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Romances Preciosos

Meu Querido Mafioso


Nancy Martin

"Uma história intrigante...


“A autora combina magistralmente humor e vivacidade.”
South Florida Sun-Sentinel
Disponibilização e Digitalização: Marina
Revisão e Formatação: Joelma

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Perigosa paixão...
Nora parece ter um dom para se meter em confusões, dessa vez, a
repórter com inclinação para bancar a detetive, está incumbida de fazer a
Cobertura jornalística do lançamento de um sutiã revolucionário. No
entanto, antes de a matéria ficar pronta sua chefa, é encontrada na
varanda de casa, com uma meia-calça ao redor do pescoço – marca
registrada dos crimes da família Abruzzo. Agora, Nora precisa solucionar o
crime para inocentar seu namorado, o atraente Michael Abruzzo..
Isso significa investigar pessoas importantes, que circulam nas altas rodas
Sociais da Filadélfia. Nora precisará de muita coragem para desmascarar o
verdadeiro criminoso, mas, se ela não fizer isso, estará se arriscando a
perder para sempre o grande amor de sua vida...

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NOVA CULTURAL.
www.romances.com.br
Copyright © 2005 by Nancy Martin Originalmente publicado em 2006 pela
Penguin Group
PUBLICADO SOB ACORDO COM PENGUIN GROUP
NY,NY-USA
Todos os direitos reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com
pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
As publicações da Editora Nova Cultural não podem ser reproduzidas,
total ou parcialmente, seja qual for o meio, mecânico ou eletrônico
(inclusive digitalização), sem a permissão expressa da Editora. A
reprodução das publicações sem a devida autorização da Editora
constitui crime de violação de direito autoral previsto no Código Penal
brasileiro.
TÍTULO ORIGINAL: Cross Your Heart and Hope to Die
EDITORA Leonice Pomponio
ASSISTENTES EDITORIAIS Patrícia Chaves
Paula Rotta Vânia Buchala
EDIÇÃO/TEXTO
Tradução: Silvia Moreira
Copidesque: Paula Rotta
Revisão: Luiz Chamadoira
ARTE Mônica Maldonado
ILUSTRAÇÃO Daniel Day /Getty Images
MARKETING/COMERCIAL Andréa Riccelli
PRODUÇÃO GRÁFICA Sônia Sassi
PAGINAÇÃO Gustavo Moura
© 2009 Editora Nova Cultural Ltda.
Rua Paes Leme, 524 — 10" andar — CEP 05424-010 — São Paulo - SP
www.novacultural.com.br
Impressão e acabamento: RR Donnelley

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CAPÍTULO I

Eu ainda estava na cama me recuperando da noite de Natal quando o


telefone tocou. Tive a impressão de ouvir o som de uma serra do outro
lado da linha, mas, prestando atenção, percebi que era a voz da minha
chefa, Kitty Keough.
— Você tem no máximo meia hora para se levantar e estar a caminho de
um desfile de moda. Quero que cubra o evento.
— Kitty, seria bom me avisar com certa antecedência, não?
— Ah! Exclamou Kitty, no mesmo tom agradável.
— Pare de choramingar, saiba que nesse ramo ninguém vai ficar
agradando você. Quer ficar em casa checando a prataria ou quer receber
um salário? Eu ouvia as buzinas do tráfego intenso das ruas da Filadélfia.
Ela provavelmente estava em um táxi, rumo a algum evento social,
enquanto tirava o fardo do trabalho de seus ombros para jogá-lo nos
meus. Imagino que esteja muito bem vestida. A janela deve estar aberta
para que o vento bata em seus cabelos loiros, apesar do frio, tudo pela
encenação. Sem contar que o motorista deve estar sendo chicoteado com
um cachecol de penas falsas, o mesmo que ela usa em todos os eventos
importantes, por julgar imprescindível para sua elegância.
— Deixe de bancar a bela adormecida para seu príncipe e mexa-se!
— Mas ele... Parei a frase no meio para não dar a ela mais munição para
usar contra mim no futuro. — Está bem, qual é o endereço? Espantei a
preguiça vespertina e não me preocupei muito com o que vestir. Joguei

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por cima da camisola um casaco de pele, um belo par de botas de grife e


segui para o calvário. Era isso ou perder o emprego. E eu preciso muito
desse emprego. Como Michael estava ocupado, chamei minha irmã Libby
para me acompanhar. Enquanto eu passava batom, usando o espelhinho
do carro, ela me contava sobre seu novo empreendimento.
— Donald Trump costuma dizer que um empresário de sucesso tem que
ter paixão pelo que faz — disse ela enquanto dirigia na neve.
— E o que isso significa?
— Encontrei minha paixão. Realizei meu desejo de vibrar as relações
românticas de todos que conheço.
— Como? Isso está me parecendo anúncio de produtos eróticos.
— Na loja Porções de Paixão chamamos esses apetrechos de ajuda íntima.
Ao ouvir aquilo quase borrei meu olho com o rimel.
— Você está brincando, não?
— Nada disso! Esse tipo de produto para adulto é um nicho de mercado
excelente! Agora sou consultora da marca. Vou receber meu kit de
demonstração ainda esta semana, disse ela com um sorriso titubeante.
— Não quer saber mais detalhes?
— Querida, por que não escolheu uma maneira mais fácil de cobrir suas
dívidas de final de ano? Talvez algo como vender aparadores de grama
para esquimós...
— Eu não sou apaixonada por esse tipo de equipamento; sou apaixonada
por sexo.
Para Libby, o caminho para a realização era uma longa e sinuosa estrada
com muitas atrações paralelas. Com pouco menos de quarenta anos, ela já
tinha cinco crianças, todas terríveis, e visitava os túmulos de dois maridos
e de pelo menos um "amigo muito querido". Atualmente estava se

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metendo em algumas atividades que me faziam ter vontade de


estrangulá-la.
— Não importa... Preciso dar um jeito de sobreviver. Odeio ficar sem
dinheiro, concluiu ela.
A vida de privações era nova para minhas irmãs e para mim. Criadas para
bailes de debutantes e casamentos vantajosos foram seriamente afetadas
quando nossos pais queimaram a fortuna da família Blackbird. Eles
gastaram nossas poupanças antes de fugirem para a América do Sul.
Hoje minha herança se resume a uma casa com o teto caindo aos pedaços
e um encanamento podre em uma fazenda. Sem contar com o alto valor
dos impostos atrasados. Juntei todo o dinheiro que consegui para
começar a regularizar a situação.
Meus antepassados de sangue azul iriam se revirar nos túmulos se
soubessem que em vez de comer camarão, passo a filezinho de peixe e
que preciso trabalhar para sobreviver. Por isso, quando Kitty Keough, a
colunista social do jornal Philadelphia Intelligencer ligou, eu fui correndo.
— Por que Kitty não foi ela mesma ao evento? Não é o tipo de coisa que
ela adora? Uma porção de gente bem vestida fartando-se de canapés e
tomando champanhe de graça? Por que mandou a assistente?
— Não faço a menor idéia. E se não chegarmos em dez minutos, nem eu
estarei lá, comentei ao recolocar a maquiagem na bolsa de Libby.
— Temos tempo de sobra, enquanto isso podemos planejar como será sua
reunião da, “Porções de Paixão”.
— Minha... O quê?
— Ora, uma reunião para mulheres que buscam a satisfação sexual com
discrição e almejam a liberdade. Temos unia linha de produtos bem
variada. Velas com perfume sensual, gel estimulante, lingerie e o famoso e

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exclusivo Erotic. É um creme de textura e fragrância divinas. Não está


sentindo?
— Ah, esse cheiro de gemada é seu? Perguntei, provocando-a.
— Não estou brincando. Se você promover uma reunião dessas na sua
casa, terá um desconto nos produtos. Vamos, você vai gostar.
— Não sei... Bem, é melhor virar a próxima à direita se quisermos chegar
ao desfile.
Com uma manobra brusca, pegamos a rua certa.
— Ah, esqueci de trazer as fotos do Natal. Você saiu linda, elogiou Libby.
Por mais tresloucada que minha irmã pudesse parecer, ela sempre
conseguia me comover com seus atos gentis. Por baixo daquela fachada
de uma mulher superficial, escondia-se um coração de ouro. Ao
chegarmos, deixamos o carro na mão de um manobrista. Conforme minha
irmã caminhava, o casaco se abria para revelar a blusa com estampa de
tigre sobre uma calça de linho caqui. Rezei pela minha dignidade e a segui.
Um desfile de moda não era exatamente minha área de atuação. Minhas
matérias eram sempre sobre eventos não tão charmosos: chás de
senhoras no clube de campo, entregas de prêmios de sociedades
filantrópicas e coisas igualmente excitantes. Kitty costumava ficar com os
melhores eventos.
Segui minha irmã, ainda cismada com a razão de minha chefa ter perdido
a oportunidade de pisar no tapete vermelho.
— Tenha sempre em mente que quem manda aqui, sou eu. Você é apenas
a minha assistente. Isso era algo que volta e meia Kitty repetia.
A impressão que tive é que as pessoas que ali estava, haviam tirado suas
melhores roupas do armário, mesmo que algumas delas fossem um
insulto à minha retina.

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As estações de tevê da Filadélfia estavam presentes, procurando os


melhores ângulos para captar a beleza de uma artista famosa ou de uma
aspirante de corpo bonito que procurava chamar a atenção pela roupa
colada e reveladora. As senhoras da sociedade ostentavam seus casacos
ou acessórios Chanel, com o brilho das jóias ofuscando a idade.
Após os quinze minutos de fama, todos seguiam por um enorme corredor
que terminava no galpão que fora todo remodelado para abrigar um
evento daquele porte.
Quando olhei para o lado, minha irmã estava misturada a um bando de
mulheres que lutavam por um brinde do famoso costureiro. Enquanto a
aguardava, notei que a iluminação do lugar faria inveja a qualquer
espetáculo da Broadway em dia de estréia. Além das luzes coloridas e dos
reflexos nos espelhos, havia imensos painéis onde eram projetadas
imagens de cores vibrantes.
Um grande logotipo com o nome do estilista pendia logo à entrada, preso
por um cabo de aço. Brinker. Onde quer que se fosse naquele espaço
imenso, era aquilo que mais chamava a atenção. Um retrato do jovem
promissor compunha o centro do logotipo. A expressão formada pelas
linhas marcantes do maxilar e da boca ligeiramente curvada em um
sorriso sarcástico não me passou uma boa impressão. Mas lá estava ele,
no auge da fama e da fortuna, olhando com superioridade para todos
aqueles que ali estavam, ávidos por novidades. Brinker Holt, um
fenômeno do mundo da moda.
O corredor terminava em um paredão de seguranças. No pescoço do
rapaz que conferia a lista de presentes, subiam caudas de dragões ou
serpentes, cujos corpos provavelmente estavam tatuados pelo seu corpo
musculoso. Tentáculos saíam da manga da camisa branca cobrindo-lhe a

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mão que posicionava o minúsculo microfone mais perto da boca.


Na minha vez, ele pegou meu crachá de identificação e me estudou dos
pés à cabeça como se eu estivesse usando um cinturão de bombas.
— Só um minuto, por favor. Pediu, dando-me as costas para mais uma vez
falar naquele microfone que ironicamente o enchia de um falso poder.
— Algum problema? Indagou uma voz grave logo atrás de mim.
Ao me virar, deparei-me com Richard Deavon.
— Você é Nora Blackbird, certo?
Havíamos nos encontrado não mais de duas vezes, e ele passara a me
ignorar assim que ficara sabendo que não tenho graduação em jornalismo.
— É bom saber que sou memorável, eu disse em tom seco. — Olá,
Richard.
Tudo bem, admito que ele é muito atraente, mas o que mais chama a
atenção é sua reputação como um jornalista nova-iorquino que não mede
esforços para conseguir uma boa reportagem.
Nos últimos tempos, a sorte não estivera do seu lado. Atropelado por um
táxi, ele passara por oito meses de fisioterapia e cirurgias e ainda
precisava da ajuda de uma bengala para andar.
— Está aqui para invadir a fortaleza da moda? Percebi o desprezo na voz
dele, mas respondi no tom mais agradável possível.
— Deixei minha espada em casa.
— E uma pena. Até mesmo você precisa se proteger em um ambiente
como este. Um grande jornal da Filadélfia oferecera um trabalho para
Richard durante a sua recuperação. Ele aceitara, deixando claro que, assim
que pudesse voltar à antiga vida em uma cidade de verdade, partiria.
Encontrara rapidamente seu nicho na cobertura de criminosos e de
políticos locais, mas eu soube que ele ainda anseia pela excitação da vida

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que levava antes.


— Você tem convite? Ele me perguntou.
— Sim, por quê?
— Podemos entrar juntos? Não sou o tipo de jornalista apreciado por esse
mundinho cor-de-rosa.
— Não me diga...
— Escute, só quero dar uma espiada. Seria pedir muito? Indagou ele,
depois de um suspiro de impaciência. Libby interrompeu nossa conversa
com um sorriso vitorioso.
— Consegui pegar uma sacola. Anunciou ela, abrindo-a.
— Ora vejam, só! Ela puxou uma peça de silicone cor-de-rosa que
lembrava um número oito. — Mas que diabos...
— Ela estudou o estranho objeto.
— O que vem a ser isso?
— Você não sabe? Eu perguntei a Richard. — É essa a razão de estarmos
todos aqui. Esse é o novo sutiã Brinker.
— Sinto muito. Isso não é um sutiã. — Onde estão as alças e o fecho?
Protestou Libby.
— Meu Deus, todo esse fuzuê por causa de uma peça de lingerie? Indagou
Richard indignado.
— Trata-se de um novo conceito em matéria de sutiã, repeti o que dizia a
propaganda veiculada no rádio e na televisão. — E um design
revolucionário, feito de silicone, especialmente desenvolvido para aderir à
pele. O formato, semelhante ao número oito, também foi provado eficaz,
dispensando o uso de alças ou os incômodos ferrinhos para sustentar a
taça. O tamanho é único e acomoda todos os tipos de seios.
— Continuo achando que parece um brinquedo, como um bambolê

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retorcido em miniatura. — Como isso pode ser um sutiã? Comentou Libby


confusa.
— A meia-calça também foi considerada estranha quando foi lançada.
Hoje ninguém mais usa ligas.
— Fale por si. Na, Porções de Paixão, nós acreditamos...
— Libby, querida, este é Richard, eu a interrompi. Até então o radar de
testosterona de minha irmã estava desativado. Quando ela prestou
atenção ao homem magnífico que estava à sua frente, seus olhos
brilharam enquanto o estudava dos pés à cabeça. Bastou respirar fundo
uma vez para voltar a ser a coquete de sempre.
— Olá , ele a cumprimentou. Depois, voltou-se para mim. — E assim que
vocês, aristocratas, passam seu tempo livre? Assistindo a desfiles de
lingerie?
— Na verdade, estou aqui a trabalho também.
— Suponho que seja uma intrépida colunista social à caça de histórias
importantes.
— A colunista é Kitty Keough, informou Libby, estreitando o olhar. Se bem
que o melhor que ela faria seria cair morta e deixar Nora assumir.
— Pare com isso, repreendi.
— Mas é a pura verdade , continuou ela, empinando o queixo e os seios.
— O trabalho de minha irmã faz toda a diferença no Intelligencer.
Portanto, pode parar de ser arrogante, senhor.
Richard não se incomodou em responder.
— Se for difícil me colocar para dentro, posso procurar alguém que
consiga, ele me disse.
Odiei vê-lo esnobar minha irmã, o fato de ele parecer tão heróico tornava
a situação ainda pior.

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— Posso tentar, mas não sem antes saber por que está aqui. Não vou
incentivar nenhuma espécie de fetiche.
— Esqueça. Vou tentar entrar de outro jeito. Só achei que você pudesse
querer fazer a coisa certa para variar.
— Para variar? Desde quando você tem o direito de insultar minha irmã?
Nora está aqui prestigiando um evento de solidariedade. Afinal o câncer
de mama...
— Evento de solidariedade? Conte outra. Essas pessoas são capazes de
usar qualquer coisa para promover seu produto, inclusive uma doença.
— Você vai querer entrar conosco... Sim ou não?
Creio que ele queria dizer "não", mas estava farejando notícias, e acabou
por aceitar.
Cutuquei o ombro do segurança, que, aliás, eu já tinha reconhecido e tirei
minha credencial de imprensa de sua mão.
— Keith querido, adorei suas novas tatuagens, mas sua mãe vai ter um
ataque se souber delas, sussurrei para ele. Keith Rudnick era garçom na
minha lanchonete favorita e fazia trabalhos temporários como aquele em
seus horários livres. Quando me reconheceu, mudou radicalmente de
atitude.
— São de henna, meu bem e ela me ajudou a escolher, ele respondeu
também em voz baixa. — Fomos instruídos para não deixar Kitty entrar.
Ordens expressas de Brinker.
— Que estranho.
— Pois é, ele a detesta. No entanto, você não está na lista negra, então
vou tentar colocá-la no melhor lugar possível. Se tivesse me avisado antes,
eu a teria posto na primeira fila.
— Não preciso de tratamento especial, Keith. Qualquer lugar está bom.

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— Do jeito como você está linda, queremos exibi-la.


— Será que consegue três lugares para nós, não necessariamente juntos?
— Só na segunda fileira. Sinto muito.
— Está ótimo.
Pouco depois fomos conduzidos para onde seria apresentado o sutiã
Brinker.
— Que loucura... Richard comentou.
O sutiã Brinker já estava nas manchetes antes de ser lançado no varejo.
Sem ferrinhos de suporte, bojos ou alças, foi lançado o novo conceito de
remodelar os seios, "unindo e erguendo", que atende a mulheres dos
quinze aos cem anos. A peça tinha sido desenvolvida por engenheiros e
estilistas. O mundo da moda estava ali para aplaudir Brinker.
— Venham logo. O show vai começar. Libby nos chamou. A música alta
misturava-se ao vozerio das pessoas em alvoroço. Nos corredores havia
centenas de fotógrafos que brigavam por um melhor ângulo do palco.
Travamos uma batalha com mulheres e homens e suas vestes de gala para
chegarmos aos nossos lugares, no centro da segunda fileira. Richard teve
mais dificuldade em passar pela fila de joelhos alinhado, e não houve uma
pessoa que não tivesse reclamado. Ao sentar, acabou esbarrando a
bengala na cabeça de um homem na primeira fila, que imediatamente
virou-se para reclamar:
— Ei... Ele deteve-se e mudou o tom, ao me ver. — Ora, se não é Nora
Blackbird!
— Hemmings, cumprimentei, controlando a vontade de chamá-lo pelo
apelido de escola, Hemmingay.
Hemmings Pierce, sempre muito bem vestido, usava um traje que provava
sua vaidade exacerbada: calças justas de cintura baixa e uma camisa Prada

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de cor clara, com os primeiros botões abertos deixando entrever o peito


liso e bronzeado, os cabelos puxados para trás por uma grossa camada de
gel completavam o figurino. Ele era o irmão mais novo de minha colega de
quarto, e quando garoto costumava ter horror a germes.
— Há quanto tempo não nos vemos? Você está deslumbrante.
— Faz anos...
— Acho que foi no casamento de minha irmã. Mas me diga de onde é esse
casaco belíssimo?
— Bem, era da minha avó.
— Ah, eu me lembro de que ela tinha um diário no qual registrava as
roupas que usava, a fim de não ser vista com o mesmo conjunto duas
vezes. Eu uso do mesmo artifício. Grande mulher, sua avó.
— Não sabia que conhecia a minha avó, Hem.
— Mas é claro que sim! Exclamou ele. Mesmo com a música alta, notei a
falsidade do comentário.
Meu novo trabalho exigia que eu mantivesse um bom guarda-roupa.
Infelizmente eu já não podia arcar com o custo de roupas de grife nem
mesmo fazer compras todo mês. A solução que encontrei foi misturar
roupas antigas com algumas peças novas. Por sorte, o vestuário que
herdei era famoso nas altas rodas da época por consistir apenas de peças
de alta-costura.
Naquele dia eu estava com um casaco de pele de chinchila que mandei
tingir de cor-de-rosa e no qual preguei enormes botões pretos, que por
sorte cobriam o que eu estava vestindo por baixo.
— Você conhece meu sobrinho, Orlando? Se ele não tivesse dito o nome
do garoto, eu nunca o teria reconhecido. Hemmings cutucou o menino
para que se levantasse e me cumprimentasse. Notei o quanto aquele

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menino havia crescido desde que o vira a última vez, havia dois anos,
quando sua mãe falecera.
— Olá, Orlando. Tudo bem?
— Quem é você?
— Nora Blackbird, Fui muita amiga de sua mãe.
— Faça o favor de no mínimo ser educado, ralhou Hemmings, segurando
o sobrinho com força pelo ombro.
— Por quê?
— Ela pode escrever coisas boas a seu respeito no jornal.
Em nosso primeiro ano na faculdade, minha melhor amiga e herdeira mais
aclamada da Filadélfia, Oriana Pierce, tinha se casado com Randall Lamb,
um fazendeiro renomado, cuja família possuía um conglomerado têxtil e
metade da Nova Zelândia. A festa de casamento fora uma das mais lindas
que eu já tinha visto. Meses depois eu a tinha encontrado em estado de
graça, anunciando sua gravidez. Para comemorar, havíamos almoçado no
Le Cirque, considerado uma extravagância mesmo para jovens abastadas
como nós. Foi com muito pesar que anos depois soube que os dois tinham
desaparecido em um mergulho pelas grandes barreiras de corais na
Austrália. Os corpos nunca foram encontrados.
Agora ali estava eu, diante de um garoto amargo de dez anos ao lado de
um sujeito esquisito. Orlando havia sido vestido por algum estilista
conhecido do tio e assemelhava-se a um anão emplumado, e não a uma
criança normal.
Não tenho dúvidas de que Hemmings não o deixa brincar na rua, no
máximo, permite um jogo de damas depois de as peças terem sido
desinfetadas.
— Orlando, soube que está freqüentando uma escola na Nova Zelândia,

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comentei, tentando puxar assunto.


— Estou de férias.
— Sim, mas...
— Este é o primeiro desfile que ele assiste, interveio Hemmings. — Você
não acha que ele precisa começar a entender um pouco os negócios da
família antes de presidir o grupo?
— Pensei que a Lamb Limitada fosse uma indústria têxtil.
— Até agora sim, mas ninguém pode prever o futuro em um mundo tão
diversificado.
— É verdade...
— Soube que tem escrito matérias ótimas para o Intelligencer. Por que
não fala sobre mim na próxima edição? Agora sou conhecido por
Hemmings Lamb. Para facilitar a vida do meu sobrinho, mudei meu
sobrenome. Acho que minha irmã aprovaria, não? Naquele momento,
achei que podia escutar Oriana gritando do túmulo.
Hemmings passou a perscrutar o salão em busca de outras pessoas para
aumentar sua rede de contatos.
— Bem, aproveite o desfile. Falamos mais tarde, eu disse, liberando-o
para olhar para frente.
Endireitei o corpo na cadeira entre Richard e Libby.
— Isto é pior que Pamplona, ele comentou. Contive minha vontade de
fazer um comentário sobre a corrida de touros.
— É o primeiro desfile que assiste? Perguntei, lutando pela posse do braço
de madeira que separava nossos assentos, nada contente com aquele jogo
de cotovelos.
— Suponho que você se sinta em casa aqui.
— Você pode se surpreender.

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— Não se dê ao trabalho de negar. Essas pessoas são do seu tipo.


— Que tipo?
— O dos esnobes e levianos; dos que valorizam Rolex e etiquetas famosas
nas roupas.
— Os nada inteligentes e desprovidos de consciência social, é isso, Sr.
Gandhi?
— Não me diga que não percebeu que a bandeira do câncer de mama é
apenas cortina de fumaça para o que está acontecendo aqui. Ora, vamos,
você não nasceu ontem.
Sem paciência para continuar com aquela conversa, coloquei a
programação nas mãos de Richard.
— Informe-se um pouco mais sobre Brinker Holt.
Na capa da brochura, Brinker estava sentado ao lado de sua motocicleta,
segurando uma máquina fotográfica. Três modelos seminuas
completavam a imagem.
— Você o conhece pessoalmente? Richard quis saber.
— Para dizer a verdade, conheço.
— E qual é a história dele?
— Brinker está sempre se reinventando em um esforço para ficar famoso.
Durante um tempo, ele foi dono de um show bar. Em seu número
humorístico, ele exibia vídeos das pessoas enquanto as ridicularizava. Há
cerca de um ano, o lugar pegou fogo. Gosto de pensar que foi um ato de
bondade de alguém com bom gosto. De qualquer forma, agora ele é um
designer de lingerie.
— Ele não faz o gênero do mundo fashion comentou Richard, apontando
para a foto do catálogo.
— Esse meio mudou bastante. Não se restringe apenas a garotas bonitas

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envolvidas em tecido. Para obter sucesso, um designer precisa


desenvolver um conceito e uma identidade própria. Brinker sempre
pensou em si mesmo em termos de mercado.
— Há quanto tempo o conhece?
— Desde os tempos de escola respondi e, sem vontade de prolongar o
assunto, mudei o curso da conversa. — Estou morrendo de calor, adoraria
um refrigerante.
— Por que não tira o casaco?
Refreei o impulso de ficar apenas de camisola e comecei a pensar na
família Holt. Eles haviam feito fortuna desenvolvendo uma peça minúscula
mas essencial para montar filmadoras de cinema e máquinas fotográficas.
Gerações após o registro da patente, eles ainda viviam à custa do pequeno
pedaço de metal.
O pai de Brinker ainda usava gravata-borboleta e circulava com a Sra. Holt
e seu leque de madrepérola em qualquer ambiente. Costumavam reunir
grupos de amigos para navegar pelo mundo. Antes de um desses cruzeiros
haviam deserdado o filho pelas inúmeras transgressões sociais que
cometia. Como retaliação, Brinker colocara fogo em seu Porche perto de
onde o navio estava ancorado. Nessa época, ele tinha passado a fazer
vídeos caseiros da família e dos conhecidos.
— Tudo indica que ele quer esquecer suas raízes aristocráticas. Veja o
estilo da motocicleta e a barba malcuidada que exibe na foto.
De repente, me dei conta de que estava perto demais de Richard, o roçar
de nossas pernas e o perfume másculo me inebriavam. Para minha sorte,
as luzes se apagaram e ouviram-se os roncos dos motores de potentes
motocicletas, misturados aos gritos da platéia. Um facho de luz incidiu
sobre uma Harley que rompia pela abertura das cortinas negras. Sobre a

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moto havia uma moça quase nua. Atrás dela entraram outras modelos
igualmente estonteantes. Usavam botas de saltos altos, minúsculos shorts
de couro e sob uma jaqueta de plástico transparente reluzia o sutiã
Brinker. Todos ficaram em pé e foram ao delírio, ao meu lado, Richard
blasfemava.
As passarelas laterais foram também invadidas pelas modelos. Duas delas,
gêmeas loiras de pernas longas e cabelos compridos, pararam perto de
nós, apesar de todas as atenções estarem voltadas para o palco, outra
cena me chamou a atenção. Orlando estava grudado na cadeira até que
uma das modelos tirou o sutiã tradicional, revelando o outro de silicone.
Depois de rodopiá-lo na ponta do dedo, ela o arremessou para o público.
O garoto pulou quando a peça caiu em seu colo. Levantou-se,
transtornado, e jogou o sutiã para longe.
— Eca! Que nojento! Odeio garotas! Hemmings tentou conter a ira do
sobrinho. Não ouvi o que ele disse, mas vi sua tentativa de prendê-lo na
cadeira.
— De jeito nenhum! Você não pode me obrigar. Orlando gritou, livrando-
se das mãos do tio. Quando percebi que Hemmings levantava a mão, não
pensei duas vezes para intervir.
— Pare com isso! Gritei, mas o barulho era alto demais.
Richard segurou meu braço ao mesmo tempo em que Hemmings puxava o
menino pela manga da camiseta, rasgando-a.
— Não faça isso! Exclamei de novo.
Ao ouvir minha voz, ele se distraiu e Orlando aproveitou o momento para
sair correndo. Dois seguranças tentaram detê-lo, mas ele conseguiu se
esgueirar por entre eles. Meu amigo fez menção de ir atrás, mas àquela
altura já havia mais pessoas nos observando, percebendo que estava

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fazendo uma cena, Hemmings largou-se na cadeira e, puxando um lenço


do bolso, secou o suor com tapinhas, rápidos na testa e nos cantos da
boca, soltei meu braço e saí atrás do garoto. Tropecei no pé de um senhor,
quase caí depois de um encontrão com um estilista afetado, mas consegui
sair dali. No corredor da saída, Keith segurava Orlando, que se debatia.
— Solte-me!
— Orlando!
Ao ouvir meu chamado, o garoto cravou os dentes na mão de Keith, que o
soltou imediatamente. Correu pela calçada até se jogar nos braços de um
senhor que o aguardava na esquina, vestido como um motorista à moda
antiga. Apesar de estar com o quepe embaixo de um braço, ele deu um
jeito de acolher o menino.
— Ei, amigão, o que aconteceu? — ele perguntou. Orlando não
respondeu. Assim que cheguei mais perto, reconheci aquele senhor.
— Gallagher, é você?
— Srta. Nora? — indagou, com um sorriso tímido. — Que moça bonita que
a senhorita se tornou.
— Que bom encontrá-lo. Mal posso acreditar que ainda trabalhe para a
família de Oriana. Você costumava nos levar para a faculdade após os
feriados.
— Eu já deveria ter me aposentado, mas não sou de desistir.
— Vocês dois me parecem bons amigos.
— Ele me mantém ocupado, respondeu Gallagher num tom afetuoso.
Afastando o menino, encarou-o, surpreso. — O que aconteceu? Quem
colocou gel no seu cabelo? E por que está com a camiseta rasgada?
— Foi o tio Hem. Ele também queria que eu comprasse uns sutiãs
esquisitos de mulher.

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Gallagher riu e tentou amenizar a ira do garoto.


— Você não deve ter entendido direito. Ninguém vai fazê-lo comprar nada
disso.
— Mas o tio Hem disse que...
— Acho que Orlando não tem idade para assistir a um desfile desses.
Melhor levá-lo para casa, interferi.
— É isso que vamos fazer, contemporizou Gallagher, abraçando o menino
novamente. — Vamos, então?
A presença de Gallagher amainou a raiva de Orlando. Mesmo assim, eu os
segui até o carro, os dois entraram em um Jaguar preto e ganhei acenos
de despedida por trás dos vidros fechados.
Fiquei observando até o carro sumir de vista e voltei para o galpão feliz
por Orlando estar em boas mãos. Como não consegui voltar para o meu
lugar, fiquei vendo tudo de longe. Ao meu lado, outros jornalistas faziam
anotações frenéticas em seus blocos, o que me fez lembrar que estava ali
a trabalho. Peguei minha caneta e me enfiei no meio da multidão.
As pessoas foram muito solidárias em me dar depoimentos, sem tirar os
olhos do palco. Sem querer, esbarrei em uma pessoa que fecharia minha
matéria com chave de ouro.
— Lexie!
Lexie Paine era uma das minhas melhores amigas desde os tempos de
menina, além de ser minha conselheira de assuntos financeiros desde a
morte do meu marido. Ela estava maravilhosa em um terninho Fendi, bem
de acordo com sua profissão de lidar com as feras do mercado financeiro.
Como sempre, o cabelo escuro estava preso em um coque, realçando o
rosto fino de olhar inteligente.
— Veio comprar peças íntimas, querida? Indagou, me abraçando.

21
Romances Preciosos

Saímos do meio da multidão até onde podíamos ao menos ouvir o que


dizíamos uma à outra.
— Eu deveria ter imaginado que estaria aqui. Está na organização?
— Não. Eu estava no escritório quando me pediram para ajudar a levantar
fundos para a campanha. A nata da sociedade está aqui para ver e ser
vista, principalmente quando abrirem seus talões de cheques e garantirem
o nome nos jornais. Mas essa produção sexista para venda de sutiãs
enquanto tentamos curar uma doença terrível? Acho de mau gosto.
— O dinheiro é o mesmo, Lex. Os pesquisadores farão bom uso dele.
— Espero que esteja certa, ela comentou. Vi Libby há pouco, lutando para
conseguir uma sacola de brindes. Emma também veio?
— Não, infelizmente ela precisou voltar para a clínica, respondi com o
olhar baixo. Tomara que dessa vez ela faça o tratamento até o final.
— Ah, querida, imagino o sofrimento que seja uma coisa dessas. Estou
torcendo por vocês.
— Obrigada.
Desde que meu marido tinha morrido, assassinado por um traficante de
cocaína, todos os meus amigos evitam tocar no assunto do vício comigo.
Lidar com o problema das drogas e com a morte de Todd tem sido meu
martírio. Amigos como Lexie sempre me apoiaram.
— E que casaco cor-de-rosa é esse? Indagou, mudando de assunto. — Não
me diga que é pele de marta tingida!
—É chinchila. Por favor, não me denuncie para a Sociedade Protetora dos
Animais. Foi à primeira coisa que vi no meu armário e que me deixaria
com aparência razoável para vir aqui. Afastei a gola do casaco, revelando
parte da camisola. — Não tive tempo para ser politicamente correta. Lexie
soltou uma risada sonora.

