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Noções Práticas em

Cirurgia Cabeça e Pescoço

Autores Principais

Joana Mendes Conegundes


Lysio França
Sérgio Luiz Coelho Negri

Autores Colaboradores

Bruna Villani Bonaccorsi


Eduardo Paulo Coelho Rocha Junior
João Paulo Solar Vasconcelos
Laryssa de Cássia Ferreira
Letícia Castro de Lacerda Gontijo
Lincoln Warley Ferreira
Lorenzo Duarte Testolin
Marcus Simões Castilho
Rafael dos Santos Malheiros
Ruan Bernard Nascimento dos Santos
Sabrina Magalhães Barro Carvalho
Sérgio Edriane Rezende
Simone Chaves de Miranda Silvestre

1ª Edição

2022
Editor Chefe
Dr. Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Professor do Dpto. Bioquímica e Farmacologia - Universidade Federal do Piauí (UFPI). MSc. em Química Orgânica - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dr.
em Medicina Interna - Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Editores e Equipe de Design –


Equipe de editores permanentes e colaboradores da Editora Pasteur

Dr. Alaércio Aparecido de Oliveira Dr Guilherme Barroso L de Freitas


Dra. Aldenora Maria X Rodrigues Dra. Hanan Khaled Sleiman
Bruna Milla Kaminski MSc. Juliane Cristina de A Paganini
Dr. Daniel Brustolin Ludwig Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
Dr. Durinézio José de Almeida MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
Dr. Everton Dias D’Andréa Dra. Márcia Astrês Fernandes
Dr. Fábio Solon Tajra Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
Francisco Tiago dos S Silva Júnior Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Raul Sousa Andreza
Dr. Geison Eduardo Cambri Dra. Teresa Leal
MSc. Guilherme Augusto G. Martins

Ilustrações
Sérgio Luiz Coelho Negri

C747 CONEGUNDES, Joana Mendes.


Cirurgia de Cabeça e Pescoço/ Joana Mendes Conegundes; Lysio França & Sérgio Luiz
Coelho Negri. – Belo Horizonte: Editora Pasteur, 2022.

290 p.; il.


Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-867-0099-2
https://doi.org/ 10.29327/557864

1. Medicina. 2. Câncer. 3. Cirurgia.


I. França, Lysio. II. Negri, Sérgio Luiz Coelho. III. Título

CDU 601/618

Termos de Uso

Este é um trabalho protegido por direitos autorais e a Editora Pasteur e os respectivos autores da obra reservam todos os direitos relativos ao trabalho.
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proibido. Seu direito de usar a obra pode ser rescindido se você deixar de cumprir estes termos.
PREFÁCIO

A cirurgia de cabeça e pescoço é uma especialidade desafiadora. Somente com o diagnóstico preciso e completo
estadiamento, consegue-se diminuir a precariedade do tratamento.

Sob a liderança do Dr. Lysio França, Dr. Sergio Negri, Dra. Joana Conegundes, e com a participação de ex-residentes,
oncologistas e nutricionista, foi possível escrever um livro que contempla capítulos importantes da cirurgia de cabeça e
pescoço, na expectativa de orientar nossos colegas a tomarem decisões efetivas e eficientes.

A intenção inicial era criar um manual para residentes, a fim de permitir consulta rápida de assuntos específicos da
especialidade. A qualidade dos capítulos, no entanto, resultou em um livro, tornando a leitura ainda mais interessante. A
linguagem é bastante compreensível e a experiência dos autores, de fácil reconhecimento e abrangência. Os assuntos
proporcionam ao leitor a informação necessária acerca do diagnóstico e tratamento de afecções cirúrgicas da cabeça e
pescoço, notadamente os tumores.

O livro começa com o capítulo sobre exame físico em cirurgia de cabeça e pescoço. Segue com assuntos técnicos cirúrgicos
interessantes e atuais de lesões em segmentos anatômicos da região crânio-cérvico-facial e passa por análise detalhada do
tratamento adjuvante dos tumores, aspectos nutricionais, prognóstico e reflexões sobre o câncer avançado de cabeça e
pescoço.

Embora fosse o desejo dos autores escrever para os residentes, é certo que foram os doentes os mais beneficiados. Na
expectativa de contribuir para o desenvolvimento contínuo da assistência médica, o Hospital Felício Rocho externou apoio
aos organizadores, Lysio, Sergio e Joana, brilhantes cirurgiões dessa fascinante especialidade no Hospital. Os organizadores
desse livro também foram felizes ao convidarem profissionais de altíssimo nível como autores de importantes capítulos. A
todos, os meus efusivos cumprimentos pelo trabalho.

No último encontro que tive com um amigo, operado de um carcinoma de células escamosas ulcerado em base de língua, e
em uma de suas últimas sessões de quimioterapia, ele deixou escapar o seguinte comentário:

“Felizmente tive a sorte de encontrar um “pai cirurgião” que pegou em minha mão antes da
indução anestésica, e o sono pode cair leve. Pronto! Virei paciente de um pai cirurgião, que sabia
tudo o que se passava em minha cabeça. O sono profundo veio com a certeza de que eu estava
protegido. Estou terminando o meu tratamento e iniciando um novo tempo de pura esperança”.

Esse amigo foi tratado pela equipe responsável por essa obra. Por essa e outras razões, estou certo de que o livro, que tenho
o prazer de prefaciar, traz contribuições importantes à especialidade. Uma leitura indispensável, para trazer luz e segurança
na condução de pacientes portadores de lesão cirúrgica nesse segmento tão nobre do corpo dos humanos. É uma referência
atualizada e útil para o tratamento dos pacientes.

Cabe a mim agradecer à equipe que trabalhou nesta primeira edição.

Domingos André Drumond

Cirurgião Geral do Hospital Felício Rocho

Coordenador e Cirurgião do Trauma, Hospital João XXIII


APRESENTAÇÃO

Caros leitores,

A educação médica tem evoluído graças ao esforço contínuo de profissionais comprometidos com uma medicina atual,
dinâmica, inovadora e de vanguarda. Este pensamento está alinhado ao de um grupo de cirurgiões dedicados que desempenha
suas atividades profissionais dentro dos hospitais Felício Rocho e Mário Penna, o que viabiliza aprendizado e qualificação
de futuros profissionais de saúde. A busca por avanços na oncologia passa, sem sombra de dúvidas, pela pesquisa, pelo
ensino e pela construção de vínculos pessoais e profissionais.
Dessa forma, apresento o livro “Noções Práticas em Cirurgia de Cabeça e Pescoço”, desenvolvido por médicos de Belo
Horizonte (MG) com intuito de auxiliar a formação de jovens cirurgiões. O manual surgiu devido à constante necessidade
de aprimoramento das práticas cirúrgicas na oncologia de cabeça e pescoço e visa auxiliar o aprendizado de médicos
residentes da especialidade. Para seu desenvolvimento foram buscadas as informações com os melhores níveis de evidência
na literatura e organizadas de forma clara e didática em 32 capítulos. O conteúdo desses capítulos abrange desde a anatomia
e exame físico até detalhes das mais sofisticadas técnicas cirúrgicas. Também contempla a importância e o papel da equipe
multidisciplinar, médica e não-médica, no diagnóstico, tratamento e reabilitação do paciente com câncer de cabeça e pescoço.
Vários dos autores desse trabalho são ex-residentes médicos do hospital Mario Penna e colaboraram para a publicação dessa
obra que é o primeiro livro técnico de cirurgia de cabeça e pescoço escrito no estado de Minas Gerais.
“Noções Práticas em Cirurgia de Cabeça e Pescoço” vem trazer conhecimento de forma prática e cooperar com a formação
acadêmica de futuros cirurgiões de cabeça e pescoço, e, através da parceria com o Instituto Oncoclinicas, levar ao público o
que há de mais atual na especialidade.

Boa leitura!
Belo Horizonte, verão de 2022

Bruno Ferrari
Fundador e CEO do Grupo Oncoclínicas
SUMÁRIO

Capítulo 01 – Exame físico em cirurgia cabeça e pescoço - 01


Capítulo 02 – Traqueostomia em cirurgia cabeça e pescoço - 09
Capítulo 03 – Terapia Nutricional em pacientes com câncer de cabeça e pescoço - 15
Capítulo 04 – Câncer de pele não melanoma em cabeça e pescoço - 31
Capítulo 05 – Melanoma em cabeça e pescoço - 43
Capítulo 06 – Reconstrução em cirurgia de cabeça e pescoço: retalhos locais e enxertos - 59
Capítulo 07 – Lesões benignas e pré-neoplásicas da boca - 67
Capítulo 08 – Tumores das glândulas salivares - 73
Capítulo 09 – Tumores da boca (cavidade oral) - 83
Capítulo 10 – Câncer de lábio: tratamento e reconstrução - 101
Capítulo 11 – Câncer de orofaringe - 111
Capítulo 12 – Câncer de hipofaringe - 117
Capítulo 13 – Câncer de nasofaringe - 123
Capítulo 14 – Tumores de fossa nasal e seios paranasais - 127
Capítulo 15 – Câncer de laringe - 135
Capítulo 16 – Cirurgia endoscópica nos tumores de laringe - 147
Capítulo 17 – Laringectomias parciais - 155
Capítulo 18 – Tumor primário oculto em cabeça e pescoço - 165
Capítulo 19 – Esvaziamentos cervicais - 173
Capítulo 20 – Tumores do espaço parafaríngeo - 183
Capítulo 21 – Fatores prognósticos em câncer de cabeça e pescoço - 193
Capítulo 22 – Tumores de origem neurogênica em cabeça e pescoço - 201
Capítulo 23 – Tumor de partes moles em cabeça e pescoço - 207
Capítulo 24 – Retalhos regionais e à distância para reconstrução em cirurgia de cabeça e pescoço - 211
Capítulo 25 – Tumores da glândula tireoide - 219
Capítulo 26 – Abordagem cirúrgica da tireoide - 233
Capítulo 27 – Lesões cirúrgicas das glândulas paratireoides - 241
Capítulo 28 – Monitorização neural eletrofisiológica intraoperatória em cirurgia de cabeça e pescoço - 249
Capítulo 29 – Complicações em cirurgia de cabeça e pescoço - 253
Capítulo 30 – Noções do tratamento sistêmico nos tumores de cabeça e pescoço - 259
Capítulo 31 – Radioterapia em câncer de cabeça e pescoço - 265
Capítulo 32 - Câncer avançado de cabeça e pescoço: quando operar? - 271
HOMENAGEM

11 de novembro de 1950
†19 de janeiro de 2021

Em lembrança ao nosso estimado colega Gabriel Rabelo Guimarães, médico otorrinolaringologista e


cirurgião de cabeça e pescoço do Hospital Felicio Rocho, falecido em decorrência da pandemia do
COVID-19 em Janeiro de 2021.
AGRADECIMENTOS

Agradecemos enormemente ao Instituto Oncoclínicas por acreditar e apoiar este projeto:


Essa página foi intencionalmente deixada em branco
INTRODUÇÃO Ainda no século XIX surgiram os laringoscópios rígidos
com fontes para a realização das laringo-faringo-
esofagoscopias.
Por definição da própria Sociedade Brasileira de
A iluminação indireta utiliza-se do espelho frontal
Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP) a Cirurgia de
mais o foco luminoso que fica ao lado do paciente, e este
Cabeça e Pescoço (CCP) é uma especialidade eminen-
fica assentado à frente do examinador (com o foco ao
temente cirúrgica que trata principalmente dos tumores
mesmo nível e ao lado da cabeça do paciente). Utilizamos
benignos e malig-nos da região da face, fossas nasais,
esse método em nossa prática diária para a realização da
seios para-nasais, boca, faringe, laringe, tireoide, glându-
oroscopia e faringo-laringo endoscopia indireta (Figura
las salivares, dos tecidos moles do pescoço, da
1.1). Já a iluminação direta está ligada à testa do
paratireoide e tumores do couro cabeludo. Algumas más
examinador, substituindo o espelho frontal, e permitindo-
formações congênitas como os cistos e fístulas do trato
lhe maior liberdade em seu exame além de melhor
tireoglosso e branquial também são da alçada da nossa
iluminação. São os chamados fotóforos.
especialidade. Ficam de fora de nossos domínios
cirúrgicos, os tumores do sistema nervoso central e as Figura 1.1 Laringoscopia indireta
patologias da coluna cervical que têm os neurologistas,
neurocirurgiões e ortopedistas para cuidarem (1-3).
Portanto, a CCP faz basicamente a mesma exploração
semiológica que o otorrinolaringologista no exame direto
das cavidades bucal, faríngea, laríngea e cavidade nasal,
necessitando de uma ótima iluminação, seja ela indireta
ou direta, além é claro de uma palpação cervical
cuidadosa (1-3).
Veio do cantor espanhol Manoel Garcia o início da
propedêutica da laringe, quando pela primeira vez
conseguiu visualizar suas próprias pregas vocais com Além destes métodos de iluminação indireta existem
espelhos em meados do século XIX, tornando assim, bem os métodos de iluminação direta, dos tubos endoscópicos
popular o espelho de Garcia em nossos consultórios (4-6). para as faringo-laringo endoscopias com tubo rígido para
diagnóstico. No final dos anos de 1980 e início da década

1
de 90, surgiram os nasofibroscópios com fibras óticas Durante a conversa com o paciente podemos notar, de
flexíveis (Figura 1.2) e a fibroscopia rígida para forma espontânea e direta, se há alteração da voz, e.g.
realização de naso-faringo-laringoscopia com imagens rouquidão (que são típicas das lesões tumorais de laringe
projetadas em um monitor de maneira magnificada, que ou de hipofaringe com invasão de laringe), voz pastosa
ajudam de sobremaneira no exame do paciente, além de (ou voz de “batata quente”) que é característica dos
gravar as imagens em um DVD. Estes fibroscópios flexí- tumores de base lingual ou de laringe supraglótica, ou de
veis ainda vieram com canal de trabalho que permite a articulação da palavra com a língua presa, que é
introdução de uma pinça para realização de biópsias, característico de lesões de língua e soalho que
evitando vários procedimentos sob anestesia geral com impossibilitam a movimentação da língua devido à
tubo rígido. fixação da mesma. O paciente pode relatar também uma
dor de ouvido associada ao quadro de disfagia e
Figura 1.2 Nasofibrolaringoscopia com ótica flexível odinofagia, dor essa que denominamos de otalgia (6, 7) (dor
referida – Figura 1.3), e que pode ocorrer de duas
maneiras:

Por estimulação do nervo glossofaríngeo: se dá pela


estimulação dolorosa na orofaringe dos ramos terminais do
IX par, subindo pelo tronco principal do nervo glossofa-
ríngeo e chegando ao ouvido pelo plexo timpânico de
Jacobson.

Por estimulação do nervo vago: se dá por estímulo de


ramos terminais do ramo interno do nervo laríngeo superior,
sobe via nervo vago e chega ao ouvido via nervo auricular
O diagnóstico clínico baseia-se nos dados clínicos de Arnold.
obtidos pela anamnese e observados no exame loco-
regional. Os tumores constituem a maioria dos casos
tratados pelos cirurgiões de cabeça e pescoço, portanto na Depois da coleta da história clínica passamos para o
colheita da história clínica, devemos perguntar sobre exame de VADS e palpação cervical. Para este exame, o
hábitos e vícios, principalmente com relação ao uso do paciente deve permanecer assentado e deve-se explicar
tabaco e bebidas alcoólicas, que estão intimamente sempre o procedimento que será realizado para que o
relacionadas com as neoplasias de vias aero-digestivas paciente não se assuste e colabore com o exame (2, 3).
superiores (VADS). Os sinais e sintomas observados Iniciamos com a oroscopia com espátulas, preferencial-
pelos pacientes com tumores de cabeça e pescoço são a mente de metal por serem mais resistentes (aquelas de
presença de lesão ulcerada de crescimento progressivo, madeira se quebram com facilidade) e por escorregarem
inicialmente indolor, com sangramentos de pequena mais facilmente na mucosa oral durante o exame. Deve-
monta. A dor normalmente é de aparecimento tardio, com se padronizar o exame criando-se uma sequência que
o comprometimento de nervos e ossos. Há também os evite o esquecimento da avaliação de alguma estrutura (2,
sintomas obstrutivos que podem ocorrer na cavidade 3)
.
nasal, na faringe causando disfagia e na laringe levando à
Nenhum desses passos anteriormente citados poderá
disfonia e dispneia. O aparecimento de tumora-ção
ser realizado se o paciente se apresentar com um trismo
cervical pode ser o primeiro sintoma de uma lesão da naso
de moderado a acentuado, ou seja, se ele não conseguir
ou hipofaringe, manifestando-se inicialmente com uma
abrir a boca. Trismo é sinal de doença avançada de área
metástase cervical (4, 5).
retromolar ou orofaringe, com comprometimento de
Alguns sintomas não referidos pelo paciente precisam musculatura pterigoidea. Normalmente trata-se de doen-
ser questionados, como o emagrecimento, odinofagia, ça em estadio avançado com probabilidades pequenas de
disfonia, dores ósseas, história familiar de neoplasias, tratamento cirúrgico. Pode ser também de uma lesão de
exposição solar, exposição a agentes químicos, hábitos de área retromolar com comprometimento de mucosa jugal
higiene oral e tratamentos oncológicos anteriores. Pode e musculatura do masseter, sendo neste caso bem maior a
estar associado uma história de sangramento discreto, probabilidade de tratamento cirúrgico, dado à facilidade
tipo saliva com rajas de sangue. maior de acesso e ressecção tumoral com margens

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cirúrgicas livres. Em casos com trismo, devemos utilizar Depois dessa sequência de exame da boca, orofaringe,
exames de imagem como a tomografia computadorizada laringe e hipofaringe, fazemos o exame da cavidade nasal
(TC) e, se não conserguirmos realizar a biópsia por via com a ajuda de um espéculo nasal, procurando por massas
trans oral, podemos realizar a biópsia no linfonodo ou vegetações, que normalmente estão associadas à
metastático. Geralmente são lesões avançadas e já se obstrução nasal e a sangramentos. Essa é a rinoscopia
apresentam com metástases. anterior, devendo-se observar a pirâmide nasal e sua
Figura 1.3 Mecanismo da otalgia nos tumores de cabeça e
conformação, uma vez que as massas na cavidade nasal
pescoço. Em amarelo está o caminho da dor referida dos podem abaular a face, fazendo o apagamento das linhas
tumores da laringe (X par craniano) e em verde da orofaringe naturais como o sulco nasogeniano ou mesmo a perda dos
(IX par craniano) contornos ósseos da face à palpação, como no caso dos
tumores de seio maxilar, com abaulamento da face e
perda do contorno orbitário. Para aqueles pacientes que
têm queixas nasais mais posteriores, sem alterações da
fossa nasal, mas com história de sangramentos, obstrução
e associado a massas cervicais mais laterais, pode ser
feito um exame de rinoscopia posterior, com ou sem
retrator de palato. É difícil na prática diária encontrar um
paciente que tolere de maneira satisfatória o exame com
retrator de palato. O retrator de palato pode ser de um
material metálico em que a sua extremidade traciona o
palato mole anteriormente, facilitando assim, a rinoscopia
posterior com um espelho de Garcia, onde podemos
observar os óstios da tubas faringo auditivas bilateral-
mente, os recessos nasofaríngeos (fosseta de Rosen-
muller) onde aparecem as lesões tumorais de nasofarin ge
na maioria das vezes, e o teto da nasofaringe. Algumas
vezes podemos lançar mão de uma rinoscopia posterior,
utilizando-se uma sonda que é passada na cavidade nasal
e tracionada sua ponta na orofaringe. Desta forma
conseguimos retrair o palato mole e fazer o exame com o
espelho de Garcia, mas convenhamos, o exame é muito
incômodo e necessita de uma colaboração importante do
Durante a coleta da história clínica temos que ficar paciente e uma experiência do examinador para que o
atentos à halitose do paciente, porque muitas vezes um exame seja mais rápido (Figura 1.4).
hálito forte, de odor fétido, pode estar presente devido à
necrose tumoral. Esse dado é especialmente importante
naqueles casos que o paciente fez quimioterapia e radiote- Figura 1.4 Rinoscopia posterior com abaixador de língua à
rapia para os tumores de laringe e faringe, sem outros esquerda e com retrator de palato à direita
sinais de doença em atividade, como dor ou nódulos
cervicais. Obviamente deve ser feito a laringoscopia
indireta e direta com biópsia se possível, e comple-
mentação da propedêutica com exame de imagem.
Normalmente o exame de orofaringe, laringe, hipofa-
ringe e nasofaringe necessitam, além de uma colaboração
importante do paciente, de uma ajuda dos anestésicos
tópicos (normalmente a lidocaína spray), que diminuem
sobremaneira os reflexos do paciente, sendo úteis tam-
bém em uma eventual biópsia com pinça saca-bocado.

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Após o exame das VADS iniciamos o exame do dobrado na borda lateral do esternomastóideo exercemos
pescoço do paciente, colocando-o assentado em uma uma pressão no músculo em direção anterior (com o
cadeira à nossa frente. Nos posicionamos atrás da cadeira polegar dobrado), e desta forma, o feixe jugulo carotídeo
e iniciamos o exame palpatório cervical. Por vezes o é sentido com as polpas digitais dos demais dedos, e
exame é prejudicado pelo fato do paciente ter feito podemos sentir, dessa maneira, a presença ou não de
radioterapia, que causa um edema cervical importante nódulos (1) (Figura 1.5).
bem como a perda da elasticidade da pele. Com o polegar

Lábios Observar nodulação, feridas e estruturas infiltradas e a presença dos grânulos de Fordyce.

Presença da linha alba (causada na mucosa pela fricção dos dentes), papila do ducto de Stensen, grânulos de
Região jugal ou
Fordyce presentes em abundância (estes grânulos frequentemente são a causa da procura dos médicos pelos
mucosa da
pacientes, que por vezes são em grande quantidade, mas não tem significado patológico, sendo apenas glândulas
bochecha
sebáceas aumentadas e agrupadas.

Aqui também podemos observar a presença de nodulações na face interna da mandíbula, abaixo da crista
Crista gengival
gengival que são os torus mandibulares, que, como os palatinos, não têm significado patológico.

Observar estado de preservação, cuidado e higiene (normalmente, os tumores da boca estão associados a uma
Dentes
higienização precária e a cacos dentários).

Observar a superfície mucosa cuidadosamente, inclusive com palpação. Outro motivo da procura dos médicos
Palato duro pelos pacientes é a presença do torus palatino que não tem significado patológico, não necessitando de
tratamento.
Observar o dorso e o ventre lingual à procura de feridas e manchas brancas (leucoplasias). Os médicos também
podem ser procurados pela presença de alteração na linha média da língua, à frente do V lingual, possivelmente
Lingua
causado por glossite rômbica mediana. É questionado a origem de neoplasias nesta região e também a etiologia
(muitos acham que é por infecção por candida).

Observar os ductos de Wharton e das glândulas sublinguais (ductos Rivinus ou Bartholin), procurar por lesões
Soalho bucal
ulceradas ou placas brancas (leucoplasias).

Avaliação estática e avaliação dinâmica (pedir ao paciente para falar “a”ou “e”), pois dessa maneira a orofaringe
se abre e podemos avaliar as estruturas ali presentes, comparar os pilares amigdalinos e ver se estão simétricos.
Palato mole Neste instante pode ser observado uma retração dos pilares amigdalinos (anterior e posterior) como sinal de uma
eventual lesão em hipofaringe. Devemos observar também a presença de abaulamentos submucosos no palato
mole, que podem corresponder às lesões do espaço parafaríngeo.

Tonsilas Observar tamanho e compará-las (os linfomas podem acometê-las e o tamanho pode ser o primeiro sinal), além
palatinas de avaliar a presença ou não de ulceração.

Normalmente vista à laringoscopia indireta (espelho de Garcia), sendo que sua palpação é mandatória para
avaliar alguma lesão ali presente. Sempre à hora da palpação o paciente deve ser avisado do incômodo do exame,
bem como deve-se solicitar ao pacitente que tenha o cuidado para não morder a mão do examinador. Em alguns
Base da língua
pacientes, pouco reativos a este exame, conseguimos sentir com facilidade o osso hioide e fazemos uma palpação
cervical com a outra mão, avaliando assim se há ou não comprometimento de osso hioide e valécula, podendo-
se planejar, juntamente com exames de imagem, o tratamento cirúrgico.

Parede posterior
Facilmente vista quando fazemos o abaixamento da língua com o abaixador de metal.
da faringe

Laringe e Avaliada através da laringoscopia indireta (espelho de Garcia) ou vídeoendoscopia (naso-fibro-laringoscopia


flexível ou laringoscopia com fibroscópio rígido). Devemos observar a mobilidade da laringe, presença de lesões
hipofaringe ulceradas, observar seios piriformes e parede posterior de hipofaringe.

Normalmente um linfonodo de aspecto reacional é linfonodos suspeitos para neoplasia são arredondados,
mais alongado, fusiforme, móvel, indolor e de cresci- aderidos a planos profundos, por vezes dolorosos e com
mento lento, quase nunca ultrapassando 2,5 cm. Aqueles crescimento rápido. Estas características podem ser

4
notadas ao exame palpatório e complementado por uma
ultrassonografia ou TC. O pescoço é dividido em níveis
(5)
(Figura 1.6), a saber:
Figura 1.5 Palpação cervical da cadeia júgulocarotídea. Perceba a posição do polegar e a movimentação dos outros dedos contra o feixe
júgulo carotídeo. Em cor verde o linfonodo passa pelo dedo do examinador. Carótida em vermelho e jugular interna em azul

Nível I - dividido em IA, que são aqueles linfonodos Nível VI - localizados na linha média do osso hioide até
submentonianos (entre os ventres anteriores dos múscu- a fúrcula esternal. Estes têm interesse muito grande nas
los digástricos) e IB, que são localizados na fossa neoplasias da tireoide. Correspondem ao linfonodo
submandibular propriamente dita. delfiano, recorrenciais bilaterais e mediastinais anteriores
superiores.
Nível II - dividido em IIA, que são aqueles do ventre do
músculo digástrico posterior até o osso hioide, anterior- Nível VII – linfonodos localizados do manúbrio até a veia
mente ao nervo espinal, e IIB, que são posteriores ao braquicefálica esquerda, abaixo do esterno.
nervo espinal.
Depois da palpação dos linfonodos júgulocarotídeos,
Nível III - localizados da margem inferior do osso hioide fazemos a palpação da fossa submandibular procurando
até a cartilagem cricóide. observar empastamentos, que geralmente são provenien-
tes de tumores avançados da boca e orofaringe, e de
Figura 1.6 Níveis cervicais nódulos, que podem ser metástases, ou mesmo tumores
primários de glândulas submandibulares ou linfomas. Um
dado clínico semiológico de extrema importância, e que
podemos lançar mão, com extrema precisão, até mesmo
sem a utilização de exames de imagem como a ultrasso-
nografia, é o teste da mobilidade do nódulo localizado na
fossa submandibular. Quando não conseguimos mobili-
zar o nódulo para cima do ramo horizontal da mandíbula,
muito possivelmente trata-se de um tumor da glândula
submandibular. De forma contrária, quando conseguimos
mobilizar o nódulo em direção ao ramo horizontal da
mandíbula, podemos afirmar com muita precisão que se
trata de um linfonodo (perceba estes detalhes na Figura
1.7).
Nível IV - localizados da margem inferior da cricóide à
clavícula. Com esse exame das VADS e palpatório do pescoço,
temos uma linguagem universal e a oportunidade de fazer
Nível V - localizados posteriormente ao músculo ester-
o estadiamento clínico locoregional de determinada doen-
nomastoideo e, divide-se em VA, que vai da base do
ça tumoral, sendo que o estadiamento completo depende
crânio até uma linha imaginária que se inicia no anel
da TC e mesmo do exame imunohistoquímico para HPV.
cricoide anterior, e o VB, que vai do anel cricoide até a
A 8ª edição da AJCC traz estes detalhes de maneira sucin-
clavícula.
ta, não sendo descritos aqui para não delongar (1).

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Ainda na palpação cervical da cadeia júgulo carotídea, a cartilagem tireoidiana e a vértebra. Essa crepitação
não devemos fazê-la bilateralmente ao mesmo tempo para existe nas pessoas normalmente. À palpação, também da
evitar que o paciente desmaie devido à massagem do cartilagem tireoidiana, podemos perceber uma deformi-
corpo carotídeo localizado bilateralmente, um de cada dade quando sua quilha se abre de forma patológica,
lado, no bulbo carotídeo. Nos nódulos ou massas cervi- geralmente nas lesões tumorais laríngeas, tornando-a
cais no nível II (júgulo carotídea alta), em que temos a arredondada e dando-lhe o aspecto de “carapaça de
suspeita de ser um tumor de corpo carotídeo, podemos lagosta” (Figura 1.8). Isso ocorre devido à propagação
observar uma mobilidade anteroposterior e a sua ausência do tumor para o ângulo da cartilagem ou proeminência
no sentido céfalocaudal (chamado sinal de Fontaine). laríngea da cartilagem tireoidiana. Podemos também fa-
Outra característica clínica deste tumor é que ele pode ser zer uma mobilização laríngea segurando-se a cartilagem
pulsátil, sentido à palpação. Linfadenopatias cervicais de tireoidiana e o osso hioide, fazendo o movimento látero-
aspecto neoplásico de localizações mais baixas, em níveis lateral para avaliar a invasão da membrana tireohioidea
III e IV, devemos fazer uma palpação cuidadosa também nas lesões de supraglote (8) (Figura 1.9).
da tireoide, que pode ser o foco da doença tumoral. Das
Na sequência avaliamos a tireoide e se há um aumento
queixas mais frequentes em nossos consultórios, são os
do seu tamanho de maneira homogênea, formando os
nódulos tireoidianos bociogênicos em que devemos fazer
bócios difusos, ou se há a presença dos nódulos formando
a palpação com o paciente assentado à nossa frente,
os bócios nodulares ou mesmo tumores. Na presença de
devendo-se observar a mobilidade, consistência, rouqui-
nódulos, avaliamos o tamanho, consistência, se há dor à
dão e se há sua projeção para o tórax. Aqueles linfonodos
palpação, se mergulhantes e se desviam a traqueia lateral-
patológicos metastáticos localizados na fossa supraclavi-
mente. Muitas vezes o paciente relata uma disfagia e
cular, dificilmente corresponderão a uma patologia
dispneia, devido à compressão traqueal e extensão medi-
tumoral de VADS. Geralmente são de origem pulmonar,
astinal da massa tireoidiana. Fundamental é um estudo
digestiva ou mesmo de doenças tumorais da pelve.
ultrassonográfico e punção dos nódulos guiada por
ultrassonografia que nos ajuda a definir a conduta
Figura 1.7 Acima notamos que durante a palpação não houve cirúrgica. Nos casos de bócio mergulhante a TC se faz
a mobilização do nódulo, e este quadro corresponde a tumor de necessária para um bom planejamento do ato cirúrgico.
glândula submandibular. Abaixo vemos uma mobilidade do
nódulo em direção ao ramo da mandíbula, quadro correspon-
dente a uma linfadenopatia Figura 1.8 Laringe em “carapaça de lagosta” momentos antes
da cirurgia. Repare o aumento da curvatura e perda do contorno
laríngeo na linha curva preta à esquerda e o desaparecimento
da proeminência laríngea da cartilagem tireoide na seta preta

Muitos pacientes chegam sem o diagnóstico anátomo


patológico para nossa avaliação. Fazemos o exame físico
como explicitamos anteriormente e, na maioria das vezes,
Depois da avaliação dos linfonodos cervicais e da conseguimos fazer uma biópsia da lesão tumoral no
tireoide, podemos fazer uma mobilização da laringe, na próprio consultório, de maneira simples, rápida e indo-
cartilagem tireoidiana, no sentido látero-lateral, para lor. Utilizamos uma pinça saca-bocado, seja ela curva
aqueles pacientes com sus-peita de neoplasia neste órgão. para baixo (para as biópsias de orofaringe e hipofaringe),
Neste instante percebemos uma ausência de crepitação curva para cima (para as biópsias de nasofaringe
naque-les pacientes que têm uma extensão tumoral entre

6
transoral) ou retas para as biópsias da maioria dos
tumores de boca, orofaringe e tumores da face. No exemplo da Figura 1.10 apresentamos um
paciente que havia sido submetido a laringectomia parcial
Para aqueles tumores de base lingual, laringe e fronto-lateral com esvaziamento cervical há 13 anos, com
hipofaringe, preferimos fazer a bópsia sob anestesia geral controle semestral rigoroso com videolaringoscopias.
para uma avaliação mais adequada e para um bom Retornou queixando-se de otalgia e disfagia, sem
planejamento terapêutico. A biópsia de base lingual ou de emagrecimento. Nota-se na videolaringoscopia apenas
hipofaringe realizada no consultório sob anestesia tópica uma discreta assimetria de base lingual não percebida
é bastante desconfortável para o paciente. Quando o pelo examinador, porém à palpação de base lingual
paciente tem um risco cirúrgico proibitivo para a realiza- notamos uma lesão endurecida com cerca de 2,5 cm e a
ção da laringoscopia direta com biópsia sob anestesia TC confirma a suspeita de segundo tumor primário na
geral, podemos optar por realizar a biópsia com o base da língua.
nasofibroscópio flexível com o canal de trabalho, onde se
passa a pinça para a realização da biópsia. Com essa sequência de exames conseguimos fazer o
diagnóstico clínico e o estadiamento clínico do tumor
primário na maioria das vezes, bem como o estadiamento
Figura 1.9 Mobilização da laringe
cervical. Não iremos discorrer sobre o estadiamento
tumoral de cada segmento anatômico da cabeça e pesco-
ço, como dito anteriormente, uma vez que, em capítulos
específicos será abordado de maneira simples e ditática.
Hoje em dia podemos usar de muita tecnologia para
auxiliar no diagnóstico e estadiamento dos tumores de
VADS, como a ultrassonografia, TC, ressonância magné-
tica (RMN) e nasofibrolaringoscopia, mas não abrimos
mão de fazer uma oroscopia e laringoscopia indireta, por
ser muito simples e de fácil realização. É neste instante
que temos uma noção tridimensional da lesão e com isso

Figura 1.10 Lesão abaulada na base lingual com palpação evidenciando endurecimento da região e confirmação à tomografia
computadorizada

podemos fazer um planejamento cirúrgico, e dificilmente, do tratamento cirúrgico com seus riscos e sequelas
após este exame e planejamento, mudamos nossa postura (cicatrizes, língua presa, perda da voz, dor no ombro e
com relação àquilo que fora programado e explicado ao outras sequelas específicas de acordo com o tratamento
maior interessado que é o paciente. Neste instante o cirúrgico proposto). É de determinação do Conselho
paciente deve tomar conhecimento da sua doença e gra- Federal de Medicina (CFM) a assinatura de um Termo de
vidade, bem como seus fatores predisponentes, pois Consentimento Esclarecido (TCE) pelo paciente,
necessitamos da sua colaboração para que interrompa o familiares e seu médico (vide ao lado). Com isso, o
uso do tabaco e bebidas alcoólicas, além de tomar ciência paciente vai para o bloco cirúrgico sabendo da sua doença

7
e gravidade, bem como do tratamento proposto e suas para cada cirurgia que realizamos em cabeça e pescoço.
sequelas, trazendo à tona uma relação médico-paciente- Por exemplo, podemos fazer um TCE específico para
familiares bem lúcida e sem arestas. Segue abaixo um tireoidectomias, para parotidectomias, para
exemplo de TCE que utilizamos, sendo este um termo esvaziamentos cervicais, glossectomias, maxilectomias,
mais genérico, podendo haver termos mais específicos exanteração de órbita etc.

REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO

1. TNM Classification of Malignant Tumors UICC 8 Edição.


2. Carvalho MB. Tratado de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia, Atheneu, 1ª Edição, 2001, São Paulo.
3. Hungria H. Otorrinolaringologia, Editora Guanabara Koogan, 6ª Edição, Rio de Janeiro, 1991.
4. Million RR, Cassisi NJ, Management of Head and Neck Cancer: A Multidisciplinary Approach, 2a Edição, Philadelphia Pensilvania, 1994.
5. Som PM, Curtin HD, Mancuso AA. An imaging-based classification for the cervical nodes designedas an adjunct to recent clinically based nodal classi-
fications. Arch Otolaryngol–Head Neck Surg 1999; 125:388–396.
6. Yanagisawa K, Kyeton JF, Referred otalgia. Am J Otolaryngol 1992; 13:323–27.
7. Thaller SR, De Silva A. Otalgia with a normal ear. Am Fam Physician 1987; 36:129–36.
8. Bertelli AP, Câncer de Laringe, Ed. Manole, São Paulo, 1980.

8
Capítulo 02 – Traqueostomia em cirurgia cabeça e pescoço

HISTÓRIA de ouro para não ser roubado, em 1620. Inicialmente os


textos gregos e romanos referiam-se ao procedimento
como faringotomia, laringotomia ou broncotomia. Em
A traqueostomia é um dos procedimentos mais antigos 1718 Lorenz Heister, cirurgião alemão introduziu o termo
conhecidos. Existem entalhes egípcios da região de traqueostomia. No século XVIII, o presidente George
Abydos e Sakkara datados de 3600 anos a.C. Também Washington, dos Estados Unidos da América, faleceu por
aparecem referências em textos hindus escritos há 2000 obstrução respiratória. Embora seu médico fosse familiar
anos a.C. e há relatos de que Alexandre o Grande salvou com a técnica, ele não realizou a traqueostomia uma vez
a vida de um soldado fazendo uma traqueostomia com a que sua utilidade não era certa ainda na época. George
ponta de sua espada (1, 2). Hipócrates (460 - 377a.C.) Martin (1702 - 1743) desenvolveu a cânula de 2 tubos,
criticava o procedimento pelo receio que poderia causar sendo a interna para ser removida e limpa.
lesão às carótidas levando à morte. Nos séculos seguintes
a traqueostomia apesar de amplamente conhecida era Chevalier Jackson padronizou a técnica na década de
raramente realizada devido ao grande risco associado ao 1900, mostrando baixa mortalidade. Já preconizava inci-
procedimento até então. Antonio Musa Brasavola são no nível do 2º ou 3º anel traqueal. Durante a 1ª Guerra
(Figura 2.1) em 1546 realizou com sucesso uma traque- Mundial a traqueostomia foi amplamente realizada (1 - 3).
ostomia em um paciente com obstrução respiratória por
amigdalite e descreveu o procedimento que foi o primeiro DEFINIÇÃO
caso documentado com êxito (1-3).
A palavra traqueostomia é de origem grega e significa
Figura 2.1 Antonio Musa Brasavola
– 1546
abertura da traqueia (2). É um procedimento cirúrgico,
onde é feita uma abertura na traqueia e colocação de
cânula para a passagem alternativa de ar para os pulmões.

INDICAÇÃO

Na vigência de insuficiência respiratória por obstrução


Habicot realizou o primeiro caso documen-tado em acima da cricóide ou profilaticamente quando se prevê
pediatria, em um garoto de 16 anos que engoliu um saco que isto possa ocorrer, como por exemplo, em cirurgias

9
da cavidade oral em que já se prevê um edema de partes A incisão na pele pode ser tanto horizontal (Figura
moles ou queda da língua que causarão obstrução. Outra 2.3) quanto vertical logo acima da fúrcula esternal (4, 6). A
indicação é a proteção da via aérea principalmente por dissecção dos planos ocorre na rafe mediana, rebatendo a
aspiração. musculatura pré-tireoideana até expormos a traqueia. O
istmo da tireoide geralmente é rebatido cranialmente ou
“Quando em dúvida, faça uma traqueostomia caudalmente, mas em alguns raros casos de aumento
eletiva no lugar de depender do êxito de uma deste, podemos seccioná-lo e rebater os lobos tireóidea-
traqueostomia de urgência” _ John M. Loré (4). nos lateralmente. Uma vez exposta a traqueia, esta é
aberta no nível do 2º ou 3º anel traqueal.
“A traqueia nessas circunstâncias é aberta por
uma punhalada, ao invés de uma incisão, e não Figura 2.3 Demarcação da incisão vertical para a traqueos-
é de se admirar que a porcentagem de morta- tomia, logo acima da furcula esternal
lidade seja quase tão alta quanto a das punha-
ladas, infligidas com intenção homicida” (5). _
Chevalier Jackson (5) sobre a traqueostomia de
urgência.

Outro conceito já bem antigo é que “poucas vezes


alguém foi criticado por ter indicado uma traqueostomia.
mas várias vezes foi criticado por não ter indicado".

TÉCNICA

O primeiro passo, e um dos mais importantes, é


posicionar o paciente de modo que exponha a traqueia
através de sua anteriorização (6). Isto é conseguido com a
hiperextensão cervical com a aposição de coxim sob os
ombros ou, se a mesa cirúrgica permitir, com o abaixa-
mento da cabeceira e elevação do dorso (Figura 2.2), mas
cuidado com pacientes com traumatismos cervicais.
Quando o paciente apresenta quadro de insuficiência
respiratória importante, ele pode ter dificuldade para
CÂNULAS
permanecer nesta posição, então preferimos fazer a
anestesia local antes e posicioná-lo apenas nos últimos
instantes da traqueostomia. É possível apenas incisar a membrana entre dois anéis
cartilaginosos, ou incisar dois espaços e remover
Figura 2.2 Paciente em hiperextensão cervical pela posição da segmento anterior do anel traqueal (Figura 2.4), o que
mesa cirúrgica tem como vantagem maior facilidade de introdução da
cânula durante o procedimento ou no pós-operatório, se
ocorrer uma decanulização involuntária. Não utilizamos
pontos de reparo nos bordos da traqueia. Após a abertura
da traqueia é introduzida a cânula de traqueostomia.
Realiza-se a hemostasia. Se necessário, são feitos alguns
pontos de sutura para aproximação da pele, mas com
cuidado para não ficarem herméticos, o que facilita a
formação de enfisema subcutâneo. A cânula então é
fixada com cadarços, e gazes são colocadas sob a cânula
para proteger a pele do contato com a placa da cânula.

10
Figura 2.4 Sequência da traqueostomia (na ordem) - Figura 2.6 Tipos de cânulas de traqueostomia. (a) cânula plás-
afastadores retraindo musculatura pré-tireoideana e expondo a tica com balonete, (b) cânula plástica sem balonete (c) cânula
traqueia. Incisão nas 2ª e 3ª membranas intercartilaginosas. metálica sem frenestração (d) cânula metálica com frenestração
Janela traqueal após remoção de segmento anterior do 2º anel.
Fixação da cânula com cadarço ou fita. Curativo com gazes sob
a cânula protegendo a pele

Figura 2.7 Tamanho (cm) de cânula mais utilizadas em adultos

Metálicas Plásticas
Homens 5 ou 6 8 a 10
(média)
Mulheres 4 ou 5 7a9
(média)
Bjork nos anos 60 (7) introduziu modificações na
técnica, abrindo a traqueia no terceiro anel e fazendo um Nas cânulas com balonete, a pressão deve ser mantida
retalho com o segmento anterior do anel e o suturava à em torno dos 25 cm de água, que é a pressão na qual os
pele para facilitar a reinserção da cânula (Figura 2.5). capilares submucosos da traqueia são ocluídos, para
evitar isquemia e lesão da traqueia com possível estenose
Existem vários modelos de cânulas que podem ser (8)
. Para isto, utilizamos o “Pufômetro” quando disponí-
metálicas ou plásticas, estas com ou sem balonetes e em
vel (Figura 2.8) ou se não, mantemos a insuflação o
vários tamanhos (Figuras 2.6 e 2.7, respectivamente).
mínimo possível para que não ocorra vazamento de ar.
As cânulas com balonetes são preferidas sempre que
for necessária uma vedação da traqueia, por exemplo,
Figura 2.8 Medição da pressão do balonete
quando o paciente precisa de uma ventilação mecânica ou
para evitar aspiração. Quando não há esta necessidade, as
cânulas sem balonetes são preferidas. A principal causa
de estenose de traqueia após intubação, são cânulas com
balonetes hiperinsuflados ou o seu uso prolongado.

Figura 2.5 Traqueostomia à Björk. Retalho com segmento


anterior da traqueia que é suturada à pele

COMPLICAÇÕES

A traqueostomia não deve ser delegada a cirurgiões


menos experientes ou a residentes sem supervisão. É um
procedimento relativa-mente simples, mas com técnica
incorreta tem potencial para evoluir com complicações

11
graves em pacientes já debilitados. A traqueostomia de Lesão de estruturas adjacentes - nervo laríngeo recor-
urgência aumenta o risco de complicações, duas a cinco rente, esôfago, vasos (carótidas e jugulares) ou mesmo da
vezes mais frequentes em relação às eletivas (2). parede posterior da traqueia. Mais comum em traqueos-
tomias de urgências (4, 8).
A intubação traqueal prévia transforma a traqueos-
tomia de urgência em eletiva.
Tardias
Imediatas Fístula traqueoesofágica - também é complicação rara,
menor que 1% (2) e é provocada pela pressão do balonete
Obstrução da cânula - geralmente pelo acúmulo de
da cânula sobre a parede posterior da traqueia e sobre uma
secreção ou sangue. Importante verificar a ventilação do
sonda nasogástrica no esôfago (2, 8).
paciente, retirar e limpar a parte interna bem como aspirar
a cânula com frequência, principalmente nas primeiras 24 Infecção de ferida - embora a traqueostomia seja um
h. O uso de micronebulização e correta hidratação previne procedimento contaminado, a infecção local é rara (2, 4, 8).
o espessamento das secreções e ressecamento da mucosa.
Estenose da via aérea - pode ocorrer na área do balone-
Saída Acidental da Cânula - esta é uma complicação te, na região do estoma ou na subglote. Geralmente
frequente. Quando ocorre nos primeiros 3 dias, pode devido à lesão da traqueia, por isquemia pelo balonete
haver dificuldade para a reintrodução da cânula. Após 3 a hiperinsuflado ou por traqueíte ou trauma pela ponta da
4 dias há formação do trajeto, o que facilita o reposicio- cânula na parede (2, 4, 8).
namento da cânula (4 - 8). A troca da fixação da cânula deve
Fístula traqueocutânea - é quando não ocorre o fecha-
ser evitada nos 3 primeiros dias (8).
mento completo do trajeto após a retirada da cânula.
Sangramento - geralmente de vasos, pele, jugulares Geralmente ocorre em traqueostomias prolongadas e por
anteriores ou da glândula tireoide. Quase sempre respon- epitelização do trajeto. Há necessidade de fechamento por
dem à compressão. Sangramentos maiores necessitam de procedimento cirúrgico com remoção deste trajeto
revisão. Outra causa pode ser distúrbio de coagulação, epitelizado (2).
principalmente em pacientes graves em unidades de trata-
Fístula traqueoinominada - complicação rara, 0,6 a
mento intensivo. A hemostasia deve ser rigorosa durante
0,7% (2,4,8), geralmente após 2 semanas devido a isquemia
todo o procedimento.
e ou infecção da parte anterior da traqueia, com erosão
Pneumotórax - ocorre em até 5% dos casos, geralmen- desta e da parede da artéria. Pode ocorrer sangramento
te em dissecções fora da linha média, especialmente em para a via aérea, inicialmente em pequena quantidade,
crianças e em pacientes com doença pulmonar obstrutiva porém aumenta progressivamente, até a ruptura do vaso
crônica (DPOC) onde o ápice pleural pode se estender com sangramento abundante e muitas vezes fatal.
para o pescoço. Também pode ser causado por ventilação
Quando no pré-operatório nos deparamos com a
com pressão alta. Pneumotórax pequeno pode ser tratado
artéria inominada (Figura 2.9) cruzando anteriormente a
conservadoramente, mas os maiores podem necessitar de
traqueia, além da atenção para não a lesionar, devemos
drenagem torácica (8).
tomar cuidado para que a cânula de traqueostomia não
Enfisema subcutâneo - causado pelo escape de ar ao fique encostada na artéria. Se necessário até interpondo
redor da cânula que disseca tecidos moles subcutâneos. O um retalho muscular, pois existe o risco de erosão do vaso
fechamento hermético da ferida operatória ao redor da geralmente no momento da retirada da cânula.
cânula, abertura traqueal muito ampla ou ventilação
mecânica com pressão positiva alta, podem levar a esta
complicação (4, 8). CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS

Dificuldade para posicionar a cânula - geralmente por


falta de uma boa exposição. Com o posicionamento corre- A traqueostomia é um procedimento que altera subs-
to do paciente com hiperextensão cervical esta dificulda- tancialmente a dinâmica ventilatória do paciente. Uma
de diminui. Outra causa pode estar relacionada ao vez que o ar deixa de passar pelas vias aéreas superiores
tamanho inadequado da cânula, ou muito longa ou muito ele deixa de ser umidificado, aquecido e filtrado (8). O
curta. paciente também fica impossibilitado de produzir tosse
explosiva que mobiliza secreções. Por isso é importante a

12
micronebulização para umidificação do ar, aspiração da possível o acompanhamento da fisioterapia colabora
traqueia em caso de secreções, o que é comum nos muito para melhor evolução do paciente.
primeiros 2 a 3 dias, retirar e limpar a cânula interna no
Importante também orientar o paciente e acompanhan-
mínimo 4 vezes ao dia ou sempre que necessário, trocar
tes sobre os cuidados com a higiene local.
as gazes sob a cânula com frequência. Sempre que

Figura 2.9 Artéria inominada cruzando anteriormente à traqueia

REFERÊNCIAS

1. Pratt LW, Ferlito A, Rinaldo A. Tracheotomy: historical review. Laryngoscope. 2008;118(9):1597-606.


2. Marsico PS, Marsico GA.Traqueostomia. Pulmão. 2010;19(1-2):24-32.
3. Rajesh O, Meher R. Historical Review of Tracheostomy. The Internet Journal of Otorhinolaryngology. 2005; 4(2):1-4.
4. Loré, JM. Cirurgía de cabeza y cuello. Panamericana. 3ª Ed. Buenos Aires, 1990.
5. Jackson C. Tracheotomy. The Laryngoscope, 1909;19(4):285-290.
6. Brandão, LG e Ferraz, AR. Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Roca. 1ª Ed. São Paulo, 1989.
7. Björk VO. Partial Resection of the only remaining lung with the aid of respirator treatment. The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery. 1960;39:
179-188.
8. Krespi, YP, Ossof RH. Complications in Head and Neck Surgery. W. B. Saunders. Philadelphia, 1993.

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14
Capítulo 03 – Terapia Nutricional em pacientes com câncer de cabeça e pescoço

INTRODUÇÃO proximidade do câncer com órgãos que são vitais para a


alimentação. A localização dos tumores no corpo humano
possui estreita relação com sua capacidade desnutridora.
O câncer de cabeça e pescoço (CCP) engloba as
A patologia de base induz produção de citocinas infla-
seguintes regiões: lábio, cavidade oral, orofaringe, naso-
matórias que inibem o apetite, e a alta multiplicação das
faringe, hipofaringe, fossa nasal, seios paranasais, larin-
células cance-rosas consome as reservas do indivíduo.
ge, glândulas salivares e quimiodectomas. Em todo o
Mas quando a presença do tumor exerce uma obstrução
mundo, cerca de 600.000 pessoas são diagnosticadas
mecânica, que impede a ingestão de alimentos, os impac-
anualmente com câncer de cabeça e pescoço. Estima-se
tos nutricionais são maiores (5). Os pacientes com CCP
que entre 80% e 90% destes tumores sejam carcinomas
são frequentemente desnutridos no momento do diagnós-
de células escamosas (1). Aproximadamente 40% dos CCP
tico, com 25 a 50% dos pacientes com perda de peso
ocorrem na cavidade oral, 25% na laringe, 15% na farin-
involuntária antes do início do tratamento (6). Os pacientes
ge, 7% nas glândulas salivares e 13% em outros locais. A
com câncer de cabeça e pescoço que recebem radioterapia
maioria dos casos novos ocorre predominantemente em
ou quimiorradioterapia apresentam risco considerável de
homens, especialmente após os 50 anos de idade (1, 2). No
desnutrição, com 75% a 80% dos pacientes apresentando
entanto, devido ao recente aumento na incidência do
perda de peso significativa durante o período de trata-
papilomavírus humano (HPV), que está associado ao
mento, com alguns estudos relatando perda de peso na
câncer bucal, houve uma mudança para os indivíduos
faixa de 15% a 20% (1, 4).
mais jovens, com homens e mulheres estando em igual
risco (1, 3). O consumo de álcool e tabaco são fatores de Os efeitos colaterais comuns relacionados ao trata-
risco conhecidos no desenvolvimento de câncer de cabeça mento dos pacientes com CCP, como disfagia, odinofa-
e pescoço, contudo os casos HPV positivos têm um gia, disgeusia, xerostomia, saliva espessa, mucosite, náu-
prognóstico marcadamente melhor do que os casos clássi- seas e vômitos prejudicam ainda mais a capacidade do
cos relacionados ao tabagismo e ao álcool. Cirurgia, paciente em manter uma ingestão oral adequada (4 - 6).
radioterapia (RT) e quimioterapia (QT) isoladamente, A desnutrição e a perda de peso não intencional em
sequencialmente ou concomitantemente, são usadas para pacientes com CCP durante e após o tratamento estão
o tratamento. A sobrevida em 5 anos é baixa em torno de associadas a piores resultados do tratamento, aumento da
65% (4). morbidade e mortalidade e má qualidade de vida, mesmo
Os pacientes com CCP enfrentam múltiplos desafios em pacientes com sobrepeso e obesidade.
nutricionais antes, durante e após o tratamento devido à

15
A alta incidência de desnutrição nessa população é COMPONENTES DA AVALIAÇÃO
ainda exacerbada pela desnutrição crônica preexistente NUTRICIONAL
associada ao uso de álcool e tabaco, que são dois fatores
de risco importantes para os tumores de cabeça e pescoço
(1)
. Anamnese - Localização do tumor de cabeça e pescoço,
tipo de tratamento planejado e efeitos colaterais anteci-
Estudos têm mostrado maiores taxas de complicações
pados, comorbidades (e.g., diabetes, hipertensão, doença
e taxas de sobrevivência reduzidas após a cirurgia em
cardiovascular) e história dental (dentição total, parcial
pacientes com CCP que perderam 10% do peso ou mais
ou ausente).
durante os seis meses anteriores ao diagnóstico.
História Social - Avaliar recursos pessoais e apoio social
O principal objetivo da terapia nutricional para os
para auxiliar na preparação de alimentos, acesso a ali-
pacientes com CCP, é, portanto, maximizar a ingestão de
mentos e suplementação nutricional.
nutrientes, oralmente ou através de terapia alternativa de
nutrição, a fim de prevenir ou limitar a perda de peso, Exame físico - Procure sinais de perda muscular, ascite,
preservar a massa magra corporal, minimizar os atrasos edema, úlcera, ferida por pressão, mucosite, estomatite,
no tratamento e hospitalizações não planejadas e glossite.
melhorar os resultados do tratamento. Avaliação antropométrica - Altura, peso usual, peso
atual, mudança de peso ao longo do tempo, IMC, hidra-
tação.
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
Dados relevantes de laboratório – Albumina, pré-
albumina, glicose, eletrólitos, hemograma, perfil lipídico,
A detecção precoce de pacientes com CCP que estão função hepática, função renal.
em risco de desnutrição, é vital para prevenir ou
minimizar a perda de peso durante e após o tratamento. A História da ingestão alimentar - Ingestão oral usual
manutenção de peso é uma importante meta de nutrição detalhada versus ingestão oral atual, uso de registros
para pacientes com CCP, uma vez que a perda de peso alimentares, alergias e intolerâncias alimentares, sinto-
demonstrou reduzir as taxas de sobrevivência e aumentar mas de impacto nutricional (e.g., dificuldade de engolir /
as taxas de complicações após o tratamento (7, 8). Uma mastigar), uso de suplementos dietéticos (e.g., vitaminas,
perda maior que 20% do peso, aumenta significati- ervas, probióticos), uso de suplementos orais, uso de esti-
vamente o risco de infecção, hospitalização e taxas de mulantes do apetite (maconha medicinal), uso de nutrição
mortalidade precoce. enteral ou parenteral antes do tratamento e risco de
aspiração.
Os pacientes com CCP devem ser reavaliados
semanalmente durante o tratamento com foco no
gerenciamento de sintomas e manutenção de peso (7). PROBLEMAS MAIS COMUNS
Todos os pacientes que recebem radioterapia na região da ASSOCIADOS AO CCP
cabeça e pescoço devem ser encaminhados para suporte
nutricional (7, 8). CAQUEXIA
O objetivo da intervenção nutricional é manter uma A caquexia (SAC) foi descrita por Blum em 2011,
dieta oral segura e controlar os sintomas durante o como sendo uma “síndrome multifatorial definida pela
tratamento. A nutrição enteral (EN) ou parenteral (NP) perda de massa muscular esquelética (com ou sem perda
pode ser necessária (7). de gordura) e que não pode ser totalmente reversível com
A Avaliação Subjetiva Global é umas das principais suporte nutricional convencional, levando à uma perda
ferramentas de diagnostico nutricional existente. Ela leva funcional. Caracteriza-se por um intenso consumo dos
em consideração dados como a história ponderal, tecidos muscular e adiposo, com consequente perda
ingestão de alimentos, sintomas presentes há duas ou involuntária de peso, além de anemia, astenia, balanço
mais semanas, capacidade funcional do indivíduo e seu nitrogenado negativo, devido alterações fisiológicas,
estado metabólico (9). metabólicas e imunológicas (10). A caquexia é distinta da
inanição e desnutrição simples, que são facilmente rever-
síveis mediante a provisão de nutrientes adequados. O

16
esgotamento do músculo esquelético é uma característica psicossociais (depressão, ansiedade, aversão alimentar)
(10 - 13)
fundamental da caquexia associada ao câncer e suas .
consequências incluem aumento da toxicidade da QT,
Estudos recentes mostram que a perda muscular
complicações da cirurgia do câncer e aumento da
esquelética é acompanhada por atrofia e fibrose do
mortalidade (11, 12). músculo cardíaco, levando a disfunção cardíaca acentu-
A presença de caquexia é um sinal de mau prognóstico ada. Isso pode explicar os resultados insatisfatórios
para pacientes com câncer de cabeça e pescoço e, como a observados em pacientes com câncer de cabeça e pescoço
literatura demonstra, tem um impacto negativo na quali- com perda de peso, mas sem antecedentes documentados
dade de vida e na morbidade (12). Os pacientes caquéticos de problemas cardíacos. Portanto, o coração pode ser
apresentam menor atividade física (pior mobilidade, adversamente afetado, contribuindo para a morte de
atividades habituais limitadas), piora psicológica e emo- pacientes com caquexia. Os eventos cardíacos pós-opera-
cional (aumento da ansiedade e depressão) e consequên- tórios também podem estar relacionados a essa síndrome.
cias sociais desfavoráveis (maior custo do tratamento e São necessários mais estudos para melhor definir o efeito
tempo de internação), diminuição imunitária favorecendo da caquexia no sistema cardiovascular (12).
infecções, assim como a cicatrização lenta de feridas (12).
A extensão e a prevalência da perda de peso variam de
O emagrecimento progressivo é um dos mais acordo com a localização e o estágio do câncer. No
importantes fatores que contribuem para a morte precoce momento do diagnóstico, a prevalência de perda signifi-
de pacientes com câncer. Uma perda de peso pré-trata- cativa de peso é maior (> 30%) para câncer de orofa-
mento superior a 10% em pacientes com câncer de cabeça ringe/cavidade oral, nasofaringe, hipofaringe e laringe
e pescoço é uma variável prognóstica independente para supraglótica. A prevalência cai para cerca de 20% para
a sobrevida global com um efeito que persiste até 10 anos câncer de laringe subglótico, enquanto é menor (< 10%)
após o diagnóstico inicial. De fato, a perda de peso pré- em carcinomas da glote e outros cânceres de cabeça e
tratamento, que é frequentemente subnotificada, é um pescoço, como carcinomas de células escamosas do ouvi-
forte preditor de mortalidade. A perda de peso moderada do, olho, glândulas salivares, nariz / cavidade paranasal,
(entre 5% e 10%), que inicialmente pode ter um efeito tireoide e pele (12).
menos prejudicial no prognóstico, ainda assim está
O significado da perda de peso também varia em rela-
associada a uma probabilidade de sobrevida global
ção ao estágio do tumor. A perda de peso é significa-
significativamente diminuída 2 anos após o diagnóstico
(12) tivamente maior nos estágios III / IV do câncer de cabeça
. Os pacientes caquéticos não toleram bem o
e pescoço em comparação aos estágios I / II (12).
tratamento antineoplásico e são mais sensíveis aos seus
efeitos secundários.
Diagnóstico da Caquexia
Alguns fatores contribuem para a caquexia, como a
redução da ingesta alimentar (anorexia, náuseas, vômitos, Apesar da comunidade médica ter consciência da
alteração do paladar e olfato), odinofagia, disfagia, morbidade associada à perda de peso involuntária, as
saciedade precoce, má absorção alimentar, alterações no evidências sugerem um subtratamento persistente da
metabolismo de macronutrientes com alterações metabó- caquexia. As razões para o subtratamento podem estar
licas (aumento do gasto energético, aumento do catabolis- relacionadas a uma atitude generalizada de que alguma
mo proteico, intolerância à glicose, e hiperlipidemia), perda de peso durante o tratamento é inevitável. Uma
liberação de citocinas inflamatórias (interleucina 6 (IL- suposição de perda de peso inevitável pode impedir
6), fator de necrose tumoral (TNF), interferon γ (IFNγ), avaliação nutricional precoce e intervenção adequada.
fator inibidor da leucemia (LIF), fator de crescimen- Pacientes com câncer de cabeça e pescoço requerem
to/diferenciação 15 (GDF15 ) e o indutor fraco relaciona- manejo multidisciplinar, incluindo avaliação adequada do
do à TNF da apoptose (TWEAK, também conhecido estado nutricional, atenção às necessidades nutricionais,
como TNFSF12), efeitos adversos do tratamento cirúrgi- aconselhamento e manutenção da conformidade (12).
co (como por exemplo alterações da mastigação,
Independentemente dos critérios utilizados, a perda de
deglutição, estenose de anastomoses), efeitos colaterais
peso, isoladamente ou em combinação com uma ou várias
da quimioterapia (mucosite, diarreia, disgeusia), efeitos
características adicionais (como anorexia, redução da
colaterais da radioterapia (mucosite, xerostomia, lesão da
ingestão de alimentos, perda muscular, diminuição da
mucosa gastrointestinal, estenoses tardias) e alterações

17
força, fadiga e marcadores bioquímicos) está sempre sozinho ou em índices compostos, como a Pontuação
incluída. Prognóstica de Glasgow, que fornece pontuação baseada
A caquexia pode ser confirmada quando se perde mais em albumina (< 35 g/L), PCR (> 10 mg/L) ou ambos, as
de 5% do peso corporal em pessoas com IMC inicial proteínas de resposta de fase aguda correlacionam-se com
normal ou mais de 2% em indivíduos que já tem IMC a perda de peso e são poderosos indicadores prognósticos
abaixo de 20 ou indivíduos sarcopênicos (12, 13). de progressão tumoral, sobrevivência e grau de sintomas
em múltiplos cânceres (13).
Grandes perdas de peso podem ocorrer em indivíduos
obesos sem atingir um IMC absoluto baixo. É importante Também podem auxiliar no diagnóstico da caquexia
(14)
ressaltar que a depleção grave do músculo esquelético :
(sarcopenia) pode não ser detectada em pacientes com - Dinamometria
obesidade. A perda muscular pode ocorrer na ausência de - Bioimpedanciometria de fase aguda (BIA)
perda de gordura e, portanto, pode escapar à detecção em
indivíduos obesos (13). - Rx de energia dupla

Os estágios da caquexia incluem a pré-caquexia, a


Tratamento
caquexia propriamente dita e a caquexia refratária. Elas
seguem a sequência de manutenção e/ou piora da Estudo recentes sugerem que o uso de terapia
aceitação de alimentos, pela via oral. Os objetivos da combinada pode ser mais eficaz do que uma abordagem
terapia nutricional estão em identificar os diferentes com um agente único. O agente farmacológico ideal para
estágios de evolução da doença e impedir que progridam o tratamento da caquexia deve ter efeitos positivos no
para o estágio refratário. apetite, apoiar a manutenção ou a ganho da massa
muscular e melhorar a qualidade de vida, minimizando os
Tomografia Computadorizada (TC) efeitos adversos do tratamento. Infelizmente, nenhum
agente farmacêutico atualmente disponível atende a todos
As medidas de massa do músculo esquelético defini- os critérios. Assim, a escolha terapêutica para tratamento
das pela TC foram cada vez mais relatadas na literatura, da caquexia deve basear-se no estado clínico do paciente,
com solicitações para que essa abordagem seja usada incluindo a condição do trato gastrointestinal, bem como
mais amplamente. os objetivos do paciente e do cuidador para a terapia (15).
A TC representa um meio objetivo e preciso para Os canabinóides, corticosteróides e progestágenos
determinar a massa muscular e a gordura corporal em podem ser adjuvantes no tratamento da caquexia, mas os
pacientes com câncer (13). Pode haver uma variação entre efeitos adversos limitam seu uso. Por exemplo, os
os sexos, a partir do índice de músculo esquelético: corticosteróides aumentam o apetite, melhoram a fadiga
e a depressão mas resultam em atrofia do músculo
Quando aferido na altura de L3: esquelético (13). Em geral, qualquer vantagem nutricional
Homens: < 55 cm2/m2. com o uso a longo prazo de corticosteroides é superada
pelo risco de efeitos adversos, como perda muscular e
Mulheres: < 39 cm2/m2.
imunossupressão. No entanto, pacientes terminais podem
Quando aferido na altura de T4: ser considerados candidatos para a intervenção com
Homens: < 66 cm2/m2. corticosteróides, pois os efeitos farmacológicos positivos
sobre outros sintomas associados ao câncer em estágio
Mulheres: < 51.9 cm2/m2.
terminal, podem superar os riscos associados aos efeitos
adversos negativos (15).
A resposta da fase aguda é caracterizada por leuco-
citose, febre e alterações nas concentrações plasmáticas Os progestágenos aumentam o apetite, mas causam
de proteínas de fase aguda positivas (fibrinogênio, atrofia muscular e, adicionalmente, aumentam o risco de
glicoproteína ácido α1, proteína amilóide A e proteína C- tromboembolismo (13).
reativa [PCR]) e proteínas de fase aguda negativas (albu- O acetato de megestrol é derivado sintético da
mina e transferrina). Os achados laboratoriais típicos progesterona e, em doses de 160 mg/dia (40 mg 4 vezes
associados à caquexia são albumina de < 35 g/L, ao dia) a 1.600 mg/dia, tem sido correlacionado a
transferrina < 110 mg/L e PCR > 10 mg/L (13). Usado aumento do apetite. As melhores respostas foram obtidas

18
com doses de 800 mg/dia, não se observando benefícios efeitos adversos identificados incluíram neuropatia
adicionais com doses superiores a esta. Contudo, é impor- periférica, parestesia, erupção/reação cutânea, sonolência
tante ressaltar que estes levam a aumento de peso à base e episódios trombólicos venosos (15).
de acúmulo de água e gordura, sem, contudo, aumentar a
Os ácidos graxos ω-3 EPA e ácido docosahexaenóico
massa magra (14, 16).
(DHA) têm sido investigados em pacientes com anorexia
O papel da maconha medicinal para o tratamento da e perda de peso relacionada ao câncer. As diretrizes para
caquexia não está claro. Faltam investigações sobre os nutrição em pacientes com câncer, tanto pela Sociedade
efeitos da Cannabis fumada ou vaporizada no apetite ou Americana para Nutrição Parenteral e Enteral (ASPEN)
na caquexia em pacientes com câncer. No entanto, quanto pela Sociedade Europeia para Nutrição Clínica e
preocupações clínicas com a administração pulmonar de Metabolismo (ESPEN), sugerem o uso da suplementação
maconha em pacientes com câncer, incluem potencial de ácidos graxos ω-3 como uma opção para pacientes
para lesão de grandes vias aéreas ou aumento dos sinto- com câncer que experimentam perda de peso progressiva
mas de bronquite, o que pode afetar negativamente os e não intencional. Em geral, os efeitos adversos da
tratamentos antitumorais. Além disso, pacientes imuno- suplementada com ácidos graxos ω-3 são leves e frequen-
comprometidos que fumam maconha podem estar em temente associados aos sintomas como desconforto abdo-
risco de aspergilose pulmonar invasiva. O uso rotineiro minal, flatulência, náusea ou vômito, diarreia transitória
de dronabinol ou maconha medicinal como estimulante ou esteatorreia. Outros efeitos incluem sabor residual de
do apetite não é recomendado devido à falta de evidencias peixe. Há preocupação com a segurança da suplemen-
clinicas para seu uso em pacientes com câncer (15). tação com óleo de peixe e o aumento do risco de
sangramento. No entanto, ingestões combinadas de até
A oxandrolona é um esteróide androgênico anaboli-
5 g/dia de EPA e DHA parecem ser seguras para a
zante oral aprovado pela Food and Drug Administration
maioria dos adultos (15).
(FDA) para combater o catabolismo protéico associado
ao uso prolongado de corticosteroides e para aliviar a dor A melatonina é um hormônio produzido principal-
óssea, que frequentemente acompanha a osteoporose. mente pela glândula pineal. Formulações orais são
Poucos estudos relataram o uso de oxandrolona em comumente usadas para tratamento de insônia. Embora a
pacientes com câncer. Outras considerações importantes melatonina tenha um papel ativo na regulação do ciclo
para o uso de oxandrolona em pacientes com câncer, circadiano, foram relatados efeitos anticancerígenos e
incluem uma contraindicação para uso em neoplasias anticaquéticos relacionados à citocina e à inibição do
sensíveis à testosterona, como próstata ou câncer de TNF-α. Mais estudos são necessários antes que a melato-
mama masculino (15). nina possa ser recomendada para uso rotineiro como
tratamento da caquexia (15).
Mais estudos clínicos são necessários antes que a
olanzapina ou a mirtazapina possam ser recomendadas O déficit anabólico pode ser parcialmente abordado
para uso rotineiro como tratamento para caquexia (15). pelo aumento da atividade física, uma prática que é
endossada nas diretrizes de nutrição oncológica. Os
A grelina, um potente hormônio peptídeo orexígeno
pacientes devem receber apoio para permitir que eles se
produzido pelo estômago, demonstrou aumentar o apetite
exercitem dentro de sua capacidade segura. O exercício
e a ingestão calórica em indivíduos saudáveis e em
físico estimula a síntese proteica associado à diminuição
modelos animais com caquexia. A anamorelina é um
da resistência insulínica, o que poderia favorecer estes
agonista do receptor de grelina em investigação que pode
pacientes. Mas a principal ressalva recai sobre o tipo de
ser administrado oralmente e que demonstrou efeitos
atividade (como por exemplo as aeróbicas), que podem
positivos no apetite e no IMC. A eficácia e segurança a
gerar um aumento do gasto energético (17).
longo prazo da anamorelina como tratamento para a
caquexia ainda precisa de mais estudos antes que o uso de O boa intervenção médica sobre a dor e os sintomas é
rotina possa ser recomendado (15). outro importante princípio do gerenciamento da caque-
xia. Causas de perda de peso que são passíveis de geren-
Recentemente, uma metanálise em pacientes adultos
ciamento efetivo incluem, mas não estão limitadas, a dor,
com câncer em uso de talidomida, avaliou a eficácia do
náuseas, vômitos, problemas dentários, disfagia, sacieda-
tratamento da caquexia. Os autores não encontraram
de precoce, obstrução esofágica, má absorção, distúrbios
evidências clínicas para recomendar o uso clínico
rotineiro da talidomida para o tratamento da caquexia. Os

19
(19)
endócrinos e metabólicos, ansiedade, depressão, angústia . Os pacientes com CCP se beneficiam de uma avalia-
e incapacidade de dormir (17). ção precoce tanto por fonoaudiólogos como por nutrólo-
gos no momento do diagnóstico, a fim de identificar
A complexidade inerente da caquexia do câncer exige
quaisquer problemas que precisem ser abordados antes do
uma estratégia de avaliação multifacetada que incide
início da terapia. Além disso, tal avaliação deve ser
sobre a ingestão de alimentos, dor e sintomas, perdas
realizada em qualquer ponto ao longo da trajetória de
específicas de músculo e gordura, fatores catabólicos,
tratamento e recuperação, se os pacientes apresentarem
carga tumoral, inflamação sistêmica e estado endócrino
sinais ou sintomas de dificuldade de deglutição ou
alterado, bem como sobre a clínica, consequências funci-
déficits nutricionais. Esforços têm sido direcionados para
onais e psicossociais de acordo com a condição do
o desenvolvimento de rotinas que possam ser usadas no
paciente. Na cirurgia de câncer, as principais orientações
ambiente clínico para identificar pacientes em risco de
incluem aconselhamento pré-operatório, otimização da
disfagia. O uso da RT modulada por intensidade (IMRT)
nutrição, regimes analgésicos e anestésicos padroni-
foi introduzido na prática clínica com o objetivo de
zados e mobilização precoce. Na prática clínica atual, a
reduzir as doses de radiação para as estruturas mastiga-
terapia da caquexia é conseguida através de uma aborda-
tórias, glândulas parótidas e glândulas salivares e
gem coletiva que envolve uma equipe multidisciplinar de
consequentemente reduzir a incidência e gravidade da
profissionais de saúde, bem como pacientes e suas
disfagia. Além disso, maior atenção tem sido dada aos
famílias (14 - 16).
exercícios físicos preventivos e terapêuticos associados
aos tratamentos, a fim de manter as funções de fala e
Disfagia e Odinofagia deglutição (18).
A disfagia é definida como a dificuldade em engolir Os pacientes com disfagia podem ter dificuldade em
líquidos, alimentos ou medicamentos e pode ocorrer controlar o fluxo rápido de líquidos finos (líquidos espes-
durante a fase orofaríngea ou esofágica da deglutição (18). sados movem-se mais devagar e permitem ao paciente
Trata-se de um sintoma comum em pacientes com câncer coordenar um bolus para engolir com segurança). As
de cabeça e pescoço ocorrendo em 30% a 50% dos consistências líquidas modificadas variam de fino a
pacientes não tratados cirugicamente (19). Pacientes com grosso e, em ordem de aumento da viscosidade, incluem
CCP e disfunção da deglutição estão em risco de pneumo- líquidos espessos finos, néctar, mel e pudim. Espessantes
nia e sepse (18). Quando a disfagia ocorre no câncer comerciais ou amidos modificados, tais como tapioca ou
avançado, ela e um indicador de mau prognóstico para amido de milho, são utilizados para engrossar líquidos
mortalidade em curto prazo. A mastigação prejudicada para a consistência desejada. Espessantes podem ser
também é comum e pode contribuir para a disfagia. A adicionados a bebidas como água, chá, café, suco, caldo,
dificuldade de mastigação segue a anorexia como o leite e alimentos consistentes líquidos, como sopas.
preditor mais significativo da redução da ingestão de
alimentos. A remoção de dentes durante o tratamento
Disgeusia
cirúrgico de canceres de cabeça e pescoço bem como a
baixa saúde bucal inicial, pode resultar em dificuldade de Embora os tumores primários na região da cabeça e
mastigação. As dificuldades de deglutição ocorrem quan- pescoço raramente afetem diretamente o paladar, sua
do o câncer leva à destruição do tecido funcional ou à alteração é uma complicação frequente dos tratamentos,
obstrução das vias de trânsito alimentar. Tratamentos ocorrendo em até 75% dos pacientes (20).
como a radioterapia e quimioterapia também contribuem
Pacientes com CCP tratados com RT e/ou agentes
para as alterações na deglutição quando causam compro-
quimioterápicos, como cisplatina, 5-fluorouracil e taxa-
metimento funcional nas estruturas da deglutição, ou com
nos, podem desenvolver alterações na acuidade do
mucosite ou xerostomia como efeitos colaterais (19).
paladar, incluindo perda completa (ageusia) ou parcial
A odinofagia geralmente resulta da mucosite durante (hipogeusia) do paladar. Esta última condição é definida
e imediatamente após tratamento com radioterapia e/ou como diminuição da sensibilidade gustativa em todas as
quimioterapia e pode exigir medicação para dor antes da qualidades e campos neurais gustativos (20). Mais comu-
ingestão oral. mente, o termo genérico disgeusia é usado para denotar
alteração na percepção do paladar e tem sido ligado
A avaliação da deglutição deve ser parte dos cuidados
diretamente ao apetite alterado e, consequentemente, ao
de rotina para o paciente com câncer de cabeça e pescoço
baixo consumo alimentar nessa população de pacientes.

20
Isso ocorre em função da atrofia das papilas gustativas, Mucosite
levando o paciente a dificuldade na percepção do paladar
Os efeitos iniciais da radioterapia e quimioterapia
e temperatura dos alimentos. Mudanças de sabor também
antineoplásicas ocorrem sobre as células do epitélio oral,
podem ocorrer com terapias biológicas e medicação.
as quais sofrem rápida proliferação. A magnitude destes
Outros fatores que podem contribuir para mudanças de
efeitos depende de uma série de fatores relacionados ao
sabor incluem uma pobre higiene bucal, infecção como
tratamento, ao tumor e ao paciente.
candidíase, gotejamento pós-nasal, refluxo gastroeso-
fágico, aumento da viscosidade da saliva e mucosite oral. A mucosite é um efeito colateral comum associado à
A alteração do sabor é associada à anorexia e ao menor quimioterapia (QT) e à radioterapia (RT). Embora o dano
interesse pelos alimentos. Os pacientes podem descrever celular direto da QT e a RT iniciem o processo,
o gosto pelo alimento como prejudicado, desagradável, evidências sugerem que a patogênese da mucosite é mais
distorcido ou ausente. complexa (21). Ela ocorre em 40% dos pacientes que
recebem a quimioterapia e em 100% dos pacientes que
Estudos clínicos demonstraram que o início do
recebem radioterapia para o tratamento do câncer de
comprometimento do paladar em pacientes com CCP
cabeça e pescoço. É uma reação inflamatória caracte-
tratados, pode ser variável. Foi relatado a partir de 3 a 4
rizada por eritema e edema na mucosa seguidos
semanas após o início da radioterapia e pode afetar
comumente de ulceração e descamação em orofaringe (21,
difusamente as papilas gustativas (20). A disgeusia durante 22)
. A mucosite é muitas vezes uma complicação séria que
a RT, geralmente piora, em função do aumento da dose
pode limitar o curso de tratamento, causar infecções,
cumulativa. As mudanças de sabor normalmente se
disfagia, perda de peso e dor. Pode exigir diminuição da
resolvem após o tratamento, mas podem ser afetadas
dose de quimioterapia ou aumento no intervalo das seções
permanentemente dependendo da área irradiada.
de radioterapia. A dor e a infecção causadas por mucosite
A terapia para pacientes com disgeusia inclui higiene muitas vezes levam a deficiências nutricionais e a neces-
bucal com bochechos com água bicarbonatada e manipu- sidade de suporte nutricional enteral através de sonda
lação de sabores dos alimentos. Os pacientes devem ser entérica ou gastrostomia (21, 23). Além disso, a mucosite
instruídos a escovar os dentes duas vezes ao dia com uma tem um impacto econômico considerável, devido aos
escova de dentes macia. custos associados ao manejo dos sintomas, suporte
nutricional, infecções secundárias e prolongamento da
Os pacientes devem ser encorajados a experimentar
internação hospitalar (21, 22).
diferentes alimentos para determinar o que é aceitável ou
não para eles. Os alimentos frios podem ser menos A mucosite oral geralmente se inicia ao final da RT e
ofensivos para os pacientes com disgeusia. No entanto, pode continuar por 2 a 4 semanas pós-RT com duração de
para pacientes tratados com radioterapia na língua, a várias semanas, dependendo da gravidade das lesões e da
disgeusia é frequentemente um desconforto persistente ao adição de QT ou terapia direcionada. O diagnóstico
longo do tratamento, apesar da intervenção. geralmente é feito clinicamente. No entanto, infecção
secundária, por candida ou a infecção pelo vírus Herpes
Os pacientes devem ser advertidos contra alimentos
simplex (HSV), deve ser considerada se a aparência
que podem aumentar a dor bucal ou oral por mucosite.
clínica for incomum ou a duração for prolongada (23).
Por exemplo, alimentos ácidos, como cítricos, tomates,
picles e vinagre devem ser evitados. Na ausência de A patogênese da mucosite está relacionada à toxici-
mucosite, alimentos ácidos podem melhorar a sensibili- dade direta da radiação ionizante (IR) e vários agentes
dade ao gosto. antineoplásicos, como metotrexato, doxorrubicina, 5-
fluorouracil, busulfan, bleomicina, cisplatina, carboplati-
A deficiência de zinco pode contribuir para uma
na, etoposídeo, inibidores do receptor do fator de cresci-
sensação de gosto diminuída, e a avaliação das mudanças
mento epidérmico (EGFR) e inibidores selecionados da
de sabor deve incluir a consideração da deficiência de
tirosina quinase em combinação com infecções, exacer-
zinco antes do início do tratamento. No entanto, a litera-
badas pela neutropenia, que se desenvolvem na mucosa
tura atual não recomenda o uso de zinco suplementar para
lesada. Metotrexato e etoposídeo, em particular, são
prevenir ou tratar a disgeusia resultante do tratamento.
secretados na saliva, o que leva a um aumento do risco de
mucosite direta (22).

21
Certos alimentos podem causar irritação na orofaringe 1) Cuidados bucais: protocolos padronizados de higiene
inflamada, enquanto outros são mais fáceis de consumir, bucal são recomendados para prevenir a mucosite oral em
o que permitirá uma boa nutrição. todas faixas etárias e em todas modalidades de tratamento
do câncer (EMA III) (25). Recomenda-se a abordagem
A mucosite pode ser classificada em oral (restrita a
multidisciplinar e a avaliação de protocolos de cuidados
cavidade oral) e gastrointestinal (esôfago, estômago,
bucais que incluam o uso frequente de lavagens da
intestinos) (24). A Mucosite Oral pode ser classificada
cavidade oral com solução salina 4 - 6 vezes/dia (24).
como:
Lavagens bucais com soluções à base de álcool devem ser
evitadas. O uso de uma escova de dentes macia também
A - Escala de WHO (World Health Organization) (24): e sugerido.

0) Ausente (mucosa e gengiva estão úmidos e róseos); 2) Controle da dor: sugerese que solução bucal a 0,2%
com morfina (LOE III) e bochecho com doxepina a 0,5%
1) Descoloração, aspecto esbranquiçado, posibilitando (LOE IV) podem ser usados para o manejo da dor devido
dieta normal; à OM em pacientes com RT de cabeça e pescoço. Muitos
2) Eritema, possibilitando dieta normal; centros usam uma solução bucal para enxague (também
conhecido como “solução bucal mágica”) contendo
3) Pseudomembrana, requerendo dieta líquida;
lidocaína, frequentemente em combinação com outros
4) Ulceração profunda, que impossibilitava a alimentação ingredientes, como a difenidramina, um agente de
oral. revestimento como o Maalox® e ocasionalmente um
antifúngico. Entretanto, a mistura de vários ingredientes
B - Critérios do Instituto Nacional do Câncer para ativos resulta na diluição de cada agente e potencial
Eventos Adversos incompatibilidade de produtos, reduzindo sua eficácia
geral. Além disso, há evidências clínicas limitadas de que
A definição usada para essa classificação é "Um
a solução bucal é eficaz. Recomenda-se que a solução
distúrbio caracterizado por inflamação da mucosa oral”
para enxague bucal de benzidamina (anti-inflamatório -
Grau 1 = sintomas assintomáticos ou leves; intervenção não aprovado para mucosite nos EUA) seja utilizado para
não indicada. prevenir a mucosite oral em pacientes com CEC
recebendo RT de dose moderada (até 50 Gy), sem
Grau 2 = dor moderada; não interferindo dieta modificada
quimioterapia concomitante (EMA I). A benzidamina
indicada.
não foi estudada adequadamente na RT com quimiote-
Grau 3 = dor severa; interferindo com a ingestão oral. rapia concomitante (25).
Grau 4 = consequências com risco de vida; intervenção
urgente indicada. 3) Terapia a laser de baixa intensidade (LLLT)
(fotobiomodulação): sugere-se que o LLLT (compri-
Grau 5 = morte. mento de onda 620 – 810 nm) seja usado para prevenir a
Em contraste, há um número limitado de instrumentos OM em pacientes submetidos à RT, sem quimioterapia
disponíveis para avaliação da mucosite gastrointestinal. concomitante, para CCP (NE III). O laser de baixa
A diarreia é um termo que é pontuado frequentemente intensidade vem sendo utilizado como forma de trata-
dentro da mucosite gastrointestinal, que não deve ser mento e cicatrização da mucosite oral e tem obtido
confundido com fezes moles (24). respostas positivas do ponto de vista clínico e funcional.
As células conduzem à liberação de fatores de cresci-
Diretrizes baseadas em evidências para o tratamento
mento por macrófagos, proliferação de queratinócitos,
da mucosite oral foram publicadas pela Associação
aumento da população e de granulação de mastócitos e
Multinacional de Cuidados de Suporte em Câncer / Socie-
angiogênese.
dade Internacional de Oncologia Oral (MASCC/ISOO).
Essas diretrizes incluem recomenda-ções (baseadas em Nenhuma diretriz foi dada para pacientes que recebem
evidências de nível superior), sugestões (baseadas em quimioterapia concomitante, devido à evidência limitada.
nível de evidência), ou uma determinação de “nenhuma Os mecanismos podem incluir efeitos anti-inflamatórios
diretriz possível” (baseada em evidência inadequada ou e analgésicos, bem como a promoção da cicatrização (25).
conflitante) (25).

