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QUARTIER LATIN
A LEI DAS S/A
COMENTADA
V O L U M E II
ARTIGOS 121 A 1 8 8
Ata Notarial
Doutrina, prática e meio de prova
Paulo Roberto C.aiger Ferreira
Felipe Leonardo Rodrigues
ARTS.121 A 1 8 8
© O & IBEAS
ssrisio i t i u
Q U A R T I E R LATIN
Editora Quartier Latin do Brasil
Rua Santo Amaro, 316 - CEP 01315-000
Vendas: Fone (11) 3101-5780
Email: quartierlatin@quartierlatin.art.br
Site: www.quartierlatin.art.br
6òÇ
apM
^ NELSON EIZÍRIK
A LED DAS S / A
COMENTADA
VOLUME II
ARTS. 1 2 1 A 1 8 8
ISBN 85-7674-577-1
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo,
especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, folográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos.
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ticas gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (<irt. 184
e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas
(arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
COLABORADORA NO VOLUME II:
ANDRÉA BRAGA
CAPÍTULO X I
ASSEMBLEIA GERAL
Seção I
Disposições gerais
Art. 121 13
Art. 122. Competência privativa 29
Art. 123. Competência para convocação 39
Art. 124. Modo de convocação e local 47
Art. 125. "Quorum" de instalação 69
Art. 126. Legitimação e representação 76
Art. 127. Livro de presença 95
Art. 128. Mesa 99
Art 129. "Quorum" das deliberações 105
Art. 130. Ata da assembleia 113
Art. 131. Espécies de assembleia 122
Seção II
Assembleia Geral Ordinária
Art. 132. Objeto 126
Art. 133. Documentos da administração 142
Art. 134. Procedimento 153
Seção III
Assembleia Geral Extraordinária
Art. 135. Reforma do estatuto 170
Art. 136. "Quorum" qualificado ISO
Art. 137. Direito de retirada 196
CAPÍTULO X I I
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E DIRETORIA
Seção I
Conselho de Administração
Art. 140. Composição 264
Art. 141. Voto múltiplo 276
Art. 142. Competência 288
Seção II
Diretoria
Art. 143. Composição 297
Art. 144. Representação 303
Seção III
>
Administradores
Art. 145. Normas comuns 311
Art. 146. Requisitos e impedimentos 312
Art. 147 318
Art. 148. Garantia da gestão 328
Art. 149. Investidura 329
Art. 150. Substituição e término da gestão 332
Art. 151. Renúncia 337
An. 152. Remuneração 340
Seção IV
Dever es e Responsabilidades
Art. 153. Dever de diligência 348
Art. 154. Finalidade das atribuições e desvio de poder 358
Art. 155. Dever de lealdade 365
Art. 156. Conflito de interesses 378
Art. 157. Dever de informar 383
Art. 158. Responsabilidade dos administradores 397
Art. 159. Ação de responsabilidade 408
Art- 160. Órgãos técnicos e consultivos 417
CAPÍTULO X I I I
CONSELHO FISCAL
CAPÍTULO X I V
Seção I
Aumento
Art. 166. Competência 466
Art. 167. Correção monetária anual 471
Art. 168. Capital autorizado 472
Art. 169. Capitalização de lucros e reservas 484
Art. 170. Aumento mediante subscrição de ações 488
Art. 171. Direito de Preferência 506
Art. 172. Exclusão do direito de preferência 519
Seção II
Redução
Art. 173 524
Art. 174. Oposição dos credores 530
CAPÍTULO X V
EXERCÍCIO SOCIAL E DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS
Seção I
Exercício Social
Art. 175 534
Seção II
Demonstrações Financeiras
Art. 176. Disposições gerais 536
Art. 177. Escrituração 565
Seção III
Balanço Patrimonial
Art. 178. Grupo de contas 579
Art. 179. Ativo 591
Art. 180. Passivo exigível 603
Art. 181 Resultados de exercícios futuros 604
Art. 182 Patrimônio líquido 604
Art. 183. Critérios de avaliação do ativo 612
Art. 184. Critérios de avaliação do passivo 632
Art. 184-A. Critérios de avaliação em operações societárias 637
Art. 185. Correção monetária 638
Seção IV
Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados
Art. 186 638
Seção V
Demonstração do Resultado do Exercício
Art. 187 644
Seção VI
Demonstrações dos Fluxos de Caixa e do Valor Adicionado
Art. 188 653
CAPÍTULO X0
ASSEMBLEIA GERAL
SEÇÃO 1
DISPOSIÇÕES GERAIS
2
^ M b ? e - r H L L A < P A Â O , - A Z p ^ D ° E N ° V A E S F R A N C A " " C i d a d e das Deliberações
Assembleia das S.A. Sao Paulo: Malheiros, 1999, p. 41.
"coletivo", o "grupo". Quando o poder decisório é confiado a um gru-
po e não a um simples indivíduo, torna-se necessário estabelecer re-
gras que devem ser seguidas para reunir as preferências, opiniões e
interesses de cada um para chegar-se à decisão coletiva3.
Daí a importância das normas sobre a assembleia geral das
companhias; elas constituem as "regras do jogo" para se alcançar
as decisões coletivas.
A deliberação da assembleia geral constitui ato unilateral da com-
panhia, embora decorrente da manifestação de vontade dos acionistas4.
A assembleia geral pode sempre rever, ratificar ou retificar deliberações
anteriores, resguardados os direitos de terceiros, pois é competente para
decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as
resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento5.
As deliberações da assembleia geral devem ter por fim o interesse
social e a função social da companhia6, sob pena de atribuição de res-
ponsabilidade ao acionista controlador pelos danos causados por atos
praticados com abuso de poder (artigo 117, caput) ou anulabilidade da
1o ANDREAS CAHN and DAVI D C. DONALD. Comparative Company Law - Text and Cases
on the Laws Goveming Corporations in Cermany, the UK and lhe USA. Cambrige: Cambridge
University Press, 2010, p. 474-475. A análise sobre os problemas da ação coletiva, em
geral, foi desenvolvida em estudo clássico de M. OLSON. The Logic of Collective Action.
Cambridge: Cambridge University Press, 1971. Para uma análise, entre nós, da obra de
Olson, ver LUIZ ORENSTE1N. A Estratégica da Ação Coletiva. Rio de Janeira: Revan/UCan,
IUPERJ, 1998.
dos conclaves, reduzir os custos do acesso à informação, evitar assembleias
sem quorum de instalação e propiciar o exercício do voto. A Lei n° 12.431/
2011 acrescentou o parágrafo único a este artigo, permitindo a participa-
ção e o voto à distância do acionista na assembleia geral, nos termos da
regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários11.
Assim, as normas aplicáveis devem ser sempre interpretadas de
forma a facilitar o exercício do direito de voto, não a dificultá-lo.
Nesse sentido também, a Lei das S.A., no § 1° do artigo 126,
regulou o voto por procuração, que não está condicionado ao reco-
nhecimento de firma por parte do seu outorgante. Mas, se a compa-
nhia o exigir, deverá ser observado. O próprio Código Civil determina
que a exigência de reconhecimento de firma é uma mera faculdade
do terceiro com o qual o procurador irá se relacionar12, podendo ser
dispensada. Por sua vez, não contém, a Lei das S.A., qualquer dispo-
sitivo exigindo o reconhecimento de firma por parte do outorgante
de procuração, prevendo apenas que o prazo de validade não poderá
ser superior a 1 (um) ano e que o procurador deve ser acionista, admi-
nistrador da companhia ou advogado (artigo 126, § 1°). Não há, tam-
bém, qualquer restrição ao voto em assembleia por meio de
instrumentos de procuração outorgados por acionistas com assinatu-
ra eletrônica e certificação digital13. Os acionistas não precisam mais
11 Até novembro de 2011, a CVM ainda nao havia emitido ato normativo regulamentando
esse dispositivo.
12 Art 654, § 2", do Código Civil.
13 A Medida Provisória n° 2.200-2/2001, que institui a infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira - ICP-Brasil, no art 10, expressamente reconhece a validade jurídica dos docu-
mentos assinados por meio eletrônico, a saber: "Art. 10. Consideram-se documentos públi-
cos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta
Medida Provisória. § T. As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica
produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil
presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei n° 3.071,
de Io de janeiro de 1916- Código Civil. § 2°. O disposto nesta Medida Provisória não
obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos
em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil,
desde que admuido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o
documento O art. 219 do Código Civil (art. 131 do Código Civil de 1916) determina
que: As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em
imprimir as procurações disponíveis nos manuais de assembleia, re-
conhecer firma e enviar o documento por correio. A companhia po-
derá contratar empresa para prestar serviço ou disponibilizar em seu
site acesso a outorga de procuração digital de voto, sendo permitido o
uso da certificação eletrônica por meio escolhido pela companhia14.
A Comissão de Valores Mobiliários também se manifestou no sen-
tido de que qualquer acionista pode assistir às assembleias remotamente;
a decisão sobre essa iniciativa dependerá da companhia, que deverá ava-
liar o conteúdo da assembleia e a viabilidade da transmissão15. Posterior-
mente, a Lei n° 12.431/2011 incluiu parágrafo único a este artigo, por
meio do qual passou a ser admitido, no ordenamento jurídico brasileiro, a
participação e o voto à distância em assembleias gerais.
Tais ferramentas permitem que o acionista não necessite des-
pender tempo e dinheiro para se deslocar até o local de realização
da assembleia, que ocorre muitas vezes em cidades diferentes das
que residem, ou até mesmo em outro país16. Para a companhia,
17 Instrução CVM n° 481/2009, que dispõe sobre informações e pedidos públicos de procu-
ração para exercício do direito de voto em assembleias de acionistas. Os pedidos públicos
de procuração devem ser dirigidos a todos os acionistas com direito de voto na assembleia
(art. 25). De acordo com o art. 22, são considerados pedidos públicos de procuração: "/ -
os pedidos que empreguem meios públicos de comunicação, tais como a televisão, o
rádio, revistas, jornais e páginas na rede mundial de computadores; II - os pedidos dirigi-
dos a mais de 5 (cinco) acionistas, quando promovidos, direta ou indiretamente, pela
administração ou por acionista controlador; e III - os pedidos dirigidos a mais de 10 (dez)
acionistas, quando promovidos por qualquer outra pessoa." Por sua vez, o art. 24 da
referida Instrução estabelece que: "As procurações objeto de pedido público devem: I -
indicar um procurador para votar a favor, um procurador para se abster e outro procurador
para votar contra cada uma das propostas objeto do pedido; II - indicar expressamente
como o procurador deve votar em relação a cada uma das propostas ou, se for o caso, se ele
deverá se abster em relação a tais propostas; III - restringir-se a uma única assembleia."
18 As regras dessa instrução foram baseadas no sistema norte-americano das Proxy Regulations
do Securitíes Exchange Act de 1934. Assim, foi instituído um novo documento obrigatório
para o exercício do direito de voto em assembleias gerais das companhias em razão de
pedido público de procuração, na linha dos Proxy Statements norte-americanos. Nos
Estados Unidos, a instauração do sistema de procuração eletrônica da Securitíes and
Exchange Commision (SEC), denominados Notice and Access, possibilitou a redução
significativa dos custos relativos à postagem dos documentos enviados aos investidores e
da queda da participação nas assembleias.
bloco de ações e, em reuniões prévias, decidem como votarão, em
conjunto, no exercício do poder de controle. Assim, o voto é deter-
minado em reunião prévia dos participantes do acordo, que constitui
uma espécie de "assembleia antecipada", usualmente mediante a ado-
ção do princípio majoritário. Ou seja, convocada a assembleia geral, os
acionistas signatários deliberam, na reunião prévia, como exercerão o voto
em bloco sobre cada uma das decisões a serem tomadas no conclave. O
decidido na reunião prévia vincula todos os membros do acordo, inclusi-
ve os dissidentes, ausentes e abstinentes, devendo votar todos, na assem-
bleia geral, no mesmo sentido19.
Ainda assim, a assembleia geral continua sendo o órgão supremo
da companhia com competência para decidir todos os negócios relativos
ao seu objeto e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa
e desenvolvimento.
Em relação a determinadas matérias, a competência da assembleia
geral é privativa (artigo 122), ou seja, a assembleia não pode a elas renun-
ciar, nem delegá-las a outros órgãos sociais. Compete privativamente à
assembleia geral deliberar sobre (i) a reforma do estatuto social; (ii) a
eleição ou destituição dos administradores e fiscais da companhia, salvo
os diretores, que são eleitos pelo conselho de administração; (iii) a toma-
da anual das contas dos administradores e aprovação das demonstrações
financeiras por eles apresentadas; (iv) autorização de emissão de debên-
tures, observado o disposto nos §§ 1°, 2° e 4 o do artigo 59; (v) a suspensão
do exercício dos direitos do acionista, na hipótese do artigo 120; (vi) a
avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do
capital; (vii) a transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia,
sua dissolução e liquidação; e (viii) eleição e destituição de liquidantes e
julgamento de suas contas, entre outros (artigo 122). No entanto, outros
dispositivos da Lei das S.A. também relacionam matérias sobre as quais
somente a assembleia geral pode validamente deliberar20.
28 ANDREAS CAHN and DAVID C. DONALD. Comparative Company Law - Text and Cases
on the Laws Governing Corporations in Germany, the UK and the USA. Cambridge:
Cambridge University Press, 2010, p. 547.
29 Até novembro de 2011, a C V M não havia emitido ato normativo regulamentando o
parágrafo único do art. 121 da Lei das S.A.
30 O Colegiado da CVM, no Processo Administrativo CVM n° RJ 2008/1794 Rei. Dir. Sérgio
Weguelin, em reunião realizada em 24.06.2008 ("Consulta sobre Possibilidade de Utiliza-
ção de Procurações de Voto em Forma Digital nas Assembleias Gerais"), assim se manifes-
tou: "(...) não há impedimento à manutenção de bíogs ou fóruns nos quais os acionistas
possam se manifestar. Tampouco há impedimentos a que estes ambientes permaneçam
abertos durante as assembleias ou que seu acesso seja restrito a acionistas. A companhia
deve, no entanto, avaliar a conveniência de manter tais serviços e a sua capacidade de
gerenciá-los de modo adequado, para evitar, por exemplo, que informações sejam divulgadas
de modo inapropriado ou sirvam de instrumento para a manipulação dos acionistas por
terceiros de má-fé. Uma opção para exercer este controle é deixar claro que o conteúdo ali
disponibilizado é de responsabilidade de seus usuários, não da companhia. Na hipótese
de a companhia vir a se manifestar nestes fóruns ou blogs, deverá manter a simetria entre as
informações então prestadas e as já divulgadas em seus meios tradicionais de comunicação
com o mercado. (...) Também é importante que a companhia esclareça aos acionistas que
sua participação no fórum ou 'blog' não se confunde com seu voto na assembleia por meio
presencial ou por procurador."
31 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, em julho de 2010, editou o
"Caderno de Boas Práticas para Assembleias de Acionistas", com o objetivo de atrair um
maior número de acionistas para as assembleias e criar um documento de referência, com
orientações sobre os procedimentos que devem ser adotados previamente e após a realização
de assembleias gerais, tais como: convocação, instalação, disponibilização de informações,
deveres e responsabilidades dos acionistas, deliberação, registro e publicação de atas, etc.
32 Sobre as assembleias virtuais, ver os comentários ao art. 126 da Lei das S.A.
É indispensável um quorum mínimo para a instalação da assembleia
geral que, de acordo com o artigo 125, em primeira convocação, deverá
contar com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4
(um quarto) do capital social com direito a voto; caso a assembleia tenha
por objeto deliberar sobre a reforma do estatuto social, o quorum,, em pri-
meira convocação, será de 2/3 (dois terços) dos acionistas com direito a
voto (artigo 135). A adoção dos pedidos públicos de procuração, confor-
me acima analisado, visa a tornar mais fácil o atendimento do respectivo
quorum de instalação nas companhias com controle pulverizado33.
A participação na assembleia geral não é facultada apenas aos acio-
nistas titulares de ações com direito a voto; os titulares de ações sem direi-
to a voto ou com voto restrito podem comparecer ao conclave e discutir as
matérias postas em deliberação34. E possível também a presença no con-
clave de outras pessoas que sejam necessárias à realização da assembleia,
tais como: funcionários da companhia e prestadores de serviços.
No que se refere ao quorum para aprovação das deliberações -
que deve ser observado para que cada matéria objeto da ordem do dia
possa ser aprovada - , que não se confunde com o quorum de instala-
ção, a Lei das S.A. consagra o princípio majoritário em relação a prati-
camente todos os assuntos sociais (artigo 129). Em regra, as deliberações
são tomadas por maioria de votos válidos, ou seja, maioria dos votos dos
acionistas presentes ao conclave. Excepcionalmente, nos casos expres-
samente previstos na própria Lei das S.A. ou no estatuto social de com-
panhia fechada, determinadas operações podem subordinar-se à
aprovação por quorum qualificado35.
Competência privativa
"Art. 122. Compete privativamente à assembleia geral: (Reda-
ção dada pela Lei n° 10.303/2001)
40 A Instrução CVM n° 481/2009, no art. 10 exige as seguintes informações: (a) nome, idade,
profissão, número no cadastro de pessoas físicas ou do passaporte, cargo eletivo ocupado,
outros cargos ou funções exercidos na companhia; (b) currículo com indicação das principais
experiências profissionais durante os últimos 5 (cinco) anos com o nome da empresa, a sua
atividade principal, cargo e funções ocupados; (c) todos os cargos de administração já ocupa-
dos em companhia abertas; (d) eventual condenação criminal, em processo administrativo da
Comissão de Valores Mobiliários e as penas aplicadas e qualquer condenação transitada em
julgado, na esfera judicial ou administrativa, que o tenha suspendido ou inabilitado para a
prática de uma atividade profissional ou comercial qualquer; (e) existência de relação conjugai,
união estável ou parentesco até o segundo grau entre os administradores da companhia,
administradores de controladas, diretas ou indiretas e com controladores diretos ou indiretos
da companhia; e (f) relações de subordinação, prestação de seiviço ou controle mantidas nos
3 (três) últimos exercícios sociais entre administrador da companhia e sociedade por ela
controlada direta ou indiretamente, com o controlador direto ou indireto e, caso seja relevante,
com fornecedor, cliente, devedor ou credor da companhia, de sua controlada ou controladoras
ou controladas de alguma dessas pessoas. Os arts. 11 a 20 da referida Instrução tratam da
obrigatoriedade da prévia prestação de informações, especificando-as, sempre que a assembleia
geral for convocada para deliberar sobre a remuneração dos adminis!xadores, aprovar P de
remuneração com base em ações, aumento ou redução de capital, em.ssao de debêntures ou
bônus de subscrição, criação de ações preferenciais ou alteração nas T ^ *
ou condições de rebate ou amortização, redução de dividendo obnga.ono, aquis.çao de
controle de outra sociedade, direito de recesso e escolha de avaliadores.
os casos previstos no § 1° do artigo 59. Ocorre que a Lei n° 12.431/
2011 deu nova redação aos §§ 1°, 2° e 4° daquele artigo, para conferir ao
conselho de administração competência para deliberar sobre a emissão
de debêntures de qualquer espécie, aí incluídas as debêntures conversí-
veis, às quais se aplicarão as regras do capital autorizado.
A competência é sempre privativa da assembleia geral para delibe-
rar sobre a matéria objeto deste artigo no caso das companhias fecha-
das; já nas companhias abertas, a competência apenas será privativa
desse órgão caso não conste do estatuto social autorização para o con-
selho de administração sobre ela deliberar. Assim, nas companhias aber-
tas o conselho de administração pode ter competência para deliberar
sobre a emissão de debêntures de qualquer espécie. Até a entrada em
vigor da Lei n° 12.431/2011, a competência outorgada ao conselho de
administração restringia-se à deliberação sobre a emissão de debêntu-
res simples, não conversíveis em ação e sem garantia real.
A assembleia geral ou o conselho de administração, conforme o
caso ao deliberar a emissão de debêntures, deverá observar as regras
constantes do estatuto social e definir (i) o valor da emissão, os crité-
rios de determinação do seu limite e se a emissão será em série única
ou em várias séries; (ii) o número e o valor nominal das debêntures;
(iii) as garantias, reais ou a garantia flutuante, se houver; (iv) as condi-
ções de correção monetária, se for o caso41; e (v) as condições de con-
versibilidade, se as debêntures forem conversíveis em ação42.
41 A Lei n° 12.431/2011 tratou da correção monetária das debêntures nos seguintes termos:
"Art 8°. As debêntures e as letras financeiras podem sofrer correção monetária em periodici-
dade igual àquela estipulada para o pagamento periódico de juros, ainda que em periodici-
dade inferior a 7 (um) ano."
42 De acordo com o art. 15 da Instrução CVM n° 481/2009, sempre que a assembleia geral for
convocada para deliberar sobre a emissão de debêntures deve fornecer, no mínimo, as
seguintes informações: (i) o valor máximo da emissão; (ii) se a emissão será dividida em
séries; (iii) o número e o valor nominal das debêntures de cada série; (iv) a destinação dos
recursos; (v) as razões da emissão e suas conseqüências; (vi) a remuneração das debêntures;
(vii) a espécie das debêntures a serem emitidas e as garantias, se houver; (viii) o prazo e as
condições de vencimento, amortização e resgate, inclusive as hipóteses de vencimento
antecipado, se houver; (ix) se a subscrição será pública ou particular; (x) as matérias cuja
definição será delegada ao conselho de administração; (xi) o agente fiduciário; (xii)_a
classificação de risco, se houver; (xiii) o mercado secundário-em que as debêntures sao
As deliberações relativas à época e às condições de vencimento,
amortização ou resgate das debêntures; à época e as condições do paga-
mento dos juros, da participação nos lucros e do prêmio de reembolso, se
houver, bem como o modo de subscrição ou colocação, e o tipo das de-
bêntures, podem, nas companhias abertas, ser tomadas pela própria as-
sembleia geral ou delegadas ao conselho de administração, que poderá
também, nos termos do § 4° do artigo 59, deliberar sobre a oportunidade
da emissão. Quando isso ocorre, a assembleia geral aprova a emissão, em
tese, fixando as características básicas das debêntures, que estão elenca-
das nos incisos I a V do artigo 59, cabendo ao conselho de administração
decidir qual o momento mais adequado para proceder à efetiva emissão e
colocação das debêntures, tendo em vista as condições do mercado. A
delegação ao conselho de administração, na companhia aberta, da deli-
beração sobre o momento mais oportuno para proceder à efetiva criação
e colocação dos papéis constitui praxe bastante comum, flexibilizando o
processo decisório e permitindo à companhia escolher, com maior rapi-
dez, qual o timing mais adequado para o sucesso da operação.
(v) suspender o exercício dos direitos de acionista - A Lei das
S.A. prevê uma sanção, na esfera interna da companhia, quando ocor-
rer infração a disposição legal ou estatutária (artigo 120). No entanto,
o acionista não pode ficar à espera, indefinidamente, que a assem-
bleia decida aplicar-lhe a penalidade de suspensão de direitos. No
silêncio do estatuto, deve a deliberação ser adotada na primeira as-
sembleia geral extraordinária realizada após a constatação do ato pra-
ticado em violação da lei ou do estatuto, sob pena de precluir a
possibilidade de ser aplicada a sanção. A suspensão somente pode ser
negociadas, se for o caso; (xiv) se as debêntures forem conversíveis: (a) o valor da conversão
e os aspectos econômicos que determinaram a fixação da relação de conversão e a opinião
dos administradores sobre os efeitos do aumento de capital, sobretudo no que se refere à
diluição provocada pelo aumento; (b) laudos e estudos que subsidiaram a fixação da
relação de conversão; (c) os termos e condições a que ela está sujeita; (d) os direitos
vantagens e restrições das ações resultantes da conversão; (e) se os acionistas terão direito
de preferência para subscrever as debêntures, detalhando os termos e condições a que esse
direito está sujeito; e (0 o percentual de diluição potencial resultante da emissão.
deliberada em assembleia geral extraordinária, constando a matéria
da ordem do dia, com a indicação do nome do acionista acusado, para
que ele possa comparecer e exercer o direito de defesa, após o qual os
acionistas decidirão sobre a aplicação da suspensão de direitos43;
(vi) deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista con-
correr para a formação do capital social - A competência privativa da
assembleia geral para deliberar sobre a avaliação de bens (artigo 8°)
ocorre exclusivamente na hipótese de aumento de capital, pois na cons-
tituição da companhia não há assembleia geral de acionistas, mas as-
sembleia de subscritores. A função primordial da avaliação de bens com
que os acionistas concorrem na integralização dos aumentos de capital
(artigo 170), assim como nos casos de incorporação e fusão de compa-
nhias (artigos 227 e 228), é a de assegurar a realidade e efetividade do
capital social44. Aqueles que subscreveram o aumento do capital em
bens estarão impedidos de votar na nomeação dos peritos e na aprova-
ção do laudo que tratar da sua avaliação, nos termos do § 1° do artigo
115. Apresentado o laudo pelos peritos, será convocada uma nova as-
sembleia geral para deliberar sobre a sua aprovação ou rejeição, ocasião
em que os peritos estarão presentes para prestar os esclarecimentos que
lhes forem solicitados. No entanto, na prática, é realizada uma única
assembleia geral, na qual é deliberada a ratificação da nomeação dos
peritos - que já haviam sido previamente contratados pelos adminis-
tradores - e a aprovação ou rejeição do laudo por eles apresentado45;
(vii) autorizar a emissão de partes beneficiárias - As partes bene-
ficiárias estão em desuso, tendo em vista que a sua existência reduz o
valor das companhias no mercado, sem qualquer contrapartida finan-
63 Mas; como observa JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 54, "isso não significa que a
ordem do dia haja de descer a minúcias, a detalhes, bastando tão-somente que indique o
suficiente à compreensão dos acionistas, condenadas, obviamente, as menções genéricas,
vagas, duvidosas e, principalmente, as capciosas, imbuídas de reserva mental. De se
ponderar, no entanto, que determinados assuntos ou negócios da companhia hão de se
manter reservados, caso em que a sua inclusão na ordem do dia se faz de forma bastante
sumária, evitando-se a menção de detalhes e dados que possam acarretar uma publicidade
danosa aos interesses sociais."
64 Art. 3 o da Instrução CVM n° 481/2009.
65 Esse entendimento consta do Offcio-Circular CVM/SEP n° 001/2008: "Os editais de convo-
cação de Assembleias Cerais Ordinárias e/ou Extraordinárias devem enumerar, expressa-
mente, na ordem do dia, todas as matérias a serem deliberadas, não se admitindo que sob
a rubrica 'assuntos gerais' haja matérias que dependam de deliberação assemblear (...),
sendo sua transgressão considerada como infração de natureza grave para os fins previstos
no parágrafo 3°, do artigo 11, da Lei n" 6.385/76."
66 Nesse sentido já se manifestou a 2 a Turma_ do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do
Recurso Extraordinário n° 69.824-PR, Rei. Min. Adaucto Cardoso, j. em 13.11.1970,
publicado no DJU em 27.11.1970, no qual o Min. Bilac Pinto fundamentou o seu voto no
seguinte sentido: "A exigência dessa publicidade constitui norma de ordem pública e
representa garantia para os acionistas. Não se deve tolerar a prática da omissão, nos editais
de convocação, de matéria sobre a qual a assembleia geral deva deliberar. Pelo que se
verifica, a deliberação tomada nessa assembleia, e que se impugna, não tinha caráter de
urgente. (...) A urgência de deliberação que poderia, segundo alguns autores, justificar a
tomada de decisão, sem que a matéria houvesse figurado na ordem do dia, não estava
caracterizada. A Assembleia Cera! tomou decisão importante para a vida da sociedade,
qual seja a anulação de aumento do capital social, sem que a Diretoria tivesse incluído nos
editais de convocação, ainda que sumariamente, essa matéria." No mesmo sentido foi a
decisão proferida pela 3a Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais no julga-
mento da Apelação Cível n° 392749-3, Rei. Des. Edilson Fernandes, j. em 30.04.2003,
publicada no D O em 10.05.2003, e pela 13n Câmara Cível desse mesmo Tribunal no
julgamento da Apelação Cível n° 751312-9/002, Rei. Des. Eulina do Carmo Almeida, j. em
15.05.2008, publicada no D O de 28.06.2008. Nesse julgamento, firmou-se o entendi-
mento de que somente a deliberação específica, que não constava do edital de convoca-
ção, é que deve ser considerada sem validade, permanecendo íntegras as demais decisões
tomadas em atendimento às determinações legais.
Dessa forma, o edital de convocação, ao tratar da ordem do dia,
deve atender à sua finalidade precípua: ensejar ao acionista não só o
conhecimento da realização do conclave, como também o prévio
conhecimento da matéria a respeito da qual deliberará67.
Os assuntos que não constarem expressamente da ordem do dia
do edital poderão ser objeto de discussão na assembleia geral, mas
não de deliberação; se assim ocorrer, a deliberação poderá ser anulada,
mas não a assembleia68-69. Em caso de dúvida, a ordem do dia deve
ser objeto de interpretação restritiva. Somente em casos de urgência
extrema, que possam acarretar prejuízos à companhia, é que se admi-
te a discussão e deliberação de matéria não constante do edital70-71.
Não obstante, embora não prevista expressamente na ordem do dia,
pode ser objeto de deliberação em assembleia geral a proposta de ação de
responsabilidade contra os administradores (artigo 159, § 1°), bem como
67 Sobre a competência para a convocação da assembleia geral, ver os comentários ao art. 123
da Lei das S.A.
68 RUBENS REQUIÃO. Curso de Direito Comercial, v. 2, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 140,
observa que: "O motivo de tal rigorísmo é evitar que o acionista seja tomado de surpresa,
na assembleia, com assuntos de seu interesse, e para cuja deliberação não esteja prepara-
do, ou, já os tendo examinado, se desinteresse de a ela comparecer." No mesmo sentido,
JURANDIR DOS SANTOS. Manual das Assembleias Gerais nas Sociedades Anônimas. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 34.
69 Sobre esse assunto, ver acórdão da 2 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, proferido no julgamento da Apelação Cível n° 287.753-SP, Rei. Des. Toledo Piza,
j. em 05.02.1980, com comentário de MAURO DELPHIM DE MORAES. In: Revista de
Direito Mercantil, industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribu-
nais, v. 40, outubro-dezembro, 1980, p. 119-132. Ver, também, a decisão da 5 a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferida no julgamento da Apelação
Cível n° 169.095-1/0, Rei. Des. Matheus Fontes, j. em 04.06.1992, publicada na Revista
dos Tribunais. São FSulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 688, fevereiro, 1993, p. 67-70.
70 J.X. CARVALHO DE MENDONÇA. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. II, t. III,
atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001, p. 28-29, observa que:
"Faz-se mister, porém, que o caráter de urgência seja real, evidente, e que a deliberação não
possa ser adiada sem grave prejuízo. A assembleia que verifica essa urgência vota-a prelimi-
narmente, e a sua declaração não cria, mas simplesmente reconhece um estado de fato.
Aconselha-se aos administradores publicarem novos anúncios em aditamento aos de con-
vocação já correntes na imprensa, avisando o caso de urgência que surgiu."
71 ' A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 051/1978, se manifestou no sentido de que: "Somente é
de se admitir a deliberação de matéria não explicitada na ordem do dia quando 'virtual ou
implicitamente estivesse nela contida ou em caso de urgência, desde que o caráter de
urgência seja real, evidente, e que a deliberação não possa ser adiada sem grave prejuízo',
ou quando à assembleia comparecerem todos os acionistas."
a sua destituição e substituição72 e o pedido de funcionamento do conse-
lho fiscal, com a respectiva eleição de seus membros (artigo 161, § 3°).
Nas assembleias em que estão presentes todos os acionistas, a
regra, nos termos do § 4°, é a de que se pode deliberar a respeito de
matéria não constante da ordem do dia. Com efeito, se comparece-
rem ao conclave todos os acionistas, é ele tido como regular, em sua
instalação, ainda que a convocação apresente defeitos. Ou seja, pode
ser instalada a assembleia a que esteja presente a unanimidade dos
acionistas, ainda que não lhes tenha sido previamente comunicada a
ordem do dia. Porém, a fase deliberativa somente será eficaz se todos
os membros estiverem de acordo com a ordem do dia proposta, ou
com a adição a ela de determinado item; havendo discordância de
qualquer dos membros, o conclave não poderá deliberar a respeito de
matéria dela não constante73. Esse princípio justifica-se no fato de
que os acionistas têm o direito ao conhecimento prévio sobre a matéria a
ser deliberada para que possam discuti-la com conhecimento de causa.
As rubricas "assuntos gerais" e "outros assuntos de interesse ge-
ral", mencionadas no edital de convocação, terão por fim apenas levar
ao conhecimento dos acionistas em assembleia geral informações que
não implicam deliberações.
Determina, também, o caput deste artigo que, no caso de refor-
ma do estatuto, deverá constar do edital de convocação a "indicação
da matéria"; assim, os artigos do estatuto que se pretende alterar de-
verão ser especificados no edital74. O objetivo da norma é assegurar
87 Instrução CVM n° 481/2009, que dispõe sobre informações e pedidos públicos de procu-
ração para exercício do direito de voto em assembleias de acionistas. Os pedidos públicos
de procuração devem ser dirigidos a todos os acionistas com direito de voto na assembleia
(art. 25). De acordo com o art. 22, são considerados pedidos públicos de procuração: "I -
os pedidos que empreguem meios públicos de comunicação, tais como a televisão, o
rádio, revistas, jornais e páginas na rede mundial de computadores; II - os pedidos dirigi-
dos a mais de 5 (cinco) acionistas, quando promovidos, direta ou indiretamente, pela
administração ou por acionista controlador; e III - os pedidos dirigidos a mais de 10 (dez)
acionistas, quando promovidos por qualquer outra pessoa." Por sua vez, o art. 24 estabe-
lece que: "As procurações objeto de pedido público devem: I - indicar um procurador para
votar a favor, um procurador para se abster e outro procurador para votar contra cada uma
das propostas objeto do pedido; II - indicar expressamente como o procurador deve votar
em relação a cada uma das propostas ou, se for o caso, se ele deverá se abster em relação a
tais propostas; III restringir-se a uma única assembleia."
88 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 120 e 126 da Lei das S.A.
89 Sobre esse assunto, RENATO VENTURA RIBEIRO, "Aplicação de Novas Tecnologias nas
Assembleias Gerais de Sociedades Anônimas". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro
Santos de Aragão (Coord.). Direito Societário - Desafios Atuais. São ftiulo: Quartier Latin,
2009, p. 289-291, observa que: "Apesar de possível a realização de assembleias gerais por
vídeo ou teleconferência, ainda que apenas materialmente e não juridicamente no Brasil,
pode haver oposição dos grandes acionistas e administradores das companhias, hoje os
grandes beneficiados pelo absenteísmo. Além disto, por ora, não só é bastante duvidosa a
eficácia da assembleia por vídeo ou teleconferência como meio de redução do absenteísmo,
como também há suspeitas de que pode contribuir para agravá-lo. Ou, mesmo havendo
No Reino Unido, na Alemanha e nos Estados Unidos foram
editadas leis que permitem a realização de assembleias gerais medi-
ante meios eletrônicos, tornando inteiramente desnecessária a pre-
sença física dos acionistas. Nos 2 (dois) últimos países, ademais, tem
sido criados chat sides, usualmente denominados shareholders forums
para facilitar a troca de idéias entre os acionistas90.
No Brasil, admite-se, com a entrada em vigor, em 27.06.2011, da
Lei n° 12.431, a realização de assembleias gerais com a presença física
de alguns acionistas e/ou de seus procuradores e/ou mediante a partici-
pação à distância, com o emprego de recursos digitais, nos termos do
parágrafo único do artigo 12191. Assim, nada impede que as assembleias
gerais sejam realizadas virtualmente. Os estatutos sociais podem prever
a realização de assembleias virtuais, regular os procedimentos para o seu
funcionamento, bem como do exercício do voto online.
D I S P O N I B I L I D A D E D A S I N F O R M A Ç Õ E S E P R A Z O DE C O N V O C A Ç Ã O
maior participação, transformar as assembleias gerais em atos puramente formais, desta feita
sem presença física, como procedimento legal de aprovação de decisões tomadas em
outras instâncias, sem maiores preocupações dos acionistas com participação e gestão
social." Sobre o local de realização das assembleias gerais, ver, também, os comentários ao
art. 124 da Lei das S.A.
90 ANDREAS CAIIN and DAVI D C. DONALD. Comparative Company Law -Text and Cases
on the Laws Governing Corporations in Germany, the UK and the USA. Cambridge:
Cambridge University Press, 2010, p. 547.
91 A CVM, até novembro de 2011 ainda não havia regulamentado, para fins do disposto no
parágrafo único do artigo 121, introduzido pela Lei n° 12.431/2011, as assembleias
virtuais, realizadas online sem a presença física dos acionistas participantes e/ou de seus
procuradores.
92 Ver a Instrução CVM n° 481/2009.
obrigatório, escolha de avaliadores, fixação de remuneração dos ad-
ministradores, reforma do estatuto social, emissão de debêntures ou
bônus de subscrição, aquisição do controle de outra sociedade e ma-
térias cuja deliberação enseje direito de recesso - a Comissão de Va-
lores Mobiliários elencou os documentos indispensáveis e os prazos
de antecedência para que sejam apresentados pela companhia93-94.
A convocação far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três)
vezes, no mínimo, em órgão oficial da União ou do Estado em que se
localizar a companhia e em outro jornal de grande circulação editado na
localidade em que está situada a sua sede (artigo 289)95. As publicações
devem ser efetuadas sempre no mesmo jornal e qualquer mudança de-
verá ser precedida de aviso aos acionistas no extrato da ata da assembleia
geral (artigo 289, § 3°). Relativamente às companhias abertas, a Comis-
são de Valores Mobiliários poderá determinar que as publicações tam-
bém sejam feitas em jornal de grande circulação nas localidades em que
os valores mobiliários da companhia sejam negociados em Bolsa de
Valores ou em mercado de balcão (artigo 289, § 1°).
Tendo em vista que a finalidade do edital de convocação é levar ao
conhecimento dos acionistas as matérias que serão objeto de discussão e
deliberação, bem como permitir que eles solicitem as informações neces-
sárias ao exercício do direito de voto, o § 1° fixou os prazos que devem
transcorrer entre a sua publicação e a realização da assembleia geral.
A redação original do § 1° não distinguia o prazo de convocação
da assembleia geral de companhias abertas e fechadas. A Lei n°
Sobre os documentos e informações mínimas que deverão ser disponibilizados aos acio-
nistas quando da convocação da assembleia geral de companhia aberta, ver os arts. 7° a 21
da Instrução CVM n° 481/2009.
O Instituto de Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, no Anexo I do "Caderno de
Boas Práticas para Assembleias de Acionistas", divulgou um "Manual para Participação em
Assembleias", de acordo com as regras editadas pela CVM.
De acordo com o inciso VII do art. 21 da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações
introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010, a companhia deve enviar à CVM, por meio
de sistema eletrônico disponível na sua página na rede mundial de computadores, o edital
de convocação da assembleia geral ordinária, em até 15 (quinze) dias antes da data da sua
realização, ou no mesmo dia de sua primeira publicação, o que ocorrer primeiro.
10.303/2001 alterou o dispositivo para fazer essa distinção. De acor-
do com o inciso I, nas companhias fechadas, a primeira convocação
da assembleia geral deverá ser feita com 8 (oito) dias de antecedência,
no mínimo, contado o prazo da publicação do primeiro anúncio; não
se realizando a assembleia, será publicado novo anúncio, de segunda
convocação, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.
Nas companhias abertas, de acordo como o inciso II, o prazo de
antecedência é fixado em 15 (quinze) dias, em primeira convocação,
e em 8 (oito) dias, em segunda convocação.
A necessidade de segunda convocação existe quando, por qual-
quer motivo, a assembleia não se realiza. Do seu mero atraso não
decorre a necessidade de nova convocação, especialmente quando os
acionistas permanecem no recinto e participam da assembleia.
O § 1° estabelece apenas um período mínimo de antecedência
para a convocação das assembleias gerais, a fim de assegurar que os
acionistas minoritários tenham tempo hábil para se preparar para o
conclave e exercer o direito de voto de forma adequada96.
O § 5°, no inciso I, expressamente prevê a possibilidade de ser
aumentado para até 30 (trinta) dias, por decisão da Comissão de Valo-
res Mobiliários, o prazo de antecedência para a convocação das assem-
bleias gerais de companhias abertas que tenham "por objeto operações
que, por sua complexidade, exijam maior prazo para que possam ser conhe-
cidas e analisadas pelos acionistas." É essencial que os acionistas tenham
prazo suficiente para se preparar para as deliberações assembleares e,
por isso, deve ser sempre considerada, tendo em vista a complexidade
de determinadas matérias, a necessidade de prazo adicional97.
dias corridos é recomendada quando a assembleia geral tratar de operações que possam
importar alterações fundamentais nos investimentos dos acionistas e na continuidade dos
negócios da companhia, tais como aquelas que impliquem modificação do capital social,
fusão, incorporação, cisão e aquisição de empresas, alterações no objeto social e nos
direitos ou classes de ações."
A CVM, por meio da Instrução CVM n° 481/2009, delerminou, no art. 9o, que a companhia
deve fornecer até 1 (um) mês antes da data de realização da assembleia geral ordinária, os
seguintes documentos e informações: (i) relatório da administração sobre os negócios
sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; (ii) cópia das demonstra-
ções financeiras; (iii) comentário dos administradores sobre a situação financeira da com-
panhia, nos lermos do item 10 do "Formulário de Referência" (documento que substitui o
antigo "Formulário de Informações Anuais" - 1AN e que passou a desempenhar papel de
A Comissão de Valores Mobiliários determinou que os docu-
mentos e as informações objeto da ordem do dia devem ser forneci-
dos até a data da publicação do primeiro anúncio de convocação da
assembleia, salvo prazo superior estabelecido pela Lei das S.A., por
meio de seu sistema eletrônico na rede mundial de computadores".
As deliberações da assembleia geral podem ter a sua validade
impugnada sob 3 (três) fundamentos: parte subiecti (ligada aos sujei-
tos de direito que emitiram a vontade), parte obiecti (ligada ao objeto
ou conteúdo do ato decisório) e parte formae (quando decorrente da
inobservância de formalidades legais imperativas). A não obediência
às formalidades legais imperativas de convocação e instalação da as-
sembleia permite a sua anulação100.
Nos termos do § 3°, nas companhias fechadas, o acionista que
representar 5% (cinco por cento), ou mais, do capital social, será con-
vocado por telegrama ou carta registrada, expedidos com a antece-
dência prevista no § 1°. E necessário que o acionista faça essa solicitação
expressamente à companhia, indicando o seu endereço completo e o
102 Art. 2 o da Instrução CVM n° 372/2002, que dispõe sobre o adiamento de assembleia geral
e a interrupção da fluéncia do prazo de sua convocação.
103 MODESTO CARVAIHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 243-244.
pela companhia, da comunicação da decisão do Colegiado, reinician-
do-se, se a companhia mantiver a intenção de realizar a assembleia,
no dia subsequente à data do término do prazo de interrupção por ela
fixado, sem prejuízo de a companhia optar por data posterior para a
sua realização. Até o término do prazo de interrupção a Autarquia
deverá se manifestar sobre a legalidade das deliberações propostas à
assembleia geral, devendo a Superintendência de Relações com Em-
presas - SEP acompanhar os fatos subsequentes, solicitando ao Co-
legiado a instauração de procedimento administrativo, se for o caso104.
O inciso II trata de prerrogativa de caráter excepcional e que
pressupõe a observância de rito sumário. A interrupção do prazo de
convocação somente pode ser deferida nas hipóteses em que se veri-
fique, afiriorie independentemente de dilação probatória, a existên-
cia de ilegalidades flagrantes nas deliberações a serem submetidas à
assembleia geral103. Ou seja, a eventual interrupção do prazo de con-
vocação, com fundamento no disposto no inciso II do § 5° somente
se justifica em virtude da constatação de ilegalidade evidente nas de-
liberações propostas à assembleia geral que possa ser apurada sem
qualquer dilação probatória.
E N V I O DE D O C U M E N T O S P O R PARTE D A C O M P A N H I A A B E R T A
que: "Entendemos que, tratando-se de uma contingência, não haveria como se identificar a
priori, uma irregularidade em relação aos critérios e premissas utilizados pelo avaliador com
base nas informações que lhe foram fornecidas pela administração. Assim, tal questionamento
não justificaria, salvo melhor juízo, a interrupção do curso do prazo de antecedência da
assembleia geral extraordinária. (...) No caso em análise, os itens constantes da ordem do dia
não parecem conter flagrantes irregularidades. Os questionamentos formulados pelos reque-
rentes relativos ã forma e suficiência das informações e documentos divulgados ao mercado
não justificariam, em nosso entendimento, uma decisão de interrupção do curso do prazo da
assembleia." No mesmo sentido, cite-se a decisão tomada pelo Colegiado no Processo
Administrativo C V M n° RJ 2003/12767, j. em 03.12.2003, que, acatando a posição
recomendada pela SEP e pela Procuradoria Federal Especializada - PFE, indeferiu o pedido
de interrupção do curso do prazo de antecedência de convocação de assembleia geral,
com base, entre outros, nos seguintes motivos: "(...) 'por hora, qualquer elucubração acerca
das (supostas) finalidades (ilegítimas) dos controladores afigura-se prematura, exigindo-se,
para a punição pela eventual prática de abuso de controle relacionada à operação pretendi-
da, dilação probatória aprofundada, o que traz inafastável incompatibilidade com o célere
procedimento a que lançou mão a requerente' (fls. 465 e 466); (...) Verifica-se assim que a
interrupção do curso do prazo de antecedência de convocação por até 15 dias, tal como
requerida pela Alliant em relação à ACE da CPEL marcada para 09.12.03, se fundamenta,
como mecanismo excepcional que é, na necessidade desta Autarquia de dispor de prazo
mais dilatado para que as deliberações propostas sejam melhor examinadas, inclusive do
ponto de vista legal." Ver os comentários de RACHEL SZTAJN, "Solicitação de Interrupção
do Curso do Prazo de Antecedência de Convocação de Assembleia Geral Extraordinária -
Cataguazes-Leopoldina - CFLCL", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 133, janeiro-março, 2004, p. 221-252. Citem-se,
ainda, no mesmo sentido das decisões anteriormente referidas, os Processos Administrati-
vos CVM n " RJ 2007/8844, Rei. Dir. Sérgio Weguelin, j. em 09.10.2007, e RJ 2010/1702,
j. em 16.12.2010.
No Processo Administrativo CVM n° RJ 2002/5905, j. em 13.08.2002, a CVM entendeu
que: "Quando a companhia convoca uma assembleia para determinada data, parece-me que
esta data, em regra, não é escolhida caprichosamente. Há, certamente, toda uma previsão e
um custo relacionado, quando mais não seja de recursos humanos, logística e publicação. O
simples adiamento da assembleia representa, inegavelmente, um custo para a companhia.
Além disso, se de um lado há um ou uns acionistas que solicitam o adiamento de uma
assembleia, de outro lado há também um conjunto de acionistas minoritários também que
não se opõem ou mesmo desejam que a assembleia se realize na data originalmente prevista
ou que não estão dispostos a suportar o custo de um adiamento. Assim, equivocam-se, com
freqüência, aqueles que acham que ao deferir o adiamento de uma assembleia estão obrando
em benefício dos acionistas minoritários; muita vez agem contrariamente ao interesse da
maior parte dos acionistas minoritários, sem falar de contrariamente o interesse social, (...)"
enviar, na data da publicação do anúncio de convocação da assem-
bleia - ordinária e extraordinária - , os documentos relativos à ordem
do dia às Bolsas de Valores em que suas ações sejam mais negociadas.
Ou seja, foi aperfeiçoado o sistema de informações aos acionistas, aos
investi dores, aos integrantes do sistema de distribuição do mercado
de valores mobiliários, aos credores e a toda a coletividade, por meio
de mais um canal de acesso aos documentos relativos às matérias a
serem discutidas e votadas nas assembleias gerais para que os acio-
nistas e o mercado possam melhor avaliar a situação da companhia
e tomar decisões conscientes. A obrigação de enviar os documentos
objeto de deliberação da assembleia geral às Bolsas de Valores é
adicional às exigidas pelos artigos 133 e 135.
Essa previsão legal já constava do artigo 88, § 4°, do Decreto-Lei n°
2.627/1940, que determinava que as sociedades registradas em Bolsa de
Valores enviassem às entidades que se encontrassem registradas, com a
antecedência prevista para a convocação de assembleia, cópia do edital de
convocação e da proposta da diretoria a ser apresentada à assembleia geral.
A Comissão de Valores Mobiliários, ao tratar das "informações pe-
riódicas" a que as companhias abertas estão obrigadas a prestar, determi-
nou que elas devem enviar, por meio do sistema eletrônico disponível na
página na rede mundial de computadores da Autarquia, entre outras, as
seguintes informações: (i) edital de convocação da assembleia geral ordi-
nária, em até 15 (quinze) dias antes da data marcada para a sua realização
ou no mesmo dia de sua primeira publicação, o que ocorrer primeiro; (ii)
todos os documentos necessários ao exercício do direito de voto nas as-
sembleias gerais ordinárias; (iii) sumário das decisões tomadas na assem-
bleia geral ordinária, no mesmo dia da sua realização; e (iv) ata da
assembleia geral ordinária, em até 7 (sete) dias úteis contados de sua
realização107. Ao tratar das "informações eventuais", estabeleceu que as
107 Art. 21, incisos VII a X, da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010, que dispõe sobre o registro de emissores de valores
mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários.
companhias abertas registradas nas categorias A e B devem enviar as
seguintes informações, entre outras: (i) editais de convocação de as-
sembleias gerais extraordinárias, especiais e de debenturistas, no mesmo
dia de sua publicação; (ii) todos os documentos necessários ao exercí-
cio do direito de voto nas assembleias gerais extraordinárias, especiais e
de debenturistas; (iii) sumário das decisões tomadas nas"assembleias ge-
rais extraordinária, especial e de debenturistas, no mesmo dia da sua rea-
lização; e (iv) atas das assembleias gerais extraordinárias, especiais e de
debenturistas, em até 7 (sete) dias úteis contados de sua realização108.
As companhias abertas envolvidas em operações de incorpora-
ção, fusão e cisão também estão obrigadas a realizar a publicação pela
imprensa e enviar informações completas sobre essas operações (i) à
Bolsa de Valores; (ii) à Comissão de Valores Mobiliários; e (iii) às
entidades do mercado de balcão organizado em que os valores mobi-
liários de sua emissão sejam admitidos à negociação, no prazo de até
15 (quinze) dias antes da data de realização da assembleia geral109.
Os documentos mencionados no § 6° devem ser enviados às
Bolsas de Valores na mesma data em que for feito o primeiro anún-
cio de convocação de assembleia geral que, no caso de companhias
abertas, é, de acordo com o inciso II do § 1°, de 15 (quinze) dias de
antecedência de sua realização.
"Quorum" de instalação
"Art. 125. Ressalvadas as exceções previstas em lei, a assembleia
geral instalar-se-á, em primeira convocação, com a presença de
acionistas que representem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital
social com direito de voto; em segunda convocação instalar-se-á
com qualquer número.
Arts. 30 e 31, incisos I a IV, da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010.
Art. 2" da Instrução CVM n" 319/1999, que dispõe sobre as operações de incorporação,
fusão e cisão envolvendo companhia aberta, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n" 320/1999 e 349/2001.
Parágrafo único. Os acionistas sem direito devoto podem compare-
cer à assembleia geral e discutir a matéria submetida à deliberação."
110 De acordo com EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO.
Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo: Ed. José Bushatsky, 1979,
p. 395, "convém ter sempre em mente a diferença entre o quorum de instalação e o quorum
de deliberação. O primeiro ê condição de realização da Assembleia. O segundo & requisito
de validade de suas decisões em determinadas matérias."
trata, na realidade, de quorum de deliberação que, nessa hipótese,
confunde-se com o de instalação, pois se apenas essas matérias cons-
tarem da ordem do dia, não faz sentido instalar u m a assembleia que
não poderá deliberar.
O fundamento para a regra prevista neste artigo é, por um lado,
conferir maior legitimidade às deliberações da assembleia geral, asse-
gurando que elas sejam tomadas com a participação de uma parcela
representativa do capital social com direito a voto. Por outro lado, ao
permitir a instalação do conclave, em segunda convocação, com qual-
quer número de acionistas, a Lei das S.A. visa a impedir que o eleva-
do absenteísmo acionário possa impedir a realização das assembleias
gerais, inviabilizando a tomada de decisões de interesse da compa-
nhia. Note-se que a Lei das S.A. determina, no § 4° do artigo 30, que
é vedado às ações mantidas em tesouraria os direitos a voto e a divi-
dendo. Portanto, elas não são computadas no cálculo do quorum de
instalação das assembleias gerais.
Nada impede que o estatuto social fixe um regime de 3 (três)
convocações, e exija um quorum de instalação maior para a primeira
convocação, outro menor para a segunda convocação, prevendo, ain-
da, uma terceira convocação, na qual a assembleia seja instalada com
a presença de qualquer número de acionistas. Esse dispositivo estatu-
tário estará preservando adequadamente os interesses tanto dos acio-
nistas quanto da própria companhia, uma vez que aumenta a
legitimidade das decisões a serem tomadas e impede que o regular
funcionamento da companhia seja prejudicado caso os acionistas não
compareçam às assembleias gerais em número significativo.
O § I o do artigo 124 estabelece u m período m í n i m o de antece-
dência para a convocação das assembleias gerais, a fim de assegurar
que os acionistas minoritários t e n h a m t e m p o hábil para se preparar
para o conclave e exercer o direito de voto de forma adequada, podendo
os estatutos livremente dilatar esse prazo, desde que sejam respeitados
os prazos mínimos de antecedência111: (i) nas companhias fechadas,
deve ser de, no mínimo, 8 (oito) dias e 5 (cinco) dias de antecedência
para a primeira e segunda convocação, respectivamente; e (ii) nas
companhias abertas, de 15 (quinze) dias, em primeira convocação, e
de S (oito) dias, em segunda convocação (incisos I e II do § 1° do
artigo 124). Assim, o estatuto de uma companhia aberta pode, por
exemplo, estabelecer 3 (três) convocações, devendo a primeira ser
publicada com, no mínimo, 30 (trinta) dias de antecedência da reali-
zação da assembleia geral, a segunda com 15 (quinze) dias e a terceira
com 8 (oito) dias, correspondendo a 3 (três) tipos de quorum de insta-
lação diferentes, tal como: 35% (trinta e cinco por cento), 25% (vinte
e cinco por cento) e qualquer número de acionistas.
Não obstante o artigo 124 fazer referência a apenas 2 (duas) con-
vocações, o artigo 88 do Decreto-Lei n° 2.627/1940, que tratava da
mesma matéria, estabelecia que a primeira convocação deveria ser rea-
lizada com 8 (oito) dias de antecedência e as convocações posteriores
com 5 (cinco) dias m . A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976,
justificou a alteração introduzida no § 1° do artigo 124, ou seja, de se
estabelecer apenas 2 (duas) convocações, no sentido de que a prática
evidenciava a desnecessidade de uma terceira convocação,"porque trans-
forma a segunda convocação em ritual vazio e inoperante."
A redução do número de convocações para apenas 2 (duas) teve
por fim facilitar as atividades da companhia, agilizando o seu proces-
so decisório, mas deve ser entendida como um número mínimo a ser
observado pelas companhias; não há nenhum impedimento legal à
inclusão no estatuto social de regra que estabeleça que a realização da
assembleia geral deva ser precedida de 3 (três) convocações. Assim,
113 Sobre esse assunto, ALOYSIO LOPES PONTES. Sociedades Anônimas, v. II, 4a edição, Rio
de Janeiro: Forense, 1957, p. 81, observa que: "Os estatutos podem exigir maior número de
acionistas para formação do quorum de instalação, seja das assembleias ordinárias, seja
das extraordinárias, acima aludidas, de vez que a lei fixa o limite mínimo e não o limite
máximo que, entretanto, não deverá, se estabelecido pelos estatutos, tornar praticamente
impossível a realização das assembleias gerais em primeira convocação."
114 Sobre o "controle pulverizado", ver os comentários ao art. 116 da Lei das S.A.
A instalação válida e eficaz de uma assembleia geral depende da
observância do quorum legal previsto na Lei das S.A. e nos estatutos
sociais115. O quorum de instalação é verificado com base nas assinatu-
ras lançadas pelos acionistas no "Livro de Presença"116- observado,
inclusive, o disposto no parágrafo único do artigo 127, acrescentado à
Lei das S.A. pela Lei n° 12.431/2011 - e no seu cálculo são conside-
radas apenas as ações com direito de voto, independentemente de
estarem, ou não, integralizadas. As ações dos acionistas que se acham
impedidos de votar em determinadas matérias objeto da ordem do dia
- como, por exemplo, as dos administradores, quando a ordem do dia
tratar da aprovação de suas contas - não estão excluídas do cálculo do
quorum de instalação, pois a Lei das S.A. determina que ele seja apu-
rado com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4
(um quarto) do capital social com direito de voto.
Tendo em vista a diferença existente entre o quorum de instalação
e o de deliberação, não é necessário que o primeiro persista durante
todo o conclave. Caso algum acionista se retire da assembleia durante a
sua realização, ela será válida desde que conste da ata a assinatura de
acionistas em número suficiente à constituição da maioria necessária
para as deliberações tomadas117-118.
As ações com voto limitado (artigo 110) entram no computo do
quorum de instalação, pois a limitação é apenas numérica. No caso
115 Sobre a anulabilidade das deliberações assembleares, ver os comentários ao art. 286 da Lei
das S.A.
116 Determina o art. 127 da Lei das S.A. que: "Antes de abrir-se a assembleia, os acionistas
assinarão o 'Livro de Presença', indicando o seu nome, nacionalidade e residência, bem
como a quantidade, espécie e classe das ações de que forem titulares."
117 Consta do caput do art. 130 da Lei das S.A. que: "Dos trabalhos e deliberações da
assembleia será lavrada, em livro próprio, ala assinada pelos membros da mesa e pelos
acionistas presentes. Para validade da ata é suficiente a assinatura de quantos bastem para
constituir a maioria necessária para as deliberações lomadas na assembleia. Da ata tirar-se-ão
certidões ou cópias autênticas para os fins legais."
118 No mesmo sentido, CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 3,
São Fàulo: Saraiva, 1973, p. 57-58. Em sentido contrário, MODESTO CARVALHOSA: Comen-
tários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4'1 edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 685; JOSÉ
WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a 188)..., v. II,
p. 80-81.
das ações com voto restrito, como a limitação é ratione materiae, o
presidente da mesa deverá verificar as matérias relativamente às quais
essas ações estão impedidas de votar; serão computadas apenas quando
a ordem do dia tratar de matéria relativamente às quais os seus titula-
res possam votar119. Quando a mesma assembleia contiver delibera-
ções em que os preferencialistas podem votar em algumas e estiverem
proibidos de votar em outras, o quorum de instalação deverá ser verifi-
cado para cada um dos casos120.
De acordo com o parágrafo único, todos os acionistas, ainda que
não tenham direito de voto, podem participar da assembleia geral e
discutir a matéria submetida à deliberação. Tendo em vista que a Lei
das S.A. estabelece como direito essencial o de fiscalizar a gestão dos
negócios sociais (artigo 109, inciso III), o acionista, mesmo que não
tenha direito de voto, pode comparecer à assembleia e participar das
119 No mesmo sentido, RICARDO TEPEDINO, "Assembleia Geral". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 914, observa que: "Não obstante todo e qualquer acionista possa comparecer à
Assembleia e usar da palavra para debater os pontos em discussão (art 125, par. único), só
entra na base de cálculo do quorum as ações com direito a voto. Assim, as preferenciais
serão computadas quando da ordem do dia constar matéria em que elas, por força de lei ou
do estatuto, puderem votar. Quid júris se a mesma pauta contiver matéria para a qual os
preferencialistas estão aptos a deliberar e outra onde suas ações não desfrutam do direito
de voto? Parece só haver uma única solução: o quorum de instalação será verificado
separadamente para ambos os casos. Se um deles não se alcançar o número legal, o
respectivo termo não será levado a deliberação." Em sentido contrário, TRAJANO DE
MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações..., v. II, p. 98, para o qual tanto as ações com
voto limitado quanto as com voto restrito entram no computo do quorum de instalação.
MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. .2, p. 691,
diverge parcialmente desse entendimento, pois conclui, no que se refere às ações com voto
restrito, que "se o estatuto restringe o voto para as matérias próprias da assembleia ordinária
(art. 132), não serão elas consideradas para a formação do respectivo quorum." No entan-
to, observa que, se a restrição referir-se a matérias próprias da assembleia extraordinária,
essas ações devem ser computadas no cálculo do quorum de instalação, bem como na
hipótese de constar da ordem do dia, seja a assembleia ordinária ou extraordinaVia, maté-
rias não contempladas pela restrição estatutária do voto, ocasião em que entende que "a
solução será computar plenamente tais ações para a instalação."
120 FERNANDO NETTO BOITEAUX, "Voto Minoritário e Quorum na Assembleia Geral da Socie-
dade Anônima", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico c Financeiro. São Raulo:
Ed. Malheiros, v. 75, julho-setembro, 1989, p. 100-103, obsena que não deve ser considerado
para efeito de quorum de instalação da assembleia geral os votos dos que estão impedidos de
formar a deliberação, pois "o entendimento contrário levaria a admitir uma absurda capacidade
de bloqueio (não dar quorum) àquelas pessoas que a lei impede que venham mais tarde a
deliberar. Ou seja, não poderiam deliberar, mas poderiam bloquear!"
discussões, não da deliberação, das matérias objeto da ordem do dia,
bem como lavrar o seu protesto, que deverá constar da ata.
Assim, os únicos acionistas que não podem participar da assem-
bleia geral são aqueles que tiveram seus direitos suspensos por terem
deixado de atender obrigação imposta pela Lei das S.A. ou pelo esta-
tuto e que, até a data da realização do conclave, não tenham cumpri-
do com essa obrigação (artigo 120).
Legitimação e representação
"Art. 126. As pessoas presentes à assembleia deverão provar a sua
qualidade de acionista, observadas as seguintes normas:
121 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 121 da Lei das S.A.
122 A CVM, por meio do Parecer CVM/SJU n° 037/1981, se manifestou no sentido de que: "A
presença de não acionista da companhia em assembleia geral não acarreta, por si só, a
nulidade da assembleia, podendo ensejar ação de responsabilidade civil se apurado
prejuízo decorrente da quebra de sigilo de assuntos internos da companhia. Compele à
CVM apurar a existência da irregularidade no âmbito administrativo, mediante inquérito,
aplicando aos infratores as penalidades do artigo 11 da Lei n° 6.335/76."
123 ALFREDO SÉRGIO LAZZARESCFII NETO. Lei das Sociedades por Ações Anotadas. 3a
edição, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 245, observa que: "Eventuais dúvidas levantadas
sobre a qualidade das pessoas presentes à assembleia deverão ser submetidas pela mesa
diretora à deliberação da assembleia geral, que decidirá por maioria."
ações, aberta em nome do acionista nos livros da instituição financeira
.. depositária de suas ações - no caso de ser ela escriturai (artigo 35)124.
Por isso, a Lei das S.A. determina que, para participar das assem-
bleias gerais, os acionistas titulares de ações nominativas registradas
exibirão, se exigido, documento hábil de sua identidade; os titulares
de ações escriturais, além do documento de identidade, exibirão ou
depositarão na companhia, se o estatuto exigir, comprovante expedi-
do pela instituição financeira depositária125-126.
No caso de ações escriturais, como o acionista só pode exercer os
direitos de participar das deliberações sociais, votar e receber dividendos
se o seu nome estiver inscrito no extrato emitido pela instituição deposi-
tária, a companhia pode exigir do acionista, como condição para o exer-
cício dos seus direitos, além do extrato — que deverá ser depositado na
companhia, se o estatuto assim determinar —, a respectiva identidade12/.
Se as ações estiverem em custódia, deverá o acionista exibir, além
do documento de identidade, o comprovante expedido pela institui-
ção financeira depositária128. A custódia de ações fungíveis transfere
131 Sobre a presença de advogado em assembleias gerais, FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de
Direito Comercial, v. 2, 13a edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 217-218, observa que ele
pode comparecer ao conclave como procurador do acionista, para discutir e votar em
nome dele as matérias a serem deliberadas ou, então, com fundamento no art. 7o, inciso VI,
aliena "d", do Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/1994): "De acordo em esse dispositivo,
ê prerrogativa do advogado ingressar livremente em qualquer assembleia de que participe
o seu cliente. Aqui ele não atua no lugar do acionista, mas o acompanha, para dar-lhe
assessoramento jurídico."
132 A CVM, por meio do Parecer CVM/SJU n° 007/1995, manifestou-se no seguinte sentido:
"Impossibilidade legal do administrador de fundo de investimentos designar analista de
investimento, ou qualquer outra pessoa, para representar os interesses dos condôminos nas
assembleias gerais dos acionistas das companhias investidas."
133 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 707, observa que o administrador de fundos de investimento,
ao representar o condomínio acionário, exerce uma representação orgânica, pois "é um
condomínio institucional que constitui quase uma pessoa jurídica. Isto, em face das
características de patrimônio apartado que apresenta, além de possuir órgãos próprios,
como o do administrador e da assembleia geral dos condôminos."
ano da data da realização da assembleia geral. Podem os estatutos
determinar que a procuração deva ser depositada na companhia com
certa antecedência, a fim de assegurar o perfeito funcionamento e
instalação da assembleia na hora prevista no edital de convocação134.
No entanto, a Comissão de Valores Mobiliários determinou que, no
caso de companhias abertas, o acionista que comparecer à assembleia
geral munido dos documentos exigidos pode participar e votar, ainda
que tenha deixado de depositá-los previamente135.
O voto será exercido de acordo com a orientação do acionista (ou-
torgante). Não se trata de alienação de voto, que é vedado pela Lei das
S A . A procuração é outorga de poder e não convenção de voto136. A
procuração pode ter por objeto a representação do acionista e o exercí-
cio do voto em todas as matérias objeto da ordem do dia ou apenas para
as especificamente relacionadas na procuração; haverá abstenção de
voto relativamente às matérias excluídas do instrumento. Um único
procurador poderá representar diversos acionistas, votando de um modo
em nome de uns e de forma diversa em nome de outros.
É vedado ao procurador, quando for administrador da compa-
nhia, votar em nome do outorgante quando a deliberação tratar da
aprovação das contas dos administradores e da discussão e votação
das demonstrações financeiras (artigo 134, § 1°).
O exercício do voto pelo mandatário com violação às orienta-
ções do mandante constantes do instrumento de mandato não acar-
reta a invalidade do voto proferido na assembleia geral; caberá ao
acionista (outorgante) requerer a reparação pelos prejuízos decorren-
tes do descumprimento de suas diretrizes137. Mas, a regra constante
134 Sobre o edital de convocação, ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
135 Art. 5 o , § 2 o , da Instrução CVM n° 481/2009.
136 Sobre esse assunto, ver PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3a edição,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1965, p. 308-309.
137 No mesmo sentido, FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4a
edição, revista e atualizada por Roberto Papini, Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 458;
FÁBIO APPENDINO, "O Instituto do Direito de Voto em um Contexto de Dispersão
Acionária". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luiz André N. de Moura Azevedo (Coord.).
Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais. São
Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 449-450.
do § 1", que estabelece os requisitos para que o mandatário possa
representar o acionista, é cogente; a sua infração acarreta a nulidade
dos atos do mandatário constituído com violação dessa norma.
O instrumento de mandato não está condicionado ao reconhe-
cimento de firma por parte do outorgante. Mas, se a companhia o
exigir, deverá ser observado. O próprio Código Civil determina que a
exigência de reconhecimento de firma é uma mera faculdade do ter-
. ceiro com o qual o procurador irá se relacionar138; sendo uma faculda-
de, pode ser dispensada139. Por sua vez, não contém a Lei das S.A.
dispositivo exigindo o reconhecimento de firma por parte do outor-
gante de procuração nem a sua consularização140.
O fato de o acionista ter outorgado procuração não o impede
de comparecer à assembleia geral e exercer o voto, independente-
mente da revogação do mandato. G mandato pode ser revogado a
qualquer tempo 141 e o mandatário também pode a ele renunciar.
O mandato será extinto não só pela revogação ou renúncia, como
138 Art. 654, § 2°, do Código Civil. O acionista, ao outorgar procuração, deverá observar os
requisitos constantes dos arts. 653 e seguintes do Código Civil.
139 A CVM, por meio da Instrução CVM n°'317/1999, que dispõe sobre o registro na CVM de
Programas de "Depositary Receipts" - DR's, para negociação no exterior, com as alterações
introduzidas pelas Instruções CVM nos 334/2000 e 342/2000, determinou, no art. 3°-B,
que: "Para fins do disposto no § Io do art. 126 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de
1976, as companhias de que trata esta Instrução podem dispensar a notarização e o
reconhecimento de firmas dos instrumentos de procuração outorgados por seus acionistas,
desde que haja previsão estatutária neste sentido."
140 O Colegiado da CVM, no Processo Administrativo CVM n° RJ 2008/1794, Rei. Dir. Sérgio
Weguelin, em reunião realizada em 24.06.2008 ("Consulta sobre a Possibilidade de
Utilização de Procurações deVoto em Forma Digital nas Assembleias Gerais"), se manifes-
tou no sentido de que: "Da conjunção das exigências feitas pelo Código Civil e pela Lei das
S.A., percebe-se que em nenhum momento se prevê o reconhecimento de firma ou a
consularização das procurações. Assim, a companhia sempre poderá, a seu critério, dispen-
sar o reconhecimento de firma e a consularização dos instrumentos de procuração outorga-
dos pelos acionistas a seus representantes."
141 Sobre a revogação do mandato, o Código Civil, nos arts. 686 e 687, determina que: "Art.
686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos
terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as
ações que no caso lhe possam caber contra o procurador. Parágrafo único, f; irrevogável o
mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos
quais se ache vinculado. Ari 687. Tanto que for comunicada ao mandatário a nomeação de
outro, para o mesmo negócio, considerar-se-á revogado o mandato anterior."
também pelo término do seu prazo de vigência - que, nos termos
do § 1°, será de menos de 1 (um) ano142.
Qualquer acionista pode outorgar procuração com poderes para
ser representado em assembleia geral. Não há nenhuma restrição quanto
ao voto em assembleia por meio de poderes outorgados por acionistas
com assinatura eletrônica e certificação digital143. Os acionistas não
precisam mais imprimir as procurações disponíveis nos manuais de as-
sembleia e enviar o documento por correio. A companhia poderá con-
tratar empresa para prestar serviço ou disponibilizar em seu site acesso
à outorga de procuração digital de voto, sendo permitido o uso da certi-
ficação eletrônica por meio escolhido pela companhia.
P E D I D O DE P R O C U R A Ç Ã O
142 Determina o art. 682 do Código Civil que: "Art 682. Cessa o mandato: I - pela revogação
ou pela renúncia; li - pela morte ou interdição de uma das partes; III - pela mudança de
estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer; IV
- pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio."
143 A Medida Provisória n° 2.200-2/2001, que institui a infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira - ICP-Brasil, no art. 10, expressamente reconhece a validade jurídica dos docu-
mentos assinados por meio eletrônico, a saber: "Art. 10. Consideram-se documentos públi-
cos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta
Medida Provisória. § 1°. As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica
produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil
presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei n° 3.071,
de Io de janeiro de 1916 - Código Civil. § 2o. O disposto nesta Medida Provisória não
obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos
em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil,
desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o
documento." O art. 219 do Código Civil determina que: "As declarações constantes de
documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários." Note-se que
a Emenda Constitucional n° 32/2001 determinou no art. 2° que: "As medidas provisórias
editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que
medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do
Congresso Nacional." A Medida Provisória n° 2.200-2/2001 foi publicada em agosto de
2001 e a Emenda Constitucional em setembro de 2001.
de outro procurador para o exercício desse voto; e (iii) ser dirigido a
todos os titulares de ações cujos endereços constem da companhia144.
Assim, nos termos do § 2°, o próprio acionista pode manifestar
interesse em representar outros acionistas em assembleia ou o admi-
nistrador da companhia pode solicitar aos acionistas a outorga desses
poderes145. Aplica-se a essa disposição a regra do § 1°; ou seja, o pro-
curador a quem será outorgada a procuração para votar deve ser acio-
nista, administrador da companhia, advogado ou, ainda, no caso de
companhia aberta, instituição financeira.
No Brasil, admite-se, com a entrada em vigor, em 27.06.2011,
da Lei n° 12.431, a realização de assembleias gerais com a presença
física de alguns acionistas e/ou de seus procuradores e/ou mediante
a participação à distância, com o emprego de recursos digitais, nos
termos do parágrafo único do artigo 121 146J47(p se&l
156 FÁBIO APPEND1NO, "O Instituto do Direito de Voto em um Contexto de Dispersão Acionária".
In; Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luiz André N. de Moura Azevedo (Coord.). Poder de
Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais..., p. 455, observa
que: "De todo o modo, a adoção dos pedidos públicos de procuração, ao passo em que
deverá permitir o fácil atendimento dos quoruns de instalação pela considerável outorga de
direitos de representação, não deverá acarretar a massiva presença de acionistas nas assembleias,
posto que os votos serão outorgados a poucas pessoas, notadamente administradores."
157 Essa regra também não solucionou em definitivo a participação de investidores estrangeiros
em assembleias. Ela permite que a notarização - reconhecimento de firma, no qual o
investidor assina o instrumento na frente do notário - e a consularização - análise e
chancela pelo consulado brasileiro do reconhecimento de firma - sejam dispensadas. No
entanto, não determinou que a dispensa seja uma regra, portanto, algumas companhias
ainda as exigem. Há ainda outras exigências que também dificultam a outorga de procura-
ção por parte dos investidores estrangeiros e, portanto, o seu voto nas assembleias gerais,
a saber: (i) o envio de procuração consularizada e notarizada em 2 (duas) vias, inglês e
português, para cada conta de custódia que o investidor possuir; (ii) o elevado custo para
o atendimento dessas burocracias e o pouco tempo para cumpri-las, tendo em vista que a
Lei das S.A determina que, nas companhias abertas, as assembleias são convocadas com
apenas 15 (quinze) dias de antecedência da realização do conclave; (iii) a validade de 1
(um) ano das procurações; etc. Não obstante, a Instrução CVM n° 481/2009 determina, à
companhia que não aceitar procuração eletrônica por meio de um sistema da rede mundial
de computadores, a obrigatoriedade de ressarcir as despesas incorridas com a realização de
pedidos públicos de procuração de acionistas titulares de 0,5% (meio por cento) ou mais
do capital social.
158 Art. 31 da Instrução CVM n° 481/2009.
titulares de 0,5% (meio por cento) ou mais do capital social com a realiza-
ção de pedidos públicos de procuração159.
Quando a administração da companhia tiver a intenção de reali-
zar pedido público de procuração, deverá comunicá-la ao mercado,
por meio de sistema eletrônico na página da Comissão de Valores
Mobiliários na rede mundial de computadores, com, pelo menos, 10
(dez) dias úteis de antecedência, indicando as matérias para as quais
as procurações serão solicitadas160-161.
Para a companhia, pode ser interessante a adoção do procedimen-
to do pedido público de procuração, pois há mais chance de as assem-
bleias realizarem-se em I a convocação, uma vez que aumenta a
possibilidade de atender aos quora de instalação e deliberação e, conse-
quentemente, verifica-se uma redução de custos com a 2 a convocação.
As regras editadas pela Comissão de Valores Mobiliários sobre os
pedidos públicos de procuração foram baseadas no sistema norte-ame-
ricano das Proxy Regulations do Securitíes Exchange Act de 1934, por
meio do qual foi instituído um documento obrigatório para o exercício
do direito de voto em assembleias gerais. Nos Estados Unidos, a instau-
ração do sistema de procuração eletrônica da Securitíes and Exchange
159 Art. 32, caput, da Instrução CVM n° 481/2009. De acordo com o edital de audiência
pública da Instrução CVM n° 481/2009, a CVM, ao condicionar o direito dos acionistas de
se ressarcirem junto à companhia pelas despesas que incorrerem com o pedido público de
procuração à titularidade de ações que representem 0,5% (meio por cento) do capital
social, visou a desestimular pedidos de procuração inútil por parte de acionistas que não
possuam interesse econômico substancial na companhia. De acordo com a CVM, o
percentual de 0,5% (meio por cento) do capital social "indica que o acionista possui um
interesse econômico substancial na companhia. O art. 126 da Lei n° 6.404, de 1976,
reforça essa conclusão ao estabelecer o mesmo patamar como condição para que o acionis-
ta obtenha a relação de endereço dos demais acionistas. Embora a lei e a regulamentação
também utilizem outros percentuais como referência de participação expressiva dos acio-
nistas, a CVM entende que, nos casos em que isso ocorre, os direitos e deveres associados
a essa participação têm um peso bastante maior, como o direito de eleger membros para o
conselho fiscal e para o conselho de administração."
160 Art. 27 da Instrução CVM n° 481/2009.
161 O diretor de relações com investidores não é responsável pelas informações contidas em
pedidos de procuração que não sejam realizados pela administração (art. 26, § 2 o , da
Instrução CVM n° 481/2009).
Commision (SEC), denominado Notice andAccess, possibilitou a redução
significativa dos custos relativos à postagem dos documentos enviados
aos investidores e uma maior participação nas assembleias162.
Não obstante as regras sobre pedido público de procuração, nada
impede que as assembleias gerais sejam realizadas virtualmente, prin-
cipalmente após a publicação da Lei n° 12.431/2011, que ao alterar o
artigo 121 da Lei das S.A., admitiu a participação e o voto à distância
em assembleias gerais. Os estatutos sociais podem prever a realização
de assembleias virtuais, regular os procedimentos para o seu funcio-
namento, bem como os relativos ao exercício do voto online.
O artigo 124 determina no § 2° que a assembleia deve realizar-se
no edifício onde a companhia tiver a sua sede e que em nenhum caso
pode ser realizada fora da localidade em que ela está situada. No entan-
to, em razão dos avanços tecnológicos, da nova realidade em função
dos meios de comunicação existentes e da possibilidade de acompa-
nhamento da assembleia geral à distância, esse dispositivo legal deve
ser interpretado extensivamente, no sentido de que a localidade de rea-
lização da assembleia também pode ser a extensão virtual por meio da
qual o acionista participa do conclave163. A assembleia virtual reduz o
absenteísmo, os custos da companhia com a 2 a convocação, os custos
do acionista com o eventual deslocamento até a cidade na qual se en-
contra situada a sede da companhia, bem como permite a sua efetiva
participação e exercício do direito de voto.
164 O Colegiado da CVM, no Processo Administrativo CVM n° RJ 2008/1794, Rei. Dir. Sérgio
Weguelin, em reunião realizada em 24.06.2008 ("Consulta sobre a Possibilidade de Utili-
zação de Procurações de Voto em Forma Digital nas Assembleias Gerais"), assim se mani-
festou sobre a transmissão de assembleias mediante videoconferência: "(...) não há impedi-
mento à manutenção de blogs ou fóruns nos quais os acionistas possam se manifestar.
Tampouco há impedimentos a que estes ambientes permaneçam abertos durante as
assembleias ou que seu acesso seja restrito a acionistas. A companhia deve, no entanto,
avaliar a conveniência de manter tais serviços e a sua capacidade de gerenciá-los de modo
adequado, para evitar, por exemplo, que informações sejam divulgadas de modo
inapropriado ou sirvam de instrumento para a manipulação dos acionistas por terceiros de
má-fé. Uma opção para exercer este controle é deixar claro que o conteúdo ali disponibilizado
é de responsabilidade de seus usuários, não da companhia. Na hipótese de a companhia
vir a se manifestar nestes fóruns ou blogs, deverá manter a simetria entre as informações
então prestadas e as já divulgadas em seus meios tradicionais de comunicação com o
mercado. (...) Também é importante que a companhia esclareça aos acionistas que sua
participação no fórum ou 'blog' não se confunde com seu voto na assembleia por meio
presencial ou por procurador."
165 Nesse sentido é a Directiva 2007/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de
11.07.2007, relativa ao exercício de certos direitos dos acionistas de sociedades cotadas,
cujo art. 8o, que trata da participação na assembleia por meios eletrônicos, estabelece que:
"1. Os Estados-Membros devem permitir que as sociedades proporcionem aos seus accionistas
qualquer forma de participação em assembleias-gerais por meios electrónicos, nomeadamen-
te alguma ou todas as seguintes formas de participação: a) Transmissão em tempo real da
assembleia-geral; b) Comunicação nos dois sentidos em tempo real, que permita aos accionistas
intervir na assembleia a partir de um local distante; c) Um mecanismo de votação, antes ou
durante a assembleia-geral, sem necessidade de nomear um procurador que esteja fisicamen-
te presente na assembleia. 2. A utilização de meios electrónicos para permitir que os accionistas
participem na assembleia-geral só pode ficar sujeita aos requisitos e condicionalismos neces-
sários para assegurar a identificação dos accionistas e a segurança das comunicações
electrónicas, e apenas na medida em que sejam proporcionais aos objectivos a atingir. A
presente disposição não prejudica quaisquer disposições legais que os Estados-Membros
tenham aprovado ou possam aprovar relativamente ao processo decisório da sociedade para
a introdução." O Código das Sociedades Comerciais Português, com a alteração introduzida
em 2006, por meio do Decreto-Lei n° 76-A, de 29.03.2006, determinou que: "Art. 377.
(...) 5 - A convocatória, quer publicada quer enviada por carta ou por correio electrónico,
deve conter, pelo menos: (...) f) Se o voto por correspondência não for proibido pelos
estatutos, descrição do modo como o mesmo se processa, incluindo o endereço, físico ou
electrónico, as condições de segurança, o prazo para a recepção das declarações de voto e
a data do cômputo das mesmas."
1 66 Sobre esse assunto, ver RICART, ÀLVAREZ e GIFRA. Los Acionistas y el Gobierno de Ia
Empresa. Barcelona: Deusto, 2005, p. 105 e seguintes; GUILHERMO ALCOVER GARAU,
"Aproximacíon al Régimen Jurídico dei Voto Electrónico". In: Artigas, Ureba, Gándara,
Pedro, González e Velasco (Coords.). Derecho de Sociedades Anônimas Cotizadas, t. I,
Madrid: Aranzadi, 2006, p. 385 e seguintes; LUIS FERNANDO DEL POZO e FRANCISCO
observada a regulamentação que vier a ser expedida pela Comissão
de Valores Mobiliários em atenção ao parágrafo único do artigo 121168.
R E L A Ç Ã O DE E N D E R E Ç O S D O S A C I O N I S T A S
REPRESENTANTES LEGAIS
169 Item 18 do OFício-Circular CVM/SEP n° 004/2011 que trata das orientações gerais sobre
procedimentos a serem observados pelas companhias abertas e estrangeiras.
1 70 Art. 30, §§ 1o, 2° e 3o, da Instrução CVM n° 481/2009.
171 Art. 30, § 4o, da Instrução CVM n° 481/2009.
1 72 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil. v. 1, 22'1 edição, atualizado
por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 617-618.
O § 1° trata da representação convencional do acionista em as-
sembleia, mediante a outorga de poderes por procuração, desde que
constituída há menos de 1 (um) ano e o mandatário seja acionista,
administrador da companhia ou advogado; na companhia aberta, o
procurador pode, ainda, ser instituição financeira.
Para os representantes legais, a Lei das S.A. não estabeleceu
requisitos necessários. De acordo com o § 4°, são representantes
legais, e podem, nessa qualidade, comparecer à assembleia geral,
os pais do menor impúbere, o síndico, o curador, o tutor, o liqui-
dante, o inventariante, bem como todo administrador de bens de
terceiros e os diretores de pessoas jurídicas que sejam titulares de
ações, observadas as regras constantes do estatuto social173-174.
O representante legal também é obrigado a exibir a prova de
sua qualidade, além dos documentos obrigatórios à legitimação dos
acionistas referidos no caput deste artigo.
A representação exercida pelos diretores de pessoas jurídicas
decorre da lei e não de ato voluntário. As pessoas jurídicas, brasilei-
175 Consta do art. 1.134 do Código Civil que: "Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer
que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no Pafs,
ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos
expressos em lei, ser acionista de sociedade, anônima brasileira. § Io Ao requerimento de
autorização devem juntar-se: I - prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de
seu país; II - inteiro teor do contrato ou do estatuto; III - relação dos membros de todos os
órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e,
salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital da
sociedade; IV - cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital
destinado às operações no território nacional; V - prova de nomeação do representante no
Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização; VI -
último balanço. § 2° Os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei
nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede
e acompanhados de tradução em vernáculo." Por sua vez, o art. 1.138 determina que: "Art.
1.138. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente,
representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação
judicial pela sociedade. Parágrafo único. O representante somente pode agir perante
terceiros depois de arquivado e averbado o instrumento de sua nomeação."
176 Sobre esse assunto, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n°
649.711-BA, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 06.06.2006, publicado no
DJU em 07.08.2006, ao analisar um caso de participação de procurador de sociedade
estrangeira (não autorizada a funcionar no País) sócia de uma compánliia brasileira em
assembleia geral, sem que preenchesse os requisitos do § 1o do art. 126 da Lei das S.A.,
decidiu que: "1. As nulidades de pleno direito são vícios insanáveis. Por isso, no caso
presente, tem legitimidade a própria parte que outorgou a procuração para vir a juízo e
reclamar a declaração de nulidade absoluta de ato praticado pelo mandatário em assembleia
de acionistas. 2. Nulos os atos praticados por mandatário na assembleia em que se aumen-
tou o capital social, já que: a) a empresa mandante é estrangeira e não está autorizada a
funcionar no Brasil, embora acionista da empresa ré, ausente representação nos termos do
Decreto n° 2.627/40; b) a representação não preenche os requisitos exigidos pelo art. 126,
§ 1°, da Lei n° 6.404/76."
177 Ver os comentários aos arts. 113 e 114 da Lei das S.A.
residência, bem como a quantidade, espécie e classe das ações de
que forem titulares.
178 Sobre o edital de convocação, ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
179 Sobre os livros sociais obrigatórios para as sociedades anônimas, ver os comentários ao art.
100 da Lei das S.A., e sobre os livros obrigatórios da sociedade empresária, ver os arts.
1.179 a 1.195 do Código Civil e arts. 378 e 379 do Código de Processo Civil.
180 O Código Civil, no art. 1.181, estabelece que: "Salvo disposição especial de lei, os livros
obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no
Registro Público de Empresas Mercantis."
181 Sobre esse assunto, ver a Instrução Normativa DNRC n° 107/2008 que trata dos procedimen-
tos para a validade e eficácia dos instrumentos de escrituração dos empresários, sociedades
empresárias, leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes comerciais. Os arts. 12 a 15 dessa
Instrução tratam especificamente da autenticação de livros em papel, fichas ou folhas contí-
nuas e avulsas.
182 Até novembro de 2011, a CVM ainda não havia regulamentado esse dispositivo.
legitimação, nos termos do artigo 126, e verificar a identidade e os
documentos apresentados para posterior assinatura do Livro de Presença.
O "Livro de Presença" tem por fim registrar o comparecimento
dos acionistas, pessoalmente ou por meio de seus representantes, à as-
sembleia geral e verificar a sua legitimação para que possam participar do
conclave, bem como o quorum de instalação183. O quorum de instalação
das assembleias gerais foi fixado com a finalidade de assegurar aos acio-
nistas o direito de comparecer à assembleia geral e de impedir que deci-
sões relevantes para a companhia possam ser tomadas em reuniões que
contem com a presença de um número irrelevante de acionistas184.
A instalação válida e eficaz de uma assembleia geral depende
da observância do quorum legal previsto na Lei das S.A. e nos
estatutos sociais.
O quorum de instalação é verificado com base nas assinaturas
lançadas pelos acionistas no "Livro de Presença"185 e no seu cálculo
são consideradas apenas as ações com direito de voto, independente-
mente de estarem, ou não, integralizadas. As ações dos acionistas que
se acham impedidos de votar em determinadas matérias objeto da
ordem do dia - como, por exemplo, as dos administradores, quando a
ordem do dia tratar da aprovação de suas contas - não estão excluídas
do cálculo do quorum de instalação, pois a Lei das S.A. determina que
ele seja apurado com a presença de acionistas que representem, no
mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com direito de voto.
A Lei das S.A. não tratou do procedimento a ser adotado com
relação aos acionistas que chegam à assembleia geral após a sua ins-
talação. Os estatutos sociais podem regular essa matéria, estabele-
cendo que a assinatura do Livro de Presença seja requisito
186 No mesmo sentido, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2"
edição, Rio de Janeiro: Forense, p. 106. Em sentido contrário, FÁBIO ULHOA COELHO.
Curso de Direito Comercial, v. 2, 14'1 edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 219.
1 87 Ver os comentários ao art. 130 da Lei das S.A.
cadas, poderá solicitar judicialmente a sua exibição, desde que re-
presente, no mínimo, 5% (cinco por cento) do capital social (artigo
.105). Não obstante, na instalação da assembleia ou durante a sua
realização, qualquer acionista pode verificar o quorum de instalação
e/ou o de deliberação, solicitando a sua exibição, o que não poderá
ser negado pela mesa188.
