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LEONARDO TONDATO DE MELLO
1ª EDIÇÃO
editora científica
2021 - GUARUJÁ - SP
Copyright© 2021 por Editora Científica Digital
Copyright da Edição © 2021 Editora Científica Digital
Copyright do Texto © 2021 O Autor
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Internacional (CC BY 4.0).
d fe
RESUMO
d fe
ABSTRACT
d fe
SUMÁRIO
Agradecimentos ............................................................................................ 2
Resumo ............................................................................................................... 5
Abstract ............................................................................................................... 7
1. Introdução............................................................. 10
A
velhice é uma fase da vida que, na verdade,
ainda não é totalmente conhecida, as pes-
soas não sabem lidar, é uma questão con-
temporânea, um processo em que ocorrem fe-
nômenos de natureza biológica, psíquica, social
e existencial, portanto, deve-se levar em conta a
dimensão de sua totalidade. Não se sabe ao cer-
to quando ficamos velhos, envelhecemos e tudo
ao redor simplesmente toma outra configura-
ção, sendo esta, também, uma possibilidade de
desenvolvimento humano, período em que há o
crescimento espiritual. Segundo MINAYO (2002,
p.11): “Pelas regras de classificação dos ciclos da
vida que vigoram em nossa sociedade, o Brasil
precocemente entrou na rota do envelhecimen-
to populacional. Nessa estrada que acolhe os
caminhantes grisalhos e sulcados pela vida, o
trânsito vai aos poucos ficando congestionado,
a ponto de já serem mais de 31 mil os brasileiros
remanescentes do século XIX.”
Como visto acima, vive-se mais atualmente, todavia,
há uma espécie de “congestionamento”, não se sabe o
que fazer com o idoso e há uma carência de visões da ve-
lhice em seu aspecto multidimensional. A respeito desta
questão, NERI (1993, p.10) afirma: “Vários elementos são
apontados como determinantes ou indicadores de bem-
-estar na velhice: longevidade; saúde biológica; saúde
mental; satisfação; controle cognitivo; competência so-
cial; produtividade; atividade; eficácia cognitiva; status
social; renda; continuidade de papéis familiares e ocupa-
cionais, e continuidade de relações informais em grupos
primários (principalmente rede de amigos.”
Em meio a esta trama, cabe ressaltar que envelhecer
é uma possibilidade de desenvolvimento humano, pos-
11
sibilidade esta que, na contemporaneidade, encontra-se
indesejável, com uma sociedade que apóia o “não enve-
lhecer”. Sobre esta questão, CORREA (2009, p.28) afirma:
“Atualmente, a regra é não envelhecer. Não somente a ve-
lhice por si só é indesejável, mas a finitude humana tam-
bém o é. Por isso o envelhecimento permaneceu na orla
social por tanto tempo como uma espécie de tabu, da or-
dem de um interdito em relação ao qual o silêncio seria
o melhor aliado.” Em contrapartida, o aumento da com-
posição demográfica de idosos, fez com que se buscas-
sem novas formas para inclusão e novos símbolos para
o idoso, que englobassem além da sabedoria e conheci-
mento, experiência e maturidade, mas também como vi-
sivelmente social, com possibilidades de realizações, pla-
nejamentos, atividades. Ainda sobre a questão, CORREA
(2009, p.29) coloca que : “O mundo está mais velho. Co-
nhecido por ser um país jovem, o Brasil tem ficado cada
vez mais grisalho. O progresso científico, a biotecnologia,
os métodos contraceptivos, a maior produção e o acesso
a medicamentos, enfim, poderíamos elencar uma série
de fatores que podem ter contribuído para o aumento da
expectativa de vida. Mas esses não seriam fatores isola-
dos, pois um processo ainda mais complexo aconteceu
12
em poucas décadas, levando a velhice a um status até en-
tão inalcançado, promovendo mudanças na forma de ver
e viver o envelhecimento: a visibilidade social.”
Continuando nesta linha de raciocínio, uma vez que
vive-se mais e, agora, os idosos estão visíveis socialmen-
te, tornam-se também uma parcela populacional consu-
midora, ou seja, economicamente lucrativos. Sobre esta
questão, CORREA (2009,p.29) intera: “Outro fator impor-
tante na modificação do olhar sobre a velhice foi seu forte
impacto na economia e em outras esferas da sociedade,
criando a premente necessidade de delimitar essa popu-
lação, caracterizá-la, conhecer seu potencial, estabelecer
sua funcionalidade, enfim, geri-la de forma eficiente.”
Desta forma, o idoso torna-se eficiente por que assim,
agora, o é, como um fenômeno público, como afirma GE-
ERTZ (1989, p.22): “A cultura é pública porque o significa-
do o é. Você não pode piscar (ou caricaturar a piscadela)
sem saber o que é considerado uma piscadela ou como
contrair, fisicamente, suas pálpebras, e você não pode fa-
zer uma incursão aos carneiros (ou imitá-la) sem saber
o que é roubar urri carneiro e como fazê-lo na prática.
Mas tirar de tais verdades a conclusão de que saber como
piscar é piscar e saber como roubar um carneiro é fazer
uma incursão aos carneiros é revelar uma confusão tão
grande como, assumindo as descrições superficiais por
densas, identificar as piscadelas com contrações de pál-
pebras ou incursão aos carneiros com a caça aos animais
lanígeros fora dos pastos.” Quando refletimos sobre o
processo de envelhecimento nos deparamos com um as-
pecto complexo, no qual se insere a dificuldade de o ve-
lho se reconhecer e compreender, apoiados nos estudos
de MERCADANTE et al (2005).
A população de idosos, de acordo com a OMS indivídu-
os com mais de 60 anos, vem crescendo no Brasil. A longe-
vidade é uma realidade mundial, com isso observa-se que
esse novo contingente populacional tem sua qualidade de
vida alterada. No Brasil, nos últimos sessenta anos, hou-
ve expressiva evolução da expectativa de vida por ocasião
do nascimento: em 1900, girava em torno de 34 anos; em
1940, era de 39; em 1960, 41; em 1970, 59; em 1980 e 1990,
61. Estima-se que será de 71 anos em 2010 e de 75 em 2020.
Em 1980, aos sessenta anos, os homens podiam esperar
viver mais 14,2 anos e as mulheres, 17,6; em 1991, essas ta-
xas em 2004 atingiram 15,3 para os homens e 18,1para as
mulheres (Camarano et al., 1999); em 2000 foi de 16 anos
para os homens e de 19,5 para as mulheres.Nesse ano, a
14
esperança de vida do brasileiro aos sessenta anos era de
17,8 anos; aos 65, de 14,3; aos 70, de 11,1; aos 75, de 8,4 e,
aos 80, de 6,1 (IBGE, 2000).