22
4) Zinco: Sugere-se que os suplementos sistêmicos de mente no campo de radiação. A disfunção da parótida
zinco por via oral podem ser benéficos para a prevenção começa em 10-15 Gy e em níveis de 40-50 Gy pode se
da mucosite oral em pacientes com câncer de boca que traduzir em uma redução de 75% na salivação (26, 27).
recebem RT ou QT (LOE III). O mecanismo pode incluir
Habitualmente assiste-se a uma fase aguda de xeros-
promoção da cicatrização de feridas (25).
tomia causada pela RT que surge logo à primeira semana,
mas também pode haver um efeito mais tardio e
5) Contra o uso de agentes que se mostraram permanente de compromisso da função. Ou seja, após
ineficazes: Para pacientes com RT de CCP, o uso de alguma recuperação da secreção salivar esta pode regredir
solução bucal com sucralfato (agente de revestimento), mais tardiamente e de modo irreversível (27). A boca seca
antimicrobianos tópicos (polimixina, tobramicina, anfo- pode afetar a mastigação e causar dificuldade para engo-
tericina B, bacitracina, clotrimazol, gentamicina), solu- lir, além de alterar a sensibilidade ao gosto e provocar
ção bucal com clorexidina (antimicrobiano), solução dificuldade para falar. A saliva sofre, também, alterações
bucal com misoprostol (anti-inflamatório) e pilocarpina qualitativas decorrentes da RT com diminuição da
sistêmica (saliva estimulante) não foram recomendados atividade das amilases, capacidade tampão e pH, com
(25)
. consequente acidificação. Ocorrem também alterações
A analgesia com morfina é recomendada como o dos diversos eletrólitos como cálcio, potássio, sódio e
tratamento de escolha para a dor da mucosite oral em fosfato. Desta forma, os indivíduos que foram irradiados
pacientes submetidos a QT para câncer de cabeça e são mais susceptíveis à doença periodontal, cáries
pescoço (24). rampantes e infecções bucais fúngicas e bacterianas. A
xerostomia além de deixar o meio bucal desprotegido e
Devido ao alto risco de desnutrição após um regime
propenso a infecções secundárias, causa mudanças nos
de quimioradioterapia de alta dose, todos os pacientes
hábitos alimentares dos pacientes que passam a ingerir
tratados devem ser rastreados quanto ao risco nutricional
alimentos mais líquidos e pastosos pouco espessos (27).
e a nutrição enteral precoce ou nutrição parenteral devem
ser iniciadas em caso de problemas de deglutição. O manejo dietético recomenda a preparação de
alimentos úmidos, o aumento do consumo de líquidos,
Vários grupos de drogas foram estudados buscando
enxague frequente da boca durante o dia e boa higiene
determinar quais seriam eficazes para prevenção e/ou
dental para auxiliar pacientes (23, 27).
tratamento dessa complicação: vitamina E, agentes anti-
inflamatórios, citocinas, prostaglandinas E1 e E2, emoli- Há uma variedade de pulverizadores e comprimidos
entes orais tópicos, antioxidantes, drogas imunomodu- para ajudar os pacientes juntamente com intervenções
ladoras, drogas antivirais, agentes antimicrobianos e farmacológicas. A saliva artificial pode ser um recurso
antissépticos. A maior parte desses agentes não mostrou para minimizar os sintomas. Os comprimidos contendo
resultado favorável signicativo (22). ácido málico com e sem flúor foram investigados pelo seu
impacto na boca seca. Os pesquisadores encontraram um
aumento de 15 vezes na taxa de fluxo de saliva em
EFEITOS ADVERSOS
comparação com níveis não estimados. Este comprimido
foi bem aceito pela maioria dos pacientes (23, 27).
Xerostomia e Espessamento da Saliva
Estudos mostram que os agentes sistêmicos, como a
A diminuição efetiva da quantidade do fluxo salivar é pilocarpina, são mais eficazes quando usados durante a
denominada hipossalivação, enquanto que a xerostomia é RT. Recentemente, isto foi demonstrado também para o
a sensação subjetiva de boca seca, consequente ou não da betanecol, sendo que o medicamento usado concomitan-
diminuição da função das glândulas salivares, com altera- temente à RT é capaz de aumentar o fluxo salivar em
ções em ambas, na quantidade e na qualidade da saliva (26, repouso logo após o término do tratamento radioterápico,
27)
. além de diminuir a queixa subjetiva de boca seca (23, 27).
A xerostomia é um efeito adverso tardio e permanente Também tem sido sugerido o autotransplante da
mais comum do tratamento da RT em tumores de cabeça glândula mandibular para o lado oposto da mandíbula que
e pescoço e afeta significativamente a qualidade de vida estiver protegido da radiação.
dos pacientes. As glándulas parótidas estão frequente-

23
Candidíase O manejo de náuseas e vômitos deve incluir farmacote-
A candidíase oral tem como principal agente rapia, terapia nutricional e intervenções no estilo de vida.
etiológico a Candida albicans. Sua manifestação clínica Os pacientes se beneficiam comendo refeições peque-
se caracteriza pela presença de placas brancas removíveis nas e frequentes e ingerindo-as devagar. Os alimentos que
a raspagem, podendo apresentar-se na forma pseudo- podem contribuir para a epigastralgia incluem os gordu-
membranosa ou eritematosa. Está associada à dor na rosos, picantes ou muito doces. Os pacientes devem ser
mucosa, alteração do paladar e pode se estender ao encorajados a beber fluidos, como sucos de frutas diluí-
esôfago e resultar em disfagia (25). Além dos sintomas dos, bebidas esportivas com baixo teor de açúcar ou
orofaríngeos, a ingestão oral pode ser afetada de maneira fórmulas de reidratação oral para uma hidratação ade-
adversa, afetando o estado nutricional e a capacidade de quada (9).
tomar medicações orais (23, 25). A apresentação clínica As recomendações de estilo de vida incluem comer em
inclui candidíase pseudomembranosa e eritematosa e um ambiente calmo e arejado, evitar odores fortes como
queilite angular. Candidíase hiperplásica (nodular) e perfumes, produtos químicos de limpeza e odores prove-
invasiva são menos comuns e podem requerer biópsia niente da cozinha. Comer antes de receber quimioterapia,
para o diagnóstico (25). especialmente uma refeição rica em proteínas, pode ser
Apesar de ser um componente da flora bucal normal, útil na redução de náuseas e vômitos induzidos pela
alguns fatores podem favorecer o crescimento desse mesma.
patógeno oportunista, provocando infecção na mucosa
oral, vaginal ou doença sistêmica. O paciente irradiado INTERVENÇÃO NUTRICIONAL
apresenta uma queda no fluxo salivar o que pode justificar
aumento na ocorrência da candidíase, geralmente tam-
bém associada a alterações no paladar e mucosite (6, 23). Objetivos da terapia Nutricional

O diagnóstico se dá por meio do exame clínico e seu Os objetivos da terapia nutricional em pacientes com
tratamento consiste no emprego de antifúngicos tópicos CCP incluem a prevenção e o tratamento da desnutrição,
ou sistêmicos sendo estes a nistatina e o fluconazol. a modulação da resposta orgânica e controle dos efeitos
adversos do tratamento oncológico (28).
Constipação
Indicações da Terapia Nutricional (TN) (7, 29 - 32)
Os pacientes com câncer de cabeça e pescoço podem
experimentar constipação como resultado do tratamento Pacientes em risco nutricional grave, que serão
com QT e drogas para controle da dor, como os opioides, submetidos a grandes cirurgias, têm indicação de TN.
ou anormalidades eletrolíticas induzidas pelo tratamento, A TN está indicada para pacientes recebendo trata-
falta de atividade física e desidratação. Em geral, o mento oncológico ativo (QT, imuno e RT), com inade-
aumento da ingestão de alimentos ricos em fibras, como quada ingestão oral. Dentre estes se encontram aqueles
grãos integrais, frutas e vegetais, ajudam a aliviar a com ingestão alimentar menor que 70% do gasto energé-
constipação, mas muitas dessas escolhas alimentares tico estimado por período maior do que 10 dias e aqueles
estão contraindicadas para um paciente com disfagia, que não poderão alimentar-se por período maior do que
mucosite e xerostomia. Um hábito intestinal regular pode sete dias. Ela também pode estar indicada em pacientes
ser alcançado com o uso de laxantes, além de hidratação sem qualquer terapia adjuvante que estejam ingerindo
oral e fibras, conforme tolerado. menos de 70% das necessidades nutricionais e nos quais
a deterioração do estado nutricional esteja ligada à piora
Náuseas e vômitos da qualidade de vida.
Náuseas e vômitos são geralmente efeitos colaterais
de quimioterápicos altamente emetogênicos. Também Vias de Administração da Terapia Nutricional
podem resultar da sialorreia durante o tratamento de RT.
A sialorreia pode causar tosse, engasgos e náuseas. Suplementação oral
Náuseas e vômitos persistentes contribuem para a desnu- Muitos pacientes submetidos a tratamento para CCP
trição, que pode atingir 88% dos pacientes com CCP (1). precisarão suplementar sua dieta com líquidos ricos em
nutrientes e seguir uma dieta líquida completa durante o

24
tratamento se não puderem ingerir alimentos sólidos para A sonda de gastrostomia pode ser colocada de forma
suprir suas necessidades (33). Para a maioria dos pacien- endoscópica em um procedimento conhecido como
tes que recebem radioterapia na região bucal, os efeitos gastrostomia endoscópica percutânea (PEG) ou
colaterais cumulativos prejudicam a capacidade do radiologicamente em um procedimento conhecido como
paciente de mastigar e engolir alimentos sólidos (26). Para gastrostomia radiologiacamente inserida (RIG). Uma
esses pacientes, os suplementos nutricionais orais podem sonda de gastrostomia que é colocada antes do tratamento
ser vitais para garantir a ingestão adequada de nutrientes em antecipação à necessidade é referido como um PEG
e ajudar a minimizar a perda de peso durante o tratamento profilático ou um RIG profilático (33, 35 - 37).
(34)
. Os guidelines da NCCN (National Comprehensive
As formulações de alto valor calórico, entre Câncer Network) de 2017 sugerem algumas indicações
1,5 kcal/mL e 2,25 kcal/mL e alto valor proteico são úteis para o uso profilático da gastrostomia endoscópica
como adjuvantes do tratamento, por serem nutricional- percutânea em pacientes com CCP (38):
mente completas e permitirem a administração como (1) Pacientes com perda de peso grave antes do
fórmulas entéricas e suplementos orais (28, 34). tratamento, 5% de perda de peso em 1 mês ou 10% de
O uso de suplemento oral na forma líquida com ácidos perda de peso em 6 meses;
graxos ω-3, na forma de ácido eicosapentanoico, pode (2) Desidratação ou disfagia, anorexia ou dor em
prevenir a perda de peso e a interrupção da RT/QT (7, 34). andamento, interferindo na capacidade de comer/beber
adequadamente;
Terapia nutricional enteral (NE)
(3) Comorbidades significativas que podem ser agravadas
Para pacientes com CCP com ingestão oral severa- pela baixa tolerância à desidratação, falta de ingestão
mente diminuída, a NE é a via de administração preferida calórica ou dificuldade para engolir os medicamentos
desde que haja integridade do trato gastrointestinal. O necessários;
início precoce da NE é essencial para minimizar o
declínio do estado nutricional, oferecendo melhor tole- (4) Aspiração grave; ou aspiração leve em pacientes
rância ao tratamento e melhorando a qualidade de vida e idosos ou em pacientes com comprometimento da função
a sobrevivência. Estudos mostraram que 84% dos cardiopulmonar;
pacientes que recusaram a alimentação por sonda nasoen- (5) Distúrbios de deglutição de longa duração.
térica acabaram sendo hospitalizados por desidratação PEGs profiláticos (P-PEGs) mostraram reduzir signi-
grave e desnutrição, portanto, incentivar o uso precoce da ficativamente a perda de peso e a taxa de hospitalização
sonda nasoentérica pode prolongar o tempo para remoção durante a radioterapia resultando na diminuição de
da mesma, mas não aumenta as taxas de dependência a interrupções de tratamento não programadas (5). Entre-
longo prazo além de 4 meses após o tratamento (1, 7, 26, 29, tanto, estudos prospectivos e randomizados controlados
30, 32)
. demonstraram que os PEGs e a TNE por SNE foram
Alguns pacientes, desde que haja segurança, podem igualmente eficazes na manutenção do peso corporal (7, 33,
35 - 37)
ser encorajados a continuarem consumindo alimentos e .
líquidos oralmente, concomitante com a NE, para exer- No entanto, Baschnagel et al. mostraram recentemente
citar os músculos da deglutição e diminuir o risco de que não houve diferença nas taxas de dependência do
dependência da NE a longo prazo ou por mera gratifi- tubo PEG entre o PEG colocado profilaticamente e o
cação oral. colocado após o início do tratamento (33, 36, 37).
A sonda nasoenteral está indicada para a TN de curto Parece que não há evidências suficientes para deter-
prazo, enquanto as ostomias (jejunostomia e gastros- minar o método ideal de alimentação enteral. Mais
tomia) devem ser indicadas se houver necessidade de TN estudos comparando os dois métodos de alimentação
por período maior do que quatro semanas. Estudos enteral e incluindo um número adequado de pacientes são
clínicos prospectivos têm demonstrado que a realização necessários (33).
da gastrostomia endoscópica percutânea nos pacientes
com CCP, antes do início da QT e/ou RT, está relacionada A alimentação profilática através de sonda nasogás-
com ganho ou manutenção do peso corporal e redução da trica ou gastrostomia percutânea para prevenir a perda de
internação hospitalar por desidratação (7, 35 - 37). peso, reduzir a desidratação e hospitalizações, e evitar
quebras de tratamento, tornaram-se relativamente co-

25
muns. No entanto, em comparação com a alimentação A indicação da terapia nutricional parenteral (TNP)
reativa (pacientes que recebem suplementos nutricionais reserva-se aos casos em que há impossibilidade do uso do
orais quando é impossível manter as necessidades trato gastrointestinal ou outras complicações que
nutricionais por meio de um TEG ou PEG), a alimentação impeçam a ingestão adequada por sete a 14 dias.
profilática não oferece vantagens em termos de resultados A TNP poderá ser indicada simultaneamente com a
nutricionais, interrupções da radioterapia e sobrevivência nutrição enteral, quando esta não for capaz de suprir
(33)
. completamente as necessidades nutricionais do paciente.
A transição para NE ou nutrição oral deve ser tentada
Seleção de fórmula para TNE
assim que o paciente tenha função gastrointestinal
As fórmulas entéricas podem ser classificadas como adequada, para prevenir atrofia da mucosa GI e colestase.
padrão ou poliméricas, elementares ou especializadas. A NP deve ser gradualmente diminuída, uma vez que a
Fórmulas padrão ou poliméricas são adequadas para ingestão oral ou NE atinja 500 calorias/dia, e deve ser
pacientes com CCP com trato gastrointestinal intacto. descontinuada quando o paciente atingir mais de 60% das
Uma fórmula de densidade calórica mais alta (1,5 – 2,0 necessidades energéticas e proteicas por via oral ou por
kcal/ml) é ideal para pacientes incapazes de tolerar EN.
grandes volumes ou aqueles cujas necessidades calórico-
Fístula do ducto torácico com extravasamento de
proteicas são elevadas. Fórmulas elementares contendo
quilo, tipicamente ocorre após cirurgia extensa no
proteínas hidrolisadas (peptídeos) são reservadas para
pescoço esquerdo. O quilo tem um aspecto esbranquiçado
pacientes com má absorção ou disfunção pancreática e
e sua drenagem aumenta com o início da alimentação
são raramente usadas na população com CCP. Fórmulas
enteral. O manejo inclui início da Nutrição Parenteral e o
especializadas projetadas para uma condição particular,
uso de uma dieta rica em triglicérides de cadeia média
como doença renal, doença hepática, diabetes ou doença
(TCM) ou dieta com pouquíssima gordura. Quando o
pulmonar, podem ser utilizadas de acordo com a doença
débito da fístula quilosa for > 400 a 600 cc de quilo/dia
de base, contudo são custo mais elevado (9, 28).
além de ajustes na dieta, outras medidas devem ser
tomadas como: exploração cervical com ligadura,
Fórmulas imunomoduladoras
clipagem do ducto torácico do tórax por cirurgia torácica
ou embolização por radiologia intervencionista.
Transição da nutrição enteral por SNE para a
alimentação por via oral
Recomendações Nutricionais
A nutrição oral deve ser tentada quando a deglutição
Embora a calorimetria indireta seja considerada o
for segura. Os pacientes podem estar mais motivados a
método “padrão ouro” para a determinação do gasto
tentar a ingestão oral, pois os sintomas do impacto
energético, a utilização de equações para estimativa das
nutricional começam a se resolver. Alguns pacientes
necessidades nutricionais tem sido proposta em função do
podem apresentar problemas de deglutição a longo prazo
alto custo do método.
e dificuldade para comer devido a xerostomia, e podem
necessitar de uma dieta de textura modificada por um ano Considerando a oferta calórico-proteica para estes
ou mais após o tratamento. O nutrólogo avaliará a pacientes, várias diretrizes (9, 28, 39) sugerem:
ingestão oral e recomendará a diminuição gradual da NE Energia:
para garantir que as necessidades nutricionais sejam
(1) Obesos ou manutenção: 21 - 25 kcal/kg/dia.
atendidas. Os pacientes podem continuar a suplementar
até que a ingestão oral seja adequada para atender às (2) Adultos sedentários: 25 - 35 kcal/kg/dia.
necessidades nutricionais com alimentos integrais (7, 9, 39). (3) Para tentar promover ganho de peso ou em pacientes
anabólicos: 30 - 35 kcal/kg/dia.
Terapia Nutricional Parenteral (NP) (7, 9, 28, 39)
(4) Má absorção: 35 kcal/kg/dia.
Embora a NP não seja rotineiramente usada em
pacientes com CCP, ela pode ser usada em pacientes que
Proteínas:
não são capazes de tolerar a NE ou em pacientes com
vazamento de quilo após cirurgias extensas do pescoço. (1) Pacientes com disfunção renal não dialíticos: 0,8 - 1,0
kcal/kg/dia.

26
(2) Pacientes com disfunção renal dialíticos: 1,2 - 2,0 contínua, através do uso de bomba de infusão. Avaliações
kcal/kg/dia. nutricionais oportunas e acompanhamento durante todo o
tratamento garantirão o fornecimento adequado de
(3) Pacientes não estressados: 1,2 - 1,5 g prot/kg/dia
nutrição via SNE ou a combinação de NE e ingestão oral.
(4) Pacientes hipermetabólicos ou com perda aumentada:
1,5 - 2,0 g/kg/dia
Complicações (7, 9, 28)
As complicações associadas à NE incluem diarreia,
Monitorização da Terapia Nutricional (9, 28, 40)
constipação, broncoaspiração, extravasamento de dieta
Um paciente desnutrido deve ser cuidadosamente pela SNE ou gastrostomia/jejunostomia, infecção,
monitorado para a síndrome de realimentação, que é exteriorização da SNE ou da sonda de gastrosto-
caracterizada pelo desenvolvimento de alterações meta- mia/jejunostomia e entupimento da SNE. Essas compli-
bólicas potencialmente letais (hipocalemia, hipofosfa- cações geralmente não requerem hospitalização e podem
temia e hipomagnesia) juntamente com o desenvolvi- ser contornadas em ambiente ambulatorial. Para evitar
mento de edema cardiogênico e desconforto respiratório. entupimento da sonda, a ASPEN recomenda lavar a SNE
O risco de síndrome de realimentação pode ser diminuído com 30 mL de água a cada 3 - 4 h durante a alimentação
pela correção de anormalidades metabólicas antes do por bomba contínua ou antes e depois de alimentações
início da NE ou da NP. Os pacientes devem ser intermitentes em um paciente adulto. Sugere-se também
submetidos a exame clínico diário, os níveis de eletrólitos elevar a cabeceira do paciente a um mínimo de 30° e,
devem ser dosados diariamente se o paciente apresentar preferencialmente, a 45°, para evitar aspiração e pneumo-
instabilidade clínica. Após a estabilização, os eletrólitos nia, bem como reduzir os sintomas de refluxo gastroeso-
podem ser dosados semanalmente. fágico e náuseas, a menos que haja contraindicação
Os principais exames laboratoriais para monitorar o médica.
paciente antes e durante a TN são: glicemia; sódio; potás-
sio; fósforo; cálcio; magnésio; provas de função hepática;
Transição da Nutrição Enteral por SNE para a
colesterol total e frações; albumina; gasometría; zinco;
Alimentação por Via Oral (7, 9, 28)
cobre; proteína C reativa; ferro e ferritina; vitaminas;
folato e B12; vitamina D; RNI; ureia e creatinina. A nutrição oral deve ser tentada quando a deglutição
for segura. Os pacientes podem estar mais motivados a
Otimização da Terapia Nutricional (7, 9, 28) tentar a ingestão oral, pois os sintomas do impacto
nutricional começam a se resolver. Alguns pacientes
O sucesso da NE depende do esforço colaborativo da podem apresentar problemas de deglutição a longo prazo
equipe multidisciplinar para monitorar os pacientes e e dificuldade para comer devido a xerostomia, e podem
ajudá-los a resolver problemas que possam surgir necessitar de uma dieta de textura modificada por um ano
relacionados às fórmulas e suplementos, questões do ou mais após o tratamento. O nutrólogo avaliará a
plano de saúde ou SUS / custo e administração alimentar ingestão oral e recomendará a diminuição gradual da NE
adequada. para garantir que as necessidades nutricionais sejam
É imprescindível que o paciente e o cuidador recebam atendidas. Os pacientes podem continuar a suplementar a
orientações quanto ao objetivo da NE, o método ingestão oral com suplementos nutricionais orais até que
apropriado de administração da NE, cuidados com a SNE a ingestão oral seja adequada para atender às
e local da gastrostomia, sinais de intolerância alimentar e necessidades nutrícionais com alimentos integrais.
de quando entrar em contato com a equipe
multidisciplinar. Uma das partes mais importantes da CONCLUSÃO
monitorização de um doente que recebe NE é avaliar o
alcance das necessidades nutricionais estimadas. Após o
início, os pacientes devem ser instruídos a relatar sinais Pacientes com câncer de cabeça e pescoço frequente-
de intolerância, como náuseas, vômitos, distensão mente enfrentam múltiplos desafios nutricionais antes,
abdominal, cólicas abdominais e diarreia. Se a durante e após o tratamento. Os efeitos colaterais comuns
alimentação em bolus não for tolerada, a mesma deve ser relacionados ao tratamento, como disfagia, odinofagia,
administrada num período de tempo maior ou até mesmo disgeusia, xerostomia, saliva espessa, mucosite, náusea e

27
vômito, prejudicam ainda mais a capacidade do paciente alimentar do paciente oralmente ou por meio de TNE ou
de manter a ingestão oral adequada. Vários estudos TNP para prevenir ou limitar a perda de peso e preservar
mostram que a desnutrição está associada a piores a massa corporal magra, o que irá melhorar os resultados
resultados do tratamento com aumento na morbidade e do tratamento, minimizando atrasos e hospitalizações não
mortalidade. A otimização da nutrição é um objetivo planejadas. Avaliação nutricional antes do tratamento é
importante durante o tratamento de pacientes com CCP. frequentemente recomendada para pacientes com CCP
Sabe-se há muitos anos, que uma nutrição adequada pode para estabelecer um estado nutricional de base. A
melhorar a tolerância e a taxa de resposta à radioterapia, monitorização contínua durante e após o tratamento, com
quimiorradiação e o estado imunológico, aumentar a foco no manejo dos sintomas e na manutenção do peso, é
cicatrização de feridas e reduzir as complicações. O vital para otimizar o resultado do tratamento proposto.
objetivo da terapia nutricional é maximizar a ingestão

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30
Capítulo 4 – Câncer de pele não melanoma em cabeça e pescoço

de saúde pública, com importante impacto na economia,


INTRODUÇÃO
bastando campanhas para fotoproteção, principalmente
na primeira infância. Em alguns países, como na Alema-
Os tumores de pele são classificados como melanoma nha e no Brasil, há programas de screening de câncer de
e como câncer de pele não-melanoma e são os mais pele. No Brasil não é diferente, há um aumento da sua
comuns nos humanos. As lesões mais frequentes (não- incidência, correspondendo a quase 30% de todos os
melanoma) são os carcinomas basocelulares (CBC) e os tumores malignos. Anualmente, no Brasil, são cerca de
carcinomas espinocelulares (CCE). São de extrema 175 mil casos por ano, com aumento significativo de
importância porque além de serem os mais comuns, têm comprometimento do sexo feminino (dados do INCA) (9),
baixa morbidade e mortalidade (sendo que suas baixas talvez por uma necessidade de ocupação externa para
agressividades fazem com que o paciente postergue a trabalho das mulheres.
procura de ajuda médica) desde que tratados em suas
formas de apresentação iniciais, além de fazerem parte de Outro dado importante sobre o câncer de pele é que,
políticas públicas de saúde em vários países. Compro- ao contrário do que muita gente pensa, cada vez mais
metem principalmente os indivíduos de pele clara (1 - 6). jovens de ambos os sexos, estão sendo acometidos pela
doença, devido ao excesso de exposição ao sol e a hábitos
Iremos abordar aqui somente os tumores de pele não que não incluem a fotoproteção. O efeito da radiação é
melanoma, o CBC, o CCE, o carcinoma de células de extremamente nocivo e, por isso, a proteção deve ser feita
Merkel e o carcinoma sebáceo. Para o CBC e o CCE o durante toda a vida, desde a infância. A "quantidade de
tratamento cirúrgico com a ressecção simples com mar- sol", o tempo e o horário de exposição influenciam
gens, é o tratamento de escolha. É de extrema importância diretamente no desenvolvimento da doença (10 - 12).
a realização da ressecção tumoral de forma adequada,
com margens de segurança das bordas de incisão livres Iremos abordar aqui o CBC e o CCE separadamente,
de tumor, aumentando assim, a incidência de controle da e citaremos de forma sucinta outros tumores menos
doença. frequentes, como o carcinoma de glândula sebácea e o
carcinoma de Merckel.
Sua incidência está aumentando dramaticamente,
principalmente na Austrália (1170 casos/100.000 hab.) (7,
8)
, sendo que os gastos com o tratamento chegam a quase CARCINOMA BASOCELULAR (CBC)
300 milhões de dólares por ano. Nos EUA, há também
um aumento significativo da sua incidência, com os É o subtipo de câncer de pele não-melanoma mais
gastos alcançando cifras próximas de 430 milhões de frequente e origina-se da camada de células basais da
dólares por ano (1,4). Isso demonstra que é um problema epiderme e seus apêndices. Tem apenas agressividade

31
local e raramente metastatiza (risco de metástases de 0,05 Aquelas lesões plano superficiais (Figura 4.3) podem
a 0,1%). Lesões extensas que invadem ossos e estruturas se apresentar como eritematosas e serem confundidas
profundas como músculos, invasão perineural e tipos com eczema. A pigmentação CBC pigmentado (Figura
histológicos agressivos são os que podem metastatisar, 4.4) pode aparecer em qualquer tipo clínico.
porém de ainda de forma rara (13,14). São 5 subtipos
classificados de acordo com a clínica em: nódulo-ulce- Figura 4.2 CBC esclerodermiforme. Linha vermelha mostra a
rativo; plano superficial; esclerodermiforme (morféa); área de infiltração tumoral
pigmentado e fibroepitelioma. Os tipos nódulo-ulcerativo
são os mais comuns com 50 a 85% de incidência seguido
pelo superficial e na sequência pelo esclerodermiforme e
pigmentado.

Epidemiologia
Corresponde a cerca de 75% dos tumores de pele não-
melanoma e a mais de 25% de todos os tipos de câncer,
sendo, portando o tipo de tumor mais frequente. Com-
promete mais de 99% de indivíduos de pele clara e é
bastante incomum em indivíduos de pele negra. Hoje em
dia a proporção de incidência por sexo é praticamente
igual (1/1 masculino/feminino). Atinge indivíduos de 40
a 80 anos e o sítio mais frequente de comprometimento é
o nariz, com cerca de 25 a 30% dos casos. Tem signi-
ficante comprometimento da região periorbitária e perila-
bial, sendo que nenhum sítio da cabeça e pescoço é
poupado (couro cabeludo é atingido em 11%) (15, 16). Figura 4.3 CBC plano superficial frontal
Classicamente os CBC nodulares aparecem como pla-
cas elevadas, perolizadas e com teleangiectasias (Figura
4.1) que com a progressão e o crescimento ulceram-se.

Figura 4.1 CBC nodular em asa nasal esquerda. Aspecto


perolizado com telangectasias vasculares

Etiologia e Patogênese
A causa do aparecimento do CBC ainda é controversa,
mas há vários fatores predisponentes. Pessoas de pele
clara são particularmente vulneráveis, especialmente
após anos de exposição à irradiação ultravioleta tipo B
(UVB) (17). CBC é comum em pálpebra inferior, canto de
órbita e região retroauricular, porém, inco-muns no dorso
das mãos e braços, possivelmente pela diferença de
densidade dos folículos pilosebáceos.
Os CBC esclerodermiformes são infiltrativos e com
margens mal definidas (Figura 4.2), carregando mal Outros fatores predisponentes incluem a radiação
prognóstico e alta incidência de recidiva. ionizante, exposição ao arsênico e cicatrizes. Há um

32
discreto aumento da sua incidência em pacientes já aparecem na adolescência e juventude associada a
transplantados renais e com um comportamento mais hipotricose, anidrose e hipohidrose. A síndrome de Rom-
agressivo. bo é autossômica dominante caracterizada pelas lesões
tumorais, tricoepiteliomas com vasodilatação periférica
Figura 4.4 CBC pigmentado (diagnóstico diferencial com mais cianose e manifesta-se após 35 anos. Albinismo
melanoma nodular) (Figura 4.6), xeroderma pigmentoso também são
genodermatoses de interesse em aparecimento de CBC,
devendo-se ter uma vigilância aumentada sobre estes
pacientes (18, 19).

Figura 4.6 CBC frontal em um paciente albino

Muitas outras síndromes genéticas estão associadas


com o aumento do risco de CBC como a síndrome de
Gorlin (síndrome Nevóide Basocelular, Figura 4.5) que
é autossômica dominante, e além das lesões tumorais na
pele, há também cistos odontogênicos e ceratocistos na
Diagnóstico
mandíbula. São lesões de difícil controle devido à
multiplicidade de lesões, recorrências e preferência pela O diagnóstico é realizado pelo exame clínico, obvia-
região periorbitária. mente, e pela biópsia. Para aquelas lesões pequenas em
que o tratamento seria realizado sem sequelas e com
fechamento primário, realiza-se a biópsia excisional, ou
Figura 4.5 Apresenta um paciente potador de síndrome
nevóide basocelular, multioperado, com diversas cicatrizes e seja, resseca-se e faz o fechamento primário já tratando
dezenas de lesões cérvicofaciais (setas pretas) e em tronco. da lesão. Para aquelas lesões mais avançadas, com
Nota-se que tem. uma aparência reconhecível com comprometimento ósseo e muscular, que exigiriam
macrocefalia, elevação da fronte, características faciais ressecções complexas, mutilantes e com reconstruções
grosseiras (síndrome de Gorlin) mais elaboradas, seria mandatório a realização de uma
biópsia incisional para confirmação diagnóstica. Alguns
estudos demonstram a importância da dermatoscopia na
acurácia do diagnóstico com especificidade de 85% e
sensibilidade de 95% (20). A dermatoscopia é de grande
valia ao cirurgião no planejamento terapêutico das lesões
de pele, sendo que nos sentimos bem mais confortáveis
em indicar uma ressecção de lesão com o auxílio de outro
especialista.

Evolução
A maioria dos CBC nódulo ulcerativos possuem um
potencial de crescimento limitado, mas podem ser infil-
trativos e agressivos levando-se em consideração o
A síndrome de Bazex é também autossômica tamanho, localização e a destruição de estruturas locais.
dominante caracterizada por múltiplas lesões na pele que

33
Tem extensão subclínica de 2,1 +/- 0,4 mm (19) e podem proporciona uma ressecção completa com margens
invadir órbita e seu conteúdo, orelha nariz e crânio. adequadas. Há preferência pela ressecção cirúrgica
A variedade escrerodermiforme é bem mais agressiva simples por ser menos dispendiosa que a primeira e
e tem uma alta incidência de recorrência. Há estudos que mobilizar muito menos profissionais, resolvendo de
demonstram uma extensão subclínica de 7,2 +/- 3,8 mm maneira mais eficiente em muitos casos. Porém, é sabido
(19)
. que em países desenvolvidos, a cirurgia de Mohs é o
melhor custo-benefício .
O CBC basoescamoso pode ocorrer após inúmeras
recidivas e tem um comportamento mais agressivo, po- Para as lesões virgens de tratamento a cirurgia de
dendo dar metástases. Ele possui alta incidência de reci- Mohs tem cerca de 1 - 2% de recorrência, e já para
diva, mas questiona-se se são duas entidades estabeleci- aquelas recidivadas tem cerca de 4 - 7% de nova recidiva.
das crescendo uma juntamente com a outra (CBC e CCE) A ressecção cirúrgica simples para as lesões primárias
ou se é realmente uma entidade mais agressiva (15, 16). tem cerca de 10% de recorrência e alcança
aproximadamente de 17,5% de recorrência para as lesões
A infiltração perineural ocorre em cerca de 1% dos já manipuladas (recidivadas) (19). Optamos por margens
casos e carrega uma evolução mais agressiva, com de 4 – 5 mm para aquelas lesões menos agressivas (CBC
recorrências frequentes, invasão de tecidos vizinhos, nodulares) em regiões onde a preservação de tecidos não
ossos e sistema nervoso central. As regiões onde mais é essencial. De uma maneira geral recomenda-se 2 a 3
ocorrem a infiltração perineural são a pré auricular próxi- mm de margens para os CBC nodulares menores que
mas ao nervo facial e região malar próximas aos ramos 1 cm, 3 - 5 mm para as lesões entre 1 e 2 cm e de
do trigêmeo (19). 7 – 10 mm para os CBC esclerodermiformes (19). Note as
A localização do CBC também tem influência na recomendações de margens para CBC primários (virgens
evolução. Aquelas lesões localizadas no T facial (regiões de tratamento) (19):
periorbitárias, área de implantação nasal e de implantação
Tipo clínico-histológico Margem
das orelhas) tendem a ter uma evolução mais agressiva
com infiltrações e destruição dos tecidos, talvez por se- Nodular bem circunscrito > 1 cm 2 – 3 mm
rem áreas de clivagem embriológica, com alta incidência Nodular bem circunscrito > 1 e < 2 cm 3 -5 mm
de recorrências, infiltração perineural e de controle mais Esclerodermiforme 7 – 10 mm
difícil que outras áreas (13, 14). Nariz é o local de maior
incidência de recorrência, seguido pela orelha, região
Radioterapia
periorbitária, outras regiões da face (malar, frontal) e
couro cabeludo (19. Os CBC respondem relativamente bem à radioterapia
e é utilizada principalmente naqueles pacientes sem
Grandes lesões negligenciadas também têm um risco
condições de tratamento cirúrgico (risco cirúrgico muito
aumentado de recorrência. Aquelas lesões maiores de 2
aumentado) (21). Pode ser utilizada também como terapia
cm têm mais chances de recidiva que as menores (19). Há
adjuvante, pós ressecção cirúrgica com margens inade-
também aquelas lesões multicêntricas, mesmo que
quadas, em lesões muito infiltrativas em que uma reabor-
superficiais, são de difícil controle com muita recidiva dagem seria muito prejudicial para o paciente ou mesmo
(19)
. como paliação. Achamos que a RT pode ser muito
benéfica também para aqueles CBC recidivados, multi-
Opções de Tratamento cêntricos, que apesar de pouco infiltrativos, observamos
O manejo do CBC é determinado pelo tamanho da que não conseguiremos margens de segurança com uma
lesão, subtipo clínico e histológico, profundidade e nova operação (21). A radioterapia como método primário
localização, além, é claro, das comorbidades do paciente. de tratamento tem 8,7% de recorrência para as lesões
A chave para o sucesso do tratamento é o diagnóstico virgens de tratamento, e cerca de 10% de recorrência para
precoce. as lesões já manipuladas (19).

Cirurgia Imiquimode
O tratamento de escolha preferencialmente é a O mecanismo exato de sua atividade anti-tumoral é
cirurgia, sendo que a cirurgia micrográfica de Mohs(19) é ainda desconhecido, entretanto, seus efeitos são conside-
melhor que a ressecção cirúrgica simples porque rados imunomoduladores e sua ação se faz por meio da

34
indução de citocinas e intensificação da atividade carcinoma basocelular superficial. Estudos multicêntri-
citolítica mediada por células. Outro possível mecanismo cos controlados e randomizados demonstram a alta
imune da ação do imiquimode seria sua capacidade de eficácia e resultado cosmético final superior dessa
modular a função das células de Langerhans, aumentando modalidade terapêutica em relação aos tratamentos
sua migração dos linfonodos para a pele (22, 23). convencionais. Lesões ulceradas e profundas tem baixa
resposta ao tratamento (26, 32 - 34).
A duração do tratamento com imiquimode é em média
de 25 dias chegando até 45 dias em alguns casos, e deve
ser utilizado para aqueles tumores pequenos com CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS (CCE)
infiltração não superior a 2 mm e diâmetro de até 1 cm,
em regiões em que o tratamento cirúrgico possa trazer O desenvolvimento de CCE cutâneo depende de
cicatrizes com sequelas funcionais importantes, como os fatores tanto oncogênicos como susceptibilidade orgânica
cantos dos olhos ou que o paciente recuse o tratamento na disfunção imunológica local e sistêmica. E devido ao
cirúrgico ou tenha risco proibitivo. As taxas de controle fato da irradiação ultravioleta (UVA e UVB) ser tanto
da doença chegam a mais de 80% (24 - 26). mutagênica quanto imunossupressiva, expor-se à ela é um
dos principais fatores para o desenvolvimento de CCE
Visdemogib e Sonidegib cutâneo, principalmente em áreas expostas ao sol (couro
Estes medicamentos estão sendo utilizados para o cabeludo, lábio inferior, orelha, pescoço e face). Os
tratamento do CBC localmente avançado em pacientes fatores epidemiológicos, etiológicos e prognósticos no
que não são bons candidatos para o tratamento cirúrgico, CCE cutâneo dependem do estado imunológico da pele e
seja por risco proibitivo ou por lesão tumoral muito do organismo.
avançada, e para aqueles que não podem se submeter a
Epidemiologia
radioterapia e, apesar de raro, é também utilizado para o
tratamento do CBC metastático. A nova atualização da CCE é o segundo tipo de câncer mais comum da pele
NCCN 2021 (26) para CBC recomenda os inibidores das com cerca de 20% de todas as neoplasias cutâneas. Sua
vias hedgehog (vismodegib ou sonidegib) para o paciente incidência é estimada em cerca de 700.000 novos casos
com lesão avançada tratada cirurgicamente e com nos EUA anualmente. Ocorre mais frequentemente em
margens comprometidas, e para aqueles pacientes com homens e o diagnóstico é feito principalmente em indiví-
contraindicação para procedimento cirúrgico. Este duos a partir de 70 anos de idade. Nos dias de hoje há uma
medicamento tem-se mostrado efetivo em suprimir o incidência aumentada em mulheres devido principal-
crescimento do CBC com ação tumoricida e tumoristático mente à sua ocupação mais externa para o trabalho ou
(27, 28, 29)
. diversão e em idades mais novas. Houve aumento de
aproximadamente 4 vezes desde a década de 1970 aos
Crioterapia dias atuais (4, 6, 8, 9, 35). Mais de 95% dos CCE cutâneos
ocorrem na cabeça e pescoço e o sítio mais comumente
Há outras formas de tratamento do CBC como a envolvido são as orelhas e a face superiormente (Figura
criocirurgia, com índices de recorrência que chegam até 4.7).
a 39%, sendo que não é muito utilizado em determinadas
lesões devido a resultados cosméticos pobres. Seu Etiologia
mecanismo de ação é relacionado à cristalização das
Na etiologia do CCE de pele temos fatores intrínsecos
células tumorais e ao tempo de sua exposição ao nitro-
e extrínsecos. Dentre os fatores intrínsecos temos a idade,
gênio líquido, sendo que quanto mais exposto mais
pigmentação da pele, estado imunológico, fatores gené-
profundamente será alcançado a terapia (26, 30, 31).
ticos (genodermatoses como a epidermodisplasia verruci-
forme, xeroderma pigmentoso, albinismo) (18). Os fatores
Terapia Fotodinâmica extrínsecos englobam a radiação (ultravioleta e gama) e
A terapia fotodinâmica envolve a administração de exposição química (arsênico, tabaco) (17, 19). Os CCE
uma droga fotossensibilizante, e sua ativação subsequen- cutâneos podem aparecer tbem em cicatrizes de
te pela luz de comprimento de onda correspondente ao queimaduras (úlcera de Marjolin) e úlceras crônicas (19).
espectro de absorção do fotossensibilizador. Atualmente, O fator extrínseco mais importante envolvido no
a terapia fotodinâmica tópica é aprovada para o aparecimento do CCE cutâneo é a exposição solar sem
tratamento de condições oncológicas cutâneas como proteção e por períodos prolongados (radiação solar),

35
sendo o raio ultravioleta (UVB 290-320 nm) o principal bonetos, e sua incidência varia com a duração da exposi-
fator. Esse espectro de onda produz eritema e queima- ção.
dura, e o mecanismo carcinogênico da irradiação por
UVB é a sua habilidade em alterar a pele e sua imunidade Figura 4.8 CCE periorbitário em paciente transplantado renal
celular mediada (19). Um dos fatores que favorece a (crescimento rápido e infiltrativo)
radiação solar é a ocupação externa, seja para trabalho ou
diversão, em indivíduos de pele clara. A exposição à
radiação gama também está associada ao aparecimento de
CCE cutâneo, principalmente para o tratamento de
condições benignas.

Figura 4.7 Exemplos de CCE frontal e em pavilhão auricular

A incidência de CCE cutâneo aumenta com a idade, e


se inicia em pele danificada com ceratose actínica em
idosos (19, 37, 38). Depois de 85 anos, cerca de 80% das
lesões são CCE, e temos aqui, com o avançar da idade,
uma queda do estado imunológico bem como o maior
tempo em anos de exposição solar, uma congruência de
fatores.
A maioria das mortes por CCE cutâneo é proveniente
Pacientes transplantados em uso de drogas imunossu- das lesões em cabeça e pescoço. Em geral, a incidência
pressoras, têm incidências aumentadas de aparecimento de metástase para linfonodos é de 4%, não sendo indicado
de câncer em geral, especialmente o CCE cutâneo o esvaziamento cervical de princípio. Somente 25% dos
(Figura 4.8). Pessoas transplantadas renais possuem até pacientes com doença cervical metastática vivem mais de
16 vezes mais chances de desenvolverem CCE cutâneo, e 5 anos (19, 39).
a incidência aumenta com o tempo, sendo que o início da
A espessura tumoral (como proposto por Breslow) é o
doença ocorre anos após o transplante. A proporção da
fator mais importante para o prognóstico. Lesões com
idade do aparecimento desses tumores também é reduzida
mais de 4 mm de espessura têm muito mais chances de
em cerca de 20 anos em relação à população normal, e
recidiva e metástases, e acima de 6 mm possuem cerca de
lesões múltiplas são frequentes (19, 36). Nesses pacientes
15% de chances de metástases (invasão da camada
transplantados os CCE de pele têm comportamento muito
reticular da derme, bem como musculatura, cartilagens,
mais agressivo, crescimento rápido, mais infiltrativos e
osso, parótida e perineuro têm uma incidência grande de
metastatizantes, chegando a serem chamados de “epite-
recidiva). A invasão perineural quase sempre é fatal, e
liomas agudos” (19).
muitas vezes está associada a metástases cervicais e, por
Estudos mostram que o HPV tem importância na dis- conseguinte, reduz a sobrevida (19, 39, 40). Os nervos mais
função imunológica das células da pele para o desenvol- comumente envolvidos são o facial e ramos do trigêmeo
vimento do CCE cutâneo. É encontrado na maioria dos (mandibular e maxilar).
pacientes transplantados renais e em 1/3 dos pacientes
com genodermatoses, como a epidermodisplasia verru- Tumores maiores obviamente têm um prognóstico
ciforme (19. pior. Um trabalho publicado por Mohs, indica 99,5% de
controle de lesões menores que 1 cm, e este número cai
para 50% para lesões maiores que 3 cm (19, 39).
Fatores que Afetam a Recorrência, Metástases e
Prognóstico Lesões recidivadas à princípio demonstram insucesso
Vários agentes químicos têm sido implicados na no tratamento, portanto apresentam pior prognóstico,
etiologia do CCE cutâneo, como o arsênico e hidrocar- sendo que Mohs cita apenas 76% de controle destas

36
lesões, ao passo que o controle é de 94% para as lesões com mutação no cromossomo X (18) descrita na década de
primárias (sem recidiva) (19, 39). 1920, Figura 4.11), xeroderma pigmentoso e o albinis-
mo. Carregam o mal prognóstico porque as lesões apare-
Os graus de diferenciação histológica proposta por
cem em idade precoce, são múltiplas e tem comporta-
Broders (41) em grau I, II, III e IV indicam sobrevida de
mento mais agressivo. Geralmente são recorrentes com
45% para o grau IV e 100% para o grau I. Felizmente a
várias cirurgias e tem um controle difícil, levando os paci-
maioria é grau I e II. Quanto mais indiferenciado e
entes à morte ainda jovens (18, 19, 39).
infiltrativo o CCE cutâneo, maior é a incidência de metás-
tases. No caso de invasão parotideana a incidência de
metástase pode ocorrer em mais de 50%. Figura 4.10 CCE
cutâneo com invasão
O fator etiológico também pode influenciar no
parotideana
prognóstico e metástases, sendo que aquelas lesões que
aparecem em uma ceratose actínica são de crescimento
bem mais lento e menos agressivas que aquelas
originárias de queimaduras (úlcera de Marjolin) e de pele
que foi irradiada para lesões benignas e cicatrizes antigas
(19, 39)
.
Cerca de 85% das metástases dos CCE cutâneos
ocorrem para linfonodos regionais (linfonodos parotide-
anos e de nível II), e o prognóstico cai para cerca de 30%
de sobrevida em 5 anos e 15% em 10 anos (Figuras 4.9 e
4.10). Essas metástases linfáticas, geralmente ocorrem
em 90% dos casos em até 3 anos após o início do
tratamento. Os restantes 15% metastatizam para pulmão
(mais comum), fígado, ossos, cérebro e mediastino. A Figura 4.11 Evidencia um paciente com epidermoplasia verru-
média de sobrevida para metástases à distância é de 23% ciforme. São dezenas de lesões carcinomatosas com dificulda-
em 5 anos e cai para 7% em 10 anos. de até de se delimitar margens na pele devido à proximidade de
outras lesões
Figura 4.9 Paciente portador
de CCE na região temporal, já
operado (ressecção com enxer-
to), apresentando metástase em
pólo inferior de parótida já ul-
cerada (seta preta) e recidiva na
borda da área enxertada (seta
vermelha)

Tratamento
Vamos nos ater aqui as questões exclusivas ao
No caso de pacientes imunossuprimidos como os tratamento deixando as opções de reconstrução com seu
transplantados, as metástases linfáticas podem ocorrer em devido planejamento de retalhos para outro capítulo.
até 12%. Já naqueles com doença linfoproliferativa, essas
metástases ultrapassam 30% (19, 39). Há múltiplas modalidades de tratamento sejam elas
cirúrgicas ou não, e vai depender de questões relacio-
Outro fator prognóstico importante são aqueles tumo- nadas às condições do paciente e da lesão tumoral, dentre
res em pacientes portadores de genodermatoses como a eles: status performance; tamanho da lesão; localização;
epidermiodisplasia verruciforme (doença autossômica re- invasão em profundidade; grau de diferenciação; invasão
cessiva caracterizada pela infecção disseminada do HPV perineural e vascular; recorrência e imunossupressão.

37
Assim como no carcinoma basocelular, a cirurgia margens cirúrgicas adequadas e reconstrução no mesmo
micrográfica de Mohs (19, 42) é o tratamento de escolha ato da ressecção, quando há dúvidas com relação às
para CCE cutâneo, principalmente em áreas de maior ris- margens, com a confirmação através de congelação, não
co de recorrência, preferencialmente para lesões maiores reconstruímos no primeiro tempo.
que 2 cm, histologia agressiva, invasão perineural e
A pesquisa de linfonodo sentinela em pacientes com
vascular, aquelas lesões radioinduzidas e em pacientes
fatores de risco aumentados para metástases cervicais
imunodeprimidos. Pelos dados de literatura, a cirurgia pode ser benéfica, particularmente para aqueles pacientes
micrográfica é o que traz os melhores resultados (19). imunossuprimidos (43, 44).
Optamos sempre pelo tratamento cirúrgico simples, com

Estadiamento AJCC TNM 8a Edição para Câncer de Pele


ESTADIAMENTO
Não Melanoma

Categoria T Critérios T

Tx Tumor primário não pode ser identificado

Tis Carcinoma in situ

T1 Tumor menor que 2 cm em sua maior dimensão

T2 Tumor de 2 a 4 cm em sua maior dimensão

T3 Tumor maior que 4 cm ou invasão óssea mínima ou invasão perineural ou invasão profunda

T4a- Tumor com invasão grosseira da cortical óssea ou medular


T4
T4b- Invasão de base de crânio ou forame da base do crânio

Categoria N Critérios N

Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados

N0 Sem linfonodos metastáticos

N1 Metástase em um único linfonodo, ipsilateral maior ou igual a 3cm em sua maior dimensão

N2a- Metástase em um único linfonodo ipsilateral maior que 3 e até 6 cm em sua maior dimensão
sem extravasamento extracapsular
N2b- Metástases múltiplas ipsilateral com nenhum linfonodo maior que 6 cm e sem extravasamento
N2
extracapsular
N2c- Metástases bilaterais ou contralateral sendo nenhum linfonodo maior que 6 cm e sem
extravasamento extracapsular

N3a- metástase em linfonodo maior que 6cm em sua maior dimensão e sem extravasamento
N3 capsular
N3b- Metástase em qualquer linfonodo de qualquer tamanho com extravasamento capsular

Categoria M Critério M

M0 Sem metástase à distancia

M1 Metástase à distancia

Fonte: AJCC Cancer Staging Manual, Eighth Edition, 2017.

Curetagem e criocirurgia também são opções de trata- lesões iniciais, mas não temos experiência com tais
mento, bem como quimioterápico tópico para as lesões de técnicas.
caráter inicial como as lesões “in situ” (19). O diclofenaco RT pode funcionar como um tratamento adjuvante à
tópico a 3% também tem sido usado no tratamento de cirurgia bem como opção de tratamento primário para
aquelas lesões em pacientes com muitas comorbidades

38
que não conseguem o cirúrgico. A adjuvância da RT à A RT pode ser opção como adjuvante ao tratamento
cirurgia é válida para aqueles casos de pacientes com cirúrgico para aquelas lesões avançadas, como paliação
margens comprometidas, metástases cervicais, transplan- ou mesmo para aqueles casos que recusam o tratamento
tados com metástases, lesões recorrentes, paliativa para cirúrgico (48, 49), podendo-se associar à QT.
lesões irressecáveis (Figura 4.12) e invasão perineural (46,
47)
. CARCINOMA DE CÉLULAS DE
MERKEL
Figura 4.12 CCE cutâneo frontal irressecável com invasão do
osso frontal e do cérebro, submetido a radioterapia exclusiva
É um tumor da pele de origem neuroendócrina raro,
agressivo e quase sempre fatal. Em 80% das vezes
acomete a cabeça e o pescoço e a extremidades dos
membros superiores. Teve sua incidência aumentada em
3 vezes nos últimos 15 anos (49). Vários fatores estão
relacionados ao desenvolvimento do carcinoma de
Merkel, entre eles temos a infecção pelo poliomavirus (103,
104)
, exposição aos raios ultravioletas, exposição à
radiação ionizante e imunossupressão (49) (13 vezes mais
frequente em aidéticos e 10 vezes em transplantados). A
idade é acima dos 65 anos, somente 5% dos casos
ocorrem abaixo dos 50 anos e o diagnóstico diferencial
deve ser feito principalmente com o CBC. Acomete mais
as pessoas de pele clara e do sexo masculino.
A infecção pelo poliomavirus pode ser determinada
pelo estudo imunohistoquímico e está prevalente em
Em determinados casos pode-se haver a concomi-
cerca de 80% dos casos. É considerado um fator de bom
tância da quimioterapia na adjuvância, como tentativa do
prognóstico sua positividade (50, 51).
controle loco regional da doença.
A principal arma terapêutica é o tratamento cirúrgico,
sendo necessário margens de 1 cm para lesões de 2 cm ou
CARCINOMA SEBÁCEO
menores. Para lesões maiores de 2 cm, a margem reco-
mendada deve ser maior de 2 cm (19, 49). O esvaziamento
Conhecido também como carcinoma de glândula cervical de princípio deve ser considerado devido sua alta
sebácea, é bastante raro (0,5 casos por milhão) e tem alta incidência de metástases. A pesquisa do linfonodo
incidência de recorrência, metástases para linfonodos sentinela também pode ser considerada (Figura 4.13).
regionais e à distância. A taxa de mortalidade pode chegar
O carcinoma de Merkel é radiosensível e a RT sempre
a 50% dependendo do estágio à época do diagnóstico (19,
48)
é usada na adjuvancia à cirurgia ou para aqueles pacientes
. Os principais fatores de risco são a idade avançada
que não são candidatos à cirurgia (inoperáveis ou por
(média de idade acima dos 70 anos) e o sexo, sendo o
comorbidades) (19).
feminino acometido em 70% dos casos são mulheres (19).
Na Figura 4.14, trata-se de um paciente com diag-
A maioria compromete a região palpebral (75% das
nóstico de carcinoma de Merkel com positividade para
vezes), mas pode acometer outras regiões da face, como
poliomavirus ao estudo imunohistoquímico. Paciente
nariz. O diagnóstico diferencial é feito com o CBC e o
apresentava-se com doença locoregional avançada com
CCE.
linfangite carcinomatosa e metástases à distância para
A melhor opção de tratamento é a ressecção cirúrgica pulmão. Foi submetido a ressecção da lesão da face com
com margens adequadas sendo que há cerca de 18% de linfadenectomia de caráter higiênico com posterior trata-
mortalidade e recorrência de 36% em 5 anos. A mento sistêmico de QT e RT loco regional na tentativa de
exanteração de órbita muitas vezes é necessária quando conter o crescimento rápido da doença pós cirurgia.
há envolvimento da conjuntiva. A literatura reforça que a
cirurgia de Mohs oferece menor recorrência (19, 48).

39
Figura 4.13 Paciente portadora de carcinoma de Merkel de lábio
superior já manipulado. Repare na segunda foto, no planejamento
cirúrgico, a metástase cervical (seta preta). Seguem fotos de pós-
operatório imediato (ressecção + reconstrução + esvaziamento-
supraomohioideo) e tardio pós-radioterapia

Fonte: Dra. Joana Mendes Conegundes.

Figura 4.14 paciente com diagnóstico de carcinoma de Merkel com


positividade para poliomavírus ao estudo imunohistoquímico

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42
apítulo 05 – Melanoma em cabeça e pescoço

às mulheres, com idade média no diagnóstico de 55 anos


INTRODUÇÃO (6)
.

Dentre os cânceres de pele, os melanomas são os Melanoma malígno de cabeça e pescoço (CP) tem
menos incidentes, porém os mais letais. Representam 3 a comportamento biológico diferente, com recidivas mais
5% dos tumores cutâneos com estimativas de 8.450 novos frequentes, maior agressividade e pior prognóstico. O
casos/ano no Brasil sendo 4.200 homens e 4.250 planejamento cirúrgico é mais difícil devido à proximi-
mulheres com 1.791 mortes - INCA –2020 (1). Esse tipo dade de estruturas vitais como olhos, nariz, boca, lábios
de neoplasia origina-se dos melanócitos da pele, cuja (obviamente por questões estéticas), pela rede linfática
origem embrionária é a crista neural, e essas células intrincada e anatomia complexa. 52% dos mela-nomas
determinam a resposta da pele ante a exposição à luz em CP são menos espessos que 1,0 mm, porém lesões
ultravioleta (UV). Após estimulação, os melanócitos com maior espessura são mais comuns do que em outras
produzem melanina que funciona como um filtro, uma regiões do corpo, o que explica, em parte, o pior prognós-
barreira física para a radiação UV incidente, reduzindo tico. Soma-se a isso, o fato de que em regiões da CP as
sua penetração na epiderme. diferentes espessuras de pele, como pálpebras, pele
cervical posterior, região mastoidea e pele do pavilhão
Historicamente sua incidência tem aumentado muito auricular sendo que melanomas finos cursam com níveis
nos últimos 50 anos quando comparado com outros tipos de Clark desproporcionalmente mais profundos (7).
de cânceres (2, 3). Nos E.U.A. aproximadamente 87.000
novos casos foram diagnosticados em 2017. Apesar de ser Fatores de Risco
mais raro é responsável pela maioria das mortes por
câncer de pele (4, 5). O diagnóstico em estágios iniciais e o Os fatores de risco para melanoma podem ser dividi-
tratamento cirúrgico adequado favorecem uma sobrevida dos em ambientais e genéticos.
maior e até mesmo a cura, e aquelas lesões em estágios
avançados têm um comportamento mais severo e sobre- Fatores ambientais
vida curta.
A exposição à radiação UV presente na luz solar,
Os melanomas podem ocorrer em qualquer local da principalmente UVB (comprimento de onda de 280 - 320
pele ou mucosas. De 20 a 25% de todos os melanomas nm) é o mais importante agente etiológico associado ao
cutâneos ocorrem na região da cabeça e pescoço. desenvolvimento do melanoma. Um dos principais efei-
Predominam em homens com razão de 1,74 em relação tos do UV no desenvolvimento do câncer está no dano
direto ao DNA. A exposição solar crônica, recebida

43
diariamente, não está demonstrada como fator de risco e intermitentes durante a vida estariam mais relacionadas a
pode até estar relacionada com proteção contra melano- mutações no gene N-Ras (9).
ma. Ao contrário, exposições intermitentes e de alta
Fatores genéticos
intensidade durante curto período de tempo, como, por
exemplo, durante finais de semana, é a forma de Os fatores genéticos de risco ao melanoma podem ser
exposição à luz UV mais relacionada ao desenvolvimento subdivididos em fenótipos de risco e fatores genéticos
da neoplasia (8). O histórico de queimaduras solares propriamente ditos.
durante a primeira infância e adolescência, também estão Fenótipo é um importante fator independente de risco
relacionados à maior susceptibilidade ao melanoma em para melanoma e está associado ao tipo de pele, ou seja,
idades posteriores, particularmente para melanoma em sua habilidade de queimadura e pigmentação após
associado às mutações no gene BRAF. Já exposições estimulação pela luz solar (classificação de Fitzpatrick)
(10)
. Quanto mais clara a pele, maior o risco (Quadro 5.1).

Quadro 5.1 Classificação de Fitzpatrick

Pigmentação imediata Pigmentação tardia


Fototipo Aparência Reação à exposição solar
(dura 6-8 h) (dura 10-14 dias)

Pele muito branca, cabelo loiro ou Queima facilmente e nunca


I Nenhuma Nenhuma
ruivo, olhos claros e sardas. bronzeia.

Pele branca, olhos claros e cabelos Queima facilmente e bronzeia


II Fraca Mínima a fraca
claros. pouco

Pele clara, olhos e cabelos de cor Queima pouco e bronzeia


III Pouco Baixa
variável. gradualmente.

Pele moderadamente pigmentada e Raramente queima e bronzeia


IV Moderado Moderada
muito pigmentada. com facilidade.

V Pele escura. Não queima e bronzeia. Intensa Intensa

VI Pele muito escura. Bronzeia facilmente. Muito intensa Intensa

O desenvolvimento de um melanoma, ocorre dentro De uma maneira geral, a perda de p16INK4a


de um contexto em que a célula que irá se transformar em acompanha a ativação da via MAPK. Esse gene pode
um tumor é capaz de sobreviver em um ambiente com levar a célula a entrar em um estado de senescência caso
alto nível de estresse oxidativo. As principais modifi- haja algum dano permanente ao DNA. Sendo assim,
cações nas vias de sinalização envolvidas nesse contexto acredita-se que a carcinogênese induzida por espécies
são: a ativação das vias MAPK e AKT e bloqueio da via reativas do oxigênio, caracterizar-se-á pela perda de
p16 INK4a (11). p16INK4a em vez de mutações em TP53 (13, 14).
A via MAPK (quinase da proteína ativada por A AKT é uma quinase do tipo serina/treonina e está
mitógenos) responde a diversos estímulos extracelulares, relaciona a sobrevivência celular. Promove a formação de
e.g. EGF (fator de crescimento epidérmico) e FGF (fator espécies reativas de oxigênio do tipo superóxido em
de crescimento de fibroblastos), levando a transcrição de melanomas e, ao mesmo tempo, impede a morte celular
genes responsáveis pela proliferação celular. Alguns de induzida por esse ânion. A produção de superóxido pela
seus intermediários, BRAF e NRAS, frequentemente AKT induz a produção de VEGF levando, por sua vez, à
estão mutados não só no melanoma, mas também nos formação de novos vasos sanguíneos pelo tumor. A
nevos (12). transformação de um melanoma de crescimento radial em
vertical parece estar associada à sua ativação (15).

44
Lesões Precursoras E – Evolução (mudança de aspecto).

A lesão pré-maligna é aquela que apresenta células


Não é necessária a presença simultânea de todos os
atípicas com potencial para transformação maligna e, no
parâmetros, embora a identificação de uma ou mais
caso do melanoma, em melanócitos atípicos. São consi-
dessas características demande avaliação especializada
deradas lesões precursoras do melanoma cutâneo o nevo
com dermatoscopia e/ou biopsia, seja incisional ou
atípico (nevo displásico), o nevo congênito e o lentigo
excisional, para avaliação histológica. A especificidade
maligno (16).
do método aumenta quanto maior o número de
Nevo atípico apresenta assimetria de forma, bordas parâmetros presente (22).
irregulares, variação de cor e dimensão maior que 6 mm,
A regra do ABCDE apresenta limitações, mas há
além de displasia ao exame anatomopatológico. É consi-
situações em que o diagnóstico de melanoma é firmado
derado tanto uma lesão precursora quanto um marcador
apesar da ausência dos parâmetros descritos na regra,
de risco, sendo o risco relativo de desenvolvimento de
como é o caso do melanoma nodular, melanoma ungueal,
melanoma em famílias de portadores de nevos atípicos de
melanoma amelanótico, inicial e nevóide (21, 23).
27 até 148 vezes acima da população geral (17). A
síndrome do nevo displásico é uma desordem hereditária,
autossômica dominante, caracterizada pela presença de Sete Pontos de Glasgow
múltiplos nevos displásicos que aparecem na adolescên- Três critérios maiores (alteração no tamanho, na cor e
cia e aumentam de número e tamanho com o passar do na forma) e quatro menores (alterações sensoriais,
tempo. inflamação, crostas ou sangramento e tamanho > 7 mm)
(20)
Lentigo maligno caracteriza-se por lesão plana, .
extensa, com pigmentação e bordos irregulares, geral-
mente localizada na face e com crescimento lento, Sinal do Patinho Feio
acometendo principalmente indivíduos acima dos 60 O fato de cada indivíduo apresentar usualmente lesões
anos. Histologicamente, apresenta melanócitos atípicos pigmentadas com um mesmo padrão clínico destaca a
na camada basal da epiderme. Cerca de 5% dos lentigos importância da análise global da pele. A detecção um
malignos evoluem para o melanoma invasor, sendo nevo destoante, com padrão distinto das demais, pode ser
chamados de lentigo maligno melanoma (18). um indício de melanoma (22, 24).
O nevo melanocítico congênito caracteriza-se pela Apesar da presença de um grande número de nevos
ocorrência de lesões melanocíticas de tamanhos e formas comuns ser um fator de risco para o desenvolvimento de
variadas, com superfície geralmente elevada, verrucosa, melanoma, apenas 29% dos melanomas cutâneos são
frequentemente associada a hipertricose, que podem associados a nevos preexistentes, ou seja, a maioria surge
ocorrer até o segundo ano de vida. Taxas de malignização como lesões novas (25). A grosso modo, deve ser consi-
para os nevos pequenos, até 1,5 cm, variam de 0 a 24% e derada suspeita de melanoma qualquer lesão assimétrica,
para os nevos gigantes, maiores que 20 cm, de 0 a 31% com irregularidade de borda, variação de cor (especial-
(19)
. mente escurecimento), história de modificação rápida,
prurido ou de aparecimento após os 40 anos e com
Caracterização da Lesão Pigmentada Primária aspecto destoante dos demais.
Entre os principais critérios de diagnóstico clínico do
melanoma encontram-se a regra do ABCDE (mais Histórias
utilizado), método dos Sete Pontos de Glasgow e ainda o Cerca de 25% dos melanomas são diagnosticados
sinal do “patinho feio” (20 - 22). durante exame físico de rotina, demonstrados pelo
paciente ou seus familiares que dizem sobre a alteração
ABCDE das lesões pigmentadas: da cor, tamanho, forma em uma lesão pigmentada
preexistente. Relatam prurido, sangramento, ulceração e
A – Assimetria; dor que denotam uma lesão mais avançada. Os pacientes
B – Bordas irregulares; precisam ser questionados sobre lesões pigmentadas
C - Cor heterogênea (alteração de cor recentemente);
prévias já biopsiadas ou ressecadas, história familiar de
melanoma, exposição solar e imunossupressão. Uma
D – Diâmetro maior que 6 mm;
revisão sistemática evidenciou a associação de melanoma

45
e a imunossupressão que ocorre em transplantados, doen- A maioria dos melanomas se apresenta como lesões
ças linfoproliferativas e em aidéticos (26). localizadas, assintomáticas e ausentes de achados de
doença regional ou à distância. O local mais comum de
Biópsia metástases à distância são os pulmões. No Quadro 5.2,
baseado nos guidelines do NCCN (30) estão destacadas as
Qualquer lesão pigmentada que demonstre sinais de
necessidades dos exames de imagem de acordo com os
atenção no ABCDE como supracitados, que sofra altera-
estadios do melanoma (31 - 34). A incidência de metástases
ções, prurido ou sangramentos, necessita de avaliação
pulmonares ocultas em estágios I e II é bastante baixa e a
histológica. Há a necessidade do diagnóstico diferencial
radiografia de tórax carrega 7% de falso positivo. TC de
com ceratose seborreica, nevus, carcinoma basocelular
fígado e baço, RNM e cintilografia óssea para estadios I
pigmentado e carcinoma espinocelular. É necessário que
e II também não estão indicados (31 - 34). Exames de
o estudo histológico, se possível, forneça a profundidade
imagem específicos estariam indicados em casos de
da lesão, se está ulcerada ou não, índice mitótico, invasão
alguns sintomas relatados pelo paciente como (32):
angiolinfática ou invasão perineural. Estes resultados
servem para guiar o tratamento definitivo como a - Constitucionais – perda do apetite e peso, mal estar e
resseção e pesquisa de linfonodo sentinela (PLNS). Se febre;
possível a biópsia deve ser excisional e, caso contrário, - Neurológicos – cefaleia, perda de memória, alterações
uma biópsia incisional deve ser realizada na porção mais visuais, perda de consciência, perda do equilíbrio e
espessa da lesão. Shaving ou punção não é aconselhável mudança de humor;
porque não nos dará a profundidade da lesão de maneira - Respitatórios – tosse, hemoptise, dor torácica, dispneia,
correta à histologia. Sempre que possível uma biópsia pneumonias recorrentes;
excisional deve ser realizada com a ajuda de uma - Músculo esqueléticos – dor óssea e articular;
dermatoscopia, que aumenta a acurácia do diagnóstico - Hepáticos – icterícia, dor abdominal e dor lombar;
em mais de 90% (27, 28). - Gastrointestinais- dor abdominal, náuseas, vômitos,
anorexia, sangramentos, constipação.
Estadiamento Pacientes com melanoma in situ estadio IA (invasão
Na sequência é apresentado o estadiamento TNM da de até 1 mm, ausência de ulceração, nível II de Clark e
8ª Edição AJCC juntamente com os estágios do mela- alto índice de mitoses) são considerados estágios preco-
noma, no sentido de balizarmos as condutas (29). ces e estudos de imagem não estão indicados (35).

Avaliação Imaginológica

ESTADIAMENTO Estadiamento de Melanomas, TNM – Tamanho

T Espessura Ulceração/Mitose

pTx Espessura não pode ser avaliada

pT0 Sem evidência de tumor primário

pTis Melanoma in situ

pT1a < 0,8 mm sem ulceração, <1 mitose mm2


pT1 ≤ 1,0 mm de espessura pT1b < 0,8 mm com ulceração 0,8 – 1 mm com ou sem ulceração, ≥
1 mitose mm2

pT2a > 1,0 - 2,0 mm sem ulceração


pT2 > 1,0 - 2,0 mm de espessura
pT2b > 1,0-2,0 mm com ulceração

46
pT3a > 2,0 - 4,0 mm sem ulceração
pT3 > 2,0 - 4,0 mm de espessura
pT3b > 2,0 - 4,0 mm com ulceração

pT4a > 4,0 mm sem ulceração


pT4 > 4,0 mm de espessura
pT4b > 4,0 mm com ulceração

N No de Linfonodos Com Metástases

N0 Nenhum linfonodo

a - Micrometástase
N1 1
b - Macrometástase

a - Micrometástases
N2 2-3
b - Macrometástases

> 4 linfonodos com metástases, metástases em


N3
trânsito/satelitose

M Local de Metastatização Valor LDH

M0 Ausência de metástases à distância Sem alteração

Metástases cutâneas, subcutâneas ou ganglionares


M1a Normal
Metástases pulmonares

M1b Outras metástases viscerais e Outras metástases à distância Normal

M1c Elevada

Estadios do Melanoma
Estágio 0. O tumor está contido na epiderme, a camada superficial da pele (Tis). Não se espalhou para os linfonodos próximos (N0) ou outros
órgão (M0), é melanoma in situ.
Estágio I. O tumor não tem mais do que 2 mm de espessura e pode (ou não) ter ulceração (T1 ou T2a). Não se espalhou para os linfonodos
(N0) próximos ou outros órgãos (M0).
Estágio II. O tumor tem entre 1 (T2b ou T3) e 4 (T4) mm de espessura e pode (ou não) ter ulceração. Não se espalhou para os linfonodos
próximos (N0) ou outros órgãos (M0).
Estágio IIIA. O tumor tem até 2 mm de espessura e pode (ou não) ter ulceração (T1 ou T2a). Ele se espalhou para 3 ou menos linfonodos,
mas só é visto sob o microscópio (N1a ou N2a). Não se espalhou para outros órgãos (M0).
Estágio IIIB. Uma das situações abaixo:
Não existe sinal do tumor primário (T0) e está disseminado para apenas um linfonodo (N1b) ou para áreas muito pequenas da pele próxima
(tumores satélites) ou para os canais linfáticos da pele ao redor do tumor (sem atingir os linfonodos) (N1c). Não se espalhou para outros
órgãos (M0).
O tumor tem até 4 mm de espessura e pode ou não ter ulceração (T1, T2, ou T3a). Se espalhou para apenas um linfonodo (N1a ou N1b) ou
para áreas muito pequenas da pele próxima (tumores satélites) ou para os canais linfáticos da pele ao redor do tumor (sem atingir os nódulos
linfáticos) (N1c) ou se espalhou para 2 ou 3 nódulos linfáticos (N2a ou N2b). Não se espalhou para outros órgãos (M0).
Estágio IIIC. Uma das situações abaixo:
Não existe sinal do tumor primário (T0) e está disseminado para 2 ou mais linfonodos (N2b ou N3b) ou se espalhou para áreas muito pequenas
da pele próxima (tumores satélites) ou para os canais linfáticos da pele ao redor do tumor e atingiu os gânglios linfáticos próximos (N2c ou
N3c) ou se espalhou para os linfonodos do grupo (N3b ou N3c). Não se espalhou para outros órgãos (M0).

47
O tumor tem até 4 mm de espessura e pode (ou não) ter ulceração (T1, T2 ou T3a). Se espalhou para os para áreas muito pequenas da pele
próxima (tumores satélites) ou para os canais linfáticos da pele ao redor do tumor e atingiu os linfonodos próximos (N2c ou N3c) ou se
espalhou para 4 ou mais linfonodos próximos (N3a ou N3b) ou se espalhou para os linfonodos do grupo (N3b ou N3c). Não de espalhou para
outros órgãos (M0).
O tumor tem entre 2 e 4 mm de espessura ou pode ser mais espesso que 4,0 mm e tem ulceração (T3b) ou tem mais de 4 mm e não tem
ulceração (T4a). Se espalhou para um ou mais linfonodos ou se espalhou para áreas muito pequenas da pele próxima (tumores satélites) ou
para os canais linfáticos da pele ao redor do tumor (N1 ou superior). Não se espalhou para outros órgãos.
O tumor tem mais do que 4 mm de espessura e tem ulceração (T4b). Se espalhou para até 3 linfonodos (N1a/b ou N2a/b) ou para áreas muito
pequenas da pele próxima (tumores satélites) ou para os canais linfáticos da pele ao redor do tumor e pode (N2c) ou não (N1c) ter atingido
os linfonodos próximos. Não se espalhou para outros órgãos (M0).
Estágio IIID. O tumor tem mais do que 4 mm de espessura e tem ulceração (T4b). Se espalhou para 4 ou mais linfonodos (N3a ou N3b) ou
se espalhou para áreas muito pequenas da pele próxima (tumores satélites) ou para os canais linfáticos da pele ao redor do tumor (sem atingir
os nódulos linfáticos) ou se espalhou para os linfonodos do grupo (N3c). Não se espalhou para outros órgãos (M0).
Estágio IV. O tumor pode ser de qualquer espessura e pode (ou não) ter ulceração (Qualquer T). Pode (ou não) ter se espalhado para os
linfonodos próximos (Qualquer N). Ele se espalhou para os linfonodos distantes ou outros órgãos, como pulmões, fígado ou cérebro (M0).

O Quadro 5.2 explica a indicação de exames de tomografia computadorizada com emissão de pósitrons -
imagem para cada estadiamento (PLNS, TC, RNM, PET-CT).

Quadro 5.2 Indicação de exames de imagem para cada estadiamento

Estadio TNM Recomendações

0 Melanoma in situ Exame físico somente

IA T1N0 ≤ 1 mm, sem ulceração ou alto índice mitose Exame físico somente

T1bN0 ≤ 1 mm com ulceração ou alto índice de mitose


IB T2aN0 entre 1,01 - 2 mm sem ulceração ou alto índice Exame físico e PLNS
de mitose

T2bN0 entre 1,01 - 2 mm com ulceração e alto índice


de mitose
T3aN0 entre 2,01 - 4 mm sem ulceração ou alto índice
de mitose
II Exame físico e PLNS
T3bN0 2,01 - 4 mm com ulceração ou alto índice de
mitose
T4aN0 > 4 mm sem ulceração ou alto índice de mitose
T4bN0 > 4 mm com ulceração ou alto índice de mitose

III Metástase regional, satelitose ou metástase em trânsito Exame físico, punção biópsia do linfonodo e TC, RNM

Exame físico, punção biópsia, TC tórax abdômen e pelve, RNM cérebro


IV Metástases à distância
ou PET-CT

Fatores Prognósticos rados os fatores prognósticos mais importantes, como em


outros tumores do organismo (36). O estadiamento qualita-
A espessura do tumor em análise patológica proposto por
tivo proposto por Clarck (37) também é utilizado, porém,
Breslow, ulceração e metástases linfáticas são conside-

48
o estadiamento quantitativo proposto por Breslow nos fator independente de linfonodo sentinela positivo e é o
dita melhor o prognóstico (Quadro 5.3). segundo fator prognóstico mais importante para pacientes
com estadio III e presença de linfonodo sentinela positivo
(42, 43)
Quadro 5.3 Comparativo entre Breslow e os níveis Clarck .
O número de linfonodos comprometidos é o fator
prognóstico mais importante para o estadio III, indepen-
dente de micro ou macrometástases (44).
Em melanomas em estádio IV (metástases à
distância), o nível elevado de LDH é o principais fator de
prognóstico (39), sendo aqueles pacientes com metástases
com níveis de LDH mais baixos os que apresentam
melhor sobrevida.

A sobrevida em 10 anos é de 54% para melanoma CP, A AJCC incorporou guidelines para aqueles melano-
mas metastáticos de lesão primária desconhecida e
61% para tronco, 71% para membros inferiores e 76%
carregam melhor prognóstico do que aqueles com lesão
para membros superiores sendo que os homens tendem a
primária conhecida no mesmo estadio (IV) (45, 46).
ter pior prognóstico (38).
O estadiamento proposto por Breslow e o novo Distribuição do Melanoma por Regiões
estadiamento da 8ª edição AJCC nos permite estratificar
A maioria dos melanomas de cabeça e pescoço se
o risco da profundidade com a sobrevida em 5 anos (37, 39)
localiza na face, couro cabeludo e pescoço. Fischer et al.,
(Quadro 5.4). O receio dos cirurgiões em ressecar lesões
encontraram comprometimento da face e pescoço em
atípicas com margens adequadas devido à preocupação
mais de 60% dos tumores primários, 26% no couro
com sequelas funcionais, estéticas e consequentemente
cabeludo, 9% no pavilhão auricular e 6% no nariz (6)
psicossociais contribuem para o maior índice de recidiva
(40)
O’Brien et al., confirmaram esses resultados em uma
. A sobrevida em 10 anos em pacientes com recidiva
análise de 998 melanomas cutâneos de cabeça e pescoço,
local é de 37%, recidiva linfonodal, de 30%, e com
onde o local mais comum foi a face (47%), seguido do
metástase a distância é de 8% (7).
pescoço (29%), couro cabeludo (14%) e pavilhão
Em análises multivariadas em pacientes com doença auricular (9%) (38). A bochecha e a fronte contém uma
localizada, a espessura tumoral e ulceração são os fatores densidade de melanócitos de 2 a 3 vezes maior se
de prognóstico mais importantes (39), sendo a espessura o comparados a outras regiões anatômicas. Essa diferença,
fator principal do prognóstico, seguido de ulceração. associada a uma maior exposição solar, pode explicar a
Pacientes portadores de melanomas não ulcerados carre- maior incidência do melanoma nessas áreas da cabeça e
gam prognóstico bem melhor (41). pescoço.
Cerca 3 a 8% dos pacientes com melanoma
Quadro 5.4 Profundidade do melanoma versus sobrevida apresentam-se com um primário desconhecido, ou seja,
metástase linfática cervical ou em órgão a distância, com
Profundidade de Breslow Sobrevida em 5 anos
diagnóstico histológico de melanoma sem que a lesão
< 1 mm 95 - 100% primária tenha sido identificada (38).
A distribuição no sexo masculino é face (26%),
1 - 2 mm 80 - 96% pescoço (26%), orelha (13%) e couro cabeludo (32%),
regiões acometidas nas mulheres com os respectivos
2,1 - 4 mm 60 - 75%
valores: 40%, 37%, 4%, 15% (38).
> 4 mm 50%
Subtipos de Melanoma em Cabeça e Pescoço
O melanoma de disseminação superficial (Figura 5.1)
Outro fator importante é o índice mitótico. Ele foi
é o subtipo mais comum em cabeça e pescoço e, como no
incorporado nos estadiamentos de mela-nomas iniciais
resto do corpo responde por cerca de 70% dos casos,
(T1) sendo um indicador de proliferação tumoral
seguido do nodular (15% a 30%), lentigo maligno (15%)
mensurado por mm2. Aumento do índice de mitoses
e melanoma acral lentiginoso (5%) (47).
carrega pior sobrevida (39). Ele é reconhecido como um

49
O lentigo Maligno (LM) é mais comum em CP, onde prévio e faltando os critérios do ABCD. Pode ser
representa 15% dos casos. É considerado precursor do amelanótico (Figura 5.1) em até 73% dos casos. São
lentigo maligno melanoma (LMM) (Figura 5.1). A idade localmente agressivos e podem evoluir com envolvi-
média do lentigo maligno é de 63 anos, enquanto a mento de nervos cranianos na base do crânio. O índice de
observada no LMM é de 73. Para os outros tipos a idade recidiva pode chegar a 50% e o prognóstico quando
é de 47 a 53 anos. O risco de recidiva é maior no LMM ajustado pela espessura do tumor, é semelhante ao de
devido à dificuldade na obtenção de margens de outros subtipos de melanoma (48).
segurança, uma vez que as lesões tendem a ser extensas
(18)
O melanoma acral lentiginoso é raro na população
.
geral. Ele ocorre nas palmas das mãos, planta dos pés,
O melanoma desmoplásico é raro, 75% das lesões leito ungueal. Entretanto, é o subtipo mais comum em
ocorrem na região da CP e podem apresentar progressão pessoas de pele muito pigmentada, 60 a 72% em afro-
perineural. O aspecto geral é de uma lesão fibrosa, americanos e 29 a 45% em asiáticos (49).
endurecida, subcutânea, muitas vezes em local de LM

Figura 5.1 Melanoma supeficial, lentigo maligno melanoma, melanoma amelanótico em sequência

MELANOMAS DE MUCOSAS tratamento é a operação com sua ressecção e esvazia-


mento cervical na presença de metástases. PLNS pode ser
realizada em pescoço negativo para presença de metásta-
O melanoma mucoso é um subtipo raro e distinto do ses (51) (Figura 5.3).
melanoma cutâneo. Metade dos melanomas mucosos
surgem na cabeça e pescoço (principal local) e repre- Figura 5.2 Melanoma de mucosa em mucosa jugal à esquerda
sentam 2% de todos os melanomas da região. São mais e palato duro e gengiva à direita
comuns na 6a e 7a décadas de vida e em homens (50).
Fatores ambientais não estão relacionados à sua etiologia.
O quadro clínico depende do local de origem. A
cavidade nasal é o local mais comum seguido da mucosa
oral (gengiva superior e palato duro), Figura 5.2.
Obstrução nasal e epistaxe são sintomas comuns na
origem nasal. Melanoma de mucosa oral frequentemente
é assintomático e muitas vezes a primeira manifestação é
a metástase cervical. Proptose, diplopia, dor e assimetria
faciais podem ocorrer na doença localmente avançada (50).
A rica irrigação sanguínea e linfática dessas regiões e
o diagnóstico tardio, provavelmente contribuem para o Devido à gravidade e o seu comportamento diferente,
pior prognóstico, com sobrevida de 5 anos em 10 a 20% os melanomas de mucosa receberam um estadiamento
em algumas séries e 40% em outras (50). diferente daqueles melanomas cutâneos pela AJCC 8ª
Estadiamento Melanoma de Mucosa.
São doenças gravíssimas e muitos autores a consi-
deram de difícil controle, sendo que a melhor opção de

50
Tratamento da Lesão Primária Figura 5.3 1) melanoma de gengiva superior. 2) PET CT
evidenciando atividade da FDG intensa (seta amarela) em
O tratamento padrão da lesão primária é a ressecção gengiva superior e sem metástases cervicais. 3) PLNS
completa com margens livres. Segundo as diretrizes do evidencia 2 linfonodos sentinelas à direita e outro à esquerda
NCCN (30), as margens indicadas para ressecção, após (setas vermelhas). 4) Peça operatória gengiva superior e os
diagnóstico de melanoma, segundo a espessura do tumor linfonodos ressecados
estão destacadas no Quadro 5.5.
Em cabeça e pescoço, todos os casos devem ser
individualizados. A aplicação das margens recomendadas
em lesões nas pálpebras, nariz e lábios pode acarretar
defeitos funcionais e estéticos inaceitáveis. Os pacientes
devem ser orientados que uma margem menor pode ser
melhor funcionalmente e esteticamente, mas pode levar a
um aumento na recidiva local. A profundidade da
ressecção tem que incluir a espessura total da pele e do
tecido subcutâneo. Ressecção da fáscia muscular,
pericôndrio e periósteo só são indicadas em casos de
invasão tumoral direta ou quando os planos cirúrgicos
foram violados pela biópsia prévia.
O método de reconstrução não interfere na sobrevida
A maioria das ressecções pode ser fechada (40)
. A necessidade de pesquisa de linfonodo sentinela
primariamente. Defeitos maiores podem ser corrigidos
deve ser considerada antes de se indicar a reconstrução.
com enxertos, retalhos locais (Figura 5.4) ou livres
O importante é a obtenção de margens tridimensionais
levando-se em consideração a localização anatômica,
livres.
análise da cor da pele e textura, profundidade do defeito.

ESTADIAMENTO Estadiamento Melanoma de Mucosa

T Características do tumor primário

T3 Tumor limitado à mucosa e tecidos moles logo abaixo da mucosa independente da espessura e do tamanho

Tumor moderadamente avançado


-T4a - Tumor envolvendo tecidos muito profundos, cartilagens, ossos ou pele suprajacente à mucosa
T4
-T4b - Doença muito avançada envolvendo cérebro, dura máter, pares cranianos, espaço mastigador, artéria carótida, espaço pré-
vertebral ou estruturas medias-tinais

N Linfonodos Regionais

Nx Linfonodos não podem ser avaliados

N0 Sem metástases linfonodais

N1 Presença de metástases linfonodais

M Metástases à distância

M0 Sem metástases à distância

M1 Presença de metástases à distância

Para os casos de LM/LMM em que as margens são Mohs, podem ser empregadas para a máxima preservação
mal delimitadas e pode haver extensão subclínica, outras de tecidos (52).
técnicas de excisão, como a cirurgia micrográfica de

51
Quadro 5.5 Recomendações de margens de acordo com a Pavilhão Auricular
espessura do melanoma (Breslow)
Representa de 3% a 18% dos melanomas de CP em
Espessura do tumor Recomendação de diferentes séries, e 4% a 10% de todos os tumores
(Breslow) margens malignos da orelha são melanomas (6). Considerando-se a
In situ 0,5 - 1,0 cm espessura do tumor, o prognóstico é o mesmo que em
outras áreas. Recidivas em estudos retrospectivos não
≥ 1,0 mm 1,0 cm
foram mais comuns, mesmo quando o pericôndrio era
1,01 - 2,0 mm 1,0 - 2,0 cm preservado. Sendo assim, a pele e o subcutâneo devem ser
2,01 - 4,0 mm 2,0 cm ressecados, mas sem incluir o pericôndrio. A cartilagem
só deve ser ressecada se houver evidência de invasão
> 4,0 mm 2,0 cm
tumoral ou se uma biópsia prévia tiver violado o
pericôndrio (Figuras 5.5 e 5.6).

Figura 5.4 Melanoma de crescimento radial in situ


submetido a ressecção com reconstrução com retalho
fáscio cutâneo da vizinhança

Figura 5.5 Melanoma com satelitose de pavilhão auricular e Figura 5.6 Melanoma de pavilhão auricular com satelitose
invasão macroscópica da cartilagem. No detalhe, infiltração de
azul patente para pesquisa de linfonodo sentinela23, 43. Foi
submetida a ressecção de todo o pavilhão auricular,
esvaziamento cervical e parotidectomia lateral

52
Melanomas do couro cabeludo anterolateral, tempo-
DISSEMINAÇÃO
ral, frontal, bochecha e pavilhão auricular, anteriores a
uma linha coronal que passa pelos condutos auditivos
externos (Figura 5.7), podem drenar via parotídea e para
Couro Cabeludo
o pescoço. Nesses casos, a parotidectomia superficial
Existe consenso na literatura de que o paciente com deve ser incluída no tratamento, além do esvaziamento
melanoma de couro cabeludo (MCC) possui pior cervical (Figura 5.8). Melanomas posteriores à linha
prognóstico. Os linfáticos com uma densa rede de coronal que passa pelos condutos auditivos podem drenar
drenagem podem ser, em parte, responsabilizados pelo para as cadeias retroauriculares e occipitais. Esses
desfecho. Rigual et al., em estudo de 22 pacientes, pacientes devem se submeter a um esvaziamento cervical
dividiram o couro cabeludo em anterior e posterior, por póstero lateral (54).
uma linha coronal imaginária que passava pelo conduto
O esvaziamento cervical eletivo ou profilático não é
auditivo (Figura 5.7). Com essa linha imaginária, pode-
mais indicado para melanomas de espessura intermedi-
mos planejar o esvaziamento cervical, quando indicado,
ária (1 - 4 mm), pois, recentemente, estudos randomi-
de acordo com a localização do melanoma. Dos MCC
zados prospectivos não demonstraram benefício na sobre-
anteriores, 67% drenaram para a parótida. Os posteriores
vida (55).
drenaram mais para região occipital, retroauricular mas
também para a região parotídea. 45% de todos o MCC Na ocorrência de linfonodo sentinela positivo, a linfa-
tiveram linfonodos sentinelas positivos para micrometás- denectomia cervical radical imediata não mostrou melho-
tases no mapeamento, o que comprova a maior agressi- res resultados que o acompanhamento com ultrassonogra-
vidade (53). fia seriada e dissecção linfonodal no caso de recorrência
(56, 57)
.
Figura 5.7 Planejamento da linfadenectomia de acordo com a
localização do melanoma PESQUISA DE LINFONODO
SENTINELA (PLNS)

Aproximadamente 10 a 20% dos pacientes com


melanomas finos e ou intermediários, apresentam
metástases linfonodais microscópicas ocultas (55). Para
identificar esses pacientes, que se beneficiariam do
esvaziamento linfático completo e poupar os demais.
Morton et al. introduziram a PLNS para avaliação das
metástases de pacientes com melanoma cutâneo de tronco
e extremidades (58).
Nascendo na pele, o melanoma cutâneo pode disse- Foi demostrado que o estado do linfonodo sentinela,
minar-se por via linfática ou sanguínea. Nem sempre se representa o estado de toda a base linfonodal e a PLNS é
dissemina ordenadamente da lesão primária para os a melhor modalidade de estadiamento da doença regional,
nódulos linfáticos regio-nais e depois a distância. Pode com maior sensibilidade e especificidade, sendo hoje
ocorrer de a primeira manifestação metastática ser a procedimento padrão nos grandes centros (59).
distância. Tais casos geralmente têm prognóstico reser-
Gershenwald et al. concluíram que o estado do linfo-
vado (38).
nodo sentinela é o índice de prognóstico mais importante
Os linfonodos cervicais e parotídeos são o local mais em melanoma de tronco e extremidades para recidiva e
comum de metástases de melanoma cutâneo de cabeça e sobrevida global (60). Vários fatores fazem da PLNS em
pescoço. O esvaziamento cervical radical modificado é cabeça e pescoço mais complexa. Destacam-se a extensa,
aceito como tratamento de escolha para regional clinica- complexa e não previsível rede linfática, múltiplos linfo-
mente metastática (N positivo). Estruturas nobres devem nodos sentinelas por sítio de drenagem, proximidade do
ser preservadas desde que não estejam invadidas ou local de injeção com a base de drenagem que dificulta o
tenham sido violadas por biópsias prévias (54). exame e o maior risco de falsos positivos.

53
Figura 5.8 Melanoma avançado de pele parotideana tendo sido paresia temporária em 2,6% dos pacientes (62). Cirurgiões
realizado parotidectomia radical + esvaziamento cervical do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center concluíram
radical devido à grande quantidade e ao tamanho das metás- que a frequência de paresia temporária do nervo facial foi
tases (seta preta) e reconstrução com retalho cérvico facial de
maior nos pacientes submetidos a parotidectomia formal
platisma
quando comparados à biópsia intraparotídea (59).
Se observou em dissecção de cadáveres que, virtual-
mente todos os linfonodos intraparotídeos são superfici-
ais ao nervo facial (63, 64).
Portanto, ficou evidente que a biópsia do LNS intrapa-
rotídea é factível, segura e acurada. Depende, porém, de
equipe experiente na PLNS e que domine a anatomia da
parótida e as técnicas operatórias para diminuir o risco de
morbidade do nervo facial.

TÉCNICA DE PESQUISA DO LNS

A pesquisa do LNS está indicada para tumores com


espessura maior que 1 mm ou < 0,8 mm quando houver
Steck et al. (2006) concluiram, ao avaliar 52 pacientes
presença de ulceração, elevado número de mitoses e
com PLNS em cabeça e pescoço, que o método é
níveis de Clark IV/V (65).
confiável e comparável com outras localidades. Nesse
estudo a linfocintilografia mostrou drenagem bilateral em Antes da cirurgia, injetase material colóide radioativo
18% e mais de 1 nível de drenagem em 32% dos casos, intradérmico ao redor do melanoma ou da cicatriz da
demonstrando a complexidade da rede linfática. A identi- biópsia excisional e adquirem-se imagens em gama
ficação do LNS foi possível em 95,6% no pescoço, câmara para guiar o cirurgião a respeito da rede linfática,
comparado com 94% axilar e 97% inguinal, sem diferen- da lateralidade e número de linfonodos, vide Figura 5.9.
ça estatística. O falso negativo foi de 3%, sendo o melhor
Além disso, o médico nuclear marca na pele os pontos
método para identificá-lo, e a recidiva na base linfonodal
de maior captação. Na sala de cirurgia é injetado 1 ml de
em que a PLNS foi negativa. O valor preditivo negativo
azul patente intradérmico que vai drenar por via linfática
da PLNS em CP foi de 96,7%, com sensibilidade e
e corar os linfonodos sentinelas (66) (nem todos utilizam o
especificidade de 87,5 e 100%, respectivamente (61).
azul patente). Deve-se atentar para o risco de tatuagem
A abordagem do LNS na parótida apresenta contro- definitiva e usar menor volume ou não usar o corante em
vérsias. Alguns autores defendem a paro-tidectomia áreas como pálpebras e nariz.
lateral com preservação do nervo facial, enquanto outros
Devido à proximidade da lesão primária com a área de
indicam apenas a biópsia do nódulo intraparotídeo, sendo
drenagem, deve-se realizar a ampliação de margem ou a
que alguns autores realizam a linfadenectomia intraparo-
ressecção da lesão antes da PLNS para diminuir a radia-
tídea com monitorização eletrofisiológica do nervo facial
ção de fundo.
para maior segurança. A identificação pré-operatória
exata do LNS na parótida, é difícil e alguns nódulos são Na sequência, realiza-se pequena incisão na área
muito pequenos (2 – 6 mm). Sendo assim, o cirurgião demarcada pela linfocintilografia e identificam-se os
deve estar preparado para realizar parotidectomia super- linfonodos empregando gama probe, que mede a
ficial e identificar o LNS na peça cirúrgica. A biópsia do radioatividade. Após a retirada de todos os nódulos
LNS não viola os princípios oncológicos e no caso de radioativos, o estadiamento é considerado completo se a
positividade o paciente será submtido à parotidectomia radiação de fundo for menor que 10% da contagem do
convencional. linfonodo mais ‘quente’ (maior contagem pelo gama pro-
be).
Morbidade como paresia do nervo facial tem sido
reportada em 0 a 27% dos pacientes e uma maior chance A análise histológica do LNS é mais custo-efetiva e
de falso-negativo quando comparado com a PLNS de completa que a avaliação de toda a cadeia linfonodal, pois
outras áreas da cabeça e pescoço. Ollila et al. relatam permite avaliar um número reduzido de linfonodos. O

54
Multicenter Selective Lymphadenectomy Trial (MSLT-1) volume-alvo deve incluir o leito parotídeo homolateral,
concluiu que a PLNS dever ser o padrão de estadiamento região auricular posterior, cadeias linfáticas do nível I ao
regional de melanoma cutâneo e que é mais sensível e V e cicatriz cirúrgica. Como tratamento paliativo, a RT
específico que TC, RNM e PET-CT. Como em outros pode ser usada para tratar LM e LMM em idosos não
exames de estadiamento, não se deve esperar ganho de candidatos a cirurgia devido a riscos aumentados e
sobrevida com a PLNS (67, 68). comorbidades, metástases cerebrais e ósseas ou em outras
localizações e para tratamento de dor (RT antálgica) (69,
70)
Figura 5.9 Pesquisa de linfonodo sentinela para melanoma de .
couro cabeludo evidenciando os linfonodos de pólo inferior de
parótida esquerda e em nível IV cervical esquerdo
TRATAMENTO ADJUVANTE

A recomendação de terapia adjuvante para um


melanoma completamente ressecado, leva em considera-
ção o risco de recorrência ou disseminação da doença
(TNM AJCC 8ª edição), idade, comorbidades e o estado
de mutações do tumor primário.
Estágio III
- Envolvimento linfonodal sem metástase a distância:
avaliar imunoterapia com nivolumabe ou
pembrolizumabe, ambos inibidores de PD-1 (proteína 1
de morte celular programada) por um ano (72, 73).
- Mutação BRAF V600: dabrafenibe e trametinibe
podem ser alternativas, para pacientes com doença em
estágio III que não podem receber imunoterapia devido a
doença autoimune ativa ou necessidade de terapia
RADIOTERAPIA imunossupressora (73 - 75).

