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Olhando para as estrelas, a fronteira imagindria final: Astronomia e Astrologia na Idade Média ea visdo medieval do cosmo Ricarbo D4 Costa Professor de Histéria da UPES Resumo O artigo analisa aconcepsio medieval do universo eas sensibilidades dos homens medievais a respeico das estrelas e sua relagso com os elementos do corpo (terra, ax, fogo ¢ agua) ¢ os humores do corpo (sangiiineo, fleumdtico, colérico © melancélico). Palavras-chave: Astronomia; Astrologia; Flementos; Humoress [dade Média. Abseract “The paper analyses the medieval conception of the universe and the sensibilities ‘of medieval men in relation to the stats and to their connection both with the body clements (earth, ai, fire and water) and the humors of the body (bloody, fleumatic, choleric and melancholic). Keywords: Astronomy; Astrology; Elements; Humours; Middle Ages. igura 1 Baqua cosragsfio medal AT, pewoniiads por um sxenome com um soli, ct stunda no cen do uniteno, cess decals connie onde eo gros os quatro ements, oe lances (A Lua ers considera um plane), sgn do Zodicn «aegis fs da Ls im cad ca ‘do quatlado maior esto pasoniiadas as ga exagies do ano, Ader ci, ula XIV. be BNE ESP 5. “Ora (direis) ouvir estes! Certo Perdeste 0 senso! Feu vos dite, no entanto, Que, para oul, muita vex desperto E abro as janchs, pido de espanto, E conversamos tod noite, enquanta A Via Ldetea como um pilio aber, intila. E, 2 vir do so, saudoso © em pranto, Inds as procuro pelo eéu deseo.” Direis agora: "Tresdoucada amigo! Que conversas com elas? Que seatido ‘Tem o que dizem, quando estio co E eu vos direi: "Amai para entendé-as! Pois 66 quem ama pode eer ouvide (Capar de ouvir ede entender eseelas.” Sonero XII da Via Livte (lave Bilac, Potzs, 1985, p. 52), DIMENSOES vol. 14-2002 483 magnificamente a ansia humana de entender 0 universo. E uma pista Terria que nio deve fugic dos olhos do historiador, pois uma das formas mais notdveis de se compreender os homens de um determinado perfodo histérico ¢ descobrir como eles entendiam o tempo e o espagoe de que forma se sentiam inseridos neles. Ao historicizarmos a concepgio humana desses dois vetores € os conceitos de ciéncia ¢ natureza circunscrevemos o homem em seu tempo co “aprisionamos” dentro do conhecimento de sua época; no entanto, é faco que espitico humano possui ed asas 3 imaginagio. Isso acontece porque possuimos a eterna angiistia de buscar as respostas pata aquelas perguntas classicas: “De onde viemos? Para onde vamos?” Assim, as formas como os homens se projetam para além das explicagdes cientificas de sua época dio 0 com de sua sensibilidade, de sua capacidade de imaginagio ¢, por que nfo, de seus sentimentos mais profundos e perenes (Pernoud, [19..] p. 159-164). Certamente 0 homem medieval possufa todas essas capacidades sensitivas. Talver mais, pois tinka em si um sentimento profundo de pertencer a0 universo, de fazer parce de algo transcendente, de integrar todo 0 espago imaginado, visivel c invisivel ¢ a ele estar unido . A tela de reciprocidades téo caracteristica da sociedade dita feudal ulerapassava e muito o mundo material, mundo das aparéncias, Ao contririo dos homens de hoje e do homem do tempo de Bilac— que considera tresloucado aquele que ouve ¢ entende as estrelas porque ama— ,o homem medieval tinha esse amor em si quando contemplava o cosmo, quando dirigia seus olhos pata as estrelas. Pois ele no era mesmo um micracosmo do universo? Para a visiondria Hildegard de Bingen (c.1098-1179}, sim: antecipando Leonardo da Vinci em quatto séculos, para a monja, © homem cocupava — legitimamente ~ o centro do mundo, no cenira de uma série de E STA PASSAGEM MAGISTRAL DE UM DOs MAIORES poetas brasileiros ilustra circulos maravilhosos: No centro do peita da figura que cu haviacontemplado no stio dosespasosacreosdo Sul cisquesurgiu um rodade matavilhoss aparncia, Contnha ossignosqueaeaproximavam desavsioem formade ovo, queen tivehé dezoitoanose quediscrevi na terceiravisso do ‘meu lvto Scivias[.] na pare supesiocaparecia um citculo de fogo dare quedominava ‘outro, defogo neg [»] em seguidavinha um efreuo que era como que dearcaregado doumidade(..| sob e ciclo dearimidaapareia umdearbranco, densa.) ees dois , LLULL. R. Arbre celestial. ORL, v.12, 1926. SAO VITOR, H. de. Didascdlion: da arte de let: Petrépolis: Vores, 2001. Bibliografia BLACKBURN, S. Diciondrio Oxford de Filosofia. Rio de Jancito: Zahat, 1997. DE LIBERA, Al. 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