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Romances Preciosos

— Esconda isso rápido antes que alguém veja. Devo admitir que Michael
sempre teve bom gosto ao presenteá-la com lingerie de primeira.
— Eu estava morrendo de pressa. Kitty me avisou na última hora, acho
que na esperança de eu não poder vir para depois poder me despedir.
Mas preciso desse emprego, e por isso estou aqui nesse estado.
— Não teve tempo nem para escolher um par de brincos? Não se
preocupe, seus olhos estão brilhando mais do que diamantes. Pelo visto
seu novo namorado passou o feriado mimando-a.
— Pode-se dizer que sim, admiti com o rosto corado.
— Ah, obrigada por me convidar para passar a noite de ano novo com
vocês, fico feliz que tenha resolvido reviver a tradição, suas festas sempre
foram as melhores.
— Na verdade pensei em fazer apenas um jantar mais íntimo este ano.
Lexie aproximou-se do meu ouvido para dizer:
— Assim Michael conhece seus amigos em grupos menores, não é?
— Seria ótimo se ele comparecesse...
— Não me diga que o príncipe mafioso é avesso a eventos sociais.
— Ele se preocupa em não manchar minha reputação. Minha improvável
união com Michael Abruzzo causara um terremoto no meu círculo social,
uma vez que ele vinha da famosa família de criminosos de Nova Jersey, os
Abruzzo, conhecidos por extorsão, jogo ilegal e outras contravenções
igualmente nefastas. Michael não tinha negócios com o pai, nem com os
vários meios-irmãos, aqueles que não estavam presos, claro. Pelo menos,
eu tinha quase certeza de que ele não estava mais envolvido com eles.
Porém, nunca tive coragem de abordar o assunto, nem de pedir detalhes
sobre suas atividades atuais, e ele não se dispusera a me dizer nada.
Meus amigos sabiam que eu havia passado por um relacionamento

23
Romances Preciosos

conturbado, por isso, eu entendia o olhar de preocupação de Lexie.


Por sua vez, Michael relutava em se mostrar muito, e uma coisa que adoro
é receber pessoas, esforço-me para manter as relações antigas e conhecer
pessoas novas. Estava na hora de ele entender, eu queria que ele gostasse
dos meus amigos e tinha esperanças de que todos o vissem como eu o
vejo, um homem maravilhoso e bem diferente daquele que aparece nos
jornais, taxado como mafioso.
Lexie percebeu no que eu estava pensando e disse:
— O que mais me deixa contente é que você parece feliz. Não se preocupe
com o que os outros pensam. Posso levar meus primos à festa?
— Claro.
— Ótimo. Eles vão adorar reencontrá-la, sem contar que vão querer
conhecer seu novo namorado. Agora me diga, que garoto é aquele que
você estava seguindo?
— Você não o reconheceu? Era Orlando Lamb.
— Não acredito. Pobre garoto ele é como um personagem de Dickens,
não? Órfão e agora preso àquele tio. — Hem ainda é aquele sujeito
obcecado dos tempos de escola?
— Creio que sim. Só que agora com o sobrenome Lamb.
— Posso imaginar como a família deve estar contente com a novidade.
— Acho que já estão todos mortos. Orlando herdou o império inteiro
sozinho e vive cercado por centenas de guardiães, não é isso?
— Sim. Ele levará anos até ver um centavo da fortuna, há um conselho
que protege os bens, mas estão todos na Nova Zelândia. Hem ganhou um
lugar na direção quando se tornou o único parente por aqui. Acho que ele
tem esperanças de enriquecer a custa do sobrinho.
De repente Lexie fez silêncio.

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Romances Preciosos

— Você está com aquela expressão de jogador blefando. Comentei.


— Verdade? Acontece que um rumor começa a fazer sentido... Soube que
a Lamb Limitada está com planos de expansão. — Será que pensam em
comprar o sutiã Brinker?
— Mas está à venda?
— Tudo está à venda, Nora. Para fechar um negócio desses é preciso
muita experiência financeira, ou fortes laços de amizade . Lexie explicou.
— Que eu me lembre, Brinker e Hemmings nunca foram amigos.
— Posso afirmar que não.
Com os olhos arregalados, minha amiga me encarou.
— Claro! Meu Deus, Nora, eu havia me esquecido.
— Não se preocupe. Planejo ir embora assim que isto acabar.
— Estive assistindo aos vídeos, ela disse, apontando para os telões.
— Parece que as obsessões dele não mudaram, não é?
A mania de Brinker de brincar com as pessoas gravando-as em atitudes ou
posições comprometedoras já lhe rendera processos, o que contribuíra
para o fracasso de suas apresentações. Depois disso, a casa de shows
pegara fogo e ele havia ficado rico com o dinheiro do seguro.
Ouvimos a música mudar, um anúncio de que a apoteose do desfile estava
para começar.
— Antes do grande final, por que não dá uma declaração para o jornal?
Algo elogioso, que disfarce o mau gosto que estamos presenciando.
— Certo. Fico lisonjeada que alguém de peso esteja empenhado em nos
ajudar na luta contra o câncer de mama. Espero que a combinação da
criatividade e da sorte de Brinker inspire os cientistas a continuar
pesquisando tratamentos inovadores.
— Perfeito!

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Romances Preciosos

— Veja, o grand finale está para começar.


As modelos voltaram para trás da cortina e as luzes focaram o centro do
palco. A platéia caiu em um silêncio sepulcral. Uma música futurista
substituiu o rock e os vídeos foram trocados por imagens de florestas e
cachoeiras. A cortina foi se abrindo e, aos poucos, surgiu um alazão
magnífico, batendo os cascos no palco e começando a trotar assim que
esporado, a mulher que o guiava era uma versão moderna de lady Godiva,
coberta por longos fios vermelhos de uma peruca, exibindo o sutiã
Brinker. Atrás dela vinha o próprio Brinker Holt, com um jeans e uma
camiseta justa, delineando os músculos firmes. Houve uma salva de
palmas. De repente, ele levantou a câmera e começou a gravar os
presentes, que surgiram instantaneamente em todas as telas. Um ator
registrando o próprio sucesso. Uma viagem ao ego amplificada. No
entanto, não era Brinker quem me prendia a atenção. Eu estava com os
olhos presos na modelo sobre o cavalo.
— Emma! Eu disse em voz alta. — O que você está fazendo fora da
clínica?
Ela segurava um longo chicote, com um rápido movimento do punho fez
com que o couro estalasse sobre a cabeça dos que estavam mais
próximos, o alazão dançava, fazendo a multidão gritar. Emma mantinha o
animal em pleno controle. Ela conduziu-o até o final da passarela, na
minha direção., conforme a platéia atrás dela se levantava para aplaudir e
a música se aproximava do clímax, minha irmã guiou o cavalo para fora do
galpão. Ao passar por mim, inclinou-se e sorriu, dizendo:
— Feliz ano novo, irmãzinha.
Claro que perdi Emma de vista. Libby e eu vasculhamos o galpão inteiro e
o estacionamento depois que todos saíram, mas não tivemos sucesso.

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Romances Preciosos

— Não é fácil esconder um cavalo — eu disse.


— Emma com certeza sabe como fazer. Por que será que ela deixou a
clínica de reabilitação? Libby indagou, batendo o queixo de frio.
— Não duvido que tenha pulado o muro à noite, como uma fugitiva.
— Eu achei que o problema estivesse sob controle.
— Eu também. Deveríamos ter suposto que não seria fácil, deixá-la como
se a estivéssemos levando a um SPA.
— Apesar de tudo, ela estava ótima, você não achou? Libby destrancou o
carro e entramos rápido para fugir do frio.
Enquanto nos dirigíamos para a fazenda Blackbird, fui pensando em
Emma. Nossa irmã caçula tinha uma vida muito mais pontuada pela
insanidade do que a nossa. Volta e meia se metia em encrencas, e eu me
via na obrigação de interferir.
Libby parou o carro diante da casa.
— Obrigada. Falamos amanhã?
— Sei que está pensando em raptar Emma e levá-la de volta para a clínica.
Bem, se quiser tenho algemas, apesar de serem revestidas com paetês.
— Acha mesmo que é isso que devemos fazer? Indaguei sem achar graça
na brincadeira.
— Ora, claro que não. Ela já é adulta.
— Mas precisa de ajuda.
— Nora, posso não ser a melhor mãe do mundo, mas sei a hora em que é
preciso deixá-los decidir suas vidas sozinhos.
— Vamos pensar melhor nesse assunto amanhã.
—As luzes de sua cozinha estão acesas, observou Libby.
— Detesto chegar em uma casa escura, expliquei, saindo do carro.
— Será que não tem ninguém lá dentro?

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Romances Preciosos

— Boa noite! Acenei para ela da porta de casa. Antes de entrar, porém,
notei um pacote amarrado com um laço vermelho. Mais um bolo de frutas
de algum dos vizinhos, pensei. Peguei o embrulho e o levei para dentro.
Gritei ao entrar na cozinha e ver um homem curvado atrás da porta aberta
da geladeira.
— Desculpe-me. — ele disse.
— Quem é você?
— Eu? Acho que já nos vimos antes, respondeu ele, abrindo a cerveja que
acabara de pegar. — Sou o mensageiro do diabo. Bem, ao menos é assim
que o chefe costuma me chamar. Meu nome é Danny.
Além do rabo-de-cavalo, estranhei as roupas surradas e a jaqueta de
couro que em nada combinavam com o boné de capitão de navio. Na
certa estava diante de um aspirante a mafioso.
Fechei a porta, mas mantive distância, ainda desconfiada.
— O que está fazendo aqui? Não vi carro algum parado lá fora.
— Estacionei no terreno ao lado, conforme instruções do chefe. O terreno
ao lado era agora uma loja de carros usados. Conheci Michael quando ele
se ofereceu para comprar uma parte da fazenda, o que veio a calhar para
sanar parte de minhas dívidas. No entanto, fiquei sem a vista para o rio,
pois ele ergueu um galpão para abrigar seu empreendimento, sem contar
com as flâmulas coloridas que contribuíam para acabar com a formalidade
da fazenda que um dia fez parte da história de minha família. Ali
trabalhavam várias pessoas, que, por sorte minha, nunca invadiram ou
bateram à minha porta.
A exceção à regra estava parada à minha frente, tomando cerveja no
gargalo e me estudando da cabeça aos pés.
— Que mal lhe pergunte, onde está seu chefe?

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Romances Preciosos

Danny não precisou responder, uma vez que o homem em questão entrou
na cozinha no instante seguinte, terminando uma conversa ao celular.
Pela maneira decidida como caminhava, entendi que estava com algo
importante em mente aquele tipo de atitude sempre me deixava receosa.
— Noite difícil? Perguntou ele, me olhando de relance.
— Interessante, eu diria.
A luz forte da cozinha iluminando o rosto marcante me fez lembrar que
Michael não era bonito segundo os padrões normais, o nariz aquilino e o
maxilar angular conferiam-lhe um ar cruel o suficiente para assustar quem
não o conhecia, o corpo musculoso de ombros largos e a altura com-
pletavam sua imponência. No entanto, quando sua boca cobria a minha
em beijos ardentes, eu esquecia o resto do mundo, nossos corpos se
amoldavam perfeitamente e ali eu me aquecia, sonhando por horas a fio.
Não preciso dizer que minha experiência com homens não foi das
melhores. Aliás, nenhuma das mulheres da família teve sorte nessa área.
Vendamos os olhos diante dos defeitos, ou nos atraímos pelo lado
misterioso e obscuro, ou quem sabe, bancamos as tolas mesmo, o fato é
que de uma maneira ou outra eu me sentia atraída por Michael, mesmo
ciente de que ele não era um príncipe encantado.
— Deixe-me adivinhar... Uma de suas irmãs cometeu um crime, ou talvez
as duas.
— Se fosse assim, ao menos estariam a salvo atrás das grades, respondi,
colocando o presente que havia pegado na porta de casa sobre a bancada.
— Não pensei que fosse encontrá-lo em casa.
— Fiquei preso por causa de telefonemas. Foi bom, afinal alguém tem que
tomar conta do seu cachorro quando não está em casa.
— Onde está Spike?

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Romances Preciosos

— No porão, cavando um túnel para a China. Vou aproveitar que ele está
ocupado para fugir. Eu sabia que Michael estava brincando porque
adorava meu cachorro, e o amor era recíproco, parte de mim estava
curiosa para saber aonde ele iria aquela hora da noite. Danny parecia ter
saído de uma briga, e tinha o rosto todo arranhado.
— Você se lembra do meu primo, Danny Pescara?
— Outro de seus primos?
— Bem, mais ou menos... Diga "olá", Danny.
— Olá. Bem, vou esperar lá fora, ele anunciou. Depois que a porta fechou,
Michael virou-se para explicar:
— Ele precisa da minha ajuda esta noite. Braços fortes me puxaram,
permitindo-me sentir o hálito quente acariciar a pele do meu rosto.
— Você gosta de um pouco de perigo em mim. Michael não tinha muito
tempo livre entre suas atividades secretas, mas ultimamente passava boa
parte dele na fazenda, preparando refeições deliciosas, cuidando de Spike,
fazendo-me estremecer entre os lençóis.
Quando nossas bocas se uniram senti o corpo amolecer. Beijei-o com
ardor, até ficar ofegante.
— Fique, eu sussurrei.
— Estarei de volta antes de você terminar seu banho de banheira.
— Cabemos nós dois ali.
— Mas o perfume dos sais de banho fica melhor no seu corpo. Prendendo-
me a cabeça com os dedos entrelaçados no meu cabelo, olhou dentro dos
meus olhos e perguntou: — Conte o que está acontecendo.
— Emma fugiu da clínica de reabilitação e apareceu seminua sobre um
cavalo diante de centenas de pessoas durante um desfile de moda. E havia
um chicote envolvido.

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Romances Preciosos

— Essa é Emma. Michael sorriu.


— Preciso parar de me preocupar tanto. Eu me desvencilhei de seus
braços, para ocupar as mãos, comecei a abrir o presente em cima da
bancada, era um presunto com um bilhete. Reconheci a assinatura.
— É do seu pai.
— O quê? Ele olhou por sobre meus ombros. — Ah... Prosciutto. Foi ele
quem fez. É um hobbie familiar que vem de gerações.
— Bem, foi muito gentil da parte dele.
— Sei, é assim que começa... Deixei que ele voltasse a embrulhar o
presunto e fui buscar vinho na geladeira, ainda pensando no que tinha
acabado de acontecer.
— E então? Perguntou ele, obviamente não querendo discutir como o pai
descobrira nossa relação. — Sei que algo mais a está incomodando além
de Emma.
Para organizar os pensamentos e emoções, tomei um gole da bebida
gelada.
— Encontrei o filho de uma amiga de escola. Ela faleceu, e ele está sob a
custódia de um sujeito de atitudes estranhas. Os dois brigaram durante o
desfile.
Michael recostou-se no umbral da porta, enfiando as mãos nos bolsos
laterais da jaqueta com uma postura descontraída que o deixava atraente.
— O que aconteceu?
— Orlando fugiu. Eu o segui, mas...
— O primeiro problema do garoto é o nome, comentou Michael em tom
jocoso.
— Bem, ele vem de duas famílias renomadas e vai herdar uma empresa
enorme. Ele me pareceu à criança rica mais triste que já vi, e eu conheço

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Romances Preciosos

muitas. O tio não o ama. Além de lavar as mãos milhões de vezes ao dia,
acho que Hemmings poderia dar aulas de disciplina para o exército
americano. A empresa é a Lamb Limitada, uma fábrica exportadora de
produtos têxteis.
— O tio dele movimenta demais a mão esquerda? Eu lhe lancei um olhar
torto.
— Isso é uma maneira singular dos habitantes de Nova Jersey de
perguntar se ele é gay? Não, ele não é. Só é esquisito.
— Esquisito não significa ameaçador. O que não matar o garoto vai deixá-
lo mais forte.
— Não sei... Michael, você acha que devo fazer alguma coisa?
— O que você poderia fazer? Além disso, o menino já tem pessoas demais
ao redor, não?
— Mas nenhum amigo. Eu não tiraria vantagem dele como os outros.
— E como ele saberia disso?
— Eu não consigo evitar querer tomar conta dele.
— Nora, eu amo você. Eu amo esta parte sua, a da mulher que quer salvar
o mundo, mas a vida desse garoto não pode ser resolvida com um pacote
de balas e um passeio ao zoológico.
— Eu quero tentar.
Com um sorriso afetuoso, ele me abraçou.
— Será que não tem trabalho suficiente, salvando suas irmãs? Sem falar
em mim, claro. Voltei a me aconchegar nos braços dele, apoiando a cabe-
ça no peito largo.
— É isso o que acha que estou fazendo?
— Eu poderia mantê-la ocupada por um longo tempo, se você se casasse
comigo.

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Romances Preciosos

— Você me pede em casamento todos os dias.


— E todos os dias você muda de assunto.
— Fique aqui esta noite, falaremos sobre isso. Ele hesitou.
Eu desabotoei meu casaco e deixei-o deslizar até o chão.
— Viu o que eu quero dizer? Ele tocou-me nos ombros desnudos e correu
os dedos pelos meus braços. — Você sempre muda de assunto. Ele tomou
a barra rendada da camisola, fazendo a seda roçar meu corpo, deixando-
me arrepiada e nua, exceto pelas botas Chanel. Fitei-o nos olhos, certa de
que meu desejo exalava por todos os poros, senti o corpo amolecer
quando ele tocou minha pele com os lábios.
— Agora, eu sussurrei, ofegante.
— Mais tarde, ele prometeu. — Vamos fazer um bebê. Eu bem sabia que
não havia como prendê-lo quando algo mais sedutor o estava esperando.
Depois de me cobrir novamente com o casaco, Michael virou-se e saiu
para a escuridão da noite. Nunca consegui segurar Todd também. Até
hoje, quase dois anos após sua morte, tento me convencer de que nin-
guém tem o poder de evitar que o outro trilhe o caminho da destruição
quando é esse seu destino, sem importar quanto amor tenha sido
dedicado.
Deixei o copo de vinho na cozinha e fui para a sala de jantar. Spike, meu
companheiro superativo, veio me fazer companhia. Com ele no colo, liguei
meu laptop e comecei a escrever a matéria sobre o lançamento do sutiã
Brinker.
Quando terminei, enviei ao editor, Stan Rosenstatz. Com sorte, ele
aprovaria meu texto antes de Kitty ler e me mandar refazê-lo inúmeras
vezes. Chequei meu e-mail e achei duas mensagens de amigos me
comunicando que viriam ao meu jantar de ano novo. Não achei ruim, já

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Romances Preciosos

que Lexie traria suas primas. O único problema era que a lista de
convidados para uma ceia íntima já contava com dezoito pessoas.
Depois, me peguei pesquisando sobre a Lamb Limitada no Google. Li a
respeito do conselho de guardiães que tomava conta da fortuna de
Orlando, enquanto ele não atingia a maioridade. Imaginei quem cuidaria
do menino, certamente, não seria Hemmings.
Fechando os olhos, lembrei-me de um verão em que Oriana e eu
tomávamos sol na piscina do clube, sob a sombra de árvores frondosas,
folheávamos revistas de moda, tentando disfarçar nosso interesse real,
que era observar os meninos mais velhos. Hemmings estava sempre por
perto, infernizando. Cheio de manias, sua toalha era sempre
imaculadamente branca, e ele entrava em pânico se caísse ali qualquer
sorte de resíduos, por não terem paciência com suas frescuras, os garotos
mais velhos o apelidaram de Hemmingay. Ele não achou ruim,
considerando um sinal de ter sido aceito no grupo, os meninos o tinham
como alvo constante de zombarias, mas ele continuava a segui-los. O líder
do grupo era Brinker Holt, campeão de hóquei e em arrancar sutiãs das
meninas, foi aclamado quando roubou a chave da adega do pai e ofereceu
aos amigos as bebidas mais caras. Não foram poucas às vezes em que,
bêbados, cometeram atos de crueldade contra Hemmings. Vez ou outra,
ele chorava, mas, de maneira bizarra, voltava sempre a procurá-los.
Oriana e eu observávamos de longe o aumento da violência. Se
interviéssemos, seríamos punidas também. E Hemmings parecia desejar a
atenção que recebia dos garotos mais velhos. Nós duas éramos jovens
demais para compreender o mecanismo psicológico do que acontecia ali,
e estávamos assustadas demais para tentar impedir que aquilo
prosseguisse.

34
Romances Preciosos

Uma noite, encontramos os meninos no estacionamento. Eles estavam


segurando Hemmings no banco traseiro do carro e queimando suas costas
com pontas de cigarros. Quando corremos para ajudar, ele se soltou e
gritou conosco, dizendo que o deixássemos em paz. Oriana, então, levou-o
para casa e relatou tudo o que acontecera. A mãe dele proibiu-o de voltar
a freqüentar o clube e enviou-o a um acampamento para aprender a jogar
bridge. Uma tortura para a maioria dos jovens na nossa idade, mas um
alento para ele, que adorava lidar com números. Tentando tirar tudo isso
da cabeça, entrei na banheira, acompanhada de um romance, era meu
ritual diário. Por volta da meia-noite, fui para a cama, não escutei Michael
chegar, mas senti o calor de seu corpo assim que ele se deitou ao meu
lado.
— Sua noite foi boa? — Agora vem a melhor parte, respondeu ele, antes
de me beijar a boca com paixão.
Eu o amava. Apesar de meses tentando afastá-lo, Michael não tinha
desistido, ele me desejava com tanta intensidade que às vezes eu me
sentia no epicentro de um furacão que ao mesmo tempo me amedrontava
e excitava. Na verdade, me rendi à maneira carinhosa e sensual de ele ser
persuasivo.
Ele tirou minha camisola e, deitando-se nu sobre mim, tomou meu rosto
entre as mãos enquanto me beijava, inserindo a língua entre meus lábios,
saboreando-me lentamente. Era um beijo quente, intenso, sensual...
Passou a percorrer meu corpo com uma das mãos, o seio, a curva da
cintura, as nádegas, os lábios provaram meu pescoço, lambendo e
mordiscando a pele sensível, provocando-me arrepios por todo o corpo.
Logo, envolveu um dos seios, massageando-o com gentileza, circundando
o mamilo sensível, enquanto lambia e sugava o outro com carinho.

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Romances Preciosos

Tomada pelo prazer, gemi e o segurei pelos cabelos, querendo-o cada vez
mais perto de mim. Sem parar com as carícias nos mamilos, ele
escorregou a mão por meu ventre, me livrou da calcinha e tocou-me as
coxas até chegar ao meu ponto mais sensível, estimulou-me, deslizando o
dedo na pele úmida, até inseri-lo dentro de mim, corri as mãos por suas
costas e ombros e arqueei o corpo, ele começou a traçar com a boca o
caminho percorrido pelas mãos, acariciando-me com a língua,
enlouquecendo-me de prazer. Quando ele se ergueu e tomou outra vez
minha boca, inverti as posições, fazendo com que ele ficasse de costas na
cama. Era minha vez de experimentá-lo, de sentir a pele quente, o corpo
másculo e firme. Beijei-o no pescoço e no peito, inspirando o perfume
inebriante, lambi e mordisquei os mamilos, segui com a língua a trilha de
pelos no abdômen até alcançar o membro rijo, que tomei entre os lábios,
fazendo movimentos ritmados, extraindo gemidos de prazer.
Ele entregou-se aos carinhos por alguns instantes, mas logo me puxou e se
deitou sobre mim. Entreabri as pernas e enlacei-o, ávida para recebê-lo.
Ele me possuiu com um movimento longo e profundo, roubando-me o
fôlego, movendo-se devagar e explorando minha boca com lentidão, ele
ampliava meu prazer a cada instante. Aos poucos, aumentou o ritmo,
levando-me com ele em um caminho de prazer crescente. Arqueei o
corpo, querendo senti-lo cada vez mais profundamente, beijei-o com
ardor, meus seios se esfregaram no peito dele... A sensação se ampliou, e
eu senti a aproximação rápida e intensa do clímax. Gritei de prazer e senti
o corpo todo estremecer. Michael em seguida me acompanhou,
gemendo, contraiu-se e chegou ao auge. Dentro de mim, ainda ofegante,
ele me beijou com carinho antes de deitar-se e me acomodar entre seus
braços. Aconchegada, adormeci, satisfeita.

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Romances Preciosos

De manhã, Michael despertou primeiro e fez amor comigo outra vez


enquanto eu ainda estava parcialmente adormecida. Enquanto ele tomava
uma ducha, pus o meu robe e fui até a cozinha. O telefone tocou e atendi
já sabendo quem estava do outro lado da linha.
— Bom dia, Libby! Exclamei antes de ouvir a voz dela.
— Olá. Você não me disse quando fará a reunião para a demonstração dos
produtos da, Porções de Paixão em sua casa.
— Agora não é uma boa hora para discutirmos isso.
— Ah, meu Deus. Isso quer dizer que aquele homem está aí! Depois de um
longo suspiro, ela continuou: — Está certo que ele é atraente, mas não
tem nada a ver com você, não me diga que passaram a noite juntos.
— Sim. Na verdade, isso tem acontecido há algumas semanas.
Após um breve silêncio, Libby disse:
— Bem, acho que ele estar com você ontem à noite é melhor que a outra
alternativa dele.
— Que alternativa?
— Ser preso. Houve uma grande prisão ontem à noite. Algo relacionado a
roubo e contrabando de carros luxuosos. Está no jornal de hoje. A polícia
prendeu os bandidos, mas um oficial foi baleado e está ferido.
— Meu Deus!
— A boa notícia é que se Michael estava aí com você, pelo menos não está
envolvido nisso. Mas me fale do sexo, ele se parece com o Conan, o
bárbaro, ou se preocupa com o seu prazer?
— Lib...
— É sabido que as mulheres costumam fingir orgasmos, enquanto os
homens são dissimulados, durante os preliminares.
— Não vou discutir esse assunto com você.

37
Romances Preciosos

— Por que não? Vocês dois deveriam dar uma olhada no meu catálogo...
Ela continuou falando, mas eu parei de prestar atenção, preocupada com
o desaparecimento de Michael e Danny na noite anterior.
— A que horas foi o tiroteio? Perguntei, retomando o assunto.
— Não sei. Espere que vou pegar o jornal. Está aqui, foi às dez e quinze.
Não muito depois de eu ter entrado na cozinha. Então, Michael não
poderia estar na cena do crime quando tudo aconteceu.
— Soube que você vai reunir os amigos na festa de ano novo... Eu estou
convidada? Será uma boa oportunidade para eu conhecer clientes
potenciais. Spike começou a latir na varanda, tornando difícil ouvir minha
irmã.
— Pode vir e trazer quem quiser, mas nem pense em fazer demonstrações
de produto algum!
Não escutei a resposta, uma vez que resolvi ir verificar o que estava
provocando o latido de Spike. Dessa vez, não era nenhum presente de
Natal atrasado. Percebi que era um casaco, dentro do qual havia uma
pessoa morta!
Era uma loira muito maquiada. Sem sapatos, ela também não usava meia-
calça. A plumagem do cachecol voava com a brisa, e as pontas raspavam
na poça de sangue ao redor de sua cabeça. De repente, senti como se o
chão se abrisse sobre meus pés. O sol começou a sumir e aos poucos fui
envolvida por uma nuvem escura. A voz de Libby, cada vez mais distante,
ainda soava no meu ouvido:
— Nora! O que houve? Nora!
— Kitty Keough... Está morta.
Foi à última coisa que consegui balbuciar antes de perder os sentidos.
Acordei com uma bolsa de gelo na testa e Michael me cobrindo com uma

38
Romances Preciosos

manta. A expressão dele era assustadora. Tentei me levantar, mas o


cobertor atrapalhava meus movimentos.
— O que aconteceu?
Michael me fez voltar a deitar no sofá com gentileza, embora
permanecesse taciturno.
— Está tudo bem agora. A polícia e sua irmã estão aqui. Libby chegou e o
afastou de perto de mim.
— Deixe que eu cuido disso. Não é a primeira vez que acontece. Ela
deveria ir ao médico.
— Já fui ao médico, eu afirmei.
— Então a um psicólogo. Alguém que a ajude a lidar melhor com
emergências.
— Michael...
— Ela tem razão. Vou deixá-la cuidar de você enquanto converso com os
policiais.
Libby acomodou-se ao meu lado no sofá.
— Nossa, fico assustada de vê-lo assim tão bravo, comentou ela e,
reparando para onde eu estava olhando, prosseguiu: — Estou usando o
sutiã Brinker. Não é maravilhoso? Estou me sentindo uma Jennifer Lopez.
Evitei outras comparações, levando a mão até o rosto para sentir a
temperatura. Minha cabeça estava latejando.
— Ninguém me disse o que houve.
— Você caiu e bateu o rosto no parapeito da varanda.
— Quanto tempo você levou para chegar até aqui?
— Sete minutos. Deixei o bebê com Rawlins e vim correndo.
— Quanto tempo perdeu colocando esse sutiã?
— Nenhum. Estou com ele desde ontem, respondeu ela, endireitando o

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corpo para projetar os seios. — É maravilhoso, mas tem um pequeno


problema... Não consigo tirá-lo. Estendeu-me a caneca. — Trouxe um chá,
tome um gole. O cheiro do líquido me deixou enjoada e mais fraca do que
já estava.
— O que é isso?
— É um chá revigorante da, Porções de Paixão. Àquela altura eu já estava
bastante consciente, a ponto de desconfiar.
— Não me diga que é afrodisíaco.
— Melhora a circulação sangüínea. Vai ajudar a reduzir esse hematoma no
rosto. Deixando a caneca sobre a mesa de centro, sentei-me apoiada nos
travesseiros.
— Kitty Keough está morta, não é?
— Sim, respondeu ela, passando um lenço de papel sob meus olhos
úmidos.
Voltei a sentir a mesma tontura de antes. Kitty estava morta na minha
varanda.
— Como? Ela teve um ataque cardíaco?
Libby me olhou com compaixão e voltou a passar o lenço pelo meu rosto.
— Querida, a julgar por todo o sangue espalhado, não foram causas
naturais. Além disso, ela estava amarrada com as próprias meias-calças.
— Isso quer dizer que...
— Exatamente, ela foi assassinada. Pelo menos é essa a suposição da
polícia. O Sr. Abruzzo disse que não aconteceu aqui. Alguém atirou nela
duas vezes na cabeça e deixou o corpo na sua varanda. Foi uma execução.
— E por que a deixaram aqui?
— Tenho certeza de que logo saberemos.
Dois policiais nos observavam de longe. Quando viram que eu estava bem,

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Romances Preciosos

pediram que os acompanhasse até a sala de jantar para responder


algumas perguntas. Com uma postura protetora, Michael sentou-se a meu
lado, pousando o braço sobre o encosto da cadeira.
— Qual sua relação com a falecida? Perguntou o policial. Entrelacei as
mãos, pressionando-as contra o joelho para impedir que o tremor ficasse
muito evidente.
— Kitty era minha, chefe. Somos colunistas do Intelligencer. Ela me ligou
por volta das seis horas da tarde de ontem para pedir que eu cobrisse um
evento para ela...
— Nora... Michael advertiu-me para não falar muito.
— É a verdade. Kitty escreve a coluna social e eu sou... Era sua assistente.
Ela disse que precisava ir a outro lugar e pediu que eu fosse a um desfile
de moda para ela.
— Nora... — disse Michael outra vez.
— Acho melhor o senhor esperar lá fora enquanto a Srta. Blackbird dá seu
depoimento, interferiu o policial.
— Eu preciso de um advogado? Perguntei.
— Por que precisaria de um? indagou o policial mais velho, em tom
intimidador.
— Gostaria de ligar para ele.
— A senhorita fez alguma coisa que requeira um advogado? Aliás, como
conseguiu essa marca roxa no rosto?
— Já disse que desmaiei quando encontrei o corpo. Devo ter batido o
rosto na amurada. Não podem estar insinuando que Kitty me bateu. Ela já
estava morta quando a encontrei.
— Não é isso que eles estão insinuando, Michael interveio.
— Queremos ter certeza de que estará segura nesta casa.

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Romances Preciosos

— Mas é claro que sim. Antes de um corpo surgir à minha porta eu estava
ótima. Ah, não... Vocês acham que... Isso é ridículo. A complexidade da
situação me deixou brava. — Vou fazer uma ligação.
Levantei, segui até a sala e peguei o telefone para ligar para meu amigo e
advogado Tom Nelson. Enquanto conversávamos, vi que os policiais e
Michael conversavam em voz baixa. Tom não demorou em atender ao
telefone e ouviu a minha história.
— Não dê mais nenhuma informação à polícia. Se eles quiserem marcar
alguma coisa, diga que entrarei em contato para acertarmos um encontro
para amanhã, quando estiver se sentindo melhor.
— Obrigada. Respirei aliviada e desliguei.
Assim que sentei no sofá, Michael se aproximou e sentou-se na mesinha à
minha frente, entregando-me novamente a bolsa de gelo.
— A polícia acha que você me bateu comentei, colocando a bolsa no rosto
dolorido.
— Eu sei, e a investigação está apenas começando. Vai piorar...
— O que quer dizer com isso?
— Há grandes chances de eles me levarem para a delegacia.
— Por me bater?
— Não.
— Não me diga que por suspeitarem de você na morte de Kitty.
— Se uma criança roubar uma bala no supermercado, os policiais acham
que fui eu. Já chamei a "Cannoli e Filhos". Os advogados de Michael eram
conhecidos amantes dos cannoli de uma padaria em Newark, daí o apelido
que ele lhes dera.
— Há mais um detalhe... A maneira como a vítima foi amarrada.
— Libby me disse que foi com a meia-calça.

