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EstaNoie
ueioOVISONS
Esta Noite
ImproviSa-se
2.4 Edição
EDITORALESTAMEA
Fcçoes25
t
opiba S
FICHA TÉCNICA:
Título do original: QUESTA SERA SI RECITA A SOGGETTO
Tradução: J. A. Osório Mateus e Luís Miguel Cintra
I
Esta Noite Improvisa-se chama-se em italiano Questa Sera
Si Recita a Soggetto. Esta Noite Improvisa-se é uma tradu-
ção imperfeita do título original. Recitare a soggetto era o
que faziam os actores da commedia dell'arte: tinham uma
história, um scenario que lhes servia de soggetto, de esque-
ma para arepresentação. Estesscenariipreenchiam-noseles
com o seu tradicional reportório de deixas, tiradas, réplicas,
momentos de mímica, canções, variantes e acções típicas.
Em Esta Noite Improvisa-se é uma recita a soggetto o que
o Doutor Hinkfuss quer fazer («qualquer coisa no estilo da
antiga commedia dell'arte»); o que o Doutor Hinkfuss,
encenador de um espectáculo, tem na mão é apenas uma
história («Neste rolinho de poucas páginas tenho tudo aqui-
lo de que necessito. Quase nada. Uma noveleta, ou pouco
mais, quase nada dialogada aqui e ali [..] E com ela o que
é que eu faço? Transformo-a em matéria da minha criação
cénica e sirvo-me dela como me sirvo do talento dos actores
escolhidos para representar os papéis segundo a interpreta-
ção que deles eu terei feito; como também me sirvo dos
cenógrafos, a quem mando pintar ou arquitectar a cena; e
dos maquinistas que a põem de pé e dos electricistas que a
iluminam ; todos eles segundo os ensinamentos, as sugestões,
as indicações que eu lhes terei dado.»
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III
Uma história conta-se em momentos: servem uns para
apresentar, outros para descrever, outros para mostrar ac-
Ções, outros para narrar o que cou entre duas acções. Uma
narração avança numa alternância de registos internos. Tem
os seus momentos plenos e aqueles que, ligando-os, expli-
cando-os, justi cando-os., os sustentam.
o Esta Noite Improvisa-se começa e acaba por, sobretudo,
contar uma história: a de Mommina, Dorina, Totina e Néné.
Mas entretanto vai contando uma outra que a ela se mistura
e se justapõe. A estas duas histórias ainda se junta a sua
vertiginosa mise-en-abîme.9
Que ca, entretanto,dessaprimeira história? Brevescenas,
quadros que nunca sustentam outros, que são uma antologia
dos «melhores» momentos de uma história. A história com-
pleta foram retirados todos os quadros, todas as cenas que,
não sendo momentos plenos, são os que lhes dão razão de
ser interna. Das personagens mostram-se só os sentimentos
(humilhação, vergonha, frustração...) e nunca as vemos em
momentos de acção desligados da sua emoção predominan-
te. As personagens não evoluem perante nós. Encontramo-
-las de vez em quando dominadas por um estado de espírito,
a ter a sua cena. Em cada uma destas cenas encontramos
uma personagem que avança sobre as outras e sobre a sua
própria história e lhes rouba a cena. A narrativa tirou-se
todo o narrativo.
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Como?
Se assistimos à desmontagem de uma ilusão? Se estão à
vista todos os elementos desse mesmo teatro da ilusão? Se
estão à mostra todos os elementos que fazem o teatro? Se a
realidade extrateatral é aqui a própria realidade teatral?
Porquea verdadeiraponteentre a cçãoea realidade
não é, no fundo, aquela que nos é indicada, mais uma vez
cou escondida atrás de um «céu de papel».
Vemos nós todos os elementos que fazem o teatro. Vemos
imitações, imagens que tanto mais nos iludem, quanto estão
próximas do local e das pessoas a que se referem.
A verdadeira ponte, que seria a nal a presença dos au-
tores do espectáculo (Pirandello e o encenador) não se viu,
foi substituída, pôs a máscara. Se no teatro naturalista por
onde Pirandello começou (Liolá) essa ponte era omitida, era
porque o espectáculo encontrava a sua razão numa realida-
de extrateatral. Aqui ela é escondida, levada para fora do
teatro pela presença de uma sua imagem: o tema do espec-
táculo.
O novelista que Pirandello era viu os processos do teatro
para com eles construir uma nova personagem de cção: o
autor-encenador, correspondência decadente e mais brilhante
e ambígua (ou seja: espectacular) do habitual narrador da
novela.
Fascinante descoberta técnica. Que, pelo seu lado espec-
tacular (até no que de mais espectaculare super cial a sua
loso a tem), veio marcar toda uma época do teatro con-
temporâneo. A partir de Pirandello começámos a ver actores
na plateia, cenas nos camarotes, o pano de boca a subir e
não subir perante as interpelações de um responsável, os
actores a serem apanhados de surpresa antes da represen-
tação, os actores a irromperem por detrás das suas másca-
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17
LP.
TEATRO .....
ESTA NOITE
IMPROVISA-SE
sob a direcção do
Doutor Hinkfuss
e dos Senhores
23
.A AMJ
AL
o DOUTOR HINKFUSS
O PRIMEIRO ACTOR (RICO VERRI)
O ACTOR CENTRO (0 SENHOR PALMIRO,
alcunhado de SAMPOGNETTA)
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
(DONA INÁCIA)
A PRIMEIRA ACTRIZ (MOMMINA)
TOTINA
DORINA
NÉNÉ
1. OFICIAL (POMÀRICI)
2.° OFICIAL (SARELLI)
3.° OFICIAL (NARDI)
4° OFICIAL (MANGINI)
5,° OFICIAL (POMETTI)
O SECRETÁRIO DO DOUTOR HINKFUSS
A CANTORA
1. CLIENTE DO CABARET
2° CLIENTE DO CABARET
3.° CLIENTE DO CABARET
4.° CLIENTE DO CABARET
CLIENTES DO CABARET
TRÊS RAPARIGAS
TRÊS BAILARINAS
QUATRO MENINOS DE CORO
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27
O UM ESPECTADOR DA PLATEIA
(Perguntando em voz muito alta, depois de ter olhado
à sua volta.)
UM ESPECTADOR DA GALERIA
29
O MARIDO
(Retendo-a, rápido.)
É louca? Qual incêndio! Senta-te e está sossegada.n
2 OUTROS
ESPECTADORES
Silêncio! Silêncio!
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O DOUTOR HINKFUSS
31
O DOUTOR HINKFUSS
Z82 o DOUTORHINKFUSS
32
O nome! O nome!
OUTRO, NA GALERIA
Quem €?ko
O DOUTOR HINKFUSS
Ainda
não
começou.o to 'at a
O DOUTOR HINKFUSS
33
EXCLAMAÇÕES NA SALA
Uhhh...
O ESPECTADOR DA GALERIA
(Em voz alta, dominando as exclamações.)
n Equeméessesenhor? ou
(Riem-se muitos espectadores da plateia e dos camarotes.)
34
O DOUTOR HINKFUSS
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bobe AO DOUTOR
HINKFUSS
1 A criação cénica que eu possa ter construídoe que é
unicamente de minha autoria.
Volto a pedir ao público que me não interrompa. E pre-
vino-vos - uma vez que já vi alguns dos senhores críticos a
sorrir – que esta é a minha convicção. São evidentemente
senhores de não a respeitar e de continuar a atribuí-la injus-
tamente ao escritor que, no entanto, hão-de concordar, terá
o direito de sorrir perante os seus críticos tal como agora
sorriem desta minha convicção: isto evidentemnente, no caso
de as críticas virem a ser desfavoráveis; porque se acontecer
O contrário, o que será injusto, será atribuir ao escritor os
louros que me cabem a mim. ncl 00plsup ToHs 0TUO
-rA minhaconvicçãofunda-seemrazões sólidas.2 20
mA obra doescritorestáaqui. nig shrrdo s9upTS
Bl29104 ise K(Mostra o rolo depapel.) sb iodOs3Up
oo E com ela o que é que eu faço? Transformo-a em ma-
téria da minha criação cénica e sirVO-me dela como me
sirvo do talento dos actores escolhidos para representar os
papéis segundo a interpretaçāão que deles eu terei feito; como
também me sirvo dos cenógrafos, a quem mando pintar ou
arquitectar a cena; e dos maquinistas que a põem de pé e
dos electricistas que a iluminam; todos eles segundo os
ensinamentos, as sugestões, as indicações que eu hes terei
dado.
Noutro teatro, com outros actores e outros cenógrafos,
com outra disposição e outras luzes, concordarão comigo em
que a criação cénica será certamente diferente. Outra. E não
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39
O DOUTOR HINKFUSS ie
Não há perigo. Estamos salvos.
Uma ninharia. Sou eu que farei tudo. Tudo foi feito por
mim.
E tenho a esperança de ter criado um espectáculo capaz
de vos agradar se os quadros e as cenas decorrerem com o
extremo cuidado com o qual os. preparei, tanto no seu con-
junto como em cada pormenor; e se os meus actores
corresponderem em tudo à con ança que neles depositei. De
resto permanecerei aqui no meio de vós, e estarei pronto a
intervir em caso de necessidade, seja para encaminhar de
novo a representação no caso de qualquer di culdade, seja
para superar qualquer defeito deste trabalho com esclareci-
mentos e explicações: o que (e disso me orgulho) tormará
mais agradável para vós a novidade de uma tentativa como
esta de improvisação sobre um tema. Dividi o espectáculo
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41
O gongue!
(Ouve-se o gongue.)
Os senhores actores à cena, para a apresentação das suas
personagens.
shne .stlot sb (Abre o pano de boca.)
42
O DOUTOR HINKFUSS
O PRIMEIRO ACTOR
il(Vestidoe maquilhado de Rico Veri, de farda de
o cial da aviação, saindo excitadíssimo de trás do pano.,)
43
O PRIMEIRO ACTOR
Ofendeu, sim senhor, e sem se dar conta, continua a ofen.
der-me fazendo-me estar aqui, a discutir consigo, depois de
me ter forçado a aparecer.
O DOUTOR HINKFUSS
O PRIMEIRO ACTOR
e DOUTOR
O HINKFUSS
(lncomodado.)o s
Gostaria de vos apresentar...
o0 u l oPRIMEIRO
ACTOR
(Reaparecendo.)
44
O PRIMEIRO ACTOR
(Interrompendo prontamente.)
Não, meu caro senhor, não se trata de uma questão de
paciência; peço-Ihe simplesmente que pense que neste
mento já não é o senhor...
O ACTOR CENTRO
Sszquz b
Ai! Que foi? Santo Deus. Faça o favor de nunca mais
voltar a dar-me bofetadas de verdade!
45
O ACTOR CENTRO
(Saindo de trás da cortina com uma mão na cara, vestido
e maquilhado de «Sampognetta».)
sbosleup
OPassa-se que não autoriz0 a senhora..
ll s AACTRIZ
CARACTERÍSTICA
s (Saindo de trás da cortina, vestida e maquilhada de
9 201! sD 20nig DonaInácia.)
ÓDeus do Céu, mas o senhor não se afasta! Não é difícil
furtar-se a elas! E um movimento instintivo e natural.
o 20o ACTOR
CENTRO
E como é que me hei-de furtar se a senhora mas dá assim
de surpresa?
