Você está na página 1de 131

Carukango

O Príncipe dos Escravos


Hélvio Gomes Cordeiro

Carukango
O Príncipe dos Escravos

2009
Copyright c 2009 by | Carukango — O Príncipe dos Escravos

Ilustrações:
Clausner Rodrigues Martins

Programação visual e diagramação:


Enockes Cavalar

Fotografias:
Wellington Cordeiro

Revisão:
Maria Aparecida Gomes Cordeiro

Capa:
Arte de Enockes Cavalar
Ilustração de Clausner Rodrigues Martins

Impressão:
Grafimar Artes Gráficas e Editora

Ficha catalográfica

Cordeiro, Hélvio Gomes.


Carukango — O Príncipe dos Escravos. / Hélvio Gomes Cordeiro —
Campos dos Goytacazes, RJ - Grafimar, 2009.

130 p.; 21,5 cm.

1. História. 2. Literatura brasileira. I.Título.

Todos os direitos reservados. No caso de pesquisa, não esquecer de citar o crédito.

Impresso no Brasil
— Printed in Brazil —
Colaboração

Carlos AA. Sá
Conceição Franco
Enockes Cavalar
Fabíola Melo Baiso
Izael Barroso
Jorge Luiz dos Santos
Juarez Fernandes
Leandro Lima Cordeiro
Maria Aparecida G. Cordeiro
Patrícia Bueno
Agradecimento

Alberto Luis Júnior


Alicinéia Gama
Casa de Cultura Zé Henriques
Clausner Rodrigues Martins
Elton Nunes
Fundação Zumbi dos Palmares
Herbson da Rocha Freitas
Jorge Luiz dos Santos
Jornal Monitor Campista
Museu Barbosa Guerra
Patrícia Bueno
Patrícia Cordeiro Alves
Ruan Lima Manhães
SEMAPH de Macaé
Top Informática
Sumário

Palavra da prefeita | 13
Prefácio | 17
Apresentação | 23

D e P ríncipe a E s cravo

Depois da festa, o A bordo do Revoltas e


conflito | 33 “Gaivota Feliz” | 37 Castigos | 42

Em busca da Caça aos O Quilombo | 60


liberdade | 48 fugitivos | 56

Batalha Justina, a Ligação com


sangrenta | 67 verdureira | 78 o “Tigre da
Abolição | 84

A Punição | 98
Objetos de Tortura | 109
Tráfico de Escravo | 119
Fotos atuais da região | 124
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Palavra da Prefeita

A história de Carukango me impressionou


em vários aspectos, é muito mais que
uma história de resistência e luta, é um
verdadeiro exemplo de superação, bravura e so-
bretudo de visão.
Um líder tem que enxergar além do seu tempo
e saber o que é melhor para os seus liderados,
muitas vezes tomar decisões demanda de sensi-
bilidade e coragem. Carukango foi um verdadeiro
exemplo de obstinação, para proteger o seu povo
do domínio escravocrata e acreditando num fu-

13
Bandidos(as)
Palavra na pista | Leituras homoculturais
da Prefeita

turo de mudança, ele teve a coragem de orientar


seus liderados a parar de conceber filhos a fim de
evitar o sofrimento imposto pelo sistema. Quanta
determinação, seria o mesmo que falar: não nos
renderemos, não daremos nossos filhos para que
eles escravizem, nossos filhos merecem nascer
sob a vitória da liberdade. Carukango não che-
gou a ver concluído seu sonho de liberdade, mas
cumpriu a missão de ajudar a construir uma nova
realidade. Esta é uma construção continua.
De forma divinamente orquestrada, nasce o
neto de Carukango, que mesmo sem ter conhe-
cido o avô, herda sua determinação, coragem e
espírito de liberdade, o “Tigre da Abolição”. José
do Patrocínio, maior defensor da abolição da es-
cravatura trazia no sangue as características de
um herói.
Hoje damos nossa contribuição com iniciativas

14
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais Palavra da Prefeita

como esta de resgatar a história deste herói ofe-


recendo como ferramenta para que a população
entenda através do seu passado e importância
das vitórias do presente. Parabenizo a Funda-
ção Municipal Zumbi dos Palmares e a equipe de
pesquisa coordenada por Hélvio Cordeiro pelo
brilhante trabalho que vem ao encontro do ide-
al de nosso governo que é elevar a auto-estima
do nosso povo através das suas tradições e sua
história.

Rosinha Garotinho
Prefeita de Campos dos Goytacazes

15
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

16
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Prefácio

A história que
poucos conheciam

H á muito tempo acompanho o trabalho


de Hélvio Cordeiro, uma pessoa apai-
xonada pela pesquisa que busca os mí-
nimos detalhes para que os fatos que fizeram a
nossa história sejam facilmente entendidos por
todos. Com a simplicidade dos homens sábios
ele vem prestando um serviço importantíssimo
a Campos, criando meios para que a nossa his-

17
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Prefácio

tória não fique apenas nas gavetas do tempo.


Quando recebemos o convite da prefeita Ro-
sinha Garotinho para assumirmos a Fundação
Municipal Zumbi dos Palmares, lembramos
logo de Hélvio, e de como ele seria importante
para o nosso trabalho. Conversamos sobre Ca-
rukango e ele foi buscar a história de um dos
mais brilhantes personagens da nossa história.
O líder do maior movimento de escravos que
se tem notícia em toda a região. Um príncipe
que nunca se entregou e lutou até a morte pela
liberdade dele e dos negros que formaram um
dos maiores quilombos que se tem notícias
por aqui.
A história da resistência de Carukango, não
se sabe porque, não teve a devida atenção por
parte dos historiadores e, por isso, as referên-
cias históricas da luta dos negros sempre foram
baseadas na figura de Zumbi dos Palmares. Mas

18
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Prefácio

esse homem, que na sua tribo era príncipe,


nunca negociou a sua liberdade e não aceitava
a idéia de ver outros negros sendo submetidos
a escravidão, a ponto de pedir que os inte-
grantes do seu quilombo não tivessem filhos,
temendo que um dia esses pudessem cair nas
mãos do perverso sistema que transformava
homens livres em escravos.
Com esse livro a Fundação Municipal Zumbi
dos Palmares não quer trazer de volta as dores
da escravidão, mas permitir que o público co-
nheça a história do magnífico Carukango, que
transformou a sua revolta em um objetivo de
luta na defesa da liberdade.
Carukango, não foi só um escravo fujão, mas
o referencial de uma época, sendo amado pelos
escravos que conheciam a sua história que se
espalhou rapidamente e, odiado pelos fazen-
deiros que colocaram sua cabeça a prêmio.

19
Bandidos(as)
Prefácio na pista | Leituras homoculturais

Esperamos que essa nossa contribuição, des-


perte outros historiadores para que traduzam
para a sociedade brasileira o que representou
Carukango, o Príncipe da Liberdade.

Jorge Luiz dos Santos


Presidente da Fundação
Municipal Zumbi dos Palmares

20
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Carukango foi considerado tão


importante quanto Zumbi dos Pal-
mares para a nossa região e sofreu
o mesmo castigo, sendo esquar-
tejado, tendo a cabeça espetada
numa lança e colocada na entrada
da Freguesia de Nossa Senhora
das Neves.

21
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Apresentação

P ara se chegar à história do livro “Carukan-


go, o Príncipe dos Escravos”, a idéia sur-
giu por volta de setembro a outubro de
2005, quando um conhecido meu, que é carna-
valesco em Campos dos Goytacazes e em ou-
tras Cidades da região, me solicitou a história
de um moçambicano que havia criado um dos
maiores Quilombos do Estado do Rio de Janeiro,
sendo considerado tão importante quanto foi o
líder Zumbi dos Palmares, para servir de enredo

23
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Apresentação

para uma Escola de Samba. Eu confesso que fiquei


curioso, por ser um pesquisador e, ainda não ter
ouvido falar neste personagem de nossa região.
Então, comecei a pesquisa, buscando informações
sobre onde seria esse Quilombo e, em que área
ele tinha sido criado e qual a história que gira-
va em torno dele para ter tamanha importância.
Busquei também, informações com meu ami-
go Sebastião Rangel Dias Filho, Diretor/Cura-
dor do Museu da Imprensa Dr. Barbosa Guerra,
por saber que lá existe uma quantidade muito
grande de livros sobre a história de Campos e
cidades vizinhas, mas houve a necessidade da
interrupção na pesquisa, por motivos de tempo
e de outras atividades e, também, pela pessoa
que queria essa história ter me procurado para
dizer que não havia tempo suficiente para que
ele executasse o enredo, utilizando esse tema.
Por fazer parte da diretoria do Instituto Histo-
riar, sendo um de seus palestrantes no projeto
que desenvolvemos nas escolas, sobre a pre-

