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Ebisteme
Bissexualidade como episte-
mologia

Marília Moschkovich

Linha a Linha

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Direitos autorais © 2022 Marília Moschkovich

Todos os direitos reservados. Direitos de tradu-


ção e publicação impressa tratar diretamente com a
autora.

Esta é uma publicação independente, apenas apoia-


da por uma editora. Se o livro chegou às suas mãos
por meio de pirataria, leia com tranquilidade e consi-
dere comprar o ebook para apoiar meu trabalho.

Edição, revisão e preparação de Artur Renzo.


Transcrição de áudio de Clara Coelho.
Prefácio de Douglas Rodrigues Barros.

ISBN-13:
ISBN-10:

Design da capa por: Marília Moschkovich

Livro digital (ebook)

7
Para Carol e Mayra, que deram nome pri-
meiro à minha forma de existir.

Para Amanda, Apollo e Linda.

Para Olga.

8
"Ain't much of a difference between a brid-
ge and a wall"

Hedwig & the Angry Inch (J. C. Mitchell,


2001)

9
Índice

Página do título
Direitos autorais
Dedicatória
Epígrafe
Início: eBIsteme
O Gênero[2]
Dimensão simbólica
Sociedades de matriz simbólica oci-
dental
Multidimensionalidade do Gênero e
Matriz Heterossexual
A terceira dimensão da Matriz Hete-
rossexual e a contra-norma bissexual
Notas de texto
Gênero e sexualidade
Sobre o autor

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Início: eBIsteme

Para início de conversa: esta não é


uma conferência[1] sobre “o que é a bis-
sexualidade”; e tampouco sobre as di-
versas disputas que poderíamos identifi-
car e discutir em relação ao que a define
ou não define – se o termo é bom ou
ruim, se o certo é “bi” ou “pan”, e todas
essas questões que, no campo da políti-
ca, acabam permeando um pouco as
discussões típicas da construção do mo-
vimento bissexual que está, evidente-
mente, em permanente construção e ho-
je vive um momento de debates bastan-
te frutíferos. Esta conferência não pre-

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tende, então, pensar nesses sentidos
positivos. Não é uma conferência para
definir coisas, senão uma conferência
pensada essencialmente para fazer o
contrário: “desmanualizar” nosso pensa-
mento a partir de um olhar bissexual.
Entendo que o ponto central da discus-
são sobre bissexualidade, e toda a van-
tagem de pensarmos por meio de um
olhar bissexual, seja justamente a po-
tência de “desmanualizar” nossa visão
sobre sexualidade, sobre gênero e, em
última instância, sobre o mundo em que
vivemos.

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O Gênero[2]

Começo alinhando algumas noções de


gênero. Gostaria de explicar um pouco
por que esse é um conceito desestabili-
zador que, como a bissexualidade, tam-
bém é (ou foi) de certa forma subversi-
vo. O que é gênero? O conceito de gê-
nero foi elaborado na teoria feminista a
partir da metade da década de 1970. É,
portanto, um conceito recente. Até o
momento de sua elaboração, havia tra-
balhos falando sobre “opressão das mu-
lheres” e trabalhos sobre a estrutura das
chamadas “relações sociais de sexo”,

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que posicionavam pessoas neas cate-
gorias “homem” e “mulher” de maneira
hierárquica, distribuindo poder. Isto é,
outras teorias feministas já abordavam
essa esfera da vida social que hoje,
mais comumente, chamamos de “gêne-
ro” mesmo quando não se está falando
de um conceito de gênero de forma ela-
borada - chamamos assim até no cotidi-
ano: “ah, o gênero, essa coisa aí que
sabemos que regula os corpos, que está
no domínio do social, que é uma estru-
tura, que define as subjetividades, mas
que é difícil também a definirmos, às ve-
zes”. Às vezes alguém fala em “gênero”
e perguntamos: “mas do que você está
falando quando fala ‘gênero’? O que
que quer dizer ‘gênero’?”, e com
frequência a pessoa fica confusa ou tem
dificuldade de explicar. Isso ocorre por-
que realmente essa definição conceitual
envolve uma elaboração da qual pode-
mos prescindir no dia a dia, em muitos
casos.

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Então, de fato, não necessariamente
quando falamos em “gênero” estamos
operando um conceito de Gênero – mar-
cado aqui em letra maiúscula. Me con-
centro aqui, nesta conferência, justa-
mente no conceito. Logo que começa a
ser elaborado na teoria feminista, o con-
ceito de Gênero já causa problemas.
Não à toa, a própria Judith Butler nome-
ou posteriormente seu livro de “Proble-
mas de Gênero”, e o que ela quer dizer
com isso é que esse é um conceito que
traz um problema para os movimentos
feminista e LGBT resolverem.[3]

O conceito de Gênero cria um pro-


blema. Procuro neste primeiro momento
, então, explicar um pouco que proble-
ma é esse, para depois pensarmos on-
de entra a questão da bissexualidade, e
mais especificamente a de uma episte-
mologia bissexual, de uma forma de co-
nhecer o mundo e de construir o conhe-
cimento do mundo que passe por uma
perspectiva que estou chamando aqui e

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chamo comumente de uma perspectiva
bissexual, nesse sentido da conferên-
cia, e do artigo “Notas para um materia-
lismo bi-alético”, publicado na Revista
Brasileira de Estudos da Homocultura
em dezembro de 2020.
O conceito de Gênero permite uma
multidimensionalidade no entendimento
do que é essa estrutura que chamamos
“Gênero”. Ele nos permite fazer uma se-
paração analítica entre alguns aspectos
da construção do Gênero (às vezes no
senso comum fala-se em gênero e se-
xualidade, mas a partir do conceito en-
tendo aqui que se trata de dimensões
de um sistema único chamado Gênero,
orientado pela matriz heterossexual).
Ele nos permite fazer separações analí-
ticas que ajudam a entender como esse
sistema acontece, como ele opera. Ele
nos ajuda a entender o que é o quê, se-
parar algumas coisas nesse sistema e,
ao mesmo tempo em que separamos
ou, melhor, ao separá-las, nos permite
entender como estão juntas, como se

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conectam. Sua inovação central é dupla:
ao mesmo tempo em que o conceito de
Gênero permite essa separação analíti-
ca ele propõe o entendimento dessa di-
mensão da vida social como uma di-
mensão simbólica. Explico.

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Dimensão simbólica
o que isso quer dizer?

