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A quem, pela graça da memória,

tem a oportunidade de estar vivo


enquanto acesa estiver
a chama do lembrar
Copyright © Editora Pirapora
Coletânea Barretos em 3ª Pessoa

Realização: Prefeitura de Barretos e Academia Barretense de Cultura

Coordenação do projeto: Karla de Oliveira Armani Medeiros

Revisão/Edição: Luiz Felipe Nunes

Composição Eletrônica: Pirapora Editora/Karlos Mozzambani

Impressão: Ativa Gráfica e Editora

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Barretos em 3ª pessoa / organização Karla de


Oliveira Armani Medeiros. -- 1. ed. --
Monte Alto, SP : Pirapora Comunicação e
Estúdio Fotográfico, 2020.

ISBN 978-65-991598-1-7

1. Barretos (SP) - História 2. Cidade - Barretos


(SP) - História 3. Fotografias 4. Literatura -
Coletâneas
5. Memórias I. Medeiros, Karla de Oliveira Armani.

20-41444 CDD-981.522
Índices para catálogo sistemático:

1. Barretos : São Paulo : Cidade : História 981.522

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964


A responsabilidade pelo conteúdo desta coletânea é reservado à
Prefeitura de Barretos e aos autores dos textos.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob
quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos autores.

2020

Editora Pirapora
Rua Jeremias de Paula Eduardo, 2006 - Centro
15910-000, Monte Alto, SP
(16) 9.9709.1146 - piraporaeditora@gmail.com
Fragmento de vista aérea de Barretos, de 1969.
(arquivo Museu Histórico Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”)

Livro publicado em comemoração aos 166 anos de Barretos!


25 de agosto de 2020.

Uma parceria entre Prefeitura Municipal de Barretos e


Academia Barretense de Cultura.

GUILHERME ÁVILA
Prefeito Municipal de Barretos

JOÃO BATISTA CHICALÉ


Secretário Municipal de Cultura

JOSÉ ANTONIO MERENDA


Presidente da Academia Barretense de Cultura

KARLA DE OLIVEIRA ARMANI MEDEIROS


Organizadora da obra e
coordenadora do Núcleo de Estudos Históricos da
Academia Barretense de Cultura

LUIZ FELIPE NUNES


Edição final e montagem

EDITORA PIRAPORA
Produção geral da obra
“Que tipo de ideia podemos fazer de uma
época se não vemos pessoa alguma nela?
Se só pudermos fazer relatos generalizados,
vamos apresentar apenas um deserto que
chamamos de história”.
Huizinga, século XIX

Populares reunidos na Praça Francisco Barreto, em frente ao Paço Municipal


(arquivo do Grêmio Literário e Recreativo de Barretos)
“Há que se
reverenciar e defender
as capelinhas toscas,
as velhices dum tempo
de luta e os restos de
luxo esburacado que o
acaso se esqueceu de
destruir”
Mário de Andrade

Capela do Rosário, em 1929 (arquivo do Museu “Ruy Menezes”)


S U M Á R I O
Dr. Osório Faleiros da Rocha
Chamissi Zauith
Apresentação e Maria Eugênia Rocha Nogueira
Guilherme Ávila PG 56
Prefeito de Barretos PG 11
Pinceladas em recortes:
Prefácio A Primeira Capela
José Antonio Merenda Conceição Apparecida Ribeiro
Presidente ABC PG 12 Borges PG 61

Introdução Sociedade Beneficente e


Karla Armani Medeiros Recreativa Estrela D’Oriente
Organizadora da obra PG 14 Coriolano José Neves PG 65

Nossa Biblioteca Pública de Os italianos em Barretos


Barretos Affonso (...) Taunay Daniel Bampa Nétto PG 71
Adalgisa Borsato PG 28
Recinto “Paulo de Lima Corrêa”:
Minha Barretos: Mosaicos de uma história
O ser-tão profundo Elisete Greve Tedesco PG 75
Adonias Garcia PG 34
Coronel João Carlos de Almeida
FEBAMPO Pinto - vulto notável (...)
Alciony Menegaz PG 40 Gerson Aparecido Rodrigues
PG 81
Jorge Andrade: Cultura, família e
história em suas obras Luiz Caros Arutim
Ana Cláudia Ávila Mader PG 44 José Antonio Merenda PG 87

Uma lembrança feliz Nidoval Reis e a destruição do


Aparecida Rosa Moro Carneiro 1° Grupo Escolar de Barretos
PG 49 José Ildon Gonçalves da Cruz
PG 93
Ser criança em Barretos nos anos
80: memórias dos tempos (...) O bairro industrial do Frigorífico
Aurimar de Freitas Figueiredo Vila Operária
PG 52 José Mesquita PG 98
S U M Á R I O
Bezerrinha: setenta anos
José Vicente Dias Leme PG 103
O emblemático episódio do
Elas, de Barretos! Trem da Fome
Karla Armani Medeiros PG 109 Patrício Augusto dos Santos Reis
PG 150
Sobre uma Rocha criou-se a FEB,
hoje UNIFEB A classe operária em Barretos:
Luiz Antônio Batista da Rocha algumas considerações (...)
PG 114 Priscila Ventura Trucullo PG 154

A colônia japonesa e sua Museu Ruy Menezes por ele


importância em Barretos mesmo
Luiz Umekita PG 118 Raquel Milagres de Mattos
PG 160
A Venda, os peões, a boiada e a
Igrejinha do corredor boiadeiro Retalhos do passado
Manoel Nunes Filho PG 123 Sada Ali PG 164

Filetagem: a Arte dos caminhões Se essas paredes falassem...


de boi Shirley Spaolonsi Pignanelli
Marcos Diamantino PG 127 PG 169

Alguns Apontamentos de Silvestre de Lima: as multifaces


Trajetórias Pretas em Barretos do personagem (...)
Michela Silva PG 131 Sueli de Cássia Tosta Fernandes
PG 174
Verí, Verídica, Verdadeira:
Veridiana Resenha de um imigrante libanês
Mussa Calil PG 136 em Barretos
Zaiden Geraige Neto PG 179
Minha Barretos nos anos 60
Newton Teixeira da Silva PG 140 Mais um pouco de História...
Hino Barretense PG 185
Histórias (e novas histórias) (...) O brasão de Barretos PG 188
Nivaldo Gomes e Nivaldo Gomes A bandeira de Barretos PG 190
Jr. PG 145
Apresentação

Esta é uma obra escrita por quem conseguiu transformar o


amor da nossa terra, Barretos, em memória e em pesquisa. Para
comemorar os 166 anos deste “chão preto”, reunimos trinta e dois tex-
tos com o objetivo em comum de destacar cenários, personalidades
e acontecimentos do passado da nossa cidade.
A estes autores, nossa gratidão em formato de leitura.
Junto à Academia Barretense de Cultura, a Prefeitura Municipal de
Barretos apresenta à cidade e aos barretenses mais uma platafor-
ma de conhecimento sobre a história de Barretos. Com este livro,
as crianças da rede de ensino poderão se aventurar pelo passado
da cidade junto aos seus professores, da mesma maneira que os
saudosistas poderão reviver paisagens antigas e os demais serão
convidados a refletir sobre essa Barretos tão diversificada em cores
e pessoas.
A terra de Chico Barreto e Ana Rosa construiu uma história fértil, re-
gada pelo suor da nossa gente e por batalhas diárias que garanti-
ram nosso desenvolvimento. Desta forma, para se conhecer recortes
deste passado, a História se edifica em monumentos, se dinamiza no
museu municipal e se revela em livros, como este.
Que a história de Barretos esteja sempre em construção, viva
e dinâmica.
Ao virar as páginas, permita-se conhecer uma Barretos longín-
qua no tempo, mas próxima de nossos corações.

Guilherme Ávila
Prefeito de Barretos
Prefácio

É com euforia que anunciamos mais uma obra que versa so-
bre a nossa história.
Estamos convencidos de oferecer aos diletos leitores e à his-
tória e memória local, uma obra de alta qualidade, que traz à luz
fatos, entidades e personalidades históricas que tanto contribuíram
para o engrandecimento desta terra, tendo a missão de ressaltar os
seus valores.
Fundada a 1º de maio de 1983, por um grupo de 20 abnega-
dos cidadãos que fez florescer a ABC – Academia Barretense de Cultura e um
despertar para os novos tempos, em reunião realizada na Biblioteca
Municipal “Affonso d’E. Taunay”. Com sede na cidade de Barretos, SP, a en-
tidade tem por finalidade cultivar a literatura nacional e promover
o desenvolvimento das letras, das artes e das ciências barretenses,
em uma constante irradiação de cultura.
A recém-fundada ABC foi planejada para ser atuante e, sabe-
dora de seu papel, nunca mediu esforços para dar a sua contribui-
ção à comunidade barretense. Foi então que, em 1984, o primeiro
presidente da entidade, Dr. Jurandyr Souza, solicitou ao acadêmico
e jornalista Ruy Menezes que escrevesse uma obra sobre a história
do desenvolvimento cultural de Barretos. Foi um trabalho de fôlego:
depois de muita pesquisa e colaborações, o livro estava pronto. “Es-
piral – História do Desenvolvimento Cultural de Barretos” foi publicado em 1985
e se tornou uma fonte de pesquisas para historiadores, professores,
estudantes e pessoas interessadas em conhecer Barretos e seus afa-
zeres culturais.
No transcorrer dos anos, são necessárias releituras dos acon-
tecimentos e o surgimento de novos historiadores e memorialistas.
Agora, defrontamos com o livro “Barretos em 3ª Pessoa”, que vem cola-
borar, trazendo novas nuances da história e memórias, que vêm a
acrescentar em muito ao panorama histórico da cidade, tornando-se
mais um instrumento de pesquisa.
A ABC é um facho luminoso, com o intuito de transformar a so-
ciedade barretense através de suas ações culturais, como palestras,
debates, saraus literários e artísticos, semanas culturais, exibição de
filmes clássicos, semanas de cinema, exposições de artes, feira de li-
vros, encenações teatrais, publicações de livros e a realização, desde
1984, do Concurso Nacional de Contos e, como consequência, a produção das
Coletâneas de Contos, ambas as ações literárias provenientes do “Prêmio
Jorge Andrade”.
Saudamos com fervor todas as cultas figuras que ajudaram a es-
crever esta obra: acadêmicos e convidados, componentes da Diretoria
e Conselho Fiscal, Núcleo de Estudos Históricos da ABC, a acadêmica e
historiadora Karla de Oliveira Armani Medeiros, coordenadora e orga-
nizadora e seus esforços inequívocos na edição desta obra.
Agradecemos ao prefeito do município de Barretos, Sr. Guilher-
me Henrique de Ávila, que confiou a execução deste livro à ABC, cujo
teor é tão relevante para o resgate histórico.

José Antonio Merenda


Presidente da Academia Barretense de Cultura (A BC)
Introdução

E ssa é uma obra sobre a cidade. Sobre o seu passado. Aqui, a


cidade, Barretos, substantivo próprio, ganha novas roupagens, inclu-
sive na gramática. Ela passa a ser o assunto em comum e a referên-
cia em quem todos os autores se debruçam; a 3ª pessoa – “ela”.
Independente da natureza dos textos e da origem dos autores, a
ideia é que os leitores, especialmente os barretenses, tenham a chan-
ce de visualizar a paisagem da cidade nos tempos idos, em diferentes
décadas.
Aqui, a fotografia em preto e branco ou aquela colorida, mes-
mo que se distanciem no tempo, são portadoras do mesmo objetivo:
ilustrar os locais, as pessoas e os cenários. As imagens trazem novas
dimensões às narrativas, conduzem a imaginação do leitor aos es-
paços de convívio, congraçamento, conflitos, trabalho, produção e de
atividades dos barretenses dos tempos de outrora.
Por mais de um século, a cidade foi descrita e analisada pelo
olhar da História e da Memória. Desde o nascimento da imprensa local,
com o jornal “O Sertanejo”, em 1900, a cidade, com quase cinquen-
ta anos de fundação oficial, já era considerada como um espaço de
passado interessante e instigante, cujas lacunas começavam a ser
preenchidas. Foi, então, que o jornalista e agrimensor Jesuíno da
Silva Melo deu vida à coluna “Tradições de Barretos”, expondo e
analisando o surgimento do arraial, a família Barreto, os perfis dos
moradores antigos, a paisagem e os recursos naturais.
Rica produção deixou-nos Jesuíno. Depois dele, outros jornalis-
tas se aventuraram nas páginas da imprensa barretense a fim de
registrar fatos históricos, contar episódios marcantes, rememorar
feitos e ilustrar pessoas. Alguns deles foram Virgílio Alves Ferreira,
Olindo Menezes, José Eduardo de Oliveira Menezes, Ruy Menezes e
Osório Faleiros da Rocha. Estes dois últimos tornaram-se autores de
obras literárias importantes à história da cidade, respectivamente
Espiral: história do desenvolvimento cultural de Barretos (1985) e Barretos de Outrora
(1954).
KARLA ARMANI MEDEIROS 17

Primeiro Paço Municipal de Barretos, inaugurado em 1907. Desde 1979, abriga o acervo do Museu
Histórico Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”, tendo, desde 1994, como patrono, um dos jornalis-
tas que registrou nossas histórias e costumes (arquivo do Grêmio Literário e Recreativo de Barretos)

Por estes nomes, o passado da cidade foi contado pelo olhar memoria-
lista, isto é, narrado pelas experiências individuais de seus autores, que
mesclavam suas próprias memórias com dados de pesquisas coletados.
O memorialismo, quando estudado, afirma-se como uma produção literá-
ria que descreve fatos, registra dados, edifica nomes, adjetiva persona-
gens e, por isso, cria memórias e tradições, contribuindo para o ensejo
da memória coletiva. Não são memórias soltas, e sim narrativas inten-
cionais e motivadoras sobre o passado. Deste modo, o memorialismo
é considerado uma fértil fonte histórica para a produção de trabalhos
acadêmicos sobre História e todos os ramos das Ciências Humanas. São
obras que precisam ser cuidadosamente arquivadas e utilizadas como
vestígios do passado, inclusive, por conta da grande quantidade de fon-
tes originais que se perdem ao longo do tempo.
Por outro lado, pesquisas históricas sobre Barretos cresceram nas
últimas décadas, resultando em livros, trabalhos científicos, artigos e te-
ses acadêmicas. Pelas perspectivas sociais, políticas, culturais e econômi-
cas, a cidade de Barretos tornou-se assunto destes trabalhos, desdobran-
18 INTRODUÇÃO

do-se em temas que vão além da imaginação de qualquer barretense.


A origem de um bairro, o nascimento da maior festa do peão da
América Latina, greves operárias no primeiro frigorífico do Brasil, a
contribuição dos imigrantes ou a movimentação militar de um levante,
são alguns exemplos de temáticas pertinentes da história local a serem
estudados — muitos, muitos outros caberiam aqui. Afinal, em 166 anos,
Barretos vivenciou períodos históricos desde o Império, característica
que sensibiliza qualquer historiador a investigar seus pontos de conflito,
conquistas e ações.
Nesta perspectiva, surge o conceito de “história local”, em que a aná-
lise do passado se recorta a determinado tempo e espaço de escala re-
duzida. Ou seja, estudando a cidade, um bairro ou uma comunidade, em
determinada época, é possível entender as particularidades de um povo,
bem como dialogar com fatos e episódios da história do país e do mundo.
Conhecendo o aspecto local de determinado povo, enxerga-se a realidade
histórica de forma mais próxima, o que permite reconhecer a diver-
sidade humana, conscientizar a população do exercício da cidadania,
tatear e legitimar identidades, valorizar o patrimônio histórico material
e imaterial e suas leis de preservação, dar importância e utilidade aos
arquivos, museus e bibliotecas e contribuir para a construção (e recons-
trução) da memória coletiva.

Bailarinas em apresentação no Teatro Santo Antônio, onde eram exibidos espetáculos de dança,
música e teatro na primeira metade do século XX. Manifestações do nosso patrimônio imaterial
(arquivo do Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”)
KARLA ARMANI MEDEIROS 19

Compreendendo a diferença, o diálogo e a complementaridade en-


tre a História e a Memória, entende-se melhor o caminho deste livro. Nas
páginas seguintes, deparar-se-á o leitor com textos escritos sob olhares
da pesquisa histórica, assim como das lembranças vividas. É um diálo-
go de narrativas sobre o passado. A maneira como cada autor escreve
sobre “ela” — Barretos — é íntima, particular e sem rótulos. Tempera-se
a memória da mesma maneira que se saboreia a História. Os perfis dos
autores são descritos por suas biografias curtas, assim como seus esti-
los literários; são historiadores, pesquisadores, biógrafos, professores,
escritores, jornalistas, artistas ou simples amantes do passado citadino.
Os temas foram livremente escolhidos por cada escritor, conforme
suas afinidades, linhas de pesquisa ou lembranças. O interessante é que,
ao leitor atento, oferece-se a sensação de perpassar os diversos tempos
vividos em Barretos. O século XIX está tão presente quanto a memória
de quem vive hoje. É possível conhecer boa parte da história de Barre-
tos pela sensibilidade das linhas que aqui se sucedem. Página a página,
encontra-se novo recorte, personagem, cenário e espaço. E o mais im-
portante: tudo real. Nada fictício. Tudo ao alcance da realidade que se
permite a pesquisa da História e a capacidade da memória.

Desfile cívico na Praça Francisco Barreto, em frente ao antigo Paço Municipal. Nota-se a presença de
escolares (inclusive as alunas do Colégio Maria Auxiliadora), atiradores do Tiro de Guerra 512,
autoridades e populares, cujas memórias também são nosso patrimônio
(arquivo do Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”)

Tanto quanto as pessoas são os espaços da cidade que essa obra


quer captar. As ruas, praças, igrejas, coretos, instituições, parques, pré-
20 INTRODUÇÃO

dios, casas, templos, trilhos, córregos, rios e todos os cantos e recantos


do “chão preto”. Personagens e lugares que mudam conforme o tempo,
mas, que, cada qual a sua maneira, contribuiu para o desenvolvimento
da antiga “Vila do Espírito Santo de Barretos” à capital do gado e da festa do
peão.
O objetivo, caro leitor, é que seja aberto a você conhecer o passado
da cidade pelas pesquisas e pelas memórias destes autores. Sobretudo,
que você reconheça que, em qualquer época, o tempo é relativizado, que
sempre se tem a sensação de saudade e de afeto não com o passado
em si, mas com as características dela – da cidade. É como eternizou J.
Amaro na citação da contracapa deste livro:
“O Barretos daquelle tempo, rústico e hospitaleiro, é o que vive na nossa lem-
brança, é o que não morre na nossa saudação”.

Permita-se conhecê-la: Barretos tem, aqui, parte de seu passado


descortinado.

Karla Armani Medeiros


Historiadora e organizadora desta obra

Edifício da Santa Casa de Misericórdia de Barretos, inaugurado em 1921. Foi demolido na década de 1970
(arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Barretos)
KARLA ARMANI MEDEIROS 21

Praça Francisco Barreto


na década de 1920.
Destaque ao busto da
República, instaurado em
1922 na solenidade do
Centenário da
Independência do Brasil, e
às torres da Matriz
ainda sem o relógio
(arquivo do Museu
Histórico, Artístico e
Folclórico “Ruy Menezes”)
22 INTRODUÇÃO
KARLA ARMANI MEDEIROS 23

1º Grupo Escolar de Barretos, inaugurado em 1912


(arquivo do Grêmio Literário e Recreativo de Barretos)
24 INTRODUÇÃO
KARLA ARMANI MEDEIROS 25

Soldados constitucionalistas de 1932 em frente à sede do


Grêmio Literário e Recreativo de Barretos, na rua 18.
A sede do Grêmio foi transformada no “Estado Maior” do
Batalhão “Júlio Marcondes Salgado”
durante os meses da guerra paulista
(arquivo do Grêmio Literário e Recreativo de Barretos)
26 INTRODUÇÃO

Visita do Presidente da República,


Jânio da Silva Quadros, a Barretos,
em 4 de março de 1961
(arquivo do Museu Histórico, Artístico
e Folclórico “Ruy Menezes”)
KARLA ARMANI MEDEIROS 27

Visita do Senador Washington Luís Pereira de Sousa ao Grêmio Literário


e Recreativo de Barretos, em 1922.
Em 1926, Washington Luís era eleito Presidente da República do Brasil
(arquivo do Grêmio Literário e Recreativo de Barretos

Visita de Getúlio Dornelles Vargas a Barretos, no prédio do


Sindicato Rural Vale do Rio Grande, durante sua campanha eleitoral em
4 de setembro de 1950 (arquivo do Sindicato Rural Vale do Rio Grande)
28 INTRODUÇÃO

Visita do presidente da
República, Ernesto
Beckmann Geisel,
acompanhado de sua caravana
e do prefeito de Barretos,
Melek Zaiden Geraige, durante
a VI ExpoINel, entre 5 a 13 de
março de 1977, no Recinto
de Exposições “Paulo de Lima
Corrêa” (arquivo do Sindicato
Rural “Vale do Rio Grande”)

Saudação exposta em frente ao


Cine Barretos durante a visita do
presidente da República, General
Emílio Garrastazu Médici, a
Barretos, em 1971 (arquivo do
Museu Histórico, Artístico e
Folclórico “Ruy Menezes”)
Essa obra celebra Barretos através
da memória destes viventes,
que pelas
suas trajetórias
também constroem tua
história.

Mergulhe na cidade,
em 3a pessoa
e muitas épocas, pessoas,
sons, sabores
e VI DA!
Nossa Biblioteca
Pública de Barretos
Affonso d’Escragnolle taunay
Adalgisa Borsato

A primeira Biblioteca Pública Municipal de Barretos foi instituída


pelo Decreto-Lei nº 175, de 18 de setembro de 1942, pelo prefeito Fábio Jun-
queira Franco. Mas, somente muito tempo depois, ela foi instalada.
Enquanto isto, em novembro de 1941, a Associação Comercial, Industrial e Rural
de Barretos (ACIRB)1 instaurou a sua Biblioteca, com registro no Instituto Nacional
do Livro, em 13 de agosto de 1943, sob o nº 1293/3, contando com 4.843
volumes, 3 álbuns com fotografias históricas, coleção dos Diários Oficiais do
Estado e da União e todos os jornais que se publicavam em Barretos.
Foram inscritos na galeria de benfeitores da ACIRB, os senhores José
Benevides de Andrade Figueira, Dr. Jerônimo Serafim Barcelos, Gastão de
Castro Leite e Dr. Osório Faleiros da Rocha, sendo este o iniciador e Diretor
da Biblioteca e o maior incentivador desta casa de leitura, aberta ao público
em geral.
Gastão de Castro Leite era presidente da ACIRB e, em visita à capital
paulista, convidou Dr. Affonso d’Escragnolle Taunay, biógrafo, historiador,
ensaísta, lexicólogo, tradutor, romancista, heráldico e professor para ser o
patrono da biblioteca e o homenagear, dando a ela o seu nome. Ele aceitou o
convite.
Conforme o jornal Correio de Barretos, do dia 22 de abril de 1943, Gastão
enviou para a ACIRB o seguinte telegrama:

“João Barone - Associação Comercial - Barretos -


Doutor Taunay aceitou nosso convite patrono nossa
Biblioteca - Saudações - Gastão”.

1 Atualmente, Associação Comercial e Industrial de Barretos (ACIB).


NOSSA BIBLIOTECA PÚBLICA DE BARRETOS 31
Na época, Taunay era Diretor do Museu do Ipiranga e alto funcionário do
governo do Estado de São Paulo. Ocupou a cadeira nº 1 da Academia Brasileira
de Letras, tendo nascido em 11 de julho de 1876, na cidade de Florianópolis,
Santa Catarina.
A Biblioteca Municipal, instituída em 1941, foi instalada no suntuoso
prédio do antigo Paço Municipal, às 16h do dia 14 de janeiro de 1963, quando
aconteceu a solenidade de sua inauguração. Nesta data, estavam o prefeito
Cristiano de Carvalho, o tenente Afonso Câmara Filho, sra. Eunice Prudente
de Oliveira, os jornalistas Ruy Menezes e Paulo Bezerra de Menezes, sendo
este último convidado a desatar a fita de abertura. As bênçãos foram dadas
pelo padre Vicente Ramalho Marques.
Também presentes: Maria Aparecida Caruso, Terezinha Maria de Araú-
jo e altos funcionários da Prefeitura Municipal de Barretos. Durante o coquetel, o
jornalista Paulo Bezerra de Menezes felicitou o prefeito por este ato. O evento
foi irradiado pela Rádio Barretos, na voz de Antônio de Jesus Buck.
O acervo da ACIRB foi doado à Prefeitura com o trato de que permane-
cesse o nome do Patrono. Esse pedido foi atendido, denominando-a Biblioteca
Pública Municipal “Affonso d’Escragnolle Taunay”.
A prefeitura manteve o convênio com o Instituto Nacional do Livro, quando
recebia contribuições em livros, anualmente; também comprava exemplares
e recebia doações expressivas dos munícipes.
O prédio onde foi instalada a Biblioteca se encontra na Praça Francisco
Barreto, avenida 17, nº 311, antigo Paço Municipal, conhecido como “Palácio
das Águias”. Possui uma construção Neoclássica, tendo duas águias na parte
externa ao alto do prédio. Na época da instalação, era assim: na entrada,
pequena escada nos conduzia ao grande salão, em pisos de tábuas enverni-
zadas, janelas altas, envidraçadas. Havia uma separação entre o público e
os funcionários, delimitada por um balcão em madeira torneada; belíssimo.
Mesas antigas e estantes de livros; escrivaninhas para o leitor. No sub-
solo do prédio havia uma área reservada ao escritório.
No primeiro quadro de funcionárias, a Biblioteca teve: a diretora Maria
Aparecida Caruso, as escriturárias Terezinha Maria de Araújo, Vera Lúcia
Garcia de Oliveira e a servente Olga Scaraboto. A diretora Maria Aparecida
Caruso adotou a “Tabela de Classificação Decimal Dewey”, que é um siste-
ma de classificação desenvolvido pelo bibliotecário americano, Melvil Dewey:
método de classificação de livros que torna fácil o acesso, nas estantes, por
suas subdivisões infinitas.
No dia 11 de agosto de 1975, eu, Adalgisa Aparecida Borsato, passei a
integrar o quadro de funcionários da Biblioteca Municipal, quando a diretora
e Bibliotecária Maria Aparecida Caruso me acolheu e me ensinou os primei-
ros passos sobre o funcionamento da Biblioteca.
32 ADALGISA BORSATO
Ela me disse: “o atendimento ao público deve ser prioridade”. Na or-
ganização, consideramos dois pontos: o intelectual, que é a preocupação de
atender o público que vem em busca do conhecimento; e a preparação do
acervo, para criar condições de atendimento. Adquirido o material, deve-se,
em primeiro lugar, registrar ou elaborar o “tombamento”, numerando o li-
vro, passando a ser propriedade do município. O livro deve ser classificado
de acordo com o assunto, receber o carimbo da biblioteca e, depois, catalo-
gado. Como exemplo: nome do autor, título, editora, ano da edição, cidade
de procedência. Naquela época, todo trabalho era feito manualmente e em
máquinas de datilografia.
Ficava admirada com a beleza das estantes – em madeira, altas, com
portas de correr, envidraçadas, repletas de livros em língua inglesa, incluin-
do a Enciclopédia Mirador Internacional – soube serem provenientes de uma
doação da viúva do professor José Felix Valois de Almeida Scortecci, falecido
em acidente de carro em 13 de junho de 1967.
Tudo para mim era surpreendente! Adorava o contato com os livros,
pois aprendia os assuntos do conhecimento humano.
No dia 16 de agosto de 1978, o acervo da Biblioteca foi transferido
para um prédio na rua 24, nº 1354. Isso porque no majestoso prédio onde
estávamos seria instalado o Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”, por
determinação da professora Lídya Scanavinno Scortecci, diretora da Divisão
de Educação, Cultura, Esportes e Turismo da Prefeitura de Barretos. Nessa
época, recebemos mais funcionárias: Clarinda Carvalho da Silva, Carmem
Lucia dos Reis Andrade e Iraci Almeida da Silva.
A Biblioteca permaneceu nesse local por três anos, enquanto era cons-
truído um prédio especialmente para ela, na Praça Francisco Barreto. Proje-
tado pelo arquiteto Hamer Abrão Geraige, com amplas instalações: uma sala
maior abrigava as estantes de livros e mesas para estudos. Auditório para
palestras e eventos, com poltronas confortáveis. Salas de Diretoria e escritó-
rio, pequena cozinha e banheiros. O prédio, cercado por vidros temperados,
formava um espelho d’água refletido pelos lagos que o circundavam.
Em 7 de setembro de 1981, realizou-se a cerimônia de inauguração, às
20h30, quando a Lira Barretense executou os hinos: Nacional, da Indepen-
dência e dos Expedicionários. O vigário da Paróquia do Divino Espírito Santo, padre
Cezar Luzío Junior, deu as bênçãos. Durante a solenidade, discursaram o
prefeito Dr. Mélek Zaiden Geraige e o presidente da Câmara Municipal, Dr. Kalil
Sales. A poetisa Ophonísia Alves de Oliveira declamou versos do seu livro
Olhos D’Alma. Ainda nos ambientávamos ao local quando houve um aconteci-
mento bastante triste: o falecimento da funcionária Vera Lúcia Garcia de
Oliveira, em 8 de novembro de 1982, deixando-nos enternecidos.
A diretora da Biblioteca, Maria Aparecida Caruso, se aposentou e to-
NOSSA BIBLIOTECA PÚBLICA DE BARRETOS 33

Prédio da Biblioteca Pública Municipal de Barretos, 1981. Arquiteto Hamer Abrão Geraige.
Foto: acervo pessoal

mei posse do cargo de Bibliotecária, por determinação do prefeito Dr. Mélek


Zaiden Geraige, no dia 16 de dezembro de 1982. No documento de posse foi
registrado: “a funcionária recebe esse cargo por direito e merecimento”.
Prometi a mim mesma que tudo faria em benefício da Biblioteca.
Acontecimento importante, no dia 1º de maio de 1983: nas depen-
dências da Biblioteca, foi fundada a Academia Barretense de Cultura - ABC. Vinte
intelectuais do cenário cultural barretense se reuniram, sob coordenação
dos doutores Jurandyr Sousa e Matinas Suzuki. Os participantes eram escri-
tores, advogados, médicos, professores, jornalistas, radialistas, engenheiros,
dentistas, músicos e um sacerdote. Unidos pelo mesmo ideal, deram início
à ABC, cujo lema era: “Agrupar cidadãos dedicados à Literatura, às Artes e
Ciências”, para contribuir com a sociedade cultural de Barretos.
Como diretora da Biblioteca, tive o privilégio de assistir à fundação da
ABC e o despertar das letras em nossa querida Chão Preto.
Iniciei as Semanas Culturais da Biblioteca, sempre realizadas no mês
de março, tendo duas datas importantes: 14 de março, o Dia da Poesia e 12
de março, Dia do Bibliotecário e data de nascimento do primeiro bibliotecário
do Brasil, Manuel Bastos Tigre.
Com vasta programação, aconteciam: lançamentos de livros, exposi-
ções de fotos e de quadros, ciranda de livros, teatros de fantoches, peças de
34 ADALGISA BORSATO
teatro adulto, concursos de Conto e Poesia e, principalmente, eventos volta-
dos para crianças. Sempre com a colaboração de funcionários e de artistas
barretenses. Esses eventos chamavam a atenção do público, despertando o
interesse para a biblioteca e pela Cultura em geral. Criei o Departamento de
Biblioteca Circulante, onde o leitor passou a retirar o livro para ler em sua
residência, havendo um despertar pela leitura e escrita.

Semana da Biblioteca. Lançamento do Livro Eu Garimpeiro, de Zé de Ávila. Presença dos acadêmicos da ABC
Jurandyr Sousa, João Cornélio Perini (de costas), Ruy Menezes, Lauro Lima, Aníbal Rodrigues, Zilda Avila,
esposa do autor e Matinas Suzuki. Foto: Jornal O Diário, 22/03/1986

Continuando a iniciativa da ACIRB, prossegui com o trabalho de arqui-


vamento dos jornais da cidade, mandando encaderná-los, visando futuras
pesquisas. Atualmente, esses jornais estão no Museu Municipal, também em
processo de digitalização.
Um dia, de 1988, recebi, na Biblioteca, a visita do presidente da Acade-
mia Barretense de Cultura, Matinas Suzuki, que me convidou para pleitear
vaga na Academia.
Disse: “você é a mulher que precisamos na ABC, para nos ajudar com
eventos, devido seu brilhante trabalho na Biblioteca Municipal”. Surpresa
com o convite, aceitei. Mas, como tudo na vida é incerto, em 1990, fui pres-
tar serviços no Detran de Barretos. No ano de 1997, retornei ao meu cargo
NOSSA BIBLIOTECA PÚBLICA DE BARRETOS 35
de bibliotecária a convite da secretária de Cultura, sra. Léa Therezinha Pitelli
de Sousa Lima.
Tive bastante trabalho para reorganizar a Biblioteca, que possuía
23.000 volumes. No ano 2000, aposentei-me. A biblioteca foi transferida
para um prédio provisório, na avenida 13, esquina da Rua 20, sob a res-
ponsabilidade da bibliotecária Marlene Zaniboni. Com a mudança de funcio-
namento do Fórum de Barretos para a Região dos Lagos, a Biblioteca Pública
Municipal foi instalada no prédio à avenida 15, nº 724, em 2012, na gestão
do prefeito Emanuel Mariano de Carvalho, tendo como bibliotecária Sandra
Aparecida Furlan Khatib, que reorganizou a Biblioteca que conta, hoje, com
51.950 volumes.
Atualmente, na gestão do prefeito Guilherme Ávila, outros eventos são
realizados, como: exposições de obras de arte, exposição de livros de escrito-
res barretenses, feira de troca de livros, rodas de leitura com escolas munici-
pais. Tem um público diversificado para idosos, deficientes visuais, crianças
e adolescentes. Importante renovação foi a chegada de um computador para
deficientes visuais, com mouse estacionário e leitor óptico.

“A esperança é o que mantém a vontade de algumas pessoas
em persistir edificando e mantendo viva nossa melhor parte:
“o ser cultural que somos”, a nossa Biblioteca”.

Adalgisa Borsato é membro efetivo da Academia Barretense de


Cultura - ABC, cadeira 32. Livros publicados: Rodeio, trilha de campeões,
Vida que nos transforma, A Caminhada, Amor em Preto e Branco,
O Ratinho Sonhador, O Ratinho Detetive no Circo,
Os sapos do vovô Galdino e Os pássaros do vovô Galdino
Minha Barretos:
O ser-tão profundo
Adonias Garcia

Não, não é uma definição pejorativa no mundo moderno em que ser


bacana é ser da urbis, chamar uma cidade de sertão pode parecer um insulto,
mas o lugar onde nasci era sertão: a metáfora do profundo, E, se não era
para os outros, era, ao menos, para mim.
Eu nasci numa Barretos que não existe mais — era um lugar mágico
para meu olhar de criança: a rua da minha casa não era asfaltada, não ha-
via luz elétrica nem água encanada; era tudo tão difícil para os adultos, mas
para as crianças, que levantavam de manhã e brincavam o dia todo em meio
a árvores, plantas e na terra, era um tempo mágico, um espaço do encan-
tamento. Ainda hoje, 50 anos depois, as imagens das ruas, das árvores, dos
quintais abertos cheios de frutas, do piquete com uma paineira plantada pelo
meu pai em frente à minha casa, da boiada passando em campo aberto ali
no limite da cidade, onde está a rua Sofia Thomé, ocupam os meus sonhos.
A infância nunca morre, nos ensinou a Psicanálise.
Não sabia também que estava vivendo o fim de um ciclo, compreen-
damos. Mas antes, leitor, me permita falar de outras coisas e de voltar no
tempo. Primeiro, no meu espaço-tempo mágico: meu pai, Anésio Garcia, era
peão de boiadeiro, dono de uma tropa de burros (os burros eram usados para
conduzir boiadas em longas distâncias porque são mais resistentes que os
cavalos). Também meus irmãos mais velhos eram peões; meu pai também
era comissário, contratado para buscar boiadas em Goiás, Mato Grosso, Mi-
nas Gerais e tantos outros lugares. Minha mãe cuidava da casa, das crianças
e meu pai viajava. Quando ouvi, adulto, os versos de Renato Teixeira “o meu
pai foi peão, minha mãe, solidão”, entendi a vida de minha mãe, de minha família e
tantas outras famílias brasileiras. Ao menos as famílias daquele tempo.
Todos sabemos que Barretos cresceu pautada no comércio de bois, so-
bretudo na venda de bois magros e, justamente por isso, muitas comitivas
de outros lugares do Brasil vinham à cidade. Os bois gordos que chegavam
MINHA BARRETOS: O SER-TÃO PROFUNDO 37
geralmente eram buscados pelas comitivas locais. Vê-se que o peão de boia-
deiro era um personagem central nessa história, por ser o condutor de todo
esse gado.
No década de 1950, meu pai havia sido chamado em Barretos de “o
homem da tropa roxa”, por conta da cor de seus animais. Ele contava isso com
orgulho. Falo de minha família porque ela é um meio para entender um pou-
co da história de nossa cidade e porque falo a partir de minhas memórias.
Barretos teve, em meados do século XX, talvez o mais movimentado ponto
de pouso do Estado de São Paulo, quiçá do Brasil, o São Domingos, e a vida
de minha família passa por ele, porque minha mãe, Nazaré Carrilho, traba-
lhava como babá desde a década de 1930, naquele lugar, para a família que
administrava a fazenda que era propriedade da Agrícola Pastoril Mombaça.
Em 1943, meus pais (meu pai, já peão há anos), se casaram e passa-
ram a tomar conta da fazenda e do ponto de pouso e isso duraria, não de
forma contínua, até 1960. Lá nasceram meus irmãos mais velhos, Armando
Garcia que hoje cuida do Concurso de Berrantes da festa de Barretos e Al-
ceu do Berrante, que se tornaria uma lenda do berrante no país. A casa que
meus pais moravam era um casarão daqueles cheios de janelas enormes e
com uma arquitetura rústica; ficava próximo à lagoa da atual Via das Comitivas,
naquela época corredor boiadeiro. A Fazenda São Domingos se estendia da atual
avenida Rio Dalva (também corredor boiadeiro na época), até próximo ao Rio
das Pedras, onde atualmente há um clube. Simbolicamente, a área onde hoje é o
Parque do Peão, fazia parte da fazenda. Em frente (ao casarão) do outro lado do
corredor, havia um sítio e um outro ponto de pouso, onde morava um outro
comissário importante em Barretos, Antônio Ângelo. Nesse tempo (década
de 1940) é que meu pai começou a comprar burros e deixou de ser somente
peão para ser também comissário de comitiva boiadeira.
Me permita, leitor, duas explicações: um ponto de pouso era um espa-
ço fundamental na logística de uma comitiva boiadeira. Era onde havia um
rancho (nem sempre) para se proteger da chuva e do frio e um pasto para a
tropa descansar e para a boiada ficar; ou, se não havia pasto, havia um jeito,
um espaço que permitia aos peões fazerem ronda. Era também onde havia
água para preparar refeições; a comida era a mais trivial possível, porque
o cozinheiro tinha que ser rápido — às vezes, cozinhava embaixo de chuva.
A segunda explicação é sobre a “Queima do Alho”, o tradicional evento da
culinária boiadeira. No ponto de pouso era onde se fazia a comida e havia
o hábito de se dizer “queimar o alho” que era um tempero que podia viajar
nas bruacas meses sem estragar; portanto, muito usado nas comitivas. Em
Barretos, na segunda Festa do Peão, o comissário Onésio Carvalho, que não
desfilava, mas era muito próximo das comitivas que o faziam, propôs que se
fizesse na festa também um almoço e que se tocasse “uma ponta de boi” para as
38 ADONIAS GARCIA
pessoas terem ideia de como era, de fato, no “estradão”. A ideia não vingou,
mas na terceira festa foi retomada e meu pai foi um dos principais incentiva-
dores, convencendo vários comissários: no geral, eles achavam difícil e caro;
afinal, pagariam todas as despesas. Enfim, acabou acontecendo, não com a
ponta de boi, só almoço.
A lembrança é estendida, oralmente, até hoje. Participaram, entre ou-
tros, os seguintes comissários: Anésio Garcia, Antônio Ângelo, Zé Meinberg,
Saluzão, João Latão, Tuca Preto, Nego Ângelo, Tim, Geromão, Lindolfo Jota,
Afrânio, Deco de Paula, Etelvino Bráz de Ávila e Gerônimo Machado. A comi-
da servida era arroz branco, feijão, mandioca cozida, paçoca no pilão e carne
assada. A famosa “Maria Isabel” (arroz com carne seca), que às vezes se fazia
no estradão, só entraria no cardápio junto ao feijão gordo na década de 1980,
depois que Alceu do Berrante viu esse prato em restaurantes do Mato Grosso
e, junto com um grupo de pessoas ligadas aos Clube “Os Independentes”, começou
a fazê-lo em vários eventos, de aniversários a quermesses. Ocorre que, em
1980, o presidente da República da época veio a Barretos e o Alceu fez para
sua equipe essa comida. Por conta do grande sucesso nesse momento e nes-
ses eventos todos, é que foram acrescentados à Queima do Alho da Festa
do Peão. Vale lembrar que o nome “Arroz a Carreteiro” (ou arroz carreteiro) foi
importado da região Sul do Brasil — lá, esse prato é tradicional.
Eu disse que a minha primeira infância (nasci em 1969) era num fim
de um ciclo: pois bem, com a criação de um frigorífico em Barretos no início
do século XX, houve um mudança na economia do município — nossa região
já era, antes disso, ao que parece desde o final do século XIX, uma região
com boiadas, mas a partir desse momento, até meados do século XX, tornou-
-se um local com cenário e vida muito particular, como um centro da cultura
e da economia boiadeira; as comitivas, então, floresceram e a profissão de
MINHA BARRETOS: O SER-TÃO PROFUNDO 39
peão de boiadeiro teve um papel, talvez, único na história e no mundo: não
só em Barretos, mas pelo interior do Brasil. Mas Barretos era o centro.
Ocorre que o país se industrializou a partir do governo de Getúlio Var-
gas e, com o passar dos anos, as estradas de asfalto foram avançando pelo
interior e, nelas, vieram os caminhões. Pois bem: ter uma comitiva boiadeira
a partir da década de 1970, na nossa região, ficou impraticável. Meu pai ven-
deu sua última tropa em 1975; o ciclo se encerrava, aos poucos, para todos.
Pode-se dizer que a história não quis ser generosa com o peões de boia-
deiro: aos mais velhos, restou a solidão e o reajuste, trabalhando em ativida-
des que nem sempre tinham relação com o seu trabalho do passado. Muitos
dos peões mais jovens, que não tinham mais o “estradão” para trabalhar, fo-
ram para as fazendas; mas viria um outro ciclo, a partir dos anos 2000, que
é o da Cana-de-Açúcar, que também tiraria o espaço deles.
A profissão de peão de boiadeiro, cantada e romantizada na música
sertaneja que dá nomes a eventos importantes como a festa de Barretos,
não teve, na realidade, a mesma celebração e foi destruída na nossa região.
Saudosismo? Não. Eu fui uma criança que viu o mundo do seu pai ruir:
não somente a profissão, já que ser peão de boiadeiro não era somente um
trabalho para garantir o sustento; era também um sonho, um posiciona-
mento na vida. O que aconteceu no interior do Brasil e, particularmente, em
Barretos, deixou de existir; no Pantanal, por exemplo, não existe, em certo
sentido, o peão de boiadeiro: existe o peão de fazenda, que leva o gado de um
local para outro por conta das cheias, mas não tem a mesma dimensão dos
peões que cortavam o país tocando boiada.
No caso da minha família, usamos da arte para não deixar morrer essa

Foto do filme “Rodeio de Bravos – Onde o Chão é o Limite”;


roteiro e direção de Coriolano Rodrigo, produção de Armando Garcia
40 ADONIAS GARCIA
memória, já que, por parte de minha mãe, temos uma vocação artística: um
primo seu, Ozualdo Candeias, foi o criador do “Cinema Marginal” na década
de 1960; meu avô materno, Antônio Candeias, era sanfoneiro dos bons... o
que fizemos? O Alceu do Berrante participou como berranteiro do filme “Mágoa
de Boiadeiro” (1977) com o cantor Sérgio Reis e, com seu berrante, durante to-
dos esses anos, provoca ecos daqueles tempos passados. Eu me tornei diretor
teatral e dramaturgo e usei da linguagem teatral para refletir sobre essa rea-
lidade: escrevi e dirigi o espetáculo “O Outro Lado da Moeda”, em 1990, um trabalho
que refletia sobre os efeitos humanos desse processo econômico e mostrava
a solidão do peão Sebastião e da sua esposa Tereza diante de um mundo que
os atropelou e tirou sua razão de viver. O Armando, meu irmão mais velho,
em 1979, produziu um filme chamado “Rodeio de Bravos” que contava a história
de um estudante da FEB (Fundação Educacional de Barretos, hoje UNIFEB) que queria
ser campeão em Barretos e, nos preparativos para o rodeio, ele viajava numa
comitiva boiadeira. O filme levou ao cinema um olhar das comitivas da forma
mais original, talvez única no audiovisual brasileiro, já que outras experiên-
cias do cinema e da televisão falharam nesse sentido.
Boa parte do trabalho foi filmada em Barretos e, além do elenco vindo
de São Paulo, de atores como Santoni Santiago, Giselda Beneti, Henricão, Ce-
cílio Giglioti, entre outros, também participaram várias pessoas de Barretos
e alguns peões. A película foi exibida em centenas de cidades do Brasil, Ar-
gentina e Paraguai. O foco desses trabalhos foi a história do povo da nossa
região, que me parece universal. Um outro irmão, Álvaro Garcia, mantém
viva a comitiva de nossa família, participando do concurso Queima do Alho da
festa de Barretos e outros eventos.
O tempo passou. O bairro onde vivi minha infância se transformou e
não sobrou muito espaço para o verde e para os sonhos. O antigo ponto de
pouso da Fazenda São Domingos também se foi; no lugar onde era o casarão, ha-
via uma paineira, a mesma da década de 1930 onde peões paravam à sua
sombra. Essa paineira assistiu a primeira conversa dos meus pais, quando
se conheceram por volta de 1941.
No ano 2000, meu pai deu entrevista para um programa de TV embai-
xo dela, contando suas histórias e sua importância.
Depois que meus pais morreram, eu já passei dezenas de vezes na Via
das Comitivas; já fui até lá, com meu filho, contar a história de nossa família.
A paineira foi arrancada para se fazer um residencial no local, só que, na
minha imaginação, ela ainda está lá; sua ausência seria a destruição do últi-
mo símbolo da história de minha família e, talvez, a morte do último símbolo
da Barretos sertão.
Em 2008, depois de ter sofrido diversos AVCs, meu pai me disse, em
lágrimas, que a última coisa que queria fazer na vida (e que sentia mais sau-
MINHA BARRETOS: O SER-TÃO PROFUNDO 41
dade) era de montar numa mula bem arreada e passar uma tarde embaixo
daquela árvore, da mesma forma quando conheceu minha mãe.
Foi a última vez que conversamos sobre sua história; ele morreria logo
depois, e minha mãe 11 meses após.
A paineira não demoraria a ser destruída.
Agora, o sertão só está no sonho.