24
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Apresentação

servação de nossa História, trocando idéias com


meus companheiros de projeto, Enockes Cavalar
e Leandro Lima Cordeiro, eles me incentivaram a
continuar esse trabalho para, posteriormente se
transformar num livro. Então, recomecei a pes-
quisa e, por pura coincidência e acaso do destino,
o meu amigo Carlos AA Sá, da Casa de Cultura Zé
Henriques, de São João da Barra, me presenteou
com o livro de João Oscar, chamado “A Saga de um
Herói Negro”, que foi a mesma coisa que ganhar
de presente um tesouro. Por proposta do jornalista
Jorge Luiz (Presidente da Fundação Zumbi dos Pal-
mares), completei as pesquisas com mais tempo e
dedicação, visto que ele havia se interessado, não
só pelo assunto como também de a Fundação que
preside, lançar o livro para divulgação desse per-
sonagem, resgatando assim, a história de um líder
negro de tamanha importância e, ainda desconhe-
cido da maior parte da população. Com algumas
informações já apuradas, o que facilitou, de certo
modo, na conclusão deste trabalho foi o apoio que

25
Bandidos(as)
Apresentaçãona pista | Leituras homoculturais

recebi de uma colega do SEMAPH de Macaé de


nome Conceição Franco, que me disponibilizou
uma quantidade enorme de informações, de ma-
terial e de sua boa vontade para que o trabalho
fosse realizado. A história deste príncipe da tribo
dos Bechuanos, ainda tem muita coisa para ser
dita e, muitos mistérios a serem desvendados,
que só com o tempo, com muita pesquisa e tra-
balho de campo, se poderá fazer uma biografia
de direito e de fato. Através de informações que
obtive em Macaé, hoje existe um interesse muito
grande dos pesquisadores da Secretaria de Meio
Ambiente e Patrimônio Histórico, em encontrar
o local exato onde teria sido o Quilombo de Ca-
rukango, no platô da antiga Serra do Deitado
(complexo de montanhas na divisa dos municí-
pios fluminenses de Conceição de Macabu, Ma-
caé e Trajano de Morais, hoje tendo os nomes de:
Serra do São Tomé, Serra do Carukango, Serra
São João e Serra da Cachica). Agradeço com uma
prece, e torço para que possam existir pessoas

26
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Apresentação

que sejam tão interessadas em pesquisar a his-


tória de nossa terra e de nossa gente, como foi
o pesquisador e escritor João Oscar. E que pos-
sam existir mais pessoas tão amigas quanto, para
mim, é o escritor, jornalista e poeta Carlos AA Sá.
Que possa ter pessoas com uma grande visão do
que é preservar e divulgar a Cultura, como o jor-
nalista e radialista Jorge Luiz. E que eu possa, por
muitos e muitos anos, partilhar tudo isso não só
com todos esses amigos, mas também, com meus
parceiros de sempre do Instituto Historiar. “Ca-
rukango, o Príncipe dos Escravos”, com certeza, já
é uma realidade.

O autor

27
De Príncipe
a Escravo
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Depois da festa,
o conflito

N
tribo.
ascido na tribo Bechuana, às margens do
Rio Zambezi em Moçambique, região da
África, Carukango era filho do chefe da

Durante a festa de casamento de uma de suas


irmãs com o filho do rei dos Bazutos com todas
as tribos vizinhas convidadas, teve uma grande
comemoração regada a vinho e aguardente que
foram dados de presente para os noivos, todos

33
Bandidos(as)
Depois na pista
da festa, | Leituras homoculturais
o conflito

beberam muito durante a tarde e à noite.


A tribo dos Zulus, (que estava na festa e havia
feito uma negociação com os brancos do litoral e
traficantes de escravos, que eram em grande nú-
mero no século XIX), recebeu a missão de fazer
prisioneiros os bechuanos.
Durante a madrugada, enquanto todos dor-
miam, logo após a festa, os Zulus divididos em
grupos distintos invadiram o povoado dos be-
chuanos.
Eles estavam armados de lanças, zarabatanas e
bordunas, e se guarneciam com escudos de couro
de rinoceronte para se protegerem de uma resposta
ao ataque. Sendo assim, dado o alarme, os bechua-
nos saíram das cubatas de palha e se fecharam em
círculo no meio do terreiro, para defenderem-se
das agressões da forma que podiam, já que foram
surpreendidos com um ataque noturno.
Conseguiram, em luta corpo-a-corpo, fazer
com que os Zulus fugissem, expulsando-os assim
de sua tribo. Porém, mesmo lutando bravamente,

34
Bandidos(as) na pistaDepois
| Leituras homoculturais
da festa, o conflito

Carukango, (que teve a atenção desviada para a


morte de sua mãe atingida por um dardo envene-
nado, lançado por uma zarabatana, vindo de um
dos integrantes da tribo dos Zulus) recebeu uma
pancada na cabeça, ficando assim completamen-
te desacordado.

35
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

A bordo do
“Gaivota Feliz”

A marrado a outros nativos, foi levado para


as campinas do Catembe, (hoje incorpo-
rado a Maputo), onde existia uma feito-
ria dos brancos.
Os prisioneiros foram negociados com trafi-
cantes de escravos estabelecidos em Sofala, em
troca de algumas pipas (barris) de cachaça e uns
rolos de tabaco. Tudo era realizado às escondidas,
de forma que isso era uma estratégia utilizada
para não fazer o pagamento dos devidos tributos

37
Bandidos(as)
A na pista Feliz”
bordo do “Gaivota | Leituras homoculturais

de captação pela compra dos escravos, uma prá-


tica muito comum realizada naquela época pelos
benfeitores e donos de engenho.
Eles, os escravos, foram transportados em um
barco negreiro (também conhecido como tum-
beiros) que era chamado de “Gaivota Feliz”, a
viagem começou na África e a embarcação en-
frentou grandes tempestades e fortes ventanias,
tendo que fugir dos cruzadores ingleses, que
perseguiam os barcos negreiros, navegando du-
rante cinco semanas e meia (aproximadamente
39 dias) até chegarem as costas brasileira, onde
os comandantes conheciam muito bem os locais
para se esconder e se desfazer de sua ‘carga’. As
embarcações negreiras dos traficantes eram de
pequeno calado, podendo navegar com mais ve-
locidade que os cruzadores e poder fugir, quan-
do perseguido de perto, pelos canais mais rasos.
Por essa razão, os cruzadores ingleses traziam a
bordo lanchões de guerra, que eram arriados nas
águas para terem acesso aos canais e continuar

38
Bandidos(as) na pista
A |bordo
Leituras homoculturais
do “Gaivota Feliz”

a perseguição aos traficantes. Nesta época, todos


os comandantes de embarcações negreiras, que
viviam na lida do tráfico de escravos, tinham por
obrigação, passar pelas aulas do maior mestre da
navegação do Brasil, acostumado a fazer várias
viagens a Portugal e aos portos africanos em bus-
ca de escravos que eram trazidos em seu navio,
para servir de mão-de-obra no nosso País, que se
chamava Joaquim Ferramenta, um homem temi-
do e ousado, de têmpera rija, que chegou a en-
frentar, sozinho, os marinheiros do lanchão inglês,
chegando a afundá-lo. Porém, foi feito prisioneiro
e levado a julgamento na Inglaterra. Tendo feito
juramento perante a Rainha Victória que não mais
iria comandar navios de tráfico de negros, foi per-
doado e convidado para comandar um cruzador
inglês, tendo recusado, preferindo voltar para o
Brasil, onde se estabeleceu no ramo de orientação
aos outros comandantes menos experientes. O
desembarque teve lugar na enseada de Quissamã,
próximo da embocadura do riacho (Rio Furado).

39
Bandidos(as)
A na pista Feliz”
bordo do “Gaivota | Leituras homoculturais

O leilão dos negros foi realizado no mesmo lo-


cal do desembarque, sendo todo o lote arrema-
tado por um mercador de Macaé cujo nome era
capitão Chico Domingues, (que tinha como sócio
um traficante de negros que residia no Rio de Ja-
neiro), e que pagou cento e sessenta mil réis por
cada cabeça de escravo. Os negros, quando che-
gavam em terras brasileiras eram jogados no mar
para se lavar e ficar com uma melhor aparência,
visto que o seu preço subia de acordo com sua
apresentação. No lote de negros para leilão eram
examinados os dentes, o porte físico e a disposi-
ção para o trabalho.

40
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Revoltas e castigos

N o leilão de Macaé, três negros foram ven-


didos por uma oferta generosa feita pelo
capitão Antônio Pinto, cuja família era
muito numerosa e poderosa na região, fazendeiro
da Freguesia de Nossa Senhora das Neves e Santa
Rita, região conhecida por Crubixais, Carukango
era um deles, junto com mais dois africanos, cujos
nomes eram Tumé e Mandu Gambô.
Na fazenda do capitão, o príncipe bechuano re-
cebeu o nome católico de Dodô Moçambique, de-
nominação que ele não aceitava por ter sido esco-

42
Revoltas
Bandidos(as) na pista | Leituras e castigos
homoculturais

lhida por um branco.