Quando o conceito de Gênero é ela-


borado, passamos a pensar, dentro da
teoria feminista nos grupos que traba-
lham com esse conceito, que não adian-
ta apenas mobilizarmos a ideia de “rela-
ções sociais de sexo”, trabalharmos
com a categoria “sexo” ou com a cate-
goria “mulher” de forma isolada, ou en-
tão entendermos que existe uma cons-
trução social feita a partir do corpo bioló-
gico, físico, das pessoas. O conceito de
Gênero veio para dizer que isso não é
suficiente. Essas explicações não são

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necessariamente erradas, mas são insu-
ficientes. Por quê? Porque não existe
essa separação entre o “corpo biológi-
co” e a “cultura”. O conceito de gênero
veio para dizer não existe essa separa-
ção porque quando olhamos o corpo,
sendo seres humanos, o olhamos sem-
pre mediados pelo universo do simbóli-
co. Não existe uma visão “pura” da reali-
dade que não seja mediada pela lingua-
gem – que é a ferramenta central da di-
mensão simbólica -, nem mesmo (e tal-
vez principalmente) a ciência. Não exis-
te, então, uma visão que não seja medi-
ada pelo simbólico, pelo universo do
simbólico. Necessariamente nossa com-
preensão do mundo será mediada por
estruturas simbólicas, sendo as princi-
pais três para este debate, as seguintes:
o sistema de parentesco (como classifi-
camos pessoas a partir de uma ideia de
consanguinidade); o sistema racial (co-
mo classificamos pessoas em termos de
narrativas de origem comum, partindo

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de leituras corporais centradas na bran-
quitude); e o sistema de Gênero.
A ideia de tratar o Gênero como um
sistema simbólico carrega essa marca
de uma recusa. Não só uma recusa em
escolher ou dizer se algo é determinado
pelo corpo “biológico”, supostamente
puro, ou pela cultura, mas uma recusa
aos próprios termos desse jogo. Uma
recusa que diz: “não se trata de uma
questão ‘natureza versus cultura’, pois
simplesmente não é possível para anali-
sar nesses termos”. Quando olhamos
um pênis-escroto e uma vulva-vagina, e
assim os definimos e diferenciamos com
dois nomes diferentes, enxergando uma
diferença entre essas coisas, isso já é
um produto do Gênero, não uma causa
ou motivo da construção de gênero. O
conceito de Gênero nos permite ver que
nomeamos a genitália, os corpos, as ex-
pressões e as diferenças entre masculi-
no e feminino, pênis-escroto e vulva-va-
gina, homem e mulher, da mesma forma
que aprendemos a dar nome às cores,

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ou a diferenciar uma cadeira de um ban-
co, ou ainda, que no português tenha-
mos uma palavra para ensinar e uma
para aprender enquanto em alguns ou-
tros idiomas só há uma palavra para es-
sas duas coisas. O sentido de interpre-
tação do mundo depende dessa cons-
trução que está no campo do simbólico,
e que acessamos sempre pela lingua-
gem. A linguagem é o nosso ponto de
contato com o simbólico. Não existe, pa-
ra nós seres humanos, um mundo que
não seja inteiramente mediado pela lin-
guagem. Não necessariamente a língua
falada, já que temos línguas de sinais e
várias outras formas de linguagem, in-
clusive linguagens que não são línguas,
etc. Mas sempre, sempre, há a media-
ção da linguagem.
Entender o Gênero dessa forma nos
faz entender que, quando olhamos o
mundo e classificamos algumas coisas
como mais femininas ou masculinas, is-
so já é um produto do Gênero. Quando
a olhamos duas plantas e dizemos que

21
é um “macho” e uma “fêmea”, por exem-
plo. Ou quando vemos o cavalo-mari-
nho, que é um dos exemplos que eu
mais gosto de observar. O cavalo-mari-
nho é um caso maravilhoso porque colo-
ca em xeque o discurso de que a biolo-
gia só se vale de critérios totalmente ra-
cionais, puros, totalmente desprovidos
de qualquer influência social etc. e que
por isso os termos “macho” e “fêmea”
seriam absolutamente objetivos. Isto é,
diferentemente de “feminino”, a catego-
ria “fêmea” seria isenta de qualquer co-
notação social pois se refere especifica-
mente à condição de engravidar, gerar
filhos, receber tal tipo de gameta etc.
Ora, o cavalo-marinho bagunça o es-
quema normal da sexuação e da classi-
ficação de sexuação na biologia (ou pe-
lo menos nesse senso-comum sobre a
biologia) porque o é o “macho” que en-
gravida e (por algum motivo que eu na
minha ignorância de cientista social des-
conheço), não deixa de receber o predi-
cado “macho”. Por que se apegar tanto

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a essa nomenclatura e esse binarismo
estanque que não cabem na dinâmica
de reprodução do cavalo-marinho? Isso
indica que as formas de olhar e classifi-
car a sexuação não são neutras. Mesmo
(ou especialmente) quando parecem ser
puramente objetivas, já são produto do
Gênero. É o que ocorre com a ideia de
diferença sexual ou genital em seres hu-
manos, construída a partir do mesmo bi-
narismo.
Vejam, nem sou eu quem está dizen-
do, mas sim Simone de Beauvoir, cujo
argumento reproduzo livremente nesta
reflexão (e o conceito de gênero sequer
existia quando ela escreveu). Beauvoir
praticamente abre seu clássico O se-
gundo sexo discutindo exemplos da na-
tureza e da biologia pra mostrar que até
o discurso da biologia, do binarismo se-
xual, não é suficiente para descrever o
que a própria biologia enxerga, ainda
que se apegue a essas construções
também.[4] Curiosamente, essa seção é
totalmente ignorada nas leituras mais

23
rasas dessa obra (até porque é uma
obra bastante difícil de ler, escrita com
um estilo muito próprio da filosofia fran-
cesa da época e que nos parece bas-
tante travada, enfim, não é um texto
simples). Não é coincidência que a pró-
pria Judith Butler reconheça diversos
pontos de contato entre O segundo sexo
e Problemas de gênero.[5] Muitas con-
tradições dadas a partir desse modelo
de binarismo sexual macho/fêmea, femi-
nino/masculino, já vinham sendo questi-
onadas no início do século passado
(lembrando que O segundo sexo saiu
em 1949).
Décadas depois das contribuições
de Beauvoir, o conceito de gênero deu
um passo além nessa história, que foi
dizer: “Essa construção informa absolu-
tamente tudo”. Até as coisas que podem
parecer as mais óbvias e naturais, como
olhar um pênis-escroto e uma vulva-va-
gina como coisas distintas, já são resul-
tado do Gênero (e não uma suposta ba-
se material neutra, dada por uma natu-

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reza “pura” para o que os seres huma-
nos devem ou não construir simbolica-
mente sobre seus corpos). Já são uma
forma específica de pensar o que é a di-
ferença sexual, a diferença genital, a di-
ferença corporal. Chegamos portanto ao
par de fatores que cria o efeito desesta-
bilizador ao qual me referi: o entendi-
mento do Gênero como um sistema sim-
bólico; e a recusa de que existiria uma
natureza pura, desidentificada ou abs-
traída da linguagem (que seria uma des-
crição pura ou desinteressada dessa na-
tureza). A esses dois, acrescento agora
a possibilidade de compreensão do ca-
ráter multidimensional dessa esfera da
vida social – que talvez tenha sido o fa-
tor mais intenso de desestabilização pa-
ra o movimento feminista, a teoria femi-
nista e as teorias sexuais.
A multidimensionalidade acontece
quando se começa a perceber que essa
camada simbólica, essa esfera da vida
social que chamamos de Gênero, não
diz respeito somente às categorias “ho-

25
mem” e “mulher”. Quer dizer, a própria
construção das categorias “homem” e
“mulher”, já as remete a diversas outras
categorias que operam no mesmo siste-
ma. Defendo , por isso, e certamente
haverá quem discorde, que o conceito
de matriz heterossexual desenvolvido
por Butler em Problemas de gênero é
uma das melhores, se não a melhor for-
ma, de explicar analiticamente como
funciona o sistema Gênero em socieda-
des de matriz simbólica ocidental.