À frente, da esquerda para a direita:


Anésio Garcia, Aldo Garcia e Armando Garcia,
em foto da década de 1960

Adonias Garcia é pedagogo formado pela UNESP de São José de Rio Preto.
Diretor de Teatro, estudou Interpretação Teatral no Centro de Pesquisas Teatrais
em São Paulo. Escreveu ou adaptou/dirigiu diversos espetáculos teatrais.
É autor do livro em prosa “O Mito do Caminho de Atman”, pela Multifoco
FEBAM P O
Alciony Menegaz

Barretos: uma cidade onde a arte sempre recebeu muito incentivo. Digo
isso por experiência própria, pois ainda criança já me apresentava na Rádio
Barretos PRJ-8, no programa infantil, e também em vários outros programas de
auditório, como em inúmeros eventos da cidade.
Depois, na adolescência e juventude, pude participar de grupos mu-
sicais e de teatro, onde vi nascer inúmeros conjuntos musicais que faziam
nossa música ecoar.
No ano de 1968, em que o prefeito era João Batista da Rocha, um
jornalista tomou a frente na organização do Festival Barretense de Música Popular,
o chamado FEBAMPO. Antonio Paulo Flosi, o “Pinduca” como era carinhosa-
mente conhecido, tomou essa espetacular iniciativa que fez fervilhar o meio
musical da cidade.
Todos queriam mostrar seus trabalhos. Essa grande oportunidade en-
cheu os corações dos jovens de expectativas e de sonhos.
Fui procurada por uma compositora que vivia no Instituto dos Cegos, Van-
da Cesar, para interpretar sua canção. Seria acompanhada ao piano pela
linda pianista Regina Toller. Os ensaios começaram; foram muitas tardes na
casa da Regina e várias outras reuniões no Instituto dos Cegos.
O FEBAMPO aconteceu no Cine Centenário e, já na semifinal, era um sucesso.
Músicas muito boas, difícil escolha. Vários grupos acompanhavam os artis-
tas; dentre eles, o conjunto Night and Day.
“Tapera” destacou-se como uma das favoritas, assim como “Fim de Sonho”,
de Carlos Henrique Parise. Depois da semifinal, Carlos Henrique me procu-
rou e pediu para que eu defendesse sua música na final. Fui várias vezes à
sua casa para aprendê-la; ensaiamos bastante e também a defendi.
A música venceu o Festival e “Tapera” ficou em segundo lugar. Fui a
vencedora do prêmio de “Melhor Intérprete”.
As quatro primeiras colocadas foram gravadas em um compacto duplo,
pela gravadora RCS, de Barretos. Foram elas:
FEBAMPO 43
1º - “Fim de Sonho”, de Carlos Henrique Parise.
2º - “Tapera”, de Vanda Cesar.
3º - “Canto de um Canto”, de Cícero Vasconcelos.
4º - “Tempos de Tereza”, de João Carlos Soares de Oliveira Jr.

A produção do FEBAMPO primava pela excelência na organização e esco-


lha do corpo de jurados.
Foram convidados nomes importantes do cenário musical como: Maes-
tro Élcio Álvarez, Matinas Suzuki, Antonio Celso, da Rádio Difusora de São Pau-
lo, José Vicente Dias Leme, o jornalista Ruy Menezes, Marco Antonio Siquei-
ra de Matos, Irmã Lenita, Pérsio de Piratininga e outros.
Em 1969, realizou-se o segundo FEBAMPO.

Momentos das 1ª e 2ª Edições do FEBAMPO, de 1968 e 1969 (arquivo autora)

Meu irmão, Cesar Menegaz, havia começado a compor um samba em


homenagem a uma garota que admirava e seu refrão era muito forte:
Isabela: onde está você,
Só de saudade não posso viver.

Mostrou para Carlos Henrique Parise e, juntos, terminaram a música.


Eu logo me identifiquei com ela e já começamos os ensaios, com acompanha-
44 ALCIONY MENEGAZ
mento do nosso conjunto musical, The Kick-Backs.
Novamente, o local foi o Cine Centenário, numa euforia incrível.
“Isabela” venceu e recebi o prêmio de “Melhor Intérprete” novamente.
Em 1970, resolveram mudar o local do FEBAMPO para o Rochão. Monta-
ram um palco bem alto com um banner enorme atrás, muito bonito!
Só que o clima foi bem diferente, por causa da acústica. Muito eco: o
som reverberava e ficou prejudicado.
Neste Festival defendi duas músicas: “Dois no Balanço”, de João Carlos
Soares de Oliveira Jr., com Cesar Menegaz e, também, uma composição de
Roberto Sanches com Flávia Carvalho, com uma letra linda:
Desfila na rua a alegria do luar
É paz que flutua, é ternura pra sonhar.

Novamente, recebi o prêmio de “Melhor Intérprete”.


O IV FEBAMPO voltou a ser realizado no Cine Centenário.

Momentos das 3ª e 4ª Edições do FEBAMPO, de 1970 e 1971 (arquivo autora)


FEBAMPO 45
Nesta época, eu já estava morando em São Paulo, apresentando-me
na casa de shows O Beco, dirigido por Abelardo Figueiredo. Também já havia
gravado meu disco pela RCA Victor: “Isabela”, música vencedora do 2º FEBAMPO.
Minha irmã, Darkinha, Joana Darc Menegaz, brilhou neste FEBAMPO defen-
dendo a música “Gota de Orvalho”, de Cesar Menegaz e João Carlos de Oliveira
Jr. e recebeu o prêmio de “Melhor Intérprete” do festival.
Cesar, meu irmão, acordou de manhã, percebeu as gotas do orvalho
brilhando nas folhas de uma planta e sentiu no peito uma saudade imensa
de mim, sua companheira de palco que havia partido para a Capital. Segundo
ele, esse aperto doído fez com que brotasse a inspiração para compor “Gota de
Orvalho”. Quando ele me contou, fiquei muito emocionada!
Nesse IV FEBAMPO fui homenageada pelos organizadores do festival e
recebi um belíssimo troféu das mãos de João Monteiro de Barros Filho, meu
grande amigo, que muito me incentivou a continuar nesta carreira.
O FEBAMPO gerou uma ebulição cultural na cidade, incentivando e reve-
lando muitos artistas, muitos músicos que contribuíram para o sucesso, para
a beleza deste festival que ficará para sempre na história da cidade.
Posso citar alguns nomes que contribuíram para esse sucesso, revela-
dos pelo FEBAMPO como: Ajax Fininho, Marcelo Bezerra, João Carlos Soares de
Oliveira Jr., Gamela, que veio de Goiânia com um grupo para participar, Ro-
sicris Bitencourt, Alni Guimarães, meus irmãos Cesar Menegaz e Darkinha
(Joana Darc Menegaz), Toninho Gabalhero, de Bebedouro e tantos outros...
Para mim, representou um crescimento artístico muito grande, uma
oportunidade de mostrar meu talento, de confraternização com amigos com-
positores, conhecendo melhor meus colegas.
Aqui, procurei expressar minhas lembranças, minhas vivências, de
acordo com o que trago na memória. São muitos anos passados, muitos ar-
quivos perdidos, mas o coração continua vibrando cada vez que vejo uma
foto, ouço uma das músicas, deparo-me com algum comentário sobre esse
fantástico FEBAMPO. Paulo Flosi, meu querido e reverenciado amigo: seu tra-
balho e seu empenho ficarão para sempre gravados no coração de cada um
que vivenciou esta época maravilhosa. Você foi um desbravador, um entu-
siasta, um realizador de sonhos.
Reverência também à imprensa, às rádios, aos
patrocinadores, à Prefeitura e à toda população barre-
tense.

Alciony Menegaz é filha do Maestro Yolando Menegaz. Desde criança tem


sua vida dedicada às artes como cantora, pintora, apresentadora do programa de
TV “Música & Arte com Alciony Menegaz”, tendo, na escrita, crônicas e poemas
editados em 14 Antologias. É acadêmica honorária da ALAB, acadêmica da ALARP e
membro de vários grupos literários.
Jorge Andrade:
Cultura, família e história
em suas obras
Ana Cláudia Ávila Mader

Jorge Andrade em sua casa em São Paulo, onde criava suas obras.
Fonte: Blog do Nilson Xavier – Canal Viva

Falar de Jorge Andrade é mais do que falar de um profissional, de um


dramaturgo, de um ícone cultural da cidade de Barretos; é falar também de
um homem que, através de sua obra, impactou a minha vida e de muitas
pessoas.
Sua referência moldou minha história em duas fases: a primeira, pro-
fissionalmente, quando conheci seu trabalho através da obra “Vereda da Salva-
JORGE ANDRADE: CULTURA, FAMÍLIA E HISTÓRIA EM SUAS OBRAS 47
ção”, em 1991, e decidi que era exatamente isso o que eu buscava: a arte
dramática; e, a segunda, afetivamente, quando 17 anos depois, também atra-
vés de sua obra, conheci seu sobrinho Guilherme, o homem por quem me
apaixonei, casei e vivi uma linda história de amor.
Aluisio Jorge Andrade Franco, nasceu em Barretos, São Paulo, em
21/05/1922. Filho do casal Ignácio de Lima Franco e Albertina de Andrade
Franco, teve quatro irmãos: Aradir, Amélia, Ademar e a caçula Anna Luiza.
Casou-se em 1956 com Helena de Almeida Prado, com quem teve três filhos:
Gonçalo, Camila e Blandina.
Jorge, desde criança, já demonstrava ser diferente do mundo que o
rodeava. A família pertencia à aristocracia da terra, mas Jorge não se consi-
derava um fazendeiro; talvez, como dizia em suas entrevistas:
Posso ser um “fazendeiro do ar” na classificação de Carlos Drummond de Andrade.

Os valores da época eram o cavalo, o cachorro e a caça, em um meio


agreste. Era um mundo onde não se conhecia o rádio, a TV e muito menos
a arte; nesse mundo, ele amava os livros, comovia-se com a música, criava
estórias e torcia pela caça.
A “conscientização” de seu trabalho como dramaturgo veio quando foi
assistir a montagem de “Anjos de Pedra”, de Tennessee Willians, no TBC/SP, em
1950. Ele conheceu Cacilda Becker, que transformou seu destino, aconse-
lhando-o a fazer a Escola de Arte Dramática – EAD, com a finalidade de escrever. Já
no primeiro ano, criou a obra teatral “O Telescópio”, descobrindo-se dramaturgo.
Outro conselho essencial para sua escolha foi quando, em uma viagem aos
Estados Unidos, conheceu o dramaturgo Arthur Miller, que lhe diz:
Volte para seu país, Jorge, e procure descobrir porque os homens são o que são e não o que
gostariam de ser, e escreva sobre a diferença.

Sua primeira montagem profissional aconteceu em 1955, em São Paulo,


no Teatro Maria DellaCosta: “A Moratória”, peça que teve Fernanda Montenegro no
início de sua carreira como atriz, com a direção de Giani Rato.
Suas obras são de conteúdo denso, intenso, ousado, original. Este ho-
mem não corria atrás do apelo popular mais fácil, de agradar por agradar:
ele realmente respeitava a inteligência do público, instigando-o a refletir e a
criar uma imagem própria.
São obras de grandes cenários, movimentações complicadas e muitos
personagens. Mas se não fosse para escrever o que queria, não escrevia.
Para ele, o teatro é onde o homem está sendo representado.
Seus textos evidenciam famílias, culturas e história, como, por exem-
plo em “A Moratória”, que enfoca a derrocada do café e o declínio de toda uma
classe patriarcal devido à crise de 1929.
48 ANA CLÁUDIA ÁVILA MADER
Em “Vereda da Salvação”, que retrata um grito de protesto contra a condição
do homem do campo, o problema do messianismo que marca a história do
homem brasileiro, Canudos, o Contestado, a religiosidade popular.
Em “Pedreira das Almas”, outro momento histórico abordado: a Revolução
de 1842, quando se deu a derrota dos liberais para as forças absolutistas na
cidade de São Tomé das Letras, em Minas Gerais, onde a exploração do ouro
havia chegado ao fim.
Seu lado humanista, social, verdadeiro também podemos ver em “A Es-
cada”, onde a vida de um casal de idosos é discutida pelos filhos que moram
no mesmo prédio.

Jorge é cultura. Jorge é história. Jorge é família.

Apresentação, no Cine Barretos, da peça teatral Vereda da Salvação, com o elenco do Studio
Claudia Ávila de Atores (SCAatores). Foto: Guilherme Franco Mader

Levava cerca de 1 a 2 meses para escrever a primeira versão de uma


peça, pois trabalhava durante o dia e escrevia a noite inteira. Mas o en-
volvimento era integral, pois sempre carregava consigo um bloco de notas,
em que anotava palavras e frases onde estivesse: na rua, no meio de uma
reunião, no carro; não perdia ideias que surgiam, e, mais tarde, desenvolvia
a estória. De “Vereda da Salvação” elaborou 9 versões até chegar ao texto final.
Jorge batizava seus personagens com nomes de seu mundo, nomes que
ouvia desde menino, nomes que se repetem em suas obras, como Mariana
JORGE ANDRADE: CULTURA, FAMÍLIA E HISTÓRIA EM SUAS OBRAS 49
em “Pedreira das Almas” e em “Rasto Atrás” e, também Joaquim em “Vereda da Salvação”
e “A Moratória”.
Escreveu para o teatro as seguintes peças: O TELESCÓPIO (1951); AS COLUNAS
DO TEMPLO (1952); A MORATÓRIA (1954); PEDREIRA DAS ALMAS (1957); VEREDA DA SALVAÇÃO
(1958); A ESCADA (1961); OS OSSOS DO BARÃO (1962); O INCÊNDIO (1962); RASTO ATRÁS (1965);
AS CONFRARIAS (1969); O SUMIDOURO (1970); MILAGRE NA CELA (1977); A ZEBRA (1978); SE-
NHORA NA BOCA DO LIXO; O MUNDO COMPOSTO; A RECEITA e SESMARIAS DO ROSÁRIO (sem data)
Livros publicados: MARTA, A ÀRVORE E O RELÓGIO (antologia de dez peças) e LABI-
RINTO.
Novelas para a TV: OS OSSOS DO BARÃO; O GRITO; AS GAIVOTAS; DULCINEIA VAI Á
GUERRA; OS ADOLESCENTES; NINHO DA SERPENTE E SABOR DE MEL, produzidas pela Rede
Tupi, Rede Globo, SBT e Bandeirantes.
Adaptou “Vereda da Salvação” para o Cinema, em 1965, sob a direção de seu
amigo e compadre Antunes Filho.
Suas obras são montadas e publicadas em todo o mundo, e muito produ-
zidas em montagens acadêmicas e como provas em seleções universitárias;
até mesmo em aulas de História.
Ganhou o “Prêmio Saci” (por três vezes), promovido pelo jornal “O Estado de
São Paulo”, como homenagem aos grandes nomes do teatro brasileiro e “Prêmio
Molière” (também três), concedido aos melhores do teatro; coincidência ou não,
cada filho ficou com uma das estatuetas.
Em Barretos, é patrono da cadeira n° 6 da ABC, Academia Barretense de
Cultura, onde também é promovido o “Concurso de Contos Prêmio Jorge An-
drade”, de âmbito nacional.
Foi homenageado em sua cidade natal, Barretos, por diversas vezes:
• Em 1991, em uma junção de todos os grupos teatrais da cidade, sobre o comando do ator
e diretor Luiz Carlos Arutim; Em 1998, 2000, 2004, 2009, 2012 (Jorge Andrade 90 anos) , 2014 e
2016, todos esses com a produção do “Studio Claudia Ávila de Atores”, convidados e parceiros: ABC,
Secretaria Municipal de Cultura, Grupo Encena de Teatro (Orias Elias), a diretora Regina Papini
(esses dois últimos de São Paulo).
• Em 2012, foi produzido um filme documentário sobre sua obra, com Guilherme Mader como
Jorge Andrade; e uma coletânea de depoimentos falando sobre Jorge, com presenças de sua irmã
caçula Anna Luiza Franco Mader, do primogênito Gonçalo Franco, da atriz Malu Mader e de artistas
e amigos barretenses. Com minha assinatura no roteiro, direção e produção.

Em Barretos, temos dois teatros com seu nome: do Grêmio Literário e Recrea-
tivo e da UNIFEB.
Porém, defendo que sua obra deve ser mais expandida aqui em Bar-
retos, sua cidade natal, chegando até mesmo a ter um evento registrado no
calendário anual cultural, e, também, aplicado em disciplina escolar, pois
Jorge Andrade é um dos – senão o único – barretense a ter seu nome com
50 ANA CLÁUDIA ÁVILA MADER

projeção internacional na Arte e na Cultura.


Hoje, todos os direitos autorais de suas obras teatrais e de teledrama-
turgia estão sob a posse da Rede Globo de Televisão.
JORGE ANDRADE: o homem que criava ouvindo óperas italianas; o pai, ex-
tremamente protetor, que levava os filhos no domingo de manhã na ma­tinê
do “Cine Metro”, em São Paulo, para assistirem Tom e Jerry; que amava criar
na sua máquina de datilografar, fumando de piteira e tomando sua dose de
uísque; que amava restaurante italiano e assistir aos jogos de futebol no Pa-
caembu; que trabalhava em seu escritório, em um porão, com uma escadaria
repleta de fotos de suas montagens teatrais; que levava o sobrinho Guilher-
me para assistir suas aulas na Escola Vocacional em Barretos, quando trabalha-
va como professor; que recebia amigos quando morava em sua fazenda, a
“São Luís dos Coqueiros”, em Jaborandi.
Que se foi em 13/03/1984, levando consigo o sonho de escrever sua
última peça teatral: “As Moças da Rua 14”. Sim, a nossa Rua 14, via tradicional e
diferenciada em nossa Barretos, onde suas irmãs, filhas, sobrinhas e primas
viveram, por muito tempo, sonhos e emoções; emoções essas que ele queria,
ah, como queria, retratar em sua última obra.

“Meu mundo, pelo qual sempre lutei, sempre foi o tema principal de tudo que escrevo.
Se não conseguia viver nele nem aceitar seus valores, vivi através das obras escritas, recriando
aqueles valores literariamente. E, é, sendo o que sou como dramaturgo, que provo ter sempre
pertencido a este mundo, como continuo pertencendo artisticamente” (Jorge Andrade).

Ana Cláudia Ávila Mader é atriz, roteirista, diretora e


professora de Teatro e Cinema do “Studio Claudia Ávila de Atores”.
Já produziu, com seus mais de 600 alunos, cerca de 20 peças
teatrais e 25 curtas-metragens ao longo dos
30 anos de carreira, completados em 2020.
Trabalhou no cinema e na televisão brasileira.
Membro da ABC, cadeira 37, do patrono Luiz Carlos Arutim
Uma lembrança feliz
Aparecida Rosa Moro Carneiro

Apaixonei-me por Barretos alguns anos antes de nosso casamento.


Aqui estamos, há 50 anos.
Nesse meio século, quantas recordações agradáveis tivemos, fatos que
nós vivemos e que estão guardados em minha memória!
Poderia escrever um livro preenchido somente de aventuras vividas
em nossa cidade nesses anos, mas deixarei aqui somente uma de minhas
lembranças com nossos filhos quando crianças.
Nessa ocasião, morávamos na Avenida 15 e, após o banho e execução
das tarefas escolares, as crianças, os amiguinhos da rua, eu e também o Scot,
nosso cachorro paulistinha, subíamos até a Pracinha da Primavera (hoje, Praça
“Nidoval Reis”).
A pracinha era nova, as plantas do jardim estavam crescendo, os ban-
cos ainda inteiros, o coreto sempre com a música alegre da bandinha e tam-
bém o chafariz sempre ligado.
As crianças adoravam passar por ele e tomar aquele banho de pingos
de água levados pelo vento.
Na pracinha, vínhamos para brincar de bola, com bicicletas, biroca,
corda, giz para fazer amarelinha. Eu organizava tudo. Começávamos pelas
corridas: eram várias voltas entre as plantas no piso novinho e sem buracos,
completo e perfeito. Com um cronômetro, eu marcava o tempo gasto por este
ou aquele corredor.
Quando o cansaço aparecia, passava-se para outra e mais outra brinca-
deira, até que alguém reclamava de fome.
Quem quer lanche do “seo” Getúlio?

Era uma gritaria só! E lá íamos nós para a barraca do seo Getúlio, que
ficava na Rua 16 na lateral da pracinha.
A confusão começava aí: a escolha do tipo do lanche. No final, era o
52 UMA LEMBRANÇA FELIZ

tradicional e gostoso cachorro-quente o mais escolhido.


O cachorro-quente produzido pelo seo Getúlio era perfeito: pão macio, sal-
sicha quentinha, batata palha, ketchup, mostarda e maionese. Contando tam-
bém com sua simpatia: recebia as crianças com braços abertos.
Que delícia! Eu também gostava daquele tradicional cachorro-quente!
A garotada era insaciável! O segundo lanche era pedido juntamente
com a Coca-Cola na garrafa de vidro.
Mais um bate-papo com outras mães que também levavam seus filhos,
mais uns assuntos colocados em dia e eu chamava:
Vamos crianças! Amanhã temos aula. Outro dia voltaremos.

Depois de uma gentil despedida ao seo Getúlio, voltávamos para casa. En-
tão, um segundo banho e cama, com uma boa noite mamãe e um beijo.
Esta é uma pequena atividade, sem nenhuma repercussão, mas que
exemplifica como era saudável a vida das crianças anos atrás.
Fazer a tarefa do dia após o banho era uma obrigação. Televisão não
era prioridade, mas brincar, sim. E qual o lugar mais adequado nessa época?
A Pracinha da Primavera!
Sempre limpa, a frescura da tarde, muitas crianças, mães, e muita
brincadeira.
Brincadeira coletiva, risadas, competições sem brigas, alegria.

Praça “Nidoval Reis”, antigamente conhecida como Pracinha da Primavera, décadas atrás.
Fonte: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”.
APARECIDA ROSA MORO CARNEIRO 53

E hoje? Que pena! Onde está a nossa bandinha com sua música saudosa
no coreto?
Já não vemos muitas crianças correndo pela pracinha; elas estão co-
nectadas em outros jogos. O chafariz não funciona. Entendo, economia de
água, com isso eu concordo...
Subo a “16” e olho a barraca do seo Getúlio... mas ele já não está mais
lá. Aquele senhor simpático e atencioso se foi. Os anos de trabalho notur-
no pesaram sobre o corpo que se tornou frágil, mas tudo valeu a pena. A
lembrança daquele carismático senhor e de seus famosos lanches ficou na
memória de muitos. Ele cumpriu sua missão.
As crianças de ontem cresceram. São homens, mulheres, mães e pais
trabalhadores e responsáveis. Todos passam pela Pracinha da Primavera e nin-
guém se esquece dos folguedos da infância. Distrações que ajudaram a for-
mar pessoas fortes e humanas.
Tudo aquilo ficou na memória de uma infância bem vivida: brincadei-
ras, chafariz e muito cachorro-quente.

Aparecida Rosa Moro Carneiro é escritora, pedagoga e


administradora de empresa. Cofundadora da
SR Embalagens Plásticas, em 1979, onde trabalha até hoje.
É autora dos livros “A Altura do céu” e
“No caminho... histórias para contar”, e vários contos.
É titular da cadeira 9 da Academia Barretense de Cultura
Ser criança em Barretos
nos anos 80:
memórias dos tempos de moleque
Aurimar de Freitas Figueiredo

Nas primeiras lições ensinadas pelos professores de História, estuda-


-se que “História é a ciência que estuda as sociedades humanas através do tempo”, que o prin-
cipal objetivo do estudo desta ciência é “estudar o passado para entender o presente e ter
elementos para construir um futuro melhor” e, ainda, que a preservação da memória é
muito importante para o estudo do passado e para que as futuras gerações
valorizem o processo histórico que as fizeram chegar onde estão.
Resgatar um pouquinho do que foi a infância e a adolescência na Barre-
tos dos anos 80 e 90 a partir das memórias do autor – Sim! Esse que escreve
o presente texto! –, é uma maneira de valorizar e eternizar o cotidiano e as
pessoas – gente simples, que fez e faz a História do Chão Preto no dia a dia.
Se a História estuda o homem em sociedade através do tempo, então
somos produtos – principalmente – das pessoas com as quais se convive. Até
os anos 90, convivia-se com muita proximidade. Naqueles tempos não havia
encontros virtuais: o tempo passava mais devagar, então se aproveitava
mais as pessoas dos círculos sociais mais próximos – a família, a escola, o
clube, a igreja – e elas, certamente, deixaram marcas em todos os outros com
quem conviveram.
Somos produtos uns dos outros, e ter consciência dessa responsabilida-
de histórica é extremamente importante para construirmos um mundo mais
justo, livre e feliz.
Era 1984, primeiro dia de aula do Prezinho da EEPG Cel Almeida Pinto.
Acordava-se às 6h30 para chegar na escola às 7h30. Os alunos chegavam
e formavam fila; quem vinha conferir a ordem eram a diretora dona Sinila
Canoas e a professora tia Ilva Daushas. Ao soar o sinal, as crianças anda-
vam ordenadamente para a sala. Havia ordem, mas o sentimento é o de que
“estávamos ficando grandes, pois já íamos à escola”.
SER CRIANÇA EM BARRETOS NOS ANOS 80: MEMÓRIAS DOS TEMPOS DE MOLEQUE 55

Um dia de aula na Pré-Escola da EEPG Cel Almeida Pinto em 1984: todos atentos à explicação
da professora Ilva Ferreira Daushas. Fonte: acervo pessoal do autor

Todos os dias aprendia-se alguma coisa nova – desenhar, pintar, fazer


“ondinha”, “serra-serra”. Mas o cheirinho da pré-escola do início dos anos 80 era
de álcool. Entre as principais lembranças está o fato de ver as professoras
girando a manivela do mimeógrafo – era mágico para as crianças ver que, de
uma folha, a professora conseguia fazer várias outras iguais.
Em 1984, as professoras Ilva Ferreira Daushas e Carlota Carvalho
Abês eram as responsáveis pela pré-escola: sempre carinhosas, atenciosas
e responsáveis. Talvez tenham sido o motivo pelo qual esse que vos escreve
tenha se tornado professor.
As professoras do antigo Primeiro Grau (atualmente, anos iniciais do En-
sino Fundamental), pessoas importantes para tantos barretenses –. Diva
Marques, a tia Norma, a tia Lidia Muzetti, o sr. Dorival Pires (que veio para o
lugar da dona Sinila) – essa pessoas ensinaram as primeiras letras a tanta
gente que merecem ser lembradas com carinho.
Também merecem lembrança, para além dos professores do Almeida
Pinto, as professoras Edi Salvi Lima e a tia Alice Calil, do Colégio Técnico
“Soares de Oliveira”. A primeira ensinou esse autor a gostar de escrever e a
segunda ensinou a gostar de ler.
Em casa, também havia muito incentivo aos estudos. O interesse pela
leitura, pela História e pelas artes foi muito incentivado pelos avós deste
autor – dona Margarida de Freitas Figueiredo e o sr. Oswaldo Inocêncio Figuei-
56 AURIMAR DE FREITAS FIGUEIREDO

Festa de aniversário na Pré-Escola da EEPG Cel Almeida Pinto em 1984, comemorando a chegada dos seis
anos, com o tio José Cezário e a tia Florinda. Fonte: acervo pessoal do autor

redo (ambos semianalfabetos; por isso davam grande importância aos estu-
dos), que desde muito cedo me compravam livros – aos 9 anos, a leitura mais
marcante foi a do livro “O meu pé de laranja lima” de José Mauro de Vasconcelos.
Em seguida, outros títulos vieram e outros personagens povoaram a imagi-
nação. Entre os livros mais importantes estão “A ilha Perdida”, “A Montanha Encanta-
da”, de Maria José Dupré, “Tita, a poeta”, de Renata Pallottini, “Meninos sem Pátria”,
de Luiz Puntel e, finalmente, “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry.
A leitura do livro “O Meu Pé de laranja lima” me aguçou a curiosidade e o
personagem principal – o menino Zezé, tornou-se um grande herói para a meni-
nada. É marcante o diálogo de Zezé com seu tio Edmundo: aguçava a imagi-
nação e fazia a criança querer “ser alguém”; as coisas que o Zezé queria eram
o que as crianças da época queriam – como crescer, por exemplo:

“Você vai longe, Peralta. Não é à toa que você se chama José. Você será o Sol e as
estrelas irão brilhar ao seu redor. Fiquei olhando sem entender e pensando que era mesmo
trongola. - Isso você não entende. É a história de José do Egito. Quando você crescer mais, eu
conto essa história. Eu era doido por histórias. Quando mais difíceis, mais eu gostava. Alisei
meu cavalinho bastante tempo e depois levantei a vista pro Tio Edmundo e perguntei:- A se-
mana que vem, o senhor acha que eu já cresci?” (In: VASCONCELOS, José Mauro. O Meu Pé de
Laranja Lima. 57. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1987).

A vida de uma criança que vivia no alto da Avenida 21 era soltar pi-
pas, comprar e soltar bombinhas e busca-pés no bar (escondidos dos pais),
brincar na enxurrada que descia forte naquele alto da 21 em dias de chuvas
SER CRIANÇA EM BARRETOS NOS ANOS 80: MEMÓRIAS DOS TEMPOS DE MOLEQUE 57
intensas, ouvir discos na vitrola, assistir aos desenhos do Balão Mágico,
brincar na rua, andar de bicicleta (“Na calçada!” – conforme clamavam os pais),
comprar doces (balas Chita ou 7 Belo, Paçoquinha, Bandinha); o “dinheirinho”
que os pais davam sempre ia parar nos bares dos saudosos sr. Virley, sr.
Etelvino, na distribuidora de doces do sr. Olinto Bars, ou ainda na padaria
do sr. Orlando Gori (que carinhosamente apelidou esse autor de Presuntinho).
Chegar à Catedral bem antes da missa para ser coroinha também era
uma missão de muitas crianças – o padre Cesar era ídolo de muitos! Era im-
portante usar a túnica de coroinha e ficar no altar. Após a missa, as crianças
chegavam em casa e ficavam esperando o almoço, pois nos domingos a “boia”
era sempre melhor e tinha refrigerante (durante a semana, quando muito,
havia Q-suco). O refrigerante deixava a comida ainda mais gostosa.
Os sonhos eram ser cantor, ator, médico, juiz, professor, padre. Eram
de uma inocência e sinceridade ímpares! Nas quermesses, gincanas e brin-
cadeiras de rua não faltavam; “fermento” para a imaginação e criatividade. Na
Praça da Bandeira, defronte ao Almeida Pinto, havia uma linda fonte luminosa.
Ali foram realizadas algumas quermesses, onde cantamos a música “Cowboy
do Amor”, do Balão Mágico:
“Quando monto em meu cavalo e jogo o laço, prendo logo o coração...”.

Tantos fatos e tantas pessoas viriam depois: Eunice de Souza Espindola,


José Antonio Merenda, Ricardo Tadeu Marques, Luiz Carlos Arutin, Adalgisa
Borsato, Milton Ferreira, Luiz Roberto Gomes, Nilton Domingues, Júlio Cesar
Cardoso, mas esse texto precisa findar-se! As experiências dessas pessoas e
suas histórias tornaram melhor a vida desse autor e, certamente, ajudaram
a construir a história da cidade.
Chegamos ao parágrafo derradeiro. Lembranças das coisas e pessoas
que tornaram esse autor uma pessoa melhor – é pra isso que serve a me-
mória.
Aquelas brincadeiras, aqueles costumes... tanta gente viveu daquele
jeito e com aquelas pessoas – que se imortalizaram nos
corações de tantos barretenses, e que, de certa manei-
ra, também ficam imortalizadas nesse texto.
Afinal, não se faz História sozinho. Por isso, é im-
portante valorizar e eternizar essas memórias, a fim
de que, a partir dessas vivências, possamos continuar
a ser esse Chão Preto caipira, hospitaleiro e trabalhador.

Aurimar de Freitas Figueiredo é professor de História;


Bacharel/Licenciado em História (2000) e mestre em Serviço Social (2014)
pela FCHS-Unesp/Franca. Licenciado em Pedagogia (2010) pela FISO/Barretos,
atua no teatro amador barretense desde 1990
Dr. Osório Faleiros
da Rocha
Chamissi Zauith e Maria Eugênia Rocha Nogueira

“Sua obra é um reforço de cidadania”


Nossa intenção é deixar nestas páginas um conhecimento maior sobre
a personalidade do Dr. Osório, sua atuação como cidadão, sua inteligência e
interesse pela historicidade da terra de Chico Barreto, na obra “Barretos de Outro-
ra”.
Em minha lembrança de menina-moça, ouvi várias vezes meu pai refe-
rir-se à notoriedade do Dr. Osório como jurídico e homem público que traba-
lhou pelo engrandecimento de Barretos, dedicando-se com esmero às causas
jurídicas que lhe foram confiadas.
Como a vida é cheia de surpresas, tive a honra de conhecê-lo pes-
soalmente em 1958, quando fomos colegas de Magistério no Ateneu Municipal.
Homem íntegro, taciturno, discreto, datado de exemplar simplicidade e edu-
cação.
Hoje neste texto de coautoria, tenho o prazer de apresentar aos leitores
sua neta: Maria Eugênia Rocha Nogueira, filha de Maria Luiza Rocha Nogueira.

“Osório Faleiros da Rocha – Meu Avô”


Ozorio Falleiros da Rocha nasceu no dia 17 de março de 1885 na atual
Patrocínio Paulista, estado de São Paulo, e faleceu na capital do estado, aos
91 anos de idade (16/04/1976).
Foi o quinto filho dos sete que tiveram Francisco Rodrigues da Rocha e
Ubaldina Elisa do Nascimento. Três morreram ainda crianças, o que o tornou
o único filho homem e caçula, mimado tanto pela mãe como pelas irmãs mais
velhas. Filho de fazendeiro, esperava-se do único herdeiro varão que enten-
desse de gado, cavalos e plantações; que fosse contundente em sua maneira
de se expressar, como convinha aos homens daquele tempo que dispunham
DR. OSÓRIO FALEIROS DA ROCHA 59

Osório Faleiros da Rocha e sua esposa Genoveva Franco da Rocha. Fonte: Arquivo do jornal “O Diário”

de terras e empregados.
No entanto, sua natureza era muito mais contemplativa e artística, o
que lhe valeu alguns conflitos com o pai e acentuou seu retraimento.
O contato com os primeiros professores logo lhe devolveu um pouco da
alegria de poder ser quem era. Muito interessado na escola, aprendia rápido
60 CHAMISSI ZAUITH E MARIA EUGÊNIA ROCHA NOGUEIRA

e era elogiado. Essas primeiras experiências positivas provavelmente influí-


ram em sua disposição para seguir a carreira de professor quando adulto
– de Português e Francês, sobretudo. Além de ter fundado o Externato Faleiros
da Rocha, lutou junto a outros barretenses ilustres pela implantação da escola
média nesta terra.
Veio de Franca para Barretos aos 21 anos, a convite do amigo Vassi-
mon. Nessa cidade, encontraria a mulher que foi sua companheira de toda a
vida, Genoveva Franco Rocha, ela também filha de fazendeiros. Romântico,
escreveu em homenagem à noiva o poema Gotas de Orvalho.
Repetiu esse modo de versejar em dois outros poemas com o mesmo
nome, escritos quando ele e D. Vevinha completaram, respectivamen­te, 50 e
60 anos de casamen­to.
Sempre se referiu à es-
posa com os adjetivos mais
elogiosos. Nessas cartas, em
que havia lirismo e humor na
narração dos fatos cotidianos,
ele ilustrava as frases com
pequenas figurinhas recorta-
das dos jornais, que às vezes
eram verdadeiros achados.
Apreciador da beleza fe­
mi­nina, escreveu a Centúria de
Honra, em que fez, em versos,
o perfil de 100 belas barre-
tenses; a finalidade era obter
renda para construir a escola
de que Barretos necessitava.
Osório teve seis filhos,
todos longevos, com exceção
de uma menina falecida muito
pequena.

Capa do Álbum
“Centúria de Honra”,
publicado em 1930
(Fonte: Arquivo do Museu
“Ruy Menezes”)
DR. OSÓRIO FALEIROS DA ROCHA 61

Amava as crianças. Divertia-se muito com as brincadeiras e mesmo com


as brigas entre seus meninos (dois) e meninas (três). Quando querelavam
entre si, eles tinham a tarefa de escrever o que motivara o desentendimento.
Os bilhetinhos eram postos sobre sua mesa de trabalho. Ao chegar à casa, ele
fechava a porta do escritório e se punha a lê-los. Escondidos atrás da porta,
os filhos ouviam gargalhar com as histórias ingenuamente escritas.
Já adulto, conseguiu realizar o grande sonho de se tornar advogado,
pela renomada Faculdade de Direito do Largo São Francisco, de São Paulo. A profissão
decepcionou-o um pouco: a morosidade da Justiça – e a falta dela em inú-
meros casos, não eram aquilo a que ele tinha aspirado. Mas não deixava de
anotar os casos hilariantes que presenciava no júri. Várias dessas anedotas
estão registradas, algumas em sua autobiografia, Reminiscências, outras nas
crônicas que escreveu muitos anos como jornalista, em Barretos e outras
cidades do interior paulista e, ainda, outras em sua história da cidade que o
acolheu, Barretos de Outrora.
Foi poeta, escritor, jornalista, conferencista, advogado. Amava a músi-
ca, tendo criado letras para Marcelo Tupinambá, Carlos Guimarães e Pache-
quinho.
Foi um avô delicioso, sempre arquitetando brincadeiras, criativo, di-
vertido, achando sempre muita graça nas invenções infantis. A certa altura,
escreveu Miss Neta, para ser cantado ao som de uma melodia conhecida. No
poema, exaltava as trezes netas, convocando, a seguir, os cinco netos para
fazerem o julgamento de qual seria a mais bela. Uma das netas, filha de seu
primogênito Paulo Franco Rocha, ainda reside em Barretos – Virgínia Jun-
queira Franco, casada com Antônio Junqueira Franco.
Filhos (atualmente falecidos): Paulo Franco da Rocha; Uriel Franco Ro-
cha; Maria Luiza da Rocha Nogueira (casada com Ercy de Mello Nogueira,
pais de nove filhos: Luiza Maria, Paulo Tarcísio, Maria Eugênia, Maria Ignez,
Maria Teresa, Estêvão, Maria Auxiliadora, Pedro Paulo e Francisco de Paula);
Maria Ruth Franco Rocha e Maria Teresa Franco Rocha.
Era extremamente patriota e sempre disposto a lutar pela lei e os bons
costumes. Orgulhava-se de ter participado da Revolução Constitucionalista de
1932, quando já tinha 47 anos. Entre seus amores, contava-se a “última flor do
Lácio”, que ele defendia ferrenhamente contra a introdução dos neologismos
de outras línguas.
Apaixonado pelos livros, dizia que o único volume de sua vastíssima
biblioteca que não conseguira ler chamava-se Grandezas e misérias do nosso futebol,
presente de algum desavisado a respeito de suas preferências.
O lema literário de Eça de Queiroz, autor que ele muito admirava, foi
contínua fonte de inspiração em sua vida:
“Sobre a nudez cruel da verdade, o manto diáfano da fantasia”.
62 CHAMISSI ZAUITH E MARIA EUGÊNIA ROCHA NOGUEIRA

CONCLUSÃO:
Eu não poderia encerrar este texto sem fazer referência à atuação
deste insigne cidadão que muito contribuiu para o engrandecimento desta
cidade, considerado pelos jornalistas da época como um dos melhores no
âmbito nacional.
Previu, na obra “Reminiscências”, que a cidade de Barretos seria incontes-
tavelmente uma “urbis” destinada a um grande futuro.
Em suas crônicas, relata o panorama geral da cidade no seu cotidiano
em seus múltiplos aspectos.
Na verdade, ele reimplantou a árvore genealógica da história barre­
tense, demonstrando em seu interior e inteligência o quanto amava Barretos.
Aqui residiu por 60 anos, integrando sua família aos valores cristãos.
A ele devemos honrar e preservar viva sua memória por sua ação
construtiva, agindo como escultor do tempo, deixando-nos um legado históri-
co de inestimável valor.

Chamissi Zauith é Maria Eugênia Rocha


pedagoga, mestre em História Nogueira é psicóloga formada
PUC-SP, catedrática de História pela PUC, musicoterapeuta
Geral e do Brasil. Membro da ABC (Faculdade Musical, PR)
pela cadeira 30 e instrutora Paneuritmia
Pinceladas em recortes:
A Primeira Capela
Conceição Apparecida Ribeiro Borges

N o arraial dos Barreto e Librinas, nos idos da segunda metade do


século XIX, quase a totalidade de moradores eram advindos de Minas Ge-
rais. Chegaram por volta de 1830 e construíram aqui sua morada. Tomaram
posse de uma região despovoada de terras férteis e excelentes pastagens. Os
povoados que foram se formando eram quase sempre distantes um do outro
e davam abrigo também a viajantes, mormente tropeiros com suas tropas.
A primeira capela teria sido erigida por volta de 1856, quase uma dé-
cada após ao óbito de Francisco Barreto, o velho Chico Barreto. Um templo
tosco, bem como as primeiras casinhas. Tudo parecia erguido como a título
de experiência. Como era de costume se ter uma capela na própria residên-
cia, essa demora parece justificável.
“A primitiva egreja de Barretos erigida sob a invocação do Espírito Santo, foi edificada
por José Francisco Barreto, mais ou menos em 1856, ao pé da actual residência do
Tent. Joaquim Ângelo, defrontando com o velho cruzeiro que ainda ali subsiste para
attestar aos hodiernos a conspícua piedade dos antigos” (Jesuíno de Mello; Artigo: Tra-
dições de Barretos; jornal O Sertanejo n. 002 de 07.04.1900; pág. 2).

José Francisco Barreto era filho do casal Francisco Barreto e Ana Rosa.
O pé da residência do tenente Joaquim Ângelo localizava-se mais ou menos
no meio da fachada do atual prédio da Associação Rural do Vale do Rio Grande; por-
tanto, a área ocupada por essa primeira capela e seu entorno começariam a
partir da metade do referido prédio.
As paredes erguidas de forma rudimentar e frágil sofriam com as in-
tempéries e, consequentemente, iam se deteriorando com a ação do tempo.
Placidino Alexandre Ferreira, em 1926, fez o seguinte depoimento a Osório
Faleiros da Rocha:
64 PINCELADAS EM RECORTES: A PRIMEIRA CAPELA
“Lembro-me da escola do Eliseu Guardanapo Papudo. Era na igrejinha, e ele, que era
Garimpo das Alagoas, costumava sair para o lado de fóra e ficar espiando pelos bu-
racos das paredes de paus-a-pique já ruinosas se os meninos estavam estudando e
direitinhos.” (Osório Rocha, Barretos de Outrora, pág. 166).

Não menos convincente, o depoimento de Antônio José Borges sobre


o dia do seu casamento, em 30 de julho de 1875, com Antônia Cândida de
Jesus:
“O vento nesse instante começou a assobiar pelas frestas da igrejinha esburacada, e
então o sacristão (Ferreirinha) mandou que os meninos assistentes ficassem junto ao
altar, com as mãozinhas em concha junto às chamas das velas para não se apagarem.”
(Osório Rocha, Barretos de Outrora, pág. 135).

A simplicidade não estava só presente na arquitetura, mas também no


interior do templo. Não teria aspecto de igreja, o que parece ser o comum
daquela época. O notável botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, quando da sua
incursão pelo Brasil na primeira metade do século XIX (1816 a 1822) em
direção à Província de Goiás, atravessou o Sertão da Farinha Podre, hoje Triângulo
Mineiro, e registrou:
“A capela de Farinha Podre é muito pequena, baixa e destituída de ornamentos, como
devem ter sido os primeiros oratórios dos portugueses que descobriram o Brasil. À
época de minha viagem havia apenas um capelão ali, subordinado à paróquia de De-
semboque, distante dali 30 léguas. Todavia, os habitantes do lugar, estavam tentando
conseguir que o governo central elevasse o arraial a sede de paróquia.” (Auguste de
Saint-Hilare, Viagem à Província de Goiás, pág.150).

Parece que a ausência de bancos para os fiéis se sentarem no interior


do templo era o comum.
“Como não havia bancos, os fiéis, principalmente as mulheres, sentavam-se no chão.”
(Osório Rocha, Barretos de Outrora, pág. 52).

“[...] o Antônio Paixão e família ficavam de cócoras a um canto do templosinho e grui-


nham:
“Puis antão
Quando adão fez Deus ...
Louvemos a Santa Cruz!”
(Osório Rocha, Barretos de Outrora, pág. 50).