Sobre a questão do aumento de idosos, MINAYO (2002,
p.11) afirma : “Embora o crescimento do número de ido-
sos na população total e o aumento da expectativa de vida
sejam indícios de progresso social, sua ocorrência provo-
ca o aparecimento de novas demandas e de novos proble-
mas.”
A proposta desse livro é articular entre a psicologia e
a mitologia africana, no estudo da velhice. A metodolo-
gia aqui desenvolvida se dá na análise bibliográfica sobre
a psicologia junguiana, envolvendo autores como Jung e
outros que escreveram sobre a psicologia analítica, como
Marie Luise Von Franz, Hollis, entres outros e autores que
escreveram sobre a mitologia africana, como Pierre Ver-
ger e autores que escreveram sobre os dois temas, procu-
rando uma relação entre eles, como José Jorge de Morais
Zacharias.
Entende-se, neste estudo que a velhice como tema pro-
posto parte de uma análise já pesquisada acerca dos arqué-
tipos, como modelos de comportamento, em que o indiví-
duo atua, sendo dominado por tais influências arquetípicas,
15
sem sequer saber. O velho e a velha, não são somente indiví-
duos, todavia, fala-se mais, sobre a maneira arquetípica de
envelhecimento, padrões arquetípicos de velhos e envelhe-
cimentos, uma vez que há inter – relação entre a mitologia
africana e a psicologia analítica e a velhice e os arquétipos,
assim como a mitologia pode ser uma ferramenta que au-
xilia na compreensão de aspectos da velhice como o “bom”
envelhecer, em que a velhice traduz-se em experiência de
vida, sapiência e serenidade e o “mau” envelhecer, em que
o velho pode fazer desta nova fase repleta de amargores e
angústias, temendo a morte, ou então fazer desta nova fase
e momento de desenvolvimento, uma “cópia” do que foi re-
alizado na primeira metade de sua vida.
Foi realizada, então, revisão bibliográfica sobre os se-
guintes temas: Gerontologia, Psicologia Analítica, Mitolo-
gia Africana, apresentando, assim, uma interlocução entre
eles, ofertando novas perspectivas sobre o tema, apontan-
do para um estudo interdisciplinar.
Este trabalho possui dois grandes capítulos e, também,
sub capítulos. No primeiro capítulo, estudou-se a relação
entre o arquétipo, a mitologia e a velhice, seguido do con-
ceito de metanoia, essencial na psicologia analítica.
No segundo capítulo, estudou-se o candomblé e os ve-
16
lhos orixás, ou seja, quais são estes orixás velhos e o que
eles dizem, do ponto de vista mitológico e psicológico.
Após esta discussão, têm-se as considerações finais, se-
guidas pelas referências bibliográficas.
abc
“
A proposta deste livro é articular
O
s mitos e os símbolos revelam a realidade
mais profunda da psique. Os símbolos ja-
mais aparecem da psique e são inesgotá-
veis em seu significado. A partir da busca dos
símbolos e da vida psíquica, Jung formulou a
sua teoria, em que ele (o próprio) percebeu a im-
portância dos símbolos, tal como os mitos para
o entendimento da alma humana. Segundo GO-
MES E ANDRADE (2009, p.140): “Então explorou
as correspondências entre os símbolos que sur-
gem nas lutas da vida dos indivíduos e as ima-
gens simbólicas religiosas subjacentes, sistemas
mitológicos e mágicos de muitas culturas e eras.”
Com esta correspondência, a noção de inconsciente
pessoal, o que corresponderia ao inconsciente freudiano,
e de inconsciente coletivo foi formulada. O inconsciente
coletivo seria uma estrutura herdada, com conteúdos re-
ferentes à humanidade, morada dos arquétipos. O postu-
lado sobre o inconsciente coletivo permitiu a explicação
de fenômenos individuais e a sua correspondência com
temas mitológicos, referentes à situações da alma huma-
na, cabendo, então a possível correspondência.
Ainda sobre tal questão, GOMES E ANDRADE (2009,
p.141) reitera: “O inconsciente, na perspectiva junguiana
é, portanto, uma entidade viva, independente de nossa
percepção dele, acima das noções dualistas de bem e mal.
É a outra parte de nossa psique que o ego desconhece e
que está sempre atuando e fazendo com que os sonhos,
em sua linguagem simbólica, sejam as representações fi-
éis da psique.”
20
O mito trata, para a psicologia analítica, sobre fenô-
menos que ocorrem na vida humana e sobre temáticas
universais, como, por exemplo, a maternidade, a paterni-
dade, bem, mal, entre outros.
Ainda sobre esta questão, GOMES E ANDRADE (2009,
p.141): “Diante de tais concepções, Jung faz uma inter-
pretação dos mitos acrescentando dimensões mais pro-
fundas com relação aos especialistas modernos, conside-
rando os mitos como fenômenos psíquicos que revelam
a própria natureza da psique. Para Jung os mitos conden-
sam experiências vividas repetidamente durante milê-
nios; experiências típicas pelas quais passaram e ainda
passam os seres humanos. E é a partir desses materiais
que os poetas e sacerdotes elaboram os mitos, dando-lhes
roupagens diferentes, de acordo com a época e as cultu-
ras.”
Novamente GOMES E ANDRADE (2009, p.141):” O mito
procura explicar os principais acontecimentos da vida:
fenômenos naturais, origens do homem e do mundo
através de deuses, semideuses e heróis. A partir disso ve-
mos que todas as culturas têm os seus mitos, muitos dos
quais são expressões particulares de arquétipos comuns
a toda humanidade. Assim sendo, os mitos são formas de
21
expressão dos arquétipos, falando daquilo que é comum
aos homens de todas as épocas.
Os mitos se referem ainda às realidades arquetípicas,
isto é, a situações com que todo ser humano se depara ao
longo da sua vida, e vão além ao explicar, auxiliar e pro-
mover as transformações psíquicas, tanto no nível indivi-
dual como no coletivo de certa cultura. Toda mitologia se
torna, assim, uma forma de tomada de consciência, um
elemento para nos identificar. Existem mitos universais e
os de cada cultura, mitos iguais para todas as épocas com
novas roupagens, porque o que é arquetípico é o tema e a
partir deste tema podem surgir novas formas de coloca-
ção.”
Nos mitos o indivíduo pode se reconhecer e reconhe-
cer a sua história, pelo fato de tratarem de temáticas uni-
versais e arquetípicas. Ainda sobre o mito, VON FRANZ
(2012, p.31): “Parece-me que as histórias arquetípicas se
originam, frequentemente, nas experiências individuais
através da irrupção de algum conteúdo inconsciente, que
podem surgir em sonhos ou em alucinações em estado
de vigília. Algum evento ou alguma alucinação coletiva
acontece e, então, o conteúdo arquetípico irrompe na
vida nossa. Nas sociedades primitivas, praticamente ne-
22
nhum segredo é guardado; então essa experiência é sem-
pre comentada, ampliando-se por outros temas folclóri-
cos existentes que a completam. Então, ela se desenvolve
tanto quanto um boato.”