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Sociedades de matriz
simbólica ocidental

Faço agora uma pausa para explicar


por que uso a ideia de “matriz simbólica
ocidental” aqui e o que ela significa. Em
primeiro lugar importa dizer que me inte-
ressa, como intelectual, não apenas
pensar o Brasil mas pensar a partir do
Brasil e da América Latina. Isso significa
mais do que usar “decolonial”, “descolo-
nial”, “anticolonial” ou “contracolonial”
como título de trabalho ou área de pes-
quisa, e mais do que simplesmente re-
jeitar a produção europeia (que, sim, foi
elaborada não apenas no contexto colo-

27
nial, mas por causa dele e graças a ele,
com toda a contradição que isso impli-
ca). Significa concretamente buscar so-
luções teóricas, filosóficas e políticas
que dêem conta (o máximo possível)
das contradições de contextos em que
sistemas de normas e práticas europeus
foram violentamente incorporados e an-
tropofagizados em sua interação com vi-
sões de mundo e formas de organiza-
ção social radicalmente distintas deles.
Vejam o caso do Brasil, que me inspira
como intelectual brasileira a elaborar es-
sa ideia de “sociedades de matriz sim-
bólica ocidental”: nós não somos oci-
dente, obviamente, mas ao mesmo tem-
po é impossível ignorar ou esquecer to-
da a nossa história de colonização e de
como o entendimento ocidental de mun-
do foi não só trazido para cá, mas tam-
bém imposto, a muita força, como única
maneira legítima de interpretarmos o
mundo. Esse entendimento ocidental
também constitui a nossa subjetividade.
Seria um erro, uma grave falta de rigor,

28
ignorar esse fato. Por isso prefiro falar
em “regimes simbólicos”, ou “sistemas
simbólicos” de matriz ocidental, ou “soci-
edades com sistemas simbólicos de ma-
triz ocidental” ou, ainda, “sociedades de
matriz simbólica ocidental”. O Gênero,
como o vivemos aqui no Brasil, tem vári-
as particularidades nossas. Quem traba-
lha com as epistemologias e cosmogoni-
as do candomblé, e com as epistemolo-
gias africanas que foram forçadas a vir
para o que hoje é o Brasil, sabe que
elas são determinantes, por exemplo,
para o entendimento brasileiro sobre gê-
nero, e que são diferentes em muitos
sentidos do modelo de base ociden-
tal/europeia[6].

Essa abordagem nos lembra de que


sempre existe a norma, de um lado, e
existe a prática concreta, do outro. Quer
dizer, há uma dimensão da normativida-
de – daquilo que é aceito, que é tido co-
mo legitimo, que é validado pelo Estado,
que regula a maneira como se espera

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que as coisas sejam feitas e que deter-
mina muitas vezes sanções sociais e
simbólicas a quem não se aproxima de
sua execução perfeita – que não neces-
sariamente corresponde ao que concre-
tamente as pessoas fazem, vivem, ex-
perimentam etc. Compreender o Gênero
da maneira como proponho aqui é en-
tender isso também. No caso dessa re-
lação entre Gênero e epistemologias do
candomblé, por exemplo, considerando
essa ideia (ou já seria um conceito?) de
“sociedades de matriz simbólica ociden-
tal”, essa separação entre norma e práti-
cas nos permite entender que a experi-
ência concreta de gênero das pessoas
no Brasil, em especial a população ne-
gra que tiver heranças e vivências no
candomblé (ainda que apagadas ao lon-
go de sua história, o que é comum), não
necessariamente corresponderá às nor-
mas aceitas do Gênero.
Em última instância, isso importa pa-
ra compreendermos que falar de Gêne-
ro aqui, no Brasil, ou na Europa não tem

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as mesmas implicações, embora haja
esse ponto comum que é a norma. A
norma é comum ou, ainda: há algo de
comum nessa norma. O conceito de ma-
triz heterossexual que Judith Butler for-
mulou em Problemas de gênero, parece
ser a melhor forma de explicar o que é
esse algo comum que opera o Gênero
em sociedades de matriz simbólica oci-
dental. Butler propõe que a Matriz Hete-
rossexual é a forma com que essas so-
ciedades organizam o Gênero. Como
praticamente toda sociedade de que te-
mos notícia tem algum tipo de sistema
de gênero – às vezes muito diferente
daquele que opera aqui –, podemos di-
zer que a Matriz Heterossexual seria a
nossa forma particular de sistema de
gênero.

31
Multidimensionalidade
do Gênero e Matriz Hete-
rossexual

Como funciona esse sistema, que é um


“sistemão”? Essa foi a novidade do con-
ceito de Gênero: dizer que não se trata
de um sisteminha homem-mulher, mas
sim de um sistema enorme e complexo
no qual essas categorias operam ape-
nas em uma das dimensões. Butler pro-
põe a ideia de uma Matriz Heterossexu-
al principalmente a partir de diálogos
com o movimento LGBT – e esse é um
ponto central para esta conferência, a
saber: observar que a teoria de gênero

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só avança para esse desenvolvimento
dos conceitos de Gênero e Matriz Hete-
rossexual no momento histórico em que
existe um diálogo muito forte entre a
perspectiva feminista e uma perspectiva
LGBT, especialmente no que diz respei-
to à presença das pessoas trans neste
último. Essa conexão fica mais evidente
conforme compreendemos o que é, afi-
nal, a Matriz Heterossexual.

A Matriz Heterossexual é a forma


particular de um sistema simbólico (o
Gênero), como já anunciado. Essa for-
ma particular se organiza e opera em
três dimensões e descrevo brevemente
aqui cada uma delas. A primeira dimen-
são diz respeito à classificação genital.
Quando as pessoas nascem, e às vezes
até um pouco antes de nascerem, uma
pessoa devidamente autorizada para
tanto, olha sua genitália e a classifica:
“essa genitália é um pênis-escroto” ou
“essa genitália é uma vulva”. Essa é
uma classificação visual. Existe um dis-

33
curso de que essa determinação está li-
gada a uma condição genética ou cro-
mossômica mas, na prática, não são fei-
tos quase nunca testes cromossômicos
para determinar a classificação genital
em suas duas categorias centrais: “sexo
feminino” e “sexo masculino”. Essa é a
primeira operação do Gênero na vida de
um ser humano em uma sociedade co-
mo a nossa, de matriz simbólica ociden-
tal.
O próprio discurso genético, que de-
termina o que são os “sexos” a partir da
presença de pares de cromossomos XX
ou XY, foi baseado na ideia binária ante-
rior sobre o que é “sexo”, e não o inver-
so. A categoria “sexo” não vem da gené-
tica. Pelo contrário: a genética é um dis-
curso baseado, entre outras coisas, na
categoria “sexo biológico” como determi-
nada por esse sistema chamado Matriz
Heterossexual. Não foi um estudo esta-
tístico da distribuição dos tipos de pares
cromossômicos na população que deter-
minou, por indução, o caráter binário,