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
46
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
O ACTOR CENTRO
O ACTOR CENTRO
t
(Voltando a levar a mão à cara.)
47
sA senhoraachaquesim?
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Desculpe, mas o senhor não queria fazer aapresentação?
Pois aqui estamos nós a apresentarmo-nos a nós próprios.
Una bofetada e o imbecil do meu marido já ca muito bem
apresentado.
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
lovildugoh oDOUTOR
HINKFUSS
Não tem importância?0 que é que a senhora quer que o
público entenda?
O PRIMEIRO ACTOR
Claro que entende! Entende muito melhor assim! Deixe
isso por nossa conta. Todos estamos completamente dentro
do nossO papel.
48
(Depois a segunda.)
42 Totina.
Sjo
Dorina.
S (Depois a terceira.)n oa
tA
(Depois a quarta.)
Néné.
49
TOTINA
(Acorrendo com Dorina para a conter.)
Por amor de Deus, mamā, não recomece!
DORINA 9
(Ao mesmo temp0.)
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
E ele assobia, está a assobiar.
O DOUTOR HINKFUSS
(Com um laivo de malícia, encontrando imediatamente
uma maneira de salvar o seu prestígio.)
DOUTOR HINKFUSS
(Rápido, em con dência para o público.)
Também esta furiazinha é ngimento. Tratando-se de um
actor como o senhor...
(Diz o nome.)
um dos melhores da nossa cena, era necessário que eu desse
alguma satisfação ao seu amor-próprio. Mas os senhores
Compreenderão que tudo o que se passa em cima deste palco
não pode deixar de ser ngido.
91257 9U0
(Voltando-se para a Actriz Caracteristica.)
Continue, minha senhora, continue se faz favor. Está tudo
a correr muito bem. Aliás, menos não se poderia esperar da
senhora.
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
(Desconcertada, quase assustada com tanto imprevisto e
já não sabendo o que fazer.)
Ah... está bem.. quer que eu continue? Mas... desculpe,
as o que é que eu hei-de fazer?
O DOUTOR HINKFUSS
51
palavra
queseja.s tittetnn t o 0.
(95 oDOUTOR
HINKFUSS
(Novamente para o público, em con dência.)
Magní ca!isg
oost ot bi)
u sb s-G)A ACTRIZCARACTERÍSTICA
Mas desculpe, o senhor queria de verdade dar a entender
que teria havido alguma combinação para esta nossa entra-
o b O DOUTORHINKFUSS
bignt
Pergunte ao público se não tem a impressão de que neste
momento nós não estamos nada a improvisar?
O DOUTOR HINKFUSS
52
Com certeza!
O DOUTOR HINKFUSS
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
AVISOC
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA es
Devagar, devagar, meus amigos, não façam confusão!
Esperem aí, esperem. Você, Pomàrici, o meu sonho para a
Totina, aqui. Assim, dê-Ihe o braço. Muito bem. E você,
Sarelli, aqui com a Dorina! TS oboas sb 2onlz1
53
SARELLI O
(Puxando-a pelo outro braço.)
obi
Deixa-a car para mim, já que foi a mim que a mãe a deu!
A
O TERCEIRO OFICIAL
Não, senhor! Esta menina e eu estamos de acordo.
t S
z ARELLI
(Para
Dorina.) oh
Ai a menina está de acordo? Os meus cumprimentos!
(Denunciando-os.)e
A Dona Inácia está a ouvir?
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Comoé isso? Estão de acordo?
DORINA
(Aborrecida.)1
lo Claro que estamos, desculpe, Senhora Dona...
d
(0 nome da Actriz Característica.,
54
S MSALen9 9UD 2
A ACTRIZ CARACTERİSTICA
NÉNÉ
Des
SARELLI oe A ao
De resto, sabe, nós só aqui estamos para dar uma certa
animação.
O DOUTOR HINKFUSS
Proe
(Para a Actriz Característica)
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
55
300 s:YSTdsre
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Queria que eu as pusesse nas freiras para aprenderem o
catecismo e os lavores? Passou já o tempo, Eneias.
shr5oT h cg MOMMINAO.sdse.o
(Em tom de reprovação, como se a mãe revelasse um
segredo vergonhoso.)
i
S01 Sp 10 o DONA INÁCIA
Ea Totina sabe cerzir... o
ADIT2AA1 TOTINAHDA A
2ordnse 92 (Mesmojogo queMommina.)
O que é que está a dizer?
nss sniL NI 9 0
0 OE
DONA INÁCIA
Ea Néné...
56
DONA INÁCIA
Descubram outra como ela para tornar os vestidos no-
VOS...
NÉNÉ
(Mesmo jogo.)
Isto já chega!
sinsnetnoxoDONA
y INACIA i 0'i
Desmanchá-los..
NẾNÉ
(Tapa-lhe a boca.)
Pronto, mamã!
DONA
INÁCIA o o o
(Libertando-seda mão deNené.) Ak
Voltá-los do avesso... E para fazer contas, a Dorina!
DORINA
Jâacabou de despejar o saco?ihbe sio1
DONA INÁCIA
Ao que nós chegamos! Envergonham-se disto...
57
t Comodevíciossecretos!
DONA INÁCIA
E depois não são exigentes, contentam-se com pouco;
desde que Ihes não falte o teatro, até andam a jejum! Ai, o
nosso velho melodrama! Até a mim me agrada tanto!
NÉNÉ
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Sim, está bem, a Carmen também! Mas não nos faz vibrar
o coração como no seio do nosso velho melodrama, quando
se vê a inocência a gritar, sem ninguém lhe dar fé eo de-
sespero do amante: "Ah! Quell' infame l'onore a venduto."
Pergunta à Mommina! Pronto, já chega! zol
(Dirigindo-se a Verri.)
O senhor veio pela primeira vez a nossa casa, se bem se
recorda, apresentado por estes rapazes... odek
O TERCEIRO OFICIAL
58
O PRIMEIRO ACTOR
22
POMÀRICI
Nós é que vivemos à tua custa?
1ON SARELLI
Olhaparaele!ui Sihohi o e EU
O PRIMEIRO ACTOR
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Ai, já sei! (e de que maneira!)
59
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Não tenha medo que não antecipo nada.
O DOUTOR HINKFUSS
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Sua amiga, sim, não duvide, diz muito bem. Dizia eu, e
é verdade, que a princípio não se orgulhava nada com isso
e até fazia frente com todos nós aos selvagens desta ilha, que
consideram que é quase uma vergonha o nosso inocente
viver à continental, e acolhermos em casa alguns jovens, e
permitir que se divirtam sem maldade, como é tão próprio,
meu Deus, da juventude. Ele também se divertia com a
minha Mommina...
Onde está ela? Ah, está aqui! Vem cá, chega aqui, minha
desgraçada lha; ainda não é altura para te esconderes assim.
A PRIMEIRA ACTRIZ
Não, largue-me, largue-me, Senhora Dona..
60
shesimot
O PRIMEIRO ACTOR
Pois claro! Porque sem dúvida a senhora escreveu e xou
de cor as réplicas que deve dizer de acordo com essa linha.
mo? t
O PRIMEIRO ACTOR
Também z, também; mas não decorei as palavras que
tinha de dizer. O minha senhora, falemos claro para que nos
possamos entender: não esteja à espera que eu fale da ma-
neira a que a senhora me quiser obrigar a falar, segundo as
deixas que a senhora achou por bem preparar. Eu digo aquilo
que devo dizer.
OS ACTORES
- Essa era boa!
-Que um obrigasse o outro a dizer aquilo que Ihe convém
a ele!
61
O DOUTOR HINKFUSS
o (Interronmpendo os comentários.)
21TD 20
Isis
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65
66
OSCLIENTESolu z98 z
(Está quieta,idiota!
-Está calada e volta para o teu lugar!
-Qual pobre velho!
-Paraqueéquetemetesnisto? 05 o S9
+Deixa-nosempaz! D s 9 TOD 9
-Eo que ele merece! sb
-Ē o que ele merece!
sibouutAbg2
CANTORA
SAMPOGNETTA
Bu o(Levantando-se,maisperdido do quenunca.)
O que é que eu mereço? O que é que eu mereço?
67
SAMPOGNETTA
(Para os dois outros clientes que o obrigaram a sair e
que agora se divertem a vê-lo assim coroado, sob a luz
do candeeiro.)
O SEGUNDO CLIENTE
O TERCEIRO CLIENTE
SEGUNDO CLIENTE
TERCEIRO CLIENTE
Pois, quando Ihe disse que era bem merecida!
SAMPOGNETTA
Ah, já percebi, já percebi!
68
SEGUND0 CLIENTE
As estrelas?
PRIMEIRO CLIENTE
SEGUND0 CLIENTE
SAMPOGNETTA
Será possível?
PRIMEIRO CLIENTE
TERCEIRO CLIENTE
SEGUND0 CLIENTE
69
Ah, sim. Que eu esta noite, não sei se deram por isso, z
de propósito para olhar sempre para as bailarinas, sem nunca
voltar sequer a cabeça para ela. Faz-me tanta impressão,
tanta! Aquela pobrezinha, quando canta de olhos fechados e
com aquelas lágrimas que Ihe escorrem pelas faces!
SEGUNDO CLIENTE
Mas isto faz parte da pro ssão, Senhor Palmiro! Não
acredite naquelas lágrimas!
SAMPOGNETTA
(Negandoseriamente, até com o dedo.)p
Não, não, isso não! Da pro ssão? Qual pro ssão! Dou-
-lhes a minha palavra de honra que aquela mulher sofre:
sofre de verdade. E depois tem a mesma voz da minha lha
mais velha: tal e qual! tal e qual!E confessou-me que ela
também é lha de boas famílias.
TERCEIRO CLIENTE
Ah, sim? Calculem! Também é lha de algum enge-
nheiro?
SAMPOGNETTA
ies T it
Isso não sei. Mas sei que certas desgraças podem acon-
tecer a toda a gente. E cada vez que a oiço cantar, entra-me
uma... umaangústia, uma consternação. 8
(Nesta altura aparecem da esquerda, em passo de marcha,
Totina de braço dado com Pomàrici, Néné dando o braço a
Sarelli, Dorina dando o braço ao Terceiro O cial, Momnina
70
POMÀRICI
TOTINA
POMÀRICI
SAMPOGNETTA
A mim? Que foi?
NÊNÉ
So DONAINÁCIA
(Enquanto o marido leva as mãos ao chapéu.)
Uns cornos!
71
TOTINA
Olha, olha para eles!
SAMPOGNETTA
(Tirando o chapéu.)
S DONA INÁCIA
E ainda pega neles com as mãos! Deita-os fora, imbecil!
Só serves para bobo de todos esses malandrins!
STNit ot MOMMINA
(Para a mãe.)
TOTINA
)0MA2
...quando foram esses nojentos!
VERRI
(Aproximando-se da porta do cabaret e dirigindo-se
72
O CLIENTE
(Tentando soltar-se.) obaolshM
Largue-me! Não fui eu! E não se lembre de me pôr as
mãos em cima!
VERRI
s olas o ik
SARELLI
É inútil estarmos para aqui a fazer ainda mais escândalo!