O mito é, então, uma produção, também, cultural. Ele
apresenta aspectos culturais conscientes, que o ligam
àquele lugar história e àquela cultura, fundindo-se com
o consciente coletivo, estando, desta maneira, mais pró-
ximo daquela realidade cultural, o mito está próximo da
consciência.
Pode-se concluir que o arquétipo é, também, univer-
sal, remontando ao mais primitivo (em sentido de pri-
mordial) e é inconsciente, passando para a consciência
de acordo com o indivíduo que o manifesta, trazendo
assim “colorido” pessoal para o arquétipo, ou seja, como
aquele indivíduo, inserido em um dado momento histó-
rico e cultural, vivencia aquele arquétipo, todavia não é
o indivíduo que possui o arquétipo, mas sim o raciocínio
contrário numa “possessão”.
O indivíduo não sabe conscientemente que é tomado
por aquele conteúdo arquetípico, ele simplesmente age
de acordo com aquele arquétipo, por isto o termo. Há
uma emersão na consciência em que aquele que é toma-
23
do não se dá conta de que sua ação, em dado momento,
foi uma manifestação arquetípica.
Sobre o arquétipo, JUNG (2000, p.79) diz: “não são disse-
minados apenas pela tradição, idioma ou migração. Eles
podem reaparecer espontaneamente a qualquer hora,
em qualquer lugar, e sem qualquer influência externa”
O arquétipo é uma forma sem conteúdo. Usar-se-á
um exemplo: Um bolo numa forma retangular. A forma
retangular seria o arquétipo, não importa o sabor que
o bolo seja preparado, sua forma será retangular, dada
pela forma a qual foi utilizada para ser feito o bolo.
Do mesmo modo o arquétipo funciona: Ele é quem dá
a forma, sendo que o conteúdo ( ou o sabor do bolo) pode
ser interpretado como o conteúdo pessoal, a maneira
como o indivíduo experimenta e/ou vivência a temática
arquetípica.
Ainda na mesma temática, CARDOZO (2004, p.70): “Tais
arquétipos são formas sem conteúdo próprio que servem
para organizar ou canalizar o material psicológico. Eles
se parecem um pouco com leitos de rio secos, cuja forma
determina as características do rio, porém desde que a
água comece a fluir por eles. De qualquer maneira as for-
mas existem antecipadamente ao conteúdo.”
24
Reiterando, (JUNG, 2000, p.100): “O arquétipo não é
uma imagem, mas particularmente uma tendência para
formar uma imagem de caráter típico; em outras pala-
vras, um modelo mental tornado visível”
A vivência de um arquétipo provoca reações emocio-
nais de grande poder, pois suscita à imagem primordial
inconsciente, por isto é tão poderoso.
O inconsciente é quem cria o sonho, o mito como re-
presentação de elementos advindos da psique, ainda ci-
tando JUNG (1942, p.109):
25
mito conta sobre uma realidade arquetípica e psíquica
e, como já dito anteriormente, trata de temáticas univer-
sais, em que o indivíduo pode se encontrar nestas histó-
rias míticas, é o que afirma CARDOZO (2004, p.71): “Por
essa definição, vai se tornando evidente a relação entre
mitos e arquétipos, pois os mitos nada mais são do que
uma forma de expressão dos arquétipos, falando daquilo
que é comum aos homens de todas as épocas, porque fa-
lam dos valores eternos da condição humana.”
Agora a pouco, citada foi a cultura. Ela é base de estudo
da antropologia e não pode ser reduzida, o homem é um
ser cultural e está intimamente ligado aos significados
que produz e a cultura possui relação com os significados
produzidos pelo homem em seus diversos momentos his-
tóricos. Sobre a cultura, GEERTZ (1989, p.15): “O concei-
to de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios
abaixo tentam demonstrar, é essencialmente semiótico.
Aceitando, como Max Weber, que o homem é um animal
amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu, as-
sumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise;
portanto, não como uma ciência experimental em busca
de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura
do significado”
26
A cultura é pública e não está como uma “entidade”
oculta: Ela está aí, permeia as relações, está presente no
cotidiano e permeia as relações humanas. Retomando
GEERTZ (1989, p.20): “ Uma vez que o comportamento hu-
mano é visto como ação simbólica (na maioria das vezes;
há duas contrações) - uma ação que significa, como a fo-
nação na fala, o pigmento na pintura, a linha na escrita ou
a ressonância na música,- o problema se a cultura é uma
conduta padronizada ou um estado da mente ou mesmo
as duas coisas juntas, de alguma forma perde o sentido.
O que se deve perguntar a respeito de uma piscadela bur-
lesca ou de uma incursão fracassada aos carneiros não é
qual o seu status ontológico.
Representa o mesmo que pedras de um lado e sonhos
do outro- são coisas deste mundo. O que devemos indagar
é qual é a sua importância: o que está sendo transmitido
com a sua ocorrência e através da sua agência, seja ela
um ridículo ou um desafio, uma ironia ou uma zanga, um
deboche ou um orgulho.”
Assim sendo, os mitos, transmitidos de geração para
geração, de forma cultural, procuram transmitir, para os
seus ouvintes, questões relacionadas à temáticas arquetí-
picas humanas, bem como valores estabelecidos e, tam-
27
bém, aceitos ou não.
Pode-se pensar que a cultura norteia o indivíduo e
“conduzem” seu comportamento dentro de uma dada so-
ciedade e seus significados são socialmente estabeleci-
dos, GEERTZ (1989,p.22) diz: “ A cultura é pública porque
o significado o é. Você não pode piscar (ou caricaturar a
piscadela) sem saber o que é considerado uma piscadela
ou como contrair, fisicamente, suas pálpebras, e você não
pode fazer uma incursão aos carneiros (ou imitá-la) sem
saber o que é roubar um carneiro e como fazêlo na práti-
ca.”
A cultura é um contexto, está inserida em algum lugar
(físico ou não). Ela está no entremeio, na amálgama de sig-
nificados e signos, a compreensão da cultura permite que se
entenda o modo de viver, a maneira gestual, o vestuário, os
valores, o padrão de vida daquela sociedade em questão e,
por que não, compreender a sua mitologia. Esta compreen-
são torna acessível tal sociedade e possibilita a sua análise,
todavia não reduz a sua particularidade e permite assim ex-
por o que é habitual, a normalidade. Ainda citando GEERTZ
(1989,p.24): “ Visto sob esse ângulo, o objetivo da antropo-
logia é o alargamento do universo do discurso humano. De
fato, esse não é seu único objetivo – a instrução, a diversão,
28
o conselho prático, o avanço moral e a descoberta da ordem
natural no comportamento humano são outros, e a antro-
pologia não é a única disciplina a persegui-los. No entanto,
esse é um objetivo ao qual o conceito de cultura semiótico
se adapta especialmente bem. Como sistemas entrelaçados
de signos interpretáveis ( o que eu chamaria símbolos, igno-
rando as utilizações provinciais) , a cultura não é um poder,
algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os aconte-
cimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os
processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles po-
dem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com
densidade.”