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estanque e mutuamente excludente da
categoria “sexo biológico”, dividida nos
tipos “sexo masculino” e “sexo femini-
no”. Esse discurso foi elaborado a partir
de uma ideia que já existia no senso co-
mum em relação ao que é “sexo”, ao
que é a diferença sexual, ao que é ho-
mem, mulher, macho, fêmea, ao que é
uma genitália supostamente feminina ou
masculina, e assim por diante. Portanto
ainda que justifiquem suas classifica-
ções recorrendo à genética como prova
inequívoca de uma verdade auto-evi-
dente, as pessoas têm seu olhar baliza-
do fundamentalmente pela Matriz Hete-
rossexual, anterior a esse esquema de
pensamento que, por sua vez, a reforça.
Para quem tem interesse nesse ponto
específico, o livro clássico do Thomas
Laqueur, Inventando o Sexo é uma refe-
rência incontornável.[7] Na obra, o autor
desfia essas estruturas naturalizadas
em nosso senso comum ao recuperar a
maneira pela qual a medicina ocidental,
europeia, em certos momentos diferen-

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ciava as genitálias de tipo pênis-escroto
das de tipo vulva-vagina, mas em outros
momentos entendia que as duas eram a
mesma coisa. É dessa perspectiva de
historiador da medicina que Laqueur vai
abordar os modelos explicativos para o
“sexo biológico” no livro.
Nessa primeira dimensão, portanto,
a norma é: toda genitália deve ser clas-
sificada visualmente como sendo um
pênis-escroto ou então como uma vulva-
vagina. Basta observar a realidade com
alguma desconfiança crítica, porém, pa-
ra constatar que as genitálias têm for-
matos e aparências extremamente di-
versos. Quando se trata de bebês mais
ainda, porque há todo um desenvolvi-
mento físico, corporal, do sistema sexu-
al ainda para acontecer. Em última ins-
tância, então, essa classificação é sem-
pre dada por estimativa. Ou seja, se ob-
serva visualmente a genitália e se ope-
ra uma aproximação mental rápida: “ah,
isso parece mais uma vulva-vagina do
que um pênis-escroto” (notem: sempre

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na chave binária do “ou”, já que essa
norma não admite a simultaneidade, al-
go que vamos abordar mais adiante).
Então a classificação “sexo feminino” ou
“sexo masculino” passa, assim, a cons-
tar na documentação da pessoa. Isso já
é o Gênero operando, a Matriz Heteros-
sexual operando.
É nesse contexto que ocorrem as vi-
olências simbólicas e físicas perpetua-
das contra pessoas intersexo. A interse-
xualidade compreende um conjunto vas-
to e bastante diverso de possibilidades
genitais e do sistema sexual do corpo
humano. As pessoas intersexo constitu-
em uma população muito maior do que
em geral se admite – e descobrimos is-
so cada vez mais. São pessoas dotadas
de sistemas sexuais corporais que não
correspondem integralmente ao modelo
fixo do “sexo biológico masculino” nem
do “sexo biológico feminino”. A norma
da Matriz Heterossexual diz o que deve-
riam ser os corpos, enquanto a realida-
de concreta mostra o que os corpos são

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– e, nesse processo, escancara a insufi-
ciência, a violência e as contradições de
sistemas normativos como o Gênero,
orientado aqui, em uma sociedade de
matriz simbólica ocidental, pela Matriz
Heterossexual.
A segunda dimensão que a Matriz
Heterossexual opera é a dimensão de
identidade e expressão de gênero. Faço
aqui essa separação: identidade e ex-
pressão. A Matriz Heterossexual só
compreende linearidades e continuida-
des. É uma norma positiva e positivista,
que não compreende contradições. No
senso comum, que opera os princípios
dessa norma sem grandes questiona-
mentos, identidade de gênero e expres-
são de gênero são entendidas como
uma coisa só – justamente pela exigên-
cia normativa de continuidade linear. A
mesma continuidade linear que une
identidade e expressão, fazendo supor
que uma expressão de gênero “femini-
na” indica uma identidade de gênero
“mulher”, também articula a primeira e a

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segunda dimensões da Matriz Heteros-
sexual produzindo a cisgeneridade co-
mo norma (muitas vezes chamada de
cisnormatividade). É nesse segundo
sentido que se dá a construção na qual,
uma vez classificada como pertencente
ao “sexo feminino” pelo diagnóstico vi-
sual de sua genitália, por exemplo, pas-
sa-se a exigir que determinada pessoa
se comporte conforme a identidade de
gênero “mulher” (o que quer que seja
esperado disso).
Nessa segunda dimensão a Matriz
Heterossexual só admite duas categori-
as de classificação para as identidades
de gênero: homem e mulher. Enquanto
a cisgeneridade/cisnormatividade do sis-
tema esconde que a continuidade entre
uma determinada classificação genital e
uma determinada identidade de gênero
não é necessária e nem natural, a conti-
nuidade linear entre identidade e ex-
pressão de gênero esconde as imensas
variações internas tanto a cada uma das
duas categorias admitidas (homem e

39
mulher) em relação a suas formas de
expressão, quanto à produção de outras
categorias de identidade forjadas tam-
bém nas frestas entre identidade e ex-
pressão de gênero. Busco explicar isso
um pouco melhor.
Vejamos: conforme essa norma, se
uma pessoa foi classificada como sendo
do “sexo feminino” a partir da observa-
ção de sua genitália ao nascer, espera-
se que ela se torne uma menina e, de-
pois, uma mulher. Já havíamos feito es-
sa pontuação: há uma identidade de gê-
nero associada à classificação genital.
Mas a construção de identidades de-
manda o processo de reconhecimento
e, portanto, também a expressão de gê-
nero. Ou seja, no caso de alguém cuja
classificação genital determinou que de-
verá se tornar uma menina ou uma mu-
lher, a obrigação de manter uma expres-
são de gênero reconhecida coletivamen-
te como feminina é reforçada socialmen-
te. Isto é, essa pessoa vai ser educada
para, por exemplo, usar brincos, passar

40
batom, vestir saia, ter cabelos longos –
porque esses são alguns dos signos tí-
picos de uma expressão de gênero fe-
minina dentro da Matriz Heterossexual.
Não significa, obviamente, que todas as
feminilidades de mulheres cis utilizem
os mesmos signos, mas que elas em
geral são produzidas a partir de um con-
junto comum, que funciona como um vo-
cabulário compartilhado que pode dar
origem a diversos fraseamentos. A ex-
pressão de gênero é uma forma de co-
municação – seja para pessoas cisgê-
nero, pessoas trans, travestis, não-biná-
ries ou qualquer outra construção de
identidade de gênero. A identidade nun-
ca se configura como um ato encerrado
no próprio sujeito; mas sim como um
diálogo entre expressão e reconheci-
mento.
Esse exercício analítico que fazemos
aqui, a exemplo de Butler, nos permite
separar identidade e expressão e, as-
sim, entender como a Matriz Heterosse-
xual e as práticas concretas de gênero

41
funcionam . Reforço a importância de
um entendimento analítico que separe
norma e prática. No caso das linearida-
des, continuidades e junções em bloco
próprias da Matriz Heterossexual, essa
norma diz que as coisas devem ocorrer
de certa maneira, mas quando observa-
mos a realidade constatamos que a for-
ma como as pessoas efetivamente
constroem suas identidades e expres-
sões nunca é rigorosamente linear. E
que pessoas que são classificadas ao
nascer como pertencentes à categoria
“sexo feminino”, podem também cons-
truir sua identidade de gênero como ho-
mens, por exemplo – e a expressão de
gênero desse homem trans, aliás, tam-
bém pode ser diversa (sendo mais ou
sendo menos andrógena, por exemplo)
porque na prática não há só uma, mas
múltiplas masculinidades. Pode haver
uma pessoa classificada ao nascer co-
mo pertencente à categoria “sexo mas-
culino” que desenvolva uma identidade
de gênero não-binária. A identidade