Estágio IV
A história natural do melanoma sugere que, após o
tratamento cirúrgico inicial, o maior risco do paciente seja - Pacientes com metástases que tenham sofrido trata-
o de metástases a distância. A radioterapia adjuvante deve mento definitivo de todos os locais de doença indepen-
ser indicada para os pacientes de alto risco, com controle dente do estado de mutação de BRAF V600: um ano de
loco-regional em 88% e há melhora significativa quando imunoterapia adjuvante com quatro doses de indução
comparado ao controle histórico de 50% a 70% (69). nivolumab mais ipilimumab seguido por nivolumab de
manutenção mostrou sobrevida livre de recorrência maior
Profundidade da lesão maior que 4,0 mm, ulceração,
em comparação com o nivolumabe como agente único (71,
lesões satélites, margens positivas ou exíguas, localização 72, 76)
.
em mucosa, invasão perineural e histologia desmoplásica
estão entre as principais possíveis indicações de
radioterapia (69). SUMÁRIO
Para RT linfonodal pós-dissecção são essas as
possíveis indicações: extravasamento extra capsular O melanoma é um tumor de pele e mucosas pouco
(fator isolado mais significativo); mais de 4 linfonodos frequente, agressivo e de alta morbimortalidade. É
positivos; metástases linfonodal maior que 3 cm e doença imperioso o diagnóstico precoce, o correto referencia-
recorrente (69, 70). mento e abordagem terapêutica radical e multidisciplinar.
O regime mais usado é o hipofracionamento com 30
Gy em 5 frações de 6 Gy pelo período de 2,5 semanas. O

55
REFERÊNCIAS

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Capítulo 06 – Reconstrução em cirurgia de cabeça e pescoço: retalhos locais e
enxertos

INTRODUÇÃO ções (este também será tema do capítulo 24). O planeja-


mento da ressecção, bem como a reconstrução e seus
resultados, variam com a prática e a experiência do
O tratamento cirúrgico do câncer de pele de cabeça e profissional. Sempre que possível a confecção de retalhos
pescoço é um dos procedimentos mais realizados em locais das áreas vizinhas ao defeito a ser reconstruído é o
nossa área. Nos capítulos 4 e 5 vimos como esses tumores ideal, pois é transferida uma pele bem semelhante para a
de pele se manifestam, fatores etiológicos e compor- região do defeito. Boa parte desses procedimentos podem
tamentos. Aqui iremos abordar tão somente a sua ressec- ser realizados sob anestesia local mais sedação, com
ção, bem como a reconstrução. Devemos ficar atentos, poucas repercussões sistêmicas negativas para o paciente.
uma vez que o objetivo é o controle oncológico adequado Há preferência pela utilização dos retalhos em relação aos
e, sempre que possível, fazer uma reconstrução de enxertos, por serem mais funcionais e com resultado
maneira que agrade ao paciente estética e funcional- estético bem melhor. A utilização dos enxertos fica quase
mente. A proposta do tratamento deve ser feita ao que exclusiva em couro cabeludo e em região temporal,
paciente de forma clara e objetiva, explicando-lhe sobre obviamente quando a área a ser reconstruída é extensa e
as cicatrizes, lesões funcionais e sobre o comportamento inviabiliza um retalho de maneira prática.
da doença. Um cuidado especial deve-se ter em relação à
ressecção da lesão, pois se não for retirada com margens Na fisiologia dos retalhos cutâneos após a ressecção
adequadas as consequências podem ser deletérias para o de um câncer de pele, bem como a criação de um retalho,
paciente, pois além da recidiva local que piora o prognós- gera tensões, há um trauma tecidual primário (no local da
tico, há a perda de tempo e a mutilação desnecessária ao ressecção do tumor) e secundário (no local do preparo do
se preparar e levar o retalho. retalho) e, por conseguinte, diminuição no suprimento
neurovascular da região. Essas alterações vásculo
Por definição um retalho é uma área de pele e tecido nervosas são imprescindíveis para a sobrevivência do
subcutâneo com suprimento vascular, transferida de sua tecido transportado. O trauma nervoso da região libera
posição original para um lugar próximo. A reconstrução, epinefrina, que à princípio poderia ser deletério, mas
no tratamento oncológico em Cirurgia de Cabeça e Pesco- passado algum tempo após a vasoconstricção devido ao
ço, é um assunto fascinante que tem a utilização de trauma, há uma franca vasodilatação que favorece a
técnicas cirúrgicas práticas e inteligentes com os retalhos sobrevivência do retalho. Devemos salientar que a
loco regionais, chegando até aos procedimentos microci- mobilização de um tecido para cobrir uma área cruenta de
rúrgicos que são bem mais elaborados e frequentemente uma ressecção tumoral, deve ser quase que desprovida de
utilizados para reconstruções maiores e têm um amplo tensão, uma vez que esse é o principal fator de perdas dos
espectro de opções, ampliando as indicações de ressec- retalhos levando a necrose. Outro princípio básico é o

59
completo domínio da vascularização da face, para que os Padrão axial: dependem de uma artéria para a manuten-
tecidos manipulados sigam os preceitos de uma boa ção do suprimento sanguíneo, e.g. retalho frontal parame-
irrigação arterial e drenagem venosa. A tensão (dificulta diano.
o retorno venoso) e a vascularização são as principais
causas da perda ou do sucesso de um retalho (1, 2). Movimento tecidual
O suprimento vascular de um retalho pode vir dos É a maneira mais didática e usada de classificação dos
ramos da artéria músculo cutânea, junto à base do retalho, retalhos locais da face.
e que chega à pele através do plexo subdérmico ou, da
artéria septo cutânea, que é o tronco arterial que corre Exemplo: retalho VY e Rintala.
junto à pele (2). Rotação de Mustardé
Transposição: nasogeniano para reconstrução de asa
CLASSIFICAÇÃO nasal ( às vezes é difícil de diferenciar estes dos de
avanço, mas de uma maneira geral, na transposição temos
uma completa transferência de tecido de um lugar para
Podem ser classificados de acordo(1, 2):
outro, mais que uma rotação. Normalmente são retangu-
lares).
Localização
A seguir são apresentados alguns exemplos de recons-
De acordo com a área doadora do retalho:
truções que mais utilizamos em nosso serviço.
Retalhos diretos: são aqueles em que a área doadora é
adjacente ao defeito primário. Retalhos de Avanço (Figuras 6.1 e 6.2)
Retalhos indiretos: são aqueles em que a área doadora é
distante do defeito primário, podendo ser transferidos Figura 6.1 CBC de face ressecado e reconstruído com retalho
livremente (microcirurgia) ou através de uma mobiliza- triangular de avanço ou VY na região malar
ção de tecido com uma artéria musculo cutânea domi-
nante.
De acordo com a localização, os retalhos podem ser
classificados como locais, regionais ou distantes. Neste
capítulo serão discutidos apenas os retalhos locais.
Retalhos locais: são aqueles em que a mobilização do
tecido é adjacente ao defeito.
Retalhos regionais: são aqueles em que a mobilização do
tecido não é próximo ao defeito (exemplo é o retalho
deltopeitoral para reconstrução de um defeito da face)
Retalhos à distância: são os retalhos livres,ou seja, a
mobilização do tecido é feita à distância, levando-se o
pedículo vascular para uma microanastomose (microci-
rurgia). São considerados os retalhos microcirúrgicos.

Suprimento sanguíneo
Padrão randomizado: baseado no plexo vascular perfu-
rante da pele, e.g. retalho triangular VY.

60
Figura 6.2 CBC recidivado submetido a ressecção com Figura 6.4 CBC pigmentado de face tratado com ressecção +
reconstrução com retalho de avanço nasogeniano. Repare que retalho de rotação à Mustardè
não houve ectrópio. Necessário incisão compensatória na base
inferior do retalho (seta preta).

Figura 6.5 CCE mentoniano tratado com ressecção e rotação


de retalho mento cervical

Retalhos de Rotação (Figuras 6.3 – 6.8)

Fig. 6.3 CCE de região temporal direita tratado com ressecção


e 2 retalhos de rotação (têmporo-frontal e malar)

Figura 6.6 CBC de ponta nasal submetido a ressecção com


recosntrução com rotação de retalho naso glabelar

61
Figura 6.7 CCE de couro cabeludo submetido a ressecção com
rotação de retalho do próprio couro cabeludo

Figura 6.8 Paciente com CBC frontal submetido a ressecção


com reconstrução com retalho frontal bilateral

Retalhos de Transposição (Figuras 6.9 - 6.11)

Figura 6.9 (a) CBC asa nasal e (b) CBC de ponta nasal submetidos a ressecção com reconstrução com transposição
de retalho bilobulado.
(a) (b)

Figura 6.10 CBC de pele labial superior submetido a ressecção


com transposição de retalho nasogeniano

62
Outro exemplo de retalho de transposição é o retalho por necessitar de vários tempos cirúrgicos com um
nasogeniano em dois tempos (Figura 6.12) para a desgaste e expectativa muito grande para o paciente, não
reconstrução de ponta e asa nasal. Desta feita o retalho foi realizada. Neste caso, o paciente foi encaminhado para
transposto é randomizado e tem como vantagens de levar uma confeccção protética que o satisfez de maneira
um tecido com a mesma espessura da área a ser recons- suspreendente.
truída, cicatriz bem discreta da área doadora e pode ser Por se tratarem de lesões mais avançadas (Figura
emagrecido após sua autonomização no leito receptor. 6.13), apesar de margens adequadas, a não reconstrução
Tem a desvantagem de ser em dois tempos (autono- nos favorece em surpreender uma eventual recidiva.
mização em 3 semanas) e não ser axial. Nestas circunstâncias, se optarmos por uma reconstrução
mais elaborada, o ideal é esperar pelo menos 5 anos,
Figura 6.11 Paciente com ceratoacantoma de ponta nasal em tempo esse que fala muito a favor do controle da doença.
franco crescimento submetido a ressecção com reconstrução
com retalho frontal paramediano. O retalho é preparado e
Figura 6.12 Retalho nasogeniano em dois tempos
transferido para a região a ser reconstruída, e após 3 semanas
(período para autonomização) é seccionado o pedículo. Retalho
septocutâneo com o pedículo dos vasos supratrocleares de
padrão axial, sendo que quanto mais distante estendemos o
retalho em direção ao couro cabeludo maior será a chance de
sofrimento de sua extremidade. A artéria supratroclear é ramo
da artéria oftálmica que é ramo da carótida interna. A área
receptora poderá se emagrecida

Fonte: Baker, 2014

Na rotina clínica há casos que se apresentam de forma


avançada. Nestes, muito pouco pode ser feito para uma
reconstrução eficaz e adequada para o paciente. Optamos
por simplicidade e traumatizar o mínimo possível o
paciente para que ele possa retornar às suas atividades
sociais o quanto antes bem como o convívio familiar. Na
Figura 6.13, é possível observar um paciente que se
apresentava com um CBC avançado comprometendo
todo o nariz (nariz totalmente destruído e sem possi-
bilidade de outro tratamento como a RT). Foi submetido
a uma ressecção ampla, com margens livres de
comprometimento tumoral, mais avanço de retalho
triangular VY bilateral. A reconstrução da estrutura nasal,

63
Figura 6.13 CBC nasal avançado já ressecado com a prótese
em uma fase tardia
ENXERTO LIVRE DE PELE TOTAL

O enxerto livre de pele, seja ele parcial ou total, é uma


excelente opção para reconstrução pós-ressecções tumo-
rais extensas, particularmente nas regiões frontal e em
couro cabeludo, quando as opções para retalhos locais são
poucas, devido às dificuldades de mobilização de tecidos
para a confecção dos retalhos.
Com relação ao tipo de enxerto e suas indicações
Na Figura 6.14 observa-se um situação semelhante, existem (5):
porém com um CCE de ponta nasal que optou-se por não
reconstruir, e o paciente ficou muito satisfeito com uma
Enxerto livre de pele total
prótese. O procedimento foi conduzido de maneira
simples e satisfatória e principalmente com controle Por apresentar similaridade de aparência com a pele
oncológico adequado. normal, este tipo de enxerto é indicado nas perdas de pele
da face causadas por trauma ou tumor. Conferem uma
Figura 6.14 CCE nasal ressecado e optado por não reconstruir.
cobertura mais resistente e estão menos propensas a
Foi confeccionado uma prótese e o paciente se mostrou muito contrações secundárias, levando a um melhor resultado
satisfeito funcional e estético. No entanto, seu uso fica limitado à
ressecção de pequenas lesões. Sua área doadora deve ser
fechada primariamente.

Enxerto de pele parcial


Este tipo de enxerto apresenta um leque de uso muito
mais amplo e caracteriza-se por preservar a derme da
região doadora, possibilitando que a mesma seja
reepitelizada (cicatrização por segunda intenção). Os
enxertos parciais são muito resistentes e geram boa
cobertura. Eles podem ser utilizados em qualquer
superfície corporal, até nas áreas que apresentam pouca
vascularização.
Um enxerto bem sucedido fica na dependência da
capacidade deste mesmo enxerto receber nutrientes, com
posterior desenvolvimento de vascularização no local.

A ‘pega do enxerto’ ocorre em três fases:


1° Dura de 24 a 48 h e compreende um processo de em-bebição. Inicia-se com o desenvolvimento de camadas de fibrina quando o
fase enxerto é fixado sobre o seu leito receptor. A absorção de nutrientes se dá por ação capilar do leito receptor para o enxerto (3).
2° É conhecida como a fase de inosculação vascular, ou seja, é a aproximação das terminações vasculares dos capilares presentes na
fase área receptora com os capilares do enxerto (4).
3° O enxerto sofre revascularização por meio dos capilares que já foram conectados. Como o enxerto de pele total possui maior
fase espessura, a sobrevida do mesmo é mais precária, requerendo um leito altamente vascularizado (3,4).

Como toda cirurgia, este procedimento também pode imobilização são imprescindíveis para obtenção de
apresentar complicações. A causa mais comum de resultados satisfatórios, sendo, para isso, necessário a
problemas na implantação ou perda do enxerto de pele é confecção de um curativo com uma pressão adequada
a ocorrência de seromas e hematomas localizados entre o para que a pele do enxerto não ‘dance’ ou deslize sobre a
enxerto e o leito receptor. Deste modo, as técnicas de área receptora (3-5). Esse curativo é chamado de ‘tie over’.

64
O segundo problema mais frequente são as infecções. O Figura 6.15 Dermatofibrosarcoma protuberans em couro
risco de infecção pode ser reduzido através de uma cabeludo, região occipital submetido a ressecção com enxerto
cuidadosa preparação do leito receptor e do uso de livre de pele total
antibioticoterapia.
As reconstruções com enxerto livre de pele total são
mais empregadas no couro cabeludo e em região frontal
para lesões maiores. Na Figura 6.15 temos um exemplo
de um dermatofibrosarcoma protuberans submetido a
ressecção com reconstrução com enxerto livre de pele
total. A área doadora do enxerto teve fechamento
primário.
Na Figura 6.16, é possível observar uma paciente com
diagnóstico de melanoma lentigo malígno extenso na re-
gião nasoglabelar e frontal. Ela foi submetida a ressecção
com reconstrução combinada de enxerto livre de pele
total (área doadora da região torácica anterior superior) Fonte: Dra. Joana Mendes Conegundes
associado a retalho de avanço bilateral com triângulo de
compensação para reconstrução da região frontal.

Figura 6.16 Paciente com diagnóstico de melanoma lentigo malígno de região nasoglabelar e frontal submetida a ressecção com
reconstrução combinada de enxerto livre de pele total (área doadora na região torácica anterior superior) associado a retalho frontal de
avanço bilateral. Notem o curativo de pressão ‘tie over ’(seta preta). Nos retalhos da região frontal ressecou-se os triângulos de
compensação para um avanço adequado. Resultado estético final excelente

Fonte: Dra. Joana Mendes Conegundes

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66
Capítulo 07 – Lesões benignas e pré-neoplásicas da boca

Entre a 5a - 12a semana gestacional, há formação do


INTRODUÇÃO
palato a partir da invaginação mesodérmica entre os
processos maxilares do primeiro arco branquial.
A boca é um importante componente das vias aéreas
digestivas superiores exercendo funções nutricionais,
MALFORMAÇÕES EMBRIOLÓGICAS
fonéticas e sensoriais, além de participar da interação
social do indivíduo.
Fissuras ou Fendas Palatinas
O diagnóstico precoce das lesões orais, bem como a
diferenciação entre as lesões de tratamento mais conser- Trata-se de uma falha na coalescência dos processos
vador daquelas que necessitam de intervenção ablativa palatinos com o septo nasal durante a formação do palato
mais reconstrução, são de fundamental importância para duro. Podem ser classificadas como:
a manutenção das funções da boca.
Pré-palatinas ou do palato primário - fissura entre a pré-
maxila e a maxila;
EMBRIOLOGIA Palatinas ou do palato secundário - falta de união entre as
cristas palatinas do maxilar;
A formação da face e cavidade oral é uma etapa
Totais (1).
complexa que envolve a fusão de diversos processos
teciduais de maneira ordenada. É formada a partir do seio As primeiras podem ser uni ou bilaterais, completas
bucal primitivo, em torno da 4a semana gestacional, por ou incompletas. As palatinas podem ser completas
meio da proliferação do mesênquima existente no assoa- (ambos os palatos) e incompletas (somente palato mole).
lho da faringe que forma uma elevação chamada de Já as fissuras totais são aquelas que atingem as estruturas
tubérculo ímpar (TI). Duas outras saliências supero- pré-palatinas e palatinas. Frequentemente as fissuras
laterais ao TI, chamadas eminências línguas laterais, vão palatinas estão associadas às fissuras labiais.
a ele se fundir dando início a língua e estando
representados nela pelo sulco mediano da língua. Fissuras Labiais
Ao mesmo tempo, outra proliferação chamada cópula, Lábio leporino é a fissura labial mais frequente
surge, caudalmente ao TI, e vai se desenvolvendo para correspondendo a uma falha na coalescência dos
fundir-se às eminências linguais laterais, formando a processos frontonasal e maxilares, podendo ser unilateral
parte fixa da língua - o V lingual. (mais comum e afetando mais o lado esquerdo) ou
bilateral. Apesar da deformidade pode-se comprovar que

67
todas as estruturas do lábio estão presentes, devendo ser da boca e na mucosa jugal (4). Sua etiologia ainda é
pesquisadas e reconhecidas adequadamente a fim de que desconhecida, sendo o tabagismo a única relação compro-
seja feita uma boa reconstrução cirúrgica (1). O lábio vada (abandonando tal hábito uma grande proporção
leporino bilateral caracteriza-se por um deslocamento delas regride ou desaparece), principalmente, quando
anterior da pré-maxila, causando uma fissura que abrange associada ao consumo de bebidas alcoólicas.
o soalho do nariz de ambos os lados e não sendo possivel
Geralmente assintomática, é identificada durante
identificar resquícios das estruturas anatômicas do lábio.
exame de rotina em consultório dentário ou pelo próprio
paciente ao sentir uma rogosidade ao roçar da língua (4).
Diastema Pode ser classificada como:
Caracteriza-se pelo afastamento dos dentes incisivos Homogêneas: representando o tipo mais comum (4), as
causado pelo aumento do volume do freio labial que, lesões são homogeneamente esbranquiçadas, de limites
desta forma, se introduz entre eles. definidos e superfície lisa ou levemente irregular. Ao seu
diagnóstico deve-se afastar fatores irritantes da mucosa
que possam tê-la causado (Figura 7.1 e 7.2).
LESÕES PRÉ NEOPLÁSICAS

Figura 7.1 Extensa leucoplasia de dorso da lingua


Os distúrbios orais potencialmente malignos formam
um conjunto de transtornos da mucosa oral que pode
preceder o diagnóstico de carcinoma de células esca-
mosas da boca (2) Contudo, nem todas lesões pré-
neoplásicas progridem para o câncer, assim como nem
todo câncer se origina delas.
Tais lesões estão associadas a um maior risco de
transformação maligna e, quando identificadas, devem
servir de alerta para a procura de atendimento e avaliação
especializados.
Os principais fatores de risco para os distúrbios pré-
neoplásicos da cavidade oral são os mesmos relacionados
às neoplasias malignas da cavidade oral, i.e. tabagismo,
irradiação UV, etilismo e HPV.
A seguir estão descritas as principais lesões pré- Não Homogêneas ou Mosqueadas: lesões com coloração
neoplásicas: variada (4), predominantemente brancas e/ou entremeadas
por manchas vermelhas de aspecto irregular, podendo
Leucoplasia ainda mostrar erosões em sua superfície e com maior
potencial de transformação maligna - leucoplasias nodu-
Lesão pré maligna mais comumente encontrada na lares, eritroleucoplasias e leucoplasia verrucosa prolife-
cavidade oral. Ela foi definida pela OMS em 1978 como rativa (5).
“mancha ou placa branca que não pode ser caracterizada
clínica ou patologicamente como nenhuma outra doença” Microscopicamente apresentam-se por hiperceratose e
(3)
. A mais recente revisão, escrita em 2007 por War- espessamento da camada espinhosa (acantose). A biopsia
nakulasuriya (2), define a leucoplasia como, “placas é essencial para o diagnóstico, não só para afastar outras
brancas de malignização possível excluindo-se outras patologias como também para identificar a presença de
doenças ou desordens conhecidas que não demonstrem displasia ou carcinomas.
um risco aumentado para o câncer. Ambas definições Algumas opções de tratamento estão disponíveis (e.g.
tornam a leucoplasia um diagnóstico de exclusão e uma laser de CO2 e cirurgia convencional) e o paciente deverá
alteração com risco de evolução para o câncer. ter um longo acompanhamento pós-operatório em virtude
Ela ocorre preferencialmente no sexo masculino das recidivas frequentes e possibilidade de desenvolvi-
acima dos 50 anos de idade e se localiza com maior mento de novas lesões.
prevalência nas bordas e face ventral da língua, no soalho

68
Figura 7.2 Leucoplasia em cavidade oral confirmada por
avaliação anatomopatológica prévia. Em todos os casos,
os pacientes foram orientados da possibilidade de
evolução para neoplasia maligna invasiva e optaram por
ressecção da lesão cirurgicamente com margens amplas.
Apenas nos casos referente às fotos (a) e (c) a histologia
pós-operatória evidenciou carcinoma in situ. O outro caso
(c) foi diagnosticado como carcinoma epinocelular inva-
sivo e submetido a tratamento complementar (esvazia-
mento cervical)

Eritroplasia queixar-se de ressecamento, ardência e descamação


persistente (Figura 7.3).
Definido pela OMS 1978 como uma “mancha ou placa
vermelha que não pode ser caracterizada clínica ou O tratamento da queilite actínica visa promover alívio
patologicamente como nenhuma outra condição” (3), dos sintomas e prevenir o desenvolvimento do carcinoma,
trata-se de uma placa de aspecto vermelho, circunscrita, podendo ser utilizadas pomadas fotoprotetoras e
brilhante e homogênea que não faz parte do quadro corticosteróides, além de ácidos tópicos, criocirurgia,
clínico de alguma doença já diagnosticada no indivíduo laser CO2 e cirurgia convencional. Os pacientes devem
(3)
. É a principal lesão pré cancerosa da boca (cerca de ser acompanhados por longos períodos.
90% está associada a uma displasia grave ou carcinoma
ao diagnóstico), felizmente mais rara, apresentando-se de Liquen Plano
maneira assintomática, predominantemente em homens
mais velhos (acima de 50 anos), com maior incidência no Trata-se de uma condição inflamatória crônica,
assoalho bucal e palato mole. benigna, cuja etiologia ainda permanece obscura.

Histológicamente o epitélio mostra ausência ou dimi- Expressa-se clinicamente de maneira polimorfa por
nuição da ceratinização, sendo normalmente atrófico lesões múltiplas, bilaterais, estriadas e mostram-se como
(evidenciando a microvasculatura subjacente e justifi- placas esbranquiçadas, ocasionalmente erosadas. Tipica-
cando o aspecto avermelhado) (5). mente tem um aspecto rendilhado de linhas brancas
denominado estrias de Wickham. As lesões podem ser
A biópsia é necessária para definição do diagnóstico e dolorosas ou não e têm baixo potencial de cancerização
o tratamento mandatário. Principalmente para aquelas (4)
. As formas atrófica e erosiva ulcerativa são apontadas
lesões que não melhoram em 14 dias afastados os fatores como as de maior risco para transformação maligna (5).
agressores.
O diagnostico geralmente é clínico e, como não há
Devido à alta incidência de carcinoma subjacente, tratamento curativo, o paciente deve ser acompanha-
recomendamos tratamento cirúrgico com avaliação ana- mento por toda a vida.
tomopatológica da peça, afim de definir a necessidade de
tratamento complementar (e.g. esvaziamento cervical).
Figura 7.3 Queilite actínica em paciente trabalhador rural
O acompanhamento ambulatorial a longo prazo submetido a vermelhonectomia. Em anatomopatológico pós-
também é importância. cirúrgico, foi identificado área de transformação para carcino-
ma espinocelular invasivo

Queilite Actínica
Afeta principalmente o lábio inferior, consequência da
exposição excessiva e prolongada ao componente ultra-
violeta da radiação solar.
Apresenta-se como atrofia no vermelhão do lábio
inferior, entremeada de áreas eritematosas irregulares ou
mesmo hiperceratórticas, evoluindo para erosões,
ulcerações, fissuras ou mesmo vesículas. O paciente pode

69
Fibrose Submucosa Figura 7.5 Tórus Mandi-
bular
Muito rara em nosso meio, é uma condição cance-
rizável caracterizada pelo enrijecimento das membranas
mucosas do trato digestivo superior, relacionada predo-
minantemente ao hábito de mascar a noz da areca (betel
quid). Não mostra alterações extra bucais, apresentando
sintomas de queimação bucal, sialorreia, pigmentação e
ulcerações, evoluindo para dificuldade de abertura da
boca. A mucosa mostra aspecto corrugado, pálido, sem
elasticidade, com superfície atrófica e consistência
coriácea. A biópsia é mandatoria.
A fibrose submucosa não regride com o abandono do
hábito e o arsenal terapêutico disponível não apresenta
efetividade. Desta forma, um controle periódico destes
pacientes é obrigatório. Glossite rômbica mediana
Saliência losangular, destituída de papilas, de superfí-
Disfagia Sideropenica cie lisa e avermelhada, logo adiante do V lingual. Esta
região tem origem embriológica diferente das partes res-
Também conhecida como Deficiência de ferro crôni-
tantes do órgão, derivando-se do tubérculo ímpar.
ca, Síndrome de Plummer Vinson, Síndrome Paterson
Brown Kelly. Ela acomete mulheres de meia idade e
caracteriza-se pela atrofia do trato aerodigestivo. Glossite pilosa

O tratamento é realizado pela suplementação de ferro Hipertrofia das papilas foliadas face dorsal da língua,
na dieta. que se coloram de enegrecidas, assemelhando-se a pêlos
e formando uma mancha escura sobre a língua.

Torus Palatino / Torus Mandibular


Blastomicose
Exostose da cortical óssea no palato duro, normal-
mente presente em sua linha média (Figura 7.4), ou ao Infecção parasitária causada pelo Paracoccidioides
longo da superfície lingual da mandíbula (Figura 7.5), brasiliensis, apresenta um aspecto típico caracterizado
sobre a linha milohioidea, na região dos pré molares, está por uma ulceração superficial, de contornos imprecisos,
conhecida como tórus mandibular. Podem causar descon- não envoltos por áreas de congestão inflamatória. O
forto ou dificultar a colocação de próteses dentárias e fundo é finamente granuloso constituído por micro-
somente nesses casos têm indicação de tratamento cirúr- abscessos intercalados por pontos vermelhos (papilas
gico. derriças desnudadas pela exulceração) (Figura 7.6).
Apresentam, concomitantemente às lesões bucais, lesões
pulmonares que são caracterizadas radiologicamente por
Figura 7.4 Tórus palatino
um infiltrado reticulomicronodular que respeita os ápices
(4)
. Possuem evolução muito arrastada, mas sempre pro-
gressiva.

Trauma
Algumas vezes, traumas causados por próteses dentá-
rias podem causar úlceras que devem ser consideradas
como diagnósticos diferenciais de neoplasias malignas,
principalmente em pacientes com fatores de risco
importantes (tabagismo, etilismo) (Figura 7.7).

70
Figura 7.6 Ulceração rasa em topografia de orofaringe com Figura 7.7 Úlcera por trauma com sinais de deposição de
anatomopatológico positivo para P. brasilienses fibrina na transição palato mole/palato duro

Fonte: Dr Lysio França Filho

REFERÊNCIAS

1. Velayos, José Luis. Anatomia da cabeça e pescoço/José Luis Velayos e Humberto D´iaz Santana; trad. Eduardo Grossmann. (et al.) - 3.ed. - Porto Alegre:
Artmed, 2004
2. Warnakulasuriya, Johnson, & van der Waal, 2007
3. World Health Organization. Collaborating Centre for Oral Precancerous lesions. Definition of leukoplakia and related lesions: an aid to studies on oral
precancer. Oral Surg Oral Med Oral Pathol.1978;46:518-39
4. Brasil. Ministerio da Saúde. Secretaria de Assistencia à Saúde. Instituto Nacional de Cancer, INCA, Falando sobre Cancer de Boca. - Rio de Janeiro: INCA,
2002 52 págs.
5. SILVA FILHO, GB & FERRAZ, AR. Tumores benignos da mucosa oral in BRANDÃO, LG & FERRAZ, AR. Cirurgia de cabeça e pescoço. Livraria Roca
Ltda.; São Paulo, vol. I, cap. 26, p.295-298, 1989.

71
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72
Capítulo 08 – Tumores das glândulas salivares

salivares maiores e menores. As maiores, encontradas em


INTRODUÇÃO
pares, são parótida, submandibular e sublingual. As glân-
dulas salivares menores são encontradas em número de
Os tumores das glândulas salivares são incomuns, centenas e estão distribuídas na camada submucosa de
heterogêneos e representam aproximadamente 5% de quase todo trato aerodigestivo superior, incluindo seios
todos tumores de cabeça e pescoço, com estimativa no paranasais, cavidade nasal, cavidade oral e faringe (7, 8).
Brasil de 1 a 2 casos/100.000 habitantes (1). Esses tumo-
De acordo com o tipo de saliva produzido, as glându-
res, no geral, apresentam maior incidência em mulheres
las salivares são classificadas como serosas (parótidas),
com idade entre 40 a 50 anos para os tumores benignos e
mucosas (sublinguais e menores) e mistas (subman-
70 para os malignos (1-4)
dibulares). A saliva participa do processo de digestão,
Na literatura são descritos mais de 30 tipos diferentes lubrificação, proteção da mucosa e dos dentes contra
de neoplasias, malignas e benignas, de glândulas saliva- microrganismos. A secreção de saliva é controlada pelo
res, sendo alguns muito raros. Estatisticamente, 95% das sistema nervo autônomo, principalmente, pela resposta
lesões palpáveis na parótida são de origem neoplásica e parassimpática e estímulos visuais, olfatórios, gustató-
80% dos tumores ocorrem nesta topografia, seguida da rios, náusea ou por pensamentos relativos a alimentos e
glândula submandibular e o restante de glândulas sabores (8, 9).
salivares menores e sublingual.
O desenvolvimento das glândulas salivares maiores
Apesar da maior incidência, 75% dos tumores de ocorre entre a 6ª e 8ª semana embrionária. Elas se origi-
parótida são benignos e quanto menor a glândula, maior nam de invaginações da ectoderme sobre o mesênquima
o risco de malignidade. Na glândula submandibular subjacente, no segundo arco branquial. Proliferações e
metade das lesões são malignas enquanto nas glândulas clivagens resultam no desenvolvimento de uma estrutura
salivares menores essa taxa ultrapassa 60% (2-5) Vale a ramificada de filamentos epiteliais circundado por tecido
pena ressaltar que essas taxas de malignidade se invertem mesenquimal ricamente vascularizado. Formam-se
na população pediátrica, sendo até 50% dos tumores de estruturas túbuloalveolares que passam por citodiferenci-
glândulas salivares de origem maligna (6). ações e especializações. As estruturas finais se conectam
ao sistema ductal em desenvolvimento que possuem
células reserva, as quais agem como células tronco. As
ANATOMIA E EMBRIOLOGIA células tronco do ducto excretor se diferenciam em
células escamosas e colunares e as células tronco do ducto
As glândulas salivares são glândulas exócrinas produ- intercalado se diferenciam em células acinares, outras
toras de saliva. Classicamente divididas em glândulas células do ducto intercalado, células do ducto estriado e

73
provavelmente células mioepiteliais. Este processo transição do ducto intercalar e dos ácinos. Nesta região
finaliza-se até o terceiro mês de vida uterina (5, 10). são encontradas células tronco que se diferenciam em
outros tipos celulares e estão relacionados à grande
variabilidade histopatológica (5, 10-12).
HISTOPATOLOGIA
É possível correlacionar a agressividade do tumor à
sua origem celular. Enquanto os tumores originados do
Aos cortes histológicos, as glândulas salivares apre-
ducto estriado e intercalado são benignos ou com baixo
sentam diversos lóbulos separados por septos e uma
grau de malignidade, os tumores originados do ducto
cápsula de tecido conjuntivo. A estrutura histológica se
excretor possuem alto grau de malignidade (5,10-12). As
assemelha a uma árvore, sendo o tronco os ductos
células mioepiteliais também são responsáveis pela
excretores, os galhos mais finos os ductos intercalares e,
variedade histológica destas neoplasias (10, 11). O resumo
intermediário a eles, os ductos estriados. Os ácinos são as
esquemático encontra-se na Tabela 8.1.
estruturas finais, na ponta dos ductos intercalares (5, 10). A
parte mais ativa da unidade da glândula salivar está na

Tabela 8.1 Esquema histogênico das neoplasias de glândulas salivares

Estrutura Normal Neoplasia

Células reserva do ducto excretor Carcinoma de células escamosas


Ductos excretores Carcinoma mucoepidermóide

Célula reserva do ducto intercalado Carcinoma de células acinares


Ácinos Tumor misto
Adenoma monomórfico
Mioepitelioma

Ducto intercalado Carcinoma adenóide cístico

Mioepitélio Adenocarcinoma

Ducto estriado Tumores oncocíticos

Tecido salivar ductal em linfonodos Cistadenoma papilífero linfomatoso (Tumor Warthin)

Fonte: Regezi & Batsakis, 1997.

FATORES DE RISCO mente em mulheres tabagistas. Infecções virais pelo vírus


Epstein Barr (EBV), vírus da imunodeficiência humana
(HIV) e papilomavírus humano (HPV), e exposição
Os fatores predisponentes para a ocorrência dos
ambiental, como poeira de madeira e produtos químicos
tumores na glândula salivar não estão bem estabelecidos
industriais, também têm sido associados a um aumento do
e mais estudos são necessários (3). A literatura aponta
risco de desenvolver tais tumores (1, 12-14).
maior risco de tumor de glândula salivar maior em
pacientes com histórico de exposição a radioterapia. O Como previamente relatado, as neoplasias de glândula
tabagismo não está associado a neoplasias malignas desta salivar compreeendem um grupo grande e heterogêneo de
topografia, mas há descrito uma forte relação entre a tumores, com uma ampla variedade histológica. A OMS
ocorrência de tumor de Warthin e este hábito, principal- os classifica de acordo com Tabela 8.2.

74
CLASSIFICAÇÃO DOS TUMORES

Tabela 8.2 Classificação dos tumores de glândulas salivares, adaptado (4)

Neoplasias epiteliais benignas Neoplasias epiteliais malignas


Adenoma Pleomorfico Carcinoma mucoepidermóide*
Mioepitelioma Carcinoma de células acinares*
Adenoma de células basais Adenocarcinoma, sem outras especificações*
Tumor de Warthin Carcinoma adenoide cístico
Oncocitoma Adenocarcinoma polimórfico
Linfadenoma Carcinoma de células claras
Cistoadenoma Carcinoma de células basais
Sialoadenoma Carcinoma intraductal
Papiloma ductal Carcinoma do ducto salivar **
Adenoma sebáceo Carcinoma mioepitelial**
Adenoma canalicular e outros adenomas ductais Carcinoma epitelial-mioepitelial
Carcinoma ex-adenoma pleomórfico**
Lesões epiteliais não neoplásicas Carcinoma secretório
Adenose policística esclerosante Adenocarcinoma sebáceo
Hiperplasia oncocítica nodular Carcinossarcoma
Sialodenite linfoepitelial Carcinoma pouco diferenciado
Hiperplasia de ducto intercalado - Carcinoma indiferenciado**
- Neuroendócrino de grandes células
Lesões benignas de partes moles - Neuroendócrino de pequenas células
Hemangioma Carcinoma linfoepitelial
Lipoma/ Sialolipoma Carcinoma de células escamosas **
Fasceíte nodular Carcinoma oncocítico
Potencial maligno incerto
Tumores hematolinfóides - Sialoblastoma
Linfoma MALT

* Tumor maligno de baixo grau; ** Tumor maligno de alto grau.

Além dos tumores primários, a parótida é sítio comum quada é Adenoma Pleomórfico (adenoma = neoplasia
de metástases linfonodais de outras regiões de cabeça e benigna semelhante a glândula e pleomórfico = apresen-
pescoço, como ocorre nos carcinomas, melanomas e tar mais de uma forma morfológica) (16).
linfomas. No carcinoma de células escamosas de pele da
A glândula mais acometida é a parótida, 75% dos
parte anterior couro cabeludo, testa e orelhas, 70% das
casos, sendo menos comuns na submandibular e raros em
metástases irão ocorrer na parótida (15).
outras glândulas. À palpação, são nódulos únicos (rara-
As neoplasias de glândula salivar mais comuns serão mente bilaterais), arredondados, bem delimitados e
descritas a seguir, associando os seus aspectos clínicos e firmes. Apresentam crescimento lento e, quando negli-
patológicos. genciados, podem crescer por anos (Figura 8.1), sofrer
transformação maligna em 6% dos casos (carcinoma ex-
Adenoma pleomórfico adenoma pleomórfico) com crescimento exponencial em
curto prazo (17). Estudos apontam maior incidência do
Tumor benigno, inicialmente denominado como tu- adenoma pleomórfico em mulheres jovens, idade média
mor misto, pois acreditava-se que o mesmo se originava de 45 anos. O carcinoma ex-adenoma acomete
de dois folhetos embrionários: epitelial e mesenquimal. majoritariamente mulheres entre a 60 e 70 anos (3, 4, 16-18).
Após diversos estudos, foi constatado sua origem pura-
mente epitelial. Atualmente, a nomenclatura mais ade-

75
Figura 8.1 Adenoma pleomórfico negligenciado Os carcinomas mucoepidermóides de graus baixo e
intermediário, bem diferenciados, são bem delimitados,
respondem bem ao tratamento cirúrgico com baixa taxa
de metástase e sobrevida em 10 anos maior que 90%
(baixo grau) e 70% (grau intermediário). No entanto, os
carcinomas de alto grau, pouco diferenciados, são
infiltrativos e com limites mal definidos (Figura 8.2),
apresentam alta taxa de recorrência e produzem metástase
a distância, com sobrevida em 10 anos de aproxima-
damente 25% (4, 14).

Figura 8.2 Carcinoma mucoepidermóide infiltrativo e ulcera-


do, com acometimento nervo facial

A ressecção tumoral deve ser completa, sem ruptura


de sua cápsula durante a cirurgia. Por vezes, esta cápsula
é irregular e o tumor pode apresentar protusões, como
pseudópodes, para dentro da glândula e, por isso, deve-se
evitar sua simples enucleação. O implante de células
tumorais no leito operatório, que dá origem a novos e
múltiplos adenomas pleomórficos, com maior risco de
malignização. Estes implantes normalmente são detecta-
dos de 3 a 8 anos após a primeira cirurgia (4, 17-21).

Tumor de Whartin
Tumor benigno, também chamado de cistadenoma Carcinoma Adenóide Cístico
papilar linfomatoso ou adenolinfoma. Ele ocorre predo- Tumor maligno que ocorre mais frequentemente nas
minantemente na glândula parótida e raramente em outras glândulas submandibulares, sublinguais e acessórias e
topografias. Origina-se nas inclusões do ducto da muito raramente na parótida. Tem discreta predomi-
glândula salivar nos linfonodos (4, 22, 23). nância para o sexo feminino e idade entre 40 e 60 anos.
Reporta-se ligeira predominância entre homens na 6º Se origina das células ductais e mioepiteliais e é
e 7ª década de vida e a associação com o tabagismo foi classificado como cribiforme, tubular ou sólido, sendo o
demonstrada em alguns estudos. À palpação, apresenta padrão sólido de pior prognóstico. Apesar de se tratar de
áreas císticas e aspecto flutuante. Podem ser múltiplos uma lesão com alto grau de malignidade, apresenta
e/ou bilaterais em até 20% e 14% dos casos, respecti- crescimento lento, normalmente indolor que pode causar
vamente (4, 22, 23). Esses tumores captam intensamente o uma falsa segurança em cirurgiões menos experientes (4,
24)
tecnécio-99m (4) e, por vezes, são encontrados inciden- .
talmente à realização de cintilografia. Ao exame, se apresenta como nódulo endurecido e,
por vezes, aderido a planos profundos com infiltração e
Carcinoma Mucoepidermóide comprometimento nervoso. A infiltração neural ocorre
em até 50% dos casos, frequentemente causando paralisia
Tumor maligno mais frequente das glândulas
facial e dor. Essa infiltração neural pode ser longa e
salivares, 10% de todas as lesões e 35% das lesões
microscópica. Costuma apresentar recidiva e metástases
malignas. Se originam provavelmente de células epite-
tardias, 10 a 20 anos após ressecção, no pulmão, ossos,
liais dos ductos interlobares ou intralobulares. Pode
fígado e cérebro (4, 24).
manifestar-se em crianças e adultos, sendo mais frequente
em jovens na segunda década de vida. Acomete
majoritariamente a parótida, mas não é incomum a Carcinoma de Células Acinares
ocorrência em glândulas salivares menores, principal- Tumor maligno raro com sua principal ocorrência na
mente localizadas no palato (4, 14). glândula parótida. Há predominância pelo sexo feminino

76
na 5ª década de vida. A literatura descreve ocorrência em dos casos de neoplasia maligna. A apresentação clínica
crianças, casos familiares e apresentação bilateral. Trata- depende do grau de diferenciação histológica, os tumores
se de um tumor de baixo grau de malignidade e, apesar da de baixo grau podem se apresentar como lesões benignas,
taxa de recorrência local de 35%, raramente metasta- com crescimento lento e indolor. Por outro lado, os
tizam. Sua disseminação ocorre em linfonodos cervicais tumores de alto grau crescem mais rapidamente, havendo
e por via hematogênica para pulmões e ossos (4, 25). dor, invasão de pele, ulceração, fixação a planos
profundos e déficit do VII NC (Figuras 8.2 e 8.4), XII
NC ou nervo lingual, ramo do nervo trigêmeo (V NC) (3,
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 26)
.

Como previamente descrito, tumores benignos têm


crescimento lento, por vezes anos, e são indolores. A DIAGNÓSTICO
apresentação clínica é de uma massa na região pré-
auricular, quando localizados no polo superficial da O diagnóstico é predominantemente clínico, sendo a
parótida, ou abaulamento na orofaringe, quando se anamnese e exame físico suficientes na grande maioria
localizam na porção profunda da parótida (espaço dos casos. A anamnese deve abordar as características
parafaríngeo) (26), ou ainda submandibular, quando loca- clínicas como tempo de evolução, sintomas associados,
lizado na glândula submandibular. Os tumores benignos presença de fatores de risco e a história de ressecção de
não comprometem as estruturas nervosas, dessa forma, lesões de pele previamente. No exame físico deve ser
não apresentam acometimento do nervo facial (VII NC) avaliado o tamanho da massa, sua mobilidade, fixação à
ou hipoglosso (XII NC), mesmo em lesões muito grandes pele e aos planos profundos e possível comprometimento
(Figura 8.3). O tumor benigno mais comum é o adenoma nervoso, como paralisia facial ou do hipoglosso. Realizar
pleomórfico e compreende aproximadamente metade de também a avaliação da pele da face e o couro cabeludo,
todos tumores de glândulas salivares. Em segundo lugar, pensando em metástase de possíveis tumores de pele. Na
o tumor de Warthin seguido dos adenomas de células oroscopia é importante avaliar a presença de trismo,
basais e adenoma canalicular. Em relação às glândulas abaulamento faríngeo para tumores profundos de parótida
salivares menores, a apresentação clínica varia de acordo e para tumores de glândula salivar menor, que também
com a topografia (Figura 8.3). As lesões de cavidade oral podem ser bem avaliados se localizados na cavidade oral.
se apresentam como abaulamento ou úlceras (nas doenças A palpação cervical é fundamental para identificação de
malignas). As lesões de fossa nasal e seio maxilar, por comprometimento linfonodal que indica provável doença
exemplo, podem se manifestar como obstrução nasal, maligna e para estadiamento cervical (4, 27).
trismo, alterações visuais e outras (3, 26).
Figura 8.4 Representação de tumor de parótida com invasão de
Figura 8.3 Tumor de glândula salivar menor, submucoso, ramo do nervo facial
abaulando palato

Dentre os tumores malignos, os mais comuns são o


carcinoma mucoepidermóide e o carcinoma adenóide Os exames de imagem ajudam na melhor avaliação da
cístico, que representam juntos, aproximadamente 50% extensão e natureza da lesão. O exame mais barato e

77
acessível é a ultrassonografia, que pode fornecer infor- auxiliar no planejamento pré-operatório. Estudos
mações importantes como característica da lesão (sólido, apontam que esse método possui boa sensibilidade (55 -
cístico ou misto), diferenciar de linfonodomegalia e 73%) e especificidade (94 - 98%). A realização de Core
direcionar possíveis punções (28). A TC é preferida em biopsy, a qual utiliza agulha mais calibrosa, permite
casos mais extensos, com sinais de infiltração e para melhor estudo histológico e imunohistoquímica. As taxas
tumores em glândulas salivares menores. A RMN de complicações são baixas e o método classificado como
também pode ser realizada e é geralmente solicitada nos seguro com maior sensibilidade (88 - 96%) e especifi-
casos de tumores de parótida com alteração da mímica cidade (99 - 100%) em relação à PAAF (30, 31). A conge-
facial, para melhor avaliação do comprometimento do lação intraoperatória não deve ser utilizada para
nervo facial, da extensão para partes moles e acometi- diagnóstico, mas como um método auxiliar para avaliar
mento do sistema nervoso central (17, 29). O PET é um as margens de excisão cirúrgica e necessidade de
exame dispendioso e estudos mostraram que o mesmo ampliação das mesmas (32).
não é util para determinar a natureza do tumor de glândula O diagnóstico diferencial inclui cistos salivares, cistos
salivar (benigno versus maligno). No entanto, deve ser de primeira fenda branquial, sialolitos, sarcoidose,
usado como importante ferramenta para estadiamento e síndrome de Sjögren, cistos linfoepiteliais, sialodenite
reestadiamento, com grande impacto na tomada de crônica esclerosante (tumor de Küttner,) e linfadenopatia
decisão clínica, modificando uma cirurgia curativa local cervical por infecção e outros. A distinção pode requerer
radical desnecessária em pacientes com doença diagnóstico histológico (4).
metastática, para abordagem terapêutica paliativa (29).
As biopsias incisionais são desencorajadas na parótida ESTADIAMENTO
e glândula submandibular devido ao risco de
disseminação tumoral com piora do prognóstico e pelo
risco de lesão do nervo facial (26). Em caso de ulceração O estadiamento das glândulas salivares maiores está
pode-se considerar a biópsia incisional com pinça saca- descrito de acordo com o a 8ª edição do TNM da AJCC
(33)
bocado. A punção aspirativa por agulha fina (PAAF) é . Quanto às glândulas salivares menores, o estadia-
importante para avaliação citológica e provável natureza mento é realizado de acordo com a topografia no qual se
histológica do tumor (benigno versus maligno) e, assim, desenvolvem.

Estadiamento AJCC TNM 8ª Edição para Tumores de Glândulas


ESTADIAMENTO Salivares

Categoria T Critérios T

Tx Tumor primário não pode ser identificado

T0 Sem evidência de tumor primário

Tis Carcinoma in situ

T1 Tumor menor que 2 cm em sua maior dimensão

T2 Tumor de 2 a 4 cm em sua maior dimensão

T3 Tumor maior que 4 cm e/ou extensão extraparenquimatosa

Tumor moderadamente ou muito avançado


T4 T4a- Invade pele, mandíbula, canal auditivo e/ou nervo facial
T4b- Invade base de crânio e/ou placas pterigoides e/ou artéria carótida

Categoria N Critérios N

Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados

78
N0 Sem linfonodos metastáticos

N1 Metástase em um único linfonodo, ipsilateral > a 3 cm em sua maior dimensão sem extravasamento extracpasular

N2a - Metástase em um único linfonodo ipsilateral maior que 3 e até 6 cm em sua maior dimensão sem extravasamento
extracapsular
N2
N2b - Metástases múltiplas ipsilateral com nenhum linfonodo maior que 6 cm e sem extravasamento extracapsular
N2c - Metástases bilaterais ou contralateral sendo nenhum linfonodo maior que 6 cm e sem extravasamento extracapsular

N3a- metástase em linfonodo maior que 6 cm em sua maior dimensão e sem extravasamento capsular
N3
N3b- Metástase em qualquer linfonodo de qualquer tamanho com extravasamento capsular

Categoria Critério M
M

M0 Sem metástase à distancia

M1 Metástase à distancia

recomendada, sendo controversa apenas nos tumores < 2


TRATAMENTO E SEGUIMENTO
cm (T1) (4, 27).
Nos tumores mais avançados, T3 e T4a, o tratamento
O tratamento de escolha para as neoplasias da
de escolha é a cirurgia e o esvaziamento cervical eletivo
glândula salivar é o cirúrgico, sempre realizado seguindo-
(esvaziamento supraomohioideo – níveis I, II e III),
se os preceitos oncológicos, de ressecção com margens
recomendado para as glândulas salivares maiores (36). Se
adequadas e reparação do defeito cirúrgico no mesmo ato
a ressecção for completa, sem características adversas
operatório. A manipulação inadequada dessas lesões está
(tais como: grau histológico alto ou intermediário;
diretamente associada a maiores riscos de recidiva e de
margens positivas ou exíguias; invasão vascular ou
lesões nervosas à reabordagem e pior prognóstico
perineural; metástase linfonodal e tumores T3/T4), a
oncológico. Na parotidectomia, nervo facial deve ser
cirurgia é considerada suficiente e o seguimento onco-
sempre preservado, desde que isso não comprometa o
lógico é recomendado. Caso haja características adversas
resultado oncológico (4, 5, 26). Nos casos de reoperação há
ou comprove tratar-se de um tumor adenóide cístico, há
evidência de menor risco de lesão do nervo facial quando
forte recomendação de radioterapia adjuvante. Nos paci-
é realizada a monitorização de nervo intraoperatória (34, 35).
entes com linfonodos cervicais clinicamente positivos, é
Após avaliação clínica, os tumores classificados como indicado o esvaziamento cervical radical (incluindo todos
clinicamente benignos (móveis, no lobo superficial, os níveis cervicais) seguido de radioterapia adjuvante (4,
crescimento lento e indolor, sem comprometimento do V 27, 36)
. O benefício da quimioterapia nesses casos não é
e VII NC e sem linfonodos cervicais) e lesões iniciais bem estabelecido, mas também pode ser considerada de
(T1/T2 N0) têm como tratamento a ressecção cirúrgica acordo com as características do paciente. Caso a cirurgia
completa. Caso a histologia comprove tratar-se de tumor inicial seja incompleta, com doença residual grosseira
benigno ou maligno de baixo grau, considera-se a cirurgia deve-se avaliar a possibilidade de nova abordagem
o tratamento definitivo. A radioterapia é considerada cirúrgica e, se não for possível, encaminhar o paciente
apenas nos tumores de baixo grau se houver rotura de para radio e quimioterapia, geralmente em caráter
cápsula ou invasão perineural. No entanto, se a histologia paliativo. (5, 27, 33).
caracterizar como carcinoma adenóide cístico ou tumor
Durante o seguimento oncológico, pacientes que apre-
de grau alto ou intermediário, a RT adjuvante é
sentam recidiva local devem ser avaliados quanto à
ressecabilidade da lesão, pois a cirurgia apresenta melhor

79
resultado que a RT exclusiva. A radioterapia após cirurgia o estímulo salivar para as glândulas sudoríparas. Não há
de resgate é mandatória, devendo ser considerada mesmo tratamento específico, mas o uso de antitranspirantes na
em pacientes previamente irradiados. Em caso de face e toxina botulínica para casos mais exuberantes têm
recidivas sem opção de cirurgia ou RT, assim como nos resultados satisfatórios. A rotação de retalho muscular de
tumores irressecáveis ou metastáticos, a quimioterapia esternocleidomastóideo também é descrito em casos
deve ser considerada, sendo que seu uso deve ser indivi- refratários ao tratamento clínico (39, 40, 41).
dualizado, devido à baixa resposta e altas taxas de
intoxicação. O conhecimento das estruturas moleculares Figura 8.5 Pós-operatório de parotidectomia complicado por
e o uso de terapias alvo ainda são incipientes, hematoma (à esquerda) e paralisia facial (à direita)
necessitando de mais estudos, mas parecem ser opçãos no
futuro na indisponibilidade de outras estratégias
terapêuticas (5, 20, 27, 37).

COMPLICAÇÕES

As complicações cirúrgicas podem ser gerais ou


específicas. Entre as gerais inclui-se hematomas (Figura
8.5), deiscências de suturas, seromas e infecções (38). O
seroma é uma complicação relativamente comum e o
tratamento inclui aspiração com agulha fina e calor local.
O paciente deve ser orientado a realizar compressa mor-
na, devido a manipulação do nervo auricular magno é Fístulas salivares e sialoceles: possuem frequência
comum hipoestesia na topografia cirúrgica (38) e queima- relatada de 4 - 14% e quando ocorre acúmulo de saliva no
duras graves podem ocorrer (Figura 8.6). sítio pode ser confundida com seroma, sendo a dosagem
de amilase na solução aspirada fundamental para o
As complicações especificas mais comuns são: diagnóstico diferencial. Normalmente, os tratamentos
Paralisia ou paresia facial: ocorrência de lesão conservadores com aspiração do líquido e curativo
parcial, temporária ou definitiva, do nervo facial e seus compressivo, apresentam boas respostas em uma a duas
ramos (Figura 8.5) traz prejuízos estéticos e funcionais, semanas após a cirurgia, mas podem durar alguns meses
(38, 42)
com piora da qualidade de vida em paciente após . A aplicação de solução salina hipertônica 3%
parotidectomia. A ocorrência varia bastante na literatura, aquecida a 60ºC por 3 dias é descrita como tratamento
sendo descrito taxas variando de 9 - 100% de paresia e 0 eficaz para o controle dessa complicação (42).
- 29% de paralisia (34, 35). O risco aumenta quando é
realizado reabordagem e a monitorização intraoperatória Figura 8.6 Queimadura de 2º grau após parotidectomia compli-
pode auxiliar esses casos. Em caso de comprometimento cada por seroma
tumoral, a ressecção do segmento do nervo compro-
metido é mandatória e o enxerto pode ser realizado com
o nervo sural ou auricular magno, com boas taxas de
sucesso (34, 35, 38).
Sindrome de Frey: também chamada sudorese
gustatória, constitui-se pela sudorese e, às vezes,
hiperemia facial após estímulo gustatório em pacientes
submetidos a parotidectomias. A ocorrência é de até 50%
dos pacientes no primeiro semestre após a cirurgia.
Ocorre devido a secção do nervo auriculotemporal (ramo
do trigêmeo), que possui fibras simpáticas e parassim-
páticas. As fibras parassimpáticas são mucossecretoras
para a parótida e as simpáticas são para a pele e glândulas
sudoríparas. A explicação seria uma regeneração
aberrante das fibras parassimpáticas para a pele, levando

80
com assimetria facial e até mesmo incontinência oral.
Outras lesões nervosas: na ressecão da glândula Também há risco de lesão do nervo hipoglosso (XII NC),
submandibular deve-se atentar para risco de lesão do com déficit motor da língua, a qual é desviada para o lado
ramo marginal do nervo facial (VIINC), que se apresenta da lesão, e lesão do nervo lingual (Ramo V NC) com
alterações sensoriais dos 2/3 anteriores da língua (25).

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82
Capítulo 09 – Tumores da boca (cavidade oral)

INTRODUÇÃO é a mucosa, e logo abaixo, na submucosa podemos


encontrar as glândulas salivares menores, bastantes
numerosas no palato duro e abaixo da mucosa labial. Na
A boca corresponde à primeira fase da digestão e tem
boca também temos a divisão de andar inferior, que
funções fonéticas, nutricionais e sensoriais como o tato e
compreende a gengiva inferior, o soalho, a língua e a área
o paladar. Tem um papel inquestionável nas relações
retromolar, e andar superior que compreende o palato
interpessoais com uma função social altamente relevante.
duro e a gengiva superior (1, 2 - 6).
É a porta de entrada para o trato aerodigestivo. Apesar
dos lábios fazerem parte da boca, não abordaremos seus
tumores aqui. Estes terão um capítulo à parte devido a um Figura 9.1 Subregiões da boca
comportamento diferente daqueles que comprometem a
cavidade oral e à variedade de opções cirúrgicas à sua
reconstrução (1, 2 - 5).

ANATOMIA

A cavidade oral (Figura 9.1) é a porção inicial do tubo


digestivo que fica compreendida entre a rima bucal
anteriormente, e o istmo da garganta posteriormente. A
rima bucal é o orifício compreendido entre o vermelhão
dos lábios, no ponto onde eles se unem com o tegumento
cutâneo da face. As arcadas dentárias dividem a cavidade
LÍNGUA
bucal propriamente dita, que é delimitada pelos arcos
alveolares, o teto é o palato duro, o soalho é ocupado pela
língua que é mantida pelos músculos e partes moles nos A língua é um órgão essencialmente muscular,
espaços entre as metades do corpo da mandíbula e revestido por mucosa rica em elementos sensoriais. Ela é
posteriormente se comunica com a orofaringe através de dividida em duas porções: a fixa e a móvel. A porção
uma abertura chamada Istmo das Fauces, que está móvel compreende a parte visível da língua, subdivi-
marcado de cada lado pelos arcos palatoglossos. Boa dindo-se em corpo da língua (ou língua oral) que são seus
parte é revestida por epitélio escamoso estratificado, que 2/3 anteriores, e a base da língua, seu 1/3 posterior. O "V"
lingual constitui o limite entre elas, e trata-se de um sulco

83
em forma de V que se abre para a frente, e onde estão Glossoestafilino (Palatoglosso) – compreende o pilar
dispostas as papilas valadas (ou circunvaladas ou anterior da loja amigdalina. Origina-se na face inferior da
caliciformes) que em geral são em número de 9, e no aponeurose palatina e termina em fibras que se estendem
vértice do V há uma depressão denominada forame cego. até a ponta da língua.
No corpo da língua observamos: face dorsal ou superior,
Amigdaloglosso - é um músculo inconstante que vai
face ventral ou inferior, duas bordas e a ponta. A face
da cápsula fibrosa da amígdala à base da língua.
dorsal é percorrida por um sulco mediano, a partir do qual
se irradiam para ambos os lados as papilas filiformes e Faringoglosso - é um fascículo do músculo constrictor
fungiformes (Figura 9.2). A face inferior ou ventral é superior da faringe que se continua com os bordos laterais
percorrida por uma prega que a prende ao soalho da boca: da língua.
o freio da língua. A base da língua faz parte da orofaringe, Lingual inferior - se insere atrás dos cornos menores
tendo portanto origem embriológica e distribuição do osso hioide e termina adiante, na mucosa da ponta da
linfática distinta do corpo da língua (1, 2 - 5). língua.
Lingual superior - único músculo ímpar, se origina
Figura 9.2 Língua - face dorsal
atrás dos cornos menores do osso hioide e na face anterior
da epiglote. Suas fibras se estendem longitudinalmente
sob a mucosa da face dorsal da língua(1, 3, 4).

Figura 9.3 Músculos da língua e soalho da boca

A porção fixa ou raiz da língua constitui-se do


seguimento pelo qual ela se aprofunda no soalho da boca.
Músculos da língua compreendem 17 ao todo, sendo
15 extrísecos e 2 intrísecos.
Intrísecos - estão dispostos em vários planos:
longitudinal, transverso e vertical. Juntamente com os
extrísecos, eles dão a forma à língua.
Extrínsecos - Representados na Figura 9.3. São eles:
Genioglosso - músculo em forma de leque, constitui o
corpo da parte posterior da língua. Origina-se na espinha Em alguns pontos, estes músculos se separam e os
mentoniana, atrás da sínfise da mandíbula e se insere na espaços entre eles ficam preenchidos por tecido celular
face inferior da língua e anteriormente ao corpo do osso frouxo chamado Lago Mesolingual de Oreggia, através
hioideo. do qual as neoplasias encontram ótimas vias de
disseminação (1).
Hioglosso - músculo plano, quadrilátero, que está
coberto completamente pelo músculo milohioideo. A mucosa é espessa na face dorsal, e delgada na face
Origina-se do corno maior e do corpo do osso hioideo, ventral. É constituída por epitélio estratificado, rico em
passa em direção superior e anterior para inserir-se na papilas gustativas na sua face dorsal, e rica em glândulas
face lateral e inferior da língua. O nervo glossofaríngeo, salivares menores em toda sua extensão. Estas glândulas
o ligamento estilohioideo e a artéria lingual passam atrás se reúnem em algumas regiões, formando 3 grupos
da borda posterior deste músculo. principais:

Estiloglosso - origina-se na parte anterior do processo (a) Posterior, anexo é amígdala lingual;
estilóide e insere-se na face lateral e inferior da língua. (b) Lateral ou de Weber;

84
(c) Póstero-inferior ou de Nuhn e Bladin, na face inferior e podem seguir 3 direções - um grupo passa medialmente
da cada lado da língua. à glândula submandibular e vai para os linfonodos
jugulocarotídeos altos; - outros coletores passam lateral-
Irrigação: a principal artéria é a lingual, que se divide
mente à glândula submandibular e vão para os linfonodos
nos ramos dorsal para a parte faríngea, e o ramo
submandibulares; - outros coletores, mais posteriores,
sublingual que acompanha o ducto de Wharton e se dirige
vão ao linfonodo subdigástrico (de Kütner).
para a ponta, onde tem o nome de artéria ranina, que se
anastomosa com a homônima contralateral. c) Centrais: coletam a linfa dos 2/3 internos de cada
metade dorsal da língua, passam lateralmente à glândula
Drenagem: as veias formam 3 grupos: as profundas,
submandibular, indo para os linfonodos submandibulares.
as dorsais, e as raninas, que convergem para a borda
Estes coletores com frequência cruzam a linha média,
posterior do músculo hioglosso, onde se reúnem
indo aos linfonodos contralaterais.
formando a veia lingual. Esta veia se abre na veia jugular
interna isoladamente ou como componente do tronco d) Basais: serão descritos junto com a faringe.
tireolinguofacial.
Inervação: a inervação motora é dada pelo nervo A linfa de uma metade da língua pode atingir lado
hipoglosso (XII par). A sensitiva é dada pelo nervo oposto por 4 vias:
lingual (ramo do V par) para os 2/3 anteriores, e pelo (1) Pela rede mucosa, que é contínua;
nervo laríngeo superior (ramo do X par) para o 1/3
posterior. A inervação sensorial provém do nervo (2) Pelos coletores apicais, que podem cruzar a linha
glossofaríngeo para o 1/3 posterior, e da corda do tímpano média;
para os 2/3 anteriores. (3) Pelos coletores centrais cruzados;
Linfáticos: formam um plexo superficial ou mucoso, (4) Pelos vasos basais medianos.
de vasos pequenos na porção correspondente ao corpo, e
de vasos calibrosos na porção correspondente à base. Há
SOALHO DA BOCA
uma relativa individualidade desses dois territórios (1, 3, 4,
7)
. Há um plexo profundo que corresponde aos vasos
sanguíneos. Estes plexos se convergem em 4 grupos É uma região em forma de C, limitada externamente
principais de coletores (Figura 9.4). pela superfície interna do rebordo alveolar e internamente
pela língua. Posteriormente se estende até os pilares
amigdalinos anteriores.
Figura 9.4 Drenagem
linfática da língua O soalho da boca é o segundo local mais comum de
ocorrência do câncer de boca (27%).

a) Apicais: vertem 2 coletores principais que


caminham para o freio da língua, passam sob o músculo
digástrico e por fora do corno maior do osso hioide,
terminando nos linfonodos jugulocarotídeos médios. Às
Músculos: músculo milohioideo - possui fibras trans-
vezes há um segundo coletor que vai aos linfonodos
versais que se inserem nas linhas milohioideas da face
submentonianos.
interna da mandíbula e no osso hioideo. Este músculo
b) Marginais: são coletores das bordas do 1/3 externo serve de contraforte ao pressionar o alimento contra o
da face dorsal e ventral da língua, desde o V até a ponta, palato durante a mastigação na fase inicial da deglutição.

85
Sua face superficial (externa) é reforçada pelo ventre
anterior do músculo digástrico, e sobre sua face profunda
descansam o músculo geniohioideo e as fibras inferiores
do músculo genioglosso. A superfície superior (profunda)
do músculo milohioideo está em íntima relação com a
parte profunda da glândula submandibular por dentro, e
com a glândula sublingual por diante e por fora.
O feixe neuro vascular da língua e o ducto da glândula
submandibular se relacionam com a face medial da
glândula sublingual (Figura 9.5).

Figura 9.5 Soalho da boca São chamadas áreas ou trígonos retromolares aquelas
porções da cavidade bucal que, de cada lado, se dispõem
entre as duas arcadas dentárias, por dentro da implantação
dos últimos molares inferiores. Elas não constituem
regiões anatômicas, por isso seus limites são indefinidos
(1)
. A mucosa desta região é flácida como a das regiões
jugais, e repousa sobre o músculo bucinador. Ao aprofun-
dar há o ramo ascendente da mandíbula, e mais
internamente o músculo pterigóideo interno. Entre o ramo
ascendente da mandíbula e o músculo pterigóideo interno
caminham dois ramos do nervo mandibular, o nervo
alveolar e o nervo lingual.
A irrigação provém de ramos da artéria maxilar interna
e da artéria facial. As veias são tributárias da veia jugular
interna e dos plexos venosos vizinhos, principalmente o
plexo pterigóideo.
Os linfáticos vão para os linfonodos submandibulares
e jugulocarotídeos altos.
Os ductos da glândula sublingual desembocam direta-
mente na cavidade oral em número de 10 ou mais. Às
vezes os ductos mais anteriores se convergem para GENGIVAS
formarem um grande ducto sublingual, o ducto de Bartho-
lin, que se une com o ducto submandibular terminando na
Gengiva Superior
carúncula sublingual no soalho da boca.
6% dos tumores da boca ocorrem nas gengivas.
Os linfáticos da boca formam canais que dirigem tanto
posteriormente ao longo do soalho e internamente para
além dos pilares amigdalinos anteriores. Na sequência,
seguem para os linfonodos jugulocarotídeos altos ou para
os coletores que passam justa periostais e daí para os
linfonodos submandibulares e submentonianos. Geral-
mente a drenagem é homolateral, exceto para a área
anterior do soalho.

ÁREAS RETROMOLARES

As áreas retomolares são o terceiro local mais comum A gengiva é formada pelas partes moles que recobrem
de ocorrência do câncer de boca (16%). o processo alveolar do osso maxilar. Trata-se de uma

86
mucosa espessa que se prende ao periósteo subjacente por As veias seguem os trajetos mais diversos, sendo que
intermédio de um córion fibroso. Portanto, constitui-se as posteriores drenam para o plexo pterigóideo e as
uma fibromucosa, destituída de tecido submucoso (1, 3, 4, anteriores para a veia lingual e veia facial.
6)
. Os nervos são todos sensitivos ou vasomotores e se
A mucosa apresenta uma série de orifícios que dá originam do nervo dentário inferior (ramo do nervo man-
passagem aos dentes. Na zona de cada um destes orifício- dibular).
os, a mucosa gengival se adelgaça e se continua com o A região gengival é percorrida por dois plexos: um
periósteo alveolar. superficial e outro profundo, ricamente anastomosados
Os fundos dos recessos, principalmente na implan- entre si. Eles se continuam com os da região jugal e do
tação dos pré-molares e dos molares, aproximam-se con- lábio para fora, e com os do soalho da boca internamente.
sideravelmente dos revestimentos dos seios maxilares, Eles formam coletores internos e externos. Os externos
sendo que em alguns casos fazem saliência dentro do caminham pelo fundo de saco gengivojugal inferior,
antro. Este fato explica a grande facilidade com que os atravessam o músculo bucinador, seguem o trajeto da veia
tumores da gengiva superior invadem o antro ou vice- facial e vão para os linfonodos submandibulares. Os
versa. linfáticos da região dos incisivos centrais podem terminar
nos linfonodos submentonianos. Os coletores internos
A irrigação vem da artéria alveolar, da artéria infraor- dirigem-se em parte para os linfonodos submandi-
bitária, da artéria esfenopalatina e da artéria palatina bulares, principalmente os pré-glandulares, e outros para
descendente, ramos da artéria maxilar interna. Elas são os linfonodos jugulocarotídeos altos e médios. Robben e
delgadas e numerosas. As veias são tributárias do plexo Polya notaram que em 50% dos indivíduos normais, os
alveolar, do plexo pterigóideo, das veias lingual, facial e linfáticos passam através do periósteo da face interna da
suas afluentes. mandíbula (1).
Os linfáticos formam um plexo de onde saem os
coletores. Uns seguem pela face bucal da gengiva, DENTES
trazendo também linfáticos do palato duro, enquanto
outros seguem pela face vestibular, recebendo linfáticos
da mucosa do lábio e da região jugal. Estes coletores Cada dente é composto por um tecido conectivo espe-
seguem para a região posterior, cruzam o músculo cial, a polpa, coberta por três outros tecidos calcificados,
a dentina, o esmalte e o cemento. Os dentes de um
bucinador, acompanham o trajeto da veia facial para
terminarem nos linfonodos submandibulares e jugu- indivíduo adulto são em número de 32, sendo 16 em cada
locarotídeos altos. Alguns coletores da face bucal da arcada
gengiva superior podem terminar em linfonodos retro-
faríngeos. PALATO
Os nervos são todos sensitivos ou vasomotores
originários dos nervos dentários anteriores e posteriores O palato mole pertence à orofaringe. O palato duro
(ramos do nervo maxilar). forma o teto da cavidade oral separando-a das fossas
nasais e seios maxilares. Ele é constituído pelos processos
Gengiva Superior palatinos dos ossos maxilares e pelos ossos palatinos,
A gengiva inferior corresponde às partes moles que recoberto por mucosa espessa e fortemente aderida ao
revestem o processo alveolar inferior e onde se periósteo e rica em glândulas salivares menores. A
implantam os dentes. abóbada palatina é percorrida longitudinalmente por uma
linha, o rafe, que o divide em 2 metades.
Na sua borda livre, a mucosa apresenta orifícios por
onde passam os dentes. Assim como na gengiva superior, A sensibilidade é dada por ramos do nervo trigêmio. A
na inferior a mucosa se continua com o periósteo da irrigação é abundante e provém da artéria palatina
mandíbula. A mucosa também é do tipo fibromucosa, descendente, ramo da artéria maxilar interna, que emerge
firmemente aderida ao periósteo (1, 3, 4, 6)). no palato medialmente ao 2º molar. Na região do rafe, a
vascularização é muito reduzida e incisões nesta região
A irrigação provém das artérias lingual, dentária devem ser evitadas. As veias vão ao plexo pterigoideo e
inferior e submentoniana (ramo da artéria facial). às regiões vizinhas.

87
Os linfáticos dirigem-se para fora e para trás, em Ocorrem mais em pessoas idosas (acima dos 65 anos) e
direção ao 3º molar, e então descem para os linfáticos localizam-se com maior prevalência nas gengivas e
jugulocarotídeos altos e submandibulares. mucosa jugal. São brancacentas e têm aspecto verrucoso,
como uma couve-flor (Figura 9.7). São muito bem
diferenciados, têm crescimento lento e raramente geram
REGIÕES JUGAIS
metástases.

As regiões jugais formam as paredes laterais da cavi-


Figura 9.6 Carcinoma espinocelular de gengiva inferior
dade bucal. Seus limites são: superior e inferiormente, os
fundos de saco gengivojugais superiores e inferiores.
Anteriormente tem-se uma linha vertical passando a 10
mm da comissura labial; posteriormente, a prega inter-
maxilar que se confunde com as áreas retromolares.
A mucosa da região jugal é dotada de grande
elasticidade. Nela se abre o ducto de Stenon, como uma
fenda nem sempre visível, ao nível do 2º molar superior.
Abaixo da mucosa encontra-se o músculo bucinador e
abaixo deste, o músculo masseter, o qual está acima dos
músculos da mímica facial. Entre os músculos masseter e
bucinador encontra-se a bola gordurosa de Bichat, que
pode ser sede de tumores de origem gordurosa e constitui
via de propagação pela qual as neoplasias da região jugal
podem atingir estruturas vizinhas como fossa temporal e
zigomática.
Figura 9.7 Carcinoma verrucoso de borda de língua
A região jugal é ricamente irrigada, recebendo ramos
das artérias facial, transversa da face e da infraorbitária
(ramo da artéria maxilar interna). Todas seguem pela face
externa do músculo bucinador.
A principal veia é a facial. Outras são tributárias da
veia temporal superficial e do plexo pterigóideo.
Os linfáticos seguem pelos sulcos gengivojugais
superior e inferior, e se reúnem em 2 coletores que
acompanham a veia facial e terminam nos linfonodos
submandibulares (pré e retrovasculares). Alguns
terminam em linfonodos bucinadores.

PATOLOGIA

Mais de 90% dos tumores de cavidade oral são os 2. CCE adenoescamoso – tem grande similaridade com
carcinomas espinocelulares ou de células escamosas os tumores mucoepidermóides das glândulas salivares e
(CCE) (Figura 9.6) (1, 6, 8 - 12). Eles podem variar desde apresentam alto grau de malignidade, com necessidade de
bem diferenciados (grau I) a indiferenciados (grau IV), ressecções amplas com esvaziamento cervical.
sendo que neste, evidencia-se um número elevado de
3. CCE basalóide – é agressivo e possui prognóstico ruim,
mitoses (proposto por Broders na década de 1920) (13).
sendo necessário à sua ressecção com esvaziamento
Existem algumas variações histológicas do CCE, a saber
(6, 11, 14) cervical.
:
4. CCE sarcomatóide – confunde-se com os sarcomas.
1. CCE verrucoso – é menos agressivo e corresponde a
É agressivo com frequentes recidivas e metástases cervi-
menos de 5% de todos os carcinomas espinocelulares.

88
cais. Associado algumas vezes à irradiação prévia. Figura 9.9 Sarcoma de Kaposi em palato duro
Felizmente estas últimas variações histológicas são raras:
- Adenocarcinoma
- Carcinoma mucoepidermoide (Figura 9.8)
- Carcinoma adenoide cístico
- Carcinomas de células acinares

Figura 9.8 Carcinoma mucoepidermoide de palato duro

Figura 9.10 Linfoma em palato duro

5. Tumores mais raros - Temos os carcinomas de origem


de glândulas salivares menores. Estes são mais comuns
em mulheres, no palato duro e geralmente se apresentam
como um abaulamento submucoso.
Sarcomas (Figura 9.9) Em 95% dos casos são lesões pigmentadas. Diferen-
- Fibrossarcomas temente dos melanomas cutâneos, a exposição solar não
- Rabdomiossarcomas tem relação. É considerado tumor de alta agressividade e
- Sarcomas osteogênicos risco de metástase. O prognóstico do melanoma de
cavidade oral é pior do que o cutâneo.
- Condrossarcomas
- Sarcomas neurogênicos
INCIDÊNCIA
- Angiossarcomas
- Sarcomas de Células Sinoviais
Plasmocitoma Extramedular No Brasil, para cada ano do triênio 2020-2022, são
estimados 11.200 casos em homens e 4.010 em mulheres,
Mieloma múltiplo
ou seja, há um risco estimado de 10,70 casos novos a cada
Leucemias 100 mil homens, ocupando a 5ª posição. Para as
Linfomas (Figura 9.10) mulheres, corresponde a 3,71 para cada 100 mil mulheres,
Metástases de Carcinoma e Sarcomas sendo a 13ª mais frequente entre todos os cânceres. Sem
considerar os tumores de pele não melanoma, o câncer da
Melanoma de cavidade oral (Figura 9.11) representa cavidade oral em homens é o 5º mais frequente nas
0,2 a 0,8% de todos os melanomas. Há maior incidência Regiões Sudeste (13,58 casos/100 mil hab.), Centro-
no sexo masculino e em indivíduos brancos e japoneses, Oeste (8,94 casos/100 mil hab.) e Nordeste (7,65
chegando nestes a 12%. A prevalência também é maior casos/100 mil hab.). Nas Regiões Sul (13,32 casos/100
acima dos 40 anos de idade. O palato duro é a região mais mil hab.) e Norte (3,98 casos/100 mil hab.), ocupa a 6ª
acometida, seguida da gengiva superior e região jugal. posição. Para as mulheres, é o 11° mais frequente na
Região Nordeste (3,75 casos/100 mil hab.) e o 12ª na

89
Região Norte (1,69 casos/100 mil hab.). Já nas Regiões casos/100 mil hab.), ocupa a 13ª posição. Na Região Sul
Sudeste (4,12 casos/100 mil hab.) e Centro-Oeste (2,90 (4,08 casos/100 mil hab.), ocupa a 14ª posição (15).

Figura 9.11 Melanomas em gengiva e em palato duro

desenvolver o câncer comparados aos que não conso-


FATORES DE RISCO (Carcinomas)
mem. Fator determinante para o aparecimento de câncer
bucal é o efeito potencializador que o álcool exerce sobre
Tabaco o tabaco. Tabagistas e etilistas têm 15 vezes mais chances
O Brasil é o 5º maior produtor e o 2º maior exportador do desenvolvimento do câncer de boca (1, 6, 8, 9, 11, 16).
de tabaco. Cerca de 63% da população masculina adulta
e 33% da feminina, são fumantes. O tabaco tem 4700 Figura 9.12 Perfil do paciente com câncer de boca. Notam-se
substâncias tóxicas, sendo 60 carcinogênicas (nitrosa- manchas amareladas no bigode e nos dedos pelo tabagismo
minas) (15). crônico

Existe uma forte associação entre o uso do tabaco e o


câncer da cavidade oral, pois a incidência é 6 vezes maior
do que nos não fumantes. Mais de 90% dos cânceres de
boca aparecem em tabagistas, e mesmo aqueles paci-
entes que se tratam e ficam livre da doença, mas insistem
em fumar, tem 6 vezes mais chances de aparecerem com
um segundo tumor primário em relação àqueles que
pararam de fumar. As nitrosaminas presentes no tabaco
danificam o DNA induzindo as mutações. Há um concei-
to errado entre pessoas leigas que o uso do cigarro de Fatores Sociais
palha seria menos nocivo à saúde por ser “mais natural”,
sendo aí enganados, uma vez que seu uso é de 5 a 7.vezes O baixo poder aquisitivo associado à baixa escolari-
mais tóxico que o cigarro comum ( mais nicotina e dade também são fatores predisponentes, porque apresen-
alcatrão) por não ser um fumo tratado (Figura 9.12). tam maior risco de condições essenciais para o apareci-
mento do câncer de boca, como a falta de cuidados com
os dentes, a precariedade da higienização oral e a falta de
Álcool informação sobre as medidas preventivas. Falta a essa
O álcool também é um fator de risco independente população a educação necessária para procurar ajuda
para o desenvolvimento do câncer de boca, possivelmente quando a lesão tumoral ainda está precoce. Nesse nível
com efeitos carcinogênicos diretos sobre a mucosa. sócio econômico o paciente tende a procurar auxílio
Indiretamente o alcoólatra tem determinadas deficiências médico quando há presença de dor que o impede de se
vitamínicas, as quais também podem contribuir para a alimentar, muitas vezes já com estadio avançado da doen-
carcinogênese. Até 80% dos pacientes com câncer de ça. A falta da conhecimento e a falta de recursos finan-
boca consomem álcool e têm 6 vezes mais chances de ceiros os impedem de cuidar dos dentes, fazendo com que

90
muitos se tornem cacos, levando a traumatismos frequen- Figura 9.14 Prótese com câmara de sucção e fístula em palato
tes na língua e propiciando o aparecimento dos tumores. provocada por prótese mal adaptada
Estes pacientes têm uma condição de trabalho pesada,
estresse social importante, baixa escolaridade, etilismo,
tabagismo, falta de higiene oral e dentes em péssimas
condições, que formam na boca um ambiente ideal para o
aparecimento de tumores.

Hábito de Mascar Carcinógenos (Betel)


O Betel é uma planta similar ao tabaco e em países da
Ásia é comum o hábito de mascar a folha ou a nós,
deixando uma pigmentação vermelha na cavidade oral (6 Exposição Solar
11)
(Figura 9.13). Está associada ao câncer de lábio.

Hábito de Fumar Invertido Fatores Nutricionais


Comum em alguns países como a Índia, a brasa fica Deficiência de ferro e vitamina A. A síndrome de
dentro da boca. Está associado principalmente com tumo- Plummer-Vinson está associada a um aumento do câncer
res no palato duro (6, 11) de boca, em mulheres, particularmente comum na Suécia
(1, 6)
. Aqui também valem ser lembradas as inúmeras
Figura 9.13 Boca tingida de vermelho pelo Betel deficiências nutricionais dos alcoólatras que também
potencializam a carcinogênese oral.

Fatores Ocupacionais
Trabalhadores das indústrias de metais, fibras têxteis,
couro, níquel e álcool isopropílico têm incidência aumen-
tada. Acredita-se que sejam responsáveis por 5% dos
tumores da boca (1, 6).

Deficiências Imunológicas
Pacientes transplantados e com AIDS apresentam in-
cidência aumentada de tumores, principalmente o carci-
Próteses Mal Adaptadas ou com Câmaras de
noma espinocelular nos transplantados, e sarcoma de
Sucção
Kaposi associado a infecção pelo HIV.
Há também a associação do uso incorreto de próteses
e que causam traumas (Figura 9.14), apesar de muitos
pesquisadores concluírem como inconsistente esse fator LESÕES POTENCIALMENTE MALIGNAS
etiológico. Porém, é de conhecimento que uma prótese
mal adaptada em um indivíduo tabagista e etilista pesado,
Leucoplasias
por vezes tornam o ambiente propício ao aparecimento de
câncer (1, 11). A OMS conceitua leucoplasia como uma "placa bran-
ca na mucosa, de risco questionável e excluídas outras
Obviamente recomenda-se o ajuste adequado da pró-
doenças ou desordens conhecidas que não levam ao risco
tese, uma vez que causam alterações na mucosa devido
aumentado de câncer. É um termo clínico e não apresenta
ao trauma crônico. No entanto, este fator etiológico para
histologia específica. Pode apresentar atrofia ou hiperpla-
câncer de boca em população não etilista ou tabagista
sia (acantose) e pode demonstrar displasia epitelial (14, 17,
ainda necessita de maiores estudos, visto que se fosse um 18)
. É 6 vezes mais frequente em tabagistas (Organo-
fator independente haveria uma incidência ainda muito
grama 1). A incidência de malignização varia de 1 a
maior.
17,5% , com média de 4,5 a 6% (1, 17, 18).

91
Organograma 1. Abordagem clínica das leucoplasias displásicas e não displásicas

Leucoplasia

Sem causas Se possível eliminar causas, incluindo


possíveis tabaco, e observar por 2 - 4 semanas

Boa resposta Sem resposta

Biópsia

Histologia definida Histologia não definida

Tratar de
acordo Leucoplasia Leucoplasia não
displásica displásica

Tratamento não factível (< 2 – 3 cm) Tratamento não factível (< 2 – 3 cm)
Seguimento trimestral por toda a vida Seguimento semestral por toda a vida

Clinicamente as leucoplasias podem ser homogêneas, matosa com placas bancas ou excrescências nodulares.
as quais apresentam muito baixo risco de malignização,
ou não-homogêneas (risco pouco maior de transforma- Figura 9.16 Leucoplasia verrucosa em palato e mucosa jugal
ção).
As homogêneas são planas, finas, também chamadas
de leucoplasia simples (Figura 9.15).

Figura 9.15 Leucoplasia homogênea em mucosa jugal

Eritroplasias
São lesões da mucosa bucal que aparecem como
placas vermelhas (Figura 9.17) e que não podem ser
clínica ou patologicamente caracterizadas como qualquer
outra condição patológica (14, 17, 18).
Mucosa alveolar mandibular nas mulheres e mucosa
do soalho da boca nos homens são os locais mais comuns
de aparecimento.
A eritroplasia pode ser considerada o sinal mais
As não-homo-gêneas podem ser verrucosa - lesão precoce de câncer. Cerca de 91% dos casos exibem
verrucosa (Figura 9.16), erosiva - lesão branca com áreas displasia severa ou carcinoma “in situ” ou carcinoma
eritematosas, erosões e fissuras e nodular - base erite- invasivo (19).

92
Figura 9.17 Eritroplasia de palato infiltração em profundidade (espessura tumoral). Lesões
tumorais mais superficiais com pouca espessura têm
baixa incidência de metástases e alta possibilidade de
controle. Aquelas lesões mais infiltrativas, com espessura
tumoral maior têm alta incidência de metástases e, por
conseguinte, um pior prognóstico (Tabela 9.1) (20).

Tabela 9.1 Relação da espessura tumoral com metástases e


sobrevida

Metástase Metástase Morte pela


Espessura
cervical oculta doença

< 2 mm 13% 7% 3%
2 – 9 mm 46% 26% 17%
DIAGNÓSTICO
> 9 mm 65% 41% 35%
Fonte: Carvalho, 2001.
Qualquer lesão na boca que não regrida num período
de 3 semanas a 1 mês deve ser considerada suspeita e
candidata a biópsia. As formas clássicas de aparecimento O ideal seria que obter a espessura tumoral antes da
do câncer oral são as úlceras, nódulos e as manchas realização da operação, porém, há acesso a esse dado
brancas ou vermelhas. As lesões iniciais geralmente não somente após a realização do procedimento cirúrgico com
são dolorosas. Em fases mais avançadas temos lesões o estudo histológico da peça operatória. Normalmente, a
ulceradas extensas, com bordas elevadas, sangrantes e noção da espessura tumoral no pré-operatório ocorre pela
infiltrativas. palpação durante o exame clínico. Desta forma, após
obter o parâmetro, é possível estimar a espessura da lesão
Os principais sinais e sintomas são (1): e programar a operação, se haverá esvaziamento cervical
ou não. Obviamente, no cotidiano da clínica, a maioria
1. Lesão ulcerada inicialmente indolor; dos pacientes tem indicação e se beneficiarão do esvazia-
2. Abalo dentário; mento cervical. A invasão perineural, vascular e a presen-
ça de metástases cervicais também são fatores preditivos
3. Desajuste de prótese;
importantes no prognóstico.
4. Sangramento;
A palpação cervical é mandatória e deve ser rotineira,
5. Otalgia;
pois pode constatar os linfonodos aumentados de
6. Halitose; tamanho e possivelmente metastáticos. Geralmente são
7. Nódulo cervica. mais arredondados, consistência fibrosa ou endurecida e
com mobilidade diminuída. O diagnóstico histológico é
No exame locorregional, é realizada a inspeção de feito pela biópsia com pinça saca-bocado no próprio
toda a cavidade oral, percorrendo de forma sistematizada consultório. Costuma ser de fácil realização devido ao
as sub-regiões, deixando a lesão tumoral por último. tecido tumoral ser bastante friável. Barbosa a descreve
como a sensação de estarmos beliscando um parênquima
Importante estar atento para tumores sincrônicos tanto na
própria cavidade oral quanto nas demais regiões da via de maçã com a pinça saca-bocado. Se porventura a
aerodigestiva superior. Ao inspecionar o tumor, delimite- mucosa a ser biopsiada não estiver doente a pinça
o e situe-o com referências às demais sub-regiões, suas agarrará, e a mucosa se esticará(1).
extensões e se este ultrapassa a linha média. Além da O ideal é que o diagnóstico dos tumores seja feito o
inspeção de toda a cavidade oral, a palpação é muito mais precoce possível, pois assim o tratamento inicia na
importante pois permite perceber o componente infiltra- sua fase inicial, com ótimo prognóstico e mínima sequela.
tivo do tumor. Entretanto não é o que se observa na maior parte dos
Um dos mais importantes fatores que afeta a seleção casos. Abdo et al. (21), analisaram pacientes com câncer
de boca, atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
do tratamento e o prognóstico em um câncer de boca é a
do Hospital Mário Penna, cidade de Belo Horizonte

93
(MG). Eles observaram que o tempo desde o apareci- vitário oral com probe de 18 MHz, é a determinação da
mento dos primeiros sintomas até o paciente ter sua espessura tumoral o que pode predizer o comportamento
primeira consulta com o cirurgião de cabeça e pescoço foi tumoral em relação a chance de metástase cervical e
de 169,4 dias para homens e de 215,4 dias para mulheres. recidiva local (22).

EXAMES DE IMAGEM Figura 9.19 Tomografia computadorizada mostrando grande


comprometimento anterior da mandíbula e metástases cervicais
bilaterais (ponta de setas)
Lesões pequenas não necessitam de exames de ima-
gem. Nas lesões maiores e ou mais infiltrativas os exames
de imagem ajudam na avaliação de sua extensão, princi-
palmente na parte profunda da língua, na avaliação do
comprometimento da mandíbula ou de outras estruturas
profundas como músculos pterigoideos. Os exames de
imagem complementam o exame físico. radiografia sim-
ples (raio-X panorâmico da mandíbula) pode ajudar, mas
é bastante limitada.
A TC com contraste é o exame de escolha, além de
possibilitar a delimitação do tumor primário e definição
de comprometimento ósseo (Figura 9.18 e 9.19), ela
também auxilia na avaliação das metástases cervicais.

Figura 9.18 Tomografia computadorizada mostrando erosão


da mandíbula (seta branca)

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Algumas lesões se manifestam localmente de forma


muito similar ao carcinoma espinocelular, por isso o
exame anatomopatológico e na dúvida, o exame por
imunohistoquímica são obrigatórios (Figura 9.20),
principalmente antes de ressecções mutilantes, são
exemplos:
1. Blastomicose (Paracoccidioidomicose)
2. Leishmaniose
3. Doença de Behçet
4. Sífilis
5. Granulomas
6. Papilomas
A RMN é útil para a avaliação de partes moles,
7. Glossite rômbica mediana
especialmente a língua, e para avaliação da base do crânio 8. Língua geográfica
(16)
. Outra utilidade, embora ainda incipiente, dos exames 9. Hemangioma
de imagem, principalmente a TC e o ultrassom intraca-

94
Figura 9.20 Diagnóstico diferencial - na sequência da esquerda para a direita - glossite romboica mediana, blastomicose, granulomas de
gengiva, hemangioma de língua e torus palatino

ESTADIAMENTO Estadiamento AJCC TNM 8ª Edição para Tumores de Boca

TX Tumor primário não pode ser avaliado

T0 Sem evidências de tumor primário

Tis Carcinoma in situ

T1 Tumor até 2 cm no maior diâmetro e até 5mm de espessura

T2 Tumor até 2 cm e espessura maior que 5mm até 10mm ou tumor entre 2cm e 4 cm e espessura até 10 mm

T3 Tumor maior que 4 cm no maior diâmetro ou espessura maior que 10mm

T4a Tumor que invade cortical óssea da mandíbula, ou seio maxilar ou pele da face

T4b Tumor que invade espaço mastigador, lâminas pterigoides, base do crânio, artéria carótida interna

Linfonodos

Nx Linfonodos não podem ser acessados

N0 Sem metástase para linfonodo

N1 1 linfonodo ipsilateral de até 3 cm sem extensão extranodal

N2a 1 linfonodo ipsilateral > 3cm até 6cm, sem extensão extranodal

N2b Múltiplos linfonodos de até 6 cm sem extensão extranodal

N2c Metástase bilateral ou contralateral de até 6 cm sem extensão extranodal

N3a Linfonodo maior que 6 cm sem extensão extranodal

N3b Linfonodo único ou múltiplo com extensão extranodal*

Legenda: * Entende-se por extensão extranodal a presença de envolvimento de pele ou partes moles com fixação aos músculos profundos ou estruturas adjacentes
ou sinal de envolvimento de nervo.