Mesa
"Art. 128. Os trabalhos da assembleia serão dirigidos por mesa
composta, salvo disposição diversa do estatuto, de presidente e
secretário, escolhidos pelos acionistas presentes."
Sobre a composição da mesa e o seu funcionamento, ver os comentários ao art. 128 da Lei
das S.A.
Ver os comentários ao art. 127 da Lei das S.A.
O Instituto de Governança Corporativa - IBGC, por meio de seu "Caderno de Boas Práticas
para Assembleias de Acionistas", recomenda que "a presidência da Assembleia Gera! seja
exercida por um profissional isento de conflitos de interesse em relação a grupos de
Acionistas. Entretanto, caso o estágio de desenvolvimento da companhia em relação às
suas práticas de governança corporativa limitem a adoção dessa recomendação, o IBGC
sugere alternativamente que a presidência da Assembleia Geral de Acionistas seja exercida
pelo Presidente do Conselho de Administração da Companhia, sempre que não houver
conflito de interesses entre a pessoa escolhida e o teor das deliberações."
convidar um dos presentes para secretariar os trabalhos191. Essa previ-
são facilita, inclusive, os trabalhos preliminares da assembleia, pois ao pre-
sidente caberá a verificação da legitimidade e representação dos acionistas,
bem como do quorum de instalação. Na omissão do estatuto, os trabalhos
preliminares ficam sob a responsabilidade dos administradores.
Após a escolha do presidente, é formalmente declarada a insta-
lação da assembleia geral, ocasião em que ele deverá: (i) confirmar a
existência de quorum de instalação. Não havendo quorum, lavrará ata
encerrando os trabalhos, com a declaração de que não há acionistas
presentes em número suficiente ao prosseguimento do conclave. A
ata deverá, ainda assim, ser assinada por ele, pelo secretário e pelos
acionistas presentes; (ii) verificar a presença, tratando-se de assem-
bleia geral ordinária, de ao menos um membro do conselho fiscal
(artigo 164, caput) e também de um dos administradores da compa-
nhia e do auditor independente para atender os esclarecimentos soli-
citados pelos acionistas (artigo 134, § 1°); tratando-se de assembleia
geral extraordinária, de ao menos um membro do conselho fiscal, para
responder aos pedidos de informações formulados por acionistas (ar-
tigo 164, caput)\ e (iii) satisfeitos os requisitos objeto das alíneas "(i)" e
"(ii)", dar continuidade aos trabalhos, informando os jornais e datas
em que o edital de convocação foi publicado e lendo o edital de con-
vocação e a ordem do dia, ou convidando o secretário para fazê-lo.
Cabe ao presidente da mesa conduzir todos os procedimentos rela-
tivos às deliberações tomadas, tais como: controlar os debates e as delibe-
rações, podendo, inclusive, a seu exclusivo critério, limitar o tempo das
191 Sobre esse assunto, LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "A Composição da Mesa da
Assembleia". In: Pareceres. v. I, São Paulo: Singular, 2004, p. 120, observa que, tendo o
estatuto estabelecido que a assembleia deve ser presidida pelo presidente do conselho
de administração, na hipótese de os acionistas elegerem outra pessoa, as deliberações
são ineficazes e a assembleia é nula, pois conclui que não se pode "desacatar as regras
estatutárias estabelecidas para a constituição e a formação da mesa dos trabalhos, a não
ser mediante a reforma do preceito estatutário (...) A assembleia que desatende esses
princípios legais e estatutários não é valida, e as suas deliberações não podem, por
conseqüência, ter qualquer eficácia."
discussões; observar a ordem do dia; administrar as perguntas e pres-
tação de esclarecimentos; verificar o quorum de deliberação; estabele-
cer o regime de votação; dar cumprimento aos acordos de voto, etc. O
presidente deve apresentar os assuntos na seqüência em que se encon-
tram expostos na ordem do dia, salvo se a inversão for aprovada expressa
ou tacitamente pela maioria dos acionistas presentes, e iniciar os debates
relativos a cada matéria, permitindo que os acionistas se manifestem a
respeito do assunto em pauta e solicitem esdarecimentos sobre o mes-
mo. Dirimidas as dúvidas, deverá resumir as propostas apresentadas e
concluir o debate, colocando em votação o item em questão.
Os assuntos que não constarem expressamente da ordem do dia
não podem ser objeto de deliberação em assembleia geral192-193. Em
caso de dúvida, a ordem do dia deve ser objeto de interpretação restri-
tiva. Somente em casos de urgência extrema, que possam acarretar
prejuízos à companhia, é que se admite a discussão e deliberação de
matéria não constante do edital.
Não obstante, algumas matérias, embora não previstas expressa-
mente da ordem do dia, podem ser objeto de deliberação em assem-
bleia geral, como é o caso da proposta de ação de responsabilidade
contra os administradores, bem como a sua destituição194.
O presidente da assembleia não pode computar voto proferido
com infração a acordo de acionistas devidamente arquivado na sede
192 RUBENS REQUIÃO. Curso de Direito Comercial, v. 2, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 140,
observa que: "O motivo de tal rigorismo é evitar que o acionista seja tomado de surpresa,
na assembleia, com assuntos de seu interesse, e para cuja deliberação não esteja prepara-
do, ou, já os tendo examinado, se desinteresse de a ela comparecer." No mesmo sentido,
JURANDIR DOS SANTOS. Manual das Assembleias Gerais nas Sociedades Anônimas. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 34.
193 Sobre esse assunto, ver o acórdão da 2" Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, proferido no julgamento da Apelação Cível n° 287.7S3-SP, Rei. Des. Toledo
Piza, j. em 05.02.1980, com comentário de MAURO DELPHIM DE MORAES, In: Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribu-
nais, V. 40, outubro-dezembro, 1980, p. 119-132. Ver, também, a decisão da 5a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferida no julgamento da Apelação
Cível n° 169.095-1/0, Rei. Des. Matheus Fonles, j. em 04.06.1992, publicada na Revista
dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 688, Fevereiro, 1993, p. 67-70.
194 Ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
da companhia (artigo 118, § 8°). Assim, ele é responsável por verificar
a conformidade entre o voto manifestado no conclave e aquele que
havia sido preestabelecido no acordo de acionistas ou na reunião pré-
via. Para permitir a atuação do presidente em conformidade ao dis-
posto no acordo de acionistas, a companhia pode, quando do seu
arquivamento em sua sede, ou posteriormente, solicitar às partes in-
tegrantes do acordo, ou ao seu mandatário, todos os esclarecimentos
a respeito de suas cláusulas.
O presidente da assembleia, porém, não pode suprir a vontade
do acionista que manifesta seu voto em sentido contrário à decisão
da reunião prévia, cumprindo-lhe apenas não computá-lo195.
É recomendável que o presidente da mesa, ao adotar uma medi-
da drástica ou relevante, como, por exemplo, a expulsão de um acio-
nista da assembleia geral, consulte previamente os acionistas - que
deliberarão por maioria absoluta de votos (artigo 129) a fim de evi-
tar tumultos durante o conclave e a revogação de sua decisão pela
maioria dos presentes196.
O secretário deve auxiliar o presidente na condução dos trabalhos,
disponibilizando os documentos relativos à ordem do dia, podendo,
inclusive, proceder à sua leitura, recebendo e organizando as perguntas
feitas por escrito, registrando as manifestações dos acionistas e fazendo
constar da ata as deliberações tomadas, bem como as dissidências e
protestos, se for o caso, numerar os documentos ou propostas submeti-
dos à assembleia, assim como as declarações de voto, etc.
200 De acordo com o ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário Jurídico da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro, 2009, p. 610, deliberação é "debate com o objetivo de resolver algum
impasse ou tomar uma decisão."
201 Sobre esse assunto, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Deliberação de Sócios Quotistas
de Transformar Limitada em S.A.". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira
(Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. 2, 2 a edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 550, observa que: "A deliberação individual é processo
mental do agente; a coletiva é processo social - conjunto de atos de dois ou mais
indivíduos interligados por relações próprias de um sistema social. O processo de
deliberação coletiva pressupõe - por natureza - um grupo de pessoas e um procedimen-
to que organize em ato coletivo os atos de vontade dessas pessoas. O efeito desse
procedimento ê a formação da vontade social do grupo - expressão que não significa
vontade de um ser substancial distinto dos componentes do grupo social, mas conjun-
to organizado de atos de vontade dos seus membros. (...) Para que exista deliberação
social ê necessário que os sócios se manifestem sobre proposta de deliberação na
qualidade de membros do grupo e com o fim de definir a vontade social, o que
pressupõe um procedimento que organize seus atos."
202 Ver os comentários ao art. 121 da Lei das S.A.
203 ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Invalidade das Deliberações de
Assembleia das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 40, observa que: "A assembleia
geral, portanto, tem precípua função deliberante, mas esta deve ser exercida mediante
procedimento que assegure a possibilidade de contraditório, ou seja, da participação
de todos os acionistas na reunião e no debate sobre as matérias submetidas à delibera-
ção. Somente assim, esta poderá vir a constituir expressão da assim chamada 'vontade
social', fora disso, haverá disfunção do órgão."
assembleia geral constitui apenas um agregado de atos de vontade
individuais, sendo inexistente como ato coletivo204.
O quorum de deliberação não se confunde com o quorum de insta-
lação (artigos 125). O segundo é o número mínimo de acionistas que a
Lei das S.A. prevê para a realização do conclave e o primeiro constitui
o número mínimo de votos necessários para aprovar determinadas
matérias, sendo, portanto, requisito para a validade das deliberações.
O quorum de instalação das assembleias gerais foi fixado com a
finalidade de assegurar aos acionistas o direito de comparecer à assem-
bleia geral e dificultar que decisões relevantes para a companhia pudes-
sem ser tomadas em reuniões que contassem com a presença de um
número irrelevante de acionistas. Já o quorum de deliberação tem por
fim assegurar a validade das decisões tomadas em assembleia205.
A Lei das S.A. consagrou o princípio majoritário ao estabelecer
no caput que as deliberações serão tomadas por maioria absoluta de
votos dos acionistas presentes, não se computando os votos em bran-
co, ou seja, aqueles que não contêm qualquer declaração206. Aplica-se
a regra geral segundo a qual, em princípio, a cada ação ordinária cor-
responde 1 (um) voto na assembleia geral (artigo 110, capui).
Por força do princípio majoritário, as deliberações tomadas em
assembleia geral regularmente convocada e instalada vinculam todos
os acionistas, ainda que ausentes ou dissidentes207-208íp sCãJ.
2Q4 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Deliberação de Sócios Quotistas de Transformar Limitada
em S.A.". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.:
(pressupostos, elaboração, aplicação)..., v. 2, p. 553.
205 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 125 da Lei das S.A.
206 Sobre o princípio majoritário, ver ALFREDO LAMY FILHO. Temas de S.A. Rio de Janeiro:
Renovar, 2007, p. 195-202.
207 DOMINIQUE SCHMIDT. Les Droits de Ia Minoritè dans la Société Anonyme. Sirey: Paris:
1970, p. 132, observa que: "La solidarité des intéréts a été voulue par les associes dês leur
entrée dans la société: elle motive leur souscription et justifie Unstitution du gouvernement
majoritaire (?) en ce qu'elle exprime simultanément que chacun des associes recherche um gain
par 1'union avec d'autres associés, et que ce gain doit résulter d'un enrichissiment collectif.
C'est ce enrichissiment collectif qui est 1'élément prépondérant, qui stimule les adhésions, et
non telle décision du groupe dirigeant à laquelle la minoritè s'est opposée (2). L'adhésion
minoritaire porte alors non sur Ia résolution majoritaire, mais sur la volonté de continuer à courir
te risque social malgré la résolution majoritaire; cette volonté, qui n'est autre que 1'affeclio
societatis, donne à 1'effet obligatoire de /'acíe majoritaire son plein fondement."
A Lei das S.A. regula 2 (duas) espécies de voto por maioria: (i)
maioria absoluta, a que reúne no mínimo a metade dos votos mais 1
(um); e (ii) maioria qualificada, que é toda espécie de maioria cujo
quorum é superior ao da maioria absoluta. Ou seja, a maioria qualifi-
cada é um número superior à metade dos votos, como, por exemplo,
2/3 (dois terços), 3/4 (três quartos), 3/5 (três quintos), etc.
O quorum da maioria absoluta é também denominado quo-
rum eventual, uma vez que é fixado no momento da deliberação,
pois depende da presença dos acionistas à assembleia geral. Não
integram a base de cálculo os votos em branco, os dos acionistas
que se encontram impedidos de votar determinada matéria e os
proferidos com infração de acordo de acionistas devidamente ar-
quivado na sede da companhia (artigo 118, § 8°), pois o quorum da
maioria absoluta verifica-se mediante o capital que pode votar re-
presentado pelos acionistas presentes à assembleia geral.
Cite-se, como exemplo, um quorum de instalação de 35 (trinta e cin-
co) acionistas com direito de voto. Se comparecerem à assembleia acio-
nistas representando esse número, o quorum da maioria absoluta será de
18 (dezoito) acionistas e, na hipótese, de 5 (cinco) votarem em branco, o
quorum de deliberação será 16 (dezesseis) acionistas com direito de voto.
Acresce-se à base de cálculo o número de votos dos acionistas
ausentes ou que se abstiveram de votar em conformidade ao disposto
em acordo de acionistas de que são partes, tendo os seus votos sido
exercidos pela parte prejudicada, conforme facultado pelo § 9° do ar-
tigo 118. Esse dispositivo admitiu que existe um mandato inerente ao
acordo do voto em bloco, que outorga ao acionista poderes para que,
na hipótese de ausência ou abstenção de voto por um dos signatários
do acordo, vote pelo ausente ou abstinente, em conformidade com a
direção do voto previamente pactuada209.
208 O Código Civil, no art. 1.072, § 5°, determina que: "As deliberações tomadas de conformi-
dade com a lei e o contraio vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes."
209 Ver os comentários ao art. 118 da Lei das S.A.
A Lei das SA., além do quorum da maioria absoluta, fixa, em
alguns casos, um quorum qualificado - que é o da metade das ações
com direito de voto210 - , bem como o voto da unanimidade - que
nem sempre é a unanimidade do capital votante, mas dos acionistas
presentes à assembleia - para a aprovação de determinadas matérias,
conforme previsto nos seguintes artigos: (i) 97, § 1°, estabelece a ne-
cessidade de aprovação por acionistas que representem metade, no
mínimo, do capital social para sanar a falta ou a irregularidade apon-
tada pela Junta Comercial na constituição da companhia ou em seu
estatuto; (ii) 136, exige a aprovação de acionistas que representem
metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum
não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam
admitidas à negociação em Bolsa de Valores ou no mercado de bal-
cão para deliberar sobre (a) a criação de ações preferenciais ou au-
mento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar
proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já
previstos ou autorizados pelo estatuto; (b) a alteração nas preferências,
vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais
classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais
favorecida; (c) a redução do dividendo obrigatório; (d) a incorpora-
ção, cisão ou fusão da companhia; (e) a participação em grupo de
sociedades; (f) a mudança do objeto da companhia; (g),a cessação do
estado de liquidação da companhia; (h) a criação de partes
beneficiárias; e (i) a dissolução da companhia; (iii) 202, § 3°, exige a
unanimidade dos acionistas presentes à assembleia para deliberar a
distribuição de dividendo inferior ao obrigatório; (iv) 215, § 1°, prevê
a faculdade de a assembleia aprovar, pelo voto de acionistas que re-
presentem 90% (noventa por cento), no mínimo, das ações as condi-
ções especiais para a partilha do ativo remanescente em caso de
liquidação; (v) 221, determina que a transformação da sociedade em
211 Sobre o quorum qualificado, ver os comenlários ao art. 136 da Lei das S.A.
Nas companhias fechadas, nos termos do § 1°, o estatuto pode
aumentar o quorum exigido para certas deliberações, desde que espe-
cifique as matérias. Ou seja, não basta o estatuto estabelecer um quo-
rum superior ao da maioria absoluta, deve especificar as matérias que a
ele estão sujeitas. É vedado aos estatutos a fixação de quorum inferior
ao previsto na Lei das S.A. O artigo 136 faculta a essas sociedades,
bem como às abertas que só possuem outros valores mobiliários que
não ações para negociação, a fixação no estatuto social de um quorum
superior ao da metade das ações- com direito a voto para aprovar as
matérias nele previstas e acima relacionadas.
Não obstante constar do § 1° referência apenas às companhias fe-
chadas, tendo em vista o disposto no caput do artigo 136, as companhias
cujas ações não sejam admitidas à negociação em Bolsa de Valores ou no
mercado de balcão também podem aumentar o quorum exigido para cer-
tas deliberações, desde que especifiquem as matérias.
O princípio majoritário permite o desenvolvimento normal dos
negócios e impede o minoritário discordante de obstruir o processo
decisório. As normas legais e estatutárias que estabelecem outras
modalidades de expressão da vontade social ou que dificultam o pro-
cesso decisório - direito' de veto, maioria qualificada e especialmente
a unanimidade - constituem exceções ao princípio majoritário, de-
vendo, pois, ser objeto de interpretação restritiva.
O estatuto da companhia fechada pode estipular a unanimidade
para aprovação de matérias nele especificadas, tendo em vista que a Lei
das S.A. não veda tal disposição. Ademais, constava da redação origi-
nal do anteprojeto da Lei das S.A., no que se refere ao § 1°, regra no
sentido de que o estatuto não poderia exigir a unanimidade, o que foi
eliminado pelos revisores antes do seu envio ao Congresso Nacional212,
Ata da assembleia
"Art. 130. Dos trabalhos e deliberações da assembleia será lavra-
da, em livro próprio, ata assinada pelos membros da mesa e pelos
acionistas presentes. Para validade da ata é suficiente a assinatura
de quantos bastem para constituir a maioria necessária para as
deliberações tomadas na assembleia. Da ata tirar-se-ão certidões
ou cópias autênticas para os fins legais.
214 Ver, nesse sentido, o § 231 (c) da Lei Societária de Delaware, nos termos da qual, na
companhia com ações listadas em Bolsa ou com mais de 2.000 (dois mil) acionistas, deve
ser escolhido, em cada assembleia geral, um "inspetor" com a missão de fiscalizar o
processo de votação.
a) os documentos ou propostas submetidos à assembleia, assim
como as declarações de voto ou dissidência, referidos na ata, se-
jam numerados seguidamente, autenticados pela mesa e por qual-
quer acionista que o solicitar, e arquivados na companhia;
215 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2' edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 118, observa que: "A ata entra na categoria dos instrumentos particula-
res, e faz prova plena dos fatos dela constantes, nas relações entre os acionistas e entre estes
e a sociedade anônima."
216 Sobre o funcionamento da assembleia e a composição da mesa, ver os comentários ao art.
128 da Lei das S.A.
detalhes o teor de todas as discussões havidas durante a assembleia, mas
é obrigatório registrar as decisões tomadas, independentemente das con-
siderações apresentadas por alguns acionistas.
Ao final da lavratura da ata, o secretário deve efetuar a sua leitura
para que os presentes possam manifestar-se sobre o seu teor; estando
todos de acordo, o presidente declara encerrados os trabalhos, seguin-
do-se a sua assinatura, a do secretário e dos acionistas presentes. Para
a validade da ata é suficiente a assinatura de quantos bastem para cons-
tituir a maioria necessária para as deliberações tomadas na assembleia,
observado o disposto no caput artigo 127, nos termos do qual os acionis-
tas devem assinar o "Livro de Presença"217-218, e no seu parágrafo único,
acrescentado à Lei das S.A. pela Lei n° 12.431/2011, mediante o qual
considera-se presente à assembléia geral o acionista que registrar a dis-
tância sua presença, na forma prevista em regulamentação da Comissão
de Valores Mobiliários219.
Um dos livros obrigatórios e que as companhias devem manter é o
"Livro de Atas das Assembleias Gerais" (artigo 100, inciso IV), no qual
são lavrados os trabalhos e as deliberações tomadas em assembleia. As
>
217 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 037/1981, entendeu que: "A falta de assinatura de acionis-
tas da companhia na ata assemblear não infringe o art. 130 da lei societária, porque a lei
considera suficiente a assinatura dos acionistas que bastem para constituir a maioria necessá-
ria às deliberações tomadas. O descumprimento da formalidade prevista no art. 127 da Lei n"
6.404/76 - assinatura dos acionistas da companhia no Livro de Presença - não acarreta a
nulidade da assembleia, podendo ser facilmente sanãvel." No mesmo sentido, o Parecer
CVM/SJU n° 096/1979.
218 A 5a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Raulo, ao julgar a Apelação
Cível n° 3.738-1, Rei. Des. Nogueira Carcez, j. em 21.08.1980, In: Revista dos Tribunais.
Rio de Janeiro: Ed. Revista dos Tribunais, v. 543, janeiro, 1981, p. 76-78, decidiu que: J £
irrelevante a omissão de assinaturas de acionistas no Livro de Presença se a ata da assembleia
geral foi assinada por acionistas representando a maioria e dando quorum para as delibe-
rações. (...) Se, como esclarece Modesto Carvalhosa, os assentamentos constantes do Livro
de Presença constituem elemento de prova (...) e se destinam à indispensável determinação
do quorum legal de instalação, não teria sentido invalidar deliberações tomadas em
assembleias regularmente convocadas quando a presença de acionistas e o quorum neces-
sário, embora omitido o registro das assinaturas dos acionistas no livro próprio, são fatos
iniludivelmente positivados."
219 Até novembro de 2011 a CVM ainda não havia emitido ato normativo regulamentado o
disposto no parágrafo único do art. 127 da lei das S.A.
Gerais", observadas as normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários, por registros mecanizados ou eletrônicos (artigo 100, § 2°).
Assim, será considerada inexistente a ata redigida em qualquer outro pa-
pel que não seja o "Livro de Atas das Assembleias Gerais", observado o
disposto no § 2° do artigo 100, que pode ser representado por um livro
encadernado ou por sistema de folhas soltas, observadas as regras edita-
das pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio220. Pelo sis-
tema de folhas soltas a ata pode ser redigida em computador durante a
realização da assembleia.
Na eventual hipótese de administradores da companhia não apre-
sentarem, na instalação da assembleia geral, o "Livro de Atas das
Assembleias Gerais", com o intuito- de obstruir a sua realização, os
demais acionistas podem requerer em juízo a entrega do livro221.
Caso não sejam observados na lavratura da ata os requisitos impos-
tos pela Lei das S.A, a deliberação dela constante não é nula; uma nova
assembleia poderá sanar a falta, ratificando as deliberações tomadas na
assembleia anterior. Em regra, a ratificação retroage à data do ato.
A princípio, devem constar da ata os fatos ocorridos durante a
assembleia geral, declaração de voto, dissidências e protestos feitos
verbalmente pelos acionistas, ressalvado o teor das discussões. No
entanto, o § 1°, a fim de agilizar os trabalhos e evitar que constem
220 Ver a Instrução Normativa DNRC n° 107/2008, que dispõe sobre procedimentos para a
validade e eficácia dos instrumentos de escrituração dos empresários, sociedades empresá-
rias, leiloeiros e tradutores públicos e intérpretes comerciais.
221 Sobre esse assunto, RICARDO TEPEDINO, "Assembleia Geral". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
2009, observa que: "Não sendo a ata requisito de existência ou validade da assembleia e
de suas deliberações (...), os acionistas devem instalar a reunião, redigir uma minuta de ata,
e requerer em juízo que os esbulhadores entreguem os livros da companhia, para que
lancem as presenças e a ata, sob pena de se permitir que os requentes abram outros livros,
vedado o lançamento de novos registros nos que foram subtraídos. Só aí terão uma ata,
para os efeitos que a ela concede a Lei das Sociedades por Ações." Já MODESTO
CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 J edição, São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 770-771, entende que os acionistas podem providenciar junto a um
Tabelião de Notas da Comarca em que esteja situada a sede da companhia, a lavratura da
ata mediante escritura pública. No mesmo sentido, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Socie-
dades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009,
p. 148.
expressamente da ata declarações que possam ser prejudiciais à com-
panhia222, admite que ela seja lavrada na forma de sumário dos fatos
ocorridos, inclusive dissidências e protestos e contenha apenas a trans-
crição das deliberações tomadas. Como a Lei das S.A. não distingue
sobre quando é cabível ou não a elaboração de ata sumária, pode ela
ser utilizada em qualquer assembleia, independentemente de sua es-
pécie e das matérias deliberadas, salvo se a maioria dos acionistas pre-
sentes decidir em sentido contrário.
E obrigatório constar da ata da assembleia geral, seja ordinária
ou extraordinária, lavrada ou não na forma de sumário dos fatos ocor-
ridos: (i) a espécie de assembleia (ordinária e/ou extraordinária); (ii) o
local, data e hora de realização da assembleia, bem como os jornais e
as datas em que o edital de convocação foi publicado; (iii) o quorum de
instalação; (iv) o nome do presidente e secretário da mesa; (v) a ordem do
dia; (vi) os fatos ocorridos e as deliberações tomadas; e (vii) o fechamen-
to, fazendo referência ao encerramento dos trabalhos, àlavratura da ata, à
sua leitura e aprovação, seguindo-se as assinaturas do presidente, do se-
cretário da mesa e dos acionistas223.
Tratando-se de ata de assembleia geral ordinária, deverá também
ela indicar os jornais que publicaram o aviso de que o relatório da admi-
nistração, as demonstrações financeiras e o parecer dos auditores inde-
pendentes, se houver, estavam à disposição dos acionistas. Havendo
eleição de administradores e membros do conselho fiscal, os mesmos
devem ser qualificados na ata com a indicação do nome completo, na-
cionalidade, estado civil, profissão, número de identidade, órgão expe-
didor, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF,
residência com endereço completo e prazo de gestão. A qualificação
completa é obrigatória mesmo no caso de reeleição.
227 Sobre esse assunto, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 091/1979, observou que: "Cabe, em
primeiro lugar, ressaltar que, conforme entendimento unânime da doutrina, à mesa e à
assembleia não é permitido impedir a transcrição em ata de declarações e protestos, por
considerarem os mesmos improcedentes quanto ao mérito. O poder de arbítrio que lhes
é reconhecido cinge-se à apreciação da forma injuriosa que muitas vezes revestem tais
declarações e protestos, devendo a mesa encontrar a linguagem apropriada para a trans-
crição dos mesmos."
228 Consta do item 2.2.4 do "Manual de Atos de Registro Público de Empresas Mercantis e
Atividades Afins", aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/2006, que a cópia
autêntica da ata levada a arquivamento na Junta Comercial deve conter: (i) o título do
documento; (ii) o número de Identificação do Registro de Empresas - NIRE; (iii) o número
de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ; (iv) as assinaturas de
próprio punho, dos acionistas que subscreveram o original lavrado no livro próprio e as do
presidente e secretário da assembleia, ou os nomes de todos os que assinaram, com a
certificação de que a mesma confere com o original, com a indicação do livro e folhas em
que foi lavrada, devendo ser assinada pelo presidente, secretário da assembleia ou diretor.
Esclarece, ainda, que as folhas não assinadas deverão ser rubricadas.
229 Determina o § 3 o do art. 13 da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010, que: "As informações enviadas à CVM nos termos do
caput devem ser entregues simultaneamente às entidades administradoras dos merca-
dos em que valores mobiliários do emissor sejam admitidos à negociação, na forma por
elas estabelecida."
funcionar também devem enviar a ata ao respectivo órgão regulador, ob-
servada a regulamentação específica.
Na análise dos pedidos de registro ou arquivamento, a compe-
tência da Junta Comercial limita-se ao exame do cumprimento das
formalidades legais dos documentos, cumprindo-lhe zelar pelo aten-
dimento dos requisitos legais e regulamentares, mas a ela é vedado
analisar o mérito das deliberações tomadas230-231-232.
O Código Civil determina que os registros dos atos sujeitos ao
Registro Público de Empresas Mercantis devem ser requeridos no
prazo de 30 (trinta) dias contado da lavratura dos atos respectivos e
que, na hipótese de serem solicitados após esse prazo, somente pro-
duzirão efeitos a partir de sua concessão. As pessoas obrigadas a re-
querer o registro responderão pelos prejuízos causados na hipótese de
omissão ou demora233-234.
230 A Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e
atividades afins, determina, no caput do art. 40, que: "Art. 40. Todo ato, documento ou
instrumento apresentado a arquivamento será objeto de exame do cumprimento das forma-
lidades legais pela junta comercial."
231 Nesse sentido já se manifestou o DNRC, por meio do Parecer Jurídico DNRC/COJUR n°
194/1998, elaborado nos autos do Processo MDIC n° 52700-000228/98-93, disponível
em: <www.dnrc.gov.br>: "Recurso - Ata de ACO e AGE - Cancelamento de Ato Arquivado
- Questões Intrínsecas - Competência das juntas Comerciais: A competência das juntas
comerciais se circunscreve ao exame das formalidades essenciais e formais, cumprindo-lhes
velar pelo cumprimento da lei, sem entrar em indagações de ordem jurídica controvertida
ou interferir na manifestação da vontade das partes, cuja prerrogativa indelegável é do
Poder judiciário."
232 Sobre esse assunto, MIGUEL REALE, "A Exclusão de Sócios das Sociedades Mercantis e o
Registro do Comércio", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 150,
julho, 1944, p. 481, observa que: "(...) não há inconveniente, mas antes vantagem, em que
o órgão incumbido do Registro do Comércio não entre em apreciação controvertida da
substância dos contratos, indo além da já delicada missão de zelar pela observância das
formalidades essenciais." No mesmo sentido é a decisão da 2 a Turma do Tribunal Regional
Federal da 1a Região, proferida no julgamento da Apelação em Mandado de Segurança n°
89.01.21654-0/MG, Rei. Des. Hercules Quasimodo, j. em 23.08.1994, publicado no DO
de 13.10.1994.
233 Art. 1.151, §§ 1o, 2° e 3 o , do Código Civil.
234 Consta do art. 36 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas
Mercantis e atividades afins, que os documentos sujeitos a registro devem "ser apresenta-
dos a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja
data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá
eficácia a partir do despacho que o conceder." No mesmo sentido é o art. 33 do Decreto
n° 1.800/1996, que regulamenta a Lei n° 8.934/1994.
A ata deverá ser publicada em órgão oficial da União ou do Esta-
do em que se localizar a companhia e em outro jornal de grande circu-
lação editado na localidade em que está situada a sua sede (artigo 289).
Tratando-se de companhia aberta cujos valores mobiliários sejam ad-
mitidos à negociação em Bolsa de Valores ou em mercado de balcão, a
Comissão de Valores Mobiliários poderá determinar que as publica-
ções ordenadas pela Lei das S A . sejam feitas, também, em jornal de
grande circulação nas localidades em que os valores mobiliários da
companhia sejam negociados, ou disseminadas por algum outro meio
que assegure sua ampla divulgação e imediato acesso às informações
(artigo 289, §1°).
Se a ata não for lavrada na forma de sumário, poderá, nos termos do
§ 3°, ser publicado apenas o seu extrato, com o resumo das deliberações
tomadas. Adotada a forma de sumário, a publicação deverá reproduzir
fielmente a ata, tal como lavrada no respectivo livro. Um exemplar dessas
publicações também deve ser arquivado na Junta Comercial. A prova da
publicidade deverá ser feita mediante a sua anotação nos registros da
Junta Comercial à vista da apresentação da folha do Diário Oficial, ou do
jornal onde foi feita a publicação235-236.
A assembleia geral de companhia aberta com grande número de
acionistas, conforme previsto no § 2°, pode autorizar a publicação de
ata com omissão das assinaturas dos acionistas.
235 Art. 54 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mer-
cantis e Atividades Afins. Consta, ainda, do art. 77 do Decreto n° 1.800/1996, que
regulamenta a Lei n° 8.934/1994, que: "Art. 77. A prova da publicidade de atos
societários, quando exigida em lei, será feita mediante anotação nos registros da Junta
Comercial, à vista de apresentação de folha do órgão oficial e, quando for o caso, do
jornal particular onde foi feita a publicação, dispensada a juntada da mencionada
folha. Parágrafo único. É facultado, ainda, às sociedades por ações, mencionar, na ata
apresentada a arquivamento, a data, o número da folha ou da página do órgão oficial
e do jornal particular onde foram feitas as publicações preliminares à realização da
assembleia a que se referem, dispensada a sua apresentação."
236 Consta da alínea "f" do item 2.2.5 do "Manual de Atos de Registro Público de Empresas
Mercantis e atividades afins", aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/2006,
que: "A menção, ainda, das datas e dos números das folhas das publicações dispensará
a apresentação das mesmas à junta Comercial, quer seja acompanhando a ata, quer seja
para anotação."
Qualquer acionista pode requerer certidão ou cópia autêntica da
ata e, caso ela seja lavrada na forma de sumário, poderá solicitar certi-
dão dos documentos, propostas submetidas à deliberação, declarações
de voto e dissidências, tendo em vista que são partes integrantes da ata.
Terceiros interessados poderão obter cópia da ata e dos documentos a
ela anexados após o seu arquivamento na Junta Comercial.
Espécies de assembleia
"Art. 131. A assembleia geral é ordinária quando tem por objeto
as matérias previstas no artigo 132, e extraordinária nos demais
casos.
237 Sobre a assembleia geral, ver os comentários ao art. 121 da Lei das S.A., e especificamente
sobre a assembleia geral ordinária, ver os comentários ao art. 132 da Lei das S.A.
238 A própria Lei das S.A. estabelece, no § 3 o do art. 161, que: "O pedido de funcionamento
do conselho fiscal, ainda que a matéria não conste do anúncio de convocação, poderá ser
formulado em qualquer assembleia geral, que elegerá os seus membros."
ordem do dia e constante do edital de convocação239. A Lei das
S.A. não determinou a obrigatoriedade de que seja realizada anual-
mente, pois será convocada sempre que houver necessidade.
Para a assembleia geral extraordinária, a Lei das S.A. deter-
mina a obrigatoriedade de se colocar à disposição dos acionistas,
na sede da companhia, por ocasião da publicação do primeiro anún-
cio de convocação, os documentos pertinentes à matéria a ser de-
liberada (artigo 135, § 3°). De qualquer forma, o próprio anúncio
de convocação leva ao conhecimento dos acionistas as matérias
que serão objeto de discussão e deliberação, a fim de permitir que
eles solicitem as informações necessárias à sua decisão de compa-
recer à assembleia, obtenham esclarecimentos e exerçam o direito
de voto de forma consciente. Assim, deve constar do anúncio a
relação completa e precisa da ordem do dia, com a especificação
de todas as matérias que serão deliberadas 240 .
A Comissão de Valores Mobiliários, em 2009, editou normas es-
tabelecendo exigências relativas ao disclosure de informações previa-
mente à realização das assembleias gerais das companhias abertas, com
a finalidade de facilitar a participação de acionistas minoritários no con-
clave. Relativamente a algumas deliberações específicas - tais como:
aumento e redução de capital, alterações das regras sobre dividendo
obrigatório, escolha de avaliadores, fixação de remuneração dos admi-
nistradores, reforma do estatuto social, emissão de debêntures ou bô-
nus de subscrição, aquisição do controle de outra sociedade e matérias
cuja deliberação enseje direito de recesso - a Comissão de Valores
Mobiliários fixou as informações indispensáveis e os prazos de antece-
dência para que sejam apresentados pela companhia241.
239 Sobre a assembleia geral extraordinária, ver os comentários ao art. 135 da Lei das S.A.
240 Ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
241 Ver os arts. 7° a 21 da Instrução CVM nD 481/2009, que dispõe sobre informações e pedidos
públicos de procuração para exercício do direito de voto em assembleias de acionistas.
As assembleias gerais ordinária e extraordinária podem ser, cu-
mulativamente, convocadas para o mesmo local, data e hora e lavra-
das em ata única. No entanto, cada uma delas será objeto de deliberação
das matérias que são de sua competência242.
Em qualquer hipótese, devem constar da ata as matérias que
foram aprovadas por maioria absoluta de votos (artigo 129) e pelo
quorum qualificado, como é o caso, por exemplo, de deliberações
relativas à redução do dividendo obrigatório e mudança do objeto
social, para as quais é necessária a aprovação de acionistas que
representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se
maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas
ações não estejam admitidas à negociação em Bolsa de Valores ou
no mercado de balcão (artigo 136, incisos III e VI).
Pode ocorrer, na hipótese de convocação cumulativa, de não se
obter em I a convocação quorum para a instalação das 2 (duas) assem-
bleias. A Lei das S.A. determina que ressalvadas as exceções nela
previstas, a assembleia geral instala-se, em I a convocação com a pre-
sença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do
capital social com direito de voto (artigo 125, caput). No entanto, no
artigo 135 estabelece que a assembleia geral extraordinária que tiver
por objeto a reforma do estatuto social somente se instalará em I a
convocação com a presença de acionistas que representem 2/3 (dois
terços), no mínimo, do capital com direito a voto. Nesse caso, não
comparecendo à assembleia os acionistas necessários à formação do
SEÇÃO SI
ASSEMBLEIA G E R A L O R D I N Á R I A
Objeto
"Art. 132. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguin-
tes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assem-
bleia geral para:
243 Sobre a convocação, ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
para convocar a assembleia. Se o retardamento for superior a 60 (ses-
senta) dias, qualquer acionista poderá fazê-lo244.
Nas companhias fechadas, a primeira convocação da assembleia
o-eral deverá ser feita com 8 (oito) dias de antecedência, no mínimo,/ con-
O
tado o prazo da publicação do primeiro anúncio; não se realizando a
assembleia, será publicado novo anúncio, de segunda convocação, com
antecedência mínima de 5 (cinco) dias. Nas companhias abertas, o prazo
de antecedência é fixado em 15 (quinze) dias, em primeira convocação, e
em 8 (oito) dias, em segunda convocação (artigo 124, § 1°, incisos I e II).
A convocação far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três) vezes, no
mínimo, em órgão oficial da União ou do Estado em que se localizar a
companhia e em outro jornal de grande circulação editado na localidade
em que está situada a sua sede (artigo 289). As publicações devem ser
efetuadas sempre no mesmo jornal e qualquer mudança deverá ser pre-
cedida de aviso aos acionistas no extrato da ata da assembleia geral ordi-
nária (artigo 289, § 3°). Relativamente às companhias abertas, a Comissão
de Valores Mobiliários poderá determinar que as publicações também
sejam feitas em jornal de grande circulação nas localidades em que os
valores mobiliários da companhia sejam negociados em Bolsa de Valores
ou em mercado de balcão (artigo 289, § 1°)24S.
Tendo em vista que as companhias são obrigadas a elaborar as
suas demonstrações financeiras ao fim de cada exercício social, que
devem exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e
as mutações ocorridas no período (artigo 176), a Lei das S.A. estabele-
ceu a periodicidade anual da assembleia geral ordinária que, nos ter-
mos do caput, deve ser realizada nos 4 (quatro) primeiros meses
seguintes ao término do exercício social. Assim, só pode ser realizada
uma única assembleia geral ordinária por ano.
244 Sobre a competência para a convocação da assembleia, ver os comentários ao art. 123 da
Lei das S.A.
245 Ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
O exercício social é o período de levantamento das contas e apu-
ração do resultado da companhia. Por meio do encerramento do exer-
cício verifica-se a situação patrimonial em uma determinada data. A
Lei das S.A. estabelece que (i) o exercício social terá a duração de 1
(um) ano; e (ii) a data do seu término deverá ser fixada no estatuto
social (artigo 175). O exercício social pode corresponder ao ano civil,
iniciando-se, portanto, em 1° de janeiro e terminando em 31 de de-
zembro - o que ocorre na maioria das companhias brasileiras, tendo
em vista que a legislação do imposto de renda determina o levanta-
mento do balanço nessa data - ou compreender qualquer outro perío-
do, observada a duração de 1 (um) ano.
A anualidade do exercício social é princípio de ordem pública e,
portanto, inderrogável. Ainda que a companhia, por disposição esta-
tutária ou determinação legal, esteja obrigada a elaborar demonstra-
ções contábeis em períodos inferiores a 1 (um) ano - como é o caso,
por exemplo, das instituições financeiras246 - ou declare dividendos
intermediários com base em balanços semestrais247, não há modifica-
ção da regra contida no artigo 175.
As 2 (duas) únicas exceções à regra da periodicidade de 1 (um)
ano do exercício social ocorrem no primeiro exercício após a consti-
tuição da companhia e por ocasião da alteração do estatuto social
com a finalidade de modificar a data do seu início ou término248.
Assim, o encerramento do exercício social impõe à companhia a
obrigação de elaborar, com base na escrituração mercantil, as demons-
trações contábeis, por meio das quais é possível acompanhar a sua
249 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 176 da Lei das S.A.
250 No mesmo sentido é o Parecer CVM/SJU n° 051/1978.
251 O Departamento Nacional do Registro do Comércio, por meio do "Manual de Atos e
Registro das Sociedades Anônimas", aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/
2006, no item 2.2.6, firmou entendimento no sentido de que "é admissível o arquivamen-
to de ata de assembleia geral ordinária realizada fora do prazo legal."
252 Sobre a responsabilidade dos membros do conselho de administração pelo atraso na
convocação da assembleia geral ordinária, o Colegiado da CVM, no julgamento do Proces-
so Administrativo Sancionador n° RJ 2005/8528, decidiu que: "(...) o art. 142, IV da Lei
6.404/76 atribui essa responsabilidade ao conselho de administração. Também o (...)
estatuto social da Companhia estabelece que a convocação compele ao conselho de
administração, através de seu presidente e, portanto, trata-se de responsabilidade não só
do presidente, mas de todo o órgão colegiado. (...) Entretanto, para que a AGO
grave, para os efeitos do § 3° do artigo 11 da Lei n° 6.385/1976, a não
observância do prazo fixado nesse artigo para a sua realização253-254.
Constitui a assembleia o meio próprio para aferir-se a vontade da
maioria dos acionistas que deve, por definição, prevalecer. Os adminis-
tradores têm o dever legal de lealdade à companhia (artigo 155) e, por-
tanto, devem obediência às normas estatutárias e às diretrizes emanadas
da assembleia geral, que exprimem a vontade social. Assim, as delibera-
ções da assembleia geral ordinária devem ser obedecidas e implementa-
das pelos administradores, sob pena de virem a ser responsabilizados.
A Lei das S.A. especificou expressamente neste artigo as matérias
que são de competência da assembleia geral ordinária; trata-se de nor-
ma de ordem pública, portanto, é ilegal qualquer dispositivo do estatuto
social que disponha em sentido contrário.
T O M A D A DE C O N T A S D O S A D M I N I S T R A D O R E S , E X A M E , D I S C U S S Ã O E
V O T A Ç Ã O DAS D E M O N S T R A Ç Õ E S FINANCEIRAS
259 Sobre a aprovação das demonstrações financeiras e a tomada de contas dos administrado-
| res, ver JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN, "Aprova-
ção das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus Efeitos.
Necessidade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos Administra-
i dores para Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro
e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei 6.404/76. São
Paulo: Quartíer Latin, 2007, p. 43.
260 Ver os comentários ao arL 134 da Lei das S.A.
261 NELSON EIZIR1K. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 109.
Sobre a aprovação das demonstrações financeiras e a tomada de contas dos administrado-
res, ver, também, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN,
"Aprovação das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus
lanço pela assembleia geral ordinária tem a natureza de um ato jurídico
negociai de eficácia declaratória, cujos efeitos operam-se retroativamen-
te, a partir do momento em que foram levantadas as demonstrações fi-
nanceiras no encerramento do exercício social262.
A aprovação sem reserva das contas dos administradores opera
a desoneração de sua responsabilidade e dos membros do conselho
fiscal, salvo erro, dolo, fraude, simulação (artigo 134, § 3°) ou coa-
ção263. Os administradores não podem votar como acionistas sobre
o relatório da administração, as suas próprias contas e as demons-
trações financeiras (artigo 134, § 1°).
Apesar do inciso I e do artigo 133 referirem-se, separadamen-
te, às "contas dos administradoresàs "demonstrações financeiras" e
ao "relatório da administraçãoo exame dos 2 (dois) últimos está
abrangido pela análise das contas do exercício. A prestação anual
de contas dos administradores desdobra-se em 2 (duas) peças fun-
damentais: o relatório da administração e as demonstrações finan-
ceiras. Ambos têm por objetivo informar os acionistas sobre os
resultados do exercício, distinguindo-se apenas na forma pela qual
se transmite tal informação: em termos contábeis, no caso das de-
monstrações financeiras; em linguagem literal, em se tratando do
relatório da administração. Assim, os 2 (dois) documentos, embora
mencionados separadamente pela Lei das S.A., são, usualmente,
apreciados em conjunto pelos acionistas ao tomarem as contas da
264 ALBERTO XAVIER. Administradores de Sociedades. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1979, p. 92, observa que: "Estamos assim em posição de concluir que o objeto de
deliberação a que se refere o n. 1 do art. 132 é unitariamente constituído pelas contas
anuais do exercício, que têm por objetivo a apuração do lucro - que - estas sim,
constituem uma realidade jurídica incindível. O relatório, as demonstrações financei-
ras (e seus complementos) são instrumentos técnico-jurídicos da prestação de contas
que têm em vista a elucidação dos acionistas. O mesmo se diga do parecer do conselho
fiscal e dos esclarecimentos dos administradores prestados no decurso da própria
assembleia."
265 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de
Janeiro: Forense, 1953, p. 138, observa que podem os administradores: "(...) ter viola-
do a lei ou estatutos e até agido maliciosamente na administração da sociedade.
Verifica a exatidão do balanço, a assembleia não deixará de aprová-lo, sem que,
entretanto, essa aprovação envolva a aprovação dos resultados que ele positiva.
aprovação do balanço não significa, pois, a exoneração da responsabilidade dos
diretores e fiscais."
266 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN, "Aprovação
das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus Efeitos.
Necessidade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos Adminis-
tradores para Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro de
Castro e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei
6.404/76..., p. 44.
As contas apresentadas pela administração da companhia cons-
tituem mera proposta, que somente produz efeitos jurídicos após
ser aprovada pelos acionistas em assembleia geral. Antes disso, o
que se tem é apenas um projeto ou minuta do balanço, sem valor
contábil ou existência jurídica267-268.
A Lei das S.A. expressamente reconhece o caráter de mera pro-
posta das contas elaboradas pela administração, tanto que esse arti-
go confere à assembleia geral competência privativa para tomar as
contas da administração e examinar, discutir e votar as demonstra-
ções financeiras, sendo tal órgão soberano para determinar modifi-
cações ou recusar as contas269.
No caso de aprovação integral das contas da administração, a
Lei das S.A. expressamente dispõe que tal deliberação isenta os ad-
ministradores de responsabilidade, exceto se posteriormente for com-
provada a existência de algum vício (artigo 134, § 3°)270.
EA D I S T R I B U I Ç Ã O DE D I V I D E N D O S
271 Conforme observa JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário..., p. 380: "Os
acionistas, ao deliberarem sobre as demonstrações financeiras, a não ser quando previamen-
te avisados e movidos pela suspeição, não dispõem de elementos para um exame aprofundado
desses documentos. Sabe-se que uma empresa de auditoria, para pronunciar-se com segu-
rança, consome muitas horas e muita experiência em seu trabalho. Consequentemente, não
se poderia esperar que os acionistas, até mesmo o controlador, dispusessem, na assembleia,
de pleno conhecimento de causa a respeito dos vários negócios e operações resumidos nas
demonstrações financeiras e nas notas explicativas. Desse modo, a exoneração dos adminis-
tradores, que decorre da aprovação das demonstrações financeiras, é relativa e aparente,
pois tudo aquele que tenha escapado ao conhecimento dos acionistas, e que seja substan-
cial, posto que suficiente para demovê-los de aprovar as contas, caracterizará uma hipótese
de erro, consequenciando a reabertura do problema, para efeito de responsabilização dos
envolvidos."
dividendo; e (ii) apropriadas às reservas272. Tendo em vista que as de-
monstraçõesfinanceirasregistram a destinação dos lucros segundo a pro-
posta dos órgãos da administração (artigo 176, § 3°), a assembleia geral
ordinária é livre para determinar diversamente a destinação do lucro dis-
ponível após a dedução do dividendo mínimo obrigatório e das reservas
legais e estatutárias, observado, no entanto, o disposto no estatuto e nos
artigos 193 a 202.
O direito de participar dos lucros sociais é considerado um direito
essencial do acionista (artigo 109, inciso I). Constitui fim fundamental
da companhia gerar lucros e distribuí-los entre os seus sócios. Na com-
panhia, o interesse econômico imediato é a repartição periódica dos lu-
cros sob a forma de dividendos, como uma espécie de frutos civis dos
contingentes do capital de cada um dos acionistas273.
Um dos aspectos mais relevantes na execução do contrato social é o
da distribuição dos lucros, no qual se realiza o interesse individual dos
acionistas. Os sócios que participam da assembleia de deliberação da dis-
tribuição dos resultados devem comportar-se tendo em vista o princípio
da boa-fé, o qual exige que, preservada a continuação do empreendimen-
to econômico, devem os lucros ser divididos entre eles274.
O exercício do direito aos dividendos depende da existência de
lucros, que constitui pressuposto necessário à sua distribuição275. Em-
bora o resultado positivo da companhia, representado pelo ganho fi-
nanceiro nela ingressado em razão de suas atividades, seja denominado
genericamente "lucro", o direito do acionista refere-se à distribuição do
272 No que se refere às companhias abertas, a proposta para destinação do lucro líquido
deverá conter, no mínimo, as informações exigidas no Anexo 9-1-11 da Instrução CVM
n° 481/2009, e, nos termos do Ofício-Circular/CVM/SEP/N" 004/2011, não deverá "se
restringir à enumeração dos itens a serem submetidos à deliberação assemblear, uma
vez que tal procedimento a tornaria uma mera repetição de informações já contidas no
Edital de Convocação."
273 HERNANl ESTRELA. Direito Comercial (Estudos). Rio de Janeiro: José Konfino Editor,
1969, p. 190.
274 CIUSEPPE FERRI. Le Società. Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1971, p. 414.
275 Ver os comentários aos arts. 17 e 202 da Lei das S.A.
lucro líquido do exercício (artigo 191): aquele que remanesce depois
da dedução dos prejuízos acumulados, da provisão para o imposto de
renda e de todas as modalidades de participação no lucro a que te-
nham direito os debenturistas, empregados, administradores, etc.276
(artigos 189,190 e 191).
Caso a situação financeira da companhia não permita a distri-
buição de dividendos e o acionista não possa exercer naquele perío-
do o seu direito de participar nos lucros, os mesmos permanecem
inalterados, por força de disposição expressa da Lei das S.A. (artigo
202, § 5°). Assim, o direito ao dividendo permanece íntegro, tornan-
do-se exigível quando o mesmo for verificado, inclusive em relação
aos períodos em que se manteve suspenso.
Uma vez levantado e aprovado o balanço e verificada a existên-
cia de lucro líquido, apurado na forma da Lei das S.A.277, o acionista,
que já detinha o direito expectativo de receber os lucros, adquire, a
partir desse momento, o direito ao seu exercício. Trata-se de um direi-
to subjetivo do acionista, correspondente à obrigação da companhia
de perseguir um fim lucrativo278.
O direito ao dividendo constitui um direito expectativo, não uma
mera expectativa de direito279, ou seja, já integra o universo jurídico,
da mesma forma que ocorre com o direito de preferência à subscrição
de novas ações. Havendo lucro, fixado pelo balanço e determinando
a assembleia geral ordinária o quantum e a maneira de sua distribui-
ção, caso os estatutos já não o tenham feito, deixa de haver direito
expectativo para nascer o direito expectado ao dividendo280, passando
276 Sobre esse assunto, ver JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Finan-
ceiras da Companhia (Conceitos Fundamentais). 2'1 edição, Rio de Janeiro: Forense, 1989,
p. 449.
277 Ver os comentários aos arts. 190 e 191 da Lei das S.A.
278 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Direito do Acionista ao Dividendo..., p. 305-307.
279 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. V, 4 a edição, São Rnulo: Borsoi,
1983, § 576, p. 264.
280 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 114; FÁBIO KONDER COMPARATO. Novos
Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 177.
o acionista à posição de credor da companhia. Embora o direito ao
crédito surja no âmbito da relação social, destaca-se dela, criando-se,
assim, uma situação de ilegitimidade da sociedade para revogar a dis-
tribuição de dividendos. Uma deliberação da assembleia de tal natu-
reza, por atingir direitos de acionista enquanto terceiros — credores - ,
seria absolutamente ineficaz281.
Assim, o direito ao dividendo apresenta as seguintes caracte-
rísticas essenciais: é direito subjetivo, individual, de conteúdo eco-
nômico irrenunciável e irrevogável do acionista, que se converte em
direito de crédito contra a companhia quando a assembleia geral
ordinária delibera sua distribuição282-283.
A proposta de destinação do lucro líquido do exercício das com-
panhias abertas deve conter as informações mínimas exigidas pela
Comissão de Valores Mobiliários284.
ELEIÇÃO DE A D M I N I S T R A D O R E S E M E M B R O S
D O C O N S E L H O FISCAL
281 C U I D O ROSSI, "Diritto Agli Utili e Diritto alia Quota di Liquidazione", Rivista delle
Società. Milano: Giuffrè, v. 2, Ano II, 1957, p. 287.
282 JORGE LOBO. Direitos dos Acionistas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 180.
283 Nesse sentido é o julgamento proferido pela 4° Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, nos autos da Apelação Cível n° 67.568-1, Rei. Des. Olavo Silveira, j.
em 12.12.1985, publicado na Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
v. 609, julho, 1986, p. 70-71.
Ver o art. 9°, § 1 o , inciso II, e o Anexo 9-1-11 da Instrução CVM n° 481/2009.
Por outro lado, a competência para a eleição e destituição dos ad-
ministradores é, apenas em regra, da assembleia geral ordinária, pois
nada impede que a assembleia geral extraordinária delibere, quando
necessário, sobre essa matéria, como ocorre, por exemplo, na hipótese
de eleição de membros do conselho de administração ou da diretoria
quando um deles renuncia ao cargo ou falece; a substituição é efetuada
na primeira assembleia geral seguinte ao evento, independente de ser
ela ordinária ou extraordinária.
No caso de companhias abertas, sempre que a assembleia geral
ordinária for convocada para eleger administradores ou membros do
conselho fiscal, deverão ser fornecidas as informações mínimas de-
terminadas pela Comissão de Valores Mobiliários285.
Documentos da administração
"Art. 133. Os administradores devem comunicar, até 1 (um) mês
antes da data marcada para a realização da assembleia geral ordi-
nária, por anúncios publicados na forma prevista no artigo 124,
que se acham à disposição dos acionistas:
285 Ver o art. 10 da Instrução CVM n° 481/2009 e Itens 12.6 a 12.10 do "Formulário de
Referência" constante do Anexo 24 da Instrução CVM n° 480/2009, relativamente aos
candidatos indicados ou apoiados pela administração ou pelos acionistas controladores.
Quanto aos documentos e informações mínimas que deverão ser disponibilizados aos
acionistas quando da convocação da assembleia geral, ver os arts. 8o a 21 da Instrução
CVM n° 481/2009. Essa Instrução, que entrou em vigor em 01.01.2010, instituiu uma
nova disciplina aos assuntos relacionados às assembleias gerais de companhias abertas
que possuam ações admitidas à negociação em mercados regulamentados, inclusive no
que diz respeito às informações que devem acompanhar os anúncios de convocação e às
informações e documentos relativos às matérias que serão deliberadas.
IV - o parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes, se
houver; e (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)
286 Consta do Parecer jurídico DNRC/COJUR n° 220/1997, que analisou caso em que os
documentos de publicação obrigatória, relacionados nos incisos I a III do art. 133, foram
publicados na data da realização da assembleia geral ordinária que reuniu a totalidade dos
acionistas, disponível em: <www.dnrc.gov.br>, manifestação do sentido de que: "O cerne
da decisão hostilizada está refletida na expressão 'antes' da realização da assembleia
atacada e contra-atacada pela Procuradoria da JUCERJ, considerando que a 'expressão
antes, contida no § 4°, do art. 733 (...) deve ser entendida, no máximo, até a véspera da
realização da assembleia, ou seja, um dia antes dessa data.' (...) entendemos que a expres-
são véspera não poderá ser substituída pela expressão antes, advérbio, com significação
própria: em tempo anterior; e antes da, significa anteriormente a. Certo é que a expressão
véspera é (....) 1. a tarde; 2. o dia que antecede imediatamente aquele que se trata; e 3.
época ou tempo que precede certos acontecimentos. Parece claro, assim, que a expressão
antes contida no § 4° do art. 133, da Lei n° 6.404/76 tem seu perfil bem delineado (...). A
nosso ver, não houve transgressão do dispositivo evocado, pois se o legislador quisesse,
teria feito a remissão expressa no prazo para a publicação dos documentos, mas não o fez.
(...) não vemos qualquer dificuldade ou afronta à lei se a publicação foi no mesmo dia da
realização do conclave."
287 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 008/1980, manifestou-se no sentido de que: "A publica-
ção do relatório da diretoria é requisito que a lei considera obrigatório para a regularidade
da realização da assembleia geral ordinária. O dispositivo legal, que assim dispõe, o § 4o,
in fine, do artigo 133 da Lei n° 6.404/76, integra o sistema de informação, dirigindo a toda
a comunidade e tem por isto a força cogente de norma de ordem pública; sua omissão não
pode ser sanada pelo comparecimento da totalidade dos acionistas e imporia em irregula-
ridade da própria assembleia." No mesmo sentido é o Parecer CVM/SJU n° 089/1979.
dessa publicação. A assembleia geral ordinária instalada sem a
observância da regra de publicidade indispensável prevista neste
artigo não pode deliberar.
A companhia aberta que possua ações admitidas à negociação em
mercados regulamentados, além dos documentos constantes dos inci-
sos I a V, deve tornar disponíveis aos acionistas, também até 1 (um)
mês antes da data marcada para a realização da assembleia geral ordi-
nária, por meio de sistema eletrônico na página da Comissão de Valo-
res Mobiliários na rede mundial de computadores, adicionalmente os
seguintes documentos e informações: (i) comentário dos administra-
dores sobre a situação financeira da companhia; (ii) proposta de desti-
nação do lucro líquido do exercício; e (iii) parecer do comitê de auditoria,
se houver288. Constitui infração grave, para os efeitos da Lei n° 6.385/
1976, a violação dessas obrigações289.
A Lei das S.A. determina, ainda, a obrigatoriedade de o adminis-
trador de companhia aberta revelar à assembleia geral ordinária, a pe-
dido de acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do
capital social: (i) o número dos valores mobiliários de emissão da com-
panhia ou de sociedades controladas, ou do mesmo grupo, que tiver
adquirido ou alienado, diretamente ou através de outras pessoas, no
exercício anterior, (ii) as opções de compra de ações que tiver contrata-
do ou exercido no exercício anterior; (iii) os benefícios ou vantagens,
indiretas ou complementares, que tenha recebido ou esteja receben-
do da companhia e de sociedades coligadas, controladas ou do mes-
mo grupo; (iv) as condições dos contratos de trabalho que tenham
sido firmados pela companhia com os diretores e empregados de alto
288 Art. 2°, combinado com os arts. 6° e 9° da Instrução CVM n° 481/2009. No mesmo sentido
são os arts. 21, incisos VI e VIII, e 25, § 1o, da Instrução CVM n° 480/2009, com as
alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010. O comentário dos administrado-
res sobre a situação financeira da companhia deve ser efetuado nos termos do item 10 do
"Formulário de Referência", aprovado pela Instrução CVM n° 480/2009, e a proposta de
destinação do lucro líquido do exercício deve conter, no mínimo, as informações indicadas
no Anexo 9-1-II da Instrução CVM n° 481/2009.
289 Art. 34, inciso l, da Instrução CVM n° 481/2009.
nível; e (v) quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da com-
panhia (artigo 157, § 1°).
O disclosure pode desempenhar uma importante função não só para
melhorar a eficiência do mercado de capitais, mas também para aprimo-
rai" as práticas da chamada "governança corporativa". Em primeiro lugar,
permite que os acionistas, uma vez bem informados, possam melhor exer-
cer o seu direito de voto, assim como fiscalizar de forma mais eficiente os
administradores, no exercício de seus deveres fiduciários. Ademais, apre-
senta efeitos positivos em alguns mecanismos essenciais de controle da
gestão dos administradores: a companhia é mais eficazmente avaliada
no chamado "mercado de controle"; reduz-se o risco de os administrado-
res atribuírem-se salários e outros benefícios despropositados; obriga-se
os administradores a submeter as suas políticas de captação de recursos e
de investimentos ao permanente escrutínio do mercado290. A norma do
artigo 157 que trata do dever de informar está direcionada apenas aos
administradores de companhias abertas, uma vez que, no caso das fecha-
das, não há interesses de investidores a serem tutelados291.
Determina a Lei das S.A. que as companhias abertas com
ações admitidas à negociação em Bolsa de Valores deverão reme-
ter, na data da publicação do anúncio de convocação da assem-
bleia, à Bolsa de Valores em que suas ações forem mais negociadas,
os documentos postos à disposição dos acionistas para delibera-
ção na assembleia geral (artigo 124, § 6°)292.
290 MERRIT B. FOX, "Required Disclosure and Corporate Governance". In: Klaus J. Hopl,
Hideki Kanda, Mark J. Roe, Eddy Wymeersch, and Stefan Prigge (Coord.). Comparative
Corporate Governance - The State of the Art and Emerging Research. New York: Oxford
University Press, 1998, p. 701 e seguintes.
291 Sobre o dever dos administradores de informar, ver os comentários ao art. 157 da Lei
das S.A.
292 Determina a Instrução CVM n° 251/1996, com as alterações introduzidas pela Instrução
CVM n° 335/2000, que constitui hipótese de infração de natureza objetiva, em que
poderá ser adotado o rito sumário de processo administrativo, de acordo com o Regula-
mento anexo à Resolução CMN n° 1.657/1989, deixarem os administradores de compa-
nhia aberta de "publicar os anúncios e as demonstrações financeiras anuais nos prazos
previstos no art. 133 da Lei n° 6.404." (art. I o , inciso I, alínea "c").
RELATÓRIO D A A D M I N I S T R A Ç Ã O
293 Sobre esse assunto, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2"
edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 130, observa que no relatório da administração
deverá constar "(...) com clareza, todos os acontecimentos que influíram na exploração do
objeto social, as causas determinantes dos prejuízos, as modificações ou alterações havidas
na legislação, que interessar à sociedade, notadamente no que respeita a impostos e taxas.
Explicará, quanto possível, sem revelar segredos de indústria ou comércio, as verbas cons-
tantes do balanço, as importâncias levadas aos diferentes fundos de amortização e de
reserva e finalizará com a proposta de distribuição do dividendo, na forma prescrita nos
• estatutos. Se a sociedade estiver filiada a outras ou sobre outras exercer o controle, a
diretoria deverá também, no seu relatório, dar precisas informações sobre a situação, dessas
sociedades."
294 Art. 177, § I o , inciso I, do Código Penal.
diretores e membros do conselho de administração que estavam
em exercício quando de sua elaboração295.
DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS
PARECER D O S A U D I T O R E S INDEPENDENTES
295 Sobre esse assunto, R I C A R D O TEPEDINO, "Assembleia Geral". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 994, observa que: "O administrador que, embora estivesse no exercício do cargo
durante o período enfocado no relatório, mas que tenha se desligado da companhia antes
da emissão desse texto, não tem legitimidade para firmá-lo - cuida-se de um documento
atual, embora historiando o passado. Naturalmente, os signatários farão constar que todos
ou alguns não tomaram parte na administração no período relatado."
296 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 176 da Lei das S.A.
297 Sobre o relatório da administração e as demonstrações financeiras, ver os comentários aos
arts. 132 e 134 da Lei das S.A.
298 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 009/1984, firmou entendimento no sentido de que: "a)
A obrigatoriedade de convocação de assembleia geral (art. 132 da Lei n° 6.404/76), de
apresentação dos documentos da administração aos acionistas (artigo 133 da Lei n"
6.404/76), bem como a elaboração das demonstrações financeiras da companhia, devi-
damente auditadas (arts. 176 e 177, § 3°, da Lei n° 6.404/76), não é elidida pela situação
econômica precária em que se encontrar, eventualmente, a companhia, b) A
obrigatoriedade de prestação de informações (...) não pode ser afastada pela alegação de
dificuldades econômicas da sociedade."
por auditores independentes registrados na Comissão de Valores
Mobiliários (artigo 177, § 3°).
O parecer dos auditores confere credibilidade e veracidade às
demonstrações financeiras das companhias, pois os auditores têm a
fimção de zelar pela sua fidedignidade e confiabilidade. A exatidão e a
clareza das demonstrações contábeis dependem de um sistema de au-
ditoria eficaz299. E dever dos auditores independentes: (i) verificar se as
demonstrações e o parecer de auditoria publicados estão de acordo com
as demonstrações auditadas e com o parecer emitido; (ii) verificar se as
informações divulgadas no relatório da administração estão em conso-
nância com as demonstrações auditadas; (iii) elaborar relatório sobre
deficiências encontradas nos controles internos das companhias audi-
tadas, informando à administração e ao conselho fiscal; e (iv) verificar
se a destinação dada aos resultados foi feita de a.cordo com o estabele-
cido na Lei das S.A., no estatuto da companhia e nas normas da Co-
missão de Valores Mobiliários300-301.
PARECER D O C O N S E L H O F I S C A L
D E M A I S D O C U M E N T O S PERTINENTES A A S S U N T O S
INCLUÍDOS NA O R D E M D O D I A
Procedimento
"Art. 134. Instalada a assembleia geral, proceder-se-á, se reque-
rida por qualquer acionista, à leitura dos documentos referidos
no artigo 133 e do parecer do conselho fiscal, se houver, os quais
serão submetidos pela mesa à discussão e votação.
304 Sobre a leitura de documentos, a CVM, por meio do Parecer CVM/SJU n° 037/1981,
manifestou-se no sentido de que: "Só se prescinde da leitura dos documentos relativos às
demonstrações financeiras, se esta não for exigida pelo acionista. A dispensa da leitura,
sem fundamento legal, enseja a propositura de ação anulatória por parte do investidor.
Compete à CVM apurar a existência da irregularidade no âmbito administrativo, mediante
inquérito, aplicando aos infratores as penalidades do art. 11 da Lei n° 6.385/76."
305 Sobre a composição da mesa e o funcionamento da assembleia, ver os comentários ao art.
128 da Lei das S.A.
parecer dos auditores (artigo 133, capuíe § 3°)30ú. Na prática, raramente é
realizada a leitura dos documentos, o que constitui procedimento desne-
cessário e aborrecido para os presentes.
P R E S E N Ç A O B R I G A T Ó R I A , P E D I D O S DE ESCLARECIMENTO
E A D I A M E N T O D A ASSEMBLEIA
P R O I B I Ç Ã O DE V O T O
309 A IO'1 Câmara Cível do Tribunal de justiça do Estado de Minas Gerais, ao analisar esse
assunto, decidiu que: "A assembleia geral ordinária de uma sociedade anônima não é
obrigada a adiar qualquer deliberação, mesmo se algum acionista tiver necessidade de
esclarecimentos adicionais. Inteligência do art. 134, § 2°, da Lei n" 6.404/76."
310 Ver o item 2.2.7 do "Manual de Atos e Registro Mercantil das Sociedades Anônimas",
aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/2006.
particular ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.
Ou seja, faz referência à proibição do voto do acionista na aprovação
de suas contas como administrador, sem nenhuma remissão à delibera-
ção sobre as demonstrações financeiras, o que permite concluir que o §
I o do artigo 134 ampliou a hipótese de proibição de voto estabelecida
no artigo 115 ao determinar que o acionista não pode votar como ad-
ministrador na deliberação referente à aprovação de suas contas e das
demonstrações financeiras. Embora configurem instrumentos distin-
tos e que podem ser objeto de deliberações também distintas, confor-
me mais adiante analisado, ambos servem de elemento de prestação de
contas, razão pela qual a proibição também alcança o exame das
demonstrações financeiras 311 .
311 Em sentido contrário, RICARDO TEPEDINO, "Assembleia Geral". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: l-orense,
2009, p. 1.013-1.014.
312 ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Invalidade das Deliberações de
Assembleia das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 85; VASCO DA GAMA LOBO XAVIER.
Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas. Coimbra: Atlantida, 1976, p. 47.
313 Ver os comentários ao art. 115 da Lei das S.A.
Caracterizado o vício do voto, tendo ele sido decisivo para que se
formasse a maioria, a deliberação é anulável314; não cabe a sanção de
nulidade, uma vez que se encontram em jogo unicamente interesses
dos acionistas e tal remédio (a anulabilidade) não compromete a es-
tabilidade dos atos societários315. A proibição de voto não importa em
impedimento de comparecer à assembleia e discutir as matérias sub-
metidas à deliberação. O impedimento é de voto, ratione materiae,
não de comparecimento e manifestação de opinião sobre as suas contas
e as demonstrações financeiras. Ademais, as ações do acionista im-
pedido são contadas para o número mínimo de ações necessário à
instalação da assembleia, uma vez que não se confunde o quorum de
instalação com o voto.
Se alguém é controlador de sociedade que é acionista da compa-
nhia por ele administrada não existe o impedimento a que ela exerça o
seu direito de voto; a proibição somente se aplica à pessoa física que seja,
ao mesmo tempo, acionista e administrador, dado o princípio da separa-
ção entre a pessoa jurídica e seus membros316. Caso o administrador
V O T A Ç Ã O DAS C O N T A S E DAS D E M O N S T R A Ç Õ E S C O N T Á B E I S
317 Sobre esse assunto, ver a decisão proferida pela 5'1 Câmara de Direito Privado do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível n° 85.120-1, Rei. Des.
Ralpho Waldo, j. em 07.05.1987, publicada na Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, v. 624, outubro, 1987, p. 76-80.
318 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2" edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 130.
de prestação de contas porque os efeitos patrimoniais dos atos praticados
pelos administradores são registrados na escrituração mercantil, com base
na qual são elaboradas as demonstrações319-320.
A deliberação assemblear que não aprovar as contas do exercício
deve ser fundamentada, cabendo aos acionistas majoritários deixar
consignado em ata os motivos que os levaram a rejeitar as contas
propostas pelos administradores, enumerando os atos supostamente
irregulares que tenham sido praticados. Constituiria abuso no exercí-
cio do direito de voto a conduta dos acionistas que, sem qualquer
fundamentação, votassem contra a aprovação das contas apenas em
função de divergências pessoais com os administradores ou com os
acionistas que os elegeram. O artigo 117, § 1°, alínea "c", qualifica
como abuso do poder de controle a tomada de "decisões que não te-
nham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo aos
acionistas minoritários e aos que trabalham na empresa'.
319 Sobre a aprovação das demonstrações financeiras e a tomada de contas dos administrado-
res, ver JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN, "Aprova-
ção das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus Efeitos.
Necessidade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos Administra-
dores para Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro
e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei 6.404/76. São
Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 43.
320 O Colegiado da CVM, no julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM n° 24/
2003, Rei. Dir. Wladimir Castelo Branco, j. em 09.06.2005, decidiu que: "Deve-se enten-
der que a revelação íidedigna de informações das companhias abertas, incluindo suas
demonstrações financeiras, não se presta a amparar apenas o acionista presente ou que se
faz representar em assembleias, mas, também, a tutelar o interesse de todos os acionistas e
do mercado de valores mobiliários como um todo. Por isso, a CVM tem o poder dever de
proteger o mercado de distorções constantes das demonstrações financeiras das sociedades
sujeitas ao seu poder de polícia, assegurando que os investidores tenham, de imediato,
informações cujo conteúdo não seja apto a induzir a erros de avaliação os seus interessa-
dos. (...) Dessa forma, não se pode negara necessidade de os administradores da sociedade
tomarem o cuidado necessário para a correta elaboração e divulgação das informações
dessa natureza, agindo em conformidade com o preceito do artigo 153 da Lei n° 6.404/76
(...) O dever de conduta que a Comissão de Inquérito entendeu descumprido é aquele
imputãvel aos administradores, de fazer elaborar as demonstrações financeiras de acordo
com as normas legais e regulamentares. A aprovação de tais demonstrações financeiras pela
assembleia (ou a sua desaprovação ou aprovação com modificações) não se destina a
substituir ou tomar o lugar do ato de elaboração. São duas ações diversas: os administrado-
res fazem elaborar, enquanto os acionistas examinam as demonstrações."
As demonstrações financeiras apresentadas pela administração
da companhia constituem mera proposta, que somente produz efei-
tos jurídicos após ser aprovada pelos acionistas em assembleia geral
ordinária. Antes disso, o que se tem é um projeto ou minuta do balan-
ço, sem valor contábil ou existência jurídica321-322.
A Lei das S.A. expressamente reconhece o caráter de mera
proposta das demonstrações financeiras, tanto que o artigo 132
confere à assembleia geral competência privativa para tomar as
contas da administração e examinar, discutir e votar as demons-
trações financeiras, sendo tal órgão soberano para determinar mo-
dificações ou recusar as contas 323 .
A aprovação do balanço tem a natureza de um ato jurídico unila-
teral de eficácia declaratória, cujos efeitos operam-se retroativamen-
te, a partir do momento em que foram levantadas as demonstrações
financeiras no encerramento do exercício social324.
321 FAB IO KONDER COMPARATO. Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro:
Forense, 1978, p. 30. No mesmo sentido, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito
Societário. 12" edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 448; LUIZ GASTÃO PAES DE
BARROS LEÃES. Direito do Acionista ao Dividendo. São Paulo: Ed. Obelisco, 1969, p. 61;
FRANCESCO MESSINEO, "Valore Giuridico dei Bilancio di Società e delle Registrazioni
Nei Libri Sociali". In: Studi de Diritto delle Società. 2° ed., Milano, 1958, p. 129 e
seguintes. ERYMÁ CARNEIRO. Balanço das Sociedades Anônimas. São Paulo: Edições
Financeiras, 1961, p. 175, observa que o balanço, "até que se passe pelo cadinho, exame
e aprovação da assembleia geral ordinária, constitui mera proposta da diretoria, esboço de
balanço apresentado pelos administradores, documento insuscetível de gerar direitos e
obrigações, de vez que somente depois de aprovado pela assembleia geral ele virá a
adquirir feição jurídica."
322 A CVM, no Parecer de Orientação CVM n" 16/1988, firmou entendimento no sentido
de que o balanço constitui autêntica declaração de vontade por parte da assembleia
geral ordinária: "b) balanço torna-se ato jurídico existente apenas depois que a
assembleia geral de acionistas o aprova, até quatro meses após o encerramento do
exercício social (...) c) a deliberação da assembleia geral ordinária de aprovar o balanço
apresentado pelos administradores constitui-se em autêntica declaração de vontade, e
não simples declaração de ciência."
323 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 108.
324 Nesse sentido, manifestou-se a CVM no Parecer CVM/SJU n° 013/1985. De acordo com
MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES. Curso de Direito Civil. v. I, 5'1 edição, Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1971, p. 364: "Os negócios jurídicos dedaratórios são os cujos efeitos se
operam ex tunc, a partir do momento em que se operou o falo ao qual se vincula a declara-
ção, sendo exemplo de ato declaratório o ato pelo qual se põe fim_ a^um condomínio. A
categoria dos negócios jurídicos dedaratórios representa uma exceção."
A aprovação das contas dos administradores constitui uma de-
claração de vontade por parte da assembleia geral ordinária, não se
restringindo, pois, ao mero atendimento de formalidade legal, uma
vez que os acionistas têm um poder discricionário em relação à sua
apreciação. Essa aprovação não ocorre, necessariamente, em bloco
dos administradores, ou seja, é possível aprpvar as contas de um ad-
ministrador e não aprovar as contas dos demais e vice-versa.
Apesar de o inciso I e do artigo 133 referirem-se, separadamente,
às "contas dos administradores", às "demonstraçõesfinanceiras"e ao "rela-
tório da administraçãoo exame dos 2 (dois) últimos está abrangido
pela análise das contas do exercício. A prestação anual de contas dos
administradores desdobra-se em 2 (duas) peças fundamentais: o rela-
tório da administração e as demonstrações financeiras. Ambos têm por
objetivo informar os acionistas sobre os resultados do exercício, distin-
guindo-se apenas na forma pela qual se transmite tal informação: em
termos contábeis, no caso das demonstrações financeiras; em lingua-
gem literal, em se tratando do relatório da administração. Assim, os 2
(dois) documentos, apesar de mencionados separadamente pela Lei
das S.A, são, usualmente, apreciados em conjunto pelos acionistas ao
tomarem as contas da administração325. No entanto, é possível que
sejam objeto de 2 (duas) deliberações distintas: uma para aprovar as
contas e outra para aprovar as demonstrações financeiras, o que ocorre,
por exemplo, na hipótese dessas últimas terem sido elaboradas de acor-
do com as normas legais e refletirem a situação real da companhia, mas
os acionistas entenderem que a gestão dos negócios sociais foi teme-
325 ALBERTO XAVIER. Administradores de Sociedades. São Raulo: Revista dos Tribunais, 1979,
p. 92, observa que: "Estamos assim em posição de concluir que o objeto de deliberação a
que se refere o n. 1 do art. 132 é unitariamente constituído pelas contas anuais do exercício,
que têm por objetivo a apuração do lucro - que - estas sim, constituem uma realidade
jurídica incindível. O relatório, as demonstrações financeiras le seus complementos) são
instrumentos técnico-jurídicos da prestação de contas que têm em vista a elucidação dos
acionistas. O mesmo se diga do parecer do conselho fiscal e dos esclarecimentos dos
administradores prestados no decurso da própria assembleia."
rária, em função de atos ou operações praticados pelos administrado-
res com imperícia, imprudência ou negligência326.
Assim, a aprovação com reserva das contas dos administrado-
res não impede a aprovação das demonstrações financeiras, tendo
em vista que a assembleia tem o dever de aprová-las; caso entenda
que contêm irregularidades, deve apresentar proposta para a sua re-
tificação327-328. Por essa razão, e para a proteção dos investidores e
dos credores, o § 4° determina que se a assembleia. aprovar as de-
monstrações financeiras com modificação no montante do lucro
do exercício ou no valor das obrigações da companhia, os adminis-
tradores deverão promover, dentro de 30 (trinta) dias, a sua republi-
cação com as retificações deliberadas pela assembleia329. Apenas se
326 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações..., v. II, p. 138, observa que
podem os administradores: "(...) ter violado a lei ou estatutos e até agido maliciosamente na
administração da sociedade. Verificada a exatidão do balanço, a assembleia não deixará de
aprová-lo, sem que, entretanto, essa aprovação envolva a aprovação dos resultados que ele
positiva. A aprovação do balanço não significa, pois, a exoneração da responsabilidade
dos diretores e fiscais."
327 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN, "Aprovação das
Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus Efeitos. Necessi-
dade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos Administradores para
Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro
Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei 6.404/76..., p. 44.
328 RICARDO TEPEDINO, "Assembleia Geral". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões
Pedreira (Coord.). Direito das Companhias..., v. I, p. 1.067, ao firmar entendimento no
sentido de que é obrigatória a aprovação das demonstrações financeiras, observa que: "(•••)
pode a assembleia modificar as demonstrações, inclusive inteiramente; faculta-se-lhe adiar a
apreciação delas para outra reunião do órgão, por conta de diligências ou da necessidade da
presença de alguma das pessoas listadas no artigo 134, § 1°, da LSA, podendo constituir a
diligência no levantamento de novas demonstrações. Mas não lhe é permitido simplesmente
rejeitá-las, dando o assunto por encerrado. Se ocorrer a rejeição, a administração deve
providenciar a feitura de outras demonstrações para submetê-las a nova Assembleia (...)•"
329 O Colegiado da CVM, no julgamento do Inquérito Administrativo CVM n° 30/1999, Rei. Dir.
Marcelo Trindade, j. em 05.07.2001, ao analisar a demora na republicação das demonstra-
ções financeiras, concluiu que: "O prejuízo concreto a mim não parece requisito para a ação
punitiva da administração, no exercício do Poder de Polícia, bastando a violação de dever
de conduta imposto em norma genérica ou específica, com a única exceção de a própria regra
infringida exigir a existência de prejuízo, como requisito de sua incidência. No caso, a falha
imputada consiste no suposto não atendimento de determinação de republicação de de-
monstrações financeiras de companhia aberta, elaboradas em desconformidade com regras
emanadas da própria C\'M. Logo a simples ocorrência de tal fato faria incidir a ação punitiva,
já que a correta informação ao mercado é o bem jurídico protegido pela norma, independen-
temente de haver prejuízo concreto."
a modificação ocorrer no montante do lucro do exercício ou no valor
das obrigações da companhia é que as demonstrações financeiras
deverão ser novamente publicadas.
Nem toda a modificação das demonstrações financeiras propos-
ta em assembleia decorre de conduta ilícita dos administradores ou
de atos por eles praticados em violação da Lei das S.A. ou do estatu-
to; pode resultar de um juízo de valor dos acionistas quanto aos crité-
rios que devem ser adotados.
O fato de as demonstrações financeiras de um exercício ser
objeto de ação judicial não impede a deliberação em assembleia ge-
ral ordinária das demonstrações do exercício seguinte, pois toda
companhia tem que ter um balanço aprovado para atingir o seu fim,
perseguir o seu objeto social, poder distribuir lucros, obter financia-
mentos, captar recursos, etc.
A aprovação sem reserva das demonstrações financeiras e das
contas dos administradores opera a desoneração de sua responsabili-
dade e dos membros do conselho fiscal, salvo erro, dolo, fraude, simu-
lação ou coação, conforme determina o § 3°330. A aprovação sem
reserva pressupõe que os acionistas concordaram com a atuação dos
administradores, liberando-os de qualquer responsabilidade por even-
tuais prejuízos causados, hipótese em que a assembleia geral fica, em
princípio, impedida de aprovar a propositura de ação de responsabili-
dade prevista no artigo 159331-332(p.seg.)_
330 Ver decisão proferida pela 6a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Raulo,
nos autos do Agravo n° 28.123-1, Rei. Des. Macedo Bittencourt, j. em 23.09.1982,
publicado na Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 567, janeiro,
1983, p. 80.
331 A 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 257.573,
Rei. Min. Ari Pargendler, j. em 08.05.2001, publicado no DJU em 25.06.2001, decidiu
que: "A aprovação das contas pela assembleia geral implica quitação, sem cuja anulação os
administradores não podem ser chamados à responsabilidade." No mesmo sentido: (i)
Recurso. Especial n° 256.596, Rei. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, j. em 08.05.2001,
publicada no DJU em 18.06.2001; e (ii) Recurso Especial n° 950.104-DF, Rei. Min.
Massami Uyeda, j. em 19.03.2009, que complementou as decisões anteriores com a
seguinte observação: "Enfatize-se que a ressalva na aprovação das contas a que alude o art.
134, § 3°, da Lei n° 6.404/76 é feita pela assembleia geral, e não pelos votos minoritários,
como quer fazer crer a ora recorrente."
Caso fique demonstrado que as contas foram elaboradas com erro,
dolo, fraude, simulação ou coação é que se pode pretender anular a
aprovação anterior e ajuizar ação para apurar a responsabilidade dos
administradores333. Assim, a aprovação das contas e das demonstra-
ções financeiras não impede a responsabilização dos administradores
por irregularidades que os acionistas venham a tomar conhecimento
após a realização da assembleia geral ordinária.
O surgimento de elementos novos, desconhecidos dos acionis-
tas quando da deliberação tomada em assembleia geral, caracteriza
hipótese de erro capaz de ensejar a anulação de tal deliberação.
Para responsabilizar os administradores, é indispensável anular a
deliberação que aprovou as contas, após ter sido demonstrado que tal
aprovação ocorreu em função de algum dos vícios acima mencionados.
A ação para anular as deliberações tomadas em assembleia geral ordi-
nária eivadas de erro, dolo, fraude, simulação ou coação prescreve em 2
(dois) anos, contados da deliberação (artigo 286).
332 A 1a Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Rei. Des. Waldir Leôncio Júnior, j.
em 01.02.1999, decidiu que: "O art 134, § 3°, da Lei 6.404/76 é expresso no sentido de que
'a comprovação, sem reservas, das demonstrações financeiras e das contas, exonera de respon-
sabilidade os administradores e fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação (art 286).' /i ação
de anulação das deliberações tomadas em assembleia geral ou especial eivada de erro, dolo,
fraude ou simulação prescreve em dois anos. Mas não se pode confundir a ação de anulação
da assembleia com a ação contra os administradores que não se exoneraram da responsabilida-
de, que prescreve em três anos contados da data da publicação da ata em que a violação tenha
ocorrido (art. 287 da Lei das S/A). O art. 159 da Lei 6.404/76 não fixa qualquer prazo
prescricional para a propositura de ação de responsabilidade contra ex-administrador da
Companhia, estando a matéria regulada no art. 286 (quando a assembleia já aprovou as
contas), ou art. 287, II, b (quando não for a hipótese de contas aprovadas em assembleia). Por
uma questão lógica, aliás, a ação de responsabilidade pressupõe o anterior ou conjunto
ajuizamento de ação de anulação da assembleia que aprovou as contas do ex administrador."
333 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações..., v. II, p. 140, ao comentar
sobre a possibilidade de anulação da deliberação da assembleia geral ordinária que apro-
vou o balanço e as contas da administração eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação,
apontou algumas hipóteses: "O balanço não representava, no momento em que foi levan-
tado, a situação real da sociedade, é falso, ou contêm dados ou elementos que encobriam
operações ou atos violadores da lei ou dos estatutos prejudiciais á sociedade. No relatório,
a diretoria fez afirmações falsas sobre as condições econômicas da sociedade, ou ocultou,
fraudulentamente, no todo ou em parte, fatos a ela relativos. Poderá também suceder que
o balanço exprimisse, com sinceridade, a situação real sociedade, mas a aprovação dele e
das contas da diretoria ter sido conseguida mediante informações mentirosas sobre as
causas dos resultados, que o balanço acusa."
A exoneração de responsabilidade dos administradores é relativa,
uma vez que tudo o que tiver escapado ao conhecimento dos acionistas
quando da deliberação tomada pode caracterizar erro e permitir a res-
ponsabilização dos administradores334.
Com relação às demonstrações financeiras, caso a maioria não
aceite a proposta da minoria de sua retificação, os acionistas que vota-
ram a favor da reserva podem ajuizar ação com pedido de anulação das
demonstrações financeiras e das contas dos administradores a fim de
promover a sua responsabilidade, nos termos do artigo 159.
A anulação da deliberação de aprovação das contas apenas pode
ocorrer por meio de declaração judicial, não sendo admitido que ato
posterior da própria sociedade anule tal deliberação335.
No entanto, a assembleia geral tem competência para retificar de-
monstraçõesfinanceirasjá aprovadas a fim de eliminar eventuais incorre-
ções e irregularidades ou alterar classificações e resultados, que não são
imputáveis à má-fé dos administradores. Estes, constatando falhas das
demonstrações, têm o dever de providenciar as retificações necessárias,
pois o balanço deve exprimir a real situação do patrimônio da companhia.
334 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário..., p. 380, observa que: "Os acionis-
tas, ao deliberarem sobre as demonstrações financeiras, a não ser quando previamente
avisados e movidos pela suspeição, não dispõem de elementos para um exame aprofundado
desses documentos. Sabe-se que uma empresa de auditoria, para pronunciar-se com segu-
rança, consome muitas horas e muita experiência em seu trabalho. Consequentemente,
não se poderia esperar que os acionistas, até mesmo o controlador, dispusessem, na
assembleia, de pleno conhecimento de causa a respeito dos vários negócios e operações
resumidos nas demonstrações financeiras e nas notas explicativas. Desse modo, a exonera-
ção dos administradores, que decorre da aprovação das demonstrações financeiras, é
relativa e aparente, pois tudo aquilo que tenha escapado ao conhecimento dos acionistas,
e que seja substancial, posto que suficiente para demovê-los de aprovar as contas, carac-
terizará uma hipótese de erro, consequenciado a reabertura do problema, para efeito de
responsabilização dos envolvidos."
335 Sobre esse assunto, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN,
"Aprovação das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e
seus Efeitos. Necessidade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos
Administradores para Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro
de Castro e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei
6.404/76..., p. 50, observam que: "(...) um ato jurídico perfeito, uma deliberação de um
colegiado que cria direitos ou exonera terceiros de responsabilidades, só em juízo pode ser
anulada; é o que, de forma inequívoca, prescreve a lei."
A diretoria não constitui órgão colegiado, tendo cada diretor, in-
dividualmente, funções e atribuições próprias, na representação e ad-
ministração ordinária da companhia. Se existir divisão de funções,
apenas aqueles que forem responsáveis poderão ser responsabiliza-
dos. Em princípio, não há solidariedade entre os diretores, que res-
pondem pelos atos praticados na sua esfera de competência individual.
A Lei das S.A. prevê, excepcionalmente, a responsabilidade solidária,
quando o administrador: (i) for conivente, negligente na descoberta
do ilícito ou deixar de agir para impedir a sua prática; (ii) não cumprir
os deveres legais para assegurar o funcionamento regular da compa-
nhia; ou (iii) não comunicar à assembleia geral infrações cometidas
por predecessor ou por outro administrador com atribuições e pode-
res específicos (artigo 158, § 1°).
