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| EGE O Faial e a Periferia Acoriana nos Séculos XV a XX Nos 550 anos do Descobrimento | das Flores e do Corvo Pa | al Endogamia e Consanguinidade no concelho da Madalena - Ilha do Pico (Séculos XVIII e XIX) por Carlota Santos 1. Introdugio Reconstruir historicamente a estrutura marital em comunidades isoladas constitui, do ponto de vista da Biodemografia, um passo fundamental no sentido da compreensio da estrutura biologica e genética das populagdes humanas, consideradas, estas como conjuntos de individuos que panitham, entre sie em algum grau, um patriménio genético comum (Cavalli-Sforza e Bodmer, 1971). Nesta mesma perspectiva, se, por um lado, a anélise da mobilidade marital coloca em evidéncia a imensidade € a direccionalidade da troca de genes entre populagoes, permitindo determinar 0 padrio geogréfico do parentesco, por outro lado a observagio 20 longo do tempo da frequéncia de casamentos consanguineos numa certa populagio, viabiliza o estudo da sua capacidade geral de adaptabilidade ao meio fisico © social, desvendando possiveis elos de causalidade entre diferentes niveis de moralidade e fertilidade verificados na descendéncia de pais consanguineos ¢ no consanguineos. © presente trabalho visa analisar © comportamento marital da populagio do concelho da Madalena (IIha do Pico) do inicio do século XVII ao final do pentiltimo quartel do século XTX, assumindo-se como um eontributo para a abordagem das cstruturas demogrifica € genética de uma unidade populacional representativa de ‘uma comunidade mais vasta coincidente com o todo da Ilha. Alguns estudos demogrificos ja realizados para 0 arquipélago dos Agores, apontaram para a existéncia de comportamentos especificos no que se refere a ‘mortalidade infantil, cujas taxas se apresentam precocemente moderadas desde ‘meados do século XVIII indiciando tendéncias distintas das que caracterizam © quadro de evolugio registado, quer no continente, quer na Europa em geral (Amorim, 1992). De igual modo, a taxa bruta de mortalidade calculada para a Ilha do Pico em meados do século XIX, manifesta um comportamento singular, sendo bastante inferior a das restantes ilhas do arquipélago (Rocha, 1983). Confirmando a suavidade da morte nesta regido, os elevados niveis de esperanca de vida observados em ambos os sexos, para as geragdes nascidas durante os m7 Coats Sons séculos XVIII ¢ XIX, afastam-se significativamente dos valores obtidos para ‘8 populacao curopeia nascida antes do século XX (Livi-Bacci, 1987) exceptuando alguns grupos sociais privilegiados, como € 0 caso da nobreza britinica (Pressat, 1985). ‘Oestudo de Norberta Amorim sobre a evolugio demografica de trés parSquias do Sul do Pico, entre 1680 e 1980, revelou ainda que, no plano da fecundidade, os comportamentos desta populagio se diferenciam claramente daqueles que se observaram em varios paises europeus como a Inglaterra, Suécia, Franga ¢ Alemanha. Uma andlise comparativa, considerando os diferentes grupos etirios, evidenciou a persisténcia de baixas taxas de fecundidade para os primeiros grupos © taxas relativamente clevadas para os tiltimos. “Em consequéncia, 0 ratio de fecundidade legitima total (RFLT - 20 aos 44 anos) coloca-se acima da generalidade das observagdes, com tinica excepcao para o caso da Alemanha” (Amorim, 1992). Neste contexto, consideramos que a compreensio da matriz demogrifica, onde as especificidades que acabamos de esbogar adquirem significado, seria mais amplamente alcancada pela observacao dos mecanismos de ordem biolégica e socio- -cultural que com ela interferem. Com efeito, a avaliagao da intensidade ¢ da direccionalidade do movimento marital da populagéo do concelho da Madalena, enquanto amostra representativa do conjunto da IIha do