95
TRATAMENTO mandibular estreito ou presença de dentes, pode-se fender
o lábio na linha média ou mesmo realizar a mandibulo-
tomia (Figura 9.22).
O ideal do tratamento de câncer da cavidade oral é o
controle da doença, preservação da fala e da via de
Figura 9.21 Sequencia de uma glossectomia parcial realizada
alimentação oral, preservação da estética e da função de por via transoral
uma maneira geral. A definição do tratamento vai
depender da localização do tumor primário, do seu
tamanho, espessura, comprometimento ósseo, tipo histo-
lógico, presença de metástase e condições clínicas do
paciente. A cirurgia e a radioterapia podem ser utilizadas
como únicas modalidades de tratamento ou em
combinação terapêutica, porém, na grande maioria das
instituições é consenso que o tratamento ideal para o
câncer de boca deva ser o cirúrgico ou cirúrgico associado
à RT. A RT exclusiva fica para aqueles casos em que o
paciente tem um risco cirúrgico proibitivo. Sabe-se que
lesões bem diferenciadas, maiores que 2cm, infiltrativas,
que comprometem osso, respondem mal à RT, enquanto
que lesões pouco infiltrativas, pouco diferenciadas, sem
comprometimento ósseo tendem a responder melhor à
RT. Acreditamos que a RT tem lugar naqueles casos onde
a lesão é pouco infiltrativa e com limites indefinidos Figura 9.22 Mandibulotomia em degrau para acesso a tumor
associada a áreas eritroplásicas, ou tumores multicên- de língua e soalho posterior
tricos onde há a cancerização de campo, em que através
da ressecação não se obtém segurança de margens livres,
ou que a ressecção acarretará numa sequela funcional sem
possibilidade de reabilitação. Koshy et al., realizaram
uma metanálise a partir do National Cancer Database
(NCDB) americano. Eles analisaram 4809 pacientes
tratados por câncer de cavidade oral e concluíram a
cirurgia associada à RT teve sobrevida de 3 anos de
49,7% contra 36,0% para os tratados com RT e QT (14).
O esvaziamento cervical de princípio é indicado nos
tumores acima de T1 do andar inferior da boca (língua Para tumores da língua e do soalho da boca, outra
soalho, gengiva inferior, área retromolar e pilar amig- opção é a realização da cirurgia de “Pull-Through”, onde
dalino anterior) devido à alta incidência de metástase o tumor primário é ressecado em bloco com o esvazia-
cervical. Realiza-se o esvaziamento supraomohioide. Na mento cervical sem desfazer o arco mandibular. O soalho
presença de metástase cervical até N1 na primeira cadeia da boca é incisado e a língua é puxada inferiormente, em
de drenagem, também se realiza o esvaziamento direção ao pescoço e, então, as margens cirúrgicas são
supraomohioide. Para acientes com linfonodos maiores definidas com segurança. Importante lembrar que o
que do 3 cm ou múltiplos (N2), é indicado o esvaziamento periósteo interno da mandíbula deve ser incluído na peça
completo, esvaziamento de necessidade. cirúrgica. Se houver envolvimento da cortical da mandí-
bula, a mandibulectomia marginal pode ser associada. A
Em tumores iniciais, T1 e T2, a cirurgia, além do bom cirurgia de “Pull-Through” tem a vantagem de ter meno-
resultado no controle da doença, geralmente não leva a res tempo cirúrgico, taxas de infecção do retalho, de
sequela funcional ou estética importantes. A ressecção incidência de osteorradionecrose, exposição de placas,
pode ser transoral (Figura 9.21), com uso de afastadores perda de vitalidade dentária, além de melhor resultado
autostáticos e o bisturi elétrico. Se necessário maior estético quando comparada com a mandibulotomia (13, 23).
acesso, quer seja pelo volume do tumor ou por questões
anatômicas, como menor abertura da boca, arco O crescimento tumoral para a mandíbula se faz,
normalmente, através da gengiva e alvéolos em pacientes

96
com dentes, avançando, assim, para o osso esponjoso da nada operação de COMMANDO (Combined Mandibu-
mandíbula. Em pacientes sem dentes, o avanço tumoral lectomy Operaton), preconizado por Hayes Martin
também se faz através da fibromucosa gengival, infiltran- (Figura 9.25).
do os poros dentários para depois alcançar o osso espon-
joso (Figura 9.23). Muito possivelmente essa progressão Figura 9.23 Caminho da invasão tumoral da mandíbula em
tumoral ocorre porque o periósteo da mandíbula exerce pacientes com e sem dentes
um papel de proteção, e o ponto fraco da mandíbula é
onde os dentes se fixam. A invasão da mandíbula tende a
acontecer na sua superfície dentária, quando os dentes
estiverem ou não presentes. Nestes casos sempre deve ser
pensado uma ressecção marginal da mandíbula, lembran-
do que em pacientes sem dentes e em idosos, o nervo
alveolar inferior é mais próximo da superfície dentária da
mandíbula devido à atrofia do rebordo alveolar. Nestas
circunstâncias deve ser considerado a ressecção segmen-
tar da mandíbula, devido ao risco de invasão perineural
(Figura 9.24).
Quando a ressecção do tumor da boca é associada à
mandibulectomia e ao esvaziamento cervical, é denomi-

Figura 9.24 Esquema do manuseio da mandíbula nos tumores da boca

Um cuidado especial com a manutenção da via aérea Defeitos laterais nem tanto. Defeitos mandibulares po-
deve-se ter nestes casos de mandibulectomia segmentar dem ser reconstruídos com:
com esvaziamento cervical, devido aos riscos de desaba- 1. Uso de miniplacas;
mento dos tecidos pela ausência da sustentação da
mandíbula, pelo edema ou mesmo devido ao risco de 2. Enxerto ósseo livre;
hematoma, sendo assim a traqueostomia é mandatória. A 3. Retalho osteomiocutâneo (Figura 9.26);
maioria dos pacientes fará uso de sonda nasoentérica ou
4. Retalho microcirurgiaúrgico (fíbula por exemplo ).
mesmo da gastrostomia para alimentação no pós-
operatório e para manter a área operada em repouso. Entretanto, quanto aos defeitos laterais, perda de seg-
Antibioticoterapia profilática é necessária por se tratar de mento do ângulo da mandíbula ou ramo ascendente, ou
um procedimento cirúrgico contaminado. mesmo após desarticulação, a preferência pessoal dos
autores deste capítulo é por não reconstruir num primeiro
A perda de segmento da mandíbula leva à sequela
momento. Estamos tratando de pacientes com doença
funcional importante, principalmente na região anterior.
oncológica avançada, em geral com algum grau de com-

97
prometimento nutricional. Com a não reconstrução de recidivas são locorregionais levando a perda do controle
defeitos laterais, estes pacientes tendem a ter uma recupe- da doença.
ração pós-operatória melhor e sem trismo. Isto permite
uma recuperação mais rápida, podendo ser encaminhados
Figura 9.26 Paciente com CCE de soalho de boca com invasão
para o tratamento adjuvante sem atrasos. E funcional-
da mandíbula e pele do mento, submetido a ressecção e esvazia-
mente, a sequela principal que é dificuldade de mastiga- mento cervical e reconstruído com retalho osteomiocutâneo de
ção pode ser corrigida com uso de prótese com guia peitoral maior
sagital e fisioterapia. Esteticamente também fica bem
aceitável.

Figura 9.25 Esvaziamento radical esquerdo, supraomohioideo


à direita, retalho em viseira com a peça de esvaziamento saindo
em monobloco com a mandíbula e o câncer da boca
(COMMANDO)

Em tumores avançados, T3 e T4a, o tratamento


combinado, cirurgia seguida de RT pós-operatória, apre-
senta melhor controle da doença.
Quanto à RT pós-operatória para o câncer de boca,
esta é indicada para os tumores primários avançados, T3
e T4, ou quando temos margem comprometida e que uma
nova cirurgia para ampliação desta margem não é
possível, ou o tumor primário apresenta espessura maior
que 10 mm, ou que apresenta invasão angiolinfática ou
perineural. A incidência de metástases à distância pode
ocorrer em até 15% dos casos, porém, a maioria das

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23. Shah JP: Head and Neck Surgery and Oncology, 1996, Mosby-Wolfe, Second Edition, New York.

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100
Capítulo 10 – Câncer de lábio: tratamento e reconstrução

articulação da palavra e têm variação étnica importante.


INTRODUÇÃO
Sua inervação sensitiva é feita pelo nervo infraorbitário
(ramo maxilar do trigêmeo) e nervo mentoniano (ramo
Sabemos que os lábios, anatomicamente, fazem parte mandibular do trigêmeo).
da boca, mas aqui resolvemos separar o conteúdo por se
tratar de uma região muito peculiar com abordagens e Figura 10.1 Embriologia labial
técnicas cirúrgicas reconstrutoras das mais variadas.
Essas lesões tumorais labiais também têm um comporta-
mento oncológico bem diferente daqueles outros subsí-
tios da boca como soalho e língua.
Os lábios são formados da quinta a oitava semana de
vida intrauterina e são consequência da união dos 5
processos faciais, a saber: dois maxilares laterais que se
fundem com o processo frontomediano e forma o lábio
superior, e dois processos mandibulares se fundem na
linha média e formam o lábio inferior. Notem que o filtro
é originário do processo frontomediano (Figura 10.1) (1).
Historicamente, na reconstrução labial há relatos de
descrição de um médico indiano chamando Susruta há
cerca de 1000 anos a.C. No século I, Celsus fez a
ressecção labial, seu fechamento e depois associou inci-
sões na bochecha para compensar o fechamento, dimi-
nuindo-se a tensão (Figura 10.2).

ANATOMIA LABIAL
A inervação motora, pelo nervo facial, e a irrigação
arterial pela artéria facial. Na Figura 10.3 temos a
Os lábios são estruturas faciais expressivas que inervação sensitiva, motora e a representação dos princi-
demonstram conotações faciais e sexuais. A principal pais músculos na anatomia labial.
função é a contenção de alimentos, são importantes na

101
Figura 10.2 Primeira cirurgia de lábios realizada mais expostos aos fatores de risco como o tabaco e
ocupação mais externa. Podem ocorrer dos 40 aos 80
anos, com pico de incidência aos 70 anos. Mais de 95%
ocorre na raça branca. Dentre os fatores etiológicos temos
o tabagismo (mais de 80% são tabagistas), sendo que o
uso de cachimbo causa lesão térmica, trauma mecânico e
químico.

Figura 10.5 Drenagem linfática dos lábios

Figura 10.3 Anatomia labial

Na Figura 10.6 temos um corte histológico sagital da


espessura labial em que vemos a mudança da pele para
vermelhão e depois para mucosa labial. Note que abaixo
Na parede anterior dos lábios temos pregas musculo- vermelhão não há glândula salivar menor (somente abai-
cutâneas que formam a rima labial quando fechadas, e nas xo da mucosa).
extremidades da rima formam as comissuras labiais. De
grande interesse nas reconstruções, temos as depressões Figura 10.6 Corte histológico da espessura labial
perilabiais que são o sulco nasolabial (na base de
implantação de cada asa nasal), o filtro (lábio superior), o
sulco nasogeniano e o sulco mentolabial, Figura 10.4.

Figura 10.4 Anatomia de superfície

O fator social também tem importância e os indivíduos


de classes sócio econômicas mais baixas e com higiene
A drenagem linfática do lábio inferior se faz princi- oral precária são os mais afetados. Os raios ultravioletas
palmente para os níveis Ia e Ib e a labial superior faz-se aqui também têm uma importância crucial, e o ângulo de
para as cadeias Ia, Ib e IIa (Figura 10.5). incidência do raio é fundamental (ângulo de quase 90
graus), sendo de 88 a 98% dos casos acontecendo no lábio
inferior, 2 a 7% no lábio superior e apenas 1 a 4% na
EPIDEMIOLOGIA E FATORES PRÉ- comissura (Figura 10.7) (2, 3). Dos afetados, 70% tem
DISPONENTES história de exposição solar que causa atrofia do
vermelhão com perda das fibras elásticas, hiperceratose e
Normalmente são tumores bem diferenciados, de fácil posterior aparecimento das atipias. Os tumores labiais
diagnóstico e acesso e com altos índices de controle. São têm uma alta ocorrência em pacientes imunodeprimidos,
80% mais comuns em homens, possivelmente por serem comportando-se, aqui também, de maneira mais agressi-

102
va, com metástases cervicais frequentes e crescimento Os melanomas labiais originários no vermelhão são
rápido. Pacientes não imunodeprimidos têm 15% de considerados melanomas de mucosa com aparência e
chances de uma evolução mais agressiva com recorrên- evolução similares (são muito graves). Cerca de 2% dos
cias e metástases que podem levar à morte (2, 3). As regiões tumores labiais são carcinomas de glândula salivar menor
do planeta com maior incidência são o sul australiano (13 (Figura 10.9) e apresentam maior frequência no lábio
casos/100.000 hab.), norte espanhol (11 casos/100.000 superior. Vale ressaltar que não há tecido glandular
hab.) e o extremo norte canadense (50 casos/100.000) (4, abaixo do vermelhão) (6).
5)
. Figura 10.9 Carcinoma mucoepidermóide de lábio superior

Figura 10.7 Incidência de câncer nos lábios

HISTOPATOLOGIA DO CÂNCER
DE LÁBIO

FATORES QUE AFETAM O PROGNÓSTICO


95% dos casos é de carcinoma de células escamosas
(queilite actínica, leucoplasia ou eritroplasia e posterior-
mente transforma-se na lesão tumoral), Figura 10.8. Nota-se nitidamente uma diferença na evolução dos
Podem ser de 3 tipos: tumores de lábio quando são separados por sítio. Quando
comprometem o lábio inferior têm de 70 a 90% de
(1) Carcinoma de células escamosas (CCE) verrucoso -
sobrevida em 5 anos, o que se reduz para 40 a 60%
relacionados a leucoplasia com crescimento lento e muito
quando envolvem o lábio superior, e varia de 34 a 84%
bem diferenciados, oriundos da mucosa labial sendo
com o comprometimento da comissura (6, 7).
incomuns no vermelhão;
Os tumores labiais são mais agressivos também quan-
(2) Spindle cell carcinoma - altamente agressivo, com
do comprometem pacientes mais jovens, particularmente
mortalidade de 50% e tendências à infiltração perineural,
abaixo dos 40 anos, com alta incidência de metástases e
também chamado de carcinosarcoma ou CCE sarcoma-
mortalidade. Normalmente acontecem em pacientes imu-
tóide;
nossuprimidos ou com alguma genodermatose (6 - 9).
(3) CCE adenóide - associado a lesão actínica crônica por
O fator mais significativo que está associado ao prog-
exposição solar (40, 50).
nóstico é o tamanho tumoral, ou o estadio clínico à época
do diagnóstico (estadiamento T), vide Tabela 10.1 (6, 7, 9).
Figura 10.8 Lábio inferior com área de leucoplasia, queilite
actínica e de infiltração tumoral
Tabela 10.1 Relação do estadiamento T com a sobrevida em 5
anos no câncer de lábio

Tamanho Sobrevida em 5 anos

T1 Acima de 90%
T2 71 a 83%
T3 40 a 60%
T4 40%

É controverso a existência do carcinoma basocelular O grau de diferenciação histológica, como proposto


no vermelhão. Normalmente este se origina na pele dos por Broders, (10) também influencia o prognóstico nos
lábios (6).

103
tumores labiais. As lesões bem diferenciadas têm um cerca de 50% em 5 anos. 75% das metástases ocorrem no
melhor prognóstico quando comparadas àquelas pouco nível Ib, Ia e Ib em 30% e15% em nível II (6, 7, 9).
diferenciadas e indiferenciadas. A espessura ou a invasão Carregam também um prognóstico menos favorável as
tumoral, também é determinante no prognóstico levando lesões de comissura, que têm frequente extensão para a
à invasão perineural em 2% dos casos, maior incidência mucosa jugal (15 a 20% de metástases cervicais à época
de metástases e queda significativa da sobrevida (cerca de do diagnóstico) e, obviamente, as lesões recidivadas (6, 7,
35% em 5 anos).com consequente queda do prognóstico. 9)
. Recidivas de câncer sempre carregam mau prognóstico
Aquelas lesões acima de 6 mm de profundidade tiveram com tendências da doença fugir do controle oncológico,
metástase em mais de 70% dos casos. A presença de levando o paciente a óbito.
formigamento e dor sugerem infiltração do nervo alveolar
Obviamente pacientes imunossuprimidos, sejam
inferior, com alargamento do canal mandibular e conse-
transplantados, portadores de linfomas ou aidéticos, têm
quente extensão para base do crânio, sendo normalmente
uma incidência aumentada de câncer de lábio em relação
lesões incuráveis. O mesmo pode acontecer com o nervo
ao restante da população. Este aumento varia de 30 – 40
infraorbitário em casos de CCE do lábio superior. Para
vezes acima da incidência na população sem estes fatores,
aqueles casos em que há invasão da mandíbula, torna o
com lesões por vezes extremamente agressivas, de
controle da doença difícil, devido à alta incidência de
crescimento rápido e alta taxa de recidivas e metástases
recidivas (6, 7, 9).
cervicais (11). Devido à rapidez da evolução e compor-
As metástases cervicais ocorrem em 6 a 20% dos tamento agressivo, frequentemente os paciente evoluem
casos à época do diagnóstico e até o final do segundo ano a óbito.
do tratamento. A presença de metástase cervical à época
Como citado anteriormente os lábios fazem parte da
do diagnóstico da lesão labial, faz a sobrevida cair para
anatomia da boca e seguem o estadiamento do grupo de
tumores da cavidade oral.

Estadiamento AJCC TNM 8ª Edição dos Tumores da Cavidade


ESTADIAMENTO
Oral

TX Tumor primário não pode ser avaliado

T0 Sem evidencia de tumor primário


Tis Carcinoma in situ

T1 Tumor até 2 cm no maior diâmetro e até 5 mm de espessura

T2 Tumor até 2 cm e espessura maior que 5 mm até 10 mm ou tumor entre 2 e 4 cm e espessura até 10 mm

T3 Tumor maior que 4 cm no maior diámetro ou espessura maior que 10 mm

T4a Tumor que invade cortical óssea da madíbula, ou seio maxilar ou pele da face

T4b Tumor que invade espaço mastigador, lâminas pterigoides, base do crânio, artéria carótida interna

Nx Linfonodos não podem ser acessados

N0 Sem metástase para linfonodo

N1 1 linfonodo ipsilateral de até 3 cm sem extensão extranodal

N2a 1 linfonodo ipsilateral > 3 cm até 6 cm, sem extensão extranodal

N2b Múltiplos linfonodos de até 6 cm sem extensão extranodal

N2c Metástase bilateral ou contralateral de até 6 cm sem extensão extranodal

N3a Linfonodo maior que 6 cm sem extensão extranodal

N3b Linfonodo único ou múltiplo com extensão extranodal *

Legenda: *Entende-se por extensão extranodal a presença de envolvimento de pele ou partes moles com fixação aos músculos profundos ou estruturas adjacentes
ou sinal de envolvimento de nervo.

104
TRATAMENTO localizado na linha média). A escolha do tipo de esvazia-
mento vai variar com as características e localização da
metástase (na maioria das vezes será um esvaziamento
A escolha do tratamento é baseada na preferência do supraomohioideo).
médico e do paciente, na habilidade de restauração da
função e cosmética e, obviamente, as condições clínicas A combinação da cirurgia e RT são as principais
e tolerabilidade do paciente ao tratamento proposto. modalidades no tratamento do câncer de lábio. A RT
adjuvante está incicada em casos de margens
A cirurgia é a melhor forma de tratamento do tumor comprometidas, metástases cervicais, invasão perineural,
de lábio, e aqui também, a aplicabilidade da cirurgia de indiferenciação tumoral e tumores avançados (6).
Mohs é a que traz melhor controle da doença. A cirurgia
convencional tem 7,6% de recorrência ao passo que a A QT também pode entrar no arsenal terapêutico
cirurgia de Mohs tem 2,3% de recorrência (6, 12, 13). No como adjuvante à cirurgia em concomitância com a RT
nosso meio optamos pela cirurgia convencional, uma vez para aqueles tumores avançados, com infiltração perineu-
que não temos um patologista à disposição na sala de ral (nervo alveolar inferior ou supraorbitário) e em caso
cirurgia e, se houver dúvidas quanto às margens livres de de presença de metástases cervicais com extravasamento
tumor à ressecção, optamos por não reconstruir até que o extranodal (6, 9, 18). Deve ser pensada também para palia-
estudo histológico esteja pronto, solicitando mais agilida- ção daquelas lesões avançadas sem condições de trata-
de do patologista. mento cirúrgico.

O esvaziamento cervical está indicado apenas na A reconstrução cirúrgica do lábio envolve a restaura-
presença de metástases, uma vez que somente 20% dos ção da sua função e cosmética. A maioria dos proce-
pacientes a desenvolverão no decurso da doença (6, 8, 14 - dimentos cirúrgicos reconstrutores do lábio datam do
16)
. Muitos autores advogam o esvaziamento de princípio século XIX, e nos norteiam até hoje. As técnicas
para aquelas lesões que se mostram avançadas, com reconstrutoras propostas por Gillies e Karapandizik são
invasão de mandíbula ou com outros fatores que da década de 1920 e 1974, respectivamente. A seguir
caracterizam uma doença agressiva (lesões indi- serão expostas algumas técnicas com suas variações.
ferenciadas, espessura tumoral) (14, 16, 17). Importante aqui Na Figura 10.10 é possível observar as ressecções em
ressaltar, que em caso de presença de metástases, se o V com seu fechamento (A e B), em escudo (C) e em W
paciente tiver condições cirúrgicas, o ideal é que se faça (D). Felizmente, a maioria dos casos são de ressecções
o esvaziamento cervical bilateral (podendo ser em dois mais simples com técnicas reconstrutoras também de
tempos) devido às características da drenagem linfática menor complexidade e morbidade para os pacientes.
do lábio inferior (principalmente se o tumor for

Figura 10.10 Ressecção em V e


fechamento (A e B), ressecção em
escudo e fechamento (C) e ressecção
em W e fechamento (D)

105
A ressecção em W e os retalhos de Szymanovski e o Nas Figuras 10.14, 10.15 e 10.16 podemos observar a
proposto por Gillies (19) são apresentados nas Figuras técnica proposta por Karapandizik (20), descrita em 1974,
10.11, 10.12 e 10.13, respectivamente. O retalho de em que se faz a reconstrução utilizando-se uma extensão
Szymanovski, descrito em 1860, é um retalho miocutâ- da incisão labial (pós ressecção do tumor) até o sulco
neomucoso (que envolve toda a espessura da bochecha ao nasogeniano, chegando bem próximo à implantação das
nível do sulco nasogeniano). Seu inconveniente é a perda asas nasais bilateralmente. Há preservação da inervação e
do controle esfincteriano dos lábios à alimentação. vascularização do lábio. A incisão para a realização dos
retalhos é feita em pele e subcutâneo, e quando o plano
muscular é alcançado, usa-se apenas a divulsão das fibras
Figura 10.11 Ressecção em W
musculares com uma pinça hemostática. Desta forma, se
preserva a inervação motora e a vascularização e, por
conseguinte, também a função labial. Ocorrerá recupera-
ção da tonicidade de musculatura com consequente abertu-
ra da rima labial e, o principal, manutenção completa da
função e estética preservada.
Na Figura 10.17 vemos a técnica proposta por
McGregor para reconstrução labial, em que se utiliza um
retalho frontal bipediculado nas artérias temporais bilate-
ralmente (21, 22) (no caso da figura, o pedículo foi unilate-
ral). Hoje em dia é difícil achar uma indicação para a
utilização dessa técnica em vista de possibilidades mais
simples e modernas como os retalhos livres microcirúr-
gicos. O inconveniente desta técnica é a perda do controle
esfincteriano labial (falta de contenção da comida e
saliva) no momento da alimentação, além, é claro, de
alterações estéticas importantes na região frontal.

Figura 10.12 Retalho de Szymanovski


em desenho esquemático

Figura 10.13 Ressecção tumoral e


reconstrução labial à Gillies

Para as lesões mais avançadas, com o comprome- Bakamjian (deltopeitoral), de execução bastante simples
timento de mandíbula, podemos recorrer ao retalho de (Figura 10.18) (23), mesmo em uma era de um avanço,

106
domínio e disponibilidade dos retalhos microcirúrgicos. Nas lesões tumorais que envolvem a comissura, tam-
Obteve-se com este retalho uma boa cosmética para o bém podemos utilizar a técnica proporsta por Karapan-
paciente. dizik e manter uma boa funcionalidade dos lábios. É bom
salientar que as lesões que comprometem a comissura
Figura 10.14 Retalho de karapandizik.em paciente idoso têm uma tendência de crescimento para região jugal,
realizado sob anestesia local. Repare o controle esfincteriano já Figura 10.19 (20). Observe as marcas de incisão no sulco
no décimo dia de pós-operatório. nasogeniano direito e esquerdo e sulco mentolabial

Figura 10.17 Reconstrução com retalho de McGregor

Figura 10.15 Ressecção de carcinoma espinocelular (CCE)


labial inferior e reconstrução com retalho Karapandizik realiza- Figura 10.18 Retalho de Bakamjian para reconstrução total de
do sob anestesia local lábio com ressecção marginal da mandíbula devido a um
carcinoma espinocelular labial inferior avançado e com com-
prometimento de mandíbula

Figura 10.16 Câncer espinocelular ocupando 75% da extensão


labial inferior (avançado). Sequência do planejamento,
ressecção, fechamento e com 6 meses de pós-operatório.
Função esfincteriana e movimentos mantidos

Na Figura 10.20, um tumor mucoepidermóide de


baixo grau ressecado de lábio superior com reconstrução
com retalho nasogeniano da vizinhança.

107
Podemos também utilizar, em determinadas circuns- Figura 10.20 Carcinoma mucoepidermóide lábio superior
tâncias, para lesões avançadas do lábio inferior o retalho
miocutâneo cérvico-facial de platisma. Tem boa mobili-
dade é confiável em termos de vascularização e permite a
abordagem cervical para um eventual esvaziamento
(Figura 10.21) (1).
Retalho de Abbè (24) para reconstrução de lábio supe-
rior, Figura 10.22. Pode ser realizado para reconstruir
tanto o lábio inferior quanto o superior.
Paciente com CCE de lábio superior submetido à
ressecção com reconstrução e triângulo de Burrow de
compensação na base de implantação da asa nasal
(Figura 10.23).

Figura 10.19 Carcinoma espinocelular de comissura com


extensão para mucosa jugal com reconstrução à Karapandizik.
Paciente foi submetido a esvaziamento cervical supraomo-
hioideo devido à presença de metástase
Figura 10.21 Paciente portador de melanoma amelanótico de
lábio inferior submetido a ressecção e reconstrução com retalho
miocutaneo cérvico facial de platisma

Na Figura 10.24 foi utilizada a mesma técnica de


Karapandizick (20), só que “pela metade”, para recons-
trução após a ressecção de um CCE labial inferior em
uma paciente usuária de cachimbo.

108
Figura 10.22 Retalho de Abbè realizado após ressecção tumoral labial superior preservando-se a artéria coronária labial para sua irrigação
arterial (desenho esquemático mostrando a artéria sendo preservada). Após 3 semanas o retalho está autonomizado e o pedículo pode ser
seccionado

Figura 10.23 Carcinoma espinocelular de lábio superior

Figura 10.24 Carcinoma espinocelular labial inferior causado pelo uso de cachimbo

109
REFERÊNCIAS

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110
Capítulo 11 – Câncer de orofaringe

base de língua têm alta incidência de metástase para


ANATOMIA
linfonodo contralateral.

A orofaringe é o segmento da faringe delimitado Figura 11.1 Regiões da orofaringe


anteriormente pela cavidade oral, posteriormente pela
parede posterior da faringe, superiormente pela nasofa-
ringe e inferiormente pela hipofaringe.
O limite anterior com a cavidade oral é delimitado
pelas papilas circunvaladas da base da língua, pela linha
de transição do palato duro com o palato mole, e pelo
pilar amigdalino anterior, sendo que a face anterior deste
já pertence à cavidade oral. A parede lateral da orofaringe
é formada quase totalmente pela tonsila palatina e a fossa
tonsilar. Lateralmente à tonsila temos a musculatura
constrictora da faringe, o espaço parafaríngeo e a mandí-
bula. A artéria carótida interna está lateral e posterior à
tonsila, cerca de 2 cm, o que facilita seu comprome-
timento em tumores desta região. A parede posterior é Há também drenagem para linfonodos retrofaríngeos,
formada pelo músculo constritor da faringe e pela fáscia mas a incidência de metástase nesta cadeia é baixa, em
pré-vertebral (Figura 11.1). torno de 13%, e quando presente geralmente o paciente já
tem outras cadeias acometidas (3 - 6) (Figura 11.2).
Suas regiões são o palato mole, a base da língua, as
tonsilas palatinas (pilar e amígdala) e a parede posterior.
Apresenta um anel linfático chamado anel de Waldeyer, PATOLOGIA
composto pelas tonsilas palatinas e tonsila lingual (1, 2).
A irrigação é dada pelo ramo tonsilar da artéria facial, O carcinoma espinocelular é o tumor mais frequente,
artéria dorsal da língua, e faríngea ascendente, e ramos seguido dos linfomas, devido a abundância de tecidos
palatinos da artéria maxilar interna são o principal supri- linfáticos na região, tumores de origem de glândulas
mento. A inervação é por ramos do nervo glossofaríngeo. salivares menores, e mais raramente sarcomas, melano-
A drenagem linfática é para os linfonodos juguloca- mas e metástases de outros tumores (5, 6) (Figura 11.3).
rotídeos altos e médios e retrofaríngeos. Os tumores de

111
Figura 11.2 Principais cadeias de drenagem dos tumores da para a presença do vírus. Inicialmente propunha-se a
orofaringe imunohistoquímica como uma triagem inicial, seguida
por detecção do HPV com exames mais específicos nos
tumores p16 positivos, mas devido aos custos e já que a
expressão do p16 tem forte relação com a presença do
HPV, este se tornou o padrão da avaliação (11 - 13). Dentre
os subtipos, os mais associados ao carcinoma da
orofaringe são o 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 56, 58, 59
e 68, e, destes, o subtipo 16 é o mais importante (13). A
infecção pelo HPV tem predileção pelos tecidos
linfoepiteliais da amígdala e da base da língua (10).
Os tumores associados à infecção pelo HPV geral-
mente ocorrem em pacientes não fumantes, mais jovens,
raça branca, e estes em geral têm tumores primários
menores, porém com metástase cervical precoce e maior
incidência de bilateralidade. Estas lesões apresentam boa
Figura 11.3 Carcinoma espinocelular: a) Carcinoma espino-
resposta ao tratamento radioterápico e prognóstico me-
celular de parede lateral e posterior de orofaringe; b) Carci-
noma espinocelular de parede posterior de orofaringe; c)
lhor. Entretanto, pacientes com tumores associados ao
Carcinoma espinocelular de amígdala direita com extensão HPV e que também são usuários de álcool e ou tabaco,
para o palato mole e envolvimento da úvula têm uma evolução similar com os pacientes negativos
para HPV (6, 10 - 12).

DIAGNÓSTICO

Clinicamente os sintomas variam dependendo da loca-


lização do tumor. A odinofagia é a queixa mais comum.
Sensação de corpo estranho, disfagia, otalgia, disfonia,
“voz de batata quente” em tumores de base de língua,
halitose, sangramento (hemoptise), trismo, linfonodo-
patia, e emagrecimento também são frequentes (5, 8, 9). O
exame locorregional geralmente nos permite uma boa
visualização dos tumores desta região, porém, em pacien-
tes com tumores de base de língua, pode ser difícil
determinar seu limite posterior. Há dificuldade também
FATORES DE RISCO naqueles pacientes que apresentam reflexo de vômito
intenso e naqueles com trismo. A videolaringoscopia
Assim como nos tumores da boca, a exposição ao rígida é exame bastante útil, principalmente nestes casos,
álcool e ao tabaco sãos os principais fatores de risco para nos proporcionando uma boa visão do tumor e de seus
o desenvolvimento do carcinoma espinocelular. Trauma limites.
dental, higiene oral pobre e sífilis terciária também são O diagnóstico histológico na maioria das vezes pode
considerados fatores, porém de menor importância (6 - 10). ser obtido por biópsia já durante a consulta, com pinça
O HPV é o fator mais importante depois do álcool e saca-bocado após o exame locorregional completo. Em
do tabaco, tanto que o novo estadiamento TNM 8ª edição algumas lesões de base de língua, ou naqueles pacientes
(2018) passou a classificar os pacientes com tumor de já referidos com o de difícil exame, onde não consegui-
orofaringe quanto à presença do p16, uma proteína que mos exposição adequada, pode ser necessária a biópsia
desacelera o ciclo celular inibindo a CDK (Cyclin sob sedação no centro cirúrgico. Este procedimento tem
Dependent Knases) que leva à progressão do ciclo celular a vantagem de além de recolher o material para exame
da fase G1 para fase S. A expressão imunohistoquímica histopatológico, permitir uma boa avaliação da extensão
do p16 tem sido utilizada como marcador substituto para do tumor pela inspeção e principalmente pela palpação da
a presença de HPV, sendo considerado um fator preditivo lesão.

112
O uso de exames de imagem tem papel essencial na Figura 11.5 Tumor de base de língua (setas brancas)
avaliação dos pacientes com tumores de orofaringe. A
TC, primariamente, e a RMN ajudam a avaliar a extensão
do tumor primário bem como a presença de metástase
cervical. Pacientes que apresentam trismo, seja por dor ou
pela infiltração dos músculos pterigoides, têm avaliação
clínica dificultada e então só o exame de imagem pode
estabelecer a real extensão (Figuras 11.4 e 11.5).

Figura 11.4 Tumor de amígdala direita (setas brancas) sem


invasão de músculos pterigoides

A presença de trismo, em geral, significa com-


prometimento de musculatura mastigadora, pterigoide
lateral. Estas lesões são consideradas irressecáveis.

ESTADIAMENTO Estadiamento dos Tumores da Orofaringe AJCC TNM 8ª Edição

O estadiamento dos tumores da orofaringe a partir da 8ª edição, passou a levar em conta se o paciente foi ou não avaliado
o p16.

TX Tumor primário não pode ser avaliado


T0 Sem evidencia de tumor primário
Tis Carcinoma in situ
Pacientes p16 negativos ou não testados
T1 Tumor < 2 cm
T2 Tumor > 2 cm e até 4 cm
T3 Tumor > 4 cm ou extensão para fase lingual da epiglote
T4a Tumor que invade laringe, músculos profundos / extrínsicos da língua, pterigóide medial, palato duro e mandíbula
T4b Tumor que invade espaço músculo pterigóide lateral, lâminas pterigoides, nasofaringe lateral, base do crânio, artéria carótida
Pacientes p16 positivos
T1 Tumor ≤ 2 cm no maior diâmetro
T2 Tumor > 2 cm e até 4 cm
T3 Tumor > 4 cm ou extensão para fase lingual da epiglote
Tumor que invade laringe, músculos profundos / extrínsicos da língua, pterigóide medial, palato duro, mandíbula, músculo
T4
pterigóide lateral, lâmins pterigoides, nasofaringe lateral, base do crânio, artéria carótida
Pacientes p16 negativos ou não testados
Nx Linfonodos não podem ser acessados

113
N0 Sem metástase para linfonodo
N1 1 linfonodo ipsilateral de até 3 cm sem extensão extranodal
N2a 1 linfonodo ipsilateral > 3 cm até 6 cm, sem extensão extranodal
N2b Múltiplos linfonodos de até 6 cm sem extensão extranodal
N2c Metástase bilateral ou contralateral de até 6 cm sem extensão extranodal
N3a Linfonodo maior que 6 cm sem extensão extranodal
N3b Linfonodo único ou múltiplo com extensão extranodal *
Pacientes p16 positivos
Nx Linfonodos não podem ser acessados
N0 Sem metástase para linfonodo
N1 Linfonodos unilaterais menores do que 6 cm no maior diámetro
N2 Linfonodos bilaterais ou contralaterais menores do que 6 cm
N3a Linfonodo maior do que 6 cm no maior diâmetro

de 30º ou 70º, que nos permitem visualização da margem


TRATAMENTO
posterior. Atualmente a cirurgia robótica para tumores da
orofaringe vem ganhando espaço (TORS - transoral
Idealmente o tratamento desses deve ser discutido e robotic surgery), principalmente para tumores de base
decidido por uma equipe multidisciplinar. Tumores língua e parede posterior, pois os braços robóticos
iniciais, portanto, ressecáveis, mas que consideramos a articulados permitem a visualização das margens e
cirurgia mutilante ou de de difícil reabilitação, optamos dissecção do tumor. A cirurgia robótica permite,
pela RT, associada ou não à QT. Lesões iniciais, T1 e T2, inclusive, a dissecção de linfonodos retrofaríngeos (14).
podem ser tratadas com RT exclusiva ou cirurgia. Lesões
Entre os fatores prognósticos do câncer de orofaringe, o
bem delimitadas no palato mole e parede lateral, podem
comprometimento da margem cirúrgica é um dos mais
ser ressecadas por via transoral com eletrocautério ou
importantes (15). Lesões maiores da base da língua que não
com laser de CO2. Lesões da base da língua também
envolvem a mandíbula, podem ser acessadas por
podem ser acessadas por esta via mas são dependentes de
mandibulotomia lateral (Figura 11.6) ou paramediana. A
condições anatômicas como capacidade de abertura da
ressecção por esse acesso permite uma boa visualização
boca e presença de dentes. Podemos, nesses casos, lançar
das margens, tanto posterior quanto profunda.
mão da assistência do equipamento de vídeo, com óticas

Figura 11.6 Ressecção de tumor de base de língua com acesso por mandibulotomia lateral: a) Seta azul indicando o tumor. Seta preta
indicando a margem anterior; b) Remanescente da base da língua; c) Retalho miocutâneo de peitoral maior sendo levantado com seu
pedículo identificado (seta amarela); d) Retalho sendo suturado ao defeito; e) Fixação da mandíbula com miniplacas, sistema 2.0. f) peça
cirúrgica

114
Entretanto lesões que se aproximam da mandíbula, a total (Figura 11.8) pois a língua oral remanescente perde
mandibulectomia seccional (Figura 11.7) além de permi- seu suprimento arterial podendo necrosar.
tir maior acesso, trazendo segurança para estabelecer as
Tumores maiores (T3 e T4a) de parede lateral da
margens cirúrgicas, facilita o fechamento do defeito.
orofaringe são melhor abordados pela chamada operação
tipo retromolar, onde o tumor primário é ressecado por
Figura 11.7 Manuseio da mandíbula em relação ao mandibulectomia seccional associada ao esvaziamento
comprometimento tumoral cervical, ou com a bucofaringectomia, quando não se
associa o esvaziamento cervical. Assim como para os
tumores de base de língua, a retirada de uma secção
lateral da mandíbula facilita a exposição do tumor,
trazendo segurança em relação às margens cirúrgicas,
facilita o fechamento podendo às vezes evitar o uso de
retalhos, diminui o trismo pós-operatório e esteticamente
fica bastante aceitável. Funcionalmente leva a uma
dificuldade para a mastigação, o que pode ser melhorado
com fisioterapia ou com uso de prótese com guia sagital
(Figura 11.9).
No palato mole, é comum encontrarmos lesões pouco
infiltrativas e de limites imprecisos, com áreas periféricas
de leucoplasias e eritroplasias. Estas lesões apresentam
ótima resposta à RT. Lesões que requeiram a ressecção
de todo o palato mole são mutilantes, e estes pacientes
dificilmente conseguem reabilitar a deglutição, sendo
Tumores de base de língua que comprometem as duas
optado pelo tratamento radioterápico associado ou não à
artérias linguais levam consequentemente à glossectomia
QT.

Figura 11.8 Paciente submetido a glossectomia total associado a mandibulectomia e esvaziamento cervical e reconstrução com retalho
miocutâneo peitoral maior

Figura 11.9 Reconstrução tomográfica em 3D de paciente Tumores com envolvimento dos músculos pteri-
submetido a mandibulectomia seccional goides, particularmente quando associado com trismo ou
envolvimento da fossa pterigopalatina com neuropatia
cranial, tumores com extensão grosseira para a base do
crânio, por exemplo, erosão dos processos pterigóides, ou
do osso esfenóide, tumores com extensão direta para a
parte superior da nasofaringe, para a tuba de Eustáquio e
parede óssea lateral, tumores que envolvem a artéria
carótida, são considerados irressecáveis cirurgicamente.
A incidência de metástases cervicais nos carcinomas
da orofaringe é alta, principalmente nas lesões de base da

115
língua e de parede lateral (amígdala) (16, 17), sendo assim cervical completo de necessidade. Os carcinomas da base
indicado o esvaziamento cervical de princípio, suprao- da língua apresentam também alta incidência de metás-
mohioide. Na presença de metástase cervical até 3 cm tase contralateral e nesses casos há recomendação para o
(N1) também podemos realizar o esvaziamento parcial, e esvaziamento cervical bilateral de princípio (Tabela
nos pescoços N2 ou maiores indicamos o esvaziamento 11.1).

Tabela 11.1 Incidência de metástases cervicais por sítio primário segundo Lindberg, 1972

% de metástase % de metástase
Sítio Linfonodos Sítio Linfonodos
cervical cervical
Língua Oral 105/302 35% Loja amigdalina 106/140 76%
Base de língua 144//185 78% Paredes de orofaringe 88/149 59%
Soalho de boca 179/258 30,5% Supraglote 147/267 55%
Palato mole 35/80 44% Hipofaringe 202/267 75%
Área retromolar e
102/227 45% Nasofaringetio 147/169 87%
pilar anterior
Fonte: Lindberg, 1972.

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116
Capítulo 12 – Câncer de hipofaringe

cartilagem cricoide, posteriormente à ela. Seio piriforme


INTRODUÇÃO
(tem o formato de uma pirâmide invertida) e é continuado
inferiormente pelo esôfago cervical. A parede medial do
A hipofaringe localiza-se posteriormente à laringe e é seio piriforme é a prega ariepiglótica e a parede lateral da
a parte mais inferior do tubo faríngeo. É importatante laringe, e a parede lateral do seio piriforme é coberta pela
devido às suas relações íntimas com a laringe, sendo o asa lateral da cartilagem tireoide. A parede posterior da
processo de deglutição muito complexo, controlado faringe é delimitada por um plano que passa pelo nível do
pelos nervos glossofaríngeo, vago e hipoglosso. Anato- osso hioide e valéculas até ao nível das articulações
micamente se estende superiormente por uma linha que cricoaritenóideas, e tem uma relação direta com o espaço
passa pelo osso hioide e inferiormente por uma linha que retrofaríngeo e fáscia pré-vertebral (Figura 12.2).
passa pela borda inferior da cartilagem cricoide (prega de
Bets que corresponde ao esfíncter esofageano superior)
(Figura 12.1). A hipofaringe é composta pelos seios EPIDEMIOLOGIA
piriformes, parede posterior e área pós cricoide.
A incidência do câncer de hipofaringe é variável
Figura 12.1 Visão lateral da hipofaringe com suas relações correspondendo de 5 a 10% das neoplasias de vias aero-
com a laringe, esôfago cervical, orofaringe e coluna cervical digestivas superiores e a 0,5% de todos os cânceres do
organismo. De uma maneira geral tem um pior prognós-
tico do que os outros tumores, perdendo apenas, em termo
de agressividade, para o carcinoma anaplásico da tireoide.
Acometem indivíduos entre a sexta e sétima década de
vida na proporção de 2 homens para 1 mulher. A maioria
absoluta é o CCE (98%) com raros casos de tumores de
glândula salivar ou sarcoma. Cerca de 85% das vezes o
seio piriforme é o local preferido, seguido pela parede
posterior em 10% e em 5% pela área pós cricóide. Na
Suécia essa proporção se inverte, sendo que a área pós
cricóidea é o sítio preferido em até 70%, na maioria das
vezes são mulheres de 30 a 50 anos e portadoras da
A área pós-cricoide (junção faringoesofageana) é a Síndrome de Plummer-Vinson. Nos EUA compromete 1
porção de mucosa que se estende das cartilagens arite- caso por 100.000 habitantes (1, 2, 3) (Figura 12.3).
nóides e suas dobras conectivas à borda inferior da

117
Figura 12.2 Acima uma videolaringoscopia com os sítios carótida Por vezes é difícil de diferenciar de uma metás-
anatômicos da hipofaringe, e abaixo um desenho com uma tase cervical devido à infiltração da fáscia pré vertebral, e
visão posterior da hipofaringe e estruturas vizinhas não é incomum a coalescência da metástase cervical com
o tumor primário, Figura 12.4.

Figura 12.4 Extensa lesão ulcero infiltrativa de parede lateral


de hipofaringe esquerda estendendo para seio piriforme e área
pós cricoide (traço arqueado preto), com franco comprome-
timento de muro ariepiglótico. A laringe já se mostrava parali-
sada ao exame. Percebemos um extenso crescimento submuco-
so tumoral, nota-se que na área circulada está a ulceração
tumoral

Figura 12.3 Incidência de câncer de hipofaringe por sítio

Disseminam principalmente para a cadeia linfática


nível IIA e III. Os seios piriformes têm importantes redes
de drenagem para as cadeias recorrenciais e a parede
posterior da hipofaringe, drenando também para os
linfonodos retrofaríngeos (5). Cerca de 75% dos pacientes
têm metástases cervicais à época do diagnóstico com 10%
de bilateralidade. Os tumores de área pós cricoide e de
ETIOLOGIA, DIAGNÓSTICO E EXAMES parede posterior podem drenar para linfonodos
COMPLEMENTARES retrofaringeanos.
As principais queixas relacionadas à esse tipo de
Como em outros sítios das vias aerodigestivas tumor são a dor na garganta, disfagia e a otalgia, além é
superiores, o uso do tabaco e do álcool fazem parte dos claro, da história epidemiológica de tabagismo e etilismo
fatores etiológicos do câncer da hipofaringe. O uso pesados. Nas lesões mais avançadas temos a rouquidão
excessivo do álcool mais as deficiências nutricionais que devido à invasão laríngea. Dor na garganta associado a
o acompanham têm importante papel na gênese destes disfagia, otalgia e rouquidão em pacientes com os fatores
tumores. A deficiência de ferro em mulheres nórdicas de risco, demandam uma investigação cuidadosa, tudo
(síndrome de Plummer-Vinson), mesmo não tabagistas, é isso associado a perda de peso. Sialorréia com rajas de
um importante fator etilógico. O reconhecimento precoce sangue pode ocorrer devido à dificuldade de engolir a
desta deficiência bem como reposição de ferro e vitamina saliva. A característica do câncer de seio piriforme, no
B podem reverter esse processo (3). A principal caracterís- que diz respeito ao seu comportamento, é o fato dele ser
tica comportamental deste tumor é que tem um insidioso. Boa parte dos pacientes, quando procuram
crescimento insidioso, particularmente no seio piriforme, ajuda médica, já estão com doença avançada, seja no
com crescimento submucoso da lesão (4), ou seja, na pescoço ou na faringe. Esse comportamento faz com que
mucosa a lesão não se mostra tão grande, ao passo que o paciente procure o médico mais tardiamente, quando já
sua extensão no pescoço está bem maior, por vezes com está debilitado nutricionalmente ou com doença loco-
comprometimento da musculatura cervical lateral e regional avançada.

118
A laringoscopia indireta ajuda no diagnóstico inicial alimentação bem como obter o controle tumoral. Tam-
do tumor, pois é quando realizamos a biópsia e temos um bém não é diferente o objetivo da restauração do trânsito
contato com o tumor, podendo avaliar a sua extensão e naquelas doenças circunferenciais da faringe. Obviamen-
planejar a ressecção. Para aquelas lesões localizadas na te a vontade do paciente deve prevalecer bem como seu
área pós cricoide há a dificuldade de visualização adequa- status performance, e se o mesmo se recusar à operação
da, mas pode-se notar edema e a perda da crepitação da proposta o tratamento de RT e QT concomitantes deve ser
laringe. Nas lesões de seio piriforme com invasão da iniciado.
laringe há a paralisia da mesma. A videolaringoscopia
também é uma ótima ferramenta para avaliação adequada Figura 12.5 Tomografia computadorizada evidenciando tumor
de forma panorâmica e visão magnificada pelo monitor em seio piriforme direito (seta branca à esquerda), metástase
(Figura 12.4). O diagnóstico é feito através da biópsia, em nível II bilateralmente (sendo à direita com cerca de 7 cm,
seja ela por nasofibrolaringoscopia com canal de trabalho setas amarelas), sem invasão das carótidas e metástase em
(lugar para se passar a pinça de biópsia) ou de preferência espaço parafaríngeo direito (súpero lateralmente à amígdala
pela laringoscopia direta. Esta última nos fornece mais direita - seta branca no corte à direita) cT3N3M0
dados à respeito da extensão tumoral na faringe e nos
ajuda em um eventual planejamento cirúrgico. O maior
interesse na laringoscopia direta é, além da biópsia,
avaliar se existe extensão para esôfago ou se a lesão é
circunferencial. Estes dados são necessários para o
planejamento da reconstrução do trânsito digestivo após
ressecção. Nos tumores do seio piriforme pode haver
crescimento tumoral através da cartilagem tireoide e
consequente invasão do pólo superior do lobo tireoidiano.
Portanto, é mandatório a lobectomia tireoidiana
ipisilateral à lesão, bem como o esvaziamento da cadeia
recorrencial (6).
Para as lesões de estadiamento precoce tipo T1 e T2 o
Ainda com relação ao diagnóstico e estadiamento são tratamento de RT mais QT (11 - 14) pode ser pensado, no
empregadas a TC (Figura 12.5) e RMN. A TC é um intuiuto de preservação da laringe. Nas lesões mais
ótimo exame para avaliar a espessura tumoral e o avançadas deve ser feita a faringolaringectomia total com
comprometimento de estruturas contíguas, como a esvaziamento cervical e complementação terapêutica de
laringe, bem como a presença de metástases cervicais. Já RT mais a QT no pós-operatório (15 - 18) (adjuvância).
a RMN ajuda a avaliar comprometimento de partes Como citado anteriormente é necessário a restauração do
moles, o que é edema e infiltração tumoral. trânsito alimentar para que o paciente retorne sua alimen-
Pouquíssimos pacientes portadores de câncer de tação por via oral. Para a reconstrução do trânsito, exis-
hipofaringe se beneficiarão com procedimentos cirúrgi- tem várias possibilidades como fechamento primário da
cos conservadores sobre a laringe devido aos riscos de mucosa da faringe (se o remanescente mucoso for sufi-
recidiva e de aspiração (por disfuncionalidade da laringe ciente), reconstrução do trânsito com retalho mio cutâneo
pós-RT). Porém, há a possibilidade de se realizar uma de peitoral (19), faringocolonplastia, “Gastric pull up” (20,
21)
faringectomia parcial com reconstrução microcirúrgica (7 (nestas duas últimas possibilidades faz-se a anastomo-
- 10)
para casos selecionados de lesões de parede lateral de se seja do cólon ou estômago na base lingual) e as
seio piriforme. Para aqueles pacientes com doença mais microcirurgias (22, 23). Estes procedimentos microcirúrgi-
avançada (T3 e T4), com comprometimento de laringe, a cos podem ser com segmento livre de alça de jejuno ou
faringolaringectomia se faz necessária. O principal obje- mesmo um retalho livre fáscio cutâneo (7) (tipo retalho
tivo nesse caso é a restauração da continuidade da via de Chinês).

119
Estadiamento dos tumores, segundo à AJCC TNM 8ª Edição
ESTADIAMENTO para Tumores da Hipofaringe

Tamanho
Tx Tumor primário não pode ser avaliado.
Tis Carcinoma in situ.
T1 O tumor cresce numa região da hipofaringe e tem 2 cm de diâmetro ou menos.

T2 a) O tumor cresce em duas ou mais regiões da hipofaringe.

É aplicada a uma ou mais das seguintes b) O tumor cresce em mais de uma região em uma área próxima.
características: c) O tumor de 2 a 4 cm de diâmetro sem fixação da laringe.
a) O tumor é maior que 4 cm de diâmetro.
T3
b) fixação das pregas vocais
É aplicado a um ou mais dos seguintes:
c) extensão esofageana ou fixação da laringe
a) O tumor tem extensão para a cricoide ou cartilagem tireoide, osso hioide, tireoide ou musculatura
T4 de laringe, musculo esofageano.
b) O tumor tem extensão paravertebral, envolve a carótida ou extensão para a cavidade torácica.
Tx Tumor primário não pode ser avaliado.
Tis Carcinoma in situ.
Linfonodos
Nx Incapaz de avaliar os linfonodos.
N0 Sem linfonodos metastáticos.
N1 Comprometimento de 1 linfonodo até 3 cm de diâmetro.
a) Comprometimento de 1 linfonodo de 3 até 6 cm diámetro.
b) Comprometimento de mais de um linfonodo ipsilateral sendo nenhum maior que 6 cm diâmetro.
N2
c) Comprometimento de linfonodos bilateralmente ou contralaterais à lesão sendo nenhum maior
que 6 cm.

N3 comprometimento de 1 linfonodo a) Sem extravasamento extracapsular.


maior que 6 cm b) Com extravasamento extracapsular.
Metástase à distância
M0 Não há metástases à distancia
M1 O câncer se disseminou para locais distantes.

Fonte: AJCC Cancer Staging Manual, Eighth Edition, by Springer, 2017.

TRATAMENTO será formada com a pele do retalho peitoral maior, e a


restauração do trânsito se fará de maneira mais fácil.
No caso de encontrarmos um câncer de características
No nosso meio, realizamos a reconstrução de acordo
circunferenciais, em que toda mucosa faringeana necessi-
com quais estruturas o tumor está comprometendo. Se
ta ser ressecada, optamos por reconstruir o trânsito com o
optarmos por uma faringolaringectomia total e julgarmos
estômago ou o colon (22) (Figura 12.7). Neste caso, não
que há parede de faringe suficiente para refazer o trânsito,
optamos pelo retalho mio cutâneo do peitoral porque
essa será a opção, ou seja, fechamento primário da
achamos que sua anastomose com o esôfago acotovela-se
faringe. No caso do tumor estar comprometendo quase
(pelo próprio peso do retalho), podendo haver estenoses
toda parede faríngea, mas há a possibilidade de deixar
e disfagia.
uma ‘fita’ de mucosa faringeana, mesmo que bem fina,
optamos por reconstrução com retalho mio cutâneo de Obviamente no tratamento cirúrgico deve ter o esvazi-
peitoral (Figura 12.6) (19). Assim pensamos porque a amento cervical, seja ele de necessidade (em caso da pre-
mucosa serve de ‘guia’ para a nova parede de faringe que sença de metástases) ou de princípio, em caso do pescoço

120
ser negativo para presença de metástases à época da essa técnica de reconstrução com o estômago, mais
cirurgia (25, 6, 5, 26). Procedemos sempre com a lobectomia interessante que o retalho mio cutâneo de peitoral maior,
tireoidiana ipsilateral à lesão bem como o esvaziamento devido aos riscos de estenose na anastomose com esôfago
da cadeia recorrencial e mediastinal anterior superior (27) e colabamento do retalho como citado anteriormente. Já
(nível VI). Devido à gravidade deste tumor a comple- usamos o cólon sendo transposto por via retroesternal
mentação pós-operatória com RT e QT adjuvante se para a reconstrução do trânsito, porém, devido a algumas
fazem necessárias, com melhora global da sobrevida. particularidades (deve alcançar uma extensão até à base
da língua) ele deve subir em anisoperistalse, que causa
Figura 12.6 Na primeira muita disfagia.
imagem observa-se um cân-
cer avançado de seio pirifor- Figura 12.7 Paciente
me com extenso crescimen- com câncer circunferen-
to submucoso e abaixo a re- cial de hipofaringe em
construção do trânsito, com área pós cricoide e exten-
retalho miocutâneo de pei- são para esôfago cervical.
toral. Note a sonda já po- Submetida a faringo-
sicionada e a mucosa servi- laringo-esofagectomia to-
do de ‘guia’ para o trânsito tal com “gastric pull up”
faringeano

Para as lesões tumorais da parede posterior de


estadiamento precoce como T1 e T2 optamos pelo
tratamento de RT e QT (7, 28, 29) na tentativa de controle da
doença, com boas respostas (30). Aqueles tumores mais
avançados como T3 e T4 avaliamos a ressecabilidade
cirúrgica de acordo com o status performance do paciente
Na Figura 12.8, podemos ver um per operatório de
e de sua aceitação ao procedimento (31 - 33). Se houver boa
uma faringolaringectomia total com esvaziamento cervi-
tolerabilidade e um bom status performance, adotamos a
cal de câncer do seio piriforme esquerdo. Repare que
faringolaringectomia total com esvaziamento cervical e
houve mucosa faríngea o suficiente para fechamento e
reconstrução do trânsito com “gastric pull up”. Achamos
reconstrução primária do transito alimentar.

Figura 12.8 Nota-se a epiglote na seta amarela. Na seta azul vemos


a carótida após o esvazia-mento. Na seta preta ainda vemos o lobo
tireoidiano que posteriormente foi removido juntamente com a
linfadenectomia do nível VI. Ao lado a peça cirúrgica já ressecada

REFERÊNCIAS

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122
Capítulo 13 – Câncer de nasofaringe

ANATOMIA As estruturas da nasofaringe são:


1 - Óstio da tuba de Eustáquio.
A nasofaringe é uma cavidade com formato cuboide 2 - Tórus tubário - cartilagem em forma de anzol ao qual o
localizada atrás da fossa nasal (Figura 13.1). Anterior- músculo tensor do véu palatino está inserido.
mente é limitada pelas coanas e margem posterior do 3 - Fossa faríngea ou fosseta de Rosenmüller.
4 - Bursa faríngea.
septo nasal. O teto é formado pelo corpo do osso
esfenoide. O limite inferior se abre para a orofaringe no A adenoide está localizada no teto da nasofaringe e
nível da prega de Passavan, na borda livre do palato mole. tende a se atrofiar após a puberdade, no entanto, o tecido
As paredes laterais são formadas pelos orifícios da tuba linfoide submucoso pode ainda ser evidente mesmo em
de Eustáquio no nível mais superior e músculo constritor idosos. A adenoide forma com as tonsilas faríngeas e
superior no nível mais inferior (1 - 3). linguais, o anel de Waldeyer.
A nasofaringe tem uma rica rede linfática submucosa,
Figura 13.1 Representação da nasofaringe que é evidenciada pela alta incidência de metástases dos
tumores desta região. As principais cadeias de drenagem
são os linfonodos retrofaríngeos (de Gillette e de Rouviè-
re), linfonodos juncionais, linfonodo jugulo-digástrico
(de Küttner), linfonodos espinais altos e jugulares (3 - 5). A
inervação é pelo glossofaríngeo e ramos do maxilar.

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA

O câncer de nasofaringe é raro em quase todo o


mundo, mas sua incidência é aumentada na China, África,
Alasca e em esquimós da Groenlândia. Mais de 70 % dos
casos novos ocorrem no sudeste asiático (6).
São fatores de risco: raça, dieta, meio ambiente e
Junto da base do crânio, a parede muscular, constritor
infecção pelo vírus de Epstein-Barr. Chineses, principal-
superior, é incompleta no ponto onde a tuba de Eustáquio
mente da região sul da China, têm maior incidência de
penetra a faringe. Este ponto é uma fraqueza por onde os
tumores de nasofaringe. Nesta região é comum o consu-
tumores propagam para a parte lateral da base do crânio.

123
mo de peixe salgado, bem como uso de incensos, ambos e predominantemente associados ao vírus de Epstein-Barr
(6)
contêm nitrosaminas. Chineses desta região que se (Quadro 13.1).
mudam para outras regiões e mudam os hábitos, têm uma
Outros tipos histológicos: linfomas, sarcomas, tumo-
redução da incidência do tumor de nasofaringe, mas não
res de glândulas salivares menores, principalmente o
chega a ser igual a de outras populações (3, 7, 8).
adenoma pleomórfico e o carcinoma adenoide cístico.
Existe uma forte associação do câncer da nasofaringe
com o vírus de Epstein-Barr. Anticorpos para esse vírus
DIAGNÓSTICO
estão aumentados em 71% dos pacientes com câncer de
nasofaringe.
Em relação ao sexo, é mais frequente no sexo mascu- Devido à localização anatômica da nasofaringe os
lino, numa proporção 3:1, e quanto à idade, existe um sintomas podem ser:
pico por volta da 3ª década, sendo que 20% dos pacientes - Nasais (Sangramento, principalmente com a
estão abaixo dos 30 anos, e outro pico na 6ª década (3, 7, 8). secreção e Obstrução nasal);
- Cervicais: linfonodopatia. É comum a primeira
PATOLOGIA queixa ser linfonodopatia cervical, geralmente indolor e
com crescimento progressivo;
- Neurológicos: 25% dos pacientes terão compro-
Os carcinomas são os tumores mais frequentes. Como metimento neurológico:
o epitélio da nasofaringe varia de escamoso estratificado
Ramo maxilar do trigêmeo: cefaleia temporal, dor
a colunar ciliado e inclui variações entre ambos, é comum
facial, hiperestesia da face;
a heterogeneidade dos carcinomas (3, 7). A OMS classifica
os carcinomas em 3 subtipos: escamosos queratinizantes, VI par (nervo abducente) paralisia do músculo reto
não-queratinizantes e escamoso basaloide. medial (estrabismo convergente);

Os não-queratinizantes podem ser dividos em diferen- Outros pares frequentemente envolvidos: IX, X e XII
ciados e indiferenciados. Os queratinizantes são menos de (Quadro 13.2).
20% dos casos e relativamente raros em áreas endêmicas - Otológicos: otalgia tanto pelo tumor primário ou por
como a China. Os não queratinizantes são os mais metástase para linfonodos retrofaríngeos.
comuns e em áreas endêmicas são mais de 90% dos casos

Quadro 13.1 Classificação da WHO (World Health Organization) 2005.

25% dos tumores.


Bem diferenciados.
Geralmente acima dos 40 anos de idade.
Carcinomas de células escamosas Moderadamente
Associação com uso de tabaco e álcool.
queratinizantes diferenciados.
Sorologia para Epstein-Barr baixa.
Pouco diferenciados.
Menos radiossensível.
12% dos carcinomas da nasofaringe.
Tem crescimento similar ao carcinoma de céls. transicionais
Diferenciados da bexiga.
Metástases císticas para o pescoço.
Em associação com o vírus Epstein-Barr.
Carcinomas não queratinizantes Mais comum no sudeste da Ásia.
60% dos carcinomas da nasofaringe.
É o mais comum na população pediátrica.
Indiferenciados
Associado ao vírus Epstein-Barr.
Alta incidência de metástase cervical e a distância.
Radiossensíveis.
Carcinomas de células escamosas Variante de alto grau do carcinoma de células escamosas.
basaloides Mais raro.

124
Quadro 13.2 Síndromes de nervos cranianos relacionadas com tumores de nasofaringe

Tríade de Gradengio (1904) V e VI + petrosite


Foix (1920) Síndrome da parede externa do seio cavernoso. III, IV, V e VI
Tríade de Jacod (1914) Síndrome petroesfenoidal. II, III, IV, V e VI
Síndrome de Avellis (1891) X
Síndrome de Schmidt (1892) X e XI
Síndrome de Hughlings Jackson (1864) X, XI e XII
Síndrome de Vernet (1916) Síndrome do forame jugular. IX, X e XI
Síndrome de Collet-Sicard (1915) Síndrome do forame jugular e forma condilar posterior. IX, X, XI e XII
Síndrome de Villaret (1916) Síndrome do espaço retroparotídeo. IX, X, XI, XII e nervo simpático
Síndrome de Tapia (1906) Hemiparalisia da laringe e da língua. X e XII
Tríade de Trotter (1911) Neuralgia temporofacial, paralisia de palato e surdez. VeX

Garcin (1927) Paralisia unilateral de todos os nervos cranianos. I ao XII

Fonte: Thawley et al., 1999

EXAME CLÍNICO os seios paranasais e base do crânio, bem como a presença


de linfonodos metastáticos. A TC é melhor para avaliar
Rinoscopia anterior: algumas lesões maiores podem se acometimento ósseo como invasão do seio esfenoide,
projetar na fossa nasal onde podem também ser biopsia- fossa craniana média, clivus e placas pterigoides.
das.
Rinoscopia posterior: se necessário podemos fazer a RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NUCLEAR
retração do palato com uma sonda. (RMN)

Oroscopia: algumas lesões maiores e vegetantes podem


É o exame de escolha para avaliar extensão tumoral
se projetar na orofaringe. Podemos avaliar mobilidade do
por permitir uma melhor definição de envolvimento de
palato.
partes moles, capacidade de mostrar mais planos e de
Palpação cervical: avaliamos a presença de linfono- distinguir tumor de secreções e tecidos inflamatórios.
dopatia Também é melhor para avaliar pequenos acometimentos
Fibronasoscopia flexível: é um dos principais exames na da dura mater (7).
suspeita de tumores da nasofaringe. Além da visão direta
da lesão, permite a biópsia da mesma. Às vezes estes TRATAMENTO
pacientes necessitam ser submetidos a exame sob sedação
no centro cirúrgico para conseguirmos realizar a biópsia.
A primeira escolha para o tratamento dos tumores da
nasofaringe é a RT associada à QT. Devido à localização
EXAME DE IMAGEM
da nasofaringe, a abordagem cirúrgica do câncer desta
região é complexa. Estes tumores tendem a ter acome-
São essenciais no diagnóstico e estadiamento dos
timento precoce de estruturas ósseas e de pares cranianos,
tumores da nasofaringe, principalmente pela precoce
o que dificulta ainda mais o tratamento cirúrgico. Em
infiltração de estruturas adjacentes e pela dificuldade do
contrapartida, estes tumores apresentam uma boa respos-
exame direto dessa região anatômica.
ta ao tratamento radioterápico, principalmente com asso-
ciação com a QT. Entre 18 a 34% dos pacientes apresen-
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (TC) tam metástase à distância, sendo que 50% destes com
linfonodopatia N2 e N3 (3, 9, 10, 12).
Oferece uma boa avaliação da extensão do tumor
A cirurgia pode ser indicada em casos selecionados
primário e possível extensão para regiões vizinhas como
para resgate em tumores recidivados pequenos, através de

125
acessos combinados com a neurocirurgia, porém apresen- tratamento radio e quimioterápico, portanto, o esvazia-
ta alta morbidade e controle local pequeno (10, 13). Lesões mento cervical está indicado na presença de metástase
pequenas e superficiais podem ser abordadas endoscopi- cervical residual. Naqueles pacientes que apresentavam
camente (8). metástase cervical antes do tratamento e que apresen-
Diferente de outros sítios, a metástase cervical dos taram resposta ao tratamento, há dúvida quanto a
carcinomas de nasofaringe responde muito bem ao necessidade do esvaziamento cervical num segundo
tempo (12, 14).

Estadiamento dos tumores, segundo à International Union Against


ESTADIAMENTO
Cancer (UICC, 2018) para Tumores da Nasofaringe

Tamanho do tumor

T1 Tumor confinado à nasofaringe ou se estende para orofaringe e ou cavidade nasal sem envolver espaço parafaríngeo.

T2 Tumor com extensão para espaço parafaríngeo e ou infiltração do pterigoide medial, pterigoide lateral ou músculos pré-vertebrais.

T3 Tumor invade estruturas ósseas da base do crânio, vértebra cervical, estruturas pterigoides e ou seio paranasal.

Tumor com extensão intracranial e ou envolvimento de nervos cranianos, hipofaringe, órbita, glândula parótida e ou infiltração além
T4
da superfície lateral do músculo pterigoide.

Metástase à distância

NX Linfonodos não podem ser avaliados.

N0 Sem metástase em linfonodos.

N1 Linfonodo cervical unilateral e ou linfonodos retrofaríngeos uni ou bilaterais, menores ou iguais a 6cm.

N2 Linfonodos cervicais bilaterais, menores ou iguais a 6 cm, acima da borda inferior da cartilagem cricoide.

N3 Linfonodos cervicais maiores que 6 cm e ou extensão além da borda inferior da cartilagem cricoide.

REFERÊNCIAS

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2 Netter FH. Atlas de Anatomia Humana, 4ª Edição. Elsevier, Rio de Janeiro.
3 Thawley SE, Panje WR, Batsakis JG, Lindberg RD. Comprehensive Management of Head and Neck Tumors, W. B. Saunders 1999.
4 Rouvière H, Compendio de Anatomia y Disseccion - 3ª Ed. Masson, 1976
5 Compendio de Anatomia Descriptiva - Testut e Latarjet
6 Chen YP, Chan ATC, Le QT, Blanchard P, Sun Y, MA J. Nasopharyngeal carcinoma. Lancet. 2019;6:64-80.
7 Barnes L, Eveson JW, Reichart P, Sidransky D. Pathology and Genetics of Head and Neck Tumours. Kleihues P, Sobin LH, World Health Organization
Classification of Tumours. Lyon, France: IARC Press, 2005.
8 Lee AW, Foo W, Mang O, et al. Changing epidemiology of nasopharyngeal carcinoma in Hong Kong over a 20-year period (1980–1999): an encouraging
reduction in both incidence and mortality. Int J Cancer. 2003;103(5):680–685.
9 Carvalho MB. Tratado de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia. 1ª Ed. Atheneu. 2001.
10 Shah JP, Patel SG, Singh B: Head and Neck Surgery and Oncology, Elsevier, 2020, Fifth Edition, Philadelphia.
11 Million, RR and Cassisi, NJ. Management of Head and Neck Cancer, 2ª edição, J.B. Lippincott Company Philadelphia.
12 Myers, EN e Sen, JY. Cancer of Head and Neck - 3ª edição, W.B Saunders. 1996
13 Parise O, Kowalski LP, Lehn C. Câncer de Cabeça e Pescoço. Diagnóstico e Tratamento. 1ª Edição, Âmbito Editores, 2008.
14 Harrison LB, Sessions RB, Kies MS. Head and Neck Cancer. A multidisciplinary Approach. 4ª Edição, Lippincott Willians & Willians. 2014.

126
Capítulo 14 – Tumores de fossa nasal e seios paranasais

INTRODUÇÃO endoderma. Além disso, o teto da cavidade nasal é reves-


tido por um epitélio neuro-olfatório que pode dar origem
a tumores neuroendócrinos e ao neuroblastoma olfatório.
Extremamente raros, os tumores de fossa nasal Por isso, e outras particularidades, há uma grande varie-
correspondem a aproximadamente 10% de todas as dade de tumores que podem surgir no trato sinonasal, com
neoplasias malignas na região da cabeça e pescoço (1), comportamentos diversos e prognósticos variados (2).
sendo a fossa nasal o principal sítio primário no trato
O tabagismo permanece como principal fato etiopato-
sinonasal, seguido pelos seios maxilar e etmoide. Mais de
gênico, seguido pela pré-existência do papiloma inverti-
80 % desses tumores são de origem epitelial (dentre as
do, exposição laboral ao pó de madeira, níquel e alguns
neoplasias malignas mais comuns estão o carcinoma
produtos químicos usados no processamento do couro.
escamo celular e os tumores de glândula salivar menor) e
Também é descrita a relação do HPV em cerca de 25%
cerca de 25% deles são benignos (Figura 14.1).
dos pacientes com neoplasia da região, principalmente
aquelas não queratinizantes (1).
Figura 14.1 Fibroma ossificante de grande tamanho, em soalho
de seio maxilar, acometendo palato duro
SINAIS E SINTOMAS

Por se tratar de espaços potenciais repletos de ar, os


tumores da fossa nasal e seios paranasais possuem apre-
sentação silenciosa. Portanto, são eventualmente identifi-
cados durantes exames de imagem não direcionados
(achados incidentais) ou em casos muito avançados
quando tornam-se sintomáticos. Os sintomáticos ocorrem
após um longo período de evolução e crescimento, como
resultado de invasão a tecidos locais adjacentes (Figura
14.2), podendo apresentar-se como obstrução, epistaxe
ou sinais e sintomas de sinusite, como dor em face e
congestão. Neste caso, a ausência da resposta ao trata-
O revestimento mucoso do nariz (membrana mento instituído ou em casos de pacientes mais idosos
schneideriana) deriva do ectoderma, diferentemente de e/ou com sintomas unilaterais, deve-se levantar a suspeita
toda a via aérea superior cuja mucosa deriva do para uma nova hipótese diagnóstica (1).

127
Figura 14.2 Tumor sinonasal avançado apresentando-se como avançados, onde se faz necessário o seguimento das
abaulamento e desvio importante da face recidivas pós tratamento ou metástases cervicais e a
distância durante o planejamento pré-operatório.

Figura 14.3 RNM e TC não contrastada, respectivamente, dos


seios da face, mostrando extensa lesão em fossa nasal com
invasão da fossa craniana anterior e seios frontal, maxilar,
etmoide, cavidade orbitária e fossa craniana anterior

Aparecimento de massa tumoral (abaulamento da


face), dentes frouxos, anestesia da pele (principalmente
queixo e lábio superior), diplopia e proptose também
devem levar a suspeição da doença. Trismo, anosmia e
paralisia de alguns pares cranianos (III, IV, VI) podem ser
sinais de doença mais avançada com disseminação local A biópsia é mandatória em todos os casos, devendo
por extensão direta. Além disso, o câncer dos seios ser bem planejada a fim de não violar os planos de
paranasais pode invadir estruturas vizinhas através de ressecção cirúrgica futura. A via de acesso pode variar
fissuras e forames. A disseminação ao longo dos feixes conforme a localização anatômica do tumor sendo as
neurais também é um achado comum e os principais sítios mais comuns: transnasal (rinoscopia) e Caldwell-Luc.
de metástase linfática acometidos, os linfonodos retrofa-
ringeos e os jugulares internos superiores (2).
SUBTIPOS
Metastases linfonodais são achados raros entre os
tumores dos seios paranasais.
1. NEOPLASIAS BENIGNAS
1.1. Papilomas Schneiderianos ou Papilomas Sinona-
PROPEDEUTICA sais
São os tumores benignos mais comuns desta região,
As neoplasias intranasais são bem avaliadas pelas com origem do tecido colunar ciliado bem diferenciado
rinoscopias (rígidas e flexíveis). Além disso, endoscopias ou do epitélio respiratório, com diversos graus de
nasais são de grande auxílio para realização de biópsias diferenciação escamosa. Podem ser classificados em três
dirigidas e elucidação diagnóstica. Contudo, os tumores tipos: exofítico, oncocítico ou invertido.
que causam obstrução sinonasal podem causar alteração
semelhantes a polipos na mucosa da fossa nasal. Desta Os papilomas invertidos nascem da parede nasal late-
forma, exames de imagem são essenciais para todo ral (Figura 14.4) ou seio maxilar e, devido ao seu padrão
paciente com suspeita de neoplasia da cavidade nasal e de crescimento infiltrativo, podem causar destruição do
seios da face. tecido adjacente com alta tendência a recorrência. Além
disso, 10% dessas neoplasias podem sofrer algum tipo de
A TC e a RNM (Figura 14.3) devem ser solicitadas degeneração maligna para o carcinoma espinocelular.
em todos os casos de maneira complementar. Enquanto a Desta forma, ressecção cirúrgica ampla é primordial para
TC auxilia na avaliação de invasão a estruturas ósseas o sucesso do tratamento, seja com abordagem endoscó-
adjacentes, a RNM é de fundamental importância para pica ou cirurgia aberta. O seguimento do paciente a longo
avaliação da extensão da lesão de partes moles, principal- prazo é mandatório
mente para a diferenciação entre as lesões com secreção
presente nos seios da face secundários à obstrução dos Os papilomas oncocíticos e exofíticos (este com
mesmos. crescimento mais comum sobre a parede medial do septo
nasal), são mais facilmente tratados com ressecção
O PET-CT não tem grande utilidade nos casos iniciais, exclusivamente endoscópica.
sendo mais comumente reservado para os casos mais

128
Figura 14.4 Papiloma invertido de fossa nasal D, ressecado por rinotomia lateral com margens cirúrgicas satisfatórias e paciente sem
recidiva até a presente data

1.2. Angiofibroma Nasofaríngeo Juvenil espontânea, sendo as indicações cirúrgicas deixadas para
os casos sintomáticos.
Mais comum em jovens adolescentes do sexo mascu-
lino, os nasoangiofibromas juvenis têm crescimento
submucoso, posterior ao forame esfenopalatino, na 2. NEOPLASIAS MALIGNAS
parede posterolateral da cavidade nasal. Com propensão
a expansão em direção às estruturas adjacentes, causando Os cânceres do trato sinonasal são mais comumente
efeito de massa. Esses tumores são altamente vascula- encontrados no seio maxilar (Figura 14.6), parede lateral
rizados, sendo o diagnóstico baseado em exames de da cavidade nasal, septo e seio etmoidal (1). O apareci-
imagem (Figura 14.5 ) e história clínica, e a biopsia mento dos sintomas depende da extensão da lesão bem
desencorajada devido ao risco de sangramento iminente. como sua localização anatômica, sendo geralmente
O tratamento é a ressecção cirúrgica seja ela via endos- observados em tumores avançados.
cópica ou convencional. A embolização pré-operatória
A linha de Öhngren é definida por uma linha
(através da artéria maxilar interna) com o objetivo de
imaginária unindo o canto medial do olho ao ângulo da
redução do sangramento perioperatório pode, e deve, ser
mandíbula. Esse plano é de fundamental importância,
considerada. A RT, apesar de demonstrar bons resultados,
principalmente, na avaliação do prognóstico das lesões
é reservada para casos de recidiva em localizações de
malignas da cavidade nasal e seio maxilar. Lesões locali-
difícil acesso ou tumores irressecáveis.
zadas antero-inferiormente a este plano possuem uma
apresentação mais precoce e, desta forma, maior chance
1.3 Outros Tumores Benignos do Trato Sinonasal de ressecção completa e controle da doença. Por outro
Os osteomas, de crescimento lento, devem ser tratados lado, os tumores de supra-estrutura, localizados supero-
somente quando sintomáticos ou se crescimento rápido lateralemente à linha de Öhngren, tornam-se sintomáticos
(devido ao risco de malignização). Casos de apresentação mais tardiamente. Este fato pode comprometer o diagnós-
com múltiplos osteomas devem ser investigados para tico precoce e a possibilidade de ressecção completa do
síndrome de Gardner. tumor, pois geralmente se estendem à fossa infratem-
poral, fossa pterigomaxilar, órbita e base do crânio (1).
Figura 14.5 RNM de paciente com Angiofibroma Nasofarin-
geo Juvenil. Observa-se a alta captação de contraste em tecido Figura 14.6 Carcinoma espino celular de seio maxilar já com
ricamente vascularizado invasão de soalho do seio/palato duro à primeira consulta

As displasias fibrosas ocorrem em crianças com


regressão até a puberdade. Geralmente têm resolução

129
A disseminação para linfonodos regionais é rara, a lesão primária desta região e a metastática. Podem ser
ocorrendo em menos de 10% dos casos (1), e o subtipo classificados como nodulares ou multifocais. Será tratado
mais frequente é o carcinoma espinocelular. As principais de maneira mais específica em capítulo próprio.
causas são tabagismo e a exposição ocupacional ao
níquel. 2.4 Outros
Os Carcinomas Indiferenciados são neoplasias malig-
2.1 Estesioneuroblastoma ou Neuroblastoma
nas epiteliais de alto grau de etiologia incerta. Apresenta
Olfatório
elevada taxa de recorrência, com metástase à distância,
O Estesioneuroblastoma (Figura 14.7), também particularmente aos pulmões e ossos. O prognóstico é
chamado de neuroblastoma olfatorio, é uma entidade ruim, mesmo com o tratamento.
maligna derivada do epitélio olfatório. Além da obstrução
nasal, a anosmia é uma apresentação frequente desta Figura 14.8 Adenocarcinoma Sinonasal Tipo Não Intestinal de
neoplasia. A imunohistoquímica é de grande auxílio no alto grau
diagnóstico, corando positivamente para sinaptosina,
enolase neurônio específica e S 100 proteína.

2.2. Adenocarcinomas Sinonasais.


Podem ser divididos em dois subtipos, intestinal e não
intestinal (Figura 14.8). Estes últimos, têm excelente
prognóstico, contudo, a recorrência local pode ocorrer em
até 20% a 30% dos casos. Já o tipo intestinal geralmente
tem agressividade local com alto risco de metástase para
linfonodos cervicais e taxas de mortalidade alta.

Figura 14.7 Estesioneuroblastoma ressecado por incisão


bicoronal exclusiva, após falha no tratamento radioterápico

Figura 14.9 Acesso por rinotomia lateral para exerese de


melanoma mucoso primário de cavidade nasal

2.3 Melanoma Mucoso


Melanoma Mucoso (Figura 14.9) possui seu sítio
primário mais comum em cabeça e pescoço na cavidade
nasal, sendo, algumas vezes, de difícil diferenciação entre

130
Estadiamento dos tumores, segundo à AJCC TNM 8ª Edição para
ESTADIAMENTO
Tumores de Fossa Nasal e Seios Paranasais

Tamanho

0 Tis Não invade a camada basal

I T1 Restrito a uma parte da cavidade nasal ou seio etmoide (pode haver invasão óssea)

Tumor ocupa mais de uma subunidade anatômica da cavidade nasal ou seio etmoide,
II T2
ou ocupa ambos.

III
Invasão da borda lateral ou soalho da órbita, palato duro, placa cribiforme e/ou seio
(T3N0M0) ou T3
maxilar.
(T1-T3N1M0)

IVA
(T4aN0-N1M0) T4a (doença localmente Crescimento do tumor para a face anterior da órbita, invasão da pele do nariz, seio
(T1-T4aN2M0) moderadamente avançada) esfenoidal, seio frontal, processopterigoide.
(T4bN1-3M0)

IVB
(T4bN1-N3M0) T4b (doença locamente muito Crescimento a face posterior da órbita, invasão do cérebro, dura-máter, clivus, fossa
(T1-T4bN3M0) avançada) craniana média, pares cranianos, nasofaringe.
(T1-4bN1-3M1)

Tamanho (seio maxilar)

0 Tis Não há invasão da camda basal. Tumor restrito ao seio maxilar.

I T1 Não há invasão óssea.

II T2 Invasão óssea do seio maxilar, exceto pela sua parede posterior.

Invasão da parede posterior do seio maxilar ou seio etmoide, tecido subcutâneo ou do


III T3
soalho ou parede lateral da órbita.

IVA Invasão da pele da região malar, face anterior da órbita, placa cribiforme, seios
(T4aN0-N1M0) T4a esfenoide e/ou frontal, processo pterigoide e fossa infratemporal. Doença localmente
(T1-T4aN2M0) moderadamente avançada.

IVB
(T4bN1-3M0) Invasão da nasofaringe, parede posterior da órbita, cérebro, dura-máter, fossa craniana
T4b
(T1-4bN3M0) média e clivus, pares cranianos. Doença localmente muito avançada.
(T1-4bN1-3M1)

Linfonodo

Nx Não é possível dizer.

N0 Não há linfonodo metastástico.

N1 Metástases em linfonodo único ipsilateral menor que 3 cm.

131
N2a Metástase em linfonodo único, ipsilateral maior que 3 cm mas menor que 6cm.
N2b Metástase em múltiplos linfonodos ipsilaterais de até 6cm.
N2c Metástase em múltiplos linfonodos bilaterais ou contralateral de até 6cm.

N3a
Metástase em linfonodo maior que 6 cm. Presença de extravasamento capsular.
N3b

Metástase

M0 Ausência de metástase a distância.

M1 Presença de metástase a distância

Fonte: Ref. 3

gia segura e satisfatória do ponto de vista oncológico, a


TRATAMENTO
depender da localização anatômica, extensão e histologia
do tumor (1).
O National Comprehensive Cancer Network (NCCN) A cirurgia endoscópica transnasal mostra-se uma óti-
recomenda a ressecção seguida ou não pela quimiorra- ma escolha para tumores benignos e aqueles localmente
dioterapia, o tratamento de escolha para tumores T1 a T4a limitados.
(4)
. A RT ou quimiorradioterapia adjuvantes geralmente
Tumores malignos da infraestrutura da maxila podem
estão indicados para os tumores sinonasais malignos mais
ser adequadamente tratados com uma maxilectomia
avançados. Para tumores benignos ou menores o trata-
parcial (de infraestrutura) transoral. Um degloving
mento cirúrgico exclusivo é satisfatório. Lesões classifi-
sublabial é indicado para os casos em que o acesso à
cadas como T4b (presença de trismo secundário à invasão
região postero-superior da fossa nasal é insuficiente pela
da musculatura pterigoidea e partes moles do espaço
via transoral, como nos casos de volumosos nasoan-
mastigador, invasão da base do crânio, com destruição da
giofibromas juvenil. Tumores pequenos localizados na
parede postero superior e lateral do seio esfenoide,
região inferior da cavidade nasal e septo nasal são bem
invasão cerebral, invasão do seio cavernoso com paralisia
tratados com uma rinotomia lateral (Figura 14.4). A
dos pares cranianos II a VI e invasão da artéria carótida)
incisão à Weber-Fergusson modificada, respeitando-se as
são consideradas irressecáveis, não tendo indicação
subunidades estéticas da face, fornece ótima exposição da
cirúrgica e sendo a quimiorradioterapia neoadjuvante
maioria dos tumores do seio maxilar, com resultado
muitas vezes a única opção restante.
estético bastante aceitável, e pode ser extendida a Lynch
Tratamento Cirúrgico ou subciciliar (Figura 14.10) para tumores maiores
superolateralmente no seio maxilar.
O acesso cirúrgico deve ser escolhido de maneira a
fornecer exposição suficiente para uma ressecção, cirur-

Figura 14.10 Maxilectomia total com exenteração de orbita

Fonte: Fotos cedidas pelo Dr. Natalio Peron.

132
Neoplasias dos seios maxilares podem ser adequa- seu convívio social. Quando não se vislumbra essa
damente tratadas através das maxilectomias parcial, total reabilitação, o tratamento cirúrgico deve ser repensado.
ou total com exenteração de órbita (Figura 14.10), sejam
elas transorais ou pela incisão de Weber-Fergusson- CONCLUSÃO
Dieffenbach.
Tumores originários do espaço retromaxilar ou
Avanços recentes no diagnóstico e manejo desses
nasofaringe são bem extirpadas endoscopicamente ou por
tumores, aumentaram significativamente as suas taxas de
um acesso transpalatal. O “maxillary swing”, ou
translocação facial, costuma ser uma melhor opção para sobrevida (de 40% para 75%) na última década (2). Apesar
as lesões de maior tamanho. disso, a taxa de mortalidade ainda é bastante alta, talvez
devido à sua raridade e apresentação oligossintomática ou
Ao indicar a cirurgia ablativa de uma neoplasia
similiar a outras afecções benignas da região, tornando a
maligna, devemos sempre considerar (e planejar) a
hipotése diagnóstica da neoplasia maligna algo mais
reconstrução e reabiltação do paciente, seja ela através de
restrito aos especialistas.
retalhos (compostos, microcirúrgicos, locais) ou próteses
de silicone pré planejadas e fabricadas para cada caso A maioria dos pacientes possui, já à época do
individualmente. Realizar uma ressecção ampla, com diagnóstico, neoplasias em estado bastante avançado,
intuito curativo, e não permitir uma reabilitação sócio- sendo a sobrevida de 50% em 5 anos.
funcional adequeda é, aos olhos da autora, não fornecer O controle da doença depende do seu tipo histológico
tratamento completo ao doente, visto que o objetivo do e estadiamento. A falha terapêutica ocorre em torno de
tratamento do câncer em cabeça e pescoço envolve o 62% dos casos, normalmente secundário à recorrência
controle oncológico e o restabelecimento do indivíduo ao local.

REFERÊNCIAS

1. Shah JP, et al. Head and Neck Surgery and Oncology: Expert Consult, Ed. 5, Elsevier, 2019.

2. Myers J, Hanna E. Cancer of the Head and Neck. Ed. 5, LWW, 2016.

3. https://www.cancer.org/

4. https://www.nccn.org/guidelines/category_1

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134
Capítulo 15 – Câncer de laringe

6 mm, na borda livre das pregas vocais numa faixa de 2 a


EMBRIOLOGIA
3 mm) e o cilíndrico ciliado (nas demais regiões). A
mucosa apresenta glândulas anexas do tipo misto,
A laringe (larynx do latim) ou o laringe (larunx do folículos linfóides, principalmente na face laríngea da
grego) (1) tem origem embriológica nos II, III, IV, V e VI epiglote, e há o espaço Reinke, espaço subepitelial desde
arcos branquiais (Figura 15.1). Portanto, uma origem a inserção anterior da prega até o processo vocal (1, 3).
complexa, o que na prática clínica implica em sua divisão
A laringe é dividia em 3 regiões anatômicas: a
em compartimentos que se relacionarão com a propa-
supraglote, a glote e a subglote (Figura 15.2).
gação tumoral. Estes compartimentos têm circulação
linfática independente, como demonstrado por Pressman A supraglote contém as subregiões:
(1956) (2), que injetou corante radioisótopo submucoso e
- Banda ventricular;
percebeu delimitações:
- Epiglote;
1) Num plano vertical em 2 hemilaringes;
- Ventrículo da laringe (ventrículo de Morgagni).
2) Parte inferior da falsa corda (banda ventricular) limita
a supraglote;
A glote compreende as subregiões:
3) Mantendo o ventrículo sem coloração e no nível da
glote; - Aritenoides;
- Pregas vocais;
4) Marcada delimitação na linha média que se estende
inferiormente até o nível da cartilagem cricoide. - Comissura anterior.

ANATOMIA As cartilagens da laringe são:


- Ímpares: tireoide, cricoide e epiglote.
A laringe, órgão primariamente respiratório, é - Pares: aritenoides, corniculadas e cuneiformes.
formada basicamente por cartilagens, membranas,
ligamentos e músculos. Ela é revestida por 2 tipos de As cartilagens tireoide, cricoide e parte da aritenóideo
epitélio, o pavimentoso estratificado (face lingual da são cartilagens hialinas e apresentam ossificação parcial
epiglote, 2/3 superiores da face laríngea da epiglote, na com o envelhecimento, principalmente nos homens. Já a
parte superior do muro ariepiglótico, numa faixa de 5 a epiglote é cartilagem elástica que raramente se calcifica.

135
Figura 15.1 Origem embriologia das regiões da laringe. Na tabela se são descritos os arcos branquiais e estruturas originadas

II arco osso hioide (corno menor)

III arco osso hioide (corno maior e corpo)

IV arco supraglote e espaço pré-epiglótico / cartilagem tireoide músculo cricotireoide


V arco cartilagem tireoide

VI arco glote e subglote demais músculos intrínsecos

Figura 15.2 Regiões da laringe (vista posterior com secção da As cartilagens são mantidas por ligamentos fibrosos e
cartilagem cricoide) membranas (Figuras 15.3 e 15.4):
- Ligamento vocal;
- Ligamento tireoepiglótico;
- Ligamento tireohioideo;
- Ligamento cricotireoideo;
- Membrana tireohioidea;
- Membrana cricotireoidea;

Figura 15.3 Cartilagens da laringe

As cartilagens são mantidas por ligamentos e membra-


nas. As cartilagens corniculadas, também chamadas de
Santorini, são núcleos cartilaginosos situados sobre a
aritenoides. As cartilagens cuneiformes ou de Wrisberg,
estão situadas nas pregas ariepiglóticas e não são constan-
tes (1, 3.)

Figura 15.4 Representação mostrando ligamentos e


membranas da laringe

136
Membranas Os músculos intrínsecos são divididos em:
A membrana quadrangular se situa sob a mucosa da - Tensores das pregas vocais;
supraglote (Figura 15.5), se estende de cada lado da - Cricotireoideos;
borda lateral da epiglote até as cartilagens aritenoide e
- Dilatadores da glote;
corniculadas (ligamento ariepiglótico), daí dirige-se para
baixo para formar a sustentação da prega vestibular ou - Cricotireoides posteriors;
falsa prega. Participa da parede que separa o seio piri- - Constrictores da glote;
forme do vestíbulo laríngeo, o muro ariepiglótico (1, 3, 4). - Cricoaritenoideos laterais;
O cone elástico se origina de cada lado da borda - Tireoaritenoideos inferiors;
superior da cartilagem cricoide (Figuras 15.6 e 15.7) e - Tireoaritenoideos superiors;
insere-se na borda inferior da cartilagem tireoide, para - Ari-aritenoideo.
formar a membrana cricotireoidea, que se estende pela
face interna da cartilagem tireoide até o ligamento vocal.
Do ângulo da cartilagem tireoide ao processo vocal, o A inervação da laringe (Figura 15.9) é por ramos do
cone elástico se espessa para formar o ligamento vocal nervo vago, o nervo laríngeo superior com seu ramo
que constitui seu limite superior (1, 3, 4). interno sensitivo para a supraglote, e seu ramo externo
motor para o músculo tensor da corda vocal, o
Figura 15.5 Vista lateral da laringe mostrando a membrana
cricotireoideo, e o nervo laríngeo inferior ou recorrente (1,
3, 4)
quadrangular .

Figura 15.7 Vista lateral da laringe mostrando o cone


elástico (amarelo)

Figura 15.6 Vista superior da laringe mostrando o cone


elástico (amarelo)

O suprimento arterial da laringe é proveniente da


artéria laríngea superior, ramo da artéria tireoideana
superior; da artéria laríngea ântero-inferior, também ramo
da artéria tireoideana superior; e artéria laríngea póstero-
inferior, ramo da artéria tireoideana inferior. As veias
seguem as artérias correspondents (1, 3, 4).

COMPARTIMENTOS DA LARINGE

Músculos Espaço de Reinke


Devido à mucosa que cobre o ligamento vocal ser
Na laringe existem os músculos intrínsecos e os levemente aderida, existe um espaço potencial esten-
extrínsecos. Os extrínsecos são divididos em levanta- dendo-se submucosamente por quase toda extensão da
dores da laringe, i.e. tireohioideo, estilohioideo, milohio- corda vocal. Espaço sub-epitelial na corda vocal.
ideo, digástrico, estilofaríngeo e o palatofaríngeo. Por
outro lado, os depressores da laringe incluem omohio- Espaço Pré-Epiglótico
ideo, esternohioideo e esternotireoideo (1, 3, 4) (Figura Este é delimitado superiormente pelo ligamento hioe-
15.8). piglótico e mucosa da valécula. Anteriormente pela mem-

137
brana tireoidea e cartilagem tireoide. Posteriormente pela cartilagem tireoide e a cricoide, permitindo uma via de
epiglote e ligamento tireoepiglótico. Contém gordura, propagação para o tumor se exteriorizar (1, 3, 4, 8).
tecido areolar, linfáticos ocasionais e vasos sanguíneos (1, Os espaços pré-epiglótico e paraglótico são contíguos.
3, 4, 8)
. O fino septo que os separa não é capaz de conter o avanço
Espaço Paraglótico do tumor que atinge um dos espaços. Eles são preen-
Apresenta como limites a asa da cartilagem tireoide chidos por tecido gorduroso, vasos sanguíneos, linfáticos
lateralmente, cone elástico e membrana quadrangular, e e nervos, mas devido a poucos vasos linfáticos presentes,
posteriormente pela mucosa do seio piriforme. Superior- invasão destes espaços não está associado com metástase
mente continua-se com o espaço pré-epiglótico. Inferola- cervical.
teralmente este espaço é contínuo com o espaço entre a

Figura 15.8 Músculos da laringe

Figura 15.9 Inervação da laringe Apresenta alta incidência de metástase cervical a


partir de tumores T2 (6). O risco de metástase contralateral
ou bilateral é maior quando a lesão atinge a epiglote
suprahioide, valécula ou base de língua, 26% contra 14%
para lesões que comprometem estruturas marginais e 7%
para lesões centrais infra-hioides. O risco de metástase
contralateral também é maior quando há prévia metástase
ipsilateral (5, 8 - 10).

Figura 15.10 Drenagem


linfática das regiões da
laringe

DRENAGEM LINFÁTICA E RISCO DE


METÁSTASE CERVICAL
A glote é uma região pobre em linfáticos com baixa
incidência de metástase cervical, exceto a região da
A região supraglótica da laringe apresenta uma rica comissura anterior (C.A.), mas ainda assim a incidência
rede de linfáticos que vão drenar principalmente para as de metástase é baixa.
cadeias jugulocarotídeas alta e média e pré-laringeos
(Figura 15.10).