A ausência de bancos seria realmente um costume herdado. Uma ilus-


tração pertinente de Hércule Florence (1804-1879), de cerimônia religiosa, repro-
duzida no Livro Iconografia Paulistana do Século XIX, página 77, do autor Pedro Corrêa
CONCEIÇÃO APPARECIDA RIBEIRO BORGES 65
do Lago, consta a seguinte legenda transcrita de Yan Almeida Prado (1898-1991):
“... templo desprovido de bancos sentavam-se as mulheres à moda oriental sobre
esteiras estendidas no piso…”.
As missas, casamentos e batizados dependiam das vindas esporádicas
de padres de outras localidades como poderemos ver a seguir:
“As primeiras missas rezadas n’essa Ermida foram celebradas por padres que de São
Paulo seguiam viagem para Campo-Bello, e o primeiro parocho residente de Barretos
foi Pe. Manoel Eusébio, vindo de São Simão em 1862 ou 63. O patrimônio da egreja foi
doado pela família Barreto e a licença para a fundação do povoado foi concedida sob a
condição de ser garantida ao orago o domínio de um quarto de légua em quadra, tendo
no centro a capella”. (Jesuíno Mello, Artigo Tradições de Barretos, jornal O Sertanejo n.003
de 14.04.1900, pág. 1).

Como vimos, só após seis anos de existência é que passou à Capela Curada.
A Capela do Divino Espírito Santo, em 1873, pertencia ao 3º Distrito do Termo
da Comarca de Araraquara, conforme publicação no “Almanak da Província de São
Paulo para 1873”, em sua página n. 534:

Ilustração hipotética da primeira capela, feita pela autora do texto


66 PINCELADAS EM RECORTES: A PRIMEIRA CAPELA

“3º Districto - Da barra do ribeirão Bomfim, no rio Mogy, seguindo por este abaixo até
o rio Pardo, por este até o Rio-Grande, por este até abaixo do bairro dos Paulistas, onde
é divisa do 2º Districto; por esta divisa até o ribeirão dos Porcos, onde é a divisa do
Jaboticabal com esta Villa de Araraquara; dahí em diante, a procurar a cabeceira do
ribeirão Bomfim, e por este abaixo até o rio Mogy. Comprehende a Villa do Jabotica-
bal, as capellas das Pitangueiras, Barretos, S. Sebastião do Ribeirãosinho, São José do
Rio-Preto e os bairros dos Paulistas, do Virador, do Bálsamo, dos Ignacios, dos Olhos
d’Agua e outros.”

Em 2 de julho de 1877, foi canonicamente instituída a Paróquia do Divino


Espírito Santo por ato de d. Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, bispo da Província de
São Paulo. Ato em cumprimento à Lei n. 42 de 26 de abril de 1874.
Em 1878, recebeu seu primeiro vigário, o padre Henrique Sassi.
Diante desse cenário, podemos deduzir: já havia se consolidada a per-
manência dos que aqui aportaram e a próxima etapa seria a construção da
segunda ermida, em substituição daquela em que não se tinha condições de
abrigar todos os fiéis e tão pouco espaços suficientes para as funções ecle-
siásticas.
Diversos depoimentos de antigos moradores estão contidos nas valio-
sas publicações de Osório Rocha que atestam que, já em 1880, estaria desativa-
do o simples templozinho.

Obs: Os textos transcritos obedeceram à ortografia original

Conceição Apparecida Ribeiro Borges por ela mesma: sou


barretense com muito orgulho. Aqui cursei o Primário, Ginasial, Normal
e Secundário, casei e tive filhos, exerci a minha profissão e me aposentei.
Pertenço à Academia Barretense de Cultura – ABC, como membro efetivo
(cadeira 24)
Sociedade Beneficente e
Recreativa Estrela D’Oriente
Coriolano José Neves

Aceito! Mas vamos mudar o nome do Clube para Estrela D’Oriente, para que, assim como
a Estrela guiou os Reis Magos até Jesus Cristo, Nosso Salvador, ela guie a nossa raça
doravante a melhores destinos, a melhores dias ...”

Estas foram as palavras que seo Lazinho, o Lázaro Silva, proferiu em


uma das vezes em que foi convidado a presidir o principal clube que congre-
gava os negros de Barretos. E, assim, no dia 6 de janeiro de 1936, foi funda-
da oficialmente a Sociedade Beneficente e Recreativa Estrela D’Oriente.
Esse relato foi incluído no enredo da escola de samba em 1979, após a
gloriosa Estrela ter ficado de fora do desfile oficial de Barretos durante dois
anos, e foi ouvido da própria boca do seo Lazinho, pelo carnavalesco da Escola
de Samba da Estrela, Coriolano José Neves, este que vos relata, presente em
todos os seus desfiles oficiais a partir de 1972 até os anos 90.

ooo

Um grupo de músicos negros, aproximadamente cinco ou seis, reunia-


-se sempre à sombra de uma mangueira na residência de Senhorita, uma moça
negra de família bastante católica, para dar vazão à sua arte, visto que o es-
paço para os negros era seriamente restrito na cidade; a Abolição mal havia
completado 30 anos.
Entre eles, estavam Senhorita, seu irmão Faustino, o saxofonista Silvio
de Oliveira...
O carnaval de rua de Barretos, a exemplo de outras cidades, era com-
posto de corsos, onde as pessoas mais abastadas saíam em seus carros, com
muito confete e serpentina.
Segundo Silvio de Oliveira, que também relatou a mim, neste mesmo
68 SOCIEDADE BENEFICENTE E RECREATIVA ESTRELA D’ORIENTE

ano de 1979, o pequeno grupo resolveu sair a pé no carnaval de rua, tocan-


do e cantando um samba daquela época. E fizeram sucesso. Silvio era o pai
do grande mestre Álvaro de Oliveira, o Alvinho. Esse foi o embrião do Bloco
Carvão Nacional, que depois foi incorporado pela Estrela e, momentos mais tarde,
brilhou pelas avenidas da cidade, sob a batuta do recém-chegado a Barretos
Américo Espíndola.
Américo veio da Marinha e colocou disciplina no Carvão Nacional; tudo
o que fazia tinha muito rigor. As fantasias dos batuqueiros eram de mari­
nheiros e grande parte do bloco se vestia como tal. Passava em revista cada
fantasia, seu asseio, os calçados, enfim: primava pela séria uniformidade do
conjunto; pontos que são levados muito em conta nos desfiles oficiais do Rio
e São Paulo.
Constavam da estrutura do bloco os batuqueiros (chamados de “escola de
samba”), um passista que vinha à frente, de Abre-Alas, fazendo malabarismos
com sua baqueta, passistas, Princesa e Príncipe, Rei e Rainha, acompanha-
dos por uma corte de “damas d’honneur” e ladeados por escolta com espadas e
uma Porta-Estandarte principal.
Na frente da “escola de samba”, vinha uma passista habilidosa no rebola-
do, chamada de rumbeira (uma alusão ao rebolado da Rumba). Imortaliza-
ram-se, em suas funções, o Abre-Alas Dinda, os passistas Ronã e Mauricio,
as passistas Valdelice, Josmaria, Ucha e Vanda. A Porta-Estandarte Efigênia
destacou-se, enquanto viveu, como a maior de todos os tempos. Desfilou
até mesmo depois de extinto o Bloco Carvão Nacional. A presença e atuação dos
cantores (atualmente puxadores) do samba que o bloco entoava foi marcada
com louvor pelos grandes Salvador, Arlindo Barracão e o inesquecível mestre
Oscarzinho, que dá nome hoje ao Sambódromo de Ribeirão Preto. Os apitadores (hoje
mestres de bateria) mais destacados foram o próprio Oscarzinho, Narciso e
Pedro, filho do seo Bequinho, ex-jogador do BFC.
Sempre costureira desses desfiles, Vitalina Silva, em 1945 foi uma das
mais destacadas rainhas do Carvão Nacional. Era conhecida pelos comerciantes
de tecidos, dentre eles o seo Miguel Miziara, que a ajudou a confeccionar a
bela fantasia de cetim rosa, com um manto azul celeste, toda salpicada de
estrelas de brocal prateado. Os arranjos e o bastão foram confeccionados por
outro grande integrante, o também artesão Cirilo. Outra grande rainha do
bloco, sobrinha do então presidente da Estrela, seo Tuca, foi sua sobrinha Maria
Inês, negra de grande beleza que encantou a cidade durante o desfile.
Grande foi a participação das famílias negras que operavam na cidade.
Algumas delas: a do seo Lazinho, com os filhos Rubens e Lina (Liberalina Silva),
os Malaquias, família do Zé Preto, do Tatão, família do seo Silvio, do Guilherme
de Britto, do Tonhão e tia Rita, família Miguel e Cruz, entre outras...
CORIOLANO JOSÉ NEVES 69
Seo Lazinho
É considerado o fundador
oficial da Estrela. O grande presi-
dente. Dono de uma pastelaria
no centro da cidade, Lazaro Sil-
va, sempre que estava à frente
da Estrela, dava a ela respeito e
credibilidade.
Alugava salões para bai-
les e comemorações da negra-
da e a polícia só não fechava
os recintos quando o seo Lazinho
estava à frente do evento. Daí
o grupo de diretores ter recor-
rido a ele para presidir o clube
em 1936. Lázaro, então, havia
desistido de liderar, devido a
grandes desencontros internos
na agremiação.

Vitalina, Rainha do Bloco Carvão Nacional da


Estrela D’Oriente, em 1945, mesmo ano em
que se casou com José Pereira Neves

Leobino Pereira Neves


Respeitado pela sua atua-
ção dentro do ramo de gastro-
nomia da cidade, Leobino era
frequentador assíduo dos even-
tos da Estrela.
Foi o presidente que entregou o bastão para que seo Tuca cumprisse o seu
último mandato à frente da Estrela D’Oriente.

Seo Tuca
Francisco Caetano Estevão foi, por muitas gestões, o grande presidente
da Estrela. Era tropeiro, que transportava boiadas para o então Frigorífico
Anglo. Homem respeitado, de posses, de comando, que, conta-se, até oferecia
prêmios para os vencedores das primeiras Festas do Peão de Boiadeiro de
Barretos. Tuca e sua esposa, dona Chiquinha, faziam do Bloco Carvão Nacional uma
grande atividade. Os ensaios aconteciam no barracão do Sindicato Rural do Vale do
Rio Grande. Ele bancava todas as despesas do Bloco e sua esposa, grande cos-
70 SOCIEDADE BENEFICENTE E RECREATIVA ESTRELA D’ORIENTE

tureira, confeccionava com sua equipe todas as fantasias e o desfile sempre


saía de sua própria residência, na rua 12 entre as avenidas 27 e 29, rumo ao
centro da cidade onde acontecia o desfile. Mantinha forte e atuante diretoria.
Realizava com louvor os tradicionais negros bailes de maio (Abolição) e de
agosto (Aniversário de Barretos), onde a raça se esmerava em belos trajes
de gala.

Posse de Leobino Pereira Neves na presidência da Estrela D’Oriente, em 1965, na sede do clube na rua 18,
onde hoje funciona o Cartório do Segundo Ofício de Barretos. Da esquerda para a direita, José Pereira Neves
(Zé Preto), Francisco Caetano Estevão (Seo Tuca) e Leobino Pereira Neves

Zé Preto
José Pereira Neves, grande jogador do Barretos Futebol Clube, da rua
32, era conhecido e respeitado na sociedade barretense, onde também era
proprietário da Tinturaria Esporte. Compadre de seo Tuca, recebeu de suas mãos
a presidência da Estrela D’Oriente, cuja sede era na rua 18, onde atua hoje o
Cartório do 2º Ofício. Zé Preto, na sua primeira gestão, continuou mantendo
o lume dado ao clube pelo seo Tuca. Na segunda metade dos anos 60, levou
a Estrela a apresentações folclóricas nos aniversários da cidade. Por ocasião
do 13 de maio de sua primeira gestão, organizou na Matriz do Divino Espírito
Santo, com o auxílio da organista negra Filomena e de Janete Bampa, um
inesquecível coral que abrilhantou missas de ação de graças pela data. Em
sua gestão também, por sua estreita relação com os professores do iniciante
CORIOLANO JOSÉ NEVES 71

Ginásio Vocacional, criou com o professor José Expedito Marques, o TEN – Teatro Ex-
perimental Negro, que encenou para Barretos e Capital a peça “Esqueleto Zero Hora”,
fazendo história na cultura barretense. Com músicas cantadas pelo mestre
Oscarzinho, a peça contou com a participação de um elenco totalmente de
negros. Dentre eles: Reinaldo dos Santos, Antonieta Silva, Luíza, Silva Regi-
na, Marlene, Antonia, todos de dentro do clube. Os ensaios desta peça foram
realizados no espaço do Sindicato Rural do Vale do Rio Grande. Ainda na sua primeira
gestão, Zé Preto mudou a sede da Estrela para a Avenida 17 entre as ruas 26 e
28 e, a partir de 1966, realizou grandes desfiles do Carvão Nacional, desta feita
comandados pela sua esposa Vitalina Silva Neves e pelo genro Waldemar No-
gueira. Waldemar, em 1966, começou a modificar o bloco, adaptando-o para
uma Escola de Samba nos moldes das grandes cidades, introduzindo toques
diferentes na Bateria e, também, o casal de Porta-Bandeira e Mestre-Sala,
postos ocupados pelos inesquecíveis Destão e Marelice. Esta, filha do lendário
negro Sibidão. Ainda no primeiro mandato de Zé Preto, a Sociedade Beneficiente e
Recreativa Estrela D’Oriente foi reconhecida como de Utilidade Pública pela Câmara
Municipal de Barretos, em Lei de 1966. Também nesta fase, José Pereira
Neves conseguiria do prefeito Christiano de Carvalho a doação de um terreno
para sua sede própria, à avenida 9 esquina com a rua 4, onde construiria,
depois, o prédio atual do clube.
Zé Preto concluiu seu primeiro mandato, passando a presidência para
João Batista de Souza, depois Reinaldo dos Santos e Benedito Souza, o Ditinho.
José Pereira Neves retornou à presidência no final 1971 e permaneceu até
1984.
Ao retornar, Zé Preto conseguiu realizar a chamada Era de Ouro desta esco-
la de samba, com seguidas vitórias que culminaram, em 1976, com o históri-
co enredo “Zumbi – A Imagem da Liberdade”, trabalho desenvolvido por dona Vitalina,
Clélia Maria, Waldemar Nogueira, Álvaro de Oliveira, Marcelo Suzuki e Corio-
lano José Neves. Neste concurso, a Estrela venceu o Jockey Clube e o Rio das Pedras
Country Club. Após essa vitória, houve uma pausa nos desfiles, pois através de
empréstimo conseguido na Nossa Caixa, com o auxílio do Governo do Estado
de São Paulo, respaldado pelo prefeito Dr. Melek Zaiden Geraige, José Pereira
Neves constrói, com sua diretoria, a tão sonhada sede própria da S.B.R.E.O.
Ainda em 1976, lança a pedra fundamental da construção. A sede é
inaugurada em 1977. Após esse feito, em 1979, a Estrela retorna à avenida
com o enredo “Nossa Estrela vem do Oriente”, onde, através de depoimentos dos
baluartes ainda vivos, conta sua própria história. Este ano marca a estreia
da lendária Porta-Bandeira Clélia Maria e do grande Mestre-Sala Euripinho.
Em 1984, José Pereira Neves deixa a presidência, falecendo no mes-
mo ano. Adão Ribeiro elege-se o novo presidente do clube. A participação da
Estrela no carnaval de rua volta a ter novo ápice em 1986, com Adão Ribeiro,
72 SOCIEDADE BENEFICENTE E RECREATIVA ESTRELA D’ORIENTE

quando sob o comando de Matinas Suzuki, uma comissão interna de carna-


val do clube levou à avenida o Jubileu de Ouro da Estrela D’Oriente. Adão Ribeiro foi
substituído por Guilherme de Britto; ambos fizeram brilhantes gestões. Tam-
bém foram presidentes: José Alves, Coriolano José Neves, Sebastião Gregório
da Silva e Luiz Antonio Cruz – Euripinho, seu atual presidente.
A história da Estrela D’Oriente corresponde à saga da raça negra na região
do Vale do Rio Grande. As famílias de negros que mais participaram do dia-
-a-dia da cidade, caminharam juntas no caminho traçado pela Estrela na vida
de Barretos e na vida de cada cidadão que congregou e congrega.
Como uma grande árvore, a Estrela deu origem a todas as oito escolas de
samba que existiram na cidade, sendo constituídas por elementos que dela
saíram e com ela aprenderam, funcionando como eterna raiz de uma negri-
tude desenvolvida com sangue e suor de seus participantes.
Considerada o grande e primeiro Quilombo de Barretos, deu oportunidade àque-
les recém-abolidos do convívio com os seus, com espaço para exercer sua
cultura, sua crença, seu modo de viver e encarar a vida. De forma educacio-
nal, seus principais líderes nortearam o desenvolvimento cultural e social de
cada um de seus elementos, cujos filhos hoje formam, orgulhosamente, uma
espécie de diáspora, grupos da sua África maior, a SOCIEDADE BENEFICIENTE E
RECREATIVA ESTRELA D’ORIENTE.

Coriolano José Neves, 67 anos, barretense nato, é filho de


José Pereira Neves e Vitalina Silva Neves. É amante de Escola de Samba.
Tem a Estrela D’Oriente no coração e deve sua formação à atuação que teve
dentro dela. É carnavalesco, jornalista e designer gráfico.
Diretor da Parabòle Arte e Editora desde 1990
Os italianos em Barretos
Daniel Bampa Nétto

Primeira sede da Sociedade Italiana “Unione & Fraterlanza” de Barretos, fundada na cidade em 1895. Tal
edifício se localizava na esquina da avenida 27 com a rua 18 (imagem: Jornal Barretos Memórias, julho de
1988, p. 2 – Arquivo do Museu “Ruy Menezes”)

Pelos depoimentos que sempre ouvia de meus pais, tios e conhecidos


e pesquisando a respeito do motivo de milhares de italianos terem deixado
a pátria-mãe, concluí que se deveu à grande dificuldade econômica e à ins­
tabilidade política que o Norte da Itália atravessava na segunda metade do
século 19.
Analisando o histórico da Itália na época, percebe-se que, quando ter-
minaram as lutas da unificação italiana com a conquista de Roma, em 1870,
por Vitor Emanuel II de Piemonte, rei da Itália, juntamente com Giuseppe Garibaldi, ao
invés de se solucionarem os problemas socioeconômicos, estes se agravaram.
A economia era dependente de poucas indústrias e de muitos latifundiários
ainda ligados a esquemas econômico-medievais e feudais e de exploração da
força operária e agrícola. A formação de uma nova Itália, como reino, não
abria perspectivas propícias à revogação dos esquemas antiquados de gran-
des proprietários feudais com títulos hereditários de posse de terras.
74 OS ITALIANOS EM BARRETOS
As regiões ao Norte do rio Pó permaneceram no “status” socioeconômi-
co idêntico ao de antes da unificação. Havia grande disparidade entre classe
rica e classe pobre, estando essa quase na miséria que dominava toda a
região.
A Venécia, ainda em parte sob o domínio austríaco, o Trentino-Alto Ádi-
ge todo, também sob o domínio austríaco e pretendido pela Itália, apresenta-
vam uma situação política de instabilidade e de futuro incerto.
Neste cenário de dificuldades e incertezas, uma leva considerável de
italianos decidiu sair de seu país de origem e se aventurar em outras terras,
atrás de um futuro que poderia lhes dar uma garantia de vida melhor.
Tanto o meu avô quanto, certamente, todos aqueles que deixaram a sua
terra, não enxergavam oportunidade melhor do que aportar no novo mundo,
ainda por explorar e cheio de oportunidades.
Como a maioria dos imigrantes italianos era experiente na atividade
agrícola, já era encaminhada ao trabalho em grandes fazendas de café, subs­
tituindo a mão-de-obra escrava abolida recentemente (1888).
Várias famílias italianas foram encaminhadas para a nossa região. Até
hoje há remanescentes destes primeiros imigrantes.... Marchi, Ducatti, Martinelli,
Benedetti...
Daniel Bampa, nascido em 23 de março de 1871, na comune São Michele
Extra, na província de Verona, imigrou para o Brasil entre 1893/94. Chegou
ainda solteiro e com aproximadamente 22 anos, acompanhado do seu irmão
José Bampa, casado, então com 2 filhos.
Ficou aqui até por volta de 1897, quando voltou para a Itália. Três anos
depois, embarcou no vapor Arno para retornar a Barretos. Nessa viagem
conheceu minha avó, Virgínia Martinelli, casando-se às onze horas do dia 13
de outubro de 1900. Faleceu aos 63 anos, no dia 18 de maio de 1934, vítima
de colapso cardíaco, segundo atestado de óbito fornecido pelo médico patrício,
Dr. Carmélio Guagliano.
Trabalhando duro, Daniel Bampa conseguiu fazer o seu “pé de meia” e,
com uma família numerosa, fundou um pequeno armazém e adquiriu uma
pequena gleba, onde obtinha o sustento para os 12 componentes da família.
Era bastante comum a reunião de toda família em torno de uma gran-
de mesa, contando com três dezenas de descendentes, numa algazarra, fala
alta, tendo boa parte dos integrantes o ato de proferir palavrões, principal-
mente após o segundo copo de um bom tinto, mesmo que não fosse um Bru-
nello Di Montalcino.
Como toda família italiana, a mesa farta fazia parte da cultura, con-
tando com a extensa variedade de comida oriunda da “Velha Bota”, como espa­
guete, lasanha, pizza, nhoque, capelete, polenta e ravioli, entre outros, sem-
pre acompanhada de velhas canções, não só napolitanas, mas de todas as
DANIEL BAMPA NÉTTO 75
regiões italianas.
Sem qualquer exagero: o alarido nessas ocasiões poderia ser ouvido
a centenas de metros. Às vezes, aqueles que não estavam habituados com
tamanha algazarra e confusão acreditavam existir ali uma grande discussão
entre todos os participantes do grupo.
Entretanto, era uma mera oportunidade de botar a conversa em dia.
Havia também os ruidosos encontros dos patrícios no clube da colônia
italiana, o Unione e Fratelanza, nas acirradas disputas de partidas de “boccha”
nos finais de semana. Seria o correspondente fanatismo do futebol nos dias
atuais.

O edifício “Casa d’Itália” passou a sediar a Sociedade “Unione & Fraterlanza” em 1936. Localizava-se na
esquina da avenida 15 om a rua 16. A Sociedade Italiana foi fechada em 1945, após o fim da
2ª Guerra Mundial (imagem: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”)

Hoje, passado mais de um século do enlace matrimonial de Daniel Bam-


pa, não existe mais nenhum descendente direto vivo. Mesmo porque o caçula
do casal estaria hoje na casa dos 90 anos.
Apesar desta distância temporal, hábitos, costumes, consideração entre
seus descendentes ainda se mantêm vivos, um pouco desgastados devido à
aculturação própria de quem convive com uma gama de descendentes de
outros povos e raças.
Da mesma forma que os Bampa/Martinelli/Benedetti/Colucci, meus quatro
avós, outras famílias italianas povoaram, miscigenaram e fazem parte da
comunidade barretense, constituindo uma grande família de italianos. Vemos
76 OS ITALIANOS EM BARRETOS
os sobrenomes Donato, Galatti, Baroni, Scannavino, Tedesco, Verardino, Gazetti, Bernardi, Bor-
sato, Possato, Lazarini, Solera, Mazelli, Pierangelli, Armani, Barini, Thomazatti, Tomazini, Ducati e
muitos outros que se fazem presentes no cotidiano barretense.
Não é demais afirmar que, entre eles, surgiram profissionais em todos
os segmentos de todas as áreas, fazendo e participando ativamente da Terra
do Chico Barreto.
Os traços culturais italianos se manifestam de forma intensa não só
nos pratos e na culinária, mas também nas atividades profissionais e em
todos os segmentos, como artistas de toda sorte, desde pintores, artesãos,
dançarinos, músicos e compositores.
O caminho percorrido pelo meu avô certamente foi o mesmo feito por
milhares de outros imigrantes italianos. Cada um teve sua saga, a sorte ou
a desilusão na busca de vida melhor. Outros, desiludidos pela dificuldade ou
pela má sorte, retornaram ao seio da pátria-mãe. Os que ficaram se uniram
a tantos outros povos que para aqui vieram, resultando neste nosso povo que
traz a Bela Itália no DNA, nos costumes e nos hábitos.

Daniel Bampa Nétto é barretense, nascido em


7 de junho de 1939. É contador. professor e economista.
Proprietário do Espasso Contabilidade
Recinto “Paulo de Lima Corrêa”:
Mosaicos de uma história
Elisete Greve Tedesco

Estando em Barretos em 23 de maio de 1943: Paulo de Lima Corrêa,


Secretário Estadual de Agricultura e Comércio de São Paulo, recebeu pedido
de João de Almeida Queiróz, presidente da “Associação dos Pecuaristas do Vale do Rio
Grande” para que fosse viabilizada a construção do Recinto de Exposições Agropecuá-
rias na cidade. Depois de mantidos todos os contatos, o então presidente da
Associação dos Pecuaristas, Raul dos Santos, foi comunicado sobre a decisão do
interventor Fernando Costa. Para agilizar a construção, a prefeitura adqui-
riu e desapropriou área de propriedade de João Baroni, Raul dos Santos e
Nemércio Vilela Lemos, doando-a ao Governo do Estado.
Foram designados os técnicos da Secretaria da Agricultura, Alfeu Re­
veillau e Antônio Carlos de Campos Salles, para comandarem a construção.
As obras do projeto assinado pelo arquiteto Hernani do Val Penteado fo-
ram iniciadas em 24 de julho de 1944, tendo como construtor o empreitei­ro
Antônio Costa, responsável pela contratação dos mosaicistas que ornamen-
taram o calçamento do Recinto com belos arabescos e rosáceas.
Alfeu Reveillau declarou o gasto de aproximadamente dois milhões de
cruzeiros na construção, destacando o formato do terreno, amplitude e con-
forto.
Com capacidade para abrigar cerca de 500 reses, além de equinos,
suínos e produtos de origem animal, o Recinto foi considerado uma das
mais belas e modernas obras construídas no Brasil, agradando pecuaristas
e população em geral. Em suas dependências foram construídos imponentes
edifícios, arquibancadas, bar, restaurante, alojamentos para tratadores e im-
plementos, cinco moderníssimos e confortáveis pavilhões para o gado fino e
excelentes currais para os bois gordos.
Em reunião na “Associação dos Pecuaristas do Vale do Rio Grande”, em que par-
ticiparam Alfeu Reveillau, chefe do Departamento da Produção Animal do
78 RECINTO “PAULO DE LIMA CORRÊA”: MOSAICOS DE UMA HISTÓRIA
Estado e Antônio Campos Sales, médico veterinário do mesmo departamento,
pecuaristas e negociantes de gado, foram definidas as datas de 17, 18 e 19
de março de 1945 para a inauguração do Recinto e da “Primeira Exposição de
Animais”.
A cerimônia oficial teve início às 15 horas do dia 17, com o hasteamen-
to do Pavilhão Nacional e descerramento das duas placas inaugurais, uma
das quais em homenagem ao grande entusiasta, o engenheiro agrônomo
“Paulo de Lima Corrêa”, falecido em 30 de agosto de 1943, aos 50 anos de
idade.
Em 1949, foi realizado no Recinto o “1º Concurso de Bois Gordos da Região de
Barretos”, juntamente à “3ª Exposição Regional de Animais e Produtos Derivados”. Até o
ano de 1953, foram realizados cinco concursos com gado exclusivamente
engordado nas pastagens da região.
Em 1951, a “Associação Rural do Vale do Rio Grande” realizou, pela primeira vez
no local, competição em que participaram apenas bovinos de propriedade do
Estado, evento que contou com total apoio da Secretaria de Estado da Agricultura.
Nos anos de 1952 e 1953, as exposições contaram com bovinos de pro-
priedade de expositores barretenses, da região e do governo.
Seguindo calendários aleatórios, gradativamente, as exposições dei­
xaram de ser realizadas no Recinto, sendo a 44ª edição a última realizada
no local, ocorrendo no período de 17 a 27 de abril de 2003.
O patrimônio pertenceu à Secretaria da Agricultura e Abastecimento
do Estado de São Paulo desde a sua fundação. A partir de 18 de outubro de
1996 passou a ser gerenciado por contrato de comodato entre o Sindicato Rural
do Vale do Rio Grande e Prefeitura de Barretos. Posteriormente, devido à resolução do
Estado, passou a ser administrado pelo Escritório de Defesa Agropecuária de Barretos
– EDA.

Recinto “Paulo de Lima Corrêa” na década de 1960, com destaque


ao obelisco de 1959 e ao pórtico – autoria da fotografia: José Tedesco.
(Fonte: arquivo pessoal da autora)
ELISETE GREVE TEDESCO 79
O RECINTO E AS FESTAS DO PEÃO DE BOIADEIRO
No ano de 1947, o prefeito Mário Vieira Marcondes reuniu lideranças
na “União dos Empregados no Comércio de Barretos”, conclamando-as a contribuírem
na realização de evento em prol da “Bandeira Paulista de Combate à Tuberculose” e ao
Peão de Boiadeiro. Foi realizada então, com grande sucesso, a Primeira Festa do
Peão de Boiadeiro, que contou com diversas atividades em clubes sociais, logra-
douros públicos e no Recinto “Paulo de Lima Corrêa”. Além de corridas de motos e
bicicletas, foram realizados rodeios com cavalos, bois bravos, burros xucros,
torneios de laços, gincanas, Pega do Porco Ensebado, Pau-de-sebo, desafios entre
violeiros, dentre outras atividades.
Nos dias 19 e 26 de setembro de 1948, a Festa do Peão de Boiadeiro foi reali-
zada novamente no Recinto.
A partir de 1958, a “Queima do Alho” começou a ser realizada no Recinto.
Na década de 60, Orestes de Ávila, um dos primeiros locutores da Festa
do Peão, criou o slogan “O Chão é o Limite”, usando-o quando os peões, literal-
mente, caíam do cavalo. Frases como “Mais elegância, pois o Chão é o Limite”, “Elegância
quer dizer Rapidez” também surgiram no cenário da Festa. Em 1966, Antonio de
Souza, o “Zé do Prato” introduziu a célebre frase: “Seguuuuuuuura Peão”.
Diversos nomes do cenário artístico brasileiro apresentaram-se no “Pal-
co Iluminado do Rodeio”, bem como grupos folclóricos brasileiros e da América La-
tina, merecendo destaque: Grupo de Danças Folclóricas de Sussy Claude (Paraguai); Grupo
Folclórico Sarangi (Uruguai); Santhiago Ayala (Argentina); “El Chucaro”, com Norma Viola e Amália
Garcia (Argentina); Grupo Folclórico Alichil (Chile); Grupo Folclórico da Universidade de Cochabam-
ba (Bolívia); Javier de Léon e Mariachis Zanabria (México).
Na década de 70, “Zé Ribeiro” passou a narrar os rodeios ao lado de Ores-
tes de Ávila, introduzindo músicas e frases de efeito durante as apresenta-
ções.
No ano de 1972, participando da abertura, Emílio Garrastazu Médici
foi o primeiro presidente a prestigiar a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos. No
mesmo ano, a empresa Heublein, fabricante do whisky Drury’s, foi a primeira
empresa a utilizar “merchandising” no evento.
No ano de 1973, os peões que se sagraram campeões passaram a rece-
ber um carro “Fusca 1300”, patrocinado pela Volkswagen do Brasil.
Em 1978, foi introduzida na festa a montaria em touro.
No ano de 1980, o barretense Alceu Garcia foi considerado o “Melhor
Berranteiro do Brasil”, e em homenagem ao Jubileu de Prata da Festa do Peão,
executou o Hino Nacional Brasileiro.
Em 1981, com considerável comitiva, foi a vez do Presidente João Bap-
tista de Figueiredo participar da Festa.
No ano de 1986, a Festa recebeu o Presidente José Sarney.
Inúmeros foram os governadores, ministros, deputados, senadores e
80 RECINTO “PAULO DE LIMA CORRÊA”: MOSAICOS DE UMA HISTÓRIA

demais autoridades que a visitaram a “Festa do Peão de Boiadeiro”, destacando:


Adhemar de Barros, Laudo Natel, Carvalho Pinto, Paulo Egydio Martins, José
Maria Marins, Paulo Salim Maluf, autoridades civis e eclesiásticas.
Figurando no calendário oficial da Festa do Peão, as montarias em tou-
ros foram iniciadas no Recinto a partir de 1983.
Até o ano de 1984, as festas do Peão de Boiadeiro foram realizadas no
Recinto “Paulo de Lima Corrêa”.
De 11 a 14 de março de 1999, foi realizado no Recinto o “1º Encontro dos
Campeões de Barretos” por José Alexandre Paiva, Flávio Eduardo Paro, Tião Pro-
cópio e Vergílio Gonçalves.
Em 2004, foi realizada a “Festa dos Campeões”, comandada por José Uilson
Freire.

Festa do Peão de Boiadeiro realizada no Recinto “Paulo de Lima Corrêa” na década de 1970
Autoria da fotografia: Maurício Pinto. (Fonte: arquivo pessoal da autora)

RECONHECIMENTO DO PATRIMÔNIO
Em 25 de junho de 1999, atendendo à solicitação do veterinário Élio do
Nascimento Meirinhos e do ex-delegado de polícia José Carlos Moreira de Oli-
veira, o prefeito Uebe Rezeck pleiteou o tombamento do patrimônio histórico
junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Em 4 de outubro de 2000, a superintendência do IPHAN oficiou: Senhor
Prefeito, temos a satisfação de informar à V. Sa que foi aberto o processo de nº I466-T-00, referente
ao tombamento do Recinto de Exposições Agropecuárias Paulo de Lima Corrêa.
Vencidas todas as instâncias, infelizmente, devido a interferências polí-
ELISETE GREVE TEDESCO 81
ticas contrárias ao tombamento, o processo foi arquivado.
Em 20 de março de 2003, os “Amigos do Recinto” Elio do Nascimento Mei-
rinhos, Elisete Greve Tedesco e José Carlos Moreira de Oliveira deram con-
tinuidade ao sonho da proteção legal do patrimônio, encaminhando ofício
assinado por José Carlos Moreira de Oliveira ao Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Artístico e Arquitetônico de São Paulo – CONDEPHAAT.
Decorridos praticamente dez anos do início da luta, o bem foi tombado
com o seguinte parecer: A guisa de conclusão deste parecer, retomamos os aspectos acima
elencados, fortes indicadores da significação deste Patrimônio no quadro estadual, que o tornam
merecedor de reconhecimento oficial de sua importância cultural, isto é, do tombamento pelo CON-
DEPHAAT.
Em 11 de maio de 2010, o Diário Oficial do Estado de São Paulo publicou:
Resolução SC-10, de 11-3-2010: Artigo 1º. - Fica tombado na categoria de bem arqui-
tetônico, histórico, ambiental e cultural o conjunto do Recinto de Exposição Agrope-
cuária Paulo de Lima Correa, situado à Rua Trinta e Quatro, s/n, bairro Exposição,
na cidade de Barretos, no Estado de São Paulo. O presente tombamento se aplica aos
seguintes itens: a) Do portal de acesso pela área central até a Tribuna: 1 Portal de
acesso; 2 Obelisco em homenagem a Paulo de Lima Corrêa; 3 Espelho D’ Água; 4 Arena
com seu gradil e arquibancadas; 5 Tribuna de Honra. 6 Obelisco de Azulejos, alusivo ao
tropeirismo. b) Do portal de acesso pela lateral direita: 7 Restaurante; 8 Casa do Ad-
ministrador; 9 Escritório Central; 10 Conjunto das Baias; 11 Cocheiras; 12 Bebedouro
para animais; 13 Lavador de Cavalos; 14 Edifício de produtos derivados; 15 Tatersall;
16 Casa de Pouso c) Do portal de acesso pela lateral esquerda: 17 Casa do Criador; 18
Pavilhões de Bovinos e Suínos (9 pavilhões). Artigo 3º - Ficam definidas as seguintes
diretrizes para intervenção no bem tombado: Os imóveis listados para tombamento
deverão manter sua implantação original, volumetria e elementos decorativos carac-
terizadores do partido neocolonial.
A recuperação do conjunto deverá obedecer a um plano diretor discriminando sua
ocupação e/ou reciclagem.
Qualquer intervenção de reforma, demolição e/ou implantação de novas edificações na
área delimitada deverá ser objeto de análise e aprovação do Condephaat.

Em 25 de junho de 2012, foi assinada a escritura definitiva de posse.


Em 28 de junho de 2012, foi assinado convênio de repasse de verba
no valor de R$ 7,517 milhões pelo Governo Federal e contrapartida de R$
483 mil da Prefeitura, totalizando a quantia de R$ 8 milhões para as obras
que visavam transformar o Recinto em Centro de Treinamento da Seleção Brasileira
de Hipismo.
Em 11 de dezembro de 2013 foram iniciadas as obras de revitalização
do patrimônio barretense... mas isso é outra história!
82 RECINTO “PAULO DE LIMA CORRÊA”: MOSAICOS DE UMA HISTÓRIA
Fontes de Pesquisa:
Álbum do Centenário de Barretos, Menezes Ruy, Tedesco José, Gráfica
Tedesco, Barretos, 1954; Menezes, Ruy, Espiral – História e Desenvolvimento
Cultural de Barretos, 1ª Edição, 1985; Acervo do Sindicato Rural do Vale do
Rio Grande e outras diversas mídias.

Elisete Greve Tedesco é historiadora, artista plástica e membro da ALAB


pela cadeira n° 1. É autora de inúmeros artigos publicados pelo Jornal Regional de
Barretos. Presidiu a ALAB e AARPLIC e foi responsável pelo dossiê que tombou o
Recinto Paulo de Lima Corrêa
Coronel João Carlos de
Almeida Pinto - vulto notável da
História de Barretos
Gerson Aparecido Rodrigues

‘Um campineiro destemido, republicano apaixonado’, como já dizia Osório Rocha


em artigo de jornal de 1952, chegou em Barretos por volta de 1883, prove-
niente de Jaboticabal. Nascido em Itapetininga-SP em 21/04/1855. Filho do Dr.
Francisco Antônio Pinto e Manuela de Camargo. Era tio do Prof. Fausto Lex, fi-
lho do Dr. Matias Lex e Belizaria
Pinto Lex, irmã dele: Cel. Almeida
Pinto. Passou a adolescência em
Campinas, onde recebia ideais
republicanos, resi­din­do poste-
riormente em Jabo­ ti­
cabal, onde
foi um dos primeiros homens
a aderir ao ideal democrático e
propagandista da Abolição e da
República, fundando o Partido Re-
publicano Paulista em 15/03/1881.
Atuou também como ve­
rea­dor e presidente da Câmara
Municipal. Diz a história que,
durante uma audiência com o
juiz municipal de Jaboticabal,
surgiu um incidente: uma vio-
lenta discussão entre ambos. Ir-
ritado, deixou o recinto, voltan-
do logo depois empunhando um
cabresto, avançou para o juiz e, Cel. Almeida Pinto (fonte: Álbum Comemorativo do 1º
aos gritos, tentou enfiar-lhe o Centenário da Fundação de Barretos - Arquivo do Museu “Ruy
Menezes”)
84 CEL. JOÃO CARLOS DE ALMEIDA PINTO - VULTO NOTÁVEL DA HISTÓRIA DE BARRETOS
cabresto na cabeça.
“Quero embuçalar este burro!”.

Em 11/02/1881, contraiu matrimônio com Maria Amélia de Oliveira,


natural de Uberaba, filha do farmacêutico barretense Jeronimo de Oliveira
Silvares e Lucrécia de Oliveira Silvares, pois esta era irmã de Francisco Al-
meida Silvares, Escrivão de Paz e, mais tarde, Tabelião do Cartório de 1º Oficio;
também conhecido por Chiquim, seu amigo que acertou o namoro - e o casa-
mento foi rápido. Os dois se casaram e fixaram residência em Jaboticabal,
mas por pouco tempo; logo decidiram morar no arraial de Barretos, na fazenda
do sogro, próxima ao bairro Prata. Chegando a Barretos, bem cedo partiu
para o sertão, que ajudou a desbravar com sua inteligência fora do comum,
trabalhando infatigavelmente no Fórum e na imprensa, lecionando primeiro
em Araraquara, onde foi Promotor Público. Já nessa época era jornalista,
advogado perante o tribunal de júri e ainda exercia outros misteres, notada-
mente o de curandeiro para servir a classes menos favorecidas.
Em Barretos, conhecido como um lugarejo infestado por valentões, onde
não havia garantia de vida para ninguém, trouxe novo talento e impulsos
bem diversos, graças ao seu temperamento ardente.
Sua esposa não pretendia morar em Barretos, mas a convenceu de que
a cidade precisava começar a mudar com novas ideias, principalmente a nos-
sa República, e essas ideias precisavam se espalhar por todos os cantos. Deste
casamento nasceram os filhos: João Carlos de Almeida Pinto Júnior e Múcio
S. Almeida Pinto.
Era dotado de vibratilidade incomum, aliciador com dotes especiais,
tomado de ardores pelo credo republicano, além de grande simpatia pes-
soal, inteligência brilhantíssima, com certa boemia, e esbanjador de dinheiro.
Enrolava dinheiro, fazia cigarros e queimava. Sua aversão ao dinheiro era
grande e constituía uma forma de desafiar a hipocrisia na época.
Era conhecido também pela alcunha de “louco” por causa de suas manias
bizarras e roupas distintas da região.
Tornando-se um homem muito influente, há quem diga que nada se
fazia sem sua ajuda direta. Agitou a questão política no seio do pachorrento
vilarejo; conseguiu fundar aqui o “Partido Republicano Paulista”, em 10/03/1885,
dando o nome de “Grêmio Republicano Francisco Glicério” a quem estava ligado por
sólida amizade, instalando-o no mesmo prédio do seu colégio São João. Conse-
guiu em 10/03/1885, pela Lei 22 da Assembleia Providencial, a criação do município
de Barretos. Sete anos depois, conseguiu do Governo Provisório da República,
através do Decreto nº 98 de 26/11/1890, a criação da Comarca. Também foi Juiz
de Paz, vereador, fundador e presidente de sociedade, boticário, tabelião, pro-
fessor, advogado, jornalista, escrivão do Júri, curandeiro, benfeitor, Intenden-
GERSON APARECIDO RODRIGUES 85
te Municipal Interino (24/01/1886 a 07/01/1887), homem de Letras, etc.
Em 1887, eleito para o cargo de Intendente Municipal, participou da
cerimônia de instalação da Comarca, juntamente com outros conselheiros
nomeados, em 07/01/1891, sendo um dos signatários da ata da instalação.
No aspecto do curandeirismo, foi durante anos dono inconteste da maior
clínica da cidade e adjacências. Não possuía farmácia, mas seu braço direi-
to, uma espécie de assistente, era Francisco Antônio das Chagas, vulgo Chico
Boticário, dono de botica que vendia remédios alopáticos e homeopáticos. Pos-
suía pequenos conhecimentos de Medicina que o auxiliavam na terapêutica
sintomática. Sua extrema bondade supria a falta de maiores conhecimentos.
Sempre dizia as palavras sábias de Miguel Couto:
“Se toda a Medicina não está na bondade, menos vale dela separada”.

Foi graças a Almeida Pinto, juntamente com outros como Messias Al-
ves Gonçalves, Frederico Carneiro Pessanha Falcão e Rufino Messias que o
gover­ no, atendendo seus pedidos, mandara ao abandonado vilarejo os pri-
meiros soldados da Força Pública. Como não havia cadeia, a maneira de corrigir
os desordeiros era amarrá-los a um coqueiro que havia na esquina da Ave-
nida 21 com a Rua 12.
Quanto aos réus, levava-os até a sede da Comarca de Jaboticabal para,
ali, livrá-los das condenações (o que sempre conseguia) sem receber coisa
alguma, pois era um homem desprendido.
Almeida Pinto fez com que os sete únicos eleitores de Barretos, famosos
republicanos, estando ele incluído (Francisco Antônio Chagas, Romão Carlos
Nogueira, Manoel de Paula e Silva, Antônio Alves de Lima, Florentino Garcia
Vieira Junior e Inácio Armindo Junqueira Franco) descarregassem o peso
de sua votação em memorável pleito, quando Prudente de Moraes, em plena
vigência do regime monárquico, disputava, pelo Partido Republicano, uma cadeira
no Parlamento Imperial, da então província de São Paulo em 30/11/1884.
Neste pleito, Prudente de Moraes derrotou o venerando Conselheiro Antônio
Prado, contendor da Monarquia. Consta que, na capital do estado, o Conse-
lheiro Antônio Prado contava com a maioria de cinco votos, dependendo ape-
nas dos resultados dos povoados retardatários de Água Choca (Monte Mor) e
Barretos. Pouco depois, chegou o resultado de Água Choca, que não modificou
a sua boa situação a favor do adversário.
Corre a versão de que ninguém dava importância a estes dois povoa-
dos retardatários. O Conselheiro Antônio Prado, precipitadamente, cantou a
vitória, recebendo os parabéns de amigos e correligionários ao som de banda
musical, foguetes e discursos. Finalmente chegaram os sete votos únicos de
Barretos dados a Prudente de Moraes, que venceu seu adversário por dois
votos. À frente do pequeno grupo de republicanos de Barretos, achava-se a
86 CEL. JOÃO CARLOS DE ALMEIDA PINTO - VULTO NOTÁVEL DA HISTÓRIA DE BARRETOS
figura empolgante do Coronel Almeida Pinto, propagandista das ideias novas
e parente do imortal Francisco Glicério, a quem estava ligado por sólida ami-
zade. Barretos teve seu nome ovacionado nas ruas da capital quando o jornal
“A Província de São Paulo” expôs, no seu placar, o resultado da eleição reali­zada
na remota paróquia sertaneja, anunciando o apoio integral ao republicano.
Houve dias seguidos de festa, em que se davam vivas ao eleitorado de nossos
sertões, aqueles homens sinceros e honestos tão bem guiados pela inteligên-
cia e civismo de Almeida Pinto. O Partido Republicano de Barretos ficou notabilizado
ao decidir essa eleição, graças à liderança deste notável vulto da História.
O arraial “Espirito Santo de Barretos”, pelo alongado da nomenclatura, por força
de desejos de síntese passou a denominar-se “Barretos”, pela Lei nº 1021, de
16/11/1906 do Congresso de Estado. Tal era o seu ardor republicano que,
em 19/11/1890, propôs à Câmara Municipal que desse a Barretos o nome
de “Comarca da República”, como consta nos anais.
Almeida Pinto, respeitável educador, amava ensinar e, dessa paixão,
fundou em 1893 o “Colégio São João”, localizado na esquina da Avenida 17 com
a Rua 14, considerado o primeiro estabelecimento de ensino regular de Bar-
retos, que revolucionou a mentalidade de nossas crianças.
No pórtico deste colégio colocou uma placa contendo o dístico letreiro:
“Ave Lux”, além do nome Colégio São João saudando a luz como símbolo da Ciência,
da Cultura, pois o povo inculto, nada afeito às palavras latinas, só ouvindo
nas missas, traduzia aquelas palavras arrevesadas: Ave-Pinto, Lux-Louco... logo:
Colégio do Pinto Louco. O Cel. Almeida Pinto, já nos últimos dias de sua vida, es-
creveu na imprensa barretense que a verdadeira história sobre a piada com
respeito ao lema do seu colégio foi assim:
Um dia, passava em frente do Colégio um viajante muito espirituoso, o Maurity, e vendo na
fachada do edifício um desenho representando um menino empunhando um estandarte, com os se-
guintes dizeres: “AVE LUX”, o rapaz parou, dirigindo-se aos companheiros disse: Esta traduzido: Ave
é pinto e Lux deve ser louco: ‘Colégio do Pinto Louco’.

