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NELSON EIZIRIK

A LEI DAS S/A


COMENTADA
VOLUME II
ARTIGOS 121 A 188

QUARTIER LATIN
A LEI DAS S/A
COMENTADA
V O L U M E II

ARTIGOS 121 A 1 8 8

IFRS - Implementação das Normas


Internacionais dc Contabilidade
e da Lei N" 11.638 no Brasil
2' edição
Kieran lohn McManus

Direito Econômico do Petróleo


e dos Recursos Minerais
Gilberto Bercovici

O Mercado Financeiro e o Imposto


sobre a Renda - 2' edição
Elidie Palma Biíano

Contratos Mercantis e a Teoria Geral


dos Contratos
Haroldo M. D. Verçosa

Direito & Internei - Vol. I e II


Aspectos jurídicos Relevantes
2' edição
Coordenação:
Newton De Lucca
Adalberto Simão Filho

Acordos de Acionistas e Governança


das Companhias
Carlos Eduardo Vergueiro

Ata Notarial
Doutrina, prática e meio de prova
Paulo Roberto C.aiger Ferreira
Felipe Leonardo Rodrigues

Desconsideração da Personalidade Jurídica


em Matéria Tributária
Coordenação:
Heleno Taveira Torres
Mary Elhe Queiroz

Direito dos Contratos I e II


Coordenação:
Antonio lorge Pereira lúnior
Gilberto I laddad labur

Exclusão de Sócios nas Sociedades Anônimas


Renato Ventura Ribeiro
 LEI DAS: § /

ARTS.121 A 1 8 8

© O & IBEAS
ssrisio i t i u

Q U A R T I E R LATIN
Editora Quartier Latin do Brasil
Rua Santo Amaro, 316 - CEP 01315-000
Vendas: Fone (11) 3101-5780
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^ NELSON EIZÍRIK

A LED DAS S / A
COMENTADA
VOLUME II

ARTS. 1 2 1 A 1 8 8

Editora Quartier Latin do Brasil


São Paulo, primavera de 2011
quartierlatin@quartierlatin.art.br
www.quartierlatin.art.br
Editora Quartier Latin do Brasil
Rua Santo Amaro, 316 - Centro - São Paulo

Coordenação Editorial: Vinícius Vieira


Diagramação: Victor Guimarães Sylvio,
José Ubiratan Ferraz Bueno
Revisão Gramatical: Tarsila Nascimento Marchetti
Conferência: Fábio Gimenez, Antonio Marcos Cavalheiro,
Tarsila Nascimento Marchetti
Criação de Capa: Carolina e Vinícius Vieira
Finalização e Digitalização de Capa: Bruno Laguna Paim

EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume II -


Arts. 121 a 188. São Paulo: Quartier Latin, 2011.

ISBN 85-7674-577-1

1. Direito Comercial. 2. Direito Societário. I. Título

índices para catálogo sistemático:


1. Brasil: Direito Comercial
2. Brasil: Direito Societário

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e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas
(arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
COLABORADORA NO VOLUME II:
ANDRÉA BRAGA

COLABORAÇÃO DE VINÍCIUS AVERSARI MARTINS


(Arts. 1 7 6 a 1 8 8 )
As queridas filhas Julia, Alice e Cecília.
Ao querido filho Miguel.
SUMÁRIO

CAPÍTULO X I
ASSEMBLEIA GERAL

Seção I
Disposições gerais
Art. 121 13
Art. 122. Competência privativa 29
Art. 123. Competência para convocação 39
Art. 124. Modo de convocação e local 47
Art. 125. "Quorum" de instalação 69
Art. 126. Legitimação e representação 76
Art. 127. Livro de presença 95
Art. 128. Mesa 99
Art 129. "Quorum" das deliberações 105
Art. 130. Ata da assembleia 113
Art. 131. Espécies de assembleia 122

Seção II
Assembleia Geral Ordinária
Art. 132. Objeto 126
Art. 133. Documentos da administração 142
Art. 134. Procedimento 153

Seção III
Assembleia Geral Extraordinária
Art. 135. Reforma do estatuto 170
Art. 136. "Quorum" qualificado ISO
Art. 137. Direito de retirada 196
CAPÍTULO X I I
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E DIRETORIA

Art. 13S. Administração da companhia 255


Art. 139 262

Seção I
Conselho de Administração
Art. 140. Composição 264
Art. 141. Voto múltiplo 276
Art. 142. Competência 288

Seção II
Diretoria
Art. 143. Composição 297
Art. 144. Representação 303

Seção III
>

Administradores
Art. 145. Normas comuns 311
Art. 146. Requisitos e impedimentos 312
Art. 147 318
Art. 148. Garantia da gestão 328
Art. 149. Investidura 329
Art. 150. Substituição e término da gestão 332
Art. 151. Renúncia 337
An. 152. Remuneração 340

Seção IV
Dever es e Responsabilidades
Art. 153. Dever de diligência 348
Art. 154. Finalidade das atribuições e desvio de poder 358
Art. 155. Dever de lealdade 365
Art. 156. Conflito de interesses 378
Art. 157. Dever de informar 383
Art. 158. Responsabilidade dos administradores 397
Art. 159. Ação de responsabilidade 408
Art- 160. Órgãos técnicos e consultivos 417

CAPÍTULO X I I I
CONSELHO FISCAL

Art. 161. Composição e funcionamento 424


Art. 162. Requisitos, impedimentos e remuneração 435
Art. 163. Competência 441
Art. 164. Pareceres e representações 455
Art. 165. Deveres e responsabilidades 458
Art. 165-A 464

CAPÍTULO X I V

MODIFICAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL

Seção I
Aumento
Art. 166. Competência 466
Art. 167. Correção monetária anual 471
Art. 168. Capital autorizado 472
Art. 169. Capitalização de lucros e reservas 484
Art. 170. Aumento mediante subscrição de ações 488
Art. 171. Direito de Preferência 506
Art. 172. Exclusão do direito de preferência 519

Seção II
Redução
Art. 173 524
Art. 174. Oposição dos credores 530
CAPÍTULO X V
EXERCÍCIO SOCIAL E DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS

Seção I
Exercício Social
Art. 175 534

Seção II
Demonstrações Financeiras
Art. 176. Disposições gerais 536
Art. 177. Escrituração 565

Seção III
Balanço Patrimonial
Art. 178. Grupo de contas 579
Art. 179. Ativo 591
Art. 180. Passivo exigível 603
Art. 181 Resultados de exercícios futuros 604
Art. 182 Patrimônio líquido 604
Art. 183. Critérios de avaliação do ativo 612
Art. 184. Critérios de avaliação do passivo 632
Art. 184-A. Critérios de avaliação em operações societárias 637
Art. 185. Correção monetária 638

Seção IV
Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados
Art. 186 638

Seção V
Demonstração do Resultado do Exercício
Art. 187 644

Seção VI
Demonstrações dos Fluxos de Caixa e do Valor Adicionado
Art. 188 653
CAPÍTULO X0

ASSEMBLEIA GERAL

SEÇÃO 1

DISPOSIÇÕES GERAIS

"Art. 121. A assembleia geral, convocada e instalada de acordo


com a lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os negócios
relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar
convenientes à sua defesa e desenvolvimento.

Parágrafo único. Nas companhias abertas, o acionista poderá


participar e votar a distância em assembleia geral, nos termos da
regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários." (Incluído
pela Lei n° 12.431/2011)

O termo "assembleia" é utilizado, em geral, para designar qual-


quer tipo de reunião de várias pessoas com o fim de discutir e delibe-
rar assuntos de interesse comum.
No direito público, por assembleia, entende-se o corpo representati-
vo de toda a entidade coletiva. Assim, utiliza-se o termo para designar o
corpo legislativo, conselhos comunais, regionais ou estaduais. No voca-
bulário político, emprega-se a palavra assembleia tecnicamente com 3
(três) significados: (i) assembleia constituinte; (ii) regime de assembleia,
para distingui-lo do regime parlamentar em sentido estrito; e (iii) assem-
bleia, para contrapô-la à representação, valorizando uma instituição ba-
seada na democracia direta (assembleia de operários, estudantes, etc.)1.
Já no âmbito do direito privado, a assembleia indica a reunião
de pessoas interessadas na solução de problemas comuns, ligados à

NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCCI e Gl AN FRANCO PASQUINO. Dicionário de


Política, v. 1, São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 2004, p. 60.
propriedade comum (assembleia de condôminos), a assuntos despor-
tivos ou sociais (assembleia de clube ou de associação) ou à delibera-
ção sobre questões patrimoniais, de produção de lucros e sua repartição
(assembleia de sociedades com escopo lucrativo).
Na sociedade anônima, o interesse comum é o da geração de
lucros, decorrentes da exploração do objeto social, e sua divisão
entre os acionistas.
A assembleia geral constitui o órgão máximo da companhia, de ca-
ráter exclusivamente deliberativo, que reúne todos os acionistas, com ou
sem direito a voto ou com voto restrito. Trata-se, a assembleia, do locus no
qual o acionista pode exercer o direito de voz e voto. Pode ser definida
como o conjunto de acionistas reunidos, mediante convocação e instala-
ção realizadas de acordo com a Lei das S.A. e o estatuto, para deliberar
sobre matéria de interesse social. A assembleia tem competência para
decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as
resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento. Cons-
titui um órgão deliberativo, na medida em que o processo de formação da
vontade dá-se, necessariamente, por meio da reunião de seus membros,
decidindo o órgão por votação majoritária dos acionistas.
Deliberação é toda decisão ou resolução adotada por um órgão
colegiado, mediante prévia discussão e votação majoritária ou unâni-
me; trata-se, portanto, de uma resolução de ordem plural. As delibe-
rações de órgãos colegiados, como a assembleia geral, são caracterizadas
como atos coletivos, precisamente para diferenciá-las dos contratos,
em que as partes somente se vinculam nos termos de suas declara-
ções; a deliberação do órgão colegial vincula a todos os seus mem-
bros, ainda que dissidentes ou ausentes2.
A decisão coletiva é aquela subtraída da competência de cada
indivíduo como tal; nela o sujeito que decide não é o singular, mas o

2
^ M b ? e - r H L L A < P A Â O , - A Z p ^ D ° E N ° V A E S F R A N C A " " C i d a d e das Deliberações
Assembleia das S.A. Sao Paulo: Malheiros, 1999, p. 41.
"coletivo", o "grupo". Quando o poder decisório é confiado a um gru-
po e não a um simples indivíduo, torna-se necessário estabelecer re-
gras que devem ser seguidas para reunir as preferências, opiniões e
interesses de cada um para chegar-se à decisão coletiva3.
Daí a importância das normas sobre a assembleia geral das
companhias; elas constituem as "regras do jogo" para se alcançar
as decisões coletivas.
A deliberação da assembleia geral constitui ato unilateral da com-
panhia, embora decorrente da manifestação de vontade dos acionistas4.
A assembleia geral pode sempre rever, ratificar ou retificar deliberações
anteriores, resguardados os direitos de terceiros, pois é competente para
decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as
resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento5.
As deliberações da assembleia geral devem ter por fim o interesse
social e a função social da companhia6, sob pena de atribuição de res-
ponsabilidade ao acionista controlador pelos danos causados por atos
praticados com abuso de poder (artigo 117, caput) ou anulabilidade da

3 NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCC1 e GIANFRANCO PASQUINO. Dicionário de


Política..., v. 1, p. 309.
4 Sobre esse assunto, ver TULLIO ASCARELLI. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito
Comparado. 2a edição, São Paulo: Saraiva, 1969, p. 370.
5 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Convalidação e Revogação de Deliberações
Assembleares". In: Pareceres. v. II, São Paulo: Singular, 2004, p. 1.331, manifestou-se no
sentido de que: "Dai que, dentro da esfera de sua competência, tem a assembleia geral
poderes soberanos que nem o Poder judiciário, e muito menos o órgão do Registro do
Comércio podem cercear. Se uma deliberação da própria assembleia tiver seus efeitos
suspensos por decisão judicial, em decorrência do acolhimento das razões arguidas por
acionistas dissidentes, nada obsta a que o conclave delibere novamente sobre a matéria,
ainda que pendente o procedimento judicial, desde que evidentemente sane o vício ou
defeito que comprometia a deliberação anterior."
6 A empresa, como unidade de produção, não congrega apenas os interesses dos sócios da
companhia, mas também os dos fornecedores, empregados, consumidores e de toda a
comunidade na qual exerce as suas atividades. A função social implica, portanto, em um
poder-dever do acionista controlador de dirigir a empresa para a realização dos interesses
coletivos. Sobre a função social da empresa, ver ELOY PEREIRA LEMOS JÚNIOR. Empresa
& Função Social. Curitiba: Juruá, 2009, p. 152-179; ANA FRAZÃO DE AZEVEDO LOPES.
Empresa e Propriedade - Função Social e Abuso de Poder Econômico. São Paulo: Quartier
Latin, 2006, p. 119. Ver, também, os comentários ao art. 116 da Lei das S.A.
deliberação tomada em decorrência do voto do acionista em situação
conflitante com o interesse da companhia, quando for o caso7.
Pode configurar abuso por parte do acionista controlador qual-
quer medida em que fique caracterizada a utilização de seu poder
para atender a fins pessoais, em prejuízo dos interesses da sociedade
ou dos demais interesses que ele tem o dever de preservar. O exercí-
cio do poder de controle não pode implicar benefício unilateral e
exclusivo ao acionista controlador, mas deve levar em consideração
os interesses da companhia e da coletividade de seus acionistas8.
É vedada à assembleia a prática dos atos de administração
que são conferidos ao conselho de administração e à diretoria, ou
somente à diretoria, conforme o caso (artigo 138, capui).
As competências dos órgãos sociais, conforme definidas pela Lei
das S.A., demonstram que a estrutura da companhia é hierarquizada: a
assembleia geral é o órgão máximo da companhia que tem poderes para
decidir todos os negócios relativos a seu objeto, bem como para nomear
e destituir os membros dos conselhos de administração e fiscal; o conse-
lho de administração, por sua vez, nomeia e destitui os diretores9.
A noção de hierarquia dos órgãos na companhia decorre da con-
cepção da "democracia societária". Os acionistas são equiparados aos
eleitores, os membros eleitos dos órgãos administrativos aos seus re-
presentantes, as solicitações de procurações às campanhas eleitorais
e o estatuto social à Constituição. A partir dessa perspectiva, os acio-
nistas têm direitos essenciais, individuais, comparáveis aos dos cida-
dãos no regime democrático, e os administradores são responsáveis
pela conservação e proteção de tais direitos.

Ver os comentários ao art. 115, § 4°, da Lei das S.A.


Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 117 da Lei das S A
JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Acordo de Acionistas Sobre Controle de Crupo de
Sociedades Rev.sta de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. Rio de
P A R i o V ^ M n r T ^ ? n b u n a i s ' V- 1 5 ' j' a n e i r °-™rço, 2002, p. 229. No mesmo sentido,
FÁBIO KONDER COMPARATO e CALIXTO SALOMÃO FILHO O Poder de Controle na
Sociedade Anon.ma. 4= edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31.
Ao longo dos últimos anos, a assembleia geral vem, na prática,
perdendo espaço como o principal centro decisório da companhia,
tendo em vista o absenteísmo dos acionistas minoritários, uma vez
que, em geral, apenas os controladores comparecem ao conclave.
Como explicar o absenteísmo dos acionistas minoritários? Por
que eles não se interessariam em participar do processo decisório que
pode afetar os seus patrimônios?
A chamada "apatia racional" descreve o comportamento dos acio-
nistas quando o custo de manter-se informado e participar nas assem-
bléias gerais é superior ao benefício individual esperado por tal
comportamento. Ou seja, vale mais a pena, do ponto de vista econômi-
co, manter-se apartado da participação informada nas decisões coleti-
vas do que nelas se envolver. Numa sociedade em que o sócio detém
100% (cem por cento) do capital, ao investir seu tempo para tomar uma
decisão ele receberá 100% (cem por cento) dos benefícios decorrentes
dessa decisão. Quando o acionista detém apenas 10% (dez por cento)
do capital, ele também deve aplicar seu tempo para informar-se, já que
não pode ler apenas 10% (dez por cento) dos documentos necessários,
mas não recebe mais do que 10% (dez por cento) dos benefícios de
uma boa decisão. Ou seja, quando o custo de informar-se para partici-
par no processo decisório é desproporcional aos benefícios esperados,
os quais, além de tudo, serão repartidos com outros que neles não in-
correram (os free riders ou "caronas"), o acionista pode racionalmente
decidir não tomar parte das decisões da sociedade10.
Dessa forma, foi necessário introduzir no direito societário, inclusive
no brasileiro, algumas mudanças para incentivar os acionistas a participar

1o ANDREAS CAHN and DAVI D C. DONALD. Comparative Company Law - Text and Cases
on the Laws Goveming Corporations in Cermany, the UK and lhe USA. Cambrige: Cambridge
University Press, 2010, p. 474-475. A análise sobre os problemas da ação coletiva, em
geral, foi desenvolvida em estudo clássico de M. OLSON. The Logic of Collective Action.
Cambridge: Cambridge University Press, 1971. Para uma análise, entre nós, da obra de
Olson, ver LUIZ ORENSTE1N. A Estratégica da Ação Coletiva. Rio de Janeira: Revan/UCan,
IUPERJ, 1998.
dos conclaves, reduzir os custos do acesso à informação, evitar assembleias
sem quorum de instalação e propiciar o exercício do voto. A Lei n° 12.431/
2011 acrescentou o parágrafo único a este artigo, permitindo a participa-
ção e o voto à distância do acionista na assembleia geral, nos termos da
regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários11.
Assim, as normas aplicáveis devem ser sempre interpretadas de
forma a facilitar o exercício do direito de voto, não a dificultá-lo.
Nesse sentido também, a Lei das S.A., no § 1° do artigo 126,
regulou o voto por procuração, que não está condicionado ao reco-
nhecimento de firma por parte do seu outorgante. Mas, se a compa-
nhia o exigir, deverá ser observado. O próprio Código Civil determina
que a exigência de reconhecimento de firma é uma mera faculdade
do terceiro com o qual o procurador irá se relacionar12, podendo ser
dispensada. Por sua vez, não contém, a Lei das S.A., qualquer dispo-
sitivo exigindo o reconhecimento de firma por parte do outorgante
de procuração, prevendo apenas que o prazo de validade não poderá
ser superior a 1 (um) ano e que o procurador deve ser acionista, admi-
nistrador da companhia ou advogado (artigo 126, § 1°). Não há, tam-
bém, qualquer restrição ao voto em assembleia por meio de
instrumentos de procuração outorgados por acionistas com assinatu-
ra eletrônica e certificação digital13. Os acionistas não precisam mais

11 Até novembro de 2011, a CVM ainda nao havia emitido ato normativo regulamentando
esse dispositivo.
12 Art 654, § 2", do Código Civil.
13 A Medida Provisória n° 2.200-2/2001, que institui a infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira - ICP-Brasil, no art 10, expressamente reconhece a validade jurídica dos docu-
mentos assinados por meio eletrônico, a saber: "Art. 10. Consideram-se documentos públi-
cos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta
Medida Provisória. § T. As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica
produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil
presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei n° 3.071,
de Io de janeiro de 1916- Código Civil. § 2°. O disposto nesta Medida Provisória não
obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos
em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil,
desde que admuido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o
documento O art. 219 do Código Civil (art. 131 do Código Civil de 1916) determina
que: As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em
imprimir as procurações disponíveis nos manuais de assembleia, re-
conhecer firma e enviar o documento por correio. A companhia po-
derá contratar empresa para prestar serviço ou disponibilizar em seu
site acesso a outorga de procuração digital de voto, sendo permitido o
uso da certificação eletrônica por meio escolhido pela companhia14.
A Comissão de Valores Mobiliários também se manifestou no sen-
tido de que qualquer acionista pode assistir às assembleias remotamente;
a decisão sobre essa iniciativa dependerá da companhia, que deverá ava-
liar o conteúdo da assembleia e a viabilidade da transmissão15. Posterior-
mente, a Lei n° 12.431/2011 incluiu parágrafo único a este artigo, por
meio do qual passou a ser admitido, no ordenamento jurídico brasileiro, a
participação e o voto à distância em assembleias gerais.
Tais ferramentas permitem que o acionista não necessite des-
pender tempo e dinheiro para se deslocar até o local de realização
da assembleia, que ocorre muitas vezes em cidades diferentes das
que residem, ou até mesmo em outro país16. Para a companhia,

relação aos signatários." Note-se que a Emenda Constitucional n° 32/2001 determinou no


art. 2 o que: "As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda
continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até
deliberação definitiva do Congresso Nacional." A Medida Provisória n° 2.200-2/2001 foi
publicada em agosto de 2001 e a Emenda Constitucional em setembro de 2001.
Em meados de 2008, algumas empresas criaram um sistema de assembleias virtuais a fim de
facilitar a participação dos acionistas nas assembleias. Por meio da assembleia virtual, o
acionista pode ser representado em assembleias gerais mediante voto por procuração, com
a possibilidade de transmissão ao vivo da assembleia e com opção para áudio em inglês,
por exemplo. No primeiro semestre após a entrada em vigor da Instrução CVM n° 481/
2009, apenas 14 (quatorze) companhias haviam aderido à plataforma eletrônica, a saber:
Petrobrás, BM&FBovespa, Cielo, Lupatech, Ideiasnet, Bematech, EZ Tec, Eucatex, Metaltrio,
BRF-Brasil Foods, Triunfo, Natura, Eternit e Brasil Telecom.
Ver a deliberação do Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo CVM n" RJ
2008/1794, Rei. Dir. Sérgio Weguelin, em reunião realizada em 24.06.2008 - "Consulta sobre
Possibilidade de Utilização de Procurações deVoto em Forma Digital nas Assembleias Gerais".
O processo de outorga de procuração digital de voto pode ocorrer da seguinte forma: (i) o
investidor cadastra-se no site da companhia ou de empresa especializada contratada pela
companhia para realizar esse serviço; (ii) o investidor recebe o acesso especial para emitir o
certificado digital privado, caso ainda não possua um certificado ICP-Brasil (vide Medida
Provisória n° 2.200-2/2001); (iii) após a convocação da assembleia, o investidor deve
analisar a documentação disponível sobre a matéria, bem como a existência de recomenda-
ção de voto dos administradores e, a seu exclusivo critério, aderir à sistemática de outorga dé
procuração digital de voto e votar em cada uma das pautas propostas (a favor, contra ou
abstenção); e (iv) uma vez validado o voto, ele estará computado para a respectiva assembleia
e o acionista recebe, posteriormente, um comprovante de votação por email.
também há benefícios, como, por exemplo, a redução de custos com
a 2 a convocação da assembleia geral, uma maior projeção com a
adoção de procedimentos de boas práticas de governança corporati-
va e a possível valorização de suas ações no mercado.
Ademais, a Comissão de Valores Mobiliários editou norma para
regular os pedidos públicos de procuração de companhias abertas que
possuam ações admitidas a negociação em mercados regulamenta-
dos, conferindo aos investidores uma sistemática mais simples para a
participação e supervisão dos negócios sociais e com menor custo
para o exercício do direito de voto17-18.
Outro fato que reduziu a importância da assembleia geral, par-
ticularmente nas companhias com controle compartilhado, foi a
alteração introduzida na Lei das S.A. pela Lei n° 10.303/2001,
que acrescentou ao rol de matérias que podem ser objeto de acor-
do de acionistas, expressamente previstas no caput do artigo 118, o
exercício do poder de controle.
Trata-se de uma modalidade de acordo de voto, visando ao exer-
cício do controle comum; para tanto, os convenentes formam um

17 Instrução CVM n° 481/2009, que dispõe sobre informações e pedidos públicos de procu-
ração para exercício do direito de voto em assembleias de acionistas. Os pedidos públicos
de procuração devem ser dirigidos a todos os acionistas com direito de voto na assembleia
(art. 25). De acordo com o art. 22, são considerados pedidos públicos de procuração: "/ -
os pedidos que empreguem meios públicos de comunicação, tais como a televisão, o
rádio, revistas, jornais e páginas na rede mundial de computadores; II - os pedidos dirigi-
dos a mais de 5 (cinco) acionistas, quando promovidos, direta ou indiretamente, pela
administração ou por acionista controlador; e III - os pedidos dirigidos a mais de 10 (dez)
acionistas, quando promovidos por qualquer outra pessoa." Por sua vez, o art. 24 da
referida Instrução estabelece que: "As procurações objeto de pedido público devem: I -
indicar um procurador para votar a favor, um procurador para se abster e outro procurador
para votar contra cada uma das propostas objeto do pedido; II - indicar expressamente
como o procurador deve votar em relação a cada uma das propostas ou, se for o caso, se ele
deverá se abster em relação a tais propostas; III - restringir-se a uma única assembleia."
18 As regras dessa instrução foram baseadas no sistema norte-americano das Proxy Regulations
do Securitíes Exchange Act de 1934. Assim, foi instituído um novo documento obrigatório
para o exercício do direito de voto em assembleias gerais das companhias em razão de
pedido público de procuração, na linha dos Proxy Statements norte-americanos. Nos
Estados Unidos, a instauração do sistema de procuração eletrônica da Securitíes and
Exchange Commision (SEC), denominados Notice and Access, possibilitou a redução
significativa dos custos relativos à postagem dos documentos enviados aos investidores e
da queda da participação nas assembleias.
bloco de ações e, em reuniões prévias, decidem como votarão, em
conjunto, no exercício do poder de controle. Assim, o voto é deter-
minado em reunião prévia dos participantes do acordo, que constitui
uma espécie de "assembleia antecipada", usualmente mediante a ado-
ção do princípio majoritário. Ou seja, convocada a assembleia geral, os
acionistas signatários deliberam, na reunião prévia, como exercerão o voto
em bloco sobre cada uma das decisões a serem tomadas no conclave. O
decidido na reunião prévia vincula todos os membros do acordo, inclusi-
ve os dissidentes, ausentes e abstinentes, devendo votar todos, na assem-
bleia geral, no mesmo sentido19.
Ainda assim, a assembleia geral continua sendo o órgão supremo
da companhia com competência para decidir todos os negócios relativos
ao seu objeto e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa
e desenvolvimento.
Em relação a determinadas matérias, a competência da assembleia
geral é privativa (artigo 122), ou seja, a assembleia não pode a elas renun-
ciar, nem delegá-las a outros órgãos sociais. Compete privativamente à
assembleia geral deliberar sobre (i) a reforma do estatuto social; (ii) a
eleição ou destituição dos administradores e fiscais da companhia, salvo
os diretores, que são eleitos pelo conselho de administração; (iii) a toma-
da anual das contas dos administradores e aprovação das demonstrações
financeiras por eles apresentadas; (iv) autorização de emissão de debên-
tures, observado o disposto nos §§ 1°, 2° e 4 o do artigo 59; (v) a suspensão
do exercício dos direitos do acionista, na hipótese do artigo 120; (vi) a
avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do
capital; (vii) a transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia,
sua dissolução e liquidação; e (viii) eleição e destituição de liquidantes e
julgamento de suas contas, entre outros (artigo 122). No entanto, outros
dispositivos da Lei das S.A. também relacionam matérias sobre as quais
somente a assembleia geral pode validamente deliberar20.

19 Ver os comentários ao art. 118 da Lei das S.A.


20 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 122 da Lei das S.A.
O estatuto social, como lei interna da companhia, pode criar outras
hipóteses de deliberação privativa da assembleia geral, conforme o
interesse da companhia. A companhia tem liberdade para, de acordo
com a conveniência dos acionistas, definir as atribuições e poderes de
cada órgão societário, desde que não altere ou restrinja o elenco de
competências legalmente estabelecidas. Nada impede que os acio-
nistas, no exercício de sua autonomia privada, confiram à assembleia
geral, ao conselho de administração, ou mesmo à diretoria, compe-
tência para deliberar sobre determinada matéria que não tenha sido
atribuída pela Lei das S.A. a nenhum órgão específico. Caso o esta-
tuto social proceda desta forma, atribuindo a determinado órgão soci-
al a competência sobre uma matéria específica, esta reserva de
competência deve ser necessariamente observada pelos acionistas, uma
vez que as normas estatutárias possuem força de direito inerente ao
agrupamento, isto é, têm natureza obrigatória, devendo ser perma-
nentemente respeitadas por todos os acionistas21.
Não se pode conferir à assembleia geral, de acordo com o artigo
139, matérias que a Lei das S.A. reservou privativamente aos demais
órgãos societários, quais sejam, o conselho de administração (artigo
142), a diretoria (artigo 144) e o conselho fiscal (artigo 163).
Assim, a assembleia geral não pode: (i) delegar suas atribuições
legais a nenhum outro órgão da companhia, salvo nas hipóteses ad-
mitidas na própria Lei das S.A.; (ii) praticar atos que constituam com-
petência privativa dos demais órgãos sociais; e (iii) restringir a
competência legalmente atribuída aos órgãos administrativos da com-
panhia, podendo ser anulada qualquer deliberação assemblear que ve-
nha a limitar, sob qualquer forma, o exercício das competências legais
do conselho de administração, da diretoria ou do conselho fiscal.
A distribuição e separação de competências pelos diversos ór-
gãos da companhia visa a assegurar o seu normal funcionamento e a

Sobre o estatuto social, ver os comentários ao art. 83 da Lei das S A


tornar exeqüível o controle da legalidade dos seus atos. O direito so-
cietário absorveu o princípio da indelegabilidade de poderes do di-
reito constitucional, com o objetivo justamente de implementar, no
âmbito das sociedades anônimas, os pesos e contrapesos que per-
mitem instituir o controle da legitimidade do exercício de compe-
tência de seus órgãos. Esse princípio impede que um órgão assuma
as competências e atribuições de outro.
A definição do órgão competente para deliberar a respeito de
determinada matéria não depende da circunstância de ela se referir
ou não a direitos de cunho essencial, mas sim da divisão de compe-
tências estabelecida, em primeiro lugar, na Lei das S.A., a partir do
disposto nos artigos 122 e 142, e, em sede residual, no estatuto social
da companhia, que pode, conforme referido, ampliar o rol de delibe-
rações de competência privativa de determinado órgão societário, desde
que não viole preceitos legais pertinentes. Existem deliberações, por
exemplo, relacionadas a direitos essenciais, que são da competência
da assembleia geral, ao passo que outras matérias, que igualmente
envolvem direitos essenciais, competem ao conselho de administra-
ção. Nesse sentido, a Lei das S.A. confere ao conselho poderes para
deliberar sobre a distribuição de dividendos intermediários aos acio-
nistas (artigo 204) e sobre a emissão de ações em aumento de capital
(artigo 168, § 1°, alínea "b").
Outra limitação ao poder da assembleia geral decorre da regra
segundo a qual nem a assembleia nem o estatuto social podem privar
os acionistas de determinados direitos classificados como essenciais
pela Lei das S.A. (artigo 109).
A assembleia geral é, portanto, competente para deliberar so-
bre qualquer matéria de interesse da sociedade, com exceção da-
quelas que a Lei das S.A. expressamente atribuiu aos outros órgãos
sociais e daquelas que implicam violação aos direitos essenciais
dos acionistas. Os poderes da assembleia geral não são ilimitados;
suas decisões devem estar diretamente relacionadas ao objeto da
companhia e seu desenvolvimento 22 .
Constitui a assembleia o meio mais adequado para aferir-se a von-
tade da maioria dos acionistas que deve, por definição, predominar. Os
administradores têm o dever legal de lealdade à companhia (artigo 155)
e, portanto, devem obediência às normas estatutárias e às diretrizes
emanadas da assembleia geral, que exprimem a vontade social. Assim,
as deliberações da assembleia geral devem ser obedecidas e implemen-
tadas pelos administradores, sob pena de virem a ser responsabilizados.
A assembleia geral deverá ser precedida de convocação median-
te anúncio publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, contendo, além do
local, data e hora de sua realização, a ordem do dia e, no caso de reforma
do estatuto, a indicação da matéria23. A primeira convocação deverá ser
feita, na companhia fechada, com 8 (oito) dias de antecedência, no
mínimo, contados do prazo da publicação do primeiro anúncio; não se
realizando a assembleia, será publicado novo anúncio, de segunda con-
vocação, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias. Na companhia
aberta, o prazo de antecedência da primeira convocação será de 15 (quin-
ze) dias e o da segunda convocação de 8 (oito) dias. Será considerada
regular a assembleia, independentemente de convocação, se compare-
cerem todos os acionistas (artigo 1 2 4 , § § 1 ° e 4 ° ) 2 4 - 2 5 ( P -

22 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 J edição,


São Paulo: Saraiva, 2008, p. 612.
23 Sobre a ordem do dia, ver os comenlários aos arts. 124 e 135 da Lei das S.A.
24 Sobre a assembleia geral, consta do item 12.2 do "Formulário de Referência" (documento
que substitui o antigo "Formulário de Informações Anuais" - IAN e que passou a desempe-
nhar papel de um prospecto permanente, reunindo informações relativas à companhia de
capital aberto, tais como: atividades, fatores de risco, administração, estrutura de capital,
dados financeiros, comentários dos administradores sobre tais dados, valores mobiliários
emitidos, operações com partes relacionadas, etc.), aprovado pela Instrução CVM n° 480/
2009, que a companhia deve descrever as regras, políticas e práticas relativas às assembleias
gerais, indicando: (i) prazos de convocação; (ii) competências; (iii) endereços (físico ou
eletrônico) nos quais os documentos relativos à assembleia geral estarão à disposição dos
acionistas para análise; (iv) identificação e administração de conflitos de interesses; (v)
solicitação de procurações pela administração para o exercício do direito de voto; (vi)
formalidades necessárias para aceitação de instrumentos de procuração outorgados por
acionistas, indicando se a companhia admite procurações outorgadas por acionistas por
meio eletrônico; (vii) manutenção de fóruns e páginas na rede mundial de computadores
As pessoas presentes à assembleia deverão provar a sua qualidade
de acionistas podendo ser representadas por procurador constituído há
menos de 1 (um) ano, que seja acionista, administrador da companhia
ou advogado; na companhia aberta, o procurador pode, ainda, ser insti-
tuição financeira (artigo 126). Devem ser observadas as regras da Co-
missão de Valores Mobiliários sobre os pedidos públicos de procuração26.
As assembleias gerais podem, a princípio, se realizar de diver-
sas formas: (i) em local designado no edital de convocação e com a
presença física dos acionistas participantes; (ii) virtualmente, sem a
presença física dos acionistas participantes; ou (iii) em local desig-
nado no edital de convocação, contando com a presença física de
alguns participantes e com a possibilidade de participação à distân-
cia por parte de outros acionistas, por meio de telões, tele ou video-
conferência, televisão a cabo ou internet, por exemplo27.
No Reino Unido, na Alemanha e nos Estados Unidos foram edita-
das leis que permitem a realização de assembleias gerais mediante meios
eletrônicos, tornando inteiramente desnecessária a presença física dos

destinados a receber e compartilhar comentários dos acionistas sobre as pautas das


assembleias; (viii) transmissão ao vivo do vídeo e/ou do áudio das assembleias; e (ix)
mecanismos destinados a permitir a inclusão, na ordem do dia, de propostas formuladas
por acionistas.
25 A CVM, por meio da Instrução CVM n° 481/2009, que entrou em vigor em 01.01.2010,
instituiu uma nova disciplina aos assuntos relacionados às assembleias gerais e especiais de
acionistas de companhias abertas, tratando de matérias relacionadas às informações que devem
acompanhar os anúncios de convocação e às informações e documentos relativos às matérias
a serem deliberadas. Sobre esse assunto, ver o Ofício-Circular/CVM/SHP/n° 004/2011.
26 Instrução CVM n° 481/2009. Sobre esse assunto, ver os comentários ao arl. 126 da Lei das S.A.
27 Sobre esse assunto, RENATO VENTURA RIBEIRO, "Aplicação de Novas Tecnologias nas
Assembleias Gerais de Sociedades Anônimas". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro
Santos de Aragão (Coord.). Direito Societário - Desafios Atuais. São Raulo: Quartier Latin,
2009, p. 289-291, observa que: "Apesar de possível a realização de assembleias gerais por
vídeo ou teleconferência, ainda que apenas materialmente e não juridicamente no Brasil',
pode haver oposição dos grandes acionistas e administradores das companhias, hoje os
grandes beneficiados pelo absenteísmo. Além disto, por ora, não só é bastante duvidosa a
eficácia da assembleia por vídeo ou teleconferência como meio de redução do absenteísmo,
como também há suspeitas de que pode contribuir para agravá-lo. Ou, mesmo havendo
maior participação, transformar as assembleias gerais em atos puramente formais, desta feita
sem presença física, como procedimento legal de aprovação de decisões tomadas em
outras instâncias, sem maiores preocupações dos acionistas com participaçao e gestão
social." Sobre o local de realização das assembleias gerais, ver, também, os comentários ao
art. 124 da Lei das S.A.
acionistas. Nos 2 (dois) últimos países, ademais, tem sido criados chat
sides, usualmente denominados shareholdersforums para facilitar a troca
de idéias entre os acionistas28.
No Brasil, admite-se, com a entrada em vigor, em 27.06.2011,
da Lei n° 12.431, a realização de assembleias gerais com a presença
física de alguns acionistas e/ou de seus procuradores e/ou mediante
a participação à distância, com o emprego de recursos digitais, nos
termos do parágrafo único deste artigo29.
A Comissão de Valores Mobiliários, antes da publicação da Lei
n° 12.431/2011, já havia se manifestado no sentido de que é possível
o uso de alguns recursos digitais em assembleias gerais, tais como (i)
a transmissão por vídeo, áudio e internet; e (ii) a manutenção de blog
ou fórum que podem ser mantidos abertos durante a assembleia a fim
de que os acionistas ausentes possam se manifestar30-31-32.

28 ANDREAS CAHN and DAVID C. DONALD. Comparative Company Law - Text and Cases
on the Laws Governing Corporations in Germany, the UK and the USA. Cambridge:
Cambridge University Press, 2010, p. 547.
29 Até novembro de 2011, a C V M não havia emitido ato normativo regulamentando o
parágrafo único do art. 121 da Lei das S.A.
30 O Colegiado da CVM, no Processo Administrativo CVM n° RJ 2008/1794 Rei. Dir. Sérgio
Weguelin, em reunião realizada em 24.06.2008 ("Consulta sobre Possibilidade de Utiliza-
ção de Procurações de Voto em Forma Digital nas Assembleias Gerais"), assim se manifes-
tou: "(...) não há impedimento à manutenção de bíogs ou fóruns nos quais os acionistas
possam se manifestar. Tampouco há impedimentos a que estes ambientes permaneçam
abertos durante as assembleias ou que seu acesso seja restrito a acionistas. A companhia
deve, no entanto, avaliar a conveniência de manter tais serviços e a sua capacidade de
gerenciá-los de modo adequado, para evitar, por exemplo, que informações sejam divulgadas
de modo inapropriado ou sirvam de instrumento para a manipulação dos acionistas por
terceiros de má-fé. Uma opção para exercer este controle é deixar claro que o conteúdo ali
disponibilizado é de responsabilidade de seus usuários, não da companhia. Na hipótese
de a companhia vir a se manifestar nestes fóruns ou blogs, deverá manter a simetria entre as
informações então prestadas e as já divulgadas em seus meios tradicionais de comunicação
com o mercado. (...) Também é importante que a companhia esclareça aos acionistas que
sua participação no fórum ou 'blog' não se confunde com seu voto na assembleia por meio
presencial ou por procurador."
31 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, em julho de 2010, editou o
"Caderno de Boas Práticas para Assembleias de Acionistas", com o objetivo de atrair um
maior número de acionistas para as assembleias e criar um documento de referência, com
orientações sobre os procedimentos que devem ser adotados previamente e após a realização
de assembleias gerais, tais como: convocação, instalação, disponibilização de informações,
deveres e responsabilidades dos acionistas, deliberação, registro e publicação de atas, etc.
32 Sobre as assembleias virtuais, ver os comentários ao art. 126 da Lei das S.A.
É indispensável um quorum mínimo para a instalação da assembleia
geral que, de acordo com o artigo 125, em primeira convocação, deverá
contar com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4
(um quarto) do capital social com direito a voto; caso a assembleia tenha
por objeto deliberar sobre a reforma do estatuto social, o quorum,, em pri-
meira convocação, será de 2/3 (dois terços) dos acionistas com direito a
voto (artigo 135). A adoção dos pedidos públicos de procuração, confor-
me acima analisado, visa a tornar mais fácil o atendimento do respectivo
quorum de instalação nas companhias com controle pulverizado33.
A participação na assembleia geral não é facultada apenas aos acio-
nistas titulares de ações com direito a voto; os titulares de ações sem direi-
to a voto ou com voto restrito podem comparecer ao conclave e discutir as
matérias postas em deliberação34. E possível também a presença no con-
clave de outras pessoas que sejam necessárias à realização da assembleia,
tais como: funcionários da companhia e prestadores de serviços.
No que se refere ao quorum para aprovação das deliberações -
que deve ser observado para que cada matéria objeto da ordem do dia
possa ser aprovada - , que não se confunde com o quorum de instala-
ção, a Lei das S.A. consagra o princípio majoritário em relação a prati-
camente todos os assuntos sociais (artigo 129). Em regra, as deliberações
são tomadas por maioria de votos válidos, ou seja, maioria dos votos dos
acionistas presentes ao conclave. Excepcionalmente, nos casos expres-
samente previstos na própria Lei das S.A. ou no estatuto social de com-
panhia fechada, determinadas operações podem subordinar-se à
aprovação por quorum qualificado35.

33 Ver os comentários ao art. 126 da Lei das S.A.


34 FÁBIO APPENDINO, "O Instituto do Direito de Voto em um Contexto de Dispersão
Acionária". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luiz André N. de Moura Azevedo (Coord.).
Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais. Sao fòulo.
Quartier Latin, 2010, p. 449, observa que: "O direito de voz é contendo a todos os
acionistas e consubstancia-se na faculdade de arguir• discutir e comentar as matérias postas
em deliberação. O direito de voz não se confunde com o direito de voto.
35
Ver os comentários ao art. 129 da Lei das S.A.
Não se confundem os vícios da assembleia com os vícios de suas
deliberações. Os descumprimentos de normas relativas à instalação,
convocação e ao funcionamento da assembleia configuram vícios da
assembleia e afetam todas as deliberações nela contidas. Os vícios de
deliberações decorrem delas próprias, que podem ter sido tomadas com
violação da lei ou do estatuto, o que as tornariam anuláveis36. A Lei das
S A . estabelece que prescreve em 2 (dois) anos, contados da delibera-
ção, a ação para anular as deliberações tomadas em assembleia geral
irregularmente convocada ou instalada, violadora da lei ou do estatuto,
ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação (artigo 286).
A assembleia geral pode ser ordinária ou extraordinária, tendo em
vista a natureza das matérias objeto de deliberação, pois a classificação
é ratione materiae. A assembleia geral ordinária realiza-se 1 (uma) vez
por ano, a princípio, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao térmi-
no do exercício social para (i) tomar as contas dos administradores,
examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras; (ii) deliberar
sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de divi-
dendos; e (iii) eleger os administradores e membros do conselho fiscal,
quando for o caso (artigo 132). A assembleia geral extraordinária é com-
petente para deliberar sobre os demais casos (artigo 131), tais como:
autorização para aplicação de lucros ou reservas no resgate ou na amor-
tização de ações (artigo 44); a reforma do estatuto social (artigo 135); as
hipóteses elencadas no artigo 136; a emissão de valores mobiliários; o
aumento e a redução de capital (artigos 166 e 173); a incorporação,
fusão, cisão (artigos 227 a 229); a compra, por companhia aberta, do
controle de qualquer sociedade mercantil (artigo 256); bem como qual-
quer outra matéria objeto da ordem do dia e constante do edital de
convocação. As assembleias gerais ordinária e extraordinária podem
ser cumulativamente convocadas e realizadas no mesmo local, data e
hora e lavradas em ata única (artigo 131, parágrafo único).

36 Ver os comentários aos arts. 285 e 286 da Lei das S.A.


A Lei das S.A. regula, também, as assembleias especiais, que se
destinam a acionistas titulares de uma determinada classe ou espécie
de ação ou a terceiros detentores de títulos de emissão da companhia
- debêntures e partes beneficiárias - quando tiverem que deliberar
sobre assuntos de seu interesse, a saber: (i) assembleia especial de
acionistas titulares de ações em circulação no mercado (artigo 4°-A);
(ii) assembleia especial de acionistas titulares de ações de classe atin-
gida por resgate (artigo 44, § 6o); (iii) assembleia especial dos titulares
de partes beneficiárias (artigos 51 e 57, § 2 o ); (iv) assembleia especial
de debenturistas (artigos 71 e 174, § 3 o ); e (v) assembleia especial de
preferencialistas (artigos 18 e 136, §§ I o e 4 o ).

Competência privativa
"Art. 122. Compete privativamente à assembleia geral: (Reda-
ção dada pela Lei n° 10.303/2001)

I -reformar o estatuto social; (Redação dada pela Lei n° 10.303/


2001)

II - eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e


fiscais da companhia, ressalvado o disposto no inciso II do artigo
142; (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

III - tomar, anualmente, as contas dos administradores e delibe-


rar sobre as demonstrações financeiras por eles apresentadas;
(Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

I V - autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto nos


§§ I o , 2°e4° do art. 59; (Redação dada pela Lei n° 12.431/2011)

V - suspender o exercício dos direitos do acionista (artigo 120);


(Redação dada pela Lei n» 10.303/2001)
VI - deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista con-
correr para a formação do capital social; (Redação dada pela Lei
n° 10.303/2001)

VII - autorizar a emissão de partes beneficiárias; (Redação dada


pela Lei n° 10.303/2001)

VIII - deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e ci-


são da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir
liquidantes e julgar-lhes as contas; e (Redação dada pela Lei n°
10.303/2001)

IX - autorizar os administradores a confessar falência e pedir con-


cordata. (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

Parágrafo único. E m caso de urgência, a confissão de falência ou


o pedido de concordata poderá ser formulado pelos administra-
dores, com a concordância do acionista controlador, se houver,
convocando-se imediatamente a assembleia geral, para manifes-
tar-se sobre a matéria." (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

A estrutura da companhia é hierarquizada e a assembleia geral


constitui o seu órgão supremo; delibera sobre as questões mais im-
portantes, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao
objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à
sua defesa e desenvolvimento (artigo 121).
A assembleia geral não pode: (i) delegar suas atribuições legais a
qualquer outro órgão da companhia, salvo nas hipóteses admitidas na
própria Lei das S.A.; (ii) praticar atos que constituam competência
exclusiva dos demais órgãos sociais; e (iii) restringir a competência
legalmente atribuída aos órgãos administrativos da companhia, sen-
do inválida qualquer deliberação assemblear que venha a limitar, sob
qualquer forma, o exercício das competências legais do conselho de
administração, da diretoria ou do conselho fiscal37.
Não se pode atribuir à assembleia geral matérias que a Lei
das S.A. reservou privativamente aos demais órgãos societários
(artigo 139), quais sejam, o conselho de administração (artigo 142),
a diretoria (artigo 144) e o conselho fiscal (artigo 163).
A distribuição e separação de competências pelos diversos ór-
gãos da companhia visa a assegurar o seu normal funcionamento e a
tornar exeqüível o controle da legalidade dos seus atos38. O direito
societário absorveu o princípio da indelegabilidade de poderes do di-
reito constitucional, com o objetivo de instituir, no âmbito das socie-
dades anônimas, o controle da legitimidade do exercício de
competência de seus órgãos. Esse princípio impede que um órgão
assuma as competências e atribuições de outro.
A definição do órgão competente para deliberar a respeito de
determinada matéria não depende da circunstância de ela se referir
ou não a direitos essenciais, mas sim da divisão de competências es-
tabelecida, em primeiro lugar, na Lei das S.A., e, em sede residual, no
estatuto social da companhia, que pode ampliar o rol de deliberações
de competência privativa de determinado órgão societário, desde que
não viole preceitos legais pertinentes. Existem deliberações, por exem-
plo, relacionadas a direitos essenciais que são da competência da as-
sembleia geral, ao passo que outras matérias, que igualmente envolvem
direitos essenciais, competem ao conselho de administração. A Lei
das S.A. permite que o estatuto delegue poderes a outros órgãos de
administração para deliberar sobre a distribuição de dividendos inter-
mediários aos acionistas (artigo 204) e sobre a emissão de ações em
aumento de capital (artigo 168, § 1°, alínea "b").

37 Ver comentários ao art. 121 da Lei das S.A.


38 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4\ edição,
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 620.
A Lei das S .A. especificou expressamente neste artigo as princi-
pais atribuições da assembleia geral, estabelecendo um elenco de
matérias cuja competência para deliberação é privativa de tal órgão;
tratando-se de norma de ordem pública, é ilegal qualquer dispositivo
do estatuto social que disponha em sentido contrário.
Assim, compete privativamente à assembleia geral:
(i) reformar o estatuto social - Além de ser da competência privativa
da assembleia as deliberações relativas à reforma do estatuto social, as suas
eventuais omissões também são, em regra, por ela supridas, salvo disposi-
ção estatutária em sentido contrário. A melhor interpretação da vontade
dos acionistas sobre o alcance das normas fixadas no estatuto social é a
que se baseia em manifestação deles próprios reunidos em assembleia
gerai A assembleia que tem competência para deliberar sobre a reforma
do estatuto é a extraordinária, que somente se instalará em primeira con-
vocação com a presença de acionistas que representem 2/3 (dois terços),
no mínimo, do capital com direito a voto (artigo 135). Sempre que a as-
sembleia for convocada para reformar o estatuto, a companhia aberta deve
fornecer, no mínimo, os seguintes documentos e informações: (a) cópia
do estatuto social contendo, em destaque, as alterações propostas; e (b)
relatório detalhando a origem e justificativa das alterações propostas e
analisando os seus efeitos jurídicos e econômicos39;
(ii) eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e
fiscais da companhia, ressalvada a hipótese em que a companhia pos-
sui conselho de administração, cujos membros são eleitos pela as-
sembleia geral e ao qual caberá a eleição e destituição da diretoria. O
conselho fiscal somente será eleito mediante solicitação de acionis-
tas ou no caso de companhias cujos estatutos prevejam o seu funcio-
namento de modo permanente (artigo 161). Os administradores,
apesar de serem eleitos por tempo determinado, podem ser substituí-
dos a qualquer tempo pela assembleia geral (artigos 140 e 143). A

39 Art. 11 da Instrução CVM n° 481/2009.


competência para a eleição e destituição dos administradores é, em regra,
da assembleia geral ordinária, mas nada impede que a assembleia geral
extraordinária delibere, quando necessário, sobre essa matéria. A Comis-
são de Valores Mobiliários editou norma no sentido de que sempre que a
assembleia for convocada para eleger os administradores ou membros do
conselho fiscal, a companhia aberta deverá fornecer informações deta-
lhadas sobre os candidatos apoiados ou indicados pela administração ou
pelos acionistas controladores40;
(iii) tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar so-
bre as demonstrações financeiras por eles apresentadas, matéria da com-
petência exclusiva da assembleia geral ordinária (artigo 132, inciso I);
(iv) autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto nos
§§ 1°, 2° e 4° do artigo 59. A Lei n 10.303/2001 alterou a redação do §
1° do artigo 59, outorgando competência originária e concorrente ao
conselho de administração para deliberar sobre a emissão de debêntu-
res simples, não conversíveis em ações e sem garantia real, retirando da
assembleia geral a competência privativa para sua emissão. Por essa
razão, o inciso IV, também alterado pela mesma lei, passou a ressalvar a
competência do conselho de administração de companhias abertas para

40 A Instrução CVM n° 481/2009, no art. 10 exige as seguintes informações: (a) nome, idade,
profissão, número no cadastro de pessoas físicas ou do passaporte, cargo eletivo ocupado,
outros cargos ou funções exercidos na companhia; (b) currículo com indicação das principais
experiências profissionais durante os últimos 5 (cinco) anos com o nome da empresa, a sua
atividade principal, cargo e funções ocupados; (c) todos os cargos de administração já ocupa-
dos em companhia abertas; (d) eventual condenação criminal, em processo administrativo da
Comissão de Valores Mobiliários e as penas aplicadas e qualquer condenação transitada em
julgado, na esfera judicial ou administrativa, que o tenha suspendido ou inabilitado para a
prática de uma atividade profissional ou comercial qualquer; (e) existência de relação conjugai,
união estável ou parentesco até o segundo grau entre os administradores da companhia,
administradores de controladas, diretas ou indiretas e com controladores diretos ou indiretos
da companhia; e (f) relações de subordinação, prestação de seiviço ou controle mantidas nos
3 (três) últimos exercícios sociais entre administrador da companhia e sociedade por ela
controlada direta ou indiretamente, com o controlador direto ou indireto e, caso seja relevante,
com fornecedor, cliente, devedor ou credor da companhia, de sua controlada ou controladoras
ou controladas de alguma dessas pessoas. Os arts. 11 a 20 da referida Instrução tratam da
obrigatoriedade da prévia prestação de informações, especificando-as, sempre que a assembleia
geral for convocada para deliberar sobre a remuneração dos adminis!xadores, aprovar P de
remuneração com base em ações, aumento ou redução de capital, em.ssao de debêntures ou
bônus de subscrição, criação de ações preferenciais ou alteração nas T ^ *
ou condições de rebate ou amortização, redução de dividendo obnga.ono, aquis.çao de
controle de outra sociedade, direito de recesso e escolha de avaliadores.
os casos previstos no § 1° do artigo 59. Ocorre que a Lei n° 12.431/
2011 deu nova redação aos §§ 1°, 2° e 4° daquele artigo, para conferir ao
conselho de administração competência para deliberar sobre a emissão
de debêntures de qualquer espécie, aí incluídas as debêntures conversí-
veis, às quais se aplicarão as regras do capital autorizado.
A competência é sempre privativa da assembleia geral para delibe-
rar sobre a matéria objeto deste artigo no caso das companhias fecha-
das; já nas companhias abertas, a competência apenas será privativa
desse órgão caso não conste do estatuto social autorização para o con-
selho de administração sobre ela deliberar. Assim, nas companhias aber-
tas o conselho de administração pode ter competência para deliberar
sobre a emissão de debêntures de qualquer espécie. Até a entrada em
vigor da Lei n° 12.431/2011, a competência outorgada ao conselho de
administração restringia-se à deliberação sobre a emissão de debêntu-
res simples, não conversíveis em ação e sem garantia real.
A assembleia geral ou o conselho de administração, conforme o
caso ao deliberar a emissão de debêntures, deverá observar as regras
constantes do estatuto social e definir (i) o valor da emissão, os crité-
rios de determinação do seu limite e se a emissão será em série única
ou em várias séries; (ii) o número e o valor nominal das debêntures;
(iii) as garantias, reais ou a garantia flutuante, se houver; (iv) as condi-
ções de correção monetária, se for o caso41; e (v) as condições de con-
versibilidade, se as debêntures forem conversíveis em ação42.

41 A Lei n° 12.431/2011 tratou da correção monetária das debêntures nos seguintes termos:
"Art 8°. As debêntures e as letras financeiras podem sofrer correção monetária em periodici-
dade igual àquela estipulada para o pagamento periódico de juros, ainda que em periodici-
dade inferior a 7 (um) ano."
42 De acordo com o art. 15 da Instrução CVM n° 481/2009, sempre que a assembleia geral for
convocada para deliberar sobre a emissão de debêntures deve fornecer, no mínimo, as
seguintes informações: (i) o valor máximo da emissão; (ii) se a emissão será dividida em
séries; (iii) o número e o valor nominal das debêntures de cada série; (iv) a destinação dos
recursos; (v) as razões da emissão e suas conseqüências; (vi) a remuneração das debêntures;
(vii) a espécie das debêntures a serem emitidas e as garantias, se houver; (viii) o prazo e as
condições de vencimento, amortização e resgate, inclusive as hipóteses de vencimento
antecipado, se houver; (ix) se a subscrição será pública ou particular; (x) as matérias cuja
definição será delegada ao conselho de administração; (xi) o agente fiduciário; (xii)_a
classificação de risco, se houver; (xiii) o mercado secundário-em que as debêntures sao
As deliberações relativas à época e às condições de vencimento,
amortização ou resgate das debêntures; à época e as condições do paga-
mento dos juros, da participação nos lucros e do prêmio de reembolso, se
houver, bem como o modo de subscrição ou colocação, e o tipo das de-
bêntures, podem, nas companhias abertas, ser tomadas pela própria as-
sembleia geral ou delegadas ao conselho de administração, que poderá
também, nos termos do § 4° do artigo 59, deliberar sobre a oportunidade
da emissão. Quando isso ocorre, a assembleia geral aprova a emissão, em
tese, fixando as características básicas das debêntures, que estão elenca-
das nos incisos I a V do artigo 59, cabendo ao conselho de administração
decidir qual o momento mais adequado para proceder à efetiva emissão e
colocação das debêntures, tendo em vista as condições do mercado. A
delegação ao conselho de administração, na companhia aberta, da deli-
beração sobre o momento mais oportuno para proceder à efetiva criação
e colocação dos papéis constitui praxe bastante comum, flexibilizando o
processo decisório e permitindo à companhia escolher, com maior rapi-
dez, qual o timing mais adequado para o sucesso da operação.
(v) suspender o exercício dos direitos de acionista - A Lei das
S.A. prevê uma sanção, na esfera interna da companhia, quando ocor-
rer infração a disposição legal ou estatutária (artigo 120). No entanto,
o acionista não pode ficar à espera, indefinidamente, que a assem-
bleia decida aplicar-lhe a penalidade de suspensão de direitos. No
silêncio do estatuto, deve a deliberação ser adotada na primeira as-
sembleia geral extraordinária realizada após a constatação do ato pra-
ticado em violação da lei ou do estatuto, sob pena de precluir a
possibilidade de ser aplicada a sanção. A suspensão somente pode ser

negociadas, se for o caso; (xiv) se as debêntures forem conversíveis: (a) o valor da conversão
e os aspectos econômicos que determinaram a fixação da relação de conversão e a opinião
dos administradores sobre os efeitos do aumento de capital, sobretudo no que se refere à
diluição provocada pelo aumento; (b) laudos e estudos que subsidiaram a fixação da
relação de conversão; (c) os termos e condições a que ela está sujeita; (d) os direitos
vantagens e restrições das ações resultantes da conversão; (e) se os acionistas terão direito
de preferência para subscrever as debêntures, detalhando os termos e condições a que esse
direito está sujeito; e (0 o percentual de diluição potencial resultante da emissão.
deliberada em assembleia geral extraordinária, constando a matéria
da ordem do dia, com a indicação do nome do acionista acusado, para
que ele possa comparecer e exercer o direito de defesa, após o qual os
acionistas decidirão sobre a aplicação da suspensão de direitos43;
(vi) deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista con-
correr para a formação do capital social - A competência privativa da
assembleia geral para deliberar sobre a avaliação de bens (artigo 8°)
ocorre exclusivamente na hipótese de aumento de capital, pois na cons-
tituição da companhia não há assembleia geral de acionistas, mas as-
sembleia de subscritores. A função primordial da avaliação de bens com
que os acionistas concorrem na integralização dos aumentos de capital
(artigo 170), assim como nos casos de incorporação e fusão de compa-
nhias (artigos 227 e 228), é a de assegurar a realidade e efetividade do
capital social44. Aqueles que subscreveram o aumento do capital em
bens estarão impedidos de votar na nomeação dos peritos e na aprova-
ção do laudo que tratar da sua avaliação, nos termos do § 1° do artigo
115. Apresentado o laudo pelos peritos, será convocada uma nova as-
sembleia geral para deliberar sobre a sua aprovação ou rejeição, ocasião
em que os peritos estarão presentes para prestar os esclarecimentos que
lhes forem solicitados. No entanto, na prática, é realizada uma única
assembleia geral, na qual é deliberada a ratificação da nomeação dos
peritos - que já haviam sido previamente contratados pelos adminis-
tradores - e a aprovação ou rejeição do laudo por eles apresentado45;
(vii) autorizar a emissão de partes beneficiárias - As partes bene-
ficiárias estão em desuso, tendo em vista que a sua existência reduz o
valor das companhias no mercado, sem qualquer contrapartida finan-

43 Ver os comentários ao art. 120 da Lei das S.A.


44 Sobre a deliberação de avaliação de bens, CARLOS FULCÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO.
Sociedades por Ações. v. 3, São Raulo: Saraiva, 1973, p. 28, observa que: "A assembleia
geral só se manifesta sobre o laudo de avaliação dos bens com que o acionista concorre, não
para a formação do capital, mas para o seu aumento. Para a formação do capital, isto é, antes
da organização da sociedade, não há, ainda, como vimos, assembleia geral, mas sim assembleia
constituinte. A resolução, portanto, é tomada pela assembleia dos subscritores."
45 Ver os comentários ao art. 8° da Lei das S.A.
ceira quando atribuídas gratuitamente46. Ademais, é vedado às com-
panhias abertas emitir partes beneficiárias. A deliberação da assem-
bleia geral de companhia fechada de emissão de partes beneficiárias
deverá ser aprovada por acionistas que representem metade, no míni-
mo, das ações com direito a voto, salvo se o estatuto da sociedade
fechada exigir maior quorum (artigo 136, inciso VIII);
(viii) deliberar sobre transformação, fusão, e cisão da companhia,
sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes
as contas - A deliberação da assembleia geral de fusão da companhia,
sua incorporação em outra, cisão e dissolução também deverá ser apro-
vada por acionistas que representem metade, no mínimo, das ações
com direito a voto, salvo se o estatuto da sociedade fechada exigir
maior quorum (artigo 136, incisos IV, IX e X). Já a transformação
exige o consentimento unânime dos sócios ou acionistas presentes,
salvo se prevista no estatuto ou contrato social47;
(ix) autorizar os administradores a confessar falência e requerer
recuperação judicial48 - É também possível a confissão de falência e
pedido de recuperação judicial sem prévia deliberação da assembleia
geral para atender a situações de emergência incompatíveis com os
prazos e a publicidade requeridos para a realização da assembleia49. O
parágrafo único estabelece que, em caso de urgência, a confissão de
falência ou o pedido de recuperação judicial poderá ser formulado pelos
administradores, com a concordância do acionista controlador, se hou-
ver, convocando-se imediatamente a assembleia geral para manifestar-
-se sobre a matéria. Assim, existindo acionista controlador, é obrigatória
a sua prévia anuência e a assembleia geral, em regra, ratificará a inicia-
tiva. Quando a companhia não possuir acionista controlador e a as-

46 Ver os comentários aos arts. 46 e 47 da Lei das S.A.


47 Ver os comentários ao art. 221 da Lei das S.A.
48 A Lei das S.A. utiliza a expressão "pedir concordata", no entanto, esse instituto foi revoga-
do pela Lei n" 11.101/2005 ("Lei de Recuperação e Falência de Empresas"), que instituiu a
recuperação judicial.
Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
sembleia geral deliberar contrariamente à iniciativa dos administrado-
res, o seu efeito será retroativo à data em que os administradores formu-
laram o pedido de falência ou de recuperação judicial da companhia.
Além das matérias de competência exclusiva da assembleia geral aci-
ma elencadas, outros dispositivos da Lei das S.A. também relacionam
matérias sobre as quais somente a assembleia geral pode validamente deli-
berar, tais como: (i) autorização para aplicação de lucros ou reservas no
resgate ou na amortização de ações (artigo 44); (ii) ratificação ou reconsi-
deração da deliberação que deu origem ao direito de recesso, se os órgãos da
administração entenderem que o pagamento do preço do reembolso das
ações aos acionistas dissidentes colocará em risco a estabilidade financeira
da empresa (artigo 137, § 3°); (iii)fixaçãoda remuneração dos administra-
dores, inclusive os benefícios de qualquer natureza e verbas de representa-
ção (artigo 152); (iv) aprovação dapropositura de ação de responsabilidade
civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao patrimônio da com-
panhia (artigo 159); (v) remuneração dos membros do conselho fiscal (ar-
tigo 162, § 3°); (vi) redução de capital (artigos 107, § 4°, e 173); (vii) aplicação
do excesso do saldo das reservas de lucros, de incentivos fiscais e de lucros
a realizar, na integralização ou no aumento do capital social ou na distribui-
ção de dividendos quando ultrapassarem o capital social (artigo 199); (viii)
incorporação de ações (artigo 252); (ix) a compra, por companhia aberta,
do controle de qualquer sociedade mercantil (artigo 256); e (x) sanar vício
ou defeito na constituição da companhia (artigo 285).
Não obstante os vários atos privativos da assembleia geral previstos na
Lei das S A., o estatuto social, como lei interna da companhia, pode criar
outras hipóteses de deliberação exclusiva desse órgão, conforme o interesse
da companhia. O estatuto pode, de acordo com a conveniência dos acio-
nistas, definir as atribuições e poderes de cada órgão societário, desde que
não altere ou restrinja o elenco de competências legalmente estabelecidas.
Nada impede que os acionistas, no exercício de sua autonomia
privada, confiram à assembleia geral, ao conselho de administração, ou
mesmo à diretoria, competência para deliberar sobre determinada ma-
téria que não tenha sido atribuída pela Lei das S.A. a qualquer órgão
específico. Caso o estatuto social reserve a determinado órgão social a
competência sobre uma matéria específica, tal reserva de competência
deve ser observada, uma vez que as normas estatutárias devem ser per-
manentemente respeitadas por todos os acionistas50.
Em virtude do caráter cogente das regras estatutárias, o princípio
da indelegabilidade das atribuições, estabelecido no artigo 139, deve ser
aplicado não apenas às competências legalmente definidas, mas tam-
bém àquelas que tenham sido expressamente conferidas a determina-
do órgão societário pelo estatuto social. Assim, se o estatuto social delega
ao conselho de administração ou à diretoria competência para deliberar
sobre determinada matéria, não pode a assembleia geral avocar para si
tal competência, desrespeitando a regra estatutariamente estabelecida.
Para que a assembleia geral possa validamente deliberar sobre
matéria que o estatuto tenha atribuído a competência ao conselho de
administração ou à diretoria, os acionistas deverão, previamente, apro-
var a reforma do estatuto social, cumprindo todos os requisitos e for-
malidades necessários para tanto.

Competência para convocação


"Art. 123. Compete ao conselho de administração, se houver, ou
aos diretores, observado o disposto no estatuto, convocar a as-
sembleia geral.

Parágrafo único. A assembleia geral pode também ser convocada:

a) pelo conselho fiscal, nos casos previstos no número V, do


artigo 163;

b) por qualquer acionista, quando os administradores retarda-


rem, por mais de 60 (sessenta) dias, a convocação nos casos pre-
vistos em lei ou no estatuto;

Sobre o estatuto social, ver os comentários ao art. 83 da Lei das S.A.


c) por acionistas que representem 5% (cinco por cento), no mínimo,
do capital social, quando os administradores não atenderem, no pra-
zo de 8 (oito) dias, apedido de convocação que apresentarem, devida-
mente fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas;

d) por acionistas que representem 5% (cinco por cento), no míni-


mo, do capital votante, ou 5% (cinco por cento), no mínimo, dos
acionistas sem direito a voto, quando os administradores não aten-
derem, no prazo de 8 (oito) dias, a pedido de convocação de as-
sembleia para instalação do conselho fiscal."

Convocar constitui o ato de chamar para determinada reunião.


Na convocação devem constar o local, a data, a hora e a indicação das
matérias que serão tratadas, ou seja, a ordem do dia.
A assembleia geral precisa ser convocada para que seja valida-
mente instalada e possa deliberar regularmente. Sendo a assem-
bleia a reunião de acionistas, a sua convocação é obrigatória a fim
de que eles possam dela participar. Para que as deliberações da as-
sembleia geral sejam regulares e possam produzir efeitos jurídicos,
é indispensável a validade da convocação.
Determina a Lei das S.A. que a competência para convocação é do
conselho de administração e, na ausência desse órgão, dos diretores. As-
sim, quando a sociedade possui conselho de administração, compete-lhe
a convocação, nos termos do caput e do inciso IV do artigo 142. Nas
companhias que possuem apenas diretoria, aos diretores cabe esse dever.
A ausência de convocação da assembleia na data e na forma
prescrita na Lei das S.A. configura o descumprimento dos devores
dos administradores que devem (i) empregar, no exercício de suas fun-
ções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma
empregar na administração de seus próprios negócios (artigo 153); e
(ii) exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para
lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências
do bem público e da função social da empresa (artigo 154, caput). Os
administradores podem ser solidariamente responsáveis pelos prejuízos
causados pelo não cumprimento dos deveres impostos pela Lei das S.A.
para assegurar o funcionamento normal da companhia (artigo 158, § 2°).
O conselho de administração convoca a assembleia geral como
órgão colegiado; portanto, a convocação não pode ser feita por apenas
1 (um) de seus membros. Não obstante a regra da Lei das S.A., deverá
ser observado o disposto no estatuto social, o qual poderá, por exemplo,
atribuir a obrigação de convocação ao presidente do conselho. Já a dire-
toria não é órgão colegiado, portanto, a convocação da assembleia de-
verá ser efetuada pelo diretor ou diretores indicados no estatuto51-52; na
sua omissão, a competência é do diretor presidente, mas poderá ser
feita por qualquer diretor, uma vez que a Lei das S.A. expressamente
determina que, no silêncio do estatuto, compete a qualquer diretor a
representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu
regular funcionamento (artigo 144, capuí).
A convocação deve ser efetuada mediante anúncio publicado,
por 3 (três) vezes, no mínimo, em órgão oficial e em outro jornal de
grande circulação, contendo o local, a data e a hora da assembleia, a
ordem do dia, e, no caso de reforma do estatuto, a indicação da maté-
ria (artigo 124 c/c artigo 289). No entanto, independentemente do
cumprimento das formalidades legais, é considerada regular a assem-
bleia geral a que comparecerem todos os acionistas (artigo 124, § 4°).
A companhia fechada que tiver menos de 20 (vinte) acionistas, com

51 Ver os comentários ao art. 143, inciso IV, da Lei das S.A.


52 Sobre esse assunto, JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "Convocação de Assembleia
Geral por Acionista", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 42, abril-junho, 1981, p. 153, observa que: "(...)
estabelecendo o estatuto o diretor ou diretores competentes para a convocação, a assembleia
geral, qualquer que seja, somente será validamente convocada se o for por quem o estatuto
para tanto designar, uma vez que, nos termos do art. 721, é da essência do ato a regulari-
dade formal da convocação, aferida por referência às disposições estatutárias pertinentes.
Ressalte-se que a irregularidade da convocação é causa de anulação das deliberações
tomadas em assembleia geral (art. 286)."
patrimônio líquido inferior a R$ 1 milhão, poderá convocar a as-
sembleia geral por anúncio entregue a todos os acionistas com a
antecedência prevista no artigo 124 (artigo 294, inciso I).
Tendo em vista a importância da assembleia geral para o funcio-
namento regular da companhia e o desenvolvimento de seus negóci-
os, na omissão do conselho de administração ou da diretoria, conforme
o caso, a Lei das S.A. conferiu ao conselho fiscal e aos acionistas a
competência para convocá-la.
O conselho fiscal tem o dever legal, sob pena dos seus membros
responderem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de
seus deveres (artigo 165), de convocar (i) a assembleia geral ordinária na
hipótese de os órgãos de administração retardarem por mais de 1 (um)
mês a convocação; e (ii) a assembleia geral extraordinária, sempre que
ocorrerem motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das assem-
bléias as matérias que considerar necessárias (artigo 163, inciso V).
O conselho fiscal tem como principais funções a fiscalização e
controle da legalidade dos atos dos administradores, informação aos
acionistas e revisão das contas. A fiscalização e o controle exercidos
pelo conselho fiscal e seus membros alcançam os atos de administra-
ção praticados pelos diretores e pelo conselho de administração. Tais
atos podem ser agrupados em 2 (duas) funções da atividade adminis-
trativa: a organização societária e a organização empresarial. A pri-
meira compreende os atos de convocação e realização de assembleias
gerais, reuniões do conselho de administração e da diretoria, arquiva-
mento e publicação de atas, etc. A segunda diz respeito à gestão do
patrimônio: utilização da empresa para a consecução do objeto social,
verificação de quem é competente para a prática de atos de gestão
ordinária, de alienação e oneração de bens da companhia, etc.
Por essa razão, tem o conselho fiscal competência para convocar
assembleia geral ordinária, ocasião em que serão, entre outras matérias,
tomadas as contas dos administradores, examinadas, discutidas e vota-
das as demonstrações financeiras (artigo 132, inciso I), e a extraordiná-
ria, caso tome conhecimento de motivos graves ou urgentes que de-
mandem a deliberação dos acionistas.
Tratando-se de assembleia prevista na Lei das S.A. ou no estatuto
social, qualquer acionista poderá convocá-la quando os administradores
retardarem, por mais de 60 (sessenta) dias, a sua convocação, indepen-
dentemente de sua participação no capital, e de ser titular de ação com ou
sem direito de voto, ou com voto restrito53. Ao acionista a Lei das S.A
confere a faculdade e não o dever de convocar a assembleia geral.
Assim, no caso de assembleia geral ordinária, se os administrado-
res retardarem a sua convocação por mais de 30 (trinta) dias, a compe-
tência para tal ato será do conselho fiscal, estando os acionistas
legitimados somente após decorridos 60 (sessenta) dias e na hipótese
daquele órgão não tê-la providenciado. No caso de assembleia geral
extraordinária, cuja convocação não esteja expressamente prevista no
estatuto, não há preferência do conselho fiscal para a sua convocação,
pois a Lei das S.A determina na alínea "b" que qualquer acionista pode
convocar a assembleia quando os administradores a retardarem por mais
de 60 (sessenta) dias nos casos previstos em lei ou no estatuto.
Os acionistas que representem pelo menos 5% (cinco por cento)
do capital social poderão, ainda, convocar a assembleia geral, quando,
após pedido expressamente formulado aos administradores da com-
panhia, não forem atendidos. No entanto, somente poderão convo-
cá-la caso os administradores, no prazo de 8 (oito) dias, não atendam
ao pedido de convocação que apresentarem, devidamente fundamen-
tado e com a indicação das matérias a serem tratadas (alínea "c")-
Nas 3 (três) hipóteses em que a Lei das S.A. faculta ao acionista
convocar a assembleia geral, ele só adquire legitimidade para tal quando

53 Sobre a convocação de assembleia geral ordinária feita por acionistas, WALDIRIO


BULGARELL1, "Deliberar Não Deliberar é Deliberar?". In: Questões de Direito Societário.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 83-93.
os órgãos de administração que têm competência originária para a
convocação não a fazem na época devida ou quando não atendem ao
pedido formulado pelo acionista54.
No caso da alínea "c" do parágrafo único, para que os acionistas
possam efetuar pedido de convocação de assembleia (i) deverão repre-
sentar 5% (cinco por cento), no mínimo, do capital social; (ii) o referido
pedido deverá ser expresso, devidamente fundamentado e com indica-
ção das matérias a serem tratadas; e (iii) é necessário que os administra-
dores não atendam £ essa solicitação no prazo de 8 (oito) dias. Atendidos
os requisitos consoantes das alíneas (i) e (ii) acima, os administradores
não podem anal ii ar o cabimento ou não do fundamento do pedido,
pois essa tarefa é da competência da assembleia geral55.
É necessáno que os acionistas representem 5% (cinco por cen-
to), no mínimo, do capital social no momento em que efetuam o
pedido de convocação da assembleia. Na redação original da Lei n°

54 De acordo com LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEAES, "Convalidação e Revogação de


Deliberações Assembleares". In: Pareceres. v. II, São Paulo: Editora Singular, 2004, p. 1.321,
os acionistas dispõem de competência derivada ou subsidiária para convocar a assembleia,
quando se situam nas condições descritas nas normas. Observa, ainda, que: "Na realidade, a
competência para convocação das assembleias, conferida pelas normas citadas aos acionistas,
se funda no direito de velar pelos interesses próprios ou da coletividade societária, prestigiando
as facções minoritárias, que a lei concede aos titulares de ações, votantes ou não, que
representem os percentuais mínimos consignados (...) no parágrafo unido do art. 123. Em
síntese, todo esse quadro normativo tem por escopo evitar a realização de assembleias gerais
desnecessárias ou inúteis, ou até contrárias ao interesse social, ao mesmo passo em que
estabelece uma série de competências sucessivas, algumas originárias, outras derivadas, com o
objetivo de possibilitar a presença, na assembleia geral, dos acionistas, sempre que essas
reuniões se mostrarem necessárias e úteis."
55 Sob a fundamentação do pedido do acionista, JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO,
"Convocação de Assembleia Geral por Acionista", Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro..., v. 42, p. 156-157, observa que: "A nosso ver, os administrado-
res não se acham investidos de autoridade de julgar se a fundamentação invocada pelo
acionista ou acionistas solicitantes é suficiente ou não para que, atendendo a pedido
apresentado, promovam a convocação da assembleia geral. A função dos administradores
é, nesse particular, meramente a de verificar a concorrência dos dois requisitos formais
estabelecidos pela lei: a) o percentual de legitimação dos acionistas que representem o
pedido de convocação; e b) a existência da devida fundamentação. Reitere-se que, tam-
bém na hipótese da alínea c do parágrafo único do art. 123, a competência dos adminis-
tradores é vinculada, não cabendo a eles apreciar os motivos de conveniência e oportuni-
dade declinados pelos acionistas na solicitação formulada. (...) Dai se conclui que, cum-
pridos os requisitos formais supra-aludidos, não podem os administradores deixar de
convocar a assembleia geral solicitada (...), cabendo-lhes, ao contrário, cumprir o solicita-
do sob pena, inclusive, de responder civilmente pelos prejuízos causados por sua inércia."
6.404/1976, o percentual exigido para que os acionistas pudessem
convocar a assembleia era de 5% (cinco por cento), no mínimo, do
capital votante. A Lei n° 9.457/1997 alterou o dispositivo para deter-
minar que esse percentual deve ser calculado sobre o capital social, o
que, apesar de ter tornado possível a convocação da assembleia pelos
titulares de ações ordinárias e de ações preferenciais, dificultou o pro-
cedimento por parte dos ordinaristas, pois 5% (cinco por cento) do
capital social representa uma quantidade maior de ações do que 5%
(cinco por cento) do capital votante.
A Comissão de Valores Mobiliários pode reduzir o percentual de
5% (cinco por cento), mediante fixação de escala em função do valor
do capital social (artigo 291).
Já a convocação da assembleia para instalação do conselho fiscal
- hipótese também inserida na Lei das S.A. pela Lei n° 9.457/1997 -
deve ser feita por acionistas: (i) que representem 5% (cinco por cen-
to), no mínimo, do capital votante, ou 5% (cinco por cento), no míni-
mo, dos acionistas sem direito a voto; e (ii) quando os administradores
não atenderem, no prazo de 8 (oito) dias, a esse pedido. O requeri-
mento também deverá ser apresentado por escrito, mas não há obri-
gatoriedade de que seja fundamentado.
A existência do conselho fiscal é obrigatória, sendo opcional, a
depender do estatuto social, o seu funcionamento permanente, exceto
no caso das sociedades de economia mista56. Assim, o estatuto deve
disciplinar o órgão, dispondo se o seu funcionamento será permanente
ou se dependerá da solicitação dos acionistas para que se instale e passe
a funcionar naquele exercício social. Quando o funcionamento do con-
selho fiscal não é permanente, a sua instalação ocorrerá na mesma as-
sembleia em que se verificar o requerimento dos acionistas, o qual
dispensa qualquer fundamentação, uma vez que já reflete a desconfi-

Ver os comentários ao art 240 da Lei das S.A.


anca na gestão dos administradores. Uma vez instalado, o conselho
fiscal funcionará até a primeira assembleia geral ordinária que se rea-
lizar após a sua eleição, quando poderão ser reeleitos os seus mem-
bros (artigo 161, § 6°).
Quando o funcionamento do conselho fiscal não for permanente, a
sua instalação dependerá do pedido de acionistas que representem, no
mínimo, 5% (cinco por cento) das ações votantes ou 5% (cinco por cen-
to) das ações não votantes. Essa regra apresenta contradição com a cons-
tante do § 2° do artigo 161 que determina que a instalação dependerá do
pedido de acionistas que representem, pelo menos, 0,1 (um décimo) das
ações com direito de voto, ou 5% (cinco por cento) das ações sem direito
a voto. Não faria sentido que a assembleia, uma vez convocada, delibe-
rasse não instalar o conselho fiscal, sob o argumento de que, embora
titulados para convocar a assembleia, os minoritários não teriam o quo-
rum mínimo para requerer a instalação do conselho. A alínea "d" do pa-
rágrafo único foi introduzida mediante a Lei n° 9.457/1997, lei posterior
à Lei n° 6.404/1976, ficando derxogada, por ser incompatível com a nova
norma, a primeira parte do § 2" do artigo 161. Assim, foram uniformiza-
dos os percentuais mínimos para o requerimento de instalação do conse-
lho fiscal: 5% (cinco por cento) das ações votantes ou 5% (cinco por
cento) das ações não votantes57.
Não obstante o artigo 291 determinar que a Comissão de Valores
Mobiliários pode reduzir a porcentagem mínima aplicável às companhias
abertas e fazer referência apenas à alínea "c" do parágrafo único deste arti-
go, não há dúvida de que a regra alcança, também, a alínea "d", tendo em
vista que foi introduzida na Lei das S.A. pela Lei n° 9.457/1997. A Co-
missão de Valores Mobiliários já editou norma reduzindo, em função do
capital social, as porcentagens mínimas de participação acionária necessá-
rias ao pedido de instalação de conselho fiscal em companhia aberta58.

57 Ver os comentários ao art. 161 da Lei das S.A.


58 Consta do art. 1o da Instrução CVM n° 324/2000 que: "Ari. 7° Por meio desta Instrução a
A Lei das SA. prevê, ainda, encontrando-se a companhia em
liquidação, a convocação da assembleia (i) pelo liquidante, para pres-
tação de contas (artigos 210, inciso VI, e 213, caput\ e (ii) por ordem
judicial, no curso de liquidação judicial (artigo 213, § 2°).
Embora não prevista expressamente na Lei das S A., há, ainda,
a possibilidade de autoconvocação da assembleia geral; ou seja, a
própria assembleia pode deliberar pela convocação de uma outra as-
sembleia para tratar de matérias que não constavam da ordem do dia
ou para decidir questões sobre as quais não se obteve uma solução
definitiva no primeiro conclave.
As despesas com a convocação da assembleia geral são de res-
ponsabilidade da companhia. Quando os acionistas a promoverem
deverão ser posteriormente reembolsados, salvo na hipótese de a as-
sembleia deliberar que eles agiram com abuso de direito. O não aten-
dimento em assembleia da matéria objeto do pedido de convocação
feito pelo acionista não é motivo para a companhia não arcar com as
despesas do ato convocatório59.

Modo de convocação e local


"Art. 124. A convocação far-se-á mediante anúncio publicado
por 3 (três) vezes, no mínimo, contendo, além do local, data e

CVM, utilizando-se de competência expressamente prevista e buscando garantir a efetividade


da proteção à minoria acionária, inclusive no tocante às companhias com capital social de
valor elevado, reduz os percentuais mínimos de participação acionária necessários ao
pedido de instalação do conselho fiscal de companhia aberta (dez por cento das ações
com direito a voto e cinco por cento das ações sem direito a voto)." O art. 2 o da referida
instrução determina as porcentagens de ações para instalação do conselho fiscal de funci-
onamento não permanente pela assembleia geral.
59 Nesse sentido, JOSIr WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei
(arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 39, observa que: "O indeferimento
do pedido por motivos outros, próprios de discussões e divergências em assembleias, não
dispensa a companhia do reembolso, porquanto isso também pode ocorrer em convoca-
ções assembleares feitas pelos administradores da companhia." Em sentido contrario,
TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2a edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 95.
hora da assembleia, a ordem do dia, e, no caso de reforma do
estatuto, a indicação da matéria.

§ 1° A primeira convocação da assembleia geral deverá ser feita:


(Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

I - na companhia fechada, com 8 (oito) dias de antecedência, no


mínimo, contado o prazo da publicação do primeiro anúncio; não
se realizando a assembleia, será publicado novo anúncio, de se-
gunda convocação, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias;
(Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

II - na companhia aberta, o prazo de antecedência da primeira


convocação será de 15 (quinze) dias e o da segunda convocação
de 8 (oito) dias. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 2° Salvo motivo de força maior, a assembleia geral realizar-se-á no


edifício onde a companhia tiver a sede; quando houver de efetuar-se
em outro, os anúncios indicarão, com clareza, o lugar da reunião, que
em nenhum caso poderá realizar-se fora da localidade da sede.

§ 3 o Nas companhias fechadas, o acionista que representar 5%


(cinco por cento), ou mais, do capital social, será convocado por
telegrama ou carta registrada, expedidos com a antecedência pre-
vista no § 1°, desde que o tenha solicitado, por escrito, à compa-
nhia, com a indicação do endereço completo e do prazo de vigência
do pedido, não superior a 2 (dois) exercícios sociais, e renovável;
essa convocação não dispensa a publicação do aviso previsto no §
1°, e sua inobservância dará ao acionista direito de haver, dos admi-
nistradores da companhia, indenização pelos prejuízos sofridos.

§ 4 o Independentemente das formalidades previstas neste artigo,


será considerada regular a assembleia geral a que comparecerem
todos os acionistas.
§ 5° A Comissão de Valores Mobiliários poderá, a seu exclusivo
critério, mediante decisão fundamentada de seu Colegiado, ape-
dido de qualquer acionista, e ouvida a companhia: (Incluído pela
Lei n° 10.303/2001)

I - aumentar, para até 30 (trinta) dias, a contar da data em que os


documentos relativos às matérias a serem deliberadas forem co-
locados à disposição dos acionistas, o prazo de antecedência de
publicação do primeiro anúncio de convocação da assembleia geral
de companhia aberta, quando esta tiver por objeto operações que,
por sua complexidade, exijam maior prazo para que possam ser
conhecidas e analisadas pelos acionistas; (Incluído pela Lei n°
10.303/2001)

II - interromper, por até 15 (quinze) dias, o curso do prazo de


antecedência da convocação de assembleia geral extraordinária
de companhia aberta, a fim de conhecer e analisar as propostas a
serem submetidas à assembleia e, se for o caso, informar à com-
panhia, até o término da interrupção, as razões pelas quais enten-
de que a deliberação proposta à assembleia viola dispositivos legais
ou regulamentares. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 6° As companhias abertas com ações admitidas à negociação


em bolsa de valores deverão remeter, na data da publicação do
anúncio de convocação da assembleia, à bolsa de valores em que
suas ações forem mais negociadas, os documentos postos à dis-
posição dos acionistas para deliberação na assembleia
geral."(Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

A convocação do acionista para participar da assembleia geral é


fundamental ao exercício do seu direito essencial de fiscalizar a gestão
dos negócios sociais (artigo 109, inciso III). O acionista pode exercer
o seu direito de fiscalização por meio de: (i) participação na assem-
bléia geral (artigo 121); (ii) recebimento de informações financeiras -
balanço e relatórios - (artigos 133 e 135, § 3°); (iii) funcionamento do
conselho fiscal (artigo 161); (iv) acesso aos livros da companhia (arti-
gos 100, § 1°, e 105); (v) auditoria independente (artigo 177, § 3°); e
(vi) acesso às informações referentes a fatos relevantes e operações
realizadas pelos administradores (artigo 157, §§ 1° e 4°).
É inadmissível na sociedade anônima - modelo jurídico concebi-
do para um grande número de sócios — o direito à fiscalização da gestão
dos negócios sociais por seus acionistas de maneira irrestrita. O direito
à informação funciona como instrumento para o efetivo exercício do
direito à fiscalização conferido aos acionistas, já que, para fiscalizar, eles
devem ter razoável conhecimento sobre os negócios da sociedade.
Mediante participação na assembleia geral ordinária, podem os
acionistas fiscalizar a gestão dos negócios sociais. Os titulares de ações
preferenciais, embora não dispondo do direito de voto, podem com-
parecer à assembleia, consultar as demonstrações financeiras e mes-
mo discuti-las no conclave60, tendo ainda ampla liberdade para pedir
esclarecimentos aos administradores e aos auditores. Havendo ne-
cessidade de esclarecimentos adicionais, pode a deliberação sobre a
aprovação das contas, por exemplo, ser adiada e ordenada diligência
para atender as solicitações de informações dos acionistas61-62.
As normas que disciplinam a prestação de informações por parte
da companhia e sua administração apresentam nítida feição instru-
mental; visam elas a assegurar proteção aos direitos dos acionistas
minoritários e dos investidores em geral.
Assim, o anúncio de convocação dos acionistas para participa-
rem da assembleia geral - também denominado "edital de convoca-
ção" - tem por fim levar ao seu conhecimento as matérias que serão
objeto de discussão e deliberação e permitir que eles solicitem as

60 Ver os comentários ao art. 133 da Lei das S.A.


61 Ver os comentários ao art. 134 da Lei das S.A.
62 Ver os comentários ao art 109 da Lei das S.A.
informações necessárias à sua decisão de comparecer a assembleia,
obter esclarecimentos e exercer o direito de voto. Por essa razão, deve
constar do anúncio a relação completa e precisa da ordem do dia, com
a especificação de todas as matérias que serão deliberadas63; é vedada,
na companhia aberta, a utilização da expressão "assuntos gerais" para
matérias que dependam de deliberação assemblear64-65-66.
A disciplina rígida da ordem do dia, no direito societário, tem 2
(dois) objetivos básicos: (i) informar previamente aos acionistas sobre
as matérias a respeito das quais deverão deliberar; e (ii) impedir que os
que se ausentarem, por não considerarem relevantes as matérias cons-
tantes da ordem do dia, sejam prejudicados.

63 Mas; como observa JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 54, "isso não significa que a
ordem do dia haja de descer a minúcias, a detalhes, bastando tão-somente que indique o
suficiente à compreensão dos acionistas, condenadas, obviamente, as menções genéricas,
vagas, duvidosas e, principalmente, as capciosas, imbuídas de reserva mental. De se
ponderar, no entanto, que determinados assuntos ou negócios da companhia hão de se
manter reservados, caso em que a sua inclusão na ordem do dia se faz de forma bastante
sumária, evitando-se a menção de detalhes e dados que possam acarretar uma publicidade
danosa aos interesses sociais."
64 Art. 3 o da Instrução CVM n° 481/2009.
65 Esse entendimento consta do Offcio-Circular CVM/SEP n° 001/2008: "Os editais de convo-
cação de Assembleias Cerais Ordinárias e/ou Extraordinárias devem enumerar, expressa-
mente, na ordem do dia, todas as matérias a serem deliberadas, não se admitindo que sob
a rubrica 'assuntos gerais' haja matérias que dependam de deliberação assemblear (...),
sendo sua transgressão considerada como infração de natureza grave para os fins previstos
no parágrafo 3°, do artigo 11, da Lei n" 6.385/76."
66 Nesse sentido já se manifestou a 2 a Turma_ do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do
Recurso Extraordinário n° 69.824-PR, Rei. Min. Adaucto Cardoso, j. em 13.11.1970,
publicado no DJU em 27.11.1970, no qual o Min. Bilac Pinto fundamentou o seu voto no
seguinte sentido: "A exigência dessa publicidade constitui norma de ordem pública e
representa garantia para os acionistas. Não se deve tolerar a prática da omissão, nos editais
de convocação, de matéria sobre a qual a assembleia geral deva deliberar. Pelo que se
verifica, a deliberação tomada nessa assembleia, e que se impugna, não tinha caráter de
urgente. (...) A urgência de deliberação que poderia, segundo alguns autores, justificar a
tomada de decisão, sem que a matéria houvesse figurado na ordem do dia, não estava
caracterizada. A Assembleia Cera! tomou decisão importante para a vida da sociedade,
qual seja a anulação de aumento do capital social, sem que a Diretoria tivesse incluído nos
editais de convocação, ainda que sumariamente, essa matéria." No mesmo sentido foi a
decisão proferida pela 3a Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais no julga-
mento da Apelação Cível n° 392749-3, Rei. Des. Edilson Fernandes, j. em 30.04.2003,
publicada no D O em 10.05.2003, e pela 13n Câmara Cível desse mesmo Tribunal no
julgamento da Apelação Cível n° 751312-9/002, Rei. Des. Eulina do Carmo Almeida, j. em
15.05.2008, publicada no D O de 28.06.2008. Nesse julgamento, firmou-se o entendi-
mento de que somente a deliberação específica, que não constava do edital de convoca-
ção, é que deve ser considerada sem validade, permanecendo íntegras as demais decisões
tomadas em atendimento às determinações legais.
Dessa forma, o edital de convocação, ao tratar da ordem do dia,
deve atender à sua finalidade precípua: ensejar ao acionista não só o
conhecimento da realização do conclave, como também o prévio
conhecimento da matéria a respeito da qual deliberará67.
Os assuntos que não constarem expressamente da ordem do dia
do edital poderão ser objeto de discussão na assembleia geral, mas
não de deliberação; se assim ocorrer, a deliberação poderá ser anulada,
mas não a assembleia68-69. Em caso de dúvida, a ordem do dia deve
ser objeto de interpretação restritiva. Somente em casos de urgência
extrema, que possam acarretar prejuízos à companhia, é que se admi-
te a discussão e deliberação de matéria não constante do edital70-71.
Não obstante, embora não prevista expressamente na ordem do dia,
pode ser objeto de deliberação em assembleia geral a proposta de ação de
responsabilidade contra os administradores (artigo 159, § 1°), bem como

67 Sobre a competência para a convocação da assembleia geral, ver os comentários ao art. 123
da Lei das S.A.
68 RUBENS REQUIÃO. Curso de Direito Comercial, v. 2, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 140,
observa que: "O motivo de tal rigorísmo é evitar que o acionista seja tomado de surpresa,
na assembleia, com assuntos de seu interesse, e para cuja deliberação não esteja prepara-
do, ou, já os tendo examinado, se desinteresse de a ela comparecer." No mesmo sentido,
JURANDIR DOS SANTOS. Manual das Assembleias Gerais nas Sociedades Anônimas. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 34.
69 Sobre esse assunto, ver acórdão da 2 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, proferido no julgamento da Apelação Cível n° 287.753-SP, Rei. Des. Toledo Piza,
j. em 05.02.1980, com comentário de MAURO DELPHIM DE MORAES. In: Revista de
Direito Mercantil, industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribu-
nais, v. 40, outubro-dezembro, 1980, p. 119-132. Ver, também, a decisão da 5 a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferida no julgamento da Apelação
Cível n° 169.095-1/0, Rei. Des. Matheus Fontes, j. em 04.06.1992, publicada na Revista
dos Tribunais. São FSulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 688, fevereiro, 1993, p. 67-70.
70 J.X. CARVALHO DE MENDONÇA. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. II, t. III,
atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001, p. 28-29, observa que:
"Faz-se mister, porém, que o caráter de urgência seja real, evidente, e que a deliberação não
possa ser adiada sem grave prejuízo. A assembleia que verifica essa urgência vota-a prelimi-
narmente, e a sua declaração não cria, mas simplesmente reconhece um estado de fato.
Aconselha-se aos administradores publicarem novos anúncios em aditamento aos de con-
vocação já correntes na imprensa, avisando o caso de urgência que surgiu."
71 ' A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 051/1978, se manifestou no sentido de que: "Somente é
de se admitir a deliberação de matéria não explicitada na ordem do dia quando 'virtual ou
implicitamente estivesse nela contida ou em caso de urgência, desde que o caráter de
urgência seja real, evidente, e que a deliberação não possa ser adiada sem grave prejuízo',
ou quando à assembleia comparecerem todos os acionistas."
a sua destituição e substituição72 e o pedido de funcionamento do conse-
lho fiscal, com a respectiva eleição de seus membros (artigo 161, § 3°).
Nas assembleias em que estão presentes todos os acionistas, a
regra, nos termos do § 4°, é a de que se pode deliberar a respeito de
matéria não constante da ordem do dia. Com efeito, se comparece-
rem ao conclave todos os acionistas, é ele tido como regular, em sua
instalação, ainda que a convocação apresente defeitos. Ou seja, pode
ser instalada a assembleia a que esteja presente a unanimidade dos
acionistas, ainda que não lhes tenha sido previamente comunicada a
ordem do dia. Porém, a fase deliberativa somente será eficaz se todos
os membros estiverem de acordo com a ordem do dia proposta, ou
com a adição a ela de determinado item; havendo discordância de
qualquer dos membros, o conclave não poderá deliberar a respeito de
matéria dela não constante73. Esse princípio justifica-se no fato de
que os acionistas têm o direito ao conhecimento prévio sobre a matéria a
ser deliberada para que possam discuti-la com conhecimento de causa.
As rubricas "assuntos gerais" e "outros assuntos de interesse ge-
ral", mencionadas no edital de convocação, terão por fim apenas levar
ao conhecimento dos acionistas em assembleia geral informações que
não implicam deliberações.
Determina, também, o caput deste artigo que, no caso de refor-
ma do estatuto, deverá constar do edital de convocação a "indicação
da matéria"; assim, os artigos do estatuto que se pretende alterar de-
verão ser especificados no edital74. O objetivo da norma é assegurar

72 Nesse sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas,


v. 2, 4a edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 674; J.X. CARVALHO DE MENDONÇA.
Tratado de Direito Comercial Brasileiro..., v. II, t. II, p. 28; TRAJANO DE MIRANDA
VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2" edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 92;
e JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a
188)..., v. II, p. 57.
73 NORMAN LATTIN. The Law of Corporations. New York: The Foundation Press, 1971,
p. 244; MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 2,
p. 682-683; JURANDIR DOS SANTOS. Manual das Assembleias Gerais nas Sociedades
Anônimas..., p. 36.
74 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 135 da Lei das S.A.
aos acionistas a necessária informação para que possam deliberar e
exercer conscientemente o seu voto. As reformas estatutárias devem
ser indicadas com precisão, dada a relevância do estatuto social, que
constitui o contrato que regula a vida interna da companhia75-76.
Nas companhias abertas, é obrigatório, quando da eleição de todo o
conselho de administração, constar do anúncio de convocação de as-
sembleia geral cuja ordem do dia inclua a eleição de seus membros o
percentual mínimo de participação no capital votante necessário à requi-
sição da adoção do voto múltiplo77. O anúncio de convocação deverá,
ainda, listar os documentos exigidos para que os acionistas sejam admiti-
dos à assembleia e a companhia poderá solicitar o depósito prévio dos
documentos referidos no anúncio, se o estatuto exigir. Mas, o acionista
que comparecer à assembleia munido dos documentos exigidos pode
participar e votar, ainda que tenha deixado de depositá-los previamente78.
Além das matérias constantes da ordem do dia, o anúncio de
convocação deve especificar o local, a data e a hora previstos para a
realização da assembleia, que deverá realizar-se na sede da compa-
nhia, salvo motivo de força maior, nos termos do § 2°. Quando a

75 Sobre o estatuto social, ver os comentários ao art. 83 da Lei das S.A.


76 Na Itália, os tribunais já decidiram que: (i) Tribunal de Napoli, 19 giugno, 1953, In Foro lt.,
1954, I, p. 790: "non è valida Ia convocazione deltassemblea di societá per az/oní qua/ora
nelfordine Del giorno 1'elenco delle materie da trattare sai cosi redatto: 'aprovazione Del
nuovo statuto sociale."; (ii) Tribunal Torino, 6 luglio, 1953, in Foro it., 1954, I, 700:
"Cordine dei giorno di un'assemblea di societi deve contenere im modo chiara e preciso
I'indicazione degli argomenti da trattare, in modo da rendere edotti gli azionisti delia
imporlanza e natura delle deliberazioni da adottare."; (iii) Cass., 24 gennaio, 1961, n. 106,
in Monit., 1962, p. 870: "Uinserzione, nell'avviso di convocazione delle'assemblea,
dell'ellenco delle materie da trattare, avendo Ia dúplice funzione di rendere i soei edotti
delle materie da trattare e di evitare Che sai sorpresa Ia buona fede delgi assenti, puó aver
luogo anche in maniera sintética, purchè chiara e non ambígua." Não temos notícia de
acórdão dos tribunais brasileiros versando especificamente sobre o alcance da expressão
"indicação da matéria" da convocação da assembleia geral para reformar o estatuto social.
A 2 a Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n°
69.824-PR, Rei. Min. Adaucto Cardoso, j. em 13.11.1970, publicado no DjU em
27.11.1970, embora possa ser invocado, refere-se a caso em que o edital de convocação
omitia a matéria a ser tratada na assembleia geral, daí decorrendo a decisão da Suprema
Corte de invalidar a decisão assemblear.
77 Art 4o da Instrução CVM n° 481/2009.
78 Art. 5 o da Instrução CVM n° 481/2009.
assembleia tiver que ser realizada em outro local, o edital de convoca-
ção deverá especificá-lo, mas em nenhuma hipótese poderá efetuar-se
fora da localidade da sede da companhia79.
L O C A L DE R E A L I Z A Ç Ã O

No caso de companhia cuja sede não comporte o grande núme-


ro de acionistas, a assembleia também poderá ser realizada em outro
local, desde que dentro da mesma localidade em que ela está situada e
que o anúncio de convocação o mencione expressamente80.
Em razão dos avanços tecnológicos, da nova realidade em fun-
ção dos meios de comunicação hoje existentes e da possibilidade de
participar da assembleia geral à distância, face ao parágrafo único do
artigo 121, acrescentado pela Lei n° 12.431/2011, esse dispositivo
legal deve ser interpretado de maneira flexível. Assim, a localidade de
realização da assembleia também pode ser a extensão virtual por meio
da qual o acionista participa do conclave81. Essa interpretação é fun-
damental ao reconhecimento e aceitação de assembleias virtuais, que
reduzem o absenteísmo, os custos da companhia com a 2 a convoca-
ção, os custos do acionista com o eventual deslocamento até a cidade
na qual se encontra situada a sede da companhia; ademais, permite
ao acionista a sua efetiva participação e exercício do direito de voto82.

Com relação ao direito norte-americano, o Model Business Corporation Act, no § 7.01,


estabelece que: "The time and p/ace of the annual meeting may be 'stated in or fíxed in
accordance with the bylaws'. If the bylaws do not themselves fix a time and place for the
annual meeting, authority to fix them may be delegated to the board of directors or to a
specified corporate officer. This section thus gives corporations the flexibility lo hold
annual meetings in varying places at varying times as convenience may dictate."
Com relação ao local para a realização da assembleia, o IBGC defende a flexibilização da
lei, de forma a permitir que a assembleia geral possa ser realizada em locais "como a capital
do Estado onde a companhia tem sede ou, ainda, na cidade em que as ações de emissão
da organização forem negociadas em pregão de bolsa de valores (prevalecendo sempre a
bolsa de valores local, no caso de listagem em ma/s de um mercado." (Item 3.5 do Caderno
de Boas Práticas para Assembleias de Acionistas, publicado em 2010).
Nesse sentido, RENATO VENTURA RIBEIRO, "Aplicação de Novas Tecnologias nas Assembleias
Gerais de Sociedades Anônimas". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro Santos de Aragão
(Coord.). Direito Societário - Desafios Atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 292-293.
Sobre esse assunto, ver JAAP W. WINTER, "Croos Border Voting in Europe". In: Klnus J.
Hopt and Eddy Wymeersch (Coord.). Capital Markets and Company Law. Oxford: Oxford
University Press, 2002, p. 416 e seguintes.
A Comissão de Valores Mobiliários, antes da publicação da Lei
n° 12.431/2011 já havia se manifestado no sentido de que é possível
o uso de alguns recursos digitais em assembleias gerais, tais como (i)
a transmissão por vídeo, áudio e internet; e (ii) a manutenção de blog
ou fórum que podem ser mantidos abertos durante a assembleia a fim
de que os acionistas ausentes possam se manifestar83-84-85.
Dessa forma, o acionista não precisa despender tempo e dinheiro
para se deslocar até o local de realização da assembleia, que ocorre mui-
tas vezes em cidades diferentes da que reside, ou até mesmo em outro
país, o que, anteriormente, o afastava da participação das decisões da
companhia86. Para a companhia, também há benefícios, como, por

83 O Colegiado da CVM, no Processo Administrativo CVM n° RJ 2008/1794 Rei. Dir. Sérgio


Weguelin, em reunião realizada em 24.06.2008 ("Consulta sobre a Possibilidade de
Utilização de Procurações de Voto em Forma Digital nas Assembleias Gerais"), assim se
manifestou: "(...) não há impedimento à manutenção de biogs ou fóruns nos quais os
acionistas possam se manifestar. Tampouco há impedimentos a que estes ambientes perma-
neçam abertos durante as assembleias ou que seu acesso seja restrito a acionistas. A compa-
nhia deve, no entanto, avaliar a conveniência de manter tais serviços e a sua capacidade de
gerenciá-los de modo adequado, para evitar, por exemplo, que informações sejam divulgadas
de modo inapropriado ou sirvam de instrumento para a manipulação dos acionistas por
terceiros de má-fé. Uma opção para exercer este controle é deixar claro que o conteúdo ali
disponibilizado é de responsabilidade de seus usuários, não da companhia. Na hipótese
de a companhia vir a se manifestar nestes fóruns ou blogs, deverá manter a simetria enlre as
informações então prestadas e as já divulgadas em seus meios tradicionais de comunicação
com o mercado. (...) Também é importante que a companhia esclareça aos acionistas que
sua participação no fórum ou 'blog' não se confunde com seu voto na assembleia por meio
presencial ou por procurador."
84 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, em julho de 2010, editou o
"Caderno de Boas Práticas para Assembleias de Acionistas", com o objetivo de atrair um
maior número de acionistas para as assembleias e criar um documento de referência, com
orientações sobre os procedimentos que devem ser adotados previamente e após a realização
de assembleias gerais, tais como: convocação, instalação, disponibilização de informações,
deveres e responsabilidades dos acionistas, deliberação, registro e publicação de atas, etc.
85 Sobre as assembleias virtuais, ver os comentários ao art. 126 da Lei das S.A.
86 De acordo com a sistemática aprovada pela CVM, por meio da Instrução CVM n° 481/2009,
o processo de outorga de procuração digital de voto pode ocorrer da seguinte forma: (i) o
investidor deve se cadastrar no site da companhia ou de empresa especializada contratada
pela companhia para realizar esse serviço; (ii) o investidor receberá o acesso especial para
emitir o certificado digital privado, caso ainda não possua um certificado ICP-Brasil (vide
Medida Provisória n° 2.200-2/2001); (iii) após a convocação da assembleia, o investidor
deverá analisar a documentação disponível sobre a matéria, bem como a existência de
recomendação de voto dos administradores e, a seu exclusivo critério, aderir à sistemática de
outorga de procuração digital de voto e votar em cada uma das pautas propostas (a favor,
contra ou abstenção); e (iv) uma vez validado o voto, ele estará computado para a respectiva
assembleia e o acionista receberá, posteriormente, um comprovante de votação por email.
exemplo, a redução de custos com a 2 a convocação da assembleia geral,
uma maior projeção com a adoção de procedimentos de boas práticas de
governança corporativa e a possível valorização de suas ações no mercado.
Ademais, em 2009, a Comissão de Valores Mobiliários editou
norma para regular os pedidos públicos de procuração de companhias
abertas que possuam ações admitidas à negociação em mercados re-
gulamentados, conferindo aos investidores uma sistemática mais sim-
ples para a participação e supervisão dos negócios sociais e com menor
custo para o exercício do direito de voto87-88.
As assembleias gerais podem, a princípio, se realizar de diversas
formas: (i) em local designado no edital de convocação e com a pre-
sença física dos acionistas participantes; (ii) virtualmente, sem a pre-
sença física dos acionistas participantes; ou (iii) em local designado
no edital de convocação, contando com a presença física de alguns
participantes e com a possibilidade de participação à distância por
parte de outros acionistas, por meio de telões, tele ou videoconferên-
cia, televisão a cabo ou internet, por exemplo89.

87 Instrução CVM n° 481/2009, que dispõe sobre informações e pedidos públicos de procu-
ração para exercício do direito de voto em assembleias de acionistas. Os pedidos públicos
de procuração devem ser dirigidos a todos os acionistas com direito de voto na assembleia
(art. 25). De acordo com o art. 22, são considerados pedidos públicos de procuração: "I -
os pedidos que empreguem meios públicos de comunicação, tais como a televisão, o
rádio, revistas, jornais e páginas na rede mundial de computadores; II - os pedidos dirigi-
dos a mais de 5 (cinco) acionistas, quando promovidos, direta ou indiretamente, pela
administração ou por acionista controlador; e III - os pedidos dirigidos a mais de 10 (dez)
acionistas, quando promovidos por qualquer outra pessoa." Por sua vez, o art. 24 estabe-
lece que: "As procurações objeto de pedido público devem: I - indicar um procurador para
votar a favor, um procurador para se abster e outro procurador para votar contra cada uma
das propostas objeto do pedido; II - indicar expressamente como o procurador deve votar
em relação a cada uma das propostas ou, se for o caso, se ele deverá se abster em relação a
tais propostas; III restringir-se a uma única assembleia."
88 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 120 e 126 da Lei das S.A.
89 Sobre esse assunto, RENATO VENTURA RIBEIRO, "Aplicação de Novas Tecnologias nas
Assembleias Gerais de Sociedades Anônimas". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro
Santos de Aragão (Coord.). Direito Societário - Desafios Atuais. São ftiulo: Quartier Latin,
2009, p. 289-291, observa que: "Apesar de possível a realização de assembleias gerais por
vídeo ou teleconferência, ainda que apenas materialmente e não juridicamente no Brasil,
pode haver oposição dos grandes acionistas e administradores das companhias, hoje os
grandes beneficiados pelo absenteísmo. Além disto, por ora, não só é bastante duvidosa a
eficácia da assembleia por vídeo ou teleconferência como meio de redução do absenteísmo,
como também há suspeitas de que pode contribuir para agravá-lo. Ou, mesmo havendo
No Reino Unido, na Alemanha e nos Estados Unidos foram
editadas leis que permitem a realização de assembleias gerais medi-
ante meios eletrônicos, tornando inteiramente desnecessária a pre-
sença física dos acionistas. Nos 2 (dois) últimos países, ademais, tem
sido criados chat sides, usualmente denominados shareholders forums
para facilitar a troca de idéias entre os acionistas90.
No Brasil, admite-se, com a entrada em vigor, em 27.06.2011, da
Lei n° 12.431, a realização de assembleias gerais com a presença física
de alguns acionistas e/ou de seus procuradores e/ou mediante a partici-
pação à distância, com o emprego de recursos digitais, nos termos do
parágrafo único do artigo 12191. Assim, nada impede que as assembleias
gerais sejam realizadas virtualmente. Os estatutos sociais podem prever
a realização de assembleias virtuais, regular os procedimentos para o seu
funcionamento, bem como do exercício do voto online.

D I S P O N I B I L I D A D E D A S I N F O R M A Ç Õ E S E P R A Z O DE C O N V O C A Ç Ã O

A Comissão de Valores Mobiliários, em 2009, editou normas


fixando exigências relativas ao disclosure de informações que devem
ser prestadas pela administração aos acionistas previamente à realiza-
ção das assembleias gerais das companhias abertas, com a finalidade
de que eles possam exèrcer o seu voto de forma consciente92.
Relativamente a algumas deliberações específicas - tais como:
aumento e redução de capital, alterações das regras sobre dividendo

maior participação, transformar as assembleias gerais em atos puramente formais, desta feita
sem presença física, como procedimento legal de aprovação de decisões tomadas em
outras instâncias, sem maiores preocupações dos acionistas com participação e gestão
social." Sobre o local de realização das assembleias gerais, ver, também, os comentários ao
art. 124 da Lei das S.A.
90 ANDREAS CAIIN and DAVI D C. DONALD. Comparative Company Law -Text and Cases
on the Laws Governing Corporations in Germany, the UK and the USA. Cambridge:
Cambridge University Press, 2010, p. 547.
91 A CVM, até novembro de 2011 ainda não havia regulamentado, para fins do disposto no
parágrafo único do artigo 121, introduzido pela Lei n° 12.431/2011, as assembleias
virtuais, realizadas online sem a presença física dos acionistas participantes e/ou de seus
procuradores.
92 Ver a Instrução CVM n° 481/2009.
obrigatório, escolha de avaliadores, fixação de remuneração dos ad-
ministradores, reforma do estatuto social, emissão de debêntures ou
bônus de subscrição, aquisição do controle de outra sociedade e ma-
térias cuja deliberação enseje direito de recesso - a Comissão de Va-
lores Mobiliários elencou os documentos indispensáveis e os prazos
de antecedência para que sejam apresentados pela companhia93-94.
A convocação far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três)
vezes, no mínimo, em órgão oficial da União ou do Estado em que se
localizar a companhia e em outro jornal de grande circulação editado na
localidade em que está situada a sua sede (artigo 289)95. As publicações
devem ser efetuadas sempre no mesmo jornal e qualquer mudança de-
verá ser precedida de aviso aos acionistas no extrato da ata da assembleia
geral (artigo 289, § 3°). Relativamente às companhias abertas, a Comis-
são de Valores Mobiliários poderá determinar que as publicações tam-
bém sejam feitas em jornal de grande circulação nas localidades em que
os valores mobiliários da companhia sejam negociados em Bolsa de
Valores ou em mercado de balcão (artigo 289, § 1°).
Tendo em vista que a finalidade do edital de convocação é levar ao
conhecimento dos acionistas as matérias que serão objeto de discussão e
deliberação, bem como permitir que eles solicitem as informações neces-
sárias ao exercício do direito de voto, o § 1° fixou os prazos que devem
transcorrer entre a sua publicação e a realização da assembleia geral.
A redação original do § 1° não distinguia o prazo de convocação
da assembleia geral de companhias abertas e fechadas. A Lei n°

Sobre os documentos e informações mínimas que deverão ser disponibilizados aos acio-
nistas quando da convocação da assembleia geral de companhia aberta, ver os arts. 7° a 21
da Instrução CVM n° 481/2009.
O Instituto de Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, no Anexo I do "Caderno de
Boas Práticas para Assembleias de Acionistas", divulgou um "Manual para Participação em
Assembleias", de acordo com as regras editadas pela CVM.
De acordo com o inciso VII do art. 21 da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações
introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010, a companhia deve enviar à CVM, por meio
de sistema eletrônico disponível na sua página na rede mundial de computadores, o edital
de convocação da assembleia geral ordinária, em até 15 (quinze) dias antes da data da sua
realização, ou no mesmo dia de sua primeira publicação, o que ocorrer primeiro.
10.303/2001 alterou o dispositivo para fazer essa distinção. De acor-
do com o inciso I, nas companhias fechadas, a primeira convocação
da assembleia geral deverá ser feita com 8 (oito) dias de antecedência,
no mínimo, contado o prazo da publicação do primeiro anúncio; não
se realizando a assembleia, será publicado novo anúncio, de segunda
convocação, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.
Nas companhias abertas, de acordo como o inciso II, o prazo de
antecedência é fixado em 15 (quinze) dias, em primeira convocação,
e em 8 (oito) dias, em segunda convocação.
A necessidade de segunda convocação existe quando, por qual-
quer motivo, a assembleia não se realiza. Do seu mero atraso não
decorre a necessidade de nova convocação, especialmente quando os
acionistas permanecem no recinto e participam da assembleia.
O § 1° estabelece apenas um período mínimo de antecedência
para a convocação das assembleias gerais, a fim de assegurar que os
acionistas minoritários tenham tempo hábil para se preparar para o
conclave e exercer o direito de voto de forma adequada96.
O § 5°, no inciso I, expressamente prevê a possibilidade de ser
aumentado para até 30 (trinta) dias, por decisão da Comissão de Valo-
res Mobiliários, o prazo de antecedência para a convocação das assem-
bleias gerais de companhias abertas que tenham "por objeto operações
que, por sua complexidade, exijam maior prazo para que possam ser conhe-
cidas e analisadas pelos acionistas." É essencial que os acionistas tenham
prazo suficiente para se preparar para as deliberações assembleares e,
por isso, deve ser sempre considerada, tendo em vista a complexidade
de determinadas matérias, a necessidade de prazo adicional97.

96 No mesmo sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anôni-


mas..., V. 2, p. 677; e TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações..., v. II,
p. 92; CARLOS FULCÊNCIO DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 3, São
Raulo; Saraiva, 1973, p. 33-34.
97 O Instituto de Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, em seu "Caderno de Boas
Práticas para Assembleias de Acionistas", recomenda que quando a complexidade das
questões exigir, as companhias devem efetuar a 1" convocação da assembleia geral com
antecedência mínima de 30 (trinta) dias: "A adoção de prazos mais dilatados que 30 (trinta)
A regra prevista no § 1° não possui caráter impositivo, estabele-
cendo apenas um prazo mínimo que as companhias podem livre-
mente aumentar, inclusive por meio de disposição estatutária. Assim,
nada impede a convocação de assembleias gerais com prazos maiores
do que aqueles legalmente fixados. Quanto maior o prazo de antece-
dência observado pela companhia, melhor será atendido o bem jurí-
dico que o mencionado dispositivo legal visa a preservar, isto é, garantir
que os acionistas possam conhecer e analisar adequadamente as ma-
térias a serem deliberadas nas assembleias gerais.
Até 1 (um) mês antes da data de realização da assembleia geral
ordinária, os administradores devem comunicar, por anúncios publi-
cados na forma deste artigo, que se acham à disposição dos acionis-
tas: (i) o relatório da administração sobre os negócios sociais e os
principais fatos administrativos do exercício findo; (ii) a cópia das
demonstrações financeiras; (iii) o parecer dos auditores independen-
tes, se houver; (iv) o parecendo conselho fiscal, inclusive votos dissi-
dentes, se houver; e (v) demais documentos pertinentes a assuntos
incluídos na ordem do dia. Os documentos referidos nas alíneas "(i)"
a "(iii)" serão publicados até 5 (cinco) dias, pelo menos, antes da data
marcada para a realização da assembleia geral. Caso ela reúna a tota-
lidade dos acionistas poderá se considerar sanada a falta de publica-
ção dos anúncios ou a inobservância do prazo de 1 (um) mês, mas é
obrigatória a publicação dos documentos antes da realização da as-
sembleia (artigo 133, caput e §§ 3° e 4°)98.

dias corridos é recomendada quando a assembleia geral tratar de operações que possam
importar alterações fundamentais nos investimentos dos acionistas e na continuidade dos
negócios da companhia, tais como aquelas que impliquem modificação do capital social,
fusão, incorporação, cisão e aquisição de empresas, alterações no objeto social e nos
direitos ou classes de ações."
A CVM, por meio da Instrução CVM n° 481/2009, delerminou, no art. 9o, que a companhia
deve fornecer até 1 (um) mês antes da data de realização da assembleia geral ordinária, os
seguintes documentos e informações: (i) relatório da administração sobre os negócios
sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; (ii) cópia das demonstra-
ções financeiras; (iii) comentário dos administradores sobre a situação financeira da com-
panhia, nos lermos do item 10 do "Formulário de Referência" (documento que substitui o
antigo "Formulário de Informações Anuais" - 1AN e que passou a desempenhar papel de
A Comissão de Valores Mobiliários determinou que os docu-
mentos e as informações objeto da ordem do dia devem ser forneci-
dos até a data da publicação do primeiro anúncio de convocação da
assembleia, salvo prazo superior estabelecido pela Lei das S.A., por
meio de seu sistema eletrônico na rede mundial de computadores".
As deliberações da assembleia geral podem ter a sua validade
impugnada sob 3 (três) fundamentos: parte subiecti (ligada aos sujei-
tos de direito que emitiram a vontade), parte obiecti (ligada ao objeto
ou conteúdo do ato decisório) e parte formae (quando decorrente da
inobservância de formalidades legais imperativas). A não obediência
às formalidades legais imperativas de convocação e instalação da as-
sembleia permite a sua anulação100.
Nos termos do § 3°, nas companhias fechadas, o acionista que
representar 5% (cinco por cento), ou mais, do capital social, será con-
vocado por telegrama ou carta registrada, expedidos com a antece-
dência prevista no § 1°. E necessário que o acionista faça essa solicitação
expressamente à companhia, indicando o seu endereço completo e o

um prospecto permanente, reunindo informações relativas à companhia de capital aberto,


tais como: atividades, fatores de risco, administração, estrutura de capital, dados financei-
ros, comentários dos administradores sobre tais dados, valores mobiliários emitidos, ope-
rações com partes relacionadas, etc.), aprovado pela Instrução CVM n° 480/2009; (iv)
parecer dos auditores independentes; (v) parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissi-
dentes, se houver; (vi) formulário de demonstrações financeiras padronizadas - DFP; (vii)
proposta de destinação do lucro líquido do exercício que contenha, no mínimo, as
informações indicadas no Anexo 9-1-11 à Instrução CVM n° 481/2009; e (viii) parecer do
comitê de auditoria, se houver. Ainda de acordo com a Instrução CVM n° 481/2009, os
documentos devem conter as informações necessárias à compreensão das matérias a serem
discutidas na assembleia e deverão ser verdadeiros, completos e consistentes, redigidos em
linguagem clara, objetiva e concisa e não devem induzir os investidores a erro (art. 2o).
99 Art 6o da Instrução CVM n° 481/2009. Determina, ainda, o art. 7 o que: "Art. 7°. O diretor
de relações com investidores é responsável pelo fornecimento das informações e documen-
tos exigidos da companhia neste Capítulo III e pelo cumprimento, por parte da companhia,
do disposto no art. 2o desta Instrução. § 1o. Os acionistas controladores e os demais
administradores devem fornecer, em tempo hábil, todas as informações e documentos
necessários para que o diretor responsável cumpra as disposições desta Instrução. § 2o. A
obrigação prevista no § Io alcança também os acionistas não controladores e os membros
do conselho fiscal, caso solicitem à administração que convoque a assembleia geral ou o
façam diretamente, nas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 123 da lei n° 6.404,
de 1976."
100 T U L L I O A S C A R E L L I . P r o b l e m i G i u r i d i c i . t. II, M i l ã o : Giuffrè, 1 9 5 9 , p. 5 3 7 e seguintes.
prazo de vigência do pedido, que, embora renovável, não poderá ser
superior a 2 (dois) exercícios sociais. Não importa a espécie e classe
de ações, desde que o acionista seja, individualmente, titular de, no
mínimo, 5% (cinco por cento) do capital ele tem o direito de requerer
a sua convocação por telegrama ou carta registrada101. Essa convoca-
ção não dispensa a publicação do edital previsto no § 1° e sua inob-
servância confere ao acionista o direito de haver, dos administradores
da companhia, indenização pelos prejuízos sofridos.
A companhia fechada que tiver menos de 20 (vinte) acionistas,
com patrimônio líquido inferior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de re-
ais), poderá convocar a assembleia geral por anúncio entregue a todos
os acionistas, contrarrecibo, com a antecedência de 8 (oito) dias, no
mínimo, para a primeira convocação da assembleia geral e de 5 (cinco)
dias para a segunda convocação, nos termos do inciso I do § 1° (artigo
294, inciso I). Nessa hipótese, a convocação pública é dispensada.

O § 5 O E A COMPETÊNCIA DA C O M I S S Ã O DE VALORES MOBILIÁRIOS

NA ASSEMBLEIA GERAL DE C O M P A N H I A ABERTA

A Lei n° 10.303/2001 introduziu o § 5° no artigo 124, estabele-


cendo a competência da Comissão de Valores Mobiliários para, a
pedido de qualquer acionista, e ouvida a companhia: (i) aumentar,
para até 30 (trinta) dias, a contar da data em que os documentos rela-
tivos às matérias a serem deliberadas forem colocados à disposição
dos acionistas, o prazo de antecedência de publicação do primeiro
anúncio de convocação da assembleia geral de companhia aberta; e
(ii) interromper, por até 15 (quinze) dias, o curso do prazo de antece-
dência de convocação da assembleia geral a fim de conhecer e anali-
sar a legalidade das propostas a serem submetidas à assembleia.

De acordo com a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, "o § 3° introduz norma de


proteção ao acionista minoritário que deseja ser informado da realização de qualquer
assembleia, evitando a surpresa de convocações muitas vezes propositalmente feitas em
jornal de leitura não habitual."
O aumento do prazo previsto no inciso I somente pode ocorrer nas
assembleias gerais extraordinárias - tendo em vista que a Lei das S.A. se
refere à assembleia geral que "tiverpor objeto operações' - e desde que a
matéria a ser deliberada, pela sua complexidade, requeira maior tempo
para sua análise por parte dos acionistas. A interrupção do prazo prevista
no inciso II também só se aplica às assembleias gerais extraordinárias,
conforme expressamente previsto no dispositivo, tendo por finalidade
conceder tempo para que a Comissão de Valores Mobiliários possa ava-
liar se as matérias a serem deliberadas violam ou não a Lei das S.A. ou
as disposições regulamentares aplicáveis.
A Comissão de Valores Mobiliários não pode agir por iniciativa pró-
pria para determinar o aumento ou interrupção do prazo, mas apenas a
pedido de algum acionista. Determina o § 5° que, antes de. conceder o
pedido formulado pelo acionista, a Comissão de Valores Mobiliários deve
ouvir a companhia. Ou seja, após a publicação do edital de convocação,
caso algum acionista minoritário requeira à Autarquia o aumento ou in-
terrupção do prazo de antecedência de publicação do primeiro edital de
convocação da assembleia geral, a Comissão de Valores Mobiliários no-
tificará a companhia para que ela se manifeste.
Em 2002, a Comissão de Valores Mobiliários editou norma
sobre o adiamento de assembleia geral e a interrupção do prazo de
sua convocação, estabelecendo, no que se refere ao inciso I - au-
mento de prazo de antecedência de convocação de assembleia - ,
que: (i) o requerimento de acionista não será aceito quando a as-
sembleia já tiver sido convocada com prazo de antecedência de,
no mínimo, 30 (trinta) dias, na hipótese de já estarem à disposição
dos acionistas, na data da publicação do primeiro edital de convo-
cação, os documentos relativos às matérias a serem deliberadas,
com suficiência para a apreciação e compreensão dos assuntos cor-
respondentes; (ii) o requerimento de aumento de prazo deve ser
apresentado à Autarquia com antecedência mínima de 8 (oito)
dias úteis da data inicialmente estabelecida para a realização da
assembleia geral, devidamente instruído e fundamentado; (iii) o
requerimento será encaminhado à Superintendência de Relações
com Empresas - SEP e a companhia será notificada para se ma-
nifestar no prazo de 48 (quarenta e oito) horas e, após, o pedido
será submetido à deliberação do Colegiado; e (iv) o Colegiado pro-
ferirá a sua decisão e, se for o caso, fixará o prazo mínimo de ante-
cedência para a realização da assembleia: se o pedido for acolhido
e o prazo de convocação já estiver em curso, a companhia deverá
providenciar a publicação de anúncio de convocação dando notí-
cia do adiamento e informando a nova data de realização da assem-
bleia, se for o caso. A Comissão de Valores Mobiliários deve, estando
em curso o prazo de convocação da assembleia, observar o prazo máxi-
mo de 30 (trinta) dias, contado da data de publicação do primeiro anúncio
de convocação ou da data em que tenham sido colocados à disposição
dos acionistas os documentos relativos às matérias a serem deliberadas,
prevalecendo a que for mais recente102.
A decisão do Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários que
determinar o aumento de prazo não impõe sanção à companhia, pois
não está fundamentada em qualquer irregularidade ou ato ilícito por
ela praticado, mas na garantia legal dos minoritários de amplo acesso
e melhor conhecimento das matérias a serem discutidas no conclave.
Não obstante, essa decisão poderá, em alguns casos, acarretar perdas
à companhia e aos próprios acionistas em função do atraso de uma
deliberação relevante para a continuidade dos negócios sociais103.
No que se refere à interrupção de prazo de antecedência de con-
vocação de assembleia geral extraordinária, a Comissão de Valores
Mobiliários determinou que, se o pedido for deferido, o prazo será in-
terrompido por até 15 (quinze) dias, contado da data do recebimento,

102 Art. 2 o da Instrução CVM n° 372/2002, que dispõe sobre o adiamento de assembleia geral
e a interrupção da fluéncia do prazo de sua convocação.
103 MODESTO CARVAIHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 243-244.
pela companhia, da comunicação da decisão do Colegiado, reinician-
do-se, se a companhia mantiver a intenção de realizar a assembleia,
no dia subsequente à data do término do prazo de interrupção por ela
fixado, sem prejuízo de a companhia optar por data posterior para a
sua realização. Até o término do prazo de interrupção a Autarquia
deverá se manifestar sobre a legalidade das deliberações propostas à
assembleia geral, devendo a Superintendência de Relações com Em-
presas - SEP acompanhar os fatos subsequentes, solicitando ao Co-
legiado a instauração de procedimento administrativo, se for o caso104.
O inciso II trata de prerrogativa de caráter excepcional e que
pressupõe a observância de rito sumário. A interrupção do prazo de
convocação somente pode ser deferida nas hipóteses em que se veri-
fique, afiriorie independentemente de dilação probatória, a existên-
cia de ilegalidades flagrantes nas deliberações a serem submetidas à
assembleia geral103. Ou seja, a eventual interrupção do prazo de con-
vocação, com fundamento no disposto no inciso II do § 5° somente
se justifica em virtude da constatação de ilegalidade evidente nas de-
liberações propostas à assembleia geral que possa ser apurada sem
qualquer dilação probatória.

104 Art. 3o da Instrução CVM n° 372/2002.


105 No julgamento do Processo Administrativo CVM n° R] 2005/5203, j. em 24.08.2005, o
Colegiado da Autarquia considerou que "o procedimento previsto no art. 124, § 5", II
impõe sérias restrições de tempo às partes envolvidas, para expor seus argumentos, e a este
Colegiado, para manifestar seu entendimento sobre a questão e, por isso, deve ser utiliza-
do, tão somente, nos estritos limites conferidos pela legislação. Assim, entendo que nada
que não se relacione com a legalidade ou ilegalidade das deliberações a serem tomadas em
assembleia de acionistas deve ser objeto de análise pela CVM neste procedimento". No
Processo Administrativo CVM n° RJ 2004/6498, j. em 29.10.2004, foi ainda consignado
que "em nosso entendimento, essa situação não se enquadra na hipótese prevista no artigo
124, parágrafo 5", inciso li, da Lei n° 6.404/76. Entendemos, ainda, que, na ordem do dia,
não há qualquer irregularidade que possa ser identificada a priori" e que, "conforme enten-
dimento manifestado pelo Colegiado, em outras oportunidades, 'a atuação na CVM, com
base no dispositivo legal em análise, limita-se, conforme a Instrução CVM n° 372/02, â
análise das propostas a serem submetidas à assembleia geral." Por fim, a decisão referenle ao
Processo Administrativo da CVM n° RJ2003/I072, j. em 14.02.2003, deixou expresso que
"a manifestação quanto à inexistência de eventuais irregularidades em relação às propostas
constantes da Ordem do Dia exigiria dilação probatória incompatível com o procedimento
previsto no § 5°, inciso II, do artigo 124 da Lei n° 6.404/76." No âmbito do Processo
Administrativo CVM n° RJ2006/3848, j. em 18.05.2006, o Colegiado aprovou integral-
mente a manifestação da Superintendência de Relações com Empresas - SEP no sentido de
Ao decidir sobre pedido de interrupção, cabe à Comissão de Va-
lores Mobiliários levar em consideração os prejuízos que qualquer
suspensão de assembleia geral já convocada inevitavelmente acarreta
para as companhias e os acionistas envolvidos106.

E N V I O DE D O C U M E N T O S P O R PARTE D A C O M P A N H I A A B E R T A

Outra inovação trazida pela Lei n° 10.303/2001 foi a introdução


do § 6° ao artigo 124 que determina às companhias abertas o dever de

que: "Entendemos que, tratando-se de uma contingência, não haveria como se identificar a
priori, uma irregularidade em relação aos critérios e premissas utilizados pelo avaliador com
base nas informações que lhe foram fornecidas pela administração. Assim, tal questionamento
não justificaria, salvo melhor juízo, a interrupção do curso do prazo de antecedência da
assembleia geral extraordinária. (...) No caso em análise, os itens constantes da ordem do dia
não parecem conter flagrantes irregularidades. Os questionamentos formulados pelos reque-
rentes relativos ã forma e suficiência das informações e documentos divulgados ao mercado
não justificariam, em nosso entendimento, uma decisão de interrupção do curso do prazo da
assembleia." No mesmo sentido, cite-se a decisão tomada pelo Colegiado no Processo
Administrativo C V M n° RJ 2003/12767, j. em 03.12.2003, que, acatando a posição
recomendada pela SEP e pela Procuradoria Federal Especializada - PFE, indeferiu o pedido
de interrupção do curso do prazo de antecedência de convocação de assembleia geral,
com base, entre outros, nos seguintes motivos: "(...) 'por hora, qualquer elucubração acerca
das (supostas) finalidades (ilegítimas) dos controladores afigura-se prematura, exigindo-se,
para a punição pela eventual prática de abuso de controle relacionada à operação pretendi-
da, dilação probatória aprofundada, o que traz inafastável incompatibilidade com o célere
procedimento a que lançou mão a requerente' (fls. 465 e 466); (...) Verifica-se assim que a
interrupção do curso do prazo de antecedência de convocação por até 15 dias, tal como
requerida pela Alliant em relação à ACE da CPEL marcada para 09.12.03, se fundamenta,
como mecanismo excepcional que é, na necessidade desta Autarquia de dispor de prazo
mais dilatado para que as deliberações propostas sejam melhor examinadas, inclusive do
ponto de vista legal." Ver os comentários de RACHEL SZTAJN, "Solicitação de Interrupção
do Curso do Prazo de Antecedência de Convocação de Assembleia Geral Extraordinária -
Cataguazes-Leopoldina - CFLCL", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 133, janeiro-março, 2004, p. 221-252. Citem-se,
ainda, no mesmo sentido das decisões anteriormente referidas, os Processos Administrati-
vos CVM n " RJ 2007/8844, Rei. Dir. Sérgio Weguelin, j. em 09.10.2007, e RJ 2010/1702,
j. em 16.12.2010.
No Processo Administrativo CVM n° RJ 2002/5905, j. em 13.08.2002, a CVM entendeu
que: "Quando a companhia convoca uma assembleia para determinada data, parece-me que
esta data, em regra, não é escolhida caprichosamente. Há, certamente, toda uma previsão e
um custo relacionado, quando mais não seja de recursos humanos, logística e publicação. O
simples adiamento da assembleia representa, inegavelmente, um custo para a companhia.
Além disso, se de um lado há um ou uns acionistas que solicitam o adiamento de uma
assembleia, de outro lado há também um conjunto de acionistas minoritários também que
não se opõem ou mesmo desejam que a assembleia se realize na data originalmente prevista
ou que não estão dispostos a suportar o custo de um adiamento. Assim, equivocam-se, com
freqüência, aqueles que acham que ao deferir o adiamento de uma assembleia estão obrando
em benefício dos acionistas minoritários; muita vez agem contrariamente ao interesse da
maior parte dos acionistas minoritários, sem falar de contrariamente o interesse social, (...)"
enviar, na data da publicação do anúncio de convocação da assem-
bleia - ordinária e extraordinária - , os documentos relativos à ordem
do dia às Bolsas de Valores em que suas ações sejam mais negociadas.
Ou seja, foi aperfeiçoado o sistema de informações aos acionistas, aos
investi dores, aos integrantes do sistema de distribuição do mercado
de valores mobiliários, aos credores e a toda a coletividade, por meio
de mais um canal de acesso aos documentos relativos às matérias a
serem discutidas e votadas nas assembleias gerais para que os acio-
nistas e o mercado possam melhor avaliar a situação da companhia
e tomar decisões conscientes. A obrigação de enviar os documentos
objeto de deliberação da assembleia geral às Bolsas de Valores é
adicional às exigidas pelos artigos 133 e 135.
Essa previsão legal já constava do artigo 88, § 4°, do Decreto-Lei n°
2.627/1940, que determinava que as sociedades registradas em Bolsa de
Valores enviassem às entidades que se encontrassem registradas, com a
antecedência prevista para a convocação de assembleia, cópia do edital de
convocação e da proposta da diretoria a ser apresentada à assembleia geral.
A Comissão de Valores Mobiliários, ao tratar das "informações pe-
riódicas" a que as companhias abertas estão obrigadas a prestar, determi-
nou que elas devem enviar, por meio do sistema eletrônico disponível na
página na rede mundial de computadores da Autarquia, entre outras, as
seguintes informações: (i) edital de convocação da assembleia geral ordi-
nária, em até 15 (quinze) dias antes da data marcada para a sua realização
ou no mesmo dia de sua primeira publicação, o que ocorrer primeiro; (ii)
todos os documentos necessários ao exercício do direito de voto nas as-
sembleias gerais ordinárias; (iii) sumário das decisões tomadas na assem-
bleia geral ordinária, no mesmo dia da sua realização; e (iv) ata da
assembleia geral ordinária, em até 7 (sete) dias úteis contados de sua
realização107. Ao tratar das "informações eventuais", estabeleceu que as

107 Art. 21, incisos VII a X, da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010, que dispõe sobre o registro de emissores de valores
mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários.
companhias abertas registradas nas categorias A e B devem enviar as
seguintes informações, entre outras: (i) editais de convocação de as-
sembleias gerais extraordinárias, especiais e de debenturistas, no mesmo
dia de sua publicação; (ii) todos os documentos necessários ao exercí-
cio do direito de voto nas assembleias gerais extraordinárias, especiais e
de debenturistas; (iii) sumário das decisões tomadas nas"assembleias ge-
rais extraordinária, especial e de debenturistas, no mesmo dia da sua rea-
lização; e (iv) atas das assembleias gerais extraordinárias, especiais e de
debenturistas, em até 7 (sete) dias úteis contados de sua realização108.
As companhias abertas envolvidas em operações de incorpora-
ção, fusão e cisão também estão obrigadas a realizar a publicação pela
imprensa e enviar informações completas sobre essas operações (i) à
Bolsa de Valores; (ii) à Comissão de Valores Mobiliários; e (iii) às
entidades do mercado de balcão organizado em que os valores mobi-
liários de sua emissão sejam admitidos à negociação, no prazo de até
15 (quinze) dias antes da data de realização da assembleia geral109.
Os documentos mencionados no § 6° devem ser enviados às
Bolsas de Valores na mesma data em que for feito o primeiro anún-
cio de convocação de assembleia geral que, no caso de companhias
abertas, é, de acordo com o inciso II do § 1°, de 15 (quinze) dias de
antecedência de sua realização.

"Quorum" de instalação
"Art. 125. Ressalvadas as exceções previstas em lei, a assembleia
geral instalar-se-á, em primeira convocação, com a presença de
acionistas que representem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital
social com direito de voto; em segunda convocação instalar-se-á
com qualquer número.

Arts. 30 e 31, incisos I a IV, da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010.
Art. 2" da Instrução CVM n" 319/1999, que dispõe sobre as operações de incorporação,
fusão e cisão envolvendo companhia aberta, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n" 320/1999 e 349/2001.
Parágrafo único. Os acionistas sem direito devoto podem compare-
cer à assembleia geral e discutir a matéria submetida à deliberação."

O quorum de instalação distingue-se do quorum de deliberação


(artigos 129 e 136). O primeiro é o número mínimo de acionistas que
a Lei das S.A. prevê para a realização do conclave e o segundo cons-
titui o mínimo de votos necessários para aprovar determinadas maté-
rias, sendo, portanto, requisito para a validade das deliberações110. O
quorum de instalação das assembleias gerais foi fixado com a finalida-
de de assegurar aos acionistas o direito de participar de assembleia
geral e impedir que decisões relevantes para a companhia possam ser
tomadas em reuniões que contem com a presença de um número
irrelevante de acionistas. Por essa razão, há uma relação direta entre o
quorum de instalação e a relevância das matérias a serem deliberadas.
Este artigo estabelece, como regra geral, que a assembleia se ins-
tala em primeira convocação com a presença de acionistas que repre-
sentem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com direito de
voto e em segunda convocação com qualquer número. No entanto,
em outras hipóteses, a Lei das S.A. fixa um quorum maior para a ins-
talação da assembleia geral extraordinária como é o caso, por exem-
plo, daquelas que têm por fim deliberar sobre: (i) a reforma do estatuto
social, em que se exige a presença de 2/3 (dois terços) do capital vo-
tante para que a assembleia seja instalada em primeira convocação
(artigo 135); e (ii) as matérias elencadas no artigo 136, para as quais
se exige a aprovação de acionistas que representem metade, no míni-
mo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido
pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à ne-
gociação em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão. O artigo 136

110 De acordo com EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO.
Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo: Ed. José Bushatsky, 1979,
p. 395, "convém ter sempre em mente a diferença entre o quorum de instalação e o quorum
de deliberação. O primeiro ê condição de realização da Assembleia. O segundo & requisito
de validade de suas decisões em determinadas matérias."
trata, na realidade, de quorum de deliberação que, nessa hipótese,
confunde-se com o de instalação, pois se apenas essas matérias cons-
tarem da ordem do dia, não faz sentido instalar u m a assembleia que
não poderá deliberar.
O fundamento para a regra prevista neste artigo é, por um lado,
conferir maior legitimidade às deliberações da assembleia geral, asse-
gurando que elas sejam tomadas com a participação de uma parcela
representativa do capital social com direito a voto. Por outro lado, ao
permitir a instalação do conclave, em segunda convocação, com qual-
quer número de acionistas, a Lei das S.A. visa a impedir que o eleva-
do absenteísmo acionário possa impedir a realização das assembleias
gerais, inviabilizando a tomada de decisões de interesse da compa-
nhia. Note-se que a Lei das S.A. determina, no § 4° do artigo 30, que
é vedado às ações mantidas em tesouraria os direitos a voto e a divi-
dendo. Portanto, elas não são computadas no cálculo do quorum de
instalação das assembleias gerais.
Nada impede que o estatuto social fixe um regime de 3 (três)
convocações, e exija um quorum de instalação maior para a primeira
convocação, outro menor para a segunda convocação, prevendo, ain-
da, uma terceira convocação, na qual a assembleia seja instalada com
a presença de qualquer número de acionistas. Esse dispositivo estatu-
tário estará preservando adequadamente os interesses tanto dos acio-
nistas quanto da própria companhia, uma vez que aumenta a
legitimidade das decisões a serem tomadas e impede que o regular
funcionamento da companhia seja prejudicado caso os acionistas não
compareçam às assembleias gerais em número significativo.
O § I o do artigo 124 estabelece u m período m í n i m o de antece-
dência para a convocação das assembleias gerais, a fim de assegurar
que os acionistas minoritários t e n h a m t e m p o hábil para se preparar
para o conclave e exercer o direito de voto de forma adequada, podendo
os estatutos livremente dilatar esse prazo, desde que sejam respeitados
os prazos mínimos de antecedência111: (i) nas companhias fechadas,
deve ser de, no mínimo, 8 (oito) dias e 5 (cinco) dias de antecedência
para a primeira e segunda convocação, respectivamente; e (ii) nas
companhias abertas, de 15 (quinze) dias, em primeira convocação, e
de S (oito) dias, em segunda convocação (incisos I e II do § 1° do
artigo 124). Assim, o estatuto de uma companhia aberta pode, por
exemplo, estabelecer 3 (três) convocações, devendo a primeira ser
publicada com, no mínimo, 30 (trinta) dias de antecedência da reali-
zação da assembleia geral, a segunda com 15 (quinze) dias e a terceira
com 8 (oito) dias, correspondendo a 3 (três) tipos de quorum de insta-
lação diferentes, tal como: 35% (trinta e cinco por cento), 25% (vinte
e cinco por cento) e qualquer número de acionistas.
Não obstante o artigo 124 fazer referência a apenas 2 (duas) con-
vocações, o artigo 88 do Decreto-Lei n° 2.627/1940, que tratava da
mesma matéria, estabelecia que a primeira convocação deveria ser rea-
lizada com 8 (oito) dias de antecedência e as convocações posteriores
com 5 (cinco) dias m . A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976,
justificou a alteração introduzida no § 1° do artigo 124, ou seja, de se
estabelecer apenas 2 (duas) convocações, no sentido de que a prática
evidenciava a desnecessidade de uma terceira convocação,"porque trans-
forma a segunda convocação em ritual vazio e inoperante."
A redução do número de convocações para apenas 2 (duas) teve
por fim facilitar as atividades da companhia, agilizando o seu proces-
so decisório, mas deve ser entendida como um número mínimo a ser
observado pelas companhias; não há nenhum impedimento legal à
inclusão no estatuto social de regra que estabeleça que a realização da
assembleia geral deva ser precedida de 3 (três) convocações. Assim,

111 Ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.


112 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2a edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 88, ao comentar o art. 88 do Decreto-Lei n° 2.627/1940, concluiu que
"são precauções que a lei toma {...), a lim de evitar abusos que, pelo menos em outras terras,
foram habituais, e sempre com o objetivo de lesar os acionistas."
estando em conformidade com o interesse social, pode ser estabeleci-
do no estatuto que a primeira convocação da assembleia geral deverá
observar um quorum de instalação superior ao de, no mínimo, 1/4
(um quarto) do capital social com direito de voto, pois este dispositivo
não diminui a proteção do acionista de comparecer à assembleia; pelo
contrário, a companhia estará assegurando a participação da maior
parte de seus acionistas ao conclave113.
A única norma sobre essa matéria que não pode ser alterada é a que
determina que a assembleia geral se instale, em segunda convocação -
ou terceira, quando for o caso - com qualquer número de acionistas pre-
sentes, pois visa a proteger o interesse social relativo ao funcionamento
da companhia, uma vez que a exigência, em última convocação, de um
quorum mínimo poderia tornar inviável a instalação da assembleia.
Nesse sentido, quando a Lei das S.A. pretendeu vedar determi-
nado procedimento relativo a quorum, ela o fez de forma explícita,
conforme o disposto no artigo 129, que só admite que o estatuto so-
cial introduza quorum, qualificado para determinadas matérias da com-
petência da assembleia geral quando a companhia for fechada. Nas
companhias abertas prevalece a regra de que as decisões devem ser
tomadas pela maioria absoluta dos votos, não se computando os vo-
tos em branco, ressalvadas as exceções previstas na Lei das S.A.
Em algumas companhias de "controle pulverizado", também cha-
mado "controle gerencial", no qual não se identifica a figura do acio-
nista controlador114, as 3 (três) convocações não só se justificam como
constituem medida de prudência, tendo em vista o grau de dispersão
acionária, a presença, em alguns casos, de acionistas estrangeiros nas
assembleias gerais e as regras para a sua participação no conclave.

113 Sobre esse assunto, ALOYSIO LOPES PONTES. Sociedades Anônimas, v. II, 4a edição, Rio
de Janeiro: Forense, 1957, p. 81, observa que: "Os estatutos podem exigir maior número de
acionistas para formação do quorum de instalação, seja das assembleias ordinárias, seja
das extraordinárias, acima aludidas, de vez que a lei fixa o limite mínimo e não o limite
máximo que, entretanto, não deverá, se estabelecido pelos estatutos, tornar praticamente
impossível a realização das assembleias gerais em primeira convocação."
114 Sobre o "controle pulverizado", ver os comentários ao art. 116 da Lei das S.A.
A instalação válida e eficaz de uma assembleia geral depende da
observância do quorum legal previsto na Lei das S.A. e nos estatutos
sociais115. O quorum de instalação é verificado com base nas assinatu-
ras lançadas pelos acionistas no "Livro de Presença"116- observado,
inclusive, o disposto no parágrafo único do artigo 127, acrescentado à
Lei das S.A. pela Lei n° 12.431/2011 - e no seu cálculo são conside-
radas apenas as ações com direito de voto, independentemente de
estarem, ou não, integralizadas. As ações dos acionistas que se acham
impedidos de votar em determinadas matérias objeto da ordem do dia
- como, por exemplo, as dos administradores, quando a ordem do dia
tratar da aprovação de suas contas - não estão excluídas do cálculo do
quorum de instalação, pois a Lei das S.A. determina que ele seja apu-
rado com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4
(um quarto) do capital social com direito de voto.
Tendo em vista a diferença existente entre o quorum de instalação
e o de deliberação, não é necessário que o primeiro persista durante
todo o conclave. Caso algum acionista se retire da assembleia durante a
sua realização, ela será válida desde que conste da ata a assinatura de
acionistas em número suficiente à constituição da maioria necessária
para as deliberações tomadas117-118.
As ações com voto limitado (artigo 110) entram no computo do
quorum de instalação, pois a limitação é apenas numérica. No caso

115 Sobre a anulabilidade das deliberações assembleares, ver os comentários ao art. 286 da Lei
das S.A.
116 Determina o art. 127 da Lei das S.A. que: "Antes de abrir-se a assembleia, os acionistas
assinarão o 'Livro de Presença', indicando o seu nome, nacionalidade e residência, bem
como a quantidade, espécie e classe das ações de que forem titulares."
117 Consta do caput do art. 130 da Lei das S.A. que: "Dos trabalhos e deliberações da
assembleia será lavrada, em livro próprio, ala assinada pelos membros da mesa e pelos
acionistas presentes. Para validade da ata é suficiente a assinatura de quantos bastem para
constituir a maioria necessária para as deliberações lomadas na assembleia. Da ata tirar-se-ão
certidões ou cópias autênticas para os fins legais."
118 No mesmo sentido, CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 3,
São Fàulo: Saraiva, 1973, p. 57-58. Em sentido contrário, MODESTO CARVALHOSA: Comen-
tários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4'1 edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 685; JOSÉ
WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a 188)..., v. II,
p. 80-81.
das ações com voto restrito, como a limitação é ratione materiae, o
presidente da mesa deverá verificar as matérias relativamente às quais
essas ações estão impedidas de votar; serão computadas apenas quando
a ordem do dia tratar de matéria relativamente às quais os seus titula-
res possam votar119. Quando a mesma assembleia contiver delibera-
ções em que os preferencialistas podem votar em algumas e estiverem
proibidos de votar em outras, o quorum de instalação deverá ser verifi-
cado para cada um dos casos120.
De acordo com o parágrafo único, todos os acionistas, ainda que
não tenham direito de voto, podem participar da assembleia geral e
discutir a matéria submetida à deliberação. Tendo em vista que a Lei
das S.A. estabelece como direito essencial o de fiscalizar a gestão dos
negócios sociais (artigo 109, inciso III), o acionista, mesmo que não
tenha direito de voto, pode comparecer à assembleia e participar das

119 No mesmo sentido, RICARDO TEPEDINO, "Assembleia Geral". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 914, observa que: "Não obstante todo e qualquer acionista possa comparecer à
Assembleia e usar da palavra para debater os pontos em discussão (art 125, par. único), só
entra na base de cálculo do quorum as ações com direito a voto. Assim, as preferenciais
serão computadas quando da ordem do dia constar matéria em que elas, por força de lei ou
do estatuto, puderem votar. Quid júris se a mesma pauta contiver matéria para a qual os
preferencialistas estão aptos a deliberar e outra onde suas ações não desfrutam do direito
de voto? Parece só haver uma única solução: o quorum de instalação será verificado
separadamente para ambos os casos. Se um deles não se alcançar o número legal, o
respectivo termo não será levado a deliberação." Em sentido contrário, TRAJANO DE
MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações..., v. II, p. 98, para o qual tanto as ações com
voto limitado quanto as com voto restrito entram no computo do quorum de instalação.
MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. .2, p. 691,
diverge parcialmente desse entendimento, pois conclui, no que se refere às ações com voto
restrito, que "se o estatuto restringe o voto para as matérias próprias da assembleia ordinária
(art. 132), não serão elas consideradas para a formação do respectivo quorum." No entan-
to, observa que, se a restrição referir-se a matérias próprias da assembleia extraordinária,
essas ações devem ser computadas no cálculo do quorum de instalação, bem como na
hipótese de constar da ordem do dia, seja a assembleia ordinária ou extraordinaVia, maté-
rias não contempladas pela restrição estatutária do voto, ocasião em que entende que "a
solução será computar plenamente tais ações para a instalação."
120 FERNANDO NETTO BOITEAUX, "Voto Minoritário e Quorum na Assembleia Geral da Socie-
dade Anônima", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico c Financeiro. São Raulo:
Ed. Malheiros, v. 75, julho-setembro, 1989, p. 100-103, obsena que não deve ser considerado
para efeito de quorum de instalação da assembleia geral os votos dos que estão impedidos de
formar a deliberação, pois "o entendimento contrário levaria a admitir uma absurda capacidade
de bloqueio (não dar quorum) àquelas pessoas que a lei impede que venham mais tarde a
deliberar. Ou seja, não poderiam deliberar, mas poderiam bloquear!"
discussões, não da deliberação, das matérias objeto da ordem do dia,
bem como lavrar o seu protesto, que deverá constar da ata.
Assim, os únicos acionistas que não podem participar da assem-
bleia geral são aqueles que tiveram seus direitos suspensos por terem
deixado de atender obrigação imposta pela Lei das S.A. ou pelo esta-
tuto e que, até a data da realização do conclave, não tenham cumpri-
do com essa obrigação (artigo 120).

Legitimação e representação
"Art. 126. As pessoas presentes à assembleia deverão provar a sua
qualidade de acionista, observadas as seguintes normas:

I - os titulares de ações nominativas exibirão, se exigido, docu-


mento hábil de sua identidade;

II - os titulares de ações escriturais ou em custódia nos termos do


artigo 41, além do documento de identidade, exibirão, ou deposi-
tarão na companhia, se o estatuto o exigir, comprovante expedido
pela instituição financeira depositária. (Redação dada pela Lei n°
9.457/1997)

III - os titulares de ações ao portador exibirão os respectivos cer-


tificados, ou documento de depósito nos termos do número II;

IV - os titulares de ações escriturais ou em custódia nos termos


do artigo 41, além do documento de identidade, exibirão, ou de-
positarão na companhia, se o estatuto o exigir, comprovante ex-
pedido pela instituição financeira depositária.

§ 1° O acionista pode ser representado na assembleia geral por


procurador constituído há menos de 1 (um) ano, que seja acio-
nista, administrador da companhia ou advogado; na companhia
aberta, o procurador pode, ainda, ser instituição financeira, ca-
bendo ao administrador de fundos de investimento representar
os condôminos.

§ 2° O pedido de procuração, mediante correspondência, ou anún-


cio publicado, sem prejuízo da regulamentação que, sobre o as-
sunto vier a baixar a Comissão de Valores Mobiliários, deverá
satisfazer aos seguintes requisitos:

a) conter todos os elementos informativos necessários ao exercí-


cio do voto pedido;

b) facultar ao acionista o exercício de voto contrário à decisão


com indicação de outro procurador para o exercício desse voto;

c) ser dirigido a todos os titulares de ações cujos endereços cons-


tem da companhia. (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

§ 3° E facultado a qualquer acionista, detentor de ações, com ou


sem voto, que represente 0,5% (meio por cento), no mínimo, do
capital social, solicitar relação de endereços dos acionistas, para
os fins previstos no § 1°, obedecidos sempre os requisitos do pará-
grafo anterior. (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

§ 4o Têm a qualidade para comparecer à assembleia os represen-


tantes legais dos acionistas."

A Lei n 8.021/1990, extinguindo os títulos ao portador e os


endossáveis, alterou a redação do artigo 20 e a única forma de ação
atualmente admitida pela Lei das S.A. é a nominativa, razão pela
qual o inciso III do caput deste artigo está derrogado. A Lei n° 9.457/
1997, que deu nova redação ao artigo 126, não revogou expressamen-
te o inciso IV do caput que, por isso, ficou com redação idêntica à do
inciso II e também encontra-se derrogado.
A assembleia geral é a reunião dos acionistas para deliberar so-
bre matéria de interesse social. Constitui o órgão máximo da compa-
nhia, de caráter exclusivamente deliberativo, que reúne todos os
acionistas, com ou sem direito a voto ou com voto restrito. A assem-
bleia tem competência para decidir todos os negócios relativos ao
objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à
sua defesa e desenvolvimento121. Portanto, apenas os acionistas e seus
representantes legais podem, a princípio, participar dos conclaves122.
Os administradores, auditores e membros do conselho fiscal de-
verão estar presentes à assembleia geral para atender aos pedidos de
esclarecimentos dos acionistas (artigos 134, § 1°, e 164). Admite-se,
também, a presença de funcionários e assessores da companhia para
auxiliar os trabalhos da assembleia123.
O acionista que tiver seu direito suspenso por ter deixado de cum-
prir obrigação imposta pela Lei das S.A. ou pelo estatuto e que, até a
data da realização do conclave, não tiver cumprindo com essa obriga-
ção (artigo 120), não tem direito de participar das assembleias gerais.
Os titulares de ações sem direito de voto podem comparecer à assem-
bleia e discutir a matéria submetida à deliberação (artigo 125, parágrafo
único).
A ação nominativa pode apresentar-se sob as formas registrada e
escriturai; é aquela em que o nome do seu titular está inscrito no "Livro
de Registro de Ações Nominativas" da companhia - no caso de ser ela
registrada (artigo 100, inciso I) - ou no registro na conta de depósito das

121 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 121 da Lei das S.A.
122 A CVM, por meio do Parecer CVM/SJU n° 037/1981, se manifestou no sentido de que: "A
presença de não acionista da companhia em assembleia geral não acarreta, por si só, a
nulidade da assembleia, podendo ensejar ação de responsabilidade civil se apurado
prejuízo decorrente da quebra de sigilo de assuntos internos da companhia. Compele à
CVM apurar a existência da irregularidade no âmbito administrativo, mediante inquérito,
aplicando aos infratores as penalidades do artigo 11 da Lei n° 6.335/76."
123 ALFREDO SÉRGIO LAZZARESCFII NETO. Lei das Sociedades por Ações Anotadas. 3a
edição, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 245, observa que: "Eventuais dúvidas levantadas
sobre a qualidade das pessoas presentes à assembleia deverão ser submetidas pela mesa
diretora à deliberação da assembleia geral, que decidirá por maioria."
ações, aberta em nome do acionista nos livros da instituição financeira
.. depositária de suas ações - no caso de ser ela escriturai (artigo 35)124.
Por isso, a Lei das S.A. determina que, para participar das assem-
bleias gerais, os acionistas titulares de ações nominativas registradas
exibirão, se exigido, documento hábil de sua identidade; os titulares
de ações escriturais, além do documento de identidade, exibirão ou
depositarão na companhia, se o estatuto exigir, comprovante expedi-
do pela instituição financeira depositária125-126.
No caso de ações escriturais, como o acionista só pode exercer os
direitos de participar das deliberações sociais, votar e receber dividendos
se o seu nome estiver inscrito no extrato emitido pela instituição deposi-
tária, a companhia pode exigir do acionista, como condição para o exer-
cício dos seus direitos, além do extrato — que deverá ser depositado na
companhia, se o estatuto assim determinar —, a respectiva identidade12/.
Se as ações estiverem em custódia, deverá o acionista exibir, além
do documento de identidade, o comprovante expedido pela institui-
ção financeira depositária128. A custódia de ações fungíveis transfere

124 O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no julgamento da Apelação Cível n° 1997.008622-9,


Rei. Des. Eder Craf, j. em 10.02.1998, decidiu que: "Uma vez anotada a transferência das ações
no livro próprio, não há como obstar a participação dos novos acionistas na assembleia geral, sob
pena de nulidade." A 9 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeira, no
julgamento da Apelação Civil n° 2002.001.18426, Rei. Des. Laerson Mauro, j. em 17.12.2002,
publicado no D O em 24.02.2003, decidiu que: "Não é proprietário de ações nominativas
aquele que não consta, como tal, no livro de registro. A aquisição de ações nominativas por ato
judicial deve ser objeto de averbação; somente depois disto é que pode o interessado, ostentan-
do a condição de acionista, exercer os respectivos direitos."
125 Ver os comentários aos arts. 20, 34 e 35 da Lei das S.A.
126 Sobre o depósito prévio dos documentos, a Instrução CVM n° 481/2009 determinou, no
§ 2 o do art. 5 o , que "o acionista que comparecer à assembleia munido dos documentos
exigidos pode participar e votar, ainda que tenha deixado de depositá-los previamente."
127 A CVM, por meio do Rarecer CVM/SJU n° 018/1979, se manifestou no sentido de que: "A
Lei, quando clara, não requer interpretação. A comprovação da qualidade do acionista,
antes ou na data da AGE, faz-se de acordo com o art. Í26, combinado com os arts. 31, 32,
33 e 34 da Lei n. 6.404/76; e, supletivamente, por outros meios admitidos em Direito."
128 A Instrução CVM n° 115/1990 dispõe sobre a prestação de serviço de custódia fungível de
ações nominativas. Nos termos do art. 6o, o acionista pode exercer seus direitos em assembleia
geral simplesmente apresentando um comprovante emitido pela instituição prestadora dos
serviços de custódia. No art. 7o, por sua vez, há a previsão de que a instituição custodiante,
"por ocasião do exercício do direito de voto, exercício de direito de preferência, distribuição de
dividendos ou bonificações e em qualquer caso, no último dia útil de cada trimestre civil",
deverá fornecer à companhia a lista dos titulares de ações em custódia. Ou seja: a lista emitida
pela instituição custodiante servirá para a companhia conhecer seus próprios acionistas.
à instituição financeira depositária, era caráter provisório, indepen-
dentemente de procuração, o direito de receber, em nome do efetivo
titular, dividendos, bonificações e o de exercer o direito de preferência
para a subscrição de ações (artigo 42, capul). No entanto, a transfe-
rência da propriedade fiduciária não outorga às instituições depositá-
rias o direito de votar com as ações custodiadas129. Embora haja
presunção de propriedade das ações nominativas com a inscrição do
nome do acionista no "Livro de Registro de Ações Nominativas" ou
no extrato emitido pela instituição depositária, na qualidade de pro-
prietária fiduciária das ações130, de acordo com o § 4° do artigo 41, a
propriedade das ações em custódia fungível é provada pelo contrato
firmado entre o proprietário das ações e a instituição depositária.
Sem a exibição dos documentos acima mencionados, o acionista
não poderá assinar a "Lista de Presença" e participar da assembleia geral,
observada a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários face à
introdução, pela Lei n° 12.431/2011, de parágrafo único ao artigo 121.
No caso das ações escriturais, a Lei das S.A. determina que a insti-
tuição depositária deve fornecer o extrato da conta de depósito das ações
(i) ao acionista, sempre que solicitado, ao término de cada mês em que
for movimentada e, ainda que não haja movimentação, ao menos uma
vez por ano (artigo 35, § 2°); e (ii) à companhia, uma vez ao ano, junta-
mente com a cópia da Esta de acionistas com a quantidade das respecti-
vas ações, que serão encadernadas em livros autenticados pela Junta
Comercial e arquivados na instituição financeira (artigo 102). No que se
refere às ações em custódia, a instituição depositária é obrigada a comu-
nicar à companhia emissora: (i) imediatamente, o nome do proprietário
efetivo quando houver qualquer evento societário que exija a sua identifi-
cação; e (ii) no prazo de até 10 (dez) dias, a contratação da custódia e a
criação de ônus ou gravames sobre as ações (artigo 41, § 3°).

129 Ver 05 comentários ao art. 41 da Lei das S.A.


130 Ver os comentários ao art. 31 da Lei das S.A.
REPRESENTAÇÃO D O A C I O N I S T A

O § 1° regulou o voto por procuração, permitindo que o acionista


que não possa comparecer pessoalmente à assembleia geral seja repre-
sentado por procurador desde que tenha sido constituído há menos de 1
(um) ano e seja acionista, administrador da companhia ou advogado, ou,
em se tratando de companhia aberta, de instituição financeira. Cabe ao
administrador de fundos de investimento representar os condôminos131-132.
O fundo de investimento é gerido na forma de condomínio en-
tre os seus quotistas e cabe ao administrador do fundo a sua gestão.
Tendo em vista tratar-se da administração de bens de terceiros, o ges-
tor não é mandatário dos quotistas, mas seu representante legal133.
Ou seja, trata-se da hipótese regulada no § 4° deste artigo.
O prazo do mandato é de menos de 1 (um) ano, mas quando
outorgado nos termos de acordo de acionistas para proferir, em as-
sembleia geral ou especial, voto contra ou a favor de determinada
deliberação, poderá prever prazo superior (artigo 118, § 7°). No en-
tanto, os estatutos sociais não podem limitar o prazo do mandato,
tendo os acionistas ampla liberdade para estipulá-lo, observada a re-
gra de que procurador tem que ser constituído há menos de 1 (um)

131 Sobre a presença de advogado em assembleias gerais, FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de
Direito Comercial, v. 2, 13a edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 217-218, observa que ele
pode comparecer ao conclave como procurador do acionista, para discutir e votar em
nome dele as matérias a serem deliberadas ou, então, com fundamento no art. 7o, inciso VI,
aliena "d", do Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/1994): "De acordo em esse dispositivo,
ê prerrogativa do advogado ingressar livremente em qualquer assembleia de que participe
o seu cliente. Aqui ele não atua no lugar do acionista, mas o acompanha, para dar-lhe
assessoramento jurídico."
132 A CVM, por meio do Parecer CVM/SJU n° 007/1995, manifestou-se no seguinte sentido:
"Impossibilidade legal do administrador de fundo de investimentos designar analista de
investimento, ou qualquer outra pessoa, para representar os interesses dos condôminos nas
assembleias gerais dos acionistas das companhias investidas."
133 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 707, observa que o administrador de fundos de investimento,
ao representar o condomínio acionário, exerce uma representação orgânica, pois "é um
condomínio institucional que constitui quase uma pessoa jurídica. Isto, em face das
características de patrimônio apartado que apresenta, além de possuir órgãos próprios,
como o do administrador e da assembleia geral dos condôminos."
ano da data da realização da assembleia geral. Podem os estatutos
determinar que a procuração deva ser depositada na companhia com
certa antecedência, a fim de assegurar o perfeito funcionamento e
instalação da assembleia na hora prevista no edital de convocação134.
No entanto, a Comissão de Valores Mobiliários determinou que, no
caso de companhias abertas, o acionista que comparecer à assembleia
geral munido dos documentos exigidos pode participar e votar, ainda
que tenha deixado de depositá-los previamente135.
O voto será exercido de acordo com a orientação do acionista (ou-
torgante). Não se trata de alienação de voto, que é vedado pela Lei das
S A . A procuração é outorga de poder e não convenção de voto136. A
procuração pode ter por objeto a representação do acionista e o exercí-
cio do voto em todas as matérias objeto da ordem do dia ou apenas para
as especificamente relacionadas na procuração; haverá abstenção de
voto relativamente às matérias excluídas do instrumento. Um único
procurador poderá representar diversos acionistas, votando de um modo
em nome de uns e de forma diversa em nome de outros.
É vedado ao procurador, quando for administrador da compa-
nhia, votar em nome do outorgante quando a deliberação tratar da
aprovação das contas dos administradores e da discussão e votação
das demonstrações financeiras (artigo 134, § 1°).
O exercício do voto pelo mandatário com violação às orienta-
ções do mandante constantes do instrumento de mandato não acar-
reta a invalidade do voto proferido na assembleia geral; caberá ao
acionista (outorgante) requerer a reparação pelos prejuízos decorren-
tes do descumprimento de suas diretrizes137. Mas, a regra constante

134 Sobre o edital de convocação, ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
135 Art. 5 o , § 2 o , da Instrução CVM n° 481/2009.
136 Sobre esse assunto, ver PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3a edição,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1965, p. 308-309.
137 No mesmo sentido, FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4a
edição, revista e atualizada por Roberto Papini, Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 458;
FÁBIO APPENDINO, "O Instituto do Direito de Voto em um Contexto de Dispersão
Acionária". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luiz André N. de Moura Azevedo (Coord.).
Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais. São
Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 449-450.
do § 1", que estabelece os requisitos para que o mandatário possa
representar o acionista, é cogente; a sua infração acarreta a nulidade
dos atos do mandatário constituído com violação dessa norma.
O instrumento de mandato não está condicionado ao reconhe-
cimento de firma por parte do outorgante. Mas, se a companhia o
exigir, deverá ser observado. O próprio Código Civil determina que a
exigência de reconhecimento de firma é uma mera faculdade do ter-
. ceiro com o qual o procurador irá se relacionar138; sendo uma faculda-
de, pode ser dispensada139. Por sua vez, não contém a Lei das S.A.
dispositivo exigindo o reconhecimento de firma por parte do outor-
gante de procuração nem a sua consularização140.
O fato de o acionista ter outorgado procuração não o impede
de comparecer à assembleia geral e exercer o voto, independente-
mente da revogação do mandato. G mandato pode ser revogado a
qualquer tempo 141 e o mandatário também pode a ele renunciar.
O mandato será extinto não só pela revogação ou renúncia, como

138 Art. 654, § 2°, do Código Civil. O acionista, ao outorgar procuração, deverá observar os
requisitos constantes dos arts. 653 e seguintes do Código Civil.
139 A CVM, por meio da Instrução CVM n°'317/1999, que dispõe sobre o registro na CVM de
Programas de "Depositary Receipts" - DR's, para negociação no exterior, com as alterações
introduzidas pelas Instruções CVM nos 334/2000 e 342/2000, determinou, no art. 3°-B,
que: "Para fins do disposto no § Io do art. 126 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de
1976, as companhias de que trata esta Instrução podem dispensar a notarização e o
reconhecimento de firmas dos instrumentos de procuração outorgados por seus acionistas,
desde que haja previsão estatutária neste sentido."
140 O Colegiado da CVM, no Processo Administrativo CVM n° RJ 2008/1794, Rei. Dir. Sérgio
Weguelin, em reunião realizada em 24.06.2008 ("Consulta sobre a Possibilidade de
Utilização de Procurações deVoto em Forma Digital nas Assembleias Gerais"), se manifes-
tou no sentido de que: "Da conjunção das exigências feitas pelo Código Civil e pela Lei das
S.A., percebe-se que em nenhum momento se prevê o reconhecimento de firma ou a
consularização das procurações. Assim, a companhia sempre poderá, a seu critério, dispen-
sar o reconhecimento de firma e a consularização dos instrumentos de procuração outorga-
dos pelos acionistas a seus representantes."
141 Sobre a revogação do mandato, o Código Civil, nos arts. 686 e 687, determina que: "Art.
686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos
terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as
ações que no caso lhe possam caber contra o procurador. Parágrafo único, f; irrevogável o
mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos
quais se ache vinculado. Ari 687. Tanto que for comunicada ao mandatário a nomeação de
outro, para o mesmo negócio, considerar-se-á revogado o mandato anterior."
também pelo término do seu prazo de vigência - que, nos termos
do § 1°, será de menos de 1 (um) ano142.
Qualquer acionista pode outorgar procuração com poderes para
ser representado em assembleia geral. Não há nenhuma restrição quanto
ao voto em assembleia por meio de poderes outorgados por acionistas
com assinatura eletrônica e certificação digital143. Os acionistas não
precisam mais imprimir as procurações disponíveis nos manuais de as-
sembleia e enviar o documento por correio. A companhia poderá con-
tratar empresa para prestar serviço ou disponibilizar em seu site acesso
à outorga de procuração digital de voto, sendo permitido o uso da certi-
ficação eletrônica por meio escolhido pela companhia.

P E D I D O DE P R O C U R A Ç Ã O

Caso a procuração de que trata o § 1° seja outorgada em virtude de


solicitação feita por correspondência ou anúncio publicado, ela deverá
observar os requisitos estabelecidos no § 2°, a saber: (i) conter todos os
elementos informativos necessários ao exercício do voto pedido; (ii) fa-
cultar ao acionista o exercício de voto contrário à decisão com indicação

142 Determina o art. 682 do Código Civil que: "Art 682. Cessa o mandato: I - pela revogação
ou pela renúncia; li - pela morte ou interdição de uma das partes; III - pela mudança de
estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer; IV
- pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio."
143 A Medida Provisória n° 2.200-2/2001, que institui a infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira - ICP-Brasil, no art. 10, expressamente reconhece a validade jurídica dos docu-
mentos assinados por meio eletrônico, a saber: "Art. 10. Consideram-se documentos públi-
cos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta
Medida Provisória. § 1°. As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica
produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil
presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei n° 3.071,
de Io de janeiro de 1916 - Código Civil. § 2o. O disposto nesta Medida Provisória não
obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos
em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil,
desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o
documento." O art. 219 do Código Civil determina que: "As declarações constantes de
documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários." Note-se que
a Emenda Constitucional n° 32/2001 determinou no art. 2° que: "As medidas provisórias
editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que
medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do
Congresso Nacional." A Medida Provisória n° 2.200-2/2001 foi publicada em agosto de
2001 e a Emenda Constitucional em setembro de 2001.
de outro procurador para o exercício desse voto; e (iii) ser dirigido a
todos os titulares de ações cujos endereços constem da companhia144.
Assim, nos termos do § 2°, o próprio acionista pode manifestar
interesse em representar outros acionistas em assembleia ou o admi-
nistrador da companhia pode solicitar aos acionistas a outorga desses
poderes145. Aplica-se a essa disposição a regra do § 1°; ou seja, o pro-
curador a quem será outorgada a procuração para votar deve ser acio-
nista, administrador da companhia, advogado ou, ainda, no caso de
companhia aberta, instituição financeira.
No Brasil, admite-se, com a entrada em vigor, em 27.06.2011,
da Lei n° 12.431, a realização de assembleias gerais com a presença
física de alguns acionistas e/ou de seus procuradores e/ou mediante
a participação à distância, com o emprego de recursos digitais, nos
termos do parágrafo único do artigo 121 146J47(p se&l

144 Sobre os pedidos de procuração, EVANDRO FERNANDES DE PONTES, "Pedido Público


de Procuração (Notas Sobre a Representação em Assembleias Gerais de Companhias Aber-
tas no Brasil)". In: Marcelo Vieira Von Adamek. Temas de Direito Societário e Empresarial
Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 335, observa que: "Á tipicidade desse
negócio jurídico de representação voluntária (...) impõe-se a obediência dos preceitos
decorrentes dos arts. 7 75 a 720 do Código Civil: (i) os poderes de representação são
conferidos pelo interessado; (ii) o representado sofre os efeitos do ato praticado pelo
representante; (iii) na representação voluntária é válido o negócio jurídico praticado pelo
representante consigo mesmo; (iv) sendo, por fim, anulável o negócio jurídico que o
representante praticou em conflito de interesses com o representado."
145 Nos Estados Unidos, esse mecanisfno denomina-se proxy machinery. NORMAN D. LATTIN.
The Law of Corporations. Mineola, New York: The Foudation Press, 1971, p. 365, observa
que: "Where voting shares are widely dispersed the only practical way that the voting
franchise can be exercised is through the appointment of agents, called proxies, who will
be personally present to vote the shares of absent owners at the meeting. Without the use
of this device, many corporations would find it impossible to obtain a quorum to hold a
meeting." Esse autor define o termo "proxy" como: "The term 'proxy' is also used to
designate the written or printed instrument by wich the agency is created. It is also used as
the term 'authority' is used in creating an agency. The term 'proxy' is a contraction of
'procuracy' wich means, among other things, the act of officiating as an agent for another."
146 Sobre a assembleia geral, consta do item 12.2 do "Formulário de Referência" (documento que
substitui o antigo "Formulário de Informações Anuais" - IAN e que passou a desempenhar
papel de um prospecto permanente, reunido informações relativas à companhia de capital
aberto, tais como: atividades, fatores de risco, administração, estrutura de capital, dados
financeiros, comentários dos administradores sobre tais dados, valores mobiliários emitidos,
operações com partes relacionadas, etc.), aprovado pela Instrução CVM n° 480/2009, que a
companhia deve descrever as regras, polfticas e práticas relativas às assembleias gerais,
indicando: (i) prazos de convocação; (ii) competências; (iii) endereços (ffsico ou eletrônico)
nos quais os documentos relativos à assembleia geral estarão à disposição dos acionistas para
A Comissão de Valores Mobiliários, antes da publicação da Lei
n° 12.431/2011, já havia se manifestado no sentido de que é possível
o uso de alguns recursos digitais em assembleias gerais, tais como (i)
a transmissão por vídeo, áudio e internet; e (ii) a manutenção de blog
ou fórum que podem ser mantidos abertos durante a assembleia a fim
de que os acionistas ausentes possam se manifestar148-149-150.
Tendo em vista o § 2°, a Comissão de Valores Mobiliários, visando a
reduzir o absenteísmo nas assembleias gerais e a conseqüente dificuldade

análise; (iv) identificação e administração de conflitos de interesses; (v) solicitação de


procurações pela administração para o exercício do direito de voto; (vi) formalidades
necessárias para aceitação de instrumentos de procuração outorgados por acionistas, indi-
cando se a companhia admite procurações outorgadas por acionistas por meio eletrônico;
(vii) manutenção de fóruns e páginas na rede mundial de computadores destinados a
receber e compartilhar comentários dos acionistas sobre as pautas das assembleias; (viii)
transmissão ao vivo do vídeo e/ou do áudio das assembleias; e (ix) mecanismos destinados
a permitir a inclusão, na ordem do dia, de propostas formuladas por acionistas.
147 A CVM, por meio da Instrução CVM n° 481/2009, que entrou em vigor em 01.01.2010,
instituiu uma nova disciplina aos assuntos relacionados às assembleias gerais e especiais de
acionistas de companhias abertas, tratando de matérias relacionadas às informações que devem
acompanhar os anúncios de convocação e às informações e documentos relativos às matérias
a serem deliberadas. Sobre esse assunto, ver o Ofício-Circular CVM/SEP n° 004/201 í .
148 O Coíegiado da CVM, no Processo Administrativo CVM n° RJ 2008/1794 Rei. Dir. Sérgio
Weguelin, em reunião realizada em 24.06.2008 ("Consulta sobre a Possibilidade de Utili-
zação de Procurações de Voto em Forma Digital nas Assembleias Gerais"), assim se mani-
festou: "(...) não há impedimento à manutenção de blogs ou fóruns nos quais os acionistas
possam se manifestar. Tampouco há impedimentos a que estes ambientes permaneçam
abertos durante as assembleias ou que seu acesso seja restrito a acionistas. A companhia
deve, no entanto, avaliar a conveniência de manter tais serviços e a sua capacidade de
gerenciá-los de modo adequado, para evitar, por exemplo, que informações sejam divulgadas
de modo inapropriado ou sirvam de instrumento para a manipulação dos acionistas por
terceiros de má-fé. Uma opção para exercer este controle é deixar claro que o conteúdo ali
disponibilizado é de responsabilidade de seus usuários, não da companhia. Na hipótese
de a companhia vir a se manifestar nestes fóruns ou blogs, deverá manter a simetria entre as
informações então prestadas e as já divulgadas em seus meios tradicionais de comunicação
com o mercado. (...) Também é importante que a companhia esclareça aos acionistas que
sua participação no fórum ou 'blog' não se confunde com seu voto na assembleia por meio
presencial ou por procurador."
149 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, em julho de 2010, editou o
"Caderno de Boas Práticas para Assembleias de Acionistas", com o objetivo de atrair um
maior número de acionistas para as assembleias e criar um documento de referência, com
orientações sobre os procedimentos que devem ser adotados previamente e após a realiza-
ção de assembleias gerais, tais como: convocação, instalação, disponibilização de infor-
mações, deveres e responsabilidades dos acionistas, deliberação, registro e publicação de
atas, etc.
150 Sobre os novos meios de comunicação e a presença dos acionistas em assembleia geral, ver
os comentários ao art. 121 da Lei das S.A.
de se instalar os conclaves em I a convocação regulamentou, em dezem-
bro de 2009, os pedidos públicos de procuração (froxy solicitatiori) para o
exercício do direito de voto em assembleias gerais de companhias abertas
que possuam ações admitidas à negociação em mercados regulamenta-
dos, conferindo aos investidores uma sistemática mais simples para a par-
ticipação e supervisão dos negócios sociais e com menor custo para o
exercício do direito de voto151-152.
Assim, são considerados pedidos públicos de procuração: (i) os
pedidos que empreguem meios públicos de comunicação, tais como
a televisão, o rádio, revistas, jornais e páginas na rede mundial de
computadores; (ii) os pedidos dirigidos a mais de 5 (cinco) acionis-
tas, quando promovidos, direta ou indiretamente, pela administração
ou por acionista controlador; e (iii) os pedidos dirigidos a mais de 10
(dez) acionistas, quando promovidos por qualquer outra pessoa. É
obrigatório constar expressamente dessas procurações a indicação
de (i) 1 (um) procurador para votar a favor, 1 (um) para se abster e
outro para votar contra cada uma das propostas objeto do pedido; e
(ii) como o procurador deve votar em relação a cada uma das propos-
tas ou, se for o caso, se ele deverá se abster em relação a tais propostas.
Os pedidos públicos de procuração devem ser dirigidos a todos os
acionistas com direito de voto e a procuração outorgada é limitada a
uma única assembleia153-154-155.