138
A região subglótica apresenta linfáticos, embora não O Papiloma laríngeo lembra clínica e histolo-
tão rica quanto a supraglote, que vão drenar para cadeias gicamente o condiloma acuminado, mas à microscopia
jugulocarotídeas médias, baixas, paratraqueais e pré- eletrônica apenas 10% apresentam partículas virais. O
traqueais (Figura 15.11) (6). papiloma laríngeo tem um curso benigno e cerca de 2%
sofrem transformação, o que pode levar de 15 a 20 anos
(5, 7, 9, 12 - 14)
.
FATORES DE RISCO
Cummings e Koufman (1996) (16) mostraram que 21%
Tabaco dos adultos com papilomas, seguidos por uma média de
10 anos, desenvolveram carcinomas de células escamosas
Há forte relação do carcinoma de laringe com o uso do
nas vias aero-digestivas superiores. Porém, todos eram
tabaco. Jayant et al. (1975) mostrou que o risco relativo
fumantes ou tinham GERD (doença do reflexo
para câncer de laringe foi 11,8 vezes maior em fumantes.
gastoreoesofágico).
Maier et al. (1992) observou que 96,5% dos pacientes
com câncer de laringe e DeStefani et al. (1987) 97,2%, Os subtipos encontrados na laringe são 6, 11, 16,18,30
são fumantes. Rothman et al. (1980) conclui que há um e 33. Os de alto risco para câncer são o 16 e o 18. De
risco 40 vezes maior para os que fumam mais de 35 médio risco são o 30 e o 33. De baixo risco são os subtipos
cigarros/dia e 22 vezes para fumantes de charuto ou 6 e 11 e estes é que são encontrados em 90% dos
cachimbo (5, 7, 9, 11 - 14). condilomas genitais e papilomas laríngeos, e são
considerados não oncogênicos (INCA) (12).
Álcool
Outros fatores são os ocupacionais, deficiência
A relação do consumo de álcool e câncer de laringe é
nutricional e o refluxo gastroesofágico.
menos clara do que com o tabaco. Third National Câncer
Survey (1975) mostrou que onde outras variáveis foram Os fatores ocupacionais para o câncer de laringe são
controladas, o risco de câncer de laringe foi 2,2 vezes raros e não estão bem documentados. Entre eles estão os
maior nos usuários de álcool. Existe um sinergismo com trabalhadores que lidam com asbesto, pó de serra e pó de
o tabagismo (5, 7, 9, 12 - 14). cimento e combustíveis fósseis. Deficiências, principal-
mente, de vitaminas A e C podem estar associadas ao
Viral – HPV
surgimento do câncer de laringe. Embora o refluxo
Acredita-se que o HPV tenha alguma relação com o gastroesofágico em si não seja um fator carcinogênico,
carcinoma da laringe, porém, seu papel ainda não está ele leva a uma inflamação crônica que, neste caso, pode
bem definido. Existem mais de 60 subtipos reconhecidos. induzir a formação de tumores. Isto já está bem
comprovado no esôfago com o Barrett (7, 9, 12, 14, 15).

Figura 15.11_Incidência de metástase cervical nos


tumores de supraglote segundo Lindberg, 1972

Fonte: adaptado Ref 7

INCIDÊNCIA principalmente no sexo masculino. O número de casos


novos esperados para o Brasil, para cada ano do triênio
Os tumores da laringe estão entre os mais frequentes 2020-2022, é de 6.470 em homens e de 1.180 em mulhe-

139
res. O risco estimado será de 6,20 casos novos a cada 100 casos /100 mil hab.). Já na Região Sul (8,13 casos /100
mil homens e de 1,06 casos novos a cada 100 mil mil hab.), é a décima primeira mais frequente. Entre as
mulheres (Tabela 15.2). mulheres, ocupa a décima sexta posição em todas as
Regiões brasileiras, Sul (1,37 casos /100 mil hab.),
Sem considerar os tumores de pele não melanoma, em
Centro-Oeste (1,30 casos /100 mil hab.), Nordeste (1,06
homens, o câncer de laringe ocupa a oitava posição nas
casos /100 mil hab.) e Norte (0,54 casos /100 mil hab.),
Regiões Centro-Oeste (5,47 casos/100 mil hab.) e
exceto na Região Sudeste (1,03 casos /100 mil hab.) que
Nordeste (5,02 casos /100 mil hab.); nona posição nas
ocupa a décima sétima posição (12).
Regiões Sudeste (7,20 casos /100 mil hab.) e Norte (2,68

Tabela 15.2 Estimativa do INCA para o ano de 2020 das taxas brutas e ajustadas de incidênciaa por 100 mil habitantes e do número de
casos novos de câncer, segundo sexo e localização primária

PATOLOGIA supraglote ou subglote. Entre eles o carcinoma adenoide


cístico é o mais frequente, seguido dos carcinomas
Os carcinomas de células escamosas (Figura 15.12) mucoepidermoides e adenocarcinomas (5, 9, 12 - 15). Os
ou suas variantes correspondem a 95% dos tumores tumores cartilaginosos (condroma e condrossarcoma) são
malignos da laringe. Em geral, a localização mais raros e originam-se principalmente da cartilagem cricoide
frequente é a glote (58%) seguida da supraglote (40%). (70%) e da cartilagem tireoide (20%). Outros tumores que
Em pacientes não fumantes, a localização mais frequente ocorrem, mas raramente, são os tumores neuroendócrinos
é a glote com 80% e em pacientes tabagistas e etilistas (paragangliomas) e os sarcomas. Linfomas também são
pesados a incidência na supraglote pode ser maior. raros e geralmente do tipo não-Hodgkin (5, 8, 9, 13).
Tumores primários da subglote são extremamente raros.
O carcinoma in situ é mais frequente nas pregas vocais. DIAGNÓSTICO
O carcinoma verrucoso representa 2% dos tumores.
Trata-se de tumor bem diferenciado e em geral pouco Uma boa história clínica e exame locorregional são
infiltrativo. Os tumores de glândulas salivares surgem na importantes para o diagnóstico clínico dos tumores da

140
laringe. Os principais sintomas presentes são a rouquidão pela laringoscopia direta, realizada sob anestesia geral no
para os tumores da glote e a sensação de corpo estranho e centro cirúrgico. Este procedimento tem a vantagem de,
pigarro na garganta para os tumores de supraglote. As geralmente, permitir um melhor exame e estadiamento do
lesões da subglote tendem a ser mais silenciosas e um dos tumor primário, quando aproveitamos também para
primeiros sintomas pode ser a dispneia. Outras queixas palpar a base da língua para avaliar extensão tumoral.
comuns também são a dispneia, odinofagia e otalgia (1, 5,
9, 13)
. IMAGEM
Figura 15.12 Peça cirúrgica
produto de laringectomia total A utilização de métodos de imagem tem papel
por CCE de prega vocal e banda fundamental, principalmente quando o paciente for
ventricular esquerda candidato a laringectomias parciais para podermos
determinar a extensão do tumor, avaliando os espaços
pré-epiglóticos e paraglóticos (Figuras 15.13 e 15.14), o
que pode contraindicar o procedimento parcial, ou
quando temos dúvidas quanto a ressecabilidade em
doenças avançadas, quer seja em relação ao tumor
primário ou à metástase cervical. A TC com contraste é o
método de escolha. A ressonância magnética pode ajudar
em alguns casos específicos quando queremos avaliar
detalhes, principalmente na extensão tumoral para partes
moles, porém, o tempo maior para escanear que a RMN
requer pode provocar borramento da imagem.
No exame locorregional, a laringoscopia indireta é
mandatória. Com foco frontal de luz e espelhos de Garcia, Figura 15.13 Tomografia mostrando lesão em prega vocal
geralmente conseguimos ter uma visão panorâmica da esquerda (seta branca) sem comprometimento do espaço
laringe e do tumor, permitindo realizarmos o estadia- paraglótico
mento. Importante neste momento prestarmos atenção
nas características da lesão, sua localização e seus limites
e a mobilidade das cordas vocais. A utilização de
endoscopia, laringoscopia rígida ou flexível, quando
disponível, é extremamente útil no diagnóstico e registro
da lesão. Realizada ambulatorialmente sob anestesia
tópica, além da qualidade da imagem ser muito melhor, a
possibilidade de assistir em um monitor, ampliada,
podendo pausá-la e retrocedê-la quando necessário,
permite uma melhor análise da extensão do tumor. O
emprego da vídeoestroboscopia ajuda na determinação da
mobilidade da prega vocal. Ainda no exame locorregi- Figura 15.14 Tomografia computadorizada mostrando lesão
onal é importante a palpação da laringe, onde podemos de prega vocal esquerda (seta branca) com comprometimento
perceber se a cartilagem tireoide mantém sua forma do espaço paraglótico
habitual em quilha, se as membranas são palpáveis ou se
há deformação destas estruturas, chegando a adquirir o
formato em “carapaça de lagosta” (1, 10). Percebemos
também se a crepitação laríngea está presente. Sua
ausência significa lesão em área retrocricoide, afastando
a cartilagem tireoide dos corpos vertebrais. E finalizando
o exame palpamos o pescoço na busca por linfonodo-
patias.
O diagnóstico histológico é feito pela biópsia da lesão
tanto pela fibroscopia flexível com canal de trabalho, ou

141
ESTADIAMENTO Estadiamento dos tumores, segundo à AJCC TNM 8ª Edição

Supraglote

T1 Uma sub-localização anatômica, mobilidade da prega vocal normal

T2 Mucosa de mais de uma sub-localização adjacente da supraglote ou da glote, ou de reg. adjacente fora da supraglote; sem fixação

T3 Fixação da corda, ou invasão da área pós- cricóide, tecidos pré-epiglóticos, espaço paraglótico, erosão do córtex da cartilagem tireóide

T4a Tumor invade toda a cartilagem tireóide; traquéia, partes moles do pescoço: músculos profundos/extrínsecos da língua, músculos pré-
tireoideanos, tireóide ou esôfago
T4b Espaço pré-vertebral, estruturas mediastinais, artéria carótida

Glote
T1 Limitado à(s) corda(s) vocal(is), mobilidade normal (a) uma corda(b) ambas as cordas

T1a Limitado a 1 prega vocal

T1b Envolve ambas as pregas vocais

T2 Supraglote, subglote, mobilidade de corda vocal diminuída

T3 Fixação da corda, espaço paraglótico, erosão de cartilagem tieróide

Toda a cartilagem tireóide; traquéia; partes moles do pescoço: músculos profundos/extrínsecos da língua, alça muscular; tireóide e
T4a
esôfago

T4b Espaço pré-vertebral, estruturas mediastinais, artéria carótida

Subglote

T1 Limitado à subglote

T2 Extensão à(s) corda(s) vocal(is) com mobilidade normal ou diminuída

T3 Fixação da corda vocal

T4a Toda a cartilagem tireóide ou cricóide; traquéia, músculos profundos/extrínsecos da língua, alça muscular, tireóide e esôfago

T4b Espaço pré-vertebral, estruturas mediastinais, artéria carótida

Linfonodos

Nx Linfonodos não podem ser acessados

N0 Sem metástase para linfonodo

N1 1 linfonodo ipsilateral de até 3cm sem extensão extranodal

N2a 1 linfonodo ipsilateral > 3cm até 6cm, sem extensão extranodal

N2b Múltiplos linfonodos de até 6cm sem extensão extranodal

N2c Metástase bilateral ou contra-lateral de até 6cm sem extensão extranodal

N3a Linfonodo maior que 6cm sem extensão extranodal

N3b Linfonodo único ou múltiplo com extensão extranodal*

142
TRATAMENTO A decisão quanto ao tratamento do câncer de laringe
leva em conta muitas variáveis relacionadas com o tumor
primário, presença de metástase cervical, condições clíni-
Aqui vamos discutir o tratamento do carcinoma de cas do paciente, treinamento da equipe médica, infraes-
células escamosas que corresponde a cerca de 95% dos trutura do serviço e desejo do paciente (Fluxograma
tumores da laringe (5, 10, 13 - 15). 15.1).

Fluxograma 15.1 Tratamento do câncer


de laringe

Tumores iniciais Tumores avançados


Lesões T1 e T2 podem ser tratadas com ressecções A laringectomia total sempre foi o padrão ouro no
endoscópicas tanto por microcirurgia convencional ou a tratamento dos tumores avançados da laringe, até que nos
laser, laringectomias parciais abertas, ou com RT exclu- anos 1990, a partir do clássico trabalho do Department of
siva, todas as opções apresentam resultados oncológicos Veterans Affairs (17), a preservação de órgãos com empre-
semelhantes, com sobrevida em 5 anos próxima a 90% (5, go da RT associada à QT tomou grande importância,
7, 9, 13 - 15)
. Importante lembrar que quando há envolvimen- sendo adotada como o padrão no tratamento em vários
to da comissura anterior o tratamento cirúrgico tem serviços. Entretanto, a partir de 2006, alguns estudos,
melhor resultado. Mesmo com resultados de sobreviva principalmente nos Estados Unidos, como o de Hoffman
semelhantes, a recidiva local em pacientes tratados com (1991) revendo os dados de sobrevida da National
RT é maior do que nos submetidos a cirurgia. Cerca de Cancer Data Base (NCDB), mostraram que no período
25% dos pacientes irradiados têm recidiva local (5, 7, 8). do meio da década de 1980 a meio da década de 1990
houve diminuição da sobrevida dos pacientes com câncer
Os procedimentos endoscópicos podem ser desde a
de laringe. Isto coincidiu com o emprego da preservação
cordectomia, ou ressecções maiores. Com o emprego do
de órgãos com a RT associada a QT (18, 19). Observou-se
laser é possível a remoção de lesões mais volumosas. As
também que a toxicidade deste tratamento se elevou
laringectomias parciais abertas são a cordectomia, a
bastante. Complicações raras passaram a ser frequentes,
laringectomia frontolateral, a hemilaringectomia, a larin-
como estenoses, edema, mucosite severa, fístulas, fibrose
gectomia horizontal supraglótica.
da faringe com disfagia e perda da função da laringe, e
insuficiência renal. Então o tratamento cirúrgico com a
laringectomia total e a laringectomia subtotal voltaram a

143
ganhar importância. Trabalhos mais recentes, com grupos Tipo II: nódulo na parte superior da traqueostomia com
de pacientes mais controlados, têm demonstrado uma comprometimento do esôfago;
melhor sobrevida dos pacientes submetidos a laringec-
Tipo III: nódulo na metade inferior do traqueostoma com
tomia total ou subtotal com cricohioideepiglotopexia
invasão do mediastino;
(CHEP) (19) ou traqueohioideopexia (THEP) comparados
àqueles submetidos a quimiorradiação (18). Tipo IV: doença com extensão lateral comprometendo
abaixo das clavículas. O tratamento destas recidivas é
Quanto ao tratamento do pescoço, o esvaziamento
poucas vezes curativo. A cirurgia é possível nos tipos I,
cervical está indicado sempre que houver presença de
II e III. A Cirurgia de Sisson compreende a ressecção do
linfonodos clinicamente positivos, o esvaziamento de
nódulo com pele peritraqueostoma, traqueia, manúbrio
necessidade, ou nas lesões com alta incidência de
esternal, e cabeça das clavículas e reconstrução com
metástases (esvaziamento de princípio) como tumores
retalhos e reimplante do traqueostoma no mediastino.
acima de T2 de supraglote e tumores T4 transglóticos (6).
Trata-se de procedimento com morbidade e mortalidade
No caso do esvaziamento de princípio é feito o
alta e com sobrevida pequena. É necessário que o
esvaziamento das cadeias jugulares e do compartimento
paciente tenha uma ótima condição física e esteja
central. Devemos sempre dar atenção especial aos
motivado.
linfonodos paratraqueais e mediastinais superiores,
principalmente para os tumores com extensão subglótica,
Figura 15.16 Recidiva peritra-
pois estes são a principal causa de recidiva tumoral
queostoma tipo I de Sisson
peritraqueostoma (11, 20 - 22).

RECIDIVA PERITRAQUEOSTOMA

A recidiva do carcinoma na área da traqueostomia é


uma complicação grave que ocorre em 1,7% a 25% dos
casos (5, 11, 20 - 22).
Principais fatores de risco são a extensão para a
subglote (Figura 15.15), tumores avançados (T4) e
traqueostomia prévia. A origem seria linfonodo metas- Figura 15.17 Recidiva peritraqueostoma que apesar de ser
tático paratraqueal. volumosa, a lesão não comprometia esôfago (Tipo III de
Sisson)

Figura 15.15 Peça cirúrgica de


laringectomia total mostrando
tumor de prega vocal direita com
extensão subglótica

REABILITAÇÃO

Sisson e colaboradores (11) classificaram a recidiva


Pacientes com tumores de laringe são tratados por
peritraqueostoma em 4 tipos:
equipe multidisciplinar e o acompanhamento da
Tipo I: nódulo localizado na parte superior do traqueos- fonoaudiologia deve iniciar-se já no pré-operatório
tomia sem comprometer o esôfago (Figuras 15.16 e quando possível. Para a reabilitação da fala temos como
15.17); opções a voz esofágica, o uso da laringe eletrônica e a
prótese fonatória com a fístula traqueoesofágica. Apesar

144
de nem todos pacientes conseguirem desenvolver a voz A prótese fonatória (Figura 15.19) tem excelente
esofágica, no nosso meio, esta é a melhor opção por ser qualidade de voz, mas como desvantagem tem custo
mais barata e não precisar do uso da mão para falar, a muito elevado, necessitando de trocas periódicas devido
qualidade da voz é bastante variável. ao desgaste e deformação da prótese provocado pela
colonização por fungos (Figura 15.20). Também exige
A miotomia da musculatura constritora da faringe
um refinamento do paciente para ocluir o traqueostoma e
durante a laringectomia ajuda no desenvolvimento da voz
para manter a higiene da prótese.
esofágica ou mesmo da voz pela prótese fonatória, pois
leva ao relaxamento da faringe, que promoverá a vibração
das paredes da faringe e produção da voz (9). A laringe Figura 15.19 Prótese fonatória de Blom-Singer
eletrônica (Figura 15.18) que a partir de 2021 passou a
ser fornecida pelo SUS, apesar da facilidade de
adaptação, em geral os pacientes não gostam da voz
robotizada e relatam dificuldade para se escutarem
durante a comunicação.

Figura 15.18 Paciente utilizando laringe eletrônica

Figura 15.20 Prótese fonatória de Blom-Singer danificada por


fungos

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146
INTRODUÇÃO indireta com espelho de Garcia é muito útil no
treinamento do cirurgião de cabeça e pescoço e do
otorrinolaringologista, mas está em desuso. O exame de
Todo paciente com lesão suspeita na prega vocal, deve imagem documenta e grava os achados para posterior
ser examinado sob microlaringoscopia, nos ensina Klein- estudo e discussão, e é diagnóstico para uma infinidade
sasser (1). Essa busca ativa de casos de tumores iniciais de lesões benignas, sendo extremamente importante para
das pregas vocais também pode ser realizada nos dias o diagnóstico, acompanhamento e tratamento de todas as
atuais, com o uso frequente da endoscopia laríngea rígida. lesões da mucosa. A prega vocal tem ultraestrutura
Os telelaringoscópicos, a nasofibroscopia e a videolarin- flexível onde as camadas superficiais vibram em onda
goestroboscopia, devem ser realizados em qualquer mucosa, sobre a parte profunda (ligamento vocal e
paciente sintomático. Além de uma gama de lesões benig- músculo vocal) (3).
nas, estaremos atuando precocemente no diagnóstico do
câncer de laringe. Toda disfonia com mais que 15 dias de
Vídeolaringoscopia e vídeolaringoestroboscopia indi-
evolução nos faz suspeitar de lesões nas pregas vocais e
retas
o exame da laringe se faz necessário, seja por via direta
ou indireta. As lesões exibem um espectro de progressão O exame indireto da laringe por ótica rígida de 70
histológica, às vezes associadas, que vão desde uma graus é o melhor exame estrutural da laringe. Realizado
hiperplasia focal, à metaplasia escamosa, vários graus de em consultório, permite na maioria das vezes que as
displasia, até o carcinoma in situ e carcinoma invasor (2). pregas vocais sejam analisadas. Para captar e estudar a
As lesões podem evoluir e mudar de estadiamento, preju- onda mucosa, precisamos acoplar uma fonte de luz
dicando o controle da doença e refletindo em piores taxas estroboscópica. O olho humano não é capaz de perceber
de sobrevida em cinco anos. Os tumores estádio T1 são a frequência fundamental desta vibração que está entre
candidatos à abordagem endolaríngea sob microscopia e 100 e 200 ciclos por segundo (Hertz) na voz grave/
têm melhor sobrevida global que os tumores mais masculina e entre 200 e 300 Hertz na mulher e na voz do
avançados. O ideal é que as lesões sejam retiradas ainda barítono.
sem o diagnóstico de malignidade (Figura 16.1). Na região da lesão, o crescimento epitelial atípico,
incrementará um peso celular à prega vocal que prejudica
DIAGNÓSTICO a vibração cordal, indicando muitas vezes que a lesão
chega às camadas mais profundas da submucosa, muito
antes de prejudicar o movimento de adução e abdução da
O uso rotineiro dos exames de imagem revolucio-
prega vocal, quando passaria à ser considerado um tumor
naram o diagnóstico das lesões laríngeas. A laringoscopia

147
estádio T2 ou mesmo T3, quando já paralisa a prega nalmente uma gama de lesões localizadas e superficiais
vocal. da prega vocal. Se toda a lesão é removida e as margens
estão livres, a cirurgia será curativa.
Nasofibrolaringoscopia
Tabela 16.1 Lesões benignas das pregas vocais
É o exame mais importante da via aéreo-digestiva
superior. Permite o exame da laringe sem a tração da Lesão Tratamento
língua, causando menos desconforto, por não ter também
Pólipos Cirúrgia e fono
o toque da ótica no palato ou base de língua. Muito útil
também para análise da voz durante a fala e o canto. Pode Nódulos Fonoterapia/ cirurgia é excessão
ter uma luz estroboscópica acoplada, mas em geral a
qualidade da imagem e iluminação é muito inferior aos Granuloma Botox/ fonoterapia/ cirurgia
detalhes proporcionados pela videolaringoscopia indireta
rígida. O método permite a biopsia de lesões vegetantes Cisto Fonomicrocirurgia e fonoterapia
em consultório, com anestesia tópica com xilocaína 10%,
Afastar tabaco
desde que o aparelho tenha um canal de trabalho. Edema de Reinke
Fono e cirurgia

Alterações estruturais Fonoterapia/cirurgia Implante de


Laringoscopia direta mínimas / AEM pré-fascia
O exame direto da laringe com laringoscópios rígidos
Granulomatoses Tto específico
pode ser feito com o paciente sob anestesia geral ou
sedação. Permite a biopsia e é útil no estadiamento, Doenças de depósito Tto específico
analisando a real extensão de lesões maiores, porém é
Traumatismos e mal-
inadequado para as lesões iniciais. A visão não será Individualizado
formações
adequada e a biopsia com saca bocado vai lesar o
ligamento vocal ou camadas mais profundas da lâmina Papilomatose Laríngea Recorrente
própria, muitas vezes sem dar o diagnóstico, pois a
transformação maligna, displasia de alto grau, carcinoma O HPV circula em nossa sociedade. Existem mais de
in situ, pode não ser contemplada na biopsia, atrasando o 120 sorotipos. A forma juvenil é responsável por dois
diagnóstico e causando cicatrizes na prega vocal terços dos casos, iniciada até os 12 anos de vida, mais
comumente entre os 2 e 4 anos de idade. A forma iniciada
na idade adulta pode ser congênita ou adquirida pelo sexo
Microlaringoscopia de Suspensão oral, causando problemas sexualmente transmissíveis na
É o método ideal para adquirimos o material para esfera anal, genital, principalmente no colo do útero,
estudo. Após laringoscopia direta com fonte de luz orofaringe e laringe. A cesariana não previne a
acoplada em fibra ótica, com o paciente entubado e sob transmissão, pois o vírus pode atravessar a barreira
anestesia feral, posicionamos o suporte do laringoscópio placentária, embora a transmissão ocorra mais no parto
de suspensão de modo a deixar a prega vocal normal. É a doença benigna mais comum da laringe, com
comprometida no centro do nosso campo de visão, da risco de transformação maligna de 3 a 6% para o HPV 06
melhor maneira possível. O paciente deve ser ventilado e 11, sendo o 11 mais agressivo (Figura 16.2). Os
com tubo aramado fino número 5.0, 5.5 ou 6, de modo a sorotipos 16 e 18 são associados ao câncer de laringe e
permitir que a prega vocal fique exposta. O tubo orofaringe. A remoção das lesões ainda é o tratamento de
endotraqueal poderá ser mobilizado para anterior ou escolha, desobstruindo a via aérea e melhorando a
posterior para que toda a extensão da prega vocal seja fonação. Pode acometer traquéia e tubo digestivo,
examinada. Adquirida a estabilidade da exposição, o devendo-se evitar a traqueostomia por favorecer
microscópio é posicionado. A lente usada é a de 400 mm, implantes traqueais. É um grande problema de saúde
permitindo que haja distância entre o laringoscópio rígido pública, devido às malignizações e às sequelas laríngeas,
e o microscópio, para que o cirurgião trabalhe com o além da dificuldade de cuidados na rede pública. A
alongado instrumental. Permite o uso de palpadores, vacinação tem sido largamente recomendada antes do
eversão da prega vocal para exame da subglote e início da vida sexual e para as pessoas sexualmente
microcirurgia com delicada manipulação das camadas ativas. O laser é uma facilidade para o cirurgião, mas as
superficiais da lâmina própria, ressecando-se excisio- cirurgias podem e devem ser feitas à frio, se este não está

148
disponível, principalmente nas lesões das pregas vocais. lisas (Figura 16.1 a, b) ou elevadas e lisas (Figura 16.1
A aplicação de cidofovir parece diminuir as recorrências, c, d). A taxa de sucesso para o tratamento clínico,
mas seu uso não é regulamentado pelas agências regula- analisando 178 casos, foi de 80,3% para as leucoplasias
doras. Os sintomas mais frequentes são a disfonia e a planas e lisas e 66% para as leucoplasias elevadas e lisas
(8)
dificuldade respiratória, inicialmente o estridor é inspira- . Este trabalho tratou as leucoplasias com omeprazol
tório, passando depois à bifásico (4). 20 mg duas vezes ao dia por 6 semanas e afastou fatores
de risco (tabagismo, álcool, abuso vocal). Usou também
Tabela 16.2 Papilomatose laríngea recorrente e sorotipos de uma mistura de ervas chinesas diariamente e só indicou a
HPV microcirurgia laríngea após 6 meses de seguimento,
realizando laringoscopias seriadas a cada 2 a 4 semanas
Papilomatose laríngea recorrente Sorotipos nos primeiros 3 meses, e a cada 4 a 12 semanas nos 03
meses seguintes. A Figura 16.1 mostra exemplos dos
06 e 11 –baixo risco tipos de leucoplasia, antes e após o tratamento clínico. A
Papilomatose Laríngea
( 3 a 6%) resposta ao tratamento é demonstrada na Tabela 16.3 (8).
Câncer de laringe Estes achados demonstram claramente que os casos de
Alto risco 16 e 18 leucoplasias não homogêneas não devem ser tratados
clinicamente (Figura 16.1 e, f), pois não houve resposta
Risco intermediário 31 e 33 em nenhum dos 9 casos, sendo que 7 eram carcinoma,
uma vez que que a displasia de alto grau (acentuada) é
Leucoplasias e eritroplasias considerada um carcinoma in situ (Tabela 16.4) (5, 6, 8).

São as lesões pré-malignas da laringe. São É nossa conduta, indicar a completa ressecção da
diagnósticos clínicos, e sua histologia varia da hiperplasia leucoplasia que não melhora após 30 dias de tratamento
ao carcinoma invasivo (5). Ocorrem na face superior da clínico, sendo que realizamos vídeolaringoscopias fre-
prega vocal em 52% dos casos (6). Pode se manifestar quentes durante o tratamento e já adiantamos os exames
como disfonia ou ser um achado de exame. As pré-operatórios para evitarmos atrasos no diagnóstico
eritroplasias são fortemente associadas à displasia de alto histológico.
grau, também chamado carcinoma in situ da prega vocal
e é definido como o tumor que não invadiu a lâmina Figura 16.1 Tipos de leucoplasia: a, b - Plana e lisa; c, d -
própria da submucosa. Zeitels (6) recomenda a exérese de Elevada e lisa; e, f – Rugosa
todas as lesões pré-malignas da face superior das pregas
vocais para estudo histológico seriado. Em sua série 21%
de 52 casos eram carcinoma espinocelular, sendo que a
maioria estava na borda superior da prega vocal. Segundo
Bouquot & Gnepp(7), o risco de carcinoma para estas
lesões pré-malignas da prega vocal varia de 3,5 a 66,7%
na literatura. Esta ampla variabilidade reforça o
argumento para removermos toda a lesão para estudo
anátomopatológico, com cordectomias superficiais
(Tabela 16.3).
Esta cirurgia pode ser curativa para o carcinoma in
situ, mas exige vigilância ou mesmo reintervenção para
ampliação de margens.
O tratamento clínico das leucoplasias é possível. Os
casos selecionados devem ser reavaliados em vinte dias.
Se não houver resposta, a lesão deve ser removida. As
leucoplasias lisas, homogêneas, bem delimitadas e
regulares, em geral têm boa resposta ao tratamento do
refluxo e interrupção dos fatores de risco (tabaco e
álcool). As leucoplasias homogêneas podem ser planas Fonte: Modificado de Ref. 8.

149
Do total de 178 casos de leucoplasia estudados (8), os nóstico precoce, uma vez que os sintomas de dispneia ou
nove casos de leucoplasias rugosas não responderam ao disfonia são tardios, não sendo alvo da cirurgia endos-
tratamento clínico, sendo que, destes, 4 eram carcinomas cópica.
e 3 eram carcinoma in situ (displasia acentuada).
As leucoplasias rugosas são fortemente associadas ao Carcinoma In Situ e Carcinoma Microinvasivo
câncer (Figura 16.1 e, f). Possuem superfícies irregulares Podem ser completamente removidos com
e bordas elevadas, bruscamente demarcadas pela mucosa cordectomias. Para os carcinomas in situ a cordectomia
normal. São heterogêneas e de coloração variável, realizada nas camadas superficiais da lâmina própria é
podendo haver erosões ou ulceração. Devem ir direto para tratamento curativo, uma vez que a lesão não ultrapassa a
a microlaringoscopia de suspensão para obtenção de lâmina própria. Para o carcinoma microinvasivo, uma vez
amostra de tecido, preferencialmente com cordectomias que a lâmina própria foi invadida, a cordectomia deve ser
superficias, e remoção de toda a lesão para estudo anáto- realizada mais profundamente, logo à frente do ligamento
mopatológico. vocal, preservando-o (6).

Tumores Glóticos Tabela 16.3 Resposta ao tratamento clínico das leucoplasias

A prega vocal é pobre em drenagem linfática, sendo Resposta completa


incomum as metástases linfonodais para os tumores Leucoplasias Total
Sim Não
iniciais. O ligamento vocal e conus elasticus são
importantes barreiras físicas à disseminação tumoral. Por Plana e lisa 53 (80,3%) 13 66 (37,1%)
definição, a glote se estende do assoalho do ventrículo (19,7%)
Elevada e 68 (66,0%) 35 (34%) 103
laríngeo até 1 cm abaixo da borda livre das pregas vocais. lisa (57,9%)
Compreende as pregas vocais, comissura anterior e a Rugosa 0 (0,0%) 9 (100%) 9 (5%)
região do processo vocal das aritenóides. Cerca de 76%
Total 121 57 178 (100%)
dos tumores laríngeos se originam dessa região (5). Os (68,0%) (32,0%)
tumores subglóticos são raros e dificilmente têm diag- Fonte: Modificado de Min Chen et al, 2017.

Tabela 16.4 Histologia das leucoplasias que não responderam ao tratamento clínico

Leucoplasia Sem displasia Displasia leve Displasia moderada Displasia acentuada Carcinoma

Plana e lisa 8 2 1 0 0

Elevada e lisa 8 11 8 3 1

Rugosa 0 1 1 3 4

Total 16 14 10 6 5

Fonte: Modificado de Ref. 8.

Tumores Glóticos Iniciais - T1a, T1b e T2 A microcirurgia endoscópica com laser de CO2
A lesão T1a compromete uma prega vocal e a T1b, encontrará espaço para o tratamento de tumores estádio
ambas as pregas vocais. A dissecção subligamentar, com T2, onde a prega vocal ainda é móvel. Corresponde a uma
margens de 4 a 5 mm, preferencialmente com o uso do hemilaringectomia, ou seja, é uma cordectomia ampliada,
laser de CO2, trata a maioria dos carcinomas da prega no plano anterior ao pericôndrio interno da cartilagem
vocal (9). Conseguindo-se margens livres, com pouco tireoide, ou mesmo subpericondrial, preservando-se a
prejuízo da voz de boa qualidade, dispensa-se o uso da lâmina da cartilagem tireoidea. Engloba a prega vocal, a
RT. As taxas de cura variam de 80 a 93% (9, 10). Os margem subglótica e estruturas supraglóticas: banda
melhores resultados são obtidos para lesões que não ventricular, ventrículo laríngeo e até mesmo a aritenóide
(9)
atinjam a região da comissura anterior e processo vocal, (Figura 16.5).
e que não se estendam para a subglote ou ventrículo de
Morgani (5, 11).

150
Cirurgia à Laser A cordectomia por laringofissura é uma alternativa
Desde os anos 70, o laser tem sido empregado na ainda usada para tratamento de tumores da prega vocal,
cirurgia da laringe e os resultados oncológicos são seme- estadio T1a, quando não é possível a adequada exposição
lhantes à cirurgia convencional. A cirurgia transoral a da lesão.
laser, sob magnificação de imagem com o uso do micros- A Classificação das cordectomias endoscópicas,
cópio tem menor morbidade que a cirurgia aberta, redu- segundo a European Laryngeal Society foi ampliada em
zindo o número de traqueostomias e de dieta enteral (12 - 2007, para incluir a cordectomia de comissura anterior
14)
. A principal modalidade empregada é o laser de CO2. (Tabela 16.5) (15). Os casos têm que ser bem estudados no
Para lesões mais infiltrativas, aprofunda-se o plano da pré-operatório, com a vídeolaringoestroboscopia e exa-
cordectomia. A ressecção deverá ser feita incluindo mes de imagem. No caso de indicação da cordectomia
parcialmente o músculo tireoaritenóideo, sendo o laser tipo VI, nenhuma dúvida pode haver sobre uma possível
quase indispensável. A banda ventricular deve ser invasão da cartilagem tireoidea, sendo a ressecção
removida para melhor exposição da prega vocal e da realizada no plano subpericondrial. A RMN é o exame de
lesão, conforme a avaliação pré e per-operatória suge- escolha para estudo da invasão inicial da cartilagem
rirem. A peça cirúrgica deve ter a orientação dos pontos tireoide na comissura anterior e das outras cartilagens da
cardeais para reabordagem cirúrgica direcionada, caso laringe. No exame sob laringoscopia de suspensão, a
necessário, quando não foi usada a congelação. Se as lesão deve ser muito bem exposta, palpada e delimitada,
margens laterais, médias, anterior, posterior e profundas de maneira à permitir a ressecção proposta com margem
estão livres, admite-se que o tratamento do carcinoma foi de segurança de 2 a 3 mm, segundo Estomba et al.(16).
realizado com sucesso e a RT não é indicada, somente Estes autores conseguiram controle local em 100 % das
seguimento. Margens comprometidas em tumores lesões T1 e em 94.1% das lesões T2 (Tabela 16.6).
iniciais, devem ser resgatadas com nova microcirurgia.

Tabela 16.5 Cordectomias, segundo a European Laryngeal Society

Cordectomias Cordectomias estendidas

Tipo I Subepitelial ou decorticação Tipo Va Inclui prega vocal contralateral

Tipo II Subligamentar Tipo Vb Inclui aritenóide

Tipo III Transmuscular Tipo Vc Inclui banda ventricular

Tipo IV Completa ou total Tipo Vd Inclui subglote ( 1 cm)

Tipo VI Inclui comissura anterior

Tabela 16.6 Tratamento do câncer glótico precoce com cirurgia trans-oral à laser de CO2

Grupos
Resultados
pT1a pT1b pT2 p

SV global 3 anos 90% 90,9% 82,4% 0,590

SV livre de doença 3 anos 100% 100% 88,2% 0,765

Controle local com 01 cirurgia 76,6% 91% 47% 0,017

Controle final com microcirurgia transoral a laser 100% 100% 94,1% 0,706

SV livre de laringectomia 3 anos 100% 100% 94,1% 0,622

Nesse estudo, 58 pacientes foram acompanhados por que 80,48% eram T1 (32/41) e 76.47% eram T2 (13/17).
03 anos após a cirurgia. O controle local na primeira A Tabela 16.7 mostra as cordectomias realizadas.
cirurgia foi conseguido em 46 (79,3%) pacientes, sendo

151
Os autores realizaram ampliação de margens em 9 foram necessárias para se conseguir controle local (3
casos (15,5%), destes, 4 eram T1a, 4 eram T2 e 1 paciente pacientes T1a). Em um paciente T2, a laringectomia
era T1b. Em outros três pacientes, duas reintervenções acabou sendo necessária.

Tabela 16.7 Tipos de cordectomia realizadas

Grupos
Tipo de cordectomia
pT1a pT1b pT2 Total (%)

Tipo 3 2 0 0 2 (3,44%)

Tipo 4 26 0 1 27 (46,55%)

Tipo 5a 2 11 8 21 (36,2%)

Tipo 5b 0 0 3 3 (5,17%)

Tipo 5c 0 0 5 5 (8,62%)

Total 30 11 17 58 (100%)

A taxa de controle local foi de 96,6% (em 56/58 atrasando o tratamento cirúrgico de resgate. Além do
pacientes). A sobrevida livre de laringectomia com mais, se o paciente apresentar um segundo tumor
laringe funcionante foi 98,3% em três anos. A primário, na maioria das vezes não poderá ser reirradiado.
traqueostomia não foi necessária em nenhuma das Pelo exposto, é nossa conduta indicar sempre a
cordectomias. Dois pacientes evoluiram com linfonodos microcirurgia endolaríngea como modalidade única de
suspeitos e foram submetidos à esvaziamento seletivo tratamento, para pacientes abaixo dos 55 anos de idade
durante o seguimento, seguidos de RT (pN +). No total, com tumores iniciais (T1).
três pacientes foram irradiados.
Tumores Glóticos Avançados
QUANDO INDICAR A RT NOS TUMORES A laringectomia total é a melhor opção cirúrgica para
INICIAIS? tratamento dos tumores estádio T4a quando não são
candidatos aos protocolos de preservação de órgãos. Com
A RT apresenta taxas de cura semelhantes à cirurgia. a prega vocal fixa, tumores T3, nossa opção é para as
Vários autores afirmam que o tratamento radioterápico laringectomias parciais, quando possível. A ressecção
proporciona a melhor qualidade de voz, sendo o endoscópica de tumores T3 é possível em casos
tratamento de escolha para profissionais da voz com selecionados.
carcinomas inicias das pregas vocais. Em 2015, uma
meta-análise reviu estudos de qualidade de voz, que Tumores Supraglóticos
compararam RT e microcirurgia à laser para tumores T1
O carcinoma supraglótico precoce pode ser definido
de prega vocal. Foram selecionados 8 estudos realizados
como aquelas lesões que não causam paralisia da prega
entre 1997 e 2013 e como critério de inclusão eles
vocal, não invadem o espaço pré-epiglótico e ainda não
utilizaram o VHI (Voice Handicap Index) para análise
têm metástases cervicais (T1 e T2) (18). Estas lesões são
vocal, englobando 362 pacientes no total. Não houve
exceções, uma vez que a maioria são diagnosticadas
diferença de qualidade vocal entre as modalidades
tardiamente.
terapêuticas estudadas (17).
As ressecções endoscópicas são possíveis. O laser é
Apesar dos avanços das novas modalidades, incluindo
quase indispensável, para melhor controle do sangr-
a RT de intensidade modulada (IMRT), as complicações
amento e para evitar os grandes edemas causados pelo
não são infrequentes. Alguns casos evoluem para larin-
eletrocautério. A cirurgia à laser é facilitada pelos espaços
ges sem função ou condronecrose, podendo exigir
aerados na vizinhança, permitindo menos incisões:
laringectomias totais. É mais difícil detectar a recidiva ou
valéculas, seios piriformes, vestíbulo da laringe e ventrí-
recorrência tumoral no paciente irradiado, muitas vezes

152
culos. As principais cirurgias são a epiglotectomia, aritenóideo, a inserção do ligamento vocal no processo
ressecão supraglótica unilateral e ressecção supraglótica vocal da aritenóide, o músculo interaritenóideo,
superior (5). removendo-se a aritenoide, a banda ventricular e a prega
ariepiglótica.
As margens cirúrgicas devem ser amplas. Tumores
que invadem o seio piriforme, a base de língua, parede
lateral da faringe, a prega vocal ou o espaço pré- CONCLUSÃO
epiglótico devem ser ressecados por via aberta (5).
Ambrosch (18) refere sobrevida em 05 anos sem reci- A microcirurgia de laringe é muito importante para o
diva em 83% dos casos T1 e em 76% dos portadores de diagnóstico e tratamento das lesões pré-malignas e
T2. A sobrevida com o tratamento radioterápico é de 69 malignas iniciais da laringe. A cirurgia endolaríngea é
a 100% para os T1 e de 74 a 90% para os T2 (19). capaz de tratar as lesões benignas. As cordectomias são o
As cirurgias externas parciais, especialmente as tratamento definitivo para lesões prémalignas, com atipia
laringectomias horizontais supraglóticas, são uma exce- leve e moderada, e mesmo para o carcinomas in situ. A
lente opção para o tratamento de tumores maiores (T3). laringoscopia de suspensão, com uso do microscópio,
Apresentam maior morbidade quando comparadas às permite que a biópsia seja realizada sem agredir as
ressecções endoscópicas à laser, principalmente em ido- camadas mais profundas da prega vocal. De forma ideal,
sos e pacientes pneumopatas, pelo aumento do risco de deve-se ressecar toda a lesão. Cordectomias no plano
aspiração. A sobrevida em 03 anos dos pacientes trata- subligamentar podem ser o tratamento definitivo para
dos com laringectomia supraglótica via externa está entre microcarcinomas ou carcinomas microinvasivos, desde
67e 92% para tumores T1 e entre 80 a 85% para tumores que as margens estejam livres. Para lesões estádio T1 de
T2 (20, 21). prega vocal, a monoterapia é o tratamento mandatório,
seja com cirurgia ou RT. O cirurgião deve evitar então de
Epiglotectomia operar e indicar a RT no pós-operatório de lesões iniciais,
indicando a ampliação de margens quando necessário.
Consiste na remoção da epiglote, seccionando-se as Cordectomias no plano do ligamento vocal ou do
pregas ariepiglóticas e os ligamentos glossoepiglóticos músculo tireoaritenóideo são prejudiciais à voz, mas
mediais e laterais, bilateralmente. Seccciona-se as bandas podem ser curativas e evitar a RT e suas complicações,
ventriculates anteriormente e completa-se a ressecção sendo nossa primeira escolha de tratamento para
logo acima das pregas vocais, para que o pecíolo da pacientes jovens, abaixo de 50 anos. A meta-análise
epiglote seja removido. realizada por Greulich (2005) encontrou qualidade vocal
semelhante entre os portadores de tumores T1 de prega
Ressecção Supraglótica Unilateral vocal, submetidos à RT e os operados por cordectomia
transoral à laser. O cirurgião deve discutir sempre com o
Está indicada para pequenos tumores da prega
paciente a melhor proposta terapêutica para cada caso (17).
ariepiglótica, banda ventricular ou para tumores da
Os exames da laringe no pré-operatório, a conversa com
porção mais lateral da epiglote. A epiglote, se está livre,
o paciente, eventuais exames de imagem, irão levantar os
é rebatida para o lado contralateral. A prega ariepiglótica
elementos para a conduta intra-operatória: se possível
e a banda ventricular são seccionadas próximas a aritenói-
realizar as cordectomias tipo I e II, ressecar toda a lesão
de. A ressecção continua no assoalho do ventrículo, logo
na cirurgia, analisando as margens da ressecção por corte
acima da prega vocal e da comissura anterior. A ressecção
e congelação ou mesmo na parafina. Caso o julgamento
pode ser bilateral, se necessário (5).
seja de lesão mais infiltrativa, para os tumores estádio T2
em diante e para os tumores que atingem a comissura
Ressecção Supraglótica Posterior anterior, realizar apenas a biopsia com saca-bocado para
É indicada quando o tumor compromete a porção confirmar o diagnóstico de carcinoma, sendo possível
posterior da prega ariepiglótica, banda ventricular e realizar as ressecções endoscópicas avançadas em um
região da aritenóide. É contraindicada se houver invasão segundo momento. Algumas cirurgias podem ser feitas a
interaritenoídea ou fixação da aritenóide. Em geral, frio, com ajuda de eletrocautério para hemostasia, mas
libera-se e preserva-se a epiglote, resseca-se o ventrículo, sem dúvida, a maioria exige o uso do laser de CO2
preservando-se a prega vocal. Incisa-se o músculo tireo- acoplado ao microscópio.

153
REFERÊNCIAS

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154
Capítulo 17 – Laringectomias parciais

vertebrais terceiro ao sexto. Anteriormente encontra-se


ANATOMIA E EMBRIOLOGIA
recoberta pelos músculos esterno tireoide e esterno
hioide. Lateralmente relaciona-se com a bainha carotídea,
A laringe é um órgão que conecta a parte inferior da mais superiormente com o músculo omohioide e inferior
faringe com a traquéia. Ela serve como válvula para e lateralmente com a glândula tireoide.
guardar a via aérea especialmente durante a deglutição,
A estrutura da laringe é composta por seis cartilagens
para manutenção da via aérea pérvia e para fonação. No
sendo três ímpares (tireoide, cricóide e epiglote) e três
adulto apresenta cerca de 5 cm de comprimento no sexo
pares (aritenóide, corniculada e cuneiforme) (Figura
masculino, sendo um pouco menor no feminino.
17.3). A cartilagem tireoide compõe-se de duas lâminas
Ela se situa anteriormente no pescoço, se relaciona que se fundem anteriormente e divergem posteriormente
posteriormente e lateralmente com a hipofaringe com a dando à laringe um aspecto de quilha. Articula-se inferi-
qual compõe uma estrutura complexa (Figura 17.1 e ormente com a cartilagem cricóide que tem a forma de
17.2). anel de sinete e cuja borda inferior delimita o término da

17.1 Visão geral da Figura 17.2 Laringe: relações anatômicas


laringe

Esta é finamente coordenada pelo sistema nervoso


autônomo para direcionamento adequado do ar para via
aérea e, alimentos e saliva para a via digestiva. Este
complexo situa-se anteriormente à fáscia pré vertebral
ocupando uma posição que corresponde à dos corpos laringe e da faringe e início do esôfago e da traquéia. O
ligamento cricotireóideo conecta o arco da cartilagem

155
cricóide com a cartilagem tireoide, é facilmente palpável vago, exceto o músculo cricotireoideo, o qual é inervado
in vivo e representa importante via de acesso à via áerea pelo ramo externo do nervo laríngeo superior. O nervo
em situações de emergência, notadamente nos politrau- laríngeo superior é responsável pela inervação sensitiva
mas. Superiormente a cartilagem tireoide relaciona-se da maior parte da laringe, notadamente pelo seu ramo
com o osso hioide ao qual conecta-se pela membrana interno.
tireohioidea (Figura 17.4).
A laringe é irrigada pelas artérias laríngeas superior e
Apesar da próxima relação anatômica que reveste-se inferior derivadas, nesta ordem, das artérias tireoideas
por vezes em importante papel na anatomia cirúrgica, o superior e inferior. Elas acompanham, respectivamente,
osso hioide não é considerado uma estrutura da laringe. os nervos laríngeo interno e recorrente. A artéria laríngea
A epiglote e as cartilagens pares encontram-se no interior superior passa profundamente ao tireohioideo e e perfura
da laringe formando uma estrutura complexa chamada de a membrana tireohioidea para irrigar a laringe. A artéria
ádito da laringe que separa a laringe da hipofaringe. laríngea inferior passa profundamente ao músculo
Inferiormente ao ádito, na região central da cartilagem constrictor inferior da faringe, onde entra na laringe. As
tireoide encontram-se as pregas vocais responsáveis pela veias acompanham as artérias e os linfáticos terminam
principal função da laringe, a fonação. Internamente a nos linfonodos cervicais profundos (1).
laringe é revestida por epitélio escamoso não estratificado
Clinicamente a laringe pode ser subdivida em
na parte superior, mais próxima à faringe, e por epitélio
supraglote, glote e subglote.
colunar pseudo estratificado na região mais inferior, no
entorno das pregas vocais (1, 2). A supraglote compreende a epiglote, o espaço pré-
epiglótico, as aritenóides e as pregas ariepiglóticas. O
Figura 17.3 Cartilagens da laringe limite inferior da supraglote são as brandas ventriculares
ou falsas pregas vocais.
A glote inclui as pregas vocais e as comissuras
anterior e posterior. A borda inferior é definida como um
plano horizontal que passa 1 cm abaixo do ápice do
ventrículo. A subglote não tem subsítios, é definida como
a área inferior a glote até a borda inferior da cricóide (2).
De acordo com o sistema de classificação de Carnegie,
que divide o sistema embrionário em 23 estágios, surgem
por volta da 4ª/5ª semana uma série de estruturas chave
A laringe apresenta (1) musculatura extrínseca, que para o desenvolvimento da cabeça e pescoço. O
move a laringe como um todo: desenvolvimento principal da laringe acontece entre o 9º
e o 23º estágios, no período entre o 20° e o 51° dias de
(1.1) Músculos levantadores: tireohioideo, estilohioideo, gestação (3).
milohioideo, digástrico, estilofaríngeo e palatofaríngeo;
(1.2) Músculos depressores: omohioide, externohioide e Figura 17.4 Anatomia básica da laringe
esternotireoide (também conhecidos como “musculatura
pré tireoidiana” devido à íntima relação com a glândula
tireoide).
E (2) musculatura intrínseca, ricamente inervada e
envolvida, principalmente, na função fonatória, mas
também na proteção à via aérea: (2.1.) Grupo adutor:
cricotireoideo, cricoaritenóideo lateral, aritenóideo
transverso, tireoaritenóideo, músculo vocal e aritenóide
oblíquo;
(2.2) Grupo abdutor: apenas um par, o cricoaritenóideo
posterior .
Todos os músculos intrínsecos da laringe são
inervados pelo nervo laríngeo recorrente, ramo do nervo

156
A supraglote desenvolve-se dos 3º e 4º arcos O refluxo laringofaríngeo tem sido identificado em
branquiais, enquanto a glote e a subglote originam-se do vários estudos como um significante fator de risco para
6º arco. Devido à essa origem embriológica distinta, o câncer de laringe. Observou-se aumento específico de
suprimento sanguíneo e a drenagem linfática destes câncer nos dois terços anteriores da glote relacionado a
subsítios anatômicos da laringe permanecem separadas, o doença do refluxo (11, 12).
que determina comportamentos biológicos bastante dis-
Após controlar os fatores exposição ao tabaco e
tintos das neoplasias que comprometem esses segmentos
álcool, alguns autores conseguiram demonstrar que a
e de certa forma fornecem as bases conceituais para as
exposição ocupacional a determinados fatores represen-
laringectomias parciais (2).
tou um aumento no risco de desenvolvimento do câncer
de laringe. Foram identificados pintores, operadores de
FATORES DE RISCO máquinas que trabalham com metais e plásticos, exposi-
ções à fumaça do diesel e gasolina, à doses terapêuticas
de radiação, crônicas ao pó de madeira e ao asbesto (13, 14).
A literatura é farta em evidências de que a exposição Essas associações estatísticas em estudos observacionais
ao tabaco e o álcool são os principais fatores de risco para ainda carecem de comprovada relação causa-efeito.
desenvolvimento do câncer de laringe (4 - 7). Também não
há dúvidas que são fatores de risco independentes, que Por fim, embora o papel carcinogênico da associação
quando associados apresentam marcado efeito multipli- tabaco/álcool esteja bem demonstrado, uma susceptibili-
cador. Porém, enquanto para o tabaco está demonstrado dade genética subjacente pode ser importante. Uma
importante efeito dose e tempo de exposição/resposta, predisposição inerente pode ocorrer como uma maior
para o álcool parece que a quantidade marcadamente sensibilidade a mutações, inabilidade em metabolizar
elevada é que teria efeito não só promotor, como se carcinógenos ou em reparar danos ao DNA (15). Portanto
pensou durante algum tempo, mas também indutor da a via inversa também deve ser considerada e explicaria os
carcinogênese (6). casos de grandes fumantes por longos períodos de tempo
que nunca desenvolveram neoplasias.
Num estudo de Falk et al., o risco de desenvolvimento
de câncer de laringe foi 4,4 vezes maior para aqueles que
fumavam cerca de 10 cigarros/dia e elevou-se para 10,4 MANIFESTAÇÃO CLÍNICA E
vezes naqueles que fumavam mais de 40/dia. O risco SINTOMATOLOGIA
declinou com a cessação do tabagismo, mas só retornou
ao risco equivalente aos não fumantes após 15 anos (7, 8). O sintoma mais precoce e típico da neoplasia da
Porém, não há consenso quanto ao retorno ao risco basal laringe é a rouquidão, particularmente nos tumores
na literatura. Diferentes autores já encontraram de 10 a 20 glóticos. Daí o aforismo: “rouquidão com mais de quinze
anos. dias de evolução é igual a laringoscopia” especialmente
O consumo de grande quantidade de álcool (i.e. 42 ou válido para os fumantes. O sintoma inicial dos tumores
mais drinks/semana para mulheres e 55 ou mais para supra-glóticos, devido à sua íntima relação com a
homens) representa fator de risco independente para o hipofaringe costuma ser uma sensação de desconforto na
desenvolvimento de câncer da via aero-digestiva superior garganta notadamente ao engolir ou mesmo odinofagia
incluindo a supraglote, mas não a glote. A abstenção e o com otalgia reflexa (irradiada pelo nervo glossofaríngeo).
consumo moderado em homens não mostrou aumento de Não há relação entre estágio da doença e presença de dor,
risco, mas as mulheres abstêmias tiveram incidência porém, de modo geral tumores glóticos apenas provocam
significativamente menor de neoplasia em vias aerodi- dor em estágios muito avançados de doença. Por outro
gestivas superiores segundo Franceschi et al. Os autores, lado, pequenos tumores supra-glóticos podem trazer
no entanto, advertem que seus dados não suportam a considerável desconforto devido à inervação muito
hipótese de maior susceptibilidade das mulheres a diferente destes subsítios de origem embiológica distinta
possíveis efeitos carcinogênicos do álcool (9). como já relatado. Desconforto respiratório ou mesmo
obstrução requerendo traqueostomia de urgência são
Dados sugerem que o consumo de cigarros de
sintomas de doença mais avançada, exceto nos raros
maconha parece ter efeito análogo ao consumo do tabaco,
tumores primariamente subglóticos nos quais a obstrução
com o mesmo padrão de efeito dose-resposta e pode ter
respiratória pode ser relativamente precoce. A presença
importância em casos específicos (10).
de nódulos no pescoço deve sempre ser pesquisada. Ela

157
indica a possibilidade de disseminação locoregional da ESTADIAMENTO
doença. Novamente, há diferença importante no compor-
tamento biológico dos tumores glóticos e supraglóticos,
esses podem cursar com linfadenopatia precoce enquanto O estadiamento do câncer de laringe é, em princípio,
os glóticos em geral só o fazem em estágios muito clínico e consiste em se determinar a melhor estimativa
avançados. possível da extensão da doença antes do tratamento.
Porém, a acurácia e disponibilidade cada vez melhores
dos exames de imagem, nem sempre uma realidade no
DIAGNÓSTICO
meio médico, vêm tornando imprescindível seus usos no
estadiamento do câncer de modo geral. Mormente, no
A laringoscopia indireta para visão da laringe é a escopo deste capítulo, é essencial no planejamento
abordagem inicial. Poder ser feita por espelho com terapêutico. Diversos estudos apontam para o aumento do
iluminação indireta, o que requer alguma experiência, estadiamento clínico de tumores da laringe com o uso dos
com aparelhos telescópicos rígidos ou por aparelhos fle- exames de imagem. As novas edições do sistema TNM
xíveis com fibras ópticas assistidos ou não por equipa- AJCC/UICC vêm incluindo cada vez mais critérios que
mentos de vídeo e estroboscopia. Quanto mais se sofistica levam em conta exames de imagem. Nos tumores T3, por
o equipamento, maior será o conforto e praticidade ao exemplo, as primeiras edições consideravam apenas a
examinador, além do aumento de acurácia. Entretanto, fixação da prega vocal como critério de inclusão. As
aqui podemos citar outro aforismo: “Mais importante do últimas edições passaram a considerar a invasão dos
que o equipamento é o olho do examinador”. espaços paraglótico e pré epiglótico, além de outros como
se vê a seguir, detectáveis apenas por exames de imagem
(16)
Figura 17.5 Visão telescópica da laringe .
A edição 2018 do sistema TNM traz alterações no
estadiamento dos linfonodos do pescoço, reconhecendo
um fato bem observado na prática clínica: sinais clínicos
de extensão extranodal carreiam pior prognóstico.
Portanto, significam estadiamento como doença mais
avançada (17).

TRATAMENTO

O objetivo primário no tratamento dos tumores da


O passo seguinte para diagnóstico é a biopsia da lesão laringe é a erradicação do câncer. Quando exequível, a
encontrada. A laringoscopia de suspensão sob anestesia preservação das funções da fala, de sua qualidade e do
geral ou sedação profunda assistida por anestesiologista, papel valvular da laringe permitindo deglutição sem
permanece como método de escolha. Além de proporci- aspiração, bem como a não dependência de traqueostomia
onar o acesso à lesão de forma direta permitindo a coleta são objetivos secundários desejáveis.
de material para exame histopatológico, ela permite uma São, de um modo geral, elegíveis para laringectomias
visão direta e detalhada da laringe e hipofaringe. Desta parciais, pacientes portadores de tumores em fase inicial
forma, este exame possibilita avaliar a presença de inva- ou doença localmente avançada restrita a determinados
são, às vezes não observada no exame indireto, principal- subsítios anatômicos. Eles devem possuir boa reserva
mente no interior dos seios piriformes, fornecendo então pulmonar funcional, pois algum grau de aspiração é
importantes subsídios para o planejamento terapêutico. sempre esperado após esses procedimentos, e não devem
O carcinoma epidermóide representa mais de 95% dos estar muito debilitados, seja pela doença primária ou em
cânceres de laringe, porém, o diagnóstico diferencial decorrência das comorbidades ou idade muito avançada
(2, 18)
inclui um grande número de doenças infecciosas e neo- .
plásicas: blastomicose, leishmaniose, tuberculose, sífilis, A maior parte do que conhecemos sobre os padrões de
papiloma, amiloidose, condroma, sarcoma, adenocarci- disseminação do câncer de laringe advém das secções
noma.

158
seriadas de laringe de Kirchner e dos estudos de injeção ressecando-se completamente uma prega vocal e até um
de corante de Pressman. A laringe contém várias barreiras terço anterior da prega contralateral (Figura 17.7). Pode
fibroelásticas que limitam a disseminação do câncer ser ampliada para inclusão do ventrículo laríngeo e/ou
inicial e permitem as ressecções parciais de laringe com segmento da subglote. Está indicada em tumores T1b e
margens adequadas. A história natural do carcinoma não ser utilizada quando há extensão posterior ao
epidermóide da laringe mostra que este se apresenta processo vocal da aritenóide, comprometimento do
confinado à laringe por meses devido à compartimenta- ventrículo laríngeo ou da superfície inferior da prega
lização da laringe por essas barreiras. Estudos clínicos e vocal. A mucosa da falsa prega vocal pode ser mobilizada
laboratoriais confirmam a relativa independência da para sutura na mucosa sub glótica, bem como os
supraglote do restante da laringe, em conformidade com remanescentes de cartilagem tireoide podem ser fixados.
a origem embriológica distinta conforme já relatado (2,18). Em geral, é possível reinstituir via oral em 48 h, já que
trata-se de procedimento em via aérea e é possível
Assim, as laringectomias parciais podem ser didatica-
decanulação em cerca de 7 a dez dias (18, 19).
mente divididas em verticais ou horizontais, conforme o
plano principal de clivagem empregado.
Figura 17.6 Laringofissura e cordectomia
Laringectomias parciais verticais
Além dos critérios gerais acima, existem alguns crité-
rios de seleção para este tipo de procedimento, ligados às
características específicas do tumor no tocante a seu
comportamento biológico e comprometimento ou não de
alguns subsítios anatômicos ao diagnóstico:
- Tumor que acomete a comissura anterior com prega
vocal móvel;
- Tumor de prega vocal móvel que acomete o processo
vocal e/ou a porção anterossuperior da cartilagem arite-
nóide;
Figura 17.7 Laringectomia frontolateral
- Tumor acometendo a subglote em menos de 10 mm
em sua face anterior;
-Tumor com fixação de prega vocal sem cruzar a linha
média;
- Tumor unilateral transglótico que não viole os
critérios anteriores;
- Tumor que acomete uma prega vocal, comissura
anterior e menos de um terço da prega vocal contralateral.
a) Cordectomia: consiste em ressecção total ou parcial
de uma prega vocal, dependendo da extensão do tumor,
por meio de abertura da laringe na linha média (proce-
dimento conhecido como laringofissura). As cartilagens c) Laringectomia frontal anterior: consiste na
tireoideas são afastadas e, por visão direta, resseca-se o ressecção da comissura anterior em monobloco para
tumor com margens oncológicas apropriadas (Figura tumores limitados à comissura anterior e que acometa
17.6). Este procedimento encontra-se em desuso face aos poucos milímetros de cada prega vocal (Figura 17.8). Ela
avanços das abordagens endolaríngeas que apresentam envolve, portanto, menor remoção paralela da quilha da
bons resultados oncológicos com morbidade muito menor cartilagem tireoidea. O fechamento pode ser primário,
(18, 19)
. mas alguns autores advogam uso de quilha de silicone
b) Laringectomia frontolateral: consiste na ressecção para prevenir sinéquias, o que requer segundo tempo
da comissura anterior em bloco com segmento da carti- cirúrgico para sua retirada que pode ser feita por via
lagem tireoidea por meio de uma clivagem triangular, externa sob anestesia local, ou interna por laringoscopia

159
rígida e anestesia geral. No caso de fechamento primário, Figura 17.9 Hemilaringectomia
a neocomissura anterior é a união entre as pregas vocais
e o pecíolo epiglótico que devem ser fixados com fio
inabsorvível. Da mesma forma, a alimentação via oral em
geral é possível após 48 h, mas a decanulação pode levar
cerca de 4 semanas. No caso de uso de quilha de silicone,
a decanulação só pode ser feira após sua retirada (18, 19).

Figura 17.8 Laringectomia


frontal anterior

Laringectomias Horizontais
a) Laringectomia Horizontal Supraglótica: consiste na
ressecção da epiglote, bandas ventriculares, pregas
ariepiglóticas, osso hioide (na maioria dos casos), porção
superior das cartilagens tireoideas e do conteúdo do
espaço pré epiglótico (Figura 17.10). Pode estender-se e
incluir uma cartilagem aritenóide, valécula e porção da
base de língua, além de parede medial do seio piriforme.
Quanto mais se amplia a ressecção maior a dificuldade
d) Hemilaringectomia: como o nome indica, consiste esperada na reabilitação. Ela está indicada principalmente
em ressecção de “metade da laringe”: remoção completa para os tumores supraglóticos T3 e T4 que não acometam
de uma cartilagem tireoide juntamente com partes moles ventrículos laríngeos (que são o limite inferior da
e mucosa sobrejascente incluindo toda a prega vocal e ressecção e, portanto, não podem estar comprometidos),
margens de mucosa superior e inferior (Figura 17.9). poupem uma aritenóide, não tenham extensão superior a
Está indicada nos tumores T2 que acometem comple- 1 cm na base da língua e nem invadam a parede lateral do
tamente uma prega vocal com extensão mínima supra seio piriforme ou grosseiramente a laringe. Tumores T1 e
e/ou subglótica conforme descrito anteriormente nos T2 apresentam melhores resultados com ressecção trans-
critérios de inclusão, e nos tumores T3 que estejam oral ou RT. Quando utilizada como abordagem primária
confinados a uma prega vocal sem extensão para deve-se sempre considerar associar esvaziamento cervi-
comissura anterior ou para subglote além de 10 mm. cal de acordo com o indicado para o status linfonodal,
Embora alguns autores afirmem não ser necessário devido à disseminação linfática mais frequente nos
nenhuma forma de reconstrução, a maioria acredita que tumores supraglóticos. Sonda para alimentação e traque-
sua realização melhora a coaptação glótica (20). Há várias ostomia são imprescindíveis e a reabilitação requer
técnicas de reconstrução com uso de pericôndrio externo fonoterapia. Aspiração é esperada nos primeiros dias e os
da cartilagem tireoidea, fáscia cervical, transposição do cuidados respiratórios devem sem intensos. A reinstitui-
músculo digástrico, cartilagem tireoidea e transposição ção da via oral pode ser feita em geral ao cabo de 3
da cartilagem epiglótica e retalho da banda ventricular. semanas preferindo-se alimentos pastosos/semi sólidos,
Porém, o uso do músculo esternohioide parece ser a já que líquidos são mais passíveis de aspiração devido à
técnica mais utilizada por mostrar-se segura, versátil, de rapidez de seu trânsito. Já a decanulação deve ser mais
resultados consistentes e execução relativamente fácil e tardia, após assegurados alimentação com aspiração
rápida, não aumentando muito o tempo cirúrgico. A mínima. Quase todos os pacientes submetidos a este
ressecção de maior quantidade de tecido laríngeo torna a procedimento apresentam algum grau de aspiração que
reabilitação mais laboriosa com necessidade de alimen- deve estar, portanto, dentro dos limites fisiológicos de sua
tação por sonda, em geral, por pelo menos uma semana, capacidade pulmonar (2, 18, 19).
e manutenção de cânula de traqueostomia enquanto não b) Laringectomia Horizontal Supra Cricóide com
se puder assegurar deglutição e passagem aérea satisfa- Cricoiodoepiglopexia: consiste na ressecção de toda a
tórias. Assistência fonoterápica pode ser de grande valia cartilagem tireoide incluindo os conteúdos paraglótico e
(18, 19)
. pré epiglótico, podendo envolver ainda uma das
aritenóides. Trata-se da laringectomia parcial mais

160
versátil, indicada para uma gama de tumores glóticos cisa ser tomado para que as suturas laterais não envolvam
T1b, T2, T3 e casos selecionados de T4 que estejam o nervo laríngeo superior. Sonda para alimentação e
confinados à laringe (Figura 17.11). Ou seja, são critérios traqueostomia também são requeridos, bem como
de exclusão para o procedimento: fixação da aritenóide, fonoterapia para reabilitação. A reinstituição da via oral e
extensão subglótica maior do que 15 mm anteriormente e decanulação requerem cerca de 3 a 4 semanas (18, 19, 21).
5 mm posteriormente, invasão da cricóide, invasão
maciça do espaço pré-epiglótico, assim como tumores Figura 17.10 Laringectomia horizontal supraglótica
tranglóticos grosseiramente invasivos com comprometi-
mento de parede faríngea, valécula, base de língua, região
interitenóide.
O tratamento do pescoço pode estar indicado
conforme o estadiamento e status linfonodal. O nome do
procedimento é auto explicativo quanto à reconstrução.
Consiste em 3 pontos de fio absorvível forte (em geral
fios de polímero do ácido glicólico nº0) envolvendo a
cricóide e circundando o osso hioide, fixando-se também
o pecíolo da epiglote. Cuidado especial nessa sutura pre-

Figura 17.11 Laringectomia supracricóide com cricohiodoepiglotopexia

ESTADIAMENTO Estadiamento para tumores da laringe

TUMOR PRIMÁRIO

TX O tumor primário O tumor primário não pode ser avaliado.


não pode ser avaliado.
T0 Nenhuma evidência de tumor primário.
T0 Nenhuma evidência
Tis
de tumor primário. Carcinoma “in situ”.
Tis Carcinoma “in SUPRAGLOTE
situ”.
T1 Tumor limitado a um subsitio de supraglote com mobilidade normal da prega vocal.

O tumor invade a mucosa de mais do que um subsítio adjacente de supraglote ou glote ou região fora da
T2 supraglote (por exemplo, mucosa da base da língua, valécula e / ou parede medial do seio piriforme) sem
fixação da laringe.

Tumor limitado à laringe com fixação da prega vocal e / ou invade qualquer um dos seguintes: área
T3
póscricóide, espaço pré-epiglótico, espaço paraglótico e / ou córtex interno da cartilagem da tireoideia.

161
Doença local moderadamente avançada.

T4a O tumor invade a cartilagem da tireoide e / ou invade os tecidos além da laringe (por exemplo, traqueia,
tecidos moles do pescoço, incluindo músculo extrínseco profundo da língua, musculatura pré tireoidiana,
tireoide ou esôfago).

Doença local muito avançada.


T4b
O tumor invade o espaço pré vertebral, envolve a artéria carótida ou invade as estruturas mediastinais.

GLOTE

T1 Tumor limitado a prega vocal (pode envolver comissura anterior ou posterior) com mobilidade normal.

T1a Tumor limitado a uma prega vocal.

T1b Tumor envolve ambos as pregas vocais.

T2 Tumor se estende a supraglote e / ou subglote e / ou com comprometimento da mobilidade da prega vocal.

Tumor limitado à laringe com fixação da prega vocal e / ou invasão do espaço paraglótico e / ou córtex
T3
interno da cartilagem da tireoide.

Doença local moderadamente avançada.

T4a O tumor invade através do córtex externo da cartilagem da tireoide e / ou invade os tecidos além da laringe
(por exemplo, traquéia, tecidos moles do pescoço, incluindo músculo extrínseco profundo da língua,
músculos pré tireoidianos, tireoide ou esôfago).

Doença local muito avançada.


T4b
O tumor invade o espaço prevertebral, envolve a artéria carótida ou invade as estruturas mediastinais.

SUBGLOTE

T1 Tumor limitado à subglote.

T2 Tumor se estende a prega vocal com mobilidade normal ou prejudicada.

T3 Tumor limitado à laringe com fixação da prega vocal

Doença local moderadamente avançada.

T4a O tumor invade a cartilagem cricóide ou tireoidiana e / ou invade os tecidos além da laringe (por exemplo,
traquéia, tecidos moles do pescoço, incluindo músculos extrínsecos profundos da língua, tireoide ou
esôfago).

Doença local muito avançada.


T4b
O tumor invade o espaço prevertebral, envolve a artéria carótida ou invade as estruturas mediastinais.

LINFONODOS REGIONAIS (N)

NX Os gânglios linfáticos regionais não podem ser avaliados.

N0 Não há metástase linfonodal regional.

N1 Metástase em um único linfonodo ipsilateral, ≤ 3 cm na maior dimensão.

Metástase em um único linfonodo ipsilateral, > 3 cm mas ≤6 cm na maior dimensão.


N2 Metástases em múltiplos linfonodos ipsilaterais, nenhum > 6 cm na maior dimensão.
Metástases nos linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhuma > 6 cm na maior dimensão

N2a Metástase em um único linfonodo ipsilateral, > 3 cm mas ≤ 6 cm na maior dimensão.

N2b Metástases em múltiplos linfonodos ipsilaterais, nenhum > 6 cm na maior dimensão.

162
N2c Metástases nos linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhuma > 6 cm na maior dimensão.

Metástase em um nódulo linfático, > 6 cm na maior dimensão.


N3a
OBS: todas as categorias acima: sem sinais clínicos de extensão extranodal

Quaisquer metástases linfonodais, única ou múltiplas com sinais clínicos de extensão extranodal: presença
N3b de envolvimento de pele ou invasão de partes moles com fixação a musculatura profunda ou estruturas
adjacentes ou sinais de envolvimento clínico de nervos.

METÁSTASES À DISTÂNCIA (M)

M0 Sem metástases distantes.

M1 Metástase distante.

Fonte: AJCC TNM 8ª Edição

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163
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164
sempre realizado diante da presença de doença
INTRODUÇÃO
metastática linfonodal (12).

Tumor primário oculto (TPO) é definido como a


presença de linfonodo metastático, comprovado por FISIOPATOLOGIA
citologia ou histologia, em que o sítio primário não é
detectado mesmo após extensa investigação (1, 2). A fisiopatologia envolvida no desenvolvimento do
Historicamente, esses tumores representavam até 7% dos TPO não é totalmente esclarecida, mas teorias foram
tumores em cabeça e pescoço (3), sendo um desafio formuladas na tentativa de elucidá-la. Toda metástase
diagnóstico mesmo na avaliação especializada. Nas cervical se origina de um tumor primário, sendo que esta
últimas décadas observou-se uma queda dessa ocorrên- manifestação clínica pode refletir uma neoplasia com
cia, em torno de 2%, estando relacionada, principalmente, elevada capacidade de metastatização. Dentre as hipóte-
ao avanço dos métodos diagnósticos e da cirurgia ses, destaca-se a provável involução do tumor primário,
transoral. Dessa forma, pode-se relacionar altas taxas de bem descrita em melanomas e aceita devido a casos de
TPO à propedêutica deficiente, no entanto, as taxas de tratamento efetivo em pacientes tratados apenas com
sobrevida não sofreram variações significativas e, por esvaziamento cervical. Outras hipóteses descrevem uma
isso, não devemos superestimar os exames complemen- lesão de tamanho pequeno devido à taxa de crescimento
tares (2, 4-6). lento e diferença histológica e genética entre o tumor
O TPO é mais comum em homens, com idade entre 55 primário e a metástase. Tumores ocultos podem permane-
e 65 anos e está associado a fatores de risco como uso de cer confinados ao tecido linfoepitelial da orofaringe, com
tabaco, álcool e infecção pelo HPV, majotariamente em crescimento lento nas criptas, sem serem observadas
populações mais jovens (3, 7-10). A maioria das metástases alterações histológicas nas mucosas. Além disso, a
cervicais se originam de tumores de cabeça e pescoço microanatomia das criptas é formada por membrana basal
(85%) e estando em 90% dos casos localizado na incompleta entre o epitélio e o tecido linfóide subjacente,
orofaringe (45% da tonsila palatina e 44% base de o que aumenta o risco de metástases para linfonodos
língua). O tipo histológico mais comum é o carcinoma de cervicais, mesmo em tumores milimétricos. Também foi
células escamosas (CCE), responsável por aproxi- identificado menor expressão de VEGF (fator de
madamente 65% dos casos de TPO, seguido pelo crescimento vascular endotelial) nestas neoplasias em
adenocarcinoma, carcinoma indiferenciado e tumor relação a outras com tumor primário conhecido. Isto
neuroendócrino (1, 2, 11). O TPO é uma doença inicialmente explicaria a inabilidade do tumor primário em crescer,
avançada e com pior prognóstico, pois o diagnóstico é haja visto que em tumores maiores que 3-4 mm

165
necessitam de neoangiogênese e o linfonodo é um principalmente os adenocarcinomas do trato gastrointes-
ambiente propício à replicação celular (4, 9, 11, 13, 14). tinal, pulmões e mama, sendo denominado Nódulo de
Virchow. Metástases bilaterias são mais comuns em
tumores de nasofaringe, base de língua, hipofaringe e
DIAGNÓSTICO
estruturas de linha média (1, 2, 5, 16).

A queixa de massa cervical está presente no cotidiano Figura 18.1 Níveis cervicais
do cirurgião de cabeça e pescoço. Elas podem ser
congênitas, inflamatórias ou neoplásicas. A história
clínica e o exame físico auxiliam muito no raciocínio
clínico, nos pacientes maiores de 40 anos com nódulos
cervicais palpáveis deve-se sempre considerar a possibi-
lidade de neoplasia maligna dentre as principais hipóteses
diagnósticas (15, 16). Como diagnóstico diferencial, nas
massas localizadas na linha média, consideramos
primeiramente o cisto tireoglosso e lateralmente cisto
branquial, linfangioma, linfoma, paraganglioma, linfade-
nopatias inflamatórias e outras. A queixa principal em
95% dos pacientes com TPO é a presença de massa
cervical indolor e sem resposta à antibióticoterapia (1, 2, 10,
16)
.
Durante anamnese avaliar sinais e sintomas que
podem auxiliar na identificação do tumor primário, como A TC e a RMN estendendo da base do crânio ao
obstrução nasal, otite média, epistaxe, disfagia, odinofa- mediastino superior identificam cerca de 20% dos
gia, otalgia e outras. Questionar o paciente sobre história tumores primários, e achados suspeitos são confirmados
pregressa de tumores, como carcinomas de pele, melano- após biópsia direcionada em torno de 60% dos casos.
mas, tumores de tireoide ou outros de via aérea e digestiva Estes exames auxiliam na:
superiores. O exame físico completo da região da cabeça
- Identificação de regiões com assimetrias ou irregulari-
e pescoço é fundamental. Deve-se realizar rinoscopia,
dades que podem direcionar futuras biópsias
oroscopia, laringoscopia indireta, palpação das amigdalas
e base da língua a procura de áreas assimétricas, - Avalição da extensão da metástase
irregulares, enduradas ou sangrantes. A fibronasolarin- - Relação com estruturas cervicais
goscopia é um exame útil que pode ser realizado pelo
próprio cirurgião de cabeça e pescoço no consultório, - Presença de extensão extra capsular
alguns permitem inclusive a realização de biópsia em - Avaliação de linfonodos contralaterais e retrofaríngeos
caso de lesões suspeitas (1, 6, 17).
A RMN é superior à TC na avaliação de partes moles
Na palpação cervical, definir o tamanho, aspecto e em nasofaringe e orofaringe (1). A TC do tórax e abdome,
localização dos linfonodos comprometidos. TPO apre- principalmente quando há acometimento de cadeias
senta-se normalmente como massa indolor, endurada, cervicais baixas, são indicadas para investigação de
com mobilidade reduzida. Com base no estudo de tumores não primários de cabeça e pescoço (6, 17, 19).
Lindberg (18), é possível definir os padrões comuns de
A tomografia com emissão de pósitrons associado à
metástase de acordo com a localização do tumor primário,
tomografia computadorizada (PET/CT) é o exame de
sendo um fator essencial para orientar a pesquisa do
escolha quando o exame físico e os exames de imagem
mesmo (Tabela 18.1 e Figura 18.1). As apresentações
iniciais são inconclusivos. Como desvantagens do
são unilaterais em 90% dos pacientes e o nível mais
PET/CT podemos citar altas taxas de falsos positivo e
comumente acometido é o nível II (mais de 50% dos
negativo, baixa disponibilidade nos serviços, alto custo e
casos), seguido do nível I e III (20%), o que está de acordo
exposição à radiação. Apesar disso, o PET/CT é bem
com a localização da maioria dos carcinomas de células
indicado para identificação do TPO em cabeça e pescoço,
escamosas de cabeça e pescoço. Metástases em nível IV
possuindo um valor preditivo positivo relatado de 88,9%
e V estão associadas a tumores abaixo da clavícula,
e sendo recomendado sua realização por diversas diretri-

166
zes (7, 19, 20). Este exame pode orientar realização de invasivos para auxiliar na realização de biópsias e
biópsias, determinar a extensão da doença, auxiliar no diminuir o risco de falso positivo em áreas previamente
planejamento da RT e no seguimento pós tratamento. manipuladas (1, 7).
Deve ser realizado preferencialmente antes de exames

Tabela 18.1 Distribuição de metástase linfonodal baseado no local do tumor primário

Linfonodo metastático Locais mais comuns de tumor primário

Submentoniano (Subnível IA) Cavidade oral anterior, lábio inferior e face

Submandibular (Subnível IB) Cavidade oral, cavidade nasal anterior, glândula submandibular e face

Jugular alto (Subníveis IIA e IIB) Orofaringe, cavidade oral, nasofaringe, laringe e hipofaringe

Jugular médio (Nível III) Orofaringe, cavidade oral, nasofaringe, laringe e hipofaringe

Jugular baixo (Nível IV) Orofaringe, laringe, hipofaringe e tireoide e tumores não primários de cabeça e pescoço

Triângulo posterior (Subníveis VA e VB) Nasofaringe, tireoide e couro cabeludo

Compartimento anterior (Nível VI) Tireoide, laringe, hipofaringe e esôfago superior

Mediastino superior(Nível VII) Tireoide e tumores não primários de cabeça e pescoço

Retrofaríngeo Nasofaringe e faringe posterior

Parotídeo Tumores de pele em face e couro cabeludo e glândula parótida

A realização da faringolaringoscopia rígida (FLR) sob descrito mais de 90% de sucesso na identificação do
anestesia é o procedimento de escolha para realização de tumor primário, contra apenas 25% no método tradici-
biópsia de lesões suspeitas a olho nu e palpação ou pelos onal de endoscopia. Se o tumor é identificado e ressecado
exames de imagem previamente realizados. A esofagos- com margens adequadas, considera-se sítio primário
copia e a broncoscopia podem ser realizadas nesse tratado com mudança no planejamento da RT, diminuição
momento nos pacientes que apresentam linfonodos supra- do campo de irradiação excluindo áreas como parótida,
claviculares (1, 9). A tonsilectomia ipsilateral e biópsia naso e hipofaringe, diminuição da dose aplicada ou
randômica da base da língua é uma abordagem possível mesmo a suspensão desta terapia, com redução das
de ser realizadas caso não se identifique lesões suspeitas, complicações associadas a esta modalidade (3, 22, 24). A
mas apresentam baixo valor diagnóstico (3, 21). Uma cirurgia transoral, no entanto, ainda tem o custo muito
metanálise recente descreveu 34% de tumores detectados elevado, estando disponível em poucos serviços e sem
com tonsilectomia e sendo 10% tumores sincrônicos superioridade comprovada nas taxas de controle da
bilaterias, o que pode indicar a necessidade de tonsilec- doença em relação à panendoscopia padrão. Discute-se
tomia bilateral (22). Há uma ressalva importante neste também maiores complicações como risco de sangramen-
contexto, se a amigdala é suspeita à endoscopia, é indica- to, queixa de dor, disfagia transitória e internação mais
do apenas biópsia direta da lesão e não tonsilectomia prolongada. Mais estudos são necessários para avaliar o
convencional. Isto é devido ao risco de manipulação custo e efetividade deste método (2, 9, 23, 25).
tumoral e margens comprometidas pela dificuldade em
Na ausência de identificação do tumor primário, a
extrair a amigdala pela técnica convencional e com
punção aspirativa com agulha fina (PAAF) da metástase
potencial piora do prognóstico, sendo a abordagem
cervical é o método preferido para diagnóstico patológico
cirúrgica transoral fortemente indicada (11, 21, 23). (26)
. Trata-se de um exame simples, com baixos custo e
Com a evolução da cirurgia transoral, tanto a risco, e possibilidade de estudo imunocitoquímico que
microcirurgia transoral a laser (TLM) quanto a cirurgia auxilia na identificação histológica e associação com
robótica transoral (TORS), têm levado diretrizes atuais a HPV e EBV. Também é possível dosar a tireoglobulina
recomendar a realização de tonsilectomia palatina da agulha do aspirado, que permite a associação da
bilateral e tonsilectomia lingual (mucosectomia) sendo metástase a tumor primário de tireoide (6). A sensibilidade

167
da PAAF varia de 83-97% e especificidade de 91 a 100% Algumas mudanças ocorreram na 8ª edição do Manual
(1)
. Se o resultado for inconclusivo, sugere-se realizar do Estadiamanto do Câncer da AJCC. Inicialmente, ficou
nova PAAF guiada por ultrassonografia. A biópsia aberta definido que a categoria T0 (tumor primário não pode ser
é a última opção, sendo reservado para pacientes com alta identificado) deve ser utilizado apenas para TPO, tumores
suspeição de malignidade e PAAF, imagens radiológicas de nasofaringe, orofaringe e glândulas salivares. Os
e panendoscopia negativas (1, 10, 19, 27). Isso se deve ao alto tumores também são classificados quanto à positividade
risco de rotura da barreira natural de crescimento da para infecção pelos Vírus EBV e HPV. Pacientes com
metástase linfonodal e disseminação para tecidos adja- positividade pra EVB devem ser estadiados como os
centes, com piora do prognóstico, não havendo diferença paciente com tumor primário de nasofaringe e os HPV
significativa entre a realização de biópsia incisional ou positivos, como tumor primário de orofaringe P16+ (12).
excisional (28). O estudo imunohistoquímico é fundamen-
Por definição, todo TPO é classificado N+, caracteri-
tal pois auxilia na provável origem histológica do sítio
zando, dessa forma, doença oncológica avançada. A
primário e define possíveis agentes causais, como o EBV
classificação a seguir se refere apenas aos tumores
e HPV, o que altera significativamente o manejo destes
primários ocultos não relacionados ao EBV e HPV (12).
pacientes (3, 7, 8, 12, 29).

Estadiamento para Tumores Primários Ocultos de Cabeça e


ESTADIAMENTO Pescoço Não Relacionados ao EBV e HPV

Categoria N Critérios N
Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados.

N0 Ausência de linfonodos metastáticos

N1 Metástase em um único linfonodo, ipsilateral > a 3cm em sua maior dimensão sem extravasamento extracapsular.

N2a - Metástase em um único linfonodo ipsilateral maior que 3 e até 6cm em sua maior dimensão sem extravasamento
extracapsular.
N2
N2b - Metástases múltiplas ipsilateral com nenhum linfonodo maior que 6cm e sem extravasamento extracapsular.
N2c - Metástases bilaterais ou contralateral sendo nenhum linfonodo maior que 6cm e sem extravasamento extracapsular.

N3a - Metástase em linfonodo maior que 6cm em sua maior dimensão e sem extravasamento capsular.
N3
N3b - Metástase em qualquer linfonodo de qualquer tamanho com extravasamento capsular.

Categoria
Critério M
M

M0 Ausência de metástase à distancia

M1 Metástase à distancia

Grupo de estadio prognóstico

T0 N1 M0 III

T0 N2 M0 IVA

T0 N3 M0 IVB

T0 Qualquer N M1 IVC

168
TRATAMENTO de 65%. A extensão da dissecção cervical depende da
apresentação da doença e fornece o estadiamento patoló-
gico, que é mais acurado e indica melhor a necessidade
Após a extensa propedêutica, se o tumor primário for ou não de tratamento adjuvante (17, 31). Além disso, a
encontrado, opta-se pelo tratamento de acordo com seu cirurgia tem baixas taxas de complicações, principalmen-
subsítio. Em pacientes com positividade para EBV ou te a longo prazo, menor custo em relação a RT e elimina
HPV, o tratamento deve ser direcionado à nasofaringe e a doença grosseira, com diminuição da dose de RT
orofaringe, respectivamente, conforme os protocolos pró- quando esta é indicada, reduzindo a toxicidade desta
prios (6, 9). No entanto, se o tumor primário mantiver modalidade de tratamento (6, 31, 32).
desconhecido, segue-se ao tratamento definitivo, que
pode ser unimodal (cirurgia ou RT exclusiva) ou Infelizmente, a maior parte dos pacientes apresentam
multimodal (cirurgia + RT com ou sem terapia sistêmica). estadiamento inicial maior ou igual a N2b, e o tratamento
Em pacientes com doença inicial, N1 e N2a, e sem de escolha nesses casos é a terapia multimodal que pode
histórico de biópsia, incisional ou excisional, de constar de cirurgia, quando esta é possível, seguida de RT
linfonodo cervical, o tratamento unimodal pode ser com ou sem QT adjuvante, ou quimiorradiação seguida
realizado. No entanto, pacientes com estadiamento igual ou não de cirurgia de resgate após 4 - 6 semanas (1, 30). A
ou superior ao N2b são candidatos a complementação realização do PET/CT 12 semanas após término da QT e
com RT e em caso de extravasamento extranodal é RT pode ser utilizada para definir a necessidade ou não
recomendado realização de tratamento sistêmico devido de esvaziamento cervical (10). Quando este encontra-se
ao alto risco de metástases à distância (6, 19, 30-32). negativo, está associado a um alto valor preditivo nega-
tivo (6). O resumo esquemático do diagnóstico e planeja-
A cirurgia primária inclui sempre que possível a mento do tratamento de pacientes com TPO encontra-se
dissecção cervical e tonsilectomia bilateral, com taxas de no Fluxograma 18.1.
controle locorregional de 80 a 90% e sobrevida em 5 anos

Fluxograma 18.1 Resumo esquemático para investigação e tratamento do TPO

Exame físico
TC + RNM

PET CT
FLR + Biópsia direta PAAF do linfonodo
Tonsilectomia ipsilateral

Adenocarcinoma
Inconclusiva: PAAF guiada por CCE, carcinoma pouco diferenciado
Benignidade Melanoma
ultrassonografia ou indiferenciado, neuroendócrino
Linfoma

Esvaziamento cervical +
Inconclusiva: Observar ou Investigação e
tratar Cirurgia transoral tratamento
Biópsia aberta apropriado
Tonsilectomia +
mucosectomia lingual

Legenda: TC: Tomografia computadorizada, RNM: Ressonância magnética, FLR: Faringolaringoscopia rígida, PAAF: Punção aspirativa por agulha fina, CCE:
Carcinoma de células escamosas, RxT: Radioterapia, QT: Quimioterapia.

Linfonodos com metástase de adenocarcinomas indi- negativas, sempre que possível, devem ser submetidos ao
cam necessidade de extensão de propedêutica para sítios esvaziamento cervical e quando os linfonodos acometi-
como tireoide, glândulas salivar e mamária, pulmões e dos são mais altos (Nível I – III), pode ser necessário a
estômago (6). Pacientes com tireoglobulina e calcitonina

169
parotidectomia parcial. Melanomas e linfomas devem ter damente 15%, e de segundo tumor primário de 4% (4). Os
avaliação e tratamentos apropriados (1, 6, 17). índices de sobrevida global variam de 85 a 90% em
pacientes N1 e N2 e menos que 50% nos tumores N3 (32).
O seguimento oncológico destes pacientes é realizado
O padrão de recidiva mais comum observado é a
como em outros tumores de cabeça e pescoço (6). A taxa
metástase a distância, evidenciando a agressividade e
de surgimento do tumor primário é baixa, aproxima-
capacidade de disseminação destes tumores (17)

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172
Capítulo 19 – Esvaziamentos cervicais

anos mais tarde, mostrou que em alguns casos não era


INTRODUÇÃO
necessário a retirada de todas as cadeias linfáticas, e
propôs o esvaziamento supraomohioide (7), e Ballantyne
O esvaziamento cervical é um procedimento cirúrgico propôs o esvaziamento jugular (2).
que consiste na retirada em bloco das principais cadeias
linfáticas cervicais. Foi descrito por Crile em 1906,
baseado nos trabalhos de Halsted para o câncer de mama. ANATOMIA

A região cervical tem uma grande concentração de


HISTÓRIA
linfonodos, assim como as axilas e as regiões inguinais.
Cada região anatômica tem sua rede de linfáticos, sendo
Até por volta de 1800 os cirurgiões acreditavam que abundantes em alguns sítios e escassos em outros, os
quando o tumor atingia os nódulos da região subman- quais drenam para grupos de linfonodos (9 - 11). Estes
dibular não havia mais nada a ser feito (1, 2). Warren, em linfonodos ficam reunidos formando cadeias de acordo
1847, já preconizava a remoção de linfonodos metastá- com as respectivas áreas de drenagem. Rouvière (8)
ticos quando presentes. Kocher (1880), descreveu a dividiu os linfonodos da região da cabeça e do pescoço
ressecção em bloco de um tumor de língua com a retirada separando-os em cadeias:
de linfonodos cervicais (3, 4). Em 1900, Butlin defendia a
retirada de linfonodos de rotina, mas ainda de forma não Cadeias Cervicais Superficiais
padronizada (1). Somente em 1906, Crile (3) publicou o
artigo apresentando o esvaziamento cervical radical, Anteriores - estão dispostas ao longo das veias jugulares
inspirado no trabalho de Halsted de esvaziamento axilar anteriores, recebem a linfa da pele da região anterior do
para o câncer de mama publicado poucos anos antes (2). pescoço (Figura 19.1).
Apesar da publicação de Crile em 1906, somente nas Laterais - acompanham as veias jugulares superficiais,
décadas de 1930 e 1940 é que o esvaziamento cervical foi são inconstantes e captam a drenagem da pele da região
padronizado e difundido por Hayes Martin (2, 5). Na parotídea, lobo da orelha, região retroauricular.
década de 1960 percebeu-se que o esvaziamento radical
poderia ter sua extensão diminuída com preservação de Cadeias Cervicais Profundas (Figura 19.2)
algumas estruturas não linfáticas, sem prejuízo do
Anteriores
resultado oncológico, com Suarez em 1962 e 1963
propondo o esvaziamento funcional (6). Bocca, quatro Linfonodos pré-laríngeos: estão localizados anteri-
ormente à membrana tireohioidea e à cricotireoidea. Eles

173
coletam a linfa da epiglote, seios piriformes, supraglote, - Linfonodos de cadeia jugular interna: também
infraglote, istmo e lobo piramidal da tireoide. podem ser subdivididos em altos, médios e baixos. As
Linfonodos pré-traqueais: são linfonodos pequenos referências anatômicas para esta subdivisão são:
e anteriores à traqueia. Recebem a drenagem da traqueia - Altos: desde a mandíbula até a bifurcação da artéria
e da glândula tireoide. carótida comum, no nível da borda superior da cartilagem
tireoide.
Figura 19.1 Linfonodos das cadeias superficiais, faciais, paro- - Médios: desde a bifurcação da artéria carótida
tídeas, retoauriculares e occipitais comum até a borda inferior da cartilagem cricóide.
- Baixos: desde a borda inferior da cartilagem
criocoide até a clavícula (13).