Ele já estava vivendo na fazenda do coronel
Antonio Pinto há oito anos; por sua rebeldia e o
fato de não aceitar ser escravizado por homens
brancos, tinha o corpo todo lanhado e marcado
pelas surras que levava do capataz, que usava um
chicote de couro cru de cinco pontas denominado
‘bacalhau’, a ponto de criar uma deformação na
espinha do jovem africano; a medida que apanha-
va, sua coluna mais parecia a corcova de um zebu,
e por só viver de tronco e ferro nos pés, ficou de-
feituoso da perna esquerda.
Por ser jovem e forte, nunca se dobrava, nem
quando já estava ensangüentado e extremamen-
te ferido, sempre se mostrando altivo e austero
soltava gemidos abafados e conversava com suas
entidades espíritas, destilando o ódio que sentia
dos brancos. Tinha a personalidade forte e lutava
por seus direitos como nenhum outro fazia na pre-
sente época. A sua fama crescia com o passar dos
dias. Pela sua força e sua luta em favor da liber-

43
Bandidos(as)
Revoltas na pista | Leituras homoculturais
e castigos

dade de sua raça, se sentia na obrigação de fazer


alguma coisa para tirá-los daquele sofrimento.
O imponente Carukango continuou a ser um
escravo boçal, não aprendeu português e nem
abandonou suas crenças religiosas e costumes
africanos, trazidos da África, o colocavam, tam-
bém, como um feiticeiro, por sua mania de ficar
falando, por volta da meia-noite, com suas divin-
dades. Isso muitas vezes causava medo e um res-
peito muito grande nos negros da fazenda, que
diziam ter visto o seu mestre e futuro salvador
falando com o Diabo. Era como o significado de
seu nome Carukango (o observador, o estrategis-
ta, aquele que organiza), assim como seu espírito
de liderança e vontade de adquirir sua liberdade e
o direito de ir e vir, igualmente aos brancos.
Resistiu ao trabalho com sabotagens e negli-
gências, e estabeleceu a liderança espiritual sobre
os outros escravos da fazenda.
Os outros negros reconheciam Carukango como
o príncipe que foi mandado por Zâmbi (o Deus

44
Revoltas
Bandidos(as) na pista | Leituras e castigos
homoculturais

dos africanos) para protegê-los e libertá-los das


agressões sofridas pelos senhores de engenho.
Depois de duas fugas, consideradas de grande
utilidade e importância para Carukango, por per-
mitir que ele obtivesse um melhor e vasto conhe-
cimento da região, visto que a área montanho-
sa lhe permitiria não só escapar, como organizar
os ataques e as defesas. Em seu modo de ver, a
região iria permitir que ele colocasse em prática
tudo aquilo que vinha imaginando, por a área ser
composta de local de difícil acesso e muito bem
protegida por densas matas virgens, e ainda be-
neficiada por platôs e nascentes com abundância
de água doce, além de local de terra fértil.
Com isso o escravo poderia escolher um local
adequado para criar um Quilombo e que o mesmo
pudesse acolher todos os negros que ele conse-
guisse libertar de todas as fazendas da região.
Começando a organizar a rebelião, Carukango
se juntou aos dois negros de sua extrema confian-
ça, Tumé e Mandu Gambô, que chegaram junto

45
Bandidos(as)
Revoltas na pista | Leituras homoculturais
e castigos

com ele ao Brasil e foram vendidos para a mesma


fazenda que pertencia a Antônio Pinto, e prepa-
rou a fuga definitiva, prometendo aos demais que
nenhum deles nunca mais seria escravizado.
Transcorria o ano de 1822, durante a realiza-
ção de sua fuga, (tendo a liberdade cedida pelo
seu amigo Tumé), Carukango matou o odiado ca-
pataz, de nome Corisco, que era o responsável
pelas tantas surras que havia lhe dado e não ape-
nas machucado o corpo, mas que também tanto
havia lhe ferido a alma. O capataz, nunca mais
maltrataria ninguém.

46
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Em busca da liberdade

C erta noite, os escravos arrombaram as


portas da senzala e evadiram-se. Os es-
cravos velhos, que não aceitaram fugir,
foram degolados para que não delatassem os pla-
nos dos demais. Os rebeldes assaltaram o arma-
zém da fazenda, apoderando-se de ferramentas,
facões, alimentos e cordas. O feitor e os patrões
perseguiram os fugitivos com tiros, mas a fuga
foi bem-sucedida.
Os escravos seguiam para o cume das mon-
tanhas da Serra do Deitado, região habitada na

48
Bandidos(as) na pista | Em
Leituras
buscahomoculturais
da liberdade

época somente por índios e fugitivos, que hoje


faz parte dos municípios de Macaé e Conceição
de Macabu.
Lá, perto da nascente do Rio Deitado, afluente
do Rio São Pedro, encontraram um platô grande
onde construíram um abrigo coletivo, que oculta-
va a entrada de uma caverna.
Ao redor, passaram a cultivar plantações diver-
sas: milho, cana, feijão, mandioca, inhame, favas,
maxixe. A alimentação era complementada pela
caça, algumas criações que apanhavam nas fa-
zendas, como porco, cabra, e galinhas e, coleta
de frutas, palmito e raízes da região.
Com essa primeira atitude executada, a mor-
te do odiado capataz, seu algoz, durante muitos
anos, o negro dava continuidade ao seu plano de
fuga e libertou alguns negros escravos para que
o seguisse. Carukango precisava de reforço para
enfrentar o que ainda viria pela frente.
Nas incursões, as escravas negras eram leva-
das à força ou por livre vontade; dentre as que

49
Em busca da na
Bandidos(as) liberdade
pista | Leituras homoculturais

foram escolhidas para segui-lo nessa jornada, es-


tava uma escrava chamada Ziqué, que com o pas-
sar do tempo acabou se transformando em sua
mulher.
Em um ataque frustrado à fazenda de seu an-
tigo dono, Carukango foi reconhecido como líder
dos quilombolas, mas conseguiu escapar mesmo
depois de ter sido ferido à bala por um dos capan-
gas presente na proteção da fazenda.
Instalaram-se no capão da serra, uma mata vir-
gem, que ficava localizada atrás do morro bicudo
e acima do Rio Macabu.
Eles saíam de suas instalações para realizar
saques em todas as fazendas, tanto as próximas
quanto as distantes. Os quilombolas pegavam
tudo que encontravam pela frente, era uma época
em que eles não tinham o que escolher, precisa-
vam de mantimentos para sobreviver e alimentar
todo o grupo que havia sido libertado. Aves, ou-
tros animais, além de armas para a defesa de to-
dos e principalmente das mulheres, ferramentas

50
Bandidos(as) na pista | Em
Leituras
buscahomoculturais
da liberdade

e cordas para a manutenção das instalações onde


se encontravam.
O grupo libertava todos os negros escravos que
encontravam e não satisfeitos colocavam fogo nos
canaviais.
Uma das exigências que Carukango, então atu-
almente negro liberto e comandante supremo do
Quilombo, fazia para todos aqueles que ele reti-
rava dos engenhos e das fazendas e os colocava
na liberdade, era que, a partir daquele momento
a linguagem e as crenças que usariam seria a da
mãe - África, sua linguagem nativa.
A liberdade tinha um preço: esquecer todo o
aprendizado sobre religiosidade e o que acredi-
tavam e a proibição para as mulheres de terem
filhos.
Nos meses seguintes, ocorreram várias fugas
nas fazendas da região. Os confrontos entre pro-
prietários e fugitivos tornaram-se cada vez mais
freqüentes, sangrentos e intensos, resultando as-
sim nas mortes de pessoas brancas como a de um

51
Bandidos(as)
Em busca da na pista | Leituras homoculturais
liberdade

irmão de Francisco Pinto e seus familiares.


Os fazendeiros começaram a tomar atitudes em
relação à fuga de seus escravos. A situação não
poderia continuar da forma que estava.
O jornal “Reverbéro Constitucional Fluminen-
se” que circulava na região na época apresenta-
va um anúncio para os interessados na compra
e venda de escravos, além de fugas de escravos
rebeldes.
No anúncio em questão, a chamada era para a
fuga do então afamado negro africano Carukango,
o escravo moçambicano, de boa estatura e manco
da perna esquerda:

“ESCRAVO FUGIDO – Rs$ 200.000 - Fu-


giu do capitão Antonio Pinto, proprietário
de uma fazenda em Crubixais, termo de
Macaé, um escravo de nome Dodô, vulgo
Curunkango, de nação Moçambique, idade
25 anos pouco mais ou menos, ladino, com
os sinais seguintes: cor um tanto fula, es-

52
Bandidos(as) na pista | Em
Leituras
buscahomoculturais
da liberdade

tatura acima de regular, mal feito de corpo,


olhos grandes e vermelhos, cara descarna-
da, pouca barba, fala desembaraçada como
a de crioulo, marcas como de ventosas sar-
jadas nas nádegas e nas costas, meio bei-
çudo, cabelo picumã, nariz chato; pisa com
os calcanhares por ter os pés gretados e fe-
ridos de bichos, traz no peito uma cicatriz
recente em forma de ‘F’ e tem canelas gros-
sas em razão dos ferros em que se achava
antes da fuga; é perigoso e abusado.
Quem o apreender e levar, em qualquer
estado, a seu dono, será gratificado com
200$000. E protesta-se com todo o rigor da
lei a quem lhe der couto (acolhida).”