151 Instrução CVM n" 481/2009.


152 Sobre a natureza do pedido público de procuração no direito brasileiro, ver EVANDRO
FERNANDES DE PONTES, "Pedido Público de Procuração (Notas Sobre a Representação
em Assembleias Gerais de Companhias Abertas no Brasil)". In: Marcelo Vieira Von Adamek.
Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos..., p. 346 e seguintes.
153 Arts. 22, 24 e 25 da Instrução CVM n° 481/2009.
154 De acordo com o art. 23 da Instrução CVM n° 481/2009 os pedidos públicos de procura-
ção devem ser acompanhados da minuta de procuração e das informações indicadas no
Anexo 23, bem como dos relacionados no § I o .
155 No primeiro semestre após a entrada em vigor da Instrução CVM n° 481/2009, apenas
14 companhias haviam aderido à plataforma eletrônica, a saber: Pelrobrás, BM&FBovespa,
Cielo, Lupatech, Ideiasnet, Bematech, EZ Tec, Eucatex, Metalfrio, BRF-Brasil Foods,
Triunfo, Natura, Eternit e Brasil Telecom.
O acionista, para exercer o direito de voto, não precisa mais des-
pender tempo e dinheiro para se deslocar até o local de realização da
assembleia, que ocorre muitas vezes em cidades diferentes das que
residem, ou até mesmo em outro país. No entanto, o voto por procu-
ração eletrônica não possibilita a efetiva participação do acionista nas
assembleias gerais, pois ele não terá a oportunidade de intervir e nem
acompanhará as discussões e deliberações tomadas156-157.
A companhia que aceita procurações eletrônicas por meio de siste-
ma na rede mundial de computadores deve permitir que acionistas titula-
res de 0,5% (meio por cento) ou mais do capital social também possam
incluir pedidos de procuração no sistema que deverá dar igual destaque
aos pedidos de procuração promovidos pela administração, pelo acionis-
ta controlador e pelos acionistas não controladores158. A companhia que
não aceita procurações eletrônicas por meio de sistema na rede mundial
de computadores deverá ressarcir as despesas incorridas por acionistas

156 FÁBIO APPEND1NO, "O Instituto do Direito de Voto em um Contexto de Dispersão Acionária".
In; Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luiz André N. de Moura Azevedo (Coord.). Poder de
Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais..., p. 455, observa
que: "De todo o modo, a adoção dos pedidos públicos de procuração, ao passo em que
deverá permitir o fácil atendimento dos quoruns de instalação pela considerável outorga de
direitos de representação, não deverá acarretar a massiva presença de acionistas nas assembleias,
posto que os votos serão outorgados a poucas pessoas, notadamente administradores."
157 Essa regra também não solucionou em definitivo a participação de investidores estrangeiros
em assembleias. Ela permite que a notarização - reconhecimento de firma, no qual o
investidor assina o instrumento na frente do notário - e a consularização - análise e
chancela pelo consulado brasileiro do reconhecimento de firma - sejam dispensadas. No
entanto, não determinou que a dispensa seja uma regra, portanto, algumas companhias
ainda as exigem. Há ainda outras exigências que também dificultam a outorga de procura-
ção por parte dos investidores estrangeiros e, portanto, o seu voto nas assembleias gerais,
a saber: (i) o envio de procuração consularizada e notarizada em 2 (duas) vias, inglês e
português, para cada conta de custódia que o investidor possuir; (ii) o elevado custo para
o atendimento dessas burocracias e o pouco tempo para cumpri-las, tendo em vista que a
Lei das S.A determina que, nas companhias abertas, as assembleias são convocadas com
apenas 15 (quinze) dias de antecedência da realização do conclave; (iii) a validade de 1
(um) ano das procurações; etc. Não obstante, a Instrução CVM n° 481/2009 determina, à
companhia que não aceitar procuração eletrônica por meio de um sistema da rede mundial
de computadores, a obrigatoriedade de ressarcir as despesas incorridas com a realização de
pedidos públicos de procuração de acionistas titulares de 0,5% (meio por cento) ou mais
do capital social.
158 Art. 31 da Instrução CVM n° 481/2009.
titulares de 0,5% (meio por cento) ou mais do capital social com a realiza-
ção de pedidos públicos de procuração159.
Quando a administração da companhia tiver a intenção de reali-
zar pedido público de procuração, deverá comunicá-la ao mercado,
por meio de sistema eletrônico na página da Comissão de Valores
Mobiliários na rede mundial de computadores, com, pelo menos, 10
(dez) dias úteis de antecedência, indicando as matérias para as quais
as procurações serão solicitadas160-161.
Para a companhia, pode ser interessante a adoção do procedimen-
to do pedido público de procuração, pois há mais chance de as assem-
bleias realizarem-se em I a convocação, uma vez que aumenta a
possibilidade de atender aos quora de instalação e deliberação e, conse-
quentemente, verifica-se uma redução de custos com a 2 a convocação.
As regras editadas pela Comissão de Valores Mobiliários sobre os
pedidos públicos de procuração foram baseadas no sistema norte-ame-
ricano das Proxy Regulations do Securitíes Exchange Act de 1934, por
meio do qual foi instituído um documento obrigatório para o exercício
do direito de voto em assembleias gerais. Nos Estados Unidos, a instau-
ração do sistema de procuração eletrônica da Securitíes and Exchange

159 Art. 32, caput, da Instrução CVM n° 481/2009. De acordo com o edital de audiência
pública da Instrução CVM n° 481/2009, a CVM, ao condicionar o direito dos acionistas de
se ressarcirem junto à companhia pelas despesas que incorrerem com o pedido público de
procuração à titularidade de ações que representem 0,5% (meio por cento) do capital
social, visou a desestimular pedidos de procuração inútil por parte de acionistas que não
possuam interesse econômico substancial na companhia. De acordo com a CVM, o
percentual de 0,5% (meio por cento) do capital social "indica que o acionista possui um
interesse econômico substancial na companhia. O art. 126 da Lei n° 6.404, de 1976,
reforça essa conclusão ao estabelecer o mesmo patamar como condição para que o acionis-
ta obtenha a relação de endereço dos demais acionistas. Embora a lei e a regulamentação
também utilizem outros percentuais como referência de participação expressiva dos acio-
nistas, a CVM entende que, nos casos em que isso ocorre, os direitos e deveres associados
a essa participação têm um peso bastante maior, como o direito de eleger membros para o
conselho fiscal e para o conselho de administração."
160 Art. 27 da Instrução CVM n° 481/2009.
161 O diretor de relações com investidores não é responsável pelas informações contidas em
pedidos de procuração que não sejam realizados pela administração (art. 26, § 2 o , da
Instrução CVM n° 481/2009).
Commision (SEC), denominado Notice andAccess, possibilitou a redução
significativa dos custos relativos à postagem dos documentos enviados
aos investidores e uma maior participação nas assembleias162.
Não obstante as regras sobre pedido público de procuração, nada
impede que as assembleias gerais sejam realizadas virtualmente, prin-
cipalmente após a publicação da Lei n° 12.431/2011, que ao alterar o
artigo 121 da Lei das S.A., admitiu a participação e o voto à distância
em assembleias gerais. Os estatutos sociais podem prever a realização
de assembleias virtuais, regular os procedimentos para o seu funcio-
namento, bem como os relativos ao exercício do voto online.
O artigo 124 determina no § 2° que a assembleia deve realizar-se
no edifício onde a companhia tiver a sua sede e que em nenhum caso
pode ser realizada fora da localidade em que ela está situada. No entan-
to, em razão dos avanços tecnológicos, da nova realidade em função
dos meios de comunicação existentes e da possibilidade de acompa-
nhamento da assembleia geral à distância, esse dispositivo legal deve
ser interpretado extensivamente, no sentido de que a localidade de rea-
lização da assembleia também pode ser a extensão virtual por meio da
qual o acionista participa do conclave163. A assembleia virtual reduz o
absenteísmo, os custos da companhia com a 2 a convocação, os custos
do acionista com o eventual deslocamento até a cidade na qual se en-
contra situada a sede da companhia, bem como permite a sua efetiva
participação e exercício do direito de voto.

162 Sobre os pedidos públicos de procuração, o Brasil seguiu a tendência norte-americana, ao


lado do Reino Unido e do Japão. HENRY HANSMANN and REINIER KRAAKMAN, "The Basic
Covernance Structure". In: Reinier Kraakman, ftiul Davies, Henry Hansmann, Gerard Hertig,
KlausJ. Hopt, Hideki Kanda e Edward B. Rock. TheAnatomyof Corporate Law-A Comparative
and Functíonal Approach. New York: Oxford University Press Inc., 2007, p. 45-46, observam
que: "Proxy syslems matter in US and the UK, where the modal public company is widely heid.
Proxy systems matter less in Continental Europe, where controlling shareholders frequently
dominate event the largest listed íirms lapan slands between these two extremes, witlr a modal
ownersbip structure that is more dispersed than the typical European company but less so than
the typical American company, and a corporate law that is Cerman at iti core but heavily
iníluenced by an American prototype."
1 63 Nesse sentido, RENATO VENTURA RIBEIRO, "Aplicação de Novas Tecnologias nas Assembleias
Gerais de Sociedades Anônimas". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro Santos de Aragão
(Coord.). Direito Societário - Desafios Atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 292-293.
Por meio dos novos recursos tecnológicos é possível a realização
de assembleias gerais mediante videoconferência164 e o exercício do
voto à distância, sendo recomendável expressa previsão no estatuto
social, regulando o seu procedimento - como, por exemplo, o recebi-
mento de senha eletrônica, a assinatura eletrônica, o registro da pre-
sença, o exercício do voto, etc. - e funcionamento165-166-167(p-ses\

164 O Colegiado da CVM, no Processo Administrativo CVM n° RJ 2008/1794, Rei. Dir. Sérgio
Weguelin, em reunião realizada em 24.06.2008 ("Consulta sobre a Possibilidade de Utili-
zação de Procurações de Voto em Forma Digital nas Assembleias Gerais"), assim se mani-
festou sobre a transmissão de assembleias mediante videoconferência: "(...) não há impedi-
mento à manutenção de blogs ou fóruns nos quais os acionistas possam se manifestar.
Tampouco há impedimentos a que estes ambientes permaneçam abertos durante as
assembleias ou que seu acesso seja restrito a acionistas. A companhia deve, no entanto,
avaliar a conveniência de manter tais serviços e a sua capacidade de gerenciá-los de modo
adequado, para evitar, por exemplo, que informações sejam divulgadas de modo
inapropriado ou sirvam de instrumento para a manipulação dos acionistas por terceiros de
má-fé. Uma opção para exercer este controle é deixar claro que o conteúdo ali disponibilizado
é de responsabilidade de seus usuários, não da companhia. Na hipótese de a companhia
vir a se manifestar nestes fóruns ou blogs, deverá manter a simetria entre as informações
então prestadas e as já divulgadas em seus meios tradicionais de comunicação com o
mercado. (...) Também é importante que a companhia esclareça aos acionistas que sua
participação no fórum ou 'blog' não se confunde com seu voto na assembleia por meio
presencial ou por procurador."
165 Nesse sentido é a Directiva 2007/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de
11.07.2007, relativa ao exercício de certos direitos dos acionistas de sociedades cotadas,
cujo art. 8o, que trata da participação na assembleia por meios eletrônicos, estabelece que:
"1. Os Estados-Membros devem permitir que as sociedades proporcionem aos seus accionistas
qualquer forma de participação em assembleias-gerais por meios electrónicos, nomeadamen-
te alguma ou todas as seguintes formas de participação: a) Transmissão em tempo real da
assembleia-geral; b) Comunicação nos dois sentidos em tempo real, que permita aos accionistas
intervir na assembleia a partir de um local distante; c) Um mecanismo de votação, antes ou
durante a assembleia-geral, sem necessidade de nomear um procurador que esteja fisicamen-
te presente na assembleia. 2. A utilização de meios electrónicos para permitir que os accionistas
participem na assembleia-geral só pode ficar sujeita aos requisitos e condicionalismos neces-
sários para assegurar a identificação dos accionistas e a segurança das comunicações
electrónicas, e apenas na medida em que sejam proporcionais aos objectivos a atingir. A
presente disposição não prejudica quaisquer disposições legais que os Estados-Membros
tenham aprovado ou possam aprovar relativamente ao processo decisório da sociedade para
a introdução." O Código das Sociedades Comerciais Português, com a alteração introduzida
em 2006, por meio do Decreto-Lei n° 76-A, de 29.03.2006, determinou que: "Art. 377.
(...) 5 - A convocatória, quer publicada quer enviada por carta ou por correio electrónico,
deve conter, pelo menos: (...) f) Se o voto por correspondência não for proibido pelos
estatutos, descrição do modo como o mesmo se processa, incluindo o endereço, físico ou
electrónico, as condições de segurança, o prazo para a recepção das declarações de voto e
a data do cômputo das mesmas."
1 66 Sobre esse assunto, ver RICART, ÀLVAREZ e GIFRA. Los Acionistas y el Gobierno de Ia
Empresa. Barcelona: Deusto, 2005, p. 105 e seguintes; GUILHERMO ALCOVER GARAU,
"Aproximacíon al Régimen Jurídico dei Voto Electrónico". In: Artigas, Ureba, Gándara,
Pedro, González e Velasco (Coords.). Derecho de Sociedades Anônimas Cotizadas, t. I,
Madrid: Aranzadi, 2006, p. 385 e seguintes; LUIS FERNANDO DEL POZO e FRANCISCO
observada a regulamentação que vier a ser expedida pela Comissão
de Valores Mobiliários em atenção ao parágrafo único do artigo 121168.

R E L A Ç Ã O DE E N D E R E Ç O S D O S A C I O N I S T A S

A qualquer acionista detentor de ações, com ou sem voto, que re-


presente 0,5% (meio por cento), no mínimo, do capital social, é facultado
solicitar, nos termos do § 3°, a relação de endereços dos demais acionis-
tas, para os fins previstos no § 1°, obedecidos os requisitos do § 2°.
A finalidade do acesso à lista de endereços é a de permitir a re-
presentação de acionistas por procuração em assembleias, indepen-
dentemente da prévia solicitação de procuração pela própria
companhia, tornando possível aos acionistas minoritários uma me-
lhor organização do exercício do direito de voto. Assim, a regra do §
3° aplica-se apenas quando o acionista tem a intenção de contatar

VICENT CHULIÁ, "Internet y Derecho de Sociedades: Una Primera Aproximación", Revista


de Derecho Mercantil. Madrid, v. 237, julho-setembro, 2000, p. 915-1002; PAULO DE
TARSO DOMINGUES, "Os Meios Teiemáticos no Funcionamento dos Órgãos Sociais. Uma
Primeira Aproximação ao Regime do CS". In: Reformas do Código das Sociedades. Almedina:
Coimbra, 2007, p. 87-118; LUÍS MENEZES LEITÃO, "Voto por Correspondência e Realiza-
ção Telemática de Reuniões de Órgãos Sociais". In: A Reforma do Código das Sociedades
Comerciais. Jornadas em Homenagem ao Professor Doutor Raúl Ventura. Almedina:
Coimbra, 2007, p. 269-277.
167 RENATO VENTURA RIBEIRO, "Aplicação de Novas Tecnologias nas Assembleias Gerais de
Sociedades Anônimas". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro Santos de Aragão
ÍCoord.j. Direito Societário - Desafios Atuais..., p. 294, observa que: "Tal forma apresenta
vantagens sobre o voto por correspondência, permitindo o inicio da votação somente após
o término das discussões, inviabilizando eventuais críticas sobre falta de debates e votos
preconcebidos. Como aspecto favorável, está o de viabilizar a maior participação dos
acionistas. As críticas ao voto eletrônico partem dos defensores da deliberação em assembleia
geral presencial. Em especial, apontam a dificuldade e possível falta de discussão das
matérias, tornando a reunião mecânica. Todavia a ausência de debates decorre do
absenteísmo e desinteresse dos acionistas e não do meio eletrônico de votação. Outro
problema pode ser o uso de senhas de acionistas por terceiros. Neste caso, os recursos
tecnológicos devem permitir a supressão dos votos emitidos através de determinada senha,
no caso de votação secreta. Se o acionista fornecer voluntariamente a senha a outra pessoa,
para que ela exerça o direito de voto, tal acordo de vontades eqüivale ã outorga de
mandato. Sendo assim, só haverá irregularidade caso não seja permitida a representação ou
haja impedimento do mandatário. O risco é do acionista, pois não havendo a identificação
do representante, o acionista é o responsável pelo exercício abusivo do voto."
168 A CVM, até novembro de 2011, não havia emitido ato normativo regulamentando o
parágrafo único do art. 121 da Lei das. S.A.
outros acionistas para representá-lo em assembleias gerais. Para que a
solicitação da lista de endereços seja válida, é necessário que a assembleia
já tenha sido convocada ou esteja na iminência de ser convocada169.
Os pedidos de relação de endereços de acionistas devem ser atendi-
dos pela companhia dentro de, no máximo, 3 (três) dias úteis. Esses pedi-
dos podem ser formulados, alternativamente, entre o primeiro dia do
exercício social e a data da realização da assembleia geral ordinária, a data
da primeira convocação e a data de realização de qualquer assembleia
geral extraordinária, e a data da divulgação ao mercado de ato societário
que dependa de deliberação assemblear e a data de realização da respec-
tiva assembleia. A companhia poderá exigir (i) cópia dos documentos
que comprovem que o signatário tem poderes para representar o acionis-
ta; e (ii) declaração de que ele pretende utilizar a lista para os fins do § 1°.
No entanto, a ela é vedado exigir quaisquer outras justificativas para o
pedido, condicionar o seu deferimento ao cumprimento de quaisquer
formalidades e cobrar pelo fornecimento da relação de acionistas170.
A companhia ao fornecer a relação de acionistas não está obriga-
da a identificar a participação acionária de cada um, mas da relação de
endereços deverá constar, obrigatoriamente, o nome de todos os acio-
nistas em ordem decrescente, conforme o respectivo número de ações171.

REPRESENTANTES LEGAIS

Há uma distinção entre a representação legal e a convencional.


A representação é legal quando o poder origina-se de determinação
legal. A representação é convencional ou voluntária, quando uma
pessoa encarrega outra de praticar atos ou administrar interesses em
seu nome mediante a outorga de mandato172.

169 Item 18 do OFício-Circular CVM/SEP n° 004/2011 que trata das orientações gerais sobre
procedimentos a serem observados pelas companhias abertas e estrangeiras.
1 70 Art. 30, §§ 1o, 2° e 3o, da Instrução CVM n° 481/2009.
171 Art. 30, § 4o, da Instrução CVM n° 481/2009.
1 72 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil. v. 1, 22'1 edição, atualizado
por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 617-618.
O § 1° trata da representação convencional do acionista em as-
sembleia, mediante a outorga de poderes por procuração, desde que
constituída há menos de 1 (um) ano e o mandatário seja acionista,
administrador da companhia ou advogado; na companhia aberta, o
procurador pode, ainda, ser instituição financeira.
Para os representantes legais, a Lei das S.A. não estabeleceu
requisitos necessários. De acordo com o § 4°, são representantes
legais, e podem, nessa qualidade, comparecer à assembleia geral,
os pais do menor impúbere, o síndico, o curador, o tutor, o liqui-
dante, o inventariante, bem como todo administrador de bens de
terceiros e os diretores de pessoas jurídicas que sejam titulares de
ações, observadas as regras constantes do estatuto social173-174.
O representante legal também é obrigado a exibir a prova de
sua qualidade, além dos documentos obrigatórios à legitimação dos
acionistas referidos no caput deste artigo.
A representação exercida pelos diretores de pessoas jurídicas
decorre da lei e não de ato voluntário. As pessoas jurídicas, brasilei-

173 A 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 149.802-RS,


Rei. Min. Bueno de Souza, j. em 23.06.1998, publicado no DJU em 12.04.1999, decidiu
que: "(...) não é admissível que as deliberações de assembleia de sociedade anônima, mesmo
ordinária, provenham de quorum, ao que tudo indica, contaminado por vício de origem,
desde que sejam nele admitidos herdeiros necessários da autora da demanda como se
acionistas fossem. Quando quer que venham a sê-lo, só então saberá qual o número de
ações que possam caber a cada qual." A 7a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, no julgamento do Agravo de Instrumento n" 70.006.266.381, Rei.
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 18.06.2003, decidiu que: "Compete
ao inventariante a representação do espólio perante a assembleia geral de empresa de capitai
cujas ações pertencem ao espólio. Inviável partilha ideal das ações para dividir o direito
hipotético de voto dos herdeiros." Nesse sentido foi o julgamento proferido por esse mesmo
Tribunal, em que também foi relator o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, nos
autos do Agravo de Instrumento n" 597.021.625, j. em 02.04.1997: "Tenho que o espólio
deve ser representado, também na assembleia dessa empresa, pelo próprio inventariante,
que é o administrador judicia! da herança, funcionando como auxiliar do juízo, desincumblndo-
-se de um encargo público, e a ele compete velar pela integridade do patrimônio, não
cumprindo seu munus para si, senão para a totalidade dos herdeiros, cujos direitos, ao cabo
do inventário, deverão estar preservados."
174 A CVM, por meio do Parecer CVM/SJU n° 013/1987, se manifestou no sentido de que: "O
inventariante tem a representação legal do espólio, e não necessita de alvará para compa-
recer ou votar em ACE. Seus poderes decorrem do artigo 126, § 4° da Lei n° 6.404/76,
combinado com o artigo 1, inciso I do CPC; e seus limites são os do artigo 992 do mesmo
Código de Processo Civil."
ras e estrangeiras, são representadas nas assembleias gerais com fun-
damento no § 4° ou mediante procuradores constituídos de acordo
com as regras do § 1°; às pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a
funcionar no País aplica-se o disposto nos artigos 1.134 e seguintes
do Código Civil175-176.
No que se refere ao voto das ações empenhadas e alienadas fidu-
ciariamente e das gravadas com usufruto, deverão ser observadas as
regras constantes dos artigos 113 e 114, respectivamente177.

"Art. 127. Antes de abrir-se a assembleia, os acionistas assinarão


o "Livro de Presença", indicando o seu nome, nacionalidade e

175 Consta do art. 1.134 do Código Civil que: "Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer
que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no Pafs,
ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos
expressos em lei, ser acionista de sociedade, anônima brasileira. § Io Ao requerimento de
autorização devem juntar-se: I - prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de
seu país; II - inteiro teor do contrato ou do estatuto; III - relação dos membros de todos os
órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e,
salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital da
sociedade; IV - cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital
destinado às operações no território nacional; V - prova de nomeação do representante no
Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização; VI -
último balanço. § 2° Os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei
nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede
e acompanhados de tradução em vernáculo." Por sua vez, o art. 1.138 determina que: "Art.
1.138. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente,
representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação
judicial pela sociedade. Parágrafo único. O representante somente pode agir perante
terceiros depois de arquivado e averbado o instrumento de sua nomeação."
176 Sobre esse assunto, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n°
649.711-BA, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 06.06.2006, publicado no
DJU em 07.08.2006, ao analisar um caso de participação de procurador de sociedade
estrangeira (não autorizada a funcionar no País) sócia de uma compánliia brasileira em
assembleia geral, sem que preenchesse os requisitos do § 1o do art. 126 da Lei das S.A.,
decidiu que: "1. As nulidades de pleno direito são vícios insanáveis. Por isso, no caso
presente, tem legitimidade a própria parte que outorgou a procuração para vir a juízo e
reclamar a declaração de nulidade absoluta de ato praticado pelo mandatário em assembleia
de acionistas. 2. Nulos os atos praticados por mandatário na assembleia em que se aumen-
tou o capital social, já que: a) a empresa mandante é estrangeira e não está autorizada a
funcionar no Brasil, embora acionista da empresa ré, ausente representação nos termos do
Decreto n° 2.627/40; b) a representação não preenche os requisitos exigidos pelo art. 126,
§ 1°, da Lei n° 6.404/76."
177 Ver os comentários aos arts. 113 e 114 da Lei das S.A.
residência, bem como a quantidade, espécie e classe das ações de
que forem titulares.

Parágrafo único. Considera-se presente em assembleia geral,


para todos os efeitos desta Lei, o acionista que registrar a distân-
cia sua presença, na forma prevista em regulamento da Comissão
de Valores Mobiliários." (Incluído pela Lei n° 12.431/2011)

Os acionistas interessados deverão, na hora, data e local cons-


tantes do edital de convocação para a realização da assembleia estar
presentes e, após a verificação de sua legitimação, mas antes da insta-
lação do conclave, assinar o "Livro de Presença" com a indicação do
seu nome, nacionalidade, residência e a quantidade, espécie e classe
de ações de que são titulares178. Trata-se de livro obrigatório (artigo
100, inciso V) que deve ser autenticado pelo Registro Público de
Empresas Mercantis179-180-181. Não obstante, a Lei n 12.431/2011
incluiu parágrafo único a este artigo determinando que o acionista
que registrar a distância sua presença, na forma prevista em regula-
mentação expedida pela Comissão de Valores Mobiliários, é conside-
rado presente à assembleia geral182.
A um diretor da companhia, ou a quem o estatuto determinar, caberão
os trabalhos preparatórios da assembleia, devendo ele receber os acionistas
ou os seus procuradores e representantes legais, conferir a respectiva

178 Sobre o edital de convocação, ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
179 Sobre os livros sociais obrigatórios para as sociedades anônimas, ver os comentários ao art.
100 da Lei das S.A., e sobre os livros obrigatórios da sociedade empresária, ver os arts.
1.179 a 1.195 do Código Civil e arts. 378 e 379 do Código de Processo Civil.
180 O Código Civil, no art. 1.181, estabelece que: "Salvo disposição especial de lei, os livros
obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no
Registro Público de Empresas Mercantis."
181 Sobre esse assunto, ver a Instrução Normativa DNRC n° 107/2008 que trata dos procedimen-
tos para a validade e eficácia dos instrumentos de escrituração dos empresários, sociedades
empresárias, leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes comerciais. Os arts. 12 a 15 dessa
Instrução tratam especificamente da autenticação de livros em papel, fichas ou folhas contí-
nuas e avulsas.
182 Até novembro de 2011, a CVM ainda não havia regulamentado esse dispositivo.
legitimação, nos termos do artigo 126, e verificar a identidade e os
documentos apresentados para posterior assinatura do Livro de Presença.
O "Livro de Presença" tem por fim registrar o comparecimento
dos acionistas, pessoalmente ou por meio de seus representantes, à as-
sembleia geral e verificar a sua legitimação para que possam participar do
conclave, bem como o quorum de instalação183. O quorum de instalação
das assembleias gerais foi fixado com a finalidade de assegurar aos acio-
nistas o direito de comparecer à assembleia geral e de impedir que deci-
sões relevantes para a companhia possam ser tomadas em reuniões que
contem com a presença de um número irrelevante de acionistas184.
A instalação válida e eficaz de uma assembleia geral depende
da observância do quorum legal previsto na Lei das S.A. e nos
estatutos sociais.
O quorum de instalação é verificado com base nas assinaturas
lançadas pelos acionistas no "Livro de Presença"185 e no seu cálculo
são consideradas apenas as ações com direito de voto, independente-
mente de estarem, ou não, integralizadas. As ações dos acionistas que
se acham impedidos de votar em determinadas matérias objeto da
ordem do dia - como, por exemplo, as dos administradores, quando a
ordem do dia tratar da aprovação de suas contas - não estão excluídas
do cálculo do quorum de instalação, pois a Lei das S.A. determina que
ele seja apurado com a presença de acionistas que representem, no
mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com direito de voto.
A Lei das S.A. não tratou do procedimento a ser adotado com
relação aos acionistas que chegam à assembleia geral após a sua ins-
talação. Os estatutos sociais podem regular essa matéria, estabele-
cendo que a assinatura do Livro de Presença seja requisito

183 Sobre a legitimação e representação do acionista em assembleia geral, ver os comentários


ao art. 126 da Lei das S.A.
184 Ver os comentários ao art. 125 da Lei das S.A.
185 Determina o art. 127 da Lei das S.A. que: "Antes de abrir-se a assembleia, os acionistas
assinarão o 'Livro de Presença', indicando o seu nome, nacionalidade e residência, bem
como a quantidade, e5péc/e e classe das ações de que forem titulares."
indispensável à participação do acionista na assembleia e que a lista
de presença deva ser encerrada antes da sua instalação. Assim, exis-
tindo previsão expressa no estatuto, não é possível o ingresso de
acionistas retardatários. Na omissão do estatuto, a sua participa-
ção deve ser admitida, mas recomenda-se o encerramento da lista
de presença no momento em que for instalada a assembleia; os
acionistas que chegarem atrasados deverão ter o seu nome lança-
do ao final da ata da assembleia geral a fim de assegurar a validade
de sua participação no restante do conclave186.
Todos os acionistas, ainda que não tenham direito de voto,
podem participar da assembleia geral e discutir a matéria submeti-
da à deliberação (artigo 125, parágrafo único). Tendo em vista que
a Lei das S.A. estabelece como direito essencial o de fiscalizar a
gestão dos negócios sociais (artigo 109, inciso III), o acionista,
mesmo que não tenha direito de voto, pode participar das discus-
sões, não da deliberação, das matérias objeto da ordem do dia, bem
como lavrar o seu protesto, que deverá constar da ata.
Os únicos acionistas que não podem participar da assembleia
geral são aqueles que tiveram seus direitos suspensos por terem dei-
xado de atender obrigação imposta pela Lei das S.A. ou pelo estatuto
e que, até a data da realização do conclave, não tenham cumprido
com essa obrigação (artigo 120).
A lista de presença é parte integrante da ata da assembleia
geral, tendo em vista a sua função de provar a existência do quo-
rum de instalação; uma cópia fiel deverá ser arquivada na Junta
Comercial juntamente com a ata187.
O acionista ou grupo de acionistas que desejar examinar o Li-
vro de Presença, por fundada suspeita de graves irregularidades prati-

186 No mesmo sentido, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2"
edição, Rio de Janeiro: Forense, p. 106. Em sentido contrário, FÁBIO ULHOA COELHO.
Curso de Direito Comercial, v. 2, 14'1 edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 219.
1 87 Ver os comentários ao art. 130 da Lei das S.A.
cadas, poderá solicitar judicialmente a sua exibição, desde que re-
presente, no mínimo, 5% (cinco por cento) do capital social (artigo
.105). Não obstante, na instalação da assembleia ou durante a sua
realização, qualquer acionista pode verificar o quorum de instalação
e/ou o de deliberação, solicitando a sua exibição, o que não poderá
ser negado pela mesa188.
Mesa
"Art. 128. Os trabalhos da assembleia serão dirigidos por mesa
composta, salvo disposição diversa do estatuto, de presidente e
secretário, escolhidos pelos acionistas presentes."

Após a assinatura do "Livro de Presença"189, a administração da


companhia deve verificar o quorum para a instalação da assembleia,
declará-la aberta e coordenar a composição da mesa que dirigirá os
trabalhos; salvo disposição em contrário do estatuto, ela será composta
de presidente e secretário, escolhidos pelos acionistas presentes.
Qualquer uma das pessoas presentes, acionista ou não, seu re-
presentante, administrador, empregado da companhia ou advogado,
pode ser escolhida pelos acionistas para compor a mesa, observadas,
no entanto, as regras do estatuto social190. É recomendável que o es-
tatuto regule a sua composição, estabelecendo, por exemplo, que a
presidência da mesa será exercida pelo presidente do conselho de ad-
ministração, ou pelo diretor-presidente da companhia, que poderá

Sobre a composição da mesa e o seu funcionamento, ver os comentários ao art. 128 da Lei
das S.A.
Ver os comentários ao art. 127 da Lei das S.A.
O Instituto de Governança Corporativa - IBGC, por meio de seu "Caderno de Boas Práticas
para Assembleias de Acionistas", recomenda que "a presidência da Assembleia Gera! seja
exercida por um profissional isento de conflitos de interesse em relação a grupos de
Acionistas. Entretanto, caso o estágio de desenvolvimento da companhia em relação às
suas práticas de governança corporativa limitem a adoção dessa recomendação, o IBGC
sugere alternativamente que a presidência da Assembleia Geral de Acionistas seja exercida
pelo Presidente do Conselho de Administração da Companhia, sempre que não houver
conflito de interesses entre a pessoa escolhida e o teor das deliberações."
convidar um dos presentes para secretariar os trabalhos191. Essa previ-
são facilita, inclusive, os trabalhos preliminares da assembleia, pois ao pre-
sidente caberá a verificação da legitimidade e representação dos acionistas,
bem como do quorum de instalação. Na omissão do estatuto, os trabalhos
preliminares ficam sob a responsabilidade dos administradores.
Após a escolha do presidente, é formalmente declarada a insta-
lação da assembleia geral, ocasião em que ele deverá: (i) confirmar a
existência de quorum de instalação. Não havendo quorum, lavrará ata
encerrando os trabalhos, com a declaração de que não há acionistas
presentes em número suficiente ao prosseguimento do conclave. A
ata deverá, ainda assim, ser assinada por ele, pelo secretário e pelos
acionistas presentes; (ii) verificar a presença, tratando-se de assem-
bleia geral ordinária, de ao menos um membro do conselho fiscal
(artigo 164, caput) e também de um dos administradores da compa-
nhia e do auditor independente para atender os esclarecimentos soli-
citados pelos acionistas (artigo 134, § 1°); tratando-se de assembleia
geral extraordinária, de ao menos um membro do conselho fiscal, para
responder aos pedidos de informações formulados por acionistas (ar-
tigo 164, caput)\ e (iii) satisfeitos os requisitos objeto das alíneas "(i)" e
"(ii)", dar continuidade aos trabalhos, informando os jornais e datas
em que o edital de convocação foi publicado e lendo o edital de con-
vocação e a ordem do dia, ou convidando o secretário para fazê-lo.
Cabe ao presidente da mesa conduzir todos os procedimentos rela-
tivos às deliberações tomadas, tais como: controlar os debates e as delibe-
rações, podendo, inclusive, a seu exclusivo critério, limitar o tempo das

191 Sobre esse assunto, LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "A Composição da Mesa da
Assembleia". In: Pareceres. v. I, São Paulo: Singular, 2004, p. 120, observa que, tendo o
estatuto estabelecido que a assembleia deve ser presidida pelo presidente do conselho
de administração, na hipótese de os acionistas elegerem outra pessoa, as deliberações
são ineficazes e a assembleia é nula, pois conclui que não se pode "desacatar as regras
estatutárias estabelecidas para a constituição e a formação da mesa dos trabalhos, a não
ser mediante a reforma do preceito estatutário (...) A assembleia que desatende esses
princípios legais e estatutários não é valida, e as suas deliberações não podem, por
conseqüência, ter qualquer eficácia."
discussões; observar a ordem do dia; administrar as perguntas e pres-
tação de esclarecimentos; verificar o quorum de deliberação; estabele-
cer o regime de votação; dar cumprimento aos acordos de voto, etc. O
presidente deve apresentar os assuntos na seqüência em que se encon-
tram expostos na ordem do dia, salvo se a inversão for aprovada expressa
ou tacitamente pela maioria dos acionistas presentes, e iniciar os debates
relativos a cada matéria, permitindo que os acionistas se manifestem a
respeito do assunto em pauta e solicitem esdarecimentos sobre o mes-
mo. Dirimidas as dúvidas, deverá resumir as propostas apresentadas e
concluir o debate, colocando em votação o item em questão.
Os assuntos que não constarem expressamente da ordem do dia
não podem ser objeto de deliberação em assembleia geral192-193. Em
caso de dúvida, a ordem do dia deve ser objeto de interpretação restri-
tiva. Somente em casos de urgência extrema, que possam acarretar
prejuízos à companhia, é que se admite a discussão e deliberação de
matéria não constante do edital.
Não obstante, algumas matérias, embora não previstas expressa-
mente da ordem do dia, podem ser objeto de deliberação em assem-
bleia geral, como é o caso da proposta de ação de responsabilidade
contra os administradores, bem como a sua destituição194.
O presidente da assembleia não pode computar voto proferido
com infração a acordo de acionistas devidamente arquivado na sede

192 RUBENS REQUIÃO. Curso de Direito Comercial, v. 2, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 140,
observa que: "O motivo de tal rigorismo é evitar que o acionista seja tomado de surpresa,
na assembleia, com assuntos de seu interesse, e para cuja deliberação não esteja prepara-
do, ou, já os tendo examinado, se desinteresse de a ela comparecer." No mesmo sentido,
JURANDIR DOS SANTOS. Manual das Assembleias Gerais nas Sociedades Anônimas. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 34.
193 Sobre esse assunto, ver o acórdão da 2" Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, proferido no julgamento da Apelação Cível n° 287.7S3-SP, Rei. Des. Toledo
Piza, j. em 05.02.1980, com comentário de MAURO DELPHIM DE MORAES, In: Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribu-
nais, V. 40, outubro-dezembro, 1980, p. 119-132. Ver, também, a decisão da 5a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferida no julgamento da Apelação
Cível n° 169.095-1/0, Rei. Des. Matheus Fonles, j. em 04.06.1992, publicada na Revista
dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 688, Fevereiro, 1993, p. 67-70.
194 Ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
da companhia (artigo 118, § 8°). Assim, ele é responsável por verificar
a conformidade entre o voto manifestado no conclave e aquele que
havia sido preestabelecido no acordo de acionistas ou na reunião pré-
via. Para permitir a atuação do presidente em conformidade ao dis-
posto no acordo de acionistas, a companhia pode, quando do seu
arquivamento em sua sede, ou posteriormente, solicitar às partes in-
tegrantes do acordo, ou ao seu mandatário, todos os esclarecimentos
a respeito de suas cláusulas.
O presidente da assembleia, porém, não pode suprir a vontade
do acionista que manifesta seu voto em sentido contrário à decisão
da reunião prévia, cumprindo-lhe apenas não computá-lo195.
É recomendável que o presidente da mesa, ao adotar uma medi-
da drástica ou relevante, como, por exemplo, a expulsão de um acio-
nista da assembleia geral, consulte previamente os acionistas - que
deliberarão por maioria absoluta de votos (artigo 129) a fim de evi-
tar tumultos durante o conclave e a revogação de sua decisão pela
maioria dos presentes196.
O secretário deve auxiliar o presidente na condução dos trabalhos,
disponibilizando os documentos relativos à ordem do dia, podendo,
inclusive, proceder à sua leitura, recebendo e organizando as perguntas
feitas por escrito, registrando as manifestações dos acionistas e fazendo
constar da ata as deliberações tomadas, bem como as dissidências e
protestos, se for o caso, numerar os documentos ou propostas submeti-
dos à assembleia, assim como as declarações de voto, etc.

195 Ver os comentários ao art. 119 da Lei das S.A.


196 Sobre esse assunto, J. X. CARVALHO DE MENDONÇA. Tratado de Direito Comercial
Brasileiro, v. II, t. lll, atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001,
p. 37, observa que: "O presidente, na direção dos trabalhos, deve cumprir o que os
estatutos determinam e, na omissão destes, observar quanto possível o que se segue nos
corpos deliberativos. A imparcialidade é o seu mais notável atributo. Incompatibiliza-se
para essa missão aquele que tiver interesse pessoal, direto na deliberação. Constituída a
mesa, a assembleia não aliena, ainda que temporariamente, as faculdades que investe nos
mesários. Estes agem sob a fiscalização da assembleia e, no caso de contestação, devem
apelar para a sua intervenção decisiva."
Na assembleia geral ordinária, uma vez instalada, procede-se,
sendo requerida por qualquer acionista, à leitura dos documentos re-
feridos no artigo 133, os quais serão submetidos pela mesa à discus-
são e votação197. É obrigatória a presença de ao menos um dos
administradores da companhia, do auditor independente e de um
membro do conselho fiscal para atender a pedidos de esclarecimen-
tos de acionistas. Caso seja necessária a prestação de outros esclare-
cimentos, a deliberação poderá ser adiada e ordenadas as respectivas
diligências; também será adiada a deliberação, salvo dispensa dos acio-
nistas presentes, na hipótese de não comparecimento de administra-
dor, auditor independente (artigo 134, caput e §§ 1° e 2o) ou membro do
conselho fiscal (artigo 164), aplicando-se essa última hipótese também
aos casos de assembleia geral extraordinária.
A apreciação de cada item da ordem do dia compreende o debate
e a votação. Na fase de debate, os acionistas podem solicitar esclareci-
mentos à mesa, aos administradores, membros do conselho fiscal, au-
ditor independente e consultores presentes. Após considerar que as
dúvidas foram sanadas, o presidente dá início à discussão da matéria,
ocasião em que deve ser respeitado o direito do acionista de expor as
suas opiniões. Ao determinar que estão encerradas as discussões, o pre-
sidente deve resumir as propostas apresentadas e proceder à fase de
votação198. Terminada a votação, o secretário anuncia o resultado e o
presidente dá início ao debate do item subsequente da ordem do dia.

Sobre a leitura de documentos, a CVM, por meio do Parecer CVM/SJU n° 037/1981,


manifestou-se no sentido de que: "Só se prescinde da leitura dos documentos relativos às
demonstrações financeiras, se esta não for exigida pelo acionista. A dispensa da leitura,
sem fundamento legal, enseja a propositura de ação anulatória por parle do investidor.
Compete à CVM apurar a existência da irregularidade no âmbito administrativo, mediante
inquérito, aplicando aos infratores as penalidades do art. 11 da Lei n" 6.385/76."
Sobre o regime de votação, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, v. 2, 4a edição, São Paulo: Saraiva, p. 741, observa que: "A votação será feita
pelo sistema que melhor adaptar-se às circunstâncias. Poderá ser usada a simples aclama-
ção (por meio de palmas) ou o escrutínio, mediante o sufrágio, aberto ou secreto, manifes-
tado pelo voto unitário (oral ou escrito) de todos os acionistas votantes."
Depois da deliberação de todas as matérias previstas na ordem
do dia, o presidente deverá proceder ao encerramento da assembleia,
declarando suspensos os trabalhos para a elaboração da ata. Ao final da
lavratura, o secretário deve efetuar a sua leitura para que os presentes pos-
sam manifestar-se sobre o seu teor, estando todos de acordo, o presidente
declara encerrados os trabalhos, assina a ata em conjunto com o secretário
e colhe as assinaturas dos acionistas presentes. Para a validade da ata, é
suficiente a assinatura de quantos bastem para constituir a maioria neces-
sária para as deliberações tomadas na assembleia (artigo 130, capui).
A ata da assembleia deve ser lavrada pelo secretário em livro pró-
prio. Pode ser redigida na forma de sumário dos fatos ocorridos, inclu-
sive dissidências e protestos, e conter apenas a transcrição das
deliberações tomadas, desde que especifique: (i) a espécie de assem-
bleia (ordinária e/ou extraordinária); (ii) o local, data e hora de realiza-
ção da assembleia, bem como os jornais e datas em que foram publicados
o edital de convocação; (iii) o quorum de instalação; (iv) o nome do
presidente e secretário da mesa; e (v) a ordem do dia199. É obrigatório
também constar a redação sucinta das deliberações tomadas com rela-
ção a cada um dos itens da ordem do dia. Nesse caso, as declarações de
voto ou dissidência, referidas na ata, devem ser numeradas seguida-
mente, autenticadas pela mesa, e por qualquer acionista que o solicitar,
e arquivadas na companhia. A mesa, a pedido de acionista interessado,
deve autenticar exemplar ou cópia de proposta, declaração de voto ou
dissidência, ou protesto apresentado (artigo 130, § 1°).
O presidente da mesa pode vetar a transcrição de declarações que
considere inadequadas, mas não pode alterar o conteúdo das delibera-
ções tomadas. Da ata tirar-se-ão certidões ou cópias autênticas, das quais
deverá constar a declaração de que "confere com o original lavrado em
livro próprio". Para que tenham validade perante terceiros, as certidões

199 Ver os comentários ao art. 130 da Lei das S.A.


ou cópias autênticas deverão ser arquivadas na Junta Comercial que
devolverá à companhia uma via com o número de registro e a data do
arquivamento. As companhias abertas, adicionalmente, são obrigadas
a enviar uma cópia da ata à Comissão de Valores Mobiliários e à Bolsa
de Valores em que seus valores mobiliários são negociados. No mesmo
sentido, as companhias que dependam de autorização governamental
para funcionar também devem enviar a ata ao respectivo órgão regula-
dor, observada a regulamentação específica.
A ata deverá ser publicada em órgão oficial da União ou do Esta-
do em que se localizar a companhia e em outro jornal de grande cir-
culação editado na localidade em que está situada a sua sede (artigo
289). Se a ata não for lavrada na forma de sumário dos fatos ocorri-
dos, poderá ser publicado apenas o seu extrato, com o resumo das
deliberações tomadas (artigo 130, § 3°). Um exemplar dessas publica-
ções também deve ser arquivado na Junta Comercial. A assembleia
geral da companhia aberta pode autorizar a publicação de ata com
omissão das assinaturas dos acionistas.

"Quorum" das deliberações


"Art. 129. As deliberações da assembleia geral, ressalvadas as ex-
ceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de
votos, não se computando os votos em branco.

§ r o estatuto da companhia fechada pode aumentar o quorum


exigido para certas deliberações, desde que especifique as matérias.

§2° No caso de empate, se o estatuto não estabelecer procedimen-


to de arbitragem e não contiver norma diversa, a assembleia será
convocada, com intervalo mínimo de 2 (dois) meses, para votar a
deliberação; se permanecer o empate e os acionistas não concorda-
rem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao PoderJudiciário
decidir, no interesse da companhia."
Deliberar constitui o ato voluntário de decidir200. O efeito do ato
é a formação da vontade social do grupo. Deliberação é o processo de
decisão coletiva que forma a vontade social201-202.
Não há outra forma de manifestação da vontade dos acionistas que
expresse a vontade social senão mediante a deliberação em assembleia
geral que cumpra todos os requisitos previstos na Lei das S.A. Assim, por
exemplo, não constitui expressão válida da vontade dos acionistas a assi-
natura de termo ou qualquer outro documento manifestando sua con-
cordância com determinada decisão, operação ou negócio jurídico.
Para que ocorra deliberação social, é indispensável o cumprimento
das regras relativas ao modo de convocação e local (artigo 124), ao
quorum de instalação da assembleia geral (artigo 125), à legitimação e
representação do acionista (artigo 126), à assinatura do "Livro de Pre-
sença" (artigo 127) e ao funcionamento da mesa que dirigirá os traba-
lhos da assembleia (artigo 128)203.- A deliberação de sócios fora da

200 De acordo com o ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário Jurídico da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro, 2009, p. 610, deliberação é "debate com o objetivo de resolver algum
impasse ou tomar uma decisão."
201 Sobre esse assunto, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Deliberação de Sócios Quotistas
de Transformar Limitada em S.A.". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira
(Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. 2, 2 a edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 550, observa que: "A deliberação individual é processo
mental do agente; a coletiva é processo social - conjunto de atos de dois ou mais
indivíduos interligados por relações próprias de um sistema social. O processo de
deliberação coletiva pressupõe - por natureza - um grupo de pessoas e um procedimen-
to que organize em ato coletivo os atos de vontade dessas pessoas. O efeito desse
procedimento ê a formação da vontade social do grupo - expressão que não significa
vontade de um ser substancial distinto dos componentes do grupo social, mas conjun-
to organizado de atos de vontade dos seus membros. (...) Para que exista deliberação
social ê necessário que os sócios se manifestem sobre proposta de deliberação na
qualidade de membros do grupo e com o fim de definir a vontade social, o que
pressupõe um procedimento que organize seus atos."
202 Ver os comentários ao art. 121 da Lei das S.A.
203 ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Invalidade das Deliberações de
Assembleia das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 40, observa que: "A assembleia
geral, portanto, tem precípua função deliberante, mas esta deve ser exercida mediante
procedimento que assegure a possibilidade de contraditório, ou seja, da participação
de todos os acionistas na reunião e no debate sobre as matérias submetidas à delibera-
ção. Somente assim, esta poderá vir a constituir expressão da assim chamada 'vontade
social', fora disso, haverá disfunção do órgão."
assembleia geral constitui apenas um agregado de atos de vontade
individuais, sendo inexistente como ato coletivo204.
O quorum de deliberação não se confunde com o quorum de insta-
lação (artigos 125). O segundo é o número mínimo de acionistas que a
Lei das S.A. prevê para a realização do conclave e o primeiro constitui
o número mínimo de votos necessários para aprovar determinadas
matérias, sendo, portanto, requisito para a validade das deliberações.
O quorum de instalação das assembleias gerais foi fixado com a
finalidade de assegurar aos acionistas o direito de comparecer à assem-
bleia geral e dificultar que decisões relevantes para a companhia pudes-
sem ser tomadas em reuniões que contassem com a presença de um
número irrelevante de acionistas. Já o quorum de deliberação tem por
fim assegurar a validade das decisões tomadas em assembleia205.
A Lei das S.A. consagrou o princípio majoritário ao estabelecer
no caput que as deliberações serão tomadas por maioria absoluta de
votos dos acionistas presentes, não se computando os votos em bran-
co, ou seja, aqueles que não contêm qualquer declaração206. Aplica-se
a regra geral segundo a qual, em princípio, a cada ação ordinária cor-
responde 1 (um) voto na assembleia geral (artigo 110, capui).
Por força do princípio majoritário, as deliberações tomadas em
assembleia geral regularmente convocada e instalada vinculam todos
os acionistas, ainda que ausentes ou dissidentes207-208íp sCãJ.

2Q4 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Deliberação de Sócios Quotistas de Transformar Limitada
em S.A.". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.:
(pressupostos, elaboração, aplicação)..., v. 2, p. 553.
205 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 125 da Lei das S.A.
206 Sobre o princípio majoritário, ver ALFREDO LAMY FILHO. Temas de S.A. Rio de Janeiro:
Renovar, 2007, p. 195-202.
207 DOMINIQUE SCHMIDT. Les Droits de Ia Minoritè dans la Société Anonyme. Sirey: Paris:
1970, p. 132, observa que: "La solidarité des intéréts a été voulue par les associes dês leur
entrée dans la société: elle motive leur souscription et justifie Unstitution du gouvernement
majoritaire (?) en ce qu'elle exprime simultanément que chacun des associes recherche um gain
par 1'union avec d'autres associés, et que ce gain doit résulter d'un enrichissiment collectif.
C'est ce enrichissiment collectif qui est 1'élément prépondérant, qui stimule les adhésions, et
non telle décision du groupe dirigeant à laquelle la minoritè s'est opposée (2). L'adhésion
minoritaire porte alors non sur Ia résolution majoritaire, mais sur la volonté de continuer à courir
te risque social malgré la résolution majoritaire; cette volonté, qui n'est autre que 1'affeclio
societatis, donne à 1'effet obligatoire de /'acíe majoritaire son plein fondement."
A Lei das S.A. regula 2 (duas) espécies de voto por maioria: (i)
maioria absoluta, a que reúne no mínimo a metade dos votos mais 1
(um); e (ii) maioria qualificada, que é toda espécie de maioria cujo
quorum é superior ao da maioria absoluta. Ou seja, a maioria qualifi-
cada é um número superior à metade dos votos, como, por exemplo,
2/3 (dois terços), 3/4 (três quartos), 3/5 (três quintos), etc.
O quorum da maioria absoluta é também denominado quo-
rum eventual, uma vez que é fixado no momento da deliberação,
pois depende da presença dos acionistas à assembleia geral. Não
integram a base de cálculo os votos em branco, os dos acionistas
que se encontram impedidos de votar determinada matéria e os
proferidos com infração de acordo de acionistas devidamente ar-
quivado na sede da companhia (artigo 118, § 8°), pois o quorum da
maioria absoluta verifica-se mediante o capital que pode votar re-
presentado pelos acionistas presentes à assembleia geral.
Cite-se, como exemplo, um quorum de instalação de 35 (trinta e cin-
co) acionistas com direito de voto. Se comparecerem à assembleia acio-
nistas representando esse número, o quorum da maioria absoluta será de
18 (dezoito) acionistas e, na hipótese, de 5 (cinco) votarem em branco, o
quorum de deliberação será 16 (dezesseis) acionistas com direito de voto.
Acresce-se à base de cálculo o número de votos dos acionistas
ausentes ou que se abstiveram de votar em conformidade ao disposto
em acordo de acionistas de que são partes, tendo os seus votos sido
exercidos pela parte prejudicada, conforme facultado pelo § 9° do ar-
tigo 118. Esse dispositivo admitiu que existe um mandato inerente ao
acordo do voto em bloco, que outorga ao acionista poderes para que,
na hipótese de ausência ou abstenção de voto por um dos signatários
do acordo, vote pelo ausente ou abstinente, em conformidade com a
direção do voto previamente pactuada209.

208 O Código Civil, no art. 1.072, § 5°, determina que: "As deliberações tomadas de conformi-
dade com a lei e o contraio vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes."
209 Ver os comentários ao art. 118 da Lei das S.A.
A Lei das SA., além do quorum da maioria absoluta, fixa, em
alguns casos, um quorum qualificado - que é o da metade das ações
com direito de voto210 - , bem como o voto da unanimidade - que
nem sempre é a unanimidade do capital votante, mas dos acionistas
presentes à assembleia - para a aprovação de determinadas matérias,
conforme previsto nos seguintes artigos: (i) 97, § 1°, estabelece a ne-
cessidade de aprovação por acionistas que representem metade, no
mínimo, do capital social para sanar a falta ou a irregularidade apon-
tada pela Junta Comercial na constituição da companhia ou em seu
estatuto; (ii) 136, exige a aprovação de acionistas que representem
metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum
não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam
admitidas à negociação em Bolsa de Valores ou no mercado de bal-
cão para deliberar sobre (a) a criação de ações preferenciais ou au-
mento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar
proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já
previstos ou autorizados pelo estatuto; (b) a alteração nas preferências,
vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais
classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais
favorecida; (c) a redução do dividendo obrigatório; (d) a incorpora-
ção, cisão ou fusão da companhia; (e) a participação em grupo de
sociedades; (f) a mudança do objeto da companhia; (g),a cessação do
estado de liquidação da companhia; (h) a criação de partes
beneficiárias; e (i) a dissolução da companhia; (iii) 202, § 3°, exige a
unanimidade dos acionistas presentes à assembleia para deliberar a
distribuição de dividendo inferior ao obrigatório; (iv) 215, § 1°, prevê
a faculdade de a assembleia aprovar, pelo voto de acionistas que re-
presentem 90% (noventa por cento), no mínimo, das ações as condi-
ções especiais para a partilha do ativo remanescente em caso de
liquidação; (v) 221, determina que a transformação da sociedade em

210 Ver os comentários ao art. 136 da Lei das S.A.


outro tipo societário deve ser aprovada pela unanimidade dos acio-
nistas presentes, salvo se outro quorum for previsto no estatuto de
companhia fechada; (vi) 229, § 5°, exige a unanimidade do capital
social, inclusive dos titulares de ações sem direito de voto, na hipóte-
se de cisão com atribuição das ações integralizadas com parcelas do
patrimônio da sociedade cindida em proporção diversa daquela que
os acionistas nela possuíam; (vii) 252, § 2°, estabelece a necessidade
de metade, no mínimo, das ações com direito a voto para aprovar a
incorporação de ações destinada a conversão em subsidiária integral;
e (viii) 294, § 2°, prevê a unanimidade dos acionistas como condição
para que a companhia fechada de que trata o dispositivo possa apro-
var o pagamento da participação dos administradores sem que haja a
atribuição de dividendo obrigatório, conforme previsto no § 2° do
artigo 152.
Enquanto o quorum da maioria absoluta verifica-se de acordo
com o capital votante representado pelos acionistas presentes à as-
sembleia geral, o quorum qualificado extrai-se do capital social total
com direito a voto, ou seja, metade das ações com direito a voto que
integram o capital social211.
Na companhia aberta uma exceção ao quorum de deliberação da
maioria absoluta de votos é a prevista no artigo 136, tendo em vista
tratar-se de decisões que afetam substancialmente as relações entre
os sócios e a sociedade e a conseqüente necessidade de proteger os
acionistas minoritários. O § 2° do artigo 136 conferiu à Comissão de
Valores Mobiliários o poder de autorizar a redução do quorum previs-
to no caput do artigo - metade no mínimo das ações com direito a
voto — ano caso de companhia aberta com propriedade das ações dispersa
no mercado, e cujas 3 (três) últimas assembleias tenham sido realizadas
com a presença de acionistas representando menos da metade das ações
com direito a voto"

211 Sobre o quorum qualificado, ver os comenlários ao art. 136 da Lei das S.A.
Nas companhias fechadas, nos termos do § 1°, o estatuto pode
aumentar o quorum exigido para certas deliberações, desde que espe-
cifique as matérias. Ou seja, não basta o estatuto estabelecer um quo-
rum superior ao da maioria absoluta, deve especificar as matérias que a
ele estão sujeitas. É vedado aos estatutos a fixação de quorum inferior
ao previsto na Lei das S.A. O artigo 136 faculta a essas sociedades,
bem como às abertas que só possuem outros valores mobiliários que
não ações para negociação, a fixação no estatuto social de um quorum
superior ao da metade das ações- com direito a voto para aprovar as
matérias nele previstas e acima relacionadas.
Não obstante constar do § 1° referência apenas às companhias fe-
chadas, tendo em vista o disposto no caput do artigo 136, as companhias
cujas ações não sejam admitidas à negociação em Bolsa de Valores ou no
mercado de balcão também podem aumentar o quorum exigido para cer-
tas deliberações, desde que especifiquem as matérias.
O princípio majoritário permite o desenvolvimento normal dos
negócios e impede o minoritário discordante de obstruir o processo
decisório. As normas legais e estatutárias que estabelecem outras
modalidades de expressão da vontade social ou que dificultam o pro-
cesso decisório - direito' de veto, maioria qualificada e especialmente
a unanimidade - constituem exceções ao princípio majoritário, de-
vendo, pois, ser objeto de interpretação restritiva.
O estatuto da companhia fechada pode estipular a unanimidade
para aprovação de matérias nele especificadas, tendo em vista que a Lei
das S.A. não veda tal disposição. Ademais, constava da redação origi-
nal do anteprojeto da Lei das S.A., no que se refere ao § 1°, regra no
sentido de que o estatuto não poderia exigir a unanimidade, o que foi
eliminado pelos revisores antes do seu envio ao Congresso Nacional212,

No mesmo sentido, FÁBIO KONDER COMPARATO, "A Natureza da Sociedade Anônima e a


Questão da Derrogabilidade das Regras Legais de Quorum nas Assembleias Gerais e Reuniões
do Conselho de Administração". In: Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio
confirmando a possibilidade de-as companhias fechadas regularem em
seus estatutos o voto da unanimidade para a aprovação de determina-
das matérias nele expressamente previstas. Embora possível, não é reco-
mendável a exigência estatutária da unanimidade, que pode acarretar a
obstrução do processo decisório na companhia.
A fim de solucionar a questão do impasse em assembleia geral,
que impede o regular funcionamento da companhia, o estatuto pode
estabelecer, e é recomendável que o faça, critérios de desempate, como,
por exemplo, atribuir o voto minerva ou de qualidade aos acionistas
titulares de ações sem direito de voto, ao presidente da assembleia
geral ou ao acionista presente titular da maior participação no capital
social. Pode o estatuto também prever o procedimento arbitrai para a
solução do impasse.
Se o estatuto for omisso, nos termos do § 2", deverá ser convocada
Lima assembleia geral com intervalo mínimo de 2 (dois) meses, para vo-
tar as propostas objeto do empate, período em que os acionistas terão a
oportunidade de reavaliar a questão e buscar uma solução, além do fato
de que a presença de outros acionistas poderá resolver o impasse. Perma-
necendo o empate na 2 a assembleia e diante da recusa dos acionistas em
submeter a decisão a um terceiro, que poderá desempatar, caberá ao Po-
der Judiciário decidir, no interesse da companhia213.
A ação somente pode ser ajuizada por acionistas que estiveram
presentes à assembleia geral na qual determinadas matérias foram
objeto de empate; a companhia não é parte na ação, pois a desavença
é apenas entre acionistas.

de janeiro: Forense, 1981, p. 123-124. Em sentido contrário, JOSÉ WALDECY LUCENA.


Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de janeiro:
Renovar, 2009, p. 129-130.
Sobre esse assunto, ver a decisão proferida pela 3a Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça do Estado de São Fbulo, no julgamento dos Embargos Infringentes n° 274.460-4/0-01,
Rei. Des. Antonio Maria Lopes, j. em 03.05.2005.
CONTAGEM DE V O T O S E REGULARIDADE DA SUA A P U R A Ç Ã O

A Lei das S.A. não disciplina o processo de contagem devotos e


apuração das deliberações adotadas. Assim, o voto pode ser manifes-
tado de várias formas, desde que previamente anunciada a modalida-
de adotada pela mesa: levantar a mão, permanecer sentado ou
levantar-se, dizer "sim" ou "não". O essencial é que seja possível a
identificação precisa de quem vota e qual o sentido do voto.
Em assembleias que se prenunciam tumultuadas, dado o ânimo be-
licoso dos acionistas ou de seus representantes, é recomendável especial
cautela no processo de contagem dos votos e identificação dos votantes.
Nesse sentido, pode ser interessante a indicação de um fiscal ad hoc, eleito
pela maioria dos acionistas, que se compromete a atuar com absoluta
imparcialidade na execução das seguintes tarefas: (i) exame da validade
das procurações; (ii) decisão sobre impedimentos de votos; (iii) verifica-
ção dos poderes do representante de acionistas vinculados por acordo de
votos; (iv) contagem dos votos; e (v) identificação dos votantes214.

Ata da assembleia
"Art. 130. Dos trabalhos e deliberações da assembleia será lavra-
da, em livro próprio, ata assinada pelos membros da mesa e pelos
acionistas presentes. Para validade da ata é suficiente a assinatura
de quantos bastem para constituir a maioria necessária para as
deliberações tomadas na assembleia. Da ata tirar-se-ão certidões
ou cópias autênticas para os fins legais.

§ 1° A ata poderá ser lavrada na forma de sumário dos fatos ocor-


ridos, inclusive dissidências e protestos, e conter a transcrição
apenas das deliberações tomadas, desde que:

214 Ver, nesse sentido, o § 231 (c) da Lei Societária de Delaware, nos termos da qual, na
companhia com ações listadas em Bolsa ou com mais de 2.000 (dois mil) acionistas, deve
ser escolhido, em cada assembleia geral, um "inspetor" com a missão de fiscalizar o
processo de votação.
a) os documentos ou propostas submetidos à assembleia, assim
como as declarações de voto ou dissidência, referidos na ata, se-
jam numerados seguidamente, autenticados pela mesa e por qual-
quer acionista que o solicitar, e arquivados na companhia;

b) a mesa, a pedido de acionista interessado, autentique exemplar


ou cópia de proposta, declaração de voto ou dissidência, ou pro-
testo apresentado.

§ 2° A assembleia geral da companhia aberta pode autorizar a


publicação de ata com omissão das assinaturas dos acionistas.

§ 3° Se a ata não for lavrada na forma permitida pelo § 1°, poderá


ser publicado apenas o seu extrato, com o sumário dos fatos ocor-
ridos e a transcrição das deliberações tomadas."

A ata constitui o registro dos fatos verificados e dos atos delibera-


dos durante a assembleia geral215; assim, ela deve retratar o que ocorreu
na assembleia desde a sua instalação até o seu encerramento. Das deli-
berações constantes da ata decorrem diversos direitos para o acionista,
tais como: o de recesso, preferência na subscrição de ações, recebimen-
to de dividendos, etc. Por meio da ata os credores também podem
avaliar os seus direitos, como ocorre no caso de cisão, fusão, incorpo-
ração e liquidação da companhia.
Após a deliberação de todas as matérias previstas na ordem do dia, o
presidente procede ao encerramento da assembleia,- declarando suspen-
sos os trabalhos para a elaboração da ata, ocasião em que o secretário
providenciará a sua lavratura216. Não é necessário constar da ata com

215 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2' edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 118, observa que: "A ata entra na categoria dos instrumentos particula-
res, e faz prova plena dos fatos dela constantes, nas relações entre os acionistas e entre estes
e a sociedade anônima."
216 Sobre o funcionamento da assembleia e a composição da mesa, ver os comentários ao art.
128 da Lei das S.A.
detalhes o teor de todas as discussões havidas durante a assembleia, mas
é obrigatório registrar as decisões tomadas, independentemente das con-
siderações apresentadas por alguns acionistas.
Ao final da lavratura da ata, o secretário deve efetuar a sua leitura
para que os presentes possam manifestar-se sobre o seu teor; estando
todos de acordo, o presidente declara encerrados os trabalhos, seguin-
do-se a sua assinatura, a do secretário e dos acionistas presentes. Para
a validade da ata é suficiente a assinatura de quantos bastem para cons-
tituir a maioria necessária para as deliberações tomadas na assembleia,
observado o disposto no caput artigo 127, nos termos do qual os acionis-
tas devem assinar o "Livro de Presença"217-218, e no seu parágrafo único,
acrescentado à Lei das S.A. pela Lei n° 12.431/2011, mediante o qual
considera-se presente à assembléia geral o acionista que registrar a dis-
tância sua presença, na forma prevista em regulamentação da Comissão
de Valores Mobiliários219.
Um dos livros obrigatórios e que as companhias devem manter é o
"Livro de Atas das Assembleias Gerais" (artigo 100, inciso IV), no qual
são lavrados os trabalhos e as deliberações tomadas em assembleia. As
>

companhias abertas podem substituir o "Livro de Atas das Assembleias

217 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 037/1981, entendeu que: "A falta de assinatura de acionis-
tas da companhia na ata assemblear não infringe o art. 130 da lei societária, porque a lei
considera suficiente a assinatura dos acionistas que bastem para constituir a maioria necessá-
ria às deliberações tomadas. O descumprimento da formalidade prevista no art. 127 da Lei n"
6.404/76 - assinatura dos acionistas da companhia no Livro de Presença - não acarreta a
nulidade da assembleia, podendo ser facilmente sanãvel." No mesmo sentido, o Parecer
CVM/SJU n° 096/1979.
218 A 5a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Raulo, ao julgar a Apelação
Cível n° 3.738-1, Rei. Des. Nogueira Carcez, j. em 21.08.1980, In: Revista dos Tribunais.
Rio de Janeiro: Ed. Revista dos Tribunais, v. 543, janeiro, 1981, p. 76-78, decidiu que: J £
irrelevante a omissão de assinaturas de acionistas no Livro de Presença se a ata da assembleia
geral foi assinada por acionistas representando a maioria e dando quorum para as delibe-
rações. (...) Se, como esclarece Modesto Carvalhosa, os assentamentos constantes do Livro
de Presença constituem elemento de prova (...) e se destinam à indispensável determinação
do quorum legal de instalação, não teria sentido invalidar deliberações tomadas em
assembleias regularmente convocadas quando a presença de acionistas e o quorum neces-
sário, embora omitido o registro das assinaturas dos acionistas no livro próprio, são fatos
iniludivelmente positivados."
219 Até novembro de 2011 a CVM ainda não havia emitido ato normativo regulamentado o
disposto no parágrafo único do art. 127 da lei das S.A.
Gerais", observadas as normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários, por registros mecanizados ou eletrônicos (artigo 100, § 2°).
Assim, será considerada inexistente a ata redigida em qualquer outro pa-
pel que não seja o "Livro de Atas das Assembleias Gerais", observado o
disposto no § 2° do artigo 100, que pode ser representado por um livro
encadernado ou por sistema de folhas soltas, observadas as regras edita-
das pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio220. Pelo sis-
tema de folhas soltas a ata pode ser redigida em computador durante a
realização da assembleia.
Na eventual hipótese de administradores da companhia não apre-
sentarem, na instalação da assembleia geral, o "Livro de Atas das
Assembleias Gerais", com o intuito- de obstruir a sua realização, os
demais acionistas podem requerer em juízo a entrega do livro221.
Caso não sejam observados na lavratura da ata os requisitos impos-
tos pela Lei das S.A, a deliberação dela constante não é nula; uma nova
assembleia poderá sanar a falta, ratificando as deliberações tomadas na
assembleia anterior. Em regra, a ratificação retroage à data do ato.
A princípio, devem constar da ata os fatos ocorridos durante a
assembleia geral, declaração de voto, dissidências e protestos feitos
verbalmente pelos acionistas, ressalvado o teor das discussões. No
entanto, o § 1°, a fim de agilizar os trabalhos e evitar que constem

220 Ver a Instrução Normativa DNRC n° 107/2008, que dispõe sobre procedimentos para a
validade e eficácia dos instrumentos de escrituração dos empresários, sociedades empresá-
rias, leiloeiros e tradutores públicos e intérpretes comerciais.
221 Sobre esse assunto, RICARDO TEPEDINO, "Assembleia Geral". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
2009, observa que: "Não sendo a ata requisito de existência ou validade da assembleia e
de suas deliberações (...), os acionistas devem instalar a reunião, redigir uma minuta de ata,
e requerer em juízo que os esbulhadores entreguem os livros da companhia, para que
lancem as presenças e a ata, sob pena de se permitir que os requentes abram outros livros,
vedado o lançamento de novos registros nos que foram subtraídos. Só aí terão uma ata,
para os efeitos que a ela concede a Lei das Sociedades por Ações." Já MODESTO
CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 J edição, São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 770-771, entende que os acionistas podem providenciar junto a um
Tabelião de Notas da Comarca em que esteja situada a sede da companhia, a lavratura da
ata mediante escritura pública. No mesmo sentido, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Socie-
dades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009,
p. 148.
expressamente da ata declarações que possam ser prejudiciais à com-
panhia222, admite que ela seja lavrada na forma de sumário dos fatos
ocorridos, inclusive dissidências e protestos e contenha apenas a trans-
crição das deliberações tomadas. Como a Lei das S.A. não distingue
sobre quando é cabível ou não a elaboração de ata sumária, pode ela
ser utilizada em qualquer assembleia, independentemente de sua es-
pécie e das matérias deliberadas, salvo se a maioria dos acionistas pre-
sentes decidir em sentido contrário.
E obrigatório constar da ata da assembleia geral, seja ordinária
ou extraordinária, lavrada ou não na forma de sumário dos fatos ocor-
ridos: (i) a espécie de assembleia (ordinária e/ou extraordinária); (ii) o
local, data e hora de realização da assembleia, bem como os jornais e
as datas em que o edital de convocação foi publicado; (iii) o quorum de
instalação; (iv) o nome do presidente e secretário da mesa; (v) a ordem do
dia; (vi) os fatos ocorridos e as deliberações tomadas; e (vii) o fechamen-
to, fazendo referência ao encerramento dos trabalhos, àlavratura da ata, à
sua leitura e aprovação, seguindo-se as assinaturas do presidente, do se-
cretário da mesa e dos acionistas223.
Tratando-se de ata de assembleia geral ordinária, deverá também
ela indicar os jornais que publicaram o aviso de que o relatório da admi-
nistração, as demonstrações financeiras e o parecer dos auditores inde-
pendentes, se houver, estavam à disposição dos acionistas. Havendo
eleição de administradores e membros do conselho fiscal, os mesmos
devem ser qualificados na ata com a indicação do nome completo, na-
cionalidade, estado civil, profissão, número de identidade, órgão expe-
didor, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF,
residência com endereço completo e prazo de gestão. A qualificação
completa é obrigatória mesmo no caso de reeleição.

222 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.


223 Sobre esse assunto, ver os itens 2.2.4 a 3.1 do "Manual de Alos de Registro Público de
Empresas Mercantis e Atividades Afins", aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/
2006.
Caso a ata não seja lavrada na forma de sumário, as declarações de
voto ou dissidência e os protestos, serão nela transcritos, sem prejuízo
de constarem de documento anexado à ata. Na hipótese de ata sumá-
ria, serão apenas nela referidos, uma vez que são parte dela integrante,
devendo ser numerados seguidamente, autenticados pela mesa, e por
qualquer acionista que o solicitar, e arquivados na companhia (alínea
"a"). O acionista que apresentar protesto ou declaração de voto por es-
crito receberá um recibo passado pela mesa (artigo 128) ou por diretor
da companhia. Da ata constará apenas que Lima deliberação foi aprova-
da contra o voto de um determinado acionista, cuja declaração de voto
ou o protesto é arquivado e constitui parte dela integrante. Assim, na
ata sumária constará apenas um resumo dos fatos ocorridos e das deli-
berações tomadas.
A mesa, a pedido de acionista interessado, deve autenticar exem-
plar ou cópia de proposta, declaração de voto ou dissidência, ou pro-
testo apresentado (alínea "b"), independentemente de ter sido ele o
autor do voto ou protesto.
A consignação de protestos em ata tem por fim a tutela de inte-
resse privado do acionista, pois, uma vez assinada a ata, há presunção
legal de concordância com sua redação224-225. O Código Civil deter-
mina que "as declarações constantes de documentos assinados presumem-
se verdadeiras em relação aos signatários'226.

224 Nesse sentido é a manifestação da CVM no Parecer CVM/SJU n° 091/1979.


225 No Parecer CVM/SJU n° 096/1979, a CVM firmou entendimento do sentido de que: "No
que diz respeito às manifestações, inclusive de protesto, do acionista em Assembleia, de
duas formas são elas consignadas, em função de como seja lavrada a ata, em forma de
sumário ou não. Na segunda hipótese, viável por força do § J° do artigo 130, as manifes-
tações do acionista são complemento da ata, responsabilizando-se o secretário pela sua
fiel transcrição, e devendo tal complemento ser igualmente arquivado na Companhia e no
Registro do Comércio. Caso a ata não seja sumariada, as divergências do acionista já devem
integrá-la, corpo da ata que são. Cumpre ressaltar que ao acionista cabe exigir que seu
posicionamento seja anotado, de vez que o recurso de que dispõe em Assembleia, na
vigilância de seus interesses, é fazer constar em ata sua posição divergente."
226 Art. 219 do Código Civil.
Os pedidos de inclusão na ata do inteiro teor de protesto ou de-
claração de voto não devem obrigatoriamente ser aceitos; cabe ao
presidente da mesa decidir se tal pedido será acolhido, sem prejuízo
de consultar a assembleia, cuja decisão é soberana. Mas, o pedido do
acionista no sentido de constar da ata o seu nome e a indicação de
sua manifestação a favor ou contra a aprovação de determinada ma-
téria, não deverá ser negado. O presidente da mesa pode vetar a trans-
crição de declarações que considere inadequadas, mas não pode alterar
o conteúdo das deliberações tomadas227.
Da ata tirar-se-ão certidões ou cópias autênticas, das quais deverá
constar a declaração de que "confere com o original lavrado em livropró-
prio"'. Para que tenham validade perante terceiros, as certidões ou cópias
autênticas deverão ser arquivadas na Junta Comercial, que devolverá à
companhia uma via com o número de registro e a data do arquivamen-
to228. As companhias abertas, adicionalmente, são obrigadas a enviar
uma cópia da ata à Comissão de Valores Mobiliários e à Bolsa de Valo-
res em que seus valores mobiliários são negociados229. No mesmo sen-
tido, as companhias que dependam de autorização governamental para

227 Sobre esse assunto, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 091/1979, observou que: "Cabe, em
primeiro lugar, ressaltar que, conforme entendimento unânime da doutrina, à mesa e à
assembleia não é permitido impedir a transcrição em ata de declarações e protestos, por
considerarem os mesmos improcedentes quanto ao mérito. O poder de arbítrio que lhes
é reconhecido cinge-se à apreciação da forma injuriosa que muitas vezes revestem tais
declarações e protestos, devendo a mesa encontrar a linguagem apropriada para a trans-
crição dos mesmos."
228 Consta do item 2.2.4 do "Manual de Atos de Registro Público de Empresas Mercantis e
Atividades Afins", aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/2006, que a cópia
autêntica da ata levada a arquivamento na Junta Comercial deve conter: (i) o título do
documento; (ii) o número de Identificação do Registro de Empresas - NIRE; (iii) o número
de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ; (iv) as assinaturas de
próprio punho, dos acionistas que subscreveram o original lavrado no livro próprio e as do
presidente e secretário da assembleia, ou os nomes de todos os que assinaram, com a
certificação de que a mesma confere com o original, com a indicação do livro e folhas em
que foi lavrada, devendo ser assinada pelo presidente, secretário da assembleia ou diretor.
Esclarece, ainda, que as folhas não assinadas deverão ser rubricadas.
229 Determina o § 3 o do art. 13 da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010, que: "As informações enviadas à CVM nos termos do
caput devem ser entregues simultaneamente às entidades administradoras dos merca-
dos em que valores mobiliários do emissor sejam admitidos à negociação, na forma por
elas estabelecida."
funcionar também devem enviar a ata ao respectivo órgão regulador, ob-
servada a regulamentação específica.
Na análise dos pedidos de registro ou arquivamento, a compe-
tência da Junta Comercial limita-se ao exame do cumprimento das
formalidades legais dos documentos, cumprindo-lhe zelar pelo aten-
dimento dos requisitos legais e regulamentares, mas a ela é vedado
analisar o mérito das deliberações tomadas230-231-232.
O Código Civil determina que os registros dos atos sujeitos ao
Registro Público de Empresas Mercantis devem ser requeridos no
prazo de 30 (trinta) dias contado da lavratura dos atos respectivos e
que, na hipótese de serem solicitados após esse prazo, somente pro-
duzirão efeitos a partir de sua concessão. As pessoas obrigadas a re-
querer o registro responderão pelos prejuízos causados na hipótese de
omissão ou demora233-234.

230 A Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e
atividades afins, determina, no caput do art. 40, que: "Art. 40. Todo ato, documento ou
instrumento apresentado a arquivamento será objeto de exame do cumprimento das forma-
lidades legais pela junta comercial."
231 Nesse sentido já se manifestou o DNRC, por meio do Parecer Jurídico DNRC/COJUR n°
194/1998, elaborado nos autos do Processo MDIC n° 52700-000228/98-93, disponível
em: <www.dnrc.gov.br>: "Recurso - Ata de ACO e AGE - Cancelamento de Ato Arquivado
- Questões Intrínsecas - Competência das juntas Comerciais: A competência das juntas
comerciais se circunscreve ao exame das formalidades essenciais e formais, cumprindo-lhes
velar pelo cumprimento da lei, sem entrar em indagações de ordem jurídica controvertida
ou interferir na manifestação da vontade das partes, cuja prerrogativa indelegável é do
Poder judiciário."
232 Sobre esse assunto, MIGUEL REALE, "A Exclusão de Sócios das Sociedades Mercantis e o
Registro do Comércio", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 150,
julho, 1944, p. 481, observa que: "(...) não há inconveniente, mas antes vantagem, em que
o órgão incumbido do Registro do Comércio não entre em apreciação controvertida da
substância dos contratos, indo além da já delicada missão de zelar pela observância das
formalidades essenciais." No mesmo sentido é a decisão da 2 a Turma do Tribunal Regional
Federal da 1a Região, proferida no julgamento da Apelação em Mandado de Segurança n°
89.01.21654-0/MG, Rei. Des. Hercules Quasimodo, j. em 23.08.1994, publicado no DO
de 13.10.1994.
233 Art. 1.151, §§ 1o, 2° e 3 o , do Código Civil.
234 Consta do art. 36 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas
Mercantis e atividades afins, que os documentos sujeitos a registro devem "ser apresenta-
dos a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja
data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá
eficácia a partir do despacho que o conceder." No mesmo sentido é o art. 33 do Decreto
n° 1.800/1996, que regulamenta a Lei n° 8.934/1994.
A ata deverá ser publicada em órgão oficial da União ou do Esta-
do em que se localizar a companhia e em outro jornal de grande circu-
lação editado na localidade em que está situada a sua sede (artigo 289).
Tratando-se de companhia aberta cujos valores mobiliários sejam ad-
mitidos à negociação em Bolsa de Valores ou em mercado de balcão, a
Comissão de Valores Mobiliários poderá determinar que as publica-
ções ordenadas pela Lei das S A . sejam feitas, também, em jornal de
grande circulação nas localidades em que os valores mobiliários da
companhia sejam negociados, ou disseminadas por algum outro meio
que assegure sua ampla divulgação e imediato acesso às informações
(artigo 289, §1°).
Se a ata não for lavrada na forma de sumário, poderá, nos termos do
§ 3°, ser publicado apenas o seu extrato, com o resumo das deliberações
tomadas. Adotada a forma de sumário, a publicação deverá reproduzir
fielmente a ata, tal como lavrada no respectivo livro. Um exemplar dessas
publicações também deve ser arquivado na Junta Comercial. A prova da
publicidade deverá ser feita mediante a sua anotação nos registros da
Junta Comercial à vista da apresentação da folha do Diário Oficial, ou do
jornal onde foi feita a publicação235-236.
A assembleia geral de companhia aberta com grande número de
acionistas, conforme previsto no § 2°, pode autorizar a publicação de
ata com omissão das assinaturas dos acionistas.

235 Art. 54 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mer-
cantis e Atividades Afins. Consta, ainda, do art. 77 do Decreto n° 1.800/1996, que
regulamenta a Lei n° 8.934/1994, que: "Art. 77. A prova da publicidade de atos
societários, quando exigida em lei, será feita mediante anotação nos registros da Junta
Comercial, à vista de apresentação de folha do órgão oficial e, quando for o caso, do
jornal particular onde foi feita a publicação, dispensada a juntada da mencionada
folha. Parágrafo único. É facultado, ainda, às sociedades por ações, mencionar, na ata
apresentada a arquivamento, a data, o número da folha ou da página do órgão oficial
e do jornal particular onde foram feitas as publicações preliminares à realização da
assembleia a que se referem, dispensada a sua apresentação."
236 Consta da alínea "f" do item 2.2.5 do "Manual de Atos de Registro Público de Empresas
Mercantis e atividades afins", aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/2006,
que: "A menção, ainda, das datas e dos números das folhas das publicações dispensará
a apresentação das mesmas à junta Comercial, quer seja acompanhando a ata, quer seja
para anotação."
Qualquer acionista pode requerer certidão ou cópia autêntica da
ata e, caso ela seja lavrada na forma de sumário, poderá solicitar certi-
dão dos documentos, propostas submetidas à deliberação, declarações
de voto e dissidências, tendo em vista que são partes integrantes da ata.
Terceiros interessados poderão obter cópia da ata e dos documentos a
ela anexados após o seu arquivamento na Junta Comercial.

Espécies de assembleia
"Art. 131. A assembleia geral é ordinária quando tem por objeto
as matérias previstas no artigo 132, e extraordinária nos demais
casos.

Parágrafo único. A assembleia geral ordinária e a assembleia ge-


ral extraordinária poderão ser, cumulativamente, convocadas e
realizadas no mesmo local, data e hora, instrumentadas em ata
única.

A assembleia geral pode ser ordinária ou extraordinária, tendo


em vista a natureza das matérias objeto de deliberação, pois a classifi-
cação é ratione materiae.
A assembleia geral ordinária realiza-se 1 (uma) vez por ano, a
princípio, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do
exercício social para (i) tomar as contas dos administradores, exa-
minar, discutir e votar as demonstrações financeiras; (ii) deliberar
sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de
dividendos; e (iii) eleger os administradores e membros do conse-
lho fiscal, quando for o caso (artigo 132). A' competência para a
eleição e destituição dos administradores é, em regra, da assembleia
geral ordinária, mas nada impede que a assembleia geral extraordi-
nária delibere, quando necessário, sobre essa matéria, como ocorre,
por exemplo, na hipótese de eleição de membros do conselho de
administração ou da diretoria quando um deles renuncia ao cargo
ou falece. Nesse caso, a substituição é efetuada na primeira assem-
bleia geral seguinte ao evento, independente de ser ela ordinária ou
extraordinária. O conselho fiscal pode ser instalado a qualquer tem-
po, bem como verificada a necessidade de substituição de um mem-
bro, razão pela qual a matéria também pode ser objeto de deliberação
em assembleia geral extraordinária237-238.
No que se refere à assembleia geral ordinária, a Lei das S.A. exige
que os documentos relativos à gestão dos negócios sociais e aos resul-
tados da companhia sejam previamente levados ao conhecimento dos
acionistas para que possam examiná-los com antecedência. Assim, os
administradores devem comunicar até 1 (um) mês antes da data mar-
cada para a realização da assembleia geral ordinária que se acham à
disposição dos acionistas: (i) o relatório da administração sobre os ne-
gócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo;
(ii) a cópia das demonstrações financeiras; (iii) o parecer dos auditores
independentes, se houver; (iv) o parecer do conselho fiscal, se houver, e
(v) os demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem
do dia (artigo 133).
A assembleia geral extraordinária é competente para delibe-
rar sobre as demais matérias de interesse da companhia e que não
são de competência da assembleia geral ordinária, tais como: (i)
autorização para aplicação de lucros ou reservas no resgate ou na
amortização de ações (artigo 44); (ii) a reforma do estatuto social
(artigo 135); (iii) as hipóteses elencadas no artigo 136; (iv) a emis-
são de valores mobiliários; (v) o aumento e a redução de capital
(artigos 166 e 173); (vi) a incorporação de ações (artigo 252); (vii)
a compra, por companhia aberta, do controle de qualquer socieda-
de mercantil (artigo 256); e (viii) qualquer outra matéria objeto da

237 Sobre a assembleia geral, ver os comentários ao art. 121 da Lei das S.A., e especificamente
sobre a assembleia geral ordinária, ver os comentários ao art. 132 da Lei das S.A.
238 A própria Lei das S.A. estabelece, no § 3 o do art. 161, que: "O pedido de funcionamento
do conselho fiscal, ainda que a matéria não conste do anúncio de convocação, poderá ser
formulado em qualquer assembleia geral, que elegerá os seus membros."
ordem do dia e constante do edital de convocação239. A Lei das
S.A. não determinou a obrigatoriedade de que seja realizada anual-
mente, pois será convocada sempre que houver necessidade.
Para a assembleia geral extraordinária, a Lei das S.A. deter-
mina a obrigatoriedade de se colocar à disposição dos acionistas,
na sede da companhia, por ocasião da publicação do primeiro anún-
cio de convocação, os documentos pertinentes à matéria a ser de-
liberada (artigo 135, § 3°). De qualquer forma, o próprio anúncio
de convocação leva ao conhecimento dos acionistas as matérias
que serão objeto de discussão e deliberação, a fim de permitir que
eles solicitem as informações necessárias à sua decisão de compa-
recer à assembleia, obtenham esclarecimentos e exerçam o direito
de voto de forma consciente. Assim, deve constar do anúncio a
relação completa e precisa da ordem do dia, com a especificação
de todas as matérias que serão deliberadas 240 .
A Comissão de Valores Mobiliários, em 2009, editou normas es-
tabelecendo exigências relativas ao disclosure de informações previa-
mente à realização das assembleias gerais das companhias abertas, com
a finalidade de facilitar a participação de acionistas minoritários no con-
clave. Relativamente a algumas deliberações específicas - tais como:
aumento e redução de capital, alterações das regras sobre dividendo
obrigatório, escolha de avaliadores, fixação de remuneração dos admi-
nistradores, reforma do estatuto social, emissão de debêntures ou bô-
nus de subscrição, aquisição do controle de outra sociedade e matérias
cuja deliberação enseje direito de recesso - a Comissão de Valores
Mobiliários fixou as informações indispensáveis e os prazos de antece-
dência para que sejam apresentados pela companhia241.

239 Sobre a assembleia geral extraordinária, ver os comentários ao art. 135 da Lei das S.A.
240 Ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
241 Ver os arts. 7° a 21 da Instrução CVM nD 481/2009, que dispõe sobre informações e pedidos
públicos de procuração para exercício do direito de voto em assembleias de acionistas.
As assembleias gerais ordinária e extraordinária podem ser, cu-
mulativamente, convocadas para o mesmo local, data e hora e lavra-
das em ata única. No entanto, cada uma delas será objeto de deliberação
das matérias que são de sua competência242.
Em qualquer hipótese, devem constar da ata as matérias que
foram aprovadas por maioria absoluta de votos (artigo 129) e pelo
quorum qualificado, como é o caso, por exemplo, de deliberações
relativas à redução do dividendo obrigatório e mudança do objeto
social, para as quais é necessária a aprovação de acionistas que
representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se
maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas
ações não estejam admitidas à negociação em Bolsa de Valores ou
no mercado de balcão (artigo 136, incisos III e VI).
Pode ocorrer, na hipótese de convocação cumulativa, de não se
obter em I a convocação quorum para a instalação das 2 (duas) assem-
bleias. A Lei das S.A. determina que ressalvadas as exceções nela
previstas, a assembleia geral instala-se, em I a convocação com a pre-
sença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do
capital social com direito de voto (artigo 125, caput). No entanto, no
artigo 135 estabelece que a assembleia geral extraordinária que tiver
por objeto a reforma do estatuto social somente se instalará em I a
convocação com a presença de acionistas que representem 2/3 (dois
terços), no mínimo, do capital com direito a voto. Nesse caso, não
comparecendo à assembleia os acionistas necessários à formação do

Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que "embora mantendo as duas


espécies de assembleia da legislação em vigor, o Projeto admite que a assembleia geral
ordinária possa deliberar os assuntos de competência da extraordinária". O Departamento
Nacional do Registro do Comércio, por meio do "Manual de Atos e Registro Mercantil das
Sociedades Anônimas", aprovado pela Instrução Normativa DNRC n" 100/2006, no item
2.2.8, firmou entendimento no sentido de que: "A despeito da figura da assembleia
cumulativa (AGO/AGE), é admissível o arquivamento de ata de assembleia geral ordinária
que delibere sobre matéria de competência de AGE, bem como de ata desta com assunto
daquela, desde que obedecidas as formalidades especificas: a) quorum necessário à deli-
beração; e b) indicação precisa da matéria de cada assembleia no edital de convocação."
quorum de instalação da assembleia geral extraordinária, mas repre-
sentando 1/4 (um quarto) do capital social com direito de voto, po-
derão realizar a assembleia geral ordinária. Este problema deixará
de existir quando se tratar de 2 a convocação, pois ambas as assem-
bleias poderão instalar-se com qualquer número de acionistas com
direito a voto, mas deverão ser observados os quora de deliberação.
A Lei das S.A. regula, também, as assembleias especiais, que se des-
tinam a acionistas titulares de uma determinada classe ou espécie de
ação ou a terceiros detentores de títulos de emissão da companhia - de-
bêntures e partes beneficiárias, a saber: (i) assembleia especial de acionis-
tas titulares de ações em circulação no mercado (artigo 4°-A); (ii)
assembleia especial de acionistas titulares de ações de classe atingida por
resgate (artigo 44, § 6°); (iii) assembleia especial, dos titulares de partes
beneficiárias (artigos 51 e 57, § 2°); (iv) assembleia especial de debentu-
ristas (artigos 71 e 174, § 3°); e (v) assembleia especial de preferencialistas
(artigos 18 e 136, §§ 1° e 4°). Essas assembleias são convocadas e insta-
ladas da mesma forma que as ordinárias e extraordinárias.

SEÇÃO SI

ASSEMBLEIA G E R A L O R D I N Á R I A

Objeto
"Art. 132. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguin-
tes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assem-
bleia geral para:

I - tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e vo-


tar as demonstrações financeiras;

II - deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a


distribuição de dividendos;
III - eleger os administradores e os membros do conselho fiscal,
quando for o caso;

IV - aprovar a correção da expressão monetária do capital social


(artigo 167)."

A assembleia geral ordinária é aquela que deve ser realizada anual-


mente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exer- <
cício social, para: (i) tomar as contas dos administradores, examinar,
discutir e votar as demonstrações financeiras; (ii) deliberar sobre a
destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividen-
dos; e (iii) eleger os administradores e os membros do conselho fiscal,
quando for o caso.
A correção monetária do capital social, regulada pelo artigo 167,
foi extinta pela Lei n° 9.249/1995, mediante a qual ficou vedada a
utilização de qualquer sistema de correção das demonstrações finan-
ceiras, inclusive para fins societários (artigo 4°, parágrafo único). Com
a sua extinção, o inciso IV deste artigo encontra-se derrogado, não
mais produzindo qualquer efeito.
É indiscutível que-a assembleia geral ordinária é de realização
obrigatória nas sociedades anônimas, tem periodicidade certa e ma-
térias próprias e de sua exclusiva competência.
A assembleia geral ordinária precisa ser convocada para que seja
validamente instalada e possa deliberar regularmente. Sendo a as-
sembleia a reunião de acionistas, a sua convocação é obrigatória a fim
de que eles possam comparecer no dia e lugar designados no editaP b .
A competência para convocação é, em regra, do conselho de admi-
nistração e, na ausência desse órgão, dos diretores. Retardando a con-
vocação por mais de 30 (trinta) dias, o conselho fiscal será competente

243 Sobre a convocação, ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
para convocar a assembleia. Se o retardamento for superior a 60 (ses-
senta) dias, qualquer acionista poderá fazê-lo244.
Nas companhias fechadas, a primeira convocação da assembleia
o-eral deverá ser feita com 8 (oito) dias de antecedência, no mínimo,/ con-
O
tado o prazo da publicação do primeiro anúncio; não se realizando a
assembleia, será publicado novo anúncio, de segunda convocação, com
antecedência mínima de 5 (cinco) dias. Nas companhias abertas, o prazo
de antecedência é fixado em 15 (quinze) dias, em primeira convocação, e
em 8 (oito) dias, em segunda convocação (artigo 124, § 1°, incisos I e II).
A convocação far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três) vezes, no
mínimo, em órgão oficial da União ou do Estado em que se localizar a
companhia e em outro jornal de grande circulação editado na localidade
em que está situada a sua sede (artigo 289). As publicações devem ser
efetuadas sempre no mesmo jornal e qualquer mudança deverá ser pre-
cedida de aviso aos acionistas no extrato da ata da assembleia geral ordi-
nária (artigo 289, § 3°). Relativamente às companhias abertas, a Comissão
de Valores Mobiliários poderá determinar que as publicações também
sejam feitas em jornal de grande circulação nas localidades em que os
valores mobiliários da companhia sejam negociados em Bolsa de Valores
ou em mercado de balcão (artigo 289, § 1°)24S.
Tendo em vista que as companhias são obrigadas a elaborar as
suas demonstrações financeiras ao fim de cada exercício social, que
devem exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e
as mutações ocorridas no período (artigo 176), a Lei das S.A. estabele-
ceu a periodicidade anual da assembleia geral ordinária que, nos ter-
mos do caput, deve ser realizada nos 4 (quatro) primeiros meses
seguintes ao término do exercício social. Assim, só pode ser realizada
uma única assembleia geral ordinária por ano.

244 Sobre a competência para a convocação da assembleia, ver os comentários ao art. 123 da
Lei das S.A.
245 Ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
O exercício social é o período de levantamento das contas e apu-
ração do resultado da companhia. Por meio do encerramento do exer-
cício verifica-se a situação patrimonial em uma determinada data. A
Lei das S.A. estabelece que (i) o exercício social terá a duração de 1
(um) ano; e (ii) a data do seu término deverá ser fixada no estatuto
social (artigo 175). O exercício social pode corresponder ao ano civil,
iniciando-se, portanto, em 1° de janeiro e terminando em 31 de de-
zembro - o que ocorre na maioria das companhias brasileiras, tendo
em vista que a legislação do imposto de renda determina o levanta-
mento do balanço nessa data - ou compreender qualquer outro perío-
do, observada a duração de 1 (um) ano.
A anualidade do exercício social é princípio de ordem pública e,
portanto, inderrogável. Ainda que a companhia, por disposição esta-
tutária ou determinação legal, esteja obrigada a elaborar demonstra-
ções contábeis em períodos inferiores a 1 (um) ano - como é o caso,
por exemplo, das instituições financeiras246 - ou declare dividendos
intermediários com base em balanços semestrais247, não há modifica-
ção da regra contida no artigo 175.
As 2 (duas) únicas exceções à regra da periodicidade de 1 (um)
ano do exercício social ocorrem no primeiro exercício após a consti-
tuição da companhia e por ocasião da alteração do estatuto social
com a finalidade de modificar a data do seu início ou término248.
Assim, o encerramento do exercício social impõe à companhia a
obrigação de elaborar, com base na escrituração mercantil, as demons-
trações contábeis, por meio das quais é possível acompanhar a sua

A Lei n° 4.595/1964, cjue dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancá-


rias e Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências, deter-
mina no art. 31 que: "As instituições financeiras levantarão balanços gerais a 30 de junho
e31 de dezembro de cada ano, obrigatoriamente, com observância das regras contábeis
estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional."
Ver os comentários ao art. 204 da Lei das S.A.
Ver os comentários ao art. 175 da Lei das S.A.
situação patrimonial, a atuação de seus administradores e a apuração
e distribuição de lucros. As demonstrações contábeis compreendem:
(i) o balanço patrimonial (artigos 178 a 185); (ii) a demonstração dos
lucros ou prejuízos acumulados (artigo 186); (iii) a demonstração do
resultado do exercício (artigo 187); e (iv) a demonstração dos fluxos
de caixa e do valor adicionado (artigo 188)249.
Ainda que a assembleia geral ordinária seja realizada após o pe-
ríodo de 4 (quatro) meses seguintes ao término do exercício social, ela
continuará sendo uma assembleia ordinária, pois a competência é esta-
belecida raticme materiae e não ratione temporis. As Juntas Comerciais
não podem recusar o arquivamento de assembleia geral ordinária reali-
zada fora do prazo, pois a Lei das S.A. não estabelece nenhuma sanção
para hipótese de ser esse prazo ultrapassado250-251. A única conseqüên-
cia que pode advir da extemporaneidade é a responsabilização dos ad-
ministradores que retardaram a convocação da assembleia pelos danos
resultantes do atraso. A Lei das S.A. determina que "os administradores
são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não
cumprimento dos dever es impostos por lei para assegurar o funcionamento
normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a
todos eles' (artigo 158, § 2°)252. No caso de companhia aberta, do atraso
na convocação da assembleia geral poderá resultar a aplicação de san-
ções administrativas, tendo em vista constituir infração de natureza

249 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 176 da Lei das S.A.
250 No mesmo sentido é o Parecer CVM/SJU n° 051/1978.
251 O Departamento Nacional do Registro do Comércio, por meio do "Manual de Atos e
Registro das Sociedades Anônimas", aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/
2006, no item 2.2.6, firmou entendimento no sentido de que "é admissível o arquivamen-
to de ata de assembleia geral ordinária realizada fora do prazo legal."
252 Sobre a responsabilidade dos membros do conselho de administração pelo atraso na
convocação da assembleia geral ordinária, o Colegiado da CVM, no julgamento do Proces-
so Administrativo Sancionador n° RJ 2005/8528, decidiu que: "(...) o art. 142, IV da Lei
6.404/76 atribui essa responsabilidade ao conselho de administração. Também o (...)
estatuto social da Companhia estabelece que a convocação compele ao conselho de
administração, através de seu presidente e, portanto, trata-se de responsabilidade não só
do presidente, mas de todo o órgão colegiado. (...) Entretanto, para que a AGO
grave, para os efeitos do § 3° do artigo 11 da Lei n° 6.385/1976, a não
observância do prazo fixado nesse artigo para a sua realização253-254.
Constitui a assembleia o meio próprio para aferir-se a vontade da
maioria dos acionistas que deve, por definição, prevalecer. Os adminis-
tradores têm o dever legal de lealdade à companhia (artigo 155) e, por-
tanto, devem obediência às normas estatutárias e às diretrizes emanadas
da assembleia geral, que exprimem a vontade social. Assim, as delibera-
ções da assembleia geral ordinária devem ser obedecidas e implementa-
das pelos administradores, sob pena de virem a ser responsabilizados.
A Lei das S.A. especificou expressamente neste artigo as matérias
que são de competência da assembleia geral ordinária; trata-se de nor-
ma de ordem pública, portanto, é ilegal qualquer dispositivo do estatuto
social que disponha em sentido contrário.

T O M A D A DE C O N T A S D O S A D M I N I S T R A D O R E S , E X A M E , D I S C U S S Ã O E

V O T A Ç Ã O DAS D E M O N S T R A Ç Õ E S FINANCEIRAS

Embora seja titular do direito de fiscalizar, o acionista não tem


liberdade para escolher o meio mediante o qual o exercerá, posto que os
instrumentos de fiscalização são exclusivamente aqueles previstos na
Lei das S.A.: (i) participação em assembleia geral; (ii) recebimento de

aconteça, é necessário o cumprimento do requisito preliminar de publicação com um mês de


antecedência, das informações listadas no art 133 da Lei 6.404/76, e também a existência
de DFs auditadas, as quais não foram elaboradas pela Companhia, naquele período. Os
membros do conselho de administração não podem ser responsabilizados pela não prepara-
ção das demonstrações financeiras, dado que não possuem essa competência, nem qual-
quer outra competência executiva sobre os negócios da Companhia. Por isso, os membros
do conselho de administração não podem ser condenados pela não convocação das ACOs,
uma vez que sequer existiam as DFs auditadas que são requeridas previamente." No mesmo
sentido, foi o julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ 2004/5238,
Rei. Dir. Marcelo Trindade, j. em 28.03.2005.
Art. 60, inciso III, da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela
Instrução CVM n° 488/2010.
A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 009/1984, manifestou-se no sentido de que: "A
obrigatoriedade de convocação da assembleia geral (art. 132 da Lei n" 6.404/76), de
apresentação dos documentos da administração aos acionistas (art. 133 da Lei n° 6.404/
76), bem como a elaboração das demonstrações financeiras da companhia, devidamente
auditadas (arts. 176 e 177, § 3°, da Lei n" 6.404/76), não é elidida pela situação econômica
precária em que se encontrar, eventualmente, a companhia."
informações financeiras - balanço e relatórios - (artigos 133 a 135, §
3°); (iii) funcionamento do conselho fiscal (artigo 161); (iv) acesso
aos livros da companhia (artigos 100, § 1°, e 105); (v) auditoria inde-
pendente (artigo 177, § 3°); e (vi) acesso às informações referentes a
fatos relevantes e operações realizadas pelos administradores (artigo
157, § § 1° e 4°).
E inadmissível nas sociedades anônimas - modelo jurídico con-
cebido para um grande número de sócios - o direito à fiscalização da
gestão dos negócios sociais por seus acionistas de maneira irrestri-
ta255-256. A atribuição de poderes ilimitados aos acionistas para fiscali-
zar a gestão dos negócios sociais poderia resultar, em situações

255 A 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 792.660-SP,


Rei. Min. Castro Filho, j. em 16.03.2006, disponível em: <www.5tj.gov.br>, decidiu que:
"É indiscutível que o administrador tem o dever jurídico de prestar contas de sua gestão da
sociedade. Resta saber se o acionista da sociedade anônima, individualmente, possui
legitimidade para, judicialmente, exigir essa prestação. O artigo 122, inciso III, da Lei n°
6.404/76, estabelece como atribuição privativa da Assembleia Cera! Ordinária 'tomar,
anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações financeiras
por ela apresentadas.' Se assembleia não se realizar, deverá ser convocada pelo conselho
de administração. (...) Vê se que, nos termos da Lei n" 6.404/76, a legitimidade do sócio é
supletiva e subsidiária e se limita à faculdade de convocar a realização da Assembleia
Ceral; não lhe cabe exigir que as contas lhe sejam prestadas individualmente." No mesmo
sentido, as seguintes decisões: (i) I a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina,
no julgamento da Apelação Cível n° 1988.081915-2, Rei. Des. Trindade dos Santos, j. em
01.10.1996, disponível em: <http://app.tjsc.jus.br>; (ii) 2 a Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no julgamento da Apelação Cível n° 17.807/00, Rei.
Des. Gustavo Adolpho Kuhl Leite, j. em 20.02.2001, publicada no D O (Parte III) em
01.03.2001; (iii) 9a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
no julgamento da Apelação Cível n" 70003404597, Rei. Des. Mara Larsen Chechi, j. em
09.10.2002; (iv) 9a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no
julgamenlo da Apelação Cível n° 502.125-4/5, Rei. Des. Carlos Stroppa, j. em 19.02.2008.
Em outro sentido é a decisão da 2 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Parana', no julgamento dos Embargos de Declaração n° 120.249-5/01, Rei. Des. Hirosê
Zeni, j. em 02.10.2002, disponível: em <www.tj.pr.gov.br>: "O fato de compelir, privativa-
mente, 'a Assembleia Ceral tomar anualmente as contas dos administradores e deliberar
sobre as demonstrações financeiras por eles apresentadas, não impede a qualquer acionista
dissidente, promover a ação de prestação de contas quando lhe for negada informações
sobre questões não esclarecidas através das que tenham sido prestadas regularmente. Além
do mais, a dita competência privativa no inciso III do art. 122 da Lei 6.404/76, diz respeito
à tomada de contas para apreciação, deliberação, e aprovação ou não pela Assembleia
Ceral, o que é diferente da solicitada com a finalidade de esclarecimentos sobre atos
administrativos omitidos nas que foram prestadas."
256 HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil - Procedimentos
Especiais, v. III, 35a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 98, observa que: "As
extremas, na paralisia dos administradores, impedindo a companhia
de atingir suas finalidades e de cumprir seu objeto social 257 .
Todos os acionistas, ainda que não t e n h a m direito de voto, p o -
dem comparecer à assembleia geral ordinária e discutir a matéria sub-
metida à deliberação (artigo 125, parágrafo único). T e n d o em vista
que é direito essencial do acionista o de fiscalizar a gestão dos negó-
cios sociais (artigo 109, inciso III), m e s m o o que não t e m direito de
voto pode comparecer ao conclave e participar das discussões, não da
deliberação, das matérias objeto da o r d e m d o dia, b e m como lavrar o
seu protesto, que deverá constar da ata (artigo 130). O s únicos acio-
nistas que não p o d e m participar da assembleia geral ordinária são
aqueles que tiveram esse direito suspenso p o r terem deixado de c u m -
prir obrigação imposta pela Lei das S.A. ou pelo estatuto e que, até a
data da realização do conclave, não t e n h a m c u m p r i n d o com essa obri-
gação (artigo 120).

Constitui e l e m e n t o essencial à deliberação sobre a t o m a d a de


contas dos administradores o exame dos d o c u m e n t o s que devem
ser colocados à disposição dos acionistas até 1 (um) mês antes da
data marcada para a realização da assembleia geral ordinária, a sa-
ber: (i) relatório da administração; (ii) cópia das demonstrações fi-
nanceiras; (iii) parecer dos auditores i n d e p e n d e n t e s , se houver; (iv)
parecer do conselho fiscal; e (v) demais d o c u m e n t o s pertinentes a
assuntos incluídos na o r d e m d o dia 258 .

sociedades importam sempre a instituição de organismos de gestão de bens alheios e, como


tais, os gestores do patrimônio social acham-se sujeitos a prestar contar da administração
desenvolvidas. Acontece que, por lei ou pelos estatutos, costuma-se estabelecer órgãos
internos da sociedade a que se atribui a função de apreciar e julgar as contas dos seus
administradores. Nessa conjuntura, uma vez aprovadas as contas da assembleia geral ou
órgão equivalente, quitado se acha o gestor de sua obrigação de prestar contas, e descabivel
será a pretensão de algum sócio individualmente de acioná-lo para exigir novo acerto de
contas em juízo."
Ver os comentários ao art. 109 da Lei das S.A.
Ver os comentários ao art. 133 da Lei das S.A. Ver, também, o art. 9o da Instrução CVM n°
481/2009.
A finalidade das demonstrações financeiras é a de informar a situa-
ção patrimonial e os resultados da companhia; assim elas não são elabo-
radas com o objetivo de prestar contas. Porém, servem como instrumento
de prestação de contas porque os efeitos patrimoniais dos atos praticados
pelos administradores são registrados na escrituração mercantil, com base
na qual são elaboradas as demonstrações 259 .
Todos os acionistas t ê m ampla liberdade n a assembleia geral or-
dinária para pedir esclarecimentos aos administradores, m e m b r o s do
conselho fiscal e aos auditores. P o r essa razão, a L e i das S.A. determi-
na que os administradores da c o m p a n h i a e m e m b r o s do conselho
fiscal, ou ao m e n o s 1 (um) deles, e o auditor independente, se houver,
devem comparecer à assembleia geral ordinária (artigo 134, § 1°, e
164, capui).
Se forem necessários esclarecimentos adicionais, a deliberação so-
bre a aprovação das contas p o d e ser adiada e ordenada diligência para
atender às solicitações de informações dos acionistas 260 . T a m b é m será
adiada a deliberação, salvo dispensa dos acionistas presentes, n a hipótese
de não c o m p a r e á m e n t o de administrador, m e m b r o do conselho fiscal
ou auditor independente (artigo 134, § 2°).
A aprovação das contas constitui u m a declaração de vontade por
parte da assembleia geral ordinária, não se restringindo, pois, ao mero
atendimento de formalidade legal, u m a vez que os acionistas têm u m
poder discricionário e m relação à sua apreciação 261 . A aprovação do ba-

259 Sobre a aprovação das demonstrações financeiras e a tomada de contas dos administrado-
| res, ver JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN, "Aprova-
ção das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus Efeitos.
Necessidade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos Administra-
i dores para Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro
e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei 6.404/76. São
Paulo: Quartíer Latin, 2007, p. 43.
260 Ver os comentários ao arL 134 da Lei das S.A.
261 NELSON EIZIR1K. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 109.
Sobre a aprovação das demonstrações financeiras e a tomada de contas dos administrado-
res, ver, também, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN,
"Aprovação das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus
lanço pela assembleia geral ordinária tem a natureza de um ato jurídico
negociai de eficácia declaratória, cujos efeitos operam-se retroativamen-
te, a partir do momento em que foram levantadas as demonstrações fi-
nanceiras no encerramento do exercício social262.
A aprovação sem reserva das contas dos administradores opera
a desoneração de sua responsabilidade e dos membros do conselho
fiscal, salvo erro, dolo, fraude, simulação (artigo 134, § 3°) ou coa-
ção263. Os administradores não podem votar como acionistas sobre
o relatório da administração, as suas próprias contas e as demons-
trações financeiras (artigo 134, § 1°).
Apesar do inciso I e do artigo 133 referirem-se, separadamen-
te, às "contas dos administradoresàs "demonstrações financeiras" e
ao "relatório da administraçãoo exame dos 2 (dois) últimos está
abrangido pela análise das contas do exercício. A prestação anual
de contas dos administradores desdobra-se em 2 (duas) peças fun-
damentais: o relatório da administração e as demonstrações finan-
ceiras. Ambos têm por objetivo informar os acionistas sobre os
resultados do exercício, distinguindo-se apenas na forma pela qual
se transmite tal informação: em termos contábeis, no caso das de-
monstrações financeiras; em linguagem literal, em se tratando do
relatório da administração. Assim, os 2 (dois) documentos, embora
mencionados separadamente pela Lei das S.A., são, usualmente,
apreciados em conjunto pelos acionistas ao tomarem as contas da

Efeitos. Necessidade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos


Administradores para Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro
de Castro e Leandro Santos de Aragão (Coord ). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei
6.404/76..., p. 42-63.
262 Nesse sentido manifestou-se a CVM no Parecer CVM/SJU n° 013/1985. De acordo com
MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES. Curso dc Direito Civil. v. I, 5a edição, Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1971, p. 364: "Os negócios jurídicos declaratórios são os cujos efeitos se
operam ex tunc, a partir do momento em que se operou o fato ao qual se vincula a declaração,
sendo exemplo de ato dedaratório o ato pelo qual se põe fim a um condomínio. /\ categoria
dos negócios jurídicos declaratórios representa uma exceção."
263 Arts. 151 a 155 do Código Civil.
administração264. No entanto, é possível que sejam objeto de 2 (duas)
deliberações distintas: uma para aprovar as contas e outra para apro-
var as demonstrações financeiras, o que ocorre na hipótese dessas
últimas terem sido elaboradas de acordo com as normas legais e
refletirem a situação real da companhia, mas os acionistas enten-
derem que a gestão dos negócios sociais foi temerária, em função
de atos ou operações praticados pelos administradores com imperí-
cia, imprudência ou negligência265.
Dessa forma, a aprovação com reserva das contas dos adminis-
tradores não impede a aprovação das demonstrações financeiras, ten-
do em vista que a assembleia tem o dever de aprová-las; caso entenda
que contém irregularidades deve apresentar proposta para a sua retifi-
cação266. Nesse sentido, a Lei das S.A., no § 4° do artigo 134, deter-
mina que se a assembleia aprovar as demonstrações financeiras com
modificacão no montante do lucro do exercício ou no valor das obri-
gações da companhia, os administradores promoverão, dentro de 30
(trinta) dias, a republicação das demonstrações, com as retificações
deliberadas pela assembleia.

264 ALBERTO XAVIER. Administradores de Sociedades. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1979, p. 92, observa que: "Estamos assim em posição de concluir que o objeto de
deliberação a que se refere o n. 1 do art. 132 é unitariamente constituído pelas contas
anuais do exercício, que têm por objetivo a apuração do lucro - que - estas sim,
constituem uma realidade jurídica incindível. O relatório, as demonstrações financei-
ras (e seus complementos) são instrumentos técnico-jurídicos da prestação de contas
que têm em vista a elucidação dos acionistas. O mesmo se diga do parecer do conselho
fiscal e dos esclarecimentos dos administradores prestados no decurso da própria
assembleia."
265 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de
Janeiro: Forense, 1953, p. 138, observa que podem os administradores: "(...) ter viola-
do a lei ou estatutos e até agido maliciosamente na administração da sociedade.
Verifica a exatidão do balanço, a assembleia não deixará de aprová-lo, sem que,
entretanto, essa aprovação envolva a aprovação dos resultados que ele positiva.
aprovação do balanço não significa, pois, a exoneração da responsabilidade dos
diretores e fiscais."
266 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN, "Aprovação
das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus Efeitos.
Necessidade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos Adminis-
tradores para Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro de
Castro e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei
6.404/76..., p. 44.
As contas apresentadas pela administração da companhia cons-
tituem mera proposta, que somente produz efeitos jurídicos após
ser aprovada pelos acionistas em assembleia geral. Antes disso, o
que se tem é apenas um projeto ou minuta do balanço, sem valor
contábil ou existência jurídica267-268.
A Lei das S.A. expressamente reconhece o caráter de mera pro-
posta das contas elaboradas pela administração, tanto que esse arti-
go confere à assembleia geral competência privativa para tomar as
contas da administração e examinar, discutir e votar as demonstra-
ções financeiras, sendo tal órgão soberano para determinar modifi-
cações ou recusar as contas269.
No caso de aprovação integral das contas da administração, a
Lei das S.A. expressamente dispõe que tal deliberação isenta os ad-
ministradores de responsabilidade, exceto se posteriormente for com-
provada a existência de algum vício (artigo 134, § 3°)270.

267 FÁBIO KONDER COMPARATO. Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de


Janeiro: Forense, 1978, p. 30. No mesmo sentido, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA.
Direito Societário. 12a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 448; LUIZ CASTÃO
PAES DE BARROS LEÃES. Direito do Acionista ao Dividendo. São Paulo: Obelisco,
1969, p. 61; FRANCESCO MESSINEO, "Valore Giuridico dei Bilancio di Società e delle
Registrazioni Nei Libri Sociali". In: Studi de Diritto delle Società. 2 a ed., Milano, 1958,
p. 129 e seguintes.
268 A CVM, no Parecer de Orientação CVM n° 16/1988, firmou entendimento no sentido
de que o balanço constitui autêntica declaração de vontade por parte da assembleia
geral ordinária: "b) balanço torna-se ato jurídico existente apenas depois que a
assembleia geral de acionistas o aprova, até quatro meses após o encerramento do
exercício social (...) c) a deliberação da assembleia geral ordinária de aprovar o balanço
apresentado pelos administradores constitui-se em autêntica declaração de vontade, e
não simples declaração de ciência."
269 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário..., p. 108.
270 Nesse sentido, RAUL VENTURA e LUIS BRITO CORREIA, "Responsabilidade Civil dos
Administradores de Sociedades Anônimas e dos Gerentes de Sociedades por Quotas", Bole-
tim do Ministério de Justiça. n° 192, 193, 194 e 195, Lisboa, 1970, p. 190, observam que:
"Em Portugal, a aprovação do balanço e contas de gerência tem sido considerada não como
simples declaração de verdade, nem como mera verificação da regularidade formal dos
documentos apresentados, ou quitação da prestação de contas, mas como um ato de vonta-
de no sentido de aceitar como boa a gestão dos administradores, de sanar as irregularidades
e dé liberar de responsabilidade os mesmos administradores." No mesmo sentido, ALBERTO
XAVIER. Administradores de Sociedades..., p. 107-108: "A aprovação das contas anuais, sem
reservas, além de fixar o lucro liquido do exercício, tem pois eficácia Uberatória dos adminis-
tradores, significando islo que a sociedade renuncia a exigir-lhes responsabilidade pelos
prejuízos causados ao seu patrimônio."
Assim, a aprovação sem reserva das contas pressupõe que os acio-
nistas concordaram com a atuação dos administradores, liberando-os
de qualquer responsabilidade por eventuais prejuízos causados. Se a
assembleia geral ordinária aprova deliberação que implica a exoneração
de responsabilidade dos administradores, tal órgão fica, em princípio,
impedido de aprovar a propositura de ação de responsabilidade prevista
no artigo 159.
Caso posteriormente fique demonstrado que as contas foram ela-
boradas com erro, dolo, fraude, simulação ou coação é que se pode pre-
tender anular a aprovação anterior e ajuizar ação para apurar a
responsabilidade dos administradores. Assim, a aprovação das contas e
das demonstrações financeiras não impede a responsabilização dos ad-
ministradores por irregularidades que os acionistas venham a tomar co-
nhecimento após a realização da assembleia geral ordinária271, sendo
necessária, no entanto, a propositura de sua anulação.

DESTINAÇÃO D O LUCRO LÍQUIDO D O EXERCÍCIO

EA D I S T R I B U I Ç Ã O DE D I V I D E N D O S

Juntamente com as demonstrações financeiras do exercício, os ór-


gãos da administração da companhia apresentarão à assembleia geral
ordinária, observado o disposto nos artigos 193 a 203 e no estatuto, pro-
posta sobre a destinação a ser dada ao lucro líquido do exercício (artigo
192), determinando as parcelas do lucro que serão: (i) distribuídas como

271 Conforme observa JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário..., p. 380: "Os
acionistas, ao deliberarem sobre as demonstrações financeiras, a não ser quando previamen-
te avisados e movidos pela suspeição, não dispõem de elementos para um exame aprofundado
desses documentos. Sabe-se que uma empresa de auditoria, para pronunciar-se com segu-
rança, consome muitas horas e muita experiência em seu trabalho. Consequentemente, não
se poderia esperar que os acionistas, até mesmo o controlador, dispusessem, na assembleia,
de pleno conhecimento de causa a respeito dos vários negócios e operações resumidos nas
demonstrações financeiras e nas notas explicativas. Desse modo, a exoneração dos adminis-
tradores, que decorre da aprovação das demonstrações financeiras, é relativa e aparente,
pois tudo aquele que tenha escapado ao conhecimento dos acionistas, e que seja substan-
cial, posto que suficiente para demovê-los de aprovar as contas, caracterizará uma hipótese
de erro, consequenciando a reabertura do problema, para efeito de responsabilização dos
envolvidos."
dividendo; e (ii) apropriadas às reservas272. Tendo em vista que as de-
monstraçõesfinanceirasregistram a destinação dos lucros segundo a pro-
posta dos órgãos da administração (artigo 176, § 3°), a assembleia geral
ordinária é livre para determinar diversamente a destinação do lucro dis-
ponível após a dedução do dividendo mínimo obrigatório e das reservas
legais e estatutárias, observado, no entanto, o disposto no estatuto e nos
artigos 193 a 202.
O direito de participar dos lucros sociais é considerado um direito
essencial do acionista (artigo 109, inciso I). Constitui fim fundamental
da companhia gerar lucros e distribuí-los entre os seus sócios. Na com-
panhia, o interesse econômico imediato é a repartição periódica dos lu-
cros sob a forma de dividendos, como uma espécie de frutos civis dos
contingentes do capital de cada um dos acionistas273.
Um dos aspectos mais relevantes na execução do contrato social é o
da distribuição dos lucros, no qual se realiza o interesse individual dos
acionistas. Os sócios que participam da assembleia de deliberação da dis-
tribuição dos resultados devem comportar-se tendo em vista o princípio
da boa-fé, o qual exige que, preservada a continuação do empreendimen-
to econômico, devem os lucros ser divididos entre eles274.
O exercício do direito aos dividendos depende da existência de
lucros, que constitui pressuposto necessário à sua distribuição275. Em-
bora o resultado positivo da companhia, representado pelo ganho fi-
nanceiro nela ingressado em razão de suas atividades, seja denominado
genericamente "lucro", o direito do acionista refere-se à distribuição do

272 No que se refere às companhias abertas, a proposta para destinação do lucro líquido
deverá conter, no mínimo, as informações exigidas no Anexo 9-1-11 da Instrução CVM
n° 481/2009, e, nos termos do Ofício-Circular/CVM/SEP/N" 004/2011, não deverá "se
restringir à enumeração dos itens a serem submetidos à deliberação assemblear, uma
vez que tal procedimento a tornaria uma mera repetição de informações já contidas no
Edital de Convocação."
273 HERNANl ESTRELA. Direito Comercial (Estudos). Rio de Janeiro: José Konfino Editor,
1969, p. 190.
274 CIUSEPPE FERRI. Le Società. Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1971, p. 414.
275 Ver os comentários aos arts. 17 e 202 da Lei das S.A.
lucro líquido do exercício (artigo 191): aquele que remanesce depois
da dedução dos prejuízos acumulados, da provisão para o imposto de
renda e de todas as modalidades de participação no lucro a que te-
nham direito os debenturistas, empregados, administradores, etc.276
(artigos 189,190 e 191).
Caso a situação financeira da companhia não permita a distri-
buição de dividendos e o acionista não possa exercer naquele perío-
do o seu direito de participar nos lucros, os mesmos permanecem
inalterados, por força de disposição expressa da Lei das S.A. (artigo
202, § 5°). Assim, o direito ao dividendo permanece íntegro, tornan-
do-se exigível quando o mesmo for verificado, inclusive em relação
aos períodos em que se manteve suspenso.
Uma vez levantado e aprovado o balanço e verificada a existên-
cia de lucro líquido, apurado na forma da Lei das S.A.277, o acionista,
que já detinha o direito expectativo de receber os lucros, adquire, a
partir desse momento, o direito ao seu exercício. Trata-se de um direi-
to subjetivo do acionista, correspondente à obrigação da companhia
de perseguir um fim lucrativo278.
O direito ao dividendo constitui um direito expectativo, não uma
mera expectativa de direito279, ou seja, já integra o universo jurídico,
da mesma forma que ocorre com o direito de preferência à subscrição
de novas ações. Havendo lucro, fixado pelo balanço e determinando
a assembleia geral ordinária o quantum e a maneira de sua distribui-
ção, caso os estatutos já não o tenham feito, deixa de haver direito
expectativo para nascer o direito expectado ao dividendo280, passando

276 Sobre esse assunto, ver JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Finan-
ceiras da Companhia (Conceitos Fundamentais). 2'1 edição, Rio de Janeiro: Forense, 1989,
p. 449.
277 Ver os comentários aos arts. 190 e 191 da Lei das S.A.
278 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Direito do Acionista ao Dividendo..., p. 305-307.
279 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. V, 4 a edição, São Rnulo: Borsoi,
1983, § 576, p. 264.
280 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 114; FÁBIO KONDER COMPARATO. Novos
Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 177.
o acionista à posição de credor da companhia. Embora o direito ao
crédito surja no âmbito da relação social, destaca-se dela, criando-se,
assim, uma situação de ilegitimidade da sociedade para revogar a dis-
tribuição de dividendos. Uma deliberação da assembleia de tal natu-
reza, por atingir direitos de acionista enquanto terceiros — credores - ,
seria absolutamente ineficaz281.
Assim, o direito ao dividendo apresenta as seguintes caracte-
rísticas essenciais: é direito subjetivo, individual, de conteúdo eco-
nômico irrenunciável e irrevogável do acionista, que se converte em
direito de crédito contra a companhia quando a assembleia geral
ordinária delibera sua distribuição282-283.
A proposta de destinação do lucro líquido do exercício das com-
panhias abertas deve conter as informações mínimas exigidas pela
Comissão de Valores Mobiliários284.

ELEIÇÃO DE A D M I N I S T R A D O R E S E M E M B R O S

D O C O N S E L H O FISCAL

A eleição dos administradores e membros do conselho fiscal


tem caráter eventual, pois ela é efetuada de acordo com as regras do
estatuto social sobre o prazo de gestão que, no caso dos administra-
dores, não pode ser superior a 3 (três) anos, sendo permitida a reelei-
ção (artigos 140 e 143, inciso III). O conselho fiscal pode ser instalado
a pedido de acionistas em qualquer assembleia geral ou ter funcio-
namento permanente, hipótese em que seus membros são eleitos
anualmente pela assembleia geral ordinária (artigo 161, caputt § 5°).

281 C U I D O ROSSI, "Diritto Agli Utili e Diritto alia Quota di Liquidazione", Rivista delle
Società. Milano: Giuffrè, v. 2, Ano II, 1957, p. 287.
282 JORGE LOBO. Direitos dos Acionistas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 180.
283 Nesse sentido é o julgamento proferido pela 4° Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, nos autos da Apelação Cível n° 67.568-1, Rei. Des. Olavo Silveira, j.
em 12.12.1985, publicado na Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
v. 609, julho, 1986, p. 70-71.
Ver o art. 9°, § 1 o , inciso II, e o Anexo 9-1-11 da Instrução CVM n° 481/2009.
Por outro lado, a competência para a eleição e destituição dos ad-
ministradores é, apenas em regra, da assembleia geral ordinária, pois
nada impede que a assembleia geral extraordinária delibere, quando
necessário, sobre essa matéria, como ocorre, por exemplo, na hipótese
de eleição de membros do conselho de administração ou da diretoria
quando um deles renuncia ao cargo ou falece; a substituição é efetuada
na primeira assembleia geral seguinte ao evento, independente de ser
ela ordinária ou extraordinária.
No caso de companhias abertas, sempre que a assembleia geral
ordinária for convocada para eleger administradores ou membros do
conselho fiscal, deverão ser fornecidas as informações mínimas de-
terminadas pela Comissão de Valores Mobiliários285.
Documentos da administração
"Art. 133. Os administradores devem comunicar, até 1 (um) mês
antes da data marcada para a realização da assembleia geral ordi-
nária, por anúncios publicados na forma prevista no artigo 124,
que se acham à disposição dos acionistas:

I - o relatório da administração sobre os negócios sociais e os


principais fatos administrativos do exercício findo;

II - a cópia das demonstrações financeiras;

III - o parecer dos auditores independentes, se houver.

285 Ver o art. 10 da Instrução CVM n° 481/2009 e Itens 12.6 a 12.10 do "Formulário de
Referência" constante do Anexo 24 da Instrução CVM n° 480/2009, relativamente aos
candidatos indicados ou apoiados pela administração ou pelos acionistas controladores.
Quanto aos documentos e informações mínimas que deverão ser disponibilizados aos
acionistas quando da convocação da assembleia geral, ver os arts. 8o a 21 da Instrução
CVM n° 481/2009. Essa Instrução, que entrou em vigor em 01.01.2010, instituiu uma
nova disciplina aos assuntos relacionados às assembleias gerais de companhias abertas
que possuam ações admitidas à negociação em mercados regulamentados, inclusive no
que diz respeito às informações que devem acompanhar os anúncios de convocação e às
informações e documentos relativos às matérias que serão deliberadas.
IV - o parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes, se
houver; e (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

V - demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na or-


dem do dia. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 1° Os anúncios indicarão o local ou locais onde os acionistas


poderão obter cópias desses documentos.

§ 2° A companhia remeterá cópia desses documentos aos acio-


nistas que o pedirem por escrito, nas condições previstas no § 3°
do artigo 124.

§ 3o Os documentos referidos neste artigo, à exceção dos cons-


tantes dos incisos IV e V, serão publicados até 5 (cinco) dias, pelo
menos, antes da datá marcada para a realização da assembleia
geral. (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ 4° A assembleia geral que reunir a totalidade dos acionistas poderá


considerar sanada a falta de publicação dos anúncios ou a inobser-
vância dos prazos referidos neste artigo; mas é obrigatória a publica-
ção dos documentos antes da realização da assembleia.

§ 5° A publicação dos anúncios é dispensada quando os documentos


a que se refere este artigo são publicados até 1 (um) mês antes da data
marcada para a realização da assembleia geral ordinária."

E direito essencial do acionista o de fiscalizar a gestão dos negócios


sociais (artigo 109, inciso HI), e os instrumentos defiscalizaçãosão única
e exclusivamente os previstos na Lei das S.A, a saber: (i) participação em
assembleia geral; (ii) recebimento de informações financeiras — balanço
e relatórios - (artigos 133 a 135, § 3°); (iii) funcionamento do conselho
fiscal (artigo 161); (iv) acesso aos livros da companhia (artigos 100, § 1°,
e 105); (v) auditoria independente (artigo 177, § 3°); e (vi) acesso às
informações referentes a fatos relevantes e operações realizadas pelos
administradores (artigo 157, §§ 1" e 4°).
O acionista não tem liberdade para escolher o meio mediante o qual
exercerá afiscalização.Assim, constitui elemento essencial à deliberação
sobre a tomada de contas dos administradores, à discussão e votação das
demonstrações financeiras, à deliberação sobre a destinação do lucro lí-
quido do exercício e à distribuição de dividendos, o exame dos documen-
tos que devem ser colocados à disposição dos acionistas, nos termos do
caput (i) relatório da administração sobre os negócios sociais e os princi-
pais fatos administrativos do exercício findo; (ii) cópia das demonstra-
çõesfinanceiras;(iii) parecer dos auditores independentes, se houver, (iv)
parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes; e (v) demais docu-
mentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia.
A Lei das S.A. estabelece um regime de publicidade das informa-
ções que devem ser prestadas aos acionistas e que se desdobra em 2
(duas) partes: aviso informando que os documentos estão à disposição
dos acionistas e a publicação desses documentos. Assim, determina
que os documentos acima sejam colocados à disposição dos acionistas
até 1 (um) mês antes da data marcada para a realização da assembleia
geral ordinária, por anúncios indicando o local ou locais onde poderão
obter cópias desses documentos, que devem ser publicados na forma
prevista no artigo 124, ou seja, por 3 (três) vezes, no mínimo, em órgão
oficial, conforme o lugar em que esteja situada a sede da companhia e
em outro jornal de grande circulação (artigo 289). A companhia, nos
termos do § 2°, independente da publicação do anúncio, deve remeter
uma cópia desses documentos aos acionistas que a solicitarem por es-
crito, nas condições previstas no § 3° do artigo 124.
A princípio, os documentos elencados nos incisos I a V do caput
devem ficar à disposição na sede da companhia, porque nela será reali-
zada a assembleia geral. No entanto, a fim de facilitar a sua consulta,
nas companhias com grande número de acionistas, também podem
ser disponibilizados em outros locais.
Os anúncios de que os documentos encontram-se à disposição
dos acionistas são dispensados quando eles são publicados até 1 (um)
mês antes da data marcada para a realização da assembleia geral ordi-
nária (§ 5°). De qualquer forma, à exceção do parecer do conselho
fiscal e dos demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na
ordem do dia, os outros documentos - referidos nos incisos I a III -
devem ser publicados até 5 (cinco) dias, pelo menos, antes da data
marcada para a realização da assembleia (§ 3°).
A assembleia que reunir a totalidade dos acionistas, de acordo
com o § 4°, pode considerar sanada a falta de publicação dos anúncios
ou a inobservância do prazo de 5 (cinco) dias, mas os documentos de
divulgação obrigatória (incisos I a III) devem ser publicados antes da
realização da assembleia geral, tendo em vista que a norma contida
neste artigo integra o sistema de informações que se dirige não ape-
nas aos acionistas, mas também aos credores da companhia286-287.
Nem mesmo a unanimidade dos acionistas pode suprir a ausência

286 Consta do Parecer jurídico DNRC/COJUR n° 220/1997, que analisou caso em que os
documentos de publicação obrigatória, relacionados nos incisos I a III do art. 133, foram
publicados na data da realização da assembleia geral ordinária que reuniu a totalidade dos
acionistas, disponível em: <www.dnrc.gov.br>, manifestação do sentido de que: "O cerne
da decisão hostilizada está refletida na expressão 'antes' da realização da assembleia
atacada e contra-atacada pela Procuradoria da JUCERJ, considerando que a 'expressão
antes, contida no § 4°, do art. 733 (...) deve ser entendida, no máximo, até a véspera da
realização da assembleia, ou seja, um dia antes dessa data.' (...) entendemos que a expres-
são véspera não poderá ser substituída pela expressão antes, advérbio, com significação
própria: em tempo anterior; e antes da, significa anteriormente a. Certo é que a expressão
véspera é (....) 1. a tarde; 2. o dia que antecede imediatamente aquele que se trata; e 3.
época ou tempo que precede certos acontecimentos. Parece claro, assim, que a expressão
antes contida no § 4° do art. 133, da Lei n° 6.404/76 tem seu perfil bem delineado (...). A
nosso ver, não houve transgressão do dispositivo evocado, pois se o legislador quisesse,
teria feito a remissão expressa no prazo para a publicação dos documentos, mas não o fez.
(...) não vemos qualquer dificuldade ou afronta à lei se a publicação foi no mesmo dia da
realização do conclave."
287 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 008/1980, manifestou-se no sentido de que: "A publica-
ção do relatório da diretoria é requisito que a lei considera obrigatório para a regularidade
da realização da assembleia geral ordinária. O dispositivo legal, que assim dispõe, o § 4o,
in fine, do artigo 133 da Lei n° 6.404/76, integra o sistema de informação, dirigindo a toda
a comunidade e tem por isto a força cogente de norma de ordem pública; sua omissão não
pode ser sanada pelo comparecimento da totalidade dos acionistas e imporia em irregula-
ridade da própria assembleia." No mesmo sentido é o Parecer CVM/SJU n° 089/1979.
dessa publicação. A assembleia geral ordinária instalada sem a
observância da regra de publicidade indispensável prevista neste
artigo não pode deliberar.
A companhia aberta que possua ações admitidas à negociação em
mercados regulamentados, além dos documentos constantes dos inci-
sos I a V, deve tornar disponíveis aos acionistas, também até 1 (um)
mês antes da data marcada para a realização da assembleia geral ordi-
nária, por meio de sistema eletrônico na página da Comissão de Valo-
res Mobiliários na rede mundial de computadores, adicionalmente os
seguintes documentos e informações: (i) comentário dos administra-
dores sobre a situação financeira da companhia; (ii) proposta de desti-
nação do lucro líquido do exercício; e (iii) parecer do comitê de auditoria,
se houver288. Constitui infração grave, para os efeitos da Lei n° 6.385/
1976, a violação dessas obrigações289.
A Lei das S.A. determina, ainda, a obrigatoriedade de o adminis-
trador de companhia aberta revelar à assembleia geral ordinária, a pe-
dido de acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do
capital social: (i) o número dos valores mobiliários de emissão da com-
panhia ou de sociedades controladas, ou do mesmo grupo, que tiver
adquirido ou alienado, diretamente ou através de outras pessoas, no
exercício anterior, (ii) as opções de compra de ações que tiver contrata-
do ou exercido no exercício anterior; (iii) os benefícios ou vantagens,
indiretas ou complementares, que tenha recebido ou esteja receben-
do da companhia e de sociedades coligadas, controladas ou do mes-
mo grupo; (iv) as condições dos contratos de trabalho que tenham
sido firmados pela companhia com os diretores e empregados de alto

288 Art. 2°, combinado com os arts. 6° e 9° da Instrução CVM n° 481/2009. No mesmo sentido
são os arts. 21, incisos VI e VIII, e 25, § 1o, da Instrução CVM n° 480/2009, com as
alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010. O comentário dos administrado-
res sobre a situação financeira da companhia deve ser efetuado nos termos do item 10 do
"Formulário de Referência", aprovado pela Instrução CVM n° 480/2009, e a proposta de
destinação do lucro líquido do exercício deve conter, no mínimo, as informações indicadas
no Anexo 9-1-II da Instrução CVM n° 481/2009.
289 Art. 34, inciso l, da Instrução CVM n° 481/2009.
nível; e (v) quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da com-
panhia (artigo 157, § 1°).
O disclosure pode desempenhar uma importante função não só para
melhorar a eficiência do mercado de capitais, mas também para aprimo-
rai" as práticas da chamada "governança corporativa". Em primeiro lugar,
permite que os acionistas, uma vez bem informados, possam melhor exer-
cer o seu direito de voto, assim como fiscalizar de forma mais eficiente os
administradores, no exercício de seus deveres fiduciários. Ademais, apre-
senta efeitos positivos em alguns mecanismos essenciais de controle da
gestão dos administradores: a companhia é mais eficazmente avaliada
no chamado "mercado de controle"; reduz-se o risco de os administrado-
res atribuírem-se salários e outros benefícios despropositados; obriga-se
os administradores a submeter as suas políticas de captação de recursos e
de investimentos ao permanente escrutínio do mercado290. A norma do
artigo 157 que trata do dever de informar está direcionada apenas aos
administradores de companhias abertas, uma vez que, no caso das fecha-
das, não há interesses de investidores a serem tutelados291.
Determina a Lei das S.A. que as companhias abertas com
ações admitidas à negociação em Bolsa de Valores deverão reme-
ter, na data da publicação do anúncio de convocação da assem-
bleia, à Bolsa de Valores em que suas ações forem mais negociadas,
os documentos postos à disposição dos acionistas para delibera-
ção na assembleia geral (artigo 124, § 6°)292.

290 MERRIT B. FOX, "Required Disclosure and Corporate Governance". In: Klaus J. Hopl,
Hideki Kanda, Mark J. Roe, Eddy Wymeersch, and Stefan Prigge (Coord.). Comparative
Corporate Governance - The State of the Art and Emerging Research. New York: Oxford
University Press, 1998, p. 701 e seguintes.
291 Sobre o dever dos administradores de informar, ver os comentários ao art. 157 da Lei
das S.A.
292 Determina a Instrução CVM n° 251/1996, com as alterações introduzidas pela Instrução
CVM n° 335/2000, que constitui hipótese de infração de natureza objetiva, em que
poderá ser adotado o rito sumário de processo administrativo, de acordo com o Regula-
mento anexo à Resolução CMN n° 1.657/1989, deixarem os administradores de compa-
nhia aberta de "publicar os anúncios e as demonstrações financeiras anuais nos prazos
previstos no art. 133 da Lei n° 6.404." (art. I o , inciso I, alínea "c").
RELATÓRIO D A A D M I N I S T R A Ç Ã O

O relatório da administração esclarece os principais fatos admi-


nistrativos ocorridos no exercício findo, devendo a sua exposição ser
clara e verdadeira e dele constar explicações para os lucros e os prejuí-
zos da companhia e informações sobre: (i) os projetos desenvolvidos
no exercício findo; (ii) aquisição de debêntures de emissão da própria
companhia (artigo 55, § 2°); (iii) a política de revestimento de lucros e
distribuição de dividendos constantes de acordos de acionistas arquiva-
dos na sede (artigo 118, § 5°); e (iv) os investimentos da companhia em
sociedades coligadas e controladas e as modificações ocorridas durante
o exercício (artigo 243, caput)m.
O Código Penal tipifica como crime de fraude e abuso na adminis-
tração de sociedade por ações, com pena de reclusão de 1 (um) a 4 (qua-
tro) anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular,
a afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade feita pelo
administrador em relatório, balanço, prospecto ou parecer, ou a ocultação
fraudulenta, no todo ou em parte, de fato a ela relativo294.
A Lei das S.A. determina que compete ao conselho de admi-
nistração manifestar-se sobre o relatório da administração e as con-
tas da diretoria (artigo 142, inciso V). O u seja, o relatório da
administração é elaborado pela diretoria e, posteriormente, anali-
sado pelo conselho, razão pela qual deve ser assinado por todos os

293 Sobre esse assunto, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2"
edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 130, observa que no relatório da administração
deverá constar "(...) com clareza, todos os acontecimentos que influíram na exploração do
objeto social, as causas determinantes dos prejuízos, as modificações ou alterações havidas
na legislação, que interessar à sociedade, notadamente no que respeita a impostos e taxas.
Explicará, quanto possível, sem revelar segredos de indústria ou comércio, as verbas cons-
tantes do balanço, as importâncias levadas aos diferentes fundos de amortização e de
reserva e finalizará com a proposta de distribuição do dividendo, na forma prescrita nos
• estatutos. Se a sociedade estiver filiada a outras ou sobre outras exercer o controle, a
diretoria deverá também, no seu relatório, dar precisas informações sobre a situação, dessas
sociedades."
294 Art. 177, § I o , inciso I, do Código Penal.
diretores e membros do conselho de administração que estavam
em exercício quando de sua elaboração295.

DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

As demonstrações contábeis (ou financeiras) devem exprimir


com clareza a situação do patrimônio da companhia e as muta-
ções ocorridas no período (artigo 176), por meio das quais é possí-
vel acompanhar a sua situação patrimonial, a atuação de seus
administradores e a apuração e distribuição de lucros. As demons-
trações contábeis compreendem: (i) o balanço patrimonial (arti-
gos 178 a 184-A); (ii) a demonstração dos lucros ou prejuízos
acumulados (artigo 186); (iii) a demonstração do resultado do exer-
cício (artigo 187); e (iv) a demonstração dos fluxos de caixa e do
valor adicionado (artigo 188)296-297-298.

PARECER D O S A U D I T O R E S INDEPENDENTES

A Lei das S.A. também inclui na obrigatoriedade de divulgação e


publicação previamente à realização da assembleia geral ordinária o
parecer dos auditores independentes (inciso III). As demonstrações
financeiras das companhias abertas devem ser submetidas à auditoria

295 Sobre esse assunto, R I C A R D O TEPEDINO, "Assembleia Geral". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 994, observa que: "O administrador que, embora estivesse no exercício do cargo
durante o período enfocado no relatório, mas que tenha se desligado da companhia antes
da emissão desse texto, não tem legitimidade para firmá-lo - cuida-se de um documento
atual, embora historiando o passado. Naturalmente, os signatários farão constar que todos
ou alguns não tomaram parte na administração no período relatado."
296 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 176 da Lei das S.A.
297 Sobre o relatório da administração e as demonstrações financeiras, ver os comentários aos
arts. 132 e 134 da Lei das S.A.
298 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 009/1984, firmou entendimento no sentido de que: "a)
A obrigatoriedade de convocação de assembleia geral (art. 132 da Lei n° 6.404/76), de
apresentação dos documentos da administração aos acionistas (artigo 133 da Lei n"
6.404/76), bem como a elaboração das demonstrações financeiras da companhia, devi-
damente auditadas (arts. 176 e 177, § 3°, da Lei n° 6.404/76), não é elidida pela situação
econômica precária em que se encontrar, eventualmente, a companhia, b) A
obrigatoriedade de prestação de informações (...) não pode ser afastada pela alegação de
dificuldades econômicas da sociedade."
por auditores independentes registrados na Comissão de Valores
Mobiliários (artigo 177, § 3°).
O parecer dos auditores confere credibilidade e veracidade às
demonstrações financeiras das companhias, pois os auditores têm a
fimção de zelar pela sua fidedignidade e confiabilidade. A exatidão e a
clareza das demonstrações contábeis dependem de um sistema de au-
ditoria eficaz299. E dever dos auditores independentes: (i) verificar se as
demonstrações e o parecer de auditoria publicados estão de acordo com
as demonstrações auditadas e com o parecer emitido; (ii) verificar se as
informações divulgadas no relatório da administração estão em conso-
nância com as demonstrações auditadas; (iii) elaborar relatório sobre
deficiências encontradas nos controles internos das companhias audi-
tadas, informando à administração e ao conselho fiscal; e (iv) verificar
se a destinação dada aos resultados foi feita de a.cordo com o estabele-
cido na Lei das S.A., no estatuto da companhia e nas normas da Co-
missão de Valores Mobiliários300-301.

PARECER D O C O N S E L H O F I S C A L

A Lei n° 10.303/2001 introduziu no rol dos documentos que de-


vem ser disponibilizados aos acionistas anteriormente à realização da
assembleia geral o parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissiden-
tes, se houver, e demais documentos pertinentes a assuntos incluídos
na ordem do dia (incisos IV e V).
A fiscalização e o controle exercidos pelo conselho fiscal e seus
membros alcançam os atos de administração praticados pelos diretores

299 Ver Nota Explicativa à Instrução CVM n° 308/1999.


300 Art. 25 da Instrução CVM n° 308/1999.
301 O Colegiado da CVM, no julgamento do Processo Administrativo Sancionador R] n° 2001/
8045, Rei. Dir. Norma Jonssen Parente, j. em 20.12.2002, decidiu que: "(...) é inquestionável
que o parecer dos auditores independentes é parte integrante das demonstrações financei-
ras que não pode ser dispensado pela CVM, por decorrer da própria lei, e nem suprimido
em razão da situação financeira precária da empresa. A lei simplesmente não cogita de sua
inexistência. Pouco importa se a companhia é uma sociedade estritamente familiar ou se as
ações jamais foram negociadas no mercado. Em sendo aberta, o parecer é devido." 1
e pelo conselho de administração. A ação fiscalizadora do conse-
lho fiscal e de seus membros, ainda que abranja também a gestão
do patrimônio, centra-se no exame da legalidade dos atos dos ad-
ministradores, não de sua conveniência ou oportunidade; ou seja,
o órgão flscalizador não tem competência para apreciar o mérito e
o conteúdo da gestão societária, muito menos para recomendar
aos administradores que pratiquem ou deixem de praticar deter-
minados atos que entende mais ou menos adequados ao exercício
da atividade empresarial.
Não cabe ao conselho fiscal verificar se os administradores
administram bem, mas se o fazem de modo correto, conforme a
Lei das S.A. e o estatuto. O mérito, a conveniência e a oportuni-
dade dos atos praticados pelo conselho de administração e pelos
diretores não podem ser reavaliados pelo conselho fiscal, incum-
bindo-lhe apenas dizer se foram praticados de acordo com a Lei
das S.A. e o estatuto.
A aprovação das demonstrações financeiras, do relatório e das
contas da administração constitui ato de competência privativa
dos acionistas, reunidos em assembleia geral ordinária, cumprindo
ao conselho fiscal opinar sobre tais documentos, mediante pare-
cer fundamentado, contendo eventualmente informações comple-
mentares, necessárias a uma deliberação consciente dos acionistas.
Mediante seu parecer, o órgão informa aos acionistas sobre a re-
gularidade dos documentos técnicos da prestação de contas, reco-
mendando ou não a sua aprovação. Tal recomendação não vincula
os acionistas, pois a competência é privativa da assembleia; por
outro lado, aprovar as contas contra o parecer do conselho fiscal
pode constituir indício de acobertamento, por parte dos controla-
dores, de atos ilegais da administração.
O parecer é do órgão, podendo ser aprovado pela maioria de seus
membros. Os membros dissidentes têm a faculdade de consignar sua
divergência na ata de reunião do conselho fiscal. Assim, se um membro
do conselho é contrário à aprovação das contas, pode apresentar seu pa-
recer na assembleia geral, visando a bem informar os acionistas302.
Do parecer do conselho fiscal deve constar a sua opinião sobre
(i) o relatório de administração e informações complementares
que julgar necessárias ou úteis à deliberação da assembleia geral
ordinária; (ii) os planos de investimento ou orçamento de capital
e distribuição de dividendos; e (iii) as demonstrações financeiras
(artigo 163, incisos II, III e VII).
Junto com o parecer do conselho fiscal deve ser divulgado o intei-
ro teor dos votos vencidos na sua aprovação a fim de que os acionistas
possam avaliá-los e formar seu convencimento a respeito das matérias
questionadas e que serão objeto de debate na assembleia geral. Não
obstante a divulgação do parecer do conselho fiscal, a Lei das S.A.
determina que os seus membros, ou ao menos 1 (um) deles, deverão
comparecer à assembleia geral e responder aos pedidos de informação
formulados pelos acionistas (artigo 164, caput).

D E M A I S D O C U M E N T O S PERTINENTES A A S S U N T O S

INCLUÍDOS NA O R D E M D O D I A

Os demais documentos a que a Lei das S.A. se refere no inciso


V - t a m b é m acrescentado pela Lei n° 10.303/2001 - são todos aque-
les que se relacionem com os assuntos constantes da ordem do dia
da assembleia geral ordinária, nos termos do artigo 132, e que não
são mencionados nos demais incisos deste artigo303.

3 02 Ver os comentários ao art. 163 da Lei das S.A.


303 LUIZ LEONARDO CANTIDIANO. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 151, cila como exemplo de outros documentos pertinentes a assuntos
incluídos na ordem do dia: "(a) estudos sobre o pagamento de dividendos, (b) eventuais
propostas para capitalização de lucros ou reservas, (c) propostas para retenção de lucros,
destinados à formação de reservas ou para destiná-los a investimentos previstos em orça-
mentos de capital."
A companhia é obrigada a divulgar, até 1 (um) mês antes da data
marcada para a realização da assembleia geral ordinária, que se acham
à disposição dos acionistas o parecer do conselho fiscal (inciso IV) e
demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do
dia (inciso V). Porém, o § 3°, acrescentado pela Lei n° 10.303/2001,
dispensa a publicação de tais documentos, determinando, no entan-
to, que o relatório da administração sobre os negócios sociais e os
principais fatos administrativos do exercício findo (inciso I), a cópia
das demonstrações financeiras (inciso II) e o parecer dos auditores
independentes, se houver (inciso III), sejam publicados até 5 (cinco)
dias, pelo menos, antes da data marcada para a realização da assem-
bleia geral.

Procedimento
"Art. 134. Instalada a assembleia geral, proceder-se-á, se reque-
rida por qualquer acionista, à leitura dos documentos referidos
no artigo 133 e do parecer do conselho fiscal, se houver, os quais
serão submetidos pela mesa à discussão e votação.

§ 1° Os administradores da companhia, ou ao menos um deles, e


o auditor independente, se houver, deverão estar presentes à as-
sembleia para atender a pedidos de esclarecimentos de acionis-
tas, mas os administradores não poderão votar, como acionistas
ou procuradores, os documentos referidos neste artigo.

§ 2° Se a assembleia tiver necessidade de outros esclarecimentos,


poderá adiar a deliberação e ordenar diligências; também será
adiada a deliberação, salvo dispensa dos acionistas presentes, na
hipótese de não comparecimento de administrador, membro do
conselho fiscal ou auditor independente.

§ 3° A aprovação, sem reserva, das demonstrações financeiras e


das contas, exonera de responsabilidade os administradores e fis-
cais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação (artigo 286).
§ 4° Se a assembleia aprovar as demonstrações financeiras com
modificação no montante do lucro do exercício ou no valor das
obrigações da companhia, os administradores promoverão, den-
tro de 30 (trinta) dias, a republicação das demonstrações, com as
retificações deliberadas pela assembleia; se a destinação dos lu-
cros proposta pelos órgãos de administração não lograr aprova-
ção (artigo 176, § 3o), as modificações introduzidas constarão da
ata da assembleia.

§ 5° A ata da assembleia geral ordinária será arquivada no regis-


tro do comércio e publicada.

§ 6° As disposições do § 1°, segunda parte, não se aplicam quando,


nas sociedades fechadas, os diretores forem os únicos acionistas."

P R O C E D I M E N T O DA ASSEMBLEIA E LEITURA D O S DOCUMENTOS

Na assembleia geral ordinária, uma vez instalada e composta a


mesa, procede-se, sendo requerida por qualquer acionista, à leitura dos
documentos referidos no artigo 133, os quais serão submetidos pela
mesa à discussão e votação304-305. A leitura desses documentos somen-
te é obrigatória na hipótese de ser requerida por acionista, qualquer que
seja, ocasião em que a maioria não pode dispensá-la. Não havendo
requerimento, entende-se que foi dispensada a leitura dos documentos,
uma vez que foram previamente disponibilizados aos acionistas e pu-
blicados o relatório da administração, as demonstrações financeiras e o

304 Sobre a leitura de documentos, a CVM, por meio do Parecer CVM/SJU n° 037/1981,
manifestou-se no sentido de que: "Só se prescinde da leitura dos documentos relativos às
demonstrações financeiras, se esta não for exigida pelo acionista. A dispensa da leitura,
sem fundamento legal, enseja a propositura de ação anulatória por parte do investidor.
Compete à CVM apurar a existência da irregularidade no âmbito administrativo, mediante
inquérito, aplicando aos infratores as penalidades do art. 11 da Lei n° 6.385/76."
305 Sobre a composição da mesa e o funcionamento da assembleia, ver os comentários ao art.
128 da Lei das S.A.
parecer dos auditores (artigo 133, capuíe § 3°)30ú. Na prática, raramente é
realizada a leitura dos documentos, o que constitui procedimento desne-
cessário e aborrecido para os presentes.

P R E S E N Ç A O B R I G A T Ó R I A , P E D I D O S DE ESCLARECIMENTO

E A D I A M E N T O D A ASSEMBLEIA

É obrigatória, nos termos do § 1°, a presença de ao menos 1


(um) dos administradores da companhia e do auditor independente
e, conforme o caput do artigo 164, de um membro do conselho fiscal
para atender a pedidos de esclarecimentos de acionistas. Admite-se
que a assembleia, por deliberação da maioria absoluta, dispense a sua
presença (§ 2°); a .obrigatoriedade da presença do administrador, do
membro do conselho fiscal e do auditor justifica-se porque é por meio
da assembleia geral ordinária que os acionistas exercem o seu direito
essencial de fiscalizar a gestão dos negócios sociais (artigo 109, inciso
III) e para o exercício desse direito, bem como o de voto, precisam
estar devidamente informados307-308.
Assim, a deliberação da assembleia geral ordinária pode ser adiada,
a pedido de qualquer acionista presente, independentemente do nú-
mero de ações de que é titular e da sua espécie e classe, mediante a

306 A 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 1,008.263-SC,


Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 21.02.2008, decidiu no sentido de que o art. 134 da Lei
das S.A. dispõe que instalada a assembleia geral, proceder-se-á, "se querida por qualquer
acionista, à leitura dos documentos referidos no artigo 133 e do parecer do conselho fiscal
(...). A conjunção 'se' contida no texto legal já dá a idéia condicional para a leitura do
parecer. Tal leitura somente será obrigatória nas hipóteses em que requerida por qualquer
acionista. Não havendo requerimento, conforme estabeleceu o acórdão recorrido, não há
nulidade."
307 Sobre esse assunto, a CVM, no fórecer CVM/SJU n° 037/1981, manifestou-se no sentido
de que: "A presença tardia do auditor independente, mas dentro do espaço de tempo da
assembleia, de modo a possibilitar ao acionista a solicitação de esclarecimentos, não
infringe o disposto no § Io do artigo 134 da Lei n" 6.404/76."
308 O Colegiado da CVM, no julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM n° 24/
2003, Rei. Dir. Wladimir Castelo Branco, j. em 09.06.2005, decidiu que: "A medida que
a lei exige a presença de um único administrador, a falta dos demais não invalida a
assembleia, a não ser que os acionistas presentes votem pela exigência do comparecimento
de todos. Como isso não foi requisitado, a Assembleia não se torna nula pela ausência de
um membro da Administração."
aprovação da maioria absoluta de votos, ocorrendo qualquer das se-
guintes hipóteses: (i) os acionistas demandarem outros esclarecimen-
tos, ocasião em que também poderão ser ordenadas diligências; e (ii)
não comparecimento à assembleia de administrador, membro do con-
selho fiscal ou auditor independente309. Na prática, é pouco usual o
adiamento da assembleia geral ordinária, posto que normalmente a
companhia diligencia para que estejam presentes as pessoas que de-
vem prestar as informações.
Após o cumprimento das diligências necessárias ou verificada a
presença do administrador, membro do conselho fiscal e auditor inde-
pendente, a assembleia cujos trabalhos foram interrompidos prossegui-
rá, admitindo-se a continuidade em data posterior. O Departamento
Nacional de Registro do Comércio já se manifestou no sentido de não
ser necessária a publicação de novos editais de convocação, desde que
determinados o local, a data e a hora do prosseguimento da sessão e que,
tanto na ata da abertura quanto na do reinicio, conste o quorum legal e
seja respeitada a ordem do dia prevista no edital310. De qualquer forma, é
recomendável a publicação de novo edital de convocação.

P R O I B I Ç Ã O DE V O T O

O § I o determina também que os administradores não podem vo-


tar como acionistas as suas próprias contas e as demonstrações finan-
ceiras. O artigo 115, § 1°, proíbe o acionista de votar nas deliberações da
assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que con-
correr para a formação do capital social, à aprovação de suas contas como
administrador e a quaisquer matérias que possam beneficiá-lo de modo

309 A IO'1 Câmara Cível do Tribunal de justiça do Estado de Minas Gerais, ao analisar esse
assunto, decidiu que: "A assembleia geral ordinária de uma sociedade anônima não é
obrigada a adiar qualquer deliberação, mesmo se algum acionista tiver necessidade de
esclarecimentos adicionais. Inteligência do art. 134, § 2°, da Lei n" 6.404/76."
310 Ver o item 2.2.7 do "Manual de Atos e Registro Mercantil das Sociedades Anônimas",
aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/2006.
particular ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.
Ou seja, faz referência à proibição do voto do acionista na aprovação
de suas contas como administrador, sem nenhuma remissão à delibera-
ção sobre as demonstrações financeiras, o que permite concluir que o §
I o do artigo 134 ampliou a hipótese de proibição de voto estabelecida
no artigo 115 ao determinar que o acionista não pode votar como ad-
ministrador na deliberação referente à aprovação de suas contas e das
demonstrações financeiras. Embora configurem instrumentos distin-
tos e que podem ser objeto de deliberações também distintas, confor-
me mais adiante analisado, ambos servem de elemento de prestação de
contas, razão pela qual a proibição também alcança o exame das
demonstrações financeiras 311 .

Ademais, o § 1° deste artigo amplia o alcance da vedação ao proibir,


ainda, que os administradores votem como procuradores de acionistas na
tomada de contas e aprovação das demonstrações financeiras.
Nas hipóteses elencadas no § 1° deste artigo e no artigo 115,
a Lei das S.A. veda o voto por presumir a existêrícia de um confli-
to de interesses formal entre o acionista e a companhia. A veda-
ção do voto do administrador nesses casos, e em especial na tomada
de contas, é absoluta, dado o princípio de que ninguém pode jul-
gar em causa própria; como o acionista não pode separar os 2 (dois)
papéis que desempenha, a Lei das S.A. o impede de votar. Se exer-
cido o voto, será tido como viciado, desde que presente a "prova de
resistência" da deliberação, consistente no fato de ter sido o voto
determinante para a formação da maioria312-313.

311 Em sentido contrário, RICARDO TEPEDINO, "Assembleia Geral". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: l-orense,
2009, p. 1.013-1.014.
312 ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Invalidade das Deliberações de
Assembleia das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 85; VASCO DA GAMA LOBO XAVIER.
Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas. Coimbra: Atlantida, 1976, p. 47.
313 Ver os comentários ao art. 115 da Lei das S.A.
Caracterizado o vício do voto, tendo ele sido decisivo para que se
formasse a maioria, a deliberação é anulável314; não cabe a sanção de
nulidade, uma vez que se encontram em jogo unicamente interesses
dos acionistas e tal remédio (a anulabilidade) não compromete a es-
tabilidade dos atos societários315. A proibição de voto não importa em
impedimento de comparecer à assembleia e discutir as matérias sub-
metidas à deliberação. O impedimento é de voto, ratione materiae,
não de comparecimento e manifestação de opinião sobre as suas contas
e as demonstrações financeiras. Ademais, as ações do acionista im-
pedido são contadas para o número mínimo de ações necessário à
instalação da assembleia, uma vez que não se confunde o quorum de
instalação com o voto.
Se alguém é controlador de sociedade que é acionista da compa-
nhia por ele administrada não existe o impedimento a que ela exerça o
seu direito de voto; a proibição somente se aplica à pessoa física que seja,
ao mesmo tempo, acionista e administrador, dado o princípio da separa-
ção entre a pessoa jurídica e seus membros316. Caso o administrador

314 Ver os comentários ao art 286 da Lei das S.A.


315 ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Invalidade das Deliberações de
Assembleia das S/A..., p. 117. Retificamos posição anteriormente assumida, em que men-
cionávamos que a deliberação seria nula. In: NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do
Mercado de Capitais. 2 a 'edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 1G7.
31 6 LUIZ CASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Proibição de Voto e Conflito de Interesse nas
Assembleias Gerais". In: Pareceres. v. I, São Raulo: Singular, 2004, p. 181; RUBENS REQUIÃO.
Aspectos Modernos de Direito Comercial (estudos e pareceres). v. 1, São Raulo: Saraiva,
1977, p. 264. A jurisprudência não é uniforme; em alguns acórdãos entendeu-se que haveria
impedimento de voto, em outros não. No sentido de que há impedimento de voto, ver
decisões proferidas pela: (i) 7a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, no julgamento da Apelação Cível n° 039.796-4/6-00, Rei. Des. Leite Cintra, j. em
03.06.1998; (ii) 10a Câmara de Direito Privado, também do Tribunal de Justiça do Estado de
São Fíaulo, no julgamento da Apelação Cível n° 263.964-1, Rei. Des. Maurício Vidigal, j. em
01.10.1996; e (iii) 2 a Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso
Extraordinário n° 93.092-2-RJ, Rei. Min. Moreira Alves, j. em 07.10.1980, publicado na
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 43, julho-setembro, 1981, p. 86-89, com comentários de Maria Lúcia de Araújo
Cintra. Já em sentido contrário, de que não há impedimento de voto, ver as decisões
proferidas pela: (i) 4a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,
no julgamento da Apelação Cível n° 0070658-7/01, Rei. Des. Dilmar Kessler, j. em 22.12.1999;
e (ii) 3 a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no
julgamento da Apelação Cível n° 129414-1, Rei. Des. Toledo César, j. em 04.12.1990.
constitua uma nova sociedade pouco antes da assembleia e para ela
transfira suas ações a fim de que ela vote para aprovar as suas con-
tas, ficará caracterizada a manobra fraudulenta317. Porém, se a pes-
soa jurídica não foi criada com o objetivo de fraudar a Lei das S.A.,
deve ser respeitada a separação da pessoa jurídica de seus sócios e
admitido o voto.
A única exceção à regra contida no § 1° - proibição do adminis-
trador votar, como acionista ou procurador, as suas contas e as demons-
trações financeiras - ocorre nas sociedades fechadas quando os diretores
forem os únicos acionistas, conforme determina o § 6°.

V O T A Ç Ã O DAS C O N T A S E DAS D E M O N S T R A Ç Õ E S C O N T Á B E I S

A Lei das S.A., no artigo 132, inciso I, confere à assembleia geral


ordinária competência privativa para "tomar as contas dos administrado-
res, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras."
O relatório da administração esclarece os principais fatos admi-
nistrativos ocorridos no exercício findo, devendo expor com clareza
todos os acontecimentos relacionados com a exploração do objeto
social, as causas determinantes dos eventuais prejuízos, bem como as
modificações ou alterações havidas na legislação que interessem à
sociedade. Deverá, ainda, conter explicações detalhadas sobre os itens
constantes das demonstrações financeiras, sem revelar segredos da
companhia, e a proposta para distribuição do dividendo, observadas
as disposições estatutárias318.
As demonstrações financeiras têm a finalidade de informar a situa-
ção patrimonial e os resultados da companhia; assim, elas não são elabo-
radas com o objetivo de prestar contas. Porém, servem como instrumento

317 Sobre esse assunto, ver a decisão proferida pela 5'1 Câmara de Direito Privado do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível n° 85.120-1, Rei. Des.
Ralpho Waldo, j. em 07.05.1987, publicada na Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, v. 624, outubro, 1987, p. 76-80.
318 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2" edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 130.
de prestação de contas porque os efeitos patrimoniais dos atos praticados
pelos administradores são registrados na escrituração mercantil, com base
na qual são elaboradas as demonstrações319-320.
A deliberação assemblear que não aprovar as contas do exercício
deve ser fundamentada, cabendo aos acionistas majoritários deixar
consignado em ata os motivos que os levaram a rejeitar as contas
propostas pelos administradores, enumerando os atos supostamente
irregulares que tenham sido praticados. Constituiria abuso no exercí-
cio do direito de voto a conduta dos acionistas que, sem qualquer
fundamentação, votassem contra a aprovação das contas apenas em
função de divergências pessoais com os administradores ou com os
acionistas que os elegeram. O artigo 117, § 1°, alínea "c", qualifica
como abuso do poder de controle a tomada de "decisões que não te-
nham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo aos
acionistas minoritários e aos que trabalham na empresa'.

319 Sobre a aprovação das demonstrações financeiras e a tomada de contas dos administrado-
res, ver JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN, "Aprova-
ção das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus Efeitos.
Necessidade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos Administra-
dores para Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro
e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei 6.404/76. São
Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 43.
320 O Colegiado da CVM, no julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM n° 24/
2003, Rei. Dir. Wladimir Castelo Branco, j. em 09.06.2005, decidiu que: "Deve-se enten-
der que a revelação íidedigna de informações das companhias abertas, incluindo suas
demonstrações financeiras, não se presta a amparar apenas o acionista presente ou que se
faz representar em assembleias, mas, também, a tutelar o interesse de todos os acionistas e
do mercado de valores mobiliários como um todo. Por isso, a CVM tem o poder dever de
proteger o mercado de distorções constantes das demonstrações financeiras das sociedades
sujeitas ao seu poder de polícia, assegurando que os investidores tenham, de imediato,
informações cujo conteúdo não seja apto a induzir a erros de avaliação os seus interessa-
dos. (...) Dessa forma, não se pode negara necessidade de os administradores da sociedade
tomarem o cuidado necessário para a correta elaboração e divulgação das informações
dessa natureza, agindo em conformidade com o preceito do artigo 153 da Lei n° 6.404/76
(...) O dever de conduta que a Comissão de Inquérito entendeu descumprido é aquele
imputãvel aos administradores, de fazer elaborar as demonstrações financeiras de acordo
com as normas legais e regulamentares. A aprovação de tais demonstrações financeiras pela
assembleia (ou a sua desaprovação ou aprovação com modificações) não se destina a
substituir ou tomar o lugar do ato de elaboração. São duas ações diversas: os administrado-
res fazem elaborar, enquanto os acionistas examinam as demonstrações."
As demonstrações financeiras apresentadas pela administração
da companhia constituem mera proposta, que somente produz efei-
tos jurídicos após ser aprovada pelos acionistas em assembleia geral
ordinária. Antes disso, o que se tem é um projeto ou minuta do balan-
ço, sem valor contábil ou existência jurídica321-322.
A Lei das S.A. expressamente reconhece o caráter de mera
proposta das demonstrações financeiras, tanto que o artigo 132
confere à assembleia geral competência privativa para tomar as
contas da administração e examinar, discutir e votar as demons-
trações financeiras, sendo tal órgão soberano para determinar mo-
dificações ou recusar as contas 323 .
A aprovação do balanço tem a natureza de um ato jurídico unila-
teral de eficácia declaratória, cujos efeitos operam-se retroativamen-
te, a partir do momento em que foram levantadas as demonstrações
financeiras no encerramento do exercício social324.

