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PUC
DEPARTAMENTO DE DIREITO

O CONFLITO DE INTERESSES À LUZ DAS


DECISÕES DA CVM

por

CARLOS EDUARDO NUNES ARANHA

ORIENTADORA: NORMA JONSSEN PARENTE

2020.1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

RUA MARQUÊS DE SÃO VICENTE, 225 - CEP 22453-900

RIO DE JANEIRO - BRASIL


1

O CONFLITO DE INTERESSES À
LUZ DAS DECISÕES DA CVM

por

CARLOS EDUARDO NUNES ARANHA

Monografia apresentada ao
Departamento de Direito da
Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio) como
requisito parcial para a obtenção
do Título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Norma Jonssen


Parente

2020.1
2

Only the disciplined ones are free in


life. If you are undisciplined, you are a
slave to your moods. You are a slave to
your passions.
Eliud Kipchoge
3

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Claudio Eduardo Aranha e Irene Nunes, por todos os
ensinamentos da vida e ao suporte financeiro e emocional que
proporcionaram a chance de expandir meus conhecimentos na área do
Direito.

À minha companheira Isabel Antonia por toda a paciência, amor e


carinho.

À Professora Norma Jonssen Parente, pelos grandes ensinamentos e


orientação na elaboração do presente trabalho.

Aos meus amigos e colegas de trabalho do Veirano Advogados, com


um reconhecimento especial ao Julio Dubeux e Pedro Figueiredo, por todo
o apoio e confiança depositada em mim.

A todos do Pereira&Goullart e ArbiRio pela oportunidade de dar


meus primeiros passos no mundo prático do Direito.
4

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar de maneira ampla e


simplificada os principais argumentos das correntes material e formal do
conflito de interesses entre acionista e companhia, utilizando como base as
decisões da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a doutrina nacional
acerca do tema. O presente trabalho busca sintetizar e descomplicar um
debate de mais de década que ainda suscita questionamentos tanto pelos
doutrinadores quanto pelos aplicadores do Direito. Apresentando os
principais pontos defendidos pelas duas principais correntes, um
comparativo com o conflito de interesses no direito norte-americano, bem
como a análise do posicionamento da CVM nos principais casos
envolvendo conflito de interesses, expondo, por fim, questões relacionadas
à ética, boa-fé e compliance a fim de concluir qual corrente deve ser
adotada em território nacional tendo em vista o contexto atual das
companhias abertas brasileiras.

Palavras-Chave: Comissão de Valores Mobiliários. Precedentes CVM.


Conflito de Interesses. Teoria do conflito formal. Teoria do conflito
material. Impedimento legal de voto. Artigo 115 Lei 6.404/76. Conflito de
Interesses nos Estados Unidos. Compliance.
5

ABSTRACT

This work aims to present in a broad and simplified way the main
arguments of the material and formal opinions of the conflict of interests
between shareholder and company, using as basis the decisions of the
Brazilian Securities and Exchange Commission (CVM) and the national
doctrine about the theme. In this way, the present work seeks to synthesize
and uncomplicate a debate of more than a decade that still raises questions
both by legal professors and by those applying the Law. Presenting the
main points defended by the two main opinions, a comparison with the
conflict of interests in American law, as well as the analysis of the CVM's
position in the main cases involving conflict of interest. Finally exposing
issues related to ethics, good faith and compliance in order to conclude
which opinion should be adopted in national territory in view of the current
context of Brazilian publicly held companies.

Keywords: Brazilian Securities and Exchange Commission. CVM


Precedents. Conflict of interests. Formal conflict theory. Material conflict
theory. Legal hindrance to vote. Article 115 Law 6.404/76. Conflict of
Interest in the United States. Compliance.
6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..... ..................................................................................... 8

CAPÍTULO I – CONCEITO, ORIGEM E CONFLITO DE INTERESSES


NAS CORRENTES FORMAL E MATERIAL ......................................... 10

1.1 Conceito e origem ............................................................................ 10

1.2 Conflito de interesse material ........................................................... 14

1.3 Conflito de interesse formal.............................................................. 17

CAPÍTULO II – CONFLITO DE INTERESSES À LUZ DA


REGULAÇÃO NORTE AMERICANA E O CONTEXTO DO BRASIL . 22

2.1 O conflito de interesses à luz do direito norte americano .................. 22

CAPÍTULO III – CONFLITO DE INTERESSES À LUZ DAS DECISÕES


DA CVM............... ................................................................................... 27

3.1 Caso TIM (Inquérito Administrativo CVM nº RJ2001/4977) ........... 27

3.2 Caso PREVI (Inquérito Administrativo CVM nº RJ2002/1153) ....... 31

3.3 Caso Tractebel (Processo Administrativo CVM nº RJ2009/13179) .. 34

3.4 Caso Eletrobras (Processo Administrativo Sancionador CVM nº


RJ2013/6635) ........................................................................................... 40

3.5 Caso EMAE (Processo Administrativo CVM nº 19957.005749/2017-


29).... ........................................................................................................ 42

3.6 Quadro comparativo ......................................................................... 46

CAPÍTULO IV – ÉTICA, BOA-FÉ E O CONFLITO DE INTERESSES . 49

4.1 Boa-fé e a aplicação do venire contra factum proprium .................... 49

4.2 Compliance ...................................................................................... 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 56

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 57


7

LISTA DE ABREVIAÇÕES

CEO Chief Executive Officer

CFO Chief Financial Officer

COO Chief Operating Officer

CVM Comissão de Valores Mobiliários

DGCL Delaware General Corporation Law

EMAE Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A.

EUA Estados Unidos da América

IBGC Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

LSA Lei das Sociedades Anônimas

MP Medida Provisória

PREVI Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil

SABESP Companhia de Saneamento Básico de São Paulo

SEP Superintendência de Relações com Empresas


8

INTRODUÇÃO

No âmbito do direito societário, diversas matérias suscitam grandes


debates tanto à doutrina quanto aos aplicadores do direito, sejam eles
doutrinadores, diretores da CVM, juízes, promotores ou advogados.

Dentre as diversas matérias controvertidas no âmbito do direito


empresarial, uma questão que vem sendo debatida há mais de 20 anos em
âmbito de processos administrativos na CVM, com diversos votos
proferidos e diversos argumentos trazidos pelos julgadores e pelas defesas é
o conflito de interesses entre acionistas e a sociedade.

Como veremos de forma mais aprofundada e detalhada nos


Capítulos I e III do presente trabalho, o debate em torno do conflito de
interesses entre acionistas e a companhia tem duas principais correntes, a
material, também chamada de substancial e a formal, também chamada de
formalista.

Em suma, a corrente material defende que o conflito de interesses


não é um impedimento legal ao exercício do direito de voto do acionista,
enquanto a corrente formal defende que o conflito de interesses é um
impedimento ao exercício do direito de voto do acionista conflitado.

Em outras palavras, a corrente material entende que o acionista em


conflito poderá exercer seu direito de voto e a análise da existência do
conflito de interesses deverá se dar a posteriori e caso a caso.

Em contraponto a essa corrente, os defensores da corrente formal


entendem que o acionista em conflito estará impedido de exercer seu direito
de voto e, portanto, a análise da existência do conflito de interesses deve se
dar a priori.

Apesar de ser um debate antigo e que dura mais de década no


sistema jurídico brasileiro, a questão é recorrentemente levantada em
diversos âmbitos do direito nacional, como por exemplo, em julgamentos
9

do Colegiado da CVM e mais recentemente com a tentativa de incluir uma


alteração no art. 115 da Lei 6.404/76 (“Lei das S.A.”) no projeto da Medida
Provisória da Liberdade Econômica 1 (“MP”), a fim de incluir no referido
artigo redação que adotasse a corrente material. Esclarece-se que a proposta
de alteração na redação ao art. 115 não foi incluído no texto da MP
aprovado, tendo perecido no mero projeto da MP.

A tentativa de alterar a Lei das S.A. a fim de que essa passasse a


adotar a corrente material e pôr um fim às controvérsias relacionadas ao
conflito de interesses acabou trazendo à tona novamente os debates e as
discussões existentes entre as duas correntes do conflito de interesses entre
acionistas e companhia.

Dessa forma, o presente trabalho busca demonstrar durante o


Capítulo I os principais argumentos trazidos pelas correntes material e
formal, utilizando como marco comparativo o direito norte americano,
elucidado no Capítulo II, com as interpretações norte americanas acerca do
conflito de interesses. Bem como analisar os diferentes argumentos a luz
das Decisões da CVM nos casos TIM, Previ, Tractebel, Eletrobrás e
EMAE, apresentados no Capítulo III, trazendo por fim, no Capítulo IV uma
análise do conflito de interesses à luz de conceitos de ética, de boa-fé e
compliance.

1
BRASIL. Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019. Institui a Declaração de Direitos de
Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 03 mai. 2019.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm>
Acesso em: 08 mar. 2019.
BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade
Econômica; estabelece garantias de livre mercado e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 set. 2019. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm> Acesso em: 08 mar.
2019.
10

CAPÍTULO I – CONCEITO, ORIGEM E CONFLITO DE


INTERESSES NAS CORRENTES FORMAL E MATERIAL

1.1 Conceito e origem

A Lei das S.A. trata do conflito de interesses sobre duas óticas. A


primeira envolve o conflito de interesse entre os administradores e a
companhia, tratado no art. 156 da Lei das S.A. 2. Já a segunda, envolve o
conflito de interesse no âmbito dos acionistas e a companhia, disposto no
art. 115 da referida lei3.

Dessa forma, tendo em vista o escopo da presente monografia,


concentrarei os esforços de estudo e análise nos debates que emergem
quanto à segunda ótica, ou seja, o conflito de interesses entre a companhia e
os acionistas.

As principais discussões e debates travados entre as correntes


divergentes da análise do conflito de interesses prevista no §1º do art. 115

2
Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse
conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais
administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de
reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse. § 1º
Ainda que observado o disposto neste artigo, o administrador somente pode contratar com a
companhia em condições razoáveis ou eqüitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em
que a companhia contrataria com terceiros. § 2º O negócio contratado com infração do disposto no
§ 1º é anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as
vantagens que dele tiver auferido.
3
Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á
abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter,
para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo
para a companhia ou para outros acionistas.
§ 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral relativas ao laudo de
avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas
contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo
particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.
§ 2º Se todos os subscritores forem condôminos de bem com que concorreram para a formação do
capital social, poderão aprovar o laudo, sem prejuízo da responsabilidade de que trata o § 6º do
artigo 8º.
§ 3º o acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda
que seu voto não haja prevalecido.
§ 4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com
o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a
transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.
11

da Lei das S.A. surgem da controvérsia do momento em que deve ser


analisado o conflito de interesses entre o acionista e a companhia.

Tal controvérsia apega-se na seguinte questão: se a quarta hipótese


do §1º do referido artigo – abaixo destacada – é hipótese de vedação legal
ao exercício do direito de voto ou se o acionista pode exercê-lo e em caso
de prejuízo à companhia anular-se-ia a deliberação.

Em suma, a corrente formal defende que a quarta hipótese do §1º do


artigo 115 é uma vedação expressa da lei quanto ao exercício do direito de
voto pelo acionista conflitado e, dessa forma, a análise quanto à
possibilidade de voto do acionista conflitado em deliberação deve se dar a
priori, ou seja, antes da realização da assembleia geral da companhia.