DONA INÁCIA
01
TOTINA S OEEEDen
Ó mamā, deixe estar:!
SEGUNDO CLIENTE
(Avançando.)
73
DORINA
Malcriados!
Malfeitores! s
TERCEIRO OFICIAL
Deixe estar, deixe estar, menina Dorina!
QUARTO CLIENTE
Foi a rapaziada, de brincadeira..
POMÀRICI
Ai o senhor chama a isto brincadeira?
!olsbnse9zicmSEGUNDO
CLIENTE t ta2
Todos nós estimamos o Senhor Palmiro...
DAWA
TERCEIRO CLIENTE
sa2sb slsro os 0LNE
(Para Dona Inácia.) ob
..muito mais do que a estimamos a si, que não estimamos
nada, minha cara senhora!TOr
SEGUND0
CLIENTE a O
A senhora é a anedota da terra!
CVERRIA) e
c19RO b (Exaltando-se, de braços no ar.)ods
Dobre essa língua, ou tome cuidado!
74
TERCEIRO CLIENTE
Que vergonha! Com a farda de o cial!
VERRI loio
Quem é que vai fazer queixa?
POMÀRICI
QUARTO CLIENTE
Ninguém
insultouninguém!s AO8ntag
TERCEIRO CLIENTE
A senhora, a senhora é que nos insultou! esy roil
DONA INÁCIA
Quem? Eu! Eu não insultei nada! Disse-vos na vossa cara
o que os senhores são! Malfeitores, malcriados! Malandrins!
Mereciam era ser postos numa jaula, como os animais fero-
zes! Isso éo que vocês são!
75
Então,minhasenhora, entao..ga
NÉNÉ
Não suje a boca a responder a gente desta!
QUARTO OFICIAL
Vamos,vamosque já é tarde! t
7TOTINAA
O primeiro acto já deve ter acabado!t a ne
alMOMMINAl
Sim, venha! Deixe-os estar! SIori
POMÀRIC
sVenha, venha para o teatro connosco, Senhor Palmiro!
76
SARELLI
E nós para o teatro! Não podemos perder tempo!
DONA INÁCIA
Imbecis! Cretinos! Riam-se mas é da vossa ignorância!
O POMÀRICI
up slro
Chega! Chega!
OS OUTROS OFICIAIS
9 Paraoteatro!Paraoteatro!9TIOD6isbisup M
(Nesta altura, o Doutor Hinkfuss quedesde oprincípio voltou
a entrar na sala atrás da procissão e que se sentou para
vigiar a representação, estando sentado numa cadeira da
primeira la que fora reservada para ele, levanta-se.)
O DOUTOR HINKFUSS
Sim, sim! Já chega! Para o teatro! Para o teatro! Saiam
todos! Os clientes voltam para o cabaret. Os outros saem
pela direita! E fecham um bocado o pano de um lado e do
outro! tono slosoi A
(Os actores saem. Fecham um pouco o pano de cada lado
de forma a deixar no meio o muro branco que deve servir
de ecrã para a projecção cinematográ ca do espectáculo de
ópera. Só o Actor Centro ca ali defronte, quando todos os
outros
desapareceram.) vs
77
O ACTOR CENTRO
JMAMU
Não, só gostava que desse conta que não me deixaram
dizer uma única palavra. É Confusão a mais, senhor encenador!
O DOUTOR HINKFUSS
78
DONA
INÁCIA Up on
O que é que eu dizia? Já vai no nal do primeiro acto!
Con TOTINA
Que correria! Uf!
oin9li2-
(Senta-se na primeira la do camarote, ao lado da mãæ.)
Aquiestouàssuasordens!ys ow oe 9
-I192
DORINA
uob) obnzog
VOZESNA SALAs o
Francamente!
-Silêncio!
Vejam lá se isto é maneira de se entrar num teatro!
79
) 09 TOTINA
Pois, mas como a Dorina e a Néné se sentaram aqui no
meio...
Nig DORINA
Pensámos que a Mommina quisesse car atrás com o
Verri, como da última vez..
VOZES NA SALA
-Silêncio!
- Silêncio!
-São sempreeles! ob olt D 32
-Ẽ umaverdadeirapoucavergonha!
-0 que é espantoso sãoestes senhores o ciais!
-Não há ninguém que os meta na ordem?
MOMMINA
Baixinho, cuidado, por favor! le
80
NÉNÉ
Sim, tu, com todas essas mudanças! os 92-BU9r)
DORINA
Deixem-nosfalar! oO3 cluc up oiisg tles 15
TOTINA
Como se nunca tivessem ouvido..
(Dirá o nome do melodrama.) on Lstzsa
22 POMÀRICI
Devia-se ter algum respeito por estas senhoras... )
VOZES NA SALA esd mie
- Estejacalado!
E umavergonha! AMO
- Rua com elas!
Ponham-nos a andar! sh 0 .sM
0-Que lindo! Que seja do grupo dos o ciais que sai este
escândalo todo!
-Fora! Fora!
e DONAINÁCIA
Canibais! A culpa não é nossa se chegámos tão tarde!
Vejam lá se isto se pode considerar uma terra civilizada!
81
TOTINA
No Continente toda a gente faz assim!
DORINA
Chega-se ao teatro quando se quer!
NÉNÉ
DONA INÁCIA
Mas, por amor de Deus, a que excessos é que se está a
referir? Eles é que nos incitam! Ẽ uma perseguição insupor-
tável, não vệ? Só por causa de um bocadinho de barulho que
zemos quando entrámos!
O DOUTOR HINKFUSS
82
o9 08 SO DOUTORHINKFUSS
Muito bem, isso,isso,saiam, saiam!s oheor
(29ln0 (Saidocamarote.) oà
NÉNÉ
(Mesmo jogo.)
DONA INÁCIA
O DOUTOR HINKFUSS
83
c Abram opano!
(0 pano abre.)
ADALIA
&4
85
NÉNEw
Não tem gelados? Que pena! Então dê-me uma bebida
qualquer. Mas bem fresca! Sim, pode ser de mentol.
o TOTINAl-obos)
Para mim é uma limonada. 9205M cults s206/
POMÀRICI
Um pacotinho de bombons. E caramelos, também.
NÉNÉ
Não, isso não, Pomàrici. Por favor!
3n
TOTINA )
Se calhar não são bons. São bons? Então está bem, com-
pre, compre. E uma das maiores satisfações que uma mulher
pode ter...
POMÀRICI
Os bombons?
TOTINA
Não!Fazeroshomens
pagar!aurinensbiib msni
POMÀRICI
Mas isto não é nada! Pena que não tivéssemos tempo para
passarnos pelo café a caminho do teatro.uo
87
TOTINA
POMÀRICI
(Metendo-lhe um bombom na boca.)
Não se a ija! Não se a ija!
NÉNÉ
(Abrindo a boca como um passarinho.)
E para mim?
POMÀRICI
(Metendo-lhe na boca.)
Com certeza. Mas para si vai unm caramelo.
NÉNÉ
Mas tem a certeza de que no Continente se faz assim?
POMÀRICI
Claro! O quế? Meter um rebuçado na boca de uma me-
nina? Sem dúvida nenhuma...
SARELLI
Um rebuçado e outras coisas!
88
TOTINA
(Provocante.)aog eO
Mas por exemplo?
l tug
SARELLIl
itsige on
Não podemos dar o exemplo aqui!
NÉNÉ
Então amanhã assaltamos todas quatro o campo de avi-
ação!
POMÄRICI
5t) sesqO
A visita será muitíssimo agradável; mas quanto a voar,
infelizmente...
SARELLI
Proibido pelo regulamento!
POMÀRICI
89
SARELLI
Voar é impossível..
NÉNÉ
Não, cuspir, cuspir-he em cima, puh!, um escarro. Pois
ca você encarregado disso.
II
ivs s DORINA e NARDI passeando.
NARDI
Mas sabe que o seu paizinho está loucamente apaixonado
por aquela cantora do cabaret?
v 49008
DORINA
O papá? Que me conta?
NARDI
O papá, o seu paizinho, asseguro-lhe eu. De resto toda a
gente o sabe.
DORINA ole ot
Mas diz isso a sério? O papá, apaixonado?
(Uma grande gargalhada faz com que todos osespectadores
vizinhos se voltem.)
90
NARDI
Sim, vi-a uma vez. E uma louca melancólica. a
sbatstod erzeinrnon
DORINA
Melancólica? Como é que sabe?
Tunibem apaniwa
DORINA
Oh, meu Deus! E o papá? Oh, coitadinho! Mas acha que
o meu pai é mesmo um desgraçado, pobre paizinho? Não,
não, não posso acreditar.
NARDI
Não acredita? E se eu lIhe disser que uma noite, em que
com certeza ele também estava um bocado tocado, deu espec-
91
DORINA
Não pode ser! A sério?
NARDI
E sabe como é que ela lhe respondeu? Pregando-lIhe uma
enormíssima bofetada!
DORINA
No papá? Ela também! A mamã já Ihe dá tantas, pobre
paizinho!
NARDI
Foi exactamente isso que ele disse, ali, diante de todos os
clientes que se torciam de riso: «Também tu, ingrata? Já me
dá tantas a minha mulher!»
DORINA
Sabem o que o Nardi me esteve a dizer? Que o papá está
apaixonadopelacantorado cabaret! sie
92
Nãopode ser!sLl
NÉNÉ
Tu acreditas? É brincadeira!
DORINA
Não, não, é verdade! É verdade!
NARDI
Posso garantir-vos que é verdade.
A obsod sil
É verdade. Também me disseram a mim.
DORINA
E se soubessem o que ele fez!
obn
NÉNÉ o191Si svbobE
DORINA
Também apanhou uma bofetada dessa mulher e em pleno
café!
NÉNÉ
Uma bofetada? OM
TOTINA
Mas porque?
93
TOTINA
As lágrimas?
DORINA
Sim, porque, segundo dizem, é uma mulher que estásempre
a chorar...
ICAAM
TOTINA l o
Perceberam agora? Tinha ou não tinha razão para o dizer
há bocado? A culpa é dele, é dele! Como é que querem que
as pessoas se não riam e não façam troça dele?
SARELLI
Se quiserem uma prova, procurem no bolso de dentro do
casaco: deve lá ter o retrato dessa cantora. Mostrou-mo uma
vez a mim com algumas exclamações que nem vos poss0
repetir, pobre Senhor Palmiro!
AVIAOG
MOMMINA Csbsoi s
(Um pouco assustada com o aspecto sombrio com que Verri
saiu da sala.)
94
MOMMINA
Então porque é que está assim?
VERRI
Não sei. Só sei que se tivesse cado mais um minuto
naquele camarote, acabava mesmo por fazer uma loucura.
MOMMINA
Isto já não é vida que se possa aguentar.
VERRI
(Asperamente e muito alto.)E eUOov
MOMMINA
Fale baixo, por amor de Deus! Todos os olhos estão postos
em nós...
VERRI
MOMMINA
Cheguei ao ponto de quase já não saber mexer-me nem
falar.
95
MOMMINA
Seja bom, dê-me esse prazer, não os provoque!
VERRI
Não estamos aqui como os outros todos? Que será que
vêem de estranho em nós neste momento para nos estarem
a olhar assim? Pergunto se não é possível...