E, assim, numa brincadeira do moço Maurity essa piada ficou perpe-


tuada na história barretense. Alunos remanescentes daquele educandário re-
cordam-se de um livro de capa vermelha, no qual eram lançadas as atas das
reuniões da agremiação. Pena haver extraviado tão precioso documentário.
Em 22/01/1891, deixou o Conselho de Intendência Municipal para tomar pos-
se como Tabelião e Oficial de Registro de Hipotecas. Mais tarde, desistiu do cartório
para dedicar-se exclusivamente à advocacia e à política. Era advogado que
mais causas defendia no Tribunal de Júri. No dia 03/07/1911, faleceu sua
esposa, Maria Amélia de Oliveira Pinto, em São Paulo.
Foi um dos redatores de “O Sertanejo”, primeira folha de imprensa local,
fundada em 20/03/1900 por Silvestre de Lima. Neste jornal, possuía uma
GERSON APARECIDO RODRIGUES 87
coluna humorística, “Crônicas da Terra”, sob o pseudônimo de João Bobo. Mostrava
seu talento fenomenal com rimas engraçadas, fazendo pilhérias com fotos,
coisas e pessoas da época.
Era um homem alegre. Gostava de festas; amigo dos seus amigos, amou
esta terra, nossa gente e viveu muito do seu tempo dedicado à nossa cidade.
Tomou parte ativa em todas as iniciativas de progresso de Barretos
desde o primeiro período de nossa imprensa, como nas providências para
a vinda de soldados da Força Pública, criação do primeiro colégio de ensino,
o amparo às populações desvalidas, mediante movimentos assistenciais, a
construção da Igreja Matriz para qual, saindo pelas fazendas, acompanhado
de uma banda musical, angariou donativos; criação do município e a instala-
ção da Comarca, vinda do frigorífico e da Estação Estrada de Ferro. Também
participou dos seguintes feitos: criação de Loja Maçônica “Fraternidade Paulista”,
Grêmio Literário e Recreativo, Tiro de Guerra “502”, da Sociedade Instrução e Recreio, colabora-
dor do primeiro jornal, O Sertane-
jo; comandou todos os serviços
do júri, como cartório e os tabe-
lionatos do Primeiro e Segundo
Ofícios. Foi fundador da Corpo-
ração Musical “Orphelina Barretense”.
No livro “Barretos de Outrora”, com
autoria de Osório Faleiros da
Rocha, consta um depoimento
do senhor José Garcia de Vas-
simom referente ao período de
1900 a 1907, em que descreve,
com sutileza, a trajetória do Cel.
Almeida Pinto.
Após a Proclamação da
República, organizou o Parti­do
Republicano de Barretos, sob a pre-
sidência do abastado fazendeiro
e prestigioso cidadão Cel. An-
tônio Marcolino Osório de Sou-
za. Eram seus companheiros
de diretório, Silvestre de Lima,
No frontão do túmulo foi inserido o seguinte:
Jose Eduardo de Oliveira (Zeca Cel. João Carlos de Almeida Pinto
Vigilato), Antônio Garcia de Oli- *21/04/1855 † 24/06/1925.
veira, Joao Simplício de Macedo “O preito de gratidão da EE. Cel. Almeida Pinto ao
benfeitor que tanto dignificou Barretos”.
e outros. O ilustre chefe republi-
Restaurado em novembro de 2018 e entregue solenemente no
cano declarava que, a partir de dia 16/04/2019 (registro do autor)
88 CEL. JOÃO CARLOS DE ALMEIDA PINTO - VULTO NOTÁVEL DA HISTÓRIA DE BARRETOS

agora, o filho de um tropeiro poderia encarar face a face o Imperador. Não


resta dúvida ser este o primeiro fato político de relevância do qual Barretos
tomou parte.
Faleceu em Barretos, em 24/06/1925, conforme Atestado de Óbito do
Cartório local, em estado de pobreza, sendo sepultado em carneira comum,
Perpétua nº 190, no Cemitério Municipal de Barretos. Todas as homenagens que lhe
prestaram serão a expressão da mais perfeita justiça. Por Decreto nº 21698-b de
11/09, publicado a 13/09/52, o 3º Grupo Escolar de Barretos passa a denominar-se
“Cel. Almeida Pinto”.
No dia 16/04/2019, em cerimônia pública, num ato de reconhecimento
e gratidão ao grande vulto da história de Barretos, foi entregue à população
o túmulo centenário do patrono da escola Cel. Almeida Pinto, totalmente restau-
rado, como preservação da memória da cidade, patrocinado pelo Prof. Gerson
Aparecido Rodrigues, diretor daquela escola durante 20 anos, sob aplausos
dos presentes.

Referência Bibliográfica:
- Livro “Barretos de Outrora”. ROCHA, Osório, São Paulo, 04/1954
- Textos “Intendentes Esquecidos (2)”. MACHIONE, Gabriel Francisco
Junqueira e TINELI, Roseli.
- “Artigos Históricos”. GREVE, Elisete.

Gerson Aparecido Rodrigues é natural de Novo Horizonte, SP.


Formação Superior pela UNIMEP e em Gestão Escolar pela UNICAMP.
Diretor da EE Cel. Almeida Pinto. Memorialista do Livro “Águas da Amizade”.
Secretário Municipal de Educação e Cultura em Barretos e Novo Horizonte
Luiz Carlos Arutim
José Antonio Merenda

“A arte dramática é a capacidade de representar


a vida do espírito humano, em público e em forma artística”
(Constantin Stanislavski)

Aquela manhã de segunda-feira, 8 de janeiro de 1996, ficou marcada


para sempre em minha memória. Quando cheguei à Caixa Econômica Fede-
ral, onde trabalhava há 20 anos, fui surpreendido pela infausta notícia da
morte de meu amigo Arutim. Fiquei em choque, difícil de acreditar! Estive-
mos juntos — eu, minha esposa Cacilda de Souza e ele, em Barretos, no dia
28 de dezembro. Conversamos muito. Ele tinha muitos planos para o novo
ano. Logo, a imprensa começou a me ligar. Eles queriam meu depoimento.
Não conseguia nem falar. Minhas pernas tremiam. Era como se tivesse per-
dido alguém da própria família.
Após tomar um fôlego, comecei a me inteirar dos acontecimentos. Ele
se encontrava em seu apartamento em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro,
quando naquela madrugada, um incêndio, provavelmente provocado por uma
vela acesa, atingiu o imóvel. Segundo depoimento de seu filho, Camilo Vieira
Arutim, de 17 anos, ao jornal ‘Folha de São Paulo’:
“Meu pai ficou no apartamento para apagar o fogo, e não atrás de bens materiais”,
como a notícia havia se espalhado. O ator barretense, consagrado nacional-
mente, faleceu aos 62 anos, asfixiado pela inalação de fumaça, deixando a
viúva Maria do Carmo Vieira Arutim e os filhos José Ernesto, Marcelo Simon
e Camilo.
A sua trajetória artística e seu talento na arte de interpretar fizeram
dele um astro nacional. Luiz Carlos Arutim nasceu em Barretos, em 19 de
janeiro de 1933, filho de José Arutim e Maria Popolani.
Iniciou seus estudos, em Barretos, no 3º Grupo Escolar, hoje Cel. Almeida Pinto
e no Instituto de Educação Estadual “Mário Vieira Marcondes”. Graduou-se em Direito
pela Faculdade de Direito do Triângulo Mineiro, de Uberaba, MG.
Em seu retorno a Barretos, trabalhou no comércio de sua família. Em
1955, ingressou na política, como suplente de vereador; em 1959, tomou
90 LUIZ CARLOS ARUTIM
posse como vereador, pela UDN, sendo reeleito em 1963.
Ainda em 1963, sua vida mudou completamente com o convite do pro-
fessor José Expedito Marques, diretor do TEB – Teatro Experimental de Barretos,
para integrar o elenco da peça “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassu-
na, e viver o malandro “João Grilo”.
Seu desempenho foi magnífico! O TEB participou, naquele ano, de dois
festivais de teatro amador e, em ambos, Arutim foi laureado com o Prêmio
de ‘Melhor Ator’: em agosto, no VII Festival Paulista de Teatro Amador, realizado no
Teatro Leopoldo Fróes, em São Paulo, onde recebeu o Prêmio ‘Arlequim’, e em no-
vembro, no I Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo, realizado no Teatro Carlos
Gomes, na cidade de Campinas, com o Prêmio ‘Governador do Estado’ e uma
Bolsa de Estudos na EAD - Escola de Arte Dramática de São Paulo.
Em sua vida profissional, atuou no teatro, cinema e televisão. Logo
após a conclusão da EAD, engajou-se no Teatro de Arena de São Paulo, importan-
te grupo teatral brasileiro, tendo ocupado o cargo de diretor no período de
1969 a 1972, com o qual participou de excursões ao México, Estados Unidos,
Argentina, Peru e França.
Em 1968, durante a montagem da peça 1ª Feira Paulista de Opinião,
reunindo 6 textos de autores paulistas de vanguarda, houve alguns contra-
tempos com a polícia, que jogou até uma bomba no teatro.
Em entrevista ao jornal ‘O Diário’, em agosto de 1993, Arutim relatou
o fato:
“Eu, Renato Consorte, Zanone Ferrite, Aracy Balabanian, Antonio Fagundes, começáva-
mos a encenar em um teatro, a polícia vinha, fechava o teatro, a gente saía pela outra
porta e ia encenar em outro teatro. Mas vem desta época a minha formação (...)”

Cena de O Menino Maluquinho, de Ziraldo


JOSÉ ANTONIO MERENDA 91
No Teatro, como ator, encenou inúmeras peças, entre elas: ‘Escola de
Mulheres’, de Molière, com direção de Augusto Boal e ‘Arena conta Tira-
dentes’, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal (1967); ‘Arena conta
Zumbi’, de Gianfrancesco Guarnieri (1969); A Comédia Atômica’, de Lauro
Cezar Muniz (1969); ‘A Resistível ascensão de Arturo VI’, de Bertolt Brecht
(1970); ‘Um, Dois, Três de Oliveira Quatro’, de Lafayette Galvão (1972);
‘Este ovo é um galo’, de Lauro César Muniz (1973); ‘Nós também sabemos
fazer’, de Paulo Goulart (1975); ‘O Vison Voador’, de Ray Cooney (1987); ‘O
Inocente’, de Sérgio Jockymann (1978). Ainda dirigiu várias peças de suces-
so, no Rio, São Paulo, Porto Alegre e interior paulista.
Em sua carreira artística também atuou no Cinema, com participações
importantes em diversos filmes, tais como: ‘O Picapau Amarelo’, direção de
Geraldo Sarno e ‘O Detetive Bolacha Contra o Gênio do Crime’, direção de Tito
Teijido (1973); ‘Flor do Desejo’, escrito e dirigido por Guilherme de Almeida
Prado (1983); ‘Sonho Sem Fim’, dirigido por Lauro Escorel (1985); ‘O Meni-
no Maluquinho’, dirigido por Helvécio Ratton, baseado no livro infantojuvenil
do cartunista Ziraldo (1995).
Na Televisão, trabalhou em diversas emissoras, em telenovelas e mi-
nisséries. O seu primeiro trabalho foi na novela ‘Meu Pedacinho de Chão’,
de Benedito Ruy Barbosa, exibida simultaneamente pelas TV Cultura e Globo
(1971). Depois, atuou: na TV Tupi: “Vitória Bonelli”, de Geraldo Vietri (1972);
na TV Bandeirantes: ‘A Deusa Vencida’, de Ivani Ribeiro (1980); ‘Os Imigrantes’,
de Benedito Ruy Barbosa, Wilson Aguiar Filho e Renata Pallottini (1981); ‘O
Campeão’, de Jayme Camargo (1982); ‘Os Imigrantes – Terceira Geração’, de
Wilson Aguiar Filho e Renata Pallottini (1982); na TV Manchete: ‘Carmem’, de
Glória Perez (1987); na Rede Globo: ‘Champagne’, de Cassiano Gabus Mendes
(1983); ‘Vereda Tropical’, de Carlos Lombardi (1984), ‘A Gata Comeu’, de
Ivani Ribeiro (1985); ‘Tenda dos Milagres’, minissérie de Aguinaldo Silva,
inspirada no romance homônimo de Jorge Amado (1985); participação espe-
cial em ‘Cambalacho’, de Sílvio de Abreu (1986); ‘Sinhá Moça’, de Benedito
Ruy Barbosa, inspirada no romance homônimo de Maria Dezonne P. Fer-
nandes (1986); ‘Vida Nova’, de Benedito Ruy Barbosa (1988); ‘’Top Model’,
de Walther Negrão e Antonio Calmon (1990); ‘Renascer’, de Benedito Ruy
Barbosa (1993); ‘Memorial de Maria Moura’, minissérie de Jorge Furtado
e Carlos Gerbasi, adaptação do romance homônimo de Rachel de Queiroz
(1994); no SBT: ‘As Pupilas do Senhor Reitor’, de Lauro César Muniz, uma
versão do romance de Júlio Dinis (1995); e seu último desempenho em ‘A
Idade da loba’, de Alcione Araújo e Regina Braga, exibida pela TV Bandeirantes
no período de 24 de julho de 1995 a 19 de janeiro de 1996.
Ele desempenhava seus papéis com alma, brilhantismo e galhardia,
dando vida a seus personagens e os tornando inesquecíveis: Oscar, de ‘A Gata
92 LUIZ CARLOS ARUTIM

Comeu’; o libanês Rachid, de ‘Renascer’; o técnico de futebol Bepe, de ‘Vereda


Tropical’; o Sr. Augusto, de ‘Sinhá Moça’; o Silas, de ‘Top Model’; o Dr. João Semana,
de ‘As Pupilas do Senhor Reitor’; entre outros.
Como reconhecimento público, em 1969, recebeu o Prêmio “Aldeão”,
como melhor diretor; em 1970, como melhor ator coadjuvante; em 1978, foi
laureado com o Prêmio Molière, como melhor ator na peça ‘O Inocente’, de
Sérgio Jockymann, com a interpretação inigualável de Luigi Pécora; em 1982,
foi eleito melhor Ator de Televisão pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte,
com atuação na novela ‘O Campeão’, da TV Bandeirantes, no papel de Orlando
Cardoso.

Sucesso nacional, Arutim enveredou pela cultura de sua terra natal, Barretos
Apesar de todo esse sucesso, nunca se esqueceu de Barretos. Em 1990,
tive o prazer de ser a primeira pessoa a conversar com o Arutim e tomar
conhecimento do projeto ambicioso que desejava desenvolver e que iria mo-
vimentar toda a classe artística barretense. Ele poderia ter montado essa
peça em qualquer cidade brasileira, ou mesmo, no eixo Rio-São Paulo, com
artistas profissionais, mas não: preferiu vir à sua terra natal e contar com
o talento barretense.
A peça escolhida foi ‘Vereda da Salvação’, do dramaturgo barretense
Jorge Andrade, de renome no Brasil e no exterior, e que Arutim chamava de
Aluizio, seu nome de batismo. O projeto me entusiasmou. Solicitou-me, então,
que convidasse os artistas vinculados aos grupos de teatro da cidade.
O espetáculo estreou no dia 25 de maio de 1991, no Teatro “Jorge Andrade”,
sob sua direção e assistência de Regina Papini, com as participações dos se-
guintes grupos: GTAAB – Grupo Teatral “Amor à Arte” de Barretos, GTASB – Grupo de Teatro
JOSÉ ANTONIO MERENDA 93
“Atair da Silva Bonfim” (Ginásio Vocacional), GTI – Grupo de Teatro do Industrial (Ginásio Industrial)
e Teatro do Terceiro Mundo, com o seguinte elenco (em ordem alfabética): Adilson
Calvit, Adonias Garcia, Alex Rodrigues, André de Freitas Bastos, Carlos Rolfe,
Carolina Stoppa, Cláudia Ávila, Daniela Rezende, Eunice Espíndola, Euri Silva,
Foster Inhota, Francis Cristina, José Antonio Merenda, Josy de Oliveira, Lú
Sampaio, Luciana Rodrigues, Malu Lima, Marcelo Bezerrah, Neusa Tonani,
Nilton Vieira, Osmildo Andrade, Osni Pinheiro, Reinaldo Cardoso, Robes Brito e
Suenio Espíndola. Com cenário de Nivaldo Gomes e Eduardo Brant. Figurinos:
Pedro Perozzi. Painel e execução: Cesários Ceperó e Pedro Perozzi.
Em 1992, Arutim volta a Barretos. Desta vez, para realizar outro pro-
jeto: este, além de ambicioso, era ousado, pois queria produzir a primeira
telenovela no interior. Ele foi à TV Soares Educativa e o Júnior Soares, um visio-
nário, comprou a ideia. Alguns meses depois, estava lá todo o elenco barre-
tense reunido para mais um desafio, a produção da novela ‘Maracutaia’, de
Eloy Araújo. As gravações chegaram a movimentar esta terra com tomadas
de cenas em vários pontos da cidade. Infelizmente, por motivos alheios à sua
vontade, a novela não teve sequência.
Como reconhecimento público, em 1963, recebeu o Diploma de ‘Gente
Que é Notícia, outorgado pela Rádio Barretos e Jornal “O Correio de Barretos”; em 1982,
Arutim recebeu o título de “Cidadão Benemérito de Barretos”, outorgado pela
Câmara Municipal; a estrada que liga o bairro do Frigorífico e a Rodovia Faria
Lima, passou a ser denominada de Estrada Vicinal “Luiz Carlos Arutin”; em 2014,
foi criada a Medalha de Ordem do Mérito Cultural “Luiz Carlos Arutin”, atra-
vés da Lei 4.971, de 30 de abril de 2014, com outorgas, pela Câmara Municipal,
anualmente, em comemoração ao Dia da Cultura, a personalidades de destaques
nos afazeres culturais na cidade.
Arutim é patrono da Cadeira nº. 37 da ABC - Academia Barretense de Cultura,
cuja primeira titular foi Eunice de S. Espíndola (falecida) e, a segunda, Ana
Cláudia Ávila Mader.
Em decorrência da morte de seu amado filho e a consternação que
tomou conta da classe artística, fãs, amigos e de toda a cidade, a Prefeitura de
Barretos decretou luto oficial por três dias, assinado pelo prefeito Nelson Ja-
mes Wright.
Cerca de 8.500 pessoas fizeram fila no Velório Municipal de Barretos, confor-
me estimativa da Polícia Militar, para renderem suas últimas homenagens.
Duas personalidades artísticas presentes no velório concederam entre-
vistas ao jornal ‘Folha de São Paulo’: o cantor Sérgio Reis, amigo da família de
Arutim há mais de 20 anos, disse que o ator:
Gostava de viver no meio do povo e que sempre valorizou a simplicidade e a amizade
e Benedito Ruy Barbosa, autor global, muito emocionado, declarou:
Vou tirar o personagem criado para Arutim, da próxima novela das 20h da Rede Globo,
94 LUIZ CARLOS ARUTIM

‘O Rei do Gado’. Vou começar a escrever pensando nele. Isso vai me bloquear.
O sepultamento ocorreu às 17 horas do dia 9 de janeiro de 1996, no
Cemitério Municipal, cercado de muita comoção.

Dados bibliográficos:
MENEZES, Ruy. Espiral – História do Desenvolvimento Cultural de Barretos. Barretos, SP. ED.
INTEC.1985.(p. 611)
MARQUES, José Expedito. Que Teatro é Este?. São Paulo. Ateniense.1988 (p. 53)
MERENDA, José Antonio. Artigos no jornal “O Diário”, edições de 26/07/1991, 11/01/1996
e 19/01/2002
JORNAL “Folha de São Paulo” – Folha Nordeste – Edição de 29/11/1992 e 10/01/1996
ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020.
WIKIPÉDIA. Biografia de Luiz Carlos Arutim.

José Antonio Merenda é ator, diretor teatral, professor e historiador;


formado em Licenciatura em História pelo Faculdade Barretos; é aposentado da
Caixa Econômica Federal; é membro da ABC – Academia Barretense de Cultura –
ocupa a Cadeira nº 29
Nidoval Reis e a destruição do
1° Grupo Escolar de Barretos
José Ildon Gonçalves da Cruz

Há quase cem anos, no dia 21 de dezembro de 1922, nascia, no Distrito


de Laranjeiras, no município de Barretos, Nidoval Thomé Reis, o futuro Nidoval
Reis. Era o primeiro filho da professora Risoleta da Silva Reis e do professor
e farmacêutico José da Silva Reis, também conhecido por Juca Reis.
A professora Risoleta casou-se, em primeiras núpcias, com João Carlos
de Almeida Pinto Junior, filho do Coronel João Carlos de Almeida Pinto e de
dona Maria Amélia de Oliveira Pinto, em 1912. Depois, casou-se com José
da Silva Reis, em 1919, ano da pandemia de gripe espanhola que matou o
presidente da república eleito, Rodrigues Alves. O irmão de Nidoval Reis, Ni-
valdo da Silva Reis, faleceu no ano de 1924. Em 1925, nasceu o seu segundo
irmão, recebendo o nome de Nivaldo da Silva Reis, em homenagem ao irmão
falecido. A irmã caçula se chamava Valdoni Aparecida dos Reis.
A família Reis gostava tanto do nome do primeiro filho, Nidoval, que,
para nomear os demais filhos, organizou as mesmas letras do seu nome,
com uma beleza poética e sonora. Do nome de Nidoval nasceram os nomes
Nivaldo e Valdoni. Aos 15 de fevereiro de 1985, o poeta se despediu de cada
um, ao falecer em Bauru; solicitou que suas cinzas fossem semeadas na Praça
Primavera, hoje, Praça Poeta Nidoval Reis.
Escreveu os seguintes livros: Sob a sombra da desgraça (1951), Um
Pouco Além do Mundo (1955), Quinze poemas e um soneto para minha mãe
(1965), Chuva miúda (1968), Calendário de trovas (1981), Onze de Anti-
gamente (Sonetos) (1982), Calendário de poemas (1982) e Calendário de
sonetos (1985), além de deixar um livro inédito, Estrada tuberculosa.
Ele sempre foi poeta — e jornalista na imprensa paulista e carioca, ra-
dialista, apresentador da “Hora da Seresta”, da TV Bauru, além de ser Diretor
de Relações Públicas da mesma. Escrevia seus poemas nas paredes dos ba-
res, na areia, em cadernos e folhas soltas; em muros, em lugares onde comia
96 NIDOVAL REIS E A DESTRUIÇÃO DO 1° GRUPO ESCOLAR DE BARRETOS
pastel, tomava café, se alimentava. Gostava de pimenta e leite ninho
Desenhava seus versos nas paredes no local de trabalho, em qualquer
lugar, a qualquer hora:
Meu destino é fazer verso.
Fazer verso e correr mundo…
Para os bons, eu sou poeta;
para os maus, um vagabundo

Família Reis: Nidoval Reis, José da Silva Reis, Risoleta da Silva Reis, Valdoni Aparecida dos Reis (no colo) e
Nivaldo Reis. Foto tirada em 25 de outubro de 1934. Acervo particular de Silvio Rodrigues de Morais

Gostava de redigir. Pegava o papel da pauta do dia, colocava na máqui-


na de escrever, permanecia de dois a três minutos, quietinho. Daqui a pouco,
começava a bater os dedos na máquina. Era uma coisa absurda.
Fazia assim, todos os dias — preparava a matéria do jornal: ele dormia
e, no seu sono, preparava o que seria publicado no dia seguinte. De manhã,
se sentava no seu gabinete, pensava e colocava a folha na máquina. Gostava
de ler, de escrever, de estudar.
Estudou no 1º Grupo Escolar de Barretos, atual Escola Estadual “Dr. Antonio Olympio”,
inaugurado no dia 30 de setembro de 1912, dez anos antes do nascimento do
poeta. Ele dizia que neste Grupo aprendeu tudo que sabia na vida.
O seu único professor se chamava Dorothóvio do Nascimento, a quem
dedicou um poema.
O tempo passou. Nidoval mudou-se de Barretos. Mas o seu professor e
o seu 1º Grupo Escolar não saíam dele.
No dia seguinte ao aniversário de Barretos, às 15h do dia 26 de agosto
de 1972, Nidoval Reis esteve no antigo Grupo Escolar. O seu único professor
estava presente. Ele declamou o poema “Soneto das Reminiscências Infan-
JOSÉ ILDON GONÇALVES DA CRUZ 97
tis”, dedicado ao seu docente. Depois, o poema foi emoldurado e colocado na
parede de sua antiga sala de aula:
Era esta sala. Oh! Se me lembro, o vulto,
escorreito do velho professor,
a dizer-nos palavras sobre o culto
ao Saber, ao Brasil e ao Amor.

Era esta sala. E, ao visitá-la, exulto,


lembrando-me do mestre protetor.
Como é triste saber que, hoje sepulto,
o passado é Saudade, é tédio, é dor.

Era esta sala. Confidências fiz


sobre os cadernos debruçado, triste,
sonhando, no futuro, ser feliz

Era esta sala, o mesmo quadro, enfim


de toda esta Saudade, ainda existe
o garoto escolar dentro de mim.

Nidoval era amigo do jornalista e radialista barretense José Vicente


Dias Leme. Depois dessa homenagem, ele escreveu uma carta de agradeci-
mento e pediu que seu amigo agradecesse aos amigos barretenses pelo even-
to, principalmente ao amigo Ruy Menezes (hoje, patrono do nosso museu):
há ainda um nó em minha garganta, marcando carinhosamente os instantes belíssi-
mos que me foram proporcionados na sala de aula onde, um dia, tive o prazer e a feli-
cidade de conseguir ser alguém na vida. Não poderia, de forma alguma, deixar de levar
até você, o meu mais sincero agradecimento pela promoção. O sucesso dela nasceu de
sua iniciativa. Valeu a pena a minha estada aí no velho Grupo Escolar. Transmita a
todos os que lá estiveram, a minha gratidão.

Nidoval amava a escola. Tinha um respeito pelos professores, pela pro-


fessora dona Tita e alunos. Tudo que se referia à escola e à educação era de-
terminante para a sua vida. As seguintes personalidades foram seus colegas
de classe, entre 1933 e 1936: Abel Elias, Abílio Anthero Machado, Aguinaldo
Pires, Álvaro Bearzoti, Amilcar Vicentini, Antônio Anania, Archimedes Gai,
Ariones Pereira, Arlindo de Souza, Armando Correa, Assis Francisco, Atayde
do Nascimento (filho de Dorothóvio do Nascimento, único professor de Ni-
doval Reis), Atílio Caramori, Ayr de Moraes, Bolivar Fernandes, Brasilino
de Carvalho, Circe Alfredo Bonatelli, Demetrio Antônio, Dirceu Ferreira de
Faria, Dreyfus Bucci, Edmundo Vicentini, Emílio Castelar Norona, Heli Gue-
98 NIDOVAL REIS E A DESTRUIÇÃO DO 1° GRUPO ESCOLAR DE BARRETOS
des de Toledo, Jeronymo de Oliveira, Joaquim de Oliveira, José Antônio Dias,
José Barbosa Filho, José Carlos Dias de Toledo, José Guimarães, José Jorge
Ferreira, José Raymundo de Carvalho, Josino Fontoura Pires, Lelio Barbosa,
Luiz de Deus Silva, Paulo Velloso de Castro, Pedro Ernesto Sobrinho, Renato
Bearsoti, Rubens Sá, Sebastião S. da Fonseca, Valeriano de Freitas, Waldemar
B. Ferreira, Waldemar Collabono, Waldomiro Pereira Gomes, Wilson Pedro,
Zico Lapinsk.

1º Grupo Escolar de Barretos. Foto: Acervo Particular de Ruy Carvalho

Em 1977, teve grande decepção relacionada ao seu querido 1º Grupo


Escolar, que foi derrubado pelo poder público de Barretos. Ele registrou que o
Executivo e o Legislativo barretenses da época nem sabiam o que seria tom-
bamento e, de forma absurda, decretaram a destruição do único monumento
histórico-educacional de Barretos, um testemunho do trabalho, da inteligên-
cia, do amor à terra, das gerações pioneiras, onde plantaram o seu destino.
O poeta escreveu o seguinte texto para o Jornal Cidade de Barretos, do dia 6
de novembro de 1977:
“Abominável, sob todos os pontos de vista, foi o crime hediondo cometido contra o
patri­mônio histórico de Barretos, quando se concretizou o massacre à estrutura do
Grupo Escolar “Dr. Antônio Olympio”. Não sabemos mesmo a quantas estavam os
pensa­mentos dos epocários (da época) mandantes da terra chocolate, desse abençoado
solo onde não escolhemos para nascer, mas do qual sempre nos orgulhamos, quando
traçaram a malfadada destruição daquele único monumento histórico-educacional ca-
paz de suportar a sucessividade de incontáveis centenários. A nossa voz não é dema-
gógica, porque jamais estivemos em nossa terra para pedir (o que seria muito natural)
um voto aos nossos conterrâneos e a todos aqueles que escolheram Barretos para
alicerce de seu futuro, mas ela se levanta para repudiar o nefasto acontecimento. Nós
que, em 1936, recebemos o nosso modesto mas utilíssimo e bem estruturado Diploma
Escolar, único em toda a nossa existência, sob o teto desse sagrado Grupo Escolar; nós
que até hoje trazemos em nossa memória todo aquele passado de alegrias e tristezas,
JOSÉ ILDON GONÇALVES DA CRUZ 99
sentimo-nos frustrados por nada podermos ter feito contra o mais maquiavélico ato
administrativo contra a história barretense. A preservação do patrimônio histórico
de uma cidade é mais do que obrigatório e não é justo que com um simples decreto ou
mesmo uma Lei votada, às pressas, se jogue ao chão o que gerações pioneiras tenham
deixado de si, como testemunho do seu trabalho, de sua inteligência, do seu amor à
terra, onde plantaram o seu destino. O executivo e o Legislativo da época tinham, isso
sim, obrigação de projetar e realizar sólida reforma para o Grupo Escolar “Dr. Antônio
Olympio”, depois (e como mereceriam aplausos e até mesmo placa de bronze com seus
nomes) fazerem construir, à sua volta, artística redoma de cristal, para que as gera-
ções futuras se orgulhassem do discernimento de cada um, o que, infelizmente, não se
pode fazer agora. A nosso ver, o tombamento do histórico prédio teria sido o caminho
mais acertado. Pelo visto, sem querermos cometer injustiça, os epocários, nem de leve,
sabiam na realidade, o que seria tombamento. Pelo crime, a todos eles, o nosso senti-
mento de tristeza.”

O tempo passou. Poucos tiveram a sorte de ter convivido com o poeta.


Seus conhecidos falam dele com encantamento. Era uma pessoa estranha e
generosa, confidente; uma coisa esquisita, fora de série. Era muito bom de
coração, incomum. Um intelectual, uma pessoa sensata. Algo interessante:
ele transitava em todo lugar, assim revelaram os seus contemporâneos.
Tinha tudo para ser uma pessoa arrogante, mas não era. Era poderoso
e não usava esse poder em benefício próprio. Nunca se elogiava pela posição
que tinha. A sua humildade era demais. Ele reclamava muito das pessoas,
mas da vida, nunca reclamou — e isto encantava.
A personalidade de Nidoval era que os outros sempre avançassem. Ele
não diminuía ninguém, nem se diminuía; nem se exaltava. Era mediador.
Sempre fez isso. Sempre ajudou as pessoas. Há muita gente que cresceu no
jornalismo, na política, no meio artístico, na educação, porque ele sempre
deu forças. É aquela coisa — há dois tipos de pessoa: as que nasceram para
aplaudir e as que nasceram para serem aplaudidas.
Nidoval foi as duas pessoas ao mesmo tempo.
Ele tinha a humildade de aplaudir e a humildade de ser aplaudido.

José Ildon Gonçalves da Cruz é membro efetivo da Academia


Barretense de Cultura - ABC, cadeira 23, dos patronos Nidoval Reis e João Cornélio
Perini. Doutorando em Educação, pela Unifesp, sob a orientação da Profª Drª Cláudia
Panizzolo. Autor do livro: Nidoval Reis: biografia de um poeta
O bairro industrial do
Frigorífico: Vila Operária
José Mesquita
(colaboração: José Antonio Merenda)

Tudo começou com a instalação, em Barretos, em 1913, da Companhia Fri-


gorífica Agropastoril, pelo Conselheiro Antonio Prado, sendo o primeiro frigorífico
do país. Em 1923, o mesmo foi vendido ao grupo inglês Brazilian Meat Company,
e, em 1924, a empresa a denomina-se S.A. Frigorífico Anglo, com sede na cidade
de São Paulo.
Vários fatores contribuíram para a instalação do frigorífico em nossa
cidade, como as invernadas de grande qualidade que Barretos possuía; o Cór-
rego Pitangueiras, que ficava perto do local e, aliando o espírito empreendedor do
Conselheiro Antonio Prado, um dos grandes homens do Império e da Repú-
blica, que ocupava o cargo de presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro,
trazendo para cá, com inauguração no dia 25 de maio de 1909, os trilhos que
estavam parados em Bebedouro.
A partir da implantação do frigorífico, que ficava em local ermo e dis-
tante do núcleo urbano, foi necessária a criação de uma ‘vila operária’ para
atender as necessidades de seus trabalhadores e suas famílias. Com isso,
foram criados grupos de casas, denominadas ‘colônias’. Estas casas, em sua
maioria, eram geminadas e destinadas a empregados graduados ou não,
construídas por tijolos produzidos na Olaria, com a marca ‘Anglo’. A Vila Operá-
ria era uma família unida, todos se conheciam. O local contava com pontos de
lazer, cultura, comércio, estabelecimentos de ensino, igrejas etc., como segue:
Avenida Central - a principal, na entrada do bairro, era destinada à mora-
dia de encarregados e chefes de seção;
Avenida São Paulo - localizada na entrada do bairro e defronte à Avenida Cen-
tral, separada pela Estrada de Ferro;
Rua Barretos - destinada a empregados, localizava-se transversalmente às
avenidas São Paulo, Coronel Luciano e Colina;
Rua Coronel Luciano - destinada a empregados, localizada entre as avenidas
O BAIRRO INDUSTRIAL DO FRIGORÍFICO: VILA OPERÁRIA 101
Colina e São Paulo, separada também pela colônia de quartos de empregados
solteiros, barbearia e cantina da dona Palmira;
Avenida Paulista - constituída por duas colônias de casas geminadas que se
confrontavam, as quais iniciavam na Travessa Federal e seguiam até o Grupo
Escolar “Fábio Junqueira Franco”. No início dessa avenida havia o campo de futebol,
do Paulistano, de onde se avistava o Clube dos Ingleses e o Campo de Golfe;
Avenida Campinas - constituída por duas colônias de casas geminadas, uma
em frente à outra;
Avenida Federal - constituída por excelentes residências, destinadas a exe­
cutivos ingleses e altos funcionários (cargos de confiança) da empresa;
Rua Municipal - onde se localizava a Igreja Presbiteriana e o Grupo Escolar;
Avenida da Estação - grupo de casas geminadas, de duas em duas, destinado
também a empregados. Situava-se após a Igreja Presbiteriana, em rua de acesso
à estação de trem;
Avenida Colina - com casas geminadas, situadas ao fundo da rua Coronel Lucia-
no, também conhecida por Colônia do Sapo, pois localizava-se próximo às casas
de bombas de água e da represa e, mais adiante, também se encontrava a
‘mina’, que servia a muitos pela qualidade da água.
Como opções de entretenimento, cultura e lazer, o bairro possuía um
cinema, localizado ao lado do Clube Social e Recreativo do Frigorífico, tendo à sua
frente restaurante, armazém e padaria, além de possuir estabelecimento de
ensino e templos religiosos.

Raro registro do Cine Frigorífico (arquivo do autor)

Cine Frigorífico - era frequentado por moradores, que esperavam ansiosos


pelos filmes de terça, quinta, sábado e domingo. Anexo ao cinema funcionava
o ‘serviço de alto falante’, sob o comando do Sr. Ricardo Rodrigues;
102 JOSÉ MESQUITA
Clube Social e Recreativo do Frigorífico - cujos associados eram empregados do
Frigorífico e seus dependentes. Era muito frequentado, onde aconteciam me-
moráveis bailes, espetáculos de artistas conhecidos e os famosos bailes de
Carnaval, com destaque aos desfiles de blocos, concursos de fantasias e ma-
tinês;
INCO – Indústria e Comércio, era a festa do ‘Dia do Trabalhador’. As avenidas
eram decoradas para a grande festa, com realizações de gincanas, jogos de
futebol entre seções da fábrica, atividades de atletismo e outras competições
esportivas que ocupavam o dia inteiro;
Clube dos Ingleses - o chamado Club House, exclusivo para uso dos ingleses e
seus convidados, para festas e lazer;
Campo de Golfe - um dos melhores campos de golfe do Brasil, onde eram
realizados grandes torneios e de uso exclusivo dos ingleses e seus convidados
especiais;
Grupo Escolar “Fábio Junqueira Franco” - situado ao lado da Igreja Presbiteriana e
das avenidas Campinas e Paulista, inicialmente ministrava-se o Curso Primá-
rio, da 1ª à 4ª série, em dois turnos diurnos; posteriormente, foi implantado
o Curso Ginasial, no período noturno. Esta escola representava o início de
grandes amizades, pois, a maioria dos filhos de empregados estudava lá;
Escolinha de Admissão – curso de preparação para o ingresso ao curso gi-
nasial;
Grupo de Escoteiros D. Pedro – existente na década de 1950, comandado pelo
Tenente Britto;
Casarão - das famílias Mazelli e Narduchi, estava localizado no final da
via Conselheiro Antonio Prado, confluência com a avenida da Estação;
Igreja Presbiteriana - situada na entrada do bairro, era frequentada por
moradores evangélicos;
Capela – situada na avenida São Paulo, criada por Armando dos Santos,
era frequentada por moradores católicos, pois antes da construção da mes-
ma, os fiéis iam até à Igreja da Vila Pereira;
Centro Espírita “Allan Kardec” - situado nas proximidades da Estação de Trem;
Campos de futebol – o maior e principal do bairro era o do ‘Juventus’, ao
lado da avenida Federal: era todo gramado, com muros e arquibancadas. Pelo
time passaram grandes jogadores, alguns até com carreira profissional; o
Campo do Paulistano possuía gramado e era aberto, onde se disputavam partidas
amistosas e treinamento dos moradores das adjacências; Campo do Nacional, da
Vila Silva (Vendinha); Campo do Olaria – a princípio, era um pequeno espaço gramado
para as chamadas ‘peladas’ de fim de tarde, sendo, posteriormente, construí-
do um campo oficial e outro de treinamento, anexos ao Clube Social e Recreativo
do Frigorífico, onde eram realizados jogos e torneios;
Restaurante, Armazém e Padaria - situados na avenida Central, bem defronte
O BAIRRO INDUSTRIAL DO FRIGORÍFICO: VILA OPERÁRIA 103
ao cinema e ao clube. Seus principais proprietários foram Carlos Ortolan,
famílias Kavasteck, Adelino Meirelles, Joaquim Figueiredo e, por último, per-
tenceu à família Sarri.
Cooperativa – destinava-se à venda de gêneros alimentícios consignados
em folha de pagamento do frigorífico;
Estação de Trem – da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a partir de 1921,
servia para embarque e desembarque de passageiros. A Estação possuía,
também, ramais ferroviários de utilização da fábrica para o transporte de
gaiolas de bois, mercadorias e também a famosa ‘Maria Fumaça’, para trans-
porte de empregados moradores da zona urbana de Barretos.
Pontilhão - localizado sobre o Córrego Pitangueiras, atendia, primeiramente,
além da Estrada de Ferro, pessoas e carros que utilizavam a rua 18, na Vila
Pereira e, posteriormente, a Via Conselheiro Antonio Prado. Em época de chu-
va, havia enchentes no local.
Vila Silva – mais conhecida por Vendinha, era considerada parte do bairro,
onde residiam inúmeras famílias, mas as residências não pertenciam ao Anglo.
Imigrantes – No início da operação da fábrica, o bairro contou com um
expressivo número de trabalhadores imigrantes; muitos lituanos, eslovacos,
poloneses, ucranianos, alemães, portugueses, italianos e também de outras
nacionalidades do leste europeu.
Barro Branco – localizado um pouco acima do pontilhão sobre o Córrego
Pitangueiras, local aprazível e preferido pela garotada para prática de natação
e até de piquenique.
Cocheiras – situadas atrás da fábrica, onde eram mantidos os bois para
a ‘abate’ e onde residiam famílias de boiadeiros.

Detalhe da Colônia de Moradores (arquivo do autor)


104 JOSÉ MESQUITA

O BAIRRO ATUAL
A partir da década de 1970, com a desativação da via férrea e dos
ramais e o asfaltamento da via Conselheiro Antonio Prado, ligando o núcleo
urbano de Barretos ao bairro do frigorífico, diminui, sensivelmente, a distân-
cia. Ainda, o surgimento de bairros adjacentes, como Nogueira e Ibirapuera e os
conjuntos habitacionais, CECAP I, CECAP II e Pedro Cavalini propiciaram a debanda-
da de seus moradores, com aquisições de casas nessas localidades.
Nos dias atuais, além da fábrica, o bairro mantém oito casas na aveni-
da Central; parte das casas onde residiam os ingleses; o Clube Social do Frigorífico;
o pontilhão, totalmente abandonado; o campo de futebol do Olaria; o Club House
e o campo de golfe; as casas Colônia da Estação, hoje pertencentes a particulares;
a Igreja Presbiteriana; o Centro Espírita “Allan Kardec”; a estrutura do Grupo Escolar “Fábio
Junqueira Franco”, hoje transformada no 33º Batalhão da Polícia Militar.
A Rua Municipal passou a denominar-se Estrada Vicinal “Luiz Carlos Arutin”; a
Avenida Estação passou a se chamar Via Marli Vedovato. Ainda há o surgimento de
novos loteamentos e conjuntos habitacionais.
Hoje, só temos as recordações, através de fotografias, e saudades de
termos vivido num bairro que nos proporcionou grandes alegrias, amigos
verdadeiros e incontáveis, de bom caráter, que enriqueceram nossa criação;
nossos agradecimentos por tudo que nos foi concedido por Deus.

José Mesquita nasceu em Barretos, no Bairro do Frigorífico, em 1954. Formado


em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Bebedouro, é aposentado
da ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
É pesquisador incansável do Bairro do Frigorífico
Bezerrinha: setenta anos
José Vicente Dias Leme
Transcrição de reportagem publicada no jornal
“O Diário” (Barretos/SP) de 12/04/1990

1945. Mês e dia, não me lembro. Estava eu nas oficinas do jornal A Se-
mana (onde meu pai trabalhava), quando apareceu Antônio Bezerra de Mene-
zes (Sinhô), de passagem, dizendo que ia para a Estação da Paulista, onde filmaria
a chegada do sobrinho Bezerrinha, que estava voltando da Guerra. Convidou
o Chiquinho para ir com ele — e este pediu que eu também fosse. E fomos os
três. De carro. Na estação, o movimento era grande. Seo Sinhô arranjou, com
o gerente da Paulista, Julião Secco, uma cadeira para nela subir e ter melhor
condição de filmar o desembarque. Chiquinho e eu fomos escalados para segu-
rar a cadeira, dando, assim, total segurança ao trabalho executado pelo tio
“pracinha” que chegava. Foi, esta, a primeira vez que vi o aniversariante de
hoje: 12 de abril. E a data é por demais significativa, porque Bezerrinha está
arredondando os 70. Nasceu em Barretos, em 1920, filho do dr. Francisco de
Assis Bezerra Filho e de dona Ilnah de Lima Bezerra. Casado com dona Lígia
Guerra Bezerra, tem seis filhos e um punhado de netos.

Bezerrinha e seus companheiros durante


a 2ª Guerra Mundial.
Fonte: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”
106 BEZERRINHA: 70 ANOS

O filme, nunca vi, nem tive notícia de que alguém tivesse visto. Mas a
chegada de Bezerrinha a Barretos foi filmada pelo seu tio Sinhô.
Eu tenho um rancho que fica em Barretos / Não existe outro igual no sertão
Moroso passa pertinho o Rio Grande / Soluçando uma doce canção.

Nome nacional da MPB, o compositor Bezerra de Menezes teve, como


primeira música gravada, no início dos anos 50, o samba “Triste Quarta-
-Feira”. O cantor foi Albertinho Fortuna, da Rádio Nacional, e a gravadora, a
Continental.
Eu sofro, sem um ai, sem um queixume / Ao ver o lança-perfume / Que no seu colo brincou.
Lembranças, eis tudo quanto me resta / Meu quarto parece em festa /
Mas sei que a festa acabou.

