Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ISBN 978-65-991598-1-7
20-41444 CDD-981.522
Índices para catálogo sistemático:
2020
Editora Pirapora
Rua Jeremias de Paula Eduardo, 2006 - Centro
15910-000, Monte Alto, SP
(16) 9.9709.1146 - piraporaeditora@gmail.com
Fragmento de vista aérea de Barretos, de 1969.
(arquivo Museu Histórico Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”)
GUILHERME ÁVILA
Prefeito Municipal de Barretos
EDITORA PIRAPORA
Produção geral da obra
“Que tipo de ideia podemos fazer de uma
época se não vemos pessoa alguma nela?
Se só pudermos fazer relatos generalizados,
vamos apresentar apenas um deserto que
chamamos de história”.
Huizinga, século XIX
Guilherme Ávila
Prefeito de Barretos
Prefácio
É com euforia que anunciamos mais uma obra que versa so-
bre a nossa história.
Estamos convencidos de oferecer aos diletos leitores e à his-
tória e memória local, uma obra de alta qualidade, que traz à luz
fatos, entidades e personalidades históricas que tanto contribuíram
para o engrandecimento desta terra, tendo a missão de ressaltar os
seus valores.
Fundada a 1º de maio de 1983, por um grupo de 20 abnega-
dos cidadãos que fez florescer a ABC – Academia Barretense de Cultura e um
despertar para os novos tempos, em reunião realizada na Biblioteca
Municipal “Affonso d’E. Taunay”. Com sede na cidade de Barretos, SP, a en-
tidade tem por finalidade cultivar a literatura nacional e promover
o desenvolvimento das letras, das artes e das ciências barretenses,
em uma constante irradiação de cultura.
A recém-fundada ABC foi planejada para ser atuante e, sabe-
dora de seu papel, nunca mediu esforços para dar a sua contribui-
ção à comunidade barretense. Foi então que, em 1984, o primeiro
presidente da entidade, Dr. Jurandyr Souza, solicitou ao acadêmico
e jornalista Ruy Menezes que escrevesse uma obra sobre a história
do desenvolvimento cultural de Barretos. Foi um trabalho de fôlego:
depois de muita pesquisa e colaborações, o livro estava pronto. “Es-
piral – História do Desenvolvimento Cultural de Barretos” foi publicado em 1985
e se tornou uma fonte de pesquisas para historiadores, professores,
estudantes e pessoas interessadas em conhecer Barretos e seus afa-
zeres culturais.
No transcorrer dos anos, são necessárias releituras dos acon-
tecimentos e o surgimento de novos historiadores e memorialistas.
Agora, defrontamos com o livro “Barretos em 3ª Pessoa”, que vem cola-
borar, trazendo novas nuances da história e memórias, que vêm a
acrescentar em muito ao panorama histórico da cidade, tornando-se
mais um instrumento de pesquisa.
A ABC é um facho luminoso, com o intuito de transformar a so-
ciedade barretense através de suas ações culturais, como palestras,
debates, saraus literários e artísticos, semanas culturais, exibição de
filmes clássicos, semanas de cinema, exposições de artes, feira de li-
vros, encenações teatrais, publicações de livros e a realização, desde
1984, do Concurso Nacional de Contos e, como consequência, a produção das
Coletâneas de Contos, ambas as ações literárias provenientes do “Prêmio
Jorge Andrade”.
Saudamos com fervor todas as cultas figuras que ajudaram a es-
crever esta obra: acadêmicos e convidados, componentes da Diretoria
e Conselho Fiscal, Núcleo de Estudos Históricos da ABC, a acadêmica e
historiadora Karla de Oliveira Armani Medeiros, coordenadora e orga-
nizadora e seus esforços inequívocos na edição desta obra.
Agradecemos ao prefeito do município de Barretos, Sr. Guilher-
me Henrique de Ávila, que confiou a execução deste livro à ABC, cujo
teor é tão relevante para o resgate histórico.
Primeiro Paço Municipal de Barretos, inaugurado em 1907. Desde 1979, abriga o acervo do Museu
Histórico Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”, tendo, desde 1994, como patrono, um dos jornalis-
tas que registrou nossas histórias e costumes (arquivo do Grêmio Literário e Recreativo de Barretos)
Por estes nomes, o passado da cidade foi contado pelo olhar memoria-
lista, isto é, narrado pelas experiências individuais de seus autores, que
mesclavam suas próprias memórias com dados de pesquisas coletados.
O memorialismo, quando estudado, afirma-se como uma produção literá-
ria que descreve fatos, registra dados, edifica nomes, adjetiva persona-
gens e, por isso, cria memórias e tradições, contribuindo para o ensejo
da memória coletiva. Não são memórias soltas, e sim narrativas inten-
cionais e motivadoras sobre o passado. Deste modo, o memorialismo
é considerado uma fértil fonte histórica para a produção de trabalhos
acadêmicos sobre História e todos os ramos das Ciências Humanas. São
obras que precisam ser cuidadosamente arquivadas e utilizadas como
vestígios do passado, inclusive, por conta da grande quantidade de fon-
tes originais que se perdem ao longo do tempo.
Por outro lado, pesquisas históricas sobre Barretos cresceram nas
últimas décadas, resultando em livros, trabalhos científicos, artigos e te-
ses acadêmicas. Pelas perspectivas sociais, políticas, culturais e econômi-
cas, a cidade de Barretos tornou-se assunto destes trabalhos, desdobran-
18 INTRODUÇÃO
Bailarinas em apresentação no Teatro Santo Antônio, onde eram exibidos espetáculos de dança,
música e teatro na primeira metade do século XX. Manifestações do nosso patrimônio imaterial
(arquivo do Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”)
KARLA ARMANI MEDEIROS 19
Desfile cívico na Praça Francisco Barreto, em frente ao antigo Paço Municipal. Nota-se a presença de
escolares (inclusive as alunas do Colégio Maria Auxiliadora), atiradores do Tiro de Guerra 512,
autoridades e populares, cujas memórias também são nosso patrimônio
(arquivo do Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”)
Edifício da Santa Casa de Misericórdia de Barretos, inaugurado em 1921. Foi demolido na década de 1970
(arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Barretos)
KARLA ARMANI MEDEIROS 21
Visita do presidente da
República, Ernesto
Beckmann Geisel,
acompanhado de sua caravana
e do prefeito de Barretos,
Melek Zaiden Geraige, durante
a VI ExpoINel, entre 5 a 13 de
março de 1977, no Recinto
de Exposições “Paulo de Lima
Corrêa” (arquivo do Sindicato
Rural “Vale do Rio Grande”)
Mergulhe na cidade,
em 3a pessoa
e muitas épocas, pessoas,
sons, sabores
e VI DA!
Nossa Biblioteca
Pública de Barretos
Affonso d’Escragnolle taunay
Adalgisa Borsato
Prédio da Biblioteca Pública Municipal de Barretos, 1981. Arquiteto Hamer Abrão Geraige.
Foto: acervo pessoal
Semana da Biblioteca. Lançamento do Livro Eu Garimpeiro, de Zé de Ávila. Presença dos acadêmicos da ABC
Jurandyr Sousa, João Cornélio Perini (de costas), Ruy Menezes, Lauro Lima, Aníbal Rodrigues, Zilda Avila,
esposa do autor e Matinas Suzuki. Foto: Jornal O Diário, 22/03/1986
Adonias Garcia é pedagogo formado pela UNESP de São José de Rio Preto.
Diretor de Teatro, estudou Interpretação Teatral no Centro de Pesquisas Teatrais
em São Paulo. Escreveu ou adaptou/dirigiu diversos espetáculos teatrais.
É autor do livro em prosa “O Mito do Caminho de Atman”, pela Multifoco
FEBAM P O
Alciony Menegaz
Barretos: uma cidade onde a arte sempre recebeu muito incentivo. Digo
isso por experiência própria, pois ainda criança já me apresentava na Rádio
Barretos PRJ-8, no programa infantil, e também em vários outros programas de
auditório, como em inúmeros eventos da cidade.
Depois, na adolescência e juventude, pude participar de grupos mu-
sicais e de teatro, onde vi nascer inúmeros conjuntos musicais que faziam
nossa música ecoar.
No ano de 1968, em que o prefeito era João Batista da Rocha, um
jornalista tomou a frente na organização do Festival Barretense de Música Popular,
o chamado FEBAMPO. Antonio Paulo Flosi, o “Pinduca” como era carinhosa-
mente conhecido, tomou essa espetacular iniciativa que fez fervilhar o meio
musical da cidade.
Todos queriam mostrar seus trabalhos. Essa grande oportunidade en-
cheu os corações dos jovens de expectativas e de sonhos.
Fui procurada por uma compositora que vivia no Instituto dos Cegos, Van-
da Cesar, para interpretar sua canção. Seria acompanhada ao piano pela
linda pianista Regina Toller. Os ensaios começaram; foram muitas tardes na
casa da Regina e várias outras reuniões no Instituto dos Cegos.
O FEBAMPO aconteceu no Cine Centenário e, já na semifinal, era um sucesso.
Músicas muito boas, difícil escolha. Vários grupos acompanhavam os artis-
tas; dentre eles, o conjunto Night and Day.
“Tapera” destacou-se como uma das favoritas, assim como “Fim de Sonho”,
de Carlos Henrique Parise. Depois da semifinal, Carlos Henrique me procu-
rou e pediu para que eu defendesse sua música na final. Fui várias vezes à
sua casa para aprendê-la; ensaiamos bastante e também a defendi.
A música venceu o Festival e “Tapera” ficou em segundo lugar. Fui a
vencedora do prêmio de “Melhor Intérprete”.
As quatro primeiras colocadas foram gravadas em um compacto duplo,
pela gravadora RCS, de Barretos. Foram elas:
FEBAMPO 43
1º - “Fim de Sonho”, de Carlos Henrique Parise.
2º - “Tapera”, de Vanda Cesar.
3º - “Canto de um Canto”, de Cícero Vasconcelos.
4º - “Tempos de Tereza”, de João Carlos Soares de Oliveira Jr.
Jorge Andrade em sua casa em São Paulo, onde criava suas obras.
Fonte: Blog do Nilson Xavier – Canal Viva
Apresentação, no Cine Barretos, da peça teatral Vereda da Salvação, com o elenco do Studio
Claudia Ávila de Atores (SCAatores). Foto: Guilherme Franco Mader
Em Barretos, temos dois teatros com seu nome: do Grêmio Literário e Recrea-
tivo e da UNIFEB.
Porém, defendo que sua obra deve ser mais expandida aqui em Bar-
retos, sua cidade natal, chegando até mesmo a ter um evento registrado no
calendário anual cultural, e, também, aplicado em disciplina escolar, pois
Jorge Andrade é um dos – senão o único – barretense a ter seu nome com
50 ANA CLÁUDIA ÁVILA MADER
“Meu mundo, pelo qual sempre lutei, sempre foi o tema principal de tudo que escrevo.
Se não conseguia viver nele nem aceitar seus valores, vivi através das obras escritas, recriando
aqueles valores literariamente. E, é, sendo o que sou como dramaturgo, que provo ter sempre
pertencido a este mundo, como continuo pertencendo artisticamente” (Jorge Andrade).
Era uma gritaria só! E lá íamos nós para a barraca do seo Getúlio, que
ficava na Rua 16 na lateral da pracinha.
A confusão começava aí: a escolha do tipo do lanche. No final, era o
52 UMA LEMBRANÇA FELIZ
Depois de uma gentil despedida ao seo Getúlio, voltávamos para casa. En-
tão, um segundo banho e cama, com uma boa noite mamãe e um beijo.
Esta é uma pequena atividade, sem nenhuma repercussão, mas que
exemplifica como era saudável a vida das crianças anos atrás.
Fazer a tarefa do dia após o banho era uma obrigação. Televisão não
era prioridade, mas brincar, sim. E qual o lugar mais adequado nessa época?
A Pracinha da Primavera!
Sempre limpa, a frescura da tarde, muitas crianças, mães, e muita
brincadeira.
Brincadeira coletiva, risadas, competições sem brigas, alegria.
Praça “Nidoval Reis”, antigamente conhecida como Pracinha da Primavera, décadas atrás.
Fonte: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”.
APARECIDA ROSA MORO CARNEIRO 53
E hoje? Que pena! Onde está a nossa bandinha com sua música saudosa
no coreto?
Já não vemos muitas crianças correndo pela pracinha; elas estão co-
nectadas em outros jogos. O chafariz não funciona. Entendo, economia de
água, com isso eu concordo...
Subo a “16” e olho a barraca do seo Getúlio... mas ele já não está mais
lá. Aquele senhor simpático e atencioso se foi. Os anos de trabalho notur-
no pesaram sobre o corpo que se tornou frágil, mas tudo valeu a pena. A
lembrança daquele carismático senhor e de seus famosos lanches ficou na
memória de muitos. Ele cumpriu sua missão.
As crianças de ontem cresceram. São homens, mulheres, mães e pais
trabalhadores e responsáveis. Todos passam pela Pracinha da Primavera e nin-
guém se esquece dos folguedos da infância. Distrações que ajudaram a for-
mar pessoas fortes e humanas.
Tudo aquilo ficou na memória de uma infância bem vivida: brincadei-
ras, chafariz e muito cachorro-quente.
Um dia de aula na Pré-Escola da EEPG Cel Almeida Pinto em 1984: todos atentos à explicação
da professora Ilva Ferreira Daushas. Fonte: acervo pessoal do autor
Festa de aniversário na Pré-Escola da EEPG Cel Almeida Pinto em 1984, comemorando a chegada dos seis
anos, com o tio José Cezário e a tia Florinda. Fonte: acervo pessoal do autor
redo (ambos semianalfabetos; por isso davam grande importância aos estu-
dos), que desde muito cedo me compravam livros – aos 9 anos, a leitura mais
marcante foi a do livro “O meu pé de laranja lima” de José Mauro de Vasconcelos.
Em seguida, outros títulos vieram e outros personagens povoaram a imagi-
nação. Entre os livros mais importantes estão “A ilha Perdida”, “A Montanha Encanta-
da”, de Maria José Dupré, “Tita, a poeta”, de Renata Pallottini, “Meninos sem Pátria”,
de Luiz Puntel e, finalmente, “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry.