53
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Caça aos fugitivos

N a região do Crubixais, o capitão Chi-


co Domingues, o capitão Antonio Pinto
e outros fazendeiros, organizaram uma
milícia para liquidar com os negros do Quilombo
de Carukango sem, contudo, obterem sucesso.
Foram feitas petições às autoridades locais pe-
dindo-se para destruir o Quilombo que ameaçava
a paz social, até então presente em todos os esta-
belecimentos e residências.
As milícias da cidade de Cabo Frio e da Vila de
Macaé foram consideradas fracas para enfrentar

56
Bandidos(as) na pista | Leituras
Caçahomoculturais
aos fugitivos

os quilombolas que se fortaleciam à medida que


o tempo passava e que conheciam muito me-
lhor toda a região. Então, foi pedido auxílio ao
Coronel Antônio Coelho Antão de Vasconcellos
que era chefe do Distrito Militar da Capitania
do Espírito Santo, que nessa época se estendia
até a cidade de Campos dos Goytacazes. O coro-
nel Antão de Vasconcellos, era militar e se des-
tacou muito quando tomou parte na Guerra da
Península. Chegou ao Brasil junto com D. João
VI, chefiando a Casa Militar. Foi o organizador
das Milícias, que se transformaram posterior-
mente em Guarda Nacional. Foi o construtor do
Forte de Macaé. Tinha uma larga experiência no
comando de combates tanto em terra como em
água.
O ano de 1825 transcorria enquanto que, vá-
rios fazendeiros da região, viviam com medo
das investidas de Carukango, onde se comen-
tava sobre seus ataques em várias localidades
como: Rio das Ostras, Indaiaçu (hoje Casimiro

57
Bandidos(as)
Caça na pista | Leituras homoculturais
aos fugitivos

de Abreu) e Barra de São João, de onde liberta-


vam vários escravos e onde efetuavam saques.
O príncipe africano era temido e respeitado por
toda região.

58
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

O Quilombo

O Quilombo já havia crescido e contava


com uma população de mais de duas
centenas de escravos fugidos entre os
quais, homens e mulheres, sendo que não exis-
tiam crianças por causa de uma lei imposta por
Carukango.
A não permissão de crianças no Quilombo era
para permitir a realização de uma fuga rápida,
caso fosse necessário. Para que os adultos não
se atrapalhassem e crianças não fossem deixadas

60
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
O Quilombo

para trás para não servirem de escravos nas fa-


zendas dos brancos.
Apavorados pelos ataques dos quilombolas, e
sem ter o que pensar para se defender dos ocu-
pantes do Quilombo de Carukango, os fazendeiros
se colocaram às ordens e ao comando do coronel
Antônio Coelho Antão de Vasconcellos e sua milí-
cia de cavaleiros, muito bem armados e trazendo
até dois canhões de porte médio, com calibres di-
ferentes e de fácil transporte, como peças de ar-
tilharia.
As milícias do Espírito Santo uniram-se com as
da Cidade de Cabo Frio e da Vila de Macaé, além
de recrutar e obter a participação de voluntários
de toda região, em especial da família Pinto.
Apesar de ser uma força militar bastante su-
perior em termos de armamento, organização e
quantidade de homens, as milícias não possuíam
o exato conhecimento do terreno, com isso fo-
ram sucessivamente repelidas em confrontos que
aconteceram com freqüência no alto das monta-

61
Bandidos(as)
O Quilombo na pista | Leituras homoculturais

nhas e dentro das florestas virgens.


O coronel Antão de Vasconcellos, um expe-
riente militar que era um estrategista, após mui-
tas batalhas, percebeu que teria que mudar de
tática imediatamente, pois não queria continuar
acumulando derrotas e perdendo vidas. Resolveu
então abandonar os ataques em massa e tentar
surpreender o inimigo.
Após a captura de um quilombola que sofreu
intensas torturas e acabou revelando o local exa-
to do Quilombo de Carukango, um novo plano foi
iniciado, reacendendo todas as expectativas de
apreensão do então líder dos quilombolas, Ca-
rukango.
Todas as trilhas de acesso ao Quilombo foram
bloqueadas pelas milícias que fizeram sucessivos
ataques e com uso constante de armas de fogo
contra os quilombolas, até que finalmente atingi-
ram o platô onde se localizava o Quilombo.
No alto, um cenário impressionou a todos que
estavam presentes na ocasião: Diversas planta-

62
O Quilombo
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

ções cobriam a terra tendo ao centro uma enorme


casa de pau-a-pique com telhado de palha. Esta,
que aparentava ser a casa principal, escondia, na
realidade, a boca da gruta, que era onde viviam
os negros.
Cerca de duzentos quilombolas que ali resi-
diam resolveram não se entregar e defender a sua
liberdade. Estavam todos dispostos, guerreiros
seminus, de todos os sexos e idades estavam ar-
mados de foices, alfanjes, lanças, facões e umas
poucas armas de fogo.
Carukango planejava fazer um ataque em três
fazendas diferentes: nas terras do coronel Salus-
tiano, na engenhoca de Chiquito Pinto e na fazen-
da de Antônio Pinto; posteriormente a esse ata-
que, estariam abastecidos para fazer a mudança
de lugar do Quilombo.
A mudança deveria ocorrer, visto que um capi-
tão-do-mato, chamado Zé Pardo, a quem Carukan-
go conhecia muito bem, por ter sido este quem o
apreendera nas duas fugas que fizera no passado.

63
Bandidos(as)
O Quilombo na pista | Leituras homoculturais

Era um mestiço que foi criado livre, grande co-


nhecedor da região, com instintos cruéis e, muito
temido por causa de sua vasta experiência em ca-
çar negros fugidos. O capitão estava vasculhando
a área à procura do esconderijo dos quilombolas.
Carukango havia feito uma promessa de vin-
gança contra o capitão Antônio Pinto e não queria
deixar de cumpri-la antes de sair da região.
No seu planejado e executado ataque à fazen-
da, entrou em luta ferrenha contra o capitão, que
acabou atirando contra ele e atingindo a Tumé,
que caiu muito ferido.
O ‘príncipe negro’ desferiu um golpe de punhal
na garganta do capitão, matando-o degolado. A
raiva e o sabor da vingança fizeram com que Ca-
rukango não pensasse para agir. A violência reali-
zada gratuitamente pelo capitão e o ferimento do
seu fiel amigo Tumé.
Vendo que não podia fazer mais nada para sal-
var Tumé, Carukango retornou ao Quilombo para
que todos pudessem finalmente realizar a mu-

64
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
O Quilombo

dança de local. A promessa estava cumprida.


Tumé até então, ao contrário do que pensava
seu líder, não havia morrido, porém, foi torturado
até a morte para poder dizer onde ficava o escon-
derijo.
O Quilombo que a milícia desejava saber a lo-
calização encontrava-se em um lugar denomina-
do Serra do Deitado (complexo de montanha que
fica próximo do Rio Deitado, afluente do Rio São
Pedro, entre Conceição de Macabu, Macaé e Tra-
jano de Morais, conhecido hoje com os nomes de
Serra de São Tomé, Serra do Carukango, Serra de
São João e Serra da Cachica).

65
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Batalha sangrenta

U ma expedição fortemente armada foi co-


mandada pelo coronel Antão de Vascon-
cellos, composta pelos fazendeiros da
região e dos soldados milicianos, utilizando o ca-
pitão-do-mato Zé Pardo como guia, seguiu para o
local indicado postando-se em posição de cerco.
A batalha foi sangrenta e desigual. Os milicianos
munidos de artilharia disparavam os dois canhões
causando grandes estragos, enquanto os quilombolas
respondiam com tiros de garrucha e espingarda.

67
Bandidos(as)
Batalha na pista | Leituras homoculturais
sangrenta

O tiroteio causou muitas mortes nos dois lados.


Carukango, querendo salvar as mulheres, negociou
o retorno delas para as fazendas de onde saíram.
A proposta foi aceita e deixaram que as mulhe-
res saíssem do grotão.
Recomeçando os ataques, os canhões fizeram a
diferença a favor da milícia, destruindo o Quilom-
bo e eliminando quase todos os quilombolas.
Carukango, vendo que não tinha saída, encar-
regou a Mandu Gambô, que fugisse com alguns
negros, para estabelecer o Quilombo em outro
local, e dar prosseguimento ao trabalho de liber-
tação iniciado por ele. Queria que fugissem pros
lados do Imbé, como era o plano inicial.
De repente saiu da gruta vestido como um rei
africano ou como muitos o chamavam, ‘feiticei-
ro’ (com uma bata branca e com um grande cru-
cifixo de ouro pendurado no pescoço), o que fez
com que todos ficassem parados, achando que
Carukango estaria se rendendo. Porém o ‘Prínci-
pe dos Escravos’ partiu para cima dos milicianos,

68
Batalha
Bandidos(as) na pista | Leituras sangrenta
homoculturais

armado de facão e garrucha, matando várias pes-


soas, inclusive Thomaz Pinto, filho do fazendeiro
Antônio Pinto, a quem havia eliminado dias atrás.
Recebeu um tiro e caiu de joelhos, seguido de ou-
tro que o acertou nas costas. Os fazendeiros e mi-
licianos então, trucidaram Carukango com tiros,
facadas e golpes de foices.
Encerrados os combates, as milícias atearam
fogo às casas e plantações e atiraram os corpos
dos mortos e feridos nos penhascos e na caverna
sob a casa principal.
Para que seu exemplo não fosse seguido, o cor-
po do príncipe africano foi retalhado e esquarte-
jado (da mesma maneira como ocorreu com Tira-
dentes e com Zumbi dos Palmares), seus membros
e tronco exibidos nas fazendas e na Freguesia
de Nossa Senhora das Neves. A cabeça, espeta-
da numa lança, foi colocada na encruzilhada de
maior movimento da região conhecida como Zé
Bento e depois Chico Martins, onde se reuniam
três estradas: a do Frade, a de Macaé e a do Fu-

69
Bandidos(as)
Batalha na pista | Leituras homoculturais
sangrenta

rambongo, onde permaneceu até decompor-se


por completo.
A narração desses fatos encontra-se no “Livro de
Registros de Óbitos da Freguesia de Nossa Senhora
das Neves e Santa Rita – 1808 a 1847”, escrito pelo
Vigário João Bernardo da Costa Resende.
Ziqué, (mulher de Carukango), viúva e sem
perspectivas de melhoria de vida, voltou para a
fazenda do falecido capitão Antônio Pinto, grávi-
da de uma menina.