Quando das comemorações do Quarto Centenário de São Paulo, em 54,
Bezerrinha foi para as “paradas de sucessos” com seu samba-exaltação “Perfil
de São Paulo”, gravado na Columbia por Sílvio Caldas, que trinta anos antes
havia sido, em Barretos, motorista do dr. Benevides de Andrade Figueira.
Aonde estão teus sobrados / De longos telhados / E teus lampiões
E os moços da Academia / Na noite tão fria /Cantando canções

“Perfil de São Paulo” tornou-se um clássico da MPB, tanto que tem mais
de vinte gravações, sendo as de Silvio Caldas, Agnaldo Rayol, Jair Rodrigues,
Inezita Barroso, Titulares do Ritmo e Orquestra de Luiz Arruda Pais as mais
conhecidas.
E sinhazinha delgada / Pisando a calçada / Na tarde vazia /
O tempo mudou / Mas não apagou / A tua poesia.

Quando, nos anos 60, a gravadora Copacabana resolveu homenagear o


presidente Costa e Silva com um LP, pediu-lhe que relacionasse as dez músi-
cas da sua preferência para que Agnaldo Rayol as gravasse. E “Perfil de São
Paulo” abriu a lista das preferidas do então Presidente da República.
Não mudou / Não se acabou / A tua sedução / A garoa / Cai à toa / Pra guardar a tradição
São Paulo num só minuto / É o Braz, Tietê, Viaduto / Barracas de flores / E a multidão.

Ainda hoje, quando se vai homenagear São Paulo, o samba de Bezerra


de Menezes abre ou fecha qualquer evento. Tornou-se uma obrigatoriedade.
Quase como cantar o Hino Nacional nos jogos do Brasil.
Os pardais / Em madrigais / O sol rasgando / A cerração
E a noite com seus pintores / Apagando, acendendo em cores / Teu nome no meu coração.

Houve até um concurso para nele serem escolhidas as melhores mú-


JOSÉ VICENTE DIAS LEME 107
sicas do ano. Bezerra foi o grande vencedor com dois troféus: pela melhor
música e pelos melhores versos. O único a ganhar dois prêmios com uma só
música.
Ah! Quanta mágua / E você sabe porque / Se eu fosse um fio d’água / Estaria a correr
Até chegar ao mar... até você.

Ainda nos anos 50, Bezerra teve um encontro, no Rio de Janeiro, com
a cantora Linda Batista. Mostrou-lhe o samba “Exaltação ao Rio”, que Linda
gravou na RCA Victor dias depois. Como o compositor era do interior (Barre-
tos) e não vivia de música, a gravadora resolveu “criar” um parceiro para
Bezerra de Menezes. No disco de 78 rotações, ao lado de seu nome, aparece o
de Aldacyr Louro, um homem que era divulgador da RCA e que passou a ser
meeiro do compositor. O único em toda a história musical de Bezerra, que nem
mesmo nunca viu o seu sócio. Nem em fotografia.
Um pandeiro, um tamborim / Uma noite estrelada / As cores do arco-íris
Uma morena bronzeada / Quero tudo quanto é belo / Pra traçar este perfil
Da mais linda cidade / Do meu Brasil.
Rio de Janeiro / Doce quarela / Deus te pintou / E maravilhado / Do Corcovado
Não se afastou. / Praças Paris, gente alegre e feliz / Guanabara luzindo ao lugar
Copacabana é uma pequena / Bronzeada, debruçada / Olhando o mar.
Rio de Janeiro / Em fevereiro / Em março ou abril
É sempre a festa brejeira / Das cores da Bandeira / Do nosso Brasil”.

No auge dos Festivais Internacionais da Canção (FIC), idealizados e dirigidos


pelo barretense Augusto Marzagão e levados a efeito pela TV Globo, Marza-
gão veio a Barretos num período de Festa do Peão, trazido pelo amigo Sebas-
tião Monteiro de Barros, hospedando-se na casa do sogro deste, Joaquim de
Oliveira Pereira. Eu fui encarregado de levar Marzagão à casa de Bezerra
de Menezes, para ouvir suas músicas. Acompanhada ao piano pelo marido,
Lígia cantou as músicas mais conhecidas e Marzagão ficou maravilhado com
a obra musical do conterrâneo. Pelas tantas, com os filhos de Bezerra e Lígia
já em casa, Marzagão pede a palavra e anuncia:
Quero comunicar-lhe que o meu primeiro convidado para júri deste ano do Festival Internacio-
nal da Canção está aqui presente: é Bezerra de Menezes.
Imediatamente telefonei para O Diário, comunicando o fato. Minutos de-
pois, chegavam à casa da avenida 25 Monteiro Filho, Joel Waldo e o fotógrafo
Ismael, que registrou o momento. E Bezerra foi para o Festival. Ainda hoje,
quando a Globo, em seus programas jornalísticos, relembra a fase do FIC,
Bezerra sempre aparece.
Mais bela que o céu / Que o mar, que a terra / Que o luar
O sol, as estrelas / Vivem no brilho / Do seu olhar.
108 BEZERRINHA: 70 ANOS

Francisco de Assis Bezerra de Menezes - o Bezerrinha,


compositor barretense.
Fonte: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”
Mostrado para Elizeth Cardoso há quase trinta anos, o samba “Por
Falta de Adeus” ficou de ser gravado pela Divina, que acabou não o fazendo.
Se for por falta de adeus / Até nunca mais / Vá com Deus /
Pode ir embora, sem explicação / A porta é a mesma / Que um dia se abriu
Pra você no meu coração / Carregue tudo que é seu / Deixe nada pra mim
Nem saudade / Saudade pra quê / Nosso amor já morreu.

Entrevistado por um jornal da cidade há alguns anos, Bezerra disse


que “Um Milhão de Madrugadas” é, das suas músicas, a preferida. Sobre
essa marcha-rancho, conto-lhes a seguinte história: estava eu como gerente
da Rádio Cultural de Guaíra; Luiz Aguiar foi contratado para organizar uma sema-
na de shows e, como a cidade não tinha um hotel de luxo para hospedar os
artistas, foi alugada uma grande casa. No dia em que Altemar Dutra ia se
apresentar, procurei-o, levando duas cópias da letra de Bezerra, que já era
conhecido de nome, pois dele lhe falava sempre a cantora Helena de Lima,
que já havia gravado, de Bezerra, o samba “Quando a Saudade Chegar”.
Altemar, saído do banho, estava com uma toalha enrolada na cintura,
sentado na cama, violão nas mãos e um copo de uísque na cadeira. Ao seu
lado me sentei e mostrei a letra do “Milhão”. Pediu-me que a cantasse. Tirou
uns acordes no violão e, depois, cantamos juntos. Aprendeu a música e disse:
Vou gravar! Vai ser o meu segundo “Trovador”. No papel da minha cópia da letra, anotou
o número do seu telefone em São Paulo e disse: “Diga ao Bezerra para que me telefone.
Quero que vá jantar em minha casa. À noite, só saio quando tenho show. No mais, sou homem de ficar
em casa e quero ouvir o que Bezerra tiver para mostrar”. No mesmo dia, telefonei para a
casa de Bezerra, contei o fato à dona Lígia, dei-lhe o telefone do Altemar... e o
“miserável” do compositor não foi visitar o grande cantor, que queria gravar
JOSÉ VICENTE DIAS LEME 109
suas músicas. Hoje, Altemar é uma grande saudade.
Hoje eu completo um milhão de madrugadas / A noite se enfeitou prá me esperar
A lua, vendo estrelas acordadas / Trouxe o céu para as calçadas / Sobre o céu vou caminhar.
Boa noite estrelas, boa noite / Lua querida, minha namorada / Até parece que o sereno
Chora comigo nesta madrugada / Gente da noite me acenando / Quanto calor no seu abraço
Boa noite velho camarada / Eu sempre ouço por onde eu passo / Deixe que eu fique a sós a noite
Qual namorada sempre de mãos dadas / A noite é velha companheira
Me faz lembrar antigas madrugadas / No céu há um milhão de estrelas
Que se acenderam prá me esperar / Vou apagá-las uma a uma / Assim que o dia clarear”.

Em muitas das letras de suas músicas, Bezerra tem homenageado figu-


ras queridas da cidade, como aconteceu com o saudoso Padre Primo Scusso-
lino em “Canoeiro”, gravado na Copacabana por Inezita Barroso.
Hoje tem festa em Barretos / Com foguete e procissão
Padre Primo me pediu / Tu não faltes pro leilão.

Há perto de cindo anos, conheci em São Paulo o então diretor da Discos


Eldorado, Aloísio Falcão, que me ofereceu alguns discos e autografou um LP
para que eu levasse a Bezerra de Menezes. Nele estava o “Perfil de São
Paulo” com os Titulares do Ritmo, cantando à capela. De tanto falar no com-
positor barretense, o diretor da Eldorado disse-me que ouviria mais músicas
de Bezerra, desde que estivessem gravadas em fita. Poderiam até acontecer
novas gravações. Bezerra não me deu a fita, o tempo passou. Aloísio saiu da
Eldorado e acabou não acontecendo nada.
Estava escrito desde o começo / Que eu te amaria a qualquer preço
Estava escrito na minha mão / Que teu seria meu coração
Prá que trazer o coração aflito / Tudo passou, nada restou, estava escrito.

Embora o Samba seja o seu forte, Bezerra tem composições gostosíssi-


mas na linha sertaneja, fazendo, também, música para se cantar em igrejas
e procissões. Quem não conhece estes versos?
Vento gelado batendo em meu rosto / Me diz que é agosto / Florada do ipê no sertão
Diz que eu me esqueça de todos apertos / Que eu vá prá Barretos / Pra Festa do Peão.

Há uma composição que, segundo dizem, Bezerra dedicou carinhosa-


mente à esposa Lígia.
Não troco o céu pela terra / Você bem sabe porque / Não troco nada no mundo
Pelo mundo que tenho em você. / Não troco o céu pela terra / Querer o céu para quê
Se eu tenho tudo na terra (bis) / Se eu tenho o céu em você.

Outra, também, dedicada à esposa, é o samba-canção “Contraste”, gra-


110 BEZERRINHA: 70 ANOS
vado pelo excelente Miltinho, no RGE.
Amor faz par com saudade / Saudade não vive sozinha
Deus quis que eu fosse só seu / E que você fosse minha.

Bezerra tem dezenas de sambas que precisavam ser gravados. Como


“Sol de Boêmio”, feito sob medida para a voz de Nelson Gonçalves.
Segue seu destino como a cigarra vadia / Que viveu cantando até morrer
Só quem morre um pouco a cada dia / Sabe realmente o que é viver”.

Certa feita, indo a Guaíra para uma audiência no Fórum, chegou até
à Rádio Cultura, onde eu trabalhava, contando-me ter feito uma canção para a
antiga “capital do ouro branco”. Pedi-lhe que cantasse, escrevesse a letra, e
ele o fez no verso de um envelope de ofício, assinando e datando: 10/02/76.
Nasceu da cantiga das águas / Em busca de um lago / Para morar / Nasceu da florada do ipê
Não perguntes por que / Ninguém sabe explicar. / Guairá Flor menina em botão
És pura e bela como uma oração / E esse teu jeitinho que me inspira
A te dizer e a repetir Guaíra / Conserva-te menina até o fim
Teus namorados querem-te assim. / Que bom dizer-te em forma de canção
Que estás todinha no meu coração (bis).

Gosto muito do samba-canção “Miragem”, gravado na Continental por


Lueli Figueiró. Para quem tem boa memória, quero lembrar que a gaúcha
Lueli foi a cantora contratada pelas Lojas Coteninga, quando da inauguração de
sua filial em Barretos, na avenida 19, ao lado da Casa Baroni.
Tanto esperei que eu nem senti / O inverno na folhagem
Então compreendi que andamos / Em vão correndo atrás de uma miragem.

Não dependendo da música para viver, Bezerra não procura cantor


para gravar os sambas que faz. Eu mesmo não conheço 5% da obra do nosso
compositor. E ele nem está aí. Com mais aposentadorias que o Franco Mon-
toro, seu negócio é viajar, bebericar, aproveitar a vida. No que está muito
certo. Salve ele!
De copo na mão, mesmo à distância, receba o tim-tim do seu velho
admirador e amigo.

Nota: Neste ano de 2020, completou-se o centenário


do nascimento de Bezerrinha; homenageado,
aqui, por essa bela amizade

José Vicente Dias Leme é barretense, de 1931.


Comunicador desde 1951, atua como jornalista e locutor na Rede Vida de Televisão.
Ocupa a cadeira 31 da ABC, cujo patrono é o
jornalista, escritor e poeta José Dias Leme
Elas, de Barretos!
Karla Armani Medeiros

“Antes, a mulher era explicada pelo homem, disse a jovem personagem do meu
romance ‘As meninas’. Agora é a própria mulher que se desembrulha, se explica”.
(Lígia Fagundes Telles)

S
e, na Literatura, a mulher demorou para se tornar autora de suas
próprias divagações, imagine na História? Aliás, na História ela demorou para
se tornar até personagem. Inserir a mulher como personagem histórico, seja por
sua trajetória individual de vida e trabalho ou como grupo social, foi tarefa da
nascente história de gênero – corrente só vigente após a segunda metade do século
XX. Quando se trata de história local e regional, cuja escala de observação e
tempo é reduzida, a situação da mulher como personagem é ainda mais de-
safiadora. Isso, porque, durante décadas, a história local foi tratada pelo viés
memorialista, em que temas históricos de uma cidade eram narrados a partir
da vivência individual do autor, sem bases metodológicas e teóricas. Deste
modo, o passado de uma cidade era narrado pela exaltação das figuras dos
ditos grandes homens, seguindo a linha factual e política da história tradicional.
Numa análise genérica de obras memorialistas vê-se que às mulheres
eram relegadas poucas citações, geralmente as condicionando a seus ma-
ridos e sobrenomes de família, ou a simples omissão. O contrário, porém,
revelam as fontes históricas: isto é, quando o historiador vasculha arquivos e
se depara com fotografias, jornais e documentos — qual não é a surpresa de
sempre encontrar por ali a aparição de mulheres?
Deste modo, como uma forma de demonstração de que as fontes his-
tóricas podem ser desvendadas por olhares diferenciados, a História local
— hoje dialogada com a micro-história, a história social e a história cultural — tem a
chance de corporificar a vida, os atos, o trabalho e os legados de mulheres.
Dentro deste contexto, a cidade de Barretos se compõe como próspero
exemplo de localidade a ser estudada pelo viés da história local a partir da ação
de personagens mulheres. O passado da cidade foi alvo de vivências mar-
cantes nos períodos do Brasil Imperial e Republicano, visto Barretos ter sido
inicialmente habitada a partir da década de 1830 e oficialmente fundada em
1854. Nas últimas décadas, o município tem sido estudado por pesquisas
112 ELAS, DE BARRETOS!
historiográficas relevantes, que se desdobram em avaliar seu desenvolvi-
mento econômico a partir da veia pecuária, cuja extensão contribuiu para a
elevação do antigo arraial dos Barreto para a cidade sede do Brasil Central Pecuário.
A partir de toda a cadeia econômica, bem como os enredos políticos
e a solidificação das instituições públicas e privadas da cidade, Barretos é
constituída por uma gama de temas a serem estudados pelo viés da História,
dentre os quais a vida e obra de mulheres que, cada qual a sua maneira,
trabalharam vigorosamente para o crescimento da terra de Ana Rosa de Jesus,
fundadora da cidade junto a seu marido Francisco José Barreto.
Ana Rosa de Jesus e Joaquina Cândida de Jesus são os primeiros nomes femi-
ninos registrados na história local, visto que ambas eram matriarcas das
famílias Barreto e Marques (Librina); doadoras dos 82 alqueires de terras
usados como base ao arraial no século XIX. São mães de duas personagens
que o memorialismo narra como excêntricas, conhecidas pela alcunha de
Rita Parnaíba e Inácia Homem. A primeira, caçula do casal Barreto, era assim co-
nhecida por certa vez ter atravessado o Rio Paranaíba (MG/GO) em uma jangada
improvisada em direção a Goiás. Tal travessia teria sido uma fuga, já que
foi perseguida pela polícia e condenada à prisão por júri em Araraquara por
conta de um assassinato. Além disso, Rita é personagem de episódios icônicos
defendendo as mulheres da família e era conhecida por dançar o cateretê, can-
tar e festejar; era fazendeira. Já Inácia, filha dos Librina, era notada com jeito
masculinizado na aparência e nas atividades. Dirigia os serviços da roça, corria
os pastos, caçava, era dona de casa e administrava fazenda. Era reconhe­cida
em toda a região por seu trabalho em tecer e tingir tecidos. Inclusive, tecia e
tingia suas próprias roupas, tendo o costume de usar calças azuis e um “robe”
por cima, causando estranhamento à gente da época. Consta-se também que
foi casada, mas por sofrer violência do marido, separou-se dele.
O século XIX abriga poucos registros sobre mulheres na cidade. Os prin-
cipais referem-se a propriedades materiais como inventários, testamentos e
outros registros civis. Referentes a escolas, somente, encontram-se nomes
individuais de professoras que se aventuravam em ministrar aulas quando
a cidade mais se parecia com uma pequena vila na transição do século XIX
para o XX, como as professoras Laurinda Vieira d’Escobar (1890), Jacintha de Almeida
Soares de Sá (1902), Anna Lacerda (1903), Maria da Glória Carvalho (1907) e Noemi Hilda Nogueira
(1900). Esta, além de ser professora e proprietária de colégio particular para
meninas na cidade, era a única colaboradora mulher no jornal O Sertanejo
(1900), sendo tradutora de textos em francês. Além dela, o jornal tinha a
colaboração da charadista e poetisa mineira Marianna Carmelitana d’Arantes, tia da
sra. Maria Isoleta Carneiro Vieira — única mulher presente na fundação do Grêmio
Literário e Recreativo de Barretos, em 1910, entre os 96 sócios fundadores. Ao lado
daquelas pro­fes­­soras, sempre citadas em O Sertanejo, fulguravam ou­tras que
KARLA ARMANI MEDEIROS 113
em anos posteriores traba-
lharam rumo à instrução
na cidade, dentre elas: Lú-
cia Garrido Lex (escola muni-
cipal), Joana de Monte Bastos
(escola maternal) e Maria
José d’Oliveira (Asilo-Creche);
sendo as duas últimas in-
tegrantes de projetos edu-
cacionais da renomada
edu­cadora Anália Emília Fran-
co Bastos, que visitou Bar-
retos algumas vezes e ins-
tituiu sedes de instrução
e filantropia na cidade,
no penoso início do século
XX. Centenas de crianças
foram atendidas por estes
projetos.
Dentre tantas profes-
soras, uma se destaca por
trabalhar de forma diferen-
ciada: dedicava-se a ensi-
nar os alunos em situações
de exclusão por problemas Professora Noemi Hilda Nogueira (1874-1911) – colaboradora e
socioeconômicos ou doen- tradutora do jornal “O Sertanejo” de Barretos entre 1900 a 1903.
(Fonte: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”)
ças mentais; era a Profª Pauli-
na Nunes de Moraes. Sua atuação em Barretos, desde 1915, dava-se no bairro Outro
Mundo (depois conhecido por Fortaleza), que ficava atrás dos trilhos da Paulista,
onde habitava a população carente. O mesmo local sediava a Igreja do Rosário, da
qual Paulina foi importante membro como catequista e benfeitora.
Ainda como professoras, mas voltadas à cultura, outras mulheres tra-
balharam para a instrução e instalação de importantes instituições em Bar-
retos. Na Música, as professoras e pianistas Haydée Oliveira Menezes e Adelaide Galati
permitiam aos barretenses a apreciação e o conhecimento acerca da música
clássica e das canções brasileiras em saraus, recitais e audições que promo-
viam no Grêmio Literário e Recreativo. Haydée chegou a ser pianista da rede da
Instrução Artística do Brasil, levando o nome de Barretos a sete capitais federais
e a mais de cinquenta cidades paulistas por onde passou. Adelaide fundou,
em 1943, na cidade, o Instituto Dramático e Musical Santa Cecília, formando jovens na
erudição da música instrumental.
114 ELAS, DE BARRETOS!

Professora Paulina Nunes de Moraes, por volta de 1925, entre seus alunos no bairro Fortaleza, antigo
“Outro Mundo” (fonte: Arquivo da família Nunes de Moraes)
A primeira Pinacoteca da cidade foi criada a partir da ação de uma
professora de artes, Maria Aparecida Bernardes Tasso, da Escola Estadual “Mário Vieira
Marcondes” (Estadão), em 1959. Sua iniciativa, somada aos inesquecíveis salões
de arte que realizava na cidade, angariou obras de arte de grande relevân-
cia, incluindo duas obras do pintor naif José Antônio da Silva. O Museu Municipal,
inaugurado em 1979 no prédio do antigo Paço Municipal, também foi resultado
do trabalho de uma professora, Lydia Scannavino Scortecci; que, enquanto diretora
da Divisão de Educação, Cultura, Esportes e Turismo, foi responsável pela
guarnição e apresentação das peças antigas ao público barretense.
Em outras áreas, mesmo em menor proporção, as mulheres também se
mantiveram ativas, como o caso da participação em movimentos militares
como a guerra paulista de 1932, chamada à época de Revolução Constitucionalista.
Muitas mulheres participaram na enfermaria, customização de uniformes,
produção de alimentos, dentre outras coisas. Como foi o caso de Sebastiana Dias
da Cunha (Fiúca), que foi reconhecida com honrarias pelo batalhão de Barretos
por ter auxiliado no abastecimento aos carros oficiais. Na Saúde, as mulheres
também eram minoria até boa parte do século XX. Em Barretos, fez carreira
a médica Nilda Bernardi Carreira, que, formada em 1949, atuou na Santa Casa e cli-
nicou por muitas décadas na cidade, na pediatria e psiquiatria. Outro ponto
pouco citado é que o brasão de Barretos, elaborado através de concurso em
1954, possui autoria de uma mulher, a também professora Maria Luíza de Queiroz
Barcellos. Para além disso, a política é outro assunto importante a ser desnu-
dado, uma vez que a primeira mulher a ocupar um cargo na vereança bar-
retense foi a professora Maria Ignêz de Ávila Jacintho, nas legislaturas de 1973 a
1976 e 1977 a 1983; fato inusitado, visto que o voto feminino foi validado no
Brasil desde 1932. Apesar da demora da participação feminina em funções
KARLA ARMANI MEDEIROS 115
políticas na cidade, isso não significa que as mulheres estiveram alheias às
movimentações de governo — futuros estudos ainda revelarão muitos rostos
e contextos. É certo que outras médicas, professoras, artistas e profissionais
em distintas áreas atuaram no desenvolvimento da cidade. As citadas neste
texto são somente algumas de suas representantes, que, estudadas de forma
individualizada e esmiuçada, podem contribuir aos pormenores da história
de Barretos. Além do mais, há de se destacar a possibilidade de analisar as
mulheres como grupo, enxergando-as como operárias, educadoras, artesãs,
benzedeiras, comerciantes, cientistas, escritoras, etc.
Seja no olhar individualizado ou pela perspectiva de grupo, o estudo
sobre as mulheres permite captar aspectos de suas biografias — em especial,
de suas obras — daquilo que elas deixaram em forma de produção e legado.
Habilidades e trabalhos femininos que podem ser captados por uma releitura
das fontes históricas, cujos resultados anunciam quais eram as funções e os
cenários ocupados pelas mulheres, suas heranças, suas lutas e suas conquis-
tas. Sempre na tentativa de desmistificar o olhar preconceituoso da imobili-
dade das mulheres no passado, como se a elas fossem somente condicionados
o matrimônio e a maternidade; dois pilares verdadeiramente reais à maioria
delas, é óbvio, mas, que, por vezes, não limitaram e nem congelaram suas
ações e propagação à vida, tornando-as, portanto, agentes de desenvolvimen­
to e crescimento da cidade. É claro que, às mulheres, foram renegados direi-
tos civis e incorporados estigmas de difícil libertação; porém, em tempo, isso
é quebrado por questionamentos e mudanças de mentalidades. Por assim
dizer: se foram produtoras de trabalho e participantes dos momentos reais
da história local, é mais que tempo de inserir as mulheres como personagens da
História. Esse movimento nem precisa ser panfletário: basta se sensibilizar
com as fontes históricas e rastrear, nelas, as contribuições das mulheres.
São elas, de Barretos, as nossas personagens da vida real.

Fontes (em resumo) - Livros: “De onde cantam as cigarras” (2020);


“Barretos de Outrora” (1954, p. 24 e 33),
Tese de Doutoramento em História do Prof. Humberto Perinelli Neto
(Unesp, 2009, p. 347); Revista da Semana / RJ (edição 475) -
Acervo da Biblioteca Nacional; Revista “Ação e Vida – Santa Casa”
(janeiro de 2011); Documentos do Museu “Ruy Menezes”
e jornais “O Sertanejo” (edições 3, 23, 156, 185 375)
e “O Diário de Barretos” (04/07/2008; 28/11/2018;
12/03/2019; 06/02/2019 – artigos da autora).
Karla de Oliveira Armani Medeiros é historiadora, palestrante,
professora e titular da cadeira 7 da ABC. É autora do livro “De onde cantam as
cigarras” (2020) e de mais de 400 artigos pelo jornal “O Diário” sobre a história de
Barretos. Foi Secretária Municipal de Cultura (2013-2015)
Sobre uma Rocha criou-se
a FEB, hoje UNI FEB
Luiz Antônio Batista da Rocha

O Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos — UNIFEB — con-


ta, hoje, com milhares de estudantes cursando Engenharia, Odontologia, Di-
reito, Administração, Farmácia, Veterinária, Ciências e áreas técnicas, sendo
atualmente polo educacional regional num raio de cerca de 250 quilômetros.
Mas tanto a sua criação como sua posterior implantação se deu à custa de
grandes esforços e muita perseverança.
João Batista da Rocha – prefeito de Barretos (31/01/1964 – 31/01/1969),
(cinco anos, devido à prorrogação) preocupado com estudantes que tinham
de deixar Barretos em busca de universidades, com a vontade política ineren­
te aos estadistas, em praça pública, no dia 25 de agosto de 1964 — aniver-
sário de Barretos — assinou a lei municipal nº 1.032, que criava a Fundação
Educacional de Barretos - FEB.

João Batista da Rocha assina, em praça pública, Lei Municipal nº 1.032, de 25 de agosto de 1964, que criou
a Fundação Educacional de Barretos - FEB
SOBRE UMA ROCHA CRIOU-SE A FEB, HOJE UNIFEB 117
Mas, até chegar a esse ato, o caminho foi árduo. Houve resistência tan-
to por parte de aliados políticos como do poder público. Considerava-se utopia
– e, portanto, sonho irrealizável – fundar-se uma faculdade em Barretos, no
portal do sertão, a 425 quilômetros da Capital.
Houve oposição, como se disse, até em setores de órgãos públicos en-
carregados da apreciação do pedido de criação da faculdade. Só mesmo a
persistência, a visão e o idealismo é que podem explicar terem sido vencidos
todos os obstáculos opostos pela burocracia estatal.
O grande estadista é aquele que sabe se cercar das pessoas certas para
as demandas públicas certas. Escolheu, João Batista da Rocha, o amigo professor
doutor Roberto Frade Monte para viabilizar a implantação do ensino superior de
engenharia em Barretos.
Roberto Frade Monte lecionava nas faculdades de engenharia Mackenzie, Mauá
e de São Carlos. Foi nessas excelentes escolas que ele buscou a equipe de pro-
fessores do 1º Ano da FEB, da qual ele era Diretor: Jose Justino Castilho – Cál-
culo I e II; Oscar Freitas Wassimon – Cálculo Numérico; Sylvio Nisckier – Geometria
Descritiva; João Pedro de Carvalho Neto – Topografia e Geodésia; Flavio Freitas Castilho –
Geometria Analítica; Bartolomeu Albanese – Mecânica Geral; Nelson Martins – Física
Geral II; Waldo Augusto Perseu Pereira – Res. Materiais; Antonio Dozzi – Desenho Téc-
nico; Mario Ernesto Hamberg – Química; Ronald Ulisses Pauli – Física Geral I; Oduvaldo
Donnini – Direito para Engenharia.
Os Professores Assistentes eram todos de Barretos: Maria Alves Barcelos
– Cálculo I e II; Maria Henriqueta Alves Ferreira – Geometria Descritiva; Lauro Kfuri
– Química.
O 1º Conselho Diretor da Fundação Educacional de Barretos, formado aten-
dendo “convocação” do prefeito Rocha, tinha os seguintes membros titula-
res (1964/1966): Olivier Waldemar Heiland; Ercy de Mello Nogueira; Ruy Menezes; Sebastião
Freitas Pires de Campos; Jarbas Pinheiro Landim; Haroldo Tramujas Mader. Suplentes: Luiz
Castanho Filho; Mozart Ferreira.
Mesmo depois de sua implantação, não cessaram as investidas contra a
FEB. E essas eram de toda ordem e origem: alardeava-se que os professores
não tinham condição de dar aulas a uma distância tão grande de SP; que
os professores estavam fazendo turismo à custa do dinheiro dos munícipes
barretenses; que a Prefeitura não tinha condição de manter uma faculdade,
etc., etc., etc.
Dentre todas as aleivosias, as críticas referentes aos professores eram
as mais injustas. Esses renomados mestres, das melhores faculdades de en-
genharia, sacrificavam-se em estafantes viagens de trem, davam aqui suas
aulas e voltavam para cumprir seus compromissos em suas faculdades de
origem, comportamento que só o idealismo, em seu mais alto nível, pode
explicar.
118 LUIZ ANTÔNIO BATISTA DA ROCHA

Professores (esq. para a dir.): Flavio Freitas Castilho, José Justino Castilho, Bartolomeu Albanese, Ron-
ald Ulisses Pauli, Nelson Martins, João Batista da Rocha, João Carlos de Figueiredo Ferraz (Patrono
da Turma), Roberto Frade Monte, João Pedro de Carvalho Neto, Antonio Dozzi e Oduvaldo Donnini
Para se aquilatar o grau de responsabilidade, comprometimento e
seriedade desses professores, basta atentarmos para o seguinte fato: ins­
creveram-se na primeira turma de Engenharia cerca de 100 alunos. Termi-
naram o curso:
Engenheiros Civis: Alonir Paro; Antonio Ricardo Carneiro; Edson Abdala Thomé; Fábio
Izoldi; Joel Moroni; José Humberto de Faria; Marcelo Anania de Paula; Omar Abdo Droub; Raul Mein-
berg dos Santos; Vera Lucia de Melo; Vicente Paziani.
Engenheiros (Elétrica e Eletrônica) – Iokio Tomoda; Naomi Hirata.
Ou seja: 13 alunos.
Em 1964, a faculdade funcionou em prédio alugado, na Avenida 29,
entre as Ruas 18 e 20. Em 1966, a Faculdade de Engenharia foi oficialmente au-
torizada a funcionar, sendo inaugurada em abril daquele ano. Em janeiro de
1967, a Prefeitura consegue fazer a aquisição de um terreno e o doa à Funda-
ção Educacional de Barretos. E, em janeiro de 1968, funciona, em prédio próprio, o
1º pavilhão com os cursos de engenharia: Civil, Elétrica e Eletrônica.
Em 1969, foi autorizado o funcionamento da Faculdade de Ciências, ainda
sob a gestão de seu fundador, Roberto Frade Monte.
O curso de Engenharia de Alimentos foi criado em 1981. Em 1984, foi
autorizado o funcionamento do curso de Odontologia. Em 1995, os de Direito,
Administração e Serviço Social.
As faculdades isoladas foram reunidas sob a denominação de Faculdades
Unificadas da FEB, em 2003 e, posteriormente, em 2007, alçadas à condição de
Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, instituindo sua Reitoria como
órgão superior unificado de gestão acadêmica administrativa.
SOBRE UMA ROCHA CRIOU-SE A FEB, HOJE UNIFEB 119
Hoje, o Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, através de suas
faculdades integradas e de suas unidades de ensino Médio, Técnico e Profis-
sionalizante, está plenamente aparelhado para cumprir as determinações
das diretrizes educacionais do país, desenvolvendo plenamente suas ações
nos campos do ensino, da pesquisa e da ação comunitária.
A história do UNIFEB se confunde com a história dos personagens mais
ilustres da história de Barretos:
João Batista da Rocha, prefeito, que teve a audácia de conceber a ideia de
criar uma escola na entrada do sertão;
Roberto Frade Monte, que conseguiu unir o que havia de melhor, quanto a
docentes, no ensino da engenharia e trazê-los para cá;
Maria Alves Barcelos e Maria Henriqueta Alves Ferreira, excelentes professoras;
Olivier Waldemar Heiland e Ruy Menezes, primeiros presidentes do Conselho
da FEB, nomes que honram a cultura barretense; e muitos outros, que seria
enfadonho mencionar aqui.
O prefeito João Batista da Rocha, enfrentando todo tipo de dificuldades, ao
assinar a Lei nº 1.032, de 25 de agosto de 1964, não estava apenas orde-
nando que se criasse mais uma autarquia. Com sua extraordinária visão
de homem público, de verdadeiro estadista que pensa nas futuras gerações,
tinha plena convicção de que fundava uma verdadeira instituição para a
posteridade.
Encontrei nas anotações pessoais de meu querido e saudoso pai um
pensamento de Samuel Smiles (1812-1904: escritor e reformador britânico for-
mado pela Universidade de Edimburgo) e que norteou toda a vida de João
Rocha:
O homem não vive só para si. Vive tanto para o proveito dos demais como para proveito
próprio. Todos têm deveres a cumprir, tanto o rico como o pobre. Para alguns a vida é
um gozo, para outros é uma dor. Porém, os homens não vivem só para gozar nem para
ganha fama. O que os move é a esperança de serem úteis para uma boa causa.

Os anos se encarregaram de provar que ele estava certo.

Ontem e hoje, o primero ensino


superior de Barretos se rende à
“Rocha” fundamental

Luiz Antônio Batista da Rocha é filho de João Batista da Rocha e Maria


Diva Borges da Rocha. Engenheiro Civil, de Segurança do Trabalho e
Auditor Ambiental. É titular da cadeira 40 da Academia Barretense de Cultura
A colônia japonesa e sua
importância em Barretos
Luiz Umekita

A ntes de falar sobre nossa colônia, gostaria de rememorar alguns


fatos que ocasionaram o início da vinda dos japoneses para o Brasil, que se
iniciou oficialmente com a chegada, em Santos, do navio Kasato Maru, no dia
18 de junho de 1908, partindo da cidade de Kobe, numa viagem que durou
52 dias, trazendo a bordo os 781 primeiros imigrantes, vinculados ao acordo
imigratório estabelecido entre Brasil e Japão, além de 12 passageiros inde-
pendentes.
Os primeiros imigrantes que aqui chegaram, neste Brasil fértil e gran-
dioso, cheios de esperança e sonhos de prosperidade, encontraram um país
de costumes, idioma, clima e tradição completamente diferentes do seu. Eles
deixaram para trás o seu país em período de pós-guerra quando, no Japão,
as dificuldades para se conseguir os principais proventos para a sobrevivên-
cia eram tão grandes que a imigração tornou-se saída para aquele momento.
Ainda que em situação difícil e desestruturado, tanto monetariamente
quanto em reservas de alimentos, o Japão não se descuidou da educação
de seus súditos, sendo que no final do século XIX, passou por um processo
de alfabetização de todos os japoneses. Dessa maneira, todos os imigrantes
em idade e aptos para o trabalho que aqui chegavam eram alfabetizados no
idioma japonês. A maioria desses imigrantes tinha a intenção de trabalhar e
ganhar dinheiro, como era difundido pelas pessoas que os convenciam a vir
para o Brasil. Eles diziam ser aqui o Paraíso, o Eldorado; vinham, então, com a
intenção de enriquecer e retornar ao seu país de origem. No entanto, encon-
traram muitas dificuldades de adaptação, pois quase não havia, nas fazendas
em que foram instalados, pessoas que traduzissem aquele estranho idioma,
que nunca tinham ouvido pronunciar; uma comida de paladar completamen-
te diferente ao seu costume. Hábitos que estavam acostumados, como no uso
do mais simples talher, pois usavam o hashi; a maneira de tomar banho, usan-
do o ofurô — aqui era usado o banho de bacia; sem falar no clima brasileiro
A COLÔNIA JAPONESA E SUA IMPORTÂNCIA EM BARRETOS 121

e, para agravar, usavam o kimono, composto de várias camadas de tecidos.


Além disso, diversos tipos de doenças mataram grande número de japoneses.
Mas os japoneses, com grande determinação e coragem, conseguiram
vencer estes obstáculos, pois não se admitia a expressão derrota: usavam e
usam, até hoje, a expressão gambate, cuja tradução seria ‘esforce-se’, ‘empenhe-se’
para vencer os desafios, as dificuldades. Inclusive, muitos pais utilizavam
e ainda utilizam esta expressão quando mandam seus filhos para um novo
trabalho ou para a faculdade, a fim de vencerem e terem êxitos nos desafios
que se apresentam ao longo de suas vidas.
Assim, foram conseguindo cumprir seu contrato de imigração. À medida
que os imigrantes começaram a se desvincular das fazendas, tratavam logo
de criar escolas de idioma japonês para seus filhos. Em 1932, já contavam
com 189 estabelecimentos reconhecidos (Fonte: Folha de São Paulo); em 1938, já
eram 486 os Nihongakus. Neste mesmo ano, o presidente Getúlio Vargas proibiu
o funcionamento das escolas estrangeiras e, com o início da 2ª Guerra, as
restrições ficaram ainda mais rigorosas, como o uso de idiomas em lugares
públicos, reuniões ou agrupamento de pessoas estrangeiras.
Alguns daqueles que aqui chegaram e trouxeram um pouco de dinheiro,
foram logo comprando seu pedaço de terra. Muitos conseguiram trabalhar
nas próprias fazendas, como parceiros, naquela época chamados de meeiros e,
com seus esforços e com a fertilidade da terra, foram se tornando grandes
produtores; à medida que começaram a prosperar, pelo menos um de seus
filhos era enviado para a cidade grande em busca de estudos.
Em 1923, Kinjo Yamato, passageiro do Kasato Maru, se formou na Escola de
Odontologia de Pindamonhangaba, SP. É o primeiro registro de um filho de
imigrante japonês a se graduar no país, e, em 1948, o primeiro vereador
eleito em São Paulo.
Aqui em Barretos não foi diferente: temos imigrantes que aqui chega-
ram não só com suas mãos e braços, mas com grande vontade e esforço (gam-
bate), para vencer na vida. Conseguiram ocupar importantes posições sociais
e econômicas na comunidade, contribuindo para seu desenvolvimento. Houve
grande número de produtores na área de hortifrutigranjeiros, que supriam
grandes centros consumidores; até aqueles que comercializavam para gran-
des centros vendiam seus produtos na feira, na época, localizada na avenida
21, atrás da Igreja Matriz; os grandes produtores de algodão, milho e arroz
vendiam, então, para grandes empresas que o beneficiava e comercializava
para grandes centros consumidores.
Nos anos 1950, foi instalada, aqui em Barretos, uma das maiores be-
neficiadoras de arroz da região da Paulista e da Mogiana, que foi a Arrozeira
Barretos, do Sr. João Sato. Ainda tivemos grandes empresários do arroz, como
as famílias dos irmãos Ohara, Motinaga, Cavaguti e Tachibana.
122 LUIZ UMEKITA

Praça Francisco Barreto na década de 1930, com destaque aos arcos de inscrições japonesas.
Fonte: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”

Na área de hortifruti, tivemos compradores e distribuidores, como as


famílias Endo, Shinohara, Ito, Yamada e Kitagawa.
E nos setores de máquinas agrícolas e veículos, tivemos as famílias
Kawai e Endo, que geraram grandes movimentações monetárias e, consequente­
mente, muitos impostos a serem recolhidos aos cofres públicos.
Num crescente desenvolvimento, tanto econômico, quanto cultural e
educacional, temos registro de pessoas da colônia ocupando as mais diversas
áreas na comunidade, como empresários, bancários, profissionais liberais,
professores, políticos, num gambate constante para o progresso desta querida
cidade de Barretos. Entre muitos, citamos o dr. Matinas Suzuki, médico, verea-
dor e presidente da Câmara Municipal de Barretos; membro-fundador e presidente
por três vezes da ABC – Academia Barretense de Cultura; o Sr. Nobuiro Kawai, que foi por
muito tempo presidente do Sindicato Rural do Vale do Rio Grande e a professora Sissi
Kawai, atual Reitora do UNIFEB – Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos.
Como os japoneses são de uma raça muito unida e social, temos em
nossa cidade, desde os tempos do pós-guerra, um local para nos reunirmos
e praticarmos o esporte preferido na época, que era o Basebol. Este local, nos
anos de 1946 a 1948, era provisoriamente instalado em um barracão de
madeira nos altos da avenida 21, onde depois foi instalado o Campo do Motorista.
Em 10 de setembro de 1948 foi inaugurada, oficialmente, nossa asso-
ciação. Não podia, ainda, nenhum japonês ocupar o cargo de presidente de
qualquer instituição no Brasil; por isso, foi nomeado um brasileiro para tal:
o Sr. Joaquim Augusto, ocupando a vice-presidência o Sr. João Cavaguti.
De lá para cá, foi uma constante luta para o crescimento do KAIKAN, tanto
dentro da colônia quanto na sociedade barretense, tendo por objetivo de unir
A COLÔNIA JAPONESA E SUA IMPORTÂNCIA EM BARRETOS 123
a colônia e a coletividade, mantendo vivos os costumes e tradição de seu país,
difundindo-a em toda a comunidade de Barretos. Com o intenso trabalho de
seus dirigentes, associados e muitos simpatizantes, a Associação Atlética Barretense
(KAIKAN) adquiriu, com o tempo, confiança e respeito de toda a cidade.
O KAIKAN teve sua presença marcante na sociedade com a realização de
memoráveis carnavais; participou de vários torneios de futebol entre clubes
da cidade; os torneios de Tênis de Mesa eram muito frequentes nos anos 1960;
o time de Basebol de Barretos, em conjunto com o time da Chácara Santa Rosa,
chegou a participar do Campeonato Brasileiro de Basebol.
A Associação sempre esteve presente nos eventos comemorativos da
cidade, colaborando com seus organizadores, marcando presença com carros
alegóricos alusivos aos nossos costumes. Por vários anos, em seu aniversá-
rio, eram realizados, no Recinto Paulo de Lima Corrêa, grandes UNDOKAIS, uma festa
popular esportiva em clima de confraternização, com distribuição de prêmios
a todos os participantes.
Entre os anos de 2012 e 2016, foi realizado o MATSURI. Era uma festa
que fazia parte do calendário turístico de Barretos, com shows, comidas tí-
picas, Odori, Taikô apresentados por grupos de Barretos e região, quando todos
estavam convidados a confraternizar com a Colônia Japonesa. A festa era de
grande agrado do povo, comprovada pelo grande público que a prestigiava.
Em nossa associação, desenvolvem-se cursos de Hapikido, Taikô e Karaokê.
A arte do Taikô é milenar no Japão, com participações não só de nikkeis, mas
também de jovens brasileiros que praticam não só o toque dos tambores, mas
também a disciplina e o respeito ao companheiro.
Atualmente, o Taikô está em grande evidência, sendo que o grupo é cha-
mado constantemente para festividades em Barretos e região.

Grupo de Taikô do KAIKAN. Fonte: Fotografia do autor


124 LUIZ UMEKITA

Acreditamos que, assim, estamos contribuindo com estes jovens no pre-


paro para suas vidas, ajudando no modo de bem conviver, no enfrentamento
de futuras dificuldades a serem superadas ao longo de suas vidas e evitando
também o seu descaminho.
Esperamos, assim, contribuir não só com o desenvolvimento econômico,
mas também com o desenvolvimento humano e cultural desta cidade, pois
uma cidade não se faz somente com CAPITAL, mas também com homens,
que, bem formados, trarão desenvolvimento, cultura e paz.

