deformação mais frágil, a identi- vas) ou de zonas extensivas (releasing bends) que podem
ficação cinemática baseia-se muitas vezes no re- gerar estruturas com cinemática normal e conse-
jeito de estruturas prévias, como sejam cama- quentemente à possível génese de bacias (e.g. bacia
das guia ou filões anteriores, tendo como base o de pull-apart ou estruturas em flor negativas). Con-
principio da intersecção, e a sua relação com es- tudo, estas especificidades observadas localmente
truturas lineares presentes no plano de falha (es- não reflectem na realidade a componente transcor-
trias). Outras estruturas como sigmóides, fen- rente dominante em toda a zona de cisalhamento.
das en-echelon e estruturas do tipo Riedel podem A análise detalhada das estruturas geológicas
ser também utilizadas como critérios cinemáticos. associadas a falhas e zonas de cisalhamento revela-
No caso da deformação dúctil, a diversida- -se assim fulcral para uma correta interpretação da
de das estruturas é ainda maior. A multiplicidade sua dinâmica e, naturalmente, para a compreen-
de critérios relativos à cinemática das zonas de ci- são da evolução geodinâmica de uma qualquer re-
salhamento advém do facto de este processo estar gião do globo, uma vez que estas estruturas se as-
intimamente relacionado com os processos me- sociam espacialmente a todos os limites de placas.
tamórficos e, consequentemente, com o aumento
da pressão e temperatura. O crescimento de novos Do fundo dos oceanos ao núcleo de uma cadeia de
minerais, a génese de estruturas planares (e.g. fo- montanhas; do Ciclo das Rochas ao Ciclo
liação, que só muito raramente se associam a zonas Tectónico
de falhas) e lineares (e.g. lineação de estiramen-
to) ou a deformação de estruturas e minerais pré- O reconhecimento da diversidade litológica per-
vios fazem com que o espectro de estruturas cria- mitiu que fossem distinguidos, desde muito cedo,
das seja mais alargado (Fig. 4). Assim, para um três tipos de rochas (sedimentares, magmáticas e
entendimento da génese e evolução de uma qual- metamórficas), muito antes da compreensão dos
quer zona de cisalhamento, é necessário um estu- processos associados à formação de cada um dos
do aprofundado a todas as escalas destas estruturas. três tipos, algo que só aconteceu posteriormente.
Na maioria dos casos a interpretação de uma A percepção dos processos que levam à génese das
zona de cisalhamento à escala de um orógeno não rochas permitiu a individualização de dois impor-
é linear, sendo necessário o estudo cuidadoso a di- tantes sistemas naturais, que funcionam de forma
versas escalas (desde a micro- à macroescala), uma cíclica e cooperativa: o Ciclo Hidrológico e o Tec-
vez que a mesma pode apresentar particularidades tónico. A sua actuação conjunta, concomitante com
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a gravidade e os processos de ajustamento isostático, pedra dura, tanto dá até que fura” enfatiza bastante bem.
provoca, ao longo do tempo geológico, uma mo- Contudo, a interacção entre os Ciclos das Rochas
vimentação dos materiais geológicos da superfície e o Tectónico envolve processos menos perceptí-
para locais mais profundos na crosta terrestre e até veis e palpáveis, uma vez que acontecem a escalas
mesmo do manto, sendo posteriormente trazidos temporais distintas da escala humana (e.g. Dodick
novamente para a superfície; este processo cíclico & Orion, 2003; Dias & Cardoso, 2005; Bonito et
implica alterações físicas e químicas das rochas; de al., 2010); as zonas activas tectonicamente são uma
facto ao serem transportadas para locais diferentes exceção, pois aí o intenso tectonismo e vulcanismo
daqueles onde se formaram, as rochas são sujeitas a refletem-se no quotidiano das populações, tornan-
condições de pressão, temperatura e ambiente quí- do percetível parte desta extensa interação. Com
mico diferentes das que existiam inicialmente. Ao efeito, embora estes processos se desenrolem no seu
conjunto de processos que são responsáveis por este conjunto a velocidades extremamente baixas e pe-
trânsito litológico designou-se de Ciclo das Rochas ríodos longos para os nossos sentidos, eles são mar-
(Fig. 5A). Com efeito, a ação do Ciclo Tectónico em cados por eventos catastróficos (i.e. muito intensos
conjugação com os processos geológicos associados e de curta duração) como os sismos e as erupções.