A leitura do livro “O Meu Pé de laranja lima” me aguçou a curiosidade e o
personagem principal – o menino Zezé, tornou-se um grande herói para a meni-
nada. É marcante o diálogo de Zezé com seu tio Edmundo: aguçava a imagi-
nação e fazia a criança querer “ser alguém”; as coisas que o Zezé queria eram
o que as crianças da época queriam – como crescer, por exemplo:
“Você vai longe, Peralta. Não é à toa que você se chama José. Você será o Sol e as
estrelas irão brilhar ao seu redor. Fiquei olhando sem entender e pensando que era mesmo
trongola. - Isso você não entende. É a história de José do Egito. Quando você crescer mais, eu
conto essa história. Eu era doido por histórias. Quando mais difíceis, mais eu gostava. Alisei
meu cavalinho bastante tempo e depois levantei a vista pro Tio Edmundo e perguntei:- A se-
mana que vem, o senhor acha que eu já cresci?” (In: VASCONCELOS, José Mauro. O Meu Pé de
Laranja Lima. 57. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1987).
A vida de uma criança que vivia no alto da Avenida 21 era soltar pi-
pas, comprar e soltar bombinhas e busca-pés no bar (escondidos dos pais),
brincar na enxurrada que descia forte naquele alto da 21 em dias de chuvas
SER CRIANÇA EM BARRETOS NOS ANOS 80: MEMÓRIAS DOS TEMPOS DE MOLEQUE 57
intensas, ouvir discos na vitrola, assistir aos desenhos do Balão Mágico,
brincar na rua, andar de bicicleta (“Na calçada!” – conforme clamavam os pais),
comprar doces (balas Chita ou 7 Belo, Paçoquinha, Bandinha); o “dinheirinho”
que os pais davam sempre ia parar nos bares dos saudosos sr. Virley, sr.
Etelvino, na distribuidora de doces do sr. Olinto Bars, ou ainda na padaria
do sr. Orlando Gori (que carinhosamente apelidou esse autor de Presuntinho).
Chegar à Catedral bem antes da missa para ser coroinha também era
uma missão de muitas crianças – o padre Cesar era ídolo de muitos! Era im-
portante usar a túnica de coroinha e ficar no altar. Após a missa, as crianças
chegavam em casa e ficavam esperando o almoço, pois nos domingos a “boia”
era sempre melhor e tinha refrigerante (durante a semana, quando muito,
havia Q-suco). O refrigerante deixava a comida ainda mais gostosa.
Os sonhos eram ser cantor, ator, médico, juiz, professor, padre. Eram
de uma inocência e sinceridade ímpares! Nas quermesses, gincanas e brin-
cadeiras de rua não faltavam; “fermento” para a imaginação e criatividade. Na
Praça da Bandeira, defronte ao Almeida Pinto, havia uma linda fonte luminosa.
Ali foram realizadas algumas quermesses, onde cantamos a música “Cowboy
do Amor”, do Balão Mágico:
“Quando monto em meu cavalo e jogo o laço, prendo logo o coração...”.
Osório Faleiros da Rocha e sua esposa Genoveva Franco da Rocha. Fonte: Arquivo do jornal “O Diário”
de terras e empregados.
No entanto, sua natureza era muito mais contemplativa e artística, o
que lhe valeu alguns conflitos com o pai e acentuou seu retraimento.
O contato com os primeiros professores logo lhe devolveu um pouco da
alegria de poder ser quem era. Muito interessado na escola, aprendia rápido
60 CHAMISSI ZAUITH E MARIA EUGÊNIA ROCHA NOGUEIRA
Capa do Álbum
“Centúria de Honra”,
publicado em 1930
(Fonte: Arquivo do Museu
“Ruy Menezes”)
DR. OSÓRIO FALEIROS DA ROCHA 61
CONCLUSÃO:
Eu não poderia encerrar este texto sem fazer referência à atuação
deste insigne cidadão que muito contribuiu para o engrandecimento desta
cidade, considerado pelos jornalistas da época como um dos melhores no
âmbito nacional.
Previu, na obra “Reminiscências”, que a cidade de Barretos seria incontes-
tavelmente uma “urbis” destinada a um grande futuro.
Em suas crônicas, relata o panorama geral da cidade no seu cotidiano
em seus múltiplos aspectos.
Na verdade, ele reimplantou a árvore genealógica da história barre
tense, demonstrando em seu interior e inteligência o quanto amava Barretos.
Aqui residiu por 60 anos, integrando sua família aos valores cristãos.
A ele devemos honrar e preservar viva sua memória por sua ação
construtiva, agindo como escultor do tempo, deixando-nos um legado históri-
co de inestimável valor.
José Francisco Barreto era filho do casal Francisco Barreto e Ana Rosa.
O pé da residência do tenente Joaquim Ângelo localizava-se mais ou menos
no meio da fachada do atual prédio da Associação Rural do Vale do Rio Grande; por-
tanto, a área ocupada por essa primeira capela e seu entorno começariam a
partir da metade do referido prédio.
As paredes erguidas de forma rudimentar e frágil sofriam com as in-
tempéries e, consequentemente, iam se deteriorando com a ação do tempo.
Placidino Alexandre Ferreira, em 1926, fez o seguinte depoimento a Osório
Faleiros da Rocha:
64 PINCELADAS EM RECORTES: A PRIMEIRA CAPELA
“Lembro-me da escola do Eliseu Guardanapo Papudo. Era na igrejinha, e ele, que era
Garimpo das Alagoas, costumava sair para o lado de fóra e ficar espiando pelos bu-
racos das paredes de paus-a-pique já ruinosas se os meninos estavam estudando e
direitinhos.” (Osório Rocha, Barretos de Outrora, pág. 166).
Como vimos, só após seis anos de existência é que passou à Capela Curada.
A Capela do Divino Espírito Santo, em 1873, pertencia ao 3º Distrito do Termo
da Comarca de Araraquara, conforme publicação no “Almanak da Província de São
Paulo para 1873”, em sua página n. 534:
“3º Districto - Da barra do ribeirão Bomfim, no rio Mogy, seguindo por este abaixo até
o rio Pardo, por este até o Rio-Grande, por este até abaixo do bairro dos Paulistas, onde
é divisa do 2º Districto; por esta divisa até o ribeirão dos Porcos, onde é a divisa do
Jaboticabal com esta Villa de Araraquara; dahí em diante, a procurar a cabeceira do
ribeirão Bomfim, e por este abaixo até o rio Mogy. Comprehende a Villa do Jabotica-
bal, as capellas das Pitangueiras, Barretos, S. Sebastião do Ribeirãosinho, São José do
Rio-Preto e os bairros dos Paulistas, do Virador, do Bálsamo, dos Ignacios, dos Olhos
d’Agua e outros.”
Aceito! Mas vamos mudar o nome do Clube para Estrela D’Oriente, para que, assim como
a Estrela guiou os Reis Magos até Jesus Cristo, Nosso Salvador, ela guie a nossa raça
doravante a melhores destinos, a melhores dias ...”
ooo
Seo Tuca
Francisco Caetano Estevão foi, por muitas gestões, o grande presidente
da Estrela. Era tropeiro, que transportava boiadas para o então Frigorífico
Anglo. Homem respeitado, de posses, de comando, que, conta-se, até oferecia
prêmios para os vencedores das primeiras Festas do Peão de Boiadeiro de
Barretos. Tuca e sua esposa, dona Chiquinha, faziam do Bloco Carvão Nacional uma
grande atividade. Os ensaios aconteciam no barracão do Sindicato Rural do Vale do
Rio Grande. Ele bancava todas as despesas do Bloco e sua esposa, grande cos-
70 SOCIEDADE BENEFICENTE E RECREATIVA ESTRELA D’ORIENTE
Posse de Leobino Pereira Neves na presidência da Estrela D’Oriente, em 1965, na sede do clube na rua 18,
onde hoje funciona o Cartório do Segundo Ofício de Barretos. Da esquerda para a direita, José Pereira Neves
(Zé Preto), Francisco Caetano Estevão (Seo Tuca) e Leobino Pereira Neves
Zé Preto
José Pereira Neves, grande jogador do Barretos Futebol Clube, da rua
32, era conhecido e respeitado na sociedade barretense, onde também era
proprietário da Tinturaria Esporte. Compadre de seo Tuca, recebeu de suas mãos
a presidência da Estrela D’Oriente, cuja sede era na rua 18, onde atua hoje o
Cartório do 2º Ofício. Zé Preto, na sua primeira gestão, continuou mantendo
o lume dado ao clube pelo seo Tuca. Na segunda metade dos anos 60, levou
a Estrela a apresentações folclóricas nos aniversários da cidade. Por ocasião
do 13 de maio de sua primeira gestão, organizou na Matriz do Divino Espírito
Santo, com o auxílio da organista negra Filomena e de Janete Bampa, um
inesquecível coral que abrilhantou missas de ação de graças pela data. Em
sua gestão também, por sua estreita relação com os professores do iniciante
CORIOLANO JOSÉ NEVES 71
Ginásio Vocacional, criou com o professor José Expedito Marques, o TEN – Teatro Ex-
perimental Negro, que encenou para Barretos e Capital a peça “Esqueleto Zero Hora”,
fazendo história na cultura barretense. Com músicas cantadas pelo mestre
Oscarzinho, a peça contou com a participação de um elenco totalmente de
negros. Dentre eles: Reinaldo dos Santos, Antonieta Silva, Luíza, Silva Regi-
na, Marlene, Antonia, todos de dentro do clube. Os ensaios desta peça foram
realizados no espaço do Sindicato Rural do Vale do Rio Grande. Ainda na sua primeira
gestão, Zé Preto mudou a sede da Estrela para a Avenida 17 entre as ruas 26 e
28 e, a partir de 1966, realizou grandes desfiles do Carvão Nacional, desta feita
comandados pela sua esposa Vitalina Silva Neves e pelo genro Waldemar No-
gueira. Waldemar, em 1966, começou a modificar o bloco, adaptando-o para
uma Escola de Samba nos moldes das grandes cidades, introduzindo toques
diferentes na Bateria e, também, o casal de Porta-Bandeira e Mestre-Sala,
postos ocupados pelos inesquecíveis Destão e Marelice. Esta, filha do lendário
negro Sibidão. Ainda no primeiro mandato de Zé Preto, a Sociedade Beneficiente e
Recreativa Estrela D’Oriente foi reconhecida como de Utilidade Pública pela Câmara
Municipal de Barretos, em Lei de 1966. Também nesta fase, José Pereira
Neves conseguiria do prefeito Christiano de Carvalho a doação de um terreno
para sua sede própria, à avenida 9 esquina com a rua 4, onde construiria,
depois, o prédio atual do clube.
Zé Preto concluiu seu primeiro mandato, passando a presidência para
João Batista de Souza, depois Reinaldo dos Santos e Benedito Souza, o Ditinho.
José Pereira Neves retornou à presidência no final 1971 e permaneceu até
1984.
Ao retornar, Zé Preto conseguiu realizar a chamada Era de Ouro desta esco-
la de samba, com seguidas vitórias que culminaram, em 1976, com o históri-
co enredo “Zumbi – A Imagem da Liberdade”, trabalho desenvolvido por dona Vitalina,
Clélia Maria, Waldemar Nogueira, Álvaro de Oliveira, Marcelo Suzuki e Corio-
lano José Neves. Neste concurso, a Estrela venceu o Jockey Clube e o Rio das Pedras
Country Club. Após essa vitória, houve uma pausa nos desfiles, pois através de
empréstimo conseguido na Nossa Caixa, com o auxílio do Governo do Estado
de São Paulo, respaldado pelo prefeito Dr. Melek Zaiden Geraige, José Pereira
Neves constrói, com sua diretoria, a tão sonhada sede própria da S.B.R.E.O.
Ainda em 1976, lança a pedra fundamental da construção. A sede é
inaugurada em 1977. Após esse feito, em 1979, a Estrela retorna à avenida
com o enredo “Nossa Estrela vem do Oriente”, onde, através de depoimentos dos
baluartes ainda vivos, conta sua própria história. Este ano marca a estreia
da lendária Porta-Bandeira Clélia Maria e do grande Mestre-Sala Euripinho.
Em 1984, José Pereira Neves deixa a presidência, falecendo no mes-
mo ano. Adão Ribeiro elege-se o novo presidente do clube. A participação da
Estrela no carnaval de rua volta a ter novo ápice em 1986, com Adão Ribeiro,
72 SOCIEDADE BENEFICENTE E RECREATIVA ESTRELA D’ORIENTE
Primeira sede da Sociedade Italiana “Unione & Fraterlanza” de Barretos, fundada na cidade em 1895. Tal
edifício se localizava na esquina da avenida 27 com a rua 18 (imagem: Jornal Barretos Memórias, julho de
1988, p. 2 – Arquivo do Museu “Ruy Menezes”)
O edifício “Casa d’Itália” passou a sediar a Sociedade “Unione & Fraterlanza” em 1936. Localizava-se na
esquina da avenida 15 om a rua 16. A Sociedade Italiana foi fechada em 1945, após o fim da
2ª Guerra Mundial (imagem: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”)
Festa do Peão de Boiadeiro realizada no Recinto “Paulo de Lima Corrêa” na década de 1970
Autoria da fotografia: Maurício Pinto. (Fonte: arquivo pessoal da autora)
RECONHECIMENTO DO PATRIMÔNIO
Em 25 de junho de 1999, atendendo à solicitação do veterinário Élio do
Nascimento Meirinhos e do ex-delegado de polícia José Carlos Moreira de Oli-
veira, o prefeito Uebe Rezeck pleiteou o tombamento do patrimônio histórico
junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Em 4 de outubro de 2000, a superintendência do IPHAN oficiou: Senhor
Prefeito, temos a satisfação de informar à V. Sa que foi aberto o processo de nº I466-T-00, referente
ao tombamento do Recinto de Exposições Agropecuárias Paulo de Lima Corrêa.
Vencidas todas as instâncias, infelizmente, devido a interferências polí-
ELISETE GREVE TEDESCO 81
ticas contrárias ao tombamento, o processo foi arquivado.
Em 20 de março de 2003, os “Amigos do Recinto” Elio do Nascimento Mei-
rinhos, Elisete Greve Tedesco e José Carlos Moreira de Oliveira deram con-
tinuidade ao sonho da proteção legal do patrimônio, encaminhando ofício
assinado por José Carlos Moreira de Oliveira ao Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Artístico e Arquitetônico de São Paulo – CONDEPHAAT.
Decorridos praticamente dez anos do início da luta, o bem foi tombado
com o seguinte parecer: A guisa de conclusão deste parecer, retomamos os aspectos acima
elencados, fortes indicadores da significação deste Patrimônio no quadro estadual, que o tornam
merecedor de reconhecimento oficial de sua importância cultural, isto é, do tombamento pelo CON-
DEPHAAT.