Pico, permitiré estabelecer 18 limites espaciais no interior dos quais essa populagio evoluiu a0 longo do tempo. ‘Sendo certo que as fronteiras que a separaram ¢ separam de outros grupos humanos nunca foram nem sao completamente estanques, essa populacio apresenta-se contudo ‘como objecto de observacao ideal, dadas as caracteristicas da sua insergio ambiental € 0 seu posicionamento geogrfico isolado € duplamente periférico, aliados a peculiaridade do seu patriménio cultural. Por outro lado, ¢ admitindo que a pritica repetida de unibes matrimoniais entre individuos com origem num ancestral comum relativamente proximo possa desencadear efeitos no patriménio genético de uma populagéo, com eventuais repercussies nos seus comportamentos demograficos ¢ no scu estado de saide, procedemos a anélise da consanguinidade praticada no concelho durante os séculos XVIII e XIX cujos resultados desejamos virem a ser posteriormente alargados no tempo e reinterpretados a luz de leituras confluentes que privilegiem 0 didlogo entre 0s investigadores da Demografia Hist6rica ¢ Contemporinea, das Ciéncias da Satide € da Genética das Populagoes. Das nove ihas que constituem 0 arquipélago dos Agores, a Ilha do Pico ¢ a ‘maior das cineo que incluem o Grupo Central e, com uma superficie de 447 km 2, 6 apenas suplantada em todo 0 conjunto pela Itha de S. Miguel. De origem vuleanica, tal como as restantes, esté situada entre as ilhas de S. Jorge ¢ do Faial tendo, desde 0 inicio do povoamento, estabelecido relagdes privilegiadas com esta dltima tanto por motivos de proximidade fisica como pela complementaridade de produgSes agricolas, ditada por condigdes ecol6gicas particulares. saga ounce da Molen ha oP (Stas XVM eX) Figura 1 thas do Grupo Central do Arquipélago dos Agores Graciosa, ae Cruz da Gracosa Terceira Situada a 28° 20° de longitude oeste © u 38° 30° do latitude norte a itha, de forma oblonga, é dominada pela montanha do Pico (com altitude de 2351 m) € atravessada por um planalto com cones vulednicos secundérios, apresentando altas falésias ao longo da costa que, a oeste, se tomam de declive moderado. O clima, de tipo temperado oceiinico, caracteriza-se por alguma instabilidade e zonalidade, ‘com reduzidas amplitudes térmicas abaixo dos 300 m de altitude e temperaturas médias que raramente se situam abaixo dos 17° no Inverno ou excedem 0s 22° no Verio. ‘A suavidade climatérica ea constituiglo do solo, dspero ¢ entremeado de terrenos. pedregosos de biscoito resultantes de lavas recentes, proporcionaram condigies favoriveis ao desenvolvimento da vitivinicultura (em toda a costa oeste e, sobretudo, na regio abrangida pelo concelho da Madalena), assim como de amplas zonas de pastagem e de cultivo de drvores de fruto, Pelo contrario, a produgio de cereais foi sempre deficitéria o que parcialmente justificard a interdependéncia econémica estabelecida de longa data entre o Pico ea ilha do Faial que lhe € contigua (Macedo, 1871). No plano administrativo, ailha do Pico reparte-se nos concelhos da Madalena, S. Roque e Lages e, embora este tltimo tenha sido o primeito niicleo a ser povoado, sabe-se também, através de informagdes que remontam ao século XVI, que @ rnomenclatura de Madalena vem j dos primérdios do povoamento que teria sido, seguramente, anterior a 1460 (Prutuoso, 1963). Inicialmente subordinada a0 concelho da Horta, foi posteriormente incorporada no concelho de S. Roque e 209 210 Cora Ss finalmente clevada a categoria de vila por alvaré de 8 de Margo de 1723. Do actual concelho, extinto em 18 de Novembro de 1895 e restabelecido em 13 de Janeiro de 1898, fazem parte seis freguesias com uma Area total de 149.08 km2 distribuidos pela Madalena (32.95 km2), Criagio Velha (16.39 km2), Bandeiras (25.92 km2), Candelaria (31.72 km2), S. Mateus (17.74 km2) ¢ S. Caetano (24.36 km2). Figura 2 Tha do Pico As informagoes proporcionadas por mapas-resumo datados de 1770, 1819, 1826, pelo Mapa da Populacdo elaborado em 1838 para cada uma das freguesias do concelho € pelos dois primeiros recenseamentos nacionais, permitem destacar alguns aspectos caracterizadores da evolucio da populacio tanto a nivel municipal como paroquial (Tabelas 1 ¢ 2) entre 1770 ¢ 1878. Para esse efeito, considerimos 0 volume populacional registado em cada ano, a respectiva densidade (relacdo drea/niimero de habitantes) ¢ 0s ritmos de crescimento geométrico expressos pelo indicador taxa de crescimento anual médio (TCAM). Os dados relativos & Madalena ¢ Criagao Velha foram tratados no seu conjunto, uma vez que a fundacdo desta iltima freguesia ocorre tardiamente, por desmembramento da primeira. Endogomi «Cosine no cen ds Maden hed Pio Stes YI XIN Tabela 1 Aspectos plobais da populacio do concelho da Madalena (1770-1878) = Indicadores | ~a770_[ 1819 | 1926 | 168 | ino [1978 Volume | popatvconat | 76932 ] 8903 | mist | tm | 9828 | 9044 Densidade 465 , 49 pepelalal sor | mar | 2 69 | 607 ‘TAM (%) ost_| 324 | 003 | -o6 [ -037 * dados corigidos ‘Tabela2 Aspectos globais da populacio por freguesia (170-1878) Maddalena e Criagio Velha - ‘Anos Indicadores ir [1819 | 1826 | 1838 | inet | 1878 Volume . Taconat | 2606 | zon | asez | aso | asm | 3279 Densidade [528 | soo | 921 | wa | 724 | 655 popalacionat TCAM (%) oas_| 36 | 027 | -079 | -001 * dados corigidos Bandeiras Indicadores Ae 170 | 1819 | 126 | 188 | 1864 | 1878 Volume . poretncteaas | ‘1000 | 990 | as | ass | toss | ton Densidade sso | aso | ai | 47s | aos | 290 populacional TEAM (%) =ois | 266 | oas | -oo | -032 * dadoncorrigidos a Cont Sarto ‘Candelaria Indica - eres 1770 1819 1826 1838 1864 1878 Yorum] ponataas | 11298 | 20m | 228 | 203 | toa | 1030 Densidade 9 4 10.9 64. 332 S14 sie] woo | wa) ot 3 TTCAM (%) 096 | 116 | -oa | -a7s [| 025 * das corigos 'S. Mateus Indica Anos lores 1770 1819 1826 1838 1864 1878 Youme | pone | camer | aves | seas | 307 | 320 | siz Densidade [a2 | vio | 766 | wa | 702 | 702 popalacionsl TTCAM (“) om | 10 | 00 [as _[ 010 = dado eorigidos (Os anos que medeiam entre 17706 1826 assinalam uma fase de erescimento notivel «em todo o municipio, eguida de uma década de abrandamento que anuncia um generalizado periodo recessivo avangando pela segunda metade do século XIX. Neste contexto, se 0 ‘movimento de expansio populacional assume particular intensidade nas freguesias da Madalena/Criagio Velha ¢ Bandeiras, os maiores decréscimos verificados entre 1838 € 1864 localizam-se ainda na mesma regio cuja economia local, em extrema dependéncia da itura, foi severamente perturhada pela crise das vinhas que se prolonga de 1853 em diante, provocando 0 esvaziamento dos campos € 0 empobrecimento de um sector significativo da populagéo, directa ou indirectamente relacionado com a procucao vinicola. Observando o movimento anual de nascimentos serd possivel acompanhar, no plano mictoanalitico, as principais tendéncias detectadas. Figura 3 Evoluco dos nascimentos em 4 freguesias do Concelho da Madalena ine Cnsmpiiade no coco de Malena do Peo Seales XV eK) Candeléria —BAPTIZADOS — —Mécia Move de9.Anoe | || | —arrvzaD0s Mat Miva de Ame ‘A comparagio das curvas, normalizadas através de médias méveis de nove anos, revela claramente que, no inicio de oitocentos, a Madalena concentrava 0 maior volume de baptizados mantendo, embora com algumas oscilagdes, um quadro de relativa estabilidade até 1830, momento a partir do qual se regista uma quebra visivel. No caso de S. Mateus, 0 aumento do nimero de nascimentos € notério ¢ progressivo até ao ano de 1840 de tal modo que, & data do primeiro recenseamento nacional, a populagdo da freguesia