42
não-binária, porque desafia radicalmen-
te a Matriz Heterossexual (apresento
melhor esse ponto mais adiante), pode
ser expressada e reconhecida de ma-
neiras extremamente diversas entre si,
envolvendo às vezes um processo de
androginia, às vezes um processo de
mistura de signos de expressão “mascu-
lina” e “feminina” e às vezes nenhuma
dessas coisas. Na prática, esse proces-
so é sempre muito singular, mas vai
sendo costurado pelas pessoas sempre
em relação a esse sistema (porque o
vocabulário comum precisa existir para
que haja reconhecimento e, portanto,
identidade).
Em resumo: essa segunda dimensão
da Matriz Heterossexual compreende o
combo de identidade de gênero e ex-
pressão de gênero, fenômenos que
mesmo analiticamente separados, sem-
pre andam juntos justamente porque a
identidade não é uma entidade que flo-
resce natural e espontaneamente na al-
ma de cada um, nem é uma mágica que

43
simplesmente acontece, e tampouco
uma disposição que uma musa sopra no
nosso ouvido. A identidade é construída
justamente no processo de reconheci-
mento. Toda identidade é uma forma de
pertencimento coletivo. Essa conversa
permanente entre o “eu” e o “outro” é
base da definição e da produção das
identidades. Para os hegelianos, pode-
mos até mesmo afirmar que se trata
sempre, no gênero, de identidades não-
idênticas. Quer dizer, identidades que
admitem contradições e fraturas. O con-
ceito de Gênero pensa identidade admi-
tindo contradições e recusando carti-
lhas, ou seja, propõe uma visão não-
identitarista (porque não-idêntica) da
identidade. Esse ponto é absolutamente
fundamental se quisermos pensar um
possível processo revolucionário desse
sistema, no qual ele seja efetivamente
superado (lutamos para que seja por al-
go menos injusto e desigual). É pelas
frestas e contradições que a criação é
possível. Por isso, categorias que têm

44
uma função negativa dentro desse siste-
ma de Gênero orientado pela Matriz He-
terossexual – como a bissexualidade e a
não-binariedade – são cruciais para
desmontá-lo. Essas são categorias que,
por sua própria definição, negam as nor-
mas, tendo assim a capacidade de pro-
duzir fraturas radicais e, por meio delas,
abrir espaços nos quais é possível criar
o novo.

45
A terceira dimensão da
Matriz Heterossexual e a
contra-norma bissexual

A terceira dimensão da Matriz Heteros-


sexual atua sobre a esfera do desejo e
da prática sexual. Nesse conjunto nor-
mativo, prática e desejo andam juntos e
se sobrepõem. São como um bloco. Es-
sa matriz não permite distinguir entre
prática e desejo sexual O par só pode
ser pensado como um combo chamado
“sexualidade”. A experiência bissexual
traz uma materialidade fundamental pa-
ra pensar a separação analítica entre
prática e desejo. Dentro da normativida-

46
de, ou seja, dentro da Matriz Heterosse-
xual, cabe apenas a experiência de que,
se uma pessoa nasceu e foi classificada
como pertencente ao “sexo feminino”,
sendo portanto uma “mulher” (porque,
repito, a norma prevê o dever de se
identificar como mulher nesse caso, por-
tanto se vestindo e se expressando co-
mo tal), então essa pessoa só poderá
ter atração sexual e experimentar práti-
cas sexuais orientadas para e com ho-
mens. Essa é a norma heterossexual
prevista ao longo de todas as dimen-
sões da matriz, que a nomeia. É a reali-
zação máxima daquilo que as próprias
categorias binárias de masculino e femi-
nino, sexo masculino e sexo feminino,
homem e mulher prenunciam: a comple-
tude desse sistema exige ambos os su-
postos polos do binário, exige que não
possam ser concomitantes, e que preci-
sem ser fixos, imutáveis. A “heterosse-
xualidade” que dá nome à norma não é
apenas a atração sexual, ou o desejo e
a prática voltados ao polo supostamente

47
oposto do binário masculino-feminino,
mas a própria existência desses polos
enquanto polos. Esse é o único modelo
que cabe na norma.

A ausência de distinção analítica en-


tre desejo e prática compõe essa “hete-
rossexualidade” como sistema polariza-
do. E, como sistema polarizado, a hete-
rossexualidade (nesse sentido amplo)
só comporta determinações estanques:
tanto na classificação genital, quanto na
identidade de gênero, quanto no desejo
e prática sexual, só se admite estar em
um polo e se opor/desejar/se atrair pelo
outro. Sempre apenas um de cada vez.
Quando entramos no campo da bissexu-
alidade, essa é uma das primeiras coi-
sas que se desmonta da Matriz Heteros-
sexual. Na bissexualidade, a relação
que se tem com o próprio desejo sexual
nunca será completamente contemplada
por essa norma. Ainda menos em uma
sociedade centrada na Monogamia, já
que essa outra norma determina que só

48
é possível estar com uma pessoa por
vez, ao passo em que a Matriz Heteros-
sexual só admite que cada pessoa te-
nha um único gênero. Quer dizer, a pes-
soa bissexual é uma impossibilidade,
produzida e ativa na zona de sombra
gerada por esses dois sistemas: a Mo-
nogamia e a Matriz Heterossexual. A
bissexualidade se baseia numa simulta-
neidade e numa diversidade impossíveis
em um sistema polarizado como a Ma-
triz Heterossexual.
Se uma mulher bissexual está tendo
uma relação sexual com um homem, ela
não deixa de ser bissexual naquele mo-
mento para ser hétero. Para além de um
problema concreto de invisibilidade da
bissexualidade no senso comum pauta-
do pela Matriz Heterossexual (invisibili-
dade essa que atribuo diretamente a es-
se estatuto de impossível), esse tipo de
equívoco prejudica uma compreensão
integral do que é a sexualidade bissexu-
al. A multiplicidade de objetos de desejo
e a variedade de práticas (e aqui entram

49
também as prática de fantasiar, imagi-
nar, se masturbar etc.) são marcas
constitutivas da bissexualidade em sua
simultaneidade, que jamais poderão ser
abarcadas e descritas a partir de um
momento pontual, uma fantasia pontual,
uma transa pontual. Essa compreensão
da bissexualidade evidencia a importân-
cia de operarmos analiticamente uma
separação entre desejo e prática. Essa
perspectiva pode ser ameaçadora (e
tem mesmo se mostrado assim) para
pessoas monossexuais – inclusive as
que são lésbicas e gays, porque retira
seu monopólio sobre as práticas e dese-
jos mulher-mulher e homem-homem
constitutivos da elaboração política e co-
tidiana de mais de um século de sua
identidade coletiva. Afinal, nesse senti-
do, é possível entender que uma rela-
ção sexual entre duas mulheres seja
uma prática lésbica mas também uma
prática bissexual; que uma relação entre
dois homens seja uma prática gay mas
também uma prática bissexual; que uma