ao Ciclo Hidrológico (em especial a destruição dos Todavia, a interacção entre os Ciclos Tectónico
relevos e a deposição dos materiais daqui resultan- e das Rochas é bastante mais vasta. Apesar de mui-
tes) obrigam uma permanente modificação da su- tas vezes se dissociar totalmente os Ciclos Tectóni-
perfície da Terrestre. A interacção entre os Ciclos co e Hidrológico, fazendo uma correspondência
Hidrológico e das Rochas é facilmente reconhecí- directa entre o Ciclo Hidrológico e as rochas se-
vel pelo senso comum (ou pelo menos uma frac- dimentares e entre o Ciclo Tectónico e as rochas
ção desta interacção), o que o ditado “Água mole em metamórficas e magmáticas, esta correspondência

Figura 5 – A) - Representação esquemáti-


ca do Ciclo das Rochas, mostrando diver-
sos processos associados à génese das três
tipologias de rochas existentes. B) - Dia-
grama de fácies metamórficas, assinalan-
do o traçado de um gradiente geotérmico
de 25ºC/Km (circulo azul representa a
profundidade de 7 km e 175 ºC de tem-
peratura). C) - Representação esque-
mática do Ciclo Tectónico e a sua relação
temporal com as principais famílias de
rochas.
Figure 5 - A) - Schematic view of the Rock Cycle,
showing various processes associated with the genesis
of the three types of existing rocks. B) - Diagram of
metamorphic facies, indicating the layout of a geo-
thermal gradient of 25 °C / km (blue circle represents
the depth at 7 km and 175 ° C temperature).
C) - Schematic representation of the Tectonic Cycle
and its temporal relation to the main rock families.
40 Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de Montanhas Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico

deve ser feita com cautela sob pena de se perder a substituir água do mar com densidade próxima de
visão dinâmica e integrada do Ciclo das Rochas. 1 por sedimentos com uma densidade média supe-
A transição entre os diversos campos repre- rior a 2,5 g/cm3). Admitindo um gradiente geotér-
sentados no Ciclo das Rochas é gradual. Toda- mico médio de 25 ºC/Km (Kearey et al., 2009), as
via, para que o mesmo pudesse ser sistematizado, temperaturas na base da sequência sedimentar atin-
houve necessidade de considerar uma divisão ar- giriam um máximo próximo dos 175 ºC, tempera-
tificial entre os conjuntos de processos activos em tura muito próxima da transição entre rochas sedi-
cada um dos ambientes (Fig. 5A). Esta aborda- mentares e rochas metamórficas (Fig. 5B). Como
gem de sistematização, que facilita a compreen- tal, as temperaturas e pressões actuantes nas zonas
são de muitos fenómenos, cria limites estanques mais profundas das bacias sedimentares permitem
entre processos (e consequentemente entre tipos no máximo gerar rochas metamórficas de muito
de rochas) que não têm significado na Natureza. baixo grau, excluindo-se assim a formação de ro-
No caso concreto das rochas sedimentares, estas chas metamórficas de médio e alto grau, bem como
formam-se na generalidade dos casos em bacias a fusão das rochas e subsequente génese de rochas
de sedimentação, que são alimentadas por cursos magmáticas. Desta forma, apenas recorrendo aos
de água que transportam consigo sedimentos e processos de espessamento e/ou estiramento litos-
elementos químicos provenientes da meteorização férico, directamente enquadrados no Ciclo Tec-
física e química de rochas emersas, bem como restos tónico, se torna possível a compreensão do Ciclo
mortais de seres vivos. Apesar da génese destas rochas das Rochas, principalmente no que respeita à gé-
estar directamente associada ao Ciclo Hidrológico, nese de rochas magmáticas e metamórficas (Fig. 5).
a existência de depressões na crosta terrestre, onde Para que uma sucessão sedimentar depositada
ocorre a sedimentação dos materiais transportados numa bacia sedimentar (oceânica) venha a sofrer
pelos agentes da dinâmica externa, encontra- metamorfismo de carácter regional ter-se-á, por
se geralmente associada à Tectónica de Placas. É isso, que invocar a presença do Ciclo Tectónico e,
também fundamental realçar que os grandes relevos consequentemente, o binómio metamorfismo-de-
que ao serem erodidos vão alimentar as bacias de formação. A génese das rochas metamórficas só é
sedimentação; de facto são eles próprios fortemente possível num planeta activo do ponto de vista tectóni-
condicionados pela tectónica. Considerando co, onde a variação da pressão e temperatura neces-
as grandes bacias oceânicas como as principais sária para desencadear os processos metamórficos,
bacias de sedimentação à escala global, é intuitivo resulta quase sempre de um espessamento de mate-
que os processos que levam à oceanização estejam riais rochosos associado aos processos orogénicos.