Do outro lado, a corrente material defende que na verdade, a quarta


hipótese do §1º do artigo 115 deve ser analisada conforme os demais
dispositivos da lei4 não sendo lido e interpretado de forma isolada mas
como uma parte de todo o arcabouço legal das sociedades por ações,
entendendo dessa forma, não se tratar de vedação ao exercício do direito de
voto.

Assim, concluem que a análise do conflito de interesses deva ser


realizada caso a caso e a posteriori, ou seja, após a deliberação na
assembleia geral da companhia.

A fim de realizar uma melhor análise das teses e argumentos


adotados pelas correntes formal e material em sede de conflito de
interesses, é de suma importância dividir o art. 115 §1º em 4 hipóteses, que
serão utilizadas como referência ao longo do presente trabalho, sendo elas:
“§ 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral
relativas ao (...)”

4
e.g. Art. 115§4º da Lei das S.A.
12

1. Primeira Hipótese: “laudo de avaliação de bens com que concorrer


para a formação do capital social”
2. Segunda Hipótese: “à aprovação de suas contas como administrador”
3. Terceira Hipótese: “nem em quaisquer outras que puderem
beneficiá-lo de modo particular”
4. Quarta Hipótese: “ou em que tiver interesse conflitante com o da
companhia.”

Assim, pode-se separar o §1º do artigo 115 da Lei das S.A. em


quatro hipóteses que, em meu entendimento, são imposições legais à
vedação ao exercício do direito de voto ao acionista.

Podemos inclusive entender as duas primeiras hipóteses como


conflitos de interesses tipificados fechados, ou seja, não há qualquer dúvida
de que são hipóteses de proibição de voto. Por outro lado, podemos
entender a terceira e quarta hipóteses como conflitos de interesses
tipificados abertos, ou seja, em que há necessidade de interpretação dos
institutos de acordo com o caso fático, análise essa a ser realizada a priori.

Conforme esclarece Norma Parente:

Diferente das hipóteses tipificadas fechadas, o benefício particular e as hipóteses


residuais de conflito de interesses são conceitos abertos e, portanto, devem ser
interpretados de acordo com cada situação fática. Em vista disto, estas duas
últimas hipóteses são conhecidas como “tipificadas abertas.5

Nesse sentido, é de grande relevância ainda demonstrar a distinção


entre as duas hipóteses tipificadas abertas - o instituto do benefício
particular (terceira hipótese do art. 115 §1º da Lei das S.A.) e do conflito de
interesses - que são por muitos confundidas. Demonstra essa distinção
Erasmo Valladão, verbis: “Importa observar que a hipótese de a deliberação

5
PARENTE, Norma Jonssen. Mercado de Capitais. Volume VI. In: CARVALHOSA, Modesto
(Coord.). Tratado de Direito empresarial. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p.
394.
13

beneficiar o acionista de modo particular nada tem a ver com a hipótese de


interesse conflitante.6”

Cumpre salientar que o benefício particular do acionista não


necessariamente surge ou presume a existência de um ilícito, ou seja, para
caracterização do benefício particular não é necessário que o acionista tenha
buscado vantagem ilícita ou abusiva ao exercer seu direito de voto e
prejuízo aos demais acionistas ou à companhia.

Haverá benefício particular de determinado acionista quando houver


tratamento não equitativo, ainda que admitido pelo Estatuto Social.

Em outras palavras, sempre que o acionista receber alguma


vantagem que não seja também auferida pelos demais acionistas da
companhia, mesmo que por meios lícitos, ele estará impedido de votar em
decorrência de benefício particular. Nesse sentido são os ensinamentos de
Nelson Eizirik e Norma Parente:

O benefício particular consiste em uma vantagem lícita, um favor concedido ao


beneficiário, em sua condição de acionista, mas que rompe o princípio da
igualdade. 7

Sempre que o acionista auferir um ganho, além daquele que os seus pares obtêm,
estará caracterizado o benefício particular. Ou seja, todos os titulares dos mesmos
direitos estão em pé de igualdade na companhia. Na medida em que o acionista
angaria um proveito diferente dos demais receba um benefício particular.8

Nesse ponto, os entendimentos de grande parte dos defensores do


conflito material e formal ainda convergem, concluindo que o benefício
particular é de fato uma vedação absoluta ao exercício do direito de voto9.

Os debates mais fervorosos surgem quando chegamos ao conflito de


interesses e se essa quarta hipótese seria ou não uma hipótese de

6
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Conflito de interesses nas assembleias de S.A.
2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014. p.311-312.
7
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 658- 659 .
8
CVM, Inquérito Administrativo nº RJ2002/1153, Rel. Diretora Norma Jonssen Parente, Rio de
Janeiro, 06 nov. 2002.
9
Conforme voto de Norma Parente e Luiz Antônio no caso Previ.
14

impedimento ao exercício do direito de voto, conforme veremos nos


próximos Capítulos.

Vale ainda fazer uma breve observação que no conflito de interesse


ao se falar em acionista entende-se, na maioria dos casos, que envolve: (i)
acionista na qualidade de controlador, já que esse teria o poder de aprovar
ou não determinada matéria somente com seu próprio voto; ou (ii) acionista
na qualidade de minoritário em hipóteses em que o voto conflitado é
decisivo para a aprovação de determinada matéria10.

Contudo, ressalta-se que a quantidade de ações que o acionista detém


é irrelevante para a análise do impedimento do exercício de direito de voto.
Feitas as devidas considerações, passo à análise dos principais argumentos
utilizados pelas duas correntes – Material e Formal – do conflito de
interesses entre o acionista e a sociedade.

1.2 Conflito de interesse material

Conforme já elencado acima, os defensores do conflito de interesses


material entendem que a análise deve se dar caso a caso, sendo realizada
após a assembleia geral - a posteriori – ou seja, não há vedação ao voto do
acionista. Conforme ensina Tavares Guerreiro:

O §1º do art. 115 estende ainda a vedação do voto do acionista às demais


deliberações que puderem beneficiá-lo de modo particular [...] ou nas quais tiver
interesse conflitante com o da companhia. A identificação de tal circunstância se fará
à vista de cada caso concreto, dada a larga abrangência do dispositivo.11 (grifou-se)

Os defensores da corrente material entendem que a imposição legal


do início do parágrafo primeiro “o acionista não poderá votar” estaria
restrita apenas à primeira, segunda e terceira hipóteses do parágrafo, ou

10
Faz-se referência ao caso Previ.
11
LACERDA TEIXEIRA, Egberto; TAVARES GUERREIRO, José Alexandre. Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro. São Paulo: J. Bushatsky, 1979. p. 278.
15

seja, apenas quando as deliberações a serem tomadas tratarem de laudo de


avaliação de bens que concorrerem para a formação do capital social ou à
aprovação de suas contas como administrador.

Nesses e somente nesses casos o acionista estaria impedido a priori


de exercer seu direito de voto 12. Contudo, entendem que a quarta hipótese
deve ser lida em consonância e harmonia com os demais dispositivos da Lei
das S.A., devendo dessa forma, o conflito de interesses não ser atrelado ao
impedimento de voto, mas sim analisado a posteriori e caso a caso.

Nesse mesmo sentido são as conclusões de Marcelo Lamy Rego.


Vide:

A interpretação correta dos dispositivos da LSA é a de que o conflito de


interesses não pode ser determinado a priori, a não ser nas hipóteses de conflito
forma, semelhantes ao que a doutrina italiana chama de divieto de voto, já
discutidas no §105 (laudo de avaliação, aprovação de contas como administrador
e deliberações que beneficiem o acionista de moto particular). Nesses casos, a lei
prevê o conflito impeditivo do voto, considera que a situação de fato prejudica o
exercício do direito de voto e, como remédio preventivo proíbe o voto
independentemente do exame de mérito. 13

Ademais, concluem que para ser configurado o conflito de interesses


previsto na quarta hipótese do §1º do art. 115, a companhia deveria sofrer
algum prejuízo em decorrência do exercício do direito de voto do acionista,
ou seja, a quarta hipótese não seria uma vedação ao voto mas sim uma
hipótese de sanção do acionista que em decorrência do voto conflitado
causou prejuízo à companhia14.

Invocam ainda, os defensores da corrente material, que o §4º do art.


115 da Lei das S.A. 15 deve ser lido em harmonia com o §1º do mesmo

12
Voto Diretor Antônio de Sampaio Campos nos Casos TIM.
13
LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luiz (coord.). Direito das Companhias.
2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p.309 2017.
14
Nesse ponto, como veremos no item 1.3 abaixo, há confusão do conceito de abuso de voto e do
conflito de interesses, o qual é amplamente criticado no voto de Norma Parente no caso Previ e de
Maria Helena no caso Tractebel.
15
Art. 115 (...) §4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse
conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será
obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.
16

artigo e, por prever a anulabilidade da decisão conflitada, a quarta hipótese


do art. 115 seria uma exceção à vedação do dispositivo e protegeria os
demais acionistas não com a vedação ao voto mas sim a sanção do §4º de
anular a referida decisão.

Argumentam que se a quarta hipótese do §1º do art. 115 da Lei das


S.A. fosse realmente hipótese de impedimento de voto, a deliberação
tomada na assembleia com o voto do acionista conflitado deveria ser
considerada nula e não anulável como prevê a Lei 16.

Outro argumento utilizado envolve o princípio da boa-fé, trazido no


voto do Diretor Luiz Antônio nos casos TIM e Previ, onde defende-se que
de acordo com esse princípio basilar do direito pátrio a análise do conflito
deve se dar caso a caso e não impedindo o exercício do direito de voto a
priori, concluindo antes de qualquer interpretação e análise dos fatos que o
acionista está conflitado e dessa forma não pode exercer seu direito.

Na mesma linha, entendem que também seria aplicável o princípio


da presunção inocência visto que antes de qualquer análise fática e
probatória, a presunção de inocência é essencial, não cabendo aos
aplicadores da lei interpretarem a norma de forma a sobrepor essa
presunção, tendo em vista que impedir o voto a priori, seria concluir pela
culpa do acionista que exerce seu direito de voto, sem adentrar em maiores
análises.

Elencam também o prejuízo ao bom andamento do dia a dia


societário e a dicotomia economia x conflito de interesse argumentando que
o fato de o controlador não conseguir aprovar certas matérias em
decorrência de impedimento por suposto conflito, atrapalharia o bom
andamento do dia a dia dos processos de trabalho societários e as
reestruturações e contratações que precisam ser aprovadas por assembleia.

16
Voto Marcos Pinto – Caso Tractebel – “Em defesa da tese de que o conflito de interesses só
pode ser apreciado depois do voto, cita-se normalmente o §4º do art. 115, segundo o qual a
"decisão tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da
companhia é anulável". Se estivéssemos diante de uma hipótese de impedimento de voto –
argumenta-se – a decisão assemblear deveria ser considerada nula e não meramente anulável.”
17

Concluem assim, que não haveria algum acionista mais qualificado e com
maior interesse de votar a favor da companhia que não o próprio
controlador.