S MOMMINA
Sim... viver... já Iho disse... fazer ainda um gesto, levantar
os olhos, assim, debaixo da ira de toda a gente. Olhe para ali,
à volta das minhas irmās e além, à volta da minha mãe..
VERRI
US00 VERRI
MOMMINA
O que é que estão a fazer?
96
MOMMINA
Mas não estão a fazer nada de mal: estão a conversar...
VERRI
bIA I1Ovstoq .sinsibs be 2om92254
Mas com tanta vivacidade acabam por provocar.osrn
MOMMINA
Desculpe, mas são os seus colegas...
VERRI
Bem sei, a pô-las assim; e acredite que começam a enervar-
-me seriamente, sobretudo aquele Sarelli, e mesmo o Pomàrici
eo Nardi.
MOMMINA
Divertem-se
um
bocado.. e nolsel3
VERRI
on Podia pensar que o fazem à custa da boa reputação de três
raparigas de bem. Ao menos absterem-se de certos actos, de
certas familiaridades..
97
VERRI
MOMMINA
...antes de tudo era eu própria que não o permitia, bem
sabe!
VERRI
Passemos adiante, passemos adiante, por favor! Até a
menina o permitiu primeiro!
MOMMINA
Mas agora já não, e há já algum tempo, acho eu. Já devia
saber!
U eIMS VERRI
Mas não basta que o saiba eu: eles também deviam saber!
MOMMINA
Eles sabem! Eles sabem!
VERRI
Não sabem! Por mais de uma vez me quiseram mesmo
mostrar que não queriam saber! E mesmo para me escar-
necer.
98
VERRI s
Têm de perceber que comigo não se brinca!
MOMMINA h
Eles percebem, esteja descansado! Mas quanto mais você
Ihes dá a ver que leva a mal mesmo uma brincadeira inocen-
te, mais eles continuam, até para mostrar que não o faziam
por maldade.
VERRI
MOMMINA
De maneira nenhuma! Digo isto por si, para que esteja
sOssegado! E por mim também, que, vendo-o nesse estado,
vivo num estado de inquietação contínua. Vamos, vamos. A
mamã mexeu-se; parece-me que quer voltar lá para dentro.
DONA INÁCIA
99
DONA INÁCIA
O quê? Começarem a dar lições ao vosso círculo!
POMETTI
Lições? A quem?
DONA INÁCIA
n Aos vilões, aos idiotas desta terra! Pelo menos umahora
por dia!
MANGINI
Lições de quê?
POMETTI
De boas maneiras?
DONA INÁCIA
Não, não. Conferências, conferências! Uma liçãozinha de
uma hora por dia, que lhes informasse de como se vive nas
grandes cidades do Continente. Você de onde é, caro Mangini?
MANGINI
Eu? De Veneza, minha senhora.
DONA INÁCIA
Veneza? Ah, meu Deus, Veneza, o meu sonho! E o
Pometti? Eo Pometti?
100
DONA INÁCIA
MANGINI
Não lhes diga isso na cara e tão alto, por amor de Deus!
DONA INÁCIA
Não, não, eu falo bem alto. A Santa Clara de Nápoles,
meus caros! Até dentro deles a têm, a nojeira. Têm-na no
coração, têm-na no sangue. Todos sempre raivosos! Não lhes
dá essa impressão? De que estão todos sempre raivosos?
MANGINI
A mim, para falar verdade..
DONA INÁCIA
101
102
103
O DOUTOR HINKFUSS
Não, não! Tirem tudo! Parem com esse ronco! Cortem!
Cortem! Estou a pensar que se pode passar sem esta cena.
Sim, o efeito é belo, mas com os meios que temos à noSsa
disposição, podíamos obter outros não menos belos, que -
zessem avançar mais e cazmente a acção. Felizmente
noite tenho toda a liberdade perante vós, e espero que vos
não desagrade ver como se põe de pé um espectáculo, não
só perante os vossos próprios olhos, mas também (porque
não?) com a vossa colaboração. O teatro, como vedes, mi-
nhas senhoras e meus senhores, é a boca escancarada de um
grande maquinismo que tem fome: uma fome que os senho-
res poetas..
S UM POETA NA PLATEIA
O DOUTOR HINKFUSS
(Subitamente.,
104
Escuro!
105
O DOUTOR HINKFUSS
O DOUTORHINKFUSS o
106
O DOUTOR HINKFUSS
O PRIMEIRO ACTOR
DISbig o (Pondo outra vez a cabeça de fora.)
a)
Porque me irrita esse título e para pôr as coisas no seu
lugar: eu não sou o cial de carreira.
O DOUTOR HINKFUSS
Já o tinha feito notar desde o princípio. Pronto.
O JOVEM ESPECTADOR
(Intimidado e atrapalhado.)
107
gado.
ojOQiLs te
(Ove-se atrás do pano o piano a tocar a ária de Siebel no
Fausto de Gounod:
108
109
MOMMINA
(Para a mãe, enquanto Pomàrici toca e os dois pares con-
tinuam a valsar.)
Dói muito?
DONA INÁCIA
Éde se car louca! Não me toques!
POMETTI
0 Verri foi a correr à farmácia: há-de estar aí de um
momento para o outro.
sh cuush
MOMMINA
Mas são obrigados a abrir. Farmácia de serviço!..
POMETTI
Oh, vai ver como o Verri consegue que lhe abram a porta!
Capaz é ele de a arrombar!
110
DORINA
I9inami (Mesmojogo.)u seo
Imagina que lhe não abrem a porta! Se Ihe der para isso,
ele é mais bruto do que os outros...
es oaIO9 DONAINÁCIA
Ah, não, não, o pobre rapaz, não digam isso. Ele é tão
delicado. Foi logo a correr!
Tts olmoxiob
2300y
2ET 2
MOMMINA
Também acho. E ele é que foi. Enquanto vocês conti-
nuavam a dançar. 91S
DONA INÁCIA
Deixa-os dançar, deixa-os dançar. Além do mais, quando
está toda a gente à minha volta a perguntar como é que eu
me sinto, a dor não há meio de passar.
113
utogonis/ eeeli (Para
Pometti.) b:omolesx
Ea raiva, a raiva que estaspessoas me metem no sangue
que é a causa de todos os meus males.
NÉNÉ
(Parando de dançare correndo para a mãe, radiante,
apropostaquelhe vaifazer.) ie
Mamā, e se rezasse uma Ave-Maria como da outra vez?
silShiod p oPOMETTI
Sim, sim! Bela ideia!
111
rezar!TE 6Y52 o
POMETTI
Experimente, minha senhora, experimente!
DORINA
(Continuando a dançar.)
Sim, sim, eze, reze, mamā! Vai ver como passa!
NÉNÉ o ed
Sim, mas vocês deixem de dançar!
POMETTI
Pois sim. E tu também Pomàici, não toques mais!
NÉNÉ
A mamã vai rezar uma Ave-Maria como da outra vez.
POMÀRICI
(Levantando-se do piano e acorrendo,)
Excelente ideia! Vamos a ver se o milagre se vai repetir!
SARELLI b s suD
Em latim, Dona Inácia, reze em latim!
NARDI
Evidentemente! Faz mais efeito!
DONA INÁCIA
Não, não, deixem-me em paz. Que é que eu hei-de dizer
mais?
112
DORINA
As escuras! Às escuras! o1))
NÉNÉ
Recolhimento! Recolhimento! Pomàici, apague a luz!
POMÀRICI ET sesT
Mas onde é que está a Totina?
DORINA s e1
Anda por aí com o Mangini. Não se preocupe com a
Totina e apague a luz!
DONA INÁCIA
Não! Temos pelo menos de ter uma vela. E as mãos
postas. E a Totina que venha para aqui!
MOMMINA y &hRSip
(Chamando.)
Totina! Totina!
DORINA
A vela está ali!
NÉNÉ
Vai buscá-la! Eu vou buscara imagem da Nossa Senhora!
(Sai rapidamente pelo fundo enquanto Dorina vai à sala de
jantar com Nardi para buscar a vela que está em cimna do
113
DONA INÁCIA
(Grita para Néné que acaba de sair.)
Não, deixa! Não é preciso! Qual imagem! Podemos muito
bem passar sem ela!
POMÀRICI
Traga mas é a Totina para aqui!
DONA INÁCIA
Sim, sim, a Totina aqui! Imediatamente.!
bol
POMETTI
Uma mesinha para fazer de altar.
(E vai buscá-la.)
DORINA
(Volta com a vela acesa enquanto Pomàrici apaga a luz.)
Aqui está a vela!
POMÀRICI
oEaTotina?
114
DONA INÁCIA
Mas não se pode saber o que é que ela anda a fazer?
A NÉNÉ
Nada. Está a preparar uma surpresa. Vão ver.
115
NÉNÉ
Calada,
estúpida! dh sbonz it cl/
MOMMINA
Estragou tudo!
TOTINA
(Espantada.) i
Que é?
TOTINA
NÉNÉ
.
Havia mesmo de imaginar que tu ias aparecer nesta altura!
TOTINA
Já estava vestida quando tu foste buscar a Nossa Senhora!
NÉNÉ
Pois então devias era ter adivinhado para que é que eu a
ia buscar!
DORINA
Pronto!Pronto!Queé quevamosfazer? y 3)
116
MOMMINA
(Feliz.)
Passou?bsisq roi 8iob T9p 2oßnsupsib s
DONA INÁCIA
ioss (Mesmojogoqueacima.)sy niz mi
Não sei... foi o diabo... ou foi Nossa Senhora..
(Uma nova dor faz crisparo seu rosto.)
Não, não.. não... ai... ai.. já voltou.. e isto faz-me tanto
mal... Ai!... Meu Deus, que espasmo..
(De repente dominando-se e batendo com o pé no chão or-
dena a si mesma:)
Não! Não me vou deixar vencer pela dor! Cantem, can-
tem, minhas lhas! Cantem, meus amigos! Façam-me esse
prazer! Cantem.. cantem... Ai de mim se me deixo ir abaixo
comesta parvoíce de uma dor de dentes! Vá, vá, Mommina!...
«Stride la vampa...
20016i 20
MOMMINA
(Enquanto todos aplaudem e gritam.)
Sim, sim, mamã! Bela ideia! O coro do Trovador! Não,
mamā,
nãome
apetece...
nāo!i 9 ca yi
117
MOMMINA
Mas eu já disse que não me apetece cantar!) 393qa7
NÉNÉ o g.oRA
Oh! Ë só para a contentar! Uma vez!
TOTINA
Ela diz que não se quer deixar abater pela dor!tl
SARELLI e NARDI
Sim, sim, vamos... Faça isso por ela, Mommina!
DORINA
Oh, meu Deus, como te fazes rogada!
NÉNÉ
Imaginas se calhar que a gente não sabe porque é que tu
não queres cantar?
POMÀRICI ) iil
Não, não, a menina Mommina vai cantar!isD
i .
SARELLI
Se é por causa do Verri, não se preocupe. Nós tratamos
dele.
118
DONA INÁCIA
Tu, Totina: Manrico, €?
TOTINA
Pois, já estou vestida até.
DONA INÁCIA
Ponham-Ihe uns bigodes, pintem-me uns bigodes a essa
rapariga!