Esvaziar a cultura é isolá-la do acontecimento e das
pessoas que ali atuaram, é simplesmente descontextuali-
zá-la, desprovendo-a de sentido.
Assim, então, envelhecer é um fenômeno cultural e
arquetípico. É cultural, uma vez que a forma em que se
envelhece, no Brasil, não é a mesma da chinesa ou da
egípcia, há peculiaridades, em cada cultura.
Envelhecer é um fenômeno complexo, que não pode
e nem deve ser interpretado somente em sua faceta bio-
lógica, envelhecer é um fenômeno heterogêneo, é o que
afirma MERCADANTE (2005,p.25): “ A complexidade tam-
29
bém está presente nos estudos realizados pela antropo-
logia, que evidenciam, entre as várias sociedades primi-
tivas – em um primeiro momento – não uma situação de
homogeneidade, mas a presença da heterogeneidade.”
Portanto, envelhecer é arquetípico, uma vez que todos
envelhecem e, para a psicologia analítica, é um momento
importante, em que pode ser realizada (pois nem sempre o
é) a difícil travessia da metanoia, que será tratada no capí-
tulo posterior. Porém envelhecer também passa por conte-
údos pessoais, o processo de envelhecimento de Joaquim é
diferente do processo de envelhecimento de Pedro e assim
de João, mas também para cada cultura, envelhecer adqui-
re um conteúdo diferenciado, podendo ser ou não valori-
zado.
Numa noção de identidade, ser velho implica em uma
identidade que define o sujeito velho, em detrimento de
outra identidade, o sujeito jovem, ou seja, para que exista
um sujeito ou a identidade de um sujeito velho, tem que
existir o jovem ou a identidade do jovem, é uma noção
opositória. Em tal raciocínio, o “eu” existe em contraposi-
ção um “outro” oposto.
O velho é oposto ao jovem e, então, o velho é o “outro”,
é uma visão estigmatizada, uma vez que o velho é o porta-
30
dor de características como: Incapacidade, improdutivo,
todos os “im” e o jovem é o sinônimo da potência, a divina
juventude e mortal velhice.
Esta identidade do velho é pejorativa e como aponta
acima estigmatizadora, pois é depreciativa, negando pos-
sibilidades ao velho, como ressalta MERCADANTE (2005,
p.32): “São essas idéias, relacionando velhice e tempo,
que apontam para um velho que não investe no presente
nem projeto para o futuro. Essas idéias conformam uma
noção de idoso que só tem passado, lembranças para re-
memorar e, no futuro, o confronto com a morte.”
O idoso se torna, então, um sujeito que existiu no pas-
sado, junto com a sua potência e produtividade e, agora,
é apenas um “peso” que não parece ter nenhum lugar em
lugar algum, reforçando a idéia de improdutividade, é
claro que isto não é assim em todas as sociedades, o que
se percebe é a mudança do panorama sobre o que é velhi-
ce e velho em diferentes momentos históricos e de socie-
dade para sociedade.
Ainda sobre a noção de identidade, aponta MERCA-
DANTE (2005, p.33): “ A noção de um novo sujeito velho
se produzindo não cabe em um modelo contrastivo de
identidade, pois faz parte de uma situação complexa. Em
31
outros termos, a forma contrastiva de pensar constitutiva
da noção de identidade aponta para idéia simples pouco
explicativas da situação complexa da velhice.
Cabe aqui uma análise sobre contemporaneidade e o
que acontece com as coisas tradicionais, vive-se em uma
sociedade fluída ,fluidez é um conceito utilizado e criado
por Zygmunt Bauman (2000, p.100), em oposição ao con-
ceito de solidez, visto nas décadas de 50 e 60. Esta metá-
fora da líquidez foi conceituada pro Bauman para apre-
sentar as características do mundo atual. Nas épocas de
solidez, a característica eram valores definidos, até rígi-
dos, sociedade patriarcal, a família era constituída de um
pai que, geralmente, trabalhava para o sustento da famí-
lia, a mulher, dona de casa e filhos. Em contraposição à
solidez este conceito existe, pois, na contemporaneidade,
os valores encontram-se em crise e o indivíduo não pos-
sui mais medo de fatores externos, mas também, fatores
internos agora se juntam como componentes de medo.
Para o autor tudo agora é líquido: As relações afeti-
vas, bens materiais, a espiritualidade e até as próprias
pessoas, o que urge para outro fato, o descarte. Tudo é
descartado na contemporaneidade e o medo da solidão é
um dos maiores existentes, além disso, a voracidade para
32
tamponar uma angústia é imensa, gerando, de certa for-
ma um ciclo vicioso entre a fluidez, o descarte e o medo
da solidão. Tudo é consumido sem pensar e os indivíduos
atribuem tal fato como algo corriqueiro “sempre foi as-
sim”, o que não é real. Segundo SOCZEK (2003, p.176):
33
O contemporâneo passa a ser marcado
pelo fim dos padrões, da estabilidade, da
segurança e das certezas. Surge o tempo
da indefinição, do medo e da inseguran-
ça.”
34
bem durável hoje não é mais, é descartado, sendo rei o
momento presente, a sua intensidade maior ou menor,
sempre com rapidez, com conseqüência o desapego e
uma vida almejando a felicidade numa busca incansável.
Para manter a auto – estima o consumidor deve comprar
um ou outro produto, adquirir, que em breve será obsole-
to, tudo isso, para adquirir temporária posição social, na
visão do autor.
Assim, um novo sujeito se produz, mas não na contra-
posição de uma alteridade jovem, mas sim na produção
de uma “subjetividade” negadora da identidade estigma.
O mais aconselhável é uma noção de subjetividade, em
que o “eu” e o “outro” podem simplesmente existir, sem
que um seja o oposto do outro, assim, o velho e o jovem
existem, cada qual com suas peculiaridades, sem que
haja visão de estigma ou tão esteriotipada, como há no
caso da identidade.
A velhice não é o estágio terminal, nem a última pa-
rada na estação anterior à morte, que pode acontecer a
qualquer momento da vida. Envelhecer é também ganho,
e também o desenvolvimento continua na velhice, que
não é um processo estático. Envelhecer não é somente
um fenômeno cronológico, mas também kairosiano, o
35
ser humano não é apenas cronos, mas também é kairós!
Filho de Urano e Géia. O mais jovem dos Titãs. Se tor-
nou senhor do céu castrando o pai. Casou com Réia, e
teve Héstia, Deméter, Hera, Ades e Poseidon.