Luiz Umekita nasceu em Miguelópolis/SP em 1944.É Técnico em Contabilidade;


trabalhou na Cooperativa Agrícola Sul Brasil e na Com. e Ind. Brasileiras COINBRA
S.A. Aposentado pelo Banco do Estado de São Paulo (Banespa), é presidente do
KAIKAN desde 2008
A Venda, os peões, a boiada e a
Igrejinha do corredor boiadeiro
Manoel Nunes Filho

A época? Por volta de 1940: minha mãe assim nos conta que, ainda
com seus seis anos de idade, filha mais nova de uma família de dez irmãos, já
trabalhava com seu pai na Venda, de sua propriedade. Na época, essas vendas
eram como pequenas mercearias. Meu avô, além de administrá-la era, também,
um respeitável criador de suínos na região: tomava conta de tudo sem em-
pregados — apenas com a ajuda dos filhos.
A Venda estava localizada nas proximidades do antigo pontilhão da rua
Trinta, que hoje é a rotatória para o
Parque do Peão e Avenida dos Coqueiros, à beira
do corredor boiadeiro, que vinha de di-
versas regiões e entrava na cidade des-
cendo pela atual rua Trinta e toman-
do a rua Vinte e Quatro, passando em
fren­te à Igreja de Nossa Senhora Aparecida até
a avenida Quarenta e Cinco, onde hoje
é o clube da União dos Empregados no Comér-
cio, subindo até as proximidades da rua
Quatorze e, daí, descendo até o destino
final, que era o frigorífico.
Ao longo do corredor e próximo a
uma pastagem, havia uma cruz de ma-
deira, que era chamada pelos morado­
res de Cruzeiro. As pessoas, geralmente
mulheres da região, na época de seca,
iam em procissão, em um momento
de muita fé e religiosidade, com latas

A Venda, em 1941.
Fonte: acervo familiar
126 A VENDA, OS PEÕES, A BOIADA E A IGREJINHA DO CORREDOR BOIADEIRO
cheia de água, molharem o Cruzeiro. Conta a lenda que, logo após este ato, as
chuvas não tardavam a cair, salvando, assim, as plantações e deixando os
pastos verdes para o alimento do gado.
A venda de meu avô, por estar à beira do corredor boiadeiro, era o pon-
to de parada dos peões que, tocando suas boiadas, ali paravam para descan-
so e alimentação, enquanto os bois descansavam pastando nas proximidades
de uma lagoa, onde também saciavam sua sede.
Como não havia chegado ainda a energia elétrica na região, as garra-
fas de bebidas — vinho e aguardente — eram colocadas em buraco no chão,
cober­tas com areia grossa; jogava-se água por cima, ficando assim as bebidas
bem refrigeradas.
Os peões consumiam de tudo: de sanduíches de pão com mortadela a
“fumo de corda”, com muito vinho e aguardente. Ali reinava a alegria e con-
graçamento entre eles; conversavam, riam e contavam os causos da viagem
cansativa desde os rincões das invernadas. Ali compravam os mantimentos
para refazer o estoque da comitiva e, depois, para seguirem viagem, total-
mente abastecidos.
Próximo à venda de meu avô havia um bar, construção antiga com ti-
jolos expostos e uma placa bem visível com o nome de Sol e Lua, sobre o qual,
não se sabe por que, ninguém comentava, embora muitos peões gostassem
de ali frequentar.
Havia um pontilhão, erguido acima do corredor — ou seja, na parte de
baixo era o corredor e, na parte de cima, a linha férrea, caminho do trem
de ferro. O horário do trem, às vezes, coincidia com a parada das boiadas,
o que causava alguns transtornos, pois, ao soar o seu apito, ocasionava o
“estouro da boiada”. Os bois, assustados e desgovernados, corriam de um
lado para outro, chegando, às vezes, a invadir o estabelecimento de meu avô,
quebrando móveis e utensílios; estes prejuízos eram pagos pelo responsável
da boiada. Era também, por vezes, interrompida a alimentação dos peões,
que tinham que correr com seus cavalos e burros para reunir toda a boiada
que havia se espalhado pelas redondezas.
O peão da frente fazia soar o berrante, juntando aos poucos o gado e
continuando assim o seu caminho.
Passam os anos: já pelos idos de 1958, minha mãe vai, já com a famí-
lia constituída, morar em terras que tinham sido de meu avô — e, agora, de
propriedade de um tio, à beira do corredor boiadeiro, na altura da rua Vinte
e Quatro.
À tardinha, quando o som do berrante ecoava no ar, minha mãe corria
fechar o portão — e eu corria para a beira do corredor boiadeiro, a contem-
plar o gado que seguia com os peões naquela nuvem de poeira.
Eu, ali, acabara de completar meus cinco anos de idade, sem medo al-
MANOEL NUNES FILHO 127
gum, totalmente alheio ao perigo daqueles animais bravios trilhando aquele
corredor que os levariam ao frigorifico, para serem abatidos.
Do alto do barranco da estrada, não imaginava que algum daqueles
animais poderia, a qualquer momento, mudar sua trajetória, passar sobre a
estrada e me atropelar. Nesta altura da infância, não tinha noção alguma do
perigo e, ali, ficava a contemplar todo aquele esplendor de centenas de cabe-
ças de gado que seguiam, também sem imaginar que estavam a caminho do
fim de seus dias, para cumprir a finalidade para que foram criados.
Também chamava a atenção, à beira do corredor, saindo do caminho
da boiada, uma figura característica da região: um senhor de baixa estatura
que não tinha domínio da razão: roupas bem sujas, com muitas latas ve­lhas
amarradas às suas vestes e barba sem fazer há muito tempo — daí, o apelido
de Barbudinho ou, às vezes, Sujinho. Vivia da ajuda dos moradores e era o terror
das crianças da redondeza, que o temiam pelas histórias que contavam dele,
as quais nunca comprovadas: era apenas uma pessoa que não tinha o domí-
nio da consciência e que não fazia mal a ninguém.
Do lado mais alto da estrada, podia-se contemplar também a passagem
do gado em frente a uma grande lagoa, que era explorada com a extração do
saibro para a confecção de tijolos, cuja localização, hoje, situa-se na rua Vinte
e Quatro, nas proximidades da avenida Quarenta e Sete. Nesta esquina, até
hoje, ainda permanece, sob um bueiro, uma mina d’agua, onde a Natureza
insiste em não morrer. Seguindo, a boiada passava em frente a uma capela,
fundada em 12 de outubro de 1921, chamada pelos peões de Igrejinha da Graia,
nome este que não sabiam como nem de onde surgiu.

Capela de Nossa Senhora Aparecida. Fonte: Fotografia do autor


128 A VENDA, OS PEÕES, A BOIADA E A IGREJINHA DO CORREDOR BOIADEIRO

Com o tempo, passou-se a chamar Capela de Nossa Senhora de Aparecida, pela


qual os moradores da região tinham muito respeito e muita fé e ali, constan-
temente, iam fazer suas orações ou, às vezes, rezas do terço. Não havendo
presença de padres na mesma, para a frequência bastava pegar a chave na
casa que ficava numa chácara no mesmo terreno da Capela.
Com o passar dos tempos, foi reformada; hoje tem-se uma bela igreja
e, aos domingos, podemos ouvir o sino chamando para a missa dominical.
Além das missas, são realizados casamentos, com grande presença de fiéis.
Com a continuidade do modernismo e o passar dos anos, o antigo ponti-
lhão foi demolido, dando lugar a uma rotatória que dá acesso a uma grande
avenida denominada Avenida dos Coqueiros e para o Parque do Peão de Boiadeiro “Mussa
Calil Neto”, dando vazão à grande quantidade de carros nos tempos de festa em
homenagem aos peões.
O antigo corredor boiadeiro, hoje todo asfaltado, deixa como lembranças
apenas os alagamentos em tempos de chuvas, que causam grandes enxur-
radas como na época do corredor e, ainda, dão muito trabalho aos adminis-
tradores da cidade que, com muita atenção e dedicação, vão resolvendo este
problema e, em pouco tempo, também só será lembrança.
Passaram-se os tempos e ficaram apenas as memórias de um passado
não tão distante, mas que, com certeza, fez parte da bela história de nossa
cidade de Barretos e da infância de nossas famílias.

Manoel Nunes Filho é natural de Barretos/SP. Formado em Contabilidade e


Computação, com pós-graduação em Análise de Sistemas e Banco de Dados.
Desde criança, dedica-se ao desenho e à pintura. Ocupa a cadeira nº 04 da
Academia Barretense de Cultura – ABC
Filetagem: a Arte dos
caminhões de boi
Marcos Diamantino

Dedicado a Manoel Diamantino Filho (1936-2013), caminhoneiro da Frota “C”.

Fundada em Barretos, no final dos anos 1950, a Frota “C” é considerada


a primeira empresa brasileira voltada ao transporte rodoviário de gado. Em
seu pioneirismo, o fundador Clarindo Alves de Queiroz (1923-2013) colaborou in-
clusive para que um fabricante da região desenvolvesse as carrocerias ade­
quadas para o transporte de gado. A iniciativa fez surgir também um novo
profissional: o motorista de caminhão de boi.
Com os frigoríficos locais gerando a demanda, lá pelos anos de 1970, a
cidade já possuía duas grandes transportadoras de gado: a pioneira Frota “C”,
na Avenida Rio Dalva, nas proximidades da Rodovia Faria Lima, e o Expresso
Barretos, na Avenida 43, esquina com a Rua 28. Vistosos caminhões boiadei-
ros Mercedes-Benz e Scania, vinculados às duas transportadoras, circulavam
às centenas pelas estradas do Brasil, levando o nome de Barretos aos mais
distantes rincões.
A madeira era a matéria-prima das carrocerias dos caminhões dessa
época. E não só dos caminhões boiadeiros. A maioria das carrocerias tinha,
no entanto, padrões semelhantes de pintura. O que se pode chamar de Fileta-
gem, imprimia nas carrocerias grafismos a partir de linhas sinuosas ou retas
numa composição abstrata que caiu no gosto dos caminhoneiros. A tinta era
sempre o esmalte sintético. Sobre as tábuas que recebiam uma demão de
tinta, que os pintores chamavam de “cor lisa”, eram feitos os filetes. Para
realizar os traços, os pintores usavam pincel, em um trabalho à mão livre.
Outros usavam aerógrafos ou carretilhas para traçar linhas uniformes.
Uma fábrica barretense de carrocerias de madeira era a Mecânica Indus-
trial Eduardo, criada nos anos 1970, nas proximidades da Praça Santa Helena. Com
o tempo, modificou suas atividades e razão social. Hoje, com o nome Madcar
Madeiras, de propriedade de Marcelo Cael (1960), produz carretas agrícolas.
130 FILETAGEM: A ARTE DOS CAMINHÕES DE BOI
No início dos anos 1970, a M.I. Eduardo fabricou muitas gaiolas para
caminhões de boi. Nesse período, o pintor responsável pelos filetes nessa
fábrica era Geraldo Rodrigues Dado Stuart (1953). Ele lembra que os motoristas se
identificavam muito com a Arte da Filetagem, deixando a escolha do padrão
decorativo por conta do pintor. Cada motorista indicava as cores desejadas e
obtinha uma carroceria personalizada e exclusiva. A carroceria servia tam-
bém como identificador do veículo. Como o caminhão não podia ficar parado,
o filetador precisava trabalhar com rapidez. Dado Stuart revela que pintava
uma carroceria de boi em até dois dias. Porém, foi o pintor, cartazista e le-
treirista Geraldo Stuart Rangel (1916-2013), pai de Dado Stuart, um dos introdu-
tores da Arte da filetagem em Barretos.

Letreiro atribuído ao pintor Dado Stuart (arquivo empresa Madcar)

Mas qual é a origem da Arte Filetada? Esse estilo pode ter chegado ao
país com os imigrantes europeus, segundo o site Pinstriping Brasil (pinstripe.
com.br). Em seus países de origem, muitos eram construtores de carrua-
gens, carroças e charretes que utilizavam a técnica da pintura filetada para
agregar valor ao produto.
De acordo com artigo “Fileteado”, no Wikipedia, o filete, na Argentina, é
um estilo tradicional. Naquele país, fileteador é quem realiza esse tipo de traba­
lho, que requer pincéis de pelo longo:
a palavra filete deriva do latim filum ou um fio.

Se o Fileteado argentino diferencia-se da Arte Filetada brasileira por


conter desenhos, assemelha-se, no entanto, ao costume no Brasil quando
agrega à decoração palavras e frases. Muitos caminhoneiros brasileiros exa­
MARCOS DIAMANTINO 131
cerbam a decoração de seus caminhões ao incluírem, nos para-choques, pro-
vérbios e, nos para-barros, desenhos de paisagens ou imagens religiosas.
O filetador Dado Stuart lembra que, em seu trabalho, incumbia-se também
de pintar nos caminhões ditados populares escolhidos pelos motoristas.
A Arte Filetada guarda semelhanças também com o Pinstriping, técnica
de pintura utilizada para decorar a carenagem de veículos modificados nos
Estados Unidos nos anos 1950, carros hot rods e motocicletas choppers. Segundo
o álbum ilustrado Rat Fink – Máquinas e Monstros, da Conrad Editora (2008), que
destaca os trabalhos do artista popular americano Ed Big Daddy Roth (1932-
2001), o Pinstriping é “uma técnica antiga de decorar superfícies que consiste
numa fina linha de tinta aplicada à mão com um pincel”.
O pintor Manoel Luis Ferreira (1965) é um especialista em Arte Filetada.
Usa uma ferramenta chamada Beugler, que confere à obra filetes de espessura
e traço uniformes com a mesma densidade de tinta. Essa ferramenta é outro
ponto a relacionar o trabalho de brasileiros e americanos, pois também é
utilizada pelos artistas dos Estados Unidos.
Ferreira contou que aprendeu essa técnica de pintura em uma fábrica
de carrocerias. Ele é fiel às técnicas e ao estilo que desenvolveu durante 25
anos. Conhecedor do ofício, afirma que o tipo de carroceria determina um
estilo de pintura. Quando a carroçaria é construída com muitos sarrafos, e
exis­te pouco espaço para filetar, o modelo a ser utilizado é o Ibitinga, que per-
mite desenhos menos criteriosos. Ele, particularmente, gosta do estilo Monte
Alto, quando há espaço para um trabalho mais elaborado, mais floreado, com
muitos arabescos.

O filetador
Manoel Luis
Ferreira
(arquivo do
autor)
132 FILETAGEM: A ARTE DOS CAMINHÕES DE BOI

Como havia uma demanda grande por reformas de carrocerias, Ferrei-


ra decidiu trabalhar como autônomo. Segundo o pintor, esse segmento já foi
muito próspero, mas existe uma tendência de queda. As razões são encontra-
das, principalmente, nas mudanças nas relações de trabalho.
“Antigamente, os motoristas eram os donos dos caminhões e tinham uma relação diferente
com o veículo. Era comum personalizar o caminhão”, explicou o pintor. De fato, os cami-
nhões boiadeiros eram decorados ao gosto do motorista-proprietário: a ca-
bine se transformava em um segundo lar para o condutor. Havia banco que
virava cama, cortina para quebrar o sol, capas ou colchas de chenille para
os bancos, adesivos no para-brisa, amuletos ou imagens no painel, além das
famosas frases de para-choque que significavam a filosofia do caminhoneiro.
E, claro, a decoração da carroceria também era um elemento de identi-
dade do motorista.
Atualmente, as transportadoras de gado trabalham com caminhões e
carretas terceirizados. As gaiolas de madeira ficaram para trás. As carretas
de hoje são de aço, com modelos também padronizados com até dois pavi-
mentos para o transporte do gado. Na maioria dos casos, as carretas são
pintadas numa só cor, sem apelo visual.
Apesar de tudo, o pintor Ferreira orgulha-se da atividade, que exige
muita habilidade.
“Pode até ser pintor famoso, mas se não tiver jeito com o filete, não faz o que eu faço”, cita,
manejando o pincel.
Ferreira mostra que o seu trabalho é quase artesanal, feito à mão mesmo.
Até os pontinhos coloridos dos desenhos são feitos com as pontas dos dedos.
Numa época de mudanças, o filetador Manoel Luis Ferreira pode ser conside­
rado um dos últimos remanescentes de uma arte que já foi muito popular na
região de Barretos.

Marcos Valério Diamantino nasceu em 1960, em Barretos, SP. Membro


da Academia Barretense de Cultura, é jornalista, professor de Artes e escritor, tendo
publicado três romances: “Homem escreve diário?” (2016); “Nós que trocávamos
cartas de amor” (2017) e “Tempo bom em Alpondras” (2019).
É casado e pai de duas filhas (foto: Mário Menezes)
Alguns Apontamentos de
Trajetórias Pretas em Barretos
Michela Silva

A história do preto no Brasil, apesar de ter passado por avanços posi-


tivos consideráveis, ainda transita pela lógica do epistemicídio1 de Boaventura
Souza (1995), que é parte do contrato social que sela o acordo de exclusão
e subalternidade de pessoas negras. Quando falamos de Barretos, intensifi-
cam-se os aspectos de uma contribuição preta na formação histórica deste
território. À vista disso, iremos percorrer uma análise de alguns aspectos da
trajetória sociocultural de pessoas e organizações pretas na cidade de Barre-
tos, nas décadas subsequentes à escravização no país.
Cumpre ressaltar que a urbanização barretense desenvolveu-se a par-
tir de um modelo segregador, aos moldes do crescimento das grandes cida-
des: modelo de crescimento e expansão urbana do paradigma gueto/senzala2, ten-
do em vista que a cidade se desenvolve, durante os séculos XIX e XX, num
período em que a escravização era a principal forma de exploração da mão
de obra no Brasil. Ao longo dos anos, o processo de industrialização inglesa
pressiona para o fim da escravização enquanto solução para expansão de
um mercado consumidor; já no Brasil, a escravidão parecia se acentuar cada
vez mais, principalmente com a chegada dos pretos novos, mesmo com as
pressões inglesas para pôr fim à escravidão no Brasil (FAUSTO, 1972). Fatos
esses que, facilmente, podemos comprovar através do Censo realizado em
1874, em que foram contabilizadas 2.134 pessoas negras e, destas, 151
ain­da se tratavam de pessoas escravizadas, algumas delas vindas de civilizações onde se
localizam a República Democrática do Congo e a Nigéria3.
Quando tratamos de aspectos socioculturais que envolvem pessoas pre-
tas e a cidade de Barretos no pós-abolição, precisamos trazer à tona os aspec­-

1
SANTOS, S. Boaventura. Pela Mão de Alice. São Paulo: Cortez Editora, 1995.
2
CAMPOS, Andrelino (2004). Do Quilombo à favela: a produção do espaço criminalizado no Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
3
ARMANI, Karla de Oliveira et. al. Descobrindo Barretos 1854-2012. Barretos/SP: Liverpool, 2012.
p.40
134 ALGUNS APONTAMENTOS DE TRAJETÓRIAS PRETAS EM BARRETOS

tos da urbanização do bairro Outro Mundo, o território das manifestações cul-


turais pretas, o congado, a representação da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, os
bailados guerreiros, os capoeiras e até as macumbeiras.
O Outro Mundo tinha características ainda muito rurais; no bairro, resi-
diam ex-escravizados como Policarpo, Mãe Mina, Rita Bagagem, lavadeiras, imi-
grantes não desejáveis e as putas do Bico do Pavão4,5. Este mesmo bairro que
abrigava tanta diversidade cultural, possuía comércio próprio e se mostrava
com uma efetiva autossustentabilidade; o mesmo bairro contava com estru-
turas mínimas como saneamento básico, calçamento de ruas — a vida por lá
se demonstrava precária6.

OS Colunistas do “O Correio de Barretos”


Foto aérea demonstra a estrutura urbana de Barretos no ano de 1917. Fonte: Acervo do Museu Histórico
Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”
Ao retratarmos os conteúdos do jornal O Correio de Barretos, ressalta-se
que o periódico foi uma das principais expressões da mídia impressa em Bar-
retos. Foi fundado pelo único prefeito negro da história de Barretos, Coronel
Silvestre de Lima, um poeta talentoso, elogiado por grandes nomes da literatura
brasileira, como os famosos Machado de Assis e José do Patrocínio7.
Os feitos de Silvestre de Lima foram muitos, mas nosso objetivo é retratar
um pouco dos personagens Adão de Carvalho e Geremaro Manhães. Alguns dirão
que o professor Adão de Carvalho é um grande exemplo da meri­tocracia; porém
nós dizemos que não: a história de Adão de Carvalho, homem negro, baiano que
escolhe, na Barretos do século XX, a busca de condições menos desumanas
de viver, assemelha-se com dezenas de trabalhadoras e trabalhadores rurais

4
PIACENTINI, B. C. Beni, o mito sexual de uma época. s/r, p.85-86.
5
NETO, Humberto Perinelli, PAZIANI, Rodrigo Ribeiro, A Construção da Civilidade numa Cidade do
Brasil Central Pecuário: Segurança Pública, Urbanização e Sociabilidade em Barretos (1890/1937). p.3-4.
6
ARMANI, Karla de Oliveira et. al. Descobrindo Barretos 1854-2012. Barretos/SP: Liverpool, 2012.
7
SUELI, Tosta Fernandes, “Razões e Sensibilidades: a trajetória de Silvestre de Lima.
MICHELA SILVA 135

Capela de Nossa Senhora do Rosário. Fonte: Acervo


Museu Histórico Artístico e Folclórico Ruy Menezes

e da construção civil que partem do Nordeste brasileiro em busca de uma


vida com mais oportunidades.
Quando chegou à cidade, Adão de Carvalho prestava serviços de barbearia.
Residiu por muito tempo isolado, nas proximidades do centro da cidade.
Escritos de memorialistas e historiadores locais trazem a história de Adão de
Carvalho como a de um homem que batalhou muito para vencer as mazelas
do estereótipo do negro na sociedade: economizava até nas refeições para a
compra de livros — foi alfabetizado depois dos 40 anos de idade, no primeiro
Grupo Escolar, hoje Escola Estadual Dr. Antonio Olympio.
Além do racismo, das dificuldades financeiras, teve ainda de enfrentar,
diante de sua elevada idade aos estudos na época, o estudo primário em meio
às crianças — com muito sacrifício, conseguiu vencer a luta para se alfa-
betizar, tornando-se professor e fundador da escola Instituto do Amor às Letras8.
Também era poeta e violinista. O professor nunca tentou embranquecer:
viveu até o ano de 1962, com 70 anos, quando ainda não tinha desistido da
educação e estudava Direito na cidade de Bauru9. Adão lutou sozinho para
que fosse lembrado hoje como Adão de Carvalho — o homem que lutou até a mor-

8
MENEZES, Ruy. Espiral História do Desenvolvimento Cultural de Barretos.
9
MEDEIROS, Karla Oliveira, Armani: Postado em www.barretos.sp.gov.br no dia 26/11/2013
< acesso em 07/07/2014>.
136 ALGUNS APONTAMENTOS DE TRAJETÓRIAS PRETAS EM BARRETOS
te pela busca de seus objetivos, quais sejam, de se alfabetizar; portanto, ho-
mem negro, em meio às dificuldades e estatísticas do processo de alfabetiza-
ção desta raça no país e em Barretos, no período em que ele viveu.
Pouco se sabe sobre a trajetória de Geremaro Manhães, preto de pele retin-
ta, médico, que chega a Barretos junto de sua família para prestar serviços
à Companhia Paulista de Estradas de Ferro. A família Manhães também deve ser
lembrada: exemplo na luta do negro na conquista de seu espaço, composta
pelo médico Geremaro Manhães, Lidia Gonçalves Manhães, enfermeira, e seus quatro
filhos; pessoas muito ativas na vida da cidade. Geremaro, além de médico,
foi professor da disciplina de Biologia Aplicada no Colégio Estadual e Escola Normal
Mário Vieira Marcondes e colunista do jornal Correio de Barretos. A História Oral traz
alguns relatos sobre a chegada de Geremaro Manhães e sobre suas ações na so-
ciedade barretense. Uma entrevis­ta de um anônimo, um garoto de 15 anos
na época em que Geremaro chega a Barretos, diz:
“(...) eu fui na casa dele vê se eles pricisava dos meus serviço, eu fiquei com a maior
vergonha fia, tinha um negão trabaiando no jardim e perguntei onde tava o patrão o
doto e num é que era ele o doto. Eu sou negão tamém mais eu nunca que tinha visto um
negão que nem eu doto (ANÔNIMO, 2015)10.”

Podemos ilustrar aqui o contexto de invisibilidade de pessoas pretas


na Medicina desde as décadas subsequentes à escravização preta no Brasil.
Voltando à trajetória de Geremaro, as três entrevistas feitas com pes-
soas que conviveram com Geremaro Manhães sempre relatam que ele e Dona
Lídia eram pessoas muito generosas11. Em uma entrevista com a médica Nilda
Carreira, ela enfatiza que, no período em que trabalharam juntos, os dois esta-
vam entre os poucos médicos que faziam questão de atender pessoas pobres
que, às vezes, precisavam aprender coisas simples do dia a dia, como tomar
banho e lavar as mãos12.
Apresento alguns aspectos da trajetória de Adão de Carvalho e Geremaro
Manhães para que possamos ilustrar como a perversidade do racismo age de
maneira sorrateira, de forma a passar despercebido aos olhos das pessoas
brancas. Podemos destacar, principalmente, a ilusão de que a ascensão so-
cial de pessoas negras trará algum retorno positivo, falando em estruturas
racistas, assim estabelecendo um paralelo com o mito da democracia racial.
Voltando ao jornal: de fato, no ano de 1947, em data próxima à pos-
se do então prefeito Mário Vieira Marcondes, foi retratada uma manifestação de
apoio de O Correio às figuras de Adão de Carvalho e Geremaro Manhã­es, redatores do
periódico que, nos dizeres da época, foram vítimas de racismo por adversá-

10
ANÔNIMO 1. Reconhecimento de Fotos de Barretos.
11
TOMÁS, Dercidi. Reconhecendo fotos de Barretos.
12
CARREIRA, NILDA B. Trajetória da Primeira Médica de Barretos.
MICHELA SILVA 137
rios políticos de ambos.
A manchete do jornal foi intitulada Dr. Manhães e Professor Adão foram desagra-
vados devidamente. A notícia traz, em seu escopo, um posicionamento do Partido
Social Progressista, que se manifesta contrário ao ato:
“(...)fiéis intérpretes do pensamento e da tradição da gente barretense (...) Pelo que diz algum
racista de bobagem preocupado com a perniciosa manifestação de insensatas teorias, desconhecen-
do talvez a influência do negro na civilização brasileira(...)”.
O Correio de Barretos trazia um tom progressista do acontecido, mesmo
pré-saídos da ditadura do Estado Novo, que “teria inviabilizado as ações independentes por
parte dos movimentos sociais”13 — e que perdura de 1935 a 1942.
Portanto, quando falamos das décadas de 1930 e 1940, é importante
destacarmos que, neste período, o movimento social negro estava em sua
efervescência na sociedade brasileira. Mesmo passando por momentos re-
pressivos, teve como principal marco a fundação oficial do Clube Social Negro
Associação Beneficente Estrela d’Oriente, que trazia uma expansão destas discussões
na cidade e que, para além de preencher uma demanda de entretenimento
da população preta, contribuiu também para um fortalecimento moral de
famílias pretas, como um ato de resistência.
Com um pouco dos apontamentos da influência de pessoas pretas, con-
seguimos concluir que foi determinante para a formação do povo barretense;
e sua forma de resistir ao processo total de aculturação sofrido desde o início
da escravização, permitiu que sobrevivências culturais perdurassem, mesmo
que a essência africana tenha se perdido em parte.
Vemos, ainda, essa essência representada pelos terreiros das religiões
de Matriz Africana, rodas de capoeira — reconhecendo-as não só como for-
mas de resistência preta, mas também como traços de uma cultura brasileira
formada com inserção e fusão de elementos culturais e sociais permanentes.

MATTOS, Marcelo Badaró. O Sindicalismo


13

Brasileiro após 1930. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003. p.22

Michela Silva é nascida em Barretos. Graduada em História, Especialista em


História e Cultura Afro-brasileira, atua como professora na Rede Pública Estadual e é
pesquisadora na área de Educação e Relações étnico-raciais em Barretos
Verí, Verídica, Verdadeira:
Veridiana
Mussa Calil

Não é preciso ser nenhuma sumidade em Linguística para se fazer


uma pequena marcha-a-ré, do Português ao Latim, para se perceber que os
pais de dona Veridiana acertaram na escolha de seu nome de batismo.
Nascida em 12/02/1924 e criada em Barretos, conheceu as principais
personalidades da nossa história. Veridiana Emelina Tupynambá Suzuki foi esposa de
Matinas Suzuki e mãe de 6 filhos: Vera Lucia Suzuki (biomédica), Matinas Suzuki Júnior
(jornalista), Marcelo Suzuki (arquiteto), Marcio Suzuki (filósofo, professor univer-
sitário e tradutor), Maurício Suzuki (engenheiro e administrador de empresas)
e Marcos Suzuki (analista de sistemas), sendo uma profissional da Educação e
da Saúde digna de figurar para sempre no panteão das mais importantes e
queridas damas da sociedade barretense.

ASCEDÊNCIA
A jovem senhora, de educação refinada proporcionada por Tarquínio e
Maria Olina, foi enfermeira do Hospital das Clínicas e cativou o inteligente hemato-
logista Matinas Suzuki, deixando seu traço de bondade e finesse nas rodas que
frequentava, mas carregando sempre consigo o DNA dos lutadores Tupinam-
bás, legítimos filhos desta terra e originários da grande nação Tupi.
DNA de fibra, que demonstrou no episódio em que passou de atuante
e comprometida na diretoria da Associação de Pais e Mestres do Ginásio Vocacional à
heroína marcada pela repressão da ditadura militar, sendo presa e levada
para a sede da Polícia Federal em São Paulo, acusada por dividir e expor,
no saguão da entrada do Vocacional, junto com professores e alunos, a autoria
em um quadro de colagem que crucificava Che Guevara como mártir da era
moderna.

FORMAÇÃO
Veridiana Emelina Tupynambá Suzuki iniciou sua vida estudantil no 1º Grupo de
Barretos, de 1931 a 1935 e no Ginásio Municipal de Barretos, de 1935 a 1940.
VERÍ, VERÍDICA, VERDADEIRA: VERIDIANA 139
Cursou a Escola “Normal”, Faculdade do Colégio Batista Brasileiro, em São Paulo,
de 1941 a 1942.
Iniciou sua profissão de professora em 1943, nas cidades de Miristrela,
Américo de Campos e Indiaporã. Retornando a Barretos em 1944, começou
a dar aulas na área rural na região das Contendas, na escola da fazenda da
Sra. Tereza Caram. Graduada na Faculdade de Enfermagem da USP/SP (1945-1949), foi
chefe da Pediatria do Hospital das Clinicas de São Paulo em 1950.

Dona Veridiana faleceu em 13 de outubro de 2005. Carteira de Enfermagem, arquivo: Mussa Calil

Com seu profissionalismo, foi a primeira enfermeira-padrão de Barre-


tos. Implantou, em 1972, o curso técnico de enfermagem no Colégio Soares de
Oliveira juntamente com sua irmã Anna Rosa Brandão Tupinambá (graduada na Fa-
culdade de Enfermagem Ana Neri/RJ). Iniciou e chefiou os trabalhos na UTI da Santa
Casa de Misericórdia de Barretos como responsável da enfermagem, após estágio no
Hospital Beneficência Portuguesa, em SP. Trabalhou até novembro de 1980, quando
precisou fazer uma cirurgia cardíaca em São José do Rio Preto, em procedi-
mento médico realizado pelo cardiologista Dr. Domingos Braille.

DESCENDÊNCIA
Alguém já disse um dia: “Quem sai aos seus não degenera”. Os filhos que Ve-
ridiana deu a Matinas, na verdade os deu à Humanidade, com a sua marca
registrada de bom caratismo, ética, sensibilidade e competência. Todos bem
resolvidos, proficientes nas respectivas áreas, mas igualmente leais, puros
e verdadeiros, forjados com a têmpera que pode ser melhor entendida em
140 MUSSA CALIL

trecho do livro do pai, que relata os fatídicos segundos em que comunicou


aos filhos a prisão da mãe:
Ouviram-me calados. Nenhum chilique. Nenhum choro. Nenhuma pergunta.
Apenas nos olhos adolescentes um irrequieto brilho nervoso.

VOCACIONAL
Sempre disposta a ajudar! Levava marmitas para vários alunos (ponto
era na Borracharia do Tarzan, na Rua 22 esquina da Avenida 19) pois no pri-
meiro prédio não havia cozinha industrial. Dona Veridiana foi presidente da
Associação de Pais e Mestres (APM) onde recolhia doações entre famílias generosas,
para que todos os alunos carentes pudessem viajar – nas mesmas condições
de todos os outros, fruto de um projeto à frente de seu tempo, o Estudo do Meio.
Realizava esse trabalho com ajuda da D. Nagibe Lian: tudo feito com muito ca-
rinho — e gratuitamente.

AÇÕES COMUNITÁRIAS E CARIDADE


Além de dona de uma casa com família de razoável tamanho e de pro-
fessora e enfermeira, Veridiana tinha carinho especial pelo Centro Comunitário
que existia em frente a sua casa no bairro Exposição, bem como pela Capela
Nossa Senhora das Graças, tanto que tiveram seu envolvimento pessoal quando
das edificações. Como esposa de médico e enfermeira profissional, conseguia
muitas amostras grátis de medicações, e com isto, ajudava inúmeras famílias
carentes que procuravam o inusitado “postinho de saúde”, a “farmacinha da Dra. Nilda
(Carreira)”, anexa às casinhas do Pe. Gabriel (Correr) no Bairro Exposição. Trabalhou,
ainda, por muitos anos auxiliando nos cursos de trabalhos manuais (cos-
tura, bordado, tricô e crochê) e de evangelização. Excelente cozinheira, sua
bacalhoada era famosa. Era hospitaleira, pois lembro que recebeu em sua
residência a artista plástica Tomie Ohtake, os cantores Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal
Costa e organizou e preparou jantar na Casa do Médico para o escritor Paulo Bonfim
que foi um poeta brasileiro, membro da Academia Paulista de Letras.

JUSTO RECONHECIMENTO
Câmara Municipal de Barretos. Projeto de Lei 138 de 25 de setembro de 2009.
Pelo que dona Veridiana representou para os barretenses, por si mes-
mo como cidadã — e não por ser esposa de um médico e político — foi mere-
cedora de toda homenagem a carinho que ela e sua família vieram a receber
de nossas instituições mais antenadas, tendo sido batizado como Vocacional da
Saúde Veridiana Emiliana Tupynambá Suzuki o espaço antes utilizado pelo antigo Ginásio
Vocacional, escola onde seus filhos foram preparados para o saber, para uma
educação bem avançada dos padrões normais e que foi estigmatizada pela
truculência da ditadura militar.
VERÍ, VERÍDICA, VERDADEIRA: VERIDIANA 141
Esta homenagem foi duplamente importante: por ela e por todas as
enfermeiras de Barretos, pois representava toda a classe de enfermagem
naquela oportunidade, uma vez que médicos – com toda justiça – constante-
mente tornam-se nomes de alas de hospitais e unidades de saúde espalhadas
pelos municípios, mas o mesmo não ocorre com a classe das enfermeiras,
que também tanto contribuem para a evolução dos serviços de saúde, princi-
palmente nos dias de hoje com a pandemia do Coronavírus, que está pondo fogo
no planeta e humilhando os homens mais poderosos do mundo.

PRIMEIRAS LEMBRANÇAS
História extraída do livro “Memórias de um Vivente Obscuro” (de Matinas Suzuki).
“Dia 24 de dezembro de 1987. Véspera de Natal, data gostosa. Ela vem
trazendo para casa os filhos, os netinhos, a parentada toda, e na permuta-
ção de beijos, de abraços e das primeiras notícias, o fervilhar da alegria do
reencontro. Ufania religiosa por Jesus, prestes a nascer. Fervor católico por
Maria, em trabalho de parto. Pacotes de presentes, empilhados ao lado da
árvore de Natal, aguardando o momento do amigo-secreto.
Estou na sala, lendo jornal. A falação alegre na copa veio para a sala,
minha mulher, Veridiana, à frente. Ela me diz:
- Pensa um número, de zero a vinte.
- Pra quê?
- Depois eu conto. Já pensou?
- Dezesseis! – disse em voz alta.
- Ganhei! – exclamou Elinho, meu genro.
Aí vi minha mulher entregar a minha linda agenda, objeto luxuoso que
o Unibanco distribui anualmente aos seus clientes vips.
Só que, no meu caso, era deferência do doutor Gabriel Jorge Ferreira, que
sempre me honrou com a sua amizade.
Porque, economicamente, sempre fui um classe-média.
Protestei:
- Mas essa agenda é minha!
- Você não precisa. A sua vida é um carimbo!
Choveram risadas.
Veridiana dera uma definição pitoresca
à minha vida. Um carimbo.”

Mussa Calil é comerciante, administrador de empresa e membro da ABC pela


cadeira 22. Foi presidente de “Os Independentes” (1984/1985), onde implantou o
Parque do Peão. Esteve vereador (1993-1996) e vice-prefeito (2009/2012), sendo
prefeito municipal por licenciamento de Emanoel Carvalho. Cidadão Benemérito de
Barretos; membro da Comissão do Hospital de Câncer e presidente da APAE
Minha Barretos nos anos 60
Newton Teixeira da Silva

Oriundo da cidade de São José do Rio Preto, aportei nesta Barretos nos
idos do ano de 1958, com dez anos de idade. Fui cursar o 4º ano primário no
1º Grupo Escolar, hoje EE Dr. Antônio Olympio, classe mista, cujo professor era o sau-
doso professor José Expedito Marques. Modéstia à parte, formei-me em primeiro
lugar da classe, dividindo a honra com uma menina. Quando da entrega do
prêmio de melhor aluno, dividido por dois, tive aí, por parte do professor José
Expedito Marques, uma mostra de educação e respeito, quando ele entregou o
prêmio primeiro para a menina, dizendo primeiro as damas. O 4º ano de grupo
era feito concomitantemente, durante o ano, com um curso que se chamava
“admissão” que era ministrado por professoras independentes e você tinha
que ser aprovado, senão não ingressava na primeira série ginasial. Eu fiz a
admissão com a Dona Pequena, que morava em frente ao Grêmio Literário e Recreati-
vo de Barretos, na avenida 19 — a sala de aula ficava nos fundos da casa.
Morei na esquina da avenida 27 com a rua 28, em frente ao Colégio das
Freiras, somente para meninas. Nos anos 60, as meninas, todas uniformiza-
das, atraíam a atenção dos jovens. Nessa época, ainda imberbe, via na saída
do colégio os paqueradores da época, que passavam para cima e para baixo
nas suas lambretas e vespas — que eram as motos da época — se mostrando
para as meninas.
Lembro que íamos onde hoje é a Região dos Lagos, para ver os peixes or-
namentais, onde os japoneses que cultivavam hortas criavam-nas nos lagui-
nhos das minas d’água. Aquela região era brejo.
Fui fazer o 1º ano ginasial no Ginásio Estadual Mario Vieira Marcondes, no ano
de sua inauguração. Escola que deixou muita saudade, pelo nível dos pro-
fessores que tinham amor à profissão e faziam questão de ensinar. Não vou
mencionar os nomes com receio de esquecer alguns.
A Festa do Peão de Boiadeiro, recém-criada em 1956, fazia suas programa-
ções de montaria no Recinto Paulo de Lima Correia, durante o dia, e a noite apresen-
tavam grupos de danças folclóricas de todo o Brasil e também do exterior. A
juventude então se fantasiava de boiadeiro e curtia toda programação.
NEWTON TEIXEIRA DA SILVA 143
Uma semana antes da Festa, todas as noites, na praça em frente à
Cate­dral, cada colônia apresentava uma dança típica de seu País. Em um
ano, o Grêmio Literário e Recreativo de Barretos ficou responsável por apresentar
uma dança dos Estados Unidos. A dança que estava na moda era o Twist, que
vinha de lá na voz do Chubby Checker. Como eu dançava, fui convidado para
fazer parte do grupo de dança e a apresentação foi muito bem, com cabelo
na testa e tudo.
Defronte ao recinto existia o campo de futebol do Barretos Futebol Clube,
que em 1959 fez a fusão com o outro time da rua 20, o Fortaleza Futebol Clube,
ficando somente o Barretos Esporte Clube, com o campo da rua 20. Quando o cam-
po da rua 32 foi desativado, os muros foram derrubados, deixando o terreno
livre. Pude desfrutar de jogar várias “peladas” no campo desativado.
Durante a Festa do Peão, os camelôs armavam suas barracas no local
do campo de futebol, numa desordem total. Como era época da guerra do
Vietnã, o local ficou conhecido como Vietnã, por causa da bagunça. A coisa foi
aumentando e o Vietnã se espalhou na avenida 23 até a rua 30. Nessa época,
eu morava em frente à Santa Casa.
Já rapaz, com os amigos frequentávamos o footing: a definição para essa
palavra seria: “um passeio de ida e volta, em trecho curto, de rapazes e garotas para verem o
sexo oposto ou iniciarem um namoro”.
De fato, na praça Francisco Barreto existia uma fonte luminosa redonda,
doada pela colônia japonesa, onde era realizado o footing redondo — sim, re-
dondo, porque também existia o footing quadrado, realizado no quarteirão da
avenida 19 entre as ruas 18 e 20.

Praça Francisco Barreto, com destaque à fonte luminosa doada pela colônia japonesa; um dos pontos de
encontro da juventude barretense nos anos 1960 (fonte: arquivo do Museu “Ruy Menezes”)
144 MINHA BARRETOS NOS ANOS 60

Consistia o footing redondo de todos os rapazes andarem em volta da fonte


num sentido e as garotas andarem em sentido contrário. Quando uma garota
interessava, a troca de olhares era feita a cada volta, até que houvesse o
contato. No footing quadrado, os rapazes ficavam parados nas vitrines das lojas
e as garotas iam e viam de uma esquina na outra, também à procura dos
olhares. Daí saíram muitos casamentos.
Nessa época, só víamos as garotas: no footing, nas saídas das escolas,
missas e nas brincadeiras dançantes que eram realizadas nas casas. As
músicas novas só ouvíamos pelo rádio e demoravam para chegar discos em
Barretos. Quando alguém conseguia um disco novo, logo emprestava para
fazer a brincadeira dançante. Discos eram os LPs, long plays, discos de vinil
que podiam conter várias músicas e eram reproduzidos em toca-discos com
agulhas magnéticas. Assim, nós curtimos Elvis Presley, The Beatles, Rolling Stones,
curtimos rock, twist, hully gally e outros. Também fazíamos serenata de lam-
breta e com toca-disco Sonata debaixo do braço, pois ele era portátil e à pilha:
que dava para o “garupa” segurar. Só complicava um pouco quando chovia.
Nessa fase de minha juventude frequentava o clube União dos Empregados
no Comércio de Barretos. Vi toda construção da praça de esportes, sendo que
no local da Primavera havia poucas casas e o córrego ainda era aberto. Uma
curiosidade era o campo de futebol que não era gramado e em desnível, mas
usufruímos bastante. Tínhamos um time que se chamava Pinga Fogo, de boas
lembranças e de bons amigos. Nas boates e bailes, com a presença das mães,
a fiscalização do salão era rigorosa, sendo que se você não andasse direito
um diretor te chamava para a diretoria no meio do salão. Outros tempos...
À noite, a reunião da moçada era no Pão de Açúcar, padaria na esquina
da rua 20 com avenida 21. Ali se jogava conversa fora, se bebia, entremeado
da degustação de salsicha, que ficava rolando num aquecedor, te convidando
para ir comer. Nunca mais vi daquele jeito. Depois de um tempo, descíamos
para o Café Ivaí, na esquina da rua 18 com avenida 19, esperando a passa-
gem do Viola, que se intitulava o Prêmio Nobel da Alimentação: fazia as melhores
coxinhas do mundo. Ele tinha uma caderneta que anotava o fiado, pois fazia
isso toda noite.
No trecho da rua 18 entre as avenidas 19 e 17, havia, na esquina, o
Café Ivaí; logo depois, no sentido 19 para 17, havia o Restaurante Pimentinha, a
empresa de ônibus São Manoel, o Afrikan Bar, o Nenê da Garaparia e o Café São Paulo,
onde havia mesas de bilhar. Eram pontos muito frequentados.
Em 1967, eu trabalhava no comércio e fazia curso de Contabilidade no
Ateneu Municipal — escola que tinha uma fanfarra muito boa — e fazia o Tiro
de Guerra.
O Tiro de Guerra era onde hoje é o Shopping, um espaço bem amplo
onde fazíamos nossas instruções. Nessa época, o Ginásio Rochão estava em
NEWTON TEIXEIRA DA SILVA 145
construção e o sargento fazia a tropa rastejar nas escavações, simulando
combate. Interessante que estávamos em pleno Regime Militar e nunca senti
pressão por parte dos sargentos; vivíamos normalmente, tudo na mais per-
feita ordem, livres e felizes.
No hipódromo do Jockey Clube, ainda consegui ver algumas corridas de
cavalos quarto de milha, fazendo apostas. Uma emoção diferente.
Fazíamos várias gincanas de automóveis, que movimentavam muito a
cidade, sempre com fim beneficente.
Em 1969, vários ônibus de Barretos foram ao Rio de Janeiro levando
torcedores para assistir a última partida das eliminatórias para a Copa do
Mundo de 1970, contra o Paraguai, onde ganhamos por 1 a 0, gol do Pelé.
O selecionado seria tricampeão no ano seguinte. Chegamos ao Rio às 6h e
o motorista parou perto do Maracanã e disse que não sairia dali. Em cin-
co colegas, pegamos um táxi de um português que andou conosco pelo Rio,
mostrando atrações turísticas e nos deixou no estádio às 11h. Entramos e o
estádio foi enchendo até que não se pudesse mais andar. Foi a maior lotação
do Maracanã até hoje: 189.000 pessoas, recorde mundial. Para vir embora
ainda ficamos um bom tem-
II Febampo, realizado no Cine Centenário, em 1969. po presos na rodovia, pois o
Na foto, o cantor Carlos Fernandes e o compositor Newton presidente Costa e Silva havia
Teixeira da Silva (fonte: arquivo pessoal)
sido internado e o exército
bloqueou as rodovias. Foi can-
sativo, mas memorável.
A Jovem Guarda e a Bossa
Nova estavam em pleno vapor
e os festivais de música na TV
Record empolgavam a juventu-
de. Na crista da onda: Roberto
Carlos, Erasmo, Wanderleia, João Gil-
berto, Vinicius, Toquinho, Elis Regina,
Jair Rodrigues e Tim Maia.
Aqui em Barretos, o Paulo
Flosi, mais conhecido como Pin-
duca, que tinha uma loja de dis-
cos, organizava o Festival Barre-
tense de Musica Popular, o FEBAMPO.
O segundo festival foi
realizado em 1969 no antigo
Cine Centenário, em dois dias. Pri-
meiramente, foram escolhidas
20 músicas para serem apre-
146 MINHA BARRETOS NOS ANOS 60
sentadas e, depois, as dez finalistas no outro dia. Eu trabalhava no Banco Morei-
ra Salles, que depois virou Unibanco e, agora, é Itaú; um colega que tocava violão
falou que ia ter um festival de música. Eu falei vamos fazer uma música, eu faço a
letra. Sentei na máquina de escrever e a escrevi. Não deu certo para fazer
com esse colega. Fiquei com aquilo na cabeça e, mentalmente, fiz a melodia.
Fiquei sabendo que o conjunto Night and Day fazia arranjos e, também,
que havia um cantor que já ia defender uma outra música, o Carlos Fernandes.
Procurei o Carlos e ele concordou defender a minha música também e o Night
and Day fez um arranjo espetacular. Depois da triagem do Paulo Flosi, fomos
escolhidos entre as vinte que iriam para o Festival. Após a apresentação no
primeiro dia, foi classificada para as dez que iriam para a final.
Vários autores acostumados com festivais em Barretos participaram,
como o Juninho Soares, Parisi, Cesar Menegaz, Mau Mau, de Bebedouro, entre outros.
Uma das cantoras era Alciony Menegaz, que foi a vencedora do festival com a
música Isabela.
No júri, além das pessoas de Barretos, veio também o maestro Élcio
Alvares, que tinha uma orquestra muito conhecida na época. Ele elogiou mi-
nha música, disse que tinha cheiro de sucesso. Pelo que me falaram sobre a
classificação geral, fiquei em sétimo lugar.
Foram momentos inesquecíveis no Festival e, para quem não era do
ramo, até que ficamos bem.
Posso ter esquecido alguma coisa, mas foi uma década interessante.
Chegou 1970. Mas, aí, é outra história...