Em 11 de maio de 2010, o Diário Oficial do Estado de São Paulo publicou:
Resolução SC-10, de 11-3-2010: Artigo 1º. - Fica tombado na categoria de bem arqui-
tetônico, histórico, ambiental e cultural o conjunto do Recinto de Exposição Agrope-
cuária Paulo de Lima Correa, situado à Rua Trinta e Quatro, s/n, bairro Exposição,
na cidade de Barretos, no Estado de São Paulo. O presente tombamento se aplica aos
seguintes itens: a) Do portal de acesso pela área central até a Tribuna: 1 Portal de
acesso; 2 Obelisco em homenagem a Paulo de Lima Corrêa; 3 Espelho D’ Água; 4 Arena
com seu gradil e arquibancadas; 5 Tribuna de Honra. 6 Obelisco de Azulejos, alusivo ao
tropeirismo. b) Do portal de acesso pela lateral direita: 7 Restaurante; 8 Casa do Ad-
ministrador; 9 Escritório Central; 10 Conjunto das Baias; 11 Cocheiras; 12 Bebedouro
para animais; 13 Lavador de Cavalos; 14 Edifício de produtos derivados; 15 Tatersall;
16 Casa de Pouso c) Do portal de acesso pela lateral esquerda: 17 Casa do Criador; 18
Pavilhões de Bovinos e Suínos (9 pavilhões). Artigo 3º - Ficam definidas as seguintes
diretrizes para intervenção no bem tombado: Os imóveis listados para tombamento
deverão manter sua implantação original, volumetria e elementos decorativos carac-
terizadores do partido neocolonial.
A recuperação do conjunto deverá obedecer a um plano diretor discriminando sua
ocupação e/ou reciclagem.
Qualquer intervenção de reforma, demolição e/ou implantação de novas edificações na
área delimitada deverá ser objeto de análise e aprovação do Condephaat.
Foi graças a Almeida Pinto, juntamente com outros como Messias Al-
ves Gonçalves, Frederico Carneiro Pessanha Falcão e Rufino Messias que o
gover no, atendendo seus pedidos, mandara ao abandonado vilarejo os pri-
meiros soldados da Força Pública. Como não havia cadeia, a maneira de corrigir
os desordeiros era amarrá-los a um coqueiro que havia na esquina da Ave-
nida 21 com a Rua 12.
Quanto aos réus, levava-os até a sede da Comarca de Jaboticabal para,
ali, livrá-los das condenações (o que sempre conseguia) sem receber coisa
alguma, pois era um homem desprendido.
Almeida Pinto fez com que os sete únicos eleitores de Barretos, famosos
republicanos, estando ele incluído (Francisco Antônio Chagas, Romão Carlos
Nogueira, Manoel de Paula e Silva, Antônio Alves de Lima, Florentino Garcia
Vieira Junior e Inácio Armindo Junqueira Franco) descarregassem o peso
de sua votação em memorável pleito, quando Prudente de Moraes, em plena
vigência do regime monárquico, disputava, pelo Partido Republicano, uma cadeira
no Parlamento Imperial, da então província de São Paulo em 30/11/1884.
Neste pleito, Prudente de Moraes derrotou o venerando Conselheiro Antônio
Prado, contendor da Monarquia. Consta que, na capital do estado, o Conse-
lheiro Antônio Prado contava com a maioria de cinco votos, dependendo ape-
nas dos resultados dos povoados retardatários de Água Choca (Monte Mor) e
Barretos. Pouco depois, chegou o resultado de Água Choca, que não modificou
a sua boa situação a favor do adversário.
Corre a versão de que ninguém dava importância a estes dois povoa-
dos retardatários. O Conselheiro Antônio Prado, precipitadamente, cantou a
vitória, recebendo os parabéns de amigos e correligionários ao som de banda
musical, foguetes e discursos. Finalmente chegaram os sete votos únicos de
Barretos dados a Prudente de Moraes, que venceu seu adversário por dois
votos. À frente do pequeno grupo de republicanos de Barretos, achava-se a
86 CEL. JOÃO CARLOS DE ALMEIDA PINTO - VULTO NOTÁVEL DA HISTÓRIA DE BARRETOS
figura empolgante do Coronel Almeida Pinto, propagandista das ideias novas
e parente do imortal Francisco Glicério, a quem estava ligado por sólida ami-
zade. Barretos teve seu nome ovacionado nas ruas da capital quando o jornal
“A Província de São Paulo” expôs, no seu placar, o resultado da eleição realizada
na remota paróquia sertaneja, anunciando o apoio integral ao republicano.
Houve dias seguidos de festa, em que se davam vivas ao eleitorado de nossos
sertões, aqueles homens sinceros e honestos tão bem guiados pela inteligên-
cia e civismo de Almeida Pinto. O Partido Republicano de Barretos ficou notabilizado
ao decidir essa eleição, graças à liderança deste notável vulto da História.
O arraial “Espirito Santo de Barretos”, pelo alongado da nomenclatura, por força
de desejos de síntese passou a denominar-se “Barretos”, pela Lei nº 1021, de
16/11/1906 do Congresso de Estado. Tal era o seu ardor republicano que,
em 19/11/1890, propôs à Câmara Municipal que desse a Barretos o nome
de “Comarca da República”, como consta nos anais.
Almeida Pinto, respeitável educador, amava ensinar e, dessa paixão,
fundou em 1893 o “Colégio São João”, localizado na esquina da Avenida 17 com
a Rua 14, considerado o primeiro estabelecimento de ensino regular de Bar-
retos, que revolucionou a mentalidade de nossas crianças.
No pórtico deste colégio colocou uma placa contendo o dístico letreiro:
“Ave Lux”, além do nome Colégio São João saudando a luz como símbolo da Ciência,
da Cultura, pois o povo inculto, nada afeito às palavras latinas, só ouvindo
nas missas, traduzia aquelas palavras arrevesadas: Ave-Pinto, Lux-Louco... logo:
Colégio do Pinto Louco. O Cel. Almeida Pinto, já nos últimos dias de sua vida, es-
creveu na imprensa barretense que a verdadeira história sobre a piada com
respeito ao lema do seu colégio foi assim:
Um dia, passava em frente do Colégio um viajante muito espirituoso, o Maurity, e vendo na
fachada do edifício um desenho representando um menino empunhando um estandarte, com os se-
guintes dizeres: “AVE LUX”, o rapaz parou, dirigindo-se aos companheiros disse: Esta traduzido: Ave
é pinto e Lux deve ser louco: ‘Colégio do Pinto Louco’.
Referência Bibliográfica:
- Livro “Barretos de Outrora”. ROCHA, Osório, São Paulo, 04/1954
- Textos “Intendentes Esquecidos (2)”. MACHIONE, Gabriel Francisco
Junqueira e TINELI, Roseli.
- “Artigos Históricos”. GREVE, Elisete.
Sucesso nacional, Arutim enveredou pela cultura de sua terra natal, Barretos
Apesar de todo esse sucesso, nunca se esqueceu de Barretos. Em 1990,
tive o prazer de ser a primeira pessoa a conversar com o Arutim e tomar
conhecimento do projeto ambicioso que desejava desenvolver e que iria mo-
vimentar toda a classe artística barretense. Ele poderia ter montado essa
peça em qualquer cidade brasileira, ou mesmo, no eixo Rio-São Paulo, com
artistas profissionais, mas não: preferiu vir à sua terra natal e contar com
o talento barretense.
A peça escolhida foi ‘Vereda da Salvação’, do dramaturgo barretense
Jorge Andrade, de renome no Brasil e no exterior, e que Arutim chamava de
Aluizio, seu nome de batismo. O projeto me entusiasmou. Solicitou-me, então,
que convidasse os artistas vinculados aos grupos de teatro da cidade.
O espetáculo estreou no dia 25 de maio de 1991, no Teatro “Jorge Andrade”,
sob sua direção e assistência de Regina Papini, com as participações dos se-
guintes grupos: GTAAB – Grupo Teatral “Amor à Arte” de Barretos, GTASB – Grupo de Teatro
JOSÉ ANTONIO MERENDA 93
“Atair da Silva Bonfim” (Ginásio Vocacional), GTI – Grupo de Teatro do Industrial (Ginásio Industrial)
e Teatro do Terceiro Mundo, com o seguinte elenco (em ordem alfabética): Adilson
Calvit, Adonias Garcia, Alex Rodrigues, André de Freitas Bastos, Carlos Rolfe,
Carolina Stoppa, Cláudia Ávila, Daniela Rezende, Eunice Espíndola, Euri Silva,
Foster Inhota, Francis Cristina, José Antonio Merenda, Josy de Oliveira, Lú
Sampaio, Luciana Rodrigues, Malu Lima, Marcelo Bezerrah, Neusa Tonani,
Nilton Vieira, Osmildo Andrade, Osni Pinheiro, Reinaldo Cardoso, Robes Brito e
Suenio Espíndola. Com cenário de Nivaldo Gomes e Eduardo Brant. Figurinos:
Pedro Perozzi. Painel e execução: Cesários Ceperó e Pedro Perozzi.
Em 1992, Arutim volta a Barretos. Desta vez, para realizar outro pro-
jeto: este, além de ambicioso, era ousado, pois queria produzir a primeira
telenovela no interior. Ele foi à TV Soares Educativa e o Júnior Soares, um visio-
nário, comprou a ideia. Alguns meses depois, estava lá todo o elenco barre-
tense reunido para mais um desafio, a produção da novela ‘Maracutaia’, de
Eloy Araújo. As gravações chegaram a movimentar esta terra com tomadas
de cenas em vários pontos da cidade. Infelizmente, por motivos alheios à sua
vontade, a novela não teve sequência.
Como reconhecimento público, em 1963, recebeu o Diploma de ‘Gente
Que é Notícia, outorgado pela Rádio Barretos e Jornal “O Correio de Barretos”; em 1982,
Arutim recebeu o título de “Cidadão Benemérito de Barretos”, outorgado pela
Câmara Municipal; a estrada que liga o bairro do Frigorífico e a Rodovia Faria
Lima, passou a ser denominada de Estrada Vicinal “Luiz Carlos Arutin”; em 2014,
foi criada a Medalha de Ordem do Mérito Cultural “Luiz Carlos Arutin”, atra-
vés da Lei 4.971, de 30 de abril de 2014, com outorgas, pela Câmara Municipal,
anualmente, em comemoração ao Dia da Cultura, a personalidades de destaques
nos afazeres culturais na cidade.
Arutim é patrono da Cadeira nº. 37 da ABC - Academia Barretense de Cultura,
cuja primeira titular foi Eunice de S. Espíndola (falecida) e, a segunda, Ana
Cláudia Ávila Mader.
Em decorrência da morte de seu amado filho e a consternação que
tomou conta da classe artística, fãs, amigos e de toda a cidade, a Prefeitura de
Barretos decretou luto oficial por três dias, assinado pelo prefeito Nelson Ja-
mes Wright.
Cerca de 8.500 pessoas fizeram fila no Velório Municipal de Barretos, confor-
me estimativa da Polícia Militar, para renderem suas últimas homenagens.
Duas personalidades artísticas presentes no velório concederam entre-
vistas ao jornal ‘Folha de São Paulo’: o cantor Sérgio Reis, amigo da família de
Arutim há mais de 20 anos, disse que o ator:
Gostava de viver no meio do povo e que sempre valorizou a simplicidade e a amizade
e Benedito Ruy Barbosa, autor global, muito emocionado, declarou:
Vou tirar o personagem criado para Arutim, da próxima novela das 20h da Rede Globo,
94 LUIZ CARLOS ARUTIM
‘O Rei do Gado’. Vou começar a escrever pensando nele. Isso vai me bloquear.
O sepultamento ocorreu às 17 horas do dia 9 de janeiro de 1996, no
Cemitério Municipal, cercado de muita comoção.
Dados bibliográficos:
MENEZES, Ruy. Espiral – História do Desenvolvimento Cultural de Barretos. Barretos, SP. ED.
INTEC.1985.(p. 611)
MARQUES, José Expedito. Que Teatro é Este?. São Paulo. Ateniense.1988 (p. 53)
MERENDA, José Antonio. Artigos no jornal “O Diário”, edições de 26/07/1991, 11/01/1996
e 19/01/2002
JORNAL “Folha de São Paulo” – Folha Nordeste – Edição de 29/11/1992 e 10/01/1996
ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020.
WIKIPÉDIA. Biografia de Luiz Carlos Arutim.
Família Reis: Nidoval Reis, José da Silva Reis, Risoleta da Silva Reis, Valdoni Aparecida dos Reis (no colo) e
Nivaldo Reis. Foto tirada em 25 de outubro de 1934. Acervo particular de Silvio Rodrigues de Morais
O BAIRRO ATUAL
A partir da década de 1970, com a desativação da via férrea e dos
ramais e o asfaltamento da via Conselheiro Antonio Prado, ligando o núcleo
urbano de Barretos ao bairro do frigorífico, diminui, sensivelmente, a distân-
cia. Ainda, o surgimento de bairros adjacentes, como Nogueira e Ibirapuera e os
conjuntos habitacionais, CECAP I, CECAP II e Pedro Cavalini propiciaram a debanda-
da de seus moradores, com aquisições de casas nessas localidades.
Nos dias atuais, além da fábrica, o bairro mantém oito casas na aveni-
da Central; parte das casas onde residiam os ingleses; o Clube Social do Frigorífico;
o pontilhão, totalmente abandonado; o campo de futebol do Olaria; o Club House
e o campo de golfe; as casas Colônia da Estação, hoje pertencentes a particulares;
a Igreja Presbiteriana; o Centro Espírita “Allan Kardec”; a estrutura do Grupo Escolar “Fábio
Junqueira Franco”, hoje transformada no 33º Batalhão da Polícia Militar.
A Rua Municipal passou a denominar-se Estrada Vicinal “Luiz Carlos Arutin”; a
Avenida Estação passou a se chamar Via Marli Vedovato. Ainda há o surgimento de
novos loteamentos e conjuntos habitacionais.
Hoje, só temos as recordações, através de fotografias, e saudades de
termos vivido num bairro que nos proporcionou grandes alegrias, amigos
verdadeiros e incontáveis, de bom caráter, que enriqueceram nossa criação;
nossos agradecimentos por tudo que nos foi concedido por Deus.
1945. Mês e dia, não me lembro. Estava eu nas oficinas do jornal A Se-
mana (onde meu pai trabalhava), quando apareceu Antônio Bezerra de Mene-
zes (Sinhô), de passagem, dizendo que ia para a Estação da Paulista, onde filmaria
a chegada do sobrinho Bezerrinha, que estava voltando da Guerra. Convidou
o Chiquinho para ir com ele — e este pediu que eu também fosse. E fomos os
três. De carro. Na estação, o movimento era grande. Seo Sinhô arranjou, com
o gerente da Paulista, Julião Secco, uma cadeira para nela subir e ter melhor
condição de filmar o desembarque. Chiquinho e eu fomos escalados para segu-
rar a cadeira, dando, assim, total segurança ao trabalho executado pelo tio
“pracinha” que chegava. Foi, esta, a primeira vez que vi o aniversariante de
hoje: 12 de abril. E a data é por demais significativa, porque Bezerrinha está
arredondando os 70. Nasceu em Barretos, em 1920, filho do dr. Francisco de
Assis Bezerra Filho e de dona Ilnah de Lima Bezerra. Casado com dona Lígia
Guerra Bezerra, tem seis filhos e um punhado de netos.