Por fim, diversos autores da doutrina brasileira adotam a corrente


material como Erasmo Valladão, Marcelo Lamy Filho e Nelson Eizirik.
Dessa forma, ao defender a corrente material para o conflito de interesses entre
acionista e sociedade, Erasmo Valladão conclui:

Entendemos, dessa forma, que, ao fazer referência a ‘’interesse conflitante com o da


companhia’’, no §1º, do art. 115, a lei não está se reportando a um conflito
meramente formal, mas sim a um conflito substancial, que só pode ser verificado
mediante o exame do conteúdo da deliberação.17

Na mesma linha se dão os ensinamentos do professor Nelson Eizirik.


Vide:

Com efeito, na hipótese de conflito de interesses (art. 115, §§1º e 4º da Lei das
S.A.) o entendimento dominante com base no direito comparado, é que a lei não
está se reportando a um conflito meramente formal, mas a um conflito
substancial, que somente pode ser verificado mediante exame do conteúdo da
deliberação.18

Em consonância com os entendimentos de Eizirik e Valladão,


Marcelo Lamy Rego, esclarece inclusive que o acionista poderá exercer o
voto mesmo conflitado. Vide: “Apesar da aparência de proibição e de
discrepância entre as normas, pressupõe a LSA que o acionista possa exercer o
voto mesmo em conflito.19”

1.3 Conflito de interesse formal

Conforme já destacado no item 1.1 acima, os defensores da corrente


formal entendem que a análise do conflito de interesses deve se dar a priori,
17
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Op. Cit.
18
EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 97.
19
LAMY FILHO, Alfredo, BULHÕES PEDREIRA, José Luiz (coord.). Op. Cit., p. 309.
18

ou seja, o acionista conflitado está impedido de votar por força da vedação


do §1º do art. 115 da Lei das S.A.

Dessa forma, entende-se que o acionista está impedido de votar por


figurar em posição contraposta à da companhia, independentemente se seu
voto é ou não benéfico à companhia – essa análise caberia apenas no
conflito material.

Assim ensina a professora e ex-Diretora da CVM, Norma Parente:


“Neste sentido, a Lei 6.404/1976, em seu art. 115, §1º, vedou, no âmbito
das sociedades anônimas, o exercício do direito de voto do acionista em
matéria na qual possua interesse conflitante com o da companhia.”20

Os defensores da corrente formal entendem que a imposição legal do


§1º do art. 115 da Lei das S.A. não se limita às primeiras 3 hipóteses do
dispositivo, mas é aplicável a todas as hipóteses, inclusive ao conflito de
interesses.

Entendem que não faria sentido a norma estabelecer uma sequência


de vedações ao exercício do direito ao voto para, na última hipótese, abrir
exceção e criar uma sanção. E que o legislador deixa clara a proibição do
exercício do voto em situação de conflito de interesses21.

Nesse mesmo sentido é o entendimento de Modesto Carvalhosa,


conforme cita-se:

Há proibição legal para o acionista que tem conflito formal de interesses com a
sociedade de votar em qualquer sentido, nem que seja conforme o interesse
social. A lei de 1976 é clara em proibir que o acionista vote, seja nas hipóteses
específicas de conflito de interesses que enuncia, seja residualmente, em qualquer
momento no qual, sob outras modalidades, configura-se essa situação.22

20
PARENTE, Norma Jonssen. Op. Cit., p. 391
21
“Nada pode ser mais claro que a seguinte passagem: o acionista não poderá votar. Dentro da
chamada interpretação gramatical, acatando seus limites próprios, não há qualquer margem para a
inclusão da distinção "divieto x conflito", pois o legislador deixou claro que a proibição ‘ex ante’
se estendia às hipóteses de interesse conflitante.” Voto Norma Parente – Caso Previ
22
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. II. 4ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 465.
19

Acrescenta ainda, Norma Parente:

A proibição é cautelar e vista proteger a sociedade e os demais acionistas do


eventual dano causado pelo voto conflitado. A simples constatação da existência
de posições contrapostas é suficiente para impedir o voto segundo a corrente
formalista, não sendo necessário apurar qual interesse prevalecerá, uma vez que a
lei já teria dado a solução ao problema, ao estabelecer a proibição cautelar do
exercício do direito de voto do acionista conflitado, malogrando com a proibição
do voto ex ante o eventual voto contaminado, o texto é claro. 23

Destacam ainda a diferença entre voto abusivo 24 e voto conflitado,


definições que afirmam serem confundidas pelos defensores da corrente
materialista - que em um de seus argumentos, defendem que para ser
configurado o conflito de interesse faz-se necessário que o voto conflitado
seja em prejuízo à companhia, ou seja, que o voto se deu no interesse do
acionista e não da companhia.

Para os defensores da corrente formal, o próprio caput do art. 115 da


Lei das S.A.25 define que caso o voto não seja dado no interesse da
companhia ele será considerado abusivo, ou seja, a Lei das S.A. claramente
trata duas situações distintas, a do abuso de voto no caput do art. 115 e o
conflito de interesses na última hipótese do §1º do referido dispositivo.

Além disso, esclarecem que não é razoável a utilização do §4º do art.


115 da Lei das S.A. como argumento de que só existirá conflito de
interesses quando a companhia sofrer prejuízo ou for prejudicada pelo voto
proferido em conflito, já que para os que defendem o conflito formal, o
conflito de interesses configura-se com a presença de duplo interesse em
relação a deliberação.

Quanto às questões de dicotomia economia versos conflito de


interesse levantadas pelos defensores da corrente material, os defensores da

23
PARENTE, Norma Jonssen. Op. Cit., p. 401.
24
Voto contrário ao interesse da companhia.
25
Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á
abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter,
para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo
para a companhia ou para outros acionistas.
20

corrente formal ponderam que o fato de o acionista conflitado (sendo esse


na maioria das vezes o controlador da sociedade) não interferem no bom
andamento do dia a dia societário e tampouco nas aprovações de contratos e
operações que necessitam de aprovação pelos sócios.

Se a ordem do dia a ser aprovada na assembleia for realmente


benéfica à companhia e em seu interesse, os acionistas minoritários irão
aprovar a matéria, tendo em vista que todos os acionistas são beneficiados
com uma aprovação em favor da companhia.

Por fim, destacam, dentre outros argumentos, que caso o conflito de


interesses previsto no §1º do art. 115 da Lei das S.A. só fosse apurado após
a deliberação com a participação e aprovação por voto de acionista
conflitado, o §1º não acrescentaria nada ao caput, o que certamente não foi
o objetivo da Lei, posto que a Lei não tem palavras ou dispositivos inúteis.

A Lei das S.A. buscou tratar duas situações distintas, o caput em


conjunto com o §4º a hipótese de anulabilidade da deliberação e o §1º de
impedimento do voto pelo acionista conflitado.

Apesar de o entendimento da CVM ser o do conflito de interesses


formal, como veremos mais especificamente no Capítulo III abaixo, a
doutrina majoritária defende o conflito de interesses material.

Não obstante, a doutrina que defende a corrente formal também é


composta por renomados doutrinadores, como Modesto Carvalhosa, Norma
Jonssen Parente e Alfredo Lamy Filho.

Assim, ao defender a corrente formal do conflito de interesses entre


acionista e sociedade, Modesto Carvalhosa conclui:

Como referido, o interesse conflitante constitui a quarta tipificação constante do §1º.


Trata-se de nulidade do exercício do voto dado nessa circunstância, sem cominar
sanção (art. 166, VII, do Código Civil). Impossível tratar a questão casuisticamente.
21

Tão somente se pode configurar, na espécie, o interesse conflitante no sentido formal


e no pressuposto da própria licitude do negócio jurídico.26 (grifou-se)

Nessa mesma linha, a ex-Diretora da CVM Norma Parente é precisa


ao afirmar: “O impedimento é apurado de forma objetiva, a priori. 27”

Em consonância com os entendimentos de Modesto Carvalhosa e


Norma Parente, Alfredo Lamy Filho, esclarece: “o §1º do artigo 115 prevê a
hipótese de conflito de interesses, em que a lei vai mais longe do prescrever o
exercício do voto no interesse da sociedade, pois proíbe o acionista de exercê-
lo.”28

Inclusive, o Código das Melhores Práticas de Governança


Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC,
também adotou a corrente formal como melhor prática de governança: “b)
O sócio que, por qualquer motivo, tiver interesse conflitante com o da
organização em determinada deliberação: i. deve comunicar imediatamente
o fato e abster-se de participar da discussão e da votação dessa matéria;”29

Como veremos no Capítulo III abaixo, ao analisar as decisões do


Colegiado da CVM ao longo dos últimos anos, podemos contrapor ambas
as correntes com sólidos argumentos. Contudo, a meu ver, ao longo do
debate “formal x material”, essa última corrente apresenta-se fragilizada no
atual cenário das companhias abertas brasileiras.

26
CARVALHOSA, Modesto. Op. Cit., p. 560.
27
PARENTE, Norma. O acionista em Conflito de Interesse. Rio de Janeiro: Método, 2005. p. 330.
28
LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. A Lei das S.A: pareceres. Vol. II. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 239.
29
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das melhores práticas
de governança corporativa. 5. ed. São Paulo: IBGC, 2015. p. 33.
22

CAPÍTULO II – CONFLITO DE INTERESSES À LUZ DA


REGULAÇÃO NORTE AMERICANA E O CONTEXTO DO
BRASIL

2.1 O conflito de interesses à luz do direito norte americano

O Direito Norte Americano foi o epicentro do direito societário no


mundo após a crise de 1929. Por esse motivo, o sistema da Lei das S.A.,
das regulações e a criação das entidades reguladoras brasileiras têm forte
influência da estruturação, regulação e entendimentos doutrinários e
decisórios que advêm dos EUA.

Por esse motivo, principalmente os defensores da corrente do


conflito de interesse material – conforme já abordamos acima – utilizam-se
de entendimentos firmados no exterior, se inspirando nas decisões e
doutrinas norte americanas para enrijecerem e melhor defenderem suas
teses.

Para isso, fazem referência à doutrina que entende que o acionista


pode exercer seu direito de voto – sendo esse intrínseco à sua qualidade de
acionista e essencial como proprietário de ações – em qualquer situação,
mesmo que com interesses em conflito, desde que haja boa fé e seu
interesse esteja alinhado com o interesse comum. “When voting, a
shareholder may consult his own interests.” 30

Na mesma linha Stephen Bainbridge, Roberta Karmel, Frank


Easterbrook e Daniel Fischel. Vide: “As a general matter, it remains the
law that shareholders qua shareholders are allowed to act selfishly in
deciding how to vote their shares.”31

30
MORSE, G. Charlesworth & Morse: Company Law. 16ª ed. London: Sweet & Maxwell, 1999.
p. 302.
31
BAINBRIDGE, Stephen M. Mergers and Acquisitions. 3ª ed. Foundation Press, 2012. p. 118.
23

“Shareholders do not represent anyone but themselves and do not


have any duties to either the corporation or other shareholders.”32

“Voting serves its principal role in permitting those who have


gathered up equity claims to exercise control.”33

Fortalecendo esse entendimento o Sr. Luiz Antônio, na época Diretor


da CVM, também cita a doutrina norte americana, conforme abaixo.