321 FAB IO KONDER COMPARATO. Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro:
Forense, 1978, p. 30. No mesmo sentido, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito
Societário. 12" edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 448; LUIZ GASTÃO PAES DE
BARROS LEÃES. Direito do Acionista ao Dividendo. São Paulo: Ed. Obelisco, 1969, p. 61;
FRANCESCO MESSINEO, "Valore Giuridico dei Bilancio di Società e delle Registrazioni
Nei Libri Sociali". In: Studi de Diritto delle Società. 2° ed., Milano, 1958, p. 129 e
seguintes. ERYMÁ CARNEIRO. Balanço das Sociedades Anônimas. São Paulo: Edições
Financeiras, 1961, p. 175, observa que o balanço, "até que se passe pelo cadinho, exame
e aprovação da assembleia geral ordinária, constitui mera proposta da diretoria, esboço de
balanço apresentado pelos administradores, documento insuscetível de gerar direitos e
obrigações, de vez que somente depois de aprovado pela assembleia geral ele virá a
adquirir feição jurídica."
322 A CVM, no Parecer de Orientação CVM n" 16/1988, firmou entendimento no sentido
de que o balanço constitui autêntica declaração de vontade por parte da assembleia
geral ordinária: "b) balanço torna-se ato jurídico existente apenas depois que a
assembleia geral de acionistas o aprova, até quatro meses após o encerramento do
exercício social (...) c) a deliberação da assembleia geral ordinária de aprovar o balanço
apresentado pelos administradores constitui-se em autêntica declaração de vontade, e
não simples declaração de ciência."
323 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 108.
324 Nesse sentido, manifestou-se a CVM no Parecer CVM/SJU n° 013/1985. De acordo com
MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES. Curso de Direito Civil. v. I, 5'1 edição, Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1971, p. 364: "Os negócios jurídicos dedaratórios são os cujos efeitos se
operam ex tunc, a partir do momento em que se operou o falo ao qual se vincula a declara-
ção, sendo exemplo de ato declaratório o ato pelo qual se põe fim_ a^um condomínio. A
categoria dos negócios jurídicos dedaratórios representa uma exceção."
A aprovação das contas dos administradores constitui uma de-
claração de vontade por parte da assembleia geral ordinária, não se
restringindo, pois, ao mero atendimento de formalidade legal, uma
vez que os acionistas têm um poder discricionário em relação à sua
apreciação. Essa aprovação não ocorre, necessariamente, em bloco
dos administradores, ou seja, é possível aprpvar as contas de um ad-
ministrador e não aprovar as contas dos demais e vice-versa.
Apesar de o inciso I e do artigo 133 referirem-se, separadamente,
às "contas dos administradores", às "demonstraçõesfinanceiras"e ao "rela-
tório da administraçãoo exame dos 2 (dois) últimos está abrangido
pela análise das contas do exercício. A prestação anual de contas dos
administradores desdobra-se em 2 (duas) peças fundamentais: o rela-
tório da administração e as demonstrações financeiras. Ambos têm por
objetivo informar os acionistas sobre os resultados do exercício, distin-
guindo-se apenas na forma pela qual se transmite tal informação: em
termos contábeis, no caso das demonstrações financeiras; em lingua-
gem literal, em se tratando do relatório da administração. Assim, os 2
(dois) documentos, apesar de mencionados separadamente pela Lei
das S.A, são, usualmente, apreciados em conjunto pelos acionistas ao
tomarem as contas da administração325. No entanto, é possível que
sejam objeto de 2 (duas) deliberações distintas: uma para aprovar as
contas e outra para aprovar as demonstrações financeiras, o que ocorre,
por exemplo, na hipótese dessas últimas terem sido elaboradas de acor-
do com as normas legais e refletirem a situação real da companhia, mas
os acionistas entenderem que a gestão dos negócios sociais foi teme-

325 ALBERTO XAVIER. Administradores de Sociedades. São Raulo: Revista dos Tribunais, 1979,
p. 92, observa que: "Estamos assim em posição de concluir que o objeto de deliberação a
que se refere o n. 1 do art. 132 é unitariamente constituído pelas contas anuais do exercício,
que têm por objetivo a apuração do lucro - que - estas sim, constituem uma realidade
jurídica incindível. O relatório, as demonstrações financeiras le seus complementos) são
instrumentos técnico-jurídicos da prestação de contas que têm em vista a elucidação dos
acionistas. O mesmo se diga do parecer do conselho fiscal e dos esclarecimentos dos
administradores prestados no decurso da própria assembleia."
rária, em função de atos ou operações praticados pelos administrado-
res com imperícia, imprudência ou negligência326.
Assim, a aprovação com reserva das contas dos administrado-
res não impede a aprovação das demonstrações financeiras, tendo
em vista que a assembleia tem o dever de aprová-las; caso entenda
que contêm irregularidades, deve apresentar proposta para a sua re-
tificação327-328. Por essa razão, e para a proteção dos investidores e
dos credores, o § 4° determina que se a assembleia. aprovar as de-
monstrações financeiras com modificação no montante do lucro
do exercício ou no valor das obrigações da companhia, os adminis-
tradores deverão promover, dentro de 30 (trinta) dias, a sua republi-
cação com as retificações deliberadas pela assembleia329. Apenas se

326 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações..., v. II, p. 138, observa que
podem os administradores: "(...) ter violado a lei ou estatutos e até agido maliciosamente na
administração da sociedade. Verificada a exatidão do balanço, a assembleia não deixará de
aprová-lo, sem que, entretanto, essa aprovação envolva a aprovação dos resultados que ele
positiva. A aprovação do balanço não significa, pois, a exoneração da responsabilidade
dos diretores e fiscais."
327 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN, "Aprovação das
Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus Efeitos. Necessi-
dade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos Administradores para
Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro
Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei 6.404/76..., p. 44.
328 RICARDO TEPEDINO, "Assembleia Geral". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões
Pedreira (Coord.). Direito das Companhias..., v. I, p. 1.067, ao firmar entendimento no
sentido de que é obrigatória a aprovação das demonstrações financeiras, observa que: "(•••)
pode a assembleia modificar as demonstrações, inclusive inteiramente; faculta-se-lhe adiar a
apreciação delas para outra reunião do órgão, por conta de diligências ou da necessidade da
presença de alguma das pessoas listadas no artigo 134, § 1°, da LSA, podendo constituir a
diligência no levantamento de novas demonstrações. Mas não lhe é permitido simplesmente
rejeitá-las, dando o assunto por encerrado. Se ocorrer a rejeição, a administração deve
providenciar a feitura de outras demonstrações para submetê-las a nova Assembleia (...)•"
329 O Colegiado da CVM, no julgamento do Inquérito Administrativo CVM n° 30/1999, Rei. Dir.
Marcelo Trindade, j. em 05.07.2001, ao analisar a demora na republicação das demonstra-
ções financeiras, concluiu que: "O prejuízo concreto a mim não parece requisito para a ação
punitiva da administração, no exercício do Poder de Polícia, bastando a violação de dever
de conduta imposto em norma genérica ou específica, com a única exceção de a própria regra
infringida exigir a existência de prejuízo, como requisito de sua incidência. No caso, a falha
imputada consiste no suposto não atendimento de determinação de republicação de de-
monstrações financeiras de companhia aberta, elaboradas em desconformidade com regras
emanadas da própria C\'M. Logo a simples ocorrência de tal fato faria incidir a ação punitiva,
já que a correta informação ao mercado é o bem jurídico protegido pela norma, independen-
temente de haver prejuízo concreto."
a modificação ocorrer no montante do lucro do exercício ou no valor
das obrigações da companhia é que as demonstrações financeiras
deverão ser novamente publicadas.
Nem toda a modificação das demonstrações financeiras propos-
ta em assembleia decorre de conduta ilícita dos administradores ou
de atos por eles praticados em violação da Lei das S.A. ou do estatu-
to; pode resultar de um juízo de valor dos acionistas quanto aos crité-
rios que devem ser adotados.
O fato de as demonstrações financeiras de um exercício ser
objeto de ação judicial não impede a deliberação em assembleia ge-
ral ordinária das demonstrações do exercício seguinte, pois toda
companhia tem que ter um balanço aprovado para atingir o seu fim,
perseguir o seu objeto social, poder distribuir lucros, obter financia-
mentos, captar recursos, etc.
A aprovação sem reserva das demonstrações financeiras e das
contas dos administradores opera a desoneração de sua responsabili-
dade e dos membros do conselho fiscal, salvo erro, dolo, fraude, simu-
lação ou coação, conforme determina o § 3°330. A aprovação sem
reserva pressupõe que os acionistas concordaram com a atuação dos
administradores, liberando-os de qualquer responsabilidade por even-
tuais prejuízos causados, hipótese em que a assembleia geral fica, em
princípio, impedida de aprovar a propositura de ação de responsabili-
dade prevista no artigo 159331-332(p.seg.)_

330 Ver decisão proferida pela 6a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Raulo,
nos autos do Agravo n° 28.123-1, Rei. Des. Macedo Bittencourt, j. em 23.09.1982,
publicado na Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 567, janeiro,
1983, p. 80.
331 A 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 257.573,
Rei. Min. Ari Pargendler, j. em 08.05.2001, publicado no DJU em 25.06.2001, decidiu
que: "A aprovação das contas pela assembleia geral implica quitação, sem cuja anulação os
administradores não podem ser chamados à responsabilidade." No mesmo sentido: (i)
Recurso. Especial n° 256.596, Rei. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, j. em 08.05.2001,
publicada no DJU em 18.06.2001; e (ii) Recurso Especial n° 950.104-DF, Rei. Min.
Massami Uyeda, j. em 19.03.2009, que complementou as decisões anteriores com a
seguinte observação: "Enfatize-se que a ressalva na aprovação das contas a que alude o art.
134, § 3°, da Lei n° 6.404/76 é feita pela assembleia geral, e não pelos votos minoritários,
como quer fazer crer a ora recorrente."
Caso fique demonstrado que as contas foram elaboradas com erro,
dolo, fraude, simulação ou coação é que se pode pretender anular a
aprovação anterior e ajuizar ação para apurar a responsabilidade dos
administradores333. Assim, a aprovação das contas e das demonstra-
ções financeiras não impede a responsabilização dos administradores
por irregularidades que os acionistas venham a tomar conhecimento
após a realização da assembleia geral ordinária.
O surgimento de elementos novos, desconhecidos dos acionis-
tas quando da deliberação tomada em assembleia geral, caracteriza
hipótese de erro capaz de ensejar a anulação de tal deliberação.
Para responsabilizar os administradores, é indispensável anular a
deliberação que aprovou as contas, após ter sido demonstrado que tal
aprovação ocorreu em função de algum dos vícios acima mencionados.
A ação para anular as deliberações tomadas em assembleia geral ordi-
nária eivadas de erro, dolo, fraude, simulação ou coação prescreve em 2
(dois) anos, contados da deliberação (artigo 286).

332 A 1a Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Rei. Des. Waldir Leôncio Júnior, j.
em 01.02.1999, decidiu que: "O art 134, § 3°, da Lei 6.404/76 é expresso no sentido de que
'a comprovação, sem reservas, das demonstrações financeiras e das contas, exonera de respon-
sabilidade os administradores e fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação (art 286).' /i ação
de anulação das deliberações tomadas em assembleia geral ou especial eivada de erro, dolo,
fraude ou simulação prescreve em dois anos. Mas não se pode confundir a ação de anulação
da assembleia com a ação contra os administradores que não se exoneraram da responsabilida-
de, que prescreve em três anos contados da data da publicação da ata em que a violação tenha
ocorrido (art. 287 da Lei das S/A). O art. 159 da Lei 6.404/76 não fixa qualquer prazo
prescricional para a propositura de ação de responsabilidade contra ex-administrador da
Companhia, estando a matéria regulada no art. 286 (quando a assembleia já aprovou as
contas), ou art. 287, II, b (quando não for a hipótese de contas aprovadas em assembleia). Por
uma questão lógica, aliás, a ação de responsabilidade pressupõe o anterior ou conjunto
ajuizamento de ação de anulação da assembleia que aprovou as contas do ex administrador."
333 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações..., v. II, p. 140, ao comentar
sobre a possibilidade de anulação da deliberação da assembleia geral ordinária que apro-
vou o balanço e as contas da administração eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação,
apontou algumas hipóteses: "O balanço não representava, no momento em que foi levan-
tado, a situação real da sociedade, é falso, ou contêm dados ou elementos que encobriam
operações ou atos violadores da lei ou dos estatutos prejudiciais á sociedade. No relatório,
a diretoria fez afirmações falsas sobre as condições econômicas da sociedade, ou ocultou,
fraudulentamente, no todo ou em parte, fatos a ela relativos. Poderá também suceder que
o balanço exprimisse, com sinceridade, a situação real sociedade, mas a aprovação dele e
das contas da diretoria ter sido conseguida mediante informações mentirosas sobre as
causas dos resultados, que o balanço acusa."
A exoneração de responsabilidade dos administradores é relativa,
uma vez que tudo o que tiver escapado ao conhecimento dos acionistas
quando da deliberação tomada pode caracterizar erro e permitir a res-
ponsabilização dos administradores334.
Com relação às demonstrações financeiras, caso a maioria não
aceite a proposta da minoria de sua retificação, os acionistas que vota-
ram a favor da reserva podem ajuizar ação com pedido de anulação das
demonstrações financeiras e das contas dos administradores a fim de
promover a sua responsabilidade, nos termos do artigo 159.
A anulação da deliberação de aprovação das contas apenas pode
ocorrer por meio de declaração judicial, não sendo admitido que ato
posterior da própria sociedade anule tal deliberação335.
No entanto, a assembleia geral tem competência para retificar de-
monstraçõesfinanceirasjá aprovadas a fim de eliminar eventuais incorre-
ções e irregularidades ou alterar classificações e resultados, que não são
imputáveis à má-fé dos administradores. Estes, constatando falhas das
demonstrações, têm o dever de providenciar as retificações necessárias,
pois o balanço deve exprimir a real situação do patrimônio da companhia.

334 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário..., p. 380, observa que: "Os acionis-
tas, ao deliberarem sobre as demonstrações financeiras, a não ser quando previamente
avisados e movidos pela suspeição, não dispõem de elementos para um exame aprofundado
desses documentos. Sabe-se que uma empresa de auditoria, para pronunciar-se com segu-
rança, consome muitas horas e muita experiência em seu trabalho. Consequentemente,
não se poderia esperar que os acionistas, até mesmo o controlador, dispusessem, na
assembleia, de pleno conhecimento de causa a respeito dos vários negócios e operações
resumidos nas demonstrações financeiras e nas notas explicativas. Desse modo, a exonera-
ção dos administradores, que decorre da aprovação das demonstrações financeiras, é
relativa e aparente, pois tudo aquilo que tenha escapado ao conhecimento dos acionistas,
e que seja substancial, posto que suficiente para demovê-los de aprovar as contas, carac-
terizará uma hipótese de erro, consequenciado a reabertura do problema, para efeito de
responsabilização dos envolvidos."
335 Sobre esse assunto, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN,
"Aprovação das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e
seus Efeitos. Necessidade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos
Administradores para Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro
de Castro e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei
6.404/76..., p. 50, observam que: "(...) um ato jurídico perfeito, uma deliberação de um
colegiado que cria direitos ou exonera terceiros de responsabilidades, só em juízo pode ser
anulada; é o que, de forma inequívoca, prescreve a lei."
A diretoria não constitui órgão colegiado, tendo cada diretor, in-
dividualmente, funções e atribuições próprias, na representação e ad-
ministração ordinária da companhia. Se existir divisão de funções,
apenas aqueles que forem responsáveis poderão ser responsabiliza-
dos. Em princípio, não há solidariedade entre os diretores, que res-
pondem pelos atos praticados na sua esfera de competência individual.
A Lei das S.A. prevê, excepcionalmente, a responsabilidade solidária,
quando o administrador: (i) for conivente, negligente na descoberta
do ilícito ou deixar de agir para impedir a sua prática; (ii) não cumprir
os deveres legais para assegurar o funcionamento regular da compa-
nhia; ou (iii) não comunicar à assembleia geral infrações cometidas
por predecessor ou por outro administrador com atribuições e pode-
res específicos (artigo 158, § 1°).
Em princípio, não há solidariedade estabelecida objetivamente,
sem culpa ou pelo fato de outrem. Assim, o administrador não res-
ponde pelo ato de outro pelo simples fato de integrar o mesmo órgão,
ainda que colegiado. Para ser solidariamente responsável é necessário
que ele tenha descumprido a lei ou o estatuto; se o administrador
negligencia em descobrir determinado ilícito, estará pessoalmente
descumprindo o dever de lealdade, daí resultando o concurso de com-
portamentos antijurídicos336.
Ainda que o estatuto social seja omisso a respeito das atribuições
individuais de cada diretor, não há responsabilidade solidária, em prin-
cípio, podendo-se provar, mediante organogramas, descrições de cargo,
etc., as atribuições individuais337. Somente se ficar provada a negligên-
cia e a omissão haverá responsabilidade solidária entre os diretores, de-
corrente da infração ao dever de diligência338.

336 MARCELO VIEIRA VON ADAMEK. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as
Ações Correlatas. São Raulo: Saraiva, 2009, p. 237.
337 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 358 e 371; ALARICO SILVEIRA NETO, "Responsabilidade dos
Administradores e Acionista Controlador por Obrigações da Sociedade". Revista Forense.
Rio de Janeiro: Ed. Forense, v. 288, outubro-dezembro, 1984, p. 110.
338 Ver os comentários ao art. 158 da Lei das S.A.
REGISTRO E PUBLICAÇÃO DA A T A

Da ata da assembleia geral ordinária tirar-se-ão certidões ou có-


pias autênticas, das quais deverá constar a declaração de que "confere
com o original lavrado em livro próprio". Para que tenham validade
perante terceiros, as certidões ou cópias autênticas deverão ser arqui-
vadas na Junta Comercial, que devolverá à companhia 1 (uma) via
com o número de registro e a data do arquivamento. As companhias
abertas, adicionalmente, são obrigadas a enviar uma cópia da ata à
Comissão de Valores Mobiliários e à Bolsa de Valores em que seus
valores mobiliários são negociados339. No mesmo sentido, as compa-
nhias que dependam de autorização governamental para funcionar
também devem enviar a ata ao respectivo órgão regulador, observada
a regulamentação específica.
Após o arquivamento, a ata deverá ser publicada em órgão oficial
da União ou do Estado em que se localizar a companhia e em outro
jornal de grande circulação editado na localidade em que está situada a
sua sede (artigo 289). Tratando-se de companhia aberta cujos valores
mobiliários sejam admitidos à negociação em Bolsa de Valores ou em
mercado de balcão, a Comissão de Valores Mobiliários poderá deter-
minar que as publicações ordenadas pela Lei das S.A. sejam feitas, tam-
bém, em jornal de grande circulação nas localidades em que os valores
mobiliários da companhia sejam negociados, ou disseminadas por al-
gum outro meio que assegure sua ampla divulgação e imediato acesso
às informações (artigo 289, § 1°).
Se a ata não for lavrada na forma de sumário dos fatos ocorridos,
poderá ser publicado apenas o seu extrato, com o resumo dos fatos
ocorridos e transcrição das deliberações tomadas (artigo 130, § 3°).

339 Determina o § 3 o do art. 13 da instrução C V M n° 480/2009, com as alterações


introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010, que: Ms informações enviadas à CVM
nos termos do caput devem ser entregues simultaneamente 'as entidades administradoras
dos mercados em que valores mobiliários do emissor sejam admitidos à negociação, na
forma por elas estabelecida."
Adotada a forma de sumário, a publicação deverá reproduzir fielmente
a ata, tal como lavrada no respectivo livro. Um exemplar dessas publi-
cações também deve ser arquivado na Junta Comercial. A prova da
publicidade deverá ser feita mediante a sua anotação nos registros da
Junta Comercial à vista da apresentação da folha do Diário Oficial, ou
do jornal onde foi feita a publicação340-341.
A assembleia geral da companhia aberta, com grande número
de acionistas, pode autorizar a publicação de ata com omissão das
assinaturas dos acionistas (artigo 130, § 2°)342.
Na análise do pedido de registro ou arquivamento, a competên-
cia da Junta Comercial limita-se ao exame do cumprimento das for-
malidades legais dos documentos, cumprindo-lhe zelar pelo
atendimento dos requisitos legais e regulamentares, sendo-Ihe veda-
do analisar o mérito das deliberações t o m a d a s 3 4 3 - 3 4 4 - 3 4 5 ( P s e g ) .

340 Art. 54 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis
e atividades afins. Consta, ainda, do art. 77 do Decreto n° 1.800/1996, que regulamenta
a Lei n° 8.934/1994, que: "Art 77. A prova da publicidade de atos societários, quando
exigida em lei, será feita mediante anotação nos registros da Junta Comercial, à vista de
apresentação de folha do órgão oficial e, quando for o caso, do jornal particular onde foi
feita a publicação, dispensada a juntada da mencionada folha. Parágrafo único. É faculta-
do, ainda, às sociedades por ações, mencionar, na ata apresentada a arquivamento, a data,
o número da folha ou da página do órgão oficial e do jornal particular onde foram feitas as
publicações preliminares à realização da assembleia a que se referem, dispensada a sua
apresentação."
341 Consta da alínea "f" do item 2.2.5 do "Manual de Atos de Registro Mercantil das Socieda-
des Anônimas", aprovado pela Instrução Normativa DNRC n° 100/2006, que: "A menção,
ainda, das datas e dos números das folhas das publicações dispensará a apresentação das
mesmas à junta Comercial, quer seja acompanhando a ata, quer seja para anotação."
342 Sobre a ata da assembleia geral, ver os comentários ao art. 130 da Lei das S.A.
343 A Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e
atividades afins, determina, no caput do art. 40, que: "Art. 40. Todo ato, documento ou
instrumento apresentado a arquivamento será objeto de exame do cumprimento das forma-
lidades legais pela junta comercial."
344 Nesse sentido já se manifestou o DNRC, por meio do Parecer Jurídico DNRC/COJUR n°
194/1998, elaborado nos autos do Processo MDIC nD 52700-000228/98-93, disponível
em: <www.dnrc.gov.br>: "Recurso - Ata de ACO e ACE - Cancelamento de Ato Arquivado
- Questões Intrínsecas - Competência das Juntas Comerciais: A competência das juntas
comerciais se circunscreve ao exame das formalidades essenciais e formais, cumprindo-ihes
velar pelo cumprimento da lei, sem entrar em indagações de ordem jurídica controvertida
ou interferir na manifestação da vontade das partes, cuja prerrogativa indelegável é do
Poder judiciário."
O Código Civil determina que os registros dos atos sujeitos
ao Registro Público de Empresas Mercantis devem ser requeridos
no prazo de 30 (trinta) dias contado da lavratura dos atos respecti-
vos e que, na hipótese de ser solicitado após esse prazo, somente
produzirá efeito a partir de sua concessão. As pessoas obrigadas a
requerer o registro responderão pelos prejuízos causados na hipóte-
se de omissão ou demora346-347.

S E Ç Ã O IFLS

ASSEMBLEIA G E R A L EXTRAORDINÁRIA

Reforma do estatuto
"Art. 135. A assembleia geral extraordinária que tiver por objeto
a reforma do estatuto somente se instalará em primeira convoca-
ção com a presença de acionistas que representem 2/3 (dois ter-
ços), no mínimo, do capital com direito a voto, mas poderá
instalar-se em segunda com qualquer número.

§ 1° Os atos relativos a reformas do estatuto, para valerem contra


terceiros, ficam sujeitos às formalidades de arquivamento e pu-
blicação, não podendo, todavia, a falta de cumprimento dessas

345 Sobre esse assunto, MIGUEL REALE, "A Exclusão de Sócios das Sociedades Mercantis e o
Registro de Comércio", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 150,
julho, 1944, p. 481, observa que: "(...) não há inconveniente, mas antes vantagem, em que
o órgão incumbido do Registro do Comércio não entre em apreciação controvertida da
substância dos contratos, indo além da já delicada missão de zelar pela observância das
formalidades essenciais." No mesmo sentido é a decisão da 2 a Turma do Tribunal Regional
Federal da I a Região, proferida no julgamento da Apelação em Mandado de Segurança n°
89.01.21654-0/MG, Rei. Des. Hércules Quasimodo, j. em 23.08.1994, publicado no D O
em 13.10.1994.
346 Art. 1.151, §§ 1 o , 2 o e 3 o , do Código Civil.
347 Consta do art. 36 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas
Mercantis e atividades afins, que os documentos sujeitos a registro devem "ser apresenta-
dos a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja
data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá
eficácia a partir do despacho que o conceder." No mesmo sentido é o art. 33 do Decreto
n° 1.800/1996, que regulamenta a Lei n° 8.934/1994.
formalidades ser oposta, pela companhia ou por seus acionistas, a
terceiros de boa-fé.

§ 2° Aplica-se aos atos de reforma do estatuto o disposto no artigo


97 e seus §§ 1° e 2° e no artigo 98 e seu § 1°.

§ 3° Os documentos pertinentes à matéria a ser debatida na as-


sembleia geral extraordinária deverão ser postos à disposição dos
acionistas, na sede da companhia, por ocasião da publicação do
primeiro anúncio de convocação da assembleia geral." (Incluído
pela Lei n° 10.303/ 2001)

O quorum de instalação é o número mínimo de acionistas que a


Lei das S A . prevê para a realização de determinada assembleia geral;
é estabelecido com a finalidade de assegurar aos acionistas o direito
de comparecer ao conclave e impedir que decisões relevantes para a
companhia possam ser tomadas em reuniões que contem com a pre-
sença de um número irrelevante de acionistas. Por essa razão, há uma
relação direta entre o quorum de instalação e a importância das maté-
rias a serem deliberadas.
Em regra, a assembleia geral instala-se, em primeira convoca-
ção, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4
(um quarto) do capital social com direito de voto e em segunda con-
vocação com qualquer número (artigo 125, capui). No entanto, em
alguns casos, como é o da assembleia geral extraordinária que tem
por objeto a reforma do estatuto, a Lei das S.A. fixa um quorum maior
para a sua instalação: acionistas que representem 2/3 (dois terços), no
mínimo, do capital com direito a voto. O mesmo ocorre, por exemplo,
na deliberação das matérias elencadas no artigo 136, para as quais se
exige a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo,
das ações com direito a voto, se maior quorum não for fixado no esta-
tuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação
em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão. O artigo 136 trata, na
realidade, de quorum de deliberação que, nessa hipótese, confunde-se
com o de instalação, pois se apenas essas matérias constarem da or-
dem do dia, não faz sentido instalar uma assembleia que não poderá
deliberar348-349.
O fundamento para a regra prevista neste artigo é o de conferir
maior legitimidade à deliberação da assembleia geral extraordinária que
tem por objeto a reforma do estatuto social, seja ela formal ou substan-
cial, assegurando que ela seja tomada com a participação de uma parce-
la representativa do capital social com direito a voto3S0. Mas, ao permitir
a instalação do conclave, em segunda convocação, com qualquer nú-
mero de acionistas, a Lei das S.A. visa a evitar que o elevado absenteís-
mo acionário possa impedir a realização da assembleia, inviabilizando a
reforma do estatuto.
A instalação válida e eficaz de uma assembleia geral depende da
observância do quorum previsto na Lei das S.A. e nos estatutos sociais.
O quorum de instalação é verificado com base nas assinaturas lançadas
pelos acionistas no "Livro de Presença" ou pelo registro a distância
(artigo 127, caput e parágrafo único), e no seu cálculo são consideradas
apenas as ações com direito de voto, independentemente de estarem,
ou não, integralizadas. As ações dos acionistas que se acham impedi-

348 Sobre a distinção entre o quorum de instalação e o de deliberação, ver os comentários aos
arts. 125 e 129 da Lei das S.A.
349 O art. 135 da Lei das S.A. trata especificamente da assembleia geral extraordinária que tem
por fim deliberar sobre a reforma do estatuto social, não obstante a aplicação do seu § 3 o
a todas as assembleias dessa espécie. Para mais esclarecimentos sobre as regras comuns às
assembleias gerais extraordinárias, como as relativas à convocação, instalação e realização,
ver os comentários aos arts. 121 a 131 da Lei das S.A.
350 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3a edição, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1965, p. 335, ao tratar de assuntos que considera "legalmente especiais da reforma
dos estatutos", observa que: "Há reforma dos estatutos se de qualquer maneira se passa a ler
diferentemente o que lá eslava escrito (...)." MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de
Sociedades Anônimas, v. 2, 4 a edição, São Raulo: Saraiva, 2008, p. 838-839, ao tratar da
noção de reforma estatutária, observa que: "Seria entendida como tal qualquer modificação
mesmo de redação ou qualquer outra que não afetasse a substância dos direitos e obrigações
e a configuração da pessoa jurídica? A interpretação aceita, entre nós, é de que Ioda a
alteração do estatuto, afete o seu fundo ou somente a sua forma, constitui alteração da lei
interna da companhia, devendo, tanto em uma como em outra hipótese, ser observados os
requisitos que a lei impõe na espécie."
dos de votar em determinadas matérias objeto da ordem do dia não
estão excluídas do cálculo do quorum de instalação, pois a Lei das
S.A. determina que ele deve ser apurado com a presença de acionistas
que representem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com
direito de voto351.
As deliberações sobre reforma estatutária são tomadas pela maio-
ria absoluta de votos dos presentes, não computados os votos em branco,
salvo previsão de quorum superior no estatuto da companhia fechada
(artigo 129, caput e § 1°). Mas, tratando-se de (i) criação de ações prefe-
renciais ou aumento de classe de ações já existentes, sem guardar propor-
ção com as demais classes de ações preferenciais, salvo expressa previsão
e autorização estatutária; (ii) alteração nas preferências, vantagens e con-
dições de resgate ou amortização de uma ou mais classe de ações prefe-
renciais ou criação de nova classe mais favorecida; (iii) redução do
dividendo obrigatório; (iv) mudança do objeto; (v) fusão, incorporação ou
cisão com mudança do objeto; e (vi) criação de partes beneficiárias, é
necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no míni-
mo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo
estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação
em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão (artigo 136).
Algumas alterações estatutárias dependem de prévia manifesta-
ção do conselho fiscal, se em funcionamento, pois compete a esse
órgão opinar sobre propostas de: modificação do capital social, ou
seja, seu aumento ou redução; emissão de debêntures ou bônus de
subscrição; planos de investimento ou orçamentos de capital; distri-
buição de dividendos, e operações de transformação, incorporação,
fusão ou cisão (artigo 163, inciso III). Ademais, o estatuto pode su-
bordinar as alterações estatutárias que especificar à aprovação, em
assembleia especial, dos titulares de 1 (uma) ou mais classes de ações

351 Sobre as ações que não são computadas no cálculo do quorum de instalação, ver os
comentários ao art. 125 da Lei das S.A.
preferenciais (artigo 18, parágrafo único) ou pelos titulares de ações
ordinárias (artigo 16, parágrafo único).
A convocação para a assembleia geral extraordinária far-se-á me-
diante anúncio publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, contendo,
além do local, data e hora da assembleia, a ordem do dia e, no caso de
reforma do estatuto, deverá constar do edital a "indicação da matéria"
e a especificação dos artigos do estatuto que se pretende alterar (artigo
124, capui). Ou seja, o edital de convocação, ao tratar da ordem do dia,
deve atender à sua finalidade precípua: informar o acionista sobre a
realização do conclave e dar a ele prévio conhecimento da matéria a
respeito da qual irá deliberar352. Assim como nos demais casos, o obje-
tivo da norma é assegurar aos acionistas a necessária informação para
que possam deliberar e exercer conscientemente o seu voto. As refor-
mas estatutárias devem ser indicadas com precisão, dada a relevância
do estatuto social, que constitui o contrato que regula a vida interna da
companhia353.
O § 3°, acrescentado à Lei das S.A. pela Lei n° 10.303/2001,
cria para as companhias abertas e fechadas a obrigação de, anteri-
ormente à realização das assembleias gerais extraordinárias, colo-
car à disposição de seus acionistas, na sede da companhia, por
ocasião da publicação do primeiro anúncio de convocação da as-
sembleia geral, os documentos pertinentes à matéria a ser debati-
da. Essa obrigação, não obstante constar de dispositivo específico
sobre a reforma do estatuto, aplica-se a todas as assembleias gerais
extraordinárias e é semelhante à regra do artigo 133 no que se
refere à disponibilização de documentos para a participação do
acionista em assembleias gerais ordinárias.

352 Sobre a disciplina rígida da ordem do dia no direito societário, ver os comentários ao art.
124 da Lei das S.A.
353 Sobre o estatuto social, ver os comentários ao art. 83 da Lei das S.A.
É obrigatória a disponibilização de todos os documentos relativos
à matéria objeto da ordem do dia. Essa norma permite que os acionis-
tas, uma vez bem informados, possam melhor exercer o seu direito de
voto e contribui para a transparência das deliberações que serão toma-
das, possibilitando aos minoritários avaliar com antecedência as maté-
rias que serão discutidas, bem como os documentos que as justificam
do ponto de vista jurídico, econômico e contábil.
Os documentos relativos às matérias a serem deliberadas em as-
sembleia geral extraordinária deverão ser postos à disposição dos acionis-
tas, na sede da companhia, por ocasião da publicação do primeiro anúncio
de sua convocação, ou seja: pelo menos 8 (oito) dias antes da realização
da assembleia para as companhias fechadas e 15 (quinze) dias de antece-
dência para as companhias abertas354. Deve constar do edital a informa-
ção de que os documentos a que se refere o § 3° estão à disposição dos
acionistas. Esse procedimento não é idêntico ao previsto para os docu-
mentos objeto de deliberação em assembleia geral ordinária, em que a
companhia é obrigada a publicar anúnáo específico com 1 (um) mês de
antecedência da data marcada para a sua realização informando estarem
os mesmos à disposição dos acionistas, além da obrigação de publicá-los
previamente à realização do conclave355-356.
A Lei das S.A determina, no § 6° do artigo 124, que as com-
panhias abertas com ações admitidas à negociação em Bolsa de
Valores deverão remeter, na data da publicação do anúncio de con-
vocação da assembleia geral extraordinária, à Bolsa de Valores em
que suas ações forem mais negociadas, os documentos postos à
disposição dos acionistas para a deliberação.
A Lei n° 10.303/2001, ao acrescentar o § 6° ao artigo 124, aper-
feiçoou o sistema de informações aos acionistas, aos investidores, aos

354 Ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.


355 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 2S5-257.
Ver os comentários ao art. 133 da Lei das S.A.
integrantes do sistema de distribuição do mercado de valores mobiliá-
rios, aos credores e a toda a coletividade, por meio de mais um canal de
acesso aos documentos relativos às matérias a serem discutidas e vota-
das nas assembleias. A obrigação de enviar os documentos objeto de
deliberação da assembleia geral às Bolsas de Valores é adicional à exi-
gida pelo artigo 135.
Os documentos devem ser enviados às Bolsas de Valores na
mesma data em que for efetuado o primeiro anúncio de convocação
de assembleia geral que, no caso de companhias abertas, é, de acor-
do com o inciso II do § 1° do artigo 124, de 15 (quinze) dias de
antecedência de sua realização.
A Comissão de Valores Mobiliários, em 2009, editou normas fi-
xando exigências relativas ao disclosure de documentos previamente à
realização das assembleias gerais extraordinárias das companhias aber-
tas, com o objetivo de aumentar o rol de informações que devem ser
prestadas pela administração aos acionistas antes da sua realização, a
fim de que possam exercer o seu voto de forma consciente. Relativa-
mente a algumas deliberações específicas - tais como: aumento e redu-
ção de capital, alterações das regras sobre dividendo obrigatório, escolha
de avaliadores, fixação de remuneração dos administradores, emissão
de debêntures ou bônus de subscrição, aquisição do controle de outra
sociedade e matérias cuja deliberação enseje direito de recesso - , a Co-
missão de Valores Mobiliários determinou os documentos indispensá-
veis e os prazos de antecedência para que sejam disponibilizados aos
acionistas pela companhia357-358-359^6^. No que se refere especifica-
mente à reforma do estatuto, a Comissão de Valores Mobiliários esta-
beleceu que sempre que a assembleia for convocada para esse fim, a

357 Sobre os documentos e informações mínimas que deverão ser disponibilizados aos acio-
nistas quando da convocação da assembleia geral de companhia aberta, ver os arts. 7° a 21
da Instrução CVM n° 481/2009.
358 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, no Anexo I do "Caderno de Boas
Práticas para Assembleias de Acionistas", divulgou um "Manual para Participação em
Assembleias", de acordo com as regras editadas pela CVM.
companhia aberta deve fornecer, no mínimo, as seguintes informa-
ções: (i) cópia do estatuto social contendo, em destaque, as alterações
propostas; e (ii) relatório detalhando a origem e justificativa das alte-
rações e analisando os seus efeitos jurídicos e econômicos360.
A Comissão de Valores Mobiliários, no que se refere às assem-
bleias gerais extraordinárias, ao tratar das "informações eventuais" a
que as companhias abertas registradas nas categorias A e B devem
prestar, determinou também que elas devem enviar, por meio do siste-
ma eletrônico disponível na página na rede mundial de computadores da
Autarquia, entre outras, as seguintes informações: (i) editais de convoca-
ção de assembleias extraordinárias no mesmo dia de sua publicação; (ii)
todos os documentos necessários ao exercício do direito de voto nessas
assembleias; (iii) sumário das decisões tomadas na assembleia geral ex-
traordinária no mesmo dia da sua realização; e (iv) atas das assembleias
gerais extraordinárias e estatuto social consolidado em até 7 (sete) dias
úteis, contados de sua realização361.
Estabelece o § 1° que os atos relativos à reforma do estatuto,
para valerem contra terceiros, ficam sujeitos às formalidades de arqui-
vamento e publicação, não podendo, todavia, a falta de cumprimento
dessas formalidades ser oposta, pela companhia ou por seus acionis-
tas, a terceiros de boa-fé362. No § 2° consta a regra de que se aplicam
aos atos de reforma do estatuto o disposto nos artigos 97, §§ 1° e 2°, e

359 Nos termos do art. 2° da Instrução CVM n° 319/1999, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM n05 320/1999 e 349/2001, as companhias abertas envolvidas em opera-
ções de incorporação, fusão e cisão também estão obrigas a realizar a publicação pela
imprensa e enviar informações completas sobre essas operações: (i) à Bolsa de Valores; (ii)
à Comissão de Valores Mobiliários; e (iii) às entidades do mercado de balcão organizado
em que os valores mobiliários de sua emissão sejam admitidos à negociação, no prazo de
até 15 (quinze) dias antes da data de realização da assembleia geral.
360 Art. 11 da Instrução CVM n° 481/2009.
361 Arts. 30 e 31, incisos I a IV, da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010.
362 No mesmo sentido é a regra contida no art. 1.154 do Código Civil: "Art. 1.154. O ato
sujeito a registro, ressalvadas disposições especiais da lei, não pode, antes do cumprimen-
to das respectivas formalidades, ser oposto a terceiro, salvo prova de que este o
98, § 1°, que tratam do arquivamento dos atos constitutivos no Regis-
tro Público de Empresas Mercantis e o respectivo procedimento, bem
como de sua subsequente publicação. Assim, a conduta em relação ao
arquivamento da ata da assembleia que delibera sobre a reforma do estatu-
to é a mesma adotada na constituição da companhia, a fim de impedir que
cláusulas contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes sejam in-
troduzidas no estatuto.
Para que tenham validade perante terceiros, as certidões ou cópias
autênticas das atas das assembleias gerais extraordinárias deverão ser ar-
quivadas na Junta Comercial363-364-365. A regra do arquivamento, bem como
a da publicidade, aplica-se não só aos casos de reforma estatutária como
também a todas as demais deliberações da assembleia geral extraordinária
que visem a produzir efeitos perante térceiros.
As companhias abertas, adicionalmente, são obrigadas a enviar
1 (uma) cópia da ata à Comissão de Valores Mobiliários e à Bolsa de
Valores em que seus valores mobiliários são negociados366. No mes-
mo sentido, as companhias que dependam de autorização governa-
mental para funcionar também devem enviar a ata ao respectivo órgão
regulador, observada a regulamentação específica.

conhecia. Parágrafo único. O terceiro não pode alegar ignorância, desde que cumpridas as
referidas formalidades."
363 Sobre o procedimento da Junta Comercial no exame da ata da assembleia geral e do
estatuto social e a conseqüência de eventuais exigências formuladas, ver os comentários ao
art 97 da Lei das S.A.
364 Consta do arL 45 do Decreto n° 1.800/1996, que regulamenta a Lei n° 8.934/1994, que:
"Art. 45. Havendo alteração do objeto social, este deverá ser transcrito na sua totalidade."
365 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 96/1989, manifestou-se no sentido de que: "(...) em se
tratando de Assembleia Ceral Ordinária, a publicação e o registro são obrigatórios, pelo
disposto no § 5° do artigo 134. Cm se tratando de AGE, no entanto, tais formalidades são
excepcionalmente exigidas (§ Io do art. 135), quando, por exemplo, naquelas assembleias
se decidem atos relativos a reformas do estatuto, para que possam valer contra terceiros."
366 Determina o § 3 o do art. 13 da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010, que: "As informações enviadas à CVM nos termos do
. caput devem ser entregues simultaneamente às entidades administradoras dos mercados em
que valores mobiliários do emissor sejam admitidos à negociação, na forma por elas
estabelecida."
Após o arquivamento, a ata deverá ser publicada em órgão oficial
da União ou do Estado em que se localiza a companhia e em outro
jornal de grande circulação editado na localidade em que está situada a
sua sede (artigo 289). Tratando-se de companhia aberta cujos valores
mobiliários sejam admitidos à negociação em Bolsa de Valores ou em
mercado de balcão, a Comissão de Valores Mobiliários poderá deter-
minar que as publicações ordenadas pela Lei das S.A. sejam feitas, tam-
bém, em jornal de grande circulação nas localidades em que os valores
mobiliários da companhia sejam negociados, ou disseminadas por al-
gum outro meio que assegure sua ampla divulgação e imediato acesso
às informações (artigo 289, § 1°).
Na análise do pedido de registro ou arquivamento, a competência
da Junta Comercial limita-se ao exame do cumprimento das formalida-
des legais dos documentos, cumprindo-lhe zelar pelo atendimento dos
requisitos legais e regulamentares, sendo-lhe vedado analisar o mérito ou
a conveniência das reformas estatutárias367-368-369-370.

367 A Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e
atividades afins, determina, no caput do art. 40, que: "Art. 40. Todo ato, documento ou
instrumento apresentado a arquivamento será objeto de exame do cumprimento das forma-
lidades legais pela junta comercial."
368 Nesse sentido já se manifestou o DNRC, por meio do Parecer Jurídico DNRC/COJUR n°
194/1998, elaborado nos autos do Processo MDIC n° 52700-000228/98-93, disponível
em: <www.dnrc.gov.br>: "Recurso - Ala de ACO e AC£ - Cancelamento de Ato Arquivado
- Questões Intrínsecas - Competência das Juntas Comerciais: A competência das juntas
comerciais se circunscreve ao exame das formalidades essenciais e formais, cumprindo-lhes
velar pelo cumprimento da lei, sem entrar em indagações de ordem jurídica controvertida
ou interferir na manifestação da vontade das partes, cuja prerrogativa indelegável ê do
Poder Judiciário."
369 Sobre esse assunto, MIGUEL REALE, "A Exclusão de Sócios das Sociedades Mercantis e o
Registro de Comércio", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 150,
julho, 1944, p. 481, observa que: "(...) não há inconveniente, mas antes vantagem, em que
o órgão incumbido do Registro do Comércio não entre em apreciação controvertida da
substância dos contratos, indo além da já delicada missão de zelar pela observância das
formalidades essenciais." No mesmo sentido são as seguintes decisões: (i) da 2a Turma do
Tribunal Regional Federal da I a Região, proferida no julgamento da Apelação em Mandado
de Segurança n° 89.01.21654-0/MG, Rei. Des. Hercules Quasimodo, j. em 23.08.1994,
publicado no DO em 13.10.1994; e (ii) 4o Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Eslado
de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível n° 32.394-1, Rei. Des. Alves Braga, j. em
09.06.1983, publicada na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo. São Paulo: Lex Editora, v. 86, 1° bimestre, 1984, p. 206-207.
370 Sobre esse assunto, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 037/1981, manifestou-se no sentido de
que: "Impugnações feitas à ACE por acionista junto ao Registro do Comércio, embora
O Código Civil determina que os registros dos atos sujeitos
ao Registro Público de Empresas Mercantis devem ser requeri-
dos no prazo de 30 (trinta) dias contado da lavratura dos atos
respectivos e que, na hipótese de ser solicitado após esse prazo,
somente produzirá efeito a partir de sua concessão. As pessoas
obrigadas a requerer o registro responderão pelos prejuízos cau-
sados na hipótese de omissão ou demora371-372.
Não obstante as regras sobre arquivamento e publicação da ata da
assembleia geral extraordinária, ainda que ela não seja registrada e publi-
cada, a deliberação que altera o estatuto, observado o disposto nos artigos
109, 136 e 137, será válida e produzirá efeitos perante a companhia e
entre os acionistas, mesmo que ausentes ou dissidentes, pois prevalece o
princípio majoritário nas deliberações das assembleias gerais (artigo 129).
O que determina o § 1° é que o descumprimento da regra da publicidade
da reforma do estatuto não poderá ser oposto, pela companhia ou por
seus acionistas, a terceiros de boa-fé.

Quorum qualificado
"Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem
metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum
não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam
admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para de-
liberação sobre: (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

rejeitadas, podem vir a ensejar providências administrativas no âmbito desta Comissão, e até
mesmo a provocação do poder jurisdicional. O controle da legalidade exercido pelo Registro
do Comércio se restringe ao exame das formalidades essenciais e aparentes dos documentos,
sem entrar em indagações de ordem jurídica controvertida ou intervir na manifestação de
vontade das partes. Assim, não obstante o arquivamento, o ato pode estar viciado e, neste
caso, passível de ser atacado judicialmente."
371 Art. 1.151, §§ I o , 2° e 3 o , do Código Civil.
372 Consta do art. 36 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas
Mercantis e atividades afins, que os documentos sujeitos a registro devem "ser apresenta-
dos a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja
data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá
eficácia a partir do despacho que o conceder." No mesmo sentido é o art. 33 do Decreto
n° 1.800/1996, que regulamenta a Lei n° 8.934/1994.
I - criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações pre-
ferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes
de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo esta-
tuto; (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

II - alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate


ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou
criação de nova classe mais favorecida; (Redação dadapela Lein 0
9.457/1997)

III -redução do dividendo obrigatório; (Redação dadapelaLein°


9.457/1997)

IV - fusão da companhia, ou sua incorporação em outra; (Redação


dada pela Lei n° 9.457/1997)

V - participação em grupo de sociedades (artigo 265); (Redação


dada pela Lei n° 9.457/1997)

VI - mudança do objeto da companhia; (Redação dada pela Lei


n° 9.457/1997)

VII - cessação do estado de liquidação da companhia; (Redação


dada pela Lei n° 9.457/1997)

VIII - criação de partes beneficiárias; (Redação dada pela Lei n°


9.457/1997)

IX - cisão da companhia; (Incluído pela Lei n° 9.457/1997)

X - dissolução da companhia. (Incluído pela Lei n° 9.457/1997)

§ 1° Nos casos dos incisos I e II, a eficácia da deliberação depende


de prévia aprovação ou da ratificação, em prazo improrrogável de
um ano, por titulares de mais da metade de cada classe de ações
preferenciais prejudicadas, reunidos em assembleia especial convo-
cada pelos administradores e instalada com as formalidades desta
Lei. (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

§ 2° A Comissão de Valores Mobiliários pode autorizar a redu-


ção do quorum previsto neste artigo no caso de companhia aber-
ta com a propriedade das ações dispersa no mercado, e cujas 3
(três) últimas assembleias tenham sido realizadas com a pre-
sença de acionistas representando menos da metade das ações
com direito a voto. Neste caso, a autorização da Comissão de
Valores Mobiliários será mencionada nos avisos de convocação
e a deliberação com quorum reduzido somente poderá ser ado-
tada em terceira convocação.

§ 3° O disposto no § 2° deste artigo aplica-se também às assem-


bleias especiais de acionistas preferenciais de que trata o § 1°.
(Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ 4° Deverá constar da ata da assembleia geral que deliberar sobre as


matérias dos incisos I e II, se não houver prévia aprovação, que a
deliberação só terá eficácia após a sua ratificação pela assembleia es-
pecial prevista no § I o ." (Incluído pela Lei n° 9.457/997)

Para que as deliberações tomadas em assembleia geral sejam vá-


lidas, é indispensável assegurar a possibilidade de participação de to-
dos os acionistas no conclave e observar o cumprimento das regras
relativas ao seu modo de convocação e local de realização (artigo 124),
ao quorum de instalação (artigo 125), à legitimação e representação
do acionista (artigo 126), à assinatura do "Livro de Presença" (artigo
127), ao funcionamento da mesa que dirigirá os trabalhos (artigo 128)
e ao quorum de deliberação previsto neste artigo e no artigo 129.
Em regra, as deliberações são tomadas em assembleia mediante
a maioria absoluta de votos dos acionistas presentes, não se compu-
tando os votos em branco, isto é, aqueles que não contêm qualquer
declaração (artigo 129).
A Lei das S.A consagrou o princípio majoritário, segundo o qual
as deliberações tomadas em assembleia geral regularmente convocada e
instalada vinculam todos os acionistas, ainda que ausentes ou dissiden-
tes373. Regula, também, 2 (duas) espécies devoto por maioria: (i) maioria
absoluta, a que reúne no mínimo a metade dos votos mais 1 (um) dos
acionistas presentes, prevista no artigo 129; e (ii) maioria qualificada,
regulada neste dispositivo, que constitui toda espécie de maioria cujo
quorum é superior ao da maioria absoluta. A maioria qualificada, de modo
geral, é um número superior à metade, como, por exemplo, 2/3 (dois
terços), 3/4 (três quartos), 3/5 (três quintos), etc.
Enquanto o quorum da maioria absoluta verifica-se de acordo
com o capital votante representado pelos acionistas presentes à as-
sembleia geral, o quorum qualificado extrai-se do capital social total
com direito a voto, ou seja, metade das ações com direito a voto que
integram o capital social.
O caput elenca algumas matérias que, por alterarem direitos
patrimoniais dos acionistas ou afetarem aspectos essenciais da vida
da sociedade, ficam sujeitas a quorum qualificado - aprovação por
acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com di-
reito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da com-
panhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em Bolsa
de Valores ou no mercado de balcão. São elas: (i) criação de ações
preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existen-
tes sem guardar proporção com as demais classes de ações preferen-
ciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto; (ii) alteração

373 O Código Civil, no art. 1.072, § 5o, determina que: "As deliberações tomadas de conformidade
com a lei e o contrato vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes."
nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de
1 (uma) ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova
classe mais favorecida; (iii) redução do dividendo obrigatório (artigo
202); (iv) fusão da companhia, ou sua incorporação em outra (artigos
223 e 224); (v) participação em grupo de sociedades (artigo 265); (vi)
mudança do objeto (artigo 2°); (vii) cessação do estado de liquidação
(artigos 208 a 219); (viii) criação de partes beneficiárias (artigos 46 a
51); (ix) cisão (artigos 223 e 224); e (x) dissolução (artigos 206 e 207).
A aprovação das matérias previstas nas alíneas "(i)" a "(vi)" e "(ix)"
acima dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia
mediante o reembolso do valor das suas ações, observado o disposto
no artigo 137374.
O elenco previsto neste artigo não é exaustivo; nada impede
que o estatuto de companhias cujas ações não estejam admitidas à
negociação em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão estabe-
leça outras matérias sujeitas a quorum qualificado.
Nas deliberações sujeitas ao quorum qualificado, ele deve ser obser-
vado em qualquer convocação. Não comparecendo acionistas que repre-
sentem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, não faz sentido
colocar a matéria em votação. Nos termos do § 2°, a Comissão de Valo-
res Mobiliários pode autorizar a redução desse quorum no caso de com-
panhia aberta com a propriedade das ações dispersa no mercado e cujas 3
(três) últimas assembleias gerais tenham sido realizadas com a presença
de acionistas representando menos da metade das ações com direito a
voto. Nessa hipótese, a autorização deverá ser mencionada nos avisos de
convocação e a deliberação com quorum reduzido somente poderá ser
adotada em terceira convocação.

374 Considera-se relevante para os fins e efeitos da Instrução CVM n" 358/2002 - que dispõe
sobre a divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo às companhias
abertas - , com as modificações introduzidas pelas Instruções CVM nra 369/2002 e 449/
2007, a alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos por companhia
aberta (art 2o, capul, e inciso XIII do parágrafo único).
Nas companhias fechadas, nos termos do § I o do artigo 129, o
estatuto pode aumentar o quorum, exigido para certas deliberações, desde
que especifique as matérias. O u seja, não basta o estatuto estabelecer
um quorum superior ao da maioria absoluta, deve especificar as maté-
rias. N o entanto, é vedado aos estatutos a fixação de quorum inferior
ao estabelecido na Lei das S.A. O artigo 136 faculta às sociedades
fechadas, bem como às abertas, que só possuem outros valores mobi-
liários que não ações para negociação, a fixação no estatuto social de
um quorum superior ao da metade das ações com direito a voto para
aprovar as matérias nele previstas.

O princípio majoritário permite o desenvolvimento normal dos


negócios e impede o minoritário discordante de obstruir o processo
decisório. As normas legais e estatutárias que estabelecem outras mo-
dalidades de expressão da vontade social ou que dificultam o processo
decisório, tais como a maioria qualificada e o direito de veto e, especial-
mente, a unanimidade, constituem exceções ao princípio majoritário,
devendo, por isso, ser objeto de interpretação restritiva.
O quorum da metade das ações com direito a voto para aprovar
as matérias elencadas nesse artigo pode ocasionar u m empate, hipó-
tese em que deverá ser observada a regra do § 2° do artigo 129. Se o
estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver
norma regulando o procedimento a ser adotado em caso de empate,
uma nova assembleia será convocada, com intervalo mínimo de 2
(dois) meses, para votar a deliberação; permanecendo o empate, e caso
os acionistas não concordem em submeter a decisão a u m terceiro,
essa caberá ao Poder Judiciário 375 - 376 .

375 Ver os comentários ao art. 129 da Lei das S.A.


376 Em sentido contrário, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 222, ao concluir que: "(...) em uma
assembleia, em que ostitularesde ações votantes, cujo total seja v,nte, se dividam em dois
grupos antagônicos, cada um com 10 (dez) votos, a matéria sob deliberaçao estará aprovada,
já que recebera metade dos votos do capital votante da companhia."
Além do presente artigo, outros dispositivos da Lei das S.A. tam-
bém fixam um quorum qualificado, bem como o voto da unanimidade
- que nem sempre é a unanimidade do capital votante, mas também
dos acionistas presentes à assembleia - para a aprovação de determina-
das matérias, conforme previsto nos seguintes artigos: (i) 97, § 1°, esta-
belece a necessidade de aprovação por acionistas que representem
metade, no mínimo, do capital social para sanar a falta ou irregularida-
de apontada pela Junta Comercial na constituição da companhia ou
em seu estatuto; (ii) 215, § 1°, prevê a faculdade de a assembleia apro-
var, pelo voto de acionistas que representem 90% (noventa por cento),
no mínimo, das ações, as condições especiais para a partilha do ativo
remanescente em caso de liquidação; (iii) 221, determina que a transfor-
mação da sociedade em outro tipo societário deve ser aprovada pela una-
nimidade dos acionistas presentes, salvo se outro quorum for previsto no
estatuto de companhia fechada; (iv) 229, § 5°, exige a unanimidade do
capital social, inclusive dos titulares de ações sem direito de voto, na hi-
pótese de cisão com atribuição das ações integralizadas com parcelas do
patrimônio da sociedade cindida em proporção diversa daquela que os
acionistas nela possuíam; (v) 252, § 2°, estabelece a necessidade de meta-
de, no mínimo, das ações com direito a voto para aprovar a incorporação
de ações destinada a conversão em subsidiária integral; e (vi) 294, § 2°,
prevê a unanimidade dos acionistas como condição para que a compa-
nhia fechada de que trata o dispositivo possa aprovar o pagamento da
participação dos administradores sem que haja a atribuição de dividendo
obrigatório, conforme previsto no § 2° do artigo 152.

ASSEMBLEIA ESPECIAL D O S PREFERENCIALISTAS

A exigência da realização de assembleia especial de titulares de


ações preferenciais surgiu face à necessidade de serem conciliados
interesses de acionistas destituídos do direito de voto, mas detentores
de determinados privilégios patrimoniais, com a imprescindível flexi-
bilidade da gestão empresarial. Caso fosse exigido o consentimento
unânime dos preferencialistas para qualquer mudança em seus direitos
patrimoniais, a companhia ficaria impedida de promover eventuais al-
terações em tais direitos, mesmo se necessários ao desenvolvimento de
suas atividades empresariais.
A realização das assembleias especiais de preferencialistas consti-
tui uma solução intermediária que combina a tutela dos acionistas titu-
lares de ações preferenciais com a dinâmica da gestão empresarial, que
não pode ser "engessada" pela eventual discordância de um único pre-
ferencialista377. Assim, a eficácia da decisão aprovada pelos acionistas
com direito a voto fica subordinada à deliberação majoritária tomada
pela classe de acionistas interessada, que constitui, em seu conjunto, a
titular do direito que se pretende modificar. Cria-se, por conseguinte,
um colégio eleitoral especial, que delibera por maioria, em apartado da
assembleia geral dos titulares de ações com direito a voto.
Refletindo tais princípios, a Lei das S.A. previu, em sua redação
original, que as deliberações que visassem a (i) criar ações preferenciais
ou aumentar classe de ações preferenciais já existentes sem guardar pro-
porção com as demais classes, salvo se autorizado no estatuto; (ii) modi-
ficar os direitos atribuídos às ações preferenciais; ou (iii) criar uma nova
classe mais favorecida deveriam, sob pena de ineficácia, ser previamente
aprovadas, ou ratificadas a posteriori, pelos titulares de mais da metade
das classes de ações "interessadas". Apesar de a redação original da Lei n°
6.404/1976 referir-se à "assembleia especial das classes interessadas", já
se considerava que a realização desta assembleia somente se justificava
caso ficasse caracterizada a ocorrência de prejuízos para os acionistas
titulares de determinada classe de ações preferenciás.
De qualquer forma, a fim de evitar eventuais controvérsias a res-
peito da interpretação dada ao § 1°, a Lei n° 9.457/1997, tal como
ocorrido em relação ao direito de recesso (artigo 137), modificou a

ARIBERTO MIGNOLI. Le Assemblee Speciali. Milano: Ciuífrè, 1960, p. 3-4.


redação desse dispositivo legal, o qual passou a referir-se às "classes
prejudicadas" de ações preferenciais.
Assim, a realização da assembleia especial não será obrigatória
em qualquer caso em que haja deliberação sobre alteração de prefe-
rências ou criação de classes de ações preferenciais com maiores
vantagens. De acordo com o § 1°, a convocação da assembleia es-
pecial dos preferencialistas somente poderá ser exigida quando for
constatada real diminuição dos direitos patrimoniais dos titulares
de ações preferenciais, sendo a sua realização dispensável nas hipó-
teses em que a deliberação aprovada pela assembleia geral extraor-
dinária não lhes acarretar prejuízos efetivos378.
A Lei das S.A., em sua redação original, no inciso I deste artigo,
previa, ainda, que o aumento de classes de ações ordinárias também de-
veria ser submetido à deliberação da assembleia e aprovado por quorum
qualificado. A Lei n° 10.303/2001, ao dar nova redação ao inciso I, ex-
cluiu do rol das matérias sujeitas a quorum qualificado o aumento des-
proporcional de classe de ações ordinárias relativamente às demais classes
de ações da companhia, determinando que somente estão sujeitos à apro-
vação por quorum qualificado a criação de ações preferenciais ou o au-
mento de classes de ações preferenciais existentes que não guardem
proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se houver
previsão estatutária.
Dessa forma, na hipótese de apenas os titulares de ações ordiná-
rias serem prejudicados pela deliberação de que trata o inciso I, não

378 Sobre esse assunto, ARNOLDO WALD, "Da Inexigibilidade da Realização da Assembleia
Especial de Acionistas Preferenciais para a Aprovação da Criação de Classe de Ações
Preferenciais Menos Favorecida", Periódico Ciência Jurídica. Belo Horizonte: Ed. Ciência
Jurídica, v. 83, setembro-outubro, 1998, p. 321-339, observa que: "A criação de classe de
ações preferenciais menos favorecida em relação às demais classes que compõem a estru-
tura de capital da companhia, não está submetida às exigências de quorum deliberativo
qualificativo e de submissão de tal deliberação à assembleia especial dos acionistas prefe-
renciais interessados." No mesmo sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei
de Sociedades Anônimas, v. 2, 4a edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 873; TRAJANO DE
MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. i, 2 a edição, Rio de Janeiro: Forense,
1953, p. 232-233; CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO. Sociedades por Ações. v.
3, São Paulo: Saraiva, 1973, p. 180.
há necessidade de realização de assembleia especial, pois a matéria já
foi por eles deliberada em assembleia geral extraordinária, restando
aos dissidentes a faculdade de exercer o direito de retirada, nos termos
do inciso I do artigo 137.
A assembleia especial de que trata o § 1° apenas ocorrerá na
hipótese do inciso I, quando o aumento de classe de ações preferen-
ciais não guardar proporção com as demais classes de ações preferen-
ciais e, ainda assim, caso o estatuto não contenha previsão autorizando
a quebra da proporção.
A assembleia especial pode realizar-se previamente à assembleia geral
extraordinária que deliberar sobre as matérias previstas nos incisos I e II,
ou posteriormente, no prazo improrrogável de 1 (um) ano, para ratificar
deliberação já tomada379-380. Nessa hipótese, a ata da assembleia geral
que aprovar a alteração das vantagens deverá mencionar que tal delibera-
ção somente terá eficácia após a sua ratificação pelos detentores de ações
preferenciais, nos termos do § 4°.
Recomenda-se que a aprovação ou ratificação dos titulares de
ações preferenciais seja realizada antes ou logo após a assembleia ge-
ral extraordinária, não se utilizando todo o prazo de 1 (um) ano381.

379 A CVM, no Parecer CVM/PJU n° 005/2001, ao analisar consulta sobre a possibilidade de


extinção de ações preferenciais, mediante a sua conversão em ações ordinárias, por meio
de deliberação em assembleia geral em que foi concedido direito de retirada aos titulares
de ações preferenciais prejudicados, entendeu que, ainda que a mesma fosse autorizada
pelo estatuto, não poderia ter caráter compulsório sobre todos os titulares de ações prefe-
renciais, em especial sobre aqueles que não concordaram com a deliberação. Anteriormen-
te, no Parecer CVM/SJU n° 023/1987, essa mesma Autarquia havia se manifestado no
seguinte sentido: "O artigo 19 da Lei n° 6.404/76 determina a fixação de condições de
conversibilidade de ações no estatuto da companhia. Omisso o estatuto, será modificado
para nele se incluir a determinação legai mediante reforma estatutária nos termos do artigo
135 da Lei n" 6.404/76. Deliberação assemblear que vise alterar vantagens atribuídas às
ações preferenciais, depende de um quorum qualificado para sua aprovação (art. 136, II)
e enseja o exercício do direito de recesso (art. 137), assim como necessidade de realização
de Assembleia Fspecial de acionistas preferenciais interessados (art. 136, § Io) (...) a
cláusula estatutária genérica (...) que admite a conversão de ações de uma classe em outra
delegando toda a fixação de condições à Assembleia Geral há de ser considerada, a luz da
melhor doutrina, como omissa, e, consequentemente, inexistente."
380 Ver os comentários ao art. 19 da Lei das S.A.
381
Sobre esse assunto, ver o Parecer CVM/SJU n° 110/1983.
O quorum necessário para a deliberação da assembleia especial é o
de mais da metade das ações preferenciais prejudicadas, conforme de-
termina o § 1°. A companhia aberta pode, mediante comunicação às
Bolsas de Valores em que suas ações forem negociadas e publicação de
anúncio, suspender os serviços de transferência, conversão e desdobra-
mento de certificados, nos termos do artigo 37.
Como a eficácia da deliberação de que trata o § 1° depende da
prévia aprovação ou da ratificação por titulares de mais da metade de
cada classe de ações preferenciais prejudicadas, negada a aprovação
ou a ratificação, a deliberação tomada em assembleia geral extraordi-
nária será tida como inexistente382-383. Até a aprovação dos preferen-
cialistas, existe mera proposta da companhia, que só se tornará decisão
assemblear se ratificada por esses acionistas.
Sendo aprovada ou ratificada a deliberação pela maioria dos titula-
res de ações preferenciais, os que dela discordarem poderão exercer o

382 Sobre esse assunto, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 161/1979, assim se manifestou: "O
entendimento do § 1° do artigo 136 é que a aprovação pelos interessados, ali referida, tem
a natureza de condição de eficácia da deliberação da assembleia geral, tomada como
norma para regular as relações jurídicas subsequentes entre sociedades e acionistas. O ato
concluído entre estes é válido, desde que se achem presentes os requisitos do artigo 145
do C.C.; contudo, permanecem paralisados os efeitos jurídicos em relação aos interessa-
dos, aos quais o ato é inoponível. Enquanto não ocorrer a aprovação, não há que falar em
nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, o qual pode ser ratificado pelos interessa-
dos; e somente eles podem alegar a sua ineficácia. Uma vez, porém, negada a aprovação
pelos interessados, a ineficácia pendente, a eles relativa, se consumará; seus efeitos eqüi-
valem ao da nulidade, com sanção de desfazimento do ato e restituição das partes ao status
quo ante. Essa conclusão se impõe a partir da intenção da lei, de proteção eficiente e
adequada dos direitos dos acionistas interessados, que podem impedir medidas lesivas a
seus interesses e evitar a instalação de situação de permanente prejuízo." No mesmo
sentido, ver o Parecer CVM/SJU n° 026/1987.
3 83 No Parecer CVM/SJU n° 110/1983, a CVM manifestou-se no sentido de que: "A inobservância
do disposto no § 1° do artigo 136 da Lei n" 6.404/76, no que concerne à realização de
assembleia especial de acionistas preferenciais, implica a ineficácia da deliberação da
assembleia geral relativamente a alterações estatutárias decididas, e não a sua anulabilidade
no prazo prescricional estabelecido no artigo 286 do mesmo diploma legal. O posterior
arquivamento na junta Comercial da ata dá deliberação assemblear e do estatuto social
alterado não elide a ineficácia determinada em lei. Ao contrário, configura ato irregular de
arquivamento, o qual pode ser judicialmente impugnado a qualquer momento, bem como
cancelado por ato administrativo do próprio Registro do Comércio. É imprescindível o
direito de ação dos acionistas preferenciais para obter a declaração de ineficácia das
normas estatutárias indevidamente introduzidas no estatuto social."
direito de recesso, observado o disposto no artigo 137, inciso I, reque-
rendo o pagamento do valor do reembolso de suas ações. No entanto, a
existência do direito de recesso não invalida nem torna ilegítima a de-
liberação assemblear. Como já mencionado, prevalece, na Lei das S.A.,
o princípio majoritário, mas há certos direitos individuais que corres-
pondem a prerrogativas essenciais do acionista, das quais ele não pode
ser privado (artigo 109). Assim, quando a decisão majoritária contraria
o interesse dos minoritários, nos casos expressamente elencados na
Lei das S.A. e no estatuto social, podem eles retirar-se da companhia
mediante o reembolso do valor de suas ações. Porém, o ato praticado
pela companhia que enseja o direito de recesso não constitui ilícito; o
recesso, na realidade, significa apenas a compensação de interesses par-
ticulares dos acionistas minoritários sacrificados legitimamente em fa-
vor do interesse social384.
Além das matérias previstas nos incisos I e Et, também estão sujei-
tas a aprovação ou ratificação em assembleia especial todas as alterações
nos direitos dos acionistas titulares de ações preferenciais expressamente
previstas no estatuto social, pois a Lei das S.A. admite, no parágrafo úni-
co do artigo 18, que os titulares de 1 (uma) ou mais classes de ações
preferenciais possam, reunidos em assembleia especial, vetar determina-
das alterações do estatuto social nele especificadas. Essa norma permite
que seja assegurada aos preferencialistas, que não possuem o direito de
voto, a certeza de que determinadas matérias previstas no estatuto não
serão alteradas sem a sua aprovação385.
Na assembleia especial, devem ser observadas as mesmas for-
malidades previstas pela Lei das S.A. para a assembleia geral no que
se refere à convocação, legitimação e representação, ordem do dia,
ata, arquivamento e publicação, quorum de instalação e deliberação
(artigos 123 a 130).

384 Ver os comentários ao art. 137 da Lei das S.A.


385 Ver os comentários aos arts. 18 e 19 da Lei das S.A.
Não obstante constar do § 1° que a assembleia especial é "'convo-
cada pelos administradores e instalada com as formalidades' previstas na
Lei das S.A., prevalece o entendimento de que se aplica à sua convoca-
ção a regra prevista no artigo 123, mediante a qual (i) qualquer acionis-
ta tem legitimidade para convocar a assembleia quando os
administradores retardarem por mais de 60 (sessenta) dias a sua convo-
cação, nos casos previstos na Lei das S.A. e no estatuto; e (ii) acionistas
que representem 5% (cinco por cento), no mínimo, do capital social
podem convocar a assembleia quando os administradores não aten-
derem, no prazo de 8 (oito) dias, o pedido de convocação que apre-
sentarem, devidamente fundamentado386. Tal se justifica porque
os administradores, em alguns casos de alterações dos direitos das
ações preferenciais, podem não convocar a assembleia especial por
entenderem que a sua realização é dispensável na medida em que
a deliberação aprovada pela assembleia geral extraordinária não
acarretou prejuízos efetivos aos titulares de ações preferenciais, mas
esses acionistas podem ter entendimento diferente.

REDUÇÃO DO QUORUM QUALIFICADO

O § 2° conferiu à Comissão de Valores Mobiliários a competên-


cia para autorizar a redução do quorum da metade, no mínimo, das
ações com direito a voto, para deliberar sobre as matérias elencadas

336 Sobre esse assunto, J Ú L I O B A R R E T O , "Convocação da Assembleia Especial de


Preferencialistas", Adv-Coad, Seções lurídicas. Rio de Janeiro: Ed. Coad, junho, 2004, p.
4-6, observa que: "(...) a prevalecer a interpretação literal do artigo 736, §§ 1°e 4°, todos os
acionistas que, em conjunto, representam o órgão soberano da companhia, estariam sujeitos
ao exclusivo arbítrio dos administradores quanto à convocação do conclave especial, de cuja
vontade depende a eficácia das decisões tomadas em assembleia geral. Mais que isso, a
interpretação segundo a qual somente os administradores poderiam convocar a assembleia
especial levaria ã conclusão de que, de forma totalmente assistemática e ilógica, a lei das S.A.
teria permitido que os próprios acionistas, observados certos requisitos legitimadores (artigo
123), convocassem a assembleia geral, mais importante dos órgãos sociais, mas não os teria
legitimado a convocar a assembleia especial de preferencialistas. Ora, 5e é certo que a
assembleia especial pode e deve ser convocada pelos administradores, sempre que íe fizer
necessária, é certo, por outro lado, que este mesmo poder-dever deve ser garantido aos
acionistas, na mesma linha de princípio do que ocorre com a assembleia geral, por ostenta-
rem, em última análise, a qualidade de reais detentores do poder social."
no caput no caso de companhia aberta com a propriedade das ações
dispersa no mercado387, e cujas "3 (três) últimas assembleias tenham
sido realizadas com a presença de acionistas representando menos da
metade das ações com direito a voto."
A ausência do quorum qualificado deve ser verificada nas 3 (três)
últimas assembleias, independentemente de sua espécie - se ordinária
ou extraordinária - ou da matéria objeto da ordem do dia, tendo em
vista que esse dispositivo limitou-se a fazer referência genérica a 3 (três)
últimas assembleias realizadas com a presença de acionistas represen-
tando menos da metade das ações com direito a voto388.
Sendo a autorização concedida pela Comissão de Valores Mobi-
liários, deverá obrigatoriamente constar dos avisos de convocação da
assembleia geral extraordinária, que só poderá aprovar a matéria, sem
a observância do quorum qualificado, em terceira convocação. Essa
somente ocorrerá se nas 2 (duas) convocações anteriores não for re-
gistrada a presença de acionistas que totalizem metade, no mínimo,
das ações com direito a voto.
A Lei n° 10.303/2001 deu nova redação ao § 3°, possibilitando que
o quorum de deliberação da assembleia especial de que trata o § 1° seja
reduzido mediante autorização da Comissão de Valores Mobiliários, nas
mesmas condições do § 2°389. Ou seja: no caso de uma companhia aberta
com ações dispersas no mercado e cujas 3 (três) últimas assembleias es-
peciais de determinada classe de ações preferenciais tenham sido realiza-
das com a presença de acionistas representando menos da metade das

387
Sobre ações dispersas no mercado, ver os comentários ao art. 116 da Lei das S.A., na
parte que trata do "controle pulverizado".
388 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que "o § 2° do artigo 136
regula a hipótese das grandes companhias de capital disperso, admitindo que a Comis-
são de Valores Mobiliários autorize a redução de quorum, a fim de nao imobilizar a vida
da companhia."
389 Sobre esse assunto, ver a decisão do Colegiado da CVM no Processo Administrativo
CVM n° RJ 2010/17233, j. em 20.12.2010, que analisou caso de sol.citaçao de
autorização para a redução do quorum qualificado previsto no art. 136, inciso VI, da
ações, a Comissão de Valores Mobiliários pode autorizar a redução
do quorum qualificado390.
A interpretação literal do disposto no § 3° poderia levar à conclusão
de que deveria ser sempre observado o seguinte procedimento: (i) a com-
panhia deveria comprovar que as 3 (três) ultimas assembleias especiais
foram realizadas com a presença de acionistas representando menos da
metade das ações de determinada classe de ações preferenciais; (ii) medi-
ante esta comprovação, a companhia poderia requerer que a Comissão
de Valores Mobiliários autorizasse a redução do quorum de deliberação
na assembleia especial; e (iii) mesmo após ter sido autorizada pela Autar-
quia, a deliberação com quorum reduzido somente poderia ser tomada na
terceira convocação da assembleia especial.
Ocorre que algumas situações apresentam caráter excepcio-
nal, como a hipótese de nunca ter sido realizada numa companhia
uma assembleia especial de detentores de determinada classe de
ações preferenciais. Ademais, tendo em vista que a aprovação de
determinadas matérias implica reforma do estatuto, para a qual se
exige o quorum de 2/3 (dois terços) dos acionistas titulares da classe
prejudicada e a inviabilidade, em alguns casos, de atingimento desse
quorum, a realização de uma assembleia especial de tal classe ne-
cessitaria sempre de 2 (duas) convocações, totalizando, numa pri-
meira etapa, 6 (seis) convocações de assembleia especial.

Lei das S.A. A CVM indeferiu o pedido de redução de quorum, manifeslando a impossibi-
lidade pelas seguintes razões: "(i) não ser prontamente verificável uma significativa disper-
são acionáriq da Companhia, (ii) esta não ter realizado três assembleias gerais em que se
pudesse vefjíicar a insuficiência de quorum deliberativo, e (iii) a única assembleia já
realizada (..:) não contou com pedido público de procuração de acionistas, ao contrário
da que se dará em 20.12.2010, entendo não ser o caso de a CVM, por ora, autorizar a
redução de quorum para que acionistas da Companhia, representando menos da metade
do total de seu capital votante, possam deliberar a modificação do objeto social (...)•" A
propósito, também, ver as decisões do Colegiado da CVM proferidas nos Processos Admi-
nistrativos CVM n® RJ 2006/3453, j. em 18.05.2006, RJ 2006/6785, Rei. Dir. Pedro Oliva
Marcilio de Souza, j. em 25.09.2006, e RJ 2008/9337, Rei. Dir. Sérgio Weguelím, j. em
04.11.2008, nas quais foi deliberado, por unanimidade, a redução do quorum.
390 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva,
2 0 0 2 , p. 2 6 0 .
Assim, não sendo verificada, posteriormente, em nenhuma das 3
(três) assembleias especiais realizadas em segunda convocação a pre-
sença de acionistas representando, pelo menos, 50% (cinqüenta por
cento) da referida classe de ações preferenciais, a companhia estaria
apta a requerer à Comissão de Valores Mobiliários a autorização para a
redução do quorum de deliberação. Após esta autorização ser deferida, a
companhia teria que realizar mais 3 (três) convocações da referida as-
sembleia especial e somente na terceira a deliberação pretendida pode-
ria ser aprovada. Ou seja, prevalecendo tal entendimento, a aprovação
das matérias de que tratam os incisos I e II nas circunstâncias acima,
por exemplo, somente poderia ser implementada após 9 (nove) convo-
cações para a respectiva assembleia especial, o que constituiria um in-
justificado excesso de formalismo.
Os 3 (três) conclaves anteriores a que faz referência o § 2° são as-
sembleias gerais convocadas para deliberar sobre outras matérias, que o
legislador presumiu que já teriam sido realizadas no curso normal das
atividades da companhia e nas quais não compareceram acionistas re-
presentando mais da metade das ações com direito a voto. No entanto, a
Lei n° 10.303/2001, ao estender a possibilidade de redução de quorum às
assembleias especiais de preferencialistas, não previu que o atendimento
a tal exigência seria incompatível com a espécie de assembleia que so-
mente é realizada em circunstâncias excepcionais.
O Direito Comercial, pela própria natureza das atividades que
regula, caracteriza-se pela celeridade e informalidade, o que autoriza a
dispensa do cumprimento de formalidades inúteis, isto é, cujo atendi-
mento não se coaduna com afinalidadeque motivou a sua instituiçãoj91.
Portanto, seria evidente contradição ao princípio da celeridade das rela-
ções empresariais exigir, por mero apego ao formalismo, que a compa-
nhia, antes de submeter o pedido de redução de quorum à Comissão de

ALFREDO LAMY FILHO, "Subscrição de Ações e Direito de Retirada na Incorporação". In:


Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos,
elaboração, aplicação), v. II, 2a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. S88-589.
Valores Mobiliários, tivesse que realizar 6 (seis) convocações de assem-
bleia especial para atender literalmente ao requisito estabelecido no § 2°.
Dessa forma, ficando caracterizadas expressiva dispersão das ações
preferenciais de determinada classe e a inviabilidade de se obter a presen-
ça de acionistas representando 50% (cinqüenta por cento) das ações de
tal classe em uma assembleia especial, é plenamente justificável a dis-
pensa da obrigatoriedade de realização das 3 (três) assembleias gerais
anteriores. Assim, considerando algumas circunstâncias particulares, é
recomendável que a Comissão de Valores Mobiliários autorize a adoção,
em terceira convocação, do quorum reduzido de deliberação, na forma
prevista nos §§ 2° e 3°, independentemente de não terem sido realizadas,
anteriormente, 3 (três) assembleias especiais de titulares de determinada
classe de ações preferenciais.
Como existe nítida tendência ao aumento do número de compa-
nhias com controle pulverizado, deve a Comissão de Valores Mobiliários
atuar com a necessária rapidez para autorizar a redução do quorum quali-
ficado, para não "engessar" a dinâmica de decisões empresariais legítimas.

Direito de retirada
"Art. 137. A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e
IX do artigo 136 dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se
da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (arti-
go 45), observadas as seguintes normas: (Redação dada pela Lei
n° 10.303/2001)

I - nos casos dos incisos I e II do artigo 136, somente terá direito


de retirada o titular de ações de espécie ou classe
prejudicadas; (Incluído pela Lei n° 9.457/1997)

II - nos casos dos incisos IV e V do artigo 136, não terá direito de


retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e
dispersão no mercado, considerando-se haver: (Redação dada pela
Lei n 10.303/2001)
a) liquidez, quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que
a represente, integre índice geral representativo de carteira de
valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores
mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de
Valores Mobiliários; e (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

b) dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade contro-


ladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da
metade da espécie ou classe de ação; (Redação dada pela Lei n
10.303/2001)

III - no caso do inciso IX do artigo 136, somente haverá direito de


retirada se a cisão implicar: (Redação dada pela Lei n° 10.303/
2001)

a) mudança do objeto social, salvo quando o patrimônio cindido


for vertido para sociedade cuja atividade preponderante coincida
com a decorrente do objeto social da sociedade cindida; (Incluída
pela Lei n° 10.303/2001)

b) redução do dividendo obrigatório; ou (Incluída pela Lei n°


10.303/2001)

c) participação em grupo de sociedades; (Incluída pela Lei n


10.303/2001)

IV - o reembolso da ação deve ser reclamado à companhia no


prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da ata da assem-
bleia geral; (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

V - o prazo para o dissidente de deliberação de assembleia especial


(artigo 136, § 1°) será contado da publicação da respectiva ata; (Re-
dação dada pela Lei n 10.303/2001)
VI - o pagamento do reembolso somente poderá ser exigido
após a observância do disposto no § 3 o e, se for o caso, da rati-
ficação da deliberação pela assembleia geral. (Incluído pela Lei
n° 10.303/2001)

§ 1° O acionista dissidente de deliberação da assembleia, in-


clusive o titular de ações preferenciais sem direito de voto, po-
derá exercer o d i r e i t o d e r e e m b o l s o das ações de que,
comprovadamente, era titular na data da primeira publicação
do edital de convocação da assembleia, ou na data da comuni-
cação do f a t o r e l e v a n t e o b j e t o d a d e l i b e r a ç ã o , se
anterior. (Redação dada pela L e i n° 9.457/1997)

§ 2° O direito de reembolso poderá ser exercido no prazo previsto


nos incisos I V ou V do caput deste artigo, conforme o caso, ainda
que o titular das ações tenha se abstido de votar contra a delibera-
ção ou não tenha comparecido à assembleia. (Redação dada pela
Lein° 10.303/2001)

§ 3° Nos 10 (dez) dias subsequentes ao término do prazo de que


tratam os incisos I V e V do caput deste artigo, conforme o caso,
contado da publicação da ata da assembleia geral ou da assem-
bleia especial que ratificar a deliberação, é facultado aos órgãos da
administração convocar a assembleia geral para ratificar ou re-
considerar a deliberação, se entenderem que o pagamento do pre-
ço do reembolso das ações aos acionistas dissidentes que
exerceram o direito de retirada porá em risco a estabilidade finan-
ceira da empresa. (Redação dada pela Lei n 10.303/2001)

§ 4° Decairá do direito de retirada o acionista que não o exercer


no prazo fixado." (Incluído pela Lei n 9.457/1997)
1 . N O Ç Ã O GERAL E TENDÊNCIAS

O funcionamento das sociedades anônimas é regido pelo princí-


pio majoritário. O acionista controlador é, em princípio, o intérprete do
interesse social, presumindo-se que ele age no interesse da companhia
e de todos os acionistas. Os acionistas minoritários não têm como im-
pedir que os controladores aprovem as medidas que entendam neces-
sárias ao interesse da companhia, ainda que tais decisões afetem
substancialmente a estrutura da sociedade ou os direitos estatutaria-
mente assegurados aos acionistas. Todavia, a fim de manter o equilíbrio
entre o poder atribuído à maioria para dirigir a sociedade e a preserva-
ção dos interesses dos minoritários, a Lei das S.A. confere a estes o
direito de se retirarem da companhia, mediante o reembolso de suas
ações, se dissentirem de determinadas deliberações.
Na teoria política, o "dissenso", contrário de consenso, indica uma
categoria mais genérica de toda forma de desacordo e de atitude nega-
tiva em relação ao sistema político ou a alguns de seus aspectos. Embo-
ra possa apresentar várias modalidades de expressão, que vão da apatia
às pressões por meios violentos ou não, em suas manifestações mais
moderadas o dissenso pode desempenhar outra função: contribuir para
a manutenção do regime. Com efeito, o dissenso estimula o regime a
uma constante automudança e oferece ensejo ao desafogo dos motivos
de descontentamento existentes entre os membros da sociedade, per-
mitindo a continuidade do sistema político392.
Na sociedade anônima, o dissenso permite àquele que o manifesta
retirar-se, mediante o recebimento do valor de suas ações. Assim, tal como
ocorre no sistema político democrático, dá ensejo a que a discordância do
insatisfeito com a decisão majoritária seja resolvida internamente, por
meios pacíficos, sem necessidade de litígio.

392 NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCCI e GIANFRANCO PASQUINO. Dicionário


de Política, v. 1, São fóulo: Editora Universidade de Brasília, 2004, p. 361 e 363.
Embora tenha nascido como um instrumento de proteção aos
acionistas minoritários, face à prevalência do princípio majoritário e do
poder quase irrestrito do acionista controlador de formar a vontade so-
cial, o direito de recesso vem sendo considerado como mecanismo de
proteção à maioria acionária e à própria sociedade, na medida em que
constitui um expediente mediante o qual os conflitos entre os sócios
podem ser canalizados e resolvidos no âmbito da própria companhia393.
O direito de recesso tem sua origem no Código de Comércio Ita-
liano de 1882, que estabeleceu o princípio majoritário, permitindo à
maioria acionária modificar o estatuto, até então tido como intangível.
Como contrapartida do reconhecimento desse princípio fundamental
no moderno direito societário, introduziu, no artigo 158, o direito de
retirada para o acionista dissidente de deliberação que alterasse o objeto
social, prorrogasse o prazo de duração da sociedade, aprovasse operação
de fusão ou a incorporação de uma companhia em outra e a redução ou
aumento de capital com contribuição adicional dos sócios. Inúmeras
discussões surgiram sobre o recesso, no que se referia à sua natureza, se
pública ou privada, à lidtude das restrições estatutárias, ao prejuízo que
poderia causar à companhia e ao fato de que os acionistas deveriam
sempre suportar a deliberação majoritária, pois acreditava-se que al-
guns acionistas minoritários exerciam o recesso apenas para receber o
reembolso de suas ações. Assim, em 1942, com a entrada em vigor do
Código Civil Italiano, houve a eliminação do direito de recesso em
algumas hipóteses, sendo previsto, no artigo 2.437, apenas nos casos
de mudança do objeto social, transformação de tipo societário ou na
transferência da sede para o exterior.
A solução italiana teve acolhida muito discreta no Direito Com-
parado, sendo o recesso não só recepcionado por poucas legislações

393 RICARDO OLIVEIRA GARCÍA. Estúdios de Derecho Societário. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni,
2005, p. 653.
como, também, tido como um direito de natureza excepcional, cujo
exercício deveria merecer sempre interpretação restritiva.
Nos últimos anos, porém, vem se observando um ressurgimento
do direito de recesso, principalmente na Alemanha, Espanha, Portu-
gal, Estados Unidos e, mais notadamente, na Itália394.
Nos Estados Unidos, o direito de recesso (appraisalright, rightto
dissent ou laithdrawal righi) constitui criação jurisprudência! do final
do século XIX, mediante a qual os tribunais passaram a entender, em
casos de fusão ou venda integral de ativos, que os acionistas dissiden-
tes deveriam receber o valor justo {fair value) de sua participação na
sociedade. Ainda que no século XX o direito de recesso tenha perdi-
do grande parte de sua importância, nos últimos anos vem sendo ob-
servado o seu ressurgimento, inclusive mediante previsão legal39S. A
propósito, o Model Business Corporation Act (Seção 13.02) aumentou
consideravelmente as causas de recesso, como nos casos de: fusão;
transferência do bloco de controle; permuta de ações; venda ou troca
de ativos em montante expressivo fora do curso normal dos negócios;
alterações substanciais que prejudiquem os direitos dos acionistas,
modificando as condições de resgate, extinguindo o direito de prefe-
rência e limitando o direito de voto, por exemplo. O Delaware Corpo-
ration Law, no § 262, embora enumerando um elenco menor de casos
que o ensejam, também permite o direito de recesso em determina-
das operações de reestruturação societária.
Na Itália, as recentes reformas no Código Civil operaram uma
profunda alteração no direito de recesso, para torná-lo mais útil do
que no passado, mediante a flexibilização do instituto. Tendo em vis-
ta a razão principal da reforma, de oferecer à companhia uma plurali-
dade de modalidades de investimento, objetivou-se permitir ao
acionista maior facilidade no desinvestimento, total ou parcial, de sua

394 RICARDO OLIVEIRA GARCÍA. Estúdios de Derecho Societário..., p. 623-629.


395 MARY S1EGEL, "Back to the Future: Appraisal Rights in the Twenty-First Cenlury",
Harvard lourna! on Legislation. v. 32, 1995, p. 90.
participação no patrimônio social396. A Lei Delegada n° 366, de 3 de
outubro de 2001, introduziu, no artigo 2.437 do Código Civil Italia-
no, novas hipóteses legais de recesso inderrogáveis, distinguindo-as
daquelas derrogáveis ou modificáveis pelo estatuto. Configuram cau-
sas legais de recesso inderrogáveis pelo estatuto: (i) modificação subs-
tancial do objeto social; (ii) transformação da sociedade; (iii) mudança
da sede para o exterior; (iv) revogação do estado de liquidação; (v) eli-
minação de 1 (uma) ou mais cláusulas de recesso derrogável ou prevista
no estatuto; (vi) modificação dos critérios de determinação do valor de
reembolso; e (vii) modificações no estatuto referentes ao direito de voto
ou de participação (Código Civil Italiano, artigo 2.437,1).
Constituem causas de recesso derrogáveis ou modificáveis pelo
estatuto: (i) a prorrogação do prazo de duração da sociedade; e (ii) a
introdução ou remoção de cláusulas estatutárias que restringem a cir-
culação das ações (Código Civil Italiano, artigo 2.437, 2).
A reforma italiana inova substancialmente ao permitir que as
companhias que não recorrem ao mercado de capitais possam estipular
outras causas de recesso no estatuto social (Código Civil Italiano, arti-
go 2.437, 4). A cláusula de recesso pode ser prevista para determinada
classe de ações, mas não adpersonam, dado o caráter impessoal da par-
ticipação acionária. O fundamento do recesso estatutário é conferir maior
amplitude à autonomia privada, permitindo-se que os acionistas regu-
lem, no estatuto, de forma taxativa ou exemplificativa, outras causas
não estabelecidas em lei, que possam ser tidas como alterações subs-
tanciais da sociedade, capazes de afetar os riscos de seu investimento.
Dentre outras alterações relevantes, a reforma também introduziu
como causa do recesso não apenas a deliberação assemblear, mas tam-
bém o fato" (Código Civil Italiano, artigo 2.437 — bis, 1), como a pror
rogação tácita do prazo de duração da sociedade ou o não atingimento

396 Ver "La Nuova Disciplina dei Diritto di Recesso: II Commento Dell'Assonime", Circolare
Assonime 68/2005. In: Rivista delle Società. Milano: Giuffrè, fascicolo 6, novembre-dicembre,
2005, p. 1.390 e seguintes.
de um determinado faturamento. A nova disciplina também admite o
recesso parcial, possibilitando ao acionista descontente "graduar" o
montante de seu investimento na sociedade.
No Brasil, a primeira previsão do direito de recesso constou do
Decreto n° 21.536/1932 que, no artigo 9°, facultava aos acionistas
dissidentes de deliberação de alteração das preferências e vantagens
de que eram titulares ou de criação de ações com outras preferências,
o direito ao reembolso de suas ações. O Decreto-Lei n° 2.627/1940,
nos artigos 105 e 107, regulou novas hipóteses em que os acionistas
tinham o direito de retirar-se da sociedade, a saber: (i) a criação de
nova classe de ações preferenciais ou alterações nas preferências ou
vantagens conferidas a 1 (uma) ou mais classes ou criação de nova
classe de ações preferenciais mais favorecidas; (ii) a mudança do ob-
jeto social; (iii) a incorporação de sociedade em outra ou sua fusão; e
(iv) a cessação do estado de liquidação, mediante reposição da socie-
dade em sua vida normal.
A Lei n° 6.404/1976, ao contrário de outros países que à época
estavam restringindo o direito de recesso, passou a regulá-lo nas se-
guintes hipóteses: (i) criação de ações preferenciais ou aumento de
classe existente sem guardar proporção com as demais, salvo se já
previstos ou autorizados pelo estatuto; (ii) alterações nas preferências,
vantagens e condições de resgate ou amortização de 1 (uma) ou mais
classes de ações preferenciais ou criação de nova classe mais favoreci-
da; (iii) alteração do dividendo obrigatório; (iv) mudança do objeto so-
cial; (v) incorporação da companhia em outra, sua fusão ou cisão; (vi)
dissolução da companhia ou cessação do estado de liquidação; (vii) par-
ticipação em grupo de sociedades; (viii) aquisição do controle por pes-
soa jurídica de direito público; (ix) conversão da sociedade em subsidiária
integral por incorporação; e (x) aquisição do controle de sociedade
mercantil por companhia aberta.
Em 1989, entrou em vigor a Lei n° 7.958, denominada "Lei
Lobão", que, alterando o artigo 137, suprimiu o direito de retirada
especialmente nos casos de incorporação, fusão, cisão e participação
em grupo de sociedades, com o alegado intuito de atender aos objeti-
vos do Governo de fortalecimento da economia nacional, o que pro-
vocou enorme discussão sobre a eliminação do recesso nessas
hipóteses, conforme será adiante analisado397.
Em 1997, a Lei n° 9.457 promoveu algumas alterações impor-
tantes relativamente ao exercício do direito de recesso por parte dos
acionistas dissidentes de determinadas decisões adotadas pelas com-
panhias. Essa lei teve, dentre seus objetivos principais, "flexibilizar" o
recesso com 2 (duas) finalidades: (i) favorecer os processos de con-
centração empresarial das companhias nacionais, para permitir-lhes
competir com as multinacionais; e (ii) reduzir o custo, para o Gover-
no, da privatização de empresas estatais concessionárias de serviços
públicos, especialmente nos setores de telecomunicações e de gera-
ção e distribuição de energia elétrica. Para atingir tais objetivos, a re-
forma extinguiu, em determinadas hipóteses, o direito de retirada, como,
por exemplo, na cisão. Ademais, permitiu que o valor do reembolso
fosse calculado não só com base no valor patrimonial das ações, mas
também no seu valor econômico398. Além disso, voltou a ser inserido
no ordenamento jurídico nacional o direito de recesso nos casos de
incorporação, fusão e participação em grupo de sociedades, exceto para

397 Consta da Exposição Justificativa do Projeto de Lei n° 182, de 28.06.1989, que deu origem
à Lei n° 7.958/1989, que: "Duas hipóteses, dentre as enumeradas pelo art. 136 da Lei 6.404/
76 mostraram-se na prática destes últimos dez anos, contrárias ao livre desenvolvimento das
empresas constituídas pela modalidade de ações. Trata-se da incorporação, fusão ou cisão e
participação em grupo de sociedade. Tais providências sempre resultam em crescimento dos
negócios sociais, não justificando, sobretudo na incorporação ou fusão, a retirada do
dissidente através do processo desgastante da apuração de patrimônio líquido, muitas vezes
usado abusivamente para, através da criação de embaraços, obterem-se vantagens indevidas.
(...) A alteração da Lei 6.404/76,,.somente com relação a esses dois itens do art. 137, corrigirá
graves distorções sofridas pelas sociedades nacionais, em razão de preceitos ultrapassados e
modernamente injustificáveis."
398 NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais. 2" edição, Rio de Janeiro:
Renovar, p. 63 e seguintes. Ver, também, do mesmo aulor: "Reforma das S.A. e Direito de
Recesso", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed.
Malheiros, v. 111, julho-setembro, 1998, p. 74-81.
as ações que: (i) integrassem índices gerais representativos de carteiras
de ações admitidas à negociação em bolsa de futuros; ou (ii) fossem
emitidas por companhias nas quais mais da metade do total das ações
emitidas estivessem em circulação no mercado. Ou seja, a Lei n° 9.457/
1997 eliminou o recesso quando as ações da companhia tivessem ele-
vados índices de liquidez ou quando a companhia apresentasse índices
expressivos de dispersão de suas ações no mercado.
Por fim, a Lei n° 10.303/2001 promoveu novas alterações no
artigo 137: (i) restabeleceu, em algumas hipóteses, o direito de retira-
da nas operações de cisão; (ii) manteve as restrições ao recesso nos
casos de fusão, incorporação e participação em grupos de sociedades;
e (iii) introduziu novos parâmetros para a aferição dos critérios de
liquidez e dispersão das ações, reduzindo as hipóteses em que pode
ser negado o recesso aos acionistas dissidentes.
As mudanças no direito de recesso, de 1989 a 2001, constituem
um reflexo de sua indevida utilização como instrumento de política
econômica governamental: ora era "flexibilizado", para atender a gru-
pos empresariais e para reduzir os custos da privatização, ora era fortale-
cido, para incentivar o mercado de capitais e aumentar o valor das
participações acionárias minoritárias do Governo Federal399.
Fundamenta-se o recesso na necessidade de conciliar o interes-
se social, consubstanciado na deliberação assemblear majoritária, com
o interesse de acionistas individuais, que não querem permanecer vin-
culados a uma sociedade essencialmente diversa daquela na qual ha-
viam ingressado ou na qual tenham sido alterados os direitos conferidos
pelas ações de sua propriedade. Assim, o recesso não decorre de atos
ilícitos praticados pelo controlador, mas tão somente de decisões vá-
lidas adotadas com o fim de atender o interesse social, as quais, por
modificarem a estrutura da companhia ou os direitos conferidos pelas

399 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 263 e seguintes.
ações de sua emissão, a Lei das S.A. classifica como ensejadoras do
direito de retirada400.
Trata-se, o recesso, de direito essencial do acionista (artigo
109, inciso V) do qual ele não pode ser privado pelo estatuto ou
por deliberação da assembleia geral.
O direito de recesso, ao criar para a companhia a obrigação de
pagar o preço do reembolso das ações dos dissidentes, calculado nos
termos do artigo 45, configura a compensação dos interesses particula-
res sacrificados legitimamente em favor do interesse social401.
O conceito de acionista dissidente abrange aquele que comparece à
assembleia e vota contra a deliberação, o que esteve ausente, o que com-
pareceu ao conclave e se absteve de votar, bem como o acionista que não
tem direito de voto. Nesse sentido, (i) o § 1° estabelece que o acionista
dissidente de deliberação, inclusive o titular de ações preferenciais sem
direito devoto, poderá exercer o direito de reembolso de suas ações; e (ii)
o § 2° determina que o direito de reembolso pode ser exercido no prazo
previsto nos incisos IV ou V do caput, conforme o caso, ainda que o
titular das ações tenha se abstido de votar contra a deliberação ou não
tenha comparecido à assembleia.
O acionista que ainda não integralizou todas as ações por ele
subscritas também tem o direito de exercer o recesso. Nesse caso, o
reembolso será efetuado mediante compensação402.

400 Nesse sentido, FÁBIO KONDER COMPARATO, "Valor de Reembolso no Recesso Acionário
- Interpretação do Art. 45 da Lei das Sociedades por Ações", Revista dos Tribunais. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 563, setembro, 1982, p. 50, observa que: "A doutrina
reconhece, portanto, sem discrepância, que o direito de recesso do sócio dissidente da
deliberação social não constitui uma sanção de ato ilícito praticado pela maioria; não
representa uma forma de indenização. Se o fora, o sócio recedente seria obrigado a provar
o prejuízo sofrido para exercer a retirada, quando, na verdade, o recesso atua como uma
espécie de 'denúncia vazia' do vínculo societário (...) Exatamente por isso, o valor de
reembolso é sempre fixo, segundo critério estabelecido em lei ou no estatuto da compa-
nhia. Como não se cuida de ressarcir prejuízos individuais, mas de compensar interesses
particulares, sacrificados legitimamente ao interesse social, o valor pecuniário a ser recolhi-
do pelo sócio retirante obedece a um cálculo predeterminado, já de todos conhecido."
401 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 248.
402 De acordo com o art. 368 do Código Civil, "se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor
e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem."
2. O D I R E I T O DE RECESSO P O D E D E C O R R E R DA LEI DAS S . A . ,

D O E S T A T U T O S O C I A L O U DE " F A T O "

As hipóteses em que se considera sacrificado o interesse do


acionista e que ensejam o direito de recesso são enumeradas na Lei
das S.A-, admitindo-se que o estatuto discipline outras matérias
nela não previstas.

2.1. R E C E S S O LEGAL

A Lei das S.A. estabelece um elenco de hipóteses que ensejam o


exercício do direito de retirada por parte do acionista dissidente, as
quais são taxativas, no sentido de que não podem ser negadas pelo
estatuto ou pela assembleia geral, pois o recesso constitui direito es-
sencial do acionista (artigo 109, inciso V). O recesso apresenta natu-
reza excepcional, uma vez que, como é a própria companhia que deve
arcar com o pagamento do reembolso devido ao dissidente, o seu exer-
cício pode colocar em risco a sua saúde financeira, além de dificultar
ou onerar mudanças estruturais que podem ser necessárias ao desen-
volvimento dos negócios da empresa.
A Lei das S.A. prevê as seguintes hipóteses como ensejadoras do
direito de recesso: (i) criação de ações preferenciais ou aumento de classes
de ações preferenciais sem guardar proporção com as demais classes de
ações preferenciais, salvo se já autorizado pelo estatuto social (artigo 136,
inciso I); (ii) alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate
ou amortização de 1 (uma) ou mais classes de ações preferenciais ou
criação de nova classe mais favorecida (artigo 136, inciso II); (iii) redu-
ção do dividendo obrigatório (artigo 136, inciso III); (iv) fusão da com-
panhia ou sua incorporação em outra (artigo 136, inciso IV); (v)
participação em grupo de sociedades (artigo 136, inciso V); (vi) mu-
dança do objeto da companhia (artigo 136, inciso VI); (vii) cisão da
companhia, se importar mudança do objeto social, redução do dividen-
do obrigatório ou participação em grupo de sociedades (artigo 136, in-
ciso IX, c/c artigo 137, inciso III); (viii) transformação em outro tipo
societário (artigo 221); (ix) não abertura de capital de sociedade su-
cessora de companhia aberta envolvida em processo de fusão, incor-
poração ou cisão (artigo 223, § 4°); (x) aquisição do controle acionário
por pessoa jurídica de direito público em virtude de desapropriação de
ações (artigo 236, parágrafo único); (xi) incorporação de ações (artigo
252, § 1°); e (xii) aquisição do controle de outra sociedade mercantil
quando o preço de aquisição ultrapassar os parâmetros previstos na
Lei das S.A. (artigo 256, § 2°).
As hipóteses que asseguram o direito de recesso podem, assim,
ser divididas em 2 (dois) grupos: aquelas que visam a proteger os
acionistas contra deliberações que reduzem os seus direitos de par-
ticipação e aquelas que têm por fim protegê-los de deliberações que
alterem profundamente a organização da companhia. Nos casos en-
quadrados no primeiro grupo (incisos I e II do artigo 136), a exis-
tência de prejuízo é condição indispensável para o exercício do direito
de recesso; já nas do segundo grupo (todas as demais), há uma pre-
sunção de que tais deliberações, por alterarem profundamente a es-
trutura da companhia, podem prejudicar os interesses dos acionistas
delas dissidentes.
Examinemos cada uma delas:
2.1.a. Criação de ações preferenciais ou aumento de classe de
ações preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais
classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo
estatuto (artigo 136, inciso I, c/c o inciso I deste artigo).
Com as alterações introduzidas na Lei das S.A. pela Lei n°
10.303/2001, não há mais dúvida de que a "quebra" da proporção en-
tre as ações ordinárias e uma única classe de ações preferenciais não
enseja o exercício do direito de recesso.
A Lei das S.A., em sua redação original, estabelecia que o direito
de recesso somente poderia ser exercido em função do "aumento de
classe existente, sem guardar proporção com as demais". A diferença entre
ações ordinárias e preferenciais refere-se à espécie, não à classe. Assim,
como as hipóteses autorizadoras do direito de retirada devem ser inter-
pretadas restritivamente e, tendo o texto legal mencionado apenas o
aumento das classes de ações existentes, a "quebra" da proporção entre
espécies não facultava aos acionistas minoritários o recebimento do
valor de reembolso de suas ações.
Posteriormente, a Lei n° 9.457/1997 modificou a redação do in-
ciso I do artigo 136 passando para o plural ("aumento de classes exis-
tentes, sem guardar proporção com as demais espécies ou classes")
uma expressão que originalmente estava empregada no singular ("au-
mento de classe existente, sem guardar proporção com as demais").
Com tal mudança, a Lei n° 9.457/1997 reafirmou o entendimento
no sentido de que o direito de recesso em função da alteração na
proporção entre as ações somente seria admissível em relação às com-
panhias cujo capital estivesse dividido em mais de 1 (uma) classe de
ações preferenciais e em que se decidisse modificar a proporção entre
todas ou algumas das classes existentes.
A referida alteração teve por fim estender o direito de recesso em
virtude da "quebra" na proporção entre as classes de uma mesma espé-
cie aos titulares das demais espécies de ações. Assim, por exemplo, em
uma companhia que tivesse seu capital dividido em ações preferenciais
de 2 (duas) classes e alterasse a proporção entre as mesmas, haveria
direito de recesso tanto para os titulares de ações preferenciais quanto
para os detentores de ações ordinárias.
A Lei n° 10.303/2001 modificou novamente a redação do inciso I
do artigo 136 para consignar expressamente que apenas a alteração na
proporção entre as diversas classes de ações preferenciais existentes legi-
tima o exercício do direito de retirada pelos acionistas dissidentes, nos
seguintes termos: "I - criação de ações preferenciais ou aumento de classe de
ações preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de
ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto."
O novo texto legal, inequivocamente, excluiu o exercício do di-
reito de recesso em decorrência da emissão de novas ações preferen-
ciais da única classe existente, sem manter a proporção com as ações
ordinárias. O objetivo dessa alteração foi o de tornar mais clara a re-
gra que já decorria da redação legal original, qual seja, de que o reces-
so somente subsiste em face da alteração da proporção entre as diversas
classes de ações preferenciais403.
A deliberação que autoriza a conversão de ações ordinárias em
preferenciais sem guardar proporção com as demais classes existen-
tes dá ensejo ao exercício do direito de retirada, salvo prévia e expressa
previsão no estatuto social (artigo 136, inciso I).
Existindo previsão estatutária, presume-se que o acionista, ao
ingressar na companhia, examinou o estatuto social e concordou com
a possibilidade de ocorrência das situações ali previstas, não se justifi-
cando, dessa forma, que possa exercer o direito de retirada.
A introdução no estatuto social de autorização para futura criação
de ações preferenciais ou modificação na proporção entre as classes de
ações preferenciais não representa uma alteração essencial dos direitos
dos acionistas ou da estrutura da companhia. Assim, a simples inclusão
de tal dispositivo no estatuto não confere, por si só, o direito de retirada
aos acionistas minoritários dissidentes. Com efeito, pode ocorrer de a
companhia, apesar de ter inserido dita autorização, nunca vir a alterar a
proporção entre as classes de ações preferenciais em que se divide seu
capital Somente a deliberação que aprova a efetiva criação de ações pre-
ferenciais ou a modificação da proporção, mediante a emissão de novas
ações, pode dar ensejo ao recesso.
A eficácia da deliberação dos acionistas reunidos em assembleia
geral de aumentar uma classe de ações preferenciais existentes sem guar-
dar proporção com as demais classes de ações preferenciais depende de

403 LUIZ LEONARDO CANTID1ANO. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 154-155.
prévia aprovação ou da ratificação, em prazo improrrogável de 1 (um)
ano, por titulares de mais da metade de cada classe de ações preferen-
ciais prejudicadas, reunidos em assembleia especial (artigo 136, § 1°).
De acordo com o inciso V deste artigo, o prazo para o dissidente de
deliberação de assembleia especial será contado da publicação da ata
dessa assembleia.
2.1.b. Alteração nas preferências, vantagens e condições de res-
gate ou amortização de 1 (uma) ou mais classes de ações preferen-
ciais ou criação de nova classe mais favorecida (artigo 136, inciso II,
c/c o inciso I deste artigo).
Sendo aprovada, pela maioria dos titulares de ações preferenciais,
a alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amor-
tização de 1 (uma) ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de
nova classe mais favorecida, os preferencialistas que discordarem de tal
deliberação poderão exercer o direito de recesso.
Para que o exercício do direito de retirada por parte do acionista
dissidente seja legítimo, não basta que seja aprovada alteração nos direi-
tos atribuídos às ações preferenciais ou que haja a criação de uma nova
classe com maiores vantagens, mas que essa modificação acarrete prejuí-
zos efetivos aos direitos conferidos às ações de sua propriedade404. Nesse
sentido, a Lei n° 9.457/1997 modificou a redação do inciso I deste artigo
com o objetivo de deixar expresso que, nas hipóteses relacionadas com a
alteração dos direitos conferidos às ações preferenciais, o acionista deve
demonstrar a existência de prejuízo como pressuposto para a legitimida-
de do exercício do direito de recesso.

404 Nesse sentido é a decisão proferida pela 4"1 Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos
do Recurso Especial n° 31.515-SP, Rei. Des. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 25.03.1996,
In: Revista do Superior Tribunal de Justiça. Brasília: Ed. STJ, v. 8, n° 85, setembro, 1996, p.
250-253: "O fundamenta ê a proteção dos interesses do sócio insatisfeito, que se viu
atingido na esfera patrimonial com a alteração ocorrida; exsurgindo, então, a necessidade da
demonstração do efetivo prejuízo em seu desfavor, sob pena de se transformar o recesso em
mera venda de ações, o que escapa à finalidade do instituto. Assim, descabe autorizar a
retirada do sócio pela simples alteração na estrutura da sociedade. Mister que tenha interesse
em pleiteá-la em razão de prejuízo sofrido."
A eficácia da deliberação depende de prévia aprovação ou da ratifi-
cação, em prazo improrrogável de 1 (um) ano, por titulares de mais da
metade de cada classe de ações preferenciais prejudicadas, reunidos em
assembleia especial (artigo 136, § 1°). Nos termos do inciso V deste arti-
go, o prazo para o dissidente de deliberação de assembleia especial será
contado da publicação da ata dessa assembleia.
2.I.C. Redução do dividendo obrigatório (artigo 136, inciso III,
c/c o caput deste artigo).
Dividendo obrigatório é a parcela dos lucros estabelecida no
estatuto ou, se esse for omisso, a importância determinada de acor-
do com as regras estabelecidas no artigo 202, que os acionistas têm
direito de receber em cada exercício social.
Assim, havendo deliberação no sentido de redução do dividendo
obrigatório, mediante a modificação de cláusula estatutária que o re-
gula, poderão os dissidentes exercer o direito de recesso. Na hipóte-
se de omissão do estatuto, quando de sua alteração para fixação dos
dividendos, não há direito de recesso, pois, nesse caso, o acionista,
ao ingressar na companhia, tinha conhecimento da omissão esta-
tutária e da regra da Lei das S.A. que determina que o dividendo
não pode ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líqui-
do ajustado (artigo 202, § 2°)405.
2.1.d. Fusão da companhia ou sua incorporação em outra e cisão,
se importar mudança do objeto social, redução do dividendo obrigató-
rio ou participação em grupo de sociedades (artigo 136, incisos I V e l X ,
c/c o artigo 230, caput, e com o inciso III deste artigo).
Ao conferir nova redação a este artigo e ao artigo 136, a Lei n°
9.457/1997 manteve o direito de recesso ao acionista dissidente da deli-
beração de: (i) fusão da companhia406; (ii) incorporação da companhia

405 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 202 da Lei das S.A.
406 Ver os comentários ao art. 228 da Lei das S.A.
em outra407; e (iii) participação em grupo de sociedades408. Anteriormen-
te, em 1989, a Lei n° 7.958, a chamada "Lei Lobão", ao dar nova redação
ao artigo 136, excluiu algumas hipóteses ensejadoras do direito de reces-
so, provocando grande discussão sobre a sua eventual eliminação nos
casos de incorporação, fusão, cisão e participação em grupo de socieda-
des. Porém, a "Lei Lobão" não revogou o artigo 230, que previa, em sua
redação original, o direito de recesso na incorporação, fusão e dsão, nem
o artigo 270, parágrafo único, que o disdplina em caso de deliberação
para se associar a grupo de sociedades.
Após a promulgação da "Lei Lobão", a Comissão de Valores
Mobiliários, em 2 (duas) oportunidades, decidiu que ela não suprimi-
ra o direito de recesso na incorporação. Posteriormente, em nova de-
cisão, a Autarquia alterou seu entendimento, por ter a referida lei
suprimido o inciso VI do elenco das matérias que ensejavam o direito
de recesso. O Superior Tribunal de Justiça consagrou a tese de que a
Lei n° 7.958/1989 não havia suprimido o direito de recesso em casos
de incorporação, fusão e cisão de companhias409.
Visando a pôr fim à controvérsia, a Lei n° 9.457/1997, em seu
artigo 6°, revogou expressamente a Lei n° 7.958/1989 e deu nova
redação ao artigo 230, suprimindo o direito de recesso na cisão. A
Lei n° 10.303/2001, ao dar nova redação ao caput e a alguns dos
incisos deste artigo, estabeleceu as regras hoje vigentes sobre o direi-
to de recesso na incorporação, fusão e cisão.
Felizmente, após a reforma de 2001, com a promulgação da Lei n°
10.303, não houve novas modificações no regime legal do recesso ado-
náriq. Assim, na incorporação, o acionista da incorporada e, na fusão, o
adonista de qualquer das sodedades, se dissidente, tem o direito de re-

4
07 Ver os comentários ao art. 227 da Lei das S.A.
408 Ver os comentários ao art. 270 da Lei das S.A.
Ver a decisão proferida pela 3a Turma do Superior Tribunal de justiça no julgamento do
Recurso Especial n° 68.367-MC, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 10.12.1998, publicada
no DJU em 22.03.1999.
cesso se as ações por ele possuídas não forem dotadas de liquidez e de
dispersão no mercado, conforme adiante analisado no item 9.
Na incorporação, somente os acionistas da sociedade incorpora-
da têm direito de recesso. A não inclusão do acionista dissidente da
incorporadora como legitimado ao exercício desse direito constituiu
um "cochilo" do legislador, uma vez que ele pode ter sua situação pa-
trimonial tão afetada como a do acionista da incorporada, a depender
da relação de troca prevista no protocolo. Tal situação pode ser corri-
gida no estatuto da companhia comprometida com saudáveis práticas
de governança corporativa, prevendo o direito de recesso para o acio-
nista que dissinta da deliberação de incorporar outra sociedade. Na
fusão, operação pouco praticada entre nós, os acionistas de todas as
sociedades envolvidas podem exercer o direito de recesso.
Têm direito de se retirar da companhia tanto os titulares de ações
ordinárias como os titulares de ações preferenciais sem direito de voto
ou com voto restrito (§ 1°). Somente não estarão legitimados a exer-
cer o direito os acionistas que comparecerem à assembleia e votarem
favoravelmente à deliberação de fusão ou incorporação (§ 2°).
Tanto na fusão como na incorporação, nos termos do artigo 230
e do inciso IV deste artigo, o acionista dissidente deve exercer o direito
de recesso no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da publicação
da ata da assembleia que aprova o protocolo ou a justificação, que cons-
tituem documentos que devem ser obrigatoriamente apresentados à
deliberação dos acionistas reunidos em assembleia geral extraordiná-
ria, mas o pagamento do valor do reembolso somente será devido se a
operação vier a efetivar-se410-411. Trata-se de prazo decadencial, que

410 Ver os comentários aos arts. 224 e 225 da Lei das S.A.
411 A CVM, por meio do Ofício-Circular CVM/SEP n° 004/2011, manifestou-se no sentido de
que "nos casos em que a operação de incorporação, fusão ou cisão enseje direito de
recesso, as companhias abertas que possuam ações admitidas a negociação em mercados
regulamentados devem, conforme dispõe o artigo 20 da Instrução CVM n° 481/09, divul-
gar as informações previstas no Anexo 20 à referida Instrução (...)".
não comporta suspensão ou interrupção; se o acionista não exercer o
recesso no prazo legal, decai do direito de retirada (§ 4°).
Caso a operação de fusão ou incorporação não venha a efetivar-
-se, não haverá o pagamento do preço de reembolso. Podem as com-
panhias envolvidas desistirem da operação pela verificação de fatos
posteriores à assembleia que a torne inviável ou excessivamente one-
rosa. É o que ocorre se o pagamento do preço de reembolso puser em
risco a estabilidade financeira da companhia. Nesse caso, dependendo
do número de acionistas que manifestarem o desejo de exercer o re-
cesso e o montante de recursos que a companhia despenderá para
pagar-lhes o preço do reembolso, os órgãos de administração podem
convocar a assembleia geral para ratificar ou reconsiderar a delibera-
ção (§ 3°}. Caso a assembleia delibere reconsiderar a decisão anterior
favorável à operação, ela não se realizará e o pagamento do reembolso
não mais será devido.
Em casos excepcionais em que a incorporação e a fusão fo-
rem realizadas para indiretamente alterar o objeto da companhia
ou reduzir o dividendo obrigatório, o acionista dissidente poderá
exercer o direito de recesso, independentemente das ações apre-
sentarem liquidez e dispersão.
Na cisão, em princípio, não há direito de recesso para o acionista
dissidente, exceto se ela implicar: (i) mudança de objeto social da com-
panhia, salvo se o patrimônio social for vertido para sociedade cuja
atividade preponderante coincida com a decorrente do objeto social
da cindida; (ii) redução do dividendo obrigatório; ou (iii) participação
em grupo de sociedades412. Tratam-se, na realidade, de hipóteses que
ensejariam de-per se o direito de recesso.
Na hipótese de cisão em que há mudança do objeto social, a pró-
pria Lei das S.A., no inciso III, ressalva que esta não fica caracterizada
quando a parcela patrimonial transferida for recebida por sociedade
que exerça, de forma preponderante, atividade coincidente com aquela
praticada pela companhia cindida. Assim, se a atividade desenvolvida
pela companhia abranger o objeto social da companhia cindida, não
se justifica o direito de recesso, uma vez que, ao adquirir ações da
companhia cindida, o acionista já havia aquiescido em submeter-se
aos riscos próprios de tal atividade.
As hipóteses de mudança do objeto social e redução do dividendo
obrigatório podem decorrer do processo de cisão como conseqüência
da operação. No entanto, a participação em grupo de sociedades, por
definição, não decorre da cisão, mas de ato posterior, que com ela não
está relacionado, regulando-se pelo disposto no parágrafo único do ar-
tigo 270413. O que pode ocorrer apenas é a versão de parcela do patri-
mônio da cindida em sociedade que faça parte de grupo de sociedades,
ocasião em que os acionistas dissidentes poderão exercer o recesso.
Já na cisão com incorporação, os acionistas da sociedade cindida,
dissidentes da deliberação da assembleia geral que aprova a operação,
têm direito de recesso. Sua situação é, em tudo, idêntica à do acionista
da sociedade incorporada, a quem a Lei das S.A. assegura esse direito,
exceto se as ações que deüver forem de classe ou espécie que apresente
liquidez e dispersão no mercado (inciso II), conforme adiante analisa-
do no item 9. Não se trata de interpretação analógica ou extensiva das
disposições que regulam o recesso, mas de aplicação de dispositivo ex-
presso constante do § 3° do artigo 229, que manda aplicar à cisão com
incorporação as disposições sobre incorporação414.

413 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A..., p. 284.
414 No mesmo sentido, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Incorporação, Fusão e Cisão". In:
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. II,
Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1.805; IAN MUNIZ e ADRIANO CASTELLO BRANCO.
Fusões e Aquisições - Aspectos Fiscais e Societários. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.
256; AN NA LUIZA PRISCO PARAÍSO. O Direito de Retirada na Sociedade Anônima. 2 a
edição, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 92-94.
2.1.e. Participação em grupo de sociedades (artigo 136, inciso V, d
c o parágrafo único do artigo 270 e com o inciso II deste artigo).
A participação da companhia em grupo de sociedades constitui
uma das hipóteses em que a Lei das S.A. confere o direito de retirada
ao acionista dissidente, conforme estabelecem o inciso II deste artigo
c/c o inciso V do artigo 136 e o parágrafo único do artigo 270. A previ-
são legal da existência do direito de recesso nesse caso decorre do fato
de tal medida alterar significativamente a estrutura da companhia na
qual o acionista havia ingressado. Assim, o exercício do direito de reti-
rada não está condicionado à demonstração, por parte do acionista dis-
sidente, de que o ingresso no grupo acarretará prejuízos efetivos e
concretos à companhia da qual ele é sócio.
O grupo de sociedades constitui uma técnica de concentração
empresarial mediante a qual 2 (duas) ou mais sociedades, sendo uma
dominante e as demais dominadas, unem-se sob uma mesma direção
para alcançar objetivos comuns. De acordo com o artigo 265, a socie-
dade controladora e as suas controladas podem constituir um grupo de
sociedades mediante convenção pela qual se obrigam a combinar re-
cursos e esforços para a realização dos respectivos objetivos, ou para
participar de atividades ou empreendimentos comuns.
Assim, ao participar de um grupo de sociedades, a companhia fica
subordinada aos interesses e à orientação administrativa geral do grupo,
devendo os acionistas minoritários aceitar, nos termos da convenção,
que a sociedade disponibilize seus recursos e esforços para atender as
atividades e os empreendimentos do grupo e, inclusive, realize opera-
ções contrárias a seus interesses particulares ou que não observem con-
dições comutativas415. Por isso, a Lei das S.A. atribui o direito de recesso
aos acionistas de qualquer companhia que vier a participar ou se associar

415 A Exposição de Motivos n» 196, de 24.06.1976, reconheceu que "a integração da sociedade
em grupo eqüivale à mudança de seu objeto social, na medida em que ela deixa de persegu.r
seu próprio objeto e passa a priorizar a consecução do objeto geral do grupo.
a grupo de sociedades, sem fazer distinção ou estabelecer qualquer exce-
ção em relação à sociedade de comando ou às controladas.
No entanto, o inciso II deste artigo exclui a possibilidade de
retirada do acionista dissidente da deliberação que aprovar a partici-
pação em grupo de sociedades nos casos em que as ações de emis-
são da companhia possuam liquidez e dispersão no mercado,
conforme adiante analisado no item 9.
l . l . f . Mudança do objeto social (artigo 136, inciso VI, c/c o
caput deste artigo).
Quando alguém compra ações de uma companhia pode visar
(i) ao desenvolvimento de determinada atividade empresarial, se sua
participação no capital social for relevante; (ii) à obtenção de divi-
dendos; (iii) à valorização das ações no mercado secundário; e (iv) à
participação em determinada atividade econômica que considere
promissora e lucrativa. A Lei das S.A., ao regular o objeto social
(artigo 2°), teve por fim fornecer ao interessado na aquisição das
ações a informação, de forma mais ampla e precisa possível, sobre o
empreendimento econômico desenvolvido pela companhia.
O objeto social compreende o fim para o qual a sociedade é consti-
tuída, declarando o negócio, gênero de operações ou atividades, em fun-
ção das quais a companhia foi criada. Consiste, assim, na expressão escrita
do motivo para a congregação de interesses das partes em torno da cele-
bração do contrato plurilateral de sociedade416.
Não constitui o objeto social a prática de um ato singular, mas o
exercício de uma atividade, para cuja realização admite-se a conclusão
de diversos negócios jurídicos autônomos, desde que estejam voltados
à consecução da atividade empresarial definida no estatuto social. A
atividade-fim é aquela designada no objeto social e que a companhia
exerce para atingir o seu escopo lucrativo, e a atividade-meio, por sua
vez, é cada ato ou negócio jurídico em particular praticado pela compa-
nhia como instrumento para a realização do objeto social.
Em princípio, a disposição estatutária prescritiva do objeto social
deve coincidir com a atividade empresarial efetiva e concreta da com-
panhia. Pode ocorrer, porém, que sejam legitimamente praticados atos
ou negócios jurídicos que denotam a atividade empresarial, por lhe se-
rem necessários ou complementares, embora não constituam, de per se,
a atividade empresarial descrita como objeto social. Tais atos podem ser
caracterizados como meios para se atingir o objeto social, devendo,
portanto, ser considerados nele compreendidos.
A Lei das S.A. estabelece a necessidade de quorum qualificado para
a deliberação referente à mudança do objeto social (artigo 136, inciso VI)
e confere, no caput deste artigo, ao acionista dissidente o direito de reti-
rar-se da companhia, mediante o reembolso do valor de suas ações.
O objeto social, tanto sob o ângulo formal como o substancial,
constitui noção relacionada à atividade empresarial da sociedade. Por
atividade, compreende-se uma prática reiterada de atos e negócios
jurídicos com vistas à consecução de determinadas finalidades. O que
importa, para caracterizar a atividade, são os fins almejados, podendo
variar os meios utilizados para tal desiderato. Daí decorre que a mu-
dança do objeto social somente se configura quando a atividade em-
presarial, enquanto fim, é desnaturada ou alterada em caráter
permanente ou institucional, não se cogitando de alteração do objeto
quando se verifica mera variação dos meios para atingi-lo.
Para que se configure juridicamente mudança do objeto social, deve
ocorrer uma deliberação ou ato praticado pelos administradores que des-
figure completamente as atividades desenvolvidas pela companhia, de
modo a atingir as bases essenciais do negócio societário4?7. Não é qual-

417 MARIO ENGLER PINTO JÚNIOR, "Comentários à Decisão Proferida no Recurso Extraordi-
nário n° 104.985-6", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econom.co e Fmance.ro.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 66, abril-junho, 1987, p. 86.
quer alteração ou modificação no dispositivo estatutário que regula o ob-
jeto social que dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da compa-
nhia. Para que se justifique o direito de retirada é indispensável que a
modificação do objeto seja substancial, de forma que passe a sociedade a
atuar em outro ramo de negócios, o que pode implicar alteração do risco
empresarial assumido pelo acionista418. Dessa forma, a mudança do ob-
jeto consiste no exercício de atividade diversa daquela para a qual a
sociedade foi constituída419-420.
Portanto, mudar o objeto social significa colocar outro em seu lugar,
dispor de modo diverso a respeito da matéria; ou seja, remover uma ativi-
dade empresarial para substituí-la por outra421. A mudança do objeto que

418 Sobre esse assunto, ver ARNOLDO WALD, "Os Bancos Múltiplos e o Direito de Recesso",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, v. 87, junho-setembro, 1992, p. 5-16; GIANCARLO FRÈ. Società per Azioni.
Bolonha: Zanichelli, 1972, p. 703.
419 GIUSEPPE FERRI. Manuale di Diritto Commerciale. 5a edição, Torino: Unione Tipografico-
Editrice Torinese, 1980, p. 444. No mesmo sentido, ISAAC HALPERIN e JÚLIO C. OTAEGUI.
Sociedades Anônimas. 2a edição, Buenos Aires: Depalma, 1998, p. 616; JOSÉ EDWALDO
TAVARES BORBA. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 189-190. No
direito espanhol, o princípio é o mesmo: só há recesso quando há mudança radical do
objeto social. Ver, FERNANDO RODRIGUES ARTICAS, "El Cambio de Objeto Social". In:
Derecho de Sociedades Anônimas. Modificacion de Estatutos. Aumento Y Reduccion Del
Capital. Obligaciones. v. 1, t. III, Madrid: Editorial Civitas S.A., 1994, p. 156-157. O
entendimento é o mesmo na jurisprudência, como decidido no caso da Volec Taxi Aéreo,
julgado pelo 1o Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro. In: NELSON EIZIRIK. Sociedades Anônimas - Jurisprudência, t. 2, Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 97-101.
420 No ftirecer CVM/SJU n° 067/1979, a CVM firmou entendimento no sentido de que "em se
tratando de uma companhia cujo objeto seja a siderurgia propriamente dita, a alienação do
ativo operacional, permanecendo na empresa apenas os ativos financeiros, implica esvazia-
mento do objeto social."
421 Nesse sentido, decidiu o I o Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, no julgamento dos Embargos Infringentes n° 200/94, Rei. Des. Laerson
Mauro, j. em 15.02.1995, publicado na Revista Forense. Rio de Janeiro: Ed. Revista
Forense, v. 330, abril-junho, 1995, p. 319-325: "Sociedade Anônima - Direito de Recesso
- Ao acionista dissidente só é dado manejar o direito de recesso, na hipótese prevista no inc.
V do art. 136 da LSA, quando for efetiva a mudança do objeto da companhia, como tal não
sendo de equiparar-se a simples redução das atividades antes desenvolvidas, para eliminação
de custos de melhoria de rentabilidade, continuando a empresa a operar no mesmo ramo
negociai, sem qualquer setor novo, presente ainda a lembrança de que a matéria - direito de
recesso - é restritiva, informada pelo princípio do numerus clausus, não admitindo exegese
por método analógico extensivo."
enseja o direito de retirada deve ser efetiva, de forma que dela resulte uma
atividade nova, diferente daquela à qual o acionista aderiu, implicando na
assunção de riscos por ele não previstos422.
2.1.g. Transformação em outro tipo societário (artigo 221).
A transformação exige o consentimento unânime dos sócios ou
acionistas presentes à assembleia, salvo previsão estatutária ou con-
tratual autorizando a transformação. Logo, o acionista dissidente da
deliberação pode exercer o direito de recesso423.
Fundamenta-se o direito de recesso na discordância do sócio
em continuar vinculado a uma empresa com forma jurídica diver-
sa daquela à qual se associou; seu exercício, assim, não depende da
comprovação de danos ou de diminuição de direitos. O valor do
reembolso será calculado nos termos do artigo 45: valor de patri-
mônio líquido contábil ou valor econômico, caso exista previsão
estatutária expressa nesse sentido424.
Consta do parágrafo único do artigo 221 que os sócios podem re-
nunciar, no contrato, ao direito de recesso no caso de transformação em
companhia. Sua aplicação limita-se à hipótese de transformação em so-
ciedade anônima. Na transformação de companhia em limitada ou em
outro tipo societário diverso da anônima não é possível tal renúncia, que
poderia prejudicar o futuro sócio; é por essa razão que o acionista, embora
possa não exercer o seu direito de retirada em determinada circunstância,
a ele não pode renunciar, genericamente425.

422 Sobre esse assunto, ver FRANCESCO GALGANO. Trattato di Diritto Commerc.ale e d.
Diritto Pubblico dell'Economia - II Nuovo Diritto Societário, v. XXIX, t. II, Padova: CE-
-DAM, 2006, p. 135-137.
423 Ver os comentários ao art. 221 da Lei das S.A.
«4 Há uma decisão do Superior Tribunal de justiça no sentido de que, na transformado de
sociedade limitada em anônima, o sócio dissidente tem direito à retirada segundo as regras
da limitada, ou seja, mediante apuração de haveres (decisão da 3 a Turma profenda nos
autos do Recurso Especial n° 4 8 \205-Rj, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, J : em 09.08.1994,
publicada no DJU em 19.09.1994).
425 Ver os comentários aos arts. 109 e 221 da Lei das S.A.
2.1.h. Não abertura de capital de sociedade sucessora de compa-
nhia aberta envolvida em processo de fusão, incorporação ou cisão
(artigo 223, §§ 3° e 4°).
Nos termos do § 3° do artigo 223, se a operação de incorporação,
fusão ou cisão envolver companhia aberta, a sociedade sucessora tam-
bém será aberta, devendo obter o respectivo registro ou, se for o caso,
promover a negociação de novas ações no mercado secundário. O
objetivo da norma é impedir que o acionista de uma companhia aber-
ta torne-se, em decorrência da operação, titular de ações de uma com-
panhia fechada, o que pode lhe causar danos decorrentes da redução
da liquidez de sua posição acionária.
A norma visa a assegurar aos acionistas minoritários de compa-
nhia aberta que, por força da operação de incorporação, fusão ou cisão,
passam a ser sócios de companhia fechada, a manutenção de condi-
ções de liquidez dos títulos recebidos semelhantes às dos anteriores.
Ou seja, sua situação, enquanto investidor, não pode ser prejudicada;
por outro lado, não têm direito de ver melhoradas as condições de liqui-
dez de suas ações. Assim, se o acionista minoritário era titular de ações
de uma companhia aberta pela emissão pública de debêntures, cujas
ações não eram negociadas no mercado secundário, não pode exigir
que a companhia sucessora tenha ações dotadas de liquidez em Bolsa
de Valores ou no mercado de balcão426.
A companhia sucessora deve obter o registro de companhia aberta
junto à Comissão de Valores Mobiliários e, se for o caso, isto é, se as
ações detidas pelo minoritário na antiga sociedade eram negociadas
no mercado secundário, promover a sua admissão à negociação no
mesmo mercado, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias. A
obrigação da sucessora é garantir condições institucionais de liquidez

426 NELSON EIZIRIK, "Notas Sobre o Direito de Recesso na Incorporação, Fusão e Cisão",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, v. 113, janeiro-março, 1999, p. 124 e seguintes.
semelhantes. Tal não significa que deverão ser idênticas as condições
de liquidez; a liquidez das ações decorre da situação econômica da
companhia e do mercado de capitais, do volume de ações em circula-
ção e do interesse dos investidores em adquiri-las, variáveis que não
estão sob o controle da companhia.
De acordo com o § 4° do artigo 223, o descumprimento do dis-
posto no seu § 3° confere ao acionista o direito de retirar-se da compa-
nhia, mediante o reembolso do valor de suas ações. Trata-se de uma
hipótese de recesso introduzida com a reforma ocorrida em 1997, por
meio da promulgação da Lei n° 9.457. O direito de recesso, no caso,
não decorre da operação de fusão, cisão ou incorporação, mas do fato
de a companhia sucessora não se registrar como companhia aberta junto
à Comissão de Valores Mobiliários, no prazo de 120 (cento e vinte)
dias contado da data da assembleia que aprovou a operação. Ou seja, o
fato gerador do direito de recesso é a não aquisição, por parte da com-
panhia sucessora, do status de companhia aberta no prazo legal.
O prazo para o exercício do direito de recesso é contado a partir
do último dia de que dispunha a companhia para registrar-se como
companhia aberta, não da data de publicação da ata da assembleia
geral que aprovou a operação (inciso IV). Trata-se de hipótese espe-
cial, em que o direito de recesso não nasce de deliberação da assem-
bleia geral, mas da verificação de que não ocorreu o registro como
companhia aberta no prazo legal.
Como o direito de recesso não decorre da deliberação de aprovar
a operação, todos os acionistas podem exercê-lo, ainda que tenham
votado favoravelmente a ela, diversamente do que acontece nas de-
mais hipóteses legais (§ 2°). Porém, caso a companhia realize assem-
bleia geral extraordinária para deliberar que não se registrará como
companhia aberta, somente poderão exercer o direito de recesso os
acionistas que não votaram favoravelmente427.
A não abertura de capital no prazo legal não constitui ato ilíci-
to, não caracterizando qualquer violação ao dever imposto pela Lei
das S.A., mas o exercício de uma simples faculdade, cuja única con-
seqüência é a possibilidade de exercerem os acionistas dissidentes
o direito de recesso428.
2.1.i. Aquisição do controle acionário por pessoa jurídica de
direito público em virtude de desapropriação de ações (artigo 236,
parágrafo único).
Consta do parágrafo único do artigo 236 que sempre que a pessoa
jurídica de direito público adquirir, por desapropriação, o controle de
companhia em funcionamento, os acionistas terão direito de pedir, den-
tro de 60 (sessenta) dias da publicação da primeira ata da assembleia
geral realizada após a aquisição do controle, o reembolso das suas ações,
salvo se a companhia já se achava sob o controle, direto ou indireto, de
outra pessoa jurídica de direito público, ou no caso de concessionária de
serviço público.
Trata-se de hipótese remota já na época da promulgação da Lei
das S.A., hoje praticamente impossível politicamente a desapropriação
por parte do poder público do controle de companhia em funciona-
mento. Mas, ocorrendo a eventual transferência do controle do setor
privado para o poder público mediante desapropriação, o acionista dis-
sidente poderá pedir o reembolso do valor de suas ações.
A causa do recesso, no caso, é a transferência do controle acionário
mediante desapropriação. Descabe o direito de recesso se a companhia já
se encontrava sob o controle direto ou indireto de outra pessoa jurídica de
direito público ou se era concessionária de serviço público.

428 Nesse sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2,


4a edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 348; FRANCISCO MUSNICH, "Reflexões sobre o
Direito de Retirada na Minirreforma da Lei das Sociedades por Ações". In: Jorge Logo
(Coord.). A Reforma da Lei das S.A. São Paulo: Atlas, 1998, p. 82-83; LUIZ LEONARDO
CANTIDIANO. Estudos de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 74.
Esta é a única hipótese prevista na Lei das S.A. em que o prazo
de recesso é de 60 (sessenta) e não de 30 (trinta) dias, como previsto
no inciso IV deste artigo.
21'}. Incorporação de ações (artigo 252, § 2°).
O acionista minoritário que terá suas ações incorporadas ao pa-
trimônio de outra sociedade não pode impedir a realização da opera-
ção, cabendo-lhe, caso discorde, apenas retirar-se da companhia,
mediante o exercício do direito de recesso. Esse direito estende-se
tanto aos dissidentes da incorporadora como aos da incorporada, nos
termos dos §§ 1° e 2° do artigo 252, diferentemente do recesso no
caso de incorporação de sociedades, em que apenas os acionistas da
companhia incorporada podem exercê-lo.
No entanto, a partir da redação que foi dada a este artigo pelas Leis
os
n 9.457/1997 e 10.303/2001, atendidas algumas condições, o recesso
pode ser excluído, tanto na incorporação de ações como na de sociedades.
Assim, os acionistas de companhias envolvidas em operações de incor-
poração somente poderão exercer o direito de retirada caso suas ações não
possuam liquidez ou dispersão, nos termos do item 9 adiante analisado.
A justificativa para a supressão do direito de retirada nessas hi-
póteses reside no fato de que, tendo as ações liquidez e dispersão,
presume-se que o acionista dissidente pode retirar-se da companhia
mediante a simples venda de suas ações no mercado secundário, não
havendo necessidade de obrigar a sociedade a se descapitalizar para
pagar o valor de reembolso.
A operação de incorporação de ações não está submetida às re-
gras previstas nos §§ 3° e 4° do artigo 223. Ou seja, os acionistas
minoritários da companhia aberta cujas ações forem incorporadas por
uma sociedade fechada não poderão requerer, com fundamento nos
referidos dispositivos, o reembolso das ações de sua propriedade, sal-
vo disposição em contrário no estatuto social429.
A abertura do capital da sociedade incorporadora constitui uma
opção de seus controladores e administradores, pois não existe ne-
nhuma regra que imponha a adoção de tal medida. Com efeito, a
decisão de abrir o capital de qualquer companhia fechada possui na-
tureza eminentemente empresarial, não podendo ser imposta a seus
acionistas controladores, a não ser na presença de disposição legal ou
estatutária expressa nesse sentido. Portanto, os acionistas controla-
dores da sociedade fechada que incorporar ações emitidas por com-
panhia aberta podem legitimamente decidir não registrá-la perante a
Comissão de Valores Mobiliários, caso entendam que tal medida não
atende ao interesse social.
2.1.k. Aquisição do controle de outra sociedade mercantil quan-
do o preço de aquisição ultrapassar os parâmetros previstos na Lei das
S.A. (artigo 256, § 2°).
De acordo com o artigo 256, a compra, por companhia aberta,
do controle de qualquer sociedade mercantil, dependerá de delibera-
ção da assembleia geral da compradora, especialmente convocada para
conhecer a operação, sempre que: (i) o preço de compra constituir,
para a compradora, investimento relevante (artigo 247, parágrafo úni-
co); ou (ii) o preço médio de cada ação ou quota ultrapassar uma vez
e meia o maior dos 3 (três) valores, a saber: (a) cotação média das
ações em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado, du-
rante os 90 (noventa) dias anteriores à data da contratação; (b) valor
de patrimônio líquido (artigo 248) da ação ou quota, avaliado o patri-
mônio a preços de mercado (artigo 183, § 1°); e (c) valor do lucro
líquido da ação ou quota, que não poderá ser superior a 15 (quinze)
vezes o lucro líquido anual por ação (artigo 187, inciso VII) nos 2
(dois) últimos exercícios sociais, atualizado monetariamente.
Na hipótese de o preço de aquisição ultrapassar uma vez e meia o
maior dos 3 (três) valores referidos nos itens "a", "b" e "c" antes analisado,
o acionista dissidente poderá exercer o direito de retirada da companhia
mediante o reembolso do valor de suas ações. Em tal caso, presume-se
que o preço pago é excessivo, não sendo necessário que o acionista
dissidente demonstre que a operação é danosa. Por outro lado, não ca-
berá o direito de retirada se as ações do acionista dissidente forem, nos
termos da Lei das S.A., de espécie ou classe que tenha liquidez e dis-
persão no mercado430, pois o § 2° do artigo 256 expressamente condi-
ciona o exercício do direito de recesso à observância do disposto no
inciso II deste artigo.

2 . 2 . R E C E S S O ESTATUTÁRIO

Prevalece na doutrina o entendimento de que somente podem


ensejar o direito de retirada, com o reembolso do valor das ações, as
hipóteses expressamente previstas na Lei das S.A Trata-se de um "mito"
que não encontra qualquer amparo na lei societária. Na realidade, o que
é vedado é a exclusão do direito de recesso por dispositivo estatutário ou
por deliberação da assembleia geral, por tratar-se de um direito essencial
do acionista (artigo 109, inciso V).
Nada impede, a nosso ver, que o estatuto crie novas hipóteses de
recesso para determinada classe de ações. Particularmente no caso de
companhias fechadas, ou das abertas cujas ações não sejam dotadas de
liquidez e dispersão, pode constituir um atrativo adicional para a subs-
crição de ações a possibilidade de o acionista desfazer-se do investi-
mento realizado mediante o exercício do direito de recesso, tal como
no Direito Italiano. Com efeito, o direito de recesso tem conteúdo pu-
ramente patrimonial. Não há qualquer razão para se negar validade à
disposição estatutária que permita o "desinvestimento", em certas hi-
póteses, mediante o reembolso do valor das ações.
No caso, deve o estatuto regular convenientemente as hipóteses
de recesso adicionais àquelas previstas na Lei das S.A. O recesso
estatutário constitui modalidade de resgate de ações (artigo 30, § 1°,
alínea "a") e serve como incentivo à aquisição de uma classe de ações.
Assim, as ações são emitidas como ações resgatáveis a critério do
acionista e vinculadas à ocorrência de uma das causas ensejadoras do
recesso, nos termos do estatuto. Deve também o estatuto regular o
valor do reembolso e a forma de exercer o direito de recesso, aplican-
do-se as normas legais no seu silêncio.
O resgate consiste na operação pela qual a companhia paga ao
acionista o valor de suas ações, retirando-as definitivamente de circu-
lação. Assim, constitui modo de extinção da ação. Trata-se de moda-
lidade de negócio jurídico unilateral, ou seja, aquele que contém
manifestação de vontade de apenas uma parte e cujas conseqüências
jurídicas são sofridas pela outra parte, independentemente de sua von-
tade. Em função de sua causa, e do ponto de vista da companhia,
podem ser identificadas 2 (duas) modalidades de resgate: (i) voluntá-
rio; e (ii) compulsório.
O resgate voluntário ocorre por decisão da assembleia geral extraor-
dinária da companhia ou por determinação estatutária que autorize a
sociedade a promovê-lo a qualquer tempo. Trata-se de prerrogativa da
companhia, que pode, observado o disposto no § 6° do artigo 44 ou no
estatuto social, conforme o caso, determinar o momento e as condições
do resgate. Se a companhia se reserva o direito de resgatar as ações nas
condições fixadas no estatuto, poderá exercê-lo mediante deliberação da
assembleia, observadas as referidas condições, e o acionista titular dessas
ações não poderá se opor à deliberação. Ou seja, o resgate é voluntário
para a companhia, mas obrigatório para o acionista.
O resgate compulsório (sempre do ponto de vista da compa-
nhia) é aquele previsto desde a emissão da ação, que por esta razão
é conhecida como "ação resgatável". No caso, a companhia obri-
ga-se a resgatar uma determinada classe de ações, nas condições
estabelecidas no estatuto. O resgate estipulado no estatuto ao tempo
da criação da ação integra o conjunto de seus direitos e obrigações.
Nessa hipótese, o resgate deixa de ser uma faculdade da compa-
nhia para se tornar uma obrigação perante o acionista titular da
ação resgatãvel que exerce a opção de resgatá-la na forma prevista
no estatuto. Nesse caso, é compulsório para a companhia, mas
facultativo para o acionista431.
É recomendável que o valor do resgate seja estabelecido no esta-
tuto social, tendo em vista que a Lei das S.A. regulou o valor do re-
embolso de ações, mas foi omissa sobre o valor do resgate. Apesar da
omissão do texto legal, a companhia deve observar determinados pa-
râmetros mínimos na definição do valor de resgate. Nesse sentido,
por analogia ao artigo 170, § 1°, esse valor não pode ser inferior ao
resultante da aplicação, isolada ou cumulativamente, dos 3 (três) pa-
râmetros que devem ser utilizados para a fixação do preço de emissão
em aumento de capital: (i) valor de patrimônio líquido da ação; (ii)
cotação em Bolsa de Valores ou mercado de balcão organizado; ou
(iii) valor de suas perspectivas de rentabilidade. O preço de resgate
também pode corresponder ao valor real da ação, apurado de acordo
com a sua cotação no mercado secundário ou, ainda, com base em
avaliação a preços de mercado do patrimônio da companhia.
Podem ser exemplos' de causas para o recesso estatutário: (i)
a sua outorga para os acionistas da companhia incorporadora, cor-
rigindo o "cochilo" do legislador432; (ii) a não abertura de capital
no prazo previsto no estatuto social; (iii) a prorrogação do prazo
de duração da sociedade; e (iv) a introdução no estatuto de restri-
ções à livre negociação das ações.
Visando a conferir eficácia à disposição estatutária criadora
de modalidades de recesso, sua alteração ou supressão demanda
quorum qualificado e também enseja o direito de retirada.

431 Ver os comentários ao art. 44 da Lei das S.A.


432 Ver os comentários ao art. 230 da Lei das S.A.
Por outro lado, não cabe a criação de novas modalidades de re-
cesso em acordo de acionistas, pois trata-se de pacto parassocial, cu-
jos termos não vinculam a companhia433.
2.3. R E C E S S O D E C O R R E N T E DE F A T O

É possível, ainda, que o recesso decorra de um "fato" e não neces-


sariamente de uma deliberação assemblear, estando ou não previsto na
Lei das S.A., como, ocorre, por exemplo, nas hipóteses de:
(i) prorrogação tácita do prazo de duração da sociedade; ou seja, no
caso de uma companhia constituída por prazo determinado em que os
administradores, após o término de sua vigência, continuam a desenvol-
ver as suas atividades. Esse fato não está regulado pela Lei das S.A.,
mas, tendo em vista o princípio constitucional da liberdade individual,
segundo o qual "ninguém, poderá ser compelido a associar-se ou a permane-
cer associadó"434, o acionista tem o direito de se retirar da companhia;
associar-se ou permanecer associado, ou não, é direito individual e inde-
clinável de cada cidadão435;
(ii) não abertura de capital de companhia aberta envolvida em
processo de fusão, incorporação ou cisão (artigo 223, § 4°). Nos ter-
mos do § 3° do artigo 223, se a operação de incorporação, fusão ou
cisão envolver companhia aberta, a sociedade sucessora também será
aberta, devendo obter o respectivo registro ou, se for o caso, promover
a negociação de novas ações no mercado secundário. A norma visa a

433 Ver os comentários ao art. 118 da Lei das S.A.


434 Art. 5°, inciso XX, da Constituição Federal. De acordo com JOSÉ CRETELLA JÚNIOR.
Comentários à Constituição de 1988 (artigos 1° a 5 o , LXV1I). v. 3, Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1988, p. 293: "Em direito constitucional, o vocábulo associa-
ção tem sentido lato, não se restringindo, unicamente, ao tipo específico da lei civil,
compreendendo, porém, a união orgânica, voluntária e permanente de pessoas físicas
para a consecução de certos fins, que podem ser políticos, religiosos, morais, científi-
cos, civis, comerciais, artísticos, literários, beneficentes, mutualistas e, em geral, os que
tenham por objetivo o bem comum {...)."
435 PAULO NAPOLEÃO NOGUEIRA DA SILVA, "Artigo 5o, Incisos XVII ao XXI". In: Raulo Bonavides,
Jorge Miranda, Walber de Moura e Angra (Coord.). Comentários à Constituição Federal de
1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 143.
assegurar aos acionistas minoritários de companhia aberta que, por
força da operação de incorporação, fusão ou cisão, passam a ser só-
cios de companhia fechada, a manutenção de condições de liquidez
dos títulos recebidos semelhantes às dos anteriores. Nos termos do §
4° do artigo 223, o descumprimento do disposto no seu § 3° confere
ao acionista o direito de retirar-se da companhia, mediante o reem-
bolso do valor de suas ações. O direito de recesso, no caso, não decor-
re da operação de fusão, cisão ou incorporação, mas do fato de a
companhia sucessora não se registrar como companhia aberta junto
à Comissão de Valores Mobiliários, no prazo de 120 (cento e vinte)
dias contados da data da assembleia que aprovou a operação. Ou seja,
o fato gerador do direito de recesso é a não aquisição, por parte da
companhia sucessora, do status de companhia aberta no prazo legal;
(iii) alteração essencial, de fato, do objeto social. Em alguns
casos, a companhia passa a praticar atividades inteiramente nova's,
não previstas em seu objeto social, independentemente de reforma
estatutária, o que pode implicar alteração do risco empresarial assu-
mido pelo acionista. Tendo em vista que a Lei das S.A., no caput
deste artigo c/c o inciso VI do artigo 136, confere ao acionista a
faculdade de retirar-se da companhia na hipótese de dissentir de
deliberação que aprove a mudança de seu objeto social, pela mesma
razão, tem ele esse direito caso essa mudança decorra de "fato", e
não de uma deliberação assemblear436. O prazo para o exercício do
direito de recesso deve ser contado a partir do conhecimento "do
fato" pelo acionista ou da prática de atos que denotam publicamen-
te a mudança, de fato, do objeto; e

Sobre a mudança de fato do objeto social e o direito de recesso, ver a decisão do


Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo CVM n° RJ 2003/7612, Rei.
Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, j. em 09.03.2004, em que a Autarquia se manifes-
tou no sentido de que "o direito de recesso em casos de mudança de objeto social não
dispensa a prévia deliberação assemblear." No mesmo sentido foi o voto proferido no
Processo Administrativo CVM n° R] 2003/5457, Rei. Dir. Luiz Antonio de Sampaio
Campos, j. em 04.08.2004.
(iv) aquisição por desapropriação, pela pessoa jurídica de direito
público, do controle de companhia em funcionamento, caso em que os
acionistas têm direito de pedir, dentro de 60 (sessenta) dias da publica-
ção da primeira ata da assembleia geral realizada após a aquisição do
controle, o reembolso de suas ações (artigo 236, parágrafo único).

3 . EXERCÍCIO D O D I R E I T O DE R E C E S S O

O direito de retirada é exercido mediante manifestação receptí-


cia de declaração unilateral de vontade, sendo que, para produzir seus
efeitos precisa apenas chegar a seu destinatário, a companhia437. O
titular do direito manifesta formalmente à companhia o seu desejo de
retirar-se e os efeitos dessa declaração são alcançados independente-
mente de sua atuação, não obstante as conseqüências dessa declara-
ção sobre a companhia e o seu patrimônio438-439.
A manifestação do acionista de retirar-se da companhia, uma
vez chegada a ela, é irrevogável, tal como ocorre em qualquer ne-
gócio jurídico unilateral 440 - 441 ^ 6 ^.

437 Sobre a manifestação e declaração de vontade, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições
de Direito Civil. v. 1, 22 a edição, atualizado por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de
Janei ro: Forense, 2008, p. 484, observa que: "A declaração de vontade pode emitir-se às
vezes dirigida a uma pessoa determinada, seja com o propósito de levar-lhe ao conhecimento
a intenção do agente, seja com a finalidade de se ajustar a outra declaração de vontade
oposta, necessária à perfeição do negócio jurídico. Chama-lhe a doutrina de declaração
receptícia de vontade. Estão nesses casos a proposta de contrato, a revogação do mandato,
etc. Mas, outras vezes, a emissão se faz sem aquele caráter, e mesmo assim o negócio jurídico
se completa, dizendo-se então que há uma declaração não-receptícia de vontade, de que se
podem invocar como exemplos o testamento, a promessa ao público, etc. A distinção entre
uma e outra se faz, esclarecendo-se que, tanto receptfcia, quanto não-receptícia, influi a
declaração de vontade na esfera jurídica de outrem; porém, na primeira hipótese o ato exige,
para completar-se, uma parte e outra parte, com sentido direcional, enquanto que, na
segunda, o negócio jurídico se completa com a só vontade do declarante, seja este uma
pessoa natural, uma pessoa jurídica ou uma coletividade. Mas é preciso esclarecer que a
declaração receptícia de vontade não se dá apenas nos negócios jurídicos bilaterais. As
vezes, em unilaterais, ela o é: quando dirigida determinantemente a alguém."
438 MAURO RODRIGUES PENTEADO, "A Lei 7.958/89 e a Pretensa Modificação do Direito de
Retirada dos Acionistas: Uma Discussão Inócua", Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 77, janeiro-março, 1990, p. 42.
439 ANTONIO BRUNNETTI. Trattato dei Diritto Delle Società. v. 2, Milano: Giuffrè, 1950, p.
512: "La dichiarazione dei socio è um atto unilaterale, recettizio (va fatta sotto pena di
decadenza) Che non abbisogna de espressa accettazione da parte delia società."
440 Nesse sentido, ANDREAS V O N TUHR. Derecho Civil. Buenos Aires: Depalma, 1946, p.
242-243, conclui que: (i) quando o negócio unilateral produz o efeito que lhe é próprio e
Nas hipóteses previstas na Lei das S.A. ou no estatuto social, o
acionista dissidente tem o direito potestativo de exercer o recesso e
receber o valor de reembolso das ações que, nos termos do § 1°, era
comprovadamente titular na data da primeira publicação do edital de
convocação da assembleia, ou na data da comunicação do fato rele-
vante objeto da deliberação, se anterior.
Por essa razão, deve constar do edital de convocação a relação
completa e precisa da ordem do dia, com a especificação de todas as
matérias que serão deliberadas (artigo 124); é vedada, na companhia
aberta, a utilização da expressão "assuntos gerais" para matérias que
dependam de deliberação assemblear442-443-444-445^-52^-446^-5^^.
Para exercer o direito de recesso, deve o acionista: (i) ser titular
das ações na data da primeira publicação do edital de convocação

atinge a esfera jurídica alheia, é irrevogável; e (ii) os negócios unilaterais que são exercício de
um direito de configuração não podem ser retratados, o que se aplica a todos os direitos de
configuração, sejam constitutivos, modificativos ou, particularmente extintivos, tais como a
denúncia, a resolução, a revogação, a compensação e a impugnação.
441 No sentido da irrevogabilidade da manifestação do direito de retirada, ver, também, MODES-
TO CARVALHOSA, "O Dissidente é Sócio e Não Mero Credor", Revista dos Tribunais. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 528, outubro, 1979, p. 53. Em sentido contrário, JOSÉ
WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a 188). v. II,
Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 253, para o qual o dissidente pode retratar-se unilaleral-
mente desde que o faça por escrito e antes que se esgote o prazo de 30 (trinta) dias que lhe
fora concedido para o exercício do direito de retirada.
442 Art. 3° da Instrução CVM n° 481/2009.
443 Esse entendimento consta do Ofício-Circular CVM/SEP n° 001/2008: "Os editais de convo-
cação de Assembleias Gerais Ordinárias e/ou Extraordinárias devem enumerar, expressa-
mente, na ordem do dia, todas as matérias a serem deliberadas, não se admitindo que sob
a rubrica 'assuntos gerais' haja matérias que dependam de deliberação assemblear (...),
sendo sua transgressão considerada como infração de natureza grave para os fins previstos
no parágrafo 3", do artigo 11, da Lei n° 6.3S5/76."
444 Para as companhias abertas, a Comissão de Valores Mobiliários determina, no art. 20 da
Instrução CVM n° 481/2009, que, sempre que a matéria deliberada em assembleia geral der
ensejo a direito de recesso, a companhia deve fornecer, no mínimo, as informações indicadas
no Anexo 20 da referida Instrução, a saber: (i) descrição do evento que deu ou dará ensejo
ao recesso e seu fundamento jurídico; (ii) as ações e classes às quais se aplica o recesso; (iii)
a data da primeira publicação do edital de convocação da assembleia e a da comunicação
do fato relevante que deu ou dará ensejo ao recesso; (iv) o prazo para o exercício do direito
de recesso e a data que será considerada para efeito da determinação dos titulares das ações
que poderão exercer o recesso; (v) o valor do reembolso por ação ou, caso não seja possível
determiná-lo previamente, a estimativa da administração acerca desse valor; (vi) a forma de
cálculo do valor de reembolso; (vii) o direito de solicitar o levantamento de balanço
especial; (viii) caso o valor de reembolso seja determinado mediante avaliação, a lista dos
peritos ou empresas especializadas recomendadas pela administração; (ix) na hipótese de
da assembleia ou na data da comunicação do fato relevante objeto
da deliberação, se anterior (§ Io)447; (ii) não ter votado favoravel-
mente à deliberação que enseja o recesso (§ 2°); e (iii) manifestar
sua dissidência no prazo de 30 (trinta) dias da publicação da ata da
assembleia geral (inciso IV) ou, se esta depender de ratificação, da
data da publicação da ata da assembleia especial convocada para
esse fim (inciso V).
O acionista que não exercer o recesso no prazo de 30 (trinta)
dias contado da publicação da ata da assembleia geral, decairá desse
direito, nos termos do § 4°. Esse prazo de 30 (trinta) dias não se aplica
à hipótese de aquisição, por pessoa jurídica de direito público, do con-
trole de uma companhia, por desapropriação, pois, de acordo com o
parágrafo único do artigo 236, o prazo de decadência, nesse caso, é de

incorporação, incorporação de ações ou fusão envolvendo sociedades controladora e


controlada ou sob o controle comum, o cálculo das relações de substituição das ações
com base no valor do patrimônio líquido a preços de mercado ou outro critério aceito pela
CVM, se as relações de substituição das ações previstas no protocolo são menos vantajosas
que as calculadas de acordo com o valor de patrimônio líquido e o valor de reembolso
calculado com base no valor de patrimônio líquido a preços de mercado ou outro critério
aceito pela CVM; (x) o valor patrimonial de cada ação apurado de acordo com o último
balanço aprovado; e (xi) a cotação de cada classe ou espécie de ações às quais se aplica o
recesso nos mercados em que são negociadas, identificando: colação mínima, média e
máxima a cada ano (nos últimos 3 anos), a cada trimestre (nos últimos 2 anos), a cada mês
(nos últimos 6 meses) e nos últimos 90 dias.
445 O Ofício-Circular CVM/SEP n° 004/2011, que contém orientações gerais sobre procedi-
mentos a serem observados pelas companhias abertas dispõe, no item 27.2, que: "Caso
a operação enseje o exercício do direito de recesso, deve ser informado ainda: (a) acionis-
tas que poderão exercer o direito de recesso, caso venham a dissentir da deliberação da
assembleia, a ser convocada para a ratificação dessa aquisição; (b) o valor de reembolso
em Reais por ação; etc) o prazo e os procedimentos que os acionistas dissidentes deverão
adotar para se manifestar."
446 Ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.
447 Consta do Ofício-Circular CVM/SEP n° 004/2011, que contém orientações gerais sobre
procedimentos a serem' observados pelas companhias abertas e estrangeiras, que "por data da
comunicação do fato relevante deve ser entendida a data de publicação do Fato Relevante nos
jornais de grande circulação habitualmente utilizados pela companhia, nos termos do artigo
157, § 4", da Lei n° 6.404/76, e do artigo 3°, § 4", da Instrução CVM n° 358/02. Desse modo,
somente caberia o direito de recesso às ações adquiridas antes do dia da publicação do
primeiro edital de convocação de assembleia ou falo relevante, o que tiver ocorrido primeiro,
incluindo as ações adquiridas entre o período de divulgação do documento via Sistema IPE e
a sua publicação na imprensa." (item 27.4).
60 (sessenta) dias contados da data da publicação da primeira ata da
assembleia geral realizada após a aquisição do controle.
4 . R E C O N S I D E R A Ç Ã O DA D E L I B E R A Ç Ã O Q U E

E N S E J O U O D I R E I T O DE RECESSO

A eficácia do exercício do direito de recesso decorrente de deli-


beração assemblear subordina-se à não reconsideração da decisão em
nova assembleia geral. A Lei das S.A. admite, no § 3°, que a compa-
nhia, entendendo que o pagamento do preço do reembolso das ações
aos acionistas dissidentes colocará em risco a sua estabilidade finan-
ceira, reconsidere a deliberação que deu ensejo ao exercício do direito
de retirada, estabelecendo que os administradores podem, nos 10 (dez)
dias subsequentes ao término do prazo de que tratam os incisos IV e
V do caput, conforme o caso, contado da publicação da ata da assem-
bleia geral ou da assembleia especial que aprovar a deliberação, con-
vocar nova assembleia geral para ratificar ou reconsiderar a deliberação.
A faculdade de reconsideração da decisão constitui um instru-
mento de preservação da continuidade da companhia nas hipóteses
em que um grande número de acionistas manifesta interesse em exer-
cer o recesso e o preço do reembolso das açõès ponha em risco a sua
continuidade ou o seu equilíbrio econômico-financeiro.
Nos 10 (dez) dias subsequentes ao término do prazo de 30 (trin-
ta) dias para o acionista exercer o direito de recesso e solicitar o reem-
bolso de suas ações, a companhia poderá não tomar nenhuma
providência, deixando apenas transcorrer o prazo, ou convocar as-
sembleia geral para ratificar ou reconsiderar a deliberação tomada em
assembleia anteriormente realizada. Assim, consta do inciso VI que o
pagamento do reembolso somente poderá ser exigido após a obser-
vância do disposto no § 3° e, se for o caso, da ratificação da delibera-
ção pela assembleia geral.
Reconsiderada a deliberação que deu ensejo ao recesso, o direito
de retirada será extinto.
5. O RECESSO PARCIAL

A Lei das S.A. não regulou a possibilidade de o acionista exercer o


direito de recesso com apenas parte de suas ações. Ou seja, não tratou do
recesso parcial Não obstante, ele não contraria o regime do direito de
retirada, sendo benéfico à companhia e a seus credores448.
Juridicamente nada impede que o acionista exerça o recesso parcial-
mente, uma vez que o conteúdo do direito é puramente patrimonial. Po-
dem existir deliberações que ensejam esse direito e o acionista não tenha
interesse em se retirar totalmente da companhia, mas também não dese-
je correr o risco do negócio com 100% (cem por cento) de suas ações,
como, por exemplo, na alteração do objeto social para a prática de novas
atividades. Há, portanto, razões econômicas que justificam o recesso par-
cial, inexistindo vedação legal à sua prática.
Para a companhia, diante de situações que ensejam o direito de
retirada, o exercício parcial do recesso é vantajoso, tendo em vista a
redução do valor a ser por ela pago ao acionista dissidente. Ela não
precisa, nessa hipótese, desembolsar o valor equivalente ao reembol-
so de todas as ações do acionista dissidente, mas apenas de parte
dessas ações449. Para o credor também há benefício, em virtude de

448 Nesse sentido, dispõe o art. 2.437 do Código Civil Italiano: "Art. 2437.
Diritto di recesso. Hanno diritto di recedere, per tutte o parte delle loro azioni, i soei che non
hanno concorso alie deliberazioni riguardanti: a) Ia modifica delia clausola deU'oggetlo
sociale, quando consente un cambiamento significativo dell'attività delia società; b) Ia
trasformazione delia società; c) il trasferimento delia sede sociale alfestero; d) Ia revoca dello
stato di liquidazione; e) l'eliminazione di una o piu cause di recesso previste dal successivo
comma ovvero dallo statuto; f) Ia modifica dei criteri di determinazione dei valore del!'azione
in caso di recesso; g) le modificazioni dello statuto concernenti i diritli di voto o di
partecipazione. Salvo che Io statuto disponga diversamente, hanno diritto di recedere i soei
che non hanno concorso al!'approvazione delle deliberazioni riguardanti: a) Ia proroga dei
termine; b) 1'introduzione o Ia rimozione di vincoli alia circolazione dei titoli azionari. Se Ia
società è costituita a tempo indeterminato e le azioni non sono quotaLe in un mercato
regolamentato il socio può recedere con il preavviso di almeno centottanta giorni; Io statuto
può prevedere un termine maggiore, non superiore ad un anno. Lo statuto delle società che
non fanno ricorso al mercato dei capitale di rischio può prevedere ulteriori cause di recesso.
Restano salve le disposizioni dettate in tema di recesso per le società soggette ad attività di
direzione e coordinamento. È nullo ogni patto volto ad escludere o rendere piü gravoso
l'esercizio dei diritto di recesso nelle ipotesi previste dal primo comma dei presente articolo."
449 No mesmo sentido, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188)..., v. II, p. 250: "A nós nos parece que o acionista pode exercer
menor diminuição do capital ou do patrimônio da companhia,
conforme ela tenha, ou não, reservas disponíveis e consiga, ou não,
encontrar um comprador para essas ações.
A norma que cria o direito de recesso visa a compor o conflito
de interesses entre a maioria e a minoria; daí o seu caráter de excep-
cionalidade, uma vez que nele prevalece o direito individual sobre o
social. Aceitar apenas o recesso total é dar interpretação formalista
a esse instituto, o que não está em consonância com a natureza de
sociedade de capitais que se reconhece às sociedades anônimas450.

6. O A C I O N I S T A A O EXERCER O R E C E S S O N Ã O PERDE

A S U A Q U A L I D A D E DE S Ó C I O

O acionista que exerce o direito de retirada não perde a sua quali-


dade de sócio até que receba o valor de reembolso de suas ações, apura-
do de acordo com o disposto no artigo 45. Tendo em vista que o direito

parcialmente o direito de recesso, haja vista ser ele titular de cada ação individualmente. (...)
De resto, se um dos problemas que o recesso acarreta para a companhia éode pôr em risco
a estabilidade financeira da empresa, resulta evidente consultar ao interesse social o paga-
mento de um reembolso menor do que aquele devido se o recesso fosse total, ou seja, em
relação a todas as ações possuídas pelo dissidente."
450 Nesse sentido já se manifestou a CVM no Parecer CVM/SJU n° 050/1979. No mesmo
sentido, o Parecer CVM/SJU n° Oõõ/1979, no qual se observou que: "O objeto do direito
de recesso é de conteúdo patrimonial, (...) o fato é que o relacionamento do acionista com
a sociedade não se faz pelo número n de ações mas por um número qualquer de que ê
titular num momento x. Há uma unidade básica, ação, e sobre ela se define a relação
companhia-acionista, e que pode ser dissolvida em cada parcela unitária. Não há impos-
sibilidade lógica nem jurídica de recesso parcial. Quanto a constituir, o recesso parcial,
modalidade do abuso de direito, impõe-se prévia consideração. Na raiz do conceito a
doutrina é unânime em apontar ilicitude, prejuízos a terceiros ou falta de interesse legíti-
mo. As limitações ao exercício de um direito, fundadas na sua relatividade, derivam da
própria natureza do direito, da boa fé ou são impostas pela função ou destinação econô-
mica e social. Impedir o recesso parcial sob esse fundamento seria: a) aceitar, como
determinante do conteúdo do direito a retirada do acionista da sociedade. Não se admitiria
modalidade diversa do seu exercício; ou se retira ou permanece. É interpretação formalista
que não compadece com a finalidade protecionista do direito de recesso; b) constatar,
sempre, no seu exercício, má fé, falta de legítimo interesse ou prejuízo. Não nos parece que
ocorra nenhum deles, em maior extensão do que poderia ocorrer no recesso total. Ponderável
seria o argumento de que a aceitação do recesso parcial viesse a ampliar a incidência do
direito excepcional que é o de retirada. Seria admitir que na impossibilidade prevista (no
estatuto? pela assembleiaí pelos órgãos de administração) de exercê-lo parcialmente, o
acionista abrisse mão de seu direito. Nada leva a crer na procedência do raciocínio, que
não é lógico nem próprio do homo aeconomicus."
de recesso faculta ao acionista um poder de agir na esfera jurídica da
companhia por simples declaração receptícia de vontade, apenas com a
quitação de seus haveres - que ocorre com o recebimento do valor de
reembolso e a averbação, nos livros próprios, da transferência para a
companhia da propriedade das ações reembolsadas é que se extingue
o vínculo entre ele e a companhia.
Enquanto não recebe o reembolso de suas ações, o dissidente
permanece como acionista, podendo exercer plenamente os seus di-
reitos políticos e fazendo jus aos direitos patrimoniais perante a com-
panhia: pode participar de assembleias gerais, exercer o direito devoto,
receber dividendos, exercer preferência na subscrição de ações em
aumentos de capital, etc451. Assim, até o recebimento do valor de re-
embolso, os dissidentes permanecem na qualidade de acionistas. O
exercício dos direitos de sócio não implica renúncia ao pedido de re-
embolso das ações.
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Ademais, a Lei das S.A. prevê, no § 3°, a possibilidade de a compa-


nhia reconsiderar a deliberação que ensejou o direito de recesso se enten-
der que o pagamento do preço de reembolso das ações aos acionistas
dissidentes porá em risco a sua estabilidade financeira, o que corrobora o
entendimento de que o acionista, a partir do momento que exerce o di-
reito de retirada, permanece sócio até o efetivo pagamento do valor de
reembolso de suas ações e, ao mesmo tempo, credor do referido valor.

431 MODESTO CARVALHOSA, "O Dissidente é Sócio e Não Mero Credor", Revista dos Tribu-
nais..., v. 528, p. 49-50, entende que: "O recesso é rigorosamente simétrico ao direito de
sócio. E a aquisição do 'status\' de acionista de uma companhia somente se opera a partir
do pagamento parcial ou totat, da subscrição do capital social. A simples vontade manifes-
tada de se tornar sócio não basta para que o interessado se torne acionista. O vínculo
sociedade-acionista advém, portanto, do pagamento, em parte ou no todo, do valor
subscrito. Trata-se de um requisito de natureza patrimonial que visa a proteger o interesse
da companhia no que respeita à participação do interessado no capital social. (...) A partir
do pagamento inicial referente à subscrição é que se estabelece a relação sócio sociedade.
(...) Da mesma forma, a relação sócio companhia extingue-se mediante o processo inverso:
o efetivo reembolso pela companhia, ao acionista dissidente, dos seus haveres sociais, na
forma do art. 45 da lei vigente." No mesmo sentido, CIAN FRANCO CAMPOBASSO, "II
Sistema Giuridico Italiano", Diritto Commerciale - Diritto Delle Sociefà. v. 3, Torino:
UTET, 1997, p. 434 e seguintes.
Nas hipóteses em que a companhia não reconhece o direito de
retirada exercido pelo acionista, e, portanto, não efetua o pagamento
do valor do reembolso de suas ações, o efeito da sua vontade fica na
dependência da manifestação do Poder Judiciário ou do Tribunal Ar-
bitrai, conforme o caso. Enquanto essa não ocorrer, o acionista conti-
nua titular das ações e apto a exercer os seus direitos de acionista. Se
a decisão final for no sentido de negar-lhe o direito de retirada, con-
tinuará proprietário das ações; se, ao contrário, confirmar a existência
do direito de retirada, o seu exercício produzirá todos os efeitos desde
a época da manifestação de vontade.
7 . V A L O R DE R E E M B O L S O

As decisões tomadas pela maioria acionária que ensejam o direi-


to de recesso não são, em princípio, ilícitas, nem caracterizam abuso
do poder de controle. Constituem deliberações válidas e legítimas,
expressamente admitidas pela Lei das S.A. ou pelo estatuto social,
conforme o caso. Como os acionistas que delas discordam não são
obrigados a suportar os seus efeitos, a Lei das S.A. confere-lhes o
direito de retirada com o reembolso do valor de suas ações. Dessa
forma, o pagamento do valor do reembolso aos acionistas dissidentes
não apresenta a natureza jurídica de indenização pela prática de ato
ilícito; se assim fosse, o exercício dó direito de retirada pressuporia a
precisa quantificação dos prejuízos causados com a decisão452. A cor-
reta fixação das perdas e danos constitui elemento essencial da inde-
nização por ato ilícito, que deve corresponder ao montante que a parte
prejudicada perdeu e razoavelmente deixou de lucrar453.

452 Ver FÁBIO KONDER COMPARATO, 'Valor de Reembolso no Recesso Acionário - Interpreta-
ção do Art 45 da Lei das Sociedades por Ações", Revista dos Tribunais..., v. 563, p. 50.
453 O art. 402 do Código Civil assim dispõe: "Salvo as exceções expressamente previstas em
lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu,
o que razoavelmente deixou de lucrar."; o art. 944 do Código Civil, por sua vez, dispõe
que: "A indenização mede-se pela extensão do dano."
O reembolso é a operação pela qual a companhia paga aos acio-
nistas dissidentes o valor de suas ações. Constitui o reembolso uma
recompra compulsória pela companhia de ações de sua emissão, nos
casos em que a Lei das S.A. ou o estatuto social confere o direito de
recesso. Trata-se, com efeito, de uma das hipóteses em que, excepcio-
nalmente, a companhia está autorizada a adquirir suas próprias ações
(artigo 30, § 1°, alínea "a").
O critério para a determinação do valor de reembolso, de acordo
com as regras introduzidas na Lei das S.A. pela Lei n° 9.457/1997, está
estabelecido no § 1° do artigo 45, ao estipular que este deve correspon-
der ao valor de patrimônio líquido da companhia, conforme apurado
no último balanço aprovado pela assembleia geral. Tal critério somente
pode ser afastado caso o estatuto social tenha previsto expressamente a
possibilidade de o valor de reembolso ser calculado com base no valor
econômico da companhia454, hipótese em que o montante devido aos
acionistas dissidentes deverá ser aferido por meio de avaliação realizada
na forma estabelecida nos §§ 3° e 4° do artigo 45. Inexistindo previsão
estatutária expressa, mantém-se o cálculo do reembolso com base no
valor de patrimônio líquido.
Diversa é a situação regulada no § 3° do artigo 264, que é a única
hipótese em que os acionistas dissidentes podem pleitear a adoção de
critério diverso para a apuração do valor de reembolso. Esse artigo
estabelece, no caso de incorporação que envolva companhia contro-
lada ou sob controle comum, uma proteção adicional a ser conferida
aos acionistas minoritários da sociedade incorporada, mediante uma
fórmula que garanta a relação de troca mais justa possível, tendo em
vista que tais operações são decididas, no âmbito de ambas as socie-
dades envolvidas, pelo voto do mesmo acionista controlador.
Assim, o artigo 264 determina que deverá ser apresentada aos acio-
nistas, além da informação referente à relação de troca efetivamente

454 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 170, § 1o, da Lei das S.A.
adotada na operação, uma informação adicional: a relação de troca cal-
culada com base na avaliação dos patrimônios, tanto da incorporadora
como da incorporada, a partir do critério do patrimônio líquido a preços
de mercado ou outro critério expressamente admitido pela Comissão
de Valores Mobiliários. Essa regra implica a disponibilização da infor-
mação acerca de uma relação de troca teórica, que permite ao acionista
minoritário medir o caráter equitativo da relação de troca efetiva a ele
oferecida no protocolo de incorporação. O referido dispositivo legal não
tem, portanto, a finalidade de estabelecer a relação de troca a ser efeti-
vamente adotada, mas sim de prestar uma informação adicional aos
acionistas das sociedades envolvidas. Além da finalidade de caráter
informacional, a avaliação do patrimônio líquido a preço de mercado
também pode, em determinadas hipóteses, constituir uma alternativa
para a determinação do valor de reembolso dos acionistas dissidentes.
Ou seja, caso as relações de substituição das ações pertencentes aos
acionistas minoritários fixadas no protocolo sejam menos vantajosas do
que as que resultariam da avaliação dos 2 (dois) patrimônios líquidos a
preço de mercado, ou, com base no critério alternativo aceito pela Co-
missão de Valores Mobiliários, os acionistas dissidentes podem escolher,
ao exercer o direito de recesso, entre o reembolso de suas ações calculado
com base no valor do patrimônio líquido contábil ou com base no critério
de patrimônio líquido a preço de mercado.
De acordo com o artigo 45, o balanço a ser adotado para efeitos
de se apurar o valor de reembolso é o último aprovado pela assembleia
geral da companhia; corresponde àquele levantado ao final de cada
exercício social e que, na forma prevista no artigo 132, deve ser sub-
metido à apreciação da assembleia geral ordinária, a ser realizada nos
4 (quatro) primeiros meses do exercício subsequente. Em regra, não é
necessário o levantamento de balanço especial para se apurar o valor
de reembolso devido aos acionistas dissidentes. A única hipótese em
que a Lei das S.A. faculta a elaboração de balanço especial verifica-se
quando a deliberação que dá ensejo ao exercício do direito de retirada
ocorre mais de 60 (sessenta) dias após a data do último balanço apro-
vado (artigo 45, § 2°)45S.
Caso o acionista solicite, juntamente com o reembolso, o levan-
tamento de balanço especial, a companhia pagará imediatamente 80%
(oitenta por cento) do valor de reembolso, calculado com base no
último balanço aprovado e, levantado o balanço especial, pagará o
saldo no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da data da delibe-
ração da assembleia geral. Na hipótese de ser constatado, após o le-
vantamento do balanço especial, que os 80% (oitenta por cento) do
valor de reembolso antecipadamente recebido pelo acionista dissi-
dente constituem valor superior ao efetivamente devido, ele deverá
devolver à companhia a diferença456.
A Lei das S.A. permite que o valor de reembolso seja pago com
recursos originários dos lucros acumulados ou das reservas possuídas
pela companhia (artigo 45, § 5°). Entre as reservas, podem ser utiliza-
das tanto as reservas de capital (artigo 200, inciso II) quanto as de lu-
cro, com exceção da reserva legal e da reserva especial de dividendos
(artigo 202, § 5°). Caso o pagamento ao acionista dissidente seja feito

455 Ver os comentários ao art. 45 da Lei das S.A.


456 Sobre a determinação da data que será utilizada como referência para o levantamento do
balanço especial, o Colegiado da CVM, no Processo Administrativo CVM n° RJ 2002/135,
Rei. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. em 15.01.2002, seguindo o voto do relator, se
manifestou no seguinte sentido: "8. Não me parece, entretanto, procedente a alegação de
que cabe ao acionista dissidente determinar a data que será utilizada como referência para o
levantamento do balanço especial previsto no § 2" do artigo 45 da Lei n° 6.404/76. Se assim
fosse, poderíamos nos defrontar com a curiosa situação em que diversos acionistas dissiden-
tes escolham diferentes datas-base para o levantamento do citado balanço especial. 9.
Portanto, considerando que o art. 45, § 2° da Lei 6.404/76 determina que tal balanço seja
levantado em data que atenda ao prazo de 60 dias anterior à deliberação de que o acionista
dissentir, entendo que qualquer balanço que atenda àquele prazo — fixado, segundo consta
da exposição de motivos, 'a fím de que o patrimônio líquido da empresa seja expresso em
. moeda de poder aquisitivo contemporâneo ao pagamento' - estará, em lese, de acordo com
a lei. 70. Por outro lado, a data de levantamento do balanço especial deverá ser escolhida
obedecendo não só ao comando geral de tratamento adequado dos acionistas, mas lambem
às características específicas da operação, como a grande disparidade entre o valor de
patrimônio líquido contábil - que no caso é o de recesso - e os valores econômico e de
patrimônio líquido a preços de mercado das companhias, cabendo à CVM realizar o exame,
a posteriori, da existência de desvio de conduta por parte dos administradores ou do
acionista controlador."
com base em recursos provenientes de lucros ou reservas registrados
pela companhia, as ações reembolsadas serão mantidas em tesouraria
e, consequentemente, poderão ser posteriormente alienadas, observa-
das as regras estabelecidas na Lei das S.A. (artigo 200, inciso II) e pela
Comissão de Valores Mobiliários457.
Porém, se a companhia não tiver lucros ou reservas disponíveis em
montante suficiente para fazer face ao pagamento do valor de reembol-
so, este deverá ser efetuado tendo como contrapartida o capital social.
Nessa hipótese, a companhia tem o prazo de 120 (cento e vinte) dias
para alienar as ações reembolsadas, a fim de que os antigos acionistas
dissidentes sejam substituídos, sem necessidade de redução do capital
social (artigo 45, § 6°). Não sendo possível à companhia vender as ações
nesse prazo, o capital social deverá ser automática e compulsoriamente
reduzido no montante correspondente ao valor das ações reembolsadas e
não alienadas. Caberá, então, aos administradores da companhia, convo-
car, no prazo de 5 (cinco) dias, a assembleia geral para tomar conheci-
mento da situação e homologar a redução do capital.
Tendo o estatuto estabelecido regra para a determinação do va-
lor de reembolso, é possível deliberação da assembleia geral no senti-
do de alterar o critério fixado. No entanto, no prazo de 1 (um) ano
após a referida alteração estatutária, se a companhia aberta aprovar
operação que enseje direito de recesso sendo o valor de reembolso
menor do que seria de acordo com o critério anterior, ficará caracteri-
zado o exercício abusivo do poder de controle458.