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Romances Preciosos

— Há alguns anos, houve outro assassinato. Um fã de beisebol devia uma


quantia considerável pelas apostas perdidas. Como não pagou a dívida,
seu corpo foi encontrado boiando em uma represa em Nova Jersey. Ele
também foi amarrado com uma meia-calça.
— E o que isso tem a ver com Kitty? Perguntei, temendo a resposta.
— O assassino era um parente meu.
Procurei por algum sinal de emoção no rosto dele.
— Como pode estar tão calmo?
— Não é a primeira vez que isso acontece,vou até a delegacia e deixo que
meus advogados falem por mim.
— Mas você não tem motivo para matar Kitty.
— Esses dois policiais não estão interessados nisso. Não se preocupe,
estarei de volta para o jantar. Vou levá-la a um lugar agradável.
— Não, Michael...
— Então, não. Ficaremos em casa e vamos cozinhar juntos. Ele se levantou
e beijou-me na testa. — A vida ao meu lado é assim.
Os policiais ainda fizeram algumas perguntas, embora já tivessem o
veredicto em mente. O fato de Michael ter ligações com o crime
organizado era razão suficiente para ser o primeiro suspeito.
Libby e eu acompanhamos da porta quando o colocaram no banco de trás
da viatura.
— Até mesmo eu vejo o quanto estão sendo injustos com ele.
Enquanto isso, minha varanda estava infestada de agentes da perícia,
fotografando, colhendo amostras e qualquer vestígio que os auxiliasse a
desvendar o crime.
— Incrível como Michael não parecia aborrecido por ter sido preso.
— Ele não foi preso.

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— Mesmo com os negócios escusos dele, não o vejo envolvido nisso.


Ainda por cima, deixar o corpo na porta da casa em que ele praticamente
tem morado não é algo que corresponda à atitude de um mestre do
crime. Conversei com aquele policial charmoso ali fora, o de jaqueta azul...
Olhando pela janela, vi que todos usavam jaquetas azuis.
— Está tentando conseguir um encontro com um investigador em plena
cena do crime?
— Ora, ele pode se interessar em dar uma olhada no meu catálogo. Quem
sabe a força policial deva ser o meu público alvo ela disse, com um sorriso
malicioso. — De qualquer forma, ele me disse que Kitty morreu entre sete
e nove horas da noite passada.
— Ela morreu enquanto estávamos no desfile de moda.
— É uma informação útil, não? — indagou Libby.
— Significa apenas que quem a matou não estava no desfile.
O telefone tocou e Libby entrou para atender.
Eu fui até a cozinha. Quando guardei a farinha de aveia de Michael na
despensa, a lembrança de que ele não tomara café da manhã provocou
um nó em minha garganta. A polícia não tinha provas contra ele. E
enquanto os investigadores perdiam tempo ao interrogá-lo, o verdadeiro
assassino estava à solta.
— Os jornais já sabem da morte de Kitty. Acho que é verdade quando
dizem que eles ouvem o rádio na mesma freqüência da polícia disse Libby,
entrando na cozinha.
Desanimada, encostei-me no armário.
— Não agüento isso, Libby. Está acontecendo de novo... Libby abraçou-
me. Tínhamos lidado com tantas mortes e perdas nos últimos anos que
não precisávamos de palavras para comunicar nossos sentimentos.

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Romances Preciosos

O telefone tocou outra vez e minha irmã foi atender. Sozinha, procurei me
recuperar da breve tontura. Não demorou muito e ela voltou com o
telefone pressionado contra o peito.
— E seu editor, Stan Rosenstatz. Peguei o aparelho sem pensar duas
vezes.
— Olá, Stan.
—Acabamos de saber o que acontecer com Kitty. Estamos todos
chocados.
— Eu também estou...
— Você acha que ela sofreu?
— Acho que não. Pensei um instante. Stan era um profissional experiente,
com bom faro para uma história. Escute, eu ainda não estou preparada
para falar com a imprensa. A casa está cheia de policiais e...
— Entendo. Ele hesitou, dividido entre a compreensão e seus instintos de
jornalista. Mas nossa equipe espera conseguir a história em primeiro
lugar. Desculpe fazer isso com você, Nora, mas pode me dizer se Abruzzo
foi preso? Respirei fundo. O fato já tinha vazado e estavam usando Stan
para chegar até mim.
— Eu não posso falar agora, Stan.
— Está certo, mas estará disponível mais tarde, não é? Preciso que cubra a
agenda de Kitty por enquanto, a começar por hoje às duas horas. Temos
um fotógrafo agendado para acompanhá-la. Brinker está fazendo um
show de sua partida na estação de trem. Na hora, me veio à mente
Brinker acenando para os fotógrafos, rumando para a fama e a fortuna. De
repente, pensei em outra coisa.
— Stan, quais os compromissos que Kitty tinha marcado ontem?
— Só há um nome na agenda: Brinker Lamb.

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Romances Preciosos

— São dois nomes...


Talvez Lexie estivesse certa quando intuíra que havia alguma coisa
acontecendo entre Brinker Holt e a Lamb Limitada. Que mistério seria
aquele?
— Stan, eu vou cobrir o evento.
— Ótimo. Mande um e-mail para mim depois, certo?
O mundo estava crucificando Michael, mas eu não contribuiria em nada
com essa injustiça, se continuasse a trabalhar como se nada estivesse
acontecendo, com certeza eu o ajudaria. Afora isso, tinha certeza de que
descobriria mais a respeito da morte de Kitty caso seguisse seus passos.

CAPÍTULO II

Meia hora mais tarde, Libby e eu estávamos prontas para sair.


— Tem certeza de que estou com a roupa apropriada para um evento
desses? Indagou minha irmã, olhando-se no espelho.
— E apenas o embarque de alguém rumo à fama. Além do mais, com esse
sutiã, não importa muito que estiver vestindo. São seus seios que vão
chamar a atenção. Quando seguimos para o carro, os rapazes da perícia
levantaram os olhos para vê-la passar. Com muito charme, Libby acenou
com a ponta dos dedos e pelo menos dois deles retribuíram o
cumprimento.
— Na verdade, este sutiã está esquentando demais. Gostaria muito de
descobrir como tirá-lo, comentou ela ao entrarmos no carro.

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Romances Preciosos

— Deve haver algum truque.


Ao passarmos pela lateral da loja de carros, notamos que algumas viaturas
bloqueavam a entrada. Vários policiais andavam entre as fileiras de carros,
avaliando cada um deles, procurando, sem dúvida, alguma coisa para
incriminar Michael. Spike, impaciente, arranhou o vidro para que eu o
abrisse. Cruzamos as ruas principais da cidade até estacionarmos não
muito longe do local do evento. Coloquei meu cachorrinho dentro da
sacola Balenciaga na qual costumava carregá-lo antes de descermos do
carro.
A estação de trem era um ponto nobre da cidade, tendo servido como
cenário para o filme A Testemunha. Na época, quando fora recuperada, o
teto dourado e as lindas esculturas tinham sido revelados, o design
neoclássico surpreendera a todos. Era um lugar bonito, perfeito para
fotografar um evento de moda. Libby e eu fomos abrindo caminho pela
multidão, As pessoas gritavam o nome de Brinker e portavam faixas. Em
um canto estava uma mulher vestida em um sári de seda dos pés à
cabeça.
— É Sabria Chatterjee, reconheceu Libby. — O que ela está fazendo aqui?
— Sabria! Apesar de ter nos visto, a moça fez questão de fingir que
chamávamos outra pessoa. Não deixei por menos, cheguei mais perto e a
toquei no ombro.
— Quem bom vê-la por aqui.
— Oh... Olá, Nora. Olá, Libby, cumprimentou ela, apertando nossas mãos.
A última vez que vi Sabria, ela era uma ambiciosa executiva, que usava
terninhos sérios, o cabelo preso em um coque e óculos. Filha de
imigrantes, ela fora amiga de Emma e sempre tinha resistido à cultura do
pais. Aparentemente, passara de um extremo ao outro. Completando o

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Romances Preciosos

sári amarelo, havia anéis que brilhavam em todos os seus dedos, inclusive
os dos pés, e dezenas de pulseiras nos braços. O que não mudara era o
brilho de determinação em seus olhos, agora ressaltados por fortes traços
de lápis preto.
Segurando uma prancheta, ela apertava a ponta de uma caneta sem
parar.
— Você está linda! Disse Libby.
— Obrigada. Estamos tentando chamar a atenção para a cultura da índia.
Achei que era uma época boa para reviver uma tendência. Tanto deu
certo que fui contratada pela agência publicitária Clientec para trabalhar
nos escritórios de Nova York.
— Já ouvi falar dessa empresa.
— Faço parte do grupo de pesquisa e estamos em busca de idéias e
produtos criativos.
— Bem, o sutiã Brinker é um dos lançamentos mais criativos do momento.
A Clientec é responsável pela propaganda?
— Ainda não. Acho que a idéia é levar Brinker a uma reunião para discutir
a respeito.
— Sou testemunha de que o sutiã opera maravilhas, interferiu Libby,
inflando o peito.
— Estou vendo... — Sabria comentou, rindo.
— O problema é que não consigo mais tirá-lo. Sabe se há alguma técnica
especial para removê-lo?
— Não sei. Não tenho nada a ver com o sutiã Brinker. Nada.
Enquanto as duas continuavam a conversar, passei os olhos pela multidão
em busca de outras pessoas conhecidas, que valesse a pena incluir na
coluna. Kitty era especialista em identificar uma a uma em fração de

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Romances Preciosos

segundos. Em um primeiro momento, as modelos gêmeas que haviam


desfilado perto de nós chamaram minha atenção. As duas vestiam jeans,
presos nas laterais por laçarotes, sandálias abertas e, claro, o sutiã de
silicone. Assim que viram Sabria, se apressaram até ela.
— Sabria! Estávamos procurando você.
— Olá, respondeu ela, nada à vontade com a abordagem das moças,
antes de virar-se para nós. — Deixe-me apresentá-las às irmãs Finehart,
Fawn e Fontayne.
— Somos modelos, disse Fawn.
— Temos esperança de nos tornar as garotas propaganda do sutiã Brinker,
acrescentou Fontayne, jogando os falsos cabelos compridos para trás a
fim de exibir melhor o sutiã. — Entendeu? Gêmeas para seus gêmeos. Não
seria perfeito? O que você acha, Sabria?
— Não posso opinar porque não tenho nada a ver com a campanha.
Sabria respondeu.
— Brinker parece estar nos evitando e achamos que poderia nos ajudar.
— Se me derem licença, preciso fazer um telefonema, desculpou-se
Sabria, esquivando-se da situação.
Libby e eu ficamos ali encarando as gêmeas, que pareciam desapontadas
com a rápida partida de Sabria. Fontayne abriu um sorriso largo e quebrou
o silêncio constrangedor, dirigindo-se a mim:
— Quer dizer que são amigas de Brinker?
— Não. Na verdade, estou aqui a trabalho, pelo Philadelphia Intelligencer.
— Gostaria de tirar nossas fotos? Seria uma ótima publicidade para o sutiã
de silicone. Fontayne afastou a cabeleira outra vez.
— Boa idéia. Quem sabe assim Brinker nos dá um pouco de atenção e
esquece aquela outra garota, completou Fawn.

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Romances Preciosos

— Que outra garota? Libby quis saber.


— Aquela de quem todos estão falando. Está certo que ela é muito bonita,
mas monopolizar todos os olhares é demais, não? Ela mal sabe andar em
uma passarela, foi por isso que a fizeram entrar sobre um cavalo.
— Um cavalo? Questionei, trocando um olhar significativo com minha
irmã.
— É só uma questão de tempo para que fique provado que somos
perfeitas para a campanha.
— Só porque essa moça apareceu andando a cavalo, já virou estrela.
As duas passaram a falar como se estivessem em um jogral, uma
completando a frase da outra.
— Brinker está encantado com ela.
— E nem é para tanto.
— E aquele namorado que apareceu de última hora.
— Um perdedor nato.
Resolvi interromper, prometendo que voltaria para tirar algumas fotos.
Foi o suficiente para que as duas girassem sobre os saltos altos e
partissem, deixando a mim e a minha irmã em estado de choque.
— No que será que Emma se meteu agora?
— Precisamos encontrá-la. Tenho certeza de que está aqui, respondi.
Não foi difícil encontrá-la, bastou seguir o clarão dos flashes. Dessa vez,
Emma estava totalmente vestida, usava calças de couro justas e um suéter
de gola olímpica, grudado no corpo, ressaltando os seios. A maquiagem
leve ressaltava a beleza do rosto. Entretanto, lá estava o chicote, que, a
meu ver, compunha seu personagem, com ou sem o cavalo.
— Olá, irmã querida! — exclamou ela, divisando-me entre os fotógrafos.
— Já estava estranhando a ausência de minhas tutoras. Essa é mais uma

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Romances Preciosos

de suas intervenções?
— Muito engraçado, comentei assim que os fotógrafos se dispersaram.
— Ora, vamos, uma garota precisa manter o bom humor.
— Você está linda, comentou Libby.
De nós três, Emma foi à única que transformou a pele alva e os cabelos
avermelhados da família Blackbird em algo bastante atraente. Sendo a
caçula, ela enfrentara a perda da fortuna da família durante a
adolescência, tendo usufruído por menos tempo que Libby e eu da vida de
luxos. Aprendera mais cedo a lutar para conquistar o que queria. O
problema é que precisava cada vez de mais vodca para fazer isso.
— É muito bom vê-la, Em, eu disse.—A entrada triunfal de ontem foi uma
surpresa.
—Aquilo foi uma produção e tanto. O que achou do cavalo maravilhoso?
Indagou, abrindo um sorriso.
Por algum tempo, Emma explorara sua experiência com cavalos em uma
carreira no circuito de saltos, mas alguns ossos quebrados a tinham
desviado desse caminho.
— Vocês dois foram perfeitos, elogiei. De repente, ela estreitou os olhos.
— O que é isso no seu rosto?
Libby se antecipou para relatar o que havia acontecido.
— Você sabia que Kitty foi assassinada? E o criminoso deixou o corpo na
varanda de Nora, que a encontrou hoje de manhã e desmaiou.
— Nossa... Emma tomou meu braço. — Está se sentindo bem? Vamos nos
sentar um pouco. Ela me levou até um banco, enquanto eu lutava para
afastar da cabeça a imagem de Kitty morta.
Spike acordou e colocou a cabeça para fora da sacola, encantando Emma
que o pegou na mesma hora. Libby seguiu detalhando a história toda.

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Romances Preciosos

— E Michael está preso? Não é à toa que você está tão abalada disse
Emma.
— Ele não está preso, apenas sendo interrogado na presença de
advogados.
— Não conheço ninguém que tenha maior assistência jurídica do que ele.
Nossa, quem será que a matou?
— Não tenho a menor idéia.
— Só pode ser alguém que a conheça.
— Pensei nisso também... Kitty me pediu para cobrir o desfile de ontem.
Quando cheguei me disseram que o nome dela estava na lista negra de
Brinker. No entanto, o nome dele estava na agenda dela, o que me leva a
crer que os dois talvez tenham discutido.
— Será que eles se conheciam?Emma perguntou, enquanto acariciava
Spike.
— Acho que sim. Havia outro nome ao lado, Lamb. Você sabia que
Hemmings trocou o sobrenome para Lamb?
— Sabia. Ele ficou pendurado em Brinker à semana toda.
— Como amigos? Aquela era uma novidade para mim.
— Bem, ao menos não estavam se batendo em público.
— O que está havendo entre eles?
— Não sei. Você acha que um deles matou Kitty? Passei a mão na testa,
sentindo que a dor de cabeça voltaria a qualquer instante.
— Acho que estão envolvidos de alguma forma. Preciso descobrir por que
ela queria uma reunião com eles.
— Quem planeja entrevistar primeiro?
— Bem, admito que Brinker não é exatamente minha pessoa favorita.
— Nem minha, concordou Emma.

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Romances Preciosos

— Então, como conseguiu ser contratada por ele?


— Nem sei se ele sabe da minha existência. Foi um assistente dele que fez
contato comigo.
Eu podia apostar que ele sabia quem eram seus funcionários. Não falei
nada, mas fiquei em dúvida se minha irmã já esquecera o que tinha
acontecido anos atrás.
— Preciso encontrar o fotógrafo do jornal para registrar algumas cenas e
procurar algo sobre o que escrever.
— A caneta envenenada passou para suas mãos? Emma perguntou.
— Ainda não, talvez nunca...
— Você poderia ajudar. Libby disse a Emma. — E precisa manter-se sóbria,
certo? Poderíamos ser como As Panteras.
— Não se empolgue tanto, Libby, adverti sem deixar de achar graça.
— Então é por isso que estão aqui. Arrumaram um bom motivo para me
monitorar.
— Nós a amamos.
— Contanto que eu ande na linha. Nunca estarei à sua altura, Nora,
portanto, conforme-se.
— Vamos parar com isso? Interveio Libby. — Soube que você conheceu
um homem interessante na clínica.
— E verdade, foi um achado. Nós fugimos juntos. Ele é famoso, vocês já
devem ter ouvido falar. Querem conhecê-lo?
— Claro que sim! Libby disse.
— Tenho certeza de que vão amá-lo.
Tomei Spike dos braços de Emma, coloquei-o de volta na sacola e a
seguimos.
Enquanto caminhávamos, fui preparando meu espírito. Emma escolhia

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Romances Preciosos

seus parceiros baseada no quanto eles chocariam a nós e aos demais. A


começar pelo marido, um jogador de futebol que certa vez posara nu para
uma revista feminina. Assim que tinha ficado viúva, começara a namorar
um pastor evangélico que pregava em livrarias para adultos. Depois, viera
um taxidermista. Sendo assim, não me surpreendi muito quando Monte
Bogatz saiu do banheiro masculino. Era a versão de Buffalo Bill, vindo
diretamente de um filme de faroeste. Um chapéu cobria os cabelos
longos, a jaqueta de franjas emoldurava os braços e o cinto de couro com
uma fivela imitando chifres de touro arrematavam o figurino. Como se
não bastasse, ele tirou um frasco de prata do bolso e entornou na boca o
que provavelmente era uísque.
— Olá, meninas, cumprimentou assim que nos viu. — Aposto que são
irmãs de Emma.
— Ela acabou de nos contar a seu respeito. Nem seria necessário, já que o
conhecemos por sua fama, eu disse.
Monte ficara famoso aos seis anos de idade, quando tinha cantado pela
primeira vez na televisão. A carreira do garoto prodígio com uma voz de
ouro não fora muito longa. Na época eram muitos os astros de música
country e, ao crescer, ele acabara perdendo o lugar. Fiquei triste ao vê-lo
bebendo àquela hora do dia, e não era difícil perceber no que sua vida se
transformara. Aos trinta anos de idade, parecia ter quarenta e cinco.
— Vamos, querido. Temos que pegar o trem advertiu Emma.
— Seu pedido é uma ordem. Vamos juntos conhecer as luzes da
Broadway, não é? Perguntou, enlaçando-a pela cintura.
— Espere, Emma chamei, tocando-a no braço.
— Esqueça, Nora deixe que resolva meus problemas, sozinha.
Eu não podia impedi-la de seguir de acordo com suas próprias escolhas,

54
Romances Preciosos

nem podia mudá-la. Só me restava apoiá-la e estar por perto quando fosse
necessário. Tentei repetir meu novo mantra de não mais interferir na vida
de minhas irmãs. Mesmo certa de minha atitude, senti o coração apertar
ao vê-la se afastar. Pedi a Libby que procurasse por Brinker ou Hemmings,
enquanto fui atrás do fotógrafo. Encontrei-o em companhia das gêmeas,
disparando sua máquina.
— Está se divertindo? Ao, me ver, sorriu.
— Olá, Nora. Alguns trabalhos, eu faria de graça. Ele se aproximou de
mim. — Soube do caso de Kitty. Imagino como isso a tenha afetado.
— Stan disse que está segurando a edição do jornal à espera dessa
matéria informei, desviando do assunto.
— Sei disso. Não esqueça que precisa entrevistar Brinker.
Aquela seria para mim a pior tarefa. De alguma forma devo ter expressado
meu desagrado.
— Não a culpo por não gostar dele. Eu o vi ali adiante, derramando
champanhe sobre os seios de uma garota. A pobre estava chorando.
— Isso quer dizer que ele não mudou nada.
De onde estávamos, era possível ver o aglomerado de pessoas em meio a
diversos balões cor-de-rosa agrupados de dois em dois, lembrando um par
de seios, unidos pelo logo do sutiã.
Respirei fundo e me embrenhei no meio de todos até encontrar Brinker,
que estava dando uma entrevista a Dillard Farquar, um jornalista refinado
e um renomado crítico da moda. Como sempre muito elegante do alto de
seus setenta anos, vestia um blazer azul-escuro com o monograma da
família bordado no bolso, camisa engomada e gravata discreta. Não
demorou muito para que me visse aguardando pela atenção de Brinker.
— Nora! exclamou ele. — Você está divina! Não me diga que é um Dior

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Romances Preciosos

que está vestindo.


Sim, eu tinha substituído meu casaco de pele cor-de-rosa para um mais
sóbrio para a ocasião.
— Claro que é, Dilly. Mais um do guarda-roupa de minha avó.
Depois de me cumprimentar com dois beijos nas bochechas, segurou
minhas mãos, fazendo-me rodopiar.
— Sempre amei essa linha clássica. Brinker, você conhece Nora Blackbird?
Pois deveria. Se existe alguém nessa cidade que entende de moda, é essa
mocinha encantadora.
Brinker parecia querer queimar meu casaco Dior comigo dentro. Tudo
voltou à minha mente de uma vez, e eu percebi que ele também
recordava cada segundo daquele terrível verão.
Dias depois de Oriana e eu o termos encontrado queimando as costas de
Hemmings, Brinker me seguiu no clube acuando-me em um canto da
piscina. Tirou a parte de cima do meu biquíni à força e a jogou para cima
do trampolim, onde ficou presa como se fosse uma flâmula. Eu o chutei
com toda força na virilha, o que deveria ter sido o fim da agressão. Mas
não foi. Agora com trinta e poucos anos, Brinker parecia uma versão
televisiva de um agente da força policial, com a cabeça raspada e uma
camiseta branca que delineava os músculos do peito e os braços fortes. O
nariz lembrava um bico de águia, bem como os olhos escuros, lentes de
contato na certa. Em uma das mãos ele segurava uma garrafa de
champanhe, na outra a câmera.
Assim que Dilly nos apresentou, Brinker deu um zoom em meu rosto.
— Olá — ele disse, olhando-me através das lentes.
— Importa-se de não gravar?
Aquela era uma maneira agressiva de forçar as pessoas a participarem da

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Romances Preciosos

própria humilhação por isso, fiquei surpresa quando meu pedido foi
atendido. Outro recurso constrangedor daquele homem era avaliar
detalhadamente a pessoa a quem pretendia dirigir a palavra, de forma a
intimidá-la.
Preferi aguardar que ele tomasse a iniciativa de falar.
— Lembro-me do seu rosto, mas não de seu nome.
— Sou Nora Blackbird respondi, surpresa por ele ter fingido não lembrar
que Dilly acabara de nos apresentar. — Parabéns pelo sucesso.
— Você já experimentou o sutiã? — indagou ele, detendo os olhos nos
meus seios.
— Ainda não. Você espera que todas as mulheres comprem um?
Perguntei, com meu bloquinho de anotações e caneta em punho.
— Tenho certeza de que comprarão vários, de todas as cores. O sutiã
Brinker será indispensável para o guarda-roupa feminino.
Dilly olhou para mim com as sobrancelhas arqueadas, como se dissesse
que já ouvira a mesma ladainha.
— Onde se inspirou para essa criação?
— Foi um sonho. Aliás, que homem não sonha com seios? Quando não ri
ou mostrei simpatia pelo que disse, ele me perguntou:
— Como se sente sendo ícone da moda da cidade?
— Não sou nada disso. Uso roupas velhas porque não posso pagar por
novas.
— Mas ela sempre consegue estar deslumbrante, palpitou Dilly.
— Trabalho para o Intelligencer. Estou substituindo Kitty Keough. Soube
que vetou a entrada dela no desfile ontem à noite.
— Foi mesmo? Questionou Brinker, crispando a testa.
— Ou alguém da sua equipe.

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Romances Preciosos

— Na verdade, aquela vampira merece bater com a cara na porta de vez


em quando.
— A verdade é que ninguém gosta muito de Kitty comentou Dilly.
— Bem, ela morreu ontem à noite, assassinada.
— Meu Deus! exclamou Dilly de queixo caído. Brinker assumiu uma
expressão de quem havia engolido uma bomba.
— Como eu dizia, ela foi barrada no seu desfile. Pode me dar uma razão
melhor que sua antipatia?
— Tínhamos que limitar o número de convidados ele explicou. —
Seguimos as normas de segurança da casa. Não podíamos convidar a
cidade inteira.
— Entendo. Vi que seu nome estava na agenda dela.
— Isso não quer dizer nada. Eu nem a conhecia respondeu ele, assumindo
ares beligerantes.
— Muito estranho disse Dilly. — Pensei que sua família a conhecesse
muito bem. Para ser sincero, lembro-me de seu pai ter atirado um drinque
no rosto dela, por causa de algo que ela tinha escrito sobre sua avó, não
foi isso?
Brinker perdeu a cor.
— Quem liga para o que uma velha escreve sobre outra?
— Quer fazer algum comentário sobre a morte dela?
— Sei quem você é sentenciou ele, tentando inverter o jogo. — Sua irmã
caçula trabalha para mim. Sabia disso?
Em seguida levantou a câmera, virou-se e seguiu gravando as pessoas.
— O que sabe sobre a avó dele, Dilly?
— Você não chegou a conhecer Biddy Holt? Ela mantinha a casa sob
regime militar, trancando empregados em seus quartos, caso as tarefas

58
Romances Preciosos

não fossem desempenhadas a contento. Ela e Kitty tinham uma rixa, mas
não sei dos detalhes. Agora me conte mais a respeito da morte da bruxa.
Foi assassinato? O que Brinker tem a ver com isso? indagou Dilly,
puxando-me para nos afastarmos da multidão.
— Talvez nada, respondi. — O que sabe sobre a entrada dele no mundo
da moda?
— Foi muito repentina. Em um minuto ele estava fazendo um show
humorístico, no outro ele se proclamava o próximo Marc Jacobs. É muito
estranho. Nada funciona desse jeito.
— Você sabe de algo mais concreto?
— Não, mas sinto que a verdade virá à tona a qualquer momento. Corto
meus pulsos se esse sutiã foi mesmo criação de Brinker.
— Espere para comprar a lâmina, brinquei, encaixando meu braço no
dele.
— Você vai ficar no lugar de Kitty?
— Ainda não me disseram nada. Dilly tirou do bolso um cartão.
— Por que não vamos almoçar qualquer dia? Você precisa de um amigo
na área, alguém com quem conversar e que já a conheça bem.
— Obrigada. Preciso mesmo de todo aconselhamento que puder obter.
— Você se sairá bem. Não permita que esses leões do mercado a
devorem.
— Entrarei em contato.
Beijei-o na bochecha e, ao me afastar, acabei dando um encontrão em
Richard Deavon, derrubando sua bengala.
— Vocês jornalistas sentem o cheiro de uma boa história, não?
— Para ser sincero, eu estava procurando você respondeu ele, abaixando-
se para pegar a bengala. — Podemos conversar?

59
Romances Preciosos

— Sobre o quê?
— Sobre a morte de Kitty Keough. Ele estreitou os olhos. — O que
aconteceu com seu rosto?
— Nada respondi, elevando instintivamente a mão para esconder o
hematoma.
—Você desapareceu ontem à noite. Será que pode dispor de alguns
minutos para mim?
— Acho que não. Estou aqui a trabalho e com a cabeça cheia.
— Com a morte de Kitty ou com a prisão de seu namorado?
— Como sabe quem é meu namorado?
— Há pessoas que ao colocarem o pé na rua viram notícia. Michael
Abruzzo é uma delas.
— Ele não foi preso, e sim levado para ser interrogado. Sempre que algo
de ruim acontece à polícia acha que ele tem informações.
— Especialmente quando as coisas ruins dizem respeito a você?
— A morte de Kitty não tem nada a ver comigo.
— Ora, se o corpo foi encontrado na sua varanda, o assassino tem algo a
ver com você. E, por extensão, com o homem com quem está envolvida.
— Deixe-me adivinhar. Sua matéria é sobre o crime organizado.
— Ainda não. Fale comigo. Talvez esteja perdendo o ângulo certo das
coisas.
A última pessoa com quem eu queria falar era Richard, em especial se ele
decidisse escrever algo sobre Michael. Não tinha dúvidas de que ele
poderia distorcer minhas palavras, e eu não estava com a menor
disposição para confrontá-lo no momento.
— Certo, mas preciso encontrar meu fotógrafo. Uma coluna social não
pode passar sem as fotos.

60
Romances Preciosos

— Sem problemas. Faça o que tiver que fazer, eu vou esperá-la afirmou
ele, encostando-se a uma parede.
Saí em busca de Libby. Não a vi em lugar algum, mas acabei encontrando
Lee Song, o fotógrafo, de novo.
— Será que poderia me fazer um favor? Indaguei.
— Se vai me pedir para passar mais algumas horas fotografando essas
mulheres lindas, não haverá problema algum.
— Lamento desapontá-lo. Será que pode encontrar minha irmã e dar um
recado? Lee ouviu o que eu disse e concordou em me ajudar. Olhando por
cima do ombro, vi que as gêmeas, Fawn e Fontayne, haviam se
aproximado de Richard, distraindo-o. Aquela era minha chance de
executar meu plano sem ser vista.
Para minha sorte, a bilheteria da estação ainda estava aberta. Comprei
minha passagem o mais rápido que pude e não demorei a chegar até a
plataforma. Uma vez fora do alcance da visão de Richard, tirei meu casaco
e entrei no trem. Fui direto ao banheiro para recuperar o fôlego e passar
pó no rosto. Aguardei que o trem se afastasse da estação para sair
daquele cubículo, sentei ao lado da janela e deixei que Spike apoiasse as
patas ali, ao tirá-lo da sacola.
— Por favor, não faça muito barulho. Comporte-se.
— Quem, eu? Richard perguntou, sentando-se a meu lado.
Acho que meu rosto ficou tão vermelho quanto o de uma criança que é
pega em plena travessura.
— Podemos conversar agora?
Tentei colocar meu cachorro de volta na sacola, mas ele se recusou.
Estava ocupado demais rosnando para Richard. Tive vontade de fazer a
mesma coisa, já que me faltavam palavras, tamanho foi o meu susto.

61
Romances Preciosos

— Você sempre se veste como Audrey Hepburn? Provocou ele.


— Eu pareceria mais profissional em uma roupa de safári?
— Acho que ficaria linda de qualquer jeito.
Antes mesmo que eu tivesse tempo de absorver o que acabara de ouvir,
ele continuou:
— Pela maneira como fugiu, imagino que Audrey esteja escondendo
alguma coisa.
Sem saída, resolvi assumir e me desculpar. — Sinto muito, não deveria ter
agido assim.
— Posso entender suas razões. Está querendo proteger alguém.
— Ele não precisa da minha proteção, já que é inocente. Terá que arranjar
outra história.
— Ainda não decidi sobre o que será a matéria. Estou tentando descobrir.
Se as pistas me levarem ao crime organizado, então sim, escreverei sobre
o assunto.
— Por que foi ao desfile ontem à noite? Foi ver o lançamento do sutiã de
silicone ou me observar?
Ao estudá-lo mais de perto, notei que era um homem bonito. Os olhos de
um tom acinzentado ressaltavam, na pele clara, um perfeito contraste
com os cabelos escuros.
— Por que não entramos em um acordo? Indagou, ele percebendo o
momento constrangedor entre nós. — Você me dá uma informação
importante, e eu retribuo com outra. Fiquei em dúvida se aceitava ou não.
— Eu começo. Brinker Holt está envolvido em outros assuntos além de
lingerie.
Spike desistiu de morder a ponta da bengala de Richard, e pulou no meu
colo tão desconfiado quanto eu.

62
Romances Preciosos

— Então sua história é sobre Brinker, concluí.


— Se esse sutiã virar moda, como diz, ele vai faturar milhões de dólares.
— Pelo que sei, não há nada de ilegal nisso. Richard deu de ombros.
— É fatal, onde há muito dinheiro, existe alguma coisa a mais;
especialmente quando se tem um histórico.
— Está insinuando que o incêndio na casa de show foi criminoso?
Indaguei, indo direto ao assunto.
— Foi muito conveniente, não? Com o dinheiro do seguro, ele conseguiu
fazer o lançamento do sutiã. A questão é: — Teria sido ele a atear fogo no
próprio clube? Ou teve ajuda de um profissional?
— Qual é o seu palpite?
— Estou apenas fazendo algumas conjecturas.
— Você acha que Michael é um incendiário?
— Ele tem muitos talentos, e um deles é evitar condenações.
— Então, você está investigando o crime organizado. Certo, espertinho, o
que o incêndio no estabelecimento de Brinker tem a ver com a morte de
Kitty?
— Ainda não sei. Você sabe?
— Acho que um evento não tem nada a ver com o outro.
— Tem certeza?
Não, eu não tinha. Certa vez, Michael me dissera que quando dois crimes
acontecem ao mesmo tempo tendem a estar relacionados.
— Tudo que sei é que Michael foi detido para depor sobre o assassinato
porque por acaso estava na minha casa quando achei o corpo. Sei que ele
vai sair de lá logo e, aí sim, a investigação vai começar.
— Por que acha que o corpo foi parar na sua casa?
— Não sei. Alguém querendo se livrar da culpa.

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Romances Preciosos

— Ou talvez seja um recado.


— Para mim?
— Talvez. Ou para Abruzzo.
Virei o rosto para a janela. Já tínhamos saído dos limites da cidade. Eu não
conseguia nem imaginar a quantidade de inimigos que tinha o meu
namorado. Eu mal conhecia seus amigos, e os que, já vira faziam a gangue
de Tony Soprano parecer inocente.
— Veja bem, eu não sei qual é seu relacionamento com Abruzzo. Apenas
escutei alguns comentários na redação do jornal. Acho difícil acreditar que
uma mulher como você tenha se envolvido com um tipo desses, mas...
— Você não sabe nada a respeito dele.
— Só o que está nos jornais. Lavagem de dinheiro, jogo ilegal, talvez o
maior negócio de roubo de carros do país. Não é inconcebível que ele seja
também um incendiário.
— A família Abruzzo pode estar envolvida com negócios escusos, mas não
Michael.
— Então é verdade, você está realmente saindo com ele.
— Não vou me explicar para você.
— Certo, então vou tentar explicar. Corrija-me se estiver errado. Michael
Abruzzo é um sociopata mentiroso que diz o que for preciso para levar
uma mulher para a cama. E, no momento, a mulher é você.
— Ele não é um mentiroso!
— Ah, não? E o que ele é Nora, o que aconteceu com seu rosto?
Precisei me esforçar muito para não chutar a perna machucada dele. Eu
tinha certeza de que Michael havia me contado a verdade. Vez por outra
ele omitia alguma coisa que sabia que eu não queria ouvir. Eu convivia
bem com a pequena diferença entre a omissão e a mentira.