A shareholder in voting his shares must act fairly and in good faith toward other
shareholders and may not legally enter into an agreement with other
shareholders to so vote his shares as to perpetrate a fraud upon another
shareholder. (...) If he happens to be the majority shareholder, he may not legally
use his voting power to advance his own interests at the expense of the minority,
nor may he create proxies to use this power for their own personal gain. He may,
however, vote his shares in support of the ratification of a voidable personal
contract or other transaction with his corporation where good faith and fairness
of deal are present, though there be a personal benefit to himself. And his good
faith will protect him if he happens to have voted into office a board of directors
who prove faithless or incompetent, or to have voted for resolutions which, when
set in motion, prove disastrous to his corporation.34

Nesse sentido, o entendimento norte americano firmado é que o


acionista deve votar em consonância com o melhor interesse da
companhia35, deixando de lado o conflito de interesse, que só será analisado
posteriormente na hipótese em que algum acionista ajuíze uma ação.

“To play this role effectively, the voter's interest and the common
good must be aligned.”36

Contudo, mesmo tendo os EUA adotado o regime de conflito de


interesse material devemos nos atentar para a realidade na qual é aplicável

32
KARMEL, Roberta S. Should a Duty to the Corporation Be Imposed on Institutional
Shareholders? The Business Lawyer, v. 60, nov. 2004.
33
EASTERBROOK, Frank; FISCHEL, Daniel. The Economic Structure of Law. Boston: Harvard
University Press, 1991.
34
Voto Luiz Antonio Caso TIM - (Lattin On Corporations, pág. 355
35
Regra geral que também é aplicada no direito brasileiro e caso não seja respeitada será
considerado abuso de voto.
36
THOMPSON, Robert B. EDELMAN, Paul H. Corporate Voting. Vanderbilt Law Review, v. 62,
n. 1, 2009.
24

tal convicção, a fim de melhor analisar sua divergência ao contexto do


mercado de companhias brasileira.

Sabe-se que nos EUA, a grande maioria das empresas são sediadas
no Estado de Delaware, principalmente pelo Estado oferecer:

(i) rápida resolução de conflitos – a Delaware’s Court of


Chancery tem juízes especializados em direito corporativo e só
ouvem casos relacionados a assuntos societários;
(ii) grande flexibilidade nas estruturas de incorporação das
companhias;
(iii) sistema tributário que favorece às companhias que não têm
negócios no Estado; e
(iv) segurança jurídica atrelada à consistência das decisões da Court
of Chancery de Delaware. Por esses e outros motivos que
grande parte das empresas norte americanas têm sua sede
estabelecida em Delaware. Dessa forma, podemos dizer que a
principal regulação societária aplicada no território americano é
a Delaware General Corporation Law (“DGCL”).

Contudo, não é apenas o DGCL, mas diversas outras regulações


societárias dos demais estados americanos não regulam especificamente o
conflito de interesses entre o acionista e a companhia quando esse exerce o
direito de voto nas assembleias gerais.

“The DGCL does not address the issue of shareholder conflicts in


general terms: similar to the rest of corporate law codes in America, there
is no regime to sanction conflicted voting in shareholder resolutions.”37

37
GATTI, Matteo. Policing shareholder conflicts in acquisitions: the Law of the land, if any. The
University of Memphis Law Review, v. 47, p. 218.
25

Além disso, diferentemente da realidade brasileira, nos Estados


Unidos a grande maioria das empresas são negociadas em bolsa com grande
dispersão de capital em que prevalecem acionistas que controlam empresas
com muito menos de 50,01% do capital social.

Dessa forma, em decorrência de grande parte das sociedades de


capital aberto norte americanas possuírem capital disperso, o principal
poder de governança e decisório não está nas mãos de acionistas
controladores, mas sim nas mãos dos membros do conselho de
administração.

Nessa linha é a DGCL, que em seu §141 estabelece: “the business


and affairs of every corporation organized under this chapter shall be
managed by or under the direction of a board of directors.38”

Nessa mesma linha, Stephen Bainbridge visualiza a supremacia do


conselho e da diretoria na tomada de decisão nas companhias norte
americanas, considerando inclusive que os acionistas penosamente fazem
parte da governança corporativa: “Shareholder voting rights are properly
seen as simply one of many accountability tools available, not as part of the
firm's decision-making system.”39

Adicionando para esse entendimento os professores Robert B.


Thompson e Paul H. Edelman, demonstram que a autoridade no direito
americano não está na figura do acionista, seja ele controlador ou não, mas
sim nos membros do conselho.

“(…) shareholder voting is not the fount from which all corporate
authority flows.”40

38
Delaware General Corporation Law §141.
39
HUTCHINSON, Harry G. Director Primacy and Corporate Governance: Shareholder Voting
Rights Captured by the Accountability/Authority Paradigm. Loyola University Chicago Law
Journal, v. 36, n. 4, 2005.
BAINBRIDGE, Stephen M. Director Primacy: The Means and Ends of Corporate Governance, U.
L. Rev., p. 547-569, 2003.
BAINBRIDGE, Stephen M. Unocal at 20: Director Primacy in Corporate Takeovers. Del. J. Corp.
L., v. 72, p. 769-812, 2006.
40
THOMPSON, Robert B. EDELMAN, Paul H. Op. Cit.
26

Adicionam ainda que o voto dos acionistas é, principalmente


necessário, em dois principais momentos (i) eleição de administradores; e
(ii) aprovação de incorporações, há nesse segundo ponto ainda, total
discricionariedade do conselho de administração de decidir levar ou não
para frente a operação, ou seja, leva-la a votação em assembleia de
acionistas. Vide: “That shareholder voting is not designed as the plenary
governance mechanism can be seen in the two major contexts in which
shareholder voting is required – election of director and approval or
mergers.41”

Em suma, enquanto na realidade nacional temos os mais variados


assuntos e questões sendo necessariamente levadas aos acionistas por meio
de assembleias gerais, em decorrência da lei ou do próprio estatuto da
companhia, nos EUA ocorre o oposto, onde a grande maioria das questões é
analisada e decidida apenas no âmbito do conselho de administração, sendo
por ventura levadas à assembleia de acionistas.

Podemos verificar desde já que a realidade brasileira, sua legislação


e regulação societária em muito divergem da norte americana no que tange
ao conflito de interesses dos acionistas.

Por isso entendo ser inadequado importar os entendimentos


supramencionados para o ambiente societário brasileiro sem um adequado
entendimento e contextualização, inclusive para uma aprimorada
interpretação da norma nacional.

41
Ibid.
27

CAPÍTULO III – CONFLITO DE INTERESSES À LUZ DAS


DECISÕES DA CVM

A fim de melhor compreender o Conflito de Interesses no âmbito


nacional, torna-se indispensável e essencial a análise das Decisões do
Colegiado da CVM ao longo dos anos e o posicionamento tomado pela
Comissão entre as duas principais teses defendidas ao analisar o conflito de
interesses - a corrente formal e a material.

Ressalto que apenas foram analisados processos e votos em que o


debate se centrou na interpretação e aplicabilidade do §1º do art. 115 da Lei
das S.A., a fim de melhor compreender as correntes do conflito de
interesses.

3.1 Caso TIM (Inquérito Administrativo CVM nº RJ2001/4977)

O caso TIM teve origem com a assembleia geral extraordinária da


CTMR Celular S.A. (“CTMR”), em que foi aprovado, por unanimidade dos
acionistas presentes – incluindo o voto do controlador Tele Celular Sul
Participações S.A. (“Tele Celular”) - o pagamento de 1% da receita líquida
da CTMR à Telecom Itália Mobile (“Telecom Itália”), controladora
indireta, em royalties pelo uso da marca TIM.

Assim, a acionista Tele Celular era controladora da CTMR, e era


controlada indiretamente pela detentora da marca TIM. Dessa forma, a Tele
Celular estaria impedida de votar na deliberação assemblear de aprovação
do pagamento de royalties pela cessão do direito de uso da referida marca.

O Colegiado decidiu pela condenação da Tele Celular e do diretor


presidente da CTMR – encarregado de exercer o poder de controle da Tele
28

Celular - por infração ao art. 115, §1º da Lei 6.404/7642 (“Lei das S.A.”)
com o voto vencedor da Diretora Norma Jonssen Parente - Relatora,
acompanhada pelos Diretores José Luiz Osorio de Almeida Filho e
Wladimir Castelo Branco Castro, sendo voto vencido os Diretores Luiz
Antônio de Sampaio Campos e Marcelo F. Trindade.

No voto vencedor, a Diretora Relatora Norma Jonssen Parente


entende que há o impedimento do exercício do direito de voto pelo
acionista conflitado que não demonstre aos demais acionistas o que é de
interesse da companhia e que o contrato será celebrado em condições
equitativas, não havendo privilégios para qualquer das partes.

Esclarece ainda, que o conflito de interesses não tem como


pressuposto interesses opostos, mas sim a duplicidade de interesses do
acionista e que também, e não é necessário que haja vantagem para uma das
partes e prejuízo para a outra, para a caracterização do conflito de
interesses.

Nas palavras da Diretora: “A lei emprega a palavra conflito em


sentido lato abrangendo qualquer situação em que o acionista estiver
negociando com a sociedade” 43.

Dessa forma, a Diretora entende que havendo um conflito de


interesse, o acionista conflitado deve sim deixar de exercer seu voto, ou
seja, adotando a correte formal do conflito de interesses.

Já para o Diretor Marcelo F. Trindade, em seu voto vencido,


entendeu que no referido caso seria necessária analisar se seria uma

42
Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á
abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter,
para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo
para a companhia ou para outros acionistas. §1º o acionista não poderá votar nas deliberações da
assembléia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do
capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que
puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da
companhia.
43
CVM, Inquérito Administrativo CVM nº RJ2001/4977, Decisão do Colegiado, Rio de Janeiro,
19 dez. 2001.
29

hipótese de impedimento de voto, onde há benefício particular do acionista,


ou de conflito de interesse entre o acionista e a companhia.

Defendendo o Diretor que em caso de conflito de interesses, “o


conflito ser apurado a posteriori, segundo a melhor doutrina.”44. Resta claro
que no voto proferido o Diretor adere à corrente material para a análise do
conflito de interesses.

No caso TIM, após análise mais aprofundada da doutrina, o Diretor


Marcelo F. Trindade aderiu à opinião do Professor Fábio Konder
Comparato, entendendo que no caso de contrato celebrado entre acionista e
companhia, estaríamos diante de uma hipótese de benefício particular e,
consequentemente, de impedimento de voto onde houve o favorecimento da
Tele Celular, não havendo em se falar em conflito de interesses, entendendo
também, o Professor, que tal conflito deva ser analisado a posteriori.

Apesar de o Diretor acompanhar o voto da Diretora Relatora quanto


à imposição da multa à Tele Celular, os motivos e a construção do voto de
cada um foram totalmente distintos, restando clara a divergência da melhor
corrente do conflito de interesses a ser aplicável.

Também como voto vencido o Diretor Antônio de Sampaio Campos,


apesar de divergir das razões de direito do voto do Diretor Marcelo F.
Trindade, também se filia à corrente material, defendendo que “o conflito
de interesses deveria ser apreciado no caso concreto e específico, de forma
substancial e não forma.”45 O Diretor focou os esforços de seu voto na
defesa da corrente material do conflito de interesse.