chega a atingir os 3209 habitantes, suplantando largamente a da sede concelhia, Com pequenas oscilacées ¢ alguma continuidade desde 1800, a pardquia da Candelaria repete a quebra de nascimentos registada nas anteriores freguesias a partir da década de 30, enquanto a Criagio Velha (que juntamente com as Bandciras apresenta em 1864 um dos mais reduzidos volumes populacionais do concelho) reflecte uma maior regularidade ao longo de todo o periodo em observacio, com uma débil tendéncia decrescente a partir da segunda metade do século, 2, Material e métodos Os livros paroquiais de registos de casamentos constituem a documentacio biisica de onde foi extraida a informacao necessiria para a andlise da mobilidade ‘marital ¢ célculo do coeficiente de consanguinidade da populacao do concelho da Madalena. Atendendo ao Ambito temporal da observacio, que tem como data limite 0 ano de 1875, encontra-se naturalmente excluida do presente estudo pardquia de S. Caetano, que integrava a freguesia de S, Matcus até ao ano de 1886, € a pardquia das Bandeiras jé que para esta se desconhece a existéncia de assentos de casamentos anteriores ao ano de 1860. Por outro lado, os primeiros registos da Criagio Velha datam de 1801, momento em que esta se autonomiza da freguesia da Madalena, A qualidade e 0 rigor dos registos paroquiais portugueses em geral dependem, em periodos historicamente recuados que se estendem ao longo do Antigo Regime, da composi¢io c da cocréncia das equipas redactoriais, bem como da pressio exercida pelos Visitadores e da frequéncia com que estes fiscalizavam 213 Coe Sm mais ou menos regularmente as actividades dos pirocos cm questio. Relativamente aos assentos de casamentos, as eventuais transgressdes as normas constitucionais, que na maioria dos casos se reflectiam em omissoes de filiacio, de naturalidade ou residéncia, tendem a ser menos notérias j4 que se trata de actos vitais com particular impacto na esfera social e de evidente repercussio na transmissao da propriedade por via sucess6ria, Confirmando esta tendéncia, também 05 registos de casamentos das varias freguesias constituintes do concelho da Madalena revelam o necessério rigor na referéncia 8 origem geogrifica dos nubentes, assim como as dispensas concedidas em caso de parentesco proximo que, conforme © Direito Canénico vigente até 1918, eram exigiveis até a0 quarto grau de consanguinidade. Para as pardquias da Madalena e Candelaria procedemos ao levantamento directo da informagao durante o processo de construcio de bases de dados informatizadas assente na metodologia de “reconstituicao de paréquias” (Amorim, 1991); para as de S. Mateus ¢ Criagio Velha essa informacao foi disponibilizada e retirada de idénticos ficheiros, respectivamente elaborados por Norberta Amorim (1992) e Herminia Mesquita (1998) segundo a mesma metodologia. Para a andlise da mobilidade marital, foram recolhidas as informagécs relativas ’naturalidade dos intervenientes num total de 6912-matriménios, com uma distribuiga0 peridica de frequéncias pelas virias freguesias conforme a tabela 3, Consideram.se endogiimicos os casamentos celebrados entre individuos oriundos ‘da mesma unidade populacional (freguesia ou concelho) e exogimicos aqueles que foram contrafdos entre um homem natural ¢ uma mulher de fora, uma mulher natural ‘eum homem de fora ou entre dois individuos cujo naseimento ocorreu fora dos limites administrativos referidos. ‘Tabela 3 Cronologia e nmero de casamentos em 4 freguesias do concelho da Madalena MADALENA | CRIACAO VELA S.MATEUS | TOTALNO Periods [N*Abs| Periodos [N*Abs| Periodos [N*Abn| Periodos _[N*Abs.