directamente relacionados com o Ciclo Tectónico Na verdade, o espessamento crustal encontra-se,
(Fig. 5C). Outras tipologias de bacias (como sejam na maioria dos casos, associado a limites de placas
as bacias de pull-apart anteriormente referidas) do tipo convergente. A convergência entre dois blo-
encontram-se também elas controladas por processos cos continentais, separados entre si por uma bacia
associados essencialmente à dinâmica interna, o que oceânica, caracterizada pela presença de sequên-
mostra a interacção entre a génese desta tipologia cias sedimentares sub-horizontais, mais ou menos
de rochas e o Ciclo Tectónico. A interacção entre espessas, obriga a que haja uma diminuição da ex-
metamorfismo e deformação é também um dos tensão da bacia e, como tal, os estratos inicialmen-
pontos fulcrais na compreensão do Ciclo das Rochas; te sub-horizontais vão sofrer encurtamento. Esta
contudo, estes conceitos são muitas vezes abordados convergência leva frequentemente a que as tensões
separadamente, tornando-se um constrangimento compressivas máximas sejam subhorizontais (e não
à compreensão dos processos geodinâmicos. subverticais como acontece quando a tensão litos-
A título de exemplo, considerar-se-á que uma tática é predominante), gerando nas rochas uma
bacia oceânica (as planícies abissais apresentam série de estruturas geológicas (e.g. dobras e falhas)
profundidades entre 3000 e 6000 m; Lowrie, que permitem o espessamento vertical da sucessão e
2007) poderia ser totalmente preenchida por se- consequente aumento da pressão e temperatura nas
dimentos, empilhando um total máximo próximo zonas mais profundas das sequências sedimentares.
de 7000 m (considerando subsidência da bacia as- Estes processos de deformação poderão induzir um
sociada à isostasia inerente ao facto de estarmos a conjunto de transformações físicas e químicas nas
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rochas, no estado sólido, ao longo do tempo, trans- em conta a associação com o Ciclo Tectónico, que
formando -a numa rocha distinta da inicial; daqui terá induzido a formação de uma cadeia orogéni-
resulta a génese de rochas metamórficas à escala re- ca associada a um forte espessamento crustal, algo
gional. Se o incremento de temperatura associado ao que não acontece, por exemplo, nas Orlas Meso-
espessamento crustal continuar, as rochas poderão -cenozóicas, onde as rochas são maioritariamente
fundir total ou parcialmente, dando origem a mag- sedimentares, o que permite inferir que nunca es-
mas que poderão cristalizar em profundidade (ro- tiveram associadas a nenhum processo orogénico.
chas plutónicas) ou à superfície (rochas vulcânicas). Desde logo, se se considerar a distribuição es-
Quando se observa a distribuição global de rochas pacial e abundância de rochas magmáticas plutóni-
magmáticas recentes à escala global, sejam elas vulcâ- cas, bem como o grau metamórfico ostentado pelas
nicas ou plutónicas, verifica-se que o arranjo não é rochas ante-Mesozóicas, é possível colocar em evi-
de todo aleatório; estas tipologias de rochas encon- dência um zonamento interno no Maciço Ibérico
tram-se directamente associadas a limites de placas (e.g. Ribeiro, 2013b). Com efeito, denota-se um
(na maioria dos casos divergentes ou convergentes). sector central, no qual predominam as rochas íg-
Da mesma forma, tendo em conta o princípio das neas e metamórficas de mais alto grau (Zonas Cen-
causas actuais, a existência de grandes volumes de tro Ibérica, Ossa-Morena e Oeste Astúrico-Leo-
rochas deste tipo em períodos passados deverão es- nesa), ladeado por litologias de muito baixo grau
tar associadas a grandes eventos tectónicos, com uma metamórfico, e com menor volumetria de rochas
íntima relação com os limites de placas. No capítulo magmáticas, nas regiões mais externas do referido
seguinte, abordar-se-á o caso concreto de Portugal maciço (Zona Cantábrica, apenas representada em
Continental, uma vez que a simples observação da Espanha, e Zona Sul-Portuguesa; Figs. 6B e C).