Durante seu voto, o Diretor Antônio de Sampaio Campos recorre à


doutrina e jurisprudência estrangeira e nacional a fim de comprovar que o
entendimento majoritário no globo é do conflito de interesses material.

Discorda ainda Antônio Campos, do voto proferido pelo Diretor


Marcelo F. Trindade, afirmando não existir benefício particular no caso em

44
Ibid.
45
Ibid.
30

análise, já que a Tele Celular não iria auferir nenhum benefício por conta do
contrato celebrado, mas sim sua controladora, a Telecom Itália, que
receberia a contrapartida direta da celebração do contrato.

Em sua crítica direta à corrente formal, o Diretor Antônio Campos


afirma:

50. A presunção a priori é algo, a meu ver, muito violento e assistemático dentro
do regime do anonimato, pois afasta a presunção de boa-fé, que me parece ser a
presunção geral e mais tolhe um direito fundamental do acionista ordinário que é
o direito de voto, no pressuposto de que ele não teria como resistir à tentação.
Dito de outra forma, estar-se-ia a expropriar o direito de voto do acionista no
pressuposto de que ele poderia vir a prejudicar a companhia mediante o seu
exercício, em virtude de um aparente conflito de interesse. Haveria a presunção
de que o acionista perpetraria uma ilegalidade acaso fosse lícito que proferisse o
seu voto, numa espécie de consagração da fraqueza humana. Prefiro, em
situações genéricas, entender que as pessoas cumprem a lei, que não se deixam
trair por seus sentimentos egoísticos, porque, como disse, a boa-fé é a regra
igualmente o cumprimento da lei e a inocência. Ora, se isto não fosse verdade,
talvez fosse melhor não haver sociedade, pois a confiança é algo fundamental nas
relações societárias, até mesmo nas companhias abertas, pois ninguém, em sã
consciência, gostaria de ser sócio de alguém em que não confia, principalmente
se este alguém for o acionista controlador. Parece-me, assim, evidente a
distorção, pois a presunção de hoje e sempre é que as pessoas cumprem a lei.

O Diretor votou pela absolvição da Tele Celular e do diretor


presidente da CTMR, argumentando que não houve prova da lesão ao
interesse social.

Apesar das divergências de matéria de direito e de análise do caso,


ambos os diretores que proferiram os votos vencidos se mostraram
defensores da corrente material, demonstrando desde logo as opiniões
controvertidas no Colegiado da CVM.

Pelo exposto acima, no caso TIM, prevaleceu no Colegiado da CVM


o entendimento de que, havendo um conflito de interesse aparente, o
acionista conflitado deve sim deixar de exercer seu direito de voto. Dessa
forma, por 3 votos a 2, o entendimento do Colegiado se fixou aderindo
corrente formal na análise do conflito de interesses.
31

3.2 Caso PREVI (Inquérito Administrativo CVM nº RJ2002/1153)

O caso Previ teve origem com a Assembleia Geral Extraordinária da


Tele Norte Leste Participações S.A. (“Tele Norte”) na qual foi aprovado
Acordo de Prestação de Serviços a ser celebrado entre a Telemar
Participações (“Telemar”) e companhias cessionárias.

A aprovação se deu com os votos favoráveis da Caixa de Previdência


dos Funcionários do Banco do Brasil – PREVI (“Previ”) e da Fundação
SISTEL de Seguridade Social (“Sistel”).

Após análise pela Superintendência de Relações com Empresas


(“SEP”), constatou-se que a Previ e a Sistel possuíam participação indireta
na Telemar e participação direta Tele Norte, sedo Telemar era controladora
da Tele Norte.

Dessa forma, pela participação da Previ e Sistel em ambas as pontas


do Acordo, foi instaurado o inquérito.

O Colegiado decidiu pela absolvição da Previ e Sistel - por infração


ao art. 115, §1º da Lei das S.A. com o voto vencedor de Wladimir Castelo
Branco Castro, acompanhado pelos Diretores Luiz Leonardo Cantidiano e
Luiz Antonio de Sampaio Campos, sendo voto vencido a Diretora Norma
Jonssen Parente – Relatora.

Apesar de voto vencido à época, o brilhante voto da Relatora Norma


Jonssen Parente foi objeto de elogios pelos demais membros do Colegiado.
Seguindo a mesma linha adotada no voto proferido no caso TIM, a Relatora
defendeu a aplicação da corrente formal em caso de conflito de interesse.

A Relatora inicia seu voto estabelecendo distinção entre o abuso do


direito de voto e o conflito de interesses, concluindo que o primeiro deve
ser verificado a posteriori, e o segundo a priori, pelos motivos expostos
abaixo.
32

Esclarece ainda que o §1º do art. 115 da Lei das S.A. proibiu o
acionista de votar em qualquer deliberação em que puder ser beneficiado de
modo particular ou que esse tiver interesse conflitante com o da companhia,
destacando não haver qualquer margem para distinguir “vedação de direito
ao voto x conflito”46.

Nesse ponto, conforme demonstrado no voto do Diretor Luiz


Antônio de Sampaio Campos no caso TIM e no presente caso, os que
defendem o conflito material entendem que a proibição de voto se restringe
apenas às três primeiras hipóteses do parágrafo (e.g. deliberações de laudo
de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social, à
aprovação de suas contas como administrador e benefício particular47).

A fim de corroborar com seus entendimentos são citadas diversas


doutrinas nacionais e internacionais que defendem o conflito formal.

O voto apresenta ainda duas exceções à regra geral de impedimento


estabelecido no §1º do art. 115 da Lei das S.A., que seriam as hipóteses de
incorporação de companhia controlada e nos grupos de direito,
respectivamente artigos 264 e 265 da Lei das S.A.

Conforme ressaltado em seu voto no caso TIM, a Relatora volta a


enfatizar que o conflito de interesses surge simplesmente do duplo interesse
em relação à deliberação da Assembleia, visto que é irrelevante a intenção
de causar dano à companhia ou até mesmo o favorecimento de um frente ao
prejuízo de outro, mesmo que o voto se desse conforme o interesse social 48.

Pelo exposto acima, a Diretora Relatora vota pela condenação da


Previ e Sistel, mantendo seu entendimento já público no caso TIM.

Já o Diretor Wladimir Castelo Branco Castro, que no caso TIM


pronunciou voto em consonância com a corrente formal, mudou seu

46
CVM, Inquérito Administrativo CVM nº RJ2002/1153, Decisão do Colegiado, Rio de Janeiro,
06 nov. 2002.
47
Art. 115 §1º Lei das S.A.
48
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. II. 4ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 410.
33

posicionamento adotando a corrente material e divergindo da Diretora


Relatora. O Diretor pronunciou curto voto defendendo que o conflito deve
ser apurado a posteriori e votando pela absolvição dos acusados.

O Diretor Luiz Antônio de Sampaio Campos declarou voto no


mesmo sentido do proferido no caso TIM, defendendo a corrente material e
absolvendo os acusados.

Em seu voto, manteve críticas diretas à corrente formal,


principalmente no que tange à presunção de boa-fé, nos mesmos termos
trazidos pelo Diretor no caso TIM e acrescentando que a interpretação
formal traria situações de grande dificuldade, não se sustentando e não
sendo adequado ao sistema da Lei 6.404/76.

O Diretor acrescentou que a leitura do art. 115 §1º e do conflito de


interesses deve ser feita à luz do direito civil e das demais disposições da
Lei das S.A., citando a opinião de José Luiz Bulhões de Pedreira. Vide:

O § 1º do artigo 115 dispõe ainda que acionista não poderá votar nas deliberações
da Assembléia Geral em que tiver interesse conflitante com o da companhia, mas
essa norma não pode ser interpretada isoladamente - com abstração do § 4º do
artigo 115 - no qual a lei acrescenta que a deliberação tomada em decorrência do
voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável. 49

O Diretor Presidente Luiz Leonardo Cantidiano votou também


adotando a corrente material do conflito de interesse. Foi destacado em seu
voto que nas hipóteses do final do parágrafo 1º do artigo 115 da Lei das
S.A. em que não houver benefício particular do acionista ou seu interesse
estiver em sintonia com o da companhia, ele poderá votar 50.

Entendendo dessa forma, que no caso concreto os interesses da


Telemar e Tele Norte - e como acionistas de ambas Previ e Sistel – eram
convergentes.

49
Ibid.
50
Ibid.
34

Assim, no caso Previ acima relatado, após menos de um ano da


decisão do caso TIM em que o Colegiado aderiu à corrente formal, o
Colegiado alterou seu entendimento e fixou por 3 votos a 1, que em
hipótese de conflito de interesse a análise do conflito deveria se dar a
posteriori adotando a corrente material.

3.3 Caso Tractebel (Processo Administrativo CVM nº RJ2009/13179)

O caso Tractebel teve origem em consulta formulada após


questionamentos da SEP sobre a divulgação de fato relevante pela Tractebel
Energia S.A. (“Tractebel”), informando a aprovação por seu conselho de
administração da aquisição da totalidade das ações ordinárias de emissão da
Suez Energia Renovável S.A. (“Suez Energia”), detidas pela GDF Suez
Energy Latin America Participações Ltda. (“GDF Suez”) – controladora da
Tractebel.

Ou seja, a GDF Suez estava presente nas duas pontas do negócio a


ser aprovado atuando como controlador da Tractebel (compradora) e
acionista da Suez Energia (vendedora).

O Colegiado decidiu por responder à consulta informando que a


GDF Suez estaria impedida de exercer o direito de voto na assembleia que
aprovasse a aquisição de ações da Suez Energia mesmo com a criação de
comitê especial independente, conforme voto vencedor do Diretor Relator
Alexsandro Broedel, com voto dos Diretores Marcos Pinto, Otavio Yazbek
e Maria Helena Santana acompanhando as conclusões do Relator, sendo
voto vencido o Diretor Eli Loria.

O voto vencedor do Diretor Relator Alexsandro Broedel analisa os


precedentes da CVM – Casos TIM, Previ e Ambev51 - sobre o assunto e

51
Deixo de tratar aqui o caso Ambev, pois, apesar de votos proferidos defendendo a corrente
formal ou material do conflito, a decisão acabou por se fixar com infração a outro dispositivo legal
que não o art. 115 º§1º da Lei das S.A.
35

rebate os principais pontos defendidos até então pelos defensores da


corrente material.

O Diretor esclarece que o próprio parágrafo 1º do artigo 115 da Lei


das S.A., destaca expressamente “o acionista não poderá votar”52, não
entendendo o Diretor que “a melhor interpretação do texto referido seja
aquela que exclui a negativa da lei, para incluir que o acionista ‘poderá
votar’, em situação de conflito”53, como propõem os defensores da corrente
materialista.

Também explica que apesar de previsão legal das relações entre


grupos societários e sociedades controladoras e coligadas, essa previsão não
apresenta contradição à proibição de voto nos termos do art. 115 §1º da Lei
das S.A., argumentos que também foram defendidos pela Diretora Relatora
do Caso Previ.

