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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL (UFFS)

Programa de Residência Pedagógica – Ciências Biológicas, Química e Física


Módulo 3: 2021

PAULO FREIRE E A FALTA DE REFERÊNCAS NOS CURSOS DE


LICENCIATURA

Residente: Eduardo Fernando Dias


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Etapa: Acompanhamento de lives e leituras acerca dos referenciais teóricos utilizados
no Ensino de Ciências.

Descrição
Paulo Freire é um ícone da educação brasileira. É tido como referência para
inúmeros pesquisadores em educação e outras áreas. É um dos teóricos mais citados no
mundo. Não há como cursar uma licenciatura sem ter contato com suas ideias e
perspectivas. Mas a profundidade em que os estudantes conhecem suas teorias tende a
se limitar a conceitos como contextualização, relação dialógica entre professor e aluno,
pensamento crítico e consciência social. Falta uma compreensão mais ampla dos
pressupostos teóricos e suas consequências para a educação, bem como das intenções
políticas e da apologética de Paulo Freire a certos personagens e eventos que nada
tiveram de humanizadores, conscientizadores, muito menos libertadores.
É muito difícil encontrar no Brasil trabalhos acadêmicos que contestem as ideias
e a práxis de Freire e não compartilhem com ele sua matriz teórica marxista. As
matérias de educação passam a mensagem de que a pedagogia tradicional foi superada
pelos modelos tecnicistas, pragmáticos que foram superados pelos modelos libertário,
libertador (de Paulo Freire) e histórico-crítico, sendo este último o ápice da pedagogia
atual. Mas tanto a concepção de Freire quanto a de Dermeval Saviani (histórico-crítica)
são filhas do materialismo histórico-dialético de Karl Marx, e de vários de seus
desenvolvimentos posteriores, como os de Antônio Gramci, no caso de Saviani. Não há
outras formas de pedagogia “atuais”, somente concepções marxistas, somente
concepções de crítica e revolução na sociedade, mudando apenas de forma e estratégia.
Quando entramos na universidade, temos a expectativa de ter uma abertura aos
conhecimentos universais, ao que representa a excelência no mundo acadêmico, ao
status questionis das investigações e problemas que estudamos. Mas nesse caso, só nos
é apresentado um recorte, uma forma de ver o mundo, um lado. No caso do ensino de
ciências, as propostas freireanas que podem ser aproveitadas nessa área nada têm de
propriamente freireanas, se não forem acrescidas da cosmovisão e da ação política de
Paulo Freire.

Interpretação
Ouve-se muito de professores e pedagogos que “O método de Paulo Freire não é
aplicado no Brasil, ainda predomina o método tradicional”, ou “O currículo ainda é
tradicional”, e a mesma coisa com Saviani. Mas, como descreve Silva:
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Parece evidente que Paulo Freire não desenvolveu uma teorização específica
sobre o currículo. Em sua obra, entretanto, como ocorre com outras teorias
pedagógicas, ele discute questões que estão relacionadas com aquelas que
comumente estão associadas com teorias mais propriamente curriculares.
Pode-se dizer que seu esforço de teorização consiste, ao menos em parte, a
responder à questão curricular fundamental: “o que ensinar?”. Em sua
preocupação com a questão epistemológica fundamental (“o que significa
conhecer?”), Paulo Freire desenvolveu uma obra que tem implicações
importantes para a teorização sobre o currículo. (Silva, 2005, p. 57)

Isto significa, e o autor continua nesse sentido, que a influência de Freire nos
educadores e teóricos da educação no Brasil não se encontra propriamente em seu
método, mas em sua visão de educação, de conscientização e do conhecimento. É por
isso que, apesar de os métodos utilizados nas escolas ainda serem, em boa parte,
tradicionais, vemos frases como “Não há saber mais ou saber menos, há saberes
diferentes (Paulo Freire)” em murais de escolas com bastante frequência.
Acontece que tais concepções possuem fundamentos intelectuais que não são
conhecidos da maioria dos professores e estudantes de licenciatura. Esses fundamentos
geralmente contradizem a experiência concreta do professor e o levam a entrar em um
estado de perplexidade, que ele interpreta como falta de compreensão sua das ideias de
Freire, e não como falha do próprio sistema freireano. Por exemplo, o significado de
construção do conhecimento para Freire está baseado na crença de que o conhecimento
é intersubjetivo, ou seja, é o conhecimento do “mundo para nós”, do mundo para a
consciência, que é criado pela ação dialógica da mediatização entre as consciências dos
indivíduos. Esta ideia apenas já basta para contrariar a concepção predominante nas
pessoas da existência de uma realidade independente da consciência que precisa ser
conhecida e reconhecida pela inteligência humana. Mas a isto Freire chamaria de
“concepção bancária” do conhecimento.
Não há como compreender corretamente as ideias epistemológicas, sociológicas
e educacionais de Paulo Freire sem compreender suas influências intelectuais e
filosóficas.