O filme, nunca vi, nem tive notícia de que alguém tivesse visto. Mas a
chegada de Bezerrinha a Barretos foi filmada pelo seu tio Sinhô.
Eu tenho um rancho que fica em Barretos / Não existe outro igual no sertão
Moroso passa pertinho o Rio Grande / Soluçando uma doce canção.
“Perfil de São Paulo” tornou-se um clássico da MPB, tanto que tem mais
de vinte gravações, sendo as de Silvio Caldas, Agnaldo Rayol, Jair Rodrigues,
Inezita Barroso, Titulares do Ritmo e Orquestra de Luiz Arruda Pais as mais
conhecidas.
E sinhazinha delgada / Pisando a calçada / Na tarde vazia /
O tempo mudou / Mas não apagou / A tua poesia.
Ainda nos anos 50, Bezerra teve um encontro, no Rio de Janeiro, com
a cantora Linda Batista. Mostrou-lhe o samba “Exaltação ao Rio”, que Linda
gravou na RCA Victor dias depois. Como o compositor era do interior (Barre-
tos) e não vivia de música, a gravadora resolveu “criar” um parceiro para
Bezerra de Menezes. No disco de 78 rotações, ao lado de seu nome, aparece o
de Aldacyr Louro, um homem que era divulgador da RCA e que passou a ser
meeiro do compositor. O único em toda a história musical de Bezerra, que nem
mesmo nunca viu o seu sócio. Nem em fotografia.
Um pandeiro, um tamborim / Uma noite estrelada / As cores do arco-íris
Uma morena bronzeada / Quero tudo quanto é belo / Pra traçar este perfil
Da mais linda cidade / Do meu Brasil.
Rio de Janeiro / Doce quarela / Deus te pintou / E maravilhado / Do Corcovado
Não se afastou. / Praças Paris, gente alegre e feliz / Guanabara luzindo ao lugar
Copacabana é uma pequena / Bronzeada, debruçada / Olhando o mar.
Rio de Janeiro / Em fevereiro / Em março ou abril
É sempre a festa brejeira / Das cores da Bandeira / Do nosso Brasil”.
Certa feita, indo a Guaíra para uma audiência no Fórum, chegou até
à Rádio Cultura, onde eu trabalhava, contando-me ter feito uma canção para a
antiga “capital do ouro branco”. Pedi-lhe que cantasse, escrevesse a letra, e
ele o fez no verso de um envelope de ofício, assinando e datando: 10/02/76.
Nasceu da cantiga das águas / Em busca de um lago / Para morar / Nasceu da florada do ipê
Não perguntes por que / Ninguém sabe explicar. / Guairá Flor menina em botão
És pura e bela como uma oração / E esse teu jeitinho que me inspira
A te dizer e a repetir Guaíra / Conserva-te menina até o fim
Teus namorados querem-te assim. / Que bom dizer-te em forma de canção
Que estás todinha no meu coração (bis).
“Antes, a mulher era explicada pelo homem, disse a jovem personagem do meu
romance ‘As meninas’. Agora é a própria mulher que se desembrulha, se explica”.
(Lígia Fagundes Telles)
S
e, na Literatura, a mulher demorou para se tornar autora de suas
próprias divagações, imagine na História? Aliás, na História ela demorou para
se tornar até personagem. Inserir a mulher como personagem histórico, seja por
sua trajetória individual de vida e trabalho ou como grupo social, foi tarefa da
nascente história de gênero – corrente só vigente após a segunda metade do século
XX. Quando se trata de história local e regional, cuja escala de observação e
tempo é reduzida, a situação da mulher como personagem é ainda mais de-
safiadora. Isso, porque, durante décadas, a história local foi tratada pelo viés
memorialista, em que temas históricos de uma cidade eram narrados a partir
da vivência individual do autor, sem bases metodológicas e teóricas. Deste
modo, o passado de uma cidade era narrado pela exaltação das figuras dos
ditos grandes homens, seguindo a linha factual e política da história tradicional.
Numa análise genérica de obras memorialistas vê-se que às mulheres
eram relegadas poucas citações, geralmente as condicionando a seus ma-
ridos e sobrenomes de família, ou a simples omissão. O contrário, porém,
revelam as fontes históricas: isto é, quando o historiador vasculha arquivos e
se depara com fotografias, jornais e documentos — qual não é a surpresa de
sempre encontrar por ali a aparição de mulheres?
Deste modo, como uma forma de demonstração de que as fontes his-
tóricas podem ser desvendadas por olhares diferenciados, a História local
— hoje dialogada com a micro-história, a história social e a história cultural — tem a
chance de corporificar a vida, os atos, o trabalho e os legados de mulheres.
Dentro deste contexto, a cidade de Barretos se compõe como próspero
exemplo de localidade a ser estudada pelo viés da história local a partir da ação
de personagens mulheres. O passado da cidade foi alvo de vivências mar-
cantes nos períodos do Brasil Imperial e Republicano, visto Barretos ter sido
inicialmente habitada a partir da década de 1830 e oficialmente fundada em
1854. Nas últimas décadas, o município tem sido estudado por pesquisas
112 ELAS, DE BARRETOS!
historiográficas relevantes, que se desdobram em avaliar seu desenvolvi-
mento econômico a partir da veia pecuária, cuja extensão contribuiu para a
elevação do antigo arraial dos Barreto para a cidade sede do Brasil Central Pecuário.
A partir de toda a cadeia econômica, bem como os enredos políticos
e a solidificação das instituições públicas e privadas da cidade, Barretos é
constituída por uma gama de temas a serem estudados pelo viés da História,
dentre os quais a vida e obra de mulheres que, cada qual a sua maneira,
trabalharam vigorosamente para o crescimento da terra de Ana Rosa de Jesus,
fundadora da cidade junto a seu marido Francisco José Barreto.
Ana Rosa de Jesus e Joaquina Cândida de Jesus são os primeiros nomes femi-
ninos registrados na história local, visto que ambas eram matriarcas das
famílias Barreto e Marques (Librina); doadoras dos 82 alqueires de terras
usados como base ao arraial no século XIX. São mães de duas personagens
que o memorialismo narra como excêntricas, conhecidas pela alcunha de
Rita Parnaíba e Inácia Homem. A primeira, caçula do casal Barreto, era assim co-
nhecida por certa vez ter atravessado o Rio Paranaíba (MG/GO) em uma jangada
improvisada em direção a Goiás. Tal travessia teria sido uma fuga, já que
foi perseguida pela polícia e condenada à prisão por júri em Araraquara por
conta de um assassinato. Além disso, Rita é personagem de episódios icônicos
defendendo as mulheres da família e era conhecida por dançar o cateretê, can-
tar e festejar; era fazendeira. Já Inácia, filha dos Librina, era notada com jeito
masculinizado na aparência e nas atividades. Dirigia os serviços da roça, corria
os pastos, caçava, era dona de casa e administrava fazenda. Era reconhecida
em toda a região por seu trabalho em tecer e tingir tecidos. Inclusive, tecia e
tingia suas próprias roupas, tendo o costume de usar calças azuis e um “robe”
por cima, causando estranhamento à gente da época. Consta-se também que
foi casada, mas por sofrer violência do marido, separou-se dele.
O século XIX abriga poucos registros sobre mulheres na cidade. Os prin-
cipais referem-se a propriedades materiais como inventários, testamentos e
outros registros civis. Referentes a escolas, somente, encontram-se nomes
individuais de professoras que se aventuravam em ministrar aulas quando
a cidade mais se parecia com uma pequena vila na transição do século XIX
para o XX, como as professoras Laurinda Vieira d’Escobar (1890), Jacintha de Almeida
Soares de Sá (1902), Anna Lacerda (1903), Maria da Glória Carvalho (1907) e Noemi Hilda Nogueira
(1900). Esta, além de ser professora e proprietária de colégio particular para
meninas na cidade, era a única colaboradora mulher no jornal O Sertanejo
(1900), sendo tradutora de textos em francês. Além dela, o jornal tinha a
colaboração da charadista e poetisa mineira Marianna Carmelitana d’Arantes, tia da
sra. Maria Isoleta Carneiro Vieira — única mulher presente na fundação do Grêmio
Literário e Recreativo de Barretos, em 1910, entre os 96 sócios fundadores. Ao lado
daquelas professoras, sempre citadas em O Sertanejo, fulguravam outras que
KARLA ARMANI MEDEIROS 113
em anos posteriores traba-
lharam rumo à instrução
na cidade, dentre elas: Lú-
cia Garrido Lex (escola muni-
cipal), Joana de Monte Bastos
(escola maternal) e Maria
José d’Oliveira (Asilo-Creche);
sendo as duas últimas in-
tegrantes de projetos edu-
cacionais da renomada
educadora Anália Emília Fran-
co Bastos, que visitou Bar-
retos algumas vezes e ins-
tituiu sedes de instrução
e filantropia na cidade,
no penoso início do século
XX. Centenas de crianças
foram atendidas por estes
projetos.
Dentre tantas profes-
soras, uma se destaca por
trabalhar de forma diferen-
ciada: dedicava-se a ensi-
nar os alunos em situações
de exclusão por problemas Professora Noemi Hilda Nogueira (1874-1911) – colaboradora e
socioeconômicos ou doen- tradutora do jornal “O Sertanejo” de Barretos entre 1900 a 1903.
(Fonte: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”)
ças mentais; era a Profª Pauli-
na Nunes de Moraes. Sua atuação em Barretos, desde 1915, dava-se no bairro Outro
Mundo (depois conhecido por Fortaleza), que ficava atrás dos trilhos da Paulista,
onde habitava a população carente. O mesmo local sediava a Igreja do Rosário, da
qual Paulina foi importante membro como catequista e benfeitora.
Ainda como professoras, mas voltadas à cultura, outras mulheres tra-
balharam para a instrução e instalação de importantes instituições em Bar-
retos. Na Música, as professoras e pianistas Haydée Oliveira Menezes e Adelaide Galati
permitiam aos barretenses a apreciação e o conhecimento acerca da música
clássica e das canções brasileiras em saraus, recitais e audições que promo-
viam no Grêmio Literário e Recreativo. Haydée chegou a ser pianista da rede da
Instrução Artística do Brasil, levando o nome de Barretos a sete capitais federais
e a mais de cinquenta cidades paulistas por onde passou. Adelaide fundou,
em 1943, na cidade, o Instituto Dramático e Musical Santa Cecília, formando jovens na
erudição da música instrumental.
114 ELAS, DE BARRETOS!
Professora Paulina Nunes de Moraes, por volta de 1925, entre seus alunos no bairro Fortaleza, antigo
“Outro Mundo” (fonte: Arquivo da família Nunes de Moraes)
A primeira Pinacoteca da cidade foi criada a partir da ação de uma
professora de artes, Maria Aparecida Bernardes Tasso, da Escola Estadual “Mário Vieira
Marcondes” (Estadão), em 1959. Sua iniciativa, somada aos inesquecíveis salões
de arte que realizava na cidade, angariou obras de arte de grande relevân-
cia, incluindo duas obras do pintor naif José Antônio da Silva. O Museu Municipal,
inaugurado em 1979 no prédio do antigo Paço Municipal, também foi resultado
do trabalho de uma professora, Lydia Scannavino Scortecci; que, enquanto diretora
da Divisão de Educação, Cultura, Esportes e Turismo, foi responsável pela
guarnição e apresentação das peças antigas ao público barretense.
Em outras áreas, mesmo em menor proporção, as mulheres também se
mantiveram ativas, como o caso da participação em movimentos militares
como a guerra paulista de 1932, chamada à época de Revolução Constitucionalista.
Muitas mulheres participaram na enfermaria, customização de uniformes,
produção de alimentos, dentre outras coisas. Como foi o caso de Sebastiana Dias
da Cunha (Fiúca), que foi reconhecida com honrarias pelo batalhão de Barretos
por ter auxiliado no abastecimento aos carros oficiais. Na Saúde, as mulheres
também eram minoria até boa parte do século XX. Em Barretos, fez carreira
a médica Nilda Bernardi Carreira, que, formada em 1949, atuou na Santa Casa e cli-
nicou por muitas décadas na cidade, na pediatria e psiquiatria. Outro ponto
pouco citado é que o brasão de Barretos, elaborado através de concurso em
1954, possui autoria de uma mulher, a também professora Maria Luíza de Queiroz
Barcellos. Para além disso, a política é outro assunto importante a ser desnu-
dado, uma vez que a primeira mulher a ocupar um cargo na vereança bar-
retense foi a professora Maria Ignêz de Ávila Jacintho, nas legislaturas de 1973 a
1976 e 1977 a 1983; fato inusitado, visto que o voto feminino foi validado no
Brasil desde 1932. Apesar da demora da participação feminina em funções
KARLA ARMANI MEDEIROS 115
políticas na cidade, isso não significa que as mulheres estiveram alheias às
movimentações de governo — futuros estudos ainda revelarão muitos rostos
e contextos. É certo que outras médicas, professoras, artistas e profissionais
em distintas áreas atuaram no desenvolvimento da cidade. As citadas neste
texto são somente algumas de suas representantes, que, estudadas de forma
individualizada e esmiuçada, podem contribuir aos pormenores da história
de Barretos. Além do mais, há de se destacar a possibilidade de analisar as
mulheres como grupo, enxergando-as como operárias, educadoras, artesãs,
benzedeiras, comerciantes, cientistas, escritoras, etc.
Seja no olhar individualizado ou pela perspectiva de grupo, o estudo
sobre as mulheres permite captar aspectos de suas biografias — em especial,
de suas obras — daquilo que elas deixaram em forma de produção e legado.
Habilidades e trabalhos femininos que podem ser captados por uma releitura
das fontes históricas, cujos resultados anunciam quais eram as funções e os
cenários ocupados pelas mulheres, suas heranças, suas lutas e suas conquis-
tas. Sempre na tentativa de desmistificar o olhar preconceituoso da imobili-
dade das mulheres no passado, como se a elas fossem somente condicionados
o matrimônio e a maternidade; dois pilares verdadeiramente reais à maioria
delas, é óbvio, mas, que, por vezes, não limitaram e nem congelaram suas
ações e propagação à vida, tornando-as, portanto, agentes de desenvolvimen
to e crescimento da cidade. É claro que, às mulheres, foram renegados direi-
tos civis e incorporados estigmas de difícil libertação; porém, em tempo, isso
é quebrado por questionamentos e mudanças de mentalidades. Por assim
dizer: se foram produtoras de trabalho e participantes dos momentos reais
da história local, é mais que tempo de inserir as mulheres como personagens da
História. Esse movimento nem precisa ser panfletário: basta se sensibilizar
com as fontes históricas e rastrear, nelas, as contribuições das mulheres.