Como tinha medo de ser destronado, Cronos engolia
os filhos ao nascerem. Comeu todos exceto Zeus, que Réia
conseguiu salvar enganando Cronos enrolando uma pe-
dra em um pano, a qual ele engoliu sem perceber a troca.
Mais tarde Zeus voltou, deu ao pai um remédio que o fez
vomitar os filhos, e logo depois o destronou e baniu-o no
tártaro. Cronos escapou e fugiu para a Itália onde reinou
sobre o nome de Saturno. Este período no qual reinou foi
chamado de “A era de ouro terrestre”.
Cronos, o “dos pensamentos pérfidos”, é o mais novo
dos Titãs, filho de Géia, a Terra, e de úrano, o céu estre-
lado. Foi o único a escutar o pedido de sua mãe, quando
Géia, a fim de pôr termo à sua própria escravatura e à dos
seus filhos, decidiu armá-lo para que ele vencesse úrano.
Com efeito, este, horrorizado com a sua descendência,
mantinha-a prisioneira nas entranhas de sua mãe, a Ter-
ra. Então Cronos, com um golpe de foice, cortou o órgão
sexual de seu pai, afastou-o do poder e apoderou-se do
Universo.
36
A partir de então, o mundo foi governado pela linha-
gem dos Titãs que, segundo Hesíodo, constituía a segun-
da geração divina. Foi durante o reinado de Cronos que a
humanidade (recém-nascida) viveu a sua idade de ouro.
Cronos casou com a sua irmã Réia, que lhe deu seis fi-
lhos (os Crónidas): três raparigas, Héstia, Deméter e Hera
e três rapazes, Hades, Posídon e Zeus.
Ora, para evitar que um dos seus descendentes repro-
duzisse, em seu proveito, a aventura que o tornara rei,
Cronos tinha prometido aos seus irmãos mais velhos não
ter descendência. Por outro lado, os seus pais tinham-lhe
prognosticado, caso ele tivesse filhos, o mesmo destino
que tivera seu pai. Assim, Cronos agiu com os seus filhos
tal como úrano tinha feito no passado. Mas fez ainda pior,
devorou-os à medida que eles iam nascendo.
Desesperada, Reia procurou uma solução, e por con-
selho de sua mãe decidiu, quando estava grávida de Zeus,
refugiar-se em Creta, a fim de que a criança aí nascesse.
Assim aconteceu e Geia recolheu o bebé, levando-o para
ser educado com os filhos do rei.
Entretanto, Reia apresentou a Cronos uma pedra en-
volta em panos, que ele engoliu, sem desconfiar.
A infância de Zeus desenrolou-se entre os carvalhos do
37
monte Ida. E para que Cronos não escutasse o seu choro,
os Curetes, sacerdotes-soldados de Reia, simulando pra-
ticar danças sagradas, faziam retinir os bronzes dos seus
escudos.
Quando Zeus cresceu, resolveu vingar-se de seu pai,
solicitando para esse efeito o Apolo de Métis - a Prudência
- filha do Titã Oceano. Esta ofereceu a Cronos uma poção
mágica, que o obrigou a restituir os filhos que tinha devo-
rado.
Então Zeus afastou-o do trono, e segundo as palavras
de Homero prendeu-o com correntes, precipitando-o, se-
guidamente, no mundo subterrâneo, onde Cronos foi en-
contrado, após dez anos de luta encarniçada, pelos seus
irmãos, os Titãs, que tinham pensado poder reconquistar
o poder a Zeus e aos seus partidários.
Segundo outras tradições, Cronos teria sido, simples-
mente, adormecido e levado para a ilha misteriosa de Tule
ou teria sido exilado como rei para um sítio ideal onde o
“solo fértil produzia colheitas três vezes por ano” e onde
se teria prolongado esta idade de ouro, definitivamente
terminada com o aparecimento da terceira geração, a de
Zeus e dos Olímpicos.
Quanto à famosa pedra, instrumento de liberdade e de
38
vitória, repelida mais tarde por Cronos, mereceu a aten-
ção de Zeus, que a transportou para o futuro lugar de Del-
fos, a fim de aí ser venerada ao longo dos séculos.
Cronos foi, por vezes, assimilado ao deus fenício Baal, a
cujo ídolo eram sacrificadas as vítimas humanas.
Com este deus, utilizando-se da foice, é dado o início
da era do curvo pensar (ou era da foice). É com Cronos
que se associa, via foice, à transformação, o trem da vida
que termina com a morte. Pode-se dizer, em termos da
psicologia analítica, que Cronos está ligado ao ego, seu
tempo é linear, unilateral, por isto cabe tal ligação, sendo
este o tempo geron (que sofre o efeito, é o que envelhece).
Já Kairós está associado ao momento certo e oportu-
no. Conta uma história que um herói grego possuía uma
biga, puxada por dois cavalos de nome Cronos e Kairós.
Enquanto Cronos era responsável por dar movimento à
biga, Kairós era quem a puxava no momento certo para o
ataque.
Kairós é o tempo das circunstâncias, podendo ser tam-
bém representado pelo momento interno e, em termos
junguianos, pela sincronicidade.
Pode-se pensar em um tempo cronológico, seguindo
e obedecendo às formalidades temporais conhecidas: O
39
dia com 24 horas, meses, anos, sofrendo a ação do enve-
lhecimento, todavia o ser humano não é somente crono-
lógico, mas também é kairosiano, ou seja, existe o tempo
interno, tempo das vivências o momento certo e oportu-
no para “plantar” e para “colher” nos campos da vida.
Segundo ROZENDO e JUSTO (2011, p.157) : “Entre os
gregos da Antiguidade, tinha o sentido de tempo peremp-
tório, implacável, que age tiranicamente sobre a vida im-
pondo a ela um golpe final. Kairos, por sua vez, filho de
Chronos, aludia ao tempo vivido, construído na experiên-
cia e capaz de ser aferido e traduzido pelos acontecimen-
tos e realizações do sujeito em sua trajetória de vida, agin-
do sobre Chronos, criando oportunidades e aproveitando
as ocasiões propicias para certas ações.”
Eis aí o desafio: Envelhecer cronológicamente, todavia
não ser escravo de Cronos, ter ciência e, também, saber
vivenciar ou atuar de maneira kairosiana, pois o indiví-
duo é afetado por este tempo/experiências, porém, por
muitas vezes, não se dá conta de tal.
Sobre Kairós, SANTOS (2010, p.25) afirma: “Acredito que
Kairos pode ser visto como um momento “ponte” em que
é necessário atravessar para enxergar novas situações, que
partem de uma situação e tomam uma direção e um sen-
40
tido diferente. Compreender em que momento ele surge e
uma descoberta individual; cada pessoa sente, percebe de
alguma forma quando ele esta acontecendo. E aquele mo-
mento que escutamos no consultório quando os pacientes
dizem: “que tudo esta conspirando ao meu favor”, no sen-
tido de que as ações feitas, estão sendo realizadas e desen-
volvidas no tempo certo.”