Em princípio, não há solidariedade estabelecida objetivamente,
sem culpa ou pelo fato de outrem. Assim, o administrador não res-
ponde pelo ato de outro pelo simples fato de integrar o mesmo órgão,
ainda que colegiado. Para ser solidariamente responsável é necessário
que ele tenha descumprido a lei ou o estatuto; se o administrador
negligencia em descobrir determinado ilícito, estará pessoalmente
descumprindo o dever de lealdade, daí resultando o concurso de com-
portamentos antijurídicos336.
Ainda que o estatuto social seja omisso a respeito das atribuições
individuais de cada diretor, não há responsabilidade solidária, em prin-
cípio, podendo-se provar, mediante organogramas, descrições de cargo,
etc., as atribuições individuais337. Somente se ficar provada a negligên-
cia e a omissão haverá responsabilidade solidária entre os diretores, de-
corrente da infração ao dever de diligência338.
336 MARCELO VIEIRA VON ADAMEK. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as
Ações Correlatas. São Raulo: Saraiva, 2009, p. 237.
337 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 358 e 371; ALARICO SILVEIRA NETO, "Responsabilidade dos
Administradores e Acionista Controlador por Obrigações da Sociedade". Revista Forense.
Rio de Janeiro: Ed. Forense, v. 288, outubro-dezembro, 1984, p. 110.
338 Ver os comentários ao art. 158 da Lei das S.A.
REGISTRO E PUBLICAÇÃO DA A T A
340 Art. 54 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis
e atividades afins. Consta, ainda, do art. 77 do Decreto n° 1.800/1996, que regulamenta
a Lei n° 8.934/1994, que: "Art 77. A prova da publicidade de atos societários, quando
exigida em lei, será feita mediante anotação nos registros da Junta Comercial, à vista de
apresentação de folha do órgão oficial e, quando for o caso, do jornal particular onde foi
feita a publicação, dispensada a juntada da mencionada folha. Parágrafo único. É faculta-
do, ainda, às sociedades por ações, mencionar, na ata apresentada a arquivamento, a data,
o número da folha ou da página do órgão oficial e do jornal particular onde foram feitas as
publicações preliminares à realização da assembleia a que se referem, dispensada a sua
apresentação."
341 Consta da alínea "f" do item 2.2.5 do "Manual de Atos de Registro Mercantil das Socieda-
des Anônimas", aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/2006, que: "A menção,
ainda, das datas e dos números das folhas das publicações dispensará a apresentação das
mesmas à junta Comercial, quer seja acompanhando a ata, quer seja para anotação."
342 Sobre a ata da assembleia geral, ver os comentários ao art. 130 da Lei das S.A.
343 A Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e
atividades afins, determina, no caput do art. 40, que: "Art. 40. Todo ato, documento ou
instrumento apresentado a arquivamento será objeto de exame do cumprimento das forma-
lidades legais pela junta comercial."
344 Nesse sentido já se manifestou o DNRC, por meio do Parecer Jurídico DNRC/COJUR n°
194/1998, elaborado nos autos do Processo MDIC nD 52700-000228/98-93, disponível
em: <www.dnrc.gov.br>: "Recurso - Ata de ACO e ACE - Cancelamento de Ato Arquivado
- Questões Intrínsecas - Competência das Juntas Comerciais: A competência das juntas
comerciais se circunscreve ao exame das formalidades essenciais e formais, cumprindo-ihes
velar pelo cumprimento da lei, sem entrar em indagações de ordem jurídica controvertida
ou interferir na manifestação da vontade das partes, cuja prerrogativa indelegável é do
Poder judiciário."
O Código Civil determina que os registros dos atos sujeitos
ao Registro Público de Empresas Mercantis devem ser requeridos
no prazo de 30 (trinta) dias contado da lavratura dos atos respecti-
vos e que, na hipótese de ser solicitado após esse prazo, somente
produzirá efeito a partir de sua concessão. As pessoas obrigadas a
requerer o registro responderão pelos prejuízos causados na hipóte-
se de omissão ou demora346-347.
S E Ç Ã O IFLS
ASSEMBLEIA G E R A L EXTRAORDINÁRIA
Reforma do estatuto
"Art. 135. A assembleia geral extraordinária que tiver por objeto
a reforma do estatuto somente se instalará em primeira convoca-
ção com a presença de acionistas que representem 2/3 (dois ter-
ços), no mínimo, do capital com direito a voto, mas poderá
instalar-se em segunda com qualquer número.
345 Sobre esse assunto, MIGUEL REALE, "A Exclusão de Sócios das Sociedades Mercantis e o
Registro de Comércio", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 150,
julho, 1944, p. 481, observa que: "(...) não há inconveniente, mas antes vantagem, em que
o órgão incumbido do Registro do Comércio não entre em apreciação controvertida da
substância dos contratos, indo além da já delicada missão de zelar pela observância das
formalidades essenciais." No mesmo sentido é a decisão da 2 a Turma do Tribunal Regional
Federal da I a Região, proferida no julgamento da Apelação em Mandado de Segurança n°
89.01.21654-0/MG, Rei. Des. Hércules Quasimodo, j. em 23.08.1994, publicado no D O
em 13.10.1994.
346 Art. 1.151, §§ 1 o , 2 o e 3 o , do Código Civil.
347 Consta do art. 36 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas
Mercantis e atividades afins, que os documentos sujeitos a registro devem "ser apresenta-
dos a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja
data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá
eficácia a partir do despacho que o conceder." No mesmo sentido é o art. 33 do Decreto
n° 1.800/1996, que regulamenta a Lei n° 8.934/1994.
formalidades ser oposta, pela companhia ou por seus acionistas, a
terceiros de boa-fé.
348 Sobre a distinção entre o quorum de instalação e o de deliberação, ver os comentários aos
arts. 125 e 129 da Lei das S.A.
349 O art. 135 da Lei das S.A. trata especificamente da assembleia geral extraordinária que tem
por fim deliberar sobre a reforma do estatuto social, não obstante a aplicação do seu § 3 o
a todas as assembleias dessa espécie. Para mais esclarecimentos sobre as regras comuns às
assembleias gerais extraordinárias, como as relativas à convocação, instalação e realização,
ver os comentários aos arts. 121 a 131 da Lei das S.A.
350 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3a edição, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1965, p. 335, ao tratar de assuntos que considera "legalmente especiais da reforma
dos estatutos", observa que: "Há reforma dos estatutos se de qualquer maneira se passa a ler
diferentemente o que lá eslava escrito (...)." MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de
Sociedades Anônimas, v. 2, 4 a edição, São Raulo: Saraiva, 2008, p. 838-839, ao tratar da
noção de reforma estatutária, observa que: "Seria entendida como tal qualquer modificação
mesmo de redação ou qualquer outra que não afetasse a substância dos direitos e obrigações
e a configuração da pessoa jurídica? A interpretação aceita, entre nós, é de que Ioda a
alteração do estatuto, afete o seu fundo ou somente a sua forma, constitui alteração da lei
interna da companhia, devendo, tanto em uma como em outra hipótese, ser observados os
requisitos que a lei impõe na espécie."
dos de votar em determinadas matérias objeto da ordem do dia não
estão excluídas do cálculo do quorum de instalação, pois a Lei das
S.A. determina que ele deve ser apurado com a presença de acionistas
que representem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com
direito de voto351.
As deliberações sobre reforma estatutária são tomadas pela maio-
ria absoluta de votos dos presentes, não computados os votos em branco,
salvo previsão de quorum superior no estatuto da companhia fechada
(artigo 129, caput e § 1°). Mas, tratando-se de (i) criação de ações prefe-
renciais ou aumento de classe de ações já existentes, sem guardar propor-
ção com as demais classes de ações preferenciais, salvo expressa previsão
e autorização estatutária; (ii) alteração nas preferências, vantagens e con-
dições de resgate ou amortização de uma ou mais classe de ações prefe-
renciais ou criação de nova classe mais favorecida; (iii) redução do
dividendo obrigatório; (iv) mudança do objeto; (v) fusão, incorporação ou
cisão com mudança do objeto; e (vi) criação de partes beneficiárias, é
necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no míni-
mo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo
estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação
em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão (artigo 136).
Algumas alterações estatutárias dependem de prévia manifesta-
ção do conselho fiscal, se em funcionamento, pois compete a esse
órgão opinar sobre propostas de: modificação do capital social, ou
seja, seu aumento ou redução; emissão de debêntures ou bônus de
subscrição; planos de investimento ou orçamentos de capital; distri-
buição de dividendos, e operações de transformação, incorporação,
fusão ou cisão (artigo 163, inciso III). Ademais, o estatuto pode su-
bordinar as alterações estatutárias que especificar à aprovação, em
assembleia especial, dos titulares de 1 (uma) ou mais classes de ações
351 Sobre as ações que não são computadas no cálculo do quorum de instalação, ver os
comentários ao art. 125 da Lei das S.A.
preferenciais (artigo 18, parágrafo único) ou pelos titulares de ações
ordinárias (artigo 16, parágrafo único).
A convocação para a assembleia geral extraordinária far-se-á me-
diante anúncio publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, contendo,
além do local, data e hora da assembleia, a ordem do dia e, no caso de
reforma do estatuto, deverá constar do edital a "indicação da matéria"
e a especificação dos artigos do estatuto que se pretende alterar (artigo
124, capui). Ou seja, o edital de convocação, ao tratar da ordem do dia,
deve atender à sua finalidade precípua: informar o acionista sobre a
realização do conclave e dar a ele prévio conhecimento da matéria a
respeito da qual irá deliberar352. Assim como nos demais casos, o obje-
tivo da norma é assegurar aos acionistas a necessária informação para
que possam deliberar e exercer conscientemente o seu voto. As refor-
mas estatutárias devem ser indicadas com precisão, dada a relevância
do estatuto social, que constitui o contrato que regula a vida interna da
companhia353.
O § 3°, acrescentado à Lei das S.A. pela Lei n° 10.303/2001,
cria para as companhias abertas e fechadas a obrigação de, anteri-
ormente à realização das assembleias gerais extraordinárias, colo-
car à disposição de seus acionistas, na sede da companhia, por
ocasião da publicação do primeiro anúncio de convocação da as-
sembleia geral, os documentos pertinentes à matéria a ser debati-
da. Essa obrigação, não obstante constar de dispositivo específico
sobre a reforma do estatuto, aplica-se a todas as assembleias gerais
extraordinárias e é semelhante à regra do artigo 133 no que se
refere à disponibilização de documentos para a participação do
acionista em assembleias gerais ordinárias.
352 Sobre a disciplina rígida da ordem do dia no direito societário, ver os comentários ao art.
124 da Lei das S.A.
353 Sobre o estatuto social, ver os comentários ao art. 83 da Lei das S.A.
É obrigatória a disponibilização de todos os documentos relativos
à matéria objeto da ordem do dia. Essa norma permite que os acionis-
tas, uma vez bem informados, possam melhor exercer o seu direito de
voto e contribui para a transparência das deliberações que serão toma-
das, possibilitando aos minoritários avaliar com antecedência as maté-
rias que serão discutidas, bem como os documentos que as justificam
do ponto de vista jurídico, econômico e contábil.
Os documentos relativos às matérias a serem deliberadas em as-
sembleia geral extraordinária deverão ser postos à disposição dos acionis-
tas, na sede da companhia, por ocasião da publicação do primeiro anúncio
de sua convocação, ou seja: pelo menos 8 (oito) dias antes da realização
da assembleia para as companhias fechadas e 15 (quinze) dias de antece-
dência para as companhias abertas354. Deve constar do edital a informa-
ção de que os documentos a que se refere o § 3° estão à disposição dos
acionistas. Esse procedimento não é idêntico ao previsto para os docu-
mentos objeto de deliberação em assembleia geral ordinária, em que a
companhia é obrigada a publicar anúnáo específico com 1 (um) mês de
antecedência da data marcada para a sua realização informando estarem
os mesmos à disposição dos acionistas, além da obrigação de publicá-los
previamente à realização do conclave355-356.
A Lei das S.A determina, no § 6° do artigo 124, que as com-
panhias abertas com ações admitidas à negociação em Bolsa de
Valores deverão remeter, na data da publicação do anúncio de con-
vocação da assembleia geral extraordinária, à Bolsa de Valores em
que suas ações forem mais negociadas, os documentos postos à
disposição dos acionistas para a deliberação.
A Lei n° 10.303/2001, ao acrescentar o § 6° ao artigo 124, aper-
feiçoou o sistema de informações aos acionistas, aos investidores, aos
357 Sobre os documentos e informações mínimas que deverão ser disponibilizados aos acio-
nistas quando da convocação da assembleia geral de companhia aberta, ver os arts. 7° a 21
da Instrução CVM n° 481/2009.
358 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, no Anexo I do "Caderno de Boas
Práticas para Assembleias de Acionistas", divulgou um "Manual para Participação em
Assembleias", de acordo com as regras editadas pela CVM.
companhia aberta deve fornecer, no mínimo, as seguintes informa-
ções: (i) cópia do estatuto social contendo, em destaque, as alterações
propostas; e (ii) relatório detalhando a origem e justificativa das alte-
rações e analisando os seus efeitos jurídicos e econômicos360.
A Comissão de Valores Mobiliários, no que se refere às assem-
bleias gerais extraordinárias, ao tratar das "informações eventuais" a
que as companhias abertas registradas nas categorias A e B devem
prestar, determinou também que elas devem enviar, por meio do siste-
ma eletrônico disponível na página na rede mundial de computadores da
Autarquia, entre outras, as seguintes informações: (i) editais de convoca-
ção de assembleias extraordinárias no mesmo dia de sua publicação; (ii)
todos os documentos necessários ao exercício do direito de voto nessas
assembleias; (iii) sumário das decisões tomadas na assembleia geral ex-
traordinária no mesmo dia da sua realização; e (iv) atas das assembleias
gerais extraordinárias e estatuto social consolidado em até 7 (sete) dias
úteis, contados de sua realização361.
Estabelece o § 1° que os atos relativos à reforma do estatuto,
para valerem contra terceiros, ficam sujeitos às formalidades de arqui-
vamento e publicação, não podendo, todavia, a falta de cumprimento
dessas formalidades ser oposta, pela companhia ou por seus acionis-
tas, a terceiros de boa-fé362. No § 2° consta a regra de que se aplicam
aos atos de reforma do estatuto o disposto nos artigos 97, §§ 1° e 2°, e
359 Nos termos do art. 2° da Instrução CVM n° 319/1999, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM n05 320/1999 e 349/2001, as companhias abertas envolvidas em opera-
ções de incorporação, fusão e cisão também estão obrigas a realizar a publicação pela
imprensa e enviar informações completas sobre essas operações: (i) à Bolsa de Valores; (ii)
à Comissão de Valores Mobiliários; e (iii) às entidades do mercado de balcão organizado
em que os valores mobiliários de sua emissão sejam admitidos à negociação, no prazo de
até 15 (quinze) dias antes da data de realização da assembleia geral.
360 Art. 11 da Instrução CVM n° 481/2009.
361 Arts. 30 e 31, incisos I a IV, da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010.
362 No mesmo sentido é a regra contida no art. 1.154 do Código Civil: "Art. 1.154. O ato
sujeito a registro, ressalvadas disposições especiais da lei, não pode, antes do cumprimen-
to das respectivas formalidades, ser oposto a terceiro, salvo prova de que este o
98, § 1°, que tratam do arquivamento dos atos constitutivos no Regis-
tro Público de Empresas Mercantis e o respectivo procedimento, bem
como de sua subsequente publicação. Assim, a conduta em relação ao
arquivamento da ata da assembleia que delibera sobre a reforma do estatu-
to é a mesma adotada na constituição da companhia, a fim de impedir que
cláusulas contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes sejam in-
troduzidas no estatuto.
Para que tenham validade perante terceiros, as certidões ou cópias
autênticas das atas das assembleias gerais extraordinárias deverão ser ar-
quivadas na Junta Comercial363-364-365. A regra do arquivamento, bem como
a da publicidade, aplica-se não só aos casos de reforma estatutária como
também a todas as demais deliberações da assembleia geral extraordinária
que visem a produzir efeitos perante térceiros.
As companhias abertas, adicionalmente, são obrigadas a enviar
1 (uma) cópia da ata à Comissão de Valores Mobiliários e à Bolsa de
Valores em que seus valores mobiliários são negociados366. No mes-
mo sentido, as companhias que dependam de autorização governa-
mental para funcionar também devem enviar a ata ao respectivo órgão
regulador, observada a regulamentação específica.
conhecia. Parágrafo único. O terceiro não pode alegar ignorância, desde que cumpridas as
referidas formalidades."
363 Sobre o procedimento da Junta Comercial no exame da ata da assembleia geral e do
estatuto social e a conseqüência de eventuais exigências formuladas, ver os comentários ao
art 97 da Lei das S.A.
364 Consta do arL 45 do Decreto n° 1.800/1996, que regulamenta a Lei n° 8.934/1994, que:
"Art. 45. Havendo alteração do objeto social, este deverá ser transcrito na sua totalidade."
365 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 96/1989, manifestou-se no sentido de que: "(...) em se
tratando de Assembleia Ceral Ordinária, a publicação e o registro são obrigatórios, pelo
disposto no § 5° do artigo 134. Cm se tratando de AGE, no entanto, tais formalidades são
excepcionalmente exigidas (§ Io do art. 135), quando, por exemplo, naquelas assembleias
se decidem atos relativos a reformas do estatuto, para que possam valer contra terceiros."
366 Determina o § 3 o do art. 13 da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010, que: "As informações enviadas à CVM nos termos do
. caput devem ser entregues simultaneamente às entidades administradoras dos mercados em
que valores mobiliários do emissor sejam admitidos à negociação, na forma por elas
estabelecida."
Após o arquivamento, a ata deverá ser publicada em órgão oficial
da União ou do Estado em que se localiza a companhia e em outro
jornal de grande circulação editado na localidade em que está situada a
sua sede (artigo 289). Tratando-se de companhia aberta cujos valores
mobiliários sejam admitidos à negociação em Bolsa de Valores ou em
mercado de balcão, a Comissão de Valores Mobiliários poderá deter-
minar que as publicações ordenadas pela Lei das S.A. sejam feitas, tam-
bém, em jornal de grande circulação nas localidades em que os valores
mobiliários da companhia sejam negociados, ou disseminadas por al-
gum outro meio que assegure sua ampla divulgação e imediato acesso
às informações (artigo 289, § 1°).
Na análise do pedido de registro ou arquivamento, a competência
da Junta Comercial limita-se ao exame do cumprimento das formalida-
des legais dos documentos, cumprindo-lhe zelar pelo atendimento dos
requisitos legais e regulamentares, sendo-lhe vedado analisar o mérito ou
a conveniência das reformas estatutárias367-368-369-370.
367 A Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e
atividades afins, determina, no caput do art. 40, que: "Art. 40. Todo ato, documento ou
instrumento apresentado a arquivamento será objeto de exame do cumprimento das forma-
lidades legais pela junta comercial."
368 Nesse sentido já se manifestou o DNRC, por meio do Parecer Jurídico DNRC/COJUR n°
194/1998, elaborado nos autos do Processo MDIC n° 52700-000228/98-93, disponível
em: <www.dnrc.gov.br>: "Recurso - Ala de ACO e AC£ - Cancelamento de Ato Arquivado
- Questões Intrínsecas - Competência das Juntas Comerciais: A competência das juntas
comerciais se circunscreve ao exame das formalidades essenciais e formais, cumprindo-lhes
velar pelo cumprimento da lei, sem entrar em indagações de ordem jurídica controvertida
ou interferir na manifestação da vontade das partes, cuja prerrogativa indelegável ê do
Poder Judiciário."
369 Sobre esse assunto, MIGUEL REALE, "A Exclusão de Sócios das Sociedades Mercantis e o
Registro de Comércio", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 150,
julho, 1944, p. 481, observa que: "(...) não há inconveniente, mas antes vantagem, em que
o órgão incumbido do Registro do Comércio não entre em apreciação controvertida da
substância dos contratos, indo além da já delicada missão de zelar pela observância das
formalidades essenciais." No mesmo sentido são as seguintes decisões: (i) da 2a Turma do
Tribunal Regional Federal da I a Região, proferida no julgamento da Apelação em Mandado
de Segurança n° 89.01.21654-0/MG, Rei. Des. Hercules Quasimodo, j. em 23.08.1994,
publicado no DO em 13.10.1994; e (ii) 4o Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Eslado
de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível n° 32.394-1, Rei. Des. Alves Braga, j. em
09.06.1983, publicada na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo. São Paulo: Lex Editora, v. 86, 1° bimestre, 1984, p. 206-207.
370 Sobre esse assunto, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 037/1981, manifestou-se no sentido de
que: "Impugnações feitas à ACE por acionista junto ao Registro do Comércio, embora
O Código Civil determina que os registros dos atos sujeitos
ao Registro Público de Empresas Mercantis devem ser requeri-
dos no prazo de 30 (trinta) dias contado da lavratura dos atos
respectivos e que, na hipótese de ser solicitado após esse prazo,
somente produzirá efeito a partir de sua concessão. As pessoas
obrigadas a requerer o registro responderão pelos prejuízos cau-
sados na hipótese de omissão ou demora371-372.
Não obstante as regras sobre arquivamento e publicação da ata da
assembleia geral extraordinária, ainda que ela não seja registrada e publi-
cada, a deliberação que altera o estatuto, observado o disposto nos artigos
109, 136 e 137, será válida e produzirá efeitos perante a companhia e
entre os acionistas, mesmo que ausentes ou dissidentes, pois prevalece o
princípio majoritário nas deliberações das assembleias gerais (artigo 129).
O que determina o § 1° é que o descumprimento da regra da publicidade
da reforma do estatuto não poderá ser oposto, pela companhia ou por
seus acionistas, a terceiros de boa-fé.
Quorum qualificado
"Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem
metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum
não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam
admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para de-
liberação sobre: (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)
rejeitadas, podem vir a ensejar providências administrativas no âmbito desta Comissão, e até
mesmo a provocação do poder jurisdicional. O controle da legalidade exercido pelo Registro
do Comércio se restringe ao exame das formalidades essenciais e aparentes dos documentos,
sem entrar em indagações de ordem jurídica controvertida ou intervir na manifestação de
vontade das partes. Assim, não obstante o arquivamento, o ato pode estar viciado e, neste
caso, passível de ser atacado judicialmente."
371 Art. 1.151, §§ I o , 2° e 3 o , do Código Civil.
372 Consta do art. 36 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas
Mercantis e atividades afins, que os documentos sujeitos a registro devem "ser apresenta-
dos a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja
data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá
eficácia a partir do despacho que o conceder." No mesmo sentido é o art. 33 do Decreto
n° 1.800/1996, que regulamenta a Lei n° 8.934/1994.
I - criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações pre-
ferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes
de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo esta-
tuto; (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)
373 O Código Civil, no art. 1.072, § 5o, determina que: "As deliberações tomadas de conformidade
com a lei e o contrato vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes."
nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de
1 (uma) ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova
classe mais favorecida; (iii) redução do dividendo obrigatório (artigo
202); (iv) fusão da companhia, ou sua incorporação em outra (artigos
223 e 224); (v) participação em grupo de sociedades (artigo 265); (vi)
mudança do objeto (artigo 2°); (vii) cessação do estado de liquidação
(artigos 208 a 219); (viii) criação de partes beneficiárias (artigos 46 a
51); (ix) cisão (artigos 223 e 224); e (x) dissolução (artigos 206 e 207).
A aprovação das matérias previstas nas alíneas "(i)" a "(vi)" e "(ix)"
acima dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia
mediante o reembolso do valor das suas ações, observado o disposto
no artigo 137374.
O elenco previsto neste artigo não é exaustivo; nada impede
que o estatuto de companhias cujas ações não estejam admitidas à
negociação em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão estabe-
leça outras matérias sujeitas a quorum qualificado.
Nas deliberações sujeitas ao quorum qualificado, ele deve ser obser-
vado em qualquer convocação. Não comparecendo acionistas que repre-
sentem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, não faz sentido
colocar a matéria em votação. Nos termos do § 2°, a Comissão de Valo-
res Mobiliários pode autorizar a redução desse quorum no caso de com-
panhia aberta com a propriedade das ações dispersa no mercado e cujas 3
(três) últimas assembleias gerais tenham sido realizadas com a presença
de acionistas representando menos da metade das ações com direito a
voto. Nessa hipótese, a autorização deverá ser mencionada nos avisos de
convocação e a deliberação com quorum reduzido somente poderá ser
adotada em terceira convocação.
374 Considera-se relevante para os fins e efeitos da Instrução CVM n" 358/2002 - que dispõe
sobre a divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo às companhias
abertas - , com as modificações introduzidas pelas Instruções CVM nra 369/2002 e 449/
2007, a alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos por companhia
aberta (art 2o, capul, e inciso XIII do parágrafo único).
Nas companhias fechadas, nos termos do § I o do artigo 129, o
estatuto pode aumentar o quorum, exigido para certas deliberações, desde
que especifique as matérias. O u seja, não basta o estatuto estabelecer
um quorum superior ao da maioria absoluta, deve especificar as maté-
rias. N o entanto, é vedado aos estatutos a fixação de quorum inferior
ao estabelecido na Lei das S.A. O artigo 136 faculta às sociedades
fechadas, bem como às abertas, que só possuem outros valores mobi-
liários que não ações para negociação, a fixação no estatuto social de
um quorum superior ao da metade das ações com direito a voto para
aprovar as matérias nele previstas.
378 Sobre esse assunto, ARNOLDO WALD, "Da Inexigibilidade da Realização da Assembleia
Especial de Acionistas Preferenciais para a Aprovação da Criação de Classe de Ações
Preferenciais Menos Favorecida", Periódico Ciência Jurídica. Belo Horizonte: Ed. Ciência
Jurídica, v. 83, setembro-outubro, 1998, p. 321-339, observa que: "A criação de classe de
ações preferenciais menos favorecida em relação às demais classes que compõem a estru-
tura de capital da companhia, não está submetida às exigências de quorum deliberativo
qualificativo e de submissão de tal deliberação à assembleia especial dos acionistas prefe-
renciais interessados." No mesmo sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei
de Sociedades Anônimas, v. 2, 4a edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 873; TRAJANO DE
MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. i, 2 a edição, Rio de Janeiro: Forense,
1953, p. 232-233; CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO. Sociedades por Ações. v.
3, São Paulo: Saraiva, 1973, p. 180.
há necessidade de realização de assembleia especial, pois a matéria já
foi por eles deliberada em assembleia geral extraordinária, restando
aos dissidentes a faculdade de exercer o direito de retirada, nos termos
do inciso I do artigo 137.
A assembleia especial de que trata o § 1° apenas ocorrerá na
hipótese do inciso I, quando o aumento de classe de ações preferen-
ciais não guardar proporção com as demais classes de ações preferen-
ciais e, ainda assim, caso o estatuto não contenha previsão autorizando
a quebra da proporção.
A assembleia especial pode realizar-se previamente à assembleia geral
extraordinária que deliberar sobre as matérias previstas nos incisos I e II,
ou posteriormente, no prazo improrrogável de 1 (um) ano, para ratificar
deliberação já tomada379-380. Nessa hipótese, a ata da assembleia geral
que aprovar a alteração das vantagens deverá mencionar que tal delibera-
ção somente terá eficácia após a sua ratificação pelos detentores de ações
preferenciais, nos termos do § 4°.
Recomenda-se que a aprovação ou ratificação dos titulares de
ações preferenciais seja realizada antes ou logo após a assembleia ge-
ral extraordinária, não se utilizando todo o prazo de 1 (um) ano381.
382 Sobre esse assunto, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 161/1979, assim se manifestou: "O
entendimento do § 1° do artigo 136 é que a aprovação pelos interessados, ali referida, tem
a natureza de condição de eficácia da deliberação da assembleia geral, tomada como
norma para regular as relações jurídicas subsequentes entre sociedades e acionistas. O ato
concluído entre estes é válido, desde que se achem presentes os requisitos do artigo 145
do C.C.; contudo, permanecem paralisados os efeitos jurídicos em relação aos interessa-
dos, aos quais o ato é inoponível. Enquanto não ocorrer a aprovação, não há que falar em
nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, o qual pode ser ratificado pelos interessa-
dos; e somente eles podem alegar a sua ineficácia. Uma vez, porém, negada a aprovação
pelos interessados, a ineficácia pendente, a eles relativa, se consumará; seus efeitos eqüi-
valem ao da nulidade, com sanção de desfazimento do ato e restituição das partes ao status
quo ante. Essa conclusão se impõe a partir da intenção da lei, de proteção eficiente e
adequada dos direitos dos acionistas interessados, que podem impedir medidas lesivas a
seus interesses e evitar a instalação de situação de permanente prejuízo." No mesmo
sentido, ver o Parecer CVM/SJU n° 026/1987.
3 83 No Parecer CVM/SJU n° 110/1983, a CVM manifestou-se no sentido de que: "A inobservância
do disposto no § 1° do artigo 136 da Lei n" 6.404/76, no que concerne à realização de
assembleia especial de acionistas preferenciais, implica a ineficácia da deliberação da
assembleia geral relativamente a alterações estatutárias decididas, e não a sua anulabilidade
no prazo prescricional estabelecido no artigo 286 do mesmo diploma legal. O posterior
arquivamento na junta Comercial da ata dá deliberação assemblear e do estatuto social
alterado não elide a ineficácia determinada em lei. Ao contrário, configura ato irregular de
arquivamento, o qual pode ser judicialmente impugnado a qualquer momento, bem como
cancelado por ato administrativo do próprio Registro do Comércio. É imprescindível o
direito de ação dos acionistas preferenciais para obter a declaração de ineficácia das
normas estatutárias indevidamente introduzidas no estatuto social."
direito de recesso, observado o disposto no artigo 137, inciso I, reque-
rendo o pagamento do valor do reembolso de suas ações. No entanto, a
existência do direito de recesso não invalida nem torna ilegítima a de-
liberação assemblear. Como já mencionado, prevalece, na Lei das S.A.,
o princípio majoritário, mas há certos direitos individuais que corres-
pondem a prerrogativas essenciais do acionista, das quais ele não pode
ser privado (artigo 109). Assim, quando a decisão majoritária contraria
o interesse dos minoritários, nos casos expressamente elencados na
Lei das S.A. e no estatuto social, podem eles retirar-se da companhia
mediante o reembolso do valor de suas ações. Porém, o ato praticado
pela companhia que enseja o direito de recesso não constitui ilícito; o
recesso, na realidade, significa apenas a compensação de interesses par-
ticulares dos acionistas minoritários sacrificados legitimamente em fa-
vor do interesse social384.
Além das matérias previstas nos incisos I e Et, também estão sujei-
tas a aprovação ou ratificação em assembleia especial todas as alterações
nos direitos dos acionistas titulares de ações preferenciais expressamente
previstas no estatuto social, pois a Lei das S.A. admite, no parágrafo úni-
co do artigo 18, que os titulares de 1 (uma) ou mais classes de ações
preferenciais possam, reunidos em assembleia especial, vetar determina-
das alterações do estatuto social nele especificadas. Essa norma permite
que seja assegurada aos preferencialistas, que não possuem o direito de
voto, a certeza de que determinadas matérias previstas no estatuto não
serão alteradas sem a sua aprovação385.
Na assembleia especial, devem ser observadas as mesmas for-
malidades previstas pela Lei das S.A. para a assembleia geral no que
se refere à convocação, legitimação e representação, ordem do dia,
ata, arquivamento e publicação, quorum de instalação e deliberação
(artigos 123 a 130).
387
Sobre ações dispersas no mercado, ver os comentários ao art. 116 da Lei das S.A., na
parte que trata do "controle pulverizado".
388 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que "o § 2° do artigo 136
regula a hipótese das grandes companhias de capital disperso, admitindo que a Comis-
são de Valores Mobiliários autorize a redução de quorum, a fim de nao imobilizar a vida
da companhia."
389 Sobre esse assunto, ver a decisão do Colegiado da CVM no Processo Administrativo
CVM n° RJ 2010/17233, j. em 20.12.2010, que analisou caso de sol.citaçao de
autorização para a redução do quorum qualificado previsto no art. 136, inciso VI, da
ações, a Comissão de Valores Mobiliários pode autorizar a redução
do quorum qualificado390.
A interpretação literal do disposto no § 3° poderia levar à conclusão
de que deveria ser sempre observado o seguinte procedimento: (i) a com-
panhia deveria comprovar que as 3 (três) ultimas assembleias especiais
foram realizadas com a presença de acionistas representando menos da
metade das ações de determinada classe de ações preferenciais; (ii) medi-
ante esta comprovação, a companhia poderia requerer que a Comissão
de Valores Mobiliários autorizasse a redução do quorum de deliberação
na assembleia especial; e (iii) mesmo após ter sido autorizada pela Autar-
quia, a deliberação com quorum reduzido somente poderia ser tomada na
terceira convocação da assembleia especial.
Ocorre que algumas situações apresentam caráter excepcio-
nal, como a hipótese de nunca ter sido realizada numa companhia
uma assembleia especial de detentores de determinada classe de
ações preferenciais. Ademais, tendo em vista que a aprovação de
determinadas matérias implica reforma do estatuto, para a qual se
exige o quorum de 2/3 (dois terços) dos acionistas titulares da classe
prejudicada e a inviabilidade, em alguns casos, de atingimento desse
quorum, a realização de uma assembleia especial de tal classe ne-
cessitaria sempre de 2 (duas) convocações, totalizando, numa pri-
meira etapa, 6 (seis) convocações de assembleia especial.
Lei das S.A. A CVM indeferiu o pedido de redução de quorum, manifeslando a impossibi-
lidade pelas seguintes razões: "(i) não ser prontamente verificável uma significativa disper-
são acionáriq da Companhia, (ii) esta não ter realizado três assembleias gerais em que se
pudesse vefjíicar a insuficiência de quorum deliberativo, e (iii) a única assembleia já
realizada (..:) não contou com pedido público de procuração de acionistas, ao contrário
da que se dará em 20.12.2010, entendo não ser o caso de a CVM, por ora, autorizar a
redução de quorum para que acionistas da Companhia, representando menos da metade
do total de seu capital votante, possam deliberar a modificação do objeto social (...)•" A
propósito, também, ver as decisões do Colegiado da CVM proferidas nos Processos Admi-
nistrativos CVM n® RJ 2006/3453, j. em 18.05.2006, RJ 2006/6785, Rei. Dir. Pedro Oliva
Marcilio de Souza, j. em 25.09.2006, e RJ 2008/9337, Rei. Dir. Sérgio Weguelím, j. em
04.11.2008, nas quais foi deliberado, por unanimidade, a redução do quorum.
390 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva,
2 0 0 2 , p. 2 6 0 .
Assim, não sendo verificada, posteriormente, em nenhuma das 3
(três) assembleias especiais realizadas em segunda convocação a pre-
sença de acionistas representando, pelo menos, 50% (cinqüenta por
cento) da referida classe de ações preferenciais, a companhia estaria
apta a requerer à Comissão de Valores Mobiliários a autorização para a
redução do quorum de deliberação. Após esta autorização ser deferida, a
companhia teria que realizar mais 3 (três) convocações da referida as-
sembleia especial e somente na terceira a deliberação pretendida pode-
ria ser aprovada. Ou seja, prevalecendo tal entendimento, a aprovação
das matérias de que tratam os incisos I e II nas circunstâncias acima,
por exemplo, somente poderia ser implementada após 9 (nove) convo-
cações para a respectiva assembleia especial, o que constituiria um in-
justificado excesso de formalismo.
Os 3 (três) conclaves anteriores a que faz referência o § 2° são as-
sembleias gerais convocadas para deliberar sobre outras matérias, que o
legislador presumiu que já teriam sido realizadas no curso normal das
atividades da companhia e nas quais não compareceram acionistas re-
presentando mais da metade das ações com direito a voto. No entanto, a
Lei n° 10.303/2001, ao estender a possibilidade de redução de quorum às
assembleias especiais de preferencialistas, não previu que o atendimento
a tal exigência seria incompatível com a espécie de assembleia que so-
mente é realizada em circunstâncias excepcionais.
O Direito Comercial, pela própria natureza das atividades que
regula, caracteriza-se pela celeridade e informalidade, o que autoriza a
dispensa do cumprimento de formalidades inúteis, isto é, cujo atendi-
mento não se coaduna com afinalidadeque motivou a sua instituiçãoj91.
Portanto, seria evidente contradição ao princípio da celeridade das rela-
ções empresariais exigir, por mero apego ao formalismo, que a compa-
nhia, antes de submeter o pedido de redução de quorum à Comissão de
Direito de retirada
"Art. 137. A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e
IX do artigo 136 dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se
da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (arti-
go 45), observadas as seguintes normas: (Redação dada pela Lei
n° 10.303/2001)
393 RICARDO OLIVEIRA GARCÍA. Estúdios de Derecho Societário. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni,
2005, p. 653.
como, também, tido como um direito de natureza excepcional, cujo
exercício deveria merecer sempre interpretação restritiva.
Nos últimos anos, porém, vem se observando um ressurgimento
do direito de recesso, principalmente na Alemanha, Espanha, Portu-
gal, Estados Unidos e, mais notadamente, na Itália394.
Nos Estados Unidos, o direito de recesso (appraisalright, rightto
dissent ou laithdrawal righi) constitui criação jurisprudência! do final
do século XIX, mediante a qual os tribunais passaram a entender, em
casos de fusão ou venda integral de ativos, que os acionistas dissiden-
tes deveriam receber o valor justo {fair value) de sua participação na
sociedade. Ainda que no século XX o direito de recesso tenha perdi-
do grande parte de sua importância, nos últimos anos vem sendo ob-
servado o seu ressurgimento, inclusive mediante previsão legal39S. A
propósito, o Model Business Corporation Act (Seção 13.02) aumentou
consideravelmente as causas de recesso, como nos casos de: fusão;
transferência do bloco de controle; permuta de ações; venda ou troca
de ativos em montante expressivo fora do curso normal dos negócios;
alterações substanciais que prejudiquem os direitos dos acionistas,
modificando as condições de resgate, extinguindo o direito de prefe-
rência e limitando o direito de voto, por exemplo. O Delaware Corpo-
ration Law, no § 262, embora enumerando um elenco menor de casos
que o ensejam, também permite o direito de recesso em determina-
das operações de reestruturação societária.
Na Itália, as recentes reformas no Código Civil operaram uma
profunda alteração no direito de recesso, para torná-lo mais útil do
que no passado, mediante a flexibilização do instituto. Tendo em vis-
ta a razão principal da reforma, de oferecer à companhia uma plurali-
dade de modalidades de investimento, objetivou-se permitir ao
acionista maior facilidade no desinvestimento, total ou parcial, de sua
396 Ver "La Nuova Disciplina dei Diritto di Recesso: II Commento Dell'Assonime", Circolare
Assonime 68/2005. In: Rivista delle Società. Milano: Giuffrè, fascicolo 6, novembre-dicembre,
2005, p. 1.390 e seguintes.
de um determinado faturamento. A nova disciplina também admite o
recesso parcial, possibilitando ao acionista descontente "graduar" o
montante de seu investimento na sociedade.
No Brasil, a primeira previsão do direito de recesso constou do
Decreto n° 21.536/1932 que, no artigo 9°, facultava aos acionistas
dissidentes de deliberação de alteração das preferências e vantagens
de que eram titulares ou de criação de ações com outras preferências,
o direito ao reembolso de suas ações. O Decreto-Lei n° 2.627/1940,
nos artigos 105 e 107, regulou novas hipóteses em que os acionistas
tinham o direito de retirar-se da sociedade, a saber: (i) a criação de
nova classe de ações preferenciais ou alterações nas preferências ou
vantagens conferidas a 1 (uma) ou mais classes ou criação de nova
classe de ações preferenciais mais favorecidas; (ii) a mudança do ob-
jeto social; (iii) a incorporação de sociedade em outra ou sua fusão; e
(iv) a cessação do estado de liquidação, mediante reposição da socie-
dade em sua vida normal.
A Lei n° 6.404/1976, ao contrário de outros países que à época
estavam restringindo o direito de recesso, passou a regulá-lo nas se-
guintes hipóteses: (i) criação de ações preferenciais ou aumento de
classe existente sem guardar proporção com as demais, salvo se já
previstos ou autorizados pelo estatuto; (ii) alterações nas preferências,
vantagens e condições de resgate ou amortização de 1 (uma) ou mais
classes de ações preferenciais ou criação de nova classe mais favoreci-
da; (iii) alteração do dividendo obrigatório; (iv) mudança do objeto so-
cial; (v) incorporação da companhia em outra, sua fusão ou cisão; (vi)
dissolução da companhia ou cessação do estado de liquidação; (vii) par-
ticipação em grupo de sociedades; (viii) aquisição do controle por pes-
soa jurídica de direito público; (ix) conversão da sociedade em subsidiária
integral por incorporação; e (x) aquisição do controle de sociedade
mercantil por companhia aberta.
Em 1989, entrou em vigor a Lei n° 7.958, denominada "Lei
Lobão", que, alterando o artigo 137, suprimiu o direito de retirada
especialmente nos casos de incorporação, fusão, cisão e participação
em grupo de sociedades, com o alegado intuito de atender aos objeti-
vos do Governo de fortalecimento da economia nacional, o que pro-
vocou enorme discussão sobre a eliminação do recesso nessas
hipóteses, conforme será adiante analisado397.
Em 1997, a Lei n° 9.457 promoveu algumas alterações impor-
tantes relativamente ao exercício do direito de recesso por parte dos
acionistas dissidentes de determinadas decisões adotadas pelas com-
panhias. Essa lei teve, dentre seus objetivos principais, "flexibilizar" o
recesso com 2 (duas) finalidades: (i) favorecer os processos de con-
centração empresarial das companhias nacionais, para permitir-lhes
competir com as multinacionais; e (ii) reduzir o custo, para o Gover-
no, da privatização de empresas estatais concessionárias de serviços
públicos, especialmente nos setores de telecomunicações e de gera-
ção e distribuição de energia elétrica. Para atingir tais objetivos, a re-
forma extinguiu, em determinadas hipóteses, o direito de retirada, como,
por exemplo, na cisão. Ademais, permitiu que o valor do reembolso
fosse calculado não só com base no valor patrimonial das ações, mas
também no seu valor econômico398. Além disso, voltou a ser inserido
no ordenamento jurídico nacional o direito de recesso nos casos de
incorporação, fusão e participação em grupo de sociedades, exceto para
397 Consta da Exposição Justificativa do Projeto de Lei n° 182, de 28.06.1989, que deu origem
à Lei n° 7.958/1989, que: "Duas hipóteses, dentre as enumeradas pelo art. 136 da Lei 6.404/
76 mostraram-se na prática destes últimos dez anos, contrárias ao livre desenvolvimento das
empresas constituídas pela modalidade de ações. Trata-se da incorporação, fusão ou cisão e
participação em grupo de sociedade. Tais providências sempre resultam em crescimento dos
negócios sociais, não justificando, sobretudo na incorporação ou fusão, a retirada do
dissidente através do processo desgastante da apuração de patrimônio líquido, muitas vezes
usado abusivamente para, através da criação de embaraços, obterem-se vantagens indevidas.
(...) A alteração da Lei 6.404/76,,.somente com relação a esses dois itens do art. 137, corrigirá
graves distorções sofridas pelas sociedades nacionais, em razão de preceitos ultrapassados e
modernamente injustificáveis."
398 NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais. 2" edição, Rio de Janeiro:
Renovar, p. 63 e seguintes. Ver, também, do mesmo aulor: "Reforma das S.A. e Direito de
Recesso", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed.
Malheiros, v. 111, julho-setembro, 1998, p. 74-81.
as ações que: (i) integrassem índices gerais representativos de carteiras
de ações admitidas à negociação em bolsa de futuros; ou (ii) fossem
emitidas por companhias nas quais mais da metade do total das ações
emitidas estivessem em circulação no mercado. Ou seja, a Lei n° 9.457/
1997 eliminou o recesso quando as ações da companhia tivessem ele-
vados índices de liquidez ou quando a companhia apresentasse índices
expressivos de dispersão de suas ações no mercado.
Por fim, a Lei n° 10.303/2001 promoveu novas alterações no
artigo 137: (i) restabeleceu, em algumas hipóteses, o direito de retira-
da nas operações de cisão; (ii) manteve as restrições ao recesso nos
casos de fusão, incorporação e participação em grupos de sociedades;
e (iii) introduziu novos parâmetros para a aferição dos critérios de
liquidez e dispersão das ações, reduzindo as hipóteses em que pode
ser negado o recesso aos acionistas dissidentes.
As mudanças no direito de recesso, de 1989 a 2001, constituem
um reflexo de sua indevida utilização como instrumento de política
econômica governamental: ora era "flexibilizado", para atender a gru-
pos empresariais e para reduzir os custos da privatização, ora era fortale-
cido, para incentivar o mercado de capitais e aumentar o valor das
participações acionárias minoritárias do Governo Federal399.
Fundamenta-se o recesso na necessidade de conciliar o interes-
se social, consubstanciado na deliberação assemblear majoritária, com
o interesse de acionistas individuais, que não querem permanecer vin-
culados a uma sociedade essencialmente diversa daquela na qual ha-
viam ingressado ou na qual tenham sido alterados os direitos conferidos
pelas ações de sua propriedade. Assim, o recesso não decorre de atos
ilícitos praticados pelo controlador, mas tão somente de decisões vá-
lidas adotadas com o fim de atender o interesse social, as quais, por
modificarem a estrutura da companhia ou os direitos conferidos pelas
399 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 263 e seguintes.
ações de sua emissão, a Lei das S.A. classifica como ensejadoras do
direito de retirada400.
Trata-se, o recesso, de direito essencial do acionista (artigo
109, inciso V) do qual ele não pode ser privado pelo estatuto ou
por deliberação da assembleia geral.
O direito de recesso, ao criar para a companhia a obrigação de
pagar o preço do reembolso das ações dos dissidentes, calculado nos
termos do artigo 45, configura a compensação dos interesses particula-
res sacrificados legitimamente em favor do interesse social401.
O conceito de acionista dissidente abrange aquele que comparece à
assembleia e vota contra a deliberação, o que esteve ausente, o que com-
pareceu ao conclave e se absteve de votar, bem como o acionista que não
tem direito de voto. Nesse sentido, (i) o § 1° estabelece que o acionista
dissidente de deliberação, inclusive o titular de ações preferenciais sem
direito devoto, poderá exercer o direito de reembolso de suas ações; e (ii)
o § 2° determina que o direito de reembolso pode ser exercido no prazo
previsto nos incisos IV ou V do caput, conforme o caso, ainda que o
titular das ações tenha se abstido de votar contra a deliberação ou não
tenha comparecido à assembleia.
O acionista que ainda não integralizou todas as ações por ele
subscritas também tem o direito de exercer o recesso. Nesse caso, o
reembolso será efetuado mediante compensação402.
400 Nesse sentido, FÁBIO KONDER COMPARATO, "Valor de Reembolso no Recesso Acionário
- Interpretação do Art. 45 da Lei das Sociedades por Ações", Revista dos Tribunais. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 563, setembro, 1982, p. 50, observa que: "A doutrina
reconhece, portanto, sem discrepância, que o direito de recesso do sócio dissidente da
deliberação social não constitui uma sanção de ato ilícito praticado pela maioria; não
representa uma forma de indenização. Se o fora, o sócio recedente seria obrigado a provar
o prejuízo sofrido para exercer a retirada, quando, na verdade, o recesso atua como uma
espécie de 'denúncia vazia' do vínculo societário (...) Exatamente por isso, o valor de
reembolso é sempre fixo, segundo critério estabelecido em lei ou no estatuto da compa-
nhia. Como não se cuida de ressarcir prejuízos individuais, mas de compensar interesses
particulares, sacrificados legitimamente ao interesse social, o valor pecuniário a ser recolhi-
do pelo sócio retirante obedece a um cálculo predeterminado, já de todos conhecido."
401 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 248.
402 De acordo com o art. 368 do Código Civil, "se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor
e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem."
2. O D I R E I T O DE RECESSO P O D E D E C O R R E R DA LEI DAS S . A . ,
D O E S T A T U T O S O C I A L O U DE " F A T O "
2.1. R E C E S S O LEGAL
403 LUIZ LEONARDO CANTID1ANO. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 154-155.
prévia aprovação ou da ratificação, em prazo improrrogável de 1 (um)
ano, por titulares de mais da metade de cada classe de ações preferen-
ciais prejudicadas, reunidos em assembleia especial (artigo 136, § 1°).
De acordo com o inciso V deste artigo, o prazo para o dissidente de
deliberação de assembleia especial será contado da publicação da ata
dessa assembleia.
2.1.b. Alteração nas preferências, vantagens e condições de res-
gate ou amortização de 1 (uma) ou mais classes de ações preferen-
ciais ou criação de nova classe mais favorecida (artigo 136, inciso II,
c/c o inciso I deste artigo).
Sendo aprovada, pela maioria dos titulares de ações preferenciais,
a alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amor-
tização de 1 (uma) ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de
nova classe mais favorecida, os preferencialistas que discordarem de tal
deliberação poderão exercer o direito de recesso.
Para que o exercício do direito de retirada por parte do acionista
dissidente seja legítimo, não basta que seja aprovada alteração nos direi-
tos atribuídos às ações preferenciais ou que haja a criação de uma nova
classe com maiores vantagens, mas que essa modificação acarrete prejuí-
zos efetivos aos direitos conferidos às ações de sua propriedade404. Nesse
sentido, a Lei n° 9.457/1997 modificou a redação do inciso I deste artigo
com o objetivo de deixar expresso que, nas hipóteses relacionadas com a
alteração dos direitos conferidos às ações preferenciais, o acionista deve
demonstrar a existência de prejuízo como pressuposto para a legitimida-
de do exercício do direito de recesso.
404 Nesse sentido é a decisão proferida pela 4"1 Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos
do Recurso Especial n° 31.515-SP, Rei. Des. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 25.03.1996,
In: Revista do Superior Tribunal de Justiça. Brasília: Ed. STJ, v. 8, n° 85, setembro, 1996, p.
250-253: "O fundamenta ê a proteção dos interesses do sócio insatisfeito, que se viu
atingido na esfera patrimonial com a alteração ocorrida; exsurgindo, então, a necessidade da
demonstração do efetivo prejuízo em seu desfavor, sob pena de se transformar o recesso em
mera venda de ações, o que escapa à finalidade do instituto. Assim, descabe autorizar a
retirada do sócio pela simples alteração na estrutura da sociedade. Mister que tenha interesse
em pleiteá-la em razão de prejuízo sofrido."
A eficácia da deliberação depende de prévia aprovação ou da ratifi-
cação, em prazo improrrogável de 1 (um) ano, por titulares de mais da
metade de cada classe de ações preferenciais prejudicadas, reunidos em
assembleia especial (artigo 136, § 1°). Nos termos do inciso V deste arti-
go, o prazo para o dissidente de deliberação de assembleia especial será
contado da publicação da ata dessa assembleia.
2.I.C. Redução do dividendo obrigatório (artigo 136, inciso III,
c/c o caput deste artigo).
Dividendo obrigatório é a parcela dos lucros estabelecida no
estatuto ou, se esse for omisso, a importância determinada de acor-
do com as regras estabelecidas no artigo 202, que os acionistas têm
direito de receber em cada exercício social.
Assim, havendo deliberação no sentido de redução do dividendo
obrigatório, mediante a modificação de cláusula estatutária que o re-
gula, poderão os dissidentes exercer o direito de recesso. Na hipóte-
se de omissão do estatuto, quando de sua alteração para fixação dos
dividendos, não há direito de recesso, pois, nesse caso, o acionista,
ao ingressar na companhia, tinha conhecimento da omissão esta-
tutária e da regra da Lei das S.A. que determina que o dividendo
não pode ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líqui-
do ajustado (artigo 202, § 2°)405.
2.1.d. Fusão da companhia ou sua incorporação em outra e cisão,
se importar mudança do objeto social, redução do dividendo obrigató-
rio ou participação em grupo de sociedades (artigo 136, incisos I V e l X ,
c/c o artigo 230, caput, e com o inciso III deste artigo).
Ao conferir nova redação a este artigo e ao artigo 136, a Lei n°
9.457/1997 manteve o direito de recesso ao acionista dissidente da deli-
beração de: (i) fusão da companhia406; (ii) incorporação da companhia
405 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 202 da Lei das S.A.
406 Ver os comentários ao art. 228 da Lei das S.A.
em outra407; e (iii) participação em grupo de sociedades408. Anteriormen-
te, em 1989, a Lei n° 7.958, a chamada "Lei Lobão", ao dar nova redação
ao artigo 136, excluiu algumas hipóteses ensejadoras do direito de reces-
so, provocando grande discussão sobre a sua eventual eliminação nos
casos de incorporação, fusão, cisão e participação em grupo de socieda-
des. Porém, a "Lei Lobão" não revogou o artigo 230, que previa, em sua
redação original, o direito de recesso na incorporação, fusão e dsão, nem
o artigo 270, parágrafo único, que o disdplina em caso de deliberação
para se associar a grupo de sociedades.
Após a promulgação da "Lei Lobão", a Comissão de Valores
Mobiliários, em 2 (duas) oportunidades, decidiu que ela não suprimi-
ra o direito de recesso na incorporação. Posteriormente, em nova de-
cisão, a Autarquia alterou seu entendimento, por ter a referida lei
suprimido o inciso VI do elenco das matérias que ensejavam o direito
de recesso. O Superior Tribunal de Justiça consagrou a tese de que a
Lei n° 7.958/1989 não havia suprimido o direito de recesso em casos
de incorporação, fusão e cisão de companhias409.
Visando a pôr fim à controvérsia, a Lei n° 9.457/1997, em seu
artigo 6°, revogou expressamente a Lei n° 7.958/1989 e deu nova
redação ao artigo 230, suprimindo o direito de recesso na cisão. A
Lei n° 10.303/2001, ao dar nova redação ao caput e a alguns dos
incisos deste artigo, estabeleceu as regras hoje vigentes sobre o direi-
to de recesso na incorporação, fusão e cisão.
Felizmente, após a reforma de 2001, com a promulgação da Lei n°
10.303, não houve novas modificações no regime legal do recesso ado-
náriq. Assim, na incorporação, o acionista da incorporada e, na fusão, o
adonista de qualquer das sodedades, se dissidente, tem o direito de re-
4
07 Ver os comentários ao art. 227 da Lei das S.A.
408 Ver os comentários ao art. 270 da Lei das S.A.
Ver a decisão proferida pela 3a Turma do Superior Tribunal de justiça no julgamento do
Recurso Especial n° 68.367-MC, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 10.12.1998, publicada
no DJU em 22.03.1999.
cesso se as ações por ele possuídas não forem dotadas de liquidez e de
dispersão no mercado, conforme adiante analisado no item 9.
Na incorporação, somente os acionistas da sociedade incorpora-
da têm direito de recesso. A não inclusão do acionista dissidente da
incorporadora como legitimado ao exercício desse direito constituiu
um "cochilo" do legislador, uma vez que ele pode ter sua situação pa-
trimonial tão afetada como a do acionista da incorporada, a depender
da relação de troca prevista no protocolo. Tal situação pode ser corri-
gida no estatuto da companhia comprometida com saudáveis práticas
de governança corporativa, prevendo o direito de recesso para o acio-
nista que dissinta da deliberação de incorporar outra sociedade. Na
fusão, operação pouco praticada entre nós, os acionistas de todas as
sociedades envolvidas podem exercer o direito de recesso.
Têm direito de se retirar da companhia tanto os titulares de ações
ordinárias como os titulares de ações preferenciais sem direito de voto
ou com voto restrito (§ 1°). Somente não estarão legitimados a exer-
cer o direito os acionistas que comparecerem à assembleia e votarem
favoravelmente à deliberação de fusão ou incorporação (§ 2°).
Tanto na fusão como na incorporação, nos termos do artigo 230
e do inciso IV deste artigo, o acionista dissidente deve exercer o direito
de recesso no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da publicação
da ata da assembleia que aprova o protocolo ou a justificação, que cons-
tituem documentos que devem ser obrigatoriamente apresentados à
deliberação dos acionistas reunidos em assembleia geral extraordiná-
ria, mas o pagamento do valor do reembolso somente será devido se a
operação vier a efetivar-se410-411. Trata-se de prazo decadencial, que
410 Ver os comentários aos arts. 224 e 225 da Lei das S.A.
411 A CVM, por meio do Ofício-Circular CVM/SEP n° 004/2011, manifestou-se no sentido de
que "nos casos em que a operação de incorporação, fusão ou cisão enseje direito de
recesso, as companhias abertas que possuam ações admitidas a negociação em mercados
regulamentados devem, conforme dispõe o artigo 20 da Instrução CVM n° 481/09, divul-
gar as informações previstas no Anexo 20 à referida Instrução (...)".
não comporta suspensão ou interrupção; se o acionista não exercer o
recesso no prazo legal, decai do direito de retirada (§ 4°).
Caso a operação de fusão ou incorporação não venha a efetivar-
-se, não haverá o pagamento do preço de reembolso. Podem as com-
panhias envolvidas desistirem da operação pela verificação de fatos
posteriores à assembleia que a torne inviável ou excessivamente one-
rosa. É o que ocorre se o pagamento do preço de reembolso puser em
risco a estabilidade financeira da companhia. Nesse caso, dependendo
do número de acionistas que manifestarem o desejo de exercer o re-
cesso e o montante de recursos que a companhia despenderá para
pagar-lhes o preço do reembolso, os órgãos de administração podem
convocar a assembleia geral para ratificar ou reconsiderar a delibera-
ção (§ 3°}. Caso a assembleia delibere reconsiderar a decisão anterior
favorável à operação, ela não se realizará e o pagamento do reembolso
não mais será devido.
Em casos excepcionais em que a incorporação e a fusão fo-
rem realizadas para indiretamente alterar o objeto da companhia
ou reduzir o dividendo obrigatório, o acionista dissidente poderá
exercer o direito de recesso, independentemente das ações apre-
sentarem liquidez e dispersão.
Na cisão, em princípio, não há direito de recesso para o acionista
dissidente, exceto se ela implicar: (i) mudança de objeto social da com-
panhia, salvo se o patrimônio social for vertido para sociedade cuja
atividade preponderante coincida com a decorrente do objeto social
da cindida; (ii) redução do dividendo obrigatório; ou (iii) participação
em grupo de sociedades412. Tratam-se, na realidade, de hipóteses que
ensejariam de-per se o direito de recesso.
Na hipótese de cisão em que há mudança do objeto social, a pró-
pria Lei das S.A., no inciso III, ressalva que esta não fica caracterizada
quando a parcela patrimonial transferida for recebida por sociedade
que exerça, de forma preponderante, atividade coincidente com aquela
praticada pela companhia cindida. Assim, se a atividade desenvolvida
pela companhia abranger o objeto social da companhia cindida, não
se justifica o direito de recesso, uma vez que, ao adquirir ações da
companhia cindida, o acionista já havia aquiescido em submeter-se
aos riscos próprios de tal atividade.
As hipóteses de mudança do objeto social e redução do dividendo
obrigatório podem decorrer do processo de cisão como conseqüência
da operação. No entanto, a participação em grupo de sociedades, por
definição, não decorre da cisão, mas de ato posterior, que com ela não
está relacionado, regulando-se pelo disposto no parágrafo único do ar-
tigo 270413. O que pode ocorrer apenas é a versão de parcela do patri-
mônio da cindida em sociedade que faça parte de grupo de sociedades,
ocasião em que os acionistas dissidentes poderão exercer o recesso.
Já na cisão com incorporação, os acionistas da sociedade cindida,
dissidentes da deliberação da assembleia geral que aprova a operação,
têm direito de recesso. Sua situação é, em tudo, idêntica à do acionista
da sociedade incorporada, a quem a Lei das S.A. assegura esse direito,
exceto se as ações que deüver forem de classe ou espécie que apresente
liquidez e dispersão no mercado (inciso II), conforme adiante analisa-
do no item 9. Não se trata de interpretação analógica ou extensiva das
disposições que regulam o recesso, mas de aplicação de dispositivo ex-
presso constante do § 3° do artigo 229, que manda aplicar à cisão com
incorporação as disposições sobre incorporação414.
413 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A..., p. 284.
414 No mesmo sentido, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Incorporação, Fusão e Cisão". In:
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. II,
Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1.805; IAN MUNIZ e ADRIANO CASTELLO BRANCO.
Fusões e Aquisições - Aspectos Fiscais e Societários. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.
256; AN NA LUIZA PRISCO PARAÍSO. O Direito de Retirada na Sociedade Anônima. 2 a
edição, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 92-94.
2.1.e. Participação em grupo de sociedades (artigo 136, inciso V, d
c o parágrafo único do artigo 270 e com o inciso II deste artigo).
A participação da companhia em grupo de sociedades constitui
uma das hipóteses em que a Lei das S.A. confere o direito de retirada
ao acionista dissidente, conforme estabelecem o inciso II deste artigo
c/c o inciso V do artigo 136 e o parágrafo único do artigo 270. A previ-
são legal da existência do direito de recesso nesse caso decorre do fato
de tal medida alterar significativamente a estrutura da companhia na
qual o acionista havia ingressado. Assim, o exercício do direito de reti-
rada não está condicionado à demonstração, por parte do acionista dis-
sidente, de que o ingresso no grupo acarretará prejuízos efetivos e
concretos à companhia da qual ele é sócio.
O grupo de sociedades constitui uma técnica de concentração
empresarial mediante a qual 2 (duas) ou mais sociedades, sendo uma
dominante e as demais dominadas, unem-se sob uma mesma direção
para alcançar objetivos comuns. De acordo com o artigo 265, a socie-
dade controladora e as suas controladas podem constituir um grupo de
sociedades mediante convenção pela qual se obrigam a combinar re-
cursos e esforços para a realização dos respectivos objetivos, ou para
participar de atividades ou empreendimentos comuns.
Assim, ao participar de um grupo de sociedades, a companhia fica
subordinada aos interesses e à orientação administrativa geral do grupo,
devendo os acionistas minoritários aceitar, nos termos da convenção,
que a sociedade disponibilize seus recursos e esforços para atender as
atividades e os empreendimentos do grupo e, inclusive, realize opera-
ções contrárias a seus interesses particulares ou que não observem con-
dições comutativas415. Por isso, a Lei das S.A. atribui o direito de recesso
aos acionistas de qualquer companhia que vier a participar ou se associar
415 A Exposição de Motivos n» 196, de 24.06.1976, reconheceu que "a integração da sociedade
em grupo eqüivale à mudança de seu objeto social, na medida em que ela deixa de persegu.r
seu próprio objeto e passa a priorizar a consecução do objeto geral do grupo.
a grupo de sociedades, sem fazer distinção ou estabelecer qualquer exce-
ção em relação à sociedade de comando ou às controladas.
No entanto, o inciso II deste artigo exclui a possibilidade de
retirada do acionista dissidente da deliberação que aprovar a partici-
pação em grupo de sociedades nos casos em que as ações de emis-
são da companhia possuam liquidez e dispersão no mercado,
conforme adiante analisado no item 9.
l . l . f . Mudança do objeto social (artigo 136, inciso VI, c/c o
caput deste artigo).
Quando alguém compra ações de uma companhia pode visar
(i) ao desenvolvimento de determinada atividade empresarial, se sua
participação no capital social for relevante; (ii) à obtenção de divi-
dendos; (iii) à valorização das ações no mercado secundário; e (iv) à
participação em determinada atividade econômica que considere
promissora e lucrativa. A Lei das S.A., ao regular o objeto social
(artigo 2°), teve por fim fornecer ao interessado na aquisição das
ações a informação, de forma mais ampla e precisa possível, sobre o
empreendimento econômico desenvolvido pela companhia.
O objeto social compreende o fim para o qual a sociedade é consti-
tuída, declarando o negócio, gênero de operações ou atividades, em fun-
ção das quais a companhia foi criada. Consiste, assim, na expressão escrita
do motivo para a congregação de interesses das partes em torno da cele-
bração do contrato plurilateral de sociedade416.
Não constitui o objeto social a prática de um ato singular, mas o
exercício de uma atividade, para cuja realização admite-se a conclusão
de diversos negócios jurídicos autônomos, desde que estejam voltados
à consecução da atividade empresarial definida no estatuto social. A
atividade-fim é aquela designada no objeto social e que a companhia
exerce para atingir o seu escopo lucrativo, e a atividade-meio, por sua
vez, é cada ato ou negócio jurídico em particular praticado pela compa-
nhia como instrumento para a realização do objeto social.
Em princípio, a disposição estatutária prescritiva do objeto social
deve coincidir com a atividade empresarial efetiva e concreta da com-
panhia. Pode ocorrer, porém, que sejam legitimamente praticados atos
ou negócios jurídicos que denotam a atividade empresarial, por lhe se-
rem necessários ou complementares, embora não constituam, de per se,
a atividade empresarial descrita como objeto social. Tais atos podem ser
caracterizados como meios para se atingir o objeto social, devendo,
portanto, ser considerados nele compreendidos.
A Lei das S.A. estabelece a necessidade de quorum qualificado para
a deliberação referente à mudança do objeto social (artigo 136, inciso VI)
e confere, no caput deste artigo, ao acionista dissidente o direito de reti-
rar-se da companhia, mediante o reembolso do valor de suas ações.
O objeto social, tanto sob o ângulo formal como o substancial,
constitui noção relacionada à atividade empresarial da sociedade. Por
atividade, compreende-se uma prática reiterada de atos e negócios
jurídicos com vistas à consecução de determinadas finalidades. O que
importa, para caracterizar a atividade, são os fins almejados, podendo
variar os meios utilizados para tal desiderato. Daí decorre que a mu-
dança do objeto social somente se configura quando a atividade em-
presarial, enquanto fim, é desnaturada ou alterada em caráter
permanente ou institucional, não se cogitando de alteração do objeto
quando se verifica mera variação dos meios para atingi-lo.
Para que se configure juridicamente mudança do objeto social, deve
ocorrer uma deliberação ou ato praticado pelos administradores que des-
figure completamente as atividades desenvolvidas pela companhia, de
modo a atingir as bases essenciais do negócio societário4?7. Não é qual-
417 MARIO ENGLER PINTO JÚNIOR, "Comentários à Decisão Proferida no Recurso Extraordi-
nário n° 104.985-6", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econom.co e Fmance.ro.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 66, abril-junho, 1987, p. 86.
quer alteração ou modificação no dispositivo estatutário que regula o ob-
jeto social que dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da compa-
nhia. Para que se justifique o direito de retirada é indispensável que a
modificação do objeto seja substancial, de forma que passe a sociedade a
atuar em outro ramo de negócios, o que pode implicar alteração do risco
empresarial assumido pelo acionista418. Dessa forma, a mudança do ob-
jeto consiste no exercício de atividade diversa daquela para a qual a
sociedade foi constituída419-420.
Portanto, mudar o objeto social significa colocar outro em seu lugar,
dispor de modo diverso a respeito da matéria; ou seja, remover uma ativi-
dade empresarial para substituí-la por outra421. A mudança do objeto que
418 Sobre esse assunto, ver ARNOLDO WALD, "Os Bancos Múltiplos e o Direito de Recesso",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, v. 87, junho-setembro, 1992, p. 5-16; GIANCARLO FRÈ. Società per Azioni.
Bolonha: Zanichelli, 1972, p. 703.
419 GIUSEPPE FERRI. Manuale di Diritto Commerciale. 5a edição, Torino: Unione Tipografico-
Editrice Torinese, 1980, p. 444. No mesmo sentido, ISAAC HALPERIN e JÚLIO C. OTAEGUI.
Sociedades Anônimas. 2a edição, Buenos Aires: Depalma, 1998, p. 616; JOSÉ EDWALDO
TAVARES BORBA. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 189-190. No
direito espanhol, o princípio é o mesmo: só há recesso quando há mudança radical do
objeto social. Ver, FERNANDO RODRIGUES ARTICAS, "El Cambio de Objeto Social". In:
Derecho de Sociedades Anônimas. Modificacion de Estatutos. Aumento Y Reduccion Del
Capital. Obligaciones. v. 1, t. III, Madrid: Editorial Civitas S.A., 1994, p. 156-157. O
entendimento é o mesmo na jurisprudência, como decidido no caso da Volec Taxi Aéreo,
julgado pelo 1o Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro. In: NELSON EIZIRIK. Sociedades Anônimas - Jurisprudência, t. 2, Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 97-101.
420 No ftirecer CVM/SJU n° 067/1979, a CVM firmou entendimento no sentido de que "em se
tratando de uma companhia cujo objeto seja a siderurgia propriamente dita, a alienação do
ativo operacional, permanecendo na empresa apenas os ativos financeiros, implica esvazia-
mento do objeto social."
421 Nesse sentido, decidiu o I o Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, no julgamento dos Embargos Infringentes n° 200/94, Rei. Des. Laerson
Mauro, j. em 15.02.1995, publicado na Revista Forense. Rio de Janeiro: Ed. Revista
Forense, v. 330, abril-junho, 1995, p. 319-325: "Sociedade Anônima - Direito de Recesso
- Ao acionista dissidente só é dado manejar o direito de recesso, na hipótese prevista no inc.
V do art. 136 da LSA, quando for efetiva a mudança do objeto da companhia, como tal não
sendo de equiparar-se a simples redução das atividades antes desenvolvidas, para eliminação
de custos de melhoria de rentabilidade, continuando a empresa a operar no mesmo ramo
negociai, sem qualquer setor novo, presente ainda a lembrança de que a matéria - direito de
recesso - é restritiva, informada pelo princípio do numerus clausus, não admitindo exegese
por método analógico extensivo."
enseja o direito de retirada deve ser efetiva, de forma que dela resulte uma
atividade nova, diferente daquela à qual o acionista aderiu, implicando na
assunção de riscos por ele não previstos422.
2.1.g. Transformação em outro tipo societário (artigo 221).
A transformação exige o consentimento unânime dos sócios ou
acionistas presentes à assembleia, salvo previsão estatutária ou con-
tratual autorizando a transformação. Logo, o acionista dissidente da
deliberação pode exercer o direito de recesso423.
Fundamenta-se o direito de recesso na discordância do sócio
em continuar vinculado a uma empresa com forma jurídica diver-
sa daquela à qual se associou; seu exercício, assim, não depende da
comprovação de danos ou de diminuição de direitos. O valor do
reembolso será calculado nos termos do artigo 45: valor de patri-
mônio líquido contábil ou valor econômico, caso exista previsão
estatutária expressa nesse sentido424.
Consta do parágrafo único do artigo 221 que os sócios podem re-
nunciar, no contrato, ao direito de recesso no caso de transformação em
companhia. Sua aplicação limita-se à hipótese de transformação em so-
ciedade anônima. Na transformação de companhia em limitada ou em
outro tipo societário diverso da anônima não é possível tal renúncia, que
poderia prejudicar o futuro sócio; é por essa razão que o acionista, embora
possa não exercer o seu direito de retirada em determinada circunstância,
a ele não pode renunciar, genericamente425.
422 Sobre esse assunto, ver FRANCESCO GALGANO. Trattato di Diritto Commerc.ale e d.
Diritto Pubblico dell'Economia - II Nuovo Diritto Societário, v. XXIX, t. II, Padova: CE-
-DAM, 2006, p. 135-137.
423 Ver os comentários ao art. 221 da Lei das S.A.
«4 Há uma decisão do Superior Tribunal de justiça no sentido de que, na transformado de
sociedade limitada em anônima, o sócio dissidente tem direito à retirada segundo as regras
da limitada, ou seja, mediante apuração de haveres (decisão da 3 a Turma profenda nos
autos do Recurso Especial n° 4 8 \205-Rj, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, J : em 09.08.1994,
publicada no DJU em 19.09.1994).
425 Ver os comentários aos arts. 109 e 221 da Lei das S.A.
2.1.h. Não abertura de capital de sociedade sucessora de compa-
nhia aberta envolvida em processo de fusão, incorporação ou cisão
(artigo 223, §§ 3° e 4°).
Nos termos do § 3° do artigo 223, se a operação de incorporação,
fusão ou cisão envolver companhia aberta, a sociedade sucessora tam-
bém será aberta, devendo obter o respectivo registro ou, se for o caso,
promover a negociação de novas ações no mercado secundário. O
objetivo da norma é impedir que o acionista de uma companhia aber-
ta torne-se, em decorrência da operação, titular de ações de uma com-
panhia fechada, o que pode lhe causar danos decorrentes da redução
da liquidez de sua posição acionária.
A norma visa a assegurar aos acionistas minoritários de compa-
nhia aberta que, por força da operação de incorporação, fusão ou cisão,
passam a ser sócios de companhia fechada, a manutenção de condi-
ções de liquidez dos títulos recebidos semelhantes às dos anteriores.
Ou seja, sua situação, enquanto investidor, não pode ser prejudicada;
por outro lado, não têm direito de ver melhoradas as condições de liqui-
dez de suas ações. Assim, se o acionista minoritário era titular de ações
de uma companhia aberta pela emissão pública de debêntures, cujas
ações não eram negociadas no mercado secundário, não pode exigir
que a companhia sucessora tenha ações dotadas de liquidez em Bolsa
de Valores ou no mercado de balcão426.
A companhia sucessora deve obter o registro de companhia aberta
junto à Comissão de Valores Mobiliários e, se for o caso, isto é, se as
ações detidas pelo minoritário na antiga sociedade eram negociadas
no mercado secundário, promover a sua admissão à negociação no
mesmo mercado, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias. A
obrigação da sucessora é garantir condições institucionais de liquidez
426 NELSON EIZIRIK, "Notas Sobre o Direito de Recesso na Incorporação, Fusão e Cisão",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, v. 113, janeiro-março, 1999, p. 124 e seguintes.
semelhantes. Tal não significa que deverão ser idênticas as condições
de liquidez; a liquidez das ações decorre da situação econômica da
companhia e do mercado de capitais, do volume de ações em circula-
ção e do interesse dos investidores em adquiri-las, variáveis que não
estão sob o controle da companhia.
De acordo com o § 4° do artigo 223, o descumprimento do dis-
posto no seu § 3° confere ao acionista o direito de retirar-se da compa-
nhia, mediante o reembolso do valor de suas ações. Trata-se de uma
hipótese de recesso introduzida com a reforma ocorrida em 1997, por
meio da promulgação da Lei n° 9.457. O direito de recesso, no caso,
não decorre da operação de fusão, cisão ou incorporação, mas do fato
de a companhia sucessora não se registrar como companhia aberta junto
à Comissão de Valores Mobiliários, no prazo de 120 (cento e vinte)
dias contado da data da assembleia que aprovou a operação. Ou seja, o
fato gerador do direito de recesso é a não aquisição, por parte da com-
panhia sucessora, do status de companhia aberta no prazo legal.
O prazo para o exercício do direito de recesso é contado a partir
do último dia de que dispunha a companhia para registrar-se como
companhia aberta, não da data de publicação da ata da assembleia
geral que aprovou a operação (inciso IV). Trata-se de hipótese espe-
cial, em que o direito de recesso não nasce de deliberação da assem-
bleia geral, mas da verificação de que não ocorreu o registro como
companhia aberta no prazo legal.
Como o direito de recesso não decorre da deliberação de aprovar
a operação, todos os acionistas podem exercê-lo, ainda que tenham
votado favoravelmente a ela, diversamente do que acontece nas de-
mais hipóteses legais (§ 2°). Porém, caso a companhia realize assem-
bleia geral extraordinária para deliberar que não se registrará como
companhia aberta, somente poderão exercer o direito de recesso os
acionistas que não votaram favoravelmente427.
A não abertura de capital no prazo legal não constitui ato ilíci-
to, não caracterizando qualquer violação ao dever imposto pela Lei
das S.A., mas o exercício de uma simples faculdade, cuja única con-
seqüência é a possibilidade de exercerem os acionistas dissidentes
o direito de recesso428.
2.1.i. Aquisição do controle acionário por pessoa jurídica de
direito público em virtude de desapropriação de ações (artigo 236,
parágrafo único).
Consta do parágrafo único do artigo 236 que sempre que a pessoa
jurídica de direito público adquirir, por desapropriação, o controle de
companhia em funcionamento, os acionistas terão direito de pedir, den-
tro de 60 (sessenta) dias da publicação da primeira ata da assembleia
geral realizada após a aquisição do controle, o reembolso das suas ações,
salvo se a companhia já se achava sob o controle, direto ou indireto, de
outra pessoa jurídica de direito público, ou no caso de concessionária de
serviço público.
Trata-se de hipótese remota já na época da promulgação da Lei
das S.A., hoje praticamente impossível politicamente a desapropriação
por parte do poder público do controle de companhia em funciona-
mento. Mas, ocorrendo a eventual transferência do controle do setor
privado para o poder público mediante desapropriação, o acionista dis-
sidente poderá pedir o reembolso do valor de suas ações.
A causa do recesso, no caso, é a transferência do controle acionário
mediante desapropriação. Descabe o direito de recesso se a companhia já
se encontrava sob o controle direto ou indireto de outra pessoa jurídica de
direito público ou se era concessionária de serviço público.
2 . 2 . R E C E S S O ESTATUTÁRIO
3 . EXERCÍCIO D O D I R E I T O DE R E C E S S O
437 Sobre a manifestação e declaração de vontade, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições
de Direito Civil. v. 1, 22 a edição, atualizado por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de
Janei ro: Forense, 2008, p. 484, observa que: "A declaração de vontade pode emitir-se às
vezes dirigida a uma pessoa determinada, seja com o propósito de levar-lhe ao conhecimento
a intenção do agente, seja com a finalidade de se ajustar a outra declaração de vontade
oposta, necessária à perfeição do negócio jurídico. Chama-lhe a doutrina de declaração
receptícia de vontade. Estão nesses casos a proposta de contrato, a revogação do mandato,
etc. Mas, outras vezes, a emissão se faz sem aquele caráter, e mesmo assim o negócio jurídico
se completa, dizendo-se então que há uma declaração não-receptícia de vontade, de que se
podem invocar como exemplos o testamento, a promessa ao público, etc. A distinção entre
uma e outra se faz, esclarecendo-se que, tanto receptfcia, quanto não-receptícia, influi a
declaração de vontade na esfera jurídica de outrem; porém, na primeira hipótese o ato exige,
para completar-se, uma parte e outra parte, com sentido direcional, enquanto que, na
segunda, o negócio jurídico se completa com a só vontade do declarante, seja este uma
pessoa natural, uma pessoa jurídica ou uma coletividade. Mas é preciso esclarecer que a
declaração receptícia de vontade não se dá apenas nos negócios jurídicos bilaterais. As
vezes, em unilaterais, ela o é: quando dirigida determinantemente a alguém."
438 MAURO RODRIGUES PENTEADO, "A Lei 7.958/89 e a Pretensa Modificação do Direito de
Retirada dos Acionistas: Uma Discussão Inócua", Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 77, janeiro-março, 1990, p. 42.
439 ANTONIO BRUNNETTI. Trattato dei Diritto Delle Società. v. 2, Milano: Giuffrè, 1950, p.
512: "La dichiarazione dei socio è um atto unilaterale, recettizio (va fatta sotto pena di
decadenza) Che non abbisogna de espressa accettazione da parte delia società."
440 Nesse sentido, ANDREAS V O N TUHR. Derecho Civil. Buenos Aires: Depalma, 1946, p.
242-243, conclui que: (i) quando o negócio unilateral produz o efeito que lhe é próprio e
Nas hipóteses previstas na Lei das S.A. ou no estatuto social, o
acionista dissidente tem o direito potestativo de exercer o recesso e
receber o valor de reembolso das ações que, nos termos do § 1°, era
comprovadamente titular na data da primeira publicação do edital de
convocação da assembleia, ou na data da comunicação do fato rele-
vante objeto da deliberação, se anterior.
Por essa razão, deve constar do edital de convocação a relação
completa e precisa da ordem do dia, com a especificação de todas as
matérias que serão deliberadas (artigo 124); é vedada, na companhia
aberta, a utilização da expressão "assuntos gerais" para matérias que
dependam de deliberação assemblear442-443-444-445^-52^-446^-5^^.
Para exercer o direito de recesso, deve o acionista: (i) ser titular
das ações na data da primeira publicação do edital de convocação
atinge a esfera jurídica alheia, é irrevogável; e (ii) os negócios unilaterais que são exercício de
um direito de configuração não podem ser retratados, o que se aplica a todos os direitos de
configuração, sejam constitutivos, modificativos ou, particularmente extintivos, tais como a
denúncia, a resolução, a revogação, a compensação e a impugnação.
441 No sentido da irrevogabilidade da manifestação do direito de retirada, ver, também, MODES-
TO CARVALHOSA, "O Dissidente é Sócio e Não Mero Credor", Revista dos Tribunais. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 528, outubro, 1979, p. 53. Em sentido contrário, JOSÉ
WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a 188). v. II,
Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 253, para o qual o dissidente pode retratar-se unilaleral-
mente desde que o faça por escrito e antes que se esgote o prazo de 30 (trinta) dias que lhe
fora concedido para o exercício do direito de retirada.
442 Art. 3° da Instrução CVM n° 481/2009.
443 Esse entendimento consta do Ofício-Circular CVM/SEP n° 001/2008: "Os editais de convo-
cação de Assembleias Gerais Ordinárias e/ou Extraordinárias devem enumerar, expressa-
mente, na ordem do dia, todas as matérias a serem deliberadas, não se admitindo que sob
a rubrica 'assuntos gerais' haja matérias que dependam de deliberação assemblear (...),
sendo sua transgressão considerada como infração de natureza grave para os fins previstos
no parágrafo 3", do artigo 11, da Lei n° 6.3S5/76."
444 Para as companhias abertas, a Comissão de Valores Mobiliários determina, no art. 20 da
Instrução CVM n° 481/2009, que, sempre que a matéria deliberada em assembleia geral der
ensejo a direito de recesso, a companhia deve fornecer, no mínimo, as informações indicadas
no Anexo 20 da referida Instrução, a saber: (i) descrição do evento que deu ou dará ensejo
ao recesso e seu fundamento jurídico; (ii) as ações e classes às quais se aplica o recesso; (iii)
a data da primeira publicação do edital de convocação da assembleia e a da comunicação
do fato relevante que deu ou dará ensejo ao recesso; (iv) o prazo para o exercício do direito
de recesso e a data que será considerada para efeito da determinação dos titulares das ações
que poderão exercer o recesso; (v) o valor do reembolso por ação ou, caso não seja possível
determiná-lo previamente, a estimativa da administração acerca desse valor; (vi) a forma de
cálculo do valor de reembolso; (vii) o direito de solicitar o levantamento de balanço
especial; (viii) caso o valor de reembolso seja determinado mediante avaliação, a lista dos
peritos ou empresas especializadas recomendadas pela administração; (ix) na hipótese de
da assembleia ou na data da comunicação do fato relevante objeto
da deliberação, se anterior (§ Io)447; (ii) não ter votado favoravel-
mente à deliberação que enseja o recesso (§ 2°); e (iii) manifestar
sua dissidência no prazo de 30 (trinta) dias da publicação da ata da
assembleia geral (inciso IV) ou, se esta depender de ratificação, da
data da publicação da ata da assembleia especial convocada para
esse fim (inciso V).
O acionista que não exercer o recesso no prazo de 30 (trinta)
dias contado da publicação da ata da assembleia geral, decairá desse
direito, nos termos do § 4°. Esse prazo de 30 (trinta) dias não se aplica
à hipótese de aquisição, por pessoa jurídica de direito público, do con-
trole de uma companhia, por desapropriação, pois, de acordo com o
parágrafo único do artigo 236, o prazo de decadência, nesse caso, é de
E N S E J O U O D I R E I T O DE RECESSO
448 Nesse sentido, dispõe o art. 2.437 do Código Civil Italiano: "Art. 2437.
Diritto di recesso. Hanno diritto di recedere, per tutte o parte delle loro azioni, i soei che non
hanno concorso alie deliberazioni riguardanti: a) Ia modifica delia clausola deU'oggetlo
sociale, quando consente un cambiamento significativo dell'attività delia società; b) Ia
trasformazione delia società; c) il trasferimento delia sede sociale alfestero; d) Ia revoca dello
stato di liquidazione; e) l'eliminazione di una o piu cause di recesso previste dal successivo
comma ovvero dallo statuto; f) Ia modifica dei criteri di determinazione dei valore del!'azione
in caso di recesso; g) le modificazioni dello statuto concernenti i diritli di voto o di
partecipazione. Salvo che Io statuto disponga diversamente, hanno diritto di recedere i soei
che non hanno concorso al!'approvazione delle deliberazioni riguardanti: a) Ia proroga dei
termine; b) 1'introduzione o Ia rimozione di vincoli alia circolazione dei titoli azionari. Se Ia
società è costituita a tempo indeterminato e le azioni non sono quotaLe in un mercato
regolamentato il socio può recedere con il preavviso di almeno centottanta giorni; Io statuto
può prevedere un termine maggiore, non superiore ad un anno. Lo statuto delle società che
non fanno ricorso al mercato dei capitale di rischio può prevedere ulteriori cause di recesso.
Restano salve le disposizioni dettate in tema di recesso per le società soggette ad attività di
direzione e coordinamento. È nullo ogni patto volto ad escludere o rendere piü gravoso
l'esercizio dei diritto di recesso nelle ipotesi previste dal primo comma dei presente articolo."
449 No mesmo sentido, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188)..., v. II, p. 250: "A nós nos parece que o acionista pode exercer
menor diminuição do capital ou do patrimônio da companhia,
conforme ela tenha, ou não, reservas disponíveis e consiga, ou não,
encontrar um comprador para essas ações.
A norma que cria o direito de recesso visa a compor o conflito
de interesses entre a maioria e a minoria; daí o seu caráter de excep-
cionalidade, uma vez que nele prevalece o direito individual sobre o
social. Aceitar apenas o recesso total é dar interpretação formalista
a esse instituto, o que não está em consonância com a natureza de
sociedade de capitais que se reconhece às sociedades anônimas450.
6. O A C I O N I S T A A O EXERCER O R E C E S S O N Ã O PERDE
A S U A Q U A L I D A D E DE S Ó C I O
parcialmente o direito de recesso, haja vista ser ele titular de cada ação individualmente. (...)
De resto, se um dos problemas que o recesso acarreta para a companhia éode pôr em risco
a estabilidade financeira da empresa, resulta evidente consultar ao interesse social o paga-
mento de um reembolso menor do que aquele devido se o recesso fosse total, ou seja, em
relação a todas as ações possuídas pelo dissidente."
450 Nesse sentido já se manifestou a CVM no Parecer CVM/SJU n° 050/1979. No mesmo
sentido, o Parecer CVM/SJU n° Oõõ/1979, no qual se observou que: "O objeto do direito
de recesso é de conteúdo patrimonial, (...) o fato é que o relacionamento do acionista com
a sociedade não se faz pelo número n de ações mas por um número qualquer de que ê
titular num momento x. Há uma unidade básica, ação, e sobre ela se define a relação
companhia-acionista, e que pode ser dissolvida em cada parcela unitária. Não há impos-
sibilidade lógica nem jurídica de recesso parcial. Quanto a constituir, o recesso parcial,
modalidade do abuso de direito, impõe-se prévia consideração. Na raiz do conceito a
doutrina é unânime em apontar ilicitude, prejuízos a terceiros ou falta de interesse legíti-
mo. As limitações ao exercício de um direito, fundadas na sua relatividade, derivam da
própria natureza do direito, da boa fé ou são impostas pela função ou destinação econô-
mica e social. Impedir o recesso parcial sob esse fundamento seria: a) aceitar, como
determinante do conteúdo do direito a retirada do acionista da sociedade. Não se admitiria
modalidade diversa do seu exercício; ou se retira ou permanece. É interpretação formalista
que não compadece com a finalidade protecionista do direito de recesso; b) constatar,
sempre, no seu exercício, má fé, falta de legítimo interesse ou prejuízo. Não nos parece que
ocorra nenhum deles, em maior extensão do que poderia ocorrer no recesso total. Ponderável
seria o argumento de que a aceitação do recesso parcial viesse a ampliar a incidência do
direito excepcional que é o de retirada. Seria admitir que na impossibilidade prevista (no
estatuto? pela assembleiaí pelos órgãos de administração) de exercê-lo parcialmente, o
acionista abrisse mão de seu direito. Nada leva a crer na procedência do raciocínio, que
não é lógico nem próprio do homo aeconomicus."
de recesso faculta ao acionista um poder de agir na esfera jurídica da
companhia por simples declaração receptícia de vontade, apenas com a
quitação de seus haveres - que ocorre com o recebimento do valor de
reembolso e a averbação, nos livros próprios, da transferência para a
companhia da propriedade das ações reembolsadas é que se extingue
o vínculo entre ele e a companhia.
Enquanto não recebe o reembolso de suas ações, o dissidente
permanece como acionista, podendo exercer plenamente os seus di-
reitos políticos e fazendo jus aos direitos patrimoniais perante a com-
panhia: pode participar de assembleias gerais, exercer o direito devoto,
receber dividendos, exercer preferência na subscrição de ações em
aumentos de capital, etc451. Assim, até o recebimento do valor de re-
embolso, os dissidentes permanecem na qualidade de acionistas. O
exercício dos direitos de sócio não implica renúncia ao pedido de re-
embolso das ações.