50
relação sexual entre um homem e uma
mulher seja uma prática heterossexual
mas também uma prática bissexual – ou
seja, um deslocamento absolutamente
desafiador para identidades sexuais
(lésbica, gay, hétero) que também se
pautam na mesma polarização do siste-
ma que produz as opressões de gênero.
A bissexualidade inaugura e explode
uma cadeia fractal de simultaneidades
que desestabilizam as formas correntes
de compreensão do gênero e da sexua-
lidade – isso sem nem mesmo precisar
citar toda a imensa variedade de identi-
dades de gênero que não cabem no bi-
nário homem-mulher mencionado como
exemplo.
Por isso podemos dizer que a Matriz
Heterossexual é um modelo baseado
em dois princípios de divisão do mundo:
um princípio polar binário mutuamente
excludente (só existe masculino ou femi-
nino, nunca um e outro, um com outro);
e um princípio mononormativo. Este se-
gundo é a chave para pensar uma epis-

51
temologia bissexual e a bissexualidade
como epistemologia.. Os elementos ad-
mitidos por esse sistema não são ape-
nas dispostos de forma linear, com uma
continuidade obrigatória entre dimen-
sões, pares e polos. Eles são também
submetidos ao princípio da mononorma-
tividade: ou você é homem, ou você é
mulher; ou você gosta de transar com
homens, ou você gosta de transar com
mulheres; ou seu sexo é feminino, ou
ele é masculino. Essa é a norma.
Conforme o movimento político
LGBT foi avançando nas suas reivindi-
cações e construções coletivas, essa
norma foi sendo flexibilizada em deter-
minados pontos. Qualquer sistema es-
trutural, para que se sustente no tempo,
precisa ter alguma flexibilidade. Caso
contrário, ele deixa de funcionar. Capita-
lismo e Gênero são semelhantes nesse
sentido: precisam se renovar constante-
mente para continuar existindo. O mes-
mo vale para a Matriz Heterossexual,
por consequência. Ela permite flexibili-

52
dades e cruzamentos dentro dessa mo-
nonormatividade. Por exemplo, é possí-
vel ser um homem gay cisgênero – que
nasceu, foi classificado como pertencen-
te ao sexo masculino, construiu uma
identidade de gênero como homem mas
não sente atração, desejo e nem tem
práticas sexuais com mulheres, mas sim
com outros homens. A homossexualida-
de, dentro desse sistema que é a Matriz
Heterossexual, rompe com uma das su-
as continuidades normativas, mas pre-
serva o princípio fundamental da mono-
normatividade. Isso de modo algum sig-
nifica dizer que ser homossexual é ruim,
contrarrevolucionário, ou mesmo con-
servador. Mas o fato é que a homosse-
xualidade cabe nesse sistema que pro-
duz a sua própria opressão. Do mesmo
modo que a categoria “mulher” também
cabe nesse sistema que produz a sua
própria opressão. A bissexualidade não
cabe.
Ao longo das décadas de conversas
sobre bissexualidade e de desenvolvi-

53
mento do pensamento das pessoas bis-
sexuais sobre elas mesmas, houve obvi-
amente muitos entendimentos diferentes
sobre o que é a bissexualidade. No en-
tanto, há um ponto absolutamente co-
mum a todas essas perspectivas. Há
quem diga, por exemplo, que bissexual
é uma pessoa que “gosta de homem e
mulher”, ou que bissexual é “quem gos-
ta de pessoas do mesmo gênero ou de
mais gêneros”, ou ainda que bissexuais
são “pessoas que se sentem atraídas
por pessoas de todos os gêneros”, e ou-
tras definições derivadas disso. Pode-
mos admitir várias definições, mas todas
têm uma coisa em comum – e é esse o
ponto em que a bissexualidade se reve-
la uma chave interessante para pensar
epistemologicamente o gGênero, a se-
xualidade e o mundo. Esse ponto co-
mum é justamente a simultaneidade. A
bissexualidade é uma forma de compre-
ender, viver e experienciar a sexualida-
de que está totalmente baseada na si-
multaneidade. Por isso, ela se expressa

54
como uma adição potencialmente infini-
ta: “eu gosto disso e disso, e disso, e
disso, e disso, e disso...”. Essa adição
potencialmente infinita abre espaço para
a diversidade de desejos, práticas, iden-
tidades, genitálias e corpos. Essa poten-
cialidade infinita impossivelmente nor-
mativa (porque jamais caberá em qual-
quer tipo de norma) desempenha, as-
sim, no Gênero e na Matriz Heterosse-
xual (que, lembrando, é a “nossa” forma
de Gênero), um papel negativo. A bisse-
xualidade nega esse sistema e recusa
como um todo os termos que o pautam.
Não é à toa que no que tange identi-
dades de gênero em que também existe
antimononormatividade ou contramono-
normatividade, como é o caso das expe-
riências não-binárias (ou seja, experiên-
cias de identidade de gênero que recu-
sam os termos de uma escolha pontual
ora por um dos “polos” ora por outro de
um sistema binário e, assim, admitem a
simultaneidade), é comum que boa par-
te das pessoas também seja bissexual,

55
ou que se sintam confortáveis dentro de
uma vivência bissexual da própria sexu-
alidade. Não é mera coincidência. Esse
é um resultado direto do modo de articu-
lação que descrevi aqui. Quer dizer, há
algumas formas de identidade de gêne-
ro e de vivência da sexualidade que, ao
recusarem sua mononormatividade, ne-
gam o sistema inteiro que as produz en-
quanto impossibilidades (a Matriz Hete-
rossexual. É o caso das pessoas não-bi-
nárias, das travestis e das pessoas bis-
sexuais. São experiências que negam
esse sistema como um todo por se ba-
searem na simultaneidade que recusa
os termos do jogo que as produziu.
Aqui chegamos à proposição que
elaborei a partir desse exercício filosófi-
co: a de que o sujeito revolucionário do
Gênero é a travesti ou pessoa não-biná-
ria, também bissexual. Como podemos
desmontar o gênero? Como desmonta-
mos esse sistema? É preciso uma teoria
da revolução para pensar como des-
montar um sistema desses, da mesma

56
maneira que temos diversas teorias da
revolução sobre como superar o modo
de produção capitalista. Pensando nu-
ma teoria da revolução do Gênero que,
para mim, também precisa ser uma teo-
ria da revolução do parentesco, volto
justamente a essas categorias e exis-
tências impossíveis. São elas que têm a
potência de desmontá-lo: pessoas não-
binárias, travestis, bissexuais.

57
Notas de texto

[1] Este texto tem como base a confe-


rência “Bissexualidade como epistemo-
logia” ministrada pela autora em setem-
bro de 2021.
[2] Utilizo a maiúscula quando me re-

firo ao conceito “Gênero” ou ao sistema


“Gênero”, e a minúscula quando me refi-
ro ao uso da palavra “gênero” como
sinônimo de “identidade de gênero” (ex-
emplo: gênero masculino, gênero femi-
nino, o gênero da pessoa etc.)
[3] Judith Butler, Problemas de gênero: feminis-
mo e a subversão da identidade [1990], trad. Renato

58
Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
[4] Simone de Beauvoir, O segundo sexo, vol. 1,
Fatos e mitos [1949], trad. Sérgio Milliet. Rio de Janei-
ro: Nova Fronteira, 1980.
[5] Ver Judith Butler, “Sex and gender in Simone
de Beauvoir’s Second Sex” [“Sexo e gênero em O se-
gundo sexo, de Simone de Beauvoir]. In: Yale French
Studies, n. 72, Simone de Beauvoir: Witness to a
Century, 1986, pp. 35-49. O ensaio foi posteriormente
incluído na coletânea Elizabeth Fallaize (ed.), Simone
de Beauvoir: A Critical Reader. Londres: Routledge,
1998.
[6] Ver, como exemplo: Barros, Mariana
Leal de e Bairrão, José Francisco Miguel Henriques.
Performances de gênero na umbanda: a pombagira
como interpretação afro-brasileira de "mulher"?. Re-
vista do Instituto de Estudos Brasileiros [online]. 2015,
v. 00, n. 62 [Acessado 30 Março 2022] , pp. 126-145.
Disponível em: <https://doi.org/10.11606/issn.2316-
901X.v0i62p126-145>
[7] Thomas Laqueur, Inventando o Sexo: corpo e
gênero dos gregos a Freud [1990], trad. Vera Whately.
Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.