Conhecer e entrar em contato com o tempo interno é
de suma importância, para que ocorra a mudança e que
se ouçam os “recados”, provenientes do self, como afirma
SANTOS (2010, p.55): “Existe uma sutileza em tentar equi-
librar esses tempos (interno e externo), onde como em
uma dança, há o momento certo para o passo mais lento,
e há o momento certo para o passo mais acelerado, agres-
sivo, entretanto é o ritmo musical que prediz o passo. A
pessoa atenta e interessada em respeitar os limites indi-
viduais conhece melhor a si mesma, relaciona-se mais fa-
cilmente com seu tempo de ser, de estar e viver. Por isso é
muito importante conhecer a nossa música interna.”
Ainda, referente à questão, SANTOS (2010, p.56) ressal-
ta: “A partir deste compreender complexo sobre o tempo
externo e as emoções, surge um tempo oportuno, o tem-
po Kairos, que contribui também para a construção do
41
tempo interno, pelo novo direcionamento que ele pode
oportunizar.”
É como afirma o médico Jorge Bichuetti, em seu blog,
discorrendo sobre a temática entre Cronos e Kairós:
42
O Aion é um tempo, porém, um tempo
atemporal, eterno, impegável, pois não
possui forma e é inominável... Se passa
no continuo inalterável da imaterialida-
de.
Pura desterritorilização num grau máxi-
mo que o torna tempo inoperável...
Assim, podíamos cair no negativismo e
na desilusão e nos acomodar à servidão
Cronos.
Todavia, há outro tempo... O tempo Kai-
rós: tempo do instante, do acontecimen-
to e do devir...
Se Cronos é ordem codificada e quadri-
culada e o aion, um caos indomável; Kai-
rós é caosmose...
O tempo que exige atenção e prontidão,
pois, não cronometrado, acontece...
Ele - Kairós, é o tempo reconciliável das
artes e das percepções sutis, molecula-
res, que não dadas pelos cinco sentidos
, mas pelo afetar e ser afetado à nível da
43
sensibilidade fina, afetiva, trans-senso-
rial...
Ele, sim, é re-tomável...
Ele, sim, se dá às criações do novo...
Ele, sim, não nos abandona, nem nos
atropela... Podemos encouraçados não
sermos contagiados, afetados, agencia-
dos...
Nele, um instante é um riacho perene que
mesmo inundando o mar, pode ser reto-
mado na profundidade das experimen-
tações que longe do soberano Cronos,
ocorrem na dimensão das pontes que
se dão entre um inconsciente amorfo e
velocíssimo, cujo galope nunca alcança-
mos, e as linhas de fuga, que são arte-vi-
da numa nova sensibilidade, numa nova
subjetivação... O novo na carne e sangue
de um acontecimento que , embora, se
consuma num instante, este instante é
pernizável e reconciável, re-tomado.
Ante estas reflexões, perguntamos: qual
o tempo norteia e domina a nossa vida?
44
Se o aion, mergulhamos num infinito va-
zio e cheios de buracos negros..
Se cronos, nos atolamos na servidão e
adoecemos de perdas, nostalgias e des-
conexão com o ontem e o amanhã: sem
ontem, cairemos e história na corporei-
dade da vida, e sem o amanhã, nos esgo-
tamos na impossibilidade de dar vida a
tanta potência nas gavetas fechadas dos
minutos...
Kairós - um novo tempo... Não que seja
novo na vida, mas que nos permite rein-
ventar a vida e o mundo num tempo que
nem escraviza, nem foge pelos poros da
nossa pele e fissuras da nossa alma.
Kairós - o tempo do instante, do aconte-
cimento e do devir... é, também, o tem-
po da esperança da arte de viver no ca-
minho do vir, artisticamente.
Kairós - a vida como obra de arte...
1.1 METANOIA
45
Envelhecer É bom envelhecer!
Sentir cair o tempo, magro fio de areia,
numa ampulheta inexistente!
Passam casais jovens abraçados!...
As árvores
balançam novos ramos!...
E o fio de areia a cair, a cair, a cair...
Saul Dias, in Essência
46
mento para o mundo interno, onde as exigências do ego
não possuem tanta importância.
Sobre a idéia de Self, RAMOS (2002, p.127) coloca:
47
“Essa necessidade se distancia, na medida em que
um lado sombrio da contemporaneidade, ou seja, avan-
ços tecnológicos, produtividade por extensa jornada de
trabalho, (falsa) independência nas inter – relações, in-
ternet, uso abusivos dos antidepressivos para se manter
em estado de euforia constante, entre outros, fazem do
homem um ser altamente “adaptado” e “falsamente” feliz
e saudável diante de sua essência, o retrato de tudo isso
é contínuo adoecimento. Pode-se dizer que, mesmo com
tudo isso, o homem nunca esteve tão solitário e aborreci-
do, tão distante do seu verdadeiro self.”
48
e diz respeito de um lugar psíquico que possui potências
relativas ao indivíduo que, por algum motivo, não foram
por ele olhados e também possui projeções do indivíduo
para pessoas/mundo, além de conter o que não é supor-
tado ser visto pelo indivíduo.
Em tal momento importante, é necessário o diálogo
entre a persona e a sombra, para que se busquem solu-
ções para os conflitos. Ainda sobre o tema da sombra,
HOLLIS (1995, p.59) afirma: “Examinemos a sombra, que
representa tudo o que foi reprimido ou que passou desa-
percebido. A sombra contém tudo o que é vital, porém
problemático – a raiva e a sexualidade,com certeza, mas
também a alegria, a espontaneidade e a chama criativa
não aproveitada.”
Agora, sobre a persona, pode-se falar que o próprio
termo significa, em latim, máscara, sendo que ela é
uma forma adaptativa medianamente consciente do
ego às condições sociais da vida. A persona é uma es-
pécie de “acordo” entre o indivíduo e a sociedade.
Sobre a persona, HOLLIS (1995, p.58) reitera: “De-
senvolvemos muitas personas, papéis que são ficções
necessárias. Comportamo-nos de uma maneira com
nossos pais, de outra com nosso patrão e de outra ainda
49
com o nosso cônjuge ou namorado. Embora a persona
seja uma superfície comum de contato necessária com
o mundo exterior, temos a tendência não apenas de
confundir a persona das outras pessoas com a verdade
interior delas, mas também de achar que nós também
somos os nossos papéis.”
O diálogo entre a persona e a sombra ocorre na me-
tade da vida e representa um equilíbrio necessário ao
indivíduo. Pode-se dizer que, na primeira metade da
vida, é o momento em que a persona se desenvolve, é o
momento de criação e manutenção da persona, a reali-
dade interior é negligenciada.
Na primeira metade da vida, a preocupação, como
já dito, está em fazer. É o momento em que a priorida-
de é: Fazer uma faculdade ou ter um ofício/profissão,
comprar uma casa, ter um carro, um emprego que ga-
ranta estabilidade, um companheiro(a) e formar uma
família.