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431 MODESTO CARVALHOSA, "O Dissidente é Sócio e Não Mero Credor", Revista dos Tribu-
nais..., v. 528, p. 49-50, entende que: "O recesso é rigorosamente simétrico ao direito de
sócio. E a aquisição do 'status\' de acionista de uma companhia somente se opera a partir
do pagamento parcial ou totat, da subscrição do capital social. A simples vontade manifes-
tada de se tornar sócio não basta para que o interessado se torne acionista. O vínculo
sociedade-acionista advém, portanto, do pagamento, em parte ou no todo, do valor
subscrito. Trata-se de um requisito de natureza patrimonial que visa a proteger o interesse
da companhia no que respeita à participação do interessado no capital social. (...) A partir
do pagamento inicial referente à subscrição é que se estabelece a relação sócio sociedade.
(...) Da mesma forma, a relação sócio companhia extingue-se mediante o processo inverso:
o efetivo reembolso pela companhia, ao acionista dissidente, dos seus haveres sociais, na
forma do art. 45 da lei vigente." No mesmo sentido, CIAN FRANCO CAMPOBASSO, "II
Sistema Giuridico Italiano", Diritto Commerciale - Diritto Delle Sociefà. v. 3, Torino:
UTET, 1997, p. 434 e seguintes.
Nas hipóteses em que a companhia não reconhece o direito de
retirada exercido pelo acionista, e, portanto, não efetua o pagamento
do valor do reembolso de suas ações, o efeito da sua vontade fica na
dependência da manifestação do Poder Judiciário ou do Tribunal Ar-
bitrai, conforme o caso. Enquanto essa não ocorrer, o acionista conti-
nua titular das ações e apto a exercer os seus direitos de acionista. Se
a decisão final for no sentido de negar-lhe o direito de retirada, con-
tinuará proprietário das ações; se, ao contrário, confirmar a existência
do direito de retirada, o seu exercício produzirá todos os efeitos desde
a época da manifestação de vontade.
7 . V A L O R DE R E E M B O L S O
452 Ver FÁBIO KONDER COMPARATO, 'Valor de Reembolso no Recesso Acionário - Interpreta-
ção do Art 45 da Lei das Sociedades por Ações", Revista dos Tribunais..., v. 563, p. 50.
453 O art. 402 do Código Civil assim dispõe: "Salvo as exceções expressamente previstas em
lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu,
o que razoavelmente deixou de lucrar."; o art. 944 do Código Civil, por sua vez, dispõe
que: "A indenização mede-se pela extensão do dano."
O reembolso é a operação pela qual a companhia paga aos acio-
nistas dissidentes o valor de suas ações. Constitui o reembolso uma
recompra compulsória pela companhia de ações de sua emissão, nos
casos em que a Lei das S.A. ou o estatuto social confere o direito de
recesso. Trata-se, com efeito, de uma das hipóteses em que, excepcio-
nalmente, a companhia está autorizada a adquirir suas próprias ações
(artigo 30, § 1°, alínea "a").
O critério para a determinação do valor de reembolso, de acordo
com as regras introduzidas na Lei das S.A. pela Lei n° 9.457/1997, está
estabelecido no § 1° do artigo 45, ao estipular que este deve correspon-
der ao valor de patrimônio líquido da companhia, conforme apurado
no último balanço aprovado pela assembleia geral. Tal critério somente
pode ser afastado caso o estatuto social tenha previsto expressamente a
possibilidade de o valor de reembolso ser calculado com base no valor
econômico da companhia454, hipótese em que o montante devido aos
acionistas dissidentes deverá ser aferido por meio de avaliação realizada
na forma estabelecida nos §§ 3° e 4° do artigo 45. Inexistindo previsão
estatutária expressa, mantém-se o cálculo do reembolso com base no
valor de patrimônio líquido.
Diversa é a situação regulada no § 3° do artigo 264, que é a única
hipótese em que os acionistas dissidentes podem pleitear a adoção de
critério diverso para a apuração do valor de reembolso. Esse artigo
estabelece, no caso de incorporação que envolva companhia contro-
lada ou sob controle comum, uma proteção adicional a ser conferida
aos acionistas minoritários da sociedade incorporada, mediante uma
fórmula que garanta a relação de troca mais justa possível, tendo em
vista que tais operações são decididas, no âmbito de ambas as socie-
dades envolvidas, pelo voto do mesmo acionista controlador.
Assim, o artigo 264 determina que deverá ser apresentada aos acio-
nistas, além da informação referente à relação de troca efetivamente
454 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 170, § 1o, da Lei das S.A.
adotada na operação, uma informação adicional: a relação de troca cal-
culada com base na avaliação dos patrimônios, tanto da incorporadora
como da incorporada, a partir do critério do patrimônio líquido a preços
de mercado ou outro critério expressamente admitido pela Comissão
de Valores Mobiliários. Essa regra implica a disponibilização da infor-
mação acerca de uma relação de troca teórica, que permite ao acionista
minoritário medir o caráter equitativo da relação de troca efetiva a ele
oferecida no protocolo de incorporação. O referido dispositivo legal não
tem, portanto, a finalidade de estabelecer a relação de troca a ser efeti-
vamente adotada, mas sim de prestar uma informação adicional aos
acionistas das sociedades envolvidas. Além da finalidade de caráter
informacional, a avaliação do patrimônio líquido a preço de mercado
também pode, em determinadas hipóteses, constituir uma alternativa
para a determinação do valor de reembolso dos acionistas dissidentes.
Ou seja, caso as relações de substituição das ações pertencentes aos
acionistas minoritários fixadas no protocolo sejam menos vantajosas do
que as que resultariam da avaliação dos 2 (dois) patrimônios líquidos a
preço de mercado, ou, com base no critério alternativo aceito pela Co-
missão de Valores Mobiliários, os acionistas dissidentes podem escolher,
ao exercer o direito de recesso, entre o reembolso de suas ações calculado
com base no valor do patrimônio líquido contábil ou com base no critério
de patrimônio líquido a preço de mercado.
De acordo com o artigo 45, o balanço a ser adotado para efeitos
de se apurar o valor de reembolso é o último aprovado pela assembleia
geral da companhia; corresponde àquele levantado ao final de cada
exercício social e que, na forma prevista no artigo 132, deve ser sub-
metido à apreciação da assembleia geral ordinária, a ser realizada nos
4 (quatro) primeiros meses do exercício subsequente. Em regra, não é
necessário o levantamento de balanço especial para se apurar o valor
de reembolso devido aos acionistas dissidentes. A única hipótese em
que a Lei das S.A. faculta a elaboração de balanço especial verifica-se
quando a deliberação que dá ensejo ao exercício do direito de retirada
ocorre mais de 60 (sessenta) dias após a data do último balanço apro-
vado (artigo 45, § 2°)45S.
Caso o acionista solicite, juntamente com o reembolso, o levan-
tamento de balanço especial, a companhia pagará imediatamente 80%
(oitenta por cento) do valor de reembolso, calculado com base no
último balanço aprovado e, levantado o balanço especial, pagará o
saldo no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da data da delibe-
ração da assembleia geral. Na hipótese de ser constatado, após o le-
vantamento do balanço especial, que os 80% (oitenta por cento) do
valor de reembolso antecipadamente recebido pelo acionista dissi-
dente constituem valor superior ao efetivamente devido, ele deverá
devolver à companhia a diferença456.
A Lei das S.A. permite que o valor de reembolso seja pago com
recursos originários dos lucros acumulados ou das reservas possuídas
pela companhia (artigo 45, § 5°). Entre as reservas, podem ser utiliza-
das tanto as reservas de capital (artigo 200, inciso II) quanto as de lu-
cro, com exceção da reserva legal e da reserva especial de dividendos
(artigo 202, § 5°). Caso o pagamento ao acionista dissidente seja feito
457 Ver a instrução CVM n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n« 100/1989, 268/1997 e 390/2003.
458 Art. 1o, inciso IX, da Instrução CVM n° 323/2000.
primeira constituída por decisões que afetam os direitos de participa-
ção de 1 (uma) ou mais espécie ou classe de ações; e (ii) a segunda
integrada por operações que alteram a própria estrutura da compa-
nhia à qual o acionista se associou459.
Nas hipóteses enquadradas na alínea "(i)", que são as constantes
dos incisos I e II do artigo 136, a existência do direito de recesso tem
por fim evitar que os direitos patrimoniais conferidos pelas ações de
titularidade dos acionistas minoritários possam ser suprimidos ou redu-
zidos por deliberação da maioria dos acionistas. Por essa razão, o exer-
cício do direito de retirada, nesses casos, somente se justifica se houver
efetivo prejuízo para o acionista minoritário.
A Lei das S.A. expressamente exige a demonstração de que, em tais
hipóteses, a alteração prejudicará os direitos patrimoniais dos acionistas,
ao dispor, no inciso I deste artigo, que "nos casos dos incisos I e H do artigo
136, somente terá direito de retirada o titular de ações de espécie ou classe
prejudicadas." Assim, por constituir remédio contrário ao interesse da com-
panhia, o direito de recesso, nos casos previstos nos incisos I e II do artigo
136, que visam a proteger os acionistas contra deliberações que reduzem
os seus direitos de participação, somente se justifica quando a deliberação
aprovada pela assembleia geral acarreta prejuízos para os dissidentes.
O direito de recesso, quando decorre de deliberação da assembleia
geral, em princípio, tem que estar fundamentado em decisão que afete
negativamente algum interesse ou direito do acionista dissidente. Nes-
se caso, somente se o titular das ações for efetivamente prejudicado
pela deliberação assemblear poderá ele se retirar da companhia medi-
ante o pagamento do valor de reembolso de suas ações460.
459 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Mudança de Objeto Social e Incorporação de Subsidiá-
ria". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressu-
postos, elaboração, aplicação), v. 2, 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 340.
460 Nesse sentido é a decisão da 4 a Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferida no
julgamento do Recurso Especial n° 31.515-SP, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em
25.03.1996, publicada no DJU em 22.04.1996: "Comercial. Sociedade anônima. Direito
Nas hipóteses elencadas nos incisos I e II do artigo 136, não
basta, para o exercício do direito de recesso, que o acionista invo-
que a existência de deliberações assembleares das quais tenha dis-
sentido. Adicionalmente, é indispensável verificar se a deliberação
assemblear acarretou, de maneira objetiva, prejuízo ao acionista, seja
de natureza política ou patrimonial461-462.
Portanto, quando não se verifica, nas hipóteses constantes dos
incisos I e II, alteração prejudicial ou lesiva aos seus interesses, o
acionista dissidente não terá legitimidade para exercer o direito de
retirada. Não cabe, nestes casos, invocar o fato de a Lei das S.A.
admitir, em tese, o exercício do direito de recesso, pois, inexistindo
lesão ao acionista dissidente, a sua retirada visará a alcançar ou-
tros fins patrimoniais ou políticos, que não aqueles protegidos pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
A Comissão de Valores Mobiliários também já teve a oportunidade
de analisar o instituto do direito de recesso, referendando o entendimen-
to de que seu exercício pressupõe a existência de prejuízo ao acionista
São Paulo-, Ed. Revista dos Tribunais, v. 126, abril-junho, 2002, p. 11: "No mercado
financeiro, são ditos líquidos aqueles instrumentos cuja titularidade se transfere rapida-
mente, ou seja, são líquidos porque facilmente se transformam em moeda, e no mais das
vezes, sem impor perdas a quem os aliena (...). (...) A facilidade de transformar ativos em
moeda, rapidamente e sem perdas, é o que os caracteriza como líquidos. Rapidez na
transformação acompanhada de prejuízos pode indicar (i) baixa liquidez do ativo; (ii)
necessidade imediata de moeda pelo alienante; (iii) imperfeições de mercado; (iv) além da
combinação de dois ou mais desses fatores."
RACHEL SZTAJN, "Conceito de Liquidez na Disciplina do Mercado de Valores Mobiliários",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro..., v. 126, p. 20.
na medida em que as ações de sua titularidade não preenchem os
requisitos legais.
Assim, o objetivo do inciso II, alínea "a", é o de conferir o direito
de recesso aos titulares de ações sem liquidez, que não têm a possibili-
dade de se retirar da companhia mediante a venda de suas ações no
mercado sem perda de valor, e negá-lo às ações com liquidez. Em rela-
ção ao parâmetro "liquidez", a Lei das S.A., a partir da redação que lhe
foi conferida pela Lei n° 10.303/2001, passou a exigir não apenas que a
ação integre índice geral admitido à negociação no mercado de valores
mobiliários, mas também que tal índice seja definido pela Comissão de
Valores Mobiliários466. Em mercados líquidos, o acionista tem a opor-
tunidade de vender facilmente as suas ações, transformando-as em
moeda sem perda financeira, para o fim de retirar-se da companhia
sem prejuízo para si próprio ou para a sociedade467.
O índice constitui um indicador de lucratividade média de
uma carteira teórica, integrada pelas ações mais negociadas, de-
monstrando o comportamento do mercado secundário de ações468.
Assim, índice geral de ações significa um conjunto de ações com
boa liquidez, resultante de negociações freqüentes e da variação
de preços de ação de maior negociação.
466 A CVM ainda não regulamentou essa matéria, mas no Ofício-Circular CVM/SEP n° 004/
2011, a Autarquia firmou entendimento no sentido de que: "Considerando que, atualmen-
te, inexiste regulamentação acerca da matéria na CVM, entende-se que os índices conside-
rados para efeito de liquidez devem ser aqueles admitidos à negociação em bolsas de
futuros, atualmente, Ibovespa e IBrX-50."
467 RACHEL SZTAJN, "Conceito de Liquidez na Disciplina do Mercado de Valores Mobiliários",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro..., v. 126, p. 17, observa que:
"Mais, vender as ações no mercado atende ao interesse do acionista dissidente, se o preço de
mercado espelha o valor das ações. E, se o recesso não deve ser fonte de lucro para o retirante,
não se justifica preservar o direito ao reembolso se possível a alienação das ações de maneira
rápida. Daí se prender a supressão do reembolso ã liquidez das ações no mercado. Entende-se
a noção de liquidez no texto do art 137, no sentido de facilidade de transferência do ativo, sem
que o preço seja afetado de modo significativo pelo fluxo de ordens de compra/venda, e sem que
haja demora na finalização do negócio."
463 NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais..., p. 75.
A quantidade de ações em circulação também é importante para
que a ação tenha liquidez. Trata-se do critério da dispersão das ações
no mercado. De acordo com a regra constante da alínea "b" do inciso
II, são ilíquidas as ações pouco dispersas, isto é, quando mais da me-
tade da quantidade total das ações não se encontra em circulação
porque é de propriedade do acionista controlador, da sociedade con-
troladora ou de outras sociedades sob seu controle.
A partir da promulgação da Lei n° 10.303/2001, presume-se a
dispersão apenas quando o grupo controlador detiver menos da me-
tade da espécie ou classe de ações que estiver sendo atingida pela
deliberação ensejadora do exercício do direito de recesso.
Não cabe, portanto, o direito de recesso quando a espécie ou classe
de ações da companhia atendam cumulativamente aos parâmetros de
liquidez e dispersão. Presume-se, em tais hipóteses, que o acionista insa-
tisfeito pode alienar suas ações no mercado, não ficando obrigado a per-
manecer vinculado a determinado empreendimento econômico.
Os parâmetros de liquidez e dispersão têm como fonte o direito
norte-americano. De acordo com o Model Business Corporation Ad
(Seetion 13.02), o direito de recesso (appraisal rights) não se aplica às
hipóteses: (i) em que as ações estiverem listadas na New York Stock
Exchange ou American Stock Exchange ou, ainda, em Bolsa de Va-
lores de alcance nacional; ou (ii) em que a companhia tenha 2.000
(dois mil) acionistas e as ações da classe ou série tenham um valor de
mercado de, pelo menos, US$ 20 milhões. No mesmo sentido, é o §
262 da Delaware General Corporation Law.
1 0 . D I R E I T O DE RECESSO E A Ç Õ E S G R A V A D A S C O M
C L Á U S U L A DE INALIENABILIDADE
469 SILVIO RODRIGUES. Direito Civil. v. 7, 25a edição, atualizada de acordo com o novo
Código Civil (Lei n° 10.406, de 10.01.2002), com a colaboração de Zeno Veloso, São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 190.
cláusula de inalienabilidade que recai sobre suas ações, em desacordo
com a vontade do autor do ato de liberalidade que legitimamente im-
pôs tal gravame às ações transferidas.
Nessa hipótese, diante do conflito aparente e da necessidade de
preservarem-se os interesses tanto do autor quanto do beneficiário
do ato de liberalidade, deve-se recorrer ao mecanismo da sub-rogação
do vínculo de inalienabilidade, conforme previsto no Código Civil,
para alguns casos de alienação de bens clausulados, decorrentes da
desapropriação e da conveniência econômica do herdeiro ou donatá-
rio, mediante autorização judicial470. Por meio da sub-rogação, o pro-
duto da alienação de um bem gravado pela cláusula de inalienabilidade
deve ser convertido em outros bens, sobre os quais também incidirá a
proibição de disposição.
Embora a Lei das S.A. não preveja expressamente a possibilida-
de de sub-rogação no caso de exercício do direito de recesso com
relação às ações oneradas pela cláusula-,de inalienabilidade, é possível
a utilização desse mecanismo em decorrência de interpretação siste-
mática das normas relativas à sub-rogação e ao direito de recesso. A
utilização da sub-rogação não deve se restringir às hipóteses previstas
no texto legal471. Devem ser analisadas as circunstâncias dos casos
concretos e as necessidades que exijam o seu uso, seja para o atendi-
mento da vontade do testador ou do doador, seja para a preservação
do interesse do herdeiro, legatário ou donatário.
Aplicando-se a sub-rogação aos casos de exercício do direito de
retirada, tem-se que o valor de reembolso recebido pelo acionista titu-
lar de ações clausuladas deve ser convertido em outros bens sobre os
Consta do parágrafo único do art. 1.911 do Código Civil que: "Parágrafo único. No caso de
desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do
donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em
outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros,"
SILVIO DE SALVIO VENOSA. Direito Civil - Direito das Sucessões, v. 7, 3a edição, São
Paulo: Atlas, 2003, p. 217.
quais incidam a cláusula de inalienabilidade. Assim, o procedimento
que deve ser utilizado é, por analogia, o mesmo previsto para a hipó-
tese de desapropriação. Na desapropriação, a indenização paga pelo
Poder Público ao proprietário do imóvel expropriado que seja gravado
com cláusula de inalienabilidade deve ser sub-rogada no vínculo de
inalienabilidade, nos termos do artigo 31 do Decreto-Lei n° 3.365/
1941, que dispõe que "ficam, subrogaáos no preço quaisquer ônus ou di-
reitos que recaiam sobre o bem expropriado\
Dessa forma, o valor de reembolso a ser pago aos acionistas dis-
sidentes deve ser sub-rogado no vínculo de inalienabilidade. Será de-
positado em conta corrente de titularidade do acionista e nela ficará
retido, não podendo ser levantado pelo acionista, a não ser para aqui-
sição de bem no qual deverá ser sub-rogada a cláusula de inalienabi-
lidade, o que depende de prévia autorização judicial.
1 1 . A Ç Ã O DA C O M P A N H I A C O N T R A O ACIONISTA CONTROLADOR
C O N S E L H O DE A D M I N I S T R A Ç Ã O E D I R E T O R I A
Administração da companhia
"Art. 138. A administração da companhia competirá, confor-
me dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à direto-
ria, ou somente à diretoria.
476 Tais princípios, entre nós, estão sistematizados em publicação do Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa - IBGC - intitulada "Código das Melhores Práticas de Governança
Corporativa".
477 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3'1 edição, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1984, p. 385.
473 FERNANDO SÁNCHEZ CALERO. Los Administradores en ias Sociedades de Capital.
Pamplona: Aranzadi, 2007, p. 101.
É por intermédio dos órgãos de administração que a companhia
se manifesta, cabendo às pessoas físicas que os integram (artigo 146)
- os administradores - conduzir os negócios sociais e representar a
companhia, dentro de suas respectivas esferas de competência. Com
efeito, os administradores, na qualidade de representantes orgânicos,
quando praticam atos jurídicos, manifestam a vontade da companhia,
que por eles se obriga.
Os órgãos da companhia têm atribuições legais, enquanto seus
titulares - membros do conselho de administração e da diretoria -
têm deveres e responsabilidades ao exercerem suas funções. Assim, a
Lei das S.A. estabelece um elenco de deveres aos administradores, de
cuja infração decorre a sua responsabilidade pessoal479-480.
Dada a crescente complexidade das empresas, cada vez de maior
porte, às vezes em escala global, impõe-se um modelo de gestão espe-
cializado e compartimentalizado. E bastante freqüente a adoção, pe-
las empresas, da administração descentralizada, segmentada em
diferentes níveis organizacionais, cada qual responsável pelo exercí-
cio de uma função na companhia. Daí decorre que a responsabilidade
dos administradores não pode ser analisada em abstrato, mas concre-
tamente, tendo em vista suas efetivas atribuições e funções na gestão
e condução dos negócios sociais.
Os administradores têm o poder-dever de administrar, isto é, de
praticar todos os atos, seja na esfera deliberativa superior, de planeja-
mento e orientação dos negócios sociais, de competência do conse-
lho de administração, seja na esfera executiva, de gestão ordinária, do
dia a dia da empresa, e de sua representação, de competência dos
diretores. Assim, administrar, no direito societário, importa na práti-
ca de todos os atos necessários à realização do objeto social, com
finalidade lucrativa, ou seja, visando ao interesse social.
479 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4'1 edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 349-350.
480 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 153 a 158 da Lei das S.A.
Não é possível, nem recomendável, a elaboração e fixação, na lei
ou no estatuto social, de um elenco taxativo de atos que devam ser
incluídos no âmbito da atividade de administrar a companhia; tal pro-
cedimento restringiria as possibilidades de atuação dos administrado-
res, pois é rigorosamente impossível prever todas as situações frente às
quais deverão tomar decisões. A atuação dos administradores deve ser
dirigida a um determinado fim - o interesse social - , daí decorrendo
que a sua atividade é vinculada; por outro lado, eles podem escolher de
forma discricionária os meios adequados para atingir tal objetivo481.
Não há um modelo único e ideal de administração; os mode-
los existentes usualmente são fruto da experiência na evolução dos
negócios em cada país, que acabam por ser institucionalizados em
sua legislação societária.
No Direito Comparado, relativamente aos órgãos colegiados
de administração, podem ser identificados 2 (dois) grandes mode-
los: o do sistema unitário, ou monista, em que há apenas um órgão
de administração, cujos membros são eleitos diretamente pela as-
sembleia geral, o qual concentra todas as funções administrativas; e
o sistema bipartido, ou dualista, no qual existem 2 (dois) conselhos,
um de supervisão, que fiscaliza como atuam os administradores, ou-
tro executivo, ao qual incumbe a gestão ordinária dos negócios e a
representação da companhia.
No primeiro caso, estão não só os Estados Unidos e a Inglaterra,
como também vários países da Europa Continental, como Itália, Es-
panha, Portugal e Grécia. A Alemanha, Suíça, Áustria e os países
escandinavos pertencem ao segundo grupo. Na França e na Bélgica,
há um sistema misto, sendo possível a existência dos 2 (dois) conse-
lhos. Na Alemanha, país em que se originou o sistema de 2 (dois)
KLAUS ]. HOPT, "The German Two-Tier Board: Experience, Theories, Reforms". In: J. Hopt,
Hideki Kanda, Mark ). Roe, Eddy Wymeersch, and Stefan Prigge (Coord.). Comparative
Corporate Govemance - The State of the Art and Emerging Research. New York: Oxford
Universily Press, 1998, p. 229 e seguintes.
embora tenha atribuições de vigilância dos diretores, também desem-
penha atividades administrativas, mais ligadas à orientação geral dos
negócios da companhia, não ã sua gestão ordinária. Há ainda outra
diferença importante do nosso sistema com relação ao regime dualis-
ta: ainda que conselho de administração e a diretoria sejam órgãos
legalmente separados, podem ter membros comuns (artigo 143, § 1°).
O conselho de administração permite em sua composição a presen-
ça de pessoas eleitas pelos acionistas controladores - que constituem a
maioria dos membros - e pelos minoritários, o que é facilitado pela ado-
ção do sistema de voto múltiplo483. Ademais, pode atuar como órgão
intermediário entre os acionistas e os diretores, possibilitando àqueles
um melhor conhecimento e visibilidade dos negócios sociais.
Podemos reconhecer 3 (três) fases na evolução do órgão, em nos-
sa prática empresarial. Num primeiro momento, dada a dificuldade de
compreensão de suas reais funções por parte do empresariado, sua com-
posição abrigava predominantemente membros da família do acionis-
ta controlador e diretores, justificando as acerbas críticas doutrinárias
que existiam no regime legal anterior484. Num segundo momento, pas-
sou-se a convidar para o conselho também alguns membros externos,
"independentes, mas não tanto", usualmente pessoas que já prestavam
serviços à companhia, como advogados ou consultores econômicos e
financeiros. Atualmente, podemos perceber uma terceira fase, bastante
positiva, em que as companhias abertas, seja por imposição do Regula-
mento de listagem da BM&FBovespa, seja para seguirem as recomen-
dações do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC),
chamam para integrar seus conselhos profissionais efetivamente inde-
pendentes, sem qualquer vínculo com os controladores ou com a pró-
pria companhia485.
(ii) não ser Acionista Controlador, cônjuge ou parente até segundo grau daquele, ou não ser
ou não ter sido, nos últimos 3 anos, vinculado a sociedade ou entidade relacionada ao
Acionista Controlador (pessoas vinculadas a instituições públicas de ensino e/ou pesquisa
estão excluídas desta restrição); (iii) não ter sido, nos últimos 3 anos, empregado ou diretor
da Companhia, do Acionista Controlador ou de sociedade controlada pela Companhia;
(iv) não ser fornecedor ou comprador, direto ou indireto, de serviços e/ou produtos da
Companhia, em magnitude que implique perda de independência; (v) não ser funcionário
ou administrador de sociedade ou entidade que esteja oferecendo ou demandando servi-
ços e/ou produtos à Companhia; (vi) não ser cônjuge ou parente até segundo grau de
algum administrador da Companhia; e (vii) não receber outra remuneração da Companhia
além da de conselheiro (proventos em dinheiro oriundos de participação no capital estão
excluídos desta restrição)".
486 Ver os comentários aos arts. 140 a 142 da Lei das S.A.
487 Ver os comentários aos arts. 143 e 144 da Lei das S.A.
488 A CVM, por meio da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela
Instrução CVM n° 488/2010, aprovou o "Formulário de Referência" (documento que
substitui o antigo "Formulário de Informações Anuais" - IAN) que trata, no item 12, das
informações obrigatórias que devem ser disponibilizadas sobre a assembleia geral e a
administração da companhia. Assim, no subitem 12.1 determina que a companhia deve
descrever a sua estrutura administrativa, conforme estabelecido no seu estatuto social e
regimento interno, identificando: (i) as atribuições de cada órgão e comitê; (ii) a data de
instalação do conselho fiscal, se este não for permanente, e de criação dos comitês; (iii) os
mecanismos de avaliação de desempenho de cada órgão ou comitê; (iv) em relação aos
membros da diretoria, suas atribuições e poderes individuais; e (v) os mecanismos de
avaliação de desempenho dos membros do conselho de administração, dos comitês e da
diretoria. Sobre esse assunto, ver, também, os itens 12.4; 12.6, a 12.12.
"Art. 139. As atribuições e poderes conferidos por lei aos ór-
gãos de administração não podem ser outorgados a outro ór-
gão, criado por lei ou pelo estatuto."
489 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e ALFREDO LAMY FILHO, "Estrutura da Companhia".
In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias,
v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 803.
Além de tais características, as leis societárias, ao estabelecerem a
indelegabilidade de funções dos órgãos, consagram o princípio da espe-
cialização, nos termos do qual a sociedade anônima constitui um empre-
endimento institucionalizado, um grupamento de pessoas com interesses
comuns, visando ã realização do objeto social de forma lucrativa, na qual,
por imposição legal, cada órgão tem funções determinadas, das quais não
pode ser privado nem a elas renunciar490.
Como a companhia é composta por órgãos especializados, cujas
atribuições são indelegáveis, apenas a própria Lei das S.A. pode esta-
belecer exceções a este regime, como ocorre nos casos em que admite
que os administradores, havendo urgência, possam confessar a falên-
cia ou requerer recuperação judicial (artigo 122, parágrafo único) ou
faculta a delegação de competência da assembleia geral para o conse-
lho de administração, na companhia aberta, quanto à oportunidade
de emitir debêntures (artigo 59).
Há também razões econômicas para a obrigação das companhias
de seguirem o modelo legal de repartição de poderes: os resultados
econômicos de determinada estrutura de administração das socieda-
des anônimas podem ser mais bem entendidos e avaliados se ela for
mantida ao longo do tempo, sendo conveniente para todos a adoção
de uma forma padronizada, cujos termos as partes não necessitam
negociar; trata-se de um "bem público", disponível para todos, nin-
guém precisa "pagar" pela sua utilização. Ademais, qualquer modifi-
cação no modelo legal, se promovido pelos administradores ou
acionistas controladores, pode parecer, aos minoritários e investido-
res, lesiva aos seus interesses, o que não ocorre quando as eventuais
mudanças decorrem da lei491
C O N S E L H O DE A D M I N I S T R A Ç Ã O
Composição
"Art. 140.0 conselho de administração será composto por, no míni-
mo, 3 (três) membros, eleitos pela assembleia-geral e por ela destituí-
veis a qualquer tempo, devendo o estatuto estabelecer:
III - o prazo de gestão, que não poderá ser superior a 3 (três) anos,
permitida a reeleição;
Sobre esse assunto, ver os comentários ao Art. 146 da Lei das S.A.
do presidente, a depender das disposições estatutárias, atribuições in-
dividuais. Assim, as suas deliberações somente são válidas se tomadas
em reunião regularmente convocada e realizada conforme as disposi-
ções
> legais
O e estatutárias.
Com efeito, as atribuições legais são deferidas ao conselho de
administração, como órgão, não a cada um de seus integrantes. Os
membros do conselho devem reunir-se na forma da Lei das S.A. e do
estatuto para que suas deliberações sejam válidas; caso não exista reu-
nião regularmente convocada e na qual os assuntos da ordem do dia
sejam discutidos, deliberados e votados, não há uma decisão que vin-
cule a companhia. Os conselheiros, enquanto representantes da co-
munhão dos acionistas, têm os seus poderes legitimamente exercidos
apenas enquanto atuarem como um conselho493.
Ê conveniente que se estabeleça, por proposta do presidente, um
calendário anual de reuniões ordinárias, cuja periodicidade será determi-
nada pelas particularidades de cada companhia, evitando-se, na medida
do possível, freqüência superior à mensal, para que o conselho de admi-
nistração não interfira indevidamente nos trabalhos da diretoria494-495.
Recomenda-se que a documentação referente à reunião seja
distribuída aos conselheiros com antecedência mínima de 7 (sete)
dias, para que possam analisá-la e prepararem-se para discutir os
temas agendados. As propostas devem ser redigidas com clareza e
496 Ver o item 2.37 da 4a edição (2009) do "Código das Melhores Práticas de Governança
Corporativa" dó Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
497 ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Invalidade das Deliberações de
Assembleia das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 41.
498 Sobre a responsabilidade do conselheiro dissidente, ver os comentários ao arl. 158 da
Lei das S.A.
A votação no conselho de administração segue o princípio perso-
nalista - cada membro 1 (um) voto - e não o capitalista, vigente na as-
sembleia geral, em que a cada ação corresponde 1 (um) voto. Em princípio,
o voto deve ser aberto, para que possa ser aquilatada a responsabilidade de
cada conselheiro. Admite-se o voto por procuração, desde que o procura-
dor seja conselheiro, no exercício regular de suas funções499.
A eleição dos membros do conselho de administração constitui
matéria de competência privativa da assembleia geral dos acionistas,
não exigindo a Lei das S.A. quorum especial, nem para a sua instala-
ção nem para a deliberação, observadas as regras referentes ao voto
múltiplo e à eleição em separado pelos minoritários500-501.
Assim como são eleitos pela assembleia geral, os conselheiros
podem ser destituídos a qualquer tempo, em qualquer modalidade de
conclave: assembleia ordinária ou extraordinária. São, portanto, em
princípio, com exceção dos eleitos pelos acionistas minoritários e pe-
los empregados, demissíveis ad nutum5®2. Ademais, é desnecessária a
apresentação de qualquer justificativa para tal deliberação; é bastante
usual, aliás, que, havendo a mudança de controle de uma companhia,
o novo controlador proceda à destituição dos antigos membros do
conselho e eleição de novos.
O conselho de administração deve ser composto por, pelo menos, 3
(três) membros; trata-se do número mínimo necessário para que se for-
me um processo decisório fundado em deliberação e que não seja fadado
à impossibilidade decisória pela ocorrência do empate.
503 A Lei n° 12.353/2010, que dispõe sobre a participação de empregados nos conselhos de
administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, suas subsidiárias e
controladas e demais empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria
do capital social com direito a voto, determina, nos arts. 3° e 4o, que: "Art. 3° No caso de
os representantes do acionista majoritário deixarem de totalizar a maioria dos membros do
conselho de administração, em razão da modificação da composição do colegiado para
fins de cumprimento ao disposto nesta Lei, fica autorizado o aumento suficiente do
número de conselheiros para assegurar o direito do acionista controlador de eleger a
maioria dos conselheiros. Art. 4° Para os fins do disposto nesta Lei, fica autorizada a
alteração do número máximo de membros dos conselhos de administração das empresas
públicas e sociedades de economia mista federais."
504 Sobre esse assunto, ver os itens 2.4 e 2.8 da 4-1 edição (2009) do "Código das Melhores Práticas
de Governança Corporativa" do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
Os conselheiros externos são os que não têm vínculo atual com a
companhia, mas não são independentes (como ex-diretores, advoga-
dos ou consultores da sociedade, sócios ou funcionários do grupo con-
trolador). Já o conselheiro independente é aquele que: (i) não tem
qualquer vínculo com a companhia, exceto participação acionária não
relevante; (ii) não é acionista controlador nem membro do grupo de
controle ou a ele ligado; (iii) não está vinculado por acordo de acionis-
tas; (iv) não foi empregado, diretor ou conselheiro da companhia; (v)
não presta serviços à companhia, nem com ela mantém relações nego-
ciais relevantes; e (vi) não depende financeiramente da remuneração
como conselheiro naquela companhia505.
Nos termos do inciso I, com a nova redação dada pela Lei n°
10.303/2001, cabe ao estatuto determinar se a escolha e a substitui-
ção do presidente do conselho de administração será feita pela as-
sembleia geral ou pelo próprio conselho.
A competência estabelecida no estatuto para um ou outro órgão
é privativa e não alternativa; o estatuto deve regular expressamente
qual o órgão competente, não podendo omitir-se a respeito nem di-
zer que é um ou o outro órgão. Havendo impasse na eleição do presi-
dente do conselho de administração pelo órgão estatutariamente
competente, o que às vezes ocorre no âmbito do conselho, caberá
505 Sobre esse assunto, ver os itens 2.15 e 2.16 da 4a edição (2010) do "Código das Melhores
Práticas de Governança Corporativa" do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa -
IBGC. O Regulamento do Novo Mercado assim define o conselheiro independente: como
aquele que caracteriza-se por "(i) não ter qualquer vínculo com a Companhia, exceto
participação de capital; (ii) não ser Acionista Controlador, cônjuge ou parente até segundo
grau daquele, ou não ser ou não ter sido, nos últimos 3 anos, vinculado a sociedade ou
entidade relacionada ao Acionista Controlador (pessoas vinculadas a instituições públicas
de ensino e/ou pesquisa estão excluídas desta restrição); (iii) não ter sido, nos últimos 3
anos, empregado ou diretor da Companhia, do Acionista Controlador ou de sociedade
controlada pela Companhia; (iv) não ser fornecedor ou comprador, direto ou indireto, de
serviços e/ou produtos da Companhia, em magnitude que implique perda de independên-
cia; (v) não ser funcionário ou administrador de sociedade ou entidade que esteja ofere-
cendo ou demandando serviços e/ou produtos à Companhia; (vi) não ser cônjuge ou
parente até segundo grau de algum administrador da Companhia; (vii) não receber outra
remuneração da Companhia além da de conselheiro (proventos em dinheiro oriundos de
participação no capital estão excluídos desta restrição)".
substitutivamente ao outro órgão promover a sua eleição, uma vez
que a existência de presidente constitui requisito indispensável ao
seu funcionamento regular. No silêncio do estatuto, cabe à assem-
bleia, órgão máximo da companhia, eleger o presidente do conselho
de administração, junto com os outros membros.
Se for da assembleia geral a competência para escolher o presi-
dente, deverá fazê-lo no conclave que eleger o conselho de adminis-
tração, para que ele não fique acéfalo. Caso o estatuto determine ser o
próprio conselho o órgão competente para escolher seu presidente, a
sua nomeação deverá ocorrer na primeira reunião após a assembleia
geral que eleger os seus membros.
A atividade do presidente do conselho de administração consiste
em dirigir e ordenar o desenvolvimento das funções do órgão, quer em
suas reuniões, quer no relacionamento com os demais órgãos da com-
panhia. As atividades essenciais do conselho - de traçar as políticas
gerais da companhia e de eleger, fiscalizar e destituir os diretores - são
realizadas no curso de suas reuniões. Assim, compete ao presidente
bem conduzir as reuniões do órgão, em todas as suas etapas: convoca-
ção; ordenamento das deliberações; registro das resoluções; e divulga-
ção para terceiros e demais órgãos sociais das deliberações adotadas. E
recomendável, ademais, que o presidente, havendo conflitos entre mem-
bros do conselho, desempenhe um papel moderador, tentando conci-
liá-los, visando a lograr, na medida do possível, decisões por consenso.
Compreendem-se na competência do presidente: (i) o poder-dever
de convocar as reuniões, dirigi-las e controlar que o secretário, se houver,
redija as deliberações em conformidade com o decidido; e (ii) firmar as
deliberações adotadas. Cabe ao presidente escolher um secretário, que
deverá reproduzir fielmente as discussões travadas e as deliberações ado-
tadas; o ideal é que não seja membro do conselho de administração, para
que possa, com isenção, retratar na ata o que se passou na reunião. E de
toda conveniência que tais atribuições constem expressamente do esta-
tuto, o qual também deverá conferir ao presidente o voto de qualidade.
O voto de qualidade, ou de desempate, normalmente é outorgado
ao presidente do conselho de administração, devendo prevalecer no caso
de empate na deliberação. E desejável que o estatuto contenha previsão
expressa a seu respeito; silenciando o estatuto, pode o regimento interno
do conselho disciplinar a matéria. Se não houver qualquer regra estatutá-
ria ou regimental, podem os conselheiros deliberar por maioria instituir o
"voto de minerva" para o presidente diante de algum impasse, uma vez
que a impossibilidade de se chegar a uma decisão é sempre a pior solução,
posto que inviabiliza a tomada da deliberação.
Conforme se verifica na prática, ainda que o conselho de adminis-
tração seja órgão de deliberação coletiva, pode o seu presidente ter atri-
buições individuais. Além das antes enumeradas, algumas companhias,
por influência do que se verifica na prática de companhias multinacio-
nais, estabelecem em seus estatutos que o presidente terá funções de
coordenação de comitês técnicos ou de assessoramento ao conselho,
assim como de supervisão de alguns diretores ou de determinadas ati-
vidades estratégicas desenvolvidas pela companhia.
Cabe ao estatuto dispor sobre o modo de substituição dos mem-
bros do conselho de administração. N o seu silêncio, havendo va-
cância, o s u b s t i t u t o será ser n o m e a d o pelos conselheiros
remanescentes e ocupará o cargo até a próxima assembleia geral,
devendo o novo conselheiro completar o prazo de gestão do substi-
tuído. Ocorrendo a vacância da maioria dos cargos, deve ser convo-
cada assembleia geral para proceder à nova eleição (artigo 150).
Deve também o estatuto estabelecer o prazo de gestão, que
não poderá ser superior a 3 (três) anos, sendo permitida a reelei-
ção. Ainda que a matéria possa ser livremente regulada no estatu-
to, não é desejável que se permita mais de uma reeleição, sob pena
de reduzir-se a independência do conselheiro e a possibilidade de
renovação do conselho de administração 506 .
506 Sobre esse assunto, o "Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa" do
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, no item 2.7, assim trata do prazo de
Além de estabelecer as normas sobre convocação, instalação e
funcionamento do conselho de administração, pode o estatuto fixar
quorum qualificado para determinadas deliberações; no silêncio do
estatuto, as deliberações serão sempre tomadas por maioria dos vo-
tos dos conselheiros presentes.
O inciso IV foi acrescentado pela Lei n° 10.303/2001, como fruto
da prevalência do acordo de acionistas sobre as deliberações do conselho
de administração, facultando ao estatuto estabelecer quorum qualificado,
desde que especifique as matérias507. A faculdade estatutária deve ser en-
tendida de forma restritiva, para evitar-se o bloqueio da minoria dos con-
selheiros sobre o processo decisório e o conseqüente estabelecimento de
contínuo impasse nos negócios sociais. Assim, somente matérias de re-
organização societária, que alterem a estrutura societária ou empresarial,
podem, em princípio, demandar quorum qualificado, como são: incor-
poração, incorporação de ações, fusão, cisão e transformação da forma
societária. Já o quorum de instalação será sempre formado pela maioria
absoluta dos conselheiros; não pode o estatuto estabelecer quorum quali-
ficado de presença pelo evidente bloqueio que tal exigência poderia tra-
zer às deliberações do conselho de administração508.
O parágrafo único prevê a possibilidade de participação dos empre-
gados no conselho de administração. Trata-se de iniciativa do legislador
reformista de 2001, inspirada no modelo alemão, em que se prevê a parti-
cipação dos empregados no conselho de supervisão (âifskhtsrat). Diver-
samente da lei alemã, que estabelece a obrigatoriedade de participação dos
empregados, em nosso sistema legal ocorre o inverso, sendo facultativa a
participação, a depender de previsão estatutária.
mandato: "O prazo do mandato do conselheiro não deve ser superior a 2 (dois) anos. A
reeleição é desejável para construir um Conselho experiente e produtivo, mas não deve
ocorrer de forma automática. (...) Para evitar a vilaliciedade, o estatuto pode fixar um
número máximo de anos de serviço contínuo".
507 Ver os comentários ao art. 118 da Lei das S.A.
508 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 295.
A participação dos empregados constitui tendência no direito
societário, notadamente o europeu, de buscar internalizar interesses
conflitantes, redefinindo e ampliando o escopo do interesse social.
Nessa linha de pensamento, prega-se caber ao direito societário não
apenas disciplinar os interesses dos sócios, mas também constituir
instrumento de implementação de políticas públicas que objetivem a
consecução dos valores consagrados no ordenamento jurídico, no caso,
a participação dos empregados na gestão da empresa (artigo 7°, inciso
XI, da Constituição Federal)509.
Tendo em vista o objetivo da norma - integração dos trabalhado-
res na gestão dos negócios sociais, visando a minimizar o conflito capi-
tal/trabalho - somente poderão ser eleitos aqueles que efetivamente são
empregados da companhia. É recomendável que o estatuto estabeleça
mandato curto, com a possibilidade de apenas uma reeleição, para evitar
o "representante profissional" e permitir que se renove a representação.
A eleição de representantes dós empregados ocorrerá em assem-
bleia especial, antes da assembleia geral da companhia, podendo ser
organizada em conjunto com as entidades sindicais, as quais não te-
rão ingerência na votação, mas apenas na organização do pleito, e na
qual votam apenas os empregados. As companhias que já haviam
adotado a participação dos empregados em seus conselhos, antes da
vigência da Lei n° 10.303/2001, como muitas privatizadas e de eco-
nomia mista, não necessitam adaptar seus estatutos ao novo regime
da assembleia especial com participação sindical. As companhias que
voluntariamente já adotavam o direito de participação dos emprega-
dos em seu conselho de administração podem revogar o dispositivo
estatutário, já que tal participação é facultativa510.
509 CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Novo Direito Societário. 3 a edição, São Paulo: Malheiros,
2006, p. 101-102; EDUARDO SECCH1 MUNHOZ. Empresa Contemporânea e Direito
Societário. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 27.
510 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A ..., p. 297.
As sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas
e demais empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a
maioria do capital social com direito a voto são obrigadas, desde janeiro
de 2011, a prever em seus estatutos sociais a participação nos seus con-
selhos de administração de representante dos trabalhadores, sendo as-
segurado à União o direito de eleger a maioria de seus membros511.
Essa regra somente não se aplica às sociedades de economia mista,
suas subsidiárias e controladas que tenham um número inferior a 200
(duzentos) empregados próprios512.
A "escolha" do representante dos empregados, prevista no pa-
rágrafo único, engloba tanto a eleição como a destituição; daí de-
corre que o conselheiro eleito pelos empregados não pode ser
demitido ad nutum pela assembleia geral de acionistas, mas apenas
pela assembleia especial dos empregados513.
511 Art. 2 o da Lei n° 12.353/2010 que dispõe, especificamente, sobre a participação de empre-
gados nos conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia
mista, suas subsidiárias e controladas e demais empresas em que a União, direta ou indireta-
mente, detenha a maioria do capital social com direito a voto. Esse mesmo dispositivo
determina nos §§ I o , 2°-e 3° que: "§ 1" O representante dos trabalhadores será escolhido
dentre os empregados ativos da empresa pública ou sociedade de economia mista, pelo voto
direto de seus pares, em eleição organizada pela empresa em conjunto com as entidades
sindicais que os representem. § 2° O representante dos empregados está sujeito a todos os
critérios e exigências para o cargo de conselheiro de administração previstos em lei e no estatuto
da respectiva empresa. §3° Sem prejuízo da vedação aos administradores de intervirem em
qualquer operação social em que tiverem interesse conflitante com o da empresa, o conselheiro
de administração representante dos empregados não participará das discussões e deliberações
sobre assuntos que envolvam relações sindicais, remuneração, benefícios e vantagens, inclusi-
ve matérias de previdência complementar e assistenciais, hipóteses em que fica configurado o
conflito de interesse." Consta, ainda, do art. 8o que: "Art. 8o Observar-se-á, quanto aos requisitos
e impedimentos para a participação nos conselhos de que trata esta Lei, além do disposto na
legislação sobre conflitos de interesse no âmbito da administração pública federal,
subsidiariamente, o disposto na Lei n" 6.404, de 15 de dezembro de 1976." Ver, também, a
Portaria n° 26/2011 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que regulamentou
a Lei n° 12.353/2010.
512 Art. 5° da Lei n° 12.353/2010.
513 Sobre esse assunto, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida nos autos do Processo
Administrativo CVM n° RJ2006/0579, Rei Dir Pedro Oliva Marcílio de Souza, j. em
21.03.2006.
ART. 1 4 1 - A LEI DAS S / A COMENTADA
Voto múltiplo
"Art. 141. Na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas
que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) do capital social
com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a
adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação
tantos votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhe-
cido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato
ou distribuí-los entre vários.
O V O T O MÚLTIPLO CUMULATIVO
514 A Delaware General Corporation Law (§ 214) dispõe que a companhia pode prever, em seu
estatuto, que em todas as eleições os acionistas tenham o direito de voto múltiplo cumu-
lativo (cumulative voting). No mesmo sentido, o Revised Model Business Corporation Act
(§ 7.28) condiciona o direito ao voto múltiplo cumulativo à previsão estatutária.
515 NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCCI e GIANFRANCO PASQUINO. Dicionário de
Política, v. 2, 13a edição, Brasília: UNB, 2010, p. 1.177.
516 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário. 11a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 400.
Na eleição por voto múltiplo cumulativo não prevalece o quo-
rum da maioria absoluta dos acionistas presentes, conforme ocorre
na votação por chapa, mas sim o da maioria relativa de votos, decla-
rando-se eleitos os candidatos que recebem o maior número de vo-
tos, por ordem decrescente.
Usualmente, adota-se a seguinte fórmula para a determinação
do número mínimo de votos necessários para a eleição de 1 (um)
membro do conselho de administração:
V= C x A +1
C+l
V = número de votos necessários para eleger 1 (um) membro do
conselho
C = número de membros do conselho
A = número de ações admitidas à votação
A fórmula indica o número de votos necessários para que se assegu-
re a eleição de 1 (um) membro do conselho de administração; contudo,
em algumas hipóteses, é possível eleger, com um número inferior de vo-
tos, 1 (um) ou mais conselheiros, quando há votos em branco ou absten-
ções ou ainda quando 1 (um) ou mais candidatos, embora não venham a
atingir o número de votos previstos, são os mais votados517.
Caso o estatuto contenha previsão expressa sobre sua adoção, o
voto múltiplo será obrigatório em todas as eleições de membros do
conselho de administração. N o silêncio do estatuto, será obrigatório
apenas se requerida a sua adoção em até 48 (quarenta e oito) horas
antes da realização da assembleia geral518.
517 CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA LOBO, "O Voto Múltiplo na Eleição do Conselho de
Administração das Sociedades Anônimas", Revista Forense. São Paulo: Ed. Forense, v.
270, abril-junho, 1980, p. 117. O autor fornece uma série de exercícios para a melhor
compreensão do processo de voto múltiplo.
518 De acordo com o art. 4° da Instrução CVM n° 481/2009, "o percentual mínimo de
participação no capitai votante necessário à requisição da adoção do voto múltiplo
deve constar, obrigatoriamente, do anúncio de convocação de assembleias destinadas
â eleição do conselho de administração."
Constituem condições de legitimidade para o minoritário reque-
rer o voto múltiplo: (i) a titularidade de pelo menos 10% (dez por
cento) do capital votante519; e (ii) a apresentação do pedido à compa-
nhia no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas antes da assembleia
geral. A exigência de percentual mínimo de participação acionária
decorre do fato de condicionar-se a presença no conselho a minoritá-
rios que detenham uma posição acionária significativa, da qual resul-
ta um interesse real em influir no processo decisório. A exigência do
prévio requerimento fundamenta-se na necessidade de se conferir aos
minoritários e controladores tempo razoável para que possam prepa-
rar a estratégia mais adequada para distribuir os votos de que dispõem
e eleger, consequentemente, o maior número possível de conselhei-
ros. Uma vez atendidas tais condições, a companhia estará obrigada a
seguir, na assembleia geral, o sistema do voto múltiplo, não podendo
se fartar à sua adoção.
A mesa que dirigir os trabalhos da assembleia deverá informar
previamente aos acionistas o número de votos necessários para asse-
gurar a eleição de cada um dos membros do conselho de administra-
ção; se incorreta a informação, a eleição será ineficaz.
Caso alguns cargos não sejam preenchidos, por ocorrer o empate,
o que é muito raro na prática, deverá haver nova votação, mediante a
utilização do mesmo processo de voto múltiplo, devendo a mesa infor-
mar o número necessário de votos para a eleição de cada membro. O
preceito do § 2° visa a permitir que, na hipótese de empate, os grupos de
acionistas que desejam eleger seus representantes possam reavaliar suas
estratégias e eventualmente proceder à composição de seus interesses,
elegendo representantes comuns.
Com relação às companhias abertas, a CVM pode reduzir tal percentual, o que fez nos
termos das Instruções CVM n"5 165/1991 e 282/1998, fixando uma escala, de acordo com
a qual a participação necessária para o exercício da faculdade de requerer o voto múltiplo
varia conforme o valor do capital social.
O § 3° regula o procedimento a ser adotado nas hipóteses de des-
tituição e vacância dos cargos quando conselheiros tenham sido eleitos
pelo voto múltiplo. Na vacância, assume o suplente; se não houver, a
primeira assembleia elegerá todos os membros do conselho de adminis-
tração. A destituição de qualquer conselheiro provoca a de todos os de-
mais; a regra objetiva assegurar a eficácia da representação proporcional
no conselho, evitando que o controlador, pela destituição do conselhei-
ro eleito pelos minoritários, possa inviabilizar a proteção que lhes é con-
ferida pelo sistema do voto múltiplo.
O procedimento instituído pelo § 3° somente aplica-se quando os
conselheiros forem eleitos pelo processo do voto múltiplo; nas hipóteses
em que tenham sido eleitos pelo sistema de votação comum ou por cha-
pa, a destituição ou vacância de um de seus membros não implica o afas-
tamento imediato dos demais, tampouco a necessidade de realizar-se
assembleia geral para eleger novamente todo o conselho. Nesse caso, os
conselheiros continuarão a exercer os seus cargos até o término de seus
mandatos ou até que renunciem ou sejam destituídos520.
Na assembleia cujo objetivo é eleger os substitutos de conselhei-
ros, os minoritários não podem exigir o voto múltiplo, cuja finalidade,
conforme antes mencionado, é assegurar a distribuição proporcional
dos cargos entre os acionistas. Tal processo não é compatível com
uma eleição que visa apenas a substituir alguns conselheiros, pois,
nesta hipótese, o voto múltiplo não asseguraria a representação pro-
porcional dos acionistas no órgão.
Assim, a eleição compulsória de todos os membros, prevista
no § 3°, somente pode ser exigida caso o conselho de administra-
ção tenha sido eleito mediante o sistema do voto múltiplo, não se
aplicando às hipóteses em que a votação anterior tenha sido reali-
zada pelo sistema de chapas.
520 Sobre a destituição e término da gestão dos conselheiros, ver os comentários ao art. 150 da
Lei das S.A.
Caso prevalecesse o entendimento de que caberia o voto múlti-
plo para eleger os substitutos dos conselheiros eleitos pelo sistema
comum, estar-se-ia conferindo aos minoritários a possibilidade de
"destituição" de conselheiros legitimamente eleitos pelo controlador
e com mandato em curso, o que constituiria completa inversão do
princípio majoritário. Portanto, o direito assegurado ao minoritário
de, mediante o processo de voto múltiplo, fazer-se representar no con-
selho de administração, não pode ser exercido a qualquer momento,
mas apenas nas oportunidades em que seja necessária renovar-se a
composição de todo o conselho521.
A V O T A Ç Ã O EM SEPARADO
521 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 154. No
mesmo sentido, FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2, 13a edição,
Sao Paulo: Saraiva, 2009, p. 228.
suplente, desde que alcancem, reunindo suas ações, o quorum de 10%
(dez por cento) do capital social.
Diversamente do que ocorre no sistema de voto múltiplo, em que
há apenas um colégio eleitoral, no qual podem estar presentes todos os
acionistas com direito de voto, no sistema da votação em separado há 2
(dois) colégios eleitorais apartados, um dos minoritários com ações com
direito de voto, outro dos preferencialistas com ações sem direito de
voto ou com voto restrito, dos quais o controlador está excluído.
Na hipótese do inciso I do § 4°, os titulares de pelo menos 15%
(quinze por cento) das ações com direito de voto instalarão o seu colé-
gio eleitoral próprio, cuja maioria poderá eleger (e mais tarde eventual-
mente destituir) 1 (um) membro e seu suplente, não exigindo a Lei das
S.A. que os 15% (quinze por cento) escolham o mesmo representante.
A mesma regra se aplica para o inciso II: os titulares de ações preferen-
ciais sem direito de voto ou com voto restrito detentores de, pelo me-
nos, 10% (dez por cento) do capital poderão instalar o seu colégio eleitoral,
tendo a maioria dos presentes o direito de eleger e destituir 1 (um) con-
selheiro e seu suplente. No caso do § 5°, os titulares de ações com
direito de voto e os de ações preferenciais sem voto ou com voto res-
trito se, somado suas ações, perfizerem o percentual de 10% (dez por
cento) do capital, também poderão instalar um colégio eleitoral em
separado. Embora possa haver um quorum diferente de instalação para
cada tipo de eleição, em todas existe o mesmo quorum de deliberação,
formado pela maioria dos integrantes do colégio eleitoral523.
Nada impede que, na reunião de cada colégio eleitoral apresen-
tem-se várias chapas, sendo declarada vencedora a que tiver o maior
número de votos, cabendo ao presidente da mesa da assembleia geral
resolver eventuais impasses.
524 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São P&ulo: Saraiva,
2002, p. 299.
525 Ver, nesse sentido, a decisão da CVM no Parecer de 16.04.2002, Rei. Dir. Luiz Antonio de
Sampaio Campos, comentada por DANIELA GOMES AFONSO, "Parecer CVM de 16.4.2002:
Critérios para a Eleição de Membros do Conselho de Administração de S/A Aberta, Após a
A vedação ao voto plural impede que o acionista vote com as
mesmas ações nos processos eletivos de voto múltiplo e de eleição
em separado. Como o direito de voto está ligado ã ação e não à pessoa
do acionista, nada obsta que um minoritário vote com uma parte de
suas ações no processo de eleição em separado e com outra parte no
processo de voto múltiplo. Assim, se os titulares de ações ordinárias,
por exemplo, exercerem a prerrogativa da votação em separado, so-
mente poderão requerer o voto múltiplo com a quantidade de ações
que exceder os 15% (quinze por cento) necessários para a eleição de
seu representante e vice-versa .
Em companhias abertas que emitem apenas ações com direito de
voto, poder-se-ia entender, a partir de uma interpretação literal, que os
minoritários somente poderiam eleger um representante se atingissem
o quorum previsto no inciso I do § 4°. A redução do quorum previsto no
inciso II, como norma benéfica, que visa a permitir a participação dos
minoritários no conselho de administração, não a restringi-la, também
deve ser aplicada no caso; assim, em companhias que emitem somente
ações ordinárias, o quorum para a votação em separado será de 10%
(dez por cento) do capital social527.
529 Sobre esse assunto, ver os itens 2.2 e 2.3 da 4a edição do "Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa" do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
em que está incorrendo são toleráveis; (v) se deve proceder a uma políti-
ca de ampliação ou redução de atividades; e (vi) se deve ingressar em
novos mercados, no plano nacional ou internacional. Incumbe-lhe ain-
da avaliar oportunidades de negócios e de reestruturações societárias,
mediante fusões, incorporações, cisões e aquisições ou formação de con-
sórcio. Em suma, cabe ao conselho o planejamento das atividades da
companhia, tendo em vista a consecução do objeto social de forma lu-
crativa. Ainda que muitas decisões dentre as acima elencadas sejam de
competência da assembleia geral (como as referentes a aumento e redu-
ção do capital, fusões, incorporações ou cisões) cabe ao conselho de ad-
ministração deliberar a respeito e propor a sua aprovação aos acionistas,
para que a diretoria posteriormente possa colocá-las em prática.
Em segundo lugar, compete ao conselho eleger e destituir os
diretores, assim como fixar-lhes as atribuições, complementando as
disposições estatutárias ou suprindo a sua omissão mediante normas
internas, como ordens de serviços ou organogramas.
A eleição dos diretores dá-se pelo voto da maioria dos conselhei-
ros, podendo o estatuto conter previsão de quorum qualificado; não pode,
porém, determinar a unanimidade, pois estaria afrontando o princípio
majoritário que rege as deliberações de órgãos coletivos531.
A possibilidade de destituição dos diretores, mediante ato discricio-
nário e irrecorrível do conselho, deixa clara a sua superioridade hierárqui-
ca sobre eles. Porém não há subordinação jurídica dos diretores ao conselho
de administração, uma vez que suas atribuições decorrem da Lei das S A .
e do estatuto, não podendo os conselheiros substituir-se aos diretores.
Podem, porém, orientá-los sobre como agir em determinadas situações.
E recomendável que o conselho estabeleça metas de desempenho
para o diretor presidente e demais diretores, para que possa avaliá-los e
decidir sobre a sua manutenção ou destituição nos seus respectivos cargos.
Ainda que os diretores possam integrar o conselho de administra-
ção, em até 1/3 (um terço) de sua composição (artigo 143, § 1°) não é
recomendável a cumulação, exceto tratando-se de companhias de pe-
queno porte, com restrições orçamentárias. Da mesma forma, tampouco
se recomenda que o diretor presidente acumule o cargo de presidente do
conselho. Tais procedimentos poderiam trazer prejuízos à função de fis-
calização dos atos dos diretores por parte do conselho, confundindo-se
as pessoas dos "fiscais" com as dos fiscalizados.
Com efeito, cabe ao conselho de administração exercer o controle
permanente da gestão da sociedade exercida pelos diretores. Diversa-
mente do que ocorre na atuação do conselho fiscal, cuja fiscalização
sobre os atos dos administradores centra-se na sua legalidade, o acom-
panhamento dos atos praticados pelos diretores por parte dos membros
do conselho de administração alcança também a sua oportunidade e
conveniência, tendo em vista as vantagens e desvantagens que trazem
à companhia. Tal fiscalização verifica-se não no controle diuturno dos
atos de gestão ordinária praticados pelos diretores, o que seria impossí-
vel e indesejável, acarretando o "engessamento" da administração, mas
nas reuniões do conselho nas quais os diretores relatam as suas ativida-
des e apresentam propostas a serem por ele aprovadas. Os membros do
conselho de administração não podem ser responsabilizados por não
terem evitado eventuais ilegalidades cometidas pelos diretores, exceto
se delas tiveram conhecimento ou se negligenciaram em descobri-las,
faltando assim com seu dever de diligência532.
Para desempenhar suas atividades de fiscalização o conselho de
administração pode examinar a qualquer tempo os livros e papéis da
companhia, bem como solicitar informações sobre contratos já cele-
brados ou por celebrar. Como o conselho constitui um órgão de delibe-
ração colegiada, cuja vontade é expressa mediante decisão e voto da
maioria dos conselheiros, não há a possibilidade de atuação individual de
seus membros, diversamente do que ocorre na diretoria e no conselho
fiscal. Assim, qualquer solicitação para que os diretores prestem informa-
ções deve ser formulada após deliberação do conselho, não cabendo a
formulação de tal exigência por parte de seus membros isoladamente,
uma vez que não existe relação hierárquica entre diretor e conselheiro,
mas entre diretor e o conselho de administração533.
Cabe ao conselho convocar as assembleias gerais ordinária e ex-
traordinária (artigo 123), quando necessário, nos termos da Lei das S.A,
para que ela aprecie e aprove determinadas operações ou atos que são
de sua competência exclusiva. Assim, por exemplo, desejando-se alte-
rar o estatuto, o conselho de administração proporá a modificação e
convocará a assembleia geral extraordinária para que os acionistas deli-
berem a respeito (artigos 122, inciso I, e 135).
A competência principal e originária da convocação é atribuída
pela Lei das S.A. ao conselho de administração, incumbindo-lhe in-
deferir pedido de convocação formulada por acionista quando enten-
der inútil a sua realização; assim, o conselho faz um juízo sobre a
conveniência da convocação do conclave.
Também compete ao conselho de administração manifestar-se
sobre o relatório da administração e as contas da diretoria que serão
submetidos à aprovação da assembleia geral. Na prática, não se verifi-
cam casos em que o conselho não aprova as contas apresentadas pela
diretoria, ocorrendo eventualmente situações, caracterizadoras da ci-
zânia verificada no órgão, em que alguns conselheiros vencidos ma-
nifestam a sua divergência.
Os estatutos, em geral, estabelecem que determinados atos ou con-
tratos, ou por sua natureza, ou por seu valor, devem ser objeto de delibera-
ção do conselho, antes de serem apresentados à assembleia geral ou postos
em prática pela diretoria. Muito seguidamente, os estatutos estabelecem
NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 80-83.
valores de alçada, acima dos quais os diretores somente podem assi-
nar contratos se previamente aprovados pelo conselho. Determina-
das operações de reestruturação societária, como cisões e incorporações,
assim como aquisições de controle de outras companhias, também
são usualmente submetidas, por disposição estatutária, à manifesta-
ção do conselho de administração. E m tais casos, normalmente os
diretores expõem a operação ao conselho, após terem disponibilizado
previamente os documentos relevantes, o qual delibera e se manifesta
a respeito, para depois levá-la à aprovação da assembleia geral.
Se praticado determinado ato por diretor, sem autorização prévia do
conselho de administração, este poderá ratificá-lo, dado o princípio, ple-
namente válido no direito societário, da conservação de todos os atos
necessários à atuação empresarial da companhia, exceto se nulos. Com
efeito, se até mesmo as assembleias gerais podem ser sanadas, não há
razão para que não se possam convalidar negócios jurídicos legítimos,
apenas dependentes de aprovação do conselho534.
Também cabe ao conselho de administração de companhia de
capital autorizado deliberar, quando previsto no estatuto, sobre a emis-
são de ações ou bônus de subscrição535. Usualmente, é o que se verifi-
ca nas sociedades que adotam o regime do capital autorizado, cuja
principal vantagem consiste na possibilidade de o estatuto conferir
ao conselho competência para deliberar sobre aumento de capital sem
necessidade de aprovação pela assembleia geral.
De acordo com o inciso VIII, compete ao conselho autorizar, se o
estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não
circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a
obrigações de terceiros. Normalmente, o estatuto não retira tal compe-
tência do conselho de administração para atribuí-la à assembleia geral,
534 JOSÉ WAI.DECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei {arts. 121 a
183). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 323.
53 5 Ver os comentários aos arts. 166 e 168 da Lei das S.A.
uma vez que atos como alienação de computadores, veículos e máqui-
nas, normalmente devem ser praticados com relativa rapidez, não se
justificando a reunião dos acionistas para aprová-los.
Tratando-se de companhia aberta, é obrigatória a auditoria de
suas contas por auditor independente, registrado na Comissão de
Valores Mobiliários, cuja escolha será sempre do conselho de ad-
ministração (artigo 177, § 3°)536.
Além de escolher o auditor, deve o conselho aprovar os seus
honorários, ratificar um plano de trabalho, bem como acompanhar
o seu desempenho; havendo comitê de auditoria, poderá ser de sua
competência tratar de tais assuntos e submetê-los à aprovação do
conselho de administração537.
O § 2°, inserido pela Lei n° 10.303/2001, permite que o conse-
lheiro eleito pelo sistema da votação em separado (artigo 141, § 4°)
possa vetar a escolha e a destituição do auditor independente. Trata-
-se de inovação criticável, uma vez que: (i) rompe injustificadamente
com o sistema de deliberação majoritária do conselho, conferindo a
um de seus membros competência individual; (ii) atribui poder de
veto ao representante do minoritário eleito na votação em separado,
mas não ao escolhido pelo sistema de voto múltiplo, sem qualquer
razão para a distinção; e (iii) confere enorme poder a tal conselheiro,
uma vez que pode, com seu veto, impedir ou atrasar os trabalhos de
auditoria independente, essenciais no processo de transparência das
contas de companhias abertas.
Assim, a norma deve ser objeto de interpretação restritiva. O veto
deve ser fundamentado, com todas as razões de fato e de direito a
justificá-lo; não pode ser apresentado por capricho ou intuito de emu-
lação, sob pena de caracterizar desvio de poder (artigo 154); cabe ao
DIRETORIA
Composição
"Art. 143. A diretoria será composta por 2 (dois) ou mais direto-
res, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de admi-
nistração, ou, se inexistente, pela assembleia geral, devendo o
estatuto estabelecer:
III - o prazo de gestão, que não será superior a 3 (três) anos, per-
mitida a reeleição;
547 Diversamente do que ocorre na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos, não e
usual, entre nós, o comparecimento do diretor presidente à assembleia geral. A esse
respeito, ver a matéria de autoria de JANES ROCHA, "Comando Fora de Alcance", Jornal
Valor Econômico. Rio de Janeiro, 12.07.2010, p. D1.
548 Sobre esse assunto, ver os itens 3.1 e 3.6 da 4a edição do "Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa" do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
recursos, uma vez que se confundem as figuras dos fiscalizados
com os seus "fiscais".
Representação
"Art. 144. No silêncio do estatuto e inexistindo deliberação do con-
selho de administração (artigo 142, n° II e parágrafo único), com-
petirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática
dos atos necessários ao seu funcionamento regular.
549 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Inoponibilidade das Restrições Estatutárias
aos Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anônimas". In:
Pareceres. v. II, São Raulo: Singular, 2004, p. 815.
seus, possam expressar a sua "vontade". Assim, o órgão de adminis-
tração é portador da vontade da pessoa jurídica. A Lei das S.A. consi-
dera que os titulares do órgão, os administradores, são os representantes
da companhia; trata-se, porém, de representação não voluntária, mas
orgânica ou institucional. Com efeito, o âmbito do poder de repre-
sentação do administrador não é determinado pela vontade da socie-
dade, mas decorre da lei, ou seja, constitui um poder tipificado
legalmente. Dada a necessidade de proteger os interesses dos tercei-
ros que contratam com a sociedade o âmbito do poder dos adminis-
tradores é típico e inderrogável550.
O objetivo do artigo é precisamente o de definir e estabelecer os
limites de atuação dos diretores enquanto representantes orgânicos
da companhia.
Compete aos diretores, em princípio, praticar todos os atos ne-
cessários ao funcionamento regular da companhia, ou seja, aqueles
referentes à sua gestão ordinária, dirigidos direta ou indiretamente à
consecução do objeto social; já os atos de gestão extraordinária, que
são aqueles praticados fora do curso normal dos negócios sociais,
por implicarem em disposição ou oneração do patrimônio, se o es-
tatuto não dispuser a respeito, serão de competência do conselho de
administração ou da assembleia geral.
Como é impossível enumerar a totalidade dos atos que podem ser
praticados pelos diretores, a norma estabelece o princípio de que aque-
les incluídos na gestão ordinária, necessários ao funcionamento nor-
mal, cotidiano da sociedade, estão na sua esfera de competência, salvo
restrições estabelecidas no estatuto ou em deliberação do conselho de
administração. Com efeito, os diretores praticam, no dia a dia da com-
panhia, uma série de atos de gestão ordinária de seus negócios, como
comprar e vender bens ou serviços compreendidos no objeto social,
555 LUIS AUGUSTO ROUX AZEVEDO e VIVIANE ALVES BERTOGNA GUERRA, "Teoria Ultra
Vires Societatis". in: Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (Coord.). Direito Societário
Contemporâneo. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 360.
556 ' LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Inoponibilidade das Restrições Estatutárias aos
Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anônimas". In: Pareceres.
v. II..., p. 810.
557 Essa Diretiva foi posteriormente alterada, apenas no que diz respeito aos requisitos de
publicidade relativamente a certas categorias de sociedades, pela Diretiva CEE n° 2002/
58, de 15.07.2003.
N o direito norte americano, a teoria do ato ultra vires foi prati-
camente abolida, tanto n o Moáel Business Corporation Act como nas
legislações societárias estaduais, servindo apenas para estabelecer in-
ternamente a responsabilidade dos administradores, não para eximir
a sociedade diante de terceiros de boa-fé.
C o m relação às limitações estatutárias aos poderes de represen-
tação, a tendência geral dos sistemas jurídicos é igualmente no senti-
do de entendê-las inoponíveis aos terceiros de boa-fé, considerando
como tais: aqueles que não t i n h a m c o n h e c i m e n t o de sua existência
ou que não eram obrigados a conhecê-las 558 - 559 .
Igual tendência verifica-se n o direito societário brasileiro, que vem
aceitando que as limitações ao p o d e r de contratar dos administrado-
res não são oponíveis a terceiros de b o a - f é que c o m ela contratam,
obrigando, portanto, a sociedade, ressalvado seu direito de regresso
contra os administradores faltosos. H á 2 (duas) razões básicas a a m -
parar tal posição: com base na teoria organicista, entre nós adotada,
embora praticados pelos diretores, os atos são da sociedade, que res-
ponde, assim, p o r c o m p o r t a m e n t o próprio; e a dinâmica das relações
negociais exige que se p r e s u m a a b o a - f é das partes. D a í a consagração
do princípio da inoponibilidade das restrições estatutárias diante de
terceiros de boa-fé, já que tais limitações possuem eficácia interna, ou
seja, nas relações entre sociedade e seus administradores 5 6 0 .
558 LUIZ CASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Inoponibilidade das Restrições Estatutárias aos
Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anônimas". In: Pareceres.
v. II..., p. 826.
559 O Código Civil, contrariando as tendências do direito comparado, assim como a evolução de
nosso direito societário, estabelece no art. 1.015, parágrafo único, inciso III, que: "Art. 1.015.
No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da
sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do
que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores
somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: (...) III
- tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade." O dispositivo
tem merecido críticas acerbas da doutrina: ERASMO VALLADÃO AZEVEDO NOVAES E FRAN-
ÇA e MARCELO VON ADAMEK, "Vinculação da Sociedade: Notas Críticas ao Art. 1.015 do
Código Civil", Revista do Advogado da AASP. São Paulo: AASP, v. 96, março, 2008, p. 65.
560 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Inoponibilidade das Restrições Estatutárias aos
Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anônimas". In: Pareceres.
Assim, com base na "teoria da aparência", o direito estabelece
a vinculação da sociedade por obrigações contraídas em seu nome,
mesmo que fora do seu objeto social e por pessoas que não tinham
poderes para representá-la, com vistas à proteção do terceiro de
boa-fé, que não tinha razões para desacreditar que estava contra-
tando regularmente com a pessoa jurídica 561 .
Por outro lado, a proteção aos terceiros de boa-fé não justifica a
transferência da responsabilidade para a sociedade como regra ge-
ral, sem exceções, o que poderia fazer com que o patrimônio social
ficasse comprometido pelos atos de administradores faltosos. Apli-
ca-se a teoria da aparência em benefício da pessoa que possa ser
qualificada como o "homem médio"562. Aquele que, em razão de sua
profissão ou atividade, sabia ou devia saber da existência de limites
estatutários à pratica de atos dos diretores não pode dela se benefi-
ciar. Com efeito, em princípio, não se concluem operações de vulto
entre grandes companhias sem que cada uma das partes, assessora-
da por seus advogados, examine o estatuto da outra para verificar se
os representantes legais de fato detêm os poderes necessários à as-
sinatura dos contratos.
ADMINISTRADORES
Normas comuns
"Art. 145. As normas relativas a requisitos, impedimentos, in-
vestidura, remuneração, deveres e responsabilidade dos admi-
nistradores aplicam-se a conselheiros e diretores."
563 Ver comentários aos arts. 160 e 162 da Lei das S.A.
564 A esse respeito, ver o voto do diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos na decisão
proferida nos autos do Inquérito Administrativo n° TA - RJ 2002/1173 da CVM, j. em
02.10.2003, que observa ser "de capital importância que os dispositivos referentes a deveres
e responsabilidades dos administradores não sejam aplicados mecanicamente, sem prévia
interpretação, à luz das estruturas, modalidades e atividades dos órgãos da administração e,
mais ainda, do mundo real, para se evitar os excessos utópicos, de que falava a exposição de
motivos da anteprojeto da Lei 6.404/76. É fundamental que, no momento de se aplicar estes
dispositivos, se mergulhe, profundamente, nas estruturas destes órgãos sociais, conselho de
administração e diretoria, e suas respectivas formas de atuar, sem se ignorar as suas
especificidades, desde o modo de atuação, notadamente quanto à forma de deliberação."
Os deveres e responsabilidades dos administradores não são idênti-
cos, ainda que se orientem por princípios semelhantes. Dois elementos
são essenciais à aplicação da norma ao caso concreto: (i) a forma de fun-
cionamento do órgão em que atua o administrador, se colegiado e delibe-
rativo ou se executivo; e (ii) as funções específicas do administrador,
definidas no estatuto ou em outros documentos internos da companhia.
Por exemplo, a norma que trata do dever de informar fato relevan-
te (artigo 157, § 4°) não pode ser aplicada da mesma forma ao diretor
que tem acesso direto e imediato à informação e ao membro do conse-
lho de administração que eventualmente saberá de sua existência se for
levada à reunião do órgão. O mesmo ocorre com a norma que define
como infração ao dever de lealdade a omissão do administrador no
exercício de direitos da companhia (ártigo 155, inciso II); não se pode
responsabilizar da mesma forma o diretor e o membro do conselho de
administração por tal infração se a esfera de atuação de cada um é ab-
solutamente diversa, os momentos em que terão acesso à informação
são diferentes, assim como distintas são as possibilidades de atender ao
dever de lealdade em determinado caso concreto.
Assim, embora os deveres e responsabilidades previstos na Lei
das S.A., em sua Seção IV", alcancem, em abstrato, como padrões de
conduta, todos os administradores, deverão, em sua aplicação, ter
em vista concretamente as funções efetivas que desempenham e os
órgãos de que participam.
Requisitos e impedimentos
"Art. 146. Poderão ser eleitas para membros dos órgãos de admi-
nistração pessoas naturais, devendo os diretores ser residentes
no País. (Redação dada pela Lei n° 12.431/2011).
565 FÁBIO KONDER COMPARATO. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo:
Saraiva, 1990, p. 198.
Sobre esse assunto, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida nos autos do Proces-
so Administrativo CVM n° RJ 2007/0191, j. em 23.01.2007.
necessidade de ser acionista para integrar o conselho de administração;
e (iii) a obrigatoriedade de ser pessoa natural para ocupar qualquer
carço de administrador.
Na redação original do anteprojeto que se converteu na Lei
das S.A. havia 2 (duas) inovações importantes com relação ao regi-
me anterior (Decreto-Lei n° 2.627/1940): (i) a possibilidade de elei-
ção de conselheiros residentes" no exterior, até o máximo de 1/3 (um
terço) de seus membros; e (ii) a aceitação da pessoa jurídica como
administrador. Ambas, aliás, bastante razoáveis e compatíveis com
a mais eficiente gestão empresarial.
Particularmente, com relação à aceitação de conselheiros não
residentes no País, verificou-se grande polêmica, com acusações de
que o anteprojeto seria inconstitucional e protetor de empresas mul-
tinacionais; sensível a tais críticas, o Congresso, mediante emenda
aprovada na Câmara dos Deputados, alterou o caput, proibindo a
eleição de não residentes para o conselho de administração.
A Lei n° 10.194/2001, por sua vez, restaurou a razoabilidade
na disciplina do conselho de administração, alterando a redação
do caput para permitir a eleição de não residentes, sem qualquer
limitação percentual, para ocuparem cargos no órgão.
Porém, na tramitação da Lei n° 10.303/2001, foi apresentada
subemenda substitutiva às emendas do plenário, aprovada pela Câ-
mara dos Deputados, que passou a exigir que 2/3 (dois terços) dos
membros do conselho de administração tivessem residência no País.
Tal
proposta foi vetada pelo Presidente da República, sob a correta
justificativa de que, tratando-se o conselho de administração de ór-
gão deliberativo e que não pode representar a companhia, é desa-
conselhável a exigência de que qualquer percentual de sua
composição deva residir no País; tal exigência poderia, ademais, acar-
retar um obstáculo ao livre exercício do direito dos acionistas de
votarem, particularmente em joint ventures formadas por empresas
estrangeiras, representando, na prática, uma reserva de mercado de
cargos de conselheiro567.
Com o veto presidencial, permaneceu em vigor a redação desse
artigo, tal como alterada pela Lei n° 10.194/2001, de sorte que todos os
membros do conselho de administração podem ser residentes no exte-
rior. Com efeito, embora os diretores, que conduzem a administração
ordinária da companhia, no seu dia a dia, devam residir no País, seria
descabida essa exigência para os membros do conselho de administra-
ção, tendo em'vista a natureza e as funções do órgão568. Da mesma
forma, não é necessário que os integrantes de órgãos técnicos ou con-
sultivos - que não representam a companhia nem desempenham fun-
ções de administração ordinária - sejam residentes no País.
Quando os membros do conselho de administração ou de ór-
gãos técnicos ou consultivos residem no exterior, não é necessária a
sua presença física às reuniões, que podem ser validamente realiza-
das mediante tele ou videoconferência, desde que seja possível a
identificação dos conselheiros que manifestam suas opiniões e vo-
tos e que sejam regularmente lavradas e registradas as atas dessas
reuniões (artigo 142, § 1°).
Todos os diretores devem ser residentes no País, o que se justifica
pelo fato de desempenharem as atividades inerentes à administração
ordinária e à representação da companhia.
A Lei das S.A. deve ser interpretada como se referindo à resi-
dência domiciliar, ou seja, habitação em caráter definitivo e perma-
nente, não a mera estada passageira ou ocasional no País; trata-se, a
residência permanente, de um fato jurídico cujo substrato concreto, a
efetiva habitação, deve ser demonstrada569.
567 LUIZ LEONARDO CANTIDIANO. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 187-188.
568 Ver os comentários aos arts. 140 e 142 da Lei das S.A.
569 FABiO KONDER COMPARATO. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres..., p. 213.
Com a promulgação da Lei n° 12.431/2011, não vigora mais a
regra de que todos os membros do conselho de administração devem
ser acionistas da companhia, exigência que não existia - e continua
não existindo - para os diretores. Tal requisito era justificado doutri-
nariamente pela existência de uma distinção entre propriedade e ges-
tão; no entendimento anterior, o conselho de administração seria
constituído por pessoas ("proprietários") que teriam um interesse maior
nos destinos da companhia, enquanto a diretoria constituiria órgão
técnico, de gestão, procurando agir de modo a produzir lucros570.
Tratava-se de exigência anacrônica, que, por este motivo, foi
abolida de nossa legislação societária; na prática, os conselheiros
não acionistas, ao assumirem seus cargos, recebiam 1 (uma) ação e
comprometiam-se a devolvê-la quando expirasse seu mandato. Como
a Lei das S.A. não tinha estabelecido qualquer percentual mínimo
de participação acionária, podia ser membro do conselho de admi-
nistração o acionista com 1 (uma) ação, com ou sem direito de voto.
Não mais se concebia a manutenção de tal ficção em nosso direito
societário, uma vez que o titular de 1 (uma) ação não pode ser con-
siderado mais interessado nos destinos da sociedade do que o dire-
tor, que muitas vezes tem parte substancial de sua remuneração
atrelada aos lucros que a companhia gerar.
A Lei das S.A. exige que todos os administradores - membros do
conselho de administração e de órgãos técnicos ou consultivos estatutá-
rios, bem como diretores - sejam pessoas naturais. Na redação do seu
anteprojeto, tais cargos poderiam ser ocupados por pessoas jurídicas; para
permitir a responsabilidade pessoal do administrador, que poderia ficar
diluída na pessoa jurídica, exigia-se que as atribuições do administrador
pessoa jurídica fossem exercidas por pessoa natural previamente desig-
nada, que teria todos os deveres e responsabilidades do administrador,
570 FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. II, Rio de Janeiro: Foren-
se, 1978, p. 320.
sem prejuízo da responsabilidade solidária da pessoa jurídica que o
designara. Lamentavelmente, na tramitação na Câmara dos Deputa-
dos, deu-se nova redação ao dispositivo, pela qual somente a pessoa
natural pode exercer cargo de administrador de companhia571.
Trata-se de preceito também criácável, uma vez que, tal como redi-
gida a norma no anteprojeto, permitia maior flexibilidade e maior segu-
rança à gestão empresarial, prevendo-se a solidariedade da pessoa jurídica
do administrador com a pessoa natural que havia designado.
Embora os administradores sejam pessoas naturais, nada im-
pede que a companhia contrate pessoa jurídica especializada para
assessorá-los no desempenho de suas atividades, o que é bastante
comum em situações de saneamento da empresa ou de busca de
novos controladores ou acionistas com participações relevantes.
Em tais situações, é inequívoco que, na prática, a pessoa jurídica
contratada recomenda ou mesmo indica aos administradores as
melhores medidas a serem adotadas, restando-lhes as funções de
representação da companhia e de assinatura dos documentos e
atos necessários ao desenvolvimento regular de suas atividades.
Nos termos do § 1°, deve constar da ata de eleição dos admi-
nistradores a qualificação e o prazo de gestão de cada um, que não
poderá ser superior a 3 (três) anos, permitida a reeleição, tanto dos
conselheiros de administração (artigo 140) como dos diretores (ar-
tigo 143, inciso III). Uma vez lavrada, a ata de eleição deverá ser
arquivada na Junta Comercial e publicada (artigo 289).
Vale notar que a averbação na Junta Comercial da ata de eleição
não é constitutiva da condição de administrador, mas simplesmente
declaratória; uma vez eleito e investido em seu cargo, o administrador
passa a ser plenamente responsável por seus atos e omissões, não
O Código Civil, em seu art. 1.060, admite para a sociedade limitada a administração por
pessoa jurídica, mantendo posição já adotada no regime legal anterior (Decreto n° 3.708/
1919).
constituindo a averbação tardia da ata motivo de redução do período
de responsabilidade^72.
Conforme o § 2°, com a nova redação dada pela Lei n° 10.303/
2001, o conselheiro residente no exterior deverá constituir procura-
dor no País, com poderes para receber citação em ações propostas
com base na legislação societária. Mediante aplicação analógica do
§ 2° do artigo 149, entende-se que a procuração também deverá
conter poderes para receber intimações em processos administrativos573.
O prazo de validade da procuração deve ser de pelo menos 3 (três)
anos após o término do prazo de sua gestão, coincidente, assim,
com o prazo de prescrição de 3 (três) anos para a propositura de
ações de responsabilidade civil contra o administrador (artigo 287,
inciso II, alínea "b").
572 A esse respeito, ver a decisão da I a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, proferida nos autos da Apelação Cível n° 70007016645, Rei. Des. Irineu
Mariani, j. em 19.05.2004, publicada no D O RS em 19.05.2004.
573 JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a
188). V. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 365.
§ 3° O conselheiro deve ter reputação ilibada, não podendo ser elei-
to, salvo dispensa da assembleia geral, aquele que: (Incluído pela Lei
n° 10.303/2001)
574 O Código Civil é ainda mais rigoroso com relação aos impedimentos, para os demais tipos
societários, ao dispor, em seu art. 1.011, § 1o, que: "Não podem ser administradores, além
das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que
temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime (alimentar, de prevaricação,
peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema
financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de
consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação".
575 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro, v. 2, São R)ulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 461-462.
Pode-se, assim, estabelecer requisitos de formação acadêmica, espe-
cialização em determinado setor de atividades, experiência profissional,
tempo de serviço na companhia, idade mínima e máxima. E até mesmo
desejável que, tratando-se de órgãos técnicos e consultivos, exija-se for-
mação adequada para o preenchimento de seus cargos; assim, por exem-
plo, em muitas companhias o estatuto estabelece que a maioria dos
membros do comitê de auditoria deve ter formação em contabilidade ou
finanças. Por outro lado, não cabe o estabelecimento de requisitos ou
causas de elegibilidade apenas para membros do conselho de administra-
ção eleitos pelo sistema de voto múltiplo ou votação em separado, o que
poderia constituir expediente de opressão aos direitos dos minoritários.
A lei especial pode também exigir certos requisitos para o ad-
ministrador. E o que ocorre, por exemplo, com os administradores
de instituições financeiras, que devem atender às exigências esta-
belecidas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Cen-
tral, referentes à capacitação técnica e financeira576-577. Embora,
em princípio, os acionistas não estejam sujeitos aos requisitos e
impedimentos previstos neste artigo e no artigo 146, nada impede
576 Os arts. 10, inciso XI, e 33 da Lei n° 4.595/1964 outorgam competência ao Banco Central
para estabelecer condições para a posse e para o exercício de quaisquer cargos de adminis-
tração de instituições financeiras privadas.
577 A Resolução CMN n° 3.041/2002 estabelece os seguintes requisitos básicos para membros de
órgãos estatutários de instituição financeira privada: (i) ter reputação ilibada; (ii) ser residente
no Fàís, nos casos de diretor, de sócio-gerente e de conselheiro fiscal; (iii) não estar impedido
por lei especial, nem condenado por crime falimentar, de sonegação fiscal, de prevaricação, de
corrupção ativa ou passiva, de concussão, de peculato, contra a economia popular, a fé
pública, a propriedade ou o Sistema Financeiro Nacional, ou condenado a pena criminal que
vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; (iv) não estar declarado inabili-
tado ou suspenso para o exercício de cargos de conselheiro de administração, de diretor ou de
sócio-gerente em instituições financeiras ou em outras instituições sujeitas à autorização, ao
controle e à fiscalização de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta,
incluídas as entidades de previdência complementar, as sociedades seguradoras, as socieda-
des de capitalização e as companhias abertas; (v) não responder, em qualquer empresa da qual
seja controlador ou administrador, por pendências relativas a protesto de títulos, cobranças
judiciais, emissão de cheques sem fundos, inadimplemento de obrigações e outras ocorrências
ou circunstâncias análogas; e (vi) não estar declarado falido ou insolvente, nem ter participado
da administração ou ter controlado firma ou sociedade concordatária, em recuperação judicial,
ou insolvente. O art. 2°, parágrafo único, dessa Resolução prevê a possibilidade do Banco
Central aceitar a homologação do nome de pretendentes que não atendam aos requisitos "(v)"
e "(vi)", procedendo à uma análise individual.
que lei especial regule a-matéria; é o que ocorre com os acionistas
controladores de instituições financeiras, que também devem de-
monstrar que preenchem condições de capacitação financeira578.
Não obstante constar do caput referência apenas à assembleia ge-
ral, evidentemente aplica-se a norma com relação aos diretores eleitos
pelo conselho de administração. Assim, devem ser apresentados à as-
sembleia geral ou ao conselho de administração, conforme o caso, os
documentos que comprovem o preenchimento dos requisitos, os quais
serão arquivados na sede da companhia. Tratando-se de companhia
aberta, a regulamentação administrativa da Comissão de Valores Mo-
biliários estabelece que deve ser apresentado o currículo do candidato,
contendo informações sobre sua qualificação, experiência profissional
e cargos ocupados em outras companhiasS79.