POMÀRICI
Não. Se me dás licença sou eu quem põe.
POMÀRICI
(Para Totina enquanto lhe vai pintando uns bigodes.)
Vá, é só um bocadinho, quieta, se faz favor.
119
MOMMINA
(Agora quase só para si própria, já sem forças para resistir )
Não, eu não..
ADAKI AMO
DONAINÁCIAnt so0ol u
...Totina: Manrico..
(Compreenderampor me respondem:)
«La zingareeeeeeeee....eeella!>»rbeds s V
120
POMÀRICI
Mas não, esperem, meu Deus, esperem que eu acabe!
SARELLI
Está lindamente, assim!
NÉNÉ
Um amor! Agora o chapéu! O chapéu!
(Dá-lho e volta-se para Mommina.)
E tu, nada de tas! O lenço na cabeça!
(Para Sarelli.)
Ate-Iho ao pescoço!
(Sarelli obedece.)
Eo xaile aos ombros, assim! SE
DORINA
(Dando um encontrão a Mommina que continua quieta.)
Vá,
mexe-te! o is BH2B osestsTO2A
121
NÉNÉ
20
Já sei! As tacinhas de metal para lavar os dedos!
(Vai a corer buscá-las ao aparador da sala de jantar, volta
edistribui-as
portodos.)rusoV olt
POMÀRICI
POMÅRICI
(Para
Mommina.)39 sL ohn()
Agora atenção! Ë a sua vez! E vocês todos à volta dela!
122
DONA INÁCIA
Ah, meu Deus, estou a morrer! Meu Deus, que eu morro!
Éo castigo dos meus pecados! Meu Deus, meu Deus, o que
eu sofro! Força, meu Deus, dai-me o golpe! E que seja só
eu a sofrer! Só eu a expiar a boa vida, meu Deus, que as
minhas lhas levam... Canten, cantem, sim, cantem, minhas
queridas... que esta dor, que é o castigo dos meus pecados,
só me venha torturar a mim! Quero que sejam felizes e
alegres, alegres, alegres... Vá, vamos, depressa.. «Si, dágli,
martella»... contra mim própria.. vá, vamos, depressa... Ata-
ca-me a mim apenas, Deus meu, e deixa as minhas lhas
divertirem-se... Ah, meu Deus, a felicidade que eu nunca
pude ter... nunca, nunca, meu Deus, nunca, nunca... quero
que as minhas lhas a tenham... Têm de ser felizes... Têm
de ser. Eu expio por elas, expio por elas, meu Deus, mesmo
que elas faltem aos vossos Santos Mandamentos...
123
VERRI
Ah, meu Deus... É assim que trocam de mim?
NÉNÉ
Mas vejam só estes modos!
DORINA
Está louco?!
(Depois é o tumulto, quando Pomàrici que se levantou se
atira para Verri, enquanto os outros se interpõem para os
separare os reter. Falam todos ao mesmo tempo na maior
das desordens.)
POMÀRICI
Terás de me responder por isto que zeste!
VERRI
(Afastando-o
violentamente.)oetlst al
Ainda não acabei! 2AO 20 )
SARELLI e NARDI
Nós também estamos aqui! Terás de nos dar uma resposta
a todos!
124
TOTINA
Quem é que o fez patrão desta casa?
VERRI
Mandaram-me buscar um remédio..
DONA INÁCIA
Um remédio... e depois?
VERRI
(ApontandoparaMommina)
..e venho encontrá-la mascarada desta maneira!V
o is
DONA INÁCIA
Rua! Imediatamente para fora da minha casa!
0
Eu não queria! Eu não queria! Disse a todos que não
queria!
NÉNÉ S'orno
Aproveita-se de não termos enm casa um homem que o
escorraçasse
apontapéscomomerece!.. d sigo A
125
o NENE sr-ths
(Corre a chamar o pai.)
Papá! Papá!
(Sai) b s..oiborrot nU
VERRI
b (Para Sarelli)o)
Vocês? Bem gostava de vos ver! Vá, experimentem,
ponham-me na rua.
(Para Néné que sai a correr.)
Chama, chama o teu pai, vá, vai buscar o teu pai: estou
pronto a responder ao chefe da família por tudo o que faço.
Quero é que as meninas sejam respeitadas por todos.
Isiroap
DONA INÁCIA
Pois quem foi que Ihe encomendou a missão? Como é que
Ihe deu para agora pretender isso?
Como?
o Sp uosl (Apontapara
Mommina)tiovogA
A menina bemsabe. Gilos SROQ s 9csN
126
Rua!
VERRI
Não. Isso não me pode a senhora dizer!
DONA INÁCIA
A minha lha também Iho vai dizer. E além do mais
quem manda em minha casa sou eu!11D10'7 ER .0S
DORINA
i Nóstodas
dizemos!
VERRI
Isso não me chega! Se a menina está do meu lado... Eu
aqui souo único que tem intenções honestas! 3
SARELLI
Honestas!.. Mas que é que... estão a ouvir?
o NARDI oV
Aqui ninguém está para fazer mal! onsOsqO
At VERRI
A menina sabe!
127
VERRI
ms Fanfarrões são vocês! roloresio29upàu9,dA
(Ameaçandocom uma cadeira.) sosloi! D
E não se metam mas é mais nisto ou ainda acaba tudo
muito mal!
POMETTI
(Para os seus colegas.)
2l os/
Vá, vá, vamos embora!
DORINA
eiBin ob mlt
Não, não. Porquê?e
TOTINA
Não nos vão deixar sozinhas! Ainda não é propriamente
ele quem manda aqui dentro!
VERRI
E amanhã vê lá se não dás parte de doente, que a gente
ainda se vai encontrar...
06 NENE
(Volta numa grande a ição.)
O papá não está em casa.
naugitt tupA
DONA INÁCIA
Não está em casa?
128
MOMMINA
E onde estará?
DONA INÁCIA
Ainda na rua a estas horas? 157
A SARELLI
Deve ter voltado para o cabaret!
..SotmS
POMÀRICI
DONA INÁCIA
steoi bsusb
Não, não, esperem..
MANGINI
Claro, esperem aí! Eu não posso sair nesta gura, apesar
de tudo!
TOTINA
Sim! Desculpem-me. Não me lembrava que estava com
0 seu unifome. Vou já tirá-lo.
(Sairapidamente.)sY aesi o1
129
vamo-nos embora...
DONA INÁCIA
Mas desculpem-me, não vejo bem porquê...
SSS29obno
u
VERRI
Eles lá vêem, elas lá vêem... se a senhora não quer mesmo
ver...
DONA INÁCIA
Repito mais uma vez que é o senhor quem tem de se ir
embora...
STorse sriniM
o VERRI
0G
Não, minha senhora. São eles! Porque em frente da serie-
dade das minhas intenções eles sabem que agora já aqui não
há lugar para as suas estúpidas brincadeiras.Osn o8
POMÀRICI
Sim, amanhã é que vais ver se andamos a brincar!
tou:
VERRI
Quem me dera ser já amanhã!
MOMMINA/ oh B920
Por favor, Verri, por favor!..
130
MOMMINA
Não estou a suplicar! Quero é dizer que a culpa é minha,
que fui eu quem cedi. Não o devia ter feito, eu sabia que
você...
NARDI
(Vivamente.)
..sabia que, como digno siciliano, ele seria incapaz de
compreender a brincadeira!...
SARELLI w s oino
Mas agora nós também não somos!
VERRIsi
(Para Mommina-Primeira Actriz, saindo espontaneamente
do papel com o mau humor de um actor a quem obrigaram
a dizer o que ele não queria.)
Bravo! Está satisfeita?
MOMMINA
(Como Primeira Actriz, asSustada.)
Porquė?
VERRI
(Mesmo jogo que acima.)
Por ter dito tudo aquilo que não devia dizer! Que € que
Ihe para me vir acusar dessa maneira no m de contas?
131
VERRI A
Eo que aconteceé que ao fazer isto permitiu quefossem
eles os últimos a falar. Ao passo que era eu quem devia
a última palavra e gritá-la a todos eles que, por muitos que
sejam, terão mesmo de se haver comigo!
MANGINI
E eu também,nestasroupas? GHiO3 sp stdhe..
(Pondo-se comicamente em guarda.)
Pronto! En garde! 90
NÉNÉ e DORINA
(Rindo e aplaudindo.)
Muito bem, bravo!
VERRI
(Mesmo jogo que acima, indignado.) lovesa
Quê? Bravo? Ë absurdo! E assim que se estraga a cena!
Ea gente nunca mais chega ao m!
132
Mas é claro!
VERRI
(Desdenhoso, para Mangini.)
Vai mas é vender botões!...E não venhas para aqui repre-
sentar!
MOMMINA
Se o Senho.. obul uSiles sles sp..
(Dirá o nome do Primeiro Actor.)
quer fazer o seu papel sozinho e que a gente que sem fazer
nada, entăo que o declame e a gente vai-se masé embora!
DONA INÁCIA
Mas, Deus meu, veio tão bem e com tanta oportunidade
a frase da Mommina, «a culpa é minha, fui eu que cedi!»
POMÀRICI
(Para Verri.)
i
Nós também estamos aqui!
i ,wi3t
133
NARDI
Quer brilhar sozinho! Ora cada um deve fazer o que lhe
compete!
O DOUTOR HINKFUSS
(Gritando.))
(G
Basta! Basta! Continuem com a cena! Parece-me bemé
que é o Senhor...
(Diz o nome do Primeiro Actor.)
VERRI
Não, não. Só um instante! Não sou eu. Eu queria que
falasse quem tem de falar e que me dessem a deixa no tom.
MOMMINA
ohabiuis (Exasperada,
quasea chorar.)sll sl
Mas eu sou, eu sou a vítima! Vítima das minhas imas,
desta casa, deles, vítima de todos!
134
SAMPOGNETTA
Mas no m de contas, senhor encenador, eu bato à porta,
bato, assim todo ensanguentado, o que não é nada fácil para
um actor do meu naipe e ninguém me manda entrar. Entro
eé esta barafunda. Os actores parados, estragado o efeito que
eu devia tirar da minha entrada que além de moribundo e
ensanguentado também estou embriagado. Pergunto-lhe.
pergunto-lhe a si como é que tudo isto agora se vai compor?
O DOUTOR HINKFUSS
Mas é já! Apoie-se na sua cantora: onde é que ela está?
A CANTORA
Aqui.
O DOUTOR HINKFUSS
Está bem, segure-o!
SAMPOGNETTA
Eu tinha de subir a escada trazido ao colo destes dois.
O DOUTOR HINKFUSS
Imagine que isso já está feito, por amor de Deus. E os
senhores, para os seus lugares. Força com o desespero! Como
é que é possível afogarem-se assim todos dentro de um copo
de água?!
(Voltapara a suacadeira,resmungando.)o
135
Papá! Papá!
MOMMINA
p
NÉNÉ a
Ferido?
VERRI
Quem é que o feriu?
UM DOSCLIENTESDOCABARETha
Nabarriga! 2601ih 0S .
SARELLI
Comuma faca?t 3,
136
NARDI D0
Masqueméquefoi? Quem?si eotob S 2u)
POMETTIenh)
No cabaret?
MANGINI
Deitem-no, por amor de Deus!