8 . COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA A

LEGITIMAÇÃO D O EXERCÍCIO D O DIREITO DE RECESSO

As deliberações que ensejam o direito de retirada, como antes


analisado, podem ser divididas em 2 (duas) categorias, sendo: (i) a

457 Ver a instrução CVM n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n« 100/1989, 268/1997 e 390/2003.
458 Art. 1o, inciso IX, da Instrução CVM n° 323/2000.
primeira constituída por decisões que afetam os direitos de participa-
ção de 1 (uma) ou mais espécie ou classe de ações; e (ii) a segunda
integrada por operações que alteram a própria estrutura da compa-
nhia à qual o acionista se associou459.
Nas hipóteses enquadradas na alínea "(i)", que são as constantes
dos incisos I e II do artigo 136, a existência do direito de recesso tem
por fim evitar que os direitos patrimoniais conferidos pelas ações de
titularidade dos acionistas minoritários possam ser suprimidos ou redu-
zidos por deliberação da maioria dos acionistas. Por essa razão, o exer-
cício do direito de retirada, nesses casos, somente se justifica se houver
efetivo prejuízo para o acionista minoritário.
A Lei das S.A. expressamente exige a demonstração de que, em tais
hipóteses, a alteração prejudicará os direitos patrimoniais dos acionistas,
ao dispor, no inciso I deste artigo, que "nos casos dos incisos I e H do artigo
136, somente terá direito de retirada o titular de ações de espécie ou classe
prejudicadas." Assim, por constituir remédio contrário ao interesse da com-
panhia, o direito de recesso, nos casos previstos nos incisos I e II do artigo
136, que visam a proteger os acionistas contra deliberações que reduzem
os seus direitos de participação, somente se justifica quando a deliberação
aprovada pela assembleia geral acarreta prejuízos para os dissidentes.
O direito de recesso, quando decorre de deliberação da assembleia
geral, em princípio, tem que estar fundamentado em decisão que afete
negativamente algum interesse ou direito do acionista dissidente. Nes-
se caso, somente se o titular das ações for efetivamente prejudicado
pela deliberação assemblear poderá ele se retirar da companhia medi-
ante o pagamento do valor de reembolso de suas ações460.

459 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Mudança de Objeto Social e Incorporação de Subsidiá-
ria". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressu-
postos, elaboração, aplicação), v. 2, 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 340.
460 Nesse sentido é a decisão da 4 a Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferida no
julgamento do Recurso Especial n° 31.515-SP, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em
25.03.1996, publicada no DJU em 22.04.1996: "Comercial. Sociedade anônima. Direito
Nas hipóteses elencadas nos incisos I e II do artigo 136, não
basta, para o exercício do direito de recesso, que o acionista invo-
que a existência de deliberações assembleares das quais tenha dis-
sentido. Adicionalmente, é indispensável verificar se a deliberação
assemblear acarretou, de maneira objetiva, prejuízo ao acionista, seja
de natureza política ou patrimonial461-462.
Portanto, quando não se verifica, nas hipóteses constantes dos
incisos I e II, alteração prejudicial ou lesiva aos seus interesses, o
acionista dissidente não terá legitimidade para exercer o direito de
retirada. Não cabe, nestes casos, invocar o fato de a Lei das S.A.
admitir, em tese, o exercício do direito de recesso, pois, inexistindo
lesão ao acionista dissidente, a sua retirada visará a alcançar ou-
tros fins patrimoniais ou políticos, que não aqueles protegidos pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
A Comissão de Valores Mobiliários também já teve a oportunidade
de analisar o instituto do direito de recesso, referendando o entendimen-
to de que seu exercício pressupõe a existência de prejuízo ao acionista

de recesso pela criação de ações preferenciais. Necessidade de ocorrência de prejuízo


como pressuposto da retirada (arts. 136, I, e 137 da Lei n. 6.404/76). Recurso desacolhido.
O direito de retirada do sócio da sociedade anônima inconformado com a deliberação de
criação de nova classe de ações preferenciais não ê ilimitado, dependendo, assim, da
demonstração de prejuízo em seu desfavor, sob pena de se transformar o recesso em mera
venda de ações, o que escapa à finalidade do instituto."
Sobre a exigência da demonstração de prejuízo, ver MODESTO CARVALHOSA. Comentá-
rios à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 2, p. 906; ARNOLDO WALD, "Da Inexistência do
Direito de Recesso", Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 9, julho-setembro, 2000, p. 227; WILSON CAM-
POS DE SOUZA BATALHA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro:
Forense, 1977, p. 645-646.
A 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 31.515-SP,
Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 25.03.1996, publicado no DJU em 22.04.1996,
decidiu que: "Destarte, cinge-se a matéria recursal em perquirir se esse prejuízo é pressuposto
para o exercício do direito de retirada. Sem razão os recorrentes, posto que afirmativa a
conclusão. (...) O fundamento é a proteção dos interesses do sócio insatisfeito, que se viu
atingido a esfera patrimonial com a alteração ocorrida, exsurgindo, então, a necessidade da
demonstração de efetivo prejuízo em seu desfavor, sob pena de se transformar o recesso em
mera venda de ações, o que escapa à finalidade do instituto. Assim, descabe autorizar a retirada
do sócio pela simples alteração na estrutura da sociedade. Mister que tenha interesse em
pleiteá-la em razão de prejuízo sofrido."
dissidente, sob pena de colocar em risco o interesse da companhia e de
todos os que com ela se relacionam463.
Nas demais hipóteses de recesso, que visam a proteger os acionistas
de deliberações que modifiquem a organização da companhia, há uma
presunção de que tais deliberações, por alterarem profundamente a sua
estrutura, podem lesar os interesses dos acionistas delas dissidentes, não
sendo, portanto, necessária a comprovação de prejuízo.

9 . LIQUIDEZ E DISPERSÃO N O MERCADO

A Lei n° 10.303/2001 manteve as restrições ao direito de retirada


nos casos de fusão, incorporação e participação em grupos de socieda-
des que foram introduzidas pela Lei n° 9.457/1997. No entanto, a Lei
n° 10.303/2001 alterou os critérios de aferição dos parâmetros de liqui-
dez e dispersão, reduzindo as hipóteses em que pode ser negado o direi-
to de recesso aos acionistas dissidentes.
O fundamento da negação do recesso quando as ações apresen-
tam dispersão e liquidez é a possibilidade de o acionista insatisfeito
vendê-las no mercado.
De acordo com o inciso II, nas hipóteses de fusão da companhia,
ou sua incorporação em outra, e participação em grupos de sociedades,
não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que
tenha liquidez e dispersão.
Liquidez significa disponibilidade sobre moeda ou a titularidade
sobre bens facilmente conversíveis em moeda corrente464. A ação tem

463 O Colegiado da CVM, no Processo Administrativo C V M n° RJ 2001/11250, Rei. Dir.


Norma Jonssen Parente, j. em 23.12.2002, decidiu que: "30 - O aumento das ações
preferenciais da Sanepar em desproporção com as ordinárias não exaure os direitos das ações
preferenciais existentes, não ensejando, portanto, o direito de recesso. A modificação não
reduz o seu direito de participação. O direito de retirada, direito excepcional, só deve ser
exercido quando, efetivamente, ocorrerem transformações danosas aos minoritários. Não se
pode esquecer que o reembolso pode colocar em risco a estabilidade financeira da compa-
nhia, causando prejuízos aos demais acionistas, aos seus empregados e inclusive à comuni-
dade em que atua, lesando, em suma, o interesse geral."
464 De acordo com RACHEL SZTAJN, "Conceito de Liquidez na Disciplina do Mercado de
Valores Mobiliários", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
liquidez quando pode ser facilmente alienada no mercado de valores
mobiliários. Dispersão é a quantidade de ações em circulação no mer-
cado. Ò número de pessoas dispostas a negociar a ação facilita o acesso
de eventual interessado àquele mercado465.
Nos termos das alíneas "a" e "b" do inciso II, considera-se haver
(i) liquidez das ações quando a espécie ou classe da ação, ou certifica-
do que a represente, integra índice representativo de carteira de valo-
res mobiliários admitido à negociação no mercado de valores
mobiliários no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valo-
res Mobiliários; e (ii) dispersão quando o acionista controlador, a so-
ciedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem
menos da metade da espécie ou classe de ação.
A redação do inciso II, com as alterações introduzidas pela Lei
n° 10.303/2001, deixa claro que os 2 (dois) critérios utilizados para
efeito de negar o direito de recesso devem ser aferidos de forma cu-
mulativa. Ademais, o atendimento aos critérios de "liquidez" e "dis-
persão" das ações deve ser apurado em relação a cada classe ou espécie
de ação, não em função do total das ações emitidas pela companhia.
Podem ocorrer situações em que, em decorrência de uma única deli-
beração da assembleia geral, os acionistas titulares de uma espécie ou
classe de ações não tenham direito de recesso, pois as ações de sua
propriedade atendem, cumulativamente, aos parâmetros de liquidez e
dispersão, enquanto que os detentores de outra espécie ou classe de
ações emitidas pela mesma companhia farão jus ao referido direito,

São Paulo-, Ed. Revista dos Tribunais, v. 126, abril-junho, 2002, p. 11: "No mercado
financeiro, são ditos líquidos aqueles instrumentos cuja titularidade se transfere rapida-
mente, ou seja, são líquidos porque facilmente se transformam em moeda, e no mais das
vezes, sem impor perdas a quem os aliena (...). (...) A facilidade de transformar ativos em
moeda, rapidamente e sem perdas, é o que os caracteriza como líquidos. Rapidez na
transformação acompanhada de prejuízos pode indicar (i) baixa liquidez do ativo; (ii)
necessidade imediata de moeda pelo alienante; (iii) imperfeições de mercado; (iv) além da
combinação de dois ou mais desses fatores."
RACHEL SZTAJN, "Conceito de Liquidez na Disciplina do Mercado de Valores Mobiliários",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro..., v. 126, p. 20.
na medida em que as ações de sua titularidade não preenchem os
requisitos legais.
Assim, o objetivo do inciso II, alínea "a", é o de conferir o direito
de recesso aos titulares de ações sem liquidez, que não têm a possibili-
dade de se retirar da companhia mediante a venda de suas ações no
mercado sem perda de valor, e negá-lo às ações com liquidez. Em rela-
ção ao parâmetro "liquidez", a Lei das S.A., a partir da redação que lhe
foi conferida pela Lei n° 10.303/2001, passou a exigir não apenas que a
ação integre índice geral admitido à negociação no mercado de valores
mobiliários, mas também que tal índice seja definido pela Comissão de
Valores Mobiliários466. Em mercados líquidos, o acionista tem a opor-
tunidade de vender facilmente as suas ações, transformando-as em
moeda sem perda financeira, para o fim de retirar-se da companhia
sem prejuízo para si próprio ou para a sociedade467.
O índice constitui um indicador de lucratividade média de
uma carteira teórica, integrada pelas ações mais negociadas, de-
monstrando o comportamento do mercado secundário de ações468.
Assim, índice geral de ações significa um conjunto de ações com
boa liquidez, resultante de negociações freqüentes e da variação
de preços de ação de maior negociação.

466 A CVM ainda não regulamentou essa matéria, mas no Ofício-Circular CVM/SEP n° 004/
2011, a Autarquia firmou entendimento no sentido de que: "Considerando que, atualmen-
te, inexiste regulamentação acerca da matéria na CVM, entende-se que os índices conside-
rados para efeito de liquidez devem ser aqueles admitidos à negociação em bolsas de
futuros, atualmente, Ibovespa e IBrX-50."
467 RACHEL SZTAJN, "Conceito de Liquidez na Disciplina do Mercado de Valores Mobiliários",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro..., v. 126, p. 17, observa que:
"Mais, vender as ações no mercado atende ao interesse do acionista dissidente, se o preço de
mercado espelha o valor das ações. E, se o recesso não deve ser fonte de lucro para o retirante,
não se justifica preservar o direito ao reembolso se possível a alienação das ações de maneira
rápida. Daí se prender a supressão do reembolso ã liquidez das ações no mercado. Entende-se
a noção de liquidez no texto do art 137, no sentido de facilidade de transferência do ativo, sem
que o preço seja afetado de modo significativo pelo fluxo de ordens de compra/venda, e sem que
haja demora na finalização do negócio."
463 NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais..., p. 75.
A quantidade de ações em circulação também é importante para
que a ação tenha liquidez. Trata-se do critério da dispersão das ações
no mercado. De acordo com a regra constante da alínea "b" do inciso
II, são ilíquidas as ações pouco dispersas, isto é, quando mais da me-
tade da quantidade total das ações não se encontra em circulação
porque é de propriedade do acionista controlador, da sociedade con-
troladora ou de outras sociedades sob seu controle.
A partir da promulgação da Lei n° 10.303/2001, presume-se a
dispersão apenas quando o grupo controlador detiver menos da me-
tade da espécie ou classe de ações que estiver sendo atingida pela
deliberação ensejadora do exercício do direito de recesso.
Não cabe, portanto, o direito de recesso quando a espécie ou classe
de ações da companhia atendam cumulativamente aos parâmetros de
liquidez e dispersão. Presume-se, em tais hipóteses, que o acionista insa-
tisfeito pode alienar suas ações no mercado, não ficando obrigado a per-
manecer vinculado a determinado empreendimento econômico.
Os parâmetros de liquidez e dispersão têm como fonte o direito
norte-americano. De acordo com o Model Business Corporation Ad
(Seetion 13.02), o direito de recesso (appraisal rights) não se aplica às
hipóteses: (i) em que as ações estiverem listadas na New York Stock
Exchange ou American Stock Exchange ou, ainda, em Bolsa de Va-
lores de alcance nacional; ou (ii) em que a companhia tenha 2.000
(dois mil) acionistas e as ações da classe ou série tenham um valor de
mercado de, pelo menos, US$ 20 milhões. No mesmo sentido, é o §
262 da Delaware General Corporation Law.

1 0 . D I R E I T O DE RECESSO E A Ç Õ E S G R A V A D A S C O M

C L Á U S U L A DE INALIENABILIDADE

A cláusula de inalienabilidade constitui restrição imposta pelo


autor de uma liberalidade, proibindo que o beneficiário aliene o bem
recebido a título gratuito por ato de disposição voluntária. Vale di-
zer, o domínio recebido pelo beneficiário é limitado, pois embora
subsistam-lhe as prerrogativas de usar, gozar e reivindicar a coisa, fal-
ta-lhe o direito de dela dispor 469 .
Por meio da cláusula de inalienabilidade, o testador ou doador
impõe u m a restrição ao direito de propriedade do herdeiro, legatário
ou donatário, visando a impedir, sob p e n a de nulidade, a alienação do
b e m gravado, compreendidos nesta, dentre outros, a venda, a doação,
a p e r m u t a e a dação e m p a g a m e n t o .
Poder-se-ia eventualmente entender que o acionista titular de ações
oneradas pela cláusula de inalienabilidade estaria impedido de exercer
o direito de recesso, u m a vez que ele está proibido, e m decorrência des-
sa cláusula, de alienar suas ações. N o entanto, o direito de recesso: (i)
está previsto n o inciso V do artigo 109 como u m dos direitos essenciais
dos acionistas, que não p o d e ser suprimido p o r lei, pela assembleia geral
ou pelo estatuto social, além de ser irrenunciável pela vontade do p r ó -
prio acionista; e (ii) p e r m i t e que os acionistas dissidentes de determi-
nada deliberação ou "fato" que o enseje não sejam obrigados a aceitar
restrições nos direitos de participação assegurados pelas ações de sua
propriedade ou p e r m a n e c e r e m sócios de u m a sociedade substancial-
m e n t e distinta daquela na qual ingressaram.
Assim, o acionista titular de ações gravadas com cláusula de inalie-
nabilidade que pretenda exercer o direito de recesso depara-se com u m a
aparente contradição entre 2 (duas) normas de ordem pública: a que o
proíbe de alienar voluntariamente tais ações e a que permite que ele exer-
ça o direito de retirada nas hipóteses previstas na Lei das S.A. ou n o
estatuto social. Por u m lado, não se pode obrigar o acionista a manter o
vínculo societário com a companhia nas hipóteses em que ele pode exer-
cer o direito de recesso. Por outro lado, t a m b é m não se pode permitir que
o exercício do direito de retirada seja utilizado pelo acionista para burlar a

469 SILVIO RODRIGUES. Direito Civil. v. 7, 25a edição, atualizada de acordo com o novo
Código Civil (Lei n° 10.406, de 10.01.2002), com a colaboração de Zeno Veloso, São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 190.
cláusula de inalienabilidade que recai sobre suas ações, em desacordo
com a vontade do autor do ato de liberalidade que legitimamente im-
pôs tal gravame às ações transferidas.
Nessa hipótese, diante do conflito aparente e da necessidade de
preservarem-se os interesses tanto do autor quanto do beneficiário
do ato de liberalidade, deve-se recorrer ao mecanismo da sub-rogação
do vínculo de inalienabilidade, conforme previsto no Código Civil,
para alguns casos de alienação de bens clausulados, decorrentes da
desapropriação e da conveniência econômica do herdeiro ou donatá-
rio, mediante autorização judicial470. Por meio da sub-rogação, o pro-
duto da alienação de um bem gravado pela cláusula de inalienabilidade
deve ser convertido em outros bens, sobre os quais também incidirá a
proibição de disposição.
Embora a Lei das S.A. não preveja expressamente a possibilida-
de de sub-rogação no caso de exercício do direito de recesso com
relação às ações oneradas pela cláusula-,de inalienabilidade, é possível
a utilização desse mecanismo em decorrência de interpretação siste-
mática das normas relativas à sub-rogação e ao direito de recesso. A
utilização da sub-rogação não deve se restringir às hipóteses previstas
no texto legal471. Devem ser analisadas as circunstâncias dos casos
concretos e as necessidades que exijam o seu uso, seja para o atendi-
mento da vontade do testador ou do doador, seja para a preservação
do interesse do herdeiro, legatário ou donatário.
Aplicando-se a sub-rogação aos casos de exercício do direito de
retirada, tem-se que o valor de reembolso recebido pelo acionista titu-
lar de ações clausuladas deve ser convertido em outros bens sobre os

Consta do parágrafo único do art. 1.911 do Código Civil que: "Parágrafo único. No caso de
desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do
donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em
outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros,"
SILVIO DE SALVIO VENOSA. Direito Civil - Direito das Sucessões, v. 7, 3a edição, São
Paulo: Atlas, 2003, p. 217.
quais incidam a cláusula de inalienabilidade. Assim, o procedimento
que deve ser utilizado é, por analogia, o mesmo previsto para a hipó-
tese de desapropriação. Na desapropriação, a indenização paga pelo
Poder Público ao proprietário do imóvel expropriado que seja gravado
com cláusula de inalienabilidade deve ser sub-rogada no vínculo de
inalienabilidade, nos termos do artigo 31 do Decreto-Lei n° 3.365/
1941, que dispõe que "ficam, subrogaáos no preço quaisquer ônus ou di-
reitos que recaiam sobre o bem expropriado\
Dessa forma, o valor de reembolso a ser pago aos acionistas dis-
sidentes deve ser sub-rogado no vínculo de inalienabilidade. Será de-
positado em conta corrente de titularidade do acionista e nela ficará
retido, não podendo ser levantado pelo acionista, a não ser para aqui-
sição de bem no qual deverá ser sub-rogada a cláusula de inalienabi-
lidade, o que depende de prévia autorização judicial.

1 1 . A Ç Ã O DA C O M P A N H I A C O N T R A O ACIONISTA CONTROLADOR

Caso o controlador aprove deliberação em conflito de interes-


se ou com abuso do poder de controle e acionistas dissidentes exer-
çam o direito de recesso, a companhia pode ajuizar ação contra o
acionista ou grupo de acionistas para se ressarcir dos prejuízos de-
correntes da deliberação, entre os quais os relativos ao pagamento
do valor do reembolso das ações.
O artigo 115 determina que os acionistas são responsáveis pelo con-
teúdo de seu voto e têm a obrigação de exercê-lo sempre no interesse da
companhia, respondendo pelos prejuízos causados em virtude do exercí-
cio de voto de forma abusiva, isto é, contrária ao interesse social.
Diversos outros dispositivos da Lei das S.A. asseguram a preva-
lência do interesse social, erigindo-o à categoria de um princípio que
deve servir como limite à atuação não apenas dos acionistas, mas de
todos os demais participantes da sociedade, como os administradores
(artigos 154 a 157) e conselheiros fiscais (artigo 163, inciso IV).
Diante disso, pode-se verificar a existência de um princípio básico
que permeia nossa lei societária, qual seja: é ilegítimo o exercício de
qualquer direito decorrente da condição de acionista que não tenha
como objetivo o interesse social, mas que vise a beneficiar interesses
particulares de determinado acionista ou grupo de acionistas ou mes-
mo terceiros em detrimento da sociedade472. E abusivo o voto exercido
com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou aque-
le mediante o qual o acionista visa à obtenção de vantagem a que não
faz jus e de que resulte ou possa resultar prejuízo para a companhia ou
para os outros acionistas. Tais padrões gerais são exemplificativos, po-
dendo ocorrer, na prática, diversas situações em que se caracterize o
abuso do direito de voto473.

A Lei das S.A. determina que o acionista responde pelos danos


causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto
não haja prevalecido, e que a deliberação tomada em decorrência do
voto de acionista que tem interesse conflitante com-o da companhia
é anulável, respondendo o acionista pelos danos causados e sendo
obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferi-
do (artigo 115, §§ 3° e 4°).
O artigo 116 estabelece, no parágrafo único, que "o acionista
controlador deve usar o poder com o fim defazer a companhia realizar o
seu objeto e cumprir sua função social, e tem dever es e responsabilidades
para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para
com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmen-
te respeitar e atender'.
Por fim, a alínea "c" do § 1° do artigo 117 prevê como modalida-
de de abuso de poder de controle a promoção de "alteração estatutária,
emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não
tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a

472 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário..., p. 10.


473 Ver os comentários ao art. 115 da Lei das S.A.
acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investido-
res em valores mobiliários emitidos pela companhia'. Assim, tanto o voto
a ser proferido pelos acionistas nas assembleias gerais da companhia
- quer sejam eles minoritários ou controladores - deve preservar tal
princípio como o poder do acionista controlador deve ser utilizado
tendo em vista o interesse social.
Poderá configurar abuso por parte do acionista controlador qual-
quer medida em que fique caracterizada a utilização de seu poder para
atender a fins pessoais, em prejuízo dos interesses da sociedade ou dos
demais interesses que ele tem o dever de preservar. O exercício do po-
der de controle não pode implicar benefício unilateral e exclusivo ao
acionista controlador, devendo privilegiar os interesses da companhia e
da coletividade de seus acionistas474.
Uma vez caracterizado o abuso no exercício do poder de co-
mandar os negócios sociais, deve o acionista controlador respon-
der pelos danos causados por sua conduta, conforme estabelece o
caput do artigo 117. A sanção prevista para o abuso do poder de
controle, salvo quando ocorre na assembleia geral, hipótese em
que há previsão da anulabilidade da deliberação tomada em decor-
rência do voto do acionista em situação conflitante com o interes-
se da companhia (artigo 115, § 4°), é a de perdas e danos, não
existindo previsão legal de desconstituição do ato abusivo.
Se determinada deliberação, posteriormente considerada, em
decisão judicial, como abusiva, ensejar o direito de recesso, o acio-
nista controlador deverá indenizar a companhia dos prejuízos por
ela sofridos com o pagamento do valor do reembolso das ações
aos acionistas dissidentes.
CAPÍTULO XII

C O N S E L H O DE A D M I N I S T R A Ç Ã O E D I R E T O R I A

Administração da companhia
"Art. 138. A administração da companhia competirá, confor-
me dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à direto-
ria, ou somente à diretoria.

§ 1° O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada,


sendo a representação da companhia privativa dos diretores.

§ 2° As companhias abertas e as de capital auto rizado terão, obri-


gatoriamente, conselho de administração."

Diversamente do que ocorre nas sociedades de pessoas, nas quais


a gestão dos negócios sociais é usualmente desempenhada pelos sócios
diretamente ou por prepostos seus, na sociedade anônima a adminis-
tração é conferida a 2 (dois) órgãos: o conselho de administração e a
diretoria, tendo cada um deles funções e atribuições específicas.
As atribuições, funções e deveres dos órgãos decorrem da Lei das
SA. e das normas estatutárias que a complementam. As companhias
listadas nos segmentos especiais de negociação das Bolsa de Valores
também devem seguir os regulamentos dos seus distintos segmentos
de negociação; tais regras apresentam caráter corporativo e contratual,
podendo a sua infração acarretar a aplicação de sanções. Os princípios
da chamada "boa governança corporativa"475, que se propõem a aper-

Trata-se de anglicismo criticável, na tradução de corporate govemance, porém já incorpo-


rado ao uso corrente. A tradução mais adequada seria "governo (ou gestão) das empresas".
Por corporate govemance normalmente entende-se tudo o que se refere à organização
interna e à estrutura de poder na empresa, seja dos administradores, seja dos acionistas
controladores, assim como as relações entre conselho de administração, diretores, acionis-
tas e outros interessados, como credores e empregados.
feiçoar a administração das empresas, complementam as normas le-
gais, estatutárias e corporativas, sendo úteis para orientar o comporta-
mento dos gestores da companhia, fornecendo-lhes algumas linhas
de conduta recomendáveis; não têm, porém, qualquer feição de nor-
mas ou princípios jurídicos, não acarretando quaisquer sanções aos
que não os seguem476.
O direito societário brasileiro, desde a edição do Decreto-Lei n°
2.627/1940, seguiu a teoria organicista no que toca ao vínculo existen-
te entre os administradores e a sociedade. Os administradores são re-
presentantes orgânicos da companhia, decorrendo seus poderes e
atribuições da lei e do estatuto, não de um mandato por ela outorgado.
Desde então, entende-se pacificamente que as funções dos adminis-
tradores não se originam dê contrato, mas do próprio aparelhamento
da pessoa jurídica. Os administradores são elementos integrantes da
sociedade, necessários para que ela possa manifestar diante de terceiros
a sua vontade. Quando determinado órgão pratica um ato, ele entra no
mundo jurídico como ato da pessoa jurídica, não existindo representa-
ção, mas sim presentação, uma vez que a companhia faz-se presente
mediante a atuação de seu órgão477.
Como não existe, entre a companhia e os seus administradores, uma
relação contratual, a nomeação e a aceitação do cargo constituem o meio
para que alcance o administrador a titularidade do órgão. Tais atos -
nomeação e aceitação - não constituem negócio jurídico, mas atos cor-
porativos, puramente societários, que têm seu conteúdo estabelecido
na Lei das S.A., necessários para que o administrador seja aparelhado
como órgão e possa representar a pessoa jurídica478.

476 Tais princípios, entre nós, estão sistematizados em publicação do Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa - IBGC - intitulada "Código das Melhores Práticas de Governança
Corporativa".
477 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3'1 edição, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1984, p. 385.
473 FERNANDO SÁNCHEZ CALERO. Los Administradores en ias Sociedades de Capital.
Pamplona: Aranzadi, 2007, p. 101.
É por intermédio dos órgãos de administração que a companhia
se manifesta, cabendo às pessoas físicas que os integram (artigo 146)
- os administradores - conduzir os negócios sociais e representar a
companhia, dentro de suas respectivas esferas de competência. Com
efeito, os administradores, na qualidade de representantes orgânicos,
quando praticam atos jurídicos, manifestam a vontade da companhia,
que por eles se obriga.
Os órgãos da companhia têm atribuições legais, enquanto seus
titulares - membros do conselho de administração e da diretoria -
têm deveres e responsabilidades ao exercerem suas funções. Assim, a
Lei das S.A. estabelece um elenco de deveres aos administradores, de
cuja infração decorre a sua responsabilidade pessoal479-480.
Dada a crescente complexidade das empresas, cada vez de maior
porte, às vezes em escala global, impõe-se um modelo de gestão espe-
cializado e compartimentalizado. E bastante freqüente a adoção, pe-
las empresas, da administração descentralizada, segmentada em
diferentes níveis organizacionais, cada qual responsável pelo exercí-
cio de uma função na companhia. Daí decorre que a responsabilidade
dos administradores não pode ser analisada em abstrato, mas concre-
tamente, tendo em vista suas efetivas atribuições e funções na gestão
e condução dos negócios sociais.
Os administradores têm o poder-dever de administrar, isto é, de
praticar todos os atos, seja na esfera deliberativa superior, de planeja-
mento e orientação dos negócios sociais, de competência do conse-
lho de administração, seja na esfera executiva, de gestão ordinária, do
dia a dia da empresa, e de sua representação, de competência dos
diretores. Assim, administrar, no direito societário, importa na práti-
ca de todos os atos necessários à realização do objeto social, com
finalidade lucrativa, ou seja, visando ao interesse social.

479 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4'1 edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 349-350.
480 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 153 a 158 da Lei das S.A.
Não é possível, nem recomendável, a elaboração e fixação, na lei
ou no estatuto social, de um elenco taxativo de atos que devam ser
incluídos no âmbito da atividade de administrar a companhia; tal pro-
cedimento restringiria as possibilidades de atuação dos administrado-
res, pois é rigorosamente impossível prever todas as situações frente às
quais deverão tomar decisões. A atuação dos administradores deve ser
dirigida a um determinado fim - o interesse social - , daí decorrendo
que a sua atividade é vinculada; por outro lado, eles podem escolher de
forma discricionária os meios adequados para atingir tal objetivo481.
Não há um modelo único e ideal de administração; os mode-
los existentes usualmente são fruto da experiência na evolução dos
negócios em cada país, que acabam por ser institucionalizados em
sua legislação societária.
No Direito Comparado, relativamente aos órgãos colegiados
de administração, podem ser identificados 2 (dois) grandes mode-
los: o do sistema unitário, ou monista, em que há apenas um órgão
de administração, cujos membros são eleitos diretamente pela as-
sembleia geral, o qual concentra todas as funções administrativas; e
o sistema bipartido, ou dualista, no qual existem 2 (dois) conselhos,
um de supervisão, que fiscaliza como atuam os administradores, ou-
tro executivo, ao qual incumbe a gestão ordinária dos negócios e a
representação da companhia.
No primeiro caso, estão não só os Estados Unidos e a Inglaterra,
como também vários países da Europa Continental, como Itália, Es-
panha, Portugal e Grécia. A Alemanha, Suíça, Áustria e os países
escandinavos pertencem ao segundo grupo. Na França e na Bélgica,
há um sistema misto, sendo possível a existência dos 2 (dois) conse-
lhos. Na Alemanha, país em que se originou o sistema de 2 (dois)

481 FLÁV1A PARENTE. O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas.


Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 110.
conselhos, com a Lei de Sociedades por Ações de 1870, existem o
Aufsichtrast, conselho de supervisão, e o Vorstand, conselho de ges-
tão, que são legalmente separados e com membros distintos. O con-
selho de supervisão é eleito pelos acionistas e, nas grandes empresas,
até a metade de seus membros é escolhida pelos trabalhadores, cum-
prindo-lhe nomear, controlar e demitir os membros do conselho de
gestão, tendo corresponsabilidade por algumas decisões essenciais
da companhia, especialmente na elaboração do relatório anual, as-
sim como, dependendo do estatuto da companhia, aprovar certas
operações societárias. Já a administração do dia a dia dos negócios
incumbe ao conselho de gestão482.
Entre nós, adotou-se um sistema híbrido, dotado de razoável fle-
xibilidade, que pode ser bem adaptado ao porte e à composição acio-
nária de cada companhia. O conselho de administração, órgão
colegiado e deliberativo, somente é obrigatório nas companhias aber-
tas, nas sociedades de economia mista e nas de capital autorizado.
Diversamente do que ocorre em vários países, não é obrigatória a pre-
sença de trabalhadores em sua composição, mas somente de repre-
sentantes dos acionistas, controladores e minoritários. A diretoria é
usualmente apenas órgão de representação e de execução, embora,
nas sociedades que não dispõem do conselho de administração, pos-
sa também apresentar feição deliberativa. Assim, não se pode afirmar
que o nosso modelo é bipartido; na realidade, está mais próximo do
modelo unitário, uma vez que na imensa maioria das companhias,
que são fechadas e de capital fixo, não existe conselho de administra-
ção, constituindo a diretoria o único órgão de administração. Ade-
mais, o conselho de administração não se equipara ao Aufsichtrast,

KLAUS ]. HOPT, "The German Two-Tier Board: Experience, Theories, Reforms". In: J. Hopt,
Hideki Kanda, Mark ). Roe, Eddy Wymeersch, and Stefan Prigge (Coord.). Comparative
Corporate Govemance - The State of the Art and Emerging Research. New York: Oxford
Universily Press, 1998, p. 229 e seguintes.
embora tenha atribuições de vigilância dos diretores, também desem-
penha atividades administrativas, mais ligadas à orientação geral dos
negócios da companhia, não ã sua gestão ordinária. Há ainda outra
diferença importante do nosso sistema com relação ao regime dualis-
ta: ainda que conselho de administração e a diretoria sejam órgãos
legalmente separados, podem ter membros comuns (artigo 143, § 1°).
O conselho de administração permite em sua composição a presen-
ça de pessoas eleitas pelos acionistas controladores - que constituem a
maioria dos membros - e pelos minoritários, o que é facilitado pela ado-
ção do sistema de voto múltiplo483. Ademais, pode atuar como órgão
intermediário entre os acionistas e os diretores, possibilitando àqueles
um melhor conhecimento e visibilidade dos negócios sociais.
Podemos reconhecer 3 (três) fases na evolução do órgão, em nos-
sa prática empresarial. Num primeiro momento, dada a dificuldade de
compreensão de suas reais funções por parte do empresariado, sua com-
posição abrigava predominantemente membros da família do acionis-
ta controlador e diretores, justificando as acerbas críticas doutrinárias
que existiam no regime legal anterior484. Num segundo momento, pas-
sou-se a convidar para o conselho também alguns membros externos,
"independentes, mas não tanto", usualmente pessoas que já prestavam
serviços à companhia, como advogados ou consultores econômicos e
financeiros. Atualmente, podemos perceber uma terceira fase, bastante
positiva, em que as companhias abertas, seja por imposição do Regula-
mento de listagem da BM&FBovespa, seja para seguirem as recomen-
dações do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC),
chamam para integrar seus conselhos profissionais efetivamente inde-
pendentes, sem qualquer vínculo com os controladores ou com a pró-
pria companhia485.

483 Ver os comentários ao art. 141 da Lei das S.A.


484 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2° edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 292.
485 O Regulamento do Novo Mercado define como independente aquele conselheiro caracte-
rizado por "(i) não ter qualquer vínculo com a Companhia, exceto participação de capital;
O conselho de administração é definido como órgão de deliberação
colegiada, o que significa que seus membros devem deliberar em conjun-
to, não detendo competência individual. As decisões do órgão, manifes-
tações de sua vontade, são tomadas em suas reuniões, mediante votação,
se necessário, prevalecendo sempre o princípio majoritário. Ou seja, di-
versamente do que ocorre com o conselho fiscal, os membros do conse-
lho de administração não têm competência individual, não podem
singularmente exercer qualquer atribuição. As decisões tomadas pelo ór-
gão vinculam todos os seus membros, mesmo os ausentes e os dissiden-
tes, os quais poderão lavrar seus votos em separado486.
Já a representação da companhia, assim como a sua adminis-
tração ordinária, compete com exclusividade aos diretores, na for-
ma estabelecida no estatuto. Trata-se, a diretoria, de órgão executivo
e permanente, sendo obrigatória a existência de, pelo menos, 2
(dois) diretores, eleitos pela assembleia geral ou pelo conselho de
administração, se houver487-488.

(ii) não ser Acionista Controlador, cônjuge ou parente até segundo grau daquele, ou não ser
ou não ter sido, nos últimos 3 anos, vinculado a sociedade ou entidade relacionada ao
Acionista Controlador (pessoas vinculadas a instituições públicas de ensino e/ou pesquisa
estão excluídas desta restrição); (iii) não ter sido, nos últimos 3 anos, empregado ou diretor
da Companhia, do Acionista Controlador ou de sociedade controlada pela Companhia;
(iv) não ser fornecedor ou comprador, direto ou indireto, de serviços e/ou produtos da
Companhia, em magnitude que implique perda de independência; (v) não ser funcionário
ou administrador de sociedade ou entidade que esteja oferecendo ou demandando servi-
ços e/ou produtos à Companhia; (vi) não ser cônjuge ou parente até segundo grau de
algum administrador da Companhia; e (vii) não receber outra remuneração da Companhia
além da de conselheiro (proventos em dinheiro oriundos de participação no capital estão
excluídos desta restrição)".
486 Ver os comentários aos arts. 140 a 142 da Lei das S.A.
487 Ver os comentários aos arts. 143 e 144 da Lei das S.A.
488 A CVM, por meio da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela
Instrução CVM n° 488/2010, aprovou o "Formulário de Referência" (documento que
substitui o antigo "Formulário de Informações Anuais" - IAN) que trata, no item 12, das
informações obrigatórias que devem ser disponibilizadas sobre a assembleia geral e a
administração da companhia. Assim, no subitem 12.1 determina que a companhia deve
descrever a sua estrutura administrativa, conforme estabelecido no seu estatuto social e
regimento interno, identificando: (i) as atribuições de cada órgão e comitê; (ii) a data de
instalação do conselho fiscal, se este não for permanente, e de criação dos comitês; (iii) os
mecanismos de avaliação de desempenho de cada órgão ou comitê; (iv) em relação aos
membros da diretoria, suas atribuições e poderes individuais; e (v) os mecanismos de
avaliação de desempenho dos membros do conselho de administração, dos comitês e da
diretoria. Sobre esse assunto, ver, também, os itens 12.4; 12.6, a 12.12.
"Art. 139. As atribuições e poderes conferidos por lei aos ór-
gãos de administração não podem ser outorgados a outro ór-
gão, criado por lei ou pelo estatuto."

O princípio da indelegabilidade de funções, inspirado no direito cons-


titucional (separação de poderes, conforme o artigo 2° da Constituição
Federal) já constava do Decreto-Lei n° 2.627/1940, em seu artigo 116.
A Lei das S.A. segue o princípio segundo o qual cada órgão tem
competência privativa para a prática de determinados atos, que não
pode ser delegada a outros órgãos, quer sejam previstos em lei, quer
sejam criados pelo estatuto. A proibição alcança os integrantes dos
órgãos de administração, que não podem delegar a outros órgãos os
poderes que lhes foram atribuídos pela Lei das S.A.
As normas que tratam da competência dos órgãos são cogentes,
de ordem pública, não sendo possível aos particulares apartarem-se de-
las. Assim, as atribuições privativas da assembleia geral, do conselho de
administração, dos diretores e do conselho fiscal são previstas na Lei
das S.A., não podendo o estatuto dispor em contrário, sob pena de não
terem, tais regras, qualquer efeito jurídico.
O direito societário, desde o século XIX, nas mais diversas legis-
lações, atribui caráter cogente às normas que definem as atribuições
dos órgãos pelo fato de terem as sociedades anônimas características
diferentes das demais sociedades: grande número de sócios, todos
com responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações subs-
critas ou adqúiridas, que podem, a qualquer momento, transferir suas
ações. Tais características sempre exigiram regulação estatal para pro-
teger tanto os acionistas e os investidores do mercado como terceiros
que negociam com a companhia489.

489 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e ALFREDO LAMY FILHO, "Estrutura da Companhia".
In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias,
v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 803.
Além de tais características, as leis societárias, ao estabelecerem a
indelegabilidade de funções dos órgãos, consagram o princípio da espe-
cialização, nos termos do qual a sociedade anônima constitui um empre-
endimento institucionalizado, um grupamento de pessoas com interesses
comuns, visando ã realização do objeto social de forma lucrativa, na qual,
por imposição legal, cada órgão tem funções determinadas, das quais não
pode ser privado nem a elas renunciar490.
Como a companhia é composta por órgãos especializados, cujas
atribuições são indelegáveis, apenas a própria Lei das S.A. pode esta-
belecer exceções a este regime, como ocorre nos casos em que admite
que os administradores, havendo urgência, possam confessar a falên-
cia ou requerer recuperação judicial (artigo 122, parágrafo único) ou
faculta a delegação de competência da assembleia geral para o conse-
lho de administração, na companhia aberta, quanto à oportunidade
de emitir debêntures (artigo 59).
Há também razões econômicas para a obrigação das companhias
de seguirem o modelo legal de repartição de poderes: os resultados
econômicos de determinada estrutura de administração das socieda-
des anônimas podem ser mais bem entendidos e avaliados se ela for
mantida ao longo do tempo, sendo conveniente para todos a adoção
de uma forma padronizada, cujos termos as partes não necessitam
negociar; trata-se de um "bem público", disponível para todos, nin-
guém precisa "pagar" pela sua utilização. Ademais, qualquer modifi-
cação no modelo legal, se promovido pelos administradores ou
acionistas controladores, pode parecer, aos minoritários e investido-
res, lesiva aos seus interesses, o que não ocorre quando as eventuais
mudanças decorrem da lei491

490 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,


São Paulo: Saraiva, 2009, p. 138.
491 JEFFREY N. GORDON, "The Mandatory Structure of (tforporate Law". In: ROBERTA ROMA-
NO (Coord.). Foundations of Corporate Law. New/ork: Oxford Press, 1993, p. 113.
SEÇÃO S

C O N S E L H O DE A D M I N I S T R A Ç Ã O

Composição
"Art. 140.0 conselho de administração será composto por, no míni-
mo, 3 (três) membros, eleitos pela assembleia-geral e por ela destituí-
veis a qualquer tempo, devendo o estatuto estabelecer:

I - o número de conselheiros, ou o máximo e mínimo permitidos,


e o processo de escolha e substituição do presidente do conselho
pela assembleia ou pelo próprio conselho; (Redação dada pela Lei
n° 10.303/2001)

II - o modo de substituição dos conselheiros;

III - o prazo de gestão, que não poderá ser superior a 3 (três) anos,
permitida a reeleição;

IV - as normas sobre convocação, instalação e funcionamento do


conselho, que deliberará por maioria devotos, podendo o estatu-
to estabelecer quorum qualificado para certas deliberações, desde
que especifique as matérias. (Redação dada pela Lei n° 10.303/
2001)

Parágrafo único. O estatuto poderá prever a participação no con-


selho de representantes dos empregados, escolhidos pelo voto des-
tes, em eleição direta, organizada pela empresa, em conjunto com
as entidades sindicais que os representem." (Incluído pela Lei n°
10.303/2001)

O conselho de administração constitui órgão deliberativo, encon-


trando-se em posição intermediária entre a assembleia e a diretoria,
competindo-lhe fixar a política geral da companhia e as diretrizes que
deverão ser postas em prática pelos diretores (artigo 142, inciso I).
Ainda que nosso sistema, no que diz respeito ao conselho de ad-
ministração, aproxime-se do norte americano, naquele país o órgão
iboard ofdirectors) dispõe de mais poderes, sendo absolutamente hege-
mônico na estrutura de poder das companhias; com efeito, lá vigora
plenamente a chamada director primacy doctrine, que importa na con-
centração de poderes nas mãos dos membros do conselho de adminis-
tração, que tem competência para dirigir os negócios sociais, podendo
delegar aos diretores (officers) algumas tarefas de gestão.
Somente podem ser membros do conselho de administração
pessoas naturais. Com a entrada em vigor da Lei n° 12.431/2011, que
alterou a redação do artigo 146, não mais vigora o pré requisito de que
os administradores sejam acionistas da companhia. Essa obrigatorie-
dade constituía um anacronismo, que deveria ter sido eliminado por
ocasião das reformas ocorridas na Lei das S.A., em 1997 (Lei n° 9.457)
e 2001 (Lei n° 10.303). Na prática, a exigência era obedecida apenas
formalmente, entregando-se 1 (uma) ação ao conselheiro, quando de
sua posse, obrigando-se ele a devolvê-la quando deixasse o cargo492.
Conforme vem sendo reconhecido, o conselho de administra-
ção é o principal componente do sistema de "governança corporati-
va", uma vez que constitui o elo de ligação entre os acionistas e a
gestão profissional da companhia, orientando e supervisionando a
atuação desta última. Sua missão principal é a de proteger e valori-
zar a sociedade, enquanto organização, otimizar o retorno do inves-
timento no longo prazo e buscar o equilíbrio entre todas as partes
interessadas nos negócios sociais.
As funções do conselho de administração são sempre exerci-
das de modo colegiado, não detendo seus membros, com exceção

Sobre esse assunto, ver os comentários ao Art. 146 da Lei das S.A.
do presidente, a depender das disposições estatutárias, atribuições in-
dividuais. Assim, as suas deliberações somente são válidas se tomadas
em reunião regularmente convocada e realizada conforme as disposi-
ções
> legais
O e estatutárias.
Com efeito, as atribuições legais são deferidas ao conselho de
administração, como órgão, não a cada um de seus integrantes. Os
membros do conselho devem reunir-se na forma da Lei das S.A. e do
estatuto para que suas deliberações sejam válidas; caso não exista reu-
nião regularmente convocada e na qual os assuntos da ordem do dia
sejam discutidos, deliberados e votados, não há uma decisão que vin-
cule a companhia. Os conselheiros, enquanto representantes da co-
munhão dos acionistas, têm os seus poderes legitimamente exercidos
apenas enquanto atuarem como um conselho493.
Ê conveniente que se estabeleça, por proposta do presidente, um
calendário anual de reuniões ordinárias, cuja periodicidade será determi-
nada pelas particularidades de cada companhia, evitando-se, na medida
do possível, freqüência superior à mensal, para que o conselho de admi-
nistração não interfira indevidamente nos trabalhos da diretoria494-495.
Recomenda-se que a documentação referente à reunião seja
distribuída aos conselheiros com antecedência mínima de 7 (sete)
dias, para que possam analisá-la e prepararem-se para discutir os
temas agendados. As propostas devem ser redigidas com clareza e

493 Sobre esse assunto, ver HENRY W I N T H R O P BALLANTINE. Ballantine on Corporations.


Revised Edition, Chicago: Callaghan and Company, 1946, p. 123; ADRIANO CASTELLO
BRANCO. O Conselho de Administração nas Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Foren-
se Universitária, 2004, p. 27.
494 Sobre esse assunto, ver o item 2.36 da 4 a edição (2009) do "Código das Melhores Práticas
de Governança Corporativa" do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
495 Consta do subitem 12.4 do "Formulário de Referência" (documento que substituiu o antigo
Formulário de Informações Anuais - IAN), aprovado pela Instrução CVM n° 480/2009, com
as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010, que a companhia deve descre-
ver as regras e políticas relativas ao conselho de administração, indicando: (i) a frequencia
das reuniões, (ii) as disposições do acordo de acionistas que estabeleçam restrição ou
vinculação ao exercício do direito de voto de membros do conselho, se for o caso; e (iii) as
regras de identificação e administração de conflitos de interesses.
devidamente fundamentadas, sendo acompanhadas de uma reco-
mendação de voto496.
A deliberação do conselho de administração é a decisão alcan-
çada após prévia discussão e votação majoritária; trata-se, assim, de
uma resolução de ordem plural, diversamente do que ocorre com a
diretoria, em que as decisões, de natureza executiva, são, em regra,
individuais, de cada um dos diretores.
As deliberações de órgãos colegiados, como o conselho de admi-
nistração ou a assembleia geral, constituem atos coletivos, diferencian-
do-se dos contratos, nos quais as partes somente se vinculam nos termos
de suas declarações; a deliberação do órgão colegial vincula a todos os
seus membros, ainda que dissidentes ou ausentes497-498.
O caráter coletivo das decisões do conselho de administração
decorre da necessidade de proteção aos acionistas, uma vez que o
órgão absorve grande parcela dos poderes da assembleia geral.
Deve o estatuto dispor sobre a convocação, instalação e funciona-
mento do conselho. Em seu silêncio, as deliberações deverão adotar,
em princípio, o mesmo sistema da assembleia, com relação ao processo
decisório e às invalidades das deliberações. Com relação à convocação,
o edital deve seguir uma disciplina semelhante à da assembleia geral,
uma vez que os conselheiros, da mesma forma que os acionistas, ne-
cessitam de informação prévia sobre as matérias que deverão deliberar,
os temas que dele não constarem não poderão ser objeto de delibera-
ção, exceto se forem de urgência extrema. A presença de todos os mem-
bros e sua declaração de que estão suficientemente informados e aptos
a deliberar supre a prévia convocação.

496 Ver o item 2.37 da 4a edição (2009) do "Código das Melhores Práticas de Governança
Corporativa" dó Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
497 ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Invalidade das Deliberações de
Assembleia das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 41.
498 Sobre a responsabilidade do conselheiro dissidente, ver os comentários ao arl. 158 da
Lei das S.A.
A votação no conselho de administração segue o princípio perso-
nalista - cada membro 1 (um) voto - e não o capitalista, vigente na as-
sembleia geral, em que a cada ação corresponde 1 (um) voto. Em princípio,
o voto deve ser aberto, para que possa ser aquilatada a responsabilidade de
cada conselheiro. Admite-se o voto por procuração, desde que o procura-
dor seja conselheiro, no exercício regular de suas funções499.
A eleição dos membros do conselho de administração constitui
matéria de competência privativa da assembleia geral dos acionistas,
não exigindo a Lei das S.A. quorum especial, nem para a sua instala-
ção nem para a deliberação, observadas as regras referentes ao voto
múltiplo e à eleição em separado pelos minoritários500-501.
Assim como são eleitos pela assembleia geral, os conselheiros
podem ser destituídos a qualquer tempo, em qualquer modalidade de
conclave: assembleia ordinária ou extraordinária. São, portanto, em
princípio, com exceção dos eleitos pelos acionistas minoritários e pe-
los empregados, demissíveis ad nutum5®2. Ademais, é desnecessária a
apresentação de qualquer justificativa para tal deliberação; é bastante
usual, aliás, que, havendo a mudança de controle de uma companhia,
o novo controlador proceda à destituição dos antigos membros do
conselho e eleição de novos.
O conselho de administração deve ser composto por, pelo menos, 3
(três) membros; trata-se do número mínimo necessário para que se for-
me um processo decisório fundado em deliberação e que não seja fadado
à impossibilidade decisória pela ocorrência do empate.

499 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4n edição,


São Pauio: Saraiva, 2009, p. 95.
500 Ver os comentários aos arts. 122 e 141 da Lei das S.A.
501 Consta do art. 10 da Instrução CVM n° 481/2009 que sempre que a assembleia geral for
convocada para eleger administradores ou membros do conselho fiscal, a companhia
deverá fornecer, no mínimo, as informações indicadas nos itens 12.6 a 12.10 do "Formu-
lário de Referência" (aprovado pela Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações
introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010) relativamente aos candidatos indicados ou
apoiados pela administração ou pelos acionistas controladores.
O estatuto pode estabelecer que o número de membros é fixo ou
estipular o número máximo e mínimo permitidos, o que é mais usual,
uma vez que confere maior flexibilidade à atuação do órgão e ao pre-
enchimento das vagas.
O número de membros deve variar conforme o porte, atuação e
complexidade das atividades da companhia; é recomendável um míni-
mo de 5 (cinco) e um máximo de 11 (onze) membros503. Tratando-se
de órgão colegiado, é interessante que reúna, em sua composição, pes-
soas com experiências profissionais variadas, que tenham participado
em outros conselhos, ou em cargos executivos, ou em atividades que
exijam identificação e controle de riscos, ou ainda conhecimentos de
finanças, contábeis, jurídicos e do setor de negócios em que a compa-
nhia atua. O conselheiro deve ter disponibilidade de tempo; assim, é
recomendável que o presidente do conselho de administração não par-
ticipe em mais de 2 (dois) outros conselhos e que os conselheiros inde-
pendentes ou externos que não tenham outra atividade participem de,
no máximo, 5 (cinco) conselhos504.
Verifica-se, na prática dos negócios, uma saudável tendência no
sentido de se eleger um número cada vez maior de conselheiros exter-
nos ou independentes, rèduzindo-sé, consequentemente, aqueles liga-
dos ao acionista controlador, por laços familiares, profissionais ou mesmo
de amizade. Tal tendência visa à maior profissionalização do órgão, cuja
atuação ganha em eficiência com conselheiros mais competentes.

503 A Lei n° 12.353/2010, que dispõe sobre a participação de empregados nos conselhos de
administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, suas subsidiárias e
controladas e demais empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria
do capital social com direito a voto, determina, nos arts. 3° e 4o, que: "Art. 3° No caso de
os representantes do acionista majoritário deixarem de totalizar a maioria dos membros do
conselho de administração, em razão da modificação da composição do colegiado para
fins de cumprimento ao disposto nesta Lei, fica autorizado o aumento suficiente do
número de conselheiros para assegurar o direito do acionista controlador de eleger a
maioria dos conselheiros. Art. 4° Para os fins do disposto nesta Lei, fica autorizada a
alteração do número máximo de membros dos conselhos de administração das empresas
públicas e sociedades de economia mista federais."
504 Sobre esse assunto, ver os itens 2.4 e 2.8 da 4-1 edição (2009) do "Código das Melhores Práticas
de Governança Corporativa" do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
Os conselheiros externos são os que não têm vínculo atual com a
companhia, mas não são independentes (como ex-diretores, advoga-
dos ou consultores da sociedade, sócios ou funcionários do grupo con-
trolador). Já o conselheiro independente é aquele que: (i) não tem
qualquer vínculo com a companhia, exceto participação acionária não
relevante; (ii) não é acionista controlador nem membro do grupo de
controle ou a ele ligado; (iii) não está vinculado por acordo de acionis-
tas; (iv) não foi empregado, diretor ou conselheiro da companhia; (v)
não presta serviços à companhia, nem com ela mantém relações nego-
ciais relevantes; e (vi) não depende financeiramente da remuneração
como conselheiro naquela companhia505.
Nos termos do inciso I, com a nova redação dada pela Lei n°
10.303/2001, cabe ao estatuto determinar se a escolha e a substitui-
ção do presidente do conselho de administração será feita pela as-
sembleia geral ou pelo próprio conselho.
A competência estabelecida no estatuto para um ou outro órgão
é privativa e não alternativa; o estatuto deve regular expressamente
qual o órgão competente, não podendo omitir-se a respeito nem di-
zer que é um ou o outro órgão. Havendo impasse na eleição do presi-
dente do conselho de administração pelo órgão estatutariamente
competente, o que às vezes ocorre no âmbito do conselho, caberá

505 Sobre esse assunto, ver os itens 2.15 e 2.16 da 4a edição (2010) do "Código das Melhores
Práticas de Governança Corporativa" do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa -
IBGC. O Regulamento do Novo Mercado assim define o conselheiro independente: como
aquele que caracteriza-se por "(i) não ter qualquer vínculo com a Companhia, exceto
participação de capital; (ii) não ser Acionista Controlador, cônjuge ou parente até segundo
grau daquele, ou não ser ou não ter sido, nos últimos 3 anos, vinculado a sociedade ou
entidade relacionada ao Acionista Controlador (pessoas vinculadas a instituições públicas
de ensino e/ou pesquisa estão excluídas desta restrição); (iii) não ter sido, nos últimos 3
anos, empregado ou diretor da Companhia, do Acionista Controlador ou de sociedade
controlada pela Companhia; (iv) não ser fornecedor ou comprador, direto ou indireto, de
serviços e/ou produtos da Companhia, em magnitude que implique perda de independên-
cia; (v) não ser funcionário ou administrador de sociedade ou entidade que esteja ofere-
cendo ou demandando serviços e/ou produtos à Companhia; (vi) não ser cônjuge ou
parente até segundo grau de algum administrador da Companhia; (vii) não receber outra
remuneração da Companhia além da de conselheiro (proventos em dinheiro oriundos de
participação no capital estão excluídos desta restrição)".
substitutivamente ao outro órgão promover a sua eleição, uma vez
que a existência de presidente constitui requisito indispensável ao
seu funcionamento regular. No silêncio do estatuto, cabe à assem-
bleia, órgão máximo da companhia, eleger o presidente do conselho
de administração, junto com os outros membros.
Se for da assembleia geral a competência para escolher o presi-
dente, deverá fazê-lo no conclave que eleger o conselho de adminis-
tração, para que ele não fique acéfalo. Caso o estatuto determine ser o
próprio conselho o órgão competente para escolher seu presidente, a
sua nomeação deverá ocorrer na primeira reunião após a assembleia
geral que eleger os seus membros.
A atividade do presidente do conselho de administração consiste
em dirigir e ordenar o desenvolvimento das funções do órgão, quer em
suas reuniões, quer no relacionamento com os demais órgãos da com-
panhia. As atividades essenciais do conselho - de traçar as políticas
gerais da companhia e de eleger, fiscalizar e destituir os diretores - são
realizadas no curso de suas reuniões. Assim, compete ao presidente
bem conduzir as reuniões do órgão, em todas as suas etapas: convoca-
ção; ordenamento das deliberações; registro das resoluções; e divulga-
ção para terceiros e demais órgãos sociais das deliberações adotadas. E
recomendável, ademais, que o presidente, havendo conflitos entre mem-
bros do conselho, desempenhe um papel moderador, tentando conci-
liá-los, visando a lograr, na medida do possível, decisões por consenso.
Compreendem-se na competência do presidente: (i) o poder-dever
de convocar as reuniões, dirigi-las e controlar que o secretário, se houver,
redija as deliberações em conformidade com o decidido; e (ii) firmar as
deliberações adotadas. Cabe ao presidente escolher um secretário, que
deverá reproduzir fielmente as discussões travadas e as deliberações ado-
tadas; o ideal é que não seja membro do conselho de administração, para
que possa, com isenção, retratar na ata o que se passou na reunião. E de
toda conveniência que tais atribuições constem expressamente do esta-
tuto, o qual também deverá conferir ao presidente o voto de qualidade.
O voto de qualidade, ou de desempate, normalmente é outorgado
ao presidente do conselho de administração, devendo prevalecer no caso
de empate na deliberação. E desejável que o estatuto contenha previsão
expressa a seu respeito; silenciando o estatuto, pode o regimento interno
do conselho disciplinar a matéria. Se não houver qualquer regra estatutá-
ria ou regimental, podem os conselheiros deliberar por maioria instituir o
"voto de minerva" para o presidente diante de algum impasse, uma vez
que a impossibilidade de se chegar a uma decisão é sempre a pior solução,
posto que inviabiliza a tomada da deliberação.
Conforme se verifica na prática, ainda que o conselho de adminis-
tração seja órgão de deliberação coletiva, pode o seu presidente ter atri-
buições individuais. Além das antes enumeradas, algumas companhias,
por influência do que se verifica na prática de companhias multinacio-
nais, estabelecem em seus estatutos que o presidente terá funções de
coordenação de comitês técnicos ou de assessoramento ao conselho,
assim como de supervisão de alguns diretores ou de determinadas ati-
vidades estratégicas desenvolvidas pela companhia.
Cabe ao estatuto dispor sobre o modo de substituição dos mem-
bros do conselho de administração. N o seu silêncio, havendo va-
cância, o s u b s t i t u t o será ser n o m e a d o pelos conselheiros
remanescentes e ocupará o cargo até a próxima assembleia geral,
devendo o novo conselheiro completar o prazo de gestão do substi-
tuído. Ocorrendo a vacância da maioria dos cargos, deve ser convo-
cada assembleia geral para proceder à nova eleição (artigo 150).
Deve também o estatuto estabelecer o prazo de gestão, que
não poderá ser superior a 3 (três) anos, sendo permitida a reelei-
ção. Ainda que a matéria possa ser livremente regulada no estatu-
to, não é desejável que se permita mais de uma reeleição, sob pena
de reduzir-se a independência do conselheiro e a possibilidade de
renovação do conselho de administração 506 .

506 Sobre esse assunto, o "Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa" do
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, no item 2.7, assim trata do prazo de
Além de estabelecer as normas sobre convocação, instalação e
funcionamento do conselho de administração, pode o estatuto fixar
quorum qualificado para determinadas deliberações; no silêncio do
estatuto, as deliberações serão sempre tomadas por maioria dos vo-
tos dos conselheiros presentes.
O inciso IV foi acrescentado pela Lei n° 10.303/2001, como fruto
da prevalência do acordo de acionistas sobre as deliberações do conselho
de administração, facultando ao estatuto estabelecer quorum qualificado,
desde que especifique as matérias507. A faculdade estatutária deve ser en-
tendida de forma restritiva, para evitar-se o bloqueio da minoria dos con-
selheiros sobre o processo decisório e o conseqüente estabelecimento de
contínuo impasse nos negócios sociais. Assim, somente matérias de re-
organização societária, que alterem a estrutura societária ou empresarial,
podem, em princípio, demandar quorum qualificado, como são: incor-
poração, incorporação de ações, fusão, cisão e transformação da forma
societária. Já o quorum de instalação será sempre formado pela maioria
absoluta dos conselheiros; não pode o estatuto estabelecer quorum quali-
ficado de presença pelo evidente bloqueio que tal exigência poderia tra-
zer às deliberações do conselho de administração508.
O parágrafo único prevê a possibilidade de participação dos empre-
gados no conselho de administração. Trata-se de iniciativa do legislador
reformista de 2001, inspirada no modelo alemão, em que se prevê a parti-
cipação dos empregados no conselho de supervisão (âifskhtsrat). Diver-
samente da lei alemã, que estabelece a obrigatoriedade de participação dos
empregados, em nosso sistema legal ocorre o inverso, sendo facultativa a
participação, a depender de previsão estatutária.

mandato: "O prazo do mandato do conselheiro não deve ser superior a 2 (dois) anos. A
reeleição é desejável para construir um Conselho experiente e produtivo, mas não deve
ocorrer de forma automática. (...) Para evitar a vilaliciedade, o estatuto pode fixar um
número máximo de anos de serviço contínuo".
507 Ver os comentários ao art. 118 da Lei das S.A.
508 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 295.
A participação dos empregados constitui tendência no direito
societário, notadamente o europeu, de buscar internalizar interesses
conflitantes, redefinindo e ampliando o escopo do interesse social.
Nessa linha de pensamento, prega-se caber ao direito societário não
apenas disciplinar os interesses dos sócios, mas também constituir
instrumento de implementação de políticas públicas que objetivem a
consecução dos valores consagrados no ordenamento jurídico, no caso,
a participação dos empregados na gestão da empresa (artigo 7°, inciso
XI, da Constituição Federal)509.
Tendo em vista o objetivo da norma - integração dos trabalhado-
res na gestão dos negócios sociais, visando a minimizar o conflito capi-
tal/trabalho - somente poderão ser eleitos aqueles que efetivamente são
empregados da companhia. É recomendável que o estatuto estabeleça
mandato curto, com a possibilidade de apenas uma reeleição, para evitar
o "representante profissional" e permitir que se renove a representação.
A eleição de representantes dós empregados ocorrerá em assem-
bleia especial, antes da assembleia geral da companhia, podendo ser
organizada em conjunto com as entidades sindicais, as quais não te-
rão ingerência na votação, mas apenas na organização do pleito, e na
qual votam apenas os empregados. As companhias que já haviam
adotado a participação dos empregados em seus conselhos, antes da
vigência da Lei n° 10.303/2001, como muitas privatizadas e de eco-
nomia mista, não necessitam adaptar seus estatutos ao novo regime
da assembleia especial com participação sindical. As companhias que
voluntariamente já adotavam o direito de participação dos emprega-
dos em seu conselho de administração podem revogar o dispositivo
estatutário, já que tal participação é facultativa510.

509 CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Novo Direito Societário. 3 a edição, São Paulo: Malheiros,
2006, p. 101-102; EDUARDO SECCH1 MUNHOZ. Empresa Contemporânea e Direito
Societário. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 27.
510 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A ..., p. 297.
As sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas
e demais empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a
maioria do capital social com direito a voto são obrigadas, desde janeiro
de 2011, a prever em seus estatutos sociais a participação nos seus con-
selhos de administração de representante dos trabalhadores, sendo as-
segurado à União o direito de eleger a maioria de seus membros511.
Essa regra somente não se aplica às sociedades de economia mista,
suas subsidiárias e controladas que tenham um número inferior a 200
(duzentos) empregados próprios512.
A "escolha" do representante dos empregados, prevista no pa-
rágrafo único, engloba tanto a eleição como a destituição; daí de-
corre que o conselheiro eleito pelos empregados não pode ser
demitido ad nutum pela assembleia geral de acionistas, mas apenas
pela assembleia especial dos empregados513.

511 Art. 2 o da Lei n° 12.353/2010 que dispõe, especificamente, sobre a participação de empre-
gados nos conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia
mista, suas subsidiárias e controladas e demais empresas em que a União, direta ou indireta-
mente, detenha a maioria do capital social com direito a voto. Esse mesmo dispositivo
determina nos §§ I o , 2°-e 3° que: "§ 1" O representante dos trabalhadores será escolhido
dentre os empregados ativos da empresa pública ou sociedade de economia mista, pelo voto
direto de seus pares, em eleição organizada pela empresa em conjunto com as entidades
sindicais que os representem. § 2° O representante dos empregados está sujeito a todos os
critérios e exigências para o cargo de conselheiro de administração previstos em lei e no estatuto
da respectiva empresa. §3° Sem prejuízo da vedação aos administradores de intervirem em
qualquer operação social em que tiverem interesse conflitante com o da empresa, o conselheiro
de administração representante dos empregados não participará das discussões e deliberações
sobre assuntos que envolvam relações sindicais, remuneração, benefícios e vantagens, inclusi-
ve matérias de previdência complementar e assistenciais, hipóteses em que fica configurado o
conflito de interesse." Consta, ainda, do art. 8o que: "Art. 8o Observar-se-á, quanto aos requisitos
e impedimentos para a participação nos conselhos de que trata esta Lei, além do disposto na
legislação sobre conflitos de interesse no âmbito da administração pública federal,
subsidiariamente, o disposto na Lei n" 6.404, de 15 de dezembro de 1976." Ver, também, a
Portaria n° 26/2011 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que regulamentou
a Lei n° 12.353/2010.
512 Art. 5° da Lei n° 12.353/2010.
513 Sobre esse assunto, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida nos autos do Processo
Administrativo CVM n° RJ2006/0579, Rei Dir Pedro Oliva Marcílio de Souza, j. em
21.03.2006.
ART. 1 4 1 - A LEI DAS S / A COMENTADA

Voto múltiplo
"Art. 141. Na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas
que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) do capital social
com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a
adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação
tantos votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhe-
cido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato
ou distribuí-los entre vários.

§ 1° A faculdade prevista neste artigo deverá ser exercida pelos acio-


nistas até 48 (quarenta e oito) horas antes da assembleia geral, ca-
bendo à mesa que dirigir os trabalhos da assembleia informar
previamente aos acionistas, avista do "Livro de Presença", o número
de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho.

§ 2° Os cargos que, em virtude de empate, não forem preenchi-


dos, serão objeto de nova votação, pelo mesmo processo, obser-
vado o disposto no § 1°, infine.

§ 3° Sempre que a eleição tiver sido realizada por esse proces-


so, a destituição de qualquer membro do conselho de adminis-
tração pela assembleia geral importará destituição dos demais
membros, procedendo-se a nova eleição; nos demais casos de
vaga, não havendo suplente, a primeira assembleia geral pro-
cederá à nova eleição de todo o conselho.

§ 4°Terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do


conselho de administração, em votação em separado na assem-
bleia geral, excluído o acionista controlador, a maioria dos titulares,
respectivamente: (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

I - de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que


representem, pelo menos, 15% (quinze por cento) do total das ações
com direito a voto; e (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)
II - de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito
de emissão de companhia aberta, que representem, no mínimo,
10% (dez por cento) do capital social, que não houverem exercido
o direito previsto no estatuto, em conformidade com o artigo 18.
(Incluído pela Lei n° 10.303/ 2001)

§ 5°Verificando-se que nem os titulares de ações com direito a voto e


nem os titulares de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto
restrito perfizeram, respectivamente, o quorum exigido nos incisos I
e II do § 4°, ser-lhes-á facultado agregar suas ações para elegerem em
conjunto um membro e seu suplente para o conselho de administra-
ção, observando-se, nessa hipótese, o quorum exigido pelo inciso II
do § 4°. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 6° Somente poderão exercer o direito previsto no § 4° os acio-


nistas que comprovarem a titularidade ininterrupta da participa-
ção acionária ali exigida durante o período de 3 (três) meses, no
mínimo, imediatamente anterior à realização da assembleia ge-
ral. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 7° Sempre que, cumulativamente, a eleição do conselho de admi-


nistração se der pelo sistema do voto múltiplo e os titulares de ações
ordinárias ou preferenciais exercerem a prerrogativa de eleger con-
selheiro, será assegurado a acionista ou grupo de acionistas vincula-
dos por acordo de votos que detenham mais do que 50% (cinqüenta
por cento) das ações com direito de voto o direito de eleger conse-
lheiros em número igual ao dos eleitos pelos demais acionistas, mais
um, independentemente do número de conselheiros que, segundo o
estatuto, componha o órgão. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 8° A companhia deverá manter registro com a identificação dos


acionistas que exercerem a prerrogativa a que se refere o § 4 o ."
(Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 9° (Vetado)." (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)


A redação original do dispositivo foi profundamente alterada pela
Lei n° 10.303/2001, com o objetivo de permitir aos acionistas mino-
ritários - titulares de /ções com ou sem direito de voto - maior parti-
cipação no conselho de administração. Ainda que meritório, o
propósito foi alcançado às custas do sacrifício da sistematicidade que
se verificava na redação anterior da norma.
As principais modificações foram as seguintes: (i) permitiu-se aos
titulares de ações com direito de voto de companhia aberta representan-
do pelo menos 15% (quinze por cento) do capital votante eleger 1 (um)
membro do conselho de administração; (ii) permitiu-se aos titulares de
ações preferenciais de companhia aberta sem direito de voto ou com
voto restrito e sem a prerrogativa estatutária prevista no artigo 18, que
representem pelo menos 10% (dez por cento) do capital, elegerem 1
(um) membro do conselho; (iii) permitiu-se a cumulação das ações para
apuração do quorum de 10% (dez por cento), caso nem as ações prefe-
renciais nem as ações com direito a voto atinjam o percentual necessá-
rio para eleger 1 (um) conselheiro; (iv) vedou-se a participação do
acionista controlador nas votações em separado antes menciona-
das; (v) permitiu-se o exercício dos direitos acima apenas aos minoritá-
rios que comprovarem a titularidade ininterrupta da participação
acionária durante o período de 3 (três) meses, no mínimo, antes da
assembleia geral; e (vi) em contrapartida aos maiores direitos assegura-
dos aos minoritários, garantiu-se ao acionista controlador o direito de
eleger sempre a maioria dos membros do conselho.
Assim, tratou-se, no mesmo dispositivo legal, de forma confusa,
de 2 (dois) sistemas diversos de votação para membros do conselho de
administração: o voto múltiplo, já existente na versão original do dispo-
sitivo; e a eleição em separado, introduzida pela Lei n° 10.303/2001.

O V O T O MÚLTIPLO CUMULATIVO

O sistema de voto múltiplo foi inserido em nosso direito societá-


rio pela Lei n° 6.404/1976, inspirado no direito norte americano, com
o objetivo de tutelar os interesses de acionistas que, embora minori-
tários, detêm participação acionária relevante na companhia, per-
mitindo-lhes a indicação de pelo menos 1 (um) dos membros do
conselho de administração514.
O voto múltiplo foi adaptado do sistema eleitoral que, consa-
grando o princípio majoritário, objetiva permitir que as minorias pos-
sam eleger seus representantes. Uma das variantes do voto múltiplo é
o voto cumulativo, que se caracteriza pela faculdade concedida ao
eleitor de distribuir, como considerar melhor, os votos de que dispõe,
podendo concentrá-los num único candidato515.
Caso a nomeação dos integrantes do conselho de administração
fosse realizada pelo processo ordinário de votação por chapa, a totalida-
de dos seus membros poderia ser sempre eleita pelo acionista controla-
dor. Já no processo de voto múltiplo cumulativo, como os acionistas
minoritários podem concentrar todos os seus votos em um candidato,
enquanto o controlador tem que dividir os seus votos em vários nomes,
a fim de eleger a maioria dos conselheiros, assegura-se o caráter pro-
porcional do preenchimento dos cargos no conselho. Tal se dá porque
se atribui a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do con-
selho, permitindo-se ao acionista cumulá-los num só candidato.
Assim, o voto múltiplo cumulativo constitui uma espécie de "voto
repartido", uma vez que cada ação dispõe de tantos votos quantos
sejam os cargos a preencher, facultando-se ao acionista a prerrogativa
de concentrar todos os seus votos em um só candidato, ao invés de
dispersá-los em vários516.

514 A Delaware General Corporation Law (§ 214) dispõe que a companhia pode prever, em seu
estatuto, que em todas as eleições os acionistas tenham o direito de voto múltiplo cumu-
lativo (cumulative voting). No mesmo sentido, o Revised Model Business Corporation Act
(§ 7.28) condiciona o direito ao voto múltiplo cumulativo à previsão estatutária.
515 NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCCI e GIANFRANCO PASQUINO. Dicionário de
Política, v. 2, 13a edição, Brasília: UNB, 2010, p. 1.177.
516 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário. 11a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 400.
Na eleição por voto múltiplo cumulativo não prevalece o quo-
rum da maioria absoluta dos acionistas presentes, conforme ocorre
na votação por chapa, mas sim o da maioria relativa de votos, decla-
rando-se eleitos os candidatos que recebem o maior número de vo-
tos, por ordem decrescente.
Usualmente, adota-se a seguinte fórmula para a determinação
do número mínimo de votos necessários para a eleição de 1 (um)
membro do conselho de administração:
V= C x A +1
C+l
V = número de votos necessários para eleger 1 (um) membro do
conselho
C = número de membros do conselho
A = número de ações admitidas à votação
A fórmula indica o número de votos necessários para que se assegu-
re a eleição de 1 (um) membro do conselho de administração; contudo,
em algumas hipóteses, é possível eleger, com um número inferior de vo-
tos, 1 (um) ou mais conselheiros, quando há votos em branco ou absten-
ções ou ainda quando 1 (um) ou mais candidatos, embora não venham a
atingir o número de votos previstos, são os mais votados517.
Caso o estatuto contenha previsão expressa sobre sua adoção, o
voto múltiplo será obrigatório em todas as eleições de membros do
conselho de administração. N o silêncio do estatuto, será obrigatório
apenas se requerida a sua adoção em até 48 (quarenta e oito) horas
antes da realização da assembleia geral518.

517 CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA LOBO, "O Voto Múltiplo na Eleição do Conselho de
Administração das Sociedades Anônimas", Revista Forense. São Paulo: Ed. Forense, v.
270, abril-junho, 1980, p. 117. O autor fornece uma série de exercícios para a melhor
compreensão do processo de voto múltiplo.
518 De acordo com o art. 4° da Instrução CVM n° 481/2009, "o percentual mínimo de
participação no capitai votante necessário à requisição da adoção do voto múltiplo
deve constar, obrigatoriamente, do anúncio de convocação de assembleias destinadas
â eleição do conselho de administração."
Constituem condições de legitimidade para o minoritário reque-
rer o voto múltiplo: (i) a titularidade de pelo menos 10% (dez por
cento) do capital votante519; e (ii) a apresentação do pedido à compa-
nhia no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas antes da assembleia
geral. A exigência de percentual mínimo de participação acionária
decorre do fato de condicionar-se a presença no conselho a minoritá-
rios que detenham uma posição acionária significativa, da qual resul-
ta um interesse real em influir no processo decisório. A exigência do
prévio requerimento fundamenta-se na necessidade de se conferir aos
minoritários e controladores tempo razoável para que possam prepa-
rar a estratégia mais adequada para distribuir os votos de que dispõem
e eleger, consequentemente, o maior número possível de conselhei-
ros. Uma vez atendidas tais condições, a companhia estará obrigada a
seguir, na assembleia geral, o sistema do voto múltiplo, não podendo
se fartar à sua adoção.
A mesa que dirigir os trabalhos da assembleia deverá informar
previamente aos acionistas o número de votos necessários para asse-
gurar a eleição de cada um dos membros do conselho de administra-
ção; se incorreta a informação, a eleição será ineficaz.
Caso alguns cargos não sejam preenchidos, por ocorrer o empate,
o que é muito raro na prática, deverá haver nova votação, mediante a
utilização do mesmo processo de voto múltiplo, devendo a mesa infor-
mar o número necessário de votos para a eleição de cada membro. O
preceito do § 2° visa a permitir que, na hipótese de empate, os grupos de
acionistas que desejam eleger seus representantes possam reavaliar suas
estratégias e eventualmente proceder à composição de seus interesses,
elegendo representantes comuns.

Com relação às companhias abertas, a CVM pode reduzir tal percentual, o que fez nos
termos das Instruções CVM n"5 165/1991 e 282/1998, fixando uma escala, de acordo com
a qual a participação necessária para o exercício da faculdade de requerer o voto múltiplo
varia conforme o valor do capital social.
O § 3° regula o procedimento a ser adotado nas hipóteses de des-
tituição e vacância dos cargos quando conselheiros tenham sido eleitos
pelo voto múltiplo. Na vacância, assume o suplente; se não houver, a
primeira assembleia elegerá todos os membros do conselho de adminis-
tração. A destituição de qualquer conselheiro provoca a de todos os de-
mais; a regra objetiva assegurar a eficácia da representação proporcional
no conselho, evitando que o controlador, pela destituição do conselhei-
ro eleito pelos minoritários, possa inviabilizar a proteção que lhes é con-
ferida pelo sistema do voto múltiplo.
O procedimento instituído pelo § 3° somente aplica-se quando os
conselheiros forem eleitos pelo processo do voto múltiplo; nas hipóteses
em que tenham sido eleitos pelo sistema de votação comum ou por cha-
pa, a destituição ou vacância de um de seus membros não implica o afas-
tamento imediato dos demais, tampouco a necessidade de realizar-se
assembleia geral para eleger novamente todo o conselho. Nesse caso, os
conselheiros continuarão a exercer os seus cargos até o término de seus
mandatos ou até que renunciem ou sejam destituídos520.
Na assembleia cujo objetivo é eleger os substitutos de conselhei-
ros, os minoritários não podem exigir o voto múltiplo, cuja finalidade,
conforme antes mencionado, é assegurar a distribuição proporcional
dos cargos entre os acionistas. Tal processo não é compatível com
uma eleição que visa apenas a substituir alguns conselheiros, pois,
nesta hipótese, o voto múltiplo não asseguraria a representação pro-
porcional dos acionistas no órgão.
Assim, a eleição compulsória de todos os membros, prevista
no § 3°, somente pode ser exigida caso o conselho de administra-
ção tenha sido eleito mediante o sistema do voto múltiplo, não se
aplicando às hipóteses em que a votação anterior tenha sido reali-
zada pelo sistema de chapas.

520 Sobre a destituição e término da gestão dos conselheiros, ver os comentários ao art. 150 da
Lei das S.A.
Caso prevalecesse o entendimento de que caberia o voto múlti-
plo para eleger os substitutos dos conselheiros eleitos pelo sistema
comum, estar-se-ia conferindo aos minoritários a possibilidade de
"destituição" de conselheiros legitimamente eleitos pelo controlador
e com mandato em curso, o que constituiria completa inversão do
princípio majoritário. Portanto, o direito assegurado ao minoritário
de, mediante o processo de voto múltiplo, fazer-se representar no con-
selho de administração, não pode ser exercido a qualquer momento,
mas apenas nas oportunidades em que seja necessária renovar-se a
composição de todo o conselho521.

A V O T A Ç Ã O EM SEPARADO

Com a reforma instituída pela Lei n° 10.303/2001, criou-se ou-


tro mecanismo de proteção aos acionistas minoritários, com vistas a
aumentar a sua representação no conselho de administração: a vota-
ção em separado, realizada em colégios eleitorais específicos, dos quais
não participam os acionistas controladores.
Nos termos dos novos §§ 4° e 5°, os acionistas titulares de ações
com direito de voto que representem pelo menos 15% (quinze por cento)
do capital votante terão o direito de eleger 1 (um) membro do conselho
de administração e seu suplente; igual direito terão os acionistas titulares
de ações preferências sem direito de voto ou com voto restrito que repre-
sentem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social, desde que não
lhes tenha sido assegurado no estatuto o direito de eleger 1 (um) membro
do órgão522. Caso os titulares de ações com direito de voto e os titulares de
ações preferenciais não perfaçam respectivamente os quora acima, pode-
rão agregar suas ações para elegerem em conjunto 1 (um) membro e seu

521 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 154. No
mesmo sentido, FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2, 13a edição,
Sao Paulo: Saraiva, 2009, p. 228.
suplente, desde que alcancem, reunindo suas ações, o quorum de 10%
(dez por cento) do capital social.
Diversamente do que ocorre no sistema de voto múltiplo, em que
há apenas um colégio eleitoral, no qual podem estar presentes todos os
acionistas com direito de voto, no sistema da votação em separado há 2
(dois) colégios eleitorais apartados, um dos minoritários com ações com
direito de voto, outro dos preferencialistas com ações sem direito de
voto ou com voto restrito, dos quais o controlador está excluído.
Na hipótese do inciso I do § 4°, os titulares de pelo menos 15%
(quinze por cento) das ações com direito de voto instalarão o seu colé-
gio eleitoral próprio, cuja maioria poderá eleger (e mais tarde eventual-
mente destituir) 1 (um) membro e seu suplente, não exigindo a Lei das
S.A. que os 15% (quinze por cento) escolham o mesmo representante.
A mesma regra se aplica para o inciso II: os titulares de ações preferen-
ciais sem direito de voto ou com voto restrito detentores de, pelo me-
nos, 10% (dez por cento) do capital poderão instalar o seu colégio eleitoral,
tendo a maioria dos presentes o direito de eleger e destituir 1 (um) con-
selheiro e seu suplente. No caso do § 5°, os titulares de ações com
direito de voto e os de ações preferenciais sem voto ou com voto res-
trito se, somado suas ações, perfizerem o percentual de 10% (dez por
cento) do capital, também poderão instalar um colégio eleitoral em
separado. Embora possa haver um quorum diferente de instalação para
cada tipo de eleição, em todas existe o mesmo quorum de deliberação,
formado pela maioria dos integrantes do colégio eleitoral523.
Nada impede que, na reunião de cada colégio eleitoral apresen-
tem-se várias chapas, sendo declarada vencedora a que tiver o maior
número de votos, cabendo ao presidente da mesa da assembleia geral
resolver eventuais impasses.

523 NORMA JONSSEN PARENTE, "Eleição de Membros do Conselho de Administração pelos


Acionistas Minoritários", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financei-
ro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 131, julho-setembro, 2003, p. 150.
O colégio eleitoral separado dos ordinaristas (inciso I do § 4°) e
o dos preferencialistas (inciso II do § 4°), bem como o conjunto (§
5°) não constituem uma assembleia especial, apartada da assembleia
geral que elegerá os conselheiros. A eleição dos representantes dos
minoritários ocorre junto com a indicação dos representantes dos
controladores, cabendo ao presidente da mesa verificar os percentuais
mínimos necessários à eleição dos membros do conselho, assim como
atestar o atendimento ao requisito de permanência previsto no § 6°: a
titularidade ininterrupta da participação acionária durante o período
de 3 (três) meses, no mínimo, imediatamente anterior à realização da
assembleia geral. Os indicados pelos 2 (dois) grupos de minoritários -
titulares de ações ordinárias e de ações preferenciais sem direito de
voto ou com voto restrito - serão automaticamente eleitos pela as-
sembleia geral, que nesse passo não será deliberativa, mas meramente
homologatória524.
Como a Lei das S.A., em seu artigo 110, veda o voto plural, o
acionista não pode votar 2 (duas) vezes com as mesmas ações; assim,
as ações dos acionistas titulares de ações com direito de voto não
poderão ser utilizadas para que ele vote no sistema de voto múltiplo e
na votação em separado. Também não poderão fazê-lo os titulares de
ações preferenciais sem direito de voto ou com voto restrito de com-
panhia cujo estatuto lhes assegure o direito de eleger em separado 1
(um) membro do conselho de administração, nos termos do artigo
18. Na abertura da assembleia, havendo solicitação prévia da adoção
do voto múltiplo, o presidente da mesa deverá informar tal fato e ad-
vertir aos acionistas presentes que as ações que elegerem 1 (um) mem-
bro do conselho em votação em separado não poderão participar do
processo de voto múltiplo e vice-versa525.

524 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São P&ulo: Saraiva,
2002, p. 299.
525 Ver, nesse sentido, a decisão da CVM no Parecer de 16.04.2002, Rei. Dir. Luiz Antonio de
Sampaio Campos, comentada por DANIELA GOMES AFONSO, "Parecer CVM de 16.4.2002:
Critérios para a Eleição de Membros do Conselho de Administração de S/A Aberta, Após a
A vedação ao voto plural impede que o acionista vote com as
mesmas ações nos processos eletivos de voto múltiplo e de eleição
em separado. Como o direito de voto está ligado ã ação e não à pessoa
do acionista, nada obsta que um minoritário vote com uma parte de
suas ações no processo de eleição em separado e com outra parte no
processo de voto múltiplo. Assim, se os titulares de ações ordinárias,
por exemplo, exercerem a prerrogativa da votação em separado, so-
mente poderão requerer o voto múltiplo com a quantidade de ações
que exceder os 15% (quinze por cento) necessários para a eleição de
seu representante e vice-versa .
Em companhias abertas que emitem apenas ações com direito de
voto, poder-se-ia entender, a partir de uma interpretação literal, que os
minoritários somente poderiam eleger um representante se atingissem
o quorum previsto no inciso I do § 4°. A redução do quorum previsto no
inciso II, como norma benéfica, que visa a permitir a participação dos
minoritários no conselho de administração, não a restringi-la, também
deve ser aplicada no caso; assim, em companhias que emitem somente
ações ordinárias, o quorum para a votação em separado será de 10%
(dez por cento) do capital social527.

Lei 10.303/2001", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São


Raulo: Malheiros, v. 126, abril-junho, 2002, p. 193-216. Em sentido contrário: PEDRO
OLIVA MARCILIO DE SOUSA, "Eleição de Membros do Conselho de Administração pelos
Acionistas Minoritários (Exegese do Inciso I do § 4 do Art. 141 da Lei 6.404/1976)",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros,
v. 126, abril-junho, 2002, p. 87.
526 J O Ã O L A U D O DE CAMARGO e MARIA ISABEL D O PRADO COBATER, "Conselho de
Administração: seu Funcionamento e Participação de Membros Indicados por Acionistas
Minoritários e Preferencialistas". In: Jorge Lobo (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades
Anônimas - Inovações e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001. Rio de
Janeiro: Forense, 2002, p. 403; NORMA JONSSEN PARENTE, "Eleição de Membros do
Conselho de Administração pelos Acionistas Minoritários", Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, v. 131..., p. 151-152.
527 Sobre esse assunto, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida nos autos do Processo
Administrativo CVM n° RJ 2005/5664, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. em
08.11.2005.
Objetivando evitar que "minoritários de véspera" utilizem a prerro-
gativa legal da votação em separado, o § 6° exige que, para exercerem o
direito previsto no § 4°, comprovem a titularidade ininterrupta da partici-
pação acionária durante o período mínimo de 3 (três) meses anterior à
assembleia geral. Assim, há que se verificar uma estabilidade na
titularidade das ações, que se aplica também para o efeito de se
somar as participações dos titulares de ações com direito de voto às
dos titulares de ações preferenciais sem direito de voto ou com
voto restrito, prevista no § 5°. Com efeito, todos eles deverão aten-
der ao requisito de permanência mínima para legitimarem a insta-
lação do colégio eleitoral em separado. Para conferir eficácia à
norma, permitindo o controle do requisito de permanência, assim
como da possibilidade de destituição do conselheiro eleito por de-
terminado colégio eleitoral em separado, a companhia, nos termos
do § 8", deverá manter registro especial com a identificação dos
acionistas que exercerem a prerrogativa prevista no § 4°. Tal regis-
tro serve ainda para que se possa verificar se os acionistas estão
utilizando as mesmas ações para votarem 2 (duas) vezes, mediante
o processo de eleição em separado e o de voto múltiplo.
Nos termos do § 7°, havendo acionista controlador com mais de
50% (cinqüenta por cento) das ações com direito de voto, terá ele o direi-
to de eleger a maioria dos membros do conselho de administração. Ain-
da que exista na prática o controle minoritário, possível quando as ações
estão muito dispersas no mercado, a Lei das S.A. confere o direito de
eleger sempre 1 (um) membro a mais, independentemente do número
de conselheiros previsto no estatuto, somente ao acionista ou grupo de
acionistas que detiver mais da metade das ações com direito de voto. Isso
porque se presume, em tal caso, a existência de um controle estável, jus-
tificando-se assim a prerrogativa conferida ao controlador.
Competência
"Art. 142. Compete ao conselho de administração:

I - fixar a orientação geral dos negócios da companhia;

II - eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atri-


buições, observado o que a respeito dispuser o estatuto;

III - fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, á qualquer tempo,


os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre con-
tratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos;

IV - convocar a assembleia geral quando julgar conveniente, ou no


caso do artigo 132;

V - manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da


diretoria;

VI - manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o


estatuto assim o exigir;

VH - deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão


de ações ou de bônus de subscrição;

VliL - autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a aliena-


ção de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a
prestação de garantias a obrigações de terceiros; (Redação dada
pela Lei n° 11.941/2009)

IX - escolher e destituir os auditores independentes, se houver.

§ 1° Serão arquivadas no registro do comércio e publicadas as


atas das reuniões do conselho de administração que contiverem
deliberação destinada a produzir efeitos perante terceiros. (Re-
dação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ 2° A escolha e a destituição do auditor independenteficarásu-


jeita a veto, devidamente fundamentado, dos conselheiros eleitos
na forma do artigo 141, § 4°, se houver." (Incluído pela Lei n°
10.303/2001).

O dispositivo legal estabelece uma moldura mínima das atribui-


ções do conselho de administração, ou seja, um elenco não exaustivo
de suas competências. Há outras atribuições estabelecidas esparsamente
na Lei das S.A. que constituem competência do conselho, como, por
exemplo, a deliberação sobre a emissão de debêntures não conversíveis
em ações (artigo 59, § 1°) e a aprovação do contrato de consórcio (arti-
go 279). Existem ainda outras que lhe podem ser atribuídas pelo esta-
tuto, desde que não constituam competência privativa de outro órgão.
O elenco de competências atribuídas ao conselho de adminis-
tração justifica a sua caracterização como órgão de deliberação cole-
giada; a natureza dos temas sobre os quais deve decidir - fixar a
orientação dos negócios gerais da companhia, aprovar as contas, ele-
ger e destituir diretores - é compatível com ato decisório coletivo, não
com a atuação individual528.
O conselho de administração é considerado o principal com-
ponente do sistema de governança corporativa, tendo como mis-
são proteger e valorizar a organização, otimizar o retorno do
investimento no longo prazo e buscar o equilíbrio entre as partes
interessadas (acionistas e stakeholders, que são as demais pessoas
afetadas pelas atividades da companhia). Dentre suas principais
responsabilidades destacam-se a discussão, aprovação e monitora-
mento de: (i) estratégia de atuação; (ii) estrutura de capital; (iii) perfil
de risco; (iv) aquisições e processos de reestruturação societária;
(v) contratação, avaliação e dispensa dos diretores; (vi) escolha e
avaliação da auditoria independente; (vii) processo sucessório dos
conselheiros e diretores; (viii) práticas de governança corporativa;
(ix) relacionamento com partes interessadas; (x) estabelecimento
de controles internos, incluindo políticas e limites de alçada; (xi)
política de gestão de pessoas; e (xii) elaboração de um código de
conduta para conselheiros, diretores e funcionários 529 .
Além da disciplina estatutária, é importante que o conselho de
administração elabore um regimento interno que fixe claramente as
suas responsabilidades, atribuições, processo decisório, bem como
medidas a serem tomadas em situações de conflitos de interesses
por parte dos conselheiros.
Dependendo do porte da companhia e das atribuições estabeleci-
das no estatuto e no regimento interno como de competência do con-
selho, pode ser recomendável a criação de comitês para assessorá-lo no
desempenho de suas funções. Tais órgãos não podem ter atribuições
privativas do conselho de administração, incumbindo-lhes estudar de-
terminados assuntos com maior profundidade e preparar propostas para
que o conselho decida mais bem informado530.
Nos termos da Lei das S.A., incumbe inicialmente ao conselho de
administração "fixar a orientação geral dos negócios da companhiaTrata-se
de expressão ampla, cabendo ao estatuto conferir-lhe maior concretude.
Deve o conselho estabelecer a estratégia de atuação da companhia, no-
tadamente no médio e longo prazo, analisando: (i) como está desempe-
nhando suas atividades; (ii) se as taxas de retorno são compatíveis com os
investimentos realizados; (iii) se a sua estrutura de capital é adequada ou
se deve proceder ao aumento ou redução do capital; (iv) se os riscos

529 Sobre esse assunto, ver os itens 2.2 e 2.3 da 4a edição do "Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa" do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
em que está incorrendo são toleráveis; (v) se deve proceder a uma políti-
ca de ampliação ou redução de atividades; e (vi) se deve ingressar em
novos mercados, no plano nacional ou internacional. Incumbe-lhe ain-
da avaliar oportunidades de negócios e de reestruturações societárias,
mediante fusões, incorporações, cisões e aquisições ou formação de con-
sórcio. Em suma, cabe ao conselho o planejamento das atividades da
companhia, tendo em vista a consecução do objeto social de forma lu-
crativa. Ainda que muitas decisões dentre as acima elencadas sejam de
competência da assembleia geral (como as referentes a aumento e redu-
ção do capital, fusões, incorporações ou cisões) cabe ao conselho de ad-
ministração deliberar a respeito e propor a sua aprovação aos acionistas,
para que a diretoria posteriormente possa colocá-las em prática.
Em segundo lugar, compete ao conselho eleger e destituir os
diretores, assim como fixar-lhes as atribuições, complementando as
disposições estatutárias ou suprindo a sua omissão mediante normas
internas, como ordens de serviços ou organogramas.
A eleição dos diretores dá-se pelo voto da maioria dos conselhei-
ros, podendo o estatuto conter previsão de quorum qualificado; não pode,
porém, determinar a unanimidade, pois estaria afrontando o princípio
majoritário que rege as deliberações de órgãos coletivos531.
A possibilidade de destituição dos diretores, mediante ato discricio-
nário e irrecorrível do conselho, deixa clara a sua superioridade hierárqui-
ca sobre eles. Porém não há subordinação jurídica dos diretores ao conselho
de administração, uma vez que suas atribuições decorrem da Lei das S A .
e do estatuto, não podendo os conselheiros substituir-se aos diretores.
Podem, porém, orientá-los sobre como agir em determinadas situações.
E recomendável que o conselho estabeleça metas de desempenho
para o diretor presidente e demais diretores, para que possa avaliá-los e
decidir sobre a sua manutenção ou destituição nos seus respectivos cargos.
Ainda que os diretores possam integrar o conselho de administra-
ção, em até 1/3 (um terço) de sua composição (artigo 143, § 1°) não é
recomendável a cumulação, exceto tratando-se de companhias de pe-
queno porte, com restrições orçamentárias. Da mesma forma, tampouco
se recomenda que o diretor presidente acumule o cargo de presidente do
conselho. Tais procedimentos poderiam trazer prejuízos à função de fis-
calização dos atos dos diretores por parte do conselho, confundindo-se
as pessoas dos "fiscais" com as dos fiscalizados.
Com efeito, cabe ao conselho de administração exercer o controle
permanente da gestão da sociedade exercida pelos diretores. Diversa-
mente do que ocorre na atuação do conselho fiscal, cuja fiscalização
sobre os atos dos administradores centra-se na sua legalidade, o acom-
panhamento dos atos praticados pelos diretores por parte dos membros
do conselho de administração alcança também a sua oportunidade e
conveniência, tendo em vista as vantagens e desvantagens que trazem
à companhia. Tal fiscalização verifica-se não no controle diuturno dos
atos de gestão ordinária praticados pelos diretores, o que seria impossí-
vel e indesejável, acarretando o "engessamento" da administração, mas
nas reuniões do conselho nas quais os diretores relatam as suas ativida-
des e apresentam propostas a serem por ele aprovadas. Os membros do
conselho de administração não podem ser responsabilizados por não
terem evitado eventuais ilegalidades cometidas pelos diretores, exceto
se delas tiveram conhecimento ou se negligenciaram em descobri-las,
faltando assim com seu dever de diligência532.
Para desempenhar suas atividades de fiscalização o conselho de
administração pode examinar a qualquer tempo os livros e papéis da
companhia, bem como solicitar informações sobre contratos já cele-
brados ou por celebrar. Como o conselho constitui um órgão de delibe-
ração colegiada, cuja vontade é expressa mediante decisão e voto da
maioria dos conselheiros, não há a possibilidade de atuação individual de
seus membros, diversamente do que ocorre na diretoria e no conselho
fiscal. Assim, qualquer solicitação para que os diretores prestem informa-
ções deve ser formulada após deliberação do conselho, não cabendo a
formulação de tal exigência por parte de seus membros isoladamente,
uma vez que não existe relação hierárquica entre diretor e conselheiro,
mas entre diretor e o conselho de administração533.
Cabe ao conselho convocar as assembleias gerais ordinária e ex-
traordinária (artigo 123), quando necessário, nos termos da Lei das S.A,
para que ela aprecie e aprove determinadas operações ou atos que são
de sua competência exclusiva. Assim, por exemplo, desejando-se alte-
rar o estatuto, o conselho de administração proporá a modificação e
convocará a assembleia geral extraordinária para que os acionistas deli-
berem a respeito (artigos 122, inciso I, e 135).
A competência principal e originária da convocação é atribuída
pela Lei das S.A. ao conselho de administração, incumbindo-lhe in-
deferir pedido de convocação formulada por acionista quando enten-
der inútil a sua realização; assim, o conselho faz um juízo sobre a
conveniência da convocação do conclave.
Também compete ao conselho de administração manifestar-se
sobre o relatório da administração e as contas da diretoria que serão
submetidos à aprovação da assembleia geral. Na prática, não se verifi-
cam casos em que o conselho não aprova as contas apresentadas pela
diretoria, ocorrendo eventualmente situações, caracterizadoras da ci-
zânia verificada no órgão, em que alguns conselheiros vencidos ma-
nifestam a sua divergência.
Os estatutos, em geral, estabelecem que determinados atos ou con-
tratos, ou por sua natureza, ou por seu valor, devem ser objeto de delibera-
ção do conselho, antes de serem apresentados à assembleia geral ou postos
em prática pela diretoria. Muito seguidamente, os estatutos estabelecem

NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 80-83.
valores de alçada, acima dos quais os diretores somente podem assi-
nar contratos se previamente aprovados pelo conselho. Determina-
das operações de reestruturação societária, como cisões e incorporações,
assim como aquisições de controle de outras companhias, também
são usualmente submetidas, por disposição estatutária, à manifesta-
ção do conselho de administração. E m tais casos, normalmente os
diretores expõem a operação ao conselho, após terem disponibilizado
previamente os documentos relevantes, o qual delibera e se manifesta
a respeito, para depois levá-la à aprovação da assembleia geral.
Se praticado determinado ato por diretor, sem autorização prévia do
conselho de administração, este poderá ratificá-lo, dado o princípio, ple-
namente válido no direito societário, da conservação de todos os atos
necessários à atuação empresarial da companhia, exceto se nulos. Com
efeito, se até mesmo as assembleias gerais podem ser sanadas, não há
razão para que não se possam convalidar negócios jurídicos legítimos,
apenas dependentes de aprovação do conselho534.
Também cabe ao conselho de administração de companhia de
capital autorizado deliberar, quando previsto no estatuto, sobre a emis-
são de ações ou bônus de subscrição535. Usualmente, é o que se verifi-
ca nas sociedades que adotam o regime do capital autorizado, cuja
principal vantagem consiste na possibilidade de o estatuto conferir
ao conselho competência para deliberar sobre aumento de capital sem
necessidade de aprovação pela assembleia geral.
De acordo com o inciso VIII, compete ao conselho autorizar, se o
estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não
circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a
obrigações de terceiros. Normalmente, o estatuto não retira tal compe-
tência do conselho de administração para atribuí-la à assembleia geral,

534 JOSÉ WAI.DECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei {arts. 121 a
183). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 323.
53 5 Ver os comentários aos arts. 166 e 168 da Lei das S.A.
uma vez que atos como alienação de computadores, veículos e máqui-
nas, normalmente devem ser praticados com relativa rapidez, não se
justificando a reunião dos acionistas para aprová-los.
Tratando-se de companhia aberta, é obrigatória a auditoria de
suas contas por auditor independente, registrado na Comissão de
Valores Mobiliários, cuja escolha será sempre do conselho de ad-
ministração (artigo 177, § 3°)536.
Além de escolher o auditor, deve o conselho aprovar os seus
honorários, ratificar um plano de trabalho, bem como acompanhar
o seu desempenho; havendo comitê de auditoria, poderá ser de sua
competência tratar de tais assuntos e submetê-los à aprovação do
conselho de administração537.
O § 2°, inserido pela Lei n° 10.303/2001, permite que o conse-
lheiro eleito pelo sistema da votação em separado (artigo 141, § 4°)
possa vetar a escolha e a destituição do auditor independente. Trata-
-se de inovação criticável, uma vez que: (i) rompe injustificadamente
com o sistema de deliberação majoritária do conselho, conferindo a
um de seus membros competência individual; (ii) atribui poder de
veto ao representante do minoritário eleito na votação em separado,
mas não ao escolhido pelo sistema de voto múltiplo, sem qualquer
razão para a distinção; e (iii) confere enorme poder a tal conselheiro,
uma vez que pode, com seu veto, impedir ou atrasar os trabalhos de
auditoria independente, essenciais no processo de transparência das
contas de companhias abertas.
Assim, a norma deve ser objeto de interpretação restritiva. O veto
deve ser fundamentado, com todas as razões de fato e de direito a
justificá-lo; não pode ser apresentado por capricho ou intuito de emu-
lação, sob pena de caracterizar desvio de poder (artigo 154); cabe ao

Ver os comentários ao art. 177 da Lei das S.A.


Sobre esse assunto, ver o item 2.34.4 da 4a edição do "Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa", do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
presidente do conselho de administração rejeitá-lo caso não con-
tenha referência comprovável sobre a honorabilidade do auditor,
sobre fatos que impeçam a sua atuação independente ou sobre sua
competência profissional.
Serão elaboradas atas das reuniões do conselho de administra-
ção, lavradas no livro próprio (artigo 100, inciso VI), arquivadas na
Junta Comercial e publicadas se contiverem deliberação que deva pro-
duzir efeitos perante terceiros. Tratando-se de decisões importantes
sobre os negócios de companhia aberta, que poderão ser levados em
consideração pelos acionistas e investidores para comprar ou vender
os valores mobiliários de sua emissão, devem ser objeto de publicação
na imprensa, como "Fato Relevante"538.
A ata pode ser lavrada sob a forma sumária, o que é usual na
prática do mercado, desde que contendo as deliberações e seus fun-
damentos, bem como eventuais votos divergentes.
Recomenda-se que a ata seja redigida com clareza, registrando
todas as decisões tomadas, abstenções de voto por conflitos de interes-
ses, responsabilidades e prazos para a execução das medidas aprovadas.
O documento deve ser objeto de aprovação formal e assinado por todos
os conselheiros presentes. Também é recomendável que as atas circu-
lem entre os conselheiros, para comentários e eventuais modificações,
antes de sua aprovação, registro e encaminhamento para os responsá-
veis pela execução das decisões539.
É possível que seja mantida reserva a respeito de discussão sobre
matéria sigilosa que não tem por objeto produzir efeitos perante terceiros.
No caso, tais deliberações podem constar de documento separado, não
disponibilizado ao público nem arquivado na Junta Comercial.

538 Ver os comentários ao art. 157 da Lei das S.A.


539 A esse respeito, ver o item 2.39 da 4" edição do "Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa" do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
SEÇÃO II

DIRETORIA

Composição
"Art. 143. A diretoria será composta por 2 (dois) ou mais direto-
res, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de admi-
nistração, ou, se inexistente, pela assembleia geral, devendo o
estatuto estabelecer:

I - o número de diretores, ou o máximo e o mínimo permitidos;

II - o modo de sua substituição;

III - o prazo de gestão, que não será superior a 3 (três) anos, per-
mitida a reeleição;

IV - as atribuições e poderes de cada diretor.

§ I o Os membros do conselho de administração, até o máximo de


1/3 (um terço), poderão ser eleitos para cargos de diretores.

§ 2 o O estatuto pode estabelecer que determinadas decisões,


de competência dos diretores, sejam tomadas em reunião da
diretoria."

Compete aos diretores a gestão ordinária dos negócios sociais, as-


sim como a representação da companhia. Os diretores compõem órgão
da companhia, decorrendo suas atribuições das normas legais e estatu-
tárias, não de mandato, contrato de trabalho ou de prestação de serviços.
Assim, ainda que o artigo 157, § 1°, alínea "d", equivocadamente,
mencione as "condições do contrato de trabalho'firmadoscom os diretores,
não é possível a cumulação das 2 (duas) figuras, diretor e empregado, na
mesma pessoa. Com efeito, estando cjs empregados, em virtude de sua
relação de subordinação, submetidos' às determinações dos diretores, é
incompatível com os princípios da organização societária e trabalhista
admitir que uma mesma pessoa exerça trabalho subordinado à diretoria
e cargo nesse órgão540.
Podem-se distinguir 2 (duas) hipóteses na eleição do diretor:
(i) aquela em que é eleito um profissional do mercado; e (ii) aque-
la em que se elege alguém que já mantinha relação de emprego
com a companhia.
Não há qualquer dúvida de que terceiro eleito diretamente para
o cargo de diretor não assume a condição de empregado, passando,
desde sua eleição e investidura, à condição de órgão societário, cu-
jos poderes e responsabilidades decorrem da Lei das S.A. e do esta-
tuto; a relação jurídica que se estabelece, , assim, é de natureza
societária, não empregatícia541.
Da mesma forma, o empregado, ao ser eleito e investido no cargo de
diretor, deve ter seu contrato de trabalho suspenso, passando a ter com a
companhia uma relação orgânica, incompatível com a empregatícia; com
efeito, é inadmissível que o trabalhador seja, ao mesmo tempo, dirigente
de empresa e seu subordinado hierárquico542.

540 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4 J edição,


São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1 65.
541 Ver a decisão da 3a Turma do Tribunal Superior do Trabalho, proferida no Recurso de Revista
n° 13993-08.1990.5.02.5555, Rei. Des. Manoel Mendes de Freitas, j. em 07.10.1991,
publicada no DJU em 14.11.1991.
542 • MOZART VICTOR RUSSOMANO. Comentários à CLT. 10a edição, Rio de Janeiro: Forense,
p. 18. No mesmo sentido, a Súmula 269 do TBT dispõe que o "empregado eleito para
ocupar cargo de diretor tem o respectivo contraio de trabalho suspenso, não se computando
o tempo de serviço deste período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à
relação de emprego". Verificamos idêntica orientação no direito espanhol, em que se admite
a compatibilidade entre a relação empregatícia e' a societária somente se o diretor também
desenvolve uma atividade diversa na sociedade, como engenheiro, contador, especialista
em alguma matéria, sendo regra a impossibilidade de se submeter a relação do administrador
com a sociedade ao regime do direito do trabalho (FERNANDO SÁNCHEZ CALERO. Los
Administradores de Ias Sociedades de Capital, Pamplona: Arazandi, 2007, p. 271). Da
mesma forma, em Portugal entende-se que a relação mantida entre administrador e socieda-
de não se submete ao direito do trabalho (ANTÔNIO MENEZES CORDEIRO. Da Responsa-
bilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais. Lisboa: Lex, 1997, p. 393).
Em princípio, o diretor age com autonomia dentro das atri-
buições estatutariamente definidas; é recomendável, aliás, que o
estatuto discipline com detalhe os poderes de cada diretor, defi-
nindo precisamente a sua área de atuação. Isso não significa que
não possa haver reuniões de diretoria, nas quais se verifique deE-
beração coletiva a respeito de determinados assuntos. Algumas das
principais funções da diretoria são exercidas mediante deliberação
colegiada, como ocorre na elaboração das demonstrações finan-
ceiras. Em companhia sem conselho de administração, ademais, o
estatuto pode prever que a diretoria desempenhará funções típicas
daquele órgão, como fixar a orientação dos negócios da compa-
nhia, manifestar-se sobre determinados atos ou contratos, autori-
zar a alienação de bens do ativo permanente e propor à assembleia
geral alterações estatutárias.
É bastante comum, em companhias fechadas, a previsão estatutária
de atuação colegiada da diretoria, inclusive sendo usual, embora não dese-
jável, que o estatuto não atribua competência individual aos diretores.
Existindo conselho de administração, as funções que lhe são atri-
buídas pela Lei das S.A. não podem ser exercidas pela diretoria, dado o
princípio da indelegabilidade. Ainda assim, a diretoria pode reunir-se
para apreciar e decidir colegiadamente determinadas matérias, previstas
no estatuto, que depois serão postas em prática pelo diretor da área. O
que diferencia fundamentalmente os 2 (dois) órgãos não é a maneira
como decidem, mas o fato de que a diretoria, embora possa agir de for-
ma colegiada ou não, deve sempre ter diretores com poderes para atuar
individualmente; ou seja, a diretoria não constitui um órgão colegiado
permanente. Já o conselho de administração sempre age mediante deli-
beração coletiva, não detendo seus membros, com exceção do presiden-
te, a depender de norma estatutária expressa, atribuições individuaisS43.
A companhia deve ter pelo menos 2 (dois) diretores. O esta-
tuto pode estabelecer número certo ou mínimo e máximo de dire-
tores, caso em que a assembleia ordinária, ao elegê-los, determinará
o número de diretores para aquela gestão. Havendo conselho de
administração, serão por ele eleitos; caso não exista conselho, a
competência é da assembleia geral.
Não é juridicamente possível que o diretor seja escolhido por
outra forma, pois somente o conselho de administração ou a assem-
bleia geral tem competência para proceder à sua eleição. Assim, os
chamados "diretores de cartão", que não são eleitos por nenhum dos
2 (dois) órgãos, não têm legitimidade para atuarem como órgão da
companhia, embora possam, eventualmente, com fundamento na
teoria da aparência, acarretar a sua responsabilidade por obrigações
contraídas frente a terceiros de boa-fé544-S4S.
Os diretores são eleitos em conjunto, por "chapa", embora se
admita mandatos intercalados, que podem ser úteis para se evitar a
descontinuidade no desempenho das atividades de gestão dos negó-
cios sociais. A destituição dos diretores, quer tenham sido eleitos pela
assembleia, quer pelo conselho, pode ocorrer a qualquer tempo, sem
necessidade de justificativa; ainda que tenham um prazo de gestão,
são sempre demissíveis ad nutum.
O acionista minoritário não tem o direito de requerer a adoção
do voto múltiplo para a eleição dos diretores. O Projeto de Lei que
resultou na Lei n° 10.303/2001 havia previsto nova redação ao caput,
mediante a qual deveria ser utilizado o voto múltiplo quando a eleição
dos diretores fosse feita pela assembleia geral. A alteração foi vetada,
sob o fundamento de não ser o voto múltiplo compatível com a natu-
reza da diretoria, à qual cabe a função executiva, com responsabilida-
des concretas para implementar o objeto da companhia, diversamente

544 Ver os comentários ao art. 144 da Lei das S.A.


545 Ver, a propósito, a decisão do Colegiado da CVM proferida nos autos do Processo Admi-
nistrativo Sancionador CVM n° RJ 04/2005, Rei. Pres. Marcelo Trindade, j. em 12.12.2006.
do que ocorre com o conselho de administração, que constitui órgão de
deliberação colegiada e de formulação das políticas gerais da companhia.
Nada impede, porém, que o estatuto de companhia fechada adote
tal sistema, desde que atribua à diretoria, além de suas funções de ges-
tão e representação, competência para formular a estratégia geral dos
negócios mediante reunião de seus membros; com efeito, não há qual-
quer norma imperativa vedando a utilização do voto múltiplo mediante
opção dos acionistas expressa no estatuto546.
Cabe ao estatuto disciplinar o modo de substituição dos direto-
res. É usual, particularmente nas companhias fechadas, em que há
um número reduzido de diretores, que um diretor substitua o outro,
quando o cargo fica vago, completando o seu mandato até a próxima
assembleia geral ordinária.
Deve ainda o estatuto estabelecer o prazo de gestão, de até 3
(três) anos, permitida a reeleição. Trata-se de matéria na qual prevale-
ce a vontade dos acionistas, dentro dos limites legais; assim, pode o
estatuto livremente dispor sobre a reeleição, a qual é cabível no seu
silêncio. Ainda que o estatuto contenha regra sobre reeleição, pode a
assembleia geral decidir não aplicá-la no final do prazo de gestão. Se
os acionistas podem destituir os diretores a qualquer tempo, sem jus-
tificativa, no curso do mandato, com muito mais razão podem fazê-lo
no seu término, ainda que prevista a reeleição.
Os poderes e atribuições dos diretores também devem ser disci-
plinados no estatuto. Caso á companhia tenha um conselho de ad-
ministração, as atribuições previstas no artigo 142 são de sua
competência privativa e indelegável. Não existindo conselho, tais atri-
buições (exceto as absolutamente incompatíveis, como as dos incisos
II, III e V) pod em ser absorvidas pela diretoria, que as exercerá em

Em sentido contrário, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida nos autos da


Ação Rescisória n° 2S9/DF, Rei. Min, César Asfor Rocha, j. em 30.11.1993, publicada no
DJU em 07.03.1994, disponível em: <www.stj.gov.br>.
reuniões, mediante a deliberação majoritária de seus integrantes. Nada
impede que o estatuto atribua outras funções à diretoria que também
devam ser exercidas mediante deliberação.
E recomendável que o estatuto estabeleça detalhadamente as atri-
buições e poderes de cada diretor, disciplinando a organização interna da
companhia, evitando superposições de funções e permitindo a sua res-
ponsabilização pessoal pelas infrações cometidas. Nas companhias de
pequeno ou médio porte, usualmente, o mesmo diretor acumula diversas
atribuições, como gestão financeira, administrativa, de recursos huma-
nos, etc. Já nas grandes empresas, dada a sua maior complexidade, os
estatutos estabelecem uma disciplina mais rígida e especializada. De qual-
quer sorte, a Lei das S A . deixou a critério de cada companhia disciplinar
o regramento das funções e atribuições dos diretores, com maior ou me-
nor compartimentalização de atividades.
Recomenda-se que a companhia tenha um diretor presidente, res-
ponsável pela gestão da organização e coordenação da diretoria, atuan-
do como um elo entre esta e o conselho de administração ou os
acionistas; é importante o seu comparecimento a todas as assembleias
gerais, para responder as indagações dos acionistas e explicar as pro-
postas apresentadas pela administração547.
Incumbe ainda ao diretor presidente, em conjunto com os de-
mais diretores, elaborar e implementar todos os processos operacio-
nais e financeiros, assim como sistemas de controles internos548.
Ainda que a Lei das S.A. permita que até 1/3 (um terço) dos
membros do conselho de administração sejam eleitos para cargos
de diretores, não é recomendável tal "promiscuidade administrati-
va", exceto para companhias de menor porte ou com escassez de

547 Diversamente do que ocorre na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos, não e
usual, entre nós, o comparecimento do diretor presidente à assembleia geral. A esse
respeito, ver a matéria de autoria de JANES ROCHA, "Comando Fora de Alcance", Jornal
Valor Econômico. Rio de Janeiro, 12.07.2010, p. D1.
548 Sobre esse assunto, ver os itens 3.1 e 3.6 da 4a edição do "Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa" do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
recursos, uma vez que se confundem as figuras dos fiscalizados
com os seus "fiscais".

Representação
"Art. 144. No silêncio do estatuto e inexistindo deliberação do con-
selho de administração (artigo 142, n° II e parágrafo único), com-
petirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática
dos atos necessários ao seu funcionamento regular.

Parágrafo único. Nos limites de suas atribuições e poderes, é lícito


aos diretores constituir mandatários da companhia, devendo ser
especificados no instrumento os atos ou operações que poderão
praticar e a duração do mandato, que, no caso de mandato judicial,
poderá ser por prazo indeterminado."

Com base na teoria organicista, adotada na Lei das S.A., os admi-


nistradores não são mandatários nem representantes da companhia,
mas atuam como se fossem ela própria. Na representação há 2 (duas)
vontades, a do representante e a do representado; na atuação do admi-
nistrador só existe uma vontade, que é a da sociedade, a qual se mani-
festa pelos membros do órgão dotado de competência para tanto.
Assim, a expressão "representação da companhia" constitui pura
conveniência terminológica, de vez que não há representação no sen-
tido técnico jurídico. Os administradores, investidos do "poder de re-
presentação", agem como se fossem a companhia, já que a
administração de que participam constitui um órgão integrante da
estrutura da pessoa jurídica549.
A companhia, enquanto pessoa jurídica, ente da razão, necessi-
ta, para atuar, da manifestação de pessoas físicas, que, como órgãos

549 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Inoponibilidade das Restrições Estatutárias
aos Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anônimas". In:
Pareceres. v. II, São Raulo: Singular, 2004, p. 815.
seus, possam expressar a sua "vontade". Assim, o órgão de adminis-
tração é portador da vontade da pessoa jurídica. A Lei das S.A. consi-
dera que os titulares do órgão, os administradores, são os representantes
da companhia; trata-se, porém, de representação não voluntária, mas
orgânica ou institucional. Com efeito, o âmbito do poder de repre-
sentação do administrador não é determinado pela vontade da socie-
dade, mas decorre da lei, ou seja, constitui um poder tipificado
legalmente. Dada a necessidade de proteger os interesses dos tercei-
ros que contratam com a sociedade o âmbito do poder dos adminis-
tradores é típico e inderrogável550.
O objetivo do artigo é precisamente o de definir e estabelecer os
limites de atuação dos diretores enquanto representantes orgânicos
da companhia.
Compete aos diretores, em princípio, praticar todos os atos ne-
cessários ao funcionamento regular da companhia, ou seja, aqueles
referentes à sua gestão ordinária, dirigidos direta ou indiretamente à
consecução do objeto social; já os atos de gestão extraordinária, que
são aqueles praticados fora do curso normal dos negócios sociais,
por implicarem em disposição ou oneração do patrimônio, se o es-
tatuto não dispuser a respeito, serão de competência do conselho de
administração ou da assembleia geral.
Como é impossível enumerar a totalidade dos atos que podem ser
praticados pelos diretores, a norma estabelece o princípio de que aque-
les incluídos na gestão ordinária, necessários ao funcionamento nor-
mal, cotidiano da sociedade, estão na sua esfera de competência, salvo
restrições estabelecidas no estatuto ou em deliberação do conselho de
administração. Com efeito, os diretores praticam, no dia a dia da com-
panhia, uma série de atos de gestão ordinária de seus negócios, como
comprar e vender bens ou serviços compreendidos no objeto social,

550 FERNANDO SÁNCHEZ CALERO. Los Administradores de Ias Sociedades de Capital,


Pamplona: Arazandi, 2007, p. 231.
assinar contratos de fornecimento, alugar equipamentos, aplicar
os saldos de caixa no mercado financeiro, contratar e demitir em-
pregados, com relação aos quais não há necessidade de ser ouvido
o conselho de administração ou a assembleia geral, o que "enges-
saria" a administração.
A representação da companhia, no sentido de representação or- .
gânica, é privativa dos diretores, não podendo ser delegada a mem-
bros do conselho de administração, a gerentes ou a terceiros. Assim, a
diretoria, ao contrário do que ocorre com o conselho de administra-
ção, é órgão necessário em todas as sociedades.
Nada dispondo o estatuto, nem havendo deliberação do conselho
de administração a respeito, a representação da companhia pode ser exer-
cida por qualquer dos diretores. Em sociedades pequenas ou médias, com
poucos diretores, normalmente a representação é atribuída, estatutaria-
mente, a todos eles, em conjunto ou individualmente. Já em companhias
de grande porte, com elevado número de diretores, a representação é
usualmente atribuída ao diretor presidente e a mais um dos diretores, em
geral o administrativo e financeiro.
Os diretores podem constituir mandatários da companhia, nos
limites de sua competência, fixada no estatuto ou em ato do conselho
de administração, estabelecendo, no instrumento, os atos que pode-
rão praticar. O mandato pode ser judicial ou extrajudicial O primeiro não
tem prazo certo, mas determinável, de vez que se estende pelo tempo da
ação judicial. Já o segundo deve prever a sua duração, com prazo certo ou
condicionado à conclusão de determinado negócio.
O mandato para a prática de determinados atos pode ser outorgado
a terceiros ou a empregados da companhia. Também se admite o manda-
to conferido a membro do conselho de administração para representar os
interesses da companhia, desde que sua execução não possa prejudicar o
interesse social ou lesar os acionistas minoritários551.

551 A propósito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida no Inquérito Administrativo


CVM n° RJ 2000/4546, Rei. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. em 12.03.2002.
Como o mandato é outorgado pelo diretor na qualidade de re-
presentante orgânico da companhia, é ela quem o outorga; assim, o
eventual afastamento do diretor, qualquer que seja a razão, não acar-
reta a ineficácia ou invalidade do mandato.
Não pode o diretor outorgar todos os seus poderes, pois, nesse
caso, estaria se fazendo substituir no .cargo. Também não pode ou-
torgar a um terceiro poderes legais e estatutários de sua competên-
cia pessoal e exclusiva; assim, entende-se que não pode ser objeto
de mandato a prática de atos que impliquem a supervisão ou o ge-
renciamento dos negócios sociais552.
Nada impede, porém, que os diretores contratem serviços de con-
sultoria econômica, financeira, jurídica, em cujo escopo incluam-se
poderes do contratado de indicar quais as melhores decisões a serem
tomadas pela diretoria ou pelo conselho de administração, com vistas
à produção de determinados resultados. Verifica-se, na prática dos
negócios, a assinatura de tal modalidade de contrato para a recupera-
ção financeira de uma companhia, ou para a busca de um interessado
na sua aquisição; inexistindo usurpação dos poderes dos administra-
dores, que se reservam a palavra final para a conclusão da operação ou
do negócio, tais ajustes são plenamente válidos, ainda que condicio-
nem a sua vigência à aceitação, pelos administradores, das recomen-
dações dos consultores.
Com vistas a minimizar eventuais conflitos de interesse, pode
também ser criado um comitê especial independente para negociar
eventuais operações de fusão, incorporação de sociedades ou incor-
poração de ações entre companhias controladora e controlada ou sob

552 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,


São Raulo: Saraiva, 2009, p. 185; ROMANO CRISTIANO. Órgãos da Sociedade Anônima.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 84. No mesmo sentido, a decisão proferida pela
6 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná nos autos do Agravo de
Instrumento n° 0072474-9, Rei. Des. Antônio Lopes de Noronha, j. em 23.12.1998,
publicada no DOPR em 01.10.2001, disponível em: <www.tjpr.jus.br>.
controle comum, o qual submeterá suas recomendações ao conselho
de administração553.
No grupo de sociedades, instituído mediante uma convenção, na
forma do Capítulo XXI dá Lei das S.A., prevê-se a administração cen-
tralizada de todas as companhias que o integram (artigo 269, inciso VI),
o que acarreta, na prática, a supervisão ou mesmo o gerenciamento das
atividades da companhia por administradores que lhe são estranhos.
O ato do diretor vincula a companhia se não afrontar o objeto social
e se praticado dentro dos limites de seus poderes, estabelecidos na Lei
das S.A., no estatuto ou em deliberação do conselho de administração.
Ou seja, o diretor age na moldura do órgão, limitado por sua esfera de
competência. Em princípio, admite-se a anulação de atos praticados pe-
los diretores em violação das normas legais, estatutárias ou deliberações
do conselho, pois em tais hipóteses não estão agindo como se fossem a
companhia. Assim, por exemplo, se o estatuto condiciona a validade de
atos de disposição do patrimônio da companhia à assinatura de 2 (dois)
diretores, a assinatura de apenas um deles, em princípio, pode ser causa
para a anulação do negócio jurídico554.
Com relação ao objeto social, a posição dominante era no senti-
do de que a sociedade somente estaria obrigada por atos praticados
dentro dos seus limites; atos a ele estranhos não a vinculariam frente
a terceiros, constituindo responsabilidade pessoal dos diretores falto-
sos. Ou seja, aplicava-se a teoria do ultra vires societatis, conforme a
qual, como o objeto social define a capacidade da pessoa jurídica, os

Tratando-se de companhias abertas, a CVM, no Parecer de Orientação CVM n° 35/2008,


recomenda a adoção de tal procedimento para que sejam atendidos os deveres fiduciários
dos administradores.
Sobre esse assunto, ver as seguintes decisões: (i) 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça,
proferida nos autos do Recurso Especial n° 34.250-SP, Rei. Des. Ministro Nelson Naves, j.
em 14.03.1995, publicada no DJU em 22.05.1995, disponível em: <www.stj.gov.br>; e
(ii) 2 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Rjulo, proferida nos autos da
Apelação Cível n c 235286-1, Rei. Des. Antonio Cezar Peluso, j. em 29.04.1997, apud
ALFREDO SÉRGIO LAZZARESCHI NETO. Lei das Sociedades por Ações Anotadas. 3 a
edição, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 321.
atos a ele estranhos seriam nulos555. Ora, tal entendimento foi se reve-
lando inadequado, em grande medida pela dificuldade de se estabelecer
com precisão critérios de pertinência de determinados atos ao objeto
social previsto no estatuto. Ademais, o objeto social é definido em fun-
ção da atividade empresarial, não de atos isolados, muitas vezes instru-
mentais. Nos sistemas que entendem que a capacidade de agir da
sociedade é limitada ao objeto social, como no direito francês, passou-
-se a aceitar a noção de que os atos que o excedem continuam a ser de
responsabilidade pessoal dos administradores, mas vinculam a socieda-
de diante de terceiros de boa-fé. Já para as legislações que reconhecem
a plena capacidade de agir das sociedades, dentro ou fora do objeto
social, como ocorre na Alemanha, os atos estranhos ao objeto social
praticados pelos administradores sempre vinculam a pessoa jurídica, nas
relações externas com terceiros, a menos que estes estejam agindo de
má-fé; assim, o objeto social serve apenas para definir a responsabilidade
dos administradores no âmbito interno da companhia. Nos 2 (dois) sis-
temas entende-se, portanto, que os atos estranhos ao objeto social prati-
cados pelos administradores não são oponíveis a terceiros de boa-fé556.
No direito comunitário europeu, a partir da Diretiva CEE n° 68/
iS7
151 , de 09.03.1968, cujas regras foram incorporadas às legislações na-
cionais, estabeleceu-se que a publicidade dada ao estatuto social pelo re-
gistro competente não é suficiente para excluir a boa-fé de terceiros e a
incompatibilidade entre determinado ato e o objeto social somente é a
eles oponível se a sociedade provar que esses terceiros tinham ciência de
tal fato ou, dadas as circunstâncias, não podiam ignorá-lo.

555 LUIS AUGUSTO ROUX AZEVEDO e VIVIANE ALVES BERTOGNA GUERRA, "Teoria Ultra
Vires Societatis". in: Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (Coord.). Direito Societário
Contemporâneo. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 360.
556 ' LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Inoponibilidade das Restrições Estatutárias aos
Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anônimas". In: Pareceres.
v. II..., p. 810.
557 Essa Diretiva foi posteriormente alterada, apenas no que diz respeito aos requisitos de
publicidade relativamente a certas categorias de sociedades, pela Diretiva CEE n° 2002/
58, de 15.07.2003.
N o direito norte americano, a teoria do ato ultra vires foi prati-
camente abolida, tanto n o Moáel Business Corporation Act como nas
legislações societárias estaduais, servindo apenas para estabelecer in-
ternamente a responsabilidade dos administradores, não para eximir
a sociedade diante de terceiros de boa-fé.
C o m relação às limitações estatutárias aos poderes de represen-
tação, a tendência geral dos sistemas jurídicos é igualmente no senti-
do de entendê-las inoponíveis aos terceiros de boa-fé, considerando
como tais: aqueles que não t i n h a m c o n h e c i m e n t o de sua existência
ou que não eram obrigados a conhecê-las 558 - 559 .
Igual tendência verifica-se n o direito societário brasileiro, que vem
aceitando que as limitações ao p o d e r de contratar dos administrado-
res não são oponíveis a terceiros de b o a - f é que c o m ela contratam,
obrigando, portanto, a sociedade, ressalvado seu direito de regresso
contra os administradores faltosos. H á 2 (duas) razões básicas a a m -
parar tal posição: com base na teoria organicista, entre nós adotada,
embora praticados pelos diretores, os atos são da sociedade, que res-
ponde, assim, p o r c o m p o r t a m e n t o próprio; e a dinâmica das relações
negociais exige que se p r e s u m a a b o a - f é das partes. D a í a consagração
do princípio da inoponibilidade das restrições estatutárias diante de
terceiros de boa-fé, já que tais limitações possuem eficácia interna, ou
seja, nas relações entre sociedade e seus administradores 5 6 0 .

558 LUIZ CASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Inoponibilidade das Restrições Estatutárias aos
Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anônimas". In: Pareceres.
v. II..., p. 826.
559 O Código Civil, contrariando as tendências do direito comparado, assim como a evolução de
nosso direito societário, estabelece no art. 1.015, parágrafo único, inciso III, que: "Art. 1.015.
No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da
sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do
que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores
somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: (...) III
- tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade." O dispositivo
tem merecido críticas acerbas da doutrina: ERASMO VALLADÃO AZEVEDO NOVAES E FRAN-
ÇA e MARCELO VON ADAMEK, "Vinculação da Sociedade: Notas Críticas ao Art. 1.015 do
Código Civil", Revista do Advogado da AASP. São Paulo: AASP, v. 96, março, 2008, p. 65.
560 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Inoponibilidade das Restrições Estatutárias aos
Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anônimas". In: Pareceres.
Assim, com base na "teoria da aparência", o direito estabelece
a vinculação da sociedade por obrigações contraídas em seu nome,
mesmo que fora do seu objeto social e por pessoas que não tinham
poderes para representá-la, com vistas à proteção do terceiro de
boa-fé, que não tinha razões para desacreditar que estava contra-
tando regularmente com a pessoa jurídica 561 .
Por outro lado, a proteção aos terceiros de boa-fé não justifica a
transferência da responsabilidade para a sociedade como regra ge-
ral, sem exceções, o que poderia fazer com que o patrimônio social
ficasse comprometido pelos atos de administradores faltosos. Apli-
ca-se a teoria da aparência em benefício da pessoa que possa ser
qualificada como o "homem médio"562. Aquele que, em razão de sua
profissão ou atividade, sabia ou devia saber da existência de limites
estatutários à pratica de atos dos diretores não pode dela se benefi-
ciar. Com efeito, em princípio, não se concluem operações de vulto
entre grandes companhias sem que cada uma das partes, assessora-
da por seus advogados, examine o estatuto da outra para verificar se
os representantes legais de fato detêm os poderes necessários à as-
sinatura dos contratos.

V. il..., 827; JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "Responsabilidade dos Administra-


dores de Sociedades Anônimas". Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, São Fàulo: Revista dos Tribunais, v. 42, abril-junho, 1981, p. 77.
561 A jurisprudência de nossos tribunais tem consagrado a "teoria da aparência" em inúmeras
decisões, tais como: (i) 8a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São
Raulo, nos autos da Apelação Cível n° 122.713-4/9-00-SP, Rei. Des. Zélià Maria Antunes
Alves, j. em 02.09.2002, publicada no D O S P em 24.09.2002, disponível em:
<www.tj.sp.gov.br>; (ii) 8o Grupo de Câmaras Extraordinárias do 1o Tribunal de Alçada Cível
do Estado de São Paulo, nos autos dos Embargos Infringentes n° 646.796-9/02, Rei. Juiz
Hélio Lobo Júnior, j. em 18.08.1998, publicada nó DOSP em 23.10.1998 e na Revista dos
Tribunais. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 762, abril, 1999, p. 260-270; e (iii) 16a
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos da Apelação Cível
n° 2004.001.10676, Rei. Des. Mario Robert Mannheimer, j. em 29.03.2005, publicada no
DORJ em 19.04.2005, disponível em: <www.tjrj.jus.br>.
562 ORLANDO GOMES. Transformações Gerais do Direito das Obrigações. 2 a edição, São
ftjulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980, p. 124-125.
SEÇÃO 511

ADMINISTRADORES

Normas comuns
"Art. 145. As normas relativas a requisitos, impedimentos, in-
vestidura, remuneração, deveres e responsabilidade dos admi-
nistradores aplicam-se a conselheiros e diretores."

A norma estabelece o princípio da igualdade entre diretores, mem-


bros do conselho de administração e de órgãos técnicos e consultivos
criados pelo estatuto, com relação a: (i) requisitos; (ii) impedimentos; (iii)
investidura; (iv) remuneração; e (v) deveres e responsabilidades.
Não se aplica o dispositivo aos membros do conselho fiscal, para
os quais há normas próprias (artigo 162), e para os membros de órgãos
técnicos e consultivos não previstos no estatuto social563 (artigo 160).
O preceito deve ser interpretado com extrema cautela, particular-
mente com relação aos deveres e responsabilidades dos administrado-
res. Em primeiro lugar, trata-se de norma geral; se eventualmente
conflitar com os dispositivos que disciplinam a atuação dos diretores e
conselheiros, prevalecem os últimos, por serem especiais. Em segundo
lugar, sua aplicação mecânica aos administradores, sem levar em conta
as suas funções específicas e a forma como atua o órgão de que partici-
pam, pode ser fonte de graves equívocos e injustiças564.

563 Ver comentários aos arts. 160 e 162 da Lei das S.A.
564 A esse respeito, ver o voto do diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos na decisão
proferida nos autos do Inquérito Administrativo n° TA - RJ 2002/1173 da CVM, j. em
02.10.2003, que observa ser "de capital importância que os dispositivos referentes a deveres
e responsabilidades dos administradores não sejam aplicados mecanicamente, sem prévia
interpretação, à luz das estruturas, modalidades e atividades dos órgãos da administração e,
mais ainda, do mundo real, para se evitar os excessos utópicos, de que falava a exposição de
motivos da anteprojeto da Lei 6.404/76. É fundamental que, no momento de se aplicar estes
dispositivos, se mergulhe, profundamente, nas estruturas destes órgãos sociais, conselho de
administração e diretoria, e suas respectivas formas de atuar, sem se ignorar as suas
especificidades, desde o modo de atuação, notadamente quanto à forma de deliberação."
Os deveres e responsabilidades dos administradores não são idênti-
cos, ainda que se orientem por princípios semelhantes. Dois elementos
são essenciais à aplicação da norma ao caso concreto: (i) a forma de fun-
cionamento do órgão em que atua o administrador, se colegiado e delibe-
rativo ou se executivo; e (ii) as funções específicas do administrador,
definidas no estatuto ou em outros documentos internos da companhia.
Por exemplo, a norma que trata do dever de informar fato relevan-
te (artigo 157, § 4°) não pode ser aplicada da mesma forma ao diretor
que tem acesso direto e imediato à informação e ao membro do conse-
lho de administração que eventualmente saberá de sua existência se for
levada à reunião do órgão. O mesmo ocorre com a norma que define
como infração ao dever de lealdade a omissão do administrador no
exercício de direitos da companhia (ártigo 155, inciso II); não se pode
responsabilizar da mesma forma o diretor e o membro do conselho de
administração por tal infração se a esfera de atuação de cada um é ab-
solutamente diversa, os momentos em que terão acesso à informação
são diferentes, assim como distintas são as possibilidades de atender ao
dever de lealdade em determinado caso concreto.
Assim, embora os deveres e responsabilidades previstos na Lei
das S.A., em sua Seção IV", alcancem, em abstrato, como padrões de
conduta, todos os administradores, deverão, em sua aplicação, ter
em vista concretamente as funções efetivas que desempenham e os
órgãos de que participam.

Requisitos e impedimentos
"Art. 146. Poderão ser eleitas para membros dos órgãos de admi-
nistração pessoas naturais, devendo os diretores ser residentes
no País. (Redação dada pela Lei n° 12.431/2011).

§ 1° A ata da assembleia geral ou da reunião do conselho de adminis-


tração que eleger administradores deverá conter a qualificação e o pra-
zo de gestão de cada um dos eleitos, devendo ser arquivada no registro
do comércio e publicada. (Redação dada pela Lei n 10.303/2001)
§ 2° A posse do conselheiro residente ou domiciliado no exterior
fica condicionada à constituição de representante residente no
País, com poderes para receber citação em ações contra ele pro-
postas com base na legislação societária, mediante procuração
com prazo de validade que deverá estender-se por, no mínimo, 3
(três) anos após o término do prazo de gestão do conselheiro."
(Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

A norma apresenta caráter cogente, prevalecendo sobre regras estatu-


tárias e mesmo sobre a vontade dos acionistas. Trata-se de comando legal
de sentido exclusivo e não facultativo, ou supletivo da vontade dos acionis-
tas; na realidade, o "poderão" do caput significa "somente poderão"565.
Nada impede que o estatuto estabeleça normas complementares à
Lei das S.A., em caráter geral, exigindo certos requisitos mrnimos para
a eleição dos administradores, tais como: (i) escolaridade; (ii) especiali-
zação em determinada atividade; (iii) conhecimentos específicos sobre
o setor em que a companhia atua; e (iv) experiência profissional prévia.
Não pode o estatuto, porém, estabelecer requisitos de elegibili-
dade que se apliquem apenas a certos membros do conselho de ad-
ministração, a depender da forma de sua eleição566. Assim, seria ilegal
disposição estatutária exigindo que os conselheiros eleitos pelos
minoritários, na eleição em separado ou mediante voto múltiplo,
devem atender a determinados requisitos, inexistentes para os de-
mais, por fraudar as normas legais que permitem a representação
dos minoritários no órgão.
Esse dispositivo gerava, desde a fase de discussões prévias à promul-
gação da Lei n° 10.303/2001, por ocasião das reformas ocorridas em
2001, intensas discussões, particularmente com relação a 3 (três) ques-
tões polêmicas: (i) o requisito do domicílio dos administradores; (ii) a

565 FÁBIO KONDER COMPARATO. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo:
Saraiva, 1990, p. 198.
Sobre esse assunto, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida nos autos do Proces-
so Administrativo CVM n° RJ 2007/0191, j. em 23.01.2007.
necessidade de ser acionista para integrar o conselho de administração;
e (iii) a obrigatoriedade de ser pessoa natural para ocupar qualquer
carço de administrador.
Na redação original do anteprojeto que se converteu na Lei
das S.A. havia 2 (duas) inovações importantes com relação ao regi-
me anterior (Decreto-Lei n° 2.627/1940): (i) a possibilidade de elei-
ção de conselheiros residentes" no exterior, até o máximo de 1/3 (um
terço) de seus membros; e (ii) a aceitação da pessoa jurídica como
administrador. Ambas, aliás, bastante razoáveis e compatíveis com
a mais eficiente gestão empresarial.
Particularmente, com relação à aceitação de conselheiros não
residentes no País, verificou-se grande polêmica, com acusações de
que o anteprojeto seria inconstitucional e protetor de empresas mul-
tinacionais; sensível a tais críticas, o Congresso, mediante emenda
aprovada na Câmara dos Deputados, alterou o caput, proibindo a
eleição de não residentes para o conselho de administração.
A Lei n° 10.194/2001, por sua vez, restaurou a razoabilidade
na disciplina do conselho de administração, alterando a redação
do caput para permitir a eleição de não residentes, sem qualquer
limitação percentual, para ocuparem cargos no órgão.
Porém, na tramitação da Lei n° 10.303/2001, foi apresentada
subemenda substitutiva às emendas do plenário, aprovada pela Câ-
mara dos Deputados, que passou a exigir que 2/3 (dois terços) dos
membros do conselho de administração tivessem residência no País.
Tal
proposta foi vetada pelo Presidente da República, sob a correta
justificativa de que, tratando-se o conselho de administração de ór-
gão deliberativo e que não pode representar a companhia, é desa-
conselhável a exigência de que qualquer percentual de sua
composição deva residir no País; tal exigência poderia, ademais, acar-
retar um obstáculo ao livre exercício do direito dos acionistas de
votarem, particularmente em joint ventures formadas por empresas
estrangeiras, representando, na prática, uma reserva de mercado de
cargos de conselheiro567.
Com o veto presidencial, permaneceu em vigor a redação desse
artigo, tal como alterada pela Lei n° 10.194/2001, de sorte que todos os
membros do conselho de administração podem ser residentes no exte-
rior. Com efeito, embora os diretores, que conduzem a administração
ordinária da companhia, no seu dia a dia, devam residir no País, seria
descabida essa exigência para os membros do conselho de administra-
ção, tendo em'vista a natureza e as funções do órgão568. Da mesma
forma, não é necessário que os integrantes de órgãos técnicos ou con-
sultivos - que não representam a companhia nem desempenham fun-
ções de administração ordinária - sejam residentes no País.
Quando os membros do conselho de administração ou de ór-
gãos técnicos ou consultivos residem no exterior, não é necessária a
sua presença física às reuniões, que podem ser validamente realiza-
das mediante tele ou videoconferência, desde que seja possível a
identificação dos conselheiros que manifestam suas opiniões e vo-
tos e que sejam regularmente lavradas e registradas as atas dessas
reuniões (artigo 142, § 1°).
Todos os diretores devem ser residentes no País, o que se justifica
pelo fato de desempenharem as atividades inerentes à administração
ordinária e à representação da companhia.
A Lei das S.A. deve ser interpretada como se referindo à resi-
dência domiciliar, ou seja, habitação em caráter definitivo e perma-
nente, não a mera estada passageira ou ocasional no País; trata-se, a
residência permanente, de um fato jurídico cujo substrato concreto, a
efetiva habitação, deve ser demonstrada569.

567 LUIZ LEONARDO CANTIDIANO. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 187-188.
568 Ver os comentários aos arts. 140 e 142 da Lei das S.A.
569 FABiO KONDER COMPARATO. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres..., p. 213.
Com a promulgação da Lei n° 12.431/2011, não vigora mais a
regra de que todos os membros do conselho de administração devem
ser acionistas da companhia, exigência que não existia - e continua
não existindo - para os diretores. Tal requisito era justificado doutri-
nariamente pela existência de uma distinção entre propriedade e ges-
tão; no entendimento anterior, o conselho de administração seria
constituído por pessoas ("proprietários") que teriam um interesse maior
nos destinos da companhia, enquanto a diretoria constituiria órgão
técnico, de gestão, procurando agir de modo a produzir lucros570.
Tratava-se de exigência anacrônica, que, por este motivo, foi
abolida de nossa legislação societária; na prática, os conselheiros
não acionistas, ao assumirem seus cargos, recebiam 1 (uma) ação e
comprometiam-se a devolvê-la quando expirasse seu mandato. Como
a Lei das S.A. não tinha estabelecido qualquer percentual mínimo
de participação acionária, podia ser membro do conselho de admi-
nistração o acionista com 1 (uma) ação, com ou sem direito de voto.
Não mais se concebia a manutenção de tal ficção em nosso direito
societário, uma vez que o titular de 1 (uma) ação não pode ser con-
siderado mais interessado nos destinos da sociedade do que o dire-
tor, que muitas vezes tem parte substancial de sua remuneração
atrelada aos lucros que a companhia gerar.
A Lei das S.A. exige que todos os administradores - membros do
conselho de administração e de órgãos técnicos ou consultivos estatutá-
rios, bem como diretores - sejam pessoas naturais. Na redação do seu
anteprojeto, tais cargos poderiam ser ocupados por pessoas jurídicas; para
permitir a responsabilidade pessoal do administrador, que poderia ficar
diluída na pessoa jurídica, exigia-se que as atribuições do administrador
pessoa jurídica fossem exercidas por pessoa natural previamente desig-
nada, que teria todos os deveres e responsabilidades do administrador,

570 FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. II, Rio de Janeiro: Foren-
se, 1978, p. 320.
sem prejuízo da responsabilidade solidária da pessoa jurídica que o
designara. Lamentavelmente, na tramitação na Câmara dos Deputa-
dos, deu-se nova redação ao dispositivo, pela qual somente a pessoa
natural pode exercer cargo de administrador de companhia571.
Trata-se de preceito também criácável, uma vez que, tal como redi-
gida a norma no anteprojeto, permitia maior flexibilidade e maior segu-
rança à gestão empresarial, prevendo-se a solidariedade da pessoa jurídica
do administrador com a pessoa natural que havia designado.
Embora os administradores sejam pessoas naturais, nada im-
pede que a companhia contrate pessoa jurídica especializada para
assessorá-los no desempenho de suas atividades, o que é bastante
comum em situações de saneamento da empresa ou de busca de
novos controladores ou acionistas com participações relevantes.
Em tais situações, é inequívoco que, na prática, a pessoa jurídica
contratada recomenda ou mesmo indica aos administradores as
melhores medidas a serem adotadas, restando-lhes as funções de
representação da companhia e de assinatura dos documentos e
atos necessários ao desenvolvimento regular de suas atividades.
Nos termos do § 1°, deve constar da ata de eleição dos admi-
nistradores a qualificação e o prazo de gestão de cada um, que não
poderá ser superior a 3 (três) anos, permitida a reeleição, tanto dos
conselheiros de administração (artigo 140) como dos diretores (ar-
tigo 143, inciso III). Uma vez lavrada, a ata de eleição deverá ser
arquivada na Junta Comercial e publicada (artigo 289).
Vale notar que a averbação na Junta Comercial da ata de eleição
não é constitutiva da condição de administrador, mas simplesmente
declaratória; uma vez eleito e investido em seu cargo, o administrador
passa a ser plenamente responsável por seus atos e omissões, não

O Código Civil, em seu art. 1.060, admite para a sociedade limitada a administração por
pessoa jurídica, mantendo posição já adotada no regime legal anterior (Decreto n° 3.708/
1919).
constituindo a averbação tardia da ata motivo de redução do período
de responsabilidade^72.
Conforme o § 2°, com a nova redação dada pela Lei n° 10.303/
2001, o conselheiro residente no exterior deverá constituir procura-
dor no País, com poderes para receber citação em ações propostas
com base na legislação societária. Mediante aplicação analógica do
§ 2° do artigo 149, entende-se que a procuração também deverá
conter poderes para receber intimações em processos administrativos573.
O prazo de validade da procuração deve ser de pelo menos 3 (três)
anos após o término do prazo de sua gestão, coincidente, assim,
com o prazo de prescrição de 3 (três) anos para a propositura de
ações de responsabilidade civil contra o administrador (artigo 287,
inciso II, alínea "b").

"Art. 147. Quando a lei exigir certos requisitos para a investidura em


cargo de administração da companhia, a assembleia geral somente
poderá eleger quem tenha exibido os necessários comprovantes, dos
quais se arquivará cópia autêntica na sede social.

§ 1° São inelegíveis para os cargos de administração da compa-


nhia as pessoas impedidas por lei especial, ou condenadas por
crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concus-
são, peculato, contra a economia popular, a fé pública ou a pro-
priedade, ou a pena criminal que vede, ainda que
temporariamente, o acesso a cargos públicos.

§ 2° São ainda inelegíveis para os cargos de administração de compa-


nhia aberta as pessoas declaradas inabilitadas por ato da Comissão de
Valores Mobiliários.

572 A esse respeito, ver a decisão da I a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, proferida nos autos da Apelação Cível n° 70007016645, Rei. Des. Irineu
Mariani, j. em 19.05.2004, publicada no D O RS em 19.05.2004.
573 JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a
188). V. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 365.
§ 3° O conselheiro deve ter reputação ilibada, não podendo ser elei-
to, salvo dispensa da assembleia geral, aquele que: (Incluído pela Lei
n° 10.303/2001)

I - ocupar cargos em sociedades que possam ser consideradas con-


correntes no mercado, em especial, em conselhos consultivos, de
administração oufiscal;e (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

II - tiver interesse conflitante com a sociedade. (Incluído pela Lei n°


10.303/2001)

§ 4° A comprovação do cumprimento das condições previstas no §


3o será efetuada por meio de declaração firmada pelo conselheiro
eleito nos termos definidos pela Comissão de Valores Mobiliários,
com vistas ao disposto nos artigos 145 e 159, sob as penas da lei."
(Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

O artigo trata dos requisitos e impedimentos para que alguém possa


ser eleito e investido no cargo de administrador de sociedade anônima. A
Lei das S.A. praticamente repetiu o regime anterior, marcado por uma
feição "publicista", equiparando-se em grande medida o administrador
ao ocupante de cargo público574. Com a promulgação da Lei n° 10.303/
2001, foram acrescentados os §§ 3° e 4°, demonstrando a preocupação
do legislador reformista com a questão dos conflitos de interesses.
Ainda que o estatuto não possa suprimir ou modificar os requisi-
tos e impedimentos, nada impede que acrescente outras exigências para
o preenchimento dos cargos de administração575.

574 O Código Civil é ainda mais rigoroso com relação aos impedimentos, para os demais tipos
societários, ao dispor, em seu art. 1.011, § 1o, que: "Não podem ser administradores, além
das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que
temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime (alimentar, de prevaricação,
peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema
financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de
consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação".
575 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro, v. 2, São R)ulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 461-462.
Pode-se, assim, estabelecer requisitos de formação acadêmica, espe-
cialização em determinado setor de atividades, experiência profissional,
tempo de serviço na companhia, idade mínima e máxima. E até mesmo
desejável que, tratando-se de órgãos técnicos e consultivos, exija-se for-
mação adequada para o preenchimento de seus cargos; assim, por exem-
plo, em muitas companhias o estatuto estabelece que a maioria dos
membros do comitê de auditoria deve ter formação em contabilidade ou
finanças. Por outro lado, não cabe o estabelecimento de requisitos ou
causas de elegibilidade apenas para membros do conselho de administra-
ção eleitos pelo sistema de voto múltiplo ou votação em separado, o que
poderia constituir expediente de opressão aos direitos dos minoritários.
A lei especial pode também exigir certos requisitos para o ad-
ministrador. E o que ocorre, por exemplo, com os administradores
de instituições financeiras, que devem atender às exigências esta-
belecidas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Cen-
tral, referentes à capacitação técnica e financeira576-577. Embora,
em princípio, os acionistas não estejam sujeitos aos requisitos e
impedimentos previstos neste artigo e no artigo 146, nada impede

576 Os arts. 10, inciso XI, e 33 da Lei n° 4.595/1964 outorgam competência ao Banco Central
para estabelecer condições para a posse e para o exercício de quaisquer cargos de adminis-
tração de instituições financeiras privadas.
577 A Resolução CMN n° 3.041/2002 estabelece os seguintes requisitos básicos para membros de
órgãos estatutários de instituição financeira privada: (i) ter reputação ilibada; (ii) ser residente
no Fàís, nos casos de diretor, de sócio-gerente e de conselheiro fiscal; (iii) não estar impedido
por lei especial, nem condenado por crime falimentar, de sonegação fiscal, de prevaricação, de
corrupção ativa ou passiva, de concussão, de peculato, contra a economia popular, a fé
pública, a propriedade ou o Sistema Financeiro Nacional, ou condenado a pena criminal que
vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; (iv) não estar declarado inabili-
tado ou suspenso para o exercício de cargos de conselheiro de administração, de diretor ou de
sócio-gerente em instituições financeiras ou em outras instituições sujeitas à autorização, ao
controle e à fiscalização de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta,
incluídas as entidades de previdência complementar, as sociedades seguradoras, as socieda-
des de capitalização e as companhias abertas; (v) não responder, em qualquer empresa da qual
seja controlador ou administrador, por pendências relativas a protesto de títulos, cobranças
judiciais, emissão de cheques sem fundos, inadimplemento de obrigações e outras ocorrências
ou circunstâncias análogas; e (vi) não estar declarado falido ou insolvente, nem ter participado
da administração ou ter controlado firma ou sociedade concordatária, em recuperação judicial,
ou insolvente. O art. 2°, parágrafo único, dessa Resolução prevê a possibilidade do Banco
Central aceitar a homologação do nome de pretendentes que não atendam aos requisitos "(v)"
e "(vi)", procedendo à uma análise individual.
que lei especial regule a-matéria; é o que ocorre com os acionistas
controladores de instituições financeiras, que também devem de-
monstrar que preenchem condições de capacitação financeira578.
Não obstante constar do caput referência apenas à assembleia ge-
ral, evidentemente aplica-se a norma com relação aos diretores eleitos
pelo conselho de administração. Assim, devem ser apresentados à as-
sembleia geral ou ao conselho de administração, conforme o caso, os
documentos que comprovem o preenchimento dos requisitos, os quais
serão arquivados na sede da companhia. Tratando-se de companhia
aberta, a regulamentação administrativa da Comissão de Valores Mo-
biliários estabelece que deve ser apresentado o currículo do candidato,
contendo informações sobre sua qualificação, experiência profissional
e cargos ocupados em outras companhiasS79.
Não podem ser eleitas para cargos de administração, conforme
determina o § 1°, as pessoas impedidas por lei especial, como ocorre
com os magistrados e os funcionários públicos580-581. Também são

578 Ver, a propósito, o art. 20, § 1o, alínea "a", dá Lei n° 4.728/1965, que outorga competência
ao Banco Central para expedir normas a serem observadas pelas pessoas jurídicas de direito
privado registradas no Banco Central relativas à natureza, detalhe e periodicidade de informa-
ções sobre a situação econômica e financeira de acionistas que controlam a maioria do seu
capital votante; a esse respeito, também ver o art. 5°, inciso IV, do Regulamento anexo à
Resolução CMN n° 3.040/2002, que assim prevê: "Art. 5°. A constituição das instituições
referidas no art Io [bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de
desenvolvimento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédi-
to imobiliário, companhias hipotecárias, agências de fomento, sociedades de arrendamento
mercantil, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, sociedades distribuidoras de
títulos e valores mobiliários e sociedades corretoras de câmbio] submeter-se-á às seguintes
condições, cujo atendimento será examinado pelo Banco Central do Brasil: (...) IV - demons-
tração de capacidade econômico-financeira compatível com o porte, natureza e objetivo do
empreendimento, a ser atendida, a critério do Banco Central do Brasil, individualmente por
acionista controlador ou pelo grupo de controle; (...)".
579 A Instrução CVM n° 367/2002, em seu art. 3 o , § 2°, dispõe que: "Também deverá ser
apresentado à assembleia geral o currículo do candidato indicado, contendo, no mínimo,
sua qualificação, experiência profissional, escolaridade, principal atividade profissional
que exerce no momento e indicação de quais cargos ocupa em conselhos de administra-
ção, fiscal ou consultivo em outras companhias, se for o caso".
580 Arts. 26, inciso II, alínea "a", e 36, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei
Complementar n° 35/1979).
581 Trata-se de vedação constante dos estatutos disciplinadores dos respectivos servidores
públicos instituídos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de sua
inelegíveis as pessoas condenadas por sentença definitiva transitada
em julgado por crime falimentar582, de prevaricação583, peita ou su-
borno584, concussão585, peculato586, contra a economia popular587, a fé
pública588 ou a propriedade589. Se, como efeito da condenação, resultar a
perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, o condenado torna-se
inelegível para o cargo de administrador de sociedade anônima590. Caso a
condenação ocorra no curso do mandato, deve o administrador ser desti-
tuído de sua função. Já a extinção da punibilidade libera a pessoa para
candidatar-se a cargo de administrador.
Em sociedade de economia mista, é possível que os membros do
conselho de administração ocupem cargos na administração pública, o
que é bastante comum, inclusive previsto na legislação de outros paí-
ses, tendo em vista o atendimento ao interesse público que justificou a
sua criação591-592.
São igualmente inelegíveis as pessoas condenadas pela Comissão
de Valores Mobiliários com a penalidade de inabilitação temporária,
até o máximo de 20 (vinte) anos, para o exercício de cargo de adminis-
trador ou conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade integrante

competência, nos termos do art. 39 da Constituição Federal; a esse respeito, ver o art. 117,
inciso X, da Lei n° 8.112/1990, com a redação dada pela Lei n° 11.784/2008, que dispõe
sobre a proibição dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações
públicas federais de participarem de gerência ou administração de sociedade privada,
personificada ou não personificada.
582 Arts. 168 a 178 da Lei n° 11.101/2005.
583 Art. 319 do Código Penal.
584 Com a consolidação das leis penais, a nomenclatura dos crimes de peita ou suborno
tornou-se obsoleta, tratando-se atualmente dos crimes de corrupção passiva e ativa - arls.
317 e 333 do Código Penal, respectivamente.
585 Art. 316 do Código Penal.
586 Art. 312 do Código Penal.
587 Lei n° 1.521/1951.
588 Arts. 289 a 311 do Código Penal.
589 Arts. 155 a 183 do Código Penal.
, 590 Art. 92, inciso 1, do Código Penal.
591 FERNANDO SÁNCFIEZ CALERO. Los Administradores de Ias Sociedades de Capital,
Pamplona: Arazandi, 2007, p. 84.
do sistema de distribuição de valores mobiliários (como são as institui-
ções financeiras que atuam como underwriters) e outras entidades que
dependem de autorização ou registro na referida Autarquia (como são
as empresas de auditoria independente)593.
A decisão de inabilitação aplicada pela Comissão de Valores
Mobiliários a administrador de companhia aberta não impede o ape-
nado de exercer cargo de administrador de companhia fechada, a qual
não se submete ao seu poder sancionador.
A inabilitação para o exercício de cargo de administrador de compa-
nhia constitui penalidade extremamente grave, uma vez que priva o ape-
nado do direito de atuar profissionalmente em empresa submetida à
fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, somente cabendo a sua
aplicação na hipótese de comprovada infração dolosa às normas que dis-
ciplinam as companhias abertas e o mercado de capitais594.
A penalidade de inabilitação temporária, como ocorre com as de-
mais - advertência, multa, suspensão de cargo, de autorização ou de
registro e proibição de praticar operações no mercado de capitais - so-
mente pode ser aplicada pela Comissão de Valores Mobiliários após a
realização de procedimento administrativo sancionador, no qual é as-
segurado ao acusado o devido processo legal, com todas as garantias
que lhe são inerentes. Assim, o acusado tem o direito de se defender
das acusações e de apresentar as provas pertinentes595.
Das decisões punitivas aplicadas pela Comissão de Valores Mobi-
liários, cabe recurso ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro

593 Art. 11, inciso IV, da Lei n° 6.385/1976.


594 NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS
HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 327.
595 Ver a Lei n° 9.784/1999, que disciplinou o processo administrativo, e o art. 11, § 3o, da Lei
n° 6.385/1976. Ainda a esse respeito, NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA
PARENTE e MARCUS DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico...,
p. 273 e seguintes.
Nacional (CRSFN), órgão criado mediante o Decreto n° 91.152/1985,
com a finalidade de julgar, em segunda e última instância, na esfera
administrativa, os recursos interpostos contra decisões aplicadas pelos
órgãos disciplinadores do sistema financeiro e do mercado de capitais596.
Como o recurso ao CRSFN tem efeito suspensivo, o administrador
somente será tido como inabilitado após o seu julgamento, ocasião em
que a decisão transitará em julgado na esfera administrativa. Assim, até
a decisão final do CRSFN, o administrador pode permanecer no seu
cargo, posto que continua elegível para ocupar a função em companhia
aberta. Caso o administrador apenado não interponha o recurso ou o
CRSFN mantenha a decisão condenatória da Comissão de Valores
Mobiliários, será ele automaticamente destituído do cargo.
Também é inelegível sócio ou integrante de empresa de audi-
toria contábil que presta serviços de auditoria à companhia, uma
vez que tal procedimento elidiria por inteiro a necessária indepen-
dência dos serviços que presta 597 .
O § 3° estabelece que o administrador deve possuir reputação iliba-
da, ou seja, sem máculas, não pesando sobre ele suspeitas de ter cometido
atos ilegais. A expressão "reputação ilibada" deve ser entendida unica-
mente no sentido da atuação profissional do administrador, não cabendo
invocá-la por razões de ordem política, religiosa, moral ou social.
Ainda nos termos do § 3°, com a redação dada pela Lei n° 10.303/
2001, não pode ser eleito: (i) quem ocupar cargo em sociedade concor-
rente, em especial em conselhos consultivos, de administração ou fiscal;
e (ii) quem tiver interesse conflitante com a sociedade. Assim, o novo §
3°, em seus incisos I e II, distingue o impedimento por vínculo com

596 NELSON EIZIRIK, AR1ÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS


HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico..., p. 353-354; LUIZ ALFREDO
PAULIN, "Da Competência do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional". In:
Roberto Quiroga Mosquera (Coord.). Aspectos Atuais do Direito do Mercado Financeiro e
de Capitais, v. I,. São Paulo: Ed. Dialética, 1999, p. 139.
597 Sobre a independência do auditor, ver a Instrução CVM n° 308/1999.
concorrente do vínculo por conflito de interesses. Trata-se, em princípio,
de impedimentos relativos, uma vez que, conforme a redação da norma,
pode a assembleia geral dispensá-los, em cada caso.
Nada impede que o estatuto estabeleça outras hipóteses em que se
presuma a existência de situação de conflito de interesses, para servir de
orientação aos acionistas na escolha de seus candidatos598.
O objetivo da norma contida no inciso I é impedir que seja eleito
administrador de determinada companhia uma pessoa que também ocu-
pa cargo em companhia concorrente, uma vez que a preservação dos
interesses de ambas pode ser virtualmente impossível. Se alguém, por
exemplo, é ao mesmo tempo diretor de uma companhia e membro do
conselho de administração de outra, concorrente, a qual delas deveria
oferecer uma oportunidade de negócio? Se cumprisse o dever de atuar no
interesse de uma delas estaria descumprindo o dever de zelar para que a
outra não desperdiçasse uma oportunidade de negócio; caso não revelas-
se a uma delas a oportunidade surgida, estaria se omitindo no dever de
diligência e lealdade para com a outra599.
Como não cabe, mediante norma de direito societário, proibir o con-
corrente de adquirir participação na companhia, é viável proteger-se o

>98 A esse respeito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida rios autos do Processo
Administrativo CVM n° RJ 2007/0191, Rei. Superintendência de Relações com Empresas -
SEP, em 23.01.2007, na qual o Dir. Marcelo Trindade, em voto vencido sobre o mérito
entendeu que: "Caso, entretanto, a norma estatutária proposta seja interpretada como
eiencando hipóteses em que o conflito se presumirá - exatamente como fez a Instrução
367/02, e como em parte decorre de sua própria redação - então me parece que ela seria
válida, servindo de indicação aos acionistas da companhia quanto à escolha de seus
candidatos para os cargos de conselheiros, (...)". Nessa questão específica, o Dir. Pedro
Marcílio de Souza, que teve o seu voto acompanhado pelos demais membros do Colegiado,
se manifestou no seguinte sentido: "Em razão do que disse acima, acho importante deixar
claro que, com relação às companhias que abriram o capital recentemente, com estatutos
com disposições similares à objeto deste voto, deve-se aplicar a interpretação conforme
proposta pelo Presidente Marcelo Trindade, que faz com que as restrições temporais à
indicação de candidatos ao conselho de administração sejam interpretadas como reco-
mendações, mas não proibições de indicar, fora do prazo, inclusive durante a assembleia,
o nome do candidato a ser submetido à votação."
599 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 311.
conselho de administração do conflito de interesses permanente que
tal situação acarretaria, daí decorrendo o impedimento 600 .
O impedimento por vinculação a concorrente não se caracteri-
za apenas com relação aos cargos nos conselhos de administração,
consultivo ou fiscal, u m a vez que qualquer cargo ou função na con-
corrente acarreta o impedimento. O f u n d a m e n t o do impedimento
está na proteção do segredo empresarial, entendido como a f o r m u -
lação de políticas e de métodos competitivos, assim como dos se-
gredos dos negócios, que compreendem carteiras de clientes, listas
de fornecedores, campanhas de marketing e de vendas 601 .
Para que se caracterize o i m p e d i m e n t o deve restar claro que as 2
(duas) sociedades concorrem diretamente n o m e s m o mercado, ou
seja, sua atividade empresarial principal localiza-se no mesmo setor,
na produção ou distribuição de bens ou serviços da m e s m a natureza.
Assim, por exemplo, o diretor de u m banco não pode ser m e m b r o do
conselho de administração ou do comitê de auditoria de outro banco
concorrente. C o m o a n o r m a faz referência a "sociedades que pos-
sam ser consideradas concorrentes", pouco importa o tipo societário
de que se revestem, aplicando-se t a m b é m à concorrente que seja
u m a limitada, por exemplo.

Adicionalmente, nos termos da legislação concorrencial, o aces-


so a informações sensíveis p o r parte de empresa concorrente direta
pode caracterizar ato ilícito, p o r facilitar a colusão e resultar em car-
tel. C o n f o r m e a Lei n° 8.884/1994, em seu artigo 20, qualquer ato
que, independentemente de culpa, t e n h a por objeto ou apresente a
potencialidade de limitar, falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a
livre concorrência constitui infração à o r d e m econômica. Assim,

600 LUIZ LEONARDO CANTIDIANO. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 189; CALIXTO SALOMÃO FILHO, "Conflito de Interesses: a Oportuni-
dade Perdida". In: Jorge Lobo (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas - Inova-
ções e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense,
2002, p. 356.
601 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A..., p. 310.
participações societárias minoritárias em concorrente direto, que per-
mitam a eleição de membro do conselho de administração ou do con-
selho fiscal, seja pelo eventual incentivo à colusão, seja pelo acesso a
informações estratégicas, podem gerar preocupações concorrenciais602.
O inciso II trata do conflito de interesses, que deve ser objeto de
análise caso a caso, situação diversa do inciso I, na qual o conflito é
presumido, estrutural, pelo fato de o administrador ocupar cargo em
empresas concorrentes, o que pode ser objetivamente verificado, e que
lhe acarreta o impedimento enquanto remanescer tal situação. Já no
caso do inciso II, o conflito de interesses pode decorrer de diversas
situações de caráter negociai, tais como: ser o administrador acionista
controlador de companhia prestadora de serviços ou fornecedora de
produtos; de banco detentor de créditos significativos; de empresa con-
sumidora permanente de bens ou serviços.
Conforme a regulamentação administrativa da Comissão de Va-
lores Mobiliários, também se presume o conflito de interesses se a pes-
soa, cumulativamente: (i) tiver sido eleita por acionista que também
tenha eleito conselheiro de administração em sociedade concorrente; e
(ii) mantiver vínculo de subordinação com o acionista que o elegeu. Tal
presunção somente se opera se o conselheiro de sociedade concorrente
houver sido eleito apenas com os votos do referido acionista, ou se tais
votos, considerados isoladamente, forem suficientes para a sua eleição603.
O conflito deve ser de tal monta que efetivamente impeça o
administrador de atuar, em caráter permanente, de forma isenta; caso
contrário, poderá assumir o cargo e manifestar seu impedimento
diante de situações concretas.

602 OLAVO CHINAGLIA, "Poder de Controle, Influência Significativa e Influência Dominante:


Breves Anotações Sobre a Interface entre o Direito Societário e o Direito da Concorrência.
In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luis André N. de Moura Azevedo. (Coord.). Poder de
Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais. São Paulo: Quartier
Latin, 2010, p. 420.
Em qualquer hipótese, pode a assembleia geral, em decisão funda-
mentada, isentar o administrador, admitindo que ocupe o cargo, mes-
mo diante de situação de impedimento ou de conflito de interesses. É o
que tipicamente ocorre quando determinado investidor institucional,
como entidade fechada de previdência complementar ou fundo de in-
vestimentos, elege administradores em sociedades concorrentes, uma
vez que o objetivo de tais investidores é o de maximizar as taxas de
retorno de suas participações acionárias.
Nos termos do § 4°, a comprovação do cumprimento das condi-
ções previstas no § 3° será efetuada mediante declaração firmada pelo
conselheiro, que constitui a "declaração de desimpedimento". A im-
possibilidade de declaração não obsta a investidura, desde que a as-
sembleia expressamente dispense o eleito de tal exigência e o
instrumento de declaração contenha esclarecimentos detalhados so-
bre as razões que impedem a sua apresentação604.

Garantia da gestão
"Art. 1 4 8 . 0 estatuto pode estabelecer que o exercício do cargo de
administrador déva ser assegurado, pelo titular ou por terceiro,
mediante penhor de ações da companhia ou outra garantia.

Parágrafo único. A garantia só será levantada após aprovação


das últimas contas apresentadas pelo administrador que hou-
ver deixado o cargo."

No regime legal anterior, em que o Decreto-Lei n° 2.627/1940


estabelecia a obrigatoriedade da caução das ações da companhia
em garantia da gestão, o instituto já era considerado obsoleto, dada
a absoluta desproporção entre o valor dos bens caucionados e o
vulto dos negócios das companhias pelos quais os administradores
poderiam ser responsabilizados.
Assim, a Lei das S A . tornou a garantia facultativa, a depender de
disposição estatutária. Na prática dos negócios, não se verifica a utiliza-
ção de caução como garantia da gestão dos administradores. Isto porque,
ou a garantia é simbólica ou, se substancial, afasta os administradores
profissionais, por indisponibilizar bens seus de alto valor.
A garantia pode ser prestada pelo administrador ou por tercei-
ro; além do penhor das ações, a garantia pode ser real ou pessoal,
conforme o estatuto estabelecer. Visa a garantia a assegurar os atos
irregulares de gestão dos administradores, não as dívidas da compa-
nhia frente a terceiros.
O estatuto pode prever a obrigatoriedade da garantia para todos
os administradores - conselheiros e diretores - ou apenas para estes
últimos, o mais adequado, pois são eles que exercem a gestão ordiná-
ria dos negócios sociais e representam a companhia.
O levantamento das garantias ocorrerá por ocasião da aprovação
das últimas contas apresentadas pelo administrador que deixa o car-
go. Com efeito, a aprovação, sem reserva, das contas e das demons-
trações financeiras opera a exoneração da responsabilidade dos
administradores (artigo 134, § 3°).

Investidura
"Art. 149. Os conselheiros e diretores serão investidos nos seus
cargos mediante assinatura de termo de posse no livro de atas do
conselho de administração ou da diretoria, conforme o caso.

§1° Se o termo não for assinado nos 30 (trinta) dias seguintes à


nomeação, esta tornar-se-á sem efeito, salvo justificação aceita pelo
órgão da administração para o qualtiversido eleito. (Redação dada
pela Lei n 10.303/2001)

§2° O termo de posse deverá conter, sob pena de nulidade, a indica-


ção de pelo menos um domicílio no qual o administrador receberá as
citações e intimações em processos administrativos e judiciais rela-
tivos a atos de sua gestão, as quais reputar-se-ão cumpridas median-
te entrega no domicílio indicado, o qual somente poderá ser alterado
mediante comunicação por escrito à companhia." (Incluído pela Lei
n 10.303/2001)

Mediante a sua eleição, pela assembleia geral ou pelo conse-


lho de administração, os administradores são nomeados para exer-
cerem seus cargos respectivos. A nomeação constitui um ato
societário unilateral, praticado pelo órgão competente - assem-
bleia geral ou conselho de administração que deverá ser com-
pletado pela aceitação do nomeado.
Em alguns sistemas, a aceitação para o cargo de administrador
pode ser tácita ou expressa, admitindo-se, no segundo caso, a forma
verbal, sem qualquer ato formal. A aceitação de forma tácita verifica-se
pelo fato de atuar o eleito de modo inequívoco como administrador -
comparecendo às reuniões do conselho, se conselheiro, ou praticando
atos de gestão ordinária, se diretor605.
Na Lei das S.A., repetindo o regime anterior, é necessário o ato
formal e inequívoco de aceitação por parte do eleito, que consiste
na assinatura do termo de posse no livro de atas do conselho de
administração ou da diretoria, conforme o caso.
A assinatura do livro é condição indispensável para a investidura
no cargo, apresentando dupla função: (i) manifestação da aceitação
incondicional, mediante ato unilateral do eleito; e (ii) indicação do ter-
mo inicial do mandato. Até a assinatura do termo de posse, o eleito
pode recusar a nomeação, bastando que não se apresente. Após a assi-
natura, torna-se administrador, com todos os deveres e direitos ineren-
tes ao cargo, restando-lhe, caso desistir, renunciar à função.

605 FERNANDO SÁNCHEZ CALERO. Los Administradores de Ias Sociedades de Capital.


Pamplona: Arazandi, 2007, p. 98.
Como a assinatura do termo de posse constitui requisito in-
dispensável à investidura no cargo, caso ela não ocorra dentro de
30 (trinta) dias contados da nomeação, esta ficará sem efeito, sal-
vo se houver justificação aceita pelo órgão para o qual tiver sido
eleito, conforme determina do § 1°.
Os administradores constituem os órgãos da companhia, mediante
os quais ela manifesta a sua vontade e se faz presente no mundo. Assim, há
um evidente interesse em que os eleitos assumam as suas funções, para que
não seja necessário repetir-se o processo de sua escolha, daí decorrendo
que, em princípio, deve o órgão competente julgar com a necessária flexibi-
lidade a justificativa apresentada pelo retardatário. Há, também, um inte-
resse social que os eleitos assumam o quanto antes as suas funções, evitando
a acefalia da sociedade; assim, nada impede que o eleito tome posse antes
da publicação e arquivamento da ata na Junta Comercial. Deve-se ter em
mente que a assinatura do termo de posse, embora ainda constitua, em
nosso regime, formalidade necessária, deve ser interpretada tendo em vista
o interesse da companhia de que os eleitos assumam os seus cargos e pas-
sem a exercê-los o mais rapidamente possível.
Nos termos do § 2°, acrescentado pela Lei n° 10.303/2001, o
termo de posse deverá indicar pelo menos um domicílio no qual o
administrador receberá as citações e intimações em processos admi-
nistrativos e judiciais, as quais serão tidas como cumpridas mediante
a sua entrega no local indicado. Como não é de se admitir que o
administrador indique endereço errado, presume-se, até prova em
contrário, que a citação ou intimação chegou ao seu conhecimento.
Trata-se de norma de caráter processual, que complementa as do
Código de Processo Civil que regem a citação pelo correio606-60'.

606 Arts. 222 e 223 do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei n° 8.710/1993.
607 Alteramos nossa posição anterior, de que a norma seria inconstitucional (MODESTO
CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 319-321),
reconhecendo, como JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 403, que não ofende aos princípios
do contraditório e do devido processo legal.
Substituição e término da gestão
"Art. 150. No caso de vacância do cargo de conselheiro, salvo dis-
posição em contrário do estatuto, o substituto será nomeado pelos
conselheiros remanescentes e servirá até a primeira assembleia ge-
ral. Se ocorrer vacância da maioria dos cargos, a assembleia geral
será convocada para proceder a nova eleição.

§ 1° No caso de vacância de todos os cargos do conselho de admi-


nistração, compete à diretoria convocar a assembleia geral.

§ 2° No caso de vacância de todos os cargos da diretoria, se a com-


panhia não tiver conselho de administração, compete ao conselho
fiscal, se em funcionamento, ou a qualquer acionista, convocar a
assembleia geral, devendo o representante de maior número de
ações praticar, até a realização da assembleia, os atos urgentes de
administração da companhia.

§ 3° O substituto eleito para preencher cargo vago completará o


prazo de gestão do substituído.

§ 4° O prazo de gestão do conselho de administração ou da diretoria


se estende até ainvestidura dos novos administradores eleitos."