Não podem ser eleitas para cargos de administração, conforme
determina o § 1°, as pessoas impedidas por lei especial, como ocorre
com os magistrados e os funcionários públicos580-581. Também são
578 Ver, a propósito, o art. 20, § 1o, alínea "a", dá Lei n° 4.728/1965, que outorga competência
ao Banco Central para expedir normas a serem observadas pelas pessoas jurídicas de direito
privado registradas no Banco Central relativas à natureza, detalhe e periodicidade de informa-
ções sobre a situação econômica e financeira de acionistas que controlam a maioria do seu
capital votante; a esse respeito, também ver o art. 5°, inciso IV, do Regulamento anexo à
Resolução CMN n° 3.040/2002, que assim prevê: "Art. 5°. A constituição das instituições
referidas no art Io [bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de
desenvolvimento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédi-
to imobiliário, companhias hipotecárias, agências de fomento, sociedades de arrendamento
mercantil, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, sociedades distribuidoras de
títulos e valores mobiliários e sociedades corretoras de câmbio] submeter-se-á às seguintes
condições, cujo atendimento será examinado pelo Banco Central do Brasil: (...) IV - demons-
tração de capacidade econômico-financeira compatível com o porte, natureza e objetivo do
empreendimento, a ser atendida, a critério do Banco Central do Brasil, individualmente por
acionista controlador ou pelo grupo de controle; (...)".
579 A Instrução CVM n° 367/2002, em seu art. 3 o , § 2°, dispõe que: "Também deverá ser
apresentado à assembleia geral o currículo do candidato indicado, contendo, no mínimo,
sua qualificação, experiência profissional, escolaridade, principal atividade profissional
que exerce no momento e indicação de quais cargos ocupa em conselhos de administra-
ção, fiscal ou consultivo em outras companhias, se for o caso".
580 Arts. 26, inciso II, alínea "a", e 36, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei
Complementar n° 35/1979).
581 Trata-se de vedação constante dos estatutos disciplinadores dos respectivos servidores
públicos instituídos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de sua
inelegíveis as pessoas condenadas por sentença definitiva transitada
em julgado por crime falimentar582, de prevaricação583, peita ou su-
borno584, concussão585, peculato586, contra a economia popular587, a fé
pública588 ou a propriedade589. Se, como efeito da condenação, resultar a
perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, o condenado torna-se
inelegível para o cargo de administrador de sociedade anônima590. Caso a
condenação ocorra no curso do mandato, deve o administrador ser desti-
tuído de sua função. Já a extinção da punibilidade libera a pessoa para
candidatar-se a cargo de administrador.
Em sociedade de economia mista, é possível que os membros do
conselho de administração ocupem cargos na administração pública, o
que é bastante comum, inclusive previsto na legislação de outros paí-
ses, tendo em vista o atendimento ao interesse público que justificou a
sua criação591-592.
São igualmente inelegíveis as pessoas condenadas pela Comissão
de Valores Mobiliários com a penalidade de inabilitação temporária,
até o máximo de 20 (vinte) anos, para o exercício de cargo de adminis-
trador ou conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade integrante
competência, nos termos do art. 39 da Constituição Federal; a esse respeito, ver o art. 117,
inciso X, da Lei n° 8.112/1990, com a redação dada pela Lei n° 11.784/2008, que dispõe
sobre a proibição dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações
públicas federais de participarem de gerência ou administração de sociedade privada,
personificada ou não personificada.
582 Arts. 168 a 178 da Lei n° 11.101/2005.
583 Art. 319 do Código Penal.
584 Com a consolidação das leis penais, a nomenclatura dos crimes de peita ou suborno
tornou-se obsoleta, tratando-se atualmente dos crimes de corrupção passiva e ativa - arls.
317 e 333 do Código Penal, respectivamente.
585 Art. 316 do Código Penal.
586 Art. 312 do Código Penal.
587 Lei n° 1.521/1951.
588 Arts. 289 a 311 do Código Penal.
589 Arts. 155 a 183 do Código Penal.
, 590 Art. 92, inciso 1, do Código Penal.
591 FERNANDO SÁNCFIEZ CALERO. Los Administradores de Ias Sociedades de Capital,
Pamplona: Arazandi, 2007, p. 84.
do sistema de distribuição de valores mobiliários (como são as institui-
ções financeiras que atuam como underwriters) e outras entidades que
dependem de autorização ou registro na referida Autarquia (como são
as empresas de auditoria independente)593.
A decisão de inabilitação aplicada pela Comissão de Valores
Mobiliários a administrador de companhia aberta não impede o ape-
nado de exercer cargo de administrador de companhia fechada, a qual
não se submete ao seu poder sancionador.
A inabilitação para o exercício de cargo de administrador de compa-
nhia constitui penalidade extremamente grave, uma vez que priva o ape-
nado do direito de atuar profissionalmente em empresa submetida à
fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, somente cabendo a sua
aplicação na hipótese de comprovada infração dolosa às normas que dis-
ciplinam as companhias abertas e o mercado de capitais594.
A penalidade de inabilitação temporária, como ocorre com as de-
mais - advertência, multa, suspensão de cargo, de autorização ou de
registro e proibição de praticar operações no mercado de capitais - so-
mente pode ser aplicada pela Comissão de Valores Mobiliários após a
realização de procedimento administrativo sancionador, no qual é as-
segurado ao acusado o devido processo legal, com todas as garantias
que lhe são inerentes. Assim, o acusado tem o direito de se defender
das acusações e de apresentar as provas pertinentes595.
Das decisões punitivas aplicadas pela Comissão de Valores Mobi-
liários, cabe recurso ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro
>98 A esse respeito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida rios autos do Processo
Administrativo CVM n° RJ 2007/0191, Rei. Superintendência de Relações com Empresas -
SEP, em 23.01.2007, na qual o Dir. Marcelo Trindade, em voto vencido sobre o mérito
entendeu que: "Caso, entretanto, a norma estatutária proposta seja interpretada como
eiencando hipóteses em que o conflito se presumirá - exatamente como fez a Instrução
367/02, e como em parte decorre de sua própria redação - então me parece que ela seria
válida, servindo de indicação aos acionistas da companhia quanto à escolha de seus
candidatos para os cargos de conselheiros, (...)". Nessa questão específica, o Dir. Pedro
Marcílio de Souza, que teve o seu voto acompanhado pelos demais membros do Colegiado,
se manifestou no seguinte sentido: "Em razão do que disse acima, acho importante deixar
claro que, com relação às companhias que abriram o capital recentemente, com estatutos
com disposições similares à objeto deste voto, deve-se aplicar a interpretação conforme
proposta pelo Presidente Marcelo Trindade, que faz com que as restrições temporais à
indicação de candidatos ao conselho de administração sejam interpretadas como reco-
mendações, mas não proibições de indicar, fora do prazo, inclusive durante a assembleia,
o nome do candidato a ser submetido à votação."
599 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 311.
conselho de administração do conflito de interesses permanente que
tal situação acarretaria, daí decorrendo o impedimento 600 .
O impedimento por vinculação a concorrente não se caracteri-
za apenas com relação aos cargos nos conselhos de administração,
consultivo ou fiscal, u m a vez que qualquer cargo ou função na con-
corrente acarreta o impedimento. O f u n d a m e n t o do impedimento
está na proteção do segredo empresarial, entendido como a f o r m u -
lação de políticas e de métodos competitivos, assim como dos se-
gredos dos negócios, que compreendem carteiras de clientes, listas
de fornecedores, campanhas de marketing e de vendas 601 .
Para que se caracterize o i m p e d i m e n t o deve restar claro que as 2
(duas) sociedades concorrem diretamente n o m e s m o mercado, ou
seja, sua atividade empresarial principal localiza-se no mesmo setor,
na produção ou distribuição de bens ou serviços da m e s m a natureza.
Assim, por exemplo, o diretor de u m banco não pode ser m e m b r o do
conselho de administração ou do comitê de auditoria de outro banco
concorrente. C o m o a n o r m a faz referência a "sociedades que pos-
sam ser consideradas concorrentes", pouco importa o tipo societário
de que se revestem, aplicando-se t a m b é m à concorrente que seja
u m a limitada, por exemplo.
600 LUIZ LEONARDO CANTIDIANO. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 189; CALIXTO SALOMÃO FILHO, "Conflito de Interesses: a Oportuni-
dade Perdida". In: Jorge Lobo (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas - Inova-
ções e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense,
2002, p. 356.
601 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A..., p. 310.
participações societárias minoritárias em concorrente direto, que per-
mitam a eleição de membro do conselho de administração ou do con-
selho fiscal, seja pelo eventual incentivo à colusão, seja pelo acesso a
informações estratégicas, podem gerar preocupações concorrenciais602.
O inciso II trata do conflito de interesses, que deve ser objeto de
análise caso a caso, situação diversa do inciso I, na qual o conflito é
presumido, estrutural, pelo fato de o administrador ocupar cargo em
empresas concorrentes, o que pode ser objetivamente verificado, e que
lhe acarreta o impedimento enquanto remanescer tal situação. Já no
caso do inciso II, o conflito de interesses pode decorrer de diversas
situações de caráter negociai, tais como: ser o administrador acionista
controlador de companhia prestadora de serviços ou fornecedora de
produtos; de banco detentor de créditos significativos; de empresa con-
sumidora permanente de bens ou serviços.
Conforme a regulamentação administrativa da Comissão de Va-
lores Mobiliários, também se presume o conflito de interesses se a pes-
soa, cumulativamente: (i) tiver sido eleita por acionista que também
tenha eleito conselheiro de administração em sociedade concorrente; e
(ii) mantiver vínculo de subordinação com o acionista que o elegeu. Tal
presunção somente se opera se o conselheiro de sociedade concorrente
houver sido eleito apenas com os votos do referido acionista, ou se tais
votos, considerados isoladamente, forem suficientes para a sua eleição603.
O conflito deve ser de tal monta que efetivamente impeça o
administrador de atuar, em caráter permanente, de forma isenta; caso
contrário, poderá assumir o cargo e manifestar seu impedimento
diante de situações concretas.
Garantia da gestão
"Art. 1 4 8 . 0 estatuto pode estabelecer que o exercício do cargo de
administrador déva ser assegurado, pelo titular ou por terceiro,
mediante penhor de ações da companhia ou outra garantia.
Investidura
"Art. 149. Os conselheiros e diretores serão investidos nos seus
cargos mediante assinatura de termo de posse no livro de atas do
conselho de administração ou da diretoria, conforme o caso.
606 Arts. 222 e 223 do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei n° 8.710/1993.
607 Alteramos nossa posição anterior, de que a norma seria inconstitucional (MODESTO
CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 319-321),
reconhecendo, como JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 403, que não ofende aos princípios
do contraditório e do devido processo legal.
Substituição e término da gestão
"Art. 150. No caso de vacância do cargo de conselheiro, salvo dis-
posição em contrário do estatuto, o substituto será nomeado pelos
conselheiros remanescentes e servirá até a primeira assembleia ge-
ral. Se ocorrer vacância da maioria dos cargos, a assembleia geral
será convocada para proceder a nova eleição.
608 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de
Janeiro; Forense, 1953, p. 287.
seja por renúncia, abandono de suas funções, destituição, ou impedi-
mento definitivo (artigo 147).
Os acionistas podem estabelecer no estatuto, com total liberdade,
as regras para o preenchimento dos cargos vagos no conselho de admi-
nistração, desde que não sejam da maioria dos membros. Podem dispor,
por exemplo, que assumirão os suplentes, hipótese mais comum, ou
que competirá à assembleia geral deliberar a respeito. No silêncio do
estatuto, os substitutos serão nomeados pelos conselheiros remanes-
centes, nos termos do caput, servindo, em "mandado tampão", até a
primeira assembleia ordinária ou extraordinária, que poderá ratificar a
nomeação ou eleger outro conselheiro, como substituto definitivo; caso
os conselheiros remanescentes não logrem, por maioria, escolher o subs-
tituto, deve ser convocada assembleia geral para proceder à sua eleição.
No entanto, tendo ocorrido a eleição dos membros do conselho de
administração mediante o sistema do voto múltiplo, a vacância decor-
rente de destituição pela assembleia geral acarretará a destituição de
todos os demais membros, titulares e suplentes, procedendo-se imedia-
tamente à nova eleição. Nos demais casos de vacância - por morte,
impedimento, renúncia, abandono da função — assumirá o suplente; se
não houver suplente, a primeira assembleia geral, seja ordinária, seja
extraordinária, deverá eleger todo o conselho de administração (artigo
141, § 3°). Visa a norma a assegurar a eficácia da representação propor-
cional no conselho, evitando que eventualmente o acionista controla-
dor, mediante a destituição do conselheiro eleito pelos minoritários,
inviabilize a proteção que lhes é conferida pelo sistema do voto múlti-
plo. No caso, a orientação legal de que se deve evitar a vacância de
cargos cede ante o princípio da representação proporcional assegurada
aos acionistas minoritários no conselho de administração.
Ocorrendo a vacância da maioria dos cargos do conselho de admi-
nistração, os remanescentes deverão convocar assembleia geral, que po-
derá soberanamente (i) eleger os substitutos; ou (ii) destituir os
remanescentes e eleger todos os membros do conselho. Caso todos
os cargos fiquem vagos, deve a diretoria convocar a assembleia geral,
cabendo-lhe, até a eleição, praticar os atos urgentes e inadiáveis de
competência do conselho de administração. De acordo com o § 1°,
no caso de vacância de todos os cargos do conselho de administra-
ção, compete à diretoria convocar a assembleia geral.
A competência para a eleição e destituição dos administradores é,
apenas em regra, da assembleia geral ordinária, pois nada impede que a
assembleia geral extraordinária delibere, quando necessário, sobre essa
matéria, como ocorre, por exemplo, na hipótese de vacância de cargos
do conselho de administração ou da diretoria; a substituição é efetuada
na primeira assembleia geral seguinte ao evento, independentemente
de ser ela ordinária ou extraordinária609.
No caso dos diretores, é ainda mais importante evitar-se a va-
cância, uma vez que lhes compete não só a gestão ordinária como
também a representação da companhia; sem diretor, ela simples-
mente não tem como se apresentar no mundo exterior. Ademais, os
membros do conselho de administração, integrando um órgão com
funções deliberativas, não podem praticar atos de gestão ordinária
ou de representação da companhia.
Quando a companhia tem conselho de administração, os cargos
vagos de diretor serão preenchidos mediante eleição realizada pelo órgão.
Na companhia sem conselho de administração, deve o estatuto discipli-
nar a matéria; na prática, usualmente se estabelece que os diretores rema-
nescentes escolherão o substituto, ou que um diretor acumulará o cargo
vago. Pode ainda o estatuto dispor que, mesmo no caso da vacância da
maioria dos cargos da diretoria, os remanescentes escolherão os substitu-
tos ou acumularão os cargos vagos; o essencial é que a companhia tenha
quem a represente e possa praticar os atos de gestão. Caso o estatuto seja
omisso, deve ser convocada assembleia geral para proceder à eleição.
Na hipótese de todos os cargos de diretores ficarem vagos, em
companhia sem conselho de administração, compete ao conselho fis-
cal convocar a assembleia geral, nos termos do § 2°. Se o órgão não
estiver em funcionamento, qualquer acionista, seja titular de ações
ordinárias, seja titular de ações preferenciais sem direito de voto, terá
legitimidade para convocar a assembleia.
Enquanto não for realizada a assembleia geral, o titular do maior
número de ações com direito de voto assume a posição de administra-
dor provisório, diretamente, ou indica alguém para exercer tal função.
Não obstante constar da Lei das S.A. a expressão "representante de
maior número de ações", não faria sentido que a função de administra-
dor provisório fosse assumida pelo acionista com maior número de ações
- com ou sem direito de voto - , uma vez que é o acionista controlador
quem tem o poder dever de dirigir os negócios sociais e orientar o fun-
cionamento dos órgãos da companhia610.
O administrador provisório assumirá imediatamente suas fun-
ções, sem a necessidade de qualquer formalidade, uma vez que sua
competência decorre da lei, incumbindo-lhe representar a compa-
nhia e praticar os atos urgentes de administração ordinária. A Lei
das S.A., ao conferir legitimidade para o acionista majoritário assu-
mir a função de administrador provisório, visou a impedir a acefalia,
ainda que por um dia, da companhia 611 .
Nos termos do § 3°, o substituto deve completar o prazo de gestão
do substituído, aplicando-se a norma tanto para diretores como para
conselheiros. Assim, o substituto exerce um "mandato tampão", com-
pletando o prazo de gestão do substituído. Vencido o prazo de gestão, o
substituto pode ser reeleito, caso em que terá um novo mandato, ou
Renúncia
"Art. 151. A renúncia do administrador torna-se eficaz, em rela-
ção à companhia, desde o momento em que lhe for entregue a
comunicação escrita do renunciante, e em relação a terceiros de
boa-fé, após arquivamento no registro de comércio e publicação,
que poderão ser promovidos pelo renunciante."
612 O Código Civil, na mesma linha da Lei das S.A., dispõe em seu art. 1.063, § 3° que: "Art.
1.063. O exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo,
do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver
recondução. (...) § 3° A renúncia de administrador torna-se eficaz, em relação à sociedade,
desde o momento em que esta toma conhecimento da comunicação escrita do renuncian-
te; e, em relação a terceiros, após a averhação e publicação".
61 3 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição, São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 245.
A renúncia constitui ato incondicional e irrevogável. Renúncia con-
dicionada a determinado evento não é renúncia, mas ameaça ou mera
declaração da intenção de renunciar, que não produz qualquer efeito.
Assim, por exemplo, o administrador que declara, mesmo que por escrito,
que poderá renunciar se não aumentarem sua remuneração não está re-
nunciando; trata-se de ato juridicamente ineficaz. Também não cabe a
revogação da renúncia, podendo o administrador apenas retratar-se; o
ato da retratação, se recebido pela companhia antes da chegada do docu-
mento de renúncia, sobre ele prevalece614.
A renúncia torna-se eficaz, com relação aos terceiros de boa-fé,
com o seu arquivamento na Junta Comercial e respectiva publicação
(artigo 289). Para prevenir sua responsabilidade, o renunciante pode
promover o registro e a publicação de sua renúncia; tais atos, porém,
são de obrigação da companhia.
Distinguem-se os terceiros de boa-fé daqueles de má-fé em
função do conhecimento da renúncia. Assim, são de boa-fé os ter-
ceiros que continuam a manter relações com a companhia ainda
representada pelo renunciante sem conhecer o fato; de má-fé são
os que mantêm relações sabendo que o ex-administrador não tem
mais poderes de representação615.
Com relação aos terceiros de boa-fé, a companhia responde pelos
negócios jurídicos firmados pelo administrador renunciante até a data do
arquivamento e publicação da renúncia, uma vez que se presume o seu
desconhecimento do ato. Tal presunção é relativa, podendo a companhia
provar que o terceiro havia, por qualquer outro meio, tomado conheci-
mento da renúncia, não se qualificando assim como de boa-fé616.
614 O art. 428, inciso IV, do Código Civil, assim dispõe: "Art. 428. Deixa de ser obrigatória a
proposta: (...) IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra
parte a retratação do proponente".
61 5 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Renúncia e Cessação do Exercício de Cargo". In: Alfredo
Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elabora-
ção, aplicação), v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 447.
61 6 JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a
188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 421.
Remuneração
"Art. 152. A assembleia geralfixaráo montante global ou individual
da remuneração dos administradores, inclusive benefícios de qual-
quer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas res-
ponsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência
e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado. (Re-
dação dada pela Lei n° 9.457/1997)
No mesmo sentido, com relação aos demais tipos societários, o Código Civil dispõe, no art.
1.071, inciso IV, que é de competência privativa dos sócios, mediante deliberação tomada em
assembleia ou reunião, o estabelecimento da remuneração dos administradores.
Consta do art. 12 da Instrução CVM n° 481/2009 que: "Art. 12. Sempre que a assembleia
gera! dos acionistas for convocada para fixar a remuneração dos administradores, a
companhia deve fornecer, no mínimo, os seguintes documentos e informações: I - <i
proposta de remuneração dos administradores; e II - as informações indicadas no item 13
do formulário de referência." O "Formulário de Referência" constitui o Anexo 24 da
Instrução CVM n° 480/2009.
aumentada pelos acionistas, assim como revogada a qualquer tem-
po, pela sua destituição do cargo, sem que ele faça jus a qualquer
reparação619. Com efeito, não há relação de trabalho entre o admi-
nistrador e a companhia620.
A Lei das S.A. não estabelece parâmetros rígidos para a remunera-
ção fixa dos administradores. Os critérios a serem observados são os se-
guintes: (i) suas responsabilidades, que decorrem dos cargos que ocupam
e das funções que desempenham; (ii) o tempo dedicado às suas funções,
podendo haver dedicação exclusiva - caso dos diretores - ou tempo par-
cial, como ocorre com os membros do conselho de administração e de
outros órgãos técnicos ou consultivos; (iii) competência e reputação pro-
fissional, tendo em vista a sua experiência e qualificação; (iv) os riscos que
assumem; e (v) o valor de seus serviços no mercado. O último critério é o
mais relevante, particularmente em determinados segmentos do mer-
cado em que existe acirrada competição por executivos qualificados.
Os membros do conselho de administração, dada a natureza delibe-
rativa do órgão e a ausência de competências exercidas individualmente,
devem fazer jus a uma remuneração idêntica, com exceção do presidente
e do secretário geral, que detêm atribuições adicionais, o que justifica o
recebimento âepro labore oujetons de maior valor.
Já os diretores podem receber remunerações de valores diferentes,
tendo em vista os critérios acima mencionados, o que, aliás, constitui
619 ALFREDO LAMY FILHO, "Remuneração de Empregado Eleito para Integrar Órgão de Adminis-
tração". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressu-
postos, elaboração, aplicação), v. 2, 2a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 396. No
direito societário norte-americano, embora o administrador também possa ser destituído a
qualquer tempo, a sua remoção sem causa, quando a companhia firmou com ele contrato de
longa duração, pode acarretar-lhe a obrigação de indenizá-lo pelas perdas e danos (ROBERT
C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 113).
620 Nesse sentido, MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. Estudos de Direito Empresa-
rial. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 343; ISAAC HALPERIN e JÚLIO C. OTAEGUI. Sociedades
Anônimas. 2 a edíción, Depalma: Buenos Aires, 1998, p. 469-470; ALFREDO LAMY FI-
LHO. Temas de S.A.. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 337; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das
Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar,
2009, p. 427; TRAjANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2a edição,
Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 278-279.
prática usual no mercado. Ademais, o "valor de mercado" do diretor
está estreitamente relacionado à sua formação profissional e especiali-
zação, assim como ao segmento em que atua. É comum, assim, que
uma companhia estabeleça remunerações significativamente díspares
para os diretores.
Em mercados muito competitivos, com escassa mão de obra
qualificada, verificam-se, além do pagamento de remuneração di-
reta e indireta e participação nos lucros, outras vantagens e garan-
tias, como forma de atrair e manter os executivos em seus cargos.
Assim, muitas vezes são concedidas aos administradores algumas
outras garantias, tais como: seguro saúde, auxílio moradia por de-
terminado prazo, contratação de empresa de outplacement, bem como
previsão de verba indenizatória.
A verba indenizatória é concedida como forma de compensar o
administrador pela perda do cargo, antes do término do seu mandato.
Como a remuneração já era esperada pelo administrador, é considerada
como um ganho provável, ou uma expectativa de patrimônio.
As rendas prováveis podem ser indenizáveis. Com efeito, não é
apenas o patrimônio em seu sentido estrito ou econômico que é pas-
sível de indenização, mas também os ganhos prováveis, que constitu-
em uma expectativa de patrimônio621.
As verbas atribuídas contratualmente ao administrador, na hipótese
de seu desligamento imotivado da companhia, têm a natureza de indeni-
zação, não podendo ser consideradas como partes integrantes de sua re-
muneração, já que são conferidas a título de compensação de danos e
não como uma forma de contraprestação de serviços.
Além da remuneração fixa, podem os administradores receber a
chamada "gratificação de balanço", remuneração variável, bastante
comum na prática do mercado, consistente em uma participação nos
621 HUGO DE BRITO MACHADO. Regime Tributário das Indenizações. São Paulo: Dialética,
2000, p. 100.
lucros da companhia, um prêmio pelos resultados atingidos em
determinado exercício.
A participação nos lucros integra a remuneração dos adminis-
tradores, como titulares dos órgãos sociais, não mais se aceitando a
teoria que a identificava com o recebimento de dividendos, a partir
da conceituação do administrador como um tipo de sócio de indús-
tria. Ademais, constitui uma forma de remuneração de caráter alea-
tório, já que a quantia a ser paga depende da existência de lucros e
do percentual a ser atribuído aos administradores 622 .
O sistema de remuneração mediante participação nos lucros, que se
observa na generalidade dos países, objetiva alinhar os interesses dos ad-
ministradores com os dos acionistas; na medida em que participam dos
lucros, os administradores tudo farão para maximizá-los, o que também
beneficiará os acionistas, que deles participarão sob a forma de recebi-
mento de dividendos. A outorga de opções de compra das ações de emis-
são da companhia a seus administradores e empregados, prevista no artigo
168, § 3°, também visa a atingir o mesmo objetivo: conciliar os interesses
dos gestores com os dos acionistas.
Por outro lado, a inexistência de limites levou, em algumas situa-
ções, particularmente nos Estados Unidos, à ocorrência de abusos por
parte dos administradores, que "inflavam" artificialmente os lucros para
receberem participações maiores. Uma onda de irregularidades finan-
ceiras eclodiu no país nos anos 2001 e 2002, culminando com a edição
da Sarbanes-OxleyAct em 30 de julho de 2002. Foram descobertas fraudes
contábeis e fiscais em uma série de companhias norte-americanas, tais
como Enron e WorldCom. Diferentes razões são apontadas na tentativa
se explicar a prática desses atos, dentre as quais se destaca a que se
relaciona à modificação na remuneração dos administradores ocorrida
623 Sobre esse assunto, ver JOHN COFFEE JR, "Whal Causecl Enron? A Capsule Social and
Economic History of the 1990's", Columbia Law and Economics Working Paper. n° 214,
disponível em: <http://ssrn.com>.
A forma como o § 1° do artigo está redigido poderia dar a enten-
der que todas as modalidades de remuneração variável concedidas
aos administradores estariam sujeitas aos limites nele estabelecidos.
No entanto, a assembleia geral é soberana para fixar gratificações va-
riáveis com base em outros critérios, que não se confundem com a
participação estatutária nos lucros da sociedade, esta sim, sujeita aos
limites previstos neste artigo. Com efeito, não se pode "tabelar" as
participações dos administradores nos resultados sociais, o que seria
contrário ao princípio legal da competência privativa da assembleia
de livre destinação dos lucros sociais (artigo 132). Assim, há a partici-
pação estatutária, que constitui um direito dos administradores, in-
derrogável pela assembleia geral, que não poderá ultrapassar os limites
estabelecidos em lei. Ademais, pode existir uma participação volunta-
riamente fixada pela assembleia geral, em montante por ela determi-
nado, destinada a premiar os administradores pelos resultados
alcancados no exercício625.
A possibilidade de a assembleia geral conferir aos administrado-
res participação nos resultados independente daquela prevista no es-
tatuto social decorre de seu inquestionável poder de soberanamente
dispor do lucro auferido pela companhia, particularmente quando a
remuneração estatutária não os tenha premiado satisfatoriamente por
resultados expressivos verificados no exercício.
Assim, a assembleia geral possui amplos poderes para determinar
como pretende remunerar os administradores da companhia, não estan-
do restringida pela regra estabelecida no § 1°. Uma vez distribuído o divi-
dendo obrigatório, nos termos do § 2°, pode a assembleia geral deliberar
gratificação de resultado não sujeita aos limites do § 1°.
Com efeito, o § 1° refere-se apenas à participação nos lucros
prevista no estatuto, não aludindo a outros prêmios - gratificação,
625 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4'1 edição, São
Raulo: Saraiva, 2009, p. 261-262; LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. E s t u d o s e Parece-
res sobre Sociedades Anônimas. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1989, p. 204-205.
bônus, participação não estatutária nos lucros - que podem ser livre-
mente atribuídos pela assembleia geral. Tal ocorre pelo fato de não
ser a matéria - participação nos lucros - de competência privativa dos
estatutos, não constando de seu conteúdo obrigatório626.
O fato de tais gratificações premiais não estarem submetidas aos
limites previstos no § 1° não significa que elas possam ser fixadas de
forma arbitrária pelos acionistas controladores. A remuneração paga
aos administradores - que compreende também tais gratificações -
deve ser razoável, não podendo prejudicar o direito dos acionistas ao
recebimento dos dividendos nem se desvincular dos stanâards previs-
tos no caput. A atribuição de gratificação excessiva aos administrado-
res, quando o acionista controlador integra o seu quadro, pode
caracterizar modalidade de abuso do poder de controle627.
Usualmente, os beneficiários das verbas referentes à participação
nos lucros são os diretores e membros do conselho de administração.
Nada impede, porém, que os membros de órgãos técnicos e consultivos
criados pelo estatuto também a elas façam jus, uma vez demonstrado
que contribuem para os resultados da companhia. Como eles têm de-
veres e responsabilidades da mesma natureza que os diretores e mem-
bros do conselho de administração, podem também usufruir dos mesmos
direitos628. Assim, é perfeitamente legítimo que o estatuto estabeleça a
sua participação nos lucros, na proporção quefixar,bem como que a as-
sembleia delibere a respeito, conforme antes analisado629-630.
626 ALBERTO XAVIER. Administradores de Sociedades. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais,
1979, p. 43-45.
627 Ver os comentários ao art. 117 da Lei das S.A.
628 Ver os comentários ao art. 160 da Lei das S.A.
629 Em sentido contrário, sob o argumento principal de que as normas que tratam da distribui-
ção de lucros aos administradores são excepcionais, devendo, pois, ser interpretadas
restritivamente, o Parecer CVM/SJU n° 32/1980.
630 No mesmo sentido, ALFREDO LAMY FILHO, "Remuneração do Conselho Consultivo
com Participação nos Lucros". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira
(Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. II, 2 a edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 414-420.
Os administradores de mais de 2 (duas) companhias integran-
tes de grupo de sociedades de direito, assim como os administrado-
res do grupo, podem ter sua remuneração rateada entre as diversas
sociedades que o compõem, podendo a sua gratificação ser fixada
com base nos resultados apurados nas demonstrações financeiras
consolidadas do grupo (artigo 274). A regra somente aplica-se aos
grupos de sociedade de direito, constituídos mediante convenção
(artigo 269), nos quais se admite a existência de uma estrutura admi-
nistrativa centralizada do grupo, com órgãos de deliberação colegia-
da e cargos de direção geral (artigo 272)631.
SEÇÃO IV
DEVERES E RESPONSABILIDADES
Dever de diligência
"Art. 1 5 3 . 0 administrador da companhia deve empregar, no exer-
cício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem
ativo e probo costuma empregar na administração dos seus pró-
prios negócios."
631 Nesse sentido, ver a decisão da 6 a Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas
Gerais proferida nos autos da Apelação Cível n° 420.175.6, Rei. Des. Dídimo Inocêncio de
Paula, j. em 01.04.2004, publicada no D O M G , em 23.04.2004, e na Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 26, òutubro-
-dezembro, 2004, p. 229-236, cuja parte final de sua ementa assim eslá redigida: "(...) Figuran-
do o autor como diretor de várias empresas ligadas pelo fato de integrarem um mesmo grupo
econômico, não pode pretender receber remuneração individual de cada uma delas pelo
trabalho que realiza conjuntamente para todo o grupo, mormente em se verificando que a praxe
vigente no grupo em tela é no sentido de que haja recebimento por meio apenas de uma das
sociedades". Em sentido contrário, entendendo que o administrador de grupo de fato também
pode ser remunerado por outra sociedade que o integre: ARNOLDO WALD, "Caracterização do
Grupo Econômico de Fato e Suas Conseqüências Quanto à Remuneração dos Dirigentes de
suas Diversas Sociedades Componentes", Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capi-
tais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 25, julho-setembro, 2004, p. 145-161.
O primeiro dos deveres é o de diligência, o qual constitui o mais
importante - e de difícil caracterização - de todos. Sua importância reside
no fato de constituir, mais que um dever, a transposição de um princípio
geral de direito, que sempre acompanha a execução de qualquer obriga-
ção, para o âmbito da gestão das companhias632. Sua complexidade deriva
da forma como foi inserido na Lei das S.A.: como um standard,, isto é,
como um padrão geral de conduta, uma orientação flexível, cuja aferição
não só varia no tempo como também deve ser verificada caso a caso.
Ainda que os deveres e responsabilidades, em princípio, apliquem-
-se a todos os membros da diretoria e do conselho de administração, a
aferição do grau de diligência requerido evidentemente não poderá ser
realizada mecanicamente, sem levar em conta a natureza distinta dos
poderes e competências conferidos por lei aos membros do conselho
de administração e da diretoria. Não se pode, por exemplo, exigir de um
conselheiro de administração o mesmo conhecimento sobre a gestão
da companhia do que o de um diretor; como o dever de diligência cons-
titui .um standard, ele deve ser apreciado, no caso concreto, tendo em
vista a posição ocupada pelo administrador.
A primeira noção associada à palavra "diligência", cuja origem é
latina (diligere), é a de zelo no cumprimento de um dever. Assim, diligen-
te é quem atua cuidadosamente no desempenho de determinada ativida-
de, quem se esforça para cumprir satisfatoriamente sua obrigação.
De pronto, pode-se excluir do conteúdo do dever de diligência a
obtenção de determinado resultado; o que se exige do obrigado é que se
esforce para alcançá-lo. Ou seja, trata-se de uma obrigação de meio, não
de resultado, eximindo-se de responsabilidade o administrador se ficar
demonstrado que empregou os seus melhores esforços.
Isso significa que o administrador não infringe o dever de diligência
se não alcançar os objetivos da companhia. Dele exige-se apenas que se
637 FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2, 13a edição, São ftiulo: Saraiva,
2009, p. 253.
(v) os administradores devem informar seus pares a respeito dos fa-
tos que considerem importantes para a tomada de uma decisão ou para o
exercício de supervisão sobre os negócios da companhia (disclousure among
directors)65S.
Na realidade, não existe uma forma única de se atuar com diligên-
cia, mas um elenco de comportamentos que podem ser considerados
como diligentes. Os administradores dispõem de uma margem de dis-
cricionariedade para escolher diversas opções razoáveis, não se poden-
do responsabilizá-los por não terem adotado, numa análise realizada a
posteriori, a que se revelou a melhor639-640.
638 AMERICAN BAR ASSOCIATION. Corporate Director's Guidebook. 5"' edition, Chicago:
The Business Lawyer, v. 62, n. 4, augusí, 2007, p. 1.495-1.496.
639 LUIS ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS, "Conselho de Administração e Diretoria". In:
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio
de Janeiro: Forense, p. 1.102.
640 Os padrões de conduta dos administradores - os chamados standars de conduta - são
conceitos abertos, ou seja, não se traduzem em normas de condutas objetivas. Assim,
devem ser interpretados tendo em vista as circunstâncias e as exigências concretas da
sociedade no momento da conduta. Nessa linha, o julgador, ao efetuar análise fria e
posterior dos fatos, deve ter em mente que as decisões foram tomadas sob a tensão do
momento, ou seja, no "calor dos acontecimentos". Nesse sentido, ver os votos que anali-
saram a expressão "calor dos acontecimentos", proferidos por: (i) Luiz Antonio de Sampaio
Campos, no Inquérito Administrativo C V M n° RJ 2002/1173, Rei. Dir. Norma Jonssen
Fàrente, j. em 02.10. 2003, no qual observou que: "No inquérito administrativo CVM 725/
2001 [Inquérito Administrativo CVM n° TA - SP 2001/07251 fiz uma pequena observação
que me permito transcrever aqui, por me parecer inteiramente aplicável, na qual disse:'abra-
se aqui um parêntese para esclarecer que os conceitos abertos, os assim chamados standard
de conduta como o propalado dever de diligência, o dever de conhecer o seu cliente dentre
outros tantos deveres previstos na lei, por não se traduzirem em normas de condutas
objetivas, terão que ser examinados no processo administrativo considerando não necessa-
riamente e apenas a melhor conduta, mas sim a razoabilidade da conduta adotada ainda que
se possa admitír que outra fosse, na opinião do julgador, mais apropriada ou adequada. É
este o ponto de equilíbrio que se impõe aos padrões de conduta, dado a sua falta de
objetividade. Além disso, a conduta deve ser examinada considerando o momento em que
deveria ser praticada e em quais circunstâncias, no calor dos acontecimentos e não distante
dos fatos, comodamente e com a calma atípica ao mundo dos negócios.' Recordo aqui a
lição de Carrigues e Uria: 'Por todas estas razões, a fórmula de diligência que impõe ao
administrador no artigo 79 não deve ser entendida como uma fórmula rígida, idêntica para
todos os casos. Ao contrário, deve ser adaptada às circunstâncias e às exigências concretas
da sociedade.' (Tradução livre. Coméntários a Ia Ley de Sociedades Anônimas, Tomo !)"; e (ii)
Marcelo Trindade, no Inquérito Administrativo CVM n° 22/99, em que também foi relator,
j. em 16.08.2001: "Não se quer nem de longe negar que a CVM possa e deva julgar a
qualidade da informação prestada, e o acerto ou o erro de sua retenção indevida ou
divulgação açodada. Mas, quando o fizer, deve a CVM ter em conta que estará realizando
um post mortem. Dessa maneira, e em não havendo insider trading, o rigor na análise fria e
posterior dos fatos deve ser temperado pela lembrança de que as decisões foram tomadas no
calor dos acontecimentos, sob a tensão do momento."
Para a aferição do comportamento diligente do administrador, deve-
-se examinar se ele atendeu ao deveres de: (i) se qualificar para o cargo; (ii)
bem administrar, (iii) se informar, (iv) investigar, e (v) vigiar641.
Em primeiro lugar, o administrador deve ter ou adquirir os conhe-
cimentos mínimos sobre as atividades da companhia e a competência
necessária ao desempenho de suas funções, com capacidade técnica
para tomar decisões de maneira refletida e responsável. Assim, se o admi-
nistrador não possui conhecimentos mínimos que lhe permitam dirigir
os negócios sociais, não deve aceitar o cargo642. Ou seja, o administrador
não precisa ser um técnico altamente especializado em todas as maté-
rias que possam ser submetidas a sua apreciação, mas sim uma pessoa
com conhecimentos gerais a respeito das atividades desenvolvidas pela
companhia que administra, com capacidade para tomar decisões de
maneira refletida e responsável e supervisionar os negócios sociais643.
O dever de bem administrar consiste na atuação do administrador
visando à consecução do interesse social, embora não se exija que as
decisões por ele tomadas acarretem necessariamente resultados positi-
vos, uma vez que o dever de diligência constitui obrigação de meio e não
de resultado. Com efeito, o dever de diligência não constitui dever de
inteligência, ou seja, caso o administrador atue com diligência, o eventual
erro que cometer não poderá acarretar a sua responsabilização644.
O administrador também tem a obrigação de obter as informações
necessárias ao desenvolvimento dos negócios da companhia. Tal obriga-
ção desdobra-se em 2 (dois) deveres: o primeiro, de natureza estrutural,
646 A Seção 302 do Sarbanes-Oxley Act (SOX), de 2002, impõe aos administradores da área
financeira o dever de revisar os relatórios financeiros e certificar que eles não contêm dados
falsos, refletindo a real situação da companhia.
647 A Instrução CVM n° 480/2009, nos incisos V e VI do § 1o do art. 25, com as alterações
introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010, dispõe que: "Art. 25. O emissor deve entregar
as demonstrações financeiras ã CVM na data em que forem colocadas à disposição do público.
§ Io. As demonstrações financeiras devem ser acompanhadas de: (...) V - declaração dos
diretores de que reviram, discutiram e concordam com as opiniões expressas no parecer dos
auditores independentes, informando as razões, em caso de discordância; e VI - declaração
dos diretores de que reviram, discutiram e concordam com as demonstrações financeiras."
648 ROBERT C. CLARK. Corporate Law ..., p. 131; Committee on Corporate Laws, ABA Section
of Business Law, "Corporate Director's Guidebook (Fourth Edition)", The Business Lawyer.
Chicago: American Bar Association, v. 59, n. 3, may, 2004, p. 1.069-1.070. Ver, também,
THE AMERICAN LAW INSTITUTE. Principies of Corporate Governance: Analysis and
Recommendations. v. 1, St. Ftiul: Minn., 1994, p. 138-139; JOSE ORIOL LEBBOT MA|0. Los
Deberes de los Administradores de Ia Sociedad Anônima. Madrid: Civitas, 1996, p. 68.
deve ser exercida de forma sintética e não analítica649. Dessa forma,
não se exige dos administradores a supervisão de cada uma das ativi-
dades desenvolvidas pela companhia, mas o acompanhamento geral
dos negócios sociais e de suas políticas ou procedimentos internos. A
propósito, seria indesejável que os administradores adquirissem in-
formações sobre todos os aspectos das atividades da companhia, uma
vez que os benefícios poderiam ser inferiores aos custos incorridos630.
Dada a flexibilidade do conceito de diligência, desenvolveu-se
nos Estados Unidos, a partir de uma série de decisões judiciais651, a
chamada business judgement rule652, que constitui um standard para
o controle dos atos praticados pelos administradores, cujos objeti-
vos principais são: (i) evitar que os tribunais substituam os adminis-
tradores, que devem ter a liberdade de decidir sobre a oportunidade
e conveniência de seus atos; e (ii) oferecer aos administradores uma
proteção às decisões que tomarem, quando devidamente informa-
das, encorajando-os a assumirem cargos de gestão e a correrem os
riscos inerentes à atividade empresarial653.
Caso a decisão seja tomada por administradores de boa-fé, devida-
mente informados e no interesse da companhia, o acionista autor de ação
de responsabilidade civil do administrador deverá provar os fatos e alega-
ções para superar a presunção da business judgement rule que milita em
favor do administrador654. A presunção em favor dos administradores es-
tabelecida pelo referido standard será superada se ficar demonstrado que
649 Nesse sentido já se manifestou a CVM no Inquérito Administrativo CVM n° TA-RJ 2002/
1173, Rei. Dir. Norma Jonssen Parente, j. em 02.10.2003.
650 MELVIN E1SENBERG. The Duty of Care of Corporate Directors and Officers. v. 51, n. 4,
Pittsburgh: University of Pittsburgh Law Review, 1990, p. 954.
651 ROBERT C. CLARK. Corporate Law..., p. 126 e seguintes.
652 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 159 da Lei das S.A.
653 Sobre esse assunto, ver OSMAR BRINA CORREA-LIMA. Sociedade Anônima. 3a edição,
Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 203-210.
654 ALEXANDRE C O U T O SILVA. Responsabilidade dos Administradores de S/A: "Business
Judgement Rule". Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 194.
eles não observaram os padrões de diligência, não se informando adequa-
damente sobre as decisões a serem tomadas655.
A business judgement rule será aplicável se presentes os seguin-
tes requisitos: (i) a ocorrência de uma decisão, não estando protegi-
das pela regra as condutas omissivas; (ii) a inexistência de qualquer
interesse financeiro ou benefício pessoal na matéria por parte do
administrador; (iii) o cumprimento da obrigação de se informar an-
tes de tomar a decisão; (iv) ter o administrador perseguido o interes-
se social; e (v) ter o administrador agido de boa-fé. Assim, presentes
tais elementos, a decisão tomada pelo administrador estará protegi-
da pela regra, não podendo ele ser responsabilizado, ainda que dela
tenham decorrido danos à companhia636.
Com efeito, seria danoso à própria companhia se as decisões
tomadas pelos administradores pudessem ser constantemente
questionadas pelos acionistas; ademais, os julgadores, seja na es-
fera judicial, seja na esfera administrativa, não estão aptos a subs-
tituírem os administradores e decidirem sobre a oportunidade e a
conveniência de determinadas decisões negociais.
O artigo 159, § 6°, inequivocamente consagrou a business jud-
gement rule ao proteger o administrador quando se constatar que
agiu de boa-fé e visando a atingir os melhores interesses da com-
panhia. A regra, tal como interpretada, permite ao aplicador da lei,
seja na esfera judicial, seja na esfera administrativa, dar maior con-
cretude ao standard do dever de diligência, uma vez que possibilita
a sua aferição diante de casos concretos657.
§ 2° E vedado ao administrador:
659 O dever dos administradores de manter a independência ou autonomia em relação aos seus
eleitores foi igualmente tratado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa -
IBGC, no item 2.16 do "Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa": "2.16
(...) O conselheiro deve trabalhar para o bem da empresa e, por conseguinte, de todos os
acionistas. O conselheiro deve buscar a máxima independência possível em relação ao
acionista, grupo acionário ou parte interessada que o tenha indicado ou eleito para o
cargo, consciente de que, uma vez eleito, sua responsabilidade refere-se ao conjunto de
todos os proprietários."
660 Sobre esse assunto, a Lei n° 12.353/2010, que dispõe sobre a participação de empregados nos
conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, suas
subsidiárias e controladas e demais empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha
a maioria do capital social com direito a voto, determina, no § 2° do art. 2o, que: "O represen-
tante dos empregados está sujeito a todos os critérios e exigências para o cargo de conselheiro
de administração previstos em lei e no estatuto da respectiva empresa." O art. 6o, por sua vez,
estabelece que: "Observar-se-á, quanto os direitos e deveres dos membros dos conselhos de
que trata esta Lei e ao respectivo funcionamento, o disposto na Lei n° 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, no que couber."
661 Ver os comentários ao art. 141 da Lei das S.A.
662 Ver os comentários ao art. 118 da Lei das S.A.
663 Ver os comentários ao art. 18 da Lei das S.A.
Os administradores não são mandatários da sociedade, muito me-
nos de seus "eleitores"; a companhia faz-se presente, com todos os seus
integrantes — acionistas e empregados - por seu intermédio. Assim, uma
vez eleitos, devem agir como órgãos, no interesse da sociedade. Caso o
administrador favoreça determinados acionistas, controladores ou mino-
ritários, que o elegeram, estará praticando ato em desvio de poder, poden-
do ser responsabilizado. Com efeito, os poderes que detém devem ser
utilizados unicamente para a consecução dos fins sociais, não podendo
deles apartar-se para proteger os interesses daqueles que o elegeram.
No Direito Societário, ocorre o desvio de poder quando os admi-
nistradores, embora observando formalmente os dispositivos da Lei
das S.A. e do estatuto, deles afastam-se substancialmente, ao condu-
zir-se de forma a atingir finalidades diversas daquelas previstas nas
normas legais e estatutárias665. Assim, caracteriza violação do dever
previsto neste artigo a prática de atos pelos administradores que, subs-
tancial ou formalmente, não visem a atingir o interesse social, o bem
público ou a função social da empresa.
Conforme a doutrina do improper purpose, desenvolvida na In-
glaterra e nos Estados Unidos, é vedado aos administradores não só
exercerem os seus poderes visando a fins ilegais ou contrários à or-
dem pública, mas também desviando-os de suas verdadeiras desti-
nações. Assim, por exemplo, um aumento de capital ou um
empréstimo - negócios destinados a buscar fundos para a sociedade
- não podem ser utilizados pelos administradores para reforçar sua
posição de controle sobre a sociedade666.
As vedações previstas nas 3 (três) alíneas do § 2° decorrem da regra
segundo a qual o administrador deve atuar para lograr os fins e no inte-
resse da companhia, não dos seus próprios ou de seus eleitores.
667 Sobre a posição fiduciária dos administradores: CARLOS KLEIN ZANINI, "A Doutrina dos
'Fiduciary Duties' no Direito Norte Americano e a Tutela dos Acionistas Minoritários Frente
aos Administradores das Sociedades Anônimas", Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 109, janeiro-março, 1998, p. 137.
668 NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS HENRIQUES.
Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 434-435.
669 Sobre atos de liberalidade, ver as decisões do Colegiado da CVM proferidas nos Processos
Administrativos Sancionadores CVM n05: (i) RJ 09/97, Rei. Dir. Wladimir Castelo Branco
Castro, j. em 13.12.2006; (ii) RJ 11/1996, votos do Presidente Marcelo Trindade e do Dir.
Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. em 29.06.2005; (iii) RJ 27/1999, Rei. Dir. Luiz Antonio
de Sampaio Campos, j. em 12.08.2004; e (iv) RJ 08/1998, Rei. Dir. Marcelo Trindade, j. em.
05.12.2001. Ver, também, as seguintes decisões judiciais: (i) 9a Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferida nos autos da Apelação Cível n° 16.304/
2000, Rei. Des. Laerson Mauro, j. em 06.02.2001; (ii) 3 a Câmara do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Geais, proferida nos autos da Apelação Cível n° 330.066-3, Rei. Des.
Wander Marotta, j. em 02.05.2001; e (iii) 6a Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, proferida nos autos da Apelação Cível n" 60.232, Rei. Des. Cantidiano de
Almeida, j. em 19.12.1952 (publicada na Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 210, abril, 1953, p. 170-175).
litígio, assim como a renegociação de dívidas com eventual perdão
ou desconto da parcela de juros ou do principal, ou alongamento de
prazos, desde que justificadas670.
A vedação à prática de atos de liberalidade não é absoluta, permi-
tindo-se que a companhia efetue doações com finalidades filantrópi-
cas ou caritativas. Assim, a proibição pode ser afastada quando, por
deliberação do conselho de administração ou da diretoria, entender-
-se que se trata de liberalidade razoável, que é não apenas aquela de
pequeno valor, mas, também, a que tenha como beneficiários os em-
pregados (assistência alimentar, educacional, recreativa, etc.) ou a co-
munidade (auxílio a empreendimentos artísticos, culturais, patrocínio
de filmes, peças de teatros, etc.).
A Lei das S.A. igualmente veda ao administrador, sem prévia
autorização da assembleia geral ou do conselho de administração,
tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, assim como
usar, em proveito próprio, de sociedade da qual participe ou de tercei-
ros, seus bens, serviços ou crédito. Tais comportamentos constituem
uma forma de abuso dos bens sociais, que não podem ser utilizados
para finalidades diversas daquelas vinculadas à realização do interesse
da companhia e da sua finalidade lucrativa.
Em companhias fechadas, às vezes ocorre a confusão do patrimô-
nio social com o da família controladora, cujos membros também ocu-
pam cargos de administração. Tal confusão patrimonial pode, inclusive,
caracterizar o abuso da personalidade jurídica, cabendo, mediante deci-
são judicial, eventualmente estenderem-se determinadas relações obri-
gacionais aos bens particulares dos administradores e acionistas671.
672 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro, v. 2, São Paulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 473.
673 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 287.
674 EDUARDO SOUSA CARMO. Relações Jurídicas na Administração das Sociedades Anôni-
mas. Rio de Janeiro: Aide, 1988, p. 125.
Dever de lealdade
"Art. 1 5 5 . 0 administrador deve servir com lealdade à companhia
e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado:
III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe
necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir.
675 REINIER KRAAKMAN, PAUL DAVIES, HENRY HANSMANN, GERARD HERTIG, KLAUS HOPT,
HIDEKI KANDA and EDWARD ROCK. The Anatomy of Corporate Law - A Comparative and
Functional Approach. New York: Oxford Universily Press, 2007, p. 114.
676 Sobre a correlação entre o dever de lealdade e o dever de diligência, ver ELÁVIA PARENTE.
O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 174.
direito norte-americano, que basicamente impõe ao administrador
a proibição de utilizar as oportunidades comerciais da companhia
em proveito próprio677.
Como os administradores constituem órgãos da companhia, as
oportunidades comerciais que lhes são apresentadas, no desempenho
de suas atividades, pertencem à companhia, que tem a primazia de apro-
veitá-las. Caso utilizem determinada oportunidade, ao invés de ofere-
cê-la à companhia, estará caracterizada a usurpação da oportunidade,
típica modalidade de infração ao dever de lealdade.
Nem todos os casos de aproveitamento de oportunidade comer-
cial constituem infração ao dever de lealdade. Há alguns testes para
se caracterizar a ilicitude do ato, desenvolvidos no direito societário
norte-americano e aplicáveis em nosso sistema jurídico:
(i) a possibilidade de utilização da oportunidade por parte da com-
panhia; se ela não tem condições financeiras ou patrimoniais de apro-
veitar a oportunidade, não há usurpação;
(ii) o fato de estar, tal oportunidade, inserida na linha de negócios
da empresa, fazer parte de seu objeto social ou, pelo menos, ser de uti-
lidade para o desenvolvimento de suas atividades empresariais; e
(iii) o fato de poder acarretar, tal oportunidade, um benefício ou
vantagem para a companhia678.
the director or sênior execulive believe the person is offeríng the opportunity expects it to be
offered to the Corporation; or through the use of corporate informations or property, ií lhe
resulting opportunity is one that lhe director or sênior execulive should reasonably be
expected lo beiieve wouid be of inlerest to lhe Corporation; (2) Any opportunity to engage
in a business activity of which a sênior execulive becomes aware and knows is closeiy
related to the business in which the Corporation is engaged or expects to engage."
679 WILLIAM E. KNEPPER. Liability of Corporate Offícers and Directors. Columbus: The Allen
Smith Company, 1978, p. 76.
680 ALFREDO SÉRGIO LAZZARESCHI NETO. Lei das Sociedades por Ações Anotada. 3n edi-
ção, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 355.
constante, de negócios semelhantes aos da companhia, que carac-
terizem a concorrência681.
É também vedado ao administrador omitir-se no exercício ou na
proteção de direitos da companhia, hipótese que se confunde com a in-
fração ao dever de diligência, previsto no artigo 153, que lhe impõe o
dever de atuar no interesse social. A caracterização da infração prescinde
da comprovação do dolo, uma vez que a omissão pode ser culposa, decor-
rente do exercício negligente das funções administrativas.
Na segunda parte do inciso II, a Lei das S.A. também inclui
como modalidade de infração ao dever de lealdade o comportamento
do administrador que.deixa de aproveitar oportunidade comercial de
interesse da companhia visando à obtenção de vantagem para si ou
para outrem. Assim, por exemplo, se o administrador, sabendo que foi
oferecido à companhia determinado bem, a um preço atrativo, com-
pra-o para si ou para outrem, estará configurado o ato ilícito. Dada a
dicção da Lei das S.A. - "visando à obtenção de vantagens" - deve estar
presente o dolo, a intenção de obter vantagem, ainda que ela não se
materialize, para caracterizar-se a infração ao dever de lealdade.
Também constitui infração ao dever de lealdade a aquisição, pelo
administrador, de bens ou direitos para revendê-los, com lucro, à com-
panhia. Basta que o administrador tenha lucro na operação para ca-
racterizar o ilícito. Se o administrador teve lucro na operação, a
companhia pagou mais do que teria pago caso os bens ou direitos lhe
tivessem sido ofertados originalmente.
A interposição do administrador somente se justifica se necessá-
ria à efetiva alienação do bem à companhia,, como pode ocorrer quando
Após a reforma de 2003, o Código Civil Italiano,i em seu art. 2.390, passou a proibir
expressamente o administrador de assumir a qualidade de sócio ilimitadamente responsá-
vel em sociedade concorrente, de ser administrador de sociedade concorrente ou de
exercer por conta própria ou de terceiro uma atividade concorrente, exceto se autorizado
pela assembleia geral. A norma - que estabelece o chamado "clivielo di concorrenza" - visa
a impedir a ocorrência de uma situação de potencial conflito de interesses. A propósito, ver
FRANCO BONELLI. Gli Amministratori di S.P.A. - Dopo la Riforma delle Società. Milão:
Giuffrè, 2004, p. 140.
for importante a manutenção do sigilo quanto ao adquirente final, ou
quando o alienante exigir o pronto pagamento ou a assinatura imedi-
ata do contrato682.
O " ÍNS!DER TRADING"
683 JOÃO PEDRO SACALZlLi e LUIS FELIPE SPINELLI, "A Racionalidade Econômica do Com-
bate ao Insider Trading: Assimetria de Informação e Dano ao Mercado", Revista de Direito
Mercantil Industrial Econômico e Financeiro. São FSulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 147,
julho-selembro, 2007, p. 42-54.
684 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Mercado de Capitais e Insider Trading. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1982, p. 171; FRANCISO ANTUNES MANCIEL MUSNICH, "A
Utilização Desleal de Informações Privilegiadas - 'Insider Trading' - no Brasil e nos Estados
Unidos", Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, v. 34, abril-junho, 1979, p. 31-52.
simetria de informações", posto que eles conhecem as informações
relevantes antes do que os demais investidores.
A Lei das S.A., seguindo a orientação do Direito Comparado,
privilegiou as razões econômicas no combate ao insider trading, ao
vedar a sua prática apenas aos administradores de companhias aber-
tas. A rigor, a vedação também caberia para os administradores de
companhias fechadas, os quais, dado o acesso que têm às informa-
ções privilegiadas da companhia, também deveriam ser proibidos de
negociar com pessoas que as desconhecem.
O principal, ainda que não único insider, é o administrador da
companhia, que normalmente tem acesso às novas informações antes
que todos os demais, na maior parte dos casos até mesmo antes do que
o acionista controlador. Daí ter a Lei das S.A., em sua versão original,
considerado como insiders apenas os administradores. Posteriormente,
as normas regulamentares da Comissão de Valores Mobiliários foram
ampliando o elenco dos insiders para abranger a própria companhia, o
acionista controlador, ou aqueles que, em virtude de cargo, posição ou
função, têm acesso a informação relativa a ato ou fato relevante685. Com
a reforma ocorrida mediante a promulgação da Lei n° 10.303/2001, o §
4° passou a vedar a utilização de informação relevante, ainda não divul-
gada ao mercado, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso. A
expressão "qualquer pessoa" há de ser interpretada restritivamente, uma
vez que deve existir um nexo profissional entre o vazamento de infor-
mações e eventuais terceiros, de sorte que apenas aqueles que, no exer-
cício de atividade profissional (auditores, advogados, analistas financeiros,
etc.), têm acesso às informações podem ser considerados insiders.
Para que se caracterize o insider trading, a informação deve ser
relevante. Como tal, considera-se a informação que possa influir, de
modo ponderável, na cotação dos valores mobiliários, causando, uma
685 Ver, a propósito, a Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM n°= 369/2002 e 449/2007.
vez divulgada, sua alta ou queda. Trata-se daquela informação que
seria levada em consideração por um investidor médio ao negociar com
os valores mobiliários. Assim, a noção de fato relevante abrange qual-
quer evento que potencialmente acarrete efeitos significativos sobre as
negociações de títulos de emissão da companhia. Em tal conceito, pode-
-se incluir qualquer decisão do acionista controlador, deliberação da
assembleia geral ou dos órgãos de administração, assim como fato ocor-
rido nos negócios da companhia que possa influir, de modo ponderá-
vel, na cotação dos valores mobiliários assim como na decisão dos
investidores de com eles negociarem ou de exercerem direitos ine-
rentes à sua posição de titulares de tais títulos686.
Ademais, para se configurar o insider trading, a informação deve
ser sigilosa, ainda não divulgada ao mercado. Após a divulgação, o
administrador pode negociar os valores mobiliários, uma vez que não
terá qualquer vantagem sobre os demais investidores.
Assim, comete o delito quem negocia com informação privile-
giada, como tal entendendo-se aquela que: (i) tem um caráter razoa-
velmente preciso, ou seja, refere-se a um fato, não a meros rumores,
apresentando, pois, ura mínimo de materialidade; (ii) não está dispo-
nível para o público; (iii) é tida como price sensitive, isto é, poderia,
caso divulgada, afetar a cotação dos títulos; e (iv) refere-se a valores
mobiliários ou a seus emissores.
As hipóteses mais comuns de utilização de informações privile-
giadas ocorrem no curso de negociações para aquisição de controle
acionário ou reestruturação societária de companhia aberta. Seguida-
mente surgem dúvidas, particularmente quando se verificam negocia-
ções complexas e longas, sobre o momento em que a informação torna-se
689 Ver, a propósito, (i) a Lei n° 9.784/1999, que disciplinou o processo administrativo sancionador
no âmbito da administração pública federal; (ii) o Decreto n° 6.382/2008, que alterou a
estrutura organizacional da CVM, criando a Superintendência de Processos Sancionadores -
SPS com a função de conduzir os Processos Administrativos Sancionadores instaurados pela
Autarquia, promovendo a segregação das funções de fiscalização das funções acusatórias;
(iii) a Resolução CMN n° 454/1977, com as alterações da Resolução CMN n° 2.785/2000 e
a Deliberação CVM n° 538/2008, com as alterações introduzidas pela Deliberação CVM n°
552/2008, que disciplina o rito ordinário como modalidade de procedimento administrativo
sancionador; (iv) a Resolução CMN n° 1.657/1989, com as alterações da Resolução CMN n°
2.785/2000, e a Instrução CVM n° 251/1996, com as alterações introduzidas pela Instrução
CVM n° 335/2000, que dispõe sobre as hipóteses de aplicação do rito sumário no processo
administrativo; e (v) o Fàrecer de Orientação CVM n° 06/1980, que reconhece 2 (duas) fases
do processo administrativo sancionador: a primeira, de investigação, e a segunda, de contra-
ditório, que se inicia com a intimação dos indiciados para a apresentação de defesa, na qual
já existe uma efetiva acusação de prática de atos ilícitos.
690 O art. 11 da Lei n° 6.385/1976, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 9.457/1997,
assim dispõe: "A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das normas
desta Lei, da lei de sociedades por ações, das suas resoluções, bem como de outras normas
legais cujo cumprimento lhe incumba fiscalizar, as seguintes penalidades: I - advertência;
II - multa; III - suspensão do exercício do cargo de administrador ou de conselheiro fiscal
de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de outras entidades que
dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários; IV - inabUitação
temporária, até o máximo de vinte anos, para o exercício dos cargos referidos no inciso
anterior; V - suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de que
trata esta Lei; VI - cassação de autorização ou registro, para o exercício das atividades de
que trata esta Lei; Vil - proibição temporária, até o máximo de vinte anos, de praticar
determinadas atividades ou operações, para os integrantes do sistema de distribuição ou de
outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobi-
liários; VIII - proibição temporária, até o máximo de dez anos, de aluar, direta ou indireta-
mente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de valores mobiliários."
691 Ver, a propósito, a decisão do Colegiado da CVM no Processo Administrativo Sancionador
CVM n° RJ 18/01, Rei. Pres. Marcelo Trindade, j. em 04.11.2004.
27-D à Lei n° 6.385/1976692-693. A norma penal sandona a conduta de
quem utiliza informação relevante, ainda não divulgada ao mercado, da
qual deve guardar sigilo, para negociar com valores mobiliários. Tendo
em vista a dicção da norma, o delito é próprio, uma vez que somente
podem ser punidos aqueles obrigados a guardar sigilo, como são: os
administradores, membros do conselho fiscal, o acionista controla-
dor, assim como prestadores de serviços que tenham, em virtude da
lei ou de contrato, dever de sigilo.
Há, com relação aos agentes, uma distinção relevante entre os
insiders primários e os secundários, ou tippees, que são aqueles que
recebem as informações dos insiders primários.
São primários os insiders que detêm acesso às informações pri-
vilegiadas na sua fonte, seja por sua posição funcional, como ocorre
com os administradores, seja por sua condição de acionistas con-
troladores. Já os insiders secundários são aqueles que recebem a in-
formação privilegiada dos primários e não estão obrigados ao dever
de sigilo, não se lhes aplicando, assim, a norma penal, embora pos-
sam ser punidos administrativamente.
Existe, com relação aos administradores, que são insiders primá-
rios, uma presunção y ara tantum de que, dada a posição que ocupam,
tiveram acesso a informação privilegiada antes de negociar. Tal pre-
sunção relativa deve ser examinada caso a caso, analisando-se a posi-
ção ocupada pelos administradores, particularmente no caso de grandes
companhias abertas, em que os estatutos estabelecem a especializa-
692 O art. 27-D da Lei n° 6.385/1976, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 10.303/
2001, assim dispõe: "Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de
que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para
outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com
valores mobiliários: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes
o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime."
693 Sobre o ilícito penal de insider trading em nosso sistema jurídico, ver JOÃO CARLOS
CASTELLAR. Insider Trading e os Novos Crimes Corporativos (Uso Indevido de Informação
Privilegiada, Manipulação de Mercado e Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade
ou Função). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008.
ção das funções dos diretores. Assim, um diretor jurídico, por exem-
plo, pode não ter tido acesso a determinada informação financeira, de
conhecimento exclusivo do diretor da área. Da mesma forma, os mem-
bros do conselho de administração o mais das vezes somente têm
acesso a determinadas informações quando elas lhes são encaminha-
das pelos diretores. Além do acesso às informações relevantes, é es-
sencial a análise do comportamento prévio do administrador, para
que se possa verificar se ele usualmente comprava ações da compa-
nhia ou se somente passou a fazê-lo antes da divulgação do fato rele-
vante. Tal se dá pelo fato de que, em qualquer das esferas - civil,
administrativa ou penal - é praticamente impossível a prova direta do
ilícito, fazendo-se necessário recorrer aos indícios694.
Além de não utilizarem a informação confidencial em proveito pró-
prio, os administradores devem zelar para que seus subordinados ou ter-
ceiros de sua confiança não "vazem" a informação, nem a utilizem em
proveito próprio. Nesse sentido, é útil o estabelecimento, pela compa-
nhia, de políticas internas de controle sobre o fluxo de informações, as-
sim como a fixação de vedações aos negócios com os valores mobiliários
de sua emissão por parte de administradores, funcionários e familiares,
seja em caráter genérico, seja em determinadas ocasiões. Havendo culpa
ou dolo do administrador no vazamento da informação relevante, ele
será solidariamente responsável com os subordinados ou terceiros de sua
confiança pelos danos causados a terceiros.
A Diretora Norma Parente, em seu voto no Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ 24/
00, Rei. Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, j. em 18.08.2005, assim se manifestou: "A prova
indiciaria autoriza a condenação desde que haja indícios graves, precisos e concordes. (...) A
prova indiciaria é uma prova indireta, circunstancial, de inferências, partindo de dados e circuns-
tâncias conhecidos (íatos provados) para os fatos desconhecidos (fatos probandosj, através de um
raciocínio de estrita lógica formal. Não é um a prova menor, nem imperfeita, e constitui prova
suficiente a autorizar a condenação. É inquestionavelmente válida, porque fundada na razão, e
tem um significativo peso na elucidação dos fatos. Distingue-se da presunção, que não é meio de
prova, mas mero exercício de abstração lógico-dedutiva, prescindindo de qualquer elemento
específico sem amparo concreto e probatório. Já o indício subordina-se à prova, não subsistindo
sem uma premissa, que é a circunstância indiciante provada. Conforme entendimento reiterado
desta CVM, não ê qualquer indicio que enseja a condenação, mas a prova indiciária, quando
representada por indícios graves, precisos e concordes que levem a uma conclusão robusta e
fundamentada acerca do fato que se quer provar."
ART. 1 5 6 - A LEI DAS S / A COMENTADA
Conflito de interesses
"Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer opera-
ção social em quetiverinteresse conflitante com o da companhia,
bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais admi-
nistradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e
fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração
ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse.
695 REINIER KRAAKMAN, PAUL DAVIES, HENRY HANSMANN, GERARD HERTIG, KLAUS
H O PT, HIDEKI K A N D A and E D W A R D R O C K . The Anatomy of Corporate Law - A
Comparative and Functional Approach. New York: Oxford University Press, 2007, p. 105
e seguintes.
um número mais reduzido de administradores ou mesmo não possuí-
rem conselho de administração.
Embora alguns sistemas jurídicos estabelecessem, no passa-
do, restrições a determinadas operações (como empréstimos da
companhia para o administrador), atualmente são muito raras as
hipóteses em que se proíbe expressamente determinados tipos de
contrato entre a companhia e o administrador 696 . Uma proibição
absoluta poderia prejudicar a própria companhia; um exemplo ób-
vio é o da contratação do administrador para prestar serviços em
tempo integral, em que a vedação impossibilitaria a existência de
executivos profissionais, pois muitas vezes o administrador, parti-
cularmente em companhias fechadas, deve assinar, enquanto ór-
gão social, seu próprio contrato 697 .
O conflito de interesses pode caracterizar-se quando ocorrer a satis-
fação do interesse individual mediante o sacrifício do interesse coletivo, e
vice versa698. Há, portanto, conflito de interesse entre o administrador e a
sociedade quando ele é portador, em determinada situação, de um dúpli-
ce e contraditório interesse: o social e o particular, sendo que um não
pode ser atendido sem que o outro seja sacrificado.
Deve-se distinguir o conflito formal do conflito substancial de inte-
resses699-700. O conflito formal, ou lato sensu, existe em todo negócio jurí-
dico em que o administrador e a companhia são partes contratantes. Assim,
sempre que o administrador ou o acionista contrata com a companhia há
696 A Lei Sarbanes-Oxley, como reação ao escândalo da Enron, proibiu, em sua Seção 402,
empréstimos da companhia ao administrador.
697 PAUL DAVIES. Gower and Davies: Principies of Modem Company Law. 7"1 edition, London:
Sweet and Maxwell, 2003, p. 392.
698 ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Conflito de Interesses nas Assembleias
de S.A.. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 20.
699 A distinção doutrinária entre conflito formal e material foi introduzida por AGOSTINO
GAMBINO, "La Disciplina dei Conflito di Interesse dei Socio", Rivista dei Diritto
Commercialle. Padova: Piccin Nuova Libraria, v. I, 1969, p. 371. Entre nós, ERASMO
VALLADAO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Conflito de Interesses nas Assembleias de
S.A , p. 92-94.
conflito formal, que advém da própria natureza do negócio bilateral, em
que as partes possuem interesses diversos, ainda que o negócio acarrete
benefícios equitativos para as 2 (duas) partes.
Ocorre o conflito de interesse substancial, ou stricto sensu, quando o
voto ou a prática de determinado ato de gestão orientar-se no sentido da
satisfação do interesse individual, não no interesse da companhia. Há, no
caso, efetiva ação orientada para a satisfação de interesse próprio do acio-
nista ou do administrador, em prejuízo do interesse social.
O conflito substancial pode estar relacionado ao interesse pró-
prio, ou ao interesse de outra sociedade, por ele controlada, que visa o
administrador, com sua atuação, a beneficiar.
Para que se possa cogitar do conflito de interesse substancial, é indis-
pensável que se examine o mérito do voto ou do ato, para verificar-se,
concretamente, se o interesse social está ou não sendo sacrificado.
Assim, cabe a indagação relativamente ao mérito da incompatibili-
dade entre o exercício do voto e a matéria que é submetida à deliberação,
daí decorrendo que sua análise é sempre realizada caso a caso701.
Da mesma forma que ocorre com o conflito de interesse do
acionista702, nos casos em que a Lei das S.A. adota o critério do
conflito de interesse formal do administrador, a proibição de inter-
vir é absoluta, não dependendo do mérito da decisão ou das ações
realizadas pelo administrador, como ocorre nas hipóteses de aquisi-
ção de bem que interessa à companhia, ou de utilização de informa-
ção privilegiada703.
Já quando existe a vedação genérica à contratação em situação
de conflito de interesse, estamos diante de um conflito substancial,
701 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÀES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 25; ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES
FRANÇA. Conflito de Interesses nas Assembleias de S.A , p. 92.
702 Ver os comentários ao art. 115 da Lei das S.A.
703 Ver os comentários ao art. 155 da Lei das S.A.
constituindo a eventual ilegalidade do ato de administrador uma ques-
tão fática, a ser analisada diante do caso concreto.
Esse artigo não relaciona quais seriam as deliberações nas quais
o administrador estaria formalmente impedido de participar, refe-
rindo-se genericamente às situações de conflito de interesse com a
companhia. Assim, trata-se de uma situação de conflito de inte-
resse substancial, em que deve ser feita uma análise do mérito da
operação704. Não existe, na norma, vedação à contratação em situação
704 Sobre esse assunto, ver o voto proferido pelo diretor Wladimir Castelo Branco Castro no
julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ 2004/5494, j. em
16.12.2004, que foi seguido pelo Colegiado da CVM, do seguinte teor: "A Lei das S.A., em
seu art. 156 vedou aos administradores intervirem nas operações sociais em que tiverem
interesse conflitante com o da companhia, bem como naquelas deliberações do conselho de
administração que a esse respeito tomarem os demais administradores. (...) pode-se concluir
que no caso dos administradores é vedada a participação do administrador em qualquer
tratativa ou deliberação referente a uma determinada operação em que figure contraparte da
companhia ou pela qual seja beneficiado. O disposto em tal § 1" deve ser lido, a meu juízo,
como 'ainda que o administrador não participe da deliberação, somente poderá contratar
com a companhia...' (...) Conclui-se, portanto, que o conflito de interesses é, no caso do art.
156 da Lei 5.404/76, presumido, isto é, independe da análise do caso concreto a sua
aplicação, restando os administradores da companhia impedidos participar de qualquer
tratativa ou deliberação referente a uma determinada operação em que figure como contraparte
da companhia ou pela qual seja beneficiado, independentemente se está a se perseguir o
interesse social ou não". Nesse mesmo sentido é o voto proferido pelo diretor Pedro Oliva
Marcilio de Sousa, acompanhado por unanimidade, nos autos do Processo Administrativo
Sancionador CVM n° RJ 2005/1443, j. em 21.03.2006: "(...) Para os administradores, vige
o conflito formal. Esse tratamento diferenciado vem do próprio texto legal que, além de vedar
a participação nos atos relativos à operação, determina que o administrador revele o conflito.
Adicionalmente, ao contrário do acionista, que pode agir no interesse próprio; essa faculda-
de não é conferida ao administrador, que age, sempre, no interesse da companhia ou da
coletividade de seus acionistas. O § 1° do art. 156 estabelece a necessidade de comutatividade
(condições razoáveis e equitativas) e liga-a não só às condições de mercado, mas também às
condições em que a companhia contrataria com terceiros. Estabelece, portanto, critérios
semelhantes ao entire fairness (justiça integral) ou o intrinsic fairness (justiça intrínseca),
mencionados quando discuti o padrão de revisão da conduta do acionista controlador em
operações em que tinha interesse". Em sentido contrário, entendendo tratar-se de conflito
substancial, ver o voto da Presidente da CVM Maria Helena dos Santos Fernandes de
Santana, proferido no julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM n° 25/03,
Rei. Dir. Eli Loria, j. em 25.03.2008, do seguinte teor: "A meu ver, a leitura do art. 156 deixa
claro que o administrador pode contratar com a companhia em situação de conflito de
interesses, mas o exclui de lodo o processo de tomada de decisão ou contratação do
negócio, garantindo, dessa forma, que o processo de contratação será, do ponto de vista da
companhia, pautado no seu melhor interesse. E, pelos §§ 1" e 2° daquele artigo, vê-se
nitidamente que a preocupação do legislador foi a de garantir que o negócio celebrado pela
companhia em situação em que o administrador possua interesse conflitante seja feito em
bases equitativas. Nesse contexto, entendo que o art. 156 da Lei das S.A. necessariamente
pressupõe a existência de interesse pessoal do administrador, concorrente e oposto ao
interesse da companhia."
de conflito de interesses, mas sim algumas exigências que devem
ser atendidas para a legitimidade da operação. Obedecidas tais exi-
gências, o administrador pode firmar contratos de qualquer nature-
za com a companhia, inclusive empréstimos, exceto no caso de uma
instituição financeira705.
Nas situações em que, após realizar uma avaliação do mérito da
operação, o administrador concluir que sua aprovação poderá prejudi-
car interesse legítimo da companhia, ele deve se abster de participar
da deliberação, cientificar os demais administradores e fazer constar
da ata o seu impedimento. Assim, o negócio poderá ser aprovado ape-
nas pelos administradores não interessados.
Recomenda-se, em tal situação, que o administrador revele
aos demais administradores não interessados todos os detalhes da
operação, e não só abstenha-se de votar como também retire-se
do recinto durante a deliberação.
Ademais, a contratação do administrador com a companhia so-
mente é legítima se realizada em condições razoáveis, equitativas, idên-
ticas às condições de mercado. Deve-se comparar a operação com
outras semelhantes, praticadas no mercado, para que se possa verifi-
car a equitatividade de suas condições. Se a operação está sendo rea-
lizada em condições de mercado, é indiferente para a companhia
concluí-la com o administrador ou com terceiro. Não sendo possível
a comparação, é recomendável a elaboração de um estudo técnico e
independente, por consultor especializado, que ateste que o negócio
está sendo feito em condições de mercado.
Assim, o negócio entre o administrador e a companhia em
situação de conflito de interesse substancial somente é possível
705 A Lei n° 4.595/1964, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e
Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências, em seu art. 43,
veda os empréstimos ou adiantamentos aos administradores de instituições financeiras,
que são tidos como ilícitos penais, nos termos do art. 15 c/c o art. 25 da Lei n° 7.492/1986,
que define os crimes contra o sistema financeiro nacional.
uma vez satisfeitos os 2 (dois) requisitos legais: (i) se houver apro-
vação pelos demais administradores; e (ii) se a operação for equi-
tativa, em condições de mercado706.
Deve ser observado que não há situação de conflito de interesse,
seja formal, seja substancial, quando não está em jogo interesse pessoal,
individual, do administrador. Assim, o administrador eleito por determi-
nado grupo de acionistas, controladores ou minoritários, não está impe-
dido de participar em deliberação referente a contrato a ser celebrado
entre a companhia e aquele grupo707.
Caso a operação, ainda que aprovada pelos administradores
desinteressados, não seja realizada em condições de mercado, o ne-
gócio é anulável e o administrador será obrigado a transferir para a
companhia as vantagens que tiver auferido. Como se trata de negó-
cio anulável é possível a sua ratificação pela assembleia geral708, hi-
pótese em que não será possível a apreciação judicial da equitatividade
de suas condições709.
Dever de informar
"Art. 157. O administrador de companhia aberta deve declarar,
ao firmar o termo de posse, o número de ações, bônus de subscri-
ção, opções de compra de ações e debêntures conversíveis em
ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas ou
do mesmo grupo, de que seja titular.
706 Em análise crítica da Lei das S.A. e da reforma legislativa de 2001, mediante a promulgação
da Lei n° 10.303/2001, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Novo Direito Societário. 3' edi-
ção, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 91, prega a necessidade de uma solução orgânica ou
estrutural para a questão do conflito de interesse, qual seja, a tentativa de resolver nos
órgãos societários o problema, seja mediante a incorporação no órgão de todos os agentes
que têm interesse ou sofrem as conseqüências, seja mediante a criação de órgãos indepen-
dentes, que não possam ser influenciados pelos interesses em conflito.
707 No mesmo sentido, J. C. SAMPAIO DE LACERDA. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 196. A CVM, em alguns processos sancionadores,
já decidiu no mesmo sentido, como, por exemplo, no Processo Administrativo Sancionador
CVM n° 25/03, Rei. Dir. Eli Loria, j. em 25.03.2008.
708 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4' edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 328-329.
709 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 160.
§ 1° O administrador de companhia aberta é obrigado a revelar à
assembleia geral ordinária, a pedido de acionistas que represen-
tem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social:
710 PAUL DAVIES. Gower and Davies: Principies of Modem Company Law. 7"' edition, London:
Sweet and Maxwell, 2003, p. 531.
711 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, na 4 a edição do Código das
Melhores Práticas de Governança Corporativa, define "governança corporativa" como "o
sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo
os relacionamentos entre proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de
controle. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios em recomenda-
ções objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da
organização, facilitando seu acesso ao capital e contribuindo para a sua longevidade". Sobre
esse assunto, ver LEONARDO BARÉM LEITE, "Governança Corporativa - Considerações
sobre sua Aplicação no Brasil (Das 'Limitadas' às Sociedades Anônimas de Capital Pulve-
rizado)". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luís André N. de Moura Azevedo (Coord.).
Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais. São Raulo:
Quartier Latin, 2010, p. 506.
712 MERR1T B. FOX, "Required Disclosure and Corporate Governance". In: Klaus J. Hopt,
Hideki Kanda, Mark J. Roe, Eddy Wymeersch, and Stefan Prigge (Coord.). Comparative
Corporate Governance - The State of the Art and Emerging Research. New York: Oxford
University Press, 1998, p. 701 e seguintes.
posteriormente mais propagou as virtudes do sistema de disclosure, 2
(duas) linhas distintas de pensamento a orientar as reformas do New
Deal. A primeira, cronologicamente, era a concepção corporativista,
influenciada particularmente pelo fascismo italiano, que considerava
superada a noção de mercado competitivo, pregando uma relação de
cooperação entre o estado e empresas privadas. As "corporações" deve-
riam, com a colaboração do governo, dirigir os vários setores da econo-
mia. A segunda linha preconizava não a colaboração, mas a supervisão
das empresas pelo governo, uma supervisão pública, mas de caráter ju-
dicial e casuístico. A legislação federal sobre títulos - Securities Act de
1933 e Securities and Exchange Act de 1934 - revelava uma forma de
controle baseada na atuação de uma agência especializada, a Securities
and Exchange Commission, cuja missão fundamental era a de promo-
ver uma política de ampla divulgação de informações por parte dos
emissores de títulos. A concepção então vitoriosa, e até hoje predomi-
nante, na generalidade dos países, é de que a melhor forma de proteger
os investidores é prestando-lhes as informações relevantes, para que
eles possam livremente escolher onde alocar suas poupanças. Assim, o
Estado, por intermédio da agência reguladora - entre nós a Comissão de
Valores Mobiliários - , não escolhe quais companhias podem ou não abrir
o capital nem realiza exame de mérito sobre tais companhias e os títulos
por elas publicamente ofertados, mas apenas obriga-as a divulgarem as
informações previstas na legislação.
O regime jurídico da divulgação de informações é composto por
normas que disciplinam o mercado de valores mobiliários e por nor-
mas que integram o direito societário. Um dos objetivos essenciais da
legislação sobre o mercado é o de prover as informações necessárias à
avaliação, pelos investidores, dos títulos ofertados. Como a maior parte
dos títulos publicamente negociados é de ações e outros valores mo-
biliários emitidos por sociedades anônimas, as normas que estabele-
cem a disciplina das informações provêem do direito societário e da
legislação sobre mercado de capitais, às vezes uma repetindo ou so-
brepondo-se à outra713.
Ainda que exista muita discussão sobre qual princípio deve pre-
valecer - se o da nacionalidade do emissor, o do local da transação
ou o do domicílio do adquirente - é inequívoco que o disclosure tam-
bém constitui o principal instrumento de regulação do mercado glo-
bal de valores mobiliários714.
Os objetivos da norma são: (i) permitir o conhecimento dos valo-
res mobiliários de propriedade dos administradores; (ii) facilitar o com-
bate ao insider trading, e, o principal de todos; e (iii) obrigar a divulgação
dos fatos relevantes ocorridos nos negócios da companhia. Correspon-
de, tal dever, ao direito subjetivo dós acionistas e dos investidores do
mercado de serem informados, constituindo instrumento indispensá-
vel à fiscalização da gestão dos negócios da companhia. A norma que
trata do dever de informar está direcionada apenas aos administradores
de companhias abertas, uma vez que, no caso das fechadas, não há
interesses de investidores a serem tutelados715.
Ao assumir o seu cargo, deve o administrador de companhia
aberta declarar o número de ações, bônus de subscrição, opções de
compra de ações e debêntures conversíveis em ações, emitidas pela
companhia, por sociedades por ela controladas ou do mesmo gru-
po de que seja titular.
713 PAUL DAVIES. Cower and Davies: Principies of Modern Company Law..., p. 590.
714 MERRITT B. FOX, "US Perspectives on Global Securities Market Disclosure Regulation: A
Criticai Review", European Business Organization Law Review. Cambridge: Ed. Asser Press,
v. 3, 2002, p. 337-370.
715 O Código Penal, no art. 177, prevê o crime de ocultação de informação relevante, nos
seguintes termos: "Art. 177. Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo em
prospecto ou em comunicação público, ou à assembleia, afirmação falsa sobre a constitui-
ção da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo: Pena - reclusão, de
um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular. § 1° -
Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular: I - o
diretor, o gerente, ou o fiscal de sociedade por ações que, em prospecto, relatório, parecer,
balanço ou comunicação ao público ou à assembleia, faz afirmação falsa sobre as condi-
ções econômicas da sociedade ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a
elas relativo; (...)"
O § 6°, introduzido pela Lei n° 10.303/2001, disciplina o dever de
informar as modificações nas posições acionárias dos administradores,
objetivando a prevenção do insider trading. Embora tal parágrafo exija
apenas que o administrador indique as mudanças em suas "posições acio-
nárias", mediante uma interpretação sistemática que o compatibilize com
a redação do caput, conclui-se que o administrador deve declarar também
as alterações nas suas posições em bônus de subscrição e debêntures con-
versíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas
ou do mesmo grupo716. Assim, pode-se saber se o administrador comprou
ou vendeu valores mobiliários de emissão da companhia e em que mo-
mentos tais negociações ocorreram; se ele negociou antes da divulgação
de fato relevante, presume-se que tivera acesso à informação privilegiada,
podendo caracterizar-se o ilícito de insider trading17.
O § 1° estabelece um elenco de informações que o administrador é
obrigado a revelar, na assembleia geral ordinária, a pedido de acionistas que
representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital sociaL Nos termos
expressos da norma, tais esclarecimentos somente podem ser exigidos por
ocasião da assembleia geral ordinária, uma vez que se referem ao exercício
anterior, que está sendo objeto de apreciação, para a aprovação das respec-
tivas contas, não em assembleias extraordinárias. A Lei das SA. admitiu,
em seu artigo 291, que a Comissão de Valores Mobiliários reduzisse, em
função do capital social, a percentagem mínima estabelecida na norma718.
As informações referem-se a valores mobiliários e opções de compra que
716 Consta do item 13.5 do "Formulário de Referência" - que constitui o Anexo 24 à Instrução
CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010 -
que os administradores devem: "Informar a quantidade de ações ou cotas direta ou indire-
tamente detidas, no Brasil ou no exterior, e outros valores mobiliários conversíveis em ações
ou cotas, emitidos pelo emissor, seus controladores diretos ou indiretos, sociedades contro-
ladas ou sob controle comum, por membros do conselho de administração, da diretoria
estatutária ou do conselho fiscal, agrupados por órgão, na data de encerramento do último
exercício social."
717 Ver os comentários ao art. 155 da Lei das S.A.
718 O que foi feito por meio da Instrução CVM n° 164/1991, revogada pela Instrução CVM n°
165/1991, posteriormente alterada pela Instrução CVM n° 282/1998.
tiver adquirido ou alienado no exercício anterior, direta ou indiretamente,
da companhia ou de sociedades controladas ou do mesmo grupo, assim
como os benefícios ou contratos de trabalho que tenham sido firmados
pela companhia com os diretores e empregados de alto nível719.
Ademais, pode o administrador ser obrigado a revelar, também
na assembleia geral e a pedido de acionistas que representem 5%
(cinco por cento) ou mais do capital social, quaisquer atos ou fatos
relevantes nas atividades da companhia. A redação da norma (§ 1°,
alínea "e") pode causar interpretação equivocada; na realidade, con-
forme o § 4°, mais adiante analisado, a revelação deve ser imediata,
não apenas por ocasião da assembleia geral.
Os administradores não podem deixar de prestar as informações
solicitadas pelos acionistas previstas nas alíneas "a", "b", "c" e "d" do §
1°; não existe qualquer interesse legítimo da companhia a ser preser-
vado na sua não revelação. A recusa na apresentação de tais informa-
ções caracteriza infração ao dever de informar, podendo acarretar
sanções na esfera civil — ação de responsabilidade prevista no artigo
159 - e administrativa, mediante a instauração de processo adminis-
trativo sancionador por parte da Comissão de Valores Mobiliários.
Os esclarecimentos que forem prestados por ocasião da assembleia
geral ficarão arquivados na sede da companhia e poderão, nos termos do
§ 2 o , a pedido de qualquer acionista, ser reduzidos a escrito, autenticados
pela mesa e fornecidos mediante cópia aos solicitantes. Não é necessário
que os acionistas que pedirem as cópias demonstrem ter mais de 5%
(cinco por cento) do capital social, exigência necessária apenas para a
solicitação de informações. Tal matéria pode não constar em seu inteiro
719 Sobre a divulgação dos salários dos administradores, a Instrução CVM n° 480/2009, com
as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010, em seu Anexo 24, item 13.2,
determina a obrigação de divulgação da "remuneração reconhecida no resultado dos 3
últimos exercícios sociais e à prevista para o exercício social corrente do conselho de
administração, da diretoria estatutária e do conselho fiscal."
teor da ata, desde que a mesa, por deliberação da maioria dos acionis-
tas presentes, ao ser instalado o conclave, determine a adoção da ata
sumária, nos termos do artigo 130.
Os atos e fatos revelados pelos administradores, por solicitação
dos acionistas, somente podem ser utilizados no legítimo interesse da
companhia e dos acionistas, de acordo com o § 3 o . A solicitação de
informações não pode ser motivada por fins estritamente pessoais, de
emulação ou visando a constranger os administradores; em tais hipó-
teses caracteriza-se o abuso do minoritário.
D I V U L G A Ç Ã O DE F A T O RELEVANTE
720 Ver os comentários aos arts. 131, 132 e 134 da Lei das S.A.
721 Ver os comentários ao art. 135 da Lei das S.A.
722 Ver os comentários ao art. 289 da Lei das S.A.
723 Ver os arts. 21, 30 e 31 da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010.
724 Ver os comentários ao art. 142 da Lei das S.A.
companhia, não havendo necessidade de sua publicação por meio da
imprensa oficial725.
