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 Vovó tem Alzha… o quê ?

E u me chamo Camila.
Quero contar a história da minha avó, pois nos últimos dias ela tem estado
bastante estranha.

Quando eu era pequena, costumava visitá-la em sua grande casa.


Ela era repleta de cheiros maravilhosos, como o de geleia de morangos.
Vovó sempre me recebia de braços abertos.
Eu ficava muito contente ao vê-la.
Sabia que íamos passar momentos maravilhosos juntas.

Cada manhã começava de um jeito especial: vovó me mostrava o seu “tesouro”.


Sua cabeça estava cheia de lembranças e, quando ela abria seu álbum de fotos, não
havia uma única pergunta minha que ela não respondesse.
— Vovó, essa menininha aí é você mesma? Eu poderia jurar que era eu!
Depois saíamos e fazíamos compras, íamos à padaria e ao açougue.
Eu gostava muito de ir com ela ao açougue, porque foi lá que vovó tinha
trabalhado quando era mais jovem.
Era difícil de acreditar!

No caminho de volta, nós sempre passávamos pelo parque. Nós jogávamos


alguns pedacinhos de pão para os patos no lago.
Nós gostávamos de parar um pouco para observá-los. Vovó achava que eles
eram muito fofinhos.

De tarde, nos transformávamos em padeiros e nos preparávamos para o lanche.


Eu adorava preparar o lanche com ela.
Nossa especialidade? Bolos de chocolate com montes de creme!
Eu colocava o avental e pegava a colher para misturar os ingredientes. Vovó até
me deixava lamber a colher... era demais!

De noite, ela me contava histórias do tempo em que tinha a minha idade. Ela
me falava da sua escola e das suas brincadeiras preferidas.
Eu gostava muito de ouvir sua voz doce e tranqüila. Eu adorava suas histórias!

Então vinha minha hora favorita: a gente olhava nos olhos uma da outra e
dávamos “um beijo bem estalado”, como ela dizia.
E a gente ria tão alto, mas tão alto, que se ouvia na casa inteira. Aquele beijo
era tão especial!
Como eu me sentia calma e protegida com a vovó!
E para me fazer dormir, vovó me pegava nos braços e cantava sua canção
preferida:
“Felicidade foi-se embora...”
Eu ainda sei essa canção de cor.

M as um dia, quando eu cheguei em sua casa, senti que alguma coisa tinha
mudado. Ela me disse:
— Bom dia, Rosa!
— Mas eu não me chamo Rosa, vovó! Você está enganada, sou eu, Camila!
Eu achei que ela estivesse brincando comigo...
Mas, infelizmente, ela não estava brincando. Estava confusa e com dificuldades
para lembrar nomes.
Mais tarde, ela me disse outra coisa estranha:
— Vamos, papai, vamos pescar passarinhos!
No começo eu achei que ela estivesse fazendo palhaçada.
Mas então eu vi que ela estava realmente tendo problemas com as palavras.
Naquela noite ela colocou seus sapatos na geladeira, perdeu-se dentro de casa e
não achava mais sua cama.
Na manhã seguinte, vovó tentou comer o guardanapo.Você acredita? Eu
precisava tomar conta dela o tempo todo. Foi então que eu compreendi que vovô não
estava fazendo palhaçada. Ela estava doente e sua doença a levava a fazer coisas
estranhas.
O médico explicou que ela sofria da doença de Alzheimer.
— Alzha... o quê? — eu perguntei.
O que quer que fosse, ela precisava de ajuda.

H oje, vovó não mora mais na sua casa. Ela mora numa casa grande com
muitos vovôs e vovós como ela.
As enfermeiras cuidam dela, pois ela não consegue mais comer sozinha, nem
tomar banho, nem andar, nem fazer bolos de chocolate com montes de creme.
Eu me sinto triste porque ela mudou tanto. Mas eu sempre vou visitá-la. E sabe
de uma coisa?
Hoje, sou eu que levo bolo de chocolate com montes de creme para ela. Eu que
mostro a ela meu álbum de fotos.
Eu que levo vovó para passear pelos corredores, e que lhe conto histórias.

É verdade que ela não é mais como antes, mas ela é minha vovó e eu a amo
muito.
Acho que vovó não me entende mais quando eu falo com ela. Mas há uma coisa
da qual tenho certeza: vovó entende perfeitamente nosso “beijo bem estalado”.
E ela ri alto, toda feliz.

Véronique Van den Abeele


Vovó tem Alzha... o quê
São Paulo (SP), FTD, 2007

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