64
Romances Preciosos

— Se pretende colocar meu namorado atrás das grades, está pedindo


ajuda para a pessoa errada.
— Uma mulher esperta e bonita como você não precisa de meus
conselhos sentimentais. Já vi casos semelhantes ao seu. Gente que se
apóia nas pessoas erradas para enfrentar fases difíceis da vida.
— Só falta agora me dizer que não quer que eu seja magoada. Muito
sensível de sua parte, mas vejo claramente quais são suas intenções. Não
tente se passar por meu amigo para obter informações. Richard franziu o
cenho.
— Está certo. Você é direta e gosto disso. Diga-me o que sabe. Vi sua
preocupação com aquele garoto ontem à noite. Quem era ele?
— Não insulte minha inteligência. Você sabe muito bem de quem se trata.
— Tem razão. Orlando Lamb, o herdeiro de milhões de dólares, é sobrinho
de Hemmings, que há semanas vem farejando o sutiã Brinker. O que está
acontecendo?
— Não sei.
— Você estava ansiosa demais, correndo atrás do garoto.
— Eu queria me certificar de que ele estava bem. Ele estava fugindo do
tio, e eu...
— Um verdadeiro repórter não deve interferir na história. Temos apenas
que observar... Eu ouvi o garoto dizer algo a respeito de não querer
comprar lingerie.
— Uma das teorias é, que Hemmings quer que o sutiã Brinker seja um dos
negócios da Lamb Limitada. Além de ser um investimento rentável pode
lhe garantir um cargo fixo na empresa. No momento, ele é apenas a babá
do sobrinho.
— Você conhece Hemmings Lamb, não? O que acha dele?

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Romances Preciosos

— Eu diria que é complicado. E sua relação com Brinker e ainda mais


difícil.
— Eles são amigos, inimigos ou amantes?
— Talvez os três, de certa forma.
Richard levantou uma das sobrancelhas, surpreso.
— Se eles estiverem tendo um relacionamento comercial, é algo
momentâneo. Tempos atrás Brinker... Bem, não importa. É Hemmings
quem tem o poder agora, por causa da fortuna dos Lamb. De certa forma,
ele virou o jogo. Não consigo imaginá-los trabalhando juntos. Há uma
dinâmica estranha entre eles.
Não externei o que achava daquela relação. Os dois tinham tido uma
parceria perfeita no passado. O sadismo que existia em Brinker fora
atraído pelo masoquismo de Hemmings. Teria o relacionamento entre eles
aumentado de intensidade? Um deles teria se tornado violento o
suficiente para matar? E por que Kitty quisera encontrá-los no dia de sua
morte? O que ela descobrira que eu ainda não via?
Meus pensamentos se voltaram para a cena que houve em casa assim que
cheguei do desfile. Eu tinha encontrado Danny Pescara na minha cozinha
com uma aparência de quem acabara de ser nocauteado. Michael saíra
logo em seguida para ajudá-lo a se livrar de alguma encrenca.
— No que está pensando? Indagou Richard, interrompendo meu
devaneio.
Bem, nada que eu quisesse compartilhar com um jornalista imbuído da
tarefa de investigar o crime organizado. Eu precisava ver Michael.
Richard e eu descemos na primeira parada do trem, enquanto ele foi
comprar um bilhete de volta, eu fui para o estacionamento, Libby estava
me esperando, graças à mensagem que Lee Song lhe dera.

66
Romances Preciosos

— Fiz a minha primeira venda! — exclamou ela assim que entrei no carro.
— Aquele fotógrafo é uma simpatia.
— Por favor, deixe meus colegas de trabalho fora da sua lista de clientes.
Como vou olhar para Lee agora?
— Ora, estou prestando um serviço público. Talvez os asiáticos possam ser
meu público-alvo. Ela ajeitou o ar quente do carro, que começou a
aquecer meus pés gelados. — A propósito, Emma não embarcou com o
séquio de Brinker.
— E onde ela está?
— Não sei. Talvez ela e Monte tenham outros planos, do jeito que
estavam se agarrando na estação... Como será que ela consegue arranjar
tantos namorados? Aposto que não ficaria sozinha nem se estivesse no
deserto do Saara.
— Prefiro estar sozinha do que com um tipo daquele.
Libby me ajudou a secar Spike com lencinhos perfumados. Depois, ela
pegou um deles e colocou a mão por baixo da blusa, passando-os pelo
sutiã de silicone.
— Não adianta, grudou mesmo.
— Achei que estivesse brincando.
— Não consigo soltá-lo de jeito nenhum. Quer tentar? Ainda incrédula,
tentei soltar as pontas com a unha e puxar o silicone de uma vez só. Nada.
O sutiã não saiu do lugar.
— Acho que está começando a atrapalhar minha corrente sangüínea. Oh,
Céus, e se meus seios atrofiarem?
— Não se preocupe, isso não vai acontecer.
— Por via das dúvidas, tente de novo.
Diante de tanto barulho, Spike pulou do meu colo e foi para o sossego do

67
Romances Preciosos

banco de trás. Respirei fundo, descolei uma ponta mais larga, procurei um
apoio para o pé e pus toda minha força em um puxão só.
— Ai!
— Impossível, está grudado, reclamei.
— Tente de novo, por favor.
Repeti todo o processo, só que agora Libby segurava em meus ombros
para aumentar a força conjunta.
— Pronta?
Naquele instante, um executivo parou em frente ao carro e ajeitou os
óculos para ter certeza de que não estava alucinando.
— Gostou? Tire uma foto! Gritou minha irmã. Virando-se para mim,
começou a rir. — Bom, pelo menos eles continuam perfeitos e chamam a
atenção.
— Não entendo. Se houvesse alguma coisa errada com esse sutiã, você
não seria a primeira a reclamar. Já haveria publicidade a respeito.
— Pode ser que este esteja com defeito.
— Por que não toma um banho de imersão em água quente e tenta
soltar?
— Boa idéia! Exultou ela, abaixando o suéter. — Onde está o jornalista
bonitão? Vi que ele a seguiu. Vocês se encontraram?
— Sim. Vamos logo para casa?
— O que está esperando para me contar os detalhes? Indagou Libby,
manobrando para pegar a estrada de volta.
— Para ser sincera, não sei o que aconteceu.
— Ele tentou alguma coisa? Sei de alguns homens que gostam de fazer
sexo em veículos em movimento. No trem, ele tentou...
— Não aconteceu nada, está bem? Preciso falar com Michael.

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Romances Preciosos

Libby me deixou em casa e seguiu seu caminho, provavelmente pensando


em alguma nova estratégia de vendas.
A faixa listrada de amarelo e preto em volta da minha varanda era o único
sinal da catástrofe que acontecera naquela manhã. Os policiais forenses já
haviam limpado tudo, tentei ligar no celular de Michael, mas não tive
sucesso. Preparei um sanduíche e apertei o botão da secretária eletrônica
para ouvir os recados, além dos recados de pessoas querendo ir ao meu
jantar de ano novo, havia um telefonema do meu advogado:
— Nora, é Tom. Seu depoimento foi marcado para amanhã às nove horas
da manhã, o fato de eles não estarem com pressa em interrogá-la me
deixou preocupado. Talvez achem que você pode atrapalhar o caso que
estão construindo contra alguém, e acho que você sabe quem. Ligue para
mim assim que puder.
O retorno de minha ligação não iria mudar o curso dos eventos, por isso
resolvi escrever sobre a partida de Brinker. Assim que terminei, imaginei
Kitty dizendo que não havia brilho nem glamour naquele texto enxuto
demais. Refiz os últimos parágrafos com esse foco e me orgulhei do
resultado. Enviei o trabalho por e-mail a Stan.
Tentei ligar para Michael e, de novo, a ligação caiu na caixa postal, senti o
coração apertado. Depois da morte de Todd, pensei que nunca mais
reconstruiria minha vida afetiva, não tinha nem vontade de tentar até
conhecer Michael. Nosso relacionamento era perfeito, conversávamos e
ríamos muito, ele tinha a incrível capacidade de me deixar à vontade para
falar de assuntos sobre os quais eu não falava nem com minhas irmãs. De
repente, parecera uma grande idéia formar uma família, e eu passara a
me perguntar como tinha vivido sem ele.
Para me distrair da opressão no peito ao não ter notícias dele, resolvi

69
Romances Preciosos

seguir com as tarefas normais. Fiz alguns cheques para pagar as contas do
mês e percebi que não teria fundos suficientes para pagar a próxima
prestação dos impostos. A idéia de sair da casa que fora da minha família
por mais duzentos anos me deu calafrios, faria tudo que estivesse ao meu
alcance para que isso não acontecesse.
Fui até a biblioteca com a idéia de separar alguns livros antigos para
vender. Porém, ao pegar aqueles volumes valiosos, imaginei se me
desfazer deles não seria algo semelhante a vender a casa.
Decidi subir para tomar um banho e me deitar. O dia fora atribulado
demais e tive dificuldade para dormir. Em algum momento da noite
interminável, devo ter caído num sono conturbado, pois quando acordei
minha cabeça latejava.
E Michael ainda não tinha voltado para casa.
Tom me ligou às sete e meia.
— Olá, Nora. Desculpe-me por ligar tão cedo, mas a polícia adiou o
interrogatório.
— Por quê? Eles disseram alguma coisa? Indaguei atordoada.
— Infelizmente não sei de nada. Michael ficará detido por mais tempo.
Mas depois de vinte e quatro horas, eles têm de soltá-lo ou dar voz de
prisão.
Depois de desligar, me aprontei e solicitei que o carro viesse me buscar.
Como eu costumava desmaiar em momentos de emoções fortes, não
tinha carta de motorista. Felizmente, meu empregador, e antigo parceiro
de jogos de tênis do meu avô, incluíram o serviço de transporte em meu
contrato de trabalho.
Meu motorista, Reed Shakespeare, era um estudante que trabalhava meio
período para uma empresa de transporte de Michael. Apesar de me

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Romances Preciosos

atender havia algum tempo, ainda não nos sentíamos à vontade um com o
outro, e ele resistia a ser amigável.
Quando o carro chegou, acomodei-me com Spike no banco de trás e
seguimos até a redação do Intelligencer em silêncio. Quando entrei no
prédio, em vez de seguir para os elevadores, fui até a recepção e liguei
para Stan.
Dez minutos mais tarde, Stan me encontrou em um café não muito longe
dali.
— Que mancha é essa no seu rosto? Perguntou ele.
— Eu caí.
Stan estava com uma ótima aparência e estranhamente animado.
Fomos para o canto mais afastado. Um garçom trouxe uma xícara grande
de café para Stan, antes mesmo que sentássemos nas confortáveis
poltronas. Tirei as luvas e pedi um suco de tomate.
Quando ficamos a sós, ele puxou uma pasta de papéis e me passou.
— É a agenda de Kitty. Consegui tirar uma cópia antes que os policiais a
apreendessem, é a única coisa que temos para conduzir nossa própria
investigação. O único problema é que está toda em código. Folheei o
calhamaço.
— Consigo decifrar a maior parte do que está escrito aqui, comentei
depois de ler algumas páginas. As empresas eram citadas apenas por suas
iniciais e os endereços também.
Notei, que o desfile de apresentação do sutiã de silicone estava
sublinhado com força e minhas iniciais haviam sido escritas perto da
margem. Logo abaixo dos nomes Brinker Lamb havia o número sete e a
palavra carvalhos, ao me ver com o dedo apontado naquela parte da
folha, Stan comentou:

71
Romances Preciosos

— Pensei que isso fosse um endereço. Verifiquei e não encontrei


nenhuma rua com o nome "carvalhos". Pensei que você soubesse do que
se trata.
— Lamento...
Ele me encarou sobre a borda da xícara.
— Há outro documento importante, contou ele. — Quando vasculhei as
gavetas de Kitty, achei uma carta em que ela descreve como gostaria que
fosse seu enterro. O documento está em poder dos nossos advogados.
— E o que ela queria para o funeral?
— Bem, isso é você quem vai decidir.
— O que tenho a ver com isso?
— Kitty queria que você cuidasse do funeral.
— Por que eu? Ela não tem família?
— Aparentemente não. Apesar das atitudes dela, Kitty a respeitava, ela
sabia que você faria o melhor.
Ficamos em silêncio por alguns instantes.
— Vamos publicar a nota de óbito hoje. Na coluna de domingo, seria bom
que fosse incluído um tributo a ela. Eu quero que você o escreva.
Eu estava perplexa demais para pensar com clareza.
— O que poderia escrever?
— Confio no seu talento, disse Stan ao recolocar a xícara no pires. — Eu
gostaria de indicá-la para o lugar de Kitty agora, mas não é um bom
momento, especialmente por terem encontrado o corpo dela em sua
casa. Além disso, alguém ouviu sua irmã dizendo que você ficaria bem
melhor se ela não estivesse mais por perto.
— Ela não estava falando a sério, Stan.
— Eu sei. Nora, a polícia quis vasculhar sua mesa também. Nossos

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Romances Preciosos

advogados impediram que isso acontecesse, eu já passei um bom tempo


perto de policiais para saber o que eles estão pensando. Acreditam que
alguém matou Kitty para lhe fazer um favor, de forma que pudesse
assumir o lugar dela no jornal.
— Isso é ridículo.
— Também acho, mas eu não posso fazer nada, se pudesse entrevistá-la e
publicar a história completa... Mas essa não é mais minha função, meu
trabalho é editar histórias que vendam mais jornais e gostaria muito de
contar com você para me ajudar, no lugar de Kitty. Porém, até que sua
conexão com o assassinato seja esclarecida, minhas mãos estão
amarradas.
— Ainda não acredito que ela esteja morta comentei, sem ao menos saber
o porquê, nunca gostamos uma da outra, mas a morte dela me irritou.
— Nem eu. É certo que eu não apreciava muito o jeito de diva, mas ela
sabia como instigar os leitores. O jornal perderá muito, você sabe escrever
e conhece as pessoas certas, mas conseguirá alcançar o patamar seguinte,
Nora?
— O que quer dizer?
— Kitty tinha idéias e opiniões. Ela deixava as pessoas bravas, mas seu
trabalho sempre chamava a atenção, e no nosso ramo isso significa muito.
— Não posso escrever como ela. Não sei atacar as pessoas, ela arruinou
vidas, Stan.
— Não. Ela pode ter tornado as quedas mais públicas, mas não derrubou
ninguém, você precisa descobrir uma forma de usar seu talento para
defender seus pontos de vista. Eu não quero outra Kitty; quero alguém
novo e estimulante.
O garçom nos interrompeu trazendo sanduíches.

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Romances Preciosos

— Não sou jornalista, e nunca pretendi ser.


— Você quer o lugar de Kitty?
Bastava pensar no meu saldo bancário para concluir que eu precisava de
um emprego melhor. No entanto, ali estava eu, indecisa, eu não tinha
gostado de ser a assistente de Kitty. Ela me desvalorizara e me fizera sentir
tola enquanto eu contribuía com a coluna dela. Porém, eu entendia mais
daquele mundo do que ela, e podia fazer muito bem aquele trabalho.
— Sim, eu quero.
— Então, mãos à obra. Deixe de ser tão comedida com as palavras, renove
e apresente o seu conceito para a coluna social.
— E se o que eu tiver em mente não for o que o jornal quer?
— Convença-nos. O que você tem a perder?
—- Você está certo. Obrigada. É muito bom saber que tenho um mentor.
— Nada disso, estou apenas procurando uma encrenca menor do que
Kitty, e esse alguém é você, ele disse, rindo. — Tenho certeza de que ela
estava seguindo as pistas de uma história quando ela morreu. Algo bem
maior do que estava acostumada a lidar.
— Talvez isso a tenha matado.
— Isso só acontece nos filmes.
Stan terminou o café e, enquanto eu acabava de comer, tive um estalo e
compreendi o que significava "Sete Carvalhos". Rapidamente despedi-me
dele e agradeci a gentileza de ter me encontrado longe dos holofotes do
jornal. Antes de sair, liguei para que Reed viesse me buscar.
Vinte minutos depois, chegávamos a Bryn Mawr. Aquele subúrbio
aristocrático exibia várias propriedades dignas de um set de filmagem
hollywoodiano. Havia também lojas de grifes, restaurantes de primeira
linha e revendedoras de carros elegantes. Não se via sujeira na rua, além

74
Romances Preciosos

das folhas caídas das árvores que ladeavam as alamedas.


— Estamos em uma espécie de parque? Perguntou Reed quando
atravessamos um portão alto e seguimos por uma estradinha de
pedregulhos que cortava o vasto gramado.
— Não, é uma casa particular.
Os grilhões do portão de ferro formavam o nome da propriedade,
"Recanto das Arvores". Apenas aqueles que tinham crescido visitando a
casa, como eu, saberiam que o nome original do lugar era "Sete
Carvalhos".
A mansão de tijolos aparentes era precedida por uma escadaria de
mármore que deslumbrou Reed. Pedi a ele que desse a volta e
estacionasse perto da porta dos fundos. Eu me dirigi à entrada dos
empregados, toquei a campainha e esperei alguns segundos até que uma
senhora de touca branca aparecesse na janela.
— A Srta. 0'Toole está em casa? Sou Nora Blackbird. Fui convidada a
entrar.
— Boas tarde Nora, sou Agnes Harley.
— Não reconheci você. Emagreceu muito.
— Foi à dieta de South Beach ela disse, sorrindo. — Venha até a cozinha,
vou chamá-la.
Sentei-me à mesa e senti o aroma do café recém-coado. Pouco depois,
Mary Margaret Otoole veio até mim e me abraçou.
— Nora, que bom revê-la! Adorei o cartão de Natal. Como você está,
querida?
— Estou ótima, e você? Desculpe se atrapalho seus afazeres, mas...
— Sempre tenho tempo para rever os amigos, a casa pode esperar um
pouco, não é Aggie? Vamos tomar esse delicioso cafezinho?

75
Romances Preciosos

Mary havia sido contratada para cuidar de Oriana. Aos poucos, fora
assumindo uma importância cada vez maior na casa, tornando-se
imprescindível. Administrava tudo com pulso de ferro. Atualmente, com
quase toda a família dispersada, ela continuava a tomar conta do lugar
como se fosse seu.
— O que a traz aqui? Indagou, enquanto me ajudava a tirar o casaco e
puxava uma cadeira.
Agnes logo colocou sobre a mesa uma bandeja de prata com um serviço
de porcelana florida e colherinhas minúsculas.
— Preciso saber se Kitty esteve aqui anteontem à noite.
— Aqui? Indagou Mary, trocando olhares com Agnes.
— Sua agenda indicava que ela poderia ter um encontro aqui. Bem, ao
menos é o que estou supondo.
— Ela não esteve aqui sentenciou Mary. — Eu teria notado sua presença,
não? Mantemos a casa toda trancada. Além do mais, faz muito tempo que
não recebemos visitas.
— Não faz tanto tempo assim interveio Agnes. — O Sr. Hemmings deu
uma festa para alguns amigos na antiga casa do jardineiro. Preparei
comida para doze pessoas e fui instruída a não aparecer por lá até as oito
horas da manhã do dia seguinte.
— Ele não mora nesta casa? Eu quis saber.
— Sim, mas ele não recebe pessoas aqui. Prefere a privacidade da casa do
jardineiro, nós não nos metemos no que acontece lá.
— Você chegou a conhecer os amigos dele?
— Alguns deles, não me lembro de ter visto a Srta. Keough por aqui.
— E Brinker Holt? .
— Esse nome é conhecido, não? Perguntou Mary, franzindo a testa.

76
Romances Preciosos

— Não é aquele cidadão desagradável que raspou a cabeça e que vive


com uma câmera na mão?
— Isso mesmo.
Ele esteve andando por aqui em uma das festas, gravando tudo.
É possível que Kitty tenha encontrado Hem na casa do jardineiro sem que
vocês tenham notado?
— Muito difícil. Ele costuma receber em dias certos, e esse não foi um
deles.
— Ela poderia ter entrado na propriedade sem vocês saberem?
— Normalmente, percebemos quando algum carro se aproxima, não me
lembro de ter ouvido alguém chegar. Mas é possível, sim. O sistema de
vigilância cobre toda a área explicou Mary. — Havia um alarme que nos
avisava toda vez que alguém passava pelo portão, mas o Sr. Hemmings
mandou desligá-lo porque o barulho o irritava.
Pelo jeito de Mary percebi que a convivência deles não era das melhores.
— Deve ser complicado viver com alguém tão metódico comentei.
— Nós nem pensamos em sair disse Agnes. — Pelo menos enquanto
Orlando estiver aqui.
— Não quero que nada de mau aconteça ao filho de Oriana comentou
Mary com os olhos turvados.
— Que bom que esteja tomando conta dele. Confortei-a, passando minha
mão sobre a dela. — Ele não me pareceu muito feliz a última vez que o vi.
— Ele passa a maior parte do tempo na escola. Só o vemos durante as
férias. Nessa época o Sr. Hemmings fica responsável por ele e o mantém
em um horário rígido, com dieta rígida... Nós o mimamos sempre que
possível.
— Como Orlando reage a esse regime militar?

77
Romances Preciosos

— Percebo que ele se esforça, e nós tentamos amenizar sempre que


possível disse Mary.
— Bem, então vocês não viram mesmo Kitty anteontem insisti, voltando
ao assunto.
— Nós duas ficamos aqui na cozinha até onze e meia, assistindo televisão.
— O Sr. Hemmings não estava em casa, contou Mary.
— Ele levou Orlando para assistir a um desfile de moda.
— Eu também estive lá, vi quando Gallagher o pegou.
— O Sr. Hemmings tinha um compromisso fora com amigos. É assim toda
terça-feira,por isso pediu que o motorista apanhasse Orlando.
— O menino não tem amigos, o tio o mantém afastado de outras crianças
de sua idade, Agnes comentou.
— Deixamos que ele passe algum tempo na garagem com Gallagher. Pode
não ser a companhia ideal para o garoto, mas é o melhor que temos.
— Talvez seja bom eu conversar com Gallagher.
As duas resolveram me acompanhar, fui invadida por certa nostalgia ao
atravessar o terreno coberto de neve, onde costumava brincar com Oriana
quando criança. Alguns metros adiante, vi Spike correndo atrás de
Orlando, que estava impecavelmente vestido com sobretudo, camisa e
gravata. Fiquei chocada que o tio fizesse com que ele se vestisse assim,
quando nos viu, Orlando agachou para agradar o cachorro, que não
perdeu a oportunidade de roubar-lhe o gorro.
— Volte aqui! Gritou o garoto.
— Que espécie de animal é aquela? Mary quis saber.
— Acredite ou não, é um cachorro respondi, rindo. Orlando chegou
correndo, com o casaco aberto e o rosto afogueado.
— Qual é o nome do seu cachorro?

78
Romances Preciosos

— Spike. Cuidado, ele morde de vez em quando.


— Ele não vai me morder afirmou o garoto, antes de sair correndo atrás
do animal outra vez.
— Gallagher está na oficina. É aquela porta lateral, está vendo? Disse
Mary.
— Volto para me despedir de vocês depois de conversar com ele.
Caminhei até a garagem. Chegando lá, bati na porta, mas, como não
houve resposta, resolvi entrar. A música foi a primeira coisa que me
impressionou, pelo volume, acredito que podia ser ouvida do outro lado
do Estado, em seguida, me deparei com peças velhas e enferrujadas
espalhadas pelo lugar, a oficina originalmente tinha sido um estábulo,
convertida depois em garagem. Os raios de sol entravam pelas janelas
altas, mostrando o caminho, das vigas do telhado de madeira pendia um
estranho móbile composto de aros de bicicleta e engrenagens
provavelmente resgatados do lixo de alguma fábrica de brinquedos.
— Sr. Gallagher? Chamei, tentando me fazer ouvir, apesar do som alto de
uma música que parecia irlandesa. Contornei uma pilha de jarros de
plástico e inclinei a cabeça para desviar de um monociclo pendurado em
um fio e decorado com lâmpadas. — Sr. Gallagher?
Quando venci os entulhos e endireitei o corpo, deparei-me com uma
enorme maquete. Diante de mim havia uma cidade em miniatura com
casas, prédios, postes e pessoas. Mais além, viam-se vastos campos,
montanhas e pequenas florestas, os trilhos do trem de ferro
serpenteavam por toda a paisagem pitoresca, com direito a túneis e
pontes sobre espelhos de água. Assustei-me com o repentino barulho da
locomotiva que passou bem perto de onde eu estava, puxando vários
vagões.

79
Romances Preciosos

Seguindo o comboio com o olhar, vi Gallagher, com um boné de


maquinista e uma bandana vermelha amarrada ao pescoço,
acompanhando o progresso do trem. Acenei para ele.
— Olá, Srta. Nora! Respondeu ele, sorrindo. — Gostou do meu brinquedo?
— É fantástico! Gritei. — Será que pode abaixar o som?
Ele virou um botão e o crescendo ensurdecedor transformou-se em um
suave assobio.
— Não sabia que gostava tanto de trens. Isto é maravilhoso.
— Fiz para Orlando, estamos trabalhando nisso há anos, desde que os pais
dele morreram.
— Aposto que ele deve adorar.
— E diversão para os dois. Veja, aqui neste canto, pretendemos montar
um circo, ele acabou de pintar os animais ontem.
Olhei as miniaturas dispostas sobre um jornal e fiquei encantada com os
detalhes. Após examinar outra vez o lugar, comentei:
— Eu tinha me esquecido de que você é um inventor.
— Eu já não dirijo tanto. Ultimamente, passo mais tempo aqui, inventando
coisas. Outro dia criei um equipamento para limpar as calhas, fiz também
uma mistura química para tirar as manchas do linóleo da garagem. Viu,
todas estas invenções? Eu nem tentei patenteá-las. É um tipo de buro-
cracia da qual eu não gosto.
Eu decidi que devia entrar direto no assunto que me levara até ali.
— Sr. Gallagher, eu gostaria de saber se por acaso recebeu visitas aqui
anteontem à noite?
— Não foi quando nos encontramos naquele desfile de moda?
— Sim, mas o que aconteceu antes? A que horas saiu daqui?
— Não me lembro... — respondeu ele, coçando a cabeça.

80
Romances Preciosos

— Ninguém veio vê-lo antes que saísse?


— No que está pensando? Uma garota adorável, talvez? Minha época já
passou...
— Estou me referindo a Kitty Keough.
— Não foi essa a moça que morreu? Lembrei dela quando vi a foto no
jornal, tempos atrás fui motorista dela.
— Ela morreu logo após o desfile, é muito importante descobrir onde ela
esteve naquela noite. Pelo que sei, ela tinha uma reunião aqui.
— Bem, não a vi. Fiquei trabalhando no trem porque havia prometido a
Orlando que brincaríamos à noite se ele se comportasse no evento com o
tio. Estávamos aqui, e eu pus pipoca para fazer num aparelho que
inventei. Pelo barulho, achei que o equipamento tivesse estourado, como
estava funcionando, os estampidos que ouvi devem ter vindo de fora.
— Estampidos? — repeti.
— Pareciam tiros, para dizer a verdade.
Quando ouvi aquilo, saí dali correndo, parei à porta e olhei em volta,
avaliando o local com atenção. Por que havia grama naquele caminho, em
pleno inverno? Dei a volta nos arbustos na lateral da construção,
observando a neve, dali vi um portão semi-aberto, que dava acesso à
parte de trás de um galpão onde se guardavam os maquinários e
pequenos tratores utilizados na conservação da propriedade. Percebi que
a neve fora revirada por alguém que caminhara ali recentemente. E via-se
algo mais. Um sapato, de salto médio, antiquado e com uma palmilha
ortopédica. O sapato de Kitty.
Encostei-me no portão, sem fôlego. Ao ouvir que Reed me chamava, eu
disse:
— Chame a polícia.

81
Romances Preciosos

— Por quê?
— Acho que esta é a cena de um crime.
A polícia não demorou a chegar, fui interrogada brevemente e informei
que suspeitava que Kitty fora assassinada naquele local. Em seguida todos
os que moravam ali foram questionados. Do lado de fora, alguns policiais
passavam a fita listrada amarela e preta para isolar a área.
Como eu não tinha mais nada a fazer ali, aguardei que Reed fosse buscar o
carro, várias pessoas já se aglomeravam, dois furgões da imprensa
estacionaram, e dela saltaram cinegrafistas e repórteres. A primeira
pessoa que reconheci foi Richard.
Assim que me viu, veio em minha direção em velocidade considerável
para quem precisava de uma bengala para andar. Respirei fundo, aliviada
por vê-lo. Uma absurda vontade de abraçá-lo tomou conta de mim, mas
me contive a tempo.
— Conte-me o que estão dizendo pedi, assim que ele se aproximou.
— Há sangue na neve perto da garagem, a polícia acha que é de Kitty.
Soube que você levantou a suspeita por causa de um sapato...
— Eles não acharam mais nada?
— Nada da arma do crime. Como você chegou até aqui?
— Na agenda dela havia uma referência ao antigo nome desta
propriedade.
— O que Kitty estaria fazendo aqui?
Eu ainda não tivera tempo de pensar a respeito, mas não levantaria
hipóteses diante dele. Percebendo o quanto eu estava abalada, Richard
segurou meu braço para dar apoio.
— Venha, vamos sentar no meu carro antes que você desmaie.
— Nunca gostei dela falei de repente. — Sei que ela está morta, o que é

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Romances Preciosos

terrível, mas a idéia de que alguém realmente a matou é... Me faz sentir...
As mãos dele me ampararam, e eu fiquei feliz com o contato humano
naquele momento, foi exatamente então que Michael se aproximou,
parecendo ameaçador, ao menos estava fora da prisão... Richard me
soltou no mesmo instante.
— Imagino que se está aqui é porque estamos mesmo na cena do crime
Michael disse.
Tive vontade de me jogar nos braços dele, mas me contive.
— Reed ligou para você? Ele deve achar que vai despedi-lo se eu quebrar
uma unha.
— Ele estaria certo.
— Olá, cumprimentou Richard depois de uma tosside-la. — Você deve ser
Michael Abruzzo. Sou Richard Deavon, amigo de Nora.
Meu amigo? Desde quando? Por um momento, esqueci o impacto que
Michael causa nas pessoas. Não apenas por sua presença marcante, mas
também por seu rosto de linhas duras serem sempre associado aos crimes
cometidos pela máfia.
Entretanto, Richard não estava com medo e sim intrigado, o que fez com
que ele ganhasse alguns pontos comigo.
Os dois apertaram-se as mãos.
— A polícia acha que Kitty foi assassinada aqui, informou Richard.
„ Michael varreu o local com os olhos, observando os policiais, as árvores
e os arbustos cobertos de neve como se fosse um perito.
— Não é um mau lugar para atirar, há onde se esconder.
Porém, é estúpido desconsiderar que a neve não cobre as provas. Os
policiais já descobriram onde estava o atirador?
— Não. O que você acha?

83
Romances Preciosos

Depois de uma segunda olhada em volta, Michael avaliou a distância entre


a rua e a garagem.
— O sistema de segurança não é muito ruim, embora um pouco
antiquado.
Reed chegou com o carro e desceu o vidro. Michael aproximou-se e
apoiou o antebraço na janela. Conversaram em particular por um instante,
e Reed foi embora.
— Vou levá-la para casa disse Michael.
— Não vai me dizer mais nada sobre o atirador? Richard insistiu. — Acha
que ele ficou muito tempo esperando por Kitty? Não deveríamos procurar
bitucas de cigarro ou alguma outra coisa?
Pensei que Michael fosse ignorar as perguntas, mas, com um ar distraído,
ele concluiu:
— Acho que ele estacionou o carro a duas quadras daqui e subiu por
aqueles arbustos que cobrem a cerca. Estava ventando, e a brisa deve ter
balançado os galhos, confundindo os sensores de segurança. Está vendo o
caminho que ele fez pelo terreno? Depois ficou esperando atrás daquelas
árvores disse e apontou com o queixo para um lugar que a polícia ainda
não notara. — Creio que ele precisou esperar ali até ter uma visão clara de
seu alvo. Porém, talvez os refletores o tenham ofuscado.
— O que significa...
— Cinqüenta por cento de chance de ele ter atirado na pessoa errada.
Fiquei tão chocada que não consegui falar nada.
— Na pessoa errada... Richard estava tão perplexo quanto eu.
— Um erro fácil de ser cometido, ele devia estar com frio e com os pés
molhados, escolheu um péssimo ângulo e estava louco para ir embora.
Coisas de amador, aposto que os peritos forenses chegarão à mesma

84
Romances Preciosos

conclusão.
— Então, quem seria o alvo?Perguntei.
— Bem, esse é o seu departamento, ele respondeu com um sorriso
maroto.
Richard se despediu e nós seguimos para o carro de Michael, estacionado
não muito longe dali. No caminho, Spike veio nos encontrar, ele estava
sujo e molhado, por ter brincado na neve.
Depois de enxugá-lo com uma toalha que retirou do porta-malas, Michael
colocou-o no meu colo, bateu a porta e se dirigiu para o lado do
motorista. Ele não ligou o carro de imediato, havia alguma coisa que o
preocupava.
— Não acharam nada para incriminá-lo? Perguntei com calma.
— Por enquanto...
— A polícia o deteve por tempo demais.
— O importante é que agora estou livre.
Ele trocara de roupa, o que significava que passara em casa assim que os
policiais o haviam liberado, fiquei imaginando se o tinham jogado em uma
cela imunda.
Um relacionamento saudável requeria que os dois envolvidos deixassem o
passado para trás. O que acontecera antes de nos conhecermos estava
começando a prejudicar o que pretendíamos construir juntos.
— Quem era, o professor? Michael quis saber.
— Richard é um repórter. Gostaria que não tivesse falado com ele sobre o
crime.
— Há quanto tempo vocês se conhecem?
— Uns dois meses.
— O que ele acha sobre a morte de Kitty?