| CONCELHO) 1708-1729 | 369 1e98-1729 | 335 [704 01749 | 349 1730-1749 | 288 [637 1750-1769 | 340 1750-1769 | 339 | 679 770-1789 [317 170.1789 | 321 | 638 1790-1809 | 356 vrs0-1809 | 368 | 724 1610-169 [9 | Teor | 1e7 | tao | a | aero | am | ss 130.186 | 273 [10-180 | 14s | ios | aes | awe | aw | 11s 1es0-975 [su aes0-ie7s | 122 | iesois7s | 2e2 | aastim7s | ase | 1009 24 [tat [eee ss om 27 | ane oon de Mal. Peo Sy XI eX ‘A consanguinidade foi avaliada através das dispensas de casamento anotadas nos respectivos registos, posteriormente codificadas conforme o grau correspondente ¢ inseridas nas bases de dados de partida em um ou mais campos, segundo 0 ‘casamento consanguineo envolvesse um ou mais troncos. O cilculo dos cocficientes de consanguinidade aparente das populacoes foi efectuado com base nos diferentes tipos de dispensa de casamento, aplicando a formula de Bernstein (a=, Fn, / N) onde F , representa o coeficiente de grau i , determinado a partir das correspondentes frvores genealégicas pelo método dos coeficientes de passage de Wright (1922); n ,o nimero de casamentos consanguineos de graui; No nimero, total de casamentos. Tubela 4 Correspondéncia entre graus e coeficientes de consanguinidade (F) ‘Graus de consanguinidade | _Coeficientes (F) P atingente a0 1° 1/8=0,12500 2 1/16=0,06250 3 alingentc a0 2 152=0,03125 = y6i=0.01563 | # atingentc a0 3° 1/128=0,00781 # 11256=0,00391 3. Resultados 3.1. Endogamia Numa perspectiva global, as percentagens de casamentos endogimicos apresentam-se elevadas c tendencialmente estaveis no tempo, rondando um maximo de 90% na paréquia da Candeliria (durante o peniiltimo quartel do século XIX) ¢ um minimo de 36% em S. Mateus, num periodo que se estende de 1698 a 1749, Este afastamento significativo do padrio matrimonial observado no concetho ¢ na propria frepuesia em periodos subsequentes, parece encontrat-se associado, como sugere N. Amorim (1992), aos efeitos da erupcio vulcénica registada em 1718 que teria afectado a paréquia vizinha de S, Joao, expulsando um grande riimero de familias cuja descendéncia atingiria a idade nubil nas décadas seguintes, ‘momento em que o niimero de casamentos exog’micos celebrados em S. Mateus se eleva bruscamente, atingindo percentagens andmalas que, para o caso em que ‘ambos os nubentes sio de naturalidade extra-paroquial, chega a atingir os 20,7%. 215 216 Core Ss ‘Tabela $ ‘Endogamia ¢ Exogamia em 4 freguesias do concetho da Madalena ENDOGAMIA TROGAMIA i 2 3 a ‘Total Casa, N* Obs. | % [Total Exog,| N*Obs. | % | N'Obs. | % | N° Obs. | % Madan ine.iny [78 | wot [ous] 20] [a] Ia] ea iano [er | si [iw] as] a1 [ina] i929) roa | ns] sao [rsa] 1s | @ [ao ws [ina] a2 1830-1875 584 44476 140 43 74 as |146) 2 21 ‘Criago Velha - - wits [a2 | ao [oe] im | [7a| a fal @ [aa wos | _m2_| 88 [rea] 4] wus] 16 fuss] 2 [a0 Candi wos [7s | @2 [wal im |B [3] = Je] 3 sos [20 [a8 Joust 20 | faa} a6 | wa] 0 0 Mateus este [| sea] a ese vioano |e |si_|rrg} we] 5 [100 usa] 3] 2 wat |_7m_| 057 ]ssa) au |» [sa] J aa] 92 reams [7] ae Juno] ns [3 [3 [oe fies] 6 Pu 1-69 da mesma feguesia 2-Qde for 3-C de fora 4-G Pde fora No conjunto dus quatro freguesias, a populagio da Madalena revela uma propensio endogiimica relativamente mais moderada, facto para o qual teré contribufdo 4 proximidade ¢ abertura do seu porto de mar relativamente a ilha do Faial, assim como 0 tradicional intercdmbio familiar resultante das prolongadas estadias dos proprietirios faialenses nas suas quintas do Pico, durante a época das colheitas ¢ das vindimas. Por outro lado, os lacos de parentesco e vicinalidade estabelecidos entre as familias da Madalena € da Criagdo Velha ao longo de todo 0 século XVIII (periodo durante © qual esta Gltima era apenas um lugar) justificam os 21,4% de matrim6nios que envolvem homens de fora, na sua grande maioria residentes nna Madalena, e mulheres da recente paréquia da Criagao Velha, entre os anos de 1801 ©1849, Analisadas estas