Há 3 (três) questões básicas referentes à necessidade de se divul-
gar os fatos relevantes: (i) quando uma informação pode ser tida como
relevante; (ii) em que momento a informação deve ser divulgada; e
(iii) em que circunstâncias a informação relevante pode legitimamente
não ser objeto de divulgação.
Com relação à primeira questão, a Lei das S.A. seguiu o padrão
normativo da regulação sobre mercado de capitais norte-americana726.
Assim, define como fato relevante aquele que pode influir, de modo
ponderável, na decisão dos investidores de comprar, vender ou man-
ter valores mobiliários de emissão da companhia. Trata-se de uma
norma flexível, a ser analisada diante de cada caso concreto; o fato é
relevante se a sua divulgação provavelmente ocasionar um impacto
sobre a cotação dos valores mobiliários no mercado727. O adminis-
trador deve indagar-se: se eu fosse um investidor médio levaria em
conta tal fato para comprar ou vender os valores mobiliários? Uma
vez divulgado o fato, poderá ele ter algum impacto sobre a cota-
ção dos papéis? Sendo afirmativa qualquer uma das respostas, ou
mesmo havendo dúvidas, em princípio prevalece o princípio da
transparência, cabendo a divulgação dos fatos.
A regulamentação administrativa da Comissão de Valores Mobi-
liários considera relevante qualquer decisão do acionista controlador,
deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração, ou
qualquer outro ato ou fato de caráter político, administrativo, técnico,
725 Conforme decisão proferida pela CVM, no Processo Administrativo Sancionador CVM n°
2006/1574, Rei. Pres. Marcelo Trindade, j. em 22.08.2006.
726 Rule 10 b-5 da Securitíes and Exchange Commission.
727 Conforme já decidiu a CVM, no Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ 2006/
4776, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Souza, j. em 17.01.2007, o administrador deve fazer
um juízo de valor sobre a probabilidade de que determinado fato, uma vez divulgado, cause
impacto na decisão dos investidores, de sorte que a sua análise deve centrar-se na "potência"
do impacto, não sobre o real impacto, que só conhecerá após a divulgação.
negociai ou econômico financeiro ocorrido ou relacionado aos ne-
gócios da companhia que possa influir de modo ponderável: (i) na
cotação dos valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles
referenciados (caso de derivativos); (ii) na decisão dos investido-
res de comprar, vender ou manter os valores mobiliários; e (iii) na
decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos enquanto
titulares dos valores mobiliários728.
Também estabelece a regulamentação administrativa da Comis-
são de Valores Mobiliários uma série de exemplos de atos ou fatos
que, em regra, devem ser considerados relevantes, como: (i) transfe-
rência de controle acionário da companhia; (ii) decisão de fechar o
capital da companhia; (iii) incorporação, fusão ou cisão; (iv) renego-
ciação de dívidas; (v) aquisição de ações para tesouraria; e (vi) mudan-
ça de projeções divulgadas pela companhia, etc.729. Trata-se de
enumeração exemplificativa, cujo objetivo é apenas facilitar a identi-
ficação de possíveis atos ou fatos relevantes. Assim, por exemplo, uma
renegociação de dívidas em valores inexpressivos, dado o patrimônio
da companhia, não constituirá fato relevante, por não apresentar qual-
quer materialidade. Ademais, um mesmo fato envolvendo 2 (duas)
companhias, de porte substancialmente diverso, pode constituir fato
relevante para uma, mas não para a outra730.
A segunda questão refere-se ao momento em que deve ser divul-
gado o fato relevante. A sua divulgação deve ser oportuna, em aten-
ção ao princípio consagrado no direito norte-americano do timely
disclosure, também adotado entre nós731. Assim, tão logo a adminis-
tração conclua estar diante de fato relevante, cabe a sua comunicação
728 Art. 2 o da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n05 369/2002 e 449/2007.
729 Art. 3 o da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n°> 369/2002 e 449/2007.
730 Ver, a propósito, o Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ 2007/1079, Rei. Dir.
Eli Loria, j. em 10.07.2007.
731 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 270.
à Bolsa de Valores e divulgação pela imprensa, mediante o anúncio
usualmente intitulado "fato relevante". Tratando-se de companhia
cujas ações são negociadas em Bolsa de Valores ou no mercado de
balcão organizado é recomendável que a divulgação do "fato rele-
vante" seja feita antes da abertura dos negócios, de sorte a permitir
que as cotações possam, desde o início das transações, refletir as
novas informações.
Nem sempre é fácil, porém, concluir-se em que momento determi-
nadas negociações para aquisição de controle de companhia aberta ou
sua reorganização societária, por exemplo, já apresentam um mínimo de
materialidade, capaz de caracterizá-las como fatos relevantes.
A partir de decisões de tribunais norte-americanos, chegou-se
a um "teste de relevância", com base em juízo de probabilidade e
magnitude: se é bastante provável que a operação será concluída e
trará impactos significativos sobre os negócios da companhia, afe-
tando a cotação de seus valores mobiliários, já existe um fato rele-
vante, cabendo a sua divulgação732.
Mesmo que as negociações ainda estejam em curso, não existin-
do certeza de que serão concluídas a contento, os administradores
podem entender que cabe a sua divulgação, na etapa em que se en-
contram. No caso, informam que estão em andamento tais ou quais
tratativas e que, uma vez mais avançadas ou encerradas, as novas in-
formações serão comunicadas ao público.
Ainda que a norma determine a imediata divulgação do fato rele-
vante, caso os administradores entendam que a sua revelação porá em
risco interesse legítimo da companhia, poderão optar pelo sigilo. Tal
pode ocorrer quando estiverem convictos de que a divulgação compro-
meterá determinada negociação, ou quando tratar-se de segredo indus-
trial que, uma vez divulgado, favorecerá concorrentes. E inequívoco que
se trata de decisão empresarial, que compete aos administradores e acio-
nistas controladores; caso a operação seja mantida sob total sigilo, não
ocorrendo o "vazamento" da informação, descabe qualquer responsabili-
dade na esfera cível ou administrativa.
O sigilo a respeito de fato relevante constitui exceção à regra geral,
que consagra o disclosure. Conforme a regulamentação administrativa733,
o sigilo não pode ser mantido caso a informação escape ao controle da
companhia ou ocorra oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade
negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia. Assim, se
determinada informação, ainda sigilosa, é objeto de matérias na impren-
sa ou de boatos que circulam no mercado, deve a companhia divulgar
uma declaração clara, confirmando ou negando a notícia734.
Cabe ao "diretor de relações com investidores", cargo obrigató-
rio nas companhias abertas, a responsabilidade pela prestação das in-
formações exigidas pela legislação e regulamentação do mercado de
valores mobiliários, sem prejuízo da eventual responsabilidade do
emissor, controlador e outros administradores da companhia735. As-
sim, devem os acionistas controladores, diretores, membros do con-
selho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com
funções técnicas ou consultivas criados por disposição estatutária,
733 Art. 6o da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n™ 369/2002 e 449/2007.
734 Consta da Nota Explicativa n° 28/1984 que: "Quando houver boatos ou rumores no
mercado que estejam afetando a negociação dos valores mobiliários da companhia, uma
declaração franca e clara deve ser dada, seja para negar ou confirmar a notícia. Caso os
boatos ou rumores sejam indicadores de vazamento de informação relativa a ato ou falo
relevante, a única forma de corrigir a situação é através de seu rápido esclarecimento."
735 A Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/
2010, que dispõe sobre o registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negocia-
ção em mercados regulamentados de valores mobiliários, estabelece, em seu art. 44, que o
"emissor deve atribuir a um diretor estatutário a função de relações com inveslidores",
dispondo, em seu art. 45, que cabe a esse diretor a responsabilidade "pela prestação de todas
as informações exigidas pela legislação e regulamentação do mercado de valores mobiliári-
os". Por sua vez, o art. 46 da referida Instrução, prevê: "A responsabilidade atribuída ao
diretor de relações com investidores não afasta eventual responsabilidade do emissor, do
controlador e de outros administradores do emissor pela violação das normas legais e
regulamentares que regem o mercado de valores mobiliários."
comunicar ao "diretor de relações com investidores" qualquer ato ou
fato relevante ocorrido ou relacionado aos negócios da companhia de
que tenham conhecimento. Este, por sua vez, deverá promover a sua
divulgação ao mercado e a comunicação à Comissão de Valores Mo-
biliários e, se for o caso, à Bolsa de Valores e entidade do mercado de
balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da compa-
nhia sejam admitidos à negociação736-737. Se o "diretor de relações com
investidores" omitir-se no cumprimento de seu dever de comunica-
ção e divulgação e o acionista controlador ou os membros dos órgãos
referidos tiverem conhecimento pessoal do ato ou fato relevante e
constatarem tal omissão, são obrigados a comunicá-lo à Comissão de
Valores Mobiliários sob pena de virem a ser responsabilizados738.
A Comissão de Valores Mobiliários e a Bolsa de Valores ou a enti-
dade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de
emissão da companhia sejam admitidos à negociação podem, a qualquer
tempo, exigir do "diretor de relações com investidores" esclarecimentos
adicionais à comunicação e à divulgação de ato ou fato relevante739.
736 Ver o § 1o e caput do art. 3° da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n™ 369/2002 e 449/2007.
737 A divulgação ao mercado deverá ser feita de forma simultânea a todos os mercados nos
quais os valores mobiliários da companhia estejam admitidos a negociação, por qualquer
meio de comunicação, nos termos do § 3o do art. 3o da Instrução CVM n° 358/2002, com
as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n™ 369/2002 e 449/2007.
738 Ver o § 2° do art. 3o da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM nra 369/2002 e 449/2007.
739 Art. 4° da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n K 369/2002 e 449/2007.
II - com violação da lei ou do estatuto.
744 FERNANDO SÁNCHEZ CALERO. Los Administradores de Ias Sociedades de Capital. 2'
edição, Pamplona: Arazandi, 2007, p. 308.
745 ANDRÉ TUNC. La Responsabilité Civile. Paris: Econômica, 1981, p. 84.
746 O § 2° do art. 246 da Lei das S.A., ao prever um prêmio de 5% (cinco por cento) ao autor
da ação de responsabilidade civil contra a sociedade controladora pelos danos causados
à controlada, assim como honorários advocatícios de 20% (vinte por cento), constitui
tfpico exemplo de incentivo à proposição de demandas, no caso contra o controlador, não
contra o administrador.
serão irregulares os atos em violação da lei ou do estatuto, como, por
exemplo, se o administrador, visando à obtenção de vantagem, deixar de
aproveitar oportunidade de negócio de interesse da companhia, infrin-
gindo o artigo 155, hipótese em que responderá pessoalmente pelos da-
nos causados à companhia, por ter praticado ato irregular de gestão.
Trata-se, a menção ao ato regular de gestão, de uma tautologia
incorrida pelo legislador. Com efeito, confundem-se o ato irregular
de gestão e o ato praticado com violação da lei ou do estatuto, não
havendo, pois, necessidade de 2 (dois) conceitos jurídicos para a
mesma situação747. Bastaria ter a Lei das S.A. mencionado que o
administrador só é pessoalmente responsável quando agir com in-
fração à lei ou ao estatuto.
Ainda que o ato do administrador cause danos à companhia, ele
somente poderá ser pessoalmente responsabilizado se ficar demons-
trado que as decisões que adotou foram tomadas com má-fé, ou me-
diante ato ilícito748. Assim, ele não responde pelo eventual insucesso
do empreendimento, exceto se for ele resultante de falta de diligência
ou de atos ilegais.
Também não responde o administrador pelo inadimplemento
de obrigação tributária da companhia, exceto se ficar demonstrado
que agiu dolosamente, fraudulentamente ou com excesso de poder,
uma vez que tal obrigação é da pessoa jurídica749.
750 MARCELO VIEIRA VON ADAMEK. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as
Ações Correlatas. São Pâulo: Saraiva, 2009, p. 221.
na responsabilidade objetiva, não há necessidade de se investigar o
elemento subjetivo; caracterizado o nexo de causalidade entre o dano
e o ato ilícito, o agente responderá objetivamente, independentemente
de sua culpa ou dolo.
A hipótese prevista no inciso I trata da responsabilidade subjetiva,
uma vez que menciona a Lei das S.A. expressamente a necessidade de
estar presente a culpa ou o dolo. Tendo o administrador atuado dentro de
suas atribuições, não se presume a sua responsabilidade, cabendo ao au-
tor da ação de perdas e danos provar o elemento subjetivo.
A alusão à "culpa ou dolo" corresponde à culpa civil751; a expressão
"culpa" deve ser entendida como violação de um dever jurídico, abran-
gendo não só as condutas negligentes, imperitas ou imprudentes (cul-
pa strictu sensu) como, também, os atos dolosos, aqueles praticados com
o intuito deliberado de violar um dever jurídico.
Para a caracterização da culpa deve recorrer-se ao standard do dever
de diligência752. Com efeito, se o administrador atuou dentro de seus
poderes ou atribuições, a sua responsabilidade pessoal decorrerá da com- -
provação de que sua conduta foi incompatível com a diligência que dele
se espera, a partir de um juízo de culpabilidade. O comportamento doloso
pode verificar-se quando o administrador, agindo dentro de suas atribui-
ções, busca deliberadamente prejudicar a companhia, firmando, por exem-
plo, um contrato lesivo aos seus interesses.
O ato praticado dentro das atribuições e poderes do administra-
dor constitui aquele que não só está inserido no âmbito da sua com-
petência legal e estatutária, como, também, do objeto social. Se o
administrador causa, com seu comportamento, atuando nos limites
legais e estatutários, assim como de acordo com o objeto social, po-
rém, de forma não diligente, um dano à companhia, será obrigado a
repará-lo, desde que provada a sua culpa.
753 Esta é a posição da maior parte dos doutrinadores: JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Res-
ponsabilidade Civil do Diretor de S.A.". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira
(Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. 2, 2 a edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 405; NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Merca-
do de Capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 104; LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS
LEAES, "Sociedade por Ações. Atos Praticados por seus Diretores, em Razão de Administra-
ção - Responsabilidade Daquelas e Destes, Solidariamente, se Agirem com Culpa ou
Contrariamente aos Estatutos Sociais", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 2, 1971, p. 74; J. C. SAMPAIO DE
LACERDA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 206;
JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário. 11a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 418-419; ALARICO SILVEIRA NETO, "Responsabilidade dos Administradores e
Acionista Controlador por Obrigações da Sociedade", Revista Forense. Rio de Janeiro: Ed.
Forense, v. 288, outubro-dezembro, 1984, p. 109-110. Em posição isolada encontra-se
MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,
São Raulo: Saraiva, 2009, p. 361-363. FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comer-
cial. v. 2, 13a edição, São Riulo: Saraiva, 2009, p. 259-260 e 268-271, por sua vez, sustenta
(também em posição minoritária, mas contrária à de Modesto Carvalhosa) que, nas 2 (duas)
hipóteses elencadas pelo art. 158 da Lei das S.A., a responsabilidade civil dos administra-
dores tem natureza subjetiva, do tipo clássico.
754 PAULO SALVADOR FRONTINI, "Responsabilidade dos Administradores em Face da Nova
Lei das Sociedades por Ações", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Finan-
ceiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 26, 1977, p. 46; NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA
B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais -
Regime Jurídico. 2' edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 483.
Já quando o administrador age com violação da lei ou do estatu-
to, a sociedade não responde pelos danos, exceto se: (i) houver tirado
proveito do ato; (ii) houver ratificado o ato; ou (iii) o prejudicado for
terceiro de boa-fé755. Em tais hipóteses, evidentemente a companhia
terá ação regressiva contra o administrador.
Em regra, a responsabilidade do administrador é individual. A
Lei das S.A. prevê, excepcionalmente, a responsabilidade solidá-
ria, quando o administrador: (i) for conivente, negligente na des-
coberta do ilícito, ou se deixar de agir para impedir a sua prática;
(ii) não cumprir os deveres legais para assegurar o funcionamento
regular da companhia; ou (iii) não comunicar à assembleia geral
infrações cometidas por predecessor ou por outro administrador
com atribuições e poderes específicos.
Em princípio, não há solidariedade estabelecida objetivamente,
sem culpa ou pelo fato de outrem. Assim, o administrador não res-
ponde pelo ato de outro pelo simples fato de integrar o mesmo órgão,
ainda que colegiado. Para ser solidariamente responsável é necessário
que ele tenha descumprido a lei ou o estatuto; se o administrador
negligencia em descobrir determinado ilícito, estará pessoalmente
descumprindo o dever de lealdade, daí resultando o concurso de com-
portamentos antijurídicos756.
O conselho de administração constitui órgão de deliberação cole-
giada (artigo 138); assim, a eficácia da sua manifestação de vontade
depende de um ato coletivo, a deliberação, que vincula os seus mem-
bros. Não há, em princípio, manifestação individual da vontade de cada
conselheiro, senão para formar a vontade coletiva. Da prática de atos
irregulares por parte do órgão decorre a responsabilidade solidária de
758 Ver, a propósito, o art. 3 o d c o art. 11 da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações
introduzidas pelas Instruções CVM n™ 369/2002 e 449/2007.
759 Ver, a propósito, a decisão do Colegiado da CVM proferida no Inquérito Administrativo
CVM n° 32/1999, Rei. Dir. Norma jonssen Parente, j. em 05.12.2001.
praticando atos ilegais ou contrários ao estatuto. O excesso de fiscali-
zação dos diretores, impedindo-os de se dedicarem prioritariamente
às suas atividades de gestão ordinária da companhia, pode ser tão
nocivo quanto a ausência de fiscalização.
Ainda que a responsabilidade dos membros do conselho de admi-
nistração seja coletiva, a realidade da gestão empresarial ocasiona o re-
conhecimento de graus diversos de sua aferição, tendo em vista a posição
funcional por eles ocupada na companhia. Assim, distingue-se o con-
selheiro insider do outsider. O primeiro é aquele que também ocupa
cargo de diretor ou é acionista controlador, tendo maior acesso a todas
as informações da companhia; o outsider, principalmente se for um
conselheiro independente, não vinculado ao controlador, em geral só
toma conhecimento dos fatos expressamente levados ao seu conheci-
mento, não podendo, em princípio, sofrer os efeitos da solidariedade
imputável aos conselheiros insiders.
Qualquer terceiro - membro de outro órgão de administração, as-
sessor ou simples cúmplice — que concorrer com o administrador para a
prática do ilícito é solidariamente responsável. Podem propor a ação de
responsabilidade a companhia ou seus substitutos processuais, desde que
demonstrado o dano efetivo, patrimonialmente ressarcível760.
Ação de responsabilidade
"Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação
da assembleia geral, a ação de responsabilidade civil contra o ad-
ministrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.
761 A esse respeito, ver decisão da 3° Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, proferida nos autos do Agravo de Instrumento n° 990.10.147539-1,
Rei. Des. Donegá Morandini, j. em 29.06.2010.
762 FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2, 13" edição, São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 272.
763 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÂES. Pareceres. -v. I, São F&ulo: Singular, 2004, p. 469.
contas, seja extraordinária, desde que conste da ordem do dia ou seja
conseqüência de assunto nela incluído, como, por exemplo, em assem-
bleia que tenha por objeto discutir a ocorrência de prejuízos sofridos
pela companhia em determinadas operações.
O fato de ser a deliberação assemblear condição de procedibilida-
de da ação de responsabilidade civil do administrador não pode ensejar
expedientes protelatórios da companhia ou de seu acionista controla-
dor. A recusa à deliberação, quando utilizada para perpetuar a impuni-
dade dos administradores, constitui manobra ilegal; a falta de solução
positiva ou negativa por parte da assembleia representa negativa implí-
cita, ficando titulados os acionistas como substitutos da companhia
para propor a ação764.
Assim, a deliberação é dispensável quando a assembleia, uma
vez instada a fazê-lo, recusa-se a deliberar a respeito; o mesmo ocorre
quando os administradores negam-se a fazer constar da ordem do
dia a deliberação sobre a matéria, ou ainda quando a mesa tranca a
discussão ou a decisão765.
E possível que se delibere, em assembleia geral extraordinária, a
propositura de ação de responsabilidade contra determinado adminis-
trador e posteriormente, em assembleia ordinária, aprove-se as contas,
como um todo, desonerando-se os demais administradores766. Na hi-
pótese, a aprovação genérica das contas não libera a responsabilidade
do administrador contra o qual deva ser proposta a ação, coexistindo,
portanto, com a deliberação anterior.
767 No Direito Italiano exige-se quorum especial de deliberação; conforme o art. 2.393 do
Código Civil, a decisão de renunciar ou transigir não será eficaz se houver voto contrario
de uma minoria que represente mais de 1/5 (um quinto) do capital social. Ver, a propósito,
FRANCO BONELLI et al. Società per Azioni. Casi e Materiali de Diritto Commerciale.
Milano: Giuffrè, 1974, p. 197.
768 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "Responsabilidade dos Administradores de Socieda-
des Anônimas". Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Riu Io:
Ed. Revista dos Tribunais, v. 42, abril-junho, 1981, p. 81.
769 Art. 292 do Código de Processo Civil.
770 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
1992, p. 75.
não constitui faculdade da assembleia, mas é obrigatório, uma vez
que o legislador presume a existência de conflito, determinando a
imediata substituição do administrador.
Como o impeachment do administrador constitui medida de cará-
ter excepcional, a norma do § 2° deve ser objeto de interpretação restri-
tiva, de sorte que ele não atinge os demais administradores, muito menos
os suplentes, os quais, enquanto permanecerem em tal situação, não
podem ser responsabilizados771.
O que acarreta o impedimento do administrador é a delibera-
ção da assembleia geral de contra ele mover a ação de responsabi-
lidade, não o ajuizamento da ação. Com efeito, o impeachment é
automático e a substituição imediata, na mesma assembleia, ainda
que nem a companhia nem qualquer acionista venham posterior-
mente a ingressar em juízo.
A Lei das S.A. silenciou sobre a ocorrência ou não de impedi-
mento quando a ação é proposta pelos acionistas minoritários. Para
suprir a lacuna deve-se atentar para as diferenças entre as situações
previstas nos §§ 3° e 4°. No § 3°, tal como ocorre no caput, há delibe-
ração da assembleia favorável ao ajuizamento da ação, rompendo-se
a relação de fidúcia que unia a companhia ao administrador. Nas 2
(duas) hipóteses - caput e § 3° - ocorre o impedimento do adminis-
trador, uma vez que a vontade social, expressa pela maioria dos acio-
nistas, é no sentido de mover a ação judicial; se a companhia queda
inerte, o acionista minoritário que ingressa em juízo realiza a vontade
da maioria, havendo, pois, uma presunção absoluta de que está defen-
dendo o interesse social.
No caso do § 4° - ação social ut singuli originária - , a decisão da
assembleia é de não promover a ação de responsabilidade, preservando
o administrador o vínculo fiduciário com a companhia. Assim, não se
771 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 120-121.
pode presumir que o acionista minoritário está defendendo o interesse
social, posto que a vontade da maioria foi manifestada em sentido con-
trário. Na hipótese, não havendo deliberação da assembleia de mover a
ação, não ocorre o impedimento automático do administrador.
Há 2 (duas) circunstâncias distintas em que os acionistas mino-
ritários podem demandar contra os administradores, no interesse da
companhia: (i) caso a assembleia delibere propor a ação de responsa-
bilidade mas não a ajuíze no prazo de 3 (três) meses, qualquer acio-
nista poderá fazê-lo; e (ii) caso a assembleia delibere não propor a
ação de responsabilidade, acionistas representando pelo menos 5%
(cinco por cento) do capital social podem ajuizá-la.
Nas 2 (duas) hipóteses - §§ 3° e 4° - trata-se de ação social,
porém ut singuli (ação derivativa), largamente conhecida e prati-
cada nos Estados Unidos, onde é denominada shareholder deriva-
tive suit. Naquele país, tal modalidade de ação tem constituído
fonte de abusos, nas chamadas strike suits, que nada mais são do
que lides temerárias, para forçar acordos, em proveito dos acionis-
tas minoritários e dos seus advogados772.
Quando a assembleia delibera ingressar em juízo, a ação derivativa
é subsidiária, somente podendo ser proposta após o decurso do prazo de
3 (três) meses; dentro deste período de tempo a companhia possui legi-
timidade ativa exclusiva na demanda. O prazo para que a companhia
possa acionar o administrador não é de decadência ou prescrição, mas
meramente de prioridade ou preferência773. Enquanto a ação não estiver
prescrita a sociedade poderá promovê-la a qualquer tempo; se algum
acionista já tiver ingressado em juízo, ocorrerá a litispendência.
772 Visando a evitar as "strikes suits ", a Delaware General Corporation Act {§ 327) estabelece
que o acionista autor da ação social derivativa, que age no interesse da companhia, deve
afirmar, em sua petição inicial, que ele era acionista ao tempo em que o administrador
cometeu o ato ilfcito que gerou os danos à companhia.
773 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 330.
Na ação social utsinguli, em qualquer de suas modalidades, o fun-
damento é idêntico ao da ação social: a recomposição dos danos causa-
dos à companhia. Trata-se de legitimação extraordinária, sob a forma
de substituição processual774, uma vez que ocorre a dissociação entre o
sujeito da lide (sociedade) e o sujeito do processo (acionista); o interes-
se perseguido é o da companhia, tanto que ela será a indenizada, atuan-
do o acionista como parte apenas em sentido formal. A substituição, na
hipótese do § 3°, é derivada (originalmente era da companhia a compe-
tência); já no caso do § 4°, é originária.
Ainda que o objetivo da ação seja o de recompor os danos causa-
dos à companhia, os acionistas minoritários têm um interesse no re-
sultado da demanda, embora seja indireto, consistente na sua quota
parte do patrimônio social; caso contrário, não poderiam ser substitu-
tos processuais da companhia, os quais sempre esperam alguma utili-
dade do provimento jurisdicional77S.
Nos termos do § 5 o , embora os resultados da ação defiram-se à
companhia, esta deverá indenizar os minoritários de todas as despe-
sas, nela incluídos, além das custas e taxas judiciárias, honorários de
advogado e despesas extrajudiciais, como cópias de documentos e
pareceres, desde que não excedam os resultados obtidos na demanda.
Tal reembolso será feito com os valores monetariamente corrigidos e
acrescidos de juros, à taxa que estiver em vigor para a mora do paga-
mento de impostos devidos à Fazenda Nacional776.
Além da ação social, também prevê o § 7° que o acionista ou ter-
ceiro diretamente prejudicado por ato de administrador pode propor
ação individual para apurar a sua responsabilidade civil, visando à repa-
ração do seu patrimônio próprio. Os danos causados à companhia e
777 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Littie, Brown and Company, 1986, p. 126
e seguintes.
778 O Código das Sociedades Comerciais de Portugal, com a reforma de 2006, adotou, em seu
art. 72.2, idêntica regra, mediante a qual a responsabilidade do administrador é excluída
se ficar provado que atuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e
segundo critérios de racionalidade empresarial.
779 DENIS J. BLOCK, NANCY E. BARTON, STEPHEN A. RADIN. The Business Judgement Rule
- Fiduciary Duties or Corporate Directors. New York: Aspen Law and Business, 1998;
margem de disericionariedade em sua atuação, podendo avaliar a con-
veniência e a oportunidade de determinadas decisões visando à maxi-
mização dos lucros da companhia. A redução da discricionariedade
da administração pode inviabilizar a gestão empresarial, pelo excessi-
vo "engessamento" de suas atividades.
A regra da decisão empresarial, que isenta de responsabilidade o
administrador, é aplicável uma vez atendidos cumulativamente os se-
guintes requisitos: (i) deve ter ocorrido uma decisão, não estando prote-
gidas pela regra as condutas omissivas, exceto se resultantes de uma
decisão de não tomar qualquer medida; (ii) os administradores não po-
dem ter qualquer interesse financeiro ou pessoal na matéria, ou seja,
não se aplica a regra se estiverem em situação de conflito de interesses;
(iii) os administradores devem estar bem informados antes de tomarem
a decisão, isto é, atuando de forma diligente; (iv) os administradores
devem estar perseguindo o interesse social; (v) a atuação dos adminis-
tradores deve ter ocorrido no âmbito dos seus poderes legais e estatutá-
rios; e (vi) os administradores devem estar atuando de boa-fé.
781 Sobre esse assunto, ver o item 2.29 do Código das Melhores Práticas de Governança
Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
782 Sobre a comparação entre o conselho fiscal e o comitê de auditoria, ver LUIZA RANGEL DE
MORAES, "As Novas Atribuições do Conselho Fiscal Diante da Lei Sarbanes-Oxley e da
Legislação Brasileira", Revista de Direito Bancário, da Arbitragem e do Mercado de Capi-
tais. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 29, julho-setembro, 2005, p. 47 e seguintes.
783 Ver, a propósito, a Resolução CMN n° 3.198/2004, que, em seu art. 10, estabelece que:
"Devem constituir órgão estatutário denominado comitê de auditoria as instituições referi-
das no art 7o, inciso 1, alínea "a" [instituições financeiras e demais instituições autorizadas
a funcionar pelo Banco Central, exceto as sociedades de crédito ao microempreendedorl,
que tenham apresentado no encerramento dos dois últimos exercícios sociais: I - Patrimônio
de Referência (PR) igual ou superior a R$1.000.000.000,00 (um bilhão de reais); ou ii •
administração de recursos de terceiros em montante igual ou superiora R$1.000.000.000,00
(um bilhão de reais); ou III - somatório das captações de depósitos e de administração de
recursos de terceiros em montante igual ou superior a R$5.000.000.000,00 (cinco bilhões
de reais). § 1° As instituições líderes responsáveis pela elaboração das demonstrações
contábeis consolidadas de conglomerados financeiros que se enquadrem nas disposições
estabelecidas no caput devem constituir comitê de auditoria para cumprimento das
medida, o seu desenvolvimento foi impulsionado pelas reformas ocor-
ridas na legislação societária norte-americana no começo do século.
Após alguns escândalos financeiros verificados nos primeiros
meses de 2002, envolvendo companhias tidas como modelos de boa
governança corporativa (Enron, Worldcom e Tyco), foi promulgada,
como resposta do governo e do congresso norte-americanos, o Sar-
banes-Oxley Act, em 30 de julho daquele ano. A lei representou uma
espécie de "federalização" da legislação societária, que até então era
tratada, nos Estados Unidos, unicamente como uma questão a ser re-
solvida no âmbito de competência de cada estado. A Sarbanes-Oxley
significou um movimento legislativo em direção à posição há muito
defendida pelo Professor William Cary, que também foi presidente da
Securities and Exchange Commission, que, em famoso artigo publicado
em 1974, já propunha que o Congresso deveria adotar padrões federais
uniformes para as companhias, abertas, em questões relativas aos deve-
res fiduciários dos administradores e conflitos de interesse784-785.
Dentre as várias inovações, a Sarbanes-Oxley formalizou o papel do
aud.it committee (comitê de auditoria), que já desempenhava uma função
relevante no monitoramento das informações e controles contábeis das
companhias com ações negociadas no mercado de capitais.
O comitê de auditoria passou a ser obrigatório em todas as com-
panhias abertas nos Estados Unidos, tendo como principais tarefas:
prover uma revisão independente e a supervisão dos processos de ela-
boração dos relatórios financeiros, dos controles internos, assim como
786 Ver, a propósito, o pronunciamento da Secundes and Exchange Commission: "Release 33-8220,
with final rule about 'Standards Relating to Lisled Company Audit Commiltees'", disponível
em: <http://www.sec.gov/rules/final/33-8220.litm>, acessado em 06.05.2011.
787 Sobre esse assunto, ver o item 2.30 do Código das Melhores Práticas de Governança
Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
administração e diretoria — as suas observações e análises, para que
estes, dentro de suas respectivas esferas de atuação, tomem as medi-
das que entendam adequadas.
Os comitês são órgãos facultativos auxiliares, aos quais não pode
o estatuto atribuir poderes, mas apenas funções788. Constituem, ade-
mais, órgãos coletivos, cujas decisões são tomadas por maioria abso-
luta de seus membros. Assim, é condição de eficácia da vontade do
órgão a manifestação coletiva de seus integrantes.
Embora a Lei das S.A. disponha que as normas da Seção IV
aplicam-se aos membros dos comitês criados pelo estatuto, o disposi-
tivo deve ser interpretado tendo em vista a natureza e as funções de
tais órgãos, que nada podem decidir sobre os negócios sociais, apenas
assessorar o processo decisório.
O dever de diligência, que constitui um padrão geral de conduta, é
evidentemente aplicável aos membros dos comitês, que podem ser res-
ponsabilizados caso apresentem análises ou opiniões negligentes ou sem
qualquer fundamento técnico, que levem os conselheiros ou diretores a
adotar decisões equivocadas e lesivas ao patrimônio social. A sua respon-
sabilidade pode ser excluída, nos termos do § 6° do artigo 159, em aten-
ção ao princípio do businessjudgement mlem.
O artigo 155 também aplica-se aos membros dos comitês, que de-
vem servir com lealdade à companhia, sendo-lhes vedada a utilização de
oportunidades comerciais da companhia, obtidas em razão de seu cargo,
assim como de informações confidenciais para negociar com valores
mobiliários de emissão da companhia (insider trading).
Não cabe a invocação do artigo 156, uma vez que, como o mem-
bro do comitê não participa de processo decisório da companhia, não
pode ocorrer situação de conflito de interesses.
CONSELHO FISCAL
Composição e funcionamento
"Art. 161. A companhia terá um conselho fiscal e o estatuto dis-
porá sobre seu funcionamento, de modo permanente ou nos exer-
cícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas.
§5° (Vetado).
792 NELSON EIZIRIK, "Limites à Atuação do Conselho Fiscal", Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 84, outubro-
-dezembro, 1991, p. 14.
aos atos praticados por gerentes, supervisores e outros funcionários su-
' bordinados aos diretores. Não há, porém, possibilidade de fiscalização,
por parte do conselho fiscal, sobre a atuação de eventuais comitês ou
órgãos de assessoramento, sejam ou não criados pelo estatuto, por não
desempenharem atividades típicas de administração793.
A atuação do conselho fiscal é basicamente instrumental, uma
vez que objetiva transmitir aos acionistas as informações de que
necessitam, quer para exercerem o direito de voto, com o substan-
cial conhecimento do que vem a ser deliberado, quer para fiscali-
zarem a gestão dos negócios sociais794.
O conselho fiscal pode ser qualificado como órgão, dada a forma
de eleição, substituição e destituição de seus integrantes, bem como
por suas deliberações serem tomadas mediante voto793; ademais, nele
vige o princípio majoritário, o qual é temperado pela possibilidade de
atuação individual dos conselheiros, nos casos previstos na Lei das S.A.
Como se trata de um órgão colegiado, suas decisões somente se-
rão eficazes se obtidas em reunião regularmente convocada e instala-
da796. Constitui o conselho fiscal, porém, órgão de natureza especial,
uma vez que nele é admitida a atuação individual de seus membros797.
A Lei das S.A. optou por um modelo híbrido, de órgão biface, que ora
desempenha suas funções de maneira colegiada, ora mediante atos sin-
gulares de seus membros.
Trata-se, ademais, de órgão auxiliar da assembleia geral, que, a teor
do artigo 122, inciso II, tem competência para eleger e destituir os seus
798 WALDIRIO BULGARELLI. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A..., p. 60.
799 Ver os comentários ao art. 240 da Lei das S.A.
800 Nesse sentido, a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976: "Daí a solução do Projeto,
de deixar ao estatuto da companhia discrição para dispor sobre seu funcionamento perma-
nente, ou apenas quando solicitado por minorias acionárias".
801 Em sentido contrário, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 674, entende que a Junta Comercial
deve recusar o arquivamento de estatuto em que o conselho fiscal não esteja nele instituído.
dos conselheiros fiscais; o registro das conclusões do órgão e o procedi-
mento de sua comunicação aos demais órgãos sociais802. No silêncio
do estatuto, é recomendável que tais regras constem do Regimento
Interno do conselho fiscal ou de outras normas da companhia.
Quando o funcionamento do conselho fiscal não é permanente,
a sua instalação ocorrerá na mesma assembleia em que se verificar o
requerimento dos acionistas, o qual dispensa qualquer fundamenta-
ção, uma vez que reflete o exercício do direito de fiscalizar dos admi-
nistradores. Uma vez instalado, o conselho fiscal funcionará até a
primeira assembleia geral ordinária que se realizar após a sua eleição,
quando poderão ser reeleitos os seus membros, nos termos do § 6°.
De acordo com o § 3°, pode o pedido de instalação ser apresenta-
do em qualquer assembleia geral, ordinária ou extraordinária, não ha-
vendo necessidade de constar do anúncio de convocação da assembleia,
nem da ordem do dia; não cabe aos acionistas controladores impedi-
rem a instalação do conselho fiscal sob o argumento de que foram
surpreendidos pela solicitação. Tampouco é necessária a presença dos
candidatos a conselheiro na assembleia geral que os elegerá; na falta de
previsão estatutária, sua investidura poderá ser feita mediante termo
lavrado no livro próprio803, em até 30 (trinta) dias seguintes ao de sua
eleição, mediante aplicação analógica do artigo 149804. Assim, é acon-
selhável que os acionistas minoritários e os controladores preparem
previamente a qualquer assembleia as suas listas de candidatos, a serem
apresentadas quando da eventual solicitação de instalação do órgão.
802 A Instrução CVM n° 481/2009 determina, no Art. 10, que sempre que assembleia geral for
convocada para eleger membros do conselho fiscal, a companhia registrada na categoria A
deve fornecer, no mínimo, as informações indicadas nos itens 12.6 a 12.10 do "Formulário
de Referência" (constante do Anexo 24 da Instrução CVM n° 480/2009), relativamente aos
candidatos indicados ou apoiados pela administração ou pelos acionistas controladores.
As companhias registradas na categoria B, de acordo com o Art. 133, inciso V, da Lei das
S.A. e os Arts. 21, inciso VIII, e 31, inciso II, da Instrução CVM n° 480/2009, devem enviar
todos os documentos necessários ao exercício do direito de voto nas assembleias gerais,
devendo fornecer informações suficientes sobre os candidatos.
803 Ver os comentários ao art. 100 da Lei das S.A.
804 WALDIRIO BULGARELU. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A..., p. 106.
A composição do conselho fiscal será de no mínimo 3 (três) e
no máximo 5 (cinco) membros, e suplentes em igual número, con-
forme estabelece o § 1°. Diversamente do que ocorria com o con-
selho de administração, não é necessário que os membros do
conselho fiscal sejam acionistas. Para maior autonomia e inde-
pendência do órgão no desempenho de suas funções de fiscaliza-
ção, aliás, é recomendável que os conselheiros não sejam acionistas,
evitando-se assim conflitos de interesse.
O conselho fiscal é um importante instrumento de proteção de
acionistas minoritários, sempre que estes usam do seu direito para
eleger em separado um dos membros do conselho, e desde que as
pessoas eleitas tenham os conhecimentos que lhes permitam utilizar
com eficiência os meios, previstos na Lei das S.A., para fiscalização
dos órgãos da administração805.
Conforme a redação do § 4°, comentado mais adiante, os acionistas
titulares de ações preferenciais sem direito de voto, ou com voto restrito,
terão direito de eleger 1 (um) membro e respectivo suplente, os minoritá-
rios com direito a voto representando pelo menos 10% (dez por cento)
das ações ordinárias outro membro, sendo os 3 (três) demais eleitos pelo
acionista controlador. Assim, ainda que o estatuto disponha que o conse-
lhofiscalterá 3 (três) membros, configurada a situação acima, aplica-se a
norma legal, não a disposição estatutária, por tratar-se de comando de
ordem pública, sendo eleitos até 5 (cinco) membros806.
Quando o funcionamento do conselho fiscal não for permanen-
te, conforme a redação do § 2°, a sua instalação dependerá do pedido
A Lei das S.A. não exige que o voto seja pleno ou dotado de
caráter de permanência. Assim, os titulares de ações preferenciais
que adquirem o direito de voto por não terem recebido os dividen-
dos a que fazem jus são considerados acionistas com direito de
voto809, tanto para os efeitos do § 2° como do § 4°810.
807 O art. 291 da Lei das S.A. autorizou a CVM a reduzir tais porcentagens mínimas, com
relação às companhias abertas, o que foi feito mediante a publicação da Instrução CVM n°
324/2000. No Offcio Circular CVM/SEP n° 004/2011 que contém orientações gerais sobre
procedimentos a serem observados pelas companhias abertas e estrangeiras, a CVM, no
item 22, ao fazer referência à Instrução CVM n° 324/2000, observa que: "Assim, o acionista
minoritário tem direito de requerer, em assembleia geral, a instalação do Conselho Fiscal,
observado o quorum especial de instalação previsto na Instrução 324/00."
808 No mesmo sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anôni-
mas..., v. 3, p. 416; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188)..., v. II, p. 677.
809 Ver os comentários ao art. 111 da Lei das S.A.
810 A esse respeito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo
CVM n" RJ 2002/7152, Rei. Dir. Norma Jonssen Parente, j. em 30.08.2005.
Com relação à constituição do órgão, devem ser observadas as
seguintes regras: os titulares de ações preferenciais sem direito devoto,
ou com voto restrito, poderão eleger 1 (um) membro e seu suplente;
os acionistas minoritários, titulares de ações com direito de voto, des-
de que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais do
capital votante, elegerão outro membro; os demais acionistas, ou seja,
os controladores, elegerão os demais membros, de forma que tenham
maioria no conselho fiscal. Ou seja, se os preferencialistas sem direito
de voto, ou com voto restrito, elegerem 1 (um) membro e os titulares
de ações votantes outro, os controladores elegerão os 3 (três) restan-
tes, perfazendo um total de 5 (cinco) integrantes do conselho fiscal.
Se os titulares de ações com direito de voto não tiverem o percentual
mínimo, os preferencialistas sem direito de voto, ou com voto restrito,
elegerão 1 (um) membro e os controladores os outros 2 (dois), de
sorte que o conselho fiscal terá 3 (três) membros.
A opção do legislador foi claramente no sentido de permitir que o
adonista controlador possa sempre eleger a maioria dos membros do
conselho fiscal, em atenção ao prindpio majoritário. Ainda que tenha,
tal postura, gerado críticas acerbas e propostas de alteração, por ocasião
da reforma instituída pela Lei n° 10.303/2001, a modificação sugerida
foi vetada, mantendo-se a redação original da Lei das S.A.811.
Pode ocorrer uma situação em que os titulares de ações ordinárias
tenham a quantidade mínima para pedir a instalação do conselho fiscal
- mais de 5% (cinco por cento) das ações - mas não para eleger 1 (um)
membro, pois, neste caso, detêm menos de 10% (dez por cento) das
ações com direito de voto. Tal circunstância não lhes retira o direito de
ver instalado o conselho fiscal, ainda que não possam eleger 1 (um) de
seus membros. Com efeito, como os membros do conselho fiscal de-
811 A propósito, NELSON EIZIRIK, "Conselho Fiscal". In: Jorge Lobo e Antonio Kandir (Coord.).
Reforma da Lei das Sociedades Anônimas: Inovações e Questões Controvertidas da Lei n"
10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 457.
vem exercer suas funções tendo em vista o interesse social812, o fato de
não poderem os acionistas de determinada classe eleger 1 (um) deles
não lhes retira a legitimidade de requerer a instalação do órgão.
O requisito de 10% (dez por cento) previsto no § 4° diz respeito ao
número de ações de titularidade de todos os acionistas minoritários da
companhia e não ao número de ações detidas pelos minoritários efeti-
vamente presentes à assembleia geral. Com efeito, a interpretação lite-
ral da norma indica que o dispositivo deve ser lido da seguinte forma: os
acionistas minoritários poderão eleger em separado 1 (um) membro e
seu respectivo suplente desde que representem, em conjunto, 10% (dez
por cento) ou mais das ações com direito a voto. Não há na norma
qualquer menção a "acionistas presentes" ou a qualquer outra expressão
que restrinja os titulares de ações votantes aos que efetivamente com-
parecem à assembleia geral. Ademais, se o propósito da norma é o de
garantir a efetiva fiscalização da atuação dos administradores, por parte
dos minoritários, o percentual de 10% (dez por cento) deve ser inter-
pretado de forma a facilitá-la, não torná-la mais difícil813.
Com relação aos titulares de ações preferenciais sem direito de
voto, ou com voto restrito, a Lei das S.A. não faz qualquer exigência
de participação acionária mínima. Assim, mesmo o titular de uma
ação de tal classe poderá eleger 1 (um) membro do conselho fiscal.
Caso o controlador tenha ações sem direito de voto, não poderá utili-
zá-las na votação em separado dos titulares de ações de tal classe,
uma vez que a norma visa a permitir a efetiva participação dos mino-
ritários na fiscalização dos administradores814-815^51^.
Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferida nos autos do Agravo de
Instrumento n° 2000.002.06318, Rei. Des. Fabrício Bandeira Filho, j. em 09.08.2000,
publicada no D O em 05.10.2000 e na Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 788, junho, 2001, p. 379-384; (ii) 6a Câmera Cível do Tribunal de Alçada do
Estado de Minas Gerais, proferida nos autos do Agravo de Instrumento n° 2.0000.00.392463-
8, Rei. Des. Belizário de Lacerda, j. em 22.05.2003, publicada no D O em 11.06.2003; (iii)
5a Câmera Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, proferida nos autos
do Agravo de Instrumento n° 70.000.416180, Rei. Des. Carlos Alberto Bencke, j. em
07.04.2000, disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Ver, também, as decisões proferidas nos
Processos Administrativos Sancionadores CVM n™ 2001/8023, Rei. Dir. Wladimir Castelo
Branco, j. em 23.10.2002; 20/2004, Rei. Dir. Eli Loria, j. em 21.08.2008.
815 Ver, também, o Parecer Orientação CVM n° 19/1990 e Pareceres CVM/SJU n" 077/1983;
114/1983. No Offcio Circular CVM/SEP n° 004/2011, que contém orientações gerais sobre
procedimentos a serem observados pelas companhias abertas e estrangeiras, a CVM, no
item 22, observa que: "(...) o entendimento da SEP, em consonância com o disposto no
Parecer de Orientação n" 19/90, é de que, na eleição em separado para o conselho fiscal
pelos acionistas preferencialistas (artigo 161 da Lei n" 6.404/76), não devem participar
(elegendo) quaisquer acionistas que não se insiram no conceito de minoria que a lei
buscou proteger, ou seja, além dos controladores, também não devem participar pessoas
vinculadas a eles." Manifestou também entendimento no sentido de que, uma vez que o
percentual de participação acionária para eleição em separado de que trata a alínea "a" do
§ 4° não pode ser por ela reduzido por não se enquadrar em uma das hipóteses previstas no
art. 291 da Lei das S.A.: "Em função disso, nos casos em que (i) não haja acionistas
minoritários detentores de ações preferenciais; e (ii) os acionistas minoritários titulares de
ações ordinárias não atingirem o percentual para eleição em separado de membro do
conselho fiscal, o entendimento da CVM ê que os acionistas presentes, inclusive o
controlador, poderão eleger os conselheiros fiscais, por maioria de votos. O acionista
controlador não á obrigado a participar de eleição dos membros do conselho fiscal na
hipótese mencionada, e se não o fizer todos os conselheiros serão eleitos pelo voto dos
demais acionistas, qualquer que seja sua participação no capital, pois o conselho estará
instalado (artigo 161, parágrafo 2°), sendo obrigatória a eleição de seus membros (artigo
161, parágrafo 4o)."
81 6 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas..., v. 3, p. 151;
WALDIRIO BULGARELLI. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A..., p. 125.
A Lei n° 10.303/2001 acrescentou o § 7°, nos termos do qual é
indelegável a função de membro do conselho fiscal. Com efeito, as atri-
buições e poderes que a Lei das S.A. confere a determinado órgão não
podem ser outorgados a outros, criados por lei ou pelo estatuto817. Assim,
é vedada tanto a delegação das atribuições do conselho fiscal, como ór-
gão, quanto a delegação das atribuições individuais dos conselheiros fis-
cais. Não pode o estatuto, por exemplo, estabelecer que determinados
poderes defiscalizaçãoprevistos na Lei das S.A. como do conselho fiscal
ou de cada membro seu, individualmente, sejam exercidos por outro ór-
gão, como, por exemplo, o comitê de auditoria818.
§ 2° Não podem ser eleitos para o conselho fiscal, além das pesso-
as enumeradas nos parágrafos do artigo 147, membros de órgãos
de administração e empregados da companhia ou de sociedade
controlada ou do mesmo grupo, e o cônjuge ou parente, até ter-
ceiro grau, de administrador da companhia.
819 JOSÉ ANCHIETA DA SILVA. Conselho Fiscal nas Sociedades Anônimas Brasileiras: o
Conselho Fiscal à Luz da Lei de Sociedades Anônimas em Vigor. Belo Horizonte: Del
Rey, 2000, p. 72.
que o membro do conselho seja residente no País, não indo a Lei das
S.A. ao exagero de requerer residência no município onde se localiza a
sede social da companhia. Assim, somente poderá ser eleito para o car-
go de conselheiro a pessoa física residente no País.
A exigência de capacitação profissional específica do conselhei-
ro também é outro aspecto criticável820, uma vez que a Lei das S.A.
exige apenas diploma em curso de nível universitário ou exercício, por
prazo mínimo de 3 (três) anos, de cargo de administrador de empresa,
ou de conselheiro fiscal. Assim, não se exige especialização do mem-
bro do conselho fiscal em contabilidade, direito ou ramos afins ao
exercício do cargo. Tais requisitos são dispensáveis caso não existam
na localidade pessoas habilitadas. Em tal hipótese, permite-se, mediante
procedimento de jurisdição voluntária, que o juiz, dispense a companhia
de satisfazer os requisitos de formação universitária ou experiência. O
mais razoável é que a companhia, ao invés de pedir a dispensa ao juiz,
recorra a pessoas qualificadas residentes em outras localidades.
É recomendável, particularmente em companhias abertas, que o
estatuto supra a omissão legislativa, exigindo formação específica em
contabilidade, direito ou administração de empresas e experiência pro-
fissional comprovada em grandes sociedades ou empresas de auditoria.
O § 2° estabelece que, além dos impedimentos gerais previstos
no artigo 147, há outros, específicos, cuja presença, presume a Lei das
S.A., afetará a imparcialidade do conselheiro. O objetivo da norma é
o de evitar que o conselho fiscal não cumpra adequadamente as suas
funções de fiscalização, em virtude de vínculos de subordinação ou de
dependência, evitando-se, assim, situações que caracterizem o confli-
to de interesses. Nesse sentido, veda-se a eleição de membros de ór-
gãos de administração e empregados da companhia ou de sociedade
controlada ou do mesmo grupo, assim como do cônjuge ou parente, até
826 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 52.
827 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas..., p. 439.
828 NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais. 2'1 edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 120.
não vincular tal remuneração aos resultados da companhia. A reda-
ção original estabelecia o mesmo percentual de remuneração, dele
excluindo apenas a participação nos lucros. Daí decorreu certa dis-
cussão se o percentual deveria ser calculado sobre a remuneração di-
reta e indireta dos administradores, ou seja, se deveriam também ser
computados os Jringe benefits (benefícios de seguros, planos de saúde,
aluguel de automóvel, etc.). Com a nova redação, ficou claro que os
benefícios, verbas de representação e participação nos lucros não são
computados na remuneração de cada diretor, para o efeito de sobre
ela calcular-se a remuneração dos membros do conselho fiscal829.
A remuneração deve ser paga mensalmente, a partir do momen-
to em que o conselheiro toma posse de seu cargo. Nada impede que o
estatuto ou a assembleia geral estabeleça, adicionalmente, remune-
ração por reunião (jetons) como forma de estimular o compareci-
mento dos membros do órgão. Como a remuneração é devida pelo
efetivo exercício do cargo, os suplentes, enquanto permanecerem
em tal condição, a ela não fazem jus.
Competência
"Art. 163. Compete ao conselho fiscal:
830 WALDIRIO BULGARELLI. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 138 e seguintes.
As atribuições do conselho fiscal são de vigilância, jamais de ad-
ministração831, não lhe cabendo imiscuir-se no mérito dos atos de ges-
tão, mas tão somente apreciar sua legalidade. Tal significa que não cabe
ao conselho fiscal verificar se os administradores administram bem, mas
se o fazem conforme a Lei das S.A. e o estatuto832. Da mesma forma que
ocorre com o ato administrativo, o mérito, a conveniência e a oportuni-
dade dos atos praticados pelo conselho de administração e pelos dire-
tores não podem ser reavaliados pelo conselho fiscal, incumbindo-lhe
apenas dizer se foram praticados de acordo com a Lei das S.A. e se os
administradores cumpriram seus deveres legais e estatutários833.
Trata-se o conselho fiscal de um órgão colegiado, a deliberar se-
gundo o princípio majoritário, o qual é "temperado" mediante a previ-
são da atuação individual de seus membros. Com efeito, a existência
de poderes individuais dos conselheiros visa a impedir que algum aci-
onista controlador, que pode eleger a maioria dos membros do conse-
lho fiscal, eventualmente frustre a atuação fiscalizadora do conselho
fiscal para acobertar a atuação dos administradores.
A composição heterogênea do conselho fiscal, que se mani-
festa na origem de seus membros 834 , ap.enas faz sentido se for con-
ferida a cada um deles a possibilidade de atuar individualmente.
Se o órgão apresentasse uma feição puramente colegiada, deci-
dindo sempre pela maioria e sem possibilidade de atuação singular
de seus membros, os conselheiros não poderiam, em alguns casos,
exercer as funções para as quais foram eleitos, já que sempre pre-
valeceria a vontade dos controladores.
831 RUY CARNEIRO GUIMARÃES. Sociedade por Ações (Notas de Doutrina e Jurisprudên-
cia). v. III, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 134.
832 ALFREDO LAMY FILHO, "Competência do Conselho Fiscal". In: Alfredo Lamy Filho e José
Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. II,
2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 453.
833 JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a
188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 723.
Ainda que a Lei das S.A. estabeleça o regime de competências do
conselho fiscal, nada impede que o estatuto acrescente-lhe algumas
feições adicionais, desde que não invada a esfera de atuação dos outros
órgãos sociais. Na prática dos negócios, verifica-se em determinadas
companhias a criação dos chamados "conselhos fiscais turbinados",
com algumas das seguintes características: (i) composição apenas por
conselheiros independentes, sem qualquer tipo de vínculo, direto ou
indireto, com qualquer acionista, seja controlador, seja minoritário; (ii)
exigência de formação especializada dos membros, em contabilidade,
direito ou finanças; (iii) número mínimo de reuniões do órgão por exer-
cício social (em média uma vez por mês); (iv) disponibilização de salas
e pessoal próprio para secretariar ás reuniões; (v) estabelecimento de
regras para que os membros tenham disponibilidade de tempo, como
vedação a que pertençam a mais de 3 (três) ou 5 (cinco) conselhos fiscais;
e (vi) competência para opinar sobre outras operações, além das previstas
no inciso HI, como constituição de subsidiária integral, aquisição de con-
trole acionário de outra sociedade, participação em consórcio, etc.835.
Existe, em nosso modelo legal, para algumas hipóteses, a compe-
tência concomitante ou concorrente do órgão e do conselheiro fiscal,
e, para outras, a competência exclusiva do órgão. Ao longo do tempo,
as reformas legislativas à Lei das S.A. foram ampliando os casos em
que a competência é não só do conselho fiscal, como órgão, mas tam-
bém do seu membro, mediante atuação individual836.
835 A Lei Sarbanes-Oxley, que deve ser observada pelas companhias emissoras de valores
mobiliários no mercado de capitais norte-americano, exige a manutenção de um Audit
Commitee; assim, as companhias brasileiras que emitam valores mobiliários no mercado de
capitais norte americano devem criar um Comitê de Auditoria, nos termos da SOX, ou
ampliar as atribuições conferidas ao conselho fiscal para compatibilizá-lo às suas regras
dirigidas sobre o Audit Commitee. Sobre esse assunto, ver LUIZA RANGEL DE MORAES, "As
Novas Atribuições do Conselho Fiscal Diante da Lei Sarbanes-Oxley e da Legislação Brasi-
leira", Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Raulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 29, julho-setembro, 2005, p. 47-65.
836 NELSON EIZIRIK, "Conselho Fiscal". In: Jorge Lobo e Antonio Kandir (Coord.). Reforma da
Lei das Sociedades Anônimas: Inovações e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de
31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 453.
Há competência do órgão e do conselheiro nos seguintes casos pre-
vistos no dispositivo legal: incisos I, IV e §§ 2°, 3° e 4°. A competência é
apenas do conselho fiscal nas seguintes hipóteses: incisos II, m , V, VI,
VII, VIII e §§ 5°, 6° e 8°. De modo geral, os atos de análise, opinião e
convocação de assembleia são de competência do órgão; já os atos de
fiscalização, denúncia e solicitação de informações são de competência
concorrente, do conselho e de seus membros.
O inciso I estabelece que cabe ao conselho fiscal, por qual-
quer de seus membros, o poder-dever de fiscalizar os atos dos ad-
ministradores, verificando se cumpriram seus deveres legais e
estatutários. Trata-se de norma abrangente, devendo ser entendi-
da em seu sentido positivo e negativo. No primeiro, significa que,
em princípio, todos os atos dos administradores são passíveis de
fiscalização; no segundo, que a fiscalização centra-se no exame da
legalidade, não do mérito, conveniência ou oportunidade.
Para viabilizar a fiscalização exercida pelo conselho fiscal so-
bre os administradores, devem os órgãos de administração colocar
à disposição de seus membros cópias das atas de suas reuniões,
dentro de 10 (dez) dias (§ 1°).
Cabe ainda ao conselho fiscal, a pedido de qualquer de seus mem- -
bros, solicitar aos órgãos de administração esclarecimentos e infor-
mações. Tais informações devem ser pertinentes à função fiscalizadora
do órgão. Podem ser legitimamente recusados, por exemplo, pedidos
referentes à política de preços praticada pela companhia, estratégias
para conquista de novos mercados, operações projetadas de aquisição
de outras empresas, e quaisquer outros que não se refiram ao controle
das contas e da legalidade da gestão837.
Em sentido contrário, ver o Processo CVM n° RJ 2734/2005, Rei. Dir. Sérgio Weguelin, j.
em 30.08.2005, em que foi decidido que os conselheiros fiscais "em princípio, para
examinar e emiíir sua opinião sobre as demonstrações, devem ter acesso às mesmas informa-
ções e documentos aos quais a controladora e seus respectivos administradores c emprega-
dos tiveram acesso para elaborar as demonstrações (...), isto é, aos balancetes e demonstra-
ções financeiras das controladas e toda e qualquer informação utilizada, referida ou conside-
rada nas demonstrações, necessárias para a emissão de sua opinião."
Assim, o direito de pedir informações é instrumental, diz respeito ao
exercício da função fiscalizadora; não pode, portanto, ser ampliado a ponto
de instituir uma "administração paralela" na companhia 838 .
A fiscalização limita-se ao exercício social em curso, sem remon-
tai* à vida pretérita da companhia, não podendo alcançar, assim, perío-
dos da administração já abrangidos por aprovações das assembleias gerais
ordinárias anteriores839-840. C o m efeito, não compete ao conselho fis-
cal, sob pena de exorbitar de suas atribuições legais, reexaminar atos e
contas referentes a exercícios anteriores 841 ; se tal fosse possível, a ges-
tão empresarial ficaria paralisada, à espera de nova aprovação de seus
atos, a cada instalação de u m conselho fiscal.
842 Ver a Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n°
488/2010.
843 Ver os comentários ao art. 132 da Lei das S.A.
vez que a competência é privativa da assembleia; por outro lado,
aprovar as contas contra o parecer do conselho fiscal pode consti-
tuir indício de acobertamento, por parte dos controladores, de atos
ilegais da administração.
O parecer é do órgão, podendo ser aprovado pela maioria de
seus membros. Os membros dissidentes podem consignar sua di-
vergência na ata de reunião do conselho fiscal, comunicá-la ao con-
selho de administração, diretoria e assembleia geral, cabendo-lhes,
se desejarem, manifestar seu entendimento diante de tais órgãos845.
Assim, se um membro do conselho fiscal é contrário à aprovação
das contas, pode apresentar seu parecer na assembleia geral, vi-
sando a bem informar os acionistas.
Também é do conselho fiscal, como órgão, a competência pre-
vista no inciso III, de opinar sobre propostas de: (i) modificação do
capital social, ou seja, seu aumento ou redução; (ii) emissão de debên-
tures ou bônus de subscrição; (iii) planos de investimento ou orça-
mentos de capital; (iv) distribuição de dividendos; e (v) operações de
transformação, incorporação, fusão ou cisão. Trata-se de enumeração
não exaustiva, que eventualmente pode ser aumentada pelo estatuto
social. Inexistindo disposição estatutária, não tem o conselho fiscal
competência para opinar sobre matérias não previstas na Lei das S.A.
Deve o conselho fiscal restringir-se ao exame da legalidade e re-
gularidade de tais atos ou operações, sem adentrar o seu mérito nem
examinar a sua conveniência e oportunidade846. Assim, tratando-se de
um aumento de capital, por exemplo, caberá ao conselho fiscal opinar
sobre a sua legalidade, verificando se os atos societários prévios foram
regulares, bem como se o preço de emissão das ações está adequado,
848 CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 4, São Paulo:
Saraiva, 1972, p. 73, p. 153; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas -
Comentários à Lei (arts. 121 a 188)..., v. II, p. 731.
849 WALDIRIO BULGARELLI. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A..., p. 170 e seguin-
tes.
exceto se não forem relativas à sua função fiscalizadora. Havendo re-
quisição legítima, o conselho, para atendê-la, pode solicitar aos órgãos
de administração esclarecimentos e informações atinentes à matéria.
As demonstrações financeiras das companhias abertas devem ser
auditadas por auditor independente registrado na Comissão de Valores
Mobiliários851. O conselho fiscal, a pedido de qualquer de seus mem-
bros, pode solicitar ao auditor esclarecimentos ou informações, bem
como a apuração de determinados fatos específicos, desde que neces-
sários ao exercício de sua função fiscalizadora (§ 4°).
Caso a companhia não seja auditada por auditor independente,
como ocorre na maioria das companhias fechadas, o conselho fiscal
pode escolher contador ou auditor para assessorá-lo em suas funções,
fixando seus honorários, a serem pagos pela companhia (§ 5°).
Pode ainda o conselho fiscal, nos termos do § 8°, escolher perito
para apurar fato cujo esclarecimento seja necessário ao exercício de
suas funções. A competência, no caso, é do órgão, não de qualquer
conselheiro; caso um conselheiro proponha a medida, o conselho
deliberará por maioria se a adota ou não.
Tanto a requisição de contador como de perito devem ser justifica-
das e estar inseridas no âmbito de competência do conselho fiscal; caso
contrário podem ser recusadas pela diretoria. Assim, por exemplo, se o
conselho requer a contratação de perito para opinar sobre a conveniência
e oportunidade de uma incorporação de ações de outra companhia, tal
pedido pode ser legitimamente recusado, por importar em invasão da
esfera de competência dos órgãos de administração.
A Lei das S.A. segue o princípio segundo o qual cada órgão tem
competência privativa para a prática de determinados atos, que não
pode ser delegada a outros órgãos, quer sejam previstos em lei, quer
Ver os comentários ao art. 177 da Lei das S.A. Sobre o registro do auditor independente na
CVM e a fiscalização por ela exercida, ver, também, a Instrução CVM n° 308/1999;
NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro; Renovar, 2005, p. 157.
sejam criados pelo estatuto. A proibição alcança o consellio fiscal, que
não podem delegar a outros órgãos, nos termos do § 7°, os poderes que
lhes foram atribuídos na Lei das S.A. A Lei n° 10.303/2001 acrescen-
tou o mesmo dispositivo no § 7° do artigo 161. Com efeito, as atribui-
ções e poderes que a Lei das S.A. confere a determinado órgão não
podem ser outorgados a outros, criados por lei ou pelo estatuto852. As-
sim, é vedada tanto a delegação das atribuições do conselho fiscal, como
órgão, quanto a delegação das atribuições individuais dos conselheiros
fiscais. Não pode o estatuto, por exemplo, estabelecer que determina-
dos poderes de fiscalização previstos na Lei das S.A. como do conselho
fiscal ou de cada membro seu, individualmente, sejam exercidos por
outro órgão, como, por exemplo, o comitê de auditoria853.
O direito societário, desde o século XIX, nas mais diversas legisla-
ções, atribui caráter cogente às normas que definem as atribuições dos
órgãos pelo fato de terem as sociedades anônimas características diferen-
tes das demais sociedades: grande número de sócios, todos com responsa-
bilidade limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas,
que podem a qualquer momento transferir suas ações. Tais características
sempre exigiram regulação estatal para proteger tanto os acionistas e os
investidores do mercado como terceiros que negociam com a companhia.
Além de tais características, as leis societárias, ao estabelecerem a
indelegábilidade de funções dos órgãos, consagram o princípio da espe-
cialização, nos termos do qual a sociedade anônima constitui um empre-
endimento institucionalizado, um grupamento de pessoas com interesses
comuns, visando à realização do objeto social de forma lucrativa, na qual,
por imposição legal, cada órgão tem funções determinadas, das quais não
pode ser privado nem a elas renunciar854-855.
856 Em sentido contrário, JOSÉ ANCHIETA DA SILVA. Conselho Fiscal nas Sociedades Anôni-
mas Brasileiras: o Conselho Fiscal à Luz da Lei de Sociedades Anônimas em Vigor. Belo
Horizonte: Del Rey, 2000, p. 105.
Se um conselheiro fiscal comparece e anui tacitamente com a
deliberação, não há fundamento legal para a ação de anulação da
deliberação; em princípio, deve-se manter as deliberações assem-
bleares, necessárias à continuidade dos negócios da companhia, evi-
tando-se demandas judiciais fundadas na mera ausência de emissão
formal de um parecer, quando caracterizado o consentimento do
conselho fiscal ou de seu membro presente858.
Os pareceres e as representações apresentados e lidos na assembleia
não vinculam os acionistas, que livremente formam a vontade social.
Ademais, não é necessária a sua publicação, uma vez que se destinam aos
acionistas, reunidos em assembleia geral, não ao público em geral859.
Os pareceres são os documentos que contêm opiniões do conse-
lho fiscal, como órgão, ou de seus integrantes, individualmente, sobre a
legalidade dos atos da administração, praticados ou por praticar. É im-
portante observar que, como os conselheiros fiscais não têm qualquer
poder de veto sobre as decisões da assembleia geral ou dos órgãos de
administração, tais documentos não vinculam nem os acionistas nem
os administradores. Assim, não estão os destinatários dos pareceres
obrigados a adotar as providências nele sugeridas ou aconselhadas.
• As representações constituem peças mediante as quais os mem-
bros do conselho fiscal levam ao conhecimento dos acionistas atos
ilegais praticados pelos administradores, para que eles possam tomar as
providências cabíveis, notadamente a destituição dos infratores e a pro-
moção de ação de responsabilidade pelos prejuízos causados.
858 Em sentido contrário, a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
proferida na Apelação Cível n° 595.160.417, publicada na Revista de Jurisprudência do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, v. 178, p. 274; e em NELSON EIZIRIK. Sociedades Anônimas: Jurispru-
dência. t. II, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 222.
859 Nesse sentido, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei
(arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 751. A Exposição de Motivos n°
196, de 24.06.1976, explica que a dispensa de publicação dos pareceres e representações
foi adotada para que os eventuais prejuízos que a companhia possa sofrer com a sua
divulgação não inibam os conselheiros de relatar à assembleia fatos que não eram do
conhecimento dos acionistas.
Na prática, muitas vezes é difícil estabelecer a distinção precisa
entre os pareceres e as representações, não importando a eventual
confusão terminológica, desde que os fatos sejam reportados com
clareza aos seus destinatários.
Deveres e responsabilidades
"Art. 165. Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deve-
res dos administradores de que tratam os artigos 153 a 156 e res-
pondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de
seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou com viola-
ção daleioudo estatuto. (Redação dada pela Lein° 10.303/2001)
865 Ver os comentários aos arts. 155 e 165-A da Lei das S.A.
866 Ver os comentários ao art. 165-A da Lei das S.A.
867 Art. 3°, § I o , da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n" 369/2002 e 449/2007.
868 Art. 3o, § 2 o , da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n'"1 369/2002 e 449/2007.
individuais de seus eleitores. Os membros do conselho fiscal, embora
eleitos por determinada categoria de acionistas, após sua posse não po-
dem agir no interesse individual de seus eleitores, mas somente naqui-
lo que coincidir com o interesse social. Daí decorre a absoluta
ilegalidade de atuarem seguindo as instruções de seus eleitores, ou
de deles receberem uma suplementação de honorários869.
Assim, por exemplo, não pode o membro do conselho fiscal eleito
por acionista minoritário passar-lhe informações confidenciais da com-
panhia, obtidas em razão de seu cargo, ou utilizar seus poderes indivi-
duais para exercer, sem fundamentação, oposição sistemática a toda e
qualquer deliberação dos administradores. Da mesma forma, não po-
dem os conselheiros fiscais eleitos pelo controlador obstruir as iniciati-
vas de fiscalização propostas pelos membros do órgão eleitos pelos
minoritários para acobertar atos ilegais dos administradores.
A Lei das S.A. equiparou a natureza da responsabilidade dos
membros do conselho fiscal à dos integrantes do conselho de adminis-
tração e da diretoria870. Assim, respondem eles pelos danos causados
pela omissão no cumprimento de seus deveres e pelos atos praticados
com culpa ou dolo, ou còm violação da lei ou do estatuto.
A responsabilidade do conselheiro fiscal, tratando-se de atos co-
missivos, é, em princípio, individual; cada membro do conselho fiscal
responde por seus próprios atos. Para que seja solidariamente responsá-
vel com o ato de outro conselheiro, deve ficar demonstrado que ele foi
conivente ou que .concorreu para a sua prática. Assim, por exemplo, se
um membro do conselho fiscal utiliza informações confidenciais da
companhia em proveito próprio, às quais teve acesso no curso de uma
reunião do órgão, os demais, se souberem da prática ilícita e não a de-
nunciarem, serão solidariamente responsáveis por conivência.
869 Em sentido contrário, WALDIRIO BULCARELLI. O Conselho Fiscal nas Companhias Brasi-
leiras. Rio de Janeiro: Ed. Revista dos Tribunais, 1988, p. 120.
Se os membros do conselho fiscal omitem-se no cumprimento
de seus deveres, há uma presunção de sua responsabilidade solidária;
exime-se o conselheiro que manifestar em ata sua divergência e co-
municá-la aos órgãos de administração e à assembleia geral. Não há,
em tal comunicação, qualquer formalidade a ser atendida, bastando a
comprovação de que os destinatários a receberam. Assim, por exem-
plo, se o conselho fiscal opina favoravelmente a aumento de capital
manifestamente ilegal, por descumprimento aos princípios legais re-
lativos ao preço de emissão das ações871, há responsabilidade solidária
de todos os seus membros. Da mesma forma, também há responsabi-
lidade solidária se nenhum dos conselheiros fiscais comparece a uma
assembleia geral em que se deliberará matéria incluída, em sua com-
petência de fiscalização.
Caracterizado o ato ilícito do membro do conselho fiscal e de-
liberada a proposição de ação de responsabilidade contra ele por
danos causados à companhia, ocorrerá o seu impedimento, medi-
ante aplicação analógica do § 2° do artigo 159.
873 Ver, a propósito, o art. 11 da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n" 369/2002 e 449/2007.
874 Ver os comentários aos arts. 177 e 165 da Lei das S.A.
875 Ver os comentários ao art. 155 da Lei das S.A.
876 Arts. 1° e 13 da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n'" 369/2002 e 449/2007.
877 O art. 27-D da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pela Lei nD 10.303/2001, é aplicável aos
membros do conselho fiscal, ao dispor que: "Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não
divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de
CAPÍTULO X E V
M O D I F I C A Ç Ã O D O CAPITAL SOCIAL
SEÇÃO I
AUMENTO
878 VICTOR BRUDNEY e MARVIN A. CHIRELSTEIN. Corporate Finance - Cases and Materials.
3,d edition, Mineola, New York: Foundation Press, 1987, p. 373.
Considerava-se não ser importante a divisão da estrutura de ca-
pital da companhia (empréstimos e ações), uma vez que o seu valor
dependeria de 2 (dois) outros fatores essenciais: grau de lucratividade
e nível de risco879. No entanto, entende-se, atualmente, que a estrutu-
ra do capital efetivamente afeta o valor da empresa por diversos fato-
res, entre eles o benefício fiscal da dívida, os custos de falência, os
custos de agência, etc.880.
As normas que tratam do aumento de capital devem conciliar 2
(dois) objetivos: (i) permitir a capitalização da companhia mediante a
emissão de ações, ao menor custo e da forma mais rápida; e (ii) asse-
gurar a adequada proteção aos direitos de seus acionistas.
O capital social constitui a parcela do valor das ações subscritas -
estabelecida no estatuto - que os acionistas vinculam à consecução do
objeto social, seja na constituição da companhia, seja nos seus posteri-
ores aumentos881. Assim, a sua função primordial é garantir à sociedade
os meios para realizar o seu fim. Ademais, a estipulação do valor do
capital no estatuto define os direitos e obrigações dos acionistas - cuja
879 MODIGLIANI A N D MILLHER. The Cost of Capital, Corporation Finance and the Theory of
lnvestment. The American Economic Review. v. XLIII, june, 1958, p. 261.
880 Sobre esse assunto, ver FRANCO MODIGLIANI e MERTON H. HILLER, "Dividend Policy,
Growth and The Valuation of Shares", The Journal of Business, v. 34, n° 4, October, 1961,
p. 411-433 e no v. 36, n° 1, January, 1963, p. 116-119; FRANCO MODIGLIANI e MERTON
H. HILLER, "Corporate Income Taxes and the Cost of Capital: A Correction", The American
Economic Review. v. 53, n° 3, June, 1953, p. 433-443; FRANCO MODIGLIANI e MERTON
H. HILLER. The Cost of Capital, Corporation Finance and the Theory of lnvestment: Reply",
The American Economic Review. v. 55, n° 3, June, 1965, p. 524-527; FRANCO MODIGLIANI
e MERTON H. HILLER, 'Debt and Taxes", The Journal of Finance. v. 32, n. 2, Papers and
Proceedings of the Thirty Fifth Annual Meeting of The American Finance Association,
Atlantic City, September, 1976, p. 261-275; MERTON H. HILLER and MYRON S. SCHOLES,
"Dividend and Taxes: Some Empirical Evidence", The Journal of Political Economy. v. 90,
n° 6, december, 1982, p. 1.118-1.141; MERTON H. HILLER, "Behavioral Râtionality in
Finance: The Case of Dividends", The Journal of Business, v. 59, n° 4, October, 1986, p.
S451-S468; MERTON H. HILLER, "Financial Inovation: The Last Twenty Years and the
Next", The Journal of Financial and Quantitative Analysis. v. 21, n° 4, december, 1986, p.
459-471; MERTON H. HILLER, "The Modiglian-Miller Propositions After Thirty Years", The
Journal of Economic Perspectives, v. 2, n° 4, august, 1988, p. 99-120.
responsabilidade é limitada ao preço de emissão das ações subscritas - e
também funciona como instrumento de garantia dos credores.
A noção de capital social como cifrafixae imutável (no passado as
hipóteses de aumento eram tratadas como casos excepcionais) foi per-
dendo relevância no atual sistema jurídico brasileiro, assim como no
direito comparado; face à dinâmica dos negócios, o capital passou a ter
uma grande mobilidade, sendo freqüentes os seus aumentos.
Os princípios fundamentais sobre o capital social são: (i) o da uni-
cidade, ou seja, a companhia só tem um capital, ainda que apresente
várias filiais; (ii) o da realidade, nos termos do qual o capital estipulado
no estatuto deve ser efetivamente formado no ativo mediante contri-
buições dos subscritores das ações; (iii) o da intangibilidade, segundo
o qual não se pode transferir bens do ativo para os sócios caso o mon-
tante do capital nele aplicado fique inferior ao fixado no estatuto; e
(iv) o da fixidez, que significa que, uma vez estabelecido no estatuto,
somente pode ser alterado nos casos previstos em lei882.
O artigo 6° consagra o princípio da fixidez do capital, ao dispor
que ele somente poderá ser modificado com a observância dos dispo-
sitivos legais e estatutários. Assim, a Lei das S.A. contém normas que
disciplinam taxativamente as hipóteses de modificação do capital, que
visam a proteger os interesses dos acionistas - no caso de aumento -
e dos credores - no caso de redução.
O presente dispositivo apenas apresenta uma relação de casos
em que pode ocorrer o aumento de capital, os quais são objeto de
disciplina mais detalhada nos artigos 167, 168, 169 e 170.
No regime original da Lei das S.A., a correção monetária do capital
deveria ocorrer obrigatoriamente em cada exercício social (artigo 5°, pará-
grafo único). A Lei n° 9.249/1995 (artigo 4°, parágrafo único) vedou a
utilização de qualquer sistema de correção monetária de demonstrações
financeiras, inclusive para fins societários. Assim, ficou derrogado o inci-
so I, extinguindo-se a correção monetária anual do capital.
Nos termos do inciso II, o aumento de capital na companhia
de capital autorizado que ocorrer dentro do limite autorizado no
estatuto poderá efetivar-se mediante deliberação da assembleia ge-
ral ou do conselho de administração, a depender do órgão compe-
tente, nos termos do estatuto 883 .
Pode também ocorrer o aumento de capital quando debêntures
(artigo 52) ou partes beneficiárias (artigo 46) são convertidas em ações;
da mesma forma, quando são exercidos os direitos conferidos por bô-
nus de subscrição (artigo 75) e opções de compra de ações (artigo
168, § 3°). Diversamente dos demais casos (incisos II e IV), trata-se
de aumento obrigatório do capital social, em que não cabe aos admi-
nistradores avaliar sua conveniência ou oportunidade. Uma vez con-
vertidos os valores mobiliários ou exercidos os direitos neles contidos,
o capital é automaticamente aumentado, sem necessidade de qual-
quer aprovação da assembleia geral ou do conselho de administração,
no caso de companhia com capital autorizado884.
Tanto na hipótese do inciso II como na do IV, há emissão de
ações a serem subscritas pelos acionistas, no caso de subscrição parti-
cular, no exercício de seu direito de preferência, ou pelos investidores
do mercado, na subscrição pública885.
Diversamente do que ocorria no regime legal anterior (artigo 12
do Decreto-Lei n° 2.627/1940), no aumento de capital mediante subs-
crição de ações não há necessidade de realização de uma segunda
assembleia geral extraordinária de "homologação" ou "conferência"
do aumento. Tal assembleia era exigida pelo Decreto-Lei n ' 2.627/
1940 e foi dispensada pela vigente Lei das S.A., o que constituiu uma
solução simplificadora, embora, na prática, muitas vezes, seja realiza-
da. Visando a tornar menos complexo o procedimento, o legislador
prevê, como regra geral, apenas uma intervenção da assembleia geral
extraordinária, para aprovar o aumento de capital ou para definir as
suas condições, cujo cumprimento posterior torna efetiva a delibera-
ção assemblear. A publicidade prevista no § 1° somente será requeri-
da após a "efetivação" da operação, expressão que indica tanto a
realização de assembleia única - no caso da capitalização de reservas
- como a realização de todos os atos que integram a operação886.
Na hipótese do inciso III, o aumento é averbado na Junta Comer-
cial, independentemente de deliberação do conselho de administração
ou da assembleia geral, já que é automático, pois decorre do exercício de
direitos dos titulares dos valores mobiliários. Também devem ser aver-
bados os aumentos de capital decorrentes da emissão de ações dentro
do limite do capital autorizado. Tratando-se de aumento mediante
emissão de ações por companhia com capital fixo ou com capital auto-
rizado cujo limite de autorização já foi atingido, deve ser realizada as-
sembleia geral extraordinária, cuja ata será arquivada na Junta Comercial.
O conselho fiscal, quando em funcionamento, deverá opinar em
todos os casos de aumento de capital, exceto naqueles decorrentes da
conversão de valores mobiliários em ações ou pelo exercício de direitos
conferidos por bônus de subscrição ou opções de compra de ações. A
atuação do conselho fiscal deve limitar-se à analise da legalidade da
operação, não à sua conveniência e oportunidade887.
886 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas. São
Paulo: Saraiva, 1 988, p. 82.
887 Ver os comentários ao art. 163 da Lei das S.A. Em sentido contrário, MAURO RODRIGUES
PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas..., p. 179.
do capital realizado (artigo 182, § 2 o ) será capitalizada por delibera-
ção da assembleia geral ordinária que aprovar o balanço.
888 Ver os comentários aos arts. 138 a 142 da Lei das S.A.
889 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Regime Jurídico do Capital Autorizado. São
Paulo: Saraiva, 1984, p. 46 e seguintes.
890 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEAES. Direito Comercial. São Raulo: Bushatsky,
1976, p. 281.
891 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Regime Jurídico do Capital Autorizado...,
p. 71-72.
social892. Assim, constarão do estatuto social a cifra do capital fixo e a
autorização para o seu aumento, mediante deliberação da assembleia
ou do conselho, até determinado valor ou número de ações, sem neces-
sidade de alteração estatutária. Não há qualquer prazo para que se rea-
lizem os aumentos de capital; alcançado o limite do capital autorizado,
será necessária alteração do estatuto, para que se estabeleça novo limite.
A companhia pode ser constituída com capital autorizado, ou seja,
já constando de seu estatuto a autorização para que o seu capitalfixoseja
aumentado até o limite nele estabelecido, desde que seu capital propria-
mente dito, isto é, o fixo, tenha sido inteiramente subscrito por pelo me-
nos 2 (duas) pessoas (artigo 80, inciso I)893. Assim, o capital social subscrito
pode ser inferior ao limite autorizado no estatuto.
O limite pode ser fixado em determinado valor ou em número de
ações, de acordo com a alínea "a" do § 1°, devendo o estatuto discipli-
nar as espécies e classes de ações que serão emitidas. Não se pode
admitir a criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações
preferenciais já existentes, sem guardar proporção com as demais clas-
ses de preferenciais, ou a criação de nova classe mais favorecida, sem
previsão estatutária. A autorização para aumento de capital não im-
plica em autorização para a quebra da proporção. O aumento de clas-
se existente sem guardar proporção com as demais deve ser sempre
deliberado em assembleia geral extraordinária, salvo prévia e expressa
previsão no estatuto nesse sentido894-895.
892 A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, observa que o art. 169 "mantém a
inovação introduzida pela Lei n° 4.728, ao admitir que o estatuto social, além de fixar o
montante do capital social, estabeleça limite de capital autorizado, dentro do qual a
Assembléia Cera/ ou o Conselho de Administração pode deliberar aumento do capital
social, independentemente de reforma estatutária."
893 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 3, -t1 edição,
São ftiulo: Saraiva, 2008, p. 510; JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Regime Jurfdi-
co do Capital Autorizado..., p. 78-79, revendo posição anlerior {ECBERTO LACERDA
TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direi-
to Brasileiro, v. 1, São Raulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 121).
894 Ver os comentários ao art. 136 da Lei das S.A.
895 Sobre esse assunto, ver o Parecer CVM/SJU n° 001/1980. Ver, também, os comcnlários ao
art. 167 da Lei das S.A.
O estatuto deve estabelecer também qual o órgão competente para
deliberar sobre a emissão de ações no limite do capital autorizado: a as-
sembleia geral ou o conselho de administração. Trata-se de competência
excludente, ou de um ou de outro órgão, não podendo ser cumulativa,
concorrente ou supletiva. Caso a competência seja da assembleia geral,
como prevalece o critério ratione materiae, o aumento deverá ser delibera-
do por assembleia geral extraordinária, não se demandando quorum qua-
lificado de instalação (artigol35), por não se tratar de reforma do estatuto896.
E recomendável que o estatuto determine a competência do
conselho de administração, situação usual na prática do mercado,
pois permite maior agilidade ao processo de capitalização da com-
panhia mediante a emissão de ações.
Ao deliberar o aumento de capital, o conselho de administra-
ção não age por delegação de poderes da assembleia geral, mas no
exercício de um poder legal derivado de autorização estatutária. Daí
decorre que a responsabilidade do membro do conselho, por des-
cumprir a lei ou o estatuto, é própria e indeclinável, não podendo ele
arguir, em sua defesa, a vinculação hierárquica à assembleia geral,
que não existe no caso897.
Deverá, ainda, o estatuto dispor sobre as condições das emissões
de ações no limite do capital autorizado, se em bens ou dinheiro. Tra-
ta-se de dispositivo de pouca aplicação na prática, uma vez que os
estatutos normalmente limitam-àe a dizer que as emissões somente
poderão ser subscritas em dinheiro. Ainda que admitidas, as subscri-
ções com bens são muito raras; como o conselho de administração
não pode deliberar sobre a avaliação dos bens, pois trata-se de com-
petência exclusiva da assembleia (artigo 122, inciso VI), a principal
vantagem do regime de capital autorizado - a celeridade da emissão -
seria frustrada pela realização necessária de assembleia geral.
nos EUA. Mais de 130 (cento e trinta) empresas foram acusadas pela chamada prática de
option backdating, ou seja, por terem manipulado as datas de concessão dos planos de
opções de ações de seus executivos, para que estes pudessem se beneficiar de momentos
de valorização no mercado e, com isso, ter seus ganhos pessoais maximizados. A esse
respeito, ver J O H N C. COFFEE JR. What Caused Enron?: A Capsule Social and Economic
History of the 1990's. New York: Columbia Law and Economics, January, 2003, p. 214;
j O H N C. COFFEE JR. A Theory of Corporate Scandals: Why the U.S. and Europe Differ.
New York: Columbia Law and Economics, march, 2005, p. 274; MICHAEL C. JENSEN. The
Agency Cost of Overvalued Equity and the Current State of Corporate Finance. London:
European Financiai Management, v. 10, 2004, p. 549-565; KATHLEEN F. BRICKEY. From
Enron to Worldcom and Beyond: Life and Crime After Sarbanes-Oxley. St. Louis: Washing-
ton School, june, 2003, p. 03-06.
903 Note-se que a Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n" 369/2002 e 449/2007, no art. 2 o , parágrafo único, inciso XII, prevê que a
aprovação de plano de outorga de opção de compra de ações constitui fato relevante.
904 A Instrução CVM n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n"
100/1989, 268/1997, 390/2003 assim prevê, em seu art. 23: "Art. 23. Respeitado o
disposto no Art. 2o [vedações para aquisição de ações para permanência em tesouraria ou
cancelamento], a CVM poderá, em casos especiais e plenamente circunstanciados, autori-
zar, previamente, operações da companhia com as próprias ações que não se ajustarem às
demais normas desta Instrução." A esse respeito, ver as decisões do Colegiado da CVM
proferidas no Processo Administrativo CVM n° RJ 2002/2935, Rei. Dir. Norma Parente, j.
em 10.10.2002, e no Processo Administrativo CVM n° RJ 2000/1412, Rei. Dir. Wladimir
Castelo Branco Castro, j. em 25.08.2000.
905 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "Sobre a Opção de Compra de Ações", Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 39, julho-setembro, 1980, p. 226-227; PAULO CEZAR ARACAO e DANIELA
A finalidade da opção é permitir aos administradores, empregados
e prestadores de serviços participar dos lucros futuros da companhia e
da valorização das ações de sua emissão no mercado. Ela é, assim, uma
vantagem a ser atribuída principalmente aos administradores, visando
a incentivar a sua permanência na companhia e a premiar os seus
esforços. Os administradores desempenham a função de conduzir
os negócios sociais de modo a permitir que a companhia cumpra
sua finalidade lucrativa (artigo 2°). Como a valorização das ações
resulta em grande parte da atuação eficiente dos administradores, a
outorga de opção de compra de ações funciona como incentivo para
que eles maximizem o desempenho da companhia, alinhando os
seus interesses aos dos acionistas.
O beneficiário da opção compartilha com os demais acionistas os
riscos do mercado de capitais, particularmente das ações da compa-
nhia, o que constitui um incentivo para o seu comprometimento com
os resultados906. Se não ocorrer a valorização das ações no mercado, a
opção de compra perderá o seu valor e não será exercida.907
Uma vez outorgada a opção, a companhia coloca-se numa posi-
ção passiva, à espera da exclusiva manifestação de vontade do outor-
gado, cabendo-lhe decidir se irá exercê-la e em que momento; com
efeito, o direito consubstanciado na opção representa uma vantagem
908 FÁBIO KONDER COMPARATO. Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de
Janeiro: Forense, 1981, p. 177-178; PAULO CEZAR ARAGAO, "Opções de Compra de
Ações e Bônus de Subscrição", Revista dos Tribunais. São foulo: Ed. Revista dos Tribunais,
v. 631, maio, 1988, p. 63.
909 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 198.
910 Decisão da 3a Turma do Tribunal Superior do Trabalho proferida nos autos do Processo n°
TST-AIRR 208640-09.2001.5.01.0070, Rei. Des. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira,
j. em 05.08.2009, publicado no DEJT em 21.08.2009; PAULO CEZAR ARACÃO e DANIELA
SOARES, "Opções de Compra de Ações: uma Análise da Evolução do Instituto no Brasil".
In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luís André N. de Moura Azevedo (Coord.). Poder de
Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais..., p. 172; HOMERO
BATISTA MATEUS DA SILVA. Curso de Direito do Trabalho Aplicado, v. 5, Rio de Janeiro:
Elsevier, 2009, p. 162.