85
Romances Preciosos

— Não sei. Em um primeiro momento achei que ele estivesse investigando


a ligação de Brinker e Hemmings. Agora acho que ele está atrás de outra
coisa.
Pelo ar distante, percebi que Michael não prestara atenção ao que eu
havia dito.
— Nora, aconteceu muita coisa...
— Por acaso está livre sob fiança?
Ele riu e colocou a chave na ignição. — Não, estou livre graças ao trabalho
da "Cannoli e Filhos".
— O que houve então?
— Danny foi preso há umas duas horas e confessou que matou Kitty.
Fiquei momentaneamente sem fala.
— Como e por quê? Perguntei por fim.
— Como? Ele a esperou aqui e atirou. Quanto ao motivo, só posso deduzir
que ele tenha sido contratado. O idiota roubou os cartões de crédito dela
e usou um deles para encher o tanque de gasolina no dia seguinte ao
assassinato, não foi difícil prendê-lo e ligá-lo ao crime.
— Quem o teria contratado?
— Ele não denunciou ninguém até agora e a polícia tem apenas uma
teoria. Eles acham que eu o contratei.
Michael olhou pela janela para dois homens que se aproximavam.
— Lá vêm os tiras da divisão de homicídios, ele disse. Nesse momento, o
celular de Michael tocou, e ele atendeu.
— Alô?
Ouviu um pouco e logo estendeu o aparelho para mim.
— Olá, Nora cumprimentou Emma quando atendi. — Deduzi que essa
seria a maneira mais fácil de encontrá-la.

86
Romances Preciosos

Michael desceu do carro para falar com os policiais e Spike ficou em pé,
apoiado no vidro, para olhar o movimento.
— Onde você está? Indaguei.
— Acabei de levantar e ler os jornais, soube que seu namorado teve
problemas, mas já saiu da prisão, certo?
Fiz um breve relato do que havia acontecido até o momento.
— Isso quer dizer que seu príncipe encantado está planejando fugir para
algum paraíso de praias maravilhosas?
Fiquei muda diante daquela possibilidade.
— Desculpe, querida, não vejo Michael fugindo de uma briga
contemporizou ela. — O que pretende fazer?
Olhei para fora, Michael entretinha os policiais com alguma história, que
os fazia rir.
— Preciso saber o que Kitty estava fazendo aqui quando foi morta. Vou
seguir as duas pistas que tenho, Hemmings e Brinker.
— O que Brinker tem a ver com isso? Contei a Emma o que havia lido na
agenda de Kitty.
— Por acaso você sabe onde ele está? Indaguei.
— Acho que na turnê de Nova York. Os jornais não falam de outra coisa.
— O que me surpreende é que esteja trabalhando para ele. Por que está
fazendo isso?
— É um país livre.
— Você sabe muito bem do que ele é capaz.
— Já sou bem crescidinha para saber me cuidar.
— Os jogos sádicos dele também cresceram, Emma. Ou você já esqueceu
o que aconteceu? A vodca afetou sua memória?
Ela bateu o telefone na minha cara. Com razão, lá estava eu interferindo

87
Romances Preciosos

outra vez na vida da minha irmã.


Quando Michael voltou ao carro, eu devolvi a ele o celular.
— Está tudo bem? Ele quis saber, notando minha expressão carrancuda.
— Não.
— O que Emma queria?
— Acho que ela queria saber o que estava acontecendo com você, na
verdade.
— Você parece furiosa.
— Ela é uma idiota. E eu tenho de ficar quieta enquanto ela age como
uma...
— Idiota, eu sei. Quem é o sujeito desta vez?
— Brinker Holt. Ela não está tendo um caso com ele, essa honra fica para
aquele caubói de araque mais alcoólatra que ela. Mas ela está
trabalhando para Brinker, e isso é tão estúpido que eu...
— Por quê?
As lembranças me fizeram tremer de ódio.
— Porque Brinker é um monstro sádico. Quer saber a verdade? Ele quase
estuprou Emma quando ela tinha doze anos. Os amigos a seguraram
enquanto ele... Por sorte cheguei a tempo, aliás esse era o plano inicial
dele. Era a mim que ele queria atingir. Foi horrível ver minha irmã presa
daquele jeito...
— Calma, pediu Michael. Já passou.
— Aí é que você se engana! Exclamei. — Emma convenientemente
esqueceu que foi torturada por aquele garoto horrível, que se tornou um
homem ainda pior. Ela está me assustando. Ela não tem juízo. Nenhuns de
vocês têm...
— Eu?

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Romances Preciosos

— Michael, me diga a verdade. Eu estava à beira da histeria, mas não


conseguia parar. — O que você estava fazendo com Danny anteontem?
— Danny queria se livrar de um carro. Não me disse a razão e nem eu
perguntei. Como conheço um desmanche, fomos até lá.
— Isso quer dizer que você viu os sujeitos envolvidos no roubo de carros
aquela noite?
— Sim, mas fomos a uma garagem diferente respondeu ele lacônico.
— Quem atirou no policial?
— Não sei. A única coisa que fiz foi ajudar Danny a se livrar de um dos
carros.
— Como pôde ajudar alguém a encobrir um crime?
— Não imaginei que o delito tivesse sido assassinato.
— Ah, poderia ter sido outro crime? Qual, exatamente?
— Não me venha com sermões, o crime faz parte do mundo. Veja o jogo,
por exemplo. As pessoas gostam de jogar, meu pai proporciona
divertimento até para senhoras de idade, se não fosse assim, essas
pessoas achariam outra maneira de desperdiçar dinheiro. — Quem não
quer se livrar de uma multa de trânsito? Ultrapassar o limite de velocida-
de? E tudo ilegal, mas é o que as pessoas querem.
— Danny matou alguém, e você o ajudou! Eu gritei.
— Não ajudei. Eu tinha outros planos para aquela noite, queríamos que
Danny caísse em uma armadilha e fosse preso, para parar de fazer
besteira dizendo-se um Abruzzo. Livrar-nos do carro fazia parte do plano,
e você não precisa saber do resto... Deu tudo errado, e parte da culpa é
minha, jamais imaginei que ele fosse executar dois crimes na mesma
noite.
— Então agora você está envolvido por ter acobertado o crime.

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Romances Preciosos

— Não estou nem um pouco feliz com isso.


— Kitty estava no carro enquanto você estava com Danny? Ou ele voltou
mais tarde para deixá-la na minha varanda?
— Não sei. Talvez ele tenha tido ajuda. Ele é muito estúpido. Michael
bateu na direção com as duas mãos. — Danny é um idiota. Agora terei que
dar um jeito na bagunça que ele fez. Enquanto isso, você vai ficar longe
disso tudo!
Como uma cobra dando o bote, Spike saiu do meu colo e mordeu Michael.
Ele praguejou e envolveu a mão que sangrava com um lenço.
— O seu celular registra as ligações? Preciso saber onde Emma está.
Com uma das mãos, Michael alcançou o aparelho e apertou alguns botões
antes de passá-lo para mim. O nome do hotel aparecia no visor.
— É para lá que quer ir?
— Sim, por favor.
—Vou deixar você lá. Tenho alguns assuntos para resolver, ele virou-se
para mim, puxou-me para perto e deu-me um beijo rápido nos lábios.
— Amo você, eu disse.
— Também te amo ele disse, mas a frase soou diferente dessa vez, e eu
percebi que ele estava com a cabeça muito longe dali.

CAPÍTULO III

Uma hora depois eu me encontrava no centro da cidade, batendo na


porta do quarto da minha irmã em um luxuoso hotel. Ela atendeu de
roupão e cabelos molhados, assim que a viu, Spike pulou para o colo dela.
— Olá, Nora.

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Romances Preciosos

Olhei para dentro do quarto e vi Monte Bogatz de cueca estendido na


cama com a cabeça apoiada nas mãos cruzadas.
— Como vai, cunhada? Bem vinda ao paraíso cumprimentou ele,
levantando-se para apertar minha mão. — É muito bom vê-la de novo.
Encostada à parede, com Spike no colo, Emma resolveu interferir:
— Na verdade, caubói, precisamos conversar a sós, se não se importa.
Monte concordou, vestiu-se e beijou-a.
— Espero você lá embaixo, querida.
— Não demoro.
Quando ficamos a sós, Emma colocou Spike no chão, e eu aproveitei para
dizer: — Ouça, Em, desculpe-me por julgá-la. Sei que às vezes passo dos
limites, mas é porque amo você e me preocupo. Minha vida também não
é perfeita.
Jogando-se no sofá, ela acendeu um cigarro.
— Pensei que sua vida estivesse ótima, a máquina de fazer amor está
morando com você, não? Ele dá uma trégua de vez em quando?
— Em...
— Ah, confesse. O sexo entre vocês deve ser maravilhoso, sentei-me em
uma poltrona próxima, tirei os sapatos e estendi as pernas sobre a mesa
de centro.
— E muito mais que isso.
— Eu sabia! Exclamou ela. — Você está grávida?
— Ainda não.
— Aposto que não por falta de tentativas, pelo menos da parte dele. Você
me surpreende, justo a mais certinha das irmãs pretende ter um filho sem
estar casada.
— Mulheres certinhas nem sempre obtêm o que querem. E, como

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Romances Preciosos

nenhuma de nós consegue manter o marido vivo, não posso casar, com
ele, não é?
— Bem, ele não fala muito e sabe cozinhar. É um homem perfeito. Certo,
talvez ele seja o próximo chefão da máfia, mas algum defeito tinha que
haver. O que você queria?
— Alguém que não atirasse a vida em um penhasco.
— Pense no excitante percurso.
Comecei a rir, a soluçar e logo percebi que estava à beira das lágrimas. A
possibilidade de perder Michael era tão real que quase engasguei, se eu
estivesse grávida, minha situação seria ainda pior.
Ficamos em silêncio, cada uma pensando na própria vida, quando Emma
me surpreendeu, dizendo:
— Ainda me lembro quando Brinker me pegou na piscina e me levou para
trás de uma barraca...
— confessou ela, olhando para o teto.
— Eu deveria ter cuidado melhor de você.
—Achei que eles queriam que eu fizesse parte da turma. Em vez disso,
rasgaram meu maio azul de listras, que eu adorava. Quase morri de frio e
nojo, quando eles passaram aquelas mãos molhadas, pelo meu corpo.
Emma parou de falar e, de olhos fechados, deu uma longa tragada no ci-
garro. — Acho que nunca tinha tido tanto medo na vida. Quando percebi,
você já estava batendo em Brinker com alguma coisa.
— Uma bóia de jacaré.
— Isso mesmo. Ela riu.
— Escolhi uma péssima arma.
— Serviu para que eles me soltassem e fugi. Lembro-me de ter ficado
brava com você por estar com o maio rasgado. — Emma abriu os olhos e

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Romances Preciosos

me encarou através da fumaça.


— Hoje entendo o que fez por mim, Nora.
— Eu tinha medo dele na época, e ainda tenho, ele é sádico. As coisas que
ele fez com Hemmings...
— Esse já era louco bem antes de cair nas mãos de Brinker. Você disse que
queria falar com ele, não? Acho que sei onde ele estará hoje à noite.
Emma endireitou o corpo no sofá.
— Onde?
— Hora da transformação declarou ela, levantando-se e estendendo-me a
mão. — Você não pode sair na noite vestida como uma dona de casa
francesa. Você tem classe, Nora, mas há horas em que é preciso mostrar
um pouco mais as pernas.
Deixei que ela se divertisse em me pentear, maquiar e escolher as roupas.
Fazia muito tempo que não a via sorrir. Eu também estava me divertindo,
longe das usuais brigas ou discussões.
— Não acredito que sou eu mesma exaltei diante da figura atraente que
via diante do espelho.
Em poucos minutos, Emma vestiu um jeans justo, o sutiã Brinker e jogou
uma jaqueta nas costas, transformando-se em uma diva.
— Você consegue tirar esse sutiã? Indaguei.
— Claro, por quê?
— Então ligue para Libby quando puder.
— O que ela aprontou agora?
— É uma longa história. O que vamos fazer com Spike?
— Deixe-o aqui. Monte pagará pelo estrago.
Descemos pelo elevador e atravessamos o saguão, na calçada, a fila para a
boate, anexa ao hotel, já começava a se formar. Emma passou por todos e

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Romances Preciosos

foi direto falar com o segurança.


— Olá cumprimentou ela, sorrindo.
O rosto do rapaz iluminou-se como se ela o tivesse beijado. Ele abriu a
cortina de veludo e deslizamos para dentro do clube, logo na entrada vi
uma cama redonda enorme, repleta de travesseiros de cetim cor-de-rosa,
cercada por cortinas.
Emma e eu seguimos para o ambiente principal, onde o ar-condicionado
estava no máximo. Apesar da baixa temperatura, o figurino era quase
nenhum para as mulheres, os homens usavam bonés virados para trás,
camisetas justas, estampadas com praias caribenhas e bermudas largas,
assemelhando-se a um grupo de skatistas.
— Será que essa gente não tem frio? Indaguei, enquanto abríamos
caminho pela multidão.
— Sei que esse não é seu ambiente, ninguém aqui bebe champanhe ou
fala sobre a temporada de esqui, se quiser conversar com Hemmings,
trate de mudar a maneira de pensar.
A música era altíssima, os longos tubos de neon dispostos no chão e nos
corredores eram a única iluminação, a luz era mais forte na pista de dança
onde havia cerca de cem pessoas dançando.
Emma estava familiarizada com o lugar, pois seguiu direto para uma sala
que eu nem tinha visto. Passamos por um segurança, que a cumprimentou
com um gesto de cabeça e entramos em outro ambiente. Ali os homens
estavam bem vestidos, em ternos Zegna e gravatas Hermes. Era um
território VIP.
As camas eram mais luxuosas, cada uma delas com mais pessoas do que
espaço disponível. Por isso, uns se recostavam aos outros, em um embalo
conjunto ao ritmo da música.

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Romances Preciosos

Emma dirigiu-se para o bar lotado.


— Robin, Emma chamou o barman.
O rapaz abriu um sorriso assim que a viu. Debruçando no balcão, beijou-a
nas faces.
— Ora, se não é a adorável e esquiva Emma Blackbird
— disse ele com um sotaque britânico.
— Estamos procurando Hemmings. Você o viu por aí? Perguntou Emma.
— Ele chegou há pouco respondeu ele.
Seguimos caminhando entre as camas até achar uma delas com velas nas
cabeceiras e diversos travesseiros com capa de cetim. Garrafas de
champanhe esperavam para serem abertas, dispostas em duas geleiras,
Hemmings estava ali no meio, ladeado por duas loiras insinuantes com
mechas cobrindo-lhes os olhos. Para nossa surpresa, elas o estavam
tratando como a um rei. Emma postou-se diante deles.
— Olá, Hemmings cumprimentou-a. Então, ele me viu e pareceu surpreso
ante a transformação que Emma operara em mim. — Olá, Nora.
— Quem são vocês? Perguntou uma das garotas.
— Não interessa, Emma puxou-as para fora da cama venha o próximo
drinque é por minha conta.
O poder de persuasão de minha irmã foi forte o suficiente para que as
duas a seguissem sem contestar.
Fiquei ali sozinha e, ainda sem jeito, sentei-me ao lado de Hemmings,
mantendo os pés no chão.
— Vamos conversar, conquistador...
Ele tentou empertigar-se, mas o lugar não favorecia.
— Eu estava apenas entrevistando modelos potenciais para a Lamb
Limitada. Estamos pensando em lançar novos produtos no mercado e...

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Romances Preciosos

— Você sabe o que aconteceu na sua casa nessas últimas horas?


Perguntei, cortando a conversa fiada.
— Oh, meu Deus! Aconteceu alguma coisa com Orlando? Ele se
machucou? Indagou Hemmings, nervoso.
— O garoto está bem. A polícia está investigando a propriedade, tudo
indica que Kitty Keough foi morta perto da garagem, enquanto assistíamos
ao desfile de Brinker.
— Como? Perguntou ele com voz esganiçada. — Quem foi o criminoso?
Ou foi um acidente...
— Não, ela foi executada. Eu decidi endurecer o discurso. — Ouça, temos
um sério problema e você vai me ajudar a resolver ou sofrerá as
conseqüências, entendeu? Portanto, pare de fazer perguntas e comece a
responder.
Levando a mão à boca, ele arregalou os olhos e assentiu. Após uma vida
inteira sendo vítima, ele estava disposto a fazer o que eu quisesse.
— Ótimo. Respirei fundo para continuar com a encenação, apesar de estar
com o estômago embrulhado. — Qual o assunto que você tinha a tratar
com Kitty?
— Nenhum. Juro que mal conhecia essa mulher disse ele.
— Ela não morreu em sua casa por acaso, seu nome e endereço estavam
na agenda dela. Ela obviamente tinha uma reunião lá.
— O encontro não era comigo. Já disse, nunca falei com ela, meu pai a
odiava pelas coisas horríveis que escreveu quando Oriana se casou.
— Então me fale do seu relacionamento com Brinker Holt.
— Quem?
Precisei me conter ao olhar para ele, a combinação de lamentação
chorosa e maneirismos excêntricos tiravam qualquer um do sério.

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Romances Preciosos

— Você conhece Brinker desde criança, todos nós freqüentávamos o


mesmo clube, lembra? Vocês dois não eram exatamente melhores
amigos. Ainda assim, você foi ao desfile dele. Por quê? Não me diga que
apenas para olhar lingerie.
— Não, claro que não. Quero dizer... É isso sim! Gosto de lingerie como
qualquer outro homem.
— E por que levou Orlando?
— Porque acho que está na hora de ele conhecer o mundo. Afinal, ele vai
controlar um conglomerado internacional de empresas. Por que não
começar com alguma sofisticação?
— Eu ouvi vocês discutindo. Acho que todo mundo ouviu. Você está
pensando em comprar o sutiã Brinker para a Lamb Limitada, não?
— Eu nem tenho poder para tanto! Sou apenas um guardião em um
comitê de...
— Mas sua influência é grande, sem falar na ambição.
— Não sei do que está falando, não sou nada na empresa.
— E por acaso está confortável com essa posição?
— Claro que não. Tenho muito a oferecer.
— Então tem projetos para uma carreira ali, está tentando comprar o sutiã
Brinker para usá-lo como um trampolim, para se integrar aos outros
guardiões de Orlando. Tenho que admitir que é uma jogada inteligente.
— Não... Não posso dizer nada. E confidencial.
Notei que ele estava pálido e com dificuldades para engolir.
— Hem, eu disse, com firmeza.
— Por favor... Uma negociação anterior já foi arruinada... Eu não posso
revelar...
Gotas de suor formaram-se na testa oleosa e começavam a escorrer pelo

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Romances Preciosos

rosto, eu sabia que a única coisa que o impedia de falar era o medo de
uma ameaça maior.
— De quem está com medo? De alguém da Lamb? De Brinker?
— Não posso falar. Colocou a mão no estômago. — Não estou me
sentindo bem. Ele engatinhou pela cama até pular e correr para o
banheiro.
Fiquei sozinha ali. Enquanto aguardava a volta de Hemmings, vi uma
mulher de vestido azul se aproximar, quando ela chegou mais perto, notei
a quantidade de pulseiras e anéis que usava e a reconheci na hora.
— Sabria!
Pude ver seus olhos brilhando de espanto apesar da maquiagem pesada.
— Nora! Que surpresa.
E uma surpresa desagradável, eu pensei.
— Você viu Hemmings por aí? Indagou, perscrutando o lugar.
— Ele está indisposto. Por que não espera aqui comigo? Pela reação de
desconforto, percebi que ela preferia sentar perto de tarântulas do que a
meu lado, depois de mexer os braços, fazendo bastante ruído com as
pulseiras e ajeitando o vestido que a deixava com um dos ombros
desnudos, ela finalmente se sentou.
Tinha nas mãos uma sacola de papel.
— Ele me fez uma encomenda.
— O que há entre você e Hemmings? Desisti de ser educada e entrei
direto no assunto.
— Somos apenas conhecidos.
Mesmo com a fraca luz, reparei como ela estava desconfortável.
— Conte-me mais sobre seu trabalho na Clientec. Parecem muito
interessante, as campanhas são sempre intrigantes em sua maneira de

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Romances Preciosos

atrair as massas... Em quais campanhas você já atuou?


— Representamos muitos clientes.
— Como a Lamb Limitada?
— Sim, dentre outras. Trabalhamos também para uma rede de
churrascaria, cosméticos, a Big Box...
—Você conhece Monte Bogatz? Perguntei. — Ele é o porta-voz da Big Box,
além de cantor. Sou fã das músicas dele.
— Verdade? Indagou, piscando em descrédito.
— Você o vê sempre? Quem sabe não consegue um autógrafo para mim.
— Posso tentar. Agora preciso mesmo ir encontrar Hemmings.Ele deve
voltar a qualquer instante, ela apertou a sacola de papel, quase rasgando-
a tamanha a força. Percebi que o que a mantinha ali era a respon-
sabilidade da entrega.
— Tenho certeza de que ele está contando com você.
Eu tinha conseguido atingi-la em um ponto vulnerável, tanto foi assim que
a sacola foi colocada de lado. Hemmings saiu do banheiro ainda mais
pálido do que antes, achei que ele fosse aproveitar a chance e passar reto,
mas quando olhou em minha direção, viu Sabria e desviou o caminho.
— Fico impressionado com a falta de higiene em um lugar de sucesso
como este. Não há nem toalhas limpas! Exclamou ele.
Sabria levantou-se.
— Hemmings, achei as... Ah... Pastilhas para garganta.
— Pastilhas? Indagou Hemmings, demorando para entender a mensagem
provavelmente cifrada.
— Aquelas com mel e hortelã.
— Ah, certo. Obrigado. Você conseguiu a marca que pedi?
— Marca? Perguntou ela, o sorriso esvaindo-se do rosto.

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Romances Preciosos

— Sua incompetente! Será que é muito difícil entender o que peço?


— Mas...
— Você conseguiu arruinar uma coisa tão simples!
Ela abaixou a cabeça, e Hemmings a tomou pelo braço, sacudindo-a com
força, cravando-lhe as unhas na pele, empurrou-a contra a parede.
Levantei-me para socorrê-la, mas, ao me aproximar, notei que ela não
estava assustada, ao contrário, parecia satisfeita. Sem disposição para
mais esquisitices aquela noite, saí em busca de minha irmã.
Encontrei-a conversando com o barman.
— O que houve?
— Preciso sair daqui, as pessoas são doentes, Emma.
— Ah, só agora percebeu isso?
Quando chegamos ao quarto do hotel, encontramos Spike dormindo
sobre um amontoado de espuma que, antes de sairmos, era um sofá.
— Uau! Como ele conseguiu fazer tamanho estrago em tão pouco tempo?
Espantou-se Emma.
Eu o coloquei na bolsa de lona, ganhando uma lambida na mão, Emma me
levou para casa no carro de Monte. No caminho, perguntei sobre Sabria.
— Eu não a conhecia tão bem na época da faculdade, sei que ela era boa
aluna e bastante ambiciosa, acho que os pais esperavam que ela fosse
perfeita. Queriam que fosse a oradora da turma.
— E ela conseguiu?
— Não sei, não fiquei por lá para descobrir.
Emma não terminara a faculdade, largara quando nossos pais não tinham
podido mais pagar, e nunca olhara para trás.
— Imagino que tipo de personalidade pode resultar de tamanha
expectativa.

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Romances Preciosos

— Ela parece ter se saído bem, talvez seja um pouco bitolada no trabalho.
Mas comprar drogas para Hemmings não é uma atitude muito inteligente,
aposto que era isso que ela foi entregar a ele no bar. Eles formam um par
esquisito, não?
— Pensei em algo do tipo senhor e escrava.
— Essa história não soa familiar?
— Está se referindo a Hem e Brinker? Meneei a cabeça. — Hem sempre
foi à vítima, um masoquista que vivia procurando alguém que o
maltratasse.
— Ele pode ter reagido. Não é impossível comentou Emma.
— Monte já mencionou Sabria?
— Não. Por que deveria?
— A agência de publicidade onde ela trabalha o contratou para ser o
garoto-propaganda da Big Box, agora ele está circulando com Brinker. É
muita coincidência.
— Não sei nada sobre as aspirações profissionais do caubói.
— Emma, em relação a Monte... Você acha que pode estar compensando
alguma frustração com ele?
Ela refletiu um pouco antes de responder.
— Talvez, mas não importa, nós dois sabemos que nosso caso não vai
durar muito, ao contrário de você e Michael, ele está tentando fazer as
coisas do jeito certo por você. Como estava prestando atenção no
caminho, Emma tomou coragem para me dizer coisas que não conseguiria
se estivéssemos nos olhando. — É uma espécie de redenção, porque você
acredita nele, Michael está tentando acertar as coisas. É algo bonito, se
pensar bem. Mas se você parar de acreditar... Não sei o que ele fará.
— Está prestes a me dar alguns conselhos irmãzinha?

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Romances Preciosos

— Eu não. Sou uma Blackbird também, sempre escolho o homem errado.


Emma me deixou em casa e recusou meu convite para passar a noite na
fazenda.
— Preciso voltar, tenho de devolver o carro do caubói, não se preocupe
comigo, você já tem bastante coisa na cabeça. Eu ligo amanhã.
Desci com Spike, Michael não estava em casa e não havia nenhum recado.
Minha secretária eletrônica, entretanto, estava repleta de ligações de
antigos amigos querendo convites para minha festa. Com um gemido,
decidi me deitar.
Acordei sozinha na manhã seguinte. Quando o telefone tocou, atendi
correndo com esperança de ouvir a voz de Michael. Infelizmente, era mais
um amigo se convidando para a festa. Quando anotei seu nome na lista,
percebi que já tinha perdido o controle, faltavam poucos ali para que
todos os habitantes da cidade estivessem convidados, eu me senti mal só
de pensar em providenciar comida e bebida para tanta gente, teria que
resolver isso, contudo, minhas prioridades no momento eram outras.
Reed veio me buscar para me levar até o centro da cidade, eu tinha de ir a
uma loja de departamentos cobrir um evento relacionado à obtenção de
fundos para alfabetização, Kitty me designara para essa tarefa, talvez para
que eu fosse pisoteada por consumidores frenéticos trocando os
presentes de Natal. Após cumprir a ingrata missão, fui a pé encontrar
minha amiga num hotel próximo dali.
Lexie estava na calçada, andando de um lado para outro enquanto falava
no celular. Seu rosto se iluminou a me ver, acenou e desligou o telefone
em seguida. Coloquei Spike na sacola e fui encontrá-la.
— Olá cumprimentou ela. — Como você está, querida? Fiquei muito
contente por ter me ligado. Meu Deus! O que houve com o seu rosto?

102
Romances Preciosos

— Desmaiei quando encontrei o corpo de Kitty.


— Que coisa terrível. Você está bem?
— Já tive dias melhores.
— Bem, eu tenho tempo para almoçar e conversar um pouco, ou
podemos ir até o Bojo e olhar sapatos. O que prefere?
— Sapatos, sem dúvida.
Ao chegarmos, Lexie colocou o rosto em frente à câmera de segurança
para ser identificada. Pessoas comuns não entravam naquele santuário,
mas bastou minha amiga dar o ar de sua graça que os atendentes
correram para cumprimentá-la.
— Estamos apenas olhando anunciou ela. Seguimos para admirar as
prateleiras de vidro, onde cada par de sapato estava iluminado como uma
jóia de valor inestimável exposta em um museu.
— Então, Nora, e sua festa de ano novo? Encontrei algumas pessoas que
estão loucas para ir. Você convidou Kenny, não? Vai precisar de alguém
para tocar piano e...
—Lex estou, preocupada, era para ser uma reunião pequena e já virou
uma festa que não posso bancar, principalmente agora que minha vida
está de cabeça para baixo.
— Bobagem querida, contemporizou. — Ninguém presta atenção a
comidas e bebidas quando o motivo principal é comemorar. Além disso,
todos nós podemos colaborar.
— As pessoas do nosso meio mandam flores com um cartão de
agradecimento no dia seguinte, e isso não vai ajudar em nada, vou ter de
comprar um gim barato para que fiquem com dor de cabeça e voltem
cedo para casa.
— Estratégia brilhante! E quanto à comida? Na faculdade, não era você

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Romances Preciosos

quem pedia pizza e cortava em pequenos quadradinhos, servindo como


aperitivo? Sempre ganhava o crédito por dar as melhores festas.
Um par de sandálias pretas desviou a atenção de Lexie, que o estudou
com atenção.
— Nora, este par tem a sua cara. Experimente.
Quando nos sentamos para experimentar, fomos rodeadas por duas
copeiras que nos serviram chá. Em seguida, vieram às vendedoras com
caixas empilhadas com mais de uma dúzia dos mais divinos calçados. Lexie
escolheu um deles e, enquanto desfilava diante de um espelho, indagou:
— Qual é a repercussão da morte de Kitty? Aposto que a redação do jornal
está comemorando.
— A reação é um paradoxo. Ninguém gostava dela, no entanto, sua coluna
era a mais popular do jornal. Ela deixou saudades.
— Soube que o assassino é membro da família Abruzzo.
— Danny Pescara. Ele é primo distante de Michael.
Foi então que Lizzie conseguiu enxergar meu real estado de espírito.
— Você não está muito bem, quero saber o que está acontecendo.
Fiz um relato resumido dos últimos eventos, e terminava de contar-lhe
quando seu telefone tocou, ela afastou-se um pouco para atender e,
depois de alguns minutos, retornou.
— Lex, diga-me o que sabe sobre os negócios de Brinker Holt.
— Farei melhor do que isso, minha assistente está mandando para cá uma
pessoa que sabe muito mais do que eu sobre esse assunto.
— Quem?
—Ela é investigadora da Comissão de Valores Mobiliários. Como o órgão
regula a bolsa de valores, quer ter certeza de que, se a Lamb Limitada
comprar o sutiã Brinker, o negócio obedece às regras e é legal. Os peritos

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Romances Preciosos

estiveram à manhã toda no meu escritório.


— Qual é a desconfiança?
— Bem, sabe-se que o sutiã vai ser um sucesso e transformar seu criador
em um milionário. Se ele vender para a Lamb, provavelmente vai ficar
bilionário. O problema é o passado de Brinker.
— Está se referindo ao incêndio da casa de shows?
— Sim. Ninguém pode provar que ele ateou fogo no próprio negócio, mas
o incêndio aconteceu em um momento muito conveniente
financeiramente.
— Nunca ficou provado que o incêndio foi proposital.
— Não, mas a Comissão quer reabrir o caso. Apesar do que se possa
pensar, a Bolsa se mantém atenta aos trapaceiros, eles também querem
saber por que ocorreu um assassinato na propriedade de Hem,
exatamente no dia do lançamento do sutiã. A morte de Kitty é tão
suspeita quanto o incêndio na casa de shows, achei que gostaria de
conversar com uma das investigadoras.
Lexie pediu mais alguns pares de sapato, enquanto eu pensava em Kitty.
Ela estaria colhendo dados para uma matéria bombástica sobre a
associação de Brinker com Hemmings?
Nesse instante, a campainha tocou e o segurança abriu a porta para
outras duas clientes. Estranhei ver as gêmeas Fawn e Fontayne entrarem
ali, rebolando em saltos altíssimos.
Fawn vestia uma estola de peles falsa e um micro short. Fontayne estava
mais sóbria com um terninho preto de lã. A soberba toda despencou
quando ela tropeçou e caiu.
Apressei-me a ajudá-la a se erguer.
— Juro que vou pedir transferência desse trabalho. Não agüento usar

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Romances Preciosos

esses sapatos nem mais um dia.


Fawn agachou-se para juntar os pertences da irmã, colocando-os de volta
na bolsa.
— Mas, querida, como podemos almejar ser as primeiras supermodelos
gêmeas se não souber andar de saltos? Você não quer ser a musa de
Brinker?
— Fontayne! Chamou Lexie, mostrando o lindo calçado que tinha nos pés.
— Você chegou em boa hora. O que acha destes sapatos?
— Queime-os resmungou, largando-se em uma cadeira.
— Nora, essa é a investigadora de que estávamos falando — Lexie nos
apresentou. — Eu quase não a reconheci sob aquela peruca e a máscara
de base.
— Máscara? Aquela era a mais fina maquiagem protestou Fawn.
— Lexie, você esqueceu que devo manter minha identidade secreta nesse
caso? Indagou Fontayne.
— Não vamos denunciá-la, querida. Você já conhece Nora Blackbird, não?
Por ela, ponho minha mão no fogo.
— Você é irmã de Emma?
— Sim. E seu interesse em Emma é...
— Quero descobrir o que ela está fazendo com Monte Bogatz.
— Lexie me disse que você estava interessada em Brinker Holt.
— Sim, mas Emma nos levou até Monte, que, por sua vez, nos levou a
Brinker.
— Não entendo. Emma e Monte são amigos, bem, talvez um pouco mais
do que isso, mas...
— Monte é o garoto-propaganda da Big Box, mas ele foi contratado por
meio da Clientec, e o maior cliente da Clientec é a Lamb Limitada.

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Romances Preciosos

— Então, Monte trabalha para a Lamb?