70
Batalha
Bandidos(as) na pista | Leituras sangrenta
homoculturais

71
Batalha sangrenta
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

72
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Batalha sangrenta

73
Bandidos(as)
Batalha na pista | Leituras homoculturais
sangrenta

74
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Batalha sangrenta

Transcrição* do LIVRO DE REGISTRO DE


ÓBITOS DA FREGUESIA DE NOSSA SENHORA
DAS NEVES E SANTA RITTA / 1808 -1847

- 1831 -

O Vigario João Bernardo da Costa Resende


Nom premeiro de Abril de mil oitocentos, e trinta e
um nesta Igreja de Nossa Senhora das Neves e Sanc-
ta Rita emcomendei a Antonio e Domingos meus es-
cravos que disem, forão mortos no Quilombo do pé do
Rio Macabú pela forma e maneira seguinte, tendo-se
os negros do Quilombo reonidos a alguns dos escra-
vos dos mondeos da Fazenda Lins, e dos escravos de
Domingos Jose Gomes Pinto tudo isto pelo Juis de Pas
não ter dado as pro videncias percizas pois bem tempo
teve tendo morto a Francisco Jose Pinto da Cunha a a

* Texto transcrito do livro de registros de óbitos da Freguesia de Nossa Senhora das


Neves e Santa Rita 1808 a 1847. O texto acima observa a grafia de época.

75
Bandidos(as)
Batalha na pista | Leituras homoculturais
sangrenta

Sebastiao Jose Pacheco se retirarão para o dito Qui-


lombo levando em sua companhia muitos dos escra-
vos dos mondeos da Fazenda do Lins e outros pondo-
se dahi a dias o batalhão de Melicias em seguimento
forão dar no Qui lombo no dito dia Sexta feira Santa
e atacando o Quilombo depois de haverem alguns ti-
ros de parte a parte o Capitão do Quilombo fez huma
fala aos Soldados e commandante dizemdo que se lhe
prometem nao os matarem ele se entregava e toda a
sua gente, mas se o matavão que elle antao queria
mor rer em sua defesa = o Comandante deo-lhe a
palavra de o nao matar e que se entregasse elle sahio
com huma Imagem de Sancto Christo ao peito depois
de ter botado para fora do Quilombo agente toda a
a penas sahiu fora da porta hum Soldado por no me
Jose Nunes do Barreto lhe atiro hum tiro e no mesmo
tempo que se vio tombado ajuelhou e atirando-lhe
outro Soldado outro tiro por de tras...

76
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

O doc. n° DS
C01098.
JPG – Livro n
° 1 de
Registro de ób
itos/1809-
1847 – Fregu
esia de
Nossa Senhor
a das Neves
e Santa Rita
do Sertão do
Rio Macahe.
(p. 110 v.)

77
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Justina, a verdureira

S egundo o pesquisador, professor e escritor


João Oscar, em seu livro “A Saga de um
Herói Negro”, a escrava Ziqué, deu à luz
uma menina que foi batizada com o nome de Jus-
tina, a criança cresceu na senzala e se fez moça,
sem ter a mínima idéia de sua origem real.
Sendo forte e saudável, passou a valer uma fortu-
na no mercado da venda de escravos. A menina foi
levada a leilão, e acabou sendo vendida para uma
senhora de engenho que ficava localizado em Ponta
Grossa dos Fidalgos, arraial próximo de Lagoa Feia.

78
Justina,homoculturais
Bandidos(as) na pista | Leituras a verdureira

Mais tarde, a herdeira do capitão do Quilombo


foi doada ao Vigário de Campos dos Goytacazes,
como pagamento de umas terras.
Justina era quem levava o balaio de verduras
para vender nas ruas.
O Vigário não conseguiu conter o encanto pela
negra Justina, e acabou por fazer dela sua mu-
lher, comprando-lhe roupas decentes que ves-
tiam gente branca, deu-lhe a guarda da casa,
além de confiar-lhe as chaves da sacristia.
A união do padre com a escrava era vista com
maus olhos pelos barões de açúcar, e não tardou
a ter um fruto.
Do relacionamento dos dois, nasceu um me-
nino mulatinho bem robusto. O padre batizou o
menino com o nome de José do Patrocínio.
Foi através de algumas obras do autor, sobre
Carukango, que deram respaldo no trabalho de
pesquisa, culminando neste livro, que abre um
leque de oportunidades e serve de ponto de par-
tida para outros trabalhos sobre o ‘Príncipe dos

79
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Justina, a verdureira

Escravos’. O apoio do SEMAPH de Macaé, atra-


vés de Conceição Franco, também foi fundamen-
tal para que pudéssemos completar o quadro de
informações mais precisas sobre o Quilombo de
Carukango, culminando com a visão e disponibi-
lidade da Fundação Zumbi dos Palmares, através
de sua diretoria, que apoiou esse projeto de res-
gatar a memória de um homem que foi um sím-
bolo para a história de nossa região e nos deixou
uma semente que cresceu e deu-nos o melhor
dos frutos: o Libertador dos Escravos.
João Oscar nos deixou várias obras, que o tor-
nou conhecido do público leitor, foi louvado por
Barbosa Lima Sobrinho e Gilberto Freyre, por
suas qualidades literárias e, especialmente pela
intensa pesquisa histórica que precede seus li-
vros. Uma das obras do autor foi prefaciada por
Barbosa Lima Sobrinho, o livro “Curunkango Rei”,
lançado pela Cromos Editora, edição de 1988.

80
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Justina, a verdureira

81
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Transcrição da certidão
de nascimento de J. P.
Lv. 15 fls 128 v-Aos oito de Novembro de mil oitocentos e
cinqüenta e três nesta Matriz de São Salvador, o Reverendo
José Joaquim Pereira de Carvalho, de licença, batizou e pôs
os santos óleos no inocente José, exposto aos nove do, mês
passado em a Santa Casa de Misericórdia, digo em a Casa
do Cônego Doutor João Carlos Monteiro, forão padrinhos:
o Vigário Cesário Gomes Lírio e Dona Emereciana do Espí-
rito Santo, de que para constar mandei fazer este assento,
que assinei. O coadjutor, João Luiz da Fonseca Ozório. À
esquerda como anexo à certidão: por despacho do Revmo.
Vigário da 1ª Vara Cônego Pereira Nunes faço a nota se-
guinte: “José, nascido aos nove do mês passado, filho natu-
ral de Justina Maria do Espírito Santo. Dr. Pelinca.”

82
Linhagem
Real
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Ligação com o
“Tigre da Abolição”

S eguindo na linha de observação do escri-


tor Oscar Pinto, no seu livro “A Saga de
um Herói Negro”, que diz o seguinte: “[...]
Devolvida à fazenda da qual no passado havia fu-
gido com Carukango, Ziqué levou a gravidez até
o penúltimo instante, mas ao final não resistiu às
dores e morreu em trabalho de parto.
O atual chefe da fazenda, Zé Bento, um dos
poucos que sobrou da família de Antônio Pinto,
dizia que aquela negrinha não deveria ficar na
fazenda por ser filha do bicho que tinha trato

84
Bandidos(as) na pista
Ligação | Leituras
com o “Tigrehomoculturais
da Abolição”

com Satanás, e que deveria ser trocada por al-


gumas vacas ou novilhas. Foi negociada com um
traficante que a pôs nas mãos de uma negra com
fartura de leite, de nação Mina, que acabara de
chegar da África numa galeota tumbeiro, no qual
havia perdido uma filha por motivo de doença.
O traficante havia dito para a negra, através de
um intérprete, que havia encontrado a criança na
praia e que lhe deu o nome de Justina.
A menina cresceu na senzala, sem saber de sua
origem real, tornando-se uma moça forte de cor-
po e gozando de uma saúde de ferro. Foi levada a
leilão. Quem a adquiriu foi uma senhora dona de
engenho e terras em Ponta Grossa dos Fidalgos,
próximo da Lagoa Feia. A fazendeira que a arre-
matou, contudo não a manteve como sua escrava
por muito tempo, barganhando-a, meses depois,
com um Vigário de Campos, por paga de umas
dívidas de terras. Disse a fazendeira, quando en-
tregou a negrinha ao Vigário, que ela é quitandei-
ra e era quem levava o balaio para a feira ou para

85
Bandidos(as)
Ligação com ona“Tigre
pista |daLeituras homoculturais
Abolição”

vender os produtos da fazenda nas ruas...