situacSes excepcionais, € possivel caracterizar a populagao do concelho da Madalena dos séculos XVIII e XIX como uma comunidade isolada cujo mercado matrimonial se vai progressivamente fechando a0 exterior, apresentando uma débil mobilidade marital do sexo feminino ¢ um Endogamia Consangenidae ocncs ts Men ha do Pico (és XIN eX relativamente maior trinsito do sexo masculino. A direc¢o do movimento marital - determinada com base nos casamentos mistos ¢ excluindo, portanto, todos os que foram celebrados entre nubentes de origem exterior as freguesias que constituem o concelho - reforga as anteriores conclusdes, evidenciando as opgdes preferenciais cestabelecidas na unido conjugal para um conjunto de 12 regides, descritas na Tabela 6 e Figuras 4 a 7. Tabela 6 Direcgao do movimento marital em cada freguesia mapatena | CRACKO | canperAnia | s. MATEUS ‘ELIA Toms = « = « Cone Madea Be 7a 69 5 Cine S. Rog m3 79 66 @ Conan Lages 187 6s 66 a6 Th Fil 2 16 155 9° Pi «Fa oa 392 356 357 aS foe 3 os 1s 13 tha Gries 08 ° 0 0s tha oes ox 0 1S 0 Tha Cove 02 ° og a Tha esi 23 o a 08 Tha Mie 06 ° 7 06 tha St Nuria 02 ° 0 Comin + OuosPaes 05 o 0 ee meee? | ee os “ a A primeira regiio compreende as varias freguesias do concelho da Madalena, incluindo a das Bandeiras, para a qual nao existem registos dentro do perfodo considerado mas da qual sabemos serem naturais os nubentes cujo nome consta nos assentos de casamentos das restantes pardquias. As demais regides abrangem, de acordo com 0 critério da distancia geogritfica, as varias localidades pertencentes aos concelhos de S. Roque e Lages, 2 ilha do Faial, as outras ilhas do arquipélago e, finalmente, ao territ6rio continental € a outros paises que, dada a sua quase nula representatividade, nio consideramos necessario especificar, 27 See Figura 5 - Direccdo do movimento marital na freguesia da Criagdo Velha Figura 4 - Direcgao do movimento marital na freguesia da Madalena & 218 Endo Comsanaunaie o cone ds Mala de Peo (Sc Xe XN (Scandia euSSURERESEESESE Figura 6 - Direogio do movimento marital na treguesia da Candelaria, fos as ee e iyo? e ce A e es oe euSGUUSESESESE SE | 4? 7 Figura 7- Direego do movimento marital na freguesia de S. Mateus 219 2 Carte Ser ‘Como esperado, a freguesia da Madalena, enquanto sede de concelho e dadas as suas relagdes privilegiadas com a cidade da Horta, € aquela onde as unides ‘matrimoniais mais se projectam em relagdo ao exterior, com uma preferéncia not6ria, para aiha do Faial e para os concelhos do Pico e alguma incidéncia de casamentos com individuos das ilhas de S, Jonge (3%) ¢ Terceira (2,3%). Com algumas variagbes, a atraccio pelas familias do Faial repete-se nas outras paréquias, com excepgio para.a Criagao Velha que se isola de todas as outras ilhas do arquipélago estrcitando preferentemente as suas relagdes com as familias da Madalena e revelando alguma abertura aos concelhos das Lages © S. Roque, com 16,5 € 7,9% de casos respectivamente, Em direegio oposta, ¢ dado o seu enquadramento periférico relativamente sede administrativa, a populagao de S. Matcus privilegia as trocas matrimoni ‘com 0 vizinho concelho das Lages, as quais chegam a atingir uma percentagem de 47.6%. Independentemente de determinantes de natureza social ou econémica que exercem seguramente um peso decisivo nos resultados observados, o isolamento _geogrifico e a petificidade da ilha do Pico no conjunto agoriano aparecem como principais factores para a compreenséo do sentido da mobilidade marital no concelho a Madalena, revelando a persisténcia de um mercado matrimonial que se esteita em fungio do aumento da distincia geogrifica. ‘Tabela 7 Percentagem da Imigracio a “média” e “longa” distancia ‘no concetho da Madalena Pico Outras has (6. Roque + Lages) + Continente + Faial + Outros