POMÀRICI
Aqui, no divā.
DONA INÁCIA
(Enguanto a Cantora e o Cliente tentam deitar o Senhor
Palmiro no canapé.)
Tinha então voltado para o cabaret?
NÉNÉ
Mas não se ponha agora a pensar no cabaret, mamā! Não
vêcomoeleestá?os sits setoilo sos-LIOgEi..
DONA INÁCIA
Ai, vejo-a entrar pela minha casa... e olha, olha para ele,
olha como ele se agarra a ela!.. Ouem €? 9 ,02
T3R A CANTORA
Uma mulher, minha senhora, uma mulher que tem coração!
137
o CLIENTE DOCABARET
Quis ir em defesa dela.." o1 up
(Aponta para a Cantora.)
DONA INÁCIA
(Com uma risada.)
0E
...está claro... sempre cavalheiro..
DISSAMO
o CLIENTEDOCABARETibon up.
(Sem parar.)
..armou-se uma pancadaria...
A CANTORA
...e aquele assassino...
138
A CANTORA
O carrasco, o meu carrasco!
o CLIENTE DOCABARET
Queria fazer uma carni cina!
lovibo
otall
NÉNÉ
MOMMINA etKi h b
Fale, fale, diga qualquer coisa, papá!
DORINAYAtnallswe v
Porque é que ele está a olhar assim?
NÉNÉ
Olhae sorri. t so)olrao i91
139
DONA INÁCIA
(Para Totina.)
No cabaret. Não vês?
NÉNÉ
Um médico! Um médico! Não o vamos deixar morrer
assim!...
MOMMINA
Quem é que vai a correr chamar?
b otI
MANGINI
la eu se não estivesse assim..
(Mostra o roupão.)
TOTINA
Ah, vá, vá buscar o seu uniforme. Está ali!
(SaipelofundocomMangini.)o eil
140
(Alude ao Senhor
k
Palmiro.)) shs
Devia dizer uma coisa qualque..
TOTINA
Papá! Papá!
NÉNÉ
Continua a olhar e a sorrir.
MOMMINA
0 s
Estamos aqui todas à sua volta, papá!
VERRI
Será possível que queira morrer sem dizer nada?
POMÀRICI
Estranho.. Para ali está, nem morto nem vivo. De que é
que estará à espera?
NARDI
L
Não sei que dizer mais. O Sarelli foi a correr buscar um
médico, ainda bem, e o Mangini foi buscar o uniforme.
DONA INÁCIA
(Para o Marido.)
Fala! Fala! Não sabes dizer nada? Se tivesses obedecido.
se tivesses pensado que tinhas quatro lhas a quem agora até
pode vir a faltar o pão.
141
MOMMINA
Não é natural.
DORINA
Não pode sorrir assim, papá, a olhar para nós. Nós tam-
bém estamos aqui!
O CLIENTE DO CABARET
ups 46HSIe
Se calhar é porque bebeu um bocado..
s oN MOMMINA up loreeonis2
Não é natural. Quando se bebe, ou dá para a tristeza e se
ca calado ou então dá para rir e falar sem parar. Portanto,
ele não devia estar a rir-se..
DONA INÁCIA
SAMPOGNETTAoyutelsl
S E porque me alegro ao ver como todos vocês têm mais
talento do que eu.
142
Digo que eu, desta maneira, sem saber comoé que entrei
em casa se ninguém apareceu para me abrir depois de ter
estado tanto tempo a bater à porta...
O DOUTOR HINKFUSS
(Levantando-se da cadeira, admiradíssimo.)
Outra vez? Do princípio?
SAMPOGNETTA
..não consigo, senhor encenador; dá-me vontade de rir, ao
ver como todos têm tanto talento, e não consigo morrer, A
criada.
(Olha em redor.)
...não está? não a vejo... devia correr a anunciar... «Oh, meu
Deus, oh, meu Deus, trazem o patrão, está ferido!...
O DOUTOR HINKFUSS
Mas que importância é que isso tem agora? Não se tinha
já visto que o senhor já tinha entrado em casa?
SAMPOGNETTA
E agora peço desculpa, mas tanto me faz que me dệem
por morto e que eu já não fale mais! pon
143
Já morri!0 19
191st ogol O DOUTOR HINKFUSS
Mas nãoé assim!
SAMPOGNETTA
(Levantando-se e avançando para a boca de cena.)
Caro senhor encenador, venha aqui e acabeo senhorde
me matar! Que quer que eu lIhe diga? Repito-Ihe que desta
maneira, eu por mim não consigo, não consigo morrer.
Desculpe mas não sou nenhum harmónio que abre e encolhe
e assim que Ihe tocam nos botões lá despeja a musicata...
O DOUTOR HINKFUSS
Mas os seus colegas...
SAMPOGNETTA
(Rápido.)
...têm mais talento do que eu. Já o disse e muito me alegro.
Eu não posso. Para mim a entrada era tudo. O senhor quiš
saltar por cima dela... Precisava para me compenetrardaque-
le grito da criada. Ea Morte devia entrar comigo, surgiraqui
no meio da desavergonhada barafunda desta minhacasa: 2
Morte bêbeda como tínhamos combinado, bêbeda de t
vinho que se tinha tornado sangue. E devia falar, sim, ben
144
145
o CANTORA
A
Meu Deus!
Morreu! Moreu!
MOMMINA
(Atirando-se para ele.)
O DOUTOR HINKFUSS
(Escuro.)
Todos embora. As quatro imās e a mãe em volta damesa
da sala de jantar... seis dias depois... a sala na escuridão.. so
a lâmpada da sala de jantar.
146
sn sls O DOUTORHINKFUSS
Sim, sim. De preto. O pano deve ter caído depois da
morte. Não importa. Vão vestir-se de preto. E o pano que
desça. Luzes na sala!
147
148
né togliermipotró
l'immagin sua dal cuor..
Dizem...
t DOUTOR
O HINKFUSSl
Que é que elas dizem?
149
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Não, não, somos todos, todos, senhor encenador...
A PRIMEIRA ACTRIZ
Assim é impossível continuarmos...
OS OUTROS
Impossível! Impossível!
O ACTOR CENTRO
Eu acabei o meu papel mas estou aqui também.
O DOUTOR HINKFUSS
E poderão dizer-me, por amor de Deus, o que é que
aconteceu?
(Neste momento estala o m da frase do Actor Centroque,
tranquila, produz o efeito de un duche frio.)
O ACTOR CENTRO
...solidário com os meus colegas!
O DOUTOR HINKFUSS
Solidário? O que é que isso quer dizer?
150
O DOUTOR HINKFUSS
Todos embora! E para onde?
UNS
Embora! Embora!
PRIMEIRO
O ACTOR t s
Se não for ele quem se vai embora!
OUTROS
Ou vai o senhor ou vamos nós! 0
O DOUTOR HINKFUSS
Embora, eu? Como ousam? Eu, a mim uma intimação
assim?
ACTORES
-Então
vamo-nos
emboranós. 0 Sib e onc o
-Vamos então, vamos.
-Já chega de sermos marionetas!
X-Vamos embora,já! 1les sCtis
(Preparam-se precipitadamente para sair.)
O DOUTOR HINKFUSS
(Pára-os.,)
Onde é que vão? São loucos? Está ali o público que
Pagou! Que é que querem fazer com o público? 208
151
O DOUTOR HINKFUSS
Eu volto a perguntar o que é que aconteceu mais?
O PRIMEIRO ACTOR
O que é que aconteceu mais? Acha então que o que
aconteceu não basta?
O DOUTOR HINKFUSS
Mas não estava tudo já resolvido?
O ACTOR CENTRO at
Resolvido, como?
O DOUTOR HINKFUSS
..tal como se diz nos contratos.
O ACTOR CENTRO
Desculpe, mas não é assim, a saltar as cenas, a fazer-nos
morrer à ordem da sua batuta..
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
..a pegar nas cenas pelo meioe a frio!
152
A PRIMEIRA ACTRIZ
Mas foi o senhor o primeiro, desculpe-me, a não respeitar
as palavras que me nasciam num movimento espontâneo!
O PRIMEIRO ACTOR
Tem razão. Sim. Mas a culpa não é minha!osi
POMÀRICI
Sim, foi ele quem começou!
O PRIMEIRO ACTOR
Deixem-me falar! A culpa não é minha! É dele!
(Aponta para o Doutor Hinkfuss.) &.
O DOUTOR HINKFUSS
Minha? Como é que é minha? Porquê?
192:13DitK
POMÀRICI
Sim, foi ele quem começou! O
.s b 0l P
ORIMEIRO
ACTOR d
Deixem-me falar! A culpa não é minha! É dele!
O DOUTOR HINKFUSS
Minha? Como é que é minha? Porquê?
153
O DOUTOR HINKFUSS
TO meu teatro? Mas estãoloucos? Ondeéquenósestamos?
Nãoestamosnumteatro? iaiDSA A!SUp
O PRIMEIRO ACTOR
Estamos num teatro? Bom. Então dể-nos os papéis que
temos de decorar..
1D1SAMOE
A PRIMEIRA ACTRZ iot ad
...acto a acto, cena a cena...
AOTDA OHHAITO
Iolsb a !srinig > NENÉ
..as réplicas escritas, palavra a palavra...
O ACTOR CENTRO
..e corte à sua vontade, se Ihe apetecer. E faça saltar as
cenas como quiser. Mas enm sítios xos e que a gente saiba
antes.
O PRIMEIRO ACTOR
iotud
Em primeiro lugar, o senhor desperta em nós a vida.
Iolsb APRIMEIRAACTRIZ s
...com tantas fúrias de paixões... lio
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
be?
..quanto mais se fala, mais entramos nisto, percebe?
154
A PRIMEIRA ACTRIZ
.a vibrar...
TOTINA
(Apontando para o Primeiro Actor.)
.eu ainda o mato!
O DOUTOR HINKFUSS
Mas ainda bem, ainda bem que assim é! os 0E1A
O PRIMERO ACTOR
Ainda bemo quê? Depois quer que nós cumpramos o que
está indicado para cada cena...
O PRIMEIRO ACTOR
..porque nós estamos no teatro!... Como é que quer que
nós ainda pensemos no seu teatro se temos de viver? Về o
que acontece com tudo isso? Durante um instante pensei em
terminara cena comoo senhor quer, cando eu com a última
deixa e acabei por me zangar com a senhora...
155
O PRIMEIRO ACTOR
hD sot (ApontaoDoutor
Hinkfuss.)
O DOUTOR HINKFUSS
minha frente
(Agarra-lhe a cara com as mãos.) às
com estes olhos, com esta boca; treme, morre de med
minhas mãos; ali está o público que não podemosmandar
embora; teatro, não, nem eu nem elaconseguimosagoraP
grita o seudesesper0,
-nos a fazer teatro; mas assim como
eo seu martírio, tenho eu também de gritar a minha aixão,
esteja
a que mne faz cometer o meu delito; pois bem; quo
Como um tribunal que se senta para julgar!
156
irnu
O DOUTOR HINKFUSS
(Espantado.)O
O PRIMEIRO ACTOR
Sim... e deixe-nossÓs... só nós os dois..9Y o ,md
OTANÉNÉAO
Muito bem.
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
A fazer aquilo que sentem.