São elas, de Barretos, as nossas personagens da vida real.
João Batista da Rocha assina, em praça pública, Lei Municipal nº 1.032, de 25 de agosto de 1964, que criou
a Fundação Educacional de Barretos - FEB
SOBRE UMA ROCHA CRIOU-SE A FEB, HOJE UNIFEB 117
Mas, até chegar a esse ato, o caminho foi árduo. Houve resistência tan-
to por parte de aliados políticos como do poder público. Considerava-se utopia
– e, portanto, sonho irrealizável – fundar-se uma faculdade em Barretos, no
portal do sertão, a 425 quilômetros da Capital.
Houve oposição, como se disse, até em setores de órgãos públicos en-
carregados da apreciação do pedido de criação da faculdade. Só mesmo a
persistência, a visão e o idealismo é que podem explicar terem sido vencidos
todos os obstáculos opostos pela burocracia estatal.
O grande estadista é aquele que sabe se cercar das pessoas certas para
as demandas públicas certas. Escolheu, João Batista da Rocha, o amigo professor
doutor Roberto Frade Monte para viabilizar a implantação do ensino superior de
engenharia em Barretos.
Roberto Frade Monte lecionava nas faculdades de engenharia Mackenzie, Mauá
e de São Carlos. Foi nessas excelentes escolas que ele buscou a equipe de pro-
fessores do 1º Ano da FEB, da qual ele era Diretor: Jose Justino Castilho – Cál-
culo I e II; Oscar Freitas Wassimon – Cálculo Numérico; Sylvio Nisckier – Geometria
Descritiva; João Pedro de Carvalho Neto – Topografia e Geodésia; Flavio Freitas Castilho –
Geometria Analítica; Bartolomeu Albanese – Mecânica Geral; Nelson Martins – Física
Geral II; Waldo Augusto Perseu Pereira – Res. Materiais; Antonio Dozzi – Desenho Téc-
nico; Mario Ernesto Hamberg – Química; Ronald Ulisses Pauli – Física Geral I; Oduvaldo
Donnini – Direito para Engenharia.
Os Professores Assistentes eram todos de Barretos: Maria Alves Barcelos
– Cálculo I e II; Maria Henriqueta Alves Ferreira – Geometria Descritiva; Lauro Kfuri
– Química.
O 1º Conselho Diretor da Fundação Educacional de Barretos, formado aten-
dendo “convocação” do prefeito Rocha, tinha os seguintes membros titula-
res (1964/1966): Olivier Waldemar Heiland; Ercy de Mello Nogueira; Ruy Menezes; Sebastião
Freitas Pires de Campos; Jarbas Pinheiro Landim; Haroldo Tramujas Mader. Suplentes: Luiz
Castanho Filho; Mozart Ferreira.
Mesmo depois de sua implantação, não cessaram as investidas contra a
FEB. E essas eram de toda ordem e origem: alardeava-se que os professores
não tinham condição de dar aulas a uma distância tão grande de SP; que
os professores estavam fazendo turismo à custa do dinheiro dos munícipes
barretenses; que a Prefeitura não tinha condição de manter uma faculdade,
etc., etc., etc.
Dentre todas as aleivosias, as críticas referentes aos professores eram
as mais injustas. Esses renomados mestres, das melhores faculdades de en-
genharia, sacrificavam-se em estafantes viagens de trem, davam aqui suas
aulas e voltavam para cumprir seus compromissos em suas faculdades de
origem, comportamento que só o idealismo, em seu mais alto nível, pode
explicar.
118 LUIZ ANTÔNIO BATISTA DA ROCHA
Professores (esq. para a dir.): Flavio Freitas Castilho, José Justino Castilho, Bartolomeu Albanese, Ron-
ald Ulisses Pauli, Nelson Martins, João Batista da Rocha, João Carlos de Figueiredo Ferraz (Patrono
da Turma), Roberto Frade Monte, João Pedro de Carvalho Neto, Antonio Dozzi e Oduvaldo Donnini
Para se aquilatar o grau de responsabilidade, comprometimento e
seriedade desses professores, basta atentarmos para o seguinte fato: ins
creveram-se na primeira turma de Engenharia cerca de 100 alunos. Termi-
naram o curso:
Engenheiros Civis: Alonir Paro; Antonio Ricardo Carneiro; Edson Abdala Thomé; Fábio
Izoldi; Joel Moroni; José Humberto de Faria; Marcelo Anania de Paula; Omar Abdo Droub; Raul Mein-
berg dos Santos; Vera Lucia de Melo; Vicente Paziani.
Engenheiros (Elétrica e Eletrônica) – Iokio Tomoda; Naomi Hirata.
Ou seja: 13 alunos.
Em 1964, a faculdade funcionou em prédio alugado, na Avenida 29,
entre as Ruas 18 e 20. Em 1966, a Faculdade de Engenharia foi oficialmente au-
torizada a funcionar, sendo inaugurada em abril daquele ano. Em janeiro de
1967, a Prefeitura consegue fazer a aquisição de um terreno e o doa à Funda-
ção Educacional de Barretos. E, em janeiro de 1968, funciona, em prédio próprio, o
1º pavilhão com os cursos de engenharia: Civil, Elétrica e Eletrônica.
Em 1969, foi autorizado o funcionamento da Faculdade de Ciências, ainda
sob a gestão de seu fundador, Roberto Frade Monte.
O curso de Engenharia de Alimentos foi criado em 1981. Em 1984, foi
autorizado o funcionamento do curso de Odontologia. Em 1995, os de Direito,
Administração e Serviço Social.
As faculdades isoladas foram reunidas sob a denominação de Faculdades
Unificadas da FEB, em 2003 e, posteriormente, em 2007, alçadas à condição de
Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, instituindo sua Reitoria como
órgão superior unificado de gestão acadêmica administrativa.
SOBRE UMA ROCHA CRIOU-SE A FEB, HOJE UNIFEB 119
Hoje, o Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, através de suas
faculdades integradas e de suas unidades de ensino Médio, Técnico e Profis-
sionalizante, está plenamente aparelhado para cumprir as determinações
das diretrizes educacionais do país, desenvolvendo plenamente suas ações
nos campos do ensino, da pesquisa e da ação comunitária.
A história do UNIFEB se confunde com a história dos personagens mais
ilustres da história de Barretos:
João Batista da Rocha, prefeito, que teve a audácia de conceber a ideia de
criar uma escola na entrada do sertão;
Roberto Frade Monte, que conseguiu unir o que havia de melhor, quanto a
docentes, no ensino da engenharia e trazê-los para cá;
Maria Alves Barcelos e Maria Henriqueta Alves Ferreira, excelentes professoras;
Olivier Waldemar Heiland e Ruy Menezes, primeiros presidentes do Conselho
da FEB, nomes que honram a cultura barretense; e muitos outros, que seria
enfadonho mencionar aqui.
O prefeito João Batista da Rocha, enfrentando todo tipo de dificuldades, ao
assinar a Lei nº 1.032, de 25 de agosto de 1964, não estava apenas orde-
nando que se criasse mais uma autarquia. Com sua extraordinária visão
de homem público, de verdadeiro estadista que pensa nas futuras gerações,
tinha plena convicção de que fundava uma verdadeira instituição para a
posteridade.
Encontrei nas anotações pessoais de meu querido e saudoso pai um
pensamento de Samuel Smiles (1812-1904: escritor e reformador britânico for-
mado pela Universidade de Edimburgo) e que norteou toda a vida de João
Rocha:
O homem não vive só para si. Vive tanto para o proveito dos demais como para proveito
próprio. Todos têm deveres a cumprir, tanto o rico como o pobre. Para alguns a vida é
um gozo, para outros é uma dor. Porém, os homens não vivem só para gozar nem para
ganha fama. O que os move é a esperança de serem úteis para uma boa causa.
Praça Francisco Barreto na década de 1930, com destaque aos arcos de inscrições japonesas.
Fonte: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”
A época? Por volta de 1940: minha mãe assim nos conta que, ainda
com seus seis anos de idade, filha mais nova de uma família de dez irmãos, já
trabalhava com seu pai na Venda, de sua propriedade. Na época, essas vendas
eram como pequenas mercearias. Meu avô, além de administrá-la era, também,
um respeitável criador de suínos na região: tomava conta de tudo sem em-
pregados — apenas com a ajuda dos filhos.
A Venda estava localizada nas proximidades do antigo pontilhão da rua
Trinta, que hoje é a rotatória para o
Parque do Peão e Avenida dos Coqueiros, à beira
do corredor boiadeiro, que vinha de di-
versas regiões e entrava na cidade des-
cendo pela atual rua Trinta e toman-
do a rua Vinte e Quatro, passando em
frente à Igreja de Nossa Senhora Aparecida até
a avenida Quarenta e Cinco, onde hoje
é o clube da União dos Empregados no Comér-
cio, subindo até as proximidades da rua
Quatorze e, daí, descendo até o destino
final, que era o frigorífico.
Ao longo do corredor e próximo a
uma pastagem, havia uma cruz de ma-
deira, que era chamada pelos morado
res de Cruzeiro. As pessoas, geralmente
mulheres da região, na época de seca,
iam em procissão, em um momento
de muita fé e religiosidade, com latas
A Venda, em 1941.
Fonte: acervo familiar
126 A VENDA, OS PEÕES, A BOIADA E A IGREJINHA DO CORREDOR BOIADEIRO
cheia de água, molharem o Cruzeiro. Conta a lenda que, logo após este ato, as
chuvas não tardavam a cair, salvando, assim, as plantações e deixando os
pastos verdes para o alimento do gado.
A venda de meu avô, por estar à beira do corredor boiadeiro, era o pon-
to de parada dos peões que, tocando suas boiadas, ali paravam para descan-
so e alimentação, enquanto os bois descansavam pastando nas proximidades
de uma lagoa, onde também saciavam sua sede.
Como não havia chegado ainda a energia elétrica na região, as garra-
fas de bebidas — vinho e aguardente — eram colocadas em buraco no chão,
cobertas com areia grossa; jogava-se água por cima, ficando assim as bebidas
bem refrigeradas.
Os peões consumiam de tudo: de sanduíches de pão com mortadela a
“fumo de corda”, com muito vinho e aguardente. Ali reinava a alegria e con-
graçamento entre eles; conversavam, riam e contavam os causos da viagem
cansativa desde os rincões das invernadas. Ali compravam os mantimentos
para refazer o estoque da comitiva e, depois, para seguirem viagem, total-
mente abastecidos.
Próximo à venda de meu avô havia um bar, construção antiga com ti-
jolos expostos e uma placa bem visível com o nome de Sol e Lua, sobre o qual,
não se sabe por que, ninguém comentava, embora muitos peões gostassem
de ali frequentar.
Havia um pontilhão, erguido acima do corredor — ou seja, na parte de
baixo era o corredor e, na parte de cima, a linha férrea, caminho do trem
de ferro. O horário do trem, às vezes, coincidia com a parada das boiadas,
o que causava alguns transtornos, pois, ao soar o seu apito, ocasionava o
“estouro da boiada”. Os bois, assustados e desgovernados, corriam de um
lado para outro, chegando, às vezes, a invadir o estabelecimento de meu avô,
quebrando móveis e utensílios; estes prejuízos eram pagos pelo responsável
da boiada. Era também, por vezes, interrompida a alimentação dos peões,
que tinham que correr com seus cavalos e burros para reunir toda a boiada
que havia se espalhado pelas redondezas.
O peão da frente fazia soar o berrante, juntando aos poucos o gado e
continuando assim o seu caminho.
Passam os anos: já pelos idos de 1958, minha mãe vai, já com a famí-
lia constituída, morar em terras que tinham sido de meu avô — e, agora, de
propriedade de um tio, à beira do corredor boiadeiro, na altura da rua Vinte
e Quatro.
À tardinha, quando o som do berrante ecoava no ar, minha mãe corria
fechar o portão — e eu corria para a beira do corredor boiadeiro, a contem-
plar o gado que seguia com os peões naquela nuvem de poeira.
Eu, ali, acabara de completar meus cinco anos de idade, sem medo al-
MANOEL NUNES FILHO 127
gum, totalmente alheio ao perigo daqueles animais bravios trilhando aquele
corredor que os levariam ao frigorifico, para serem abatidos.
Do alto do barranco da estrada, não imaginava que algum daqueles
animais poderia, a qualquer momento, mudar sua trajetória, passar sobre a
estrada e me atropelar. Nesta altura da infância, não tinha noção alguma do
perigo e, ali, ficava a contemplar todo aquele esplendor de centenas de cabe-
ças de gado que seguiam, também sem imaginar que estavam a caminho do
fim de seus dias, para cumprir a finalidade para que foram criados.
Também chamava a atenção, à beira do corredor, saindo do caminho
da boiada, uma figura característica da região: um senhor de baixa estatura
que não tinha domínio da razão: roupas bem sujas, com muitas latas velhas
amarradas às suas vestes e barba sem fazer há muito tempo — daí, o apelido
de Barbudinho ou, às vezes, Sujinho. Vivia da ajuda dos moradores e era o terror
das crianças da redondeza, que o temiam pelas histórias que contavam dele,
as quais nunca comprovadas: era apenas uma pessoa que não tinha o domí-
nio da consciência e que não fazia mal a ninguém.
Do lado mais alto da estrada, podia-se contemplar também a passagem
do gado em frente a uma grande lagoa, que era explorada com a extração do
saibro para a confecção de tijolos, cuja localização, hoje, situa-se na rua Vinte
e Quatro, nas proximidades da avenida Quarenta e Sete. Nesta esquina, até
hoje, ainda permanece, sob um bueiro, uma mina d’agua, onde a Natureza
insiste em não morrer. Seguindo, a boiada passava em frente a uma capela,
fundada em 12 de outubro de 1921, chamada pelos peões de Igrejinha da Graia,
nome este que não sabiam como nem de onde surgiu.
Mas qual é a origem da Arte Filetada? Esse estilo pode ter chegado ao
país com os imigrantes europeus, segundo o site Pinstriping Brasil (pinstripe.
com.br). Em seus países de origem, muitos eram construtores de carrua-
gens, carroças e charretes que utilizavam a técnica da pintura filetada para
agregar valor ao produto.