59
Gênero e sexualidade
Breve comentário acerca da
exposição de Marília

por Douglas Rodrigues Bar-


ros

Irei destacar neste posfácio al-


guns pontos que entendo fundamentais
acerca da exposição de Marília. Eles se
referem, sobretudo, à estrutura simbóli-
ca que organiza a dimensão do gênero
e a sua nomeação enquanto conceito.
Essa nomeação permite articular as ex-

60
periências nas quais o corpo biológico
não se separa, tampouco se reduz à di-
mensão histórica apreendida na lingua-
gem. E, claro, para fazer este comentá-
rio saio um pouco do discurso antropoló-
gico para navegar nas intranquilas
águas da psicanálise, flertando sempre
com a filosofia. De modo que, talvez se-
ja bem possível que meu comentário
permaneça menos fiel à exposição em
si do que aos insights que a conferen-
cista traz à tona. Refiro-me sobretudo
aos insights que nos ajudam a pensar a
dimensão da sexualidade a partir da
abordagem do conceito de gênero e da
estrutura simbólica por ele capturada.
Cito uma passagem que, no horizonte
das minhas indagações, é fundamental:

"A ideia de tratar o Gênero como


um sistema simbólico carrega essa
marca de uma recusa. Não só uma
recusa em escolher ou dizer se algo
é determinado pelo corpo “biológi-

61
co”, supostamente puro, ou pela
cultura, mas uma recusa aos própri-
os termos desse jogo. Uma recusa
que diz: “não se trata de uma ques-
tão ‘natureza versus cultura’, pois
simplesmente não é possível para
analisar nesses termos”. Quando
olhamos um pênis-escroto e uma
vulva-vagina, e assim os definimos
e diferenciamos com dois nomes di-
ferentes, enxergando uma diferença
entre essas coisas, isso já é um
produto do Gênero, não uma causa
ou motivo da construção de gênero.
O conceito de Gênero nos permite
ver que nomeamos a genitália, os
corpos, as expressões e as diferen-
ças entre masculino e feminino, pê-
nis-escroto e vulva-vagina, homem
e mulher, da mesma forma que
aprendemos a dar nome às cores,
ou a diferenciar uma cadeira de um
banco, ou ainda, que no português
tenhamos uma palavra para ensinar
e uma para aprender enquanto em

62
alguns outros idiomas só há uma
palavra para essas duas coisas."

A questão é: por que assumir o pon-


to de vista da psicanálise e trazer a ce-
na à sexualidade? Em primeiro lugar,
porque desde os Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade[1], de Freud, fica
claro como a sexualidade não se define
pelo corpo biológico- – aliás, a própria
noção de corpo, no campo da lingua-
gem, configura uma estrutura fenomêni-
ca que diverge na apresentação-de-si
(Merleau-Ponty). Em segundo lugar,
porque quando pensamos as estruturas
simbólicas que organizam o sentido da
ação do sujeito, mergulhamos num cam-
po que, em termos lacanianos, se orga-
niza através da dimensão real/inconsci-
ente e simbólico/imaginário. Ao absorve-
mos a exposição de Marília Moschkovi-
ch acerca do gênero estamos no campo
da contradição que é enformada pelo
conceito devido à multiplicidade da ex-

63
periência que organiza a própria sexuali-
dade. Aliás, o paradoxo que se organiza
no interior do conceito de gênero é uma
espécie de leitmotiv que se arrasta por
toda exposição até a asserção do não-
lugar da bissexualidade.

Sendo assim, ao acompanhar a ex-


posição de Marília sobre as contradi-
ções latentes que organizam a multiplici-
dade sintetizada pelo conceito de gêne-
ro, lembrei-me não semente da impor-
tância da sexualidade na teoria freudo-
lacaniana como também das contradi-
ções que ali dirigem as forças que orga-
nizam o princípio de realidade e o princí-
pio de prazer. “Ao mesmo tempo em
que o conceito de Gênero permite essa
separação analítica ele propõe o enten-
dimento dessa dimensão da vida social
como uma dimensão simbólica”, diz a
autora. É na dimensão simbólica que
encontramos um fio interessante para

64
pensar as próprias contradições do gê-
nero.

Numa visada lacaniana sabemos


que a sexualidade é, na dinâmica pulsi-
onal articulada pela libido, a imposição
de um corte que demarca os conteúdos
do princípio de prazer a partir da estru-
tura do princípio de realidade. Isso de
certa forma significa que a realidade do
inconsciente se estrutura pelo corte or-
ganizado pela sexualidade, sendo este
corte sobredeterminado. Acresce-se a
isso que esse corte fundamental na or-
ganização da sexualidade se efetiva pe-
la falta – fator que funda o desejo e ope-
ra no sentido de organizar a libido. Tro-
cando em miúdos: a sexualidade não só
independe do corpo biológico, ela é in-
teiramente organizada inconscientemen-
te na formação da libido. Ou seja, ela se
resolve no campo do simbólico por meio
de uma experiência singular. A análise
proposta através do conceito de gênero

65
abre então arestas para pensar o mo-
mento nodal em que a pulsão libidinal
do inconsciente se liga à realidade sexu-
al. Ou seja, enquanto pessoas, nós es-
tamos para além da finalidade biológica
da sexualidade. As pulsões sexuais são
sempre parciais em razão do equilíbrio
que estabelecem nas tensões internas
do aparelho psíquico. Aliás, é justamen-
te aqui que a sexualidade entra em jogo
na forma de pulsões parciais.

Ora, o que estamos então chamando


de pulsão? Na trilha de Lacan, a pulsão
é essa montagem pela qual a sexualida-
de participa da vida psíquica conforman-
do-se ao corte que ela executou no real
e que estrutura não só a cisão que orga-
niza a subjetividade como se traduz na
própria forma como essa mesma sexua-
lidade resolverá as tensões libidinais
causadas por suas demandas. Isso é
central para apreender a multiplicidade
de formas da sexualidade que o concei-

66
to de gênero condensa. A sexualidade é
não-toda e, portanto, ultrapassa qual-
quer binarismo. Na psicanálise, e nas li-
ções que Lacan deixou em seu Seminá-
rio 11[2], observamos que é a sexualida-
de que domina a economia das pulsões
– e evidentemente a “escolha” sobrede-
terminada do gênero é sempre retroati-
va. É exatamente por isso que a sexuali-
dade se inscreve, como ele diz, sob vá-
rios aspectos e modos de ser: ela é poli-
morfa.