Confronto
Por um lado, as bases filosóficas que suportam a educação e o conhecimento em
Paulo Freire são altamente contestáveis e imbuídas de contradições internas e
inadequações à realidade humana. Por outro, as propostas práticas de Paulo freire que
são utilizadas no ensino de ciências no Brasil não são necessariamente marxistas nem
foram de criação ou exclusiva proposição de Freire. São elas: palavras geradoras e
investigação temática; educação política e participação pública e educação
problematizadora e não-neutralidade da concepção de ciência (Zauith e Hayashi, 2013).
Teóricos como Dewey, Saviani, Kuhn e outros já desenvolvem essas propostas em seus
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escritos. A única coisa acrescentada por Paulo Freire a essas abordagens é seu
direcionamento à práxis revolucionária.
Até aqui, nem mencionei as apologias que Paulo Freire fez até o fim de sua vida
a genocidas, movimentos e regimes políticos autoritários e sangrentos que se
disseminaram pelo mundo no século XX. Esses movimentos, como a Revolução
Cultural Chinesa, o regime de Mao Tsé Tung e a Revolução Cubana de Fidel Castro e
Che Guevara foram movidos pelas mesmas influências filosóficas de nosso patrono da
educação, daí seu apoio fervoroso.
As ideias de Paulo Freire coincidem em inúmeros pontos e no cânone marxista
original com as ideologias de regimes políticos autoritários que mataram mais de 70
milhões de pessoas em nome do sonho marxista. Além disso, ele mesmo apoia esses
movimentos aberta e entusiasticamente em suas obras. Mantêm suas posições e
convicções até o fim de sua vida, mesmo com o desfecho desastroso de seus modelos
políticos. Assim, fica claro que suas propostas e ideias deveriam ser estudadas, no
mínimo, com muito cuidado, pra não dizer desconfiança e repulsa totais.

Reconstrução
Como afirmado no início do texto, os estudantes de licenciatura recebem apenas
uma porção do escopo de soluções alternativas a cada questão estudada. Muitas vezes o
desenvolvimento do problema é tratado de forma linear, em que cada nova teoria
sobrepuja a anterior até chegar à atual, que geralmente é aquela defendida pelo
professor. Não nos são oferecidas as fontes primárias, mas análises feitas por partidários
da visão que se quer estabelecer.
No caso de Paulo Freire, não é difícil perceber que ele não tem nada a oferecer
de bom a um ensino de ciências que não seja politizado, com viés marxista,
imensamente limitado pela divisão das pessoas entre opressores-oprimidos e da própria
ciência tida como um meio de dominação social e econômica apenas.
É preciso uma renovação em nossas universidades. Precisamos nos desvencilhar
das amarras ideológicas de nosso currículo e de nossas referências intelectuais. Mesmo
que cada autor, cada teórico importante tenha sua própria visão de mundo e, de certa
forma, possa estar associado, em maior ou menor grau, a uma ideologia, precisamos ter
acesso à diversidade de concepções. Somente assim uma universidade pode ser
chamada de democrática e participativa.

Referências:

QUEIROZ, Cecília Telma Alves Pontes de; MOITA, Filomena Maria Gonçalves da
Silva Cordeiro. Fundamentos sócio-filosóficos da educação – Campina Grande; Natal:
UEPB/UFRN, 2007.
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SANTOS, Thomas Giulliano Ferreira dos et al. Desconstruindo Paulo Freire. 1. ed.
Porto Alegre: História Expressa, 2017.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do


currículo. 2. ed. 9ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

ZAUITH, Gabriela; HAYASHI, Maria Cristina Piumbato Innocentini. A influência de


Paulo Freire no Ensino de Ciências e na educação CTS: uma análise bibliométrica.
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 49, p. 267-293, mar. 2013.

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