Como incumbem aos administradores as tarefas de representar a com-


panhia e de dirigir os negócios sociais, em suas respectivas áreas de atuação,
a Lei das S A e o estatuto social estabelecem normas sobre a sua substitui-
ção, que visam principalmente a evitar a acefalia da sociedade. O estatuto
deve regular a matéria com a maior clareza e completude possível, evitando
lacunas que levem à vacância dos cargos de administração. Havendo dúvi-
das na interpretação das normas legais e estatutárias, deve-se privilegiar
aquela que preserva a administração, impedindo que os cargos fiquem va-
gos, o que, em geral, é mais danoso ao interesse social; havendo conflitos
sobre quem deve administrar, deve-se preferir a ocupação dos cargos, ainda
que passível de contestação, ao seu vácuo, sempre prejudicial ao desenvol-
vimento normal dos negócios da companhia.
Com efeito, desde o regime legal anterior, entende-se que não
pode uma sociedade ficar à deriva, mesmo que por um dia, sem um
administrador que por ela responda608.
A opção legislativa foi por disciplinar a substituição dos conse-
lheiros e diretores quando ocorre a vacância de todos os cargos. Tam-
bém regula a Lei das S.A. expressamente a hipótese de vacância da
maioria dos cargos do conselho de administração.
Como a Lei das S A . regulou apenas a substituição por vacância,
deve o estatuto disciplinar com detalhe qual o procedimento a ser ado-
tado em virtude de impedimento temporário, quando o administrador
tem suspenso por algum período o exercício de suas funções, por moti-
vo de viagem, doença, ou qualquer outra razão. No impedimento tem-
porário, normalmente 2 (duas) são as soluções previstas no estatuto: (i)
a suplênda; ou (ii) a acumulação de cargos. A suplência é usualmente
utilizada para resolver o problema da suspensão do membro do conse-
lho de administração, não cabendo a sua aplicação para os diretores. Já
o expediente da acumulação de cargos é utilizado para resolver o caso
da suspensão do diretor, incabível para o conselheiro.
E se o estatuto nada dispuser quanto ao impedimento de conselhei-
ros e diretores? Se não há conselheiro suplente, aguarda-se o retomo do
titular, funcionando o conselho de administração, provisoriamente, com
número inferior ao previsto no estatuto. Com relação à diretoria, na au-
sência de previsão estatutária, o consellio de administração ou a própria
diretoria, inexistindo conselho, escolhem o diretor que deverá acumular o
seu cargo com o do administrador impedido.
A vacância caracteriza-se quando o administrador não mais pode
ocupar o cargo, seja por causas naturais - morte ou doença grave

608 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de
Janeiro; Forense, 1953, p. 287.
seja por renúncia, abandono de suas funções, destituição, ou impedi-
mento definitivo (artigo 147).
Os acionistas podem estabelecer no estatuto, com total liberdade,
as regras para o preenchimento dos cargos vagos no conselho de admi-
nistração, desde que não sejam da maioria dos membros. Podem dispor,
por exemplo, que assumirão os suplentes, hipótese mais comum, ou
que competirá à assembleia geral deliberar a respeito. No silêncio do
estatuto, os substitutos serão nomeados pelos conselheiros remanes-
centes, nos termos do caput, servindo, em "mandado tampão", até a
primeira assembleia ordinária ou extraordinária, que poderá ratificar a
nomeação ou eleger outro conselheiro, como substituto definitivo; caso
os conselheiros remanescentes não logrem, por maioria, escolher o subs-
tituto, deve ser convocada assembleia geral para proceder à sua eleição.
No entanto, tendo ocorrido a eleição dos membros do conselho de
administração mediante o sistema do voto múltiplo, a vacância decor-
rente de destituição pela assembleia geral acarretará a destituição de
todos os demais membros, titulares e suplentes, procedendo-se imedia-
tamente à nova eleição. Nos demais casos de vacância - por morte,
impedimento, renúncia, abandono da função — assumirá o suplente; se
não houver suplente, a primeira assembleia geral, seja ordinária, seja
extraordinária, deverá eleger todo o conselho de administração (artigo
141, § 3°). Visa a norma a assegurar a eficácia da representação propor-
cional no conselho, evitando que eventualmente o acionista controla-
dor, mediante a destituição do conselheiro eleito pelos minoritários,
inviabilize a proteção que lhes é conferida pelo sistema do voto múlti-
plo. No caso, a orientação legal de que se deve evitar a vacância de
cargos cede ante o princípio da representação proporcional assegurada
aos acionistas minoritários no conselho de administração.
Ocorrendo a vacância da maioria dos cargos do conselho de admi-
nistração, os remanescentes deverão convocar assembleia geral, que po-
derá soberanamente (i) eleger os substitutos; ou (ii) destituir os
remanescentes e eleger todos os membros do conselho. Caso todos
os cargos fiquem vagos, deve a diretoria convocar a assembleia geral,
cabendo-lhe, até a eleição, praticar os atos urgentes e inadiáveis de
competência do conselho de administração. De acordo com o § 1°,
no caso de vacância de todos os cargos do conselho de administra-
ção, compete à diretoria convocar a assembleia geral.
A competência para a eleição e destituição dos administradores é,
apenas em regra, da assembleia geral ordinária, pois nada impede que a
assembleia geral extraordinária delibere, quando necessário, sobre essa
matéria, como ocorre, por exemplo, na hipótese de vacância de cargos
do conselho de administração ou da diretoria; a substituição é efetuada
na primeira assembleia geral seguinte ao evento, independentemente
de ser ela ordinária ou extraordinária609.
No caso dos diretores, é ainda mais importante evitar-se a va-
cância, uma vez que lhes compete não só a gestão ordinária como
também a representação da companhia; sem diretor, ela simples-
mente não tem como se apresentar no mundo exterior. Ademais, os
membros do conselho de administração, integrando um órgão com
funções deliberativas, não podem praticar atos de gestão ordinária
ou de representação da companhia.
Quando a companhia tem conselho de administração, os cargos
vagos de diretor serão preenchidos mediante eleição realizada pelo órgão.
Na companhia sem conselho de administração, deve o estatuto discipli-
nar a matéria; na prática, usualmente se estabelece que os diretores rema-
nescentes escolherão o substituto, ou que um diretor acumulará o cargo
vago. Pode ainda o estatuto dispor que, mesmo no caso da vacância da
maioria dos cargos da diretoria, os remanescentes escolherão os substitu-
tos ou acumularão os cargos vagos; o essencial é que a companhia tenha
quem a represente e possa praticar os atos de gestão. Caso o estatuto seja
omisso, deve ser convocada assembleia geral para proceder à eleição.
Na hipótese de todos os cargos de diretores ficarem vagos, em
companhia sem conselho de administração, compete ao conselho fis-
cal convocar a assembleia geral, nos termos do § 2°. Se o órgão não
estiver em funcionamento, qualquer acionista, seja titular de ações
ordinárias, seja titular de ações preferenciais sem direito de voto, terá
legitimidade para convocar a assembleia.
Enquanto não for realizada a assembleia geral, o titular do maior
número de ações com direito de voto assume a posição de administra-
dor provisório, diretamente, ou indica alguém para exercer tal função.
Não obstante constar da Lei das S.A. a expressão "representante de
maior número de ações", não faria sentido que a função de administra-
dor provisório fosse assumida pelo acionista com maior número de ações
- com ou sem direito de voto - , uma vez que é o acionista controlador
quem tem o poder dever de dirigir os negócios sociais e orientar o fun-
cionamento dos órgãos da companhia610.
O administrador provisório assumirá imediatamente suas fun-
ções, sem a necessidade de qualquer formalidade, uma vez que sua
competência decorre da lei, incumbindo-lhe representar a compa-
nhia e praticar os atos urgentes de administração ordinária. A Lei
das S.A., ao conferir legitimidade para o acionista majoritário assu-
mir a função de administrador provisório, visou a impedir a acefalia,
ainda que por um dia, da companhia 611 .
Nos termos do § 3°, o substituto deve completar o prazo de gestão
do substituído, aplicando-se a norma tanto para diretores como para
conselheiros. Assim, o substituto exerce um "mandato tampão", com-
pletando o prazo de gestão do substituído. Vencido o prazo de gestão, o
substituto pode ser reeleito, caso em que terá um novo mandato, ou

610 Ver os comentários ao art. 116 da Lei das S.A.


611 O Código Civil regulou a matéria de maneira diversa, ao exigir a nomeação judicial de
administrador provisório, o que pode prolongar a acefalia da sociedade. Nesse sentido,
assim dispõe o seu art. 49: "Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a
requerimento de qualquer interessado, nomear-ihe-á administrador provisório."
substituído por novo administrador. Nada impede que o substituto,
como qualquer outro administrador, seja a qualquer tempo destituí-
do de suas funções, por ato do conselho de administração, se for
diretor, ou por decisão da assembleia geral, se for conselheiro ou se
a companhia não tiver conselho.
O § 4°, também objetivando evitar a acefalia na sociedade, estabe-
lece uma prorrogação automática do prazo de gestão do administrador,
que se estenderá até a investidura dos novos administradores eleitos.
Dessa forma, o prazo estabelecido no estatuto prorroga-se automatica-
mente, por força de lei, até que os novos administradores sejam inves-
tidos em seus cargos; até que tal fato ocorra, os administradores que
estão a ocupá-los exercem-nos normalmente, com todos os direitos e
deveres que lhes são inerentes.
Aos órgãos técnicos e consultivos estatutários, aplicam-se, no silên-
cio do estatuto, as normas previstas neste artigo referentes aos membros
do conselho de administração. Tratando-se de órgãos não previstos no
estatuto, a companhia poderá, mediante atos de sua administração, regu-
lar livremente o processo de substituição de seus membros.

Renúncia
"Art. 151. A renúncia do administrador torna-se eficaz, em rela-
ção à companhia, desde o momento em que lhe for entregue a
comunicação escrita do renunciante, e em relação a terceiros de
boa-fé, após arquivamento no registro de comércio e publicação,
que poderão ser promovidos pelo renunciante."

Os administradores assumem seus cargos por um prazo deter-


minado. Podem ser, porém, a qualquer momento, demitidos de suas
funções por ato (i) da assembleia geral, se membros do conselho de
administração; ou (ii) do conselho de administração, se diretores. Por
outro lado, também podem, a qualquer tempo, por iniciativa própria, e
sem necessidade de justificarem seu ato, renunciar.
A renúncia constitui uma declaração unilateral receptícia do ad-
ministrador, uma vez que produz os seus efeitos - desligamento do
cargo e rompimento da relação jurídica - tão logo a companhia, des-
tinatária do ato, dele tome conhecimento612.
A renúncia independe de qualquer ato da companhia para sua plena
eficácia, bastando a comprovação de seu recebimento para que o admi-
nistrador possa desligar-se de suas funções. Com efeito, não há necessi-
dade de aceitação por parte da companhia; é suficiente o conhecimento
do ato, não lhe cabendo interferir, protelar ou obstar a sua eficácia613.
A Lei das S.A. exige a forma escrita para que se possa comprovar
a entrega da renúncia. Trata-se, o documento escrito, de meio de pro-
va, não de elemento essencial à eficácia do ato. Assim, o administra-
dor pode renunciar em reunião de diretoria ou de conselho, bastando
o registro em ata para o seu aperfeiçoamento.
Ao renunciar, o administrador não necessita justificar seu ato, em-
bora seja comum, na prática, uma breve exposição sobre as razões da
renúncia, normalmente protocolares, assim como agradecimentos à com-
panhia e ex-colegas de administração. O renunciante não tem qualquer
obrigação de permanecer no cargo até o seu preenchimento, porém às
vezes o administrador aguarda a chegada de seu substituto, para não dei-
xar o cargo vago, atuando como administrador de fato.
Como a renúncia constitui um direito do administrador, o ato não
se reveste de qualquer ilegalidade; ainda que possa causar transtornos
para a companhia, ela não pode pleitear perdas e danos do renunciante.

612 O Código Civil, na mesma linha da Lei das S.A., dispõe em seu art. 1.063, § 3° que: "Art.
1.063. O exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo,
do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver
recondução. (...) § 3° A renúncia de administrador torna-se eficaz, em relação à sociedade,
desde o momento em que esta toma conhecimento da comunicação escrita do renuncian-
te; e, em relação a terceiros, após a averhação e publicação".
61 3 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição, São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 245.
A renúncia constitui ato incondicional e irrevogável. Renúncia con-
dicionada a determinado evento não é renúncia, mas ameaça ou mera
declaração da intenção de renunciar, que não produz qualquer efeito.
Assim, por exemplo, o administrador que declara, mesmo que por escrito,
que poderá renunciar se não aumentarem sua remuneração não está re-
nunciando; trata-se de ato juridicamente ineficaz. Também não cabe a
revogação da renúncia, podendo o administrador apenas retratar-se; o
ato da retratação, se recebido pela companhia antes da chegada do docu-
mento de renúncia, sobre ele prevalece614.
A renúncia torna-se eficaz, com relação aos terceiros de boa-fé,
com o seu arquivamento na Junta Comercial e respectiva publicação
(artigo 289). Para prevenir sua responsabilidade, o renunciante pode
promover o registro e a publicação de sua renúncia; tais atos, porém,
são de obrigação da companhia.
Distinguem-se os terceiros de boa-fé daqueles de má-fé em
função do conhecimento da renúncia. Assim, são de boa-fé os ter-
ceiros que continuam a manter relações com a companhia ainda
representada pelo renunciante sem conhecer o fato; de má-fé são
os que mantêm relações sabendo que o ex-administrador não tem
mais poderes de representação615.
Com relação aos terceiros de boa-fé, a companhia responde pelos
negócios jurídicos firmados pelo administrador renunciante até a data do
arquivamento e publicação da renúncia, uma vez que se presume o seu
desconhecimento do ato. Tal presunção é relativa, podendo a companhia
provar que o terceiro havia, por qualquer outro meio, tomado conheci-
mento da renúncia, não se qualificando assim como de boa-fé616.

614 O art. 428, inciso IV, do Código Civil, assim dispõe: "Art. 428. Deixa de ser obrigatória a
proposta: (...) IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra
parte a retratação do proponente".
61 5 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Renúncia e Cessação do Exercício de Cargo". In: Alfredo
Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elabora-
ção, aplicação), v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 447.
61 6 JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a
188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 421.
Remuneração
"Art. 152. A assembleia geralfixaráo montante global ou individual
da remuneração dos administradores, inclusive benefícios de qual-
quer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas res-
ponsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência
e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado. (Re-
dação dada pela Lei n° 9.457/1997)

§ 1° O estatuto da companhia que fixar o dividendo obrigatório


em 25% (vinte e cinco por cento) ou mais do lucro líquido, pode
atribuir aos administradores participação no lucro da companhia,
desde que o seu total não ultrapasse a remuneração anual dos ad-
ministradores nem 0,1 (um décimo) dos lucros (artigo 190), pre-
valecendo o limite que for menor.

§ 2° Os administradores somente farão jus à participação nos lu-


cros do exercício social em relação ao qual for atribuído aos acionis-
tas o dividendo obrigatório, de que trata o artigo 202."

Sob a vigência do Decreto-Lei n° 2.627/1940, existia ampla li-


berdade no estabelecimento da remuneração dos administradores,
visto que alei não fixara critérios objetivos sobre a matéria. Assim, em
muitas companhias, o estatuto social delegava aos próprios adminis-
tradores a determinação do montante individual de suas remunera-
ções, o que era fonte de inúmeros abusos.
A Lei das S.A. visou a estabelecer o equilíbrio entre ajusta remune-
ração dos administradores e o interesse dos acionistas em participarem
nos lucros. O legislador procurou limitar a liberdade da assembleia geral,
ao estabelecer determinados critérios gerais, que devem ser considerados
na fixação da remuneração dos administradores.
Ademais, a Lei das S.A. deixou expresso que a assembleia geral
constitui órgão competente para determinar a remuneração dos admi-
nistradores. Os acionistas, reunidos em assembleia geral, podem dispor
sobre o seu montante global ou individual. Em companhias com con-
selho de administração, pode a assembleia geral estabelecer o montan-
te global da remuneração, delegando ao conselho competência para
que a distribua entre os seus membros e os diretores617-618.
Caso a assembleia, por algum motivo, não fixe a remuneração
dos administradores ou o seu montante global, o conselho de admi-
nistração pode, em caráter de urgência, deliberar que será mantida a
última remuneração aprovada em assembleia, até que se solucione
amigável ou judicialmente essa questão.
A Lei n° 9.457/1997 alterou a redação do caput, a fim de que
ele passasse a contemplar também a remuneração indireta dos ad-
ministradores, ou seja, benefícios de qualquer natureza e verbas de
representação que acrescem às verbas pecuniárias que eles perce-
bem. Portanto, integram a remuneração, devendo ser objeto de apro-
vação por parte da assembleia geral, os chamados fringe benefits,
usualmente consistentes em cartão de crédito, seguro, carro, imóvel
para moradia, assim como as verbas de representação - pagamento
de refeições, recepções, etc.
O pagamento de uma remuneração fixa decorre da relação orgâ-
nica mantida entre o administrador e a companhia, de caráter institu-
cional e estatutário; como ele não é empregado da companhia, a
remuneração que percebe pelo exercício de suas funções não apre-
senta natureza de salário. O administrador não goza, assim, da prote-
ção que a lei dispensa ao assalariado, podendo a sua remuneração,
estabelecida pelo estatuto ou pela assembleia geral, ser reduzida ou

No mesmo sentido, com relação aos demais tipos societários, o Código Civil dispõe, no art.
1.071, inciso IV, que é de competência privativa dos sócios, mediante deliberação tomada em
assembleia ou reunião, o estabelecimento da remuneração dos administradores.
Consta do art. 12 da Instrução CVM n° 481/2009 que: "Art. 12. Sempre que a assembleia
gera! dos acionistas for convocada para fixar a remuneração dos administradores, a
companhia deve fornecer, no mínimo, os seguintes documentos e informações: I - <i
proposta de remuneração dos administradores; e II - as informações indicadas no item 13
do formulário de referência." O "Formulário de Referência" constitui o Anexo 24 da
Instrução CVM n° 480/2009.
aumentada pelos acionistas, assim como revogada a qualquer tem-
po, pela sua destituição do cargo, sem que ele faça jus a qualquer
reparação619. Com efeito, não há relação de trabalho entre o admi-
nistrador e a companhia620.
A Lei das S.A. não estabelece parâmetros rígidos para a remunera-
ção fixa dos administradores. Os critérios a serem observados são os se-
guintes: (i) suas responsabilidades, que decorrem dos cargos que ocupam
e das funções que desempenham; (ii) o tempo dedicado às suas funções,
podendo haver dedicação exclusiva - caso dos diretores - ou tempo par-
cial, como ocorre com os membros do conselho de administração e de
outros órgãos técnicos ou consultivos; (iii) competência e reputação pro-
fissional, tendo em vista a sua experiência e qualificação; (iv) os riscos que
assumem; e (v) o valor de seus serviços no mercado. O último critério é o
mais relevante, particularmente em determinados segmentos do mer-
cado em que existe acirrada competição por executivos qualificados.
Os membros do conselho de administração, dada a natureza delibe-
rativa do órgão e a ausência de competências exercidas individualmente,
devem fazer jus a uma remuneração idêntica, com exceção do presidente
e do secretário geral, que detêm atribuições adicionais, o que justifica o
recebimento âepro labore oujetons de maior valor.
Já os diretores podem receber remunerações de valores diferentes,
tendo em vista os critérios acima mencionados, o que, aliás, constitui

619 ALFREDO LAMY FILHO, "Remuneração de Empregado Eleito para Integrar Órgão de Adminis-
tração". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressu-
postos, elaboração, aplicação), v. 2, 2a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 396. No
direito societário norte-americano, embora o administrador também possa ser destituído a
qualquer tempo, a sua remoção sem causa, quando a companhia firmou com ele contrato de
longa duração, pode acarretar-lhe a obrigação de indenizá-lo pelas perdas e danos (ROBERT
C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 113).
620 Nesse sentido, MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. Estudos de Direito Empresa-
rial. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 343; ISAAC HALPERIN e JÚLIO C. OTAEGUI. Sociedades
Anônimas. 2 a edíción, Depalma: Buenos Aires, 1998, p. 469-470; ALFREDO LAMY FI-
LHO. Temas de S.A.. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 337; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das
Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar,
2009, p. 427; TRAjANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2a edição,
Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 278-279.
prática usual no mercado. Ademais, o "valor de mercado" do diretor
está estreitamente relacionado à sua formação profissional e especiali-
zação, assim como ao segmento em que atua. É comum, assim, que
uma companhia estabeleça remunerações significativamente díspares
para os diretores.
Em mercados muito competitivos, com escassa mão de obra
qualificada, verificam-se, além do pagamento de remuneração di-
reta e indireta e participação nos lucros, outras vantagens e garan-
tias, como forma de atrair e manter os executivos em seus cargos.
Assim, muitas vezes são concedidas aos administradores algumas
outras garantias, tais como: seguro saúde, auxílio moradia por de-
terminado prazo, contratação de empresa de outplacement, bem como
previsão de verba indenizatória.
A verba indenizatória é concedida como forma de compensar o
administrador pela perda do cargo, antes do término do seu mandato.
Como a remuneração já era esperada pelo administrador, é considerada
como um ganho provável, ou uma expectativa de patrimônio.
As rendas prováveis podem ser indenizáveis. Com efeito, não é
apenas o patrimônio em seu sentido estrito ou econômico que é pas-
sível de indenização, mas também os ganhos prováveis, que constitu-
em uma expectativa de patrimônio621.
As verbas atribuídas contratualmente ao administrador, na hipótese
de seu desligamento imotivado da companhia, têm a natureza de indeni-
zação, não podendo ser consideradas como partes integrantes de sua re-
muneração, já que são conferidas a título de compensação de danos e
não como uma forma de contraprestação de serviços.
Além da remuneração fixa, podem os administradores receber a
chamada "gratificação de balanço", remuneração variável, bastante
comum na prática do mercado, consistente em uma participação nos

621 HUGO DE BRITO MACHADO. Regime Tributário das Indenizações. São Paulo: Dialética,
2000, p. 100.
lucros da companhia, um prêmio pelos resultados atingidos em
determinado exercício.
A participação nos lucros integra a remuneração dos adminis-
tradores, como titulares dos órgãos sociais, não mais se aceitando a
teoria que a identificava com o recebimento de dividendos, a partir
da conceituação do administrador como um tipo de sócio de indús-
tria. Ademais, constitui uma forma de remuneração de caráter alea-
tório, já que a quantia a ser paga depende da existência de lucros e
do percentual a ser atribuído aos administradores 622 .
O sistema de remuneração mediante participação nos lucros, que se
observa na generalidade dos países, objetiva alinhar os interesses dos ad-
ministradores com os dos acionistas; na medida em que participam dos
lucros, os administradores tudo farão para maximizá-los, o que também
beneficiará os acionistas, que deles participarão sob a forma de recebi-
mento de dividendos. A outorga de opções de compra das ações de emis-
são da companhia a seus administradores e empregados, prevista no artigo
168, § 3°, também visa a atingir o mesmo objetivo: conciliar os interesses
dos gestores com os dos acionistas.
Por outro lado, a inexistência de limites levou, em algumas situa-
ções, particularmente nos Estados Unidos, à ocorrência de abusos por
parte dos administradores, que "inflavam" artificialmente os lucros para
receberem participações maiores. Uma onda de irregularidades finan-
ceiras eclodiu no país nos anos 2001 e 2002, culminando com a edição
da Sarbanes-OxleyAct em 30 de julho de 2002. Foram descobertas fraudes
contábeis e fiscais em uma série de companhias norte-americanas, tais
como Enron e WorldCom. Diferentes razões são apontadas na tentativa
se explicar a prática desses atos, dentre as quais se destaca a que se
relaciona à modificação na remuneração dos administradores ocorrida

622 FERNANDO SÁNCHEZ CALERO. Los Administradores de Ias Sociedades de Capital.


Pamplona: Arazandi, 2007, p. 288.
durante os anos 90, que passou a priorizar a participação deles no
capital-das companhias (equity-based compensation). Opções de ações
passaram, então, a ser largamente utilizadas nos pacotes de remune-
ração dos administradores, criando incentivos no sentido de que eles
"inflassem" os lucros das companhias para que o preço das ações fos-
se positivamente afetado no curto prazo623.
O sistema de participação nos lucros deve conciliar o inte-
resse legítimo dos administradores de maximizá-los, tendo em
vista a finalidade lucrativa da sociedade por ações, com os inte-
resses dos acionistas e dos credores, para que não sejam lesados
pela "fabricação" de resultados artificiais.
Usualmente, busca-se atingir tal conciliação mediante o estabe-
lecimento de limites à distribuição de lucros aos administradores.
Nesse sentido, a Lei das S.A. dispõe que as participações estatutárias
nos resultados por parte dos administradores, empregados e titulares
de partes beneficiárias serão determinadas com base nos lucros que
remanescerem, depois de deduzidos os prejuízos acumulados e a pro-
visão para o imposto de renda624.
Nas companhias que asseguram aos acionistas o direito a um divi-
dendo mínimo de pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) do lucro
líquido do exercício, admite-se, nos termos do § 1°, que o estatuto social
também confira aos administradores o direito ao recebimento de um
percentual dos lucros, usualmente denominado "gratificação de balan-
ço". No entanto, o montante recebido pelos administradores, a título de
participação estatutária nos lucros, está sujeito a uma limitação legal,
uma vez que não pode ser superior a 10% (dez por cento) dos lucros do
exercício nem ultrapassar a remuneração anual dos administradores,
prevalecendo o menor desses limites.

623 Sobre esse assunto, ver JOHN COFFEE JR, "Whal Causecl Enron? A Capsule Social and
Economic History of the 1990's", Columbia Law and Economics Working Paper. n° 214,
disponível em: <http://ssrn.com>.
A forma como o § 1° do artigo está redigido poderia dar a enten-
der que todas as modalidades de remuneração variável concedidas
aos administradores estariam sujeitas aos limites nele estabelecidos.
No entanto, a assembleia geral é soberana para fixar gratificações va-
riáveis com base em outros critérios, que não se confundem com a
participação estatutária nos lucros da sociedade, esta sim, sujeita aos
limites previstos neste artigo. Com efeito, não se pode "tabelar" as
participações dos administradores nos resultados sociais, o que seria
contrário ao princípio legal da competência privativa da assembleia
de livre destinação dos lucros sociais (artigo 132). Assim, há a partici-
pação estatutária, que constitui um direito dos administradores, in-
derrogável pela assembleia geral, que não poderá ultrapassar os limites
estabelecidos em lei. Ademais, pode existir uma participação volunta-
riamente fixada pela assembleia geral, em montante por ela determi-
nado, destinada a premiar os administradores pelos resultados
alcancados no exercício625.
A possibilidade de a assembleia geral conferir aos administrado-
res participação nos resultados independente daquela prevista no es-
tatuto social decorre de seu inquestionável poder de soberanamente
dispor do lucro auferido pela companhia, particularmente quando a
remuneração estatutária não os tenha premiado satisfatoriamente por
resultados expressivos verificados no exercício.
Assim, a assembleia geral possui amplos poderes para determinar
como pretende remunerar os administradores da companhia, não estan-
do restringida pela regra estabelecida no § 1°. Uma vez distribuído o divi-
dendo obrigatório, nos termos do § 2°, pode a assembleia geral deliberar
gratificação de resultado não sujeita aos limites do § 1°.
Com efeito, o § 1° refere-se apenas à participação nos lucros
prevista no estatuto, não aludindo a outros prêmios - gratificação,

625 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4'1 edição, São
Raulo: Saraiva, 2009, p. 261-262; LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. E s t u d o s e Parece-
res sobre Sociedades Anônimas. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1989, p. 204-205.
bônus, participação não estatutária nos lucros - que podem ser livre-
mente atribuídos pela assembleia geral. Tal ocorre pelo fato de não
ser a matéria - participação nos lucros - de competência privativa dos
estatutos, não constando de seu conteúdo obrigatório626.
O fato de tais gratificações premiais não estarem submetidas aos
limites previstos no § 1° não significa que elas possam ser fixadas de
forma arbitrária pelos acionistas controladores. A remuneração paga
aos administradores - que compreende também tais gratificações -
deve ser razoável, não podendo prejudicar o direito dos acionistas ao
recebimento dos dividendos nem se desvincular dos stanâards previs-
tos no caput. A atribuição de gratificação excessiva aos administrado-
res, quando o acionista controlador integra o seu quadro, pode
caracterizar modalidade de abuso do poder de controle627.
Usualmente, os beneficiários das verbas referentes à participação
nos lucros são os diretores e membros do conselho de administração.
Nada impede, porém, que os membros de órgãos técnicos e consultivos
criados pelo estatuto também a elas façam jus, uma vez demonstrado
que contribuem para os resultados da companhia. Como eles têm de-
veres e responsabilidades da mesma natureza que os diretores e mem-
bros do conselho de administração, podem também usufruir dos mesmos
direitos628. Assim, é perfeitamente legítimo que o estatuto estabeleça a
sua participação nos lucros, na proporção quefixar,bem como que a as-
sembleia delibere a respeito, conforme antes analisado629-630.

626 ALBERTO XAVIER. Administradores de Sociedades. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais,
1979, p. 43-45.
627 Ver os comentários ao art. 117 da Lei das S.A.
628 Ver os comentários ao art. 160 da Lei das S.A.
629 Em sentido contrário, sob o argumento principal de que as normas que tratam da distribui-
ção de lucros aos administradores são excepcionais, devendo, pois, ser interpretadas
restritivamente, o Parecer CVM/SJU n° 32/1980.
630 No mesmo sentido, ALFREDO LAMY FILHO, "Remuneração do Conselho Consultivo
com Participação nos Lucros". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira
(Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. II, 2 a edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 414-420.
Os administradores de mais de 2 (duas) companhias integran-
tes de grupo de sociedades de direito, assim como os administrado-
res do grupo, podem ter sua remuneração rateada entre as diversas
sociedades que o compõem, podendo a sua gratificação ser fixada
com base nos resultados apurados nas demonstrações financeiras
consolidadas do grupo (artigo 274). A regra somente aplica-se aos
grupos de sociedade de direito, constituídos mediante convenção
(artigo 269), nos quais se admite a existência de uma estrutura admi-
nistrativa centralizada do grupo, com órgãos de deliberação colegia-
da e cargos de direção geral (artigo 272)631.

SEÇÃO IV

DEVERES E RESPONSABILIDADES

Dever de diligência
"Art. 1 5 3 . 0 administrador da companhia deve empregar, no exer-
cício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem
ativo e probo costuma empregar na administração dos seus pró-
prios negócios."

A Lei das S.A. estabelece um elenco de deveres e responsabili-


dades aos administradores, que se aplicam tanto aos membros do con-
selho de administração quanto aos da diretoria (artigo 145).

631 Nesse sentido, ver a decisão da 6 a Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas
Gerais proferida nos autos da Apelação Cível n° 420.175.6, Rei. Des. Dídimo Inocêncio de
Paula, j. em 01.04.2004, publicada no D O M G , em 23.04.2004, e na Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 26, òutubro-
-dezembro, 2004, p. 229-236, cuja parte final de sua ementa assim eslá redigida: "(...) Figuran-
do o autor como diretor de várias empresas ligadas pelo fato de integrarem um mesmo grupo
econômico, não pode pretender receber remuneração individual de cada uma delas pelo
trabalho que realiza conjuntamente para todo o grupo, mormente em se verificando que a praxe
vigente no grupo em tela é no sentido de que haja recebimento por meio apenas de uma das
sociedades". Em sentido contrário, entendendo que o administrador de grupo de fato também
pode ser remunerado por outra sociedade que o integre: ARNOLDO WALD, "Caracterização do
Grupo Econômico de Fato e Suas Conseqüências Quanto à Remuneração dos Dirigentes de
suas Diversas Sociedades Componentes", Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capi-
tais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 25, julho-setembro, 2004, p. 145-161.
O primeiro dos deveres é o de diligência, o qual constitui o mais
importante - e de difícil caracterização - de todos. Sua importância reside
no fato de constituir, mais que um dever, a transposição de um princípio
geral de direito, que sempre acompanha a execução de qualquer obriga-
ção, para o âmbito da gestão das companhias632. Sua complexidade deriva
da forma como foi inserido na Lei das S.A.: como um standard,, isto é,
como um padrão geral de conduta, uma orientação flexível, cuja aferição
não só varia no tempo como também deve ser verificada caso a caso.
Ainda que os deveres e responsabilidades, em princípio, apliquem-
-se a todos os membros da diretoria e do conselho de administração, a
aferição do grau de diligência requerido evidentemente não poderá ser
realizada mecanicamente, sem levar em conta a natureza distinta dos
poderes e competências conferidos por lei aos membros do conselho
de administração e da diretoria. Não se pode, por exemplo, exigir de um
conselheiro de administração o mesmo conhecimento sobre a gestão
da companhia do que o de um diretor; como o dever de diligência cons-
titui .um standard, ele deve ser apreciado, no caso concreto, tendo em
vista a posição ocupada pelo administrador.
A primeira noção associada à palavra "diligência", cuja origem é
latina (diligere), é a de zelo no cumprimento de um dever. Assim, diligen-
te é quem atua cuidadosamente no desempenho de determinada ativida-
de, quem se esforça para cumprir satisfatoriamente sua obrigação.
De pronto, pode-se excluir do conteúdo do dever de diligência a
obtenção de determinado resultado; o que se exige do obrigado é que se
esforce para alcançá-lo. Ou seja, trata-se de uma obrigação de meio, não
de resultado, eximindo-se de responsabilidade o administrador se ficar
demonstrado que empregou os seus melhores esforços.
Isso significa que o administrador não infringe o dever de diligência
se não alcançar os objetivos da companhia. Dele exige-se apenas que se

FLAV1A PARENTE. O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas.


Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 41.
conduza de maneira cuidadosa, zelosa, na gestão dos negócios sociais,
desempenhando de forma competente as suas funções633.
Ao determinar a Lei das S.A. que o administrador se comporte
como homem ativo e probo, definiu, à primeira vista, o parâmetro do
bônuspaterfamiliae, ou seja, do homem médio, que conduz os negó-
cios da companhia com o mesmo zelo que conduziria os de sua famí-
lia, preservando o seu patrimônio.
Tratando-se de administrador de sociedade anônima, exige-se
algo mais que o cuidado do bom pai de família; com efeito, incumbe
ao administrador atuar buscando a consecução do objeto social e vi-
sando à obtenção de lucros (artigo 2°). Assim, o bom pai de família
deve procurar manter o patrimônio, já o administrador da companhia
deve buscar multiplicá- lo634.
A gestão do bom pai de família é caracterizada pela prudência,
enquanto a atuação do administrador, voltada para a realização de
lucros, envolve necessariamente a assunção de riscos.
No" Direito Comparado verifica-se nítida tendência no sentido de
vincular o dever de diligência do administrador à competência profissio-
nal de um empresário organizado635; ademais, exige-se que sua atuação
seja pautada pela boa-fé, de maneira que melhor atenda aos interesses
da companhia636. Visando a objetivar o standard do dever de diligência,

633 FLÁVIA PARENTE. O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anôni-


mas..., p. 50.
634 NELSON EIZIRIK, A R I Á D N A B. C A A L , FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS
HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 408.
635 A lei de sociedades anônimas da Espanha (Real Decreto Legislativo n° 1.564/1989), em seu
art. 127, estabelece que os administradores devem desempenhar seus cargos com a diligência
de um empresário organizado e de um representante leal. A lei de sociedades anônimas da
Alemanha (AktG), de 1965, determinou, em seu art. 93, que os administradores devem dar à
sua gestão os cuidados de um administrador competente e consciencioso. O código das
sociedades comerciais em Portugal (Decreto-Lei n" 49.381/1969) dispõe, em seu art. 64, que
os administradores devem atuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado.
636 AMERICAN LAW INSTITUTE. Principies of Corporate Governance: Analysis and
Recommendations. v. I, St Paul: American Law Institute Publishers, 1994.
sugere-se a comparação da atuação concreta do administrador ao que é
assente entre os especialistas em administração de empresas, com o que
se pode aferir a sua competência profissional637.
A partir de decisões tomadas por tribunais norte-americanos, come-
çaram a ser traçados os contornos do dever de diligência. Na análise desse
dever, há que se levar em consideração as seguintes recomendações elen-
cadas no Guidebook ofDirectors, elaborado pela American Bar Association:
(i) os administradores devem participar, pessoalmente ou por te-
lefone, das reuniões dos órgãos da administração (time commitment
and regular attedance)\
(ii) os administradores devem estar bem informados a respeito das
matérias que serão discutidas nas reuniões para as quais forem convoca-
dos, cumprindo-lhes, ainda, analisar previamente tais informações e veri-
ficar se são suficientes para que possam votar e tomar as decisões
pertinentes de maneira consciente (the need to be informed);
(iii) os administradores têm o direito de confiar nas informações e
nos relatórios e estudos elaborados pelo corpo executivo, por emprega-
dos, auditores e outros membros dos órgãos de administração dos quais
não façam parte (the right to rely on others), desde que não tenham co-
nhecimento de fatos que os levem a desacreditar nos dados que lhes
foram fornecidos;
(iv) os administradores devem, ainda, investigar potenciais proble-
mas ou assuntos quando forem alertados pelas circunstâncias ou por even-
tos que lhes indiquem que a companhia possa vir a passar por
complicações ou praticar alguma conduta ilegal (inquiry). Nesses casos,
os administradores devem promover investigações até constatarem que
o corpo executivo está lidando de maneira apropriada com a situação; e

637 FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2, 13a edição, São ftiulo: Saraiva,
2009, p. 253.
(v) os administradores devem informar seus pares a respeito dos fa-
tos que considerem importantes para a tomada de uma decisão ou para o
exercício de supervisão sobre os negócios da companhia (disclousure among
directors)65S.
Na realidade, não existe uma forma única de se atuar com diligên-
cia, mas um elenco de comportamentos que podem ser considerados
como diligentes. Os administradores dispõem de uma margem de dis-
cricionariedade para escolher diversas opções razoáveis, não se poden-
do responsabilizá-los por não terem adotado, numa análise realizada a
posteriori, a que se revelou a melhor639-640.

638 AMERICAN BAR ASSOCIATION. Corporate Director's Guidebook. 5"' edition, Chicago:
The Business Lawyer, v. 62, n. 4, augusí, 2007, p. 1.495-1.496.
639 LUIS ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS, "Conselho de Administração e Diretoria". In:
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio
de Janeiro: Forense, p. 1.102.
640 Os padrões de conduta dos administradores - os chamados standars de conduta - são
conceitos abertos, ou seja, não se traduzem em normas de condutas objetivas. Assim,
devem ser interpretados tendo em vista as circunstâncias e as exigências concretas da
sociedade no momento da conduta. Nessa linha, o julgador, ao efetuar análise fria e
posterior dos fatos, deve ter em mente que as decisões foram tomadas sob a tensão do
momento, ou seja, no "calor dos acontecimentos". Nesse sentido, ver os votos que anali-
saram a expressão "calor dos acontecimentos", proferidos por: (i) Luiz Antonio de Sampaio
Campos, no Inquérito Administrativo C V M n° RJ 2002/1173, Rei. Dir. Norma Jonssen
Fàrente, j. em 02.10. 2003, no qual observou que: "No inquérito administrativo CVM 725/
2001 [Inquérito Administrativo CVM n° TA - SP 2001/07251 fiz uma pequena observação
que me permito transcrever aqui, por me parecer inteiramente aplicável, na qual disse:'abra-
se aqui um parêntese para esclarecer que os conceitos abertos, os assim chamados standard
de conduta como o propalado dever de diligência, o dever de conhecer o seu cliente dentre
outros tantos deveres previstos na lei, por não se traduzirem em normas de condutas
objetivas, terão que ser examinados no processo administrativo considerando não necessa-
riamente e apenas a melhor conduta, mas sim a razoabilidade da conduta adotada ainda que
se possa admitír que outra fosse, na opinião do julgador, mais apropriada ou adequada. É
este o ponto de equilíbrio que se impõe aos padrões de conduta, dado a sua falta de
objetividade. Além disso, a conduta deve ser examinada considerando o momento em que
deveria ser praticada e em quais circunstâncias, no calor dos acontecimentos e não distante
dos fatos, comodamente e com a calma atípica ao mundo dos negócios.' Recordo aqui a
lição de Carrigues e Uria: 'Por todas estas razões, a fórmula de diligência que impõe ao
administrador no artigo 79 não deve ser entendida como uma fórmula rígida, idêntica para
todos os casos. Ao contrário, deve ser adaptada às circunstâncias e às exigências concretas
da sociedade.' (Tradução livre. Coméntários a Ia Ley de Sociedades Anônimas, Tomo !)"; e (ii)
Marcelo Trindade, no Inquérito Administrativo CVM n° 22/99, em que também foi relator,
j. em 16.08.2001: "Não se quer nem de longe negar que a CVM possa e deva julgar a
qualidade da informação prestada, e o acerto ou o erro de sua retenção indevida ou
divulgação açodada. Mas, quando o fizer, deve a CVM ter em conta que estará realizando
um post mortem. Dessa maneira, e em não havendo insider trading, o rigor na análise fria e
posterior dos fatos deve ser temperado pela lembrança de que as decisões foram tomadas no
calor dos acontecimentos, sob a tensão do momento."
Para a aferição do comportamento diligente do administrador, deve-
-se examinar se ele atendeu ao deveres de: (i) se qualificar para o cargo; (ii)
bem administrar, (iii) se informar, (iv) investigar, e (v) vigiar641.
Em primeiro lugar, o administrador deve ter ou adquirir os conhe-
cimentos mínimos sobre as atividades da companhia e a competência
necessária ao desempenho de suas funções, com capacidade técnica
para tomar decisões de maneira refletida e responsável. Assim, se o admi-
nistrador não possui conhecimentos mínimos que lhe permitam dirigir
os negócios sociais, não deve aceitar o cargo642. Ou seja, o administrador
não precisa ser um técnico altamente especializado em todas as maté-
rias que possam ser submetidas a sua apreciação, mas sim uma pessoa
com conhecimentos gerais a respeito das atividades desenvolvidas pela
companhia que administra, com capacidade para tomar decisões de
maneira refletida e responsável e supervisionar os negócios sociais643.
O dever de bem administrar consiste na atuação do administrador
visando à consecução do interesse social, embora não se exija que as
decisões por ele tomadas acarretem necessariamente resultados positi-
vos, uma vez que o dever de diligência constitui obrigação de meio e não
de resultado. Com efeito, o dever de diligência não constitui dever de
inteligência, ou seja, caso o administrador atue com diligência, o eventual
erro que cometer não poderá acarretar a sua responsabilização644.
O administrador também tem a obrigação de obter as informações
necessárias ao desenvolvimento dos negócios da companhia. Tal obriga-
ção desdobra-se em 2 (dois) deveres: o primeiro, de natureza estrutural,

641 FLÁVIA PARENTE. O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anôni-


mas..., p. 101 e seguintes.
642 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 125.
643 RENATO VENTURA RIBEIRO. Dever de Diligência dos Administradores de Sociedade. São
Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 204.
644 Sobre esse assunto, RENATO VENTURA RIBEIRO. Dever de Diligência dos Administrado-
res de Sociedade..., p. 210-211, observa que: "{...) não se pode confundir diligência com
sucesso do negócio, Ijá que1 um negócio pode vir a fracassar, apesar da atuação diligente
do administrador, ou vice-versa."
relativo ao conhecimento que o administrador deve ter sobre o anda-
mento ordinário dos negócios da companhia; o segundo, conjuntural,
referente às operações concretas em que a companhia se envolve, que
não se inserem no curso da gestão ordinária, como são, por exemplo,
uma incorporação, cisão, aquisição de controle, etc.
Quanto ao dever de se informar, não se pode exigir que o admi-
nistrador somente tome uma decisão após esgotar a obtenção de
todas as informações possíveis, sob pena de a companhia perder a
oportunidade de negócio, mas apenas aquelas necessárias, dentro
de um critério de razoabilidade. Assim, o conteúdo do dever de bus-
car informações imposto aos administradores deve ser limitado, de
modo que as informações exigidas sejam necessárias, razoáveis, per-
tinentes e não excessivas. O rigor demasiado no julgamento do de-
ver de diligência, seja pelos Tribunais, seja pela Comissão de Valores
Mobiliários, pode levar os administradores a uma atitude de parali-
sia ou de tal cautela que evitem assumir quaisquer riscos, que são da
essência da atividade empresarial 645 . Portanto, caso tenham se in-
formado de maneira adequada — não informações exaustivas, mas
aquelas que estejam razoavelmente disponíveis, conforme as cir-
cunstâncias concretas —, os administradores não poderão ser res-
ponsabilizados por infração ao dever de diligência.

645 A jurisprudência administrativa da CVM, no julgamento de processos sancionadores, não tem


sido uniforme. Em alguns casos, acertadamente, a Autarquia reconheceu que o administrador,
em virtude das restrições de tempo e de recursos, não pode sempre realizar todos os estudos
mais aprofundados, precisando escolher quais serão as questões revistas e quais não serão
analisadas (Processo Administrativo Sancionador n° RJ 2005/0097, Rei. Dir. Maria Helena de
Santana, j. em 15.03.2007; Processo Administrativo Sancionador n° RJ 2005/1443, Rei. Dir.
Pedro Oliva Marcilio de Souza, j. em 10.05.2006). Em outros casos, com excessivo rigor,
decidiu que a mera contratação de uma renomada empresa de auditoria não exime o adminis-
trador do dever de se informar, entendendo o Diretor Relator que "o dever de cuidado exige a
desconfiança, inclusive de laudos técnicos e periciais, desde que fundamentada e nada mais
natural que o administrador exija esclarecimentos e eventuais revisões de um trabalho contra-
tado quando este apresenta flagrantes omissões" (Processo Administrativo Sancionador n° 08/
05, Rei. Dir. Eli Loria, j. em 12.12.2007; no mesmo sentido, Processo Administrativo Sancionador
n° 25/03, Rei. Dir. Eli Loria, j. em 25.03.2008). Também nesse sentido, RENATO VENTURA
RIBEIRO. Dever de Diligência dos Administradores de Sociedade..., p. 227.
O administrador também tem o dever de investigar, ou monitorar, o
desenvolvimento das atividades da companhia, que lhe impõe a obriga-
ção de analisar criticamente as informações que recebe, a fim de detectar
potenciais problemas que venham a afetar tais atividades. Ao descobrir
fatos que podem, eventualmente, causar danos à companhia, deve inves-
tigá-los de forma mais cuidadosa, revisando relatórios financeiros e de-
mais documentos relevantes aos negócios sociais646-647.
Assim, quando os administradores forem alertados por circuns-
tâncias que indiquem que a companhia pode vir a ter problemas - as
chamadas redflags (bandeiras vermelhas) no direito societário norte-
-americano - devem investigar mais detalhadamente648.
Os administradores podem e devem, em princípio, confiar nas in-
formações que lhes são apresentadas por subordinados, auditores e ou-
tros profissionais, exceto se verificarem a existência de algum sinal de
alerta, que indique a necessidade de uma mais detalhada investigação.
Com efeito, seria impossível que o administrador conferisse pessoal-
mente todas as informações levadas ao seu conhecimento.
O último aspecto relacionado ao dever de diligência é o chamado
dever de vigiar, que consiste na obrigação dos administradores de fisca-
lizarem o desenvolvimento das atividades da sociedade. Tal vigilância

646 A Seção 302 do Sarbanes-Oxley Act (SOX), de 2002, impõe aos administradores da área
financeira o dever de revisar os relatórios financeiros e certificar que eles não contêm dados
falsos, refletindo a real situação da companhia.
647 A Instrução CVM n° 480/2009, nos incisos V e VI do § 1o do art. 25, com as alterações
introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010, dispõe que: "Art. 25. O emissor deve entregar
as demonstrações financeiras ã CVM na data em que forem colocadas à disposição do público.
§ Io. As demonstrações financeiras devem ser acompanhadas de: (...) V - declaração dos
diretores de que reviram, discutiram e concordam com as opiniões expressas no parecer dos
auditores independentes, informando as razões, em caso de discordância; e VI - declaração
dos diretores de que reviram, discutiram e concordam com as demonstrações financeiras."
648 ROBERT C. CLARK. Corporate Law ..., p. 131; Committee on Corporate Laws, ABA Section
of Business Law, "Corporate Director's Guidebook (Fourth Edition)", The Business Lawyer.
Chicago: American Bar Association, v. 59, n. 3, may, 2004, p. 1.069-1.070. Ver, também,
THE AMERICAN LAW INSTITUTE. Principies of Corporate Governance: Analysis and
Recommendations. v. 1, St. Ftiul: Minn., 1994, p. 138-139; JOSE ORIOL LEBBOT MA|0. Los
Deberes de los Administradores de Ia Sociedad Anônima. Madrid: Civitas, 1996, p. 68.
deve ser exercida de forma sintética e não analítica649. Dessa forma,
não se exige dos administradores a supervisão de cada uma das ativi-
dades desenvolvidas pela companhia, mas o acompanhamento geral
dos negócios sociais e de suas políticas ou procedimentos internos. A
propósito, seria indesejável que os administradores adquirissem in-
formações sobre todos os aspectos das atividades da companhia, uma
vez que os benefícios poderiam ser inferiores aos custos incorridos630.
Dada a flexibilidade do conceito de diligência, desenvolveu-se
nos Estados Unidos, a partir de uma série de decisões judiciais651, a
chamada business judgement rule652, que constitui um standard para
o controle dos atos praticados pelos administradores, cujos objeti-
vos principais são: (i) evitar que os tribunais substituam os adminis-
tradores, que devem ter a liberdade de decidir sobre a oportunidade
e conveniência de seus atos; e (ii) oferecer aos administradores uma
proteção às decisões que tomarem, quando devidamente informa-
das, encorajando-os a assumirem cargos de gestão e a correrem os
riscos inerentes à atividade empresarial653.
Caso a decisão seja tomada por administradores de boa-fé, devida-
mente informados e no interesse da companhia, o acionista autor de ação
de responsabilidade civil do administrador deverá provar os fatos e alega-
ções para superar a presunção da business judgement rule que milita em
favor do administrador654. A presunção em favor dos administradores es-
tabelecida pelo referido standard será superada se ficar demonstrado que

649 Nesse sentido já se manifestou a CVM no Inquérito Administrativo CVM n° TA-RJ 2002/
1173, Rei. Dir. Norma Jonssen Parente, j. em 02.10.2003.
650 MELVIN E1SENBERG. The Duty of Care of Corporate Directors and Officers. v. 51, n. 4,
Pittsburgh: University of Pittsburgh Law Review, 1990, p. 954.
651 ROBERT C. CLARK. Corporate Law..., p. 126 e seguintes.
652 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 159 da Lei das S.A.
653 Sobre esse assunto, ver OSMAR BRINA CORREA-LIMA. Sociedade Anônima. 3a edição,
Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 203-210.
654 ALEXANDRE C O U T O SILVA. Responsabilidade dos Administradores de S/A: "Business
Judgement Rule". Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 194.
eles não observaram os padrões de diligência, não se informando adequa-
damente sobre as decisões a serem tomadas655.
A business judgement rule será aplicável se presentes os seguin-
tes requisitos: (i) a ocorrência de uma decisão, não estando protegi-
das pela regra as condutas omissivas; (ii) a inexistência de qualquer
interesse financeiro ou benefício pessoal na matéria por parte do
administrador; (iii) o cumprimento da obrigação de se informar an-
tes de tomar a decisão; (iv) ter o administrador perseguido o interes-
se social; e (v) ter o administrador agido de boa-fé. Assim, presentes
tais elementos, a decisão tomada pelo administrador estará protegi-
da pela regra, não podendo ele ser responsabilizado, ainda que dela
tenham decorrido danos à companhia636.
Com efeito, seria danoso à própria companhia se as decisões
tomadas pelos administradores pudessem ser constantemente
questionadas pelos acionistas; ademais, os julgadores, seja na es-
fera judicial, seja na esfera administrativa, não estão aptos a subs-
tituírem os administradores e decidirem sobre a oportunidade e a
conveniência de determinadas decisões negociais.
O artigo 159, § 6°, inequivocamente consagrou a business jud-
gement rule ao proteger o administrador quando se constatar que
agiu de boa-fé e visando a atingir os melhores interesses da com-
panhia. A regra, tal como interpretada, permite ao aplicador da lei,
seja na esfera judicial, seja na esfera administrativa, dar maior con-
cretude ao standard do dever de diligência, uma vez que possibilita
a sua aferição diante de casos concretos657.

655 ROBERT C. CLARK. Corporate Law..., p. 125.


656 NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. CAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS
HENR1QUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico..., p. 427-428.
657 A CVM tem aceito a regra do business jucígement rule para aferir a diligência do adminis-
trador de companhia aberta. Sobre esse assunto, ver o Processo Administrativo Sancionador
CVM n° RJ 2005/1443, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Souza, j. em 10.05.2006.
Finalidade das atribuições e desvio de poder
"Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que alei e
o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da com-
panhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social
da empresa.

§ 1° O administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem,


para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não
podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram,
faltar a esses deveres.

§ 2° E vedado ao administrador:

a) praticar ato de liberalidade à custa da companhia;

b) sem prévia autorização da assembleia geral ou do conselho de


administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da compa-
nhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha inte-
resse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito;

'c) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou da assem-


bleia geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou
indireta, em razão do exercício de seu cargo.

§ 3° As importâncias recebidas com infração ao disposto na alí-


nea c do § 2° pertencerão à companhia.
i
§ 4° O conselho de administração ou a diretoria'podem autorizar
a prática de atos gratuitos razoáveis em beneficio dos emprega-
dos ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista
suas responsabilidades sociais."
O artigo trata de diversos deveres fundamentais do administrador,
além de estabelecer alguns postulados básicos que devem pautar a sua
atuação. Encerra um dos princípios fundamentais em matéria societária
- o da prevalência do interesse social. Tal princípio justifica-se na medida
em que o interesse social constitui o meio ou pressuposto para a realiza-
ção dos fins da companhia. Ainda que o caput estabeleça um standard
geral de conduta, e o § 1° um princípio essencial, os demais parágrafos
prevêem proibições razoavelmente detalhadas.
Os administradores devem exercer as suas atribuições legais e
estatutárias tendo em vista os fins e o interesse da companhia, ou
seja, atuando para alcançar o desenvolvimento do objeto social da
forma mais lucrativa possível.
Tais objetivos, embora prevalecentes, devem ser perseguidos ao
menor custo possível para a comunidade; daí a menção às exigências
do "bem público" e da "função social da empresa", que constituem to-
poi, ou seja, expressões de certa forma vazias, a serem preenchidas pelo
aplicador da norma. Assim, a recomendação contida no caput é no sen-
tido de que, embora os deveres fundamentais dos administradores se-
jam os de realizar o objeto social e maximizar os lucros, eles devem
atendê-los ao menor custo para a coletividade, respeitando os direitos
dos trabalhadores, não poluindo, não praticando qualquer espécie de
discriminação em sua política de pessoal658.
A norma contida no § 1° apresenta grande relevância, ao vincular
de maneira clara a atividade do administrador à realização do interesse
social, independentemente de quem o elegeu para o cargo. Isso porque,

No direito societário norte-americano, já se discutiu a questão dos destinatários da atuação


dos administradores; a resposta é que devem agir tendo em vista os interesses da compa-
nhia e de seus acionistas, visando à maximização dos lucros. As Cortes norte-americanas,
em geral, não reconhecem que eles tenham deveres com relação aos demais stakeliolders,
como credores, empregados e outros, com a possível exceção dos credores no caso de
companhias insolventes (North American Catholic Educational Programming Foundation,
Inc. v. Gheewalla, 930 A.2d 92 - Del. Ch. May, n" 18, 2007).
o administrador, embora possa ser eleito por determinado grupo de acio-
nistas, não deve qualquer tipo de lealdade aos seus "eleitores", na medida
em que não os representa, estando vinculado à realização do interesse
social e da finalidade lucrativa da companhia659. Tal disposição deve ser
aplicada a todos os administradores, qualquer que tenha sido a forma de
sua eleição, se por voto múltiplo, por classe ou espécie de ação, ou se por
votação majoritária660.
A disposição legal dirige-se particularmente aos membros do con-
selho de administração, tendo em vista a possibilidade de sua eleição
mediante os sistemas de voto múltiplo e de eleição em separado661,
que não são aplicáveis aos diretores, exceto se previstos em acordo de
acionistas662 ou no estatuto social que assegura a 1 (uma) ou mais
classes de ações preferenciais o direito de eleger, em separado, 1 (um)
dos membros dos órgãos de administração663.
A norma também deve ser aplicada aos membros do conselho
fiscal, aos quais incumbe exercer as suas funções no interesse exclusivo
da companhia, ainda que eleitos por acionistas minoritários664.

659 O dever dos administradores de manter a independência ou autonomia em relação aos seus
eleitores foi igualmente tratado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa -
IBGC, no item 2.16 do "Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa": "2.16
(...) O conselheiro deve trabalhar para o bem da empresa e, por conseguinte, de todos os
acionistas. O conselheiro deve buscar a máxima independência possível em relação ao
acionista, grupo acionário ou parte interessada que o tenha indicado ou eleito para o
cargo, consciente de que, uma vez eleito, sua responsabilidade refere-se ao conjunto de
todos os proprietários."
660 Sobre esse assunto, a Lei n° 12.353/2010, que dispõe sobre a participação de empregados nos
conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, suas
subsidiárias e controladas e demais empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha
a maioria do capital social com direito a voto, determina, no § 2° do art. 2o, que: "O represen-
tante dos empregados está sujeito a todos os critérios e exigências para o cargo de conselheiro
de administração previstos em lei e no estatuto da respectiva empresa." O art. 6o, por sua vez,
estabelece que: "Observar-se-á, quanto os direitos e deveres dos membros dos conselhos de
que trata esta Lei e ao respectivo funcionamento, o disposto na Lei n° 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, no que couber."
661 Ver os comentários ao art. 141 da Lei das S.A.
662 Ver os comentários ao art. 118 da Lei das S.A.
663 Ver os comentários ao art. 18 da Lei das S.A.
Os administradores não são mandatários da sociedade, muito me-
nos de seus "eleitores"; a companhia faz-se presente, com todos os seus
integrantes — acionistas e empregados - por seu intermédio. Assim, uma
vez eleitos, devem agir como órgãos, no interesse da sociedade. Caso o
administrador favoreça determinados acionistas, controladores ou mino-
ritários, que o elegeram, estará praticando ato em desvio de poder, poden-
do ser responsabilizado. Com efeito, os poderes que detém devem ser
utilizados unicamente para a consecução dos fins sociais, não podendo
deles apartar-se para proteger os interesses daqueles que o elegeram.
No Direito Societário, ocorre o desvio de poder quando os admi-
nistradores, embora observando formalmente os dispositivos da Lei
das S.A. e do estatuto, deles afastam-se substancialmente, ao condu-
zir-se de forma a atingir finalidades diversas daquelas previstas nas
normas legais e estatutárias665. Assim, caracteriza violação do dever
previsto neste artigo a prática de atos pelos administradores que, subs-
tancial ou formalmente, não visem a atingir o interesse social, o bem
público ou a função social da empresa.
Conforme a doutrina do improper purpose, desenvolvida na In-
glaterra e nos Estados Unidos, é vedado aos administradores não só
exercerem os seus poderes visando a fins ilegais ou contrários à or-
dem pública, mas também desviando-os de suas verdadeiras desti-
nações. Assim, por exemplo, um aumento de capital ou um
empréstimo - negócios destinados a buscar fundos para a sociedade
- não podem ser utilizados pelos administradores para reforçar sua
posição de controle sobre a sociedade666.
As vedações previstas nas 3 (três) alíneas do § 2° decorrem da regra
segundo a qual o administrador deve atuar para lograr os fins e no inte-
resse da companhia, não dos seus próprios ou de seus eleitores.

665 FLÁVIA PARENTE. O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas.


Rio de laneiro: Renovar, 2005, p. 139.
666 ANDRÉ TUNC. Le Droit Anglais des Sociétés Anonymes. 4° edição, Paris: Econômica,
1997, p. 171.
A Lei das S.A. veda expressamente a prática de atos de liberalidade
por parte dos administradores. Como eles atuam como gestores de bens
de terceiros - os acionistas — têm determinados deveres fiduciários aos
quais não podem faltar667, o primeiro deles constituindo o de não atuar
com liberalidade na gestão do patrimônio social.
Os atos de liberalidade são aqueles que, embora diminuam o pa-
trimônio da companhia, não lhe trazem qualquer benefício ou vanta-
gem econômica. Assim, haverá liberalidade quando uma parcela do
patrimônio da companhia for indevidamente conferida a terceiros,
sem contrapartida equitativa668.
Quando os administradores fazem uma doação a pessoas que
não mantêm qualquer vínculo com a companhia, a qual não traz qual-
quer benefício à comunidade, caracteriza-se a liberalidade.
Também constituem atos de liberalidade: (i) a renúncia a direi-
tos da companhia; (ii) a prestação de garantias de favor a terceiros; e
(iii) a concessão de empréstimos aos acionistas em condições favore-
cidas e sem as garantias necessárias669.
Por outro lado, não constituem atos de liberalidade a renúncia de
direitos da companhia quando realizada para extinguir ou prevenir

667 Sobre a posição fiduciária dos administradores: CARLOS KLEIN ZANINI, "A Doutrina dos
'Fiduciary Duties' no Direito Norte Americano e a Tutela dos Acionistas Minoritários Frente
aos Administradores das Sociedades Anônimas", Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 109, janeiro-março, 1998, p. 137.
668 NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS HENRIQUES.
Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 434-435.
669 Sobre atos de liberalidade, ver as decisões do Colegiado da CVM proferidas nos Processos
Administrativos Sancionadores CVM n05: (i) RJ 09/97, Rei. Dir. Wladimir Castelo Branco
Castro, j. em 13.12.2006; (ii) RJ 11/1996, votos do Presidente Marcelo Trindade e do Dir.
Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. em 29.06.2005; (iii) RJ 27/1999, Rei. Dir. Luiz Antonio
de Sampaio Campos, j. em 12.08.2004; e (iv) RJ 08/1998, Rei. Dir. Marcelo Trindade, j. em.
05.12.2001. Ver, também, as seguintes decisões judiciais: (i) 9a Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferida nos autos da Apelação Cível n° 16.304/
2000, Rei. Des. Laerson Mauro, j. em 06.02.2001; (ii) 3 a Câmara do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Geais, proferida nos autos da Apelação Cível n° 330.066-3, Rei. Des.
Wander Marotta, j. em 02.05.2001; e (iii) 6a Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, proferida nos autos da Apelação Cível n" 60.232, Rei. Des. Cantidiano de
Almeida, j. em 19.12.1952 (publicada na Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 210, abril, 1953, p. 170-175).
litígio, assim como a renegociação de dívidas com eventual perdão
ou desconto da parcela de juros ou do principal, ou alongamento de
prazos, desde que justificadas670.
A vedação à prática de atos de liberalidade não é absoluta, permi-
tindo-se que a companhia efetue doações com finalidades filantrópi-
cas ou caritativas. Assim, a proibição pode ser afastada quando, por
deliberação do conselho de administração ou da diretoria, entender-
-se que se trata de liberalidade razoável, que é não apenas aquela de
pequeno valor, mas, também, a que tenha como beneficiários os em-
pregados (assistência alimentar, educacional, recreativa, etc.) ou a co-
munidade (auxílio a empreendimentos artísticos, culturais, patrocínio
de filmes, peças de teatros, etc.).
A Lei das S.A. igualmente veda ao administrador, sem prévia
autorização da assembleia geral ou do conselho de administração,
tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, assim como
usar, em proveito próprio, de sociedade da qual participe ou de tercei-
ros, seus bens, serviços ou crédito. Tais comportamentos constituem
uma forma de abuso dos bens sociais, que não podem ser utilizados
para finalidades diversas daquelas vinculadas à realização do interesse
da companhia e da sua finalidade lucrativa.
Em companhias fechadas, às vezes ocorre a confusão do patrimô-
nio social com o da família controladora, cujos membros também ocu-
pam cargos de administração. Tal confusão patrimonial pode, inclusive,
caracterizar o abuso da personalidade jurídica, cabendo, mediante deci-
são judicial, eventualmente estenderem-se determinadas relações obri-
gacionais aos bens particulares dos administradores e acionistas671.

670 LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS, "Conselho de Administração e Diretoria". In:


Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio
de Janeiro: Forense, 2009, p. 1.124.
671 O art. 50 do Código Civil assim dispõe: "Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir,
a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."
Não se justifica a prática dos atos previstos na alínea "b" do § 2°,
ainda que aprovada pelo conselho de administração, uma vez que
podem existir conflitos de interesse, particularmente quando o inte-
ressado for conselheiro, caso em que o esprit de corps pode prevalecer
sobre os interesses sociais672. O ideal é que o estatuto estabeleça que
tais autorizações fiquem reservadas à apreciação da assembleia geral,
órgão soberano da coletividade de acionistas.
Na ausência de autorização estatutária expressa permitindo que
o conselho de administração conceda tais autorizações, o órgão está
impedido de adotar tal procedimento, o que não ocorre com a assem-
bleia geral, que sempre pode deliberar a respeito673.
O administrador não pode receber de terceiros, sem expressa pre-
visão estatutária ou autorização da assembleia geral, qualquer modali-
dade de vantagem pessoal em razão do exercício de seu cargo. O objetivo
da regra é impedir que o administrador receba presentes ou qualquer
tipo de bens ou vantagens para si ou familiares (viagens, empréstimos
em condições favorecidas, etc.) de pessoas interessadas em contrair
negócios com a companhia. A inobservância da norma implica, obri-
gatoriamente, a transferência para a companhia das importâncias ou
vantagens recebidas, nos termos do § 3°.
Havendo previsão estatutária, o órgão competente para conceder a
autorização, em cada caso, será o conselho de administração, seja para os
diretores, seja para os próprios conselheiros. Já os diretores, por conduzi-
rem diretamente os negócios sociais, não podem conferir tal autorização
para si próprios. Assim, caso a companhia não tenha conselho de admi-
nistração, a autorização deverá ser dada pela assembleia geral674.

672 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro, v. 2, São Paulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 473.
673 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 287.
674 EDUARDO SOUSA CARMO. Relações Jurídicas na Administração das Sociedades Anôni-
mas. Rio de Janeiro: Aide, 1988, p. 125.
Dever de lealdade
"Art. 1 5 5 . 0 administrador deve servir com lealdade à companhia
e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado:

I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo


para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha co-
nhecimento em razão do exercício de seu cargo;

II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da compa-


nhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou. para ou-
trem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse
da companhia;

III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe
necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir.

§ 1° Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta,


guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha
sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão
do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de
valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para
obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda
de valores mobiliários.

§ 2° O administrador deve zelar para que a violação do disposto


no § I o não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de
sua confiança.

§ 3 ° A pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliá-


rios, contratada com infração do disposto nos §§ 1° e 2°, tem
direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, a
menos que ao contratar já conhecesse a informação.
§ 4° É vedada a utilização de informação relevante ainda não divul-
gada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finali-
dade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de
valores mobiliários." (§ acrescentado pela Lei n° 10.303/2001)

A Lei das S.A., inspirada nos sistemas jurídicos inglês e norte-


-americano, introduziu em nosso regime societário o padrão de le-
aldade (standard ofloyalty) que requer do administrador uma conduta
de boa-fé e sempre no melhor interesse da companhia.
No sistema de direito societário norte-americano, o dever de
lealdade do administrador normalmente surge em uma das seguin-
tes situações: (i) a utilização de oportunidade comercial da compa-
nhia; e (ii) em operações nas quais o administrador tem interesses
conflitantes com os da companhia.
Na generalidade dos sistemas jurídicos mais desenvolvidos pres-
crevem-se standards, agrupados sob a denominação de "dever de leal-
dade", com vistas a controlar situações de conflitos de interesse e a
limitar o risco de utilização, pelos administradores, dos ativos da com-
panhia ou de informações confidenciais, em proveito próprio675.
A Lei das S.A., no caput deste artigo, estabeleceu o padrão genérico
de conduta, nos termos do qual o administrador deve: servir com lealda-
de à companhia; e manter reserva sobre os negócios sociais676. Em segui-
da, nos seus 3 (três) incisos e parágrafos, estabeleceu um elenco
exemplificaüvo de condutas vedadas aos administradores.
A primeira delas é a de utilizar o administrador, em proveito pró-
prio, oportunidades de negócios da companhia, às quais ele teve aces-
so em virtude de seu cargo. Trata-se da corporate oportunity doctrine do

675 REINIER KRAAKMAN, PAUL DAVIES, HENRY HANSMANN, GERARD HERTIG, KLAUS HOPT,
HIDEKI KANDA and EDWARD ROCK. The Anatomy of Corporate Law - A Comparative and
Functional Approach. New York: Oxford Universily Press, 2007, p. 114.
676 Sobre a correlação entre o dever de lealdade e o dever de diligência, ver ELÁVIA PARENTE.
O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 174.
direito norte-americano, que basicamente impõe ao administrador
a proibição de utilizar as oportunidades comerciais da companhia
em proveito próprio677.
Como os administradores constituem órgãos da companhia, as
oportunidades comerciais que lhes são apresentadas, no desempenho
de suas atividades, pertencem à companhia, que tem a primazia de apro-
veitá-las. Caso utilizem determinada oportunidade, ao invés de ofere-
cê-la à companhia, estará caracterizada a usurpação da oportunidade,
típica modalidade de infração ao dever de lealdade.
Nem todos os casos de aproveitamento de oportunidade comer-
cial constituem infração ao dever de lealdade. Há alguns testes para
se caracterizar a ilicitude do ato, desenvolvidos no direito societário
norte-americano e aplicáveis em nosso sistema jurídico:
(i) a possibilidade de utilização da oportunidade por parte da com-
panhia; se ela não tem condições financeiras ou patrimoniais de apro-
veitar a oportunidade, não há usurpação;
(ii) o fato de estar, tal oportunidade, inserida na linha de negócios
da empresa, fazer parte de seu objeto social ou, pelo menos, ser de uti-
lidade para o desenvolvimento de suas atividades empresariais; e
(iii) o fato de poder acarretar, tal oportunidade, um benefício ou
vantagem para a companhia678.

O acionista controlador também não pode aproveitar oportunidade comercial da compa-


nhia, sob pena de ficar caracterizado o abuso do poder de controle. Ver, a propósito, as
decisões proferidas nos Processos Administrativos Sancionadores CVM n": (i) RJ 29/05,
Rei. Dir. Eli Loria, j. em 30.09.2008, e (ii) RJ 2008/1815, Rei. Dir. Eli Loria, j. em 28.04.2009.
Ver, também: MARIO SLERCA JÚNIOR e EDUARDO SLERCA, "Lei 6.404/76 - Ações
Sociais Contra o Controlador e Contra o Administrador - Necessidade de Atuação do
Ministério Público e Temas Polêmicos", Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro:
Ministério Público, v. 20, julho-dezembro, 2004, p. 159-160.
Tais testes foram desenvolvidos pela jurisprudência dos tribunais norte-americanos, a partir
do célebre caso "Guth v. Loft, Inc". A propósito, ROBERT C. CLARK. Corporate Law.
Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 225-230. O AMERICAN LAW INSTITUTE.
Principies of Corporate Governance: Analysis and Recommendations. v. I, St Paul: American
Law Institute Publishers, 1994, p. 284, seção 5.05b, define a "corporate opportunity" nos
seguintes termos: "(1) Any opportunily to engage in a business activily of which a director
or sênior execulive becomes aware, either: In connection with the performance of functions
as a director or sênior executive, or under the circumstances that should reasonably lead
Em algumas situações, a utilização da oportunidade comercial é
lícita, como, por exemplo: (i) se a companhia não tiver recursos finan-
ceiros para aproveitá-la; (ii) se estiver proibida de realizar negócios da
espécie; ou (iii) se o estatuto não permitir que a companhia realize tais
negócios. Em qualquer de tais hipóteses, a oportunidade deixa de ser da
companhia, tornando-se pessoal, do administrador, a quem cabe o ônus
de provar tais fatos679.
Ainda que configurada qualquer das situações acima, que cons-
tituem excludentes da responsabilidade do administrador por infra-
ção ao dever de lealdade, é prudente que ele apresente-a ao órgão
social competente e não participe do processo decisório após infor-
mar que teria interesse no negócio. Porém, não há usurpação se a
oportunidade foi criada pelo próprio administrador.
A proibição de aproveitamento de oportunidade comercial não é
absoluta, mesmo que ela se insira na linha de negócios da companhia
e que esta tenha condições de aproveitá-la. Se o administrador comu-
nicar à assembleia ou aos demais administradores, não participar da
deliberação, e o órgão social competente decidir não aproveitar a opor-
tunidade, ele estará livre para fazê-lo6S0.
Ainda que não prevista expressamente, constitui modalidade
de infração ao dever de lealdade, semelhante à usurpação de opor-
tunidade comercial, o desempenho, pelo administrador, em caráter

the director or sênior execulive believe the person is offeríng the opportunity expects it to be
offered to the Corporation; or through the use of corporate informations or property, ií lhe
resulting opportunity is one that lhe director or sênior execulive should reasonably be
expected lo beiieve wouid be of inlerest to lhe Corporation; (2) Any opportunity to engage
in a business activity of which a sênior execulive becomes aware and knows is closeiy
related to the business in which the Corporation is engaged or expects to engage."
679 WILLIAM E. KNEPPER. Liability of Corporate Offícers and Directors. Columbus: The Allen
Smith Company, 1978, p. 76.
680 ALFREDO SÉRGIO LAZZARESCHI NETO. Lei das Sociedades por Ações Anotada. 3n edi-
ção, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 355.
constante, de negócios semelhantes aos da companhia, que carac-
terizem a concorrência681.
É também vedado ao administrador omitir-se no exercício ou na
proteção de direitos da companhia, hipótese que se confunde com a in-
fração ao dever de diligência, previsto no artigo 153, que lhe impõe o
dever de atuar no interesse social. A caracterização da infração prescinde
da comprovação do dolo, uma vez que a omissão pode ser culposa, decor-
rente do exercício negligente das funções administrativas.
Na segunda parte do inciso II, a Lei das S.A. também inclui
como modalidade de infração ao dever de lealdade o comportamento
do administrador que.deixa de aproveitar oportunidade comercial de
interesse da companhia visando à obtenção de vantagem para si ou
para outrem. Assim, por exemplo, se o administrador, sabendo que foi
oferecido à companhia determinado bem, a um preço atrativo, com-
pra-o para si ou para outrem, estará configurado o ato ilícito. Dada a
dicção da Lei das S.A. - "visando à obtenção de vantagens" - deve estar
presente o dolo, a intenção de obter vantagem, ainda que ela não se
materialize, para caracterizar-se a infração ao dever de lealdade.
Também constitui infração ao dever de lealdade a aquisição, pelo
administrador, de bens ou direitos para revendê-los, com lucro, à com-
panhia. Basta que o administrador tenha lucro na operação para ca-
racterizar o ilícito. Se o administrador teve lucro na operação, a
companhia pagou mais do que teria pago caso os bens ou direitos lhe
tivessem sido ofertados originalmente.
A interposição do administrador somente se justifica se necessá-
ria à efetiva alienação do bem à companhia,, como pode ocorrer quando

Após a reforma de 2003, o Código Civil Italiano,i em seu art. 2.390, passou a proibir
expressamente o administrador de assumir a qualidade de sócio ilimitadamente responsá-
vel em sociedade concorrente, de ser administrador de sociedade concorrente ou de
exercer por conta própria ou de terceiro uma atividade concorrente, exceto se autorizado
pela assembleia geral. A norma - que estabelece o chamado "clivielo di concorrenza" - visa
a impedir a ocorrência de uma situação de potencial conflito de interesses. A propósito, ver
FRANCO BONELLI. Gli Amministratori di S.P.A. - Dopo la Riforma delle Società. Milão:
Giuffrè, 2004, p. 140.
for importante a manutenção do sigilo quanto ao adquirente final, ou
quando o alienante exigir o pronto pagamento ou a assinatura imedi-
ata do contrato682.
O " ÍNS!DER TRADING"

A modalidade mais relevante de infração ao dever de lealdade no


caso da companhia aberta é a do insider trading, que constitui o uso
indevido de informações confidenciais para negociar com valores mo-
biliários por parte de pessoas que estão "por dentro" dos negócios da
companhia, como é o caso dos administradores, a preços que ainda não
estão refletindo o impacto de certas informações relevantes, que são de
seu exclusivo conhecimento. Assim agindo, o insider obtém o melhor
preço: mais alto se estiver vendendo, mais baixo se estiver comprando.
Trata-se de evidente modalidade de comportamento desleal, uma
vez que o administrador compra ou vende os valores mobiliários emi-
tidos pela companhia a preços que ainda não estão refletindo o im-
pacto de determinadas informações relevantes, que são de seu exclusivo
conhecimento.
A norma prevista no § 1° foi adaptada da legislação sobre mer-
cado de capitais norte-americana, que consagrou o princípio do dis-
closure or refrain from. trading (divulgue ou abstenha-se de negociar).
Assim, o administrador, na posse de informações relevantes, deve di-
vulgá-las, a não ser que tal revelação ponha em risco interesse legíti-
mo da companhia, caso em que lhe cabe legitimamente manter a
reserva; o que não pode, por definição^ é manter o-sigilo e utilizar tais
informações em proveito próprio.
Por que se deve combater o insider trading., que é tido, em quase
todas as legislações societárias e de mercado de capitais como um dos
principais ilícitos? Há razões econômicas e éticas que justificam a
repressão a tal conduta.

682 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,


São Paulo: Saraiva, 2009, p. 302.
As razões econômicas estão ligadas ao conceito de eficiência no
estabelecimento dos preços dos valores mobiliários negociados no mer-
cado de capitais. Entende-se que o mercado é eficiente quando as co-
tações dos valores mobiliários refletem todas as informações disponíveis
sobre eles e sobre as entidades emissoras. Ademais, quanto mais rapi-
damente as cotações refletirem as novas informações, mais eficiente
será o mercado. Assim, o "modelo ideal" de mercado é aquele em que as
cotações dos títulos reflitam todas as informações relevantes e publica-
mente disponíveis para todos, o que se busca alcançar mediante u m a
legislação que promova o disclosure (ampla divulgação das informações).
A ampla divulgação das informações completa-se com u m segundo
princípio: elas devem estar disponíveis a todos ao m e s m o tempo, sem
que os insiders possam utilizá-las antes de sua divulgação.

Adicionalmente, v e m s e n d o d e m o n s t r a d o , c o m dados empíri-


cos, que o insider trading constitui fator relevante para a "assimetria
de informações" n o m e r c a d o de capitais. O s países engajados n o c o m -
bate ao uso de i n f o r m a ç ã o privilegiada apresentam ações com preci-
ficação mais acurada, m e r c a d o de capitais c o m m a i o r l i q u i d e z e
empresas com estrutura de capital mais dispersa 6S3 .
A s razões éticas derivam do princípio da igualdade de acesso às
informações, u m a vez que, d a d o o desequilíbrio entre a posição do
insider e a dos demais participantes do mercado, é injusto que o insider
aufira lucros u n i c a m e n t e p o r ter acesso a informações que não são
públicas 684 . E m todos os países que r e p r i m e m o insider trading, bus-
ca-se evitar que os insiders o b t e n h a m vantagens decorrentes da "as-

683 JOÃO PEDRO SACALZlLi e LUIS FELIPE SPINELLI, "A Racionalidade Econômica do Com-
bate ao Insider Trading: Assimetria de Informação e Dano ao Mercado", Revista de Direito
Mercantil Industrial Econômico e Financeiro. São FSulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 147,
julho-selembro, 2007, p. 42-54.
684 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Mercado de Capitais e Insider Trading. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1982, p. 171; FRANCISO ANTUNES MANCIEL MUSNICH, "A
Utilização Desleal de Informações Privilegiadas - 'Insider Trading' - no Brasil e nos Estados
Unidos", Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, v. 34, abril-junho, 1979, p. 31-52.
simetria de informações", posto que eles conhecem as informações
relevantes antes do que os demais investidores.
A Lei das S.A., seguindo a orientação do Direito Comparado,
privilegiou as razões econômicas no combate ao insider trading, ao
vedar a sua prática apenas aos administradores de companhias aber-
tas. A rigor, a vedação também caberia para os administradores de
companhias fechadas, os quais, dado o acesso que têm às informa-
ções privilegiadas da companhia, também deveriam ser proibidos de
negociar com pessoas que as desconhecem.
O principal, ainda que não único insider, é o administrador da
companhia, que normalmente tem acesso às novas informações antes
que todos os demais, na maior parte dos casos até mesmo antes do que
o acionista controlador. Daí ter a Lei das S.A., em sua versão original,
considerado como insiders apenas os administradores. Posteriormente,
as normas regulamentares da Comissão de Valores Mobiliários foram
ampliando o elenco dos insiders para abranger a própria companhia, o
acionista controlador, ou aqueles que, em virtude de cargo, posição ou
função, têm acesso a informação relativa a ato ou fato relevante685. Com
a reforma ocorrida mediante a promulgação da Lei n° 10.303/2001, o §
4° passou a vedar a utilização de informação relevante, ainda não divul-
gada ao mercado, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso. A
expressão "qualquer pessoa" há de ser interpretada restritivamente, uma
vez que deve existir um nexo profissional entre o vazamento de infor-
mações e eventuais terceiros, de sorte que apenas aqueles que, no exer-
cício de atividade profissional (auditores, advogados, analistas financeiros,
etc.), têm acesso às informações podem ser considerados insiders.
Para que se caracterize o insider trading, a informação deve ser
relevante. Como tal, considera-se a informação que possa influir, de
modo ponderável, na cotação dos valores mobiliários, causando, uma

685 Ver, a propósito, a Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM n°= 369/2002 e 449/2007.
vez divulgada, sua alta ou queda. Trata-se daquela informação que
seria levada em consideração por um investidor médio ao negociar com
os valores mobiliários. Assim, a noção de fato relevante abrange qual-
quer evento que potencialmente acarrete efeitos significativos sobre as
negociações de títulos de emissão da companhia. Em tal conceito, pode-
-se incluir qualquer decisão do acionista controlador, deliberação da
assembleia geral ou dos órgãos de administração, assim como fato ocor-
rido nos negócios da companhia que possa influir, de modo ponderá-
vel, na cotação dos valores mobiliários assim como na decisão dos
investidores de com eles negociarem ou de exercerem direitos ine-
rentes à sua posição de titulares de tais títulos686.
Ademais, para se configurar o insider trading, a informação deve
ser sigilosa, ainda não divulgada ao mercado. Após a divulgação, o
administrador pode negociar os valores mobiliários, uma vez que não
terá qualquer vantagem sobre os demais investidores.
Assim, comete o delito quem negocia com informação privile-
giada, como tal entendendo-se aquela que: (i) tem um caráter razoa-
velmente preciso, ou seja, refere-se a um fato, não a meros rumores,
apresentando, pois, ura mínimo de materialidade; (ii) não está dispo-
nível para o público; (iii) é tida como price sensitive, isto é, poderia,
caso divulgada, afetar a cotação dos títulos; e (iv) refere-se a valores
mobiliários ou a seus emissores.
As hipóteses mais comuns de utilização de informações privile-
giadas ocorrem no curso de negociações para aquisição de controle
acionário ou reestruturação societária de companhia aberta. Seguida-
mente surgem dúvidas, particularmente quando se verificam negocia-
ções complexas e longas, sobre o momento em que a informação torna-se

A Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n™


369/2002 e 449/2007, enumera uma série de exemplos de atos ou fatos que podem ser tidos
como relevantes, entre os quais: mudança de controle da companhia, fechamento de seu
capital, incorporação, cisão e transformação ou dissolução da companhia.
relevante, impedindo que os administradores e demais insiders negociem
com as ações,d,e emissão da companhia enquanto não for divulgada a
operação. A partir de decisões dos tribunais norte-americanos, estabe-
leceu-se um "teste de relevância", com base em juízo de probabilidade e
magnitude, que considera os seguintes fatores: (i) a probabilidade de
um acordo final; (ii) seja existem decisões dos órgãos de administração
aprovando a operação ou relatórios e pareceres elaborados por consul-
tores; e (iii) o possível impacto da operação sobre os negócios da com-
panhia e a cotação de suas ações. Assim, se é provável que a operação
será concluída, e ela trará impacto significativo sobre os negócios da
companhia, afetando a cotação de seus títulos no mercado, já existe
uma informação relevante687.
O fato de ser informação considerada relevante não obriga os
administradores a divulgá-la imediatamente, o que poderia compro-
meter as negociações em curso688. Porém, eles não podem utilizá-la
em proveito próprio ou de terceiros, sob pena de ficar caracterizado o
ilícito de insider trading.
A prática do insider trading pode acarretar sanções nas esferas
cível, administrativa e criminal.
Aquele que compra ou vende valores mobiliários, sem conhecer
a informação relevante, tem direito de ser indenizado pelas perdas e
danos, que consistem na diferença entre a cotação dos valores mobi-
liários ao tempo da operação e aquela verificada imediatamente após
a divulgação do fato relevante. Em operações realizadas no mercado
de capitais, em que não há relação direta entre comparadores e ven-
dedores, não é necessário que o prejudicado prove que comprou ou
vendeu do insider.; o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o

687 NELSON EIZIRIK, A R I Á D N A B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS


HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 544.
dano causado aos investidores é inferido mediante a prova de que as
informações eram relevantes e privilegiadas.
Na esfera administrativa, pode a Comissão de Valores Mobiliários,
após a instauração de processo administrativo sancionador689, se concluir
que houve efetiva violação às normas legais e regulamentares que tratam
do insider trading, aplicar as penalidades previstas no artigo 11 da Lei n°
6.385/1976690. Tanto no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários
como no das agências reguladoras do mercado de capitais de outros paí-
ses, entende-se que a prática do insider trading, por subverter a confiança
nos agentes do mercado e nas informações disponíveis, deve ser punida
de forma bastante rigorosa691.
O insider trading passou também a ser considerado ilícito penal
com a promulgação da Lei n° 10.303/2001, que acrescentou o artigo

689 Ver, a propósito, (i) a Lei n° 9.784/1999, que disciplinou o processo administrativo sancionador
no âmbito da administração pública federal; (ii) o Decreto n° 6.382/2008, que alterou a
estrutura organizacional da CVM, criando a Superintendência de Processos Sancionadores -
SPS com a função de conduzir os Processos Administrativos Sancionadores instaurados pela
Autarquia, promovendo a segregação das funções de fiscalização das funções acusatórias;
(iii) a Resolução CMN n° 454/1977, com as alterações da Resolução CMN n° 2.785/2000 e
a Deliberação CVM n° 538/2008, com as alterações introduzidas pela Deliberação CVM n°
552/2008, que disciplina o rito ordinário como modalidade de procedimento administrativo
sancionador; (iv) a Resolução CMN n° 1.657/1989, com as alterações da Resolução CMN n°
2.785/2000, e a Instrução CVM n° 251/1996, com as alterações introduzidas pela Instrução
CVM n° 335/2000, que dispõe sobre as hipóteses de aplicação do rito sumário no processo
administrativo; e (v) o Fàrecer de Orientação CVM n° 06/1980, que reconhece 2 (duas) fases
do processo administrativo sancionador: a primeira, de investigação, e a segunda, de contra-
ditório, que se inicia com a intimação dos indiciados para a apresentação de defesa, na qual
já existe uma efetiva acusação de prática de atos ilícitos.
690 O art. 11 da Lei n° 6.385/1976, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 9.457/1997,
assim dispõe: "A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das normas
desta Lei, da lei de sociedades por ações, das suas resoluções, bem como de outras normas
legais cujo cumprimento lhe incumba fiscalizar, as seguintes penalidades: I - advertência;
II - multa; III - suspensão do exercício do cargo de administrador ou de conselheiro fiscal
de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de outras entidades que
dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários; IV - inabUitação
temporária, até o máximo de vinte anos, para o exercício dos cargos referidos no inciso
anterior; V - suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de que
trata esta Lei; VI - cassação de autorização ou registro, para o exercício das atividades de
que trata esta Lei; Vil - proibição temporária, até o máximo de vinte anos, de praticar
determinadas atividades ou operações, para os integrantes do sistema de distribuição ou de
outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobi-
liários; VIII - proibição temporária, até o máximo de dez anos, de aluar, direta ou indireta-
mente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de valores mobiliários."
691 Ver, a propósito, a decisão do Colegiado da CVM no Processo Administrativo Sancionador
CVM n° RJ 18/01, Rei. Pres. Marcelo Trindade, j. em 04.11.2004.
27-D à Lei n° 6.385/1976692-693. A norma penal sandona a conduta de
quem utiliza informação relevante, ainda não divulgada ao mercado, da
qual deve guardar sigilo, para negociar com valores mobiliários. Tendo
em vista a dicção da norma, o delito é próprio, uma vez que somente
podem ser punidos aqueles obrigados a guardar sigilo, como são: os
administradores, membros do conselho fiscal, o acionista controla-
dor, assim como prestadores de serviços que tenham, em virtude da
lei ou de contrato, dever de sigilo.
Há, com relação aos agentes, uma distinção relevante entre os
insiders primários e os secundários, ou tippees, que são aqueles que
recebem as informações dos insiders primários.
São primários os insiders que detêm acesso às informações pri-
vilegiadas na sua fonte, seja por sua posição funcional, como ocorre
com os administradores, seja por sua condição de acionistas con-
troladores. Já os insiders secundários são aqueles que recebem a in-
formação privilegiada dos primários e não estão obrigados ao dever
de sigilo, não se lhes aplicando, assim, a norma penal, embora pos-
sam ser punidos administrativamente.
Existe, com relação aos administradores, que são insiders primá-
rios, uma presunção y ara tantum de que, dada a posição que ocupam,
tiveram acesso a informação privilegiada antes de negociar. Tal pre-
sunção relativa deve ser examinada caso a caso, analisando-se a posi-
ção ocupada pelos administradores, particularmente no caso de grandes
companhias abertas, em que os estatutos estabelecem a especializa-

692 O art. 27-D da Lei n° 6.385/1976, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 10.303/
2001, assim dispõe: "Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de
que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para
outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com
valores mobiliários: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes
o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime."
693 Sobre o ilícito penal de insider trading em nosso sistema jurídico, ver JOÃO CARLOS
CASTELLAR. Insider Trading e os Novos Crimes Corporativos (Uso Indevido de Informação
Privilegiada, Manipulação de Mercado e Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade
ou Função). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008.
ção das funções dos diretores. Assim, um diretor jurídico, por exem-
plo, pode não ter tido acesso a determinada informação financeira, de
conhecimento exclusivo do diretor da área. Da mesma forma, os mem-
bros do conselho de administração o mais das vezes somente têm
acesso a determinadas informações quando elas lhes são encaminha-
das pelos diretores. Além do acesso às informações relevantes, é es-
sencial a análise do comportamento prévio do administrador, para
que se possa verificar se ele usualmente comprava ações da compa-
nhia ou se somente passou a fazê-lo antes da divulgação do fato rele-
vante. Tal se dá pelo fato de que, em qualquer das esferas - civil,
administrativa ou penal - é praticamente impossível a prova direta do
ilícito, fazendo-se necessário recorrer aos indícios694.
Além de não utilizarem a informação confidencial em proveito pró-
prio, os administradores devem zelar para que seus subordinados ou ter-
ceiros de sua confiança não "vazem" a informação, nem a utilizem em
proveito próprio. Nesse sentido, é útil o estabelecimento, pela compa-
nhia, de políticas internas de controle sobre o fluxo de informações, as-
sim como a fixação de vedações aos negócios com os valores mobiliários
de sua emissão por parte de administradores, funcionários e familiares,
seja em caráter genérico, seja em determinadas ocasiões. Havendo culpa
ou dolo do administrador no vazamento da informação relevante, ele
será solidariamente responsável com os subordinados ou terceiros de sua
confiança pelos danos causados a terceiros.

A Diretora Norma Parente, em seu voto no Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ 24/
00, Rei. Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, j. em 18.08.2005, assim se manifestou: "A prova
indiciaria autoriza a condenação desde que haja indícios graves, precisos e concordes. (...) A
prova indiciaria é uma prova indireta, circunstancial, de inferências, partindo de dados e circuns-
tâncias conhecidos (íatos provados) para os fatos desconhecidos (fatos probandosj, através de um
raciocínio de estrita lógica formal. Não é um a prova menor, nem imperfeita, e constitui prova
suficiente a autorizar a condenação. É inquestionavelmente válida, porque fundada na razão, e
tem um significativo peso na elucidação dos fatos. Distingue-se da presunção, que não é meio de
prova, mas mero exercício de abstração lógico-dedutiva, prescindindo de qualquer elemento
específico sem amparo concreto e probatório. Já o indício subordina-se à prova, não subsistindo
sem uma premissa, que é a circunstância indiciante provada. Conforme entendimento reiterado
desta CVM, não ê qualquer indicio que enseja a condenação, mas a prova indiciária, quando
representada por indícios graves, precisos e concordes que levem a uma conclusão robusta e
fundamentada acerca do fato que se quer provar."
ART. 1 5 6 - A LEI DAS S / A COMENTADA

Conflito de interesses
"Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer opera-
ção social em quetiverinteresse conflitante com o da companhia,
bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais admi-
nistradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e
fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração
ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse.

§ 1° Ainda que observado o disposto neste artigo, o administra-


dor somente pode contratar com a companhia em condições ra-
zoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado
ou em que a companhia contrataria com terceiros.

§ 2° O negócio contratado com infração do disposto no § 1° é


anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir
para a companhia as vantagens que dele tiver auferido."

A Lei das S.A. disciplina os conflitos de interesse para evitar que o


administrador, ao contratar com a sociedade (o chamado self-dealing), pri-
vilegie o seu interesse pessoal em detrimento do interesse social.
No Direito Comparado verificamos idêntica preocupação. Em
quase todos os sistemas jurídicos mais desenvolvidos, no caso das
companhias abertas, ou veda-se que o administrador realize negócios
com a sociedade que não sejam em condições de mercado ou exige-se
a aprovação de tais operações pelos demais administradores, não inte-
ressados, ou mesmo pela assembleia geral dos acionistas695. No caso
das companhias fechadas, tais exigências não são tão rigorosas, uma
vez que poderiam impossibilitar a contratação com o administrador,
muitas vezes necessária ou útil para a companhia, pelo fato de terem

695 REINIER KRAAKMAN, PAUL DAVIES, HENRY HANSMANN, GERARD HERTIG, KLAUS
H O PT, HIDEKI K A N D A and E D W A R D R O C K . The Anatomy of Corporate Law - A
Comparative and Functional Approach. New York: Oxford University Press, 2007, p. 105
e seguintes.
um número mais reduzido de administradores ou mesmo não possuí-
rem conselho de administração.
Embora alguns sistemas jurídicos estabelecessem, no passa-
do, restrições a determinadas operações (como empréstimos da
companhia para o administrador), atualmente são muito raras as
hipóteses em que se proíbe expressamente determinados tipos de
contrato entre a companhia e o administrador 696 . Uma proibição
absoluta poderia prejudicar a própria companhia; um exemplo ób-
vio é o da contratação do administrador para prestar serviços em
tempo integral, em que a vedação impossibilitaria a existência de
executivos profissionais, pois muitas vezes o administrador, parti-
cularmente em companhias fechadas, deve assinar, enquanto ór-
gão social, seu próprio contrato 697 .
O conflito de interesses pode caracterizar-se quando ocorrer a satis-
fação do interesse individual mediante o sacrifício do interesse coletivo, e
vice versa698. Há, portanto, conflito de interesse entre o administrador e a
sociedade quando ele é portador, em determinada situação, de um dúpli-
ce e contraditório interesse: o social e o particular, sendo que um não
pode ser atendido sem que o outro seja sacrificado.
Deve-se distinguir o conflito formal do conflito substancial de inte-
resses699-700. O conflito formal, ou lato sensu, existe em todo negócio jurí-
dico em que o administrador e a companhia são partes contratantes. Assim,
sempre que o administrador ou o acionista contrata com a companhia há

696 A Lei Sarbanes-Oxley, como reação ao escândalo da Enron, proibiu, em sua Seção 402,
empréstimos da companhia ao administrador.
697 PAUL DAVIES. Gower and Davies: Principies of Modem Company Law. 7"1 edition, London:
Sweet and Maxwell, 2003, p. 392.
698 ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Conflito de Interesses nas Assembleias
de S.A.. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 20.
699 A distinção doutrinária entre conflito formal e material foi introduzida por AGOSTINO
GAMBINO, "La Disciplina dei Conflito di Interesse dei Socio", Rivista dei Diritto
Commercialle. Padova: Piccin Nuova Libraria, v. I, 1969, p. 371. Entre nós, ERASMO
VALLADAO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Conflito de Interesses nas Assembleias de
S.A , p. 92-94.
conflito formal, que advém da própria natureza do negócio bilateral, em
que as partes possuem interesses diversos, ainda que o negócio acarrete
benefícios equitativos para as 2 (duas) partes.
Ocorre o conflito de interesse substancial, ou stricto sensu, quando o
voto ou a prática de determinado ato de gestão orientar-se no sentido da
satisfação do interesse individual, não no interesse da companhia. Há, no
caso, efetiva ação orientada para a satisfação de interesse próprio do acio-
nista ou do administrador, em prejuízo do interesse social.
O conflito substancial pode estar relacionado ao interesse pró-
prio, ou ao interesse de outra sociedade, por ele controlada, que visa o
administrador, com sua atuação, a beneficiar.
Para que se possa cogitar do conflito de interesse substancial, é indis-
pensável que se examine o mérito do voto ou do ato, para verificar-se,
concretamente, se o interesse social está ou não sendo sacrificado.
Assim, cabe a indagação relativamente ao mérito da incompatibili-
dade entre o exercício do voto e a matéria que é submetida à deliberação,
daí decorrendo que sua análise é sempre realizada caso a caso701.
Da mesma forma que ocorre com o conflito de interesse do
acionista702, nos casos em que a Lei das S.A. adota o critério do
conflito de interesse formal do administrador, a proibição de inter-
vir é absoluta, não dependendo do mérito da decisão ou das ações
realizadas pelo administrador, como ocorre nas hipóteses de aquisi-
ção de bem que interessa à companhia, ou de utilização de informa-
ção privilegiada703.
Já quando existe a vedação genérica à contratação em situação
de conflito de interesse, estamos diante de um conflito substancial,

701 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÀES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 25; ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES
FRANÇA. Conflito de Interesses nas Assembleias de S.A , p. 92.
702 Ver os comentários ao art. 115 da Lei das S.A.
703 Ver os comentários ao art. 155 da Lei das S.A.
constituindo a eventual ilegalidade do ato de administrador uma ques-
tão fática, a ser analisada diante do caso concreto.
Esse artigo não relaciona quais seriam as deliberações nas quais
o administrador estaria formalmente impedido de participar, refe-
rindo-se genericamente às situações de conflito de interesse com a
companhia. Assim, trata-se de uma situação de conflito de inte-
resse substancial, em que deve ser feita uma análise do mérito da
operação704. Não existe, na norma, vedação à contratação em situação

704 Sobre esse assunto, ver o voto proferido pelo diretor Wladimir Castelo Branco Castro no
julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ 2004/5494, j. em
16.12.2004, que foi seguido pelo Colegiado da CVM, do seguinte teor: "A Lei das S.A., em
seu art. 156 vedou aos administradores intervirem nas operações sociais em que tiverem
interesse conflitante com o da companhia, bem como naquelas deliberações do conselho de
administração que a esse respeito tomarem os demais administradores. (...) pode-se concluir
que no caso dos administradores é vedada a participação do administrador em qualquer
tratativa ou deliberação referente a uma determinada operação em que figure contraparte da
companhia ou pela qual seja beneficiado. O disposto em tal § 1" deve ser lido, a meu juízo,
como 'ainda que o administrador não participe da deliberação, somente poderá contratar
com a companhia...' (...) Conclui-se, portanto, que o conflito de interesses é, no caso do art.
156 da Lei 5.404/76, presumido, isto é, independe da análise do caso concreto a sua
aplicação, restando os administradores da companhia impedidos participar de qualquer
tratativa ou deliberação referente a uma determinada operação em que figure como contraparte
da companhia ou pela qual seja beneficiado, independentemente se está a se perseguir o
interesse social ou não". Nesse mesmo sentido é o voto proferido pelo diretor Pedro Oliva
Marcilio de Sousa, acompanhado por unanimidade, nos autos do Processo Administrativo
Sancionador CVM n° RJ 2005/1443, j. em 21.03.2006: "(...) Para os administradores, vige
o conflito formal. Esse tratamento diferenciado vem do próprio texto legal que, além de vedar
a participação nos atos relativos à operação, determina que o administrador revele o conflito.
Adicionalmente, ao contrário do acionista, que pode agir no interesse próprio; essa faculda-
de não é conferida ao administrador, que age, sempre, no interesse da companhia ou da
coletividade de seus acionistas. O § 1° do art. 156 estabelece a necessidade de comutatividade
(condições razoáveis e equitativas) e liga-a não só às condições de mercado, mas também às
condições em que a companhia contrataria com terceiros. Estabelece, portanto, critérios
semelhantes ao entire fairness (justiça integral) ou o intrinsic fairness (justiça intrínseca),
mencionados quando discuti o padrão de revisão da conduta do acionista controlador em
operações em que tinha interesse". Em sentido contrário, entendendo tratar-se de conflito
substancial, ver o voto da Presidente da CVM Maria Helena dos Santos Fernandes de
Santana, proferido no julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM n° 25/03,
Rei. Dir. Eli Loria, j. em 25.03.2008, do seguinte teor: "A meu ver, a leitura do art. 156 deixa
claro que o administrador pode contratar com a companhia em situação de conflito de
interesses, mas o exclui de lodo o processo de tomada de decisão ou contratação do
negócio, garantindo, dessa forma, que o processo de contratação será, do ponto de vista da
companhia, pautado no seu melhor interesse. E, pelos §§ 1" e 2° daquele artigo, vê-se
nitidamente que a preocupação do legislador foi a de garantir que o negócio celebrado pela
companhia em situação em que o administrador possua interesse conflitante seja feito em
bases equitativas. Nesse contexto, entendo que o art. 156 da Lei das S.A. necessariamente
pressupõe a existência de interesse pessoal do administrador, concorrente e oposto ao
interesse da companhia."
de conflito de interesses, mas sim algumas exigências que devem
ser atendidas para a legitimidade da operação. Obedecidas tais exi-
gências, o administrador pode firmar contratos de qualquer nature-
za com a companhia, inclusive empréstimos, exceto no caso de uma
instituição financeira705.
Nas situações em que, após realizar uma avaliação do mérito da
operação, o administrador concluir que sua aprovação poderá prejudi-
car interesse legítimo da companhia, ele deve se abster de participar
da deliberação, cientificar os demais administradores e fazer constar
da ata o seu impedimento. Assim, o negócio poderá ser aprovado ape-
nas pelos administradores não interessados.
Recomenda-se, em tal situação, que o administrador revele
aos demais administradores não interessados todos os detalhes da
operação, e não só abstenha-se de votar como também retire-se
do recinto durante a deliberação.
Ademais, a contratação do administrador com a companhia so-
mente é legítima se realizada em condições razoáveis, equitativas, idên-
ticas às condições de mercado. Deve-se comparar a operação com
outras semelhantes, praticadas no mercado, para que se possa verifi-
car a equitatividade de suas condições. Se a operação está sendo rea-
lizada em condições de mercado, é indiferente para a companhia
concluí-la com o administrador ou com terceiro. Não sendo possível
a comparação, é recomendável a elaboração de um estudo técnico e
independente, por consultor especializado, que ateste que o negócio
está sendo feito em condições de mercado.
Assim, o negócio entre o administrador e a companhia em
situação de conflito de interesse substancial somente é possível

705 A Lei n° 4.595/1964, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e
Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências, em seu art. 43,
veda os empréstimos ou adiantamentos aos administradores de instituições financeiras,
que são tidos como ilícitos penais, nos termos do art. 15 c/c o art. 25 da Lei n° 7.492/1986,
que define os crimes contra o sistema financeiro nacional.
uma vez satisfeitos os 2 (dois) requisitos legais: (i) se houver apro-
vação pelos demais administradores; e (ii) se a operação for equi-
tativa, em condições de mercado706.
Deve ser observado que não há situação de conflito de interesse,
seja formal, seja substancial, quando não está em jogo interesse pessoal,
individual, do administrador. Assim, o administrador eleito por determi-
nado grupo de acionistas, controladores ou minoritários, não está impe-
dido de participar em deliberação referente a contrato a ser celebrado
entre a companhia e aquele grupo707.
Caso a operação, ainda que aprovada pelos administradores
desinteressados, não seja realizada em condições de mercado, o ne-
gócio é anulável e o administrador será obrigado a transferir para a
companhia as vantagens que tiver auferido. Como se trata de negó-
cio anulável é possível a sua ratificação pela assembleia geral708, hi-
pótese em que não será possível a apreciação judicial da equitatividade
de suas condições709.

Dever de informar
"Art. 157. O administrador de companhia aberta deve declarar,
ao firmar o termo de posse, o número de ações, bônus de subscri-
ção, opções de compra de ações e debêntures conversíveis em
ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas ou
do mesmo grupo, de que seja titular.

706 Em análise crítica da Lei das S.A. e da reforma legislativa de 2001, mediante a promulgação
da Lei n° 10.303/2001, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Novo Direito Societário. 3' edi-
ção, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 91, prega a necessidade de uma solução orgânica ou
estrutural para a questão do conflito de interesse, qual seja, a tentativa de resolver nos
órgãos societários o problema, seja mediante a incorporação no órgão de todos os agentes
que têm interesse ou sofrem as conseqüências, seja mediante a criação de órgãos indepen-
dentes, que não possam ser influenciados pelos interesses em conflito.
707 No mesmo sentido, J. C. SAMPAIO DE LACERDA. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 196. A CVM, em alguns processos sancionadores,
já decidiu no mesmo sentido, como, por exemplo, no Processo Administrativo Sancionador
CVM n° 25/03, Rei. Dir. Eli Loria, j. em 25.03.2008.
708 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4' edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 328-329.
709 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 160.
§ 1° O administrador de companhia aberta é obrigado a revelar à
assembleia geral ordinária, a pedido de acionistas que represen-
tem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social:

a) o número dos valores mobiliários de emissão da companhia ou


de sociedades controladas, ou do mesmo grupo, que tiver adquiri-
do ou alienado, diretamente ou através de outras pessoas, no exer-
cício anterior;

b) as opções de compra de ações que tiver contratado ou exercido


no exercício anterior;

c) os benefícios ou vantagens, indiretas ou complementares, que


tenha recebido ou esteja recebendo da companhia e de socieda-
des coligadas, controladas ou do mesmo grupo;

d) as condições dos contratos de trabalho que tenham sido firmados


pela companhia com os diretores e empregados de alto nível;

e) quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia.

§ 2° Os esclarecimentos prestados pelo administrador poderão, a


pedido de qualquer acionista, ser reduzidos a escrito, autenticados
pela mesa da assembleia, e fornecidos por cópia aos solicitantes.

§ 3° Arevelação dos atos ou fatos de que trata este artigo só poderá


ser utilizada no legítimo interesse da companhia ou do acionista,
respondendo os solicitantes pelos abusos que praticarem.

§ 4° Os administradores da companhia aberta são obrigados a


comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela im-
prensa qualquer deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de
administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus
negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos
investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliári-
os emitidos pela companhia.

§ 5° Os administradores poderão recusar-se a prestar a informa-


ção (§ 1°, alínea e), ou deixar de divulgá-la (§ 4°), se entenderem
que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia,
cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, apedido dos adminis-
tradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir
sobre a prestação de informação e, responsabilizar os adminis-
tradores, se for o caso.

§ 6° Os administradores da companhia aberta deverão informar


imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Co-
missão de Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou
entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores
mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à nego-
ciação, as modificações em suas posições acionárias na compa-
nhia." (§ acrescido pela Lei n° 10.303/2001)

A ampla divulgação de informações (o disclosure, ou transparên-


cia) constitui, desde os primórdios do moderno direito societário, um
instrumento essencial de regulação das companhias, particularmente
daquelas que recorrem ao mercado de capitais para o financiamento
de suas atividades.
Para os acionistas de companhias abertas, a transparência das in-
formações financeiras reduz o risco de atuação incompetente ou deso-
nesta dos administradores, assim como de utilização de informações
privilegiadas. Ademais, permite-lhes saber quem controla ou tem parti-
cipações minoritárias relevantes na companhia. Para os credores, o dis-
closure também é fundamental, uma vez que lhes possibilita melhor
avaliar o risco de negociar com uma entidade cuja única garantia é o
seu próprio patrimônio, dado o princípio da responsabilidade limitada
dos sócios. Para o mercado, a informação também é essencial, uma vez
que o conhecimento da situação financeira da companhia permitirá a
"precificação" dos títulos por ela emitidos. Atualmente, há uma ten-
dência crescente por parte das companhias de publicarem voluntaria-
mente relatórios descrevendo suas políticas ambientais e sociais, tendo
em vista a sua responsabilidade social710.
Ademais, conforme vem sendo demonstrado, o disclosure pode
desempenhar um importante papel de melhorar as práticas da chamada
"governança corporativa"711. Em primeiro lugar, permite que os acionis-
tas, uma vez bem informados, possam melhor exercer o seu direito de
voto, assim como fiscalizar de forma mais eficaz os administradores, no
exercício de seus deveres fiduciários. Também apresenta efeitos positivos
em alguns mecanismos essenciais de controle da gestão dos administra-
dores: (i) a companhia é melhor avaliada no chamado "mercado de con-
trole"; (ii) reduz-se o risco de os administradores atribuírem-se salários e
outros benefícios despropositados; e (iii) obriga-se os administradores a
submeter as suas políticas de captação de recursos e de investimentos ao
permanente escrutínio do mercado712.
O disclosure é tido como o instrumento mais eficiente - e ao
mesmo tempo menos intervencionista - na regulação do mercado de
capitais. Após a crise de 1929, havia, nos Estados Unidos, país que

710 PAUL DAVIES. Gower and Davies: Principies of Modem Company Law. 7"' edition, London:
Sweet and Maxwell, 2003, p. 531.
711 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, na 4 a edição do Código das
Melhores Práticas de Governança Corporativa, define "governança corporativa" como "o
sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo
os relacionamentos entre proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de
controle. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios em recomenda-
ções objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da
organização, facilitando seu acesso ao capital e contribuindo para a sua longevidade". Sobre
esse assunto, ver LEONARDO BARÉM LEITE, "Governança Corporativa - Considerações
sobre sua Aplicação no Brasil (Das 'Limitadas' às Sociedades Anônimas de Capital Pulve-
rizado)". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luís André N. de Moura Azevedo (Coord.).
Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais. São Raulo:
Quartier Latin, 2010, p. 506.
712 MERR1T B. FOX, "Required Disclosure and Corporate Governance". In: Klaus J. Hopt,
Hideki Kanda, Mark J. Roe, Eddy Wymeersch, and Stefan Prigge (Coord.). Comparative
Corporate Governance - The State of the Art and Emerging Research. New York: Oxford
University Press, 1998, p. 701 e seguintes.
posteriormente mais propagou as virtudes do sistema de disclosure, 2
(duas) linhas distintas de pensamento a orientar as reformas do New
Deal. A primeira, cronologicamente, era a concepção corporativista,
influenciada particularmente pelo fascismo italiano, que considerava
superada a noção de mercado competitivo, pregando uma relação de
cooperação entre o estado e empresas privadas. As "corporações" deve-
riam, com a colaboração do governo, dirigir os vários setores da econo-
mia. A segunda linha preconizava não a colaboração, mas a supervisão
das empresas pelo governo, uma supervisão pública, mas de caráter ju-
dicial e casuístico. A legislação federal sobre títulos - Securities Act de
1933 e Securities and Exchange Act de 1934 - revelava uma forma de
controle baseada na atuação de uma agência especializada, a Securities
and Exchange Commission, cuja missão fundamental era a de promo-
ver uma política de ampla divulgação de informações por parte dos
emissores de títulos. A concepção então vitoriosa, e até hoje predomi-
nante, na generalidade dos países, é de que a melhor forma de proteger
os investidores é prestando-lhes as informações relevantes, para que
eles possam livremente escolher onde alocar suas poupanças. Assim, o
Estado, por intermédio da agência reguladora - entre nós a Comissão de
Valores Mobiliários - , não escolhe quais companhias podem ou não abrir
o capital nem realiza exame de mérito sobre tais companhias e os títulos
por elas publicamente ofertados, mas apenas obriga-as a divulgarem as
informações previstas na legislação.
O regime jurídico da divulgação de informações é composto por
normas que disciplinam o mercado de valores mobiliários e por nor-
mas que integram o direito societário. Um dos objetivos essenciais da
legislação sobre o mercado é o de prover as informações necessárias à
avaliação, pelos investidores, dos títulos ofertados. Como a maior parte
dos títulos publicamente negociados é de ações e outros valores mo-
biliários emitidos por sociedades anônimas, as normas que estabele-
cem a disciplina das informações provêem do direito societário e da
legislação sobre mercado de capitais, às vezes uma repetindo ou so-
brepondo-se à outra713.
Ainda que exista muita discussão sobre qual princípio deve pre-
valecer - se o da nacionalidade do emissor, o do local da transação
ou o do domicílio do adquirente - é inequívoco que o disclosure tam-
bém constitui o principal instrumento de regulação do mercado glo-
bal de valores mobiliários714.
Os objetivos da norma são: (i) permitir o conhecimento dos valo-
res mobiliários de propriedade dos administradores; (ii) facilitar o com-
bate ao insider trading, e, o principal de todos; e (iii) obrigar a divulgação
dos fatos relevantes ocorridos nos negócios da companhia. Correspon-
de, tal dever, ao direito subjetivo dós acionistas e dos investidores do
mercado de serem informados, constituindo instrumento indispensá-
vel à fiscalização da gestão dos negócios da companhia. A norma que
trata do dever de informar está direcionada apenas aos administradores
de companhias abertas, uma vez que, no caso das fechadas, não há
interesses de investidores a serem tutelados715.
Ao assumir o seu cargo, deve o administrador de companhia
aberta declarar o número de ações, bônus de subscrição, opções de
compra de ações e debêntures conversíveis em ações, emitidas pela
companhia, por sociedades por ela controladas ou do mesmo gru-
po de que seja titular.

713 PAUL DAVIES. Cower and Davies: Principies of Modern Company Law..., p. 590.
714 MERRITT B. FOX, "US Perspectives on Global Securities Market Disclosure Regulation: A
Criticai Review", European Business Organization Law Review. Cambridge: Ed. Asser Press,
v. 3, 2002, p. 337-370.
715 O Código Penal, no art. 177, prevê o crime de ocultação de informação relevante, nos
seguintes termos: "Art. 177. Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo em
prospecto ou em comunicação público, ou à assembleia, afirmação falsa sobre a constitui-
ção da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo: Pena - reclusão, de
um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular. § 1° -
Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular: I - o
diretor, o gerente, ou o fiscal de sociedade por ações que, em prospecto, relatório, parecer,
balanço ou comunicação ao público ou à assembleia, faz afirmação falsa sobre as condi-
ções econômicas da sociedade ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a
elas relativo; (...)"
O § 6°, introduzido pela Lei n° 10.303/2001, disciplina o dever de
informar as modificações nas posições acionárias dos administradores,
objetivando a prevenção do insider trading. Embora tal parágrafo exija
apenas que o administrador indique as mudanças em suas "posições acio-
nárias", mediante uma interpretação sistemática que o compatibilize com
a redação do caput, conclui-se que o administrador deve declarar também
as alterações nas suas posições em bônus de subscrição e debêntures con-
versíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas
ou do mesmo grupo716. Assim, pode-se saber se o administrador comprou
ou vendeu valores mobiliários de emissão da companhia e em que mo-
mentos tais negociações ocorreram; se ele negociou antes da divulgação
de fato relevante, presume-se que tivera acesso à informação privilegiada,
podendo caracterizar-se o ilícito de insider trading17.
O § 1° estabelece um elenco de informações que o administrador é
obrigado a revelar, na assembleia geral ordinária, a pedido de acionistas que
representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital sociaL Nos termos
expressos da norma, tais esclarecimentos somente podem ser exigidos por
ocasião da assembleia geral ordinária, uma vez que se referem ao exercício
anterior, que está sendo objeto de apreciação, para a aprovação das respec-
tivas contas, não em assembleias extraordinárias. A Lei das SA. admitiu,
em seu artigo 291, que a Comissão de Valores Mobiliários reduzisse, em
função do capital social, a percentagem mínima estabelecida na norma718.
As informações referem-se a valores mobiliários e opções de compra que

716 Consta do item 13.5 do "Formulário de Referência" - que constitui o Anexo 24 à Instrução
CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010 -
que os administradores devem: "Informar a quantidade de ações ou cotas direta ou indire-
tamente detidas, no Brasil ou no exterior, e outros valores mobiliários conversíveis em ações
ou cotas, emitidos pelo emissor, seus controladores diretos ou indiretos, sociedades contro-
ladas ou sob controle comum, por membros do conselho de administração, da diretoria
estatutária ou do conselho fiscal, agrupados por órgão, na data de encerramento do último
exercício social."
717 Ver os comentários ao art. 155 da Lei das S.A.
718 O que foi feito por meio da Instrução CVM n° 164/1991, revogada pela Instrução CVM n°
165/1991, posteriormente alterada pela Instrução CVM n° 282/1998.
tiver adquirido ou alienado no exercício anterior, direta ou indiretamente,
da companhia ou de sociedades controladas ou do mesmo grupo, assim
como os benefícios ou contratos de trabalho que tenham sido firmados
pela companhia com os diretores e empregados de alto nível719.
Ademais, pode o administrador ser obrigado a revelar, também
na assembleia geral e a pedido de acionistas que representem 5%
(cinco por cento) ou mais do capital social, quaisquer atos ou fatos
relevantes nas atividades da companhia. A redação da norma (§ 1°,
alínea "e") pode causar interpretação equivocada; na realidade, con-
forme o § 4°, mais adiante analisado, a revelação deve ser imediata,
não apenas por ocasião da assembleia geral.
Os administradores não podem deixar de prestar as informações
solicitadas pelos acionistas previstas nas alíneas "a", "b", "c" e "d" do §
1°; não existe qualquer interesse legítimo da companhia a ser preser-
vado na sua não revelação. A recusa na apresentação de tais informa-
ções caracteriza infração ao dever de informar, podendo acarretar
sanções na esfera civil — ação de responsabilidade prevista no artigo
159 - e administrativa, mediante a instauração de processo adminis-
trativo sancionador por parte da Comissão de Valores Mobiliários.
Os esclarecimentos que forem prestados por ocasião da assembleia
geral ficarão arquivados na sede da companhia e poderão, nos termos do
§ 2 o , a pedido de qualquer acionista, ser reduzidos a escrito, autenticados
pela mesa e fornecidos mediante cópia aos solicitantes. Não é necessário
que os acionistas que pedirem as cópias demonstrem ter mais de 5%
(cinco por cento) do capital social, exigência necessária apenas para a
solicitação de informações. Tal matéria pode não constar em seu inteiro

719 Sobre a divulgação dos salários dos administradores, a Instrução CVM n° 480/2009, com
as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/2010, em seu Anexo 24, item 13.2,
determina a obrigação de divulgação da "remuneração reconhecida no resultado dos 3
últimos exercícios sociais e à prevista para o exercício social corrente do conselho de
administração, da diretoria estatutária e do conselho fiscal."
teor da ata, desde que a mesa, por deliberação da maioria dos acionis-
tas presentes, ao ser instalado o conclave, determine a adoção da ata
sumária, nos termos do artigo 130.
Os atos e fatos revelados pelos administradores, por solicitação
dos acionistas, somente podem ser utilizados no legítimo interesse da
companhia e dos acionistas, de acordo com o § 3 o . A solicitação de
informações não pode ser motivada por fins estritamente pessoais, de
emulação ou visando a constranger os administradores; em tais hipó-
teses caracteriza-se o abuso do minoritário.

D I V U L G A Ç Ã O DE F A T O RELEVANTE

O § 4° contém uma norma absolutamente essencial no regi-


me legal de divulgação de informações, que constitui, conforme
analisado a seguir, o principal instrumento de proteção aos inves-
tidores do mercado de valores mobiliários.
Um dos objetivos básicos da regulação das companhias abertas e
do mercado de capitais é o de fazer com que o mercado apresente efici-
ência na determinação do valor dos títulos negociados (a sua cotação
em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão). O ideal, do ponto de
vista econômico, é que a cotação dós títulos reflita unicamente as in-
formações publicamente disponíveis. Eficiência, nesse sentido, signifi-
ca a capacidade de reação das cotações às novas informações; assim,
quanto mais rápida for a reação, mais eficiente, em princípio, será o
mercado. Tal objetivo é implementado mediante uma legislação de dis-
closure, mediante a qual busca-se dotar todos os investidores, ao mesmo
tempo, das informações necessárias para que possam avaliar os riscos e
méritos de cada oportunidade de investimento. Ademais, quanto mais
rápida for a divulgação de informações, menor será a possibilidade de
sua utilização indevida por parte dos insiders.
Assim, a Lei das S.A. determina a imediata divulgação das in-
formações relevantes, para que todos possam ter acesso a elas ao mes-
mo tempo, de forma a tomar mais eficiente o processo de formação
de preços dos valores mobiliários negociados e a reduzir as possibili-
dades de insider trading.
Há informações de 2 (duas) ordens que devem ser objeto de ime-
diata comunicação à Bolsa de Valores e divulgação pela imprensa: (i)
deliberações das assembleias gerais ou dos órgãos de administração; ou
(ii) fato relevante, ocorrido nos negócios da companhia, que possa in-
fluir, de modo ponderável, na decisão dos investidores de comprar, ven-
der ou manter os valores mobiliários de emissão da companhia.
A ata da assembleia geral ordinária será sempre objeto de pu-
blicação720. A deliberação da assembleia geral extraordinária que ti-
ver por objeto a reforma do estatuto, para valer contra terceiros,
também deverá ser publicada721. As publicações devem ser feitas no
órgão oficial de imprensa e em outro jornal de grande circulação, de-
vendo ainda as companhias abertas disponibilizar as informações pela
rede mundial de computadores722-723. As atas das reuniões do conselho
de administração que contiverem deliberações destinadas a produzir
efeitos perante terceiros também deverão ser publicadas724.
Não se confunde a divulgação com a publicação, uma vez que este
artigo e o artigo 289 disciplinam hipóteses distintas e dirigem-se a dife-
rentes destinatários. O § 4° deste artigo destina-se aos administradores,
tendo em vista o seu dever de divulgar pela imprensa os fatos relevantes
ocorridos nos negócios da companhia. Já o artigo 289 estabelece o regi-
me das publicações que devem ser feitas pela companhia, no curso nor-
mal de suas atividades. A divulgação de fatos relevantes deve ser realizada
no mesmo jornal de grande circulação onde são feitas as publicações da

720 Ver os comentários aos arts. 131, 132 e 134 da Lei das S.A.
721 Ver os comentários ao art. 135 da Lei das S.A.
722 Ver os comentários ao art. 289 da Lei das S.A.
723 Ver os arts. 21, 30 e 31 da Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 488/2010.
724 Ver os comentários ao art. 142 da Lei das S.A.
companhia, não havendo necessidade de sua publicação por meio da
imprensa oficial725.
Há 3 (três) questões básicas referentes à necessidade de se divul-
gar os fatos relevantes: (i) quando uma informação pode ser tida como
relevante; (ii) em que momento a informação deve ser divulgada; e
(iii) em que circunstâncias a informação relevante pode legitimamente
não ser objeto de divulgação.
Com relação à primeira questão, a Lei das S.A. seguiu o padrão
normativo da regulação sobre mercado de capitais norte-americana726.
Assim, define como fato relevante aquele que pode influir, de modo
ponderável, na decisão dos investidores de comprar, vender ou man-
ter valores mobiliários de emissão da companhia. Trata-se de uma
norma flexível, a ser analisada diante de cada caso concreto; o fato é
relevante se a sua divulgação provavelmente ocasionar um impacto
sobre a cotação dos valores mobiliários no mercado727. O adminis-
trador deve indagar-se: se eu fosse um investidor médio levaria em
conta tal fato para comprar ou vender os valores mobiliários? Uma
vez divulgado o fato, poderá ele ter algum impacto sobre a cota-
ção dos papéis? Sendo afirmativa qualquer uma das respostas, ou
mesmo havendo dúvidas, em princípio prevalece o princípio da
transparência, cabendo a divulgação dos fatos.
A regulamentação administrativa da Comissão de Valores Mobi-
liários considera relevante qualquer decisão do acionista controlador,
deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração, ou
qualquer outro ato ou fato de caráter político, administrativo, técnico,

725 Conforme decisão proferida pela CVM, no Processo Administrativo Sancionador CVM n°
2006/1574, Rei. Pres. Marcelo Trindade, j. em 22.08.2006.
726 Rule 10 b-5 da Securitíes and Exchange Commission.
727 Conforme já decidiu a CVM, no Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ 2006/
4776, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Souza, j. em 17.01.2007, o administrador deve fazer
um juízo de valor sobre a probabilidade de que determinado fato, uma vez divulgado, cause
impacto na decisão dos investidores, de sorte que a sua análise deve centrar-se na "potência"
do impacto, não sobre o real impacto, que só conhecerá após a divulgação.
negociai ou econômico financeiro ocorrido ou relacionado aos ne-
gócios da companhia que possa influir de modo ponderável: (i) na
cotação dos valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles
referenciados (caso de derivativos); (ii) na decisão dos investido-
res de comprar, vender ou manter os valores mobiliários; e (iii) na
decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos enquanto
titulares dos valores mobiliários728.
Também estabelece a regulamentação administrativa da Comis-
são de Valores Mobiliários uma série de exemplos de atos ou fatos
que, em regra, devem ser considerados relevantes, como: (i) transfe-
rência de controle acionário da companhia; (ii) decisão de fechar o
capital da companhia; (iii) incorporação, fusão ou cisão; (iv) renego-
ciação de dívidas; (v) aquisição de ações para tesouraria; e (vi) mudan-
ça de projeções divulgadas pela companhia, etc.729. Trata-se de
enumeração exemplificativa, cujo objetivo é apenas facilitar a identi-
ficação de possíveis atos ou fatos relevantes. Assim, por exemplo, uma
renegociação de dívidas em valores inexpressivos, dado o patrimônio
da companhia, não constituirá fato relevante, por não apresentar qual-
quer materialidade. Ademais, um mesmo fato envolvendo 2 (duas)
companhias, de porte substancialmente diverso, pode constituir fato
relevante para uma, mas não para a outra730.
A segunda questão refere-se ao momento em que deve ser divul-
gado o fato relevante. A sua divulgação deve ser oportuna, em aten-
ção ao princípio consagrado no direito norte-americano do timely
disclosure, também adotado entre nós731. Assim, tão logo a adminis-
tração conclua estar diante de fato relevante, cabe a sua comunicação

728 Art. 2 o da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n05 369/2002 e 449/2007.
729 Art. 3 o da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n°> 369/2002 e 449/2007.
730 Ver, a propósito, o Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ 2007/1079, Rei. Dir.
Eli Loria, j. em 10.07.2007.
731 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 270.
à Bolsa de Valores e divulgação pela imprensa, mediante o anúncio
usualmente intitulado "fato relevante". Tratando-se de companhia
cujas ações são negociadas em Bolsa de Valores ou no mercado de
balcão organizado é recomendável que a divulgação do "fato rele-
vante" seja feita antes da abertura dos negócios, de sorte a permitir
que as cotações possam, desde o início das transações, refletir as
novas informações.
Nem sempre é fácil, porém, concluir-se em que momento determi-
nadas negociações para aquisição de controle de companhia aberta ou
sua reorganização societária, por exemplo, já apresentam um mínimo de
materialidade, capaz de caracterizá-las como fatos relevantes.
A partir de decisões de tribunais norte-americanos, chegou-se
a um "teste de relevância", com base em juízo de probabilidade e
magnitude: se é bastante provável que a operação será concluída e
trará impactos significativos sobre os negócios da companhia, afe-
tando a cotação de seus valores mobiliários, já existe um fato rele-
vante, cabendo a sua divulgação732.
Mesmo que as negociações ainda estejam em curso, não existin-
do certeza de que serão concluídas a contento, os administradores
podem entender que cabe a sua divulgação, na etapa em que se en-
contram. No caso, informam que estão em andamento tais ou quais
tratativas e que, uma vez mais avançadas ou encerradas, as novas in-
formações serão comunicadas ao público.
Ainda que a norma determine a imediata divulgação do fato rele-
vante, caso os administradores entendam que a sua revelação porá em
risco interesse legítimo da companhia, poderão optar pelo sigilo. Tal
pode ocorrer quando estiverem convictos de que a divulgação compro-
meterá determinada negociação, ou quando tratar-se de segredo indus-
trial que, uma vez divulgado, favorecerá concorrentes. E inequívoco que
se trata de decisão empresarial, que compete aos administradores e acio-
nistas controladores; caso a operação seja mantida sob total sigilo, não
ocorrendo o "vazamento" da informação, descabe qualquer responsabili-
dade na esfera cível ou administrativa.
O sigilo a respeito de fato relevante constitui exceção à regra geral,
que consagra o disclosure. Conforme a regulamentação administrativa733,
o sigilo não pode ser mantido caso a informação escape ao controle da
companhia ou ocorra oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade
negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia. Assim, se
determinada informação, ainda sigilosa, é objeto de matérias na impren-
sa ou de boatos que circulam no mercado, deve a companhia divulgar
uma declaração clara, confirmando ou negando a notícia734.
Cabe ao "diretor de relações com investidores", cargo obrigató-
rio nas companhias abertas, a responsabilidade pela prestação das in-
formações exigidas pela legislação e regulamentação do mercado de
valores mobiliários, sem prejuízo da eventual responsabilidade do
emissor, controlador e outros administradores da companhia735. As-
sim, devem os acionistas controladores, diretores, membros do con-
selho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com
funções técnicas ou consultivas criados por disposição estatutária,

733 Art. 6o da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n™ 369/2002 e 449/2007.
734 Consta da Nota Explicativa n° 28/1984 que: "Quando houver boatos ou rumores no
mercado que estejam afetando a negociação dos valores mobiliários da companhia, uma
declaração franca e clara deve ser dada, seja para negar ou confirmar a notícia. Caso os
boatos ou rumores sejam indicadores de vazamento de informação relativa a ato ou falo
relevante, a única forma de corrigir a situação é através de seu rápido esclarecimento."
735 A Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/
2010, que dispõe sobre o registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negocia-
ção em mercados regulamentados de valores mobiliários, estabelece, em seu art. 44, que o
"emissor deve atribuir a um diretor estatutário a função de relações com inveslidores",
dispondo, em seu art. 45, que cabe a esse diretor a responsabilidade "pela prestação de todas
as informações exigidas pela legislação e regulamentação do mercado de valores mobiliári-
os". Por sua vez, o art. 46 da referida Instrução, prevê: "A responsabilidade atribuída ao
diretor de relações com investidores não afasta eventual responsabilidade do emissor, do
controlador e de outros administradores do emissor pela violação das normas legais e
regulamentares que regem o mercado de valores mobiliários."
comunicar ao "diretor de relações com investidores" qualquer ato ou
fato relevante ocorrido ou relacionado aos negócios da companhia de
que tenham conhecimento. Este, por sua vez, deverá promover a sua
divulgação ao mercado e a comunicação à Comissão de Valores Mo-
biliários e, se for o caso, à Bolsa de Valores e entidade do mercado de
balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da compa-
nhia sejam admitidos à negociação736-737. Se o "diretor de relações com
investidores" omitir-se no cumprimento de seu dever de comunica-
ção e divulgação e o acionista controlador ou os membros dos órgãos
referidos tiverem conhecimento pessoal do ato ou fato relevante e
constatarem tal omissão, são obrigados a comunicá-lo à Comissão de
Valores Mobiliários sob pena de virem a ser responsabilizados738.
A Comissão de Valores Mobiliários e a Bolsa de Valores ou a enti-
dade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de
emissão da companhia sejam admitidos à negociação podem, a qualquer
tempo, exigir do "diretor de relações com investidores" esclarecimentos
adicionais à comunicação e à divulgação de ato ou fato relevante739.

Responsabilidade dos administradores


"Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pe-
las obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de
ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuí-
zos que causar, quando proceder:

I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

736 Ver o § 1o e caput do art. 3° da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n™ 369/2002 e 449/2007.
737 A divulgação ao mercado deverá ser feita de forma simultânea a todos os mercados nos
quais os valores mobiliários da companhia estejam admitidos a negociação, por qualquer
meio de comunicação, nos termos do § 3o do art. 3o da Instrução CVM n° 358/2002, com
as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n™ 369/2002 e 449/2007.
738 Ver o § 2° do art. 3o da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM nra 369/2002 e 449/2007.
739 Art. 4° da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n K 369/2002 e 449/2007.
II - com violação da lei ou do estatuto.

§ I o O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros


administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar
em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir
para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o admi-
nistrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de
reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela
dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao
conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia geral.

§ 2 o Os administradores são solidariamente responsáveis pelos pre-


juízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impos-
tos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia,
ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

§ 3 o Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o §


2 o ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4 o , aos administrado-
res que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica
de dar cumprimento àqueles deveres.

§ 4 o O administrador que, tendo conhecimento do não cumpri-


mento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador
competente nos termos do § 3 o , deixar de comunicar o fato à
assembleia geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

§ 5 o Responderá solidariamente com o administrador quem, com


o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a
prática de ato com violação da lei ou do estatuto."

No sistema de direito societário brasileiro, os administradores não


são considerados mandatários, mas sim órgãos da sociedade. Desde a
edição do Decreto-Lei n° 2.627/1940, adotou-se entre nós a teoria
organicista da administração, de sorte que o vínculo existente entre admi-
nistrador e companhia é baseado na representação orgânica740. A condi-
ção de administrador decorre não de um mandato da sociedade, mas do
ato jurídico unilateral de sua nomeação, mediante o qual lhe são atribuí-
dos poderes e deveres que o qualificam como órgão social741. Enquanto
órgão, o administrador "presenta" a companhia; é o órgão quem pratica os
atos que entram no mundo jurídico como atos da pessoa jurídica742. Como
órgão, o administrador, diversamente do que ocorre com o mandatário ou o
prestador de serviços, não é terceiro em relação à sociedade, mas é a própria
sociedade, manifestando sua vontade e exercendo sua capacidade de agir743.
Na qualidade de órgãos da companhia, os administradores têm
as suas atribuições e poderes decorrentes da lei, não de um manda-
to. A sua responsabilidade deflui, assim, não de inadimplemento a
contrato, mas de infração à lei ou ao estatuto, tratando-se, pois, de
responsabilidade aquiliana, delitual ou ex lege. O dever de indenizar
os danos que causam à companhia é conseqüência da infração a
dispositivos legais ou estatutários.
Quais as funções do sistema de responsabilidade civil dos ad-
ministradores?
Em primeiro lugar, como ocorre na responsabilidade civil em ge-
ral, tem a função de reparação de dano, mediante a qual o sistema jurí-
dico visa a propiciar ao lesado a recomposição de seu patrimônio. A
responsabilidade civil, em quase todos os sistemas legais, sofreu uma
evolução importante a partir do início do século XX, perdendo o seu
caráter sancionador em prol da função reparadora, como instrumento

740 Ver os comentários ao art. 138 da Lei das S.A.


741 ORLANDO COMES, "Responsabilidade dos Administradores de Sociedades por Ações",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revisla
dos Tribunais, v. 8, Ano XI, 1972, p. 11-12.
742 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3a edição, São Raulo: Revista dos
Tribunais, 1984, p. 385.
743 LUIZ CASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1989, p. 147.
de manutenção do equilíbrio social nas relações privadas de natureza
patrimonial.
Em segundo lugar, conforme vem sendo crescentemente obser-
vado, o sistema de responsabilidade civil também constitui um meio
de controle da atuação dos administradores, os quais, por ocuparem
um órgão de gestão, com grande autonomia, concentram um impor-
tante poder decisório; mediante tal sistema, assim, busca-se um equi-
líbrio entre poder e responsabilidade 7 4 4 . As normas sobre a
responsabilidade dos administradores buscam impedir que eles exer-
çam seus poderes em proveito próprio ou de forma negligente. Ob-
serva-se, em alguns países, particularmente nos Estados Unidos, a
aplicação da teoria do "cidadão Ministério Público", que prega a cria-
ção de incentivos à proposição de ações de responsabilidade civil, que
são vistas não só como instrumento de recomposição de danos, mas
também como fator de prevenção de condutas ilegais745-746.
A norma estabelece os princípios essenciais na matéria: (i) a irres-
ponsabilidade do administrador pelos atos regulares de gestão; e (ii) a sua
responsabilidade civil quando, dentro de suas atribuições, atuar com cul-
pa ou dolo, ou quando agir com violação da lei ou do estatuto.
O administrador não é pessoalmente responsável por obrigações
assumidas pela companhia em virtude de ato regular de gestão, caso em
que apenas a companhia responde; como o administrador atua como
órgão da sociedade, é ela quem pratica o ato e contrai a obrigação. A
expressão "ato regular de gestão" não foi definida na Lei das S.A., deven-
do, como tal, ser entendido aquele praticado nos limites das atribuições
dos administradores e sem violação da lei ou do estatuto social. Assim,

744 FERNANDO SÁNCHEZ CALERO. Los Administradores de Ias Sociedades de Capital. 2'
edição, Pamplona: Arazandi, 2007, p. 308.
745 ANDRÉ TUNC. La Responsabilité Civile. Paris: Econômica, 1981, p. 84.
746 O § 2° do art. 246 da Lei das S.A., ao prever um prêmio de 5% (cinco por cento) ao autor
da ação de responsabilidade civil contra a sociedade controladora pelos danos causados
à controlada, assim como honorários advocatícios de 20% (vinte por cento), constitui
tfpico exemplo de incentivo à proposição de demandas, no caso contra o controlador, não
contra o administrador.
serão irregulares os atos em violação da lei ou do estatuto, como, por
exemplo, se o administrador, visando à obtenção de vantagem, deixar de
aproveitar oportunidade de negócio de interesse da companhia, infrin-
gindo o artigo 155, hipótese em que responderá pessoalmente pelos da-
nos causados à companhia, por ter praticado ato irregular de gestão.
Trata-se, a menção ao ato regular de gestão, de uma tautologia
incorrida pelo legislador. Com efeito, confundem-se o ato irregular
de gestão e o ato praticado com violação da lei ou do estatuto, não
havendo, pois, necessidade de 2 (dois) conceitos jurídicos para a
mesma situação747. Bastaria ter a Lei das S.A. mencionado que o
administrador só é pessoalmente responsável quando agir com in-
fração à lei ou ao estatuto.
Ainda que o ato do administrador cause danos à companhia, ele
somente poderá ser pessoalmente responsabilizado se ficar demons-
trado que as decisões que adotou foram tomadas com má-fé, ou me-
diante ato ilícito748. Assim, ele não responde pelo eventual insucesso
do empreendimento, exceto se for ele resultante de falta de diligência
ou de atos ilegais.
Também não responde o administrador pelo inadimplemento
de obrigação tributária da companhia, exceto se ficar demonstrado
que agiu dolosamente, fraudulentamente ou com excesso de poder,
uma vez que tal obrigação é da pessoa jurídica749.

747 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "Responsabilidade dos Administradores de Socie-


dades Anônimas", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 42, abrii-junho, 1981, p. 73.
748 Ver os comentários ao art. 159 da Lei das S.A., em particular à business judgement rule,
consagrada em seu § 6 o .
749 Nesse sentido, ver as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça: (i) 2 a Turma, nos
autos do Recurso Especial n° 397.074-BA, Rei. Min. Eliana Calmon, j. em 12.03.2002,
publicada no DJU em 22.04.2002 e na Revista do Superior Tribunal de Justiça. Brasília:
STJ, v. 163, março, 2003, p. 226-232; (ii) 1 a Turma, nos autos do Recurso Especial n°
260.524-RS, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 14.08.2001, publicada no DJU
em 01.10.2001; (iii) 2 a Turma, nos autos do Recurso Especial n° 174.532-PR, Rei. Min.
Francisco Peçanha Martins, j. em 27.06.2000, publicada no DJU em 21.08.2001; e (iv)
2 a Turma, nos autos do Recurso Especial n" 121.021-PR, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em
15.08.2000.
O administrador responde pessoalmente quando: (i) embora atu-
ando dentro de suas atribuições ou poderes, agir com culpa ou dolo; e
(ii) quando violar a lei ou o estatuto.
Qual a razão para o tratamento dicotômico (e um tanto confuso)
previsto no caput e nos incisos I e II, que praticamente repetem o
artigo 121 do Decreto-Lei n° 2.627/1940? A melhor explicação dou-
trinária parece ser a de que o legislador teria não apenas explicitado as
hipóteses de responsabilidade civil, mas, também, pretendido definir
as diferentes situações em que o ato do administrador vincularia a ele,
à companhia ou a ambos diante de terceiros. Assim, a Lei das S.A.
teria estabelecido as seguintes regras: (i) não responde o administra-
dor pessoalmente pelas obrigações que contrair para a sociedade em
virtude de ato regular de gestão; e (ii) o administrador é responsável
pelos prejuízos quando culposamente descumprir dever legal ou esta-
tutário, sendo que, nesta ultima situação: (a) os atos praticados dentro
de suas atribuições obrigam a sociedade perante terceiros; e (b) os
atos praticados fora de suas atribuições, em princípio, não vinculam a
companhia perante terceiros, sendo de exclusiva responsabilidade do
administrador, exceto se: forem ratificados posteriormente, trouxe-
rem vantagem para a companhia, ou se impuser sua preservação para
amparar a posição de terceiros (como pode ocorrer com atos ultra
vires ou praticados com excesso de poderes pelo administrador)750.
Discute-se tradicionalmente na doutrina sobre a natureza da res-
ponsabilidade do administrador, se subjetiva ou objetiva. Na respon-
sabilidade subjetiva, devem estar presentes 4 (quatro) elementos: (i) o
dano certo e de ordem patrimonial sofrido por aquele que busca a sua
reparação; (ii) o ato ilícito; (iii) o nexo de causalidade entre o dano e a
conduta antijurídica; e (iv) o dolo ou a culpa, ou seja, a intenção de
provocar o dano ou a falta de cautela para evitar que ele ocorresse. Já

750 MARCELO VIEIRA VON ADAMEK. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as
Ações Correlatas. São Pâulo: Saraiva, 2009, p. 221.
na responsabilidade objetiva, não há necessidade de se investigar o
elemento subjetivo; caracterizado o nexo de causalidade entre o dano
e o ato ilícito, o agente responderá objetivamente, independentemente
de sua culpa ou dolo.
A hipótese prevista no inciso I trata da responsabilidade subjetiva,
uma vez que menciona a Lei das S.A. expressamente a necessidade de
estar presente a culpa ou o dolo. Tendo o administrador atuado dentro de
suas atribuições, não se presume a sua responsabilidade, cabendo ao au-
tor da ação de perdas e danos provar o elemento subjetivo.
A alusão à "culpa ou dolo" corresponde à culpa civil751; a expressão
"culpa" deve ser entendida como violação de um dever jurídico, abran-
gendo não só as condutas negligentes, imperitas ou imprudentes (cul-
pa strictu sensu) como, também, os atos dolosos, aqueles praticados com
o intuito deliberado de violar um dever jurídico.
Para a caracterização da culpa deve recorrer-se ao standard do dever
de diligência752. Com efeito, se o administrador atuou dentro de seus
poderes ou atribuições, a sua responsabilidade pessoal decorrerá da com- -
provação de que sua conduta foi incompatível com a diligência que dele
se espera, a partir de um juízo de culpabilidade. O comportamento doloso
pode verificar-se quando o administrador, agindo dentro de suas atribui-
ções, busca deliberadamente prejudicar a companhia, firmando, por exem-
plo, um contrato lesivo aos seus interesses.
O ato praticado dentro das atribuições e poderes do administra-
dor constitui aquele que não só está inserido no âmbito da sua com-
petência legal e estatutária, como, também, do objeto social. Se o
administrador causa, com seu comportamento, atuando nos limites
legais e estatutários, assim como de acordo com o objeto social, po-
rém, de forma não diligente, um dano à companhia, será obrigado a
repará-lo, desde que provada a sua culpa.

751 Art. 186 do Código Civil.


752 Ver os comentários ao art. 153 da Lei das S.A.
O inciso II estabelece a responsabilidade pessoal do administra-
dor quando viola a lei, aqui entendida em sentido amplo, ou seja, qual-
quer norma jurídica, legal ou regulamentar, ou o estatuto. Ficando
caracterizado o ato ilícito, há uma presunção - relativa - de sua cul-
pa753, invertendo-se o ônus da prova; assim, caberá ao administrador de-
monstrar que, embora tenha violado alei ou o estatuto, agiu sem culpa ou
dolo. Pode o administrador demonstrar que agiu contrariamente à lei ou
ao estatuto por ser a única alternativa viável, diante das circunstâncias,
para atender ao interesse social754.
Quando o administrador pratica ato regular de gestão, apenas a
companhia responde pelos danos eventualmente causados, não ha-
vendo qualquer responsabilidade sua. Se o administrador, embora pra-
ticando ato regular de gestão, agir com culpa ou dolo, a companhia
responde solidariamente pelos danos, podendo depois propor ação
regressiva contra ele. Tal se dá porque nas 2 (duas) hipóteses o admi-
nistrador atua como órgão da companhia.

753 Esta é a posição da maior parte dos doutrinadores: JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Res-
ponsabilidade Civil do Diretor de S.A.". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira
(Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. 2, 2 a edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 405; NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Merca-
do de Capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 104; LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS
LEAES, "Sociedade por Ações. Atos Praticados por seus Diretores, em Razão de Administra-
ção - Responsabilidade Daquelas e Destes, Solidariamente, se Agirem com Culpa ou
Contrariamente aos Estatutos Sociais", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 2, 1971, p. 74; J. C. SAMPAIO DE
LACERDA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 206;
JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário. 11a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 418-419; ALARICO SILVEIRA NETO, "Responsabilidade dos Administradores e
Acionista Controlador por Obrigações da Sociedade", Revista Forense. Rio de Janeiro: Ed.
Forense, v. 288, outubro-dezembro, 1984, p. 109-110. Em posição isolada encontra-se
MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,
São Raulo: Saraiva, 2009, p. 361-363. FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comer-
cial. v. 2, 13a edição, São Riulo: Saraiva, 2009, p. 259-260 e 268-271, por sua vez, sustenta
(também em posição minoritária, mas contrária à de Modesto Carvalhosa) que, nas 2 (duas)
hipóteses elencadas pelo art. 158 da Lei das S.A., a responsabilidade civil dos administra-
dores tem natureza subjetiva, do tipo clássico.
754 PAULO SALVADOR FRONTINI, "Responsabilidade dos Administradores em Face da Nova
Lei das Sociedades por Ações", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Finan-
ceiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 26, 1977, p. 46; NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA
B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais -
Regime Jurídico. 2' edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 483.
Já quando o administrador age com violação da lei ou do estatu-
to, a sociedade não responde pelos danos, exceto se: (i) houver tirado
proveito do ato; (ii) houver ratificado o ato; ou (iii) o prejudicado for
terceiro de boa-fé755. Em tais hipóteses, evidentemente a companhia
terá ação regressiva contra o administrador.
Em regra, a responsabilidade do administrador é individual. A
Lei das S.A. prevê, excepcionalmente, a responsabilidade solidá-
ria, quando o administrador: (i) for conivente, negligente na des-
coberta do ilícito, ou se deixar de agir para impedir a sua prática;
(ii) não cumprir os deveres legais para assegurar o funcionamento
regular da companhia; ou (iii) não comunicar à assembleia geral
infrações cometidas por predecessor ou por outro administrador
com atribuições e poderes específicos.
Em princípio, não há solidariedade estabelecida objetivamente,
sem culpa ou pelo fato de outrem. Assim, o administrador não res-
ponde pelo ato de outro pelo simples fato de integrar o mesmo órgão,
ainda que colegiado. Para ser solidariamente responsável é necessário
que ele tenha descumprido a lei ou o estatuto; se o administrador
negligencia em descobrir determinado ilícito, estará pessoalmente
descumprindo o dever de lealdade, daí resultando o concurso de com-
portamentos antijurídicos756.
O conselho de administração constitui órgão de deliberação cole-
giada (artigo 138); assim, a eficácia da sua manifestação de vontade
depende de um ato coletivo, a deliberação, que vincula os seus mem-
bros. Não há, em princípio, manifestação individual da vontade de cada
conselheiro, senão para formar a vontade coletiva. Da prática de atos
irregulares por parte do órgão decorre a responsabilidade solidária de

755 DANIELA ZAITZ, "Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas e por


Quotas de Responsabilidade Limitada", Revista dos Tribunais. São F&ulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 740, junho, 1997, p. 32.
756 MARCELO VIEIRA VON ADAMEK. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e
as Ações Correlatas..., p. 237.
todos os seus membros. Para desonerar-se da responsabilidade o con-
selheiro deve consignar em ata sua discordância ou dar ciência por es-
crito ao órgão, ao conselho fiscal ou à assembleia geral.
A responsabilidade solidária dos conselheiros ocorre quando há
uma deliberação ilegal, ou algum comportamento omissivo, por exem-
plo, na fiscalização dos diretores. Eventuais atos ilegais praticados por
um conselheiro, fora do âmbito do órgão, que não chegam ao conheci-
mento dos demais, não acarretam a sua responsabilidade solidária. As-
sim, por exemplo, se um conselheiro tem acesso a informação privilegiada
e a utiliza em proveito próprio ou de terceiro, a sua responsabilidade
será individual. Os demais conselheiros somente poderão ser responsa-
bilizados se ficar demonstrado que foram negligentes no "vazamento"
da informação ou na apuração do ato ilícito.
A diretoria não constitui órgão colegiado, tendo cada diretor, in-
dividualmente, funções e atribuições próprias, na representação e ad-
ministração ordinária da companhia. Assim, em princípio, não há
solidariedade entre os diretores, que respondem pelos atos praticados
na sua esfera de competência individual.
Ainda que o estatuto social seja omisso a respeito das atribuições
individuais de cada diretor, não há responsabilidade solidária, em princí-
pio, podendo-se provar, mediante organogramas, descrições de cargo, etc.,
as atribuições individuais757. Somente se ficar provada a negligência, a
omissão ou o conluio, haverá responsabilidade solidária entre os direto-
res, decorrente da infração ao dever de diligência.
A Lei das S.A. consagra, genericamente, no § 2° deste artigo, a
responsabilidade solidária no caso de infração aos deveres impostos para
assegurar o funcionamento normal da companhia. Tais deveres são,
por exemplo, os de elaborar e publicar as demonstrações financeiras,

757 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas..., v. 3, p. 364;


ALARICO SILVEIRA NETO, "Responsabilidade dos Administradores e Acionista Controlador
por Obrigações da Sociedade", Revista Forense..., v. 288, p. 110.
convocar a assembleia geral, promover o arquivamento dos atos na Junta
Comercial, prestar as informações solicitadas pelos acionistas em as-
sembleia geral, dentre outros. Na companhia aberta, como se presume
a especialização das funções, a responsabilidade é individual, daí decor-
rendo que, no que tange aos deveres acima mencionados, a solidarieda-
de somente ocorre entre os administradores que têm atribuição
específica de atendê-los. Assim, por exemplo, a não divulgação em tem-
po hábil de fato relevante acarretará, em princípio, a responsabilidade
do "diretor de relações com investidores"758.
Compete aos membros do conselho de administração a fiscali-
zação da gestão dos diretores (artigo 142), daí decorrendo a sua res-
ponsabilidade por culpa in vigilando. Em princípio, os conselheiros
somente podem ser responsabilizados se os atos ilícitos dos diretores
chegarem ao seu conhecimento, salvo se forem coniventes, se ne-
gligenciarem na sua apuração ou se, tendo deles conhecimento, não
agirem para impedir a sua prática. Com efeito, o dever de fiscalização
deve ser interpretado à luz da função principal do conselho de admi-
nistração, que é a de definir as políticas e estratégias gerais da compa-
nhia, não lhe cabendo a sua administração ordinária, de competência
dos diretores759. Não se confunde também o dever geral de fiscalizar a
gestão dos diretores com o exercício de atividade de natureza "polici-
al", de investigação de todos os seus atos, o que poderia inviabilizar o
desenvolvimento dos negócios sociais.
O atendimento à obrigação de fiscalizar pauta-se pelo standard
do dever de diligência (artigo 153), que tem como um de seus postu-
lados o de que os membros do conselho de administração têm o di-
reito de confiar nos diretores, cabendo-lhes investigar seus atos apenas
quando presentes as chamadas redflags, ou seja, sinais de que estão

758 Ver, a propósito, o art. 3 o d c o art. 11 da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações
introduzidas pelas Instruções CVM n™ 369/2002 e 449/2007.
759 Ver, a propósito, a decisão do Colegiado da CVM proferida no Inquérito Administrativo
CVM n° 32/1999, Rei. Dir. Norma jonssen Parente, j. em 05.12.2001.
praticando atos ilegais ou contrários ao estatuto. O excesso de fiscali-
zação dos diretores, impedindo-os de se dedicarem prioritariamente
às suas atividades de gestão ordinária da companhia, pode ser tão
nocivo quanto a ausência de fiscalização.
Ainda que a responsabilidade dos membros do conselho de admi-
nistração seja coletiva, a realidade da gestão empresarial ocasiona o re-
conhecimento de graus diversos de sua aferição, tendo em vista a posição
funcional por eles ocupada na companhia. Assim, distingue-se o con-
selheiro insider do outsider. O primeiro é aquele que também ocupa
cargo de diretor ou é acionista controlador, tendo maior acesso a todas
as informações da companhia; o outsider, principalmente se for um
conselheiro independente, não vinculado ao controlador, em geral só
toma conhecimento dos fatos expressamente levados ao seu conheci-
mento, não podendo, em princípio, sofrer os efeitos da solidariedade
imputável aos conselheiros insiders.
Qualquer terceiro - membro de outro órgão de administração, as-
sessor ou simples cúmplice — que concorrer com o administrador para a
prática do ilícito é solidariamente responsável. Podem propor a ação de
responsabilidade a companhia ou seus substitutos processuais, desde que
demonstrado o dano efetivo, patrimonialmente ressarcível760.

Ação de responsabilidade
"Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação
da assembleia geral, a ação de responsabilidade civil contra o ad-
ministrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.

§ 1° A deliberação poderá ser tomada em assembleia geral ordi-


nária e, se prevista na ordem do dia, ou for conseqüência direta de
assunto nela incluído, em a s s e m b l e i a geral extraordinária.
§ 2° O administrador ou administradores contra os quais deva
ser proposta a ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos
na mesma assembleia.

§ 3° Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta


no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembleia geráL

§ 4° Se a assembleia deliberar não promover a ação, poderá ela


ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cen-
to), pelo menos, do capital social.

§ 5° Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à


companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles
resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive
correção monetária e juros dos dispêndios realizados.

§ 6° O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do


administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando
ao interesse da companhia.

§ 7° A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista


ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador."

Quando o administrador causa danos à companhia, pode ela


mover-lhe ação de responsabilidade civil, com vistas à recomposição
de seu patrimônio. Trata-se da ação social, uma vez que objetiva pre-
servar o interesse social e é a companhia a beneficiária de seu resulta-
do. Está legitimada a movê-la a própria companhia, por si, quando é
chamada ação social ut universi, ou por intermédio de seus acionis-
tas, quando é denominada ação social ut singuli.
O fundamento da ação é a preservação do interesse social, não
podendo tal medida servir ao eventual interesse individual de acio-
nista minoritário de afastar administrador que não lhe seja simpático;
em tal hipótese caracteriza-se o exercício abusivo do direito de voto
(artigo 115).
A companhia não é obrigada a mover a ação de responsabilidade
contra seus administradores, ainda que haja indícios de que atuaram
de forma ilegal. Trata-se de decisão absolutamente soberana da as-
sembleia geral, que deve pesar: (i) a gravidade do eventual ato ilícito;
(ii) os danos efetivamente causados ao patrimônio social; (iii) os cus-
tos e benefícios da propositura da ação; e (iv) as reais possibilidades
de êxito na demanda.
Constitui requisito legal, essencial e imprescindível para a pro-
positura da ação de responsabilidade civil do administrador, a reali-
zação de assembleia geral que previamente delibere a respeito761.
Assim, a deliberação assemblear constitui, conforme já observado,
condição de procedibilidade da ação, seja pela própria companhia,
seja por acionistas762. Tal deliberação, porém, não necessita delimitar
a pretensão a ser apresentada em juízo, contendo narração exaustiva
dos fatos, o que será feito na petição inicial763; basta que seja motiva-
da, descrevendo, ainda que sumariamente, os fatos que ensejaram os
danos a serem reparados. Deve ainda a deliberação mencionar con-
tra quais administradores será proposta a demanda, hipótese mais
comum, uma vez que a sua responsabilidade deve ser examinada tendo
em vista as suas funções na gestão da companhia; se for genérica,
cabe o ajuizamento contra todos.
Para a propositura da ação social ut universi é indispensável a
prévia autorização da assembleia geral, seja ordinária, quando se está
deliberando sobre a aprovação das demonstrações financeiras e das

761 A esse respeito, ver decisão da 3° Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, proferida nos autos do Agravo de Instrumento n° 990.10.147539-1,
Rei. Des. Donegá Morandini, j. em 29.06.2010.
762 FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2, 13" edição, São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 272.
763 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÂES. Pareceres. -v. I, São F&ulo: Singular, 2004, p. 469.
contas, seja extraordinária, desde que conste da ordem do dia ou seja
conseqüência de assunto nela incluído, como, por exemplo, em assem-
bleia que tenha por objeto discutir a ocorrência de prejuízos sofridos
pela companhia em determinadas operações.
O fato de ser a deliberação assemblear condição de procedibilida-
de da ação de responsabilidade civil do administrador não pode ensejar
expedientes protelatórios da companhia ou de seu acionista controla-
dor. A recusa à deliberação, quando utilizada para perpetuar a impuni-
dade dos administradores, constitui manobra ilegal; a falta de solução
positiva ou negativa por parte da assembleia representa negativa implí-
cita, ficando titulados os acionistas como substitutos da companhia
para propor a ação764.
Assim, a deliberação é dispensável quando a assembleia, uma
vez instada a fazê-lo, recusa-se a deliberar a respeito; o mesmo ocorre
quando os administradores negam-se a fazer constar da ordem do
dia a deliberação sobre a matéria, ou ainda quando a mesa tranca a
discussão ou a decisão765.
E possível que se delibere, em assembleia geral extraordinária, a
propositura de ação de responsabilidade contra determinado adminis-
trador e posteriormente, em assembleia ordinária, aprove-se as contas,
como um todo, desonerando-se os demais administradores766. Na hi-
pótese, a aprovação genérica das contas não libera a responsabilidade
do administrador contra o qual deva ser proposta a ação, coexistindo,
portanto, com a deliberação anterior.

764 NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS


HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2'1 edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 502-503. Nesse sentido já decidiu a 4" Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento do Agravo de Instrumento n° 31.353, j. em
08.11.1978, publicada na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul. v. 74, p. 337-342.
765 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4'1 edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 387.
Nada impede que a sociedade renuncie à propositura da ação,
após a deliberação assemblear, ou transija quanto ao ressarcimento,
desde que haja aprovação expressa em assembleia geral, único ór-
gão competente para decidir a matéria, inexistindo, no caso, quorum
especial para a deliberação767.
Podem ocorrer as seguintes situações: (i) a assembleia delibera pro-
por a ação de responsabilidade - ação social ut universi\ (ii) a assembleia
delibera propor a ação, mas não a ajuíza no prazo de 3 (três) meses, caso
em que qualquer acionista pode fazê-lo - ação social ut singuli derivada;
e (iii) a assembleia delibera não propor a ação, caso em que acionistas
minoritários com mais de 5% (cinco por cento) do capital podem ingres-
sar em juízo - ação social ut singuli originária.
No primeiro caso, verifica-se hipótese de legitimação ordinária, uma
vez que há coincidência entre o direito material e a figura do autor da
ação, a companhia768. Após a deliberação, cabe aos diretores, como repre-
sentantes legais da companhia, tomar as providências à propositura da
ação, inclusive contratando advogados. A ação social — chamada ut uni-
versi — compete à companhia, que pode cumular o pedido de indeniza-
ção com o de nulidade do ato do administrador769.
O administrador contra quem será proposta a ação fica auto-
maticamente impedido, devendo ser substituído na mesma assem-
bleia, uma vez que resta demonstrada a absoluta perda de confiança
dos acionistas no seu desempenho e conduta770. O impedimento

767 No Direito Italiano exige-se quorum especial de deliberação; conforme o art. 2.393 do
Código Civil, a decisão de renunciar ou transigir não será eficaz se houver voto contrario
de uma minoria que represente mais de 1/5 (um quinto) do capital social. Ver, a propósito,
FRANCO BONELLI et al. Società per Azioni. Casi e Materiali de Diritto Commerciale.
Milano: Giuffrè, 1974, p. 197.
768 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "Responsabilidade dos Administradores de Socieda-
des Anônimas". Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Riu Io:
Ed. Revista dos Tribunais, v. 42, abril-junho, 1981, p. 81.
769 Art. 292 do Código de Processo Civil.
770 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
1992, p. 75.
não constitui faculdade da assembleia, mas é obrigatório, uma vez
que o legislador presume a existência de conflito, determinando a
imediata substituição do administrador.
Como o impeachment do administrador constitui medida de cará-
ter excepcional, a norma do § 2° deve ser objeto de interpretação restri-
tiva, de sorte que ele não atinge os demais administradores, muito menos
os suplentes, os quais, enquanto permanecerem em tal situação, não
podem ser responsabilizados771.
O que acarreta o impedimento do administrador é a delibera-
ção da assembleia geral de contra ele mover a ação de responsabi-
lidade, não o ajuizamento da ação. Com efeito, o impeachment é
automático e a substituição imediata, na mesma assembleia, ainda
que nem a companhia nem qualquer acionista venham posterior-
mente a ingressar em juízo.
A Lei das S.A. silenciou sobre a ocorrência ou não de impedi-
mento quando a ação é proposta pelos acionistas minoritários. Para
suprir a lacuna deve-se atentar para as diferenças entre as situações
previstas nos §§ 3° e 4°. No § 3°, tal como ocorre no caput, há delibe-
ração da assembleia favorável ao ajuizamento da ação, rompendo-se
a relação de fidúcia que unia a companhia ao administrador. Nas 2
(duas) hipóteses - caput e § 3° - ocorre o impedimento do adminis-
trador, uma vez que a vontade social, expressa pela maioria dos acio-
nistas, é no sentido de mover a ação judicial; se a companhia queda
inerte, o acionista minoritário que ingressa em juízo realiza a vontade
da maioria, havendo, pois, uma presunção absoluta de que está defen-
dendo o interesse social.
No caso do § 4° - ação social ut singuli originária - , a decisão da
assembleia é de não promover a ação de responsabilidade, preservando
o administrador o vínculo fiduciário com a companhia. Assim, não se

771 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 120-121.
pode presumir que o acionista minoritário está defendendo o interesse
social, posto que a vontade da maioria foi manifestada em sentido con-
trário. Na hipótese, não havendo deliberação da assembleia de mover a
ação, não ocorre o impedimento automático do administrador.
Há 2 (duas) circunstâncias distintas em que os acionistas mino-
ritários podem demandar contra os administradores, no interesse da
companhia: (i) caso a assembleia delibere propor a ação de responsa-
bilidade mas não a ajuíze no prazo de 3 (três) meses, qualquer acio-
nista poderá fazê-lo; e (ii) caso a assembleia delibere não propor a
ação de responsabilidade, acionistas representando pelo menos 5%
(cinco por cento) do capital social podem ajuizá-la.
Nas 2 (duas) hipóteses - §§ 3° e 4° - trata-se de ação social,
porém ut singuli (ação derivativa), largamente conhecida e prati-
cada nos Estados Unidos, onde é denominada shareholder deriva-
tive suit. Naquele país, tal modalidade de ação tem constituído
fonte de abusos, nas chamadas strike suits, que nada mais são do
que lides temerárias, para forçar acordos, em proveito dos acionis-
tas minoritários e dos seus advogados772.
Quando a assembleia delibera ingressar em juízo, a ação derivativa
é subsidiária, somente podendo ser proposta após o decurso do prazo de
3 (três) meses; dentro deste período de tempo a companhia possui legi-
timidade ativa exclusiva na demanda. O prazo para que a companhia
possa acionar o administrador não é de decadência ou prescrição, mas
meramente de prioridade ou preferência773. Enquanto a ação não estiver
prescrita a sociedade poderá promovê-la a qualquer tempo; se algum
acionista já tiver ingressado em juízo, ocorrerá a litispendência.

772 Visando a evitar as "strikes suits ", a Delaware General Corporation Act {§ 327) estabelece
que o acionista autor da ação social derivativa, que age no interesse da companhia, deve
afirmar, em sua petição inicial, que ele era acionista ao tempo em que o administrador
cometeu o ato ilfcito que gerou os danos à companhia.
773 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 330.
Na ação social utsinguli, em qualquer de suas modalidades, o fun-
damento é idêntico ao da ação social: a recomposição dos danos causa-
dos à companhia. Trata-se de legitimação extraordinária, sob a forma
de substituição processual774, uma vez que ocorre a dissociação entre o
sujeito da lide (sociedade) e o sujeito do processo (acionista); o interes-
se perseguido é o da companhia, tanto que ela será a indenizada, atuan-
do o acionista como parte apenas em sentido formal. A substituição, na
hipótese do § 3°, é derivada (originalmente era da companhia a compe-
tência); já no caso do § 4°, é originária.
Ainda que o objetivo da ação seja o de recompor os danos causa-
dos à companhia, os acionistas minoritários têm um interesse no re-
sultado da demanda, embora seja indireto, consistente na sua quota
parte do patrimônio social; caso contrário, não poderiam ser substitu-
tos processuais da companhia, os quais sempre esperam alguma utili-
dade do provimento jurisdicional77S.
Nos termos do § 5 o , embora os resultados da ação defiram-se à
companhia, esta deverá indenizar os minoritários de todas as despe-
sas, nela incluídos, além das custas e taxas judiciárias, honorários de
advogado e despesas extrajudiciais, como cópias de documentos e
pareceres, desde que não excedam os resultados obtidos na demanda.
Tal reembolso será feito com os valores monetariamente corrigidos e
acrescidos de juros, à taxa que estiver em vigor para a mora do paga-
mento de impostos devidos à Fazenda Nacional776.
Além da ação social, também prevê o § 7° que o acionista ou ter-
ceiro diretamente prejudicado por ato de administrador pode propor
ação individual para apurar a sua responsabilidade civil, visando à repa-
ração do seu patrimônio próprio. Os danos causados à companhia e

774 Ver o art. 6o do Código de Processo Civil.


775 CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO. Instituições de Direito Processual Civil. v. II, 5'' edi-
ção, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 311
776 JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a
188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 614.
sofridos pelo acionista indiretamente, não podem ser reparados me-
diante a ação individual, que se reserva apenas aos que forem dire-
tamente prejudicados. Para que seja proposta a ação individual não
há necessidade de qualquer deliberação da assembleia, nem se re-
quer do autor participação acionária mínima. Ademais, a aprova-
ção das demonstrações financeiras não impede a ação individual,
uma vez que desonera apenas a responsabilidade do administra-
dor frente à companhia (artigo 134).

A "BUSINESS JUDGEMENT RULf"

No § 6° adotou-se, também entre nós, o princípio da business


judgement rule ("regra da decisão empresarial"), consagrada no direito
societário norte-americano. Nos Estados Unidos, embora não tenha
sido positivada, tal regra foi desenvolvida pelos tribunais em reitera-
das decisões judiciais777-778.
De acordo com a business judgement rule, presume-se que, ao
tomarem uma decisão empresarial, os administradores agiram com
os conhecimentos e informações adequadas e de boa-fé, acreditando
que ela atende aos interesses sociais. Assim, em tais circunstâncias,
as decisões adotadas pelos administradores não podem ser revistas
pelos tribunais, nem os sujeitam à responsabilização, ainda que se
revelem posteriormente inadequadas ou mal sucedidas.
A finalidade da regra é oferecer um "porto seguro" aos adminis-
tradores, que devem ser encorajados a correr os riscos inerentes à ges-
tão empresarial e não podem ficar permanentemente sujeitos a ter
suas decisões revistas779. Os administradores devem ter uma razoável

777 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Littie, Brown and Company, 1986, p. 126
e seguintes.
778 O Código das Sociedades Comerciais de Portugal, com a reforma de 2006, adotou, em seu
art. 72.2, idêntica regra, mediante a qual a responsabilidade do administrador é excluída
se ficar provado que atuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e
segundo critérios de racionalidade empresarial.
779 DENIS J. BLOCK, NANCY E. BARTON, STEPHEN A. RADIN. The Business Judgement Rule
- Fiduciary Duties or Corporate Directors. New York: Aspen Law and Business, 1998;
margem de disericionariedade em sua atuação, podendo avaliar a con-
veniência e a oportunidade de determinadas decisões visando à maxi-
mização dos lucros da companhia. A redução da discricionariedade
da administração pode inviabilizar a gestão empresarial, pelo excessi-
vo "engessamento" de suas atividades.
A regra da decisão empresarial, que isenta de responsabilidade o
administrador, é aplicável uma vez atendidos cumulativamente os se-
guintes requisitos: (i) deve ter ocorrido uma decisão, não estando prote-
gidas pela regra as condutas omissivas, exceto se resultantes de uma
decisão de não tomar qualquer medida; (ii) os administradores não po-
dem ter qualquer interesse financeiro ou pessoal na matéria, ou seja,
não se aplica a regra se estiverem em situação de conflito de interesses;
(iii) os administradores devem estar bem informados antes de tomarem
a decisão, isto é, atuando de forma diligente; (iv) os administradores
devem estar perseguindo o interesse social; (v) a atuação dos adminis-
tradores deve ter ocorrido no âmbito dos seus poderes legais e estatutá-
rios; e (vi) os administradores devem estar atuando de boa-fé.

Órgãos técnicos e consultivos


"Art. 160. As normas desta seção aplicam-se aos membros de
quaisquer órgãos, criados pelo estatuto, com funções técnicas ou
destinados a aconselhar os administradores."

Além do conselho de administração, da diretoria e do conselho


fiscal, órgãos expressamente previstos na Lei das S.A., a compa-
nhia pode criar outros, com funções técnicas ou para assessorar os

ALEXANDRE C O U T O SILVA. Responsabilidade dos Administradores de S/A - Business


ludgment Rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007; FLÁVIA PARENTE. O Dever de Diligência
dos Administradores de Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 72;
NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS
HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico..., p. 425 e seguintes. Com relação às
companhias abertas, a CVM aceitou a regra da business judgement rule no Processo
Administrativo Sancionador n° RJ 2005/1443, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Souza, j.
em 10.05.2006.
administradores em questões que demandem conhecimentos espe-
cializados em finanças, auditoria, economia, e outras que transcen-
dem a administração ordinária. Dada a crescente complexidade da
gestão empresarial, muita vezes torna-se necessária a existência de
comitês de assessoramento técnico aos diretores e conselheiros. Tal
prática é de inegável utilidade para as companhias, que podem con-
tar com o concurso de especialistas, sem a necessidade de firmar
com eles contratos de trabalho.
Os comitês constituem órgãos que participam indiretamente da
gestão empresarial, mas sem poderes de representar a companhia e de
tomar decisões que vinculem os administradores e empregados.
Os órgãos com funções técnicas ou de aconselhamento dos
administradores podem ser criados pelo estatuto ou mediante nor-
mas internas da companhia, de tal fato decorrendo regimes diver-
sos de responsabilidade para os seus membros. Quando o órgão é
previsto no estatuto, aplicam-se aos seus membros, em princípio,
as normas da Seção IV e suas funções são indelegáveis780. Se o
estatuto apenas menciona que o conselho de administração pode-
rá criar comissões consultivas ou comitês técnicos, sem especifi-
cá-los, não serão eles considerados "criados pelo estatuto", não
lhes sendo aplicáveis as disposições deste artigo.
A escolha dos membros de tais órgãos poderá ser feita pelo con-
selho de administração ou diretoria ou pela assembleia geral, depen-
dendo do que dispuser o estatuto. Não são eles administradores da
companhia, mas apenas equiparam-se aos administradores para os
efeitos do disposto na Seção IV, daí decorrendo que não há necpssi-
dade de sua eleição pela assembleia geral. Pela mesma razão, a remu-
neração de seus membros não depende de aprovação da assemb.leia,
podendo ser estabelecida mediante deliberação do conselho de admi-
nistração ou decisão de diretoria.
Embora não fosse comum a existência de tais órgãos, entre nós,
exceto em algumas companhias abertas de grande porte, mais recen-
temente, por influência do modelo empresarial de companhias mul-
tinacionais, assim como das chamadas "boas práticas de governança
corporativa" começaram a ser criados comitês, particularmente de
auditoria, finanças, gestão, corporativo, ambiental, etc. Em regra, tais
comitês assessoram o conselho de administração, sendo órgãos deli-
berativos de aconselhamento, não de representação ou de tomada de
decisões que vinculem a administração.
É recomendável que a maioria de seus membros também inte-
grem o conselho de administração e que seu presidente seja um con-
selheiro independente, isto é, que não faça parte da diretoria nem
esteja vinculado ao acionista controlador781.
O comitê de auditoria, que evidentemente não substitui o conse-
lho fiscal, é o mais utilizado pelas companhias abertas782. Trata-se de
órgão facultativo nas companhias em geral, exceto nos casos das insti-
tuições financeiras, nas quais é de existência obrigatória783. Em grande

781 Sobre esse assunto, ver o item 2.29 do Código das Melhores Práticas de Governança
Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
782 Sobre a comparação entre o conselho fiscal e o comitê de auditoria, ver LUIZA RANGEL DE
MORAES, "As Novas Atribuições do Conselho Fiscal Diante da Lei Sarbanes-Oxley e da
Legislação Brasileira", Revista de Direito Bancário, da Arbitragem e do Mercado de Capi-
tais. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 29, julho-setembro, 2005, p. 47 e seguintes.
783 Ver, a propósito, a Resolução CMN n° 3.198/2004, que, em seu art. 10, estabelece que:
"Devem constituir órgão estatutário denominado comitê de auditoria as instituições referi-
das no art 7o, inciso 1, alínea "a" [instituições financeiras e demais instituições autorizadas
a funcionar pelo Banco Central, exceto as sociedades de crédito ao microempreendedorl,
que tenham apresentado no encerramento dos dois últimos exercícios sociais: I - Patrimônio
de Referência (PR) igual ou superior a R$1.000.000.000,00 (um bilhão de reais); ou ii •
administração de recursos de terceiros em montante igual ou superiora R$1.000.000.000,00
(um bilhão de reais); ou III - somatório das captações de depósitos e de administração de
recursos de terceiros em montante igual ou superior a R$5.000.000.000,00 (cinco bilhões
de reais). § 1° As instituições líderes responsáveis pela elaboração das demonstrações
contábeis consolidadas de conglomerados financeiros que se enquadrem nas disposições
estabelecidas no caput devem constituir comitê de auditoria para cumprimento das
medida, o seu desenvolvimento foi impulsionado pelas reformas ocor-
ridas na legislação societária norte-americana no começo do século.
Após alguns escândalos financeiros verificados nos primeiros
meses de 2002, envolvendo companhias tidas como modelos de boa
governança corporativa (Enron, Worldcom e Tyco), foi promulgada,
como resposta do governo e do congresso norte-americanos, o Sar-
banes-Oxley Act, em 30 de julho daquele ano. A lei representou uma
espécie de "federalização" da legislação societária, que até então era
tratada, nos Estados Unidos, unicamente como uma questão a ser re-
solvida no âmbito de competência de cada estado. A Sarbanes-Oxley
significou um movimento legislativo em direção à posição há muito
defendida pelo Professor William Cary, que também foi presidente da
Securities and Exchange Commission, que, em famoso artigo publicado
em 1974, já propunha que o Congresso deveria adotar padrões federais
uniformes para as companhias, abertas, em questões relativas aos deve-
res fiduciários dos administradores e conflitos de interesse784-785.
Dentre as várias inovações, a Sarbanes-Oxley formalizou o papel do
aud.it committee (comitê de auditoria), que já desempenhava uma função
relevante no monitoramento das informações e controles contábeis das
companhias com ações negociadas no mercado de capitais.
O comitê de auditoria passou a ser obrigatório em todas as com-
panhias abertas nos Estados Unidos, tendo como principais tarefas:
prover uma revisão independente e a supervisão dos processos de ela-
boração dos relatórios financeiros, dos controles internos, assim como

atribuições e responsabilidades previstas neste regulamento, relativamente às instituições


pertencentes a tais conglomerados que não possuam obrigatoriedade de constituição
individual do referido comitê."
784 WILLIAM L. CARY, "Federalism and Corporate Law: Reflections Upori Delaware", Yale Law
Journal. Joe Lincoln: Ed. Joe Christensen, v. 83, 1974, p. 663.
785 SAMUEL C. THOMSON, JR. The Missing Link in Sarbanes-Oxley: Enactment of 'Change of
Control Board' Concept, or Extension of the Audit Committee Provisions to Mergers and
Acquisitions. The Business Lawyer. Chicago: Ed. ABA, Section of Business Law, v. 63, n° 1,
november, 2007.
das atividades dos auditores independentes786. Os integrantes do comi-
tê devem ser membros independentes do conselho de administração,
não podendo, assim, atuar como consultores ou assessores da compa-
nhia, nem receber dela ou de empresas relacionadas qualquer outra for-
ma de remuneração. Ademais, pelo menos 1 (um) dos membros do
comitê de auditoria deve ser especialista em finanças.
Em nossa prática empresarial, recomenda-se a criação de um comi-
tê de auditoria nas companhias abertas para desempenhar as seguintes
funções: (i) analisar as demonstrações financeiras; (ii) supervisionar a
área financeira; (iii) supervisionar o desenvolvimento de controles inter-
nos confiáveis; e (iv) discutir com os auditores independentes, dentre
outras matérias, mudança ou manutenção de critérios contábeis, uso de
reservas e provisões, principais riscos, estimativas e julgamentos relevan-
tes utilizados na elaboração das demonstrações financeiras. Dada a natu-
reza de suas atribuições, é também recomendável que pelo menos 1 (um)
dos membros do comitê tenha experiência comprovada na área contábil
ou de auditoria787.
Os comitês, estejam ou não previstos no estatuto, não são ór-
gãos de representação, nem podem tomar decisões que obriguem os
administradores, dado o princípio da indelegabilidade das competên-
cias dos órgãos sociais. Na realidade, sua função é a de assessorar o
conselho de administração ou a diretoria, na elaboração de normas e
políticas internas e na verificação de seu atendimento. Assim, os di-
retores, ao relatarem suas atividades aos comitês, não podem ser obri-
gados por seus membros a adotarem tais ou quais condutas. O que os
comitês podem fazer é apresentar aos órgãos sociais - conselho de

786 Ver, a propósito, o pronunciamento da Secundes and Exchange Commission: "Release 33-8220,
with final rule about 'Standards Relating to Lisled Company Audit Commiltees'", disponível
em: <http://www.sec.gov/rules/final/33-8220.litm>, acessado em 06.05.2011.
787 Sobre esse assunto, ver o item 2.30 do Código das Melhores Práticas de Governança
Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
administração e diretoria — as suas observações e análises, para que
estes, dentro de suas respectivas esferas de atuação, tomem as medi-
das que entendam adequadas.
Os comitês são órgãos facultativos auxiliares, aos quais não pode
o estatuto atribuir poderes, mas apenas funções788. Constituem, ade-
mais, órgãos coletivos, cujas decisões são tomadas por maioria abso-
luta de seus membros. Assim, é condição de eficácia da vontade do
órgão a manifestação coletiva de seus integrantes.
Embora a Lei das S.A. disponha que as normas da Seção IV
aplicam-se aos membros dos comitês criados pelo estatuto, o disposi-
tivo deve ser interpretado tendo em vista a natureza e as funções de
tais órgãos, que nada podem decidir sobre os negócios sociais, apenas
assessorar o processo decisório.
O dever de diligência, que constitui um padrão geral de conduta, é
evidentemente aplicável aos membros dos comitês, que podem ser res-
ponsabilizados caso apresentem análises ou opiniões negligentes ou sem
qualquer fundamento técnico, que levem os conselheiros ou diretores a
adotar decisões equivocadas e lesivas ao patrimônio social. A sua respon-
sabilidade pode ser excluída, nos termos do § 6° do artigo 159, em aten-
ção ao princípio do businessjudgement mlem.
O artigo 155 também aplica-se aos membros dos comitês, que de-
vem servir com lealdade à companhia, sendo-lhes vedada a utilização de
oportunidades comerciais da companhia, obtidas em razão de seu cargo,
assim como de informações confidenciais para negociar com valores
mobiliários de emissão da companhia (insider trading).
Não cabe a invocação do artigo 156, uma vez que, como o mem-
bro do comitê não participa de processo decisório da companhia, não
pode ocorrer situação de conflito de interesses.