Pauises PERIODOS | _N*ABS, Nt Abs. % N* Abs. % 1698-1749 1188 317 261 4 79 1750-1789 1285 165 Rs 2 18 1790-1829 2079 225 108 a 1 1830-1875 2u9 206 97 a 1 1698-1875 ort ous 37 159 24 ee coed Mae ha do Peo Sees YU eX) Figura 8 Percentagem da Imigragio a “média” e “longa” disténcia ‘no concelho da Madalena Masia Detincia Longa disicia Aobservagio da Tabela 7 ¢ Figura 8 permitiréavaliar a contribuigao da migragio a “média” e “longa” distincia, por periodos temporais e relativamente & populagio total, através dos valores percentuais de matriménios em que um dos mubentes & natural de uma das freguesias do concelho da Madalena e o parceiro proveniente de ‘um outro concetho do Pico ou da itha do Faial (“média” distancia), ou de outras ilhas regides mais afastadas (“longa” distancia”). ‘Com efeito, a leitura dos resultados representados vem reafirmar as caracteristicas cendogiimicas da globalidade da populacao do concelho, bem como o seu isolamento relativamente a espagos que transcendam os limites da pr6pria ilha e da sua vizinha ‘mais proxima, Curiosamente, mesmo neste tiltimo caso, a tendéncia evolutiva aponta no sentido de uma progressiva interiorizagao, que se vai acentuando ao longo do século XIX e contrasta com a relativa abertura evidenciada durante a primeira metade do século XVIII Se considerarmos a direccao ¢ o sentido do movimento marital entre as varias freguesias, ¢ ainda possfvel constatar que a deslocagao de individuos via matriménio se processa de forma assimétrica, Com efeito, da observacio da Tabela 8 resulta claro ‘que tanto a Madalena como S. Mateus constituem os principais focos de atracgio relativamente as restantes freguesias, incluindo a das Bandeiras cuja contrapartida de efectivos € desconhecida para este periodo temporal. 21 aria Ss ‘Tabela 8 Direccio e sentido da mobilidade marital inter-freguesias LUGAR AO CASAMENTO ‘ORIGEM MADALENA | CRIASAQ” | caNDELARIA |S, MATEUS VELHA Madalena = 9 is 26 Criagho Velha 2 = 4 1 Candeléria a8 20 = aT, S. Mateus 8 i 2 = Banderas 7 3 0 o io deixa de ser relevante, no entanto, 0 transito de nubentes da Madalena para Criago Velha (muito provavelmente pelos motivos ja referidos) e o de S. Mateus para a Candelaria, que resultard em grande parte da aproximacao interpessoal faciitada pela contiguidade geogrifica das duas paréquias. Neste contexto, a tendéncia anteriormente definida no sentido de uma forte endogamia a nivel do concelho determinada pela insularidade e pelo isolamento geogrifico, aparece reforgada na dimensio paroquial apontando para uma sobrevalorizacio dos polos mais abertos 20 exterior que, tanto a oeste (Madalena) como a sul (S. Mateus), magne! redor as populacoes que Ihes sao mais proximas. 3.2. Consanguinidade rib Coeficiente de consanguinidade e frequéncia de tipos de dispensa no concelho da Madalena ranooos] yeas | gS COS [DSHS THATS yg a tenet ate tafe |e a a a a a so i 1790-1799, 376. a 59 mw 95.28 1 476 7 form | fart ee fmf i 1820-1829 OL B aa0 | at 9130 2 870 a re| eet eet et tte teres {orate torte fafa a Endo Consanguiaie ocono de Madea lh do Peo Seas eX Figura 9 Evolugio do coeficiente de consanguinidade no concelho da Madalena % Cas, Cons, + 1800 1600 14,00 25000 ‘ao 20040 1090 a oo 100,00, om 40 soa 2.0 00 PS om” LLP PLE POPP SPP LLL FPP MPF MG FPO ‘Alfa 1085 Poe cores ss Ge Cas, Cons: ‘A Tabela 9 e a Figura 9 apresentam 0 coeficiente de consanguinidade =, da populacio total, a percentagem de casamentos consanguineos para os quais foram concedidas uma ou mais dispensas, assim como a evolugao destes valores entre 1698 © 1875, por décadas. O parentesco por afinidade que, para o Direito Candnico vigente na €poca, constituia impedimento ao matriménio, foi desprezado na presente observacdo ja que nao possui qualquer significado em termos de