Embora possa ser comparada ao bônus de subscrição, uma vez
que ambos são institutos típicos de sociedades com capital autoriza-
do e asseguram ao seu titular o direito de subscrever futuramente ações
da companhia, eles não se confundem, especialmente porque a op-
ção de compra não tem a natureza de valor mobiliário. Com efeito, a
Lei das S.A. conferiu tratamento diferenciado e específico às opções,
as quais não se destinam, como os valores mobiliários elencados no
artigo 2° da Lei n° 6.385/1976, à livre circulação, nem se colocam no
âmbito das relações externas da companhia. A opção não constitui um
título autônomo e destinado à circulação no mercado, como ocorre com
o bônus, representando, na realidade, um direito em si, a ser exercido em
virtude da promessa unilateral da companhia de alienar ações de sua
emissão a seus administradores, empregados e prestadores de serviços.
Ademais, a opção também se distingue das ações e dos bônus pelo
fato de que a companhia não tem a obrigação de conceder direito de
preferência aos seus acionistas para a sua aquisição (artigo 171, § 3°). O
legislador afastou expressamente, na outorga e no exercício da opção, a
incidência de um direito essencial dos acionistas: o de preferência na
subscrição de títulos representativos do capital social, que possam ser
convertidos ou confiram direito à sua aquisição911.
Ao prever a Lei das S.A. que o plano de outorga de opções de com-
pra de ações deve ser aprovado pela assembleia geral, estabeleceu um
requisito essencial à validade da opção. Não se admite que outros órgãos
sociais confiram opções de compra sem que haja aprovação do respecti-
vo plano em assembleia geral, por 3 (três) razões: (i) a excepcionalidade
da regra que afasta o direito de preferência, já que o exercício das op-
ções poderá acarretar a diluição da participação dos acionistas, impõe a
necessidade de aceitação prévia da possível emissão de ações, nas con-
dições previstas no plano; (ii) constituindo a opção um prêmio ao ad-
ministrador ou empregado, significa disposição do patrimônio social
em seu favor, daí decorrendo que, não aprovado o plano pelos acio-
nistas, poderia ficar caracterizado ato de liberalidade; e (iii) pelo fato
de integrar a remuneração dos administradores.
O plano aprovado pela assembleia geral deve conter as diretrizes
gerais para o seu funcionamento e para a concessão de outorgas, sen-
do usual a delegação de certo grau de discricionariedade ao órgão
encarregado de aplicá-lo, na prática. Assim, costuma-se prever no
plano: (i) cláusulas sobre sua administração; (ii) hipótese de desli-
gamento dos outorgados; (iii) critérios gerais para fixação de cada
outorga; e (iv) percentual máximo do capital da companhia que
poderá ser outorgado na forma de opções.
Usualmente, a administração do plano é delegada pela assem-
bleia geral ao conselho de administração, que pode constituir um
comitê específico para assessorá-lo ou mesmo substituí-lo nessa
tarefa (freqüentemente denominado "comitê de remuneração"),
uma vez que não se trata de atribuição indelegável, já que não
prevista no artigo 139912.
Deve o plano indicar também qual será o preço de exercício da
opção, tendo em vista os parâmetros elencados no artigo 170, § 1°.
Tratando-se de companhia aberta com ações negociadas em Bolsa
de Valores e dotadas de liquidez, deverá prevalecer a cotação em Bol-
sa na data da outorga, admitindo-se deságio. Assim, se houver uma
variação positiva entre o preço em Bolsa na data da outorga e aquele
verificado na data do exercício, o outorgado provavelmente exercerá a
opção, auferindo lucro; caso contrário, não exercerá a opção.
A Lei das S.A. prevê expressamente a possibilidade de serem con-
feridas opções não só a administradores da sociedade como também a
pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedades
912 PAULO CEZAR ARAGAO e DANIELA SOARES, "Opções de Compra de Ações: uma Análise
da Evolução do Instituto no Brasil". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luís André N. de
Moura Azevedo (Coord.). Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e
Mercado de Capitais..., p. 166.
sob seu controle. Vem sendo verificada, na prática do mercado, a ou-
torga de opções por companhias estrangeiras aos administradores de
suas controladas no Brasil, o que é absolutamente legítimo e reco-
nhecido expressamente pelas normas internacionais de contabilida-
de que estão sendo introduzidas em nosso ordenamento jurídico por
meio dos Pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contá-
beis - CPC - referendados pela Comissão de Valores Mobiliários913.
Tendo em vista o seu caráter intuitupersonae, por se dar sua outorga
com vista a estimular o trabalho de administradores, empregados e pres-
tadores de serviços, as opções constituem direitos personalíssimos, que,
consequentemente, só podem ser exercidos pela pessoa a quem foram
conferidos. Não cabe, assim, a cessão de opção a terceiros.
O fato de ter, a Lei das S.A., excluído o direito de preferência
dos acionistas no momento em que a opção é outorgada ou exer-
cida reafirma a sua feição personalíssima; a inexistência do direito
de preferência somente se justifica em virtude do objetivo de se
conferir vantagem específica a determinados indivíduos que con-
tribuem para a prosperidade da companhia 914 .
Logo, por ser a opção de compra de ações atribuída de forma
pessoal, somente podendo ser exercida por aquele que a recebeu,
não se admite que terceiros a exerçam e venham a adquirir ações
de emissão da companhia.
Ademais, como a opção não se incorpora automaticamente ao
patrimônio do beneficiário, o que somente ocorre após o seu efetivo
exercício, com as ações dela resultantes, a sua transmissão a terceiros
915 Em sentido contrário, PAULO CEZAR ARACÃO e DANIELA SOARES, "Opções de Compra
de Ações: uma Análise da Evolução do Instituto no Brasil". In: Rodrigo R. Monteiro de
Castro e Luís André N. de Moura Azevedo (Coord.). Poder de Controle c Outros Temas de
Direito Societário e Mercado de Capitais..., p. 162.
§ 3° As ações que não puderem ser atribuídas por inteiro a cada
acionista serão vendidas em bolsa, dividindo-se o produto da ven-
da, proporcionalmente, pelos titulares dasfrações;antes da ven-
da, a companhia fixará prazo não inferior a 30 (trinta) dias,
durante o qual os acionistas poderão transferir asfraçõesde ação."
919 Após longos debates doutrinários, no direito comparado, esta é a posição hoje consoli-
dada. Ver, a propósito, JOSÉ MARIA GARCÍA-MORENO GONZALO. El Aumento de
Capital con Cargo a Reservas en Sociedades Anônimas. Pamplona: Editorial Aranzadi,
1995, p. 201 e seguintes; BARTOLOMEO QUATRARO e SALVATORE D'AMORA. Le
Operazioni sul Capitale - Aumenti e Riduzioni Del Capitale Sociale Prestiti Obbligazionari
Acioni Proprie. Milão: Giuífrè, 1994, p. 205 e seguintes.
procedimento ser utilizado para alterar a participação relativa de cada
acionista no capital. De acordo com o § 5o do artigo 17, no caso de
ações com dividendo fixo, o estatuto pode excluir ou restringir o direito
das ações preferenciais de participar dos aumentos de capital decorren-
tes da capitalização de reservas ou lucros, pois, de fato, não é justo que
os titulares de ações preferenciais com dividendo fixo recebam novas
ações em decorrência da capitalização de lucros, uma vez que esses não
lhes caberiam se tivessem sido distribuídos como dividendos. Portanto,
se assim for previsto no estatuto, tais ações sofrerão uma diluição legal-
mente permitida como resultado desses aumentos de capital.
Nada impede, porém, que as novas ações emitidas em bonifica-
ção não sejam da mesma espécie e classe que as antigas, desde que
atribuídas aos acionistas na mesma proporção921.
As ações recebidas em bonificação constituem extensões do bem,
não frutos; assim, as ações novas são atribuídas ao proprietário das ações
primitivas com os gravames que elas já apresentavam922. Decorre do § 2°
que às ações em bonificação se estenderão o usufruto, o fideicomisso, a
inalienabilidade e a incomunicabilidáde que gravavam as ações primiti-
vas. Nada impede que as partes, na constituição do gravame, estabele-
çam expressamente que ele não se estenderá a ações recebidas em
bonificação; no silêncio do instrumento de sua constituição, o gravame
segue as ações novas. Não obstante o § 2° não fazer referência expressa
ao penhor, salvo estipulação em contrário, ele estende-se às ações bonifi-
cadas, uma vez que o valor dessas ações não é tratado como venda923.
921 SYLVIO MARCONDES. Problemas de Direito Mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1970,
p. 227; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts.
121 a 188). v. II..., p. 816; LUIZ LEONARDO CANTIDIANO. Estudos de Direito Societário.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 10.
922 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3a edição, São Riulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 1984, p. 376.
923 No mesmo sentido, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário. 11a edição, Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 271; OSMAR BRINA CORRÊA LIMA, "O Penhor de Ações de
Companhias e a Bonificação de Ações", Revista dos Tribunais. São Fíaulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 624, outubro, 1987, p. 262-266. Em sentido contrário, MAURO BARDAWIL
PENTEADO, o Penhor de Ações no Direito Brasileiro. São ftiulo: Malheiros Editores,
2008, p. 190; FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de
Janeiro: Forense, 1977, p. 228-229.
As ações em tesouraria podem receber bonificação, pois a incorpora-
ção de lucros ou reservas ao capital não gera direito de crédito para o acio-
nista como resultado da deliberação de distribuição de dividendo924. Tendo
em vista que a finalidade da Lei das S.A. na capitalização de lucros ou
reservas é manter a participação dos acionistas no capital, esse objetivo só
será alcançado se todas as ações da companhia receberem o mesmo trata-
mento - tanto as ações em circulação quanto as que estão em tesouraria.
0 § 3° disciplina as "sobras", ou seja, as frações de ações, caso
elas não possam ser atribuídas por inteiro a cada acionista, estabele-
cendo 2 (dois) procedimentos consecutivos: abertura de um prazo de
30 (trinta) dias, durante os quais os acionistas poderão comprar ou
vender entre si as frações, para completar a unidade - ação - ou for-
mar um condomínio de ações; findo o prazo e não transferidas as
frações, a companhia mandará vender as ações em Bolsa e dividirá o
produto da venda pelos titulares das frações.
925 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas. São
Paulo: Saraiva, 1988, p. 104-120.
Entre nós, a matéria tem passado por interessante evolução. Por um
lado, a Lei das S.A. segue o sistema mais rigoroso dos países de filiação
romano-germânica, embora com algumaflexibilidade,que se verifica na
adoção do regime de capital autorizado e na possibilidade de ser negado
o direito de preferência nas subscrições públicas. Por outro lado, tendo a
legislação sobre o mercado de capitais sofrido decisiva influência do sis-
tema norte-americano, a regulamentação administrativa da Comissão
de Valores Mobiliários referente às subscrições públicas (ofertas públicas
de venda) apresenta maior pragmatismo, visando a evitar que elas sejam
inviabilizadas pelo excessivo lapso temporal entre a decisão de aumentar
o capital e a efetiva captação de recursos dos investidores926.
O aumento de capital mediante subscrição de ações pode ser defi-
nido como o procedimento - ou seja, sucessão de atos que se agrupam
para atingir determinado fim - vinculado ou formal, no sentido de que
deve seguir os requisitos e formalidades previstos em lei, embora exista
margem de discricionariedade para a assembleia geral ou o conselho de
administração (no caso de capital autorizado) avaliar a conveniência e
oportunidade da operação927.
A deliberação da assembleia geral ou do conselho de adminis-
tração, na sociedade de capital autorizado, que aprova o aumento de
capital mediante subscrição de ações, constitui declaração de vontade
mediante a qual a companhia formula uma proposta aos acionistas e
investidores para que eles comprem as ações que serão emitidas928.
Assim, constituindo tal deliberação uma proposta de celebração
de negócio jurídico, a oferta vincula a companhia, que não pode revo-
gá-la ou alterá-la unilateralmente, apenas em decorrência de sua von-
tade. Na subscrição pública aplica-se ao aumento de capital o disposto
926 A esse respeito, ver a Instrução CVM n° 400/2003, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM n™ 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010.
927 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas..., p. 137.
928 LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN, "Modificação do Capital Social". In: Alfredo Lamy
Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. II, Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 1.379.
nos artigos 427 e 429 do Código Civil, nos termos dos quais a oferta
dirigida ao público, desde que contenha os requisitos essenciais do
contrato, eqüivale a uma proposta, obrigando o proponente, salvo se
o contrário resultar dos termos da oferta, da natureza do negócio ou
das circunstâncias do caso929.
As subscrições das ações eqüivalem, por sua vez, a declarações
de aceitação da proposta, apresentando natureza contratual; a assina-
tura da lista ou boletim de subscrição corresponde à celebração de um
contrato, mediante o qual o subscritor adere ao contrato plurilateral
de sociedade, gerando, em conseqüência, direitos e obrigações irre-
tratáveis para o subscritor e a companhia930.
A partir da subscrição das ações, opera-se a efetivação do au-
mento de capital, o qual não poderá ser modificado ou revogado; o
valor correspondente às ações passa a integrar, para todos os efei-
tos legais e contábeis, o patrimônio da companhia, ainda que elas
não tenham sido integralizadas.
O fato de a proposta de aumento de capital mediante subscrição
de ações ser irrevogável não impede, porém, que a companhia subor-
dine sua realização ao implemento de determinadas condições, desde
que o faça expressamente. Ou seja, o aumento de capital não pode,
deixar de ser realizado exclusivamente em virtude da vontade da com-
panhia, porém sua eficácia pode ser condicionada a acontecimentos
futuros e incertos, que não dependam da vontade do ofertante. Como
em qualquer outro negócio jurídico, é lícito que o ofertante - a com-
panhia - estabeleça determinadas condições, desde que não potesta-
tivas, às quais esteja subordinada a eficácia do aumento de capital.
929 Os arts.- 427 e 429 do Código Civil assim dispõem: (i) "Art. 427. A proposta de contrato
obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio,
ou das circunstâncias do caso."; (ii) "Art. 429. A oferta ao público eqüivale a proposta
quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das
circunstâncias ou dos usos. Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua
divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada."
930 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas..., p. 217.
Prevalece o princípio de que qualquer condição imposta à eficá-
cia do aumento de capital mediante subscrição de ações somente será
legítima na medida em que esteja fundamentada em interesse legíti-
mo da companhia931. Se a condição visa unicamente a favorecer os
acionistas controladores ou novos acionistas, será irregular por não
atender ao interesse social. Também será irregular a fixação de condi-
ções contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, se tive-
rem por fim privar a oferta de qualquer efeito ou a sujeitarem ao puro
arbítrio do ofertante, se forem física ou juridicamente impossíveis, ou,
ainda, incompreensíveis ou contraditórias932.
O primeiro requisito prévio ao aumento de capital mediante subs-
crição de ações é o de já ter sido integralizado 3/4 (três quartos) do capi-
tal. No regime anterior, exigia-se que o capital estivesse integralmente
realizado para que a companhia pudesse aumentá-lo. A redução para
3/4 (três quartos) do capital justifica-se para evitar que a companhia fi-
que impedida de aumentar o capital enquanto não consegue cobrar dos
subscritores todo o preço de emissão de ações não integralizadas. Assim,
o critério atual concede maior flexibilidade à sociedade, que não precisa
aguardar o término dos processos de cobrança contra os acionistas re-
missos para buscar novos recursos mediante a emissão de ações933.
Tratando-se de companhia com capital autorizado, decidindo os
administradores aumentar o capital, basta a deliberação favorável do
931 A CVM admite que, mesmo na oferta pública de venda de ações, pode a companhia
estabelecer condições, desde que correspondam a um interesse legítimo. Nesse sentido,
assim dispõe o art. 22 da Instrução CVM n° 400/2003: "A oferta deverá ser irrevogável, mas
poderá ser sujeita a condições que correspondam a um interesse legítimo do ofertante, que
não afetem o funcionamento normal do mercado e cujo implemento não dependa de
atuação direta ou indireta do ofertante ou de pessoas a ele vinculadas."
932 Ver, a propósito, os arts. 123 e 124 do Código Civil, que assim dispõem: (i) "Art. 123. Invalidam
os negócios jurídicos que lhes são subordinados: I - as condições física ou juridicamente
impossíveis, quando suspensivas; II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita; III - as
condições incompreensíveis ou contraditórias."; (ii) "Art, 124. Têm-se por inexistentes as
condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível."
933 Exposição e Motivos n° 196, de 24.06.1976; EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALE-
XANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São
Paulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 151.
conselho de administração, desde que o aumento se realize dentro do
limite autorizado no estatuto934.
No entanto, (i) se a companhia é de capital autorizado e a com-
petência para deliberar sobre o aumento de capital, mesmo dentro do
limite, é da assembleia geral (hipótese rara); ou (ii) se o limite autori-
zado no estatuto já foi alcançado, será necessária a realização de as-
sembleia geral extraordinária. Nessa última hipótese, haverá
necessidade de alterar o estatuto para estabelecer o novo limite de
capital autorizado; na primeira, não se modificará o estatuto.
Já no caso da companhia com capital fixo, deverá ser sempre
convocada assembleia geral extraordinária para deliberar sobre o au-
mento e a conseqüente reforma do estatuto.
S U B S C R I Ç Ã O PÚBLICA E PARTICULAR
934 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 142 e 168 da Lei das S.A.
935 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 4° e 82 da Lei das S.A.
936 Ver a Instrução CVM nD 400/2003, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n'*
429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010.
ção pública, o pedido de registro deve ser acompanhado de estudo de
viabilidade econômica e financeira do empreendimento, podendo a
Comissão de Valores Mobiliários condicioná-lo a modificações no
estatuto ou no prospecto e denegá-lo por inviabilidade ou temeridade
do empreendimento ou inidoneidade dos fundadores (artigo 82, §
2o). Como a companhia não pode apresentar as informações requeri-
das pela regulamentação administrativa, referentes à sua atuação pre-
gressa, pois está se constituindo naquele momento, a Comissão de
Valores Mobiliários examina o mérito do empreendimento e a ido-
neidade dos fundadores. Se a companhia já está constituída e proce-
de à subscrição pública, não há necessidade de apresentar estudo de
viabilidade do empreendimento, nem cabe à Comissão de Valores
Mobiliários analisar o seu mérito, podendo apenas denegar o registro
caso as informações não sejam adequadamente prestadas ou condicio-
ná-lo a modificações no estatuto ou no prospecto937.
No caso de subscrição pública, nos termos do § 2°, seja de compa-
nhia com capital autorizado ou com capital fixo, a assembleia geral
pode delegar ao conselho de administração a competência para fixar o
preço de emissão de ações. Trata-se de procedimento que visa a agilizar
o aumento de capital; a assembleia delibera o montante do aumento e
as espécies e as classes de ações que serão emitidas, autorizando o con-
selho a fixar o seu preço de emissão, no momento mais adequado.
P R E Ç O DE E M I S S Ã O D A S A Ç Õ E S
937 Ver os comentários ao art. 82 da Lei das S.A. Sobre o processo de registro na CVM e sobre as
informações que devem ser prestadas pela companhia ao emitir publicamente suas ações, ver
Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/
2010. Sobre o papel da CVM no registro das subscrições públicas, ver NELSON EIZIRIK,
ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de
Capitais - Regime Jurídico. 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 135 e seguintes.
A norma introduziu em nosso sistema o princípio fundamental de
que as ações devem ser emitidas por seu valor econômico e não pelo seu
valor nominal. A prática, verificada na vigência do Decreto-Lei n° 2.627/
1940, de emitir ações pelo valor nominal, q u a n d o a companhia podia
colocá-las n o mercado p o r valor m u i t o superior, trazia 2 (duas) conse-
qüências manifestamente negativas: proporcionava u m ganho injustifi-
cado aos acionistas que exerciam seu direito de preferência pelo valor
nominal e depois vendiam as ações pelo valor de Bolsa, seguidamente
muito superior, diluía injustificadamente a participação dos antigos acio-
nistas que não tinham condições de acompanhar o aumento de capital.
938 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que "para proteção dos acionis-
tas minoritários, o § 1° estabelece que as novas ações devem ser emitidas por preço
\ compatível com o valor econômico da ação (de troca, de patrimônio líquido, ou de
rentabilidade), e não pelo valor nominal. A emissão de ações pelo valor nominal, quando
a companhia pode colocá-las por preço superior, conduz à diluição desnecessária e
injustificada dos acionistas que não têm condições de acompanhar o aumento, ou sim-
' plesmente desatentos à publicação de atos societários. A existência do direito de preferên-
cia nem sempre oferece proteção adequada a todos os acionistas. A emissão de ações pelo
valor econômico é a solução que melhor protege os interesses de todos os acionistas,
inclusive daqueles que não subscrevem o aumento, e por isso deve ser a adotada pelos
órgãos competentes para deliberar sobre o aumento de capital (...)."
939 MARIO ENGLER PINTO JÚNIOR, "A Capitalização da Companhia". In: Maria Eugênia Reis
Finkelstein e José Marcelo Martins Proença (Coord.). Sociedades Anônimas. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 268.
Em sua redação original, o § 1° não mencionava a expressão
"alternativa ou conjuntamente", dele constante a partir da reforma
de 1997, o que suscitou grande controvérsia, inclusive na esfera ju-
dicial, sustentando-se, em alguns acórdãos, que os parâmetros ali
mencionados deveriam ser atendidos cumulativamente; em outros
que não poderia ser adotado o valor de bolsa quando muito inferior
ao valor patrimonial. Verificou-se, ainda, equivocada orientação dou-
trinária e jurisprüdencial de que deveria-prevalecer o parâmetro "va-
lor patrimonial", o que criou embaraços indevidos à capitalização
das companhias que desejavam aumentar seu capital940.
A nova redação da norma visou a corrigir os equívocos de inter-
pretação até então verificados, ficando claro que não é necessário que
a companhia utilize os 3 (três) critérios em conjunto, ou faça qual-
quer ponderação entre eles. Pode, portanto, ser legitimamente utili-
zado um dos critérios ou efetivar-se uma ponderação entre 2 (dois) ou
os 3 (três) deles, por decisão fundamentada da companhia.
Confirmou-se o objetivo original da Lei das S.A. de conferir um
poder discricionário ao órgão que decide o aumento de capital - as-
sembleia geral ou conselho de administração - no estabelecimento
do preço de emissão das ações por ocasião do aumento de capital941.
A escolha dos parâmetros para a fixação do preço de emissão
constitui decisão discricionária da companhia. Não pode o acionista
minoritário contestá-la por entender que não são os mais adequados,
exceto se demonstrar a ilegalidade da decisão.
Tratando-se de companhia aberta com ações negociadas em
Bolsa de Valores ou em mercado de balcão organizado e dotadas de
índices razoáveis de liquidez, o parâmetro mais adequado será o de
NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais. 2'1 edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 94-95.
FÁBIO KONDER COMPARATO, "A Fixação do Preço de Emissão das Ações no Aumento de
Capital da Sociedade Anônima", Revista de Direito Mercantil, Industriai, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 81, janeiro-março, 1991, p. 82.
cotação de suas ações. Existe uma presunção absoluta de liquidez das
ações que integram os índices da Bolsa942; com relação às demais,
deverá a proposta de aumento de capital demonstrar que apresentam
liquidez suficiente, medida em volume de negócios, seja quanto ao
número, seja quanto ao valor, para justificar a escolha de tal critério.
Em geral, as companhias abertas adotam o processo de bookbuilding,
o qual tem por finalidade servir de base para a fixação do preço da
oferta. Por meio desse procedimento, os underwriters buscam identi-
ficar a demanda pelos títulos, aferindo o interesse do mercado pela
nova emissão mediante as diversas propostas de compra recebidas
dos potenciais destinatários. De posse de tais informações, os un-
derwriters, em conjunto com a companhia emissora, fixam o preço
de lançamento das ações943.
Com a nova redação dada pela Lei n° 9.457/1997 ao § 1°, inciso
III, admite-se que, quando for utilizado o parâmetro "cotação das
ações", podem elas ser emitidas com ágio ou deságio, ou seja, a preços
superiores ou inferiores aos de sua cotação no mercado secundário.
A utilização do deságio é bastante usual, uma vez que, sem um
"desconto" no preço de negociação no mercado secundário, não haverá
nenhuma razão para o investidor comprar as novas ações emitidas.
Ademais, a emissão de novas ações, em geral, afeta as cotações daque-
les papéis dada a variação de sua oferta no mercado. Assim, na prática
do mercado, as ações são quase sempre emitidas com deságio em rela-
ção ao valor de cotação no mercado secundário. Já a possibilidade de se
emitir ações com ágio, ou seja, acima da cotação, é remota. Em princí-
pio, seria justificável o ágio quando houvesse uma demanda para tais
942 Os principais índices em que se presume a liquidez das ações que os integram sao:
Ibovespa, lBrX-50 e IBrX.
943 Ver a Instrução CVM n° 400/2003, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n°s 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010. Sobre esse assunto, ver,
também, NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS
HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2'1 edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 187-190.
ações superior à sua oferta no mercado secundário, o que somente
ocorreria se não fossem tais títulos dotados de liquidez. Não apresen-
tando as ações liquidez, não se justificaria a utilização do critério de
cotação em Bolsa de Valores ou mercado de balcão.
Se a companhia emite ações de diversas espécies ou classes, ad-
mite-se a fixação de preços de emissão diferentes, no mesmo aumen-
to de capital, desde que todas as ações apresentem índices significativos
de liquidez e tenham cotações díspares no mercado944.
Se a companhia é fechada, ou, sendo aberta, suas ações não apre-
sentam liquidez no mercado, o preço de emissão deverá levar em con-
sideração os 2 (dois) outros parâmetros: a perspectiva de rentabilidade
da companhia; e o valor de patrimônio líquido da ação, isoladamente
ou em conjunto, a critério da companhia.
O valor patrimonial da ação, facilmente constatável, posto que re-
sulta da divisão do valor do patrimônio líquido constante do balanço
pelo número de ações, pode não ser aconselhável em função da even-
tual inconsistência das demonstrações contábeis das companhias fe-
chadas, que não têm suas contas revisadas por auditor independente.
Há, ainda, outro aspecto que pode dificultar a utilização das de-
monstrações contábeis para a obtenção do valor econômico de uma
companhia: os ativos e passivos constantes dos relatórios contábeis
variam muito em suas respectivas avaliações, pois, conforme a sua
natureza, as normas contábeis podem determinar uma ou outra for-
ma de mensuração. Existem diversas formas de avaliação de ativos e
passivos em uma demonstração contábil, tais como: custo histórico,
valor presente líquido, valor de mercado, valor justo, etc.
O valor patrimonial contábil apresenta uma "fotografia" estática
da companhia em uma determinada data, não refletindo toda a dinâ-
mica da atividade empresarial, principalmente a futura, que é um dos
principais componentes na formação do valor da empresa.
A utilização do valor patrimonial contábil pode ocorrer no caso de
sociedades constituídas para a manutenção ou consolidação de bens
imóveis ou para a realização de investimentos de longa maturação, cu-
jas taxas de retorno sejam de difícil mensuração. Também é aconselhá-
vel a utilização do valor patrimonial quando a companhia necessita
com urgência de recursos, ou o montante da emissão é reduzido, não
podendo aguardar um laudo que apure o seu valor econômico ou não
dispondo de recursos para contratar uma empresa especializada.
O método de fixação do valor econômico com base no patrimônio
Kquido é muito utilizado em avaliações judiciais de empresas945, inclusive
em casos envolvendo a fixação do preço de emissão das ações946, o que
pode ser explicado por sua maior simplicidade e facilidade de apuração.
Mediante o parâmetro mencionado no inciso I do § 1°, busca-se
aferir a taxa de retomo do investimento representado pela subscrição
de ações dentro de um período determinado; ou seja, transmite-se ao
subscritor a informação sobre quanto provavelmente lucrará, para que
ele possa comparar tal alternativa de investimento com outras.
H á vários métodos para se calcular as perspectivas de rentabilida-
de: (i) modelo do valor dos dividendos descontados, que tem como
base o fluxo futuro de dividendos; (ii) método baseado no indicador
preço/lucro (P/L) de ações similares, que utiliza a comparação da empre-
sa com outras que apresentam características semelhantes, por atuarem
no mesmo setor, ou terem nível tecnológico comparável; (iii) modelo
de capitalização dos lucros, que parte dos lucros médios ponderados
antes dos juros e impostos e procede à sua capitalização com o uso de
945 ANTONIO LOPO, LAURO BRITO, PAULO ROBERTO DA SILVA e ELISEU MARTINS, "Ava-
liação de Empresas". In: Eliseu Martins (Org.). Avaliação de Empresas: da Mensuração
Contábil à Econômica. São Raulo: Atlas, 2009, p. 267. Ver, também, MARTINHO MAURÍ-
CIO GOMES DE ORNELAS. Avaliação de Sociedades: Apuração de Haveres em Processos
Judiciais. São Paulo: Atlas, 2003.
946 Há várias decisões judiciais que consideravam incorreto o valor de emissão das ações por
não estar baseado no seu valor patrimonial: ALFREDO SÉRGIO LAZZARESCHI NETO. Lei
das Sociedades por Ações Anotada. 3a edição, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 458.
uma taxa subjetivamente determinada; e (iv) modelo dos múltiplos
de fluxo de caixa e/ou do EBITDA*41, mediante o qual se busca obter
o valor do potencial de geração do caixa, antes de consideradas as
depreciações, produzidas pelos ativos operacionais (excluindo-se as-
sim as receitas financeiras), sem os efeitos decorrentes da forma de
financiamento da empresa (excluindo-se também as despesas finan-
ceiras) e antes dos efeitos dos impostos sobre o resultado948.
O EBITDA foi muito utilizado, na prática do mercado norte-
-americano, principalmente na década de 1980, para a avaliação de
investimento de capital949. Atualmente são conhecidos diversos fato-
res que podem distorcer o valor econômico da empresa quando utili-
zado o EBITDA como medida de valor950.
Dentre todos os modelos de avaliação econômica, atualmente o do
fluxo de caixa livre descontado é aquele tido como o que melhor apre-
senta a efetiva capacidade de geração de riqueza de determinado empre-
endimento, já que se propõe a retratar o seu potencial econômico, nele
incluído o seu gooâwill. Assim, muito resumidamente, o valor econômi-
co da companhia representa o potencial de geração de riqueza que seus
ativos propiciam, dentro de um período determinado (o "período de pro-
jeção"), trazidos a valor presente, mediante uma taxa de desconto que
represente adequadamente o risco desse fluxo951-9S2(pses').
947 O EBITDA ê a abreviação do termo Earnings Before Interests, Taxes, Depreciation and
Amortization. No Brasil, é comum a utilização da expressão LAJIDA, que significa Lucro
antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização.
948 ANTONIO LOPO, LAURO BRITO, PAULO ROBERTO DA SILVA e ELISEU MARTINS, "Ava-
liação de Empresas". In: Eliseu Martins (Org.). Avaliação de Empresas: da Mensuração
Contábil à Econômica..., p. 270-272.
949 SHANNON PRATT. The Lawyer's Business Valuation Handbook. Chicago: American Bar
Association, 2000, p. 97.
950 Sobre os problemas do uso do EBITIDA, ver PAMELA M. STUMPP, TOM MARSHELLA,
MIKE ROWAN, ROB MCCREARY and MONICA COPPOLA, "Putling EBITIDA in Perspective
- Tem Criticai failings of EBITIDA as the Principal Determinant of Cash Flovv", Mooddy's
lnvestors Service, Global Credit Research, Special Comment. June, 2000, p. 1-24.
951 ANTONIO LOPO, LAURO BRITO, PAULO ROBERTO DA SILVA e ELISEU MARTINS, "Ava-
liação de Empresas". In: Eliseu Martins (Org.). Avaliação de Empresas: da Mensuração
Contábil à Econômica..., p. 275.
Embora caiba à companhia, com exclusividade, escolher o parâ-
metro que considerar mais adequado, o § 7°, acrescentado pela Lei n°
9.457/1997, estabelece que a proposta de aumento de capital deverá
esclarecer qual foi o critério adotado para fixar o preço de emissão das
ações, justificando os aspectos econômicos que determinaram a sua
escolha953. Ou seja, deve o órgão competente explicitar as razões eco-
nômicas que legitimam o preço de emissão, demonstrando a adequa-
ção do critério utilizado à situação da companhia. Por outro lado, não
há qualquer exigência legal de demonstrar-se as razões econômicas
que levaram a companhia a decidir aumentar seu capital, presumindo-
-se a legitimidade da operação, posto que os acionistas estão colocando
recursos próprios para a capitalização da empresa.
DILUIÇÃO INJUSTIFICADA
952 Sobre os métodos de avaliação e os problemas que podem decorrer do uso do custo
médio ponderado de capital (CMPC) na avaliação de empresas, ver VINÍCIUS MARTINS.
Interação Entre Estrutura de Capital, Valor da Empresa e Valor dos Ativos. Tese de
Doutorado do Programa de Controladoria e Contabilidade do Departamento de Con-
tabilidade da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Univer-
sidade de São Paulo (USP), 2005.
953 A esse respeito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo
Sancionador n° R) 2005/5132, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. em 22.08.2006.
eles não subscrevem as novas ações. A diluição pode verificar-se
nos direitos patrimoniais e políticos, sendo aceita pela Lei das S.A.,
desde que justificável954.
A diluição patrimonial de suas ações, entendida como diminuição
do seu valor econômico, ocorre quando o acionista não exerce o direito
de preferência. Com efeito, o aumento do número de ações modifica a
fração do lucro ou do patrimônio líquido que cabe a cada ação e, conse-
quentemente, diminui o seu valor econômico, a não ser que a nova emis-
são de ações seja acompanhada do aumento, na mesma proporção, do
lucro total ou do patrimônio líquido a ser rateado entre todas as ações955.
Assim, por exemplo, se uma companhia tem as suas ações nego-
ciadas em Bolsa de Valores por R$ 1,50 (um real e cinqüenta centa-
vos) e o valor patrimonial da ação é de R$ 3,00 (três reais), as ações
serão emitidas pela sua cotação no mercado, pois nenhum investidor
as subscreveria por um valor muito superior àquele pelo qual poderia
adquiri-las no mercado. O acionista que não subscrever as novas ações
terá sua participação no patrimônio diluído, mas tal diluição é justifi-
cada, e, portanto, legal, pelo fato de não ser viável a colocação no
mercado por um preço superior à cotação das ações956.
Há diluição "política" quando o acionista que não subscreve as novas
ações perde determinados direitos pelo fato de ver a sua participação relati-
va no capital diminuída. Por exemplo, se um acionista que detinha 5%
(cinco por cento) do capital não exerce o seu direito de preferência e tem a
sua participação reduzida, perderá direitos que lhe eram assegurados pela
954 Nesse sentido, ver as decisões da (i) 4a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, proferida nos autos da Apelação Cível n° 507637-4/8, Rei. Des. José
Geraldo Jacobina Rabelio, j. em 13.11.2008, publicada no DOSP em 05.12.2008, e
(ii) 9" Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferida nos
autos da Apelação Cível n° 2008.001.13308, Rei. Des. Carlos Santos de Oliveira, j. em
29.04.2008, publicada no DORJ em 08.05.2008.
955 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
956 A esse respeito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo
CVM n° RJ 2006/0180, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. em 11.04.2006.
sua posição anterior no capital, como os de pedir informações ao conse-
lho fiscal (artigo 163, § 6°) ou requerer a exibição dos livros da compa-
nhia (artigo 105)957. Se o aumento de capital foi realizado no interesse
social, a diluição de sua posição acionária é justificada.
Não tendo o aumento de capital por fim o interesse da compa-
nhia, mas visando apenas a promover a diluição da participação dos
minoritários, seja sob a perspectiva patrimonial, seja no exercício de
seus direitos, caracteriza-se o abuso do poder de controle958. Porém,
não se presume o comportamento abusivo do controlador, cabendo
ao acionista insatisfeito com o aumento provar que a diluição que
sofreu não foi justificada. Provada a diluição injustificada, cabe a res-
ponsabilização dos acionistas controladores e administradores pelos
danos causados aos minoritários.
957 Citem-se, ainda, outros exemplos de direitos políticos: os acionistas que representam 0,5%
(meio por cento) ou mais do capital têm o direito de obter a relação de endereços dos
acionistas aos quais a companhia enviou pedidos de procuração (art. 126, § 3o). Os
titulares de 5 % (cinco por cento), pelo menos, do capital social têm, também, o direito de:
(i) propor ação judicial contra os administradores, caso a assembleia delibere não promo-
ver a ação (art. 159, § 4o); (ii) propor ação de dissolução da companhia que não pode
preencher o seu fim (art. 206, inciso II, alínea "b"); (iii) propor ação de perdas e danos
contra a sociedade controladora pelos prejuízos causados, por abuso de poder, à compa-
nhia controlada (art. 246, § I o , alínea "a"). Os acionistas titulares de 0,1 (um décimo) do
capitai com direito a voto podem requerer a adoção do processo de voto múltiplo para
eleição do conselho de administração (art. 141) e quando o funcionamento do conselho
fiscal não for permanente, podem solicitar a sua instalação, o mesmo direito têm os
acionistas titulares de 5 % (cinco por cento) das ações sem direito a voto (art. 161, § 2o). Na
constituição do conselho fiscal, os titulares de 10% (dez por cento) ou mais das ações com
direito a voto terão direito de eleger, em votação em separado 1 (um) membro e respectivo
suplente (art. 161, 4o).
958 Ver os comentários ao art. 117 da Lei das S.A. A Instrução CVM n" 323/2000, no inciso VIII
do art. 1 o , considera como modalidade de comportamento abusivo do controlador a
promoção de diluição injustificada dos acionistas não controladores, por meio de aumen-
to de capital em proporções desarrazoadas.
(três) peritos ou empresa especializada, que apresentarão laudo funda-
mentado e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados960.
Ademais, devem ser seguidas as formalidades para a transferência dos
bens do subscritor para a sociedade961. Integralizado o capital em di-
nheiro, pode a companhia receber as entradas e prestações das realiza-
ções das ações sem necessidade de depósito bancário, nos termos do §
4°; com efeito, não há qualquer razão para negar aos administradores
competência para receber o produto do aumento de capital, já que lhes
compete a gestão do patrimônio social962.
S U B S C R I Ç Ã O PARCIAL
Direito de preferência
"Art. 171. Na proporção do número de ações que possuírem, os aci-
onistas terão preferência para a subscrição do aumento de capital.
971 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3a edição, São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 1984, p. 356.
972 FÁBIO KONDER COMPARATO. Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de
Janeiro: Forense, 1981, p. 177.
973 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEAES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anôni-
mas. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1989, p. 114; FÁBIO KONDER COMPARATO.
Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial..., p. 177. De acordo com PONTE5 DE
MIRANDA..Tratado de Direito Privado, t. V, 4 a edição, São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1983, p. 282-285, no direito expectativo o sujeito tem uma espera de direito,
que já integra o universo jurídico, daí decorrendo que tem o direito de adquirir o objeto
da expectativa. Já a expectativa de direito está fora do universo jurídico, não constituin-
do propriamente um direito. O exemplo clássico é o da diversidade de situações entre o
sujeito que, caso outrem viesse a falecer, seria seu herdeiro (expectativa de direito) e a do
sujeito que firmou com outro promessa de compra e venda de um bem (direito expectativo,
já que a ordem jurídica reconhece o direito do pré-contraente).
974 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Doação e Regime Jurídico das Ações Bonificadas".
In: Pareceres. v. I, São Raulo: Singular, 2004, p. 324.
Nos termos do § 6°, o acionista poderá ceder seu direito de prefe-
rência, após iniciado o prazo para o seu exercício. Trata-se, portanto, de
um direito negociável, diretamente com terceiro, em operação privada,
ou no mercado de capitais, mediante a alienação do direito de subscri-
ção ou do recibo de subscrição, que constituem valores mobiliários975.
O direito de subscrição pode ser conferido pela companhia aos seus
acionistas após a aprovação do aumento de capital, mas antes que ele
se realize; trata-se de um direito condicionado à efetivação do aumen-
to, correndo o adquirente o risco de que ele não seja efetivado. Já o
recibo constitui valor mobiliário emitido após o início do prazo de subs-
crição das ações, sendo limitado o risco de frustração do aumento às
hipóteses de aumento condicional ou de subscrição parcial.
Na companhia aberta é incompatível com o seu regime o esta-
belecimento de qualquer limitação estatutária ao direito do acionista
de negociar o direito de preferência. Na companhia fechada, como o
estatuto pode estabelecer limites à circulação de ações (artigo 36, ca-
put), é possível que seja restringido o direito de acionista de ceder seu
direito de preferência a terceiros.
O acionista tem também o direito de preferência quando a
companhia fechada aliena ações que estavam em tesouraria, posto
que, caso lhe fosse negado o direito, não teria condições de man-
ter a proporcionalidade de sua participação no capital, podendo
vê-la diluída injustificadamente 976 .
Uma das finalidades essenciais do direito de preferência é a de
permitir que o acionista mantenha a mesma posição antes detida.
Assim, a norma do § 1° visa a adaptar tal desiderato ao caso da com-
panhia que tem o capital dividido em diversas espécies ou classes e o
aumento for feito por emissão de mais de uma espécie ou classe.
980 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de Janeira:
Forense, 1953, p. 254-255.
981 Parecer CVM/SJU n° 131/1983. Ver, lambém, MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumen-
tos de Capital das Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 235; LUIZ ALBERTO
COLONNA ROSMAN, "Modificação do Capital Social". In: Alfredo Lamy Filho e José
Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. II, Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 1.406.
sobre o valor dos bens, o acionista que com eles concorrer para a
integralização do capital está impedido de votar983.
O capital social pode, com efeito, ser formado ou aumentado
com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens, des-
de que suscetíveis de avaliação em dinheiro (artigo 7°). A expressão
"bens" compreende todas as coisas corpóreas ou incorpóreas, móveis
ou imóveis, desde que seu valor possa ser estimado em dinheiro.
Assim, admite-se a integralização de ações com máquinas, equi-
pamentos, terrenos, edifícios, utensílios, veículos, concessões mine-
rárias, estabelecimento industrial ou comercial, patentes de invenções
e marcas de indústria, títulos de crédito e valores mobiliários, como
debêntures e ações, desde que passíveis de avaliação em dinheiro.
Ademais, os bens devem estar relacionados ao objeto social da com-
panhia ou ter uma utilidade efetiva para o desenvolvimento de suas
atividades984. Tratando-se o capital de garantia dos credores e piso
para medição dos resultados do empreendimento, os bens devem ser
atuais, penhoráveis e economicamente viáveis985.
Por outro lado, não são admitidos para integralizar o aumento de
capital o know-how, por estar vinculado à pessoa que o detém986, as-
sim como o trabalho e as prestações de serviços em geral, pela mesma
razão: são indissociáveis das pessoas987.
988 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Raulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 162.
989 Ver os comentários ao art. 168 da Lei das S.A.
990 Ver os comentários ao art 172 da Lei das S.A.
§ 4°, trata-se de prazo de decadência, portanto, contínuo e impror-
rogável, não podendo ser interrompido ou suspenso, contado a par-
tir da publicação do "Aviso aos Acionistas", que deve conter todas
as informações necessárias ao exercício desse direito. O não exercí-
cio do direito de preferência dentro do prazo implica a sua extinção,
por tratar-se de prazo decadencial.
Como o direito de preferência não tem a natureza de frutos, no
caso das ações em usufruto ou em fideicomisso o seu titular é o nu-
-proprietário ou fiduciário, não o usufrutuário ou o fideicomissário991.
O § 5° determina que o direito de preferência, quando não exer-
cido pelo acionista até 10 (dez) dias antes do vencimento do prazo,
poderá sê-lo pelo usufrutuário ou fideicomissário. Assim, as pessoas
legitimadas a subscrever as ações são o nu-proprietário e o fiduciário,
mas casos estes não exerçam o seu direito de preferência dentro do
prazo assinalado pela Lei das S.A., esse direito poderá ser exercido
pelo usufrutuário ou fideicomissário, que subscreverão as ações em
nome próprio, sendo, portanto, automaticamente, os seus titulares.
Se as ações forem subscritas pelo nu-proprietário, salvo estipula-
ção em contrário no ato de instituição do usufruto, este adquirirá as
novas ações sem restrições, porque elas integram o seu capital. No caso
de serem subscritas pelo fiduciário, as ações deverão ser, posteriormen-
te, entregues ao fideicomissário, pois admitir-se o contrário seria aceitar
que o fideicomissário, que originariamente teria direito de receber ações
representativas de um determinado percentual de participação no capi-
tal de uma companhia, recebesse um percentual inferior992.
991 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, -t1 edição,
São Fàulo: Saraiva, 2009, p. 585-586. Ver, também, os comentários ao art. 40 da Lei das
S.A.
992 No mesmo sentido, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentári-
os à Lei (arts. I o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 411 e 414. Em sentido
contrário, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário. 11a edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 2008, p. 272.
Assim, no fideicomisso, o fiduciário deve preservar o capital rece-
bido para devolvê-lo ao fideicomissário, não podendo se apropriar das
ações subscritas, originadas das que recebeu em confiança; cumpre-lhe
zelar para que, no momento certo, sejam passadas ao fideicomissário993.
Se ficar demonstrado que a subscrição trouxe benefícios ao fideico-
missário, poderá o fiduciário, quando lhe passar as ações, pleitear o
ressarcimento do que despendeu.
É recomendável que o instrumento que institui o usufruto ou
o fideicomisso estabeleça expressamente o procedimento para a
preferência.
Os §§ 7° e 8° estabelecem o tratamento a ser conferido às sobras
das novas ações emitidas. Constituem sobras as ações não subscritas
pelos acionistas, ao deixarem de exercer, no todo ou em parte, o seu
direito de preferência. A Lei das S.A. trata de forma diversa as sobras,
tendo em vista a situação da companhia, se aberta ou fechada.
Na companhia aberta, tratando-se de subscrição particular, que é
aquela em que as ações não são ofertadas publicamente no mercado de
capitais, deverá a assembleia geral ou o conselho de administração (na
companhia de capital autorizado) estabelecer qual o regime das sobras.
Pode a companhia mandar vender as sobras em Bolsa de Valores,
em seu benefício, seguindo o procedimento especial de leilão previsto
nas normas regulamentares da Comissão de Valores Mobiliários e da
Bolsa, sem necessidade de registro prévio na Comissão de Valores
Mobiliários, por tratar-se de subscrição privada994. Pode a companhia,
993 Ver o art. 1.956 do Código Civil, que assim dispõe: "Se o fideicomissário aceitar a herança
ou o legado, terá direito à parte que, ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer." Ver FÁBIO
KONDER COMPARATO. Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro:
Forense, 1981, p. 185-192.
994 A esse respeito, ver as Instruções CVM n™ (i) 387/2003, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n" 395/03, 419/05, 437/06, 450/07 e 454/07; e (ii) 400/2003 (art.
4o), com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n" 429/2006, 442/2006, 472/
2008, 482/2010 e 488/2010. Ver, também, o Regulamento de Operações e o Manual de
Procedimentos Operacionais editados pela BM&FBovespa.
alternativamente, ratear entre os acionistas que tiverem pedido, no bole-
tim ou lista de subscrição, reserva de sobras, na mesma proporção do
direito de preferência que detinham e que exerceram. Se, ainda assim, os
pedidos de reservas de sobras não cobrirem a quantidade total de ações
não subscritas, o saldo não rateado será vendido em Bolsa de Valores.
A norma não previu hipótese bastante usual: a companhia, haven-
do sobras, contrata uma instituição financeira para atuar como underwri-
ter, procedendo-se à oferta pública das ações no mercado de capitais, fora
de Bolsa. Tratando-se de underwritingfirme, a instituição financeira subs-
creverá a totalidade das sobras para depois vendê-las, por sua conta e
risco, aos investidores do mercado. Já no caso do underwriting de melhor
esforço, a instituição financeira não subscreve as ações, comprometen-
do-se apenas a empenhar-se na sua venda no mercado, sem correr os
riscos existentes na modalidade do underwriting firme995.
Tratando-se de companhia fechada, que não pode ter suas ações
negociadas em Bolsa de Valores, deverá ser feito o rateio, na propor-
ção das ações subscritas, entre os acionistas que tiverem pedido a sua
reserva, no boletim ou lista de subscrição. Se ainda remanescerem
sobras após o rateio, as ações poderão ser subscritas por terceiros, sem
a utilização de meios de comunicação de massa, anúncios e editais,
intermediação de instituições financeiras, a menos que a companhia
registre-se na Comissão de Valores Mobiliários como companhia
aberta e atenda aos requisitos regulamentares exigidos nas ofertas
públicas de venda de ações no mercado996.
995 Ver os comentários ao art. 4 o da Lei das S.A. A Instrução CVM n° 400/2003, com as
alterações introduzidas pelas Instruções CVM n" 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/
2010 e 488/2010, em seus arts. 2 o , 3 o e 33 a 37, regula a oferta pública de ações no
mercado e a atuação dos underwríters.
996 Ver os comentários ao art. 4o da Lei das S.A. Ver, também, as Instruções CVM n" (i) 400/
2003, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n ls 429/2006, 442/2006, 472/
2008, 482/2010 e 488/2010; e (ii) 480/2009, com as alterações introduzidas'pela Instru-
ção CVM n° 488/2010.
Exclusão do direito de preferência
"Art. 172.0 estatuto da companhia aberta que contiver autoriza-
ção para o aumento do capital pode prever a emissão, sem direito
de preferência para os antigos acionistas, ou com redução do pra-
zo de que trata o § 4° do artigo 171, de ações e debêntures conver-
síveis em ações, ou bônus de subscrição, cuja colocação seja feita
mediante: (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)
997 Sobre a companhia de capital autorizado, ver os comentários ao art. 168 da Lei das S.,
É necessário que haja previsão estatutária para que seja negado
o direito de preferência ou reduzido o prazo de seu exercício. Não
basta que a companhia seja aberta e que seu estatuto contenha au-
torização para aumento de capital, sendo indispensável autorização
expressa no estatuto para que a assembleia geral ou o conselho de
administração negue o direito de preferência ou reduza o prazo de
seu exercício.
A primeira hipótese em que cabe a emissão de ações ou de valo-
res mobiliários conversíveis em ações ou a redução do prazo de seu
exercício é a de venda em Bolsa. O legislador presumivelmente obje-
tivava dispensar tais procedimentos quando houvesse a venda dos
valores mobiliários diretamente na Bolsa de Valores, a exemplo do
que ocorre no sistema inglês, em que os papéis podem ser colocados
publicamente na Bolsa, que constitui, assim, o locus para a negocia-
ção no mercado primário e secundário dos títulos998. Entre nós, os
valores mobiliários são inicialmente vendidos publicamente no mer-
cado primário, fora da Bolsa, com a participação de instituições fi-
nanceiras atuando como underwriters] posteriormente, a companhia
requer, junto à Bolsa, a listagem de suas ações, para que elas possam
ser negociadas em seu sistema999.
Assim, a expressão "venda em bolsa" significa apenas que a
companhia pode vender em Bolsa ações em tesouraria, sem ou-
torgar o direito de preferência a seus acionistas1000. Tratando-se de
uma venda realizada no sistema da Bolsa, aberto ao público, so-
mente cabe a adoção de tal procedimento por companhia aberta,
998 Ver, a propósito, PAUL DAVIES. Gower and Davies: Principies of Modem Company Law.
7'1' edition, London: Sweet and Maxwell, 2003, p. 642 e seguintes.
999 Sobre os conceitos e funções do mercado primário e secundário, assim como sobre a
atuação dos underwríters, ver NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e
MARCUS DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2a edição, Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 163-196.
1000 JOSE ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Regime Jurídico do Capital Autorizado. São
Paulo: Saraiva, 1984, p. 111.
devidamente registrada na Comissão de Valores Mobiliários 1001 .
Ademais, na venda de ações em tesouraria por companhia fecha-
da deve necessariamente ser conferido direito de preferência ao
acionista 1002 .
A hipótese em que usualmente se nega o direito de preferência
ou se reduz o prazo de seu exercício é a da subscrição pública, obje-
tivando maior celeridade na operação. A companhia aberta registra
a emissão de suas ações na Comissão de Valores Mobiliários e pas-
sa a vendê-las ao público, com a participação necessária de uma
instituição financeira atuando como underwriter. Caracteriza-se a
emissão pública ou venda pública de valores mobiliários quando es-
tão presentes determinados elementos objetivos e subjetivos. Os
elementos objetivos estão elencados no artigo 19, § 3°, da Lei n°
6.385/1976, a saber: (i) utilização de listas ou boletins de venda ou
subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público;
(ii) procura de subscritores por meio de empregados, representan-
tes, agentes, integrantes ou : não do sistema de distribuição de valo-
res mobiliários; (iii) negociação feita em loja, escritório ou
estabelecimento aberto ou público; e (iv) utilização de publicidade,
cartas, anúncios, mediante meios de comunicação de massa1003.
Embora sejam relevantes, para a caracterização da venda pública,
os meios utilizados na colocação dos títulos, o elemento essencial re-
fere-se à situação dos ofertados. Independentemente dos meios utili-
zados no processo de oferta, a distribuição não é pública se os
destinatários, além de pessoas certas e determinadas, caracterizam-se
1001 A Instrução CVM n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n""
100/1989, 268/1997 e 390/2003, que disciplina as ações mantidas em tesouraria por
companhia aberta, prevê, em seu art. 9°, que essas ações somente podem ser vendidas em
Bolsa ou no mercado de balcão, vedando as operações privadas.
1 002 Ver os comentários ao arl. 30 da Lei das S.A.
1003 Ver a Instrução CVM n" 400/2003, que regulamenta o dispositivo legal, com as alterações
introduzidas pelas Instruções CVM n" 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 48.8/
2010. Ver, também, os comentários ao art. 4° da Lei das S.A.
como investidores qualificados e têm acesso ao mesmo tipo de infor-
mação que seria exigida em decorrência do registro na Comissão de
Valores Mobiliários1004.
Também pode ser negado o direito de preferência ou reduzi-
do o prazo para o seu exercício na permuta por ações em oferta
pública voluntária para aquisição de controle de companhia aber-
ta, que não é muito utilizada na prática de nosso mercado de capi-
tais, pelo fato de ainda serem poucas as companhias cujo capital
votante encontra-se efetivamente disperso1005.
No caso, o interessado em adquirir o controle de companhia aber-
ta cujo acionista controlador tenha menos da metade das ações votan-
tes ou que, dada a dispersão das ações no mercado, simplesmente não
tenha acionista controlador, faz uma oferta pública de aquisição de ações
para todos os titulares de ações com direito de voto. A oferta, em caráter
irrevogável, deve ter por objeto o número de ações necessárias para as-
segurar o controle (artigo 257, § 2°). Ademais, por tratar-se de uma
oferta pública de ações envolvendo permuta, deverá ser registrada na
Comissão de Valores Mobiliários (artigo 257, § 1°). Caso a oferta seja
bem sucedida, o ofertante logrará adquirir o controle da companhia.
A oferta pode ser realizada mediante pagamento em dinheiro ou
mediante permuta de ações, já emitidas ou por emitir, do ofertante ou
de terceiros. Pode ainda o ofertante lançar uma oferta pública de aqui-
sição mista, em que parte do pagamento será em dinheiro e parte em
ações.
Também pode ser excluído o direito de preferência, tanto na com-
panhia aberta como na fechada, desde que expressamente previsto
no estatuto, para subscrição de ações nos termos da legislação sobre
1004 A esse respeito, ver NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, ELÁVIA PARENTE e MARCUS DE
FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico ..., p. 152; ver, lambem, a
Instrução CVM n° 476/2009, que trata das ofertas com esforços restritos, com as alterações
introduzidas pelas Instruções CVM n" 482/2010, 488/2010 e 500/2011.
incentivos fiscais. Assim, nas chamadas "companhias incentivadas",
o estatuto usualmente nega o direito de preferência.
Já antes da vigência da Lei das S.A., a legislação tributária per-
mitia, para as companhias incentivadas, a exclusão do direito de pre-
ferência na subscrição de ações em aumento de capital. Assim, nos
termos da legislação sobre incentivos fiscais, as companhias, mesmo
que fechadas e de capital fixo, podem excluir o direito de preferência
para receber recursos provenientes de incentivos fiscais1006.
S E Ç Ã O ID
Redução>
1007 RE1NIER KRAAKMAN, PAUL DAVIES, HENRY HANSMANN, GERARD HERTIG, KLAUS HOPT,
IHIDEKI KANDA and EDWARD ROCK. Hie Anatomy of Corporate Law - A Comparative and
Functional Approach. New York: Oxford University Press, 2007, p. 71-73.
1008 R. W. HAMILTON. Corporation Finance: Cases and Materials. Minn.: Wesl Publislilng,
1989, p. 69.
Nesse sentido, tende-se a privilegiar o patrimônio como instrumen-
to de proteção aos credores, fixando-se uma determinada proporção en-
tre o montante de dívidas e o capital (âebt/equity ratio), garantindo-se,
assim, maior consistência do patrimônio líquido da sociedade1009.
Em vários países europeus, embora as legislações mantenham o
conceito de capital, há nítida tendência no sentido de se adotar outros
mecanismos de proteção aos credores, como maior transparência das
informações sobre o passivo da companhia, assim como normas sobre as
demonstrações contábeis do grupo de sociedades. Com relação ao capi-
tal social, busca-se conferir-lhe maior concretude, mediante regras sobre
capital mínimo, sobre a reintegração do capital e sobre a manutenção de
determinada proporção entre o seu valor e o do patrimônio1010.
Em nosso sistema de Direito Societário, em regra, não há nor-
mas sobre capital mínimo nem sobre a proporção entre capital e pa-
trimônio1011. O papel do capital como instrumento de proteção ao
credor é limitado, prevalecendo o sistema de negociação privada, em
que a concessão de crédito "é condicionada à prestação de garantias
pessoais e reais. Assim, a redução do capital não deve ser tratada com
excessiva rigidez, evitando-se que os credores pressionem indevida-
mente a companhia para receberem o que entendem devido, sob pena
de não aprovarem a operação, que pode ser de interesse social.
A deEberação de reduzir o capital é sempre da assembleia geral, ór-
gão que tem competência privativa para decidir a matéria1012. Trata-se de
1009 Nesse sentido, o Califórnia Corporation Code, em sua Seção 500, estabelece alguns
parâmetros para o debt to equity ratio; o ativo deve montar a 125% (cento e vinte e cinco
por cento) do passivo.
1010 REINIER KRAAKMAN, PAUL DAVIES, HENRY HANSMANN, CERARD HERTIC, KLAUS
H O PT, HIDEKI K A N D A and EDWARD ROCK. The Anatomy of Corporate Law - A
Comparative and Functional Approach..., p. 77-87.
1011 Com relação às instituições financeiras, o Banco Central estabelece normas sobre capital
mínimo. Ver, a propósito, o art. 1o do Regulamento Anexo II à Resolução CMN n° 2.099/
1994, alterado pela Resolução CMN n° 2.G07/1999.
1012 De acordo com o art. 16 da Instrução CVM n° 481/2009, sempre que a assembleia geral for
convocada para deliberar sobre a redução de capital, a companhia deve fornecer, no
mínimo, as seguintes informações: (i) o valor da redução e do novo capital social; (ii) as
razões, a forma e as conseqüências da redução; (iii) cópia do parecer do conselho fiscal,
decisão que se insere dentro dos poderes do órgão, que expressa a
vontade social. Uma vez adotados os procedimentos previstos na Lei
das S.A. e adequadamente assegurados os direitos dos credores e dos
acionistas minoritários, se for o caso, a decisão de reduzir o capital,
por constituir matéria concernente à gestão empresarial, não pode
ser, no mérito, objeto de contestação.
A proposta de redução, seja de iniciativa dos administradores, seja
de iniciativa dos acionistas, não pode ser submetida à deliberação da as-
sembleia geral sem o parecer do conselho fiscal, se o órgão estiver em
funcionamento. Da mesma forma que ocorre com relação ao aumento
de capital, o exame do conselho fiscal deve centrar-se na legalidade do
procedimento, não na sua conveniência ou oportunidade; não pode, as-
sim, o órgão recomendar que a operação não se realize por considerá-la
desnecessária ou porque poderá prejudicar a imagem da companhia1013.
A Lei das S.A. tratou separadamente os casos de redução compul-
sória daqueles em que há redução voluntária do capital sociaL Ocorre a
redução compulsória em 2 (duas) situações: no caso das ações caídas em
comisso, ou seja, quando não há comprador das ações subscritas e não
integralizadas1014; e no reembolso das ações dos acionistas que exerce-
ram o direito de recesso1015. Já a redução voluntária, disciplinada neste
artigo, pode ser: (i) nominal, ou contábil, que significa mera operação
contábil, de redução da cifra do capital para ajustá-la ao valor do patrimô-
nio; e (ii) real, ou efetiva, quando há igual diminuição no patrimônio.
A redução compulsória, embora deva ser homologada em as-
sembleia geral, visando a legalizar uma situação de fato, já ocorrida,
não depende de uma deliberação da assembleia, pois decorre da lei,
1019 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Redução do Capital Social a Zero e Simultânea
Recomposição". In: Pareceres. v. I, São Paulo: Singular, 2004, p. 68-69; no mesmo senti-
do, decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. In: Revista de Jurisprudência
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. São Paulo: Lex Editora, v. 133, p. 140.
1020 Ver os comentários ao art. 172 da Lei das S.A.
1021 JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a
188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 916.
1 022 A esse respeito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida nos Processos Administrati-
vos CVM n - RJ 2004/4558, RJ 2004/4559, RJ 2004/4569 e RJ 2004/4583, Rei. Dir. Eli
Loria, j. em 21.09.2004.
O § 2° trata da suspensão, a partir da deliberação de reduzir o
capital, dos direitos correspondentes às ações cujos certificados
tenham sido emitidos. Tais certificados, correspondentes às ações
endossáveis e ao portador, não mais são emitidos, a partir da vi-
gência da Lei n° 8.021/1990, que extinguiu os títulos ao portador;
assim, essa norma está derrogada.
SEÇÃO I
Exercício social
"Art. 175. O exercício social terá duração de 1 (um) ano e a data
do término será fixada no estatuto.
1029 Consta do art. 220 do Decreto n° 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda) que: "O
imposto será determinado com base no iucro reai, presumido ou arbitrado, por períodos de
apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31
de dezembro de cada ano-calendário (Lei n° 9.430, de 1996, art. Io)".
1 030 Sobre a separação da contabilidade societária e tributária, ver os comentários ao art. 177 da
Lei das S.A.
1031 Utilizamos a expressão "demonstrações contábeis" por entendermos ser esta a mais ade-
quada. Entretanto, pode, também, ser utilizada, a expressão "demonstrações financeiras .
em períodos inferiores a 1 (um) ano - como é o caso das instituições
financeiras1032 - ou declare dividendos intermediários com base em ba-
lanços semestrais1033, não há modificação da regra contida neste artigo.
As 2 (duas) únicas exceções à regra da periodicidade de 1 (um) ano
do exercício social são a constituição da companhia - ocasião em que
poderá ter duração diversa da constante do caput- e a alteração do estatu-
to social com a finalidade de alterar a data do seu início ou término1034.
O encerramento do exercício social impõe à companhia a obri-
gação de elaborar, com base na escrituração mercantil, as demons-
trações contábeis1035, por meio das quais é possível acompanhar a
sua situação patrimonial, a atuação de seus administradores e a apu-
ração e distribuição de lucros. As demonstrações contábeis compre-
endem: (i) o balanço patrimonial; (ii) a demonstração dos lucros ou
prejuízos acumulados; (iii) a demonstração do resultado do exercí-
cio; (iv) a demonstração dos fluxos de caixa; e (v) se companhia
aberta, a demonstração do valor adicionado1036.
Ademais, anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes
ao término do exercício social, deverá ser realizada a assembleia geral
ordinária para tomar as contas dos administradores, examinar, discu-
tir e votar as demonstrações contábeis, deliberar sobre a destinação
1032 A Lei n" 4.S9S/1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e
creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências, determina no
art. 31, que: "As instituições financeiras levantarão balanços gerais a 30 de junho e 31 de
dezembro de cada ano, obrigatoriamente, com observância das regras contábeis estabelecidas
pelo Conselho Monetário Nacional."
1033 Ver os comentários ao art. 204 da Lei das S.A.
1034 Sobre a alteração do estatuto para a fixação de novo termo de encerramento do exercício
social, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 059/1984, se manifestou no sentido de que: "A
norma societária (art, 175 da Lei 6.404/76) permite à assembleia geral, obedecido o quorum
do artigo 129 c/c 135 da mesma Lei, alterar a data de encerramento do exercício social, que,
eventual e excepcionalmente, neste caso, poderá ter uma duração menor ou maior do que
1 (hum) ano. Duração diversa, reza a Lei, que não requer motivação para a adoção da
medida nem limita à determinada época ou fatos. No entanto, a simples ocorrência da data
fixada no estatuto social determina o fim do exercício, com suas conseqüências legais obriga-
tórias, e não se pode mais atingir a sua duração por uma deliberação assemblear com efeito
retroativo." Ver, também, os Pareceres CVM/SJU n®. 033/1986 e 001/1985.
1035 Ver os comentários ao art. 176, caput, da Lei das S.A.
do lucro líquido do exercício e a distribuições de dividendos1037, além
de outras deliberações que competem a essa assembleia.
S E Ç Ã O BS
DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS
Disposições gerais
"Art. 176. Ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar,
com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes de-
monstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situa-
ção do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício:
I - balanço patrimonial;
INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE
1038 Utilizamos a expressão "demonstrações contábeis" por consideramos ser ela mais adequa-
da do que "demonstrações financeiras", bem como pelo fato de os órgãos contábeis
brasileiros, notadamente o Conselho Federal de Contabilidade - C F C e o Comitê de
Pronunciamentos Contábeis - CPC adotarem essa terminologia. Justifica-se, também, a
adoção da expressão "demonstrações contábeis" porque nelas são encontradas informa-
ções que não são exclusivamente financeiras, mas também qualitativas, como descrições
de julgamentos, explicações, etc.
No Brasil, o processo de convergência às normas internacionais
de contabilidade ocorreu com a promulgação da Lei n° 11.638/2007
a qual visou, precipuamente, a: (i) desvincular a contabilidade socie-
tária dos aspectos tributários; (ii) focar a contabilidade nos interesses
dos investidores e credores; (iii) permitir que o processo de normati-
zação contábil fosse feito por organismo constituído para essa finali-
dade específica; (iv) permitir que as demonstrações contábeis das
companhias brasileiras sejam entendidas com facilidade em outros
países; e (v) proporcionar aumento da transparência, confiabilidade e
importância das demonstrações contábeis no mercado de capitais1039.
A Lei n° 11.638/2007, que entrou em vigor em janeiro de 2008,
alterou e revogou dispositivos da Lei n° 6.404/1976 e da Lei n° 6.385/
1976 a fim de modernizar a parte contábil da Lei das S.A. em função
da internacionalização dos mercados de capitais. Essa lei quebrou
paradigmas ao desvincular (mesmo que não totalmente) as normas
contábeis para elaboração e divulgação de demonstrações contábeis
das regras de contabilidade adotadas pelo Fisco. A Lei n° 11.638/
2007 pode ser considerada como um marco na normatização contá-
bil nacional, pois somente a partir dela é que se possibilitou às com-
panhias seguirem um conjunto- normativo contábil homogêneo e
fundamentado em princípios econômicos e não tributários.
Antes da promulgação da Lei n° 11.638/2007, inúmeras entidades
editavam normas contábeis (nem sempre homogêneas e harmônicas entre
si), tais como a Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central do
Brasil - Bacen, a Superintendia de Seguros Privados - Susep, a Agência
Nacional de Energia Elétrica - Aneel, a Agência Nacional de Telecomu-
nicações - Anatel, a Agência Nacional de Transportes Terrestres - Antt,
1039 Mesmo antes da promulgação da Lei n° 11.638/2007, a CVM e o CFC emitiam normas
contábeis convergentes às normas internacionais de contabilidade. Portanto, já havia,
antes da Lei n° 11.638/2007, um determinado conjunto de normas contábeis alinhadas às
normas internacionais de contabilidade.
o Conselho Federal de Contabilidade - CFC, etc. Assim, os "Princípios
Contábeis Brasileiros" não eram claramente definidos e variavam de uma
companhia para outra e de um setor para o outro.
O aspecto mais relevante introduzido pela Lei n° 11.638/2007
foi o de que, a partir de sua edição, toda a normatização contábil na-
cional passou a ser elaborada em consonância com os IFRS (artigo
177, § 5 o ). A Lei n° 11.638/2007 adicionou à Lei n° 6.385/1976 o
artigo 10-A, permitindo que as normas contábeis, em última instân-
cia, fossem analisadas e emanadas por órgão independente e em har-
monia com os IFRS1040. A previsão legal de celebração de convênios
entre órgãos reguladores e a entidade que tenha como objetivo o es-
tudo e a divulgação de princípios, normas e padrões contábeis, permi-
tiu que o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) passasse a
exercer essa função de "normatização" contábil, tornando possível,
no Brasil, a consolidação dos "Princípios Contábeis Brasileiros", cons-
tituídos por um conjunto único de normas contábeis e adotados pe-
los órgãos reguladores competentes1041-1042CP-ses-Ll043(p-ses-l A Lei n°
1040 Determina o art. 10-A da Lei n° 6.385/1976 que: "A Comissão de Valores Mobiliários, o
Banco Central do Brasil e demais órgãos e agências reguladoras poderão celebrar convênio
com entidade que tenha por objeto o estucío e a divulgação de princípios, normas e
padrões de contabilidade e de auditoria, podendo, no exercício de suas atribuições
regulamentares, adotar, no todo ou em parte, os pronunciamentos e demais orientações
técnicas emitidas. Parágrafo único. A entidade referida no caput deste artigo deverá ser
majoritariamente composta por contadores, dela fazendo parte, paritariamente, represen-
tantes de entidades representativas de sociedades submetidas ao regime de elaboração de
demonstrações financeiras previstas nesta Lei, de sociedades que auditam e analisam as
demonstrações financeiras, do órgão federal de fiscalização do exercício da profissão
contábil e de universidade ou instituto de pesquisa com reconhecida atuação na área
contábil e de mercado de capitais."
1041 O Comitê de Pronunciamentos Contábeis foi criado pela Resolução CFC n° 1.055/2005
como entidade independente. O objetivo dos CPC's é estudar, preparar e ser o único órgão
a divulgar procedimentos de contabilidade por meio de pronunciamentos técnicos que
deverão ser obrigatoriamente submetidos à audiência pública e análise das entidades
reguladoras competentes para posterior aprovação, visando à convergência da contabilida-
de brasileira aos padrões internacionais (Resoluções CFC n<" 1.103/2007 e 1.105/2007). O
CPC é composto pelas seguintes entidades: (i) Associação Brasileira das Companhias
Abertas - Abrasca; (b) Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Merca-
do de Capitais - Apimec; (c) Bolsa de Valores de São Paulo - Bovespa; (d) Conselho Federal
de Contabilidade - CFC; (e) Instituto dos Auditores Independentes do Brasil - Ibracon; e
(f) Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras - Fipecafi. A CVM,
a SRF, o BCB e a SUSEP também foram convidados a integrar o CPC e dele participam
ativamente, em atendimento ao disposto no art. 10-A da. Lei n° 6.385/T976.
11.638/2007 introduziu mudanças relevantes no conteúdo e formato
das demonstrações contábeis, contribuindo, inclusive, para melhorar
as práticas de boa governança corporativa.
A Lei das S.A. determina que as normas a serem expedidas pela
Comissão de Valores Mobiliários relativas à elaboração das demons-
trações contábeis deverão ser produzidas em consonância com os "pa-
drões internacionais de contabilidade" adotados nos principais mercados
de valores mobiliários (artigo 177, § 5 o ). A elaboração e divulgação de
demonstrações contábeis pelas companhias brasileiras, em conformi-
dade com as normas internacionais de contabilidade, proporciona, a
princípio, maior transparência das informações contábeis, facilitando o
acesso das companhias brasileiras a capitais externos e reduzindo o custo
de capital dessas companhias, em especial daquelas que têm valores
mobiliários admitidos à negociação em mercados estrangeiros.
As normas internacionais de contabilidade apresentam uma ca-
racterística fundamental e distinta dos conjuntos de normas contá-
beis anteriormente conhecidos e adotados no Brasil, pois são calcadas
na "essência econômica". Assim, é importante entender o significa-
do e a abrangência da expressão "essência econômica" ("substância
econômica" ou "primazia da essência sobre a forma").
Até a entrada em vigor da Lei. n° 11.638/2007, as normas
contábeis eram previstas em lei, com diversas regras a serem se-
1042 Note-se que legalmente os pronunciamentos do CPC, por si próprios, não são obrigatórios,
pois precisam ser adotados e/ou referendados pelos órgãos reguladores competentes, con-
forme determina o Art. 10-A da Lei n° 6.385/1976. A CVM, com base nos §§ 3 o e 5o do art.
177 da Lei das S.A. e nos incisos II e IV do § 1o do art. 22 da Lei n° 6.385/1976, tem, após
convocadas as audiências públicas, aprovado os CPC's, tornando-os, por meio de suas
"Deliberações", obrigatórios para as companhias abertas.
1 043 Embora objetive-se que os pronunciamentos emitidos pelo CPC sejam oficialmente refe-
rendados e adotados pelos órgãos reguladores competentes (Comissão de Valores Mobili-
ários, BCB, Susep, Aneel, Anatel, Antt, CFC, etc.), 3 (três) anos após a promulgação da Lei
n° 11.638/2007, nem todos haviam adotado esses pronunciamentos, como, por exemplo,
o Banco Central do Brasil e a Superintendência de Seguros Privados (Susep). Sobre esse
assunto, ver o artigo "Bancos e Seguradoras Terão Dois B a l a n ç o s " , publicado no Valor
Econômico, em 07.01.2011.
guidas, porém com limites numéricos estabelecidos (rules baseã
accounting). As normas internacionais de contabilidade constitu-
em mais guias interpretativos do que normas propriamente ditas e
a sua aplicação nem sempre segue literalmente o que consta dos
contratos celebrados pelas companhias {principies baseã accounting).
Não se encontram nas normas internacionais de contabilidade ex-
pressões tais como: "atingindo-se 25% (vinte e cinco por cento) do
patrimônio líquido, contabilize-se dessa ou daquela maneira". As
normas internacionais de contabilidade utilizam os termos "rele-
vante", "significativo", "substancial", etc., o que demanda a necessi-
dade de julgamento e interpretação por parte dos administradores
das companhias para chegarem a um registro contábil.
1044 De acordo com JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Financeiras da
Companhia (Conceitos Fundamentais). 2 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 179,
É fundamental que conste dessas demonstrações, de forma clara e trans-
parente, todo o desempenho econômico-financeiro no exercício social
encerrado. Uma visão mais antiga sobre as demonstrações contábeis é
aquela que as define como simples relato histórico do ocorrido no exer-
cício social. Entretanto, com o aumento da relevância e da necessidade
do recebimento de informações contábeis por parte dos investidores,
principalmente após a Lei n° 11.638/2007, as demonstrações contá-
beis passaram a ter um outro foco: fornecer ao mercado de capitais
informações prospectivas sobre fluxos de caixa e seus riscos.
' As informações contábeis, quando calcadas na essência econômi-
ca, podem fornecer dados relevantes, não apenas sobre o desempenho
do passado, mas, principalmente, sobre o desempenho futuro das com-
panhias, o que impacta a cotação das ações104S. Cite-se, como exemplo,
a taxa de depreciação que, conforme as normas internacionais de con-
tabilidade, reflete a vida útil esperada de um ativo imobilizado em uso
pela companhia. A divulgação de um aumento significativo da taxa de
depreciação nas demonstrações contábeis indica que a companhia terá
que antecipar a renovação da máquina, demandando fluxos de caixa
futuros para realizar os investimentos necessários, o que afeta a expec-
tativa que o mercado tem sobre a capacidade de geração de fluxos de
caixa necessários para suportar esse investimento, ou a capacidade de
captação de recursos para realizá-lo. Caso a taxa de depreciação seja ba-
seada na regulamentação do Fisco, não haverá conteúdo informacional,
1046 Sobre esse assunto, ver ALEXSANDRO BROEDEL LOPES. Informação Contábil e o Mercado
de Capitais. São Paulo: Thomson, 2002; ALEXSANDRO BROEDEL LOPES e SÉRGIO
IUDÍCIBUS. Teoria Avançada da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 2004; ALEXSANDRO
BROEDEL LOPES e ELISEU MARTINS. Teoria da Contabilidade - uma Nova Abordagem.
São Paulo: Atlas, 2005.
possui um acionista controlador com participação equivalente a 99,9%
do capital social e um outro acionista com participação remanescente
de 0,1%, ela não pode ser considerada uma subsidiária integral. O
regime de constituição da subsidiária integral está disciplinado na Lei
das S.A. (artigo 251) e ocorre quando uma sociedade brasileira desta-
ca, de seu patrimônio, parcela de seu acervo empresarial e de recursos
financeiros para constituir uma nova sociedade, da qual será a única
acionista. Nessa hipótese, a controladora subscreve por inteiro o ca-
pital social da subsidiária integral, sendo obrigatória a escritura públi-
ca para a formalização da constituição.
A subsidiária integral também pode surgir a partir da conversão de
uma sociedade pluripessoal previamente existente em uma sociedade
unipessoal, o que ocorre com a aquisição da totalidade das ações de sua
emissão mediante operação de incorporação de ações (artigo 252).
O conceito de subsidiária integral não dá margem a qualquer
outra interpretação que permita concluir que a companhia com mais
de 1 (um) acionista possa ser classificada como subsidiária integral.
Não obstante, a área técnica da Comissão de Valores Mobiliários já
manifestou entendimento, absolutamente equivocado, no sentido
de que o artigo 253 poderia ser aplicável à sociedade que contasse
com mais de 1 (um) acionista, dada a inexpressividade da participa-
ção dos demais acionistas e a relação de tais acionistas minoritários
com o acionista controlador, sob o argumento de tratar-se de uma
companhia "substancialmente unipessoal"1047.
Embora as normas internacionais de contabilidade nem sem-
pre sigam literalmente o que consta dos contratos celebrados pelas
DEMONSTRAÇÕES COMPARATIVAS
A G R U P A M E N T O DE C O N T A S
DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS
1 055 Ver os comentários ao art. 183 da Lei das S.A. Ver, também, MARIA HELENA PETTERSSON,
SÉRGIO BARCELOS DUTRA DE ALMEIDA, CINTHIA CÁSSIA SANTINI e FÁBIO MORAES
DA COSTA, "Valor Justo (fair value measuremenls)". In: Ernst & Young e Fipecafi. Manual de
Normas Internacionais de Contabilidade. IFRS versus Normas Brasileiras. São Paulo:
Atlas, 2009, p. 246-255. A expressão "valor justo" é utilizada nas seguintes normas
internacionais: IFRS 2, 3, 4 e 5 e IAS 2, 17, 18, 21, 32 e 39.
1056 A DMPL deve ser divulgada de acordo com as regras constantes no CPC 26 - "Apresenta-
ção das Demonstrações Contábeis", aprovado pela Deliberação CVM n° 595/2009, com as
alterações introduzidas pela Deliberação CVM n° 624/2010.
O PL é composto por diversas contas (e não somente Lucros ou
Prejuízos Acumulados) e a D M P L mostra como todas essas contas se
alteraram entre 2 (duas) datas. Assim, a D M P L inclui automaticamente
a mutação da conta de Lucros ou Prejuízos Acumulados. E na DMPL
que se encontram informações relevantes, tais como: aumento de capi-
tal, resultado líquido do período, dividendos, recompra de ações, realiza-
ção de reservas de reavaliação1057, alteração da conta de ajuste de avaliação
patrimonial, etc. Na D M P L é explicitada a destinação dos lucros segun-
do a proposta dos órgãos de administração, no pressuposto de sua apro-
vação pela assembleia geral, conforme determina o § 3 o deste artigo.
Note-se, no entanto, que, de acordo com o § 7°, acrescentado pela Lei n°
11.941/2009, a Comissão de Valores Mobiliários poderá, a seu critério,
disciplinar de forma diversa o registro de que trata o § 3°.
A conta do PL denominada "Ajustes de Avaliação Patrimonial"
(APP) foi criada pela Lei n° 11.638/2007, que alterou o inciso III do §
2° do artigo 1781058. A função dessa conta está explicada no § 3o do
artigo 182, que determina a obrigatoriedade de serem classificadas como
"ajustes de avaliação patrimonial", enquanto "não computadas no resul-
tado do exercício em obediência ao regime de competência, as contraparti-
das de aumentos ou diminuições de valor atribuído a elementos do ativo e
do passivo, em decorrência da sua avaliação a valor justo, nos casos previstos
nesta Lei ou, em normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários,
com base na competência conferida pelo § 3o do artigo 177 desta Lei"
1057 A Lei n° 11.638/2007 proibiu que novas reavaliações fossem feitas a partir do início de
2008. Porém, não exigiu que as reservas de reavaliação já existentes fossem revertidas. O
CPC 13 - "Adoção Inicial da Lei n° 11.638/2007", aprovado pela Deliberação CVM n°
565/2008, prevê 2 (duas) alternativas para o tratarriento das reservas de reavaliação: <i)
devem ser integralmente estornadas (revertidas); ou (ii) deverão ser mantidas até o fim de
suas realizações. Portanto, tais reservas poderão ser encontradas por mais alguns anos nos
Balanços Patrimoniais e das DMPL's das companhias.
1058 De acordo com o art. 178, § 2°, da Lei das S.A.: "No passivo, as contas serão classifi-
cadas nos seguintes grupos: (...) III - patrimônio líquido, dividido em capital social,
reservas de capital, ajustes de avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações em
tesouraria e prejuízos acumulados."
De acordo com os "padrões internacionais de contabilidade", exis-
tem determinados ativos e passivos que são mensurados pelo valor jus-
to. Em alguns casos, essas variações de valor não são lançadas como
receitas ou despesas na demonstração do resultado, mas diretamente
no PL, na subconta da conta de Ajustes de Avaliação Patrimonial.
Esse procedimento justifica-se pelo fato de serem receitas ou despesas
ainda não realizadas em caixa, mas que um dia serão, embora não ne-
cessariamente pelo valor em que foram registradas na conta de Ajuste
de Avaliação Patrimonial, pois, à medida que os valores justos dos ati-
vos flutuam, essa conta também é alterada. Quando se tornarem reali-
zadas financeiramente, deixam a conta de Ajustes de Avaliação
Patrimonial e passam a transitar pela demonstração do resultado do
período em que se tornaram realizadas1059.
Essa complexidade adicional de contabilização implica em modi-
ficações na interpretação do resultado de determinado período. Ou seja,
o resultado total de um período (denominado "resultado abrangente")1060
é composto por uma parte realizada (lucro ou prejuízo do exercício,
1062 Antigamente essa despesa era conhecida como "despesa com provisão de devedores duvidosos
- PDD" ou "despesa com provisão para créditos de liquidação duvidosa - PCLD". Pelo CPC 25
- "Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes", aprovado pela Deliberação CVM
n° 594/2009, não mais se utiliza a expressão 'provisões' para contas que retificam valores dos
ativos, como as antigas PDS, PCLD's, provisões para ajuste ao valor de mercado, etc.
da receita de venda anteriormente registrada, que não será totalmen-
te transformada em caixa. Esses registros contábeis da venda a prazo
e do ajuste de inadimplência foram efetuados com base em mera in-
formação, sem que tenha ocorrido qualquer efeito no caixa.
No exemplo anterior, a norma contábil afetará apenas a venda a
prazo, pois na venda à vista não é necessária a existência de uma regra
para orientar o seu lançamento. No entanto, existindo uma garantia
sobre o produto vendido (mesmo que à vista), por accrual, o registro
dessa venda poderá ser afetado, devendo-se observar a norma contá-
bil que trata do registro de vendas com garantias associadas. Assim,
quando uma montadora vende, à vista, por determinado valor, um
veículo com garantia de 2 (dois) anos, ela está, na realidade, venden-
do (já embutido no preço) o veículo e a garantia, embora registre-se
apenas a venda do veículo. O preço da garantia não é reconhecido
como receita no momento da venda; fica contabilizado no passivo da
montadora como uma obrigação por garantia (uma provisão para ga-
rantia), pois sobre esse montante a montadora detém obrigações e
riscos. Essa garantia deixa de ser uma obrigação com o decorrer do
tempo, 2 (dois) anos, por exemplo. Assim, ao longo desses 2 (dois)
anos, a montadora reconhece como receita essa parcela do preço to-
tal do veículo que corresponde, de fato, à venda da garantia1063.
No caso da venda a prazo, as normas contábeis afetam a con-
tabilização da receita e do "contas a receber", bem como o ajuste
por inadimplência. Ou seja, quando a receita é reconhecida, o seu
valor pode ser diferente do que consta da nota fiscal; é o que ocorre,
por exemplo, se o valor a ser contabilizado como "contas a receber"
Nos comentários ao art. 187 da Lei das S.A. são detalhadas as alterações estruturais da DRE
introduzidas pela Lei n° 11.638/2007 e pelo CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações
Contábeis", aprovado pela Deliberação C V M n° 595/2009, com as alterações introduzidas
pela Deliberação C V M n° 624/2010.
A D F C foi regulamentada pelo C P C 03 R(2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa",
aprovado pela Deliberação C V M n° 641/2010.
mais complexa, especialmente com relação à DRE. A DFC subs-
tituiu a Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos
(DOAR) e abrange o caixa e seus equivalentes (dinheiro e ativos
que são facilmente transformados em dinheiro, como, por exem-
plo, aplicações financeiras de liquidez imediata), fornecendo, as-
sim, informações relevantes sobre pagamentos e recebimentos da
companhia ocorridos durante determinado período, ou seja, a uti-
lização e origem de todos os recursos que entraram e saíram do
caixa, e, em conseqüência, o resultado do fluxo financeiro.
Na DFC, os fluxos de caixa e seus equivalentes, ocorridos du-
rante um período (entradas e saídas), são classificados conforme a sua
natureza: operacional, de investimento e de financiamento1066.
A DRE tem como base o regime de competência, enquanto a
DFC apenas o regime de caixa. Só aparecem na DRE entradas e saí-
das de caixa e equivalentes ocorridas durante um determinado período.
A DFC é uma demonstração importante para o mercado de capitais,
pois é a partir dela, com o auxílio das outras demonstrações contábeis,
que são feitas estimativas futuras de fluxos de caixa, componentes es-
senciais à determinação do valor econômico de títulos e valores mobi-
liários.
Existem 2 (dois) métodos de apresentação da DFC: (i) o método
direto, que reflete tão somente a classificação das entradas e saídas de
caixa e seus equivalentes nos grandes grupos: operacionais, de investi-
mentos e de financiamentos; e (ii) o método indireto, um pouco mais
complexo, pois parte do lucro (ou prejuízo) da DRE e dele são elimina-
dos os componentes de accruals para chegar aos efeitos de caixa. Ou
seja, é necessária uma conciliação entre o resultado líquido do exercício
da DRE e os fluxos de caixa da DFC, intercambiando aspectos tempo-
rais dos regimes de caixa e de competência (os efeitos dos accruals)1067.
1066 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 188 da Lei das S.A.
1067 Sobre os métodos de apresentação da DFC, ver o CPC 03 R(2) - "Demonstração dos Fluxos
de Caixa", aprovado pela Deliberação C V M n° 641/2010.
Cite-se, como exemplo, uma companhia que tenha como posi-
ção financeira inicial RS 10,00 de caixa e RS 10,00 de capital social.
Durante determinado período, ela registrou receitas de serviços no
valor de RS 30,00 (sem despesas, portanto, lucro líquido na DRE de
RS 30,00), sendo que, desse valor, somente RS 5,00 foram recebidos
em caixa. A posição financeira no final do período demonstrará caixa
de RS 15,00 (RS 10,00 iniciais mais os RS 5,00 recebidos), "contas a
receber" de R$ 25,00 e patrimônio líquido de R$ 40,00 (RI 10,00 de
capital social e RS 30,00 de reservas de lucros - o lucro da DRE). A
D F C pelo método direto apresentará apenas RS 5,00 de caixa opera-
cional decorrente do recebimento de clientes, conciliando o saldo
inicial de caixa de RS 10,00 com os RS 15,00 de saldo final.
Já a D F C pelo método indireto partirá do lucro R$ 30,00 da DRE
e dele subtrairá RS 25,00 (decorrente da variação do saldo de "contas a
receber": de zero no início do período para R$ 25,00 no final do perío-
do), resultando no fluxo de caixa operacional de RS 5,00, idêntico ao
apresentado na D F C pelo método direto. Esse fluxo de caixa concilia o
saldo inicial de RS 5,00 de caixa com o saldo final de RS 15,00.
O resultado final pelos 2 (dois) métodos é idêntico, mas os meios
pelo qual é alcançado são distintos. A interpretação da D F C pelo méto-
do direto é mais fácil de ser entendida, enquanto pelo método indireto é
mais complexa. Ainda no exemplo acima, pelo método direto a compa-
nhia recebeu RS 5,00 de clientes e, pelo método indireto, teve lucro
líquido de R$ 30,00; mas, como deixou de receber RS 25,00 (esse é o
efeito do accrual do registro da venda a prazo: no início do período não
tinha nada a receber e no final tem RS 25,00; deixou de receber RS
25,00 de caixa no período), restaram RS 5,00 de caixa. Ou seja, o lucro
apurado pelo regime de caixa foi de RS 30,00, mas o caixa gerado por
esse lucro foi de apenas RS 5,00. O "contas a receber" mostra que o
restante do lucro de RS 30,00 será recebido em caixa em períodos futu-
ros (saldo de RS 25,00 de "contas a receber").