O padre, seu novo dono, famoso orador sa-
cro, maçom graduado, político de escol na Bai-
xada, tão logo que a viu, enrabichou-se e acabou
mandando às favas o voto de castidade: fez dela
sua mulher, comprou-lhe roupas de gente bran-
ca, deu-lhe a guarda da casa e, para assombro
dos fiéis da paróquia, terminou por lhe confiar
às chaves da sacristia. E da união do padre com
a escrava, também vista com maus olhos pelos
barões de açúcar, não tardou a vir o fruto. Nas-
ceu um menino, um mulatinho robusto. O padre
comentava com alguns amigos: - Reparem só!
Este pimpolho tem um vigor incrível, um modo
de olhar como nunca vi em criança alguma! Até
parece um príncipe! E deu ao pequerrucho, filho
de sua companheira Justina, o nome de José do
Patrocínio. [...]”
Analisando esses fatos do primeiro livro pes-
quisado, vamos chegar à coincidência dos fatos
encontrados na segunda obra pesquisada, do es-

86
Bandidos(as) na pista
Ligação | Leituras
com o “Tigrehomoculturais
da Abolição”

critor, professor Jorge Renato Pereira Pinto, no


seu livro “José do Patrocínio o Herói Esquecido”,
que diz o seguinte: “[...] Para se entender o surgi-
mento daquele que viria a ser chamado de José do
Patrocínio, precisamos compreender duas perso-
nagens que farão parte decisiva de sua vida: uma,
o Vigário ou Cônego da Igreja Católica local e a
outra, uma negrinha que não tinha mais de 13
anos de idade.
O Doutor João Carlos Monteiro, na época aqui as-
sinalada ocupava o cargo de Vigário da Igreja Matriz.
Seu cargo eclesiástico na verdade era o de Cônego.
O rastro histórico deixado pelo Vigário João Carlos
nos diz que ele se meteu na política chegando à su-
plente do Conselho de Vereadores local e também
a deputado provincial. Época em que não havia re-
gistro civil, nem documento para enterramento nos
cemitérios, sempre se tornava necessário retirar li-
cença com o secretário do Vigário.
Com as rendas da Igreja Matriz e bens herda-
dos, o Vigário João Carlos ganhava mais que qual-

87
Bandidos(as)
Ligação com ona“Tigre
pista |daLeituras homoculturais
Abolição”

quer Engenho de Açúcar ou a soma dos lucros de


vários deles. Era, por conseguinte, possuidor de
fortuna e não deve ser de admirar que tenha acu-
mulado um patrimônio de casas e de fazendas,
para os quais necessitava de braço escravo para
tocá-las. Era membro da Maçonaria local onde
patrocinava banquetes e era também viciado em
jogo de apostas. Jogo vai, jogo vem, dívidas au-
mentando ou vantagens sendo recebidas, o Vigá-
rio João Carlos manteve prestígio e nome, não só
em Campos de outrora, como na Corte Imperial.
Foi assim que um dia entrou na sua vida uma
negrinha escrava, oriunda da nação Mina e cuja
cor era uma mistura de negro avermelhado ou
como disse Múcio da Paixão: “Cor de lombo assa-
do”. Tinha treze anos de idade, se tanto, mas já
apresentava a exuberância das formas típicas das
etnias africanas.
O Cônego que passaria à história como Vigário
João Carlos, veio a falecer com 77 anos de idade
em 1876, cheio de dívidas e de filhos anônimos

88
Bandidos(as) na pista
Ligação | Leituras
com o “Tigrehomoculturais
da Abolição”

(exceto um). D. Emerenciana Ribeiro do Espírito


Santo era possuidora, com seu marido, de bens
e fazendas, retendo para o trabalho dezenas de
escravos, que adquiriam para seus engenhos de
açúcar e aguardente, em compras nos leilões do
Rio de Janeiro, de espécies novas que vinham da
África.
Os estudiosos que se aprofundaram na história
do Cônego João Carlos admitem que D. Emeren-
ciana provavelmente era uma amante do padre a
quem concedia favores pessoais, cedendo-lhe es-
cravos e outros bens. Provavelmente cedeu entre
outras benesses ao padre, uma negrinha de seus
13 anos, com características de pele de tons en-
tre o bronzeado e o avermelhado, evidentemente
já possuindo predicados de uma jovem adulta. Ao
cedê-la ao Vigário, deu-lhe com o nome de Justi-
na, que mais tarde seria registrada com o sobre-
nome de Maria do Espírito Santo.
Surgia assim a escrava, a quem sua dona deu
foro e presenteou ao Vigário e cujo corpo desper-

89
Bandidos(as)
Ligação com ona“Tigre
pista |daLeituras homoculturais
Abolição”

taria de pronto o seu interesse, recolhendo-a em


sua casa na esquina da Praça Matriz com o Beco
do Barroso (hoje Praça de São Salvador esquina
com Rua Ignácio de Moura). Passando a pertencer
ao Vigário, este se serviu como sempre fazia e
culminou por engravidar a jovem. Deste relacio-
namento nasceu, a 09 de outubro de 1853, filho
de Justina Maria do Espírito Santo e do Vigário
João Carlos, uma criança que recebeu a 08 de no-
vembro do mesmo ano o nome de José do Patrocí-
nio (conforme cópia extraída do assentamento de
batizados, da Paróquia do SS. Salvador).
Nasce assim, no cenário de nossa pátria, oriun-
do das planícies banhadas pelo Rio Paraíba do Sul,
aquele que no futuro não muito longínquo, iria
desempenhar um papel impar nas transformações
porque passaria o nosso país – José do Patrocínio
(ou como ele mesmo, mais tarde se identificava:
José Carlos do Patrocínio).
É possível associar aspectos genéticos prove-
nientes do Cônego, no que diz respeito à oratória

90
Bandidos(as) na pista
Ligação | Leituras
com o “Tigrehomoculturais
da Abolição”

e à facilidade de se expressar. Mas admitir que


José do Patrocínio desenvolveu qualidades oriun-
das do lado paterno é avançar por caminhos mui-
to tortuosos. A vida tem nos orientado que cada
individualidade humana é possuidora de persona-
lidade própria, diferenciada, recebendo da origem
biológica, qualificações de natureza material. O
futuro orador José do Patrocínio nada tem a ver
com o orador Vigário João Carlos. O máximo, a
se permitir como raciocínio, seriam semelhan-
ças biológicas e sinais a impulsionar a hereditá-
ria condição de herança intelectual. O restante é
mesmo no campo material, aplicado aos impulsos
naturais.
Pais e filhos não significam necessariamente
possuidores de semelhantes qualidades morais
e intelectuais. Ao contrário, é muito mais fácil,
localizar diferenças enormes entre uns e outros.
Patrocínio tornar-se-ia, a partir da capital do Im-
pério, presença marcante no seu tempo. Sua mãe
Justina seria admirada e venerada, conduzida ao

91
Bandidos(as)
Ligação com na pista |daLeituras
o “Tigre homoculturais
Abolição”

túmulo pelos mais brilhantes vultos da nacionali-


dade de então.
Enquanto isso, o menino José (pequeno, pobre
e preto), iria assumir importante lugar na histó-
ria, num tempo em que apenas a palavra, sinteti-
zava os pensamentos, aquele menino, nascido do
ventre da Justina escrava, iria levantar sua voz
e seu inconformismo na defesa de uma raça vili-
pendiada e ofendida em seus brios, massacrada
ao peso de terríveis tarefas desumanas. Como se
fazer ouvir pelo Brasil afora e cumprir sua mis-
são interior? Como arrancar de sua alma um grito
que ecoasse de forma avassaladora em defesa dos
escravos e pela abolição definitiva? Como apare-
ceria com sua consciência no contexto brasileiro?
Acreditamos que no momento certo ele arranca-
ria de suas entranhas e de sua genialidade uma
tempestade vulcânica.
A partir do Beco do Barroso, e no contato com
os de sua raça, na fazenda do Vigário em Lagoa de
Cima, as entranhas fumegantes de uma consciên-

92
Ligação
Bandidos(as) com
na pista o “Tigrehomoculturais
| Leituras da Abolição”

cia alerta estavam em formação. No século XIX,


na planície adocicada começava a se formar um
material de genialidade, que como um vulcão, se
faria ouvir acima das leis existentes, acima do po-
der e da prepotência dos poderosos, acima dos
gritos amargurados dos negros africanos.
O vulcão já tinha nome: José do Patrocínio [...]”.
Seguindo a linha de pensamento e algumas re-
flexões de dois grandes sábios pesquisadores, es-
critores, e que tão bem colocaram em suas obras
o caminho seguido pela mãe de José do Patrocí-
nio, pode-se perceber que a herdeira do Príncipe
do Quilombo da Serra do Deitado, realmente se-
ria a mesma Justina, (nascida do ventre da Ziqué)
que, junto com o Vigário João Carlos, seriam os
pais do “Tigre da Abolição”.
Basta um olhar mais profundo nas coincidên-
cias das duas narrativas para se perceber de onde
vem aquela altivez e força de um líder com que
José do Patrocínio desempenhou o seu papel na
libertação dos escravos.