transmissio do patriménio genético. ‘Se compararmos a consanguinidade do concetho da Madalena com a de outras populagdes rurais do Continente (Abade, 1992 ¢ Brandao, 1980) ¢ da Europa (Mc Cullough © O'Rourke, 1986) verificaremos que aquela assumiu valores moderados até 1750, iniciando entdo um ritmo ascendente com algumas oscilagoes, seguido de uma quebra acentuada nas quatro décadas que marcam a transi¢ao de século ¢ uma recuperacio not6ria a partir de 1830, que se prolonga até ao final do periodo. No entanto, se observarmos os resultados em cada uma das freguesias, 6 possivel detectar alguma variabilidade. A Tabela 10 apresenta, para todo © periodo em observacio, as percentagens de cada tipo de casamento consanguineo, com referéncia ao respectivo grau, caso aquele envolva apenas uma dispensa 2B 24 ora Sos ‘Tabela 10 ‘Frequéncia de cada tipo de easamento consanguineo por freguesia Cate] G [|e | & | @ | @& | G6 | Oui Femeia NOSNT « In] @ [nN] © [8] © [8] & [N] @ [N] © [N] 4 [Madatena | 2eoa [262] 9.85] 5 | on |a8| 687/10 | 382 | 63] 2405] se] 2214] 96] soo] 12] 4.58] Cingn vba | 454] 149s [ 0 | ano | 8] n.75] 2] 204 [13] 912] we] 2547] 22] 3035] 5] 735 Canin [977] af asl 2 [ass] 2] 435] 2) 455 [ 9[ 045] 304] 13] 2055] 10] 275 S aces | 287 fis} 430] 0 [ooo [10] 56] 5] 273 | 25| 1366] «5 2456] wl sa0n| 10] 6 oat | ora ssf a06| 7 [136 [28] 6x29 | 3a [rol 1975 [a7] 280 [a9] 3932] 7] a4 (GLY single oU'G2- 2; G3-¥ agente 0 2 G3 GS-4 agente 0 3, G5 ‘Tanto a nivel paroquial como concelhio, a maior concentragio de casamentos consanguineos incide, de forma relativamente homogénea, no gupo G6 (que inclu as uuniges matrimoniais entre primos “terceiros”), com uma média global de 39,3% e um valor méximo para a paréquia de S. Mateus que ronda os 48%. Assumem também proporcées significativas em todas as freguesias os casamentos que envolvem dispensas no 3° grau (G4) e no 4° grau atingente ao 3° (G5), enquanto que a consanguinidade entre primos “direitos” (G2) apresenta mais baixas frequéncias, ainda que na Criagao Velha chegue a atingir 0s 11,70%. Embora com cardcter excepcional, a Madalena ¢ a Candelaria registam ainda alguns casamentos do grupo 1, correspondente ao 2? grau atingente ao 1*, ou seja entre tio/tia ¢ sobrinha/sobrinho. ‘Oscasamentos com dispensas miiltiplas sio, de um modo geral, menos frequentes nas varias freguesias, com excepgao para a Candeléria que sobressai no conjunto com 22,73% de casos. ‘Como conclusiio, podemos resumir que a sequéncia de valores dos coeficientes de consanguinidade acompanhou a evolugao da endogamia praticada pela populagao do cancelho jé que, a partir do momento em que a comunidade inicia um proceso de fechamento ao exterior, as possibilidades de escolha do parceiro conjugal tendem a reduzir-se sendo simultaneamente valorizadas as unides matrimoniais no interior da familia extensa. [Nesta perspectiva, e admitindo a existéncia de uma estreita associagao entre as percentagens de casamentos consanguineos ¢ a estrutura social das populagdes, na medida em que estes enlaces sio frequentemente utilizados como estratégias de preservacio da propriedade indivisa (Areia, 1986), consideramos de todo o interesse prosseguir no sentido de uma anilise geneal6gica alargada que, recorrendo a0 cruzamento nominative com informagbes provenientes de outras fontes, permita estabelecer relagées de significdncia entre frequéncia/proximidade de graus de parentesco no matriménio ¢ estatuto social/disponibilidade econémica das familias. adem Conan neh de Madan do Pes él XVM XE BIBLIOGRAFIA Abade, A. M.(1992) - A Populacdo Inexistente - estrutura demografica e genética da populacdo de Lombada - Braganca, dissertacio de doutoramento, Universidade de Coimbra Amorim, M. N. 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