TODOS OS OUTROS
it otT98ci
(Empurrando o Doutor para fora do palco.)
Sim, sim. Váse embora. Váse embora!
O DOUTOR HINKFUSS
Põem-me fora do meu próprio teatro?
O ACTOR CENTRO
Já nãoprecisamos de si! sno 9bg UgO
157
O DOUTOR HINKFUSS
(Espantado.)
Eu?
O PRIMEIRO ACTOR
Sim... e deixe-nos sós... só nós os dois...s o me
OXTA NÉNÉAO
E Muito bem.
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
O ACTOR CENTRO
Aquilo que nasce dentro deles... muito bem!
TODOS OS OUTROS
Sim,
sim.Váse
embora.
Vá-se
embora! l
O DOUTOR HINKFUSS
Põem-me fora do meu próprio teatro?
O ACTOR CENTRO
Já não precisamos de si! AN boc Unir
157
O DOUTOR HINKFUSS
O PRIMEIRO ACTOR
O ACTOR CENTRO
TODOS OS OUTROS
Rua! Rua!
O DOUTOR HINKFUSS
Eu sou o vosso encenador! 0b ot
O PRIMEIRO ACTOR
Ninguém pode encenar a vida que nasce!
158
A PRIMEIRA ACTRIZ A
Sim! Obedecer! Obedecer!
O ACTOR CENTRO
E rua com quem quer mandar! 0
O DOUTOR HINKFUSS 'osb
Vou protestar!
(De costas para a porta de entrada na sala.)
E um escândalo! Eu sou o vosso encena...
(É posto fora da sala. Entretanto o pano abriu sobre um
palco sombrio e vazio. 0 Secretário do Doutor Hinkfuss, os
maquinistas, os electricistas, todo o pessoal de cena veio
assistir ao extraordinário espectáculo da expulsão do Direc-
tor do Teatro pelos actores.)
O PRIMEIRO ACTOR
(Para a Primeira Actriz, convidando-a a voltar parao palco,)
Vamos, vamos fazer tudo de novo, vá!
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA ls 3
Nós é que fazemos tudo! NAL A
STSDs1Gb( oPRIMEIROACTOR
Não precisamos de nada...
SI POMÀRICIA
Nós próprios montamos a cena.at o oslto
159
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Não. Assim é melhor! Tudo vazio e escuro! Assim &
melhor!
OPRIMEIROACTOR ts D
Só a luz necessáia para recortar as guras nesta escuri-
dão!
A PRIMEIRA ACTRIZ
Sem cenário nenhum?
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
O cenário não tem importância!
A PRIMEIRA ACTRIZ
Nem sequer as paredes do meu cárcere?
O PRIMEIRO ACTOR
Isso sim. Mas que mal se vejam... ali... um instante... toca
-Ihes e depois pronto... escuro; para fazermos ver que jå nao
é ele, o cenário, quem manda aqui!
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Basta qu tu te sentes, minha lha, dentro do teu cácere.
Ha-de aparecer, hão-de o ver todos, como se estivesse mes-
mo a perder-te!
A PRIMEIRA ACTRIZ
Mas tenho pelo menos de me pintar um bocadinıo
160
A PRIMEIRA ACTRIZ
Que ideia?
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Já vai ver.
(Para os actores.)
Vocês entretanto continuam a ensaiar. Ensaiam mas só
aquilo que realmenteé preciso para fazermos alguma coisa.
Os banquinhos das meninas. E ver se já estão prontas
entrar, ali.
(0 ajudante de cena traz a cadeira.)
A PRIMEIRA ACTRIZ
Eu estava a dizer... pintar-me um bocadinho. 3
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
(Dando-lhe a cadeira.)si s p sise A
Senta-teaqui,minha lha!z yuplomz o 1
A PRIMEIRA ACTRIZ
Aqui?
t (Perplexa, quase assustada.)
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Sim, aqui. Aqui! E vais ver que emoção!... Néné, vai-me
161
A PRIMEIRA ACTRIZ
Mas que é que quer fazer? Como?
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Deixa-nos a nós pensar, a mim que sou a tua mãæ e às tuas
imās. Nós é que te vamos pintar. Vá, Néné!
TOTINA
Traz também um espelho!
A PRIMEIRA ACTRIZ
E então o vestido também!
DORINA
(Para Néné que já vai a correr para os camarins.)
Eo vestido também! E o vestido também!
ADIA PRIMEIRAACTRIZ
A saia e a blusa: no meu camarim!
(Néné faz sinal que sim com a cabeça e sai pela esquerda.)
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Tem de ser o nosso desespero, percebes, meu, da tua mãe
que sabe bem o que é a velhice... e tu, lha, envelheceres
assim antes do tempo...
TOTINAlDA A
E nosso, que te ajudámos a ser bela.. e agora a ser feia...
162
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
..sim, mas com desespero, com desespero, a condenaçã..
0d TOTINA t
..por estares separada de nós...
ADA PRIMEIRAACTRIZ
...mas não julgues que era por medo da miséria que nos
esperava depois da morte do pai.. não!
DORINA
..então porquê? por amor? mas tu foste mesmo capaz de
te apaixonar por um monstro daqueles?
A PRIMEIRA ACTRIZ
Não! Por gratidão...
TOTINA a hslo
-.porquê?
AWAT) hAD NHIDA A
A PRIMEIRA ACTRIZ
.por ter acreditado... só ele.. com todo o escândalo que
se tinha espalhado...
TOTINA
-.que uma de nós ainda se pudesse vir a casar?
163
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Que foi que se passou contigo? Agora.. agora é que vai
ver!
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Dá! Dá cát obsnSMENs u
(Abre a caixa e começa a pintar Mommina.)
Levanta a cara. Oh, lha, minha lha, sabes como naterra
há tanta gente que diz como se diz dos mortos: «como ela
era linda! e como tinha bom coração!» Apagou-se... assim.
pois... assim.. a cara de quem há muito não está ao arlivre,
de quem já não về o so...
TOTINA
...e olheiras, as olheiras, vá...
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Sim, sim, pois, assim...
S9p osirnt3 0 DORINA
De mais, não.
NÉNÉ
Não, tem de ser muito, muito!
164
NÉNÉ
..e os cabelos nas têmporas..iH4 A
A ACTRIZ CARACTERISTICA
.SIm... assim... assim... t
SDORINA o2i 9..s2ib41 SE
..brancos não! brancos não!
NÉNÉ
...não, brancos, não...
A PRIMEIRA ACTRIZ
..querida Dorina..
TOTINA
...assim...está bem... pois... um bocadinho mais que trinta
anos...
NIHI AS1 29 A
A PRIMEIRA ACTRIZ
-.a0 menos devia penteá-lo, o meu cabelo...
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
(Despenteando-a.)
E Agora espera... assim... assim... so E
165
A PRIMEIRA ACTRIZ
(Afastando subitanmente o espelho comn as duas mãos.)
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Espera. A boca, a boca!
A PRIMEIRA ACTRIZ
Sim... tira todo o vermelho. Já não tenho sanguenas
veias...
TOTINA
E rugas, rugas ao canto da boca.
A PRIMEIRA ACTRIZ
Aos trinta anos também já me podem ter caído unsdentes..
DORINA t
(Abraçando-a num ímpeto de comoção.)
Não, não, minha Mommina, não, não!
NÉNÉ
(Quase irada, tomada também pela comoção,Jjastu
ando
Dorina.)
Tira o corpete. Vá, o corpete! Vamos spi-la!
166
TOTINA
Sim, está bem... para car mais horrível!
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
E cas com os ombros descaídos como eu, que estou
velha...
DORINA
..ofegante, errarás pela casa..
A PRIMEIRA ACTRIZ
..embrutecida pela do...
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
NÉNÉ
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
E foi presa na casa nmais alta da terra. Fecharam a porta,
fecharam todas as janelas, vidraças e persianas. Só cou
aberta uma, pequena, sobre os campos distanteseo distante
mar. Na alta colina, só conseguia ver os tectos das casas, o
sino da igreja, tectos, tectos que se estendiam até perder de
vista, telhas, telhas, nada mais do que telhas. E só à noite é
que ela podia ir até àquela janela para tomar um pouco dear.
NÉNÉ
(Da sombra, em voz baixa, feliz, num tomn deencantamento
infantil enquanto que à distância se ouve um som fraco,
O1 como de uma longínqua serenata...)
Olha... uma janela.. há mesmo uma janela..
O ACTOR CENTRO
(Em voz baixa, na sombra também.)
Já lá estava. Mas quem é que a terá iluminado?
168
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Estes tectos todos, que nem dados negros, abriam-se por
baixo dela na claridade que vinha da luz dos revérberos das
estreitasruas inclinadas; no profundo silêncio das ruelas
nnóximas ela ouvia um rumor de passos que ecoava; a voz
de uma mulher que, como ela, talvez estivesse à espera; o
ladrar de um cão e, com maior angústia, o toque das horas
do sino da igreja mais prÓXIma. Mas porque continua o
relógio a marcar as horas? A quem as diz ele? Tudo está
morto e vazio..
(Depois de uma pausa, ouvem-se cinco badaladas veladas,
longinguas.São as horas. Sombrio, surge Rico Verri. Volta
paracasa. Não tỉrouo chapéu. A gola do sobretudo levan-
tada e um cachecol aopesSCoçO. Olha para a mulher que
continua imóvel na cadeira. E depois, cheio de suspeitas,
olha para a janela.)
VERRI
Que estás tu a fazer aqui?
MOMMINA
Nada. Estava à tua espera.
VERRI
Estavas à janela?
169
VERRI
Vais para lá todas as noites.
MOMMINA
Esta noite não.
o t ss
VERRI
(Depois de ter colocado o sobretudo, o chapéu eo cachecol
numa
cadeira.) s
Nunca mais te fartas de pensar?
MOMMINA
Eu nunca penso.
VERRI
As meninas já estão na cama?
MOMMINA
Onde querias que estivessem a estas horas?
VERRI
Pergunto para te lembrar o único pensamento que tu devias
ter: pensar nelas.
MOMMINA
Pensei nelas todo o dia.
VERRI
E agora em que pensas tu?
170
VERRI
Não é verdade. Quero saber em que pensas! Em que é que
tu pensaste todo este tempo que estiveste à minha espera?
(Outra pausa.)
Confessas, portanto?
MOMMINA
Confesso o que?
VERRI
Que pensas em coisas que me não podes contar?
MOMMINA
Já te disse em que pensava: em ir dormir.
VERRI
Ir dormir... com esses olhos, com essa voZ...? Queres
dizer, sonhar?
Eu não sonho.
MOMMINA
S.n
171
MOMMNA 9
Eu não sonho.
o VERRI
Mentes. Estou a dizer-te que não é possível!
MOMMINA
Então sonho! Como tu queiras...
VERRI
Sonhas, não é?... sonhas... sonhas... e vingas-te! Pensas e
vingas-te! Que sonhos? Diz-me: que sonhos?
MOMMINA
Não sei.
VERRI
Não sabes?
MOMMINA
Não sei. Tu é que dizes que eu sonho. É tão pesado
corpo e eu estou tão cansada que assim que entro na cama,
caio num sono de pedra. Não sei o que quer dizer sonhar. Se
sonho e se ao acordar não me lembro dos sonhos que tive,
parece-me que é o mesno que não ter sonhado. E é talvez
Deus quem me ajuda nisto!