Já na segunda metade da vida, há uma retomada do que
foi “deixado para trás” na fase da primeira metade. É re-
alizado um convite, através de self, para que se retome a
própria história. Este encontro com a sombra e a metanoia
não são momentos fáceis de superação; ao contrário, são
50
momentos de crise, dolorosos, e que implicam em um sa-
crifício: Abandonar a persona anterior ou a identificação
com uma persona e atender ao chamado de self, é neces-
sário coragem.
A solução para tal encontro é a compreensão de que,
as suas exigências provêm do self e não do que não foi
vivido. É ser sincero e honesto consigo mesmo e, ao mes-
mo tempo, comprometido consigo.
Outro fato que também ocorre no meio da vida é o
encontro com a função inferior. Jung postula que quatro
funções norteiam a psique: Intuição, sentimento, pensa-
mento e sensação. A intuição possui seu fator subjetivo,
ela “vê” a natureza do oculto, ou seja, inconsciente, sendo
oposta à sensação.
O sentimento capta o mundo através do juízo realiza-
do pelos sentimentos, como gostar ou não gostar de algo,
sua lógica é a emoção.
O pensamento capta o mundo pela lógica da razão, es-
tabelecendo leis gerais e aplicando-as caso-a-caso, julga,
classifica as coisas.
A sensação capta o mundo com os órgãos do sentido,
dá constatação às coisas que o cercam.
Segundo HOLLIS (1995, p.104): “ Todos possuímos, em
51
proporções diferentes, as quatro funções, pensamento,
gia africana.
abc
52
“
Envelhecer é um fenômeno complexo,
biológica...
MITOLOGIA
AFRICANA E
PSICOLOGIA
JUNGUIANA
N
esta parte, são apresentados estudos refe-
rentes à temática da mitologia africana e a
sua relação com a psicologia junguiana ou
psicologia analítica, com intuito de contextuali-
zação cultural e análise, além da apresentação
sobre o que foi escrito e pesquisado acerca de tal
temática.
A mitologia africana, diz respeito aos deuses que ha-
bitam o panteão africano e suas histórias míticas. Neste
universo, que foi trazido ao Brasil pelos escravos, os deu-
ses são chamados de orixás. Na África, estima-se a conta-
gem de 402 orixás, sendo eles 201 que comandam a parte
da “esquerda” (derivações do orixá Exu, senhor dos cami-
nhos) e 201 comandantes da parte da direita.
Na vinda dos escravos, via navios negreiros, para o
Brasil, chefes de tribos africanas, famílias inteiras foram
separados e mandados para o trabalho escravo, vindos de
diferentes regiões africanas, sendo que, na África, orixás
diferentes eram cultuados em diferentes regiões, de acor-
do com a cultura daquela tribo, sua origem e demografia
também.
Sobre esta questão, IRIGARAY E VERGARA (2000, p.2),
afirmam:
2.1 O CANDOMBLÉ
O candomblé é, em sua raiz, uma religião africana, inicial-
mente praticada por escravos em cultos familiares. Esta
religião tem uma base anímica, ou seja, cultua divindades
da natureza (anima) e foi trazida pelo Brasil pelos escravos
que vinham trabalhar em terras, mantendo o culto e a tra-
dição aprendidos na África.
Ao virem ao Brasil, por conta da igreja católica, os ne-
gros foram proibidos de expressar sua religião e as “roças”
de candomblé foram perseguidas, sendo que as práticas
eram realizadas dentro dos quilombos. O candomblé re-
sistiu às perseguições e hoje se mantém como uma das
religiões praticantes.
O candomblé resistiu aos anos e às lutas, sendo hoje
uma religião que possui grande influencia no povo brasi-
leiro, por mais que seus praticantes somem, em todo o ter-
ritório nacional, 0,3%, o que corresponderia a 470 mil fiéis
praticantes que se denominam candomblecistas. Hoje, o
candomblé encontra-se disseminado por todo o Brasil e,
existe também a questão de que algumas pessoas freqüen-
tam o candomblé, todavia se denominam católica, pela
forte influência da igreja católica no país e o fato das reli-
giões afro-brasileiras serem constantes alvos de críticas e
perseguições.
Em primeiro lugar, é importante saber que o candomblé
é uma religião panteísta. Esse termo é muito importante
para compreensão do candomblé, pois, “panteísmo” signifi-
ca “Toda Crença em Deus” (do grego Pan + Theo). Esse termo
sustenta a idéia de que em tudo há um único Deus. Um Deus
que está em tudo, onipresente. Também, a idéia politeísta
de – vários deuses representando diversos elementares da
natureza.
Quando há uma relação pacífica do conceito politeísta
com a idéia que exprime um Deus supremo que vive em
tudo, podemos afirmar que essa relação é característica
do que chamamos de “panteísmo”.
Logo, todos os adeptos do candomblé são considera-
dos panteístas, pois, nessa doutrina, existe um Deus su-
premo e também outros que estão correlacionados aos
elementares da natureza, do universo em geral.
Os deuses do candomblé são genericamente chama-
dos de Orixás. O, o candomblé é uma religião cujo país
de ascendência –África- tem seus adeptos generalizados
como “povo do santo”.
O candomblé não está presente apenas no Brasil. Exis-
tem outros países tais como, Espanha, Portugal, Itália, Ale-
manha, México, Panamá, Colômbia, Venezuela, Argentina
e Uruguai – que abrigam esta religião.
No Brasil, século XVI, as tribos africanas, ainda na
África – cultuavam de forma singular um único Orixá. A
junção de todos esses Orixás se deu aqui no Brasil com
o tráfico de escravos de diferentes tribos para o mesmo
local.
Reunidos nas senzalas, os escravos nomeavam um
chefe, também negro, responsável por zelar os ritos aos
Orixás. Os chefes homens eram chamados de Babalori-
xás, e as mulheres, Yialorixás.
Desde seu início, 1549, passando pela Abolição da Es-
cravatura em 1888, até os dias de hoje... O candomblé vem
resistindo ao preconceito e a força do tempo – o que pro-
põe uma infinidade de mutações temporais.
O candomblé possui adeptos de várias partes do Bra-
sil, das mais diversas classes sociais. Aproximadamente
três milhões de brasileiros freqüentam o candomblé – es-
palhado por dezenas de milhares de terreiros, como afir-
ma PRANDI (2004).
Só na cidade de Salvador, Bahia, existem aproximada-
mente 2.300 terreiros registrados na Federação Baiana de
Cultos Afro-Brasileiros e catalogados pelo Centro de Estu-
dos Afro-Orientais da UFBA.
Devido a inúmeras parecenças, o candomblé é muitas
vezes confundido com Umbanda, Macumba e / ou Omo-
loko – que são religiões brasileiras, e também, religiões
americanas tais como Vodou Haitiano, Santeria Cubana e
o Obeah – em Trinidad e Tobago.