788 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,


São Raulo: Saraiva, 2009, p. 406-407; TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades
por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 274:
Com relação ao artigo 157, devem ser aplicados o caput e seus
§§ 1°, alíneas "a", "b" e "c", 2° e 6°, que permitem o conhecimento
das posições acionárias dos membros dos comitês, facilitando a re-
pressão ao insider trading, assim como dos benefícios e vantagens
que estejam recebendo. Porém, não estão eles obrigados a divulgar
deliberações ou fatos relevantes (§ 4°), pois não detêm qualquer po-
der decisório, cabendo-lhes, no máximo, recomendar aos demais
órgãos a sua divulgação, assim como eventualmente assessorá-los
na redação do "fato relevante".
CAPÍTULO XISi

CONSELHO FISCAL

Composição e funcionamento
"Art. 161. A companhia terá um conselho fiscal e o estatuto dis-
porá sobre seu funcionamento, de modo permanente ou nos exer-
cícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas.

§ I o O conselho fiscal será composto de, no mínimo, 3 (três) e, no


máximo, 5 (cinco) membros, e suplentes em igual número, acio-
nistas ou não, eleitos pela assembleia geral.

§ 2° O conselho fiscal, quando o funcionamento não for perma-


nente, será instalado pela assembleia geral a pedido de acionistas
que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) das ações com
direito a voto, ou 5% (cinco por cento) das ações sem direito a
voto, e cada período de seu funcionamento terminará na primei-
ra assembleia geral ordinária após a sua instalação.

§ 3° O pedido de funcionamento do conselho fiscal, ainda que


a matéria não conste do anúncio de convocação, poderá ser
formulado em qualquer assembleia geral, que elegerá os seus
membros.

§ 4° N a constituição do conselho fiscal serão observadas as se-


guintes normas:

a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com


voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, um
membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas
minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por
cento) ou mais das ações com direito a voto;
b) ressalvado o disposto na alínea anterior, os demais acionistas
com direito a voto poderão eleger os membros efetivos e suplen-
tes que, em qualquer caso, serão em número igual ao dos eleitos
nos termos da alínea a, mais um.

§5° (Vetado).

§ 6° Os membros do conselho fiscal e seus suplentes exercerão


seus cargos até a primeira assembleia geral ordinária que se reali-
zar após a sua eleição, e poderão ser reeleitos. (Incluído pela Lei
n° 10.303/2001)

§ 7 o A função de membro do conselho fiscal é indelegável." (In-


cluído pela Lei n° 10.303/2001)

Constitui prática usual, na generalidade dos países dotados de


moderna legislação societária, a instituição de órgãos voltados especifi-
camente para o controle e a fiscalização da gestão dos negócios sociais,
incluindo seus aspectos contábeis790. Assim, por exemplo: na Fran-
ça, os commissaires aux comptes\ na Itália, o collegio sindicale\ nos
Estados Unidos, o Audit Committee. Entre nós, cabe ao conselho
fiscal o desempenho de tais funções.
Um dos direitos essenciais dos acionistas é o de fiscalizar a ges-
tão dos negócios sociais791. O conselho fiscal constitui o instrumento
interno, orgânico e institucionalizado, para o exercício da fiscalização
por parte dos acionistas.
Quer no regime legal anterior, quer após a promulgação da vi-
gente Lei das S.A., o conselho fiscal foi sempre alvo de críticas dou-
trinárias, por não estar dotado de instrumentos para exercer a contento

790 Ver os comentários ao art. 163 da Lei das S.A.


791 Ver os comentários ao art. 109 da Lei das S.A.
suas funções; por ser dominado pelo acionista controlador, que elege
a maioria de seus membros; ou por servir, eventualmente, como ins-
trumento de pressão por parte de acionistas minoritários para forçar o
controlador a adquirir suas ações.
Ainda assim, trata-se de órgão que pode desempenhar funções
de manifesta utilidade no processo de fiscalização dos administrado-
res. Para tanto, é necessário que as normas que o regulam sejam in-
terpretadas de molde a alcançar as finalidades para as quais foi
instituído. Deve-se, por um lado, interpretar as normas que tratam de
seu funcionamento e da sua composição de forma a facilitar, e não
dificultar, a sua instalação — quando não é permanente - e a permitir
a presença de membros eleitos pelos acionistas minoritários; afinal, a
principal justificativa da existência do órgão é a de possibilitar a fisca-
lização dos administradores por parte dos acionistas não controlado-
res. Da mesma forma, as normas que tratam da competência do órgão
devem ser aplicadas de maneira a não dificultar a atuação individual
dos conselheiros fiscais, que foi ampliada por ocasião das reformas
legais instituídas pelas Leis nos 9.457/1997 e 10.303/2001. Por outro
lado, para se evitar que estes conselheiros, ao invés de se concentra-
rem em suas atividades de fiscalização, exorbitem de suas funções,
deve-se interpretar com rigor as normas e os princípios que vedam a
sua ingerência nas atividades privativas dos administradores. Cabe
ainda ser enfatizado, que a atuação do órgão deve ser voltada para o
interesse social, não para os interesses dos eleitores dos conselheiros,
de forma a se impedir os abusos do controlador e dos minoritários.
A função essencial do conselho fiscal é a de exercer a permanente
fiscalização sobre os órgãos de administração da companhia - conselho
de administração e diretoria - referentemente às contas e à legalidade e
regularidade dos atos de gestão792. Tal fiscalização estende-se, também,

792 NELSON EIZIRIK, "Limites à Atuação do Conselho Fiscal", Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 84, outubro-
-dezembro, 1991, p. 14.
aos atos praticados por gerentes, supervisores e outros funcionários su-
' bordinados aos diretores. Não há, porém, possibilidade de fiscalização,
por parte do conselho fiscal, sobre a atuação de eventuais comitês ou
órgãos de assessoramento, sejam ou não criados pelo estatuto, por não
desempenharem atividades típicas de administração793.
A atuação do conselho fiscal é basicamente instrumental, uma
vez que objetiva transmitir aos acionistas as informações de que
necessitam, quer para exercerem o direito de voto, com o substan-
cial conhecimento do que vem a ser deliberado, quer para fiscali-
zarem a gestão dos negócios sociais794.
O conselho fiscal pode ser qualificado como órgão, dada a forma
de eleição, substituição e destituição de seus integrantes, bem como
por suas deliberações serem tomadas mediante voto793; ademais, nele
vige o princípio majoritário, o qual é temperado pela possibilidade de
atuação individual dos conselheiros, nos casos previstos na Lei das S.A.
Como se trata de um órgão colegiado, suas decisões somente se-
rão eficazes se obtidas em reunião regularmente convocada e instala-
da796. Constitui o conselho fiscal, porém, órgão de natureza especial,
uma vez que nele é admitida a atuação individual de seus membros797.
A Lei das S.A. optou por um modelo híbrido, de órgão biface, que ora
desempenha suas funções de maneira colegiada, ora mediante atos sin-
gulares de seus membros.
Trata-se, ademais, de órgão auxiliar da assembleia geral, que, a teor
do artigo 122, inciso II, tem competência para eleger e destituir os seus

793 Ver os comentários ao art. 160 da Lei das S.A.


794 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "O Conselho Fiscal e o Direito à Informação",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Reviste
dos Tribunais, v. 45, janeiro-março, 1982, p. 30. Conforme a Exposição de Motivos n° 196,
de 24.06.1976, o conselho fiscal constitui órgão de fiscalização dos administradores e de
informação dos acionistas.
795 WALDIRIO BULGARELLI. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 71.
796 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 425-426.
membros. O conselho fiscal é independente com relação ao conselho
de administração e à diretoria; assim, não se subordina a tais órgãos, em
nenhum aspecto. Por outro lado, não tem poderes hierárquicos sobre
eles; os órgãos de administração não devem obediência ao conselho
fiscal, cabendo-lhes atender suas solicitações se e na medida em que
decorrerem da lei ou de disposição estatutária.
Além de independente, o conselho fiscal é autônomo, uma vez
que, diversamente do que ocorre com a assembleia geral, não depende
de outro órgão para ser convocado, realizando-se suas reuniões nas épo-
cas previstas no estatuto ou por iniciativa de seus membros798.
A existência do conselho fiscal é obrigatória, sendo opcional, a de-
pender do estatuto social, o seu fundonamento permanente, exceto no
caso das sociedades de economia mista799. Assim, o estatuto deve discipli-
nar o órgão, dispondo se o seu funcionamento será permanente ou se
dependerá da solicitação dos acionistas minoritários para que se instale
e passe a funcionar naquele exercício social800.
Dada a redação do caput, poderia parecer que o estatuto deve ne-
cessariamente dispor a respeito; na verdade, não há qualquer sanção no
caso de ausência de disposição estatutária, a qual ocorre em muitas com-
panhias em que não é permanente o funcionamento do órgão801. Tra-
ta-se de uma recomendação da Lei das S.A., uma vez que, dispondo o
estatuto que o funcionamento do conselho fiscal é permanente, con-
vém que regule algumas questões essenciais de sua atuação, enquanto
órgão, tais como: a convocação e o modo de realização das reuniões; a
forma de eleição e atribuições do presidente; a posse e a remuneração

798 WALDIRIO BULGARELLI. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A..., p. 60.
799 Ver os comentários ao art. 240 da Lei das S.A.
800 Nesse sentido, a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976: "Daí a solução do Projeto,
de deixar ao estatuto da companhia discrição para dispor sobre seu funcionamento perma-
nente, ou apenas quando solicitado por minorias acionárias".
801 Em sentido contrário, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 674, entende que a Junta Comercial
deve recusar o arquivamento de estatuto em que o conselho fiscal não esteja nele instituído.
dos conselheiros fiscais; o registro das conclusões do órgão e o procedi-
mento de sua comunicação aos demais órgãos sociais802. No silêncio
do estatuto, é recomendável que tais regras constem do Regimento
Interno do conselho fiscal ou de outras normas da companhia.
Quando o funcionamento do conselho fiscal não é permanente,
a sua instalação ocorrerá na mesma assembleia em que se verificar o
requerimento dos acionistas, o qual dispensa qualquer fundamenta-
ção, uma vez que reflete o exercício do direito de fiscalizar dos admi-
nistradores. Uma vez instalado, o conselho fiscal funcionará até a
primeira assembleia geral ordinária que se realizar após a sua eleição,
quando poderão ser reeleitos os seus membros, nos termos do § 6°.
De acordo com o § 3°, pode o pedido de instalação ser apresenta-
do em qualquer assembleia geral, ordinária ou extraordinária, não ha-
vendo necessidade de constar do anúncio de convocação da assembleia,
nem da ordem do dia; não cabe aos acionistas controladores impedi-
rem a instalação do conselho fiscal sob o argumento de que foram
surpreendidos pela solicitação. Tampouco é necessária a presença dos
candidatos a conselheiro na assembleia geral que os elegerá; na falta de
previsão estatutária, sua investidura poderá ser feita mediante termo
lavrado no livro próprio803, em até 30 (trinta) dias seguintes ao de sua
eleição, mediante aplicação analógica do artigo 149804. Assim, é acon-
selhável que os acionistas minoritários e os controladores preparem
previamente a qualquer assembleia as suas listas de candidatos, a serem
apresentadas quando da eventual solicitação de instalação do órgão.

802 A Instrução CVM n° 481/2009 determina, no Art. 10, que sempre que assembleia geral for
convocada para eleger membros do conselho fiscal, a companhia registrada na categoria A
deve fornecer, no mínimo, as informações indicadas nos itens 12.6 a 12.10 do "Formulário
de Referência" (constante do Anexo 24 da Instrução CVM n° 480/2009), relativamente aos
candidatos indicados ou apoiados pela administração ou pelos acionistas controladores.
As companhias registradas na categoria B, de acordo com o Art. 133, inciso V, da Lei das
S.A. e os Arts. 21, inciso VIII, e 31, inciso II, da Instrução CVM n° 480/2009, devem enviar
todos os documentos necessários ao exercício do direito de voto nas assembleias gerais,
devendo fornecer informações suficientes sobre os candidatos.
803 Ver os comentários ao art. 100 da Lei das S.A.
804 WALDIRIO BULGARELU. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A..., p. 106.
A composição do conselho fiscal será de no mínimo 3 (três) e
no máximo 5 (cinco) membros, e suplentes em igual número, con-
forme estabelece o § 1°. Diversamente do que ocorria com o con-
selho de administração, não é necessário que os membros do
conselho fiscal sejam acionistas. Para maior autonomia e inde-
pendência do órgão no desempenho de suas funções de fiscaliza-
ção, aliás, é recomendável que os conselheiros não sejam acionistas,
evitando-se assim conflitos de interesse.
O conselho fiscal é um importante instrumento de proteção de
acionistas minoritários, sempre que estes usam do seu direito para
eleger em separado um dos membros do conselho, e desde que as
pessoas eleitas tenham os conhecimentos que lhes permitam utilizar
com eficiência os meios, previstos na Lei das S.A., para fiscalização
dos órgãos da administração805.
Conforme a redação do § 4°, comentado mais adiante, os acionistas
titulares de ações preferenciais sem direito de voto, ou com voto restrito,
terão direito de eleger 1 (um) membro e respectivo suplente, os minoritá-
rios com direito a voto representando pelo menos 10% (dez por cento)
das ações ordinárias outro membro, sendo os 3 (três) demais eleitos pelo
acionista controlador. Assim, ainda que o estatuto disponha que o conse-
lhofiscalterá 3 (três) membros, configurada a situação acima, aplica-se a
norma legal, não a disposição estatutária, por tratar-se de comando de
ordem pública, sendo eleitos até 5 (cinco) membros806.
Quando o funcionamento do conselho fiscal não for permanen-
te, conforme a redação do § 2°, a sua instalação dependerá do pedido

805 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.


806 A CVM, no Parecer de Orientação CVM n" 19/1990, observa que: "Há na lei societária, um
certo número de prerrogativas intangíveis, ou seja, direitos próprios à qualidade de acionis-
tas, os quais não podem ser modificados ou suprimidos, quer pela assembleia geral, quer
pelos estatutos. Dentre tais direitos, enumerados no artigo 109 da Lei das Sociedades por
Ações, encontra-se o. de fiscalizar a gestão dos negócios sociais (item III do citado artigo).
Ora, talvez a eleição, em separado, de membros do conselho fiscal seja uma das mais
eficazes formas de fiscalização de que dispõem os acionistas portadores de ações preferen-
ciais, bem como os minoritários portadores de ações votantes."
de acionistas que representem, pelo menos, 0,1 (um décimo) das ações
com direito de voto, ou 5% (cinco por cento) das ações sem direito a
voto807. A norma apresenta contradição com a disposição do artigo
123, alínea "d", da Lei das S.A., nos termos da qual acionistas com
5% (cinco por cento) do capital votante ou com 5% (cinco por cento)
do capital não votante podem convocar a assembleia geral para insta-
lação do conselho fiscal, caso os administradores não atendam ao seu
pedido no prazo de 8 (oito) dias. Não faria sentido que a assembleia,
uma vez convocada, deliberasse não instalar o conselho fiscal, sob o
argumento de que, embora titulados para convocar a assembleia, os
minoritários não teriam o quorum mínimo para requerer a instalação
do conselho. A alínea "d" do artigo 123 foi introduzida mediante a
Lei n° 9.457/1997, lei posterior à Lei n° 6.404/1976, ficando derroga-
da, por incompatível com a nova norma, a parte do § 2° do artigo 161
que exige o percentual mínimo de 0,1 (um décimo) das ações com
direito de voto. Assim, foram uniformizados os percentuais para o re-
querimento de instalação do conselho fiscal: 5% (cinco por cento) das
ações votantes ou 5% (cinco por cento) das ações não votantes808.

A Lei das S.A. não exige que o voto seja pleno ou dotado de
caráter de permanência. Assim, os titulares de ações preferenciais
que adquirem o direito de voto por não terem recebido os dividen-
dos a que fazem jus são considerados acionistas com direito de
voto809, tanto para os efeitos do § 2° como do § 4°810.

807 O art. 291 da Lei das S.A. autorizou a CVM a reduzir tais porcentagens mínimas, com
relação às companhias abertas, o que foi feito mediante a publicação da Instrução CVM n°
324/2000. No Offcio Circular CVM/SEP n° 004/2011 que contém orientações gerais sobre
procedimentos a serem observados pelas companhias abertas e estrangeiras, a CVM, no
item 22, ao fazer referência à Instrução CVM n° 324/2000, observa que: "Assim, o acionista
minoritário tem direito de requerer, em assembleia geral, a instalação do Conselho Fiscal,
observado o quorum especial de instalação previsto na Instrução 324/00."
808 No mesmo sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anôni-
mas..., v. 3, p. 416; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 121 a 188)..., v. II, p. 677.
809 Ver os comentários ao art. 111 da Lei das S.A.
810 A esse respeito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo
CVM n" RJ 2002/7152, Rei. Dir. Norma Jonssen Parente, j. em 30.08.2005.
Com relação à constituição do órgão, devem ser observadas as
seguintes regras: os titulares de ações preferenciais sem direito devoto,
ou com voto restrito, poderão eleger 1 (um) membro e seu suplente;
os acionistas minoritários, titulares de ações com direito de voto, des-
de que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais do
capital votante, elegerão outro membro; os demais acionistas, ou seja,
os controladores, elegerão os demais membros, de forma que tenham
maioria no conselho fiscal. Ou seja, se os preferencialistas sem direito
de voto, ou com voto restrito, elegerem 1 (um) membro e os titulares
de ações votantes outro, os controladores elegerão os 3 (três) restan-
tes, perfazendo um total de 5 (cinco) integrantes do conselho fiscal.
Se os titulares de ações com direito de voto não tiverem o percentual
mínimo, os preferencialistas sem direito de voto, ou com voto restrito,
elegerão 1 (um) membro e os controladores os outros 2 (dois), de
sorte que o conselho fiscal terá 3 (três) membros.
A opção do legislador foi claramente no sentido de permitir que o
adonista controlador possa sempre eleger a maioria dos membros do
conselho fiscal, em atenção ao prindpio majoritário. Ainda que tenha,
tal postura, gerado críticas acerbas e propostas de alteração, por ocasião
da reforma instituída pela Lei n° 10.303/2001, a modificação sugerida
foi vetada, mantendo-se a redação original da Lei das S.A.811.
Pode ocorrer uma situação em que os titulares de ações ordinárias
tenham a quantidade mínima para pedir a instalação do conselho fiscal
- mais de 5% (cinco por cento) das ações - mas não para eleger 1 (um)
membro, pois, neste caso, detêm menos de 10% (dez por cento) das
ações com direito de voto. Tal circunstância não lhes retira o direito de
ver instalado o conselho fiscal, ainda que não possam eleger 1 (um) de
seus membros. Com efeito, como os membros do conselho fiscal de-

811 A propósito, NELSON EIZIRIK, "Conselho Fiscal". In: Jorge Lobo e Antonio Kandir (Coord.).
Reforma da Lei das Sociedades Anônimas: Inovações e Questões Controvertidas da Lei n"
10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 457.
vem exercer suas funções tendo em vista o interesse social812, o fato de
não poderem os acionistas de determinada classe eleger 1 (um) deles
não lhes retira a legitimidade de requerer a instalação do órgão.
O requisito de 10% (dez por cento) previsto no § 4° diz respeito ao
número de ações de titularidade de todos os acionistas minoritários da
companhia e não ao número de ações detidas pelos minoritários efeti-
vamente presentes à assembleia geral. Com efeito, a interpretação lite-
ral da norma indica que o dispositivo deve ser lido da seguinte forma: os
acionistas minoritários poderão eleger em separado 1 (um) membro e
seu respectivo suplente desde que representem, em conjunto, 10% (dez
por cento) ou mais das ações com direito a voto. Não há na norma
qualquer menção a "acionistas presentes" ou a qualquer outra expressão
que restrinja os titulares de ações votantes aos que efetivamente com-
parecem à assembleia geral. Ademais, se o propósito da norma é o de
garantir a efetiva fiscalização da atuação dos administradores, por parte
dos minoritários, o percentual de 10% (dez por cento) deve ser inter-
pretado de forma a facilitá-la, não torná-la mais difícil813.
Com relação aos titulares de ações preferenciais sem direito de
voto, ou com voto restrito, a Lei das S.A. não faz qualquer exigência
de participação acionária mínima. Assim, mesmo o titular de uma
ação de tal classe poderá eleger 1 (um) membro do conselho fiscal.
Caso o controlador tenha ações sem direito de voto, não poderá utili-
zá-las na votação em separado dos titulares de ações de tal classe,
uma vez que a norma visa a permitir a efetiva participação dos mino-
ritários na fiscalização dos administradores814-815^51^.

812 Ver os comentários ao art. 165 da Lei das S.A.


813 Nesse sentido, a bem fundamentada decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo
Administrativo RJ n° 2007/11086, Rei. Dir. Marcos Barbosa Pinto, j. em 06.05.2008. Ver,
também, Ofício Circular CVM/SEP n° 004/2011, que contém orientações gerais sobre
procedimentos a serem observados pelas companhias abertas e estrangeiras.
814 Nesse sentido é pacífica a orientação da doutrina, da jurisprudência dos tribunais e da
CVM: JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121
a 188)..., V. II, p. 697; FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2, 6a
edição, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 230; JOSÉ EDWAI.DO TAVARES BORBA. Direilo
Societário. II' 1 edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 426; Decisões da: (i) 17a Câmara
C o m p e t e aos conselheiros suplentes substituir os titulares em casos
de ausência, impedimento, renúncia ou morte. C a d a conselheiro deve ter
o seu suplente, em atenção ao sistema da Lei das S . A de colégios eleito-
rais diversos: u m para os acionistas controladores; outro para os minori-
tários titulares de ações com direito devoto; e o terceiro para os detentores
de ações sem direito de voto ou com voto restrito. C a d a colégio elege o
titular e o seu suplente, não cabendo a existência de suplentes "rotativos",
disponíveis para substituir qualquer dos titulares.

A s s i m , é nula, p o r c o n t r á r i a ao sistema d a L e i das S.A., qual-


quer disposição estatutária q u e d i s p o n h a sobre a convocação de su-
p l e n t e e v e n t u a l m e n t e eleito p e l o s c o n t r o l a d o r e s p a r a substituir o
eleito pelos minoritários 8 1 6 .

Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferida nos autos do Agravo de
Instrumento n° 2000.002.06318, Rei. Des. Fabrício Bandeira Filho, j. em 09.08.2000,
publicada no D O em 05.10.2000 e na Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 788, junho, 2001, p. 379-384; (ii) 6a Câmera Cível do Tribunal de Alçada do
Estado de Minas Gerais, proferida nos autos do Agravo de Instrumento n° 2.0000.00.392463-
8, Rei. Des. Belizário de Lacerda, j. em 22.05.2003, publicada no D O em 11.06.2003; (iii)
5a Câmera Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, proferida nos autos
do Agravo de Instrumento n° 70.000.416180, Rei. Des. Carlos Alberto Bencke, j. em
07.04.2000, disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Ver, também, as decisões proferidas nos
Processos Administrativos Sancionadores CVM n™ 2001/8023, Rei. Dir. Wladimir Castelo
Branco, j. em 23.10.2002; 20/2004, Rei. Dir. Eli Loria, j. em 21.08.2008.
815 Ver, também, o Parecer Orientação CVM n° 19/1990 e Pareceres CVM/SJU n" 077/1983;
114/1983. No Offcio Circular CVM/SEP n° 004/2011, que contém orientações gerais sobre
procedimentos a serem observados pelas companhias abertas e estrangeiras, a CVM, no
item 22, observa que: "(...) o entendimento da SEP, em consonância com o disposto no
Parecer de Orientação n" 19/90, é de que, na eleição em separado para o conselho fiscal
pelos acionistas preferencialistas (artigo 161 da Lei n" 6.404/76), não devem participar
(elegendo) quaisquer acionistas que não se insiram no conceito de minoria que a lei
buscou proteger, ou seja, além dos controladores, também não devem participar pessoas
vinculadas a eles." Manifestou também entendimento no sentido de que, uma vez que o
percentual de participação acionária para eleição em separado de que trata a alínea "a" do
§ 4° não pode ser por ela reduzido por não se enquadrar em uma das hipóteses previstas no
art. 291 da Lei das S.A.: "Em função disso, nos casos em que (i) não haja acionistas
minoritários detentores de ações preferenciais; e (ii) os acionistas minoritários titulares de
ações ordinárias não atingirem o percentual para eleição em separado de membro do
conselho fiscal, o entendimento da CVM ê que os acionistas presentes, inclusive o
controlador, poderão eleger os conselheiros fiscais, por maioria de votos. O acionista
controlador não á obrigado a participar de eleição dos membros do conselho fiscal na
hipótese mencionada, e se não o fizer todos os conselheiros serão eleitos pelo voto dos
demais acionistas, qualquer que seja sua participação no capital, pois o conselho estará
instalado (artigo 161, parágrafo 2°), sendo obrigatória a eleição de seus membros (artigo
161, parágrafo 4o)."
81 6 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas..., v. 3, p. 151;
WALDIRIO BULGARELLI. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A..., p. 125.
A Lei n° 10.303/2001 acrescentou o § 7°, nos termos do qual é
indelegável a função de membro do conselho fiscal. Com efeito, as atri-
buições e poderes que a Lei das S.A. confere a determinado órgão não
podem ser outorgados a outros, criados por lei ou pelo estatuto817. Assim,
é vedada tanto a delegação das atribuições do conselho fiscal, como ór-
gão, quanto a delegação das atribuições individuais dos conselheiros fis-
cais. Não pode o estatuto, por exemplo, estabelecer que determinados
poderes defiscalizaçãoprevistos na Lei das S.A. como do conselho fiscal
ou de cada membro seu, individualmente, sejam exercidos por outro ór-
gão, como, por exemplo, o comitê de auditoria818.

Requisitos, impedimentos e remuneração


"Art. 162. Somente podem ser eleitos para o conselho fiscalpesso-
as naturais, residentes no País, diplomadas em curso de nível uni-
versitário, ou que tenham exercido, por prazo mínimo de 3 (três)
anos, cargo de administrador de empresa ou de conselheiro fiscal.

§ 1° Nas localidades em que não houver pessoas habilitadas, em


número suficiente, para o exercício da função, caberá ao juiz dis-
pensar a companhia da satisfação dos requisitos estabelecidos
neste artigo.

§ 2° Não podem ser eleitos para o conselho fiscal, além das pesso-
as enumeradas nos parágrafos do artigo 147, membros de órgãos
de administração e empregados da companhia ou de sociedade
controlada ou do mesmo grupo, e o cônjuge ou parente, até ter-
ceiro grau, de administrador da companhia.

§ 3° A remuneração dos membros do conselho fiscal, além do re-


embolso, obrigatório, das despesas de locomoção e estada necessá-
rias ao desempenho da função, será fixada pela assembleia geral
que os eleger, e não poderá ser inferior, para cada membro em exer-
cício, a dezpor cento da que, em média, for atribuída a cada diretor,
não computados benefícios, verbas de representação e participa-
ção nos lucros." (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

Visando a garantir maior eficácia da atuação do conselho fis-


cal, a Lei das S.A. estabelece os requisitos que devem ser preenchi-
dos pelos conselheiros, para que possam ser eleitos, assim como a
remuneração mínima a que farão jus. Ademais, disciplina as hipóte-
ses de impedimento, pressupondo que, em determinadas situações,
dados os possíveis conflitos de interesse, os conselheiros não terão
isenção suficiente para atuarem de forma independente. O artigo,
porém, pouco contribui para o melhor funcionamento do órgão,
posto que lacunoso e anacrônico, em alguns aspectos.
Em primeiro lugar, a Lei das S.A. determina expressamente
que apenas as pessoas naturais podem ser eleitas para o conselho. O
dispositivo teve por evidente finalidade excluir as pessoas jurídicas,
uma vez que no regime do Decreto-Lei n° 2.627/1940 havia dis-
cussões se poderiam elas ser eleitas para membros do órgão. Prova-
velmente o objetivo foi o de permitir a responsabilização civil dos
membros, nos termos do artigo 165, o que também seria perfeita-
mente possível tratando-se de pessoas jurídicas, como ocorre com
os auditores independentes. Dada a redação categórica do caput,
porém, não há como se admitir pessoa jurídica como membro, o que
constitui verdadeiro anacronismo da Lei das S.A., uma vez que pode-
ria ser bastante proveitosa a presença de empresas de auditoria inde-
pendente, representadas por um sócio ou funcionário qualificado, como
integrantes do conselho. Igualmente é polêmica819, especialmente no
caso de companhias multinacionais, embora expressa, a exigência de

819 JOSÉ ANCHIETA DA SILVA. Conselho Fiscal nas Sociedades Anônimas Brasileiras: o
Conselho Fiscal à Luz da Lei de Sociedades Anônimas em Vigor. Belo Horizonte: Del
Rey, 2000, p. 72.
que o membro do conselho seja residente no País, não indo a Lei das
S.A. ao exagero de requerer residência no município onde se localiza a
sede social da companhia. Assim, somente poderá ser eleito para o car-
go de conselheiro a pessoa física residente no País.
A exigência de capacitação profissional específica do conselhei-
ro também é outro aspecto criticável820, uma vez que a Lei das S.A.
exige apenas diploma em curso de nível universitário ou exercício, por
prazo mínimo de 3 (três) anos, de cargo de administrador de empresa,
ou de conselheiro fiscal. Assim, não se exige especialização do mem-
bro do conselho fiscal em contabilidade, direito ou ramos afins ao
exercício do cargo. Tais requisitos são dispensáveis caso não existam
na localidade pessoas habilitadas. Em tal hipótese, permite-se, mediante
procedimento de jurisdição voluntária, que o juiz, dispense a companhia
de satisfazer os requisitos de formação universitária ou experiência. O
mais razoável é que a companhia, ao invés de pedir a dispensa ao juiz,
recorra a pessoas qualificadas residentes em outras localidades.
É recomendável, particularmente em companhias abertas, que o
estatuto supra a omissão legislativa, exigindo formação específica em
contabilidade, direito ou administração de empresas e experiência pro-
fissional comprovada em grandes sociedades ou empresas de auditoria.
O § 2° estabelece que, além dos impedimentos gerais previstos
no artigo 147, há outros, específicos, cuja presença, presume a Lei das
S.A., afetará a imparcialidade do conselheiro. O objetivo da norma é
o de evitar que o conselho fiscal não cumpra adequadamente as suas
funções de fiscalização, em virtude de vínculos de subordinação ou de
dependência, evitando-se, assim, situações que caracterizem o confli-
to de interesses. Nesse sentido, veda-se a eleição de membros de ór-
gãos de administração e empregados da companhia ou de sociedade
controlada ou do mesmo grupo, assim como do cônjuge ou parente, até

820 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,


São Paulo: Saraiva, 2009, p. 436-438.
o terceiro grau, de administrador da companhia. Nada impede que o
estatuto estabeleça outros impedimentos, como o de número máximo
de conselhos fiscais dos quais o conselheiro pode participar, desde que
não importem em cerceamento do direito dos acionistas minoritários
de eleger 1 (um) ou 2 (dois) membros do órgão.
A Lei das S.A. é clara no sentido de que o administrador -
membro do conselho de administração ou da diretoria - ou empre-
gado da companhia não pode ser eleito membro do conselho fiscal,
uma vez que, se tal ocorresse, os conselheiros fiscais estariam fisca-
lizando os seus próprios atos.
Da mesma forma, o administrador ou empregado da sociedade con-
trolada não pode integrar o conselho ..fiscal da controladora. Tendo em
vista a relação de subordinação existente entre sociedade controlada e
controladora, não teriam, os conselheiros fiscais, isenção e independên-
cia para fiscalizar os administradores da sociedade controladora.
Dúvidas podem surgir com relação à expressão "sociedade do
mesmo grupo", se abrangendo apenas os grupos de direito ou tam-
bém os de fato.
A sociedade controladora e suas controladas e coligadas constitu-
em o chamado "grupo de fato"S21, não previsto expressamente na Lei
das S.A., em oposição ao "grupo de direito"822. No grupo de fato, as
sociedades encontram-se vinculadas por meio de participação acionária,
sem qualquer vínculo obrigacional, devendo as relações entre elas man-
tidas obedecer a condições estritamente comutativas, respondendo a
sociedade controladora pelos danos causados à controlada mediante atos
caracterizadores do abuso do poder de controle823.
Já no grupo de direito, único expressamente reconhecido em
lei, as sociedades dele integrantes, ao firmarem uma "convenção de

821 Ver os comentários ao art. 243 da Lei das S.A.


grupo"824, formam uma verdadeira unidade, uma vez que desenvol-
vem uma política empresarial comum. No grupo de direito, a socie-
dade de comando exerce, de modo permanente, o controle das filiadas,
podendo orientar as suas atividades. Após a assinatura da conven-
ção, a administração geral do grupo pode adotar legitimamente me-
didas contrárias ao interesse dos acionistas minoritários de cada
sociedade que o integra, desde que nela previstas; daí a existência do
direito de recesso para os acionistas dissidentes da deliberação de se
associar em grupo825. Assim, diversamente do que ocorre no grupo
de fato, as relações entre as sociedades integrantes do grupo de direi-
to não necessitam observar o padrão de comutatávidade.
Tendo em vista as características diversas das 2 (duas) modalida-
des de grupos, a Lei das S.A, ao referir-se às "sociedades do mesmo
grupo", disciplinou apenas aquelas integrantes de grupo de direito. Em
primeiro lugar, somente no grupo de direito existe a possibilidade de
uma administração centralizada, devendo o administrador de uma so-
ciedade dele integrante lealdade à administração geral do grupo e não
apenas à sociedade na qual exerceria a função de conselheiro, daí de-
correndo a presunção absoluta de conflito de interesse e a vedação do §
2°. Diversa é a situação no grupo de fato, no qual não há administração
centralizada, muito menos a possibilidade jurídica de o administrador
favorecer uma sociedade em detrimento da outra, dada a exigência le-
gal do tratamento comutativo. Ademais, existe interesse efetivo por parte
da sociedade controladora no sentido de que os membros do conselho
fiscal da controlada cumpram adequadamente a sua função de fiscali-
zar a condução dos negócios sociais pelos administradores.
Assim, o § 2°, ao vedar a eleição para o conselho fiscal de mem-
bros de órgãos de administração e de empregados do mesmo grupo,
está referindo-se apenas ao grupo de direito, tal como definido no
Capítulo XXI da Lei das S.A. Daí decorre que não existe vedação legal
a que empregados ou administradores de sociedade controladora inte-
grem o conselho fiscal de sociedade controlada826. Por outro lado, pode
o estatuto expressamente prever o impedimento de administradores
ou empregados de companhias integrantes do mesmo grupo de fato.
Com relação à remuneração, a Lei das S.A. adota 2 (dois) princí-
pios: (i) os honorários devem ser compensatórios, tendo em vista os
serviços e a responsabilidade dos membros do conselho fiscal; e (ii) os
conselheiros, dada a natureza de suas funções, não devem ter interesse
patrimonial nos resultados da gestão, não podendo assim participar nos
lucros sociais ou na remuneração indireta dos administradores827.
A Lei n° 9.457/1997 alterou a redação original do § 3°, que disci-
plina a remuneração dos conselheiros fiscais. A redação original era
omissa com relação à obrigatoriedade de a companhia suportar os cus-
tos de locomoção e estada dos membros do conselho; com a nova re-
dação, supriu-se a lacuna, restando inequívoco que a companhia está
obrigada a desembolsar tais despesas. Caso o conselheiro resida em cida-
de diversa da sede da companhia, suas despesas de passagens, estada e
alimentação, enquanto estiver no desempenho de suas funções, devem
ser pagas pela companhia828. Com a nova redação dada ao § 3°, pode-se
entender como letra morta a disposição do § 1°, restando claro que,
inexistindo na localidade pessoas habilitadas, deve a companhia trazer
outras, devidamente capacitadas, suportando suas despesas.
A segunda parte do § 3°, em sua nova redação, dispõe que a
remuneração de cada conselheiro fiscal não poderá ser inferior a 10%
(dez por cento) da que, em média, for atribuída a cada diretor, excluí-
dos benefícios, verbas de representação e participação nos lucros, para

826 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 52.
827 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas..., p. 439.
828 NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais. 2'1 edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 120.
não vincular tal remuneração aos resultados da companhia. A reda-
ção original estabelecia o mesmo percentual de remuneração, dele
excluindo apenas a participação nos lucros. Daí decorreu certa dis-
cussão se o percentual deveria ser calculado sobre a remuneração di-
reta e indireta dos administradores, ou seja, se deveriam também ser
computados os Jringe benefits (benefícios de seguros, planos de saúde,
aluguel de automóvel, etc.). Com a nova redação, ficou claro que os
benefícios, verbas de representação e participação nos lucros não são
computados na remuneração de cada diretor, para o efeito de sobre
ela calcular-se a remuneração dos membros do conselho fiscal829.
A remuneração deve ser paga mensalmente, a partir do momen-
to em que o conselheiro toma posse de seu cargo. Nada impede que o
estatuto ou a assembleia geral estabeleça, adicionalmente, remune-
ração por reunião (jetons) como forma de estimular o compareci-
mento dos membros do órgão. Como a remuneração é devida pelo
efetivo exercício do cargo, os suplentes, enquanto permanecerem
em tal condição, a ela não fazem jus.

Competência
"Art. 163. Compete ao conselho fiscal:

I -fiscalizar,por qualquer de seus membros, os atos dos adminis-


tradores e verificar o cumprimento dos seus deveres legais e esta-
tutários; (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

II - opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo cons-


tar do seu parecer as informações complementares que julgar
necessárias ou úteis à deliberação da assembleia geral;

III - opinar sobre as propostas dos órgãos da administração, a se-


rem submetidas à assembleia geral, relativas a modificação do

829 NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais..., p. 120.


capital social, emissão de debêntures ou bônus de subscrição, pla-
nos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de divi-
dendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão.

IV - denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de admi-


nistração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a
proteção dos interesses da companhia, à assembleia geral, os erros,
fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à
companhia; (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

V - convocar a assembleia geral ordinária, se os órgãos da ad-


ministração retardarem por mais de 1 (um) mês essa convoca-
ção, e a extraordinária, sempré que ocorrerem motivos graves
ou urgentes, incluindo na agenda das assembleias as matérias
que considerem necessárias;

VI - analisar, ao menos trimestralmente, o balancete e demais de-


monstrações financeiras elaboradas periodicamente pela companhia;

VII - examinar as demonstrações financeiras do exercício social


e sobre elas opinar;

VIII - exercer essas atribuições, durante a liquidação, tendo em


vista as disposições especiais que a regulam.

§ 1° Os órgãos de administração são obrigados, através de co-


municação por escrito, a colocar à disposição dos membros em
exercício do conselho fiscal, dentro de 10 (dez) dias, cópias das
atas de suas reuniões e, dentro de 15 (quinze) dias do seu recebi-
mento, cópias dos balancetes e demais demonstrações finan-
ceiras elaboradas periodicamente e, quando houver, dos
relatórios de execução de orçamentos.
§ 2° O conselho fiscal, a pedido de qualquer dos seus membros,
solicitará aos órgãos de administração esclarecimentos ou in-
formações, desde que relativas à sua função fiscalizadora, assim
como a elaboração de demonstrações financeiras ou contábeis
especiais. (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ 3° Os membros do conselho fiscal assistirão às reuniões do conse-


lho de administração, se houver, ou de diretoria, em que se deliberar
sobre os assuntos em que devam opinar (nos II, I H e VH).

§ 4° Se a companhia tiver auditores independentes, o conselho fis-


cal, a pedido de qualquer de seus membros, poderá solicitar-lhes
esclarecimentos ou informações, e a apuração de fatos específicos.
(Redação dada pela Lei n 9.457/1997)

§ 5° Se a companhia não tiver auditores independentes, o conselho


fiscal poderá, para melhor desempenho de suas funções, escolher
contador ou firma de auditoria e fixar-lhes os honorários, dentro de
níveis razoáveis, vigentes na praça e compatíveis com a dimensão
econômica da companhia, os quais serão pagos por esta.

§ 6° O conselho fiscal deverá fornecer ao acionista, ou grupo de


acionistas que representem, no mínimo 5% (cinco por cento) do
capital social, sempre que solicitadas, informações sobre matérias
de sua competência.

§ 7° As atribuições e poderes conferidos pela lei ao conselho fis-


cal não podem ser outorgados a outro órgão da companhia.

§ 8° O conselho fiscal poderá, para apurar fato cujo esclareci-


mento seja necessário ao desempenho de suas funções, formular,
com justificativa, questões a serem respondidas por perito e soli-
citar à diretoria que indique, para esse fim, no prazo máximo de
trinta dias, três peritos, que podem ser pessoasfísicasou jurídicas,
de notório conhecimento na área em questão, entre os quais o
conselho fiscal escolherá um, cujos honorários serão pagos pela
companhia." (Incluído pela Lei n 9.457/1997)

Constituem as principais funções do conselho fiscal as de fis-


calização e controle da legalidade dos atos dos administradores, in-
formação aos acionistas e revisão das contas. O seu adequado
funcionamento interessa primordialmente aos acionistas minoritá-
rios; pode também ser útil ao controlador, para melhor aquilatar o
desempenho dos administradores, cuja maioria ele elege.
A fiscalização e o controle exercidos pelo conselho fiscal e seus
membros alcançam os atos de administração praticados pelos diretores
e pelo conselho de administração. Tais atos podem ser agrupados em 2
(duas) funções da atividade administrativa: a organização societária e a
organização empresarial. A primeira compreende os atos de convocação
e realização de assembleias gerais, reuniões do conselho de administra-
ção e da diretoria, arquivamento e publicação de atas, etc. A segunda diz
respeito à gestão do patrimônio: utilização da empresa para a consecução
do objeto social, verificação de quem é competente para a prática de atos
de gestão ordinária, de alienação e oneração de bens da companhia, etc.830.
A ação fiscalizadora do conselho e de seus membros, ainda que
abranja também a gestão do patrimônio, centra-se no exame da lega-
lidade dos atos dos administradores, não de sua conveniência ou opor-
tunidade; ou seja, o órgão fiscalizador não tem competência para
apreciar o mérito e o conteúdo da gestão societária, muito menos
para recomendar aos administradores que pratiquem ou deixem de
praticar determinados atos que entende mais ou menos adequados ao
exercício da atividade empresarial.

830 WALDIRIO BULGARELLI. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 138 e seguintes.
As atribuições do conselho fiscal são de vigilância, jamais de ad-
ministração831, não lhe cabendo imiscuir-se no mérito dos atos de ges-
tão, mas tão somente apreciar sua legalidade. Tal significa que não cabe
ao conselho fiscal verificar se os administradores administram bem, mas
se o fazem conforme a Lei das S.A. e o estatuto832. Da mesma forma que
ocorre com o ato administrativo, o mérito, a conveniência e a oportuni-
dade dos atos praticados pelo conselho de administração e pelos dire-
tores não podem ser reavaliados pelo conselho fiscal, incumbindo-lhe
apenas dizer se foram praticados de acordo com a Lei das S.A. e se os
administradores cumpriram seus deveres legais e estatutários833.
Trata-se o conselho fiscal de um órgão colegiado, a deliberar se-
gundo o princípio majoritário, o qual é "temperado" mediante a previ-
são da atuação individual de seus membros. Com efeito, a existência
de poderes individuais dos conselheiros visa a impedir que algum aci-
onista controlador, que pode eleger a maioria dos membros do conse-
lho fiscal, eventualmente frustre a atuação fiscalizadora do conselho
fiscal para acobertar a atuação dos administradores.
A composição heterogênea do conselho fiscal, que se mani-
festa na origem de seus membros 834 , ap.enas faz sentido se for con-
ferida a cada um deles a possibilidade de atuar individualmente.
Se o órgão apresentasse uma feição puramente colegiada, deci-
dindo sempre pela maioria e sem possibilidade de atuação singular
de seus membros, os conselheiros não poderiam, em alguns casos,
exercer as funções para as quais foram eleitos, já que sempre pre-
valeceria a vontade dos controladores.

831 RUY CARNEIRO GUIMARÃES. Sociedade por Ações (Notas de Doutrina e Jurisprudên-
cia). v. III, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 134.
832 ALFREDO LAMY FILHO, "Competência do Conselho Fiscal". In: Alfredo Lamy Filho e José
Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. II,
2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 453.
833 JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a
188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 723.
Ainda que a Lei das S.A. estabeleça o regime de competências do
conselho fiscal, nada impede que o estatuto acrescente-lhe algumas
feições adicionais, desde que não invada a esfera de atuação dos outros
órgãos sociais. Na prática dos negócios, verifica-se em determinadas
companhias a criação dos chamados "conselhos fiscais turbinados",
com algumas das seguintes características: (i) composição apenas por
conselheiros independentes, sem qualquer tipo de vínculo, direto ou
indireto, com qualquer acionista, seja controlador, seja minoritário; (ii)
exigência de formação especializada dos membros, em contabilidade,
direito ou finanças; (iii) número mínimo de reuniões do órgão por exer-
cício social (em média uma vez por mês); (iv) disponibilização de salas
e pessoal próprio para secretariar ás reuniões; (v) estabelecimento de
regras para que os membros tenham disponibilidade de tempo, como
vedação a que pertençam a mais de 3 (três) ou 5 (cinco) conselhos fiscais;
e (vi) competência para opinar sobre outras operações, além das previstas
no inciso HI, como constituição de subsidiária integral, aquisição de con-
trole acionário de outra sociedade, participação em consórcio, etc.835.
Existe, em nosso modelo legal, para algumas hipóteses, a compe-
tência concomitante ou concorrente do órgão e do conselheiro fiscal,
e, para outras, a competência exclusiva do órgão. Ao longo do tempo,
as reformas legislativas à Lei das S.A. foram ampliando os casos em
que a competência é não só do conselho fiscal, como órgão, mas tam-
bém do seu membro, mediante atuação individual836.

835 A Lei Sarbanes-Oxley, que deve ser observada pelas companhias emissoras de valores
mobiliários no mercado de capitais norte-americano, exige a manutenção de um Audit
Commitee; assim, as companhias brasileiras que emitam valores mobiliários no mercado de
capitais norte americano devem criar um Comitê de Auditoria, nos termos da SOX, ou
ampliar as atribuições conferidas ao conselho fiscal para compatibilizá-lo às suas regras
dirigidas sobre o Audit Commitee. Sobre esse assunto, ver LUIZA RANGEL DE MORAES, "As
Novas Atribuições do Conselho Fiscal Diante da Lei Sarbanes-Oxley e da Legislação Brasi-
leira", Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Raulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 29, julho-setembro, 2005, p. 47-65.
836 NELSON EIZIRIK, "Conselho Fiscal". In: Jorge Lobo e Antonio Kandir (Coord.). Reforma da
Lei das Sociedades Anônimas: Inovações e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de
31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 453.
Há competência do órgão e do conselheiro nos seguintes casos pre-
vistos no dispositivo legal: incisos I, IV e §§ 2°, 3° e 4°. A competência é
apenas do conselho fiscal nas seguintes hipóteses: incisos II, m , V, VI,
VII, VIII e §§ 5°, 6° e 8°. De modo geral, os atos de análise, opinião e
convocação de assembleia são de competência do órgão; já os atos de
fiscalização, denúncia e solicitação de informações são de competência
concorrente, do conselho e de seus membros.
O inciso I estabelece que cabe ao conselho fiscal, por qual-
quer de seus membros, o poder-dever de fiscalizar os atos dos ad-
ministradores, verificando se cumpriram seus deveres legais e
estatutários. Trata-se de norma abrangente, devendo ser entendi-
da em seu sentido positivo e negativo. No primeiro, significa que,
em princípio, todos os atos dos administradores são passíveis de
fiscalização; no segundo, que a fiscalização centra-se no exame da
legalidade, não do mérito, conveniência ou oportunidade.
Para viabilizar a fiscalização exercida pelo conselho fiscal so-
bre os administradores, devem os órgãos de administração colocar
à disposição de seus membros cópias das atas de suas reuniões,
dentro de 10 (dez) dias (§ 1°).
Cabe ainda ao conselho fiscal, a pedido de qualquer de seus mem- -
bros, solicitar aos órgãos de administração esclarecimentos e infor-
mações. Tais informações devem ser pertinentes à função fiscalizadora
do órgão. Podem ser legitimamente recusados, por exemplo, pedidos
referentes à política de preços praticada pela companhia, estratégias
para conquista de novos mercados, operações projetadas de aquisição
de outras empresas, e quaisquer outros que não se refiram ao controle
das contas e da legalidade da gestão837.

Em sentido contrário, ver o Processo CVM n° RJ 2734/2005, Rei. Dir. Sérgio Weguelin, j.
em 30.08.2005, em que foi decidido que os conselheiros fiscais "em princípio, para
examinar e emiíir sua opinião sobre as demonstrações, devem ter acesso às mesmas informa-
ções e documentos aos quais a controladora e seus respectivos administradores c emprega-
dos tiveram acesso para elaborar as demonstrações (...), isto é, aos balancetes e demonstra-
ções financeiras das controladas e toda e qualquer informação utilizada, referida ou conside-
rada nas demonstrações, necessárias para a emissão de sua opinião."
Assim, o direito de pedir informações é instrumental, diz respeito ao
exercício da função fiscalizadora; não pode, portanto, ser ampliado a ponto
de instituir uma "administração paralela" na companhia 838 .
A fiscalização limita-se ao exercício social em curso, sem remon-
tai* à vida pretérita da companhia, não podendo alcançar, assim, perío-
dos da administração já abrangidos por aprovações das assembleias gerais
ordinárias anteriores839-840. C o m efeito, não compete ao conselho fis-
cal, sob pena de exorbitar de suas atribuições legais, reexaminar atos e
contas referentes a exercícios anteriores 841 ; se tal fosse possível, a ges-
tão empresarial ficaria paralisada, à espera de nova aprovação de seus
atos, a cada instalação de u m conselho fiscal.

A competência do conselho fiscal para fiscalizar os administrado-


res não importa na possibilidade de interferência na gestão ordinária
conduzida pelos diretores nem na orientação geral dos negócios da
companhia, estabelecida pelo conselho de administração.
Os incisos II, V I e VII referem-se a atos de competência do con-
selho fiscal, como órgão colegiado, e que constituem suas funções pri-
mordiais: (i) opinar sobre o relatório anual da administração; (ii) analisar,
ao menos trimestralmente, o balancete e demais demonstrações finan-
ceiras elaboradas pela companhia; e (iii) examinar e opinar sobre as

838 NELSON EIZIRIK. Sociedades Anônimas - Jurisprudência. Rio de Janeiro: Renovar,


1996, p. 733.
839 NELSON EIZIRIK. Sociedades Anônimas - Jurisprudência..., p. 729; NELSON EIZIRIK, "Limi-
tes à Atuação do Conselho Fiscal", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 84, outubro-dezembro, 1991, p. 16.
840 Ver os comentários ao art. 134 da Lei das S.A.
841 No mesmo sentido, a decisão da 8a Câmara Cível do Tribunal de Alçada Cível do Estado de São
Raulo proferida na Apelação Cível n° 62.520-1, j. em 06.11.1985 (publicada na Revista dos
Tribunais. São Pãulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 605, março, 1986, p. 58-59). Observa
CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA LOBO, "Conselho Fiscal de Sociedade Anônima: Atua-
ção Individual e Autônoma de seus Membros", Revista de Direito Bancário, do Mercado
de Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 29, julho-setembro,
2005, p. 178-179, que, nos termos do § 3 o do art. 134, "não se Justifica erguer barreira
instransponívei à atuação do Conselho Fiscal para examinar atos de exercícios cujas contas
e demonstrações financeiras tiverem sido aprovadas sem reserva, pois os atos da adminis-
tração em tais exercícios podem ser anulados ou gerar responsabilidade se praticados com
erro, dolo, fraude ou simulação"; também, nesse sentido, WALDÍRiO BULGARELLI. Regime
Jurídico do Conselho Fiscal das S/A..., p. 74 (nota de rodapé n° 133).
demonstrações financeiras do exercício social. Também com o obje-
tivo de fiscalizar as contas da administração pode o conselho, no
caso a pedido de qualquer de seus membros, requerer a elaboração
de demonstrações financeiras especiais (§ 2°).
A referência à análise ao menos trimestral de balancete e demais
demonstrações financeiras elaboradas pela companhia pode gerar dúvi-
das. Embora as companhias abertas devam elaborar demonstrações
trimestrais842, não há tal obrigação para as companhias fechadas. Assim,
deve-se entender que, quando forem produzidas informações financeiras
com tal periodicidade, cabe a sua análise pelo conselho.
Compete à assembleia geral ordinária tomar as contas dos admi-
nistradores, bem como examinar, discutir e votar as demonstrações
financeiras843. Entre os documentos que devem ser apresentados aos
acionistas pelo menos 30 (trinta) dias antes da assembleia geral ordi-
nária estão incluídos o relatório da administração e as demonstrações
financeiras844. Tanto o relatório de administração como as demonstra-
ções financeiras objetivam informar os acionistas sobre os resultados
do exercício, distinguindo-se apenas pela forma de comunicação: em
linguagem literal no primeiro caso, em termos contábeis no segundo.
A aprovação das demonstrações financeiras, do relatório e das
contas da administração constitui ato de competência privativa dos
acionistas, reunidos em assembleia geral ordinária. Cumpre ao con-
selho fiscal opinar sobre tais documentos, mediante parecer funda-
mentado, contendo eventualmente informações complementares,
necessárias a uma deliberação consciente dos acionistas. Mediante
seu parecer, o órgão informa os acionistas sobre a regularidade dos
documentos técnicos da prestação de contas, recomendando ou não
a sua aprovação. Tal recomendação não vincula os acionistas, de

842 Ver a Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n°
488/2010.
843 Ver os comentários ao art. 132 da Lei das S.A.
vez que a competência é privativa da assembleia; por outro lado,
aprovar as contas contra o parecer do conselho fiscal pode consti-
tuir indício de acobertamento, por parte dos controladores, de atos
ilegais da administração.
O parecer é do órgão, podendo ser aprovado pela maioria de
seus membros. Os membros dissidentes podem consignar sua di-
vergência na ata de reunião do conselho fiscal, comunicá-la ao con-
selho de administração, diretoria e assembleia geral, cabendo-lhes,
se desejarem, manifestar seu entendimento diante de tais órgãos845.
Assim, se um membro do conselho fiscal é contrário à aprovação
das contas, pode apresentar seu parecer na assembleia geral, vi-
sando a bem informar os acionistas.
Também é do conselho fiscal, como órgão, a competência pre-
vista no inciso III, de opinar sobre propostas de: (i) modificação do
capital social, ou seja, seu aumento ou redução; (ii) emissão de debên-
tures ou bônus de subscrição; (iii) planos de investimento ou orça-
mentos de capital; (iv) distribuição de dividendos; e (v) operações de
transformação, incorporação, fusão ou cisão. Trata-se de enumeração
não exaustiva, que eventualmente pode ser aumentada pelo estatuto
social. Inexistindo disposição estatutária, não tem o conselho fiscal
competência para opinar sobre matérias não previstas na Lei das S.A.
Deve o conselho fiscal restringir-se ao exame da legalidade e re-
gularidade de tais atos ou operações, sem adentrar o seu mérito nem
examinar a sua conveniência e oportunidade846. Assim, tratando-se de
um aumento de capital, por exemplo, caberá ao conselho fiscal opinar
sobre a sua legalidade, verificando se os atos societários prévios foram
regulares, bem como se o preço de emissão das ações está adequado,

345 Ver os comentários ao art. 165 da Lei das S.A.


346 Nesse sentido, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei
(arts. 121 a 188)..., v. II, p. 727. Revimos nossa posição anterior (em NELSON EIZIRIK,
"Limites à Atuação do Conselho Fiscal", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômi-
co e Financeiro..., v. 84, p. 17) em que admitíamos, na hipótese do inciso III, um exame de
conveniência e oportunidade.
obedecendo aos parâmetros do artigo 170, § 1°. Também exemplifi-
cativamente, numa operação de incorporação o conselho analisará se
estão sendo obedecidos os dispositivos legais referentes à convoca-
ção da assembleia, regularidade do protocolo, da relação de troca das
ações, etc., sem discutir se a operação é conveniente, se trará ou não
economias de escala, se a sucessão no patrimônio da incorporada é
ou não vantajosa naquele momento, etc.
O inciso IV confere ao conselho fiscal, como órgão, e a qualquer de
seus membros, competência para denunciar aos órgãos de administração
e à assembleia geral, se ficarem eles inertes, os erros, fraudes ou crimes
cometidos pelos administradores, podendo sugerir providências para a
sua correção ou reparação dos prejuízos sofridos pela companhia. Caso
os administradores nada façam para apurar as denúncias, pode o con-
selho convocar assembleia geral extraordinária (inciso V). Se o con-
selho concluir que determinado diretor atuou ilegalmente, utilizando
oportunidade comercial da companhia em proveito próprio, por
exemplo, poderá sugerir que a companhia proceda ao seu impedi-
mento e mova-lhe ação de responsabilidade civil para indenizar os
danos causados ao patrimônio socialS47.
Os membros do conselho fiscal nada podem fazer para sanar as
ilicitudes apontadas, apenas denunciá-las, após o que cessa a sua respon-
sabilidade, ficando o órgão que recebeu a denúncia encarregado de sua
apuração e de tomar as medidas cabíveis, inclusive na esfera judicial.
Conforme o inciso V, o conselho fiscal pode convocar a assem-
bleia geral ordinária, substituindo-se aos órgãos de administração quan-
do eles não o fizerem, e extraordinária, que é de sua competência
originária, quando ocorrerem motivos graves ou urgentes.
Pode também o conselho fiscal solicitar aos administradores que
incluam na ordem do dia de qualquer assembleia determinada matéria;
se é lícito ao órgão convocá-la, cabe-lhe aproveitar-se de convocação já
feita e incluir outros assuntos, desde que compatíveis com a natureza
do conclave, ou seja, sem querer tratar de matérias de competência de
assembleia ordinária em extraordinária, e vice-versa848.
As atribuições do conselho fiscal e de seus membros são exercidas
tanto ao longo das atividades normais da companhia como nos perío-
dos de anormalidade, que são na: (i) acefalia, quando convocará assem-
bleia geral que elegerá os novos administradores (artigo 150, § 2°); (ii)
liquidação judicial, quando fiscalizará a gestão do liquidante em relação
aos deveres relacionados nos artigos 210,213,214 e 216; e (iii) falência
e liquidação extrajudicial de instituições financeiras849.
Nas reuniões do conselho de administração e da diretoria em que
se deliberar sobre assuntos inseridos na competência do conselho fis-
cal de emitir opiniões (incisos II, III e VII), devem seus membros ser
convocados para assisti-las (§ 3°). Caso os conselheiros fiscais, uma vez
convocados, não compareçam, os órgãos de administração tomarão va-
lidamente as suas deliberações e decisões; com efeito, não pode a ges-
tão da companhia ser indevidamente "engessada" pela omissão do
conselho fiscal. Os comitês técnicos ou de assessoramento do conse-
lho de administração não constituem órgãos de administração850, des-
cabendo, em suas reuniões, a presença dos conselheiros fiscais.
Como o conselho fiscal constitui órgão de informação aos acio-
nistas, a Lei das S.A. estabelece a obrigação de fornecer a acionistas
com mais de 5% (cinco por cento) do capital social informações sobre
matéria de sua competência (§ 6°). Tais informações podem ser requi-
sitadas a qualquer tempo; o conselho não pode recusar-se a prestá-las,

848 CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 4, São Paulo:
Saraiva, 1972, p. 73, p. 153; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas -
Comentários à Lei (arts. 121 a 188)..., v. II, p. 731.
849 WALDIRIO BULGARELLI. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A..., p. 170 e seguin-
tes.
exceto se não forem relativas à sua função fiscalizadora. Havendo re-
quisição legítima, o conselho, para atendê-la, pode solicitar aos órgãos
de administração esclarecimentos e informações atinentes à matéria.
As demonstrações financeiras das companhias abertas devem ser
auditadas por auditor independente registrado na Comissão de Valores
Mobiliários851. O conselho fiscal, a pedido de qualquer de seus mem-
bros, pode solicitar ao auditor esclarecimentos ou informações, bem
como a apuração de determinados fatos específicos, desde que neces-
sários ao exercício de sua função fiscalizadora (§ 4°).
Caso a companhia não seja auditada por auditor independente,
como ocorre na maioria das companhias fechadas, o conselho fiscal
pode escolher contador ou auditor para assessorá-lo em suas funções,
fixando seus honorários, a serem pagos pela companhia (§ 5°).
Pode ainda o conselho fiscal, nos termos do § 8°, escolher perito
para apurar fato cujo esclarecimento seja necessário ao exercício de
suas funções. A competência, no caso, é do órgão, não de qualquer
conselheiro; caso um conselheiro proponha a medida, o conselho
deliberará por maioria se a adota ou não.
Tanto a requisição de contador como de perito devem ser justifica-
das e estar inseridas no âmbito de competência do conselho fiscal; caso
contrário podem ser recusadas pela diretoria. Assim, por exemplo, se o
conselho requer a contratação de perito para opinar sobre a conveniência
e oportunidade de uma incorporação de ações de outra companhia, tal
pedido pode ser legitimamente recusado, por importar em invasão da
esfera de competência dos órgãos de administração.
A Lei das S.A. segue o princípio segundo o qual cada órgão tem
competência privativa para a prática de determinados atos, que não
pode ser delegada a outros órgãos, quer sejam previstos em lei, quer

Ver os comentários ao art. 177 da Lei das S.A. Sobre o registro do auditor independente na
CVM e a fiscalização por ela exercida, ver, também, a Instrução CVM n° 308/1999;
NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro; Renovar, 2005, p. 157.
sejam criados pelo estatuto. A proibição alcança o consellio fiscal, que
não podem delegar a outros órgãos, nos termos do § 7°, os poderes que
lhes foram atribuídos na Lei das S.A. A Lei n° 10.303/2001 acrescen-
tou o mesmo dispositivo no § 7° do artigo 161. Com efeito, as atribui-
ções e poderes que a Lei das S.A. confere a determinado órgão não
podem ser outorgados a outros, criados por lei ou pelo estatuto852. As-
sim, é vedada tanto a delegação das atribuições do conselho fiscal, como
órgão, quanto a delegação das atribuições individuais dos conselheiros
fiscais. Não pode o estatuto, por exemplo, estabelecer que determina-
dos poderes de fiscalização previstos na Lei das S.A. como do conselho
fiscal ou de cada membro seu, individualmente, sejam exercidos por
outro órgão, como, por exemplo, o comitê de auditoria853.
O direito societário, desde o século XIX, nas mais diversas legisla-
ções, atribui caráter cogente às normas que definem as atribuições dos
órgãos pelo fato de terem as sociedades anônimas características diferen-
tes das demais sociedades: grande número de sócios, todos com responsa-
bilidade limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas,
que podem a qualquer momento transferir suas ações. Tais características
sempre exigiram regulação estatal para proteger tanto os acionistas e os
investidores do mercado como terceiros que negociam com a companhia.
Além de tais características, as leis societárias, ao estabelecerem a
indelegábilidade de funções dos órgãos, consagram o princípio da espe-
cialização, nos termos do qual a sociedade anônima constitui um empre-
endimento institucionalizado, um grupamento de pessoas com interesses
comuns, visando à realização do objeto social de forma lucrativa, na qual,
por imposição legal, cada órgão tem funções determinadas, das quais não
pode ser privado nem a elas renunciar854-855.

852 Ver os comentários ao art. 139 da Lei das S.A.


353 Ver os comentários ao art. 160 da Lei das S.A.
854 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4" edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 138.
855 Ver os comentários aos arts. 139 e 1 61 da Lei das S.A.
Pareceres e representações
"Art. 164. Os membros do conselhofiscal,ou ao menos um deles,
deverão comparecer às reuniões da assembleia geral e responder
aos pedidos de informações formulados pelos acionistas.

Parágrafo único. Os pareceres e representações do conselho fis-


cal, ou de qualquer um de seus membros, poderão ser apresenta-
dos e lidos na assembleia geral, independentemente de publicação
e ainda que a matéria não conste da ordem do dia." (Redação dada
pela Lei n° 10.303/2001)

A Lei das S A . exige o comparecimento dos conselheiros fiscais


ou pelo menos de 1 (um) deles às assembleias gerais ordinárias ou
extraordinárias para responder eventuais pedidos de informações apre-
sentados pelos acionistas. Como o conselho fiscal constitui órgão de
informação aos acionistas, é necessária a presença de seus membros
na assembleia geral, que constitui, por definição, o órgão no qual se
forma a vontade social. Para que possam votar conscientemente, os
acionistas devem estar devidamente informados; cabe aos membros
do conselho fiscal contribuir para o completo esclarecimento das
matérias que serão postas à deliberação dos sócios.
Para que possam cumprir seu dever de comparecimento, os mem-
bros do conselho fiscal devem ser cientificados do local, dia e hora, bem
como da ordem do dia da assembleia. Como a presença dos conselhei-
ros fiscais é obrigatória, não é necessário que os acionistas a requeiram,
cabendo à administração da companhia cientificá-los.
Ainda que da ordem do dia da assembleia geral não conste matéria
de competência do conselho fiscal, seus membros devem ser cientifica-
dos de sua realização. Tal ocorre tendo em vista o disposto no parágrafo
único, nos termos do qual os pareceres e representações do conselho
fiscal ou de qualquer de seus membros podem ser apresentados e lidos
na assembleia, ainda que a matéria não conste da ordem do dia.
O conselhofiscaldeliberará se todos os seus membros comparecerão
ou se indicará um deles para representar o órgão. Se o conselho fiscal
deliberar sobre o conteúdo da representação ou do parecer, caberá ao mem-
bro presente à assembleia simplesmente proceder à sua leitura; no caso, a
deliberação apresentada ao conclave é colegial do órgão, respondendo to-
dos os seus membros, exceto o dissidente. Caso o conselho fiscal apenas
indique 1 (um) membro para comparecer, sem deliberar sobre o assunto, a
responsabilidade será individual, do conselheiro presente à assembleia856.
A assembleia geral ordinária, mediante deliberação unânime
dos acionistas presentes, pode dispensar o comparecimento dos
membros do conselho fiscal, conforme o § 2° do artigo 134, que
também se aplica, analogicamente, à assembleia extraordinária. Ine-
xistindo dispensa da presença dos membros do conselho fiscal, a
assembleia deve ser adiada, conforme o mesmo dispositivo legal.
Aliás, é recomendável, em tal hipótese, que se proceda ao adia-
mento, ficando os conselheiros fiscais responsáveis pelas despe-
sas da nova convocação, até mesmo para se evitar possíveis
discussões judiciais sobre a anulabilidade da assembleia.
Se for realizada a assembleia sem a presença dos conselheiros? É
preciso, em primeiro lugar, verificar se a matéria em discussão estava
incluída entre aquelas sobre as quais o órgão deve opinar857. Em caso
negativo, não há que se cogitar da anulabilidade da assembleia. Por
outro lado, se a deliberação não podia prescindir da opinião do conse-
lho fiscal - um aumento de capital, por exemplo - os acionistas que se
sintam prejudicados pela ausência dos conselheiros podem lavrar seu
protesto em ata e depois, demonstrando a ocorrência de prejuízos para
a companhia ou para os acionistas, pleitear a anulação da deliberação.

856 Em sentido contrário, JOSÉ ANCHIETA DA SILVA. Conselho Fiscal nas Sociedades Anôni-
mas Brasileiras: o Conselho Fiscal à Luz da Lei de Sociedades Anônimas em Vigor. Belo
Horizonte: Del Rey, 2000, p. 105.
Se um conselheiro fiscal comparece e anui tacitamente com a
deliberação, não há fundamento legal para a ação de anulação da
deliberação; em princípio, deve-se manter as deliberações assem-
bleares, necessárias à continuidade dos negócios da companhia, evi-
tando-se demandas judiciais fundadas na mera ausência de emissão
formal de um parecer, quando caracterizado o consentimento do
conselho fiscal ou de seu membro presente858.
Os pareceres e as representações apresentados e lidos na assembleia
não vinculam os acionistas, que livremente formam a vontade social.
Ademais, não é necessária a sua publicação, uma vez que se destinam aos
acionistas, reunidos em assembleia geral, não ao público em geral859.
Os pareceres são os documentos que contêm opiniões do conse-
lho fiscal, como órgão, ou de seus integrantes, individualmente, sobre a
legalidade dos atos da administração, praticados ou por praticar. É im-
portante observar que, como os conselheiros fiscais não têm qualquer
poder de veto sobre as decisões da assembleia geral ou dos órgãos de
administração, tais documentos não vinculam nem os acionistas nem
os administradores. Assim, não estão os destinatários dos pareceres
obrigados a adotar as providências nele sugeridas ou aconselhadas.
• As representações constituem peças mediante as quais os mem-
bros do conselho fiscal levam ao conhecimento dos acionistas atos
ilegais praticados pelos administradores, para que eles possam tomar as
providências cabíveis, notadamente a destituição dos infratores e a pro-
moção de ação de responsabilidade pelos prejuízos causados.

858 Em sentido contrário, a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
proferida na Apelação Cível n° 595.160.417, publicada na Revista de Jurisprudência do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, v. 178, p. 274; e em NELSON EIZIRIK. Sociedades Anônimas: Jurispru-
dência. t. II, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 222.
859 Nesse sentido, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei
(arts. 121 a 188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 751. A Exposição de Motivos n°
196, de 24.06.1976, explica que a dispensa de publicação dos pareceres e representações
foi adotada para que os eventuais prejuízos que a companhia possa sofrer com a sua
divulgação não inibam os conselheiros de relatar à assembleia fatos que não eram do
conhecimento dos acionistas.
Na prática, muitas vezes é difícil estabelecer a distinção precisa
entre os pareceres e as representações, não importando a eventual
confusão terminológica, desde que os fatos sejam reportados com
clareza aos seus destinatários.
Deveres e responsabilidades
"Art. 165. Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deve-
res dos administradores de que tratam os artigos 153 a 156 e res-
pondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de
seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou com viola-
ção daleioudo estatuto. (Redação dada pela Lein° 10.303/2001)

§ 1° Os membros do conselho fiscal deverão exercer suas funções


no exclusivo interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o
exercício da função com o fim de causar dano à companhia, ou
aos seus acionistas ou administradores, ou de obter, para si ou
para outrem, vantagem a que não fazjus e de que resulte, ou possa
resultar, prejuízo para a companhia, seus acionistas ou adminis-
tradores. (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ 2° O membro do conselho fiscal não é responsável pelos atos


ilícitos de outros membros, salvo se com eles foi conivente, ou se
concorrer para a prática do ato. (Redação dada pela Lei n° 10.303/
2001)

§ 3° A responsabilidade dos membros do conselho fiscal por omis-


são no cumprimento de seus deveres é solidária, mas dela se exi-
me o membro dissidente que fizer consignar sua divergência em
ata da reunião do órgão e a comunicar aos órgãos da administra-
ção e à assembleia geral." (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

A Lei das S.A. estabeleceu, de maneira inadequada, que as nor-


mas relativas aos deveres e responsabilidades dos administradores são
comuns, aplicando-se aos membros do conselho de administração,
diretores e integrantes do conselho fiscal. Ao fazê-lo, incluiu dentro do
mesmo centro de imputação de deveres e responsabilidades pessoas que
desempenham funções de natureza diversa, o que obriga o intérprete a
adequar o comando legal às distintas realidades que disciplina860.
O artigo 153, que trata do dever de diligência, é aplicável aos
membros do conselho fiscal; com efeito, deles espera-se uma atua-
ção competente no desempenho de suas funções de fiscalização. Tra-
tando-se de uma obrigação de meio, o conselheiro fiscal não pode ser
responsabilizado, seja na esfera judicial, seja na esfera administrativa, pela
Comissão de Valores Mobiliários, pelo fato de ter ocorrido determina-
do ato ilícito, no âmbito da companhia, praticado por administradores.
Deve-se verificar se ele atuou com a diligência requerida no exame das
contas e dos atos da administração incluídos em sua esfera de com-
petência; sua responsabilidade decorrerá da falta de zelo no desem-
penho de suas funções, não da simples ocorrência de algum ilícito
ou irregularidade na gestão social.
Para a verificação do comportamento diligente do membro do
conselho fiscal, deve-se examinar se ele atendeu aos seguintes deve-
res: (i) de se qualificar para o cargo; (ii) de se informar; (iii) de inves-
tigar; e (iv) de comparecer às reuniões do conselho861.
O conselheiro fiscal, em primeiro lugar, deve possuir conheci-
mentos específicos sobre as matérias incluídas em sua esfera de atua-
ção, sendo desejável que tenha boa formação técnica em questões
contábeis, financeiras e legais. Caso ele não tenha conhecimentos
que lhe permitam fiscalizar a legalidade dos atos dos administradores,
não deve aceitar o cargo, uma vez que a falta de formação técnica não
constitui excludente de sua responsabilidade. Um conselheiro fiscal,
por exemplo, não pode alegar desconhecimento de contabilidade para
justificar a sua omissão na emissão de parecer apontando erros nas
demonstrações contábeis da companhia.
Em segundo lugar, o conselheiro fiscal deve se informar, obtendo
todos os dados necessários ao desempenho de suas funções. Deve estar
familiarizado com os negócios desenvolvidos pela companhia, assim como
com os atos societários praticados, cuja regularidade deverá aferir. Para
tanto, deve ter acesso aos documentos societários da companhia do exer-
cício' social em curso, a respeito dos quais opinará. Tais documentos -
como as atas das reuniões dos órgãos de administração, cópias de balan-
cetes e demais demonstrações financeiras - devem ser colocados à dis-
posição do conselho fiscal, para que ele possa cumprir com o seu dever de
se informar862.
Ademais, deve o membro do conselho fiscal investigar, sempre den-
tro dos limites de sua competência, analisando criticamente e de forma
independente, as informações que recebe e sobre as quais deve opinar.
Para tanto pode, caso a companhia não tenha auditor independente, es-
colher contador para assessorá-lo (artigo 163, § 5°), bem como requerer à
companhia a contratação de perito para apurar fato necessário ao desem-
penho de suas funções (artigo 163, § 8°)863. Assim, por exemplo, diante
de uma operação complexa de incorporação cuja legalidade deve opinar,
pode solicitar que a companhia contrate um advogado, especialista na
matéria, formulando questões a serem por ele respondidas.
O dever de investigar não acarreta a responsabilidade automática
do membro do conselho fiscal por qualquer ato ilegal dos administra-
dores, nos quais, em princípio, ele pode legitimamente confiar. Com
efeito, cabe-lhe investigar com maior profundidade na presença das
chamadas redflags, ou seja, de sinais de alerta de que ilegalidades po-
dem estar sendo cometidas864.

862 Ver os comentários ao art. 163 da Lei das S.A.


863 Ver os comentários ao art. 163 da Lei das S.A.
864 FLÁVIA PARENTE. O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 101 e seguintes. Ver, também, os comentários ao art. 153
da Lei das S.A.
Os demais deveres comuns, previstos nos artigos 154 a 156,
dirigem-se, quase todos, aos diretores e membros do conselho de
administração, descábendo sua aplicação aos conselheiros fiscais,
que não exercem funções de gestão e representação da compa-
nhia. Dentre as normas previstas no artigo 154, podem ser invo-
cadas apenas as do § 1° e da letra "c" do § 2°, a saber: (i) o de ter
para com a companhia os mesmos deveres que os demais mem-
bros do seu órgão, não podendo, ainda que para defesa do interes-
se dos que o elegeram, faltar a esses deveres; e (ii) o de não receber
de terceiros, sem autorização estatutária ou da assembleia geral,
qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em
razão do exercício de seu cargo. A norma do artigo 156 - que veda
ao administrador intervir em qualquer operação em que tenha in-
teresse conflitante com o da companhia, bem como na delibera-
ção que a respeito t o m a r e m os demais administradores,
cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consig-
nar, em ata de reunião do conselho ou da diretoria, a natureza e
extensão de seu interesse - é inaplicável, pois pressupõe que o in-
frator tenha poder de tomar decisões negociais ou de aprová-las.

O padrão geral de lealdade à companhia e de reserva sobre seus


negócios, previstos no caput do artigo 155, deve ser obedecido pelo con-
selheiro fiscal. Dentre os deveres de lealdade previstos no artigo 155, os
únicos aplicáveis aos membros do conselho fiscal, tendo em vista a
natureza de suas funções, são os de, no caso da companhia aberta, guar-
dar sigilo sobre informações confidenciais e não utilizá-las em proveito
próprio. Da mesma forma que os diretores e membros do conselho de
administração, o conselheiro fiscal deve guardar sigilo sobre informa-
ção ainda não divulgada ao mercado e capaz de influir de modo ponde-
rável na cotação dos valores mobiliários. Ademais, não pode utilizar tais
informações para obter vantagem, para si ou para outrem, mediante a
compra ou venda de valores mobiliários, sob pena caracterizar-se o in-
sider trading, com a conseqüente aplicação de sanções nas esferas civil,
administrativa e criminal865. Dada a posição que ocupa, o conselheiro
fiscal pode ter acesso a informações confidenciais da companhia, parti-
cularmente as de natureza financeira e contábil, devendo agir com dis-
crição, mantendo em sigilo as informações, não as repassando a terceiros
nem as utilizando em proveito próprio.
Como não é obrigado a cumprir o dever de informar, previsto no
artigo 157, exceto no que toca ao dever de declarar os valores mobili-
ários que detêm e negocia de emissão da companhia866, caso o mem-
bro do conselho fiscal tenha acesso a alguma informação relevante
que, a seu juízo, deve ser divulgada, cabe-lhe reportar o fato ao conse-
lho de administração ou à diretoria, com o que estará isento de qual-
quer responsabilidade. T r a t a n d o - s e de companhia aberta, o
conselheiro fiscal deve comunicar ato ou fato relevante de que tenha
conhecimento ao diretor de relações com investidores, que promove-
rá a sua divulgação. Verificando a omissão do diretor de relações com
investidores no cumprimento de seu dever de comunicação e divul-
gação, os membros do conselho fiscal se eximirão de responsabilida-
de caso comuniquem imediatamente o ato ou fato relevante à
Comissão de Valores Mobiliários867-868.
O § 1° deste artigo, incluído pela Lei n° 10.303/2001, estabelece
norma de grande importância, antes prevista, genericamente, no § 1°
do artigo 154, visando a reprimir o abuso do membro do conselho fis-
cal. Com efeito, deve ele atuar sempre tendo em vista o interesse social,
não o de seus eleitores. Ocorrendo situação de conflito entre os interes-
ses da companhia e os do grupo que o elegeu, é dever do conselheiro
fiscal atender aos da companhia, mesmo que sacrificando os interesses

865 Ver os comentários aos arts. 155 e 165-A da Lei das S.A.
866 Ver os comentários ao art. 165-A da Lei das S.A.
867 Art. 3°, § I o , da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n" 369/2002 e 449/2007.
868 Art. 3o, § 2 o , da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n'"1 369/2002 e 449/2007.
individuais de seus eleitores. Os membros do conselho fiscal, embora
eleitos por determinada categoria de acionistas, após sua posse não po-
dem agir no interesse individual de seus eleitores, mas somente naqui-
lo que coincidir com o interesse social. Daí decorre a absoluta
ilegalidade de atuarem seguindo as instruções de seus eleitores, ou
de deles receberem uma suplementação de honorários869.
Assim, por exemplo, não pode o membro do conselho fiscal eleito
por acionista minoritário passar-lhe informações confidenciais da com-
panhia, obtidas em razão de seu cargo, ou utilizar seus poderes indivi-
duais para exercer, sem fundamentação, oposição sistemática a toda e
qualquer deliberação dos administradores. Da mesma forma, não po-
dem os conselheiros fiscais eleitos pelo controlador obstruir as iniciati-
vas de fiscalização propostas pelos membros do órgão eleitos pelos
minoritários para acobertar atos ilegais dos administradores.
A Lei das S.A. equiparou a natureza da responsabilidade dos
membros do conselho fiscal à dos integrantes do conselho de adminis-
tração e da diretoria870. Assim, respondem eles pelos danos causados
pela omissão no cumprimento de seus deveres e pelos atos praticados
com culpa ou dolo, ou còm violação da lei ou do estatuto.
A responsabilidade do conselheiro fiscal, tratando-se de atos co-
missivos, é, em princípio, individual; cada membro do conselho fiscal
responde por seus próprios atos. Para que seja solidariamente responsá-
vel com o ato de outro conselheiro, deve ficar demonstrado que ele foi
conivente ou que .concorreu para a sua prática. Assim, por exemplo, se
um membro do conselho fiscal utiliza informações confidenciais da
companhia em proveito próprio, às quais teve acesso no curso de uma
reunião do órgão, os demais, se souberem da prática ilícita e não a de-
nunciarem, serão solidariamente responsáveis por conivência.

869 Em sentido contrário, WALDIRIO BULCARELLI. O Conselho Fiscal nas Companhias Brasi-
leiras. Rio de Janeiro: Ed. Revista dos Tribunais, 1988, p. 120.
Se os membros do conselho fiscal omitem-se no cumprimento
de seus deveres, há uma presunção de sua responsabilidade solidária;
exime-se o conselheiro que manifestar em ata sua divergência e co-
municá-la aos órgãos de administração e à assembleia geral. Não há,
em tal comunicação, qualquer formalidade a ser atendida, bastando a
comprovação de que os destinatários a receberam. Assim, por exem-
plo, se o conselho fiscal opina favoravelmente a aumento de capital
manifestamente ilegal, por descumprimento aos princípios legais re-
lativos ao preço de emissão das ações871, há responsabilidade solidária
de todos os seus membros. Da mesma forma, também há responsabi-
lidade solidária se nenhum dos conselheiros fiscais comparece a uma
assembleia geral em que se deliberará matéria incluída, em sua com-
petência de fiscalização.
Caracterizado o ato ilícito do membro do conselho fiscal e de-
liberada a proposição de ação de responsabilidade contra ele por
danos causados à companhia, ocorrerá o seu impedimento, medi-
ante aplicação analógica do § 2° do artigo 159.

"Art. 165-A. Os membros do conselho fiscal da companhia


aberta deverão informar imediatamente as modificações em
suas posições acionárias na companhia à Comissão de Valores
Mobiliários e às Bolsas de Valores ou entidades do mercado de
balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão
da companhia estejam admitidos à negociação, nas condições
e na forma determinadas pela Comissão de Valores Mobiliári-
os." (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

Os membros do conselho fiscal não podem utilizar informações


confidenciais da companhia em proveito próprio ou de terceiros, me-
diante a compra ou venda de valores mobiliários872.
O objetivo da norma, acrescentada pela Lei n° 10.303/2001, é
permitir à Comissão de Valores Mobiliários e aos próprios acionis-
tas o controle das operações dos conselheiros fiscais com ações da
companhia. Assim, ao tomar posse, deve o membro do conselho
fiscal, mediante aplicação analógica do artigo 157, caput, declarar as
ações e outros valores mobiliários conversíveis em ações de emissão
da companhia873. Quaisquer modificações em suas posições em tais
títulos devem ser declaradas, permitindo-se o conhecimento das
compras e vendas realizadas com papéis de emissão da companhia.
Os membros do conselho fiscal são tidos como insiders primá-
rios, uma vez que têm acesso direto às informações confidenciais da
companhia, no exercício de suas funções como órgão social874. As-
sim, tendo eles comprado ou vendido ações imediatamente antes
da divulgação de fato relevante referente à matéria incluída em sua
competência fiscalizadora, presume-se que operaram com uma in-
formação privilegiada. Trata-se de presunção relativa, incumbindo
ao conselheiro o ônus da prova de que não negociou com base em
tal informação, ou porque já vinha reiteradamente comprando ou
vendendo tais ações, ou porque as informações não chegaram ao
conhecimento do órgão, ou porque já eram de domínio público.
Da mesma forma que ocorre com os administradores, os mem-
bros do conselho fiscal, ficando demonstrado que praticaram o in-
sider trading, podem ser responsabilizados na esfera civil875,
administrativa876 e criminal877.

873 Ver, a propósito, o art. 11 da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n" 369/2002 e 449/2007.
874 Ver os comentários aos arts. 177 e 165 da Lei das S.A.
875 Ver os comentários ao art. 155 da Lei das S.A.
876 Arts. 1° e 13 da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n'" 369/2002 e 449/2007.
877 O art. 27-D da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pela Lei nD 10.303/2001, é aplicável aos
membros do conselho fiscal, ao dispor que: "Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não
divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de
CAPÍTULO X E V

M O D I F I C A Ç Ã O D O CAPITAL SOCIAL

SEÇÃO I

AUMENTO

"Art. 166. O capital social pode ser aumentado:

I - por deliberação da assembleia geral ordinária, para correção


da expressão monetária do seu valor (artigo 167);

II - por deliberação da assembleia geral ou do conselho de ad-


ministração, observado o que a respeito dispuser o estatuto,
nos casos de emissão de ações dentro do limite autorizado no
estatuto (artigo 168);

IH - por conversão, em ações, de debêntures ou parte beneficiárias


epelo exercício de direitos conferidos por bônus de subscrição, ou
de opção de compra de ações;

IV - por deliberação da assembleia geral extraordinária convocada


para decidir sobre reforma do estatuto social, no caso de inexistir
autorização de aumento, ou de estar a mesma esgotada.

§ 1° Dentro dos 30 (trinta) dias subsequentes à efetivação do au-


mento, a companhia requererá ao registro do comércio a sua aver-
bação, nos casos dos números I a III, ou o arquivamento da ata da
assembleia de reforma do estatuto, no caso do número IV.

propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome


próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa
de até três vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime".
§ 2° O conselho fiscal, se em funcionamento, deverá, salvo nos
casos do número III, ser obrigatoriamente ouvido antes da deli-
beração sobre o aumento de capital."

As companhias podem financiar o desenvolvimento de suas ati-


vidades de várias maneiras: (i) mediante a obtenção de empréstimos,
seja junto a instituições financeiras públicas ou privadas, nacionais
ou internacionais, seja junto a companhias que integram o mesmo
grupo societário (os chamados empréstimos intercompany)\ (ii) emis-
são de títulos de dívida no mercado interno ou externo (debêntures,
notas comerciais, bonds); (iii) autocapitalização, ou seja, utilização de
lucros não distribuídos; e (iv) aumentos de capital, mediante a emis-
são de ações, subscritas pelos próprios acionistas, exercendo seu direi-
to de preferência, ou pelos investidores em geral.
Não há regras fixas sobre o melhor processo de obtenção de recur-
sos, uma vez que inúmeras são as variáveis a serem observadas pela
administração da companhia: (i) grau de endividamento da sociedade;
(ii) sua possibilidade de acesso a fontes de crédito; (iii) taxa de juros
cobrada pelas instituições financeiras; (iv) maior ou menor "apetite" por
parte dos investidores de subscrever seus valores mobiliários; e (v) liqui-
dez de suas ações no mercado, etc. Trata-se, assim, de decisão a ser
tomada pela administração, tendo em vista uma série de fatores refe-
rentes à situação econômico financeira da companhia e ao mercado
financeiro e de capitais.
Embora existam muitos estudos em finanças sobre a melhor es-
trutura de capital das empresas, ou seja, sobre qual a mais adequada
proporção entre financiamento mediante empréstimos ou mediante
emissão de ações (capital de terceiros ou capital próprio), é indiscutí-
vel que se trata de uma questão a ser resolvida pela administração de
cada companhia, de forma discricionária878.

878 VICTOR BRUDNEY e MARVIN A. CHIRELSTEIN. Corporate Finance - Cases and Materials.
3,d edition, Mineola, New York: Foundation Press, 1987, p. 373.
Considerava-se não ser importante a divisão da estrutura de ca-
pital da companhia (empréstimos e ações), uma vez que o seu valor
dependeria de 2 (dois) outros fatores essenciais: grau de lucratividade
e nível de risco879. No entanto, entende-se, atualmente, que a estrutu-
ra do capital efetivamente afeta o valor da empresa por diversos fato-
res, entre eles o benefício fiscal da dívida, os custos de falência, os
custos de agência, etc.880.
As normas que tratam do aumento de capital devem conciliar 2
(dois) objetivos: (i) permitir a capitalização da companhia mediante a
emissão de ações, ao menor custo e da forma mais rápida; e (ii) asse-
gurar a adequada proteção aos direitos de seus acionistas.
O capital social constitui a parcela do valor das ações subscritas -
estabelecida no estatuto - que os acionistas vinculam à consecução do
objeto social, seja na constituição da companhia, seja nos seus posteri-
ores aumentos881. Assim, a sua função primordial é garantir à sociedade
os meios para realizar o seu fim. Ademais, a estipulação do valor do
capital no estatuto define os direitos e obrigações dos acionistas - cuja

879 MODIGLIANI A N D MILLHER. The Cost of Capital, Corporation Finance and the Theory of
lnvestment. The American Economic Review. v. XLIII, june, 1958, p. 261.
880 Sobre esse assunto, ver FRANCO MODIGLIANI e MERTON H. HILLER, "Dividend Policy,
Growth and The Valuation of Shares", The Journal of Business, v. 34, n° 4, October, 1961,
p. 411-433 e no v. 36, n° 1, January, 1963, p. 116-119; FRANCO MODIGLIANI e MERTON
H. HILLER, "Corporate Income Taxes and the Cost of Capital: A Correction", The American
Economic Review. v. 53, n° 3, June, 1953, p. 433-443; FRANCO MODIGLIANI e MERTON
H. HILLER. The Cost of Capital, Corporation Finance and the Theory of lnvestment: Reply",
The American Economic Review. v. 55, n° 3, June, 1965, p. 524-527; FRANCO MODIGLIANI
e MERTON H. HILLER, 'Debt and Taxes", The Journal of Finance. v. 32, n. 2, Papers and
Proceedings of the Thirty Fifth Annual Meeting of The American Finance Association,
Atlantic City, September, 1976, p. 261-275; MERTON H. HILLER and MYRON S. SCHOLES,
"Dividend and Taxes: Some Empirical Evidence", The Journal of Political Economy. v. 90,
n° 6, december, 1982, p. 1.118-1.141; MERTON H. HILLER, "Behavioral Râtionality in
Finance: The Case of Dividends", The Journal of Business, v. 59, n° 4, October, 1986, p.
S451-S468; MERTON H. HILLER, "Financial Inovation: The Last Twenty Years and the
Next", The Journal of Financial and Quantitative Analysis. v. 21, n° 4, december, 1986, p.
459-471; MERTON H. HILLER, "The Modiglian-Miller Propositions After Thirty Years", The
Journal of Economic Perspectives, v. 2, n° 4, august, 1988, p. 99-120.
responsabilidade é limitada ao preço de emissão das ações subscritas - e
também funciona como instrumento de garantia dos credores.
A noção de capital social como cifrafixae imutável (no passado as
hipóteses de aumento eram tratadas como casos excepcionais) foi per-
dendo relevância no atual sistema jurídico brasileiro, assim como no
direito comparado; face à dinâmica dos negócios, o capital passou a ter
uma grande mobilidade, sendo freqüentes os seus aumentos.
Os princípios fundamentais sobre o capital social são: (i) o da uni-
cidade, ou seja, a companhia só tem um capital, ainda que apresente
várias filiais; (ii) o da realidade, nos termos do qual o capital estipulado
no estatuto deve ser efetivamente formado no ativo mediante contri-
buições dos subscritores das ações; (iii) o da intangibilidade, segundo
o qual não se pode transferir bens do ativo para os sócios caso o mon-
tante do capital nele aplicado fique inferior ao fixado no estatuto; e
(iv) o da fixidez, que significa que, uma vez estabelecido no estatuto,
somente pode ser alterado nos casos previstos em lei882.
O artigo 6° consagra o princípio da fixidez do capital, ao dispor
que ele somente poderá ser modificado com a observância dos dispo-
sitivos legais e estatutários. Assim, a Lei das S.A. contém normas que
disciplinam taxativamente as hipóteses de modificação do capital, que
visam a proteger os interesses dos acionistas - no caso de aumento -
e dos credores - no caso de redução.
O presente dispositivo apenas apresenta uma relação de casos
em que pode ocorrer o aumento de capital, os quais são objeto de
disciplina mais detalhada nos artigos 167, 168, 169 e 170.
No regime original da Lei das S.A., a correção monetária do capital
deveria ocorrer obrigatoriamente em cada exercício social (artigo 5°, pará-
grafo único). A Lei n° 9.249/1995 (artigo 4°, parágrafo único) vedou a
utilização de qualquer sistema de correção monetária de demonstrações
financeiras, inclusive para fins societários. Assim, ficou derrogado o inci-
so I, extinguindo-se a correção monetária anual do capital.
Nos termos do inciso II, o aumento de capital na companhia
de capital autorizado que ocorrer dentro do limite autorizado no
estatuto poderá efetivar-se mediante deliberação da assembleia ge-
ral ou do conselho de administração, a depender do órgão compe-
tente, nos termos do estatuto 883 .
Pode também ocorrer o aumento de capital quando debêntures
(artigo 52) ou partes beneficiárias (artigo 46) são convertidas em ações;
da mesma forma, quando são exercidos os direitos conferidos por bô-
nus de subscrição (artigo 75) e opções de compra de ações (artigo
168, § 3°). Diversamente dos demais casos (incisos II e IV), trata-se
de aumento obrigatório do capital social, em que não cabe aos admi-
nistradores avaliar sua conveniência ou oportunidade. Uma vez con-
vertidos os valores mobiliários ou exercidos os direitos neles contidos,
o capital é automaticamente aumentado, sem necessidade de qual-
quer aprovação da assembleia geral ou do conselho de administração,
no caso de companhia com capital autorizado884.
Tanto na hipótese do inciso II como na do IV, há emissão de
ações a serem subscritas pelos acionistas, no caso de subscrição parti-
cular, no exercício de seu direito de preferência, ou pelos investidores
do mercado, na subscrição pública885.
Diversamente do que ocorria no regime legal anterior (artigo 12
do Decreto-Lei n° 2.627/1940), no aumento de capital mediante subs-
crição de ações não há necessidade de realização de uma segunda
assembleia geral extraordinária de "homologação" ou "conferência"
do aumento. Tal assembleia era exigida pelo Decreto-Lei n ' 2.627/
1940 e foi dispensada pela vigente Lei das S.A., o que constituiu uma
solução simplificadora, embora, na prática, muitas vezes, seja realiza-
da. Visando a tornar menos complexo o procedimento, o legislador
prevê, como regra geral, apenas uma intervenção da assembleia geral
extraordinária, para aprovar o aumento de capital ou para definir as
suas condições, cujo cumprimento posterior torna efetiva a delibera-
ção assemblear. A publicidade prevista no § 1° somente será requeri-
da após a "efetivação" da operação, expressão que indica tanto a
realização de assembleia única - no caso da capitalização de reservas
- como a realização de todos os atos que integram a operação886.
Na hipótese do inciso III, o aumento é averbado na Junta Comer-
cial, independentemente de deliberação do conselho de administração
ou da assembleia geral, já que é automático, pois decorre do exercício de
direitos dos titulares dos valores mobiliários. Também devem ser aver-
bados os aumentos de capital decorrentes da emissão de ações dentro
do limite do capital autorizado. Tratando-se de aumento mediante
emissão de ações por companhia com capital fixo ou com capital auto-
rizado cujo limite de autorização já foi atingido, deve ser realizada as-
sembleia geral extraordinária, cuja ata será arquivada na Junta Comercial.
O conselho fiscal, quando em funcionamento, deverá opinar em
todos os casos de aumento de capital, exceto naqueles decorrentes da
conversão de valores mobiliários em ações ou pelo exercício de direitos
conferidos por bônus de subscrição ou opções de compra de ações. A
atuação do conselho fiscal deve limitar-se à analise da legalidade da
operação, não à sua conveniência e oportunidade887.

Correção monetária anual


"Art. 167. A reserva de capital constituída por ocasião do balanço de
encerramento do exercício social e resultante da correção monetária

886 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas. São
Paulo: Saraiva, 1 988, p. 82.
887 Ver os comentários ao art. 163 da Lei das S.A. Em sentido contrário, MAURO RODRIGUES
PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas..., p. 179.
do capital realizado (artigo 182, § 2 o ) será capitalizada por delibera-
ção da assembleia geral ordinária que aprovar o balanço.

§ 1° Na companhia aberta, a capitalização prevista neste artigo


será feita sem modificação do número de ações emitidas e com
aumento do valor nominal das ações, se for o caso.

§ 2° A companhia poderá deixar de capitalizar o saldo da reserva


correspondente às frações de centavo do valor nominal das ações,
ou, se não tiverem valor nominal, à fração inferior a 1% (um por
cento) do capital social.

§ 3° Se a companhia tiver ações com e sem valor nominal, a cor-


reção do capital correspondente às ações com valor nominal será
feita separadamente, sendo a reserva resultante capitalizada em
benefício dessas ações."

A correção monetária foi extinta pela Lei n° 9.249/1995, me-


diante a qual ficou vedada a utilização de qualquer sistema de cor-
reção das demonstrações financeiras, inclusive para fins societários
(artigo 4°, parágrafo único).
Até então, procedia-se à correção monetária do capital social
para mantê-lo íntegro frente aos índices inflacionários; o resulta-
do da correção era registrado como reserva de capital, enquanto
não capitalizado (artigo 182, § 2°). A capitalização da correção
monetária ocorria mediante decisão homologatória da assembleia
geral ordinária, ao aprovar o balanço anual.
Com a extinção da correção monetária, o dispositivo encontra-se
derrogado, não mais produzindo qualquer efeito.
Capital autorizado
"Art. 168. O estatuto pode conter autorização para aumento do
capital social independentemente de reforma estatutária.
§ 1° A autorização deverá especificar:

a) o limite de aumento, em valor do capital ou em número de ações,


e as espécies e classes das ações que poderão ser emitidas;

b) o órgão competente para deliberar sobre as emissões, que po-


derá ser a assembleia geral ou o conselho de administração;

c) as condições a que estiverem sujeitas as emissões;

d) os casos ou as condições em que os acionistas terão direito de pre-


ferência para subscrição, ou de inexistência desse direito (artigo 172).

§ 2° O limite de autorização, quandofixadoem valor do capital social,


será anualmente corrigido pela assembleia geral ordinária, com base
nos mesmos índices adotados na correção do capital social.

§ 3° O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de


capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assem-
bleia geral, outorgue opção de compra de ações a seus administra-
dores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à
companhia ou a sociedade sob seu controle."

A norma trata de mecanismo de crescente aplicação na prática


dos negócios, que confere maior agilidade ao processo de capitaliza-
ção das companhias, pois permite que a decisão sobre aumento de
capital mediante emissão de ações ocorra por decisão do conselho de
administração, sem a necessidade de deliberação da assembleia geral.
Dispensando a realização de assembleia geral, reduz-se o prazo veri-
ficado entre a decisão de aumentar o capital e a efetiva emissão de
ações, possibilitando à companhia aproveitar o momento mais propí-
cio do mercado de capitais (as chamadas "janelas de mercado") para
captar recursos.
O mecanismo é originário do direito societário norte-americano,
onde se reconhece o caráter contratual do negócio jurídico de emissão
de ações, aceitando-se que, embora a fixação do número de ações deva
ser disciplinada no estatuto, o board of directors (equivalente ao conse-
lho de administração) é competente para decidir sobre a oportunidade
e a conveniência da emissão, assim como sobre o seu valor888-889.
O regime do capital autorizado foi introduzido entre nós pela
Lei n° 4.728/1965, a chamada "Lei do Mercado de Capitais"; embo-
ra com algumas diferenças com relação ao atual tratamento legal,
nela já se previa o seu traço fundamental: a possibilidade de ser deci-
dido o aumento de capital pela administração, sem necessidade de
assembleia geral e de alteração do estatuto.
Já na época, entendia-se que a alteração no estatuto para que a
companhia adotasse o sistema de capital autorizado não configurava
uma transformação do tipo societário, inexistindo alteração substan-
cial nos direitos dos acionistas890.
Com efeito, a sociedade com capital autorizado não constitui um
tipo societário distinto, mas um "subtipo societário", uma modalidade
societária não divergente, com relação às bases essenciais, da generali-
dade das sociedades anônimas. Não há, na adoção do regime de capital
autorizado, transformação da sociedade, nem deliberação que enseje,
aos acionistas dela discordantes, o direito de recesso891.
O regime do capital autorizado significa apenas o limite, estabe-
lecido no estatuto, de competência da assembleia geral ou do conse-
lho de administração, para aumentar, sem reforma estatutária, o capital

888 Ver os comentários aos arts. 138 a 142 da Lei das S.A.
889 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Regime Jurídico do Capital Autorizado. São
Paulo: Saraiva, 1984, p. 46 e seguintes.
890 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEAES. Direito Comercial. São Raulo: Bushatsky,
1976, p. 281.
891 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Regime Jurídico do Capital Autorizado...,
p. 71-72.
social892. Assim, constarão do estatuto social a cifra do capital fixo e a
autorização para o seu aumento, mediante deliberação da assembleia
ou do conselho, até determinado valor ou número de ações, sem neces-
sidade de alteração estatutária. Não há qualquer prazo para que se rea-
lizem os aumentos de capital; alcançado o limite do capital autorizado,
será necessária alteração do estatuto, para que se estabeleça novo limite.
A companhia pode ser constituída com capital autorizado, ou seja,
já constando de seu estatuto a autorização para que o seu capitalfixoseja
aumentado até o limite nele estabelecido, desde que seu capital propria-
mente dito, isto é, o fixo, tenha sido inteiramente subscrito por pelo me-
nos 2 (duas) pessoas (artigo 80, inciso I)893. Assim, o capital social subscrito
pode ser inferior ao limite autorizado no estatuto.
O limite pode ser fixado em determinado valor ou em número de
ações, de acordo com a alínea "a" do § 1°, devendo o estatuto discipli-
nar as espécies e classes de ações que serão emitidas. Não se pode
admitir a criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações
preferenciais já existentes, sem guardar proporção com as demais clas-
ses de preferenciais, ou a criação de nova classe mais favorecida, sem
previsão estatutária. A autorização para aumento de capital não im-
plica em autorização para a quebra da proporção. O aumento de clas-
se existente sem guardar proporção com as demais deve ser sempre
deliberado em assembleia geral extraordinária, salvo prévia e expressa
previsão no estatuto nesse sentido894-895.

892 A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, observa que o art. 169 "mantém a
inovação introduzida pela Lei n° 4.728, ao admitir que o estatuto social, além de fixar o
montante do capital social, estabeleça limite de capital autorizado, dentro do qual a
Assembléia Cera/ ou o Conselho de Administração pode deliberar aumento do capital
social, independentemente de reforma estatutária."
893 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 3, -t1 edição,
São ftiulo: Saraiva, 2008, p. 510; JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Regime Jurfdi-
co do Capital Autorizado..., p. 78-79, revendo posição anlerior {ECBERTO LACERDA
TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direi-
to Brasileiro, v. 1, São Raulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 121).
894 Ver os comentários ao art. 136 da Lei das S.A.
895 Sobre esse assunto, ver o Parecer CVM/SJU n° 001/1980. Ver, também, os comcnlários ao
art. 167 da Lei das S.A.
O estatuto deve estabelecer também qual o órgão competente para
deliberar sobre a emissão de ações no limite do capital autorizado: a as-
sembleia geral ou o conselho de administração. Trata-se de competência
excludente, ou de um ou de outro órgão, não podendo ser cumulativa,
concorrente ou supletiva. Caso a competência seja da assembleia geral,
como prevalece o critério ratione materiae, o aumento deverá ser delibera-
do por assembleia geral extraordinária, não se demandando quorum qua-
lificado de instalação (artigol35), por não se tratar de reforma do estatuto896.
E recomendável que o estatuto determine a competência do
conselho de administração, situação usual na prática do mercado,
pois permite maior agilidade ao processo de capitalização da com-
panhia mediante a emissão de ações.
Ao deliberar o aumento de capital, o conselho de administra-
ção não age por delegação de poderes da assembleia geral, mas no
exercício de um poder legal derivado de autorização estatutária. Daí
decorre que a responsabilidade do membro do conselho, por des-
cumprir a lei ou o estatuto, é própria e indeclinável, não podendo ele
arguir, em sua defesa, a vinculação hierárquica à assembleia geral,
que não existe no caso897.
Deverá, ainda, o estatuto dispor sobre as condições das emissões
de ações no limite do capital autorizado, se em bens ou dinheiro. Tra-
ta-se de dispositivo de pouca aplicação na prática, uma vez que os
estatutos normalmente limitam-àe a dizer que as emissões somente
poderão ser subscritas em dinheiro. Ainda que admitidas, as subscri-
ções com bens são muito raras; como o conselho de administração
não pode deliberar sobre a avaliação dos bens, pois trata-se de com-
petência exclusiva da assembleia (artigo 122, inciso VI), a principal
vantagem do regime de capital autorizado - a celeridade da emissão -
seria frustrada pela realização necessária de assembleia geral.

896 MODESTO CARVAIHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas..., p. 511.


897 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Regime Jurídico do Capital Autorizado..., p. 96-97.
O estatuto pode também excluir o direito de preferência dos acio-
nistas para subscreverem o aumento de capital898. Trata-se de procedi-
mento correntemente utilizado por companhia aberta de capital autorizado,
que procede à subscrição pública de suas ações no mercado. No silêncio
do estatuto, não prevista a exclusão do direito de preferência, não pode o
conselho de administração obstar o seu exercício, uma vez que constitui
um dos direitos essenciais do acionista (artigo 109, inciso IV).
O § 2° dispunha que o limite, quando fixado em valor do capital
social, deveria ser anualmente corrigido pela assembleia geral ordiná-
ria, com base nos mesmos índices adotados para a correção do capital
social. Extinta a correção monetária do capital com a promulgação da
Lei n° 9.249/1995, o § 2° está derrogado899.
De acordo com o § 3°, pode ainda o estatuto prever a emissão,
no limite do capital autorizado, de bônus de subscrição (artigo 75) e
de opção de compra a administradores, empregados ou prestadores
de serviços (artigo 168, § 3°), que constituem institutos típicos e ex-
clusivos da sociedade com capital autorizado.
O bônus de subscrição - não muito utilizado na prática dos ne-
gócios - constitui um valor mobiliário que confere ao seu titular o
direito de subscrever ações da companhia, e pode ser alienado pela
companhia ou por ela atribuído como vantagem adicional aos subs-
critores de ações ou debêntures de sua emissão900.
As opções de compra, de larga utilização em outros países, particu-
larmente nos Estados Unidos901, onde seu emprego desmedido contri-
buiu para a eclosão de vários escândalos902, vêm sendo objeto de crescente
uso também entre nós, particularmente em companhias abertas.

898 Ver os comentários ao art. 172 da Lei das S.A.


899 A esse respeito, ver os comentários ao art. 167 da Lei das S.A.
900 Ver os comentários aos arts. 75 a 79 da Lei das S.A.
901 MICHAEL P. DOOLEY. Fundamentais of Corporation Law. New York: The Foundation
Press, 1995, p. 168.
902 Durante 2006, eclodiu no mercado norte-americano escândalo envolvendo supostas irre-
gularidades na concessão de opções de ações aos administradores de companhias abertas
O § 3° permite que, observado o limite do capital autorizado,
o estatuto preveja, de acordo com plano aprovado pela assembleia,
que a companhia outorgue opção de compra de ações a seus ad-
ministradores ou empregados, ou ainda a pessoas naturais que pres-
tem serviços à companhia ou a sociedades sob seu controle. Assim,
mediante a outorga da opção de compra, a companhia confere aos
beneficiários, nas condições constantes do plano aprovado pela
assembleia geral, o direito de subscrever ações de sua emissão, a
um preço ou em condições preestabelecidas 903 .
Embora o termo empregado pela Lei das S.A. seja "opção de com-
pra", diverso daquele constante da Exposição de Motivos n° 196, de
24.06.1976, e da Lei n° 4.728/1965,' que fazem referência à "opção de
subscrição", está hoje consolidado o entendimento de que o instituto
contempla as 2 (duas) situações: a opção para compra de ações em
tesouraria; e a opção para a subscrição de novas ações904-905.

nos EUA. Mais de 130 (cento e trinta) empresas foram acusadas pela chamada prática de
option backdating, ou seja, por terem manipulado as datas de concessão dos planos de
opções de ações de seus executivos, para que estes pudessem se beneficiar de momentos
de valorização no mercado e, com isso, ter seus ganhos pessoais maximizados. A esse
respeito, ver J O H N C. COFFEE JR. What Caused Enron?: A Capsule Social and Economic
History of the 1990's. New York: Columbia Law and Economics, January, 2003, p. 214;
j O H N C. COFFEE JR. A Theory of Corporate Scandals: Why the U.S. and Europe Differ.
New York: Columbia Law and Economics, march, 2005, p. 274; MICHAEL C. JENSEN. The
Agency Cost of Overvalued Equity and the Current State of Corporate Finance. London:
European Financiai Management, v. 10, 2004, p. 549-565; KATHLEEN F. BRICKEY. From
Enron to Worldcom and Beyond: Life and Crime After Sarbanes-Oxley. St. Louis: Washing-
ton School, june, 2003, p. 03-06.
903 Note-se que a Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n" 369/2002 e 449/2007, no art. 2 o , parágrafo único, inciso XII, prevê que a
aprovação de plano de outorga de opção de compra de ações constitui fato relevante.
904 A Instrução CVM n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n"
100/1989, 268/1997, 390/2003 assim prevê, em seu art. 23: "Art. 23. Respeitado o
disposto no Art. 2o [vedações para aquisição de ações para permanência em tesouraria ou
cancelamento], a CVM poderá, em casos especiais e plenamente circunstanciados, autori-
zar, previamente, operações da companhia com as próprias ações que não se ajustarem às
demais normas desta Instrução." A esse respeito, ver as decisões do Colegiado da CVM
proferidas no Processo Administrativo CVM n° RJ 2002/2935, Rei. Dir. Norma Parente, j.
em 10.10.2002, e no Processo Administrativo CVM n° RJ 2000/1412, Rei. Dir. Wladimir
Castelo Branco Castro, j. em 25.08.2000.
905 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "Sobre a Opção de Compra de Ações", Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 39, julho-setembro, 1980, p. 226-227; PAULO CEZAR ARACAO e DANIELA
A finalidade da opção é permitir aos administradores, empregados
e prestadores de serviços participar dos lucros futuros da companhia e
da valorização das ações de sua emissão no mercado. Ela é, assim, uma
vantagem a ser atribuída principalmente aos administradores, visando
a incentivar a sua permanência na companhia e a premiar os seus
esforços. Os administradores desempenham a função de conduzir
os negócios sociais de modo a permitir que a companhia cumpra
sua finalidade lucrativa (artigo 2°). Como a valorização das ações
resulta em grande parte da atuação eficiente dos administradores, a
outorga de opção de compra de ações funciona como incentivo para
que eles maximizem o desempenho da companhia, alinhando os
seus interesses aos dos acionistas.
O beneficiário da opção compartilha com os demais acionistas os
riscos do mercado de capitais, particularmente das ações da compa-
nhia, o que constitui um incentivo para o seu comprometimento com
os resultados906. Se não ocorrer a valorização das ações no mercado, a
opção de compra perderá o seu valor e não será exercida.907
Uma vez outorgada a opção, a companhia coloca-se numa posi-
ção passiva, à espera da exclusiva manifestação de vontade do outor-
gado, cabendo-lhe decidir se irá exercê-la e em que momento; com
efeito, o direito consubstanciado na opção representa uma vantagem

SOARES, "Opções de Compra de Ações: uma Análise da Evolução do Institulo no Brasil".


In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luís André N. de Moura Azevedo (Coord.). Poder de
Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais. São Raulo: Quartier
Latin, 2010, p. 160.
906 A Instrução CVM n° 323/2000, em seu inciso XII do art. I o , considera como abuso do
poder de controle "a instituição de piano de opção de compra de ações, para administra-
dores ou empregados da companhia, (...) sem o efetivo comprometimento com a obtenção
de resultados, em detrimento da companhia e dos acionistas minoritários".
907 O Colegiado da CVM, no julgamento do Processo Administrativo CVM n° RJ 2001/8489,
Rei. Dir. Marcelo Trindade, se manifestou no sentido de que "o que se deve evitar é a
criação de planos de opções que assegurem a seus beneficiários a obtenção de uma
remuneração pura e simples e a certeza do recebimento das ações como forma de remune-
ração fixa, independentemente do desempenho da companhia, não obstante a possibili-
dade de se utilizar ações de emissão da companhia como forma de pagamento de bônus
aos administradores."
econômica de cunho contingente, a depender das circunstâncias
do mercado. Tratando-se de uma promessa unilateral da compa-
nhia, usualmente de caráter gratuito para os beneficiários, eles po-
dem decidir se irão exercê-la908. Não fosse a finalidade específica de
incentivar a prestação de serviços pelo administrador e o seu in-
gresso ou permanência, a opção poderia ser entendida como uma
liberalidade incompatível com os fins sociais909.
No momento em que a companhia confere a opção de compra de
ações, surge para o outorgado uma mera expectativa de direito; não há,
nesse instante inicial, direito adquirido ao exercício da opção. Muito se-
guidamente os planos de opções aprovados pela assembleia geral sujei-
tam o seu exercício a um período aquisitivo e à permanência na companhia
- as chamadas "regras de investidora" (vesting na prática norte america-
na). Caso o outorgado não cumpra tais condições, não poderá exercer as
opções. A expectativa também pode ser frustrada pelas condições de mer-
cado, caso o preço das ações deixe de ser atrativo.
Constituindo a opção uma expectativa de direito, com natu-
reza mercantil, os valores decorrentes de ações adquiridas medi-
ante o seu exercício não integram o salário dos empregados; o
outorgado incorre em ônus para aquisição ou subscrição das ações
e sujeita-se a fatores aleatórios, como aqueles referentes à varia-
ção da cotação das ações no mercado 910 .

908 FÁBIO KONDER COMPARATO. Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de
Janeiro: Forense, 1981, p. 177-178; PAULO CEZAR ARAGAO, "Opções de Compra de
Ações e Bônus de Subscrição", Revista dos Tribunais. São foulo: Ed. Revista dos Tribunais,
v. 631, maio, 1988, p. 63.
909 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 198.
910 Decisão da 3a Turma do Tribunal Superior do Trabalho proferida nos autos do Processo n°
TST-AIRR 208640-09.2001.5.01.0070, Rei. Des. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira,
j. em 05.08.2009, publicado no DEJT em 21.08.2009; PAULO CEZAR ARACÃO e DANIELA
SOARES, "Opções de Compra de Ações: uma Análise da Evolução do Instituto no Brasil".
In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luís André N. de Moura Azevedo (Coord.). Poder de
Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais..., p. 172; HOMERO
BATISTA MATEUS DA SILVA. Curso de Direito do Trabalho Aplicado, v. 5, Rio de Janeiro:
Elsevier, 2009, p. 162.
Embora possa ser comparada ao bônus de subscrição, uma vez
que ambos são institutos típicos de sociedades com capital autoriza-
do e asseguram ao seu titular o direito de subscrever futuramente ações
da companhia, eles não se confundem, especialmente porque a op-
ção de compra não tem a natureza de valor mobiliário. Com efeito, a
Lei das S.A. conferiu tratamento diferenciado e específico às opções,
as quais não se destinam, como os valores mobiliários elencados no
artigo 2° da Lei n° 6.385/1976, à livre circulação, nem se colocam no
âmbito das relações externas da companhia. A opção não constitui um
título autônomo e destinado à circulação no mercado, como ocorre com
o bônus, representando, na realidade, um direito em si, a ser exercido em
virtude da promessa unilateral da companhia de alienar ações de sua
emissão a seus administradores, empregados e prestadores de serviços.
Ademais, a opção também se distingue das ações e dos bônus pelo
fato de que a companhia não tem a obrigação de conceder direito de
preferência aos seus acionistas para a sua aquisição (artigo 171, § 3°). O
legislador afastou expressamente, na outorga e no exercício da opção, a
incidência de um direito essencial dos acionistas: o de preferência na
subscrição de títulos representativos do capital social, que possam ser
convertidos ou confiram direito à sua aquisição911.
Ao prever a Lei das S.A. que o plano de outorga de opções de com-
pra de ações deve ser aprovado pela assembleia geral, estabeleceu um
requisito essencial à validade da opção. Não se admite que outros órgãos
sociais confiram opções de compra sem que haja aprovação do respecti-
vo plano em assembleia geral, por 3 (três) razões: (i) a excepcionalidade
da regra que afasta o direito de preferência, já que o exercício das op-
ções poderá acarretar a diluição da participação dos acionistas, impõe a
necessidade de aceitação prévia da possível emissão de ações, nas con-
dições previstas no plano; (ii) constituindo a opção um prêmio ao ad-
ministrador ou empregado, significa disposição do patrimônio social
em seu favor, daí decorrendo que, não aprovado o plano pelos acio-
nistas, poderia ficar caracterizado ato de liberalidade; e (iii) pelo fato
de integrar a remuneração dos administradores.
O plano aprovado pela assembleia geral deve conter as diretrizes
gerais para o seu funcionamento e para a concessão de outorgas, sen-
do usual a delegação de certo grau de discricionariedade ao órgão
encarregado de aplicá-lo, na prática. Assim, costuma-se prever no
plano: (i) cláusulas sobre sua administração; (ii) hipótese de desli-
gamento dos outorgados; (iii) critérios gerais para fixação de cada
outorga; e (iv) percentual máximo do capital da companhia que
poderá ser outorgado na forma de opções.
Usualmente, a administração do plano é delegada pela assem-
bleia geral ao conselho de administração, que pode constituir um
comitê específico para assessorá-lo ou mesmo substituí-lo nessa
tarefa (freqüentemente denominado "comitê de remuneração"),
uma vez que não se trata de atribuição indelegável, já que não
prevista no artigo 139912.
Deve o plano indicar também qual será o preço de exercício da
opção, tendo em vista os parâmetros elencados no artigo 170, § 1°.
Tratando-se de companhia aberta com ações negociadas em Bolsa
de Valores e dotadas de liquidez, deverá prevalecer a cotação em Bol-
sa na data da outorga, admitindo-se deságio. Assim, se houver uma
variação positiva entre o preço em Bolsa na data da outorga e aquele
verificado na data do exercício, o outorgado provavelmente exercerá a
opção, auferindo lucro; caso contrário, não exercerá a opção.
A Lei das S.A. prevê expressamente a possibilidade de serem con-
feridas opções não só a administradores da sociedade como também a
pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedades

912 PAULO CEZAR ARAGAO e DANIELA SOARES, "Opções de Compra de Ações: uma Análise
da Evolução do Instituto no Brasil". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luís André N. de
Moura Azevedo (Coord.). Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e
Mercado de Capitais..., p. 166.
sob seu controle. Vem sendo verificada, na prática do mercado, a ou-
torga de opções por companhias estrangeiras aos administradores de
suas controladas no Brasil, o que é absolutamente legítimo e reco-
nhecido expressamente pelas normas internacionais de contabilida-
de que estão sendo introduzidas em nosso ordenamento jurídico por
meio dos Pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contá-
beis - CPC - referendados pela Comissão de Valores Mobiliários913.
Tendo em vista o seu caráter intuitupersonae, por se dar sua outorga
com vista a estimular o trabalho de administradores, empregados e pres-
tadores de serviços, as opções constituem direitos personalíssimos, que,
consequentemente, só podem ser exercidos pela pessoa a quem foram
conferidos. Não cabe, assim, a cessão de opção a terceiros.
O fato de ter, a Lei das S.A., excluído o direito de preferência
dos acionistas no momento em que a opção é outorgada ou exer-
cida reafirma a sua feição personalíssima; a inexistência do direito
de preferência somente se justifica em virtude do objetivo de se
conferir vantagem específica a determinados indivíduos que con-
tribuem para a prosperidade da companhia 914 .
Logo, por ser a opção de compra de ações atribuída de forma
pessoal, somente podendo ser exercida por aquele que a recebeu,
não se admite que terceiros a exerçam e venham a adquirir ações
de emissão da companhia.
Ademais, como a opção não se incorpora automaticamente ao
patrimônio do beneficiário, o que somente ocorre após o seu efetivo
exercício, com as ações dela resultantes, a sua transmissão a terceiros

913 Ver, a propósito, o Internationa! Financial Reporting Standards n° 2 - IFRS 2; International


Financial Reporting Interpretations Committe n° 11 - lERIC 11; Deliberação CVM n° 562/
2008, que aprovou o Pronunciamento Técnico CPC 10.
914 No mesmo sentido, EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREI-
RO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1..., p. 331-332; JOSÉ WALDECY
LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a 188). v. II, Rio de
Janeiro: Renovar, 2009, p. 800-801; CLÁUDIO KOLHER, "Bônus de Subscrição", Revista dos
Tribunais. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 641, março, 1989, p. 95.
não ocorre nem a título de sucessão. Com efeito, por ocasião da
morte do titular, só se transmitem aos seus herdeiros os bens e direi-
tos que já estiverem integrados ao seu patrimônio. Eventuais ex-
pectativas de direito não são passíveis de transmissão, posto que
ainda não compõem o patrimônio do de cujus915.
Admite-se que as companhias, querendo excepcionar a regra da
intransferibilidade das opções de compra, prevejam em seus planos
normas específicas no sentido de poderem elas ser exercidas por seus
herdeiros na hipótese de falecimento do titular. No entanto, por se tra-
tar de hipótese excepcional, que contraria a própria natureza do institu-
to, a possibilidade de exercício das opções pelos herdeiros do titular
depende de previsão expressa no plano de outorga.

Capitalização de lucros e reservas


"Art. 1 6 9 . 0 aumento mediante capitalização de lucros ou de re-
servas importará alteração do valor nominal das ações ou distri-
buições das ações novas, correspondentes ao aumento, entre
acionistas, na proporção do número de ações que possuírem.

§ 1° Na companhia com ações sem valor nominal, a capitalização


de lucros ou de reservas poderá ser efetivada sem modificação do
número de ações.

§ 2° As ações distribuídas de acordo com este artigo se estende-


rão, salvo cláusula em contrário dos instrumentos que os tenham
constituído, o usufruto, o fideicomisso, a inalienabilidade e a in-
comunicabilidade que porventura gravarem as ações de que elas
forem derivadas.

915 Em sentido contrário, PAULO CEZAR ARACÃO e DANIELA SOARES, "Opções de Compra
de Ações: uma Análise da Evolução do Instituto no Brasil". In: Rodrigo R. Monteiro de
Castro e Luís André N. de Moura Azevedo (Coord.). Poder de Controle c Outros Temas de
Direito Societário e Mercado de Capitais..., p. 162.
§ 3° As ações que não puderem ser atribuídas por inteiro a cada
acionista serão vendidas em bolsa, dividindo-se o produto da ven-
da, proporcionalmente, pelos titulares dasfrações;antes da ven-
da, a companhia fixará prazo não inferior a 30 (trinta) dias,
durante o qual os acionistas poderão transferir asfraçõesde ação."

O dispositivo, repetindo o preceito do artigo 113 do Decreto-Lei


n° 2.627/1940, com poucas inovações, trata de procedimento que
configura mera operação contábil: remanejamento de valores que já
integravam o patrimônio líquido e que passam da reserva para a con-
ta do capital. Não há capitalização da companhia, em seu sentido
econômico, pois inexiste o ingresso de novos recursos.
A utilidade do procedimento de capitalização de lucros e reser-
vas reside no restabelecimento do equilíbrio entre capital e patrimô-
nio líquido, servindo, ainda, para reajustar o valor nominal das ações,
se ainda o tiverem, ou a sua quantidade916.
As reservas, uma vez criadas pela companhia, representam fundos
próprios, valores que lhe pertencem917; constituem, assim, "quase capi-
tal", ou "capital potencial", na medida em que, inexistindo prejuízos
que as absorvam, sua destinação natural é a incorporação ao capital
social. Assim, a sua transformação em capital é juridicamente instru-
mentalizada mediante a técnica do aumento de capital, sem que exis-
tam novos recursos à disposição da companhia918.
A capitalização não pode ser considerada como operação dupla,
na qual inicialmente distribui-se a cada acionista a sua parte nas re-
servas e depois, numa segunda etapa, o acionista subscreve as novas

916 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4a edição,


São Paulo: Saraiva, 2009, p. 518.
917 Ver os comentários ao art. 200 da Lei das S.A.
918 J. M. BERMOND DE VAULX. Les Droits Latenis des Actionnaires sur les Reserves Dans les
Sociétés Anonymes. Paris: Sirey, 1965, p. 10; SABINE DANA-DÉMARET. Le Capital Social.
Paris: Litec, 1989, p. 235; TULLIO ASCARELL1. Problemas das Sociedades Anônimas e
Direito Comparado. 2 a edição, São Paulo: Saraiva, 1969, p. 408.
ações. Trata-se de uma única e incindível operação, na verdade um
procedimento contábil imposto mediante deliberação do órgão com-
petente, uma vez que em nenhum momento as reservas saem do
patrimônio da companhia919.
Todas as reservas podem ser incorporadas ao capital, com exceção
da reserva de lucros a realizar, que dizem respeito a dividendos futuros e
da reserva para contingências, que se destina a compensar, em exercício
futuro, a redução de lucros decorrente de perda provável e da reserva es-
pecial, que se não for absorvido por prejuízos em exercícios subsequentes
deverá ser paga como dividendo assim que a situação financeira da com-
panhia permitir920.
Basta a deliberação da assembleia geral, ou do conselho de ad-
ministração, se a sociedade for de capital autorizado e o estatuto as-
sim outorgar tal competência, para que a operação se concretize,
independentemente da manifestação individual dos acionistas.
A capitalização de reservas, de acordo com o § 1°, pode ser realiza-
da de 2 (duas) formas: alteração do valor nominal das ações ou distri-
buição gratuita de novas ações, sob a forma de bonificações, na proporção
do número de ações que cada acionista possuir. Na companhia que
tiver emitido ações sem valor nominal, a capitalização de lucros e reser-
vas poderá acarretar a emissão de novas ações ou ser efetivada sem
modificação do número de ações. O § 1° constitui norma dispositiva,
deixando à discrição da companhia decidir qual procedimento adotará.
No aumento de capital mediante capitalização de reservas ou lu-
cros deve-se observar o princípio da isonomia, mantendo-se cada acio-
nista na posição em que estava antes; por definição, não pode o

919 Após longos debates doutrinários, no direito comparado, esta é a posição hoje consoli-
dada. Ver, a propósito, JOSÉ MARIA GARCÍA-MORENO GONZALO. El Aumento de
Capital con Cargo a Reservas en Sociedades Anônimas. Pamplona: Editorial Aranzadi,
1995, p. 201 e seguintes; BARTOLOMEO QUATRARO e SALVATORE D'AMORA. Le
Operazioni sul Capitale - Aumenti e Riduzioni Del Capitale Sociale Prestiti Obbligazionari
Acioni Proprie. Milão: Giuífrè, 1994, p. 205 e seguintes.
procedimento ser utilizado para alterar a participação relativa de cada
acionista no capital. De acordo com o § 5o do artigo 17, no caso de
ações com dividendo fixo, o estatuto pode excluir ou restringir o direito
das ações preferenciais de participar dos aumentos de capital decorren-
tes da capitalização de reservas ou lucros, pois, de fato, não é justo que
os titulares de ações preferenciais com dividendo fixo recebam novas
ações em decorrência da capitalização de lucros, uma vez que esses não
lhes caberiam se tivessem sido distribuídos como dividendos. Portanto,
se assim for previsto no estatuto, tais ações sofrerão uma diluição legal-
mente permitida como resultado desses aumentos de capital.
Nada impede, porém, que as novas ações emitidas em bonifica-
ção não sejam da mesma espécie e classe que as antigas, desde que
atribuídas aos acionistas na mesma proporção921.
As ações recebidas em bonificação constituem extensões do bem,
não frutos; assim, as ações novas são atribuídas ao proprietário das ações
primitivas com os gravames que elas já apresentavam922. Decorre do § 2°
que às ações em bonificação se estenderão o usufruto, o fideicomisso, a
inalienabilidade e a incomunicabilidáde que gravavam as ações primiti-
vas. Nada impede que as partes, na constituição do gravame, estabele-
çam expressamente que ele não se estenderá a ações recebidas em
bonificação; no silêncio do instrumento de sua constituição, o gravame
segue as ações novas. Não obstante o § 2° não fazer referência expressa
ao penhor, salvo estipulação em contrário, ele estende-se às ações bonifi-
cadas, uma vez que o valor dessas ações não é tratado como venda923.

921 SYLVIO MARCONDES. Problemas de Direito Mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1970,
p. 227; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts.
121 a 188). v. II..., p. 816; LUIZ LEONARDO CANTIDIANO. Estudos de Direito Societário.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 10.
922 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3a edição, São Riulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 1984, p. 376.
923 No mesmo sentido, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário. 11a edição, Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 271; OSMAR BRINA CORRÊA LIMA, "O Penhor de Ações de
Companhias e a Bonificação de Ações", Revista dos Tribunais. São Fíaulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 624, outubro, 1987, p. 262-266. Em sentido contrário, MAURO BARDAWIL
PENTEADO, o Penhor de Ações no Direito Brasileiro. São ftiulo: Malheiros Editores,
2008, p. 190; FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de
Janeiro: Forense, 1977, p. 228-229.
As ações em tesouraria podem receber bonificação, pois a incorpora-
ção de lucros ou reservas ao capital não gera direito de crédito para o acio-
nista como resultado da deliberação de distribuição de dividendo924. Tendo
em vista que a finalidade da Lei das S.A. na capitalização de lucros ou
reservas é manter a participação dos acionistas no capital, esse objetivo só
será alcançado se todas as ações da companhia receberem o mesmo trata-
mento - tanto as ações em circulação quanto as que estão em tesouraria.
0 § 3° disciplina as "sobras", ou seja, as frações de ações, caso
elas não possam ser atribuídas por inteiro a cada acionista, estabele-
cendo 2 (dois) procedimentos consecutivos: abertura de um prazo de
30 (trinta) dias, durante os quais os acionistas poderão comprar ou
vender entre si as frações, para completar a unidade - ação - ou for-
mar um condomínio de ações; findo o prazo e não transferidas as
frações, a companhia mandará vender as ações em Bolsa e dividirá o
produto da venda pelos titulares das frações.

Aumento mediante subscrição de ações


"Art. 170. Depois de realizados 3/4 (três quartos), no mínimo, do
capital social, a companhia pode aumentá-lo mediante subscrição
pública ou particular de ações.

§ I o O preço de emissão deverá serfixado,sem diluição injustifica-


da da participação dos antigos acionistas, ainda que tenham direito
de preferência para subscrevê-las, tendo em vista, alternativa ou
conjuntamente: (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

1 - a perspectiva de rentabilidade da companhia; (Incluído pela


Lei n° 9.457/1997)

II - o valor do patrimônio líquido da ação; (Incluído pela Lei n


9.457/1997)
III - a cotação de suas ações em bolsa de valores ou no mercado
de balcão organizado, admitido ágio ou deságio em função das
condições do mercado.

§ 2° A assembleia geral, quando for de sua competência deli-


berar sobre o aumento, poderá delegar ao conselbo de admi-
nistração a fixação do preço de emissão de ações a serem
distribuídas no mercado.

§ 3° A subscrição de ações para realização em bens será sempre


procedida com observância do disposto no artigo 8°, e a ela se
aplicará o disposto nos §§ 2° e 3° do artigo 98.

§ 4° As entradas e as prestações da realização das ações poderão


ser recebidas pela companhia independentemente de depósito
bancário.

§ 5° N o aumento de capital observar-se-á, se mediante subscri-


ção pública, o disposto no artigo 82, e se mediante subscrição
particular, o que a respeito for deliberado pela assembleia geral ou
pelo conselho de administração, conforme dispuser o estatuto.

§ 6° A o aumento de capital aplica-se, no que couber, o dispos-


to sobre a constituição da companhia, exceto na parte final do
§ 2° do artigo 82.

§ 7° A proposta de aumento do capital deverá esclarecer qual o


critério adotado, nos termos do § 1° deste a r t i g o , justificando por-
menorizadamente os aspectos econômicos que determinaram a
sua escolha." (Incluído pela Lei n 9.457/1997)

O aumento de capital mediante subscrição de ações importa


efetivo ingresso de recursos na companhia, daí decorrendo a sua
evância, do ponto de vista econômico financeiro, pois possibilita
o desenvolvimento de suas atividades sem endividamento. Por outro
lado, como acarreta a alteração do estatuto social - exceto se procedi-
do dentro do limite do capital autorizado - e a eventual alteração na
participação relativa dos acionistas que não subscreverem o aumento,
constitui procedimento que demanda cuidados especiais, tendo em
vista particularmente a proteção dos minoritários.
Assim, verificamos uma contradição entre os objetivos eco-
nômicos e jurídicos do instituto: de uma perspectiva econômica, o
desejável é que o processo de aumento de capital por meio de subs-
crição de ações ocorra da maneira mais rápida, flexível e ao menor
custo. Já a análise estritamente jurídica da operação privilegia a
exigência de uma série de formalidades necessárias, com o fim de
impedir a opressão aos acionistas minoritários.
Tal contradição pode ser observada no Direito Comparado.
Nas legislações européias, de filiação romano-germânica, há um
tratamento mais rigoroso do processo de aumento de capital por
subscrição, com as seguintès características principais: (i) modifi-
cação dos atos constitutivos ou estatutos, por ato da assembleia
geral extraordinária, que detém competência originária na maté-
ria, com observância de quorum qualificado de instalação ou de
deliberação, embora possa haver delegação à administração para a
prática de certos atos; (ii) integralização prévia do capital subscri-
to; (iii) direito de preferência aos antigos acionistas; e (iv) integra-
lização, no ato da subscrição do aumento de capital, de um
percentual mínimo. Já nos sistemas da common law, os aumentos
de capital são realizados com grande simplicidade, sem maiores
formalismos, com a intervenção predominante dos órgãos de ad-
ministração, sendo desnecessária reforma estatutária, já que as
companhias adotam o regime do capital autorizado925.

925 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas. São
Paulo: Saraiva, 1988, p. 104-120.
Entre nós, a matéria tem passado por interessante evolução. Por um
lado, a Lei das S.A. segue o sistema mais rigoroso dos países de filiação
romano-germânica, embora com algumaflexibilidade,que se verifica na
adoção do regime de capital autorizado e na possibilidade de ser negado
o direito de preferência nas subscrições públicas. Por outro lado, tendo a
legislação sobre o mercado de capitais sofrido decisiva influência do sis-
tema norte-americano, a regulamentação administrativa da Comissão
de Valores Mobiliários referente às subscrições públicas (ofertas públicas
de venda) apresenta maior pragmatismo, visando a evitar que elas sejam
inviabilizadas pelo excessivo lapso temporal entre a decisão de aumentar
o capital e a efetiva captação de recursos dos investidores926.
O aumento de capital mediante subscrição de ações pode ser defi-
nido como o procedimento - ou seja, sucessão de atos que se agrupam
para atingir determinado fim - vinculado ou formal, no sentido de que
deve seguir os requisitos e formalidades previstos em lei, embora exista
margem de discricionariedade para a assembleia geral ou o conselho de
administração (no caso de capital autorizado) avaliar a conveniência e
oportunidade da operação927.
A deliberação da assembleia geral ou do conselho de adminis-
tração, na sociedade de capital autorizado, que aprova o aumento de
capital mediante subscrição de ações, constitui declaração de vontade
mediante a qual a companhia formula uma proposta aos acionistas e
investidores para que eles comprem as ações que serão emitidas928.
Assim, constituindo tal deliberação uma proposta de celebração
de negócio jurídico, a oferta vincula a companhia, que não pode revo-
gá-la ou alterá-la unilateralmente, apenas em decorrência de sua von-
tade. Na subscrição pública aplica-se ao aumento de capital o disposto

926 A esse respeito, ver a Instrução CVM n° 400/2003, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM n™ 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010.
927 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas..., p. 137.
928 LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN, "Modificação do Capital Social". In: Alfredo Lamy
Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. II, Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 1.379.
nos artigos 427 e 429 do Código Civil, nos termos dos quais a oferta
dirigida ao público, desde que contenha os requisitos essenciais do
contrato, eqüivale a uma proposta, obrigando o proponente, salvo se
o contrário resultar dos termos da oferta, da natureza do negócio ou
das circunstâncias do caso929.
As subscrições das ações eqüivalem, por sua vez, a declarações
de aceitação da proposta, apresentando natureza contratual; a assina-
tura da lista ou boletim de subscrição corresponde à celebração de um
contrato, mediante o qual o subscritor adere ao contrato plurilateral
de sociedade, gerando, em conseqüência, direitos e obrigações irre-
tratáveis para o subscritor e a companhia930.
A partir da subscrição das ações, opera-se a efetivação do au-
mento de capital, o qual não poderá ser modificado ou revogado; o
valor correspondente às ações passa a integrar, para todos os efei-
tos legais e contábeis, o patrimônio da companhia, ainda que elas
não tenham sido integralizadas.
O fato de a proposta de aumento de capital mediante subscrição
de ações ser irrevogável não impede, porém, que a companhia subor-
dine sua realização ao implemento de determinadas condições, desde
que o faça expressamente. Ou seja, o aumento de capital não pode,
deixar de ser realizado exclusivamente em virtude da vontade da com-
panhia, porém sua eficácia pode ser condicionada a acontecimentos
futuros e incertos, que não dependam da vontade do ofertante. Como
em qualquer outro negócio jurídico, é lícito que o ofertante - a com-
panhia - estabeleça determinadas condições, desde que não potesta-
tivas, às quais esteja subordinada a eficácia do aumento de capital.

929 Os arts.- 427 e 429 do Código Civil assim dispõem: (i) "Art. 427. A proposta de contrato
obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio,
ou das circunstâncias do caso."; (ii) "Art. 429. A oferta ao público eqüivale a proposta
quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das
circunstâncias ou dos usos. Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua
divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada."
930 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas..., p. 217.
Prevalece o princípio de que qualquer condição imposta à eficá-
cia do aumento de capital mediante subscrição de ações somente será
legítima na medida em que esteja fundamentada em interesse legíti-
mo da companhia931. Se a condição visa unicamente a favorecer os
acionistas controladores ou novos acionistas, será irregular por não
atender ao interesse social. Também será irregular a fixação de condi-
ções contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, se tive-
rem por fim privar a oferta de qualquer efeito ou a sujeitarem ao puro
arbítrio do ofertante, se forem física ou juridicamente impossíveis, ou,
ainda, incompreensíveis ou contraditórias932.
O primeiro requisito prévio ao aumento de capital mediante subs-
crição de ações é o de já ter sido integralizado 3/4 (três quartos) do capi-
tal. No regime anterior, exigia-se que o capital estivesse integralmente
realizado para que a companhia pudesse aumentá-lo. A redução para
3/4 (três quartos) do capital justifica-se para evitar que a companhia fi-
que impedida de aumentar o capital enquanto não consegue cobrar dos
subscritores todo o preço de emissão de ações não integralizadas. Assim,
o critério atual concede maior flexibilidade à sociedade, que não precisa
aguardar o término dos processos de cobrança contra os acionistas re-
missos para buscar novos recursos mediante a emissão de ações933.
Tratando-se de companhia com capital autorizado, decidindo os
administradores aumentar o capital, basta a deliberação favorável do

931 A CVM admite que, mesmo na oferta pública de venda de ações, pode a companhia
estabelecer condições, desde que correspondam a um interesse legítimo. Nesse sentido,
assim dispõe o art. 22 da Instrução CVM n° 400/2003: "A oferta deverá ser irrevogável, mas
poderá ser sujeita a condições que correspondam a um interesse legítimo do ofertante, que
não afetem o funcionamento normal do mercado e cujo implemento não dependa de
atuação direta ou indireta do ofertante ou de pessoas a ele vinculadas."
932 Ver, a propósito, os arts. 123 e 124 do Código Civil, que assim dispõem: (i) "Art. 123. Invalidam
os negócios jurídicos que lhes são subordinados: I - as condições física ou juridicamente
impossíveis, quando suspensivas; II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita; III - as
condições incompreensíveis ou contraditórias."; (ii) "Art, 124. Têm-se por inexistentes as
condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível."
933 Exposição e Motivos n° 196, de 24.06.1976; EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALE-
XANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São
Paulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 151.
conselho de administração, desde que o aumento se realize dentro do
limite autorizado no estatuto934.
No entanto, (i) se a companhia é de capital autorizado e a com-
petência para deliberar sobre o aumento de capital, mesmo dentro do
limite, é da assembleia geral (hipótese rara); ou (ii) se o limite autori-
zado no estatuto já foi alcançado, será necessária a realização de as-
sembleia geral extraordinária. Nessa última hipótese, haverá
necessidade de alterar o estatuto para estabelecer o novo limite de
capital autorizado; na primeira, não se modificará o estatuto.
Já no caso da companhia com capital fixo, deverá ser sempre
convocada assembleia geral extraordinária para deliberar sobre o au-
mento e a conseqüente reforma do estatuto.

S U B S C R I Ç Ã O PÚBLICA E PARTICULAR

O aumento de capital pode ocorrer mediante subscrição pública ou


particular das ações. Na primeira hipótese, privativa das companhias abertas,
há necessidade de prévio registro da emissão na Comissão de Valores
Mobiliários, posto que caracterizado o apelo à poupança popular, bem
como a participação de instituição financeira atuando como unâerwriter.
Na subscrição particular, que pode ser realizada por companhia fechada
ou aberta, como não existe a procura de novos subscritores, os investido-
res do mercado, não há necessidade de registro junto à Comissão de
Valores Mobiliários nem de participação de instituição financeira935.
Na subscrição pública, deve ser observado o disposto no artigo 82, no
que couber (i) prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários, obede-
cendo às normas expedidas pela Autarquia, devendo ser apresentados pro-
jeto de estatuto social e prospecto936; e (ii) intermediação de instituição
financeira. Tratando-se de companhia que se constitui mediante subscri-

934 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 142 e 168 da Lei das S.A.
935 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 4° e 82 da Lei das S.A.
936 Ver a Instrução CVM nD 400/2003, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n'*
429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010.
ção pública, o pedido de registro deve ser acompanhado de estudo de
viabilidade econômica e financeira do empreendimento, podendo a
Comissão de Valores Mobiliários condicioná-lo a modificações no
estatuto ou no prospecto e denegá-lo por inviabilidade ou temeridade
do empreendimento ou inidoneidade dos fundadores (artigo 82, §
2o). Como a companhia não pode apresentar as informações requeri-
das pela regulamentação administrativa, referentes à sua atuação pre-
gressa, pois está se constituindo naquele momento, a Comissão de
Valores Mobiliários examina o mérito do empreendimento e a ido-
neidade dos fundadores. Se a companhia já está constituída e proce-
de à subscrição pública, não há necessidade de apresentar estudo de
viabilidade do empreendimento, nem cabe à Comissão de Valores
Mobiliários analisar o seu mérito, podendo apenas denegar o registro
caso as informações não sejam adequadamente prestadas ou condicio-
ná-lo a modificações no estatuto ou no prospecto937.
No caso de subscrição pública, nos termos do § 2°, seja de compa-
nhia com capital autorizado ou com capital fixo, a assembleia geral
pode delegar ao conselho de administração a competência para fixar o
preço de emissão de ações. Trata-se de procedimento que visa a agilizar
o aumento de capital; a assembleia delibera o montante do aumento e
as espécies e as classes de ações que serão emitidas, autorizando o con-
selho a fixar o seu preço de emissão, no momento mais adequado.

P R E Ç O DE E M I S S Ã O D A S A Ç Õ E S

O aumento de capital deve seguir o procedimento estabelecido


no § 1°, com a redação que lhe foi dada pela Lei n°' 9.457/1997,
para a fixação do preço de emissão das ações.

937 Ver os comentários ao art. 82 da Lei das S.A. Sobre o processo de registro na CVM e sobre as
informações que devem ser prestadas pela companhia ao emitir publicamente suas ações, ver
Instrução CVM n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 488/
2010. Sobre o papel da CVM no registro das subscrições públicas, ver NELSON EIZIRIK,
ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de
Capitais - Regime Jurídico. 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 135 e seguintes.
A norma introduziu em nosso sistema o princípio fundamental de
que as ações devem ser emitidas por seu valor econômico e não pelo seu
valor nominal. A prática, verificada na vigência do Decreto-Lei n° 2.627/
1940, de emitir ações pelo valor nominal, q u a n d o a companhia podia
colocá-las n o mercado p o r valor m u i t o superior, trazia 2 (duas) conse-
qüências manifestamente negativas: proporcionava u m ganho injustifi-
cado aos acionistas que exerciam seu direito de preferência pelo valor
nominal e depois vendiam as ações pelo valor de Bolsa, seguidamente
muito superior, diluía injustificadamente a participação dos antigos acio-
nistas que não tinham condições de acompanhar o aumento de capital.

Assim, o dispositivo d o § 1° consagrou o princípio de que a emissão


pelo valor econômico - calculado t e n d o e m vista o valor patrimonial,
o valor de m e r c a d o e as perspectivas de rentabilidade - é a solução
que m e l h o r atende os interesses de todos os acionistas, inclusive dos
que não subscrevem as novas ações 938 .

Se o preço de emissão das ações é fixado muito abaixo do seu valor


econômico, o subscritor pagará menos do que elas valem, para tornar-se
acionista ou aumentar a sua participação n o capital. O s acionistas que
não acompanharem o aumento de capital terão sua participação no pa-
trimônio da companhia injustificadamente diluída na proporção do pre-
ço que favoreceu os subscritores. Assim, pode-se dizer que ocorre uma
transferência indireta do valor dos acionistas atuais não subscritores para
os que subscreveram o aumento de capital 939 :

938 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que "para proteção dos acionis-
tas minoritários, o § 1° estabelece que as novas ações devem ser emitidas por preço
\ compatível com o valor econômico da ação (de troca, de patrimônio líquido, ou de
rentabilidade), e não pelo valor nominal. A emissão de ações pelo valor nominal, quando
a companhia pode colocá-las por preço superior, conduz à diluição desnecessária e
injustificada dos acionistas que não têm condições de acompanhar o aumento, ou sim-
' plesmente desatentos à publicação de atos societários. A existência do direito de preferên-
cia nem sempre oferece proteção adequada a todos os acionistas. A emissão de ações pelo
valor econômico é a solução que melhor protege os interesses de todos os acionistas,
inclusive daqueles que não subscrevem o aumento, e por isso deve ser a adotada pelos
órgãos competentes para deliberar sobre o aumento de capital (...)."
939 MARIO ENGLER PINTO JÚNIOR, "A Capitalização da Companhia". In: Maria Eugênia Reis
Finkelstein e José Marcelo Martins Proença (Coord.). Sociedades Anônimas. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 268.
Em sua redação original, o § 1° não mencionava a expressão
"alternativa ou conjuntamente", dele constante a partir da reforma
de 1997, o que suscitou grande controvérsia, inclusive na esfera ju-
dicial, sustentando-se, em alguns acórdãos, que os parâmetros ali
mencionados deveriam ser atendidos cumulativamente; em outros
que não poderia ser adotado o valor de bolsa quando muito inferior
ao valor patrimonial. Verificou-se, ainda, equivocada orientação dou-
trinária e jurisprüdencial de que deveria-prevalecer o parâmetro "va-
lor patrimonial", o que criou embaraços indevidos à capitalização
das companhias que desejavam aumentar seu capital940.
A nova redação da norma visou a corrigir os equívocos de inter-
pretação até então verificados, ficando claro que não é necessário que
a companhia utilize os 3 (três) critérios em conjunto, ou faça qual-
quer ponderação entre eles. Pode, portanto, ser legitimamente utili-
zado um dos critérios ou efetivar-se uma ponderação entre 2 (dois) ou
os 3 (três) deles, por decisão fundamentada da companhia.
Confirmou-se o objetivo original da Lei das S.A. de conferir um
poder discricionário ao órgão que decide o aumento de capital - as-
sembleia geral ou conselho de administração - no estabelecimento
do preço de emissão das ações por ocasião do aumento de capital941.
A escolha dos parâmetros para a fixação do preço de emissão
constitui decisão discricionária da companhia. Não pode o acionista
minoritário contestá-la por entender que não são os mais adequados,
exceto se demonstrar a ilegalidade da decisão.
Tratando-se de companhia aberta com ações negociadas em
Bolsa de Valores ou em mercado de balcão organizado e dotadas de
índices razoáveis de liquidez, o parâmetro mais adequado será o de

NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais. 2'1 edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 94-95.
FÁBIO KONDER COMPARATO, "A Fixação do Preço de Emissão das Ações no Aumento de
Capital da Sociedade Anônima", Revista de Direito Mercantil, Industriai, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 81, janeiro-março, 1991, p. 82.
cotação de suas ações. Existe uma presunção absoluta de liquidez das
ações que integram os índices da Bolsa942; com relação às demais,
deverá a proposta de aumento de capital demonstrar que apresentam
liquidez suficiente, medida em volume de negócios, seja quanto ao
número, seja quanto ao valor, para justificar a escolha de tal critério.
Em geral, as companhias abertas adotam o processo de bookbuilding,
o qual tem por finalidade servir de base para a fixação do preço da
oferta. Por meio desse procedimento, os underwriters buscam identi-
ficar a demanda pelos títulos, aferindo o interesse do mercado pela
nova emissão mediante as diversas propostas de compra recebidas
dos potenciais destinatários. De posse de tais informações, os un-
derwriters, em conjunto com a companhia emissora, fixam o preço
de lançamento das ações943.
Com a nova redação dada pela Lei n° 9.457/1997 ao § 1°, inciso
III, admite-se que, quando for utilizado o parâmetro "cotação das
ações", podem elas ser emitidas com ágio ou deságio, ou seja, a preços
superiores ou inferiores aos de sua cotação no mercado secundário.
A utilização do deságio é bastante usual, uma vez que, sem um
"desconto" no preço de negociação no mercado secundário, não haverá
nenhuma razão para o investidor comprar as novas ações emitidas.
Ademais, a emissão de novas ações, em geral, afeta as cotações daque-
les papéis dada a variação de sua oferta no mercado. Assim, na prática
do mercado, as ações são quase sempre emitidas com deságio em rela-
ção ao valor de cotação no mercado secundário. Já a possibilidade de se
emitir ações com ágio, ou seja, acima da cotação, é remota. Em princí-
pio, seria justificável o ágio quando houvesse uma demanda para tais

942 Os principais índices em que se presume a liquidez das ações que os integram sao:
Ibovespa, lBrX-50 e IBrX.
943 Ver a Instrução CVM n° 400/2003, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n°s 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010. Sobre esse assunto, ver,
também, NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS
HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2'1 edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 187-190.
ações superior à sua oferta no mercado secundário, o que somente
ocorreria se não fossem tais títulos dotados de liquidez. Não apresen-
tando as ações liquidez, não se justificaria a utilização do critério de
cotação em Bolsa de Valores ou mercado de balcão.
Se a companhia emite ações de diversas espécies ou classes, ad-
mite-se a fixação de preços de emissão diferentes, no mesmo aumen-
to de capital, desde que todas as ações apresentem índices significativos
de liquidez e tenham cotações díspares no mercado944.
Se a companhia é fechada, ou, sendo aberta, suas ações não apre-
sentam liquidez no mercado, o preço de emissão deverá levar em con-
sideração os 2 (dois) outros parâmetros: a perspectiva de rentabilidade
da companhia; e o valor de patrimônio líquido da ação, isoladamente
ou em conjunto, a critério da companhia.
O valor patrimonial da ação, facilmente constatável, posto que re-
sulta da divisão do valor do patrimônio líquido constante do balanço
pelo número de ações, pode não ser aconselhável em função da even-
tual inconsistência das demonstrações contábeis das companhias fe-
chadas, que não têm suas contas revisadas por auditor independente.
Há, ainda, outro aspecto que pode dificultar a utilização das de-
monstrações contábeis para a obtenção do valor econômico de uma
companhia: os ativos e passivos constantes dos relatórios contábeis
variam muito em suas respectivas avaliações, pois, conforme a sua
natureza, as normas contábeis podem determinar uma ou outra for-
ma de mensuração. Existem diversas formas de avaliação de ativos e
passivos em uma demonstração contábil, tais como: custo histórico,
valor presente líquido, valor de mercado, valor justo, etc.
O valor patrimonial contábil apresenta uma "fotografia" estática
da companhia em uma determinada data, não refletindo toda a dinâ-
mica da atividade empresarial, principalmente a futura, que é um dos
principais componentes na formação do valor da empresa.
A utilização do valor patrimonial contábil pode ocorrer no caso de
sociedades constituídas para a manutenção ou consolidação de bens
imóveis ou para a realização de investimentos de longa maturação, cu-
jas taxas de retorno sejam de difícil mensuração. Também é aconselhá-
vel a utilização do valor patrimonial quando a companhia necessita
com urgência de recursos, ou o montante da emissão é reduzido, não
podendo aguardar um laudo que apure o seu valor econômico ou não
dispondo de recursos para contratar uma empresa especializada.
O método de fixação do valor econômico com base no patrimônio
Kquido é muito utilizado em avaliações judiciais de empresas945, inclusive
em casos envolvendo a fixação do preço de emissão das ações946, o que
pode ser explicado por sua maior simplicidade e facilidade de apuração.
Mediante o parâmetro mencionado no inciso I do § 1°, busca-se
aferir a taxa de retomo do investimento representado pela subscrição
de ações dentro de um período determinado; ou seja, transmite-se ao
subscritor a informação sobre quanto provavelmente lucrará, para que
ele possa comparar tal alternativa de investimento com outras.
H á vários métodos para se calcular as perspectivas de rentabilida-
de: (i) modelo do valor dos dividendos descontados, que tem como
base o fluxo futuro de dividendos; (ii) método baseado no indicador
preço/lucro (P/L) de ações similares, que utiliza a comparação da empre-
sa com outras que apresentam características semelhantes, por atuarem
no mesmo setor, ou terem nível tecnológico comparável; (iii) modelo
de capitalização dos lucros, que parte dos lucros médios ponderados
antes dos juros e impostos e procede à sua capitalização com o uso de

945 ANTONIO LOPO, LAURO BRITO, PAULO ROBERTO DA SILVA e ELISEU MARTINS, "Ava-
liação de Empresas". In: Eliseu Martins (Org.). Avaliação de Empresas: da Mensuração
Contábil à Econômica. São Raulo: Atlas, 2009, p. 267. Ver, também, MARTINHO MAURÍ-
CIO GOMES DE ORNELAS. Avaliação de Sociedades: Apuração de Haveres em Processos
Judiciais. São Paulo: Atlas, 2003.
946 Há várias decisões judiciais que consideravam incorreto o valor de emissão das ações por
não estar baseado no seu valor patrimonial: ALFREDO SÉRGIO LAZZARESCHI NETO. Lei
das Sociedades por Ações Anotada. 3a edição, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 458.
uma taxa subjetivamente determinada; e (iv) modelo dos múltiplos
de fluxo de caixa e/ou do EBITDA*41, mediante o qual se busca obter
o valor do potencial de geração do caixa, antes de consideradas as
depreciações, produzidas pelos ativos operacionais (excluindo-se as-
sim as receitas financeiras), sem os efeitos decorrentes da forma de
financiamento da empresa (excluindo-se também as despesas finan-
ceiras) e antes dos efeitos dos impostos sobre o resultado948.
O EBITDA foi muito utilizado, na prática do mercado norte-
-americano, principalmente na década de 1980, para a avaliação de
investimento de capital949. Atualmente são conhecidos diversos fato-
res que podem distorcer o valor econômico da empresa quando utili-
zado o EBITDA como medida de valor950.
Dentre todos os modelos de avaliação econômica, atualmente o do
fluxo de caixa livre descontado é aquele tido como o que melhor apre-
senta a efetiva capacidade de geração de riqueza de determinado empre-
endimento, já que se propõe a retratar o seu potencial econômico, nele
incluído o seu gooâwill. Assim, muito resumidamente, o valor econômi-
co da companhia representa o potencial de geração de riqueza que seus
ativos propiciam, dentro de um período determinado (o "período de pro-
jeção"), trazidos a valor presente, mediante uma taxa de desconto que
represente adequadamente o risco desse fluxo951-9S2(pses').

947 O EBITDA ê a abreviação do termo Earnings Before Interests, Taxes, Depreciation and
Amortization. No Brasil, é comum a utilização da expressão LAJIDA, que significa Lucro
antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização.
948 ANTONIO LOPO, LAURO BRITO, PAULO ROBERTO DA SILVA e ELISEU MARTINS, "Ava-
liação de Empresas". In: Eliseu Martins (Org.). Avaliação de Empresas: da Mensuração
Contábil à Econômica..., p. 270-272.
949 SHANNON PRATT. The Lawyer's Business Valuation Handbook. Chicago: American Bar
Association, 2000, p. 97.
950 Sobre os problemas do uso do EBITIDA, ver PAMELA M. STUMPP, TOM MARSHELLA,
MIKE ROWAN, ROB MCCREARY and MONICA COPPOLA, "Putling EBITIDA in Perspective
- Tem Criticai failings of EBITIDA as the Principal Determinant of Cash Flovv", Mooddy's
lnvestors Service, Global Credit Research, Special Comment. June, 2000, p. 1-24.
951 ANTONIO LOPO, LAURO BRITO, PAULO ROBERTO DA SILVA e ELISEU MARTINS, "Ava-
liação de Empresas". In: Eliseu Martins (Org.). Avaliação de Empresas: da Mensuração
Contábil à Econômica..., p. 275.
Embora caiba à companhia, com exclusividade, escolher o parâ-
metro que considerar mais adequado, o § 7°, acrescentado pela Lei n°
9.457/1997, estabelece que a proposta de aumento de capital deverá
esclarecer qual foi o critério adotado para fixar o preço de emissão das
ações, justificando os aspectos econômicos que determinaram a sua
escolha953. Ou seja, deve o órgão competente explicitar as razões eco-
nômicas que legitimam o preço de emissão, demonstrando a adequa-
ção do critério utilizado à situação da companhia. Por outro lado, não
há qualquer exigência legal de demonstrar-se as razões econômicas
que levaram a companhia a decidir aumentar seu capital, presumindo-
-se a legitimidade da operação, posto que os acionistas estão colocando
recursos próprios para a capitalização da empresa.

Se as ações da companhia apresentam liquidez no mercado se-


cundário, o critério mais adequado será o da sua cotação, admitindo-se
deságio para tornar mais atraente a emissão. Basta, no caso, que se
demonstre qual foi a cotação média das ações durante um período de-
terminado. Tratando-se de valor patrimonial, é suficiente a apresenta-
ção das demonstrações contábeis que amparam tal cálculo. Já no caso
das perspectivas de rentabilidade, é necessário que a justificativa do preço
de emissão seja acompanhada de um laudo econômico, preferencial-
mente elaborado por profissional especializado e independente.

DILUIÇÃO INJUSTIFICADA

O preço de emissão não deve causar a "diluição injustificada"


da participação dos antigos acionistas, que pode ocorrer quando

952 Sobre os métodos de avaliação e os problemas que podem decorrer do uso do custo
médio ponderado de capital (CMPC) na avaliação de empresas, ver VINÍCIUS MARTINS.
Interação Entre Estrutura de Capital, Valor da Empresa e Valor dos Ativos. Tese de
Doutorado do Programa de Controladoria e Contabilidade do Departamento de Con-
tabilidade da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Univer-
sidade de São Paulo (USP), 2005.
953 A esse respeito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo
Sancionador n° R) 2005/5132, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. em 22.08.2006.
eles não subscrevem as novas ações. A diluição pode verificar-se
nos direitos patrimoniais e políticos, sendo aceita pela Lei das S.A.,
desde que justificável954.
A diluição patrimonial de suas ações, entendida como diminuição
do seu valor econômico, ocorre quando o acionista não exerce o direito
de preferência. Com efeito, o aumento do número de ações modifica a
fração do lucro ou do patrimônio líquido que cabe a cada ação e, conse-
quentemente, diminui o seu valor econômico, a não ser que a nova emis-
são de ações seja acompanhada do aumento, na mesma proporção, do
lucro total ou do patrimônio líquido a ser rateado entre todas as ações955.
Assim, por exemplo, se uma companhia tem as suas ações nego-
ciadas em Bolsa de Valores por R$ 1,50 (um real e cinqüenta centa-
vos) e o valor patrimonial da ação é de R$ 3,00 (três reais), as ações
serão emitidas pela sua cotação no mercado, pois nenhum investidor
as subscreveria por um valor muito superior àquele pelo qual poderia
adquiri-las no mercado. O acionista que não subscrever as novas ações
terá sua participação no patrimônio diluído, mas tal diluição é justifi-
cada, e, portanto, legal, pelo fato de não ser viável a colocação no
mercado por um preço superior à cotação das ações956.
Há diluição "política" quando o acionista que não subscreve as novas
ações perde determinados direitos pelo fato de ver a sua participação relati-
va no capital diminuída. Por exemplo, se um acionista que detinha 5%
(cinco por cento) do capital não exerce o seu direito de preferência e tem a
sua participação reduzida, perderá direitos que lhe eram assegurados pela

954 Nesse sentido, ver as decisões da (i) 4a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, proferida nos autos da Apelação Cível n° 507637-4/8, Rei. Des. José
Geraldo Jacobina Rabelio, j. em 13.11.2008, publicada no DOSP em 05.12.2008, e
(ii) 9" Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferida nos
autos da Apelação Cível n° 2008.001.13308, Rei. Des. Carlos Santos de Oliveira, j. em
29.04.2008, publicada no DORJ em 08.05.2008.
955 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
956 A esse respeito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo
CVM n° RJ 2006/0180, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. em 11.04.2006.
sua posição anterior no capital, como os de pedir informações ao conse-
lho fiscal (artigo 163, § 6°) ou requerer a exibição dos livros da compa-
nhia (artigo 105)957. Se o aumento de capital foi realizado no interesse
social, a diluição de sua posição acionária é justificada.
Não tendo o aumento de capital por fim o interesse da compa-
nhia, mas visando apenas a promover a diluição da participação dos
minoritários, seja sob a perspectiva patrimonial, seja no exercício de
seus direitos, caracteriza-se o abuso do poder de controle958. Porém,
não se presume o comportamento abusivo do controlador, cabendo
ao acionista insatisfeito com o aumento provar que a diluição que
sofreu não foi justificada. Provada a diluição injustificada, cabe a res-
ponsabilização dos acionistas controladores e administradores pelos
danos causados aos minoritários.

SUBSCRIÇÃO COM BENS

As ações podem ser subscritas com dinheiro ou com bens, desde


que suscetíveis de avaliação em dinheiro959. De acordo com o § 3°,
integralizado o capital com bens, a sua avaliação deverá ser feita por 3

957 Citem-se, ainda, outros exemplos de direitos políticos: os acionistas que representam 0,5%
(meio por cento) ou mais do capital têm o direito de obter a relação de endereços dos
acionistas aos quais a companhia enviou pedidos de procuração (art. 126, § 3o). Os
titulares de 5 % (cinco por cento), pelo menos, do capital social têm, também, o direito de:
(i) propor ação judicial contra os administradores, caso a assembleia delibere não promo-
ver a ação (art. 159, § 4o); (ii) propor ação de dissolução da companhia que não pode
preencher o seu fim (art. 206, inciso II, alínea "b"); (iii) propor ação de perdas e danos
contra a sociedade controladora pelos prejuízos causados, por abuso de poder, à compa-
nhia controlada (art. 246, § I o , alínea "a"). Os acionistas titulares de 0,1 (um décimo) do
capitai com direito a voto podem requerer a adoção do processo de voto múltiplo para
eleição do conselho de administração (art. 141) e quando o funcionamento do conselho
fiscal não for permanente, podem solicitar a sua instalação, o mesmo direito têm os
acionistas titulares de 5 % (cinco por cento) das ações sem direito a voto (art. 161, § 2o). Na
constituição do conselho fiscal, os titulares de 10% (dez por cento) ou mais das ações com
direito a voto terão direito de eleger, em votação em separado 1 (um) membro e respectivo
suplente (art. 161, 4o).
958 Ver os comentários ao art. 117 da Lei das S.A. A Instrução CVM n" 323/2000, no inciso VIII
do art. 1 o , considera como modalidade de comportamento abusivo do controlador a
promoção de diluição injustificada dos acionistas não controladores, por meio de aumen-
to de capital em proporções desarrazoadas.
(três) peritos ou empresa especializada, que apresentarão laudo funda-
mentado e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados960.
Ademais, devem ser seguidas as formalidades para a transferência dos
bens do subscritor para a sociedade961. Integralizado o capital em di-
nheiro, pode a companhia receber as entradas e prestações das realiza-
ções das ações sem necessidade de depósito bancário, nos termos do §
4°; com efeito, não há qualquer razão para negar aos administradores
competência para receber o produto do aumento de capital, já que lhes
compete a gestão do patrimônio social962.

S U B S C R I Ç Ã O PARCIAL

É válido o aumento de capital parcialmente subscrito, desde que a


deliberação que o aprove mencione expressamente tal condição. Em-
bora a subscrição integral seja condição necessária para a constituição
da companhia, o § 6° do presente artigo estabelece que se aplica, no
que couber, o disposto sobre a constituição da companhia. Trata-se de
situação diversa, uma vez que, na constituição, o requisito da subscrição
da totalidade das ações justifica-se na medida em que, naquele mo-
mento, o capital, entendido como o conjunto de recursos com que conta
a companhia para iniciar suas atividades, está sendo formado963.
Tratando-se de subscrição particular, prepondera a deliberação
dos acionistas em assembleia geral, ou do conselho de administra-
ção, por delegação do estatuto; assim, podem os acionistas estabe-
lecer que o aumento será válido, ainda que nem todas as ações sejam
subscritas, desde que atingido um valor mínimo964.

960 Ver os comentários ao art. 8 o da Lei das S.A. ;


961 Ver os comentários ao art. 98 da Lei das S.A.
962 A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, observa que "as prestações da realização do
aumento poderão ser recebidas pela companhia independentemente de depósito bancário (§ 4°)
porque não existem, na hipótese, as razões que justificam a exigência do depósito na constitui-
ção da companhia: na sociedade em funcionamento, não há motivo para negar aos administra-
dores eleitos pelos acionistas competência para receber o produto do aumento de capital,
quando já têm, sob sua responsabilidade, a gestão de todo o patrimônio da companhia."
963 Ver os comentários ao art. 80 da Lei das S.A.
964 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas...,
p. 157 e seguintes.
Tratando-se de subscrição pública ou privada de companhia aber-
ta, durante muito tempo prevaleceu na Comissão de Valores Mobiliá-
rios o entendimento de que seria inadmissível a homologação do
aumento de capital em bases diversas das originalmente estipuladas
por ocasião de sua autorização. Assim, diante de tal situação, a única
solução legítima, que possibilitaria aos subscritores reverem sua decisão
inicial de investir, seria a re-ratificação de todo o processo, mediante
realização de nova deliberação da assembleia geral ou do conselho de
administração, na hipótese do artigo 168. Em seguida, aprovadas as
bases do aumento, deveria ser feito novo registro da emissão na Co-
missão de Valores Mobiliários, no caso da subscrição pública, abrindo-
-se prazo para o exercício do direito de preferência965.

Posteriormente, a Comissão de Valores Mobiliários reformulou


sua posição, passando a admitir, acertadamente, que é válido o au-
mento de capital com subscrição parcial, desde que prevista expressa-
mente esta possibilidade na deliberação do aumento e especificada a
quantidade mínima de valores mobiliários ou o montante mínimo de
recursos para os quais será mantida a oferta pública966.

Direito de preferência
"Art. 171. Na proporção do número de ações que possuírem, os aci-
onistas terão preferência para a subscrição do aumento de capital.

§ 1" Se o capital for dividido em ações de diversas espécies ou


classes e o aumento for feito por emissão de mais de uma espécie
ou classe, observar-se-ão as seguintes normas:

965 Parecer de Orientação CVM n° 08/1981. .


966 Arts. 30 e 31 da Instrução CVM n° 400/2003, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM n°s 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010. Entendeu
também a CVM que, embora os aumentos de capital mediante subscrição privada não
tenham sido regulados pela Instrução CVM n° 400/2003, também neles é admitida a
subscrição parcial (decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo n°
RJ 2006/0214, Rei. Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, j. em 09.05.2006).
a) no caso de aumento, na mesma proporção, do número de ações
de todas as espécies e classes existentes, cada acionista exercerá o
direito de preferência sobre ações idênticas às de que for possuidor;

b) se as ações emitidas forem de espécies e classes existentes, mas


importarem alteração das respectivas proporções no capital social,
a preferência será exercida sobre ações de espécies e classes idênti-
cas às de que forem possuidores os acionistas, somente se esten-
dendo às demais se aquelas forem insuficientes para lhes assegurar,
no capital aumentado, a mesma proporção que tinham no capital
antes do aumento;

c) se houver emissão de ações de espécie ou classe diversa das


existentes, cada acionista exercerá a preferência, na proporção
do número de ações que possuir, sobre ações de todas as espécies
e classes do aumento.

§ 2° N o aumento mediante capitalização de créditos ou subscrição


em bens, será sempre assegurado aos acionistas o direito de prefe-
rência e, se for o caso, as importâncias por eles pagas serão entregues
ao titular do crédito a ser capitalizado ou do bem a ser incorporado.

§ 3° Os acionistas terão direito de preferência para subscrição


das emissões de debêntures conversíveis em ações, bônus de
subscrição e partes beneficiárias conversíveis em ações emiti-
das para alienação onerosa; mas na conversão desses títulos em
ações, ou na outorga e no exercício de opção de compra de ações,
não haverá direito de preferência.

§ 4° O estatuto ou a assembleia geralfixaráprazo de decadência, não


inferior a 30 (trinta) dias, para o exercício do direito de preferência.
§ 5° No usufruto e no fideicomisso, o direito de preferência, quan-
do não exercido pelo acionista até 10 (dez) dias antes do venci-
mento do prazo, poderá sê-lo pelo usufrutuário ou fideicomissário.

§ 6° O acionista poderá ceder seu direito de preferência.

§ 7° Na companhia aberta, o órgão que deliberar sobre a emissão


mediante subscrição particular deverá dispor sobre as sobras de
valores mobiliários não subscritos, podendo:

a) mandar vendê-las em bolsa, em benefício da companhia; ou

b) rateá-las, na proporção dos valores subscritos, entre os acio-


nistas que tiverem pedido, no boletim ou lista de subscrição, re-
serva de sobras; nesse caso, a condição constará dos boletins e
listas de subscrição e o saldo não rateado será vendido em bolsa,
nos termos da alínea anterior.

§ 8° Na companhia fechada, será obrigatório o rateio previsto na


alínea "b" do § 7°, podendo o saldo, se houver, ser subscrito por
terceiros, de acordo com os critérios estabelecidos pela assem-
bleia geral ou pelos órgãos da administração."