De acordo com artigo “Fileteado”, no Wikipedia, o filete, na Argentina, é
um estilo tradicional. Naquele país, fileteador é quem realiza esse tipo de traba
lho, que requer pincéis de pelo longo:
a palavra filete deriva do latim filum ou um fio.
O filetador
Manoel Luis
Ferreira
(arquivo do
autor)
132 FILETAGEM: A ARTE DOS CAMINHÕES DE BOI
1
SANTOS, S. Boaventura. Pela Mão de Alice. São Paulo: Cortez Editora, 1995.
2
CAMPOS, Andrelino (2004). Do Quilombo à favela: a produção do espaço criminalizado no Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
3
ARMANI, Karla de Oliveira et. al. Descobrindo Barretos 1854-2012. Barretos/SP: Liverpool, 2012.
p.40
134 ALGUNS APONTAMENTOS DE TRAJETÓRIAS PRETAS EM BARRETOS
4
PIACENTINI, B. C. Beni, o mito sexual de uma época. s/r, p.85-86.
5
NETO, Humberto Perinelli, PAZIANI, Rodrigo Ribeiro, A Construção da Civilidade numa Cidade do
Brasil Central Pecuário: Segurança Pública, Urbanização e Sociabilidade em Barretos (1890/1937). p.3-4.
6
ARMANI, Karla de Oliveira et. al. Descobrindo Barretos 1854-2012. Barretos/SP: Liverpool, 2012.
7
SUELI, Tosta Fernandes, “Razões e Sensibilidades: a trajetória de Silvestre de Lima.
MICHELA SILVA 135
8
MENEZES, Ruy. Espiral História do Desenvolvimento Cultural de Barretos.
9
MEDEIROS, Karla Oliveira, Armani: Postado em www.barretos.sp.gov.br no dia 26/11/2013
< acesso em 07/07/2014>.
136 ALGUNS APONTAMENTOS DE TRAJETÓRIAS PRETAS EM BARRETOS
te pela busca de seus objetivos, quais sejam, de se alfabetizar; portanto, ho-
mem negro, em meio às dificuldades e estatísticas do processo de alfabetiza-
ção desta raça no país e em Barretos, no período em que ele viveu.
Pouco se sabe sobre a trajetória de Geremaro Manhães, preto de pele retin-
ta, médico, que chega a Barretos junto de sua família para prestar serviços
à Companhia Paulista de Estradas de Ferro. A família Manhães também deve ser
lembrada: exemplo na luta do negro na conquista de seu espaço, composta
pelo médico Geremaro Manhães, Lidia Gonçalves Manhães, enfermeira, e seus quatro
filhos; pessoas muito ativas na vida da cidade. Geremaro, além de médico,
foi professor da disciplina de Biologia Aplicada no Colégio Estadual e Escola Normal
Mário Vieira Marcondes e colunista do jornal Correio de Barretos. A História Oral traz
alguns relatos sobre a chegada de Geremaro Manhães e sobre suas ações na so-
ciedade barretense. Uma entrevista de um anônimo, um garoto de 15 anos
na época em que Geremaro chega a Barretos, diz:
“(...) eu fui na casa dele vê se eles pricisava dos meus serviço, eu fiquei com a maior
vergonha fia, tinha um negão trabaiando no jardim e perguntei onde tava o patrão o
doto e num é que era ele o doto. Eu sou negão tamém mais eu nunca que tinha visto um
negão que nem eu doto (ANÔNIMO, 2015)10.”
10
ANÔNIMO 1. Reconhecimento de Fotos de Barretos.
11
TOMÁS, Dercidi. Reconhecendo fotos de Barretos.
12
CARREIRA, NILDA B. Trajetória da Primeira Médica de Barretos.
MICHELA SILVA 137
rios políticos de ambos.
A manchete do jornal foi intitulada Dr. Manhães e Professor Adão foram desagra-
vados devidamente. A notícia traz, em seu escopo, um posicionamento do Partido
Social Progressista, que se manifesta contrário ao ato:
“(...)fiéis intérpretes do pensamento e da tradição da gente barretense (...) Pelo que diz algum
racista de bobagem preocupado com a perniciosa manifestação de insensatas teorias, desconhecen-
do talvez a influência do negro na civilização brasileira(...)”.
O Correio de Barretos trazia um tom progressista do acontecido, mesmo
pré-saídos da ditadura do Estado Novo, que “teria inviabilizado as ações independentes por
parte dos movimentos sociais”13 — e que perdura de 1935 a 1942.
Portanto, quando falamos das décadas de 1930 e 1940, é importante
destacarmos que, neste período, o movimento social negro estava em sua
efervescência na sociedade brasileira. Mesmo passando por momentos re-
pressivos, teve como principal marco a fundação oficial do Clube Social Negro
Associação Beneficente Estrela d’Oriente, que trazia uma expansão destas discussões
na cidade e que, para além de preencher uma demanda de entretenimento
da população preta, contribuiu também para um fortalecimento moral de
famílias pretas, como um ato de resistência.
Com um pouco dos apontamentos da influência de pessoas pretas, con-
seguimos concluir que foi determinante para a formação do povo barretense;
e sua forma de resistir ao processo total de aculturação sofrido desde o início
da escravização, permitiu que sobrevivências culturais perdurassem, mesmo
que a essência africana tenha se perdido em parte.
Vemos, ainda, essa essência representada pelos terreiros das religiões
de Matriz Africana, rodas de capoeira — reconhecendo-as não só como for-
mas de resistência preta, mas também como traços de uma cultura brasileira
formada com inserção e fusão de elementos culturais e sociais permanentes.
ASCEDÊNCIA
A jovem senhora, de educação refinada proporcionada por Tarquínio e
Maria Olina, foi enfermeira do Hospital das Clínicas e cativou o inteligente hemato-
logista Matinas Suzuki, deixando seu traço de bondade e finesse nas rodas que
frequentava, mas carregando sempre consigo o DNA dos lutadores Tupinam-
bás, legítimos filhos desta terra e originários da grande nação Tupi.
DNA de fibra, que demonstrou no episódio em que passou de atuante
e comprometida na diretoria da Associação de Pais e Mestres do Ginásio Vocacional à
heroína marcada pela repressão da ditadura militar, sendo presa e levada
para a sede da Polícia Federal em São Paulo, acusada por dividir e expor,
no saguão da entrada do Vocacional, junto com professores e alunos, a autoria
em um quadro de colagem que crucificava Che Guevara como mártir da era
moderna.
FORMAÇÃO
Veridiana Emelina Tupynambá Suzuki iniciou sua vida estudantil no 1º Grupo de
Barretos, de 1931 a 1935 e no Ginásio Municipal de Barretos, de 1935 a 1940.
VERÍ, VERÍDICA, VERDADEIRA: VERIDIANA 139
Cursou a Escola “Normal”, Faculdade do Colégio Batista Brasileiro, em São Paulo,
de 1941 a 1942.
Iniciou sua profissão de professora em 1943, nas cidades de Miristrela,
Américo de Campos e Indiaporã. Retornando a Barretos em 1944, começou
a dar aulas na área rural na região das Contendas, na escola da fazenda da
Sra. Tereza Caram. Graduada na Faculdade de Enfermagem da USP/SP (1945-1949), foi
chefe da Pediatria do Hospital das Clinicas de São Paulo em 1950.
Dona Veridiana faleceu em 13 de outubro de 2005. Carteira de Enfermagem, arquivo: Mussa Calil
DESCENDÊNCIA
Alguém já disse um dia: “Quem sai aos seus não degenera”. Os filhos que Ve-
ridiana deu a Matinas, na verdade os deu à Humanidade, com a sua marca
registrada de bom caratismo, ética, sensibilidade e competência. Todos bem
resolvidos, proficientes nas respectivas áreas, mas igualmente leais, puros
e verdadeiros, forjados com a têmpera que pode ser melhor entendida em
140 MUSSA CALIL
VOCACIONAL
Sempre disposta a ajudar! Levava marmitas para vários alunos (ponto
era na Borracharia do Tarzan, na Rua 22 esquina da Avenida 19) pois no pri-
meiro prédio não havia cozinha industrial. Dona Veridiana foi presidente da
Associação de Pais e Mestres (APM) onde recolhia doações entre famílias generosas,
para que todos os alunos carentes pudessem viajar – nas mesmas condições
de todos os outros, fruto de um projeto à frente de seu tempo, o Estudo do Meio.
Realizava esse trabalho com ajuda da D. Nagibe Lian: tudo feito com muito ca-
rinho — e gratuitamente.
JUSTO RECONHECIMENTO
Câmara Municipal de Barretos. Projeto de Lei 138 de 25 de setembro de 2009.
Pelo que dona Veridiana representou para os barretenses, por si mes-
mo como cidadã — e não por ser esposa de um médico e político — foi mere-
cedora de toda homenagem a carinho que ela e sua família vieram a receber
de nossas instituições mais antenadas, tendo sido batizado como Vocacional da
Saúde Veridiana Emiliana Tupynambá Suzuki o espaço antes utilizado pelo antigo Ginásio
Vocacional, escola onde seus filhos foram preparados para o saber, para uma
educação bem avançada dos padrões normais e que foi estigmatizada pela
truculência da ditadura militar.
VERÍ, VERÍDICA, VERDADEIRA: VERIDIANA 141
Esta homenagem foi duplamente importante: por ela e por todas as
enfermeiras de Barretos, pois representava toda a classe de enfermagem
naquela oportunidade, uma vez que médicos – com toda justiça – constante-
mente tornam-se nomes de alas de hospitais e unidades de saúde espalhadas
pelos municípios, mas o mesmo não ocorre com a classe das enfermeiras,
que também tanto contribuem para a evolução dos serviços de saúde, princi-
palmente nos dias de hoje com a pandemia do Coronavírus, que está pondo fogo
no planeta e humilhando os homens mais poderosos do mundo.
PRIMEIRAS LEMBRANÇAS
História extraída do livro “Memórias de um Vivente Obscuro” (de Matinas Suzuki).
“Dia 24 de dezembro de 1987. Véspera de Natal, data gostosa. Ela vem
trazendo para casa os filhos, os netinhos, a parentada toda, e na permuta-
ção de beijos, de abraços e das primeiras notícias, o fervilhar da alegria do
reencontro. Ufania religiosa por Jesus, prestes a nascer. Fervor católico por
Maria, em trabalho de parto. Pacotes de presentes, empilhados ao lado da
árvore de Natal, aguardando o momento do amigo-secreto.
Estou na sala, lendo jornal. A falação alegre na copa veio para a sala,
minha mulher, Veridiana, à frente. Ela me diz:
- Pensa um número, de zero a vinte.
- Pra quê?
- Depois eu conto. Já pensou?
- Dezesseis! – disse em voz alta.
- Ganhei! – exclamou Elinho, meu genro.
Aí vi minha mulher entregar a minha linda agenda, objeto luxuoso que
o Unibanco distribui anualmente aos seus clientes vips.
Só que, no meu caso, era deferência do doutor Gabriel Jorge Ferreira, que
sempre me honrou com a sua amizade.
Porque, economicamente, sempre fui um classe-média.
Protestei:
- Mas essa agenda é minha!
- Você não precisa. A sua vida é um carimbo!
Choveram risadas.
Veridiana dera uma definição pitoresca
à minha vida. Um carimbo.”
Oriundo da cidade de São José do Rio Preto, aportei nesta Barretos nos
idos do ano de 1958, com dez anos de idade. Fui cursar o 4º ano primário no
1º Grupo Escolar, hoje EE Dr. Antônio Olympio, classe mista, cujo professor era o sau-
doso professor José Expedito Marques. Modéstia à parte, formei-me em primeiro
lugar da classe, dividindo a honra com uma menina. Quando da entrega do
prêmio de melhor aluno, dividido por dois, tive aí, por parte do professor José
Expedito Marques, uma mostra de educação e respeito, quando ele entregou o
prêmio primeiro para a menina, dizendo primeiro as damas. O 4º ano de grupo
era feito concomitantemente, durante o ano, com um curso que se chamava
“admissão” que era ministrado por professoras independentes e você tinha
que ser aprovado, senão não ingressava na primeira série ginasial. Eu fiz a
admissão com a Dona Pequena, que morava em frente ao Grêmio Literário e Recreati-
vo de Barretos, na avenida 19 — a sala de aula ficava nos fundos da casa.
Morei na esquina da avenida 27 com a rua 28, em frente ao Colégio das
Freiras, somente para meninas. Nos anos 60, as meninas, todas uniformiza-
das, atraíam a atenção dos jovens. Nessa época, ainda imberbe, via na saída
do colégio os paqueradores da época, que passavam para cima e para baixo
nas suas lambretas e vespas — que eram as motos da época — se mostrando
para as meninas.
Lembro que íamos onde hoje é a Região dos Lagos, para ver os peixes or-
namentais, onde os japoneses que cultivavam hortas criavam-nas nos lagui-
nhos das minas d’água. Aquela região era brejo.
Fui fazer o 1º ano ginasial no Ginásio Estadual Mario Vieira Marcondes, no ano
de sua inauguração. Escola que deixou muita saudade, pelo nível dos pro-
fessores que tinham amor à profissão e faziam questão de ensinar. Não vou
mencionar os nomes com receio de esquecer alguns.
A Festa do Peão de Boiadeiro, recém-criada em 1956, fazia suas programa-
ções de montaria no Recinto Paulo de Lima Correia, durante o dia, e a noite apresen-
tavam grupos de danças folclóricas de todo o Brasil e também do exterior. A
juventude então se fantasiava de boiadeiro e curtia toda programação.
NEWTON TEIXEIRA DA SILVA 143
Uma semana antes da Festa, todas as noites, na praça em frente à
Catedral, cada colônia apresentava uma dança típica de seu País. Em um
ano, o Grêmio Literário e Recreativo de Barretos ficou responsável por apresentar
uma dança dos Estados Unidos. A dança que estava na moda era o Twist, que
vinha de lá na voz do Chubby Checker. Como eu dançava, fui convidado para
fazer parte do grupo de dança e a apresentação foi muito bem, com cabelo
na testa e tudo.
Defronte ao recinto existia o campo de futebol do Barretos Futebol Clube,
que em 1959 fez a fusão com o outro time da rua 20, o Fortaleza Futebol Clube,
ficando somente o Barretos Esporte Clube, com o campo da rua 20. Quando o cam-
po da rua 32 foi desativado, os muros foram derrubados, deixando o terreno
livre. Pude desfrutar de jogar várias “peladas” no campo desativado.
Durante a Festa do Peão, os camelôs armavam suas barracas no local
do campo de futebol, numa desordem total. Como era época da guerra do
Vietnã, o local ficou conhecido como Vietnã, por causa da bagunça. A coisa foi
aumentando e o Vietnã se espalhou na avenida 23 até a rua 30. Nessa época,
eu morava em frente à Santa Casa.