Cadeia Espinal
Seus linfonodos acompanham o nervo espinal acessó-
rio. Seus linfonodos mais superiores se confundem com
os jugulares altos, e os inferiores com os da cadeia da
artéria cervical transversa. Recebem linfa da nasofaringe,
da orofaringe, da pele da região occipital e cervical
posterior.

Cadeia da Artéria Cervical Transversa


Acompanhando a artéria cervical transversa, estes
linfonodos recebem linfa de outras cadeias inclusive
Linfonodos paratraqueais ou recorrenciais: tam- cadeias abaixo das clavículas. Se confundem mediamente
bém pequenos, porém mais numerosos. Eles acompa- com linfonodos jugulares baixos e lateralmente com
nham o trajeto dos nervos laríngeos inferiores, e recebem linfonodos espinais.
a linfa das glândulas tireoide e paratireoides, da traqueia
e da laringe, principalmente subglótica. Cadeia Submentoneana
Laterais Seus linfonodos estão localizados trígono submento-
Cadeia jugular: recebe linfa da cavidade oral, da neano, ou seja, entre os ventres anteriores dos músculos
orofaringe, da hipofaringe, da rinofaringe, dos seios digástricos (lateralmente), o osso hioide (inferiormente) e
maxilares, das glândulas parótidas, submandibulares e da a mandíbula (superiormente). Recebem linfa do lábio
tireoide, do esôfago cervical e da traqueia. Rouvière os inferior, da pele da região geniana, mucosa jugar, soalho
dividiu em: da boca, terço anterior da língua e vestíbulo nasal.
Linfonodos anteriores: ficam mediamente à veia
jugular interna nos seus terços superior e médio, Cadeia Submandibular
limitados, crânio e caudalmente, pelo ventre posterior dos Com linfonodos localizados no trígono submandibular
músculos digástrico e omohioide, respectivamente. Não é formado pelos ventres do músculo digástrico e pela borda
comum encontrarmos linfonodos anteriores à veia jugular inferior da mandíbula, esses recebem drenagem da
interna abaixo desse músculo. própria glândula submandibular da face, do lábio supe-
Linfonodos laterais: esses ficam lateralmente às veias rior, da mucosa jugar, da gengiva inferior, do soalho da
e são limitados superiormente pelo ventre posterior do boca, do palato mole e dos terços anteriores da língua, das
músculo digástrico e inferiormente pela veia subclávia. lojas amigdalinas e fossas nasais.

Os linfonodos da cadeia da jugular interna também


Cadeia Sublingual
podem ser subdivididos em altos, médios e baixos. As
referências anatômicas para esta subdivisão são: São inconstantes e dispostos ao redor da glândula
sublingual.

174
Cadeia facial Nível I - linfonodos submentoneanos (Nível IA)
submandibulares (Nível IB).
Acompanham a artéria facial e são inconstantes. Aqui
temos os linfonodos mandibular, bucinadore infra- Nível II - linfonodos jugulocarotídeos altos (nível IIA) e
orbitário. espinais altos (nível IB).
Nível III - linfonodos jugulocarotídeos médios.
Cadeia Parotídea Nível IV - linfonodos jugulocarotídeos baixos.
É divida em 3 grupos: linfonodos préparotídeos, Nível V - linfonodos do trígono cervical posterior (cade-
infraparotídeos e intraglandulares, recebem linfa da ias espinal baixa, cervical transversa, fossa supra-
glândula parótida, da pele da região frontal, couro clavicular).
cabeludo, das pálpebras, do nariz, lábio superior, conduto Nível VI - linfonodos do compartimento central desde o
auditivo e pavilhão auricular. osso hioide até o manúbrio esternal, limitados lateral-
mente pelas artérias carótidas comuns.
Cadeia retroauricular Nível VII - linfonodos mediastinais ântero-superiores.

Estão localizados posteriormente ao pavilhão e recebe Figura 19.3 Níveis cervicais


linfa do couro cabeludo, da região mastóidea e pele do
pavilhão.

Cadeia occipital
Situada na região occipital, ela recebe a drenagem do
couro cabeludo da sua parte posterior e da nuca

Cadeia retrofaríngea
São linfonodos pequenos situados posteriormente à CLASSIFICAÇÃO
faringe e anteriormente à fáscia pré-vertebral, desde a
base do crânio até no nível da cricóide. Recebem linfa da
nasofaringe, da parede posterior da orofaringe e da Os esvaziamentos cervicais são classificados quanto
às suas extensões em completos ou parciais, também
hipofaringe, da tuba auditiva, das fossas nasais, seios
paranasais. O linfonodo mais superior é chamado de chamados de seletivos (13, 15 - 17). Os completos podem ser:
linfonodo de Rouvière e está presente na metástase do Radical (ou radical à Crile):
carcinoma de nasofaringe.
Muito semelhante ao esvaziamento proposto por Crile
em 1906, onde além da remoção de quase todas as cadeias
Figura 19.2 Principais cadeias linfáticas cervicais
linfáticas do pescoço, também são retirados o músculo
esternocleidomastóideo, a veia jugular interna e o nervo
espinal acessório (XI). Linfonodos removidos: submen-
toneanos, submandibulares, infraparotídeos, jugulocaro-
tídeos altos, jugulocarotídeos médios, jugulocarotídeos
baixos, espinais, cervicais transversos e da fossa
supraclavicular (Figura 19.4).
Radicais Modificados
Nesta técnica, as mesmas cadeias linfáticas são
removidas, porém se preservando uma ou mais estruturas.
São subdivididos em 3 tipos. i.e.:

Nos anos 1990 Shah (12) apresentou uma divisão dos Tipo I: onde preserva-se o nervo espinal acessório.
linfonodos em níveis (Figura 19.3), inicialmente de I a V Tipo II: se preserva o nervo espinal acessório e a veia
e posteriormente incluído outros níveis, i.e. (13): jugular interna.

175
Tipo III: também chamado de esvaziamento funcional. uma determinada região, e se possível, mais uma cadeia
São preservados o nervo espinal acessório, a veia jugular como margem (Tabela 19.1).
interna e o músculo esternocleidomastóideo.
Radical Estendido Figura 19.4 Cadeias linfáticas
removidas no esvaziamento com-
Inclui outras cadeias não habitualmente removidas, pleto
como linfonodos retrofaríngeos, ou quando outras
estruturas são incluídas na ressecção, por exemplo,
musculatura cervical profunda ou a artéria carótida.
Esvaziamentos Parciais ou Seletivos
O princípio básico desses esvaziamentos é que seja
removida a primeira e segunda cadeia de drenagem de

Tabela 19.1 Tipos de esvaziamentos cervicais parciais

Esvaziamento Cadeias removidas Indicação

- Submentoneana e submandibular (nível I).


- Tumores de boca.
- Jugulocarotídea alta (nível IIA).
Supraomohioide - Tumores de orofaringe.
- Espinal alta (nível IIB).
- Tumores de gl. Salivares.
- Jugulocarotídea média (nível III).

- Jugulocarotídea alta (nível IIA).


- Tumores da laringe.
- Espinal alta (nível IIB).
Jugular ou lateral - Tumores da hipofaringe.
- Jugulocarotídea média (nível III).
- Tumores da tireoide.
- Jugulocarotídea baixa (nível IV).

- Espinal alta (nível IIB).


- Tumores de pele de região cervical
Póstero-lateral - Espinal média e baixa, cervical transversa e fossa supra-
posterior.
clavicular (nível V).

- Paratraqueais (recorrenciais), pré-traqueais e pré-laríngeos


Central ou
(nível VI). - Tumores da tireoide.
anterior
- Mediastinais superiores (nível VII).

176
Na maioria das vezes as metástases cervicais ocorrem Os esvaziamentos cervicais podem ser classificados
de forma sequencial acometendo inicialmente a primeira também quanto à indicação em:
estação de drenagem para depois progredir para as demais
De necessidade: como o próprio nome diz, está
cadeias. Raramente ocorre uma metástase para uma
indicado na presença de linfonodo clinicamente compro-
cadeia de drenagem sem que a primeira cadeia esteja
metido.
comprometida, porém em alguns poucos casos isto pode
ocorrer. A metástase pode “pular" as primeiras cadeias e De princípio: é indicado quando o tumor primário tem
acometer outra mais distante do sítio primário. incidência de metástase cervical alta, quer seja na
apresentação inicial, ou durante evolução da doença,
Supraomohioide: aqui são removidas as cadeias
como demonstrado no clássico trabalho de Lindberg de
linfáticas acima do músculo omohioideo. Ou seja,
1972 (14), onde foi demonstrada a incidência de metástases
linfonodos submentoneanos e submandibulares (nível I),
do carcinoma espinocelular por sítio primário. De modo
jugulocarotídeos altos (nível IIA), linfonodos espinais
geral ele é indicado para lesões do andar inferior da boca,
altos (nível IIB).
da orofaringe, da hipofaringe e da laringe supraglótica a
Jugular ou lateral: compreende as cadeias jugulares ou partir de T2. Tumores da base de língua já a partir de T1
níveis IIA, III e IV. também apresentam alta incidência de metástase cervi-
cal. Também está indicado nos tumores da glândula
Póstero-lateral: são removidos os linfonodos do nível
parótida, com alto grau de malignidade, exceto no
V.
carcinoma adenóide cístico, já que esse apresenta baixa
Anterior ou central: são dissecados os linfonodos dos incidência de metástase linfática (27 - 29).
níveis VI e VII.
De oportunidade: este esvaziamento é quando para o
A indicação destes esvaziamentos depende do sítio acesso ao tumor primário expomos uma região do
primário do tumor e o princípio é que sejam removidas as pescoço e oportunamente retiramos os linfonodos da
primeiras cadeias linfáticas de drenagem e mais uma dessa região.
cadeia distal como margem (Tabela 19.2).

Tabela 19.2 Incidência de metástases cervicais


Sítio Linfonodos % de metástase cervical
por sítio primário, segundo Lindberg (1972)
Língua oral 105/302 35%
Base de língua 144//185 78%
Soalho de boca 179/258 30.5%
Palato mole 35/80 44%
Área retromolar e pilar anterior 102/227 45%
Loja amigdalina 106/140 76%
Paredes de orofaringe 88/149 59%
Supraglote 147/267 55%
Hipofaringe 202/267 75%

Fonte: Ref. 14. Nasofaringe 147/169 87%

DIAGNÓSTICO DA METÁSTASE CERVICAL relaxa o músculo esternocleidomastóideo, facilitando o


exame. O linfonodo metastático em geral apresenta-se
aumentado e com consistência endurecida. O examinador
Primeiramente o exame físico, onde é feita a inspeção, deve avaliar sua mobilidade em relação às estruturas
seguida da palpação do pescoço que é realizada com o adjacentes, principalmente artéria carótida, musculatura
paciente sentado e o examinador posicionado por trás, cervical profunda, estruturas ósseas, e a laringe (18). A
utilizando os dedos, é feita um lado de cada vez, de forma localização do linfonodo metastático pode indicar a
sistemática e cuidadosa por todas as cadeias. Uma leve localização do tumor primário. Enquanto que em alguns
inclinação lateral para o lado que está sendo examinado pacientes a palpação do pescoço é facilitada até pelo

177
emagrecimento provocado pela doença, em outros ela pequenos focos metastáticos e de extravasamento
pode ser bem difícil principalmente em pacientes obesos, capsular.
brevilíneos e naqueles irradiados que apresentam edema
cervical com espessamento da pele. Por isto o exame Figura 19.5 Tomografia computadorizada mostrando linfono-
clínico é falho. Em geral não conseguimos palpar 20 a do retrofaríngeo com necrose central (seta azul)
30% das metástases cervicais (19 - 21).
O uso de métodos de imagem é útil principalmente em
pacientes que não apresentam linfonodopatia palpável
para a pesquisa de nódulos ocultos, ou naqueles com
linfonodopatia volumosa ou aderida às estruturas adja-
centes, por exemplo na pesquisa de comprometimento do
feixe vásculo nervoso (21, 22).
A TC tem acurácia de 90% (21, 24, 27), é bastante aces-
sível e consegue avaliar regiões onde normalmente não
conseguimos palpar como os linfonodos retrofaríngeos
(Figura 19.5). Os linfonodos metastáticos perdem a
forma fusiforme característica de linfonodo normal e se
tornam arredondados e com área central hipodensa pela A Ultrassonografia é um método relativamente
necrose. barato que quando usado isoladamente a acurácia não
A RMN possui custo mais elevados e tem um passa de 70%, com sensibilidade de 60% e
resultado muito parecido com a TC, porém, com especificidade de 77% (Tabela 19.3). No entanto,
vantagem de não ter artefatos (24, 26). Ela também tem quando associado à punção biópsia aspirativa com
menor capacidade de detecção de necrose central, de agulha fina (PAAF), a acurácia sobe para 89%,
sensibilidade para 76% e especificidade de 100%,
entretanto, é operador-dependente (23).

Tabela 19.3 Características dos linfonodos à ultrassonografia

Característica Sugestivos de benignos Sugestivos de malignos

Morfologia Elíptico, fusiforme, alongado Arredondados e confluentes

Ecogenicidade Homogêneos Hipoecogênicos, heterogêneos e com áreas de liquefação e microcalcificações

Hilo Central e hiperecogênico Excêntrico, fino ou inexistente

Córtex Afilado Espessado

Regular, liso, bem definido com planos


Contorno Bocelado, irregular, espiculado, mal definido
gordurosos

Distribuída na região subcapsular, desorganizada, hipervascularizada, vasos


Vascularização Na região hilar, pouca vascularização
irregulares, com shunt

TÉCNICA incisões para o esvaziamento cervical (Figura 19.6) e sua


escolha depende do sítio do tumor primário, de fatores
estéticos e da preferência do cirurgião, mas é sempre
O paciente é posicionado em decúbito dorsal horizon- importante respeitar a vascularização da pele do pescoço.
tal com hiperextensão cervical e a cabeça girada para o
lado oposto ao que vai ser esvaziado. Existem várias

178
Esta vascularização é originária principalmente das operatório. O curativo compressivo da fossa supraclavi-
artérias facial, occipital, cervical transversa e supraclavi- cular ajuda na prevenção desta fístula. A peça pode ou
cular (Figura 19.7). Deve-se evitar interseções de inci- não ser mantida em um bloco único com o tumor primário
sões sobre a artéria carótida para protegê-la no caso de quando esse é contíguo. Secção de linfonodos deve ser
complicações como deiscência de sutura ou necrose do evitada. A hemostasia é preocupação constante. Ao final
retalho com exposição da artéria (18, 25). A dissecção deve do procedimento, antes do fechamento dos retalhos
ser centrípeta em direção ao tumor primário. Cuidado cervicais, é feita manobra de Valsalva em busca de
especial é tomado na região inferior da veia jugular para identificação de sangramento venoso. Dreno de sucção
a ligadura do ducto torácico à esquerda e ducto linfático contínua é posicionado ao final. Curativo compressivo
à direita ou de seus ramos. Uma dissecção intempestiva em capacete facilita a cicatrização, pois mantém os
nesta região pode deixar uma dessas estruturas abertas retalhos colados, diminuindo espaço morto e formação de
propiciando a formação de fístula quilosa no pós- seromas ou mesmo hematomas.

Figura 19.6 Principais incisões para o esvaziamento


cervical

Legenda: (A) Conley; (B) Latyschevsky e Freund; (C) Buthin


(D) Semken; (E) MacFee;(F) em “Z"; (G) Atti; (H) Brown e
McDowell; (I) Ducuing; (J) Morestin; (K) Ecker e Byars; (L)
Martin; (M) em “taça”; (N) Arciforme (O) “H" de Barbosa.

Figura 19.7 Principais


OBJETIVO
artérias que irrigam os
retalhos cervicais
É importante lembrar que os esvaziamentos cervicais
têm como objetivos o tratamento e também o estadia-
mento do pescoço. A partir deste estadiamento, o
tratamento complementar será estabelecido, como a
associação de RT ou QT.

179
- Embolia Aérea: ocorre quando há perfuração da veia
FATORES PROGNÓSTICOS
jugular interna ou quando a sua ligadura se solta e a
pressão torácica negativa aspira o ar (30). Para evitar que
O estudo anátomopatológico do esvaziamento cervi- isto ocorra, esta ligadura deve ser transfixante.
cal fornece importantes informações que nos permitem - Bradicardia e Hipotensão: podem ocorrer pela
avaliar o prognóstico do tumor bem como definir manipulação do bulbo carotídeo com estímulo dos
tratamentos adjuvantes. barorreceptores. Geralmente são transitórios e melhoram
- N positivo ou negativo: a presença da metástase com o alívio da pressão sobre a carótida. Se persistir
cervical à apresentação ou na evolução do carcinoma podem ser empregados medicamentos anticolinérgicos
epidermóide de vias aerodigestivas superiores é o fator (30)
.
isolado mais importante no prognóstico da doença (22, 27);
- Seromas: devido à grande área de dissecção, o leito
- Tamanho do linfonodo: quanto maior o linfonodo cirúrgico produz um exsudato abundante, requerendo
comprometido pior o prognóstico; drenagem. Porém, mesmo após a retirada, pode haver
- Número de linfonodos comprometidos: quanto mais formação do seroma. Coleções de pequena quantidade
linfonodos comprometidos pior o prognóstico; podem ser apenas observadas para verificar se haverá
infecção ou então puncionadas seguido de curativo
- Localização do linfonodo: linfonodos comprome-
compressivo (30).
tidos em cadeias distantes do sítio do tumor primário têm
pior prognóstico e, inclusive, maior tendência a metástase - Infecção: os esvaziamentos cervicais isolados são
à distância. cirurgias limpas com baixo índice de infecção, porém
quando associados a outros procedimentos em que há
- Extensão extracapsular: a presença de ruptura da
comunicação com a cavidade oral ou com a faringe,
cápsula do linfonodo quer seja macroscópica ou
passam a ser cirurgias contaminadas. Se além disso temos
microscópica é fator de pior prognóstico, tanto que
a presença de tecidos desvascularizados, ou quando há
passou a ser adotada na 8ª edição do TNM.
presença de fístula faringocutânea, a infecção do pescoço
- Desmoplasia: interface de tecido fibroso entre o passa a ser comum. Também tem relação com as
tumor e o tecido normal. Sua presença indica pior condições do paciente, como desnutrição, imunossupres-
prognóstico. são, RT prévia e comorbidades e diabetes mellitus, por
exemplo.

COMPLICAÇÕES - Edema de Face: é uma complicação tardia princi-


palmente nos esvaziamentos bilaterais, devido ao linfede-
ma pela perda da circulação linfática.
Os esvaziamentos cervicais são procedimentos exten-
sos e, dependendo das condições clínicas do paciente, as - Estase Venosa: assim como no linfedema, é mais
complicações podem ocorrer. Por vezes, elas podem ser comum e acentuada quando se realiza o esvaziamento
graves, principalmente naqueles desnutridos e/ou bilateral e com sacrifício da veia jugular interna.
submetidos a RT e/ou QT prévias (Figura 19.8): - Fístula do Pólo Inferior da Parótida: complicação
- Hematoma: geralmente ocorre já nas primeiras horas muito rara. A ligadura do polo inferior da glândula
após o esvaziamento e, na maioria das vezes, com o parótida pode evitá-la (11, 25).
paciente ainda na sala de recuperação pós-anestésica. - Fístula quilosa: mais comum à esquerda, é facil-
Sangramentos de pequena quantidade podem ser tratados mente identificada pela secreção leitosa no dreno de
conservadoramente com ordenha do dreno de sucção e sucção. Ocorre de 0,62 a 6,2% (30). Importante é sua
refazendo o vácuo. Sangramentos maiores com hemato- prevenção com uma cuidadosa dissecção no nível IV,
mas progressivos devem ser abordados cirurgicamente com ligadura dos linfáticos desta região. Com o reconhe-
pelo risco do paciente entrar em insuficiência respiratória cimento e o tratamento precoce, que consiste em com-
obstrutiva. Além do efeito de massa com compressão da pressão da fossa supraclavicular, drenagem com pressão
traqueia, o hematoma infiltra a musculatura da faringe e negativa e medidas para diminuição da produção do quilo
da laringe provocando um edema submucoso, que às com repouso do trato gastrointestinal, seja por dieta
vezes dificulta uma intubação orotraqueal, sendo hipolipídica, principalmente sem os triglicérides de
necessária a realização de traqueostomia. cadeia longa pois estes passam pelo quilo e ao invés,

180
usarmos apenas triglicérides de cadeia média que são - Síndrome do Ombro: pelo sacrifício do nervo espinal
absorvidos diretamente na corrente sanguínea sem passar acessório, que leva à atrofia do músculo trapézio com
pelo quilo ou mesmo com o uso de nutrição parenteral. queda do ombro. Mesmo quando o nervo é preservado,
sua esqueletização pode levar a dor crônica com grande
Figura 19.8 Complicação de esvaziamento cervical bilateral impacto na qualidade de vida (32, 34). Se não houver metás-
tase com ruptura de cápsula na cadeia do nervo espinal,
este pode ser preservado (esvaziamento radical modifi-
cado). Caso o nervo necessite ser seccionado, a anas-
tomose imediata termino-terminal apresenta bons resulta-
dos com a reinervação chegando a 85% (33). O comprome-
timento da função do ombro leva a uma piora
significativa na qualidades vida destes pacientes, por isso
a importância de preservá-la (Figura 19.9) (34).

Figura 19.9 Paciente submetido a esvaziamento cervical


radical com dificuldade de elevação do ombro direito

O uso de somatostatina também é relatado com bons


resultados, porém, não temos experiência. Nos pacientes
em que este tratamento conservador não tem sucesso,
devemos então reabordar cirurgicamente onde o vaso
linfático lesado deve ser identificado e ligado. No caso
deste não ser identificado usamos então um retalho
muscular sobre a região para o fechamento da fístula.
Uma outra opção é a embolização do ducto torácico (31).
- Síndrome de Horner: com incidência de 0,5 a 10%
(30)
, está síndrome está relacionada com tração,
compressão ou lesão térmica da bainha carotídeo ou por
lesão do tronco simpático.

SEQUELAS - Motoras - pela ressecção de músculos, principal-


mente o esternocleidomastídeo, levando à dificuldade em
Funcionais fletir a cabeça.

- Síndrome do Bulbo Carotídeo: alguns pacientes - Perda da Sensibilidade da região pelo comprome-
apresentam lipotímia durante a palpação cervical com a timento do plexo cervical superficial.
manipulação da artéria carótida desprotegida pela ausên-
cia do músculo esternocleidomastóideo. O termo carótida Estéticas
é de origem grega, KAROTIKÓS, que significa soporí-
- Diminuição do diâmetro do pescoço.
fero, o que da sono, estupor, sonolência. Ela foi nomeada
por Galeno que já havia notado que a compressão da - Cicatrizes que às vezes podem ser hipertróficas,
artéria levava à lipotimia. principalmente quando não acompanham as linhas de
força de pele.

181
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182
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Capítulo 20 – Tumores do espaço parafaríngeo

malignas. É um espaço localizado superior e lateralmente


INTRODUÇÃO
à faringe e área tonsilar (Figura 20.1). Os tumores do
espaço parafaríngeo são infrequentes, perfazendo um
Os planos fasciais da cabeça e pescoço são associados total de 0,5 a 1,5% de todos os tumores de cabeça e
com potenciais espaços anatômicos, preenchidos com pescoço (1, 2). É também chamado de espaço faríngeo
tecido conectivo frouxo que se tornam importantes de lateral, ptérigo-maxilar, faringo-maxilar, ptérigo-farín-
maneira significante quando envolvidos por doenças geo, ptérigo-mandibular e perifaríngeo, porém, consa-
tumorais. Um desses espaços é o parafaríngeo, o qual grou-se como espaço parafaríngeo.
pode ser envolvido tanto por doenças benignas quanto

Figura 20.1 Representação do espaço parafaríngeo em um corte coronal esquemático e sobre tomografia

do músculo digástrico. O limite anterior é formado pela


ANATOMIA
fáscia interpterigóidea e do músculo bucinador, rafe man-
dibular do pterigóide e a cauda da glândula submandi-
O espaço parafaríngeo localiza-se profundamente no bular. Os limites laterais são o ramo ascendente da
pescoço, com os seus limites formando uma pirâmide mandíbula e os músculos pterigóides. A fáscia parotídea
invertida, sendo superiormente limitado pela base do profunda e ventre posterior do digástrico formam o limite
crânio e inferiormente pelo corno maior do osso hioide. póstero-lateral. Posteriormente, o espaço parafaríngeo é
O limite inferior do espaço parafaríngeo é o osso hioide, limitado pela coluna vertebral e músculos pré-vertebrais.
fáscia da glândula submandibular que está intimamente Medialmente é limitado pelo constrictor da faringe e
relacionada ao músculo estilohioideo e ventre posterior fossa tonsilar (Figuras 20.2, 20.3 e Tabela 20.1) (3).

183
Figura 20.2 Estruturas do espaço parafaríngeo em um corte esquemático axial

Figura 20.3 Estruturas do espaço parafaríngeo em um corte


esquemático coronal com seus limites e suas relações anatômicas

Tabela 20.1 Limites do espaço parafaríngeo


Superior Base do crânio.

Inferior Corno maior do hioide e fáscia da glândula submandibular.

Lateral Ramo ascendente da mandíbula e músculo pterigóide.

Póstero lateral Fáscia parotídea e ventre posterior do músculo digástrico.

Medial Músculo constritor superior da faringe e fossa tonsilar.

Fáscia interpterigóidea e bucinadora, rafe mandibular do


Anterior
pterigóide e cauda da glândula submandibular.

Posterior Coluna vertebral e musculatura paravertebral.

O espaço parafaríngeo é dividido em dois - Compartimento pós-estiloide (posterior): contém a


compartimentos (Tabela 20.2) pelo processo estiloide: veia jugular interna, carótida interna, IX, X, XI e XII
pares cranianos, tronco simpático e linfonodos. Seu
- Compartimento pré-estiloide (anterior): adjacente à
envolvimento causará sintomas relativos ao comprometi-
fossa tonsilar inferiormente e lateral à parede da
mento do par craniano envolvido.
nasofaringe e fosseta de Rosenmuller superiormente.
Contém a artéria maxilar interna, nervo alveolar inferior, Uma estrutura anatômica de relevância no espaço
lingual e auriculotemporal. Patologias neste espaço parafaríngeo é o ligamento estilomandibular que vai do
causam trismo devido ao envolvimento do músculo processo estiloide à borda posterior do ramo da
pterigóide, abaulamento da fossa amigdalina e palato mandíbula, formando, dessa maneira, o túnel estiloman-
mole e envolvimento do terceiro ramo trigeminal dibular (entre a base do crânio, ramo da mandíbula e
sensitivo e motor. ligamento estilomandibular). Tumores originados no lobo
profundo da parótida podem crescer em dois caminhos,
dependendo da sua origem, se lateral ou medial a esse

184
túnel. Os tumores de lobo profundo de parótida localiza- parafaríngeo). Aqueles tumores que se iniciam medial-
dos lateralmente crescem como se fossem um halter mente ao ligamento estilomandibular empurram medial-
(crescem tanto para o pescoço quanto para o espaço mente o palato mole abaulando-o (Figura 20.4) (4, 5).

Tabela 20.2 Estruturas que compõem o espaço parafaríngeo

Compartimento pré-estiloide Compartimento pós-estiloide

Carótida interna
Vasos Artéria maxilar interna
Jugular interna

Alveolar inferior Glossofaríngeo


Nervos Lingual Vago, hipoglosso e
Auriculotemporal Tronco simpático

Linfonodos
Outros
Sistema glômico

Figura 20.4 Desenho esquemático do túnel estilomandibular na manifestação dos tumores do lobo profundo da parótida. À esquerda
observamos o tumor de lobo profundo medial ao ligamento e abaulando palato mole. À direita o tumor é lateral ao ligamento e manifesta-
se abaulando o palato e o pescoço como um halter

MANIFESTAÇÃO CLÍNICA timento do ramo mandibular do nervo trigêmeo. Podem


ocorrer alterações na voz, tipo voz pastosa (voz de ‘batata
quente’) por abaulamento do palato e parede lateral da
Os tumores do espaço parafaríngeo, comumente faringe. Pode haver a presença de dor e disfagia associada
apresentam-se como massa assintomática no pescoço ou à sensação de corpo estranho na orofaringe, bem como
abaulando o palato mole ao exame em 50% dos casos obstrução respiratória (6).
(Figura 20.5). Com o passar do tempo e crescimento do
tumor, os sintomas são produzidos pela pressão tumoral
exercida nas estruturas vizinhas. Disfunção da tuba de
AVALIAÇÃO CLÍNICA
Eustáquio causando otite média serosa e surdez, além de
dor na garganta. Envolvimento de pares cranianos podem Devido à sua localização profunda no pescoço, o
causar sintomas e.g.: XII (desvio da língua), X espaço parafaríngeo torna-se difícil para a avaliação
(rouquidão), IX (disfagia) e XI (queda do ombro por clínica, sendo que as lesões ali localizadas tendem a ser
comprometimento do nervo espinal). As lesões malignas maiores do que 3 cm, manifestando-se, assim, como uma
podem causar paralisia destes nervos mais precocemente. massa na parede lateral da faringe (abaulamento do palato
Outras manifestações que podem ocorrer são a síndrome mole) ou no ângulo da mandíbula.
de Horner (comprometimento do tronco simpático) e
A avaliação radiológica é o pilar do diagnóstico e
dormência na face associado a trismo por comprome-
planejamento terapêutico. O principal fator na determi-

185
nação do tratamento é definir se a massa é parotideana ou mais de 90% dos pacientes. A biópsia pode ser realizada
extraparotideana. É necessário tanto a realização da TC quando há a suspeita de malignidade, preferencialmente
quanto a RNM, bem como de arteriografia para deter- uma punção aspirativa de agulha fina com pouquíssima
minar a localização e origem do tumor. Em cerca de 88% morbidade e riscos para o paciente. Biópsia incisional não
das vezes obtemos sucesso no diagnóstico correto com a está indicada devido ao risco de hemorragias, dissemina-
TC realizada no pré-operatório. Com a RNM o sítio da ção de doença maligna e também devido à dificuldade
origem tumoral pode ser determinado em 96% das vezes que causa pelo apagamento dos planos cirúrgicos, aumen-
(Figuras 20.6 e 20.7) (5, 7). tando assim as recidivas. Na avaliação imaginológica da
TC e RNM precisamos avaliar o deslocamento vascular
Figura 20.5 Massa submucosa abaulando o palato mole à causado pela massa parafaríngea. (Tabela 20.3).
direita (manifestação típica de tumor de espaço parafaríngeo)
Figura 20.6 RNM evidenciando um tumor em lobo profundo
de parótida à direita (adenoma pleomórfico, seta amarela) em
um achado casual para uma propedêutica neurológica

Por vezes, se a massa é extraparotideana e vascu-


larizada, necessitamos de arteriografia, angiotomografia
ou angioressonância para melhor caracterização da lesão
e definição do tratamento. A realização de biópsia pré-
operatória não é crucial porque a avaliação radiológica
adequada pode identificar a origem correta do tumor em

Figura 20.7 Tomografia computadorizada mostrando extensa massa ocupando o espaço parafaríngeo, tumor proveniente de lobo
profundo da parótida (adenoma pleomórfico)

186
Tabela 20.3 Deslocamento vascular dos tumores do espaço parafaríngeo

Tumor de lobo profundo de parótida Artéria carótida interna deslocada posteriormente.

Tumor de glândula salivar menor Artéria carótida interna deslocada posteriormente.

Tumores neurogênicos Artéria carótida interna deslocada anteriormente.

Paraganglioma vagal Artéria carótida interna deslocada anteriormente.

Tumor de corpo carotídeo Separação das artérias interna e externa acima do bulbo.

TIPOS DE MASSAS DO ESPAÇO mais frequentes. Também deslocam a carótida interna


PARAFARÍNGEO posteriormente.
- Tumores neurogênicos: são os que mais acometem o
A diversidade de estruturas que estão contidas no espaço parafaríngeo depois dos tumores de glândulas
espaço parafaríngeo ou adjacente a ele nos traz uma salivares. Podem comprometer tanto o compartimento
grande variedade de lesões que podem acometê-lo. Mais pré estilóide quanto pós estiloide e são quase sempre
de 70% dessas massas são benignas, originando-se mais benignos. A maioria são schwannomas (mais dolorosos e
comumente das glândulas salivares. A maioria das lesões solitários) e neurofibromas (multifocais, assintomáticos e
são os tumores de glândula salivar, schwannomas, com potencial maior de malignização que os schwanno-
linfomas e paragangliomas, perfazendo um total de cerca mas). Deslocam a artéria carótida interna anteriormente.
de 80% dos tumores do espaço parafaríngeo. Os 20% - Paragangliomas: que também são de origem
restantes podem ser os lipomas, lipossarcoma, hemangio- neurogênica, podem envolver o espaço parafaríngeo de
ma, fibrossarcoma, rabdomiosarcoma, leiomioma e le- duas origens, i.e. do gânglio nodoso do vago e do corpo
sões metastáticas (8, 9). Processos não neoplásicos como as carotídeo. Embriologicamente são derivados da crista
lesões inflamatórias fazem parte do diagnóstico diferen- neural e os paragangliomas vagais são mais frequentes de
cial. comprometimento do espaço parafaríngeo em dois terços
As diferentes patologias que acometem o espaço dos casos em relação aos tumores do corpo carotídeo.
parafaríngeo são (8, 9): Estes últimos são mais frequentemente encontrados na
bifurcação carotídea e podem ter um crescimento
- Tumor de glândula salivar menor (intrínseca ao superiormente para o espaço parafaríngeo. Menos de 10%
espaço parafaríngeo): os adenomas pleomórficos são os destes tumores do corpo carotídeo estendem-se para o
tumores mais comuns que se originam no espaço parafa- espaço parafaríngeo. Podem ser secretores de catecola-
ríngeo pré estiloide. Deslocam a carótida interna posteri- minas em 1 a 3% dos casos, com manifestações
ormente. sistêmicas importantes, sendo considerados tumores
- Tumores da glândula parótida: são os tumores que funcionantes. Podem ser multicêntricos na cabeça e
mais acometem o espaço parafaríngeo, no lobo profundo pescoço em 10%. Manifestam-se como massa no espaço
da glândula parótida no compartimento pré estiloide, parafaríngeo, com manifestação clínica do par craniano
sendo o adenoma pleomórfico o tumor mais frequente. envolvido e por vezes com extensão para base do crânio.
Podem crescer abaulando a orofaringe somente, ou No paraganglioma vagal pode haver abaulamento do
também abaular o pescoço, no ângulo da mandíbula. palato e parede lateral de orofaringe, rouquidão, zumbido
Estes tumores podem estar presentes por muitos anos e perda da audição. Nos tumores do corpo carotídeo há
antes de se manifestarem. Outras lesões tumorais que massa lateral no pescoço de crescimento lento, pulsátil,
podem acometer o lobo profundo são os tumores de movimento antero-posterior presente e céfalo-caudal
Warthin, que se apresentam com conteúdo cístico à TC. ausente (sinal de Fontaine), podendo abaular o palato e
Os tumores malignos do lobo profundo são raros, com parede lateral de orofaringe, paralisia de hipoglosso ou
menos de 5% dos tumores do espaço parafaríngeo, e rouquidão. Um estudo imaginológico com TC, RNM bem
dentre eles o carcinoma adenoide cístico, carcinoma ex- como suas variações angiográficas e arteriografia, são
adenoma pleomórfico, carcinoma mucoepidermóide, mandatórias no estudo pré-operatório para um bom
adenocarcinoma e o carcinoma de células acinares são os planejamento terapêutico. No paraganglioma vagal há o
deslocamento da carótida interna anteromedialmente e

187
nos tumores do corpo carotídeo temos a separação, ou muito seletiva e o papel da RT está crescendo no
alargamento da bifurcação da carótida ao nível do bulbo tratamento destes tumores, uma vez que estabiliza o seu
carotídeo (patognomônico dos tumores do corpo carotí- crescimento (10 - 13).
deo). Se secretores, os pacientes podem estar hipertensos
A escolha do tratamento é baseada no tamanho,
ou com sinais de hipermetabilismo. Há a necessidade de
localização do tumor, riscos do ato operatório, idade,
dosagem dos níveis séricos de catecolaminas e de ácido
ocupação do paciente e o(s) possíveis déficit(s)
vanilmandélico na urina. Um estudo mais sensível e
nervoso(s) resultante(s) da operação versus o potencial
específico pode ser feito para identificação de paragangli-
benefício do não tratamento cirúrgico como a abordagem
omas secretores, que é a cintilografia após a injeção de
inicial. Pacientes mais novos, com tumores isolados, com
meta-iodo-benzil-guanidina marcado com iodo radioa-
risco de lesão de um só par craniano, são candidatos a
tivo.
tratamento cirúrgico. Para aqueles pacientes idosos, com
tumores grandes, com um alto risco para lesão de
TRATAMENTO múltiplos pares cranianos, podem ser conduzidos somen-
te com o acompanhamento e observação (10). A remoção
dos paragangliomas de vago quase sempre há a necessi-
Os tumores do espaço parafaríngeo originários das
dade do sacrifício do nervo vago. Normalmente pode ser
glândulas salivares serão sempre de tratamento cirúrgico.
feito o tratamento a medialização da prega vocal e uso de
A abordagem cirúrgica dos tumores neurogênicos ou sonda nasoentérica para dieta, devido à aspiração pós-
neurovasculares em cabeça e pescoço tem mudado muito operatória. Para aqueles casos de paragangliomas vagais
ao longo da última década com um melhor entendimento bilaterais, há o risco de paralisia bilateral das pregas
do curso natural destes tumores. A cirurgia é a escolha vocais com consequente traqueostomia, que são mórbida-
para aqueles tumores do corpo carotídeo de 6 a 7 cm e des severas.
sem extensão para a base do crânio, uma vez que não há,
A RT tem se mostrado efetiva no tratamento dos
de hábito, a lesão de nervo craniano no per operatório.
paragangliomas e schwannomas, não erradicando o
Para aqueles paragangliomas originários de nervos do
tumor, mas estabilizando o seu crescimento que pode ser
espaço parafaríngeo há o impacto de muita morbidade
evidenciado com o acompanhamento dos exames de
para se realizar o tratamento cirúrgico. No passado havia
imagem. Calcula-se um controle de 92 a 100% na
pouco compromisso com a função dos nervos e muita
progressão da doença em um acompanhamento de 10
preocupação com o crescimento tumoral, e optava-se
anos com a dose de 45 a 54 Gy (10 - 13). Deve-se avaliar o
sempre pela realização da cirurgia de maneira precoce (10).
risco de aparecimento de tumores radioinduzidos, não
Estudos mostraram que estes tumores de origem sendo a RT o ideal para o tratamento em pacientes jovens.
neurogênica crescem de maneira muito lenta (em média
Para aqueles pacientes portadores de paragangliomas
1 mm por ano) e que a intervenção cirúrgica sempre causa
de corpo carotídeo com insinuação para espaço parafarín-
muita morbidade (sangramentos e lesão de nervos
geo, há o estadiamento proposto por Shamblin no início
cranianos) em detrimento, simplesmente, daqueles casos
da década de 1970 (34, 39) (Tabela 20.4). Geralmente
que foram acompanhados na evolução natural da doença.
ocorrem em pessoas mais idosas, maioria unifocal e
Isso fez com que a filosofia da observação e acom-
benignos. Apenas 10% podem ser malignos ou múltiplos
panhamento da doença se valesse para a maioria dos
ou familiar (10) e, felizmente, a maioria não é funcionante
pacientes. A abordagem cirúrgica agora é feita de maneira
ou secretor.

Tabela 20.4 Classificação de Shamblim para os tumores de corpo carotídeo

Shamblim Carótidas interna e externa não estão deslocadas pelo tumor, e os nervos hipoglosso e o laríngeo superior estão livres
Tipo I na superfície tumoral.

Shamblim O tumor abraça parte das paredes da carótida interna e externa causando um sulco no tumor, e os nervos hipoglosso e
Tipo II laríngeo superior estão em contato com o tumor com pequeno alargamento da bifurcação carotídea.

Shamblim
As artérias carótidas interna e externa estão envolvidas pelo tumor, e a bifurcação carotídea está muito alargada.
Tipo III

188
O tratamento medicamentoso para aqueles pacientes ções hemorrágicas e sequelas neurológicas. A indicação
com paragangliomas secretores deve ser feito para o do tratamento cirúrgico dos tumores neurogênicos do
controle da hipertensão e das manifestações cardiovas- espaço parafaríngeo, deve-se levar em consideração
culares de uma maneira geral com uso de bloqueadores fatores tumorais e individuais do paciente. Fatores
α-adrenérgicos. Para aqueles pacientes jovens com para- tumorais inclui a presença de malignidade, crescimento
gangliomas grandes no espaço parafaríngeo, em que a rápido e efeitos compressivos do tumor. Fatores ligados
cirurgia é de muito risco para lesão de vários nervos e a ao paciente são a severidade dos sintomas, o nível de
RT é de risco para o aparecimento de tumores radioin- preocupação do mesmo, bem como a idade. Devido à
duzidos aí, pode ser feito uma cintilografia com o meta- maioria das lesões serem unifocais, a abordagem
iodo-benzil-guanidina. Se positivo no sítio tumoral, esse cirúrgica deve ser considerada em pacientes jovens, se o
paciente é candidato ao tratamento com um análogo risco de lesão de apenas um nervo craniano acontecer é
inibidor da somatostatina, com resposta de diminuição bem aceitável (10).
tumoral em 15% dos pacientes (10).
A embolização pré-operatória, 24 a 48 horas antes da
Abaixo é demonstrado o algoritmo na abordagem operação, deve ser realizada nas lesões vasculares acima
terapêutica de paragangliomas e schwannomas do espaço de 3 cm, diminuindo o sangramento per-operatório,
parafaríngeo e região cervical conforme a idade do facilitando a dissecção do tumor e a consequente
paciente (10) (Fluxograma 20.1). identificação e preservação dos nervos cranianos. Para as
lesões grandes com envolvimento da artéria carótida
interna, pode-se fazer o teste da oclusão para demonstrar
ABORDAGEM CIRÚRGICA
a perveabilidade do polígono de Willis e, avaliar se
haverá suprimento sanguíneo no hemisfério cerebral
Todos os pacientes que se submeterão a tratamento contralateral em caso da necessidade de ligadura da
cirúrgico dos tumores neurogênicos do espaço parafarín- artéria carótida interna (3). A presença de um cirurgião
geo, deverão estar cientes da natureza da cirurgia e dos vascular para a eventualidade de um ‘by pass’ arterial é
riscos de lesão permanente de nervo craniano, complica- bastante bem-vinda.

Fluxograma 20.1 Conduta nos tumroes de corpo carotídeo

Idade do Paciente

Jovem Idoso

Envolvimento de um Múltiplos nervos Crescimento Observação


único nervo cranianos em risco

Radioterapia Estável
Cirurgia deve ser Observação
considerada

Observação
Crescimento Estável

Cirurgia ou
Radioterapia Observação

A ressecção cirúrgica completa é o tratamento de salivares menores (10). A biópsia incisional está indicada
escolha para os tumores do espaço parafaríngeo de apenas para aqueles casos de suspeita de malignidade.
origem do lobo profundo da parótida ou de glândulas

189
As vias de acesso para a ressecção dos tumores de - Abordagem Transparotideana: utilizada para os
espaço parafaríngeo estão descritas abaixo (9, 10, 3): tumores de lobo profundo da parótida, fazendo-se a
parotidectomia superficial com dissecção do nervo facial.
- Abordagem Transoral: usada para a ressecção de
Normalmente o tumor é ressecado por dissecção romba,
pequenas lesões originadas no espaço pré estiloide e que
tomando-se o cuidado para não haver ruptura da cápsula
se manifestam com abaulamento de orofaringe que não
tumoral e o consequente implante das células tumorais. O
são palpáveis no pescoço. Como exemplo temos os
processo estiloide pode ser ressecado para evitar a ruptura
tumores de glândula salivar menor presentes no espaço
tumoral, porque por vezes é muito pontiagudo.
parafaríngeo (maioria de adenoma pleomórfico). Obvia-
mente tem exposição limitada dos grandes vasos e do - Abordagem Transfaringea com Mandibulotomia:
nervo facial. Muitos autores são contra essa abordagem essa abordagem é utilizada para os tumores extrapa-
devido ao risco de ressecção incompleta do tumor, bem rotideanos maiores que são vasculares e que se estendem
como a ruptura tumoral, além de lesões de grandes vasos para a base do crânio. Podem ser empregados para os
e do nervo facial em caso de o tumor ser de lobo profundo tumores de lobo profundo da parótida com suspeita de
da parótida. malignidade ou para os carcinomas de orofaringe com
envolvimento do espaço parafaríngeo. A traqueostomia
- Abordagem Transcervical: feita através de uma
sempre deve ser feita. A mandibulotomia pode ser feita
incisão curva no pescoço a nível do osso hioide e utilizada
lateralmente e anteriormente no mento, preferindo-se esta
pela maioria dos autores para a ressecção dos tumores do
última para a preservação do nervo alveolar inferior,
espaço parafaríngeo de origem pós-estiloide. Depois da
seguindo-se através do assoalho da boca em direção
incisão com o descolamento dos retalhos cervicais,
posterior (via de acesso transmento-paraglosso, Figura
identificação dos vasos bem como das estruturas nervo-
20.8).
sas, pode-se seccionar o ligamento estilomandibular para
aumentar a movimentação da mandíbula anteriormente e - Abordagem Infratemporal: os tumores do espaço
se obter uma exposição adequada. Normalmente é um parafaríngeo podem ter um componente intracraniano e
espaço limitado em que a maioria dos tumores é resseca- no osso temporal. É uma abordagem feita através de uma
do através da dissecção romba. Alguns autores advogam incisão posterior e acima do pavilhão auricular, curva e
a necessidade de mandibulotomia no seu ângulo para uma descendo pela mastóide, passando pela borda anterior do
melhor exposição. Essa abordagem transcervical, sem músculo esternomastoideo. O retalho é descolado anteri-
mandibulotomia, pode ser realizada para a ressecção de ormente fazendo-se a parotidectomia com exposição do
paragangliomas ou outras lesões avasculares extraparoti- nervo facial bem como a mastoidectomia. Dessa forma
deanas menores do que 5 cm de diâmetro. temos acesso à jugular interna junto ao seu forame,
carótida interna e osso temporal.

Figura 20.8 Abordagem transfaringeana com mandibulotomia para ressecção de adenoma pleomórfico lobo profundo de parótida

190
REFERÊNCIAS

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192
INTRODUÇÃO foram examinados em um serviço terciário sem atraso (1).
Percebemos também que pacientes do sexo masculino
tendem a se cuidar menos, e são mais resistentes a
Fatores prognósticos são aqueles que predizem o risco procurar os serviços de saúde, portanto, tendem a chegar
de recidiva ou de morte, independente do tratamento com doença mais avançada do que pacientes do sexo
empregado. Fatores preditivos são aqueles que distin- feminino, independente de renda familiar e nível de
guem entre os pacientes que responderão a determinado educação (1).
tipo de tratamento
O paciente foi responsável pelo atraso no diagnóstico
Podemos avaliar estes fatores em vários momentos, em 58,3% com média 4,2 meses. Outro médico tardou a
desde o atendimento inicial com dados clínicos da encaminhar o paciente em 5,7% mas com média de 12,3
história do paciente até após o resultado do exame meses, um dentista foi responsável em 3,3% e teve média
anatomopatológico da peça cirúrgica. A análise destes de 6,5 meses e farmacêutico ou balconista 3,9% com
fatores pode predizer a tendência do comportamento do média de 3,5 meses (Tabela 21.1).
tumor e da evolução da doença nos permitindo indicar o
melhor tratamento para o paciente. Abdo e cols. (2) analisando pacientes com câncer de
boca, atendidos pelo SUS do Hospital Mário Penna, Belo
Horizonte, MG, mostraram que o tempo desde o
CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS aparecimento dos primeiros sintomas até o paciente ter
sua primeira consulta com o cirurgião de cabeça e
Inicialmente, e infelizmente, a condição soci- pescoço foi de 169,4 dias para homens e de 215,4 dias
oeconômica algumas vezes interfere no prognóstico para mulheres.
destes pacientes. Pacientes com nível educacional mais A importância disto é que o principal fator prognóstico
baixo, desinformados, tendem a não valorizar os sintomas é o diagnóstico precoce da patologia tumoral com o
iniciais e a demorar mais para procurar auxílio médico. pronto tratamento efetivo para a boa recuperação do
Por vezes nos procuram quando estão com muita dor ou paciente, para que ele retome seu trabalho e vida social.
com disfagia importante, que são sinais de doença Com isso implicamos que o diagnóstico com estadia-
avançada. Conhecemos nossa realidade e sabemos da mento precoce, que tem influência direta da condição
dificuldade de ter acesso aos serviços públicos de saúde socioeconômica, é o principal fator de prognóstico nos
que, apesar de sua ampla cobertura, na prática são tumores de cabeça e pescoço.
limitados e burocráticos. Apenas 17,6% dos pacientes

193
Tabela 21.1 Média de tempo gasto até o paciente com câncer tudo isso (cigarro e alcoolismo) e o paciente entra em
de cabeça e pescoço chegar ao cirurgião estado de negação dos fatos (5). O concurso de um
psicólogo pode ajudar na tomada de decisões do paciente.
Profissional de Saúde Tempo
Farmacêutico/Balconista 3,5 meses Qualquer outra patologia associada que compro-
Dentista 6,5 meses meta a condição clínica do paciente
Médico 12,3 meses Por exemplo, pneumopatias, doenças cardiovascula-
Fonte: Kowalski et al., 1994. res, doenças renais, é fator prognóstico pois muitas vezes
limita o tratamento ideal. Não é raro nos depararmos com
paciente cujo tumor tem indicação clássica de tratamento
CONDIÇÕES CLÍNICAS DO PACIENTE cirúrgico, mas devido à falta de condições clínicas do
paciente somos obrigados à uma segunda opção de
Estado nutricional tratamento que nem sempre terá a melhor resposta.
Pacientes desnutridos apresentam menos condições de
tolerar o tratamento, maior índice de complicações e HISTÓRIA CLÍNICA
menor sobrevida. A cicatrização não ocorre de maneira
adequada, sobrevém fístulas e infecções com alta perma-
Clinicamente podemos inferir que a presença de
nência hospitalar. A desnutrição também torna o paciente
alguns sintomas pode traduzir uma doença mais
imunossuprimido, e daí, vem a importância da multidisci-
avançada. Em geral, os tumores em mucosa na fase inicial
plinaridade, com o concurso da nutrologia, no tratamento
são lesões indolores ou pouco dolorosas, portanto, a
dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Baptistella
presença de otalgia também mostra que o tumor já tem
e cols. (3), estudando tumores de orofaringe demonstraram
algum grau de infiltração (Figura 21.1).
que pacientes com perda de peso moderada a severa (>
5%) ao diagnóstico, tiveram maior incidência de recidiva
e mortalidade. Figura 21.1 Fisiopatologia da otalgia

Comorbidades
Imunosupressão (HIV, Transplantados)
Sabidamente pacientes imunossuprimidos têm piores
prognósticos de suas doenças tumorais e uma incidência
muito aumentada de aparecimento de tumores. Temos
como exemplos os carcinomas espinocelulares de pele em
transplantados, que se comportam de forma mais aguda
(epiteliomas agudos) com evolução extremamente rápida,
alta incidência de metástases e recidivas. Transplantados
renais, por exemplo, têm 20 vezes mais chances de desen-
volverem câncer de pele do que a população em geral (4).
Já os pacientes HIV positivos têm maior incidência de
linfomas, sarcomas e outros tumores de uma maneira
geral.

Estado Psicológico
Atenção ao paciente pusilânime, pessoa fraca de
ânimo, de energia, de firmeza e decisão. Este é um fator
de difícil análise, mas percebemos sua influência, O mesmo acontece com a disfagia e a dispneia. São
principalmente na evolução pós-operatória. Pensamos sinais indiretos que podem sugerir um tumor num estado
que tem muito a ver com a cognição do paciente em não inicial. Alguns tumores de cabeça e pescoço em suas
entender o que está lhe acontecendo, o que lhe causou fases iniciais não causam sintomatologia, são incidiosos

194
e se manifestam com a presença de metástases cervicais Outro fator importante no prognóstico do estadia-
(tumores de seio piriforme e nasofaringe). E como mento, T é a ressecção de maneira adequada da lesão
sabemos, a presença de metástases cervicais talvez seja o primária com margens cirúrgicas livres de comprometi-
principal fator prognóstico a longo prazo para os tumores mento tumoral. Margens de ressecção comprometidas
de cabeça e pescoço. Na laringe, em região glótica, temos obviamente reduzem a chance de controle da doença e é
a rouquidão que aparece de forma precoce, que de alguma um fator de mau prognóstico. Quanto maior o tumor,
maneira, ajuda o paciente a procurar ajuda mais rápida- maior a possibilidade de ressecção sem margens livres,
mente. sendo então, obviamente, os tumores T4 de pior prognós-
tico. Lesões muito bem diferenciadas, como o carcinoma
verrucoso, não se metastatizam, o que de certa forma
ESTADIAMENTO influencia no prognóstico. Broders (6), na década de 1920
descreveu graus diferentes de diferenciação tumoral
Quanto maior tamanho do tumor primário (T), pior o sendo grau I um tumor bem diferenciado, grau II tumor
prognóstico. Além do tamanho em si, importante também moderadamente diferenciado, grau III tumor pouco
a infiltração da camada basal, o que já é considerado no diferenciado e grau IV indiferenciado. Isso tem implica-
estadiamento dos cânceres da boca e é imediatamente ções no prognóstico bem como no tratamento, uma vez
abaixo da camada basal que está a rede de vasos que as lesões bem diferenciadas respondem melhor ao
linfáticos. Em outras regiões esta profundidade não é tratamento cirúrgico e resposta ruim à RT. E as lesões
considerada no estadiamento, ainda, mas percebemos que indiferenciadas que necessitam do tratamento cirúrgico e
também tem valor prognóstico. Lesões planas, pouco têm melhor resposta à RT. Há diferenças também no
infiltrativas tem melhor resposta ao tratamento comportamento destas lesões, sendo as bem diferenciadas
radioterápico, enquanto que lesões profundas, com com tempo de evolução mais longo e as indiferenciadas
necrose central ou com acometimento ósseo tendem a com tempo de evolução mais rápido e com metástases
responder pior ao tratamento. cervicais mais frequentes.

Nos tumores de orofaringe a relação com o HPV já


N - Presença de Linfonodos Cervicais Positivos
está estabelecida e a partir do TNM 8ª edição de Janeiro
de 2018 (AJCC), passou-se a dividir os tumores em HPV O fato de o paciente apresentar metástase linfonodal
positivos ou HPV negativos. Os carcinomas relacionados cervical já reduz a sobrevida pela metade quando compa-
ao HPV tendem a ter melhor prognóstico com evolução rado com pacientes sem metástase (7). Mas além da
mais favorável, ótima resposta ao tratamento radiote- presença ou não da metástase para linfonodos, é prognós-
rápico e quimioterápico, embora se apresentem com tico também o número de linfonodos comprometidos bem
metástases cervicais até volumosas. Assim foi alterado como a o seu tamanho e a lateralidade em relação ao
tanto a classificação T quanto a N destes tumores. Apesar tumor primário. Estes fatores são traduzidos no N do
do prognóstico melhor, estes pacientes apresentam me- estadiamento
tástase à distância com maior freqüência. Outros tumores
também têm um prognóstico diferente quando relaciona- Cadeia Acometida
dos com vírus, como o carcinoma de nasofaringe EBV+
(vírus de Epstein-Barr) e o carcinoma de células de Quanto mais distante do sítio primário a cadeia
Merkell Poliomavírus positivo, com respostas melhores linfonodal for acometida, pior o prognóstico. Em geral,
ao tratamento. A suposição é que estes tumores induzidos nos carcinomas espinocelulares de vias aerodigestivas
por vírus necessitem de menos mutações genéticas para superiores, as metástases linfáticas têm um padrão de
seu desenvolvimento e, por consequência, menor varia- disseminação a partir do sítio primário para a primeira
ção de clones de células tumorais, enquanto que os tumo- cadeia de drenagem, depois a segunda e assim prossegue.
res induzidos por tabaco e álcool apresentam mais Quando encontramos um paciente com metástase
linfática numa cadeia distante do sítio primário (skip
mutações genéticas com mais clones celulares, inclusive
metastasis), estes pacientes têm pior prognóstico. De
resistentes a RT e QT. Portanto, o fator etiológico viral
igual maneira temos um pior prognóstico quando o
no câncer de cabeça e pescoço tem influência direta no
paciente se apresenta com metástase contralaterais ao
prognóstico.
sítio primário da lesão (9).

195
ESTADIAMENTO Estadiamento para Tumores de Boca

Tamanho Profundidade
T1 até 2 cm até 5 mm
T2 2 a 4 cm 5 a 10 mm
T3 > 4 cm > 10 mm

(Lábio) além da cortical da mandíbula nervo alveolar inferior, soalho da boca ou pele. (cavidade
T4a
oral) além da cortical da mandíbula, seio maxilar, pele da face

T4b Espaço mastigador, placa pterigoide, base do crânio ou carótida interna


p16 negativo
N1 1 Ln até 3 cm sem extensão
extranodal
sem extensão
N2a 1 Ln de > 3 a 6 cm
extranodal
N2b Múltiplos > 3 a 6 cm sem extensão
extranodal
sem extensão
N2c Bilaterais ou contralateral até 6 cm
extranodal
sem extensão
N3a > 6 cm
extranodal
N3b 1 ou mais com extensão
p16 positivo
N1 Até 6 cm
N2 Até 6 cm contra ou bilateral
N3 > 6 cm
NX Incapaz de avaliar os linfonodos
N0 Sem linfonodos metastáticos
N1 1 Ln até 3 cm sem extensão
extranodal
sem extensão
N2a 1 Ln de > 3 a 6 cm
extranodal
sem extensão
N2b Múltiplos > 3 a 6 cm
extranodal
sem extensão
N2c Bilaterais ou contralateral até 6 cm
extranodal
sem extensão
N3a > 6 cm
extranodal
N3b 1 ou mais com extensão com extensão
Fonte: AJCC Cancer Staging Manual, Eighth Edition, 2018.

Extensão Extranodal PERSISTÊNCIA DO TABAGISMO


N3b (qualquer linfonodo com extravasamento
extranodal) - sem dúvida este é o fator de pior prognóstico Pacientes que mantém o tabagismo durante a RT e QT,
para os carcinomas espinocelulares de cabeça e pescoço. ou mesmo após, podem aumentar a gravidade e duração
Muitas vezes este extravasamento tumoral pela cápsula das reações na mucosa, piorando a xerostomia e compro-
do linfonodo implica na fixação do tumor a estruturas metendo a evolução (10). Às vezes é necessário interrom-
adjacentes, e.g. artéria carótida, musculatura cervical per as sessões de radio ou QT por mucosite severa, e isto
profunda, vértebras, o que pode torná-lo irressecável. é mais frequente no paciente tabagista, o que implica no
Biópsias de linfonodos metastáticos, principalmente comprometimento do tratamento. Estes pacientes tiveram
as inficionais, devem ser evitadas pois há ruptura da taxa de resposta completa significativamente menor e
cápsula do linfonodo, facilitando a extensão tumoral e sobrevida em 2 anos também menor quando comparados
piorando o prognóstico. com pacientes que cessaram o tabagismo (11). Mesmo
aqueles pacientes com câncer de orofaringe HPV positi-

196
vos, mas que mantiveram o hábito, apresentaram mortali- onde encontramos pontos de clivagens de tecidos de
dade maior quando comparados com não fumantes (12). diferentes origens embriológicas, ou mesmo devido à
presença de estruturas nobres que quando ressecadas
causam grande deformidade estética e/ou funcional, o que
PRESENÇA DE TRAQUEOSTOMIA
pode levar alguns cirurgiões a economizarem nas mar-
gens. Outra região importante de clivagem embriológica
Em pacientes com carcinomas de laringe e de é a área de implantação do pavilhão auricular.
hipofaringe, a presença de traqueostomia prévia à cirurgia
favorece as recidivas peritraqueostomas. Talvez pela
dificuldade de ressecção e a dificuldade em realizar o Figura 21.3 Linha de Öhngren - passando no plano entre o
esvaziamento da cadeia linfonodal VI nestes casos, canto interno do olho e o ângulo da mandíbula
devido a fibrose e processo inflamatório instalados.
Estas recidivas peritraqueostomas foram estudadas e
classificadas por Sisson (Figura 21.2) (13). Elas possuem
valor prognóstico relevante no contexto geral da sobre-
vida do paciente, com prognóstico bastante desfavorável,
mas também com valor importante quanto à altura de sua
ocorrência. As recidivas Tipo I de Sisson são aquelas
localizadas mais superiormente, as Tipo II são localizadas
entre o traqueostoma e a base lingual, a Tipo III é a
peritraqueostoma propriamente dita e as Tipo IV são
aquelas mais laterais sob a clavícula. Estas duas últimas
geralmente são de difíceis ressecções sendo normalmente Figura 21.4 Representação do “T" facial
inoperáveis (13, 14). Outra causa da recidiva peritraqueos-
toma é a extensão subglótica do tumor de laringe.

Figura 21.2 Recidivas peritraqueostomas tipo I e tipo III de


Sisson respectivamente

LOCALIZAÇÃO DOENÇA RECIDIVADA

A localização do tumor no seu sítio primário já pode Quando lidamos com doença previamente tratada e
ter valor prognóstico. Os tumores dos seios maxilares que que apresenta recidiva, já esperamos menor sucesso no
se localizam na parte póstero superior, ou seja, posterior tratamento. Isto se deve à manipulação prévia que às
à linha de Öhngren (Figura 21.3) apresentam pior prog- vezes dificulta a identificação correta de margens, ou por
nóstico. Isto porque têm maior chance de infiltração de menor possibilidade de empregarmos estratégias tera-
estruturas da base do crânio, o que dificulta tanto a pêuticas, e.g. uma nova RT. Pode ser ainda simplesmente
ressecção quanto a irradiação. sinal de maior agressividade do tumor ou mesmo altera-
ção do comportamento tumoral.
Carcinomas de pele na região do “T" facial (Figura
21.4) apresentam maior incidência de recidivas, piorando
o prognóstico. Isto é atribuído ao fato de ser uma região

197
Figura 21.5 Tumor de lábio recidivado após ressecção. Lesão mostra alguma expressão genética permitindo a localiza-
inicial no primeiro tratamento, evoluiu com recidiva precoce e ção de antígenos em tecidos, explorando o princípio da
agressiva ligação específica de anticorpos, indicando etiologia e
comportamento tumoral como no caso da expressão do
p16 que tem relação direta com o HPV no câncer de
orofaringe.
A pesquisa direta do HPV é possível, mas é um
procedimento caro e trabalhoso, inviabilizando o método,
e ao mesmo tempo o p16, um inibidor ciclino-kinase-
dependente, é um biomarcador da função da HPV-
ocnoproteína que é minimamente detectável nos tumores
não relacioanados ao HPV.
Mas estes fatores todos ainda são muito pobres e em
geral mostram sinais indiretos do comportamento dos
tumores. Precisaríamos conhecer a genética individuali-
zada dos tumores para a partir de uma biópsia inicial já
sabermos não apenas se trata-se de um carcinoma
espinocelular, mas também de seu comportamento, se é
do tipo que dará metástase cervical ou não, ou se
responderá bem à RT ou a qual QT / imunoterápico terá
O EXAME ANATOMOPATOLÓGICO melhor resposta ou menor efeito colateral. Este estadia-
mento genético explicaria casos fora do padrão que
conhecemos hoje. Não é raro tratarmos tumores iniciais,
O exame anatomopatológico atualmente nos mostra o
de lábio por exemplo que é uma região que até atendemos
tipo histológico, o grau de diferenciação do tumor,
pacientes com doença inicial, fazemos a ressecção ampla,
presença de invasão angiolinfática, perineural e margem
margens livres e o tumor recidiva. Então reoperamos,
cirúrgica. Estes 3 últimos são fatores de mau prognóstico
irradiamos, submetemos a QT e ainda assim não controla-
e, inclusive, são critérios para a necessidade de adjuvân-
mos a doença. E nos deparamos também com situações
cia com RT e ou QT. Todas estas são características mor-
inversas. Tumores bastante avançados, volumosos, com
fológicas sobre as quais tentamos predizer o comporta-
invasão de estruturas e que apresentam respostas
mento biológico, o que corresponde em muitos casos.
surpreendes à RT. Acreditamos que no futuro teremos
O exame por imunohistoquímica trouxe um avanço marcadores genéticos que irão guiar nossa prática,
permitindo não apenas a identificação de tumores pouco identificando os fatores prognósticos e preditivos,
diferenciados, que até então tinham sua linhagem não possibilitando o emprego do melhor tratamento e com
estabelecida ao exame anatomopatológico, mas também menor morbidade.

REFERÊNCIAS

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3. Baptistella AR, Hilleshein KD, Beal C, Brambatti JS, Caron R, Baptistella SF, Zuquello RA, Rossoni C, Manor G. Weight loss as a prognostic factor fo
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198
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199
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200
Capítulo 22 – Tumores de origem neurogênica em cabeça e pescoço

INTRODUÇÃO permite uma preservação da continuidade neural com


possibilidade de preservação de sua função (78 a 85%) (3,
4)
.
Localizados principalmente no espaço parafaríngeo,
os tumores neurogênicos podem ter origem nos pares 2. Neurofibromas
cranianos mais baixos e cadeia simpática cervical, i.e.
Tratam-se de neoplasias benignas oriundas das células
compartimento cervical medial, ou plexos cervical e
de Schwann não mielinizadas. À imunohistoquímica
braquial, compartimento cervical lateral (1, 2).
coram as proteínas S100, neurofilamento (diferente dos
neurilemmomas) e mielina básica não encapsulada.
SUBTIPOS Radiologicamente os neurofibromas apresentam
características similares àquelas dos outros tumores neu-
1. Schwannomas ou Neurilemoma roendócrinos do espaço parafaríngeo. Possíveis fatores de
diferenciação dos neurofibromas são a imagem em "alvo"
Derivados da bainha neuroectodérmica que envolve os
representanda por uma área hipodensa central e a
nervos periféricos (mais comumente de origem no plexo
simpático ou vagal), podem crescer em qualquer parte da presença do tumor centralizado ao nervo acometido (em
região da cabeça e pescoço, sendo geralmente solitários e contraste ao Schwanoma).
ocorrendo principalmente no espaço parafaríngeo. Clinicamente se apresentam como lesões mal delimi-
À imunohistoquímica apresentam forte colocação pela tadas da pele e escalpo, isoladas ou associadas a outros
achados típicos da doença de Von Recklinghausen (man-
proteína S100. Aos exames de imagem possuem apresen-
tação ovoide, de margens definidas, com menor captação chas café com leite, nódulos de Lisch e gliomas ópticos).
de contraste que os paragangliomas. Assim como os Schwanomas, a excisão cirurgica é o
As imagens em sal e pimenta também não são des- tratamento de escolha.
critas. É possível determinar a origem neural com base na
relação do tumor com a artéria carótida interna (ACI) e 3. Paragangliomas
veia jugular interna (VJI): nos schwanomas vagais o Derivados de células da crista neural, os paragânglios
tumor geralmente causa um afastamento entre ACI e VJI, estão presentes na adventícia dos vasos sangüíneos ou
já nos schwannomas cervicais ambos estão deslocados nervos, são secretores de neuropeptídeos e têm a capaci-
em conjunto. A cirurgia é o tratamento definitivo descri- dade de influenciar os reflexos vasculares.
to, sendo possível também o acompanhamento de lesões
de crescimento lento. A excisão intracapsular do tumor

201
Desta forma, podem ser mais comumente encontrados Shamblin Tipo II - as artérias carótidas interna e
no corpo carotídeo, forame jugular, no trajeto do nervo externa causam impressão no tumor e os nervos laríngeo
vago e no ouvido médio (2). superior e hipoglosso encontram-se em sua superfície. O
tumor possui uma área de contato com a ACI entre 180 e
Tipicamente benignos, esses tumores ocorrem em
270 graus.
pessoas mais velhas (acima de 50 anos) e se apresentam
clinicamente como uma massa cervical, por vezes Shamblin Tipo III - as artérias estão completamente
parafaríngea, empurrando medialmente a orofaringe. envolvidas pela neoplasia. A área de contato com a ACI
Possuem crescimento lento, pulsátil e movimentação é ≥ 270 graus.
latero-lateral (Figura 22.1), sendo raramente secretores
(flush episódicos da face, cefaléia, palpitação, tremor, Figura 22.1 Paciente portadora de tumor de corpo carótides
sudorese profusa e hipertensão). Pacientes sintomáticos apresentando-se com massa cervical a esquerda, pulsátil e com
devem ter dosadas suas catecolaminas urinárias (metane- mobilidade apenas altero-lateral
frina, normetanefrina e ácido vanilmandélico) por 24 h.
Raramente estão associados à alguma síndrome como
neurofibromatose Tipo 1 ou neoplasia endócrina múltipla
Tipo 2 (NEM2).

CLASSIFICAÇÃO

São classificados conforme sua relação com a artéria


carótida interna (ACI), o que foi recentemente correla-
cionado à RNM (2), a saber (Figura 22.2):
Shamblin Tipo I - as artérias estão meramente deslo-
cadas pelo tumor e se mantêm na superfície do mesmo. A
área de contato com a ACI é ≤ 180 graus.

Figura 22.2 Classificação de Shamblin

dos entre si por um estroma fibrovascular conhecido


HISTOLOGIA
como células de Zellballen. Na imunohistoquímica
expressam positividade para o receptor S-100 e cromo-
Consistem de dois tipos celulares diferentes (células granina. Não sendo possível diferenciação laboratorial
chefe e sustentaculares) organizados em ninhos e separa- entre as neoplasias malignas e benignas.

202
Apesar de raros, paragangliomas malignos podem mento.
ocorrer, sendo sua diferenciação habitualmente feita pela
presença de invasão local (paralisia neural ou destruição
AVALIAÇÃO RADIOGRÁFICA
de tecidos adjacentes), presença de metástase linfonodal
ou à distância.
Essenciais no diagnóstico pré-operatório, planeja-
DIAGNÓSTICO mento cirúrgico e monitorização do crescimento (caso
seja optado por não operar), tomografias e RMN forne-
cem meios não invasivos de angiografia e reconstrução
Normalmente feito apenas pelo exame clínico e ima- tridimensional (Figura 22.3). Paragangliomas e tumores
gem (que evidenciam lesões arredondadas, de margens de bainhas neurais podem ser facilmente distinguidos por
definidas, altamente captantes de contraste à RNM, radiografia devido à elevada captação de contraste
podendo ser descritas como aspecto em “sal e pimenta” - (Figura 22.4 e 22.5). A diferenciação radiográfica entre
áreas de não captação do contraste). O diagnóstico schwannoma e neurofibroma mostra-se mais complexa,
geralmente se dá pela história clínica, exame físico e apresentando-se os primeiros como lesões circunscritas e
imagens, uma vez que as pulsão aspirativa com agulha encapsuladas, mais bem delimitadas. Schwannomas po-
fina (PAAF) são pouco conclusivas e biópsia a céu aberto dem ainda, causar remodelamento das estruturas ósseas
não é recomendada devido ao elevado risco de sangra- da base do crânio.

Figura 22.3 Tomografia cervical contrastada evidenciando tumor com grande captação de contraste em topografia de bulbo carótideo

Figura 22.4 Angiorressonância cervical contrastada dos vasos cervicais evidenciando tumoração vascular em topografia de bifurcação
de carótidas à esquerda

203
Figura 22.5 Ressonância magnética nuclear de neurofibroma em região de par craniano

Fonte: Imagens cedidas pelo Dr Natalio Peron de Oliveira.

a progressão da doença, o manejo dos tumores


TRATAMENTO
neurogênicos tem evoluído bastante na última década.
Desta forma, a decisão terapêutica deve se basear na
Devido ao lento crescimento dessas neoplasias e ao fato avaliação do custo-benefício entre o risco de lesão dos
de o tratamento cirúrgico estar frequentemente asso-ciado pares cranianos (e suas sequelas pós-operatórias) e
a um maior efeito deletério que aqueles encontrados com abordagens não cirúrgicas (Fluxograma 22.1).

Fluxograma 22.1 Fluxograma do tratamento dos tumores de origem neurogênica

Idade

Jovem Idoso

Múltiplos
Único nervo
nervos Observação
acometido
acometidos

Considerar
Observação Crescimento Inalterado
cirurgia

Crescimento Inalterado Radioterapia Observação

Radioterapia /
Observação
Cirurgia
Fonte: Adaptado da Ref. 1

204
Tratamento não cirúrgico idade, atividade profissional e grau de ansiedade do
paciente.
Observação: com estudos de imagem seriados, moni-
toramento dos sintomas e crescimento tumoral. Geralmente, pacientes mais jovens com tumores de ate
7 cm, distantes da base do crânio, são tratados cirurgica-
Medicamentoso: controle de hipertensão arterial e
mente.
bloqueio alfa adrenérgico em pacientes com tumores
funcionantes, secretores de catecolaminas. Nos candidatos a ressecção cirúrgica, embolização
pré-operatória deve ser considerada e otimamente realiza-
Tratamento cirúrgico da em ate 48 h prévias ao tratamento cirúrgico. Caso a
artéria carótida interna esteja sob risco, um teste de
Indicações de tratamento cirúrgico devem se basear no oclusão da carótida ipsilateral deve ser realizado e um
tamanho e localização da lesão, suspeita de malignidade, cirurgião vascular consultado e disponibilizado no caso
presença e severidade dos sintomas, risco cirúrgico, de intercorrências.

REFERÊNCIAS

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2. Jeffrey M, Ehab H. Cancer of the Head and Neck. LWW, 5a edição, 2016.
3. De Araujo CE, Ramos DM, Moyses RA, et al. Neck nerve trunks schwannomas: clinical features and postoperative neurologic outcome. Laryngoscope.
2008,118(9):1579 – 1582

205
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206
Capítulo 23 – Tumor de partes moles em cabeça e pescoço

INTRODUÇÃO dade no planejamento cirúrgico.


O emprego de TC e RNM contrastados têm grande
valor no estudo da extensão da lesão e sua relação anatô-
Os tumores de partes moles crescem a partir do mica com outras estruturas vitais (Figura 23.1). Por outro
compartimento músculo-facial ou visceral da região da lado, a biopsia tem grande importância, principalmente
cabeça e pescoço. Geralmente apresentam-se como
nos casos de grande extensão com possível prejuízo de
lesões expansivas em região cervical ou com sintomas outros órgãos.
relacionados a pressão/invasão de estruturas adjacentes.
Sempre que possível, a biópsia excisional deve ser
realizada. Caso a biópsia incisional seja necessária, a inci-
DIAGNÓSTICO são deverá ser planejada de tal forma que possa ser englo-
bada com o tratamento definitivo. PAAF pode não ajudar
O diagnóstico geralmente é feito somente por exame na definição histológica da lesão, sendo preferível a core
clínico. Contudo, o estudo radiológico é de grande utili- biopsy.

Figura 23.1 Volumoso lipoma cervical em tomografia computadorizada cervical com queixas somente estéticas

207
TRATAMENTO cutânea e se apresenta na forma multinodular. A maioria
dos casos não apresenta infiltração em tecidos profundos
na apresentação inicial. A excisão com margens amplas é
Cirurgia fundamental para o controle definitivo da doença (Figura
Ressecção em monobloco com margens adequadas e 23.3).
livres de doença é a principal forma de tratamento desses Histiocitoma Fibroso Maligno: caracteriza-se por
tumores, sejam eles malignos ou benignos. Tumores invasão local do tumor e requer tratamento cirúrgico
altamente vascularizados são melhores tratados com radical.
embolização prévia ao tratamento cirúrgico. Geralmente,
Fibrosarcoma: pode ocorrer como massa em região da
tumores de baixo grau e pequenos apresentam bom
cabeça e pescoço com sintomas relacionados a compres-
prognóstico, os demais têm elevada incidência de
recidiva e metástase à distância. O esvaziamento cervical são de estruturas adjacentes. O grau histológico tem
grande importância em determinar a agressividade do
deve ser realizado somente na evidência de metástases
linfonodais. tumor e extensão da cirurgia. Fibrosarcomas de alto grau
são infiltrativos e exigem uma ressecção cirúrgica mais
radical.
Radioterapia
Sarcoma de Células Dendríticas: tumor raro que
Possuem indicação os tumores malignos de alto grau habitualmente ocorre em linfonodos com agressividade
e aqueles com margens cirúrgicas insatisfatórias. local e elevado potencial para disseminação à distância
(Figura 23.4).
SUBTIPOS
Figura 23.2 Paciente etilista portador de Doença de Madelung
Tumores dos Tecidos Adiposos ou lipomatose cervical

Lipoma: com apresentação variada, pode surgir em


qualquer parte da região da cabeça e pescoço. Normal-
mente uma excisão simples através de uma incisão
suficiente para uma adequada exposição com síntese
primária, é o tratamento de escolha (Figura 23.1).
Doença de Madelung: infiltração difusa do tecido
gorduroso em todos os compartimentos cervicais. O
tratamento cirúrgico está indicado apenas em casos de
obstrução da via aérea ou secundário às queixas estéticas
(Figura 23.2).
Liposarcoma: pode crescer no compartimento fascial
ou visceral da região da cabeça e pescoço. A extensão da
ressecção cirúrgica depende de sua localização anatô-
mica, tamanho e grau histológico da lesão.

Tumores dos Tecidos Fibrosos Tumores Vasculares

Fibromas: infrequentes, apresentam-se como massa Hemangiomas: podem aparecer em qualquer idade,
firme de crescimento progressivo e com tratamento ex- em geral quando em crianças não necessitam de trata-
clusivamente cirúrgico. mento uma vez que tendem a desaparecer com o cresci-
mento do paciente. As únicas indicações de intervenção
Dermatofibrosarcoma protuberans: neoplasia maligna
cirúrgica são quando os hemangiomas comprometem
de baixo grau do tecido fibroso, mais comumente vista na
outros órgãos ou a funcionalidade do paciente (Figura
região da cabeça e pescoço. Tem origem na derme
23.5).

208
Figura 23.3 Tomografia computadorizada de crânio mostrando lesão em região occipital a esquerda. Mesmo paciente que referia a
presença da lesão há cerca de 10 anos

Figura 23.4 Sarcoma de paciente submetido a ressecção cirurgia após RxT. Tumor previamente irressecável

Figura 23.5 Hemangioma em face quando as lesões são extensas causando deformidade ou
comprometimento funcional (Figura 23.7).

Figura 23.6 Angiosarcoma de escalpo em paciente de 50 anos

Angiosarcomas: apresentam elevada malignidade,


origem endotelial e ocorrem mais comumente no escalpo
(Figura 23.6).

Tumores de Origem Linfática


Tumores de Origem Neural
Higroma Cístico/Linfangioma: são tumores esponjo-
sos, císticos, multiloculados dos vasos linfáticos de Neurofibroma e Schwannoma (Figura 23.8). Vide
natureza congênita. A ressecção cirúrgica está indicada capítulo sobre Tumores Neurogênicos, Capítulo 22.

209
Figura 23.7 Higroma cístico, posterior ao músculo esternoclei- Rabdomioma: neoplasias dos músculos estriados,
domastoideo (ECM) essas lesões são raras e podem ser vistas no triângulo
cervical posterior e musculatura profunda da língua
(Figura 23.9).
Rabdomiosarcoma: neoplasia maligna dos músculos
estriados. São mais comuns que os rabdomiomas. Face,
região periorbital, queixo e região partida são os sítios
mais comumente acometidos. A ressecção cirúrgica
ampla é o tratamento definitivo na população adulta. Rab-
domiosarcoma embrionário, mais comum em crianças,
devem ser tratados com QT seguida de RT, ficando a
cirurgia restrita para casos que não respondem a esse
tratamento.
Cordoma: tumores originados da crista neural,
crescem a partir de remanescentes da notocorda e podem
surgir em qualquer parte do SNC.
Figura 23.8 Neurofibroma plexiforme em topografia de ressec-
ção prévia de melanoma
Figura 23.9 Rabdomioma (benigno) de espaço parafaríngeo

Outros
Leiomioma: tumores do músculo liso, sendo mais
frequentes no esôfago e faringe, requerem cirurgias mais
conservadoras com excisão simples da lesão.

REFERÊNCIAS

1. Shah, Jatin P, Patel, Snehal G, Singh B. Jatin Shah's Head and Neck Surgery and Oncology: Expert Consult: Online and Print, 4a edição, 2012.
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4. Brandao LG, Araujo Filho VJF, Cernea CR. Manual do Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Manole, 2ª edição, 2013
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8. Brennan PA, Mahadevan V, Evans BT. Clinical Head and Neck Anatomy for Surgeons. CRC Press, 2015.
9. Lore JM, Medina J. An Atlas of Head and Neck Surgery, Saunders, 4a edição, 2004.

210
Capítulo 24 – Retalhos regionais e à distância para reconstrução em cirurgia de
cabeça e pescoço

INTRODUÇÃO PRINCÍPIOS DA RECONSTRUÇÃO


Diversos fatores influenciam na indicação da melhor
O tratamento das neoplasias de cabeça e pescoço pode opção de reconstrução (1), a saber:
causar danos funcionais, estéticos e psicológicos signifi-
Idade: importante na avaliação das comorbidades do
cativos para o paciente e sua família. Assim sendo, um
paciente e possíveis complicações pós-operatórias, bem
esforço máximo para completa reabilitação do paciente
como em tolerabilidade a uma cirurgia de longa duração.
deve ser uma meta, geralmente requerendo abordagem
Não deve ser considerada como fator isolado para contra
multidisciplinar.
indicação de um retalho microcirúrgico, por exemplo.
Sob o ponto de vista cirúrgico, dois princípios básicos
Características da doença: um paciente com uma
devem sempre ser abordados: a restauração estética e
doença agressiva e mau prognóstico, provavelmente será
funcional, devendo o cirurgião sempre tê-los em mente
melhor servido com um procedimento mais simples e
quando da escolha do tecido a ser restaurado. É também
rápido, com melhora em sua qualidade de vida, mas que
necessário lembrar que “a melhor” reconstrução nem
permita uma rápida desospitalização e pronto encami-
sempre é a mais apropriada para um dado paciente.
nhamento à terapia adjuvante. Por outro lado, uma cirur-
Portanto, cada caso ser avaliado individualmente e em seu
gia complexa pode ser a mais adequada para aqueles com
contexto, não só oncológico, mas como de sua realidade
doença benigna (e.g. ameloblastoma), os quais o principal
sócio-econômica, cognitiva e, não menos importante, seu
objetivo é a melhor reabilitação possível.
desejo de desospitalização e retorno ao convívio familiar.
Em se tratando de neoplasias malignas, nunca deve-
O advento da microcirurgia permitiu, principalmente
mos esquecer que o controle da doença deve ser o objeti-
à cirurgia oncológica em cabeça e pescoço, um grande
vo principal e qualquer atraso neste sentido é absoluta-
avanço nas propostas terapêuticas . Doenças que antes
mente inaceitável (2).
deixariam defeitos impossíveis de serem reconstruídos, e
portanto inoperáveis, podem agora ser abordadas com Características do defeito: a multifuncionalidade, mai-
margem de segurança adequadas para um bom controle or visibilidade e presença de estruturas estáticas e dinâmi-
oncológico e terem sua reconstrução planejada com os cas na região da cabeça e pescoço tornam suas reconstru-
mais diversos recursos, possibilitando uma reabilitação ções ainda mais desafiadoras. Via de regra, “semelhantes
satisfatória, melhor controle da doença e maior aderência substituem semelhantes” (1), assim sendo retalhos locais
ao tratamento. A microcirurgia literalmente abriu as serão sempre a melhor opção de reconstrução e, quando
portas para possibilidades ilimitadas de reconstrução. isso não for possível, a escolha da área doadora deverá
considerar coloração, textura, espessura e composição

211
que mais se assemelham àquela retirada pela cirurgia Retalhos Locais
ablativa. Podem ser usados para reconstrução de pequenos
defeitos cuja síntese primária não foi possível, sendo a
PLANEJAMENTO PRÉ-OPERATÓRIO primeira opção para reconstruções, principalmente em
face, devido a melhor compatibilidade da coloração e
textura da pele. São eles: rombóide, bilobulado, avanço,
Um planejamento adequado do paciente é fundamen-
etc.
tal para o sucesso da cirurgia. Exames como TC e RMN
da região a ser abordada, angiografia detalhada para ava-
Retalhos Regionais
liação dos vasos receptores possíveis e das perfurantes da
área doadora, otimizam os resultados do tratamento. O Apesar de simples e de certa facilidade técnica, os
uso do doppler scan também é de grande auxílio neste retalhos cutâneos regionais vêm sendo substituídos pelos
planejamento. retalhos livres. Contudo, devido à facilidade técnica dos
retalhos regionais e possibilidade de reconstrução imedia-
Além disso, uma adequada identificação das comor-
ta dos defeitos ablativos da cirurgia oncológica, os
bidades e condições clínicas do paciente também deve ser
retalhos miocutâneos (tais como Peitoral Maior) ainda
solicitada.
são de grande utilidade em Cirurgia de Cabeça e Pescoço,
sendo hoje em dia deixados como um resgate caso os
TIPOS DE RECONSTRUÇÃO retalhos livres não funcionem.

Idealmente, os tecidos devem ser repostos com outros Os principais retalhos regionais são:
semelhantes em cor, textura, etc. Contudo, quando o Cervical anterior (randomizado), ou posterior (Mut-
fechamento primário do defeito cirúrgico não for possí- ter), baseado na artéria occipital e auricular posterior (3).
vel, devemos lançar mão de recursos mais avançados, Deltopeitoral/IMAP: descrito por Bakamjian em 1970
como enxertos e retalhos. como solução para o problema de reconstrução faríngea
(4)
é uma opção ainda útil nas reconstruções em cabeça e
Enxertos pescoço, apesar da pouca confiança nas porções distais
Ideal para pequenos e rasos defeitos da pele ou mucosa desse retalho quando extendido sobre a região deltóide (5).
que não puderam ter seu fechamento primário. Os É um retalho fasciocutâneo e tem sua irrigação baseada
enxertos de pele total apresentam geralmente melhor em perfurantes da artéria mamária interna no segundo,
resultado estético. Contudo, em áreas de má vasculari- terceiro e quarto espaços intercostais. Boa opção nas
zação e com um perfil de cicatrização pior, os enxerto de reconstruções de pele dos 2/3 inferiores da região cervical
pele parcial podem apresentar melhores resultados. (Figura 24.1).