Voltando para o que Marília Mosch-


kovich nos expõe: o gênero nos permite
observar justamente essa multidimensi-
onalidade (para usar o termo dela) da
sexualidade. E nessa multidimensionali-
dade, a ruptura com a estrutura binária
significa uma ruptura com a encarnação
simbólica de “homem” e “mulher”, ma-
cho e fêmea. Vejamos que nos ensina-
mentos de Lacan é exatamente porque
a pulsão sexual não pode ser satisfeita

67
que a sexualidade ultrapassa a função
biológica. Afinal, lançados como esta-
mos no reino da linguagem, a sexualida-
de humana é fundamentalmente uma
estrutura simbólica que organiza inclusi-
ve o gozo. Por isso o objeto da nossa
satisfação sexual não é a reprodução bi-
ológica, mas a reposição do desejo/libi-
do e o sentido que ela promove para a
própria sexualidade organizadora do su-
jeito.

Vejamos, portanto, que é essa capa-


cidade de síntese operada pelo conceito
de gênero que nos permite perceber
que “a própria construção das categori-
as ‘homem’ e ‘mulher’,” como nos diz a
conferencista, “já as remete a diversas
outras categorias que operam no mes-
mo sistema.” E aqui chegamos ao bar-
bante do labirinto do gênero:

“Defendo, por isso, e certamente


haverá quem discorde, que o con-

68
ceito de matriz heterossexual de-
senvolvido por Butler em Problemas
de gênero é uma das melhores, se
não a melhor forma, de explicar
analiticamente como funciona o sis-
tema Gênero em sociedades de
matriz simbólica ocidental.”

Essa “matriz simbólica ocidental” ga-


nhará um grande relevo na análise de
Marília. Afinal, a ela importa ainda des-
cer sua fortuna crítica ao nosso quintal e
propor uma análise que tenha a ver com
nossa especificidade latina e latinizada.

Por esse caminho, a posição norma-


tiva comum à matriz simbólica ocidental
é a heterossexual. A normatividade hé-
tero, por assim dizer, evidentemente re-
calca no inconsciente aquilo que escapa
aos seus pressupostos, de modo que o
gênero, a multiplicidade que ele enfor-
ma, permanece como um negativo à
norma ocidental. Isso é fundamental

69
destacar porque a estabilização da es-
trutura binária tem a ver com essa ma-
triz simbólica que, mesmo forjada sob
um inconsciente múltiplo, não prescinde
da violência do recalque sempre que es-
sa multiplicidade ameaça se manifestar.
Essa violência, que é a supressão da
multiplicidade da sexualidade, vai desde
a invisibilização de outras formas da se-
xualidade, sua polimorfia, até a supres-
são direta por meio do assassinato do
Outro/diferente – esquema que fornece
explicações salutares para a violência
radical no Brasil. Essas implicações
subjazem às passagens em que Marília
(pelo menos nos devaneios que a confe-
rencia me propiciou) demonstra a cen-
tralidade daquilo que Judith Butler cha-
ma de matriz heterossexual.

Ora, é essa matriz heterossexual


que vai operar um reducionismo do gê-
nero à sua égide. Marília decompõe em
três dimensões essa operação de redu-

70
cionismo. “A primeira dimensão diz res-
peito à classificação genital. Quando as
pessoas nascem, e às vezes até um
pouco antes de nascerem, uma pessoa
devidamente autorizada para tanto, olha
sua genitália e a classifica: ‘essa genitá-
lia é um pênis-escroto’, ou ‘essa genitá-
lia é uma vulva’”. Desse discurso é um
pulo para o discurso cientificista que vi-
sa resumir a multiplicidade da sexualida-
de à dimensão discursiva da normativi-
dade hétero, como expõe Marília: “O
próprio discurso genético, que determi-
na o que são os “sexos” a partir da pre-
sença de pares de cromossomos XX ou
XY, foi baseado na ideia binária anterior
sobre o que é “sexo”, e não o inverso.”

Essa redução à matriz heterossexual


é operada pelo aspecto fenomênico que
tem suporte em discursos cientificistas e
é aqui que Laqueur entra para demons-
trar como a própria cisão binária opera-
da sob o gênero é uma redução organi-

71
zada a partir de uma estrutura simbólica
sedimentada no ocidente. A força do ar-
gumento se anuncia: Marília tece esse
caminho para demonstrar como o siste-
ma de invisibilização de sexualidades di-
vergentes do modelo operado pela ma-
triz heterossexual conduz a uma violên-
cia integrada às formas políticas e admi-
nistrativas do próprio capitalismo. Nas
palavras dela: “A segunda dimensão
que a Matriz Heterossexual opera é a di-
mensão de identidade e expressão de
gênero. Faço aqui essa separação:
identidade e expressão.”

Volto a insistir: isso terá vários des-


dobramentos violentos para aqueles que
não se encaixam na estrutura de identi-
dade fornecida por essa matriz. E aqui
creio que não deva mais levar adiante
meu comentário porque apenas iria fa-
zer uma mera mimese de sua exposi-
ção. À guisa de conclusão, retomo, por-
tanto, só aquilo que nela mais me cha-

72
ma atenção: pensar a multiplicidade da
formação da sexualidade levando em
conta que o objeto da sexualidade em si
não é o do corpo biológico, mas o da es-
truturação simbólica na qual se dá o cor-
te do significante que ordena a pulsão
sexual, nos permite concluir que o obje-
to de satisfação da sexualidade é vazio
e depende da experiência singular. En-
fim, não há nada de essencializado na
sexualidade. É também isso que o con-
ceito de gênero, na sua capacidade pa-
radoxal de levar em consideração a mul-
tiplicidade, nos possibilita reafirmar.

[1] Sigmund Freud, “Três ensaios sobre a teoria


da sexualidade” [1905] in: Obras completas, volume 6
(1901-1905), trad. Paulo César de Souza. São Paulo:
Cia. das Letras, 2016, pp. 13-171.

73
[2] Jacques Lacan, O seminário, livro 11: Os qua-
tro conceitos fundamentais da psicanálise [1973],
trad. M. D. Magno. Rio de Janeiro, Zahar: 1985.

74
Sobre o autor
Marília Moschkovich

Marília Moschkovich é socióloga e pes-


quisadora de pós-doutorado no departa-

75
mento de Antropologia da Universidade
de São Paulo (USP), no Núcleo de Estu-
dos sobre Marcadores Sociais da Dife-
rença (NUMAS). É colaboradora do Ins-
tituto Gerar de Psicanálise, além de es-
critora, poeta e autora de livros didáti-
cos. Foi fellow do Maria Sybilla Merian
Center Conviviality Inequality in Latin
America (MECILA) em São Paulo e da
Fundação Alexander von Humboldt em
Berlim. Durante o doutorado foi pesqui-
sadora visitante no Centre Européen de
Sociologie et Sciences Politiques da
École des Hautes Études en Sciences
Sociales, em Paris, e no Museo de An-
tropologia da Universidad Nacional de
Córdoba, na Argentina. Suas principais
contribuições estão nas áreas e temas
ligados a estudos de gênero e feminis-
mos, estudos críticos da família, da pa-
rentalidade e do parentesco (incluindo
não-monogamia e relacionamentos), es-
tudos da sexualidade (ênfase em bisse-
xualidade), sociologia do conhecimento,

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da ciência e da educação superior; mar-
xismos e teoria social em geral.

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