— É complicado. Estamos tentando entender o que acontece entre as três
empresas, sabemos que o caubói está à venda e que a Clientec paga para
que ele faça mais coisas além de simples propaganda.
— Que tipo de coisas?
— Espionagem industrial. Lexie foi direto ao assunto.
—Acreditamos que a Lamb fez com que a Clientec o contratasse para
espionar Brinker Holt. Fontayne tentou esclarecer. — Achávamos que sua
irmã pudesse nos dar essa certeza.
— Está me dizendo que o encontro de Emma com ele não foi uma
coincidência?
— Provavelmente não.
— Pensei que você só lidasse com fusões de empresas, Fontayne
comentou Lexie. — Como foi se meter nessa encrenca?
— Quando Brinker solicitou modelos pela mídia, algum infeliz teve a idéia
de que minha irmã e eu poderíamos trabalhar infiltradas. Como Fawn já
fez alguns desfiles, resolvemos arriscar. Quando já estávamos trabalhando
com Brinker, soubemos que ele queria alguém para finalizar o show em
cima de um cavalo. Mal a notícia correu, e ele já contratou Emma, o que,
para mim, foi algo suspeito. Por que ele a contrataria sem nem ao menos
vê-la? Ele tinha centenas de modelos para escolher e, com certeza,
alguma delas saberia se sentar num pônei.
— Emma é reconhecida por seu trabalho com cavalos, era a escolha certa
opinou Lexie.
— Mas quando ela apareceu com Monte, tive a certeza que havia algo
mais acontecendo declarou Fontayne.
— Emma corre perigo? Eu quis saber.

107
Romances Preciosos

— Não acho que Monte seja perigoso, mas se estiver mesmo sendo usado
para vigiar Brinker para a Clientec...
— Para a Lamb corrigiu Lexie.
— Exato. Nesse caso, há mais sujeira sob o tapete, minha cabeça começou
a girar diante de tantas suposições.
— O que você descobriu até agora? Perguntei. Fontayne repetiu o que
Lexie já me contara, que Hemmings queria comprar o sutiã Brinker para a
Lamb. Por outro lado, Brinker também estava mexendo seus pauzinhos, O
desejo dos dois lados é sair da negociação com a maior fatia do bolo, e
estão jogando sujo para atingir o intuito.
Lembrei-me de que Dilly me dissera não acreditar que o sutiã fosse
criação de Brinker.
— Vocês acham que o sutiã é mesmo de Brinker? Perguntei.
— O que você sabe? Fontayne me perguntou.
— Bem, ele não é exatamente um gênio do design.
— Será que foi Hemmings quem criou o sutiã? Indagou Lexie. — Ele
também não é nenhum gênio.
— Qualquer que seja a noção de negócios que ele tenha, sugou do
cérebro de outra pessoa disse Fontayne.
— Sabria Chattejee? Presumi.
— Ela é a executiva de contas da Clientec, responsável por atender a todas
as solicitações da Lamb. Isso inclui seguir Hemmings por toda parte
informou Fontayne.
— Ela está em uma posição difícil eu disse.
— Sim. Se ela não agradar Hemmings, há uma boa chance de ele escolher
outra agência e a Clientec sai do mercado.
— Então, que diabos ela está fazendo? Jogando dos dois lados ou servindo

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Romances Preciosos

de joguete? Lexie indagou.


— Fusões desse porte são feitas das formas mais improváveis,
freqüentemente, uma terceira parte se envolve para negociar. Porém, há
algo suspeito nesse caso.
— A Comissão tem algum suspeito para o assassinato de Kitty? —
indaguei.
— Achamos que a morte dela está ligada a essa negociação entre as
empresas, mas ainda não descobrimos nem como nem por quê. Como a
polícia está focada na máfia, não está nos escutando.
— Se alguém aparecer com alguma prova consistente, duvido que os
investigadores de polícia não dêem atenção disse Lexie.
— Certo, eu tenho uma idéia de quem pode ter criado o sutiã anunciei,
pegando a bolsa. — Essa informação vai ajudar, assim que souber de algo,
volto a falar com vocês. Fontayne levantou-se prontamente.
— Posso acompanhá-la?
— Prefiro que não. Não quero envolver pessoas inocentes nessa confusão,
fique tranqüila que assim que souber de alguma coisa, eu procuro você.
Lex, posso usar seu celular?
Ela estendeu o aparelho para mim sem questionar. Depois, desviou a
atenção das irmãs para umas bolsas, deixando-me mais à vontade para
falar ao telefone.
Eu sabia que Reed não estaria disponível naquele dia para dirigir para
mim, por isso tentei o número de Michael, mas ele não atendeu. Liguei
para minha casa e para a dele, e continuei sem resposta. Onde ele estaria?
Por impulso, liguei para o auxílio à lista e pedi o número do jornal mais
respeitado da cidade. Minutos depois ouvi a voz grave de Richard atender
a chamada.

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Romances Preciosos

— Olá. Mesmo com a perna machucada, você consegue dirigir? —


indaguei sem fazer rodeios.
— Como? Nora?
— Eu mesma. Você tem um carro? Preciso de uma carona até a casa dos
Lamb.
— Vai me contar o que está acontecendo?
— Achei que repórteres acreditavam em palpites de vez em quando.
— Meu palpite é que você está desesperada para provar a inocência de
seu namorado.
— Pode me dar uma carona ou não?
— O que eu ganho com isso?
— O prazer da minha companhia não é suficiente? O silêncio foi a minha
resposta para a brincadeira.
— Onde você está?
Ainda bem que ele não estava vendo o quanto eu estava sem graça ao dar
o endereço.
— Espere por mim despediu-se ele e desligou em seguida.
Depois de experimentar quase a loja inteira, Lexie resolveu comprar dois
pares de sapato, Fawn também não resistiu a um par de sandálias.
— Pronto, agora ninguém mais vai zombar dos meus sapatos.
— Ninguém está fazendo isso, Fawn.
— Aquela horrível mulher do jornal fez.
— Quem? Perguntamos em coro.
— A mulher que foi morta, ela mereceu o que aconteceu por ser tão rude.
— Kitty Keough? Quando você a viu? Perguntei.
— No dia do desfile. Ela foi ao condomínio de Brinker e os dois discutiram.
— Por que não me disse isso antes? Questionou Fontayne. — E o que você

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Romances Preciosos

estava fazendo no apartamento dele?


— Eu... Fui visitar Brinker... Para perguntar se poderíamos ser as garotas
propaganda do sutiã.
— Não me diga que dormiu com ele? Fontayne perguntou incrédula.
— Claro que não! Quem você pensa que sou? Fui até lá, mas ele estava
ocupado discutindo com aquela mulher. Mesmo assim, quando eu estava
na porta, ela me provocou por causa dos sapatos, tive vontade de matá-la.
— Você poderia ter me contado isso antes.
— E alguém liga para o que eu digo?
— Bem, isso só reforça a minha teoria interrompi a briga das duas, eu
entro em contato assim que descobrir mais.
Aproveitei que estavam todas ocupadas pagando pelas compras e acenei
em despedida.
Richard já me aguardava em um carro do jornal, estacionado no meio-fio.
— E então, vai me dar uma pista? Indagou, assim que sentei no banco do
passageiro.
— Eu tenho uma idéia, mas preciso que me prometa que não vai usar a
informação ainda. Quando ele assentiu, prossegui: — Acho que sei quem
criou o sutiã Brinker. E se eu estiver certa, essa foi a razão pela qual Kitty
foi morta.

— Brinker não é o criador? Ele perguntou, pondo o carro em movimento.


— A menos que as leis do universo da moda tenham mudado, acho que
Brinker roubou a idéia. Kitty deve ter descoberto quem merecia os
milhões que o produto vai render.
— E o assassino queria que o segredo morresse com ela... Já lhe ocorreu
que o criminoso ainda tem a mesma intenção? E que você está caindo em

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Romances Preciosos

uma armadilha?
— Muitas pessoas poderiam estar correndo perigo.
Na verdade eu queria me certificar de que Orlando estava bem, sabendo
que sua casa era palco de tanta agitação. Prosseguimos o caminho em
silêncio e chegamos ao "Recanto das Arvores" ao entardecer.
— Olá, Mary cumprimentei quando ela abriu a porta. — Esse é Richard
Deavon, ele é jornalista.
— Olá, como vai? Desculpem-me, mas não estou em meu melhor
momento.
— Aconteceu alguma coisa com Orlando? Indaguei aflita.
— Ele está muito chateado. O Sr. Gallagher partiu.
— Para onde ele foi?
Seguimos Mary até a cozinha, que naquele momento cheirava a pão
assado, havia também uma tigela de biscoitos quentinhos. Spike colocou a
cabeça para fora da sacola com a certeza de que sobraria alguma coisa
para ele.
— Ele me ligou do avião, estava indo para a Irlanda. E de primeira classe,
imagine você.
A viagem provavelmente era presente de alguém que o desejava bem
longe do país, pensei.
— Onde está Orlando? Eu quis saber.
— No quarto, Aggie está de olho nele. O menino está muito triste. Eu ia
levar um lanchinho para ver se ele se anima.
— Hemmings está em casa?
— Não. Ele saiu de manhã e ainda não voltou.
— Precisamos conversar sobre a segurança de Orlando.
— Depois que aquela mulher foi morta aqui, liguei para os guardiões dele

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Romances Preciosos

na Nova Zelândia. E agora Gallagher parte de repente, não é normal que


um funcionário de tantos anos viaje assim, de uma hora para outra. Então
liguei outra vez, esse menino precisa de proteção. Eles vão mandar uma
pessoa para buscá-lo. Porém, a viagem é longa, e não espero que ninguém
chegue até amanhã ou depois. Estou tão preocupada.
— Eu também... Como podemos ajudar você?
— Oh, Nora, você é tão gentil, sei que está pensando na Srta. Oriana, não?
Na verdade, eu estava preocupada com o fato de Hemmings ser o único
parente vivo de Orlando e, portanto, o herdeiro da Lamb Limitada. Com
Gallagher afastado, havia menos gente da linha de defesa entre o garoto e
alguém que quisesse tanto controlar a empresa que se dispusesse a
matar.
— Temo que Orlando esteja correndo risco de vida eu disse.
— E o que podemos fazer? Se eu pedir ajuda à polícia, teremos uma
publicidade desnecessária que só fará piorar a situação. Não confio em
chamar uma empresa de segurança, pois eles se dizem profissionais, mas
muitas vezes são pessoas despreparadas e armadas. Se meu pai estivesse
aqui... Tudo do que eu preciso neste momento é de um homem forte com
seu jeito próprio de fazer as coisas...
— Acho que temos o homem certo para essa tarefa — constatou Richard,
servindo-se de um biscoito.
— Temos? Alguém para proteger Orlando? Perguntou Mary.
— Se é apenas por um ou dois dias, por que você não o leva para a
fazenda? Você conta com a melhor proteção do país, não? Afinal, quem se
meteria com a família Abruzzo?
— Não é má idéia vibrou Mary.
— Você está apenas melhorando o conteúdo da sua história acusei

113
Romances Preciosos

Richard. — "Jovem e vulnerável herdeiro sob proteção da máfia". Bela


manchete!
Richard estava tão ocupado em se fazer de desentendido que em um
momento de distração, Spike pulou e roubou o biscoito de sua mão.
— Talvez Michael possa oferecer proteção a Orlando, mas não pode haver
publicidade alguma eu disse.
— Meu prazo de entrega da matéria se esgota hoje à noite, mas o jornal
só sai amanhã informou Richard. — Quem sabe até lá o garoto não pode
estar viajando para a Nova Zelândia?
Spike foi se sentar ao lado de Richard, desafiando-o a pegar outro biscoito
para ser roubado.
— Vamos, admita. Essa é a melhor solução para o problema, você sabe
como cuidar desse menino.
— Pelo menos sei de quem devo mantê-lo afastado resmunguei. Em
seguida, fui usar o telefone para ligar para Michael, fiquei tão feliz por ele
ter atendido que precisei sentar.
Contei rapidamente o que estava acontecendo, não precisei dizer muito
para ele entender exatamente aonde eu queria chegar.
— Fique tranqüila, vamos cuidar da segurança dele, vou fazer alguns
telefonemas e nos encontramos na sua casa.
Não foi tão fácil convencer Orlando, que reagiu como qualquer criança
normal que soubesse que ia viajar com estranhos. Spike conseguiu
quebrar o gelo, fazendo festa para o amigo.
— O cachorro pode ir do meu lado?
— Claro, por que não? Respondeu Richard.
Mary fez um pacote com o restante dos biscoitos e preparou uma mochila
para o garoto. Depois de ouvir a todas as recomendações, Orlando seguiu

114
Romances Preciosos

resignado atrás de Richard para o carro. Acomodou-se com Spike no


banco de trás. O cachorro começou a puxar a mochila de Orlando, que não
pensou duas vezes em abri-la e tirar o pacote de biscoitos.
— Quero uma água Perrier, pediu o garoto depois de meia hora de
viagem, ele e Spike tinham devorado o pacote de biscoito.
— Não tenho uma água assim tão chique, é isso o que costuma beber?
Perguntou Richard.
— Às vezes na escola tomo uma, Pepsi, mas tio Hemmings disse que não
faz bem à saúde.
— E eu que pensei que crianças não tomavam outra coisa além de
refrigerante.
— Posso tomar um agora?
Quando olhei para trás para responder, vi que Spike e Orlando brincavam.
— O cachorro também quer uma, Pepsi.
— Só me faltava essa... Lamentou Richard.
— Nós precisamos parar para tomar alguma coisa! Insistiu Orlando. — Por
favor, minha garganta vai rachar se eu não engolir um líquido, não quero
morrer de desidratação. Quero um refrigerante... Quero um...
— É melhor pararmos sugeri. — Ele não vai desistir, Richard fez uma curva
abrupta e paramos em uma loja de conveniência.
— Conheço esse lugar. Aqui só tem Coca, e eu quero Pepsi. Respirando
fundo, Richard seguiu até o próximo posto, onde finalmente conseguimos
o refrigerante. Depois de mais algumas paradas para ir ao banheiro,
comprar doces, mais Pepsi e para que Spike passasse mal após comer tan-
tos biscoitos, chegamos à fazenda Blackbird.
Havia dois carros parados em frente ao portão, bloqueando a passagem,
de um deles saiu um conhecido de Michael, que nos mandou parar, era

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Romances Preciosos

Aldo, um brutamonte parecido a um buldogue atropelado por um


caminhão, Richard abaixou o vidro e me debrucei para ser reconhecida. O
portão foi aberto em seguida. Michael nos esperava na varanda,
recostado a uma pilastra, vendo seus capangas nos acompanhar.
Orlando observava tudo com expressão desconfiada, Michael retribuiu o
olhar.
— Espero que você tenha um suprimento de Pepsi em casa disse Richard
ao estender a mão para cumprimentar Michael, que levantou as
sobrancelhas sem entender.
— Deixe para lá eu falei. Orlando parecia assustado.
— Juro que vou me comportar disse ele.
— Droga! Spike e eu planejávamos aprontar uma bagunça com você esta
noite disse Michael.
O garoto o encarou, tentando decidir se ele estava falando a sério.
— Entre e leve o cachorro com você, Orlando obedeceu sem reclamar.
— Como você fez isso? perguntou Richard.
— Já esteve no pátio de uma prisão?
— Michael... — eu adverti. Ele sorriu.
— Está bem, vou entrar e tomar conta das duas pestes. Quando Michael
nos deixou sozinhos, Richard comentou: —Agora entendo por que
Gallagher foi para Irlanda. Ele queria se ver livre do garoto.
— Obrigada por me trazer para casa e ter sido paciente com Orlando. Foi
uma longa viagem.
— Eu não fui paciente. Ele sorriu. — Mas você me deve um favor.
— Tudo bem. E se eu lhe der algumas informações?
— Sou todo, ouvidos.
— Acho que Gallagher foi pago para ir embora porque ele teve a idéia do

116
Romances Preciosos

sutiã.
— O motorista? Como chegou a essa conclusão? Indagou, atônito.
— Ele é um inventor, aposto que vendeu a idéia a Brinker, que por sua vez
queria seu silêncio.
— E quem matou Kitty Keough?
— Kitty conhecia Gallagher e provavelmente chegou à mesma conclusão
que eu.
— E Brinker mandou matá-la? Ou será que ele queria eliminar o motorista
e Kitty passou pela linha de fogo por acaso?
— Não sei.
— O menino não sabe de nada?
— É possível, Vou perguntar quando for a hora.
— Se ele souber de algo, também se torna um alvo.
— Ele está seguro aqui. Pelo menos, até que saiam os jornais amanhã de
manhã. Richard colocou as mãos nos bolsos e me encarou.
— Se Brinker realmente matou Kitty para manter segredo, pode ter
certeza de que serei o primeiro a escrever a história. No entanto, ainda
não temos provas suficientes, talvez até amanhã eu descubra mais alguma
coisa, mas até então...
— Obrigada, Richard.
Ele ficou admirando meu sorriso por um longo tempo antes de dizer:
— Vou dar um jeito de conversar com Brinker esta noite.
— Como?
— Pode deixar, descobrirei o que ele anda fazendo, fique por aqui e ajude
Abruzzo a proteger o garoto. Não que ele precise de mais reforço
comentou rindo e apontando para Aldo com a cabeça.
— Direi a Michael que tem seu voto de confiança.

117
Romances Preciosos

— Com relação à sua segurança, já é outra história.


— Até logo, Richard... — Eu me virei para entrar em casa, mas ele segurou
meu pulso.
— Nora, você não o conhece há tanto tempo, mas faz anos que eu analiso
tipos como ele, o homem é um terrorista, que nasceu em um ambiente
baseado na intimidação e na violência.
— Você não o conhece.
Michael era um homem honrado e íntegro. No entanto, qualquer
tentativa de convencer Richard iria soar como se eu tivesse passado por
uma lavagem cerebral.
— Ele tem senso de humor. Foi à única coisa que consegui dizer.
— Eu também tenho.
— Não estou questionando seu...
— Eu posso ser divertido — ele insistiu.
— Richard...
Estávamos muito próximos um do outro. O vento fez com que o cabelo
dele se rebelasse, e notei no brilho de seus olhos a vontade de me beijar.
Como um adolescente assustado, ele permaneceu ali, entre o desejo e a
cautela, em um gesto quase simultâneo, demos um passo atrás.
— Ligue se algo mudar em relação a Orlando, enquanto isso, vou me
concentrar em Brinker.
— Boa sorte.
Sem dizer mais nada, ele se virou e voltou para o carro.
Na sala, encontrei Michael e Orlando sem sapatos e com os pés sobre a
mesinha de centro, Spike estava deitado entre os dois, eles assistiam a um
filme de artes marciais na televisão.
— Tem sorvete? Orlando perguntou.

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Romances Preciosos

— Ou cerveja? Michael sorriu, pegando carona no pedido.


Depois de servi-los, subi para trocar de roupa. Quando estava voltando, o
telefone tocou, fui até a biblioteca para atender. Era Delilah Fairweather.
— Querida! Soube que vai dar uma festa no ano-novo. Estou ligando para
dizer que vou aparecer com alguns amigos.
— Que bom! Tentei parecer animada. Vai ser ótimo revê-la.
— Eu disse para minha assistente que suas festas são as melhores por ter
pessoas de todos os tipos. Eu ha convidei e ela vai levar o namorado, que
é um ótimo barman.
Delilah era promotora de eventos. De repente tive a idéia de transformar
aquele telefonema em algo que servisse aos meus propósitos.
— Delilah, por acaso você já fez algum trabalho para Brinker Holt?
— Brinker dando uma festa? Não. Aquele sujeito é um grande
aproveitador.
— Você sabe onde ele mora?
— Se não me engano, é naquele condomínio luxuoso na avenida na orla
do rio.
— Você sabe algo mais sobre a vida particular dele?
— Por que tanto interesse? Não me diga que...
— Nada disso. Ele está envolvido em algo a respeito do que estou
preocupada.
— Já ouvi algumas histórias sobre ele... Uma amiga minha que mora
alguns andares abaixo da cobertura que ele comprou me disse que duas
noites atrás havia uma mulher gritando no elevador, que estava preso
entre os andares. Eram gritos de horror, como se ela estivesse sendo
torturada. Minha amiga chamou os policiais, mas quando eles chegaram à
mulher já tinha sumido. Posso tentar descobrir mais, se quiser. O que você

119
Romances Preciosos

acha dele?
— Acho que é daquelas pessoas de quem devemos manter distância.
— Espero que ouça o próprio conselho, esse sujeito não tem boas
energias, para dizer o mínimo sentenciou Delilah e, ouvindo o bipe de
outra ligação na espera, despediu-se. — Preciso correr, até mais.
Terminei a ligação e estava prestes a levantar do sofá quando Michael
surgiu à porta, mesmo de meias, jeans e a camisa amassada para fora da
calça ele estava incrivelmente atraente. Sorri e estendi a mão, e ele se
sentou a meu lado.
— Orlando acabou de me contar que Brinker tinha negócios com
Gallagher.
— Que tipo de negócio?
— Brinker comprou alguma coisa, uma invenção do motorista, Gallagher
disse a Orlando que ganhara muito dinheiro e que iria comprar uma casa
na Irlanda, onde o menino poderia visitá-lo.
— Gallagher inventou o sutiã de silicone e vendeu-o para Brinker. Como
soube de tudo isso tão rápido?
— Durante os comerciais.
— Orlando está bem?
— Ele e Spike adormeceram.
— Será que ele estará seguro aqui? Enlacei-o pelo pescoço e passei os
dedos pelos cabelos espessos.
— Claro, Aldo gosta desse tipo de coisa.
— Obrigada, Michael sussurrei. Toquei-o no rosto, descendo os dedos
pelos ombros e braços musculosos. Beijei-o demoradamente, enquanto
insinuava minha mão pela camisa aberta, deixando que os pelos macios se
embrenhassem entre meus dedos. Quando nossas bocas se afastaram, ele

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Romances Preciosos

mordiscou minha orelha, levando uma das mãos aos meus seios. No
entanto, ele se afastou, tenso.
— O que houve?
— Eu tive de sair ontem à noite para resolver alguns assuntos explicou
ele.
— Senti sua falta.
— Nora...
— Sei que não foi talhado para a vida doméstica, você não deveria ter de
ligar para casa para falar com sua mulher o tempo todo...
— Não é disso... Ele hesitou. — Eu não sou a melhor coisa que já
aconteceu com você.
— Não me importo com isso.
Encostei o meu rosto em seus cabelos e ficamos em silêncio, ouvindo o
crepitar da lenha na lareira.
— Danny Pescara foi contratado para matar Kitty por uma pessoa que
conheceu em um bar de motoqueiros em New Hope na semana passada.
Ainda não descobri quem é, para fazer um acordo com os policiais, ele
disse que estava trabalhando para minha família.
— Ele explicou por que um Abruzzo iria querer matar Kitty?
— Durante o desfile, alguém ouviu sua irmã dizer que seria ótimo para
você se Kitty morresse. Foi o que bastou. Acredito que a polícia tenha
plantado a idéia na cabeça de Danny, e ele caiu. O problema é que ele nos
implicou nisso.
— Nós?
— Eu, meu pai, ou um de meus irmãos, talvez.
— E como a polícia vai provar que foi um de vocês?
— Eles têm o depoimento de Danny. É a palavra dele contra a nossa,

121
Romances Preciosos

coloquei as mãos sobre o peito de Michael, e ele as cobriu com a sua,


sentia as batidas de seu coração.
— É muito ruim?
— Não é nada bom ele admitiu.
— Você precisa de um tempo para planejar como sair disso, não?
Como ele continuou calado, eu o soltei e endireitei o corpo, o fogo devia
ter consumido todo o oxigênio, uma vez que eu mal conseguia respirar.
Michael também se retesou.
— Nora, não importa o que aconteça, você estará sempre em segurança.
— O que isso quer dizer?
— Se algo acontecer comigo...
—Você está pensando em ir embora, não é? Senti meu coração acelerar.
— Existe alguma regra na máfia que se encaixe? Como uma previdência
social para namoradas de mafiosos?
— Nora...
— Não acredito nisso! O grande estrategista mafioso não consegue pensar
em uma saída melhor do que essa? Garantir que alguém cuide de mim?
Uma porta bateu, mas nem assim desviamos o olhar um do outro.
— Quando estiver mais calma, vai mudar de idéia.
— Sobre o quê?
— Sobre nós. Vai perceber que fui o sujeito que a ajudou a superar a
perda de seu marido.
— Achei que você me compreendesse, que estivesse comigo nesse
relacionamento.
— Relacionamento? —Michael riu. — Acorde, Nora, seus amigos acham
que o que vivemos é uma aberração, você pertence a outro tipo de
pessoa, alguém como Richard, por exemplo.

122
Romances Preciosos

— O que ele tem a ver com o assunto?


— Ele é melhor para você.
— Assim como uma dieta de baixa caloria e exercícios regulares. Michael,
é com você que eu quero estar!
— Talvez eu não queira ficar com você.
Eu não conseguia dizer nada. Pelo menos, não sem gritar.
— Se continuarmos juntos, você vai ser envolvida em coisas das quais não
vai gostar, meu pai já está tentando se aproximar, primeiro é um
presente, depois as coisas vão se complicando, será melhor para você se
eu partir agora.
Nesse momento, Libby entrou feito um furacão na sala, colocando uma
sacola sobre a mesa, sem perceber o clima entre nós, tirou o casaco e o
cachecol e começou a falar.
— Que noite linda! O céu está claro e estrelado, são noites assim que me
animam e energizam.
Sem dizer nada, Michael saiu da sala. Libby olhou-o se afastar, piscando
sem entender nada.
— O que houve? Ele não quer ver meus produtos?
— Ele não está... Disposto.
— Se é assim, acho que tenho a solução para seus problemas...
Orlando havia acordado com a chegada de minha irmã e acabara de entrar
na biblioteca. Curioso, tentava abrir a sacola.
— Isso não é coisa para criança advertiu ela e virou-se para mim animada.
— E o meu kit de demonstração da, Porções de Paixão!
Respirei fundo em busca de controle e apresentei-os.
— Orlando, essa é minha irmã Libby.
— Eu tenho dois filhos gêmeos que têm quase a sua idade, mas não são

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Romances Preciosos

tão charmosos disse ela, apertando a mão do garoto. — Como vai? E que
belo trabalho de adestramento está fazendo com Spike. Ele não fez xixi no
chão desde que eu cheguei.
— Estou apenas visitando ele limitou-se a dizer. Rawlins, o filho mais velho
de Libby, de dezesseis anos, entrou na sala com a mochila nas costas,
comendo uma barrinha de cereais.
Abracei-o e, como qualquer adolescente, ele se esquivou.
— Olá, tia Nora.
— Esse é Orlando, ele vai passar uns dias conosco.
— Olá, Rawlins cumprimentou-o.
— O que é isso que está comendo?
— De onde você é? Marte? Não é possível que não reconheça uma
barrinha de cereais.
— Você tem mais?
— Meninos, por que não vão para a sala, enquanto eu e Nora
conversamos? Sugeriu Libby.
Os dois saíram, Spike pulava ao redor deles com esperança de ganhar algo
para comer.
— Pode começar a contar tudo ordenou Libby. —Vocês brigaram?
Ainda abalada pela discussão com Michael, deixei-me cair no sofá.
— Não quero falar sobre isso agora, Rawlins parece chateado. O que
aconteceu?
— São os gêmeos, acho que estou criando dois delinqüentes, eles
encontraram um diário de Rawlins e postaram a poesia que ele escreveu
na internet, todos os amigos viram, ele está se sentindo muito vulnerável,
além de homicida. Acho bom afastá-lo dos dois por um tempo, você se
importaria se ele passasse uns dias aqui?

124
Romances Preciosos

— Claro que não. Eu adoro tê-lo por perto.


— Não sei como agradecer. Bem, mas vamos ao que interessa, o que quer
ver primeiro, os apetrechos para homens ou os brinquedos para
mulheres? Sinta o perfume dessa loção...
— Libby, por favor.
Ela fingiu não ouvir meus protestos e continuou decidida a me fazer uma
demonstração, daquela caixa de Pandora saíram diversos tipos de
sabonetes, loções, apetrechos...
— Não vejo a hora de começar a vender, eu precisava de um casal que
testasse os produtos. É isso que a empresa sugere, como Emma não está
por perto, pensei em você. Ah, eu quase esqueci. Trouxe cópias das fotos
de Natal para você. Ela me entregou um pequeno álbum.
A primeira delas era de Michael segurando o filho mais novo de Libby. O
bebê havia regurgitado em sua camisa e ele a tirara para lavar fiquei
emocionada ao ver a imagem... O peito forte, os músculos bem delineados
e o rosto marcante em contraste com a delicadeza do bebê formavam um
lindo quadro, ao mesmo tempo sensual e enternecedor.
Libby continuava falando, alheia à minha reação.
— O que está acontecendo? Indagou — Por que Orlando está aqui?
Pus as fotos sobre a mesa e contei a ela tudo o que acontecera, ao final de
meu relato, ela quis saber:
— O que você vai fazer?
Eu queria ir atrás de informações para ajudar a inocentar Michael e a
família dele.
— Você conhece um bar de motoqueiros em New Hope?
— Claro que sim. O que você pensa que eu sou? Uma antiquada?
— Acho que devemos ir até lá.

125
Romances Preciosos

—Boa idéia. Talvez eu encontre alguns clientes, motoqueiros gostam


dessas novidades, não?
Peguei meu casaco e me aprontei para sair, Orlando estava em segurança
com Aldo por perto, e eu não estava preparada para encarar Michael, caso
ele voltasse, ajudei Libby a guardar toda aquela parafernália na minivan e
saímos de casa. New Hope era um bairro pitoresco, repleto de bares e
lojas que ficavam lotados de turistas durante o verão e que reuniam um
público bastante eclético. Passamos diante de um prédio antigo, com
postes de luz do século passado, que contrastava com uma quantidade
imensa de motocicletas e carros último tipo, estacionados na rua. Demos
duas voltas no quarteirão para encontrar uma vaga.
— Talvez eu não deva entrar com minha caixa inteira de produtos. Vou
levar apenas alguns na bolsa decidiu minha irmã após manobrar o carro.
Ela desceu e pegou os itens no banco traseiro. Pronto declarou por fim, fe-
chando o carro.
— Libby, tem certeza de que já esteve em um lugar como esse antes?
— Não exatamente, mas não pode ser tão diferente. Assim que passamos
pela porta da frente, notamos a grande diferença. De repente estávamos
em meio a um mar de homens vestidos em roupas de couro.
— Empreste-me seu batom, acho que chegamos ao paraíso pediu Libby,
animada.
A sala principal não era grande e abrigava toda sorte de homens, altos,
baixos, musculosos, magros, todos com ao menos uma coisa em comum, a
caneca de cerveja a fumaça pairava como uma nuvem sobre o ambiente
barulhento mal se ouvia a música por conta das risadas altas e do vozerio
grave.
Por ter passado boa parte de minha vida em ambientes refinados,

126
Romances Preciosos

reconheci o cheiro daquele fumo. Eram charutos que não se encontravam


à venda em beiras de estrada, aquela era a fragrância de refinados
charutos cubanos. Aquilo foi o suficiente para que eu ligasse meu detector
de cafajestes na freqüência máxima.
— Olá. Um homem alto, de cabelos encaracolados e cavanhaque se
aproximou de nós. Achei que parecia um urso de óculos e jaqueta de
couro.
— Libby? Perguntou ele.
Ela olhou-o surpresa e demorou um pouco para reconhecê-lo.
— Perry Delbert? O que está fazendo aqui?
Naquele momento, ele estava ocupado em admirar o decote da minha
irmã, mas tentou disfarçar assim que percebemos.
— Comprei uma Harley no ano passado estou tentando me enturmar não
a tenho visto ultimamente.
— Eu sei respondeu ela friamente.
— A última vez que o vi você estava grávida... E linda... Libby piscou.
— Obrigada. Eu... Ah... Nora, este é Perry ele me ajudou a me livrar de um
formigueiro que estava invadindo a casa.
— Foi uma infestação e tanto tive de voltar diversas vezes.
— Três vezes, na verdade. Então você... Quero dizer, as formigas
desapareceram antes que tivéssemos oportunidade de...
— Eu vi a notícia do nascimento do seu filho no jornal, achei que estava
ocupada com o bebê. Ele estendeu a mão para me cumprimentar. — Olá,
Nora, se precisar dos serviços de uma empresa de dedetização é só me
chamar.
O volume da música aumentou por alguns instantes quando o som voltou
ao normal, aproveitei para perguntar:

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Romances Preciosos

— Você vem sempre aqui?


— Umas duas vezes por semana.
— Conhece bastante gente?
— A maioria dos freqüentadores regulares na verdade, eles ainda não
sabem quem sou mas a garçonete, Ashley, me conta a história de cada um
deles em algum momento eu vou me apresentar, mas não quero forçar a
barra leva tempo para ser aceito em uma turma nova.
Libby, que olhava ao redor, sem prestar atenção ao que dizíamos, virou-se
para Perry e perguntou:
— Você tem problemas de ereção?
Ele a encarou boquiaberto, totalmente sem jeito. — Estou vendendo
alguns produtos e tenho um composto de ervas que pode ajudar na
disfunção, se você precisar. Fingindo não ter ouvido, Perry se virou para
mim e continuou com o assunto anterior:
— Você está procurando alguém em especial?
— Danny Pescara ou Brinker Holt, você os conhece? Sabe se eles
costumam vir aqui?
— Brinker costuma vir aqui, sempre com a câmera de vídeo na mão
sujeito divertido, aliás, ele deve vir hoje.
Libby e eu trocamos olhares não tínhamos planejado encontrar Brinker.
— Brinker teve um acidente com sua moto no verão passado sei que ele
está procurando outra máquina e, por isso, tem aparecido bastante.
— As pessoas costumam negociar por aqui? eu quis saber.
— Sim , apesar de ser arriscado, é um lugar bom para comprar.
— Você quer dizer que as motos são roubadas? — Libby perguntou,
arregalando os olhos em vez de responder com palavras, ele se limitou a
erguer os ombros, levantando as palmas da mão para cima.