Newton Teixeira da Silva é nascido em Jaú. Mora em Barretos


desde 1958. Casado, Técnico em Contabilidade, cursou Ciências Contábeis
(incompleto).
É aposentado pelo Banespa, membro da Academia Barretense de Cultura
(ABC), cadeira 16. É casado com Maria Teresa Dal Moro Teixeira da Silva
Histórias (e novas histórias)
da minha cidade
Nivaldo Gomes e Nivaldo Gomes Júnior

D
HISTÓRIAS DA MINHA CIDADE
epois de morar em Barretos por oito décadas, quero, neste artigo,
rememorar fatos que me identificaram com este povo hospitaleiro e idealista.
A história de nossa cidade já foi escrita com muita competência pelos
nossos ilustres historiadores. Porém, é sempre bom lembrar aqueles desbra-
vadores, mineiros de Caldas Velhas, das Minas Gerais, que para cá vieram
com seus familiares e aqui se instalaram, dando início a um vilarejo que
resultou nesta progressista cidade do norte paulista.
Francisco José Barreto — Chico Barreto — e Simão Antonio Marques — Librina —,
sempre serão lembrados como fundadores desta famosa cidade do interior
brasileiro.
Os fatos e acontecimentos a seguir narrados serão expostos de forma
espontânea, com variados assuntos e sem muito compromisso sequencial
entre um parágrafo e outro.
São registros das décadas de 40 e 50. Infância e juventude.

DÉCADA DE 40
Nesta primeira década, os meninos em idade escolar tinham como dis-
tração divertimentos ao ar livre, como empinar papagaio, jogar pião, boli-
nhas de gude e futebol. Também era costume juntar figurinhas. Nada que
ultrapassasse as 10 horas da noite. As meninas preferiam jogar amarelinha
e brincar com bonecas. Quanto ao futebol, os meninos jogavam a semana in-
teira. Nos domingos aconteciam “as finais” no Largo da Feira – Mangueirão e Largo
da Feira. A criançada se alimentava muito com frutas, sem pagar: caju, manga,
jabuticaba, jatobá, melancia, goiaba...
No futebol profissional, três times representavam nossa cidade no
Campeonato Paulista: Barretos F.C., Motoristas e Fortaleza. Todos com suas divisões
de base (infantil, juvenil e aspirantes).
148 HISTÓRIAS (E NOVAS HISTÓRIAS) DA MINHA CIDADE

Construção do Cine Barretos, inaugurado em 17 de dezembro de 1946 (arquivo do Museu “Ruy Menezes”)
No basquetebol, a ABC – Associação Barretense de Cestobol, formada apenas
com jogadores de Barretos, era referência no basquete estadual.
Nesta década, coisas importantes aconteceram em nossa cidade. En-
tre outras, foram marcantes: a instalação da primeira emissora de rádio e
a inauguração do Recinto Paulo de Lima Corrêa — palco das melhores exposições
de gado do Brasil e, por trinta anos, local onde foram realizadas grandiosas
Festas do Peão de Boiadeiro de “Os Independentes”.
O fim da 2ª Guerra Mundial aconteceu em 1945, com muita festividade.
Em 1947, o então prefeito Mário Vieira Marcondes realizava a primeira Festa
do Peão de Boiadeiro do Brasil. Também nesta década, um grande acontecimento
foi o aparecimento da penicilina, que salvou milhares de vidas.

DÉCADA DE 50
Na década de 50, a moçada da bolinha de gude e do estilingue já procu-
rava outros divertimentos: matinês dançantes, boates, footing, cinemas, bar-
zinhos, etc.
Os estudos, agora, eram mais rígidos porque haveria pela frente o ves-
tibular e a definição da carreira profissional. Mesmo assim, a vida social era
NIVALDO GOMES E NIVALDO GOMES JÚNIOR 149
intensa. Os clubes eram bastante frequentados. Entre os pontos de encontro,
os mais conhecidos eram: Bar São Paulo, Ponto Chic, Bar Jaú, King’s Bar, Caju, Predileto, Café
Goiano...
A tradicional Quermesse de São Benedito acontecia anualmente. Eram muitos
dias de uma grande festa. A Festa das Nações, em praça pública, também era
muito tradicional. Conjuntos musicais de Barretos animavam as boates se-
manais e nossos carnavais de clube: Night and Day e The Kick-Backs eram os mais
famosos. O carnaval de rua — um dos melhores de todo o estado — tinha
como atração mais importante a escola de samba Estrela D´Oriente.
Também, nas noites barretenses, não faltava a seresta.

Perspectiva da área central de Barretos na década de 1950. Destaque ao prédio do 1º Grupo Escolar,
à cúpula da Catedral, ao Sindicato Rural, ao Grêmio Literário e Recreativo, ao Café Ivaí e
à Praça Francisco Barreto (arquivo do Museu “Ruy Menezes”)

Outros acontecimentos importantes marcaram a década de 50. A inau-


guração do hipódromo do Jockey Clube, um dos melhores do estado e o lança-
mento do álbum comemorativo do 1º Centenário da Fundação de Barretos,
sob responsabilidade de José Tedesco e Ruy Menezes, o grande jornalista.
Em 1955 foi fundado o Clube Os Independentes por vinte jovens idealistas e
sonhadores. Uma nova era para a cidade. Barretos, que por muitos anos foi
conhecida como a “capital da pecuária brasileira”, é famosa hoje como a “ca-
pital do rodeio do Brasil”; isso devido à realização de históricas Festas do Peão
de Boiadeiro que começaram a acontecer no ano de 1956. Hoje, a Festa do Peão
acontece em recinto próprio — o Parque do Peão — idealizado em 1973. Recinto
este que é utilizado durante o ano todo para visitação e grandes eventos.
150 HISTÓRIAS (E NOVAS HISTÓRIAS) DA MINHA CIDADE
Outro grupo importante que surgiu em Barretos na década de 50 foi
o Núcleo de Universitários de Barretos – o NUB. Quase todos os estudantes em cursos
superiores passaram a morar em cidades grandes, como Rio de Janeiro, São
Paulo, Ribeirão Preto, Campinas, entre outras. Nas férias escolares, esses
estudantes voltavam a Barretos e, através do NUB, movimentavam a cidade
com eventos sociais, culturais e esportivos.
No Brasil, a década de 50 foi historicamente marcada pelo surgimento
da Bossa Nova, em 1958. O novo som, a nova batida — a nova música do Brasil.

Por Nivaldo Gomes

NOVAS HISTÓRIAS DA MINHA CIDADE


Talvez eu, aos 41 anos, não tenha tantas histórias para contar como o
meu pai, que já tem seus felizes 86. Muita coisa mudou! Os barzinhos de hoje,
em sua maioria, duram poucos anos e acabam não se tornando referências
históricas. As boates, as serestas, os bailes e o carnaval não existem mais em
nossa Barretos. Hoje, as turmas se reúnem aos domingos na Região dos Lagos,
na casa de amigos, onde tenha uma churrasqueira, ou pedem comida por
aplicativos de celular, ficando, assim, na comodidade de suas casas.
O único cinema da cidade, no shopping, raramente lota. Peças de teatro,
quase não acontecem por aqui. A meu ver, a Internet distanciou as verda-
deiras amizades; as redes sociais fazem com que muitas pessoas vivam de
aparência; o espetáculo ao vivo perdeu espaço para a Netflix. As cartinhas
de amor perderam espaço para as mensagens de WhatsApp. Telefone perdeu
a sua principal função, que é telefonar. Hoje, é usado para muitas outras coi-
sas, entre as quais distrair crianças ou nos afundar em notícias negativas.
Hoje, está quase todo mundo sem tempo. Gastamos nossa saúde pra ganhar
dinheiro e gastamos nosso dinheiro para recobrar a saúde.
Dizem que a vida é para quem sabe viver, mas ninguém nasce pronto.
A vida é para quem é corajoso o suficiente para se arriscar — e humilde o
bastante para aprender. Em meio à pandemia do Coronavírus, confinados em
casa aprendemos a ajoelhar-nos diante do invisível: estamos nos distancian-
do ainda mais uns dos outros para aprendermos, na dor da solidão, a impor-
tância do coletivo. Também para sabermos valorizar um abraço, o que não é
possível nos contatos virtuais: esses não são suficientes para aquecer um co-
ração. A lição da regeneração ficará de herança para as próximas gerações.
Nasci no Chão Preto, na terra de Chico Barreto, administrada hoje pelo prefeito
Guilherme Ávila. Aprendi a amar essa cidade, casei com meu amor, com a minha
Renata. Sinto saudade da minha mãe, dos eternos amigos do extinto Soares
de Oliveira, mas me orgulho em ser “júnior” e carregar eternamente comigo o
NIVALDO GOMES E NIVALDO GOMES JÚNIOR 151
nome do meu honrado pai. Só saio daqui, da terrinha, para viajar, mas sem-
pre volto bem rápido.
Seus cantos... seus encantos... Suas esquinas... (talvez a mais famosa
seja o Café Ivaí).
Suas obras, seus buracos. Seu verde, suas cinzas de fuligem.
Suas novas grandes avenidas. Suas ruas numeradas, seus extintos pon-
tilhões.
Tem a torcida organizada torcendo pelo Becão, na certeza de um dia ser
um time campeão. Suas dezenas de personagens que marcam uma geração
(talvez o Milão, hoje, seja o mais representativo). As eternas disputas políti-
cas, onde hoje um está com um, mas amanhã o um é contra o um, fazendo, assim,
com que nossa querida Barretos não seja tão grandiosa quanto merece.
Mas os poucos prédios aqui existentes e sua cultura de cidade de inte-
rior fazem com que Barretos seja a melhor cidade do mundo para se morar.
E não há instituto de pesquisa no planeta que me faça mudar de ideia.

Por Nivaldo Júnior

Nivaldo Gomes é arquiteto, pai do Marcelo e avô do


Pedro Henrique e da Mariana.
Nivaldo Júnior é jornalista e fotógrafo
FU T EBOL – M EMÓR IA 1965
O emblemático episódio
do Trem da Fome
Patrício Augusto dos Santos Reis

O Touro do Vale, em partida pela fase de classificação em 1965. Da esquerda para direita, em pé: Salvador
(entrevistado por Paulo Baroni), Antôninho (entrevistado por Marco Baroni), Condinho, Zé Maria, Xisto e
Lourenço; agachados: Cabeça (massagista), Zezinho, Geada, Vanderley, Adésio e Rodolfo.
(Acervo Patrício Augusto – reprodução Correio de Barretos)

Em 1965, no quinto ano após o seu nascimento, fruto de uma fusão


entre Barretos Futebol Clube e Fortaleza Esporte Clube, o Barretos Esporte
Clube, depois de ter disputado dois rebolos e escapar do rebaixamento, fi-
nalmente montou um grande esquadrão capaz de levá-lo às finais do Cam-
FUTEBOL – MEMÓRIA 1965: O EMBLEMÁTICO EPISÓDIO DO TREM DA FOME 153
peonato Paulista da Primeira Divisão, que dava acesso à Divisão Especial, a
principal do futebol paulista.
A fase de classificação foi muito disputada, mas o BEC sobrepôs-se
diante dos adversários. Em vinte jogos disputados venceu 12, empatou qua-
tro e perdeu quatro. Marcou 42 gols e sofreu 23, ficando com um saldo de
19. O campeonato começou em 27 de junho de 1965, quando o BEC foi der-
rotado por 3 x 1 para o Batatais. A fase de classificação terminou em 13 de
novembro, em Rio Preto, quando o BEC empatou com o Rio Preto em 0 x 0.
Naquela época, a classificação era medida pela equipe que tivesse o
menor número de pontos perdidos — diferente de hoje, que é feita por pontos
ganhos. O BEC foi o primeiro colocado da série Carlos Nelli, com 12 pontos
perdidos, seguido do Santacruzense com 16 (segundo lugar), Francana e
Batatais, 17 (terceiro), Corinthians de Prudente e Tupã, 19 (quinto), Votupo-
ranguense, 19 (sexto), Taquaritinga e Rio Preto, 24 (sétimo), Osvaldo Cruz
e Batatais, 26 (nono).
Assim, chegou à final, no Estádio do Pacaembu, frente ao Bragantino
em plenas condições de conquistar o título, numa melhor de três – uma vitó-
ria e um empate eram suficientes para conquistar o acesso.
Em preparação para as finais, o Barretos alojou-se na sede do Corin-
thians, o Parque São Jorge, durante 13 dias, ocupando o ginásio local até a
data do primeiro jogo, permanecendo por lá também no intervalo entre pri-
meiro e o segundo jogo.
Foi naquele final de ano próximo que a torcida barretense protagoni-
zou um de seus mais emblemáticos episódios: o Trem da Fome. Para chegar
à capital paulista e torcer para o Touro do Vale no segundo jogo, o torcedor
barretense superlotou vários carros de passageiros da então Companhia
Paulista de Estradas de Ferro. Muitos que lá estiveram lembram-se do fato
com muita tristeza, pois o Touro do Vale sucumbiu diante do Bragantino, o
conhecido Massa Bruta.
É uma história com uma pitada de humor e horror devido à passa-
gem dos coletivos em cada estação ferroviária, cujos pontos de venda eram
saqueados para matar a fome da galera. Ávidos e famintos, os barretenses
aproveitavam-se do momento de paradas dos coletivos, esperando a libera-
ção da linha. Vidros de salsichas e latas de bolachas foram os comestíveis
preferidos da torcida.
Porém, a partir de um determinado momento, as estações passaram a
ser avisadas com antecedência e os pontos de venda fechavam suas portas.
“Numa cidade, o bar estava fechado e próximo a estação havia um pé
de manga, cujas frutas ainda não estavam maduras. Mas, teve gente que
comeu manga verde mesmo”, lembra-se um torcedor que pede para não ser
identificado.
154 PATRÍCIO AUGUSTO DOS SANTOS REIS

A equipe do BEC de 1965, no jogo frente ao Rio Preto, em casa (29/8). Da esquerda para direita, em pé:
Sidney Cotrim (técnico), Salvador, Antoninho, Xisto, Condinho, Zé Maria e Tirí (entrevistado pelo repórter
Marco Baroni). Agachados: Cabeça (massagista), Zezinho, Geada, Vanderley, Rodolfo e Gessi.
Neste jogo, Adésio estava fora devido a uma hepatite. (Acervo Patrício Augusto)

OS JOGOS FINAIS
No primeiro jogo das finais, disputado em 18 de novembro, o Barretos
perdeu por 1 x 0, gol do ex-palmeirense Hélio Burini, aos 15 minutos do se-
gundo tempo. Naquela oportunidade, o BEC queria que o jogo fosse realizado
mais adiante, o que lhe daria tempo para recuperar jogadores que estavam
contundidos. “O Bragantino, porém, forçou a barra e conseguiu a marcação do
jogo, o que não foi bom para nós”, relatou-me o diretor de futebol da época,
José de Carvalho, “Tinoco”. Naquela oportunidade, o BEC formou com Xisto,
Condinho, Antoninho, Salvador e Lourenço; Zé Maria e Adésio: Zezinho, Geada,
Vanderley e Rodolfo. O Bragantino jogou com Darci, Roberto, Ivan, Walter e
Geraldo; Del Pozzo e Hélio Burini; Nardinho, Norberto, Nivaldo e Wilson.
Na segunda partida, precisando ganhar para provocar o jogo extra, o
Touro do Vale esteve à frente do placar por duas vezes e acabou cedendo o
empate, que deu o título ao rival. Vanderley marcou o primeiro para o BEC
num chute de fora da área, mas Lourenço (contra) empatou para o Braga.
Após a cobrança de um escanteio, por Zezinho, Vanderley, de cabeça, recolocou
o Touro do Vale à frente do marcador.
Entretanto, a três minutos do final, Nivaldo empatou o jogo. No ataque
FUTEBOL – MEMÓRIA 1965: O EMBLEMÁTICO EPISÓDIO DO TREM DA FOME 155
do Bragantino, a bola saía pela linha de fundo em lance favorável ao Barretos.
Mesmo assim, Xisto foi para bola com objetivo de detê-la. O goleiro objetivava,
segundo contou Tinoco, ter a bola na mão para ganhar tempo.
“O goleiro me disse que o zagueiro Lourenço, batedor dos tiros de meta,
estava visado pelo árbitro e não tinha a manha de fazer de cera”, conta.
“Então, ao invés de deixar a bola sair para nossa equipe fazer a reposi-
ção no tiro de meta, queria mantê-la em jogo. Ocorre que, ao ir para a jogada, a
bola bateu no seu ombro e voltou para o campo e o Massa Bruta aproveitou-se
do lance empatando a partida”, descreve Tinoco, conforme o relato do próprio
Xisto. Minutos depois, o jogo estava encerrado e o Bragantino foi o campeão,
subindo para a Especial Paulista.
O terceiro jogo era tudo que o Barretos queria. Entendem os dirigentes
e os esportistas que vivenciaram a época, que o adversário estaria sem con-
dições físicas e técnicas para suportá-lo, diferente do BEC, que estaria inteiro.
Menos de um mês depois, as equipes encontraram-se novamente em jogo
amistoso, com o Barretos goleando o Bragantino por 5 x 0.

O BEC de 1965, no Paulista de acesso,


em números; jogos finais aconteceram no
Pacaembu, em SP

Patrício Augusto dos Santos Reis é jornalista profissional diplomado


pela UNAERP (Universidade de Ribeirão Preto). É cronista esportivo desde 1982,
quando ingressou na Rádio Barretos.
Depois atuou nas emissoras locais de rádio e na TV Barretos (Vale TV).
Atualmente, é colunista colaborador semanal do Jornal O Diário e trabalha da Secre-
taria Municipal de Relações Institucionais e Comunicação da Prefeitura de Barretos
como agente de Comunicação Social, tendo ingressado em 1º de março de 1988
A classe operária em Barretos:
algumas considerações e
possibilidades de pesquisa

Priscila Ventura Trucullo

Quando aceitei escrever um texto para o livro Barretos em 3ª pessoa, depa-


rei-me com uma questão sempre relevante para historiadores: quais são as
problemáticas do presente que justificam o olhar sobre o passado? Qual his-
tória é relevante para compreendermos a realidade social da nossa cidade?
Na atualidade, historiadores, cientistas sociais e pensadores da área
de ciências humanas, em especial intelectuais e militantes do campo político
da esquerda, indagam-se sobre as causas das dificuldades de mobilização da
classe trabalhadora, levantando problemas como a alienação, a despolitiza-
ção e uma intuitiva ausência de consciência de classe.1 A problemática nos leva a
resgatar o materialismo histórico2 enquanto base teórica, para compreendermos a
realidade que nos desafia, pois, “a questão está [...] em como o desenvolvimento e a expan-
são da nova economia industrial afetou a classe operária, pois eles a afetaram de várias maneiras”3.
Apesar disso, nos deparamos com uma incômoda ausência de trabalhos cien-
tíficos de maior fôlego sobre a formação da classe trabalhadora em Barretos.
Meu interesse sobre este tópico remonta a 2011, quando escrevi o ca-
pítulo A pecuária e a moderna tecnologia dos frigoríficos para o livro Descobrindo Barretos.
No entanto, sua denotação mais generalista e seu caráter didático não me
levaram a aprofundar o tema em questão, o que não impediu o contato com
alguns trabalhos, donde percebi várias possiblidades de pesquisa. Neste sen-
tido, destaco o trabalho único da historiadora barretense Célia Regina Aiello,
Perfil dos Operários do Frigorífico Anglo de Barretos (1927-1935), dissertação de mestrado
defendida na UNICAMP em 2002.
Aiello tinha uma preocupação em perceber o grau de politização e orga-
nização do operariado ainda na origem de sua formação. Tanto que, ao lan-
çar mão da análise de fontes jornalísticas, observa a convocação de operários
na imprensa local4, o que resultaria na participação destes em uma greve
A CLASSE OPERÁRIA EM BARRETOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES (...) 157
pela jornada de trabalho de 8 horas em 1911. Neste mesmo ano, grande
parte dos trabalhadores filiaram-se ao Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil.

Operários da área de construção civil e carpintaria do frigorífico.


O grupo de trabalhadores destinado à construção e ampliação do espaço fabril parece ter sido uma constante.
Fotografia de 1920 ou 1930, aproximadamente. Fonte: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”
A organização junto a sindicatos e/ou associações de classe são indica-
tivos de uma germinal formação da consciência de classe ou, ao menos, de
uma identidade proletária5 “em relação à existência de um interesse comum”6, pois tais
associações surgiram com a função de ajuda mútua, prestando socorro no
caso de acidentes de trabalho, doença, falecimentos e na velhice dos traba-
lhadores.
Sintoma disso é a existência, em 1916, da União Operária Barretense, que no
ano seguinte aparece como Sociedade Operária Internacional. Outros exemplos são:
a Propaganda Portuguesa (1916); Sociedade Italiana (1917); Sociedade Recreativa dos Emprega-
dos da Companhia Paulista (1917); Sociedade Sírio-Libanesa (1917); União dos Empregados no Co-
mércio (1914); Sociedade Cosmopolita Dançante e Familiar de Barretos (1919), dentre outras,
que tornaram-se espaços de sociabilidade das classes trabalhadoras, bem
como de discussões políticas e ideológicas. Além da organização classista,
percebe-se o agrupamento de caráter étnico ou nacional, decorrente da diver-
sidade dos grupos humanos que compunham a população no período
Neste sentido, a autora demonstrou como a grande afluência de imi-
grantes7 e migrantes8 vindos das regiões cafeeiras para a cidade, ainda no
início do século XX, logo após a instalação da Companhia Agrícola e Pastoril (1913)
158 PRISCILA VENTURA TRUCULLO
— primeira indústria de carne frigorificada do país — influenciou na consti-
tuição e organização do proletariado em Barretos. Sua análise atenta, dá-nos
conta da grande rotatividade dos empregados, os impactos da desigualdade
de gênero na divisão do trabalho, o emprego de menores e os conflitos entre
brasileiros e estrangeiros, que seria a causa de uma greve em 19319.
Destaca também a importância da introdução de preceitos tecnicistas
de caráter taylorista quando a empresa é transferida para o capital britânico
em 1923 — passando a nomear-se Frigorífico Anglo S/A — inserida em uma
tendência, em âmbito nacional, de monopolização estrangeira do mercado
de carnes por trusts. Este processo revelou uma intensa disciplinarização e
repressão promovida pela fábrica, muitas vezes auxiliada pelo poder público,
haja vista as constantes visitas de agentes do Departamento de Ordem Política e Social
(DEOPS), durante o governo Vargas em Barretos.

Operárias do frigorífico no pátio da empresa. Algumas utilizam uniformes.


As mulheres trabalhavam, principalmente, em setores como o de embutidos, conservas, embalagens e
descarnação. Década de 1930. Fonte: Arquivo do Museu “Ruy Menezes”
O mérito deste trabalho também está em utilizar como método a his-
tória oral10, recolhendo depoimentos de antigos trabalhadores, em especial
os que estiveram empregados nas décadas de 1960/70 e que eram filhos
de operários que haviam trabalhado no frigorífico nas décadas anteriores e
morado na vila operária. A partir destes depoimentos, percebeu-se que nenhum
dos antigos trabalhadores disse ter conhecido a fábrica inteira, deduzindo
que a divisão do trabalho gerava também uma divisão dos próprios operá-
rios, que tinham dificuldades de se organizar.
A CLASSE OPERÁRIA EM BARRETOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES (...) 159
Em outro importante trabalho acadêmico, o historiador Humberto Pe-
rinelli Neto,
[...] Amparado numa etnografia histórica, busco[u] salientar a ambivalência contida
neste espaço fabril, posto que é possível notar a convivência de traços industriais e
das antigas fazendas de café, as preocupações sanitárias e marcas do trabalho escra-
vo, bem como notar a presença de dispositivos disciplinares e a ressignificação dos
“espaços vazios” pelos operários.11

Podemos perceber que o autor utilizou como aporte metodológico a
análise das fontes fotográficas, que lhe serviram como evidências da res-
significação dos espaços promovida pelos operários, como forma de burlar
dificuldades em um contexto repressivo. Observação esta que pode ser extra-
vasada para o espaço da própria vila operária, sua disposição enquanto cidade
disciplinar12, bem como a constituição de uma cultura operária, expressa pelas
práticas de lazer próprias do operariado, como o clube de futebol e o cinema.
Há que se levar em consideração, portanto, que a classe operária se
constitui não somente em relação à uma cultura militante, mas também enquan-
to artífices de uma cultura operária, donde ganham destaque as celebrações, os
rituais, o lazer, entre outros.
Reconhecer a existência de ambos aspectos implica enfrentar a difícil tarefa de arti-
cular a visão da classe operária como totalidade cultural consolidada, com práticas,
símbolos e instituições próprias claramente diferenciadas, como na ênfase de Hobsba-
wm, com o desenvolvimento do processo cultural que institui a consciência de classe,
processo esse marcado pela multiplicidade de experiências, pela flexibilidade dos cos-
tumes e pela circulação de valores, como na análise de Thompson.13

É este o desafio a ser enfrentado: desvendar a constituição histórica


da classe trabalhadora em Barretos; não só do operariado, mas de traba-
lhadores do campo, comércio e serviços e suas consequências estruturantes
para a cidade, como a expansão da área urbana14, o aumento populacional,
a diversificação das composições classistas e suas formas de organização.
Neste sentido, recentemente, um pesquisador do Serviço Social analisou
as relações de trabalho e saúde nos frigoríficos de Barretos, e demonstrou
um aprofundamento da exploração do trabalhador, gerando impactos ne-
gativos como o aumento dos problemas de saúde e a depreciação dos direi-
tos trabalhistas15. No entanto, ainda percebemos uma grande lacuna a ser
preenchida pelos historiadores, preocupados em compreender e transformar
a realidade. Nestas breves páginas, não tive a intenção de encerrar o assun-
to, mas apenas privilegiar o trabalho de historiadores locais, apontar pos-
sibilidades de pesquisas e, talvez, provocar sua curiosidade acerca do tema.
160 PRISCILA VENTURA TRUCULLO

_________________

1
A discussão teórica acerca dos conceitos marxistas de classe e consciência de classe é profícua e perpassa
vários autores da história e das ciências sociais. Um dos entendimentos mais recorrentes é aquele dado pelo
clássico A formação da classe operária inglesa de E. P. Thompson, segundo o qual “A classe acontece quando
alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a iden-
tidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos
seus. A experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens
nasceram – ou entraram involuntariamente. A consciência de classe é a forma como essas experiências são
tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais. Se a
experiência aparece como determinada, o mesmo não ocorre com a consciência de classe”. THOMPSON, E. P.
A formação da classe operária inglesa, v. I, A árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 10.
2
A concepção materialista da história nos mostra que em “cada fase histórica se encontra um resultado material,
um somatório de forças de produção, uma relação historicamente criada entre indivíduos e a natureza e daque-
les entre si, que cada geração recebe da que a precedeu [...] partimos do homem realmente ativo, para, com base
no seu processo real de vida, mostrarmos também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse
processo de vida [...] Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência”.
GARDINER, P. Marx: a concepção materialista da história. In: ___ (org.) Teorias da história. 4 ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 158-159.
3
HOBSBAWM, E. O fazer-se da classe operária. In: ___ Mundos do Trabalho: novos estudos sobre história
operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 282.
4
“Convidam-se as classes operárias todas a comparecer hoje as 12h do dia à Rua Tiradentes em frente à fer-
raria Mantoni”. O Commercio 6.8.1911 In: ARAÚJO, C. R. A. Perfil dos Operários do Frigorífico Anglo de
Barretos (1927-1935) 2003. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2003.
5
ARAÚJO, C. R. A. Op. cit; p. 80.
6
BATALHA, C. H. M; SILVA, F. T.; FORTES, A. Cultura de classe: identidade e diversidade na formação do
proletariado. Campinas: Unicamp, 2004, p. 12.
7
Destaca-se entre os imigrantes a presença dos lituanos nas primeiras décadas do frigorífico. Alvos recorrentes
da vigilância de agentes federais, chegaram a sofrer deportações. ARAÚJO, C. R. A. Op. cit.; p. 80-8; 100-1.
Ver também: WELCH, C.; GERALDO, S. Lutas camponesas no interior paulista: memórias de Irineu Luís
de Moraes. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
8
Entre estes migrantes destacaram-se os baianos. Centenas foram contratados pela família Prado para exercer
atividades mais penosas e de baixa remuneração, como o desmatamento e limpeza das terras. In: ARAÚJO, C.
R. Op. cit; p. 77-8.
9
“No ano de 1933 [...] foi fundado o “Sindicato dos Trabalhadores em Frigorífico”, hoje, “Sindicato dos Traba-
lhadores nas Indústrias de Alimentação de Barretos”. O sindicato foi prontamente reconhecido em 31 de maio
de 1933 pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criado por Getúlio Vargas [...] o que diminuiu a au-
tonomia dos trabalhadores em relação as suas reinvindicações, que passaram a ser ‘mediadas’ e ‘medidas’ pelos
representantes do capital e da ordem pública” In: ARMANI, K; FERNANDES, S.; TINELLI, R.; TRUCULLO,
P. Descobrindo Barretos (1854-2012). Barretos: Liverpool, 2012, p. 234. Sobre a atuação do Sindicato da
Alimentação, ver também: MENEZES, B. A. Nossa Luta: PT em Barretos-SP. 2 ed. S/E. Barretos: ?, p. 34-6.
10
Sobre os depoimentos colhidos pela historiadora: “[...] É evidente no discurso dos operários o agradecimento
aos antigos patrões, paternalistas. Todas histórias são contadas com emoção e fazem parte de um rico acervo
da memória popular que certamente merece maior atenção e cuja recuperação é parte importante da história do
município.” ARAÚJO, C. R. A. Op. cit.; p. 67.
11
PERINELLI NETO, H. Espaço(s) fabril(is) e tempos sociais diversos: etnografia histórica, particularidades
da modernidade brasileira e o Frigorífico de Barretos (1909/1931). p. 2. Acesso em: https://www.iau.usp.br/
sspa/arquivos/pdfs/papers/01523.pdf
A CLASSE OPERÁRIA EM BARRETOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES (...) 161
12
O conceito é da historiadora Margareth Rago: “Nesta utopia reformadora, a superação da luta de classes
passava pela desodorização do espaço privado do trabalhador de duplo modo: tanto pela designação da forma
de moradia popular, quanto pela higienização dos papéis sociais representados no interior do espaço domés-
tico que se pretendia fundar. A família nuclear, reservada, voltada para si mesma, instalada numa habitação
aconchegante deveria exercer uma sedução no espírito do trabalhador, integrando-o ao universo dos valores
dominantes”. RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar – Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985, p. 61.
13
BATALHA, C. H. M; SILVA, F. T.; FORTES, Op. cit.; p. 13.
14
Neste sentido ver o trabalho de HOFT, R. O processo de urbanização em Barretos (1910-1930). 2009.
Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdades Integradas FAFIBE: Bebedouro, 2009.
15
REMIJO, A. P. A situação da classe trabalhadora nos frigoríficos de Barretos: antagonismo da superex-
ploração. 2013. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Universidade Federal de Santa Catarina: Florianó-
polis, 2013.

Priscila Ventura Trucullo é historiadora e professora de história da rede


pública do estado de São Paulo. Desenvolveu pesquisas no campo da história local de
Barretos, memória e modernização
Museu Ruy Menezes
por ele mesmo
Raquel Milagres de Mattos

Talvez você ache que eu sou muito velho. Mas se conhecer a minha his-
tória, verá que sou mais antigo do que pensa. Meu corpo é antigo, mas minha
alma é atemporal. Tenho histórias e segredos que muitas pessoas jamais
imaginaram. Vou abrir as portas do meu passado e te levar a tempos muito
antigos, onde eu fui concebido pela primeira vez nessa cidade, por pessoas
que tinham um bom objetivo em mente: guardar histórias da nossa gente
para que, hoje, você possa conhecê-las. 

Paço Municipal – década de 1910/1920, ainda sem as águias. Acervo: Museu Ruy Menezes

Eu nasci em uma escola — o Colégio e Escola Normal Estadual Mario Vieira Mar-


condes (também conhecido por Estadão), pelas mãos do professor Raul Alves
Ferreira. Foi ele quem primeiro pensou em mim e se juntou a outros profes-
MUSEU RUY MENEZES POR ELE MESMO 163
sores para que eu acontecesse. E assim foi feito. Depois de muitas reuniões,
conversas informais e todo tipo de debate, em 1961 eu fui apresentado ao
mundo pela primeira vez. Naquela época, eu ganhei o nome de Museu Histórico
e Pedagógico Ana Rosa, em homenagem à esposa do fundador da nossa cidade,
Francisco Barreto. Era tempo do nascimento de vários museus pelo estado
de São Paulo com essa denominação. A minha não era oficial, mas fazia jus
ao meu conteúdo. Fiz tanto sucesso logo na minha chegada, que várias pes-
soas me trouxeram presentes que eu guardo comigo aqui até hoje, como a
cruz (que dizem que foi da sepultura do Chico Barreto, mas eu não sei, não...).
Recebi até carta do Diretor do Serviço de Museus do estado, Vinício Stein
Campos, parabenizando o professor Raul pelo meu nascimento. Achei fantás-
tico! Está guardadinha aqui comigo, para quem quiser ver.
Só que o tempo passou e eu cresci — claro, e não cabia mais na mi-
nha casa. Eram tantos os presentes doados que não tinha espaço para mais
nada. Daí o professor teve a ideia: vamos entregar o museu para o municí-
pio. E em 1973, depois (de novo) de muita conversa, debate, questionamen-
tos, eu acabei me mudando. Vim pra esse prédio que é mais antigo do que
qualquer pessoa que você conheça! Mas ele é muito importante, sabe? Ele
era o Paço Municipal, por onde vários prefeitos passaram. Ele foi inaugurado em
1907. Muito antigo. Quem fez esse prédio lindo foi o então prefeito Antonio
Olympio. Tem registro no jornal O Sertanejo (que também é antigo, de 1900,
mas essa informação saiu no dia 2 de setembro de 1906) e eu também o
tenho! Mais tarde, ele ganhou as duas águias que encimam sua entrada e
passou a ser conhecido como Palácio das Águias, numa referência ao Palácio da
República, no Rio de Janeiro, onde ficava a sede do governo federal naquela
época; nesse mesmo ano, ele também ganhou o busto da República, que está
até hoje no nosso salão principal. E mais uma curiosidade sobre esse prédio
tão importante e interessante: ao redor dele existem 17 janelas, sabe para
quê? Entrar luz e vento. Quando o prédio foi inaugurado, não havia energia
elétrica em Barretos (ela só veio em 1911); então precisava desse tanto de
janelas para as coisas poderem acontecer lá dentro. E, agora, esse prédio tão
importante seria a minha casa. Só minha.
Eu já era crescido e precisava do meu espaço.
Mas eu vim em definitivo só no dia 6 de fevereiro de 1979, quando
renasci nessa casa nova, com uma festança. Até o bispo da cidade, Dom An-
tonio Maria Mucciolo, veio me abençoar. Tenho várias fotos para mostrar. O
povo todo na porta pra me ver. Que festa! Vieram várias pessoas importan-
tes, como o prefeito da época, o Melek Zaiden Geraige e a dona Lydia Sca-
navino Scortecci — essa é a minha mãezona; sempre cuidou de mim, desde
que eu nasci e, quando eu fiquei grande, foi ela que me acompanhou e fez a
minha mudança — entre muitos outros.
164 RAQUEL MILAGRES DE MATTOS

Inauguração do Museu Ruy Menezes, em 6 de fevereiro de 1979.


Discurso do Prefeito Melek Zaiden Geraige. Acervo: Museu Ruy Menezes

Todos os meus presentes — que continuavam chegando — estavam em


todos os lugares. Naquela época, era assim: a gente mostrava tudo o que
podia. Ah, e meu nome havia mudado também: agora eu era o Museu Histórico,
Artístico e Folclórico do Município de Barretos. Alguns anos depois, eu ganhei as cores
pelas quais todo mundo me conhece até hoje: branco com detalhes em ama-
relo.
Com o tempo, fui me tornando ainda mais importante. Sempre que
alguém precisa de uma informação antiga é a mim que recorre, seja para
fazer trabalho de escola, seja por curiosidade. Tenho uma coleção de jornais,
fotografias e documentos de fazer inveja a muito museu grande. Tudo bem
guardado, conservado, documentado. E, também, quando as pessoas querem
ver como seus antepassados viviam, é pra cá que eles vêm. E eu recebo todo
mundo. Como eu te disse lá no começo, eu tenho coisas muito antigas, que
contam a história da cidade e de seus habitantes e também um pouquinho da
história do país. Na exposição de longa duração, há algumas salas que nunca
saem de lá, devido a sua importância histórica, como a sala dos movimentos
militares (conhecida como Sala da Guerra, uma das mais procuradas pelos visitan-
tes); a do poeta Nidoval Reis, que nasceu no distrito de Laranjeiras, quando esse
ainda pertencia a Barretos; dos primeiros habitantes da cidade – os tropei-
ros — e das companhias de reis, tão tradicionais aqui em Barretos. Minha
coleção de jornais é incrível e tem muitos dos periódicos que já rodaram na
cidade e que já não existem mais, como o Correio de Barretos, que pertenceu ao
MUSEU RUY MENEZES POR ELE MESMO 165
meu patrono, Ruy Menezes.
Essa história de que quem vive de passado é museu, é a maior balela.
Eu tenho coisas muito atuais, exposições lindas de arte, de fotografias, de
objetos, tenho eventos, diversão e educação para todos os gostos.
Mas uma coisa especial aconteceu em novembro de 1988. Entusias-
mados com a nova Constituição Federal, que tinha sido promulgada no mês
anterior e que elevava a cultura a um nível ainda maior, o prefeito Milton
Ferreira resolveu que eu seria tombado! Mas não é tombar de ir ao chão,
não! É dizer que eu estava protegido, que não poderiam me tirar daqui nem
mexer na minha casa. E assim foi feito: no dia 10 de novembro de 1988,
saiu a lei nº 2240 do meu tombamento municipal. Pronto. Agora eu era into-
cável. E eu ainda mudei de nome (de novo) em 1994. Depois do falecimento
do jornalista (uma entre tantas coisas que ele fazia) Ruy Menezes, em 1992,
passei então a ser o Museu Histórico, Artístico e Folclórico Ruy Menezes (ou Museu Ruy
Menezes para os chegados). E esse é o nome que eu carrego até hoje.
De lá para cá foi tudo só alegria — mais ou menos; já tive meus percal-
ços, nada que não pudesse ser resolvido, mas isso não vem ao caso. O que
importa mesmo contar é que hoje eu tenho um grande acervo, graças a todos
os presentes que já recebi e, se você quiser consultá-lo, ele está disponível.
São milhares de fotos, documentos, jornais, objetos de vários tipos.
Hoje tem muito movimento por aqui. Há muito em exposição, mas tem
coisas que precisam ficar guardadas por um tempo. Coisas que já sofreram
muito ao longo dos tempos e que, agora, não podem ficar em exposição para
não se estragarem de vez. Mas eu tenho tudo registrado aqui. 
Gostaria que você viesse me visitar de vez em quando. Às vezes, eu
tenho umas coisas bem diferentonas que as pessoas trazem aqui pra casa
para eu exibir. E, aí, eu fico ainda mais importante.
Se você nunca veio, acho que está mais do que na hora de vir me ver.
E eu tenho um segredo para te contar: cada vez que você vem aqui, você vê
as coisas de um jeito diferente.
Não é magia, mas é quase. Vem descobrir!

Raquel Milagres de Mattos é museóloga e gestora do Museu Ruy Menezes


desde 2012, quando se mudou para Barretos, mas trabalha com museus desde 2006,
ainda como estagiária no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro.
Além do museu, trabalha com escrita criativa e revisão de textos
Retalhos do passado
Sada Ali

Parte do centro de Barretos na década de 1910, onde nota-se a estrutura urbana,


o fluxo de pessoas e as casas comerciais (arquivo do Museu “Ruy Menezes”)

Numa casa com comércio para a Rua 4, vivia uma família composta
por dez filhos e seus pais; um imigrante libanês e a esposa nascida em terras
mineiras, que por força do destino e desejo dos avós, fazendeiros naquelas
terras, decidem-se a fazer morada em terras paulistas. Vendem a fazenda,
trocando o leite pelo café, como diziam à época. Mal sabia ele ‘onde estavam amarrando
os bigodes’. Minas Gerais, de povo acolhedor e de terras próprias, para São
Paulo, de povo culturalmente menos afetuoso, mais reservado, muito distante
da acolhida oferecida em terras mineiras. Os ricos contos de réis da venda
da fazenda em Minas nada significavam em terras paulistas; e o rico avô, de
fazendeiro nobre para um reles empregado em terras alheias. E assim, em
visitas a essas terras, onde a família mineira passa a trabalhar, o imigrante
mascate conhece a pequena mineira, tímida, de fervorosa fé e caráter. Se
apaixona pela bela morena e pede sua mão em casamento. Passado algum
RETALHOS DO PASSADO 167

tempo de vida em comum, dos inúmeros filhos nascidos, o mascate decide


fixar o comércio ambulante nessa casa do início da narrativa — a da Rua 4.
Ali, com o pequeno comércio e a lida materna na rotina do lar, enca-
minham os filhos aos estudos que a eles fora negado. A mãe tentara estu-
dar numa escola pública, a léguas de distância da fazenda onde residiam,
atravessando porteiras, pulando cercas, cruzando pastos sob a força do sol,
chuva, frio. Seu sonho era se tornar uma PROFESSORA — repetido, assim,
PROFESSORA, enchendo a boca para falar. A vida a permitira seguir apenas
até o terceiro ano. Algo semelhante acontecera ao imigrante que, ainda com
menor conhecimento que a esposa, aprendera apenas a escrever números;
nenhuma letra, NADA. Todas as suas clientes eram donas Marias, mas seu sor-
riso, sereno e humilde, era cativante e conquistava a confiança sem precisar
escrever sequer uma letra. Era um tempo onde a palavra dita valia a vida,
onde se vendia fazendas sem cartório, sem papéis, pela honra do nome. O
caráter era moldado no olhar dos pais e o fio do bigode lavrava sentenças.
Nesse quintal que parecia tão imenso florescia o abacateiro, manguei-
ra, goiabeira, bananeira; o persistente imigrante insistia em colher produtos
da estação: milho, que era servido assado na brasa, em bolos, pamonhas e,
para acompanhar, o arroz e feijão; plantava também verduras, que davam
gosto de se ver e comer. Ali florescia alho, couve, alface, cenoura, numa va-
riedade de canteiros preparados por ele que, até hoje, persiste na memória
dos que o viram. Braço na enxada cavoucando a terra, numa prova de deter-
minação e resistência: braço-cavouco-enxada-terra, em sucessivas enxadadas, até
compor aquele belo e bucólico cenário de cores, sabores, vida.
Monet não pintaria cena mais bela!
Numa das laterais da casa, uma cerealista, ou como diziam, máquina
de fazer arroz: era sempre uma alegria ver a máquina limpando o cereal —
de um lado arroz, do outro a casca. Que avanço em tecnologia! Era inspira-
dor! Aquela parede alta fornecia a sombra necessária para o cultivo da bela
e variada horta. Na outra lateral da casa, um terreno baldio, muito extenso
que recortava a quase totalidade esquerda do quarteirão, um terreno onde o
mato, as árvores, cresciam desordenadamente. Bem ao fundo, num cantinho
minúsculo vivia o seo Américo, um antigo boiadeiro que, tendo vivido a lida
das comitivas, já cansado e mais idoso, fixara residência naquele pontinho
de areia, num mar de oceano chamado Terra.
Dizem que quem bebe das águas de Barretos não se esquece jamais...
Seo Américo era contador de histórias, ele próprio era a história. Cha-
péu, botas, calças rancheiras, cabelos encarapinhados e brancos, com bigode
também branco contrastando com a cor preta da pele e o berrante, seu único
bem em toda essa terra. Seo Américo, além de contador de histórias, pagava
guaraná — pra alegria da criançada, que só bebia do líquido quando estava
168 SADA ALI

doente. Eram os tempos!