O voto do Diretor Relator rebate ainda de aspectos econômicos do


conflito material, dos quais destaco dentre eles a assimetria informacional
entre os acionistas controladores e minoritários, não resta dúvidas que o
controlador possui informações mais precisas e amplas acerca das
transações que são realizadas pela companhia.

Acrescenta que a abstenção de voto do controlador apenas reduziria


o risco de causar prejuízos ao minoritário, divergindo da corrente
materialista que entende que a restrição do voto estaria impedindo a
dinâmica natural da empresa e inclusive dificultando a decisão no interesse
da companhia, já que entendem não haver ninguém melhor que o próprio
controlador (quem teria mais a perder e mais capital investido) para decidir
no melhor interesse da companhia.

O Diretor Relator conclui seu voto aderindo à corrente formalista,


porém, realizando certas ressalvas quanto à necessidade de sua
flexibilização, a fim de não “ignorar a capacidade do mercado de, por
52
Art. 115 §1º da Lei das S.A.
53
CVM, Processo Administrativo CVM nº RJ2009/13179, Decisão do Colegiado, Rio de Janeiro,
09 set. 2010.
36

mecanismos de governança, criar formas de mitigação e até resolver o


problema do conflito de interesses”54.

A Diretora Maria Helena Santana, também acompanhou o


entendimento do voto do Relator aderindo, consequentemente, à corrente
formal.

Em seu voto, a Diretora analisa dois aspectos do caso (i) o benefício


particular, entendendo que há o impedimento de voto quando a deliberação
resultar de benefício particular que não seja extensível aos demais
acionistas; e (ii) o impedimento do voto no conflito de interesse.

Em suma, a Diretora aponta fragilidade da visão materialista ao


entender que as três primeiras hipóteses do §1º do art. 115 da Lei das S.A.
são de impedimento de voto enquanto a última hipótese seria totalmente
diversa, estabelecendo sanção ao voto.

Esclarecendo ainda, que exigir a verificação de prejuízo à companhia


para enquadrar o conflito de interesse é dispensável, já que há proibição
geral ao abuso do direito de voto, nas palavras da Diretora:

O voto exercido com o fim de causar dano à companhia já é sancionado pela lei
em razão do seu caráter abusivo, seria totalmente supérflua a previsão, no § 1º
desse dispositivo, de um conflito de interesses que, do mesmo modo, só se
configuraria quando identificado o prejuízo ao interesse social. Se assim fosse, a
lei teria consagrado unicamente a proibição do abuso de direito de voto. 55

O Diretor Marcos Pinto, na mesma linha de entendimento dos votos


do Relator e da Diretora Maria Helena confronta ponto a ponto os
argumentos levantados pelos defensores do conflito material.

Para o Diretor, em contraponto à tese materialista que vinha sendo


adotada pelo Colegiado - que acreditava ser necessária a análise do mérito

54
CVM, Processo Administrativo CVM nº RJ2009/13179, Decisão do Colegiado, Rio de Janeiro,
09 set. 2010.
55
Ibid.
37

da deliberação, pois só após a análise poderia ser verificado o prejuízo ou


não à companhia – entendeu que:

Se o conflito de interesses só pudesse ser apurado depois da deliberação, o §1º do


art. 115 não faria sentido algum; ele nada acrescentaria ao caput do artigo. Esse
não foi, obviamente, o propósito da lei, que se propôs a tratar de maneira distinta
as duas situações, o abuso de voto e o conflito de interesses, como denota o
próprio título do artigo em questão. 56

O Diretor Marcos Pinto contrapõe ainda argumento muito utilizado


pelos defensores da corrente materialista, ao citarem o §4º do art. 115 da
Lei das S.A.57, defendendo que se o conflito de interesses fosse uma
hipótese de impedimento de voto a deliberação deveria ser considerada nula
ao invés de anulável.

Para o argumento acima exposto, o Diretor apresenta duas falhas:

(i) o §4º do art. 115 da Lei das S.A. ser aplicável às demais hipóteses do
§1º do referido artigo58 e ao sustentar tal argumento, não haveria
impedimento de voto em qualquer das hipóteses; e
(ii) a anulabilidade não levar ao controle a posteriori, já que a
anulabilidade é a solução normalmente utilizada em confronto às
deliberações viciadas.

Acrescenta, que a menção expressa à reparação de danos prevista no


final do §4º do art. 115 da Lei das S.A., não deve suscitar a existência de
conflito apenas em casos que há prejuízo à companhia.

Como já vimos em voto proferido pela Diretora Norma Parente no


caso Previ, o prejuízo à companhia não é necessário para a caracterização
do conflito de interesse e sim a mera existência de duplo interesse.

56
Ibid.
57
Art. 115, § 4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse
conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será
obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.
58
Deliberações decorrentes de laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do
capital social e à aprovação de suas contas como administrador
38

Dessa forma, o Diretor esclarece que defendendo tal argumento


posto pelos defensores da corrente materialista, estaríamos diante de um
absurdo jurídico, pois adotando raciocínio semelhante aos demais ilícitos
civis chegaríamos à conclusão de que “todas as condutas vedadas em
direito privado passariam a ser permitidas”59.

Concluindo que seguindo essa interpretação seria aplicada sanção do


§4º do art. 115 da Lei das S.A. ao acionista que não agiu ilicitamente.

O Diretor Marcos Pinto refuta o argumento que os ‘materialistas’


utilizam, envolvendo a ineficiência econômica de se adotar a corrente
formal, onde há temor, por parte dos defensores dessa corrente, que
existindo o impedimento de voto do controlador oportunidades de
operações empresariais podem ser perdidas pela companhia.

Porém, esclarece o Diretor que caso a oportunidade seja realmente


benéfica à companhia, apesar de impedido de votar, o controlador verá a
matéria aprovada pelos minoritários da companhia, já que o que beneficia à
companhia diretamente, beneficiará indiretamente todos os acionistas
inclusive os minoritários.

Também defendendo a corrente formalista, foi o voto do Diretor


Otávio Yazbek, abordando as controvérsias entre as correntes formalista e
materialista e reconhecendo a razoabilidade de ambas.

O Diretor, na mesma linha dos votos anteriormente mencionados,


filia-se à corrente do conflito formal, o que pode ser observado no decorrer
de seu voto, abaixo elucidado.

Esclarece ainda o Diretor Otávio Yazbek, na mesma linha do


raciocínio defendido por Norma Jonssen Parente em seu voto no caso Previ,
ao tratar da divergência entre conflito de interesse e voto abusivo:

59
Ibid.
39

O que a Lei cria, ao lidar com os conflitos de interesses, é um regime protetivo da


integridade da formação de vontade da sociedade. Ilicitude, reitero, decorreria
apenas da abusividade do voto propriamente dita, da obtenção daqueles efeitos
vedados por lei, estes sim muito provavelmente apenas apuráveis em momento
posterior.60

Em análise da mesma questão, os defensores da corrente material,


tendem a confundir os conceitos de voto abusivo e voto conflitado, levando
a avaliação necessariamente a posteriori do voto abusivo para o instituto do
voto conflitado.

O Diretor apresenta divergência aos votos dos Diretores Marcos


Pinto e Maria Helena Santana quanto à existência de benefício particular no
caso Tractebel, entendendo que o

Benefício particular é aquele que decorre do rompimento da relação de igualdade


dos acionistas enquanto tais. É aquilo que cria diferenciações onde não há
nenhum outro fundamento jurídico (que não o da condição de acionista) que as
possa justificar.61

Nesse sentido, o Diretor Otávio Yazbek, adota o mesmo


entendimento apresentado pela Diretora Norma Parente e Luiz Antônio no
caso Previ e TIM respectivamente, ao distinguir o benefício particular do
conflito de interesses.

De acordo com o Diretor, distinguem-se porque, no primeiro caso, se


está tratando de vantagens que diferenciam os acionistas exclusivamente na
qualidade de acionistas.

Já no segundo, os envolvidos podem figurar sob outro manto, como


partes contratantes, por exemplo. A confusão entre as duas categorias talvez
esteja relacionada não apenas aos debates acima referidos, mas também ao
fato de que, em ambos os casos, no fundo, talvez se esteja falando em
conflito de interesses em sentido amplo.

60
Ibid.
61
Ibid.
40

Já o Diretor Eli Loria, apresentou o voto vencido, faz breve histórico


da CVM sobre o tema, trazendo os casos TIM e Previ e estabelece que

A proibição de voto referida no art. 115, § 1º, exceto nos casos em que a situação
de conflito entre o interesse pessoal do acionista e o da sociedade foi totalmente
descrita (deliberações relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer
para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como
administrador) não tem o condão de impedir o voto do acionista a priori, mas
indica que o voto contrário ao interesse social é passível de anulação. 62

Restando claro o posicionamento do Diretor ao defender a corrente


material do conflito de interesses.

Assim, após o caso Tractebel, por 4 votos a 1, vencido o Diretor Eli


Loria, o Colegiado da CVM reformou novamente seu entendimento acerca
do conflito de interesses, retornando ao entendimento inicialmente fixado
no caso TIM, adotando a corrente formal para análise do conflito de
interesse.

3.4 Caso Eletrobras (Processo Administrativo Sancionador CVM nº


RJ2013/6635)

O caso Eletrobrás foi levado ao Colegiado por meio de acusação da


SEP em face da União Federal (“União”) na qualidade de acionista
controladora da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (“Eletrobras”) por ter
exercido seu poder de voto em situação de conflito de interesses, em
assembleia geral extraordinária, com voto a favor da renovação antecipada
de contratos de concessão celebrados entre subsidiárias da Companhia, e a
própria União.

Novamente, no presente caso podemos observar que o acusado


aparece nas duas pontas da negociação, de um lado como acionista

62
Ibid.
41

controlador final das sociedades contratadas e, de outro lado, como


contratante dos serviços prestados por essas sociedades que controla.

O Colegiado decidiu por aplicar multa, conforme voto da Diretora


Relatora Luciana Dias, acompanhada pelos Diretores Roberto Tadeu
Fernandes, Pablo Renteria e Leonardo Gomes Pereira.

Inicialmente a Relatora estabelece que o caso se trata de contrato


celebrado com parte relacionadas, em que a União figura em oposição à
companhia.

Nesse momento a Diretora explica que o caput do art. 115 da Lei das
S.A. obriga o exercício do direito de voto pelo acionista sempre no interesse
da companhia e veda o seu exercício quando o acionista está diante de uma
situação em que pode “escolher privilegiar um interesse seu em detrimento
dos interesses da companhia”63.

O voto dado pela Diretora Relatora Luciana Dias, analisa o conflito


de interesses em sociedades de economia mista, destacando como ponto de
partida o confronto entre o art. 238 da Lei das S.A.64 e a interpretação que o
Colegiado vem adotado nos anos anteriores à decisão do caso Eletrobras 65,
esclarecendo que tal conflito de interesses entre o Estado como regulador e
acionista controlador não é exclusivo do caso hora em análise.

Estabelece como objetivo de o voto responder se o controlador


público de sociedade de economia mista estaria impedido de votar por força
do art. 115 §1º.

Nesse sentido, a Relatora entende que o §1º do art. 115 da Lei das
S.A. adota diversos mecanismos para equilibrar os diversos interesses
existentes que permeiam o âmbito empresarial e as decisões a serem
tomadas do rumo da companhia.