Retalhos Cutâneos Retalhos Miocutaneos: Geralmente são as primeiras


opcões para cirurgias de resgate ou uma conclusão
Consiste no levantamento de tecidos adjacentes para cirúrgica mais rápida em pacientes debilitados, com
reconstrução de defeitos pequenos, sejam eles mucosos
prognóstico mais reservado, que necessitam pronto
ou cutâneos.
encaminhamento à terapia adjuvante.
Os retalhos disponíveis para reconstrução de defeitos
na região da cabeça e pescoço podem ser classificados em
Retalhos Regionais Mais Utilizados
local, regional ou distantes, dependendo da sua relação
com a área a ser reconstruída (1). Retalho de Peitoral Maior (PMMC): com suprimento
Os primeiros retalhos usados foram chamados rando- vascular do ramo descendente da artéria toracoacromial
mizados pois eram confeccionados sem conhecimento do (Figura 24.2), este retalho fornece tecido para
suprimento sanguíneo. Com o maior conhecimento da restauração de pele e mucosa, além de proteção da artéria
anatomia vascular, os retalhos puderam ser melhor carótida através da ilha muscular. Além de possibilitar
planejados e levantados conforme um vaso nutridor transferência de tecido não irradiado para cobertura de
dominante e/ou suas perfurantes, sendo estes, ditos axiais, fístulas cervicais e necrose causadas pela RT adjuvante.
mais confiáveis. Retalho Miocutaneo do Músculo Trapézio: permitin-
do a coleta de três retalhos musculocutâneos distintos, o

212
Figura 24.1 Retalho deltopeitoral para reconstrução de lábio inferior em CCE ocupando 3/4 de todo o lábio

Fonte: Foto cedida pela Dra Isabela Souza.

retalho do músculo trapézio foi primeiro publicado em terminais da artéria toracodorsal. Foi o primeiro retalho
1972 por Conley (6) com o mesmo desenho do retalho de musculocutâneo descrito na literatura médica por Tansini
Mutter (3), porém com a inclusão do músculo trapézio com para reconstrução da parede torácica após mastectomia
base nas perfurantes para espinais. É um retalho muito radical em 1896 (10) e usado primeiramente para
confiável, porém, de baixa aplicabilidade devido ao reconstrução em cabeça e pescoço em 1978 por Quillen
pequeno arco de rotação. Foi Demergasso que em 1978 et al. (11). O comprimento e calibre do pedículo, a
descreveu o retalho bipediculado do músculo trapézio facilidade de dissecção, a grande área de superfície e a
incluindo as perfurantes da artéria cervical transversa morbidade mínima da área doadora são os principais
àquelas previamente descritas. Posteriormente, Demer- fatores que explicam a popularidade desse retalho (5).
gasso (7) e Panje (8) descreveram o retalho do trapézio
Retalho do Músculo Temporal: descrito em 1898 por
lateral em ilha com pediclo unicamente baseado nos
Golovine (12), foi inicialmente descrito para a eliminação
vasos cervciais tranversos. Ainda um retalho com arco de
do espaço morto resultando da exenteração de órbita (13)
rotação limitado (5). Finalmente, em 1980, um terceiro
(Figura 24.3). O retalho do músculo temporal apresenta
retalho do músculo trapézio foi descrito por Baker et al.
(9)
indicações diversas em cabeça e pescoço, podendo ser
, com ilha sobre a porção inferior do trapézio (artéria
usado como substrato para enxertia de pele, aumento de
escapular dorsal) e aumentando o arco de rotação, mas
volume e eliminação de contraturas em deficiências
com o inconveniente de o paciente dever ser colocado de
teciduais, e fornece reabilitação dinâmica da paralisia
lado para sua confecção. Nos pacientes submetidos a
facial. Pode ainda ser tranferido parcialmente ou total. É
esvaziamento cervical deve-se ter cuidado em preservar a
irrigado pela artéria e veia superficias profundas, contudo
artéria cervical para os retalhos superiores.
um suprimento adicional extra ocorre a partir da artéria
Retalho do Músculo Grande Dorsal: podendo ser temporal média (ramo da artéria temporal superficial) que
ursado como retalho livre ou pediculado (nesta forma envia ramificações menores através do aspecto
possui um arco de rotação que pode alcançar qualquer superficial do músculo (5).
lugar na cabeça e pescoço), é perfundido pelos ramos

213
Figura 24.2 Retalho do músculo Peitoral Maior, em duas ilhas, para reconstrução de soalho bucal e pele do mento após cirurgia ablativa
para carcinoma espino celular em paciente de baixo performance status para reconstrução microcirúrgica

Figura 24.3 Retalho de músculo temporal para cobertura de espaço morto após enucleação de órbita por neoplasia maligna de pele

Retalho do Músculo Esternocleidomastoideo: usado por Jiano em 1908 (14) este retalho tem sido pouco
pela primeira vez como trasnposição em paralisia facial utilizado apesar de amplamente estudado, principalmente

214
pela baixa confiabilidade da ilha de pele, seu tamanho poderá causar síndrome compartimental do antebraço
limitado e a duvidosa segurança ao preservá-lo na presen- com sequelas indesejadas (1).
ça de metástases cervicais. Possui um pedículo dominante
Retalho Antero Lateral da Coxa: indicado principal-
superiormente a partir da artéria e veia occipitais e três
mente quando o defeito demanda uma espessura interme-
pedículos menores, ramos das artérias e veias auriculares
diária para reconstrução. Um retalho bastante versátil,
posteriores, tireoidieas superiores e tronco tireocervical.
podendo ser levantando como fáscio-miocutâneo, fáscio
Desta forma o retalho pode ser pediculado superior ou
cutâneo ou somente como um retalho muscular, pode
inferiormente (5).
fornecer área de pele até de 8 x 21 cm com fechamento
primáro da área doadora. Tem o ramo descendente da
Retalhos Livres artéria circunflexa femoral lateral e suas veias
Os retalhos livres vêm sendo muito utilizados nos concomitantes como suprimento sanguíneo principal
últimos 30 anos e se tornando a principal ferramenta para (Figura 24.4). Certamente, um dos retalhos livres que
grandes reconstruções na região da cabeça e pescoço. todo cirurgião reconstrutor deve dominar.
Devido às inúmeras opções, um bom estudo do paciente Retalho Miocutâneo do Reto Abdominal: descrito pela
e adequado planejamento pré-operatório são mandatórios primeira vez como um retalho livre por Pennington e
quando indicada uma reconstrução microcirúrgica. Pelly (16). Ele tem seu suprimento sanguíneo baseado na
Exames como angiotomografia da área doadora e região artéria epigástrica inferior profunda e veia epigástrica
cervical, tomografia da região acometida pela doença e inferior profunda. É utilizado nos casos em que a peça
história clínica detalhada, são cruciais em um bom cirúrgica mostra-se de grande volume com presença de
planejamento. Quando realizado por cirurgião experiente, diversas estruturas e, desta forma, necessitando um
os retalhos livres micro cirúrgicos têm uma taxa de retalho generoso e igualmente volumoso para preencher
sucesso em torno de 98%! o espaço morto remanescente. Pode ser transferido
sozinho, com tecido subcutâneo e a fáscia sobrejacente ou
Subtipos na forma de retalho composto (5). Duas ou três ilhas de
pele podem ser confeccionadas neste retalho conforme a
O tipo de tecido necessário para a reconstrução e,
necessidade, sendo que as formas TRAM (miocutâneos
desta forma, a escolha do retalho ideal, depende da perda
transversos do reto do abdome) preservam as porções
tecidual após a ressecção tumoral, podendo ser classifi-
medial e lateral do músculo reto abdominal e coletam
cado em:
apenas a porção central do músculo com as perfurantes
- Cutâneo; cutâneas a mais comumente utilizada (17).
- Fáscio-miocutâneo ou miocutâneo;
- Ósteo-miocutâneo. RECONSTRUÇÃO MANDIBULAR

Os principais Retalhos Microcirúrgicos A reconstrução da mandíbula requer diversas conside-


Retalho radial do antebraço: também conhecido como rações importantes para que se alcance uma boa reabili-
retalho chinês (15) baseado na artéria radial e suas veias tação do paciente, incluindo: competência oral, mastiga-
concomitantes ou veia cefálica. Este retalho é um dos ção, oclusão dentária, fala e deglutição adequados, além
cavalos de batalha para a reconstrução na região da da importância estética para reabilitação social do
cabeça e pescoço. Por seu pedículo vascular de grande indivíduo.
extensão, pele fina e maleável ricamente vascularizada, A primeira opção para reconstrução da mandíbula
conferindo ao retalho algo grau de maleabilidade e deverá sempre ser os retalhos livres. Principalmente nos
confiabilidade (5), deverá sempre ser considerado quando pacientes com câncer de cabeça e pescoço, deve-se optar
for necessário apenas a cobertura cutânea de uma ferida por reconstruções com tecidos vivos, sendo já obsoletas
maior, seja ela de pele ou mucosa (e.g. intraoral), as reconstruções com miniplacas de titânio e reservadas
podendo também ser confecionado como um retalho para casos muito seletos, uma vez que esses pacientes, via
osteomiocutâneo, apesar de não ser a melhor opção. A de regra, apresentam extrusão ou fratura da placa nos
área doadora deverá ser reparada com um enxerto anos seguintes ao tratamento.
cutâneo, uma vez que a síntese primária desta região

215
Defeitos da porção lateral da mandíbula, são passíveis reconstrução em mesmo tempo cirúrgico, principalmente
de não restauração da continuidade óssea, com baixo quando a ressecção do ramo ascendente da mandíbula for
defeito estético e quase nenhuma sequela funcional. Já necessária, uma vez que a descompensação da muscula-
aqueles defeitos que atingem a porção medial da mandí- tura mastigatória poderá causar desvio da mesma, e maior
bula deverão ser reconstruídas pois podem causar defeitos dificuldade de reconstrução com adequada reabilitação
funcionais como obstrução da via aérea e neces-sidade de funcional futura.
traqueostomia permanente. Devemos ainda priorizar a

Figura 24.4 Planejamento de retalho ALT para cobertura de placa prototipada exposta sobre soalho bucal após falha de outras tentativas

OPÇÕES Retalho de Crista Ilíaca: apesar de sua curvatura com-


patível com aquela da mandíbula, é um retalho composto
de valor limitado nas reconstruções mandibulares, uma
Miniplaca + Retalho Regional Miocutâneo: escolha de vez que os implantes dentários não são possíveis, bem
exceção para defeitos segmentares de mandíbula em como a segmentação do osso para melhor moldagem.
pacientes com baixa espectativa de vida ou sem Vale ressaltar que a morbidade significativa da área
possibilidade de retalho osteomiocutâneo livre. doadora pode mostrar-se desfavorável na sua escolha.
Retalho Livre Escapular: ótima opção de retalho Retalho Livre de Fíbula: tradicionalmente a primeira
quimérico para reconstrução em cabeça e pescoço, sendo opção na reconstrução mandibular devido à espessura
capaz de prover grande quantidade de tecido ósseo, com óssea (possibilitando implantes dentários), vasculariza-
pedículo vascular confiável e pequena morbidade da área ção segmentar (permitindo maior moldagem da curvatura
doadora. Pode ser levantado com tecido de partes moles, mandibular), e a presença de tecido músculo cutâneo
pele e osso em três ilhas distintas nutridas por um só suficiente para o preenchimento do defeito em partes
pedículo, o que o torna uma boa opção para reconstruções moles. Pode-se obter até 25 cm de tecido ósseo deste
mais complexas da boca. Implantes dentários são retalho. O fato de a área doadora estar em uma posição
limitados devido à espessura do retalho e a necessidade mais longínqua da ressecada, facilita a atuação em duas
de posicionamento lateral do paciente pode trazer alguma equipes concomitantes e redução do tempo cirúrgico.
dificuldade ainda no per operatório.
Outros retalhos ainda são descritos, como o retalho
osteocutâneo radial do antebraço. Contudo, frequente-

216
mente deixados como segunda opção devido a um custo- soberana em prever possível sofrimento do retalho, bem
benefício ruim quando comparado com os anteriores como a necessidade de rebordagem (Figura 24.6).
acima descritos.
Nutrição pós-operatória: pacientes deverão manter-se
em jejum por pelo menos 24 h de pós-operatório, caso
CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS precisem de uma rebordarem precoce. Além disso, não é
incomum o paciente em cirurgia de cabeça e pescoço
precisar do uso de sondas enterais até sua completa
O seguimento pós-operatório, principalmente nas
reabilitação, como aqueles submetidos a tratamento de
reconstruções microcirúrgicas, é tão importante quanto a
câncer oral, faringe, laringe, etc.
cirurgia em si. A viabilidade do retalho está mais em risco
no pós-operatório imediato. Desta forma, quando algum Cuidados de traqueostomia: a necessidade de proteção
problema é precocemente identificado, uma pronta rea- da via aéra deverá ser avaliada individualmente conforme
bordagem poderá salvar o retalho e permitir uma a cirurgia ablativa proposta, bem como a reconstrutiva.
recuperação “descomplicada” do paciente. Para aqueles casos em que a traqueostomia é uma
indicação, um cuidado extremo com a fixação da mesma
deverá ser tomado a fim de se evitar uma possível
Pilares do Cuidado Pós-Operatório
compressão do pedículo do retalho. Uma boa opção é a
Posicionamento do paciente: manter a cabeceira e, fixação da cânula com pontos de sutura na pele.
quando possível, a região doadora elevada, estando sem-
Cuidados com a área doadora: cuidados locais com a
pre alerta para edema e congestão vascular.
ferida operatória, adequado manejo dos drenos (sucção
Monitorização do retalho: apesar do avanço da ou penrose) e o encorajamento da deambulação precoce
tecnologia e seu grande auxílio na monitorização pós- são boas práticas pós-operatórias.
operatória da perfusão do retalho microcirúrgico (doppler
Suporte clínico: controle da dor, antibioticoterapia e
implantável ou de superfície), a avaliação clínica ainda é
curativos oclusivos conforme a necessidade de cada caso.

Figura 24.6 Reabordagem precoce com enxerto de safena em retalho ALT com sinais de congestão e sua recuperação em pós-operatório
imediato

CONCLUSÃO importante na história evolutiva desta especialidade.


Sendo deixados os grandes retalhos regionais, como o
Peitoral Maior e o Deltopeitoral, como uma reserva para
A utilização de retalhos livres para grandes reconstru- os casos em que as grandes reconstruções microcirúrgicas
ções em cirurgia de cabeça e pescoço foi um marco falharem.

217
REFERÊNCIAS

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12. Panje WR: The island (lateral) trapezius flap. Presented at the Third International Symposium of Plastic and Reconstructive Surgery, New Orleans, Louisiana,
April 29- May4, 1979.
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17. Pennington D’Lai M, Pelly A: The rectus abdominis myocutaneous free flap. Br J Plast Surg 1980; 33:277.

218
Capítulo 25 – Tumores da glândula tireoide

prevalência de duas a quatro vezes maior no sexo


INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA
feminino. Os tumores bem diferenciados são mais
frequentes em jovens, enquanto os menos diferenciados
A tireoide origina-se embriologicamente da faringe comprometem indivíduos acima de 50 anos. O aumento
primitiva, tem a forma de H ou de uma borboleta e é da incidência do tumor se deve à melhora na qualidade
composta normalmente por um lobo esquerdo e um à dos métodos de diagnósticos, pois vários outros
direita unidos pelo ístmo. As células que formam a especialistas, além dos cirurgiões e endócrinologistas,
glândula são as foliculares, que sintetizam a tiroxina e a estão indicando exames de screening, como ultrasso-
triiodotironina, com importantes funções no metabolis- nografia e punções guiadas por ultrassonografia.
mo do organismo. Há também na glândula tireoide as
O tipo histológico mais frequente é o câncer papilar
células parafoliculares (ou células C) que são derivadas
com cerca de 80 a 85%% da casuística, seguindo pelo
da crista neural e estão localizadas nas regiões súpero
folicular com 10 a 15%, medular e anaplásico com cerca
mediais de cada lobo, correspondendo a apenas 1% da
de 5%. O carcinoma de Hürthle corresponde de 3 a 5% da
massa total da glândula.
casuística (6) (Figura 25.1). Entretanto, se observa na
A presença de nódulos na glândula é muito comum e prática diária uma diminuição significativa dos tumores
a incidência de câncer oculto varia de 4 a 35% em estudos foliculares, em discordância com a literatura, fato este
de autópsias, a qual pode aumentar muito em idosos (1, 2, atribuído à presença do iodo no sal de cozinha com
3)
. A incidência de tumor diferenciado da tireoide aumen- diminuição significativa dos bócios endêmicos, e, por
tou muito nas duas últimas décadas, com 48 mil novos conseguinte, do carcinoma folicular.
casos nos E.U.A. em 2011 e números similares na
Europa. Este fato é atribuído a um aumento da incidência
do diagnóstico de tumores ocultos ou microcarcinomas TUMOR BEM DIFERENCIADO DA
(menores que 1 cm) (4). Felizmente não alterou muito a TIREOIDE
taxa de mortes, cerca de 1.740 nos E.U.A. O câncer da
tireoide pode ser considerado o mais comum da região da
Os tumores papilares e foliculares são considerados
cabeça e pescoço depois dos tumores de pele. Nos EUA,
bem diferenciados e correspondem a quase 90% de todos
a doença corresponde a 3% de todos os cânceres que
as lesões malignas. Comprometem adultos jovens e têm
atingem o sexo feminino. No Brasil correspondeu a 1,3%
predileção pelo sexo feminino na proporção de 2:1 em
de todos os casos de câncer notificados no INCA de 1994
relação ao sexo masculino. A etiologia do câncer da
a 1998, e a 6,4% de todos os cânceres da cabeça e pescoço
(5)
tireoide ainda é indeterminada, mas a exposição da
. A faixa etária de maior risco é entre 25 e 65 anos, com
glândula à irradiação é referida como o principal fator de

219
risco ao aumento dos tumores bem diferenciados da acometidas têm cinco vezes mais chances de desenvolver
tireoide (7). O risco da exposição à irradiação é associado a doença em relação à população em geral, com curso
à idade da exposição, dose da irradiação, e o período do mais agressivo e por vezes multifocais (8). A biologia
aparecimento do tumor tem sido bem documentado, molecular tem ajudado muito a compreensão dos
porém a maioria dos casos, hoje em dia, não apresenta mecanismos da patogênese nos tumores da tireoide, como
história pregressa de irradiação. Exposição à irradiação as mutações no protooncogene (RET, TRK) e mutações
na infância e adolescência aumenta em 20 vezes o risco ativadoras no gene RAS e inativadoras de genes
de câncer bem diferenciado da tireoide. Como exemplo supressores do tumor. Rearranjos genéticos do proto-
destaca-se a irradiação para tratamento de acne, muito oncogene RET podem ser encontrados em até 30% dos
utilizada no início da década de 1970, ou mesmo tumores papilares não relacionados à irradiação, bem
irradiação para tratamento de outros tumores em cabeça e como as mutações no gene RAS são encontradas com alta
pescoço. frequência nos carcinomas foliculares. As mutações do
gene supressor do tumor TP53 são raras nos tumores
Em 5% dos casos o câncer papilífero pode ser
diferenciados, porém comuns nos indiferenciados ou
herdado, de forma autossômica dominante. As famílias
anaplásicos (6).

Figura 25.1 Distribuição histológica do câncer de tireoide

Pesquisas recentes demonstraram que os retardadores aparecimento de câncer em áreas com deficiência de iodo
de chamas (compostos organobromados) presentes na à dieta, sugerindo que a deficiência de iodo pode ser um
poeira das residências, podem estar relacionados com a fator predisponente para os tumores foliculares. A
etiologia e aumento da incidência do câncer papilar. Os inserção do iodo no sal de cozinha é considerada um fator
principais produtos químicos envolvidos são o BDE-209 protetivo, o que justifica a redução do número de casos
e o TCEP, os quais podem causar lesões menores e menos nos últimos anos.
agressivos ou maiores e mais agressivas, respectivamente
(9, 10)
. Vimos também um aumento significativo em
DIAGNÓSTICO
regiões como Chernobil e no Japão após o ataque nuclear
na II Guerra Mundial. Aqueles pacientes adultos
portadores de linfoma de Hodgkin que fazem RT no Um nódulo assintomático é a forma de apresentação
mediastino, também têm uma incidência elevada. O mais comum. Algumas vezes o nódulo é identificado pelo
período de aparecimento destas lesões tumorais bem paciente ou descoberto durante um exame físico de rotina,
diferenciadas, após a exposição da irradiação, é cerca de ou durante um exame de ultrassonografia, TC, RMN ou
20 anos. Há também um aumento da incidência do mesmo em um exame de PET CT. Dezenas de pacientes,

220
ao fazerem exames de check up, descobrem pela ultras- variáveis. A maioria das neoplasias derivadas da célula
sonografia a presença de nódulo na tireoide, que após folicular é indolente e curável e uma pequena porcenta-
análise por punção aspirativa confirma a neoplasia. gem é pouco diferenciada e tem evolução e apresentação
Nestes casos é prudente questionar se o paciente recebeu mais agressivas.
irradiação para tratamento de qualquer tipo de tumor,
história familiar de câncer, rouquidão, disfagia ou Figura 25.3 Paciente com doença local ‘pequena’ (seta
aspiração. Pode acontecer de estarmos operando um amarela) mas com doença regional avançada (seta verde) com
paciente com diagnóstico prévio de bócio multinodular metástase ulcerada
com punção biópsia insuspeita para carcinoma e termos a
‘suspresa’ de nos depararmos no per operatório com um
quadro bastante suspeito para carcinoma de tireoide, i.e.
presença de nódulo endurecido, com aspecto
macroscópico de invasão e de retração capsular (Figura
25.2).

Figura 25.2 Achado per operatório para tratamento de bócio


multinodular de uma lesão suspeita para carcinoma (invasão e
retração capsular, multicêntrico e nódulo endurecido)

As metástases à distância se fazem para o pulmão


(Figura 25.4), principalmente em crianças e adultos
jovens bem como a doença multifocal.

Figura 25.4 Metástases pulmonares de carcinoma papilar em


um paciente adulto jovem com 23 anos de idade (padrão miliar)

No exame físico o mínimo que fazemos é a palpação


tireoidiana e cervical lateral à procura de linfadenopatia
suspeita. Videolaringoscopia também se faz necessária
para avaliação da mobilidade da laringe. Dependendo do
tamanho do tumor, a TC ou mesmo a RMN se fazem
necessárias para o planejamento cirúrgico mais adequado
(em casos de suspeita de invasão de traquéia e esôfago ou
para avaliar a operabilidade do caso).
Classicamente os fatores prognósticos mais significa-
tivos são a idade (acima de 55 anos) (11, 12), tamanho Após detectado pelo exame físico ou pelo rastrea-
tumoral (crescimento extratireoidiano) e presença de mento, o nódulo deve passar por um exame criterioso de
metástases linfáticas (Figura 25.3). Geralmente, pacien- ultrassonografia para avaliar microcalcificações, calcifi-
tes mais jovens têm o envolvimento linfonodal à época do cação descontinuada, halo hipoecoico, margens irregula-
diagnóstico. O câncer de tireoide tem um espectro de res, nódulo mais alto que largo e aumento da sua
entidades histológicas muito grande, com evoluções

221
vascularização central. A PAAF deve ser feita no nódulo suspeição para um tumor, particularmente quando há
da tireoide, bem como no linfonodo suspeito e encami- microcalcificações.
nhando para avaliação citológica, além de enviar o
conteúdo da aspiração do linfonodo para dosagem de Figura 25.5 Podemos notar um câncer papilar da tireoide ‘não
tireoglobulina. muito grande’, cerca de 2 cm, localizado no ístmo tireoidiano.
A punção aspirativa com agulha fina (PAAF) guiada A propedêutica foi somente a ultrasonografia e a PAAF.
Durante a cirurgia tivemos a ‘surpresa’ da invasão traqueal. A
por ultrassonografia é o principal exame de avaliação de
ressecção dos anéis traqueais foi feita com fechamento
nódulo tireoidiano, se benígno ou não (classificação de
primário traqueal
Bethesda). A core biopsy bem como a biópsia a céu
aberto também podem ser utilizadas, mas em casos
selecionados, como por exemplo, na suspeita de linfomas,
carcinomas anaplásicos e de tireoidites, como a de Riedel.
A ultrassonografia é o exame de imagem ideal para a
avaliação inicial do nódulo tireoidiano e estudo dos
linfonodos cervicais para estadiamento cervical (13).
Muitas vezes nenhuma outra forma de avaliação é
necessária para o procedimento cirúrgico (Figura 25.5).
A ultrassonografia pode distinguir um nódulo cístico de
sólido. No entanto, uma série de achados indiretos podem
sugerir se o nódulo tireoidiano é benigno ou maligno.
Alguns desses achados são margens irregulares, micro-
A TC (Figura 25.6) é útil na avaliação de invasão da
calcificações, padrão hipoecóico, diâmetro anteropos-
traquéia e laringe e a RMN auxilia na avaliação das
terior maior que o diâmetro transverso (mais alto que
massas tumorais grandes e mergulhantes para o medias-
largo), além, é claro, de crescimento extratireoidiano. A
tino, principalmente sua relação com os grandes vasos.
presença de um componente sólido pode aumentar a

Figura 25.6 Nota-se a presença de um câncer papilar com franca invasão de traquéia. Foi realizada tireoidectomia total com esvaziamento
do compartimento central e ressecção dos anéis traqueais comprometidos com posterior anastomose traqueal. Uma traqueostomia foi
feita para segurança do paciente

222
Uma vez feito o diagnóstico, o estadiamento pré- cada paciente. Aqui esbarramos nos custos de um estudo
operatório com ultrassonografia deve ser feito, principal- molecular.
mente, na busca de linfonodos cervicais comprometidos
Apesar dos índices de sobrevida serem excelentes,
nos níveis VI e VII (14, 15). Os compartimentos laterais II,
trabalhos com grandes causísticas, demonstram que
III, IV e V também devem ser examinados. As caracte-
tumores nos estadios I, II e III têm índice de recorrência
rísticas de um linfonodo comprometido ao ultrassom são
de 10, 20 e 30% (19, 20), respectivamente. Esta discussão
a perda do hilo, formato arredondado, aspecto cístico,
inclui os seguintes pontos:
presença de calcificações, vascularização periférica e a
hipoecogenicidade. Nestes casos a dosagem de tireoglo- (1) Extensão ideal da tireoidectomia;
bulina do aspirado, feito por PAAF, aumenta de sobrema- (2) Momento ideal para realização do linfadenectomia do
neira a acurácia do diagnóstico. compartimento central;
A presença de metástases pode ocorrer em até 50% em (3) Extensão lateral do esvaziamento cervical quando há
algumas séries, mesmo em microcarcinomas (tumores doença evidente.
menores que 1 cm). Pode haver também skip metástases,
ou seja, não haver metástase no compartimento central
(nível VI) e haver metástase no nível II. A presença de Figura 25.7 Nervo laríngeo inferior à direita e à esquerda (seta
amarela) em um esvaziamento do compartimento central. Na
pequenas metástases, menores que 3 mm, pode chegar a
seta verde destacam-se as paratireoides superiores bilateral-
90%, mas o impacto sobre a sobrevida é baixo, sendo,
mente
portanto, questionável essa busca de micrometástases (16).

TRATAMENTO DO CÂNCER PAPILAR E


FOLICULAR

O padrão ouro do tratamento do câncer papilar da


tireoide é a cirurgia. Historicamente a maneira da aborda-
gem cirúrgica vem mudando ao longo dos anos, com
impacto pouco significativo na sobrevida do paciente.
Antes era realizado a lobectomia com istmectomia,
depois passou-se para a tireoidectomia subtotal ou quase
total, tireoidectomia total com abordagem dos linfonodos A doença linfonodal representa o sítio mais comum da
do compartimento central, e uma clara tendência de persistência e da recorrência.
retorno à realização de lobectomia com istmectomia, ou Minimizar a morbidade, extensão da cirurgia e a
somente a tireoidectomia total sem a linfadenectomia do experiência do cirurgião tem importante papel no risco de
compartimento central, uma vez que as micrometástases complicações. Permitir o estadiamento adequado (prog-
em linfonodos do nível VI não significam piora do nóstico, manejo per e pós-operatório e as estratégias do
prognóstico, aumento de mortalidade ou que a doença se segmento). Facilitar o tratamento com radioiodo quando
desenvolverá posteriormente. A tireoidectomia total com indicado e, para tanto, a remoção do tecido tireoidiano
a linfadenectomia do compartimento central (Figura normal é importante. Permitir o controle da doença por
25.7) resultou em impacto significativo na redução da longo tempo, tanto a pesquisa de corpo inteiro quanto a
recidiva tumoral em metástases macroscopicamente dosagem de tireoglobulina, para acompanhamento pós-
detectáveis à ultrassonografia ou pelo cirurgião no per operatório, são afetados pela presença de tecido tireoi-
operatório e, por conseguinte, na morbidade, uma vez que diano normal.
reduzirá reoperações (17, 18).
Para diminuir a incidência de disseminação metastá-
No entanto, além do domínio da anatomia e embrio- tica e a recorrência, a cirurgia adequada é a variável mais
logia, o cirurgião também deve ter conhecimento de importante no tratamento e prognóstico, enquanto o
biologia molecular para oferecer um tratamento indi- radioiodo, supressão de TSH e a RT são apenas adjuvan-
vidualizado para seus pacientes. Com isso, o profissional tes do tratamento inicial. O tratamento cirúrgico adequa-
permitirá o emprego de estratégia individualizada para do para o câncer diferenciado da tireoide identificado no
pré ou intraoperatório é a tireoidectomia total em:

223
- Multicentricidade; capacidade de metastatização linfonodal. Atualmente é
- Facilidade do uso do radioiodo; classificado como variante oncocítica e o tratamento é a
tireoidectomia total. A grande dificuldade é o diagnóstico
- Redução do risco de recorrência; intra-operatório devido às limitações da congelamento,
- Uso da tireoglobulina sérica no pós-operatório para com falhas próximas de 30%. Quando há o diagnóstico
acompanhamento; do carcinoma de Hürthle no pré-operatório, o ideal é a
-Mapeamento do corpo inteiro no pós-operatório para realização da tireoidectomia total com esvaziamento do
avaliar remanescente tumoral ou metástases; compartimento central. O esvaziamento das cadeias late-
- Há um consenso entre os cirurgiões que a tireoidectomia rais se faz necessário na presença de metástases. A reco-
total é preferida pelos próprios pacientes quando o mendação é de terapia pós-operatória com radioiodo para
diagnóstico é conhecido antes da cirurgia. aqueles carcinomas de Hürthle > 2 cm (24, 25).
Aqueles que argumentam à favor da tireoidectomia Atualmente, com melhor treinamento e aparelhos de
parcial, o fazem em lesões menores que 1,5 cm, tem ultrasonografia e da dosagem da tireoglobulina de alta
menor incidência de complicações como hipoparatire- sensibilidade no acompanhamento dos tumores de tireoi-
oidismo e rouquidão (preservam mais as paratireoides e o de, muito se tem debatido sobre a indicação do esvazia-
nervo laríngeo inferior) e a possibilidade do paciente ficar mento do compartimento central. Ainda que não haja
com função tireoidiana normal. dúvidas da necessidade do esvaziamento na presença de
O tratamento cirúrgico do câncer folicular deve ser metástases clínica ou radiológica, há uma grande
distinto do papilar, e, neste caso, a recomendação é a discussão sobre sua validade, principalmente naqueles
tireoidectomia total, em razão da relação direta da invasão pacientes de baixo risco e nos estágios iniciais da doença.
capsular, vascular, presença de metástase oculta à distân- As metástases cervicais são muito frequentes no
cia e da necessidade de rastreamento com radioiodo. Em câncer papilar, variando de 20 a 90% em diversas séries,
alguns casos a lobectomia pode ser considerada no com média de 60%. Destaca-se que as metástases podem
tratamento do câncer folicular, naqueles com invasão ser consideradas um fator independente para o risco de
capsular mínima, e até mesmo questionam o uso do recorrência local. Os índices de recorrência são altos nos
radioiodo para estes pacientes, em virtude da ausência de casos de doença metastática macroscópica, porém, ainda
metástases à distância e da mínima invasão capsular. não há evidências de que a doença metastática
Muitas séries não obtiveram melhor sobrevida ou menor microscópica tenha maior índice de recidivas.
recorrência com cirurgias mais extensas, e propuseram
Um forte argumento para a realização do esvazia-
tireoidectomias parciais para lesões menores que 3 cm,
mento central é a presença de metástases laterais. Ainda
mas encontraram 9,5% de metástases à distância. A
que trabalhos anteriores não tenham mostrado efeitos
maioria dos autores ratifica necessidade de cirurgias mais
adversos na sobrevida, estudos mais recentes em grandes
extensas no câncer folicular em virtude de menores
populações de pacientes, demonstram aumento da morta-
recidivas e melhor sobrevida. A incidência de metástases
lidade relacionada à presença de metástases cervicais. A
linfonodais é rara (8%), não sendo indicado a linfadenec-
maior limitação, no entanto, são as variáveis destes
tomia sem a comprovação prévia da existência do
estudos, as quais dificultam a interpretação dos dados. Os
linfonodo comprometido (21). Por vezes o diagnóstico é
diversos consensos e guidelines não são claros para a
feito através de uma biópsia de osso (calota craniana),
realização do esvaziamento do compartimento central em
pulmão ou cérebro (21 - 23).
tumores de estadios iniciais, bem como não diferenciam
os esvaziamentos entre profiláticos e terapêuticos. Essas
CARCINOMA DE HÜRTHLE recomendações são baseadas na possibilidade de que
possa haver melhor sobrevida pela redução do risco de
recorrência local com baixos índices de mortalidade.
O carcinoma de Hürthle foi classificado em 1963
como uma variante do câncer folicular (carcinoma de Em virtude dessa grande discussão, a 2ª edição da
células oxifílicas) pela OMS. Ele é formado por células American Thyroid Association (ATA) recomenda que o
ricas em mitocôndrias com anormalidades morfológicas esvaziamento terapêutico (evidência de linfonodo metas-
e funcionais. tático) seja realizado juntamente com a tireoidectomia
total. Por outro lado, o esvaziamento profilático (ipsilate-
Posteriormente encontraram alterações genéticas do
ral ou bilateral central) pode, não necessariamente deve,
câncer papilar, como o RET-PTC e BRAF, associadas à

224
ser realizado em pacientes com câncer de tireoide sem central e aqueles que se beneficiariam com cirurgias
evidência de envolvimento linfonodal, especialmente menos invasivas (27, 28). Infelizmente esbarramos no custo
naqueles com doença tireoidiana avançada (T3 ou T4). A elevado dos estudos moleculares em que a grande maioria
tireoidectomia total sem a limpeza ganglionar central é dos pacientes não teria condições de utilização deste
adequada para tumores iniciais (T1 e T2), não invasivos, método.
sem evidências de gânglios comprometidos em câncer A invasão traqueal ocorre em 1/3 dos pacientes com
papilar e na maioria dos foliculares (25). carcinoma invasivo, e o envolvimento do nervo laríngeo
No entanto, é importante ressaltar, que essas recomen- inferior, bem menos frequente, ocorrendo em 12% dos
dações devem ser interpretadas à luz da experiência do casos. Estridor, hemoptise, massa tumoral firme e pouco
cirurgião, evitando-se riscos e lesões inadivertidas dos móvel são sinais e sintomas para essas possibilidades. O
nervos e das paratireoides. O consenso da ATA para os shaving deve ser considerado quando não há invasão
esvaziamentos cervicais enfatiza a importância de se além do pericôndrio. Alguns estudos mostraram o mesmo
definir a terminologia para a classificação dos esvazia- índice de sobrevida para aqueles que fizeram cirurgias
mentos no câncer da tireoide e, pela primeira vez, define mais radicais e para aqueles que fizeram shaving. No
a extensão do esvaziamento central como uni ou bilateral. entanto, para aqueles pacientes com doença estrutural
Realizar este esvaziamento de caráter eletivo ou profilá- residual têm sobrevida 30% menor (29 - 31).
tico significa remover nódulos que aparentam normalida- Para concluir, devemos frisar que o tratamento cirúr-
de no pré e intra-operatório. Um esvaziamento terapêuti- gico dos tumores malignos da tireoide está em constante
co significa a limpeza de gânglios sabidamente compro- evolução. Os conhecimentos da biologia molecular, os
metidos com base em exame clínico e exames de imagem, resultados dos segmentos a longo prazo, estadiamento, e
ou diagnosticados durante a cirurgia, via de regra com as novas tecnologias oferecem um leque de opções
congelação. terapêuticas, e devem ser individualizadas. Cabe à equipe
Os defensores do esvaziamento central argumentam multidisciplinar (com cirurgião, endocrinologista, imagi-
que removeriam potenciais sítios de recorrência, melho- nologista e médico nuclear), discutir e escolher, junta-
rariam o estadiamento, a eficácia da radioablação, mente com o paciente, a melhor estratégia operatória.
permitindo melhor sobrevida e evitando morbidade em Históricamente várias instituições pelo mundo
reoperações. Aqueles que se opõem à este esvaziamento, criaram uma classificação ou estratificação de risco para
dizem que a lógica dessa teoria é falha, pois sua aplicação os tumores bem diferenciados da tireoide. Os principais
é sem a devida avaliação do significado clínico da doença fatores considerados para um pior prognóstico foram:
(do comportamento biológico da eventual metástase). idade superior a 55 anos, sexo masculino, tamanho do
Revisões recentes não mostram um evidente benefício em tumor, multicentricidade do tumor, extensão extracap-
termos de recorrência ou mortalidade para o estabeleci- sular, invasão vascular, subtipo histológico e metástases
mento da tireoidectomia total associada ao esvaziamento à distância. Esse é outro tema de calorosos debates, pois
central, além do elevado risco de lesões de nervos e das todas falham ao predizer as recidivas. Os principais
paratireoides, uma vez que, ainda, a maioria destas índices de prognóstico criados foram o AMES (Clínica
cirurgias são realizadas por cirurgiões não especialistas Lahey), AGES que depois se transformou em MACIS
ou inexperientes. Sosa e cols. demonstraram que cirurgi- (Clínica MAYO), EORTC na Europa, DAMES na Suécia
ões com mais de 100 tireoidectomias/ano têm 75% menos e GAMES no Memorial de Nova Iorque. Temos também
complicações do que aqueles com menor volume de o TNM que é bem aceito e pode ser utilizado em todos os
cirurgia (4,3 versus 16,1%) (26). tumores. Abaixo segue o estadiamento, que serve para o
Grande parte da controvérsia seria minimizada se câncer papilar, folicular e medular.
houvesse uma maneira de predizer o comportamento O carcinoma anaplásico é estadio IV (EC IVa _ T1-
biológico dos tumores, sendo que o ideal seria a realiza- 3a; N0M0; EC IVb _ T1-3a4b, N1, M0, T3bT4, qualquer
ção da PAAF associada à pesquisa de um ou mais N, M0; EC IVc, qualquer T, qualquer N M1).
marcadores moleculares, para estratificar o risco e o
prognóstico da doença. Mutação no BRAF e RAS são as A morbidade cirúrgica da tireoidectomia total reside
mais frequentes no papilar, e têm prognóstico pior, e essa principalmente na experiência do cirurgião (26) na mani-
pesquisa pode ser feita antes da cirurgia. Com isso pulação do nervo laríngeo inferior e das paratireoides.
poderíamos selecionar aqueles pacientes que se benefici- Nos melhores centros a paralisia definitiva do nevo
ariam com tireoidectomia total com o esvaziamento recorrente não deve ultrapassar 1 a 2%. A paralisia

225
temporária pode chegar a 4% com melhora espontânea. a maioria é assintomática, com pequena percentagem
Já o hipoparatireoidismo temporário tem alta incidência, retornando ao hospital para reposição venosa de cálcio.
podendo chegar a cerca de 70% em várias séries. Porém,

Classificação TNM da AJCC para Câncer Papilar, Folicular,


ESTADIAMENTO Medular e Anaplásico da Tireoide (121)

Categora T
Tx O tumor não pode ser avaliado
T0 Não há evidência de câncer
O tumor tem até 2 cm de diâmetro e está contido na tireoide.
T1 T1a – O tumor tem até 1cm de diâmetro e está contido na tireoide.
T1b - O tumor tem entre 1 e 2 cm de diâmetro e está contido na tireoide.
T2 - O tumor tem entre 2 e 4 cm de diâmetro e está contido na tireoide.
O tumor tem mais de 4 cm de diâmetro.
T3 T3a – O tumor tem mais de 4 cm de diâmetro e é intratireoidiano.
T3b – Começa a se desenvolver fota de tireoide e compromete musculature pré tireoideana.
T4a – O tumor é de qualquer tamanhp e cresceu além da glândula tireoide em tecidos próximos ao pescoço, como cordas vocais,
traquéia, esõfago ou laringe. Também é denominada doença moderadamente avançada.
T4
T4b – O tumor é de qualquer tamanho e cresceu em direção à coluna vertebral ou nas proximidades dos grandes vasos sanguíneos.
Também é denominada doença moderadamente avançada.
Linfonodos (todos os tipos de tumores)
N0 Não há nenhuma evidência de câncer nos gânglios linfáticos.
O tumor se espalha para os linfonods próximos.
N1 N1a – O tumor se espalha para os linfonodos do nível VI e VII.
N1b – Metástases cervicais unilateral ou bilateral ou contralateral (níveis I, II, III, IV ou V), ou linfonodos retrofaríngeos.
Metástases à distância
M0 Sem metástase à distância
M1 Com metástase à distância
Fonte: Sosa et al., 1998. Observação: Todos os cânceres de tireoide anaplásico são considerados T4 no momento do diagnóstico. T4a – O tumor ainda
se encontra dentro da tireoide; T4b – O tumor cresceu fora da tireoide. A idade de corte é de 55 anos nos tumores bem diferenciados.

Estadiamento clínico do câncer de tireoide

Estadio < 55 anos de idade ➢ ou igual 55 anos de idade

I Qualquer T, qualquer N, M0 T1, T2, N0, M0

T1N1; T2, N0, N1, M0;


II T3a/T3b, qualquer N, M0 T1N1; T2, N0, N1, M0; T3a/T3b, qualquer N, M0
Qualquer T, qualquer N, M1

III -- T4a, qualquer N, M0, N0, M0

T4b, qualquer N, qualquer M


IVa --
T4b, N0, N1, M0

IVb -- Qualquer T, qualquer N, M1

226
O hipoparatireoidismo definitivo, felizmente, é raro de complicações maiores. Os planos anatômicos distorci-
em mãos experientes. Cuidados especiais devem ser dos dificultam a identificação da doença recidivada, bem
tomados com aqueles pacientes que foram submetidos à como as estruturas que necessitam ser preservadas. As
cirurgia bariátrica. Devido às alterações na capacidade de recidivas acontecem após o tratamento cirúrgico do tumor
absorção do cálcio, estes pacientes terão problemas mais papilar a partir de 6 meses do início do tratamento, antes
severos com a hipocalcemia, e por vezes farão uso disso seria remanescente tumoral. As recidivas podem
prolongado de cálcio na tentativa de suprir suas necessi- ocorrer no leito tireoidiano, no compartimento central ou
dades por longos períodos. A experiência na clínica diária cervical lateral. No leito tireoidiano, a grande dificuldade
demonstra que alguns pacientes demandam até anos de é quando envolve o nervo laríngeo inferior. No comparti-
recuperação do hipoparatireoidismo nestas circunstâncias mento central, o envolvimento das paratireoides inferio-
de tireoidectomia total pós cirurgia bariátrica. res é eminente. Habitualmente a extensão da doença deve
Em casos de metástases laterais diagnosticadas previa- ser diagnosticada no pré-operatório. Muitas vezes as
mente, torna-se mandatório o esvaziamento do comparti- lesões recidivadas podem ser mais agressivas, com
mento central. Skip metastasis podem ocorrer, mas a formas de comportamento de maior invasividade (37 - 40).
presença de metástases laterais no pescoço também Videolaringoscopia para avaliar a funcionalidade das
haverá no compartimento central em mais de 85% dos pregas vocais é mandatória, bem como a realização de TC
casos. As metástases no compartimento lateral podem devido a possível envolvimento traqueal. O paciente deve
acometer o pescoço nos níveis II, III, IV e V (Figura ser alertado quanto às possíveis complicações advindas
25.8) (33 - 36). Durante o esvaziamento é importante a da reabordagem, como a rouquidão definitiva, hipoparati-
preservação de estruturas não linfáticas sempre que reoidismo definitivo e mesmo a traqueostomia. Pode
possível. O comprometimento tumoral metastático para ocorrer, em recidivas, uma franca invasão tumoral da
nível I é raro, sendo o seu esvaziamento realizado laringe, que com alterações histológicas podem determi-
somente na presença confirmada de metástases. As nar uma laringectomia total na tentativa de controle da
metástases nos níveis IIb e Va também são raras (neste doença. Nestes casos, possívelmente, apesar da laringec-
caso não manipularíamos o nervo espinal), e muitos tomia, estes pacientes irão morrer da doença.
cirurgiões não realizam o esvaziamento destes níveis O que mais frequentemente observamos são as
rotineiramente. É importante a abordagem dos linfono- recidivas linfonodais para o nível VI ou para o compar-
dos no nível IV, sobre os escalenos, que frequentemente timento lateral durante o acompanhamento do paciente,
são comprometidos. Cuidados especial deve-se ter com o lembrando que a característica principal do carcinoma
nível IV à esquerda, devido à presença do ducto torácico, papilar é o comprometimento de linfonodos. O diagnós-
e sua lesão pode causar fístula quilosa. tico normalmente é feito pela ultrassonografia, citologia
e dosagem da tireoglobulina do aspirado deste linfonodo.
Figura 25.8 Esvaziamento do compartimento lateral esquerdo Até 20% dos pacientes tratados de câncer papilar irão ter
e direito devido a metástases de carcinoma papilar. Na seta recidivas, sendo o compartimento central o lugar mais
amarela vemos as jugulares e carótidas bilateralmente após o frequente. Recidivas carregam um pior prognóstico e
esvaziamento aqueles pacientes já esvaziados e com novas recorrências
têm maiores chances de evoluírem para óbito. As recidi-
vas no compartimento lateral são mais comuns no nível
IV em mais de 70% dos casos. Vale aqui salientar, que a
utilização de monitorização dos nervos laríngeo inferio-
res se faz mandatória nas reabordagens cirúrgicas do
compartimento central (nível VI), na tentativa de minimi-
zar as lesões do nervo laríngeo inferior (infelizmente
esbarramos em custos para pacientes de serviços
públicos).

CARCINOMA INSULAR DA TIREOIDE


Para aqueles pacientes que têm recidiva loco-regional,
o ideal é também a realização da operação. É de caráter
O carcinoma insular da tireoide, descrito inicialmente
bem mais laborioso essa reabordagem e com incidência
por Sakamoto e Carcangiu (41, 42), é um carcinoma inco-

227
mum pouco diferenciado, derivado das células foliculares familiar deste paciente a mutação no proto-oncogene
(produz tireoglobulina) e tem agressividade intermediária RET, uma vez que foi identificado o gene autossômico
entre os bem diferenciados (carcinoma papilar e folicular) dominante para a transmissão das formas familiares.
e o indiferenciado (carcinoma anaplásico). Correspon-
São quatro as formas de apresentação do CMT (da
dem de 4 a 7% de todos os tumores malignos da tireoide,
forma menos agressiva para a mais agressiva):
sendo duas vezes mais comuns em homens que mulheres
e média de idade de 55 anos (43, 44). Pode-se suspeitar deste Esporádico (CMTE): surge de maneira isolada e é a
tumor previamente por punção aspirativa com agulha forma mais comum do CMT. Acomete indivíduos em
fina, em que a citologia ajuda muito, bem como a torno dos 40 anos, tendo maior prevalência em mulheres.
dosagem de calcitonina para afastar o carcinoma medular. Acredita-se que próximo de 30% dos casos esporádicos
A principal característica histológica é a presença de são familiares. A mutação genética do proto-oncogene
ninhos de células foliculares atípicas entremeadas por RET deve ser pesquisada em todos os casos esporádicos.
ilhas de necrose. Clinicamente é muito agressivo, com Familiar (CMTF): compromete indivíduos de baixa
invasão dos tecidos peritireoidianos e metástases cervi- idade, tumores bilaterais e a hiperplasia das células C.
cais. O ideal de tratamento é o cirúrgico com radicalidade Nesse caso a pesquisa para o RET proto-oncogene é
loco regional, quando possível, e tem alto índice de positiva. Sem nenhum dado clínico ou bioquímico de
recorrência (45). A complementação do tratamento deve comprometimento da suprarrenal ou paratireoide.
ser com radioiodoterapia em altas doses, sendo 30%
refratário ao tratamento (46), e em casos de recidiva pode- NEM IIA: denominada de síndrome de Sipple, é
se recorrer a RT ionizante na tentativa de conter o também familiar com tumor comprometendo a glândula
crescimento da doença e a dor. Quando se faz o diagnós- bilateralmente. Pode haver hiperplasia das células C,
tico, seja de carcinoma papilar ou folicular, e se encon- compromete indivíduos com cerca de 30 anos, há
tram ilhas de carcinoma insular, mesmo que não feocromocitoma em 50% das vezes, hiperparatireoidismo
predominante histologicamente, é ele que dita o prognós- em até 20%. Raramente tem anormalidades no desen-
tico, as lesões são agressivas e o comportamento de volvimento. Há manifestações cutâneas como o líquen
carcinoma pouco diferenciado torna-se prevalente (44). amilóide e associada à doença de Hirschsprung.
NEM IIB (Figura 25.9): tem o câncer na tireoide
multicêntrico, normalmente muito agressivo, feocromo-
TRATAMENTO DO CÂNCER MEDULAR
citoma, hábitus marfanóides, neuromas de mucosa,
DA TIREOIDE (CMT)
ganglioneuromas intestinais e distúrbios neurológicos.
O tratamento padrão para a tentativa de controle da
Tem origem nas células parafoliculares (células C)
doença é o cirúrgico, reservando-se a QT droga alvo
que são derivadas da crista neural. Produzem calcitonina
(vandetamib) para aqueles casos irresecáveis ou com
que é o marcador para esse tipo de tumor. Correspondem
doença estrutural remanescente pós tentativa de ressec-
a cerca de 5% dos tumores da glândula tireoide. Seu
ção cirúrgica com respostas não muito eficazes, associado
estadiamento segue os mesmos critérios para os tumores
à RT na tentativa do controle da dor. Portanto, o
bem diferenciados da tireoide (vide o quadro acima
tratamento padrão ouro para o controle do câncer medular
TNM/AJCC). Tem uma sobrevida geral de 78 a 91% em
da tireoide é sempre o cirúrgico.
todas as formas.
Com o estudo genético podemos definir quando o
O diagnóstico é feito por achados clínicos e
tratamento cirúrgico poderá ser realizado na criança
laboratoriais. Normalmente há o aparecimento de um
portadora do defeito no gene, algo que é muito
nódulo tireoidiano ou cervical que pode ser metastático.
controverso. É sempre melhor a realização da operação,
Sintomas como hipercalcemia (hiperparatireoidismo),
obviamente, na tentativa da prevenção, antes do
sintomatologia como taquicardia, hipertensão (feocromo-
desenvolvimento da doença. A chance de controle é
citoma), rouquidão e disfagia deve ser investigado.
próxima de 100% quando somente o RET é o único
Ultrassonografia ajuda a identificar o tumor na tireoide,
exame alterado. Aqueles pacientes entre 5 e 13 anos, sem
bem como as metástases cervicais. Citologicamente são
nódulos e com calcitonina normal, se beneficiarão apenas
identificados como tumores pouco diferenciados e a
com a tireoidectomia total. Nos casos em que há aumento
dosagem elevada de calcitonina no pré-operatório confir-
da calcitonina mais nódulos cervicais, o esvaziamento
ma o diagnóstico. Após o diagnóstico de um pretenso
cervical lateral vai depender do estadiamento da doença,
caso esporádico de CMT, é obrigatório a pesquisa

228
no caso de presença de metástases cervicais. Para aqueles Os principais fatores prognósticos no CMT são a idade
indivíduos acima de 13 anos, com alteração da calcitoni- do diagnóstico, tamanho do tumor, extensão tumoral,
na, deve ser feito a tireoidectomia total com esvaziamento tamanho das metástases no pescoço e a presença de
do compartimento central. A abordagem da cadeia cervi- metástase à distância. De uma forma geral, para tumores
cal lateral vai depender também do estadiamento, se há não muito avançados, a maioria chega a mais de 70% de
metástase presente, sempre do lado do tumor (47, 48). sobrevida em 5 anos e cai para quase 50% em 10 anos (51,
52)
.
Figura 25.9 Paciente portador de NEM IIB com ganglioneu-
romas de mucosa, hábitus marfanóide e o tumor compro-
TRATAMENTO DO CARCINOMA
metendo a glândula bilateralmente (setas pretas). Já havia
metástases cervicais à época do diagnóstico ANAPLÁSICO DA TIREOIDE

O carcinoma anaplásico ou indiferenciado é o mais


agressivo dos tumores da tireoide com o seu tratamento
sendo pouco efetivo na sobrevida do paciente. Felizmente
é raro, chegando até 5% em algumas casuísticas, mais
comuns em mulheres na proporção de 3:1 em relação aos
homens, e acomete principalmente indivíduos acima de
60 anos. Muitos pacientes têm história prévia de
tratamento de câncer bem diferenciado da tireoide ou
mesmo bócio multinodular de longa data. Alguns autores
acreditam que o carcinoma anaplásico possa vir de uma
desdiferenciação de um tumor bem diferenciado.
O diagnóstico é feito com o aparecimento de massa
cervical anterior em paciente acima dos 60 anos, de
crescimento rápido, com sintomas compressivos,
consistência pétrea e invasão dos tecidos adjacentes,
chegando, na maioria das vezes, à época do diagnóstico,
irressecável. Mais da metade apresenta metástase à
distância quando do diagnóstico, bem como estão presen-
tes as metástases cervicais.

Muitos indivíduos têm sobrevida longa mesmo com Existem três tipos histológicos: escamóide, grandes
calcitonina elevada, nos levando a considerar, sempre que células e células fusiformes (53, 54). A leucocitose superior
possível, o tratamento cirúrgico mais completo. A inci- a 10.000 prediz um prognóstico pior. Na classificação
dência de metástases no compartimento central e lateral TNM todos os casos de câncer anaplásico são T4 (T4a
ipsilateral à lesão é de cerca de 80%, e no pescoço restrito à glândula, podendo ser ressecado, e o T4b que é
contralateral à lesão chegou a cerca de 44%. Portanto, se inoperável).
conclui que o esvaziamento cervical bilateral jugulo Diante de uma evolução avassaladora como esta,
carotídeo pode beneficiar, e muito, a maioria dos pouco podemos fazer para melhorar a sobrevida. Todas
pacientes, principalmente se o tumor tireoidiano for as combinações terapêuticas têm maus resultados, porém
palpável. Alguns autores preconizam que o tamanho até a condução destes tumores tem que ser de forma
2 cm basta a tireoidectomia total com esvaziamento do multimodal. Um estudo japonês que acompanhou quase
compartimento central, e para tumores maiores deve ser 50 pacientes definiu um índice prognóstico (55) baseado
feito o esvaziamento cervical lateral (49). A cura em 4 fatores: (1) presença de sintomas agudos (tempo de
bioquímica para a maioria dos pacientes é difícil, e a evolução menor que 1 mês, rouquidão, dor, disfagia e
maioria permanece com a calcitonina elevada, apesar dos dispneia); (2) tamanho maior que 5 cm, (3) presença de
diversos métodos propedêuticos não identificarem as metástase à distância à época do diagnóstico e a (4)
metástases (50). leucocitose (acima de 10.000). Esse índice é obtido pela
soma desses fatores, variando de 0 a 4. Quanto mais baixa
a nota, melhor era o prognóstico, com a sobrevida

229
chegando próximo a 1 ano. Quanto maior a nota, pior era optar pela cirurgia, RT e QT. Nem a extensão da
a sobrevida com uma média de 45 dias apenas. Nota 1 ressecção com a sua devida radicalidade tem impacto
tinha 60% sobrevida em 6 meses, nota 3 nenhum paciente sobre a sobrevida. O ideal é a utilização de RT e QT após
ultrapassou o 6º mês. A sobrevida maior foi obtida ao se a ressecção tumoral, esta quando possível.

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232
“Pode a glândula tireoide, quando aumentada, ser removida com razoável
segurança de salvar o paciente? A experiência, enfaticamente, responde não!...
Nenhum cirurgião pode ser tão tolo para isto... Cada passo será envolvido por
dificuldade, cada golpe do seu bisturi será seguido por uma torrente de sangue, e
ele poder-se-á considerar afortunado se sua vítima sobreviver o suficiente para lhe
proporcionar a oportunidade de terminar seu ato de açougueiro... Nenhum
cirurgião honesto e sensível jamais tentaria tal empreitada” (1).
Samuel Gross, o mais famoso cirurgião norte-americano à época em 1866.

A história da cirurgia de tireoide iniciou em 1000 d.C. no forame cego, que se desloca caudalmente formando
com o cirurgião espanhol Albucasis. Após isso houve dois lobos ao lado da traquéia (3). Defeitos congênitos po-
várias tentativas ao redor do mundo até chegarmos em dem surgir devido a remanescentes do epitélio da base
1880, quando Bilroth teve uma sequência de 20 lingual no seu trajeto de deslocamento inferiormente
tireoidectomias, porém, com 40% de mortalidade. Ele formando o cisto ou a fístula do ducto tireoglosso (Figura
abandonou a prática desse procedimento, quando um dos 26 1). Pode haver agenesia de um só lobo ou de toda a
seus mais profícuos discípulos, Emil Theodor Kocher, à tireoide.
partir de então iniciou o aperfeiçoamento dessa técnica (2).
A mortalidade da sua casuística foi de apenas 0,2% e suas Figura 26.1 Origem embriológica e trajeto da glandula tireoide
contribuições, não só para essa técnica mas para a
medicina em geral, lhe renderam o Prêmio Nobel de
Medicina em 1909. Hoje realizamos a tireoidectomia
como Kocher a realizou, quase sem nenhuma alteração
técnica.
Na década de 1920 relacionou-se a tetania e
hipocalcemia às paratireoides, e após a II Guerra Mundial
surgiram as drogas antitireoidianas e o propranolol,
aumentando a segurança da cirurgia.
Embriologicamente a glândula tireoide se forma à
partir da terceira semana de vida intrauterina através da
invaginação do epitélio de revestimento da base lingual,

233
A glândula tireoide é altamente vascularizada, e tem a localização mais constante, ficando de 0,5 a 1 cm
irrigação arterial vinda da artéria tireoidiana superior lateralmente da entrada do nervo laríngeo inferior no
(primeiro ramo da artéria carótida externa), artéria músculo cricotireoideo. As paratireoides inferiores são
tireoidiana inferior (ramo do tronco tireocervical prove- mais variáveis, localizadas póstero inferiormente à
niente da subclávea) e ocasionalmente da artéria tireoidi- tireoide ou mesmo sob a cápsula da glândula (mais
ana íma (podendo ser ramo do arco aórtico, artéria raramente).
inominada ou carótida comum).
A relevância da preservação cirúrgica das paretire-
A drenagem venosa (Figura 26.2) é feita por três oides reside no fato da ocorrência da possibilidade de uma
pares de veias: veias tireoidianas superiores (uma de cada hipocalcemia, seja ela transitória por alteração da sua
lado) que drenam para as jugulares internas; veias vascularização devido à sua manipulação, até o temido
tireoidianas médias (uma de cada lado), quase sempre hipoparatireoidismo definitivo (felizmente muito raro em
presentes (também drenam para as jugulares internas); mãos de cirurgiões experientes) (5). Na Figura 26.3
tireoidianas inferiores (drenam para a veia braquioce- podemos ver reparado com um fio de seda (na seta
fálica). Pode ser localizada ainda outra veia acessória, amarela) o ligamento de Berry, o nervo laríngeo inferior
inferiormente à veia tireodiana média, chamada veia de direito (seta azul) e a paratireoide superior (seta verde)
Kocher (4), que também drena para a veia jugular interna. localizada medialmente ao nervo laríngeo inferior direito
(apresentação menos frequente da paratireoide superior
Figura 26.2 Drenagem venosa da tireoide que normalmente se localiza látero-superiormente à
entrada do nervo laríngeo inferior no músculo crico-
tireoideo - círculo azul).

Figura 26.3 Tireoidectomia com achado de paratireoide de


localização incomum (seta verde) e onde ela normalmente
deveria se localizar (círculo azul). Na seta azul vemos o nervo
laríngeo inferior, na seta amarela, o ligamento de Berry

A drenagem linfática é de grande importância na


abordagem cirúrgica da tireoide para o tratamento
adequado dos tumores dessa glândula. A primeira cadeia
de drenagem da glândula é representada pelos linfonodos
do compartimento central ou nível VI (compreende os
linfonodos delfiano, recorrenciais, pré-traqueais e pré-
laríngeos), que vai do osso hioide até à fúrcula esternal,
na entrada do mediastino (junção cérvicomediastinal).
Subsequentemente as cadeias de drenagem linfática da
tireoide são os níveis III e IV (júgulo carotídeas média e
baixa). Há ainda a possibilidade de drenagem para o nível
II e fossa supraclavicular.
Outras estruturas de extrema importância nas opera-
De extrema importância na abordagem cirúrgica da ções da tireoide são os nervos que se relacionam com a
tireoide são as paratireoides, responsáveis pelo metabo- glândula intimamente, i.e. o nervo laríngeo superior e o
lismo do cálcio, devido à sua intimidade com a glândula inferior (nervo laríngeo recorrente). O nervo laríngeo
tireoide e sua coloração amarelo-amarronzada que podem superior, que é ramo do nervo vago, cruza a carótida
ser confundidas com tecido gorduroso ou com linfono- externa e desce junto ao pedículo superior da glândula
dos. Em mais de 80% são em número de quatro, podendo tireoide, dividindo-se em ramo interno (que é responsável
variar de três a nove. As paratireoides superiores são de pela sensibilidade da mucosa laríngea) e em ramo externo

234
(que é responsável pela inervação do músculo cricotire- nográficos, inclusive com avaliação da vascularização do
oideo) e desce aderida à fáscia do músculo constritor nódulo, e citológicos, o Fluxograma 26.1 direciona o
inferior para inervar o músculo cricotireoideo. O ramo tratamento cirúrgico, avaliando os nódulos de benignos,
externo do nervo laríngeo superior é o tensor da prega muito baixo risco, baixo risco, risco intermediário e alto
vocal, e a lesão deste nervo causa um relaxamento ou risco.
arqueamento da prega vocal, levando a uma alteração
Na incisão cervical optamos por uma incisão mais
significativa na tonalidade da voz do paciente. Daí a
alta, próxima à cartilagem cricóide (mas sempre abaixo
importância de ligadura do pedículo tireoidiano mais
dela) e de preferência em uma prega natural da pele,
próximo ao polo superior para evitar tal dano.
podendo ser até mais generoso no seu tamanho, uma vez
O nervo laríngeo inferior, que também é ramo do que estaria em uma prega natural da pele do pescoço. O
nervo vago, é o responsável pela inervação da prega ístmo tireoidiano sempre está a cerca de 0,5 a 1 cm abaixo
vocal, sendo sua variação anatômica raríssima à esquerda do anel cricoide anterior, independente da idade do
(quando o nervo laríngeo inferior não recorre à esquerda, paciente, por isso adotamos a cricoide como referência
podemos pensar em situs inverso totalis). Já à direita para planejamento da incisão. Achamos que dessa forma
podemos encontar em até 4% em algumas casuísticas (6). temos melhores condições e segurança de ligadura do
A importância do nervo laríngeo inferior reside no fato de pedículo superior, sem riscos de deixar restos tireoidi-
que sua lesão unilateral causa rouquidão, e quando lesado anos, além de uma cicatriz bem discreta. Optamos por
bilateralmente há a necessidade de realização de iniciar a lobectomia do lado onde o nódulo é maior (seja
traqueostomia devido ao completo fechamento da rima tumor ou bócio colóide), porque em caso de qualquer
glótica impedindo a passagem do ar, podendo causar a incidente com o nervo laríngeo inferior deste lado
morte do paciente no pós-operatório imediato. Segundo interrompemos o procedimento para não colocarmos o
estudos (7 - 11), podemos prever a não recorrência do nervo lado contralateral em risco e, por conseguinte, o paciente
laríngeo inferior, com muita precisão, através de exames sairia traqueostomizado da operação desnecessariamente.
como o Doppler e a TC, que quando realizados no pré-
Não adotamos a nodulectomia como técnica de
operatório identificam variação anatômica da artéria
abordagem da glândula, pois está em desuso em nosso
subclávia em sua origem no arco da aorta. Isso com
meio. A tireoidectomia subtotal (retirada de 50% de cada
certeza ajudaria o cirurgião a entrar mais preparado para
lobo juntamente com o ístmo) e a tireoidectomia quase
a identificação do nervo laríngeo inferior não recorrente
total (retirada de um lado totalmente, deixando-se 10% ou
durante a operação.
1 g de tecido do lado contralateral) também não são
Tecnicamente a abordagem cirúrgica da tireoide exige realizados de rotina em nosso serviço. A tireoidectomia
um planejamento adequado, com a realização de exames quase total foi adotada como alternativa, na década de
laboratoriais que auxiliam o cirurgião, como as provas de 1960, devido ao receio de se retirar inadivertidamente as
função tireoidiana, ultrassonografia associada ou não à 4 paratireoides e de lesão do nervo laríngeo inferior. Não
PAAF, TC ou RMN. adotamos esses procedimentos rotineiramente devido aos
riscos de uma reabordagem posterior com prejuízos às
As indicações mais frequentes do tratamento cirúrgico
paratireoides e à inervação. Nossa preocupação é de, pelo
da glândula são:
menos, retirar todo o tecido tireoidiano de um lado
- Suspeita de malignidade. (lobectomia com istmectomia), porque teremos mais
- Compressão respiratória. segurança em abordar somente o lado contralateral que
não fora manipulado, em caso de necessidade de uma
- Bócios nodulares com nódulo autônomo (pré- reintervenção.
Plummer).
Para os bócios multinodulares sempre optamos por
- Bócios mergulhantes ou intratorácicos. tireoidectomia total, dado o risco de deixarmos tecido
- Bócios multinodulares tóxicos. tireoidiano doente ou até mesmo alguma lesão tumoral
que não fora feito o diagnóstico previamente, com
De uma maneira geral seguimos os princípios de
consequente crescimento e prejuízos ao paciente (13 - 16),
abordagem cirúrgica dos nódulos na tireoide adotados
isso em caso de uma tireoidectomia subtotal ou quase
pela ATA (American Thyiroid Association - 2018) (12),
total. Achamos isso porque sempre dissecamos e identifi-
sempre levando-se em consideração, quando possível, a
camos as 4 paratireoides e ambos os nervos laríngeo
vontade do paciente. Partindo-se de princípios ultrasso-
inferiores com o cuidado de remover todo tecido tireoi-

235
Fluxograma 26.1 Fluxograma segunda a ATA modificado de acordo com a vontade do paciente. Ultrassom mostrando o nódulo em
tireoide

diano. Vale ressaltar que é praticamente impossível dagem cirúrgica. A conversa com o paciente à respeito de
conseguir laboratorialmente remover todo tecido tireoidi- sua doença, possíveis complicações e sequelas, bem
ano, porque em pesquisas de captação com radioiodo pós- como a orientação de uma nova abordagem cirúrgica caso
operatória em tireoidectomia total há mais de 75% de fiquem restos tireoidianos, fazem, muito possivelmente,
captação (6, 17), tornando a cirurgia bastante segura. Nos o paciente escolher uma lobectomia com istmectomia (no
casos de lesão nodular colóide única de 3 cm ou mais, mínimo), ou mesmo uma tireoidectomia total. Nas
também optamos por tireoidectomia total porque a chance reabordagens cirúrgicas, aqueles casos de bócios volu-
de uma recidiva no lado contralateral é alta (praticamente mosos e mergulhantes com desvio importante da traquéia
totalizamos a tireoidectomia em todos os casos que e laringe, lesões tumorais em que suspeitamos de
fizemos lobectomia com istmectomia alguns anos depois extravasamento capsular ou metástases no comparti-
para nódulos maiores que 3 cm) (18 - 20, 16). mento central, temos a opção de realizar o procedimento
com a monitorização eletrofisiológica do nervo laríngeo
Diante dessas explicações temos o Fluxograma 26.2
inferior, trazendo segurança para o paciente (21 - 25),
(ou caminho, como queiram).
evitando judicialização do tratamento e realizando uma
Como exposto, achamos muito mais confiável o cami- cirurgia segura.
nho do gráfico ao lado direito, da seta azul, e sempre que
Atualmente, existem tendências e tecnologias que nos
possível, quando indicado, realizamos uma tireoidecto-
ajudam em um procedimento cirúrgico sobre a tireoide.
mia total ou no mínimo uma lobectomia com istmecto-
No final da década de 1990 e início dos anos 2000, foi
mia, porque temos um domínio e segurança muito maior
descrita a tireoidectomia minimamente invasiva vídeo
das paratireoides e dos nervos laríngeo inferiores em uma
assistida em que se fazia a mini incisão (até 2 cm) para
eventual reabordagem (reoperações). Já o caminho à
abordagem do pedículo superior e retirava-se o lobo
esquerda, setas vermelhas, nos é bastante inseguro e
tireoidiano com a ajuda do vídeo e cautério harmônico (26
problémático, já que os prejuízos para os pacientes são - 29)
. No mesmo período desenvolvia-se a tireoidectomia
mais evidentes no que diz respeito às lesões nervosas e
total por vídeo em que o procedimento é realizado através
ressecções indevidas das paratireoides em uma reabor-

236
de incisões nas axilas para a introdução das óticas (30 - 32) laríngeo inferior. A monitorização tornam a manipulação
(procedimento cirúrgico mais demorado, porém bastante dos nervos e a cirurgia mais seguros. E por fim, surgiu a
estético por não expor cicatrizes). Entraram em cena cirurgia assistida por vídeo em que se realiza a tireoidec-
também os hemostáticos (celulose oxidada e as colas tomia por via de acesso transoral (tireoidectomia
biológicas que auxiliam na prevenção de hematomas e endoscópica transoral por acesso vestibular - TOETVA)
(33 - 38)
seromas) e a monitorização eletrofisiológica do nervo , Figura 26.4.

Fluxograma 26.2 Cirurgia segura da tireoide

O que realizamos de rotina é uma tireoidectomia, seja nico (quando possível, devido ao seu custo elevado),
ela lobectomia mais a istmectomia ou tireoidectomia monitorização eletrofisiológica do nervo laríngeo inferior
total, com uma incisão de cerca de 2 a 3 cm (tamanho sempre que possível e quando indicado, pois onera o
suficiente para resolver a maioria dos casos). É realizada procedimento, e sempre acompanhada da celulose oxida-
com o auxílio da tesoura coaguladora ou cautério harmô- da (Surgicel fibrilar) no auxílio da hemostasia.

Figura 26.4 TOETVA

Fonte: Adaptado da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço.

Não entraremos em detalhes a respeito da extensão da Complicações Gerais


abordagem cirúrgica da tireoide para as lesões tumorais,
Óbito: muito raro e relacionado às comorbidades do
pois o capítulo 25 foi dedicado para este tema.
paciente.
Como complicações da tireoidectomia temos as
Infecção de ferida operatória: também muito rara. É
complicações gerais e as específicas (1, 40):
uma cirurgia limpa sem indicação de antibióticopro-
filaxia.

237
Seroma: pode ocorrer, porém, comumente resolve-se traqueostomia. A paralisia temporária pode acontecer em
de forma espontânea ou com algumas punções. 2 a 4% dos casos em algumas séries. O uso de monito-
rização eletrofisiológica do nervo laríngeo inferior tem se
Hematoma: também é uma complicação muito temida
tornado rotina em operações ou principalmente em
e grave, felizmente cada vez mais rara. Sempre coloca a
reoperações da tireoide, a fim de evitar lesão do mesmo
vida do paciente em risco. Para evitar o hematoma temos (21 - 25)
.
o hábito de operar o paciente em condição de normoten-
são (pressão arterial normal), e sempre solicitamos a Lesão do ramo externo do nervo laríngeo superior:
realização da manobra de Valsalva (hiperinsuflação inerva o músculo cricotireoideo e é o responsável pela
pulmonar) para avaliar sangramento venoso. É necessário tensão da prega vocal. Sua prevenção se faz ligando o
aguardar o paciente ficar normotenso para iniciarmos a pedículo superior o mais próximo possível da tireoide (44).
síntese. Utilizamos a celulose oxidada (hemostático) no Há três variações anatômicas do nervo laríngeo superior
leito tireoidiano, e após a síntese exercemos uma que pode cruzar a artéria tireoidiana superior mais de 1
compressão cervical até que o paciente seja extubado. cm acima do polo superior da glândula tireoide, menos de
Neste momento ocorre um aumento muito grande da 1 cm acima do polo superior ou mesmo bem em cima do
pressão intratorácica (devido à reação do paciente ao tubo polo superior da glândula tireoide (4).
na orofaringe e traquéia, que causam reações de vômitos),
Hipoparatireoidismo: é a complicação mais frequente
que por vezes pode desencadear o hematoma. O hema-
das tireoidectomias totais, chegando a cerca de 75% dos
toma geralmente ocorre em operações de bócios volumo-
casos, felizmente a maioria é temporária (48). Mais da
sos e a utilização do dreno de sucção contínua se faz
metade é assintomática e poucos casos precisam de uma
necessária nestes casos.
reposição venosa de cálcio. Em grandes séries o hipopara-
Cicatriz hipertrófica: também pouco comum, de fácil tireoidismo definitivo é de quase 1%, portanto, muito
correção. raro. Atenção especial deve ser dada àqueles pacientes
que são submetidos à cirurgia bariátrica, uma vez que não
Drenagem fistulosa cervical crônica: se faz pela ferida
conseguem absorver cálcio de maneira adequada, e
operatória e é secundária à reação a corpo estranho (fios
sofrem com hipocalcemia, por vezes severa, e por tempo
de seda), com frequentes eliminações de amarraduras de
prolongado.
seda. Normalmente em uma tireoidectomia total fazemos
de 30 a 40 amarraduras e o paciente deve ser orientado, Crise tireotóxica: também chamada de tempestade
sempre que possível, dessa complicação. O uso do tireoidiana, com alta mortalidade (20%) (49), mas feliz-
cautério harmônico ou tesoura coaguladora evitaria esse mente também muito rara. Presenciamos um único caso
fato, além do uso do fio de poliéster (Mersilene) que em nosso serviço com desfecho favorável.
diminui bastante a reação inflamatória a corpo estranho
Lesão do tronco simpático cervical: complicação rara,
por se tratar de um fio sintético.
mas pode ocorrer em caso de bócios volumosos, que
quando luxados podem lesar o tronco simpático com
Complicações Específicas (41, 42) consequente síndrome de Horner.
Lesão de nervo laríngeo inferior: pode ser de até 3% Pneumotórax: também ocorre mais frequentemente
em primeiros procedimentos e chegar a 10% em reabor- em caso de bócios mergulhantes, que quando luxados
dagens cirúrgicas (43, 44). É uma complicação diretamente lesam a cápsula de Gibson (sobre a cúpula pulmonar).
proporcional à experiência do cirurgião (5). A realização
de videolaringoscopia pré- e pós-operatória se faz neces- Lesão traqueal e esofagiana: também ocorre por
sária. Atenção especial deve-se ter com as bifurcações e manobras bruscas ou mesmo em caso de invasão tumoral.
variações anatômicas (principalmente à direita o nervo Quando diagnosticado deve ter sua reparação imediata.
laríngeo inferior pode não recorrer, Figura 26.5), bem Fístula quilosa: também ocorre em caso de bócios
como a presença do tubérculo de Zuckerkandl que pode volumosos com consequente lesão do ducto torácico em
desviar o nervo do seu trajeto habitual (45 - 47). Em caso de caso de luxações da glândula tireoide. Considerada uma
paralisia bilateral das pregas vocais, deve-se realizar a complicação de incidência rara.

238
Figura 26.5 Exemplos de nervos laríngeo inferiores não
recorrentes. Na figura da esquerda o ligamento de Berry
está reparado com fio de seda, na figura da direita o nervo
está abaixo da pinça

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240
Capítulo 27 – Lesões cirúrgicas das glândulas paratireoides

laboratoriais e de imagem, principalmente em pacientes


INTRODUÇÃO
assintomáticos, maior sobrevida em pacientes renais
crônicos e aumento no número de procedimentos cirúr-
As paratireoides são pequenas glândulas localizadas gicos na tireoide (3). As mulheres são as mais acometidas
na superfície posterior da glândula tireoide, têm a por doenças da paratireoide, com a proporção de hiper e
coloração amarelo-acastanhada e se confundem frequen- hipoparatireoidismo de cerca de 3:1 e 4:1, respectiva-
temente com a própria glândula tireoide e com o tecido mente. O motivo da maior prevalência entre mulheres
adiposo local. Acredita-se que sua descoberta tardia difere; enquanto o hiperparatireoidismo primário acome-
ocorreu devido às suas características peculiares. Em te mulheres pós-menopausa, o hipoparatireoidismo é
1850, o estudante de medicina Ivar Sandström descreveu mais frequente em pacientes previamente submetidas a
a presença destas estruturas em humanos e outros procedimentos cirúrgicos na tireoide, sendo que as
mamíferos, mas durante décadas a fisiologia e patologia patologias da tireoide são mais comuns nesta população.
permaneceram desconhecidas. Com o aperfeiçoamento Pelo mesmo motivo, o pico de incidência de hipoparatire-
das técnicas de tireoidectomia no século XIX, foi obser- oidismo é uma década antes do pico de incidência de
vado que pacientes no pós-operatório apresentavam hiperparatireoidismo (4, 5).
sintomas que variavam de parestesias periorais até
O objetivo deste capítulo é descrever as lesões cirúr-
câimbras e rigidez muscular. Somente no início século
gicas das glândulas paratireoides. Dessa forma, vamos
XX ficou clara a associação entre tais sintomas com a
nos ater às patologias que ocasionam aumento da
hipocalcemia e as paratireoides. Também nesta época, foi
glândula e, consequentemente, a sua hiperfunção denomi-
identificado aumento das paratireoides em paciente com
nada hiperparatireoidismo (HPT).
doenças ósseas, sem uma correlação direta entre estes
achados. Apenas décadas após, foi descoberto que a extir-
pação cirúrgica das glândulas aumentadas ocasionava a ANATOMIA E EMBRIOLOGIA
melhora dos sintomas clínicos e da densidade óssea em
estudos radiológicos (1, 2).
As paratireoides são encontradas habitualmente em
Os distúrbios dessas glândulas não são tão incomuns número de 4 glândulas, em 13% pode ser identificadas
quanto se pode pensar, sendo o hiperparatireoidismo glândulas supranumerárias, sendo mais comum uma
primário a terceira patologia endocrinológica mais quinta glândula próxima ao timo. Podem ser relatadas até
comum com prevalência de até 1% da população. Vários 11 glândulas e, raramente, em número de 2 ou 3 (6-9). À
fatores podem estar associados ao aumento do diagnós- macroscopia, são pequenos discos ovoides, de cor
tico, como a maior acessibilidade da população a exames

241
amarelo-acastanhada, peso aproximado de 40 mg e intimamente relacionado às glândulas paratireoides. As
dimensões de 5 x 3 x 1 mm. À microscopia, observa-se células principais detectam mínimas alterações do cálcio
numerosos adipócitos e um arranjo cordonal formado por sérico sendo inibidas ou estimuladas a sintetizar e secretar
2 tipos celulares: células principais e células oxifílicas. As o paratormônio (PTH). O PTH possui meia vida curta, de
células principais são células neuroendócrinas com 2 - 5 min, sendo metabolizado pelo fígado e excretado
grânulos secretores do hormônio da paratireoide (PTH), pelos rins. Ele age elevando a calcemia e a fosfatúria por
pequenas e numerosas. As células oxifílicas são maiores, 3 vias: renal, óssea e, indiretamente, no intestino pela
com um núcleo menor, mais escuro e quantidade relativa- vitamina D. Nos rins, o PTH age estimulando a
mente maior de citoplasma, sua função é desconhecida (10 reabsorção tubular do cálcio, inibindo a reabsorção
- 12)
. tubular do fosfato e estimulando a síntese de vitamina D3.
Nos ossos, há aumento do remodelamento ósseo com
Embriologicamente, as paratireoides derivam do
ativação de osteoclastos com reabsorção óssea e estímulo
endoderma na porção dorsal bulbar da terceira e quarta
de osteoblastos (8, 11, 13). A forma ativa da vitamina D, a
bolsas faríngeas, entre a 5ª e 6ª semana embrionária. As
1,25 di-hidroxi-vitamina D3, participa da homeostase do
paratireoides superiores se originam da quarta bolsa
cálcio aumentando sua absorção gastrointestinal; age de
branquial e se deslocam da faringe para posição caudal na
forma mais lenta que o PTH, durante dias ou semanas (11).
porção superior da tireoide. As paratireoides inferiores se
A Calcitonina, produzida pelas células C da tireoide, é um
originam do terceiro arco branquial, que também dá
hormônio que participa da regulação do cálcio, sendo
origem ao timo, e durante sua migração caudal separa-se
secretado no estado de hipercalcemia, agindo como
do timo assumindo a posição na porção inferior da
hipocalcemiante. Ela inibe a reabsorção óssea e reduz a
tireoide (Figura 27.1) (6 - 8, 11).
reabsorção tubular renal de cálcio; pode ser usada como
tratamento precoce para hipercalcemia grave até o início
Figura 27.1 Embriologia das paratireoides
dos efeitos hipocalcêmicos de outras drogas (14).

Figura 27.2 Localização das paratireoides

As paratireoides superiores percorrem um curto trajeto O hiperparatireoidismo (HPT) é ocasionado pelo


e apresentam localização mais constante, 0,5 a 1 cm aumento da produção do PTH. O HPT é classificado
lateralmente à entrada do nervo laríngeo inferior no como primário, secundário ou terciário, de acordo com
músculo cricotireoideo. No trajeto das glândulas inferio- sua etiologia. O hiperparatireoidismo primário (HPTP)
res pode haver falhas na separação, o que justifica a maior ocorre devido ao aumento da produção de PTH, na
variação anatômica dessas glândulas, que podem estar ausência do estímulo fisiológico, por uma ou mais
localizadas desde a mandíbula até o mediastino superior glândulas, sendo as principais patologias o adenoma, a
(6 - 8)
. As localizações mais comuns das glândulas paratire- hiperplasia e o carcinoma de paratireoide. O hiperparati-
oides estão descritas na Figura 27.2. reoidismo secundário (HPTS) ocorre em pacientes que
apresentam deficiência de cálcio, seja devido a síndromes
disabsortivas, deficiência de vitamina D, falência renal ou
FISIOPATOLOGIA
hepática, ocorrendo estímulo constante das paratireoides
com aumento da produção de PTH e hiperplasia da
O cálcio é responsável por diversas funções no orga- glândula. Quando o HPTS perpetua por longos períodos
nismo, como a contração muscular, e a transmissão pode ocorrer autonomização das glândulas, o que carac-
neuronal. O controle da homeostase da calcemia está teriza o hiperparatireoidismo terciário (HPTT).(8, 11,13 - 16)

242
A hipercalcemia pode se apresentar com sintomas pacientes sintomáticos é a nefrolitíase que pode ser
inespecíficos, e.g. fraqueza muscular, adinamia, altera- recorrente e grave, estando presente em até 50% dos
ções comportamentais, perda de memória, dificuldade de pacientes jovens com HPTP (16, 17). Os principais sintomas
concentração, desidratação. A queixa mais frequente nos estão sintetizados na Tabela 27.1.

Tabela 27.1 Principais sinais e sintomas do hiperparatireoidismo


Sistema Urinário Sistema Músculo Esquelético Outros
Cálculo renal, Nefrocalcinose Dor óssea e articular Náuseas e vômitos
Poliúria Fratura Polidipsia
Sistema Nervoso Central Tumor marrom Hipertensão
Astenia Osteoporose Gota e Pseudogota
Depressão e irritabilidade Fraqueza muscular Úlcera péptica
Coma Constipação

A doença óssea típica de HPT é a osteíte fibrosa cística A anamnese completa e exame físico associado a exames
com demonstração de sinais patognomônicos da doença laboratoriais, como a dosagem do PTH, da vitamina D,
na radiografia de rotina. Ocorre o aumento generalizado cálcio e fósforo urinário, são fundamentais no diagnóstico
da reabsorção óssea pelos osteoclastos, seguido por diferencial das hipercalcemias (14, 16, 17).
substituição por tecido fibrovascular e maior atividade
dos osteoblastos, principalmente na parte medular de
ossos longos como falange, metacarpo, tíbia e costelas. A HIPERPARATIREOIDISMO PRIMÁRIO
presença de osteoclastomas, ou tumores marrons,
também podem ser observados em porções trabeculares O HPTP ocorre devido ao aumento da produção de
da mandíbula, ossos longos e costelas, causando PTH por uma ou mais glândulas na ausência do estímulo
deformidade óssea (Figura 27.3) (16).
fisiológico. Laboratorialmente, apresenta-se com hiper-
calcemia na presença de níveis normais ou aumentados
Figura 27.3 Doente renal crônico portador de hiperpara- de PTH. Estudos de prevalência apontam uma incidência
tireoidismo secundário apresentando tumor marrom em palato de aproximadamente 20 casos por 100 mil/ano, com
(seta) e deformidade óssea em tórax
grande variabilidade em diferentes populações (16, 18). Há
predileção por mulheres pós-menopausa, com pico de
incidência entre a quinta e sexta década (15). O adenoma
de uma única glândula corresponde a aproximadamente
85% dos casos, seguido do adenoma multiglandular,
hiperplasia e do carcinoma com menos de 1% dos casos.
Atualmente, 90% dos pacientes com hiperparatireo-
idismo não apresentam sintomas específicos e descobrem
incidentalmente a hipercalcemia ao realizar exames
laboratoriais de rotina (16, 18).
A etiologia do hiperparatireoidismo ainda é desconhe-
cida, com até 95% dos casos com manifestação esporá-
Vale ressaltar que outras patologias podem cursar com dica (19). Alguns estudos correlacionam como fator de
a elevação do cálcio sérico, sendo fundamental realizar o risco a exposição à radiação ionizante. As síndromes
diagnóstico diferencial, haja visto que o tratamento e o familiares são responsáveis por 5% dos casos de HPTP,
prognóstico são muito diferentes. A hipercalcemia sendo as mais comuns as neoplasias endócrinas múlti-
maligna é a mais frequente, observada em 2,7% dos plas Tipo 1 (NEM1) e 2A (NEM 2A). O NEM 1 é a causa
pacientes com câncer. O controle inadequado resulta em mais comum com penetrância de até 90% aos 50 anos de
piora significativa da sobrevida nestes pacientes (14, 17). idade, e deve ser investigada em pacientes jovens com
Outras causas raras, como a intoxicação por vitamina D, história familiar de hipercalcemia e na presença de outros
representam menos de 10% das causas de hipercalcemia. tumores endocrinológicos (hipófise e pâncreas). O NEM

243
2A está relacionado ao carcinoma medular de tireoide, acima de 14 mg/dL, PTH com elevação de 3 a 15 vezes o
feocromocitoma e hiperparatireoidismo primário, asso- limite da normalidade ou presença de massa cervical
cia-se à mutação no proto-oncogene RET. Na avalição palpável (22 - 24). Deve-se evitar exames invasivos (e.g.
diagnóstica inicial realiza-se dosagem de cálcio total, punção com agulha fina) se houver suspeita pré-operató-
PTH, creatinina e vitamina D. A dosagem do cálcio ria, pelo risco de rotura da cápsula e disseminação tumo-
urinário em 24 h auxilia no diagnóstico diferencial do ral, além da dificuldade em diferenciar citologicamente o
HPT com a hipercalcemia hipocalciúrica familiar (8, 16, 19). carcinoma do adenoma (21, 23). A suspeita, por vezes, é
aventada no perioperatório com o achado de glândula
Adenoma com margens irregulares e aderida aos tecidos adjacentes,
sendo fundamental a ampliação da ressecção, incluindo o
lobo tireoidiano e linfonodos recorrenciais ipsilaterais. O
É causado pelo aumento de uma única glândula diagnóstico histológico inclui a identificação de invasão
paratireoide, ocorre em 90% dos pacientes com HPTP (8, linfovascular, perineural e de estruturas adjacentes. Em
16)
. Acometem majoritariamente as glândulas inferiores e determinadas situações, somente a presença de metásta-
a ocorrência de glândulas ectópicas é de até 16%. O ses possibilita o diagnóstico definitivo de malignidade (21
tratamento de escolha é a cirurgia com extirpação da - 24)
.
glândula acometida, apresentando altas taxas de cura (18).
O carcinoma de paratireoide não é estadiado conforme
O aspecto perioperatório é de uma lesão regular, não o critério TNM da AJCC por tratar-se de patologia rara e
aderida, de cápsula bem definida e com coloração amar- sem acordo universal de classificação, o que dificulta seu
ronzada. Microscopicamente, pode ser difícil a diferen- estudo (22). Dados da literatura apontam para três possíveis
ciação de adenoma e hiperplasia, sendo necessário o desfechos desta patologia:
seguimento clínico do paciente para definir a melhora ou
persistência do hiperparatireoidismo após o tratamento (1) 1/3 dos pacientes apresentam boa resposta ao
cirúrgico. Algumas técnicas de localização pré- e perio- tratamento cirúrgico com altas taxas de sobrevida livre de
peratórias serão discutidas abaixo no tópico Tratamento. doença;
Algumas séries mostraram a presença de duplo adenoma (2) 1/3 apresenta recidivas e necessitam de múltiplas
de tireoide em até 10% dos casos. Inicialmente, abordagens ao longo da vida e com expectativa de vida
acreditavam se tratar de uma hiperplasia assimétrica, mas reduzida devido a hipercalcemia refratária ao tratamento
com a dosagem perioperatória de PTH foi possível cirúrgico;
confirmar a existência do adenoma múltiplo (8, 16, 18).
(3) 1/3 dos pacientes podem apresentar doença com
comportamento agressivo, prognóstico reservado e
Hiperplasia de paratireoide
desenvolvimento de metástases (23 - 25).

Manifesta-se de múltiplas formas, como a hiperplasia


primária esporádica, hiperplasia primária familiar isolada Tratamento
ou associada a neoplasias endócrinas múltiplas (NEM),
hiperparatireoidismo neonatal severo e hiperparatireoi- Frente a um paciente com HPTP e sintomas, o trata-
dismo associado a tumores de maxila e mandíbula e mento de escolha é o cirúrgico, com altas taxas de cura.
associado ao uso de lítio (19). Em pacientes assintomáticos pode-se realizar tratamento
O tratamento consta na exploração cirúrgica de todas medicamentoso com uso de cinacalcete e bifosfonados
glândulas paratireoides e realização de paratireoidec- (pamidronato). O tratamento cirúrgico é mais indicado
tomia subtotal ou total com ou sem auto enxerto. Nas em pacientes jovens (< 50 anos), que apresentam osteo-
NEM Tipo 1 é fundamental a extirpação do timo para porose (T < 2,5 desvio padrão) ou fratura vertebral,
exclusão de provável foco paratireoideo ectópico e Clearance de creatitina (TFG < 60 ml/min), hipercalci-
diminuir a ocorrência de recidivas (19, 20). úria (> 400mg/dia), cálcio total superior a 1 mg/dL acima
do limite superior da normalidade e dificuldade de aderir
Carcinoma de Paratireoide ao tratamento medicamentoso ou ao seguimento anual (15,
26)
.
Patologia rara, ocorre em menos de 1% dos HPTP, e Após optar pelo tratamento cirúrgico é imprescindível
acomete igualmente ambos sexos entre 45 e 59 anos (21). a realização de exames localizatórios para definir se há
Deve ser suspeitado em pacientes com níveis de cálcio

244
(13, 28)
uma ou mais glândulas acometidas, sua localização . A Ressonância magnética e o PET-CT são métodos
precisa e qual a extensão da abordagem cirúrgica. com altas taxas de detecção, mas mais estudos são
Tradicionalmente, a cirurgia da paratireoide baseava-se necessários para avaliar o custo-efetividade, principal-
na exploração cervical bilateral de todas paratireoides, e mente do PET-CT (29).
identificação macroscópica daquelas que estavam
Na nossa experiência, além da cintilografia, a
aumentadas. Com o avanço das ferramentas diagnósticas
realização de TC com contraste venoso em cortes finos
é possível realizar uma cirurgia direcionada à glândula
permite a localização adequada da paratireoide na grande
acometida, minimamente invasiva, com pouca manipula-
maioria dos pacientes, sendo solicitado de rotina no pré-
ção dos tecidos e estruturas adjacentes, o que reduz as
operatório (Figura 27.4). Na literatura, as taxas de sensi-
complicações (em quase 3 vezes), menores tempo cirúr-
bilidade da TC variam de 27 a 89% na detecção da
gico e custo, além do aumento nas taxas de cura (9, 18, 27).
paratireoide, com variabilidade de acordo com a
Os exames padrões ouro para localização das experiência do radiologista e do cirurgião (18). A ultrasso-
paratireoides são a Cintilografia com Sestamibi, Bidi- nografia cervical é recomendada rotineiramente, apesar
mensional (planar) ou Tridimensional (SPECT), que da menor sensibilidade para detecção e por ser altamente
captam a função da glândula. A fusão da imagem da operador dependente. É um método útil para avaliação de
cintilografia com a TC (MIBI-SPECT-CT) é um exame nódulos tireoidianos que podem passar desapercebidos ao
com alta sensibilidade (96%) (18), pois associa informa- exame clínico. A adequada investiga-ção destes nódulos
ções funcionais da glândula com a sua localização no pré-operatório é fundamental por permitir a aborda-
anatômica, mas trata-se de um exame caro e indisponível gem cirúrgica em conjunto da tireoide e paratireoide (13,
18)
em muitos serviços. A punção com agulha fina é .
desaconselhável devido ao risco de rotura e disseminação

Figura 27.4 Cintilografia com Sestamibi, à esquerda, para hiperparatireoidismo primário captando adenoma de paratireoide inferior à
esquerda. Tomografia computadorizada à direita evidenciando que a glândula está em posição ectópica, retroesofágica (seta)

Devido à sua meia vida curta, a dosagem do PTH


HIPERPARATIREOIDISMO
intraoperatório pode ser realizada e baseia-se na dosagem
SECUNDÁRIO E TERCIÁRIO
pré-operatória e na adminstrada após 10 - 15 min da
retirada das glândulas suspeitas. Associa-se uma queda de
mais de 50% do valor do PTH à melhor chance de sucesso O hiperparatireoidismo secundário e terciário tem
do procedimento. O método de corte e congelação aumentado sua incidência nas últimas décadas com a
perioperatória tem baixa sensibilidade e especificidade. melhora da assistência médica a pacientes com doença
Portanto, seu uso é recomendado apenas na diferenciação renal crônica e, consequente, aumento de sobrevida nesta
de tecido paratireoidiano de outros (2, 9, 18, 27). população. O HPTS ocorre em pacientes com dese-

245
quilíbrio no metabolismo mineral, como hipocalcemia paciente não obtenha êxito no tratamento clínico, a
por baixa ingesta ou disabsorção intestinal, deficiência de cirurgia é mandatória, sendo a mesma mais custo-efetiva
vitamina D, doença renal crônica, hiperfosfatemia, entre que o tratamento medicamentoso (30).
outras, ocasionando hiperestímulo das glândulas paratire-
As principais opções cirúrgicas são a parati-
oides (30). O hiperestímulo ocasiona a hiperplasia difusa e
reoidectomia subtotal e a total com ou sem auto implante,
progressiva destas glândulas. A dosagem laboratorial do
não havendo evidência de superioridade entre as técnicas.
PTH encontra-se aumentada enquanto a calcemia está
Na paratireoidectomia subtotal, o cirurgião identifica
normal ou diminuída nos pacientes com HPTS (8). Os
todas as paratireoides mantendo um fragmento da
sintomas iniciais são a dor óssea e articular, mialgia e
paratireoide de aspecto mais saudável no leito e retirando
fraqueza muscular. Em estágios avançados observa-se
as demais. Esta técnica tem menores taxas de hipopara-
maior risco de fraturas, prurido, deformidades ósseas,
tireoidismo, mas está associada a maiores complicações,
tumores marrons e outros (8, 16, 31).
como lesão do nervo laríngeo recorrente, e alto risco de
Quando o fator de desequilíbrio é corrigido, como recidiva com necessidade de reabordagens cervicais, com
após transplante renal ou reposição de vitamina D, cessa- maiores taxas de complicações.
se o hiperestímulo às paratireoides. No entanto, em
A paratireoidectomia total com auto enxerto imediato
alguns pacientes a hiperprodução de PTH se perpetua
é uma técnica na qual extirpa-se todas as glândulas; a
devido à autonomização da glândula, sendo esta condição
menor glândula é fragmentada e parte enxertada no mús-
denominada hiperparatireoidismo terciário. Nesta condi-
culo esternocleidomastóideo ou no antebraço do paciente,
ção, o PTH mantém-se elevado, assim como o cálcio
está última é a técnica de escolha em nosso serviço. O
sérico. O controle adequado em pacientes que apresentam
implante no antebraço diminui as complicações em caso
HPTT após transplante renal é fundamental, pois a
de necessidade de reoperação, pode ser realizada com
hipercalcemia propicia a formação de cálculos renais e
anestesia local e permite a dosagem de PTH em cada
nefrocalcinose que colocam em risco o órgão transplan-
membro. Caso haja diferença significativa no valor do
tado e aumentam as taxas de mortalidade nestes pacientes
(8, 30)
PTH entre os membros, é possível inferir que a recidiva
.
ocorreu devido ao autoenxerto; mas se o valor é aumen-
A radiografia óssea auxilia na detecção de osteodis- tado em ambos, é mais provável uma recidiva cervico-
trofia e calcificações extra ósseas. A biópsia óssea da mediastinal e a reabordagem cervical após localização da
crista ilíaca é o padrão ouro no diagnóstico desta distrofia. glândula seja indicada (30 - 32).
A ultrassonografia cervical, a TC e a cintilografia com
No pós-operatório do paciente submetido a paratireoi-
Sestamibi, como discutido previamente, são de grande
dectomia podem ocorrer distúrbios hidroeletrolíticos
valia para a localização das glândulas comprometidas.
graves, portanto, é fundamental o acompanhamento com-
junto do nefrologista. A hipocalcemia no pós-operatório
Tratamento é condição grave, principalmente em pacientes que
apresentam “fome óssea”, necessitando de infusão
Para o HPTS, o tratamento clínico inicial é baseado na endovenosa contínua de cálcio e posterior reposição oral
regulação do metabolismo mineral com controle dietético prolongada. O hipoparatireoidismo definitivo também é
da ingesta de fósforo e quelantes de fósforo que uma condição grave; grandes centros têm realizado a
diminuem sua absorção intestinal. O tratamento medica- criopreservação da paratireoide para reimplante posterior,
mentoso do HPTS e HPTT também consta na comple- podendo ser realizada mesmo após anos da abordagem (30,
32)
mentação da vitamina D (calcitriol) e cinacalcet. Caso o .