sua geologia como um todo, mostra uma geohistória Enquadrando este facto no contexto do Ciclo
complexa, que só pode ser entendida quando enqua- Tectónico torna-se evidente a presença de uma
drada amplamente no contexto do Ciclo Tectónico. geohistória complexa, bem distante sensorial e tem-
poralmente. Na verdade, o Maciço Ibérico constitui
Do Ciclo Tectónico à Geologia de Portugal; uma um segmento de uma extensa cintura orogénica an-
visão diferente de um mapa geológico tiga, com cerca de 1000km de largura por 8000km
de comprimento, que se estende desde o Cáucaso
É usual a subdivisão de Portugal continental em aos Apalaches e às montanhas Ouachita nos Esta-
grandes unidades morfotectónicas: Maciço Ibérico dos Unidos (e.g. Matte, 2001; Nance et al., 2012). O
(ou Hespérico), Orlas Meso-Cenozóicas Meridio- sector europeu desta cintura orogénica designou-se
nal (ou do Algarve) e Ocidental (ou Lusitaniana) de Cadeia Orogénica Varisca Europeia (Fig. 6B, e.g.
e Bacia do Tejo e do Sado (Fig. 6A, Ribeiro et al., Ribeiro & Sanderson, 1996), sendo que o Maciço
1979; Ribeiro, 2013a). Esta divisão reflecte na ver- Ibérico representa o fragmento mais ocidental desta
dade diferentes momentos no que respeita à evo- cintura orogénica na Europa, contemplando rochas
lução geodinâmica de Portugal; cada uma destas com idades ante-mesozóicas (Ribeiro et al., 1979).
unidades apresenta características litológicas, es- Os processos que deram lugar a esta cintura
truturais e cronológicas distintas entre si. O Maci- orogénica tiveram lugar durante o Paleozóico
ço Ibérico apresenta-se zonado, sendo por sua vez (e.g. Matte, 2001; Moreira et al., 2014), sendo o
subdividido em zonas com características tectono- resultado da abertura e fecho do Oceano Rheic, que
-estratigráficas, metamórficas e magmáticas pró- culmina com a colisão entre três grandes placas –
prias (Fig. 6B, e.g. Lotze, 1945; Julivert et al., 1974; Gondwana a Sul e Laurência e Báltica a Norte e
Ribeiro et al., 1979). Contudo, em todas estas zonas uma série de blocos continentais menores que
há um denominador comum: a presença de abun- bordejavam o bordo setentrional do Gondwana
dantes rochas metamórficas, muitas vezes associadas (e.g. Ribeiro et al., 1979; 2007; Matte, 2001; Nance
a um intenso magmatismo (Fig. 6C, Dias et al., 2013 et al., 2012). Este processo de colisão de placas
e referências inclusas). Tendo em conta o referido culmina com a formação do Supercontinente Pangeia
nos capítulos anteriores, a ocorrência destas tipo- no Carbonífero.
logias de rochas só poderá ser compreendida tendo
42 Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de Montanhas Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico

Figura 6 – A) - Unidades morfotectónicas da Península Ibérica (adaptado de Ribeiro et al., 1979). B) - Cadeia Varisca
Europeia, colocando em evidência os principais Maciços Variscos Europeus, bem como o zonamento interno do Maciço
Ibérico (adaptado de Ribeiro et al., 1979; Martínez Catalán, 1990; Matte, 2001; Ribeiro & Sanderson, 1996). C) - Mapa
geológico simplificado do território continental português, pondo em evidência a presença de um intenso plutonismo
no Centro e Norte de Portugal, envolvido por rochas metamórficas (adaptado de Carta Geológica de Portugal à escala
1:1000000 do LNEG (2ª edição), 1968).
Figure 6 - A) - Mmorphotectonic units of the Iberian Peninsula (adapted from Ribeiro et al., 1979). B) - European Variscan chain, highlighting the main
European Variscan massifs, as well the internal zonation of the Iberian Massif (adapted from Ribeiro et al., 1979; Martínez Catalán, 1990; Matte,
2001; Ribeiro & Sanderson, 1996). C) - Geological map of Portugal, simplified, highlighting the intense plutonism in Central and Northern Portugal,
surrounded by metamorphic rocks (adapted from Geological Map of Portugal 2nd edition, at scale 1: 1000000 of LNEG, 1968).