Na África, existiam diversos grupos étnicos e que foram
trazidos para cá, Brasil. Os mais destacados são:
2.2.1 OXALUFÃ
Oxalá, também chamado Obatalá e Orixalá (Orisa-nla),
é a divindade criadora, incumbida pelo Ser Supremo de
criar a terra sólida, povoá-la e modelar a forma física do
homem, sendo por isso, freqüentemente descrito como
o representante de Olodumare na terra. Oxalá possui ou-
tros nomes descritivos de sua natureza e caráter: Obata-
la, contração de Oba-ti-o-nla, o rei que é grande ou Oba-
-ti-ala, o rei em vestes brancas.
Muito antigo, diretamente originado do Ser Supremo,
compartilha com Ele alguns nomes: A-te-rere-k-aiye =
O que se expande por toda a extensão da terra; Eleda =
Construtor; Alabalase = o regente que empunha o cetro
(símbolo da autoridade divina); Ibikeji Edumare = Repre-
sentante de Olodumare; Adimula = Aquele que é suficien-
temente forte para nos dar segurança. Freqüentemente
representado pela figura de um ancião com trajes e or-
namentos brancos, todos os objetos a ele associados são
igualmente brancos, incluindo-se roupas e ornamentos
de seus sacerdotes, sacerdotisas e devotos.
Sobre Oxalá/ Oxalufã, VERGER (2002, p.178) afirma: “
“Òrì-ànlá ou _bàtálá, “O Grande Orixá” ou “ Rei do Pano
Branco” , ocupa uma posição única e inconteste do mais
importante orixá e o mais elevado dos deuses iorubás. Foi
o primeiro a ser criado por Olodumaré, o deus supremo.
Òrì-ànlá-_bàtálá é também chamado Òrì_à ou _bà Ìgbò,
o Orixá ou o Rei dos Igbôs. Tinham um caráter bastan-
te obstinado e independente o que lhe causava inúmeros
problemas”
Ainda sobre Oxalufã, VERGER (2002,p.179) reitera: “
“Òrì_à Olúf_n, Òrì_à fun fun, velho e sábio, cujo o templo
é em If_n, pouco distante de Oxogbô. Seu culto perma-
nece ainda relativamente bem preservado nessa cidade
tranqüila, que se caracteriza pela presença de numerosos
templos, igrejas católicas e protestantes e mesquitas que
atraem, todas elas, aos domingos e sextas-feiras, grandes
números de fiéis de múltiplas formas de monoteísmos
importados do estrangeiro”.
Analisando a figura de Oxalufã, trata-se de um orixá
introvertido, com a função superior intuição e função au-
xiliar sentimento (a atitude da libido e as funções psíqui-
cas serão posteriormente explicadas).
Oxalufã traz, simbolicamente, a figura do Velho Sábio.
Esta figura, mostra a sabedoria, é o dinamismo patriarcal
em seu último estado desenvolvimentário. É dócil, mos-
tra sabedoria ao falar, ao se colocar e colocar suas opini-
ões, fato este observado em Oxalufã que veste-se de bran-
co, símbolo da pureza e sendo ele o poder de fertilização
do masculino, convertido na figura do sêmen.
Em sua polaridade positiva, podem ser observados as-
pectos como a soberba e a arrogância, além da teimosia e
a inflação do ego, por conta de seu poder.
Sobre a questão psicológica de Oxalufã, ZACHARIAS
(1998, p.197) versa: “Este último sempre se apresenta ves-
tido de branco e encurvado sob o peso dos anos, apóia-se
em um cajado de prata, o paxorô ou opaxorô. Apesar de
sua sabedoria e bondade, ele apresenta aspectos de tei-
mosa e arrogância de seu poder, um de seus mitos narra
este fato.”
Conforme visto na citação acima, cabe trazer o mito de
Oxalufã que mostra a arrogância e sua teimosia:
2.2.2. ABALUAÊ/OMULU/OBALUAIÊ/OMOLU
• Atendimento - gratuito.
do negro.
abc
“
A imagem do velho sábio não é heróica
N
este trabalho, a velhice é analisada, a partir
da psicologia junguiana e da mitologia afri-
cana. Uma vez que os arquétipos são uni-
versais, presentes em todas as sociedades, cabe-
-se relacioná-los com a psicologia analítica.
Envelhecer é mais uma fase do desenvolvimento hu-
mano, que possui suas peculiaridades e também potên-
cias. Como qualquer outra. O velho não pode e nem deve
ser estigmatizado, como sinônimo de perda de forças e
quaisquer que sejam as perdas, de maneira geral. A ve-
lhice é o momento em que se desfruta do carpe diem, o
famoso aproveite o dia, ou então, por que não dizer, apro-
veitar o tempo, não de maneira cronológica, mas sim em
sua forma kairosiana?
Kairós diz respeito ao tempo interno, tempo das vivên-
cias e, em psicologia analítica o tempo da sincronicida-
de. Na velhice, as amarras sociais parecem mais frouxas,
possibilitando um novo viés, novo olhar, caminhos dan-
tes nunca percorridos, mais nítidos agora, possibilitando
ao sujeito sua capacidade de ser.
A velhice é o momento de retomada da própria his-
tória, aproximação de conteúdos que anteriormente,
por diversos motivos, não foram olhados, propiciando a
transformação do indivíduo, dada pelo amor, a si , pela
criatividade e, também, pela disposição em passar pelo
tão atribulado momento da metanoia, que não possui
nem momento certo para começar, seque momento para
terminar.
O velho não é, então, depositário de características ne-
gativas e depreciativas, é muito além disto, é potência, é
vida e é força e vontade de viver!
Segue um poema, de um autor retirado da internet, de
Dayse Sene:
A Juventude e a Velhice
Um dia,
a juventude disse:
_ vou sempre visitar a velhice.
Gosto de estar perto dela. Ela me passa
sabedoria e aprendizados!
E a velhice disse a juventude: _ Adoro
quando você vem me visitar... Em cada
visita sua, me encho de juventude... E
fico um pouco mais, por aqui na terra.
Por isso concluo, eu a poeta: _Apesar de
serem extremos na palavra vida. Cada
um a seu modo, fortalece o outro. Aben-
çoado seja, quem tem essa visão no
mundo.
Pois assim e somente assim... Haveria
mais harmonia e reciprocidade, entre
as pessoas do mundo!
Dá-nos asas e sonhos....
E aqui sobreviveremos mais e mais..
Finalizando, fica a frase de Simone de Beauvoir : “ Se
não foste feliz quando jovem, certamente que tens agora
tempo para o ser”.
abc
“
Envelhecer é mais uma fase do
potências....
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
abc
VENDA PROIBIDA - acesso livre - OPEN ACCESS
editora científica