63
CVM, Processo Administrativo CVM nº RJ2013/6635, Decisão do Colegiado, Rio de Janeiro,
26 mai. 2013.
64
Art. 238. A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e
responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades
da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação.
65
Faz-se referência aqui ao Caso Tractebel.
42

Assim, estabelece que o Capítulo XIX da Lei das S.A. não busca
terminar com o equilíbrio do art. 115, ou seja, o disposto no art. 238 da
referida lei, não autorizaria a exclusão do regime de equilíbrio previsto no
§1º do art. 115.

Em contraponto aos argumentos trazidos pela defesa, a Relatora


acrescenta que os interesses públicos que justificaram a criação da
Eletrobras estão, protegidos pois (i) tais interesses estão incorporados no
estatuto e objeto social; e (ii) há proibição legal da exploração ou realização
de atividades não previstas na lei que autoriza a constituição da sociedade
de economia mista.

Após analisar a compatibilidade dos dispositivos legais aplicáveis às


sociedades de economia mistas com os impedimentos de voto previstos no
art. 115 §1º da Lei das S.A., a Relatora concluiu pela aplicabilidade do
impedimento de voto às sociedades de economia mista, adotando o
entendimento do conflito de interesse formal, consolidado pelo Colegiado
da CVM na decisão do caso Tractebel.

Os demais Diretores Roberto Tadeu Fernandes, Pablo Renteria e


Leonardo Gomes Pereira, acompanharam o voto da Relatora, acima
explanado, sem ressalvas.

Dessa forma, o Colegiado da CVM, por unanimidade, decidiu pela


penalização da União, mantendo o entendimento adotado pela CVM no
caso Tractebel e assegurando o acolhimento da corrente formal na análise
do conflito de interesse no ordenamento jurídico brasileiro.

3.5 Caso EMAE (Processo Administrativo CVM nº 19957.005749/2017-29)

O caso EMAE se originou em reclamações de investidores da


Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. (“EMAE”), perante a
CVM, envolvendo potencial conflito de interesses do Estado de São Paulo
no exercício de seu direito de voto em assembleia da EMAE que iria
43

deliberar acordo entre a EMAE e a Companhia de Saneamento Básico de


São Paulo (“SABESP”), ambas tendo como acionista controlador o Estado
de São Paulo.

Assim, após decisão da SEP entendendo pelo impedimento de voto


do Estado de São Paulo, esse recorreu da decisão da área técnica levando o
processo para análise do Colegiado do presente caso.

O Colegiado decidiu por maioria indeferir o recurso interposto


concluindo pelo impedimento de voto do Estado de São Paulo na
deliberação da assembleia da EMAE, conforme manifestações dos
Diretores Leonardo Pereira, Pablo Renteria e Henrique Machado, sendo
vencidos os Diretores Gustavo Borba e Gustavo Machado Gonzales.

O Diretor Leonardo Pereira entendeu que o impedimento do voto é


intrínseco à posição de acionista do Estado de São Paulo em ambas as
companhias (SABESP e EMAE), sendo independente a quantidade de
ações que detém nas companhias, ou seja, sendo acionista controlador ou
não.

O Diretor esclarece que quando ocorre o conflito de interesses “o


que se pretende dizer é que aquela pessoa não possui a isenção ou o
ceticismo suficiente para assegurar que a decisão seja tomada de maneira
imparcial, pois há outros interesses externos envolvidos.”66 (grifou-se).
Onde o impedimento é dirigido exclusivamente à figura do acionista em
particular e não à determinada espécie de ações.

Por fim, o Diretor Leonardo Pereira também destaca que mesmo que
o Acordo entre a Sabesp e EMAE tenha sido negociado pelos
administradores – sujeitos aos deveres fiduciários – não afastaria o conflito
de interesses já que o impedimento do voto decorre de própria ordem legal
prevista na última hipótese do art. 115 §1º da Lei das S.A.

66
CVM, Processo CVM nº RJ 19957.005749/2017-29, Decisão do Colegiado, Rio de Janeiro,
2017.
44

O Diretor Pablo Renteria acompanha a posição defendida pelo


Diretor Leonardo Pereira, sustentando dessa forma o conflito formal como
a melhor interpretação da norma e com o consequente impedimento de voto
por parte do Estado de São Paulo.

Pablo Renteria acrescenta que o Caso EMAE não estaria presente o


benefício particular, já que “a transação não proporciona ao Estado de São
Paulo, na qualidade de acionista da Companhia, uma vantagem exclusiva,
não compartilhada com os demais acionistas.”, esclarecendo que o caso
deve ser analisado somente à luz do art. 115 §1º da Lei das S.A. e que o
conflito de interesse estará configurado quando houver interesse oposto ou
paralelo ao da companhia, que possa interferir na isenção do acionista de
votar no melhor interesse da própria companhia.

Complementa ainda o Diretor, que para resultar no impedimento de


voto, o conflito de interesse deve ser flagrante, como o é no presente caso,
já que é nítido o conflito com a presença do Estado de São Paulo como
acionista controlador de ambas as partes que celebrariam o acordo.

O Diretor Pablo Renteria - na mesma linha que o Diretor Leonardo


Pereira em seu voto - esclarece apesar do único acionista detentora de ações
com poder de voto estar impedido de votar por força do art. 115 §1º da Lei
das S.A., não haveria inviabilidade de consumação da operação já que –
dentre outras questões específicas do caso (e.g. estatuto não exigir a
aprovação do acordo pela assembleia) – já que nas palavras do diretor:

Ao apreciar situações similares, em que também havia se identificado o


impedimento de voto em relação à totalidade dos acionistas ordinaristas, este
Colegiado já reconheceu que a operação poderia ser concluída mediante a
realização de assembleia especial de preferencialistas, independentemente de
previsão estatutária. 67 (grifou-se)

67
Ibid.
O Diretor fez referência aos seguintes precedentes da CVM: (PAS nº RJ2006/6785, 25 set. 2006 e
PAS nº RJ2009/5811, 28 jul. 2009)
45

Já o Diretor Henrique Machado acompanhou os entendimentos do


Diretor Pablo Renteria proferidos em seu voto, conforme acima destacados.

O Diretor Gustavo Borba apresenta voto um tanto quanto


controverso, já que o Diretor adere expressamente à corrente formal do
conflito de interesses por entender que a posição está em sintonia com a
própria Lei das S.A., e também “considerando razões de segurança
jurídica”68, a fim de não prolongar discussões no colegiado sobre o conflito
de interesses.

Contudo, ao reverso da conclusão que chegaram os Diretores


Leonardo Pereira e Pablo Renteria, o Diretor Gustavo Borba concluiu que
quando todos os acionistas que puderem votar forem considerados
impedidos por conflito de interesse, a conclusão do impedimento de voto
seria discutível já que geraria impasse à companhia.

Concluiu que no presente caso apesar do Estado de São Paulo estar


conflitado, o fato de possuir 100% do capital votante da EMAE, o art. 115
§2º e art. 134 §6º ambos da Lei das S.A., seriam aplicados analogicamente
ao caso, cessando o impedimento de voto do Estado de São Paulo por força
do art. 115 §1º da Lei das S.A., ou seja, não haveria impedimento de voto
quando o acionista detivesse de 100% das ações votantes da companhia.

Proferindo voto distinto dos demais diretores do colegiado da CVM,


o Diretor Gustavo Gonzales, aderindo à corrente do conflito de interesses
material, votou pelo provimento do recurso apresentado pelo Estado de São
Paulo e consequentemente pela possibilidade de exercício do direito de voto
na assembleia da EMAE.

Em voto extenso o Diretor Gustavo Gonzales desenvolveu


praticamente os mesmos argumentos levantados – e acima destacados –

68
CVM, Processo CVM nº RJ 19957.005749/2017-29, Decisão do Colegiado, Rio de Janeiro,
2017.
46

pelos Diretores Luiz Antônio e Wladimir Castelo Branco nos casos TIM e
Previ e pelo Diretor Eli Loria no Caso Tractebel.69

Dessa forma, sete anos após a decisão do Colegiado da CVM no


Caso Tractebel - firmando o entendimento do colegiado em aplicar o
conflito de interesses formal - foram novamente levantados debates sobre
qual teoria do conflito de interesses deve ser adotada.

Apesar do colegiado ter mantido seu entendimento conforme decisão


proferida no caso Tractebel, reviveu-se o debate e o confronto das duas
principais correntes do conflito de interesses.

3.6 Quadro comparativo

A fim de melhor visualizar o posicionamento do Colegiado nos


últimos anos, veja abaixo quadro comparativo com os principais pontos dos
casos abordados acima.

Posicionamento Data da
Caso Ponto de Destaque
do Colegiado Decisão
Entendimento de que o
conflito de interesses
não tem como
pressuposto interesses
TIM opostos, mas sim a
Conflito Formal 19.12.2001
(RJ2001/4977) duplicidade de
interesses do acionista,
também não sendo
necessário a existência
de vantagem para uma

69
Ibid.
47

das partes e prejuízo


para a outra, para a
caracterização do
conflito de interesses.
Decisão em que o
Colegiado da CVM
altera o antigo
Previ Conflito
06.11.2002 entendimento,
(RJ2002/1153) Material
prevalecendo assim os
argumentos da corrente
material.
Apresentação de
diversos votos que
elucidam argumentos
que contrapõem
Tractebel
Conflito Formal 09.09.2010 diretamente a corrente
(RJ2009/13179)
material do conflito de
interesses, dos quais
destaco o voto do
Diretor Marcos Pinto
Apesar de não adentrar
nos argumentos das
correntes do conflito de
interesses, há
fortalecimento da
Eletrobras
Conflito Formal 26.05.2015 corrente formalista
(RJ2013/6635)
como a adotada pelo
Colegiado da CVM.
Estabelecendo a
aplicabilidade do art.
115 §1º da Lei das S.A.
48

às sociedades de
economia mista.
Mesmo que a
companhia tenha um
único acionista,
detendo direta e/ou
indiretamente 100%
das ações com direito
de voto da sociedade,
se flagrante o conflito
de interesses, o
controlador estará
EMAE
impedido de votar.
(19957.005749/ Conflito Formal 26.09.2017
Contudo, a operação
2017-29)
poderia ser concluída
com a realização de
assembleia especial de
preferencialistas,
independentemente de
previsão estatutária.
(PAS nº RJ2006/6785,
25.9.2006 e PAS nº
RJ2009/5811,
28.7.2009.)
49

CAPÍTULO IV – ÉTICA, BOA-FÉ E O CONFLITO DE


INTERESSES

Tendo em vista os temas abordados nos Capítulos anteriores, é


essencial para uma melhor análise das correntes - além dos debates
jurídicos - voltarmos nossa atenção para um viés um pouco mais filosófico.

Assim, explorar um lado mais filosófico da conduta esperada e


adotada por um acionista ao exercer seu direito de voto é indispensável para
que seja possível concluir por uma corrente ou outra.

4.1 Boa-fé e a aplicação do venire contra factum proprium

O princípio da boa-fé cumpre papel fundamental no direito


contemporâneo, a fim de resguardar as relações interpessoais amparadas
pelo Direito.