(v) a Demonstração do Valor Adicionado (DVA), que embora
não integre o conjunto das demonstrações contábeis dos IFRS, tor-
nou-se obrigatória para as companhias abertas, com a publicação da
Lei n° 11.638/20071068.
Essa demonstração, também elaborada com observância ao
regime de competência, é semelhante à demonstração em que se
apura o Produto Interno Bruto (PIB) de um País, Estado ou Mu-
nicípio, pois representa a riqueza gerada pela companhia, que é, a
princípio, medida pela diferença entre o valor das vendas e os in-
sumos adquiridos de terceiros1069. O valor adicionado inclui tam-
bém o valor recebido em transferência, ou seja, produzido por
terceiros e transferido à companhia.
A DVA é uma demonstração de caráter econômico, "emprestada"
pela contabilidade. Porém, existem algumas diferenças temporais entre
a apuração de riqueza sob o aspecto econômico e o contábil. Sob o
aspecto econômico, (i) o que gera a riqueza é a produção, independente
de sua venda; e (ii) a riqueza é estimada a valores de mercado. Sob o
aspecto contábil, a riqueza é mensurada a partir da venda da produção.
Na hipótese de a produção permanecer em estoque, ou seja, o seu pro-
duto não ser alienado, a DVA sob o aspecto contábil ficará defasada
com relação ao aspecto econômico. Existem, ainda, outras diferenças
que podem ser verificadas, como, por exemplo, no caso da construção
de imóveis para uso próprio das companhias, caso em que a DVA, a
princípio, não capturará essa riqueza adicionada, enquanto sob o as-
pecto econômico essa produção (construção do edifício) gerará valor
que será estimado a preços de mercado.
1068 A DVA foi regulamentada pelo CPC 09 - "Demonstração do Valor Adicionado", aprovado
pela Deliberação CVM n° 557/2008 e pela Resolução CFC n° 138/2008.
1 069 Ver o CPC 09 - "Demonstração do Valor Adicionado", aprovado pela Deliberação CVM n"
557/2008.
Assim, a DVA tem como objetivo mostrar como as companhias
geraram riqueza em um determinado período e o seu montante, os
meios de produção utilizados, como a mão de obra, foi remunerada,
como essa riqueza foi distribuída para o governo (a título de recolhi-
mento de tributos), empregados, acionistas, investidores, etc., e o quan-
to foi retido na companhia. A DVA é considerada uma demonstração
de cunho mais social, pois não tem como foco apenas o acionista
(como a DRE), mas a companhia como um todo1070.
N O T A S EXPLICATIVAS
1 070 Sobre o significado e a elaboração da DVA, ver ARIOVALDO DOS SANTOS. Demonstração
d o Valor A d i c i o n a d o - C o m o Elaborar e Analisar a DVA. 2 a e d i ç ã o , S ã o Raulo: Atlas, 2 0 0 7 .
válida para registro contábil) e outros esclarecimentos necessários ao
correto entendimento da posição econômico-financeira da companhia.
Das notas explicativas também constam informações sobre os riscos
que impactam a companhia e sobre os eventos que não afetaram as
demonstrações contábeis, seja por impossibilidade de sua mensuração,
seja porque afetarão a posição patrimonial em exercícios subsequentes.
Conforme já comentado, pelos "padrões internacionais de conta-
bilidade", os administradores das companhias precisam interpretar os
IFRS, exercendo um critério de julgamento para elaborar as demons-
trações contábeis. Dessa forma, as notas explicativas tornaram-se mui-
to mais relevantes do que eram anteriormente à entrada em vigor das
Leis n 05 11.638/2007 e 11.941/2009.
Consta do § 5 o , com a redação dada pela Lei n° 11.941/2009, a
relação de informações mínimas que deverão integrar as notas expli-
cativas. No entanto, as companhias abertas devem apresentar notas
explicativas com informações adicionais às constantes dos incisos I a
IV, pois cada pronunciamento contábil (cada CPC), possui no seu
conteúdo indicações sobre o que deve ser nelas divulgado.
Os 3 (três) primeiros incisos do § 5 o estabelecem que as notas expli-
cativas devem (i) "apresentar informações sobre a base de preparação das de-
monstrações financeiras e das práticas contábeis específicas selecionadas e
aplicadas para negócios e eventos significativos"; (ii) "divulgar as informações
exigidas pelas práticas contábeis adotadas no Brasil que não estejam apresen-
tadas em nenhuma outra parte das demonstraçõesfinanceira.s";e (iii)'forne-
cer informações adicionais não indicadas naspróprias demonstraçõesfinanceiras
e consideradas necessárias para uma apresentação adequada
Esses 3 (três) incisos têm como objetivo assegurar que o modelo e
as políticas contábeis adotadas na elaboração das demonstrações con-
tábeis sejam claramente evidenciadas ao usuário. A simples menção e
listagem dos normativos utilizados não bastam para que as demonstra-
ções contábeis exprimam com clareza a situação do patrimônio da com-
panhia e as mutações ocorridas no exercício, conforme determina o
caput deste artigo, principalmente pelo fato de os padrões internacio-
nais de contabilidade exigirem muitos critérios de interpretação e jul-
gamento. Por isso, o § 4 o estabelece que as demonstrações devem ser
complementadas por quadros analíticos ou demonstrações contábeis
necessárias ao esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados
do exercício. Ademais, existem transações e eventos que não são expli-
citamente previstos nas normas contábeis; assim, a companhia precisa
adotar uma política contábil adequada para refleti-los nas demonstra-
ções, a fim de que os seus usuários sejam devidamente informados.
Os critérios utilizados na elaboração das demonstrações contábeis
devem refletir as transações e os fatos mais relevantes ocorridos no
patrimônio, para que o usuário possa compreender o alcance e a limita-
ção das informações divulgadas. As referências às expressões "negócios
e eventos significativos", "consideradas necessárias para uma apresen-
tação adequada", constantes dos incisos I e III do § 5 o , sugerem um
critério de interpretação e julgamento, ficando a cargo da administra-
ção da companhia decidir o que é significativo e adequado.
r
Escrituração
"Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em regis-
tros permanentes, com obediência aos preceitos dalegislação co-
mercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente
aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis unifor-
mes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o
regime de competência.
1072 Ver, a propósito, a Resolução Normativa ANEEL n° 39G/2010, que instituiu a contabilidade
regulatória e aprovou alterações no manual de contabilidade do setor elétrico.
RTT1073. De acordo com o RTT, os resultados continuam a ser tribu-
tados em conformidade com as normas contábeis anteriores a de-
zembro de 2007; já as normas contábeis posteriores a 2007 têm efeito
neutro sobre a tributação1074. Ou seja, na apuração dos tributos ainda
são observadas as normas "contábeis" em vigor até o ano 20071075,
mas, na elaboração das demonstrações contábeis e na sua divulgação,
seguem-se as normas contábeis vigentes. E como se, para fins tribu-
tários, não tivesse ocorrido qualquer mudança. Na prática, isso impli-
ca em terem as sociedades pelo menos 2 (duas) contabilidades: uma
para fins tributários e outra para fins de divulgação.
Ter 2 (duas) ou mais contabilidades não é novidade e faz parte da
vida empresarial. Por exemplo, é comum as companhias possuírem a
contabilidade societária, baseada em normativos, e, paralelamente, a
1076 A título de exemplo, veja-se o 'ágio'. De acordo com a Lei n° 11.638/2007, esse ativo não é
mais amortizado (somente o será caso não mais tenha seu custo recuperável, o que é feito pelo
teste de recuperabilidade de custo, de acordo com o CPC 01 (R1) - "Redução no Valor
Recuperável de Ativos", aprovado pela Deliberação CVM n° 639/2010). Mas, para fins tributá-
rios, esse ativo ainda continua a ser amortizado conforme os critérios fiscais vigentes em 2007.
1077 As expressões "Princípios Contábeis" e "Princípios de Contabilidade" têm o mesmo significado.
qualitativas das informações contábeis, bem como os aspectos de men-
suração de ativos, passivos, receitas e despesas. O significativo au-
mento da importância das informações econômico-fmanceiras das
companhias, face à expansão do mercado de capitais e ao desen-
volvimento da profissão contábil, tornou necessária a criação de um
conjunto de orientações sobre os procedimentos indispensáveis à
analise de fatos e eventos, à sua mensuração e ao seu registro. Tais
orientações foram transformadas em normas que devem ser obser-
vadas na elaboração e na divulgação das demonstrações contábeis.
O conjunto de orientações, teorias, normas e procedimentos é de-
nominado "princípios contábeis".
Para as companhias abertas vigorou, até dezembro de 2008, a De-
liberação CVM n° 029/1986, que dispunha sobre a "Estrutura Con-
ceituai Básica da Contabilidade" e definia os objetivos da contabilidade,
os seus princípios (conceitos) fundamentais, classificando-os em 3 (três)
categorias básicas: (i) postulados ambientais da contabilidade; (ii) prin-
cípios contábeis propriamente ditos; e (iii) restrições aos princípios con-
tábeis fundamentais - as convenções. Entretanto, com -a mudança
normativa introduzida pela Lei n° 11.638/2007, e considerando a im-
portância e a obrigatoriedade de que as normas contábeis brasileiras
fossem convergentes com as normas contábeis internacionais, a Deli-
beração CVM n° 029/1986 foi revogada pela Deliberação CVM n°
539/2008, a qual aprovou o "Pronunciamento Conceituai Básico" emi-
tido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC, que dispõe
sobre a "Estrutura Conceituai para a Elaboração e Apresentação das
Demonstrações Contábeis"1078.
O "Pronunciamento Conceituai Básico" corresponde ao "Fra-
mework for the Preparation and Presentation of Financial Statements"
do IASB e consiste em orientações qualitativas - não em regras -
1 078 Sobre o Comitê de Pronunciamentos Contábeis, ver os comentários ao art. 176 da Lei das S.A.
sobre as informações e as demonstrações contábeis1079. No "Pronuncia-
mento Conceituai Básico" são encontrados sob diversas denominações
1084 Sobre esse assunto, ver o CPC 23 - "Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retifica-
ção de Erro", aprovado pela Deliberação C V M n° 592/2009.
1 085 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 1 76 da Lei das S A
1036 Note-se que as sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de
sociedades por ações, sujeitam-se às disposições da Lei das S.A. sobre escrituração e
elaboraçao de demonstrações contábeis e a obrigatoriedade de auditoria independente,
nos termos do art. 3 o da Lei n° 11.638/2007.
não, de acordo cora as normas contábeis vigentes1087. Se estiverem de
acordo, emitirão o parecer com opinião favorável, sem ressalva (é o
denominado "parecer limpo"). Alguns pareceres podem ser emitidos
com parágrafo(s) de ênfase, por conterem as demonstrações algum
nível de incerteza ou por merecerem alguma atenção especial, mes-
mo que estejam em consonância com as normas contábeis. Nesses
casos, em geral, há quantificação dos efeitos dessa observação, mas
não há ressalva (é o denominado "parecer limpo com parágrafo de
ênfase"). Quando detectada a não observância de alguma norma ou
prática contábil, e sendo seu efeito relevante, o auditor emite o pare-
cer com ressalva, do tipo "exceto quanto", quantificando o efeito des-
se fato (é o denominado "parecer com ressalva").
Por outro lado, existem pareceres que identificam não conformi-
dades, embora não as quantifiquem em função de alguma impossibi-
lidade, como ocorre no caso em que os auditores não conseguem obter
1087 Sobre a auditoria independente, ver a Instrução C V M n° 308/1999, que dispõe sobre o
registro e o exercício dessa atividade no âmbito do mercado de valores mobiliários e define
os deveres e as responsabilidades dos administradores das entidades auditadas no relaciona-
mento com os auditores independentes. Ver, também, (i) a Nota Explicativa a esta Instrução;
(ii) a Resolução C M N n° 3-.198/2004, alterada pela Resolução C M N n° 3.771/2009; (iii) a
Resolução C N S P n° 118/ 2004; (iv) as Resoluções C F C n» 1.156/2009, alterada pelas
Resoluções C F C n« 1.198/2010, 1.201/2009 e 1.238/2009, que aprovam a NBC T 11 -
"Normas de Auditoria" (vigentes até 31/12/2009) e NBT TA - "Normas de Auditoria" (vigen-
tes a partir de 01/01/2010). Ver, ainda, os seguintes Comunicados Técnicos do Ibracon -
Instituto dos Auditores Independentes do Brasil: (i) C T 04/2010 - orienta os auditores
independentes na emissão do seu relatório sobre as demonstrações financeiras de exercícios
a findar em ou a partir de 31 de dezembro de 2010, considerando as seguintes situações: (a)
demonstrações financeiras individuais elaboradas de acordo com as práticas contábeis adotadas
no Brasil; (b) demonstrações financeiras consolidadas elaboradas de acordo com as normas
internacionais (IFRS); e (c) quando aplicável, apresentação dessas demonstrações (individu-
ais e consolidadas) lado a lado, em um único conjunto de demonstrações financeiras ou
separadamente (um conjunto contendo as demonstrações financeiras preparadas de acordo
com as práticas contábeis adotadas no Brasil e outro conjunto de acordo com as IFRS); (ii) CT
05/2010 - orienta os auditores independentes na emissão do Relatório do Auditor indepen-
dente sobre as demonstrações financeiras individuais e consolidadas de instituições finan-
ceiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil - BCB
referentes aos exercícios a findarem em, ou a partir de, 31 de dezembro de 2010; e (iii) CT 06/
2010 - orienta os auditores independentes na emissão do Relatório do Auditor Independente
sobre as demonstrações financeiras individuais e consolidadas de entidades supervisionadas
pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP referentes ao exercício a findar em, ou a
partir de, 31 de dezembro de 2010.
evidência apropriada e suficiente em relação às informações contá-
beis para 1 (um) ou mais componentes. H á pareceres em que a cons-
tatação da não observância de normas e práticas contábeis é tão
significativa que o auditor afirma, categoricamente, que as demons-
trações não estão em consonância com as normas e práticas contá-
beis (é o denominado "parecer adverso"). Há, ainda, pareceres que
mencionam que, por falta de condições de aplicar todas as normas de
auditoria e de obter todas as informações necessárias, não foi possível
emitir opinião (é o denominado "parecer com negativa de opinião")1088.
Os pareceres de auditoria têm como finalidade verificar se o
desempenho econômico-financeiro da companhia foi adequada-
mente refletido nas demonstrações contábeis e se foram adotadas
as normas e práticas contábeis, não objetivando constatar se a com-
panhia teve uma performance boa ou ruim.
O § 4o simplesmente obriga que as demonstrações contábeis sejam
assinadas por profissionais legalmente habilitados, o que, no Brasil, sig-
nifica o registro nos respectivos Conselhos Regionais de Contabilidade.
B A L A N Ç O PATRIMONIAL
Grupo de contas
"Art. 178. No balanço, as contas serão classificadas segundo os ele-
mentos do patrimônio que registrem, e agrupadas de modo afacilitar
0 conhecimento e a análise da situaçãofinanceirada companhia.
1090 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 183 da Lei das S.A.
1091 s ,
(
R$100,00 ^
= R$87,98
Xl + 15%) ( , i m )
valor presente1092. As informações relativas aos prazos de realização e
às taxas de juros utilizadas no cálculo do valor presente devem ser
evidenciadas em notas explicativas1093.
Conforme consta do inciso II do § I o , o ativo não circulante é
composto por: (i) "ativo realizável a longo prazo", representando, em
geral, ativos que têm expectativa de serem realizados em caixa; (ii)
"investimentos", que demonstram os investimentos da companhia
em ativos físicos que geram caixa por si mesmos ou que estão aguar-
dando futura valorização, incluindo-se, nesse subgrupo, as participa-
ções societárias permanentes, ou seja, participações no capital de
sociedades nas quais a companhia possui influência significativa1094
ou que sejam por ela controlada — diferentemente daquelas participa-
ções que a companhia espera vender no curto ("ativo circulante") ou
longo prazo ("realizável a longo prazo"); (iii) "imobilizado", que re-
presenta os ativos físicos que a companhia utiliza, direta ou indireta-
mente, nas suas operações, como, por exemplo, fábricas, veículos,
edifícios, etc. Os ativos classificados como imobilizado não geram
caixa por si mesmos. Aqueles que estão alugados ou não estão sendo
utilizados, mas aguardando uma futura valorização para posterior ven-
da, são classificados como "investimentos", e não como "imobilizado";
e (iv) "intangível", uma nova classificação introduzida na Lei das S.A.
pelas Leis n°= 11.638/2007 e 11.941/2009, abrangendo os ativos sem
substância física que a companhia adquiriu e cujos benefícios são espera-
dos para os exercícios sociais seguintes. Incluem-se nesse subgrupo os
direitos de uso, marcas (quando adquiridas de terceiros) e eventuais ágios
por expectativa de rentabilidade futura (goodwill), entre outros109S-1096(p-5C&)-
1109 Sobre as ações em tesouraria, ver os comentários a o art. 3 0 da Lei das S.A.
1110 A D e l i b e r a ç ã o C V M n° 5 6 5 / 2 0 0 8 a p r o v o u o C P C 13 - " A d o ç ã o I n i c i a l d a Lei n°
11.638/2007".
1111 O s itens 3 8 a 41 d o C P C 13 - " A d o ç ã o Inicial da Lei n° 11.638/2007", aprovado pela
D e l i b e r a ç ã o C V M n° 5 6 5 / 2 0 0 8 , d ã o as seguintes alternativas d e tratamento dos saldos
residuais da Reserva de Reavaliação: "38. A Lei n° 11.638/07 eliminou a possibilidade de
reavaliação espontânea de bens. Assim, os saldos existentes nas reservas de reavaliação
constituídas antes da vigência dessa Lei, inclusive as reavaliações reflexas de controladas
e coligadas, devem: (a) ser mantidos até sua efetiva realização; ou (b) ser estornados até o
término do exercício social de 2008. 39. Ao optar pelo item 38 (a), o valor do ativo
imobilizado reavaliado existente no início do exercício social passa a ser considerado
como o novo valor de custo para fins de mensuração futura e determinação do valor
recuperável. A reserva de reavaliação, n o patrimônio líquido, continuará sendo realizada
para a conta de lucros ou prejuízos acumulados, na mesma base que vinha sendo efetuada
antes da promulgação da Lei n" 11.638/07. 4 0 . Ao optar pelo item 38 (b), o estorno
retioagirá à data de transição (...) estabelecida pela entidade quando da adoção inicial da
Lei n° 11.638/07. O mesmo tratamento deve ser dado com referência à reversão dos
impostos e contribuições diferidos, que foram registrados por ocasião da contabilização de
reavaliação. 41. Além de suas reavaliações, as entidades devem observar a necessidade de
uniformidade de tratamento entre a investidora e suas controladas e coligadas. A investido-
ra deve determinar às suas controladas e recomendar às suas coligadas a adoção da mesma
alternativa. Caso a coligada adote alternativa diferente daquela recomendada pela investi-
dora, esta deve ajustar as demonstrações contábeis da investida quando da adoção do
método de equivalência patrimonial, a fim de manter a uniformidade de procedimentos."
Há mais uma modificação de classificação que afeta o patrimônio
líquido: a das demonstrações contábeis consolidadas. Mesmo não cons-
tando expressamente da Lei das S.A., quando da apresentação de de-
monstrações contábeis consolidadas, o grupo dos acionistas não
controladores passa a ser contabilizado dentro do patrimônio líquido,
mas devidamente segregado do patrimônio dos acionistas controlado-
res. Anteriormente à entrada em vigor da Lei n° 11.638/2007, a parce-
la dos acionistas não controladores era registrada em grupo intermediário
(denominado "minoritários"), que ficava entre o passivo exigível e o
patrimônio líquido. A classificação dentro do patrimônio líquido é per-
tinente, pois esses acionistas têm capital próprio empregado na com-
panhia (no grupo consolidado), mas não são seus controladores.
Por fim, o § 3° dispõe que os saldos devedores e credores não
podem ser compensados e devem ser apresentados individualmente
como ativos ou passivos, a não ser que haja previsão legal para tal.
Assim, caso uma companhia tenha créditos e débitos perante outra,
deve-se evidenciar tanto o ativo , quanto o passivo e não a posição
líquida entre eles. O § 3o objetiva que as demonstrações evidenciem
claramente quais são os ativos e passivos, independentemente de se-
rem relativos, ou não, aos mesmos devedores e credores. Essa eviden-
ciação de ativos e passivos (não compensados) permite um melhor
entendimento das demonstrações contábeis por parte dos usuários,
principalmente no que se refere ao montante total de ativos e passi-
vos das sociedades, facilitando, dessa forma, as estimativas de fluxos
de caixa futuros e de risco.
Ativo
"Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:
Contábeis. Assim, no fundo, tudo o que existia sobre Regime de Competência, Objetivida-
de, Conservadorismo etc., continua existindo, com novas redações. 5 d que alguns pontos
são mudados de hierarquia. Talvez, a maior modificação seja mesmo a introdução, de
maneira clara, da figura da 'Primazia da Essência sobre a Forma' como característica funda-
mental da informação contábil. Esse conceito estava inserido na Deliberação CVM n° 29/
86, mas de passagem, sem que lhe houvesse sido dada a característica de um 'princípio'
propriamente dito. Agora, com o Pronunciamento novo do CPC, aprovado pela Delibera-
0
ção CVM n" 539/2008, e pela Resolução do Conselho Federal de Contabilidade n 1.121/
08, a aplicação desse conceito deverá ser a inovação que mais exigirá do profissional da
Contabilidade. Ou seja, de agora em diante, não pode mais o profissional de contabilida-
de, ou o gestor da empresa, ou o auditor independente, simplesmente 'seguir as regrinhas',
'seguir as letras do contrato' etc. Quando o documento formaliza uma situação que não
representa a efetiva realidade econômica 'da operação, o contador e os administradores da
empresa são responsáveis por efetuar a contabilização conforme a essência econômica da
transação, e não sua mera forma, e o auditor só pode aceitar sem ressalva a demonstração
contábil se assim elaborada."
1115 Sobre as modificações introduzidas no ativo imobilizado, SÉRGIO IUDÍCIBUS, ELISEU
M A R T I N S e E R N E S T O R U B E N S G E L B C K E . Manual d e Contabilidade das Sociedades por
Ações (Aplicável às Demais Sociedades). Rumo às Normas Internacionais. Suplemento...,
p. 2 5 - 2 6 , e n t e n d e m q u e : "(...) os ativos intangíveis, não corpóreos, que estavam no
Imobilizado, passam agora para o grupo de Intangíveis, que também incluirá ativos que
estavam em outros lugares que não o Imobilizado. Essa figura de ativos corpóreos e não
corpóreos precisa ser entendida de maneira não só física, mas também pela sua essência,
seu vínculo, sua natureza. Há, de fato, algumas dúvidas que podem sempre existir; por
exemplo, o sistema que faz uma máquina operar, faz parte ou não do Imobilizado? Ele é
corpóreo ou incorpóreo? O fundamental aqui é que ele é parte absolutamente integrante,
na essência, da própria máquina. Logo, é uma espécie de custo complementar a tal
máquina para ela operar. Assim, ele fica nesse grupo do Imobilizado. O mesmo se aplica às
benfeitorias em propriedades de terceiros que, por sinal, já faziam parte do Imobilizado
anteriormente porque eram bens que, mesmo que não de propriedade da entidade, eram
exercidos com a finalidade de manutenção das atividades dela. (...) Mas uma enorme
novidade foi trazida agora pela Lei. Além da figura das benfeitorias em propriedade de
terceiros, que já era um tipo de ativo reconhecido não de propriedade física da entidade
em muitas situações, outras situações agora surgem de reconhecimento, como ativo, de
bens juridicamente não pertencentes à entidade. A Lei, seguindo totalmente as normas
internacionais, passa a incluir os bens cujo controle, cujos riscos e cujos benefícios
passem ao controle da entidade. Assim, se houver a situação em que tais bens passem ao
controle da entidade, e cujos riscos e benefícios passem a pertencer a ela, deverão ser
incorporados ao seu Ativo imobilizado, ainda que juridicamente não a ela pertencentes."
proporciona. As contraprestações configuram o passivo que o arrenda-
tário se compromete a pagar. Na essência, o arrendamento é caracteriza-
do como uma compra financiada, como outro financiamento qualquer.
A Lei n° 11.638/2007, prevendo a utilização da interpretação
econômica dos contratos, alterou o inciso IV do caput deste artigo,
determinando que também estão incluídos no "ativo imobilizado"
os direitos decorrentes de operações que transfiram à companhia os
benefícios, riscos e controle dos bens1116.
A mesma lei (Lei n° 11.638/2007) também incluiu o grupo do
"intangível" no "ativo não circulante"; esse grupo abrange os ativos sem
substância física destinados à manutenção da companhia ou exercidos
com essa finalidade e cujos benefícios são esperados para os exercícios
sociais subsequentes. Integram esse grupo os direitos de uso, marcas
(quando adquiridas de terceiros) e eventuais ágios por expectativa de
rentabilidade futura (goodwill1117 ou fundo de comércio), entre outros.
Em geral, os intangíveis reconhecidos nas demonstrações
contábeis são os adquiridos de terceiros, por meio de compra e
venda ou permuta, seja de forma direta ou em decorrência da aqui-
sição de uma empresa ou negócio (Business Combinatiori)xm. Essa
aquisição de bens de terceiros confere ao ativo um valor (custo)
determinável objetivamente e, assim, é reconhecido nas demons-
trações contábeis. As normas internacionais de contabilidade im-
pedem que os intangíveis gerados internamente na companhia
sejam passíveis de registro nas demonstrações contábeis1119.
1116 Sobre o princípio da primazia da essência sobre a forma, ver os comentários ao art. 176 da
Lei das S.A.
1117 Quando alguma participação societária inclui o ágio por expectativa de rentabilidade
futura (parcela do custo de aquisição de uma participação societária que não pode ser
alocada a ativos físicos ou intangíveis) no balanço individual, esse goodwill é alocado ao
saldo do investimento (não fica como intangível); no caso das demonstrações consolida-
das, o goodwill fica classificado no grupo dos intangíveis.
1118 Sobre esse assunto, ver o CPC 15 (R1) - "Combinação de Negócios", aprovado pela
Deliberação CVM n° 665/2011.
1119 B<istenn raras exceções em que ativos intangíveis gerados internamente podem ser reconhe-
cidos nas demonstrações contábeis. Consta dos itens 64 a 66 do C P C 04 (RI) - "Ativo
Intangível", aprovado pela Deliberação CVM n° 644/2010, que: "65. O cuslo de ativo
Essa restrição existe porque na maioria das vezes é difícil avaliar
se um ativo intangível gerado internamente qualifica-se para reco-
nhecimento nas demonstrações contábeis, pois é muito complicado
(i) identificar esse ativo separadamente de outros ativos da compa-
nhia; (ii) determinar de forma precisa e objetiva se ele gerará benefí-
cios econômicos no futuro; e (iii) mensurar com segurança o seu valor.
Todos os recursos despendidos pela companhia têm por fim gerar
benefícios econômicos. Esses gastos são capturados pela contabilidade e,
conforme a sua natureza e as normas contábeis vigentes, processados e
classificados contabilmente. Quando os gastos efetuados configuram a
"geração" de ativos que resultarão em benefícios futuros, podem ser con-
tabilizados como tal. Ocorre que, no momento em que o gasto é efetua-
do, nem sempre se tem certeza dos benefícios que dele decorrerão. Essas
características estão presentes nos intangíveis e, por isso, esse grupo de
ativos é de complexo tratamento contábil, uma vez que envolve diversas
incertezas, sendo as principais as que se referem a benefícios futuros, seja
quanto ao valor seja quanto à ocorrência temporal.
Cite-se, como exemplo, a hipótese de gastos com propaganda e
marketing, os quais visam a proporcionar vendas. E difícil apurar a
relação entre eles e o aumento do volume de vendas, bem como por
quanto tempo ele será impactado, ou seja, o período em que produzirá
1124 De acordo com o CPC 04 (RI) - "Ativo Intangível", aprovado pela Deliberação CVM n°
644/2010, um ativo é identificável quando for separável ou resultante de direitos contratuais
ou de outros direitos legais. Um ativo satisfaz o critério de identificação quando (a) puder
ser separado da entidade e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, individu-
almente ou junto com um contrato, ativo ou passivo relacionado, independente da inten-
ção de uso pela entidade; ou (b) resultar de direitos contratuais ou de outros direitos legais,
independentemente de tais direitos serem transferíveis ou separáveis da entidade ou de
outros direitos e obrigações.
1125 Consta dos itens 48 a 50 do CPC 04 (R1) - "Ativo Intangível", aprovado pela Deliberação
C V M n° 6 4 4 / 2 0 1 0 , que: "48. O ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura
(goodwillj gerado internamente não deve ser reconhecido como ativo. 49. Em alguns casos
incorre-se em gastos para gerar benefícios econômicos futuros, mas que não resultam na
criação de ativo intangível que se enquadre nos critérios de reconhecimento estabelecidos
Os gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D) somente são
considerados como intangíveis quando os custos incorridos puderem
ser identificados e, principalmente, quando houver grande chance de
a companhia obter benefícios futuros com o uso do ativo. Conse-
quentemente, todos os custos incorridos na fase de pesquisa não são
ativos, mas sim despesas que serão lançadas ao resultado quando in-
corridas. Esse procedimento é justificado diante das incertezas ine-
rentes a essa atividade, como, por exemplo, se o objeto da pesquisa
trará benefícios para a companhia no futuro. Quanto aos gastos na
fase de desenvolvimento, que é sempre posterior à de pesquisa, so-
mente poderão ser capitalizados como intangível quando forem bai-
xas as incertezas sobre os futuros benefícios. Há uma série de quesitos
que a companhia deve demonstrar para tornar possível o registro como
ativo intangível dos custos incorridos nessa fase, a saber: (i) viabilida-
de técnica para concluir o ativo intangível, de forma que ele seja dis-
ponibilizado para uso ou venda; (ii) intenção de concluir o ativo
intangível e de usá-lo ou vendê-lo; (iii) capacidade para usar ou ven-
der esse ativo; (iv) os benefícios econômicos que poderão ser gerados,
devendo a companhia demonstrar a existência de mercado para os
produtos do ativo intangível, ou para ele próprio, ou, caso se destine
ao uso interno, a sua utilidade; (v) disponibilidade de recursos técni-
cos e financeiros adequados para seu completo desenvolvimento, uso
e venda; e (vi) capacidade de mensurar, com segurança, os gastos atri-
buíveis ao ativo intangível durante o seu desenvolvimento1126.
no presente Pronunciamento. Esses gastos costumam ser descritos como contribuições para
o ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill) gerado internamente, o
qual não é reconhecido como ativo porque não é um recurso identificável (ou seja, não é
separável nem advém de direitos contratuais ou outros direitos legais) controlado pela
entidade que pode ser mensurado com segurança ao custo. 50. As diferenças entre valor de
mercado da entidade e o valor contábil de seu patrimônio líquido, a qualquer momento,
podem incluir uma série de fatores que afetam o valor da entidade. No entanto, essas
diferenças não representam o custo dos ativos intangíveis controlados pela entidade."
1126 Ver o Pronunciamento Contábil - CPC 04 (RI) - "Ativo Intangível", aprovado pela Delibe-
ração CVM n° 644/2010.
Os intangíveis podem ter vida útil definida ou indefinida. Em
geral, quando são vinculados a contratos, como, por exemplo, direi-
tos de uso, possuem vida útil definida, e com o decorrer do tempo
são amortizados, transformados em despesas. Aqueles que não pos-
suem vida útil determinável - portanto, indefinida - não são amor-
tizados, tais como marcas, fundo de comércio {goodwill), etc. Estes
ativos deverão ser submetidos ao teste de recuperabilidade de custo
(impairment tesi) anualmente e sempre que existirem indícios de
terem perdido valor1127.
Os ativos intangíveis, face às diversas incertezas quanto ao seu
registro, constituem um grupo especial e que merece muita atenção
na análise do seu reconhecimento nas demonstrações contábeis.
O parágrafo único determina que, quando o ciclo operacional
da companhia tiver duração maior que o exercício social, a classifi-
cação no "circulante" ou "longo prazo" terá por base o prazo desse
ciclo. Cite-se, como exemplo, um estaleiro, cujo ciclo operacional
(desde o início da produção até a entrega) é superior a 1 (um) ano.
Nessa hipótese, considera-se que os ativos e passivos circulantes
são aqueles cujos prazos de realização e liquidação sejam inferiores
ao tempo do ciclo operacional, que é superior a 1 (um) ano. Não
obstante essa previsão na Lei das S.A., são raríssimos os casos em
que se verifica, na prática, a sua aplicação.
Passivo exigível
"Art. 180. As obrigações da companhia, inclusive financia-
mentos para aquisição de direitos do ativo não circulante, se-
rão classificadas no passivo circulante, quando se vencerem
no exercício seguinte, e no passivo não circulante, se tiverem
1127 Ver o Pronunciamento Contábil - CPC 04 (RI) - "Ativo Intangível", aprovado pela Delibe-
ração CVM n° 644/2010.
vencimento em prazo maior, observado o disposto no pará-
grafo único do artigo 179 desta Lei." (Redação dada pela Lei
n° 11.941/2009)
1137 Consta do art. 5° da Instrução C V M n° 469/2008, que dispõe sobre a aplicação da Lei n°
1 1 . 6 3 8 / 2 0 0 7 , q u e : "Art. 5 ° . No encerramento do exercício social, a conta de lucros e
prejuízos acumulados não deverá apresentar saldo positivo. Parágrafo único. Eventual
saldo positivo remanescente na conta de lucros e prejuízos acumulados deverá ser destina-
do para reserva de lucros, nos termos dos arts. 194 a 197 da Lei n" 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, ou distribuído como dividendo." A C V M , por meio da Nota Explicativa
à Instrução C V M n° 469/2008, em seu item 4, manifestou o seguinte entendimento: "4.
Lucros Acumulados - Embora a redação original da Lei n" 6.404, de 1976, já tenha
determinado a destinação de todo o resultado do exercício, a redação anterior, ao prever a
existência de saldo final na conta de lucros acumulados, suscitou dúvidas e até a possibi-
lidade de retenções indiscriminadas e não devidamente justificadas. Tendo em vista que
todo o lucro líquido do exercício deve ser destinado, de acordo com os fundamentos
contidos nos art. 194 a 197, a redação atual da Lei n° 6.404, de 1976, eliminou a
possibilidade de existência de saldo de lucros acumulados no encerramento do exercício
social. Evidentemente, não foram eliminadas a conta de lucros acumulados e a demonstra-
ção da sua movimentação, que deverão ser apresentados de forma isolada ou, no caso das
companhias abertas, como parte da demonstração das mutações de patrimônio líquido.
Essa conta, entretanto, possui natureza absolutamente transitória, e será utilizada para
servir de contrapartida às reversões das reservas de lucros e às destinações do lucro." O
mesmo também é encontrado nos itens 42 e 43 do C P C 13 - "Adoção Inicial da Lei n°
1 1 . 6 3 8 / 2 0 0 7 " , a p r o v a d o p e l a D e l i b e r a ç ã o C V M n° 5 6 5 / 2 0 0 8 : "Lucros acumulados -42.
Segundo a Lei das S.A., conforme modificação introduzida pela Lei n" 11.638/2007, o
lucro líquido do exercício deve ser integralmente destinado de acordo com os fundamen-
tos contidos nos arts. 193 a 197 da Lei das S.A. A referida Lei não eliminou a conta de
lucros acumulados nem a demonstração de sua movimentação, que devem ser apresenta-
das como parte da demonstração das mutações do patrimônio líquido. Essa conta, entre-
tanto, tem natureza absolutamente transitória e deve ser utilizada para a transferência do
lucro apurado no período, contrapartida das reversões das reservas de lucros e para as
destinações do lucro. 43. Na elaboração das demonstrações contábeis ao término do
exercício social em que adotar pela primeira vez a Lei n" 11.638/07, a administração da
entidade deve propor a destinação de eventuais saldos de lucros acumulados existentes."
1138 Sobre as reservas de lucros, ver os comentários aos arts. 193 a 197 da Lei das S.A.
parcela do resultado retida, de acordo com o deliberado em assem-
bleia geral, é transferida da conta de lucros acumulados para as res-
pectivas reservas de lucros, conforme a natureza da retenção.
De acordo com o § 5 o , as ações em tesouraria devem ser desta-
cadas no balanço como dedução da conta do patrimônio líquido
que registrar a origem dos recursos aplicados na sua aquisição. Essa
conta demonstra o valor das ações que foram recompradas pela com-
panhia e que não foram canceladas ou que serão novamente colo-
cadas no mercado. Como essa recompra de ações constitui transação
com os sócios, todas as despesas necessárias a essa operação tam-
bém devem ser contabilizadas diretamente no patrimônio líquido,
sem afetar o resultado do período. A recompra de ações configura
uma redução temporária de capital, razão pela qual é registrada como
conta redutora do patrimônio líquido1139-1140-1141.
1142 Sobre esse assunto, ver a Deliberação CVM n° 371/2000 e a Instrução CVM n° 475/2008.
1143 Sobre a análise e.o conceito de valor justo e as implicações práticas de sua adoção, ver SÉRGIO
lUDICIBUS e ELISEU MARTINS, "Uma Investigação e Uma Proposição Sobre o Conceito e o
Uso do Valor Justo", Revista de Contabilidade e Finanças - Edição 3 0 anos de Doutorado. São
RÍUIO: USP, Junho, 2007, p. 9-18, disponível em: <http://www.eac.fea.usp.br/eac/revista>.
International Accounting Standards Board- IASB, que é o órgão técnico
responsável pela emissão das normas internacionais de contabilidade1144.
Em setembro de 2006, o FASB emitiu o SFAS n° 157 - Fair
Value Measurements, que trata especificamente de avaliações a valor
justo1145. De acordo com essa norma, a idéia de valor justo é a de
preços de mercado praticados em transações de compra e venda. O
mercado em que tais preços são observados precisa ter características
econômicas definidas, bem como ser ativo, eficiente e de alta liqui-
dez. Assim, o valor justo deve refletir um preço de transação entre
compradores e vendedores que (i) conhecem os riscos e os benefícios
dos ativos e passivos que são negociados (se o mercado ê eficiente,
não há assimetria de informação entre compradores e vendedores); e
(ii) negociam esses ativos e passivos de forma isenta, sem sofrer pres-
são de qualquer natureza para comprá-los ou vendê-los1146.
dos juros efetivos; e (c) investimentos em instrumentos patrimoniais que não tenham preço de
mercado cotado em mercado ativo e cujo valor justo não possa ser confíavelmente medido e
derivativos que estejam ligados a e devam ser liquidados pela entrega desses instrumentos
patrimoniais não cotados, os quais devem ser medidos pelo custo. Os ativos financeiros que
sejam designados como posições protegidas estão sujeitos a mensuração segundo os requisitos
da contabilidade de hedge contidos nos itens 89 a 102. Todos os ativos financeiros, exceto
aqueles mensurados pelo valor justo por meio do resultado, estão sujeitos a revisão quanto à
perda do valor recuperável (...) 47. Após o reconhecimento inicial, a entidade deve mensurar
todos os passivos financeiros pelo custo amortizado usando o método dos juros efetivos,
exceto no caso de: (a) passivos financeiros mensurados pelo valor justo por meio do resultado.
Esses passivos, incluindo derivativos que sejam passivos, devem ser medidos pelo valor justo,
exceto no caso de passivo derivativo que esteja ligado a e deva ser liquidado pela entrega de
instrumento patrimonial não cotado, cujo valor justo não possa ser confiavelmente mensurado,
o qual deve ser mensurado pelo custo; (...)"
1152 D e acordo c o m as normas internacionais d e contabilidade (IFRS) q u e trotam desse assunto e
c o m o C P C 3 8 - "Instrumentos Financeiros: R e c o n h e c i m e n t o e Mensuração'', C P C 3 9 -
"Instrumentos Financeiros: Apresentação" e C P C 40 - "Instrumentos Financeiros:
E v i d e n c i a ç ã o " todos a p r o v a d o s p e l a D e l i b e r a ç ã o C V M n° 6 0 4 / 2 0 0 9 , s ã o 4 (quatro) a s
classificações existentes: (i) alivo o u passivo financeiro mensurado pelo valor justo por meio
do resultado (mantido para negociação); (ii) instrumentos mantidos até o vencimento; (iii)
empréstimos e recebíveis; e (iv) ativos financeiros disponíveis para venda. Esses instrumentos
são mensurados pelo valor justo o u pelo custo, dependendo das classificações.
correntes de transações com ativos semelhantes, valor presente líquido
de fluxo de caixa futuro, etc. Cabe à companhia determinar qual o
critério mais adequado para se estimar o valor justo, competindo aos
auditores opinar sobre ele.
A alínea "d" do § I o , em consonância com as normas internacio-
nais de contabilidade (IFRS), considera que o valor justo dos instru-
mentos financeiros é aquele que pode ser obtido em um mercado ativo,
em transações não compulsórias realizadas entre partes independen-
tes. Consta, ainda, da alínea "d", que o valor justo de um instrumento
financeiro na ausência de um mercado ativo pode ser: (i) o valor que se
pode obter em um mercado ativo com a negociação de outro instru-
mento financeiro de natureza, prazo e risco similares, remetendo a tran-
sações com ativos semelhantes; (ii) o valor presente líquido dos fluxos
de caixa futuros para instrumentos financeiros de natureza, prazo e ris-
co similares, importando na necessidade de a companhia pressupor os
fluxos de caixa que o mercado estimaria para os instrumentos financei-
ros; e (iii) o valor obtido por meio de modelos matemático-estatísticos
de precificação de instrumentos financeiros.
Ou seja, para os instrumentos financeiros, na ausência de mercado
ativo, a Lei das S.A. contempla outras possibilidades de uso de métodos
de estimação do valor justo. O importante é buscar, independentemente
do critério utilizado, o preço de mercado caso ele exista ou tenha as
características necessárias e adequadas à definição do valor justo.
Os direitos e títulos de crédito referidos no inciso I do caput são
os instrumentos financeiros decorrentes de transações comerciais, tais
como: contas a receber, empréstimos, valores a receber e outros títu-
los adquiridos de terceiros, independentemente de serem classifica-
dos como de curto ou longo prazo. Quando esses ativos forem
negociados, também deverão ser classificados e avaliados pelo valor
justo, conforme acima analisado. Os demais ativos, cujos riscos e be-
nefícios são subjacentes aos fluxos de caixa "prometidos" pelos títu-
los, serão mensurados pelo custo de aquisição (ou valor de emissão,
no caso de títulos emitidos) ajustado por cláusulas específicas de
indexação (câmbio, inflação, etc.) e juros, a não ser nos casos de
curto prazo, quando derivados de transações operacionais normais,
como compras de matéria-prima a prazo, vendas a prazo, salários e
encargos a pagar ou recolher, etc. Nessas hipóteses, a avaliação é
realizada pelos valores nominais contratados ou deliberados. De acor-
do com as normas internacionais de contabilidade (IFRS), esse
método é conhecido como "custo amortizado". Tal expressão de-
corre do fato de que, em um título de crédito com juros, cada parcela
recebida é composta de 2 (duas) partes: uma correspondente aos
juros e a outra à amortização do valor principal.
Quando os fluxos de caixa contratados apresentam probabilida-
de de inadimplência - ou seja, quando existe a possibilidade de não
serem realizados integralmente ou parcialmente pelos valores origi-
nalmente pactuados - , o valor do ativo avaliado pelo custo histórico
deve ser ajustado, a fim de demonstrar esse risco e refletir a melhor
expectativa de realização dos ativos. Esses ajustes eram conhecidos,
quando aplicados a títulos de crédito, como "provisão para devedores
duvidosos" - P D D ou "provisão para créditos de liquidação duvidosa"
- PCLD. A P C L D nada mais era do que uma estimativa da probabi-
lidade de não realização (recebimento total ou parcial) de fluxos de
caixa futuros. Há, nessa questão, uma divergência entre a Lei das
S.A. e as normas internacionais de contabilidade (IFRS), uma vez
que a primeira apropria essas reduções dos ativos com base na perda
esperada, isto é, na expectativa de perda; já as normas internacionais
de contabilidade (IFRS) exigem a adoção do critério de perda efetiva,
ocorrida ou dada como "virtualmente" ocorrida.
Os títulos de crédito e outros recebíveis, quando de longo prazo,
devem ser mensurados pelo valor presente líquido dos fluxos de caixa
futuros, conforme determina o inciso VIII do caput. Os efeitos sobre
os fluxos de caixa de longo prazo decorrentes do tempo são lançados
como receitas financeiras até o momento em que o ativo é realizado,
o que é relevante para diminuir distorções nas demonstrações contá-
beis. Caso os títulos de crédito e outros recebíveis não sejam ajustados a
valor presente, estarão representando entradas nominais de caixa que
acontecerão em momentos futuros (após o término do exercício social),
e não o potencial econômico atual dos ativos. O valor presente represen-
ta de maneira mais adequada o valor econômico dos fluxos de caixa sub-
jacentes dos ativos na data de mensuração do balanço. Adicionalmente,
a utilização, na mensuração a valor presente, de taxa de juros que reflita o
risco do fluxo de caixa futuro confere à avaliação do ativo um aspecto
econômico relevante que não poderia ser capturado pelo valor nominal.
O inciso H trata dos estoques adquiridos para revenda, mantidos para
consumo, utilização industrial ou na prestação de serviços, bem como da-
queles que estão em processamento e dos produtos acabados e prontos
para a venda. Em geral, os estoques tratados na Lei das S.A. são mensura-
dos pelo custo histórico, nele incluídas todas as despesas relacionadas ao
processo produtivo, tais como: matérias-primas, mão de obra, energia elé-
trica, depreciação, etc. Ademais, são englobadas no custo histórico todas as
despesas incorridas para se colocar a mercadoria em condições de venda
(transportes, tributos não recuperáveis, comissões de compra, custos alfan-
degários, etc.) ou em condições de uso, conforme o caso.
Consta, também, do inciso II que o custo dos estoques precisa
ser deduzido de provisão para ajustá-lo ao valor de mercado, quando
este for inferior. Esse ajuste, assim como os ajustes por irrecuperabi-
lidade (impairment), tem por objetivo adequar o custo dos estoques
ao valor provável de sua recuperação1153. As disposições da Lei das
S.A., no que se refere a esse assunto, não estão em harmonia com
11 53 Tecnicamente, o termo "provisão" para contas retificadoras de ativos não é mais utilizado
nas normas internacionais de contabilidade (IFRS), bem como as expressões "provisão para
ajuste ao valor de mercado", "provisão para créditos de liquidação duvidosa", etc. As
provisões são usadas somente para os passivos. Sobre esse assunto, ver o CPC 2 5 -
"Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes", aprovado pela Deliberaçao
C V M n° 594/2009.
as normas internacionais de contabilidade (IFRS), pois, conforme o
CPC 16 (RI) - "Estoques"1154, "os estoques devem ser mensurados pelo
valor de custo ou pelo valor realizável líquido, dos dois o menor". Segun-
do esse Pronunciamento, não se considera o valor de mercado ou o
valor justo como critério de mensuração de estoques, mas tão somen-
te como custo e valor realizável líquido, o qual corresponde ao valor
de venda diminuído das despesas diretas a ela necessárias, tais como
impostos, comissões, fretes de entrega, etc.
Com relação à avaliação dos estoques, há uma certa confusão na
Lei das S.A.: na alínea "b" do § 1°, que trata do valor justo (e não do
valor de mercado, como no item II do caput), menciona-se que, para
estoques destinados à venda, este seria o preço líquido de realização
mediante venda no mercado, deduzidos os impostos, as demais despe-
sas necessárias para a venda e a margem de lucro. Entretanto, no ináso
II não há referência a valor justo, mas apenas a valor de mercado. Ade-
mais, nas normas internacionais de contabilidade (IFRS) não se deduz
"margem de lucro" quando da mensuração pelo valor justo1155. Admite-
-se, no entanto, que o conceito de preço líquido de realização constan-
te da Lei das S.A. seja o mesmo que o valor realizável líquido estabelecido
no CPC 16 (Rl), e que ambos significam o *preço de venda estimado no
curso normal dos negócios deduzido dos custos estimados para sua conclusão
e dos gastos estimados necessários para se concretizar a venda", tal qual a
definição constante desse Pronunciamento.
O conceito de valor justo distingue-se do conceito de valor reali-
zável líquido. O valor justo de um estoque, por exemplo, é idêntico para
todas as companhias que possuem os mesmos estoques. Já o valor rea-
lizável líquido é individual, pois é relativo ao valor líquido (venda menos
1154 O CPC 16 (R1) - "Estoques" - foi aprovado pela Deliberação C V M n° 575/2009, com as
alterações introduzidas pela Deliberação C V M n° 624/2010.
1155 Ver o CPC 13 (RI) - "Adoção Inicial da Lei n° 11.638/07", aprovado pela Deliberação
C V M n° 565/2008.
custos) que cada companhia espera obter com a alienação do seu esto-
que no curso normal de suas atividades. Ademais, a estimativa de custo
para a hipótese de venda é específica e própria de cada sociedade.
No que se refere aos estoques não destinados à venda, especifi-
camente matérias-primas e bens em almoxarifado, nos termos da alí-
nea "a" do § I o , o valor justo é o preço pelo qual podem ser repostos
mediante compra no mercado, ou simplesmente o custo de reposi-
ção. De acordo com as normas internacionais de contabilidade (IFRS),
o valor justo não constitui o critério adequado para a mensuração de
estoques. Por essa razão, o C P C 16 (Rl) não distingue critérios para
sua avaliação, considerando apenas que o custo de reposição pode ser
a melhor medida disponível do seu valor realizável líquido; ou seja,
admite-se esse método, sem estabelecê-lo como regra.
Relativamente aos estoques denominados "produtos agrícolas"
(animais e vegetais), o § 4° prevê que os estoques de mercadorias fun-
gíveis destinadas à venda poderão ser avaliados pelo valor de merca-
do, quando esse for o costume mercantil aceito pela técnica contábil.
De acordo com as normas internacionais de contabilidade (IFRS) e
o CPC 29 - "Ativo Biológico e Produto Agrícola"1156, toda a produ-
ção agrícola deve ser avaliada pelo valor justo, descontadas as despe-
sas de venda. A Lei das S.A., a propósito, permite a avaliação a valores
de mercado dos estoques que se transformam em "commodities", prá-
tica não obrigatória, porém admitida pelas normas internacionais de
contabilidade (IFRS). Além disso, a Lei das S.A. é mais abrangente,
pois não limita a aplicação do valor de mercado aos produtos agríco-
las, permitindo também sua utilização para produtos minerais, o que
ainda não foi objeto de regulamentação pelas normas internacionais.
Assim, não há uma perfeita harmonia entre os critérios da Lei das
S.A. e aqueles constantes das normas internacionais de contabilidade
1156 o C P C 29 - "Ativo Biológico e Produto Agrícola" - foi aprovado pela Deliberação CVM
n° 596/2009.
(IFRS). A Lei das S.A., ao "engessar" os critérios de mensuração de
ativos, possibilita o surgimento de lacunas que podem resultar (i) numa
administração ineficiente de resultados; e (ii) no entendimento de que
a contabilidade deveria seguir estritamente a forma por ela estabeleci-
da, sem levar em consideração a essência econômica, que é princípio
fundamental das normas internacionais de contabilidade (IFRS)1157.
O inciso III trata dos investimentos em participações societárias,
ressalvado o disposto nos artigos 248 a 250, pelo custo de aquisição
deduzido de provisão para perdas prováveis na realização do seu valor,
quando essa perda estiver comprovada como permanente, e que não
será modificado em razão do recebimento, sem custo para a compa-
nhia, de ações ou quotas bonificadas. Os artigos 248 a 250 tratam dos
investimentos que são avaliados por equivalência patrimonial e das de-
monstrações consolidadas, enquanto o inciso IH trata dos investimen-
tos societários nos quais a companhia investidora não possui controle
nem influência significativa, sendo mensurados, por essa razão, pelo
custo histórico de aquisição.
O conceito de recuperabilidade de custos (impairment) também
aplica-se à hipótese do inciso ]H, surgindo daí a determinação de que o
custo de aquisição desses investimentos seja ajustado por provisão para
perdas prováveis na realização do seu valor1158, quando essa perda estiver
comprovada como permanente, e que não será modificado em razão do
recebimento, sem custo para a companhia, de ações ou quotas bonifica-
das. Trata-se do princípio da recuperabilidade do custo dos investimentos
com base nas expectativas futuras de recebimento de benefícios (decor-
rentes de venda do investimento, recebimento de dividendos, etc.). No
1157 Sobre o princfpio da primazia da essência sobre a forma, ver os comentários ao art. 176 da
Lei das S.A.
1158 Tecnicamente, o termo "provisão" para contas retificadoras de ativos não é mais utilizado
nas normas internacionais de contabilidade (IFRS), bem como as expressões "provisão para
ajuste ao valor de mercado", "provisão para créditos de liquidação duvidosa", etc. As
provisões são usadas somente para os passivos. Sobre esse assunto, ver o C P C 25 -
"Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes", aprovado pela Deliberação
C V M n° 594/2009.
entanto, quando existe a expectativa de que o custo não será recuperado,
total ou parcialmente, é necessário realizar o ajuste.
A alínea "c" do § I o faz referência a valor justo de investimentos
como sendo o valor líquido pelo qual podem ser alienados a terceiros.
Essa constatação demonstra mais uma imprecisão, dessa vez entre os
conceitos de "valor justo" e "valor líquido de alienação". Como esse
último não existe na Lei das S.A., infere-se que a intenção do legisla-
dor foi a de se referir ao valor líquido de realização, razão pela qual
também se aplicam ao valor justo de investimentos as regras sobre va-
lor justo e valor líquido de realização dos estoques acima analisadas.
As normas internacionais de contabilidade (IFRS) não adota-
ram a equivalência patrimonial no caso de investimentos em con-
troladas, sendo permitido apenas o uso do custo ou do valor justo.
Assim, no que se refere a investimentos em controladas, as demons-
trações contábeis das companhias brasileiras não refletem exata-
mente as normas internacionais, o que tem sido observado, inclusive,
nos relatórios dos auditores independentes.
O inciso IV trata da avaliação dos demais investimentos, que
devem ser mensurados pelo custo de aquisição deduzido de provisão
para atender às perdas prováveis na realização do seu valor, ou para
redução do custo de aquisição ao valor de mercado, quando este for
inferior. Ou seja, deve ser sempre observada a expectativa de recupera-
bilidade desses investimentos. De acordo com as normas internacio-
nais de contabilidade (IFRS), existe uma categoria de investimento
denominada "Propriedades para Investimento", que pode ser mensu-
rada pelo valor justo. A Lei das S.A., no entanto, não contemplou
essa categoria, regulada pelo C P C 28 - "Propriedades para Investi-
mento"1159, que se refere a ativos físicos (edificações e terrenos) não
1159 O C P C 28 - "Propriedades para Investimento" - foi aprovado pela Deliberação CVM n"
584/2009.
utilizados pela companhia em suas atividades produtivas ou adminis-
trativas e que têm como característica principal a geração de renda
por conta própria ou decorrente de sua futura venda" 60 . É o caso,
por exemplo, dos shoppings centers, de salas que são destinadas a
aluguel ou de terrenos à espera de valorização para venda futura.
Esses ativos "imobilizados" são efetivos investimentos, semelhan-
tes aos investimentos financeiros, pois deles se esperam benefícios
(fluxos de caixa, em geral) diretos. De acordo com o CPC 28, tais
investimentos podem ser mensurados pelo valor justo (alternativa
prioritária), ou pelo custo (alternativa menos recomendada).
O inciso V trata dos ativos classificados no imobilizado, os quais
são mensurados pelo custo de aquisição deduzido do saldo da respec-
tiva conta de depreciação, amortização ou exaustão. O custo dos ati-
vos imobilizados inclui o custo de aquisição de bens e materiais como
se as compras fossem sempre à vista, assim como todos os demais
custos incorridos para deixar o ativo no local físico desejado, em con-
dições de uso. No custo desses ativos devem ser incluídos os gastos
com instalação, testes," etc., uma vez que são necessariamente des-
pendidos com a finalidade de deixá-los em condições de uso, com a
conseqüente geração de benefícios econômicos1161. Nas compras a
prazo, o valor do custo a ser considerado é o valor presente da com-
pra; os efeitos dos juros de compras a prazo não são incluídos.
1164 Sobre o regime de competência, ver os comentários ao art. 177 da Lei das S.A.
1165 Ou seja, apropriação dos juros proporcionalmente ao tempo decorrido, calculados em
função desse tempo, e não do seu efetivo pagamento.
A classificação dos passivos como onerosos e não onerosos não existe nas IFRS. Entretan-
to, na literatura de finanças e de análise de demonstrações contábeis essa classificação é
esses não possuem taxa de juros explícita1167, devem ser atualizados
com base em todos os encargos cabíveis até a data das demonstra-
ções contábeis. Isso inclui, por exemplo, valores a pagar, tais como
impostos, salários, férias e, especialmente, as provisões1168. O inciso
III, por sua vez, trata da obrigatoriedade de os passivos (financeiros)
de longo prazo serem calculados a valor presente, sendo os demais
ajustados quando a diferença entre o valor nominal e o a prazo for
relevante, independentemente de onerosos ou não.
Para os passivos que serão liquidados em moeda estrangeira o racio-
cínio é o mesmo, nos termos do inciso II. Nessa hipótese, apropriam-se,
inicialmente, os jurospro rata temporis, se for o caso, em moeda estrangei-
ra. O montante atualizado dessa forma é convertido para moeda nacional
pela paridade cambial oficial na data das demonstrações contábeis.
De acordo com o C P C 38 - "Instrumentos Financeiros: Reco-
nhecimento e Mensuração"1169, alguns passivos financeiros devem ser
sempre encontrada. Dá-se o nome de onerosos aos passivos que possuem taxas de juros
atreladas, como os empréstimos, financiamentos, títulos de dívida, etc. São passivos decor-
rentes de captação de recursos, ou seja, das atividades de financiamento da companhia. Os
passivos não onerosos - também chamados de passivos de funcionamento, são aqueles que
decorrem naturalmente das atividades operacionais, como, por exemplo, fornecedores, con-
tas a pagar, salários a pagar, impostos a pagar, etc. Esses últimos não são passivos decorrentes
de captação de recursos, mas surgem somente porque a atividade operacional existe. E claro
que qualquer passivo possui taxa de juros implícita, pois qualquer fluxo de caixa futuro
implica na existência de custo de oportunidade (juros, no caso). Entretanto, esses juros não
são (na grande maioria dos casos) explicitados. A princípio, os passivos onerosos são
empréstimos e financiamentos e os passivos não onerosos são os remanescentes.
1167 Todos os passivos (e também os ativos) que implicam em fluxos de caixa futuros carregam
uma taxa de juros implícita, decorrente do custo de oportunidade desses fluxos. Essas taxas
são consideradas pela contabilidade principalmente nos casos em que é necessária a
mensuração dos passivos (e ativos) ao valor presente dos fluxos de caixa futuros. Mesmo
não havendo taxas de juros contratuais, ou explícitas, é necessário que essas sejam estima-
das para que tal cálculo seja efetuado.
1163 Antes das IFRS, tais passivos eram denominados de "provisões para contingências". Após
a promulgação do C P C 25 - "Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes",
aprovado pela Deliberação C V M n" 594/2009, tais passivos passaram a ser denominados
de "provisões". As contingências constituem-se pelos passivos que não são reconhecidos
nas demonstrações contábeis por seus fluxos de caixa futuros, por não serem objetivamen-
te detennináveis (portanto, de impraticável mensuração objetiva) ou pelo fato de a admi-
nistração da companhia considerar improvável o risco de êxito da contraparte.
1169 O C P C 38 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração" foi aprovado pela
Deliberação C V M n° 604/2009.
mensurados pelo valor justo. A adoção do valor justo como base de men-
suração dos passivos não contraria os critérios de mensuração constantes
deste artigo, pois sempre reflete o valor atualizado na data das demonstra-
ções contábeis, incluindo, se cabível, as apropriações pro rata temporis e/ou
outras atualizações. Nada impede, no entanto, que tais valores sejam atua-
lizados de acordo com as cotações de mercado, apuradas na data das de-
monstrações contábeis. Caso não seja possível, as companhias devem
efetuar os ajustes necessários na mensuração dos passivos, para que esses
se apresentem atualizados até a data das referidas demonstrações1170.
quando apropriado, o período mais curto na quantia escriturada líquida do ativo financei-
ro ou do passivo financeiro. Ao calcular a taxa efetiva de juros, a entidade deve estimar os
fluxos de caixa considerando todos os termos contratuais do instrumento financeiro (por
exemplo, pagamento antecipado, opções de compra e semelhantes), mas não deve consi-
derar perdas de crédito futuras. O cálculo deve incluir todas as comissões e parcelas pagas
ou recebidas entre as partes do contrato, as quais são parte integrante da taxa efetiva de
juros (...), dos custos de transação e de todos os outros prêmios ou descontos. Existe um
pressuposto de que os fluxos de caixa e a vida esperada de grupo de instrumentos financei-
ros semelhantes possam ser estimados confiavelmente. Contudo, naqueles casos raros em
que não seja possível estimar confiavelmente os fluxos de caixa ou a vida esperada de
instrumento financeiro (ou grupo de instrumentos financeiros), a entidade deve usar os
fluxos de caixa contratuais durante todo o prazo contratual do instrumento financeiro (ou
grupo de instrumentos financeiros)."
1173 Sobre esse assunto, ver os itens 18 e 19 do C P C 15 (Rl) - "Combinação de Negócios",
aprovado pela D e l i b e r a ç ã o C V M n° 665/2011: "18. O adquirente deve mensurar os ativos
identificáveis adquiridos e os passivos assumidos pelos respectivos valores justos da data
da aquisição. 19. Em cada combinação de negócios, o adquirente deve mensurar na data
da aquisição, os componentes da participação de não controladores na adquirida que
representem nesta data efetivamente instrumentos patrimoniais e confiram a seus detento-
res uma participação proporcional nos ativos líquidos da adquirida em caso de sua liqui-
dação, por um dos seguintes critérios: (a) pelo valor justo; ou (b) pela participação propor-
ciona! atual conferida pelos instrumentos patrimoniais nos montantes reconhecidos dos
ativos líquidos identificáveis da adquirida."
decorrentes de operações de "combinação (ou concentração) de ne-
o-ócios". De acordo com esse Pronunciamento, combinação (ou con-
centração) de negócios compreende a aquisição de participações
societárias, aquisição de negócios, fusão, incorporação de socieda-
des, incorporação de ações, cisão e alteração de controle. O C P C 15
(RI) não se aplica às transações realizadas entre partes relacionadas
resultantes de reestruturações societárias de grupos econômicos, uma
vez que essas não se revestem da substância econômica e da indis-
pensável independência entre as partes envolvidas.
Correção monetária
"Art. 185. ÍRevogado pela Lei n° 7.730/1989)."
SEÇÃO DV
11 75 A DMPL deve ser divulgada de acordo com as regras constantes no CPC 26 - "Apresentação
das Demonstrações Contábeis", aprovado pela Deliberação C V M n° 595/2009, com as
alterações introduzidas pela Deliberação CVM n° 624/2010.
11 76 Ver os comentários ao art. 176 da Lei das S.A.
A D M P L mostra como todas as contas do patrimônio líquido
se alteraram entre 2 (duas) datas. Assim, inclui automaticamente a
mutação da conta de "lucros ou prejuízos acumulados". É na D M P L
que se encontram informações relevantes, tais como: aumento de
capital, resultado líquido do período, dividendos, recompra de ações,
realização de reservas de reavaliação1177, alteração da conta de ajus-
te de avaliação patrimonial, etc. Além disso, é nessa demonstração
que fica explicitada a destinação dos lucros segundo a proposta dos
órgãos de administração, no pressuposto de sua aprovação pela as-
sembleia geral, conforme determina o § 3 o do artigo 176.
A conta do patrimônio líquido denominada "Ajustes de Avaliação
Patrimonial" (AAP) foi criada pela Lei n° 11.638/2007, que alterou o
inciso III do § 2 o do artigo 1781178-1179. A função dessa conta está previs-
ta no § 3 o do artigo 182, que determina a obrigatoriedade de serem clas-
sificadas como "ajustes de avaliação patrimonial", enquanto "não computadas
no resultado do exercício em obediência ao regime de competência, as contra-
partidas de aumentos ou diminuições de valor atribuído a elementos do ativo
e do passivo, em decorrência da sua avaliação a valor justo, nos casos previstos
nesta Lei ou, em normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários,
com base na competência conferida pelo § 3o do art. 177 desta Ler.
A Lei n° 11.638/2007 poderia ter eliminado da Lei das S.A. a
DLPA, substituindo essa conta pela D M P L . Deveria, também, ter
1177 A Lei n° 11.638/2007 proibiu que novas reavaliações fossem feitas a partir do início de
2008, porém, não exigiu a obrigatoriedade de reversão das reservas de reavaliação já
existentes. O C P C 13 - "Adoção Inicial da Lei n°| 11.638/07", aprovado pela Deliberação
C V M n° 565/2008, prevê 2 (duas) alternativas para o tratamento das reservas de reavaliação:
(i) devem serjntegralmente estornadas (revertidas); ou (ii) deverão ser mantidas até o fim de
suas realizações. Portanto, tais reservas poderão ser encontradas por mais alguns anos nos
Balanços Patrimoniais e nas DMPLs das companhias.
1173 D e a c o r d o c o m o art. 1 7 8 , § 2 ° , d a l e i d a s S . A . : "No passivo, as conlas serão classificadas
nos seguintes grupos: (..) ii! - patrimônio líquido, dividido em capital social, reservas de
capital ajustes de avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos
acumulados.
Sobre a conta "Ajustes de Avaliação Patrimonial" (AAP), ver os comentários ao art. 176 da
Lei das S.A.
excluído a referência à correção monetária do saldo inicial da conta
de "lucros ou prejuízos acumulados", pois a Lei n° 9.249/1995 vedou
a utilização de qualquer sistema de correção das demonstrações fi-
nanceiras, inclusive para fins societários (artigo 4o, parágrafo único).
Não obstante, a DLPA não foi extinta e sua manutenção gera
uma inconsistência, uma vez que a própria Lei n° 11.638/2007 deu
nova redação ao artigo 178, fazendo constar de seu inciso III que o
patrimônio líquido será composto, entre outras, pelas reservas de lu-
cros, e não mais pela conta de "lucros acumulados"1180. E possível a
existência de saldo na conta de "prejuízos acumulados", o mesmo não
ocorrendo com a de "lucros acumulados". Essa conta não foi elimi-
nada, mas, ao final do exercício social, não deve apresentar qualquer
saldo, uma vez que os lucros não destinados nos termos dos artigos
193 a 197 devem ser distribuídos como dividendos (artigo 202, § 60)1181.
Não faz sentido a apresentação de uma DLPA cujo o início e o tér-
mino demonstrem saldo zero. Assim, é recomendável partir-se do
pressuposto de que a DLPA foi substituída pela DMPL.
O objetivo deste artigo é fazer com que as companhias apresen-
tem uma demonstração contábil com informações quantitativas e qua-
litativas sobre como o patrimônio líquido se alterou em determinado
período. Essas alterações são" relevantes, pois, além dos dividendos, dos
juros sobre o capital próprio (não mencionados expressamente neste
artigo), dos lucros e dos prejuízos do exercício, bem como de outras
destinações que afetam a conta de "lucros ou prejuízos acumulados",
existem diversas transações e outros fatos que modificam substancial-
mente o capital próprio, em decorrência de seu aumento ou redução ou
1180 Sobre a conta de lucros acumulados, ver os comentários ao art. 182 da Lei das S.A. A Lei
n° 11.638/2007 determinou que, ao final de cada exercício social, o saldo da conta de
lucros acumulados deve ser nulo, pois os resultados acumulados nesse período precisam
ser destinados. No entanto, nas demonstrações intermediárias (ITRs), enquanto não houver
destinação formal dos resultados, a conta de lucros acumulados pode apresentar saldo.
de outros fatores, tais como variações da conta de "ajuste de avaliação
patrimonial"1182. Dessa forma, o inciso I determina a especificação do
saldo do início do período e os ajustes de exercícios anteriores.
O inciso II estabelece a necessidade de se discriminar as rever-
sões das reservas e o lucro líquido do exercício. O correto seria não
só mencionar eventuais reversões, como também realizações e ou-
tras transferências. A redação mais adequada para este inciso seria a
que determinasse a discriminação do resultado do exercício e não
do seu lucro, pois, havendo prejuízo, a conta de "lucros ou prejuízos
acumulados" também será afetada.
O inciso III, ao determinar a obrigatoriedade de se evidenciar as
transferências para reservas, os dividendos, a parcela dos lucros incor-
porada ao capital e o saldo ao fim do período, teve por fim deixar
claro, qualitativa e quantitativamente, todas as movimentações do
patrimônio líquido, sejam elas internas ou não. Dá-se o nome de trans-
ferências internas àquelas que não alteram o patrimônio líquido como
um todo, como, por exemplo, (i) a transferência de saldos entre reser-
vas; e (ii) a incorporação de reservas de lucros (ou outras) ao capital.
O § I o trata dos "Ajustes de Exercícios Anteriores" (AEA), esta-
belecendo que assim são considerados apenas aqueles que decorrem
da mudança de critério contábil, ou da retificação de erro imputável a
determinado exercício anterior, e que não possam ser atribuídos a fa-
tos subsequentes. Essa conta permite a comparação das demonstra-
ções contábeis ao longo do tempo. N o entanto, com a promulgação
do CPC 23 - "Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retifi-
cação de Erro", a conta de A E A perdeu relevância na Lei das S.A.1183-
SEÇÃO V
D E M O N S T R A Ç Ã O D O RESULTADO D O EXERCÍCIO
1186 O Pronunciamento Conceituai Básico - "Estrutura Conceituai" - foi aprovado pela Delibe-
ração C V M n° 539/2008.
1187 Ver E L D O N S. HENDRIKSEN e MICHAEL V A N BREDA. Teoria da Contabilidade. 1n edição,
São Paulo: Atlas, 1999. Essa obra pode ser considerada como um dos clássicos modernos
da teoria da contabilidade.
forma de apresentação de todas as demonstrações, incluindo a DRE1188,
havendo algumas inconsistências entre ele e a Lei das S.A.
De acordo com as normas internacionais de contabilidade (IFRS),
além da DRE, existe a "Demonstração do Resultado Abrangente", que
não foi regulada pela Lei das S.A. Assim, o resultado total de um perío-
do não é mais o lucro ou prejuízo líquido da DRE. Tendo em vista (i) a
previsão da conta de "Ajuste de Avaliação Patrimonial" (AAP)1189; e (ii)
a existência de receitas e despesas decorrentes de transações com os
sócios, bem como de outras transações contabilizadas diretamente no
"Patrimônio Líquido", que não transitam pela DRE, há, na contabili-
dade internacional, outro tipo de resultado: o "resultado abrangente",
que é formado pelo resultado líquido da DRE acrescido de todas as
receitas e despesas lançadas diretamente no "Patrimônio Líquido". Dessa
forma, não é mais possível verificar o desempenho das companhias exa-
minando tão somente a DRE, sendo necessário analisar também a
"Demonstração do Resultado Abrangente"1190.
Na crise de 2008, grande parte da perda de valor de mercado dos
instrumentos financeiros foi lançada diretamente em contas de "Patrimô-
nio Líquido", razão pela qual as últimas linhas das DREs das instituições
1188 O CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis" - foi aprovado peia Deliberação
CVM n° 595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação CVM n° 624/2010.
1189 Ver os comentários ao art. 182 da lei das S.A.
1190 Sobre a DRE, consta do item 82A do CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis"
- que: "82A. A demonstração do resultado abrangente deve, no mínimo. Incluir as seguin-
tes rubricas: (a) resultado líquido do período; (b) cada item dos outros resultados abrangentes
classificados conforme sua natureza (exceto montantes relativos ao item (c); (c) parcela dos
outros resultados abrangentes de empresas investidas reconhecida por meio do método de
equivalência patrimonial; e (d) resultado abrangente do período." Note-se q u e a alínea "a"
do item 82A é justamente a última linha da DRE, ou seja, o resultado líquido do período
da DRE. A alínea "b" faz referência a "outros resultados abrangentes" e, não obstante a
omissão no detalhamento do que significam "outros resultados", podemos afirmar que eles
englobam todas as variações da conta de "Ajuste de Avaliação Palrimonial": os resultados
positivos e negativos decorrentes de transações com os sócios (exceto aumento de capital
e distribuição de dividendos e juros sobre capital próprio) e outros lançamentos que são
efetuados diretamente em contas do "Patrimônio Líquido". A alínea "c", por sua vez, reflete
os lançamentos de receitas e despesas diretamente no "Patrimônio Líquido" de empresas
investidas. Por fim, a alínea "d" demonstra o resultado total do período; ou seja, o resulta-
do abrangente total que uma companhia obteve em determinado período.
financeiras não demonstravam de forma clara e transparente o volume
dos prejuízos incorridos. O que evidencia o resultado total é justamente o
"resultado abrangente", e um analista pouco atento poderia ter chegado a
conclusões equivocadas sobre o tamanho do "estrago" ocasionado pela
crise nessas companhias, caso não observasse esse detalhe.
Os incisos I a VII estabelecem a apresentação qualitativa da
D R E . Cada um dos incisos determina o que dela deve constar, de
forma ordenada.
Conforme o inciso I, a primeira linha da D R E deve ser compos-
ta pelas receitas brutas das vendas e serviços, as deduções das vendas,
os abatimentos e os impostos que são devidos pelos contribuintes e
arrecadados diretamente pela companhia. Mas, como esses impostos
não são de sua propriedade, devem ser excluídos das receitas brutas.
E m essência, as receitas genuínas são as receitas líquidas, pois repre-
sentam os recursos que ficam retidos na companhia. As receitas bru-
tas não são equivalentes ao faturamento, pois, conforme as atuais
normas internacionais de contabilidade (IFRS), para que as receitas
possam ser reconhecidas nas DREs, é necessário que os riscos e be-
nefícios dos produtos e mercadorias vendidas ou serviços prestados
tenham sido integralmente transferidos para os compradores1191. Note-
-se que o simples faturamento não implica em total transferência de
riscos e benefícios do que foi vendido, não servindo, portanto, de base
para o reconhecimento de receitas. As receitas na D R E também de-
vem ser ajustadas a valor presente quando forem recebidas em médio
e longo prazo; logo, também não são vinculadas ao faturamento.
De acordo com as novas normas contábeis, constituem receitas
líquidas tudo o que resulta em aumento dos ativos líquidos da compa-
nhia. Por isso, os impostos, que são repassados ao Governo, são ex-
cluídos, bem como as devoluções de vendas e abatimentos concedidos.
1191 Sobre esse assunto, ver o CPC 30 - "Receitas" - e o CPC 17 - "Contratos de Construção" - ,
aprovados, respectivamente, pelas Deliberações C V M n°s 597/2009 e 576/2009.
Por outro lado, é importante ressaltar as receitas brutas, uma vez
que os saldos de contas a receber demonstram, indiscriminadamen-
te, o que será recebido a título de receita líquida e de impostos.
A estrutura da D R E apresentada neste artigo é adequada para
companhias comerciais e fabris, mas não para as prestadoras de ser-
viço, instituições financeiras, seguradoras, fundos de investimento,
etc. A Lei n° 11.638/2007 poderia ter excluído da Lei das S.A. o
formato da apresentação da D R E , deixando-a a cargo das entidades
que regulam a disciplina da contabilidade, como o Comitê de Pro-
nunciamentos Contábeis — C P C e outros órgãos reguladores, tais
como o Banco Central do Brasil - BCB, a Superintendência de
Seguros Privados - Susep, etc.
O inciso II prevê a discriminação na D R E da receita líquida
das vendas e serviços, do custo das mercadorias e de serviços vendi-
dos e do lucro bruto, sendo necessário deduzir os custos diretos des-
sas receitas líquidas. Essas deduções são evidenciadas como custo
das mercadorias e produtos vendidos e custo direto dos serviços pres-
tados. Dessa forma, apura-se o lucro bruto exatamente pela diferen-
ça entre as receitas líquidas e esses custos. Tal lucro é interpretado
como o resultado obtido diretamente das vendas de mercadorias,
produtos e serviços, sem considerar o custo da estrutura da compa-
nhia, o qual é demonstrado por meio das despesas administrativas,
despesas gerais, despesas de depreciação, etc. Comparando-se o lu-
cro bruto com as receitas, pode-se ter uma estimativa média das
margens brutas praticadas pela companhia, o que consiste em uma
medida relevante de performance.
No inciso III há uma confusão conceituai, pois nele foram mis-
turados resultados das operações genuínas com os resultados das
dívidas e de investimentos financeiros. Ademais, a discriminação
na D R E das despesas operacionais implica em inconsistência da
Lei das S.A. com as normas internacionais de contabilidade (IFRS),
uma vez que, de acordo com essas normas, o resultado operacional
não inclui receitas e despesas financeiras1192.
Existe uma diferença conceituai entre a apresentação da D R E
conforme a Lei das S.A. (especificamente no inciso IV, que impõe a
discriminação do lucro ou prejuízo operacional, das outras receitas e
das outras despesas) e os termos constantes do C P C 26 - "Apresen-
tação das Demonstrações Contábeis"1193. De acordo com esse Pro-
nunciamento, a D R E é separada em 2 (dois) grandes grupos: (i)
resultados decorrentes das operações continuadas1194; e (ii) resultados
das operações descontinuadas1195. Essa separação é fundamental para
que os usuários das demonstrações possam conhecer quais são os
resultados (e fluxos de caixa, por conseqüência) derivados do núcleo
1196 Item 82, alínea "k", do C P C 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis", aprovado
pela Deliberação C V M n° 595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação
C V M n° 624/2010.
1197 O CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis" - foi aprovado pela Deliberação
CVM n° 595/2099, com as alterações introduzidas pela Deliberação C V M n° 624/2010.
1198 Item 82, alínea "i", do CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis", aprovado
pela Deliberação C V M n° 595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação
C V M n° 624/2010.
contabilidade (IFRS) tratam todos esses itens como despesas genuí-
nas, tanto nos resultados operacionais quanto nos financeiros.
O mesmo ocorre com o inciso VII, que, ao determinar que devem
ser discriminados na D R E o lucro ou o prejuízo líquido do exercício,
estabelece a separação de tratamento entre ganhos e perdas. Esses itens
são tratados como receitas e despesas pelas normas internacionais de
contabilidade (IFRS). O inciso VII prevê, ainda, a discriminação na
D R E do montante do lucro ou prejuízo do exercício por ação. As nor-
mas internacionais de contabilidade (IFRS) determinam que tanto o
resultado líquido da D R E quanto o abrangente sejam apresentados por
ação. A apresentação de resultados por ação não é simplesmente a sua
divisão pela quantidade de ações. O C P C 41 - "Resultado por Ação" -
regula as formas de cálculo1199. Além de eventuais alterações na quan-
tidade de ações durante o período em que os resultados foram forma-
dos, existem outros aspectos que precisam ser considerados, tais como:
conversibilidade de instrumentos financeiros (debêntures, opções de
compra e venda de ações), efeitos de diluição das ações, etc. Por essa
razão, esse Pronunciamento trata de 2 (dois) resultados por ação: o
resultado básico e o resultado diluído1200.
D E M O N S T R A Ç Ã O D O S F L U X O S DE C A I X A (DFC)
1201 o CPC 03 (R2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa" - foi aprovado pela Deliberação
CVM n° 641/2010.
liquidez imediata), fornecendo, assim, informações relevantes sobre pa-
gamentos e recebimentos da companhia ocorridos durante determinado
período, ou seja, a utilização e origem de todos os recursos que entraram
e saíram do caixa, e, consequentemente, o resultado do fluxo financeiro.
Por demonstrar exclusivamente movimentações de caixa e seus
equivalentes, determinadas operações que não resultem na entrada
e na saída de caixa da companhia não são apresentadas na DFC,
como ocorre, por exemplo, no financiamento de uma fábrica em
que os recursos são transferidos diretamente da instituição finan-
ceira para o fornecedor. Nesse caso, constarão da D F C somente os
pagamentos da dívida contraída, sendo necessário, portanto, dar-se
o devido destaque a este item nas notas explicativas1203.
Na prática, a D F C mostra quantitativa e qualitativamente como
todas as entradas e saídas de caixa e seus equivalentes ocorreram no
período. Embora a D F C tenha se tornado obrigatória somente após
a promulgação da Lei n° 11.638/2007, ela sempre esteve presente
nas demonstrações das companhias como ferramenta fundamental
para o controle financeiro.
Para a correta compreensão da D F C , é importante conhecer
alguns conceitos, a saber1204:
1203 Consta do C P C 03 (R2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa", aprovado pela Deliberação
C V M n° 6 4 1 / 2 0 1 0 , que: "43. Transações de investimento e financiamento que não envol-
vem o uso de caixa ou equivalentes de caixa não devem ser incluídas ria demonstração dos
fluxos de caixa. Tais transações devem ser divulgadas nas notas explicativas às demonstra-
ções contábeis, de modo que forneçam todas as informações relevantes sobre essas ativida-
des de financiamento e de investimento. 44. Muitas atividades de investimento e de
financiamento não impactam diretamente os fluxos de caixa, embora afetem a estrutura de
capital e de ativos de uma entidade. A não-inclusão dessas transações é consistente com o
objetivo da demonstração dos fluxos de caixa, visto que tais itens não envolvem fluxos de
caixa no período corrente. Exemplos de transações que não envolvem o caixa ou equiva-
lente de caixa são: (a) a aquisição de ativos com assunção direta do respectivo passivo ou
por meio de arrendamento financeiro; (b) a aquisição de entidade por meio de emissão de
ações; e (c) a conversão de divida em capital."
1204 Item 6 do C P C 03 (R2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa", que foi aprovado pela
Deliberação C V M n° 641/2010.
(i) caixa - compreende numerário em espécie e depósitos ban-
cários disponíveis;
(ii) equivalentes de caixa - são aplicações financeiras de curto
prazo, de alta liquidez, prontamente conversíveis em caixa e que estão
sujeitas a um insignificante risco de mudança de valor;
(iii) fluxos de caixa - são as entradas e as saídas de caixa e
seus equivalentes;
(iv) atividades operacionais - são as principais atividades gera-
doras de receita da companhia, bem como outras diversas das de
investimento e de financiamento;
(v) atividades de investimento — são as referentes à aquisição e à
venda de ativos de longo prazo e de outros investimentos não incluídos
nos equivalentes de caixa; e
(vi) atividades de financiamento - são aquelas que resultam em
mudanças no tamanho e na composição do capital próprio, assim
como no endividamento da companhia, não sendo classificadas
como atividade operacional.
Na D F C , os fluxos de caixa e seus equivalentes, ocorridos du-
rante um período, são classificados conforme a sua natureza: ope-
racional; de investimento; e de financiamento. Diferentemente
da "Demonstração do Resultado do Exercício" (DRE), que se fun-
damenta no regime de competência, a D F C tem como base ape-
nas o regime de caixa. A D F C é uma demonstração importante
para o mercado de capitais, pois, é a partir dela, com o auxílio das
outras demonstrações contábeis, que são feitas estimativas futuras
de fluxos de caixa, componentes primordiais para a determinação
do valor de mercado de títulos e valores mobiliários.
Existem 2 (dois) métodos de apresentação da DFC, os quais es-
tão regulamentados no C P C 03 (R2) - "Demonstração dos Fluxos de
Caixa"1205: o método direto e o método indireto. A única diferença entre
eles é a forma de composição analítica do fluxo de caixa operacional.
O denominado método direto reflete somente a classificação das
entradas e saídas de caixa e seus equivalentes nos seus grandes gru-
pos: operacionais, investimentos e financiamentos. Por esse método,
os fluxos de caixa das operações são simplesmente classificados como
entradas (recebimentos) e saídas (pagamentos).
De acordo com o método indireto, o fluxo de caixa das operações é
obtido partindo-se do resultado do período e nele realizando-se alguns
ajustes, relativos a estornos de receitas e despesas que foram registradas
pelo regime de competência, mas que não afetaram o caixa do período
corrente (como, por exemplo, depreciações, amortizações, impairment,
etc.). Após esses ajustes (resultado ajustado) são consideradas as varia-
ções de ativos e passivos operacionais de curto prazo (investimentos ou
desinvestimentos no capital de giro líquido) ocorridas no período para
chegar-se ao fluxo de caixa das operações. O método é denominado in-
direto porque se parte do resultado do período, para se chegar, após os
ajustes, aos fluxos de caixa propriamente ditos.
Assim, o método indireto é mais complexo, pois decorre do lucro
(ou prejuízo) da "Demonstração do Resultado do Exercício" (DRE),
sendo dele eliminados os componentes de accruals para chegar-se aos
efeitos de caixa. Ou seja, é preciso que se realize uma conciliação
entre o resultado líquido do exercício da "Demonstração do Resulta-
do do Exercício" (DRE) e os fluxos de caixa da DFC, intercambian-
do aspectos temporais dos regimes de caixa e competência (os efeitos
dos accruals)U06. Apesar desse método ser mais complexo e de difícil
compreensão, ainda é o mais divulgado no Brasil.
1205 O CPC 03 (R2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa" - foi aprovado pela Deliberação
C V M n° 641/2010.
1206 Para maiores detalhes sobre fluxo de caixa e competência, bem como a definição de
accruals, ver os comentários ao art. 176 da Lei das S.A.
A companhia que divulga o fluxo de caixa pelo método direto
é obrigada, pelo C P C 03 (R2), a apresentar a conciliação entre o
resultado do período e o caixa operacional.
A DFC, conforme os padrões internacionais de contabilidade,
demonstra as entradas e as saídas de caixa e equivalentes de caixa
agregadas em 3 (três) grandes atividades:
(i) "atividades operacionais", por meio das quais é evidenciado o
montante de caixa gerado pelas operações e o que foi por elas consumi-
do. Os fluxos dessa natureza são os decorrentes das principais ativida-
des geradoras de receita da companhia, além de contemplar aqueles
que não se enquadram na definição de fluxos de caixa das atividades de
investimento e de financiamento. Esse grupo representa o "coração"
da companhia, pois dele decorrem todos os fluxos de caixa no longo
prazo. No longo prazo, o fluxo de caixa operacional deve ser suficiente
para financiar os investimentos assim classificados (de longo prazo),
bem como saldar as dívidas e remunerar o acionista por meio do paga-
mento de dividendos e de juros sobre o capital próprio. As informações
sobre variabilidade desses fluxos são importantes para a análise de risco
das operações e para as projeções de fluxos de caixa, que são feitas roti-
neiramente por analistas de investimento e de crédito;
(ii) "atividades de financiamento", em que são demonstrados os
fluxos de caixa decorrentes de captação de recursos (empréstimos, fi-
nanciamentos, emissão de títulos de dívidas, etc.) e de pagamento de
dívidas (pagamento de juros, amortização de principal, etc.). Compre-
endem-se nesse grupo: (a) os recursos obtidos junto aos acionistas, como,
por exemplo, os decorrentes da subscrição de ações em aumentos de
capital; e (b) os pagamentos feitos aos acionistas (dividendos e juros
sobre o capital próprio). Como os fluxos de caixa dos financiamentos
possuem 2 (duas) subespécies, essas também precisam ser segregadas
em fluxos de caixa de financiamentos com acionistas e com terceiros; e
(iii) "atividades de investimentos", em que é evidenciado o mon-
tante de caixa consumido com investimentos em ativos de longo pra-
zo, tais como: imobilizados, ágio, investimentos financeiros, etc. Os
fluxos de caixa dessas atividades são os referentes à aquisição e à ven-
da de ativos de longo prazo e de outros investimentos não considera-
dos como equivalentes de caixa, como, por exemplo, aplicações
financeiras de curto prazo e de alta liquidez. A parte principal desses
fluxos demonstra os investimentos estratégicos de longo prazo que as
companhias realizam, para gerar, no futuro,fluxo"de caixa operacional.
Além desses investimentos estratégicos (neles incluídos os investi-
mentos com aquisições de participações societárias), fazem parte dessas
atividades investimentos financeiros cujos fluxos de caixa serão obti-
dos no médio e longo prazo, bem como os que não possuem liquidez
imediata. Caso contrário, seriam classificados como equivalentes de
caixa e não poderiam ser evidenciados analiticamente, já que estariam
dentro da variação do saldo de caixa e seus equivalentes. Ou seja, os
fluxos de caixa das "atividades de investimento" geralmente são ne-
gativos e têm como característica principal a expectativa de, no
futuro, gerar caixa operacional.
A DFC, no entanto, apresenta alguma subjetividade. A classifica-
ção dos fluxos de caixa, embora efetuada de acordo com o CPC 03
(R2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa" - , sujeita-se ao comporta-
mento discricionário do administrador, pois não existem padrões defi-
nidos de como se classificam, por exemplo, os pagamentos de juros
(podem ser operacionais ou financeiros) e os recebimentos de dividen-
dos de participações societárias (operacionais ou de investimentos).
ARTIGOS 121 A 1 8 8
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