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Os processos geodinâmicos associados ao fecho do de Santiago do Cacém). Esta transição entre as fases
Oceano Rheic, com início no Devónico inferior (e.g. colisionais associadas ao Ciclo Varisco e as fases dis-
Moreira et al., 2014), e posterior colisão continental tensivas associadas ao Ciclo Atlântico é bem marcada
são responsáveis pela deformação e metamorfismo pela célebre discordância angular do Telheiro (es-
das unidades de idade ante-mesozóica identificadas trutura de contacto), onde as unidades sedimenta-
no Maciço Ibérico (Fig. 6C) e consequente espes- res de idade triássica assentam de forma discordante
samento crustal, bem como pelo intenso plutonis- sobre as carboníferas deformadas (Ribeiro, 2013c).
mo do Paleozóico superior (Devónico superior ao A cuidada observação das estruturas geológicas
Pérmico), bastante bem representado no Centro e revela-se assim como uma peça chave na compreen-
Norte de Portugal (Dias et al., 2013 e referências in- são da evolução geodinâmica de um qualquer lugar
clusas). A presença de estruturas geológicas secun- no nosso planeta, permitindo assim a caracteriza-
dárias a todas a escalas, desde a micro- à macroes- ção dos principais processos actuantes que levaram
cala, articulada com metamorfismo e magmatismo à sua actual configuração. Estas estruturas mostram
reconhecido em todo o Maciço Ibérico, permite as- também uma interdependência de processos en-
sim compreender os fenómenos relacionados com a tre os Ciclos Tectónico e das Rochas, que podem
génese da cadeia orogénica Varisca. Estas estruturas e devem ser vistos de forma integrada para a me-
permitem deduzir a sequência de acontecimentos, lhor compreensão da evolução do sistema Terra.
como são exemplo os episódios tectonometamórfi-
cos e magmáticos, mostrando assim a estreita rela- Agradecimentos
ção entre o Ciclo Tectónico e o Ciclo das Rochas.
Por fim, a erosão da cadeia orogénica referida, Noel Moreira agradece à Fundação Calouste Gul-
associada à recuperação isostática, acaba por trazer benkian pelo financiamento do trabalho, através do
à superfície e subsequentemente até ao afloramen- “Programa Estímulo à Investigação 2011” e à Fundação
to, materiais que se geraram em ambientes profun- para a Ciência e Tecnologia pela bolsa de doutoramen-
dos, no núcleo de uma cadeia de montanhas. Desta to de referência (SFRH/BD/80580/2011). Os auto-
forma, é possível a sua visualização destes materiais, res agradecem também ao financiamento atribuído ao
tornando o Maciço Ibérico um verdadeiro labora- Centro de Geofísica de Évora, através do contrato com a
tório ao ar livre. Isto mostra que “Se o presente é a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PEst-OE/CTE/
chave para o passado”, baseado no Princípio do Ac- UI0078/2011). Os autores agradecem aos revisores pe-
tualismo, não é menos verdade que “O passado pode los seus comentários que incrementaram a qualidade do
ser a chave para o presente”, visto permitir estudar manuscrito.
níveis crustais inferiores, actualmente à superfí-
cie, possibilitando assim uma maior compreensão Bibliografia
dos fenómenos actuantes em cadeias de montanhas Bonito, J., Marques, L., Morgado, M., Rebelo, D., Me-
recentes como sejam os Himalaias ou os Andes. dina, J., McDade, G. & Martins, L., 2010. A impor-
Após a génese da Pangeia no Paleozóico superior, tância do tempo geológico percebida pelos alunos de
12-13 anos: um estudo realizado em escolas nas zonas
a evolução do Território Continental Português Centro e Norte de Portugal. Anais do 45.º Congresso Bra-
durante o Meso-Cenozóico irá ser profundamente sileiro de Geologia, Belém.
condicionada pelos Ciclos de Wilson Alpino e Atlân- Davis, G. H. & Reynolds, S. J., 1996. Structural Geology of
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Com efeito, a base do Mesozóico (Triásico) é carac- mental de leitos de areia à compreensão das rochas
terizado pela presença de sedimentos continentais metamórficas. Geonovas, Lisboa, 19: 57-62.
resultantes da erosão dos terrenos que constituem o Dias, R., Araújo, A., Terrinha, P. & Kullberg, J. C.,
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