A norma disciplina o exercício do direito de preferência dos


antigos acionistas por ocasião do aumento de capital, seja em di-
nheiro, 'hipótese mais freqüente, seja mediante capitalização de
créditos ou subscrição em bens.
Embora classificado como um dos direitos essenciais do acionista,
o direito de preferência vem se tornando, cada vez mais, um direito
relativo, uma vez que, nas companhias de capital autorizado, pode ser
negado em ofertas de venda de ações no mercado de capitais967. Tal
como ocorre com a disciplina genérica do aumento de capital, o direi-
to de preferência apresenta um tratamento mais rigoroso nos sis-
temas de filiação romano-germânica, enquanto nos países
anglo-saxões praticamente não é exigido. No direito societário
norte-americano, em princípio, o estatuto da companhia pode li-
vremente regular a matéria, reconhecendo ou não o direito de pre-
ferência968. Se a outorga do direito de preferência privilegia o antigo
acionista, a sua negação., na companhia aberta, atende mais aos
interesses dos investidores do mercado de capitais, na medida em
que lhes permite participar da subscrição de novas ações969.
O direito de preferência foi introduzido nas leis societárias a par-
tir de sua reiterada inclusão em estatutos sociais, visando a corrigir
abusos originados pelo fato de as novas emissões serem subscritas
unicamente pelos acionistas controladores, com o que reduziam a
participação dos minoritários no capital social. Trata-se, assim, de um
bom exemplo de adoção, pelo direito societário, de prática corretiva
de abusos adotada nos estatutos de companhias970.
Com o direito de preferência objetiva-se permitir que os acionistas
mantenham a mesma posição que tinham antes do aumento de capital.
Constitui, assim, um instrumento dé proteção aos direitos patrimoniais e
políticos do acionista, pois, ao exercer o direito de preferência, ele mantém
o seu percentual no capital. Para tanto, o acionista deve subscrever as no-
vas ações emitidas, pagando o seu preço de emissão, com o que não sofre-
rá qualquer tipo de diluição em seus direitos políticos ou patrimoniais.
Assim, com o direito de preferência, a Lei das S.A. tutela 2 (dois)
interesses dos acionistas: (i) concorrer ao aumento de capital com
prioridade em relação a terceiros; e (ii) possibilitar a manutenção do

968 Model Business Corporation Act, arts. 26 e 26-A.


969 Ver os comentários ao art. 170 da Lei das S.A.
970 SAN TIAGO DANTAS. Problemas de Direito Positivo. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 266;
WALDEMAR FERRREIRA. Tratado das Sociedades Mercantis: o Estatuto da Sociedade de
Pessoas. 5= edição, v. 5, São Raulo: Saraiva, 1958, p. 1.520-1.524.
stcihis de sócio, quantitativa e qualitativamente igual à situação exis-
tente antes do aumento.
Ainda que a expressão "direito de preferência" esteja consagrada
no direito societário brasileiro, trata-se, na realidade, de um direito de
opção, pois inexiste, por ocasião da subscrição, concorrência entre os
acionistas e terceiros"1. A sua natureza é a de um verdadeiro "poder",
um direito potestativo que integra o estado de sócio e confere ao seu
titular a prerrogativa de atuar unilateralmente sobre a esfera jurídica
da companhia, que se encontra numa posição passiva, obrigada a su-
portar os efeitos jurídicos do seu exercício por parte do acionista972.
A preferência constitui uma expectativa de direito; uma vez delibe-
rado o aumento de capital com a emissão de novas ações, nasce o direito
expectado à subscrição, que pode ser exercido ao longo de todo o prazo
fixado pela assembleia geral ou pelo conselho de administração973. Antes
do aumento de capital, não há possibilidade de cessão ou de renúncia ao
direito de preferência, que constitui mera expectativa ou "direito abstra-
to". Deliberado o aumento e ab"erto o prazo para o seu exercício, o direito
de preferência passa a constituir uma prerrogativa in concretofrenteà com-
panhia, que pode ser objeto de renúncia ou de cessão a terceiro974.

971 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3a edição, São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 1984, p. 356.
972 FÁBIO KONDER COMPARATO. Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de
Janeiro: Forense, 1981, p. 177.
973 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEAES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anôni-
mas. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1989, p. 114; FÁBIO KONDER COMPARATO.
Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial..., p. 177. De acordo com PONTE5 DE
MIRANDA..Tratado de Direito Privado, t. V, 4 a edição, São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1983, p. 282-285, no direito expectativo o sujeito tem uma espera de direito,
que já integra o universo jurídico, daí decorrendo que tem o direito de adquirir o objeto
da expectativa. Já a expectativa de direito está fora do universo jurídico, não constituin-
do propriamente um direito. O exemplo clássico é o da diversidade de situações entre o
sujeito que, caso outrem viesse a falecer, seria seu herdeiro (expectativa de direito) e a do
sujeito que firmou com outro promessa de compra e venda de um bem (direito expectativo,
já que a ordem jurídica reconhece o direito do pré-contraente).
974 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Doação e Regime Jurídico das Ações Bonificadas".
In: Pareceres. v. I, São Raulo: Singular, 2004, p. 324.
Nos termos do § 6°, o acionista poderá ceder seu direito de prefe-
rência, após iniciado o prazo para o seu exercício. Trata-se, portanto, de
um direito negociável, diretamente com terceiro, em operação privada,
ou no mercado de capitais, mediante a alienação do direito de subscri-
ção ou do recibo de subscrição, que constituem valores mobiliários975.
O direito de subscrição pode ser conferido pela companhia aos seus
acionistas após a aprovação do aumento de capital, mas antes que ele
se realize; trata-se de um direito condicionado à efetivação do aumen-
to, correndo o adquirente o risco de que ele não seja efetivado. Já o
recibo constitui valor mobiliário emitido após o início do prazo de subs-
crição das ações, sendo limitado o risco de frustração do aumento às
hipóteses de aumento condicional ou de subscrição parcial.
Na companhia aberta é incompatível com o seu regime o esta-
belecimento de qualquer limitação estatutária ao direito do acionista
de negociar o direito de preferência. Na companhia fechada, como o
estatuto pode estabelecer limites à circulação de ações (artigo 36, ca-
put), é possível que seja restringido o direito de acionista de ceder seu
direito de preferência a terceiros.
O acionista tem também o direito de preferência quando a
companhia fechada aliena ações que estavam em tesouraria, posto
que, caso lhe fosse negado o direito, não teria condições de man-
ter a proporcionalidade de sua participação no capital, podendo
vê-la diluída injustificadamente 976 .
Uma das finalidades essenciais do direito de preferência é a de
permitir que o acionista mantenha a mesma posição antes detida.
Assim, a norma do § 1° visa a adaptar tal desiderato ao caso da com-
panhia que tem o capital dividido em diversas espécies ou classes e o
aumento for feito por emissão de mais de uma espécie ou classe.

975 Art. 2o, inciso II, da Lei n° 6.385/1976.


976 Ver os comentários ao art 30 da Lei das S.A.
Quando o aumento de capital ocorre na mesma proporção do nú-
mero de ações de todas as espécies e classes existentes, o direito de prefe-
rência será exercido sobre as ações idênticas de propriedade do acionista,
de sorte que ele mantém a posição acionária anterior, em percentagem
sobre o número de ações e sobre o número de cada espécie e classe.
Já quando o aumento se der mediante a elevação do número de
ações de espécies e classes existentes, mas importando alteração das res-
pectivas proporções no capital, prevalece a preferência para subscrição da
mesma espécie e classe às já possuídas pelo acionista. Como há, no caso,
modificação nas proporções anteriores, o acionista poderá subscrever
adicionalmente ações de espécie ou classe diversa das antes possuídas
para não ter a sua participação no capital reduzida proporcionalmente.
Na terceira hipótese — emissão de ações de espécie ou classe diver-
sa das existentes - o acionista exercerá o direito de preferência, na pro-
porção das ações já possuídas, sobre as novas ações de todas as espécies
e classes emitidas; assim, manterá a sua posição proporcional no capi-
tal social, ainda que em ações de classe ou espécie diversas das que
antes detinha. Se o capital for composto apenas por ações ordinárias e
forem emitidas ações preferenciais, os acionistas concorrerão à subscri-
ção das novas ações proporcionalmente à sua participação no capital.
O aumento de capital deve atender ao interesse social, não podendo
ser deliberado com o fim exclusivo de diluir a participação dos acionistas
minoritários em determinada classe ou espécie de ação, o que caracteri-
zaria modalidade de abuso do poder de controle977. É o que pode ocorrer
no caso de aumento de capital mediante a emissão apenas de ações pre-
ferenciais sem direito de voto, com o fim de reduzir os direitos políticos
dos minoritários, exceto se demonstrado que interessa à companhia au-
mentar a proporção de ações preferenciais, ou que os potenciais subscri-
tores não demonstram interesse na aquisição de ações ordinárias978- .

977 Ver os comentários ao art. 117 da Lei das S.A.


978 Nesse sentido, o Rirecer CVM/SJU n° 21/1990.
979 Sobre os direitos políticos, ver os comentários ao art. 170 da Lei das S.A.
No regime do Decreto-Lei n 2.627/1940, conforme orientação
doutrinária da época, somente existia o direito de preferência no au-
mento de capital mediante integralização das ações em dinheiro. As-
sim, comumente na capitalização o credor recebia o que lhe era devido
em ações emitidas pela companhia, sem que os demais acionistas pu-
dessem exercer o direito de preferência, o que diminuía a sua participa-
ção proporcional no capital980. A Lei das S.A., visando a corrigir tal
problema, assegura o direito de preferência tanto na integralização em
dinheiro como em créditos ou bens, conforme determina o § 2°.
Na capitalização de crédito, como não ocorre transferência de bem
ou direito, não há necessidade de avaliação por peritos, nos termos do
artigo 8°, desde que o crédito seja líquido, certo e reconhecido pelos
administradores da companhia, registrado nas demonstrações contá-
beis, bem como tenha sua exatidão atestada pelo conselho fiscal981.
O aumento de capital efetiva-se com a capitalização do crédito,
devendo a companhia informar aos acionistas em que prazo eles po-
dem, mediante a assinatura do boletim de subscrição, preferir o cre-
dor do crédito já capitalizado. Caso os acionistas não exerçam o direito
de preferência, o credor adquirirá as ações. Se exercerem, as impor-
tâncias que pagarem pela subscrição das ações serão entregues ao
titular do crédito. Como todo o aumento de capital é subscrito no
início do procedimento pelo titular do crédito, não existirão sobras.
Já no aumento de capital mediante subscrição em bens, o pro-
cedimento é mais complexo. Os bens deverão ser objeto de avalia-
ção, mediante laudo fundamentado, que deverá ser aprovado pela
assembleia geral (artigo 170, § 3°)982. Na assembleia que deliberar

980 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de Janeira:
Forense, 1953, p. 254-255.
981 Parecer CVM/SJU n° 131/1983. Ver, lambém, MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumen-
tos de Capital das Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 235; LUIZ ALBERTO
COLONNA ROSMAN, "Modificação do Capital Social". In: Alfredo Lamy Filho e José
Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. II, Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 1.406.
sobre o valor dos bens, o acionista que com eles concorrer para a
integralização do capital está impedido de votar983.
O capital social pode, com efeito, ser formado ou aumentado
com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens, des-
de que suscetíveis de avaliação em dinheiro (artigo 7°). A expressão
"bens" compreende todas as coisas corpóreas ou incorpóreas, móveis
ou imóveis, desde que seu valor possa ser estimado em dinheiro.
Assim, admite-se a integralização de ações com máquinas, equi-
pamentos, terrenos, edifícios, utensílios, veículos, concessões mine-
rárias, estabelecimento industrial ou comercial, patentes de invenções
e marcas de indústria, títulos de crédito e valores mobiliários, como
debêntures e ações, desde que passíveis de avaliação em dinheiro.
Ademais, os bens devem estar relacionados ao objeto social da com-
panhia ou ter uma utilidade efetiva para o desenvolvimento de suas
atividades984. Tratando-se o capital de garantia dos credores e piso
para medição dos resultados do empreendimento, os bens devem ser
atuais, penhoráveis e economicamente viáveis985.
Por outro lado, não são admitidos para integralizar o aumento de
capital o know-how, por estar vinculado à pessoa que o detém986, as-
sim como o trabalho e as prestações de serviços em geral, pela mesma
razão: são indissociáveis das pessoas987.

983 Ver os comentários ao art. 115 da Lei das S.A.


984 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 1, 5a edição,
São ftiulo: Saraiva, 2007, p. 111. A respeito da integralização de ações com bens, ver os
comentários ao art. 7° da Lei das S.A.
985 Ver os comentários ao art. 7a da Lei das S.A.
986 Sobre o assunto, ver DENIS BORGES BARBOSA, "Da Conferência de Bens Intangíveis ao
Capital das Sociedades Anônimas", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 37, janeiro-março, 1980, p. 47-48.
987 No direito societário norte-americano admile-se, em geral, que os serviços prestados podem
ser considerados bens que integram o capital. Sobre esse assunto, ver HARRY C. HENN e
JOHN R. ALEXANDER. Law of Corporations and Other Business Enterprise. St. Paul, Minn.:
West Pub., 1983, p. 305. No direito francês, admite-se, a partir da Lei n° 2001-420, de
15.05.2001, o conferimento de trabalho ou serviços, desde que exista previsão estatutária.
Para uma análise do assunto, ver MASSIMO MIOLA, "II Sistema dei Capitale Sociale e Le
Prospettive di Riforma nel Diritto Europeo delle Società di Capitali", Rivista delle Societa.
Milão: Giuffrè, novembro-dezembro, ano 50, 2005, fascículo 6, p. 1.199 e seguinles.
Da mesma forma que ocorre com a capitalização de crédito, na
integralização com bens as importâncias pagas pelo acionista que
exerce o seu direito de preferência serão entregues ao titular do bem a
ser incorporado, que não receberá as ações correspondentes.
Caso o valor do crédito ou do bem seja superior ao valor dos
direitos de preferência, o excedente não será atribuído àquele que in-
tegralizou com créditos ou bens em novas ações, o que lesaria os de-
mais acionistas, pois alteraria a proporcionalidade, mas em dinheiro988.
Conforme o § 3°, os acionistas também terão o direito de prefe-
rência para subscrever valores mobiliários conversíveis em ações: de-
bêntures, bônus de subscrição e partes beneficiárias. A finalidade da
norma é também permitir ao acionista manter a mesma participação
proporcional no capital. O direito surge e somente pode ser exercido
quando da emissão dos títulos, não quando de sua conversão, mo-
mento em que já estão incorporados ao patrimônio de seu titular.
Não há direito de preferência por ocasião da outorga e do exercício
de opção de compra de ações. A opção tem por finalidade permitir aos
administradores, empregados e prestadores de serviços a participação
nos lucros da companhia e na valorização das ações de sua emissão no
mercado. Trata-se de um direito, não de um valor mobiliário, a ser exer-
cido em virtude da promessa unilateral da companhia de alienar ações
de sua emissão aos beneficiários por um valor fixado no plano de outor-
ga, o qual deve ser aprovado pela assembleia geral989.
O prazo para o exercício do direito de preferência, fixado no es-
tatuto ou determinado pela assembleia geral ou pelo conselho de ad-
ministração, conforme o caso, não poderá ser inferior a 30 (trinta)
dias, exceto na companhia de capital autorizado990. De acordo com o

988 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Raulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 162.
989 Ver os comentários ao art. 168 da Lei das S.A.
990 Ver os comentários ao art 172 da Lei das S.A.
§ 4°, trata-se de prazo de decadência, portanto, contínuo e impror-
rogável, não podendo ser interrompido ou suspenso, contado a par-
tir da publicação do "Aviso aos Acionistas", que deve conter todas
as informações necessárias ao exercício desse direito. O não exercí-
cio do direito de preferência dentro do prazo implica a sua extinção,
por tratar-se de prazo decadencial.
Como o direito de preferência não tem a natureza de frutos, no
caso das ações em usufruto ou em fideicomisso o seu titular é o nu-
-proprietário ou fiduciário, não o usufrutuário ou o fideicomissário991.
O § 5° determina que o direito de preferência, quando não exer-
cido pelo acionista até 10 (dez) dias antes do vencimento do prazo,
poderá sê-lo pelo usufrutuário ou fideicomissário. Assim, as pessoas
legitimadas a subscrever as ações são o nu-proprietário e o fiduciário,
mas casos estes não exerçam o seu direito de preferência dentro do
prazo assinalado pela Lei das S.A., esse direito poderá ser exercido
pelo usufrutuário ou fideicomissário, que subscreverão as ações em
nome próprio, sendo, portanto, automaticamente, os seus titulares.
Se as ações forem subscritas pelo nu-proprietário, salvo estipula-
ção em contrário no ato de instituição do usufruto, este adquirirá as
novas ações sem restrições, porque elas integram o seu capital. No caso
de serem subscritas pelo fiduciário, as ações deverão ser, posteriormen-
te, entregues ao fideicomissário, pois admitir-se o contrário seria aceitar
que o fideicomissário, que originariamente teria direito de receber ações
representativas de um determinado percentual de participação no capi-
tal de uma companhia, recebesse um percentual inferior992.

991 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, -t1 edição,
São Fàulo: Saraiva, 2009, p. 585-586. Ver, também, os comentários ao art. 40 da Lei das
S.A.
992 No mesmo sentido, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentári-
os à Lei (arts. I o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 411 e 414. Em sentido
contrário, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário. 11a edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 2008, p. 272.
Assim, no fideicomisso, o fiduciário deve preservar o capital rece-
bido para devolvê-lo ao fideicomissário, não podendo se apropriar das
ações subscritas, originadas das que recebeu em confiança; cumpre-lhe
zelar para que, no momento certo, sejam passadas ao fideicomissário993.
Se ficar demonstrado que a subscrição trouxe benefícios ao fideico-
missário, poderá o fiduciário, quando lhe passar as ações, pleitear o
ressarcimento do que despendeu.
É recomendável que o instrumento que institui o usufruto ou
o fideicomisso estabeleça expressamente o procedimento para a
preferência.
Os §§ 7° e 8° estabelecem o tratamento a ser conferido às sobras
das novas ações emitidas. Constituem sobras as ações não subscritas
pelos acionistas, ao deixarem de exercer, no todo ou em parte, o seu
direito de preferência. A Lei das S.A. trata de forma diversa as sobras,
tendo em vista a situação da companhia, se aberta ou fechada.
Na companhia aberta, tratando-se de subscrição particular, que é
aquela em que as ações não são ofertadas publicamente no mercado de
capitais, deverá a assembleia geral ou o conselho de administração (na
companhia de capital autorizado) estabelecer qual o regime das sobras.
Pode a companhia mandar vender as sobras em Bolsa de Valores,
em seu benefício, seguindo o procedimento especial de leilão previsto
nas normas regulamentares da Comissão de Valores Mobiliários e da
Bolsa, sem necessidade de registro prévio na Comissão de Valores
Mobiliários, por tratar-se de subscrição privada994. Pode a companhia,

993 Ver o art. 1.956 do Código Civil, que assim dispõe: "Se o fideicomissário aceitar a herança
ou o legado, terá direito à parte que, ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer." Ver FÁBIO
KONDER COMPARATO. Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro:
Forense, 1981, p. 185-192.
994 A esse respeito, ver as Instruções CVM n™ (i) 387/2003, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n" 395/03, 419/05, 437/06, 450/07 e 454/07; e (ii) 400/2003 (art.
4o), com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n" 429/2006, 442/2006, 472/
2008, 482/2010 e 488/2010. Ver, também, o Regulamento de Operações e o Manual de
Procedimentos Operacionais editados pela BM&FBovespa.
alternativamente, ratear entre os acionistas que tiverem pedido, no bole-
tim ou lista de subscrição, reserva de sobras, na mesma proporção do
direito de preferência que detinham e que exerceram. Se, ainda assim, os
pedidos de reservas de sobras não cobrirem a quantidade total de ações
não subscritas, o saldo não rateado será vendido em Bolsa de Valores.
A norma não previu hipótese bastante usual: a companhia, haven-
do sobras, contrata uma instituição financeira para atuar como underwri-
ter, procedendo-se à oferta pública das ações no mercado de capitais, fora
de Bolsa. Tratando-se de underwritingfirme, a instituição financeira subs-
creverá a totalidade das sobras para depois vendê-las, por sua conta e
risco, aos investidores do mercado. Já no caso do underwriting de melhor
esforço, a instituição financeira não subscreve as ações, comprometen-
do-se apenas a empenhar-se na sua venda no mercado, sem correr os
riscos existentes na modalidade do underwriting firme995.
Tratando-se de companhia fechada, que não pode ter suas ações
negociadas em Bolsa de Valores, deverá ser feito o rateio, na propor-
ção das ações subscritas, entre os acionistas que tiverem pedido a sua
reserva, no boletim ou lista de subscrição. Se ainda remanescerem
sobras após o rateio, as ações poderão ser subscritas por terceiros, sem
a utilização de meios de comunicação de massa, anúncios e editais,
intermediação de instituições financeiras, a menos que a companhia
registre-se na Comissão de Valores Mobiliários como companhia
aberta e atenda aos requisitos regulamentares exigidos nas ofertas
públicas de venda de ações no mercado996.

995 Ver os comentários ao art. 4 o da Lei das S.A. A Instrução CVM n° 400/2003, com as
alterações introduzidas pelas Instruções CVM n" 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/
2010 e 488/2010, em seus arts. 2 o , 3 o e 33 a 37, regula a oferta pública de ações no
mercado e a atuação dos underwríters.
996 Ver os comentários ao art. 4o da Lei das S.A. Ver, também, as Instruções CVM n" (i) 400/
2003, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n ls 429/2006, 442/2006, 472/
2008, 482/2010 e 488/2010; e (ii) 480/2009, com as alterações introduzidas'pela Instru-
ção CVM n° 488/2010.
Exclusão do direito de preferência
"Art. 172.0 estatuto da companhia aberta que contiver autoriza-
ção para o aumento do capital pode prever a emissão, sem direito
de preferência para os antigos acionistas, ou com redução do pra-
zo de que trata o § 4° do artigo 171, de ações e debêntures conver-
síveis em ações, ou bônus de subscrição, cuja colocação seja feita
mediante: (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

I - venda em bolsa de valores ou subscrição pública; ou

II - permuta por ações, em oferta pública de aquisição de contro-


le, nos termos dos artigos 257 e 263. (Redação dada pela Lei n°
10.303/2001)

Parágrafo único. O estatuto da companhia, ainda que fechada,


pode excluir o direito de preferência para subscrição de ações nos
termos de lei especial sobre incentivos fiscais."

A norma estabelece as hipóteses em que pode ser negado o di-


reito de preferência ou reduzido o prazo decadencial de 30 (trinta)
dias (artigo 171, § 4°) para o seu exercício, com a finalidade de permi-
tir que investidores, que não são acionistas da companhia, possam
adquirir, em ofertas públicas de venda, as ações de sua emissão. Em
tais hipóteses, a Lei das S.A. presume que o interesse social estará
mais bem atendido se a companhia puder recorrer diretamente ou
com maior celeridade ao mercado de capitais, não outorgando o di-
reito de preferência, ou reduzindo o prazo de seu exercício.
A preferência para subscrição de novas ações, embora consti-
tua um dos direitos essenciais do acionista, vem se tornando, cada
vez mais, um direito relativo. Se a outorga do direito de preferência
privilegia o antigo acionista, a sua negação, ou a redução do prazo
de seu exercício, na companhia aberta, atende mais aos interesses
dos investidores do mercado de capitais, facilitando o processo de
capitalização da companhia.
Na companhia aberta, o direito de preferência não é tão impor-
tante como na fechada, uma vez que o acionista pode comprar no
mercado as ações necessárias para manter a proporção no capital que
detinha antes da subscrição. Ademais, quando não há direito de pre-
ferência, aumenta o número de ações em circulação no mercado, acar-
retando maior liquidez dos títulos, o que interessa à companhia e
também aos acionistas. Quanto maior a liquidez das ações, maior a
facilidade para a realização de novas subscrições públicas, capitali-
zando a companhia. A maior liquidez das ações também beneficia
todos os acionistas, que mais rapidamente poderão vender os títulos
no mercado, quando desejarem.
A finalidade da norma é conferir maior flexibilidade ao processo
de capitalização da companhia aberta mediante a oferta pública de
suas ações, conferindo ao órgão de administração competente liber-
dade para adaptá-lo às condições de mercado. Dada a rapidez com
que ocorrem mudanças de tendências no mercado de capitais, a su-
pressão do direito de preferência ou a diminuição do prazo de seu
exercício, ao reduzirem o tempo decorrido entre a deliberação de emi-
tir publicamente as ações e o início da sua venda no mercado, permi-
tem à companhia aproveitar as chamadas "janelas de mercado",
minimizando os riscos de insucesso da operação.
O estatuto da companhia aberta de capital autorizado pode ne-
gar o direito de preferência aos antigos acionistas, ou reduzir o prazo
para o seu exercício na subscrição de ações, debêntures conversíveis
em ações ou bônus de subscrição, cuja venda seja realizada no merca-
do de capitais ou em permuta por ações, em oferta pública de aquisi-
ção de controle997.

997 Sobre a companhia de capital autorizado, ver os comentários ao art. 168 da Lei das S.,
É necessário que haja previsão estatutária para que seja negado
o direito de preferência ou reduzido o prazo de seu exercício. Não
basta que a companhia seja aberta e que seu estatuto contenha au-
torização para aumento de capital, sendo indispensável autorização
expressa no estatuto para que a assembleia geral ou o conselho de
administração negue o direito de preferência ou reduza o prazo de
seu exercício.
A primeira hipótese em que cabe a emissão de ações ou de valo-
res mobiliários conversíveis em ações ou a redução do prazo de seu
exercício é a de venda em Bolsa. O legislador presumivelmente obje-
tivava dispensar tais procedimentos quando houvesse a venda dos
valores mobiliários diretamente na Bolsa de Valores, a exemplo do
que ocorre no sistema inglês, em que os papéis podem ser colocados
publicamente na Bolsa, que constitui, assim, o locus para a negocia-
ção no mercado primário e secundário dos títulos998. Entre nós, os
valores mobiliários são inicialmente vendidos publicamente no mer-
cado primário, fora da Bolsa, com a participação de instituições fi-
nanceiras atuando como underwriters] posteriormente, a companhia
requer, junto à Bolsa, a listagem de suas ações, para que elas possam
ser negociadas em seu sistema999.
Assim, a expressão "venda em bolsa" significa apenas que a
companhia pode vender em Bolsa ações em tesouraria, sem ou-
torgar o direito de preferência a seus acionistas1000. Tratando-se de
uma venda realizada no sistema da Bolsa, aberto ao público, so-
mente cabe a adoção de tal procedimento por companhia aberta,

998 Ver, a propósito, PAUL DAVIES. Gower and Davies: Principies of Modem Company Law.
7'1' edition, London: Sweet and Maxwell, 2003, p. 642 e seguintes.
999 Sobre os conceitos e funções do mercado primário e secundário, assim como sobre a
atuação dos underwríters, ver NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e
MARCUS DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2a edição, Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 163-196.
1000 JOSE ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Regime Jurídico do Capital Autorizado. São
Paulo: Saraiva, 1984, p. 111.
devidamente registrada na Comissão de Valores Mobiliários 1001 .
Ademais, na venda de ações em tesouraria por companhia fecha-
da deve necessariamente ser conferido direito de preferência ao
acionista 1002 .
A hipótese em que usualmente se nega o direito de preferência
ou se reduz o prazo de seu exercício é a da subscrição pública, obje-
tivando maior celeridade na operação. A companhia aberta registra
a emissão de suas ações na Comissão de Valores Mobiliários e pas-
sa a vendê-las ao público, com a participação necessária de uma
instituição financeira atuando como underwriter. Caracteriza-se a
emissão pública ou venda pública de valores mobiliários quando es-
tão presentes determinados elementos objetivos e subjetivos. Os
elementos objetivos estão elencados no artigo 19, § 3°, da Lei n°
6.385/1976, a saber: (i) utilização de listas ou boletins de venda ou
subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público;
(ii) procura de subscritores por meio de empregados, representan-
tes, agentes, integrantes ou : não do sistema de distribuição de valo-
res mobiliários; (iii) negociação feita em loja, escritório ou
estabelecimento aberto ou público; e (iv) utilização de publicidade,
cartas, anúncios, mediante meios de comunicação de massa1003.
Embora sejam relevantes, para a caracterização da venda pública,
os meios utilizados na colocação dos títulos, o elemento essencial re-
fere-se à situação dos ofertados. Independentemente dos meios utili-
zados no processo de oferta, a distribuição não é pública se os
destinatários, além de pessoas certas e determinadas, caracterizam-se

1001 A Instrução CVM n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n""
100/1989, 268/1997 e 390/2003, que disciplina as ações mantidas em tesouraria por
companhia aberta, prevê, em seu art. 9°, que essas ações somente podem ser vendidas em
Bolsa ou no mercado de balcão, vedando as operações privadas.
1 002 Ver os comentários ao arl. 30 da Lei das S.A.
1003 Ver a Instrução CVM n" 400/2003, que regulamenta o dispositivo legal, com as alterações
introduzidas pelas Instruções CVM n" 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 48.8/
2010. Ver, também, os comentários ao art. 4° da Lei das S.A.
como investidores qualificados e têm acesso ao mesmo tipo de infor-
mação que seria exigida em decorrência do registro na Comissão de
Valores Mobiliários1004.
Também pode ser negado o direito de preferência ou reduzi-
do o prazo para o seu exercício na permuta por ações em oferta
pública voluntária para aquisição de controle de companhia aber-
ta, que não é muito utilizada na prática de nosso mercado de capi-
tais, pelo fato de ainda serem poucas as companhias cujo capital
votante encontra-se efetivamente disperso1005.
No caso, o interessado em adquirir o controle de companhia aber-
ta cujo acionista controlador tenha menos da metade das ações votan-
tes ou que, dada a dispersão das ações no mercado, simplesmente não
tenha acionista controlador, faz uma oferta pública de aquisição de ações
para todos os titulares de ações com direito de voto. A oferta, em caráter
irrevogável, deve ter por objeto o número de ações necessárias para as-
segurar o controle (artigo 257, § 2°). Ademais, por tratar-se de uma
oferta pública de ações envolvendo permuta, deverá ser registrada na
Comissão de Valores Mobiliários (artigo 257, § 1°). Caso a oferta seja
bem sucedida, o ofertante logrará adquirir o controle da companhia.
A oferta pode ser realizada mediante pagamento em dinheiro ou
mediante permuta de ações, já emitidas ou por emitir, do ofertante ou
de terceiros. Pode ainda o ofertante lançar uma oferta pública de aqui-
sição mista, em que parte do pagamento será em dinheiro e parte em
ações.
Também pode ser excluído o direito de preferência, tanto na com-
panhia aberta como na fechada, desde que expressamente previsto
no estatuto, para subscrição de ações nos termos da legislação sobre

1004 A esse respeito, ver NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, ELÁVIA PARENTE e MARCUS DE
FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico ..., p. 152; ver, lambem, a
Instrução CVM n° 476/2009, que trata das ofertas com esforços restritos, com as alterações
introduzidas pelas Instruções CVM n" 482/2010, 488/2010 e 500/2011.
incentivos fiscais. Assim, nas chamadas "companhias incentivadas",
o estatuto usualmente nega o direito de preferência.
Já antes da vigência da Lei das S.A., a legislação tributária per-
mitia, para as companhias incentivadas, a exclusão do direito de pre-
ferência na subscrição de ações em aumento de capital. Assim, nos
termos da legislação sobre incentivos fiscais, as companhias, mesmo
que fechadas e de capital fixo, podem excluir o direito de preferência
para receber recursos provenientes de incentivos fiscais1006.

S E Ç Ã O ID

Redução>

"Art. 173. A assembleia geral poderá deliberar a redução do capital


socialsehouverperda, até o montante dos prejuízos acumulados, ou
se julgá-lo excessivo.

§ 1° Apropostaderedução do capital social, quando de iniciativa dos


administradores, não poderá ser submetida à deliberação da assem-
bleia geral sem o parecer do conselho fiscal, se em funcionamento.

§ 2° A partir da deliberação de redução ficarão suspensos os direitos


correspondentes às ações cujos certificados tenham sido emitidos,
até que sejam apresentados à companhia para substituição."

1006 Ver, a propósito, os Decrelos-Leis n» 1.376/1974, 1.419/1975 e 1.478/1976. A esse


respeito, o art. 1 o do Decreto-Lei n° 2.298/1986, que dispõe sobre Mercado de Títulos e
Valores Mobiliários Incentivados, prevê que "compete à Comissão de Valores Mobiliários,
sem prejuízo de suas demais atribuições: I - fiscalizar e disciplinar as sociedades beneficiárias
de recursos oriundos de incentivos fiscais para a aplicação em participações societárias; II
- regulamentar a negociação e a intermediação de títulos e valores mobiliários, emitidos
pelas sociedades de que trata o item anterior." Nesse sentido, a CVM editou a Instrução
CVM n° 265/1997, que dispõe sobre o registro de sociedades beneficiárias de recursos
oriundos de incentivos fiscais, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 311/
1999, que assim prevê em seu art. I o : "Art. Io. /U sociedades beneficiárias de recursos
oriundos de incentivos fiscais previstos no Decreto-Lei n° 1.376, de 12 de dezembro de
1974, são disciplinadas e fiscalizadas de acordo com o no Decreto-Lei n" 2.298/86, e com
o disposto nesta Instrução. (...)"
A redução de capital, assim como o seu aumento, era tida, no
antigo direito societário, como alteração nas bases essenciais do con-
trato de sociedade. A redução era cercada de grandes cuidados, quase
sacrais, por importar, conforme se entendia, em diminuição radical
nas garantias dos credores da companhia.
Presentemente, a redução do capital social é vista como uma
operação normal no curso dos negócios da companhia, principalmente
pelo fato de ter, o moderno direito societário, aceitado que o patrimô-
nio, e não o capital, é que constitui a garantia principal dos credores.
Discute-se mesmo se caberia ao direito societário proteger os
credores. Tal proteção poderia ser objeto de livre negociação entre as
partes ou ser disciplinada pelo direito falimentar e pelo direito obriga-
cional. Assim, quais as razões para o direito societário regular a maté-
ria? A principal razão é que as cláusulas standard (como normas sobre
capital mínimo ou sobre a relação capital/patrimônio) podem reduzir
os custos da negociação entre as partes, sendo também úteis quando
elas não logram resolver privadamente a questão da adequada garan-
tia do credor, o que em geral ocorre: (i) quando as transações são de
valor muito baixo para justificar as negociações; (ii) quando o credor
não sabe como se defender; e (iii) quando é possível obter medidas
que beneficiam todos os credores, como a divulgação obrigatória de
informações ou o registro contábil das dívidas da companhia1007.
No direito societário norte-americano há uma forte revisão
crítica do papel do capital como instrumento de proteção aos
credores, sendo ele inclusive considerado um instrumento "arcai-
co", expressão de uma "anomalia histórica", devendo ou ser elimi-
nado ou conciliado com normas que permitam a sua maior eficácia
ou a redução dos custos que acarreta1008.

1007 RE1NIER KRAAKMAN, PAUL DAVIES, HENRY HANSMANN, GERARD HERTIG, KLAUS HOPT,
IHIDEKI KANDA and EDWARD ROCK. Hie Anatomy of Corporate Law - A Comparative and
Functional Approach. New York: Oxford University Press, 2007, p. 71-73.
1008 R. W. HAMILTON. Corporation Finance: Cases and Materials. Minn.: Wesl Publislilng,
1989, p. 69.
Nesse sentido, tende-se a privilegiar o patrimônio como instrumen-
to de proteção aos credores, fixando-se uma determinada proporção en-
tre o montante de dívidas e o capital (âebt/equity ratio), garantindo-se,
assim, maior consistência do patrimônio líquido da sociedade1009.
Em vários países europeus, embora as legislações mantenham o
conceito de capital, há nítida tendência no sentido de se adotar outros
mecanismos de proteção aos credores, como maior transparência das
informações sobre o passivo da companhia, assim como normas sobre as
demonstrações contábeis do grupo de sociedades. Com relação ao capi-
tal social, busca-se conferir-lhe maior concretude, mediante regras sobre
capital mínimo, sobre a reintegração do capital e sobre a manutenção de
determinada proporção entre o seu valor e o do patrimônio1010.
Em nosso sistema de Direito Societário, em regra, não há nor-
mas sobre capital mínimo nem sobre a proporção entre capital e pa-
trimônio1011. O papel do capital como instrumento de proteção ao
credor é limitado, prevalecendo o sistema de negociação privada, em
que a concessão de crédito "é condicionada à prestação de garantias
pessoais e reais. Assim, a redução do capital não deve ser tratada com
excessiva rigidez, evitando-se que os credores pressionem indevida-
mente a companhia para receberem o que entendem devido, sob pena
de não aprovarem a operação, que pode ser de interesse social.
A deEberação de reduzir o capital é sempre da assembleia geral, ór-
gão que tem competência privativa para decidir a matéria1012. Trata-se de

1009 Nesse sentido, o Califórnia Corporation Code, em sua Seção 500, estabelece alguns
parâmetros para o debt to equity ratio; o ativo deve montar a 125% (cento e vinte e cinco
por cento) do passivo.
1010 REINIER KRAAKMAN, PAUL DAVIES, HENRY HANSMANN, CERARD HERTIC, KLAUS
H O PT, HIDEKI K A N D A and EDWARD ROCK. The Anatomy of Corporate Law - A
Comparative and Functional Approach..., p. 77-87.
1011 Com relação às instituições financeiras, o Banco Central estabelece normas sobre capital
mínimo. Ver, a propósito, o art. 1o do Regulamento Anexo II à Resolução CMN n° 2.099/
1994, alterado pela Resolução CMN n° 2.G07/1999.
1012 De acordo com o art. 16 da Instrução CVM n° 481/2009, sempre que a assembleia geral for
convocada para deliberar sobre a redução de capital, a companhia deve fornecer, no
mínimo, as seguintes informações: (i) o valor da redução e do novo capital social; (ii) as
razões, a forma e as conseqüências da redução; (iii) cópia do parecer do conselho fiscal,
decisão que se insere dentro dos poderes do órgão, que expressa a
vontade social. Uma vez adotados os procedimentos previstos na Lei
das S.A. e adequadamente assegurados os direitos dos credores e dos
acionistas minoritários, se for o caso, a decisão de reduzir o capital,
por constituir matéria concernente à gestão empresarial, não pode
ser, no mérito, objeto de contestação.
A proposta de redução, seja de iniciativa dos administradores, seja
de iniciativa dos acionistas, não pode ser submetida à deliberação da as-
sembleia geral sem o parecer do conselho fiscal, se o órgão estiver em
funcionamento. Da mesma forma que ocorre com relação ao aumento
de capital, o exame do conselho fiscal deve centrar-se na legalidade do
procedimento, não na sua conveniência ou oportunidade; não pode, as-
sim, o órgão recomendar que a operação não se realize por considerá-la
desnecessária ou porque poderá prejudicar a imagem da companhia1013.
A Lei das S.A. tratou separadamente os casos de redução compul-
sória daqueles em que há redução voluntária do capital sociaL Ocorre a
redução compulsória em 2 (duas) situações: no caso das ações caídas em
comisso, ou seja, quando não há comprador das ações subscritas e não
integralizadas1014; e no reembolso das ações dos acionistas que exerce-
ram o direito de recesso1015. Já a redução voluntária, disciplinada neste
artigo, pode ser: (i) nominal, ou contábil, que significa mera operação
contábil, de redução da cifra do capital para ajustá-la ao valor do patrimô-
nio; e (ii) real, ou efetiva, quando há igual diminuição no patrimônio.
A redução compulsória, embora deva ser homologada em as-
sembleia geral, visando a legalizar uma situação de fato, já ocorrida,
não depende de uma deliberação da assembleia, pois decorre da lei,

caso esteja em funcionamento, quando a proposta de redução do capital social for de


iniciativa dos administradores; e (iv) conforme o caso: (a) o valor da restituição por ação;
(b) o valor da diminuição do valor das ações à importância das entradas, no caso de capital
não integralizado; ou (c) a quantidade de ações objeto da redução.
1 013 Ver os comentários ao art. 163 da Lei das S.A.
1014 Ver os comentários ao art. 107 da Lei das S.A.
1 015 Ver os comentários aos arts. 45 e 137 da Lei das S.A.
seja no caso das ações caídas em comisso (artigo 107, § 4°), seja no
caso de reembolso de acionista dissidente (artigo 45, § 6°).
Na redução voluntária é imprescindível a deliberação da assem-
bleia geral extraordinária, ouvido o conselho fiscal, conforme antes re-
ferido. A matéria deve constar expressamente da ordem do dia da
convocação da assembleia, explicitando qual a modalidade de redução:
contábil ou real. Como a medida de redução do capital acarreta altera-
ção do estatuto, o quorum de instalação é o do artigo 135: presença de
2/3 (dois terços) dos acionistas com direito de voto em primeira convo-
cação, mas com qualquer número em segunda convocação. O quorum
de deliberação é o previsto no artigo 129: maioria absoluta de votos. A
aprovação da medida não enseja aos dissidentes o exercício do direito
de retirada, por falta de previsão legal expressa1016.
Contudo, caso a redução do capital prejudique os titulares de
ações preferenciais, ou de uma classe delas, será necessário realizar
assembleia especial dos titulares das ações preferenciais prejudicadas,
cabendo aos dissidentes o direito de recesso1017.
A redução contábil ou nominal, como medida de saneamento
> >

financeiro, pode ser realizada quando há prejuízos acumulados que


reduziram o valor do patrimônio 1018 . Com a redução, visa-se a ade-
quar o valor do capital ao do patrimônio, compatibilizando-o com a
realidade econômico-fmanceira da sociedade. Uma vez restabelecido
o equilíbrio financeiro da companhia, pode ela captar novos recursos,
mediante aumento de capital.
É possível a redução do capital a zero, seguida de aumento de
capital mediante subscrição de ações visando à sua recomposição.

1016 Ver os comentários ao art. 136 da Lei das S.A.


1017 Ver os comentários ao art. 136 da Lei das S.A. Ver, a propósito, MODESTO CARVALHOSA.
Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, 4'1 edição, São fàulo: Saraiva, 2009, p. 609-
-610; NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 307-308.
1018 O Código Civil, tratando das sociedades limitadas, dispõe, em seu art. 1.082, inciso I, que
o capital pode ser reduzido quando houver "perdas irreparáveis".
Como na perda total do capital o acionista deixaria de ser sócio,
pela dissolução ou liquidação da companhia, e como a Lei das
S.A. não prevê qual o limite mínimo do capital, a medida constitui
instrumento eficaz de preservação da pessoa jurídica1019.
Na captação dos novos recursos, mediante aumento de capital, os
acionistas terão direito de preferência, exceto no caso da companhia
aberta de capital autorizado cujo estatuto expressamente o negue1020.
As perdas devem figurar no balanço, ensejando a redução do capital
após a aprovação das demonstrações contábeis e uma vez esgotadas as
reservas de capital na absorção dos prejuízos (artigo 200, inciso I)1021-1022.
Na redução nominal, que constitui mero ajuste contábil do capi-
tal à situação real da companhia, inexistindo restituição de valores
aos acionistas, não há necessidade de aprovação da medida por parte
dos credores, que não têm a sua situação alterada.
A outra modalidade de redução, prevista no dispositivo, é a real,
quando o capital é considerado excessivo para o desenvolvimento das
atividades da companhia, mediante o qual se devolve aos acionistas
parte do valor de suas ações, se já integralizadas. Se ainda não estive-
rem integralizadas, opera-se a diminuição ou extinção da dívida dos
acionistas, a depender do valor da redução do capital.
Como na redução real do capital há diminuição no patrimônio
social, em parte restituído aos acionistas, é necessário que os credores
aprovem a operação1023-1024^-56^.

1019 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Redução do Capital Social a Zero e Simultânea
Recomposição". In: Pareceres. v. I, São Paulo: Singular, 2004, p. 68-69; no mesmo senti-
do, decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. In: Revista de Jurisprudência
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. São Paulo: Lex Editora, v. 133, p. 140.
1020 Ver os comentários ao art. 172 da Lei das S.A.
1021 JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 121 a
188). v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 916.
1 022 A esse respeito, ver a decisão do Colegiado da CVM proferida nos Processos Administrati-
vos CVM n - RJ 2004/4558, RJ 2004/4559, RJ 2004/4569 e RJ 2004/4583, Rei. Dir. Eli
Loria, j. em 21.09.2004.
O § 2° trata da suspensão, a partir da deliberação de reduzir o
capital, dos direitos correspondentes às ações cujos certificados
tenham sido emitidos. Tais certificados, correspondentes às ações
endossáveis e ao portador, não mais são emitidos, a partir da vi-
gência da Lei n° 8.021/1990, que extinguiu os títulos ao portador;
assim, essa norma está derrogada.

Oposição dos credores


"Art. 174. Ressalvado o disposto nos artigos 45 e 107, a redução
do capital social com restituição aos acionistas de parte do valor
das ações, ou pela diminuição do valor destas, quando não inte-
gralizadas, à importância das entradas, só se tornará efetiva 60
(sessenta) dias após a publicação da ata da assembleia geral que a
tiver deliberado.

§ 1° Durante o prazo previsto neste artigo, os credores quirogra-


fários por títulos anteriores à data da publicação da ata poderão,
mediante notificação, de que se dará ciência ao registro do co-
mércio da sede da companhia, opor-se à redução do capital; de-
cairão desse direito os credores que o não exercerem dentro do
prazo.

§ 2° Findo o prazo, a ata da assembleia geral que houver delibe-


rado a redução poderá ser arquivada se não tiver havido oposi-
ção ou, se tiver havido oposição de algum credor, desde que feita
a prova do pagamento do seu crédito ou do d e p ó s i t o judicial da
importância respectiva.

1 024 Os pedidos de arquivamento à Junta Comercial de atos societários de redução de capital


devem, nos termos do art. 1° da. Instrução Normativa DNRC n° 105/2007, ser instruídos
com os seguintes comprovantes de quitação de tributos e contribuições federais: "I -
Certidão Conjunta Negativa de Débitos relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da
União, emitida pela Secretaria da Receita Federal e Procuradoria-Ceral da Fazenda Nacio-
nal; li- Certidão Negativa de Débito - CND, fornecida pela Secretaria da Receita
Previdenciária; III- Certificado de Regularidade do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço - FGTS, fornecido pela Caixa Econômica Federal".
§ 3° Se houver em circulação debêntures emitidas pela companhia, a
redução do capital, nos casos previstos neste artigo, não poderá ser
efetivada sem prévia aprovação pela maioria dos debenturistas, reu-
nidos em assembleia especial."

A norma trata da redução real do capital, que ocorre quando ele é


considerado excessivo para o desenvolvimento dos negócios sociais, res-
tituindo-se aos acionistas parte do valor de suas ações ou diminuindo o
seu valor, quando ainda não integralizadas, à importância das entradas1025.
Não existem critérios objetivos para se aquilatar se o capital é de
fato excessivo ou não, uma vez que é impossível determinar, com pre-
cisão, qual o montante necessário para o desenvolvimento dos negó-
cios presentes e futuros da companhia. Assim, a redução do capital
constitui medida inserida no poder discricionário da administração e
da assembleia geral da companhia, com relação ao qual não existe a
possibilidade de exame de mérito por terceiros.
Como há, no caso, diminuição do valor do patrimônio social, é
necessário que os credores quirografários não se oponham à operação,
para que ela se tome eficaz.
Somente poderão manifestar sua discordância os credores quiro-
grafários anteriores à data de publicação da ata da assembleia geral ex-
traordinária que deliberou a redução do capital social, por considerá-lo
excessivo. Os titulares de créditos constituídos posteriormente não te-
rão legitimidade para impugnar a medida, pois sabiam da deliberação
ao contratarem com a companhia.
Uma vez deliberada a redução, os credores terão o prazo decadencial
de 60 (sessenta) dias para impugnarem a operação, mediante notificação
judicial ou extrajudicial dirigida à companhia, da qual deverão dar ciência
à Junta Comercial, na qual encontra-se localizada a sua sede.
Os credores não necessitam justificar a impugnação, bastando
que demonstrem a sua situação de quirografários; porém, se utiliza-
rem a oposição como instrumento de pressão para receberem crédi-
tos discutíveis, ou para obterem vantagens indevidas, poderá ficar
caracterizado o abuso de direito. E m tal hipótese, a companhia pode-
rá, sem depositar o valor alegado do crédito, discutir judicialmente a
procedência da impugnação.
Se não houver impugnação de credores, a ata da assembleia
geral extraordinária que delibera reduzir o capital será arquivada
na Junta Comercial 1026 .
Caso exista oposição de credores, ainda assim a ata poderá ser
arquivada se: (i) ficar demonstrado que o pagamento foi feito; (ii)
a companhia depositou judicialmente a quantia pleiteada para dis-
cutir a existência, natureza ou valor do crédito; ou, (iii) a compa-
nhia obtiver liminar que a autorize a arquivar a ata sem o depósito,
demonstrando o abuso de direito do credor.
Existindo debêntures em circulação, será convocada assembleia
especial dos debenturistas que deliberará, por maioria, se aceita ou
não a redução do capital. Assim, os debenturistas não podem rejeitar
individualmente a decisão de redução do capital.

1026 Os pedidos de arquivamento à Junta Comercial de atos societários de redução de capital


devem, nos termos do art. 1 o da Instrução Normativa DNRC n° 105/2007, ser instruídos
com os seguintes comprovantes de quitação de tributos e contribuições federais: "/ -
Certidão Conjunta Negativa de Débitos relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da
União, emitida pela Secretaria da Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacio-
nal; II- Certidão Negativa de Débito - CND, fornecida pela Secretaria da Receita
Previdenciária; III- Certificado de Regularidade do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço - FGTS, fornecido pela Caixa Econômica Federal". Consta, também, do item 3.2.10
da instrução Normativa DNRC n° 1 00/2006 - que aprova o Manual de Atos e Registro
Mercantil das Sociedades Anônimas - que: "A ata da assembleia que aprovar a redução de
capital com restituição aos acionistas de parte do valor das ações ou pela diminuição do
valor destas, quando não integralizadas, à importância das entradas, somente poderá ser
arquivada se: a) decorrido o prazo de 60 dias de sua publicação, inexistir notificação à
lunta Comercial por parte de credores quirografários contra a pretendida redução; e, se
manifestada essa oposição, comprovado o pagamento do crédito ou feito o seu depósito
em juízo; b) instruído o processo com as folhas do Diário Oficial e do jornal de grande
circulação que publicaram a ata da assembleia; c) a sociedade não tiver débitos para com
a Receita Federal, INSS, FGTS e Procuradoria da Fazenda Nacional."
O titular de debênture perpétua com participação nos lucros
não pode opor-se à redução de capital, pois não é titular de um cré-
dito contra a companhia, a não ser que demonstre que a medida
prejudica o seu direito de participar nos lucros, na forma estabeleci-
da na escritura de emissão1027.
O disposto no § 3° deve ser interpretado em conjunto com o § 1°,
mediante o qual a faculdade de impugnar a redução de capital somente
pode ser exercida pelo credor quirografário. O titular da debênture com
garantia real não é credor quirografário; faz parte da categoria de credo-
res não sujeitos a rateio, ou seja, prefere aos demais credores da compa-
nhia relativamente ao valor do bem dado em garantia, sendo o seu
crédito satisfeito prioritariamente com o produto da sua venda1028. Ape-
nas se o produto da venda de tal bem não for suficiente para o paga-
mento do crédito debenturístico é que este será reclassificado como
quirografário e concorrerá com os demais credores. Nesse caso, o de-
benturista será considerado como quirografário, pelo saldo.
CAPÍTULO X V

EXERCÍCIO SOCIAL E D E M O N S T R A Ç Õ E S FINANCEIRAS

SEÇÃO I

Exercício social
"Art. 175. O exercício social terá duração de 1 (um) ano e a data
do término será fixada no estatuto.

Parágrafo único. Na constituição da companhia e nos casos de al-


teração estatutária o exercício social poderá ter duração diversa."

O exercício social é o período de levantamento das contas e apu-


ração do resultado da companhia. Por meio do encerramento do exer-
cício verifica-se a situação patrimonial em uma determinada data. A
Lei das S.A. determina, no caput deste artigo, que (i) o exercício social
terá a duração de 1 (um) ano; e (ii) a data do seu término deverá ser
fixada no estatuto social. O exercício social pode corresponder ao ano
civil, iniciando-se, portanto, em I o de janeiro e terminando em 31 de
dezembro — o que ocorre na maioria das companhias brasileiras, ten-
do em vista que a legislação do imposto de renda determina o levan-
tamento do balanço nessa data1029-1030 - ou compreender qualquer
outro período, observada a duração de 1 (um) ano.
A anualidade do exercício social é princípio de ordem pública e, por-
tanto, inderrogável. Ainda que a companhia, por disposição estatutária ou
determinação legal esteja obrigada a elaborar demonstrações contábeis1031

1029 Consta do art. 220 do Decreto n° 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda) que: "O
imposto será determinado com base no iucro reai, presumido ou arbitrado, por períodos de
apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31
de dezembro de cada ano-calendário (Lei n° 9.430, de 1996, art. Io)".
1 030 Sobre a separação da contabilidade societária e tributária, ver os comentários ao art. 177 da
Lei das S.A.
1031 Utilizamos a expressão "demonstrações contábeis" por entendermos ser esta a mais ade-
quada. Entretanto, pode, também, ser utilizada, a expressão "demonstrações financeiras .
em períodos inferiores a 1 (um) ano - como é o caso das instituições
financeiras1032 - ou declare dividendos intermediários com base em ba-
lanços semestrais1033, não há modificação da regra contida neste artigo.
As 2 (duas) únicas exceções à regra da periodicidade de 1 (um) ano
do exercício social são a constituição da companhia - ocasião em que
poderá ter duração diversa da constante do caput- e a alteração do estatu-
to social com a finalidade de alterar a data do seu início ou término1034.
O encerramento do exercício social impõe à companhia a obri-
gação de elaborar, com base na escrituração mercantil, as demons-
trações contábeis1035, por meio das quais é possível acompanhar a
sua situação patrimonial, a atuação de seus administradores e a apu-
ração e distribuição de lucros. As demonstrações contábeis compre-
endem: (i) o balanço patrimonial; (ii) a demonstração dos lucros ou
prejuízos acumulados; (iii) a demonstração do resultado do exercí-
cio; (iv) a demonstração dos fluxos de caixa; e (v) se companhia
aberta, a demonstração do valor adicionado1036.
Ademais, anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes
ao término do exercício social, deverá ser realizada a assembleia geral
ordinária para tomar as contas dos administradores, examinar, discu-
tir e votar as demonstrações contábeis, deliberar sobre a destinação

1032 A Lei n" 4.S9S/1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e
creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências, determina no
art. 31, que: "As instituições financeiras levantarão balanços gerais a 30 de junho e 31 de
dezembro de cada ano, obrigatoriamente, com observância das regras contábeis estabelecidas
pelo Conselho Monetário Nacional."
1033 Ver os comentários ao art. 204 da Lei das S.A.
1034 Sobre a alteração do estatuto para a fixação de novo termo de encerramento do exercício
social, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 059/1984, se manifestou no sentido de que: "A
norma societária (art, 175 da Lei 6.404/76) permite à assembleia geral, obedecido o quorum
do artigo 129 c/c 135 da mesma Lei, alterar a data de encerramento do exercício social, que,
eventual e excepcionalmente, neste caso, poderá ter uma duração menor ou maior do que
1 (hum) ano. Duração diversa, reza a Lei, que não requer motivação para a adoção da
medida nem limita à determinada época ou fatos. No entanto, a simples ocorrência da data
fixada no estatuto social determina o fim do exercício, com suas conseqüências legais obriga-
tórias, e não se pode mais atingir a sua duração por uma deliberação assemblear com efeito
retroativo." Ver, também, os Pareceres CVM/SJU n®. 033/1986 e 001/1985.
1035 Ver os comentários ao art. 176, caput, da Lei das S.A.
do lucro líquido do exercício e a distribuições de dividendos1037, além
de outras deliberações que competem a essa assembleia.

S E Ç Ã O BS

DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS

Disposições gerais
"Art. 176. Ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar,
com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes de-
monstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situa-
ção do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício:

I - balanço patrimonial;

II - demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados;

III—demonstração do resultado do exercido;

IV— demonstração dos fluxos de caixa; e (Redação dada pela Lei


n° 11.638/2007)

V—se companhia aberta, demonstração do valor adicionado. (In-


cluído pela Lei n° 11.638/2007)

§ I o As demonstrações de cada exercício serão publicadas com a


indicação dos valores correspondentes das demonstrações do
exercício anterior.

§ 2 o Nas demonstrações, as contas semelhantes poderão ser agru-


padas; os pequenos saldos poderão ser agregados, desde que indi-
cada a sua natureza e não ultrapassem 0,1 (um décimo) do valor
do respectivo grupo de contas; mas é vedada a utilização de desig-
nações genéricas, como "diversas contas" ou "contas correntes".

§ 3 o As demonstrações financeiras registrarão a destinação dos


lucros segundo a proposta dos órgãos da administração, no pres-
suposto de sua aprovação pela assembleia-geral.

§ 4 o As demonstrações serão complementadas por notas explica-


tivas e outros quadros analíticos ou demonstrações contábeis ne-
cessários para esclarecimento da situação patrimonial e dos
resultados do exercício.

§ 5 o As notas explicativas devem: (Redação dada pela Lei n°


11.941/2009)

I — apresentar informações sobre a base de preparação das de-


monstrações financeiras e das práticas contábeis específicas sele-
cionadas e aplicadas para negócios e eventos significativos;
(Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

II - divulgar as informações exigidas pelas práticas contábeis adota-


das no Brasil que não estejam apresentadas em nenhuma outra parte
das demonstrações financeiras; (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

III - fornecer informações adicionais não indicadas nas próprias


demonstrações financeiras e consideradas necessárias para uma
apresentação adequada; e (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

I V - indicar: (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

a) os principais critérios de avaliação dos elementos patrimoniais,


especialmente estoques, dos cálculos de depreciação, amortiza-
ção e exaustão, de constituição de provisões para encargos ou ris-
cos, e dos ajustes para atender a perdas prováveis na realização de
elementos do ativo; (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)
b) os investimentos em outras sociedades, quando relevantes (ar-
tigo 247, parágrafo único); (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

c) o aumento de valor de elementos do ativo resultante de novas


avaliações (artigo 182, § 3 o ); (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

d) os ônus reais constituídos sobre elementos do ativo, as garanti-


as prestadas a terceiros e outras responsabilidades eventuais ou
contingentes; (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

e) a taxa de juros, as datas de vencimento e as garantias das obri-


gações a longo prazo; (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

f ) o número, espécies e classes das ações do capital social; (Incluído


pela Lei n° 11.941/2009)

g) as opções de compra de ações outorgadas e exercidas no exercí-


cio; (alínea acrescentada, pela Lei n° 11.941/2009)

li) os ajustes de exercícios anteriores (artigo 186, § I o ); e (Incluído


pela Lei n° 11.941/2009)

i) os eventos subsequentes à data de encerramento do exercício


que tenham, ou possam vir a ter, efeito relevante sobre a situação
financeira e os resultados futuros da companhia. (Incluído pela
Lei n° 11.941/2009)

§ 6 o A companhia fechada com patrimônio líquido, na data do


balanço, inferior a RS 2.000.000,00 (dois milhões de reais) não
será obrigada à elaboração e publicação da demonstração dos flu-
xos de caixa. (Redação dada pela Lei n° 11.638/2007)

§ 7 o A Comissão de Valores Mobiliários poderá, a seu critério,


disciplinar de forma diversa o registro de que trata o § 3 o deste
artigo." (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)
538
PROCESSO DE CONVERGÊNCIA ÀS N O R M A S

INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE

No início da década de 1970, organismos profissionais de conta-


bilidade de 10 (dez) países (Alemanha, Austrália, Canadá, Estados
Unidos, França, Irlanda, Japão, México, Holanda e Inglaterra) criaram
o InternationalAccounting Standards Committee — IASC, com o objeti-
vo de estabelecer normas internacionais de contabilidade, denomina-
das InternationalAccounting Standard—lhS>. Esse movimento decorreu,
em princípio, da criação do Financial Accounting Standards Board -
FASB, que passou a ser o órgão oficial dos Estados Unidos responsável
pela divulgação de normas contábeis. O principal objetivo do IASC,
quando criado, foi o de formular e publicar, de forma independente, um
novo conjunto de normas contábeis internacionais adotadas universal-
mente, para que as demonstrações contábeis pudessem ser compará-
veis ao redor do mundo. Em 2001, como órgão do IASC, foi criado o
International Accounting Standards Board — IASB, que passou a ser o
órgão técnico responsável pela emissão das normas internacionais de
contabilidade. Após a criação do IASB, as novas normas passaram a
ser denominadas International Financial Reporting Standard — IFRS.
A internacionalização das normas contábeis impulsionou um
processo de convergência na elaboração e divulgação das demons-
trações contábeis1038 com objetivos de (i) reduzir os riscos nos in-
vestimentos internacionais (sob a f o r m a de empréstimos,
financiamentos ou participação societária) e nos créditos de natu-
reza comercial; (ii) proporcionar maior transparência e facilidade
de comunicação no mundo dos negócios; e, principalmente, (iii)
reduzir o custo do capital empregado nas companhias.

1038 Utilizamos a expressão "demonstrações contábeis" por consideramos ser ela mais adequa-
da do que "demonstrações financeiras", bem como pelo fato de os órgãos contábeis
brasileiros, notadamente o Conselho Federal de Contabilidade - C F C e o Comitê de
Pronunciamentos Contábeis - CPC adotarem essa terminologia. Justifica-se, também, a
adoção da expressão "demonstrações contábeis" porque nelas são encontradas informa-
ções que não são exclusivamente financeiras, mas também qualitativas, como descrições
de julgamentos, explicações, etc.
No Brasil, o processo de convergência às normas internacionais
de contabilidade ocorreu com a promulgação da Lei n° 11.638/2007
a qual visou, precipuamente, a: (i) desvincular a contabilidade socie-
tária dos aspectos tributários; (ii) focar a contabilidade nos interesses
dos investidores e credores; (iii) permitir que o processo de normati-
zação contábil fosse feito por organismo constituído para essa finali-
dade específica; (iv) permitir que as demonstrações contábeis das
companhias brasileiras sejam entendidas com facilidade em outros
países; e (v) proporcionar aumento da transparência, confiabilidade e
importância das demonstrações contábeis no mercado de capitais1039.
A Lei n° 11.638/2007, que entrou em vigor em janeiro de 2008,
alterou e revogou dispositivos da Lei n° 6.404/1976 e da Lei n° 6.385/
1976 a fim de modernizar a parte contábil da Lei das S.A. em função
da internacionalização dos mercados de capitais. Essa lei quebrou
paradigmas ao desvincular (mesmo que não totalmente) as normas
contábeis para elaboração e divulgação de demonstrações contábeis
das regras de contabilidade adotadas pelo Fisco. A Lei n° 11.638/
2007 pode ser considerada como um marco na normatização contá-
bil nacional, pois somente a partir dela é que se possibilitou às com-
panhias seguirem um conjunto- normativo contábil homogêneo e
fundamentado em princípios econômicos e não tributários.
Antes da promulgação da Lei n° 11.638/2007, inúmeras entidades
editavam normas contábeis (nem sempre homogêneas e harmônicas entre
si), tais como a Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central do
Brasil - Bacen, a Superintendia de Seguros Privados - Susep, a Agência
Nacional de Energia Elétrica - Aneel, a Agência Nacional de Telecomu-
nicações - Anatel, a Agência Nacional de Transportes Terrestres - Antt,

1039 Mesmo antes da promulgação da Lei n° 11.638/2007, a CVM e o CFC emitiam normas
contábeis convergentes às normas internacionais de contabilidade. Portanto, já havia,
antes da Lei n° 11.638/2007, um determinado conjunto de normas contábeis alinhadas às
normas internacionais de contabilidade.
o Conselho Federal de Contabilidade - CFC, etc. Assim, os "Princípios
Contábeis Brasileiros" não eram claramente definidos e variavam de uma
companhia para outra e de um setor para o outro.
O aspecto mais relevante introduzido pela Lei n° 11.638/2007
foi o de que, a partir de sua edição, toda a normatização contábil na-
cional passou a ser elaborada em consonância com os IFRS (artigo
177, § 5 o ). A Lei n° 11.638/2007 adicionou à Lei n° 6.385/1976 o
artigo 10-A, permitindo que as normas contábeis, em última instân-
cia, fossem analisadas e emanadas por órgão independente e em har-
monia com os IFRS1040. A previsão legal de celebração de convênios
entre órgãos reguladores e a entidade que tenha como objetivo o es-
tudo e a divulgação de princípios, normas e padrões contábeis, permi-
tiu que o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) passasse a
exercer essa função de "normatização" contábil, tornando possível,
no Brasil, a consolidação dos "Princípios Contábeis Brasileiros", cons-
tituídos por um conjunto único de normas contábeis e adotados pe-
los órgãos reguladores competentes1041-1042CP-ses-Ll043(p-ses-l A Lei n°

1040 Determina o art. 10-A da Lei n° 6.385/1976 que: "A Comissão de Valores Mobiliários, o
Banco Central do Brasil e demais órgãos e agências reguladoras poderão celebrar convênio
com entidade que tenha por objeto o estucío e a divulgação de princípios, normas e
padrões de contabilidade e de auditoria, podendo, no exercício de suas atribuições
regulamentares, adotar, no todo ou em parte, os pronunciamentos e demais orientações
técnicas emitidas. Parágrafo único. A entidade referida no caput deste artigo deverá ser
majoritariamente composta por contadores, dela fazendo parte, paritariamente, represen-
tantes de entidades representativas de sociedades submetidas ao regime de elaboração de
demonstrações financeiras previstas nesta Lei, de sociedades que auditam e analisam as
demonstrações financeiras, do órgão federal de fiscalização do exercício da profissão
contábil e de universidade ou instituto de pesquisa com reconhecida atuação na área
contábil e de mercado de capitais."
1041 O Comitê de Pronunciamentos Contábeis foi criado pela Resolução CFC n° 1.055/2005
como entidade independente. O objetivo dos CPC's é estudar, preparar e ser o único órgão
a divulgar procedimentos de contabilidade por meio de pronunciamentos técnicos que
deverão ser obrigatoriamente submetidos à audiência pública e análise das entidades
reguladoras competentes para posterior aprovação, visando à convergência da contabilida-
de brasileira aos padrões internacionais (Resoluções CFC n<" 1.103/2007 e 1.105/2007). O
CPC é composto pelas seguintes entidades: (i) Associação Brasileira das Companhias
Abertas - Abrasca; (b) Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Merca-
do de Capitais - Apimec; (c) Bolsa de Valores de São Paulo - Bovespa; (d) Conselho Federal
de Contabilidade - CFC; (e) Instituto dos Auditores Independentes do Brasil - Ibracon; e
(f) Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras - Fipecafi. A CVM,
a SRF, o BCB e a SUSEP também foram convidados a integrar o CPC e dele participam
ativamente, em atendimento ao disposto no art. 10-A da. Lei n° 6.385/T976.
11.638/2007 introduziu mudanças relevantes no conteúdo e formato
das demonstrações contábeis, contribuindo, inclusive, para melhorar
as práticas de boa governança corporativa.
A Lei das S.A. determina que as normas a serem expedidas pela
Comissão de Valores Mobiliários relativas à elaboração das demons-
trações contábeis deverão ser produzidas em consonância com os "pa-
drões internacionais de contabilidade" adotados nos principais mercados
de valores mobiliários (artigo 177, § 5 o ). A elaboração e divulgação de
demonstrações contábeis pelas companhias brasileiras, em conformi-
dade com as normas internacionais de contabilidade, proporciona, a
princípio, maior transparência das informações contábeis, facilitando o
acesso das companhias brasileiras a capitais externos e reduzindo o custo
de capital dessas companhias, em especial daquelas que têm valores
mobiliários admitidos à negociação em mercados estrangeiros.
As normas internacionais de contabilidade apresentam uma ca-
racterística fundamental e distinta dos conjuntos de normas contá-
beis anteriormente conhecidos e adotados no Brasil, pois são calcadas
na "essência econômica". Assim, é importante entender o significa-
do e a abrangência da expressão "essência econômica" ("substância
econômica" ou "primazia da essência sobre a forma").
Até a entrada em vigor da Lei. n° 11.638/2007, as normas
contábeis eram previstas em lei, com diversas regras a serem se-

1042 Note-se que legalmente os pronunciamentos do CPC, por si próprios, não são obrigatórios,
pois precisam ser adotados e/ou referendados pelos órgãos reguladores competentes, con-
forme determina o Art. 10-A da Lei n° 6.385/1976. A CVM, com base nos §§ 3 o e 5o do art.
177 da Lei das S.A. e nos incisos II e IV do § 1o do art. 22 da Lei n° 6.385/1976, tem, após
convocadas as audiências públicas, aprovado os CPC's, tornando-os, por meio de suas
"Deliberações", obrigatórios para as companhias abertas.
1 043 Embora objetive-se que os pronunciamentos emitidos pelo CPC sejam oficialmente refe-
rendados e adotados pelos órgãos reguladores competentes (Comissão de Valores Mobili-
ários, BCB, Susep, Aneel, Anatel, Antt, CFC, etc.), 3 (três) anos após a promulgação da Lei
n° 11.638/2007, nem todos haviam adotado esses pronunciamentos, como, por exemplo,
o Banco Central do Brasil e a Superintendência de Seguros Privados (Susep). Sobre esse
assunto, ver o artigo "Bancos e Seguradoras Terão Dois B a l a n ç o s " , publicado no Valor
Econômico, em 07.01.2011.
guidas, porém com limites numéricos estabelecidos (rules baseã
accounting). As normas internacionais de contabilidade constitu-
em mais guias interpretativos do que normas propriamente ditas e
a sua aplicação nem sempre segue literalmente o que consta dos
contratos celebrados pelas companhias {principies baseã accounting).
Não se encontram nas normas internacionais de contabilidade ex-
pressões tais como: "atingindo-se 25% (vinte e cinco por cento) do
patrimônio líquido, contabilize-se dessa ou daquela maneira". As
normas internacionais de contabilidade utilizam os termos "rele-
vante", "significativo", "substancial", etc., o que demanda a necessi-
dade de julgamento e interpretação por parte dos administradores
das companhias para chegarem a um registro contábil.

PRIMAZIA DA ESSÊNCIA SOBRE A F O R M A

Para a aplicação das normas internacionais de contabilidade é


necessário que os contratos, os eventos e as transações sejam inter-
pretados à luz de sua essência econômica para, então, serem registra-
dos contabilmente, o que demanda amplo conhecimento do ambiente
econômico-financeiro em que a companhia esteja inserida, princi-
palmente com relação aos riscos a que está exposta. Assim, é neces-
sário que os contratos, os eventos e as transações sejam analisados
não apenas nas perspectivas comerciais e operacionais, como, tam-
bém, no que se refere aos riscos a que a companhia está sujeita. So-
mente após essa análise é que as normas internacionais de
contabilidade fornecem o guia de como melhor registrar contabil-
mente esses negócios, o que constitui um processo complexo.
Este artigo estabelece que as companhias são obrigadas a elabo-
rar, ao fim de cada exercício social, demonstrações contábeis, com
base na escrituração mercantil, que deverão exprimir com clareza a
situação do seu patrimônio e as mutações ocorridas no exercício'044.

1044 De acordo com JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Financeiras da
Companhia (Conceitos Fundamentais). 2 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 179,
É fundamental que conste dessas demonstrações, de forma clara e trans-
parente, todo o desempenho econômico-financeiro no exercício social
encerrado. Uma visão mais antiga sobre as demonstrações contábeis é
aquela que as define como simples relato histórico do ocorrido no exer-
cício social. Entretanto, com o aumento da relevância e da necessidade
do recebimento de informações contábeis por parte dos investidores,
principalmente após a Lei n° 11.638/2007, as demonstrações contá-
beis passaram a ter um outro foco: fornecer ao mercado de capitais
informações prospectivas sobre fluxos de caixa e seus riscos.
' As informações contábeis, quando calcadas na essência econômi-
ca, podem fornecer dados relevantes, não apenas sobre o desempenho
do passado, mas, principalmente, sobre o desempenho futuro das com-
panhias, o que impacta a cotação das ações104S. Cite-se, como exemplo,
a taxa de depreciação que, conforme as normas internacionais de con-
tabilidade, reflete a vida útil esperada de um ativo imobilizado em uso
pela companhia. A divulgação de um aumento significativo da taxa de
depreciação nas demonstrações contábeis indica que a companhia terá
que antecipar a renovação da máquina, demandando fluxos de caixa
futuros para realizar os investimentos necessários, o que afeta a expec-
tativa que o mercado tem sobre a capacidade de geração de fluxos de
caixa necessários para suportar esse investimento, ou a capacidade de
captação de recursos para realizá-lo. Caso a taxa de depreciação seja ba-
seada na regulamentação do Fisco, não haverá conteúdo informacional,

"mutação patrimonial é o fato patrimonial considerado na sua natureza de acontecimento


que consiste em modificação em direitos patrimoniais e obrigações ou no valor financeiro
dos objetos desses direitos e obrigações. (...) conhecemos as finanças da pessoa através
do seu patrimônio, e para o observador do patrimônio, os fatos patrimoniais são percebi-
dos como mutações patrimoniais." Ver, também, o capítulo que trata das mutações finan-
ceiras (p. 215-216).
1045 No meio acadêmico contábil existe uma sólida linha de pesquisa que estuda os impactos
das informações contábeis no preço das ações. É conhecida como "Value Relevance .
Sobre esse assunto, ver GERALD A. FELTHAM and JAMES A. OHLSON, "Valuation and
Clean Surplus Accounting for Operating and Financial Activities", Contemporary Accounting
Research. Toronto: Canadian Academic Accounting Association, v. 13, Issue 2, 1992 e v.
24, 2004, p. 689-731.
vínculo com fluxos de caixa futuros ou com a vida útil do ativo. Outro
exemplo é o da divulgação de perdas por irrecuperabilidade de ativos
(perdas por impairment), o que significa que os ativos atuais não têm
capacidade futura suficiente para gerar recursos para que a compa-
nhia obtenha lucros com a sua utilização. São informações contábeis
contemporâneas que refletem as expectativas da companhia quanto
à capacidade de geração de caixa futuro.
As informações contábeis nos mercados de capitais modernos e
globalizados têm papel fundamental na diminuição da assimetria in-
formacional entre administradores (possuidores de informações pri-
vilegiadas) e os diversos stakeholders (os demais interessados nas
companhias, tais como: acionistas minoritários, investidores, funcio-
nários, clientes, fornecedores, credores, etc.). Nas últimas décadas, as
informações contábeis assumiram papel relevante para os investido-
res, pois passaram a conter dados significativos que explicam o com-
portamento do preço das ações1046.
Note-se que o princípio contábil da "primazia da essência sobre
a forma" é relevante na análise de questões relativas à contabilização
e elaboração de demonstrações contábeis; no entanto, não pode ser
empregado de forma generalizada, notadamente no que se refere à
determinação dos efeitos jurídicos de alguns atos. De fato, em diver-
sas situações, a forma jurídica utilizada é essencial à produção dos
efeitos dela decorrentes, tal como a adoção de um tipo societário.
Cite-se, como exemplo do mau uso da aplicação do princípio da
primazia da essência sobre a forma, o caso da subsidiária integral. E in-
questionável que ela apenas existe quando a totalidade das ações de sua
emissão for de propriedade de uma única pessoa. Se uma companhia

1046 Sobre esse assunto, ver ALEXSANDRO BROEDEL LOPES. Informação Contábil e o Mercado
de Capitais. São Paulo: Thomson, 2002; ALEXSANDRO BROEDEL LOPES e SÉRGIO
IUDÍCIBUS. Teoria Avançada da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 2004; ALEXSANDRO
BROEDEL LOPES e ELISEU MARTINS. Teoria da Contabilidade - uma Nova Abordagem.
São Paulo: Atlas, 2005.
possui um acionista controlador com participação equivalente a 99,9%
do capital social e um outro acionista com participação remanescente
de 0,1%, ela não pode ser considerada uma subsidiária integral. O
regime de constituição da subsidiária integral está disciplinado na Lei
das S.A. (artigo 251) e ocorre quando uma sociedade brasileira desta-
ca, de seu patrimônio, parcela de seu acervo empresarial e de recursos
financeiros para constituir uma nova sociedade, da qual será a única
acionista. Nessa hipótese, a controladora subscreve por inteiro o ca-
pital social da subsidiária integral, sendo obrigatória a escritura públi-
ca para a formalização da constituição.
A subsidiária integral também pode surgir a partir da conversão de
uma sociedade pluripessoal previamente existente em uma sociedade
unipessoal, o que ocorre com a aquisição da totalidade das ações de sua
emissão mediante operação de incorporação de ações (artigo 252).
O conceito de subsidiária integral não dá margem a qualquer
outra interpretação que permita concluir que a companhia com mais
de 1 (um) acionista possa ser classificada como subsidiária integral.
Não obstante, a área técnica da Comissão de Valores Mobiliários já
manifestou entendimento, absolutamente equivocado, no sentido
de que o artigo 253 poderia ser aplicável à sociedade que contasse
com mais de 1 (um) acionista, dada a inexpressividade da participa-
ção dos demais acionistas e a relação de tais acionistas minoritários
com o acionista controlador, sob o argumento de tratar-se de uma
companhia "substancialmente unipessoal"1047.
Embora as normas internacionais de contabilidade nem sem-
pre sigam literalmente o que consta dos contratos celebrados pelas

1047 No Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ 2007/4932, a Procuradoria Federal


Especializada - PFE da CVM e a Superintendência de Relações com Empresas - SEP entenderam
que uma determinada companhia, por ter como acionista a sua controladora e 3 (três) conse-
lheiros de administração, seria considerada uma sociedade "substancialmente" unipessoal.
Esse caso não foi julgado pelo Colegiado da CVM, tendo sido encerrado mediante a assinatura
de Termo de Compromisso aprovado em 20.05.2008. No entanto, o Colegiado da CVM, no
Processo Administrativo n° RJ 2010/13425, j. em 01.03.2011, Rei. Dir. Otávio Yazbek, deci-
diu em sentido contrário, sepultando a tese da subsidiária "substancialmente unipessoal".
companhias, a forma de contabilizar determinada operação ou con-
trato não muda a sua natureza jurídica nem os efeitos jurídicos que
ele produz. Cite-se, como exemplo, o arrendamento mercantil: pelas
normas internacionais de contabilidade, registra-se essa operação pela
sua essência econômica, que nada mais é do que uma compra finan-
ciada de um ativo. E isso é diferente do que consta, em geral, no
contrato, em que o ativo é transferido ao adquirente em data distinta
daquela em que é adquirido.
Assim, não se pode aplicar o princípio contábil da "primazia da
essência sobre a forma" sem quaisquer limitações, principalmente no
que tange a situações em que não se discutem apenas questões
contábeis1048-1049-1050(pses). Por outro lado, também não se pode subme-

1048 Nesse sentido se manifestou o Colegiado da CVM no julgamento do Processo Administra-


tivo CVM n° RJ 2003/2367, Rei. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. em 04.11.2003.
O Relator, em seu voto, observou que: "Não posso deixar de fazer algumas considerações
adicionais no tocante ao 'primado da essência sobre a forma', conceito contábil invocado
no voto vencido e muitas vezes mal compreendido. É que, a meu ver, freqüentemente se
tem lançado indevidamente mão desse conceito, para tentar desconstituir operações nas
quais não se compreende ioda a sua extensão ou dela se diverge. Esse conceito, segundo
penso, não deve e não pode ser de uso generalizado e sem a devida reflexão. Vou além e
entendo que deve ser utilizado com cautela e crítica. Maior gravidade ainda pode se
revestir quando se pretende utilizar esse conceito não para efeitos contábeis apenas, mas
para outros efeitos, inclusive societário. Do ponto de vista da contabilidade, que serve
essencialmente para fins de informação e avaliação (cf. Deliberação CVM n" 29/86, que
incorporou o pronunciamento do Ibracon), esse princípio tem o seu reconhecimento, mas,
ressalve-se mais uma vez, não ser um princípio absoluto nem estar acima da lei, como
equivocadamente pretendem alguns. Isso porque, muitas vezes forma é essência e não
apenas forma e muitas vezes a forma transmuta a essência e precisa, por isso, ser respeitada.
Com efeito, a questão da substância sobre a forma deve ser vista na sua devida dimensão
e utilidade e, certamente, não pode ser utilizada para alterar, modificar, ou negar os efeitos
jurídicos de determinados atos, não só por ser um princípio fundamentalmente contábil,
mas também por não ser um principio absoluto."
1 049 O Pronunciamento Conceituai Básico que dispõe sobre a "Estrutura Conceituai para a
Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis", emitido pelo Comitê de Pro-
nunciamentos Contábeis - CPC, aprovado pela Deliberação CVM n° 539/2008 e pela
Resolução do Conselho Federal de Contabilidade n° 1.121/08, ao tratar da "Primazia da
Essência sobre a Forma", observa que: "35. Para que a informação represente adequada-
mente as transações e outros eventos que ela se propõe a representar, é necessário que essas
transações e eventos sejam contabilizados e apresentados de acordo com a sua substância
e realidade econômica, e não meramente sua forma legal. ,4 essência das transações ou
outros eventos nem sempre é consistente com o que aparenta ser com base na sua forma
legal ou artificialmente produzida. Por exemplo, uma entidade pode vender um ativo a um
terceiro de tal maneira que a documentação indique a transferência legal da propriedade a
esse terceiro; entretanto, poderão existir acordos que assegurem que a entidade continuará
ter os registros contábeis somente aos documentos legais, sem sua
interpretação econômica. Para a utilidade da informação contábil deve
haver uma análise conjunta dos aspectos econômicos e jurídicos dos
eventos, transações e contratos.

DEMONSTRAÇÕES COMPARATIVAS

Consta do § 1" que as demonstrações contábeis devem ser publica-


das de forma comparativa, ou seja, as demonstrações do último exercício

a usufruir os futuros de benefícios econômicos gerados pelo ativo e o recomprará depois


de um certo tempo por um montante que se aproxima do valor original de venda
acrescido de juros de mercado durante esse período, Em tais circunstâncias, reportar a
venda não representaria adequadamente a transação formalizada." Já o item 57, dispõe
que: "muitos ativos, por exemplo, contas a receber e imóveis, estão ligados a direitos
legais, inclusive o direito de propriedade. Ao determinar a existência de um ativo, o
direito de propriedade não é essencial; assim, por exemplo, um imóvel objeto de arren-
damento é um ativo, desde que a entidade controle os benefícios econômicos proveni-
entes da propriedade. Embora a capacidade de uma entidade controlar os benefícios
econômicos normalmente seja proveniente da existência de direitos legais, um item pode
satisfazer a definição de um ativo mesmo quando não há controle legal. Por exemplo, o
know-how obtido por meio 'de uma atividade ds desenvolvimento de produto pode
satisfazer a definição de ativo quando, mantendo o know-how em segredo, a entidade
controla os benefícios econômicos provenientes desse ativo."
1050 Sobre esse assunto, SÉRGIO IUDÍCIBUS, EL1SEU MARTINS e ERNESTO RUBENS GELBCKE.
Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações (Aplicável às Demais Sociedades).
Rumo às Normas Internacionais. Suplemento. 2 a edição, São Raulo: Atlas, 2009, p. 13,
observam que: "Na verdade, a parte relativa aos 'princípios contábeis' pouco mudou na
sua essência. Ao invés de serem chamados de 'princípios', ou convenções etc., tudo
passou a ser genericamente denominado de Características Qualitativas das Informações
Contábeis. Assim, no fundo, tudo o que existia sobre Regime de Competência, Objetivida-
de, Conservadorismo etc., continua existindo, com novas redações. Só que alguns pontos
são mudados de hierarquia. Talvez, a maior modificação seja mesmo a introdução, de
maneira clara, da figura da 'Primazia da Essência sobre a Forma' como característica funda-
mental da informação contábil. Esse conceito estava inserido na Deliberação CVM n° 29/
86, mas de passagem, sem que lhe houvesse sido dada a característica de um 'princípio'
propriamente dito. Agora, com o Pronunciamento novo do CPC, aprovado pela Delibera-
ção CVM n° 539/2008, e pela Resolução do Conselho Federal de Contabilidade n"
~~ 1.121/08, a aplicação desse conceito deverá ser a inovação que mais exigirá do profissio-
nal da Contabilidade. Ou seja, de agora em diante, não pode mais o profissional de
contabilidade, ou o gestor da empresa, ou o auditor independente, simplesmente 'seguir
as regrinhas', 'seguir as letras do contrato' etc. Quando o documento formaliza uma
situação que não representa a efetiva realidade econômica da operação, o contador e os
administradores da empresa são responsáveis por efetuar a contabilização conforme a
essência econômica da transação, e não sua mera forma, e o auditor só pode aceitar sem
ressalva a demonstração contábil se assim elaborada." Sobre esse assunlo, ver, também,
ALEXANDRE S. PACHECO, "Essência e Forma em Matéria Tributária - Matizes da Con-
vergência das Normas Internacionais de Contabilidade". In: Sérgio André Rocha (Coord.).
Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A - Alterações das Leis not 11.638/07
e 11.941/09. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 40-74.
social devem ser divulgadas com a indicação dos valores do exercício
anterior. Para que a comparação seja possível, os números contábeis
de ambos os exercícios devem ser elaborados com base no mesmo
conjunto de normas. Quando há alteração dessas normas entre um exer-
cício e outro, os números contábeis do exercício anterior devem ser re-
processados a fim de refletir como seria caso, à época, as novas normas
contábeis já estivessem em vigor. E necessário indicar o valor e as razões
das diferenças entre os números contábeis originalmente apurados e os
que resultaram do reprocessamento e foram publicados comparativamente
com os números do último exercício. Essa alteração deve ser devidamen-
te destacada nas notas explicativas das demonstrações contábeis1051.

A G R U P A M E N T O DE C O N T A S

Para fins de transparência, a Lei das S A . estabeleceu no § 2 o a


vedação, nas demonstrações contábeis, dos agrupamentos de contas e
denominações genéricas, tais como: "diversas contas" ou "contas corren-
tes". Apenas as contas semelhantes poderão ser agrupadas; já os peque-
nos saldos poderão ser agregados desde que indicada a sua natureza e que
não ultrapassem 0,1 (um décimo) do valor do respectivo grupo de contas.

DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

Com relação, especificamente, às demonstrações contábeis, de-


termina a Lei das S.A., com a redação dada pela Lei n° 11.638/2007,
que sejam elaborados e apresentados1052:

1051 Ver o Pronunciamento Contábil CPC 23 - "Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e


Retificação de Erro", aprovado pela Deliberação CVM n° 592/2009. Nesse pronunciamen-
to também são tratados os casos em que não é possível reprocessar os números contábeis
de períodos anteriores para fins de manter a comparabilidade. Quando isso ocorrer, o CPC
23 determina que tal fato seja evidenciado em nota explicativa específica, com informação
sobre os motivos que impediram o reprocessamento dos dados.
1052 Sobre esse assunto, ver o CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis", aprovado
pela Deliberação CVM n° 595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação CVM
n° 624/2010. Esse pronunciamento define a base para a apresentação das demonstrações
contábeis, a fim de tornar possível a comparação das demonstrações contábeis de exercícios
anteriores de uma companhia, bem como com as demonstrações contábeis de outras compa-
nhias. Estabelece, também, os requisitos gerais para a apresentação das demonstrações
contábeis, as diretrizes para a sua estrutura e os requisitos mínimos para o seu conteúdo.
(i) o Balanço Patrimonial (BP), que constitui uma demonstra-
ção estática. É o quadro que demonstra a situação financeira da com-
panhia em determinada data1053, apresentando os ativos, os passivos e
o patrimônio líquido (PL) da companhia. Os ativos e passivos apre-
sentados são aqueles passíveis de serem contabilizados conforme as
normas contábeis vigentes. Alguns ativos da companhia, mesmo pos-
suindo valor econômico, podem não estar contabilizados, como, por
exemplo, determinados intangíveis. Alguns contratos que implicam
em obrigações a serem cumpridas, também podem não estar contabi-
lizados no passivo. Cite-se, como exemplo, um contrato de prestação
de serviço em curso, que não é contabilizado como passivo, mesmo
implicando na obrigatoriedade da companhia de prestar o serviço. Se
o contrato está sendo cumprido, a companhia está prestando os ser-
viços contratados e gerando receitas. Caso o contrato seja inadimpli-
do, poderá gerar um passivo, o que dependerá de uma análise criteriosa.
O patrimônio líquido da companhia (PL), em temos contábeis,
nada mais é do que a diferença entre o ativo e o passivo. Caso os
ativos sejam realizados (transformados em caixa) e os passivos liqui-
dados (pagos em caixa) pelos valores contábeis, o saldo restante re-
presentará o patrimônio líquido. Se o passivo for superior ao ativo,
haverá o denominado "passivo a descoberto", pois não haverá ativos
suficientes para saldar os passivos e o patrimônio líquido será negati-
vo. O patrimônio líquido é um ativo residual, apurado pela diferença
entre ativo e passivo, do que decorre o uso das expressões "ativo líqui-
do" e "acervo líquido" como sinônimos de "patrimônio líquido"1054. As
contas do patrimônio líquido são classificadas conforme a natureza

1053 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Financeiras da C o m p a n h i a


(Conceitos Fundamentais)..., p. 642, observa que: "Balanço é ato ou efeito de balançar, e
balançar significa (além de fazer oscilar) contrapesar, ou examinar comparando. Na expres-
são balanço patrimonial' a palavra é empregada no sentido de ato ou efeito de examinar
a situaçao financeira do patrimônio contrapesando, ou comparando, o ativo patrimonial
com o passivo exigfvel e o patrimônio líquido "
1 054 Sobre o conceito de patrimônio, ver os comentários ao art. 178 da Lei das S.A.
dos recursos que o compõe: capital social subscrito e integralizado,
reservas, lucros ou prejuízos acumulados. Se o montante dos prejuízos
acumulados for superior ao capital social e às outras reservas patrimo-
niais, o patrimônio líquido será "negativo" ou "a descoberto", indican-
do a existência de dívidas em volume superior aos ativos registrados
contabilmente.
Os ativos e os passivos contabilizados não estão necessariamen-
te registrados a valores de mercado ou pelos valores que seriam liqui-
dados ou transformados em caixa quando realizados. As normas
contábeis determinam quais são as formas de mensuração de cada
conjunto de ativo e passivo, existindo no balanço patrimonial uma
diversidade de formas de avaliação, desde o custo histórico até o valor
justo1055. Assim, é importante, para qualquer análise do balanço patri-
monial, conhecer a base de mensuração dos seus elementos, o que
deve ser demonstrado nas notas explicativas, de que tratam o § 5°.
(ii) a Demonstração dos Lucros ou Prejuízos Acumulados (DLPA),
que, embora conste na Lei das S.A., raramente é elaborada com esse
nome. Interpretada literalmente, significa apenas um relatório que
mostra como a conta individual de Lucros ou Prejuízos Acumulados se
alterou entre 2 (duas) datas. Mas essa conta é somente uma parte do
patrimônio líquido; portanto, quando analisada individualmente, for-
nece poucas informações. Na prática, essa demonstração é substituída
pela Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido (DMPL),
que é uma demonstração muito mais completa e abrangente1056.

1 055 Ver os comentários ao art. 183 da Lei das S.A. Ver, também, MARIA HELENA PETTERSSON,
SÉRGIO BARCELOS DUTRA DE ALMEIDA, CINTHIA CÁSSIA SANTINI e FÁBIO MORAES
DA COSTA, "Valor Justo (fair value measuremenls)". In: Ernst & Young e Fipecafi. Manual de
Normas Internacionais de Contabilidade. IFRS versus Normas Brasileiras. São Paulo:
Atlas, 2009, p. 246-255. A expressão "valor justo" é utilizada nas seguintes normas
internacionais: IFRS 2, 3, 4 e 5 e IAS 2, 17, 18, 21, 32 e 39.
1056 A DMPL deve ser divulgada de acordo com as regras constantes no CPC 26 - "Apresenta-
ção das Demonstrações Contábeis", aprovado pela Deliberação CVM n° 595/2009, com as
alterações introduzidas pela Deliberação CVM n° 624/2010.
O PL é composto por diversas contas (e não somente Lucros ou
Prejuízos Acumulados) e a D M P L mostra como todas essas contas se
alteraram entre 2 (duas) datas. Assim, a D M P L inclui automaticamente
a mutação da conta de Lucros ou Prejuízos Acumulados. E na DMPL
que se encontram informações relevantes, tais como: aumento de capi-
tal, resultado líquido do período, dividendos, recompra de ações, realiza-
ção de reservas de reavaliação1057, alteração da conta de ajuste de avaliação
patrimonial, etc. Na D M P L é explicitada a destinação dos lucros segun-
do a proposta dos órgãos de administração, no pressuposto de sua apro-
vação pela assembleia geral, conforme determina o § 3 o deste artigo.
Note-se, no entanto, que, de acordo com o § 7°, acrescentado pela Lei n°
11.941/2009, a Comissão de Valores Mobiliários poderá, a seu critério,
disciplinar de forma diversa o registro de que trata o § 3°.
A conta do PL denominada "Ajustes de Avaliação Patrimonial"
(APP) foi criada pela Lei n° 11.638/2007, que alterou o inciso III do §
2° do artigo 1781058. A função dessa conta está explicada no § 3o do
artigo 182, que determina a obrigatoriedade de serem classificadas como
"ajustes de avaliação patrimonial", enquanto "não computadas no resul-
tado do exercício em obediência ao regime de competência, as contraparti-
das de aumentos ou diminuições de valor atribuído a elementos do ativo e
do passivo, em decorrência da sua avaliação a valor justo, nos casos previstos
nesta Lei ou, em normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários,
com base na competência conferida pelo § 3o do artigo 177 desta Lei"

1057 A Lei n° 11.638/2007 proibiu que novas reavaliações fossem feitas a partir do início de
2008. Porém, não exigiu que as reservas de reavaliação já existentes fossem revertidas. O
CPC 13 - "Adoção Inicial da Lei n° 11.638/2007", aprovado pela Deliberação CVM n°
565/2008, prevê 2 (duas) alternativas para o tratarriento das reservas de reavaliação: <i)
devem ser integralmente estornadas (revertidas); ou (ii) deverão ser mantidas até o fim de
suas realizações. Portanto, tais reservas poderão ser encontradas por mais alguns anos nos
Balanços Patrimoniais e das DMPL's das companhias.
1058 De acordo com o art. 178, § 2°, da Lei das S.A.: "No passivo, as contas serão classifi-
cadas nos seguintes grupos: (...) III - patrimônio líquido, dividido em capital social,
reservas de capital, ajustes de avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações em
tesouraria e prejuízos acumulados."
De acordo com os "padrões internacionais de contabilidade", exis-
tem determinados ativos e passivos que são mensurados pelo valor jus-
to. Em alguns casos, essas variações de valor não são lançadas como
receitas ou despesas na demonstração do resultado, mas diretamente
no PL, na subconta da conta de Ajustes de Avaliação Patrimonial.
Esse procedimento justifica-se pelo fato de serem receitas ou despesas
ainda não realizadas em caixa, mas que um dia serão, embora não ne-
cessariamente pelo valor em que foram registradas na conta de Ajuste
de Avaliação Patrimonial, pois, à medida que os valores justos dos ati-
vos flutuam, essa conta também é alterada. Quando se tornarem reali-
zadas financeiramente, deixam a conta de Ajustes de Avaliação
Patrimonial e passam a transitar pela demonstração do resultado do
período em que se tornaram realizadas1059.
Essa complexidade adicional de contabilização implica em modi-
ficações na interpretação do resultado de determinado período. Ou seja,
o resultado total de um período (denominado "resultado abrangente")1060
é composto por uma parte realizada (lucro ou prejuízo do exercício,

1059 Esse procedimento é denominado "Ajuste de Reclassificação". Conforme consta do CPC


26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis", aprovado pela Deliberação CVM n°
595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação CVM n° 624/2010, os ajustes
de reclassificação são os valores reclassificados para o resultado no exercício corrente que
foram inicialmente reconhecidos como outros resultados abrangentes (na conta de Ajuste
de Avaliação Patrimonial) no exercício corrente ou em exercício anterior.
1060 O conceito de resultado abrangente ("comprehensive income") foi inicialmente introduzi-
do pelo FAS Concepts Statement n° 3 ("Elements of Financial Statements of Business
Enterprises") e substituído pelo FAS Concepts Statement n° 6 ("Elements of Financial
Statement"). Consta do FAS Concepts Statement n° 6 que o resultado abrangente é "uma
alteração no patrimônio líquido de uma sociedade durante um período, decorrente de
transações de outros eventos e circunstâncias não originadas dos sócios. Isso inclui todas
as mudanças no patrimônio durante o período, exceto aquelas resultantes de investimen-
tos dos sócios e distribuições aos sócios." O CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações
Contábeis", aprovado pela Deliberação CVM n° 595/2009, com as alterações introduzidas
pela Deliberação CVM n° 624/2010, define o resultado abrangente como "a mutação que
ocorre no patrimônio líquido durante um período que resulta de transações e outros
eventos que não derivados de transações com os sócios na sua qualidade de proprietários."
Para mais informações, ver D. ERIC H1RST and PATRICK E. HOPKINS, "Comprehensive
Income Reporting and Analysts' Valuation Judgments", Journal of Accounting Research,
Studies on Enhancing the Financial Reporting Model, published by Blackwell Publishing
on behalf of Accounting Research Center, Booth School of Business, University of Chicago,
V. 36, 1998, p. 47-75, disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2491306>.
conforme a DRE) e por outra ainda não realizada, conforme a variação
da conta de Ajustes de Avaliação Patrimonial. Assim, o resultado total
do período ("resultado abrangente") não é mais verificado somente na
demonstração do resultado. A D M P L é a demonstração que apresen-
ta, entre outras informações, o resultado total do período ("resultado
abrangente"), desdobrando-o na parte realizada e na não realizada.
Em setembro de 2009, tornou-se obrigatória a divulgação de uma
nova demonstração: a do resultado abrangente do período, a qual deve
apresentar pelo menos os seguintes itens: (i) resultado líquido do perío-
do; (ii) cada item dos outros resultados abrangentes classificados confor-
me sua natureza (exceto os montantes relativos à alínea "(iii)"); (iii) parcela
dos outros resultados abrangentes de companhias investidas reconheci-
da por meio do método de equivalência patrimonial; e (iv) resultado abran-
gente do período1061. Ou seja, a demonstração do resultado abrangente
do período mostra todas as alterações que o patrimônio líquido sofreu,
com exceção daquelas decorrentes de transações com os sócios.
Há, também, na D M P L outras informações importantes, tais como:
as movimentações das reservas, transações com sócios, etc. Assim, a
Demonstração dos Lucros ou Prejuízos Acumulados não é, na prática,
usualmente encontrada; o que se verifica é a substituição dela pela DMPL,
sendo essa muito mais ampla e informativa, incluindo, ainda, a DLPA
(iü) a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), que cons-
titui um relato dinâmico que mostra como as receitas e as despesas de
determinado período (exercício) foram acumuladas, sendo elaborada
com base no regime da competência. A D R E de 1 (um) ano mostra
receitas e despesas acumuladas durante 365 (trezentos e sessenta e
cinco) dias do exercício social, assim como a de 1 (um) trimestre mostra
a acumulação de 90 (noventa) dias.

Essa obrigatoriedade decorreu d a p u b l i c a ç ã o do CPC 26 - " A p r e s e n t a ç ã o das D e m o n s t r a -


ções Contábeis", aprovado pela Deliberação CVM n° 595/2009, com as alterações
i n t r o d u z i d a s pela Deliberação CVM n° 624/2010.
As receitas e as despesas contidas na DRE não afetam, necessaria-
mente, o caixa da companhia no período em que foram registradas, pois
podem não ter sido recebidas ou pagas no mesmo período em que foram
contabilizadas. Essa diferença temporal entre receitas, despesas, recebi-
mentos e pagamentos denomina-se accruals, que é o centro da atenção
de todas as normas contábeis; caso contrário, as demonstrações contá-
beis se resumiriam a simples demonstrações de fluxos de caixa.
Cite-se como exemplo, para o entendimento do accruals, uma ven-
da à vista e uma venda a prazo. Na venda à vista, registra-se na DRE a
receita de vendas e, em contrapartida, um aumento no caixa. Nesse caso,
a receita contabilizada afeta o caixa no mesmo período. Não há nenhum
efeito de accrual. Na venda a prazo, a receita é registrada na DRE em
contrapartida de um "contas a receber". O "contas a receber" existe em
função do registro contábil por competência, ou seja, é efeito do accrual
decorrente do registro da venda e o ativo "contas a receber", porque há
uma expectativa futura de entrada de caixa decorrente da venda realizada.
Nesse caso, não foi considerado o risco de inadimplência, que, a propósi-
to, inexiste na venda à vista. Já na venda a prazo, se após o seu registro e o
do "contas a receber", a companhia foi informada que o devedor não é
confiável, deverá estimar o montante do "contas a receber". A conse-
qüência dessa nova informação é a de que o valor registrado por accrual
não é mais o mesmo, é menor e deverá ser ajustado. Esse ajuste posterior
também é um efeito de accrual, pois estar-se-á registrando uma expectati-
va de diminuição de entrada no fluxo de caixa futuro, cuja contrapartida
ocorre também na DRE, sob a forma de uma despesa com créditos "não
recebíveis", ou seja "créditos que no momento da venda sejulgava que seiiam
recebidos no faturo mas que agora existe forte expectativa de que não mais
sejam recebidos nofuturoym'1. Na essência, essa despesa constitui um ajuste

1062 Antigamente essa despesa era conhecida como "despesa com provisão de devedores duvidosos
- PDD" ou "despesa com provisão para créditos de liquidação duvidosa - PCLD". Pelo CPC 25
- "Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes", aprovado pela Deliberação CVM
n° 594/2009, não mais se utiliza a expressão 'provisões' para contas que retificam valores dos
ativos, como as antigas PDS, PCLD's, provisões para ajuste ao valor de mercado, etc.
da receita de venda anteriormente registrada, que não será totalmen-
te transformada em caixa. Esses registros contábeis da venda a prazo
e do ajuste de inadimplência foram efetuados com base em mera in-
formação, sem que tenha ocorrido qualquer efeito no caixa.
No exemplo anterior, a norma contábil afetará apenas a venda a
prazo, pois na venda à vista não é necessária a existência de uma regra
para orientar o seu lançamento. No entanto, existindo uma garantia
sobre o produto vendido (mesmo que à vista), por accrual, o registro
dessa venda poderá ser afetado, devendo-se observar a norma contá-
bil que trata do registro de vendas com garantias associadas. Assim,
quando uma montadora vende, à vista, por determinado valor, um
veículo com garantia de 2 (dois) anos, ela está, na realidade, venden-
do (já embutido no preço) o veículo e a garantia, embora registre-se
apenas a venda do veículo. O preço da garantia não é reconhecido
como receita no momento da venda; fica contabilizado no passivo da
montadora como uma obrigação por garantia (uma provisão para ga-
rantia), pois sobre esse montante a montadora detém obrigações e
riscos. Essa garantia deixa de ser uma obrigação com o decorrer do
tempo, 2 (dois) anos, por exemplo. Assim, ao longo desses 2 (dois)
anos, a montadora reconhece como receita essa parcela do preço to-
tal do veículo que corresponde, de fato, à venda da garantia1063.
No caso da venda a prazo, as normas contábeis afetam a con-
tabilização da receita e do "contas a receber", bem como o ajuste
por inadimplência. Ou seja, quando a receita é reconhecida, o seu
valor pode ser diferente do que consta da nota fiscal; é o que ocorre,
por exemplo, se o valor a ser contabilizado como "contas a receber"

No caso de a garantia ser utilizada pelo proprietário do veículo, o passivo "garantia" é


liquidado a medida em que a montadora incorre em gastos para reparar o veículo. Nessa
hipótese, a venda da garantia não gera receitas, pois ela teve que ser prestada. É claro que
esse exemplo e demasiadamente simplificado, pois existem diversos outros fatores mais
complexos que envolvem a mensuração do passivo das garantias. Para maiores detalhes,
ver o CH(_ 25 - 'Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes", aprovado pela
6
Deliberação C V M n° 594/2009.
constitui, o valor nominal ou o valor presente e, ainda, o valor e o momen-
to em que o "contas a receber" é ajustado pelo risco de inadimplência.
Cite-se, ainda, como exemplo, o caso dos derivativos (instrumentos
financeiros). Esses instrumentos, quando contratados (no momento ini-
cial) não afetam, em princípio, o caixa da companhia. No entanto, po-
dem afetar o caixa futuro, conforme os parâmetros contratados sejam
realizados ou quando há expectativa de que sejam modificados. Assim, é
necessária a existência de normas contábeis que orientem a companhia
no momento de registrar contabilmente o contrato celebrado, ou seja,
normas que disciplinem o registro dos acaruak desses contratos.
Dessa forma, as informações contábeis podem ser decompostas em
2 (dois) componentes principais: caixa e accrual. Como os accruah têm
relação com fluxos de caixa futuros (e algumas vezes com fluxos passa-
dos), assumem relevância as normas contábeis que disciplinam o modo
como essa parcela de informação deve ser registrada.
E nos accruah que repousam os julgamentos discricionários que os
administradores podem fazer dentro dos limites permitidos pelas nor-
mas. É por essa característica que os accruah tendem a conter sinaliza-
ções sobre os efeitos futuros nos fluxos de caixa que os administradores
"transmitem" aos usuários. Assim, as receitas e despesas da DRE não
significam necessariamente pagamentos e recebimentos de caixa no pe-
ríodo em que são registradas. Elas são contabilizadas com base no regi-
me de competência, que determina que as receitas e as despesas devem
ser lançadas quando são incorridas, independente de terem ou não afeta-
do o caixa no mesmo período.
A DRE, com a entrada em vigor da Lei n° 11.638/2007, sofreu
alterações em sua estrutura. Os "resultados operacionais" deixaram de
existir, pois não demonstravam efetivamente os resultados das opera-
ções. Neles eram misturadas receitas e despesas, geralmente financei-
ras e de operações descontinuadas, que não têm relação com as operações
em si. Assim, a DRE passou a demonstrar, basicamente, resultados das
operações em continuidade, os das operações em descontinuidade e os
efeitos financeiros de investimentos financeiros, de empréstimos e de
financiamentos1064, o que é importante na estimativa de resultados e
fluxos de caixa futuros; os resultados que tendem a se repetir no futuro
devem ser segregados daqueles que não o serão. O lucro ou prejuízo
líquido, portanto, é a composição desses 2 (dois) resultados mais os
efeitos financeiros (receitas e despesas financeiras).
A DRE demonstra as receitas e as despesas decorrentes das ativi-
dades sociais das companhias, receitas e despesas financeiras dos in-
vestimentos financeiros, de empréstimos e financiamentos e das
variações de valor presente de ativos e passivos. A última linha da DRE
exprime o lucro ou prejuízo líquido do período, que são componentes
do "resultado abrangente". Assim, não é correto analisar apenas os lu-
cros ou prejuízos líquidos; a D M P L deve ser analisada conjuntamente
com a DRE e com a Demonstração do Resultado Abrangente.
(iv) a Demonstração dos Fluxos de Caixa (DFC), que se tornou
obrigatória a partir do exercício de 2008, com a entrada em vigor da Lei
n° 11.638/20071065. O § 6o expressamente determina que as compa-
nhias fechadas com patrimônio líquido, na data do balanço, inferior a
RS 2 milhões, não estão obrigadas à elaboração e publicação da DFC.
Inexistem razões econômicas ou financeiras que justifiquem essa nor-
ma, pois a D F C já era utilizada pelas companhias como ferramenta
fundamental para o controle e planejamento financeiro antes mesmo
da entrada em vigor da Lei n° 11.638/2007.
A D F C diferencia-se das demais demonstrações contábeis
porque é elaborada com base no regime de caixa e não no regime
de competência. A comparação com as demais demonstrações é

Nos comentários ao art. 187 da Lei das S.A. são detalhadas as alterações estruturais da DRE
introduzidas pela Lei n° 11.638/2007 e pelo CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações
Contábeis", aprovado pela Deliberação C V M n° 595/2009, com as alterações introduzidas
pela Deliberação C V M n° 624/2010.
A D F C foi regulamentada pelo C P C 03 R(2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa",
aprovado pela Deliberação C V M n° 641/2010.
mais complexa, especialmente com relação à DRE. A DFC subs-
tituiu a Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos
(DOAR) e abrange o caixa e seus equivalentes (dinheiro e ativos
que são facilmente transformados em dinheiro, como, por exem-
plo, aplicações financeiras de liquidez imediata), fornecendo, as-
sim, informações relevantes sobre pagamentos e recebimentos da
companhia ocorridos durante determinado período, ou seja, a uti-
lização e origem de todos os recursos que entraram e saíram do
caixa, e, em conseqüência, o resultado do fluxo financeiro.
Na DFC, os fluxos de caixa e seus equivalentes, ocorridos du-
rante um período (entradas e saídas), são classificados conforme a sua
natureza: operacional, de investimento e de financiamento1066.
A DRE tem como base o regime de competência, enquanto a
DFC apenas o regime de caixa. Só aparecem na DRE entradas e saí-
das de caixa e equivalentes ocorridas durante um determinado período.
A DFC é uma demonstração importante para o mercado de capitais,
pois é a partir dela, com o auxílio das outras demonstrações contábeis,
que são feitas estimativas futuras de fluxos de caixa, componentes es-
senciais à determinação do valor econômico de títulos e valores mobi-
liários.
Existem 2 (dois) métodos de apresentação da DFC: (i) o método
direto, que reflete tão somente a classificação das entradas e saídas de
caixa e seus equivalentes nos grandes grupos: operacionais, de investi-
mentos e de financiamentos; e (ii) o método indireto, um pouco mais
complexo, pois parte do lucro (ou prejuízo) da DRE e dele são elimina-
dos os componentes de accruals para chegar aos efeitos de caixa. Ou
seja, é necessária uma conciliação entre o resultado líquido do exercício
da DRE e os fluxos de caixa da DFC, intercambiando aspectos tempo-
rais dos regimes de caixa e de competência (os efeitos dos accruals)1067.

1066 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 188 da Lei das S.A.
1067 Sobre os métodos de apresentação da DFC, ver o CPC 03 R(2) - "Demonstração dos Fluxos
de Caixa", aprovado pela Deliberação C V M n° 641/2010.
Cite-se, como exemplo, uma companhia que tenha como posi-
ção financeira inicial RS 10,00 de caixa e RS 10,00 de capital social.
Durante determinado período, ela registrou receitas de serviços no
valor de RS 30,00 (sem despesas, portanto, lucro líquido na DRE de
RS 30,00), sendo que, desse valor, somente RS 5,00 foram recebidos
em caixa. A posição financeira no final do período demonstrará caixa
de RS 15,00 (RS 10,00 iniciais mais os RS 5,00 recebidos), "contas a
receber" de R$ 25,00 e patrimônio líquido de R$ 40,00 (RI 10,00 de
capital social e RS 30,00 de reservas de lucros - o lucro da DRE). A
D F C pelo método direto apresentará apenas RS 5,00 de caixa opera-
cional decorrente do recebimento de clientes, conciliando o saldo
inicial de caixa de RS 10,00 com os RS 15,00 de saldo final.
Já a D F C pelo método indireto partirá do lucro R$ 30,00 da DRE
e dele subtrairá RS 25,00 (decorrente da variação do saldo de "contas a
receber": de zero no início do período para R$ 25,00 no final do perío-
do), resultando no fluxo de caixa operacional de RS 5,00, idêntico ao
apresentado na D F C pelo método direto. Esse fluxo de caixa concilia o
saldo inicial de RS 5,00 de caixa com o saldo final de RS 15,00.
O resultado final pelos 2 (dois) métodos é idêntico, mas os meios
pelo qual é alcançado são distintos. A interpretação da D F C pelo méto-
do direto é mais fácil de ser entendida, enquanto pelo método indireto é
mais complexa. Ainda no exemplo acima, pelo método direto a compa-
nhia recebeu RS 5,00 de clientes e, pelo método indireto, teve lucro
líquido de R$ 30,00; mas, como deixou de receber RS 25,00 (esse é o
efeito do accrual do registro da venda a prazo: no início do período não
tinha nada a receber e no final tem RS 25,00; deixou de receber RS
25,00 de caixa no período), restaram RS 5,00 de caixa. Ou seja, o lucro
apurado pelo regime de caixa foi de RS 30,00, mas o caixa gerado por
esse lucro foi de apenas RS 5,00. O "contas a receber" mostra que o
restante do lucro de RS 30,00 será recebido em caixa em períodos futu-
ros (saldo de RS 25,00 de "contas a receber").
(v) a Demonstração do Valor Adicionado (DVA), que embora
não integre o conjunto das demonstrações contábeis dos IFRS, tor-
nou-se obrigatória para as companhias abertas, com a publicação da
Lei n° 11.638/20071068.
Essa demonstração, também elaborada com observância ao
regime de competência, é semelhante à demonstração em que se
apura o Produto Interno Bruto (PIB) de um País, Estado ou Mu-
nicípio, pois representa a riqueza gerada pela companhia, que é, a
princípio, medida pela diferença entre o valor das vendas e os in-
sumos adquiridos de terceiros1069. O valor adicionado inclui tam-
bém o valor recebido em transferência, ou seja, produzido por
terceiros e transferido à companhia.
A DVA é uma demonstração de caráter econômico, "emprestada"
pela contabilidade. Porém, existem algumas diferenças temporais entre
a apuração de riqueza sob o aspecto econômico e o contábil. Sob o
aspecto econômico, (i) o que gera a riqueza é a produção, independente
de sua venda; e (ii) a riqueza é estimada a valores de mercado. Sob o
aspecto contábil, a riqueza é mensurada a partir da venda da produção.
Na hipótese de a produção permanecer em estoque, ou seja, o seu pro-
duto não ser alienado, a DVA sob o aspecto contábil ficará defasada
com relação ao aspecto econômico. Existem, ainda, outras diferenças
que podem ser verificadas, como, por exemplo, no caso da construção
de imóveis para uso próprio das companhias, caso em que a DVA, a
princípio, não capturará essa riqueza adicionada, enquanto sob o as-
pecto econômico essa produção (construção do edifício) gerará valor
que será estimado a preços de mercado.

1068 A DVA foi regulamentada pelo CPC 09 - "Demonstração do Valor Adicionado", aprovado
pela Deliberação CVM n° 557/2008 e pela Resolução CFC n° 138/2008.
1 069 Ver o CPC 09 - "Demonstração do Valor Adicionado", aprovado pela Deliberação CVM n"
557/2008.
Assim, a DVA tem como objetivo mostrar como as companhias
geraram riqueza em um determinado período e o seu montante, os
meios de produção utilizados, como a mão de obra, foi remunerada,
como essa riqueza foi distribuída para o governo (a título de recolhi-
mento de tributos), empregados, acionistas, investidores, etc., e o quan-
to foi retido na companhia. A DVA é considerada uma demonstração
de cunho mais social, pois não tem como foco apenas o acionista
(como a DRE), mas a companhia como um todo1070.

N O T A S EXPLICATIVAS

De acordo com o § 4o, as notas explicativas também são obrigató-


rias e fazem parte das demonstrações contábeis como um todo. São ne-
cessárias, em conjunto com outros quadros analíticos, ao esclarecimento
da situação patrimonial e dos resultados do exercício da companhia. E
por meio das notas explicativas que os administradores "conversam mais
longamente" com os usuários, mostrando detalhada, quantitativa e qua-
litativamente como as demonstrações contábeis foram elaboradas, as
razões pelas quais eventos do exercício, embora não afetando as demons-
trações correntes, poderão afetar exercícios futuros.
Nas notas explicativas encontram-se informações qualitativas e
quantitativas sobre como foram determinados os saldos e os valores
encontrados no BP, na DRE, na D M P L e na DFC. Somente esses 4
(quatro) relatórios não são suficientes para que os usuários das de-
monstrações tenham uma visão analítica sobre o desempenho da
companhia durante o exercício social. As notas explicativas contêm
informações mais detalhadas sobre a composição de ativos, passivos,
receitas e despesas; nelas são apresentadas explicações qualitativas
sobre esses componentes patrimoniais, bem como informações sobre
as políticas contábeis praticadas e as respectivas justificativas, as op-
ções adotadas (quando houver nas normas mais de uma alternativa

1 070 Sobre o significado e a elaboração da DVA, ver ARIOVALDO DOS SANTOS. Demonstração
d o Valor A d i c i o n a d o - C o m o Elaborar e Analisar a DVA. 2 a e d i ç ã o , S ã o Raulo: Atlas, 2 0 0 7 .
válida para registro contábil) e outros esclarecimentos necessários ao
correto entendimento da posição econômico-financeira da companhia.
Das notas explicativas também constam informações sobre os riscos
que impactam a companhia e sobre os eventos que não afetaram as
demonstrações contábeis, seja por impossibilidade de sua mensuração,
seja porque afetarão a posição patrimonial em exercícios subsequentes.
Conforme já comentado, pelos "padrões internacionais de conta-
bilidade", os administradores das companhias precisam interpretar os
IFRS, exercendo um critério de julgamento para elaborar as demons-
trações contábeis. Dessa forma, as notas explicativas tornaram-se mui-
to mais relevantes do que eram anteriormente à entrada em vigor das
Leis n 05 11.638/2007 e 11.941/2009.
Consta do § 5 o , com a redação dada pela Lei n° 11.941/2009, a
relação de informações mínimas que deverão integrar as notas expli-
cativas. No entanto, as companhias abertas devem apresentar notas
explicativas com informações adicionais às constantes dos incisos I a
IV, pois cada pronunciamento contábil (cada CPC), possui no seu
conteúdo indicações sobre o que deve ser nelas divulgado.
Os 3 (três) primeiros incisos do § 5 o estabelecem que as notas expli-
cativas devem (i) "apresentar informações sobre a base de preparação das de-
monstrações financeiras e das práticas contábeis específicas selecionadas e
aplicadas para negócios e eventos significativos"; (ii) "divulgar as informações
exigidas pelas práticas contábeis adotadas no Brasil que não estejam apresen-
tadas em nenhuma outra parte das demonstraçõesfinanceira.s";e (iii)'forne-
cer informações adicionais não indicadas naspróprias demonstraçõesfinanceiras
e consideradas necessárias para uma apresentação adequada
Esses 3 (três) incisos têm como objetivo assegurar que o modelo e
as políticas contábeis adotadas na elaboração das demonstrações con-
tábeis sejam claramente evidenciadas ao usuário. A simples menção e
listagem dos normativos utilizados não bastam para que as demonstra-
ções contábeis exprimam com clareza a situação do patrimônio da com-
panhia e as mutações ocorridas no exercício, conforme determina o
caput deste artigo, principalmente pelo fato de os padrões internacio-
nais de contabilidade exigirem muitos critérios de interpretação e jul-
gamento. Por isso, o § 4 o estabelece que as demonstrações devem ser
complementadas por quadros analíticos ou demonstrações contábeis
necessárias ao esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados
do exercício. Ademais, existem transações e eventos que não são expli-
citamente previstos nas normas contábeis; assim, a companhia precisa
adotar uma política contábil adequada para refleti-los nas demonstra-
ções, a fim de que os seus usuários sejam devidamente informados.
Os critérios utilizados na elaboração das demonstrações contábeis
devem refletir as transações e os fatos mais relevantes ocorridos no
patrimônio, para que o usuário possa compreender o alcance e a limita-
ção das informações divulgadas. As referências às expressões "negócios
e eventos significativos", "consideradas necessárias para uma apresen-
tação adequada", constantes dos incisos I e III do § 5 o , sugerem um
critério de interpretação e julgamento, ficando a cargo da administra-
ção da companhia decidir o que é significativo e adequado.
r

De acordo com o inciso IV do § 5 o , também deverão constar das


notas explicativas tabelas com aberturas de saldos relevantes, decom-
posição analítica de contas importantes, explicação dos critérios de
avaliação de ativos e passivos, destacando-se, especialmente, estoques
das estipulações das taxas e quotas de depreciação e amortização.
Deverão, ainda, constar das notas os critérios e o julgamento utiliza-
dos na constituição e evidenciação de provisões para encargos ou ris-
cos e nos testes para a verificação da recuperabilidade e realização de
ativos (impairment, por exemplo), bem como os ônus e as garantias
concedidas, os prazos de pagamentos e recebimentos de ativos e pas-
sivos relevantes, taxas e datas de pagamento de empréstimos e finan-
ciamentos, variações de valor de ativos e passivos decorrentes de novas
avaliações, taxas de desconto utilizadas, etc.
Além disso, deverão constar informações adicionais sobre o ca-
pital social das companhias, tais como: o número, as espécies e as
classes das ações do capital social e as opções de compra de ações
outorgadas e exercidas no exercício. Por último, também precisam ser
considerados nas notas explicativas os ajustes de exercícios anteriores
(ajustes às demonstrações contábeis de períodos passados por altera-
ções de políticas contábeis e correção de erros) e eventos subsequen-
tes (eventos significativos que ocorreram ou se desdobraram após a
data do balanço patrimonial e que podem impactar as demonstrações
contábeis do exercício corrente ou de exercícios futuros).

Escrituração
"Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em regis-
tros permanentes, com obediência aos preceitos dalegislação co-
mercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente
aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis unifor-
mes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o
regime de competência.

§ I o As demonstrações financeiras do exercício em que houver


modificação de métodos ou critérios contábeis, de efeitos rele-
vantes, deverão indicá-la em nota e ressaltar esses efeitos.

§ 2 o A companhia observará exclusivamente em livros ou regis-


tros auxiliares, sem qualquer modificação da escrituração mer-
cantil e das demonstrações reguladas nesta Lei, as disposições da
lei tributária, ou de legislação especial sobre a atividade que cons-
titui seu objeto, que prescrevam, conduzam ou incentivem a utili-
zação de métodos ou critérios contábeis diferentes ou determinem
registros, lançamentos ou ajustes ou a elaboração de outras de-
monstrações financeiras. (Redação dada pela Lei n° 11.638/2007
e alterada pela Lei n° 11.941/2009)

I - (Revogado): (Redação dada pela Lei n° 11.941/2009)

II - (Revogado). (Redação dada pela Lei n° 11.941/2009)


§ 3 o As demonstrações financeiras das companhias abertas ob-
servarão, ainda, as normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários e serão obrigatoriamente submetidas a auditoria por
auditores independentes nela registrados. (Redação dada pela Lei
n° 11.941/2009)

§ 4 o As demonstrações financeiras serão assinadas pelos admi-


nistradores e por contabilistas legalmente habilitados.

§ 5 o As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários


a que se refere o § 3 o deste artigo deverão ser elaboradas em con-
sonância com os padrões internacionais de contabilidade adota-
dos nos principais mercados de valores mobiliários. (Incluído pela
Lei n° 11.638/2007)

§ 6 o As companhias fechadas poderão optar por observar as nor-


mas sobre demonstrações financeiras expedidas pela Comissão
de Valores Mobiliários para as companhias abertas. (Incluído pela
Lei n° 11.638/2007)

§ 7° (Revogado pela Lei n° 11.941/2009)"

Este artigo, com a redação dada pela Lei n° 11.941/2009, é con-


siderado, sob o aspecto contábil, fundamental à eficácia do processo
iniciado pela Lei n° 11.638/2007 de harmonização das regras contá-
beis nacionais com os pronunciamentos internacionais, em especial
os emitidos pelo Internacional Accounting Standard Board - IASB,
por meio dos Internacional Financial Reporting Standards - IFRS1071.
Trata-se da separação formal entre os registros destinados à elabo-
ração e divulgação das demonstrações contábeis daqueles utilizados
para outros fins, tais como: apuração do imposto de renda e contri-
buição social sobre o lucro, elaboração de demonstrações contábeis
regulatórias, etc1072. A segregação entre a contabilidade societária e a
tributária foi, na prática, estabelecida originalmente pelo artigo 8° do
Decreto-Lei n° 1.598/1977, ao instituir o Livro de Apuração do Lu-
cro Real - LALUR. O § 2° deste artigo manteve tal separação ao deter-
minar que as disposições da lei tributária ou de legislação especial que
prescrevem, conduzem ou incentivam a companhia à utilização de
métodos ou critérios contábeis diferentes dos previstos na Lei das S.A.
deverão ser observadas exclusivamente em livros ou registros auxiliares
e sem qualquer modificação da escrituração mercantil e das demons-
trações nela reguladas. Assim, deverão ser aplicados unicamente em
livros auxiliares eventuais métodos ou critérios contábeis diversos dos
constantes dos padrões internacionais de contabilidade.
Não obstante o artigo 8 o do Decreto-Lei n° 1.598/1977 e o ca-
put deste artigo já preverem a segregação contábil, ela foi desvirtuada
pelas normas tributárias, uma vez que a Secretaria da Receita Federal
limitou a utilização do Livro de Apuração do Lucro Real - LALUR
às hipóteses por ela expressamente determinadas, entre outras, no
Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n° 3.000/1999). Com
efeito, as leis tributárias nunca disciplinaram a contabilidade para fins
de reporte, mas estabeleciam "sanções" caso a contabilização não fosse
efetuada na forma nelas prevista, tais como a não dedutibiüdade de
algumas despesas e a tributação de determinadas receitas.
A Lei n° 11.941/2009 alterou este artigo, bem como o § 2 o do
artigo 8 o do Decreto-Lei n° 1.598/1977, assegurando, tanto na legis-
lação tributária como na societária', a total desvinculação dos registros
contábeis, instituindo, para tanto, o Regime Tributário de Transição -

1072 Ver, a propósito, a Resolução Normativa ANEEL n° 39G/2010, que instituiu a contabilidade
regulatória e aprovou alterações no manual de contabilidade do setor elétrico.
RTT1073. De acordo com o RTT, os resultados continuam a ser tribu-
tados em conformidade com as normas contábeis anteriores a de-
zembro de 2007; já as normas contábeis posteriores a 2007 têm efeito
neutro sobre a tributação1074. Ou seja, na apuração dos tributos ainda
são observadas as normas "contábeis" em vigor até o ano 20071075,
mas, na elaboração das demonstrações contábeis e na sua divulgação,
seguem-se as normas contábeis vigentes. E como se, para fins tribu-
tários, não tivesse ocorrido qualquer mudança. Na prática, isso impli-
ca em terem as sociedades pelo menos 2 (duas) contabilidades: uma
para fins tributários e outra para fins de divulgação.
Ter 2 (duas) ou mais contabilidades não é novidade e faz parte da
vida empresarial. Por exemplo, é comum as companhias possuírem a
contabilidade societária, baseada em normativos, e, paralelamente, a

1073 Os §§ 2 o e 3 o do art. 8 o do Decreto-Lei n° 1.598/1977, com as alterações introduzidas pela


Lei n° 11.941/2009, passaram a vigorar com a seguinte redação: "Art 8o - O contribuinte
deverá escriturar, além dos demais registros requeridos pelas leis comerciais e pela legisla-
ção tributária, os seguintes livros: I - de apuração de lucro real, no qual: (...). § 2 ° Para fins
da escrituração contábil, inclusive da aplicação do disposto no § 2° do art 177 da Lei n°
6.404, de 15 de dezembro de 1976, os registros contábeis que forem necessários para a
observância das disposições tributárias relativos à determinação da base de cálculo do
imposto de renda e, também, dos demais tributos, quando não devam, por sua natureza
fiscal, constar da escrituração contábil, ou forem diferentes dos lançamentos dessa escritu-
ração, serão efetuados exclusivamente em: I - livros ou registros contábeis auxiliares; ou li
- livros fiscais, inclusive no livro de que trata o inciso I do c a p u t deste artigo. § 3a O
disposto no § 2° deste artigo será disciplinado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil."
1074 Quando da criação do RTT, pela Lei n" 11.941/2009, foi estabelecido que as empresas que
optassem por esse sistema de tributação poderiam continuar recolhendo impostos como
faziam até 31 de dezembro de 2007, antes das alterações contábeis. Isso garantiu que as
mudanças contábeis introduzidas pela Lei n° 11.638/2007 não afetassem o volume de
impostos a pagar ou a restituir das companhias. A vigência inicialmente prevista para o RTT
era para o biênio 2008 e 2009. A partir de 2010, surgiram os seguintes cenários: caso, até o
fim do ano de 2010, nenhum ato normativo, com novas orientações, fosse emitido pela
Secretaria da Receita Federal, prevaleceria o disposto no § 3 o do art. 15 da Lei n° 11.941/
2009, que estabelece que o RTT se torna obrigatório a partir de 2010. No entanto, o § 1 o do
a r t 15 determina q u e "o RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos
tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária".
Como a Secretaria da Receita Federal, até junho de 2011, não promoveu nenhuma alteração
tributária, o RTT, que foi optativo para as pessoas jurfdicas que adotaram o lucro real ou
presumido nos anos de 2008 e de 2009, passou a ser obrigatório a partir do ano-calendário
2010, abrangendo, também, as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro arbitrado.
1075 O mais adequado seria dizer que devem ser observadas as normas tributárias e não as
contábeis propriamente ditas, pois a Secretaria da Receita Federal não disciplina questões
contábeis, mas critérios tributários.
contabilidade gerencial, com fundamento nos critérios internos da
sociedade. No Brasil, nas épocas de hiperinflação, as companhias
tinham a contabilidade apurada em custo histórico corrigido e em
correção monetária integral.
Nos registros contábeis das companhias, devem ser observados os
métodos estabelecidos na Lei das S.A., bem como nos registros fiscais e
no Livro de Apuração do Lucro Real - LALUR, atendidos, também, os
critérios constantes do Decreto-Lei n° 1.598/1977. Portanto, podem ser
encontradas diferenças entre os registros para fins fiscais e os para fins
societários. Para um mesmo fato ou transação podem existir procedi-
mentos distintos a serem observados na elaboração das demonstrações
contábeis e na apuração dos tributos incidentes sobre o lucro1076.
O artigo também estabelece outras regras relevantes sobre a
contabilidade de uma companhia. Consta do caput que a escritu-
ração será mantida em registros permanentes, com obediência dos
preceitos da legislação comercial, da Lei das S.A. e dos princípios
de contabilidade geralmente aceitos, independentemente de a
companhia ser aberta ou fechada.
O termo "princípios de contabilidade geralmente aceitos" é mui-
to amplo, tendo em vista que abrange 2 (duas) expressões flexíveis:
"princípios de contabilidade"1077 e "geralmente aceitos". Com a ne-
cessidade de estruturar essa disciplina, foi desenvolvido um conjunto
de orientações qualitativas para que os fatos e eventos que alteram o
patrimônio das companhias pudessem ser registrados adequadamen-
te nas demonstrações contábeis. Essas orientações foram denomina-
das "princípios de contabilidade" e abrangem as características

1076 A título de exemplo, veja-se o 'ágio'. De acordo com a Lei n° 11.638/2007, esse ativo não é
mais amortizado (somente o será caso não mais tenha seu custo recuperável, o que é feito pelo
teste de recuperabilidade de custo, de acordo com o CPC 01 (R1) - "Redução no Valor
Recuperável de Ativos", aprovado pela Deliberação CVM n° 639/2010). Mas, para fins tributá-
rios, esse ativo ainda continua a ser amortizado conforme os critérios fiscais vigentes em 2007.
1077 As expressões "Princípios Contábeis" e "Princípios de Contabilidade" têm o mesmo significado.
qualitativas das informações contábeis, bem como os aspectos de men-
suração de ativos, passivos, receitas e despesas. O significativo au-
mento da importância das informações econômico-fmanceiras das
companhias, face à expansão do mercado de capitais e ao desen-
volvimento da profissão contábil, tornou necessária a criação de um
conjunto de orientações sobre os procedimentos indispensáveis à
analise de fatos e eventos, à sua mensuração e ao seu registro. Tais
orientações foram transformadas em normas que devem ser obser-
vadas na elaboração e na divulgação das demonstrações contábeis.
O conjunto de orientações, teorias, normas e procedimentos é de-
nominado "princípios contábeis".
Para as companhias abertas vigorou, até dezembro de 2008, a De-
liberação CVM n° 029/1986, que dispunha sobre a "Estrutura Con-
ceituai Básica da Contabilidade" e definia os objetivos da contabilidade,
os seus princípios (conceitos) fundamentais, classificando-os em 3 (três)
categorias básicas: (i) postulados ambientais da contabilidade; (ii) prin-
cípios contábeis propriamente ditos; e (iii) restrições aos princípios con-
tábeis fundamentais - as convenções. Entretanto, com -a mudança
normativa introduzida pela Lei n° 11.638/2007, e considerando a im-
portância e a obrigatoriedade de que as normas contábeis brasileiras
fossem convergentes com as normas contábeis internacionais, a Deli-
beração CVM n° 029/1986 foi revogada pela Deliberação CVM n°
539/2008, a qual aprovou o "Pronunciamento Conceituai Básico" emi-
tido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC, que dispõe
sobre a "Estrutura Conceituai para a Elaboração e Apresentação das
Demonstrações Contábeis"1078.
O "Pronunciamento Conceituai Básico" corresponde ao "Fra-
mework for the Preparation and Presentation of Financial Statements"
do IASB e consiste em orientações qualitativas - não em regras -

1 078 Sobre o Comitê de Pronunciamentos Contábeis, ver os comentários ao art. 176 da Lei das S.A.
sobre as informações e as demonstrações contábeis1079. No "Pronuncia-
mento Conceituai Básico" são encontrados sob diversas denominações

1079 C o n s t a d o " P r o n u n c i a m e n t o C o n c e i t u a i B á s i c o " que: "As demonstrações contábeis são


preparadas e apresentadas para usuários externos em gerai, tendo em vista suas finalidades
distintas e necessidades diversas. Governos, órgãos reguladores ou autoridades fiscais, por
exemplo, podem especificamente determinar exigências para atender a seus próprios fins.
Essas exigências, no entanto, não devem afetar as demonstrações contábeis preparadas
segundo esta Estrutura Conceituai. D e m o n s t r a ç õ e s contábeis preparadas sob a égide desta
Estrutura Conceituai objetivam fornecer informações que sejam úteis na tomada de deci-
sões e avaliações por parte dos usuários em geral, não tendo o propósito de atender
finalidade ou necessidade específica de determinados grupos de usuários. As demonstra-
ções contábeis preparadas com tal finalidade satisfazem as necessidades comuns da maio-
ria dos seus usuários, uma vez que quase todos eles utilizam essas demonstrações contábeis
para a tomada de decisões econômicas, tais como: (a) decidir quando comprar, manter ou
vender um investimento em ações; (b) avaliar a Administração quanto ã responsabilidade
que lhe tenha sido conferida, qualidade de seu desempenho e prestação de contas; (c)
avaliar a capacidade da entidade de pagar seus empregados e proporcionar-lhes outros
benefícios; (d) avaliar a segurança quanto à recuperação dos recursos financeiros empres-
tados à entidade; (e) determinar políticas tributárias; ( f ) determinar a distribuição de lucros
e dividendos; (g) preparar e usar estatísticas da renda nacional; ou (h) regulamentar as
atividades das entidades. (...) Introdução. Finalidade. 1. Esta Estrutura Conceituai estabe-
lece os conceitos que fundamentam a preparação e a apresentação de demonstrações
contábeis destinadas a usuários externos. A finalidade desta Estrutura Conceituai é: (a) dar
suporte ao desenvolvimento de novos Pronunciamentos Técnicos e à revisão de Pronun-
ciamentos existentes quando necessário; (b) dar suporte aos responsáveis pela elaboração
das demonstrações contábeis na aplicação dos Pronunciamentos Técnicos e no tratamento
de assuntos que ainda não tiverem sido objeto de Pronunciamentos Técnicos; (c) auxiliar
os auditores independentes a formar sua opinião sobre a conformidade das demonstrações
contábeis com os Pronunciamentos Técnicos; (d) apoiar os usuários das demonstrações
contábeis na interpretação de informações nelas contidas, preparadas em conformidade
com os Pronunciamentos Técnicos; e (e) proporcionar, àqueles interessados, informações
sobre o enfoque adotado na formulação dos Pronunciamentos Técnicos. 2. Esta Estrutura
Conceituai não define normas ou procedimentos para qualquer questão particular sobre
aspectos de mensuração ou divulgação. 3. Não deverá haver conflito entre o estabelecido
nesta Estrutura Conceituai e qualquer Pronunciamento Técnico. 4. Esta Estrutura Conceituai
será revisada de tempos em tempos com base na experiência decorrente de sua utilização.
Alcance. 5. Esta Estrutura Conceituai aborda: (a) o objeüvo das demonstrações contábeis;
(b) as características qualitativas que determinam a utilidade das informações contidas nas
demonstrações contábeis; (c) a definição, o reconhecimento e a mensuração dos elemen-
tos que compõem as demonstrações contábeis; e (d) os conceitos de capital e de manuten-
ção do capital. 6. Esta Estrutura Conceituai trata das demonstrações contábeis para fins
gerais (daqui por diante designadas como 'demonstrações contábeis'), inclusive das de-
monstrações contábeis consolidadas. Tais demonstrações contábeis são preparadas e apre-
sentadas pelo menos anualmente e visam atender às necessidades comuns de informações
de um grande número de usuários. Alguns desses usuários talvez necessitem de informa-
ções, e tenham o poder de obtê-las, além daquelas contidas nas demonstrações contábeis.
Muitos usuários, todavia, têm de confiar nas demonstrações contábeis como a principal
fonte de informações financeiras. Tais demonstrações, portanto, devem ser preparadas e
apresentadas tendo em vista essas necessidades. Estão fora do alcance desta Estrutura
Conceituai informações financeiras elaboradas para fins especiais, como, por exemplo,
aquelas incluídas em prospeclos para lançamentos de a ç õ e s n o mercado e ou elaboradas
exclusivamente para fins fiscais. Não obstante, esta Estrutura Conceitua! pode ser aplicada
na preparação dessas demonstrações para fins especiais, quando as exigências de tais
demonstrações o permitirem. (...) 8. Esta Estrutura Conceituai se aplica às demonstrações
- tais como: "objetivos das demonstrações contábeis", "pressupostos
básicos", "características qualitativas das demonstrações contábeis", "ele-
mentos das demonstrações contábeis" e "reconhecimento dos elemen-
tos das demonstrações contábeis"—, os "princípios de contabilidade".Nesse
pronunciamento incluem-se, também, as definições de ativos, passivos,
patrimônio líquido, receitas, despesas, bem como o momento em que
esses elementos são capturados pelas demonstrações contábeis1080.
As companhias fechadas, a princípio, não são obrigadas a obser-
var as normas contábeis expedidas pela Comissão de Valores Mobiliá-
rios e, portanto, o "Pronunciamento Conceituai Básico"; entretanto,
é recomendável que sigam as suas orientações, pois: (i) o § 4° deste
artigo estabelece que as demonstrações contábeis das sociedades anô-
nimas serão assinadas pelos administradores e por contabilistas le-
galmente habilitados; (ii) esses profissionais devem ser registrados
nos Conselhos Regionais de Contabilidade - CRCs e por eles fisca-
lizados; e (iii) o Conselho Federal de Contabilidade — C F C tem emi-
tido as mesmas normas da Comissão de Valores Mobiliários sobre
esse assunto. Cite-se, como exemplo, a "Estrutura Conceituai", que

contábeis de todas as entidades comerciais, industriais e outras de negócios que reportam,


sejam no setor público ou no setor privado. Entidade que reporta é aquela para a qual
existem usuários que s e apoiam em suas demonstrações contábeis como fonte principal de
informações patrimoniais e financeiras sobre a entidade."
1 080 De acordo com o "Pronunciamento Conceituai Básico", ainda que um ativo exista, nem
sempre é possível reconhecê-lo nas demonstrações contábeis. Isso é comum no caso dos
ativos intangíveis gerados internamente, tais como: marcas, fundo de comércio (goodwill),
etc. O mesmo ocorre com certos passivos, uma vez que nem todas as obrigações são (ou
podem ser) reconhecidas contabilmente, como ocorre, por exemplo, nos (i) contratos de
compra e venda de uma determinada mercadoria - o direito de receber a mercadoria já
existe, mas a sua contabilização está vinculada ao seu efetivo recebimento. A obrigação só
é contabilmente reconhecida com a entrega da mercadoria; e (ii) contratos de prestação de
serviços - a celebração do contrato dá ao contratante o direito de "receber" o serviço e gera
para o contratado a obrigação de executá-lo. A simples assinatura do contrato não é
requisito contábil para o reconhecimento dos ativos e passivos a ele inerentes. O direito ao
"recebimento" do serviço e a obrigação de prestá-lo não são reconhecidos contabilmente
até que o mesmo tenha sido efetivamente prestado. Assim, quando da prestação do
serviço, o contratado reconhece uma receita relativa a essa prestação e o direito de receber
dinheiro do contratante; no mesmo momento, o contratante reconhece a obrigação de
pagar o contratado contra uma despesa de serviços. O mesmo raciocínio é válido para
contratos de fornecimento de mercadorias, etc.
foi emitida pela Resolução CFC n° 1.121/2008, a qual aprovou a
NBC T I - "Estrutura Conceituai para a Elaboração e Apresenta-
ção das Demonstrações Contábeis"1081. Assim, os princípios contá-
beis das sociedades anônimas, incluídas as companhias fechadas,
constam desses 2 (dois) documentos, sendo que o segundo é idên-
tico ao aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários por meio da
Deliberação CVM n° 539/20081082.
O Conselho Federal de Contabilidade não revogou expressamente
a Resolução CFC n° 750/1993, que até então tratava da mesma matéria,
com algumas diferenças. No entanto, a Resolução CFC n° 1.121/2008
sobrepõe-se àquela no que for com ela conflitante. Com efeito, os atuais
princípios contábeis devem ser observados tanto pelas companhias aber-
tas quanto pelas companhias fechadas. Cabe ao Conselho Federal de
Contabilidade verificar se os profissionais legalmente habilitados estão
seguindo os princípios contábeis aprovados pelo órgão de classe.

1081 A R e s o l u ç ã o C F C n° 1.329/2011 alterou a d e n o m i n a ç ã o d a "Estrutura C o n c e i t u a i para a


E l a b o r a ç ã o e A p r e s e n t a ç ã o d a s D e m o n s t r a ç õ e s C o n t á b e i s " , p a r a N B C T G - "Estrutura
Conceituai".
1 082 Sobre a n o v a "Estrutura C o n c e i t u a i para a E l a b o r a ç ã o e Apresentação das Demonstrações
Contábeis", S É R G I O I U D Í C I B U S , E L I S E U M A R T I N S e E R N E S T O R U B E N S G E L B C K E . Manu-
al de Contabilidade das Sociedades por A ç õ e s (Aplicável às Demais Sociedades). Rumo às
Normas Internacionais. S u p l e m e n t o . 2 a e d i ç ã o , S ã o Paulo: Atlas, 2 0 0 9 , p. 13, observam
que: "Na verdade, a parte relativa aos 'princípios contábeis' pouco mudou na sua essência.
Ao invés de serem chamados de 'princípios', ou convenções etc., tudo passou a ser
genericamente denominado de Características Qualitativas das Informações Contábeis.
Assim, no fundo, tudo o que existia sobre Regime de Competência, Objetividade,
Conservadorismo etc., continua existindo, com novas redações. Só que alguns pontos são
mudados de hierarquia. Talvez, a maior modificação seja mesmo a introdução, de maneira
clara, da figura da 'Primazia da Essência sobre a Forma' como característica fundamental da
informação contábil. Esse conceito estava inserido na Deliberação CVM n° 29/S6, mas de
passagem, sem que lhe houvesse sido dada a característica de um 'princípio' propriamente
dito. Agora, com o Pronunciamento novo do CPC, aprovado pela Deliberação CVM n"
539/2008, e pela Resolução do Conselho Federal de Contabilidade n" 1.121/08, a aplica-
ção desse conceito deverá ser a inovação que mais exigirá do profissional da Contabilida-
de. Ou seja, de agora em diante, não pode mais o profissional de contabilidade, ou o
gestor da empresa, ou o auditor independente, simplesmente 'seguir as regrinhas', 'seguir
as letras do contrato' etc. Quando o documento formaliza uma situação que não representa
a efetiva realidade econômica da operação, o contador e os administradores da empresa
são responsáveis por efetuar a contabilização conforme a essência econômica da transa-
ção, e não sua mera forma, e o auditor só pode aceitar sem ressalva a demonstração
contábil se assim elaborada."
A segunda parte do termo, isto é, a expressão "geralmente acei-
tos", é importada do sistema anglo-saxão, no qual as normas contá-
beis não são estabelecidas por leis. No passado, a emissão das normas
técnicas era efetuada pelos contabilistas; por isso, a antiga referência
a "princípios contábeis geralmente aceitos entre os contadores" cons-
tituía uma prática incomum no Brasil. A partir de 1973, por pressão
do mercado, os norte-americanos passaram a contar com o Financial
Accounting Standards Board - FASB enquanto órgão emissor das suas
normas contábeis. No Brasil, a expressão "geralmente aceitos" foi in-
troduzida em 1976 com a promulgação da Lei das S.A., quando se
procurava aproximar a contabilidade brasileira da norte-americana.
Ocorre que, com o passar do tempo, houve uma disseminação exa-
gerada de fontes emanadoras de normas contábeis, o que provocou
grandes discussões. A Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Cen-
tral do Brasil - BCB, a Superintendência de Seguros Privados - Susep,
o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil - Ibracon, o Conse-
lho Federal de Contabilidade - CFC, a Agência Nacional de Energia
Elétrica - Aneel, bem como outras agências reguladoras, passaram a
emitir normas, às vezes conflitantes, gerando algumas confusões.
Cite-se, como exemplo, a Secretaria da Receita Federal, que tam-
bém editava atos normativos com procedimentos contábeis. Apesar
desse órgão não estabelecer regras contábeis que deveriam ser obriga-
toriamente observadas pelas companhias, previa "sanções" para aque-
las que adotassem procedimentos distintos dos que eram por ele
autorizados. Assim, se uma companhia efetuasse a depreciação de um
bem em prazo menor do que o permitido, o excedente era simplesmen-
te glosado no cálculo do lucro tributável. Dessa forma, as companhias
eram induzidas a utilizar o período admitido fiscalmente, mesmo que
ele não representasse o prazo economicamente adequado.
Foi por essa razão que a Lei n° 11.941/2009 deu nova redação
ao § 2° deste artigo, admitindo que o Livro de Apuração do Lucro
Real - LALUR seja utilizado para os casos em que as disposições da
lei tributária prescreverem, conduzirem ou incentivarem a utilização
de métodos ou critérios contábeis diferentes dos previstos na Lei das
S.A., ou determinarem registros, lançamentos ou ajustes, bem como
a elaboração de outras demonstrações contábeis.
Portanto, os "princípios de contabilidade geralmente aceitos" re-
ferem-se ao conjunto de orientações qualitativas e de regras que de-
vem ser observadas na elaboração e divulgação das demonstrações
contábeis, incluindo não só as normas da Lei das S.A. e atos regula-
mentares, como também as decorrentes da observância generalizada
de uma prática (como, por exemplo, de transações muito específicas
ou de setores também muito específicos). Decorre desse conjunto de
princípios contábeis que as regras, voltadas especificamente para a
identificação, mensuração e reconhecimento de ativos e passivos nas
demonstrações contábeis, devem ser homogêneas ao longo do tem-
po e aplicadas uniformemente a todas as companhias, a fim de tornar
possível a comparação das informações contábeis entre vários exercí-
cios, entre a mesma companhia ou entre companhias distintas. Por
essa razão, consta do caput que a escrituração da companhia deve
observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo, o que
está de acordo, também, com a regra prevista no § I o do artigo 176,
que estabelece a obrigatoriedade de que as demonstrações de cada
exercício sejam publicadas com a indicação dos valores correspon-
dentes das demonstrações do exercício anterior1083.
Ademais, os "princípios de contabilidade" permitem o desenvol-
vimento de novas normas, métodos e critérios contábeis que apre-
sentem da maneira economicamente mais adequada os fatos e eventos
que integram ou alteram o patrimônio das companhias. Nesse senti-
do, o § I o determina que as demonstrações contábeis do exercício em
que houver modificação de métodos e critérios contábeis de efeitos
relevantes deverão indicá-los em nota explicativa e ressaltar tais efeitos.
Os "princípios de contabilidade" admitem alterações de normas,
métodos e critérios contábeis, mas somente quando proporciona-
rem informações contábeis mais adequadas do que as que seriam
obtidas com os anteriores1084.
Consta também do caput deste artigo que os registros contábeis
devem ser feitos de acordo com o regime de competência e não o de
caixa. Os fatos e eventos devem ser registrados quando ocorrem, inde-
pendentemente do momento em que afetam o caixa da companhia.
O § 3 o , por sua vez, estabelece que as demonstrações contá-
beis das companhias abertas devem observar as normas expedidas
pela Comissão de Valores Mobiliários, que, de acordo com o § 5 o ,
devem ser elaboradas em consonância com os padrões internacio-
nais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores
mobiliários, ou seja, os IFRS 1085 .
As companhias fechadas, além de serem obrigadas, na elaboração
de suas demonstrações contábeis, a observar as regras previstas na Lei
das S.A., podem, em atenção ao § 6 o , optar por adotar as normas expe-
didas pela Comissão de Valores Mobiliários para as companhias aber-
tas. Esse procedimento é recomendável, pois as normas previstas na
Lei das S.A. são insuficientes para originar demonstrações contábeis
de alta qualidade. Recomenda-se, ainda, que as demonstrações contá-
beis das companhias fechadas também sejam auditadas por auditores
independentes, se os custos forem compatíveis com o seu porte1086.
Os auditores independentes têm a função de elaborar parecer no
qual deverão verificar se as demonstrações da companhia estão, ou

1084 Sobre esse assunto, ver o CPC 23 - "Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retifica-
ção de Erro", aprovado pela Deliberação C V M n° 592/2009.
1 085 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 1 76 da Lei das S A
1036 Note-se que as sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de
sociedades por ações, sujeitam-se às disposições da Lei das S.A. sobre escrituração e
elaboraçao de demonstrações contábeis e a obrigatoriedade de auditoria independente,
nos termos do art. 3 o da Lei n° 11.638/2007.
não, de acordo cora as normas contábeis vigentes1087. Se estiverem de
acordo, emitirão o parecer com opinião favorável, sem ressalva (é o
denominado "parecer limpo"). Alguns pareceres podem ser emitidos
com parágrafo(s) de ênfase, por conterem as demonstrações algum
nível de incerteza ou por merecerem alguma atenção especial, mes-
mo que estejam em consonância com as normas contábeis. Nesses
casos, em geral, há quantificação dos efeitos dessa observação, mas
não há ressalva (é o denominado "parecer limpo com parágrafo de
ênfase"). Quando detectada a não observância de alguma norma ou
prática contábil, e sendo seu efeito relevante, o auditor emite o pare-
cer com ressalva, do tipo "exceto quanto", quantificando o efeito des-
se fato (é o denominado "parecer com ressalva").
Por outro lado, existem pareceres que identificam não conformi-
dades, embora não as quantifiquem em função de alguma impossibi-
lidade, como ocorre no caso em que os auditores não conseguem obter

1087 Sobre a auditoria independente, ver a Instrução C V M n° 308/1999, que dispõe sobre o
registro e o exercício dessa atividade no âmbito do mercado de valores mobiliários e define
os deveres e as responsabilidades dos administradores das entidades auditadas no relaciona-
mento com os auditores independentes. Ver, também, (i) a Nota Explicativa a esta Instrução;
(ii) a Resolução C M N n° 3-.198/2004, alterada pela Resolução C M N n° 3.771/2009; (iii) a
Resolução C N S P n° 118/ 2004; (iv) as Resoluções C F C n» 1.156/2009, alterada pelas
Resoluções C F C n« 1.198/2010, 1.201/2009 e 1.238/2009, que aprovam a NBC T 11 -
"Normas de Auditoria" (vigentes até 31/12/2009) e NBT TA - "Normas de Auditoria" (vigen-
tes a partir de 01/01/2010). Ver, ainda, os seguintes Comunicados Técnicos do Ibracon -
Instituto dos Auditores Independentes do Brasil: (i) C T 04/2010 - orienta os auditores
independentes na emissão do seu relatório sobre as demonstrações financeiras de exercícios
a findar em ou a partir de 31 de dezembro de 2010, considerando as seguintes situações: (a)
demonstrações financeiras individuais elaboradas de acordo com as práticas contábeis adotadas
no Brasil; (b) demonstrações financeiras consolidadas elaboradas de acordo com as normas
internacionais (IFRS); e (c) quando aplicável, apresentação dessas demonstrações (individu-
ais e consolidadas) lado a lado, em um único conjunto de demonstrações financeiras ou
separadamente (um conjunto contendo as demonstrações financeiras preparadas de acordo
com as práticas contábeis adotadas no Brasil e outro conjunto de acordo com as IFRS); (ii) CT
05/2010 - orienta os auditores independentes na emissão do Relatório do Auditor indepen-
dente sobre as demonstrações financeiras individuais e consolidadas de instituições finan-
ceiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil - BCB
referentes aos exercícios a findarem em, ou a partir de, 31 de dezembro de 2010; e (iii) CT 06/
2010 - orienta os auditores independentes na emissão do Relatório do Auditor Independente
sobre as demonstrações financeiras individuais e consolidadas de entidades supervisionadas
pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP referentes ao exercício a findar em, ou a
partir de, 31 de dezembro de 2010.
evidência apropriada e suficiente em relação às informações contá-
beis para 1 (um) ou mais componentes. H á pareceres em que a cons-
tatação da não observância de normas e práticas contábeis é tão
significativa que o auditor afirma, categoricamente, que as demons-
trações não estão em consonância com as normas e práticas contá-
beis (é o denominado "parecer adverso"). Há, ainda, pareceres que
mencionam que, por falta de condições de aplicar todas as normas de
auditoria e de obter todas as informações necessárias, não foi possível
emitir opinião (é o denominado "parecer com negativa de opinião")1088.
Os pareceres de auditoria têm como finalidade verificar se o
desempenho econômico-financeiro da companhia foi adequada-
mente refletido nas demonstrações contábeis e se foram adotadas
as normas e práticas contábeis, não objetivando constatar se a com-
panhia teve uma performance boa ou ruim.
O § 4o simplesmente obriga que as demonstrações contábeis sejam
assinadas por profissionais legalmente habilitados, o que, no Brasil, sig-
nifica o registro nos respectivos Conselhos Regionais de Contabilidade.

1 088 A Resolução C F C n° 1.232/2009, que aprova a N B C TA 705 - "Modificações na Opinião


do Auditor Independente", trata da responsabilidade do auditor na emissão de parecer
diferente do "parecer limpo". Isso ocorre quando o auditor conclui que as demonstrações
contábeis, como um-todo, apresentam distorções relevantes ou o auditor não consegue
obter evidência de auditoria apropriada e suficiente para concluir que as demonstrações
contábeis, como um todo, não apresentam distorções relevantes. A Resolução C F C n°
1.232/2009 estabelece 3 (três) tipos de opinião modificada: (i) opinião com ressalva; (ii)
opinião adversa; e (iii) abstenção de opinião. De acordo com essa norma, o auditor deve
expressar uma opinião com ressalva quando: (a) lendo obtido evidência de auditoria
apropriada e suficiente, conclui que as distorções, individualmente ou em conjunto, são
relevantes, mas não generalizadas nas demonstrações contábeis; ou (b) não consegue obter
evidência apropriada e suficiente de auditoria para suportar sua opinião, mas conclui que
os possíveis efeitos de distorções não detectadas, se houver, sobre as demonstrações
contábeis poderiam ser relevantes, mas não generalizados. A opinião adversa é quando,
tendo obtido evidência de auditoria apropriada e suficiente, conclui que as distorções,
individualmente ou em conjunto, são relevantes e generalizadas para as demonstrações
contábeis. E a abstenção de opinião verifica-se quando o auditor não consegue obter
evidência de auditoria apropriada e suficiente para suportar sua opinião, concluindo que
os possíveis efeitos de distorções não detectadas, se houver, sobre as demonstrações
contábeis poderiam ser relevantes e generalizadas.
SEÇÃO I I I

B A L A N Ç O PATRIMONIAL

Grupo de contas
"Art. 178. No balanço, as contas serão classificadas segundo os ele-
mentos do patrimônio que registrem, e agrupadas de modo afacilitar
0 conhecimento e a análise da situaçãofinanceirada companhia.

§ I o N o ativo, as contas serão dispostas em ordem decrescente


de grau de liquidez dos elementos nelas registrados, nos se-
guintes grupos:

1 - ativo circulante; e (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

II — ativo não circulante, composto por ativo realizável a longo


prazo, investimentos, imobilizado e intangível. (Incluído pela Lei
n° 11.941/2009)

§ 2 o N o passivo, as contas serão classificadas nos seguintes grupos:

I - passivo circulante; (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

II — passivo não circulante; e (Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

III - patrimônio líquido, dividido em capital social, reservas de


capital, ajustes de avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações
em tesouraria e prejuízos acumulados. (Incluído pela Lei n°
11.941/2009)

§ 3 o Os saldos devedores e credores que a companhia não tiver


direito de compensar serão classificados separadamente."
A partir da entrada em vigor da Lei n° 11.941/2009, a classifi-
cação dos ativos, passivos e do patrimônio líquido foi alterada, fi-
cando as companhias obrigadas a apresentar suas demonstrações
contábeis dentro de uma nova estrutura: os ativos e os passivos fo-
ram separados em circulantes e não circulantes, de acordo com os
padrões internacionais de contabilidade, e não mais em permanen-
tes, realizáveis e exigíveis a longo prazo 1089 .
Os ativos são classificados de acordo com o grau de liquidez dos
elementos registrados em suas contas. O grau de liquidez significa a
facilidade e a velocidade com que a companhia julga que os ativos
serão realizados, ou seja, transformados em moeda.
No passivo, a classificação observa o grau de exigibilidade,
muito embora essa recomendação não conste da Lei das S.A. O
grau de exigibilidade é semelhante ao grau de liquidez, mas leva
em consideração a expectativa de consumo de caixa, demonstran-
do o nível de exigência das companhias na liquidação de seus pas-
sivos. Cite-se, como exemplo, a comparação de salários apagar com
despesas a pagar: a conta de salários a pagar apresenta, a princípio,
maior exigibilidade do que a de despesas a pagar.
Os ativos podem ser liquidados quando recebidos em caixa, "con-
sumidos" (via depreciação, por exemplo) ou "baixados" (como na hi-
pótese de venda de estoques). Os passivos, em geral, são liquidados
quando pagos. Entretanto, há casos em que os passivos são liquida-
dos por meio da entrega de mercadorias ou da prestação de serviços,
como ocorre, por exemplo, quando a companhia recebe adiantamen-
to de seus clientes: há um acréscimo no caixa e ao mesmo tempo o
registro da obrigação de entregar a mercadoria ou de prestar o serviço
referente ao adiantamento recebido. Naquele momento, como a mer-
cadoria não foi entregue ou o serviço não foi prestado, não existe
nenhuma receita a ser reconhecida. Quando a mercadoria é entregue
ou o serviço é prestado, esse passivo é liquidado, sem ter havido de-
sembolso de caixa. Ou seja, quando a obrigação deixa de existir, a
sociedade reconhece a receita. O registro inicial do adiantamento re-
cebido como um passivo tem a característica de "receita diferida", pois,
quando for liquidado, ela será reconhecida. O adiantamento é o caixa
recebido antecipadamente de uma receita futura a ser reconhecida
quando da entrega da mercadoria ou da prestação do serviço. Quan-
do a mercadoria é entregue, o passivo deixa de existir e a receita de
vendas é registrada; da mesma forma, quando o serviço é prestado, o
passivo deixa de existir e registra-se a receita de prestação de serviço.
A classificação pelo grau de liquidez ou de exigibilidade tem o obje-
tivo de informar, em uma determinada data, o potencial de realização dos
ativos de curto prazo e a necessidade de liquidação dos passivos, também
de curto prazo. Trata-se de uma informação prospectiva, pois pode mos-
trar, aproximadamente, o montante dos ativos registrados que serão trans-
formados em caixa ou realizados, bem como o montante de caixa ou
outros ativos que serão consumidos para liquidar um passivo.
Alguns cuidados devem ser tomados com relação a esses grupos
de "circulantes". Por exemplo, é comum constar dos contratos, prin-
cipalmente os de empréstimos, cláusulas (covenants) pautadas em ín-
dices de liquidez, entre eles o da "liquidez corrente", que é o resultado
da divisão dos ativos circulantes pelos passivos circulantes em deter-
minada data. Esse indicador apenas mostra, na data das demonstra-
ções contábeis, a quantidade de recursos existentes realizáveis no curto
prazo para cada unidade monetária de recursos exigíveis, também no
curto prazo. No entanto, não revela de forma segura uma posição de
liquidez, pois parte da premissa da transformação imediata em caixa,
pelos valores contábeis, de todos os ativos e passivos circulantes ao
mesmo tempo. Conforme a composição dos ativos e passivos circu-
lantes, esse indicador pode super ou subestimar o nível efetivo de li-
quidez da companhia. Cite-se, como exemplo, a situação de uma
sociedade que possua ativo circulante formado apenas por estoques
no valor de RS 10,00 (dez reais) e passivos circulantes de RS 5,00
(cinco reais), composto somente de salários a pagar. O índice de li-
quidez geral será de 2 (dois), indicando que a companhia possui esse
valor de ativo circulante para cada real de passivo circulante. A princí-
pio, pode-se constatar que a sociedade apresenta uma boa liquidez,
pois possui mais ativos circulantes do que passivos circulantes. En-
tretanto, os estoques estão mensurados pelo custo, e não pelo valor de
venda. Assim, quando forem alienados - e não se sabe quando isso
ocorrerá - , poderão afetar o caixa, se a venda for à vista, ou transfor-
mados em contas a receber, se a venda for a prazo; logo, o caixa será
afetado apenas quando o valor da venda for, de fato, recebido. Tendo
em vista que os valores de caixa ou contas a receber são superiores ao
valor de custo do estoque, o indicador estará subestimando o potenci-
al de transformação dos ativos circulantes em caixa.
Por outro lado, da conta "salários a pagar" decorre a obrigação de a
companhia saldar sua dívida no curto prazo, em geral no período inferior
a 1 (um) mês. Mesmo sendo o índice de liquidez igual a 2 (dois), caso a
sociedade não venda o estoque em menos de 1 (um) mês e receba o valor
dessa venda, não haverá caixa para saldar os salários e ela terá dificulda-
des para liquidar suas dívidas, ainda que o índice de liquidez seja robusto.
Ou seja, mesmo sendo os ativos e passivos circulantes potenciais entra-
das e saídas de caixa, deve-se tomar muito cuidado na sua análise.
Como os ativos e passivos podem ser realizados e liquidados de
outras formas que não apenas por entradas e saídas de caixa, a Lei das
S.A. determinou no caput deste artigo que as contas devem ser agru-
padas no balanço de modo a facilitar o conhecimento e a análise da
situação financeira da companhia.

O § 1° estabelece que, no ativo, as contas serão dispostas em ordem


decrescente de grau de liquidez dos elementos nele registrados e de acor-
do com a nova estrutura estabelecida pela Lei n° 11.941/2009; ou seja,
apenas 2 (dois) grupos: o ativo circulante e o ativo não circulante.
No ativo circulante estão demonstrados os ativos cuja expectativa
de realização é o exercício social seguinte. Os ativos, em ordem de liqui-
dez, encontrados nesse grupo são, por exemplo: caixa e equivalentes de
caixa, investimentos financeiros de alta liquidez, contas a receber, esto-
ques, créditos fiscais, despesas antecipadas, etc. Nesse grupo, devem ser
registrados pelo valor presente os ativos cuja realização se dá em caixa e
quando for significativa a diferença entre este e o valor nominal1090. É o
que ocorre, por exemplo, numa venda efetuada por um prazo de 11 (onze)
meses cujo valor nominal a ser recebido é de RS 100,00 (cem reais).
Supondo que a taxa de juros - que reflete o risco desse fluxo de caixa - é
de 12% (doze por cento) ao ano, o valor presente de RS 100,00 (cem
reais) após o período de 11 (onze) meses será equivalente a RS 87,98
(oitenta e sete reais e noventa e oito centavos)1091. Portanto, existe uma
diferença significativa entre o valor presente e o valor nominal, pois o
primeiro é 12% (doze por cento) inferior ao segundo.
A utilização do valor presente representa de forma mais adequada
a capacidade de transformação do ativo em caixa. O mesmo raciocínio
aplica-se aos passivos. No entanto, a sua utilização somente é possível
para ativos e passivos que serão realizados e liquidados em caixa.
O grupo "ativo permanente" foi extinto pela Lei n° 11.941/2009,
que criou o grupo "ativos não circulantes", onde são registrados os
ativos que têm expectativa de realização em período superior a 1 (um)
exercício social. Os "ativos não circulantes" são classificados de acor-
do com a sua natureza e o grau de liquidez de cada um de seus ele-
mentos. Quando a expectativa de realização desses ativos for em caixa,
eles deverão ser mensurados nas demonstrações contábeis pelo seu

1090 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 183 da Lei das S.A.
1091 s ,
(
R$100,00 ^
= R$87,98
Xl + 15%) ( , i m )
valor presente1092. As informações relativas aos prazos de realização e
às taxas de juros utilizadas no cálculo do valor presente devem ser
evidenciadas em notas explicativas1093.
Conforme consta do inciso II do § I o , o ativo não circulante é
composto por: (i) "ativo realizável a longo prazo", representando, em
geral, ativos que têm expectativa de serem realizados em caixa; (ii)
"investimentos", que demonstram os investimentos da companhia
em ativos físicos que geram caixa por si mesmos ou que estão aguar-
dando futura valorização, incluindo-se, nesse subgrupo, as participa-
ções societárias permanentes, ou seja, participações no capital de
sociedades nas quais a companhia possui influência significativa1094
ou que sejam por ela controlada — diferentemente daquelas participa-
ções que a companhia espera vender no curto ("ativo circulante") ou
longo prazo ("realizável a longo prazo"); (iii) "imobilizado", que re-
presenta os ativos físicos que a companhia utiliza, direta ou indireta-
mente, nas suas operações, como, por exemplo, fábricas, veículos,
edifícios, etc. Os ativos classificados como imobilizado não geram
caixa por si mesmos. Aqueles que estão alugados ou não estão sendo
utilizados, mas aguardando uma futura valorização para posterior ven-
da, são classificados como "investimentos", e não como "imobilizado";
e (iv) "intangível", uma nova classificação introduzida na Lei das S.A.
pelas Leis n°= 11.638/2007 e 11.941/2009, abrangendo os ativos sem
substância física que a companhia adquiriu e cujos benefícios são espera-
dos para os exercícios sociais seguintes. Incluem-se nesse subgrupo os
direitos de uso, marcas (quando adquiridas de terceiros) e eventuais ágios
por expectativa de rentabilidade futura (goodwill), entre outros109S-1096(p-5C&)-

1 092 Ver os comentários ao art. 183 da Lei das S.A.


1093 Sobre o conceito e o conteúdo das notas explicativas, ver os comentários ao art. 176 da Lei
das S.A.
1 094 Sobre a expressão «influência significativa", que foi introduzida na Lei das S.A. pela Lei n»
11.941/2009, ver os comentários ao art. 243 da Lei das S A
1 09S Quando alguma participação societária inclui o ágio por expectativa de rentabilidade
futura (parcela do custo de aquisição de uma participação societária que não pode ser
O antigo grupo denominado "ativo diferido" também foi extinto
pelas Leis nos 11.638/2007 e 11.941/2009, tendo em vista que: (i) não
está previsto nas normas internacionais de contabilidade; e (ii) os ati-
vos que eram nele classificados não possuíam, na grande maioria dos
casos, substância econômica1097-1098.
Com relação ao passivo, a Lei das S.A. segregou o "lado direito
do balanço" em 3 (três) grupos: "passivo circulante", "passivo não
circulante" e "patrimônio líquido". Em princípio, somente os passi-
vos circulantes e não circulantes são obrigações liquidáveis. O pa-
trimônio líquido constitui o capital próprio, ou ativo líquido, ou, ainda,
a diferença entre os ativos e os passivos, representando os direitos
residuais dos acionistas, se positivo.
No passivo circulante, de acordo com o § 2 o , são classificadas
as obrigações que a companhia espera liquidar dentro do próximo

alocada a ativos físicos ou intangíveis) no balanço individual, esse goodwill é alocado ao


saldo do investimento (não fica como intangível); no caso das demonstrações consolida-
das, o goodwill fica classificado no grupo dos intangíveis.
1096 Sobre a classificação das contas no ativo não circulante, ver os comentários ao art. 179 da
Lei das S.A.
1097 Com a extinção da conta "ativo diferido", os ativos que tinham substância econômica
foram reclassificados para outros ativos. O § 20 do C P C 13 - "Adoção Inicial da Lei n°
11.638/2007", aprovado pela Deliberação C V M n° 565/2008, assim definiu o procedi-
mento de extinção do "ativo diferido" com a publicação da Lei n° 11.638/2007: "A Lei n°
11.638/07 restringiu o lançamento de gastos no ativo diferido, mas, após isso, a Medida
Provisória n" 449/08 extinguiu esse grupo de contas. Assim, os ajustes iniciais de adoção
das novas Lei e Medida Provisória devem ser assim registrados: os gastos ativados que não
possam ser reclassificados para outro grupo de ativos devem ser baixados no balanço de
abertura, na data de transição, mediante o registro do valor contra lucros ou prejuízos
acumulados, líquido dos efeitos fiscais, nos termos do item 55 ou mantidos nesse grupo
até sua completa amortização, sujeito ã análise sobre recuperação conforme o Pronuncia-
mento Técnico CPC 01 - Redução ao Valor Recuperável de Ativos. No caso de ágio
anteriormente registrado nesse grupo, análise meticulosa deve ser feita quanto à sua
destinação: para o ativo intangível se relativo a valor pago a terceiros, independentes, por
expectativa de rentabilidade futura ( g o o d w i l l ) ; para investimentos, se pago por diferença
entre valor contábil e valor justo dos ativos e passivos adquiridos; e para o resultado, como
perda, se sem substância econômica." Portanto, ainda existe a possibilidade de serem
encontrados saldos residuais desses ativos nas demonstrações contábeis, mas, caso isso
ocorra, tais saldos devem ser tempestivamente sujeitos ao teste de recuperabiüdade de
custo. Em última instância, esse grupo foi extinto porque era mal utilizado, já que servia,
eventualmente, como artifício para a administração de resultados.
exercício social. Na prática, esse grupo também segue uma ordem de
exigibilidade
O interna,7 estando nele incluídas as obrigações diretamente
derivadas das operações da companhia (fornecedores, contas, salários
e impostos a pagar, etc.), empréstimos de curto prazo e as parcelas de
empréstimos e financiamentos de longo prazo que serão quitadas no
próximo exercício social1099. Quando relevantes, os passivos circulan-
tes devem ser mensurados pelo seu valor presente1100.
A antiga conta "exigíveis a longo prazo" foi extinta do passivo não
circulante, no qual são classificadas as obrigações liquidáveis depois de
1 (um) exercício social. Os detalhes sobre os prazos estimados de liqui-
dação e as taxas de juros utilizadas para o cálculo do valor presente
devem constar das notas explicativas, tendo em vista que os passivos
não circulantes deverão ser, obrigatoriamente, ajustados1101. A exigên-
cia de mensuração desses passivos pelo valor presente (ou pelo valor
justo, conforme a natureza do passivo)1102 deve-se ao fato de os fluxos
de caixa exigíveis serem de longo prazo. Dessa forma, sempre haverá
diferença significativa entre o valor presente da obrigação e o valor
nominal. Assim como ocorre nos ativos, o valor presente representa de
forma mais adequada: (i) o potencial efeito que ocorreria no caixa caso
a obrigação fosse liquidada na data das demonstrações contábeis; e (ii)
o nível de endividamento das companhias.
A Lei n° 11.941/2009 também eliminou da Lei das S.A. a conta
de "Resultado de Exercícios Futuros" (REF). O saldo dessa conta
foi transferido para o "passivo não circulante". A R E F representava

1099 D e a c o r d o c o m o art. 1 8 0 d a L e i d a s S . A . , " a s obrigações da companhia, inclusive


financiamentos para aquisição de direitos do ativo não circulante, serão classificadas
no passivo circulante, quando se vencerem no exercício seguinte, e no passivo não
circulante, se tiverem vencimento em prazo maior, observado o disposto no parágrafo
único do art. 179 desta Lei."
1100 Ver os comentários ao art. 183 da Lei das S.A.
1101 Ver os comentários ao art. 183 da Lei das S.A.
1102 Em geral, os passivos mensurados pelo valor justo são os representados por instrumentos
financeiros. Sobre esse assunto, ver o CPC 38 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento
e Mensuração , aprovado pela Deliberação C V M n° 604/2009.
lucros já realizados em caixa, mas que ainda não podiam ser con-
siderados como receita pelo fato de estarem vinculados ao cum-
primento de determinadas obrigações.
O patrimônio líquido deve ser devidamente segregado das obri-
gações de curto e longo prazo1103-1104(p'ses-}. O capital próprio é sepa-
rado pela natureza de suas contas (e não pela ordem de exigibilidade),
da seguinte forma:

11 0 3 N a alínea " c " d o item 4 9 d o " P r o n u n c i a m e n t o C o n c e i t u a i B á s i c o - Estrutura C o n c e i t u a i tío


C P C " , aprovado pela Deliberação C V M n° 539/2008, o "patrimônio líquido" é definido
c o m o "o valor residual dos ativos da entidade depois de deduzidos todos os seus passi-
vos." O p a t r i m ô n i o l í q u i d o , d o p o n t o d e v i s t a c o n t á b i l , é tido c o m o a d i f e r e n ç a entre
ativos e passivos. S e a diferença for negativa, h á u m "passivo a descoberto", pois existem
mais p a s s i v o s c o n t a b i l i z a d o s d o q u e a t i v o s r e c o n h e c i d o s . C a s o a d i f e r e n ç a seja positiva,
pode-se interpretar o p a t r i m ô n i o l í q u i d o c o m o s e n d o o investimento l í q u i d o d o s acionis-
tas n a c o m p a n h i a . N ã o s e p o d e a s s u m i r o v a l o r c o n t á b i l d o p a t r i m ô n i o l í q u i d o corno
investimento l í q u i d o a valores d e m e r c a d o , p o i s seu v a l o r d e p e n d e das formas d e a v a l i a ç ã o
dos ativos e passivos. N e m todos os ativos são passíveis d e s e r e m reconhecidos nas
demonstrações contábeis, c o m o é o caso, por exemplo, dos intangíveis não adquiridos
(marcas, nomes, know-how, capital intelectual, etc.). O m e s m o o c o r r e c o m determinados
passivos q u e t a m b é m p o d e m n ã o ser r e c o n h e c i d o s c o n t a b i l m e n t e e m f u n ç ã o d a impossi-
bilidade de s u a m e n s u r a ç ã o de forma objetiva. S o b r e esse assunto, ver o C P C 2 5 -
"Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes", aprovado pela Deliberação
C V M n° 5 9 4 / 2 0 0 9 . S o b r e a n a t u r e z a c o n t á b i l d o p a t r i m ô n i o l í q u i d o , consta d o " P r o n u n -
ciamento C o n c e i t u a i B á s i c o - Estrutura C o n c e i t u a ! d o C P C " que: " 6 5 . Embora o patrimônio
líquido seja definido no item 49 como um valor residual, ele pode ter subdassiiicações no
balanço patrimonial. Por exemplo, recursos aportados pelos sócios, resen'as resultantes de
apropriações de lucros e reservas para manutenção do capital podem ser demonstrados
separadamente. Tais classificações podem ser importantes para a tomada de decisão dos
usuários das demonstrações contábeis quando indicarem restrições legais ou de outra
natureza sobre a capacidade que a entidade tem de distribuir ou aplicar de outra fonna cs
seus recursos patrimoniais. Podem também refletir o fato de que acionistas de uma entida-
de tenham direitos diferentes em relação ao recebimento de dividendos ou reembolso c's
capital. 66. A constituição de reservas é, á s vezes, exigida pelo estatuto ou por lei para dar
à entidade e seus credores uma margem maior de proteção contra os efeitos de prejuízos.
Outras reservas podem ser constituídas em atendimento a leis que concedem isenções ou
reduções nos impostos a pagar quando são feitas transferências para tais reservas. .A e x & & í -
c/a e o valor de tais reservas legais, estatutárias e fiscais representam informações que
podem ser importantes para a tomada de decisão dos usuários. As transferências para tais
reservas são apropriações de lucros acumulados, portanto, não constituem despesas. 6.~ O
valor pelo qual o patrimônio líquido é apresentado no balanço patrimonial depende da
mensuração dos ativos e passivos. Normalmente, o valor do patrimônio liquido somente
por coincidência é igual ao valor de mercado das ações da entidade ou da soma que
poderia ser obtida pela venda dos seus ativos e liquidação de seus- passivos numa base ce
item-por-item, ou da entidade como um todo, numa base de continuidade operacional.
68. Atividades comerciais e industriais, bem como outros negócios são freqüentemente
exercidos por meio de firmas individuais, sociedades limitadas, entidades estatais e outras
organizações cuja estrutura legal e regulamentar pode ser diferente daquela aplicável à s
sociedades por ações. Por exemplo, pode haver poucas restrições, ou nenhuma, sobre a
(i) capital social, que discrimina o montante subscrito pelos acio-
nistas e, por dedução, a parcela ainda não realizada (artigo 182, caput)-,
(ii) reserva de capital, na qual são classificadas as contas que regis-
tram o ágio na subscrição de ações, inclusive nos casos de conversão em
ações de debêntures ou partes beneficiárias, bem como o produto da ali-
enação de partes beneficiárias e bônus de subscrição (artigo 182, § I o );
(iii) ajustes de avaliação patrimonial, conta introduzida na Lei das
S.A. pela Lei n° 11.638/2007, na qual são classificadas, nos termos do §
3o do artigo 182, enquanto não computadas no resultado do exercício em
obediência ao regime de competência, "as contrapartidas de aumentos ou
diminuições de valor atribuído a elementos do ativo e do passivo, em decor-
rência da sua avaliação a valor justo\ O saldo dessa conta representa os
montantes acumulados de lucros ou prejuízos ainda não realizados de-
correntes de mensuração de determinados ativos e passivos pelo "valor

distribuição aos proprietários ou outros beneficiários de importâncias incluídas no patrimônio


líquido. Independentemente desses fatos, a definição de patrimônio líquido e os outros
aspectos desta Estrutura Conceituai que tratam do patrimônio líquido são igualmente
aplicáveis a tais entidades."
1104 D e a c o r d o c o m J O S É L U I Z B U L H Õ E S P E D R E I R A . Finanças e D e m o n s t r a ç õ e s Financeiras
da C o m p a n h i a ( C o n c e i t o s Fundamentais). 2" e d i ç ã o , R i o d e J a n e i r o : Forense, 1 9 8 9 , p.
549, o conceito de patrimônio usado pela contabilidade não coincide com o conceito
legal, "pois (a) não é referido a pessoas (ou sujeitos de direitos), mas a unidades de
organização social (unidades de produção); (b) seus elementos são às vezes descritos
como 'bens e direitos' e em outras como 'bens, direitos e obrigações; (c) compreende
bens atuais, ou a receber de terceiros, que são elementos positivos e constituem o ativo,
e bens que devem ser restituídos, em espécie ou em moeda, que são negativos 'na
equação patrimonial' e formam o passivo exigível; (d) seus elementos são também desig-
nados 'valores' ativos e passivos, e entre os passivos é incluído, como elemento do
'patrimônio líquido', o capital individual ou social. A dificuldade que o advogado em
geral encontra para compreender os conceitos fundamentais da Contabilidade resulta -
basicamente - dessa noção de patrimônio, que é irredutível tanto ao conceito jurídico de
patrimônio quanto ao conceito financeiro usado no regime legal da responsabilidade
patrimonial: (a) o patrimônio é concebido na Contabilidade como conjunto de elemen-
tos heterogêneos - objetos materiais e imateriais, direitos, obrigações e valores - repre-
sentados por conceitos de diferentes planos da realidade física, biológica, social e
cultural; (b) apesar de abranger direitos, obrigações e seus objetos, que são noções
jurídicas indissociáveis da noção de pessoa, ou sujeito de direito, a idéia de patrimônio
contábil é deliberadamente formada com abstração a qualquer sujeito de direito; e (c) as
fronteiras e o conteúdo de cada patrimônio contábil são estabelecidos por referência a
unidades da organização social representadas por conceitos da Sociologia e da Econo-
mia (unidade de produção, organização produtiva, empresa ou a z i e n d a j . "
justo"1105. São valores que oscilam com o passar do tempo, mas que, em
algum momento, transitarão pela demonstração do resultado1106;
(iv) reservas de lucros, na qual são classificadas as contas constituí-
das pela apropriação de lucros da companhia (artigo 182, § 4o) por dis-
posição legal, estatutária ou deliberação da assembleia geral1107. Tendo
em vista que a conta de lucros acumulados, face às alterações introdu-
zidas na Lei das S.A. pela Lei n° 11.638/2007, não deve apresentar
saldo positivo ao final do exercício social, os lucros que não forem des-
tinados ao pagamento de dividendos ou juros sobre capital próprio (ou
que o serão no futuro) ficam segregados na reserva de lucros1108. Nas
demonstrações contábeis intermediárias (demonstrações trimestrais),

1105 Sobre esse assunto, v e r o s c o m e n t á r i o s ao art. 1 7 6 d a Lei d a s S . A .


1106 Ver informações a d i c i o n a i s s o b r e esse assunto nos c o m e n t á r i o s a o art. 1 7 6 d a Lei das S . A .
1107 Sobre as reservas d e lucros, ver os c o m e n t á r i o s aos arts. 193 a 1 9 7 d a Lei das S.A.
11 0 8 A C V M , no art. 5 o d a Instrução C V M n ° 4 6 9 / 2 0 0 8 , q u e d i s p õ e sobre a a p l i c a ç ã o d a Lei n°
1 1 . 6 3 8 / 2 0 0 7 , d e t e r m i n a q u e : "Art 5 ° . No encerramento do exercício social, a conta de
lucros e prejuízos acumulados não deverá apresentar saldo positivo. Parágrafo único.
Eventual saldo positivo remanescente na conta de lucros e prejuízos acumulados deverá
ser destinado para reserva de lucros, nos'termos dos art 194 a 197 da Lei n° 6.404, de 15
de dezembro de 1976, ou distribuído como dividendo." A C V M , por meio da Nota
E x p l i c a t i v a à Instrução C V M n° 4 6 9 / 2 0 0 8 , e m seu item 4, manifestou o seguinte entendi-
mento: "4. Lucros Acumulados - Embora a redação original da Lei n° 6.404, de 1976, já
tenha determinado a destinação de todo o resultado do exercício, a redação anterior, ao
prever a existência de saldo final na conta de lucros acumulados, suscitou dúvidas e até a
possibilidade de retenções indiscriminadas e não devidamente justificadas.Tendo em vista
que lodo o lucro líquido do exercício deve ser destinado, de acordo com os fundamentos
contidos nos art. 194 a 197, a redação atual da Lei n" 6.404, de 1976, eliminou a
possibilidade de existência de saldo de lucros acumulados no encerramento do exercício
social. Evidentemente, não foram eliminadas a conta de lucros acumulados e a demonstra-
ção da sua movimentação, que deverão ser apresentados de forma isolada ou, no caso das
companhias abertas, como parte da demonstração das mutações de patrimônio liquido.
Essa conta, entretanto, possui natureza absolutamente transitória, e será utilizada para
servir de contrapartida âj reversões das reservas de lucros e às destinações do lucro." O
m e s m o t a m b é m é e n c o n t r a d o nos itens 4 2 e 4 3 d o C P C 13 - " A d o ç ã o Inicial d a Lei n°
1 1 . 6 3 8 / 2 0 0 7 " , a p r o v a d o p e l a D e l i b e r a ç ã o C V M n° 5 6 5 / 2 0 0 8 : "Lucros acumulados - 42.
Segundo a Lei das S.A., conforme modificação introduzida pela Lei n" 11.638/2007, o
lucro líquido do exercício deve ser integralmente destinado de acordo com os fundamen-
tos contidos nos arts. 193 a 197 da Lei das S.A. A referida Lei não eliminou a conta de
lucros acumulados nem a demonstração de sua movimentação, que devem ser apresenta-
das como parte da demonstração das mutações do patrimônio líquido. Essa conta, entre-
tanto, tem natureza absolutamente transitória e deve ser utilizada para a transferência do
lucro apurado no período, contrapartida das reversões das reservas de lucros e para as
destinações do lucro. 43. Na elaboração das demonstrações contábeis ao término do
exercício social em que adotar pela primeira vez a Lei n° 11.638/07, a administração da
entidade deve propor a destinação de eventuais saldos de lucros acumulados existentes."
como o resultado líquido do exercício social ainda não foi completa-
mente apurado, a conta de lucros acumulados apresentará saldo posi-
tivo. Ao final do exercício social é que ela, em tese, "desaparece", pois
o lucro líquido é distribuído aos acionistas ou retido na companhia. A
parcela do lucro retida, de acordo com o deliberado em assembleia
geral, é transferida da conta de lucros acumulados para as respectivas
reservas, conforme a natureza da retenção;
(v) ações em tesouraria, que devem ser destacadas no balanço
como dedução da conta do patrimônio líquido que registrar a origem
dos recursos aplicados na sua aquisição (artigo 182, § 4o)1109; e
(vi) prejuízos acumulados.
Como a Lei n° 11.638/2007 proibiu novas reavaliações, não consta
mais do patrimônio líquido a conta de "reserva de reavaliação". No
entanto, em decorrência de manifestação da Comissão de Valores Mo-
biliários, ainda é possível encontrar saldos residuais da conta de "reser-
va de reavaliação" nas demonstrações contábeis das companhias1110-1111.