Tem também grande relevância a tutela da confiança – derivada da


boa-fé - que busca levar a atenção do direito aos efeitos práticos de se
adotar certa conduta.

A melhor doutrina acerca do tema, concorda pela existência de uma


tríplice função da boa-fé:

(i) função de interpretação dos negócios jurídicos;


(ii) função de criação de deveres acessórios ao principal; e
(iii) função de restrição ao exercício de certos direitos.

Com o desenvolvimento dos princípios que envolvem a boa-fé,


volta-se à proteção da confiança nas relações contratuais, com o princípio
nemo potest venire contra factum proprium, a fim de resguardar a coerência
dos atos praticados e a preservação da confiança depositada na outra parte
na manutenção de um comportamento esperado.
50

“A confiança, inserida no amplo movimento de solidarização do


direito, vem justamente valorizar a dimensão social do exercício dos
direitos, ou seja, o reflexo das condutas individuais sobre terceiros.”70

Assim, são estabelecidos 4 pressupostos para a aplicação do


princípio de proibição ao comportamento contraditório, sendo eles:

(i) um factum proprium, isto é, uma conduta inicial;


(ii) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo desta
conduta;
(iii) um comportamento contraditório com este sentido objetivo (e, por isto
mesmo, violador da confiança); e
(iv) um dano, ou no mínimo um potencial de dano a partir da contradição”.71

Dessa forma, podemos concluir que na hipótese do exercício de


direito de voto de um acionista em conflito de interesses estão presentes
todos os pressupostos para aplicação do princípio de proibição, já que:

(i) A conduta inicial está presente na adesão aos Estatuto Social da


Companhia e no próprio momento em que se se torna acionista da
sociedade, já que passa a obter todos os direitos e obrigações
inerentes à figura de acionista, ou seja, votar no interesse da
companhia por força da primeira parte do caput do art. 115 da Lei
das S.A.;

(ii) Tendo em vista a aplicabilidade do item anterior, todos os acionistas


esperam, têm a expectativa e confiam que os demais acionistas da
companhia irão respeitar essa conduta inicial que é esperada de todo
acionista, seja ele controlador ou não;

70
SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da Confiança e
venire contra factum proprium. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 93.
71
Ibid. p. 132.
51

(iii) Nesse sentido, ao se deparar com a tentativa ou até o exercício do


direito de voto por um acionista em conflito de interesses, resta clara
a violação à confiança depositada pelos acionistas uns nos outros de
sempre buscar o melhor fim social. Não restam dúvidas que ao
exercer o direito de voto em divergência ao melhor interesse da
sociedade o comportamento do acionista seria considerado
contraditório, já que se espera conduta diversa; e

(iv) Também resta claro que mesmo não existindo dano direto à
sociedade, não há dúvidas que o exercício de voto em contraposto ao
interesse da companhia tem um grande potencial de causar danos não
só à própria sociedade como aos demais acionistas.

Verifica-se a aplicabilidade do princípio discorrido acima ao direito


societário e ao debate do conflito de interesses que é analisado no presente
trabalho. Vide:

O princípio de proibição do comportamento contraditório encontra ampla


aplicação no campo societário, onde as relações entre sócios têm caráter
continuado e vêm travadas muitas vezes de forma não-vinculante, com base em
um estado fático de recíproca confiança.72

Assim, a caracterização do princípio de proibição ao comportamento


contraditório gerará como consequência o impedimento da conduta
contraditória, que no nosso caso seria o exercício do direito de voto pelo
acionista conflitado.

Ou seja, havendo a violação à boa-fé e à confiança – conforme se


verifica no exercício do voto conflitado – a principal sanção seria o
impedimento do exercício da conduta contraditória (o voto).

72
Ibid. p. 218.
52

E, de fato, é mais eficiente, sob o ponto de vista da composição dos conflitos de


interesses e da tutela da confiança, impedir, com anterioridade, o venire contra
factum proprium, que impor o posterior ressarcimento dos prejuízos resultantes
da conduta incoerente. 73

Nesse sentido, fortalece ainda mais os argumentos dos defensores da


corrente formal, em que o §1º do art.115 da Lei das S.A. é uma norma de
caráter preventivo, que busca proibir uma conduta adversa (comportamento
contraditório) por parte do acionista com o impedimento do exercício do
seu direito de votar.

4.2 Compliance

Corroborando para os entendimentos dispostos acima, envolvendo o


princípio da boa-fé, confiança e venire contra factum proprium, cabe
também relacionarmos o exercício de direito de voto em conflito de
interesses com o compliance, conceito cada vez mais difundido e
incrementado pelas sociedades atualmente.

Dessa forma, em sede de uma competente administração


empresarial, sem descolar-se do conceito filosófico, responsabilidades
éticas têm plena correspondência com os comportamentos, decisões e
condutas esperadas (ação) ou proibidas (inação) por todos aqueles de forma
direta (gestores e colaboradores) ou indiretas (acionistas, parceiros,
fornecedores e outras partes interessadas)74.

Ética é – de forma simples - o resultado de valores morais de


comportamento baseado no que é bom ou mau, certo e errado. Ser ético e
íntegro passa a ser um requisito cada vez mais importante em ambientes de
negócios.

73
Ibid. p. 163.
74
Giovanini, Wagner. Compliance: a excelência na prática. 1ª edição – São Paulo: 2014
53

No contexto moderno, parece lícito afirmar que questões, supralegais


ganharam espaço e as organizações precisam estar atentas não só às suas
responsabilidades econômicas e legais, mas também às suas
responsabilidades e valores morais e sociais75.

Não é outro o objetivo da CVM. “No mercado brasileiro, a


utilização de informações privilegiadas e operações feitas por insiders não
eram vistas sequer como antiéticas.” Hoje determinados comportamentos
não são mais aceitáveis e outros, ainda que não tenham proibição legal ou
normativa, se praticados, se tornariam escândalos nacionais e até
internacionais76.

Esse salto de entendimento e necessidade deu-se no Brasil quando o


ex-presidente da CVM Ary Oswaldo de Matos Filho77 teve a iniciativa de
abrir o mercado acionário brasileiro para investidores estrangeiros.

A possibilidade de negociações com investidores estrangeiros foi


importante na globalização do mercado. E foi com essa iniciativa que
ocorreu a necessidade de alavancagem da qualidade de governança e
gestão, assim como a necessidade de comportamentos éticos alinhados à
modelos internacionais, com verdadeira transformação de práticas e
regramentos no Brasil.

Nesse contexto entrou no Brasil, especialmente em empresas do


Mercado de Capitais78, o Compliance; o estar em conformidade com as leis,
as regras e, além delas e principalmente, ser ético e preservar a boa-fé, na
manutenção de uma conduta esperada.

E sobre esse comportamento ético além dos ditames normativos,


cita-se Vidor, que assim a descreve, quando trata da saída do advogado e

75
ASHLEY, Patrícia Almeida (org.). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo:
Saraiva, 2005.
76
VIDOR, George. A história da CVM pelo olhar de seus ex-presidentes. Rio de Janeiro: CVM,
2016. p. 66-67.
77
Presidente da CVM no período de 29.03.1990 a 26.02.1992.
78
VIDOR, George. Op. Cit., p. 65.
54

ex-presidente da CVM (18.08.1995 a 28.01.2000) Francisco da Costa e


Silva: “Não havia essa exigência, mas o advogado estabeleceu quarentena
para si mesmo. Deixou a CVM em janeiro e só abriu seu escritório em abril
de 2000 [...]”

Embora não seja identificado na literatura referência expressa de que


a adoção por parte das empresas de uma instância de Compliance (e de um
código de ética), tenha induzido comportamentos de decisões de acionistas,
não é leviano entender que diante do cenário mundial - mesmo no pós-
pandemia - cada vez mais a adoção de instrumentos de correção moral e
ética terá reflexos na performance econômica da empresa, inclusive pelas
ações e comportamentos de acionistas, tanto os majoritários quanto os
minoritários com poder político.

Assim, comportamentos tidos como antiéticos e movimentos em


causa própria com nítido ou mesmo aparente movimento unilateral de auto
favorecimento e possível benefício pessoal em uma deliberação conflitada
por parte de acionistas, não serão aceitos pelos demais sócios da companhia
e, a curto ou médio prazo poderão influenciar na performance e resultados
da empresa.

Resta claro que sendo de entendimento comum entre os acionistas


que a intenção de voto do acionista majoritário é impessoal e deve estar
alinhada com o interesse da companhia, seu voto estaria em plena
consonância com o voto dos demais acionistas cuja representatividade e
peso são menores. E, sendo assim, a participação do acionista controlador
em matérias que estaria conflitado seria prescindível.

O tema em tela no contexto atual não aborda uma análise positivista


ou com espaços para uma hermenêutica clássica, vai além, alcança
ambiente de integridade e foca na identidade, ética, moral e nos valores da
empresa.
55

Trata-se na verdade de correção de postura no momento de tomada


de decisão, claro indicador de solidez e transmissão de confiança e respeito
a todos os acionistas.

Assim, tanto o currículo, a reputação e a trajetória de sucesso do alto


escalão da governança e da gestão da companhia (CEO - Chief Executive
Officer, CFO - Chief Financial Officer, COO - Chief Operating Officer
etc.); quanto a dos acionistas - principalmente os controladores - são
importantes não apenas para o melhor desempenho da companhia, mas
também para gerar maior confiança dos acionistas e do mercado mas
também para o valor de suas ações.

A saúde da empresa é um sistema aberto que certamente abrange


critérios de comportamento de governança, de gestão, de compromisso
socioambiental, de performance de colaboradores e, não menos, de
comportamento de acionistas.
56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista todo o exposto no presente trabalho e as


características do mercado de capitais brasileiro, a composição dos quadros
acionários das companhias de capital aberto e as disposições da Lei das
S.A., entendo que a corrente formal do conflito de interesses entre acionista
e companhia é a melhor, se não a única interpretação possível da Lei.

Apesar da clara defesa à corrente formal exposta ao longo do


presente trabalho, buscou-se esclarecer e pontuar com maior clareza os
principais argumentos sustentados pelas duas principais correntes do
conflito de interesses entre o acionista e a sociedade no Brasil.

Contudo, apesar de todo o ativismo e esforços envidados à alteração


do entendimento que prevalece pela letra da Lei e nas decisões do
Colegiado da CVM, acredito que a melhor leitura já é a adotada e qualquer
desvio nessa interpretação e na aplicação da corrente formal poderia vir a
colocar em cheque a confiança e a credibilidade de acionistas.

Inclusive, conforme demonstrado ao longo do Capítulo IV, a


necessidade de manutenção da conduta esperada do acionista em seu
exercício do direito de voto e a preservação da confiança entre os acionistas
da sociedade são essenciais para a existência de um ambiente resguardado
pelos princípios da boa-fé, venire contra factum proprium e, inclusive, um
ambiente de estar em Compliance assinalando solidez, confiança e respeito
na relação entre todos os acionistas.

Contudo, como toda boa democracia, afasto brevemente minha


convicção e deixo em aberto ao leitor o exercício da própria cognição e
reflexão frente aos argumentos explorados e elucidados no presente
trabalho para a formação de sua opinião acerca do tema.
57

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