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247
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248
INTRODUÇÃO OBJETIVO

A monitorização neural intra operatória (MNI) é uma Segundo a recomendação da SBCCP (3), a MNI tem
tecnologia que pode ser utilizada na prevenção de lesões, por finalidade auxiliar na localização e avaliação da
temporárias ou permanentes, dos nervos laríngeo reco- integridade neural por meio do estudo da contração
rrente e facial, durante as parotidectomias e tireoidec- muscular secundária a um dado estímulo, principalmente
tomias. Os índices de complicações nessas cirurgias em casos de variações anatômicas e reoperações. É o
podem variar entre 0 a 7% nas formas temporárias e 0 a único método auxiliar que permite avaliar a função neural
11% nas formas definitivas. Essas complicações podem e facilitar a identificação dos nervos e seus ramos.
chegar até 20% em casos de reoperações (1), causando
Ainda segundo o parecer (3) são objetivos da monito-
alterações estéticas e funcionais importantes no paciente.
rização: (1) Auxiliar a distinguir um nervo dos tecidos
Apesar de seu importante auxílio em garantir uma maior
normais e patológicos adjacentes; (2) Identificar e mapear
segurança ao procedimento, a habilidade técnica e
o curso do nervo usando estimulação elétrica; (3) Facilitar
avaliação individualizada de cada caso pelo cirurgião não
a excisão da lesão pelo mapeamento do nervo; (4)
deve nunca ser esquecida, sendo recomendada a
Detectar precocemente o trauma cirúrgico sobre o nervo,
utilização da MNI como uma ferramenta adjunta à
com imediata informação ao cirurgião (sobretudo em
identificação visual do nervo no ato intra operatório pelo
abordagem bilateral onde, a critério do cirurgião, a
cirurgião assistente (padrão ouro).
continuidade do procedimento poderá ser abortada); (5)
Nos EUA, este recurso tem sido muito utilizado por Confirmar o prognóstico da função do nervo por meio da
cirurgiões, jovens ou experientes, completamente famili- estimulação nervosa ao completar-se a operação bem
arizados com a anatomia da região da cabeça e pescoço como identificar os sítios e o grau de dis-função neural.
(2)
.
Trata-se de uma tecnologia segura, mas que exige MÉTODO
treinamento, podendo ser operador dependente, que tem
por contraindicação o uso de relaxantes musculares
durante o ato anestésico, e devendo sempre ser realizada Apesar do uso da monitorização cada vez mais comum
por um médico cirurgião responsável ou um eletroneu- entre os cirurgiões, a revisão da literatura e experiência
romiografista. de um grupo de estudos (2) mostraram que há pouca uni-

249
formidade quanto ao seu uso nos mais diversos centros. técnica alguns elementos essenciais foram descritos e
Desta forma, objetivando a uniformização do uso da devem estar presentes para uma boa MNI, a saber:

Laringoscopia pré- e pós-operatória em todos os casos (avaliação pré-operatória do status funcional das pregas vocais é mandatório);
Identificação, dissecção e estímulo neural pré- e pós-operatórios (permite um mapeamento mais fidedigno do nervo, evitando
resultados falso-negativos);
O uso de drogas relaxantes musculares, contraindica a MNI;
No caso da monitorização do nervo vago e laríngeo recorrente, o tubo endotraqueal apresenta eletrodos ao nível da glote que, quando
corretamente posicionados, farão contato com a porção média das pregas vocais, bilateralmente, permitindo a monitorização dos
músculos vocal e tireoaritenoideo submetidos a despolarização. Desta forma, deve-se utilizar o maior tubo possível, a fim de se
aumentar a superfície de contato entre o eletrodo e a parede glótica;
Pode haver alguma interferência dos eletrocautérios, mono ou bipolar;
Não há influência de ou sobre marca-passo ou tesouras coaguladoras, sejam elas Harmonic ou Ligasure;
O fio terra é colocado em posição subdérmica no ombro do paciente;
Deve-se sempre checar a posição do tubo endotraqueal após o posicionamento do paciente e antes de sua fixação (Figura 28.1);
Na ausência do médico eletroneuromiografista responsável, o monitor deve estar visível para o cirurgião (Figura 28.2).

Figura 28.1 Tubo endotraqueal com a presença de eletrodos para monitorização

Figura 28.2 Posicionamento na sala de cirurgia POSSÍVEIS ALTERAÇÕES PER


OPERATÓRIAS

Perda do Sinal
Nestes casos o cirurgião deve realizar o estímulo
vagal. Se após tal estímulo a contração muscular da
laringe estiver presente, a função neural está assegurada
e o “defeito” deve estar na monitorização. Na maioria das
vezes, ele é representado pelo mal posicionamento dos
eletrodos do tubo endotraqueal.
Outra possibilidade é a avaliação do nervo vago
contralateral. Caso a estimulação ocorra normalmente, o
Legenda: ET – tubo endotraqueal; REC – eletrodos de monitorização; tubo deve estar bem posicionado, sendo possível uma
GND - fio terra; EMG – monitor. Fonte: Adaptado da Ref. 2. lesão neural.

250
Com a perda do sinal, dois pontos devem ser levados definição prognóstica de lesão neural nas cirurgias de
em consideração: identificação do sítio da lesão e a tireoide. Um teste negativo significa a existência de uma
melhor hora de abordar o lado contralateral. resposta eletromiográfica da corda vocal, bem como a
identificação de sua integridade, ao final do procedi-
mento. Por outro lado, a perda de sinal associada à
AVALIAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA E
paralisia de prega vocal ao final do procedimento define
PROGNÓSTICO
um teste positivo e um prognóstico ruim (Figura 28.3) (2).
Os gráficos eletroneuromigráficos podem ser impres-
A avaliação eletroneuromiográfica per operatória
sos e devem sempre ser anexados ao prontuário do
associada a avaliação da mobilidade da prega vocal pós-
paciente, tanto para fins forenses como para estudos
operatória (laringoscopia), devem ser a base para a
prospectivos.

Figura 28.3 Interpretação do sinal

obesidade que sugiram de operações tecnicamente mais


CONCLUSÃO
difíceis (3).

É comprovado o benefício do uso da tecnologia na Cabe ao cirurgião avaliar a relação custo-benefício


prevenção de paralisias temporárias. Situações como: para cada caso individualmente.

- Reabordagens dos leitos tireoidiano e parotídeo; A monitorização neurofisiológica intra-operatória é


ato médico, havendo divergências entre a SBCCP e CFM
- Tumores volumosos, em caso de nítido comprome- sobre a realização do procedimento concomitantemente à
timento neural; realização do ato cirúrgico (3, 4). Caso o responsável pela
- Casos pré-operatoriamente comprovados ou fortemente monitorização seja o próprio cirurgião assistente, o
suspeitos de neopalsia maligna; mesmo poderá agregar o respectivo código do procedi-
mento ao seu ato para cobrança de honorarios (3).
- Necessidade de esvaziamento cervical associado ao
procedimento principal e deformidades anatômicas ou

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252
Capítulo 29 – Complicações em cirurgia de cabeça e pescoço

O tratamento, que deve ser iniciado tão logo o


INTRODUÇÃO
problema seja identificado, consiste em direcionamento
da fístula para longe dos compartimentos vascular e
As complicações em cirugia de cabeça e pescoço mediastinal, com ou sem uso de drenos. Após o
possuem características multifatoriais como: desnutrição, fechamento da fístula e adequada recuperação do
idade avançada, neoplasias que impedem adequada paciente, geralmente é necessário a rotação de um retalho
alimentação (e.g. boca e faringe), tabagismo e etilismo. muscular para fechamento das fístulas faringocutâneas,
Desta forma, é imperativo uma abordagem multifatorial principalmente nos paciente já irradiados (2).
desses pacientes para adequado manejo dos mesmos.
Os casos de fístula salivar após parotidectomias têm
evoluções quase sempre benignas, com cessação da
FÍSTULAS drenagem salivar espontaneamente após alguns dias com
curativo compressivo e orientação ao paciente. Rara-
mente, é necessário alguma intervenção como punção da
Salivar coleção e esvaziamento do conteúdo sob o retalho ou
Ocorre em 31% dos casos após ressecção de tumores mesmo injeção de solução salina hipertônica aquecida
cervicais (1) e pode ter consequências severas como para acelerar o processo e melhorar as queixas do
ruptura dos vasos cervicais e sangramento volumoso. paciente.
Estas ocorrem quando há acúmulo de saliva sob as feridas
cervicais, principalmente, nos casos de esvaziamentos Quilosa
cervicais radicais, onde inexiste o músculo esternoclei-
As fístulas quilosas ocorrem em 1 a 3% dos pacientes
domastóideo como fator protetor. Ocorrem em decorrên-
submetidos a esvaziamento cervical, sendo mais comum
cia de deiscência nas linhas de sutura, normalmente em
quando à esquerda (75%). Caracteriza-se pela perda de
pacientes já submetidos a tratamento radioterápico,
um líquido brancacento pelo dreno cervical (Figura
resultado de má técnica operatória (com maior frequência
29.1), podendo causar grande espoliação nutricional e
quando a fístula ocorre até o 3° dia de pós-operatório),
comprometimento da cicatrizaçao da ferida operatória.
obstrução distal e permanente ao fluxo salivar ou distúr-
bios da cicatrização (2). A identificação precoce desta Para evitar a ocorrência de tal complicação, reco-
complicação é fundamental para uma boa resolução do menda-se ligadura cuidadosa próximo à veia jugular
caso. Alguns dos sinais descritos que podem ser interna em nível V com fio inabsorvível, além de
observados ao exame físico incluem: edema, leucocitose realização da manobra de Valsava para verificar o retorno
e sinais de sofrimento do retalho. da linfa e pronta ligadura do vaso.

253
Nos casos de diagnóstico pós-operatório da fístula do nervo facial por ser responsável pela motricidade do
quilosa, o tratamento pode ser conservador ou cirúrgico lábio inferior. Sua lesão pode levar à perda da compe-
(3)
. Geralmente a primeira opção apresenta alto índice de tência oral ou impossibilidade de enrugamento do lábio,
resolutividade (4) e consiste em dieta parenteral rica em bem como assimetria importante do canto da boca. A fim
triglicérides de cadeia média, colocação de dreno de suc- de se evitar este tipo de lesão neural, deve-se sempre
ção e curativo compressivo. Em casos de alto débito pelo procurar, ativamente, o ramo marginal do N. Facial,
dreno, ou naqueles de falha de tratamento conservador próximo aos vasos faciais. Ao completar a ligadura dos
após 2 semanas, é necessária a intervenção cirúrgica com vasos e reparar o segmento cranial do mesmo, estaremos
identificação e ligadura do vaso lesado (4, 5). protegendo o nervo (manobra de Martin ou de Dargent).

Figura 29.1 Dreno com secreção quilosa após esvaziamento Nervo Vago (X par craniano)
cervical
Emerge através do forame jugular, descendo na bainha
carotídea, entre a veia jugular interna e a carótida comum.
Sua lesão pode causar paralisia e paresia ipsilateral da
laringe e faringe, causando voz pesada, tosse ineficaz e
uma sensação de dispneia, além de disfagia.
A lesão desse par craniano pode ocorrer de maneira
inadvertida durante os esvaziamentos cervicais, princi-
palmente, quando for necessária a ligadura da veia jugular
interna. Nestes casos, é mandatória a identificacão prévia
do nervo vago.

Nervo Laríngeo Recorrente


Devendo sempre ser identificado em toda sua exten-
LESÕES NEURAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS são durante as tireoidectomias.
Sua lesão pode causar disfonia importante ou mesmo
Nervo Lingual (ramo lingual do nervo trigêmeo - V estridor laríngeo, sendo algumas vezes necessária até a
par craniano) realização de traqueostomia de urgência durante a extu-
Este nervo pode ser identificado durante os esva- bação traqueal.
ziamentos cervicais como uma alça cranial à glândula
submandibular para quem envia um ramo secretor. Ao Ramo Externo do Nervo Laríngeo Superior
realizar a exerese desta glândula, todo cuidado para a
Pode ser ligado juntamente com a artéria tireoidiana
correta preservação do nervo lingual deve ser tomado,
superior durante as tireoidectomias, causando impossibi-
pois sua lesão pode causar uma desconfortável paresia e
lidade de elevar o tom da voz.
hipoestesia da lingual, levando a dificuldade de fala e
deglutição (2).
Nervo Acessório (XI par craniano)
Saindo através do forame jugular, anterolateralmente
Nervo Facial (VII par craniano) à veia jugular interna, tal nervo é responsável pela
Ramo marginal do nervo facial (VII par craniano) motricidade dos músculos trapézio e esternocleido-
mastóideo (ECM), promovendo a abdução do ombro
Emergindo a partir da fáscia parotídea, o ramo mar-
além de 90 graus. Dor e fraqueza (referida pelo paciente
ginal da mandíbula descende sobre o tecido fibrovascular
como um “peso” e dificuldade de elevação do membro
conectivo entre a glândula submandibular e o corpo da
superior acima do nível do ombro) estão entre as
mandíbula entra o platisna e a fáscia cervical, e sobre a
complicações pós-operatórias mais comuns nos esvazia-
glândula submandibular:
mentos cervicais (2) e a lesão ou secção do nervo acessório
Deve-se estar atento ao levantar o retalho cervical para é o principal fator contribuinte para tal (Figura 29.2). Por
os esvaziamento cervicais a fim de se preservar este ramo esta razão, os cirurgiões de cabeça e pescoço estão em

254
constante discussão sobre a necessidade de abordagem Nervo Frênico
dos compartimentos cervicais que colocam este nervo
Encontrado sobre o músculo escaleno anterior durante
mais em risco ou não (nível IIB). Claro que o principal
os esvaziamentos cervicais. Quando lesado, pode causar
objetivo é, e sempre deverá ser, o controle oncológico
a paralisia do diafragma do lado afetado.
adequado, por isso, para os casos em que o sacrifício do
XI par craniano for imperativo, alguns autores descre-
vem a confecção de um enxerto neural para restabe- Plexo Simpático
lecimento da condução do estímulo elétrico (6). Localizado entre a bainha carótida e a fáscia pré-
vertebral, a lesão do tronco simpático, quando da dissec-
Figura 29.2 Paciente submetida a linfadectomia cervical radi- ção posterior ou ao redor da bainha carótida, pode levar a
cal por metástase cervical volumosa de sítio primário oculto, um ou mais aspectos da Síndrome de Horner (Figura
com necessidade de secção do nervo acessório devido à franca 29.4), a saber: ptose palpebral, miose, rash cutâneo,
invasão tumoral, apresentando dificuldade de elevação do congestão nasal e anidrose.
membro superior e com utilização de musculatura compen-
satória
Figura 29.4 Síndrome de Horner: miose, ptose e enoftalmia
(olho direito) após esvaziamento cervical radical em um
paciente TxN3

Fonte: Foto cedida pelo Dr Lysio França.

Nervo Hipoglosso (XII par craniano) Nervo Auricular Magno

Saída pelo forame hipoglosso, pode ser identificado ao Pode ser lesado durante a elevação do retalho para os
cruzar o músculo digástrico na fossa submandibular. Sua acessos cervicais causando paresia da ponta da orelha.
lesão pode causar a paralisia da hemilíngua ipsilateral que
clinicamente, pode ser identificado como desvio da
DISPNEIA
língua para o lado contralateral à lesão durante o prolapso
intencional da mesma (Figura 29.3).
A presença de neoplasias cervicais de grande volume,
edema importante da via aérea digestiva superior
Figura 29.3 Paralisia do nervo (principalmente após a RT) ou sangramentos cervicais no
hipoglosso (XII par craniano) pós-operatório (Figura 29.5) demandam rápida
durante linfadenectomia cervical
identificação do risco de compressão extrínseca da via
supra omohioidea, com desvio da
aérea e pronta abordagem do paciente em sofrimento
língua para o lado contra-lateral ao
nervo lesado respiratório. Isto é necessário para garantir a via aérea,
através de uma traqueostomia de emergência sob
anestesia local. Neste caso, não recomendamos o uso
corriqueiro de sedativos ou relaxantes musculares até a
identificação do segundo anel traqueal, sob o risco de
parada respiratória do paciente antes de se ter assegurado
a via aérea definitiva.
Outro fator de risco para a dificuldade respiratória no
pós-operatório, já bastante conhecido de todo cirurgião, é

255
o tromboembolismo pulmonar. Pacientes em tratamento cemia em até 44% dos pacientes que se submeteram à
de neoplasias malignas estão em maior risco de cirurgia ablativa para câncer de hipofaringe (1). Pacientes
tromboembolismo pulmonar, devendo os protocolos de que recorreram à cirurgia bariátrica para tratamento de
anticoagulacão serem avaliados individualmente. Isso é obesidade, possuem fator de risco ainda mais elevado
necessário devido ao receio de sangramento cervical e para ocorrência da hipocalcemia (devido à síndrome
compressão da via aérea, principalmente após grandes disabsortiva secundária à cirurgia), devendo até ser
ressecções e linfadenectomia cervicais), mas sendo avaliada a possibilidade da tireoidectomia parcial
imperativa a orientação de deambulação precoce (com (lobectomia + istmectomia) nesses casos.
auxílio) e uso de meias de compressão (7). O tratamento
Os sinais clínicos mais precoces da hipocalcemia são
consiste em anticoagulação imediata com heparina IV por
paresia perioral e das extremidades. Caso não sejam
5 a 7 dias, seguida de anticoagulante oral até que o RNI
prontamente identificados e tratados, os pacientes com
esteja entre 2.0 e 3.0 por até 3 meses de pós-operatório (2).
queda dos níveis do cálcio sérico podem apresentar
tetania, broncoespasmo, alteração do nível de consci-
Figura 29.5 Paciente com hematoma cervical em pós-opera- ência, convulsões, laringoespasmo e alterações do rítmo
tório imediato, ainda na sala de recuperação pós-anestésica, cardíaco. Calcemia inferior a 8 mg/dL já tornam positivos
após rotação de retalho de músculo peitoral maior para
os testes de Chvostek (percussão do nervo facial anterior-
cobertura de fístula orocervical tardia. Neste caso, o mesmo foi
mente ao pavilhão auricular, sendo observado uma
reconduzido à sala cirúrgica, submetido a cervictomia explo-
radora e limpeza da cavidade com soro fisiológico aquecido,
contração da musculatura perilabial ipsilateral) e
além da ráfia de vasos com sangramento identificados, com Trousseau (observação generalizada dos músculos do
resolução do sangramento sem comprometimento da via aérea. antebraço com flexão do punho, ou sinal de mão de
Portanto, não foi necessária confecção de traqueostomia parteiro, após a aplicação do esfignomanômetro de
pressão por cerca de 20 mmHg acima da pressão sistólica
por 3 min) (8).
O tratamento deve ser iniciado em todos os pacientes
sintomáticos em abordagem conjunta com a endocrino-
logia. A depender da severidade da hipocalcemia a
reposição poderá ser sob a forma oral ou venosa, sendo
muitas vezes necessária a prescrição também da vitamina
D.

PERDA OU SOFRIMENTO DO RETALHO

Os pacientes portadores de neoplasia de cabeça e


pescoço, devido ao mau estado nutricional, tabagismo,
idade mais avançada e massa tumoral extensa, já possuem
uma predisposição aumentada para isquemia, necrose e
infecção de ferida operatória. Além disso, a grande
maioria das cirurgias ablativas para neoplasia maligna em
cabeça e pescoço são, por si só, consideradas conta-
minadas. Desta forma, a maioria dos autores recomenda
antibioticoprofilaxia com cefazolina 1g + metronidazol
HIPOCALCEMIA 500 mg intravenoso, desde a indução anestésica até 24 h
de pós-operatório (2).
Mais comumente observada após a tireoidectomias, a Normalmente, não é necessária uma rebordarem
hipocalcemia (transitória ou permanente) ocorre nas cirúrgica, sendo apenas antibioticoterapia e cuidados
dissecções cervicais da base do pescoço e mediastino locais suficientes para o fechamento da ferida por
(níveis VI e VII) (2), podendo algumas vezes ser uma segunda intenção em alguns dias (Figura 29.6) Exceto
complicação de mais difícil controle que a lesão do nervo nos casos de exposição dos grandes vasos cervicais ou
laríngeo recorrente. Clark e cols., observaram hipocal-

256
óssea, em que um retalho miocutâneo geralmente está urgência médica devendo ser prontamente abordados.
indicado para proteção dessas estruturas. Geralmente, é necessária a abertura da ferida operatória
ainda no leito do paciente, a fim de descomprimir o
Na presença de sinais flogísticos (Figura 29.7) sobre
compartimento cervical e evitar a insuficiência respira-
o retalho cervical, a suspeita de infecção de ferida
tória (Figura 29.8).
operatória deve ser levantada e o tratamento com
antibióticos prontamente instituído. A reabordagem cirúrgica com limpeza da cavidade
cervical, identificação e ligadura do vaso lesado, é
mandatória, claro que após certificar que a função
HEMATOMAS CERVICAIS hemodinâmica do paciente está estável com boa volemia.
Algumas vezes pode ser necessário a realização de
Os hematomas cervicais, secundários a sangrento de traqueostomia durante o per operatório.
pequena monta pós-operatório, ou ruptura de artéria Os hematomas cervicais podem também ser respon-
carótida após fístulas cervicais, são considerados uma sáveis pela perda do retalho cervical ou em face.

Figura 29.6 Fechamento por segunda intensão, após necrose do retalho devido à compressão vascular (síndrome compartimental de
retalho de músculo peitoral maior em mento)

Fonte: Foto cedida pelo Dr Lysio França.

Osteoradionecrose
COMPLICAÇÕES DO TRATAMENTO
RADIOTERÁPICO Definida como uma exposição óssea que não cicatriza
por um período maior ou igual a 6 meses, a osteora-
dionecrose é uma complicação severa que afeta cerca de
Figura 29.7 Infecção de ferida operatória com fechamento por
segunda intensão satisfatório
3% dos pacientes que se submetem a RT (9, 10).
Ao contrário da mucosite e dermatite, a osteoradi-
onecrose pode ser prevenida, ou ao menos minimizada,
pela adequada avaliação odontológica de todo paciente,
que deverá ser orientado a procurar atendimento dentário
previamente ao início do tratamento radioterápico, seja
ele adjuvante ou neo-adjuvante. A RT, além de causar
uma porosidade óssea, predispondo a fraturas, pode levar
à osteoradionecrose e redução da quantidade de saliva,
predispondo a cáries de difícil tratamento. Desta forma,
todo tratamento odontológico necessário deverá ser
preferencialmente instituído antes do início da RT.

257
Disfagia Queimadura da Pele e Paquidermia
Secundário ao edema e redução do débito de saliva Não há consenso no tratamento e prevenção das lesões
importantes que ocorrem após o tratamento radioterápico, de pele causada pela RT, contudo cremes e loções
a disfagia é a principal queixa pós-operatória nos hidratantes são frequentemente prescritos com alguns
pacientes com neoplasia de cabeça e pescoço. Uma tímidos resultados.
abordagem multidisciplinar, faz-se fundamental para
condução desses casos, sendo algumas vezes necessário a Xerostomia
confecção de via alimentar alternativa até a completa
reabilitação do paciente. Uma das principais queixas do paciente submetido à
RT, bem como a perda do paladar, e que desempenham
importante papel da disfagia e hiporexia pós-tratamento,
Figura 29.8 Hematomas em face após descolamento de retalho seguida da desnutrição. Alguns sintomáticos podem ser
para reconstrução local
prescritos para auxílio nesse importante efeito adverso da
RT, como a saliva artificial, contudo não apresenta resul-
tados satisfatórios em todos os casos.

COMPLICAÇÕES DO TRATAMENTO
QUIMIOTERÁPICO

Náuseas, vômitos, emagrecimento, hiporexia, entre


outros, são alguns dos efeitos adversos secundários ao
tratamento quimioterápico que devem ser valorizados e
prontamente abordados.

REFERÊNCIAS

1. Clark JR, de Almeida J, Gilbert R, et al: Primary and salvage (hypo)pharyngectomy: Analysis anda outcome. Head and Neck 2006; 28(8):671-677.
2. David W. Eisele, Richard v. Smith. Complications in head and neck surgery. 2009. 2 nd ed. Elsevier
3. Spiro JD, Spiro RH, Strong EW: The management of chyle fistula. Laryngoscope 1990; 100(7):771-774.
4. Nussenbaum B, Liu JH, Sinard RJ: Systematic management of chyle fistula: The South-western experience and review of the literature: Otolaryngol Head
and Neck 2000;122(1):31-38
5. Crumley RL, Smith JD: Postoperative chylous fistula prevention and management. Laryngoscope 1976;86(6):804-813
6. Weisberger EC, Lingeman RE: Cable grafiting of the spinal accessory nerve for rehabilitation of shoulder function after radical neck dissection. Laryngoscope
1987;97:915-918.
7. Moreano EH, Hutchinson JL, McCulloch ™, et al: Incidence of deep venous thrombosis and pulmonary embolism in otolaryngology - head and neck surgery.
Otolaryngol Head aNeck Surg 1998;118(6):777-784.
8. ARIOLI, Edson L.; CORREA, Pedro Henrique S.. Hipocalcemia. Arq Bras Endocrinol Metab, São Paulo , v. 43, n. 6, p. 467-471, Dec. 1999 .
9. Jatin Shah's Head and Neck Surgery and Oncology: Expert Consult: Online and Print, 4e 4th Editionby Jatin P. Shah MD MS (Surg) PhD (Hon) FACS Hon.
FRCS (Edin) Hon. FRACS Hon. FDSRCS (Lond) (Author), Snehal G. Patel MD MS (Surg) FRCS (Glasg) (Author), Bhuvanesh Singh MD PhD
FACS (Author)
10. Cancer of the Head and Neck Fifth Edition by Jeffrey Myers (Author), Ehab Hanna MD (Author)

258
para recorrência. Apesar de definições distintas de alto
INTRODUÇÃO
risco, os dois estudos empregaram em seu braço
experimental o esquema de cisplatina 100 mg/m2 de
O tratamento sistêmico tem papel importante no superfície corporal aplicada no D1, D22 e D43 da RT.
manejo dos tumores de cabeça e pescoço, especialmente
Ambos evidenciaram benefício clínico na abordagem
no contexto da doença loco-regional avançada e metas-
concomitante, sendo que no EORTC 22931 observou-se
tática. Diversas modalidades terapêuticas têm se mos-
melhor controle loco-regional, maior sobrevida livre de
trado efetivas, tais como QT, imunoterapia e tratamento
doença e sobrevida global, enquanto que no estudo do
alvo-molecular. O objetivo de seu emprego pode ser
RTOG 95-01 evidenciou-se apenas benefício em controle
curativo (cenário adjuvante, concomitante à RT no
loco-regional (2, 3). Uma análise retrospectiva combinada
tratamento primário, ou de indução) ou paliativo. A
destes trabalhos identificou o subgrupo de pacientes com
Tabela 30.1 apresenta as características dos principais
extravasamento extra nodal e/ou margens cirúrgicas
agentes utilizados.
acometidas como as características patológicas mais
associadas ao benefício do tratamento quimioterápico
TRATAMENTO ADJUVANTE adjuvante e, dessa forma, constituem indicação clássica
de tratamento adjuvante combinado. Fatores como
múltiplos linfonodos comprometidos (mesmo sem extra-
O tratamento sistêmico adjuvante no câncer de cabeça vasamento extra nodal); invasão linfática, vascular e
e pescoço tem por objetivo a erradicação de todos os perineural; pT3 ou pT4; primário em orofaringe e
focos de doença micrometastática eventualmente presen- cavidade oral com comprometimento linfonodal em
tes, e a potencialização do efeito da RT na esterilização níveis IV e/ou V - podem ser considerados para a
do sítio tumoral primariamente operado e sua drenagem indicação do tratamento concomitante. O esquema
linfonodal de risco. quimioterápico classicamente considerado como padrão
Os dois principais estudos que estabeleceram o papel é o de cisplatina 100 mg/m2 de superfície corporal
do tratamento quimioterápico adjuvante foram o aplicada no D1, D22 e D43 da RT (2 - 4). Dados
Radiation Therapy Oncology Group (RTOG) 95-01 (1, 2) e preliminares do estudo JCOG1008 foram apresentados no
o European Organisation for Research and Treatment of congresso da American Society of Clinica Oncology
Cancer (EORTC) 22931 (3). Os dois ensaios clínicos (ASCO) de 2020 e parecem indicar a não inferioridade da
prospectivos randomizados de fase III compararam RT cisplatina semanal em dose de 40 mg/m2 em relação ao
pós-operatória com ou sem QT, baseada em cisplatina esquema clássico trisemanal, com um melhor perfil de
concomitante, em pacientes considerados de alto risco toxicidade (5).

259
Tabela 30.1 Principais agentes utilizados no tratamento sistêmico

Medicamento Mecanismo de ação Principais Indicações terapêuticas


toxicidades

Nefrotoxicidade;
Concomitância com RT no
Ototoxicidade;
tratamento adjuvante e
Metal pesado com efeito citotóxico direto através da Náuseas e vômitos;
como tratamento definiti-
produção de ligações cruzadas intrafilamento e Neuropatia periféri- vo;
Cisplatina
interfilamento no DNA, interferindo com sua ca;
QT de indução;
síntese, função e também inibindo a transcrição. Aumento de transami-
Tratamento da doença me-
nases;
tastática e/ou recidivada.
Mielotoxicidade

Erupção
Anticorpo monoclonal anti-EGFR. Liga-se à parte acneiforme; Concomitância com RT no
extracelular do EGFR inibindo a sinalização tratamento definitivo;
Cetuximabe Fadiga;
oncogênica. Mecanismo citotóxico imunomediado Tratamento da doença me-
Diarréia;
também é postulado. tastática e/ou recidivada.
Hipomagnesemia.

Alopecia;
QT de indução.
Antimetabólito que inibe a timidina sintetase, im- Mielotoxicidade;
5-Fluorouracil Tratamento da doença me-
pedindo assim a síntese normal de RNA. Diarréia;
tastática e/ou recidivada.
Cardiotoxicidade.

Alopecia;
Mielotoxicidade;
Retenção hídrica; QT de indução;
Liga-se aos microtúbulos resultando na inibição do
Docetaxel Estomatite; Tratamento da doença me-
DNA, RNA e síntese de proteínas
Neurotoxicidade; tastática e/ou recidivada.
Reações de hiper-
sensibilidade.

Toxicidades
autoimunes;
Anticorpo monoclonal anti-PD1 imunoterápico.
Colite;
Nivolumabe e Se liga ao receptor PD-1 e bloqueia sua interação
com os ligantes PD-L1 e PD-L2, responsáveis pela Pneumonia; Tratamento da doença me-
Pembrolizumabe
inibição da resposta imune celular. Desta forma esti- Tireoidite; tastática e/ou recidivada.
mula o sistema imune a reconhecer e atacar as Hepatite;
células tumorais. Dermatite;
Hipofisite.

Fonte: Sindhu & Bauman, 2019.

TRATAMENTO DEFINITIVO tina 100 mg/m2 de superfície corporal aplicada no D1,


D22 e D43 da RT como o padrão em tumores
irressecáveis. Este ensaio clínico randomizado eviden-
Os pacientes com carcinomas de células escamosas da ciou superioridade em relação à sobrevida global e
cabeça e do pescoço loco-regionalmente avançados, sobrevida livre de doença do tratamento combinado com
inoperáveis ou em que a cirurgia resultaria em perda de o agente platinante sobre a RT isolada (6).
funcionalidade orgânica, são candidatos ao tratamento
Diversos estudos avaliaram estratégias de intensifi-
quimioradioterápico definitivo.
cação do tratamento bimodal, afim de melhorar princi-
O The Head and Neck Intergroup conduziu o estudo palmente o controle sistêmico da doença, reduzindo o
pivotal que estabeleceu o tratamento bimodal de cispla- surgimento de metástases à distância e eventualmente

260
aumentando as taxas de cura (7). A estratégia mais redução da atividade angiogênica. O estudo de fase III
avaliada e que ganhou espaço no manejo desta patologia conduzido por Bonner e cols (14) evidenciou melhor
foi a de QT de indução seguida de quimioradioterapia. Os controle loco-regional e redução da mortalidade no
resultados dos estudos TAX 323 (8) e TAX 324 (9) tratamento de carcinoma de células escamosas de
estabeleceram o esquema TPF (docetaxel 75 mg/m2 D1; orofaringe, hipofaringe e laringe quando se associa o
cisplatina 100 mg/m2 D1; 5-fluorouracil 1000 mg/m2 D1 cetuximabe com dose de ataque inicial de 400 mg/m² uma
a D4) como o mais eficaz para a indução, mas nenhum semana antes do início da RT seguida de 250 mg/m2 a
dos dois estudos utilizou como braço controle o protocolo cada 7 dias durante a RT, em comparação ao tratamento
de quimioradioterapia a base de cisplatina, portanto, não radioterápico isolado. Em estudo recentemente o mesmo
se pode estabelecer o tratamento sequencial como o esquema de RT com cetuximabe falhou em demonstrar
padrão. não inferioridade quando comparado ao tratamento
padrão de quimioradioterapia com cisplatina em
Em concordância com este aspecto, dois estudos
pacientes com carcinoma de células escamosas de
posteriores comparando indução seguida de quimioradio-
orofaringe HPV positivos (15). Desta forma o uso do
terapia à quimioradioterapia isolada, DeCIDE (10) e
cetuximabe deve ser restrito aos pacientes com
PARADIGM (11), foram negativos. Uma análise de
contraindicação ao uso da cisplatina, mas que apresentem
subgrupo do estudo DeCIDE, entretanto, mostrou menor
bom performance status para tratamento multimodal.
taxa de metástases à distância nos pacientes que recebe-
ram o tratamento de indução, levantando a possibilidade Recentemente foi publicado o consenso brasileiro de
de seu uso em pacientes com doença mais avançada e elegibilidade à cisplatina que auxilia na decisão
maior risco de recaída sistêmica (10). terapêutica e manejo dos pacientes em tratamento com a
droga (16). Constituem contraindicação absoluta ao uso da
Os estudos conduzidos pelo Department of Veterans
medicação, de acordo com o consenso: ECOG-PS > 2;
Affairs (12) e Radiation Therapy Oncology Group (RTOG)
clearence de creatinina < 50 mL/min; escore Child-Pugh
91-11 (13) avaliaram diferentes estratégias de tratamento
B ou C; contagem de plaquetas < 100.000; neutrófilos <
bimodal contra a cirurgia primária em pacientes com
1500; hemoglobina < 9; insuficiência cardíaca classe
carcinoma de células escamosas da laringe EC III e IV.
funcional NYHA III e IV; perda auditiva basal e
Os resultados mostraram a superioridade do tratamento
neuropatia periférica sintomática.
combinado nas taxas de preservação funcional da laringe
sem impactar negativamente nas taxas de cura observadas
com o tratamento cirúrgico primário. Além disso, TRATAMENTO PALIATIVO
evidenciou-se a possibilidade da cirurgia de resgate
naqueles pacientes com doença residual após o Os objetivos do tratamento sistêmico da doença
tratamento quimioradioterápico definitivo. O esquema metastática ou recidivada não passível de salvamento
classicamente utilizado, especialmente na doença cN0, cirúrgico, são o controle de sintomas, melhorando a
cN1, cN2a é a quimiorradioterapia baseada em cisplatina qualidade de vida e o aumento da sobrevida dos
100 mg/m2 de superfície corporal aplicada no D1, D22 e pacientes. Neste cenário, a abordagem multidisciplinar e
D43 da RT (13). Naqueles pacientes considerados de maior a instituição de cuidados paliativos precoces são impe-
risco de recaída à distância, como pacientes com tumores rativos.
cT3 bulky, cT4 selecionados e/ou bulky cN2 e cN3, o
tratamento multimodal sequencial com QT, seguido de Em pacientes com boas condições clínicas e sem
contraindicações específicas o tratamento sistêmico
quimioradioterapia, pode ser utilizado (10).
inicial pode envolver múltiplos agentes, incluindo QT,
O receptor do fator de crescimento epidérmico imunoterapia e terapia-alvo. A imunoterapia, particular-
(EGFR; ErbB-1; HER1) é o receptor celular de mente os anticorpos monoclonais anti-PD1, tem se
membrana para os membros da família dos fatores de mostrado eficaz no tratamento paliativo dos pacientes em
crescimento epidérmico (família EGF), e estão quase que diversos cenários. O recetor PD-1 é um regulador
universalmente super-expressos em tumores de cabeça e negativo da atividade dos linfócitos-T, que demonstrou
pescoço, participando ativamente das vias de sinalização estar envolvido no controle da resposta imunitária desses
celular carcinogênica. O cetuximabe é um anticorpo linfócitos. Os agentes anti-PD1 potencializam a resposta
monoclonal que se liga à parte extracelular do EGFR dos linfócitos-T, incluindo a antitumoral, atra-vés do
inibindo competitivamente a sinalização e resultando na bloqueio da ligação do PD-1 ao PD-L1 e PD-L2, que são
inibição do crescimento celular, indução da apoptose e expressos em células apresentadoras de antígeno e, even-

261
tualmente, em células neoplásicas ou outras células no dado mostrando que esta estratégia é superior ao uso
microambiente tumoral. sequencial da QT seguida de cetuximabe após progres-
Com a publicação recente do estudo KEYNOTE 048 são. Para pacientes sem condições de receber tratamento
(17)
a imunoterapia passou a ocupar papel de destaque no com múltiplos agentes, o uso de agentes isolados como
cenário do tratamento de primeira linha da doença platinas, taxanos, metotrexato e cetuxima-be pode ser
avançada. O emprego do pembrolizumabe associado à considerado.
QT com platina e 5-fluorouracil se mostrou superior em O estudo CheckMate 141 (20) demostrou aumento de
sobrevida global ao braço padrão de platina, 5- sobrevida global para o tratamento empregando o
fluorouracil e cetuximabe, na população com expressão anticorpo monoclonal anti-PD1 nivolumabe quando
do marcador PDL1-CPS maior ou igual a um. Da mesma comparado à QT com agente único. Os dados de
forma, o pembrolizumabe de maneira isolada se mostrou seguimento mostraram que o dobro de pacientes estava
eficaz na mesma população, com menor incidência de vivo após um ano do início de tratamento com o
efeitos colaterais, porém, com redução taxa de resposta imunoterápico quando comparado à QT, explicitando a
objetiva. A escolha entre o uso da imunoterapia isolada possibilidade de controle de doença a longo prazo com
ou associada à QT deve ser individualizada, levando em esta modalidade terapêutica. A medicação foi aprovada
conta, entre outras coisas, nível de expressão de PDL1- no Brasil pela ANVISA neste cenário em dezembro de
CPS, condições clínicas do paciente, perfil de toxicidade 2016, e deve ser reservada àqueles pacientes que
aceitável e volume tumoral. progrediram após tratamento de primeira linha que por
Para pacientes com PDL1 negativo, desconhecido, ou algum motivo não tenha envolvido o uso de imunoterapia.
sem acesso ao pembrolizumabe, e que não foram O tratamento sistêmico contribui de maneira
expostos previamente à platina, ou que recaíram num importante em distintos cenários da abordagem dos
intervalo maior que seis meses de seu uso, o tratamento tumores de cabeça e pescoço. Os esquemas terapêuticos
baseado em agentes platinantes (cisplatina ou carbopla- mais comumente utilizados, e abordados no capítulo,
tina) associados ao 5-fluorouracil com ou sem cetuxi- estão resumidos na Tabela 30.2.
mabe, ou uma platina e um taxano (paclitaxel ou Atualmente diversos estudos clínicos estão em anda-
docetaxel) são as escolhas padrão (18, 19). O estudo de fase mento avaliando o emprego da imunoterapia e novas
III EXTREME (18) mostrou aumento de sobrevida global, drogas alvo-específicas em diversos cenários distintos do
sobrevida livre de progressão e taxa de resposta com tratamento dos tumores de cabeça e pescoço, com
perfil favorável para a associação do cetuximabe com o potencial de mudança importante no manejo sistêmico
doublet de platina e 5-fluorouracil. Entretanto, não existe dessa patologia em um futuro próximo.

Tabela 30.2 Esquemas terapêuticos mais comumente utilizados

Contexto
Esquema terapêutico Observação
Clínico

Tratamento pós-operatório indicado


Cisplatina 100 mg/m2 de superfície corporal aplicada no D1, D22 e D43
Tratamento clássicamente em pacientes com ressecção
da RT.
Adjuvante R1 ou extravasamento extracapsular
Cisplatina 40 mg/m2 semanal em associação a RT.
linfonodal.

Cisplatina 100 mg/m2 de superfície corporal aplicada no D1, D22 e D43 Tratamento da doença loco-regional avan-
da RT. çada, inoperável ou preservação de órgão.
Tratamento
Definitivo Alternativa para pacientes com boas
Cetuximabe 400 mg/m² uma semana antes do início da RT seguida de
condições clínicas e contraindicação ao
250 mg/m2 a cada 7 dias durante a RT.
tratamento com cisplatina.

262
Pode ser utilizado em pacientes conside-
3 ciclos de docetaxel 75 mg/m2 D1; cisplatina 100 mg/m2 D1; 5-
rados de maior risco de recaída à distância:
fluorouracil 1000 mg/m2 D1 a D4 seguido por quimioradioterapia com
tumores cT3 bulky, cT4 selecionados e/ou
carboplatina AUC 1,5 semanal.
bulky cN2 e cN3.

Carboplatina, AUC 5 EV, no D1 (ou alternativamente cisplatina, 100


Tratamento de primeira linha para pacien-
mg/m² EV, no D1) e 5-FU, 1000 mg/m²/dia EV, por infusão contínua,
tes candidatos a esquemas de maior inten-
do D1 ao D4, associada a pembrolizumabe, 200 mg EV no D1, a cada 3
sidade PDL1-CPS maior ou igual a 1.
semanas.

Tratamento de primeira linha para pacien-


Pembrolizumabe, 200mg EV no D1, a cada 3 semanas. tes candidatos a esquemas de menor inten-
sidade PDL1-CPS maior ou igual a 1

Cisplatina 100 mg/m2 ou carboplatina AUC 5 D1 seguida por 5- Tratamento de primeira linha para pacien-
Tratamento fluorouracil 1000 mg/m2 D1a D4 a cada 3 semanas associado a tes candidatos a esquemas de maior inten-
Paliativo cetuximabe 400 mg/m2 EV no D1 seguido por 250 mg/m2 semanal. Após sidade, disponibilidade de cetuximabe
4 ciclos pode-se proceder para a manutenção com cetuximabe isolado. PDL1-CPS Negativo

Alternativas para primeira linha em paci-


Cisplatina 75 mg/m2 D1 ou carboplatina AUC 5 D1 e Paclitaxel
entes não candidatos ao uso do cetuximabe
175mg/m2 D1 a cada 3 semanas.
ou quando este não está disponível.
Cisplatina 100 mg/m2 D1 ou carboplatina AUC 5 D1 e 5-fluorouracil
A carboplatina pode ser usada como subs-
1000 mg/m2 D1a D4 a cada 3 semanas.
tituta para a cisplatina.

Tratamento padrão em pacientes progre-


Nivolumabe 3mg/Kg a cada 2 semanas. dindo ao tratamento paliativo de primeira
linha sem uso prévio de imunoterapia

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264
INTRODUÇÃO efeitos colaterais, e indicações básicas em tumores de
cabeça e pescoço.

A RT tem papel importante no manejo terapêutico dos


pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Pode ser PRINCÍPIOS DE RADIOTERAPIA
indicada como tratamento exclusivo de tumores iniciais;
de forma combinada à QT em protocolos de preservação A RT utiliza radiação ionizante para causar lesões
de órgão; ou, muito frequentemente, como tratamento direcionadas em estruturas celulares. Ao entrar nas
adjuvante à cirurgia em pacientes de alto risco. Apresenta células os fótons de radiação ionizam moléculas. Isto
também importante papel no controle de sintomas em pode causar lesões diretamente em estruturas celulares,
pacientes incuráveis ou metastáticos (1). ou ionizar moléculas de água que, por sua vez, vão causar
No passado, equipamentos de fontes radioativas de lesões (de forma indireta) nas células. Como a maior parte
cobalto eram utilizados, mas estes equipamentos foram da célula é composta de água, esta segunda forma (efeito
quase totalmente substituídos por aceleradores lineares, indireto) é predominante. Algumas estruturas lesadas não
que são equipamentos que produzem radiação através da causam nenhum efeito biológico, mas as lesões sobre o
energia elétrica e são controlados por computadores. O DNA podem ter implicações sobre a multiplicação das
processo de planejamento do tratamento também evoluiu células (2).
muito com a utilização de imagens de tomografia para O DNA lesado em apenas uma das suas fitas pode ser
determinar o alvo da radiação, e permitindo avaliar a dose consertado por enzimas de reparo do DNA, antes de a
em estruturas normais. Mais recentemente, e especial- célula entrar em divisão. Estes danos (reparáveis) são
mente importante no tratamento de pacientes com chamados sub-letais. O DNA lesado em ambas as fitas,
tumores de cabeça e pescoço, a evolução tecnológica com pode causar a quebra completa do cromossomo (Figura
planejamento inverso e entrega da radiação com 31.1), e esta lesão (irreparável) é letal para a multiplica-
modulação do feixe (IMRT), permitiu melhorar ainda ção celular. Ao direcionarmos a radiação em quantidade
mais a proteção de estruturas importantes como paróti- maior para o tumor, e tolerar radiação em quantidade
das, medula, tronco encefálico e vias ópticas, diminuindo menor sobre as estruturas normais do corpo, objetivamos
o risco de efeitos colaterais. causar, de forma predominante, danos irreparáveis no
DNA tumoral de forma a aumentar a chance de controle
Neste capítulo, serão abordados de maneira prática os
do tumor. Isto inviabiliza a multiplicação das células
princípios de RT, as técnicas de tratamento, manejo dos
tumorais. São aceitáveis, de forma predominante, danos

265
sub-letais sobre os tecidos normais de forma a gerar informamos também a forma com que foi fracionada,
poucas chances de efeitos colaterais. uma vez que a dose absoluta por si só, não permite
Por este motivo, o efeito da RT não é percebido no informação precisa sobre o grau de efeito que se espera.
momento da irradiação, e sim algum tempo depois, no O objetivo do fracionamento da dose é diminuir a dose
momento da divisão das células (ou quando há apoptose). em tecidos normais até um limite sabidamente tolerável.
Tumores que estão em crescimento rápido terão o efeito Entre as frações, as células recuperam dos danos sub-
da radiação percebido mais precocemente, comparado a letais (tanto células normais quanto tumorais), e acontece
tumores de crescimento lento. algum grau de multiplicação celular. Como consequên-
cia, o fracionamento tem importância fundamental para
estimar o efeito esperado pela radiação. Por exemplo,
Figura 31.1 Aberrações cromossômicas causadas pela radia-
ção ionizante. Veja fragmentos com mais de 1 centrômero, quando realizamos 1 aplicação de 30 Gy (sem fracio-
enquanto outras sem nenhum. Estas alterações cromossômicas namento) e comparamos o efeito biológico atingido com
causam inviabilidade biológica no momento da mitose celular aquele de um esquema fracionado de 10 frações de 3 Gy,
(as duas células resultantes da divisão celular terão quantidades notamos que a dose absoluta é idêntica (30 Gy), mas o
aleatórias de DNA e cromossomos - morte na mitose celular), efeito causado é completamente diferente, sendo este
ou quando a célula detecta as malformações e entra em apop- muito maior quando fazemos a dose de uma só vez.
tose Podemos concluir que doses maiores por fração causam
efeito biológico maior, justificando alguns estudos de
fracionamento em tumores de cabeça e pescoço.
Um estudo randomizado comparou o efeito de realizar
70 Gy (35 frações de 2 Gy) com o efeito de 63 Gy (28
frações de 2,25 Gy) para tumores iniciais de laringe (3).
Ele observou que o controle da doença foi maior no grupo
que recebeu 63 Gy no esquema HIPO fracionado. Apesar
de a dose nominal ser menor, o fracionamento com dose
diária maior teve maior efeito biológico.
O tempo total de tratamento também é um aspecto a
ser considerado, pois impacta em qualidade de vida dos
pacientes (número de vezes que o paciente tem de vir ao
serviço de RT), e também custo financeiro e social
resultante da ausências dos mesmos do seu lar e trabalho.
De um modo geral, os esquemas de dose seguem o
disposto na Tabela 31.1.

TÉCNICAS DE APLICAÇÃO DA
RADIOTERAPIA

A RT evoluiu fortemente nas últimas décadas,


passando de um planejamento guiado por estruturas
DOSE E FRACIONAMENTO anatômicas ósseas (2D), até chegar a um controle
intensivo da dose de radiação em cada estrutura
anatômica do pescoço de forma muito precisa (IMRT). O
A unidade de dose em que contamos a absorção de padrão ouro atualmente no mundo, é a RT com IMRT
radiação pelos tecidos é o Gray (Gy). Muitas vezes os
(descrita abaixo), podendo em casos selecionados ser
radioncologistas utilizam sua fração centesimal centi-
utilizada a RT conformada simples (3D) sem prejuizo ao
Gray (cGy). Por exemplo, a dose recebida pelo paciente
paciente. No padrão atual de desenvolvimento da RT,
pode ser referida como 70 Gy ou 7000 cGy.
somente utiliza-se a técnica 2D quando na ausência de
Quando informamos a dose realizada em um paciente, outras mais desenvolvidas.

266
Radioterapia Bidimensional (RT-2D) uma espessura única, portanto, fora do ponto de cálculo,
a dose pode variar consideravelmente para mais ou para
Antigamente referida como RT convencional, o
menos (sem que isto seja documentado). Alguns órgãos
planejamento é guiado por radiografias ortogonais (e.g.
de risco podem ser visualizados no Rx e a proteção é feita
radiografias AP e perfil) (Figura 31.2). Na radiografia, o
no esquema tudo ou nada. A estrutura é protegida,
médico radioncologista determina o local a ser irradiado
entretanto, não é possível saber como será a distribuição
e com qual dose. É realizada uma medida de espessura do
da dose na mesma.
paciente e a dose é calculada levando em consideração

Tabela 31.1 A tabela mostra de forma genérica e aproximada, os níveis de dose final para cada situação de fracionamento. O
hipofracionamento normalmente não é usado nas regiões de doença subclínica

Dose total Dose total doença Dose total doença Dose total doença
Tipo de fracionamento Dose/Dia
paliativo subclínica de baixo risco subclínica alto risco macroscópica presente

Convencional 1,8 - 2Gy 40 - 50Gy 45 - 50Gy 60 - 64Gy 66 - 70Gy

Hipofracionamento 2,25 -
30 - 40Gy - - 60 - 63Gy
leve 3Gy

Hipofracionamento
5 - 8 Gy 8 - 20Gy - - 24 - 40Gy
extremo

Figura 31.2 Exemplo de planejamento bidimensional. Os processadores computadorizados e softwares de planeja-


locais a serem irradiados e as respectivas doses estão deter- mento que permitiram o uso da tomografia para a deter-
minadas no exame de RX lateral de cabeça e pescoço. Os minação do alvo, dos órgãos de risco e da distribuição da
limites anatômicos ósseos e de partes moles visíveis ao RX são radiação no corpo do paciente (Figura 31.3). O software
usados para determinar o alvo. Tumor em palato mole receben-
utiliza a divisão da tomografia em subunidades
do 70 Gy, drenagem de alto risco níveis IB, IIA e III recebendo
50 Gy, e área posterior do pescoço recebendo 45 Gy devido à
volumétricas (voxels), que por sua vez são representados
limitação da técnica em proteger a medula (necessário proteger por pontos em cada corte de imagem (pixels). O médico
a medula e todo o trajeto no pescoço até chegar à mesma) determina quais pixels são tumorais e quais pixels são
estruturas normais (através do desenho em cada corte de
TC).
A forma de realizar a irradiação é elaborada (podendo
ser aplicada por vários ângulos ao redor do paciente,
chamados pelos radioncologistas de campos de RT). A
dose é calculada pelo computador em cada voxel, e é
gerada uma distribuição gráfica no corte de tomografia
(cores representando doses sobre a escala de cinza da
TC). É possível também avaliar a quantidade de dose
absorvida por valor percentual de cada estrutura. Por
exemplo, é possível saber qual percentagem da parótida
está sendo irradiada com dose acima da tolerância.
A RT C3D permitiu mais precisão para acertar o alvo,
e melhor possibilidade de proteção dos órgãos normais.

Radioterapia com Intensidade Modulada (IMRT)


É um tipo de RT C3D, onde é possível controlar ainda
Radioterapia Conformada Tridimensional (C3D) mais a dose de radiação e proteger de forma muito mais
eficaz os órgãos de risco. Enquanto na C3D a forma de
Representou um grande avanço tecnológico. A técnica aplicar a radiação é definida pelo médico e pelo físico, na
foi desenvolvida graças ao aparecimento de poderosos IMRT somente regras com a prescrição da dose e sobre

267
os limites dos órgãos normais é informada ao software. O A RT com IMRT tem também seus graus de evolução,
computador tem a liberdade de determinar como a tendo iniciado com modulação através dos blocos pre-
radiação será administrada, calculando formas diferentes sentes no cabeçote do acelerador linear, posteriormente
de aplicar a dose em cada voxel da tomografia (ou pixel). através de lâminas de chumbo com motores individua-
Realizando o cálculo desta forma, é possível proteger por lizados adicionados como acessório ao acelerador linear
exemplo as parótidas, medula e vias ópticas enquanto o (colimador de multilâminas). A radiação que era aplicada
alvo que circunda estas estruturas sensíveis é atingido de forma estática, evoluiu para uma forma dinâmica
com dose prescrita (Figura 31.4). (radiação entregue enquanto as lâminas se movem), e
mais recentemente chegou a sua forma mais moderna.
Figura 31.3 Cada nível cervical foi determinado em cortes de Nesta última, a radiação é aplicada enquanto o acelerador
tomografia, e o volume resultante representado na figura. Nível gira ao redor do paciente, com as lâminas se movendo
IA (verde escuro), nível IB (verde claro), nível IIA (linhas la- constantemente, e com a quantidade de dose que sai por
ranjas), nível IIB (linhas amarelas), nível III (linhas vermelhas), cada ângulo variando. Esta forma chamada Volumetric
nível IV (linhas rosas), nível V (amarelo), retrofaríngeos (azul) Modulated Arc Therapy (IMRT com VMAT).

Braquiterapia
É a colocação de fontes radioativas em contato muito
próximo ao tumor. Em cabeça e pescoço é realizada com
a utilização de catéteres plásticos que são posicionados
no leito cirúrgico durante a cirurgia, ou inseridos nas
cavidades nasal, oral, faringeana, por exemplo.
Também é realizado um planejamento guiado por
imagem (2D ou 3D), onde é determinado o tempo em que
a fonte irá permanecer em cada ponto do cateter, escul-
pindo uma dose em um alvo. O paciente é então levado a
uma sala e os catéteres conectados a um robô que irá
inserir a fonte radioativa.

Figura 31.4 Planejamento de RT com intensidade modulada (IMRT). Note a distribuição da dose alta sobre o alvo (coloração vermelha),
dose moderada sobre a drenagem cervical bilateral (coloração amarela), enquanto foi conseguida ótima proteção da medula e de ambas
as parótidas

268
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE fica irritada, com aparecimento de vemelhidão que pode
piorar com descamação cutânea seca ou úmida. Esta
INDICAÇÕES DE RADIOTERAPIA
última, quando confluente, é mais preocupante e pode
levar a interrupção do tratamento. Normalmente é tratada
Protocolos de Preservação de Órgãos com cremes hidratantes, cremes a base de corticóide,
Dois estudos randomizados, Veterans Affairs em pomadas antibacterianas e antifúngicas, e eventualmente
câncer de laringe (4) e do EORTC em tumores de hipofa- com corticóide e antibióticos sistêmicos, nos casos de
ringe (5), estabeleceram a combinação sequencial de QT e infecções secundárias.
RT como alternativa à cirurgia imediata. Eles consegui-
ram preservar estas estruturas sem comprometer a sobre- Mucosa
vida global (considerando que parte das recidivas após
A toxicidade de mucosa também é muito frequente,
estes protocolos foram resgatadas com cirurgia). Posteri-
uma vez que doses altas são prescritas nos diversos sítios
ormente outros estudos randomizados (6) e uma meta-
mucosos do trato aerodigestivo. O paciente normalmente
nálise (7) demonstraram a superioridade da administração
apresenta esta toxicidade com atrofia da mucosa,
da quimioradioterapia concomitante em comparação ao
aparecimento de úlceras superficiais dolorosas. Quando
tratamento sequencial (estudos com câncer de oro, hipo-
evolui com úlceras confluentes com placas de fibrina,
faringe e laringe). Estes resultados conseguidos podem
pode ser necessária a interrupção do tratamento.
ser estrapolados para outras localizações da cabeça e
Frequentemente é usada a laserterapia, aplicada por
pescoço com cuidado e restrições, principalmente em
estomatologistas, o que apressa a recuperação da mucosa.
tumores volumosos (bulky) e/ou com invasão de ossos e
Alguns casos são tratados com antifúngicos tópicos ou
cartilagens, pois nestas situações os resultados do esque-
sistêmicos e/ou antibióticos para infecções secundárias.
ma de preservação de órgãos foram menos satisfatórios.
O uso de QT de indução antes da quimio-radioterapia é
controverso. (8) Dor e Disfagia
Devido à irritação do trato digestivo alto, a dor e
Radioterapia Pós-Operatória Com ou Sem disfagia é esperada durante o tratamento. Portanto, em
Quimioterapia alguns países a RT de cabeça e pescoço só é realizada
após o paciente receber uma gastrostomia profilática. Não
Geralmente indicada quando o anátomo patológico
é o caso no Brasil, mas pode ser necessário em pacientes
acusa a presença de fatores de risco, ou quando demonstra
que iniciem processo de desnutrição durante o
um tumor loco-regionalmente avançado.
tratamento.
Dois estudos randomizados demonstraram benefício
A dor é controlada com analgésicos potentes, com
para realizacão de quimioradioterapia adjuvante nos
opioides, corticóide tópico e sistêmico. A disfagia deve
casos de extensão extra nodal da doença linfonodal, e
ser abordada por fonoaudiologistas, e frequentemente é
quando as margens de ressecção foram comprometidas.
(9, 10)
necessária introduzir via alternativa temporária para
Estudos mais antigos indicam benefício na associa-
evitar aspirações.
ção de RT adjuvante (sem QT) em situações com fatores
de risco menores: tumor localmente avançado (pT3 ou
pT4); múltiplos linfonodos comprometidos; invasão Sintomas Inespecíficos
vascular sanguínea ou linfática ou perineural; compro- Com muita frequência os pacientes apresentam
metimento de linfonodos fora da área de drenagem sintomas mais vagos e inespecíficos, como cansaço,
seletiva preferencial (e.g. tumores de cavidade oral com inapetência, alterações de paladar - que são abordados
acometimento de nível IV ou V). com medidas dietéticas, suplementos alimentares e
repouso relativo.

COMPLICAÇÕES E TRATAMENTO
Xerostomia
Com as técnicas mais modernas de RT que reduzem a
Pele
dose sobre as parótidas e glândulas maiores, este efeito
A toxicidade mais frequente em pacientes irradiados tem tido sua frequência e intensidade reduzidos. Alguns
na cabeça e pescoço é a cutânea (11). A pele inicialmente pacientes, entretanto, mesmo com fluxo salivar pre-

269
servado, sofrem com a sensação de boca seca causada por evitada sob risco de piora do quadro (utilizar exames
pequena redução da quantidade salivar, enquanto outros, físicos e de imagem seriados para tentar diferenciar, ao
mesmo com redução de dose sobre as glândulas ainda longo do acompanhamento, entre processo expansivo de
assim desenvolvem a perda de fluxo salivar. O efeito partes moles e processo de abscesso ósseo e de partes
pode ser transitório ou permanente. Pode ser tentada moles). Em casos de suspeita grande de recidiva tumoral,
estimulação salivar com Pilocarpina, ou apenas paliação proceder à biópsia. No debridamento cirúrgico é impor-
com saliva artificial. tante lembrar que os tecidos desvitalizados têm pior
cicatrização e a sutura deve ser mantida com menor
Osteoradionecrose tensão, e antibioticoterapia profilática de longo prazo é
recomendada.
Um dos efeitos mais temidos, é a osteoradionecrose.
Normalmente é um efeito mais tardio, causado por perda O tratamento é difícil, com uso prolongado de antibi-
de oxigenação dos tecidos ósseos. O local mais frequente óticos, analgésicos potentes e oxigênioterapia hiperbári-
é na mandíbula devido à sua particular irrigação colateral ca. Frequentemente o paciente tem de conviver com o
pobre. efeito por longo prazo.

Quando acontece, deve ser feito diagnóstico diferen-


cial com a recidiva tumoral, entretanto, a biópsia deve ser

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270
câncer de boca e laringe tem aumentado a suas
INTRODUÇÃO
incidências (sétimo e oitavo lugares, segundo dados do
INCA) (3), principalmente em mulheres, que adquiriram o
O termo qualidade de vida (QV) abrange aspectos hábito de fumar. E, de uma maneira geral, em
como relação social, amorosa, familiar, a relação com o determinados países, o câncer de cabeça e pescoço pode
meio, saúde física, grau de independência, estado ocupar o terceiro lugar como causa dos óbitos por câncer
psicológico, entre outros fatores (1, 2), e começou a ser (e.g. Índia).
utilizado no início da década de 1970. Quando trazemos
Infelizmente, quase metade dos pacientes apresenta-se
o tema QV ao processo enfermidade (e aqui no caso é o
com diagnóstico tardio e tem seu estadiamento avançado
câncer de cabeça e pescoço), temos que avaliar os
(T3 e T4) (4), e nessa população o índice de suicídio é
impactos que a doença poderá causar, bem como o seu
muito aumentado devido à depressão (5, 6). Em cirurgia de
tratamento - como deformidades físicas, disfunções,
cabeça e pescoço não há o famoso “abriu e fechou” como
incapacidade e as mudanças psicosociais.
nas operações abdominais, e após o início da operação
Os aspectos mais afetados pelo tumor e seu tratamento dificilmente há um retorno sem prejuízos para o paciente.
estão no cunho físico, psicológico, mental e social. Os Portanto, estadiamento, planejamento e exames de ima-
pacientes com tumores avançados já têm dificuldades gem se fazem necessários para uma melhor indicação
para mastigação e deglutição, disfagia, desvantagem cirúrgica. Assim como, orientação detalhada ao paciente
vocal, alteração na sua autopercepção, função social e e familiares (explicações sobre a gravidade da doença,
emocional afetados, mesmo sem o tratamento cirúrgico. evolução, e mutilações cirúrgicas em casos de operações
Imagine então, com a apresentação de lesões avançadas, para ressecção tumoral).
sobrepondo-se um tratamento cirúrgico, aplicando-se as
Diante disso, antes de operar um paciente com câncer
devidas margens de segurança livres de tumor.
avançado de cabeça e pescoço, devemos saber dos
Obviamente, em se tratando de um tumor avançado,
critérios de operabilidade loco-regionais, tais como:
teríamos uma mutilação de caráter importante, com
repercussões importantes no cunho social, fisiológico e (1) Comprometimento de bulbo e carótida interna (são
funcional para o paciente. critérios absolutos de inoperabilidade, não compensando
para o paciente, de forma alguma, uma ressecção).
O diagnóstico tardio leva a grandes ressecções com
reconstruções complexas, seja por desinformação do (2) Muitas vezes ouvimos de cirurgiões intrépidos
paciente ou por falta de políticas públicas na prevenção e (normalmente aqueles em início de carreira): “Meu limite
no tratamento de lesões de forma precoce, que ocorreriam é a coluna. Se a lesão tumoral chega até quase invadir a
sem um prejuízo maior para o paciente. Aqui no Brasil o coluna, imagine o que seria sua ressecção!”

271
(3) Dificuldades de reconstrução (lesões tumorais De uma maneira geral, os objetivos do tratamento
avançadas em que não se vislumbra uma reconstrução oncológico em cabeça e pescoço são vários, a saber:
anátomo-funcional simples, mesmo que microcirúrgicas),
Controle oncológico: obviamente aumentar o tempo
tipo “reconstruções mirabolantes”. Dificilmente este
livre de doença.
procedimento trará qualidade de vida para este paciente.
Controle álgico: o principal fator da qualidade de vida
Há também que se considerar alguns critérios de
do tratamento oncológico é o controle da dor, principal-
operabilidade relacionados ao paciente, às suas condições
mente nos casos avançados, em que o tratamento cirúrgi-
clínicas, tais como:
co não mais será eficaz, ou mesmo naqueles casos em que
Estado nutricional: a desnutrição de moderada a a operação a causou (lesão do nervo espinal, dores em
severa é um critério de inoperabilidade, sendo um dos ATM, dores e retrações cervicais).
principais fatores complicadores da cirurgia de cabeça e
Sobrevida: tem a ver com o controle oncológico, com
pescoço. Se houver tempo, há a necessidade de condução
a tentativa de aumentar a sobrevida global, com o intuito
do caso com o concurso da nutrologia para recuperação
de controlar por completo o tumor, e o paciente se for a
nutricional do paciente, bem como o seu acompanha-
óbito, seja por causas naturais.
mento no pós-operatório.
Alcoolismo: é também um causador da desnutrição, Alimentação via oral: é um dos maiores prazeres da
mas também traz alterações importantes no metabolismo vida, principalmente ao lado da família. Entretanto,
e coagulação devido às hepatopatias. Alterações compor- indicações cirúrgicas e radioterápicas que não permitem
tamentais e crises de abstinência também devem ser posterior retirada da sonda nasoentérica, a jejunostomia
consideradas, com necessidade do uso de medicamentos ou a gastrostomia são frequentes em cirurgias cabeça
adequados para prevenção desses quadros que levam o pescoço.
paciente à agitação com a consequente retirada de cânu- Decanular (retirada da cânula de traqueostomia)
las, sondas, drenos, etc. sempre que possível: muitas vezes não conseguimos
Comorbidades: condição cardíaca, pulmonar. Boa decanular o paciente devido a ressecções muito extensas
parte dos nossos pacientes são portadores de DPOC pelo que causam aspiração, ou mesmo o edema causado pelo
tabagismo crônico. tratamento radioterápico com consequente obstrução da
laringe por edema radiógeno que por vezes é intenso.
Status performance: reflete basicamente o que falamos
anteriormente sobre o estado nutricional, problemas Estética: trabalhamos com operações complexas na
pulmonares e cardíacos em um contexto sistêmico, e face, base de crânio e pescoço, e muitas vezes há a
refletiria a tolerabilidade individual ao tratamento pro- necessidade de exanteração da órbita, mandibulectomia,
posto. maxilectomia e ressecções na base do crânio - com altera-
ções estéticas e funcionais sem precedentes.
Cognição: é importantíssimo que o paciente entenda o
que está acontecendo, o que está para acontecer e que Vida laboral: fazer o tratamento oncológico adequado,
colabore no pós-operatório (7). mesmo em casos avançados, com sacrifício de nervos e
músculos e retornar o paciente a uma vida ativa e de
Diante desses critérios relacionados ao tumor
produção é bastante complexo.
propriamente dito (basicamente reflete o estadiamento) e
ao paciente (quadro clínico geral), a equipe multidiscipli- Qualidade de vida: é somatório de todos os fatores
nar (cirurgião, psicólogo, nutrólogo, radioterapeuta e iatrogênicos positivos como consequência do tratamento
oncologista) deve fazer o encaixe da terapêutica cirúr- do paciente.
gica, com as seguintes perguntas: Estes objetivos do tratamento oncológico, de uma
maneira geral, citados anteriormente são considerados no
O paciente receberá alta?
tratamento do câncer avançado de cabeça e pescoço,
Vai voltar a se alimentar pela boca? principalmente com ênfase maior nos itens de alimen-
Vai controlar a dor? tação via oral, decanulação, controle oncológico e álgico.
Sabemos que boa parte dos nossos pacientes são de classe
Poderá voltar a trabalhar?
sócio econômica mais baixa, com cognição inadequada
Assentará à mesa com a família para uma refeição e para colaborar com todo o processo do tratamento, o que
haverá interações familiares?

272
torna muitas vezes difícil encaixar um tratamento adequa- O manejo das doenças ganhou novos níveis de
do. complexidade, particularmente as doenças de origem
tumoral, com programas de tratamento combinados, além
Os procedimentos cirúrgicos para doença tumoral
de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas. As
avançada em cabeça e pescoço são, de uma maneira geral,
vítimas de CCE de vias aero digestivas superiores
mutilantes. É verdade que uma laringectomia total,
(VADS) não são apenas tabagistas e etilistas, ainda que
glossectomias, exanteração de órbita, maxilectomia são
ambos os grupos sejam preferencialmente afetados. Há
bastante agressivas, mas muitas vezes conseguimos trazer
outros fatores de risco envolvidos e é necessário essa
o paciente para o meio social e familiar e controlamos a
investigação para adequação do tratamento, como o HPV,
doença.
a genética e alimentação, além da complexidade dos sítios
O objetivo deste capítulo é trazer uma orientação para acometidos pelos tumores de VADS. Por conseguinte,
uma melhor indicação de operações maiores, tipo as requer a adoção de um modelo de tratamento com aborda-
bucofaringectomias e também as cirurgias de base do gem multidisciplinar. Devemos optar por microcirurgias
crânio, que trazem repercussão na alimentação (pacientes (apesar de consagrada no nosso meio, aqui em Minas
não voltam a se alimentar por dificuldade de deglutição e Gerais ainda está em fase incipiente) nas reconstruções,
aspiração), não se consegue decanular, alterações estéti- mas na maioria das vezes optamos por retalhos musculo-
cas e funcionais importantes além de distúrbios psicoló- cutâneos.
gicos e uma sobrecarga emocional também para os
O tratamento sequencial, incorporando QT de indução
familiares. Outras circunstâncias que devem ser levadas
e quimioradioterapia, é uma abordagem viável e oferece
em consideração são as lesões avançadas de boca e
um potencial de melhorar os desfechos de sobrevida. Nós
aqueles pacientes que apresentam a chamada “canceriza-
cirurgiões não seríamos os algozes, ou seja, há formas de
ção de campo”. Na Figura 32.1 é possível observar um
se tratar doenças avançadas em que seu controle
paciente atendido em um pronto atendimento do serviço
oncológico seria difícil com a cirurgia, optando-se por
público, pós-operado de uma bucofaringectomia.
tratamentos neoadjuvantes à cirurgia, Figura 32.3.
Contudo, altas doses de QT ou RT podem levar a muitos
Figura 32.1 Pós-operatório de uma bucofaringectomia em que
efeitos colaterais prejudiciais à qualidade de vida do
o paciente não se alimentará pela boca, não decanulará, está
paciente (8, 9). Há de se considerar também aqui, na indica-
com fístula e não socializará novamente
ção cirúrgica das lesões avançadas, o “feeling” do cirur-
gião, a vontade do paciente, e este, muitas vezes não tem
noção do que vai acontecer, apesar das inúmeras explica-
ções.
As medidas mais eficazes para melhorar o prognóstico
de tumores malignos, são prevenção e diagnóstico preco-
ce. E devemos levar em consideração que

um paciente que não se reabilita não é


cirúrgico
Ashok Shaha,

e o tratamento não pode ser pior que a doença.


Para finalizar, no tratamento dos tumores avançados
de cabeça e pescoço, temos que ter a sabedoria de
Leonardo da Vinci, que apesar de não ser cirurgião dizia
É preciso três meses para aprender a
que a “simplicidade é o último grau de sofisticação”, ou
fazer uma cirurgia, três anos para saber
seja, ressecções simples, mesmo que em doenças
quando é preciso fazê-la e 30 anos para
avançadas com reconstruções simples (sem mirabolções).
saber quando não se deve fazer uma
operação Na Figura 32.4 podemos ver um paciente com câncer
avançado de seio maxilar esquerdo com invasão de pele
Henry Marsh

273
e linfangite carcinomatosa na pele facial. Como não a metástase cervical comprometia a pele e não invadia a
contávamos com a opção da reconstrução micocirúrgica, carótida interna. Caso clássico para indicação de
uma vez que com retalhos locoregionais não conseguirí- esvaziamento cervical radical à Crile, com ressecção da
amos reconstruir de maneira adequada, foi decidido pele suprajacente e rotação de retalho miocutâneo de
encaminhar o paciente para a QT e RT concomitantes. peitoral maior, bem como a ressecção da lesão
Paciente obteve controle loco regional da doença por 6 orofaríngea transoral. A proposta deste tratamento foi
meses e após isso a doença recidivou com invasão da feita e o paciente a recusou terminantemente, tendo sido
órbita e ainda com metástase pulmonar. Apesar do submetido a QT e RT concomitantes. Houve excelente
tratamento sistêmico o paciente desenvolveu metástase à resposta ao tratamento e ele se encontra com doença loco
distância. regional controlada há três anos e meio, sem que o
tivéssemos operado, apesar de nossa insistência, da
Figura 32.3 Paciente com quadro de câncer avançado de literatura, dos guidelines e de centenas de trabalhos serem
laringe com extravasamento tumoral pela traqueostomia, conclusivos quanto à indicação cirúrgica. Este paciente
extensão subglótica e traqueal + linfangite carcinomatosa em faz controle com tomografias semestrais e sem sinais de
pele cervical anterior. Optamos por realização de QT + RT recidiva loco-regional. A vontade do paciente deve ser
concomitantes soberana, mesmo que ‘equivocada’, como neste caso. O
ideal seria (e estamos evoluindo para este nível), que na
biópsia tumoral ou no exame de sangue, o perfil genético
deste paciente com tumor fosse mapeado e, na
identificação do mesmo já seria feita uma triagem para
cirurgia com adjuvância de QT e RT ou tratamento
clínico exclusivo sem a cirurgia, ou as várias
combinações terapêuticas que temos ou teremos. As
perspectivas futuras nos indicam este caminho.

Recorrer excessivamente ou frequente-


mente a procedimentos mais técnicos e
complicados (...) não é característico de
cirurgião maduro e engenhoso
Hayes Martin

Conheça todas as teorias, domine todas


as técnicas, mas ao tocar uma alma
humana seja apenas outra alma hu-
mana.
Carl Gustav Jung
Apesar de toda literatura em favor de indicações de
tratamentos cirúrgicos como primeira opção em The good physician treats the disease;
determinados tumores de cabeça e pescoço, bem como the great physician treats the patient who
guidelines e pesquisas de centros importantes, não tem has the disease.
como sabermos ao certo qual paciente se beneficiará com Sir William Osler
a cirurgia ou com o tratamento clínico de QT, RT ou
imunoterapia. Na Figura 32.5 há exemplo claro disto. Por fim, conduzimos os casos da maneira mais simples e
Trata-se de paciente com câncer de úvula T1N3M0 com segura para o controle oncológico, álgico, qualidade de
estudo imunohistoquímico para p16 negativo, sendo que vida para o paciente e tentativa de vida laboral.

274
Figura 32.4 Sequência de fotos antes da QT e RT
concomitantes com câncer de seio maxilar avançado com
invasão de pele e linfangite carcinomatosa na pele facial. Após
o tratamento com controle da doença e por último a recidiva
local com invasão de órbita e metástase pulmonar

Figura 32.5 acima vemos as imagens da tomografia


computadorizada evidenciando massa cervical metastática
com comprometimento de pele, porém carótida interna
livre. Abaixo vemos o mesmo paciente pós QT e RT
concomitantes sem doença em atividade

275
REFERÊNCIAS

1 Gouveia Sobrinho EA, Carvalho MB, Franzi SA. Aspectos e tendências da avaliação da qualidade de vida de pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Rev
Soc Bras Cancerol. 2001;4(15):10-8.
2 Morton RP, Izzard ME. Quality of life outcomes in head and neck patients. World J Surg. 2003; 27: 884-9.
3 INCA: Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2014: Incidência de câncer no Brasil. Coordenação de prevenção e vigilância. Rio de Janeiro: INCA, 2014.
4 Melo Filho MR, Rocha BA, Pires MBO, Fonseca ES, Freitas EM, Junior HM, Santos FBG Qualidade de Vida de Pacientes com Carcinoma em Cabeça e
Pescoço, Braz. J. Otorhinolaryngol., vol.79 no.1 São Paulo Jan./Feb. 2013
5 Chen AM, Daly ME, Vazquez E, Courquin J, Luu Q, Donald P, et al. Depression Among Long-term Survivors of Head and Neck Cancer Treated with
Radiation Therapy. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. 2013;139(9):885-889.
6 Braz DS, Ribas MM, Dedivitis RA, Nishimoto IN, Barros AP. Quality of life and depression in patients undergoing total and partial laryngectomy. Clinics
(São Paulo). 2005;60(2):135-42.
7 Scharloo M, Baatenburg de Jong RJ, Langeveld TP, van Velzen-Verkaik E, Doorn-Op den Akker MM, Kaptein AA. Illness cognitions in head and neck
squamous cell carcinoma: predicting quality of life outcome. Support Care Cancer. 2010;18(9):1137-45.
8 Samuel SR, Maiya GA, Babu AS, Vidyasagar MSEffect of exercise training on functional capacity & quality of life in head & neck cancer patients receiving
chemoradiotherapy. Indian J Med Res. 2013; 137(3):515-20.
9 Connor NP, Cohen SB, Kammer RE, Sullivan PA, Brewer KA, Hong TS, et al. Impact of conventional radiotherapy on health-related quality of life and
critical functions of the head and neck. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2006;65(4):1051-62.

276
ÍNDICE REMISSIVO

Cavidade oral – 10, 22, 67-73, 77, 83, 88, Espaço paraglótico – 141, 161, 162
A 111, 167, 183, 269
Espaço pré-epiglótico – 136-138, 152, 153,
Adenocarcinoma – 75, 89, 130, 140, 165, 187 Cavidade nasal – 1-3, 50, 73, 140, 128-131, 156, 161
163
Adenoma pleomórfico – 75-77, 124, 186, Estadiamento do câncer de laringe - 158
187, 190 Células de Schwann - 201
Estesioneuroblastoma - 130
Arcos branquiais – 135, 136 Cetuximabe – 261 - 263
Esvaziamento cervical – 7, 36, 39, 52-54, 79,
Assoalho bucal - 69 Cirurgia de tireoide – 233, 239 93, 96, 105, 108, 116, 126, 144, 169, 229, 274
Cirurgia micrográfica de Mohs - 34, 38, 51 Esvaziamento cervical radical – 53, 54, 79,
B 173, 181, 274
Complicações cirúrgicas - 80
Esvaziamento cervical radical modificado -
Biologia molecular – 220, 223, 225 Cisplatina – 259-263
53
Blastomicose - 70, 94, 95 Cisto branquial - 166
Etilismo – 68, 118
Boca – 1, 4, 5, 23, 68, 69, 83, 85, 86, 91, 93, Classificação TNM – 226, 229
96, 104, 190, 195, 270, 275 F
Cordectomia – 150-153
BRAF – 44, 55, 58, 225, 231
Couro cabeludo – 1, 34, 35, 49, 53, 62, 64,
167, 175 Face - 1, 3, 4, 6, 20, 34, 35, 39, 45, 49, 60, 61,
64, 67
C
Cricoide – 5, 117, 118, 121, 135, 235
Faringectomia – 119, 273
Cadeias jugulares - 144, 177 Faringolaringectomia total - 119-121
D
Calcitonina – 169, 228, 229 Fechamento primário – 33, 64, 119, 120, 160,
Câncer bem diferenciado da tireoide - 220, Deambulação precoce - 217, 255 212, 222
229 Ferida operatória – 12, 217, 238, 253, 256,
Decanulação – 159, 160
Câncer da cavidade oral – 89, 90, 96 257
Desnutrição – 16, 23, 28, 194, 272
Câncer da laringe - 17, 135, 139, 143, 147, Fibrossarcoma - 187
Disfagia – 2, 6, 20, 24, 70, 118, 143, 167,
157 Fisioterapia – 13, 115
185, 193, 221, 228, 258, 269
Câncer da nasofaringe - 124
Disfonia – 2, 147, 149, 150, 254 Fonoaudiologia - 144
Câncer da tireoide – 219, 225 Fossa nasal – 3, 15, 77, 123, 125, 127-129,
Disgeusia – 20, 21
Câncer de cabeça e pescoço – 6, 15, 17, 21, 131
Dispneia 2, 6, 46, 141, 150, 194, 230, 254
23, 194, 195, 259, 265, 271
Câncer de boca – 23, 85, 90, 91, 93, 98, 193,
Dissecções cervicais - 256 G
271 Doença de Von Recklinghausen - 201
Gengiva – 22, 50, 51, 83, 86-88, 96
Câncer de lábio - 91, 104, 105 Doença metastática 78, 165, 224, 261
Glândulas salivares – 6, 15, 17, 20, 23, 73-78
Câncer de pele não-melanoma – 31 Ducto de Stensen - 4
Glândulas supranumerárias - 241
Carcinogênese – 44, 91, 157 Ducto de Wharton - 85
Glândula tireoide – 6, 12, 156, 174, 219, 226,
Carcinoma adenoide cístico - 75, 89, 124, Ducto tireoglosso - 233
228, 233, 234, 239, 241
140, 187
Ducto linfático - 179
Glossectomia – 96, 115
Carcinoma basocelular – 35, 38, 46, 103
Glote – 17, 135, 136, 138, 140, 150, 156, 157,
Carcinoma de células acinares – 74, 187 E 161, 250
Carcinoma de células de Merkel – 31, 195
Edema de Reinke - 148
Carcinoma de nasofaringe - 177, 195 H
Embriologia – 101, 136, 242
Carcinoma de paratireoide – 242, 244
Enfisema subcutâneo – 10, 12 Hemangioma – 94, 95, 208, 209
Carcinoma espinocelular – 46, 88, 94, 107,
109, 111, 112, 128, 198 Enxertos – 59, 64, 212 Hematoma – 80, 180, 238, 256

Carcinoma mucoepidermoide - 89 Epiglote – 84, 113, 121, 135-138, 153, 155, Hemilaringectomia – 143, 150, 160
160
Carcinoma verrucoso - 89 Higiene oral – 2, 91, 102, 112
Espaço de Reinke - 137
Higroma cístico – 209, 210

277
Hipercalcemia – 228, 242-244, 246 Lobo profundo da parótida – 184-186, 189,
190
P
Hiperparatireoidismo primário – 241, 244,
245
Palato – 3, 4, 50, 67, 69, 70, 71, 76, 83, 84,
Hiperparatireoidismo secundário – 246 86-93, 111-116, 125, 127, 148, 156, 174, 177,
M 184-187, 243
Hipocalcemia – 233, 241, 246, 256
Pálpebras – 43, 51, 54, 175
Hipofaringe – 2, 7, 17, 117, 118, 121, 155, Mandíbula – 4-6, 23, 33, 70, 78, 83, 87, 94-
157, 177, 256, 261, 269 98, 104, 106, 113-115, 129, 174, 183, 184, Papilomavírus humano – 15, 74
216, 242, 254, 270
Hipoparatireoidismo – 226, 234, 241, 246 Paragangliomas – 140, 187-191, 201, 203
Mandibulectomia marginal - 96
Hipossalivação - 23 Paralisia facial – 76, 77, 80, 213, 214
Mapeamento – 53, 224, 249, 250
HPV – 15, 36, 37, 112, 127, 139, 148, 168, Paratireoide – 1, 174, 223-227, 234, 237,
195, 198, 261 Maxilectomia parcial - 132 241-246

Hormônio da paratireoide – 242 Melanoma – 31, 32, 43-55, 130 Paratireoidectomia – 246
Membrana tireohioidea - 6, 136, 156, 173 Paratormônio - 242
Metástase à distância – 125, 126, 130, 180, Parotidectomia – 52-54, 79, 80, 169, 190, 249
I 208, 226, 229, 230, 274
Pele da face – 64, 77, 95, 104, 196
Metástase linfonodal – 79, 162, 167, 168,
IMRT – 20, 152, 266-268 195, 203 Plasmocitoma extramedular - 89

Infecção de ferida operatória – 238, 256, 257 Mohs – 34, 36, 38, 39, 41, 51, 57, 105 Pneumonia – 46, 260

Invasão perineural – 32, 36-39, 97, 104 Mucosite – 20-24, 143, 196, 257 Pregas vocais – 1, 120, 135, 140, 142, 147-
152, 156, 160, 188, 238, 250
Invasão tumoral – 51, 52, 97, 104, 227, 239,
255 Procedimentos endoscópicos - 143
N Proto-oncogene RET – 220, 228, 244
PTH – 57, 99, 242-246
Nariz – 17, 32, 34, 39, 43, 49, 51, 54, 63, 68,
J 123, 131, 175 Pull-through - 96
Nasofaringe – 3, 6, 17, 11,3, 115, 116, 123- Punção aspirativa por agulha fina / PAAF –
Jugular - 5, 85, 86, 125, 167, 173-180, 184, 126, 131, 133, 166, 167, 175, 184, 195 78, 167-169, 207, 222, 235
185, 201, 234, 253, 254
Nasofibroscopia - 147
Nervo auricular magno – 80, 255
Q
L Nervo espinal acessório – 175, 176, 181
Nervo facial – 34, 54, 77-81, 101, 190, 254 Quimioterapia – 3, 17, 19, 23-26, 28, 44, 88,
Laringectomia frontal anterior - 159 115, 125, 127, 132, 134, 188, 218, 252, 254,
Nervo hipoglosso – 81, 85, 255
Laringectomia frontolateral - 143, 159 289-292, 295, 299, 305-307
Nervo laríngeo superior – 2, 85, 137, 156,
Laringectomia horizontal – 160, 161 161, 234, 235, 239, 254
Laringectomia supraglótica - 153 Nervo lingual – 81, 85, 86, 254 R
Laringe eletrônica - 144, 145 Nervo trigêmeo – 77, 185, 254
Rabdomiossarcoma - 89
Laringofissura – 151, 159 Neoplasia de cabeça e pescoço – 256, 258
Radiologia - 25, 26
Laringoscopia – 1 – 4, 7, 8, 112, 118, 119, Neurofibromas – 187, 201
142, 147, 148, 150, 158, 167, 169, 221, 250 Radioterapia de intensidade modulada - 152
Nodulectomia - 235
Laserterapia - 269 Ramo mandibular – 101, 185

Lesão de nervos cranianos - 188 Ramo marginal do nervo facial – 81, 254

Leucoplasia – 68, 69, 92, 103, 149, 150 O Ressecção endoscópica de tumor - 152

Ligamento de Berry – 234, 239 Ressecção transoral - 160


Orelha – 34, 35, 49, 52, 75, 173, 255
Linfangioma – 166, 209 Ressonância magnética nuclear (RMN) – 7,
Orofaringe – 2-6, 71, 83, 84, 111-115, 117, 78, 94, 113, 119, 125, 141, 166, 169, 204, 245
Linfoma – 89, 220 123, 125, 126, 195, 198, 202, 259, 261
Retalho fasciocutâneo - 212
Linfonodo cervical – 126, 169 Oroscopia – 1, 2, 7, 77, 125, 166
Retalho miocutâneo – 108, 114, 115, 121,
Linfonodo sentinela – 38, 39, 46, 49-53, 55 Osteorradionecrose – 96 215, 256, 274
Lipomas - 187 Retalho de peitoral maior - 212
Lipossarcoma - 187

278
Rinotomia lateral – 129, 130, 132 Tabagismo – 15, 68, 70, 74, 76, 90, 91, 102, Tumores do espaço parafaríngeo – 186-190
118, 127, 130, 139, 149, 157, 196, 253, 256,
Tumores glóticos – 150, 152, 157, 158, 161
272
Tumores neuroendócrinos – 127, 140
S Tamanho tumoral – 103, 221
Tumores neurogênicos – 187-189, 201, 204,
Tireoide – 1, 5, 6, 8, 10-12, 17, 117-120, 135-
209
Sarcoma – 89, 91, 111, 124, 194 137, 141, 142, 150, 155-162, 174, 176, 219-
229, 233-238, 241-243, 246 Tumor primário oculto – 165
Schwannomas – 187-189, 201, 203, 205
TOETVA – 237, 238, 243
Seio piriforme – 117-119, 121, 138, 153, 160,
161, 195 Tireoidite – 222, 260
V
Seio esfenoidal - 131 Tomografia computadorizada – 2, 7, 18, 48,
94, 119, 125, 166, 178, 186, 207, 209, 245,
Seio frontal - 131 Vascularização – 60, 64, 88, 104, 106, 178,
275
222, 234
Seio maxilar – 3, 77, 95, 104, 127-129, 131,
TORS – 114, 167
196, 274 Veia jugular interna – 85, 86, 174-176, 180,
Traqueostoma – 144-146, 184, 201, 253, 254
Síndrome de Gardner - 129
Traqueostomia – 6, 9, 11, 12, 97, 144, 148, Via aérea superior - 127
Síndrome de Horner – 181, 185, 239, 255
152, 157, 158, 238, 254, 255, 272, 274
VII par craniano - 254
Síndrome de Sjögren - 78
Trismo – 2, 77, 98, 112, 113, 115, 128, 132,
Vitamina D – 27, 242-244, 246, 256
Skip metastasis – 195, 277 184, 185
Voz – 2, 112, 144, 145, 147, 148, 150, 185,
Sonda nasoenteral - 25 Tumor de Warthin – 74, 75, 77
235, 254
Subglote – 12, 135, 136, 140-142, 144, 150, Tumores da laringe – 3, 139, 140, 143, 158,
Voz esofágica - 144
151, 156, 157, 159, 160, 162 161

Supraglote – 6, 116, 136-144, 156, 157, 159, Tumores de glândulas salivares – 73, 75, 77,
161, 162, 174, 177 78, 140, 147
X
Tumores de nasofaringe – 123, 125, 166, 168
Tumores de lábio - 103 Xerostomia – 15, 17, 20, 23, 24, 26, 258
T
Tumores de partes moles - 207
Tabaco – 2, 7, 15, 16, 35, 90, 91, 102, 112, Tumores de pele – 31, 32, 59, 77, 89, 140,
118, 139, 148, 149, 157, 195 167, 176, 219

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POSFÁCIO

O avanço tecnológico traz grandes transformações, inclusive na medicina, que busca utilizar ferramentas para
melhorar os tratamentos e cuidados do paciente com câncer.
É nesse contexto que surge o livro Noções Práticas em Cirurgia de Cabeça e Pescoço elaborado por uma equipe de
médicos de Belo Horizonte (MG), com o apoio da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP)
e o Instituto Oncoclínicas (IOC).
A proposta surge no momento em que o conhecimento ganha cada vez mais força como instrumento de educação.
Essa obra também está alinhada com os objetivos do IOC de produzir, construir e difundir conhecimento através de
programas de educação médica continuada. A leitura desse livro proporciona um conhecimento amplo e profundo
sobre os mais atuais temas envolvendo patologias que acometem a região da cabeça e do pescoço.
O intuito primordial dessa obra é auxiliar a formação de jovens cirurgiões. O conteúdo dos 32 capítulos abrange
desde aspectos anatômicos e do exame físico até detalhes das mais sofisticadas técnicas cirúrgicas. Também
contempla a importância e o papel da equipe multidisciplinar no diagnóstico, tratamento e reabilitação do paciente
com câncer de cabeça e pescoço.
Considero uma oportunidade impar participar desse projeto que aproxima médicos da linha de frente, membros da
SBCCP e o IOC. Desejo a todos uma leitura proveitosa.

Rio de Janeiro, verão de 2022

Pedro De Marchi, MD, PhD


Oncologista Clínico de C&P/Tórax da Oncoclinicas, Rio de Janeiro
Líder Nacional da Especialidade de Cabeça e Pescoço da Oncoclínicas
Coordenador Médico do Instituto Oncoclínicas
Coordenador Adjunto do Comitê de Ética em Pesquisa da Oncoclíncias

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