93
Bandidos(as)
Ligação com ona“Tigre
pista |daLeituras homoculturais
Abolição”

A força interior e a popularidade que Justina exi-


bia no dia-a-dia de trabalho como vendedora de
verduras, andando pelas ruas com a cabeça pro-
tegida pelo bandó de pano velho, onde apoiava o
tabuleiro em que carregava alfaces frescas e repo-
lhos, atendendo aos inúmeros fregueses que pos-
suía na Cidade, das 8 da manhã até ao meio-dia, ou
muitas vezes, parada na Quitanda Velha. Era uma
figura popular, estimada, conhecida pela franqueza
com que se expressava. Tinha uma aura forte, que
cativava quem a conhecesse e, por conta de toda
essa força interior, foi reverenciada pelas mais al-
tas autoridades da época, mesmo depois de ter sido
alcançada pela morte, com um acompanhamento
para a sepultura digno de uma princesa.

Obras do escritor João Oscar:


• “Juventude Vermelha”
• “A Saga de um Herói Negro”
• “Apontamentos para a História de São João da Barra”

94
Bandidos(as) na pista
Ligação com| Leituras
o “Tigrehomoculturais
da Abolição”

• “Introdução à História Literária de São João da Barra”


• “Subsídios para a História de Teresópolis”
• “Narcisa Amália – Vida e Poesia”; “Escravidão &
Engenhos”
• “Adeus e Sete Tempos”
• “Antologia da Academia Teresopolitana de Letras”
• “Curunkango Rei”; “Duas Posses na Academia”
• “E os Pássaros voaram...”; “Meus versos de Jovem”
• “Novos Poetas”.

Trabalhos na Imprensa:
• “Gazeta de Macaé”
• “Psiu”
• “Voz do Interior”
• “Tribuna Sanjoanense”
• “Folha Nova”
• “Voz de São João da Barra”
• “O Sanjoanense”
• “O Caranguejo”
• “Época (Revista)”
• “Crítica”

95
Ligação com na
Bandidos(as) o “Tigre
pista |daLeituras
Abolição”
homoculturais

• “Jornal Marítimo”
• “Diário Carioca”
• “Letras Fluminenses”
• “A Tribuna”
• “O Fluminense”
• “A Folha de Teresópolis”
• “Cadernos da Serra (Revista)”
• “Serrana (Revista)”
• “Gazeta de Teresópolis”
• “Gazeta Serrana”
• “A Notícia de Teresópolis”
• “Diário de Teresópolis”
• “Teresópolis Jornal”
• “A Cidade”
• “A Notícia”
• “A hora”
• “O Dia”
• “Folha do Comércio”
• “Folha do Povo”
• “Monitor Campista”.

96
Castigo e
humilhação
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

A punição

F azendo algumas considerações sobre as


razões que levavam os escravos a rebe-
lião contra seus senhores, e às tentativas
de fuga em massa, está, com certeza, a maneira
como o negro era tratado, tendo que trabalhar de
quatorze a dezesseis horas por dia, normalmen-
te mal alimentado e ainda sendo torturado por
qualquer ato de insubordinação. Existiam senho-
res que empregavam pessoas com a especialida-
de em torturar selvagemente os negros. Por esse
e muitos outros motivos é que surgiu no Brasil

98
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
A punição

uma grande quantidade de Quilombos, onde os


negros se sentiam livres para criar suas comuni-
dades e assim fugir da exploração do branco. Por
certo que se pode compreender, vendo de perto
os instrumentos de tortura que eram utilizados,
que eles preferiam morrer lutando para defender
os Quilombos que voltar preso para as fazendas.
Muitos escravos, devido ao excesso de maus-
tratos, sofriam de Banzo (nome dado para quando
os escravos sofriam de uma saudade insuportável
de sua terra e de sua liberdade). Segundo a lenda
dos negros, morrer era a única forma de voltar à
África.
Dizia-se, à época, que os negros deviam ser
tratados com os três “P”: Pano, Pão e Pau. As-
sim, apesar da obrigação de vestir e alimentar os
escravos, seu dono tinha o pleno direito de cas-
tigá-los. E principiando pelo castigo que é o pau,
para que o escravo aprendesse logo de início o
que era respeito ao dono. Contudo, imploravam
a seus deuses de crença que tão abundante fosse

99
Bandidos(as)
A punição na pista | Leituras homoculturais

o comer e o vestir assim como muitas vezes era o


castigo, dado a qualquer causa, ainda quando os
crimes são certos, e não eram usados nem com os
brutos animais, fazendo algum senhor mais caso
de um cavalo que meia dúzia de escravos. Os cas-
tigos impostos pelos senhores, utilizando-se dos
mais variados objetos de tortura e intimidação,
não foram apenas punitivos, mas estiveram volta-
dos para o futuro, prevenindo rebeliões, atemori-
zando possíveis faltosos, ensinando o que era ser
escravo e tentando manter e conservar os cativos,
enquanto seres que deveriam aceitar sem nenhu-
ma negação a sua condição. Os cativos aprendiam
a conhecer cada um desses objetos, desde a mais
tenra idade, como também sabiam que por qual-
quer falta cometida, seriam castigados pelos ins-
trumentos.
Todavia os homens e mulheres negras não se
deixavam desanimar diante da violência senho-
rial e enquanto existiu a escravidão, existiram di-
ferentes estratégias de resistência escrava, e um

100
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
A punição

exemplo para essa atitude foi Carukango, que co-


nheceu os mais diversos instrumentos de tortura
que eram usados na fazenda do coronel Antônio
Pinto. Logo depois de sua primeira fuga e de ter o
corpo todo recortado pelas surras com o Bacalhau,
que o capataz da fazenda, de nome Corisco, lhe
aplicava, foi marcado com ferro em brasa no pei-
to, com a letra “F” (cujo significado era Fujão). É
igualmente pouco conhecido que, outro motivo de
escravatura resultava de alguns africanos, ao pe-
direm empréstimos a senhores poderosos da sua
área, geralmente davam como penhora a mulher e
os filhos. Se pudessem pagar o empréstimo, tudo
bem, se não... as mulheres e os filhos passavam
a escravos. Do Brasil exportava-se, como fruto do
trabalho desses infelizes, sobretudo o açúcar, o al-
godão e o tabaco. Portugal pagava aos comandan-
tes de navios negreiros africanos com concessões
políticas, dinheiro, contas, têxteis, álcool, mos-
quetes, outras armas, etc.. Alguns escravos mor-
riam devido a várias doenças: (diarréias, febres

101
Bandidos(as)
A punição na pista | Leituras homoculturais

de vários tipos, malária, escorbuto, etc.) ou eram


mortos por piratas que facilmente se apoderavam
dos barcos negreiros com pouca tripulação e mal
armados.
Muitas mulheres e raparigas adolescentes fo-
ram “usadas” para satisfazerem a luxúria dos seus
patrões e familiares, dando origem a gerações de
mestiços, ou “mulatos”. No entanto, houve algu-
mas uniões afetivas estáveis de brancos com es-
cravos, e dessas uniões nasceram filhos que, por
vezes, alcançaram grande sucesso político e eco-
nômico, como teria sido o caso da Justina (que era
uma escrava que vendia verduras na rua e era fi-
lha de Carukango) que teve um filho com o Vigário
João Carlos, vindo esse filho a se tornar o maior
e mais admirado dos negros da história de escra-
vidão no Brasil. Seu nome era José do Patrocínio
e que ficou conhecido como “Tigre da Abolição”.
Uma vez colocados nas plantações os escravos vi-
viam em condições deploráveis de trabalho, alo-
jamento, alimentação e tratamento social, tendo

102
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
A punição

uma média esperada de sobrevivência de apenas


10 anos. Aconteceram várias rebeliões e tentati-
vas de fuga nos territórios onde eram maltrata-
dos e existiam em grande número. Sobretudo no
Brasil deram-se revoltas bastante sangrentas e
fugas de escravos para o interior do vasto territó-
rio, onde procuravam formar comunidades livres,
que eram os Quilombos, geralmente em locais de
difícil acesso. Para combater este estado de coisas
foi criada a posição de Capitão-do-mato, que era
exercido, geralmente por “pardos” ou “mulatos”,
de preferência grandes conhecedores da região e,
com experiência em seguir pegadas e que eram
encarregados de capturar os escravos fugitivos.
Várias foram as formas e os instrumentos utili-
zados para castigar os escravos faltosos e mantê-
los obedientes e temerosos. Como instrumentos
destinados à captura e transporte de cativos havia
as correntes, (dentre as correntes estão a gonilha
ou golilha e a gargalheira), o tronco e o vira-mun-
do, as algemas, machos, cepo e a peia. Apesar de