128
Romances Preciosos

— Não estou afirmando nada, sei apenas que são de boa qualidade.
— Vou conversar com a garçonete anunciei para minha irmã.
— Enquanto isso, vou ver se encontro alguns clientes disse ela, subindo
em uma cadeira para ter uma visão mais ampla.
Perry abriu os braços para o caso de algum acidente, mas, na verdade
estava, admirando as curvas do corpo de Libby.
Deixei os dois e me enfiei entre a multidão, tentando passar despercebida
Inútil, pois havia poucas mulheres ali, as únicas, presentes eram
namoradas dos motoqueiros, vestidas a caráter.
Logo localizei Ashley, que circulava pelo ambiente com uma bandeja
repleta de copos. Quando a vi voltar para o balcão, me aproximei para
conversar:
— Olá, um dos rapazes me disse que talvez você possa me tirar uma
dúvida ela me mediu dos pés a cabeça, afastando a mecha loira que lhe
caía na testa.
— É mesmo? E quem é você?
— Meu nome é Nora. Eu gostaria de saber se você conhece Danny
Pescara.
— Ele conseguiu ser preso de novo, não é? Indagou, revirando os olhos.
— Bem, você o conhece... Ele está sempre se metendo onde não deve,
não é?
— Ele está devendo dinheiro para você?
— Não, mas estava imaginando se você o viu na semana passada?
— Sim, ele vem bastante aqui.
— Com quem ele costuma conversar? Alguém em especial?
— Ah, ele fala com muita gente há muitas negociações neste lugar, se
quiser uma boa motocicleta, basta vir até aqui e perguntar Danny não está

129
Romances Preciosos

no mercado, ele apenas finge mas esses sujeitos? Indicou as pessoas com
um gesto de cabeça. São profissionais, se quiser falar em boas máquinas,
procure um deles as coisas não são exatamente limpas por aqui, querida
portanto, cuide-se.
— Obrigada. Eu não pretendo ficar muito tempo.
— Bom disse ela e, em um piscar de olhos, desapareceu entre os clientes.
Continuei ali parada, tentando decidir se me deixava intimidar e corria
para casa ou não, nesse momento Brinker chegou, munido de sua câmera,
e acompanhado por amigos, que seguiam na frente para abrir caminho,
garantindo um bom ângulo de gravação. Os motociclistas o reconheceram
e bradaram seu nome e um frêmito de excitação tomou o ambiente.
Ashley acenou para ele de longe, indicando a mesa vazia bem diante de
mim, foi então que me dei conta de que não tinha mais como voltar atrás
Brinker avançou, ainda gravando deteve-se por um momento em dois
sujeitos que disputavam uma queda-de-braço, como nada de mais
emocionante acontecia, ele baixou a câmera e sentou-se encostado à
parede de onde podia ter ampla visão do lugar, e a apenas um metro de
distância de mim.
— Ei, você não pode ficar aqui um dos amigos de Brinker me chamou a
atenção. Estamos esperando mais gente e precisamos colocar mais
cadeiras.
Não respondi. Ao ouvi-lo, Brinker virou-se, já me focalizando com a
câmera quando percebeu quem eu era, baixou-a e franziu o cenho.
— Você está me seguindo? Indagou, ele.
— Acho que é o contrário respondi, em um tom indignado. — O que você
quer?
— Como assim? Sou freqüentador assíduo deste lugar.

130
Romances Preciosos

— Eu cheguei primeiro.
— Que seja, apenas me esqueça.
Em vez de fazer isso, eu me sentei à mesa dele.
— Ela não pode ficar aqui, Brinker. O sujeito deve chegar a qualquer
instante e é melhor não irritá-lo advertiu o rapaz.
— Calma pediu Brinker, focalizando-me outra vez com sua câmera. — O
que quer comigo? Não tenha esperanças mulheres mais interessantes me
esperam por toda a cidade.
— Só quero saber quanto pagou a Gallagher pelo design do sutiã. Ao ouvir
o nome do motorista, ele parou de gravar em seguida, tirou a fita, pegou
uma caneta no bolso da jaqueta de couro e escreveu meu nome na
etiqueta.
— Então você acha que sabe das coisas, não é? Indagou, ele sem me olhar
enquanto guardava a caneta.
— Sei que pagou o velho homem... Com um gesto de mão ele me pediu
silêncio.
— Rapazes, por que vocês não vão buscar bebidas?
Preciso de um minuto aqui a contragosto, o grupo se afastou, deixando-
nos sozinhos.
— Você pagou a Gallagher uma ninharia para pôr suas mãos em um
design que vale milhões.
Com toda calma, Brinker guardou a fita com meu nome em uma mochila e
colocou uma nova na câmera.
— Não faço idéia do que você está falando, a invenção é minha e vou
processar quem diga o contrário.
— Você fez bem mais do que apenas processar Kitty Keough.
— Se pretende afirmar que eu tive algo a ver com sua morte, é melhor

131
Romances Preciosos

contar com o suporte de bons advogados. Apontou outra vez a câmera


para mim. Mas você deve estar tão ocupada com problemas familiares
que não vai se preocupar com Kitty Keough por muito tempo. Ele come-
çou a gravar soube que sua irmã bebe muito.
— Ela tem problemas quanto a isso, mas está se cuidando respondi,
olhando fixamente para as lentes.
— Tem certeza? Por acaso sabe onde ela está agora? Eu fiquei imóvel,
deixando que ele registrasse a expressão de repugnância em meu rosto.
— Ela está com um amigo meu ele prosseguiu. — Monte Bogatz trabalha
para mim, de maneira indireta. Os dois devem estar numa festa neste
exato momento.
Respirei fundo e tentei voltar ao foco.
— O que ele faz para você?
— Um pouco de tudo aliás, ele é bem caro, além da bebida que pago para
ele e a namorada, há também a heroína. Quem sabe a essa altura sua irmã
esteja compartilhando desse prazer.
— Ela não faria isso. Brinker riu.
— Eu não teria tanta certeza.
— Já entendi. Se eu ficar quieta, você não ameaça minha irmã, você
continua o mesmo, apenas com métodos mais sofisticados de tortura.
— Você tem pouco tempo para decidir, estou esperando uma pessoa
importante.
— Onde está Emma?
— Você acha que me importo com pessoas como ela?
— Então me diga onde está Monte.
— Chega de conversa fiada, tenho mais o que fazer.
— Mais um de seus jogos sujos, aposto.

132
Romances Preciosos

— Jogo sujo? Uma voz grossa soou às minhas costas.


— Não ligue para o que ela está dizendo... Michael apareceu no meu
campo de visão e fez com que Brinker baixasse a câmera.
— Me dê à fita.
Brinker obedeceu, após pegá-la, Michael jogou-a no chão e esmagou-a
com a bota.
— Quem é ela? — indagou, sem dar o menor sinal de que me conhecia.
— Ninguém importante, você trouxe a máquina que encomendei?
—Não tenha pressa respondeu Michael, olhando para mim com expressão
de jogador de pôquer. — Você é uma surpresa.
— Você deve ser o vendedor de motocicleta respondi, me levantando.
— Ainda não decidi se vou negociar com esse sujeito. E quanto a você? O
que está fazendo aqui?
— Vim fazer uma pergunta a Brinker.
— Vá em frente. Qual é a pergunta?
— Ela apareceu do nada justificou Brinker.—Tome um drinque por minha
conta. Onde está o resto do seu pessoal?
— Cale a boca. Vamos ouvir a pergunta da moça. Eu pigarreei antes de
indagar:
— Quero saber se Brinker encontrou aqui um homem chamado Danny
Pescara na semana passada.
— Quem?
— Você a escutou afirmou Michael, com um tom de voz ameaçador.
— Ah, é verdade, conheço Pescara, mas não somos amigos.
— Ainda não me respondeu se o viu ou encontrou na semana passada.
Com o canto dos olhos, Brinker olhou para Michael e entendeu que
nenhuma negociação seria feita se ele não respondesse às minhas

133
Romances Preciosos

perguntas.
— Não o vejo há tempos estive muito ocupado com o desfile na semana
passada, esse é o preço que se paga por ter um negócio, é preciso cuidar
de todos os detalhes sozinho.
— Como posso saber que não está mentindo para mim?
— Você não acredita nele? Indagou Michael.
— Acho que não...
— Bem, ele não mentiria para mim. Algo mais?
— Brinker está com minha irmã informei. — Ela está sendo vigiada por
alguém perigoso.
Ele deu de ombros como se não se importasse. —Acho que está na hora
de você ir para casa agora. Diga boa noite.
— Boa noite eu disse.

CAPÍTULO IV

O que você acha? Indagou Libby, enquanto apertava o botão no painel


para ligar o aquecedor do carro. — Será que Brinker estava falando a
verdade?
— A respeito de Danny? Ele estava morrendo de medo de Michael, por
isso acredito que ele não mentiria. Mas estou preocupada.
— Com Brinker?
— Humilhar pessoas é o que mais o excita. E eu acabei de embaraçá-lo
diante dos seus amigos, fiz com que ele demonstrasse medo acho que

134
Romances Preciosos

haverá retaliação.
— Como?
— Temo por Emma confidenciei e percebi que estava trêmula.
Contei a Libby que Monte Bogatz havia sido contratado para espionar pela
Clientec e também para manter Emma sob vigilância.
— Precisamos tomar providências urgentes! Exclamou Libby, pegando o
celular.
Ligou para onde nossa irmã estava hospedada e, após falar com diversos
funcionários que se recusavam a dar-lhe informações, descobriu que
Emma e Monte haviam saído do hotel.
— Michael vai cuidar dela contei assim que ela desligou. — Ele entendeu
quando eu disse que Emma estava em perigo. Tenho certeza de que irá
encontrá-la.
— Nem ele pode forçar Emma a fazer o que não quer.
— Não, mas pode persuadir Monte.
Depois de testemunhar o poder de Michael no bar, eu não duvidava de
que ele conseguiria convencer qualquer um a fazer o que ele quisesse com
a vida de minha irmã em perigo, passei a ser a favor da violência.
Pela primeira vez eu o vira em seu meio ele havia se aproximado sozinho,
em silêncio, mas Brinker e todos no bar tinham enxergado o perigo
através de sua aura de impassibilidade.
O homem carinhoso e divertido que eu recebia em minha cama podia de
fato se transformar no mafioso implacável a respeito de quem todos me
advertiam. Michael era poderoso, inflexível e letal, eu vira com meus
próprios olhos e, finalmente, eu conseguia imaginá-lo agindo como os
jornais o acusavam de ter agido no passado.
— Você está bem? Libby perguntou.

135
Romances Preciosos

— Estou tentando ficar.


—Ainda não me perguntou o que aconteceu comigo no bar. Engoli em
seco.
— O que houve?
— Conversei com a garçonete ela me disse que Danny esteve lá duas
vezes semana passada e nas duas vezes ele conversou com uma mulher.
— A mesma?
— Sim. Infelizmente não consegui descobrir mais nada, pois Ashley foi
requisitada por várias mesas ao mesmo tempo, e eu também fiquei
ocupada.
— Ocupada como?
— Vendi todos os produtos que levei comigo! Dá para acreditar? Assim
que receber uma nova remessa, vou voltar lá. Nora encontrei uma mina
de ouro! Talvez eu deva considerar os gays como meu público-alvo. O
problema foi que o barman disse que ia chamar a polícia. Segundo ele, eu
estava perturbando os clientes com propostas indecorosas imagine que
absurdo!
Fiquei feliz por termos saído do bar na hora certa para nós duas.
Quando cheguei em casa encontrei Rawlins e Orlando dormindo no sofá
diante da televisão, havia embalagens de chocolate e barrinhas de cereais
espalhadas pela sala toda.
Acordei os dois e os conduzi até o quarto de hóspedes ao lado do meu um
tanto sonado, Orlando abriu os olhos para me perguntar se Spike podia
dormir a seu lado depois de acomodar os três, fui para o meu quarto.
Fiquei petrificada ao encontrar a porta do armário aberta e perceber que
Michael levara embora suas coisas procurei em vão por um bilhete.
Tremendo, sentei na cama, dobrei os joelhos e abracei-os tentei lembrar

136
Romances Preciosos

qual a última coisa que havíamos dito, e só consegui me lembrar do


distante boa noite. Nunca imaginei que aquilo fosse um adeus.
Não consegui dormir. Fiquei rolando na cama com a cabeça num turbilhão
revivi cada momento do dia na tentativa de achar uma solução para os
problemas.
Eu sabia que Brinker comprara o design do sutiã de Gallagher. Hemmings
e Brinker estavam metidos em alguma negociação que a Comissão de
Valores Mobiliários desconfiava ser fraudulenta. De alguma forma, o
assassinato de Kitty tinha a ver com os planos deles mas por que a teriam
matado? Quem contratara Danny para executar o serviço?
De manhã, levantei e liguei meu computador passei pelos sites dos jornais
da cidade e não vi nenhuma manchete relacionada ao caso. Richard
cumprira a promessa e não havia escrito nada.
Eram sete horas, mas eu sabia que Lexie estaria no escritório; por isso,
não hesitei em ligar. Expliquei a ela o que eu pretendia e perguntei se ela
poderia me ajudar naquela tarde.
— Claro que sim, não se preocupe respondeu solícita.
Após desligar, telefonei para Mary, que me informou que os guardiões de
Orlando chegariam à cidade à noite. Eu o manteria a salvo até então
depois disso, lembrei-me do recepcionista do hotel em que Emma estivera
hospedada, Carlos Sanguilla, conhecido meu, e liguei para ele.
— Nora, me diga a verdade. Sou a única pessoa na cidade que não está
convidada para sua festa de hoje à noite? Reclamou ele, antes de eu
perguntar o que queria.
— Hoje?
— Claro, querida, hoje é, dia trinta e um de dezembro.
Respirei fundo. Tinha me esquecido completamente daquele detalhe. Na

137
Romances Preciosos

verdade, já estava tão comprometida que não faria diferença nenhuma se


o convidasse.
— Pode vir e traga quem quiser. Antes, porém, gostaria de saber quando
Emma saiu do hotel.
— Ela e o amigo caubói saíram ontem de manhã.
Um dia inteiro havia se passado, tempo suficiente para Emma se meter
em mais confusão.
Depois de desligar, fiz um chá e voltei para o quarto, tinha esperança de
que Michael aparecesse com pãezinhos frescos para me mostrar que eu
não precisava ter medo.
Será que ele mudara de idéia? Não queria mais estar comigo? Aqueles não
eram os sentimentos reais de um homem que às vezes fazia amor comigo
como se estivesse se afogando e eu fosse sua única salvação. Quando nos
conhecemos, ele estava desesperado, perdido em uma vida que precisava
mudar. Desesperado por amor, por um objetivo, por um lugar no mundo,
tentando clarear as idéias. Fui tomar um banho, depois de vestir um jeans
e um suéter, pedi a Aldo que descobrisse um endereço para mim e em
agradecimento convidei-o para nos acompanhar no café da manhã.
Quando os meninos e Spike apareceram na cozinha, eu já havia feito as
panquecas recheadas com geléia de morangos.
— Posso comer barras de cereais? Orlando perguntou.
— Você comeu todas ontem à noite respondeu Rawlins.
— Eu nunca pude comer nada disso. Minha mãe nunca deixou e meu tio
disse que essas coisas são um veneno.
Rawlins e Aldo passaram a descrever toda espécie de petiscos para delírio
de Orlando, fiquei contente por ele estar saindo da bolha em que vivera
até então. Aqueles olhinhos brilhantes me lembraram minha querida

138
Romances Preciosos

amiga Oriana.
Quando terminamos de comer, os meninos colocaram seus pratos na pia e
saíram correndo com Spike latindo logo atrás. Aldo afastou a cadeira e me
encarou:
— Se me permite um elogio, você até que não cozinha mal. Disfarcei o
sorriso e me servi de mais uma xícara de café.
— Obrigada.
— Consegui a informação que você queria anunciou ele.
— Que rapidez!
— Dei alguns telefonemas para as pessoas certas. Aqui está o endereço.
— Muito obrigada, me ajudou bastante.
— Sabe, no começo eu tinha o pé atrás em relação a você, mas descobri
que é uma pessoa bacana.
— Isso é por causa da minha comida?
— Não. O filho do chefe normalmente não é impetuoso, e nos deixou
preocupados quando conheceu você. Sentei-me diante dele, querendo
esclarecer algumas dúvidas.
— Você trabalha para o pai dele?
— Eu ajudo, isso é tudo. E é bom que saiba que ficaremos por perto
respondeu ele, olhando-me por baixo das espessas sobrancelhas.
— Orlando deve ir embora hoje à noite. Depois disso, não será mais
necessário...
— Depois... Se houver uma condenação ficaremos por perto.
— Condenação? Aldo, do que você está falando?
— Frankie não sobreviveria a cumprir pena, pois sua saúde não anda boa.
O filho vai assumir...
— Está me dizendo que Michael iria para a cadeia para poupar o pai?

139
Romances Preciosos

— É assim que funciona.


— Como assim? Danny mata Kitty e Michael vai para a cadeia, a fim de
que seu pai não morra em uma cela?
— Eu não disse que vai acontecer. Aldo apoiou os cotovelos sobre a mesa.
— Os advogados são excelentes... Mas a polícia não quer deixar Frankie
em paz. Estão trabalhando bastante para pegá-lo desta vez, ele ficará
magoado se o filho tiver que ir, mas...
— Não acredito nisso!
Michael tentara me dizer que talvez tivesse de partir. Porém, eu não havia
percebido que isso significava voltar para a cadeia.
— Isso não pode estar acontecendo... Murmurei. Tentei ligar novamente
para o celular de Michael e não houve resposta.
— Ele está ocupado disse Aldo, tentando me acalmar.
— Onde ele está? O que está fazendo?
— Isso não é da minha conta, nem da sua. Se puder, ele volta.
— Se puder... Eu repeti. — E Danny, ele vai para a cadeia?
— Isso não importa respondeu ele com um sorriso de lado. — Danny não
é do tipo que sobrevive, independentemente de onde esteja.
— Como... Você não quer dizer que a família fará algo com ele, não?
— Ninguém gosta de testemunhas colaborativas.
— Você está falando de matar uma pessoa!
— Estarei lá fora se precisar de mim anunciou ele, virando-se para sair. —
Obrigado pelo café da manhã.
Fui lavar a louça e acabei quebrando um prato. Juntando os cacos, percebi
que precisava agir antes que perdesse tudo, enquanto elaborava uma
armadilha para pegar quem havia contratado Danny, limpei o resto da
casa, quando terminei, tudo estava claro para mim.

140
Romances Preciosos

Liguei para Libby. Ela chegou à tarde e encontrou a casa imaculada.


— Puxa vida, da próxima vez que se sentir deprimida, vá até a minha casa.
Chamei-a para sentar-se e expliquei meu plano de ação.
— Você tem certeza? Nora, a polícia acabou de sair da minha casa.
Eu estava tão empolgada com o que havia descoberto que só então notei
a expressão preocupada no rosto da minha irmã.
— O que eles queriam? Saber de Michael?
— Não. Na verdade, queriam saber de você e o quanto almejava a posição
de Kitty no jornal, tentei convencê-los da sua inocência... Mas o que
importa é que eles encontraram a arma do crime.
— A arma que Danny usou? Onde estava? Na casa dele?
— Não, querida. Estava na casa de Michael, eles fizeram uma busca lá hoje
de manhã, eles vão prendê-lo, dizem que ele está envolvido.
— Libby, você sabe que isso não é verdade a arma deve ter sido plantada.
— Sei que acredita nele, mas... Onde ele está? Ele também está sendo
procurado pelo tiro naquele policial. E desapareceu.
— Porque ele está procurando Emma.
— Tem certeza?
Peguei o telefone e mais uma vez tentei ligar para o celular dele. Por
longos segundos ouvi chamar até cair na caixa postal. Tive vontade de
chorar. Queria parar de tremer.
— Por que será que sempre escolhemos o homem errado? Acho que o
problema é nosso e não deles. Eu gostaria apenas de alguém que não
tivesse nenhum problema sério, que fosse bom de cama, claro, e que
ganhasse a vida de forma honesta, sem envolvimento com drogas ou...
Desisti de tentar falar com Michael e desliguei.
— Ainda vamos sair? Libby perguntou.

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Romances Preciosos

Eu precisava tentar. Michael iria para a cadeia a menos que eu


conseguisse uma prova consistente que contradissesse a que a polícia
tinha.
— Claro que sim respondi com convicção.
— Tudo bem. Aonde você quer ir?
— Até o condomínio de Brinker.
— Como acha que ele pode ajudar?
— Se não foi ele quem contratou o assassino de Kitty, tenho certeza de
que gravou o momento em que convenceu a pessoa certa a contratar
Danny por ele.
— É verdade. Ele filma tudo...
— Precisamos encontrar as fitas. Lexie vai chamá-lo para uma reunião esta
tarde ela o manterá ocupado enquanto vasculhamos sua casa.
— E como vamos entrar?
— Um dos capangas de Michael vai me ajudar primeiro precisamos
encontrar essa rua. Mostrei a ela o papel onde Aldo havia escrito o
endereço.
— Tia Nora.
Assustadas, olhamos para trás e percebemos que os meninos haviam
escutado nossa conversa.
— Quero ajudar — disse Rawlins.
— Obrigada, querido, mas prefiro que você fique em casa e tome conta de
Orlando.
No mesmo instante, percebi que havia dito a coisa errada.
— Não preciso de ninguém para ficar comigo intercedeu Orlando,
passando à frente de Rawlins. — Eu também quero ajudar.
— Podemos ficar de vigias.

142
Romances Preciosos

— Ou entrar em lugares onde adultos não cabem, para espiar acrescentou


Orlando.
— Quero ajudar Michael. Se ele está em perigo, quero fazer alguma coisa
insistiu Rawlins. — Ele sempre foi muito legal comigo e me ensinou uma
porção de coisas. Além disso, você sempre quer ter certeza de onde eu
estou, portanto, levem-me com vocês.
Libby ficou sem argumentos diante da convicção do filho. Orlando se
aproximou de mim, encarando-me nos olhos.
— Por favor, não quero ficar aqui sozinho quero estar com você.
— Meu querido, você ficará bem com Rawlins.
— Já sei, você acha que não sirvo para nada, não é? Eu quero aprender
coisas como Rawlins, quero apenas uma chance.
Os dois estavam tão firmes no propósito de nos acompanhar que não
conseguiríamos demovê-los da idéia.
— Está bem. Mas isso é muito perigoso terão de me obedecer sem
discussão, está bem? Se eu mandá-los ficar no carro, é o que farão.
Os dois me abraçaram em agradecimento.
— Vão buscar os casacos.
— Vou precisar da minha mochila levarei algumas coisas disse Orlando.
Libby pegou a bolsa e foi até o carro demos algumas voltas antes de
encontrar o endereço do contato de Aldo. Era uma loja de suprimentos de
informática. As janelas imundas indicavam como seria o interior do lugar.
— Quer que eu entre? indagou Rawlins.
— Pode deixar que eu mesma cuido disso informei, descendo do carro.
Bati na porta algumas vezes até ouvir um arrastar de sapatos. Um senhor
de idade olhou pelo vidro e abriu a porta. Ciente de que Libby e os
meninos me observavam com os rostos grudados no vidro do carro,

143
Romances Preciosos

respirei fundo e entrei na loja o lugar recendia óleo e café, as prateleiras


estavam repletas de equipamentos.
Na sala havia cinco senhores vestidos de forma semelhante, com malhas
de lã puídas e calças sociais estavam sentados em volta de uma mesinha
de armar jogando dominó e tomando café, uma máquina de expresso e
uma caixa registradora eram as únicas peças que não estavam cobertas
por uma camada espessa de poeira.
Segui até o balcão um outro senhor levantou-se e caminhou até lá.
Colocou a mão de dedos atrofiados sob o balcão e, abrindo uma gaveta,
puxou um envelope, que me entregou. Separei as abas de papel e dei uma
espiada, encontrando a chave-mestra em formato de cartão de crédito
que Aldo havia requisitado.
— Quando lhe devo? Indaguei, rompendo o pesado silêncio.
Ele apenas balançou a cabeça, sem dizer nada.
— Muito obrigada.
Passei pela mesa de jogo e notei que nenhum dos homens levantou os
olhos provavelmente, para não poderem me identificar se houvesse algum
problema atravessei a rua correndo até a minivan.
— Deu tudo certo? Indagou Libby ansiosa.
— Perfeito. Peguei a encomenda e saí.
Dirigimos pela, Front Street não muito longe do shopping Independence,
local geralmente lotado de restaurantes, turistas e um parque aquático.
No entanto, naquela tarde as ruas estavam tranqüilas e sem trânsito,
talvez pelo horário, as pessoas estivessem descansando para passar a
última noite do ano acordadas. Libby fez uma conversão proibida e
circulou o condomínio até achar um lugar para estacionar perto do prédio
de Brinker.

144
Romances Preciosos

— E agora? Minha irmã quis saber.


— A reunião com Lexie deve começar em meia hora.
Vamos aguardar um pouco, para nos certificar de que Brinker não esteja
por perto.
— Por que não ligamos para ele? Se não atender teremos a certeza de que
não está em casa Libby tirou o celular da bolsa e passou para mim.
— Que tipo de detetives vocês são? Perguntou Rawlins. — Não podem
usar esse telefone. E se ele tiver identificador de chamadas?
— O que você sugere?
— Michael sempre usa os orelhões, e longe de qualquer câmera de
vigilância.
Antes de Libby contestar, sugeri:
— Por que não vai dar uma volta e ver se encontra um telefone público?
— Boa idéia, assim eu aproveito para dar uma geral na área, ainda bem
que meu skate sempre fica no porta-malas do carro.
— Vá logo antes que eu decida impedi-lo contestou Libby. Rawlins desceu
do carro e subiu no skate, deslizando rua abaixo.
— Tomara que ele tenha cuidado, comentou Orlando durante quinze
minutos, ficamos observando a área e conversando. Libby me contou que
Perry havia ligado para ela, convidando-a para sair ela decidira dar-lhe
outra chance e tinham combinado um encontro não pudemos aprofundar
o assunto, pois Rawlings logo voltou. Libby abriu o vidro do carro.
— Não tem ninguém em casa, o perímetro está livre informou ele.
— Podemos passar para a fase dois.
— Fase dois? Libby perguntou.
— Entre no carro, Rawlins ordenei.
Dei algumas instruções básicas a Libby e saí do carro.

145
Romances Preciosos

— Tenha cuidado. Se demorar muito, vou ligar para a polícia advertiu ela.
— Não chame a polícia, isso só vai fazer Michael parecer mais culpado.
Rawlins apareceu ao meu lado de súbito.
— Eu também vou.
— Nada disso...
— Eu também vou anunciou Orlando, postando-se do meu outro lado.
— De jeito nenhum. Os dois, já para o carro!
— Somos um time contrapôs Orlando.
— Isso mesmo. Além disso, se Michael souber que permiti que você se
expusesse sozinha, vai me matar.
Estudei a expressão teimosa do meu sobrinho e encontrei os traços da
família Blackbird, principalmente em seus olhos que me diziam que
nenhum argumento o demoveria do propósito que tinha em mente.
Se eu permitisse a companhia de um, não podia deixar o outro para trás,
Orlando me olhou como se rogando para não ser decepcionado.
— Alguém tem de me lembrar de não ter filhos. Está bem, vamos, mas
não quero ninguém dizendo ou fazendo algo sem antes falar comigo, está
bem? Coloquei Spike na sacola de brim e lá fomos os três em direção ao
prédio.
O edifício de Brinker ficava de frente para o rio. O arquiteto que havia
planejado o condomínio seguia conceitos inovadores, misturando tijolos
aparentes com amplas vidraças, os apartamentos eram lofts de dois
andares.
Um shopping Center era o ponto comum embaixo de todos os prédios.
Chegamos à porta da frente do edifício, que ficava sob a proteção de uma
abóboda de vidro mais escuro, presa por braços de ferro entalhado. O
trinco eletrônico maculava o vidro transparente, que nos permitia visão

146
Romances Preciosos

do salão de entrada. Sem demora, passei ali o cartão magnético, rezando


para que funcionasse.
Depois de um bipe alto, pudemos empurrar as portas.
— Nossa, que legal! Exclamou Rawlins. Cientes de que provavelmente
estávamos sendo filmados, e que nossa imagem apareceria em uma tela
na cabine de segurança cruzamos o saguão, cheios de coragem. Entramos
no luxuoso elevador espelhado, Brinker morava na cobertura, quando a
porta se fechou, senti um frio na barriga, mas minhas mãos trêmulas
obedeceram quando passei o cartão de novo para que conseguíssemos
subir. As portas do elevador se abriram no loft de Brinker.
— Uau! Exclamaram os meninos em uníssono.
O assoalho da imensa sala era de tábuas de madeira, e as paredes, de
tijolos aparentes, como a face externa do prédio, por uma parede de vidro
que ia do teto ao chão, tínhamos uma ampla visão do porto marítimo, o
único quadro que havia na parede era um pôster gigante do sutiã de
silicone.
— Olá! Alguém em casa? Perguntei.
Não houve resposta, meu coração voltou a bater no ritmo normal. Rawlins
deixou o skate na sala e começou a andar pelo apartamento, seguido de
perto por mim e Orlando.
Brinker gastara uma fortuna ali, dinheiro recebido ilegalmente da empresa
de seguro por causa do incêndio, lógico. Havia apenas um sofá de couro
preto e um lustre de pé, nada mais. Em compensação, os equipamentos
eletrônicos eram de primeira geração. Em um canto estava a maior te-
levisão de plasma que eu já vira.
Eu ainda estava encantada com a vista que tinha dali. Não havia cortinas,
o que tornava o lugar um belo posto para se observar o cais, a torre do

147
Romances Preciosos

Salão da Independência e o pavilhão do Sino da Liberdade.


O som dos meus sapatos e o dos passos de Orlando me seguindo ecoaram
pela sala. Entramos na cozinha, separada do resto do loft por um balcão
de mármore, encontrei uma caixa de presente repleta de frascos de azeite
de oliva condimentado e procurei um cartão, mas não achei nenhum. Ao
lado, havia uma embalagem com o logo do sutiã Brinker e centenas de
peças empilhadas.
Passamos uma parede divisória e chegamos ao quarto, a cama com
lençóis de cetim vermelho estava desfeita, ao lado havia um tripé para
câmera. Vários televisores cobriam a parede, estavam todos ligados,
embora sem som. Prendi a respiração quando vi minha imagem em duas
telas, sob ângulos diferentes. Vi Rawlins em outra tela. Foi então que
percebi as câmeras ligadas espalhadas pelo apartamento, gravando
ininterruptamente, e a fileira de aparelhos de videocassete.
Fui até os aparelhos, dispostos em um rack ao lado da cama, e fiquei em
dúvida, se deviam desligar tudo ou não. Foi então que percebi a pilha de
fitas de vídeo no chão, apoiadas à parede, Brinker fora meticuloso na
organização. As fitas estavam lado a lado, nomeadas e dispostas em or-
dem alfabética.
— Achamos algo importante. Por favor, Orlando, veja se encontra alguma
fita com o nome de Emma ou Danny, está bem? Eu pedi.
Nós nos ajoelhamos para procurar até que no topo da terceira fileira
Orlando achou uma com o nome de Danny. Eu encontrei outra com o
nome de Sabria.
Sabria Chattejee? Ao todo eram quatro fitas com o nome dela, separei
todas elas.
Rawlins apareceu ao nosso lado com a respiração ofegante.

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Romances Preciosos

— Acho melhor nos apressarmos. Já ficamos tempo demais aqui dentro.


— Procure a escada de incêndio, talvez a porta fique perto da cozinha
sugeri.
Passei os olhos pelo resto das pilhas e vi mais uma que poderia nos
interessar, a etiqueta continha o nome de Fawn, claro que só podia ser a
modelo gêmea.
O telefone começou a tocar, quase nos matando de susto.
— Calma, gente. Vamos deixar tocar e sair logo daqui disse Rawlins.
Orlando e eu nos levantamos, eu tinha juntado fitas demais para caber na
minha bolsa, nós as dividimos entre os três.
— Precisamos tirar as fitas dos videocassetes. Elas vão nos denunciar!
Gritou Rawlins.
— Tem razão.
Enquanto lutávamos para desligar os aparelhos, a voz de Brinker soou na
secretária eletrônica. Não posso atender agora. Deixe seu recado. De
repente, ouvimos uma voz estridente e conhecida.
— Ei, vocês! Gritou Libby. — Saiam imediatamente! Eles estão subindo.
Orlando escondeu-se atrás de mim, Rawlins ficou lívido. Não tínhamos
tempo de retirar as fitas dos videocassetes.
— O que faremos agora?! Indagou Orlando apavorado.
— Venham.
Apertei o botão do elevador. Tarde demais, a seta para cima indicava que
ele já estava em movimento, Brinker estava subindo.
— Temos de nos esconder agora! — gritou Orlando.
— Rawlins, você achou a escada de incêndio?
Em vez de responder, ele se virou e correu para fora da sala, Orlando se
escondeu no ínfimo espaço entre a geladeira e a parede, abraçado a Spike.