Quem era mais doce? A bebida ou o seo Américo?
A comitiva seguia pelo estradão, rompendo um sem fim de terras cercadas por mourões de
pau e arame. Tropa e gado num regurgito de pó, sombras e cores. O berrante ecoando pelas planícies e
vales e a boiada avançando lentamente, cortando extensões descampadas, cruzando vilas e pequenas
cidades separadas por quilômetros de beleza campestre.
Um boi burla a vigilância, galga a cerca rompida e some na mata ao redor. Ao sinal de perigo, o
ponteiro infla o peito, a boca enche e espreme o ar em suspiros, dando tom e ritmo ao vento soprado
no chifre curtido. O toque do berrante avisa a tropa; o rebatedor parte ao encalço do fujão. Momentos
de caça e o ruminante retorna, num destino tangido, rumo ao matadouro. Couro branco, ‘ouro bran-
co’, como repetia Coronel Bartolomeu, lá pelos fins-do-mundo das terras do seu domínio. ‘Meu ouro
branco’ – dizia, num rompante de orgulho de fazendeiro nobre e abastado, dono de terras herdadas
dos ancestrais; léguas espoliadas dos verdadeiros senhores do lugar. Ofuscados pela fuligem da poei-
ra da estrada, entre nuances verdes, azuis e tons da terra, o ouro branco mesclava-se, indo longe,
perdendo-se de vista naquela opulência única de carne, couro e patas, a encher ainda mais os ricos
bolsos do invasor. Pairando acima dos pensamentos e inquietações de cada homem, uma revoada de
nhambus recortava, em sombras, o ritmo lento da tropa.
Às tardes de sol incandescente sobrepunham-se noites enluaradas, argentando tudo ao redor,
refletindo na malemolência dos corpos cansados da lida da boiada. A comitiva recuperava as forças
num repouso pela vida, enquanto boiada rompendo estradão ao encontro da morte. Vida de gado!
Ao alvorecer, o orvalho no capim, café no bule e tropeiros prontos para a partida. O cozinheiro, já
distante com suas trempes, panelas de ferro e parafernálias presas às cangalhas, em movimentos
contínuos até a hora do novo pouso, sempre próximo a um açude; um ponto de água para a lida na
cozinha. Ah, as mulas! Rabos trançados em rodilhas, numa exibição de delicadeza, persistência e re-
sistência, impondo ritmo e vencendo a quase totalidade dos quilômetros que separavam a fazenda do
coronel Bartolomeu, do frigorífico da cidade de Barretos. Três meses cortando o estradão, vencendo
paisagens inóspitas e as variações do tempo da natureza. O gado, mais magro e afeito ao ritmo tangi-
do de viagem, necessitaria ser alocado nas invernadas para engorda. Após esse tempo, seria levado
ao abatedouro, à Companhia Frigorífica e Pastoril, primeiro frigorífico do país. E, naquele ritmo de
viagem, na manhã seguinte adentrariam o corredor boiadeiro, última etapa até Barretos, onde, sem
sons, enfileirados em trincheiras, teriam as carnes dependuradas, varais de açougue, prontas para
o comércio. Um princípio de piedade envolve a comitiva, desenlace dos últimos meses de convívio
junto aos animais, dicotomia entre a vida e morte prestes a ocorrer. A viagem, já se tornando uma
imagem-miragem, mesclando poeira, sol, mugidos e sangue.
A barriga roncando sinaliza o tempo de repouso. O cozinheiro ‘queimara o alho’ e o feijão tro-
peiro, arroz carreteiro, paçoca de carne de sol estavam de lamber os beiços. Deleitam-se ao primeiro
bocado e a boca saliva satisfeita em resposta. Cospem a saliva excedente, levantam-se e seguem na
ronda ao redor do acampamento.
A noite passa lentamente, tendo por companhia o bule de café, os mugidos dos animais, o lu-
ciluzir dos pirilampos, o coaxar insistente de alguns sapos numa lagoa próxima, o sobrevoar de uma
coruja solitária. Aos que dormiriam no primeiro turno, um gole da cachaça do alambique, bebida nas
RETALHOS DO PASSADO 169
guampas, cabeça no travesseiro feito de sela e do pelego, a cama. Nessas horas, o olhar recaía natural-
mente ao céu, tapete de estrelas. As vozes intensas do dia iam murchando em resmungos. O silêncio
dá lugar à cadência da natureza a embalar segredos e sonhos. Nenhum dos homens ousaria diminuir
a virilidade falando de amenidades tão singelas quanto a beleza do luar, meditar sobre aquela singu-
laridade de tempo que habitaria eterno lugar dentro dos seus corações, ou refletir na temporalidade
da vida; uma vida de feita de esperas, seguidas esperas, até um breve instante em que nada mais se
poderia esperar. A espera jazendo consumada.
Ao alvorecer, cavalos encilhados, gado contado na certeza de que nenhum ficaria pelo ca-
minho, e a rotina de levantar o que sobrara do acampamento. Homem e natureza, constituição do
mesmo universo e o ponteiro à frente, conduzindo pelos últimos quilômetros de cavalgada. Em quatro
horas avistam, através do corredor boiadeiro, a próxima cidade. Barretos descortinava-se no hori-
zonte. A tropa corta a cidade. Aquela passagem das comitivas traduzia-se em espetáculo à parte e a
Estrada Boiadeira era orgulho para os moradores da cidade.
Acenando nas janelas as mulheres se debruçam, esperando passar o último dos tropeiros.
Tudo as atraía: a beleza da capa, o chapéu, as botas, a arma presa na guaiaca, o porte, a virilidade. Os
tropeiros, acostumados a rudez da vida em meio aos cerrados e matas, abrindo caminhos formando
vilas, cidades por onde passavam, sentiam predileção especial por esses momentos. O ego se inflando;
enchiam as panturrilhas. Meses longe de casa e o desejo se tornando latente — mas, em Barretos do
Bico do Pavão, não sairiam enquanto não tivessem dado vazão a todos os sentidos.

Coreto da Praça Francisco Barreto no início do século XX (arquivo do Museu “Ruy Menezes”)

Na força da narrativa, se conseguia enxergar o seo Américo ainda jo-


vem, entrando pela cidade e carregando aquele seu berrante:
À noite, o lusco-fusco, um universo longínquo de astros crescendo ou diminuindo sob a copa
dos chapéus e da intensidade do olhar. Àquele vislumbre da hora vespertina o desejo intumescido nas
170 SADA ALI

virilhas, provocando latências e visões de panturrilhas, espartilhos, lábios e seios. A hora convida ao
prazer mas, antes, a fé no divino. Antes da parada obrigatória no famoso bordel “Bico do Pavão”, o
momento era de dar graças. Na Praça Francisco Barreto prendem os animais. A molecada, em grupo,
se aproxima. Um trocado para uma casquinha de biju e os cavalos escovados e brilhantes ao fim da
missa. O pároco termina e retornam à praça lotada. As mães, divididas entre as brincadeiras dos
pequenos e as tentativas de flerte das filhas maiores. Um único olhar valia mais do que qualquer
punição anunciada. Os sorrisinhos afetados eram recolhidos e a expressão do rosto retornava ao
pretenso tédio.
Neste vai-e-vem, o footing prosseguia, sendo a maior atração da Praça Francisco Barreto, mas
distante dos desejos daqueles homens que queriam mesmo era circular entre os movimentos de an-
cas, cafungar nos cheiros nos cangotes, sentir os gemidos e ritmos ao pé do ouvido e além. O mundo
girando em sua rota e o Bico do Pavão circulando em outra, onde o céu não era feito de estrelas, mas
de explosões de meteoritos.

Ah, seo Américo! Que saudade do não vivido, de vida no paraíso, giran-
do feito caleidoscópico. Memórias foscas feitas de desenhos sobre a areia
na proximidade do mar. Tudo fluído, volátil, derretendo feito sorvete ao sol,
incorporado por dentro como as sinapses em ondas neurais.
Ação, movimento, geração de vida. Um tempo de regras simples, de ser
assim ou ser assado, de seguir sem muitas inferências ou expectativas de
mudanças.
Ah, esse meu Barretos de outrora! A eterna Terra do Chão Preto, do vento
gelado, da florada do ipê, da Festa do Peão e do Berrantão.
Barretos, um orgulho do noroeste paulista.

Sada Ali nasceu em Barretos. Lançou sua obra bipartite “Perfume dos
Laranjais”em Barretos, Ribeirão Preto, Uberaba e São João del-Rei/MG (vencedora
de edital da UFSJ), além das Feiras do Livro. Ainda lançou em Florianópolis (Livraria
Catarinense) e em São Paulo (Bienal, Livraria Cultura e Casa das Rosas). No exterior,
sua obra esteve na 107 Foire de Paris, na França e London Book Fair (Inglaterra).
Ainda em terras francesas, pelo Ministério da Cultura, Sada lançou em Lyon (2013).
A convite, também levou “Perfume” a Portugal (2016), quando lançou em Gaia e
Porto. Titular da cadeira 1 da ABC, cujo patrono é Antônio Gonçalves Gomide
Se essas paredes falassem...
Shirley Spaolonsi Pignanelli

A expressão usada no título, muito conhecida popularmente, carrega


consigo todo um conjunto de interpretações — irônicas algumas; plenas de
sabedoria, outras. Porém, na maioria das vezes, insinuam um sentido mais
ou menos picante. Mas se as paredes deste meu texto falassem, com certeza
elas responderiam aos ecos de centenas de vidas que ali deixaram as marcas
de sua infância; revelariam segredinhos inocentes, cochichados, com as mãos
em concha junto ao ouvido de companheiros curiosos, ávidos por novidades;
e ecoariam, felizes, os risos despreocupados de quem tinha um mundo todo
pela frente para ser vivido na doce ilusão de que o tempo seria infinito.
Estou me referindo às velhas paredes do prédio de dois andares, que
fica em Barretos, na Rua 22, no meio do quarteirão compreendido entre as
Avenidas 9 e 11, número 1259, onde funcionou, desde 1938, o Grupo Escolar
“Professor Fausto Lex”, conhecido como Segundo Grupo, enquanto o Grupo Escolar “Dr.
Antonio Olympio”, que existia desde 1912, era chamado de Primeiro Grupo. O
prédio pertencia, e ainda pertence, à Prefeitura Municipal da cidade. O nome,
que foi conferido à escola, em 1952, é uma homenagem a Fausto Lex, pro-
fessor nascido em Amparo, estado de São Paulo, e que lecionou por alguns
anos em Barretos, para onde se mudou em 1908. Participante ativo da vida
intelectual da cidade, o professor Fausto Lex foi um dos fundadores do Grêmio
Literário e Recreativo de Barretos, instituição centenária e de grande expressão em
nossa cidade.
Por uma dessas surpreendentes coincidências da vida, quando eu cur-
sava a Escola Normal no Instituto de Educação “Dr. Paraiso Cavalcanti”, em Bebedouro,
estudei no livro Biologia Educacional, de autoria do Dr. Ary Lex, filho do profes-
sor Fausto Lex. Mal sabia eu, então, que viria a lecionar em escola com o
nome de seu pai. Tive a satisfação de conhecer pessoalmente o Dr. Ary Lex
quando ele esteve em Barretos para uma palestra. Em minha memória afe-
tiva, estão guardadas com carinho lembranças de fatos e momentos que vivi
nessa Escola, onde lecionei de 1960 até 1976, ano em que houve uma rees-
truturação do sistema educacional e foram criadas as Escolas de Primeiro Grau,
172 SE ESSAS PAREDES FALASSEM...

que seriam destinadas a crianças da pré-escola até a oitava série, unificando


os curso primário e secundário. Nesse ano, eu e mais outras colegas fomos
remanejadas para a Escola Estadual de Primeiro Grau “Profa Paulina Nunes de Moraes” e
o antigo Grupo Escolar também foi transformado em Escola Estadual de Primeiro
Grau “Professor Fausto Lex”.

2º Grupo Escolar, em 1939. (Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo)

Se as paredes desse querido Grupo Escolar, paredes velhas e desgastadas


já nessa época, falassem, com certeza também pensariam e certamente se
lembrariam, emocionadas, de um tempo em que as crianças respeitavam os
adultos, especialmente os professores, levantando-se, cerimoniosas, sempre
que o Diretor ou uma visita inesperada adentrasse a sala de aula. Falariam
também das comportadas filas de alunos que se formavam no pátio antes do
início das aulas, mantendo um braço de distância do coleguinha da frente,
disposição que nem sempre era seguida com exatidão; mas a verdade é que
as filas ensinavam às crianças o sentido da ordem e da disciplina, indispensáveis
para um mundo de paz. Era bonito ver aquele ondular de saias azuis pre-
gueadas e o caminhar concentrado dos meninos em seus uniformes, também
em azul e branco, num singelo caleidoscópio de duas cores.
Na sala de aula, em carteiras de madeira também já muito desgas-
tadas pelo uso contínuo, dispunham seu material na prateleira que ficava
sob o tampo, tampo este que continha uma pequena cavidade redonda para
os tinteiros (que já não eram mais utilizados, substituídos que foram pelas
esferográficas). Os alunos sentavam-se em duplas a princípio, mas logo pas-
saram a ocupar carteiras individuais. Os cadernos também refletiam ordem
e capricho, impecavelmente encapados com papel impermeável (cujas cores
SHIRLEY SPAOLONSI PIGNANELLI 173

identificavam a série a que o aluno pertencia) e continham uma etiqueta na


capa com o nome da atividade a que se destinavam: caderno de Ocupação, de Tare-
fas, de Ciências, etc. Nessa época, não se falava série e, sim, ano: primeiro ano,
segundo ano e assim por diante, numa linguagem direta e simplificada. Os
livros não continham imagens fartamente coloridas como os de hoje, mas a
imaginação, correndo livre e solta, supria essa falta.
A leitura individual de trechos em voz alta era matéria obrigatória. A
tabuada também era repetida em voz alta, em ritmo alegre e cadenciado, e
ensinada de mil maneiras criadas pelos professores para que o cálculo se
fixasse em suas memórias infantis, preocupação quase inexistente hoje pelo
surgimento de calculadoras que fazem tudo em poucos segundos.
O material pedagógico era precário e ficávamos à mercê de nossa pró-
pria criatividade: flanelógrafos (um quadro recoberto por flanela, onde fixá-
vamos gravuras com uma lixa colada no verso), cartazes em cartolina feitos
pelo próprio professor, com algo que facilitasse o aprendizado do dia e pouca
coisa mais. O máximo à nossa disposição, na escola, era uma caixa com só-
lidos geométricos de madeira, um conjunto de gravuras para inspirarem as
redações (presas em um cavalete), mapas quase se desfazendo e alguns obje-
tos como conchas marinhas e pequenos animais fossilizados para ilustrarem
as aulas de Ciências. Esse material ficava na antessala do gabinete dentário,
onde, na época, o Dr. Dirceu Baroni prestava serviço.
Os trabalhos dos alunos eram levados para serem corrigidos em casa,
onde também eram preparados os planos de aula, que eram denominados Se-
manários e que o próprio diretor devia verificar, pois a função de coordenador
pedagógico só seria criada mais tarde.
Nada de cursos de atualização ou material de suporte que tornassem
as aulas mais atrativas. No entanto, uma mudança significativa que ocorreu
enquanto eu ainda estava no Fausto Lex me aflora à memória: a implantação
do sistema chamado de “rodízio”, para os alunos de terceira e quarta séries,
isto é: uma professora se encarregaria das aulas de Matemática e Ciências,
durante metade do tempo, enquanto outra ficaria com Língua Portuguesa e
Estudos Sociais no tempo restante, revezando-se em duas salas, o que, além
de outras vantagens, facilitava a transição dos alunos para a quinta série,
onde teriam que se adaptar a vários professores.
Voltando às gravuras expostas em um cavalete, lembro-me de algumas
dessas ilustrações: uma garotinha correndo de alguns gansos, outra mos-
trando seus surrados sapatos para o sapateiro com uma carinha triste, um
grupo de crianças encarapitadas sobre uma porteira de fazenda e outras
cenas das quais não me recordo mais.
Tempos românticos, mas tempos difíceis. Tempos em que a merenda es-
colar era servida apenas aos mais carentes, o que os discriminava e rotulava,
174 SE ESSAS PAREDES FALASSEM...

dando um aspecto vexatório às filas que se formavam para a chamada “sopa”.


Tempos em que havia aulas, normalmente, todos os sábados e, do corredor
central do estabelecimento, podíamos avistar a rua e pessoas livremente se
dirigindo para festas de fim de tarde, enquanto permanecíamos dentro das
salas de aulas... Mas, por outro lado, tempos em que o antigo curso primário
era tão valorizado que festividades caprichadas eram preparadas ao final da
quarta série para a entrega solene de diplomas.
Ah, se essas paredes falassem... Ressoariam, nos recônditos de seus
velhos tijolos, que mãos anônimas colocaram em pilhas simétricas, as vozes
esquecidas de mestres dedicados que ali deixaram um pouco de suas vidas,
trabalhando assoberbados com classes, geralmente, superlotadas. Tantos
rostos e nomes me afloram à lembrança! Impossível nomear todos, assim
como não posso nomear todos os rostos de alunos com os quais convivi e que
deixaram marcas profundas em minha vida, algumas delas em forma de bi-
lhetinhos carinhosos escritos com amor e respeito, por mãos infantis de letra
incerta, e conservados, até hoje, em minha pequena caixa de recordações.
Ah, se essas paredes falassem... Também cantariam, compenetradas,
os hinos que as crianças entoavam com seriedade no galpão da escola: Hino
Nacional, Hino à Bandeira, Hino da Proclamação da República, ensinados em sala de aula
com a preocupação de que todas as frases e palavras soassem corretamente
e que, costumeiramente, vinham transcritos na contracapa das brochuras.
Brochuras muitas vezes compradas apressadamente na Papelaria do Deuro, que
ficava quase em frente ao Grupo, local onde hoje funciona uma gráfica.
Lembro-me de ter ensinado também o Hino a Barretos, composição musical do
Professor Aymoré do Brasil e letra escrita pelo Dr. Osório Faleiros da Rocha
e que, na sua primeira estrofe, diz:
Por Barretos, bandeirante,
Desbravador do sertão!
Pela Pátria, avante! Avante!
Levantado o coração!
Não há divisa mais bela,
Mais nobre, mais varonil:
Sejamos a sentinela
Avançada do Brasil.

Cantávamos também o Hino ao Grupo Escolar “Professor Fausto Lex”, escrito pela
Dra. Vera Sonia Abrão, que adaptou uma letra à melodia da canção “Cisne
Branco”, Hino Oficial da Marinha Brasileira (composição de Antonio Manoel do Espírito
Santo e letra de Benedito Xavier de Macedo).
É... “Antigamente a escola era risonha e franca” — lindas e verdadeiras palavras
que encontramos na velha poesia “O Estudante Alsaciano”, do poeta português
SHIRLEY SPAOLONSI PIGNANELLI 175

Acácio Antunes.
Ah, se essas paredes falassem... Também repetiriam as noções de con-
tabilidade que eram ensinadas aos alunos no curso noturno do conhecido
“Ateneu Municipal” ou Escola “Sinomar Macedo Diniz”, hoje extinto, enquanto o antigo
Grupo Escolar “Professor Fausto Lex” foi transferido e funciona, atualmente, no bair-
ro Nadir Kenan, com o nome de Escola Municipal Professor Fausto Lex. Os cursos do
Ateneu eram de nível técnico, com excelente qualidade; muitos dos contabi-
listas de hoje, respeitados em nossa cidade, ali se formaram. O Ateneu tinha
uma Banda que se apresentava nos desfiles da cidade e seus instrumentos
eram guardados no porão do prédio, sob as salas de aula, porão esse que nos
causava receio pelos escorpiões que ali foram encontrados, certa vez. Ou-
tros insetos asquerosos, com certeza, também passeariam livremente nesses
porões, pois me lembro de uma vez em que fui pegar um pacote de folhas do
armário e senti uma barata vindo junto, o que me fez jogar todas as folhas
no chão e sair correndo. Se pudessem rir, as paredes, certamente, ririam com
gosto desse momento...
São muitas lembranças para estas poucas páginas. “É que a memória da gente
guarda lembranças demais”, já nos disse Gabriel Sater, compositor popular. Lem-
branças que me emocionam muito quando encontro, casualmente, antigos
alunos, hoje homens e mulheres adultos, com família e profissões definidas, e
que me dizem saudosos: “A senhora foi minha professora”. É comovente e muito gra-
tificante saber que deixei marcas na história de vida destes alunos e que as
velhas paredes do Grupo Escolar “Professor Fausto Lex” também guardam o eco da
minha voz passando lições, de cultura e de vida, aos meus jovens aprendizes.
Ah! Se essas paredes falassem...
Fachada atual do prédio da Rua
22, onde funcionou o Grupo
Escolar “Professor Fausto
Lex” (acervo da autora)

Shirley Spaolonsi Pignanelli nasceu em Garça, SP, mas reside em


Barretos desde 1960, onde lecionou até se aposentar. Tem formação em Ciências
Sociais e Pedagogia e escreveu as obras: “A quem interessar possa”,
“A quem interessar possa 2” e “E a semente germinou...”
Silvestre de Lima: as multifaces
do personagem que
transformou Barretos
Sueli de Cássia Tosta Fernandes

“Os homens passam depressa. É preciso registrar-lhes os feitos


para que a sua memória fique e seja respeitada”. Eugenio Egas.

Silvestre de Lima, que tanto honrou e honra a cidade de Barretos, foi


aqui “artista dos sete instrumentos”, exercendo com competência e vivacidade as
funções de farmacêutico, político, advogado, poeta, jornalista, entre outras. O
seu protagonismo em diferentes áreas assegurou a ele diversas homenagens.
Ele é nome de rua e patrono de escola estadual. Ou seja, é um nome razoa-
velmente familiar para o barretense. Talvez o que a maioria desconheça é o
que foi feito por ele em benefício da cidade para ser objeto de homenagens e
que, aqui, será sucintamente comentado.
Ele é o “pai” da imprensa barretense, que nasceu oficialmente em 31 de
março de 1900, tendo-o como redator-chefe do jornal “O Sertanejo”, o primeiro
jornal editado e impresso na cidade. A importância histórica deste jornal
se revela não só por principiar a imprensa local, mas por se constituir um
importante veículo de diálogo entre a cidade e o resto do país, conforme de-
fendido por ele em artigo despedida do jornal:
“[...] desde o aparecimento da imprensa local se iniciou para Barretos uma nova era.
Município remoto e até então dos mais obscuros, com uma população mal afamada,
como indolente, atrasada e desordeira, Barretos daí para cá passou a ser mais e me-
lhor conhecida, reabilitou-se do mau nome antigo, reivindicou, pela crescente divulga-
ção das suas riquezas naturais, o lugar a que tinha direito na comunhão municipal do
Estado.”1

O jornal expunha notícias nacionais e internacionais, análises críticas

1
O Sertanejo, Barretos, 15/Mar/1903, pág. 1. Coleção Carmem Nogueira. Acervo: MRM. (grafia de época preservada)
SILVESTRE DE LIMA: AS MULTIFACES DO PERSONAGEM QUE TRANSFORMOU BARRETOS 177
da política, além de trazer os aspectos e os cheiros do local, dava voz a sua
gente, concedendo ao semanário textos próprios de barretenses, entre eles
Jesuíno de Melo, que registrava as memórias dos primeiros moradores e Al-
meida Pinto, que publicava crônicas sobre o cotidiano da cidade de maneira
bem-humorada e rimada.
Outra característica interessante do hebdomadário é a presença de uma
mulher, a jovem Noemi Nogueira, que traduzia obras célebres e, entre todo
esse turbilhão de novidades, ainda havia espaço para as poesias de Silvestre,
que incontestavelmente fizeram a história do jornalismo barretense. De voo
célere, alcançou as principais capitais, sendo bastante elogiado por colegas
da imprensa carioca, berço do jornalismo no Brasil, com os quais aprendeu o
ofício e se moldou jornalista. O escritor Arthur Azevedo, um dos fundadores
da Academia Brasileira de Letras, em “O Paiz”, saudou-o festivamente
“Quem é vivo sempre aparece. Acabo de receber da cidade de Barretos (Estado de São
Paulo) o 1º. Número d’O Sertanejo, periódico hebdomadário que tem como redactor-che-
fe Silvestre de Lima, meu velho e affectuoso companheiro de vida litteraria, estimado
poeta que há muito tempo não dava um ar de sua graça, e de quem eu não recebia, há
não sei quantos anos, a mais ligeira notícia”2.

Outro trecho relevante da escrita de Arthur aponta para a maneira


como a cidade era vista
“Não me interessa tão pouco outras colunas de prosa, aliás bem escripta, que lá vem
n’O Sertanejo, cujo merecimento litterario excede, evidentemente, a media do jornalis-
mo da roça”3.

Como visto, Barretos era uma cidade essencialmente rural, até então
conhecida por atos de violência e a qualidade de suas pastagens. Com o
pioneirismo de Silvestre, tem-se, através da introdução da imprensa, uma
leitura urbana de um espaço rural, com destaque para as potencialidades do
local, atraindo assim novos olhares sobre a cidade, que contribuíram para a
sua modernização.
Silvestre estudou no Rio de Janeiro, onde se encantou com o jornalismo,
abraçando-o apaixonadamente e fazendo deste ofício sua profissão, fato que
certamente o influenciou na inauguração da imprensa barretense. Ainda na
capital, habituou-se às lutas políticas e às facilidades proporcionadas pela
modernidade, fatos que o levaram a ingressar na política local, passando a
atuar na melhoria das condições da cidade e na higiene do espaço urbano, o
que incluía a instalação de Posto Zootécnico, do primeiro grupo escolar, ilumina-
ção pública e água encanada, entre outros.

2
O Paiz, Rio de Janeiro, 09/Abr/1900. Acervo BN. (grafia de época preservada)
3 Idem. (grafia de época preservada)
178 SUELI DE CÁSSIA TOSTA FERNANDES

Fotos da Inauguração do Posto Zootécnico, 1911, gestão de Silvestre de Lima.


Fonte: Illustração Paulista, 1911, ed. 0034. Acervo da Biblioteca Nacional.

No campo político, enquanto viveu no Rio, foi uma voz incisiva contra
a escravidão e pela defesa da República.
Em Barretos, ingressou na política em 1892, um ano após a sua che-
gada. Foi vereador, intendente (equivalente a prefeito — reeleito por várias
vezes) e deputado estadual. Como prefeito, impulsionou o crescimento da
cidade, merecendo destaque a introdução de dois símbolos de progresso: o
trem (1909) e o frigorífico (1913).
O trem e o frigorífico foram duas “modernidades casadas” introduzidas em
Barretos pelas mãos do Conselheiro Antônio Prado, presidente da Companhia
Paulista de Estradas de Ferro e amigo de Silvestre, que na condição de prefeito ad-
vogou com denodo pela causa, impedindo que “incidentes” obstruíssem essas
conquistas tão importantes na história do desenvolvimento da cidade.
O trem entrou em Barretos, em 25 de maio de 1909, como extensão
dos trilhos de Bebedouro. A chegada do trem mobilizou grande parte da po-
pulação local na ornamentação da cidade e na acolhida da comitiva que veio
em vagão inaugural. Fato que impressionou tanto as autoridades quanto os
SILVESTRE DE LIMA: AS MULTIFACES DO PERSONAGEM QUE TRANSFORMOU BARRETOS 179
jornalistas da comitiva, que assim registraram a recepção:
“A cidade está toda engalanada, apresentando um aspecto surpreendente de beleza
[...] Todas as casas das ruas principais ostentam as suas fachadas iluminadas com
balões venezianos. O povo enche as ruas erguendo vivas ao coronel Silvestre de Lima,
à Companhia Paulista, ao governo do Estado de S. Paulo e à imprensa”.4

A conquista de um meio de transporte que tornava menos penosas as


viagens, aliada à instalação de uma grande empresa, foram os fatores deter-
minantes para consolidar Barretos como destino de imigrantes de diferentes
nacionalidades. Neste contexto, escritores de viagens5 descreviam uma cidade ali-
nhada a um projeto modernizante, destacando as potencialidades do frigorífi-
co, e, assim, realizavam uma excelente propaganda da cidade. Com a intensifi-
cação da imigração, começava um novo ciclo na ocupação da cidade. Assim, a
cultura, os hábitos e os costumes foram sofrendo influências dos estrangeiros
que aqui se estabeleceram. A cidade, aos poucos, foi perdendo a imagem de
“roça”, resultado desse encontro do homem local com o imigrante na conjuntura
de modernização da cidade. A fisionomia urbana se transformava.
O fato é que a chegada do trem, em maio de 1909, impulsionou a cidade
para uma nova era — e Silvestre logo tratou de promover a integração da
cidade a um sistema mais civilizado, higienizada-modernizada, qualificando
a cidade para o futuro.
A questão da iluminação da cidade afligia Silvestre desde 1896, quando
preocupado com o mau uso dos postes e com a má qualidade dos lampiões
a querosene, chegou a propor o “Regulamento para Iluminação Pública da Vila”6, que
estabelecia obrigações para a empresa contratada no sentido de garantir
qualidade no serviço prestado. Porém, à medida que a cidade crescia, as ne-
cessidades de se melhorar a tecnologia aumentavam. Até que, em 1911, na
gestão do prefeito Silvestre de Lima, a energia elétrica finalmente foi inaugu-
rada. Tratava-se de uma termoelétrica.
Outra modernidade implantada na gestão de Silvestre de Lima foi o
abastecimento de água potável da cidade. Até 1910, os moradores tinham as
seguintes opções para obter água: construir cisternas em seus quintais ou
buscar água nos córregos da cidade. A higiene pessoal era realizada por meio
de jarros de água, que serviam como lavatórios. Logo, não é difícil imaginar
o que o sistema que conduzia a água do córrego Aleixo até as torneiras das
residências causou nos moradores: sem dúvida, foi um incremento e tanto.
Evidentemente, tratava-se de um sistema precário e de acordo com as

4
Correio Paulistano, 26/Maio/1909. Acervo BN.
5
Procurar por: Vittório Buccelli, D’Oro dello Stato di S. Paolo, 1911.
6
Ata da sessão legislativa de 18/06/1896. Acervo da Câmara Municipal de Barretos.
180 SUELI DE CÁSSIA TOSTA FERNANDES

técnicas disponíveis na época, o que ao longo do tempo foi sendo aprimorado.


Como Silvestre teve uma profícua participação no desenvolvimento da
cidade, acabei me estendendo neste aspecto, mas é importante resgatar um
pouco de sua vida pessoal: ele foi presença marcante na vida intelectual e
social da cidade, participou da introdução dos ideais maçônicos em Barretos
e da fundação do Grêmio Literário e Recreativo. Ainda teve tempo para cuidar do
corpo e da alma dos barretenses, ora por meio de remédios ora por meio de
poesias. Como homem público, conquistou o respeito até de adversários, me-
recendo por parte de Osório Rocha, em 1950, a seguinte homenagem:
“[...] afetuoso reconhecimento por tudo quanto desinteressadamente nos deste, o le-
vantamento de nosso nível social, a fundação da nossa imprensa, o conhecimento que
deste ao Brasil e ao estrangeiro das nossas possibilidades e, sobretudo, as tuas lições
de civismo, pundonor, magnanimidade e altruísmo!”7.

De fato, foi uma figura bastante estimada e solicitada, tanto por autori-
dades quanto por humildes, tanto que o Correio Paulistano escreveu que só faltou
a ele “fazer as funções de padre, ator, fotógrafo, dentista e parteiro”8. Se bem que, cá entre
nós, tendo ele cursado dois anos de Medicina, tenho minhas dúvidas se ele
realmente não realizou nenhum parto na cidade.

FONTES
Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Nacional: Correio Paulistano, 07/05/1902 e 26/05/1909,
O Paiz RJ, 09/04/1900 e Illustração Paulista, 1911, ed. 0034. Acervo do Museu Histórico, Artístico
e Folclórico Ruy Menezes: O Sertanejo, Barretos/SP, 31/03/1900 e 15/03/1903. Documento datilo-
grafado por Osório Rocha.
Acervo da Câmara Municipal de Barretos: Ata da sessão legislativa de 18/06/1896.

7
Documento datilografado pertencente ao acervo do Museu Ruy Menezes.
8
Correio Paulistano, 07/05/1902, pág. 02, ed. 13903. Acervo BN.

Sueli de Cássia Tosta Fernandes é membro da Academia Barretense


de Cultura, ocupante da cadeira nº 05, cujo patrono é o jornalista Paulo Bezerra de
Menezes. Vegetariana. Apaixonada por gatos, cães, plantas, viagens, livros e pelo ato
de pesquisar — em especial, a vida e a obra de Silvestre de Lima
Resenha de um imigrante
libanês em Barretos1
Zaiden Geraige Neto

É preciso poder de síntese. A história é longa, mas há regras claras


para ela, pois foi encomendada, tanto quanto ao tema como quanto à forma.
Minha amiga Karla Armani foi quem estabeleceu sobre o que eu deveria es-
crever, conforme recomendação do presidente Merenda!
Então, vamos lá!
Foi numa pequena aldeia do Líbano que a história começou. Postada
numa elevação e com ruelas cheias de aclives e declives, tem, ao longe, uma
planície onde a terra preta recebe sementes de frutos, cereais e fumo. No
norte do país, já perto da Síria, no caminho de Homs, fica Miniara, na província
de Akkar, Líbano.
De lá vieram os meus quatro bisavós paternos. De lá, também, veio meu
avô paterno (Zaiden, aqui apelidado como Isidoro. Não sei o motivo até hoje),
sendo minha avó paterna já nascida em Barretos, onde vive a maior parte
da nossa família, ou, pelo menos, estão enterrados os nossos antepassados.
Como viviam no Líbano? A aldeia era pequena; na verdade, sobrevi-
viam, pobres, mas com dignidade, até que a primeira guerra (1914/1918) arrasou
com tudo, forçando a imigração que se ensaiara no começo do século. En-
tretanto, a partir de 1914 ela teve um aumento significativo e engrossou de
forma assustadora a partir de 1918.
Foi ela – a guerra – o grande fator da travessia que os libaneses fize-
ram, saindo do Mediterrâneo e navegando pelo Atlântico até o hemisfério sul.
Entre a fome, no inverno rigoroso, e a esperança que significava o Bra-
sil, a opção foi fácil — mas a vida seria mais difícil. Vinham eles de uma re-
gião que ainda lembrava as Cruzadas. Eram conhecidos como “turcos”, embora
dos turcos tivessem ódio, pela dominação brutal e inumana que exerceram

1
Parte desse texto foi baseada em anotações de meu pai, Mélek Zaiden Geraige, e também em in-
formações a mim passadas por meu primo, Jorge Luís Abrão e por minha mãe, Ana Rosa Meinberg
Geraige.
182 RESENHA DE UM IMIGRANTE LIBANÊS EM BARRETOS

naquelas plagas. Eram, historicamente, os inimigos dos cristãos e, dizia-se,


comiam carne humana. Fruto da implacável propaganda orquestrada pela
Igreja Católica desde a Idade Média, aquelas pessoas que falavam uma língua
esquisita e cheia de “rala-rala” sofreriam a discriminação dos nativos. Afinal,
eles representavam a “verdadeira civilização”, a começar pelo “caráter cris-
tão” da vida que levavam. Esqueciam-se de que o próprio Cristo nasceu lá,
exatamente: naquela terra disputada à espada de ferro rijo, forjada nas ter-
ras orientais e bem mais leve que a ocidental, que mais parecia um porrete.
Contam, até, que Ricardo Coração de Leão fez uma demonstração a Saladino
(Saleh Ud Dinn Ayoub), batendo sua espada, com forte pancada, sobre uma
madeira, quebrando o lenho. O muçulmano tomou da cabeça de uma jovem
o seu véu e soltou-o, do ar para o chão. No meio do caminho o aparou com a
espada e o fino véu se abriu em dois, com seu próprio peso.
A diferença é sutil e notável, fazendo boa leitura dos fatos.
Enfim, a barreira da língua foi vencida, embora as letras “p” e “v” con-
tinuassem a ser pronunciadas como “b”, e o uso dos verbos dispensasse a
conjugação correta, a comunicação tornara-se possível. Cada um de per si, mas
unidos, ajudaram-se mutuamente e criaram famílias; estas famílias foram
crescendo e, pouco a pouco, eram assimiladas ou foram se assimilando.
Intensa troca de costumes: estranheza numa hora, boa receptividade
noutra. Mas, ganhavam, já, algum dinheiro. E a fome não estava à vista nem
amedrontava.
Neste clima e dessa forma, meu avô Zaiden (Isidoro) chegou ao Brasil,
em 1924, aos doze anos de idade, vindo com a mãe (bisavó Helena) e a irmã
gêmea Zehie (Maria), para descer em Santos. Seus demais irmãos eram Ro-
sali, Ayed (Abrão), Sultan, Abdo El Carim, Othman e Gaze (o famoso tio Rose
Abrão). Todos, menos os gêmeos Zaiden e Zehie, nasceram em Barretos.
Aqui, conheceu minha avó Nabia (Maria), cujos irmãos eram: Chafik,
Nadim (falecido quando criança), Nadime, Zuleika, Leila e Neuza, todos nas-
cidos em Barretos.
Uniram-se, portanto, as famílias Geraige e Thomé, todos de ascendência
libanesa cristã, mas mantinham excelente relacionamento com todos os liba-
neses de outras religiões. Na verdade, tratavam-se como irmãos, talvez por-
que tenham vivido de forma contemporânea a desgraça da fome e da guerra.
Aqui, uma curiosidade. Há 22 países considerados “árabes”. Mas o que
é ser árabe? É uma etnia? Antigamente, consideravam-se árabes os povos
localizados na extensa faixa de terras denominada Península Arábica. Hoje, a
definição mais aceita é a que conceitua como árabes todos aqueles povos que
têm como primeiro idioma a língua árabe, ou seja: não se trata de etnia. Por
exemplo, os libaneses descendem, etnicamente, dos Fenícios, antigos nave-
gadores; já os demais povos árabes, como sauditas, iraquianos, jordanianos
ZAIDEN GERAIGE NETO 183

etc. têm outras etnias, não tendo, portanto, nenhuma relação genética (no
sentido étnico, claro) com os libaneses; por outro lado, os países do norte da
África, como Egito, Marrocos, Líbia etc., não são considerados árabes, mas
apenas arabizados, sendo o “mouro” o resultado do cruzamento de povos ára-
bes que vieram do Oriente com os negros africanos.
Foram esses indivíduos que conquistaram a Península Ibérica (Portugal e Espa-
nha) e lá ficaram por diversos séculos. Da mesma forma, o Irã não é um país
árabe. É persa, lá fala-se outra língua e têm-se outros costumes; e a Turquia
também não é árabe. É otomana, com língua e costumes diferentes, com ori-
gem na região da Anatólia.
Meu avô e seu irmão Ayed (tio Abrão) sempre trabalharam juntos — do
início até a morte —, somando-se, depois, os demais irmãos. Meu avô come-
çou a fazer bicos, trabalhando ora numa coisa ora noutra, até que aprendeu
a ser sapateiro, fazendo botinas. Depois montaram, no distrito de Ibitú, um
pequeno comércio chamado de “secos e molhados”, onde se vendia de tudo. Pas-
sando algum tempo, montaram máquina de beneficiamento de arroz, posto
de gasolina e se tornaram proprietários de terras.

Foto com documentos contábeis das empresas de Zaiden e Ayed Geraige. (Fonte: arquivo do autor)

A máquina de beneficiamento de arroz funcionou, primeiramente, em


diversos lugares do Bairro Santa Helena, fixando-se na Rua 28 com a Avenida 27
184 RESENHA DE UM IMIGRANTE LIBANÊS EM BARRETOS

e depois na Rua 30, onde hoje provavelmente é o “Lojão da Construção”. Ainda na


Rua 30, meu avô e tio Ayed adquiriram a área onde estava edificado o sobra-
do amarelo e lá construíram vários barracões, instalando balança para pe-
sagem de caminhões, além do comércio de combustíveis (posto de gasolina).
Há quem diga que a praça lá localizada recebeu o nome de Santa Helena
em homenagem à mãe deles (Helena, minha bisavó), tendo eles feito a doa-
ção da área para a construção da praça.

Praça Santa Helena, cujo terreno foi doado pelos irmãos Zaiden e Ayed Geraige.
O nome (dizem) é uma homenagem à mãe dos doadores. D. Helena. (Fonte: arquivo do autor)

Meu avô materno, Carlos Meinberg (Carlito), se tornou cliente de meu


avô Zaiden (Isidoro) na máquina de beneficiamento de arroz. Ele entregava
lá as produções que cultivava na Fazenda Barreiro Grande (Colômbia) e na Fazenda
do Poço (Alberto Moreira). Minha mãe, Ana Rosa, tornou-se amiga de minha tia
Munira, única irmã de meu pai, casada com tio Aymar Zatiti e mãe de meus
primos Vera Helena e Márcio. Daí foi um pulo para os dois começarem a na-
morar e depois se casarem, em 15 de maio de 1965. Contava meu pai que no
casamento deles meu avô já estava doente, com problemas renais — morreu
com apenas 54 anos.
ZAIDEN GERAIGE NETO 185

A casa da Avenida 29 (sobrado branco), número 1174, entre as ruas


26 e 28, foi construída pelo meu avô Zaiden (Isidoro) e lá passamos a maior
parte de nossas vidas, eu e meus irmãos Ana Helena (Lelê) e Antônio Carlos
(Cacaio).
Só temos a agradecer a Barretos por ter acolhido tão bem nossa família!

Zaiden Geraige Neto é nascido em Barretos. Graduado, mestre e doutor em


Direito pela PUC/SP, com MBA pela FGV.
Ainda na área, é professor de Mestrado e Doutorado. Na Literatura, produz em duas
frentes: obras jurídicas e de ficção. Finalista do Prêmio Jabuti
Mais um pouco de História...
MAIS UM POUCO DE HISTÓRIA 187

Recortes de jornal
anunciando a primeira
execução do Hino Barretense.
Fonte: Jornal de Notícias, São
Paulo/SP, 25/8/1950, p. 6
Arquivo da Biblioteca Nacional.

Quando Barretos comemorava seus 96 anos de


fundação oficial, em 1950, a cidade ouvia pela primei-
ra vez o seu Hino.
Anos antes das comemorações oficiais do primei-
ro centenário da fundação de Barretos, que ocorreria
em 1954, a cidade já sentia o clima de construção de
memórias, tradições e símbolos que pudessem integrar
e trazer identidade ao seu povo. Um exemplo disso foi
o Hino Barretense, cuja letra se sintoniza com o discurso
bandeirantista paulista dos anos 1950.
A letra do Hino foi escrita pelo advogado, jornalis-
ta e memorialista Osório Faleiros da Rocha.
Já a melodia tem autoria do professor e maestro
Aymoré do Brasil, que vivia em Barretos desde 1940.
188 MAIS UM POUCO DE HISTÓRIA

Hino Barretense
L E T R A: Osório Faleiros da Rocha
MÚSICA: Aymoré do Brasil

Por Barretos bandeirante,


Desbravador do sertão!
Pela Pátria, avante! Avante,
Levantado o coração!
Não há divisa mais bela,
Mais nobre, mais varonil:
Sejamos a sentinela
Avançada do Brasil.

O sol ardente o prado e as


searas doura,
As bênçãos do senhor vêm com
o orvalho,
protegendo os rebanhos e a lavoura
Os lares, os estudos e o trabalho!

Por Barretos bandeirante,


Desbravador do sertão!
Pela Pátria, avante! Avante,
Levantado o coração!
Não há divisa mais bela, Deus nos guie e conserve sempre
Mais nobre, mais varonil: unidos,
Sejamos a sentinela Como suas ovelhas o zagal.
Avançada do Brasil. Sem distinção de credos e partidos,
Pugnemos pela glória nacional!

Por Barretos bandeirante,


Desbravador do sertão!
Pela Pátria, avante! Avante,
Levantado o coração!
Não há divisa mais bela,
Mais nobre, mais varonil:
ROCHA, Osório (in memoriam). Reminiscências, Sejamos a sentinela
volume III. Ribeirão Preto: Cori - Arte e
Programação Visual, 199(?), p. 158-159. Avançada do Brasil.
MAIS UM POUCO DE HISTÓRIA 189

Fragmento de fotografia da área central de


Barretos
(fonte: Arquivo do Museu Histórico, Artístico
e Folclórico “Ruy Menezes”)
190 MAIS UM POUCO DE HISTÓRIA

O Brasão

O Brasão de Barretos foi elaborado no contexto das


comemorações do 1º centenário da fundação de Barretos,
no ano de 1954. A Comissão Central dos Festejos Comemorativos do
1º Centenário da Fundação de Barretos, através de sub-comissão,
abriu concurso para a escolha de um escudo representa-
tivo das “tradições de Barretos”.
Em 1º de abril de 1954, foram julgados oito traba-
lhos, sendo o escolhido o brasão apresentado pela jovem
Maria Luísa de Queiróz Barcelos, sob o pseudônimo de
Lusíada, quando ainda contava com 20 anos de idade.
Deste modo, o “Álbum Comemorativo do 1º Centenário da Fun-
dação de Barretos”, organizado naquele ano de 1954, estam-
pava já em sua terceira página, o brasão de Barretos,
descrevendo suas principais referências — que dentre
tantas se destacam: o símbolo do Divino Espírito Santo; a
fazenda “Fortaleza” dos Barreto; a fortificação da cidade
a partir da participação dos soldados constitucionalistas
na guerra paulista de 1932; a mecanização da lavoura do
município (com seus principais produtos: arroz e milho)
e o verbete latim Frates sumus omnes (Somos todos irmãos),
na intenção de promover identidade e espírito fraterno
ao povo barretense; tão característico daquele contexto
de criação de memória coletiva à cidade.
As explicações heráldicas do brasão também foram
esmiuçadas no álbum comemorativo.

(Fonte: MENEZES, Ruy; TEDESCO, José. Álbum Comemorativo


do 1º Centenário da Fundação de Barretos, 1954, p. 3. Arquivo
do Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”).
MAIS UM POUCO DE HISTÓRIA 191

Maria Luísa de Queiróz Barcelos (1933-1993), autora do brasão.


(Fonte: Jornal O Diário, 15/6/1993, Pasta 26 do arquivo documental do
Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”)
192 MAIS UM POUCO DE HISTÓRIA

A Bandeira

Criada após concurso em junho de 1974, na gestão


do Prefeito Ary Ribeiro de Mendonça, a bandeira munici-
pal de Barretos é de autoria de Luiz Antônio Furlan.
À época, Furlan era estudante do 5º ano de Enge-
nharia da “FEB” (hoje Unifeb), e foi selecionado pela co-
missão técnica como vencedor entre os 79 projetos apre-
sentados.
Para tal, utilizou o pseudônimo Aristélio Andrade.
As cores da bandeira seguiam o brasão: vermelho,
verde, amarelo e branco.
Nota-se a estrela branca em destaque no mapa do
estado de São Paulo como marco geográfico da posição do
município de Barretos.

(Fonte: Pasta 99 do acervo documental do Museu Histórico Artístico


e Folclórico “Ruy Menezes”).
MAIS UM POUCO DE HISTÓRIA 193

Bandeira oficial (acima) e projeto original (abaixo)


apresentado pelo autor, Luiz Antônio Furlan, em junho de 1974
Prefixo Editorial: 66961
Número ISBN: 978-65-991598-1-7 
Título: Barretos em 3ª Pessoa
Tipo de Suporte: Papel

CM

MY

CY

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Essa obra foi impressa em Triplex Supremo LD


Branco 250 g/m2, Orelhas: 40 x 70mm,
4x0 cores (CAPA) e em Polen Soft Creme (MIOLO),
pela

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