172
VERRI
(Agitando-se agora ele como uma fera enjaulada.)
Éisto! É isto! Fecho as portas e as janelas, ponho grades e
trancasepara que éque tudo isto me serve sea traição está aqui,
aqui, dentro do próprio cárcere, aqui, nela, aqui dentro dela,
nestasua carne mota - viva, viva, a traição! Pensa, sonha,
recorda? Está à minha frente, olha para mim! Posso partir-Ihe
acabeçapara ver lá dentro em que está a pensar? Pergunto-he:
responde-me: «Nada», E no entanto pensa, no entanto sonha,
recorda, debaixo dos meus próprios olhos, a olhar para mim,
e se calhar com outro que está lá dentro, nas suas recordações;
comopoderei saber? Como é que eu posso ver? st om
VERRI
Não digas isso! Não digas isso! Sabes que é pior se falas
assim!
173
AVERRIM
xO Mesmo que eu te cegasse, aquilo que os teus olhos iram,
recordações, as lembranças que tens nesses olhos volta-
riam à tua mente; e se te arrancasse os lábios, esses lábios
que beijaram, o prazer, o prazer, o sabor que provaram con-
tinuarias sempre a saboreá-lo, nas recordações, até morreres,
até morreres desse prazer! Não podes dizer que não. E se
negas estás a mentir. Mais não podes fazer do que chorar e
recear aquilo que eu sofro contigo, o mal que zeste, que te
levaram a fazer a tua mãe e as tuas imās. Não podes negar.
Fizeste, zeste o mal. E sabes, vês que eu sofro com issoaté
car louco, sem culpa, pela simples loucura que cometi
quandomecasei
contigo! i obuiup3
biob oinsb iups „slan .isps
.Linoz.sens9 lotisTi MOMMINA
sr Loucura, sim loucura. E sabendo como eras não a devias
tercometido.. 19g shieg 5psv oiEoDslu
is le VERRI
...mas viveste-a também...
174
VERRI
e só quando me conheceste é que deixaste de a apro-
apro-
var...
MOMMINA
..não, antes também, antes também... e tanto é verdade
quetu próprioachaste que eu era melhor - não te digo isto
por mim, para acusar as outras e me desculpar a mim, não:
digo-o por ti, porque tu tinhas piedade, não de mim, não de
mim, se para ti é quase satistação não a ter, ou mesmo
mostrar aos outros que a não tens; sê cruel, sê cruel para
comigo!Mas tem pelo menos piedade de ti próprio e lembra-
-tequeachaste que eu era melhor, que apesar de toda aquela
triste vida tu acreditaste que me podias amar...
VERRI
Tanto que me casei contigo! Caro que achei que tu eras
melhor. E então? Que piedade de mim? Se penso que te
amei, que pude amar-te lá no meio daquela vida que tu
levavas- que piedade?
MOMMINA Ei
..Massim - reconhecendoque havia pelo menos em mim
OSu cientepara te perdoares em parte a loucura que come-
testecasando-te comigo! É isso! E digo-0 por ti!
isn VERRI
aoe pior?Julgasque por isso se apaga se calhar a vida
1 IEVasteantes de eu me ter apaixonado por ti? O ter-me
175
MOMMINA
Nunca mais soube nada delas!
NÉNÉ
(No escuro, insurgindo-se.)
Patife. É assim que ele fala de nós!
uiT VERRI
(Gritando, terrível.)
Silêncio! Vocês não estão aqui!
DONA INÁCIA
(Avançando para a parede no escuro.)
Fera, fera, aí a tens nos teus dentes, aí dentro da jaula, e
tu a esquartejá-la!
VERRI
(Tocando duas vezes com a mão na parede, o que a torna
por duaS vezes visível.)
Isto é uma parede! Isto é uma parede! Vocês não estão
aqui!
176
NÉNÉ
Tínhamos chegado ao último degrau!
VERRI
E como é que conseguiram subir depois?
DONA INÁCIA
Canalha! Ousas acusar-nos, tu que agora a fazes morrer
de desespero?
NÉNÉ
Nós gozamos a vida!
VERRI
s1 Vocês venderam-se! Desonradas!
ost9 s
TOTINA
E essa honra que Ihe conservas, já viste o que ela tem de
pagar por ela?
DORINA
,A mamãagoraestá bem. Mommina! Vê só comoestá
Dem! Os vestidos que traz! Uma linda pele de castor!
177
DONAINACIAo9tdo 201nl
São festas! Triunfos!
Seioqsb1idMERRIseo99Up9 o9 1
E a desonra!
AIDAVI AVOG
19TIOM29N61 s SIORS 9Up NNÊNEatbs 2ser
Viva a desonra se a honraé isso que tu dás à tuamulher!
MOMMINA
(Bruscamente, nunm ímpeto de afecto e de piedade, para o
marido que agora está derrotado, com a cabeça entre as
mãos.)
Não, eu não digo estas coisas, não sou eu: bu na0
acuso, não..
AViROT
sbsns1Lls sup o lelv s VERRI, li oup de
Querem-me condenar...
MOMMINA
Não, não, eu sinto que tu deves gritar, que deves grita
todo o teu tomento para te aliviares!
178
MOMMINA
A Dorina também?
VERRI
Todas! A Dorina também. Mas principalmente essaNéné.
É uma cocotte!
MOMMINA
EaTotna,
começou
acantar? sei st s
VERRI
Sim, nos teatros... nos de província, claro... onde o escân-
dalo é sempre maior, com aquela mãe e aquelas irmã...
MOMMINA
Anda com elas?
VERRI
Sempre por todo o lado! É uma alegria! Que €? Estás a
corar?
MOMMINA
INão... estou a ouvir estas coisas todas... não sabia nada
disto...
179
MOMMINA
Não, não...
VERRI
Não digas que não! Estás a pensar nisso!
MOMMINA
Estou a dizer-te que não!
VERRI
Não? Se tivesses cado com elas... longe daqui.. Que
vida não seria a tua... em vez desta..
MOMMINA
Tu é que me fazes pensar nisso! Que queres tu que eu
pense, reduzida ao que estou?
VERRI
Falta-te o ar?
MOMMINA o
Tenho o coração a saltar-me na garganta!...
VERRI
Claro! Por isso te falta o ar!
180
VERRIsOTEp s iSi0
Mas vês que é verdade, vês que é verdade o que te estou
a dizer?
MOMMINA toc
Tem compaixão..
VERRI
Aquela que tu foste... os teus próprios pensamentos, os
próprios sentimentos.. julgavas que se tinham apagado em
ti, que tinham morrido?... Não é verdade! Ả mais pequena
lembrança... e ei-los que reaparecem em ti, vivos e os mes-
mos!
MOMMINA
Tuéquenos
lembras! .obee S 3 it
VERRI
Não. Basta o que quer que seja para te lembrar, que estão
Sempre vivos... tu não o sabes, mas vivem-te sempre... escon-
181
MOMMINA
Não, não, juro, nunca antes de ti, nunca!
182
Estás-me a magoar?
VERRI
E isso dava-te prazer, não dava? E a cintura, a cintura,
como é que ele ta apertava? Era assim? Assim? oilo
ea:A MOMMINA
Por favor, deixa-me que eu morro!
VERRI
VERRI
Eu dou em louco! Eu dou em louco! Dou em louco!
183
184
MOMMINA
Oue é?
AVIMiO
S DORINAk
Somos nós, Mommina! ssbrsy.u2
ADNÉNÉ
Nós, as quatro! Aqui!
MOMMINA
Aqui onde?
TOTINA sbacIns!
MOMMINA
Totina.. tu... vieste cantar aqui?
NÉNÉ
Aqui, sim, no teatro.
MOMMINA 97s
An, meu Deus, aqui, e quando é, quando?
Al NÉNÉ N A
Esta noite, esta noite mesmo!
185
MOMMINA
(Voltando-se para ver.)
Sim. É verdade.
DONA INÁCIA
MOMMINA
(Levantando-se e indo procurar febrilmente nos bolsos do
sobretudo.)
O quê? O quê?
NÉNÉ
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Não, não... que histórias..
186
DONA INÁCIA
Verás o nome da Totina em letras grandes... o nome da
prima-dona!
(Desaparecem.)
MOMMINA
(Ao encontrá-lo. Abre. Lê)
0 Trovador... o Trovador... Leonora, soprano, Totina La
Croce... esta noite... é a tia, minhas lhas, é a tia, a tia que
vai cantar e a avó e as outras tias... estão aqui.. vieram cá..
Vocês não as conhecem, nunca as viram... e eu também não,
há tantos anos.. Estou aqui!
(Tenta cantar.)
«Tacea la notte placida
e bella in ciel sereno
la luna il viso argenteo
mostrava lieto e pieno...>
187
188
189
190
VERRI
Está a cantar! Ouviram?... Era a voz dela...
DONA
INÁCIA io so)
...como um passarinho na gaiola...O
TOTINA
Mommina! Mommina!
DORINA
Estamos aqui, estamos aqui com ele..
NÉNÉ
Foi o triunfo da Totina... se tivesses visto... a terra toda
em de...
VERRI
Que foi?
DONA INÁCIA
Morreu? f: toslt
Laietsiy9352
191
b TOTINA
Mommina! b,
NÉNÉ
Mommina!
(Quadro. O doutor Hinkfuss entra pela porta da sala,atravessa
a coxia central e, entusiasmado, precipita-se para a cena.)
O DOUTOR HINKFUSS
Magní co! Um quadro magní co! Fizeram aquilo que eu
dizia! Isto não está na novela!
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Lá estáele outravez!
O ACTOR CENTRO
(Vindo da esquerda.)
Esteve sempre aqui, com os electricistas, a regular todos
os efeitos de luz.
NÉNÉ
Ah, por isso é que eram tão bonitos...
TOTINA
Eu bem suspeitei, quando nós aparecemos ali no grupo..
(Aponta para o outro lado da parede, à direita.)
Só Deus sabe o efeito que isto não deve ter tido na sala!
192
AACTRIZ
CARACTERÍSTICAb1qt
(Anontando para a Primeira Actriz que continua estendida
SAO1por terra.)l
Mas de que é que ela está à espera para se levantar? Está
estendida como se...
i60C O
O ACTOR CENTRO
Mas ela terá mesmo morrido?
O PRIMEIRO ACTOR
(Chamando-a e sacudindo-a.)
Senhora... Senhora...
A ACTRIZ CARACTERÍSTICA
Sente-se mal?
NÉNÉ
Meu Deus, desmaiou! Vamos levantá-la!
A PRIMEIRA ACTRIZ
(Soerguendo-se.)
Não, obrigada... foi o meu coração.. deixem-me... dei-
xem-me respirar..
193
O PRIMEIRO ACTOR
ba Temos de ter um autor! 25i p
O DOUTOR HINKFUSS
Não, autor, não! Papéis escritos sim, se quiserem para que
nós lhes demos vida de novo, por um momento... mas..
(Para o público.)
sem as inconveniências desta noite, que o público por certo
nos perdoará!
(Vénia.)
194
EDITORIAL ESTAMPÀ
ISBN 972-33-0945-9
789723" 309454