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Romances Preciosos

Com os braços cheios de vídeos, me vi na sala sem saber para onde fugir,
naquele imenso e vazio, loft não havia nenhum lugar possível para eu me
esconder.
A porta do elevador se abriu, e eu me deparei com Sabria, que ficou de
olhos arregalados me encarando. A seu lado estava Hemmings.
— O que ela está fazendo aqui? — Hemmings perguntou. Sabria
continuou muda.
— Olá. Apesar de soar idiota, não me ocorreu mais nada para dizer, em
uma das mãos, Hemmings segurava uma maleta de couro, e na outra uma
caixa de bolo. Sabria carregava uma sacola de supermercado.
— Ela pegou as fitas de Brinker, disse Sabria.
— E daí? Perguntou Hemmings, lento como sempre.
— Sinto muito, me desculpei procurando parecer o mais sincera possível,
estou morrendo de pressa, vou receber convidados em casa daqui a
pouco. Pelo visto, vocês também farão uma festinha particular, não é?
Aposto que não vão se incomodar se eu sair correndo.
Sabria reagiu primeiro, com passos largos, insinuando as pernas pelas
fendas laterais do vestido, ela me alcançou, espalmando a mão sobre meu
peito. Com a outra, puxou a primeira fita da pilha que eu segurava.
Infelizmente era a que continha o nome dela na etiqueta.
— O que acha que está fazendo? Ela questionou, fuzilando-me com o
olhar. — Sabria, sei o que fizeram com você.
Ela tirou a mão de mim como se eu a tivesse queimado.
— Do que você está falando?
Hemmings finalmente caiu em si e saiu do elevador, mais parecendo um
garçom com aquela caixa de bolo sobre a mão virada com a palma para
cima.

150
Romances Preciosos

—Você invadiu a casa de Brinker? E ainda por cima está roubando?


— Ela está com as fitas, temos que impedi-la, não podemos deixá-la sair
daqui ela vai direto para a polícia.
De repente, Hemmings entendeu o perigo.
— Oh, meu Deus.
— Vamos amarrá-la. Brinker deve ter cordas em algum lugar. Quando ele
não reagiu, ela empurrou-o pelo ombro. — Ande logo, vá procurar alguma
coisa para prendê-la.
Hemmings virou-se para seguir até a cozinha, mas tropeçou no skate que
Rawlings deixara ali e caiu, a caixa de bolo abriu e a cobertura voou sobre
seu rosto. Atraído pelo cheiro do bolo, Spike saiu do esconderijo com
Orlando e projetou-se sobre Hemmings. Quando ele reagiu, o cachorro
enfurecido cravou-lhe os dentes no braço, Hemmings gritou de dor e
indignação.
Sabria praguejou, foi até ele e chutou Spike, deixando-o atordoado. Eu
gritei e tentei pegá-lo, derrubando metade das fitas. Ela agachou-se ao
lado de Hemmings e ordenou:
— Cale a boca e me dê sua gravata.
— Mas é uma, Hermes, legítima! Já não chega minha roupa toda
arruinada?
Sem dar ouvidos aos protestos, Sabria desatou o nó da gravata. Com Spike
nos braços, eu corri até o elevador, que ainda estava aberto. Tinha de dar
aos garotos tempo para que fugissem. Apertei o botão, mas Sabria se
jogou contra mim. As fitas de vídeo se espalharam pelo chão quando fo-
mos de encontro à parede do elevador. Tentei reagir, mas preocupada
com Spike, não consegui me livrar dela.
— Venha aqui! Preciso de sua ajuda para prendê-la, Sabria gritou para

151
Romances Preciosos

Hemmings.
— Não posso! Há um rato aí, e ele me mordeu.
— É um cachorro, seu idiota. Venha logo.
Eu ainda lutava contra ela, quando Hemmings finalmente resolveu ajudá-
la e entrou no elevador, quando as portas começaram a se fechar, vi
Orlando aparecer e me encarar apavorado.
— Ache a escada de incêndio! Fuja! Gritei. O elevador começou a descer.
— Cale a boca! Advertiu Sabria.
— Você não precisa me amarrar. Tentei soltar os pulsos que ela segurava
com firmeza.
Nós três lutávamos conforme o elevador ia descendo, quando Hemmings
conseguiu segurar meus braços para que Sabria amarrasse os punhos,
levantei o joelho com toda força e o acertei na virilha. Vi quando seus
olhos reviraram de dor pouco antes de cair no chão.
— Levante! Gritou Sabria.
— Escute, eu não sou sua inimiga. Eles a estão usando. Será que não
percebe?
— Você não sabe de nada, respondeu ela. — Consegui a conta de Brinker
e vou mantê-la. A Clientec vai me promover à vice-presidente. Farei o que
for preciso.
— Mesmo que eles a machuquem? Era você quem estava gritando nesse
elevador algumas noites atrás, não?
— Posso agüentar a dor muito bem.
— Eles a estão usando apenas por diversão.
— Não importa, vou conseguir o que quero. Você é muito tola! Veja suas
roupas, suas irmãs... Duvido que saibam distinguir o que é realmente
importante, toda essa baboseira social arruma carreiras promissoras.

152
Romances Preciosos

De repente, tudo fez sentido na minha cabeça.


— Você queria que Kitty morresse! Então foi você que...
— Ela ia estragar tudo!
O elevador parou, e eu continuei segurando-a. Tudo o que precisava fazer
era lutar mais um pouco, enquanto os meninos fugiam, quando as portas
se abriram, vi Brinker parado à nossa frente. Em uma das mãos ele trazia
uma garrafa de vodca e na outra a câmera.
— Bem, ele nos olhou, surpreso, quem a convidou para a minha festa?
Não consegui disfarçar o medo a tempo, e Brinker percebeu. Com um
sorriso maligno, ele levantou a câmera e começou a gravar. Entrou no
elevador conosco e pulou por cima de Hemmings.
— Qual é o problema? Não quer que amarremos você?
— Deixem-me sair daqui! Eu disse em voz alta, Brinker deixou a garrafa de
vodca cair no colo de Hemmings e virou-se para Sabria:
— Segure-a com firmeza.
Por fim, derrubei Spike e lutei com toda minha força, tentei acertar o
rosto de Brinker por trás da câmera, enquanto chutava as pernas de
Sabria. Entretanto, ela foi mais rápida do que eu esperava, e ele mais
forte.
Fomos os três de encontro à parede do elevador, tentei enfiar o salto fino
do meu sapato no pé de Brinker, mas ele o puxou a tempo e prendeu
meus braços para trás com força.
A porta do elevador se fechou atrás de nós. Hemmings ainda
choramingava no chão, e eu gritei de dor nos braços. Brinker se divertia,
enquanto Sabria me batia no rosto. Ela finalmente apertou o nó,
prendendo minhas mãos, o elevador começou a subir, e eu me apavorei.
Se não tivessem encontrado a saída de emergência, os meninos ainda

153
Romances Preciosos

estariam lá.
— Por favor, não... Murmurei.
Sabria levantou meus braços e prendeu em uma argola no teto. Pensei
que fosse deslocar meus ombros.
— Calma disse Brinker, ainda gravando. — Você vai gostar disso.
No chão, Hemmings continuava em posição fetal, Spike começou a ofegar.
— Deixem-me ir e vamos evitar problemas maiores para todos nós.
— Sem chances respondeu Brinker. Estendendo a mão, apertou meu
mamilo até eu gritar de dor. — Está vendo como vai ser divertido? Ele pôs
a mão sobre o hematoma no meu rosto. Você gosta de brutalidade, não?
Eu tentei livrar meu rosto daqueles dedos.
— Você é doente.
— É mesmo? Diga-me o quanto quer que eu seja doente com você.
— Você forçou Sabria a entrar nesse esquema sórdido, fazendo-a
contratar o assassino de Kitty. Ela foi coagida.
— Posso garantir que ela amou cada minuto, como você, foi uma pena
que não tivemos a oportunidade de ver aquela vadia morrer, aquilo sim
seria um filme digno de se ver de camarote, Spike havia voltado à vida e
mordia no rosto de Hemmings, que gritava ao mesmo tempo em que
tentava se livrar do meu cachorro.
As portas do elevador por fim se abriram no loft de Brinker. Hemmings
tentou sair engatinhando, mas Spike o mordeu de novo e os dois ficaram
ali, bloqueando as portas do elevador.
Praguejando, Brinker chutou as costas de Hemmings na tentativa de tirá-lo
do caminho. Depois, perdeu a paciência e passou sobre o corpo do outro,
pisando no chão de madeira do apartamento, Nesse momento, um som
de tiros ecoou no apartamento. Brinker pisou em uma poça de azeite e

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Romances Preciosos

executou uma pirueta desesperada antes de cair, a câmera voou para


longe. Em seguida, Rawlins apareceu da cozinha e começou a atirar os
pedaços de bolo que tinham restado no rosto de Brinker até cobri-lo,
deixando-o sem chances de abrir os olhos. O som ensurdecedor de armas
de fogo vindo da televisão soou outra vez, no volume máximo.
No instante seguinte, Orlando entrou no elevador, agitando diante de
Sabria uma cobra, provavelmente um dos itens de sua mochila. Ela gritou,
assustada, e consegui chutá-la. Ela saiu correndo e escorregou no chão
cheio de óleo, logo caindo. Orlando jogou a falsa cobra sobre ela.
— Venha! Gritou Orlando para Rawlins.
Com um sutiã de silicone na mão, Rawlins aproveitou que Brinker ainda
lutava com o confeito gorduroso no rosto e com o chão escorregadio, e
conseguiu prender-lhe as duas mãos com a peça. Depois de fazer isso, ele
correu para o elevador, evitando o óleo e pulando sobre o corpo de
Hemmings.
— Orlando, pegue a câmera! Gritei.
O menino não perdeu tempo e com agilidade chegou até a câmera que
continha a confissão de culpa de Brinker e Sabria.
— Venha, Spike! Orlando gritou.
Rawlins e Spike pularam praticamente juntos para dentro do elevador,
enquanto alguém disparava uma metralhadora giratória no filme da tevê,
as portas do elevador se fecharam, durante a descida, os meninos
tentaram me desamarrar, a operação não foi fácil já que estavam ambos
lambuzados de azeite e bolo. Enquanto isso, falavam quase que
simultaneamente:
—A idéia de espalhar o azeite no chão foi minha, contou Orlando.
— E eu pus o filme para fazer barulho, sabíamos que precisávamos

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Romances Preciosos

assustá-los Rawlins continuou.


— Não conseguimos encontrar a escada de incêndio.
— Tínhamos de ser criativos.
— Tia Nora, você está bem? Rawlins perguntou assim que conseguiu
soltar minhas mãos.
— Sim, agora estou ótima. Muito obrigada a vocês dois. Você está
chorando? Indagou Orlando, tocando meu braço, Rawlins se apressou em
passar o braço sobre meus ombros.
— Você vai desmaiar?
O elevador chegou no térreo, e as portas se abriram, nós três nos
abraçamos e gritamos, um pelotão da polícia formava um paredão no hall
de entrada, todos com as armas apontadas para nós.
— Esperem! Essa é minha irmã! Gritou Libby.
— Os bandidos estão lá em cima, informei. — Os três estão caídos no chão
do loft da cobertura, as provas dos crimes que cometeram estão nas fitas
de vídeo, que serão destruídas, a menos que vocês se apressem. Os
policiais abriram caminho e tomaram o elevador assim que saímos. Libby
veio nos recepcionar de braços abertos, tentando abraçar os três ao
mesmo tempo.
— Sei que não era para eu chamar a polícia, mas quando vi Sabria e
Hemmings chegando, sabia que Brinker viria logo depois.
A rua estava repleta de carros de polícia com as luzes ligadas, assim que
saímos do prédio, dois policiais vieram em nossa direção, para nos ajudar.
Depois de duas torturantes horas de interrogatório, a polícia nos liberou.
Libby levou os meninos para casa e me deixou em uma esquina no centro
da cidade.
Fui até o edifício Perdergast e passei meu crachá pela roleta.

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Romances Preciosos

— Feliz ano-novo! Desejou a recepcionista.


Se a redação do Intelligencer não ficasse no décimo segundo andar, eu
teria ido de escadas, o último lugar em que eu gostaria de estar naquele
momento era dentro de um elevador.
Cheguei até a mesa de Kitty, havia uma confusão de papéis e lembretes de
eventos, tudo bagunçado pelos peritos da polícia e por mais uma leva de
curiosos.
Afastei a pilha e fechei os olhos, eu já estava totalmente recuperada do
susto e minhas mãos não tremiam mais. Tive a sensação de que Kitty
irromperia ali como o furacão de sempre me expulsando de sua cadeira.
— Como se sente?
Quase caí de susto ao ouvir a voz de Stan.
— Eu não o ouvi chegar.
— Desculpe disse ele, sentando-se na beirada da mesa. — Soube que
você desvendou o caso do assassinato de Kitty.
— Nossa, como ficou sabendo?
— As notícias correm rápidas. Os repórteres estão ávidos pelos detalhes.
Os três foram presos?
— Sim. Sabria por ter contratado o atirador, as acusações sobre
Hemmings e Brinker são diversas, estou aqui para escrever a coluna de
Kitty.
— Ah, que bom. Pensei que você fosse perder a oportunidade de uma
grande manchete.
— Nem em sonho.
Stan abriu um sorriso e cruzou os braços sobre o peito.
— Está pronta para escrever sobre Kitty? Sobre os defeitos inclusive?
— Admito que ela era uma cobra, mas do modo dela conseguiu mudar o

157
Romances Preciosos

cenário social da cidade. Antes, a estirpe era tudo o que importava, ela
tornou aceitável e passou a valorizar que os ricos aparecessem no jornal
por conta de atos de caridade e solidariedade, e as doações começaram a
aumentar.
— Parece que sua opinião sobre ela está melhorando.
— Ela me ensinou bastante. Nem sempre eu gostei, mas ela me ensinou
muito.
— Se escrever o que acaba de me dizer, será uma ótima coluna de estréia,
Nora. Faça o melhor que puder, e vou fazer o possível para que assuma
esse cargo.
— Obrigada, Stan.
— É melhor se apressar disse ele, levantando-se e apontando para o
relógio. — Não vai dar uma festa esta noite?
— Até você ficou sabendo? Indaguei rindo.
— E quem não soube? Metade da cidade vai para lá.
— Você não vai?
— Talvez sim. Agora, ao trabalho! Deixe-me orgulhoso. Quando ele se
afastou, liguei o computador. Aquela hora, meus convidados deveriam
estar chegando à fazenda Blackbird. Com sorte, Libby tinha chegado para
recebê-los.
Escrevi sobre a última vez em que estive com ela, vestida da maneira
chamativa de sempre, ela havia entrado na sala abanando um convite
para um leilão de solteiros famosos, um evento beneficente que tinha por
objetivo levantar mais de um milhão de dólares para uma associação de
educação e cultura. Muito do sucesso se devia à campanha que Kitty fizera
em sua coluna, com atitudes como essa, ela ajudara várias instituições
filantrópicas, e ensinara muitas coisas a todos nós. E, apesar de molhar

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Romances Preciosos

sua caneta em veneno, ela tentara fazer a coisa certa ao expor a


apropriação de Brinker do sutiã de silicone.
Revi o texto para me certificar que expressava exatamente o que eu
estava sentindo. Apertei a tecla "enviar" e lá se foi a minha primeira
matéria para a caixa de entrada de Stan.
Antes de sair, fui lavar o rosto e, ao me olhar no espelho, fiquei contente
em ver que o hematoma estava quase sumindo, bastaria um pouco de
base para que eu ficasse apresentável, Reed me esperava na porta do
prédio, segurando a porta do carro para eu entrar.
— Sua irmã lhe mandou isso anunciou ele, estendendo uma sacola.
— Obrigada, Reed. Fiquei tão feliz por ele ter me levado a roupa que
fiquei na ponta do pé para beijar-lhe a face. Feliz ano novo!
— Para você também. Agora vamos logo, se eu não deixá-la em casa logo,
alguém vai me queimar vivo.
Ao ouvir aquilo, uma nesga de esperança tomou conta do meu coração.
— Você teve notícias de Michael?
Ele respondeu que não com um sinal de cabeça. Desanimada, entrei no
carro, mesmo com a fraca luz, consegui me maquiar rapidamente. Depois
apaguei a luz e tratei de trocar de roupa o mais rápido que pude. Dois
quarteirões antes de chegarmos em casa já havia carros estacionados, não
havia espaço entre os carros apinhados na entrada da fazenda. Reed deu a
volta e paramos atrás da casa.
— Por que não vem comigo? Convidei-o antes de descer.
— Obrigado, mas já tenho programa ele recusou, descendo do carro para
abrir a porta para mim.
— Reed, por favor, entre comigo. Preciso de alguém em quem me apoiar,
no caso de isto ser um desastre.

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Romances Preciosos

— Vai desmaiar?
— Talvez.
Ele suspirou e me deu o braço.
— Como estou? Perguntei.
Reed me mediu da cabeça aos pés, Libby havia mandado um suéter
branco, que me deixava com os ombros de fora e uma calça de cetim.
— Você está... Bonita.
Libby apareceu pela porta de trás, trazendo duas taças nas mãos. Ela
usava uma blusa fina que revelava o sutiã de silicone colorido.
— Feliz ano novo! Você está maravilhosa! Tome uma taça de champanhe.
— Temos champanhe? Perguntei surpresa.
— Lexie mandou uma caixa hoje à tarde. Não tive forças para erguer a
taça até a boca, por isso passei-a para Reed. Mesmo longe da sala
principal, era possível ouvir o som ao vivo, misturado ao vozerio dos
convidados. Supus que ali havia mais de cem pessoas.
— Quer um canapé?
— Pelo jeito, Lexie caprichou.
— Foram os meninos que prepararam.
— Quem?
— Isso mesmo. Rawlins me fez parar no supermercado quando
voltávamos para casa, e veja o que conseguiram fazer para você.
Libby deu um passo para o lado e pude ver a mesa da cozinha, repleta de
bandejas meticulosamente arrumadas com apetitosos hors d'oeuvres.
Quando olhei mais de perto, vi que Rawlins havia colocado queijo
pasteurizado em biscoitos de água e sal, enfeitando com uma azeitona. Na
verdade, ele comprara todos os salgadinhos e molhos que costumava
comer e os transformara em pratos lindos.

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Romances Preciosos

— Fizemos tudo antes de os convidados chegarem, quando olhei para a


pia, vi o prosciutto que o pai de Michael havia enviado, em uma bandeja
com bolinhas de melão.
— Onde estão Rawlins e Orlando?
— Devem estar por aí. Orlando está radiante, brincando de mordomo, e
Spike o segue para todo lugar.
— Libby, obrigada por tudo o que fez por mim nesses últimos dias, você é
a irmã mais adorável do mundo.
Nós nos abraçamos com olhos marejados.
— Você pode retribuir fazendo uma reunião de vendas dos produtos da,
Porções de Paixão na próxima quinta-feira, já estou com a lista pronta, eu
ri de nervoso, mas decidi pensar no assunto mais tarde.
— A festa está ótima, outras pessoas também trouxeram contribuições
em bebidas e petiscos que estão espalhados por aí. Um rapaz simpático
arrumou um bar logo atrás do sofá e se encarregou de receber as bebidas
e servi-las. E quanto a você Reed, conheço exatamente a garota que quer
conhecer, venha comigo chamou Libby. — Nora, acho que você quer
cumprimentar Emma, não? Disse ela antes de me levar até onde eles
estavam e sumir com Reed.
— Olá, Nora! Exclamou Emma, ao me ver. — Só você para conseguir dar
uma festa sem estar presente, isso é que é talento.
— Onde você esteve nesses últimos dois dias? Indaguei, abraçando-a.
— Fui mostrar alguns cavalos para Monte. Preciso voltar a treiná-los,
Monte está pensando em investir em um show de hipismo artístico,
vamos ter bastante trabalho, e os cavalos vão nos manter longe da
bebida, fiquei radiante em notar que ela estava sóbria, com as bochechas
rosadas e sem olheiras.

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Romances Preciosos

— Obrigada por não ter desistido de mim, irmãzinha.


— Nunca farei isso, respondi sorrindo.
— Parem com isso, meninas, ou eu vou chorar, comentou Monte.
De repente, atrás de Monte, surgiu a figura do urso de óculos.
— Olá, Perry. Feliz ano novo!
— Para você também. Onde está Libby? Há um lugar em que eu possa
conversar a sós com ela por alguns minutos? Acho que sei como resolver o
problema dela.
— Que problema? Emma perguntou.
— Acho que posso livrá-la desse sutiã. Por causa do meu trabalho,
entendo um pouco de química, descobri que o silicone reage àquela loção
que ela tem usado.
— Eu sabia que havia algo errado com aquela loção erótica... Emma, este
é Perry Delbert, um... Amigo de Libby. Venha, ela está ali, acenei para
Libby, chamando-lhe a atenção, e ele se dirigiu até lá.
— Isso não tem jeito de algo que vai dar certo comentou Emma. — É
melhor você ir cumprimentar seus convidados, todos estão se divertindo
sem você, mas...
— Querida! Gritou Lexie, nesse momento. — Até que enfim você chegou.
Feliz ano-novo!
Minha amiga estava deslumbrante em um conjunto branco de calça e
camisa, complementado por um colar de pérolas de várias voltas.
— Lex, preciso lhe agradecer por tudo, se não fosse sua ajuda, não sei o
que estaria servindo para essa gente toda.
— É para isso que existem os amigos. Está tudo bem? Desculpe se minha
reunião com Brinker foi muito curta. Deu tudo certo?
— Quase...

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Romances Preciosos

— Onde está Michael?


— Não tenho certeza.
Percebendo minha tristeza, Lexie passou o braço sobre meus ombros.
— Há alguém esperando para vê-la, ele passou por aqui, sem saber que
você estava dando uma festa, mas eu tomei a liberdade de convidá-lo
para entrar. Ele é charmoso. Acho que está na biblioteca.
Logo entendi que se tratava de Richard. Ainda não tinha certeza de que
queria vê-lo, por isso resolvi circular pela sala, cumprimentando os
amigos. No bar improvisado, o rapaz, que Delilah me apresentou como
sendo seu amigo, exibia-se fazendo malabarismos ao preparar os
drinques. Ao piano, Kenny tocava Cole Porter. Alguns casais dançavam,
outros cantavam. Conversei com algumas pessoas, todos pareciam se
divertir.
Fiquei feliz ao constatar que a festa estava sendo um sucesso.
Voltei para o bar improvisado para agradecer Delilah pela ajuda.
— Se não fosse pela informação que me deu...
— Você conseguiu prender o assassino de Kitty? Digo, a pessoa que
contratou o assassino?
— Sim. Estão todos sob a custódia da polícia.
— Brinker está preso também?
— Provavelmente será acusado de ter provocado um incêndio criminoso,
Sabria diz que ele contratou Danny para pôr fogo na casa de shows. Foi
assim que ela conheceu Danny e o contratou para matar Kitty, Está tudo
registrado nas fitas que Brinker gravou.
— Esse sujeito é louco. Se bem que tudo poderia ter acontecido depois do
lançamento do sutiã de silicone no mercado, eu daria tudo para ter um,
aliás, quem é o bonitão que está na biblioteca? Querida, seu príncipe

163
Romances Preciosos

mafioso tem que se esforçar bastante para não perdê-la para aquele
sujeito comentou, ela apontando para a porta aberta da biblioteca, onde
Richard se entretinha com alguns livros.
O telefone dela tocou e saí para deixá-la conversar à vontade.
Segui até a biblioteca e hesitei para entrar, fiquei observando-o um pouco,
vi que a bengala estava apoiada no sofá de couro, enquanto ele se
entretinha com a leitura. De repente, virou-se e me olhou sorrindo,
mesmo à distância, vi que uma onda de alívio tomou conta de sua
expressão.
— Que bom que não se machucou e está bem.
— É verdade...
— Sem contar que a história é sua em primeira mão.
— Não exatamente.
— Como assim? Não me diga que desistiu de escrever.
— Sim, mas não será um furo de reportagem, não é assim que vocês
jornalistas dizem?
Richard avançou em minha direção até ficarmos bem próximos, o suéter
de cashmere preto, com a gola branca da camisa para fora, completava a
elegância de sempre e parecia tão macio que tive vontade de tocá-lo.
Porém, me contive.
— Você escreveu sua história?
—Ainda não disse ele, colocando o copo de bebida sobre a estante. —
Ainda preciso de tempo para entender toda a trama, peço desculpas por
não ter encontrado Brinker. Soube que você o encontrou.
— Sim.
— Faz um bom trabalho quando se empenha. E, caso precise de algumas
dicas para aprimorar suas habilidades jornalísticas, eu posso ajudar.

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Romances Preciosos

— Obrigada.
Sorrimos um para o outro, não como amigos havia algo mais, ele usava um
perfume gostoso e a música romântica de Cole Porter chegava em tons
suaves até onde estávamos. Entretanto, nada disso me impulsionou para
os braços dele.
Interrompi o momento, perguntando:
— Que livro é esse?
Ambos olhamos para aquelas páginas amareladas.
— Você é a mulher mais estranha que já conheci comentou, ele abriu o
livro revelando uma nota de cem dólares. Costuma guardar seu dinheiro
dentro dos livros?
— Não tenho idéia de onde veio isso.
Ele puxou outro livro, abriu e lá estava outra nota.
— Nunca ouviu falar em bancos?
Sem acreditar no que estava vendo, puxei um livro de poemas de Robert
Penn Warren, abri, e mais cem dólares.
— Não foi você quem guardou este dinheiro?
— Não... — De repente, percebi o que acontecera. — Só pode ter sido
Lexie!
— Deve ter mais de mil dólares nesses livros. Quem faria isso?
— Uma amiga. Ela insistiu que eu fizesse essa festa, eu deveria ter
desconfiado que ela tinha uma carta na manga, além de ter organizado
essa coisa toda.
— Do que está falando?
Fechei o livro e fiquei com a cabeça baixa para que ele não notasse minha
emoção.
— Fiz a mesma coisa por uma amiga certa vez. É uma maneira de ajudar

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Romances Preciosos

alguém que precisa de dinheiro e não admite.


— Ei! Exclamou ele, recolocando o livro no lugar e me puxando de
encontro a seu peito. — Não precisa chorar, é muito bom contar com
amigos que realmente se preocupam com a gente. Respirei fundo, o
tecido da roupa dele era mesmo macio, mas seu tórax era firme e quente.
— Nora, eu não sei o que está acontecendo.
— Nada. Nada está acontecendo. Ele riu antes de responder.
— Você deve estar confusa, Nora. Está envolvida com esse homem porque
se atrai pelo perigo, sei que a adrenalina de viver assim chega a viciar, mas
talvez você esteja preparada para seguir em frente, para estar com
alguém mais semelhante a você.
— Minha vida está tão confusa, eu não consigo evitar, posso estar
encrencada nesse exato momento...
— Que tipo de encrenca?
— O tradicional Eu disse, infeliz.
— Está grávida dele?
Eu não tinha certeza, mas a sensação de estar oscilando em um abismo
era tão real que eu fechei os olhos, não tive chance de responder a
pergunta, pois fomos interrompidos por Orlando.
— Meus guardiões chegaram.
— Oh, querido! Soltei Richard e me agachei em frente ao garoto, para
abraçá-lo.
— Devo partir ainda hoje para a Nova Zelândia. Eles estão esperando por
mim lá fora.
— Vou acompanhá-lo até a porta.
Ele assentiu com um gesto de cabeça, saímos da biblioteca e seguimos
para a cozinha, onde Rawlins o aguardava.

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Romances Preciosos

— Ei, mantenha contato, certo?


Os dois se despediram, e saímos para a varanda.
— Obrigado por tudo, disse ele em um sussurro.
— Eu é que tenho que agradecer. Você foi muito corajoso, salvou meu dia
e a festa, que bom que tive a oportunidade de conhecê-lo melhor.
Spike começou a latir aos meus pés, entendi que ele pedia meu
consentimento para acompanhar Orlando. O garoto me olhou sem dizer
nada, mas eu sabia que ele gostaria de levar o novo amigo.
— Leve-o, mas o mantenha fora de confusão, está bem?
Um senhor de terno veio até ele, com um aperto no coração, vi os dois se
afastarem e entrarem no carro, cruzei os braços para me proteger do
vento frio. Não tive vontade nenhuma de voltar para a festa, fiquei ali,
olhando as estrelas e ouvindo a música ao longe.
Ouvi passos e reconheci o contorno daquele corpo musculoso que se
aproximava.
— Será que vi direito? Spike nos abandonou? Indagou Michael.
Não consegui responder. Aliás, mal conseguia respirar de tão feliz que
estava em vê-lo.
— Oh, Michael! Exclamei e corri para me atirar nos braços dele com o
coração prestes a explodir de alegria.
Ele me abraçou com força e afagou minhas costas.
— Eu tive tanto medo, não vá embora outra vez, eu preciso de você.
Afastando-me, ele tirou as mechas de cabelo que cobriam meu rosto, e o
segurou entre as mãos.
— Soube o que aconteceu, gostaria que tivesse me falado do que estava
acontecendo, conheço bastante a respeito de criminosos sádicos.
— Já passou, não quero mais falar de Brinker, tudo isso pertence ao

167
Romances Preciosos

passado. Quero apenas um futuro.


— Eu poderia ter ajudado você.
Deslizei as costas da minha mão sobre a barba por fazer. —A única coisa
que importa é que você não será acusado pelo assassinato de Kitty.
Estamos livres.
— Nora... — ele começou a falar com voz grave, mas mudou de idéia e
deu um passo atrás para me olhar melhor.
— Você está ainda mais linda. O que há de diferente? Ri alto e virei,
imitando modelo.
— É o sutiã Brinker. O que você acha?
— Na verdade, estou com vontade de tirá-lo.
— Não é uma má idéia, mas antes eu gostaria que conhecesse meus
amigos. Você vai entrar?
Em vez de se deixar levar, ele apertou minha mão e reassumiu o tom
grave de voz.
— Nora, o caso da morte de Kitty foi solucionado, mas as investigações
sobre o roubo de carros... O policial que foi baleado faleceu esta tarde.
— Oh, meu Deus.
Senti que ia desmaiar, mas agüentei firme. Michael me segurou pelos
ombros.
— Estão atrás de quem matou o policial.
— Claro que estão.
— Eu amo você ele disse. — Amo você mais do que tudo, mas tenho que
sumir por uns tempos.
Senti o mundo cair sobre minha cabeça.
— Mas por quê? Você não teve nada a ver com o tiroteio, estava aqui
àquela noite, posso ser seu álibi, dizendo que passou a noite comigo e...

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Romances Preciosos

— Não. Isso é algo que eu preciso fazer.


— Por que não deixa o sistema legal atuar?
— Algumas vezes precisamos estar fora do sistema para fazer as coisas
certas explicou ele, acariciando meu rosto.
— Enquanto estiver fora, quero que reconsidere nosso relacionamento.
— Não preciso pensar em nada, tenho certeza de que quero ficar com
você, e você também quer ficar comigo.
— Nossos mundos são muito diferentes... Tentei beijá-lo, mas ele resistiu
e eu recuei, ficamos em silêncio, embora houvesse tanta coisa para ser
dita. Nesse instante, a porta de casa se abriu e Libby apareceu apavorada,
correndo e vestindo o casaco.
— Vocês não vão acreditar no que aconteceu.
— O que houve? Michael quis saber.
— A polícia está aqui. Vieram me prender.
— Por quê? Perguntei incrédula.
Libby abotoou o casaco com as mãos trêmulas, furiosa.
— Aquele maldito barman me denunciou por eu ter vendido meus
produtos no bar. Dá para acreditar? O boato é que sou um atentado ao
pudor.
— Eles estão aqui agora?
— Sim, na porta da frente. Lexie os está atendendo, Eu mal tinha
conseguido tirar aquele horrível sutiã, com a ajuda de Perry, e de repente
alguém começou a bater na porta do banheiro, dizendo que...
— Venha comigo, vou levá-la para um lugar seguro ofereceu Michael.
— Ah, que bom. Eu não sei se consigo sobreviver em uma prisão. — Nora,
por favor, cuide das minhas crianças.
Fiquei ali estática, vendo tudo àquilo sem conseguir reagir, senti as

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Romances Preciosos

lágrimas correrem quentes pelo meu rosto.


— Tente deter os guardas com alguma história sobre Brinker, assim
teremos mais tempo para fugir pediu Michael, oferecendo-me um lenço.
Nossas mãos se tocaram, e segurei-o para uma última pergunta:
— Você vai voltar?
Nossas bocas se encontraram em um longo e apaixonado beijo. Ali estava
uma promessa de que nossa história ainda não tinha terminado.
— Por que a polícia não se preocupa em prender os verdadeiros
bandidos? Libby questionou, sem se importar que não estávamos
prestando atenção. — Por que se ocupam com uma mulher que só se
preocupa com o bem-estar de pessoas adultas? Bando de hipócritas.
Michael se distanciou sorrindo e foi juntar-se à minha irmã. Os dois se
afastaram correndo, ela falava sem parar.
— Você não quer ver um dos meus catálogos? Indagou, ela,já ofegante.
Alguns minutos depois a porta se abriu de novo, e Richard surgiu
preocupado na varanda.
— Você está bem?
Não respondi, mas me virei para encontrá-lo perto da porta e enxuguei
meu rosto com o lenço que Michael havia me dado, senti quando algo
sólido arranhou minha pele, vi que duas extremidades estavam presas por
um nó. Quando desatei, um anel com um enorme brilhante caiu na palma
da minha mão.
— Não é possível que seja verdadeiro comentou Richard.
Dentro da casa, os convidados iniciavam a contagem regressiva dos
últimos segundos do ano. Coloquei o anel no dedo, a gritaria do último
segundo ecoou animada.
— Nora, posso desejar-lhe um feliz ano novo? Richard me perguntou.

170
Romances Preciosos

Deixei que ele me beijasse, passei meus braços em volta do pescoço dele e
permiti que nossos corpos se aproximassem. Porém, não senti
absolutamente nada quando seus lábios tocaram os meus, e tive a certeza
de quem era de fato o meu grande amor. Na mão que eu apoiava em seu
ombro, o diamante brilhou sob a luz das estrelas.
FIM.

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