1109 Sobre as ações em tesouraria, ver os comentários a o art. 3 0 da Lei das S.A.
1110 A D e l i b e r a ç ã o C V M n° 5 6 5 / 2 0 0 8 a p r o v o u o C P C 13 - " A d o ç ã o I n i c i a l d a Lei n°
11.638/2007".
1111 O s itens 3 8 a 41 d o C P C 13 - " A d o ç ã o Inicial da Lei n° 11.638/2007", aprovado pela
D e l i b e r a ç ã o C V M n° 5 6 5 / 2 0 0 8 , d ã o as seguintes alternativas d e tratamento dos saldos
residuais da Reserva de Reavaliação: "38. A Lei n° 11.638/07 eliminou a possibilidade de
reavaliação espontânea de bens. Assim, os saldos existentes nas reservas de reavaliação
constituídas antes da vigência dessa Lei, inclusive as reavaliações reflexas de controladas
e coligadas, devem: (a) ser mantidos até sua efetiva realização; ou (b) ser estornados até o
término do exercício social de 2008. 39. Ao optar pelo item 38 (a), o valor do ativo
imobilizado reavaliado existente no início do exercício social passa a ser considerado
como o novo valor de custo para fins de mensuração futura e determinação do valor
recuperável. A reserva de reavaliação, n o patrimônio líquido, continuará sendo realizada
para a conta de lucros ou prejuízos acumulados, na mesma base que vinha sendo efetuada
antes da promulgação da Lei n" 11.638/07. 4 0 . Ao optar pelo item 38 (b), o estorno
retioagirá à data de transição (...) estabelecida pela entidade quando da adoção inicial da
Lei n° 11.638/07. O mesmo tratamento deve ser dado com referência à reversão dos
impostos e contribuições diferidos, que foram registrados por ocasião da contabilização de
reavaliação. 41. Além de suas reavaliações, as entidades devem observar a necessidade de
uniformidade de tratamento entre a investidora e suas controladas e coligadas. A investido-
ra deve determinar às suas controladas e recomendar às suas coligadas a adoção da mesma
alternativa. Caso a coligada adote alternativa diferente daquela recomendada pela investi-
dora, esta deve ajustar as demonstrações contábeis da investida quando da adoção do
método de equivalência patrimonial, a fim de manter a uniformidade de procedimentos."
Há mais uma modificação de classificação que afeta o patrimônio
líquido: a das demonstrações contábeis consolidadas. Mesmo não cons-
tando expressamente da Lei das S.A., quando da apresentação de de-
monstrações contábeis consolidadas, o grupo dos acionistas não
controladores passa a ser contabilizado dentro do patrimônio líquido,
mas devidamente segregado do patrimônio dos acionistas controlado-
res. Anteriormente à entrada em vigor da Lei n° 11.638/2007, a parce-
la dos acionistas não controladores era registrada em grupo intermediário
(denominado "minoritários"), que ficava entre o passivo exigível e o
patrimônio líquido. A classificação dentro do patrimônio líquido é per-
tinente, pois esses acionistas têm capital próprio empregado na com-
panhia (no grupo consolidado), mas não são seus controladores.
Por fim, o § 3° dispõe que os saldos devedores e credores não
podem ser compensados e devem ser apresentados individualmente
como ativos ou passivos, a não ser que haja previsão legal para tal.
Assim, caso uma companhia tenha créditos e débitos perante outra,
deve-se evidenciar tanto o ativo , quanto o passivo e não a posição
líquida entre eles. O § 3o objetiva que as demonstrações evidenciem
claramente quais são os ativos e passivos, independentemente de se-
rem relativos, ou não, aos mesmos devedores e credores. Essa eviden-
ciação de ativos e passivos (não compensados) permite um melhor
entendimento das demonstrações contábeis por parte dos usuários,
principalmente no que se refere ao montante total de ativos e passi-
vos das sociedades, facilitando, dessa forma, as estimativas de fluxos
de caixa futuros e de risco.
Ativo
"Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:

I - no ativo circulante: as disponibilidades, os direitos realizá-


veis no curso do exercício social subsequente e as aplicações de
recursos em despesas do exercício seguinte;
II - no ativo realizável a longo prazo: os direitos realizáveis após o
término do exercício seguinte, assim como os derivados de ven-
das, adiantamentos ou empréstimos a sociedades coligadas ou
controladas (artigo 243), diretores, acionistas ou participantes no
lucro da companhia, que não constituírem negócios usuais na
exploração do objeto da companhia;

III - em investimentos: as participações permanentes em ou-


tras sociedades e os direitos de qualquer natureza, não classifi-
cáveis no ativo circulante, e que não se destinem à manutenção
da atividade da companhia ou da empresa;

I V - no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens


corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia
ou da empresa ou exercidos com essafinalidade,inclusive os decor-
rentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, ris-
cos e controle desses bens; (Redação dada pela Lei n 11.638/2007)

V - (Revogado pela Lei n° 11.941/2009)

VI - no intangível: os direitos que tenham por objeto bens incor-


póreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com
essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido. (Incluí-
do pela Lei n° 11.638/2007)

Parágrafo único. Na companhia em que o ciclo operacional da


empresa tiver duração maior que o exercício social, a classificação
no circulante ou longo prazo terá por base o prazo desse ciclo."

No ativo circulante são classificadas as disponibilidades, os di-


reitos realizáveis no curso do exercício social subsequente e as aplica-
ções de recursos em despesas do exercício seguinte. Os ativos
encontrados nesse grupo, em ordem de liquidez, são, por exemplo:
caixa e equivalentes de caixa, investimentos financeiros de alta liquidez,
contas a receber, estoques, créditos fiscais, despesas antecipadas, etc.
As aplicações de recursos em despesas do exercício seguinte são,
na prática, denominadas "despesas antecipadas" e realizam-se não
por entradas de caixa, mas pelo seu consumo no decorrer do tempo;
trata-se de aplicação do regime de competência. Ou seja, são ativos
que surgem por meio de pagamentos efetuados em período anterior e
que somente constituirão despesas ao longo de um exercício, como,
por exemplo, o pagamento antecipado de aluguel. Pelo regime de com-
petência, ele não configura uma despesa, pois é efetuado como ga-
rantia de que a companhia utilizará o imóvel por determinado período.
Esse pagamento, a princípio, constitui um ativo no sentido de "direi-
to de aluguel futuro". A medida que a companhia utiliza o imóvel, tal
direito é "consumido", tornando-se despesa de aluguel.
Por isso, aplicações de recursos em despesas do exercício se-
guinte são, na prática, denominadas "despesas antecipadas"; a saída
de caixa de despesas futuras já ocorreu, mas, por competência, a
despesa ainda não foi incorrida. Se as despesas antecipadas forem
realizadas em período superior a 1 (um) ano, contado a partir da
data do levantamento do balanço, elas deverão ser classificadas no
"ativo não circulante" e dentro do grupo "realizável a longo prazo".
No "realizável a longo prazo", são classificados os direitos realizá-
veis após o término do exercício social seguinte e que não constituem
negócios usuais na exploração do objeto social, tais como os direitos
derivados de venda, os adiantamentos ou empréstimos a sociedades
coligadas ou controladas (artigo 243), a diretores e acionistas.
No grupo "investimentos", são classificados os ativos que geram
caixa ou outros benefícios econômicos que estão aguardando futura
valorização1112 - como, por exemplo, as participações societárias em
sociedades controladas - e outros ativos de qualquer natureza, não classifi-
cáveis no "ativo circulante" e que não se destinam à manutenção da ativi-
dade da companhia, a saber: imóveis próprios locados a terceiros, caso a
sociedade não seja do ramo imobiliário, ou que não estão sendo por ela
utilizados, mas que a administração pretende alienar no futuro, etc.
A conta do "ativo imobilizado" foi objeto de alteração introduzi-
da na Lei das S.A. pela Lei n° 11.638/2007, que excluiu da definição
do imobilizado os bens não corpóreos, tais como marcas, patentes,
etc. São classificados nesse grupo: (i) os ativos físicos utilizados dire-
ta ou indiretamente nas operações da companhia, ainda que não se-
jam de sua propriedade, como, por exemplo: prédios, edifícios,
máquinas, equipamentos, terrenos, etc.; e (ii) os bens corpóreos que
transferem à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens,
numa alusão explícita aos imobilizados adquiridos sob arrendamento
financeiro. A introdução, no ativo imobilizado, dos bens objeto da
alínea "(ii)" teve por fim facilitar a aplicação do princípio da primazia
da essência sobre a forma na elaboração e divulgação das demonstra-
ções contábeis, que, com a Lei n° 11.638/2007, passou a ser caracte-
rística fundamental da informação contábÜ1113-1114-1115^'5^.

1113 Consta d o item 5 7 d o P r o n u n c i a m e n t o C o n c e i t u a i B á s i c o q u e d i s p õ e sobre a "Estrutura


Conceituai para a Elaboração e Apresentação das D e m o n s t r a ç õ e s Contábeis", emitido pelo
C o m i t ê de Pronunciamentos Contábeis - C P C e a p r o v a d o pela D e l i b e r a ç ã o C V M n° 539/
2 0 0 8 e pela Resolução do C F C n° 1.121/2008, que: "Muitos ativos, por exemplo, contas
a receber e imóveis, estão ligados a direitos legais, inclusive o direito de propriedade. Ao
determinar a existência de um ativo, o direito de propriedade não é essencial; assim, por
exemplo, um imóvel objeto de arrendamento é um ativo, desde que a entidade controle os
benefícios econômicos provenientes da propriedade. Embora a capacidade de uma entida-
de controlar os benefícios econômicos normalmente seja proveniente da existência de
direitos legais, um item pode satisfazer a definição de um ativo mesmo quando não há
controle legal. Por exemplo, o k n o w - h o w obtido por meio de uma atividade de desenvol-
vimento de produto pode satisfazer a definição de ativo quando, mantendo o know-how
em segredo, a entidade controla os benefícios econômicos provenientes desse ativo."
1114 Sobre esse assunto, S É R G I O 1 U D Í C I B U S , E L I S E U M A R T I N S e E R N E S T O R U B E N S G E L B C K E .
Manual de Contabilidade das Sociedades por A ç õ e s (Aplicável às Demais Sociedades).
Rumo às Normas Internacionais. Suplemento. 2 n e d i ç ã o , São Paulo: Atlas, 2 0 0 9 , p. 13,
observam que: "Na verdade, a parte relativa aos 'princípios contábeis' pouco mudou na
sua essência. Ao invés de serem chamados de 'princípios', ou convenções etc., tudo
passou a ser genericamente denominado de Características Qualitativas das Informações
O arrendamento financeiro é um exemplo típico de ativo imobi-
lizado, pois, embora a propriedade do bem arrendado seja do arrenda-
dor, contratualmente, todos os riscos e benefícios a ele inerentes são
transferidos ao arrendatário, em troca de contraprestações a serem
pagas no futuro. Assim, embora conste do contrato que a propriedade
do bem é do arrendador, o arrendatário é quem tem a responsabilida-
de de mantê-lo e efetuar o seu seguro. Ademais, é o arrendatário que
se beneficia de todos os produtos e serviços que o bem arrendado

Contábeis. Assim, no fundo, tudo o que existia sobre Regime de Competência, Objetivida-
de, Conservadorismo etc., continua existindo, com novas redações. 5 d que alguns pontos
são mudados de hierarquia. Talvez, a maior modificação seja mesmo a introdução, de
maneira clara, da figura da 'Primazia da Essência sobre a Forma' como característica funda-
mental da informação contábil. Esse conceito estava inserido na Deliberação CVM n° 29/
86, mas de passagem, sem que lhe houvesse sido dada a característica de um 'princípio'
propriamente dito. Agora, com o Pronunciamento novo do CPC, aprovado pela Delibera-
0
ção CVM n" 539/2008, e pela Resolução do Conselho Federal de Contabilidade n 1.121/
08, a aplicação desse conceito deverá ser a inovação que mais exigirá do profissional da
Contabilidade. Ou seja, de agora em diante, não pode mais o profissional de contabilida-
de, ou o gestor da empresa, ou o auditor independente, simplesmente 'seguir as regrinhas',
'seguir as letras do contrato' etc. Quando o documento formaliza uma situação que não
representa a efetiva realidade econômica 'da operação, o contador e os administradores da
empresa são responsáveis por efetuar a contabilização conforme a essência econômica da
transação, e não sua mera forma, e o auditor só pode aceitar sem ressalva a demonstração
contábil se assim elaborada."
1115 Sobre as modificações introduzidas no ativo imobilizado, SÉRGIO IUDÍCIBUS, ELISEU
M A R T I N S e E R N E S T O R U B E N S G E L B C K E . Manual d e Contabilidade das Sociedades por
Ações (Aplicável às Demais Sociedades). Rumo às Normas Internacionais. Suplemento...,
p. 2 5 - 2 6 , e n t e n d e m q u e : "(...) os ativos intangíveis, não corpóreos, que estavam no
Imobilizado, passam agora para o grupo de Intangíveis, que também incluirá ativos que
estavam em outros lugares que não o Imobilizado. Essa figura de ativos corpóreos e não
corpóreos precisa ser entendida de maneira não só física, mas também pela sua essência,
seu vínculo, sua natureza. Há, de fato, algumas dúvidas que podem sempre existir; por
exemplo, o sistema que faz uma máquina operar, faz parte ou não do Imobilizado? Ele é
corpóreo ou incorpóreo? O fundamental aqui é que ele é parte absolutamente integrante,
na essência, da própria máquina. Logo, é uma espécie de custo complementar a tal
máquina para ela operar. Assim, ele fica nesse grupo do Imobilizado. O mesmo se aplica às
benfeitorias em propriedades de terceiros que, por sinal, já faziam parte do Imobilizado
anteriormente porque eram bens que, mesmo que não de propriedade da entidade, eram
exercidos com a finalidade de manutenção das atividades dela. (...) Mas uma enorme
novidade foi trazida agora pela Lei. Além da figura das benfeitorias em propriedade de
terceiros, que já era um tipo de ativo reconhecido não de propriedade física da entidade
em muitas situações, outras situações agora surgem de reconhecimento, como ativo, de
bens juridicamente não pertencentes à entidade. A Lei, seguindo totalmente as normas
internacionais, passa a incluir os bens cujo controle, cujos riscos e cujos benefícios
passem ao controle da entidade. Assim, se houver a situação em que tais bens passem ao
controle da entidade, e cujos riscos e benefícios passem a pertencer a ela, deverão ser
incorporados ao seu Ativo imobilizado, ainda que juridicamente não a ela pertencentes."
proporciona. As contraprestações configuram o passivo que o arrenda-
tário se compromete a pagar. Na essência, o arrendamento é caracteriza-
do como uma compra financiada, como outro financiamento qualquer.
A Lei n° 11.638/2007, prevendo a utilização da interpretação
econômica dos contratos, alterou o inciso IV do caput deste artigo,
determinando que também estão incluídos no "ativo imobilizado"
os direitos decorrentes de operações que transfiram à companhia os
benefícios, riscos e controle dos bens1116.
A mesma lei (Lei n° 11.638/2007) também incluiu o grupo do
"intangível" no "ativo não circulante"; esse grupo abrange os ativos sem
substância física destinados à manutenção da companhia ou exercidos
com essa finalidade e cujos benefícios são esperados para os exercícios
sociais subsequentes. Integram esse grupo os direitos de uso, marcas
(quando adquiridas de terceiros) e eventuais ágios por expectativa de
rentabilidade futura (goodwill1117 ou fundo de comércio), entre outros.
Em geral, os intangíveis reconhecidos nas demonstrações
contábeis são os adquiridos de terceiros, por meio de compra e
venda ou permuta, seja de forma direta ou em decorrência da aqui-
sição de uma empresa ou negócio (Business Combinatiori)xm. Essa
aquisição de bens de terceiros confere ao ativo um valor (custo)
determinável objetivamente e, assim, é reconhecido nas demons-
trações contábeis. As normas internacionais de contabilidade im-
pedem que os intangíveis gerados internamente na companhia
sejam passíveis de registro nas demonstrações contábeis1119.

1116 Sobre o princípio da primazia da essência sobre a forma, ver os comentários ao art. 176 da
Lei das S.A.
1117 Quando alguma participação societária inclui o ágio por expectativa de rentabilidade
futura (parcela do custo de aquisição de uma participação societária que não pode ser
alocada a ativos físicos ou intangíveis) no balanço individual, esse goodwill é alocado ao
saldo do investimento (não fica como intangível); no caso das demonstrações consolida-
das, o goodwill fica classificado no grupo dos intangíveis.
1118 Sobre esse assunto, ver o CPC 15 (R1) - "Combinação de Negócios", aprovado pela
Deliberação CVM n° 665/2011.
1119 B<istenn raras exceções em que ativos intangíveis gerados internamente podem ser reconhe-
cidos nas demonstrações contábeis. Consta dos itens 64 a 66 do C P C 04 (RI) - "Ativo
Intangível", aprovado pela Deliberação CVM n° 644/2010, que: "65. O cuslo de ativo
Essa restrição existe porque na maioria das vezes é difícil avaliar
se um ativo intangível gerado internamente qualifica-se para reco-
nhecimento nas demonstrações contábeis, pois é muito complicado
(i) identificar esse ativo separadamente de outros ativos da compa-
nhia; (ii) determinar de forma precisa e objetiva se ele gerará benefí-
cios econômicos no futuro; e (iii) mensurar com segurança o seu valor.
Todos os recursos despendidos pela companhia têm por fim gerar
benefícios econômicos. Esses gastos são capturados pela contabilidade e,
conforme a sua natureza e as normas contábeis vigentes, processados e
classificados contabilmente. Quando os gastos efetuados configuram a
"geração" de ativos que resultarão em benefícios futuros, podem ser con-
tabilizados como tal. Ocorre que, no momento em que o gasto é efetua-
do, nem sempre se tem certeza dos benefícios que dele decorrerão. Essas
características estão presentes nos intangíveis e, por isso, esse grupo de
ativos é de complexo tratamento contábil, uma vez que envolve diversas
incertezas, sendo as principais as que se referem a benefícios futuros, seja
quanto ao valor seja quanto à ocorrência temporal.
Cite-se, como exemplo, a hipótese de gastos com propaganda e
marketing, os quais visam a proporcionar vendas. E difícil apurar a
relação entre eles e o aumento do volume de vendas, bem como por
quanto tempo ele será impactado, ou seja, o período em que produzirá

intangível gerado internamente que se qualifica para o reconhecimento contábil nos


termos deste Pronunciamento como estabelecido no item 24 se restringe à soma dos gastos
incorridos a partir da data em que o ativo intangível atende os critérios de reconhecimento
contidos nos itens 21, 22 e 56. O item 71 não permite a reintegração de gastos anterior-
mente reconhecidos como despesa. 66. O custo de ativo intangível gerado internamente
inclui todos os gastos diretamente atribuíveis, necessários à criação, produção e prepara-
ção do ativo para ser capaz de funcionar da forma pretendida pela administração. Exem-
plos de custos diretamente atribuíveis: (a) gastos com materiais e serviços consumidos ou
utilizados na geração do ativo intangível; (b) custos de benefícios a empregados relaciona-
dos à geração do ativo intangível; (c) taxas de registro de direito legal; e (d) amortização de
patentes e licenças utilizadas na geração do ativo intangível. 67. Os seguintes itens não são
componentes do custo de ativo intangível gerado internamente: (a) gastos com vendas,
administrativos e outros gastos indiretos, exceto se tais gastos puderem ser atribuídos
diretamente à preparação do ativo para uso; (b) ineficiências identificadas e prejuízos
operacionais iniciais incorridos antes do ativo atingir o desempenho planejado; e (c)
gastos c o m o treinamento de pessoal para operar o ativo."
efeitos. Sabe-se o montante gasto, mas não há como ter certeza dos
benefícios futuros e do período pelo qual os referidos benefícios se-
rão proporcionados. Da confrontação das características desses gas-
tos com as atuais normas contábeis, principalmente as que tratam
de ativos (conceitualmente)1120 e de ativos intangíveis1121, resulta que
não podem ser considerados como ativos contábeis, pois são despe-
sas e devem ser lançadas ao resultado apenas quando incorridas.
Outro exemplo são os gastos com pesquisa e desenvolvimento.
Na fase de pesquisa, não há como ter certeza de que eles gerarão
produtos, serviços, marcas e/ou patentes que proporcionarão benefí-
cios à companhia. Portanto, são despesas que serão lançadas ao resul-
tado apenas quando incorridas. Na fase de desenvolvimento, posterior
à de pesquisa, poderão existir indicadores confiáveis de que produtos,
serviços, marcas e/ou patentes decorrentes da pesquisa serão vendi-
dos e gerarão benefícios, podendo, assim, configurar ativos contábeis
e serem capitalizados como ativo intangível. Porém, mesmo nessa
fase, há diversos requisitos que precisam ser verificados a fim de que
os gastos possam ser capitalizados1122. Na prática, nem sempre é fácil

1120 A propósito, v e r no P r o n u n c i a m e n t o C o n c e i t u a i B á s i c o - "Estrutura C o n c e i t u a i " , aprovado


p e l a D e l i b e r a ç ã o C V M n° 539/2008, as c o n s i d e r a ç õ e s c o n c e i t u a i s sobre o q u e é um ativo
e q u a n d o os ativos s ã o r e c o n h e c i d o s c o n c e i t u a l m e n t e .
1121 Sobre esse assunto, v e r o C P C 0 4 (R1) - " A t i v o I n t a n g í v e l " , a p r o v a d o p e l a D e l i b e r a ç ã o
C V M n° 6 4 4 / 2 0 1 0 , p r i n c i p a l m e n t e os itens 1 8 a 67, q u e tratam d o r e c o n h e c i m e n t o e
mensuração.
1122 S o b r e esse assunto, v e r o item 5 7 d o C P C 0 4 (R1) - " A t i v o I n t a n g í v e l " , a p r o v a d o pela
D e l i b e r a ç ã o C V M n° 644/2010, q u e c o n s i d e r a diversos aspectos para q u e gastos na fase de
desenvolvimento p o s s a m ser capitalizados. Esses itens listados d e c o r r e m d a c o m p l e x i d a d e
e i n c e r t e z a s r e l a c i o n a d a s a o s ativos intangíveis: "57. Um ativo intangível resultante de
desenvolvimento (ou da fase de desenvolvimento de projeto interno) deve ser reconhecido
somente se a entidade puder demonstrar todos os aspectos a seguir enumerados: (a)
viabilidade técnica para concluir o ativo intangível de forma que ele seja disponibilizado
para uso ou venda; (b) intenção de concluir o ativo intangível e de usá-lo ou vendê-lo; (c)
capacidade para usar ou vender o ativo intangível; (d) forma como o ativo intangível deve
gerar benefícios econômicos futuros. Entre outros aspectos, a entidade deve demonstrar a
existência de mercado para os produtos do ativo intangível ou para o próprio ativo
intangível ou, caso este se destine ao uso interno, a sua utilidade; (e) disponibilidade de
recursos técnicos, financeiros e outros recursos adequados para concluir seu desenvolvi-
mento e usar ou vender o ativo intangível; e ( f ) capacidade de mensurar com confiabilidade
os gastos atribuíveis ao ativo intangível durante seu desenvolvimento."
determinar quando acaba a fase de pesquisa e inicia a de desenvol-
vimento. As companhias que exercem essas atividades devem ter
critérios claros e específicos para diferenciá-las.
O goodwill também pode ser citado como exemplo de intangí-
vel, talvez, o mais complexo de todos. Economicamente, o goodwill é
um ativo que tem sua natureza intrinsicamente ligada a outros ativos
da companhia. Tome-se, por exemplo, as sinergias, quando o valor
total é superior ao valor somado das partes individuais. Esse valor "a
mais" somente existe quando interage com as partes. E o goodwill é
justamente assim. No que se refere a valor, o goodwill é um resíduo,
uma diferença; somente existe quando o seu valor de mercado é su-
perior à soma dos valores de mercado dos seus ativos líquidos. No
entanto, a existência econômica do goodwill não garante que possa
ser verificado um goodwill contábil1123.
Os ativos passíveis de registro, conforme as normas internacio-
nais de contabilidade, (i) são aqueles que provavelmente gerarão al-
gum beneficio econômico para a companhia; (ii) precisam enquadrar-se
na definição de ativo; e (iii) devem ter um custo ou valor que possa ser
medido em bases confiáveis. Ou seja, todas essas condições devem
estar presentes para que um gasto possa ser lançado como ativo nas
demonstrações contábeis.
Suponhamos que determinada companhia (i) possua um terreno
que seja usado como estacionamento e cujo valor de mercado é de RS
100.000,00 (cem mil reais); (ii) não tenha dívida alguma; e (iii) tenha
valor de mercado de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). Como
essa companhia não possui qualquer outro ativo, pode-se afirmar que o
goodwill dela é de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Assim, o que justifica
o fato de o valor de mercado da companhia ser superior à soma do
valor de mercado do ativo individual (terreno)? Podem existir diversas
explicações, como, por exemplo, a capacidade dos administradores de
gerir o negócio de forma mais eficiente do que a de seus concorren-
tes, o estacionamento estar localizado em uma região atrativa, a com-
panhia ser de notório conhecimento na região, etc. E contabilmente?
O maior problema está relacionado à mensuração. Os R$ 20.000,00
(vinte mil reais) podem ter sido estimados por um profissional, por
alguma instituição financeira ou pelo mercado em uma situação de
normalidade do negócio e da forma como a companhia está sendo
gerida naquele momento. A companhia gerou esse goodwill ao longo
da sua existência e funcionamento, mas não é possível atribuir um
custo de forma objetiva ao goodwill ou determinar quando ele surgiu.
Qual foi a transação passada que gerou esse goodwill} Não se sabe.
Mesmo que exista economicamente, não pode ser registrado conta-
bilmente, pois não houve transação passada que lhe desse valor de
forma objetiva. Esse-exemplo demonstra o que é chamado de intan-
gível gerado internamente, ou, especificamente, goodwill gerado in-
ternamente, o qual não é passível de reconhecimento contábil.
Com base nesse mesmo exemplo, suponhamos que essa com-
panhia seja adquirida por outra pelo valor de R$ 130.000,00 (cento
e trinta mil reais). Desse preço, R$ 100.000,00 (cem mil reais) refe-
re-se ao valor de mercado do terreno/estacionamento (o seu valor
de mercado individual não muda). E os R$ 30.000,00 (trinta mil
reais) restantes? Para a adquirente, conforme as expectativas de uso
do estacionamento sob seu controle e gestão, o seu valor de merca-
do não era de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), mas de R$
135.000,00 (cento e trinta e cinco mil reais), por exemplo. Justifica-
-se economicamente pagar RS 130.000,00 (cento e trinta mil reais)
por um ativo que vale RS 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil
reais). Nesse exemplo, o goodwill, na perspectiva da companhia ad-
quirente, é de RS 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). No entanto,
será registrado contabilmente por R$ 30.000,00 (trinta mil reais),
pois a transação de compra e venda atribuiu de forma objetiva esse
valor. Ou seja, a companhia foi adquirida por RS 130.000,00 (cento e
trinta mil reais), já incluído o valor de mercado do terreno/estaciona-
mento de RS 100.000,00 (cem mil reais). Por "diferença", o goodvoill
a ser registrado contabilmente é de RS 30.000,00 (trinta mil reais);
é um intangível adquirido e não gerado internamente. Isto é, será
reconhecido nas demonstrações contábeis somente depois da com-
binação de negócios (a companhia adquirente "combinou seus ne-
gócios" com os da outra companhia). Será, também, reconhecido
nas demonstrações contábeis individuais da companhia adquirente
e nas demonstrações consolidadas (companhia adquirente e com-
panhia alienante). O goodwill não é reconhecido como ativo nas
demonstrações individuais da companhia alienante. Nesse caso, o
goodwill é o que foi pago pela adquirente, razão pela qual deve ser
reconhecido nas suas demonstrações contábeis.
Assim, pode-se entender o porquê de uma marca somente ser
registrada no grupo dos intangíveis quando a companhia a adquire
de terceiros. Caso possua uma marca que tenha sido desenvolvida e
conhecida no mercado ao longo do tempo, mas que não foi adqui-
rida de terceiros, não poderá reconhecê-la nas demonstrações con-
tábeis, mesmo que possua valor de mercado (estimável em alguns
casos), pois não terá ocorrido uma negociação que tenha chancela-
do o custo da marca. Isso vale tanto para intangíveis identificáveis1124
quanto para o goodwill (fundo de comércio)1125.

1124 De acordo com o CPC 04 (RI) - "Ativo Intangível", aprovado pela Deliberação CVM n°
644/2010, um ativo é identificável quando for separável ou resultante de direitos contratuais
ou de outros direitos legais. Um ativo satisfaz o critério de identificação quando (a) puder
ser separado da entidade e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, individu-
almente ou junto com um contrato, ativo ou passivo relacionado, independente da inten-
ção de uso pela entidade; ou (b) resultar de direitos contratuais ou de outros direitos legais,
independentemente de tais direitos serem transferíveis ou separáveis da entidade ou de
outros direitos e obrigações.
1125 Consta dos itens 48 a 50 do CPC 04 (R1) - "Ativo Intangível", aprovado pela Deliberação
C V M n° 6 4 4 / 2 0 1 0 , que: "48. O ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura
(goodwillj gerado internamente não deve ser reconhecido como ativo. 49. Em alguns casos
incorre-se em gastos para gerar benefícios econômicos futuros, mas que não resultam na
criação de ativo intangível que se enquadre nos critérios de reconhecimento estabelecidos
Os gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D) somente são
considerados como intangíveis quando os custos incorridos puderem
ser identificados e, principalmente, quando houver grande chance de
a companhia obter benefícios futuros com o uso do ativo. Conse-
quentemente, todos os custos incorridos na fase de pesquisa não são
ativos, mas sim despesas que serão lançadas ao resultado quando in-
corridas. Esse procedimento é justificado diante das incertezas ine-
rentes a essa atividade, como, por exemplo, se o objeto da pesquisa
trará benefícios para a companhia no futuro. Quanto aos gastos na
fase de desenvolvimento, que é sempre posterior à de pesquisa, so-
mente poderão ser capitalizados como intangível quando forem bai-
xas as incertezas sobre os futuros benefícios. Há uma série de quesitos
que a companhia deve demonstrar para tornar possível o registro como
ativo intangível dos custos incorridos nessa fase, a saber: (i) viabilida-
de técnica para concluir o ativo intangível, de forma que ele seja dis-
ponibilizado para uso ou venda; (ii) intenção de concluir o ativo
intangível e de usá-lo ou vendê-lo; (iii) capacidade para usar ou ven-
der esse ativo; (iv) os benefícios econômicos que poderão ser gerados,
devendo a companhia demonstrar a existência de mercado para os
produtos do ativo intangível, ou para ele próprio, ou, caso se destine
ao uso interno, a sua utilidade; (v) disponibilidade de recursos técni-
cos e financeiros adequados para seu completo desenvolvimento, uso
e venda; e (vi) capacidade de mensurar, com segurança, os gastos atri-
buíveis ao ativo intangível durante o seu desenvolvimento1126.

no presente Pronunciamento. Esses gastos costumam ser descritos como contribuições para
o ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill) gerado internamente, o
qual não é reconhecido como ativo porque não é um recurso identificável (ou seja, não é
separável nem advém de direitos contratuais ou outros direitos legais) controlado pela
entidade que pode ser mensurado com segurança ao custo. 50. As diferenças entre valor de
mercado da entidade e o valor contábil de seu patrimônio líquido, a qualquer momento,
podem incluir uma série de fatores que afetam o valor da entidade. No entanto, essas
diferenças não representam o custo dos ativos intangíveis controlados pela entidade."
1126 Ver o Pronunciamento Contábil - CPC 04 (RI) - "Ativo Intangível", aprovado pela Delibe-
ração CVM n° 644/2010.
Os intangíveis podem ter vida útil definida ou indefinida. Em
geral, quando são vinculados a contratos, como, por exemplo, direi-
tos de uso, possuem vida útil definida, e com o decorrer do tempo
são amortizados, transformados em despesas. Aqueles que não pos-
suem vida útil determinável - portanto, indefinida - não são amor-
tizados, tais como marcas, fundo de comércio {goodwill), etc. Estes
ativos deverão ser submetidos ao teste de recuperabilidade de custo
(impairment tesi) anualmente e sempre que existirem indícios de
terem perdido valor1127.
Os ativos intangíveis, face às diversas incertezas quanto ao seu
registro, constituem um grupo especial e que merece muita atenção
na análise do seu reconhecimento nas demonstrações contábeis.
O parágrafo único determina que, quando o ciclo operacional
da companhia tiver duração maior que o exercício social, a classifi-
cação no "circulante" ou "longo prazo" terá por base o prazo desse
ciclo. Cite-se, como exemplo, um estaleiro, cujo ciclo operacional
(desde o início da produção até a entrega) é superior a 1 (um) ano.
Nessa hipótese, considera-se que os ativos e passivos circulantes
são aqueles cujos prazos de realização e liquidação sejam inferiores
ao tempo do ciclo operacional, que é superior a 1 (um) ano. Não
obstante essa previsão na Lei das S.A., são raríssimos os casos em
que se verifica, na prática, a sua aplicação.

Passivo exigível
"Art. 180. As obrigações da companhia, inclusive financia-
mentos para aquisição de direitos do ativo não circulante, se-
rão classificadas no passivo circulante, quando se vencerem
no exercício seguinte, e no passivo não circulante, se tiverem

1127 Ver o Pronunciamento Contábil - CPC 04 (RI) - "Ativo Intangível", aprovado pela Delibe-
ração CVM n° 644/2010.
vencimento em prazo maior, observado o disposto no pará-
grafo único do artigo 179 desta Lei." (Redação dada pela Lei
n° 11.941/2009)

Os empréstimos e financiamentos devem ser segregados em 2


(dois) grupos: (i) no "passivo circulante", as parcelas vencíveis no pró-
ximo exercício social contado a partir da data do balanço; e (ii) no
"passivo não circulante", todas as demais parcelas.
Essa regra tem como finalidade proporcionar informações so-
bre desembolsos futuros de caixa, identificando os que ocorrerão
no próximo exercício social e os que ocorrerão em períodos subse-
quentes. Essas informações, que, em geral, são acompanhadas de
maiores detalhes nas notas explicativas, demonstram o compro-
metimento de caixa assumido pela companhia, o que ajuda a di-
mensionar o risco da sua estrutura de capital.

Resultados de exercícios futuros


"Art. 181 (Revogado pela Lei n° 11.941/2009)"

Face à adoção das normas internacionais de contabilidade (IFRS),


a conta de "Resultados de Exercícios Futuros" (REF) foi eliminada1128.
Seu saldo, se existente, deve ser reclassificado para a conta de "passivo
não circulante". Como esse passivo não é de natureza financeira, não
demanda recursos para ser liquidado. Dessa forma, será interpretado como
resultado diferido, e, quando liquidado, será transformado em receita.
A conta REF representava lucros já realizados em caixa, mas
que ainda não podiam ser considerados como receita pelo fato de
estarem vinculados ao cumprimento de determinadas obrigações.
Patrimônio líquido
"Art. 182. A conta do capital social discriminará o montante subs-
crito e, por dedução, a parcela ainda não realizada.
§ I o Serão classificadas como reservas de capital as contas que
registrarem:

a) a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor


nominal e aparte do preço de emissão das ações sem valor nomi-
nal que ultrapassar a importância destinada à formação do capital
social, inclusive nos casos de conversão em ações de debêntures
ou partes beneficiárias;

b) o produto da alienação de partes beneficiárias e bônus de


subscrição;

c) (Revogado pela Lei n° 11.638/2007)

d) (Revogado pela Lei n° 11.638/2007)

§ 2 o Será ainda registrado como reserva de capital o resultado da


correção monetária do capitalrealizado, enquanto não-capitalizado.

§ 3 o Serão classificadas como ajustes de avaliação patrimonial,


enquanto não computadas no resultado do exercício em obediên-
cia ao regime de competência, as contrapartidas de aumentos ou
diminuições de valor atribuídos a elementos do ativo e do passivo,
em decorrência da sua avaliação a valor justo, nos casos previstos
nesta Lei ou, em normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3° do ar-
tigo 177 desta Lei. (Redação dada pela Lein° 11.941/2009)

§ 4 o Serão classificados como reservas de lucros as contas consti-


tuídas pela apropriação de lucros da companhia.

§ 5 o As ações em tesouraria deverão ser destacadas no balanço


como dedução da conta do patrimônio líquido que registrar a ori-
gem dos recursos aplicados na sua aquisição."
Este artigo trata da classificação interna da conta do "patri-
mônio líquido", que, de acordo com a sua natureza, divide-se em:
(i) capital social; (ii) reservas de capital; (iii) ajustes de avaliação
patrimonial; (iv) reservas de lucros; e (v) ações em tesouraria. Os
prejuízos acumulados, embora não tenham sido regulados neste
artigo nem no artigo 178, quando verificados, serão classificados
separadamente dentro do patrimônio líquido.
O capital social constitui a parcela do valor das ações subscritas
- fixada no estatuto social - que os acionistas vinculam à consecu-
ção do objeto social, na constituição da companhia e nos seus su-
cessivos aumentos (artigo 5o ). No plano econômico, o capital pode
ser considerado como o conjunto de recursos com que conta a com-
panhia para o desenvolvimento de suas atividades. Sob o aspecto
contábil, é uma conta integrante do patrimônio líquido; nesse sen-
tido, determina o caput que a conta do capital social discriminará o
montante subscrito e, por dedução, a parcela ainda não realizada.
O acionista, ao subscrever ações de uma companhia, contribuin-
do para formação do capital social, torna-se devedor dela na impor-
tância com que se comprometeu a integralizá-lo e deve cumprir com
essa obrigação dentro do prazo determinado no ato de constituição
ou, posteriormente, na assembleia geral que deliberar o seu aumento.
Quando os acionistas já efetuaram as suas contribuições ao capital
social, tem-se o capital realizado ou integralizado, e, na hipótese de o
acionista ter se comprometido com uma determinada quantia que
ainda não pagou, tem-se o capital subscrito.
A expressão "capital social" é utilizada com 2 (dois) significa-
dos distintos: (i) montante do capital social fixado no estatuto; ou
(ii) capital social aplicado no ativo patrimonial. O montante do ca-
pital social fixado no estatuto é a quantidade de valor financeiro que
os sócios declaram submeter ao regime legal próprio do capital so-
cial e que deve existir no ativo para que a sociedade possa reconhe-
cer lucros e transferir bens do seu patrimônio para o patrimônio dos
sócios1129; o capital social aplicado no ativo patrimonial constitui
uma quota parte ideal do patrimônio líquido, podendo, tal como
ocorre com todo o patrimônio líquido, variar e tornar-se inferior ao
montante fixado no estatuto1130.
Na constituição da companhia, o capital e o patrimônio têm o
mesmo valor, porém, com o funcionamento da sociedade, ocorre a
sua separação1131; no ativo, passa a ser registrado o valor representa-
tivo da subscrição em bens ou dinheiro efetuada pelos acionistas
com o fim de realizar o objeto social; e, no passivo (na subconta do
patrimônio líquido), é registrado o capital social, por representar um
débito da sociedade para com os sócios1132-1133.
O capital total de uma companhia pode, de acordo os §§ I o e 2o,
ser subdividido em reservas de várias naturezas. Essa divisão distin-
gue o capital "original", aportado pelos acionistas, do capital "adicio-
nal", originado de diversos fatores. Algumas dessas divisões decorrem
de dispositivos estatutários e outras de normas da Lei das S.A.
Conforme a alínea "a" do § I o , são classificadas como reservas de
capital as contas que registrarem a contribuição do subscritor que ultra-
passar o valor nominal e a parte do preço de emissão das ações sem
valor nominal que ultrapassar a importância destinada à formação do

1129 J O S É L U I Z B U L H Õ E S P E D R E I R A . Finanças e D e m o n s t r a ç õ e s Financeiras da Companhia.


Conceitos Fundamentais. R i o d e Janeiro: Forense, 2 a e d i ç ã o , 1 9 8 9 , p. 4 1 5 .
1130 J O S É L U I Z B U L H Õ E S P E D R E I R A . Finanças e D e m o n s t r a ç õ e s Financeiras da Companhia.
Conceitos Fundamentais..., p . 4 1 6 .
1131 T U L L I O A S C A R E L L I . P r o b l e m a s das S o c i e d a d e s A n ô n i m a s e D i r e i t o Comparado. S ã o
Paulo: Saraiva, 1 9 6 9 , p. 3 2 5 - 3 2 6 , a o comentar a diferença entre capital social e patrimônio,
observa que: "(...) temos, de um lado, o conjunto dos bens da sociedade, isto ê, o seu
patrimônio; o valor real desses bens muda necessariamente com as oscilações do mercado
e com o a n d a m e n t o dos negócios; a sua avaliação, juntamente com a indicação do
passivo, é fixada nos balanços sociais; de outro lado, o capital social, resultante não só dos
balanços, mas do estatuto social e que não pode ser modificado a não ser observadas as
normas a respeito. Capital nominal e patrimônio liquido coincidem, às vezes, no inicio da
vida da sociedade. Posteriormente, a o contrário, são diversos, dadas as oscilações de valor
dos bens sociais e os diversos resultados da gestão da sociedade."
1132 Ver os comentários ao art. 178 da Lei das S . A .
capital social, inclusive nos casos de conversão em ações de debêntu-
res ou de partes beneficiárias. No sistema da Lei das S.A., a emissão
de ação por preço superior ao valor nominal, isto é, com ágio, deverá
ser a regra e não a exceção1134. É por essa razão que o artigo 170
determina que, nos aumentos de capital por subscrição de ações, o
preço de emissão deve ser fixado de acordo com o valor real da ação,
ou seja, abandona-se o valor nominal como parâmetro para determi-
nar a contribuição do subscritor. O preço de emissão deverá ser fixa-
do tendo em vista, alternativa ou conjuntamente, a perspectiva de
rentabilidade da companhia, o valor do patrimônio líquido da ação
e/ou a cotação de suas ações em Bolsa de Valores ou no mercado de
balcão organizado, admitindo ágio ou deságio em função das con-
dições de mercado (artigo 170, § I o ). Mesmo na subscrição inicial,
as ações podem ser emitidas por valor superior ao nominal (artigo
84, inciso III). O ágio aumenta as reservas da sociedade e contribui
para o aumento de valor do seu patrimônio; assim, constitui uma
garantia adicional para as atividades sociais1135.
Na subscrição de ações, o ágio existe quando a ação emitida
pela companhia é subscrita por preço de emissão superior ao de
sua contribuição para a formação do capital social. Quando a ação
tem valor nominal, o ágio será a parte do preço de emissão que
exceder a esse valor. Nas ações sem valor nominal, o ágio é a parte
do preço de emissão que ultrapassa a importância destinada à for-
mação do capital social fixada, na constituição da companhia, pe-
los fundadores, e no aumento de capital, pela assembleia geral ou
pelo conselho de administração (artigo 14, caput).
A reserva de capital somente poderá ser utilizada para: (i) ab-
sorção de prejuízos que ultrapassarem os lucros acumulados e as
reservas de lucros; (ii) resgate, reembolso ou compra de ações; (iii)
resgate de partes beneficiárias; (iv) incorporação ao capital social;
e (v) pagamento de dividendo a ações preferenciais, quando essa
vantagem lhes for assegurada (artigo 200).
De acordo com a alínea "b" do § I o , também são classificadas
como reservas de capital o produto da alienação de partes beneficiárias
(artigo 46) e de bônus de subscrição (artigo 75). A reserva constituída
com o produto da venda de partes beneficiárias poderá ser destinada ao
resgate desses títulos (artigo 200, parágrafo único).
As subclassificações do patrimônio líquido decorrem exclusi-
vamente da Lei das S.A., não estando previstas nas normas inter-
nacionais de contabilidade (IFRS). No entanto, o registro dessas
contas não viola as referidas normas.
Até fins de 1995, procedia-se à correção monetária do capital
social para mantê-lo íntegro frente aos índices inflacionários; o seu
resultado era registrado como reserva de capital, enquanto não capi-
talizado, nos termos do § 2 o . A capitalização ocorria mediante deci-
são homologatória da assembléia geral ordinária, ao aprovar o balanço
anual. Ocorre que a correção monetária foi extinta pela Lei n° 9.249/
1995, mediante a qual ficou vedada a utilização de qualquer sistema
de correção das demonstrações contábeis, inclusive para fins societá-
rios (artigo 4 o , parágrafo único). Com tal extinção, o § 2 o encontra-se
derrogado, não mais produzindo qualquer efeito.
Assim, as demonstrações contábeis e os indicadores dela decor-
rentes passaram a ficar defasados. Suponhamos, por exemplo, um
aporte de capital de RS 1.000,00 (um mil reais), cujos recursos recebi-
dos sejam investidos em uma aplicação financeira. Ao final de um
período, o valor dessa aplicação é de R$ 1.060,00 (um mil e sessenta
reais), apresentando, portanto, lucro de RS 60,00 (sessenta reais). A
taxa de retorno do capital próprio é de 6% (seis por cento): RS 60,00
(sessenta reais) de lucro sobre RS 1.000,00 (um mil reais) de recursos
aplicados. Imaginemos que nesse período a taxa de inflação foi de 5%
(cinco por cento). Do lucro de RJ 60,00 (sessenta reais), R$ 50,00
(cinqüenta reais) referem-se tão somente à correção monetária do ca-
pital aportado pelo sócio. O valor de R$ 1.000,00 (mil reais) no início
do período eqüivale a RS 1.050,00 (mil e cinqüenta reais) no final do
período. O lucro efetivo é de RS 10,00 (dez reais), pois se subtrai do
lucro nominal de R$ 60,00 (sessenta reais) o valor de R$ 50,00 (cin-
qüenta reais) que representa a correção monetária do capital. A taxa de
retorno real, a que demonstra efetiva geração de riqueza, é de 0,95%
(zero vírgula noventa e cinco por cento): RS 10,00 (dez reais) de lucro
real sobre o capital investido corrigido de R$ 1.050,00 (mil e cinqüenta
reais) e não de 6% (seis por cento), como aparentemente extraído das
demonstrações contábeis sem o cômputo dos efeitos da inflação.
A Lei n° 11.638/2007 criou a conta de "ajuste de avaliação
patrimonial" (AAP), que não constitui capital, reserva de capital
ou reserva de lucros. Trata-se de uma conta na qual são registradas
as contrapartidas das flutuações de valor justo de determinados
ativos e passivos, nos termos do § 3 o . O saldo dessa conta sempre
flutua em função de oscilações do valor justo dos ativos e passivos
que a originou. Cabe destacar que esses valores, em algum mo-
mento, transitarão pela demonstração do resultado, formando o
lucro ou o prejuízo do exercício. Tais valores acumulados na conta
de ajuste de avaliação patrimonial devem ser interpretados como
lucros ou prejuízos ainda não realizados, mas que o serão no futu-
ro, mesmo que por montantes diferentes dos até então acumula-
dos; ou seja, ainda sofrerão mais ajustes antes de serem realizados.
Caso haja saldo (positivo ou negativo) nessa conta, é necessário
que das notas explicativas constem informações adicionais sobre
a sua origem, suas variações, as transferências para a demonstra-
ção do resultado, etc1136.
O § 4 o trata das reservas de lucros nas quais são classificadas as
contas constituídas pela apropriação de lucros que não foram distri-
buídos aos acionistas como dividendos ou juros sobre capital próprio.
A conta de lucros acumulados não pode mais apresentar saldo positi-
vo ao final do exercício social1137; assim, os lucros que não forem des-
tinados ao pagamento de dividendos ou juros sobre capital próprio,
ou que o serão no futuro, ficam segregados na reserva de lucros1138.
Nas demonstrações contábeis intermediárias, como o resultado líqui-
do do exercício social ainda não foi completamente apurado, a conta
de lucros acumulados apresenta saldo positivo. Ao final do exercício
social é que ela, em tese, "desaparece", pois o lucro líquido apurado é
destinado à distribuição aos acionistas ou retido na companhia. A

1137 Consta do art. 5° da Instrução C V M n° 469/2008, que dispõe sobre a aplicação da Lei n°
1 1 . 6 3 8 / 2 0 0 7 , q u e : "Art. 5 ° . No encerramento do exercício social, a conta de lucros e
prejuízos acumulados não deverá apresentar saldo positivo. Parágrafo único. Eventual
saldo positivo remanescente na conta de lucros e prejuízos acumulados deverá ser destina-
do para reserva de lucros, nos termos dos arts. 194 a 197 da Lei n" 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, ou distribuído como dividendo." A C V M , por meio da Nota Explicativa
à Instrução C V M n° 469/2008, em seu item 4, manifestou o seguinte entendimento: "4.
Lucros Acumulados - Embora a redação original da Lei n" 6.404, de 1976, já tenha
determinado a destinação de todo o resultado do exercício, a redação anterior, ao prever a
existência de saldo final na conta de lucros acumulados, suscitou dúvidas e até a possibi-
lidade de retenções indiscriminadas e não devidamente justificadas. Tendo em vista que
todo o lucro líquido do exercício deve ser destinado, de acordo com os fundamentos
contidos nos art. 194 a 197, a redação atual da Lei n° 6.404, de 1976, eliminou a
possibilidade de existência de saldo de lucros acumulados no encerramento do exercício
social. Evidentemente, não foram eliminadas a conta de lucros acumulados e a demonstra-
ção da sua movimentação, que deverão ser apresentados de forma isolada ou, no caso das
companhias abertas, como parte da demonstração das mutações de patrimônio líquido.
Essa conta, entretanto, possui natureza absolutamente transitória, e será utilizada para
servir de contrapartida às reversões das reservas de lucros e às destinações do lucro." O
mesmo também é encontrado nos itens 42 e 43 do C P C 13 - "Adoção Inicial da Lei n°
1 1 . 6 3 8 / 2 0 0 7 " , a p r o v a d o p e l a D e l i b e r a ç ã o C V M n° 5 6 5 / 2 0 0 8 : "Lucros acumulados -42.
Segundo a Lei das S.A., conforme modificação introduzida pela Lei n" 11.638/2007, o
lucro líquido do exercício deve ser integralmente destinado de acordo com os fundamen-
tos contidos nos arts. 193 a 197 da Lei das S.A. A referida Lei não eliminou a conta de
lucros acumulados nem a demonstração de sua movimentação, que devem ser apresenta-
das como parte da demonstração das mutações do patrimônio líquido. Essa conta, entre-
tanto, tem natureza absolutamente transitória e deve ser utilizada para a transferência do
lucro apurado no período, contrapartida das reversões das reservas de lucros e para as
destinações do lucro. 43. Na elaboração das demonstrações contábeis ao término do
exercício social em que adotar pela primeira vez a Lei n" 11.638/07, a administração da
entidade deve propor a destinação de eventuais saldos de lucros acumulados existentes."
1138 Sobre as reservas de lucros, ver os comentários aos arts. 193 a 197 da Lei das S.A.
parcela do resultado retida, de acordo com o deliberado em assem-
bleia geral, é transferida da conta de lucros acumulados para as res-
pectivas reservas de lucros, conforme a natureza da retenção.
De acordo com o § 5 o , as ações em tesouraria devem ser desta-
cadas no balanço como dedução da conta do patrimônio líquido
que registrar a origem dos recursos aplicados na sua aquisição. Essa
conta demonstra o valor das ações que foram recompradas pela com-
panhia e que não foram canceladas ou que serão novamente colo-
cadas no mercado. Como essa recompra de ações constitui transação
com os sócios, todas as despesas necessárias a essa operação tam-
bém devem ser contabilizadas diretamente no patrimônio líquido,
sem afetar o resultado do período. A recompra de ações configura
uma redução temporária de capital, razão pela qual é registrada como
conta redutora do patrimônio líquido1139-1140-1141.

Critérios de avaliação do ativo


"Art. 183. No balanço, os elementos do ativo serão avaliados
segundo os seguintes critérios:

I - as aplicações em instrumentos financeiros, inclusive deriva-


tivos, e em direitos e títulos de créditos, classificados no ativo

1139 O art. 17 da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções


C V M n™ 100/1989, 111/1990, 268/1997 e 390/2003, determina que as ações em tesou-
raria deverão ser destacadas no balanço como dedução da conta do patrimônio líquido
que registrar a origem dos recursos aplicados na sua aquisição e contabilizadas pelo valor
do custo desta operação.
1140 O Pronunciamento Técnico CPC 08 (R1) - "Custos de Transação e Prêmios na Emissão de
Títulos e Valores Mobiliários", que trata, entre outros assuntos, da "contabilização da
aquisição de ações de emissão própria", aprovado pela Deliberação C V M n° 649/2010,
estabeleceu, em seus itens 8 a 10, que: (i) a aquisição das próprias ações e sua alienação
sao também transações de capital da entidade com seus sócios e igualmente não devem
afetar o resultado da entidade; (ii) os custos de transação incorridos na aquisição dessas
ações devem ser tratados como acréscimo do seu custo de aquisição; e (iii) os custos de
transaçao incorridos na alienação de ações em tesouraria devem ser tratados como redução
do lucro ou acréscimo do prejuízo dessa transação, resultados esses contabilizados direta-
mente no patnmonio líquido, na conta que houver sido utilizada como suporte à aquisi-
çao de tais ações, não afetando o resultado da entidade.
Sobre as ações em tesouraria, ver os comentários ao art. 30 da Lei das S.A.
circulante ou no realizável a longo prazo: (Redação dada pela
Lei n° 11.638/2007)

a) pelo seu valor justo, quando se tratar de aplicações destinadas


à negociação ou disponíveis para venda; e (Redação dada pela
Lei n° 11.941/2009)

b) pelo valor de custo de aquisição ou valor de emissão, atualiza-


do conforme disposições legais ou contratuais, ajustado ao va-
lor provável de realização, quando este for inferior, no caso das
demais aplicações e os direitos e títulos de crédito; (Incluídapela
Lei n° 11.638/2007)

II - os direitos que tiverem por objeto mercadorias e produtos


do comércio da companhia, assim como matérias-primas, pro-
dutos em fabricação ebens em almoxarifado, pelo custo de aqui-
sição ou produção, deduzido de provisão para ajustá-lo ao valor
de mercado, quando este for inferior;

III - os investimentos em participação no capital social de outras


sociedades, ressalvado o disposto nos artigos 248 a250, pelo custo
de aquisição, deduzido de provisão para perdas prováveis na reali-
zação do seu valor, quando essa perda estiver comprovada como
permanente, e que não será modificado em razão do recebimento,
sem custo para a companhia, de ações ou quotas bonificadas;

IV - os demais investimentos, pelo custo de aquisição, deduzido


de provisão para atender às perdas prováveis na realização do seu
valor, ou para redução do custo de aquisição ao valor de mercado,
quando este for inferior;

V - os direitos classificados no imobilizado, pelo custo de aqui-


sição, deduzido do saldo da respectiva conta de depreciação,
amortização ou exaustão;
V I - (Revogado): (Redação dada pela L e i n° 11.941/2009)

VII - os direitos classificados no intangível, pelo custo incorridona


aquisição deduzido do saldo da respectiva conta de amortização;
(Incluído pela Lei n° 11.638/2007)

VIII - os elementos do ativo decorrentes de operações de longo


prazo serão ajustados a valor presente, sendo os demais ajustados
quando houver efeito relevante. (Incluído pela Lei n° 11.638/2007)

§ l°Para efeitos do disposto neste artigo, considera-se valor justo:


(Redação dada pela Lei n° 11.941/2009)

a) das matérias-primas e dos bens em almoxarifado, o preço pelo


qual possam ser repostos, mediante compra no mercado;

b) dos bens ou direitos destinados ã venda, o preço líquido de rea-


lização mediante venda no mercado, deduzidos os impostos e de-
mais despesas necessárias para a venda, e a margem de lucro;

c) dos investimentos, o valor líquido pelo qual possam ser aliena-


dos a terceiros.

d) dos instrumentos financeiros, o valor que pode se obter em um


mercado ativo, decorrente de transação não compulsória realiza-
da entre partes independentes; e, na ausência de um mercado
ativo para um determinado instrumento financeiro: (Incluídapela
Lei n° 11.638/2007)

1) o valor que se pode obter em um mercado ativo com a negocia-


ção de outro instrumento financeiro de natureza, prazo e risco si-
milares; (Incluído pela Lei n° 11.638/2007)
2) o valor presente líquido dos fluxos de caixa futuros para ins-
trumentos financeiros de natureza, prazo e risco similares; ou
(Incluído pela Lei n° 11.638/2007)

3) o valor obtido por meio de modelos matemático-estatísticos de


precificação de instrumentos financeiros. (Incluído pela Lei n°
11.638, de 2007)

§ 2° A diminuição do valor dos elementos dos ativos imobiliza-


do e intangível será registrada periodicamente nas contas de:
(Redação dada pela Lei n° 11.941/2009)

a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direi-


tos que têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de
utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência;

b) amortização, quando corresponder à perda do valor do capital


aplicado na aquisição de direitos da propriedade industrial ou co-
mercial e quaisquer outros com existência ou exercício de dura-
ção limitada, ou cujo objeto sejam bens de utilização por prazo
legal ou contratualmente limitado;

c) exaustão, quando corresponder à perda do valor, decorrente da


sua exploração, de direitos cujo objeto sejam recursos minerais
ou florestais, ou bens aplicados nessa exploração.

§ 3o A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a


recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível, a
fim de que sejam: (Redação dada pela Lei n° 11.941/2009)

I - registradas as perdas de valor do capital aplicado quando


houver decisão de interromper os empreendimentos ou ativi-
dades a que se destinavam ou quando comprovado que não
poderão produzir resultados suficientes para recuperação des-
se valor; ou (Incluído pela Lei n° 11.638/2007)

II - revisados e ajustados os critérios utilizados para determina-


ção da vida útil econômica estimada e para cálculo da deprecia-
ção, exaustão e amortização. (Incluído pela Lei n° 11.638/2007)

§ 4 o Os estoques de mercadorias fungíveis destinadas à venda


poderão ser avaliados pelo valor de mercado, quando esse for o
costume mercantil aceito pela técnica contábil."

O artigo trata de uma das matérias mais importantes das demons-


trações contábeis: critérios (ou métodos) de avaliação (ou de mensura-
ção) dos ativos. Essa matéria, por ter sido regulada na Lei das S.A.,
poderá ficar desatualizada ou em descompasso com as normas interna-
cionais de contabilidade (IFRS), as quais tendem a ser modificadas
com certa celeridade. Por serem muito específicos, o ideal seria que os
critérios de mensuração de ativos (e também de passivos) tivessem sido
regulados apenas de forma genérica na Lei das S.A., como, por exem-
plo, com a determinação de que as companhias fossem obrigadas a
observar as regras estabelecidas pelas normas internacionais de conta-
bilidade (IFRS), pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de com-
panhias abertas, ou por outro órgão regulador competente.
Todavia, não foi o que ocorreu. Ao contrário, diversos critérios de
mensuração de ativos são tratados neste artigo, a saber: (i) valor justo;
(ii) custo de aquisição; (iii) valor de mercado; (iv) valor provável de
realização; (v) valor presente; (vi) valor líquido de venda; (vii) valor
presente líquido; e (viii) valor obtido por meio de modelos matemáti-
co-estatísticos de precificação de instrumentos financeiros, etc.
A mais importante e controversa inovação deste artigo, introdu-
zida pelas Leis nos 11.638/2007 e 11.941/2009, é a que trata do "valor
justo" {fair value). Embora essa expressão seja muito antiga na teoria
contábil, é relativamente recente na normatização brasileira1142. Com
a adoção das normas internacionais de contabilidade (IFRS), o "valor
justo" tornou-se um dos principais critérios de mensuração de ativos.
O conceito de "valor justo" não é necessariamente igual ao de valor
de mercado. O valor de mercado, dependendo das condições econômi-
cas e de liquidez, pode ser utilizado como valor justo, mas essa não é a
regra. Aliás, até mesmo o custo histórico pode ser utilizado como a me-
lhor estimativa do valor justo. Ou seja, existem diversos métodos para
estimá-lo, assim como várias possibilidades de utilização1143.
A Lei das S.A. elenca diversos critérios de avaliação que podem
ser utilizados na estimativa do valor justo. Consta do § I o que consi-
dera-se valor justo: (i) das matérias-primas e dos bens em almoxarifa-
do, o preço pelo qual possam ser repostos, mediante compra no
mercado (preço de reposição); (ii) dos bens ou direitos destinados à
venda, o preço líquido de realização mediante venda no mercado, de-
duzidos os impostos e demais despesas necessárias para a venda e a
margem de lucro; (iii) dos investimentos, o valor líquido pelo qual
possam ser alienados a terceiros; e (iv) dos instrumentos financeiros,
o valor que se pode obter em um mercado ativo, decorrente de transa-
ção não compulsória realizada entre partes independentes.
O § Io faz referência a "preço de reposição", "preço líquido de reali-
zação", "valor presente líquido de fluxos de caixa" e "valores decorrentes
de métodos matemático-estatísticos". Embora a Lei das S.A. determine
diversos critérios de mensuração para se estimar o valor justo, ela não
estabeleceu o seu conceito, razão pela qual é importante verificar a refe-
rência constante do Financial Accounting Standards Board - FASB e do

1142 Sobre esse assunto, ver a Deliberação CVM n° 371/2000 e a Instrução CVM n° 475/2008.
1143 Sobre a análise e.o conceito de valor justo e as implicações práticas de sua adoção, ver SÉRGIO
lUDICIBUS e ELISEU MARTINS, "Uma Investigação e Uma Proposição Sobre o Conceito e o
Uso do Valor Justo", Revista de Contabilidade e Finanças - Edição 3 0 anos de Doutorado. São
RÍUIO: USP, Junho, 2007, p. 9-18, disponível em: <http://www.eac.fea.usp.br/eac/revista>.
International Accounting Standards Board- IASB, que é o órgão técnico
responsável pela emissão das normas internacionais de contabilidade1144.
Em setembro de 2006, o FASB emitiu o SFAS n° 157 - Fair
Value Measurements, que trata especificamente de avaliações a valor
justo1145. De acordo com essa norma, a idéia de valor justo é a de
preços de mercado praticados em transações de compra e venda. O
mercado em que tais preços são observados precisa ter características
econômicas definidas, bem como ser ativo, eficiente e de alta liqui-
dez. Assim, o valor justo deve refletir um preço de transação entre
compradores e vendedores que (i) conhecem os riscos e os benefícios
dos ativos e passivos que são negociados (se o mercado ê eficiente,
não há assimetria de informação entre compradores e vendedores); e
(ii) negociam esses ativos e passivos de forma isenta, sem sofrer pres-
são de qualquer natureza para comprá-los ou vendê-los1146.

1144 Ver os c o m e n t á r i o s a o art. 1 7 6 d a Lei d a s S . A .


1145 D e a c o r d o c o m o S F A S n° 157, "fair value is the price that would be received to sell an assei
or paid to transfer a liability in an orderly transaction between market participants at the
measurement date".
1146 Em 2 0 1 1 , o I A S B , e m d e c o r r ê n c i a d o projeto d e p r o n u n c i a m e n t o e x c l u s i v o sobre Fair Value
Measurement, disponível em: <http://www.ifrs.org/Current+Projects/IASB+Projects/
F a i r + V a l u e + M e a s u r e m e n t / F a i r + V a l u e + M e a s u r e m e n t . h t m > , e m i t i u o I F R S 13 - "Fair V a l u e
Measurement". D o d o c u m e n t o d e n o m i n a d o "press release" d e s s e P r o n u n c i a m e n t o , consta
o s e g u i n t e : "The International Accounting Standards Board (IASB) and the Financial
Accounting Standards Board (FASB) today issued new guidance on fair value measurement
and disclosure requirements for International Financial Reporting Standards (IFRSs) and US
generally accepted accounting principies (CAAP). The guidance, set out in IFRS 13 Fair
Value Measurement and an update to Topic 820 in the FASB's Accounting Standards
Codificaliona (formerly referred to as SFAS 157), completes a major project of lhe boards'
joint work to improve IFRSs and US CAAP and to bring about lheir convergence. The
harmonisalion of fair value measurement and disclosure requirements internationally also
forms an important elemenl of the boards' response to lhe global financial crisis. Completion
of the project is the culmination of more than five years' work to improve and align fair
value measurement and disclosure requirements. The requirements, which are largely idêntica!
across IFRSs and US CAAP, have benefited from exlensive due process and public
consullation, iricluding inpul from a Fair Value Fxpert Advisory Panei and the FASB's
Valuation Resource Group. The requirements do not exlend the use of fair value accounting,
but provide guidance on how il should be applied where its use is already required or
permitled by other standards within IFRSs or US CAAP. For IFRSs, IFRS 13 Fair Value
Measurement will improve consistency and reduce complexity by providing, for lhe firsl
lime, a precise definition of fair value and a singte source of fair value measurement and
disclosure requirements for use across IFRSs." D e s s a forma, o I F R S 13 define valor justo
c o m o sendo "o preço que seria recebido ao se vender um ativo ou pago ao se transferir um
passivo em uma transação ordenada entre participantes do mercado na data da mensuração".
O valor justo não constitui uma metodologia ou um critério ob-
jetivo de avaliação. A complexidade de sua aplicação pode ser verifi-
cada quando determinado ativo ou passivo precisa ser mensurado por
meio dele e o mercado para esse ativo/passivo não existe, ou as carac-
terísticas do mercado não são aquelas demandadas pelas suas defini-
ções. Nessas hipóteses, as companhias devem estabelecer outros
parâmetros de mensuração para se determinar qual deles é o mais
relevante, observadas as normas internacionais de contabilidade
(IFRS). Para tanto, podem ser utilizadas 2 (duas) alternativas: (i) o

Portanto, é um conceito que implica em utilização de preços de saída, utilizando-se, como


base, preços de mercado. Como nem sempre os preços de mercado dos ativos ou passivos
são imediatamente determinados, o IFRS 13 classifica o valor justo em 3 (três) níveis, cada
um com requerimentos específicos de divulgação: (i) Nível 01. Valor justo obtido de
observações diretas (sem quaisquer ajustes) do mercado para ativos e passivos iguais aos
que estão sendo mensurados; possui menor subjetividade, pois parte-se de preços de
mercado de ativos e passivos iguais; (ii) Nível 02. Valor justo de observações diretas ou
indiretas (que, portanto, requerem ajustes) de preços de mercado para ativos e passivos não
necessariamente iguais aos que estão sendo mensurados - são mais subjetivos que os do
Nível 01, porque ajustes precisam ser feitos a partir dos preços de mercado, sendo neces-
sário que informações sobre esses ajustes sejam evidenciadas nas notas explicativas; e (iii)
Nível 03. Valores justos estimados primordialmente sem observações de mercado - isto é,
derivados de estimativas internas das entidades, razão pela qual são os mais subjetivos,
carecendo de maior quantidade e qualidade de evidenciação. Cabe ressaltar que o IASB
determinou a aplicação do IFRS 13 a partir do exercício social de 2013. Todavia, no Brasil,
essa data de aplicação depende dos órgãos reguladores, que poderão ou não antecipá-la.
De acordo com esse novo Pronunciamento, todas as referências conceituais a valor justo
e às formas de sua mensuração são concentradas em um único documento. Outro comen-
tário sobre valor justo refere-se aos estoques. Conforme o CPC 13 (RI) - "Adoção Inicial da
Lei n° 11.638/07", aprovado pela Deliberação C V M n° 565/2008, somente alguns esto-
ques específicos são mensurados pelo valor justo, como, por exemplo, os estoques de
commodities. A regra geral para mensuração dos estoques é a utilização do custo histórico
ou o valor realizável líquido. Entretanto, o valor realizável líquido não é igual ao valor
justo. Por outro lado, revelando uma inconsistência entre as 2 (duas) normas, o art. 183 da
Lei das S.A. considera, e m seu § 4 o , que "os estoques de mercadorias fungíveis destinadas
à venda poderão ser avaliados pelo valor de mercado, quando esse for o costume mercantil
aceito pela técnica contábil." O mais adequado teria sido a referência ao valor justo, como
no caso das commodities. A mesma inconsistência repete-se no inciso I da alínea "b" do
art. 183 d a Lei das S.A.: "II - os direitos que tiverem por objeto mercadorias e produtos do
comércio da companhia, assim como matérias-primas, produtos em fabricação e bens em
almoxarifado, pelo custo de aquisição ou produção, deduzido de provisão para ajustá-lo
ao valor de mercado, quando este for inferior". C o n f o r m e as I F R S e o C P C 13 ( R I ) , o mais
adequado também seria a referência ao valor realizável líquido, que é diferente de valor de
mercado. Por fim, observa-se que o maior problema da Lei das S.A. com relação ao valor
justo talvez seja o § 1° do art. 183 da Lei das S.A., que, ao definir o conceito de mercado,
acaba por "engessar" a lei, o que pode gerar problemas na prática contábil, pois as IFRS e
os CPCs sempre buscam adaptações no sentido de emitirem normas mais adequadas.
conceito de fluxo de caixa descontado; ou (ii) modelos econométricos
consagrados pelo mercado. Para essas opções, no entanto, há que se
considerar, nos cálculos, informações externas à companhia, obti-
das junto ao mercado. Por essa razão, o § I o estabelece diversos
critérios de apuração do valor justo.
Constam das normas internacionais de contabilidade (IFRS) vá-
rias informações de como se aplicam, na prática, os diversos critérios de
valor justo. Citem-se, como exemplo, as normas de combinação de
negócios1147, de propriedade para investimento1148, de ativo biológico e
produto agrícola1149, de instrumentos financeiros1150, entre outras.
O inciso I do caput trata de aplicações em investimentos finan-
ceiros, derivativos e em direitos e títulos de créditos, classificados no
"ativo circulante" ou no "realizável a longo prazo", que podem ser ava-
liados de 2 (duas) formas: (i) pelo valor justo, quando se tratarem de
aplicações destinadas à negociação ou disponíveis para venda; e (ii)
pelo valor de custo de aquisição ou valor de emissão ajustado ao valor
provável de realização, quando este for inferior, no caso das demais
aplicações e dos direitos e títulos de crédito. Os instrumentos finan-
ceiros que não são derivativos podem ser avaliados pelo valor justo ou
pelo custo de aquisição e os derivativos apenas pelo valor justo1151.

1147 C P C 15 (R1) - "Combinação de Negócios", aprovado pela Deliberação C V M n° 665/2011.


1148 C P C 28 - "Propriedade para Investimento", aprovado pela Deliberação C V M n° 584/2009.
1149 C P C 29 - "Ativo Biológico e Produto Agrícola", aprovado pela Deliberação C V M n" 596/
2009.
1150 C P C 38 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração", C P C 39 - "Instru-
mentos Financeiros: Apresentação" e C P C 40 - "Instrumentos Financeiros: Evidenciação",
todos aprovados pela Deliberação C V M n° 604/2009.
1151 Conforme o caput, os instrumentos financeiros não derivativos podem ser avaliados pelo
valor justo ou pelo custo histórico. Segundo o C P C 38 - "Instrumentos Financeiros:
Reconhecimento e Mensuração", aprovado pela Deliberação C V M n° 604/2009, os instru-
mentos financeiros derivativos devem ser mensurados pelo valor justo. O s itens 46 e 47
prescrevem que: "46. Após o reconhecimento inicial, a entidade deve mensurar os ativos
financeiros, incluindo os derivativos que sejam ativos, pelos seus valores justos sem
nenhuma dedução dos custos de transação em que possa incorrer na venda ou em outra
alienação, exceto quanto aos seguintes ativos financeiros: (a) empréstimos e contas a
receber conforme definidos no item 9, que devem ser mensurados pelo custo amortizado
usando o método dos juros efetivos; (b) investimentos mantidos até o vencimento confor-
me definidos no item 9, que devem ser medidos pelo custo amortizado usando o método
Se os instrumentos financeiros forem mantidos até o vencimento
final, a variação do valor justo não é relevante, uma vez que a compa-
nhia se beneficiará exclusivamente dos fluxos de caixa constantes do
contrato. Na hipótese de negociação dos instrumentos financeiros (in-
cluindo-se os derivativos), o que importa para a companhia são os flu-
xos de caixa que ela receberá e que refletem o valor de mercado na data
da negociação, observadas as características desse mercado. O valor
justo é o critério relevante de avaliação, pois captura as variações do
valor que se poderia obter nessas transações. Ou seja, antes da mensu-
ração dos ativos financeiros é preciso classificá-los de acordo com o
modo como são administrados, o que determinará o critério de avalia-
ção1152. Caso a companhia gerencie um instrumento financeiro de modo
a se beneficiar de todos os fluxos de caixa constantes do contrato até o
seu vencimento, o relevante será a verificação desses fluxos de caixa; se
isso não ocorrer, o valor justo será o critério relevante de mensuração.
Se os ativos financeiros tiverem cotação de mercado, o valor justo será
verificado no mercado; se o mercado não for ativo ou não apresentar
liquidez, deverão ser usados critérios alternativos, tais como: valores de-

dos juros efetivos; e (c) investimentos em instrumentos patrimoniais que não tenham preço de
mercado cotado em mercado ativo e cujo valor justo não possa ser confíavelmente medido e
derivativos que estejam ligados a e devam ser liquidados pela entrega desses instrumentos
patrimoniais não cotados, os quais devem ser medidos pelo custo. Os ativos financeiros que
sejam designados como posições protegidas estão sujeitos a mensuração segundo os requisitos
da contabilidade de hedge contidos nos itens 89 a 102. Todos os ativos financeiros, exceto
aqueles mensurados pelo valor justo por meio do resultado, estão sujeitos a revisão quanto à
perda do valor recuperável (...) 47. Após o reconhecimento inicial, a entidade deve mensurar
todos os passivos financeiros pelo custo amortizado usando o método dos juros efetivos,
exceto no caso de: (a) passivos financeiros mensurados pelo valor justo por meio do resultado.
Esses passivos, incluindo derivativos que sejam passivos, devem ser medidos pelo valor justo,
exceto no caso de passivo derivativo que esteja ligado a e deva ser liquidado pela entrega de
instrumento patrimonial não cotado, cujo valor justo não possa ser confiavelmente mensurado,
o qual deve ser mensurado pelo custo; (...)"
1152 D e acordo c o m as normas internacionais d e contabilidade (IFRS) q u e trotam desse assunto e
c o m o C P C 3 8 - "Instrumentos Financeiros: R e c o n h e c i m e n t o e Mensuração'', C P C 3 9 -
"Instrumentos Financeiros: Apresentação" e C P C 40 - "Instrumentos Financeiros:
E v i d e n c i a ç ã o " todos a p r o v a d o s p e l a D e l i b e r a ç ã o C V M n° 6 0 4 / 2 0 0 9 , s ã o 4 (quatro) a s
classificações existentes: (i) alivo o u passivo financeiro mensurado pelo valor justo por meio
do resultado (mantido para negociação); (ii) instrumentos mantidos até o vencimento; (iii)
empréstimos e recebíveis; e (iv) ativos financeiros disponíveis para venda. Esses instrumentos
são mensurados pelo valor justo o u pelo custo, dependendo das classificações.
correntes de transações com ativos semelhantes, valor presente líquido
de fluxo de caixa futuro, etc. Cabe à companhia determinar qual o
critério mais adequado para se estimar o valor justo, competindo aos
auditores opinar sobre ele.
A alínea "d" do § I o , em consonância com as normas internacio-
nais de contabilidade (IFRS), considera que o valor justo dos instru-
mentos financeiros é aquele que pode ser obtido em um mercado ativo,
em transações não compulsórias realizadas entre partes independen-
tes. Consta, ainda, da alínea "d", que o valor justo de um instrumento
financeiro na ausência de um mercado ativo pode ser: (i) o valor que se
pode obter em um mercado ativo com a negociação de outro instru-
mento financeiro de natureza, prazo e risco similares, remetendo a tran-
sações com ativos semelhantes; (ii) o valor presente líquido dos fluxos
de caixa futuros para instrumentos financeiros de natureza, prazo e ris-
co similares, importando na necessidade de a companhia pressupor os
fluxos de caixa que o mercado estimaria para os instrumentos financei-
ros; e (iii) o valor obtido por meio de modelos matemático-estatísticos
de precificação de instrumentos financeiros.
Ou seja, para os instrumentos financeiros, na ausência de mercado
ativo, a Lei das S.A. contempla outras possibilidades de uso de métodos
de estimação do valor justo. O importante é buscar, independentemente
do critério utilizado, o preço de mercado caso ele exista ou tenha as
características necessárias e adequadas à definição do valor justo.
Os direitos e títulos de crédito referidos no inciso I do caput são
os instrumentos financeiros decorrentes de transações comerciais, tais
como: contas a receber, empréstimos, valores a receber e outros títu-
los adquiridos de terceiros, independentemente de serem classifica-
dos como de curto ou longo prazo. Quando esses ativos forem
negociados, também deverão ser classificados e avaliados pelo valor
justo, conforme acima analisado. Os demais ativos, cujos riscos e be-
nefícios são subjacentes aos fluxos de caixa "prometidos" pelos títu-
los, serão mensurados pelo custo de aquisição (ou valor de emissão,
no caso de títulos emitidos) ajustado por cláusulas específicas de
indexação (câmbio, inflação, etc.) e juros, a não ser nos casos de
curto prazo, quando derivados de transações operacionais normais,
como compras de matéria-prima a prazo, vendas a prazo, salários e
encargos a pagar ou recolher, etc. Nessas hipóteses, a avaliação é
realizada pelos valores nominais contratados ou deliberados. De acor-
do com as normas internacionais de contabilidade (IFRS), esse
método é conhecido como "custo amortizado". Tal expressão de-
corre do fato de que, em um título de crédito com juros, cada parcela
recebida é composta de 2 (duas) partes: uma correspondente aos
juros e a outra à amortização do valor principal.
Quando os fluxos de caixa contratados apresentam probabilida-
de de inadimplência - ou seja, quando existe a possibilidade de não
serem realizados integralmente ou parcialmente pelos valores origi-
nalmente pactuados - , o valor do ativo avaliado pelo custo histórico
deve ser ajustado, a fim de demonstrar esse risco e refletir a melhor
expectativa de realização dos ativos. Esses ajustes eram conhecidos,
quando aplicados a títulos de crédito, como "provisão para devedores
duvidosos" - P D D ou "provisão para créditos de liquidação duvidosa"
- PCLD. A P C L D nada mais era do que uma estimativa da probabi-
lidade de não realização (recebimento total ou parcial) de fluxos de
caixa futuros. Há, nessa questão, uma divergência entre a Lei das
S.A. e as normas internacionais de contabilidade (IFRS), uma vez
que a primeira apropria essas reduções dos ativos com base na perda
esperada, isto é, na expectativa de perda; já as normas internacionais
de contabilidade (IFRS) exigem a adoção do critério de perda efetiva,
ocorrida ou dada como "virtualmente" ocorrida.
Os títulos de crédito e outros recebíveis, quando de longo prazo,
devem ser mensurados pelo valor presente líquido dos fluxos de caixa
futuros, conforme determina o inciso VIII do caput. Os efeitos sobre
os fluxos de caixa de longo prazo decorrentes do tempo são lançados
como receitas financeiras até o momento em que o ativo é realizado,
o que é relevante para diminuir distorções nas demonstrações contá-
beis. Caso os títulos de crédito e outros recebíveis não sejam ajustados a
valor presente, estarão representando entradas nominais de caixa que
acontecerão em momentos futuros (após o término do exercício social),
e não o potencial econômico atual dos ativos. O valor presente represen-
ta de maneira mais adequada o valor econômico dos fluxos de caixa sub-
jacentes dos ativos na data de mensuração do balanço. Adicionalmente,
a utilização, na mensuração a valor presente, de taxa de juros que reflita o
risco do fluxo de caixa futuro confere à avaliação do ativo um aspecto
econômico relevante que não poderia ser capturado pelo valor nominal.
O inciso H trata dos estoques adquiridos para revenda, mantidos para
consumo, utilização industrial ou na prestação de serviços, bem como da-
queles que estão em processamento e dos produtos acabados e prontos
para a venda. Em geral, os estoques tratados na Lei das S.A. são mensura-
dos pelo custo histórico, nele incluídas todas as despesas relacionadas ao
processo produtivo, tais como: matérias-primas, mão de obra, energia elé-
trica, depreciação, etc. Ademais, são englobadas no custo histórico todas as
despesas incorridas para se colocar a mercadoria em condições de venda
(transportes, tributos não recuperáveis, comissões de compra, custos alfan-
degários, etc.) ou em condições de uso, conforme o caso.
Consta, também, do inciso II que o custo dos estoques precisa
ser deduzido de provisão para ajustá-lo ao valor de mercado, quando
este for inferior. Esse ajuste, assim como os ajustes por irrecuperabi-
lidade (impairment), tem por objetivo adequar o custo dos estoques
ao valor provável de sua recuperação1153. As disposições da Lei das
S.A., no que se refere a esse assunto, não estão em harmonia com

11 53 Tecnicamente, o termo "provisão" para contas retificadoras de ativos não é mais utilizado
nas normas internacionais de contabilidade (IFRS), bem como as expressões "provisão para
ajuste ao valor de mercado", "provisão para créditos de liquidação duvidosa", etc. As
provisões são usadas somente para os passivos. Sobre esse assunto, ver o CPC 2 5 -
"Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes", aprovado pela Deliberaçao
C V M n° 594/2009.
as normas internacionais de contabilidade (IFRS), pois, conforme o
CPC 16 (RI) - "Estoques"1154, "os estoques devem ser mensurados pelo
valor de custo ou pelo valor realizável líquido, dos dois o menor". Segun-
do esse Pronunciamento, não se considera o valor de mercado ou o
valor justo como critério de mensuração de estoques, mas tão somen-
te como custo e valor realizável líquido, o qual corresponde ao valor
de venda diminuído das despesas diretas a ela necessárias, tais como
impostos, comissões, fretes de entrega, etc.
Com relação à avaliação dos estoques, há uma certa confusão na
Lei das S.A.: na alínea "b" do § 1°, que trata do valor justo (e não do
valor de mercado, como no item II do caput), menciona-se que, para
estoques destinados à venda, este seria o preço líquido de realização
mediante venda no mercado, deduzidos os impostos, as demais despe-
sas necessárias para a venda e a margem de lucro. Entretanto, no ináso
II não há referência a valor justo, mas apenas a valor de mercado. Ade-
mais, nas normas internacionais de contabilidade (IFRS) não se deduz
"margem de lucro" quando da mensuração pelo valor justo1155. Admite-
-se, no entanto, que o conceito de preço líquido de realização constan-
te da Lei das S.A. seja o mesmo que o valor realizável líquido estabelecido
no CPC 16 (Rl), e que ambos significam o *preço de venda estimado no
curso normal dos negócios deduzido dos custos estimados para sua conclusão
e dos gastos estimados necessários para se concretizar a venda", tal qual a
definição constante desse Pronunciamento.
O conceito de valor justo distingue-se do conceito de valor reali-
zável líquido. O valor justo de um estoque, por exemplo, é idêntico para
todas as companhias que possuem os mesmos estoques. Já o valor rea-
lizável líquido é individual, pois é relativo ao valor líquido (venda menos

1154 O CPC 16 (R1) - "Estoques" - foi aprovado pela Deliberação C V M n° 575/2009, com as
alterações introduzidas pela Deliberação C V M n° 624/2010.
1155 Ver o CPC 13 (RI) - "Adoção Inicial da Lei n° 11.638/07", aprovado pela Deliberação
C V M n° 565/2008.
custos) que cada companhia espera obter com a alienação do seu esto-
que no curso normal de suas atividades. Ademais, a estimativa de custo
para a hipótese de venda é específica e própria de cada sociedade.
No que se refere aos estoques não destinados à venda, especifi-
camente matérias-primas e bens em almoxarifado, nos termos da alí-
nea "a" do § I o , o valor justo é o preço pelo qual podem ser repostos
mediante compra no mercado, ou simplesmente o custo de reposi-
ção. De acordo com as normas internacionais de contabilidade (IFRS),
o valor justo não constitui o critério adequado para a mensuração de
estoques. Por essa razão, o C P C 16 (Rl) não distingue critérios para
sua avaliação, considerando apenas que o custo de reposição pode ser
a melhor medida disponível do seu valor realizável líquido; ou seja,
admite-se esse método, sem estabelecê-lo como regra.
Relativamente aos estoques denominados "produtos agrícolas"
(animais e vegetais), o § 4° prevê que os estoques de mercadorias fun-
gíveis destinadas à venda poderão ser avaliados pelo valor de merca-
do, quando esse for o costume mercantil aceito pela técnica contábil.
De acordo com as normas internacionais de contabilidade (IFRS) e
o CPC 29 - "Ativo Biológico e Produto Agrícola"1156, toda a produ-
ção agrícola deve ser avaliada pelo valor justo, descontadas as despe-
sas de venda. A Lei das S.A., a propósito, permite a avaliação a valores
de mercado dos estoques que se transformam em "commodities", prá-
tica não obrigatória, porém admitida pelas normas internacionais de
contabilidade (IFRS). Além disso, a Lei das S.A. é mais abrangente,
pois não limita a aplicação do valor de mercado aos produtos agríco-
las, permitindo também sua utilização para produtos minerais, o que
ainda não foi objeto de regulamentação pelas normas internacionais.
Assim, não há uma perfeita harmonia entre os critérios da Lei das
S.A. e aqueles constantes das normas internacionais de contabilidade

1156 o C P C 29 - "Ativo Biológico e Produto Agrícola" - foi aprovado pela Deliberação CVM
n° 596/2009.
(IFRS). A Lei das S.A., ao "engessar" os critérios de mensuração de
ativos, possibilita o surgimento de lacunas que podem resultar (i) numa
administração ineficiente de resultados; e (ii) no entendimento de que
a contabilidade deveria seguir estritamente a forma por ela estabeleci-
da, sem levar em consideração a essência econômica, que é princípio
fundamental das normas internacionais de contabilidade (IFRS)1157.
O inciso III trata dos investimentos em participações societárias,
ressalvado o disposto nos artigos 248 a 250, pelo custo de aquisição
deduzido de provisão para perdas prováveis na realização do seu valor,
quando essa perda estiver comprovada como permanente, e que não
será modificado em razão do recebimento, sem custo para a compa-
nhia, de ações ou quotas bonificadas. Os artigos 248 a 250 tratam dos
investimentos que são avaliados por equivalência patrimonial e das de-
monstrações consolidadas, enquanto o inciso IH trata dos investimen-
tos societários nos quais a companhia investidora não possui controle
nem influência significativa, sendo mensurados, por essa razão, pelo
custo histórico de aquisição.
O conceito de recuperabilidade de custos (impairment) também
aplica-se à hipótese do inciso ]H, surgindo daí a determinação de que o
custo de aquisição desses investimentos seja ajustado por provisão para
perdas prováveis na realização do seu valor1158, quando essa perda estiver
comprovada como permanente, e que não será modificado em razão do
recebimento, sem custo para a companhia, de ações ou quotas bonifica-
das. Trata-se do princípio da recuperabilidade do custo dos investimentos
com base nas expectativas futuras de recebimento de benefícios (decor-
rentes de venda do investimento, recebimento de dividendos, etc.). No

1157 Sobre o princfpio da primazia da essência sobre a forma, ver os comentários ao art. 176 da
Lei das S.A.
1158 Tecnicamente, o termo "provisão" para contas retificadoras de ativos não é mais utilizado
nas normas internacionais de contabilidade (IFRS), bem como as expressões "provisão para
ajuste ao valor de mercado", "provisão para créditos de liquidação duvidosa", etc. As
provisões são usadas somente para os passivos. Sobre esse assunto, ver o C P C 25 -
"Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes", aprovado pela Deliberação
C V M n° 594/2009.
entanto, quando existe a expectativa de que o custo não será recuperado,
total ou parcialmente, é necessário realizar o ajuste.
A alínea "c" do § I o faz referência a valor justo de investimentos
como sendo o valor líquido pelo qual podem ser alienados a terceiros.
Essa constatação demonstra mais uma imprecisão, dessa vez entre os
conceitos de "valor justo" e "valor líquido de alienação". Como esse
último não existe na Lei das S.A., infere-se que a intenção do legisla-
dor foi a de se referir ao valor líquido de realização, razão pela qual
também se aplicam ao valor justo de investimentos as regras sobre va-
lor justo e valor líquido de realização dos estoques acima analisadas.
As normas internacionais de contabilidade (IFRS) não adota-
ram a equivalência patrimonial no caso de investimentos em con-
troladas, sendo permitido apenas o uso do custo ou do valor justo.
Assim, no que se refere a investimentos em controladas, as demons-
trações contábeis das companhias brasileiras não refletem exata-
mente as normas internacionais, o que tem sido observado, inclusive,
nos relatórios dos auditores independentes.
O inciso IV trata da avaliação dos demais investimentos, que
devem ser mensurados pelo custo de aquisição deduzido de provisão
para atender às perdas prováveis na realização do seu valor, ou para
redução do custo de aquisição ao valor de mercado, quando este for
inferior. Ou seja, deve ser sempre observada a expectativa de recupera-
bilidade desses investimentos. De acordo com as normas internacio-
nais de contabilidade (IFRS), existe uma categoria de investimento
denominada "Propriedades para Investimento", que pode ser mensu-
rada pelo valor justo. A Lei das S.A., no entanto, não contemplou
essa categoria, regulada pelo C P C 28 - "Propriedades para Investi-
mento"1159, que se refere a ativos físicos (edificações e terrenos) não

1159 O C P C 28 - "Propriedades para Investimento" - foi aprovado pela Deliberação CVM n"
584/2009.
utilizados pela companhia em suas atividades produtivas ou adminis-
trativas e que têm como característica principal a geração de renda
por conta própria ou decorrente de sua futura venda" 60 . É o caso,
por exemplo, dos shoppings centers, de salas que são destinadas a
aluguel ou de terrenos à espera de valorização para venda futura.
Esses ativos "imobilizados" são efetivos investimentos, semelhan-
tes aos investimentos financeiros, pois deles se esperam benefícios
(fluxos de caixa, em geral) diretos. De acordo com o CPC 28, tais
investimentos podem ser mensurados pelo valor justo (alternativa
prioritária), ou pelo custo (alternativa menos recomendada).
O inciso V trata dos ativos classificados no imobilizado, os quais
são mensurados pelo custo de aquisição deduzido do saldo da respec-
tiva conta de depreciação, amortização ou exaustão. O custo dos ati-
vos imobilizados inclui o custo de aquisição de bens e materiais como
se as compras fossem sempre à vista, assim como todos os demais
custos incorridos para deixar o ativo no local físico desejado, em con-
dições de uso. No custo desses ativos devem ser incluídos os gastos
com instalação, testes," etc., uma vez que são necessariamente des-
pendidos com a finalidade de deixá-los em condições de uso, com a
conseqüente geração de benefícios econômicos1161. Nas compras a
prazo, o valor do custo a ser considerado é o valor presente da com-
pra; os efeitos dos juros de compras a prazo não são incluídos.

1160 Sobre esse assunto, consta d o C P C 2 8 - "Propriedades para Investimento", aprovado p e l a


D e l i b e r a ç ã o C V M n° 5 8 4 / 2 0 0 9 , que: "5. (...) Propriedade para investimento é a proprieda-
de (terreno ou edifício - ou parte de um edifício - ou ambos) mantida (pelo dono ou pelo
arrendatário em um arrendamento financeiro) para obter rendas ou para valorização do
capital ou para ambas, e não para: (a) uso na produção ou fornecimento de bens ou
serviços para finalidades administrativas; ou (b) para venda no curso ordinário do negócio.
(...) 7. As propriedades para investimento são mantidas para obter rendas ou para valoriza-
ção da capital ou para ambas, e por isso classificadas no subgrupo Investimentos, dentro
do Ativo Não Circulante. (...) 20. A propriedade para investimento deve ser inicialmente
mensurada pelo seu custo. (...) 30. A entidade deve escolher como sua política contábil ou
o método do valor justo nos itens 33 a 55 ou o método do custo no item 56 e deve aplicar
essa política a todas as suas propriedades para investimento."
1161 Sobre esse assunto, ver o C P C 2 7 - "Ativo I m o b i l i z a d o " , a p r o v a d o pela D e l i b e r a ç ã o C V M
n° 5 8 3 / 2 0 0 9 .
Com a desvinculação da contabilidade para fins de elaboração e
divulgação de demonstrações contábeis da contabilidade fiscal, a de-
preciação, a amortização e a exaustão devem refletir a vida útil esperada
do bem, assim como seu valor residual estimado e o padrão dos benefí-
cios futuros esperados. As taxas fiscais de depreciação não têm mais
utilidade para elaboração e divulgação das demonstrações contábeis.
Mesmo não constando explicitamente do inciso V, o custo líquido (custo
menos depreciações acumuladas) também deve ser recuperável, e, caso
não seja, total ou parcialmente, deve ser ajustado (impairment).
De acordo com o § 2 o , a depreciação, a amortização e a exaustão
têm as seguintes características: (i) depreciação: perda do valor dos di-
reitos que têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou a perda de
utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência; (ii) amortização:
perda do valor do capital aplicado na aquisição de direitos da proprieda-
de industrial ou comercial e quaisquer outros com existência ou exercí-
cio de duração limitada, ou cujo objeto sejam bens de utilização por
prazo legal ou contratualmente limitado; e (iii) exaustão: perda do valor,
decorrente da sua exploração, de direitos cujo objeto sejam recursos
minerais ou florestais, ou bens aplicados nessa exploração.
O § 2 o deveria ter sido suprimido ou modificado, face à sua con-
fusão conceituai. A depreciação, a amortização e a exaustão signifi-
cam apenas apropriações ao resultado da parte do custo dos ativos
não recuperável pela venda do próprio ativo ao final de sua vida útil;
assim, representam, na sua totalidade, perda de valor. No entanto,
esse conceito de perda de valor não é respeitado para cada período
contábil em si, mas só no total acumulado, já que as apropriações são
efetuadas de forma sistemática e sem levar em consideração a dife-
rença entre valor justo no início e no fim de cada período. A perda de
valor (valor desembolsado na aquisição menos o valor recuperado na
venda do imobilizado) decorre de inúmeros fatores: lapso temporal,
mudança na tecnologia, uso, etc. Mudanças tecnológicas podem im-
plicar em alterações de vida útil, de benefícios futuros esperados, de
valor residual estimado, bem como impactar os padrões de depre-
ciação, amortização e exaustão.
A Lei das S.A., após a modificação introduzida pela Lei n°
11.638/2007, não mais admite a reavaliação espontânea dos ativos.
As normas internacionais de contabilidade (IFRS), embora consta-
tem expressamente não ser esse um critério desejável, não proíbem a
reavaliação, permitindo que uma companhia, ao adotar esse método
pela primeira vez, ajuste o imobilizado pelo valor justo (deemed cost—
custo atribuído), seja porque a desatualização ocorreu pelo uso de ta-
xas de depreciação fiscais não representativas da realidade econômi-
ca, seja por problemas inflacionários ou por outros motivos
(descontrole administrativo, por exemplo).
Desde a promulgação do CPC 37 (Rl) - "Adoção Inicial das
Normas Internacionais de Contabilidade", esse critério passou a ser
observado pelas companhias brasileiras1162. Assim, ao adotar as nor-
mas internacionais pela primeira vez, as companhias tiveram a possibi-
lidade de efetuar o ajuste. Não se trata de uma reavaliação propriamente
dita, uma vez que constitui um princípio de avaliação. Ao ser adotado,
tal princípio implica na obrigação de sua contínua utilização por parte
da companhia, ao passo que o custo atribuído é algo pontual e único.
O inciso VII trata dos ativos intangíveis. A Lei n° 11.638/2007,
ao modificar e atualizar as classificações dos ativos nas demonstra-
ções contábeis, conferiu tratamento de destaque a esses ativos, que
passaram a ser classificados separadamente dos demais. Antes da
entrada em vigor da Lei n° 11.638/2007, os ativos intangíveis esta-
vam "espalhados" çntre diversos outros ativos, como no imobilizado e
no antigo ativo diferido. Aplicam-se aos ativos intangíveis os mes-
mos critérios de mensuração do ativo imobilizado acima analisados;

O CPC 37 (RI) - "Adoção Inicial das Normas Internacionais de Contabilidade" - íoi


aprovado pela Deliberação C V M n° 647/2010.
ou seja, eles devem ser mensurados pelo custo líquido das amortiza-
ções acumuladas (se for o caso, pois para intangíveis com vida útil
não determinável não existe amortização, mas testes periódicos de
recuperabilidade de custo - impairment).
0 conceito de recuperabilidade de custo também é aplicável a
todos os intangíveis, o que é reforçado pela regra constante do § 3o,
com a redação que lhe foi dada pelas Leis nos 11.638/2007 e 11.941/
2009. Tal dispositivo determina que a companhia deve efetuar, pe-
riodicamente, análise sobre a recuperação dos valores registrados
no imobilizado e no intangível, a fim de que sejam: (i) registradas
as perdas de valor do capital aplicado quando houver decisão de
interromper os empreendimentos ou atividades a que se destina-
vam ou quando comprovado que não poderão produzir resultados
suficientes para recuperação desse valor; ou (ii) revisados e ajusta-
dos os critérios utilizados para determinação da vida útil econômica
estimada e para cálculo da depreciação, exaustão e amortização. Esses
aspectos estão bem disciplinados na Lei das S.A., pois implicam,
em última instância, na obrigatoriedade de as companhias verifica-
rem se os custos aplicados em seus ativos (de forma ampla) serão
recuperáveis no futuro 1163 .
Critérios de avaliação do passivo
"Art. 184. N o balanço, os elementos do passivo serão avaliados de
acordo com os seguintes critérios:

1 - as obrigações, encargos eriscos,conhecidos ou calculáveis, inclu-


sive Imposto sobre a Renda a pagar com base no resultado do exercí-
cio, serão computados pelo valor atualizado até a data do balanço;

Vafor R ™ i t o ? HS d Í V e r S 3 S a p l i C a ? õ e s d o '"Pairment, ver o CPC 01 (RI) - "Redução ao


Valor Recuperável de Ativos", aprovado pela Deliberação C V M n° 639/2010.
II - as obrigações em moeda estrangeira, com cláusula de paridade
cambial, serão convertidas em moeda nacionaL à taxa de câmbio
em vigor na data do balanço;

III - as obrigações, os encargos e os riscos classificados no passi-


vo não circulante serão ajustados ao seu valor presente, sendo os
demais ajustados quando houver efeito relevante." (Redação dada
pela Lei n° 11.941/2009)

O artigo sofreu diversas alterações ao longo do tempo, sendo as in-


troduzidas pela Lei n° 11.941/2009 as mais relevantes. Trata dos critérios
básicos de mensuração dos passivos para reconhecimento nas demons-
trações contábeis. O princípio fundamental a ser observado é o do "regi-
me de competência"1164, pelo qual todos os passivos devem estar atualizados
até a data das demonstrações contábeis, incluindo as apropriações pro
rata temporis cabíveis1165. Esse princípio é aplicável principalmente aos
passivos onerosos, que são aqueles que possuem taxas de juros atreladas,
tais como os empréstimos, financiamentos e outros títulos de dívida.
Existem passivos financeiros e não financeiros (ou de performan-
ce). Os financeiros são aqueles que podem ser liquidados em caixa ou
equivalentes de caixa. Os não financeiros, por sua vez, são os que refle-
tem obrigações da sociedade na performance de algum contrato, como,
por exemplo, o de entregar mercadorias ou de prestar serviços. Esses
últimos são mensurados pelo valor dos ativos ou recursos que serão
entregues pela companhia para liquidá-los (o que não é caixa), e por
isso são avaliados de forma diferente dos passivos financeiros.
Os passivos financeiros podem ser classificados como onerosos
e não onerosos1166. O inciso I trata dos passivos não onerosos. Como

1164 Sobre o regime de competência, ver os comentários ao art. 177 da Lei das S.A.
1165 Ou seja, apropriação dos juros proporcionalmente ao tempo decorrido, calculados em
função desse tempo, e não do seu efetivo pagamento.
A classificação dos passivos como onerosos e não onerosos não existe nas IFRS. Entretan-
to, na literatura de finanças e de análise de demonstrações contábeis essa classificação é
esses não possuem taxa de juros explícita1167, devem ser atualizados
com base em todos os encargos cabíveis até a data das demonstra-
ções contábeis. Isso inclui, por exemplo, valores a pagar, tais como
impostos, salários, férias e, especialmente, as provisões1168. O inciso
III, por sua vez, trata da obrigatoriedade de os passivos (financeiros)
de longo prazo serem calculados a valor presente, sendo os demais
ajustados quando a diferença entre o valor nominal e o a prazo for
relevante, independentemente de onerosos ou não.
Para os passivos que serão liquidados em moeda estrangeira o racio-
cínio é o mesmo, nos termos do inciso II. Nessa hipótese, apropriam-se,
inicialmente, os jurospro rata temporis, se for o caso, em moeda estrangei-
ra. O montante atualizado dessa forma é convertido para moeda nacional
pela paridade cambial oficial na data das demonstrações contábeis.
De acordo com o C P C 38 - "Instrumentos Financeiros: Reco-
nhecimento e Mensuração"1169, alguns passivos financeiros devem ser

sempre encontrada. Dá-se o nome de onerosos aos passivos que possuem taxas de juros
atreladas, como os empréstimos, financiamentos, títulos de dívida, etc. São passivos decor-
rentes de captação de recursos, ou seja, das atividades de financiamento da companhia. Os
passivos não onerosos - também chamados de passivos de funcionamento, são aqueles que
decorrem naturalmente das atividades operacionais, como, por exemplo, fornecedores, con-
tas a pagar, salários a pagar, impostos a pagar, etc. Esses últimos não são passivos decorrentes
de captação de recursos, mas surgem somente porque a atividade operacional existe. E claro
que qualquer passivo possui taxa de juros implícita, pois qualquer fluxo de caixa futuro
implica na existência de custo de oportunidade (juros, no caso). Entretanto, esses juros não
são (na grande maioria dos casos) explicitados. A princípio, os passivos onerosos são
empréstimos e financiamentos e os passivos não onerosos são os remanescentes.
1167 Todos os passivos (e também os ativos) que implicam em fluxos de caixa futuros carregam
uma taxa de juros implícita, decorrente do custo de oportunidade desses fluxos. Essas taxas
são consideradas pela contabilidade principalmente nos casos em que é necessária a
mensuração dos passivos (e ativos) ao valor presente dos fluxos de caixa futuros. Mesmo
não havendo taxas de juros contratuais, ou explícitas, é necessário que essas sejam estima-
das para que tal cálculo seja efetuado.
1163 Antes das IFRS, tais passivos eram denominados de "provisões para contingências". Após
a promulgação do C P C 25 - "Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes",
aprovado pela Deliberação C V M n" 594/2009, tais passivos passaram a ser denominados
de "provisões". As contingências constituem-se pelos passivos que não são reconhecidos
nas demonstrações contábeis por seus fluxos de caixa futuros, por não serem objetivamen-
te detennináveis (portanto, de impraticável mensuração objetiva) ou pelo fato de a admi-
nistração da companhia considerar improvável o risco de êxito da contraparte.
1169 O C P C 38 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração" foi aprovado pela
Deliberação C V M n° 604/2009.
mensurados pelo valor justo. A adoção do valor justo como base de men-
suração dos passivos não contraria os critérios de mensuração constantes
deste artigo, pois sempre reflete o valor atualizado na data das demonstra-
ções contábeis, incluindo, se cabível, as apropriações pro rata temporis e/ou
outras atualizações. Nada impede, no entanto, que tais valores sejam atua-
lizados de acordo com as cotações de mercado, apuradas na data das de-
monstrações contábeis. Caso não seja possível, as companhias devem
efetuar os ajustes necessários na mensuração dos passivos, para que esses
se apresentem atualizados até a data das referidas demonstrações1170.

1170 Sobre esse assunto, consta do C P C 38 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e


Mensuração", a p r o v a d o p e l a D e l i b e r a ç ã o C V M n° 604/2009, que: "Mensuração inicial de
ativos e de passivos financeiros - 43. Quando um ativo financeiro ou um passivo financeiro
é inicialmente reconhecido, a entidade deve mensurá-lo pelo seu valor justo mais, no caso
de ativo financeiro ou passivo financeiro que não seja pelo valor justo por meio do
resultado, os custos de transação que sejam diretamente atribuíveis à aquisição ou emissão
do ativo financeiro ou passivo financeiro." (...) Mensuração posterior de passivos financei-
ros 47. Após o reconhecimento inicial, a entidade deve mensurar todos os passivos
financeiros pelo custo amortizado usando o método dos juros efetivos, exceto no caso de:
(a) passivos financeiros mensurados pelo valor justo por meio do resultado. Esses passivos,
incluindo derivativos que'sejam passivos, devem ser medidos pelo valor justo, exceto no
caso de passivo derivativo que esteja ligado a e deva ser liquidado pela entrega de
instrumento patrimonial não cotado, cujo valor justo não possa ser confiavelmente
mensurado, o qual deve ser mensurado pelo custo; (...). Considerações sobre a mensuração
pelo valor justo (...) 48A. A melhor evidência de valor justo é a existência de preços
cotados em mercado ativo. Se o mercado para um instrumento financeiro não estiver ativo,
a entidade estabelece o valor justo usando uma técnica de avaliação. O objetivo de usar
uma técnica de avaliação é estabelecer qual teria sido o preço da transação na data de
mensuração em uma troca entre partes não relacionadas, sem favorecidos, motivada por
considerações comerciais normais. As técnicas de valorização incluem o uso de recentes
transações de mercado com isenção de participação entre partes conhecedoras e dispostas
a isso, se estiverem disponíveis, referência ao valor justo corrente de outro instrumento que
seja substancialmente o mesmo, análise do fluxo de caixa descontado e modelos de
apreçamento de opções. Se existir uma técnica de avaliação comumente usada por partici-
pantes do mercado para determinar o preço do instrumento e se ficou demonstrado que
essa técnica proporciona estimativas confiáveis de preços obtidas em transações de merca-
do reais, a entidade pode usar essa técnica. A técnica de avaliação escolhida tira o máximo
proveito dos inputs do mercado e confia o menos possível em inputs específicos da
entidade. Ela incorpora todos os fatores que os participantes de mercado considerariam ao
determinar o preço e é consistente com metodologias econômicas aceitas para determinar
o preço de instrumentos financeiros. Periodicamente, a entidade calibra a técnica de
avaliação e testa a sua validade usando preços de quaisquer transações de mercado
correntes observáveis relativas ao mesmo instrumento (...) ou baseadas em quaisquer dados
de mercado observáveis disponíveis. 49. O valor justo de passivo financeiro com caracte-
rística de demanda (p.ex., depósito à vista), não é menor do que a quantia paga á vista,
descontada da primeira data em que se poderia exigir que a quantia fosse paga."
A mensuração inicial de passivos financeiros (quando são reco-
nhecidos pela primeira vez nas demonstrações contábeis), nos ter-
mos do CPC 38 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e
Mensuração", deve ser efetuada pelo valor justo. A avaliação subse-
quente depende da classificação dos instrumentos financeiros: todos
os derivativos devem ser mensurados pelo valor justo, assim como os
instrumentos que são classificados pelo valor justo por meio do resul-
tado e como disponíveis para a venda1171. Os empréstimos e os títulos
de dívida que a companhia deseja manter até o seu vencimento não
são avaliados pelo valor justo, mas, pelo método dos juros efetivos,
apropriados pro rata temporis1172.

1171 A expressão " c l a s s i f i c a d o s c o m o m e n s u r a d o s p e l o v a l o r j u s t o por m e i o d o resultado"


refere-se a uma das classificações d o s instrumentos financeiros. O C P C 3 8 - "Instrumentos
Financeiros: R e c o n h e c i m e n t o e M e n s u r a ç ã o " , a p r o v a d o p e l a D e l i b e r a ç ã o C V M n° 604/
2 0 0 9 , no item " D e f i n i ç õ e s d e quatro categorias d e instrumentos financeiros", dispõe que:
"Ativo financeiro ou passivo financeiro mensurado pelo valor justo por meio do resultado
é um ativo financeiro ou um passivo financeiro que satisfaz qualquer das seguintes condi-
ções: (a) é classificado como mantido para negociação. Um ativo financeiro ou um passivo
financeiro é classificado como mantido para negociação se for: (i) adquirido ou incorrido
principalmente para a finalidade de venda ou de recompra em prazo muito curto; (ii) no
reconhecimento inicial é p a r t e de carteira de instrumentos financeiros identificados que
são gerenciados em conjunto e p a r a os quais existe evidência de modelo real recente de
tomada de lucros a curto prazo; ou (iii) derivativo (exceto no caso de derivativo que seja
contrato de garantia financeira ou um instrumento de hedge designado e eficaz); (b) no
momento do reconhecimento inicial ele é designado pela entidade pelo valor justo por
meio do resultado. A entidade só pode usar essa designação quando for permitido pelo
(•••), ou q u a n d o tal resultar em informação mais relevante, porque: (i) elimina ou reduz
significativamente uma inconsistência na mensuração ou no reconhecimento (por vezes,
denominada 'inconsistência contábil') que de outra forma resultaria da mensuração de
ativos ou passivos ou do reconhecimento de ganhos e perdas sobre eles em diferentes
bases; ou (ii) um grupo de ativos financeiros, passivos financeiros ou ambos é gerenciado
e o seu desempenho avaliado em base de valor justo, de acordo com uma estratégia
documentada de gestão do risco ou de investimento, e a informação sobre o grupo é
fornecida internamente ao pessoal chave da gerência da entidade nessa base (...), por
exemplo, a diretoria e o presidente executivo da entidade."
1172
O s juros efetivos refletem a taxa interna d e retorno dos passivos, e não somente as taxas de
juros constantes dos contratos, as q u a i s s e r v e m a p e n a s d e referência para cálculos de
Muxos de caixa. O C P C 0 8 (R1) - "Custos de Transação e Prêmios na Emissão de Títulos e
valores M o b i l i á r i o s " , a p r o v a d o p e l a D e l i b e r a ç ã o C V M n° 6 4 9 / 2 0 1 0 , que estabelece o
ratamemo contábil aplicável ao reconhecimento, mensuração e divulgação dos custos de
ransaçao incorridos e dos prêmios r e c e b i d o s n o p r o c e s s o d e c a p t a ç ã o de recursos por
n ermedio da emissão d e títulos patrimoniais e/ou d e dívida, considera c o m o método de
juros eletivos o método de calcular o custo amortizado de ativo financeiro ou de passivo
grUp
Z Z Z ° ,° d e aLivos o u d e financeiros) e de alocar a receita ou a despesa
n A taxa efetlva de ms
inVn °£ i" é a taxa que desconta exatamente os pagamen-
°U 'Amemos de caixa futuros estimados durante a vida esperada do instrumento ou,
Critérios de avaliação em operações societárias
"Art. 184-A. A Comissão de Valores Mobiliários estabelecerá,
com base na competência conferida pelo § 3 o do artigo 177 des-
ta Lei, normas especiais de avaliação e contabilização aplicáveis
à aquisição de controle, participações societárias ou negócios."
(Incluído pela Lei n° 11.941/2009)

O artigo foi introduzido na Lei das S.A. pela Lei n° 11.941/2009


e não tem qualquer relação com critérios de avaliação do passivo.
Com base neste artigo, a Comissão de Valores Mobiliários apro-
vou, por meio da Deliberação CVM n° 665/2011, o CPC 15 (Rl) -
"Combinação de Negócios", de acordo com o qual, para fins contá-
beis, as avaliações dos ativos líquidos adquiridos devem ser efetuadas
e reconhecidas pelo valor justo1173-1174.
O CPC 15 (Rl) - "Combinação de Negócios" - define o tratamen-
to contábil aplicável ao reconhecimento, à mensuração e às divulgações

quando apropriado, o período mais curto na quantia escriturada líquida do ativo financei-
ro ou do passivo financeiro. Ao calcular a taxa efetiva de juros, a entidade deve estimar os
fluxos de caixa considerando todos os termos contratuais do instrumento financeiro (por
exemplo, pagamento antecipado, opções de compra e semelhantes), mas não deve consi-
derar perdas de crédito futuras. O cálculo deve incluir todas as comissões e parcelas pagas
ou recebidas entre as partes do contrato, as quais são parte integrante da taxa efetiva de
juros (...), dos custos de transação e de todos os outros prêmios ou descontos. Existe um
pressuposto de que os fluxos de caixa e a vida esperada de grupo de instrumentos financei-
ros semelhantes possam ser estimados confiavelmente. Contudo, naqueles casos raros em
que não seja possível estimar confiavelmente os fluxos de caixa ou a vida esperada de
instrumento financeiro (ou grupo de instrumentos financeiros), a entidade deve usar os
fluxos de caixa contratuais durante todo o prazo contratual do instrumento financeiro (ou
grupo de instrumentos financeiros)."
1173 Sobre esse assunto, ver os itens 18 e 19 do C P C 15 (Rl) - "Combinação de Negócios",
aprovado pela D e l i b e r a ç ã o C V M n° 665/2011: "18. O adquirente deve mensurar os ativos
identificáveis adquiridos e os passivos assumidos pelos respectivos valores justos da data
da aquisição. 19. Em cada combinação de negócios, o adquirente deve mensurar na data
da aquisição, os componentes da participação de não controladores na adquirida que
representem nesta data efetivamente instrumentos patrimoniais e confiram a seus detento-
res uma participação proporcional nos ativos líquidos da adquirida em caso de sua liqui-
dação, por um dos seguintes critérios: (a) pelo valor justo; ou (b) pela participação propor-
ciona! atual conferida pelos instrumentos patrimoniais nos montantes reconhecidos dos
ativos líquidos identificáveis da adquirida."
decorrentes de operações de "combinação (ou concentração) de ne-
o-ócios". De acordo com esse Pronunciamento, combinação (ou con-
centração) de negócios compreende a aquisição de participações
societárias, aquisição de negócios, fusão, incorporação de socieda-
des, incorporação de ações, cisão e alteração de controle. O C P C 15
(RI) não se aplica às transações realizadas entre partes relacionadas
resultantes de reestruturações societárias de grupos econômicos, uma
vez que essas não se revestem da substância econômica e da indis-
pensável independência entre as partes envolvidas.

Correção monetária
"Art. 185. ÍRevogado pela Lei n° 7.730/1989)."

A Lei n° 7.730/1989 instituiu o cruzado novo, determinou o


congelamento de preços e regras de desindexação da economia e
estabeleceu, em seu artigo 29, que, a partir de 01 de fevereiro de
1989, este artigo estaria revogado, bem como as normas de correção
monetária de balanço previstas no Decreto-Lei n° 2.341/1987.
Ademais, a correção monetária das demonstrações financeiras
de que tratava a Lei n° 7.799/1989 e o artigo I o da Lei n° 8.200/1991
foi extinta pela Lei n° 9.249/1995, mediante a qual ficou vedada a
utilização de qualquer sistema de correção das demonstrações finan-
ceiras, inclusive para fins societários (artigo 4 o , parágrafo único). Dessa
forma, este dispositivo encontra-se definitivamente revogado, não mais
produzindo qualquer efeito.

SEÇÃO DV

DEMONSTRAÇÃO DE LUCROS O U PREJUÍZOS A C U M U L A D O S

Art. 186. A demonstração de lucros ou prejuízos acumulados


discriminará:

I - o saldo do início do período, os ajustes de exercícios anteriores


e a correção monetária do saldo inicial;
II - as reversões de reservas e o lucro líquido do exercício;

III - as transferências para reservas, os dividendos, a parcela dos


lucros incorporada ao capital e o saldo ao fim do período.

§ I o Como ajustes de exercícios anteriores serão considerados


apenas os decorrentes de efeitos da mudança de critério contábil,
ou da retificação de erro imputável a determinado exercício ante-
rior, e que não possam ser atribuídos a fatos subsequentes.

§ 2 o A demonstração de lucros ou prejuízos acumulados deverá


indicar o montante do dividendo por ação do capital social e po-
derá ser incluída na demonstração das mutações do patrimônio
líquido, se elaborada e publicada pela companhia."

O artigo trata da "Demonstração de Lucros ou Prejuízos


Acumulados" (DLPA), que, embora conste da Lei das S.A., raramente
é elaborada com esse nome. Interpretada literalmente, significa apenas
um relatório que mostra como a conta individual de "lucros ou prejuízos
acumulados" se alterou entre 2 (duas) datas. Essa conta é somente
uma parte do patrimônio líquido; portanto, quando analisada
isoladamente, fornece poucas informações. Na prática, essa
demonstração é substituída pela "Demonstração das Mutações do
Patrimônio Líquido" (DMPL), que é muito mais completa e
abrangente1175. A DMPL inclui a DLPA e possui outras informações
adicionais, principalmente as movimentações de todas as outras contas
que compõem o patrimônio líquido: capital social e suas reservas, bem
como a conta de "Ajustes de Avaliação Patrimonial" (AAP)1176.

11 75 A DMPL deve ser divulgada de acordo com as regras constantes no CPC 26 - "Apresentação
das Demonstrações Contábeis", aprovado pela Deliberação C V M n° 595/2009, com as
alterações introduzidas pela Deliberação CVM n° 624/2010.
11 76 Ver os comentários ao art. 176 da Lei das S.A.
A D M P L mostra como todas as contas do patrimônio líquido
se alteraram entre 2 (duas) datas. Assim, inclui automaticamente a
mutação da conta de "lucros ou prejuízos acumulados". É na D M P L
que se encontram informações relevantes, tais como: aumento de
capital, resultado líquido do período, dividendos, recompra de ações,
realização de reservas de reavaliação1177, alteração da conta de ajus-
te de avaliação patrimonial, etc. Além disso, é nessa demonstração
que fica explicitada a destinação dos lucros segundo a proposta dos
órgãos de administração, no pressuposto de sua aprovação pela as-
sembleia geral, conforme determina o § 3 o do artigo 176.
A conta do patrimônio líquido denominada "Ajustes de Avaliação
Patrimonial" (AAP) foi criada pela Lei n° 11.638/2007, que alterou o
inciso III do § 2 o do artigo 1781178-1179. A função dessa conta está previs-
ta no § 3 o do artigo 182, que determina a obrigatoriedade de serem clas-
sificadas como "ajustes de avaliação patrimonial", enquanto "não computadas
no resultado do exercício em obediência ao regime de competência, as contra-
partidas de aumentos ou diminuições de valor atribuído a elementos do ativo
e do passivo, em decorrência da sua avaliação a valor justo, nos casos previstos
nesta Lei ou, em normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários,
com base na competência conferida pelo § 3o do art. 177 desta Ler.
A Lei n° 11.638/2007 poderia ter eliminado da Lei das S.A. a
DLPA, substituindo essa conta pela D M P L . Deveria, também, ter

1177 A Lei n° 11.638/2007 proibiu que novas reavaliações fossem feitas a partir do início de
2008, porém, não exigiu a obrigatoriedade de reversão das reservas de reavaliação já
existentes. O C P C 13 - "Adoção Inicial da Lei n°| 11.638/07", aprovado pela Deliberação
C V M n° 565/2008, prevê 2 (duas) alternativas para o tratamento das reservas de reavaliação:
(i) devem serjntegralmente estornadas (revertidas); ou (ii) deverão ser mantidas até o fim de
suas realizações. Portanto, tais reservas poderão ser encontradas por mais alguns anos nos
Balanços Patrimoniais e nas DMPLs das companhias.
1173 D e a c o r d o c o m o art. 1 7 8 , § 2 ° , d a l e i d a s S . A . : "No passivo, as conlas serão classificadas
nos seguintes grupos: (..) ii! - patrimônio líquido, dividido em capital social, reservas de
capital ajustes de avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos
acumulados.

Sobre a conta "Ajustes de Avaliação Patrimonial" (AAP), ver os comentários ao art. 176 da
Lei das S.A.
excluído a referência à correção monetária do saldo inicial da conta
de "lucros ou prejuízos acumulados", pois a Lei n° 9.249/1995 vedou
a utilização de qualquer sistema de correção das demonstrações fi-
nanceiras, inclusive para fins societários (artigo 4o, parágrafo único).
Não obstante, a DLPA não foi extinta e sua manutenção gera
uma inconsistência, uma vez que a própria Lei n° 11.638/2007 deu
nova redação ao artigo 178, fazendo constar de seu inciso III que o
patrimônio líquido será composto, entre outras, pelas reservas de lu-
cros, e não mais pela conta de "lucros acumulados"1180. E possível a
existência de saldo na conta de "prejuízos acumulados", o mesmo não
ocorrendo com a de "lucros acumulados". Essa conta não foi elimi-
nada, mas, ao final do exercício social, não deve apresentar qualquer
saldo, uma vez que os lucros não destinados nos termos dos artigos
193 a 197 devem ser distribuídos como dividendos (artigo 202, § 60)1181.
Não faz sentido a apresentação de uma DLPA cujo o início e o tér-
mino demonstrem saldo zero. Assim, é recomendável partir-se do
pressuposto de que a DLPA foi substituída pela DMPL.
O objetivo deste artigo é fazer com que as companhias apresen-
tem uma demonstração contábil com informações quantitativas e qua-
litativas sobre como o patrimônio líquido se alterou em determinado
período. Essas alterações são" relevantes, pois, além dos dividendos, dos
juros sobre o capital próprio (não mencionados expressamente neste
artigo), dos lucros e dos prejuízos do exercício, bem como de outras
destinações que afetam a conta de "lucros ou prejuízos acumulados",
existem diversas transações e outros fatos que modificam substancial-
mente o capital próprio, em decorrência de seu aumento ou redução ou

1180 Sobre a conta de lucros acumulados, ver os comentários ao art. 182 da Lei das S.A. A Lei
n° 11.638/2007 determinou que, ao final de cada exercício social, o saldo da conta de
lucros acumulados deve ser nulo, pois os resultados acumulados nesse período precisam
ser destinados. No entanto, nas demonstrações intermediárias (ITRs), enquanto não houver
destinação formal dos resultados, a conta de lucros acumulados pode apresentar saldo.
de outros fatores, tais como variações da conta de "ajuste de avaliação
patrimonial"1182. Dessa forma, o inciso I determina a especificação do
saldo do início do período e os ajustes de exercícios anteriores.
O inciso II estabelece a necessidade de se discriminar as rever-
sões das reservas e o lucro líquido do exercício. O correto seria não
só mencionar eventuais reversões, como também realizações e ou-
tras transferências. A redação mais adequada para este inciso seria a
que determinasse a discriminação do resultado do exercício e não
do seu lucro, pois, havendo prejuízo, a conta de "lucros ou prejuízos
acumulados" também será afetada.
O inciso III, ao determinar a obrigatoriedade de se evidenciar as
transferências para reservas, os dividendos, a parcela dos lucros incor-
porada ao capital e o saldo ao fim do período, teve por fim deixar
claro, qualitativa e quantitativamente, todas as movimentações do
patrimônio líquido, sejam elas internas ou não. Dá-se o nome de trans-
ferências internas àquelas que não alteram o patrimônio líquido como
um todo, como, por exemplo, (i) a transferência de saldos entre reser-
vas; e (ii) a incorporação de reservas de lucros (ou outras) ao capital.
O § I o trata dos "Ajustes de Exercícios Anteriores" (AEA), esta-
belecendo que assim são considerados apenas aqueles que decorrem
da mudança de critério contábil, ou da retificação de erro imputável a
determinado exercício anterior, e que não possam ser atribuídos a fa-
tos subsequentes. Essa conta permite a comparação das demonstra-
ções contábeis ao longo do tempo. N o entanto, com a promulgação
do CPC 23 - "Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retifi-
cação de Erro", a conta de A E A perdeu relevância na Lei das S.A.1183-

1182 Para mais informações sobre o resultado abrangente e a demonstração do resultado


aorangente questão introduzida em nosso sistema pela adoção das normas internacionais
de contabilidade (IFRS), ver os comentários ao art. 187 da Lei das S.A.
1183
~i " n° l rü C a S ^ o n t á b e i s ' Mudança de Estimativa e Retificação de Erro" - foi
aprovado pela Deliberação C V M n° 592/2009.
Quando há mudança de critério contábil, pode-se perder a com-
paração das demonstrações, pois os números do período anterior,
apresentados como base, terão sido elaborados por meio de um
modelo contábil diverso. Antes da vigência do CPC 23 - "Políticas
Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro", os ajus-
tes eram efetuados apenas na conta de "lucros ou prejuízos acumu-
lados", como ajustes de exercícios anteriores. Esse lançamento único
era o resultado do efeito líquido das alterações provocadas pela mu-
dança de critério contábil. Porém, tal providência não conferia ade-
quada transparência às demonstrações, uma vez que os números
anteriores não eram reprocessados para fins de comparação, e o efeito
da mudança era lançado somente no patrimônio líquido.
Há no CPC 23 - "Políticas Contábeis, Mudança de Estimati-
va e Retificação de Erro" - um tratamento mais apropriado; de acordo
com esse Pronunciamento, ocorrendo mudanças de políticas con-
tábeis, os números dos períodos anteriores devem ser reprocessados
e apresentados como se a nova política já estivesse em vigor, permi-
tindo-se a comparação entre os períodos1184.
Na D M P L há informações sobre (i) como era o patrimônio lí-
quido segundo as políticas contábeis anteriores; (ii) como o patrimô-
nio líquido foi afetado pelos ajustes de exercícios anteriores (que
refletem em um único montante o efeito acumulado das mudanças
das políticas contábeis); e (iii) o patrimônio líquido de abertura con-
forme as práticas contábeis vigentes.
Da mesma forma, quando a companhia descobre eventuais
falhas involuntárias nas demonstrações contábeis divulgadas em
um determinado período, é necessário corrigi-las e divulgá-las

1184 No CPC 23 - "Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro", aprovado


pela Deliberação CVM n° 592/2009, existem previsões para que os números dos períodos
anteriores não sejam reprocessados, mas apenas quando as companhias comprovarem não
ser possível o reprocessamento. Caso isso ocorra, tal fato deve, obrigatoriamente, ser
divulgado nas notas explicativas, incluindo o motivo da impossibilidade.
novamente. Esses ajustes são efetuados tal como aqueles que resul-
tam de alterações de políticas contábeis, isto é, por meio do AEA. As
retificações de erros também são contempladas no C P C 23 - "Políti-
cas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro".
Por outro lado, o § I o ressalva a possibilidade de ajuste de erros
que sejam atribuídos a eventos subsequentes, assim considerados os
ocorridos depois da data de apresentação das demonstrações contá-
beis. Pode existir, por exemplo, uma provisão para riscos trabalhistas
e que, uma vez resolvidas as incertezas do período compreendido
entre a data do levantamento das demonstrações contábeis e a de
sua divulgação, será dirimida, afetando as demonstrações já elabo-
radas, tendo em vista que a companhia, em 31 de dezembro, ainda
tinha dúvidas quanto ao fato provisionado.
De acordo com o § 2 o , também deve ser apresentado o montan-
te do dividendo por ação, que pode ser incluído na D M P L , quando
elaborada e publicada pela companhia. Este dispositivo visa a permi-
tir que o investidor tenha conhecimento do valor que lhe cabe de
dividendo por cada ação que detém.

SEÇÃO V

D E M O N S T R A Ç Ã O D O RESULTADO D O EXERCÍCIO

"Art. 187. A demonstração do resultado do exercício discriminará:

I - a receita bruta das vendas e serviços, as deduções das vendas, os


abatimentos e os impostos;

II - a receita líquida das vendas e serviços, o custo das mercadorias


e serviços vendidos e o lucro bruto;

III - as despesas com as vendas, as despesas financeiras, deduzi-


das das receitas, as despesas gerais e administrativas, e outras
despesas operacionais;
I V - o lucro ou prejuízo operacional, as outras receitas e as outras
despesas; (Redação dada pela Lein° 11.941/2009)

V - o resultado do exercido antes do Imposto sobre a Renda e a


provisão para o imposto;

VI - as partiápações de debêntures, empregados, administradores


e partes benefidárias, mesmo na forma de instrumentos financei-
ros, e de instituições ou fundos de assistência ou previdência de
empregados, que não se caracterizem como despesa; (Redação dada
pela Lei n° 11.941/2009)

VII - o lucro ou prejuízo líquido do exercício e o seu montante por


ação do capital sodal.

§ I o Na determinação do resultado do exertído serão computados:

a) as receitas e os rendimentos ganhos no período, independente-


mente da sua realização em moeda; e

b) os custos, despesas, encargos e perdas, pagos ou incorridos, cor-


respondentes a essas receitas e rendimentos.

§ 2° (Revogado pela Lei n° 11.638/2007)"

Este artigo trata da apresentação da "Demonstração do Resultado


do Exertído" (DRE), composto pelas receitas e despesas incorridas em
um determinado período. Tais receitas e despesas devem ser reconhed-
das independentemente de terem sido realizadas em caixa, face ao "regi-
me de competênda", de acordo com o disposto na alínea "a" do § l ° n s \

11 85 Sobre a "Demonstração do Resultado do Exercício", ver, lambém, os comentários ao art.


176 da Lei das S.A.
De acordo com o Pronunciamento Conceituai Básico - "Estrutura
Conceituai", não existem diferenças entre receitas, ganhos e rendimen-
tos, assim como entre despesas, encargos, custos e perdas1186. Esses ter-
mos são encontrados na literatura contábil para diferenciar receitas de
natureza geral, esporádicas ou não esperadas (ganhos), daquelas decor-
rentes de investimentos (rendimentos), bem como as despesas de natu-
reza geral das despesas relacionadas ao processo produtivo (custos) e outras
esporádicas ou não esperadas (perdas)1187. Portanto, pode-se interpretar
esses termos constantes da Lei das S.A. como sinônimos de receitas e
despesas na "Estrutura Conceituai" contábil vigente.
Consta da alínea "b" do § I o que, na determinação do resultado do
exercício, serão computados os custos, as despesas, os encargos e as
perdas, pagos ou incorridos, correspondentes a essas receitas e rendi-
mentos. Trata-se de uma alusão ao "princípio da confrontação das re-
ceitas com as despesas" — ("matching'), pelo qual o lucro é obtido mediante
a diferença entre as receitas e as despesas. Segundo o Pronunciamento
Conceituai Básico - "Estrutura Conceituai" - , tal princípio não existe
explicitamente, mas isso não invalida o disposto nesta norma.
Assim, os 2 (dois) princípios fundamentais relativos à apresenta-
ção de receitas e despesas são: (i) o do "regime de competência"; e (ii)
o do "confronto das receitas com as despesas".
Este artigo "engessa" a estrutura da "Demonstração do Resulta-
do do Exercício" (DRE) e não está em harmonia com alguns aspec-
tos de apresentação das demonstrações contábeis estabelecidos pelas
normas internacionais de contabilidade (IFRS). O C P C 26 - "Apre-
sentação das Demonstrações Contábeis" - trata detalhadamente da

1186 O Pronunciamento Conceituai Básico - "Estrutura Conceituai" - foi aprovado pela Delibe-
ração C V M n° 539/2008.
1187 Ver E L D O N S. HENDRIKSEN e MICHAEL V A N BREDA. Teoria da Contabilidade. 1n edição,
São Paulo: Atlas, 1999. Essa obra pode ser considerada como um dos clássicos modernos
da teoria da contabilidade.
forma de apresentação de todas as demonstrações, incluindo a DRE1188,
havendo algumas inconsistências entre ele e a Lei das S.A.
De acordo com as normas internacionais de contabilidade (IFRS),
além da DRE, existe a "Demonstração do Resultado Abrangente", que
não foi regulada pela Lei das S.A. Assim, o resultado total de um perío-
do não é mais o lucro ou prejuízo líquido da DRE. Tendo em vista (i) a
previsão da conta de "Ajuste de Avaliação Patrimonial" (AAP)1189; e (ii)
a existência de receitas e despesas decorrentes de transações com os
sócios, bem como de outras transações contabilizadas diretamente no
"Patrimônio Líquido", que não transitam pela DRE, há, na contabili-
dade internacional, outro tipo de resultado: o "resultado abrangente",
que é formado pelo resultado líquido da DRE acrescido de todas as
receitas e despesas lançadas diretamente no "Patrimônio Líquido". Dessa
forma, não é mais possível verificar o desempenho das companhias exa-
minando tão somente a DRE, sendo necessário analisar também a
"Demonstração do Resultado Abrangente"1190.
Na crise de 2008, grande parte da perda de valor de mercado dos
instrumentos financeiros foi lançada diretamente em contas de "Patrimô-
nio Líquido", razão pela qual as últimas linhas das DREs das instituições

1188 O CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis" - foi aprovado peia Deliberação
CVM n° 595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação CVM n° 624/2010.
1189 Ver os comentários ao art. 182 da lei das S.A.
1190 Sobre a DRE, consta do item 82A do CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis"
- que: "82A. A demonstração do resultado abrangente deve, no mínimo. Incluir as seguin-
tes rubricas: (a) resultado líquido do período; (b) cada item dos outros resultados abrangentes
classificados conforme sua natureza (exceto montantes relativos ao item (c); (c) parcela dos
outros resultados abrangentes de empresas investidas reconhecida por meio do método de
equivalência patrimonial; e (d) resultado abrangente do período." Note-se q u e a alínea "a"
do item 82A é justamente a última linha da DRE, ou seja, o resultado líquido do período
da DRE. A alínea "b" faz referência a "outros resultados abrangentes" e, não obstante a
omissão no detalhamento do que significam "outros resultados", podemos afirmar que eles
englobam todas as variações da conta de "Ajuste de Avaliação Palrimonial": os resultados
positivos e negativos decorrentes de transações com os sócios (exceto aumento de capital
e distribuição de dividendos e juros sobre capital próprio) e outros lançamentos que são
efetuados diretamente em contas do "Patrimônio Líquido". A alínea "c", por sua vez, reflete
os lançamentos de receitas e despesas diretamente no "Patrimônio Líquido" de empresas
investidas. Por fim, a alínea "d" demonstra o resultado total do período; ou seja, o resulta-
do abrangente total que uma companhia obteve em determinado período.
financeiras não demonstravam de forma clara e transparente o volume
dos prejuízos incorridos. O que evidencia o resultado total é justamente o
"resultado abrangente", e um analista pouco atento poderia ter chegado a
conclusões equivocadas sobre o tamanho do "estrago" ocasionado pela
crise nessas companhias, caso não observasse esse detalhe.
Os incisos I a VII estabelecem a apresentação qualitativa da
D R E . Cada um dos incisos determina o que dela deve constar, de
forma ordenada.
Conforme o inciso I, a primeira linha da D R E deve ser compos-
ta pelas receitas brutas das vendas e serviços, as deduções das vendas,
os abatimentos e os impostos que são devidos pelos contribuintes e
arrecadados diretamente pela companhia. Mas, como esses impostos
não são de sua propriedade, devem ser excluídos das receitas brutas.
E m essência, as receitas genuínas são as receitas líquidas, pois repre-
sentam os recursos que ficam retidos na companhia. As receitas bru-
tas não são equivalentes ao faturamento, pois, conforme as atuais
normas internacionais de contabilidade (IFRS), para que as receitas
possam ser reconhecidas nas DREs, é necessário que os riscos e be-
nefícios dos produtos e mercadorias vendidas ou serviços prestados
tenham sido integralmente transferidos para os compradores1191. Note-
-se que o simples faturamento não implica em total transferência de
riscos e benefícios do que foi vendido, não servindo, portanto, de base
para o reconhecimento de receitas. As receitas na D R E também de-
vem ser ajustadas a valor presente quando forem recebidas em médio
e longo prazo; logo, também não são vinculadas ao faturamento.
De acordo com as novas normas contábeis, constituem receitas
líquidas tudo o que resulta em aumento dos ativos líquidos da compa-
nhia. Por isso, os impostos, que são repassados ao Governo, são ex-
cluídos, bem como as devoluções de vendas e abatimentos concedidos.

1191 Sobre esse assunto, ver o CPC 30 - "Receitas" - e o CPC 17 - "Contratos de Construção" - ,
aprovados, respectivamente, pelas Deliberações C V M n°s 597/2009 e 576/2009.
Por outro lado, é importante ressaltar as receitas brutas, uma vez
que os saldos de contas a receber demonstram, indiscriminadamen-
te, o que será recebido a título de receita líquida e de impostos.
A estrutura da D R E apresentada neste artigo é adequada para
companhias comerciais e fabris, mas não para as prestadoras de ser-
viço, instituições financeiras, seguradoras, fundos de investimento,
etc. A Lei n° 11.638/2007 poderia ter excluído da Lei das S.A. o
formato da apresentação da D R E , deixando-a a cargo das entidades
que regulam a disciplina da contabilidade, como o Comitê de Pro-
nunciamentos Contábeis — C P C e outros órgãos reguladores, tais
como o Banco Central do Brasil - BCB, a Superintendência de
Seguros Privados - Susep, etc.
O inciso II prevê a discriminação na D R E da receita líquida
das vendas e serviços, do custo das mercadorias e de serviços vendi-
dos e do lucro bruto, sendo necessário deduzir os custos diretos des-
sas receitas líquidas. Essas deduções são evidenciadas como custo
das mercadorias e produtos vendidos e custo direto dos serviços pres-
tados. Dessa forma, apura-se o lucro bruto exatamente pela diferen-
ça entre as receitas líquidas e esses custos. Tal lucro é interpretado
como o resultado obtido diretamente das vendas de mercadorias,
produtos e serviços, sem considerar o custo da estrutura da compa-
nhia, o qual é demonstrado por meio das despesas administrativas,
despesas gerais, despesas de depreciação, etc. Comparando-se o lu-
cro bruto com as receitas, pode-se ter uma estimativa média das
margens brutas praticadas pela companhia, o que consiste em uma
medida relevante de performance.
No inciso III há uma confusão conceituai, pois nele foram mis-
turados resultados das operações genuínas com os resultados das
dívidas e de investimentos financeiros. Ademais, a discriminação
na D R E das despesas operacionais implica em inconsistência da
Lei das S.A. com as normas internacionais de contabilidade (IFRS),
uma vez que, de acordo com essas normas, o resultado operacional
não inclui receitas e despesas financeiras1192.
Existe uma diferença conceituai entre a apresentação da D R E
conforme a Lei das S.A. (especificamente no inciso IV, que impõe a
discriminação do lucro ou prejuízo operacional, das outras receitas e
das outras despesas) e os termos constantes do C P C 26 - "Apresen-
tação das Demonstrações Contábeis"1193. De acordo com esse Pro-
nunciamento, a D R E é separada em 2 (dois) grandes grupos: (i)
resultados decorrentes das operações continuadas1194; e (ii) resultados
das operações descontinuadas1195. Essa separação é fundamental para
que os usuários das demonstrações possam conhecer quais são os
resultados (e fluxos de caixa, por conseqüência) derivados do núcleo

1192 Consta do item 82 do C P C 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis", aprovado


pela Deliberação C V M n° 595/2009, c o m as alterações introduzidas pela Deliberação
C V M n° 624/2010, ao tratar da apresentação d a D R E , que: "82. A demonstração do
resultado do período deve, no mínimo, incluir as seguintes rubricas, obedecidas também
as determinações legais: (a) receitas; (b) custo dos produtos, das mercadorias ou dos
serviços vendidos; (c) lucro bruto; (d) despesas com vendas/gerais, administrativas e outras
despesas e receitas operacionais; (e) parcela dos resultados de empresas investidas reco-
nhecida por meio do método de equivalência patrimonial; ( f ) resultado antes das receitas
e despesas financeiras; (g) despesas e receitas financeiras; (h) resultado antes dos tributos
sobre o lucro; (i) despesa com tributos sobre o lucro; (j) resultado líquido das operações
continuadas; (k) valor líquido dos seguintes itens: (i) resultado líquido após tributos das
operações descontinuadas; (ii) resultado após os tributos decorrente da mensuração ao
valor justo menos despesas de venda ou na baixa dos ativos ou do grupo de ativos à
disposição para venda que constituem a unidade operacional descontinuada; (I) resultado
líquido do período." O s itens "a" a "d" formam o resultado operacional da companhia,
incluindo os resultados dos investimentos em participações societárias (resultados de
equivalência patrimonial), o que justifica a necessidade de serem explicitados antes dos
efeitos financeiros (receitas e despesas financeiras). Esses efeitos, decorrentes dos investi-
mentos financeiros e das dívidas onerosas (empréstimos, financiamentos, títulos de dívida,
etc.), são evidenciados separadamente, pois nada têm a ver com as operações sociais. O
item "{" pode ser considerado como o resultado recorrente, o qual advém exclusivamente
das operações sociais e que tende a se repetir no futuro. O s resultados financeiros sao
aqueles resultantes dos investimentos financeiros e das despesas financeiras da estrutura de
capital (empréstimos e financiamentos).
1193 O C P C 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis" - foi aprovado pela Deliberação
C V M n° 595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação C V M n° 624/2010.
1194 Item 82, alínea "j", do C P C 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis", aprovado
pela Deliberação C V M n° 595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação
C V M n° 624/2010.
1195 Item 82, alínea "k", do C P C 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis", aprovado
pela Deliberação C V M n° 595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação
C V M n° 624/2010.
das atividades, já que esses tendem a se repetir (e crescer) no futuro,
uma vez que decorrem exclusivamente da continuidade das opera-
ções. Os resultados não recorrentes, ou seja, aqueles verificados em
um determinado período, mas que não tendem a se repetir, são de-
monstrados à parte, como resultados de operações descontinuadas1196.
Como esses resultados provêm de vendas de ativos imobilizados (os
antigos resultados não operacionais) e de descontinuidade de ativos e
operações, ficam segregados. Assim, de acordo com as normas inter-
nacionais de contabilidade (IFRS), não existe resultado operacional e
não operacional, diferentemente do que está previsto no inciso IV.
Há, ainda, outras divergências entre os incisos deste artigo e o
disposto no C P C 26 - "Apresentação das Demonstrações Contá-
beis"1197 - no que se refere à evidenciação dos resultados antes do
imposto sobre a renda e de suas despesas sobre esses resultados. De
acordo com esse Pronunciamento, os impostos das atividades em
continuidade devem ser explicitados1198, enquanto os das atividades
descontinuadas devem ser alocados separadamente. Conforme o in-
ciso V, todos os impostos devem ser agrupados e evidenciados em
conjunto, isto é, sem que haja uma segregação da parte que se refere
às operações em continuidade e às em descontinuidade.
O inciso VI também gera uma certa confusão ao tratar separada-
mente as participações de debêntures, empregados, administradores e
partes beneficiárias, mesmo na forma de instrumentos financeiros e de
instituições ou fundos de assistência ou previdência de empregados,
que não se caracterizem como despesas. As normas internacionais de

1196 Item 82, alínea "k", do C P C 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis", aprovado
pela Deliberação C V M n° 595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação
C V M n° 624/2010.
1197 O CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis" - foi aprovado pela Deliberação
CVM n° 595/2099, com as alterações introduzidas pela Deliberação C V M n° 624/2010.
1198 Item 82, alínea "i", do CPC 26 - "Apresentação das Demonstrações Contábeis", aprovado
pela Deliberação C V M n° 595/2009, com as alterações introduzidas pela Deliberação
C V M n° 624/2010.
contabilidade (IFRS) tratam todos esses itens como despesas genuí-
nas, tanto nos resultados operacionais quanto nos financeiros.
O mesmo ocorre com o inciso VII, que, ao determinar que devem
ser discriminados na D R E o lucro ou o prejuízo líquido do exercício,
estabelece a separação de tratamento entre ganhos e perdas. Esses itens
são tratados como receitas e despesas pelas normas internacionais de
contabilidade (IFRS). O inciso VII prevê, ainda, a discriminação na
D R E do montante do lucro ou prejuízo do exercício por ação. As nor-
mas internacionais de contabilidade (IFRS) determinam que tanto o
resultado líquido da D R E quanto o abrangente sejam apresentados por
ação. A apresentação de resultados por ação não é simplesmente a sua
divisão pela quantidade de ações. O C P C 41 - "Resultado por Ação" -
regula as formas de cálculo1199. Além de eventuais alterações na quan-
tidade de ações durante o período em que os resultados foram forma-
dos, existem outros aspectos que precisam ser considerados, tais como:
conversibilidade de instrumentos financeiros (debêntures, opções de
compra e venda de ações), efeitos de diluição das ações, etc. Por essa
razão, esse Pronunciamento trata de 2 (dois) resultados por ação: o
resultado básico e o resultado diluído1200.

1199 O C P C 41 - "Resultado por Ação" - foi aprovado pela Deliberação C V M n° 636/2010.


1200 Sobre o objetivo da apresentação do resultado por ação e algumas complexidades encon-
tradas para que esse quociente seja calculado, ver o "Sumário do Pronunciamento Técnico
C P C 4 1 " , q u e e s t a b e l e c e q u e : "O objetivo do Pronunciamento Técnico é estabelecer
princípios para a determinação e a apresentação do resultado por ação, a fim de melhorar
as comparações de desempenho entre diferentes companhias (sociedades por ações) no
mesmo período, bem como para a mesma companhia em períodos diferentes. Mesmo que
os dados do resultado por ação tenham limitações por causa das diferentes políticas
contábeis que podem ser usadas para determinar resultados, um denominador determina-
do consistentemente melhora os relatórios financeiros. O foco deste Pronunciamento está
no denominador do cálculo do resultado por ação. (...) Normalmente o Resultado por
Ação é calculado no contexto das ações ordinárias e, portanto, é apurado deduzindo-se
do lucro líquido os lucros atribuídos aos titulares de ações preferenciais. Todavia, devido
ao fato de que no ambiente brasileiro (assim como em algumas outras jurisdições) certas
ações preferenciais se equiparam a ações ordinárias, o (...) Pronunciamento estabelece que
tudo o que se aplicar ao cálculo e à divulgação do resultado por ação ordinária básico e
diluído aplica-se, no que couber, ao cálculo e à divulgação do resultado por ação prefe-
rencial básico e diluído, por classe, independentemente de sua classificação como instru-
mento patrimonial ou de dívida, se essas ações estiverem em negociação ou em processo
de virem a ser negociadas em mercados organizados. (...) O Resultado por Ação básico é
SEÇÃO V I

DEMONSTRAÇÕES DOS FLUXOS DE CAIXA E D O VALOR A D I C I O N A D O

"Art. 188. As demonstrações referidas nos incisos IV e V do ca-


put do artigo 176 desta Lei indicarão, no mínimo: (Redação dada
pela Lei n° 11.638/2007)

I - demonstração dos fluxos de caixa — as alterações ocorridas,


durante o exercício, no saldo de caixa e equivalentes de caixa, se-
gregando-se essas alterações em, no mínimo, 3 (três) fluxos: (Re-
dação dada pela Lei n° 11.638/2007)

a) das operações; (Redação dada pela Lei n° 11.638/2007)

b) dos financiamentos; e (Redação dada pela Lei n° 11.638/2007)

c) dos investimentos; (Redação dada pela Lei n° 11.638/2007)

II - demonstração do valor adicionado - o valor da riqueza gerada


pela companhia, a sua distribuição entre os elementos que con-
tribuíram para a geração dessa riqueza, tais como empregados,
financiadores, acionistas, governo e outros, bem como a parcela

calculado dividindo-se o lucro ou prejuízo do período atribuído aos acionistas da compa-


nhia pela média ponderada da quantidade de ações em circulação (incluindo ajustes por
bônus e emissão de direitos). O Resultado por Ação diluído é calculado ajustando-se o
lucro ou prejuízo e a média ponderada da quantidade de ações levando-se em conta a
conversão de todas as ações potenciais com efeito de diluição. Ações potenciais são
instrumentos patrimoniais ou contratos capazes de resultar na emissão de ações, como
títulos conversíveis e opções, incluindo opções de compra de ações por empregados. Para
calcular o resultado diluído por ação, a companhia deve ajustar o lucro ou prejuízo
atribuível aos titulares de ações ordinárias (capital próprio ordinário) da companhia, bem
como o. número médio ponderado de ações totais em poder dos acionistas (em circulação),
para efeitos de todas as ações ordinárias potenciais diluidoras. O objetivo do resultado
diluído por ação é consistente com o do resultado básico por ação — fornecer uma medida
da participação de cada ação ordinária no desempenho da companhia — e ao mesmo
tempo refletir os efeitos de todas as ações ordinárias potenciais diluidoras em circulação
durante o período."
da riqueza não distribuída. (Redação dada pela Lei n° 11.638/
2007)

III - (Revogado pela Lei n° 11.941/2009)

I V - (Revogado pela Lei n° 11.941/2009)"

Este artigo, com a redação dada pela Lei n° 11.638/2007, insti-


tuiu a troca da "Demonstração de Origens e Aplicações de Recursos"
(DOAR) pela "Demonstração dos Fluxos de Caixa" (DFC) e acres-
centou a "Demonstração do Valor Adicionado" (DVA) como parte
integrante
O
das demonstrações
•>
contábeis.

D E M O N S T R A Ç Ã O D O S F L U X O S DE C A I X A (DFC)

A "Demonstração dos Fluxos de Caixa" (DFC) tornou-se obrigató-


ria a partir do exercício de 2008, com a entrada em vigor da Lei n° 11.638/
2007, e foi regulamentada pelo C P C 03 (R2) - "Demonstração dos Flu-
xos de Caixa"1201. Entretanto, o § 6 o do artigo 176 determina que as com-
panhias fechadas com patrimônio líquido inferior a RS 2 milhões na data
do balanço não estão obrigadas à elaboração e publicação da DFC.
A D F C se diferencia das demais demonstrações contábeis por-
que é elaborada com base no regime de caixa, e não no regime de
competência. Por essa razão, a sua comparação com as demais de-
monstrações é mais complexa, especialmente com a "Demonstração
do Resultado do Exercício" (DRE) 1202 . A D F C substituiu a "Demons-
tração das Origens e Aplicações de Recursos" (DOAR) e abrange o
caixa e seus equivalentes (dinheiro e ativos que são facilmente trans-
formados em dinheiro, como, por exemplo, aplicações financeiras de

1201 o CPC 03 (R2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa" - foi aprovado pela Deliberação
CVM n° 641/2010.
liquidez imediata), fornecendo, assim, informações relevantes sobre pa-
gamentos e recebimentos da companhia ocorridos durante determinado
período, ou seja, a utilização e origem de todos os recursos que entraram
e saíram do caixa, e, consequentemente, o resultado do fluxo financeiro.
Por demonstrar exclusivamente movimentações de caixa e seus
equivalentes, determinadas operações que não resultem na entrada
e na saída de caixa da companhia não são apresentadas na DFC,
como ocorre, por exemplo, no financiamento de uma fábrica em
que os recursos são transferidos diretamente da instituição finan-
ceira para o fornecedor. Nesse caso, constarão da D F C somente os
pagamentos da dívida contraída, sendo necessário, portanto, dar-se
o devido destaque a este item nas notas explicativas1203.
Na prática, a D F C mostra quantitativa e qualitativamente como
todas as entradas e saídas de caixa e seus equivalentes ocorreram no
período. Embora a D F C tenha se tornado obrigatória somente após
a promulgação da Lei n° 11.638/2007, ela sempre esteve presente
nas demonstrações das companhias como ferramenta fundamental
para o controle financeiro.
Para a correta compreensão da D F C , é importante conhecer
alguns conceitos, a saber1204:

1203 Consta do C P C 03 (R2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa", aprovado pela Deliberação
C V M n° 6 4 1 / 2 0 1 0 , que: "43. Transações de investimento e financiamento que não envol-
vem o uso de caixa ou equivalentes de caixa não devem ser incluídas ria demonstração dos
fluxos de caixa. Tais transações devem ser divulgadas nas notas explicativas às demonstra-
ções contábeis, de modo que forneçam todas as informações relevantes sobre essas ativida-
des de financiamento e de investimento. 44. Muitas atividades de investimento e de
financiamento não impactam diretamente os fluxos de caixa, embora afetem a estrutura de
capital e de ativos de uma entidade. A não-inclusão dessas transações é consistente com o
objetivo da demonstração dos fluxos de caixa, visto que tais itens não envolvem fluxos de
caixa no período corrente. Exemplos de transações que não envolvem o caixa ou equiva-
lente de caixa são: (a) a aquisição de ativos com assunção direta do respectivo passivo ou
por meio de arrendamento financeiro; (b) a aquisição de entidade por meio de emissão de
ações; e (c) a conversão de divida em capital."
1204 Item 6 do C P C 03 (R2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa", que foi aprovado pela
Deliberação C V M n° 641/2010.
(i) caixa - compreende numerário em espécie e depósitos ban-
cários disponíveis;
(ii) equivalentes de caixa - são aplicações financeiras de curto
prazo, de alta liquidez, prontamente conversíveis em caixa e que estão
sujeitas a um insignificante risco de mudança de valor;
(iii) fluxos de caixa - são as entradas e as saídas de caixa e
seus equivalentes;
(iv) atividades operacionais - são as principais atividades gera-
doras de receita da companhia, bem como outras diversas das de
investimento e de financiamento;
(v) atividades de investimento — são as referentes à aquisição e à
venda de ativos de longo prazo e de outros investimentos não incluídos
nos equivalentes de caixa; e
(vi) atividades de financiamento - são aquelas que resultam em
mudanças no tamanho e na composição do capital próprio, assim
como no endividamento da companhia, não sendo classificadas
como atividade operacional.
Na D F C , os fluxos de caixa e seus equivalentes, ocorridos du-
rante um período, são classificados conforme a sua natureza: ope-
racional; de investimento; e de financiamento. Diferentemente
da "Demonstração do Resultado do Exercício" (DRE), que se fun-
damenta no regime de competência, a D F C tem como base ape-
nas o regime de caixa. A D F C é uma demonstração importante
para o mercado de capitais, pois, é a partir dela, com o auxílio das
outras demonstrações contábeis, que são feitas estimativas futuras
de fluxos de caixa, componentes primordiais para a determinação
do valor de mercado de títulos e valores mobiliários.
Existem 2 (dois) métodos de apresentação da DFC, os quais es-
tão regulamentados no C P C 03 (R2) - "Demonstração dos Fluxos de
Caixa"1205: o método direto e o método indireto. A única diferença entre
eles é a forma de composição analítica do fluxo de caixa operacional.
O denominado método direto reflete somente a classificação das
entradas e saídas de caixa e seus equivalentes nos seus grandes gru-
pos: operacionais, investimentos e financiamentos. Por esse método,
os fluxos de caixa das operações são simplesmente classificados como
entradas (recebimentos) e saídas (pagamentos).
De acordo com o método indireto, o fluxo de caixa das operações é
obtido partindo-se do resultado do período e nele realizando-se alguns
ajustes, relativos a estornos de receitas e despesas que foram registradas
pelo regime de competência, mas que não afetaram o caixa do período
corrente (como, por exemplo, depreciações, amortizações, impairment,
etc.). Após esses ajustes (resultado ajustado) são consideradas as varia-
ções de ativos e passivos operacionais de curto prazo (investimentos ou
desinvestimentos no capital de giro líquido) ocorridas no período para
chegar-se ao fluxo de caixa das operações. O método é denominado in-
direto porque se parte do resultado do período, para se chegar, após os
ajustes, aos fluxos de caixa propriamente ditos.
Assim, o método indireto é mais complexo, pois decorre do lucro
(ou prejuízo) da "Demonstração do Resultado do Exercício" (DRE),
sendo dele eliminados os componentes de accruals para chegar-se aos
efeitos de caixa. Ou seja, é preciso que se realize uma conciliação
entre o resultado líquido do exercício da "Demonstração do Resulta-
do do Exercício" (DRE) e os fluxos de caixa da DFC, intercambian-
do aspectos temporais dos regimes de caixa e competência (os efeitos
dos accruals)U06. Apesar desse método ser mais complexo e de difícil
compreensão, ainda é o mais divulgado no Brasil.

1205 O CPC 03 (R2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa" - foi aprovado pela Deliberação
C V M n° 641/2010.
1206 Para maiores detalhes sobre fluxo de caixa e competência, bem como a definição de
accruals, ver os comentários ao art. 176 da Lei das S.A.
A companhia que divulga o fluxo de caixa pelo método direto
é obrigada, pelo C P C 03 (R2), a apresentar a conciliação entre o
resultado do período e o caixa operacional.
A DFC, conforme os padrões internacionais de contabilidade,
demonstra as entradas e as saídas de caixa e equivalentes de caixa
agregadas em 3 (três) grandes atividades:
(i) "atividades operacionais", por meio das quais é evidenciado o
montante de caixa gerado pelas operações e o que foi por elas consumi-
do. Os fluxos dessa natureza são os decorrentes das principais ativida-
des geradoras de receita da companhia, além de contemplar aqueles
que não se enquadram na definição de fluxos de caixa das atividades de
investimento e de financiamento. Esse grupo representa o "coração"
da companhia, pois dele decorrem todos os fluxos de caixa no longo
prazo. No longo prazo, o fluxo de caixa operacional deve ser suficiente
para financiar os investimentos assim classificados (de longo prazo),
bem como saldar as dívidas e remunerar o acionista por meio do paga-
mento de dividendos e de juros sobre o capital próprio. As informações
sobre variabilidade desses fluxos são importantes para a análise de risco
das operações e para as projeções de fluxos de caixa, que são feitas roti-
neiramente por analistas de investimento e de crédito;
(ii) "atividades de financiamento", em que são demonstrados os
fluxos de caixa decorrentes de captação de recursos (empréstimos, fi-
nanciamentos, emissão de títulos de dívidas, etc.) e de pagamento de
dívidas (pagamento de juros, amortização de principal, etc.). Compre-
endem-se nesse grupo: (a) os recursos obtidos junto aos acionistas, como,
por exemplo, os decorrentes da subscrição de ações em aumentos de
capital; e (b) os pagamentos feitos aos acionistas (dividendos e juros
sobre o capital próprio). Como os fluxos de caixa dos financiamentos
possuem 2 (duas) subespécies, essas também precisam ser segregadas
em fluxos de caixa de financiamentos com acionistas e com terceiros; e
(iii) "atividades de investimentos", em que é evidenciado o mon-
tante de caixa consumido com investimentos em ativos de longo pra-
zo, tais como: imobilizados, ágio, investimentos financeiros, etc. Os
fluxos de caixa dessas atividades são os referentes à aquisição e à ven-
da de ativos de longo prazo e de outros investimentos não considera-
dos como equivalentes de caixa, como, por exemplo, aplicações
financeiras de curto prazo e de alta liquidez. A parte principal desses
fluxos demonstra os investimentos estratégicos de longo prazo que as
companhias realizam, para gerar, no futuro,fluxo"de caixa operacional.
Além desses investimentos estratégicos (neles incluídos os investi-
mentos com aquisições de participações societárias), fazem parte dessas
atividades investimentos financeiros cujos fluxos de caixa serão obti-
dos no médio e longo prazo, bem como os que não possuem liquidez
imediata. Caso contrário, seriam classificados como equivalentes de
caixa e não poderiam ser evidenciados analiticamente, já que estariam
dentro da variação do saldo de caixa e seus equivalentes. Ou seja, os
fluxos de caixa das "atividades de investimento" geralmente são ne-
gativos e têm como característica principal a expectativa de, no
futuro, gerar caixa operacional.
A DFC, no entanto, apresenta alguma subjetividade. A classifica-
ção dos fluxos de caixa, embora efetuada de acordo com o CPC 03
(R2) - "Demonstração dos Fluxos de Caixa" - , sujeita-se ao comporta-
mento discricionário do administrador, pois não existem padrões defi-
nidos de como se classificam, por exemplo, os pagamentos de juros
(podem ser operacionais ou financeiros) e os recebimentos de dividen-
dos de participações societárias (operacionais ou de investimentos).

DEMONSTRAÇÃO D O VALOR A D I C I O N A D O (DVA)

A Demonstração do Valor Adicionado (DVA), embora não inte-


gre o conjunto das demonstrações contábeis das normas internacio-
nais de contabilidade (IFRS), tornou-se obrigatória para as
companhias abertas e as instituições financeiras com a publicação da
Lei n° 11.638/2007, tendo sido regulamentada pelo C P C 09 - "De-
monstração do Valor Adicionado" 1207.
Essa demonstração deveria ser obrigatória para todas as compa-
nhias, pois as sociedades fechadas também geram e distribuem recursos.
Tal providência não causaria impactos relevantes no que se refere a cus-
tos ou novas informações, pois a DVÀ é basicamente uma "Demons-
tração do Resultado do Exercício" (DRE), com pequenas diferenças.
A DVA visa a evidenciar a riqueza criada e distribuída pela com-
panhia durante determinado período. E uma demonstração seme-
lhante a do Produto Interno Bruto (PIB), mas que se dirige à
companhia especificamente, e não ao agregado econômico como um
todo. Há uma diferença conceituai entre a DVA e o PIB: a DVA
mostra o valor adicionado líquido (das depreciações, amortizações,
etc.), enquanto o PIB apresenta o valor adicionado bruto, sem consi-
derar as retenções sob a forma de depreciações e assemelhadas.
A DVA é elaborada com observância do regime de compe-
tência. D e acordo com o C P C 09 - "Demonstração do Valor Adi-
cionado" - , o valor adicionado representa a riqueza gerada pela
companhia, que é, de forma geral, medida pela diferença entre o
valor das vendas e o dos insumos adquiridos de terceiros1208. O
valor adicionado inclui, também, o valor recebido em transferên-
cia, ou seja, produzido por terceiros e transferido à sociedade.
Trata-se a DVA de uma demonstração eminentemente eco-
nômica, "emprestada" pela contabilidade. Porém, existem algumas

1207 O C P C 09 - "Demonstração do Valor Adicionado" - foi aprovado pela Deliberação CVM


n° 557/2008 e pela Resolução C F C n° 1.138/2008, com as alterações introduzidas pelas
Resoluções C F C n™ 1.162/2009 e 1.329/2011. Sobre o significado e a elaboração da DVA,
ver A R I O V A L D O D O S S A N T O S . D e m o n s t r a ç ã o d o Valor A d i c i o n a d o - C o m o Elaborar e
Analisar a DVA. 2 a edição, São Paulo: Atlas, 2007.
1208 Insumo adquirido de terceiros representa os valores relativos às aquisições de matérias-
-primas, mercadorias, materiais, energia, serviços, etc. que tenham sido transformados em
despesas do período. Enquanto permanecerem nos estoques, não compõem a formação da
riqueza criada e distribuída. Ver o item 9 do C P C 09 - "Demonstração do Valor Adiciona-
do", que foi aprovado pela Deliberação C V M n° 557/2008.
diferenças entre a DVA "contábil" e a "econômica", referentes às lacu-
nas temporais da mensuração de riqueza. Pelo conceito econômico, a
riqueza é gerada quando da produção de bens e serviços, independente-
mente de essa produção ser ou não alienada. Ademais, a riqueza é
estimada a valores de mercado. Na DVA contábil, a riqueza é mensu-
rada a partir da venda da produção. Na hipótese de existir produção,
mas ela não ter sido objeto de venda, a DVA contábil ficará defasada
em relação à econômica. Portanto, há uma diferença temporal. Exis-
tem, ainda, outras diferenças, como, por exemplo, no caso de constru-
ção de imóveis para uso próprio da companhia; se uma sociedade
construir por sua conta própria um edifício para uso e não para a aliena-
ção, a DVA, a princípio, não refletirá essa riqueza adicionada. No en-
tanto, sob o aspecto econômico, essa produção (construção do edifício)
gerará valor e será estimada a valores de mercado.
A DVA é composta por 2 (duas) partes. A primeira demonstra de
forma detalhada o valor adicionado gerado (a riqueza criada), evidenci-
ando as receitas produzidas, os insumos utilizados e as riquezas recebi-
das em transferência (tais como o resultado de equivalência patrimonial,
receitas financeiras, etc.). A segunda apresenta detalhadamente como
esse valor adicionado foi distribuído entre (i) pessoal e encargos, como,
por exemplo: salários, 13° (décimo terceiro) salário, honorários da ad-
ministração, férias, comissões, horas extras, participação de emprega-
dos nos resultados, benefícios, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
- F G T S , etc.; (ii) Governo, sob a forma de impostos, taxas e contribui-
ções (federais, estaduais e municipais); (iii) juros e aluguéis (remunera-
ção de capital de terceiros): despesas financeiras, aluguéis (inclusive as
despesas com arrendamento operacional), royalties, franquias, direitos
autorais, etc.; (iv) juros sobre o capital próprio e dividendos, ou seja,
valores pagos ou creditados aos sócios e acionistas por conta apenas do
resultado do próprio exercício; e (v) lucros retidos/prejuízos do exercí-
cio, incluindo os valores relativos ao lucro do exercício destinados às
reservas, sendo que, no caso de prejuízo, o valor é negativo.
Assim, a D VA é relevante para investidores e outros usuários,
pois permite o conhecimento de informações de natureza econômica
e social e oferece a possibilidade de uma melhor avaliação das ativida-
des da companhia. Essa demonstração pode ser de extrema utilidade
à avaliação e decisão de recebimento de investimentos por parte dos
Governos (Municipal, Estadual ou Federal), pois nela há determina-
das informações què a D F C não é capaz de oferecer por si própria.
Dessa forma, além de a DVA assegurar o conhecimento do mon-
tante e de como a companhia gerou riqueza em um determinado pe-
ríodo, ela mostra como essa riqueza foi distribuída entre o Governo,
empregados, acionistas e investidores, além do valor que ficou retido
na sociedade, os meios de produção utilizados e como a mão de obra
foi remunerada. É considerada, portanto, como uma demonstração
de cunho social, pois não tem por fim apenas o acionista (como a
DRE), mas a companhia como um todo.
Esrc LIVRO FOI COMPOSTO EM FONTE ÀCASLON REGULAR 12/16
E IMPRESSO EM PAPEL PÓLEN 70, G/M 2 NAS.OFICINAS DA
PROL GRÁFICA
A LEI DAS S/A
COMENTADA
V O L U M E II

ARTIGOS 121 A 1 8 8

• • • • • • ^ • • • • • • H B H H

Fundamentos do Imposto de Renda


Ricardo Mariz de Oliveira

Estrutura de Interesses nas Sociedades Anônimas


Hierarquia e Conflitos
Rodrigo Ferraz Pimenta da Cunha

Sociedades Anônimas e Mercado de Capitais


Homenagem ao prof. Osmar Brina Corrêa-Lima
Coordenadores:
Amoldo Wald
Fernando Gonçalves
Moema Augusta Soares de Castro
Organizadores:
Bernardo Vianna Freitas
Mário Tavernard Martins de Carvalho

Aspectos (urídicos da
Governança Corporativa
Milton Nassau Ribeiro

Abuso do Direito
e Concorrência Desleal
Marcus Elidius Michelli de Almeida

Direito dos Acionistas Minoritários


Nova Lei das S.A. - 3 J Edição
Lei n" 10.303 de 2001
Leslie Amendolara

Tratado de Direito Internacional


Público-Volumes I, II e III
Hildebrando Accioly

Conflito de Interesses
nos Grupos Societários
Viviane Muller Prado

Governança Corporativa:
Fundamentos (urídicos e Regulação
Flávio Campestrin Beltarello

Execução Específica dos


Acordos de Acionistas
André de Albuquerque Cavalcanti Ahbud
A LEI DAS S/A COMENTADA VOLUME II

A presente obra apresenta uma análise sistemática e


funcional dos dispositivos da Lei das S/A, com todas as alterações
legislativas que ocorreram desde sua promulgação, em 1976, e com
as necessárias integrações ao novo Código Civil. Ademais, contém
as contribuições doutrinárias e jurisprudenciais, bem como as
decisões e regulamentações da Comissão de Valores Mobiliários,
que "sedimentam" a Lei 6404/76, de forma rigorosamente
atualizada, até novembro de 2011.
A experiência prática do Autor, professor, advogado e jurista
especializado em Direito Societário e em Mercado de Capitais,
contribuiu decisivamente por torná-la um material de consulta
indispensável não só aos estudantes, como também a todos aqueles
que, em suas atividades profissionais, devem aplicar e seguir os
preceitos da legislação societária.
Neste segundo volume, destacou-se a análise dos seguintes
tópicos: assembleia geral dos acionistas; direito de recesso;
conselho de administração; diretoria; conselho fiscal; deveres e
responsabilidade dos administradores; aumento e redução do
capital social; demonstrações contábeis, com todas as normas
legais e regulamentares sobre a matéria, privilegiando a análise da
aplicação das normas das IFRS às companhias nacionais.

QUARTIER LATIN

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