Já rapaz, com os amigos frequentávamos o footing: a definição para essa
palavra seria: “um passeio de ida e volta, em trecho curto, de rapazes e garotas para verem o
sexo oposto ou iniciarem um namoro”.
De fato, na praça Francisco Barreto existia uma fonte luminosa redonda,
doada pela colônia japonesa, onde era realizado o footing redondo — sim, re-
dondo, porque também existia o footing quadrado, realizado no quarteirão da
avenida 19 entre as ruas 18 e 20.
Praça Francisco Barreto, com destaque à fonte luminosa doada pela colônia japonesa; um dos pontos de
encontro da juventude barretense nos anos 1960 (fonte: arquivo do Museu “Ruy Menezes”)
144 MINHA BARRETOS NOS ANOS 60
D
HISTÓRIAS DA MINHA CIDADE
epois de morar em Barretos por oito décadas, quero, neste artigo,
rememorar fatos que me identificaram com este povo hospitaleiro e idealista.
A história de nossa cidade já foi escrita com muita competência pelos
nossos ilustres historiadores. Porém, é sempre bom lembrar aqueles desbra-
vadores, mineiros de Caldas Velhas, das Minas Gerais, que para cá vieram
com seus familiares e aqui se instalaram, dando início a um vilarejo que
resultou nesta progressista cidade do norte paulista.
Francisco José Barreto — Chico Barreto — e Simão Antonio Marques — Librina —,
sempre serão lembrados como fundadores desta famosa cidade do interior
brasileiro.
Os fatos e acontecimentos a seguir narrados serão expostos de forma
espontânea, com variados assuntos e sem muito compromisso sequencial
entre um parágrafo e outro.
São registros das décadas de 40 e 50. Infância e juventude.
DÉCADA DE 40
Nesta primeira década, os meninos em idade escolar tinham como dis-
tração divertimentos ao ar livre, como empinar papagaio, jogar pião, boli-
nhas de gude e futebol. Também era costume juntar figurinhas. Nada que
ultrapassasse as 10 horas da noite. As meninas preferiam jogar amarelinha
e brincar com bonecas. Quanto ao futebol, os meninos jogavam a semana in-
teira. Nos domingos aconteciam “as finais” no Largo da Feira – Mangueirão e Largo
da Feira. A criançada se alimentava muito com frutas, sem pagar: caju, manga,
jabuticaba, jatobá, melancia, goiaba...
No futebol profissional, três times representavam nossa cidade no
Campeonato Paulista: Barretos F.C., Motoristas e Fortaleza. Todos com suas divisões
de base (infantil, juvenil e aspirantes).
148 HISTÓRIAS (E NOVAS HISTÓRIAS) DA MINHA CIDADE
Construção do Cine Barretos, inaugurado em 17 de dezembro de 1946 (arquivo do Museu “Ruy Menezes”)
No basquetebol, a ABC – Associação Barretense de Cestobol, formada apenas
com jogadores de Barretos, era referência no basquete estadual.
Nesta década, coisas importantes aconteceram em nossa cidade. En-
tre outras, foram marcantes: a instalação da primeira emissora de rádio e
a inauguração do Recinto Paulo de Lima Corrêa — palco das melhores exposições
de gado do Brasil e, por trinta anos, local onde foram realizadas grandiosas
Festas do Peão de Boiadeiro de “Os Independentes”.
O fim da 2ª Guerra Mundial aconteceu em 1945, com muita festividade.
Em 1947, o então prefeito Mário Vieira Marcondes realizava a primeira Festa
do Peão de Boiadeiro do Brasil. Também nesta década, um grande acontecimento
foi o aparecimento da penicilina, que salvou milhares de vidas.
DÉCADA DE 50
Na década de 50, a moçada da bolinha de gude e do estilingue já procu-
rava outros divertimentos: matinês dançantes, boates, footing, cinemas, bar-
zinhos, etc.
Os estudos, agora, eram mais rígidos porque haveria pela frente o ves-
tibular e a definição da carreira profissional. Mesmo assim, a vida social era
NIVALDO GOMES E NIVALDO GOMES JÚNIOR 149
intensa. Os clubes eram bastante frequentados. Entre os pontos de encontro,
os mais conhecidos eram: Bar São Paulo, Ponto Chic, Bar Jaú, King’s Bar, Caju, Predileto, Café
Goiano...
A tradicional Quermesse de São Benedito acontecia anualmente. Eram muitos
dias de uma grande festa. A Festa das Nações, em praça pública, também era
muito tradicional. Conjuntos musicais de Barretos animavam as boates se-
manais e nossos carnavais de clube: Night and Day e The Kick-Backs eram os mais
famosos. O carnaval de rua — um dos melhores de todo o estado — tinha
como atração mais importante a escola de samba Estrela D´Oriente.
Também, nas noites barretenses, não faltava a seresta.
Perspectiva da área central de Barretos na década de 1950. Destaque ao prédio do 1º Grupo Escolar,
à cúpula da Catedral, ao Sindicato Rural, ao Grêmio Literário e Recreativo, ao Café Ivaí e
à Praça Francisco Barreto (arquivo do Museu “Ruy Menezes”)
O Touro do Vale, em partida pela fase de classificação em 1965. Da esquerda para direita, em pé: Salvador
(entrevistado por Paulo Baroni), Antôninho (entrevistado por Marco Baroni), Condinho, Zé Maria, Xisto e
Lourenço; agachados: Cabeça (massagista), Zezinho, Geada, Vanderley, Adésio e Rodolfo.
(Acervo Patrício Augusto – reprodução Correio de Barretos)
A equipe do BEC de 1965, no jogo frente ao Rio Preto, em casa (29/8). Da esquerda para direita, em pé:
Sidney Cotrim (técnico), Salvador, Antoninho, Xisto, Condinho, Zé Maria e Tirí (entrevistado pelo repórter
Marco Baroni). Agachados: Cabeça (massagista), Zezinho, Geada, Vanderley, Rodolfo e Gessi.
Neste jogo, Adésio estava fora devido a uma hepatite. (Acervo Patrício Augusto)
OS JOGOS FINAIS
No primeiro jogo das finais, disputado em 18 de novembro, o Barretos
perdeu por 1 x 0, gol do ex-palmeirense Hélio Burini, aos 15 minutos do se-
gundo tempo. Naquela oportunidade, o BEC queria que o jogo fosse realizado
mais adiante, o que lhe daria tempo para recuperar jogadores que estavam
contundidos. “O Bragantino, porém, forçou a barra e conseguiu a marcação do
jogo, o que não foi bom para nós”, relatou-me o diretor de futebol da época,
José de Carvalho, “Tinoco”. Naquela oportunidade, o BEC formou com Xisto,
Condinho, Antoninho, Salvador e Lourenço; Zé Maria e Adésio: Zezinho, Geada,
Vanderley e Rodolfo. O Bragantino jogou com Darci, Roberto, Ivan, Walter e
Geraldo; Del Pozzo e Hélio Burini; Nardinho, Norberto, Nivaldo e Wilson.
Na segunda partida, precisando ganhar para provocar o jogo extra, o
Touro do Vale esteve à frente do placar por duas vezes e acabou cedendo o
empate, que deu o título ao rival. Vanderley marcou o primeiro para o BEC
num chute de fora da área, mas Lourenço (contra) empatou para o Braga.
Após a cobrança de um escanteio, por Zezinho, Vanderley, de cabeça, recolocou
o Touro do Vale à frente do marcador.
Entretanto, a três minutos do final, Nivaldo empatou o jogo. No ataque
FUTEBOL – MEMÓRIA 1965: O EMBLEMÁTICO EPISÓDIO DO TREM DA FOME 155
do Bragantino, a bola saía pela linha de fundo em lance favorável ao Barretos.
Mesmo assim, Xisto foi para bola com objetivo de detê-la. O goleiro objetivava,
segundo contou Tinoco, ter a bola na mão para ganhar tempo.
“O goleiro me disse que o zagueiro Lourenço, batedor dos tiros de meta,
estava visado pelo árbitro e não tinha a manha de fazer de cera”, conta.
“Então, ao invés de deixar a bola sair para nossa equipe fazer a reposi-
ção no tiro de meta, queria mantê-la em jogo. Ocorre que, ao ir para a jogada, a
bola bateu no seu ombro e voltou para o campo e o Massa Bruta aproveitou-se
do lance empatando a partida”, descreve Tinoco, conforme o relato do próprio
Xisto. Minutos depois, o jogo estava encerrado e o Bragantino foi o campeão,
subindo para a Especial Paulista.
O terceiro jogo era tudo que o Barretos queria. Entendem os dirigentes
e os esportistas que vivenciaram a época, que o adversário estaria sem con-
dições físicas e técnicas para suportá-lo, diferente do BEC, que estaria inteiro.
Menos de um mês depois, as equipes encontraram-se novamente em jogo
amistoso, com o Barretos goleando o Bragantino por 5 x 0.
_________________
1
A discussão teórica acerca dos conceitos marxistas de classe e consciência de classe é profícua e perpassa
vários autores da história e das ciências sociais. Um dos entendimentos mais recorrentes é aquele dado pelo
clássico A formação da classe operária inglesa de E. P. Thompson, segundo o qual “A classe acontece quando
alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a iden-
tidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos
seus. A experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens
nasceram – ou entraram involuntariamente. A consciência de classe é a forma como essas experiências são
tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais. Se a
experiência aparece como determinada, o mesmo não ocorre com a consciência de classe”. THOMPSON, E. P.
A formação da classe operária inglesa, v. I, A árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 10.
2
A concepção materialista da história nos mostra que em “cada fase histórica se encontra um resultado material,
um somatório de forças de produção, uma relação historicamente criada entre indivíduos e a natureza e daque-
les entre si, que cada geração recebe da que a precedeu [...] partimos do homem realmente ativo, para, com base
no seu processo real de vida, mostrarmos também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse
processo de vida [...] Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência”.
GARDINER, P. Marx: a concepção materialista da história. In: ___ (org.) Teorias da história. 4 ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 158-159.
3
HOBSBAWM, E. O fazer-se da classe operária. In: ___ Mundos do Trabalho: novos estudos sobre história
operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 282.
4
“Convidam-se as classes operárias todas a comparecer hoje as 12h do dia à Rua Tiradentes em frente à fer-
raria Mantoni”. O Commercio 6.8.1911 In: ARAÚJO, C. R. A. Perfil dos Operários do Frigorífico Anglo de
Barretos (1927-1935) 2003. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2003.
5
ARAÚJO, C. R. A. Op. cit; p. 80.
6
BATALHA, C. H. M; SILVA, F. T.; FORTES, A. Cultura de classe: identidade e diversidade na formação do
proletariado. Campinas: Unicamp, 2004, p. 12.
7
Destaca-se entre os imigrantes a presença dos lituanos nas primeiras décadas do frigorífico. Alvos recorrentes
da vigilância de agentes federais, chegaram a sofrer deportações. ARAÚJO, C. R. A. Op. cit.; p. 80-8; 100-1.
Ver também: WELCH, C.; GERALDO, S. Lutas camponesas no interior paulista: memórias de Irineu Luís
de Moraes. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
8
Entre estes migrantes destacaram-se os baianos. Centenas foram contratados pela família Prado para exercer
atividades mais penosas e de baixa remuneração, como o desmatamento e limpeza das terras. In: ARAÚJO, C.
R. Op. cit; p. 77-8.
9
“No ano de 1933 [...] foi fundado o “Sindicato dos Trabalhadores em Frigorífico”, hoje, “Sindicato dos Traba-
lhadores nas Indústrias de Alimentação de Barretos”. O sindicato foi prontamente reconhecido em 31 de maio
de 1933 pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criado por Getúlio Vargas [...] o que diminuiu a au-
tonomia dos trabalhadores em relação as suas reinvindicações, que passaram a ser ‘mediadas’ e ‘medidas’ pelos
representantes do capital e da ordem pública” In: ARMANI, K; FERNANDES, S.; TINELLI, R.; TRUCULLO,
P. Descobrindo Barretos (1854-2012). Barretos: Liverpool, 2012, p. 234. Sobre a atuação do Sindicato da
Alimentação, ver também: MENEZES, B. A. Nossa Luta: PT em Barretos-SP. 2 ed. S/E. Barretos: ?, p. 34-6.
10
Sobre os depoimentos colhidos pela historiadora: “[...] É evidente no discurso dos operários o agradecimento
aos antigos patrões, paternalistas. Todas histórias são contadas com emoção e fazem parte de um rico acervo
da memória popular que certamente merece maior atenção e cuja recuperação é parte importante da história do
município.” ARAÚJO, C. R. A. Op. cit.; p. 67.
11
PERINELLI NETO, H. Espaço(s) fabril(is) e tempos sociais diversos: etnografia histórica, particularidades
da modernidade brasileira e o Frigorífico de Barretos (1909/1931). p. 2. Acesso em: https://www.iau.usp.br/
sspa/arquivos/pdfs/papers/01523.pdf
A CLASSE OPERÁRIA EM BARRETOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES (...) 161
12
O conceito é da historiadora Margareth Rago: “Nesta utopia reformadora, a superação da luta de classes
passava pela desodorização do espaço privado do trabalhador de duplo modo: tanto pela designação da forma
de moradia popular, quanto pela higienização dos papéis sociais representados no interior do espaço domés-
tico que se pretendia fundar. A família nuclear, reservada, voltada para si mesma, instalada numa habitação
aconchegante deveria exercer uma sedução no espírito do trabalhador, integrando-o ao universo dos valores
dominantes”. RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar – Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985, p. 61.
13
BATALHA, C. H. M; SILVA, F. T.; FORTES, Op. cit.; p. 13.
14
Neste sentido ver o trabalho de HOFT, R. O processo de urbanização em Barretos (1910-1930). 2009.
Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdades Integradas FAFIBE: Bebedouro, 2009.
15
REMIJO, A. P. A situação da classe trabalhadora nos frigoríficos de Barretos: antagonismo da superex-
ploração. 2013. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Universidade Federal de Santa Catarina: Florianó-
polis, 2013.
Talvez você ache que eu sou muito velho. Mas se conhecer a minha his-
tória, verá que sou mais antigo do que pensa. Meu corpo é antigo, mas minha
alma é atemporal. Tenho histórias e segredos que muitas pessoas jamais
imaginaram. Vou abrir as portas do meu passado e te levar a tempos muito
antigos, onde eu fui concebido pela primeira vez nessa cidade, por pessoas
que tinham um bom objetivo em mente: guardar histórias da nossa gente
para que, hoje, você possa conhecê-las.