103
Bandidos(as)
A punição na pista | Leituras homoculturais

serem classificados como instrumentos de cap-


tura e transporte, podiam tais utensílios, trans-
formar-se facilmente em instrumentos de gran-
des tormentos, pois ao provocarem a imobilidade
forçada tornava-se um verdadeiro suplício. Além
dos instrumentos já citados, existiam também
as máscaras de flandres, os anjinhos, o bacalhau
(sendo este normalmente de três tipos: de três, de
quatro ou de cinco pontas de couro cru retorcido),
a palmatória e o ferro para marcar com inscrições
o corpo do escravo faltoso. O tronco consistia em
um grande pedaço de madeira retangular, aberto
em duas metades, com buracos maiores para a
cabeça e, menores, para os pés e a mãos do escra-
vo. Para colocar-se o negro no tronco, abriam-se
as suas duas metades e se colocavam nos buracos
o pescoço, os tornozelos ou os pulsos do escravo,
após o que eram fechadas as extremidades com
um grande cadeado. Havia também o tronco fixo,
que era fincado no chão, tendo argolas de ferro
onde o escravo ficava acorrentado para o suplício

104
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
A punição

do chicote. Esse tronco normalmente ficava dentro


da senzala. É raramente apontado que a pobreza
extrema em que muitos africanos viviam nesses
tempos chegava ao ponto de levá-los para a escra-
vatura voluntária, já que tinham assim garantida a
sua sobrevivência (ainda que, por vezes, por pouco
tempo), a um preço desumanamente elevado. Este
tipo de escravatura voluntária, ainda hoje ocorre
em várias cidades, com a plantação e o corte de
cana para a moagem das usinas de açúcar, sendo
normal se ver esse tipo de notícia nos jornais.
Nas cidades, os castigos de açoites eram feitos
publicamente, nos pelourinhos. Eram colunas de
pedra, que se erguiam em praça pública. Na par-
te superior, estas colunas tinham pontas recurva-
das de ferro, onde se prendiam os condenados à
forca. Mas o pelourinho tinha outros usos, além
da forca. Nele eram amarrados os infelizes escra-
vos condenados à pena dos açoites. O espetáculo
era anunciado publicamente. E a grande multidão
reunia-se na praça do pelourinho para assistir ao

105
Bandidos(as)
A punição na pista | Leituras homoculturais

castigo do carrasco abater-se sobre o corpo do


próprio escravo condenado, que ali ficava exposto
à execração pública. A multidão excitava e aplau-
dia, enquanto o chicote abria estrias de sangue
no dorso nu do negro escravo. A palmatória era
outro instrumento de suplício muito empregado e
suficientemente conhecido para dispensar qual-
quer descrição. O castigo dos “bolos”, que se tor-
nara também um método pedagógico, consistia
em dar pancadas com a palmatória nas palmas
das mãos estendidas. “Arrebentar a mão de bo-
los” era provocar violentas equimoses e ferimen-
tos no epitélio delicado das mãos.
Em alguns engenhos e fazendas, as cruelda-
des de senhores de engenho e feitores atingiram
extremos incríveis: Esfaqueamento do corpo, se-
guido de ‘salmoura’; a escada; mutilações; estu-
pros de negras escravas; castração; amputação de
seios; fraturas dos dentes a marteladas, uma lon-
ga teoria de sadismo requintado. Havia processos
verdadeiramente chineses, como os das urtigas,

106
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
A punição

os dos insetos, o da roda d’água. A série de ins-


trumentos de suplício desafia a imaginação das
consciências mais duras: o tronco, o vira-mun-
do, o cepo, as correntes, as algemas, o libambo,
a gargalheira, a gonilha ou golilha, a peia, o cole-
te de couro, os anjinhos, a máscara, as placas de
ferro. Algemas, machos e peias prendiam mãos
e pés do escravo. Eram variados os feitios, para
escravos fortes, para os “moleques”, etc. A peia
era quase sempre numa só perna e prendia-se ao
nível do tornozelo. O seu peso impedia que o es-
cravo corresse, ou andasse depressa, dificultando
assim a sua fuga. Os anjinhos eram instrumentos
de tortura que prendiam os dedos polegares da
vítima em dois anéis que comprimiam gradual-
mente por intermédio de uma pequena chave ou
parafuso. Era um suplício horrível que os senho-
res usavam quando queriam obter à força a con-
fissão do escravo, incriminado de uma falta.
Observando-se através de trabalho do fotógra-
fo Wellington Cordeiro, feito com uma exposição

107
Bandidos(as)
A punição na pista | Leituras homoculturais

de peças, pertencentes ao Museu Doutor Barbosa


Guerra, percebe-se, pelo peso das peças e tam-
bém por sua rusticidade, que o sofrimento do es-
cravo era muito grande, tendo que trabalhar para
não sofrer um suplício maior e ainda carregar
aquele instrumento por dias e dias.

108
Objetos de
tortura
Bandidos(as)
Objetos na pista | Leituras homoculturais
de tortura

Ferro de marcar

110
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Objetos de tortura

Gonilha ou Golilha

111
Bandidos(as)
Objetos na pista | Leituras homoculturais
de tortura

Gargalheira

112
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Objetos de tortura

Viramundo

113
Objetos de tortura
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Gargalheira para pescoço


com Corrente

114
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Objetos de tortura

Palmatória

115
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Objetos de tortura

Gargalheira

116
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais
Objetos de tortura

Corrente

117
Fato
Curioso
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Tráfico de Escravos

U m fato curioso aconteceu no ano de 1834.


Uma demonstração de como era intenso
o tráfico de escravos em nossa região, é
a publicação de um Decreto no Jornal “O Cam-
pista”, que mostra a apreensão de um navio che-
gado de Moçambique com 250 escravos, descar-
regado no porto da Vila de São João Baptista da
Barra, onde hoje é a Cidade de São João da Barra.
Segue a transcrição da publicação:

119
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais Tráfico de Escravos

Tendo-se mandado conhecer pelo Juiz Muni-


cipal da Villa de São Salvador dos Campos, de
uma denúncia dada pelo Coletor das Rendas Na-
cionais da Villa de São João Baptista da Barra,
de haver aportado a esta Villa, uma embarca-
ção denominada ‘Calhamaço’, com um carrega-
mento de duzentos e cinqüenta Africanos para
o ilícito trafico da escravatura e, reconhecendo-
se pelo Sumário a que procedera o sobredito
Juiz Municipal, a existência deste fato, e que
o Juiz de Paz daquela Villa, Manoel dos San-
tos Passos, mancomunado com o seu Escrivão,
Miguel Teixeira Bagueira, não só fora a bordo
daquela embarcação, e se deixara peitar, rece-
bendo alguns daqueles Africanos para si, e seu
Escrivão, e demais autoridades da Villa, a fim de
consentirem no desumano tráfico destes infeli-
zes; como protegera e auxiliara pessoalmente
o seu desembarque com notável prevaricação
e escândalo do cargo que exercia: a Regência

120
Tráfico de Escravos Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Permanente, em nome do Imperador o Senhor D.


Pedro II. Manda suspender ao sobredito Manoel
dos Santos Passos, do exercício do lugar de Juiz
de Paz em que se acha da referida Villa, a fim de
responder em Juízo pelos crimes em que se acha
incurso. Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho,
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da
Justiça, o tenha assim entendido, e faça executar.
Palácio do Rio de Janeiro em vinte e três de junho
de mil oitocentos e trinta e quatro, décimo tercei-
ro da Independência e do Império – Francisco de
Lima e Silva – João Bráulio Muniz – Aureliano de
Souza e Oliveira Coutinho.

121
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

122
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

123
Fotos da
Região
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Conjunto de Serra do Deitado


hoje,Serra de São Tomé, Serra do
Carukango, Serra São João e
Serra da Cachica.

125
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Nascente do Rio Deitado,


afluente do Rio Sao Pedro.

126
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Balas de canhão encontradas


nas localidades próximas a
Serra do Deitado.

127
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Vista da região onde situava


o Quilombo de Carukango.

128
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

129
Bandidos(as) na pista | Leituras homoculturais

Referências Bibliográficas

• OSCAR, João – “A saga de um herói negro”/


João Orscar Amaral Pinto. Rio de Janeiro – Li-
vraria Francisco Alves Editora S/A, 2006.
• OSCAR, João – “Curunkango Rei: Saga de Um
Herói Negro”/ João Orscar Amaral Pinto. – Nite-
rói – Cromos, 1988.
• VASCONCELLOS, Antão de – “Evocações – cri-
mes célebres em Macaé”/ Dr. Antão de Vascon-
cellos. – Rio de Janeiro, Benjamin de Aguila,
1911.
• PINTO, Jorge Renato Pereira –“José do Patro-
cínio: O herói esquecido/ Jorge Renato Pereira
Pinto. - Campos dos Goytacazes: Fundação Cul-
tural Jornalista Oswaldo Lima, 2003.
• CARNEIRO, Marília Bulhões dos Santos.
– “Atos e fatos da vida de José do Patrocínio”/
Marília Bulhões dos Santos Carneiro. – Campos
dos Goytacazes, 2003.

Outras Referências
• SEMAPH – Secretaria de Meio Ambiente e Pa-
trimônio Histórico, de Macaé (RJ), com apoio de
Conceição Franco.
• SITE: http://www.serramacaense.com.br

130

Você também pode gostar