Paço Municipal – década de 1910/1920, ainda sem as águias. Acervo: Museu Ruy Menezes
Numa casa com comércio para a Rua 4, vivia uma família composta
por dez filhos e seus pais; um imigrante libanês e a esposa nascida em terras
mineiras, que por força do destino e desejo dos avós, fazendeiros naquelas
terras, decidem-se a fazer morada em terras paulistas. Vendem a fazenda,
trocando o leite pelo café, como diziam à época. Mal sabia ele ‘onde estavam amarrando
os bigodes’. Minas Gerais, de povo acolhedor e de terras próprias, para São
Paulo, de povo culturalmente menos afetuoso, mais reservado, muito distante
da acolhida oferecida em terras mineiras. Os ricos contos de réis da venda
da fazenda em Minas nada significavam em terras paulistas; e o rico avô, de
fazendeiro nobre para um reles empregado em terras alheias. E assim, em
visitas a essas terras, onde a família mineira passa a trabalhar, o imigrante
mascate conhece a pequena mineira, tímida, de fervorosa fé e caráter. Se
apaixona pela bela morena e pede sua mão em casamento. Passado algum
RETALHOS DO PASSADO 167
Coreto da Praça Francisco Barreto no início do século XX (arquivo do Museu “Ruy Menezes”)
virilhas, provocando latências e visões de panturrilhas, espartilhos, lábios e seios. A hora convida ao
prazer mas, antes, a fé no divino. Antes da parada obrigatória no famoso bordel “Bico do Pavão”, o
momento era de dar graças. Na Praça Francisco Barreto prendem os animais. A molecada, em grupo,
se aproxima. Um trocado para uma casquinha de biju e os cavalos escovados e brilhantes ao fim da
missa. O pároco termina e retornam à praça lotada. As mães, divididas entre as brincadeiras dos
pequenos e as tentativas de flerte das filhas maiores. Um único olhar valia mais do que qualquer
punição anunciada. Os sorrisinhos afetados eram recolhidos e a expressão do rosto retornava ao
pretenso tédio.
Neste vai-e-vem, o footing prosseguia, sendo a maior atração da Praça Francisco Barreto, mas
distante dos desejos daqueles homens que queriam mesmo era circular entre os movimentos de an-
cas, cafungar nos cheiros nos cangotes, sentir os gemidos e ritmos ao pé do ouvido e além. O mundo
girando em sua rota e o Bico do Pavão circulando em outra, onde o céu não era feito de estrelas, mas
de explosões de meteoritos.
Ah, seo Américo! Que saudade do não vivido, de vida no paraíso, giran-
do feito caleidoscópico. Memórias foscas feitas de desenhos sobre a areia
na proximidade do mar. Tudo fluído, volátil, derretendo feito sorvete ao sol,
incorporado por dentro como as sinapses em ondas neurais.
Ação, movimento, geração de vida. Um tempo de regras simples, de ser
assim ou ser assado, de seguir sem muitas inferências ou expectativas de
mudanças.
Ah, esse meu Barretos de outrora! A eterna Terra do Chão Preto, do vento
gelado, da florada do ipê, da Festa do Peão e do Berrantão.
Barretos, um orgulho do noroeste paulista.
Sada Ali nasceu em Barretos. Lançou sua obra bipartite “Perfume dos
Laranjais”em Barretos, Ribeirão Preto, Uberaba e São João del-Rei/MG (vencedora
de edital da UFSJ), além das Feiras do Livro. Ainda lançou em Florianópolis (Livraria
Catarinense) e em São Paulo (Bienal, Livraria Cultura e Casa das Rosas). No exterior,
sua obra esteve na 107 Foire de Paris, na França e London Book Fair (Inglaterra).
Ainda em terras francesas, pelo Ministério da Cultura, Sada lançou em Lyon (2013).
A convite, também levou “Perfume” a Portugal (2016), quando lançou em Gaia e
Porto. Titular da cadeira 1 da ABC, cujo patrono é Antônio Gonçalves Gomide
Se essas paredes falassem...
Shirley Spaolonsi Pignanelli
Cantávamos também o Hino ao Grupo Escolar “Professor Fausto Lex”, escrito pela
Dra. Vera Sonia Abrão, que adaptou uma letra à melodia da canção “Cisne
Branco”, Hino Oficial da Marinha Brasileira (composição de Antonio Manoel do Espírito
Santo e letra de Benedito Xavier de Macedo).
É... “Antigamente a escola era risonha e franca” — lindas e verdadeiras palavras
que encontramos na velha poesia “O Estudante Alsaciano”, do poeta português
SHIRLEY SPAOLONSI PIGNANELLI 175
Acácio Antunes.
Ah, se essas paredes falassem... Também repetiriam as noções de con-
tabilidade que eram ensinadas aos alunos no curso noturno do conhecido
“Ateneu Municipal” ou Escola “Sinomar Macedo Diniz”, hoje extinto, enquanto o antigo
Grupo Escolar “Professor Fausto Lex” foi transferido e funciona, atualmente, no bair-
ro Nadir Kenan, com o nome de Escola Municipal Professor Fausto Lex. Os cursos do
Ateneu eram de nível técnico, com excelente qualidade; muitos dos contabi-
listas de hoje, respeitados em nossa cidade, ali se formaram. O Ateneu tinha
uma Banda que se apresentava nos desfiles da cidade e seus instrumentos
eram guardados no porão do prédio, sob as salas de aula, porão esse que nos
causava receio pelos escorpiões que ali foram encontrados, certa vez. Ou-
tros insetos asquerosos, com certeza, também passeariam livremente nesses
porões, pois me lembro de uma vez em que fui pegar um pacote de folhas do
armário e senti uma barata vindo junto, o que me fez jogar todas as folhas
no chão e sair correndo. Se pudessem rir, as paredes, certamente, ririam com
gosto desse momento...
São muitas lembranças para estas poucas páginas. “É que a memória da gente
guarda lembranças demais”, já nos disse Gabriel Sater, compositor popular. Lem-
branças que me emocionam muito quando encontro, casualmente, antigos
alunos, hoje homens e mulheres adultos, com família e profissões definidas, e
que me dizem saudosos: “A senhora foi minha professora”. É comovente e muito gra-
tificante saber que deixei marcas na história de vida destes alunos e que as
velhas paredes do Grupo Escolar “Professor Fausto Lex” também guardam o eco da
minha voz passando lições, de cultura e de vida, aos meus jovens aprendizes.
Ah! Se essas paredes falassem...
Fachada atual do prédio da Rua
22, onde funcionou o Grupo
Escolar “Professor Fausto
Lex” (acervo da autora)
1
O Sertanejo, Barretos, 15/Mar/1903, pág. 1. Coleção Carmem Nogueira. Acervo: MRM. (grafia de época preservada)
SILVESTRE DE LIMA: AS MULTIFACES DO PERSONAGEM QUE TRANSFORMOU BARRETOS 177
da política, além de trazer os aspectos e os cheiros do local, dava voz a sua
gente, concedendo ao semanário textos próprios de barretenses, entre eles
Jesuíno de Melo, que registrava as memórias dos primeiros moradores e Al-
meida Pinto, que publicava crônicas sobre o cotidiano da cidade de maneira
bem-humorada e rimada.
Outra característica interessante do hebdomadário é a presença de uma
mulher, a jovem Noemi Nogueira, que traduzia obras célebres e, entre todo
esse turbilhão de novidades, ainda havia espaço para as poesias de Silvestre,
que incontestavelmente fizeram a história do jornalismo barretense. De voo
célere, alcançou as principais capitais, sendo bastante elogiado por colegas
da imprensa carioca, berço do jornalismo no Brasil, com os quais aprendeu o
ofício e se moldou jornalista. O escritor Arthur Azevedo, um dos fundadores
da Academia Brasileira de Letras, em “O Paiz”, saudou-o festivamente
“Quem é vivo sempre aparece. Acabo de receber da cidade de Barretos (Estado de São
Paulo) o 1º. Número d’O Sertanejo, periódico hebdomadário que tem como redactor-che-
fe Silvestre de Lima, meu velho e affectuoso companheiro de vida litteraria, estimado
poeta que há muito tempo não dava um ar de sua graça, e de quem eu não recebia, há
não sei quantos anos, a mais ligeira notícia”2.
Como visto, Barretos era uma cidade essencialmente rural, até então
conhecida por atos de violência e a qualidade de suas pastagens. Com o
pioneirismo de Silvestre, tem-se, através da introdução da imprensa, uma
leitura urbana de um espaço rural, com destaque para as potencialidades do
local, atraindo assim novos olhares sobre a cidade, que contribuíram para a
sua modernização.
Silvestre estudou no Rio de Janeiro, onde se encantou com o jornalismo,
abraçando-o apaixonadamente e fazendo deste ofício sua profissão, fato que
certamente o influenciou na inauguração da imprensa barretense. Ainda na
capital, habituou-se às lutas políticas e às facilidades proporcionadas pela
modernidade, fatos que o levaram a ingressar na política local, passando a
atuar na melhoria das condições da cidade e na higiene do espaço urbano, o
que incluía a instalação de Posto Zootécnico, do primeiro grupo escolar, ilumina-
ção pública e água encanada, entre outros.
2
O Paiz, Rio de Janeiro, 09/Abr/1900. Acervo BN. (grafia de época preservada)
3 Idem. (grafia de época preservada)
178 SUELI DE CÁSSIA TOSTA FERNANDES
No campo político, enquanto viveu no Rio, foi uma voz incisiva contra
a escravidão e pela defesa da República.
Em Barretos, ingressou na política em 1892, um ano após a sua che-
gada. Foi vereador, intendente (equivalente a prefeito — reeleito por várias
vezes) e deputado estadual. Como prefeito, impulsionou o crescimento da
cidade, merecendo destaque a introdução de dois símbolos de progresso: o
trem (1909) e o frigorífico (1913).
O trem e o frigorífico foram duas “modernidades casadas” introduzidas em
Barretos pelas mãos do Conselheiro Antônio Prado, presidente da Companhia
Paulista de Estradas de Ferro e amigo de Silvestre, que na condição de prefeito ad-
vogou com denodo pela causa, impedindo que “incidentes” obstruíssem essas
conquistas tão importantes na história do desenvolvimento da cidade.
O trem entrou em Barretos, em 25 de maio de 1909, como extensão
dos trilhos de Bebedouro. A chegada do trem mobilizou grande parte da po-
pulação local na ornamentação da cidade e na acolhida da comitiva que veio
em vagão inaugural. Fato que impressionou tanto as autoridades quanto os
SILVESTRE DE LIMA: AS MULTIFACES DO PERSONAGEM QUE TRANSFORMOU BARRETOS 179
jornalistas da comitiva, que assim registraram a recepção:
“A cidade está toda engalanada, apresentando um aspecto surpreendente de beleza
[...] Todas as casas das ruas principais ostentam as suas fachadas iluminadas com
balões venezianos. O povo enche as ruas erguendo vivas ao coronel Silvestre de Lima,
à Companhia Paulista, ao governo do Estado de S. Paulo e à imprensa”.4
4
Correio Paulistano, 26/Maio/1909. Acervo BN.
5
Procurar por: Vittório Buccelli, D’Oro dello Stato di S. Paolo, 1911.
6
Ata da sessão legislativa de 18/06/1896. Acervo da Câmara Municipal de Barretos.
180 SUELI DE CÁSSIA TOSTA FERNANDES
De fato, foi uma figura bastante estimada e solicitada, tanto por autori-
dades quanto por humildes, tanto que o Correio Paulistano escreveu que só faltou
a ele “fazer as funções de padre, ator, fotógrafo, dentista e parteiro”8. Se bem que, cá entre
nós, tendo ele cursado dois anos de Medicina, tenho minhas dúvidas se ele
realmente não realizou nenhum parto na cidade.
FONTES
Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Nacional: Correio Paulistano, 07/05/1902 e 26/05/1909,
O Paiz RJ, 09/04/1900 e Illustração Paulista, 1911, ed. 0034. Acervo do Museu Histórico, Artístico
e Folclórico Ruy Menezes: O Sertanejo, Barretos/SP, 31/03/1900 e 15/03/1903. Documento datilo-
grafado por Osório Rocha.
Acervo da Câmara Municipal de Barretos: Ata da sessão legislativa de 18/06/1896.
7
Documento datilografado pertencente ao acervo do Museu Ruy Menezes.
8
Correio Paulistano, 07/05/1902, pág. 02, ed. 13903. Acervo BN.
1
Parte desse texto foi baseada em anotações de meu pai, Mélek Zaiden Geraige, e também em in-
formações a mim passadas por meu primo, Jorge Luís Abrão e por minha mãe, Ana Rosa Meinberg
Geraige.
182 RESENHA DE UM IMIGRANTE LIBANÊS EM BARRETOS
etc. têm outras etnias, não tendo, portanto, nenhuma relação genética (no
sentido étnico, claro) com os libaneses; por outro lado, os países do norte da
África, como Egito, Marrocos, Líbia etc., não são considerados árabes, mas
apenas arabizados, sendo o “mouro” o resultado do cruzamento de povos ára-
bes que vieram do Oriente com os negros africanos.
Foram esses indivíduos que conquistaram a Península Ibérica (Portugal e Espa-
nha) e lá ficaram por diversos séculos. Da mesma forma, o Irã não é um país
árabe. É persa, lá fala-se outra língua e têm-se outros costumes; e a Turquia
também não é árabe. É otomana, com língua e costumes diferentes, com ori-
gem na região da Anatólia.
Meu avô e seu irmão Ayed (tio Abrão) sempre trabalharam juntos — do
início até a morte —, somando-se, depois, os demais irmãos. Meu avô come-
çou a fazer bicos, trabalhando ora numa coisa ora noutra, até que aprendeu
a ser sapateiro, fazendo botinas. Depois montaram, no distrito de Ibitú, um
pequeno comércio chamado de “secos e molhados”, onde se vendia de tudo. Pas-
sando algum tempo, montaram máquina de beneficiamento de arroz, posto
de gasolina e se tornaram proprietários de terras.
Foto com documentos contábeis das empresas de Zaiden e Ayed Geraige. (Fonte: arquivo do autor)
Praça Santa Helena, cujo terreno foi doado pelos irmãos Zaiden e Ayed Geraige.
O nome (dizem) é uma homenagem à mãe dos doadores. D. Helena. (Fonte: arquivo do autor)
Recortes de jornal
anunciando a primeira
execução do Hino Barretense.
Fonte: Jornal de Notícias, São
Paulo/SP, 25/8/1950, p. 6
Arquivo da Biblioteca Nacional.
Hino Barretense
L E T R A: Osório Faleiros da Rocha
MÚSICA: Aymoré do Brasil
O Brasão
A Bandeira
CM
MY
CY
CMY